Stanislavski e o Teatro de Arte de Moscou ; do Realismo Externo ao Tchekhovismo

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Próximo lançamento O Teatro Épico Anatol Rosenfeld

Este livro, conforme palavr as do próprio autor, baseia-se numa "abordagem integrativa histórico-estética", e esta abordagem foi acompanhada de uma reflexão mu ito séria e pessoal , baseada freqüentemente em elementos tirados da prática teatral e não apenas do embasamento bibliográfi co. A descrição que ele no s apresenta da evolução do teatro de Stanislavski, at é o seu encontro com a dramaturgia tchekhoviana , encontro esse qu e não foi uma assimilação pacífica e cordata, mas, pelo co n trário , um entrechoque frutífero de co ncepções e vivência s artísticas, traz a marca do historiador de teatro , preocupado com o que resultou de todo este acervo de experiências, com a sua ressonância no mundo e no Brasil em particular, mas so bre tudo a mar ca de um ensaísta que co nsegue tran smitir o fluir da história, com algo de ficcional e que, por isto mesmo, alcan ça maior força de convi cção: há nestas página s, inequivocamente, qualquer co isa de romance ou de novela, a par da acurada pesquisa documental e da preocupação con stante com o mundo das idéias.

Boris Schnaiderman

debates

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de Arte de Moscou Stanisfavski e o Te atr o

Coleção Debates Dirigida por J. Guinsbur g

Equipe de realização - Revisão : Plinio Martin s Filho ; Produção : Plinio Martin s Filho ; Diagramação :Studio Grieco .

j. guinsburg

STANISLAVSKI E O TEATRO DE ARTE .DE M OSCOU DO REALISMO EXTERNO AO TCHEKHOVISMO

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EDITORA PERSPECTIVA

A cortina do TAM com as ondas estilizadas e as gaivotas no centro.

Para Gita

à mem ória de R egina

Copyright © Editora Perspectiva

Direitos reservados à EDITORA PERSP ECTIVA S.A. . Av. Brigadeiro Luí s Ant ônio , 3025 01401 - São Paulo - SP - Brasil Telefon es: 288-8 388 / 288-687 8 19 85

SUMÁRIO

ln trodução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ..

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Stanislavski e o Teatro de Arte de Moscou : Do Realismo Externo ao Tchekhovismo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

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Destaques de um Roteiro

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Apêndice

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Bibliografia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

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Este trabalho muito deve ao estímulo e às sugestões de Sábato Antônio Magaldi e Boris Schnaiderman, bem como à leitura crítica e às correções de João Alexandre Barbosa, Célia Berrettini .e Décio de Almeida Prado. A todos eles, que o examinaram como tese de Livre-Docência junto à Escola de Comunicações e Artes da USP, a Nanci Fernandes e a Celso Lafer, por sua colaboração amiga, os meus agradecimentos.

INTRODUÇÃO À primeira vista não me parece que haja necess idade de justificar longamente o interesse que pode existir, para os estudos teatrais, numa tentativa de desenvolve r um trabalho sobre Stanislavski, mesmo num contexto cultural c numa fase da evolução bastante distantes daqueles que deram origem a suas indagações artísticas e a seu teatro. É ponto pacífico, hoje em dia, pa ra quem quer que se ocupe de algum modo com a arte dramática e a contribuição de seus principais promotores, que Konstantin Sergueievitch Alexeiev se encontra na raiz de algumas etapas, processos e realizações basilares no teatro do século XX. Até certo ponto, poder-se-ía dizer que , se cab e pensar a história da cena moderna como um movimento que se define pró ou contra as idéias e a prática stanislavskiana s, é absolu tamen te impossível pensá-Ias sem elas.

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Assim, entendo que os reflexos desta ação se fizeram sentir no conjunto do processo que nas oito décadas deste século, e talvez um pouco antes, desde os Meininger e Antoine, vem mudando a face - aparência - e o sentido - a essência daquilo que se chama representação teatral. Com Stanislavski, esta arte ganhou forte impulso no rumo que lhe daria um status próprio. Se bem que sejam da maior importância, neste particular, as obras de Gordon Craig, Appia, Fuchs, Reinhardt, Meierhold, Copeau , Artaud, Brecht, Grotovski, não é menos verdade que as definições estéticas e éticas stanislavskianas desempenharam um papel nodal nesta cristalização e nas concepções e correntes que dela brotaram e que continuam atuando com plenitude , e é fácil constatá-lo, na teatralidade atual. Por isso mesmo, a carreira de Stanislavski e as conquistas do Teatro de Arte de Moscou, e mais particularmente o momento em que um e outro alcançaram, enquanto arte do ator e da montagem , o modus faciendi de um certo estilo de representação e uma dramaturgia, têm uma significação que . não fica abrangida e coberta apenas por designações e conceitos estético-críticos como realismo e naturalismo, quarta parede, mímese exterior e interior. E, ainda que não compreendam marcantemente, em seu universo, referências e representações opostas, como seriam as de simbolismo, formalismo cênicos, teatro da convenção, abertura para o público, cena de imaginação e outras a elas aparentadas no tipo de teatralidade que expressam, são fatores relevantes na elaboração histórica e artística que as materializaram como um fazer teatral na arte cênica de nosso século. Se isto for verdade , compreende-se que a avaliação de uma estética teatral contrária, como a de Meierhold, por exemplo, que se propôs a "reteatralizar o teatro" no âmbito russo, mas teve relações obrigatórias com o contexto global desse movimento no Ocidente, dependa também de uma visão adequada da contribuição de Stanislavski e seus parceiros do TAM para as formulações que, a partir deles, embora em oposição a eles, passaram a articular-se e a exprimir-se no palco dra mático. Não foi por ou tro motivo - e na medida em que tenho no meu horizonte de trabalho, como um projeto a ser desenvolvido a seguir , uma análise do processo de "reteatraliza ção" e em particular da obra teatral de Meierhold - que procurei neste estudo prévio captar em tela ampla, com a independência e relevância que o meu objeto específico parece exigir,

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a etapa imed iatamente anterior ao "teatro da co nvenção". T rata-se d~ fase COI~stÚu íd a pei o ~u r8irrientoe definição da " tche khovisrno", a partir do naturalismo ex te rno , no quadro da co m panhia de Kon stantin Alexeiev e Vladimir Ncm irovitc h-Dan tch enko . Até onde conse gui o meu desí gnio, dand o conta das co nce pções e tend ên cias envo lvidas no processo, das criações daí resu lta ntes co mo ex pressões ind ividu ais e gru pais, é algo que não sei dizer. Mas devo co nfessar qu e não foi ou tro o meu pr opósit o. A esta altu ra, tendo assinalado su ficienteme n te o fato de que o present e tr abalh o nasceu de meu int eresse pelo mo vimen to teatr al do século XX em con ju nto , convém acr escent ar que nem por isso eu o vejo co mo desligado da perspe ctiv a cénica b rasileira e do un iverso artístico que ela tem de enfocar. Muit o pelo co nt rário . Ao qu e me parece, o tema guard a um vínculo bast ant e pr ofund o co m o nosso teat ro, so bretudo co m o desen volviment o de que este foi palco na sua chama da fase "mode rna". Digo-o não somen te a parti r da íntima relação da cena no Brasil co m a da Euro pa, em geral. Creio ser fora de pr opósit o par ticul arizar aqui as co nexões e tr oc as, di retas e indire tas, co m a arte cé nica de Os Come dian tes, de Ziembinski, Turk ov, do TBC e, mais especialme nte, através do Group Teatre e do Act ors ' Studio nov a-iorquino s, com Augu sto Boal e o Teatro de A rena, e, de Eugénio Ku snet , com J o sé Celso Mar tinez e o Teatro Oficina. Mas nem a função desemp enh ada pelas idéias e pelo métod o precon izados por St an islavski, nem o int eresse suscitad o por suas realizações se esgotam aí, no que ta nge ao palco nacion al. O atual mom ento cén ico e as escolas de teat ro, para não mencion ar o m ovim en to de ama dores, grup os paralel os, críticos e est u dio sos da arte dram át ica, co n tinu am ma is do qu e nun ca invoc ando con tra e a favor (so b muitas máscaras) a lição sta nislavskia na , seja em term os histór icos, seja met od ol ógicos, a fim de discu tir e ence nar o teat ro qu e preten dem ou co nseguem concretizar. Tr ata -se, quero acredit ar, de algo palp ável, mesm o para quem esteja envolvido co m o fen ôme no teat ral ape nas pelo lado teór ico . Ainda assim.: mais do que esse mom ento br asileiro da difu são e atuaçã o da prop osta do mest re do TAM, a análise que se irá ler , calcada em um a abo rdagem in tegr ati va históri co-est ética, visou basicamente - cump re-me reafirm á-lo à guisa

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de conclusão - a surpreender in nuce os elementos da teatralidade stanislavskiana. Isto é: no seu surgir e individualizar-se, com a dramaturgia de Tchekhov, para a cena russa e mundial , como um conjunto pensado e uma praxis efetivada em orgânica inter-relação, não só com o teatro que o antecedeu, mas também , e principalmente , na perspectiva de hoje , com o que o sucedeu...

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ST ANISLAVSKI E O TEATRO DE ARTE DE MOSCO U: DO R EALISMO EXT ERNO AO TCHEKHOVISMO

No tea t ro russo, o desconten tam ent o co m a artific ialidade e o convencion alismo no repertó rio e na cen ogr afia, bem como a idé ia de que a int erpr etação e a apresen tação correntes não mais co rres po ndiam aos reclamos das verdadeiras fo rças da cria tividade art ística, jun tar am-se , no fim do século XIX, aos estí m ulos prov enientes do moviment o teatral no Ocid ente. De fato , os Meininger, o Th éâtre Libr e de Antoine e as ex peri ências da Fr eie Bühne de Otto Brahm , em seu empenho para recr iar em cen a, co m prec isão por assim dizer cien tífica, a realid ade hist órica , soc ial e psicológic a qu e a dram atu rgia naturalista se propunh a a recortar com o bisturi positivista c a o ferecê -la como tronche de pie, come çava a criar efetivam ent e não só um a nov a tend ên cia estil ística mas um a nova realidade cénica .

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Não se tratava apenas da linguagem naturalista no texto e na repres entação. Na verdade, a tranche de vie, o documento humano e a tese sobr e a sociedade suscitavam um tipo de espetáculo que , pelos cuid ados programát icos com a repr odu ção veraz, pelas pesquis as sociológica s, museológicas e art ísti cas que envolvia e pelos recu rsos. técnicos e aparelha gem teatral que mobiliz ava, impunha uma reorganiz ação pro fund a no trabalho do teatro, passand o este a girar crescen teme nte em torno da direção corno fulcro operacional e esté tico da obra cénica . Era o teat ro do diret or e da mise en scéne, dand o os primeiros passos no caminho que, mais tarde, dep ois do simbolismo, e graças a ele em boa parte, levaria ao teatro teatral. Mas a plena eclosão da esté tica da " tea t ralidade" , ou de sua " poé tica", é algo que pertence a urna fase ult erior do desenvolvim ent o aqui focalizado. Por ora, entretanto , as sugestõ es qu e as buscas e experimentos natu ralistas traz iam, sornado s aos efeitos da revogação do monopólio teat ral detido pelos palcos imperiais e ao ingresso na ativid ade cénica de ato res formados nas escolas de arte dramát ica estabelecidas a partir do iníci o da década de 1880, já se co nsti tuíam em fat ores suficient es no preparo do terreno em que iria fruti ficar a ren ovação art ística do teatro na Rússia. Nesse sentido, um papel mais direto do que o de Antoin e e de Ott o Brahm, cuja irradiação imed iata chegou apen as a círculos restr itos, talvez' tenha cabido à troupe do Duqu e Jorge de Saxe Meiningen (1 826-19 14). Estudioso da histór ia e da arte antig a, desenh ista e entusi asta apaixon ad o pelo teatro, con cebeu o projeto de remodelar as bases vigentes na organização, interpretação e encenação teatrais. Para tant o, fundou em Meiníngen, capital de seu ducado turíngio, em 1870 , urna comp anhi a perm anente, cuja atividade art ística superv isionou pessoalmente , com a colaboração do poeta Bodenstedt, do regente Hans von Bülow, da Baron esa von Heldburg (a atriz Ellen Franz , esposa morganát ica do Duqu e) e, sobretudo, do diretor-intendente Ludwig Chronegk (1837-1 891 ), "o prim eiro de nossos mod ernos r égisseurs", no dizer de Denis Bablet 1 .

1. Le Décor de Théãtre, p. 48 . No entanto, embora destaca ndo o trabalho de Chronegk como ensaiador e organizador, Max Grube, um ator e diret or alemão , q ue par ticipou do elenco dos Meininger, coloca toda a ênfa se criativa e artística na pessoa do próprio Duque, de quem Chr onegk seria uma espécie de lugar-tenent e e factotum , Ver Geschich te der Meninger, trad. inglesa.

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Encenador talentoso, exigente e intransigente , foi o exemplo acabado do " teat rocrata" na Europa da época, Fora do teatro suas relações com os atores e até com os mais humildeste membros do conjunto eram cordialíssimas. Mas a partir do momento em que subia à banqueta de direção, empunhando a famosa sineta, e tão logo o ponteiro do relógio assinalava a hora do ensaio, a ordem "A nfangen i" ("Começar!") submetia tudo à mais rígida disciplina. Sob esta mão de ferro, os Meininger tornaram-se famosos internacionalmente pela escrupulosa encenação de um repertório centrado na História , pelo modo de compor a participação individual e coletiva dos intérpretes e pelas técn icas cénicas. Para o Duque de Meiningen e para Chronegk, uma peça era um todo artístico cuja tradução no palco devia obedecer ao poder unifi cador de alguém que a dirigisse e a quem o elenco tinha de submeter-se para desempenhar-se devidamente na obra comum. Consideravam, ainda, que os papé is precisavam ser entendidos como personagens vivas e que tudo quanto form asse a parte visual do espetáculo devia receber tratamento minucioso. Usavam cortinas e telões pintados, recorrendo mesm o a elementos tridimensionais, e desenvolveram a iluminação cén ica, projetada de lado, e não da ribalta, por bicos de gás, mesclando-os, mais tarde, com arcos vol taic os. Mas o que impressionava especialmente na companhia dos Meininger era o realismo histórico e mesmo etnográfico que fazia de cada peça uma obra significativa de reconstituição ambiental e de cada montagem uma execução cuidadosamente planificada pelo diretor-encenador, ou seja, a dupla Meiningen-Ch ronegk. Aquele teatro turíngio constitu ía, escrev e Stanislavski, "uma nova fórmula da mise en sc êne : exatid ão histórica, movimentos de multidão, excelente apresentação do espetáculo, maravilhosa disciplina, toda a disposiç ão de uma solenidade artística..." 2 . Além dos Meininger, o processo renovador foi também incentivado pela contribuição de Sava Mamontov, um construtor de ferrovias e milionário, que , apaixonado pela arte do teatro, levava espet áculos em sua grande mansão moscovita. Artisticamente dotado, não se limitou ao papel de patrono e anfi tr ião das arte s, cultivando-as ele próprio na qualidade de 2. Ma Vie dons l'art, trad . de Nina Gourfinkcl e Léon Chancerc l, p. 91. A versão em língua inglesa feita a partir da edição russa ap resen ta um texto algo diferente ; v. My Life ÍlI Arr, trad . de G. Ivanov-Mumjiev. p. 156. Minha Vida na Arte. tr ad . de Esther Mesqu ita .

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dramaturgo, cantor e cenógrafo. Interess ado no desenvolvimento de uma arte nacional russa, encontrou no gênero operístico - graças à obra musical dos Cinco: Balakirev, Cui, Borodin, Mussorgski, Rimski-Korsakov, que se desdobrou a partir de 1860 - um campo particularmente propício para fundir suas aspirações e habilidades em realizações originais. Noventa obras estrangeiras e quarenta e três russas, entre as quais A Donzela de Neve e Sadko , de Rimski-Korsakov , Príncipe Igor, de Borodin , e Bóris Gudonov, de Mussorgski, foram parte do importante repertório desta " Ópera Privada", no rol de cujos intérpretes e cantores se inscreviam artistas do porte de um Chaliapin. Mamontov dispensava extremo cuidado aos cenários de suas apresentações e foi especialmente por seu interm édio que os jovens expoentes da escola impressionista e, futuramente, do círculo do Mundo da Arte, como Golovin e outros, subiram ao tablado teatral. Nestas condições, não é de admirar que suas encenações de óperas atraíssem também a atenção pelo impacto de um inusitado requinte plástico , indicando que o diretor moderno, ao conjugar sua atuação com a do pintor, arquiteto e costureiro, podia compor espetáculos de grande' fascínio visual, sem que isto viesse necessariamente em detrimento da , expressão dramática ou musical, nem da vibração ,em ocional e estética da obra. Esta lição fez-se sentir em breve nos Teatros Imperiais, principalmente, que começaram a' convidar pintores, em vez dos costumeiros " decoradores", para imprimirem sua visão criativa nos cenários das óperas e balés, ao mesmo tempo que passaram a cercar de crescente zelo histórico e folclorístico as vestimentas, objetos e aprestos em cena. O interesse e as realizações artísticas de Mamontov não constituíam, todavia , um caso isolado no amb iente da alta burguesia moscovita do fim do século XIX. Nesses círculos, sucediam-se então contribuições de relevo para o progresso cultural e artístico da nação russa. Assim, havia os mecenas que , por amor à pintura, reuniram notáveis coleções de qua· dros, como Pavel Tretiakov, com obras pictóricas em geral, ou Serguei Schukin , com telas impressionistas ou pós-impressionistas; ou que , por gosto pelo teatro, protegeram in íciativas das mais diversas nos domínios da arte dramática, como Sava Morozov, personalidade notável que financiou e estabilizou a vida econ ômica do Teatro de Arte de Moscou, e Alexei Bakhruschin, que fundou o primeiro museu russo dedicado à arte teatral ; ou que, por interesse pelos livros e pela litera-

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tura, ampararam a edição de obras valiosas, como Konstantin Soldatenkove outros. Muitos desses homens pertenciam ao círculo de amizades de Serguei Vladimirovich Alexeiev, um rico industrial têxtil. Casado com Ielisaveta Vassilievna Iakovleva, filha de uma atriz francesa da comédia ligeira, Marie Varlet, foi pai de dez filhos, entre os quais o segundo, Konstantin Alexeiev (1863-1939), tornou-se mundialmente conhecido como ' intérprete e diretor sob o nome artístico de Stanislavski.

As artes e sobretudo o teatro sempre estiveram presentes na casa dos Alexeiev. Seja porque o seu "cultivo" era um valor aristocratizante nas camadas superiores da burguesia russa de então, seja porque a avó comediante, inclusive do teatro francês de S. Petersburgo, mesclara ao sangue da família o seu amor pelo palco, que se manifestou vivamente em quase todos os netos, o fato é que a música, a ópera, o circo, o balé e o jogo dramático faziam parte do repertório das ocupações e preocupações familiares , quer como refinamento, ao lado da educação formal, quer corno divertimento. Na verdade , pode-se dizer que reinava ali o "prazer do teatro". Desde muito cedo, narra Stanislavski em Minha Vida na Arte, o teatro como palco de metamorfose dos seres e das coisas o fascinava. Muitos de seus jogos de criança eram tentativas de apresentar ou imitar números de bailado e circo. Menino de escola, organizou um teatrinho de bonecos onde reproduzia cenas de óperas e balés a que assistia. Quando renunciou, ainda adolescente, a essas brincadeiras teatrais, foi para interessar-se por representações efetivas de grupos de amadores. Esse passo, que marcaria o destino de Stanislavski em muitos aspectos, ele o deu por influência de um estudante que era seu professor e que foi o primeiro a perceber o talento de Konstantin para o palco, despertando nele o amor pela arte do dram a. Lvov, como se chamava o mencionado preceptor, levou o seu pupilo para assistir às apresentações do elenco amador formado por ele próprio e seus amigos. Com isso esteve na origem de dois outros fatos importantes na evolução do futuro renovador do teatro russo. Na verdade , se o grupo de teatro de Lvov era dos mais medíocres, sendo a maioria de seus componentes genuínos canastrões, um destes

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amadores, um acadêmico de Medicina chamado Markov", parecia dotado de talento. Seu desempenho causou profunda impressão em Alexeiev , a tal ponto que, mais tarde, quando começou a aparecer regularmente em cena como intérprete amador, adotou o nome artístico deste ator de outro modo obscuro, que, como ele, era um admirador entusiasta da bailarina Stanislavskaia. A segunda conseqüência marcante da relação com Lvov foi que , sob a sua direção, se organizou a primeira representação amador ística na casa de campo dos Alexeiev, em Liubimovka. O pai de Konstantin mandara cons truir ali um pequeno teatro para a diversão dos filhos e nesse cenário, que teria uma função de tanto relevo no que em breve seria conhecido como o Círculo Alexeiev, Stanislavski estreou no dia 5 de setembro de 1877. O programa, de que participou quase toda a família , inclusive o pai, compunha-se de quatro peças c õmicas: A Dama de Provincia , de Turgueniev, Qual dos Dois, O Velho Matemático e Uma Chávena de Chá. Nas duas últimas, Stanislavski representou com grande sucesso , pelo que afirma uma de suas irmãs, Ana, mas ele próprio ficou descontente com esse desempenho, segundo registra a sua autobiografia. Nos anos subseqüentes, a família de aficionados continuou a apresentar espetáculos teatrais, sobretudo comédias e farsas, e numa delas, A Poção de Amor, Stanislavski alcançou seu primeiro grande êxito de ator, ao interpretarum barbeiro versejador, ao mesmo tempo que dava, enquanto encenador, a primeira direção pessoal, sem ajuda de ninguém, e também , ao dizer de sua irmã Zina, a primeira montagem efetiva e séria do Círculo Alexeiev. A esta altura, tendo abandonado os estudos regulares, passou a trabalhar na empresa do pai por von-o tade própria e lá permaneceu por mais de trinta anos, posteriormente como diretor da firma, dividindo o seu tempo entre os negócios e o teatro.

No mesmo ano de 1888 em que, após um processo de desintegração iniciado em 1887 com o casamento e a deserção de vários membros do Círculo Alexeiev, o pano caía sobre as atividades do elenco familial com a comédia music al Lili, Stanislavski fundou a Sociedade de Arte e Literatura.

3. Mais tarde, Markov casou-se com Maria Alex androvna Sarnarov a, uma das atri zes de Stanislavski na Sociedade de Arte e Litcrutu ra e no Teatro de Art e de Moscou .

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St an islavski no p.lpel J," Dum Juan c Alcxand er l-cdo tov no de Leporello em O Convidado de Pedra de P úchkin , 1889.

o Círculo Alexeiev . Um En saio.

Stani slavski no pap el de Nanki-Pu e sua irmã Ana Schteker como Yurn-Yum, na peça O Micado de Sullivan, 1887.

Nesse período to mava lições de canto lírico com um conhecido tenor, Theodor Komissarjevski , e de interpretação, com a grande atriz do Teatro Mali de Moscou, Glikeria Fedotova ; ded icava-se também ao balé, além de continuar praticando o teatro em grupo de amadores. Em função de tais interesses e das discussões que mantinha'nessas rodas com homens como Fiodor Sologub, artista plástico, poeta e esteta, que seria um dos principais nom es do movimento simbolista russo, e Alex ander Fedotov, ator, encenador de talento e dram aturgo, concebeu o projeto de reun ir, num " clube sem jogo de cartas" , amadores, atores profi ssionais e artistas em geral. O objetivo era o de incentivar as apt idões e preocupações artí st icas e intel ectuais do corpo de associados, organiz ando espetáculos teatrais, exposições, saraus musicais e literários, comemorações e jubileus de escritores, músicos e comediantes. Para tanto, foram previstas três áreas principais de promoção : música, a cargo de Komissarjevski ; artes plásticas, sob a responsabilidade de Solo gub ; e secção dramática, sob a direção de Fedotov. Aí, em dois anos de ativida de, Alexe iev recebeu de Fedo tov, sobr etudo, ensinam entos de teatro que lhe permitiram livrar-se de co nvenções operísticas e insuficiências amad orísticas no desempenho. Autocontrole, ocultamento da emoção interna at ravés de aparência calma, expressão facial e jogo de olhos, revelação de sentimentos refreados e paix ões que se libertam em momento de clímax são alguns dos elementos da arte do ator que Stanislavski começou a aprofundar em suas int erpretações em O Cavaleiro A varo de Púchkin, George Dandin de Moli êre, Dura Sort e de Pissemski, O Con vidado de Pedra de Púchkin e Cabala e Amor de Schiller. Nesta últim a peça , fazia o papel de Ferd inand, e Maria Lilína, um a jovem professora que conhecera alguns meses antes, o de Luísa. E, como conta o próprio Stanislavski, " parece que estávamos enamorados um do outro sem que nós mesmos o soubéssemos . Mas o auditório nos falou a esse respeito. Nós nos beijávamos de man eira muito natural e o nosso segredo se revelou a partir do palco " 4 . Pouco depois , no verão de 1889 , eles se casaram , mas o teatro principal de suas vidas continuo u sendo a vida no teatro. . Bem 'menos feÚz foi a experiência da Sociedade de Arte e Literatura , pelo menos na escala em que fora origina lmente

4. My Life in A rf, p. 142 .

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Stani slavski como Ferdinand e Maria Lilina como Lu ísa em Cabala e A mar de Sch iller . 1889.

Kon stantin 1890.

Stani slavski,

S ta n islavs ki fazendo Ot e-

lo e Khrist ofor Petrossian no desempe nho de lago. 1896.

concebida. Fedotov e Komissarjevski desentenderam-se , o que provocou a demissão do primeiro. Komissarjevski, por seu turno, safou-se logo a seguir do barco que parecia soçobrar. Ao fim, além de um pesado déficit financeiro, restou apenas a secção teatral do clube. Stanislavski assumiu a responsabilidade por ambos. Cobriu pessoalmente as dívidas e passou a supervisionar o grupo dramático. Obrigado a abandonar em 1890 a sede da Sociedade, conseguiu no ano seguinte firmar um acordo com os novos locatários , o Clube dos Caçadores, pelo qual devia apresentar-lhes uma peça por semana. Com o auxílio de Fedotova e de outros atares experi mentados do Teatro Mali, o elenco montou A Noiva Pobre (I890), Não Viva para Comprazer-se (I 890) , ambas de Ostrovski , O Rublo (I 890) , de Fedotov, entre outros textos. Se nestas peças Stanislavski enriqueceu a qualidade de seu desempenho a ponto de chegar a conhecer na adaptação teatral do romance de Dostoievski, A Aldeia de Stepantchikovo e Seus Habitantes (I 891) , "as efetivas alegrias de um verdadeiro atar e criador", como ele mesmo confessas , em Frutos da Instrução (I 891) de Lev.Tolstói, "aprendeu a fazer mises en scênes que revelassem a semente interior da peça?" e seu talento de diretor efetuou uma primeira aparição independente e nítida. O êxito da apresentação, repetida várias vezes, não só melhorou a situação da Sociedade de Arte e Literatura, como chamou a atenção do público moscovita para um grupo de intérpretes que, nas palavras de um dos críticos da época , "poderia formar um teatro capaz de elevar o nível moral e mental da sociedade russa, isto é, de perseguir as verdadeiras .metas da arte dramática" 7 • Assim, com uma soma de experiências mais cristalizadas e apoiado em um conjunto promissor de intérpretes, entre os quais Maria Lilina, sua esposa, Samarova, Lujski, Artiom, Sanin, Alexandrov , atares que estavam dispostos a segui-lo em suas buscas na arte cénica e que por isso mesmo brilhariam com ele no Teatro de Arte, Stanislavski desenvolveu na década de 1890 e, mais especialmente, a partir de 1894 8 , uma série de encenações que, embora não ocultassem a influência marcante dos Meininger na direcão dos atares e na visão

5. Id. , p. 167. 6. Id., p. 165. 7. Apud D. MARGARSHACK, Stanislavsky, p. 79 . 8. STANISLA VSKI , op. cit., p. 98 .

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cenográfica, já traz iam o selo de um espírito inovador, preocu pado em encontrar formas teatrais mai s consentâneas com a represent ação da vida, mais orgânicas em relação ao contex to humano, social, histórico e psicológico con figurado no microcosmo dramático e cênico. Aliás, essa atraçã o transparece at é mesmo na fase que o próprio Stanislavski chamou de " adolescência" teatral , quand o o Círcul o Alexeiev se entre-o tinha, mon tando operetas e "vaudevilles" , A propósito de O Micado, levado à cena em 1887, sob ' a direção de Vladimir Alexei ev, o aut or de Minha Vida na Arte observa : " Como dire to r de cena, ajudei meu irmão mais velho a desc obr ir um novo tom e estilo de enc enação..." 9. A t ítul o de exemplo significat ivo de um pad rão de tr abalh o e pesquisa que será não apen as mantid o, porém aprofund ad o nos anos po steriores, quando Konst ant in Alexeiev atingir a maturidade e a plena consciên cia de sua art e, vale a pena reproduzir a página em que descreve com o foi prep arad o o referido espe táculo :

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... Durant e todo inverno nossa casa parecia um recant o japonês. Uma . fam ília de acroba tas jap oneses, que atuava num circo , perma neceu cono sco dia e noi te. Era gen te mui to dece nte e nos foi de grande aj uda. Ensinaram-nos os costumes nipón icos. o mod o de andar, a postu m, a fo rma de curvar-se, dançar, agitar o lequ e. Fo i um bom exercíc io para o co rpo . Instru ídos por eles, mand amos con feccionar indumen tári as ja po nesas com obis (faixa de tecido sobre o q uimo no) para tod os os atores usarem nos ensaios e nos exe rci tamo s, pond o-os e tirando-os . As mulh eres and avam o dia tod o com as pernas atadas à altura do joelh o, o lequ e fez-se um objc to indi spen sável à vida diári a. Ado ramos o hábit o ja ponês de falar com a ajuda do lequ e. Volta ndo do esc ritó rio o u da fábrica, vestía mos nosso s trajes nip ôn ico s e and ávamos com eles a noite tod a, e o dia todo, nos feriados. À mesa do jantar ou do chá. apresentavam-se jap on eses e japo nesas com lequ es q ue estalejavam qu and o eram abru p tame nte abe r to s ou fechado s. Tí nhamos aulas de danç as jap onesas e as mulh eres aprendera m tod os os co stumes enca ntad ores das gueixas. Sabíamos como girar ritmicamente sobre nossos calcanhares, mostrand o o ra o perfil d ireito ora o esquerdo ; co mo cair no chão, dobrand o-nos co mo ginastas ; co mo corre r com passos miúdos; co mo salta r, levant ando coquc tement e os calcan hares. Algumas das mulheres aprende ra m co mo a tirar o leque no meio da dança, de modo que descrevesse um semicírculo no seu vôo e chegasse às mãos de outro dançari no ou cantor. Aprendem os a faze r prestid igitaçõcs com o lequ e, e a jo g á-lo por sobre o om bro ou a pern a e, o qu e é mais impo rtante, dom inam os todas as posturas nipô nicas com o lequ e. sem ex ce ção, um a série inteira das

9. Op. cit ., p, 98 .

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quais foi distribuída entre as canções e o texto, exatamente como notas na música. Desta maneira, cada passagem, compa sso musical e nota tônica possuía seu gesto, movimento e ação definido s com o leque . Nas cenas de massa, isto é, no coro, cada cantor recebia com o leque a sua própria série de gestos e movimentos para cada nota acentuada, barra musical e passagem. As posturas com o leque dependiam dos arranjos dos grupos e, mais ainda, de um caleidoscópio de grupo s continuamente cambiante s -e moventes . Enquanto alguns dirigiam seus leques para o alto , outros abaixavam-se e os abriam junto aos pés; outros faziam o mesmo para a direita, outros ainda para a esquerda e assim por diante . Surgia um espetá culo impressionante quando esse caleidoscópio entrava em ação nas cenas de massa, e os leques de todo s os tamanhos, cores e tipos voavam pelo ar. Foram prep arado s muitos praticáveis, ou estrados cênicos, de modo que, do proscênio onde os atares estavam deitados no assoalho, até o fundo onde estavam em pé, bem acima do tablado, o arco inteiro da planta baixa do palco podia ser preenchido com os leques. Estes o cobriam qual uma cortin a. Os praticáveis oferecem um velho mas cômodo método para o diretor de cena realizar agrupamentos teatrais. Acrescentem à descrição do espet áculo os trajes pitore scos, muitos dos quais eram realmente japoneses, as armaduras antigas de samurais, as bandeiras, os aspectos verdadeiros da vida japonesa, as nossas compo sições plásticas originais, a nossa habilidade artística, os números de malabarismo e acrobaci a, o ritual todo da apresentação, as dan ças, os rosto s bonito s e a juventude das mulheres, o nosso ardor e temperam ento de moços, e ficará claro que havia ali o suficiente para converter a realização num sucesso... \0 .

Cuidados dessa ordem no detalhe e o mesmo empenho no acabamento, somados às facilidades técnicas oferecidas pelas novas instalações no Clube dos 'Caçadores 11 e sobretudo integrados por uma incessante busca estil ística , deram a Stanislavski os elementos para montar, ainda com o seu grupo da Sociedade de Arte e Literatura, espetáculos de um apuro teatral que superava tudo quanto a mise en scêne russa pudera oferecer até então e que impressionaram profundamente o público moscovita. Particular sensação causavam as cenas de massa, de invocação fantástica e reconstituição histórica. Em Uriel Acosta (1895), o drama de Gutzkow, acerca do famoso cristão-novo português que os rabinos da sinagoga de Amsterdam excomungaram por livre-pensamento, a platéia ficava estarrecida, mormente no segundo ato , quando, em meio à grande festa nupcial oferecida por Manassés, pai da noiva de Uriel, a celebração era interrompida pelo som cavo

10. Op. cit., pp. 97-98.

II. As anteriores foram destruídas por um incêndio em 1891.

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das trompas e pelos agudos cortantes dos clarins que anunciavam a aproximação do cortejo de rabis, em batas pretas, trazendo o anátema. O quadro terminava com os convivas abandonando precipitadamente o "festim, sob os gritos histéricos das mulheres. Mais adiante, a tensão tomava-se maior ainda quando a turba de fanáticos, que perseguia o herético Uriel e quase o matava, impelia Stanislavski, a cujo cargo estava o papel, até a beira do proscênio, onde ele se detinha e enfrentava a multidão. Como que posto diante de um empesteado, o tropel de rostos contorcidos e vozes ululantes paralisava-se de repente no esgar do pavor e a seguir começava a recuar lentamente em face da maligna visão - era uma cena apresentada com tamanho ardor emocional e verossimilhança interpretativa que os limites entre ficção teatral e vida real se apagavam por um momento na imaginação dos espectadores. Estes também eram tomados de assombro nos quadros de desvario de O Judeu Polonês, de Erckmann e Chatrian, melodrama onde um respeitável burgomestre alsaciano, tendo assassinado um rico viajante judeu que lhe pedira abrigo numa noite de tempestade, é acometido de alucinações durante o casamento da filha, que se cfetua anos mais tarde: fantasmas e espectros, gerados por uma sinfonia fantástica de sons e efeitos visuais, o submetem a um julgamento de consciência, que o condena. Elementos simbólicos da mesma natureza foram empregados na estranha mistura de naturalismo e fantasia poética com que , em Ascensão de Hânele (1896), de Hauptmann , o jovem encenador manteve o auditório preso , do primeiro ao último ato , num clima de horror, . compaixão e suspense. Era um espetáculo em que avultava o papel da direção, pois uma complexa marcação audiovisual, não só acompanhava e destacava o jogo dos atores, como tecia uma "atmosfera" que alentava as personagens em cena e o sentido de suas ações : nela, a agonia da pobre menina pôde elevá-la, com realidade teatral , do sórdido ambiente de seu cotidiano, para o mundo seráfico de seus anseios, metamorfoseando mendigos, ladrões e prostitutas do mais baixo grau de degradação humana em figuras luminosas e angelicais. Ainda nessa temporada de 1896, Stanislavski tentou concretizar um sonho que acalentava desde 1882, quando ficara extasiado com a arte de Tomaso Salvini, cujo Otelo lhe parecera "uma imagem maravilhosa e gigantesca ... um

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monumen to a co rpo rificar alguma lei eterna" 12. Não foi isso precisamente o qu e ele co nseguiu na sua inte rpretação . Mas se a sua montagem de Otelo tampouco prim ou pelo tr atam en to dispensado à ex pressão verbal do text o shakes pearian o, ap resen tado aliás numa tr adu ção clau dica nte , revelou. mais um a vez, imaginação inventiv a e renovador a qu ant o à idé ia e ao dispositivo cênicos. St anislavski, além de um a rica e exó tica ambi ência ceno gráfica, de inspiração venezian a e orie n tal, em que linh as sinuosas de ca nais e gôn dolas ou de vielas e baza res se co mpu nham co m alca tifas, almo fadas, cafetãs, alborn ozes e coloridos ade reços, procurou para essa tragé dia do ciúme e da i ntriga não só o respald o psicológico nas mo tivações da alma hum ana como tamb ém sócio-históric o nas relaçõe s do mund o tur co-cipri ot a co m a república dos Doges. No en ta nto , apesa r do b rilho e mesmo fausto das sugestões históri cas e de tod a a ence nação, ou talvez por causa disso, segundo o rep aro crítico do famoso ato r italiano Ernes to Rossi 13 qu e assistiu à representação, a mon tagem não co nvence u a plat éia de Moscou 14 . O mesmo, porém, não aco nteceu com O Sino Submerso. no vame nte um text o de Hauptm ann. É cu rioso que o fu turo palad ino da "rn írnese in terio r" , deva então alguns de seus maior es triun fos justame nte a peças de fo rte cunho simbolista e, em geral, àque las que lhe dão maior oportunidade de efetuar malabarismos de mise en scéne. Como salienta David Magarshack , a pr op ósit o de O Sino Submerso: A peça de Haupt mann, um co nto de fada "filos ófico " . no qu al o pró p rio He inri ch . (a pe rso nagem cen tral) é uma espécie de herói 12. ln My I.ife iII A rt. p. 194 . Nessa co ne xão . ta mbém, Stanislavski co me nta qu e, apesa r da q ualid ade ún ica, havia a lgo no desempenh o de Sa lvini qu e o fazia lem brar o jogo inter pre ta tivo de out ros a tares no táveis, ita lianos e russos, algo que era com um a todos e que " so me n te co med iantes mui to talentosos poss uía m" iid.Y. Pro cura ndo ide nt ificar esse elemen to foi q ue o fut uro au tor do " Método" pôs-se a observa r, desde Sa lvini, " a toa lete p repara tór ia da alma artística" no atar iid., p. 195 ). 13. " Todos esse s brinq uedo s são necess ários q ua ndo não há atares. Uma bela e am p la vest imenta pode cobr ir bem u m carpo de plorável no qua l não pulsa o co ração de um artis ta ...", in My l. ife iII Art, p. 204 . 14. No en ta nto, Mcicrhold , num a car ta de 30 de ja nei ro de 1896 . d iz: ..... O cspetáculo da Soc iedade de Ar te e Lite ra tura me de u muito praze r. Sta nis1avski tem um talento ime nso . Nunca vi um O telo assim e é pouco pr ovável q ue jam ais veja algo seme lhante na Rú ssia" tEcrits sur le th éâtre, t. I , p. 4 7).

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DuaS personagens de O Sino Submerso de G. Hauptmann no TAM, c 1905 .

Uriel A costa de K. Gut:',

Por vai ta de 189 8, Anto n Tchekhov granjeara grand e popularidade na Rússia com seus con tos e novelas, encontrando- se en tão em plena matu ridade criat iva no campo da narra tiva ficcio nal. No tea tro, en tretanto, colhera resultados bas ta nt e magr os, mu ito em bora a cena o seduzisse desde mu it o ced o e este seu interesse, qu er pela fo rm a dramática, quer pela análise crí tica do teatro, já se tivesse m anifestado repet idas vezes em seus escrítos'" . Aos vin te anos, en tre 1880 e 1881 , co mpusera a pr imeira peça, a cham ada " peça sem t ítul o" , às vezes designad o pelo nome de seu protagon ista, Platono v, tex to que só veio a ser publicad o em 19 23 . Con tinha ele figuras e m ot ivos desenvolvidos ult er iorm en te pelo teatr ólogo, mas não ia além do tradi cion al e do co nvencio nal qu anto ao trat am ento do material e não indicava qualidade dram atúrgica nem possibilidade cê nica imp ositiv as. Cerca de tr ês ano s ma is tarde, dram atizand o um de seu s relatos, No Out ono, escreveu uma peça de um ato , Na Estrada R eal, onde um a tavern a de beir a de caminho serve de cen ári o para que algum as figur as de viaja n tes, en tre os qu ais dois estradeírcss" , armem , com as estó rias que narram e as situ ações que prov ocam , uma série de quadros do "dram a da vida", num clima que não deix a de lembrar a atmosfe ra psicot eatral da pr odu ção dramática m ais representa tiva de Tchekhov. An tes , porém, de chegar a ela, o au to r de A Gaivota elabo rou vários textos de um ato , de estilo cômico patétic o ou do gênero "vau devillesco" pelo qu al, dem on strou repetidam ent e forte gosto. Dentre eles, figura O Can to do Cisne. " estu do dram áti co" onde um velh o at o r 67 . Sem renun ciar à " fa tia de vida" co mo parâme tr o princip al. Kon st antin A lexcicv designa a co rren te e a ab o rdagem em cujo âm bito o T.A .M. se m ove co m o sendo a de um " naturalism o es piritual". Cf. Stanislavsky's Legacy, p. 129. 68. Ettore Lo Ga t to, em sua S to ria del Teatro R usso, obse rva. con test and o a id éia de qu e a relação de Tchekhov com o teat ro se es ta be lecera casualme n te : uI? um fato qu e desde seus primeir os ar tigos. [eu illetons. reccn sões e con tos hum orí sti cos. Tche k hov teve no âm bito de seu amp lo horizo nt e fenôme no s te atr ais diver sos : o repertór io, o m odo de recit ar do s a ta res. a encenação. o destino do s teat ros. a exis tê ncia do mun do tea tral" (o p. cit.. v. II. p. 3). 69 . Um de les é a person age m cen tra l. e amb os pre figuram co m vigor a galeria go rkiana dos "vagab undo s" .

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Outras cenas de No Fundo de M. Gorki , 190 2.

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No Fundo , M. Gorki unise cn scêne de Konstantin Stan islavski e V. Nimi rovitch-Da ntc hcnko, (90 2 ). Desenho de V. Simov. I. cama de Ana ; 2. tam bore te ; 3. bigorna ; 4. cama de tábuas; 5. mesa: 6. cadeira s; 7. fogare iro; 8. po rta; 9. cozi nha ; 10. sa ída para o pát io; 11. janela ; 12. dirc ção para os aposen tos de Kostilev: 13. arco : 14. toca de Vaska,

A. Tchckhov com os ateres do TAM, 1899.

dc proví ncia que fica sozinho cm uma sala de espe táculos vaz ia. po r ter bebido dc ma is c dep ois ad orm ecid o em seu ca ma rim . m on olo ga p rimeiro c depo is dialo ga com um velho pont o . rcin voca n do a sua vida de c om ed iante nos tablad os prov in cian os: Sobre o Malef icio do F UI/ lO . m onó lo go de veia gogo lian a, em qu e a desventu rada per son agem, fo rç ada pela mul he r a da r um a co nferência ace rca do s e feitos ne fastos do ta bagism o. d ivaga sob re as tribulações da existência. Vári os ou tros humoresq ues ou "v au devillcs" , co mo O Urso. VIII Pedid o de C aSll Ill CI/ /U . for am red igidos en tre 18 88 e 189 2. Em tod os. o elem ent o farsesco é uti lizado co m me stria para fixar e exp or a tragicomédi a da s cria tura s ii luz de su as vaidades e de suas to lices. A pr imei ra co mposição de m aior ex te nsão e alen to dra matú rgicos. na criação te atral de Tchekhov . foi Ivano v, que data de 18 88, Do ano seguinte . i 889 . p roveio O De m ônio da Flo re sta, versão inicial do qu e veio a torn ar-se, anos dep ois. Tio Vânia. Em Ivanov, peça qu e gira em vol ta de um a per sonagem que já ap resen ta eleme n tos do cha m ad o antí-her óí tch ekhoviano, em bo ra este não alcance a í plen a conflgu ração, su rge o esqu isse do homem oc ioso e su pér fluo . cuja ação cons titu i um a c ons ta n te rei ter aç ão da inação ou, an tes , da incap acidad e de agir. N