Tecnologia e relação de trabalho: impactos na vida do trabalhador contemporâneo [1 ed.] 9788536288710

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Tecnologia e relação de trabalho: impactos na vida do trabalhador contemporâneo [1 ed.]
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Tecnologia e Relação de Trabalho

TECNOLOGIA E RELAÇÃO DE TRABALHO Impactos na Vida do Trabalhador Contemporâneo

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Gabriela Rangel da Silva

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A presente obra foi aprovada pelo Conselho Editorial Científico da Juruá Editora, adotando-se o sistema blind view (avaliação às cegas). A avaliação inominada garante a isenção e imparcialidade do corpo de pareceristas e a autonomia do Conselho Editorial, consoante as exigências das agências e instituições de avaliação, atestando a excelência do material que ora publicamos e apresentamos à sociedade.

ISBN: 978-85-362-8871-0 Brasil – Av. Munhoz da Rocha, 143 – Juvevê – Fone: (41) 4009-3900 Fax: (41) 3252-1311 – CEP: 80.030-475 – Curitiba – Paraná – Brasil Europa – Rua General Torres, 1.220 – Lojas 15 e 16 – Fone: (351) 223 710 600 – Centro Comercial D’Ouro – 4400-096 – Vila Nova de Gaia/Porto – Portugal

Editor: José Ernani de Carvalho Pacheco

S586

Silva, Gabriela Rangel da. Tecnologia e relação de trabalho: impactos na vida do trabalhador contemporâneo./ Gabriela Rangel da Silva./ Curitiba: Juruá, 2019. 120p. 1. Trabalho – Automatização. 2. Sociedade tecnológica. 3. Trabalhadores. I. Título. CDD 344.01 (22.ed) CDU 331.46

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Bibliotecária: Maria Isabel Schiavon Kinasz, CRB9 / 626

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TECNOLOGIA E RELAÇÃO DE TRABALHO Impactos na Vida do Trabalhador Contemporâneo

Curitiba Juruá Editora 2019

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Dedico este trabalho aos meus pais, Jose Newton Machado da Silva e Rosangela Rangel da Silva, que são a minha inspiração de vida, por sempre acreditarem em mim, inclusive, quando eu mesma deixei de o fazer.

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“Nós somos responsáveis pelo outro, estando atento a isto ou não, desejando ou não, torcendo positivamente ou indo contra, pela simples razão de que, em nosso mundo globalizado, tudo o que fazemos (ou deixamos de fazer) tem impacto na vida de todo mundo e tudo o que as pessoas fazem (ou se privam de fazer) acaba afetando nossas vidas”. Zygmunt Bauman

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SUMÁRIO ABREVIATURAS E SIGLAS ..........................................................................11 INTRODUÇÃO .................................................................................................13 Capítulo 1

A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA NA SOCIEDADE TECNOLÓGICA: RUMO À AUTOMATIZAÇÃO DO TRABALHADOR .......................................................................17 1.1 A EVOLUÇÃO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E SUA INFLUÊNCIA NO ÂMBITO LABORAL ........17 1.2 A FORMAÇÃO DO TRABALHADOR NA CONTEMPORANEIDADE: DA SOCIEDADE PRÉ-INDUSTRIAL AO ADVENTO DA SOCIEDADE PÓS-INDUSTRIAL ....27 1.3 A AUTOMATIZAÇÃO DO TRABALHADOR EM FUNÇÃO DA IMPLEMENTAÇÃO DE TECNOLOGIAS..........38

Capítulo 2

ACELERAÇÃO SOCIAL E DESENVOLVIMENTO TECNOLÓGICO: O DIREITO À DESCONEXÃO DOS TRABALHADORES ...........................................................................49 2.1 A ACELERAÇÃO SOCIAL E A HIPERCONEXÃO HUMANA ..................................................................................50 2.2 O DIREITO À DESCONEXÃO: UMA ANÁLISE SOBRE O ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO E TENDÊNCIAS INTERNACIONAIS ..................................58 2.3 A EFETIVA PROTEÇÃO AO DIREITO À DESCONEXÃO E AS SUAS CONSEQUÊNCIAS PARA UM CRESCIMENTO SADIO DO TRABALHADOR ..........................67

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Capítulo 3

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A (DES)HUMANIZAÇÃO DO TRABALHADOR NA SOCIEDADE TECNOLÓGICA: REFLEXOS SOCIOJURÍDICOS ......................................................................................... 77 3.1 O TRABALHADOR CONTEMPORÂNEO: PARADIGMAS DO MUNDO MODERNO. ...................................... 78 3.2 A SOCIEDADE TECNOLÓGICA: SINTOMAS PSICOSSOMÁTICOS ............................................................. 86 3.3 A (DES)HUMANIZAÇÃO DO TRABALHADOR NA SOCIEDADE TECNOLÓGICA: VIVER PARA TRABALHAR OU TRABALHAR PARA VIVER? ................ 93

CONCLUSÃO ................................................................................................ 101 REFERÊNCIAS ............................................................................................. 107 ÍNDICE REMISSIVO .................................................................................... 111

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ABREVIATURAS E SIGLAS CLT

Consolidações das Leis do Trabalho

CRFB

Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 e emendas constitucionais posteriores

DUDH

Declaração Universal dos Direitos Humanos

LER

Lesões por Esforço Repetitivo

ONU

Organização das Nações Unidas

PJE

Processo Judicial Eletrônico

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INTRODUÇÃO O trabalho e a tecnologia sempre caminharam juntos e esse relacionamento se estreita à medida que o ser humano se utiliza mais deles. Os novos artifícios usados com a finalidade de facilitar e aprimorar o serviço realizado pela mão de obra humana estão cada vez mais inseridos no dia a dia do trabalhador. A tecnologia é fonte de criação de novos cenários no trabalho: age de forma transformadora, mudando o modo de execução e aprimorando técnicas de produção e realização dos serviços. O desenvolvimento tecnológico é tão expressivo que acaba por operar mudanças significativas no tecido social e cultural, chegando a pautar uma nova sociedade – a sociedade da tecnologia de informação e comunicação1. A partir dos anos 70 surgiu, portanto, uma nova economia informacional, global e estruturada em redes, que passou a impactar o mundo do trabalho e transformou as suas estruturas básicas, uma vez que a tecnologia passou a ser o principal elo de conexão dos agentes humanos espalhados pelo globo2. Por essa razão, principia-se, o primeiro capítulo, com a evolução da Dignidade da Pessoa Humana e, consequentemente, do trabalhador devido ao crescimento da sua proteção em âmbito nacional e internacional. Desse modo, valoriza-se a vida do indivíduo além da sua proteção básica, no seu sentido de sobrevivência, resguardando outros designíos intrínsecos à viabilização de uma “vida digna”, como: a proteção da saúde, individualidade, privacidade, família, qualidade de vida, entre tantos outros. Ressalta-se o papel garantidor dos Direitos Humanos, Fundamentais e Sociais em assegurar que não ocorram retrocessos dos Direitos dos trabalhadores mediante tentativas de flexibilizações, muitas vezes, 1 2

CASTEELLS, Manuel. A sociedade em rede. São Paulo: Paz e Terra, 2005, p. 300. Idem.

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decorrentes da mundialização e das frequentes mudanças sociais e tecnológicas. Ainda, versa-se sobre a salvaguarda dada pela Constituição Federal de 1988 ao consagrar a proteção Estatal da Dignidade da Pessoa Humana no art. 1º, inc. III, ao garantir os Direitos Sociais no art. 6º e ao afirmar no art. 5º, § 1º do mesmo dispositivo constitucional que são possuidores de eficácia imediata os direitos e as garantias fundamentais. Posteriormente, aborda-se o crescimento da inserção de tecnologia no trabalho e o distanciamento do trabalho artístico, manual e finalístico. Compreende-se que o trabalho e a tecnologia desenvolveram-se conjuntamente, estreitando a sua relação à medida que o ser humano passou a se utilizar mais dessa. Os novos artifícios passaram a ter ainda maior relevância com o desenvolvimento das Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs) e da sua constante inclusão no cotidiano humano. Desse modo, a tecnologia é a fonte de criação de novos cenários como, por exemplo, o telemático, e também age de forma transformadora ao mudar o modo de execução e ao aprimorar técnicas de realização do serviço nas mais diversas áreas. Todavia, analisando-a por outra vertente, é a principal aniquiladora de alguns setores, já que ao facilitar a difusão de softwares faz com que qualquer pessoa que saiba manusear esses programas consiga realizar o trabalho. Nesse sentir, corrobora-se que a matéria-prima do trabalho passou a ser conhecimento e a informação, de modo que houve um afastamento das fábricas e uma aproximação a rede mundial de computadores, tornando a vinculação do trabalho com a tecnologia ainda maior. O segundo capítulo trata da relação entre o tempo, tecnologia e aceleração social. Percebe-se que a automação em vez de promover o ócio, acaba por aumentar capacidade produtiva e diminuir o tempo de descanso e lazer do trabalhador. As tecnologias, que surgiram com a finalidade de melhorar a vida do homem, tornara-no dependente. Desse modo, refuta-se o antigo adágio de que as tecnologias iriam promover o ócio. Aborda-se, ainda, o novo modus operandi do trabalhador, que devido a progressiva agregação de meios eletrônicos acaba por trabalhar em demasia, uma vez que houve o incremento da capacidade produtiva. A individualização e a miniaturização dos aparelhos eletrônicos, atrelada à difusão da telemática, permitiu que o trabalhador executasse as suas tarefas mais rapidamente e em qualquer lugar. Diferentemente do que se esperava, o tempo que passou a sobrar não foi utilizado para o descanso, mas para o aumento de afazeres relacionados ao trabalho.

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Porém, constatou-se que a tecnologia foi colaboradora para o incremento da produção no trabalho e não a causadora desse aumento, já que a causa continua sendo a mesma de outrora: a eterna busca pela expansão dos lucros do capitalismo. Com intuito de não criar um novo meio de escravidão, o Judiciário passou a punibilizar aqueles que se utilizam das tecnologias para exceder a jornada de trabalho dos seus empregados por meio de indenizações relativas ao Direito à Desconexão, e quando comprometer toda a existência do trabalhador por meio do Dano Existencial. No terceiro e último capítulo, discorre-se sobre o trabalhador contemporâneo e a sua relação com a tecnologia, trata-se também da expansão de um modelo de trabalho realizado a distância mediante o uso dos equipamentos telemáticos (teletrabalho) e as suas consequências, tais como: a desnecessidade de deslocamento, a falta de relações profissionais pessoais, a ausência de lugares pensados ergonomicamente para o trabalho, entre tantas outras. A realização de tarefas intermináveis, desmarcar compromissos, realizar excessivas horas extraordinárias de trabalho, perder o sono pensando no trabalho a ser concretizado, são sinais quase inevitáveis dos dias atuais. Entretanto, esses sinais, apontam para implicações mais sérias do acúmulo de trabalho e da realização de múltiplas tarefas, podem ser sintomas de patologias, como: depressão, estresse e problemas físicos e psíquicos. E, com isso, expõem-se, o afastamento do indivíduo hodierno das relações pessoais, familiares e da aniquilação do tempo de lazer, entre outras implicações da permanente utilização da tecnologia, de forma a propiciar a desumanização do indivíduo, visto que ele passa a interagir mais virtualmente que pessoalmente, isolando-se e artificializando as relações pessoais. O presente Relatório de Pesquisa se encerra com as Considerações Finais, nas quais são apresentados aspectos destacados da obra, seguidos de estimulação à continuidade dos estudos e das reflexões sobre as implementações de tecnologias no trabalho e consequente desumanização do trabalhador contemporâneo mediante o excesso de conexão com o trabalho. Quanto à metodologia empregada neste trabalho, este se realizou pela base Lógica Indutiva3, e foram utilizadas as Técnicas do Refe-

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“[...] pesquisar e identificar as partes de um fenômeno e colecioná-las de modo a ter uma percepção ou conclusão geral [...]” (PASOLD, Cesar Luis. Metodologia da

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rente4, da Categoria5, do Conceito Operacional6 e da Pesquisa Bibliográfica7, incluindo doutrina nacional e francesa, não de forma comparada, mas sim como forma de enriquecer e fomentar a pesquisa, bem como jurisprudência. Nesta Obra, as categorias principais estão grafadas com a letra inicial em maiúscula e os seus conceitos operacionais são apresentados no decorrer da pesquisa.

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pesquisa jurídica: teoria e prática. 11. ed. Florianópolis: Conceito/Milleniuum, 2008. p. 86). “[...] explicitação prévia do(s) motivo(s), do(s) objetivo(s) e do produto desejado, delimitando o alcance temático e de abordagem para a atividade intelectual, especialmente para uma pesquisa” (Ibidem, p. 53). “[...] palavra ou expressão estratégica à elaboração e/ou à expressão de uma ideia” (Ibidem, p. 25). “[...] uma definição para uma palavra ou expressão, com o desejo de que tal definição seja aceita para os efeitos das ideias que expomos [...]” (Ibidem, p. 37). “Técnica de investigação em livros, repertórios jurisprudenciais e coletâneas legais” (Ibidem, p. 209).

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Capítulo 1 A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA NA SOCIEDADE TECNOLÓGICA: RUMO À AUTOMATIZAÇÃO DO TRABALHADOR A sociedade contemporânea vive num mundo de incertezas. Diferentemente do que ocorria na antiguidade e no medievo, quando a população em geral não gozava de direitos e a certeza se dava pela negação, ou seja, o fato de o indivíduo comum não possuir direitos era algo indubitável. Diante das insurgências e das rebeliões, o indivíduo passou a ser um sujeito de direitos, de forma que possuir direitos tornou-se a regra, sendo todos os seres humanos valorados da mesma maneira. Entretanto, o progresso da humanidade em prol do ser humano encontra barreiras no mercado, no trabalho, no tempo, na tecnologia, entre outros aspectos do cotidiano. Sendo assim, mesmo os possuidores de direitos da contemporaneidade, segundo Bauman8, vivem “[...] num mundo de flexibilidade universal, sob condições de Unsicherheit aguda e sem perspectivas [...]”, sob a égide da incerteza, insegurança e instabilidade. 1.1

A EVOLUÇÃO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E SUA INFLUÊNCIA NO ÂMBITO LABORAL

Como conta uma antiga lenda grega, nos primórdios da civilização, os homens viviam em condições extremamente miseráveis por des8

BAUMAN, Zigmunt. Modernidade Líquida. Tradução de Plínio Dentzien. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001. p. 156.

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conhecer o uso do fogo, chegando a se apavorar com a combustão espontânea da vegetação seca e das erupções vulcânicas. Segundo a lenda, quem tirou a humanidade das sombras foi Prometeu, roubando o fogo dos deuses e ofertando aos humanos. Ele almejava que os humanos fossem tão poderosos quanto os deuses gregos, trançando por si mesmo o rumo das suas vidas, provando a sua superioridade como espécie humana9. A história da humanidade distanciada das lendas da Grécia antiga demonstra que a evolução da vida na terra, no passar dos séculos, foi construída pela edificação da proteção do ser humano. As pessoas, no princípio dos tempos, não possuíam a proteção de ser humano, por ser um sujeito digno, seja de Direitos civis e políticos10, afinal não se tinha a concepção do que é “pessoa”, “humano”, “vida” e “dignidade”. A salvaguarda dos Direitos Humanos11 não surgiu de um dia para o outro como uma simples revelação universal de que todos os seres humanos são iguais e que merecem respeito. O primeiro código sobre qual se tem conhecimento (Código de Hamurabi) e a Lei das Doze Tábuas sequer tipificaram que toda vida é válida, somente expressaram regulamentações de conduta em sociedade e de retaliação a quem foi ferido12. Já no pensamento filosófico e político da antiguidade clássica, verifica-se que a dignidade (dignitas) da pessoa humana dizia, em regra, com a posição social ocupada pelo indivíduo e o seu grau de reconhecimento pelos demais membros da comunidade, daí poder falar-se em uma quantificação e modulação da dignidade, no sentido de se admitir a existência de pessoas mais dignas ou menos dignas13.

A compreensão da dignidade da pessoa humana e de seus Direitos tem sido em grande parte fruto da dor física e do sofrimento moral. 9 10

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CANÊDO, Leticia Bicalho. A revolução industrial. 16. ed. São Paulo: Atual, 1996. p. 6. PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e justiça internacional: um estudo comparativo dos sistemas regionais europeu, interamericano e africano. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 7. “São analisados pelo prisma do direito internacional, ou seja, são universais, independentes das normas constitucionais de cada país” (SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais: uma teoria geral dos direitos fundamentais na perspectiva constitucional. 11. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012. p. 29). GORCZEVSKI, Clovis. Direitos humanos: dos primórdios da humanidade ao Brasil. Porto Alegre: Imprensa Livre, 2005. p. 101-106. SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais na Constituição Federal de 1988. 9. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2011. p. 34.

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Depois de atos de violências (massacres, guerras, aviltamentos etc.) os homens restam horrorizados pelas atrocidades cometidas fazendo exigência de novas regras para uma vida digna14. Desse modo, os Direitos Humanos compõem uma racionalidade de resistência, uma vez que traduzem processos que abrem e consolidam espaços de luta pela dignidade humana15. Para distinguir os seres humanos, diz-se que detêm uma substância única, uma qualidade própria comum unicamente aos humanos: uma ‘dignidade’ inerente à espécie humana. A raiz etimológica da palavra ‘dignidade’ provém do latim: dignus é ‘aquele que merece estima e honra, aquele que é importante’ [...]16.

Os valores da dignidade da pessoa humana, da liberdade, da igualdade dos homens encontram suas origens na filosofia clássica, por exemplo, a democracia ateniense que encontrava seu fundamento no homem livre e dotado de individualidade. E, também, no pensamento cristão, visto que o ser humano representa o marco na criação divina, pois foi feito à imagem e semelhança de Deus17. Ainda sobre a vertente grega no pensamento estoico da época helenística, com o fim da democracia e das cidades-Estado, atribuiu-se uma nova dignidade ao indivíduo que tinha perdido a qualidade de cidadão para se converter em súdito nas grandes monarquias. Essa dignidade universal, concedida por Alexandre Magno, transformou o mundo numa única cidade, a comunidade universal do gênero humano, daí derivou-se um dos precedentes da teoria cristã da lex aeterna e da lex naturalis18/19. 14 15

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COMPARATO, Fabio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 37. PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e justiça internacional: um estudo comparativo dos sistemas regionais europeu, interamericano e africano. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 8. MORAES, Maria Celina Bodin de. O conceito de dignidade humana: substrato axiológico e conteúdo normativo. In: SARLET, Ingo Wolfgang (Org.). Constituição, Direitos Fundamentais e Direito Privado. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010. p. 115. SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais: uma teoria geral dos direitos fundamentais na perspectiva constitucional. 11. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012. p. 44. Acima de todas está a Lei Eterna (Lex Aeterna), que representa a vontade de Deus. Abaixo da Lei Eterna estão a Lei Natural (Lex Naturalis), que reflete a revelação da Lei Eterna através da natureza, e a Lei Divina (Lex Divina), que chega aos homens pela revelação através das escrituras sagradas. Disponível em: . LAFER, Celso. A Reconstrução dos Direitos Humanos: um diálogo com o pensamento de Hannah Arendt. São Paulo: Companhia das Letras, 1988. p. 119.

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No verso 28, capítulo 3, da carta escrita pelo apóstolo Paulo aos Gálatas, consta: “Nisto não há judeu nem grego; não há servo nem livre; não há macho nem fêmea; porque todos vós sois um em Cristo Jesus”20. Desse modo, rui-se o pensamento greco-romano do uso da “dignidade” como uma qualidade, para tornar-se um fim moral. Na Idade Média, a única dignidade existente, ao menos até os séculos XIII e XIV é a baseada na imagem de Deus ou na dignidade como honra, cargo ou título, como aparência ou como imagem que cada um representava na vida social21. Foi sobre a concepção medieval de pessoa que se iniciou a elaboração do princípio da igualdade essencial de todo o ser humano: “E é essa igualdade de essência que forma o núcleo do conceito universal de Direitos Humanos”22. Mesmo no auge do medievo, as concepções de inspiração cristã e estoica seguiram sendo sustentadas, destacando-se Tomás de Aquino, que se referia a expressão “dignitas humana”23. Por meio de Tomás de Aquino atribui-se [...] a noção de que a dignidade encontrada em seu fundamento na circunstância de que o ser humano foi feito à imagem e a semelhança de Deus, mas também radica na capacidade de autodeterminação inerente à natureza humana, de tal sorte que, por força da sua dignidade, o ser humano, sendo livre por natureza, existe em função da sua própria vontade24.

A partir da inspiração do pensamento de Tomás de Aquino, Pico Della Mirandola e posteriormente com Hugo Grócio, na fronteira entre a Idade Média e a Moderna, séculos XVII e XVIII, têm-se um processo de laicização do Direito Natural, caracterizando-se jusnaturalismo. Apesar do afastamento da ideia do “divino”, mantêm-se a noção fundamental da igualdade de todos os homens em dignidade e liberdade25. 20 21 22 23

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BÍBLIA. Carta de Paulo aos Gálatas. Novo Testamento. Sociedade Bíblica do Brasil, 2000. p. 805. PECES-BARBA, Gregorio Martínez. La Dignidad de la Persona desde la Filosofía del Derecho. Editorial Dykison, S.L, 2003. p. 27. COMPARATO, Fabio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 20. SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais na Constituição Federal de 1988. 9. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2011. p. 37. Ibidem, p. 37. SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais: uma teoria geral dos direitos fundamentais na perspectiva constitucional. 11. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012. p. 45.

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Marco Túlio Cícero foi o primeiro a empregar a expressão “dignidade do homem” sem qualquer conotação religiosa, utilizando-se de contornos puramente filosóficos. Desde essa primeira utilização, a “dignidade” tem sido relacionada com a razão e com a capacidade de tomar livremente decisões morais26. [...] a dignidade da pessoa não consiste apenas no fato de ser ela, diferente das coisas, um ser considerado e trato, em si mesmo, com um fim em si e nunca como um meio para a consecução de determinado resultado. Ela resulta também do fato de que, pela sua vontade racional, só a pessoa vive em condições de autonomia, isto é, como ser capaz de guiar-se pelas leis que ele próprio edita27.

Na evolução “[...] teórica do conceito de pessoa como um sujeito de direitos universais, anteriores e superiores, por conseguinte, a toda ordenação estatal, adveio com a filosofia kantiana”28. Construindo sua concepção a partir da natureza racional do ser humano, Kant sinala que a autonomia da vontade, entendida como a faculdade de determinar a si mesmo e agir em conformidade com a representação de certas leis, é um atributo encontrado apenas nos seres racionais, constituindo-se no fundamento da dignidade da natureza humana29.

Desse modo, demonstra por meio dos imperativos categóricos que nenhuma pessoa pode ser vista ou usada como se coisa fosse. Afinal, “[...] todo homem tem dignidade e não um preço, como as coisas. A humanidade, como espécie, e cada ser humano em sua individualidade. É propriamente insubstituível: não tem equivalente, não pode ser trocado por coisa alguma”30. Para Kant31 “O imperativo categórico seria aquele que nos representasse uma ação como objetivamente necessária por si mesma, sem relação com qualquer outra finalidade”, sendo exposto por três máximas: 26

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BARROSO, Luís Roberto. A dignidade da pessoa humana no direito constitucional contemporâneo: a construção de um conceito jurídico à luz da jurisprudência mundial. Belo Horizonte: Fórum, 2012. p. 16. COMPARATO, Fabio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 21. Ibidem, p. 20. SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais: uma teoria geral dos direitos fundamentais na perspectiva constitucional. 11. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012. p. 40. COMPARATO, Fabio Konder. Op. cit., p. 22. KANT, Immanuel. Fundamentação da metafísica dos costumes. Tradução de Paulo Quintela. Coimbra: Instituto de Alta Cultura, 1960. p. 46. Título original: Grundlengung zur Metaphysik der Sitten.

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a) Age como se a máxima de tua ação devesse ser erigida por tua vontade em lei universal da natureza, o que corresponde à universalidade da conduta ética, válida em todo tempo e lugar; b) Age de tal maneira que sempre trates a humanidade, tanto na tua pessoa como na pessoa de outrem, como um fim e nunca como um meio, que representa o cerne do imperativo, pois afirma a dignidade dos seres humanos como pessoas; c) Age como se a máxima de tua ação devesse servir de lei universal para todos os seres racionais32.

Sendo assim, verifica-se que a dignidade da pessoa humana, surge do pressuposto de que o homem, em virtude de sua condição humana e independentemente de qualquer outra circunstância, é titular de direitos que devem ser reconhecidos e respeitados por seus semelhantes e pelo Estado33. “Isto significa que todas as normas decorrentes da vontade legisladora dos homens precisam ter como finalidade o homem, a espécie humana como tal”34. Desse modo, se compreende o motivo da “dignidade” ter se tornado fundamento da ética pública na modernidade, como o primeiro dos valores políticos, jurídicos, dos princípios e dos direitos que derivam desses valores35. Vale mencionar que: Ao ordenamento jurídico, enquanto tal, não cumpre determinar seu conteúdo suas características, ou permitir que se avalie essa dignidade. Tampouco são as Constituições que a definem. O Direito enuncia o princípio, cristalizado na consciência coletiva (rectius, na história) de determinada comunidade, dispondo sobre a sua tutela, através de direitos, liberdades e garantias que a assegurem36.

Tal qual o desenvolvimento do pensamento político-filosófico do ser humano por ser um sujeito digno (ser), o Direito lentamente introduz a tipificação desse valor aos ordenamentos jurídicos (dever ser). 32

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KANT, Immanuel. Fundamentação da metafísica dos costumes. Tradução de Paulo Quintela. Coimbra: Instituto de Alta Cultura, 1960. p. 56-80. Título original: Grundlengung zur Metaphysik der Sitten. SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais na Constituição Federal de 1988. 9. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2011. p. 48. MORAES, Maria Celina Bodin de. O conceito de dignidade humana: substrato axiológico e conteúdo normativo. In: SARLET, Ingo Wolfgang (Org.). Constituição, Direitos Fundamentais e Direito Privado. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010. p. 117. PECES-BARBA, Gregorio Martínez. La Dignidad de la Persona desde la Filosofía del Derecho. Editorial Dykison, S.L, 2003. p. 12. MORAES, Maria Celina Bodin de. Op. cit., p. 118.

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Para o Prof. Peces-Barba, nas palavras do doutrinador Marcos Leite Garcia, “[...] os Direitos Fundamentais37 são um conceito histórico do mundo moderno que surge progressivamente a partir do trânsito à modernidade”38. Pode-se dizer que após longos períodos de dor física, de ataques, bombas e guerras, os homens com remorso das atrocidades cometidas até então passam a exigir novas regras de controle para que juntos consigam preservar a vida e, consequentemente, a espécie humana. Sendo assim, nasce em 1945, a Organização das Nações Unidas (ONU), com o intuito de facilitar a cooperação entre países em termos de Direito e segurança internacional, desenvolvimento econômico, progresso social, Direitos Humanos e a perpetuação da paz mundial. A fronteira histórica em termos de Dignidade da Pessoa Humana se dá três anos depois, com a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 194839. Ela teve como nascedouro os atos bárbaros e trágicos, que deixaram rastros de destruição e tiraram a vida de milhões de pessoas durante a Primeira e Segunda Guerra Mundiais. Diante da missão de manutenção da paz e da salvaguarda dos Direitos Humanos produz-se a DUDH, que trata no seu primeiro artigo: “Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos. Dotados de razão e de consciência, devem agir uns para com os outros em espírito de fraternidade”. Apesar do seu intuito de proteção, o documento recebe críticas em virtude da sua carência de coercitividade, em virtude de ser uma recomendação a ser seguida e não um dever de um para com os outros. Para sanar a questão da obrigatoriedade, surgiram dois pactos com a finalidade de asseverar os desígnios da Declaração, são eles: Pacto Internacional entre os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais e Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos, onde têm-se também no preâmbulo: “[...] o reconhecimento da dignidade inerente a todos os 37

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“Correspondem aos Direitos consagrados na Constituição de cada Estado, possuindo força normativa interna” (SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais: uma teoria geral dos direitos fundamentais na perspectiva constitucional. 11. ed. rev., atual. e ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012. p. 29). GARCIA, Marcos Leite. Efetividade dos direitos fundamentais: notas a partir da visão integral do conceito segundo Gregorio Peces-Barba. Reflexões da Pós-Modernidade: Estado, Direito e Constituição apud PECES-BARBA, Gregorio Martínez. La Dignidad de la Persona desde la Filosofía del Derecho. Editorial Dykison, S.L, 2003. p. 194. ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Declaração Universal dos Direitos Humanos. Disponível em: . Acesso em: jun. 2017.

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membros da família humana e de seus direitos iguais e inalienáveis constitui o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo [...]”. No Brasil eles foram internalizados pelo ordenamento jurídico brasileiro, somente no ano de 1992 pelos Decretos 59140 e 59241, respectivamente. Outro Pacto de suma importância é o de San José da Costa Rica42, ele reitera a proteção concedida na DUDH e se compromete a servir como corte jurisdicional aqueles que estão a ela sujeitos. Foi incorporado ao ordenamento brasileiro pelo Decreto 67843, em 1992. Vale ressaltar que por mais que os documentos internacionais tratem da Dignidade Humana e a protejam no âmbito jurídico, eles não delimitam as fronteiras da sua proteção. Afinal, os Direitos Humanos estão em constante construção e, por serem de textura aberta, visto à evolução histórico-cultural da sociedade, não há como balizar esses Direitos de forma definitiva44. Desse modo, percebe-se a necessidade de concretização dos Direitos Humanos, consequentemente, da Dignidade da Pessoa Humana pelo Estado, no seu ordenamento interno, visto que por meio dele que se obterá a concretização e a adequação desses Direitos para a sociedade qual se aplica. A dignidade da pessoa humana foi então importada para o discurso jurídico devido a dois fatores principais. O primeiro deles foi a inclusão em diferentes tratados e documentos internacionais, bem como em diversas constituições nacionais, de referências textuais à dignidade humana. O segundo fator corresponde a um fenômeno mais sutil, que se tornou mais visível com o passar do tempo: A ascensão de uma cultura jurídica pós-positivista, que reaproximou o direito da moral e da filosofia política, atenuando a separação radical imposta pelo positivismo pré-segunda guerra45. 40 41 42

43 44

45

BRASIL. Dec.-Lei 591, de 06.07.1992. Disponível em: . Acesso em: jun. 2017. BRASIL. Dec.-Lei 592, de 06.07.1992. Disponível em: . Acesso em: jun. 2017. COSTA RICA. Pacto de San José da Costa Rica. Disponível em: . Acesso em: jun. 2017. BRASIL. Dec.-Lei 678, de 06.11.1992. Disponível em: . Acesso em: jun. 2017. CORDEIRO, Karine da Silva. Direitos fundamentais sociais: dignidade da pessoa humana e mínimo existencial, o papel do poder judiciário. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012. p. 77. BARROSO, Luís Roberto. A dignidade da pessoa humana no direito constitucional contemporâneo: a construção de um conceito jurídico à luz da jurisprudência mundial. Belo Horizonte: Fórum, 2012. p. 19.

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A reaproximação do Direito da moral e da filosofia política é de grande importância em termos de efetivação dos Direitos Humanos, uma vez que as constituições desses Direitos levaram a uma mudança de mentalidade e de estruturação da sociedade46. Diante disso, depreende-se que além da Dignidade inata ao ser humano, para que se tenha uma vida digna há, também, um conjunto de direitos, tais quais: liberdade, igualdade, vida, segurança, trabalho, entre tantos outros, que devem estar presentes por serem essenciais à manutenção da vida. Percebe-se, então, que o termo dignidade aponta para, pelo menos, dois aspectos análogos mais distintos: aquele que é inerente à pessoa, pelo simples fato de ser, nascer pessoa humana: e outro dirigido à vida das pessoas, à possibilidade e ao direito que têm as pessoas de viver uma vida digna47.

A dignidade proporciona ao ser humano um complexo rol de direitos e deveres universais e fundamentais que asseguram um tratamento aprazível, saudável e preservador da sua espécie. O Brasil concretizou a Dignidade da Pessoa Humana como comando jurídico brasileiro ao tratar no art. 1º, inc. III, da Constituição Federal de 198848, como sendo um dos “fundamentos da República”: A Constituição consagrou o princípio e, considerando a sua eminência, proclamou-o entre os princípios fundamentais, atribuindo-lhe o valor supremo de alicerce da ordem jurídica democrática. Com efeito, da mesma forma que Kant estabelecera para a ordem moral, é na dignidade humana que a ordem jurídica (democrática) se apoia e constitui-se49.

A dignidade tornou-se um atributo vinculado ao espaço do direito para que assim pudesse ser protegido. Dessa forma, compreende-se que há dois prismas de proteção: um inerente a pessoa pelo fato de existir 46

47 48

49

GARCIA, Marcos Leite. Efetividade dos direitos fundamentais: notas a partir da visão integral do conceito segundo Gregorio Peces-Barba. Reflexões da Pós-Modernidade: Estado, Direito e Constituição. p. 192. NUNES, Rizzato. O princípio constitucional da dignidade da pessoa humana: doutrina e jurisprudência. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 52. “Art. 1º. A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: [...] III – a dignidade da pessoa humana”. MORAES, Maria Celina Bodin de. O conceito de dignidade humana: substrato axiológico e conteúdo normativo. In: SARLET, Ingo Wolfgang (Org.). Constituição, Direitos Fundamentais e Direito Privado. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010. p. 117.

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e outro dirigido à vida, ou seja, à possibilidade e ao direito que todos têm de viver uma vida digna50. Assim sendo, temos por dignidade da pessoa humana a qualidade intrínseca e distintiva reconhecida em cada ser humano que faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e co-responsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos, mediante o devido respeito aos demais seres que integram a rede da vida51.

Os homens devem uns para com os outros um respeito mútuo pela vida e mais ainda para com a vida digna. Todos os aspectos da vida possuem relação com a dignidade, de modo que a evolução da implementação dos Direitos Sociais tem estrita relação com o desenvolvimento dos Direitos Humanos. A qualidade de ser digno não pertenceu aos escravos ou aos inimigos vencidos na Grécia Antiga, tampouco aos operários das fábricas em meio a Revolução Industrial. Afinal, trabalhos que exigiam da força, do sacrifício humano eram considerados indignos. O desdém universal pelo labor na antiguidade e o desprezo por aqueles que se utilizavam da força bruta para laborar na Idade Moderna demonstra que o trabalho, apesar de ser um elemento essencial à existência humana, nem sempre teve o valor da dignidade englobado a ele a quem o exercia. Em meio a lutas, revoltas, greves e guerras o Direito do Trabalho contribuiu para a evolução da Dignidade Humana e cresceu transversalmente a ela. Ocorre que a partir da importância do trabalho prestado em condições de dignidade, ou seja, como contraponto à exploração da força de trabalho é que se revela o direito do ser humano ser protegido em todas as suas vertentes, entre elas: como trabalhador52. Nesse aspecto, impossível deixar de fazer referência à construção internacional dos marcos de Direitos Humanos, especialmente os foca50 51

52

NUNES, Rizzato. O princípio constitucional da dignidade da pessoa humana: doutrina e jurisprudência. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 51. SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais na Constituição Federal de 1988. 9. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2011. p. 73. DELGADO, Gabriela Neves. Direito fundamental ao trabalho digno. São Paulo: LTr, 2006. p. 26.

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dos no ser humano trabalhador [...] e, a posteriori, aos fluxos de internacionalização, em que os Estados esforçam-se por constitucionalizar os direitos essenciais à preservação da dignidade do ser humano trabalhador (como, por exemplo, a Constituição do México de 1917, a da Alemanha de 1919 e até mesmo a Constituição brasileira de 1988 que foi erigida com eixo no ser humano e seus direitos fundamentais, dentre os quais os sociais53.

Nasce com o Direito do Trabalho a existência formalizada do Direito ao trabalho digno, como verdadeira essência do homem54. Desse modo, percebe-se a estreita relação entre o Direito do Trabalho e a Dignidade da Pessoa Humana, pois o trabalho necessita da proteção ao ser humano como uma condição essencial e deve ser capaz de melhorar a sua vida como indivíduo e tornar possível uma convivência digna em sociedade. 1.2

A FORMAÇÃO DO TRABALHADOR NA CONTEMPORANEIDADE: DA SOCIEDADE PRÉ-INDUSTRIAL AO ADVENTO DA SOCIEDADE PÓS-INDUSTRIAL

A existência do homem até poucos séculos atrás era vinculada primordialmente ao campo. O homem necessitava de um pedaço de terra, de uma esposa e de muitos filhos para que assim tivesse pessoas suficientes para manejar da melhor forma possível o solo. O “Homem” era a “pessoa”, sendo o seu grau de dignidade medido pelo tamanho das suas posses. A família (mulher e filhos) nada mais era que um coadjuvante necessário para ganhar estima e dinheiro. A história enfrenta grande dificuldade em marcar o momento exato em que a humanidade passa de um plano para outro, quando ela abandona velhos modos de vida para uma nova direção. A transição do campo para a cidade e a introdução de novos meios de produção de riqueza baliza a contemporaneidade. Criou-se uma nova relação com o espaço (uma desterritorialização do indivíduo que sai do meio rural para o urbano), com o tempo (passa ser o da fábrica, não é mais o regido pela luz solar), com o homem (perda da sua identidade campesina) e com a vida (passa a ter problemas 53

54

FINCATO, Denise. Trabalho e tecnologia: reflexões. Direito e tecnologia: reflexões sociojurídicas/Amália Rosa de Campos... [et al.]; FINCATO, Denise; MATTE, Mauricio; GUIMARÃES, Cíntia (Orgs.). Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2014. p. 9-18. DELGADO, Gabriela Neves. Direito fundamental ao trabalho digno. São Paulo: LTr, 2006. p. 26.

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de saúde, a trabalhar mais, ter menos tempo e a ser mais explorado), já que “[...] o ponto de partida da ‘grande transformação’ que trouxe à vida a nova ordem industrial foi a separação dos trabalhadores de suas fontes de existência”55. Isso acontece, pois ao mesmo tempo em que os indivíduos transformam a natureza externa, também se alteram de uma forma recíproca, uma vez que o trabalho é um elemento central no desenvolvimento da sociabilidade humana56. O labor assegura não apenas a sobrevivência do indivíduo, mas a vida da espécie. O trabalho e seu produto, o artefato humano, emprestam certa permanência e durabilidade à futilidade da vida mortal e ao caráter efêmero do tempo humano57.

Entretanto, as convulsões sociais que sucederam à transferência do modo de vida agrícola ao modelo capitalista industrial (liberalismo), ou um padrão de comércio em larga escala, afrouxaram os antigos laços entre os homens e a terra de seus ancestrais, especialmente quando descobriram que não possuíam condições de manter suas famílias nelas58. A efervescente transição de modelos sociais trouxe novas formas de se viver, visto que o complexo urbano engloba instituições até então desconhecidas aos camponeses, tais como: “A cidade, o Estado, a universidade, o moinho, a máquina, a hora e o relógio, o livro, [...], a pessoa, a consciência e, finalmente a revolução”59. O trabalho até então braçal, artesanal e finalístico, passa a ser transformado. O trabalhador que arava a terra, semeava, cultivava e colhia, participando de todo o ciclo produtivo, vivia a vida conforme a safra. Já o trabalhador urbano não possui mais a sua terra e a sua colheita, ele trabalha em uma cadeia produtiva, participando, somente, de uma pequena etapa da produção. Não há mais paisagem rural, nem a memória da vida dos antepassados, nem a mesma maneira de viver. A Renascença e o Iluminismo contribuíram para a mudança do pensamento moderno: “A força de riqueza considerada principal para as 55 56 57 58 59

BAUMAN, Zigmunt. Modernidade Líquida. Tradução de Plínio Dentzien. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001. p. 162. ANTUNES, Ricardo L. C. Adeus ao trabalho? Ensaio sobre as metamorfoses e a centralidade do mundo do trabalho. 10. ed. Campinas: Cortez, Unicamp, 2005. p. 8. ARENDT, Hannah. A condição humana. 10. ed. Tradução de Roberto Raposo. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2005. p. 16. HOBSBAWM, E. J. A era do capital: 1848-1875. 5. ed. São Paulo: Paz e Terra, 1996. p. 244-245. DE MASI, Domenico. O futuro do trabalho: fadiga e ócio na sociedade pós-industrial. 6. ed. Brasília: UnB, 2001. p. 100.

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nações não é mais a agricultura, mas a indústria com suas máquinas potentes e a extraordinária produtividade do seu trabalho parcelizado”60. Há uma racionalização do trabalho, pois, a partir desse momento, ele não mais se sujeita ao tempo e as estações, ele acontece em aglomerados urbanos, independentemente das condições climáticas e do bem-estar do trabalhador. Com a Revolução Francesa, rompe-se com o modo de organização feudal, instaurando uma nova ordem econômico-social sobre as bases do liberalismo e da tríade “Liberté, Égalité et Fraternité”61. [...] a igualdade que representou o ponto central do movimento revolucionário. A liberdade, para os homens de 1789, limitava-se praticamente à supressão de todas as peias sociais ligadas à existência de estamentos e corporações de ofício. E a fraternidade, como virtude cívica, seria o resultado necessário da abolição de todos os privilégios62.

Devido à extrema miserabilidade dos camponeses e trabalhadores, a Revolução buscava transformar as condições sociais, dar uma maior representatividade ao povo e findar a carga tributária imposta pela nobreza. Desse modo, afasta-se do estilo de vida camponês e monárquico. “Com a Revolução Francesa, a organização passa a ser estabelecida sob as bases do capital, em que a produção e o consumo tornam-se geradores de necessidades artificiais”63. Segundo Hannah Arendt, tem-se nesse momento o início da alienação do homem, pois passa-se a ter uma sociedade fundada no mercado de trocas (capital) em que “[...] os homens não entram em contato com os outros fundamentalmente como pessoas, mas como fabricantes de produtos [...]”64. Nesse momento, o indivíduo passa a ser a personificação do produto, consequentemente do trabalho. O trabalho passa a ter o valor de uma “virtude”, o virtuoso é trabalhador, do contrário é preguiçoso e assim passa a ter um papel determinante na missão de encilhar e colonizar o futuro: 60 61 62 63

64

DE MASI, Domenico. O futuro do trabalho: fadiga e ócio na sociedade pósindustrial. 6. ed. Brasília: UnB, 2001. p. 121. Tradução livre: “Liberdade, Igualdade e Fraternidade”. COMPARATO, Fabio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 132. SEVERO, Valdete Souto. O Mundo do Trabalho e a Flexibilização. Direitos sociais na Constituição de 1988: uma análise crítica vinte anos depois. In: MONTESSO, Cláudio José; FREITAS, Marco Antônio de; STERN, Maria de Fátima Coêlho Borges (Coords.). São Paulo: LTr, 2008. p. 421. ARENDT, Hannah. A condição humana. 10. ed. Tradução de Roberto Raposo. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2005. p. 221.

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O “trabalho” assim compreendido era a atividade em que se supunha que a humanidade como um todo estava envolvida por seu destino e natureza, e não por escolha, ao fazer história. E o “trabalho” assim definido era um esforço coletivo de que cada membro da espécie humana tinha que participar. O resto não passava de consequência: colocar o trabalho como “condição natural” dos seres humanos, e estar sem trabalho como anormalidade; denunciar o afastamento dessa condição natural como causa da pobreza e da miséria, da privação e da depravação; ordenar homens e mulheres de acordo com o suposto valor da contribuição de seu trabalho ao empreendimento da espécie como um todo; e atribuir ao trabalho o primeiro lugar entre as atividades humanas, por levar ao aperfeiçoamento da moral e a elevação geral dos padrões éticos da sociedade65.

A passagem da economia agrária e artesanal para a dominada pela indústria consolidou uma nova forma de trabalho produtivo: um sistema de produção delineado dentro da delegação de funções e responsabilidades para pessoas distintas dentro do processo produtivo (empregador versos empregado). O antigo artesão agora era visto como mão de obra para a execução de um trabalho sob supervisão de técnicos e sob o controle do relógio66. A nova ordem industrial e a rede conceitual que permitiu a proclamação do advento de uma sociedade diferente – industrial – nasceram na Grã-Bretanha; e essa se destacava entre seus vizinhos europeus por ter destruído seu campesinato, e com ele a ligação “natural” entre terra, trabalho humano e riqueza. Os cultivadores da terra tinham primeiro que ficar ociosos, vagando e “sem senhores”, para que pudessem ser vistos como portadores de “força de trabalho” pronta para ser usada; e para que essa força pudesse ser considerada como potencial “fonte de riqueza” por si mesma67.

Nesse contexto histórico, o capitalismo liberal firma-se como modelo econômico social que determina uma nova visão do homem como ser individual68. A modernidade sólida era, de fato, também o tempo do capitalismo pesado – do engajamento entre capital e trabalho fortificado pela mu65 66 67 68

BAUMAN, Zigmunt. Modernidade Líquida. Tradução de Plínio Dentzien. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001. p. 158. CANÊDO, Leticia Bicalho. A revolução industrial. 16. ed. São Paulo: Atual, 1996. p. 7. BAUMAN, Zigmunt. Op. cit., p. 163. SEVERO, Valdete Souto. O Mundo do Trabalho e a Flexibilização. Direitos sociais na Constituição de 1988: uma análise crítica vinte anos depois. In: MONTESSO, Cláudio José; FREITAS, Marco Antônio de; STERN, Maria de Fátima Coêlho Borges (Coords.). São Paulo: LTr, 2008. p. 421.

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tualidade de sua dependência. Os trabalhadores dependiam do emprego para a sua sobrevivência; o capital dependia de empregá-los para sua reprodução e crescimento. Seu lugar de encontro tinha lugar fixo; nenhum dos dois poderia mudar-se com facilidade para outra parte – os muros da grande fábrica abrigavam e mantinham os parceiros numa prisão compartilhada. Capital e trabalhadores estavam unidos, pode-se dizer, na riqueza e na pobreza, na saúde e na doença, até que a morte os separasse. A fábrica era seu habitat comum – simultaneamente o campo de batalha para a guerra de trincheiras e lar natural para esperanças e sonhos69.

Canotilho70 ressalta as principais características da construção constitucional desse período histórico, que legitimou a consolidação da burguesia, destacando a busca do direito, do individualismo e da consolidação do liberalismo mediante “mínimo de restrições aos Direitos Fundamentais economicamente relevantes (propriedade, liberdade de profissão, indústria e comércio)”. A nova ordem econômica exacerba o individualismo, negligenciando a ordem plural da sociedade, entretanto, do mesmo modo que exclui acaba por unir os trabalhadores dentro das fábricas facilitando as revoltas. Nesse sentir, o capitalismo: [...] parte do pressuposto da desigualdade entre os homens que trabalham e os que lucram, acaba por despertar o sentimento de identidade capaz de gerar a luta por mudanças, quando organiza fábricas, fazendo com que as pessoas trabalhem, morem sempre próximas, dividindo idênticas condições de sobrevivência. Assim é que o próprio sistema revela-se ambiente fértil aos movimentos operários, que ganham força inesperada e acabam forçando a regulamentação de direitos mínimos para os trabalhadores71.

A eclosão de diversos fatores, tais como: êxodo rural, miserabilidade, mudança de modelo econômico, a reificação do homem, más condições para o trabalho, jornadas exaustivas, elevada taxa de desemprego, entre outros, fez com que as pessoas se revoltassem, surgindo assim um marco tocante ao surgimento do Direito Trabalho, em plena Revolução 69 70 71

BAUMAN, Zigmunt. Modernidade Líquida. Tradução de Plínio Dentzien. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001. p. 166. CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 7. ed. São Paulo: Almedina, 1941. p. 110. SEVERO, Valdete Souto. O Mundo do Trabalho e a Flexibilização. Direitos sociais na Constituição de 1988: uma análise crítica vinte anos depois. In: MONTESSO, Cláudio José; FREITAS, Marco Antônio de; STERN, Maria de Fátima Coêlho Borges (Coords.). São Paulo: LTr, 2008. p. 424.

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Industrial. Vale mencionar que o termo “Revolução Industrial” foi inventado somente no século XIX, pelos socialistas franceses, em analogia revolução política da França representando a ruptura com o período histórico anterior72. Entretanto, nem só de aviltamentos se formou a sociedade industrial. O maquinismo promoveu a ideia de produção em larga escala, substituindo o braço humano em várias atividades e criando tantas outras. [...] uma série de fatores emergentes que determinam e caracterizam o novo estado industrial: desde o cenário, centrado na tecnologia e nas mudanças econômico-produtivas dela resultantes, passando pelo novo fator de produção, ou seja, a combinação de conhecimento, competência e capacidades especializadas (inteligência organizada), até as novas funções da coordenação e do planejamento, e enfim a organização da empresa – a sociedade por ações de grandes dimensões73.

Esse novo complexo de inovações para a época, século XVIII, inovou ao possibilitar a multiplicação rápida, constante e ilimitada da produção de mercadorias e serviços74. Segundo Hobsbawm, a Revolução Industrial provavelmente foi o “mais importante acontecimento da história do mundo, pelo menos desde a invenção da agricultura e da cidade”75. A Revolução Industrial provocou muitos efeitos no mundo inteiro; dentre eles, a aceleração do desenvolvimento tecnológico. O sentimento de que um dia a máquina iria substituir o homem em virtude do agigantamento da Automação76. Nas palavras de Lafargue: “As nossas máquinas, com a respiração do fogo, com os membros de aço, incansáveis, com sua fecundidade maravilhosa e inexaurível, cumprem, docilmente, sozinhas, seu próprio sagrado trabalho [...]”77. Nesse momento, o 72 73 74 75 76

77

CANÊDO, Leticia Bicalho. A revolução industrial. 16. ed. São Paulo: Atual, 1996. p. 12. DE MASI, Domenico. A sociedade pós-industrial. 3. ed. São Paulo: Senac São Paulo, 2000. p. 127-128. CANÊDO, Leticia Bicalho. Op. cit., p. 6. HOBSBAWM, E. J. A era das revoluções: 1789-1848. 33. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2014. p. 60. “Entende-se por automação qualquer sistema apoiado em computadores, que substituía o trabalho humano em favor da segurança das pessoas, da qualidade dos produtos, da rapidez da produção ou da redução dos custos, assim aperfeiçoando os complexos objetivos das indústrias e dos serviços” (MORAES, Cícero Couto de. Engenharia de automação industrial. Cícero Couto de Moraes, Plínio de Lauro Castrucci. 2. ed. Rio de Janeiro: LTC, 2012. p. 12). DE MASI, Domenico. O futuro do trabalho: fadiga e ócio na sociedade pósindustrial. 6. ed. Brasília: UnB, 2001. p. 26.

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empregador percebeu a importância da tecnologia para a produção e o uso da Automação tornou a relação dos trabalhadores impessoais, chegando ao ponto de despersonalizá-las. Criou-se um distanciamento do trabalho prazeroso e uma aproximação do homem à máquina, no sentido de maior produtividade e menos sentimento. No chamado “mundo estranhado”, o trabalho assalariado passa a constituir condição de sobrevivência. É gerador de necessidades inventadas, que o tornam, tão-logo produzidas, seu escravo. Porém, ao mesmo tempo, é um bem, passível de ser alienado, permitindo-se, com isso, a alienação [ou estranhamento] do próprio homem. A consequência é a noção moderna do trabalho como algo alheio ao homem, destituído de prazer78.

A partir de então, o trabalho foi cada vez mais pautado pelo capital industrial, e dessa forma não há como dizer quando a Revolução se findou, “[...] pois a sua essência foi a de que a mudança revolucionária se tornou norma desde então”79. Nesse sentir, em razão das péssimas condições de trabalho, das jornadas exaustivas e dos recorrentes acidentes de trabalho, o Estado não teve alternativa a que começar a intervir em favor da população que se insurgia as condições degradantes. Uma vez que se revela um grande paradoxo do sistema capitalista: “[...] o trabalho humano é dotado de especial circunstância de que não se separa daquele que trabalha. Por isso tratá-lo como mercadoria implica tratar o ser humano que trabalha como coisa”80. Nesse contexto de crescente exploração desumana do trabalho, começaram a surgir os primeiros protestos por mudança. No ano de 1800, Robert Owen, mais tarde conhecido como o pai do Direito do Trabalho, assume uma fábrica de tecidos na Escócia, onde empreende profundas mudanças para a época, tais como: supressão dos castigos e prêmios; não admissão de menor de 10 anos; jornada de 10 horas e meia de trabalho; higiene, caixa de previdência para a velhice e assistência médica81. 78

79 80 81

SEVERO, Valdete Souto. O Mundo do Trabalho e a Flexibilização. Direitos sociais na Constituição de 1988: uma análise crítica vinte anos depois. In: MONTESSO, Cláudio José; FREITAS, Marco Antônio de; STERN, Maria de Fátima Coêlho Borges (Coords.). São Paulo: LTr, 2008. p. 423. HOBSBAWM, E. J. A era das revoluções: 1789-1848. 33. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2014. p. 60. SEVERO, Valdete Souto. Op. cit., p. 423. CASSAR, Vólia Bomfim. Direito do Trabalho. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2014. p. 15.

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Moral and Health Act82, apontado como a primeira lei trabalhista, foi promulgada na Inglaterra por iniciativa do então primeiro-ministro, de Robert Peel, no Peel’s Act83, em 1802. Tinha o objetivo de tão somente restringir o trabalho dos menores. Nessa fase, as leis buscavam somente “[...] reduzir a violência brutal da superexploração empresarial sobre as mulheres e menores”84. Ainda, segundo Mauricio Goudinho Delgado85, devido às poucas mudanças até então ocorridas e a crescente insatisfação dos trabalhadores, visto o movimento de massas denominado cartista na Inglaterra e na França em 1848, surgem os movimentos socialistas que pregavam igualdade. Devido às condições precárias de trabalho existentes a época, em 1848, Karl Marx e Friedrich Engels publicaram o Manifesto Comunista86, primeiro documento histórico a discutir os direitos do trabalhador, pressionando coletivamente o empregador. Todo o processo seguinte a 1848 até a Primeira Guerra Mundial foi marcado por avanços e recuos entre a ação do movimento operário. Em 1881, temendo adesões às causas socialistas, o chanceler alemão Otto von Bismarck uma legislação social voltada para a segurança do trabalhador demonstrando que a adesão as causas sociais estavam sendo relevantes em países democráticos e autoritários. A institucionalização do Direito do Trabalho se deu após a Primeira Grande Guerra, com a promulgação da Constituição do México, em 1917, quando no seu art. 123 consagrava a incidência de leis de proteção ao trabalho, tais como: a limitação da jornada, o salário mínimo, a proteção ao trabalho das mulheres e menores, o direito sindical, o direito de greve, entre outros. Logo depois, a partir de 1919, as Constituições dos países europeus consagravam esses mesmos direitos, iniciando pela Constituição de Weimar conhecida pela defesa social da pessoa humana e por alcançar normas de interesse social e de alguns direitos fundamentais87. 82 83 84 85 86 87

Tradução livre: “Lei de Saúde e Moral dos Aprendizes”. Tradução livre: “Lei de Peel”. DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 13. ed. São Paulo: LTr, 2014. p. 95. Ibidem, p. 96. MARX, Karl. Manuscritos econômico-filosóficos. Tradução de Jesus Ranieri. São Paulo: Boitempo, 2008. COMPARATO, Fabio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 185.

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O ano de 1919 foi marcado pela Constituição de Weimar e a criação da OIT (Organização Internacional de Trabalho), graças ao Tratado de Versalhes, impulsionando assim a formação do Direito do Trabalho mundial. “Esse Direito passa a ser um ramo jurídico absolutamente assimilado à estrutura dinâmica institucionalizadas da sociedade civil e do Estado”88. A posteriori, tem-se o surgimento da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, que foi redigida sob o impacto das atrocidades cometidas durante a Segunda Guerra Mundial, contendo no seu art. 23 a disposição de que o trabalho deve ser acessível a todos bem como fomentadas condições que assegurem seu exercício de maneira justa e igualitária, como demonstra a íntegra: Art. 23. 1. Toda a pessoa tem direito ao trabalho, à livre escolha do trabalho, a condições equitativas e satisfatórias de trabalho e à proteção contra o desemprego. 2. Todos têm direito, sem discriminação alguma, a salário igual por trabalho igual. 3. Quem trabalha tem direito a uma remuneração equitativa e satisfatória, que lhe permita e à sua família uma existência conforme com a dignidade humana, e completada, se possível, por todos os outros meios de proteção social. 4. Toda a pessoa tem o direito de fundar com outras pessoas sindicatos e de se filiar em sindicatos para defesa dos seus interesses (DUDH, 1948)89.

Ante essa breve enumeração histórica dos principais dispositivos jurídicos, percebe-se que o modelo liberal presente na sociedade industrial não mais possuía vez. Afinal, ele não mais se coadunava devido à necessidade de o Estado intervir nas questões de cunho social e econômico que tanto se faziam necessárias. Posto que os direitos implementados: São os direitos relativos às relações de produção e seus reflexos, como a previdência e assistência sociais, o transporte, a salubridade pública, a moradia etc., que vão impulsionar a passagem do chamado Estado Mínimo – onde lhe cabia tão só assegurar o não impedimento do livre desenvolvimento das relações sociais no âmbito do mercado caracterizado por vínculos intersubjetivos a partir de indivíduos formalmente livres e iguais – para o Estado Social de caráter intervencio88 89

DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 13. ed. São Paulo: LTr, 2014. p. 98. ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Declaração Universal dos Direitos Humanos. Disponível em: . Acesso em: jun. 2017.

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nista – que passa assumir tarefas até então próprias ao espaço privado através de seu ator principal: o indivíduo90.

Nesse diapasão, percebe-se que os modelos econômicos de Estado fizeram as suas transições, tendo-se vários tipos, como o Welfare State, o modelo socialista e suas variantes, entretanto, todos com o desígnio de reconhecer os Direitos Sociais nas topografias constitucionais e internacionais. Mas, no que consta relação com o modo de trabalho humano, percebe-se nos dizeres de Hobsbawm que “[...] a revolução industrial não foi um episódio com um princípio e um fim”91. Isto é, apesar do arcabouço de direitos que se formaram a partir desse movimento social, a indústria continua sendo a mesma, agora mais amadurecida, automatizada e ricamente aprimorada em termos tecnológicos. Dessa forma, não há como falar na conclusão desse período. Giddens92, ao analisar a modernidade, explica que são três as características que demonstram a evolução da sociedade moderna em relação à pré-moderna: 1ª – a separação do tempo e do espaço (que envolve uma dimensão vazia do tempo, separando o espaço do lugar, necessitando de uma coordenação precisa das ações de seres humanos fisicamente distantes, mas diretamente conectados); 2ª – o desencaixe das instituições sociais (eles são representados pelas “fichas simbólicas” e “sistemas especializados”. As “fichas simbólicas” são caracterizadas pelo dinheiro. Afinal, o dinheiro põe em parênteses o tempo e também o espaço, pois permite uma transação entre indivíduos desconhecidos e distantes. Os “sistemas especializados” separam a interação das particularidades de determinado lugar devido ao uso do dinheiro); 3ª – a reflexividade (se refere à suscetibilidade da maioria dos aspectos da atividade social, e das relações materiais com a natureza, à revisão intensa à luz de novos conhecimentos e da informação). Disso se desprende que a modernidade inaugurou um novo tipo de mercantilização. A sua exploração não se dá unicamente pela força bruta, mas muitas vezes, ou até mesmo unicamente, pelo nível intelectual do trabalhador. 90

91 92

MORAES, Maria Celina Bodin de. O conceito de dignidade humana: substrato axiológico e conteúdo normativo. In: SARLET, Ingo Wolfgang (Org.). Constituição, Direitos Fundamentais e Direito Privado. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010. p. 35. HOBSBAWM, E. J. A era das revoluções: 1789-1848. 33. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2014. p. 60. GIDDENS, Anthony, 1938. Modernidade e identidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2002. p. 22-26.

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Vale ressaltar que para alguns autores ainda não ultrapassamos a modernidade, de modo que para eles é incorreto o termo pós-modernidade, entretanto para outros ultrapassamos a modernidade uma vez que enfrentamos novos dilemas cotidianos e nos desvinculamos de antigos padrões modernos. Alguns falarão de modernidade “tardia”, “reflexiva” ou ainda de “segunda modernidade”, insistindo sobre os elementos de continuidade com a sociedade precedente, que não teriam levado a lógica da modernidade às suas últimas consequências. Outros, que, ao contrário, privilegiam os elementos de ruptura, falarão de modernidade “líquida” (a “liquidez” das sociedades atuais, caracterizadas pela precariedade extrema dos vínculos sociais, contrastando com a “solidez” das instituições do mundo industrial), ou ainda de “hipermodernidade” ou de “sobremodernidade” (a radicalização da modernidade envolvendo importantes mutações). Preferir-se-á aqui falar de “pós-modernidade”, na medida em que se assiste ao mesmo tempo à exacerbação das dimensões já presentes no coração da modernidade e à emergência de potencialidades diferentes: comportando aspectos complexos, mesmo facetas contraditórias, a pósmodernidade se apresenta tanto como uma “hipermodernidade”, na medida em que ela leva ao extremo certas dimensões presentes no cerne da modernidade, tais como o individualismo, e como uma “antimodernidade”, na medida em que ela se desvincula de certos esquemas da modernidade93.

Desse modo, entende-se a Revolução Industrial como a essência da mudança, difundindo o pendor da transformação da produção e do serviço, por meio da inserção de tecnologias, através dos séculos. Ainda, contemporaneamente, soma-se a esse fator de produção (tecnologia) a contratação de pessoas por competência técnica, por experiência ou por outras capacidades. O sucesso das empresas passa a depender da eficiência da organização entre capital, tecnologia e capacitação do trabalhador94. A diferença basilar entre o trabalhador da sociedade industrial para o trabalhador da sociedade pós-industrial é que aquele deveria saber fazer somente a sua parte no trabalho parcelizado da indústria, já o trabalhador de hoje deve saber quais são os custos, quais são as melhores técnicas de produção e quantos produtos podem ser produzidos num menor espaço de tempo. O que se demanda hoje é conhecimento, com um maior 93 94

CHEVALIER, Jacques. O Estado pós-moderno. Tradução de Marçal Justen Filho. Belo Horizonte: Fórum, 2009. p. 19-20. DE MASI, Domenico. A sociedade pós-industrial. 3. ed. São Paulo: Senac São Paulo, 2000. p. 131.

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número de especializações e de preferência fluência em várias línguas. Afinal, há uma: [...] fluidificação da relação de trabalho, uma vez que a matéria prima passa a ser o próprio conhecimento, que não trafega mais em esteiras rolantes, mas sim, na rede mundial de computadores. Trabalhador e tomador de serviços não necessariamente se conhecerão: podem inclusive pertencer a nacionalidades distintas (e o produto do trabalho ser destinado uma terceira nacionalidade), com regramentos trabalhistas completamente diferentes95.

A sociedade pós-industrial fomenta novas adversidades ao trabalhador, diversas dos tempos industriais, mas intrínsecas a ele. Afinal, a partir da Revolução Industrial inaugurou-se uma nova fonte econômica, uma nova concepção de trabalho e institui-se o capital, sendo que as modificações pelas quais esses fatores passaram são exclusivamente voltadas para fins de perpetuação. Com isso, o trabalhador contemporâneo tem que lidar com a volatilidade do mercado econômico de forma antes inimaginável, devido à Globalização96 do capital, com a inserção maciça de tecnologia e, consequentemente, com um novo modo de vida. 1.3

A AUTOMATIZAÇÃO DO TRABALHADOR EM FUNÇÃO DA IMPLEMENTAÇÃO DE TECNOLOGIAS

“O homem sempre construiu máquinas e as máquinas acompanham as sociedades humanas desde a Antiguidade”97. Segundo o dicionário Silveira Bueno98, o conceito de tecnologia é “[...] tratado das 95

96

97 98

FINCATO, Denise. Trabalho e tecnologia: reflexões. Direito e tecnologia: reflexões sociojurídicas. In: CAMPOS, Amália Rosa de [et al.]; FINCATO, Denise; MATTE, Mauricio; GUIMARÃES, Cíntia (Orgs.). Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2014. p. 12-13. “A globalização significa que as atividades industriais e econômicas se desenvolveram em escala global e não regional. A organização, a planificação e a coordenação das atividades da indústria e da economia não podem ser pensadas a não ser em termos globais. A globalização significa, ademais, que existe um certo grau de reciprocidade e interdependência das atividades espalhadas por diversas áreas internacionais” (VILCHES, Lorenzo. Globalização Comunicativa e efeitos culturais. In: MORAES, Dênis de (Org.). Globalização Mídia e cultura contemporânea. Campo Grande: Letra Livre, 1997. p. 79). MARCONDES FILHO, Ciro. Sociedade Tecnológica. São Paulo: Scipione, 1994. p. 50. BUENO, Francisco da Silveira. Minidicionário da língua portuguesa. Rev. e atual. por Helena Bonito C. Pereira, Rena Signer. São Paulo: FTD: LISA, 1996. p. 633.

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artes e ofícios em geral; explicação dos termos que dizem respeito às artes e ofícios; terminologia ou vocábulo privativo de uma ciência, arte, indústria, [...]”. Um simples “martelo”, a depender da época, já foi visto como um artefato tecnológico, super avançado para o seu tempo, já na contemporaneidade é considerado mais um utensílio corriqueiro, nem um pouco tecnológico e a depender do modelo, muito rudimentar. Tudo o que é novo e tecnológico hoje será ultrapassado amanhã. A tecnologia avança a passos largos, substituindo ou modificando o existente. O “martelo”, a título de exemplo, ainda não foi substituído, mas já foi submetido a aperfeiçoamentos. Na atualidade ele possui um design ergonômico, com cabo de matéria-prima distinta da madeira, mais leves, funcionais, de diversos tamanhos e modelos, cumprindo a mesma finalidade para qual foi criado, porém com inúmeros melhoramentos. Não obstante os instrumentos tecnológicos serem usados desde sempre. Foi na Inglaterra do século XVIII que as tecnologias chegaram de forma maciça à sociedade, podendo-se resumir em três principais: 1) o aparecimento de máquinas modernas – rápidas, regulares e precisas –, dotadas de um mecanismo que, acionado, passa a executar, com suas ferramentas e suas peças, as mesmas operações que antes eram executadas por ferramentas movidas a mão do homem; 2) a utilização do vapor para acionar a máquina, isto é, como fonte de energia, que substitui as demais até então conhecidas: energia muscular, eólica e hidráulica; 3) a melhoria marcante na obtenção e no trabalho de novas matérias primas, em particular dos minerais, que deram impulso à metalurgia e à indústria química99.

É claro que a tecnologia não determina a sociedade, nem a sociedade descreve o curso das transformações tecnológicas, mas a tecnologia é a sociedade, e essa não pode ser entendida ou representada sem suas ferramentas tecnológicas100. Em síntese, a industrialização, com suas ferramentas tecnológicas, interveio lentamente na sociedade: a princípio introduziu-se no trabalho, por meio das fábricas, depois teve reflexos na família, para posteriormente ditar um novo modo de viver. As máquinas de escrever, gelar, cozinhar, costurar, produzir energias distintas do vapor, foram sendo construídas e internalizadas no 99 100

CANÊDO, Leticia Bicalho. A revolução industrial. 16. ed. São Paulo: Atual, 1996. p. 7. CASTELLS, Manuel. A sociedade em rede. (A era da informação: economia, sociedade e cultura). São Paulo: Paz e Terra, 1999. v. 1, p. 25.

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mobiliário e no cotidiano da humanidade aos poucos, criando uma impressão de que com elas se teria mais conforto e bem-estar101. Em meio a construção desse sentimento de bem-estar, deu-se o ápice da produção industrial americana, difundida por Taylor102 e Ford103, baseada nos seus conceitos organizacionais da certeza, universalidade e incondicionalidade. Entretanto, a confiança da indústria de que nada poderia ser maior e conquistar maior complexidade, cai por terra quando começa a germinar as sementes de uma nova sociedade, chamada de “pós-industrial”, devido a uma série de inovações nas artes e nas ciências, ocorridas na Europa, recolocando em discussão o universo da precisão e da produção em série104. Segundo os historiadores, houve pelo menos duas Revoluções Industriais: a primeira começou pouco antes dos últimos trinta anos do século XVIII, caracteriza por novas tecnologias como a máquina a vapor, a fiadeira, o processo Cort em metalurgia e, de uma forma mais geral a substituição de ferramentas manuais pelas máquinas; a segunda, aproximadamente 100 anos depois, destacou-se pelo desenvolvimento da eletricidade, do motor de combustão interna, de produtos químicos com base científica, da fundição eficiente do aço e pelo início das tecnologias de comunicação, com a difusão do telégrafo e a invenção do telefone105.

Afere-se o termo “Revolução” no sentido de que houve um grande e repentino aumento de aplicações tecnológicas que transformaram os processos de produção e distribuição, criando uma enxurrada de novos produtos106. A inovação tecnológica reflete um determinado estágio do desenvolvimento da sociedade; do conhecimento; de um ambiente institucional e industrial específico; de uma mentalidade econômica e, 101 102

103

104 105 106

MARCONDES FILHO, Ciro. Sociedade Tecnológica. São Paulo: Scipione, 1994. p. 50. Frederick W. Taylor, desenvolveu uma teoria baseada na sua observação da indústria, conhecida como “taylorismo”. Segundo essa teoria, os trabalhadores deveriam ser organizados de forma hierarquizada e sistematizada, de modo que cada trabalhador desenvolveria somente uma atividade específica. Parcializando a produção. Henry Ford, desenvolveu um procedimento industrial batizado de “fordismo”. Esse procedimento era baseado na criação de linha de montagem, de controle de estoque e agilidade na distribuição do produto. DE MASI, Domenico. O futuro do trabalho: fadiga e ócio na sociedade pós-industrial. 6. ed. Brasília: UnB, 2001. p. 159. CASTELLS, Manuel. A sociedade em rede. (A era da informação: economia, sociedade e cultura) São Paulo: Paz e Terra, 1999. v. 1, p. 53. Ibidem, p. 53.

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finalmente, de uma rede de fabricantes e usuários capazes de comunicar suas experiências de modo cumulativo107. Foi a partir da Segunda Guerra Mundial que se tornou manifesta uma profunda transformação de época. “Essa transformação desenvolveu-se e propagou-se como uma rede de nós rígidos e malha elástica [...]”108, de modo que os elementos estão em posição recíproca de causa e efeito. “Por exemplo, o progresso tecnológico permite melhorar a organização das fábricas e as fábricas mais bem organizadas aceleram o progresso tecnológico [...]”109 proporcionando um crescimento contínuo e acelerando. Segundo Castells110, são três os principais estágios da inovação tecnológica que estão intimamente inter-relacionados e que constituíram a história das tecnologias baseadas em eletrônica, são eles: os computadores, a microeletrônica e as telecomunicações. “Essa formidável aceleração do progresso científico e técnico não poderia ter existido sem a maciça substituição do pesquisador isolado (small science) pelo trabalho em equipe (big science) e sem a maior velocidade com as descobertas já se traduzem em aplicações práticas”111. Os computadores foram concebidos, ainda em plena Segunda Guerra Mundial, considerada a mãe de todas as tecnologias, como uma ferramenta de objetivos bélicos, como o Z-3 alemão, em 1941, para auxiliar os cálculos das aeronaves e o Colossus britânico, em 1943, para decifrar códigos inimigos. Entretanto, o computador se difunde, somente, em 1946 na Filadélfia112. No ano seguinte, três pesquisadores da Bell Laboratories (Barden, Brattain e Shockeley), descobrem o “efeito transístor” e onze anos mais tarde, em 1958, outros dois pesquisadores americanos (Noyce e Kilby) inventaram, cada um por sua conta, um circuito integrado, uma plaquinha de silício que foi batizada de chip113. A magnificência do chip se encontra na sua enorme potência e velocidade, em dimensões muito pequenas. 107 108 109 110 111 112 113

CASTELLS, Manuel. A sociedade em rede. (A era da informação: economia, sociedade e cultura) São Paulo: Paz e Terra, 1999. v. 1, p. 55. DE MASI, Domenico. O futuro do trabalho: fadiga e ócio na sociedade pós-industrial. 6. ed. Brasília: UnB, 2001. p. 175. Idem. CASTELLS, Manuel. Op. cit., p. 58. DE MASI, Domenico. Op. cit., p. 176. CASTELLS, Manuel. Op. cit., p. 60. DE MASI, Domenico. Op. cit., p. 176.

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E, a partir daí a microeletrônica mudou o mundo, causando uma “revolução dentro da revolução”. “O advento do microprocessador em 1971, com a capacidade de incluir um computador em um chip, pôs o mundo da eletrônica e, sem dúvida, o próprio mundo, de pernas para o ar”114. Devido à enorme interferência da tecnologia nos microcomputadores e nos microchips, houve uma potencialização para o aumento de inovações e compartilhamento. Resta claro que essa capacidade de desenvolvimento de redes só se tornou possível mediante aos importantes avanços das telecomunicações e das tecnologias de integração de computadores em rede ocorridos durante os anos 1970. Criou-se, assim, uma revolução da Tecnologia da Informação e Comunicação115/116: Desde meados da década de 80, os microcomputadores não podem ser concebidos isoladamente: eles atuam em rede, com mobilidade cada vez maior, com base em computadores portáteis. Essa versatilidade extraordinária e a possibilidade de aumentar a memória e os recursos de processamento e armazenamento de dados centralizados em um sistema compartilhado e interativo de computadores em rede117.

Dos microprocessadores mais potentes derivam aplicações mais extensas e mais fácies. O chip e o microchip se equipararam em penetração na sociedade à energia elétrica, em razão do seu magnífico poder de disseminação118. O computador pessoal, por exemplo, democratizou a computação no começo dos anos 1980, colocando o poder do processamento nas mãos de mais e mais funcionários. Em meados do anos 1990, duas grandes inovações apareceram: a World Wide Web119 e o software de negócios em larga escala, como sistemas de Enterprise Resource Planning120 (ERP) e Customer Relationship Management121 (CRM). O primeiro deu às empresas a capacidade de entrar em novos mercados e canais de vendas, e também disponibilizou mais do conhecimen114 115 116 117 118 119 120 121

CASTELLS, Manuel. A sociedade em rede. (A era da informação: economia, sociedade e cultura). São Paulo: Paz e Terra, 1999. v. 1, p. 61. “É um novo paradigma tecnológico, organizado com base nas tecnologias de informação e comunicação” (Ibidem, p. 25). CASTELLS, Manuel. Op. cit., p. 62. Idem. DE MASI, Domenico. O futuro do trabalho: fadiga e ócio na sociedade pós-industrial. 6. ed. Brasília: UnB, 2001. p. 178. Tradução livre: “Rede mundial de computadores”. Tradução livre: “Planejamento de Recursos Empresariais”. Tradução livre: “Gerenciamento de Relacionamento com o Cliente”.

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to do mundo do que já tinha sido possível antes; o segundo permitiu às firmas refazer seus processos, monitorar e controlar operações difundidas, e reunir e analisar muitos dados122.

Ao realizar um melhoramento nessas tecnologias, aumenta-se a capacidade de todas as máquinas, não só os computadores, mas dos automóveis, aviões, da ressonância magnética, do controle de voo e de tráfego etc., há uma mudança no estilo de vida, fazendo-se necessária a tecnologia no cotidiano. A tecnologia passa a ser uma extensão do próprio corpo, uma “[...] prótese eficiente e silenciosa, de minúsculos escravos eletrônicos que já competem por inteligência e vencem em velocidade de execução os escravos humanos [...]”123. Inaugura-se uma: [...] Era em que todos esses artefatos, que foram num certo momento considerados prolongamento dos homens, seus utensílios, ferramentas, máquinas, ocupam de tal maneira o cotidiano das pessoas que constituem quase que uma certa vastidão dominante. Isso quer dizer: o homem, no momento em que transfere suas funções às máquinas, abre mão também de grande parte de sua autonomia em relação ao controle de suas coisas124.

Por meio da eletrônica e da informática atingiu-se os mais diversos campos da vida humana, entre eles o trabalho, surgindo uma enorme gama de novos serviços com, até então inédita, possibilidade de interagir à distância e em tempo real. A presença de computadores em escritórios e casas agilizou um posicionamento radicalmente novo para duas categorias centrais da vida racional: tempo e espaço125. O novo paradigma da sociedade da informação, que torna possível a quebra das barreiras do tempo e do espaço, tem uma série de características, segundo Castells126. Primeiramente, a matéria-prima, passa a 122

123 124 125 126

BRYNJOLFSSON, Erik; MACFEE, Andrew. Novas Tecnologias versus Empregabilidade. Como a Revolução Digital acelera a Inovação, desenvolve a produtividade e transforma de modo irreversível os Empregos e a Economia. São Paulo: M. Books do Brasil Ltda, 2014. p. 31. DE MASI, Domenico. O futuro do trabalho: fadiga e ócio na sociedade pós-industrial. 6. ed. Brasília: UnB, 2001. p. 179. MARCONDES FILHO, Ciro. Sociedade Tecnológica. São Paulo: Scipione, 1994. p. 29. DE MASI, Domenico. Op. cit., p. 180. CASTELLS, Manuel. A sociedade em rede. (A era da informação: economia, sociedade e cultura). São Paulo: Paz e Terra, 1999. v. 1, p. 78-79.

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ser: as tecnologias que agem sobre a informação. A segunda característica é a penetrabilidade dos seus efeitos, já que a informação é uma parte integral de toda atividade humana. Todos os processos de nossa existência individual e coletiva são diretamente moldados pelos novos meios tecnológicos. A terceira refere-se a lógica de redes, tornando a tecnologia utilizável em qualquer sistema ou conjunto de relações. A quarta, refere-se ao fato de que o paradigma da Tecnologia da Informação é baseado na flexibilidade. A última, é a crescente convergência de tecnologias específicas para um sistema altamente integrado, no qual trajetórias antigas ficam literalmente impossíveis de se distinguir em separado. Esses atributos da sociedade informacional fazem com que o trabalhador não saiba mais executar serviços ou construir produtos sem se utilizar das TICs, uma vez que a informação é a base para toda e qualquer tarefa. Nas sociedades modernas e pós-modernas, somente uma ínfima parte da população trabalha na agricultura, sendo que a própria lavoura tornou-se industrializada, sendo grande parte administrada por intermédio de máquinas127. No mundo tecnocêntrico, o homem submete-se a esse controle generalizado das máquinas, comportando-se, ele próprio, também como uma espécie de máquina, tendo um número, uma função, vendo seu trabalho tornar-se um componente maquínico de todo sistema128. A tecnologia refere-se ao aproveitamento da ciência nos maquinários com o intuito de atingir uma eficiência produtiva maior”129. “Todas essas inovações incorporam lógicas próprias e as impõem onde quer que cheguem-nos escritórios, nos departamentos de produção, nas casas, no setor de diversões130. No processo de transformação da estrutura do mercado de trabalho não desaparece nenhuma categoria importante de serviço, exceto o serviço doméstico em comparação com 1920. O que ocorre é uma diversidade cada vez maior de atividades e o surgimento de um conjunto de conexões entre as diferentes atividades que torna obsoletas as categorias de emprego131.

127 128 129 130 131

GIDDENS, Anthony. Sociologia. 6. ed. Porto Alegre: Artmed, 2005. p. 306. MARCONDES FILHO, Ciro. Sociedade Tecnológica. São Paulo: Scipione, 1994. p. 29. GIDDENS, Anthony. Op. cit., p. 307. DE MASI, Domenico. O futuro do trabalho: fadiga e ócio na sociedade pós-industrial. 6. ed. Brasília: UnB, 2001. p. 183. CASTELLS, Manuel. A sociedade em rede. (A era da informação: economia, sociedade e cultura). São Paulo: Paz e Terra, 1999. v. 1, p. 237.

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As inovações tecnológicas trazem consigo novos campos de trabalho e terminam com outros, assim como há obsolescência dos produtos tecnológicos, há obsolescência dos empregos devido à rápida transformação a qual a sociedade está imersa. O universo econômico e científico atual está voltado para empresas de comunicação, de planejamento, de logística, de biotecnologia, atividades profissionais diversas das comuns. O trabalhador está imerso num mundo de conexão 24 horas, onde smartphones são usados o tempo todo em todos os lugares, conectando todos a tudo. De acordo com Castells, podemos distinguir três tipos de trabalhadores devido aos seus cargos fundamentais: a) trabalhadores ativos na rede, que estabelecem conexões por iniciativa própria (por exemplo, engenharia em conjunto com outros departamentos das empresas) e navegam pelas rotas da empresa em rede; b) os trabalhadores passivos na rede, trabalhadores que estão online, mas não decidem quando, como, por que ou com quem; c) os trabalhadores desconectados, presos a sua tarefas específicas definidas por instruções unilaterais não-interativas132.

Os motivos dessas mudanças de categorias classificadas por Castells se dá basicamente pela contínua inserção de tecnologia de informação na indústria e nos demais campos de trabalho, sendo capaz de modificar o trabalho existente e criando novos já intrínsecos a esse modelo, inventando uma nova forma de manejar a economia e consequentemente o trabalho. Para Giddens: É difícil formularmos uma definição precisa da economia do conhecimento, mas em termos gerais, esta refere-se a uma economia na qual as ideias, as informações e as formas de conhecimento sustentam a inovação e o crescimento econômico. Uma economia do conhecimento é aquela em que grande parte da mão-de-obra está envolvida não na produção ou distribuição físicas dos bens materiais, mas no planejamento, no desenvolvimento, na tecnologia, no marketing, na venda e na manutenção desses bens. Esses empregados podem ser denominados de trabalhadores do conhecimento. A economia do conhecimento é dominada pelo fluxo constante de informação opiniões e pelos poderosos potenciais da ciência e da tecnologia133.

Devido a essas inúmeras transformações no perfil do trabalhador contemporâneo, se passa a tratar de uma possível Automação do ser 132 133

CASTELLS, Manuel. A sociedade em rede. (A era da informação: economia, sociedade e cultura). São Paulo: Paz e Terra, 1999. v. 1, p. 266. GIDDENS, Anthony. Sociologia. 6. ed. Porto Alegre: Artmed, 2005. p. 308.

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humano. Afinal, o trabalhador está tão ligado à tecnologia e tão acostumado que não mais se recorda de como é viver sem. Está com o seu tempo e modos de agir tão parcializado que o seu modus operandi é similar ao de uma máquina. Vale ressaltar, que o medo da maquinização do ser humano existe desde Marx134 que pensava que com a mudança para a indústria o trabalhador acabaria alienado, uma vez que perderia todo o controle do seu labor, sendo obrigado a realizar tarefas monótonas e rotineiras, que o privariam do valor criativo. Os otimistas acreditam que apesar da exorbitante inserção de tecnologia e da cada vez maior cobrança por eficiência, o ser humano possui valores que não poderão de forma alguma ser substituídas pelas máquinas, tornando assim inviável uma automatização do trabalhador. Uma vez que a Automação, ou maquinário programável, acaba por abstrair os sentimentos e criatividade. Erick Brynjolfsson e Andrew McAffe não acreditam que os homens em geral tornar-se-ão obsoletos. Contudo, aqueles que optarem por não aumentar o seu número de habilidades e diferenciais vão acabar, invariavelmente, sem os seus postos de emprego. Na verdade algumas habilidades humanas estão sendo mais valorizadas do que nunca, mesmo em uma época de tecnologias digitais incrivelmente poderosas e fortes. Mas outras habilidades se tornaram inúteis, e as pessoas que possuem tais habilidade perceberam que, agora, têm muito pouco a oferecer aos empregadores. Estão perdendo a corrida contra a máquina [...]135.

A tecnologia potencializou a volatilidade do mercado e a descorporificação do trabalho, uma vez que o capital não necessita mais custear o trabalhador em determinado lugar136. Devido à difusão do conhecimento, qualquer pessoa do globo pode realizar determinado trabalho, desde que saiba manusear os mecanismos corretos. As TICs proporcionaram que as pessoas se conectem uma com as outras em qualquer lugar do mundo. Desse modo, a esfera de contratação do mercado de trabalho expandiu-se para as mais diversas localizações do planeta. 134 135

136

MARX, Karl. O Capital. 11. ed. Tradução de Reginaldo Sant’Anna. São Paulo: Bertrand Brasil, 1987. v. I. BRYNJOLFSSON, Erik; MACFEE, Andrew. Novas Tecnologias versus Empregabilidade. Como a Revolução Digital acelera a Inovação, desenvolve a produtividade e transforma de modo irreversível os Empregos e a Economia. São Paulo: M. Books do Brasil Ltda, 2014. p. 17. BAUMAN, Zigmunt. Modernidade Líquida. Tradução de Plínio Dentzien. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001. p. 141.

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[...] há uma tendência histórica para a crescente interdependência da força de trabalho em escala global por intermédio de três mecanismos: emprego global nas empresas multinacionais e suas redes internacionais coligadas; impactos do comércio internacional sobre o emprego e as condições de trabalho tanto no Norte como no Sul; e os efeitos da concorrência global e do novo método de gerenciamento flexível sobre a força de trabalho de cada país. Em cada caso, a tecnologia da informação é meio indispensável para as conexões entre os diferentes segmentos da força de trabalho nas fronteiras nacionais137.

A tecnologia, na visão de Bauman138, permitiu uma fluidificação do espaço, visto que por meio da internet, do e-mail, do whatsapp, das teleconferências e do comércio eletrônico há uma mudança no comportamento das empresas e dos trabalhadores. Existe uma flexibilização no modo de trabalhar, mais isso não quer dizer menor quantidade de trabalho, mas sim uma facilitação na transposição de limites, tanto para o bem, quanto para o mau. Para Hartmut Rosa, a sociedade moderna é definida por uma combinação fatal de crescimento e aceleração, mas, na visão dele, a tecnologia em si não é uma causa da aceleração social. Ele explica essa afirmação ao citar o correio eletrônico: “Não há nada nessa tecnologia que me obrigue, ou nem sequer me induza a ler e escrever mais mensagens por dia, apesar de que, evidentemente, a tecnologia é uma condição facilitadora do aumento”139/140. E disso, constata-se que Lei de Kranzberg, citado por Castells141: “A tecnologia não é nem boa, nem ruim e também não é neutra” está correta, pois mesmo que ela não induza a pessoa a fazer mais, ela facilita de tal forma o trabalho que a pessoa se sente impulsionada a realizar mais tarefas. Igualmente, a tecnologia deixa de ser neutra quando implica mudanças no cotidiano da vida humana. O que se percebe é que o trabalho passa a ir ao encontro do trabalhador por meio da tecnologia, e, ao 137 138 139

140 141

CASTELLS, Manuel. A sociedade em rede. (A era da informação: economia, sociedade e cultura). São Paulo: Paz e Terra, 1999. v. 1, p. 256. BAUMAN, Zigmunt. Modernidade Líquida. Tradução de Plínio Dentzien. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001. “No hay nada em esta tecnologia que me obligue, o ni siquiera me induzca, a ler y escribir más mensajes por día, a pesar de que, evidentemente, la tecnologia es uma condición facilitadora del incremento”. ROSA, Hartmunt. Alienación y Aceleración: Hacia uma teoria crítica de la temporalidade em la modernudad tardía. Madrid: Katz, 2016. p. 40. CASTELLS, Manuel. Op. cit., p. 81.

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invés de facilitar a vida do homem, está tornando-a mais complexa e automatizada. Rechaçando, portanto, a máxima de que o homem dentro de algum tempo não trabalharia, possuiria robôs para todos os serviços, de modo a poder aproveitar o ócio de forma criativa. Não restam dúvidas de que a tecnologia está implantada na sociedade contemporânea, gerando benesses, riquezas, produtividade, eficiência, excelência, entre tantos outros benefícios. Porém, no outro extremo, encontram-se trabalhadores que não conseguem se inserir no mercado de trabalho, mediante a falta de conhecimento e oportunidades, em virtude da grande desigualdade social que assola o mundo, e ainda, aqueles que já estão empregados, mas devido à acirrada competitividade trabalham cada vez mais. As ferramentas de tecnologia que empregam informação e conhecimento dinamizaram o trabalho, flexibilizando alguns pontos e enrijecendo outros. O que não se pode deixar ocorrer é que esses novos meios acabem por pulverizar os Direitos adquiridos e a ausência de fronteiras físicas acabe por propiciar precarização e aviltamento aos Direitos e garantias Sociais.

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Capítulo 2 ACELERAÇÃO SOCIAL E DESENVOLVIMENTO TECNOLÓGICO: O DIREITO À DESCONEXÃO DOS TRABALHADORES O tempo é uma figura central na organização da vida, por meio dele que sabemos o que está no passado, o que é o presente e fazemos previsões de como será o futuro. Através dele podemos contar passagens da história antiga, do modo como as pessoas viviam, como eram as sociedades em determinado período da história, podemos fazer relatos. O homem tenta controlá-lo utilizando-se de mecanismos, que vão da clepsidra ao relógio, mas ele é indomável e avassalador, influindo no cotidiano da humanidade de modo impassível, sem ser notado. Mais que de tempo, porém, é preciso falar dos tempos. Hoje percebemos a história humana como uma história linear e irreversível, separada em milênios, séculos e anos, que parte das origens do mundo (continuamente deslocada pelos teólogos e pelos físicos), atinge o nosso presente e encaminha-se para o futuro passando por dinastias, guerras, paz e cataclismos. Linear e infelizmente irreversível revela-se também o nosso tempo de vida pessoal: nascimento, infância, juventude, maturidade, velhice, morte, tudo dividido entre matrimônios, doenças, festas, luto, falências e sucessos142.

O tempo de vida sobrevém ao ser humano independentemente do que faz, do estado de espírito, do clima etc. Hodiernamente é marcado 142

DE MASI, Domenico. O futuro do trabalho: fadiga e ócio na sociedade pós-industrial. 6. ed. Brasília: UnB, 2001. p. 95-96.

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pela exatidão dos fusos, das horas, dos minutos, para tudo há “tempo”: para tomar café, almoçar, se exercitar, trabalhar, descansar, entre outras necessidades humanas. E, ao delimitá-lo e torná-lo rotineiro: [...] percebemos o tempo cíclico: a repetição igual das fases das luas e das estações do ano, da primavera ao inverno. A esses fenômenos da natureza é preciso juntar outros eventos, de tipo social, ligados a cada profissão e as várias organizações: a repetição das atividades rurais para os camponeses, da semeadura à colheita; das incumbências domésticas para as donas de casa, do despertar matinal ao “boa noite”143.

As fases da vida são irretroativas, ninguém vive duas vezes a infância, a adolescência, a fase adulta e a velhice, por mais que se queira. O cotidiano faz com que as pessoas não percebam que o tempo passou num piscar de olhos: a criança cresceu, o adulto envelheceu e a vida aconteceu. Sendo que essas fases são ligadas a certas atividades primordiais: na infância se brinca, na adolescência se estuda, os adultos trabalham e os velhos descansam. É nesse passar cíclico e linear que a vida ocorre. 2.1

A ACELERAÇÃO SOCIAL E A HIPERCONEXÃO HUMANA

O ser humano moderno é acelerado. Diante da máxima “tempo é dinheiro”, as pessoas não podem deixar nada para depois, tudo tem que ocorrer em determinado período, sem atrasos e de preferência com antecedência. Planejamento é a palavra-chave, pois sair do planejado é sinônimo de atraso: Com efeito, um lado do problema é constituído pela crescente demanda de tempo que caracteriza as sociedades atuais. Resultado em parte da própria monetarização do tempo, em parte da sempre maior autonomia subjetiva dos vínculos tradicionais trazida pela industrialização, tal demanda traduz uma difusa sensação de privação relativa com respeito a um bem que, no momento em que se mostra mais disponível, demonstra-se mais escasso144.

O relógio simboliza a dominação do tempo sobre a vida, ele nos condiciona a realizar tarefas em determinado momento. “Reagimos instintivamente ao relógio e à maneira como ele regula todo o nosso tempo. 143 144

DE MASI, Domenico. O futuro do trabalho: fadiga e ócio na sociedade pós-industrial. 6. ed. Brasília: UnB, 2001. p. 96 DE MASI, Domenico. A sociedade pós-industrial. 3. ed. São Paulo: Senac São Paulo, 2000. p. 199.

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Reagimos tanto ao relógio quanto ao condicionamento – há trabalho, e trabalho que deve ser feito”145. Com isso, pode-se dizer que estamos em uma sociedade acelerada, onde tudo parece estar aumentando a velocidade, porém o tempo não acelera. Afinal, uma hora segue sendo uma hora e um dia segue sendo um dia, sem importar a impressão que tivemos de que transcorreu rapidamente146. A Aceleração Social147 nasce no industrialismo, pois nas sociedades primitivas, de vida nômade ou ainda agrícola, o tempo transcorre de modo impreciso. Portanto, a divisão do tempo assume nas sociedades pré-modernas o aspecto de uma rede de malhas largas. Esta rede se restringe com a industrialização, como sublinha E. P. Thompson, a passagem da vida camponesa à vida de fábrica é a passagem de uma orientação temporal baseada na tarefa para uma orientação fundada na prestação do trabalho por hora. Em uma comunidade do primeiro tipo, “relações sociais de trabalho estão interligados – a jornada de trabalho se alonga e se prolonga conforme as tarefas – e não existe uma grande sensação de confronto entre o trabalho e o “passar do dia”148.

Hartmut Rosa149 também compartilha da ideia de que a Aceleração Social pode ser entendida como uma reação ante as experiências de modernização. Para ele, a aceleração pode-se classificar em três: a tecnológica, a da mudança social e no ritmo de vida. A aceleração tecnológica é a mais evidente, decorrente do aumento deliberado dos processos de transporte, de comunicação e de produção. Sendo a principal transformação a do “espaço-temporal” da sociedade150. Visto que “[...]há apenas duas gerações, uma pessoa praticamente não tinha influência sobre o que se passava a mais de um quilômetro. Também não era influenciada de maneira sensível pelo que se passava longe dela”151. O espaço hoje se decompõe, dissolve-se ante aos sistemas tecnológicos, a economia e a Globalização. 145 146 147 148 149 150 151

JÖNSSON, Bodil. Dez considerações sobre o tempo. Tradução de Marcos de Castro. Rio de Janeiro: José Olympio, 2004. p. 102. ROSA, Hartmunt. Alienación y Aceleración: Hacia uma teoria crítica de la temporalidade em la modernudad tardía. Madrid: Katz, 2016. p. 18-19. “É uma reação ante as experiências de modernização” (Ibidem, p. 18). DE MASI, Domenico. A sociedade pós-industrial. 3. ed. São Paulo: Senac São Paulo, 2000. p. 196. ROSA, Hartmunt. Op. cit., p. 15. Ibidem, p. 21. JÖNSSON, Bodil. Op. cit., p. 84.

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Na contemporaneidade, ninguém mais é isolado, Featherstone, exemplifica que: “Alguém pode perder-se no mar, nos confins dos oceanos e, mesmo assim, de certo modo, nunca está perdido, pois a tecnologia das comunicações por satélite sempre identificará e localizará o iate”152. A tecnologia faz com que o longe pareça perto e mediante utilização dos meios de comunicação, a informação tornou-se móvel. Assim, o desenvolvimento do telégrafo, rádio, telefone, televisão e Internet não apenas propiciou uma mobilidade virtual, mas fez isso a uma velocidade que ultrapassou totalmente a dos meios de transporte terrestres e aéreos. A comunicação eletrônica ocorre na velocidade da luz e é praticamente instantânea153.

Os meios de comunicação se tornaram tão sofisticados, que não se faz mais necessário viajar para determinado lugar para resolver problemas locais, basta utilizar-se de equipamentos eletrônicos que permitam a teleconferência e o deslocamento não será mais um problema. Segundo Gleick: [...] nosso conhecimento sobre a velocidade passa a depender quase inteiramente do nosso conhecimento sobre as máquinas. Apesar dos cavalos e dos falcões, só na era das máquinas as pessoas passaram a perceber a velocidade como uma qualidade que pode ser medida, computada e ajustada. Para os antigos, a velocidade era indefinível154.

A segunda característica tipificada por Rosa, a aceleração da mudança social, se refere ao fato de que embora os fenômenos da primeira categoria possam ser descritos como processos de aceleração dentro da sociedade, os fenômenos dessa categoria podem ser classificados como acelerações da própria sociedade contemporânea155. Significa dizer que a velocidade de mudança está se transformando. A priori, as mudanças sociais ocorriam de uma sociedade para outra, conseguindo-se distinguir as transformações que marcariam a passagem de um modelo de social para outro, por exemplo, da sociedade 152

153 154 155

FEATHERSTONE, Mike. A globalização da mobilidade, experiência, sociabilidade e velocidade nas culturas tecnológicas. In: DAMINELI, Mario. (Coord.). Lazer numa sociedade globalizada: Leisure in globalized Society. São Paulo: SESC/WLRA, 2000. p. 51. Ibidem, p. 70. GLEICK, James. Acelerado: a velocidade da vida moderna: o desafio de lidar com o tempo. Tradução de Cristina de Assis Serra. Rio de Janeiro: Campus, 2000. p. 44. ROSA, Hartmunt. Alienación y Aceleración: Hacia uma teoria crítica de la temporalidade em la modernudad tardía. Madrid: Katz, 2016. p. 24.

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feudal para a industrial, sem mencionar que esse processo levava alguns séculos de alteração de padrão. Na sociedade contemporânea as atitudes, valores, o estilo de vida, as relações e obrigações sociais, os grupos, classes, as práticas e hábitos estão mudando numa rapidez cada vez maior156. Há uma contração do presente, não há uma estabilidade duradoura das mudanças. Os conhecimentos são sempre insuficientes, a tecnologia obsoleta, a cultura se mescla e perde a sua identidade, entre outros fatores. No mundo do trabalho, nas sociedades pré-modernas e inicialmente modernas, a ocupação do pai era herdada pelo filho, novamente com o potencial para repetir o processo por muitas gerações. Na modernidade clássica, estruturas ocupacionais tendiam a mudar com as gerações: os filhos (e mais tarde, também filhas) estavam livres de escolher sua profissão, mas geralmente escolhiam uma para toda a sua vida. Por outro lado, na modernidade tardia, as ocupações já não se estendem por toda uma vida de trabalho; os trabalhos mudam a um ritmo mais rápido do que as gerações157/158.

A aceleração da mudança social poderia ser classificada como uma mudança a “tempo real”, veloz o bastante para lidar com as mudanças dos novos tempos. “Para compreender qualquer processo em tempo real, ampliamos o nosso senso de ritmo a fim de incluir escalas temporais paralelas”159. A vida contemporânea é complexa, devendo a pessoa estar preparada para apreender e reaprender funções, afinal para conservar ou estar apto a ter um emprego precisam adquirir novas competências constantemente. Os indivíduos necessitam se transformar na mesma velocidade do conhecimento, ou seja, rapidamente. Nesse sentido, resulta-se a terceira e última categoria das causas da Aceleração Social, por Harmunt Rosa160, a aceleração do ritmo de vida. Ela se caracteriza pela “fome” de tempo que aflige as sociedades 156 157

158 159 160

ROSA, Hartmunt. Alienación y Aceleración: Hacia uma teoria crítica de la temporalidade em la modernudad tardía. Madrid: Katz, 2016. p. 24. “En el mundo del trabajo, en las sociedades premodernas y modernas tempranas, la ocupación del padre era heredada por el hijo, nuevamente con el potencial para repetir el proceso por muchas generaciones. En la modernidad clásica, las estructuras ocupacionales tendían a cambiar con las generaciones: los hijos (y más tarde, también las hijas) eran libres de elegir su profesión, pero generalmente elegían una sola vez para toda su vida. Por el contrario, en la modernidad tardía, las ocupaciones ya no se extienden por toda una vida laboral; los trabajos cambian a un ritmo más rápido que las generaciones”. ROSA, Hartmunt. Op. cit., p. 28. GLEICK, James. Acelerado: a velocidade da vida moderna: o desafio de lidar com o tempo. Tradução de Cristina de Assis Serra. Rio de Janeiro: Campus, 2000. p. 57. ROSA, Hartmunt. Op. cit., p. 29-30.

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modernas. Em suma, os protagonistas sociais sentem que cada vez mais o tempo está se esgotando, que há uma falta de tempo. Vive-se uma temporalidade urgente, na sociedade do imediatismo, fazendo com que os seres humanos sejam prisioneiros, pois tudo passa a ter um grande valor quando realizado naquele instante, por que se não for agora não se faz mais necessário. Outrora, o passar das estações regulava o curso da natureza e dos afazeres. Hoje, parece que essa propriedade do tempo desapareceu – tudo (ou quase tudo) acontece simultaneamente161. Nosso cotidiano fervilha de acontecimentos, pessoas e lugares. Às vezes, dizemos a nós mesmos que vivemos o momento, que queremos viver exclusivamente o momento. Mas ficamos paralisados se não sabemos o que vamos fazer dentro de um mês. A ideia do futuro é necessária para se viver o momento162.

A sua escassez, pelo menos em aparência, é totalmente paradoxal em relação à aceleração tecnológica. Pode ser definida como um incremento do número de episódios de ação ou experiência por unidade de tempo. Ou seja, é a consequência do desejo ou necessidade de fazer mais coisas em um lapso temporal menor163. Com a implementação das tecnologias, as atividades que levavam determinado período para serem realizadas passaram a utilizar um lapso menor de tempo. A evolução tecnológica há muito gira em torno de poupar tempo, mas em escalas menos sofisticadas que agora. Com certeza o descaroçador de algodão, o automóvel e o aspirador de pó permitem que as pessoas trabalhem, locomovam-se e limpem mais rápido – a economia pode ser medida em horas e minutos. Agora estamos ganhando frações de segundo: um milésimo de segundo aqui, um milésimo de segundo ali – será que isso realmente faz algum sentido?164 .

A título de exemplo, o autor Hartmut Rosa165 cita as correspondências diárias, ao supor que a quantidade de mensagens segue sendo a mesma, com a implementação de tecnologia se “ganha tempo livre” devido à facilidade e instantaneidades dos novos recursos. Entretanto, o que 161 162 163 164 165

JÖNSSON, Bodil. Dez considerações sobre o tempo. Tradução de Marcos de Castro. Rio de Janeiro: José Olympio, 2004. p. 26. Ibidem, p. 27. ROSA, Hartmunt. Alienación y Aceleración: Hacia uma teoria crítica de la temporalidade em la modernudad tardía. Madrid: Katz, 2016. p. 30-31. GLEICK, James. Acelerado: a velocidade da vida moderna: o desafio de lidar com o tempo. Tradução de Cristina de Assis Serra. Rio de Janeiro: Campus, 2000. p. 96-97. ROSA, Hartmunt. Op. cit., p. 37.

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se percebe é que ao invés de “ganhar tempo” a quantidade de mensagens aumentou de forma alarmante, então faz-se necessário o mesmo período de antes, senão mais. Entretanto, Souto Maior alerta que: É bom que se diga, também, que não é o caso de se amaldiçoar o avanço tecnológico. Este é inevitável e, em certa medida, tem sido benéfico à humanidade (em muitos aspectos). O desafio, sob este prisma, é buscar com que a tecnologia esteja ao serviço do homem e não contra o homem166.

Hartmut167, como já demonstrado no capítulo anterior, também conclui que a tecnologia em si não é a causa da Aceleração Social, uma vez que não há nada que induza a pessoa a fazer mais, apesar de, indubitavelmente, facilitar a tarefa. A tecnologia cria constantemente novos meios de comunicação e ferramentas facilitadoras de tarefas, inventando novos meios e modos de trabalho. Ela possibilitou o deslocamento do trabalho para fora das empresas, por meio de instrumentos que permitem a conectividade. Até recentemente, para a maior parte das pessoas as fronteiras entre a casa e o trabalho eram bem definidas. Ia-se ao trabalho por um caminho estabelecido, de carro ou de transporte coletivo e voltava para casa oito horas depois. [...] o telefone celular tem levado à indefinição das linhas que dividem o trabalho do lazer, com ligações pessoais no trabalho e ligações profissionais perseguindo as pessoas em espaços públicos como ruas, trens ou bares168.

Mas, vale ressaltar, que apesar da tecnologia em si não ser a causadora da Aceleração Social, ela contribui para o aumento da velocidade, uma vez que age a favor do mercado. “Portanto, a Aceleração Social em geral e a aceleração tecnológica em particular são consequências lógicas de um sistema de mercado capitalista competitivo”169/170. 166

167 168

169 170

MAIOR, Jorge Souto. Do Direito à Desconexão do Trabalhador. Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região. p. 3. Disponível em: . Acesso em: mar. 2017. ROSA, Hartmunt. Alienación y Aceleración: Hacia uma teoria crítica de la temporalidade em la modernudad tardía. Madrid: Katz, 2016. p. 40. FEATHERSTONE, Mike. A globalização da mobilidade, experiência, sociabilidade e velocidade nas culturas tecnológicas. In: DAMINELI, Mario (Coord.). Lazer numa sociedade globalizada: Leisure in globalized Society. São Paulo: SESC/WLRA, 2000. p. 90-91. “Por lo tanto, la aceleración social em general y la aceleración tecnológica em particular son consecuencias lógicas de un sistema de mercado capitalista competitivo”. ROSA, Hartmunt. Alienación y Aceleración: Hacia uma teoria crítica de la temporalidade em la modernudad tardía. Madrid: Katz, 2016. p. 42.

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[...] conquista é definida como uma tarefa ou trabalho por unidade de tempo (poder = trabalho dividido por tempo, em termos de física), de tal modo que acelerar e salvar tempo estão ligados diretamente com uma vantagem competitiva... Ou, se todos os demais tentam fazer o mesmo, para manter a própria posição171/172.

“A relação de trabalho reflete, como não poderia deixar de ser, a sociedade em que ela se estabelece”173. A “falta de tempo” da vida contemporânea invade o trabalho e o lazer. Por vezes, as pessoas fazem determinadas atividades em ritmo acelerado sem ao menos saber o motivo de estar realizando tal atividade rapidamente. Os indivíduos estão condicionados a necessidade de velocidade. Essa urgência da vida contemporânea invade o ambiente de trabalho para determinar a necessidade de especialização contínua, de controle contínuo, de conexão contínua. Isso, porém, tem consequências graves, que afetam diretamente a vida privada do empregado174.

O trabalho contínuo, mesmo que por um período curto de semanas é autodestrutivo “[...] mesmo do ponto de vista do empregador, porque os trabalhadores ficam cansados ou exigem um melhor pagamento de horas extras ou simplesmente se rebelam”175. Ainda há a ideia de que o trabalho é um fator dignificante do ser humano e sem dúvida é um elemento socializador do indivíduo, entretanto, em exagero exaure. James Gleick176 menciona que algumas empresas desenvolveram o que os economistas batizaram de equilíbrio da “corrida de ratos”. É o que ocorre quando os gerentes usam a sua disposição para trabalhar muitas horas e tratam isso como uma qualidade intangível e muito desejável. Os empregados que são inspirados por esses superiores constituem o material humano de melhor qualidade para a empresa. 171

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“[...] el logro está definido como tarea o trabajo por unidad de tempo (poder = trabajo dividido por tempo, em términos de física), de tal manera que acelerar y ahorrar tempo están vinculados diretamente con uma ventaja competitiva... O, si todos los demás intentan hacer lo mismo, con mantener la propia posición”. ROSA, Hartmunt. Op. cit., p. 45. ALMEIDA, Almiro Eduardo de. Direito à desconexão nas relações sociais de trabalho. Almiro Eduardo de Almeida. Valdete Souto Severo. São Paulo: LTr, 2014. p. 47. Idem. GLEICK, James. Acelerado: a velocidade da vida moderna: o desafio de lidar com o tempo. Tradução de Cristina de Assis Serra. Rio de Janeiro: Campus, 2000. p. 124. Idem.

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Desde a perspectiva dos indivíduos se produz uma luta competitiva constante em matéria de graus acadêmicos, postos de hierarquia no trabalho, ingressos, bens de consumo de ostentação, êxito dos filhos, mas também quanto a ganhar e conservar uma esposa e um certo número de amigos177.

O excesso de trabalho é uma fronteira de status, compensação, remuneração de um lado e lazer, socialização, individualidade e família de outro. Há um franco aumento de trabalho na contemporaneidade. A realidade do trabalhador é de acumulação de empregos, de trabalho remoto, seja de casa ou de lugares aptos ao coworking178, e de conexão ininterrupta com o trabalho. Assim, os economistas cujas estatísticas sugerem uma explosão de trabalho tendem a ver os trabalhadores como vítimas – vítimas de algo grande, sistêmico e desumano. Algum de nós também são perpetradores. No todo, somos uma mistura de vítimas e algozes, sem meio termo179.

O ser humano está querendo acelerar a vida cada vez mais para cumprir metas que são inacabáveis. Uma vez que se responda um e-mail no sistema do trabalho, muito provavelmente, já vai ter aparecido outro; uma vez que se tenha trabalhado incansavelmente durante todo o dia, amanhã não terá menos trabalho, entre tantas outras tarefas que envolvem o dia a dia. O que se percebe é que se perdeu o sentido do lazer em meio a contemporaneidade, seja na busca de melhores salários, na manutenção do emprego, do status social, entre tantas outras razões. A tecnologia, como já mencionado, não é a causa da extrema conexão com o trabalho e da Aceleração Social, mas é um importante meio facilitador do contato entre o empregador e o trabalhador. Desse modo, pode-se concluir que devido a velocidade da Aceleração Social e a constante inserção de mecanismo tecnológicos as pessoas estão cada vez mais conectadas. Surgindo, por conseguinte, a necessidade de controlar os efeitos negativos do uso da tecnologia. No caso do Direito do Trabalho, a constante conexão com o labor, faz com que surja cada vez mais modos de controle do empregador sobre o empregado, nascendo assim, o Direito à Desconexão. 177 178 179

ROSA, Hartmunt. Alienación y Aceleración: Hacia uma teoria crítica de la temporalidade em la modernu-dad tardía. Madrid: Katz, 2016. p. 44. Tradução livre: “trabalhar junto. São escritórios compartilhados com pessoas das mais diversas áreas com o intuito de compartilhar ideias”. GLEICK, James. Op. cit., p. 129.

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2.2

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O DIREITO À DESCONEXÃO: UMA ANÁLISE SOBRE O ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO E TENDÊNCIAS INTERNACIONAIS

Ao relatar a “hiperconexão” do ser humano com trabalho, faz-se necessário tratar do Direito à Desconexão. O doutrinador Jorge Souto Maior180, no seu artigo “Do Direito à Desconexão do Trabalhador”, cunhou a expressão, com a finalidade de concretizar o Direito e a necessidade das pessoas efetivamente ‘viverem’ fora do período laborativo. Segundo o autor, o nome surge a partir de um paralelo com a tecnologia, visto que com a intensa inserção de mecanismos tecnológicos, que são determinantes na vida moderna e no trabalho, vislumbra-se o direito do homem de não trabalhar, ou, como dito, metaforicamente pelo autor o direito a se desconectar do trabalho181. “O direito à desconexão do trabalho consubstancia-se no direito de trabalhar e de, também, desconectar-se do trabalho ao encerrar sua jornada, fruindo verdadeiramente das horas de lazer”182. Souto Maior enumera quatro contradições que para ele balizam a preocupação com o Direito à Desconexão diante do trabalho contemporâneo: A primeira contradição está, exatamente, na preocupação com o nãotrabalho em um mundo que tem como traço marcante a inquietação com o desemprego. A segunda, diz respeito ao fato de que, como se tem dito por aí à boca pequena, é o avanço tecnológico que está roubando o trabalho do homem, mas, por outro lado, como se verá, é a tecnologia que tem escravizado o homem ao trabalho. Em terceiro plano, em termos das contradições, releva notar que se a tecnologia proporciona ao homem uma possibilidade quase infinita de se informar e de estar atualizado com seu tempo, de outro lado, é esta mesma tecnologia que, também, escraviza o homem aos meios de informação, vez que o prazer da informação transforma-se em uma necessidade de se manter informado, para não perder espaço no mercado de trabalho. E, por fim, ainda no que tange às contradições que o tema sugere, importante recordar que o trabalho, no prisma da filosofia moderna, e conforme reconhecem vários ordenamentos jurídicos, dignifica o 180

181 182

MAIOR, Jorge Souto. Do Direito à Desconexão do Trabalhador. Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região. Disponível em: . Acesso em: mar. 2017. Ibidem, p. 1. ALMEIDA, Almiro Eduardo de. Direito à desconexão nas relações sociais de trabalho. Almiro Eduardo de Almeida. Valdete Souto Severo. São Paulo: LTr, 2014. p. 12.

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homem, mas sob outro ângulo, é o trabalho que retira esta dignidade do homem, impondo-lhe limites enquanto pessoa na medida em que avança sobre a sua intimidade e a sua vida privada183.

Nesse diapasão, vale mencionar que o Direito à Desconexão não apregoa o ócio, mas sim o Direito de não trabalhar quando já se trabalha em demasia. Outrossim, é uma defesa contra a total fadiga física e mental das pessoas que estão laborando. As tecnologias são o principal elemento dessa conexão, pois elas são as facilitadoras do contato entre empresa e empregado através dos mais diversos meios eletrônicos. Portanto, “o reconhecimento do direito à desconexão representa uma espécie de rebeldia contra a submissão da saúde do trabalhador à tecnologia e as exigências da vida contemporânea, em que ‘tudo que é sólido desmancha no ar”184. O ordenamento jurídico francês, diferentemente do brasileiro, possui um dispositivo específico para a proteção do Direito à Desconexão185. O novo direito está previsto no art. 25 de um capítulo da nova lei intitulado “A adaptação dos direitos trabalhistas para a era digital” (em tradução livre). “O desenvolvimento das tecnologias de informação e comunicação, se mal gerenciado ou regulado, pode ter impacto na saúde dos trabalhadores”, diz o texto do art. 25. “A carga de trabalho e a sobrecarga de informação, além dos limites difusos entre a vida profissional e pessoal, estão entre os riscos associados com o uso de tecnologias digitais”186. 183

184

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MAIOR, Jorge Souto. Do Direito à Desconexão do Trabalhador. Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região. p. 1. Disponível em: . Acesso em: mar. 2017. ALMEIDA, Almiro Eduardo de. Direito à desconexão nas relações sociais de trabalho. Almiro Eduardo de Almeida. Valdete Souto Severo. São Paulo: LTr, 2014. p. 46. A lei francesa que entrou em vigor em 01.01.2017, estabelece que empresas com mais de 50 funcionários serão obrigadas a elaborar uma carta de boa conduta estabelecendo regramentos quanto ao uso do e-mail profissional fora do horário de trabalhando, de modo a criar uma consciência sobre a não interferência dos empregados durante o seu tempo de lazer. A notícia foi veiculada no site da BBC Brasil no dia 02.01.2017. BBC BRASIL. Franceses ganham direito a ‘folga de e-mail’ fora do horário de trabalho. Disponível em: . Acesso em: mar. 2017. JORNAL O ESTADO DE SÃO PAULO. Franceses agora têm direito à desconexão. Disponível em: . Acesso em: mar. 2017.

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No Brasil, ainda não há uma normatização específica para o Direito à Desconexão. Entretanto, a proteção desse Direito se dá de forma indireta, por meio da proteção Constitucional187 da jornada (art. 7º, inc. XIII)188 e do Capítulo II das Consolidações das Leis do Trabalho189 (CLT), que tem por finalidade a proteção da duração do trabalho. Desse modo, entende-se que “a limitação da jornada de trabalho é condição real do direito fundamental à desconexão”190. Nesse sentir, Delgado preceitua: Jornada de trabalho é o lapso temporal no dia, semana ou mês em que o empregado coloca-se a disposição do empregador em virtude do respectivo contrato. É desse modo, a medida principal do tempo de disponibilidade do obreiro em face do seu empregador como resultado do cumprimento do contrato de trabalho que os vincula191.

Depreende-se que a jornada é o tempo em que o trabalhador vende o seu tempo e disponibilidade de vida, em prol de um produto, serviço etc. A “‘Jornada é tempo de vida’. O ser humano passa a maior parte de seu período ativo trabalhando, o qual transcorre com as limitações impostas pela ‘venda’ da força de trabalho dentro de uma relação jurídica”192. Portanto, a jornada mede a principal obrigação do empregado no contrato de trabalho, o tempo de prestação de trabalho ou de disponibilidade perante o empregador, ou, em outros termos, o tempo em que se está conectado ao trabalho193. O tempo existencial resta submetido as regras de horário de trabalho e ao poder diretivo exercido por quem determina quando e de que 187

188

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190 191 192 193

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: . Acesso em: jun. 2017. “Art. 7º. São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: XIII – duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e quarenta e quatro semanais, facultada a compensação de horários e a redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho”. BRASIL. Consolidações das Leis do Trabalho de 1943. Dec.-Lei 5.452, de 01.05.1943. Disponível em: . Acesso em: jun. 2017. ALMEIDA, Almiro Eduardo de. Direito à desconexão nas relações sociais de trabalho. Almiro Eduardo de Almeida. Valdete Souto Severo. São Paulo: LTr, 2014. p. 47. DELGADO, Mauricio Godinho. Jornada de trabalho e descansos trabalhistas. 2. ed. Até a Lei 9.601/1998. São Paulo: LTr, 1998. p. 19. ALMEIDA, Almiro Eduardo de. Op. cit., p. 11. DELGADO, Mauricio Godinho. Op. cit., p. 19.

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modo tal tempo de vida na Terra será utilizado. Em razão disso, é indispensável ver o direito do trabalho como fruto de “uma história do tempo de trabalho: ele seria, por um lado, tempo regulamentado do patronato; por outro lado, o tempo dominado do salariado, mas sobretudo, ele é o tempo reduzido do Direito”194.

O tempo dedicado ao trabalho já foi marcado pelo sol, quando os primeiros raios solares apareciam no horizonte começava-se a trabalhar, quando eles se findavam, era hora de voltar para casa. Posteriormente, com a invenção da luz elétrica, o trabalho ganhou um novo tempo, podendo ser estendido noite à dentro. E a partir daí tem-se o auge da exploração humana. “No início do século XIX, na maioria dos países da Europa, a jornada de trabalho era por volta de 12 a 16 horas por dia, com grande utilização de mão de obra das mulheres e crianças”195. À época, as jornadas extenuantes eram habituais devido ao espírito liberal e ao Estado não interventor, no qual o contrato particular era lei, independentemente do que tipificava, contribuindo para a exploração exacerbada dos empregados196. O que não contavam era que a tensão de forças criada entre o capital e o trabalho acabava por aproximar os aviltados que por morarem próximos um dos outros facilitava a sua reunião. Ademais, o seu trabalho era imprescindível no lucro por parte do empregador. A pressão exercida pelos trabalhadores, formando grupos profissionais que deram origem ao movimento sindical, refletiu em leis estabelecidas pelo Estado, como forma de atender às manifestações, mas também com o fim de manter certo controle a massa trabalhadora, de modo a não se instaurar um quadro revolucionário197.

A partir de 1830, as trade-unions, iniciaram movimento operário objetivando a fixação do dia de trabalho em oito horas, na Inglaterra. Na França e na Alemanha, o movimento operário advogava a intervenção 194 195 196

197

SEVERO, Valdete Souto. Crise de paradigma no direito do trabalho moderno: a jornada. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2009. p. 67. GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Curso de direito do trabalho. 5. ed. rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2011. p. 826. SILVA, William Barbiero da. O Direito à Desconexão: um direito fundamental ao não-trabalho aplicável aos gerentes bancários. p. 5. Disponível em: . Acesso em: mar. 2017. GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Op. cit., p. 826.

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do Estado nas relações entre patrões e empregados. Entretanto, somente em 1847 o Parlamento Inglês aprovou a primeira lei impondo um limite em 10 horas o máximo da jornada. No ano seguinte, a França estabeleceu em 10 horas diárias em Paris e em 11 horas nas demais províncias198. A jornada de trabalho era um tema tão expressivo para a época que o Papa Leão XIII, em 1891, publicou a Encíclica Rerum Novarum que no capítulo “Proteção do trabalho dos operários, das mulheres e das crianças”, dizia: A atividade do homem, restrita como a sua natureza, tem limites que se não podem ultrapassar. O exercício e o uso aperfeiçoamna, mas é preciso que de quando em quando se suspenda para dar lugar ao repouso. Não deve, portanto, o trabalho prolongar-se por mais tempo do que as forças permitem. Assim, o número de horas de trabalho diário não deve exceder a força dos trabalhadores, e a quantidade de repouso deve ser proporcionada à qualidade do trabalho, às circunstâncias do tempo e do lugar, à compleição e saúde dos operários199.

Após atitude da Igreja, vários países começaram a limitar a jornada de trabalho em oito horas diárias em diversos países da Europa. Porém, o marco na efetivação da jornada de 8 horas diárias se deu em 1919, quando foi aceita e incorporada ao Tratado de Versalhes uma declaração de princípios, com a qual as Nações contratantes se obrigavam a adotar uma jornada de oito ou a semana de quarenta e oito horas de trabalho. Ainda, para tornar efetiva a universalização o Tratado criou a Organização Internacional do Trabalho (OIT)200. Com a criação da OIT, quase todos os países passaram a adotar os princípios da Conferência de Washington. No ano de 1932, no Brasil, editaram-se decretos limitando em oito horas a jornada para comerciários e industriários, estendendo-se a outros trabalhadores no ano seguinte. A jornada foi unificada no ano de 1940, sendo que a atual Constituição mantém as oito horas diárias, mas reduziu para quarenta e quatro horas semanais201. 198 199

200 201

MARANHÃO, Delio. Instituições de direito do trabalho. 19. ed. Por Arnaldo Sussekind e João Lima. São Paulo: LTr, 2000. v. II, p. 791. PAPA LEÃO XIII. Encíclica Rerum Novarum, 1891. Disponível em: . Acesso em: mar. 2017. MARANHÃO, Delio. Op. cit., p. 793. BARROS, Alice Monteiro de. Curso de direito do trabalho. 2. ed. São Paulo: LTr, 2006. p. 630.

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A jornada de trabalho, portanto, está tipificada no capítulo II da Carta Magna de 1988, no art. 7º, incs. XIII e XIV202, tendo como finalidade a proteção: a) de natureza biológica, uma vez que visa a combater os problemas psicofisiológicos oriundos da fadiga e da excessiva racionalização do serviço; b) de caráter social, por isto que possibilita ao trabalhador viver, como ser humano, na coletividade a que pertence gozando os prazeres materiais e espirituais criados pela civilização, entregandose a prática de atividades recreativas, culturais ou físicas, aprimorando seus conhecimentos e convivendo, enfim, com sua família; c) de índole econômica, porquanto restringe o desemprego e acarreta, pelo combate à fadiga, um rendimento superior na execução do trabalho (OIT)203.

A crescente consciência de proteção do trabalho como um Direito, surge pouco a pouco ao ceder espaço à necessidade dos Direitos Sociais e vêm na linha de desenvolvimento dos Direitos Humanos204. Dessa forma, a limitação da jornada busca que o ser humano, enquanto trabalhador, não seja exposto a um trabalho extenuante, que esgote as suas forças, afetando a sua saúde e colocando em risco a sua própria vida. A própria legislação, que protege o trabalhador, prevê exceção à regra da jornada padrão, ao possibilitar a extrapolação do tempo laborativo por meio das horas extraordinárias de trabalho. “A jornada extraordinária é o lapso temporal de trabalho ou disponibilidade do empregado perante o empregador que ultrapasse a jornada padrão, fixada em norma jurídica ou por cláusula contratual”205. Em face do direito positivo brasileiro, as prorrogações da jornada normal de trabalho podem ocorrer nos seguintes casos: a) mediante compensação de jornadas em virtude de convenção ou acordo coletivo (art. 7º, inc. XIII, CF); b) por duas horas diárias mediante acordo escrito 202

203 204 205

“Art. .7º. São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria da sua condição social: [...] XIII – duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e quarenta e quatro semanais, facultada a compensação de horários e a redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho; XIV – jornada de seis horas para o trabalho realizado em turnos ininterruptos de revezamento, salvo negociação coletiva”. MARANHÃO, Delio. Instituições de direito do trabalho. 19. ed. Por Arnaldo Sussekind e João Lima. São Paulo: LTr, 2000. v. II, p. 791. SEVERO, Valdete Souto. Crise de paradigma no direito do trabalho moderno: a jornada. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2009. p. 23. DELGADO, Mauricio Godinho. Jornada de trabalho e descansos trabalhistas. 2. ed. Até a Lei 9.601/1998. São Paulo: LTr, 1998. p. 67.

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individual ou coletivo, ou convenção coletiva, sendo as horas suplementarias acrescidas de, pelo menos, 50% superior à hora normal (art. 59, § 1º, CLT); c) por duas horas diárias, durante o período máximo de 45 dias por ano, por ato unilateral do empregador, quando houver interrupção do trabalho, resultante de causas acidentais, ou de força maior, que determinem a impossibilidade de sua realização, mediante autorização prévia da autoridade competente (art. 60, § 3º, CLT); d) até 12 horas diárias em caso de necessidade imperiosa, por motivo de força maior, seja para atender à realização ou conclusão de serviços inadiáveis ou cuja inexecução possa acarretar prejuízo manifesto, mediante o pagamento de, pelo menos, 50% superior à da hora normal; e) sem limite, em casos de força maior com adicional de 50% sobre o salário-hora (art. 7º, XVI, da CF). A Constituição da República, ao normatizar a sobrejornada, referiu-se: a hora suplementar por acordo de compensação e a hora extraordinária. Desse modo entende-se que a Carta Magna pretendeu restringir ao trabalho extraordinário a situações estritamente excepcionais206. Em razão da Reforma Trabalhista, Lei 13.467/2017, houve algumas modificações no que tange a prorrogação da jornada normal de trabalho, uma vez que o acordo de compensação para o sistema 12 horas trabalhadas por 36 horas de descanso e para o banco de horas pode ser feito por norma coletiva ou por acordo escrito entre empregado e empregador. No modo escrito o banco de horas estará limitado a seis meses207. Além disso, o acordo de compensação escrito no sistema 12h por 36h quando o trabalho recair em feriado não receberá em dobro e não terá dia de folga compensatória. As prorrogações do trabalho noturno não terão direito a aplicação do art. 73 da CLT § 5º da CLT e as horas extraordinárias que sobrevierem as horas habituais não tornaram o acordo nulo208, de modo que parte da Súmula 85 do TST fica cancelada. 206 207

208

DELGADO, Mauricio Godinho. Jornada de trabalho e descansos trabalhistas. 2. ed. Até a Lei 9.601/1998. São Paulo: LTr, 1998. p. 69. “Art. 59. A duração diária do trabalho poderá ser acrescida de horas extras, em número não excedente de duas, por acordo individual, convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho. § 5º O banco de horas de que trata o § 2º deste artigo poderá ser pactuado por acordo individual escrito, desde que a compensação ocorra no período máximo de seis meses (Lei 13.467/2017)”. “Art. 59-B. O não atendimento das exigências legais para compensação de jornada, inclusive quando estabelecida mediante acordo tácito, não implica a repetição do pagamento das horas excedentes à jornada normal diária se não ultrapassada a duração máxima semanal, sendo devido apenas o respectivo adicional. Parágrafo único. A prestação de horas extras habituais não descaracteriza o acordo de compensação de jornada e o banco de horas”.

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Outrossim, passa a ser lícito o regime de compensação de jornada estabelecido por acordo individual, tácito ou escrito, para a compensação desde que ocorra dentro do mesmo mês209. No Título VI da CLT que dispõe sobre “Convenções Coletivas de Trabalho”, a nova Lei introduziu o art. 611-A que dita a prevalência do negociado em convenção coletiva e o acordo coletivo de trabalho sobre a legislação para os casos de: pactuação quanto à jornada de trabalho, observados os limites constitucionais; banco de horas anual; intervalo intrajornada, respeitado o limite mínimo de trinta minutos para jornadas superiores a seis horas; teletrabalho, regime de sobreaviso, e trabalho intermitente; modalidade de registro de jornada de trabalho; troca do dia de feriado; prorrogação de jornada em ambientes insalubres, sem licença prévia das autoridades competentes do Ministério do Trabalho, entre outros. Não obstante as mudanças ocasionadas pela nova lei, resta incontroverso que o trabalhador que exceder a sua jornada de trabalho deve ser remunerado com o acréscimo de 50% referente a essas horas extraordinárias. Vale ainda ressaltar que “[...] o trabalho extraordinário deve ser considerado excepcional; sua permanência representa um retrocesso histórico”210. Ou seja, apesar de prever a exceção à regra, tipificou para que isso não ocorresse com habitualidade e fosse de fato uma jornada extraordinária, como o próprio nome diz. A limitação do tempo de trabalho, portanto, sob a perspectiva inversa, o respeito ao direito à desconexão, são garantias tanto para quem trabalha quanto para quem emprega a força de trabalho, ou mesmo para a própria sociedade. Uma sociedade de indivíduos que trabalham em tempo integral e não conseguem ler, passear, brincar, amar, é uma sociedade doente e sem perspectivas de verdadeira melhoria das condições sociais211.

Ao manter o trabalhador laborando, põe-se de lado a sua saúde, facilita-se o acontecimento de acidentes de trabalho, visto que quando as pessoas estão cansadas ficam mais desatentas. Além disso, priva-se o trabalhador do convívio em sociedade, da vida privada, da família e da sua individualidade. 209 210 211

“Art. 59. § 6º É lícito o regime de compensação de jornada estabelecido por acordo individual, tácito ou escrito, para a compensação no mesmo mês (Lei 13.467/2017)”. CARRION, Valentin. Comentários à Consolidação das Leis do Trabalho. 38. ed. São Paulo. Saraiva, 2013. p. 141. ALMEIDA, Almiro Eduardo de. Direito à desconexão nas relações sociais de trabalho. Almiro Eduardo de Almeida. Valdete Souto Severo. São Paulo: LTr, 2014. p. 19.

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Ao prolongar a jornada, “[...] os empregadores esquecem que diferentemente dos aparelhos eletrônicos, os seus empregados não ligam e desligam ao apertar de um botão. A vida não se resume, somente, em trabalho”212. Atualmente, como bem assevera Almiro Almeida e Valdete Severo213, o tema torna-se de maior importância diante da tecnologia que permite a conexão em tempo integral. A constante inserção de tecnologia no trabalho possibilita a extensão da jornada de trabalho para fora dos limites da empresa. O homem dominou a natureza, criando produtos que permitem contato imediato e em tempo real, seja pelo computador ou pelo celular, e nesse contexto o direito a estar efetivamente desconectado do trabalho tem se tornado uma quimera214.

Os aparelhos eletrônicos colaboram para a contínua produção de bens e serviços transpondo a barreira do tempo e do espaço. Entretanto, apesar de parecer que não há solução para a eterna conexão: [...] o avanço tecnológico apresenta também o paradoxo de que ao mesmo tempo em que permite que o trabalho se exerça à longa distância possibilita que o controle se faça pelo mesmo modo, pelo contato “online” ou outros meios, sendo que até mesmo pela mera quantidade de trabalho exigido esse controle pode ser vislumbrado215.

Nesse sentir, entende-se que os avanços tecnológicos fazem parte da vida e do trabalho contemporâneo. A utilização da tecnologia não é algo condenável, normalmente é um auxílio no desenvolvimento das tarefas. Entretanto, o seu uso inadequado pode causar vários perigos psicossociais e físicos ao ser humano. Os próprios equipamentos eletrônicos e as tecnologias podem ser operados com a finalidade de controlar o trabalhador, de modo a resguardá-lo do excesso de jornada. A primeira empresa que se utilizou da tecnologia para barrar a conexão com o trabalho foi a Wolksvagen na Alemanha. A empresa passou a desligar os servidores entre o final da tarde e o início da manhã para que os seus empregados se desconectas212

213 214 215

SILVA, Gabriela Rangel da. As novas tecnologias no Direito do trabalho: direito à desconexão. CONPEDI Niterói, 2012. p. 20. Disponível em: . Acesso em: mar. 2017. ALMEIDA, Almiro Eduardo de. Direito à desconexão nas relações sociais de trabalho. Almiro Eduardo de Almeida. Valdete Souto Severo. São Paulo: LTr, 2014. p. 45. Idem. MAIOR, Jorge Souto. Do Direito à Desconexão do Trabalhador. Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região. p. 13-14. Disponível em: . Acesso em: mar. 2017.

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sem do trabalho. Desse modo, mesmo que eles tentem trabalhar não conseguiriam acessar o sistema216. O Direito à desconexão, portanto, se materializa no Direito de não trabalhar mais do que se deveria (jornada de trabalho), na preservação da vida privada, da intimidade, do lazer, da saúde, entre tantos outros Direitos. Afinal, a sobrecarga de trabalho para além dos limites da vida profissional incorre em riscos na existência do ser humano. 2.3

A EFETIVA PROTEÇÃO AO DIREITO À DESCONEXÃO E AS SUAS CONSEQUÊNCIAS PARA UM CRESCIMENTO SADIO DO TRABALHADOR

O fato do Brasil não ter uma legislação específica para a proteção do Direito à Desconexão, deixa o trabalhador contemporâneo desprotegido. A Constituição Federal e a Consolidação das Leis do Trabalho apesar de não tratarem das modernidades que acercam a vida e o trabalho hodierno, não ignoram totalmente a realidade em que vivem. A realidade social da aceleração, dos horários desregulados, da precarização, dos abusos, das transgressões, entre tantas outras causalidades que ocorrem com o trabalhador contemporâneo são abarcadas pela legislação brasileira. A legislação é contundente quando ao tempo de jornada, a necessidade do descanso e lazer, do Direito à saúde, família, vida privada etc. É comum encontrar a concessão do Direito à Desconexão relacionada ao sobreaviso na jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho e dos Tribunais Regionais: Agravo de instrumento. Recurso de revista. Sobreaviso. Plantão. Uso de celular. Súmula 428 do TST 1. Considera-se em regime de sobreaviso, para o efeito da Súmula 428 do TST, o empregado que, em período predeterminado pelo empregador, aguarda contato mediante o uso de telefone celular para possível convocação da empresa. Ao restringir a liberdade de locomoção do empregado e de ele dispor livremente do período de descanso, como bem lhe aprouver, o empregador submete-o a um sistema de plantão e de efetivo sobreaviso que justifica uma contraprestação salarial específica. 2. Agravo de instrumento da Reclamada Corpflex Informática S.A. de que se conhece e a que se nega provimento217. 216

217

JORNAL O ESTADO DE SÃO PAULO. Franceses agora têm direito à desconexão. Disponível em: . Acesso em: mar. 2017. BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Recurso de Revista: 1448-25.2011.5.02. 0201: Corpflex Informática S.A.X Fábio Batista Urias, Sion Tecnologia e Consultoria

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Sobreaviso. Caracterização. Demonstrado que o empregado permanecia em regime de plantão, aguardando a qualquer momento o chamado para o serviço por meio de telefone celular, resta caracterizado o sobreaviso. Aplicação do item II da Súmula 428 do TST218.

Sobreaviso é um critério especial de cômputo da jornada de trabalho originado na categoria dos ferroviários. Entende-se por sobreaviso o período tido como integrante do tempo de serviço do obreiro em que permanece em sua própria casa aguardando o momento de ser chamado para o serviço, art. 244, § 2º, CLT219. O legislador amenizou os efeitos do art. 4º da CLT220, uma vez que não concedeu o valor da hora cheia, mas apenas de 1/3 de horas normal, já que, apesar de relativamente limitado o direito de ir e vir, o trabalhador permanece no seu lar ou em qualquer outro lugar próximo realizando atividades que não impossibilitem o trabalho caso necessário221. Apesar de o instituto ter nascido no âmbito ferroviário, ele foi estendido para os demais modos de trabalho, uma vez que houve a disseminação dos meios telemáticos ou informatizados e que se tornou cada vez mais comum as pessoas se utilizarem desses sistemas. Com a finalidade de esclarecer que a simples manutenção de aparelhos celulares ou equivalentes não caracteriza o sobreaviso, o TST publicou a Súmula 428: SOBREAVISO APLICAÇÃO ANALÓGICA DO ART. 244, § 2º DA CLT (redação alterada na sessão do Tribunal Pleno realizada em 14.09.2012) -Res. 185/2012, DEJT divulgado em 25, 26 e 27.09.2012 I – O uso de instrumentos telemáticos ou informatizados fornecidos pela empresa ao empregado, por si só, não caracteriza o regime de sobreaviso.

218

219

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221

em Informática LTDA e Livraria Internacional – SBS LTDA, Rel. Min. João Oreste Dalazen, 4ª T. Disponível em: . BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região. Recurso Ordinário: 0020005-90.2015.5.04.0451: Luciani da Silva Steffler X Mara Regina Virote, Relª. Tânia Regina Silva Reckziegel, 2ª T. Disponível em: . “Art. 244. As estradas de ferro poderão ter empregados extranumerários, de sobreaviso e de prontidão, para executarem serviços imprevistos ou para substituições de outros empregados que faltem à escala organizada. § 2º Considera-se de ‘sobre-aviso’ o empregado efetivo, que permanecer em sua própria casa, aguardando a qualquer momento o chamado para o serviço. Cada escala de ‘sobre-aviso’ será, no máximo, de vinte e quatro horas, as horas de ‘sobre-aviso’, para todos os efeitos, serão contadas à razão de 1/3 (um terço) do salário normal”. “Art. 4º. Considera-se como de serviço efetivo o período em que o empregado esteja à disposição do empregador, aguardando ou executando ordens, salvo disposição especial expressamente consignada”. CASSAR, Vólia Bomfim. Direito do Trabalho. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2014. p. 625.

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II – Considera-se em sobreaviso o empregado que, à distância e submetido a controle patronal por instrumentos telemáticos ou informatizados, permanecer em regime de plantão ou equivalente, aguardando a qualquer momento o chamado para o serviço durante o período de descanso222.

Almiro Almeida e Valdete Severo223 asseveram que muito embora seja verdade que a simples manutenção de aparelho celular não equivale a “permanecer em sua própria casa”, é evidente que o empregado não goza de plena liberdade nos períodos em que não se encontra na sede da empresa. Ao assumir o compromisso de permanecer “conectado” por meio de um aparelho celular ou BIP, o empregado perde o direito à desconexão, ao efetivo lazer. Não pode ir a locais distantes, sem sinal telefônico ou no qual não possa atender ligações, nem se comprometer-se em atividades de lazer, pois sabe que eventualmente terá de deslocar-se para o trabalho, a fim de atender a alguma urgência224.

O trabalhador tem o Direito à Desconexão do ambiente de trabalho para dar destino como bem lhe aprouver das suas horas de descanso. Quando o trabalhador ficar obrigado a portar equipamentos eletrônicos que lhe mantenham em contato com a empresa para a realização de atividades de cunho laboral, fará jus a remuneração deste tempo à disposição do empregador. O trabalhador tem direito à “desconexão”, isto é, a se afastar totalmente do ambiente de trabalho, preservando seus momentos de relaxamento, de lazer, seu ambiente domiciliar contra as novas técnicas invasivas que penetram na vida íntima do empregado225.

As facilidades de comunicação, experimentadas no final do século passado, devido ao incremento do uso da tecnologia constituem a “marca registrada” deste novo século. Entretanto, quando mal utilizadas acabam por impedir o verdadeiro exercício do direito fundamental à desconexão e, com isso, comprometem a higidez física e mental do trabalhador226. 222

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BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Súmula 248. Disponível em: . Acesso em: jun. 2017. ALMEIDA, Almiro Eduardo de. Direito à desconexão nas relações sociais de trabalho. Almiro Eduardo de Almeida. Valdete Souto Severo. São Paulo: LTr, 2014. p. 61. Idem. CASSAR, Vólia Bomfim. Direito do Trabalho. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2014. p. 625. ALMEIDA, Almiro Eduardo de. Op. cit., p. 46.

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Uma vez que o empregador entre em contato com o empregado em horário distinto do estipulado em sua jornada, acaba por violar o Direito à Desconexão do empregado. O Desembargador Ricardo Artur Costa e Trigueiros, em jurisprudência do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região elucida que: Sobreaviso. Uso de celular. Direito ao lazer e à desconexão do trabalho. Eficácia horizontal dos direitos fundamentais. Pagamento devido. A doutrina do Direito do Trabalho, há muito logrou transcender a visão restrita da jornada enquanto mero tempo gasto diretamente na labuta, criando conceito moderno embasado na ideia da alienação. Sob tal enfoque, constitui jornada, todo o tempo alienado, i. é, que o trabalhador tira de si e disponibiliza ao empregador, cumprindo ou aguardando ordens, ou ainda, deslocando-se de ou para o trabalho. O conceito de alienação incorporou-se ao Direito do Trabalho quando positiva a lei que o tempo de serviço (jornada) compreende o período em que o empregado esteja à disposição do empregador, aguardando ou executando ordens (art. 4º, CLT). Em regra, a jornada de trabalho pode ser identificada sob três formas: (1) o tempo efetivamente laborado (jornada “stricto sensu”); (2) o tempo à disposição do empregador (jornada “lato sensu”) e (3) o tempo despendido no deslocamento residência trabalho e vice versa (jornada “in itinere”). A esses três tipos pode ser acrescido um quarto, que alberga modalidades de tempo à disposição do empregador decorrentes de normas específicas, positivadas no ordenamento jurídico, tais como o regime de sobreaviso e o de prontidão (§§ 2º e 3º, art. 244, CLT). Tanto a prontidão como o sobreaviso incorporam a teoria da alienação, desvinculando a ideia da jornada como tempo de trabalho direto, efetivo, e harmonizando-se perfeitamente com a feição onerosa do contrato de trabalho vez que não se admite tempo à disposição, de qualquer espécie, sem a respectiva paga. Embora o vetusto art. 244, § 2º vincule o sobreaviso à permanência do trabalhador em casa, sua interpretação deve ser harmonizada com a evolução tecnológica, conferindo aggiornamento e alcance teleológico à norma. Ora, na década de 40 não existia bip, celular, laptop, smartphone etc, pelo que, a permanência em casa era condição sine qua non para a convocação e apropriação dos serviços. Em 15.12.2011, o art. 6º da CLT foi alterado passando a dispor que os meios telemáticos e informatizados de controle e supervisão se equiparam aos meios pessoais para fins de subordinação. Por certo o escopo da alteração não é autorizar que a empresa viole o direito ao lazer e ao descanso (arts. 6º da CF/1988 e 1966 da CLT) para permitir o uso dos avanços tecnológicos sem desligar o trabalhador da prestação de serviço. Assim, a subordinação no teletrabalho, embora mais amena que a sujeição pessoal, ocorre através de câmeras, sistema de logon e logoff, computadores, relatórios, bem como ligações por celulares, rádios etc. Nesse contexto se deu a reforma da Súmula 428 do C. TST, ficando assegurado, no caso

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de ofensa à desconexão do trabalho e ao direito fundamental ao lazer, o pagamento de sobreaviso (II, Súmula 428 incidente na espécie). Tal exegese vai ao encontro da eficácia horizontal imediata dos direitos fundamentais (direito ao lazer e à desconexão), fazendo jus o reclamante ao tempo à disposição sempre que ficou em sobreaviso. Recurso patronal não provido227.

Vólia Cassar228 leciona que a partir do momento em que o empregador contatar o empregado para a realização de serviço esse lapso temporal em que o trabalhador fica ao telefone, no computador ou intercomunicador resolvendo questões da empresa é tempo de trabalho, ou seja, deverá ser remunerado como hora extraordinária de trabalho. Vale ressaltar que o descumprimento dos Direitos Trabalhistas constitui ato ilícito nos tempos do art. 9º da CLT229 ou mesmo arts. 186230 e 187231 do Código Civil. A ausência de plena liberdade do trabalhador em relação ao tempo não remunerado pelo empregador é justamente o que configura ofensa ao direito à desconexão, determinando a necessidade remuneração que, se não repõe a perda experimentada, ao menos inibe essa prática232.

Entretanto, quando há reiterada inobservância do descanso e do lazer e uma constante conexão do trabalhador com o seu trabalho, afronta-se o desenvolvimento da pessoa como ser humano. Exigir horas extras habituais, não conceder descansos, exigir horas extras e não remunerá-las, exigir horas extras e compensá-las com folgas concedidas meses depois não são hipóteses de descumprimento de direitos patrimoniais. O valor correspondente às horas de trabalho é talvez o bem menor retirado do trabalhador. 227

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232

BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região. Recurso Ordinário: 1003172-07.2013.5.02.0321: SUPERMERCADOS IRMAOS LOPES S/A X EMANOEL CARLOS DE ALENCAR, Rel. Ricardo Artur Costa e Trigueiros, 4ª T. Disponível em: . Acesso em: jun. 2017. CASSAR, Vólia Bomfim. Direito do Trabalho. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2014. p. 626. “Art. 9º. Serão nulos de pleno direito os atos praticados com o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação dos preceitos contidos na presente Consolidação”. “Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”. “Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes”. ALMEIDA, Almiro Eduardo de. Direito à desconexão nas relações sociais de trabalho. Almiro Eduardo de Almeida. Valdete Souto Severo. São Paulo: LTr, 2014. p. 61.

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Tais condutas implicam suprimir o direito à convivência familiar, à diversão, ao estudo, à leitura, à organização em grupo, à discussão, à intervenção nas questões que afetam a comunidade em que está inserido233.

Souto Maior exemplifica o que ocorre na vida de um trabalhador que tem o seu Direito ao não trabalho frustrado: Para levar esta discussão a um nível inimaginável, pense-se o presente tema sob a perspectiva de um filho que não vê seu pai por dias inteiros, porque este diuturnamente está voltado ao trabalho. A sua preocupação, a do pai, pode ser a mais nobre possível (oferecer meios de subsistência e conforto ao filho), mas pode ser também que a sua vinculação ao trabalho, de forma incessante, não passe de um vício, o vício provocado pela tela do computador ou pela vaidade de galgar posições cada vez mais altas e vencer na concorrência do mundo do trabalho. Pois bem, será que este filho não tem um bem jurídico a ser preservado judicialmente? Será que não tem ele o interesse jurídico para pleitear em juízo que seu pai cumpra o dever de lhe oferecer a sua presença? Será que não se pode pensar no direito a uma indenização para o trabalhador que, por estar subordinado de forma ilimitada ao trabalho, como consequência da rede de produção que lhe impõe seu empregador, acaba negando este direito a seu filho e aos seus demais familiares?234.

O Direito à Desconexão infere na qualidade de vida das pessoas, já que o trabalhador sem tempo para atividades de lazer não consegue acompanhar a vida e o crescimento dos filhos, participar de eventos sociais, ler, ver um filme, participar da sociedade e do cotidiano da sua família. Nesse sentir, surge do Dano Existencial como uma consequência da contínua conexão do trabalhador. O Dano Existencial conceitua-se como: [...] a lesão ao complexo de relações que auxiliam no desenvolvimento normal da personalidade do sujeito, abrangendo a ordem pessoal ou a ordem social. É uma afetação negativa, total ou parcial, permanente ou temporária, seja a uma atividade, seja a um conjunto de ati233

234

ALMEIDA, Almiro Eduardo de. Direito à desconexão nas relações sociais de trabalho. Almiro Eduardo de Almeida. Valdete Souto Severo. São Paulo: LTr, 2014. p. 109. MAIOR, Jorge Souto. Do Direito à Desconexão do Trabalhador. Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região. p. 18. Disponível em: . Acesso em: mar. 2017.

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vidades que a vítima do dano, normalmente, tinha como incorporado ao seu cotidiano e que, em razão do efeito lesivo, precisou modificar em sua forma de realização, ou mesmo suprimir de sua rotina235.

O Dano Existencial é um Dano Extrapatrimonial que se caracteriza pelas alterações ao transcurso natural da vida, seja na impossibilidade de realização de determinada tarefa relacionada à sua vida íntima, na renúncia do seu projeto de vida ou a sua vida de relações236. Por dano existencial (também chamado de dano ao projeto de vida ou prejudice d’agrément – perda da graça, do sentido) compreende-se toda lesão que compromete a liberdade de escolha e frustra o projeto de vida que a pessoa elaborou para sua realização como ser humano. Diz-se existencial exatamente porque o impacto gerado pelo dano provoca um vazio existencial na pessoa que perda a fonte de gratificação vital237.

O projeto de vida se caracteriza pelo planejamento que o ser humano tem da sua própria vida, é a visualização dos próximos passos para se alcançar um objetivo de vida. Já por outro lado, entende-se que a expressão “vida de relação”, sugere as relações pessoais que o ser humano estabelece, seja com a sua própria família, amigos etc.238. Para que o dano ocorra, há necessidade de que haja um efetivo comprometimento no projeto de vida ou na vida de relações jornadas excessivas por si só não caracterizam o dano. Recurso de revista interposto sob a égide da Lei 13.015/2014. Jornada extenuante. Indenização por dano existencial. Não comprovação. Esta Corte tem firmado o entendimento de que a imposição ao empregado de jornada excessiva, por si só, não implica ato ilícito apto a ensejar o pagamento de indenização a título de dano existencial, especialmente quando não comprovado, pelo empregado, prejuízo efetivo. Precedentes. Recurso de revista conhecido e provido239. 235 236

237

238 239

SOARES, Flaviana Rampazzo. Responsabilidade civil por dano existencial. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009. p. 44. SILVA, Gabriela Rangel da. O dano existencial como realização do princípio da dignidade da pessoa humana e dos direitos sociais. Revista Saberes da Amazônia, v. 1, p. 97-129, 2016. Disponível em: . Acesso em: mar. 2017. p. 20. FROTA, Hidemberg Alves da. Noções fundamentais sobre o dano existencial. Revista Latinoamericana de Derechos Humanos, v. 22, jul./dez, 2011. Disponível em: . Acesso em: mar. 2017. p. 244. SILVA, Gabriela Rangel da. Op. cit., p. 22. BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Recurso de Revista: 10919-87.2014.5.15. 0075: NIVALDO EDÉZIO DA SILVA X BRASIL KIRIN INDÚSTRIA DE BEBI-

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Até a entrada em vigor da Lei 13.467/2017 não havia tipificação na legislação trabalhista sobre a indenização do dano existencial, sendo necessária a utilização do art. 8º, parágrafo único, da CLT240, uma vez que o instituto da responsabilidade civil é tipificado no ordenamento comum. Além disso, o dano existencial não possuía quantificação econômica definida, uma vez que se entendia que não se poderia mensurar economicamente os danos extrapatrimoniais, tais como: dano moral, dano à vida privada, à imagem, à integridade intelectual, à saúde, entre tantos outros, que por decorrência do caso em pauta podem ser cumulados entres si241. No entanto, a partir da vigência da Lei 13.467/2017, há inserção do Título II – A, “Do Dano Extrapatrimonial”, tipificando que é causa de reparação o dano de natureza extrapatrimonial a ação ou omissão que ofenda a esfera moral ou existencial da pessoa física ou jurídica242. Os arts. 223-C e 223-D positivam, respectivamente, os bens juridicamente tutelados da pessoa física (a honra, a imagem, a intimidade, a liberdade de ação, a autoestima, a sexualidade, a saúde, o lazer e a integridade física) e da pessoa jurídica (a imagem, a marca, o nome, o segredo empresarial e o sigilo da correspondência). Porém, a mudança mais expressiva suscitada pela nova lei é a limitação para as indenizações recebidas por dano extrapatrimonial na Justiça do Trabalho. A começar da sua vigência, o juízo deverá, ao analisar o pedido, considerar: a natureza do bem jurídico tutelado; a intensidade do sofrimento ou da humilhação; a possibilidade de superação física ou psicológica; os reflexos pessoais e sociais da ação ou da omissão; a

240

241 242

DAS S.A, Rel. Min. Márcio Eurico Vitral Amaro, 8ª T. Disponível em: . Acesso em: jun. 2017. “Art. 8º. As autoridades administrativas e a Justiça do Trabalho, na falta de disposições legais ou contratuais, decidirão, conforme o caso, pela jurisprudência, por analogia, por equidade e outros princípios e normas gerais de direito, principalmente do direito do trabalho, e, ainda, de acordo com os usos e costumes, o direito comparado, mas sempre de maneira que nenhum interesse de classe ou particular prevaleça sobre o interesse público. Parágrafo único. O direito comum será fonte subsidiária do direito do trabalho, naquilo em que não for incompatível com os princípios fundamentais deste”. SOARES, Flaviana Rampazzo. Responsabilidade civil por dano existencial. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009. p. 97-99. “Art. 223-A. Aplicam-se à reparação de danos de natureza extrapatrimonial decorrentes da relação de trabalho apenas os dispositivos deste Título. Art. 223-B. Causa dano de natureza extrapatrimonial a ação ou omissão que ofenda a esfera moral ou existencial da pessoa física ou jurídica, as quais são as titulares exclusivas do direito à reparação”.

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extensão e a duração dos efeitos da ofensa; as condições em que ocorreu a ofensa ou o prejuízo moral; o grau de dolo ou culpa; a ocorrência de retratação espontânea; o esforço efetivo para minimizar a ofensa; o perdão, tácito ou expresso; a situação social e econômica das partes envolvidas; o grau de publicidade da ofensa (art. 223-G). Os valores a serem indenizados vão variar conforme a grandeza da ofensa, sendo vedada a cumulação. Para a ofensa de natureza leve, será arbitrado o valor de até três vezes o último salário contratual do ofendido; para a ofensa de natureza média, até cinco vezes o último salário contratual do ofendido; para a ofensa de natureza grave, até vinte vezes o último salário contratual do ofendido; e, para a ofensa de natureza gravíssima, até cinquenta vezes o último salário contratual do ofendido (art. 223-G, § 1º). Podendo em caso de reincidência entre partes idênticas, o juízo elevar ao dobro o valor da indenização (art. 223-G, § 3º). Apesar da limitação dos valores de indenização do dano extrapatrimonial na Justiça do Trabalho, depreende-se que o desrespeito às normas constitucionais de jornada e, consequente, garantia do Direito à Desconexão requerem responsabilidade dos causadores desse ato ilícito243. O Dano a existência do trabalhador traz uma sensação de que o trabalhador não viveu, somente existiu. De outro modo, o indivíduo como pessoa estava biologicamente vivo, mas essencialmente morto. A submissão do trabalhador a extensas jornadas impede o trabalhador de explorar atividades diversas do trabalho. O tempo que não é destinado a gerar renda é um período secundário, que somente aqueles que conseguiram realizar todas as suas tarefas têm o direito de gozar. O homem só pode desfrutar do seu tempo livre a partir do momento em que as suas necessidades básicas de sobrevivência estiverem atendidas. Preocupado com o pão de cada dia, o trabalhador passa a trabalhar mais para ganhar mais, em um ritmo competitivo, no qual “consumir e ter” é mais importante do que “viver e ser”244.

Nesse sentir, de que “consumir e ter” é mais importante do que “viver e ser”, o tempo se tornou efêmero e raro. Na constante busca de riqueza é necessário expurgar os elementos disfuncionais que não possuem a finalidade financeira. O lazer, vida íntima, família, cultura dissociaram-se do trabalho. 243

244

ALMEIDA, Almiro Eduardo de. Direito à desconexão nas relações sociais de trabalho. Almiro Eduardo de Almeida. Valdete Souto Severo. São Paulo: LTr, 2014. p. 117. GAELZER, Lenea. Ensaio à Liberdade: Uma introdução ao estudo da educação para o tempo livre. Porto Alegre: D.C. Luzzatto, 1985. p. 30.

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É nesse contexto que o Direito à Desconexão, ao Lazer, a Vida Íntima etc. merece atenção. As exigências da vida contemporânea e as novas abordagens que a tecnologia tem trazido para o cotidiano das pessoas, em especial dos trabalhadores, estão longe de produzir ruptura nos padrões jurídicos de proteção do trabalho humano245. Os trabalhadores têm direito ao convívio familiar, social, lazer, a ter atividades prazerosas e sem finalidade lucrativas, a gastar o seu tempo livre como bem lhes aprouver. A facilidade do contato imposta pelos meios tecnológicos não deve ser uma limitadora desses Direitos. O ser humano já passa uma grande parte do seu tempo de vida trabalhando, não é justo que o tempo destinado ao lazer seja, também, utilizado para o trabalho. Por isso, há tipificação Constitucional e infraconstitucional limitando a quantidade máxima de horas a serem trabalhadas durante o dia e a semana, de modo a evitar cargas exaustivas de trabalho, a fim de preservar a saúde e o convívio familiar e social do trabalhador. Desse modo, os Direitos Sociais não podem ser mitigados em detrimento da vida moderna e da Aceleração Social. A utilização da tecnologia não pode abrir espaço para o retrocesso social.

245

MAIOR, Jorge Souto. Do Direito à Desconexão do Trabalhador. Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região. p. 18. Disponível em: . Acesso em: mar. 2017.

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Capítulo 3 A (DES)HUMANIZAÇÃO DO TRABALHADOR NA SOCIEDADE TECNOLÓGICA: REFLEXOS SOCIOJURÍDICOS Hannah Arendt ao tratar da vida activa designa três atividades humanas como fundamentais: labor, trabalho e ação. Ela entende que: O labor é a atividade que corresponde ao processo biológico do corpo humano, cujos crescimento espontâneo, metabolismo e eventual declínio têm a ver com as necessidades vitais produzidas e introduzidas pelo labor no processo da vida. A condição humana do labor é a própria vida. O trabalho é a atividade correspondente ao artificialismo da existência humana, existência está não necessariamente contida no eterno ciclo vital da espécie e cuja mortalidade não é compensada por este último. O trabalho produz um mundo “artificial” de coisas, nitidamente diferente de qualquer ambiente natural. Dentro de suas fronteiras habita cada vida individual, embora esse mundo se destine a sobreviver e a transcender todas as vidas individuais. A condição humana do trabalho é a mundanidade. A ação, única atividade que exerce diretamente entre os homens sem a edição das coisas ou da matéria, corresponde à condição humana da pluralidade, ao fato de que homens, e não o Homem, vivem na Terra e habitam o mundo246.

246

ARENDT, Hannah. A condição humana. 10. ed. Tradução de Roberto Raposo. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2005. p. 15.

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Segundo a autora, essas três atividades e suas respectivas condições possuem íntima relação com as condições mais gerais da existência humana: o nascimento e a morte247. A vida do ser humano é formada por ciclos: na primeira fase se estuda, na segunda fase se trabalha e na terceira fase se descansa. Todavia o ser humano que sempre teve a sua vida condicionada ao estudo e ao trabalho, tem dificuldades em enfrentar a inércia e o ócio. Aquele que vive uma vida cheia de ações não está preparado para estar no exército reserva. Há, também, aqueles que muito trabalharam, para produzir uma contingência de necessidades artificiais e fúteis para si e para a sua família, e na velhice restam doentes, devido aos esforços físicos e psíquicos realizados na juventude. Esses também não vão usufruir como deveriam do descanso. Além desses, existem outros que não aproveitaram o seu treinamento para ócio, por meio das férias, feriados e finais de semana. Essas pessoas hiperativas e alienadas, que estavam contentes por serem úteis aos seus empregadores e a sociedade em geral, também não estão preparados para a aposentadoria. O ser humano está muito preocupado com o trabalho e está esquecendo de que a vida tem um começo e um fim. “Os homens são seres condicionados: tudo aquilo com o qual eles entram em contato torna-se imediatamente uma condição da sua existência”248. Portanto, o mundo em que transcorre a vida activa consiste em coisas produzidas pelas atividades humanas, mas, mais que isso, as coisas que devem a sua essência exclusiva aos homens também condicionam os seus autores humanos. A tecnologia criada pelo homem o condicionou. Tornou o ser humano sedento por velocidade, desempenho, modernidade, avanço, automação, entre tantos outros fatores contemporâneos. Mas ela esqueceu de protegê-lo da sua condição humana que é incapaz de acompanhar as céleres invenções. 3.1

O TRABALHADOR CONTEMPORÂNEO: PARADIGMAS DO MUNDO MODERNO

O trabalhador contemporâneo não foi “programado” para parar, mas sim para estar sempre em atividade. A Globalização e a tecnologia 247 248

ARENDT, Hannah. A condição humana. 10. ed. Tradução de Roberto Raposo. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2005. p. 16. Ibidem, p. 17.

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fazem com que as distâncias não importem, os horários sejam renegados a uma convenção capaz de medir o tempo conforme a localização, o movimento se torne constante e cada vez mais acelerado. O espaço da atualidade é diferente do de outrora. Ele não possui mais endereço físico, terreno, portas e janelas, a localização se dá na cyberesfera. A rede mundial de computadores permite que as pessoas estejam em vários lugares ao mesmo tempo, ou seja, os indivíduos estão em constante movimento apesar de estarem completamente inertes em frente à tela de um aparelho eletrônico. O espaço projetado por essa técnica é radicalmente diferente daquele ao qual o ser humano estava acostumado, já que dessa vez ele é planejado, artificial, não natural; mediado pelo hardware249, não imediato ao wetware250; racionalizado, não comunitário; nacional, não local251. A Globalização está tão arraigada na contemporaneidade que a grande maioria da população mundial entende que o mundo caminha para um destino sem volta. Afinal de contas, a quebra de fronteiras do capital, a livre circulação de bens, a mundialização da cultura e da economia é uma realidade. Porém, há aqueles que não estão se adaptando ou não são aptos a participar desse novo modelo econômico-social. As mudanças causadas pelo atual modo de ver o planeta trazem junto as suas benesses (troca de culturas, redução do preço dos produtos, avanços científicos...) questões como a desterritorialização, aumento das desigualdades, ampliação da poluição e o afastamento das práticas humanas dos seus núcleos de origem. Com isso, a população que está em meio a essas mudanças passa a se polarizar em grupos que são a favor ou contra a total integralização. Os defensores da interação global indicam-na como principal motivadora do crescimento global nas últimas décadas, além de apontá-la como criadora de inúmeras oportunidades de desenvolvimento e progresso. De outra banda, os opositores da globalização atribuem-lhe a culpa pela geração de pobreza e instabilidade global. Em verdade, ambos os grupos têm razão. Os fenômenos (lato senso) têm efeitos positivos e nem tão positivos e sua ocorrência está vinculada à estrutura política, econômica e social de cada realidade nacional252. 249 250 251 252

Hardware é a parte física do computador, ou seja, o conjunto de aparatos eletrônicos, peças e equipamentos que fazem o computador funcionar. O ser humano como síntese do software e do hardware. BAUMAN, Zygmunt. Globalização: as consequências humanas. Tradução de Marcus Penchel. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1999. p. 24. FINCATO, Denise. Trabalho e tecnologia: reflexões. Direito e tecnologia: reflexões sociojurídicas/Amália Rosa de Campos [et al.]; FINCATO, Denise; MATTE, Mauricio; GUIMARÃES, Cíntia (Org.). Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2014. p. 11.

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Os efeitos da Globalização deflagram-se nos mais diversos planos das relações sociais e econômicas, da organização do trabalho ao arranjo político253. Os modos e meios de trabalho sofreram e sofrem drásticas transformações ao passar dos anos e a Globalização é um fator importante, principalmente ao analisar o encontro do trabalho com a tecnologia. As distâncias não mais importam, ao passo que as pessoas são informadas do que ocorre em qualquer lugar em tempo real, usam roupas produzidas na China de marcas consagradas da Espanha, Itália, EUA, entre outros países, come-se o mesmo hambúrguer de uma determinada rede no mundo inteiro, dialoga-se com pessoas em lados opostos do oceano sem a necessidade de se locomover, trabalha-se a distância etc. Segundo Bauman254, uma das principais características da Globalização é a perda de localização, já que a imobilidade deixa de ser uma opção realista em um mundo que está em permanente mudança. Ele cita os acionistas como aqueles que não estão presos em um espaço físico, uma vez que a sua permanência na empresa depende o preço dela na bolsa de valores, sendo lucrativo continuam investido, do contrário trocam o investimento sem medir as consequências. Entretanto, diferentemente dos acionistas, os demais mecanismos da empresa ainda são fixos, porém mutáveis, já que quando deixarem de ser viáveis são trocados por um outro lugar que ofereça melhores condições deixando para traz vários empregados, famílias e comunidades. Nesse sentir, há uma fragilização das relações de trabalho e uma facilitação para transgressões e precarizações. As empresas naturalmente buscam por menores custos de produção para assim garantir o lucro, entretanto, a transferência das suas fábricas para lugares onde os direitos trabalhistas não existem ou são desconsiderados faz com que haja um incentivo ao abandono da proteção social do trabalhador. Mediante as rápidas transformações que a sociedade contemporânea deve suportar, o capital traça estratégias para se ajustar ao “achatamento do mundo” segundo Friedman255. Gabriela Delgado256 exemplifica 253 254 255

256

DE MASI, Domenico, 1938. A economia do ócio/Bertrand Russel, Paul Lafargue; Domenico De Masi, organização e introdução. Rio de Janeiro: Sextante, 2001. p. 191. BAUMAN, Zygmunt. Globalização: as consequências humanas. Tradução de Marcus Penchel. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1999. p. 7-15. FRIEDMAN, Thomas L. O mundo é plano: uma breve história do século XXI. Tradução de Cristiana Serra, Sergio Duarte, Bruno Casotti. Rio de Janeiro: Objetiva, 2007. p. 383. DELGADO, Gabriela Neves. A Constitucionalização dos direitos trabalhistas e os reflexos no mercado de trabalho. Revista LTr, São Paulo, a. 72-05, p. 564-565, maio 2008.

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essas mudanças asseverando que houve uma diminuição do proletariado industrial tradicional que cedeu espaço para formas mais flexíveis de contratação, com destaque para “call center, telemarketing, motoboys, empregados de fast-food etc.”. Também houve um aumento no proletariado de serviços básicos (limpeza, segurança, construção civil etc.), sobretudo devido à ênfase nos processos de terceirização. Além disso, a autora destaca ainda a maciça utilização de mão de obra informal ou “subterrânea” o que, implica maior precariedade. Outra tendência é o crescimento do desemprego entre trabalhadores com maior tempo de escolaridade, sobretudo jovens e adultos com idade máxima de quarenta anos. Paradoxalmente a esse fenômeno os trabalhadores qualificados ocupam postos de trabalho que não necessitariam tanta capacitação para a sua realização. Isso é resultado do acirramento da competição do mercado e a marginalização dos trabalhadores com baixa qualificação. A horizontalização do mundo multiplica inúmeras vezes a competitividade, uma vez que tudo se iguala e o fornecimento torna-se abundante. Antigamente uma companhia que era extraordinária no seu habitat não precisava preocupar-se com o seu vizinho, pois tinha consciência de que o seu produto era de excelência, hoje essa mesma empresa precisa competir com o mundo257. Nessa lógica, o modelo de produção e prestação laboral baseado na indústria acaba por ficar obsoleto, já que nem mesmo a indústria produz tudo o que necessita para poder funcionar. A nova dinâmica alicerçada no processamento e permuta de informações faz com que seja mais fácil terceirizar serviços, já que basta ter o programa certo e habilidades de manuseio para possuir condições de executar determinada tarefa, visto que os processos estão padronizados e digitalizados, tornando a sua manipulação mais fácil e disponível a mais usuários258. O trabalho alienado pensado por Karl Marx259, em meio à revolução industrial, em que o ser humano se submete ao sistema de produção sem desfrutar dos benefícios da sua atividade, vem sendo substituído por outro tipo de alienação, a digital. Segundo Zygmunt Bauman260, há uma artificialização das relações entre os seres humanos e na fluidificação da 257

258 259 260

FRIEDMAN, Thomas L. O mundo é plano: uma breve história do século XXI. Tradução de Cristiana Serra, Sergio Duarte, Bruno Casotti. Rio de Janeiro: Objetiva, 2007. p. 389. Ibidem, p. 383-388. MARX, Karl. Manuscritos econômico-filosóficos. Tradução de Jesus Ranieri. São Paulo: Boitempo, 2008. p. 79-89. BAUMAN, Zigmunt. Modernidade Líquida. Tradução de Plínio Dentzien. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001.

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sociedade, ou seja, a interação deixa de ser pessoal para ser virtual. As pessoas passam a se alienar também do convívio social. A desnecessidade de se “estar junto” trouxe consigo um dos maiores paradigmas atuais da sociedade pós-moderna: as pessoas, através das ferramentas de tecnologia da informação e da comunicação, interagem com um número maior de pessoas, por mais tempo e de forma mais veloz, porém sozinhas, afastadas, apartadas, eis que através de seus computadores, celulares, tablets etc.261.

Vale ressaltar que, além da necessidade que o ser humano possui de ter relações pessoais, a coletividade e companheirismo no trabalho trazem benefícios para além da interação social. Afinal, foi a partir do agrupamento das fábricas que os trabalhadores passaram a se reunir com a finalidade de reivindicar melhores condições de trabalho. A realidade do labor contemporâneo é envolto de inovações tecnológicas, que necessitam de capacitação, constante aprendizagem e disposição para o novo. Além disso, o trabalho é marcado por uma: [...] desmedida ambição de eficiência e de uma alienante corrida ao sucesso, aceleradas pela autocomplacência com o capitalismo competitivo [...]262. Com o tempo de comunicação implodindo e encolhendo para a insignificância do instante, o espaço e os delimitadores de espaço deixam de importar, pelo menos para aqueles cujas ações podem se mover na velocidade da mensagem eletrônica263.

Nesse passo, há expansão do teletrabalho, que tem como base a prestação de serviços, “[...] por meio das ferramentas de comunicação e informação (notoriamente internet), distante do seu tomador de serviços”264. O uso das telecomunicações no trabalho não é algo particular desse século, pois segundo Joel Kugelmass, há indicadores do seu surgimento nos Estado Unidos em 1857, na companhia de estrada de Ferro Pen. Lá, utilizava-se o sistema privado de telégrafo para gerenciar o pes261

262 263 264

GOULART, Lucas Moser. Aspectos do trabalho na sociedade “dita” digital. Direito e tecnologia: reflexões sociojurídicas/Amália Rosa de Campos... [et al.]; FINCATO, Denise; MATTE, Mauricio; GUIMARÃES, Cíntia (Orgs.). Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2014. p. 22. DE MASI, Domenico, 1938. A economia do ócio/Bertrand Russel, Paul Lafargue; Domenico De Masi, organização e introdução. Rio de Janeiro: Sextante, 2001. p. 25. BAUMAN, Zygmunt. Globalização: as consequências humanas. Tradução de Marcus Penchel. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1999. p. 20. FINCATO, Denise. Trabalho e tecnologia: reflexões. Direito e tecnologia: reflexões sociojurídicas/Amália Rosa de Campos [et al.]; FINCATO, Denise; MATTE, Mauricio; GUIMARÃES, Cíntia (Orgs.). Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2014. p. 14.

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soal que estava distante do escritório central. O fio do telégrafo tornou-se um componente da empresa, transformando ela num complexo de operações descentralizadas265. No livro Fazendo do Teletrabalho uma Realidade, Jack Nilles266 cunhou a palavra em inglês telecommuting, que por sua vez, originou a palavra teletrabalho em português. Para ele esse tipo de trabalho distingue-se dos demais pela inversão no deslocamento de ida e volta, uma vez que se passa a levar o trabalho ao empregado em vez de levar este ao trabalho. Logo, o requisito fundamental do teletrabalho consiste no fato do empregado desenvolver as suas atividades a distância, fora da empresa a qual está vinculado. Para a caracterização do teletrabalho, Denise Fincato seleciona três elementos: Topográfico: o teletrabalhador desempenha seu trabalho fora do espaço tradicional da empresa (matriz ou filiais); Tecnológico: o teletrabalhador desenvolve suas tarefas mediante o emprego de tecnologia da informação e comunicação; Organizativo: o empregador ou tomador de serviços deve estar organizado, em sua estrutura de recursos humanos, para o teletrabalho. O teletrabalhador deve estar vinculado a empresa que lhe agrega, ocupar um posto de trabalho, pertencer à organicidade da mesma267.

Sakuda e Vasconcelos classificam o teletrabalho quanto ao contexto parâmetro e modelos, podendo ser dividido em sete categorias, sendo elas: (1) Teletrabalho a domicílio (2) Telecentro – subdividido em Centro administrado pelo empregador, Centro com várias empresas usuárias e Centro público ou semi-público local (3) Escritório flexível/hotelling/hot desking (4) Móvel, independente do local (5) Equipes multi-localizadas e/ou distribuídas (6) Concentrativo (7) Internacional/off-shore268.

265 266 267

268

MELLO, Alvaro. Teletrabalho (telework): o trabalho em qualquer lugar a qualquer hora. Rio de Janeiro: Qualitymark, ABRH – Nacional, 1999. p. 3. NILLES, Jack M. Fazendo do Teletrabalho uma Realidade: um guia para telegerentes e teletrabalhos. São Paulo: Futura, 1997. p. 32. FINCATO, Denise. Trabalho e tecnologia: reflexões. Direito e tecnologia: reflexões sociojurídicas/Amália Rosa de Campos [et al.]; FINCATO, Denise; MATTE, Mauricio; GUIMARÃES, Cíntia (Orgs.). Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2014. p. 14. SAKUDA, Luiz Ojima; VASCONCELOS, Flávio de Carvalho. Teletrabalho: Desafios e Perspectivas. O&S. v. 12, n. 33, p. 40-41, abr./jun. 2005. Disponível em: . Acesso em: jun. 2017.

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Ainda, quanto ao grau de conectividade poderá ser offline (desconectado do polo patronal, não há interatividade ou sincronia na relação), one way line (a comunicação é unimodal, não há interatividade), online (comunicação contínua e total sincronia, sendo a conexão bidirecional)269. A partir da classificação e das características, passa-se a analisar se o teletrabalhador é autônomo ou subordinado, uma vez que estando em uma relação empregatícia pode ser aplicada legislação trabalhista. No ano de 2011, foi publicada a Lei 12.551 que mudou a redação do art. 6º da CLT270 com a finalidade de equiparar os efeitos jurídicos da subordinação exercida por meios telemáticos e informatizados a exercida por meios pessoais e diretos. Ou seja, houve uma tentativa do legislador em garantir proteção ao trabalhador que se submete a essa nova tendência empregatícia. Contudo, a alteração ainda era insuficiente, já que esse novo tipo de trabalho carecia de uma normatização jurídica pátria que abrangesse os seus conceitos e características. Foi com a Reforma Trabalhista, Lei 13.467/2017, que houve a regulamentação do tema a partir da inserção do Capítulo II-A, “Do teletrabalho”, quando se passa a conceituar o teletrabalho como sendo: “[...] a prestação de serviços preponderantemente fora das dependências do empregador, com a utilização de tecnologias de informação e de comunicação que, por sua natureza, não se constituam como trabalho externo” (art. 75-B). Também tipificou que a modalidade de teletrabalho deve ser expressa no contrato individual de trabalho, onde especificará as atividades a serem realizadas (art. 75-C). Poderá ser realizada a alteração entre regimes (presencial e teletrabalho) desde que haja mútuo acordo e registro em aditivo contratual, como também poderá ser alterado o regime de teletrabalho para o presencial por determinação do empregador, garantido prazo de transição de no mínimo 15 dias, com correspondente registro no aditivo contratual (§§ 1º e 2º do art. 75-C). A lei não esclareceu a cargo de quem ficará a responsabilidade pela aquisição, manutenção ou fornecimento dos equipamentos tecnoló269 270

FINCATO, Denise Pires. Novas Tecnologias e Relações de Trabalho: Reflexões. Porto Alegre: Magister, 2011. p. 15. “Art. 6º. Não se distingue entre o trabalho realizado no estabelecimento do empregador, o executado no domicílio do empregado e o realizado a distância, desde que estejam caracterizados os pressupostos da relação de emprego. Parágrafo único. Os meios telemáticos e informatizados de comando, controle e supervisão se equiparam, para fins de subordinação jurídica, aos meios pessoais e diretos de comando, controle e supervisão do trabalho alheio”.

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gicos e da infraestrutura necessária a realização do trabalho remoto, somente previu que deverão ser acordadas em contrato escrito e que essas utilidades não integram a remuneração do empregado (art. 75-D e parágrafo único). Ainda disse que o empregador deverá instruir os empregados quanto às precauções a cargo de evitar doenças e acidentes do trabalho (art. 75-E). Dessa forma houve a exclusão do teletrabalhador do Capítulo “Da Duração do Trabalho” e, consequentemente, suprimiu-se o Direito ao intervalo intrajornada, hora noturna, adicional noturno e hora extra. Com isso, depreender-se que apesar da importante tipificação do teletrabalho, houve um retrocesso no Direito à Desconexão, já que há um franco ataque ao Princípio do Retrocesso social e da Proteção do Hipossuficiente, uma vez que houve supressão de Direitos. Vale mencionar, que para as empresas são inúmeros os benefícios que esse tipo de relação laboral pode trazer, pois diminui os custos de luz, equipamentos, não se faz necessária a contabilização do tempo de deslocamento, a contratação pode-se dar em locais remotos, entre tantos outros. Já para o empregado, o teletrabalho foi publicizado como um novo meio de ganhar tempo e qualidade de vida, fortalecendo as relações familiares e sociais. Entretanto, o que se vê é que há um isolamento do trabalhador, já que por desenvolver a sua função fora das dependências da empresa, geralmente de forma individual, não mantém contato com os seus colegas. Em âmbito familiar, aqueles que trabalham a domicílio, necessitam conciliar casa e trabalho, exigindo um elevado grau de organização e reavaliação do significado pessoal para o tempo. Pois as duas funções passam a coabitar o mesmo espaço, como nos primórdios, porém agora com fiscalização 24 horas271. O constante grau de monitoramento de trabalhabilidade, faz com que o trabalhador queira ser mais produtivo, de modo a justificar as suas “flexibilizações” no trabalho. Entretanto, esse excesso de produtividade e de contraprestação a empresa demanda uma determinada quantidade de tempo, que, provavelmente, ultrapassaria as horas que seriam destinadas ao trabalho se na sede da empresa estivesse, uma vez que lá a atenção seria exclusiva. Com isso, o ser humano que realiza teletrabalho e está consciente do seu ofício como teletrabalhador deve preocupar-se com o gerenciamento do seu tempo, das suas férias, feriados e finais de semana, já que 271

MELLO, Alvaro. Teletrabalho (telework): o trabalho em qualquer lugar a qualquer hora. Rio de Janeiro: Qualitymark, ABRH – Nacional, 1999. p. 13.

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esses não podem se tornar dias de trabalho. Já aqueles tantos outros trabalhadores que seguem o padrão da indústria, devem preocupar-se em não cumprir dupla jornada, na empresa e fora do seu horário de trabalho por meio dos aparelhos telemáticos que permitem a comunicação virtual e telefônica. O teletrabalho e as facilitações que as tecnologias trazem para as profissões em geral são positivas, a desnecessidade de deslocamento para os grandes centros e a disponibilidade de localização traz conveniências. Entretanto, a virtualização da vida e o afastamento dos locais de trabalho, fazem o homem esquecer a sua essência coletiva. O ser humano não foi feito para viver isolado, necessita estar presente, ter relações reais, seja no trabalho ou em família. 3.2

A SOCIEDADE TECNOLÓGICA: SINTOMAS PSICOSSOMÁTICOS

A tecnologia adentra a vida do trabalhador de modo a permear todos os aspectos, desde a vida social por meio das “redes sociais” até a pessoal através de mecanismos eletrônicos que possibilitem enviar mensagens instantâneas e uma infinidade de outros sistemas. No tocante as “redes sociais”, os trabalhadores têm suas vidas monitoradas pelas empresas e acabam por serem selecionados a partir do que compartilham. No quesito individual, as pessoas são atraídas por perfis perfeitos, pela necessidade do pronto atendimento e da comunicação contínua. Entretanto, isso nada mais é do que um alheamento da realidade. Afinal, as pessoas não estão sempre disponíveis, uma vez que tem necessidades fisiológicas, precisam dormir, comer, exercitar-se, entre tantas outras atividades. A tecnologia passa a ser um problema a partir do momento em que o indivíduo se insere na estrutura do imediatismo e da aceleração, de modo a acreditar que está sempre em débito com si mesmo e com a sociedade. A Globalização exige constante aprendizado, seja de um idioma ou de um novo método de gerenciamento, devido à incessante competitividade do mercado de trabalho e consumo. Desse modo, a exigência das empresas por trabalhadores com perfis multitasking272 aumen272

Significa multitarefa, em computação, é a característica dos sistemas operativos que permite repartir a utilização do processador entre várias tarefas simultaneamente. GLEICK, James. Acelerado: Velocidade da vida moderna: O desafio de lidar com o tempo. Tradução de Cristina de Assis Serra. Rio de Janeiro: Campus, 2000. p. 135.

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tou, afinal as pessoas têm que corresponder a níveis cada vez maiores de produtividade. A técnica temporal e de atenção multitasking (multitarefa) não representa nenhum progresso civilizatório. A multitarefa não é uma capacidade para a qual só seria capaz o homem na sociedade de trabalhista e de informação pós-moderna. Trata-se de um retrocesso. A multitarefa está amplamente disseminada entre os animais em estado selvagem. Trata-se de uma técnica de atenção, indispensável para sobrevivência da espécie. [...] As mais recentes evoluções sociais e a mudança de estrutura da atenção aproximam cada vez mais a sociedade humana da vida selvagem273.

Tal exigência, portanto, pode ser apontada como uma das responsáveis pelo aumento de Doenças Relacionadas ao Trabalho274, uma vez que o ser humano tem que se dividir para realizar diversas tarefas ao mesmo tempo. Ao tratar o trabalhador como um mecanismo para a realização do trabalho e distanciá-lo da produção contemplativa, torna-se o trabalho alienado e externo ao trabalhador275. As tecnologias da informação são desenvolvidas para remover qualquer controle residual que os trabalhadores ainda exerçam sobre o processo de produção, com a programação de instrumentos detalhadas diretamente para a máquina, que as cumpre passo a passo. O trabalhador fica impotente para exercer julgamento independente, tanto na fábrica como no escritório, e tem pouco ou nenhum controle sobre os resultados previamente ditados por programadores especializados276.

Dessa forma, o trabalho passa a não ter fim, uma vez que não há mais cronogramas a serem cumpridos e a execução das tarefas é feita objetivamente, não tendo margem para qualquer subjetividade277. Mesmo 273 274

275 276

277

HAN, Byung-Chul. Sociedade do Cansaço. Tradução de Enio Paulo Giachini. Petrópolis: Vozes, 2015. p. 31-32. “São doenças multifatoriais em que o ambiente de trabalho e a execução do trabalho contribuem significativamente, mas identificam-se também características pessoais e outros fatores ambientais e socioculturais entre os fatores de risco” (OLIVEIRA, Chrysóstomo Rocha de. Manual Prático de LER. 2. ed. Belo Horizonte: Health, 1998. p. 99). MARX, Karl. O Capital. 11. ed. Tradução de Reginaldo Sant’Anna. São Paulo: Bertrand Brasil – DIFEL, 1987. v. I, p. 202. RIFKIN, Jeremy. O fim dos empregos: o declínio inevitável dos níveis dos empregos e a redução da força global de trabalho. Tradução de Ruth Gabriela Bahr. São Paulo: Makron Books, 1995. p. 201. Idem.

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para aqueles que amam aquilo que fazem, o trabalho torna-se motivo de angústia, a partir do momento em que nada é suficiente. A sensação de bem-estar e de dever cumprido é substituída por um bloqueio de energias provocando um cansaço físico e mental, como consequência surgem uma série de doenças278. Jeremy Rifkin279, ao citar o modelo de fabricação da Toyota, com práticas de produção enxuta, diz que ela é “gerenciada pelo estresse”, já que o ritmo de trabalho na linha de montagem é acelerado. Além de produzir os carros, o empregado é visto como um “colaborador” da fábrica, possui a função de localizar os pontos fracos do processo. Desse modo, têm-se um aperfeiçoamento constante e uma maior produção, entretanto, o sistema fica pressionado, tornando-se cada vez mais difícil acompanhar o ritmo. Expor o indivíduo a pressões frequentemente torna-se tão potente quanto um microrganismo e bactérias. O conflito entre as metas e a estrutura das empresas, com as necessidades individuais de autonomia, realização e de identidade, são agentes causadores do estresse280. O estresse dos empregados submetidos a esse tipo de produção atingiu níveis alarmantes no Japão. Até mesmo foi cunhado um termo “Karoshi” para explicar a condição pela qual interrompe o trabalho normal e ritmo de vida do trabalhador, levando a um acúmulo de fadiga no corpo e uma condição crônica de excesso de trabalho, agravando de doenças já existentes e resultando num esgotamento fatal281. Han282 trata isso como uma violência imposta pelo excesso de positividade da sociedade contemporânea. Ele acredita que o ser humano está levando o seu corpo ao limite físico e mental constantemente, já que se busca o máximo desempenho em todas as atividades. Entretanto, em algum momento o próprio indivíduo rejeita esse excesso de positividade e começa a sofrer com baixa defesa imunológica, exaustão, sufocamento, entre tantos outros sintomas que são manifestados frente a uma violência neuronal e física. 278 279

280 281 282

MARX, Karl. Manuscritos econômico-filosóficos. Tradução de Jesus Ranieri. São Paulo: Boitempo, 2008. p. 82-83. RIFKIN, Jeremy. O fim dos empregos: o declínio inevitável dos níveis dos empregos e a redução da força global de trabalho. Tradução de Ruth Gabriela Bahr. São Paulo: Makron Books, 1995. p. 204. FRANÇA, Ana Cristina Limongi; RODRIGUES, Avelino Luiz. Stress e trabalho: uma abordagem psicossomática. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2002. p. 122. RIFKIN, Jeremy. Op. cit., p. 205. HAN, Byung-Chul. Sociedade do Cansaço. Tradução de Enio Paulo Giachini. Petrópolis: Vozes, 2015. p. 16-17.

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As pessoas são formadas por um conjunto de dimensões que se relacionam entre si, sendo elas: a biológica (características constitucionais); a psicológica (processos afetivos, emocionais etc.); e a social (valores, crenças, família, trabalho etc.). Como seres únicos todas essas dimensões são ligadas, vividas e desencadeadas de forma simultânea283. As emoções que afetam o indivíduo no ambiente de trabalho decorrentes do choque com a organização do trabalho e que podem gerar doenças vem a ser definidas como doenças psicossomáticas. A palavra psicossomática é um termo tirado de psique (denotando mente, processos mentais, e atividades emocionais) e somático (soma, significando corpo e algo distinto da mente)284.

A preocupação com a saúde do trabalhador surgiu como um assunto importante a ser observado na época da Revolução Industrial, visto que os trabalhadores das fábricas se tornaram vítimas de várias doenças e epidemias decorrentes da exposição a agentes físicos, químicos e biológicos. No entanto, apesar das inúmeras evidências, não se cogitava que as organizações e relações do trabalho poderiam surgir como um importante fator no desenvolvimento de patologias285. Nesse período de surgimento dos Direitos Sociais, a busca central era o direito à vida, no seu sentido mais básico de sobrevivência, ou seja, viver para o operário dessa época era simplesmente não morrer286. Não por acaso, a principal reivindicação era da diminuição das horas da jornada de trabalho, uma vez que submetimento a horas extenuantes e total falta de descanso levavam, frequentemente, as pessoas a óbito. Pode-se dizer que a “história da saúde dos trabalhadores” caracteriza-se pela revelação do corpo como um ponto de impacto da exploração287. Entretanto, por ser um organismo complexo, o ser humano apresenta as suas doenças nas formas mais variadas possíveis. Por isso, na carta de constituição da Organização Mundial de Saúde (1946) define-se 283 284

285 286

287

FRANÇA, Ana Cristina Limongi; RODRIGUES, Avelino Luiz. Stress e trabalho: uma abordagem psicossomática. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2002. p. 20-21. RANGEL, Fabiana Bittencourtt. Sintomas Psicossomáticos e a Organização do Trabalho: um estudo em uma IES. XXXIII Encontro da ANPAD. São Paulo. Disponível em: . Acesso em: jun. 2017. p. 1. FRANÇA, Ana Cristina Limongi; RODRIGUES, Avelino Luiz. Op. cit., p. 25. DEJOURS, Christophe. A Loucura do Trabalho: estudo de psicopatologia do trabalho. 5. ed. ampl. Tradução de Ana Isabel Paraguay e Lúcia Leal Ferreira. São Paulo: Cortez, Oboré, 1992. p. 17. Ibidem, p. 21.

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“saúde” como sendo “um estado de completo bem-estar físico, mental e social, e não consiste apenas na ausência de doença ou de enfermidade”. Desse modo, pode-se entender a saúde como resultado de um equilíbrio entre corpo, mente e convívio social. Contudo, essa harmonia é exposta a prova a todo instante, seja biologicamente, mentalmente ou socialmente. Na perspectiva mental, o ser humano é forçado a fazer movimentos de adaptação todo o tempo, ou seja, ele tenta se ajustar as mais diferentes exigências, seja do ambiente externo (família, trabalho, amigos etc.) ou interno (ideias, sentimentos, desejos, expectativas etc.). Esse esforço em prol da adaptação pode produzir deformações na capacidade de resposta do ser humano, atingindo o comportamento mental e afetivo, o estado físico e o relacionamento com as pessoas. O stress não é sempre uma situação negativa. Ele se torna algo a ser combatido e minimizado quando extrapola níveis aceitáveis, passando a interferir negativamente na vida das pessoas288. A sociedade contemporânea tem a mudança como algo intrínseco ao seu tempo, sendo que a velocidade dessas transformações é cada vez mais acelerada. Com isso, o indivíduo hodierno deve estar apto a fazer transições com habitualidade e destreza. Todavia, esse processo de mudança pode causar tensões e desencadear uma série de doenças biopsicossociais. A necessidade do máximo desempenho, da excelência e da pronta resposta, faz com que o homem apresente doenças somáticas (são sensações e distúrbios físicos com forte carga emocional e afetiva) como a síndrome da fadiga, depressão, de burnout, entre outras289. A insatisfação com o trabalho e com a vida aparece primeiramente por meio da fadiga, sendo ela uma doença psíquica e somática. Essa síndrome nem sempre corresponde a uma excessiva carga de um órgão ou de um aparelho. Pode-se encontrar também na inatividade. Uma vez que essa seja fatigante mediante uma repressão, inibição da atividade espontânea290. Se o trabalho impede a adequada descarga de tensão ou exige demais em função do seu cargo ou organização, parte dessa tensão 288 289 290

FRANÇA, Ana Cristina Limongi; RODRIGUES, Avelino Luiz. Stress e trabalho: uma abordagem psicossomática. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2002. p. 27-29. Ibidem, p. 88. DEJOURS, Christophe. A Loucura do Trabalho: estudo de psicopatologia do trabalho. 5. ed. ampl. Tradução de Ana Isabel Paraguay e Lúcia Leal Ferreira. São Paulo: Cortez, Oboré, 1992. p. 130.

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será represada, acumulando-se no aparelho mental e causando cada vez mais conflitos internos e consequentemente levando a fadiga291. Os distúrbios do sono talvez sejam um dos sintomas mais comuns que uma pessoa pode apresentar quando passa por uma situação que exige esforço, muito embora não seja o único fator. Podendo sentir dificuldade em iniciar e manter o sono (insônia), sonolência excessiva, distúrbios do padrão sono-vigília (sentem-se cansados, sonolentos, porém, seguem acordados), parassonias (sonambulismo)292. A depressão, conhecida como a doença do século, pode ser desencadeada por meio do alto nível de stress, luto, perdas importantes, entre outros fatores. “Ela é uma combinação de sintomas, em que prevalece a falta de ânimo, a descrença pela vida e uma profunda sensação de abandono e solidão”293. Para Han294, a “depressão é a expressão patológica do fracasso do homem pós-moderno em ser ele mesmo”, uma vez que ele carece de vínculos, já que a sociedade está fragmentada e dividida socialmente. A síndrome de Burnout é conceituada como sendo um esgotamento total do indivíduo, decorre de uma exaustão, principalmente como resultado de excesso de trabalho295. “A vivência depressiva condensa de alguma maneira os sentimentos de indignidade, de inutilidade e de desqualificação, ampliando-os. Esta depressão é dominada pelo cansaço”296. Ela é um dos desdobramentos mais importantes do stress profissional, seu conceito, desenvolvido na década de 1970, caracteriza-se por ser uma resposta emocional a situações de stress crônico em função de relações intensas – em situação de trabalho – com outras pessoas ou de profissionais que apresentam grandes expectativas em relação a seus desenvolvimentos profissionais, entretanto, em função de diferentes obstáculos, não alcançam retorno esperado297. “O que causa a depressão do 291 292 293 294 295

296

297

FRANÇA, Ana Cristina Limongi; RODRIGUES, Avelino Luiz. Stress e trabalho: uma abordagem psicossomática. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2002. p. 92. Ibidem, p. 106. Ibidem, p. 88. HAN, Byung-Chul. Sociedade do Cansaço. Tradução de Enio Paulo Giachini. Petrópolis: Vozes, 2015. p. 25-27. RIFKIN, Jeremy. O fim dos empregos: o declínio inevitável dos níveis dos empregos e a redução da força global de trabalho. Tradução de Ruth Gabriela Bahr. São Paulo: Makron Books, 1995. p. 205-206. DEJOURS, Christophe. A Loucura do Trabalho: estudo de psicopatologia do trabalho. 5. ed. ampl. Tradução de Ana Isabel Paraguay e Lúcia Leal Ferreira. São Paulo: Cortez, Oboré, 1992. p. 49. FRANÇA, Ana Cristina Limongi; RODRIGUES, Avelino Luiz. Op. cit., p. 50.

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esgotamento não é o imperativo de obedecer apenas a si mesmo, mas a pressão do desempenho. Visto a partir daqui a Síndrome de Burnout não expressa o si mesmo esgotado, mas antes a alma consumida”298. Vale ressaltar que o mais sadio dos indivíduos pode padecer de uma dessas Doenças Relacionadas ao Trabalho, uma vez que o sistema defensivo não consiga lidar com o cotidiano ao qual são submetidos. Além das doenças psicossomáticas, as lesões por esforço repetitivo (LER) também compõe a lista das enfermidades mais recorrentes na contemporaneidade. O seu surgimento, tal qual as demais, remonta a Inglaterra industrial quando há a passagem do sistema artesanal e familiar para o sistema fabril. Bernadino Ramazzine, intitulado pai da Medicina do Trabalho, relacionou no início do ano 1700 cerca de 50 doenças de origem ocupacional299. LER é um “termo guarda-chuva”, sob o qual se abrigam diversas patologias, síndromes ou distúrbios. Os dois elementos fundamentais para que se possa usar esse rótulo – LER – são, em primeiro lugar, a existência de alguma manifestação referida geralmente aos membros superiores e pescoço, de instalação insidiosa e, em segundo lugar, o nexo com o trabalho300.

As LERs são sinais e sintomas que o corpo apresenta por inflamação das estruturas osteomusculares (músculos, tendões, nervos) dos mais diversos níveis de intensidade, possui origem ocupacional e decorre do uso repetitivo de grupos musculares, uso forçado de grupos musculares e manutenção de postura inadequada durante o trabalho301. Percebe-se que a incorporação da tecnologia foi determinante para o incremento de fatores e surgimento de patologias. Por óbvio que essas inserções trouxeram muitos melhoramentos, deixando os aparelhos mais leves, rápidos, móveis, entre tantas outras características. Entretanto, exigem mais atenção, contínua repetição e pouca movimentação do trabalhador. 298 299 300 301

HAN, Byung-Chul. Sociedade do Cansaço. Tradução de Enio Paulo Giachini. Petrópolis: Vozes, 2015. p. 27. RAMAZZINI, Bernardino. As doenças dos trabalhadores. 3. ed. Tradução de Raimundo Estrêla. São Paulo: Fundacentro, 2000. p. 237-239. OLIVEIRA, Chrysóstomo Rocha de. Manual Prático de LER. 2. ed. Belo Horizonte: Health, 1998. p. 99. REGIS FILHO, Gilsée Ivan. LERs – Lesões por esforços repetitivos em cirurgiões dentistas: aspectos epidemiológicos, biomecânicos e clínicos. Itajaí: Universidade do Vale do Itajaí, 2005. p. 41-43.

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A utilização de aparelhos eletrônicos possibilitou que o trabalhador aumentasse a produção, principalmente das organizações pautadas no just in time302, na gestão do medo e da competitividade, na imposição da autoaceleração, dentre tantos outros meios de controle maximizado do empregado, já o trabalho pode ser levado a qualquer lugar. A Era da Informação303 pouco se assemelha as condições dos primórdios da sociedade industrial, já que as máquinas diminuíram, a velocidade aumentou, as mudanças são frequentes. Com isso, forma-se um exército de pessoas preocupadas com a competitividade e com as necessidades que o consumo impõe. O homem hodierno torna-se mais estressado afim de acompanhar o seu tempo e não dar margem para ser substituído, diante da legião de desempregados que buscam por uma oportunidade no mercado. E, desse modo, a sociedade tecnológica acaba por requerer mais do ser humano, levando-o por vezes ao seu limite. 3.3

A (DES)HUMANIZAÇÃO DO TRABALHADOR NA SOCIEDADE TECNOLÓGICA: VIVER PARA TRABALHAR OU TRABALHAR PARA VIVER?

A informação e a tecnologia fizeram uma nova Revolução. Assim como a agricultura que foi substituída pelas máquinas das fábricas e teve nos substitutos mecânicos e químicos a sua continuidade. O sistema fabril também automatizou a sua produção e fez com que milhões de operários trocassem a indústria pelos setores de serviços. Da mesma forma, quando os setores de serviços começaram a substituir a força de trabalho por tecnologia inteligente e os trabalhadores migraram para áreas como assistência médica, social, entretenimento e turismo304. A tecnologia não foi a única a reinventar os modos de trabalho, mas ela mudou a infraestrutura para um modo global e sem barreiras, ela fez uma nova pangeia, trazendo a flexibilidade como sua grande bandeira, de modo a desconstruir o espaço e o tempo. 302 303

304

Tradução livre: “Na hora certa”. “É formada a partir da ampla penetrabilidade da informação que possibilitou interagir com a economia global e a geopolítica mundial, concretizando um novo estilo de produção, comunicação, gerenciamento e vida” (CASTELLS, Manuel. A sociedade em rede. (A era da informação: economia, sociedade e cultura) São Paulo: Paz e Terra, 1999. v. 1, p. 25). RIFKIN, Jeremy. A terceira Revolução Industrial – Como o poder lateral está transformado a energia, economia e mundo. São Paulo: M. Books do Brasil, 2012. p. 283.

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O ser humano trabalha para produzir e sobreviver, desse modo tem-se no ideário comum que quanto mais se trabalha, mais riqueza produz e melhor será a sua qualidade de vida. Entretanto, o que se percebe é que o trabalhador está vivendo para trabalhar e não ao contrário, uma vez que ele continua trabalhando nos períodos que seriam destinados ao descanso. Muito embora as tecnologias modernas não sejam as grandes causadoras do sofrimento no trabalho, elas levaram a alienação do trabalhador para um nível até então inimaginável. Em tempos de sistema fabril, a alienação do trabalho se dava no âmbito da fábrica e ficava ali adstrita. Na contemporaneidade a tecnologia leva o trabalho a qualquer lugar, atingido novos setores da vida do trabalhador. Nesse sentir, Han, ao descrever a sociedade do cansado, constata que as pessoas reagem a hiperatividade cotidiana com aceleramento, de modo que o trabalhador se tornou o escravo de si mesmo ao ter que estar sempre em prontidão. O excesso de trabalho e desempenho agudiza-se numa autoexploração. Essa é mais eficiente que uma exploração do outro, pois caminha de mãos dadas com o sentimento de liberdade. O explorador é ao mesmo tempo o explorado. Agressor e vítima não podem mais ser distinguidos. Essa autorreferencialidade gera uma liberdade paradoxal que, em virtude das estruturas coercitivas que lhe são inerentes, se transforma em violência. Os adoecimentos psíquicos da sociedade de desempenho são precisamente as manifestações patológicas dessa liberdade paradoxal305.

Cria-se, portanto, uma legião de pessoas viciadas em trabalho (workaholics), que não sabem e não conseguem fazer outra coisa a não ser trabalhar e apresentam dificuldades em conviver com a família, com o lazer e a vida social durante os períodos reservados para o descanso306. Trabalha-se tanto devido à falta de linhas limítrofes entre até onde vai o trabalhador e quando começa o ser humano em meio à tecnologia que pessoas viciadas em trabalho são cada vez mais comuns. Mauricio Serva e Joel Ferreira traçam o perfil de três tipos de perfis de viciados em trabalho, sendo eles:

305 306

HAN, Byung-Chul. Sociedade do Cansaço. Tradução de Enio Paulo Giachini. Petrópolis: Vozes, 2015. p. 30. FRANÇA, Ana Cristina Limongi; RODRIGUES, Avelino Luiz. Stress e trabalho: uma abordagem psicossomática. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2002. p. 97.

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O workaholic “compulsivo-dependente” é caracterizado pela compulsão para trabalhar ou pela dependência de trabalho, o indivíduo trabalha de forma excessiva ou irracional e mesmo reconhecendo o excesso ele não consegue se controlar ou reduzir a sua carga de trabalho. O padrão “perfeccionista” apresenta como principais características a forte necessidade de estar no controle, a forma rígida e inflexível de administrar, a busca agressiva de poder para dominar o ambiente e o trabalho, e a preocupação exacerbada com detalhes, regras e relatórios. Já o padrão denominado “orientado para realização”, manifesta alto desejo para mobilidade superior na carreira e alta motivação de realização, forte identidade com a carreira, habilidade para lidar com a demora de satisfação e disposição para esperar por recompensas; além disso, ele responde positivamente à competição, está disposto a avançar com esforço para atingir a excelência, e anseia por um cargo com mais responsabilidade e renda crescente307.

Essas pessoas são muito valorizadas no meio empresarial, já que são muito produtivas, vivem para a empresa e possuem alto nível de rendimento. Porém, não sabem viver a própria vida, uma vez que gastam grande parte do seu tempo em atividades voltadas para o trabalho, dando demasiada importância para ele e abdicando dos aspectos sociais e individuais. A priori poderia se dizer que esse fenômeno se relaciona a cargos de confiança ou a empregados de alto escalão que necessitam ter uma dedicação exclusiva e não possuem fixação de limite de jornada, como assevera do art. 62, inc. II da CLT308. Entretanto, o que se vê é que os sintomas inicialmente apresentados por pessoas que possuem o vício do trabalho também passam a ser demonstrados por pessoas que não o possuem, porém são levadas a trabalhar em demasia devido ao excesso de controle, medo de perder o emprego, excesso de competitividade, dentre tantos outros fatores. O tempo reservado ao lazer é frequentemente invadido por assuntos de trabalho, por meio dos mais diversos meios eletrônicos. A tecnologia facilitou a conexão e suprimiu a vida privada do trabalhador, tratando com descaso a necessidade de interação social de qualidade. 307

308

SERVA, Maurício; FERREIRA, Joel Lincoln Oliveira. O fenômeno workaholic na gestão de empresas. Rev. Adm. Pública 2006, v. 40, n. 2, p. 179-198. ISSN 00347612. Disponível em: . Acesso em: jun. 2017. p. 186-187. “Art. 62. Não são abrangidos pelo regime previsto neste capítulo: [...] II – os gerentes, assim considerados os exercentes de cargos de gestão, aos quais se equiparam, para efeito do disposto neste artigo, os diretores e chefes de departamento ou filial”.

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Domenico De Masi309 elucida que todos os seres humanos possuem necessidades de tipo existencial (repouso, alimento, reprodução), questões lidadas a sobrevivência. Porém, além dessas questões a espécie humana manifesta outras necessidades, tais como: introspecção, amizade, amor, diversão e convívio. São necessidades qualitativas, cuja satisfação não depende da quantidade, mas da qualidade dos “objetivos” a que aspiram. Mesmo os sujeitos mais “autônomos”, necessitam de “redes de interlocução”, relações constitutivas e comunidades para poder encontrar uma forma de vida significativa310. Entretanto, a luta pela sobrevivência e a exacerbada competição social, que tem por finalidade ascender ou manter o status, faz com que o ser humano se submeta a privação da qualidade de vida. São indivíduos multitasking em relação a sua própria existência, ou seja, são pessoas que não sabem o tempo de trabalhar e descansar, pois não podem não corresponder a expectativa da empresa, da sociedade e da família. O ser humano hodierno acaba por realizar várias tarefas ao mesmo tempo e mesmo assim acredita que poderia fazer mais. O que se quer dizer aqui é que essa nova velocidade, que surgiu da introjeção do exímio e célere processamento de dados, possibilitado pelas novas ferramentas da tecnologia e comunicação, trouxe consigo a criação de novos paradigmas de funcionalidade, desempenho e relações humanas. Isso altera consubstancialmente as relações interpessoais e tanto pessoais do ser humano para / com ele mesmo. A ideia de processamento de dados, velocidade e eficiência que se tem das máquinas não deve e não poderia servir de paradigma para as ações humanas311.

Nesta linha, além da noção de regresso comportamental em virtude dos novos meios de vida, reforça e intensifica a noção de regressão a um estado de desumanização dado ao caráter potencialmente manipulador e alienante do trabalho moderno312. Afinal, “no ciberespaço, não há 309 310 311

312

DE MASI, Domenico. O futuro do trabalho: fadiga e ócio na sociedade pósindustrial. 6. ed. Brasília: UnB, 2001. p. 204. ROSA, Hartmunt. Alienación y Aceleración: Hacia uma teoria crítica de la temporalidade em la modernudad tardía. Madrid: Katz, 2016. p. 136. GOULART, Lucas Moser. Aspectos do trabalho na sociedade “dita” digital. Direito e tecnologia: reflexões sociojurídicas/Amália Rosa de Campos... [et al.]; FINCATO, Denise; MATTE, Mauricio; GUIMARÃES, Cíntia (Orgs.). Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2014. p. 30. ARAÚJO, E. Rodrigues; BENTO, S. Coelho. Teletrabalho e Aprendizagem: Contributos para uma problematização. Textos universitários de ciências sociais e huma-

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território ou tempo”313, de modo que a tecnologia possibilita que aconteça trabalho ininterrupto. Domenico De Masi ao tratar do trabalho e da vida, no livro O Futuro do Trabalho acreditava que a tecnologia iria ser a grande redentora do trabalho: Muitas pessoas que vemos telefonando com celulares – no carro, na rua, nas praias, nos estádios – são teletrabalhadores sem o saber, [...]. Para todas essas pessoas o trabalho e o tempo livre já são uma coisa só, entrelaçada e cômoda. Essa desestruturação do tempo e do espaço representa uma nova revolução existencial que, junto com a organização do trabalho, mudará também a organização e a qualidade de vida. Mesmo porque, radical e global, essa revolução aterroriza, embora seja salvadora314.

Contudo, o que se percebe é que essas pessoas que estão realizando o trabalho na praia, nos estádios e afins não estão melhorando a sua qualidade de vida. O ser humano que vai à praia para trabalhar não está aproveitando efetivamente o momento, uma vez que está de corpo presente e com o pensamento no trabalho. A tecnologia apesar de possibilitar a união do tempo de lazer com o de trabalho, não reabilitou esses dois períodos para que juntos possam ser manejados de forma aprazível, já que a separação da criatividade e do artesanal no trabalho se deu há muito tempo, ainda na indústria. Existe toda uma construção tecnológica que contribui para o estilo de vida multitarefa e acelerado, que acaba invariavelmente sendo utilizado para o trabalho315. A aceleração é tamanha que necessitamos de uma Lei316 que proíba o uso do celular no trânsito. Considerando essa infração gravíssima devido ao fato de que com a atenção dividida aumenta muito a possibilidade de ocorrerem acidentes. Nesse sentir, quantas e quantas vezes o trabalhador não atendeu ao chamado do empregador ou respondeu uma mensagem, enquanto estava no trânsito. O que se percebe,

313

314 315 316

nas. Fundação Calouste Gulbekian. Fundação para a Ciência e a Tecnologia. Maio de 2002. p. 28. FINCATO, Denise. Trabalho e tecnologia: reflexões. Direito e tecnologia: reflexões sociojurídicas/Amália Rosa de Campos [et al.]; FINCATO, Denise; MATTE, Mauricio; GUIMARÃES, Cíntia (Orgs.). Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2014. p. 14. DE MASI, Domenico. O futuro do trabalho: fadiga e ócio na sociedade pós-industrial. 6. ed. Brasília: UnB, 2001. p. 277. GLEICK, James. Acelerado: a velocidade da vida moderna: o desafio de lidar com o tempo. Tradução de Cristina de Assis Serra. Rio de Janeiro: Campus, 2000. p. 136. BRASIL. Lei 13.281, de 04.05.2016. Disponível em: .

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portanto, é um constante deslocamento do trabalho. Os acidentes que antes só poderiam ocorrer no chão da fábrica, são levados aos mais diferentes lugares e objetos que parecem inocentes constituem ferramentas potentes em prol do trabalho. Os valores emergentes da sociedade industrial (produção, lucro, consumo) continuam presentes na sociedade contemporânea, entretanto, agora estão aliados a novos preceitos, como: a dissociação da presença física, Globalização, flexibilização, estruturação do trabalho com base nas TICs, entre outros. Vislumbra-se, portanto, que: A tecnologia da informação e comunicação, ao invés de permitir ao ser humano a ampliação de sua gama de conhecimentos e relacionamentos, quando conjugada ao trabalho nos padrões do capitalismo a todo custo, leva o ser humano à hiperconexão, modalidade neoescravista, que além de gerar o adoecimento psíquico não por acaso tem redundado em condenações judiciais por danos existenciais317.

Desse modo, o sonho de que as máquinas pudessem substituir os seres humanos que remonta a antiguidade foi deixado de lado e substituído por uma concorrência dos próprios homens com aquelas. A utilização da tecnologia integra de tal forma o cotidiano humano que esses acabam por se comportar como se máquinas fossem. Pior, esperam que os trabalhadores hajam de forma programada, maquinista, autônoma, tal qual robôs318. Entretanto, há três fatores da relação do homem-trabalho que devem ser considerados, segundo Christophe Dejours: O organismo do trabalho não é um “motor humano”, na medida em que é permanentemente objeto de excitações, não somente exógenas, mas também endógenas. O trabalhador não chega a seu local de trabalho como uma máquina nova. Ele possui uma história pessoal que se concretiza por uma certa qualidade de suas aspirações de seus desejos, de suas motivações, de suas necessidades psicológicas, que integram sua história passada. Isso confere a cada indivíduo características únicas e pessoais. O trabalhador, enfim, em razão de sua história, dispõe de vias de descarga preferenciais que não são as mesmas para todos e que 317

318

FINCATO, Denise. Trabalho e tecnologia: reflexões. Direito e tecnologia: reflexões sociojurídicas/Amália Rosa de Campos [et al.]; FINCATO, Denise; MATTE, Mauricio; GUIMARÃES, Cíntia (Orgs.). Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2014. p. 15. MARX, Karl. O Capital. 11. ed. Tradução de Reginaldo Sant’Anna. São Paulo: Bertrand Brasil – DIFEL, 1987. v. I, p. 202-209.

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participam na formação daquilo que denominamos estrutura da personalidade319.

Nesse sentir, o trabalho torna-se perigoso para o ser humano quando ele se opõe a sua livre atividade. Dejours320 explica, ainda, que o trabalho livremente escolhido ou organizado pode ser até mesmo um meio de relaxamento, já que uma vez a tarefa terminada o trabalhador se sente melhor que antes de tê-la começado. Todavia, essa é uma das grandes questões da inserção de tecnologia, a tarefa nunca acaba. Utilizando, a título de exemplo, a implementação do Processo Judicial Eletrônico (PJe) no âmbito da justiça brasileira, o que se percebe é que os operadores do direito tiveram que se adaptar a um novo sistema que pressupõe o uso de senhas, aparelhos eletrônicos, serventuários adaptados às formas informáticas. Essa mudança, que foi impulsionada por uma demanda de maior eficiência do sistema judiciário, reduz o deslocamento e a necessidade de estruturas para o armazenamento dos processos. Porém, promove a necessidade de capacitação de todos aqueles que vão se utilizar do sistema, sendo que o serventuário não consegue ver fim na sua tarefa, uma vez que apesar de ter concluído uma série de processos, outros tantos chegaram a sua página de serviço. Desse modo, vivencia-se, um período em que o local e a jornada de trabalho sofreram abruptas mudanças, fugindo do padrão manual até então conhecido. A busca pela celeridade e eficiência não se dá, somente, no âmbito do judiciário, mas sim em todos os tipos de emprego. A tecnologia trouxe novas exigências aos trabalhadores, expandido o expediente a horas e dias antes inimagináveis. Hoje não se pode mais fugir para uma ilha e deixar o trabalho para traz, se a pessoa levar consigo um aparelho eletrônico que seja smart321 o trabalho certamente a encontrará. Entretanto, é crucial que o ser humano não se perca em meio a montanha de prazos a serem cumpridos e esqueça de como é ser “humano”. Importa compreender que o trabalho faz parte de uma grande parte da vida do homem e a tecnologia adentrou a esse espaço para não mais sair. 319

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DEJOURS, Christophe. Psicodinâmica do trabalho: contribuições da Escola Dejouriana à análise da relação prazer, sofrimento, trabalho. Christophe Dejours, Elisabeth Abdoucheli, Christian Jayet. Coordenação Maria Irene Stocco Betiol. Tradução de Maria Irene Stocco Betiol. São Paulo: Atlas, 1994. p. 24. Idem. Tradução literal: “inteligente”.

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Vale dizer que apesar da sociedade ser global, da competitividade ser acirrada, da atualização ser necessária e o desemprego ser ostensivo a máquina não pode tornar-se o paradigma a ser seguido. O trabalhador tem que assumir o controle da tecnologia e não o contrário. Afinal, diferentemente da máquina que um dia restará esquecida e inutilizada quando obsoleta o trabalhador continua sendo um ser humano mesmo quando substituído. Quando se distancia o trabalhador da coletividade para um mundo artificial, subtrai-se do homem a potencialidade de se desenvolver como ser humano e se sentir parte de uma comunidade, já que o afasta do real, do vivo, do humano. Sendo assim, ao tentar tornar-se máquina para acompanhar o ritmo dá tecnologia, o indivíduo contemporâneo é cada vez menos si mesmo e mais parte do virtual, consequentemente menos humano.

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CONCLUSÃO Diante do exposto, conclui-se que a humanidade nunca mudou tanto e tão rápido quanto na contemporaneidade. Em virtude dessas mudanças, surgiram incertezas e inseguranças, regadas por muita instabilidade, já que a sociedade está continuamente em transição. A trajetória dos seres humanos flutua entre períodos com maiores e menores tensões. Sejam elas guerras, massacres, aviltamentos, fogueiras, precarização, de um lado, Direitos, garantias, liberdades, igualdade, solidariedade de outro. Porém, todas as benfeitorias ocorridas na vida dos indivíduos foram precedidas de mortandade. Os Direitos Humanos, ou seja, os Direitos que são intrínsecos a espécie humana independentemente de raça, cor, credo, diferenças biologias, psíquicas e culturais, foram edificados pouco a pouco durante a história da humanidade. Mesmo com o aviltamento humano e a segregação colossal ocorrida na idade antiga (onde nem todos os seres humanos eram considerados pessoas) e na idade média (quando se queimavam mulheres nas fogueiras por serem consideradas bruxas, por exemplo), foi na modernidade, no século XX, que a espécie humana chegou ao auge da sua crueldade ao implodir bombas atômicas em cidades japonesas. Nesse sentir, trata-se no primeiro capítulo, que após a Primeira e a Segunda Guerra Mundial, o ser humano percebeu que era chegado o momento de criar instrumentos que protegessem a espécie, assim sendo, nasce no ano de 1949 a Declaração Universal dos Direitos Humanos. A declaração tinha como objetivo a criação de uma consciência de proteção e valorização da vida, a partir de todos os atos bárbaros e desumanos ocorridos até então. Outrossim, o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana trata o indivíduo como cerne do ordenamento jurídico nacional e alienígena de modo que todos os Estados que possuem ele como seu fundamento têm o dever de reivindicar e preservar a dignidade humana. A valorização do ser humano, a partir desse princípio norteador, vai além do ato de não

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matar, pois está também intimamente ligada a proteção da saúde, individualidade, privacidade, família, qualidade de vida, entre tantos outros desígnios. Intrínseco a proteção ao ser humano como espécie, há a preocupação do indivíduo como trabalhador, uma vez que os Direitos Sociais cresceram transversalmente aos Direitos Humanos. Destaca-se, portanto, o papel garantidor do Direitos Humanos, Fundamentais e Sociais em assegurar que não ocorram retrocessos, mesmo que em tempos de transição social, globalização, crises, flexibilizações. A Constituição Federal de 1988 consagra a proteção desses Direitos, em âmbito Estatal, ao se fundamentar a República no Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, art. 1º, inc. III, ao assegurar os Direitos Sociais no art. 6º e asseverando no art. 5º, § 1º do mesmo dispositivo constitucional que são possuidoras de eficácia imediata os direitos e as garantias fundamentais. A sociedade já passou por inúmeras transformações de modo de vida, as formas de trabalho também acompanharam essas transformações desde o clássico trabalho agrícola ao intelectual. A transição mais marcante foi a do campo para a indústria, onde o ser humano foi introduzido a um novo local, a um diferente meio de subsistência, a jornadas extenuantes de trabalho e a alienação. Nesse período, têm-se a inserção de máquinas movidas a vapor, da luz elétrica, a obtenção de minerais, entre tantas outras benfeitorias e tecnologias. Em síntese, a industrialização lançou um novo modo de trabalhar e consequentemente de se viver, já que separou o tempo do trabalho e o do descanso, incrementou a produção, estimulou o consumo e, por conseguinte, o lucro. O trabalho passou a ser automatizado, logo o trabalhador também, já que com a parcelização dividiu-se a produção, perdendo o aspecto manual, artístico e finalístico. Entretanto, o que começou a mudar lentamente na passagem do agrário para o fabril, passou a ser cada vez mais rápido e com maior complexidade com o advir dos anos. As inovações da ciência e tecnologia tornaram-se constantes e melhores, recolocando em discussão a passagem para um novo tipo de sociedade. Tal qual ocorreu com os Direitos Humanos, foi a partir da Segunda Guerra Mundial que se tornou manifesta uma profunda transformação de época, com a invenção dos computadores, posteriormente do chip, e a partir desse ponto culminante, a microeletrônica mudou o modo de se comunicar, trabalhar e de viver. Houve uma potencialização e disseminações na ocorrência de inovações e no compartilhamento de ideias, a tecnologia saiu dos campos

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de guerra para ser inserida nas telecomunicações, no trabalho e na vida privada, passando a ser uma extensão do corpo do homem. Dessa forma, elas melhoraram a comunicação, o planejamento e a logística das empresas e do cotidiano, tornando possível a transposição das barreiras do tempo e do espaço, de um modo flexível e integrado, conectando ao mundo. Porém, essa forte conexão que a tecnologia propiciou, modificou o modo de trabalhar e de viver, para o bem e para o mau. Assim como ela facilitou a execução de certos serviços, ela ampliou as cobranças por eficiência, por maior produtividade em um menor espaço de tempo. Desse modo, depreende-se que com a intervenção de novos meios de comunicação e com a expansão do uso de aparatos eletrônicos no trabalho, os Direitos até então conquistados, começam a ser relegados. Os meios telemáticos flexibilizam as relações e acabam dando margem para precarizações, uma vez que a falta de fronteiras físicas oportuniza a deturpação da proteção clássica do trabalhador. Nesse seguimento, o segundo capítulo, passa a analisar a relação da aceleração social, o desenvolvimento tecnológico e o labor. Percebe-se que há um incremento da velocidade da produção e uma necessidade de realização imediata do trabalho e, por conseguinte, um aumento no ritmo de vida. As máximas da produção econômica (eficiência, rendimento e produtividade) estão particularmente ligadas a aceleração. O ritmo de vida contemporâneo é mais ágil, devido a inserção de tecnologia, que aumentou muito a comunicação, o conhecimento e as necessidades humanas. O ser humano é mais estimulado a realizar várias tarefas. Assim, além dos seus afazeres cotidianos, o indivíduo necessita saber tudo o que está acontecendo no seu país e no mundo, tem que alimentar plataformas digitais, aprender novas competências, línguas, entre outras qualidades que o diferenciem e o façam essenciais. Ainda assim, percebe-se que a tecnologia em si não é a causadora da aceleração social, ela é uma cooperadora, uma vez que serve a favor do sistema de mercado capitalista, que é competitivo por excelência. Desse modo, entende-se que existe uma linha tênue entre os benefícios e malefícios da utilização de tecnologia. Tal qual promove a aproximação de pessoas que não se vem a muito tempo, controla e vicia aqueles que a utilizam em excesso. No labor, em consequência da sua associação aos padrões capitalistas, ela leva o indivíduo a uma superconexão, já sendo vista como um novo meio neoescravista. Devido a individualização e diminuição de tamanho dos aparelhos eletrônicos (celulares, computadores, entre outros), o ser humano está

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cada vez mais conectado ao mundo virtual e, por meio dele, das ocupações profissionais. O compartilhamento em rede, permitiu que o trabalho seja levado aos mais diversos lugares por meio do e-mail, do whatsapp, das teleconferências criando uma mudança no comportamento das empresas e dos trabalhadores. Essa flexibilização do lugar de trabalho, na maior parte das vezes, faz com que se trabalhe mais, excedendo a jornada e aviltando a vida privada e social. Para resolver essa questão o judiciário passou a punibilizar os empregadores que fazem os seus empregados excederem a jornada, por meio do pagamento de horas extraordinárias decorrentes do direito à desconexão do trabalho. Ou ainda, por meio de uma indenização extrapatrimonial, a título de dano existencial, quando a falta de lazer e descanso atinge o projeto de vida e/ou a sua vida de relações do trabalhador. Portanto, entende-se que devido a aceleração social, a necessidade de o ser humano ser multitarefa e o crescente incremento da telemática, perdeu-se o sentido do lazer em meio a contemporaneidade. Dessa forma, o judiciário teve que intervir para controlar os efeitos negativos da constante conexão do trabalhador com o trabalho e evitar a mitigação de Direitos. Nessa lógica de causa e efeito, no terceiro capítulo, passa-se a averiguar os reflexos sociojurídicos da implementação de tecnologia. Constata-se que há uma expansão do teletrabalho, uma vez que a realização dele se dá por meio das TICs (notoriamente internet) e distante dos tomadores de serviço. Esse tipo de relação laboral favorece o capital, posto que diminui os custos básicos da empresa, o trabalhador não precisa se deslocar, ter intervalos, a contratação pode-se dar em qualquer lugar, mesmo os paupérrimos onde a carga Trabalhista é bem diminuta ou quase inexistente. Entretanto, o maior reflexo social, desse modo de trabalho se dá pela artificialização dos vínculos, uma vez que se perde o contato pessoal para uma relação virtual e descorporificada. As pessoas passam a não interagir pessoalmente umas com as outras e os contatos passam a ser cibernéticos. Por consequência, surgem efeitos na saúde do trabalhador. A falta de relacionamentos pessoais e o excesso de trabalho, faz com que haja um encadeamento de sintomas: isolamento, estresse, depressão, podendo gerar uma série de doenças psicossomáticas e físicas (LERs). A necessidade de acompanhar o seu tempo, de ser multitarefa, faz do homem hodierno uma pessoa insatisfeita consigo mesma e com a sociedade.

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O ser humano é um ser social por excelência, vivemos em conglomerados urbanos, temos uma comunidade, interesses conexos, necessitamos de amigos, de amor, de diversão de convívio social. Nesse sentido, a tecnologia não pode ser instrumento para o regresso social ao tempo das cavernas. Com isso, conclui-se que os meios telemáticos possuem um poder ainda maior de alienação do que aquele motivado pela divisão do trabalho, em tempos de Revolução Industrial. Naquela época alienava-se somente o trabalho, hodiernamente aliena-se o trabalho e a vida, visto que o trabalho vai ao encontro do trabalhador. A proximidade com os sistemas tecnológicos faz com que o ser humano e a sociedade em geral passem a cobrar por mais eficiência, produtividade e prontidão. Criando ambientes artificiais onde o indivíduo deixa de ser humano e se aproxima cada vez mais das máquinas, de forma a promover a desumanização do trabalhador. Resta claro que a tecnologia não vai retroceder, irá somente avançar em prol de uma maior conectividade, virtualidade, geração de riquezas, criando benefícios e malefícios para a sociedade. Entretanto, os Direitos Humanos e Fundamentais devem prevalecer, e fazer valer a proteção ao ser humano em sua matriz de Dignidade Fundamental, não aceitando qualquer mitigação de Direitos e buscando fortalecer os laços fraternos que unem o ser humano mediante a sua condição humana.

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ÍNDICE REMISSIVO

A • Abreviaturas e siglas ......................................................................................... 11 • Aceleração social e a hiperconexão humana ..................................................... 50 • Aceleração social e desenvolvimento tecnológico: o direito à desconexão dos trabalhadores .............................................................................................. 49 • Âmbito laboral. Evolução da dignidade da pessoa humana e sua influência no âmbito laboral .............................................................................................. 17 • Automatização do trabalhador em função da implementação de tecnologias.... 38 • Automatização do trabalhador. Dignidade da pessoa humana na sociedade tecnológica: rumo à automatização do trabalhador ........................................... 17

C • Conclusão ....................................................................................................... 101 • Contemporaneidade. Formação do trabalhador na contemporaneidade: da sociedade pré-industrial ao advento da sociedade pós-industrial ...................... 27 • Crescimento sadio. Efetiva proteção ao direito à desconexão e as suas consequências para um crescimento sadio do trabalhador...................................... 67

D • Desconexão dos trabalhadores. Aceleração social e desenvolvimento tecnológico: o direito à desconexão dos trabalhadores .......................................... 49 • Desconexão. Direito à desconexão: uma análise sobre o ordenamento jurídico brasileiro e tendências internacionais........................................................ 58

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Gabriela Rangel da Silva

• Desconexão. Efetiva proteção ao direito à desconexão e as suas consequências para um crescimento sadio do trabalhador......................................... 67 • Desenvolvimento tecnológico. Aceleração social e desenvolvimento tecnológico: o direito à desconexão dos trabalhadores .......................................... 49 • Dignidade da pessoa humana na sociedade tecnológica: rumo à automatização do trabalhador ......................................................................................... 17 • Dignidade da pessoa humana. Evolução da dignidade da pessoa humana e sua influência no âmbito laboral ....................................................................... 17 • Direito à desconexão: uma análise sobre o ordenamento jurídico brasileiro e tendências internacionais................................................................................ 58

E • Efetiva proteção ao direito à desconexão e as suas consequências para um crescimento sadio do trabalhador ...................................................................... 67 • Evolução da dignidade da pessoa humana e sua influência no âmbito laboral .... 17

F • Formação do trabalhador na contemporaneidade: da sociedade pré-industrial ao advento da sociedade pós-industrial ..................................................... 27

H • Hiperconexão humana. Aceleração social e a hiperconexão humana ............... 50 • Humanização. A (des)humanização do trabalhador na sociedade tecnológica: reflexos sociojurídicos.............................................................................. 77 • Humanização. A (des)humanização do trabalhador na sociedade tecnológica: viver para trabalhar ou trabalhar para viver? ............................................ 93

I • Introdução ......................................................................................................... 13

Tecnologia e Relação de Trabalho

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M • Modernidade. Trabalhador contemporâneo: paradigmas do mundo moderno. ................................................................................................................ 78

O • Ordenamento jurídico. Direito à desconexão: uma análise sobre o ordenamento jurídico brasileiro e tendências internacionais ....................................... 58

P • Psicossomático. Sociedade tecnológica: sintomas psicossomáticos ................. 86

R • Referências ..................................................................................................... 107 • Reflexos sociojurídicos. A (des)humanização do trabalhador na sociedade tecnológica: reflexos sociojurídicos .................................................................. 77

S • Sigla. Abreviaturas e siglas ............................................................................... 11 • Sociedade industrial. Formação do trabalhador na contemporaneidade: da sociedade pré-industrial ao advento da sociedade pós-industrial ...................... 27 • Sociedade tecnológica. A (des)humanização do trabalhador na sociedade tecnológica: reflexos sociojurídicos .................................................................. 77 • Sociedade tecnológica. A (des)humanização do trabalhador na sociedade tecnológica: viver para trabalhar ou trabalhar para viver? ................................ 93 • Sociedade tecnológica. Dignidade da pessoa humana na sociedade tecnológica: rumo à automatização do trabalhador ................................................... 17 • Sociedade tecnológica: sintomas psicossomáticos............................................ 86

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T • Tecnologia. Aceleração social e desenvolvimento tecnológico: o direito à desconexão dos trabalhadores ........................................................................... 49 • Tecnologia. Automatização do trabalhador em função da implementação de tecnologias ................................................................................................... 38 • Tecnologia. Sociedade tecnológica: sintomas psicossomáticos ........................ 86 • Trabalhador contemporâneo: paradigmas do mundo moderno ......................... 78 • Trabalhador. A (des)humanização do trabalhador na sociedade tecnológica: viver para trabalhar ou trabalhar para viver? ............................................... 93 • Trabalhador. Automatização do trabalhador em função da implementação de tecnologias ................................................................................................... 38 • Trabalhador. Efetiva proteção ao direito à desconexão e as suas consequências para um crescimento sadio do trabalhador ......................................... 67 • Trabalhador. Formação do trabalhador na contemporaneidade: da sociedade pré-industrial ao advento da sociedade pós-industrial .................................. 27 • Trabalho. A (des)humanização do trabalhador na sociedade tecnológica: viver para trabalhar ou trabalhar para viver? .................................................... 93