Somos Todos Criativos 9788557173019

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Somos Todos Criativos
 9788557173019

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O que estão dizendo sobre a 1ª edição de Somos todos criativos
Agradecimentos
Prefácio da terceira edição
1 | Todo mundo é criativo, mas nem todos sabem disso
2 | Diante da revolução
3 | O problema do nosso sistema educacional
4 | A ilusão acadêmica
5 | Conheça a sua mente
6 | Seja criativo
7 | O poder dos sentimentos
8 | Você não está sozinho
9 | Sendo um líder criativo
10 | Aprendendo a ser criativo
Posfácio
Referências
Sobre o autor

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Nenhuma parte desta publicação poderá ser reproduzida por qualquer meio ou forma sem a prévia autorização da Editora Saraiva. A violação dos direitos autorais é crime estabelecido na Lei n. 9.610/98 e punido pelo artigo 184 do Código Penal. ISBN 978-85-571-7301-9 Esta edição foi publicada pela primeira vez em 2017. Copyright © 2017 Sir Ken Robinson Título original: Out of our Minds: The Power of Being Creative Primeira edição publicada em 2001, edição revisada e atualizada publicada em 2011, todas pela John Wiley & Sons, Ltd. Todos os direitos reservados. Esta tradução foi publicada sob licença da John Wiley & Sons, Inc. Robinson, Ken Somos todos criativos : os desafios para desenvolver uma das principais habilidades do futuro / Ken Robinson ; tradução de Cristina Yamagami. – São Paulo : Benvirá, 2019. 272 p. ISBN 978-85-571-7301-9 Título original: Out of our Minds: The Power of Being Creative 1. Educação 2. Pensamento criativo – Estudo e ensino 3. Criatividade 4. Habilidades pessoais – Desenvolvimento 5. Liderança I. Título II. Yamagami, Cristina 19-0514 CDD-153.35 CDU-159.954 Índices para catálogo sistemático: 1. Criatividade : Estudo e ensino Preparação: Tulio Kawata Revisão: Sandra Kato Diagramação: Nobuca Rachi Capa: Deborah Mattos Imagem de capa: iStock/GettyImagesPlus/Jolygon

Livro digital (E-pub) Produção do e-pub Guilherme Henrique Martins Salvador 1ª edição, abril de 2019 Todos os direitos reservados à Benvirá, um selo da Saraiva Educação, parte do grupo Somos Educação. Av. das Nações Unidas, 7221, 1º Andar, Setor B Pinheiros – São Paulo – SP – CEP: 05425-902 Dúvidas? Acesse [email protected] CL

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Sumário

O que estão dizendo sobre a 1ª edição de Somos todos criativos Agradecimentos Prefácio da terceira edição 1 | Todo mundo é criativo, mas nem todos sabem disso 2 | Diante da revolução 3 | O problema do nosso sistema educacional 4 | A ilusão acadêmica 5 | Conheça a sua mente 6 | Seja criativo 7 | O poder dos sentimentos 8 | Você não está sozinho 9 | Sendo um líder criativo 10 | Aprendendo a ser criativo Posfácio Referências Sobre o autor

Para Terry, que faz tudo ser possível.

O que estão dizendo sobre a 1ª edição de Somos todos criativos

“ Somos todos criativos explica por que ser criativo no mundo de hoje é uma questão de vida ou morte. Não deixe de ler este livro. Leia e alegre-se com seu novo conhecimento.” — Ken Blanchard, coautor de O gerente-minuto e O segredo “Nunca a criatividade foi tão necessária para a sobrevivência e o crescimento de qualquer organização quanto é hoje. Este livro, mais do que qualquer outro que conheço, apresenta insights importantes sobre como os líderes podem despertar e manter essa energia criativa.” — Warren Bennis, professor emérito de administração da University of Southern California; pesquisador emérito da Harvard Business School; autor do best-seller Geeks and Geezers “A melhor análise que já vi sobre a dissociação entre os tipos de inteligência que costumamos valorizar na

escola e os tipos de criatividade dos quais precisamos nas nossas empresas e na nossa sociedade. Posso dizer que aprendi muito com este livro.” — Howard Gardner, professor de cognição e pedagogia do Harvard Graduate School of Education, autor do best-seller Inteligências múltiplas “Nem todo livro de criatividade consegue ser criativo. O mundo estava precisando de um livro como este, com reflexões amplas, provocativas e úteis para qualquer pessoa que queira levar novas ideias ao mundo empresarial, acadêmico ou artístico.” — Mihaly Csikszentmihalyi, professor de psicologia da Claremont Graduate University; diretor da Quality of Life Research Center; autor do best-seller Flow “Ken Robinson tem uma mente original e criativa. Não consigo pensar em um porta-voz da criatividade melhor. Suas reflexões podem ser aplicadas tanto nas instituições de ensino como no setor privado. Somos todos criativos é um grande soco na complacência.” — Ruth Spellman, CEO da Investors in People, Reino Unido “Eu adoraria conhecer Ken Robinson pessoalmente. Tenho uma grande afinidade com suas ideias. Seus textos são espirituosos, por vezes mordazes, e ele defende seus argumentos com evidências e pesquisas. Robinson nos mostra um futuro no qual os jovens precisarão aprender, por meio de uma educação diferente e melhor, a soltar seu potencial

criativo e lidar com as mudanças. Para mim, que trabalho com desenvolvimento de gestores, isso está mais do que claro. Os argumentos de Robinson em prol da mudança são inquestionáveis. Recomendo que você leia este livro, participe das discussões e faça parte do novo paradigma.” — Revista People Management “Ken Robinson faz críticas razoáveis e embasadas ao sistema educacional dos dias de hoje. A atual obsessão do nosso sistema de ensino está prejudicando não só as nossas empresas, mas também as crianças e os jovens. Robinson está certíssimo.” — Revista Arts Professional “Neste livro, Ken Robinson apresenta propostas para eliminar a estarrecedora falta de preparo para viver em um mundo que exige cada vez mais capacidade mental. O autor estimula a reflexão e não evita alguns paradoxos cruéis da atualidade, como o fato de o padrão de vida estar melhorando ao mesmo tempo que a qualidade de vida piora: uma análise verdadeiramente esclarecedora das razões pelas quais não conseguimos concretizar o potencial natural das pessoas em uma época de enormes e implacáveis mudanças.” — Director Magazine “Um trabalho de profundo significado na área. Fiquei impressionadíssimo com as perspectivas históricas e a variedade de insights retirados dos campos das artes, ciências, psicologia e muitos outros. Um retrato absolutamente preciso do sistema

educacional da atualidade que mostra com incrível clareza a necessidade de inovar, de cima a baixo, nosso modo de pensar.” — Creative-Management “Este livro propõe mudanças radicais na maneira como encaramos a inteligência, a educação e os recursos humanos para enfrentar os extraordinários desafios de viver e trabalhar no século XXI. Leitura obrigatória para qualquer pessoa interessada no futuro da criatividade, educação e qualificação.” — Center for Creative Communities “Às vezes, um escritor tem o raro talento de esclarecer, com simplicidade e brilhantismo, um fato que sempre esteve debaixo do nosso nariz mas nunca vimos até então. Ken Robinson não só realiza essa façanha neste livro como vai além e faz relações que ninguém tinha pensado em fazer antes... Até os pensadores mais obstinadamente prosaicos e conservadores vão querer inovar depois de serem expostos às ideias, teorias e especulações do autor. E, como se tudo isso não bastasse, seu texto é absolutamente claro e irresistível.” — Professor Tim Brighouse “Alguns raros livros conseguem ser abalizados, divertidos e instigantes e ao mesmo tempo bem escritos e repletos de exemplos. Poucos autores dominam todos esses elementos. Alvin Toffler e Charles Handy são dois exemplos. E eu incluiria este livro cativante de Ken Robinson sobre a criatividade à minha lista pessoal de pérolas. A criatividade é um daqueles temas capazes de provocar amor ou ódio.

Ken Robinson acredita que todas as pessoas já nascem com um talento criativo, mas muitas não se dão conta. A sociedade em geral e a educação em particular têm o poder de sufocar a imaginação e destruir a autoconfiança. Confesso que fiquei chateado quando o livro chegou ao fim. A leitura pode terminar, mas a reflexão continua, como seria de se esperar de um livro sobre um tema tão intrigante.” —Ted Wragg, educador britânico e ex-diretor da Exeter University

Agradecimentos

Esta é a terceira edição de Somos todos criativos. Sou especialmente grato a Annie Knight, da Wiley, por sugerir uma nova edição. A verdade é que, sem seu delicado encorajamento, eu provavelmente jamais pensaria em mexer no livro, e hoje fico feliz por ela ter me dado esse empurrãozinho. Sou grato a toda a equipe de produção da Wiley, especialmente a Tessa Allen, que, com seu cuidado e expertise, tornou possível trazer esta edição ao mundo em uma forma tão bela. Também sou grato, como sempre, a meu agente literário, Peter Miller, o “Leão Literário”, pelo apoio entusiasmado e constante ao meu trabalho. Também devo agradecimentos a Brendan Barns, fundador do London Business Forum e meu primeiro agente de palestras, que foi responsável, ao lado de minha esposa e sócia, Terry, por me incentivar a escrever a edição original deste livro apesar de um prazo praticamente impossível. Olhando para trás, sou profundamente grato aos dois por terem me forçado a escrever naquele longo e quente verão de 2000. Devo confessar que não fui tão grato na ocasião! Devo meus mais profundos agradecimentos, como sempre, a Terry, que faço questão de homenagear na dedicatória deste livro e em tudo o que fazemos juntos. Ela é uma inspiração para mim e para outras incontáveis pessoas.

Prefácio da terceira edição

Escrevi a edição original de Somos todos criativos em 2000. Uma segunda edição totalmente revista foi publicada em 2011. O que você tem nas mãos agora é a terceira edição, também totalmente revista e atualizada. O que justifica esta nova edição? Para começar, escrevi este livro originalmente porque, diante da velocidade e da natureza das mudanças, precisamos repensar a nós mesmos, a educação e a maneira como administramos nossas empresas e instituições. Em quase todas as frentes, as mudanças estão ocorrendo em um ritmo frenético, e os problemas que este livro se propõe a abordar estão se tornando cada vez mais urgentes. Esta nova edição representa minha tentativa de acompanhar essas mudanças. Em segundo lugar, os argumentos que apresento se tornaram mais (não menos) urgentes, e esta edição os apresenta de maneira ainda mais incisiva. Quanto mais complexo o mundo se torna, mais criativos precisamos ser para enfrentar os problemas causados por tamanha complexidade. Mas muitas pessoas duvidam do próprio potencial criativo. Somos todos criativos se propõe a explicar por que a criatividade é tão importante, por que as pessoas acham que não são criativas, como chegamos a esse ponto e o que podemos fazer a respeito. Meus objetivos com este livro são ajudar as pessoas a se convencer de que já são criativas e entender as razões que

as levaram a duvidar de sua capacidade de criação; encorajar as organizações a acreditar em seu potencial inovador e criar condições para crescer; e promover uma revolução criativa nos sistemas educacionais do mundo. Na introdução à primeira edição, eu disse que escrevi este livro por três razões. E continuo tendo três razões para atualizá-lo. Para começar, a inteligência humana é imbuída de uma criatividade profunda e absolutamente inigualável. Vivemos em um mundo definido pelas ideias, crenças e valores da imaginação e da cultura humanas. O mundo humano é fruto não só do ambiente natural, mas também da mente humana. Pensar e sentir implicam muito mais do que ver o mundo como ele é, mas também refletir sobre ele, interpretar as experiências e lhes atribuir um significado. Diferentes comunidades vivem de maneiras diferentes de acordo com as ideias que sustentam e com os significados que atribuem às experiências. Nós literalmente criamos o mundo em que vivemos. E temos, também, o poder de recriá-lo. As grandes revoluções da história da humanidade foram instigadas por novas ideias, por novas perspectivas que puseram por terra algumas velhas certezas. Em segundo lugar, compreender o nosso potencial criativo é, em parte, uma questão de descobrir o meio em que vivemos, de estar em nosso elemento. A educação deveria nos ajudar nessa tarefa, mas o que acontece é que muitas pessoas são afastadas de seus verdadeiros talentos. Essas pessoas estão fora de seu elemento e, por isso, confusas. Por fim, as políticas educacionais da atualidade parecem estar presas a uma mentalidade antiquada. Em vez de uma discussão ponderada sobre as estratégias necessárias para lidar com essas mudanças extraordinárias, os sistemas educacionais do mundo repetem o velho mantra de elevar os padrões acadêmicos tradicionais. O problema

é que esses padrões foram criados no passado, tendo em vista outras necessidades e com outros propósitos, como explicarei mais adiante. Jamais conseguiremos navegar pelas complexidades do futuro se não desgrudarmos os olhos do espelho retrovisor. Continuo convencido, como estava na publicação da primeira edição deste livro, de que é uma loucura continuar neste caminho. Ken Robinson Los Angeles, maio de 2017

1 Todo mundo é criativo, mas nem todos sabem disso “Quando as pessoas me dizem que não são criativas, eu presumo que elas ainda não aprenderam o que a criatividade envolve.”

Criando o futuro Você é uma pessoa criativa? E os seus colegas de trabalho? E os seus amigos? No próximo churrasco, dê uma perguntada para ver o que eles acham. Você pode se surpreender com as respostas. Trabalhei com pessoas e organizações do mundo todo e por onde passo encontro sempre o mesmo paradoxo. A maior parte das crianças acha que é criativa, e muitos adultos não se consideram assim. Essa questão é mais relevante do que pode parecer. A humanidade nunca enfrentou tantas e tão rápidas mudanças quanto as de hoje e, como se isso não bastasse, essas mudanças não têm precedentes. Não sabemos como as complexidades do presente vão se manifestar no futuro. As mudanças culturais nunca são lineares e raramente podem ser previstas. Se fossem, as legiões de gurus e adivinhos perderiam seu ganha-pão. Foi provavelmente com isso em mente que o economista J. K. Galbraith

declarou: “O maior objetivo do campo da projeção econômica é dar um pouco de respeitabilidade à astrologia”. Em um mundo que gira cada vez mais rápido, todas as empresas precisam de pessoas que saibam pensar com criatividade, comunicar-se bem e trabalhar em equipe, ou, em outras palavras, pessoas flexíveis e capazes de se adaptar rapidamente. O problema é que muitas organizações simplesmente não estão conseguindo encontrar essas pessoas. Por que isso acontece? Meu objetivo com este livro é responder a três perguntas. Por que é imprescindível promover a criatividade? Líderes empresariais, políticos e educadores enfatizam a importância de promover a criatividade e a inovação. Por que isso faria tanta diferença? Qual é o problema? Por que as pessoas precisam de ajuda para serem criativas? A cabeça das crianças fervilha com novas ideias. O que acontece durante nosso crescimento que nos leva a acreditar que não somos criativos? O que a criatividade envolve? O que é criatividade? Será que todos nós somos criativos ou só alguns poucos escolhidos? A criatividade pode ser desenvolvida e, se for o caso, como isso pode ser feito? Todo mundo tem ideias novas de vez em quando, mas como é possível promover a criatividade no dia a dia? Se for líder de uma empresa, uma organização ou uma escola, como você pode tornar sistemática a inovação? Como promover uma cultura de inovação?

Repensando a criatividade Para responder a essas perguntas, é importante partir de uma definição clara da criatividade e de seu funcionamento. São três conceitos relacionados, que

elaborarei à medida que avançarmos. Esses conceitos são a imaginação, que é o processo de usar a mente para pensar em coisas que não estão presentes aos nossos sentidos; a criatividade, que é o processo de desenvolver ideias originais que tenham valor; e a inovação, que é o processo de colocar as novas ideias em prática. Desses conceitos, o que gera mais mal-entendidos é a criatividade.

Pessoas especiais? Um desses mal-entendidos é a ideia de que só pessoas especiais são criativas. Ela é reforçada por histórias de ícones criativos como Martha Graham, Pablo Picasso, Albert Einstein, Thomas Edison, Virginia Wolf, Maya Angelou e Steve Jobs. As empresas parecem concordar com isso, não raro dividindo sua força de trabalho em dois grupos: os “criativos” e os “certinhos”. Em geral, é fácil dizer quem são os criativos da empresa: são aqueles que não vestem terno. Eles usam jeans e chegam atrasados ao trabalho porque passaram a noite em claro ruminando alguma ideia. Não estou dizendo que os criativos não são criativos. Eles podem ser muito criativos, mas qualquer pessoa pode ser muito criativa se tiver as condições corretas, inclusive os “certinhos”. Todo mundo tem um talento criativo. O desafio é desenvolvê-lo. Uma cultura de inovação precisa incluir todos, não só um grupo seleto. “Começo com a premissa de que todo ser humano nasce com um enorme talento criativo. O desafio é desenvolvê-lo. Uma cultura de inovação precisa incluir todos, não só um grupo seleto.”

Áreas específicas?

O segundo equívoco é que a criatividade só se desenvolve em certas áreas, como as artes, a publicidade, o design ou o marketing. É bem verdade que todas essas atividades podem ser criativas, mas o mesmo pode ser dito das ciências, da matemática, da pedagogia, da medicina, dos esportes, da culinária ou de qualquer outra atividade. Algumas universidades chegam a ter um departamento de “artes criativas”. Sou a favor de oferecer mais acesso às artes nas faculdades, mas acredito que a criatividade não se restringe às artes. Outras disciplinas, incluindo as ciências e a matemática, podem ser tão criativas quanto as artes. É possível ser criativo em qualquer atividade que envolva inteligência. As empresas são criativas em diferentes áreas. A Apple ficou famosa por sua capacidade de criar produtos completamente novos. A força criativa do Wal-Mart está na área de sistemas, como gestão da cadeia de suprimento e precificação. A Starbucks não inventou o café, mas criou uma cultura especial de atendimento ao redor dele. Pensando bem, a Starbucks inventou o café de US$ 8, o que, a meu ver, foi uma enorme inovação. Uma cultura de inovação deve incluir todas as áreas da organização.

Sem nenhum controle? A criatividade não raro é associada à liberdade de expressão, e algumas pessoas acham que pode ser problemático encorajar demais o desenvolvimento dessa habilidade nas escolas. Elas pensam em crianças correndo desenfreadas, gritando e quebrando tudo o que veem pela frente, em oposição a crianças fazendo a lição quietinhas. Ser criativo muitas vezes envolve brincar com as ideias e se divertir no processo. Também envolve trabalhar duro em ideias e projetos, desenvolvendo-os da melhor maneira possível, sempre avaliando, ao longo do caminho, quais

são melhores e por quê. Em todas as disciplinas, a criatividade se fundamenta em habilidade, conhecimento e controle. A criatividade não é apenas diversão, mas também foco e empenho.

Aprendendo a ser criativo Muita gente acha que as pessoas nascem ou não criativas, do mesmo modo como podem ter olhos castanhos ou azuis, e não há muito que fazer a respeito. A verdade é que há muitas coisas que podemos fazer para ajudar a nós mesmos e aos outros a ser mais criativos. Se alguém lhe diz que é analfabeto, você não presume que a pessoa é incapaz de ler ou escrever, e sim que ela ainda não aprendeu como fazer isso. E o mesmo se aplica à criatividade. Quando as pessoas dizem que não são criativas, eu presumo que elas ainda não aprenderam como sê-lo. E também que elas são capazes de aprender. E por que essas questões são tão importantes, afinal?

Três temas Este livro gira em torno de três temas principais. Vivemos em uma época de mudanças revolucionárias Você pode morar em qualquer lugar do mundo ou fazer o que for, mas, se estiver no planeta Terra, está testemunhando uma revolução global. E estou falando de uma revolução real, não metafórica. Hoje em dia somos expostos a forças absolutamente sem precedentes. As relações humanas sempre foram turbulentas, mas nunca as mudanças foram tão rápidas e tão grandes quanto hoje. Duas das forças impulsionadoras dessas mudanças são a inovação tecnológica e o crescimento populacional. Juntas, elas

estão transformando a nossa vida e o nosso trabalho, transformando a natureza da política e da cultura e colocando em risco os recursos naturais do planeta. Os resultados são imprevisíveis. O que sabemos ao certo é que nós – e, por extensão, nossos filhos – estamos diante de desafios que a humanidade nunca teve de enfrentar.1 Precisamos mudar a visão que temos dos nossos talentos e das nossas habilidades Considerando os desafios diante de nós, a maior mudança precisará ser na percepção que temos da nossa capacidade e da capacidade dos nossos filhos. Pela minha experiência, muita gente não faz ideia de seus talentos. Muitas pessoas acham que não têm nenhum talento especial. Parto da premissa de que todos nós nascemos com talentos enormes, mas raros são os que os descobrem ou os desenvolvem. Ironicamente, um dos fatores que levam a isso é a educação. O desperdício de talentos não é deliberado. A maioria dos educadores tem o firme compromisso de ajudar os alunos a concretizar seu potencial. Políticos fazem discursos fervorosos a favor da promoção da capacidade de todos os alunos. O desperdício de talentos pode não ser deliberado, mas é sistêmico. As abordagens dominantes da educação concentram-se em tipos específicos de habilidades, ignorando sistematicamente alguns talentos e engessando a criatividade de um incontável número de pessoas. Precisamos mudar nossas escolas, empresas e comunidades Promover uma cultura de inovação tem enormes implicações para a maneira como as instituições são organizadas, sejam elas escolas ou empresas, e para os estilos de liderança. Em geral, os líderes dos setores

público e privado têm três perspectivas em comum. Eles sabem que um dos principais desafios que enfrentam é a complexidade cada vez maior do ambiente global, que só deve acelerar nos próximos anos. Eles temem que suas organizações não estejam preparadas para encarar essa complexidade toda. Eles concordam que a habilidade de liderança mais importante para atuar nesse cenário é a criatividade. Muitas organizações oferecem cursos para incentivar os funcionários a serem mais criativos, mas, como os rituais da dança da chuva, acredito que eles podem estar interpretando mal os problemas que se propõem a resolver. Os problemas que eles enfrentam são imediatos e existem algumas possíveis soluções imediatas, mas as de longo prazo estão no sistema educacional. Trabalhei com sistemas nacionais de educação, com distritos escolares, diretores de escolas, professores e alunos do jardim de infância à universidade, incluindo instituições de ensino técnico e associações de alfabetização de adultos. Liderei projetos nacionais de pesquisa, lecionei em universidades e treinei educadores. Hoje em dia, também trabalho com companhias de todo tipo, incluindo as da Fortune 500, grandes bancos e seguradoras, empresas de design, de mídia, organizações de tecnologia da informação bem como as que atuam no setor do varejo, manufatura, engenharia e serviços. Trabalhei com centros culturais no campo das artes e das ciências; com museus, orquestras e companhias de dança e teatro, bem como organizações artísticas comunitárias. Meu trabalho me levou à Europa, à América do Norte, à América do Sul, ao Oriente Médio e à Ásia. Vi em primeira mão que os setores da educação, da cultura e dos negócios têm muitas dificuldades em comum. Algumas são agravadas pelo fato de esses setores terem pouco contato uns com os outros.

Os líderes empresariais reclamam que o sistema educacional não está produzindo as pessoas das quais eles precisam com tanta urgência: pessoas que saibam ler, escrever, fazer contas e sejam capazes de analisar informações e ideias; capazes de ter e implementar ideias novas; que saibam se comunicar com clareza e trabalhar em equipe. Eles querem que o sistema educacional forneça pessoas com essas qualidades e reclamam quando isso não acontece. Os educadores se queixam de que a cultura de provas e testes padronizados, que os políticos costumam impor de acordo com os interesses econômicos, está matando a criatividade de professores e alunos. Querem dar uma educação mais equilibrada e dinâmica, que utilize a energia criativa de todos. Com frequência, sentem-se impotentes devido às pressões políticas de conformidade e ao desinteresse dos estudantes que sofrem com o mesmo problema. Enquanto isso, os pais se preocupam com a qualidade da educação de seus filhos. Eles presumem que o sistema educacional ajudará seus filhos a encontrar bons empregos e se tornar financeiramente independentes. E também esperam que o sistema educacional ajude os jovens a identificar seus talentos e a ter uma vida repleta de sentido e propósito. É isso que os jovens querem. O melhor futuro para todos nós reside em uma maior compreensão e colaboração entre todos esses grupos.

A união da educação, dos negócios e da cultura Nem sempre é bom usar a palavra “educação” em eventos sociais. Quando estou numa festa e digo que trabalho com educação, dá para ver o interesse fugindo dos olhos do meu interlocutor. “Mas que azar!”, a pessoa pensa. “Fui puxar papo justamente com um educador na única noite

na semana que tenho para relaxar.” Por outro lado, se eu perguntar sobre a vida escolar deles ou de seus filhos, eles não conseguem parar de falar. A educação é um daqueles temas que as pessoas costumam levar muito a sério, como religião, política e dinheiro. E deveríamos mesmo levá-la a sério. A qualidade da educação afeta todas as pessoas, sendo de importância vital para a nossa realização, para o futuro dos nossos filhos e para o desenvolvimento do planeta. A educação grava em nós uma impressão que é muito difícil de apagar. Algumas das pessoas de maior destaque não se deram bem no sistema escolar. E, apesar de todo o seu sucesso, elas acabam achando que não são tão espertas quanto parecem. Esse grupo inclui professores, reitores, empresários, músicos, escritores, artistas, arquitetos e tantos outros. Muitos conseguiram ter sucesso apesar de sua escolaridade, e não por causa dela. É claro que vários outros adoraram o tempo que passaram no sistema educacional e aproveitaram muito bem o que aprenderam. Mas e todas as pessoas que não se beneficiaram do que lhes foi ensinado? Diante das enormes e rápidas mudanças, governos do mundo todo estão investindo fortunas para reformar o sistema educacional de seus países. Isso é bom, mas não o suficiente. O  desafio não é reformar o sistema educacional, mas transformá-lo. À medida que a revolução tecnológica e econômica se acelera, os sistemas educacionais ao redor do mundo vão sendo reformados. A maioria dos países tem uma estratégia de duas frentes. A primeira é aumentar o acesso à educação, especialmente ao ensino superior. A demanda por mais qualificação cresce a cada ano, e hoje a educação e o treinamento estão entre os maiores negócios do mundo. A segunda estratégia é elevar os padrões. Os padrões educacionais devem ser altos e ninguém questiona que é uma boa ideia elevá-los. Não faz sentido

reduzi-los. Mas de que tipo de padrão estamos falando? É importantíssimo educar mais pessoas e ter um padrão muito mais alto, mas eles precisam estar ajustados para cada aluno. A educação não é e nunca foi um processo imparcial de desenvolvimento das habilidades naturais das pessoas. Os sistemas de educação em massa se fundamentam em dois pilares. O primeiro é econômico: eles foram criados com base em premissas específicas sobre os mercados de trabalho, sendo que algumas dessas premissas estão obsoletas. O segundo pilar é intelectual: os sistemas educacionais foram criados com base em conceitos específicos sobre a inteligência acadêmica, que não raro desconsideram outras habilidades igualmente importantes, especialmente para a criatividade e a inovação. Antes da metade do século XIX, relativamente poucas pessoas recebiam uma educação formal, que era basicamente uma exclusividade dos poucos privilegiados que tinham recursos para pagar pelos estudos. Os sistemas de educação em massa foram criados principalmente para atender à demanda da Revolução Industrial e refletem os princípios da produção industrial: linearidade, conformidade e padronização. Praticamente todos os sistemas educacionais apresentam a mesma hierarquia de disciplinas, que se revela no tempo que lhes é atribuído, se são obrigatórias ou optativas, se entram no currículo geral ou passarão para a especialização, se foram incluídas em testes padronizados, e se são ou não incluídas nos debates políticos para elevar os padrões da educação. No topo da hierarquia estão matemática, idiomas e ciências; em seguida, vêm as disciplinas de humanas – história, geografia e estudos sociais – e educação física; embaixo ficam as artes. O campo das artes tem a própria hierarquia: artes plásticas e música normalmente ganham

um status superior a teatro e dança. É difícil achar um sistema escolar que ensine dança todos os dias, como uma disciplina obrigatória, da forma como é feito com a matemática. Essa hierarquia não é acidental e baseia-se em suposições sobre a oferta e a demanda do mercado e sobre a inteligência (mais especificamente, a capacidade acadêmica). Muitas reformas educacionais promovidas pelos governos apostaram nesse modelo. Os governos reforçaram a hierarquia, impuseram uma cultura de testes padronizados e restringiram a liberdade dos educadores de decidir o que e como ensinar. Essa não é uma estratégia política partidária. Os políticos são estranhamente unidos nesse sentido. Eles podem discutir sobre o financiamento e a organização do sistema educacional, sobre questões relativas ao acesso e à seleção e sobre as melhores maneiras de elevar os padrões. Mas é raro ouvir políticos de qualquer partido questionando a importância dos padrões acadêmicos ou a necessidade de testes padronizados para garanti-los. E é irônico que eles promovam essas políticas em prol de interesses econômicos.2 Digo que é irônico porque essas reformas estão destruindo as habilidades e as qualidades necessárias para enfrentar os desafios atuais: criatividade, compreensão da cultura, comunicação, colaboração e resolução de problemas. Todas as organizações estão competindo em um mundo no qual a capacidade de inovar e se adaptar às mudanças está longe de ser um luxo, mas é uma necessidade.3 As consequências de não estar aberto a mudanças podem ser graves. As organizações que ficarem paradas serão varridas do mapa. A história está cheia de destroços de empresas, e até de setores inteiros, que resistiram às mudanças. Elas se agarraram a velhos hábitos e perderam a onda de mudanças que impulsionou as empresas mais

inovadoras. E não são só as empresas que correm o risco de ficar para trás. Poucos contestariam que, nos séculos XVIII e XIX, a Europa, especialmente a Grã-Bretanha, dominou o mundo, cultural, política e economicamente. A Grã-Bretanha foi o berço da Revolução Industrial e as forças militares britânicas exerceram seu poder sobre as colônias ao mesmo tempo que a língua inglesa invadia as culturas coloniais. Quando a rainha Vitória subiu ao trono em 1837, ela governava o maior império da história, um império no qual o sol nunca se punha. Se você tivesse ido à corte da rainha Vitória em 1870 e sugerido que esse império terminaria em uma geração, ninguém o levaria a sério. Mas foi o que aconteceu. No fim da Primeira Guerra Mundial, em 1918, o império estava fatalmente ferido e, quando eu nasci, em 1950, não passava de uma lembrança. Cultural, política e economicamente, o século XX foi dominado pelos Estados Unidos, assim como a Europa dominou o século XIX. Ainda não sabemos se os Estados Unidos continuarão dominando o século XXI. Como o premiado cientista norte-americano Jared Diamond demonstrou, os impérios tendem a desmoronar em vez de desaparecer aos poucos.4 Pense na União Soviética e sua rápida dissolução nos anos 1980 e 1990. Nenhuma organização é imortal. Elas são criadas por pessoas e precisam ser continuamente revitalizadas para sobreviver. Quando as organizações entram em colapso, os empregos e as comunidades que dependem delas também acabam sendo prejudicados. Hoje em dia, os mais afetados são os jovens. As taxas de desemprego entre eles são mais sensíveis às turbulências econômicas do que entre os adultos, e o mercado de trabalho dos jovens tende a levar mais tempo para se recuperar. Para milhões de jovens, o futuro parece sombrio e desesperador. Eles estão sem emprego e não veem perspectivas de encontrar um. A

Organização Internacional do Trabalho não se cansa de repetir que a criação de empregos para os milhões de jovens que entram anualmente no mercado de trabalho é crucial para melhorar a economia. E não apenas a quantidade, mas também a qualidade dos empregos é importante. Em um mundo de mudanças abruptas, onde ninguém mais passa a vida inteira em um único emprego, a criatividade e a inovação não são luxos, e sim elementos essenciais para a segurança das pessoas e a saúde das comunidades. Thomas Friedman, autor de O mundo é plano, argumenta que “as pessoas e organizações capazes de vislumbrar novos serviços, novas oportunidades e novas maneiras de recrutar talentos […] são os novos Intocáveis. As pessoas e organizações que tiverem imaginação e souberem inventar maneiras mais inteligentes de desempenhar antigas funções, maneiras de poupar energia para prestar novos serviços, novas maneiras de atrair antigos clientes ou novas formas de combinar tecnologias existentes vão se destacar”. A solução para isso é melhorar a educação. E, também nesse caso, não basta nos ater às velhas fórmulas. “Não só precisamos de uma parcela maior de jovens com ensino médio e superior – mais escolaridade –, como também de mais jovens com a educação certa. As nossas instituições de ensino estão diante de uma tarefa duplamente difícil e precisam não só melhorar a leitura, a escrita e a aritmética, como também devem reforçar o empreendedorismo, a inovação e a criatividade. Jamais voltaremos aos bons e velhos tempos sem consertar nossas escolas e bancos.”5 “O desafio agora é transformar os sistemas educacionais em algo mais adequado às verdadeiras necessidades do século XXI. O centro dessa transformação

deve ser uma visão radicalmente nova da inteligência humana e da criatividade.” Uma das razões pelas quais os velhos sistemas educacionais deixaram de funcionar é que a vida real não é linear nem padronizada. Pelo contrário, a vida sempre foi e sempre será orgânica, criativa e diversificada. Algumas semanas antes de o nosso filho entrar na universidade, em Los Angeles, eu e minha esposa fomos com ele conhecer a faculdade. Chegou um momento em que os alunos foram levados a uma sala separada para serem informados das opções de cursos e os pais foram levados ao departamento financeiro para saber como seus bolsos iriam doer nos próximos anos. Depois, um dos professores fez uma apresentação para falar sobre o papel dos pais enquanto os filhos estão na faculdade. Ele nos aconselhou a sair do caminho dos filhos e deixá-los escolher a profissão por conta própria. O filho dele tinha se formado naquela faculdade anos antes e, quando entrou, queria estudar os clássicos. O professor e sua esposa não ficaram muito otimistas com as perspectivas profissionais do filho, mas ficaram aliviados quando, no fim do primeiro ano, o filho anunciou que decidiu se formar em algo “mais útil”. Quando eles perguntaram o que o filho tinha em mente, a resposta foi: filosofia. O professor comentou que nenhuma das grandes “empresas de filosofia” estava contratando filósofos naquele momento. Mesmo assim, o filho fez alguns cursos de filosofia, acabou se formando em história da arte e foi contratado para trabalhar em uma casa de leilões internacional. Ele teve a chance de viajar pelo mundo, ganhava um bom salário e adorava seu trabalho e sua vida. Ele conseguiu o emprego em virtude de seu conhecimento de culturas antigas, seu treinamento intelectual em filosofia e sua paixão pela história da arte.

Nem ele nem os pais poderiam imaginar que ele seguiria por esse caminho quando entrou na faculdade. Esse mesmo princípio se aplica a todas as pessoas. A vida não é linear. No decorrer dela aceitamos ou rejeitamos oportunidades, conhecemos pessoas diferentes, temos experiências inesperadas e vamos criando uma biografia única. Nosso futuro é profundamente afetado pelas nossas experiências aqui e agora. A educação não é uma linha reta em direção ao futuro, ela requer cultivar os talentos e a sensibilidade necessários para levarmos a melhor vida possível no presente.

Além da imaginação Em dezembro de 1862, Abraham Lincoln fez seu segundo discurso anual ao Congresso dos Estados Unidos. Na ocasião, faltava um mês para ele assinar a Proclamação de Emancipação, abolindo a escravidão no território confederado, e em sua mensagem ele incitou o Congresso a ver a situação com novos olhos. Ele disse o seguinte: “Os dogmas de um passado tranquilo são inadequados para o presente tempestuoso. A ocasião está repleta de dificuldades. A nova situação requer ideias e ações novas. Precisamos nos desapegar se quisermos salvar nosso país”. Eu adoro esta palavra, “desapegar”. Todos nós vivemos apegados a ideias que podem ter deixado de ser verdadeiras ou relevantes. Ficamos fascinados ou apegados a elas. Só podemos avançar se nos desvencilharmos, se nos livrarmos delas. Nos últimos séculos de industrialismo, um número cada vez maior de pessoas abandonou o campo e migrou para as cidades na crença de que se pode viver separado da natureza. A atual crise climática nos lembra de que essa crença é equivocada. Em quase todos os sentidos, somos como a

maioria dos outros organismos que vivem neste planeta. Nossa vida é breve; passamos pelo mesmo ciclo de mortalidade, começando pela concepção, passando pelo nascimento, até chegar à morte; temos as mesmas necessidades físicas que as outras espécies e dependemos dos nutrientes fornecidos pela terra para sobreviver. “Podemos não ser capazes de prever o futuro, mas podemos forjá-lo.” Biologicamente, até podemos estar evoluindo na mesma velocidade que as outras espécies, mas culturalmente estamos evoluindo em uma velocidade frenética. A vida cultural dos cachorros e dos gatos não está mudando muito. Parece que eles continuam fazendo o que sempre fizeram. Não há necessidade de ficar sempre olhando para ver se o comportamento deles mudou. Já na nossa vida, estamos sempre deparando com situações novas, e a velocidade das mudanças aumenta a cada dia que passa. Isso acontece porque, em pelo menos um aspecto, nós, seres humanos, somos totalmente diferentes das outras espécies do planeta. Temos um enorme poder imaginativo e uma criatividade sem limites. Usando a imaginação, podemos visitar o passado e não só uma simples visão do passado. Podemos avaliar e reinterpretar o passado. Podemos repensar nosso presente pelos olhos dos outros. Podemos nos adiantar a futuros possíveis e usar a criatividade para concretizar o futuro que queremos. Podemos não ser capazes de prever o futuro, mas podemos forjá-lo. É possível que sejamos vencidos por alguns dos problemas que estamos criando, no meio ambiente, na política e com as nossas crenças conflitantes, e é possível que isso suceda antes do que pensamos. Se isso acontecer, será porque não usamos bem a nossa

imaginação. Hoje, mais do que nunca, precisamos exercitar esses poderes criativos únicos que nos diferenciam das outras espécies do planeta. Os desafios que estamos enfrentando podem ser globais ou pessoais. Como sou eu que estou escrevendo este livro, vamos começar comigo.

2 Diante da revolução

“Lá por 2040, vai haver um backup do seu cérebro em algum computador; assim, quando você morrer, não vai precisar interromper a sua carreira.” IAN PEARSON6

Explorando o mundo Meu pai nasceu em 1914 em Liverpool, na Inglaterra. Passou a vida toda na cidade e era raro se afastar mais de 30 quilômetros de lá. Minha mãe nasceu em 1919, também em Liverpool. Foi só em idade avançada que ela começou a viajar de férias para fora do país. Eu nasci em Liverpool em 1950. Mesmo naquela época, as pessoas não viajavam muito. Uma visita à cidade vizinha era um passeio de um dia. Em algumas regiões, os dialetos eram tão distintos que era possível saber de qual vilarejo ou parte da cidade a pessoa vinha. Eu tenho cinco irmãos e uma irmã, todos nascidos em Liverpool. Meu irmão John está montando a nossa árvore genealógica. Ele descobriu que, entre o meio e o fim do século XIX, sete dos nossos oito bisavós também cresceram em Liverpool, todos a poucos quilômetros de distância uns dos outros, em alguns casos, morando em ruas vizinhas. Foi assim que eles se conheceram. Durante a maior parte da história da humanidade, as pessoas viviam, trabalhavam e se

casavam na mesma cidade e esperavam levar o tipo de vida que seus pais levaram. Elas não eram cercadas pelas imagens de celebridades e estrelas de reality shows que poderiam levá-las a não se contentar com a pessoa que acabaram de conhecer no bar da cidade. Hoje em dia, eu viajo tanto a trabalho que às vezes não consigo lembrar onde fui nem quando. Alguns anos atrás, fui a Oslo, na Noruega, dar uma palestra. Peguei um voo noturno saindo de Los Angeles, com conexão em Nova York. O avião atrasou e cheguei a Oslo cinco horas atrasado, cansado, mas animado com o evento. Enquanto me preparava para subir ao palco, uma organizadora me perguntou se era a minha primeira vez em Oslo. Respondi que sim, e que Oslo parecia ser uma cidade fascinante. Algumas horas depois, lembrei que eu já tinha passado nada menos que uma semana em Oslo. Tudo bem que tinha sido uns quinze anos antes, mas mesmo assim. Não é comum andar pela Noruega sem perceber. Em uma semana, você faz todo tipo de coisa: come, toma banho, conhece pessoas, conversa e reflete sobre o país. Eu tinha ido à Galeria Nacional e visto obras de Edvard Munch, incluindo O grito, que foi o que dei quando percebi que a viagem toda tinha caído no esquecimento. Isso pode ser um sinal de que estou viajando demais. E acho que também é um sinal dos tempos. Eu morava na Inglaterra, em uma cidadezinha chamada Snitterfield, que fica a cinco quilômetros de Stratford-uponAvon, a terra natal de William Shakespeare. Snitterfield foi a cidade onde o pai de Shakespeare, John, nasceu, em 1531. Aos 20 anos, John saiu de Snitterfield para tentar a vida em Stratford. É quase impossível entender as diferenças entre a visão de mundo daquela época e a nossa, quase quinhentos anos depois, quando é comum viajar a trabalho de um continente a outro para participar de reuniões no fim de semana e nem lembrar que esteve lá. Durante a maior parte da história humana, as mudanças sociais avançaram em ritmo de lesma em comparação com a velocidade atual. Como veremos adiante, o século XIV também foi marcado por

descobertas revolucionárias, expedições e invenções tecnológicas. Mesmo assim, o dia a dia de John Shakespeare provavelmente foi pouco diferente da vida cotidiana de seus pais, avós ou bisavós. Meu pai nunca teve a chance de sair da Inglaterra e conhecer outro país. A trabalho ou a lazer, eu já fui à maioria dos países da Europa e do Extremo Oriente e conheci muitas cidades dos Estados Unidos e da Austrália. Antes de entrar na adolescência, meus filhos já conheciam mais países do que eu com 40 anos. Quando eu tinha uns 10 anos, achava que a infância dos meus pais nos anos 1920 tinha sido como a Idade Média: cavalos na rua, poucos carros, trens a vapor, grandes transatlânticos, nenhum avião, nada de televisão e raros telefones. Quando nossa família comprou a primeira TV em preto e branco, em 1959, parecia que tínhamos atingido o auge da evolução humana. Meus filhos mal conseguem imaginar como seria viver na época em que eu era criança: só dois canais de TV, em preto e branco, sem surround sound, sem videogames, smartphones, tablets ou mídias sociais. O mundo deles é absolutamente diferente do mundo dos meus avós e bisavós. “Para entender como é difícil prever o futuro agora, basta pensar em como teria sido difícil prever o futuro no passado.” As diferenças não estão só na natureza das mudanças, mas também em sua velocidade. As mudanças mais profundas não ocorreram nos últimos quinhentos anos, a maioria ocorreu nos últimos duzentos, especialmente nos últimos cinquenta, e estão acelerando cada vez mais. De acordo com uma estimativa: • em 1950, as pessoas viajavam em média 10 quilômetr por dia; • em 2000, as pessoas viajavam em média 50 quilômetr por dia;

• em 2020, as pessoas viajarão em média 100 quilômetr por dia. Imagine os últimos 3 mil anos divididos em um relógio analógico, sendo que cada um dos sessenta minutos representa um período de cinquenta anos. Até três minutos atrás, a história do transporte era dominada pelos cavalos, pela roda e pela vela. No fim do século XVIII, James Watt aprimorou a máquina a vapor, o que mudou tudo. A máquina a vapor representou um grande tremor no terremoto social da Revolução Industrial. O motor a vapor aprimorado por Watt aumentou consideravelmente a potência disponível para a produção industrial. Abriu caminho para meios mais rápidos de transporte rodoviário e marítimo e possibilitou o desenvolvimento de ferrovias, o sistema viário do início do mundo industrial. A máquina a vapor possibilitou grandes ondas migratórias em uma velocidade antes considerada impossível. A partir daí, a curva da mudança subiu praticamente na vertical: 4 minutos atrás

Motor de combustão interna (François Isaac de Rivaz, 1807)

2,6 minutos

Automóvel (Karl Benz, 1885)

2,3 minutos

Primeiro voo com um avião motorizado (irmãos Wright, 1903)

2 minutos

Propulsão de foguete (Robert Goddard, 1915)

1,8 minuto

Motor a jato (Hans von Ohain e Frank Whittle, 1930)

1,2 minuto

Primeiro objeto feito pelo homem a orbitar a Terra (Sputnik 1, 1957)

58 segundos

Primeiro pouso tripulado na Lua e primeiro homem a pisar na Lua (Apollo 11, 1969)

43 segundos

Ônibus espacial reutilizável (Discovery, 1981)

10 segundos 8 segundos

Model S da Tesla (2009)

Nave espacial não tripulada (X-37B, 2010)

A revolução nos transportes é só um dos vários indicadores da velocidade das mudanças, e nem foi a mudança mais rápida.

Mensagem recebida A humanidade teve acesso a sistemas de escrita por pelo menos 3 mil anos. Pela maior parte desse tempo, esses sistemas praticamente não mudaram. As pessoas se comunicavam fazendo marcas em superfícies, usando canetas em papel, cinzéis em pedra ou pigmentos em tábuas. Cada cópia de qualquer documento precisava ser feita à mão. Só uns poucos privilegiados tinham acesso a esses documentos e nem todos sabiam ler. Entre 1440 e 1450, cerca de onze minutos atrás no nosso relógio, Johannes Gutenberg inventou a prensa tipográfica. A partir daí, a mudança entrou em marcha acelerada. Pense nas mais importantes inovações na comunicação nos últimos duzentos anos e veja como os intervalos no relógio foram ficando cada vez mais curtos: 11,5 minutos atrás

Prensa tipográfica (1440-50)

3,5 minutos

Código Morse (1838-44)

2,8 minutos

Telefone (1875)

2,6 minutos

Rádio (1885)

1,8 minuto

Televisão em preto e branco (1929)

1 minuto

Fax (1966)

48 segundos

Computador pessoal (1977)

46 segundos

Celular analógico (1979)

32 segundos

World Wide Web (1990)

28 segundos

Mensagens de SMS (1993)

20 segundos

Banda larga (2000)

12 segundos

iPhone/smartphones (2007)

8 segundos

iPad/tablets (2010)

Quando eu nasci, em 1950, ninguém tinha computador em casa. Na época, um computador tinha em média o tamanho de uma sala de jantar. E o tamanho era uma das razões pelas quais as pessoas não tinham um computador em casa. Ninguém se dispunha a dedicar tanto espaço para um dispositivo em grande parte inútil. Uma segunda razão era o custo. Os computadores custavam centenas de milhares de dólares e só governos e algumas empresas podiam se dar ao luxo de ter um. Em 1950, o transistor foi inventado. Em 1970, o chip de silício foi desenvolvido. Essas inovações não só reduziram o tamanho dos computadores, como também aumentaram sua velocidade e potência. A capacidade de memória padrão aumentou exponencialmente desde então, de algumas centenas de kilobytes a vários gigabytes. O poder de computação do celular que você leva no bolso é maior do que o disponível no planeta em 1940. Em 1960, Jerome Bruner e George Miller fundaram o Harvard Center for Cognitive Studies, o primeiro instituto dedicado à ciência cognitiva. O instituto contava com uma boa verba e adquiriu o primeiro computador utilizado nos Estados Unidos para realizar experimentos psicológicos, um minicomputador PDP4. O computador custou US$ 65 mil em 1962 e vinha com 2K de memória, expansíveis para 64K.7 Hoje em dia, muitos brinquedos de criança têm mais poder de computação que isso. Um relógio de pulso digital tem em média muito mais poder de computação que o Módulo Lunar Apollo, de 1969, o

veículo espacial do qual Neil Armstrong desembarcou para dar seu “pequeno passo para o homem, mas um grande salto para a humanidade”. Estima-se que algo na ordem de 1017 microchips sejam fabricados todo ano, um número que me disseram ser mais ou menos equivalente à população mundial de formigas. Sei que não é possível verificar isso, mas foi o que me disseram. Essa prodigiosa taxa de produção reflete a ampla gama de aplicações dos computadores nos dias de hoje. A velocidade da expansão da tecnologia dos computadores nos últimos setenta anos tem sido absolutamente estonteante. Veja uma cronologia aproximada: 193 7194 2

Primeiro computador digital eletrônico, desenvolvido na Iowa State University.

195 1

Primeiro computador produzido comercialmente, o Ferranti Mark 1, vende nove unidades entre 1951 e 1957.

196 5

Primeira rede telefônica configurada entre dois computadores.

197 2

Criação do primeiro programa de e-mail.

197 4

Primeira utilização do termo “internet”.

197 5

O computador doméstica.

197 6

Steve Wozniak desenvolve o Apple I com Steve Jobs.

198 1

A IBM entra no mercado de computação doméstica e vende 136 mil unidades nos primeiros dezoito meses.

198 3

O Microsoft Word é lançado.

198

Mil computadores conectados na internet (host).

pessoal

Altair

inaugura

a

cultura

da

computação

4 198 9

100 mil hosts na internet.

199 0

No Japão, são inventados microchips capazes de armazenar 520 mil caracteres em um pedaço de silício de 15 mm por 5 mm.

199 2

O número de hosts na internet ultrapassa a marca do 1 milhão.

199 7

O número de hosts na internet sobe de 16 milhões para 20  milhões em julho. O domínio www.google.com é registrado.

200 2

O Friendster, primeiro site de rede social, é lançado nos Estados Unidos.

200 3

A telefonia VOIP do Skype é lançada na Suécia com base em um software criado por programadores da Estônia.

200 4

O termo Web 2.0 é cunhado para descrever o aumento do conteúdo da Web gerado pelos usuários.

200 4

O Facebook é lançado.

200 5

O YouTube é lançado.

200 6

O Twitter é lançado.

200 7

O Google supera a Microsoft como a marca mais valiosa do mundo.

201 0

O número global de usuários da internet chega a quase 2 bilhões.

201 7

O Facebook atinge 1,8 bilhão de usuários.

201 7

O número global de usuários da internet chega a quase 4 bilhões.

Nenhum outro sistema de comunicação é mais eficaz e difundido que a internet. Ela cresce diariamente, como um

organismo em expansão que nunca para de se multiplicar, e milhões de conexões são adicionadas a uma velocidade cada vez maior em padrões que lembram gânglios no cérebro. Da mesma forma que o cérebro, as sinapses mais robustas são as acionadas com mais frequência. O inventor e futurista Ray Kurzweil observa que a evolução da vida biológica e a evolução da tecnologia seguem exatamente o mesmo padrão. Ambas levam um bom tempo para deslanchar, mas os avanços são exponenciais e o progresso passa a se desenrolar em um ritmo cada vez mais frenético: “No século XIX, a velocidade do progresso tecnológico não foi diferente dos dez séculos anteriores. Os avanços realizados nas duas primeiras décadas do século XX corresponderam aos avanços do século XIX inteiro. Hoje em dia, grandes transformações tecnológicas levam apenas alguns anos para ser desenvolvidas... E a tecnologia da computação está passando pelo mesmo crescimento exponencial”.8 Em meados da década de 1960, Gordon Moore cofundou a Intel. Ele estimou que a densidade de transistores nas placas de circuito integrado estava dobrando a cada doze meses e que os computadores dobravam periodicamente tanto a capacidade quanto a velocidade por custo unitário. Em meados da década de 1970, Moore ajustou sua estimativa para cerca de 24  meses. A Lei de Moore poderá ter atingido sua conclusão natural mais ou menos no ano 2020. Até lá, os transistores podem chegar a apenas alguns átomos de largura. A potência dos computadores permanecerá crescendo, mas de formas diferentes. A propósito, se a tecnologia dos carros motorizados tivesse avançado na mesma velocidade, hoje um carro rodaria em média a seis vezes a velocidade do som, faria mais de quatrocentos quilômetros por litro e custaria mais ou menos um dólar. Imagino que você teria um. Eu só tomaria cuidado ao pisar no acelerador.

E isso é só o começo

Por mais atordoante que tenha sido a velocidade da inovação tecnológica nos últimos cinquenta anos, a revolução só está começando. Nas próximas cinco décadas, poderemos ver mudanças que são tão inimagináveis hoje quanto o iPad foi para John Shakespeare. Um dos portais para esse futuro radical é a nanotecnologia, a manipulação de coisas minúsculas. Os nanotecnólogos estão juntando átomos individuais para construir máquinas. Para mensurar as vastas distâncias do espaço, os cientistas usam o ano-luz – a distância que a luz percorre em um ano, que equivale a pouco menos de 10 trilhões de quilômetros. Perguntei a um professor de nanotecnologia o que eles usam para medir as minúsculas distâncias do nanoespaço. Ele disse que a medida utilizada em sua área é o nanômetro, que equivale a um bilionésimo de um metro. Um bilionésimo de um metro. É quase impossível imaginar uma distância tão pequena. Matematicamente, essa medida equivale a 10–9 metro, ou 0,000000001 metro. Mas, para a cabeça de um leigo como eu, essa abstração não ajuda em nada. Eu até entendo racionalmente o conceito, mas não consigo visualizá-lo. Perguntei: “O que seria essa medida, mais ou menos?”. Ele pensou por um momento e respondeu: “Um nanômetro é mais ou menos o tanto que a barba de um homem cresce em um segundo”. Eu nunca tinha pensado no que acontece com a barba em um segundo, deve acontecer alguma coisa. Um fio de barba leva o dia todo para crescer mais ou menos um milímetro, e todo mundo sabe que a barba não cresce de repente. A barba não aparece de repente às 7 horas da manhã. Agora temos um modo de dizer quão devagar cresce um fio de barba: cerca de um nanômetro por segundo. Um nanômetro é uma medida minúscula, mas não é a menor medida possível. Afinal, se você tiver um nanômetro, nada o impede de ter meio nanômetro. E ainda temos o picômetro, que equivale a um milésimo de um nanômetro; um attômetro, que equivale a um milionésimo de um nanômetro; e um femtômetro, que equivale a um bilionésimo de um nanômetro. Um bilionésimo

de um bilionésimo de metro. Isso quer dizer que, se a sua barba tivesse uma barba... Em 1995, o professor Harry Kroto foi agraciado com o Prêmio Nobel de Química. Ele e seus colegas descobriram a terceira forma do carbono, um nanotubo de carbono chamado de molécula C60, também conhecido como buckyball, em homenagem ao arquiteto americano Buckminster Fuller. Fuller usou muito formas geodésicas semelhantes às estruturas da molécula C60. O C60 tem qualidades notáveis. É cem vezes mais forte que o aço, tem um décimo do peso e conduz eletricidade como se fosse um metal. A descoberta levou a uma onda de pesquisas nos campos da engenharia, aeroespaço, medicina, entre muitos outros. Se fosse produzido em quantidades industriais, o C60 possibilitaria a construção de aviões vinte ou cinquenta vezes maiores, mas muito mais leves e econômicos em termos de consumo de combustível. Seria possível construir prédios altíssimos e pontes cruzando o Grand Canyon. Carros e trens seriam levíssimos e poupariam ainda mais combustível usando energia solar. A nanotecnologia possibilita a criação de qualquer substância ou objeto do nível atômico para cima. Enquanto os cientistas especulam sobre as possibilidades práticas, outros especialistas se perguntam sobre as consequências políticas e econômicas. Charles Ostman, membro sênior do Institute for Global Futures, observa: “Neste exato momento, o poder e a influência no mundo baseiam-se no controle de recursos naturais e industriais. Quando a nanotecnologia possibilitar sintetizar qualquer objeto físico com facilidade e baixo custo, nossos atuais sistemas econômicos ficarão obsoletos. É difícil imaginar um campo mais amplo de desenvolvimento futuro do que a nanotecnologia”.9 A nanotecnologia promete inovações radicais em campos tão distintos quanto a engenharia e a medicina. Suas aplicações incluem “computação molecular, ligas que mudam de forma, compostos orgânicos sintéticos,

construção de genes personalizados e máquinas ultraminiaturizadas”. Na medicina, nanomáquinas com lâminas rotativas da escala do cabelo humano poderão percorrer veias e artérias limpando depósitos de colesterol. Em outras aplicações médicas, “as implicações da modificação da química celular de praticamente qualquer órgão do corpo humano para curar doenças, prolongar a vida ou possibilitar habilidades sensoriais e mentais aprimoradas são praticamente inimagináveis”. Culturas de pele cultivadas artificialmente já estão sendo produzidas e pesquisas sobre o desenvolvimento de um coração artificial orgânico estão sendo feitas em vários países. A nanotecnologia possibilita a extrema miniaturização dos sistemas de computação e revolucionará o modo como os utilizamos. No futuro, os computadores serão tão pequenos que poderemos vesti-los e eles usarão a eletricidade da superfície da nossa pele como fonte de energia. O problema será o que fazer com o monitor: ninguém vai querer levar uma fina película contendo microprocessadores no pulso e um monitor preso no peito. Uma solução é usar projetores de retina que utilizam lasers de baixa potência montados em armações de óculos e que projetam a tela nos olhos. Uma versão dessa tecnologia já está sendo usada em sistemas avançados de aeronaves. Os displays de navegação são projetados no interior da viseira dos pilotos, que podem mudar a direção da aeronave movendo os olhos. Só nos basta esperar que eles não deem um espirro em espaço aéreo hostil. Para uma utilização mais cotidiana, os computadores poderiam ser incluídos em roupas. Camisas poderiam ser equipadas com sensores de monitoramento do batimento cardíaco e outros sinais vitais. Na possibilidade de sérios problemas de saúde, um médico poderia ser alertado. Sapatos inteligentes transformariam os passos em energia para alimentar os computadores vestíveis. Outras inovações vão substituir o teclado convencional. Já existem interfaces controladas só pelo pensamento. Headsets podem monitorar

ondas cerebrais e convertê-las em instruções. Todos esses dispositivos funcionam fora do corpo dos usuários. Em pouco tempo, as tecnologias da informação podem migrar para dentro do nosso corpo e até do nosso cérebro. Os computadores podem estar prestes a se fundir com a nossa consciência.

Usando o seu cérebro As implicações mais revolucionárias das pesquisas nos campos dos sistemas de informação, ciência dos materiais e neurociência estão nos cruzamentos entre essas áreas. Já podemos pensar em tecnologias da informação inspiradas nos processos neurais do cérebro. As futuras gerações de computadores podem basear-se não em códigos digitais e em silício, mas em processos orgânicos e DNA: computadores que imitam o pensamento humano. Outro dia eu estava conversando com um tecnólogo sênior de uma das principais empresas de computadores do mundo. Ele disse que atualmente os computadores mais potentes do planeta têm o poder de processamento do cérebro de um grilo. Não sei se isso é verdade, nem ele. Não conheço nenhum grilo e, mesmo se conhecesse, não teria como dizer o que se passa no cérebro dele (se é que se passa alguma coisa). O que o tecnólogo quis dizer é que até os supercomputadores mais potentes ainda não passam de simples calculadoras. Eles realizam tarefas que os seres humanos não conseguem realizar, mas não têm qualquer opinião sobre elas. Eles não pensam, em qualquer sentido do termo. Os aviões se saem muito melhor que nós voando a 35 mil pés, mas não faz sentido perguntar como eles se sentem a respeito. Eles não sentem. Mas isso tudo está mudando. Num futuro não muito distante, os computadores mais potentes poderão ter o poder de processamento do cérebro de um bebê humano de seis meses. Em alguns sentidos, os computadores poderão se tornar conscientes em breve. Logo

será possível comprar um computador pessoal barato com o mesmo poder de processamento de um cérebro humano adulto.10 Como vai ser trabalhar com um computador tão inteligente quanto você? Ele pode não ser tão atraente quanto você e nem ter tantos amigos, mas vai ser tão inteligente quanto você... como você acha que vai se sentir? Você dará uma instrução a esse computador, ele hesitará e dirá: “Você tem certeza disso? Acho que você não pensou direito...”. Em 2030, os computadores pessoais, não importa sua forma, poderão ter o poder de processamento não de um, mas de mil cérebros humanos. Implantes neurais que fornecem estimulação cerebral profunda (DBS, na sigla em inglês) estão sendo usados para neutralizar os tremores provocados pela doença de Parkinson e pela esclerose múltipla. Implantes cocleares podem substituir as funções de um ouvido interno danificado. Implantes de retina podem restaurar parte da percepção visual, complementando células fotorreceptoras danificadas nos olhos. Implantes neurais e “drogas inteligentes” poderão melhorar nossas experiências sensoriais em geral e nossa capacidade de memória e raciocínio. No futuro, se você tiver uma prova importante para fazer, poderá comprar mais oitenta megabytes de memória RAM e implantá-los no seu cérebro. Poderá ser possível ter implantes de idiomas. Em vez de passar cinco anos aprendendo francês, você poderá implantar o idioma diretamente no seu cérebro antes da sua viagem à França. Você provavelmente vai ter de desembolsar um pouco mais pelo implante de estilo. Ray Kurzweil acredita que “na terceira década do século XXI estaremos em condições de criar mapas completos e detalhados dos ‘aspectos computacionalmente relevantes do cérebro humano’ e de recriar esses designs em computadores neurais avançados”. Nossas máquinas também poderão assumir uma variedade de corpos, “como corpos virtuais na realidade virtual e corpos compostos de enxames de nanorrobôs...”. Robôs humanoides que andam e têm expressões faciais realistas estão sendo desenvolvidos

em vários laboratórios. Antes do fim deste século, “segundo a lei dos retornos acelerados, a espécie criadora da tecnologia na Terra – nós – vai se fundir com a própria tecnologia. Quando isso acontecer, poderemos perguntar: qual é a diferença entre um cérebro humano mil vezes melhorado por implantes neurais e uma inteligência não biológica baseada na engenharia reversa do cérebro humano e melhorada e expandida?”. Como Kurzweil observa, “um processo evolutivo acaba se acelerando porque se baseia em si mesmo para evoluir ainda mais [...] A inteligência que estamos criando agora para os computadores logo superará a inteligência de seus criadores”. Pode chegar um momento, diz Ostman, “em que as máquinas exibirão toda a gama do intelecto, das emoções e das habilidades humanas, incluindo talentos musicais e outros talentos criativos e movimentos físicos”. Nesse caso, “as fronteiras das questões filosóficas – por exemplo, onde a vida termina e onde todo o resto começa –, na melhor das hipóteses, logo começarão a ficar nebulosas, e o mesmo vai acontecer com o nosso conceito atual de inteligência”. “Um processo evolutivo acaba se acelerando porque se baseia em si mesmo para evoluir ainda mais.” Algumas dessas previsões podem soar improváveis, mas, se alguém tivesse lhe dito, vinte anos atrás, que um dia você poderia usar um aparelhinho sem fio na praia para fazer pesquisas em qualquer biblioteca do mundo, enviar cartas instantâneas, baixar músicas e vídeos, comprar passagens de avião e reservar hotéis, fazer um empréstimo no banco e checar seus níveis de colesterol, você teria pensado que a pessoa não batia muito bem da cabeça. E hoje achamos que todas essas coisas são mais do que naturais. Se você pudesse voltar no tempo e mostrar o seu iPhone aos seus bisavós, eles achariam que você é o Capitão Kirk. O impossível de ontem é o normal de hoje. Espere até amanhã.

Um planeta superlotado O desenvolvimento tecnológico é apenas um dos vários impulsionadores da mudança. O outro é a multidão de pessoas que o planeta está sendo obrigado a acomodar. Somos de longe a maior população de pessoas que já viveu neste planeta ao mesmo tempo. Em meados do século XVIII, no início da Revolução Industrial, éramos apenas 1 bilhão de pessoas na Terra. Em 1930, a população tinha dobrado para 2 bilhões. Levou toda a história da humanidade até cerca de 1800 para a população atingir o primeiro bilhão e apenas 130 anos para atingir o segundo bilhão. E só levamos trinta anos para chegar ao terceiro bilhão, em 1960, catorze anos para incluir o quarto bilhão, em 1974, e treze para adicionar o quinto, em 1987. Na noite da virada do milênio, em 1999, a população do mundo já tinha atingido os 6 bilhões e continuava crescendo a uma velocidade alucinante. Em 2017, a população chegou a 7,5 bilhões, e as Nações Unidas estimam que, em 2050, chegará perto dos 10 bilhões. A questão não é só o crescimento da população humana, mas também as ondas migratórias. Em 1800, a grande maioria das pessoas morava no campo e só 5% moravam em áreas urbanas. Em 1900, essa proporção já tinha subido para 12%. Em 2000, quase 50% dos 6 bilhões de pessoas da Terra já moravam em cidades. Estima-se que, em 2050, mais de 60% da população (cerca de 6 bilhões de pessoas) será urbana. E as cidades que receberão essas multidões não são as cidades bem projetadas do Sonho Americano. Muitas serão megacidades de crescimento descontrolado, com mais de 20 milhões de habitantes. Os números são assustadores. Estima-se que, em 2050, o planeta terá mais de quinhentas cidades com mais de 1 milhão de habitantes e mais de cinquenta megacidades com população superior a 10 milhões. A Grande Tóquio, uma metrópole urbana em expansão, já tem uma população de 38 milhões (mais do que toda a população do Canadá).

Ao mesmo tempo, o eixo do mundo humano está em deslocamento. O centro do crescimento populacional não fica mais nas antigas economias industriais da Europa ocidental e da América do Norte, mas sim nas economias emergentes da América do Sul, do Oriente Médio e da Ásia. Atualmente, 84  milhões de pessoas são adicionadas anualmente às populações dos países menos desenvolvidos, em comparação com cerca de 1,5 milhão nos países mais desenvolvidos, onde a população deve permanecer relativamente constante ao longo deste século.11 A China tem a maior população do mundo, com 1,4  bilhão de pessoas. A população chinesa aumenta 1% ao ano, presumindo uma migração mínima, embora esse crescimento deva se acelerar com a eliminação gradual da política do filho único a partir de 2015. A Índia tem uma população de mais de 1,3 bilhão e, com uma taxa de crescimento de cerca de 2%, pode ultrapassar a China em meados deste século. Em algumas economias emergentes, quase metade da população tem menos de 25 anos. Enquanto isso, nos países industrializados mais antigos, a população está envelhecendo. Muitos apresentam taxas baixíssimas de crescimento populacional ou até o fenômeno conhecido como “crescimento natural negativo”, quando as taxas de mortalidade superam as de natalidade. Atualmente, isso acontece em vinte países, incluindo a Rússia, o Japão, a Alemanha, a Letônia, a Áustria e a Itália. Em alguns países, a única fonte de crescimento populacional é a imigração. Os Estados Unidos são o terceiro país mais populoso do mundo, com 324 milhões de habitantes, podendo chegar a 422 milhões em 2050. Estima-se que 4 milhões de bebês nasceram nos Estados Unidos em 2015, constituindo a menor taxa de fecundidade desde os primeiros registros, em 1909. (A taxa de fecundidade geral é o número de nascimentos por mil mulheres entre 15 e 49 anos de idade.) A maior fonte de crescimento populacional dos Estados Unidos provém das migrações vindas das Américas Central e do Sul.12 Com o avanço do século, essas gigantescas mudanças populacionais pressionarão a uso de recursos naturais,

abastecimento de água e energia, produção de alimentos e a qualidade do ar que respiramos. Os riscos de epidemias e novas doenças nunca foram tão grandes. A atividade econômica e o comércio serão afetados de maneira profunda. Se aprendemos alguma coisa com o passado, também sabemos que há o risco de enfrentarmos as consequências de grandes conflitos culturais. A solução desses problemas envolverá maneiras radicalmente novas de preservar os recursos naturais, novas tecnologias de geração de energia, métodos sustentáveis de produção de alimentos e novas abordagens para prevenir e tratar doenças, bem como políticas inovadoras. Neste contexto, como em todos os outros, inovar será fundamental.

Os riscos das projeções No dia 30 de abril de 1939, um domingo, Franklin D. Roosevelt, o presidente dos Estados Unidos, subiu ao palco e falou para uma plateia de mais de 200 mil pessoas em Nova York, com uma câmera apontada para ele. Seu papel naquele dia foi inaugurar a Exposição Mundial de Nova York de 1939. O tema da exposição era “Construindo o mundo de amanhã” e as duas temporadas de atividades, em 1939 e 1940, atraíram 45 milhões de visitantes. A Radio Corporation of America (RCA) foi uma das centenas de expositores, com um pavilhão exibindo demonstrações do primeiro sistema televisivo comercial do mundo. O discurso de Roosevelt daquele dia foi o primeiro discurso presidencial televisionado. Além do público da exposição, ele foi visto por cerca de mil pessoas diante de algumas centenas de televisores espalhados pela cidade de Nova York. Dez dias antes da abertura oficial da exposição, David Sarnoff, presidente da RCA, fez um discurso anunciando o sistema televisivo como o despertar de uma nova era da radiodifusão. O pavilhão chamou atenção, mas nem todo mundo se convenceu de que a TV “pegaria”.

Um artigo de jornal sobre o evento concluiu que a televisão jamais seria um sério concorrente do rádio. Um dos argumentos foi que dá para fazer outras coisas enquanto ouvimos rádio. Mas, para ver TV, precisamos nos sentar e ficar com os olhos grudados na tela – o que, naturalmente, acabaria se tornando o grande apelo do sistema televisivo. Parecia claro para o autor do artigo que as famílias americanas simplesmente não teriam tempo para isso. Só que, quem diria, o público arranjou tempo. Em média, as famílias americanas cavaram cerca de 25 horas por semana de suas agendas lotadas para ficar sentadas no sofá com os olhos grudados na televisão. O autor do artigo errou ao avaliar a televisão com base nos valores culturais da época, que pareciam não ter como acomodar a TV. Na verdade, a televisão não foi acomodada na cultura americana da época, e sim a revolucionou completamente. O mundo nunca mais foi o mesmo depois do advento da televisão. A TV foi uma tecnologia transformadora, assim como a prensa tipográfica, o motor a vapor, a eletricidade, o automóvel e outras invenções revolucionárias. É quase impossível prever o nosso futuro com qualquer grau de certeza. As forças da mudança criam tantas contracorrentes que só podemos mapeá-las um pouco adiante. Não é fácil prever os efeitos das tecnologias transformadoras justamente porque essas tecnologias são transformadoras. Para entender como é difícil prever o futuro agora, basta pensar em como teria sido difícil prever o futuro no passado.

Virando a página Enquanto Gutenberg corrigia as falhas técnicas de sua prensa tipográfica em 1450 em Mainz, na Alemanha, duvido que ele tenha previsto todas as consequências da invenção que estava prestes a lançar no mundo. Treinado para ser ourives, Gutenberg combinou as tecnologias existentes com algumas melhorias que ele mesmo concebeu e criou um sistema de

impressão rápido, adaptável e eficiente. Seu sistema possibilitou, pela primeira vez na história da humanidade, reproduzir documentos em grande quantidade e distribuí-los por todo o continente europeu e, mais tarde, por todo o mundo. A prensa tipográfica de Gutenberg mudou tudo, abrindo as comportas do conhecimento e das ideias e gerando um apetite voraz pela alfabetização. Por volta de 1500, gráficas espalhadas por toda a Europa já produziam incontáveis documentos sobre todos os temas e de todos os pontos de vista, com implicações sísmicas para a política, a religião e a cultura. No século XVI, o filósofo e político inglês Francis Bacon desenvolveu os princípios do método científico em um mundo que tinha sido transformado pela proliferação de ideias e pela energia intelectual que fluíra das prensas da Europa. Mais para o fim da vida, Bacon comentou que a invenção de Gutenberg “mudou o estado de todas as coisas no mundo inteiro”.

Saindo da concha O motor de combustão interna foi criado quatrocentos anos depois da primeira prensa tipográfica de Gutenberg. E, como a prensa, ninguém teve como prever o impacto dessa invenção. Na época, muita gente via o automóvel como uma inovação interessante, mas não fazia muito sentido substituir os cavalos e as carruagens, que já estavam dando conta do recado. Uma pessoa cuja curiosidade foi despertada pelas novas carruagens sem cavalos acabou ganhando um lugar desventurado na história dos transportes. Seu nome era Bridget Driscoll, e ela foi uma das primeiras pessoas a morrer em um acidente de automóvel. Em 17 de agosto de 1896, Bridget, então com 44 anos, visitava uma exposição no Palácio de Cristal, em Londres, com sua filha adolescente, May. A exposição incluía voltas de demonstração em automóveis da Anglo-French Motor Carriage Company. Enquanto passeava pela exposição, a senhora Driscoll foi atropelada por um dos veículos e não

sobreviveu ao acidente. O incidente não tinha precedentes e um júri de médicos legistas foi acionado para avaliar o caso. Testemunhas fizeram relatos conflitantes do acidente, incluindo a velocidade do veículo. Uma testemunha disse que o veículo avançava “a uma velocidade imprudente, como um carro de bombeiros”. O  motorista, Arthur James Edsall, refutou o testemunho e afirmou que estava dirigindo a pouco mais de seis quilômetros por hora. A passageira, Alice Standing, disse que o motor tinha sido modificado para possibilitar que o carro andasse a mais de seis quilômetros por hora, mas um especialista que analisou o veículo rejeitou essa alegação. Após seis horas de deliberações, o júri voltou com o veredicto de morte acidental. Ao resumir o caso, o médico legista Percy Morrison refletiu sobre a natureza bizarra do trágico acidente e disse que esperava que “algo parecido jamais voltasse a acontecer”. Bem, aquilo aconteceu de novo. No século XX, mais de 60 milhões de pessoas morreram em acidentes de automóvel e outros milhões jamais se recuperaram dos ferimentos. Como a prensa tipográfica, o automóvel transformou o mundo de maneiras que seus inventores dificilmente poderiam imaginar. E a cultura digital está revolucionando o mundo com a mesma profundidade que essas tecnologias anteriores. Os efeitos são cumulativos. Inovações radicais em geral interagem entre si e criam novos padrões de comportamento. Quando Tim Berners-Lee lançou as bases da World Wide Web em 1990, seu objetivo era ajudar os acadêmicos a colaborar entre si, acessando o trabalho uns dos outros. Ele jamais poderia ter previsto a rápida expansão global da internet, a disseminação viral das mídias sociais e seus efeitos transformadores sobre a cultura e o comércio. A evolução da internet foi impulsionada não só pelas inovações tecnológicas, mas também pela imaginação e pelo apetite de bilhões de usuários, que, por sua vez, estão impulsionando outras inovações tecnológicas.

A nova natureza do trabalho Nem sempre temos como prever o futuro, mas já sabemos de algumas coisas. Uma delas é que a natureza do trabalho continuará a mudar para muitas pessoas. Nossos filhos não só trocarão de emprego várias vezes como provavelmente também mudarão de carreira. Em menos de uma geração, a natureza do trabalho mudou profundamente para milhões de pessoas e, com ela, a estrutura das economias mundiais. Quando eu era criança, nos anos 1950 e 1960, a maioria das pessoas se ocupava de trabalhos manuais e usava um macacão, e relativamente poucas pessoas trabalhavam em escritórios e usavam terno. Especialmente nos últimos trinta anos, mais pessoas passaram a trabalhar no setor de serviços e de tecnologia da informação do que em postos mais tradicionais de trabalho, envolvendo mão de obra manual e manufatura. No passado, as principais empresas globais atuavam na manufatura e no petróleo, mas hoje muitas das principais empresas atuam no setor de comunicações, informação, entretenimento, ciência e tecnologia. A Cisco Systems fornece hardware de rede para a internet. Em novembro de 2000, seu valor no mercado de ações era de US$ 400 bilhões, levando a Cisco a valer mais do que todas as montadoras de automóveis, metalúrgicas, produtoras de alumínio e fabricantes de aviões do mundo juntas na ocasião. E aquilo foi só o começo. Em 2017, cinco das dez maiores empresas da Fortune 500, incluindo as três primeiras colocadas, eram empresas de tecnologia. A empresa mais valiosa é a Apple, com um valor de mercado de US$ 725 bilhões, seguida pela Alphabet (Google), avaliada em US$  507 bilhões, e pela Microsoft, avaliada em US$ 326 bilhões. O quinto colocado da lista é o Facebook, com um valor de mercado de US$ 321 bilhões. A  Amazon é a sétima colocada, com US$ 250 bilhões. Como você acha que será a lista Fortune 500 de 2027, se é que a lista vai continuar existindo? É simplesmente impossível dizer.

O advento do e-commerce e do trading de ações pela internet nos anos 1980 passou destruindo formas tradicionais e consolidadas de fazer negócios. A  informatização dos mercados financeiros e a sincronização das economias globais revolucionaram os serviços financeiros, incluindo bancos, seguradoras, corretoras e traders. Desde o chamado Big Bang em Londres, em 1988, grandes corporações internacionais engoliram pequenos bancos tradicionais, varejistas começaram a oferecer cartões de crédito e bancos se transformaram em seguradoras e financiadores imobiliários. A forte expansão do setor de serviços financeiros de 2000 a 2005 e seu súbito colapso em 2008 são mais um exemplo, como se precisássemos de outro, de que o futuro, em geral, desafia as previsões e supera a imaginação.

Sacando a ideia Nos últimos trinta anos, surgiu uma nova e imponente força nas economias mundiais. Muitas vezes descritas como “setor de propriedade intelectual”, ou às vezes chamadas de “indústrias criativas”, essas forças incluem publicidade, arquitetura, artes e antiguidades, trabalhos manuais, design, moda, cinema, games, música, artes cênicas, editoração, software e serviços de informática, televisão e rádio. Esse setor ganha ainda mais importância quando incorpora patentes da ciência e da tecnologia, como acontece na indústria farmacêutica, de eletrônicos, de biotecnologia e de sistemas de informação, entre outros.13 As indústrias criativas usam muita mão de obra e dependem de muitos tipos de conhecimento especializado. A produção televisiva e cinematográfica, por exemplo, emprega atores, roteiristas, cameramen e operadores de som, bem como especialistas em iluminação, maquiagem, design, edição e pós-produção. A revolução das comunicações e os novos mercados globais por ela criados multiplicaram os canais de disseminação de conteúdo criativo e acabaram por aumentar a demanda dos consumidores. O aumento da importância financeira do setor

é acompanhado do aumento de sua base de empregos, não só na Europa e nos Estados Unidos como também na Ásia.

Um novo tipo de mão de obra Em todo o mundo, o setor privado e o sistema educacional estão diante de um novo abismo entre gerações. Ao mesmo tempo que o número de pessoas no planeta está aumentando, as diferenças entre as gerações estão se aprofundando. Com a melhoria da medicina e dos medicamentos e o aumento da expectativa de vida, o grupo dos cabelos grisalhos continua crescendo e se mantém em plena atividade. No Reino Unido, por exemplo, em 2020, o número de pessoas com mais de 50 anos será 2 milhões maior, enquanto o número de pessoas com menos de 50 anos será 2 milhões menor. E as pessoas com mais de 50 anos não são como seus antepassados. Eles respondem por 80% da riqueza do país, gozam de uma saúde melhor e são mais abertos do que os pais de crianças pequenas atolados em dívidas, enfrentando novos desafios e tentando se adaptar a novas formas de trabalho. Essas características fazem da geração grisalha trabalhadores extremamente eficazes da nova economia. De acordo com um estudo: “A queda das taxas de natalidade forçará os empregadores a serem mais criativos se quiserem ter acesso aos trabalhadores especializados dos quais precisam. E para isso eles terão de se livrar dos preconceitos da discriminação etária”.14

Uma sociedade ociosa? A promessa de uma sociedade entregue ao ócio resultante de tecnologias digitais que substituirão a mão de obra humana não se concretizou até agora. A maioria das pessoas que conheço está se empenhando mais no trabalho, passa mais tempo trabalhando e é forçada a cumprir prazos mais curtos do que há dez anos. A possibilidade de se comunicar com

pessoas em diferentes fusos horários significa que, quando você está indo dormir, alguém acabou de chegar ao escritório e quer falar alguma coisa. Além da montanha diária de e-mails, ainda somos constantemente importunados pelas insistentes notificações de mensagens de texto, telefonemas e atualizações nas mídias sociais. Um executivo sênior de uma grande companhia de petróleo me contou que, nas festas de fim de ano, era costume da empresa dar uma desacelerada nas atividades a partir de meados de dezembro e só retomar plenamente as atividades em meados de janeiro. Hoje as pessoas marcam reuniões na semana do Natal e as atividades voltam ao frenesi de sempre já na primeira semana do Ano-Novo. Ele descreve assim a situação: “O padrão de vida melhorou muito em comparação com a época em que eu comecei a trabalhar, mas a qualidade de vida caiu muito”. Enquanto isso, muitas pessoas estão desempregadas. Mas esse é um problema diferente, que retomaremos no Capítulo 3. Também estamos expostos ao dilúvio constante de notícias e informações e à pressão de nos manter a par de tudo. Um famoso jornalista britânico contou sobre a época em que ele começou a trabalhar no noticiário de uma estação de rádio. Ele entrou na BBC na década de 1930, quando ainda não existiam noticiários regulares. Em sua primeira semana no emprego, um noticiário foi agendado e ele foi ao estúdio assistir à transmissão. O apresentador sentou-se à mesa, diante do microfone, esperou dar a hora exata de começar o noticiário e anunciou, solenemente: “Esta é a BBC Home Service de Londres. É uma hora. Não há nenhuma notícia”. O noticiário era transmitido de qualquer maneira, com ou sem notícias.15 Compare isso com o ciclo febril de hoje em dia, apresentando notícias 24 horas por dia em uma infinidade de canais e mídias. Não é que o mundo de hoje tenha mais acontecimentos do que o dos anos 1930. Hoje temos uma indústria de notícias agressivamente competitiva, que gera notícias e opiniões 24 horas por dia para alimentar seus

lucros. Tudo isso contribui para uma sensação de crise que permeia toda a cultura do século XXI.

Antecipando o futuro Em 1970, Alvin Toffler publicou seu revolucionário livro O choque do futuro. Os psicólogos conhecem bem o conceito de choque cultural. Refugiados políticos e imigrantes econômicos podem sofrer um choque cultural quando se mudam para um país diferente e são jogados em um ambiente onde todas as suas referências – idioma, valores, comida, roupas, rituais sociais – deixam de ser válidas. O choque cultural pode desnortear uma pessoa ao extremo e levar, em casos graves, à psicose. Toffler notou um fenômeno global semelhante nas rápidas mudanças sociais causadas pela tecnologia. Ele argumentou que ser impelidas com muita rapidez a um futuro desconhecido poderia ter o mesmo efeito traumático sobre as pessoas. O problema não é a mudança em si, mas a velocidade, a natureza e a escala da mudança. Hoje em dia enfrentamos “um fluxo de mudanças tão acelerado que afeta nosso senso de tempo, revoluciona o ritmo da nossa vida cotidiana e afeta a nossa experiência de mundo. Não vivenciamos mais a vida como as pessoas faziam no passado. Essa é a maior diferença, a grande distinção que separa uma pessoa verdadeiramente contemporânea de todas as outras”. Ele acreditava que essa aceleração está por trás da “impermanência, da transitoriedade, que penetra e se impregna na nossa consciência, afetando radicalmente a nossa relação com as pessoas, as coisas e todo o universo de ideias, arte e valores”. É interessante notar que, na década de 1970, quando Alvin Toffler desenvolveu suas visões apocalípticas resultantes da velocidade das mudanças sociais, o computador pessoal ainda não tinha sido inventado, muito menos a internet. Ele escreveu O choque do futuro usando uma máquina de escrever mecânica.

O que o futuro nos reserva No século XXI, a humanidade enfrenta alguns de seus maiores desafios. Nossa melhor solução é cultivar nossos talentos de imaginação, criatividade e inovação. Esta deveria ser uma das maiores prioridades da educação no mundo todo. A educação é a solução para o futuro e os riscos dificilmente poderiam ser maiores. Em 1934, o grande psicólogo suíço Jean Piaget afirmou que “só a educação é capaz de salvar as nossas sociedades de um possível colapso, seja violento ou gradual”. Não faltam exemplos na história. No tempo relativamente curto em que a humanidade ocupa a Terra, muitas grandes sociedades e civilizações inteiras surgiram e desapareceram. Criamos nossas culturas não só com base nas realizações dos que vieram antes, mas também em suas ruínas. O romancista visionário H. G. Wells disse a mesma coisa que Piaget, mas de maneira mais incisiva: “A civilização”, ele disse, “é uma corrida entre a educação e a catástrofe”. Evidências sugerem que ele e Piaget tinham razão.

3 O problema do nosso sistema educacional “Os sistemas educacionais atuais não foram concebidos para resolver os desafios que enfrentamos hoje. Eles foram criados para atender a demandas obsoletas. Não basta fazer uma reforma: o sistema precisa passar por uma transformação.”

Inflação acadêmica Eu entrei na faculdade em 1968. Se você me visse na época, não me reconheceria. Eu não era o cara sofisticado e elegante que você pode ver na foto do meu site. Eu idolatrava o Led Zeppelin e tentava imitar, pelo menos na aparência, o vocalista, Robert Plant. Eu tinha cabelos na altura dos ombros, usava jeans e uma jaqueta do exército rasgada e era (quase) perigosamente irresistível para as mulheres. Pelo menos era o que eu achava. Eu tinha 22  anos e ainda não sabia o que fazer da vida. Seria melhor procurar um emprego? Ainda não, pensei. Não tinha pressa. Naquela época, qualquer pessoa com um diploma universitário tinha um emprego decente praticamente garantido e o curso em si não fazia muita diferença. Eu poderia ter me formado em língua nórdica antiga ou qualquer outro curso exótico. E mesmo assim as

empresas faziam fila para contratar quem tinha um diploma universitário. “Quer dizer que você sabe falar a língua dos vikings?”, eles perguntariam. “Por que você não vem trabalhar aqui, para administrar a nossa fábrica? Afinal, depois de ter passado quatro anos na faculdade, você já deve saber tudo o que é necessário.” Naquela época, se uma pessoa com diploma universitário não trabalhasse era porque provavelmente preferia não fazê-lo. Eu não queria trabalhar. Eu queria “me encontrar”. Nos anos 1970, ainda dava para fazer esse tipo de coisa. Decidi ir à Índia, onde achei que me encontraria. Acontece que acabei nem chegando à Índia, cheguei apenas a Londres (onde, justiça seja feita, não faltam restaurantes indianos). Eu sabia que teria um emprego esperando por mim assim que resolvesse trabalhar, e foi o que aconteceu. Um diploma universitário era um passaporte para uma boa posição profissional. Hoje em dia, não basta se formar para ter um emprego garantido, e quem encontra trabalho não espera passar muito tempo na mesma empresa nem espera que a empresa sobreviva muito tempo. Não estou dizendo que é melhor nem se dar ao trabalho de obter qualificações acadêmicas. O simples fato de estudar para obter essas qualificações já deveria valer a pena, e os melhores programas são muito bons. As qualificações acadêmicas também são um tipo de moeda e têm uma taxa de câmbio no mercado de trabalho ou no mundo acadêmico. E, como todas as moedas, o valor pode subir ou cair de acordo com as condições do mercado e a quantidade de moeda em circulação. Os diplomas universitários costumavam ter um alto valor de mercado em parte porque poucas pessoas eram formadas. O  crescimento da população e a expansão da “economia do conhecimento” levaram a um número sem precedentes de pessoas para a faculdade. Na década de 1970,

aproximadamente uma a cada vinte pessoas frequentava um curso superior. Hoje em dia, uma a cada três vai à faculdade, e essa proporção está subindo para uma a cada duas. O que acontece é que o valor de mercado dos diplomas está caindo. Já não basta ser formado para se destacar na multidão. Empregos que costumavam exigir apenas graduação agora estão exigindo mestrado ou doutorado. Vários anos atrás, participei do comitê de seleção de professores de uma universidade. Perguntei ao presidente do comitê quais eram os critérios de seleção dos candidatos. Ele mencionou as várias qualidades e qualificações exigidas para o cargo e completou: “Acho que também seria bom ter alguém com um bom doutorado”. Eu disse: “Em oposição a quê? Um doutorado terrível?”. Ele estava se referindo, é claro, a um doutorado em uma universidade top. No passado, era raríssimo alguém ter doutorado. Quem tinha um diploma de doutorado era visto com reverência. Hoje em dia, não aceitamos “qualquer” diploma de doutorado. Queremos “bons” doutorados. E agora? Qual vai ser o próximo passo? Prêmios Nobel? Será que um dia vamos ver ganhadores do Nobel se candidatando para trabalhar em um escritório e sendo informados pelo RH: “Certo... Estou vendo aqui que você tem um Prêmio Nobel... Muito bom... Mas você sabe usar o Excel? Precisamos de alguém para cuidar da folha de pagamento”. A premissa é que tudo vai ficar bem se expandirmos a educação e elevarmos os padrões. Que, quando todo mundo tiver um diploma de doutorado, ninguém jamais ficará desempregado. Mas não é isso que vai acontecer. Os mercados se adaptarão às taxas de câmbio em queda e os empregadores sairão em busca de outras moedas, mais valiosas. É o que já está acontecendo. O problema não é que os padrões acadêmicos estão em queda. O problema é

que as bases que fundamentam os nossos sistemas educacionais atuais estão se deslocando sob os nossos pés.

Pilares gêmeos Hoje presumimos que os governos é que deveriam se encarregar de fornecer amplos sistemas educacionais; que a educação deveria ser financiada com recursos públicos; que todas as crianças deveriam estudar até pelo menos os 16 anos e que uma grande parcela de jovens deveria ir à faculdade. Tudo isso pode parecer muito natural, mas essas premissas são relativamente novas.16 Foi só a partir da década de 1860 que os países da Europa, e muitos estados norte-americanos, criaram grandes sistemas de educação pública. A história da educação pública ao redor do mundo é uma intrincada trama de necessidade econômica, paixões filantrópicas, movimentos conflitantes de reforma social e convicções filosóficas muito divergentes. Mesmo assim, é possível identificar algumas forças impulsionadoras em comum. As sociedades pré-industriais eram dominadas pelas antigas aristocracias e pelas religiões, que governavam as populações rurais pobres, em grande parte analfabetas. Antes da década de 1860, a grande maioria dos europeus ainda era analfabeta. Só a Prússia, alguns estados do norte da Alemanha e os reinos escandinavos podiam se vangloriar de uma alfabetização generalizada entre seus cidadãos.17 A expansão do industrialismo criou grande fluxo de novas riquezas e uma nova e ambiciosa força social: as classes médias. A educação era o caminho para a ascensão social e para a oportunidade econômica. O sistema público de educação evoluiu ao redor dos interesses e ambições das classes médias, não só para si mesmas, mas também para as sociedades industrializadas

que estavam ajudando a criar. A expansão industrial forneceu os recursos para bancar tudo isso. Quando milhões de trabalhadores migraram do campo para a cidade, para atiçar as chamas do industrialismo nas fábricas e estaleiros, um terceiro grupo social começou a se formar: as classes trabalhadoras urbanas. Para alguns pioneiros da educação em massa, as escolas eram uma maneira de tirar as classes trabalhadoras da pobreza e da desesperança. Outros viam as escolas como a melhor maneira de promover os valores e as oportunidades que deveriam fundamentar qualquer democracia saudável. Nos Estados Unidos, Horace Mann via a educação para todos como a concretização natural dos princípios da Constituição norte-americana. Outros não eram tão idealistas e viam a educação apenas como a maneira mais eficiente de inculcar, nas classes trabalhadoras, os costumes e a disciplina da produção industrial. Alguns argumentaram que era um desperdício de recursos públicos tentar educar os filhos das classes trabalhadoras, já que essas crianças eram basicamente “ineducáveis” e incapazes de se beneficiar da educação. Mas eles estavam errados. Outros temiam que educar as classes trabalhadoras poderia expô-las a novas ideias e levar a uma revolução social. Eles não estavam errados. Escolas públicas de ensino fundamental começaram a surgir por toda a Europa a partir de meados do século XIX: na Hungria em 1868; na Áustria em 1869; na Inglaterra em 1870; na Suíça em 1874; nos Países Baixos em 1876; na Itália em 1877; e na Bélgica em 1879. As escolas públicas também surgiram nos Estados Unidos. Segundo Gerald Gutek, na época da Guerra Civil, “o movimento a favor das escolas públicas já tinha atingido sua meta de estabelecer sistemas populares de escolas fundamentais na maioria dos estados. Depois de 1865, escolas começaram a ser criadas nos estados do Sul. Os novos estados também

foram estabelecendo sistemas públicos de ensino fundamental à medida que entravam na União”.18 Desde o começo, os sistemas de educação em massa na Europa e na América do Norte foram criados para fornecer mão de obra a uma economia industrial baseada em manufatura, engenharia e setores relacionados, como construção civil, mineração e metalurgia. O industrialismo precisava de uma força de trabalho aproximadamente 80% braçal e 20% administrativa e especializada. Essa necessidade serviu de base para a criação da estrutura da educação pública. Em geral, a estrutura seguia a forma de uma pirâmide, com uma ampla base de ensino fundamental se afunilando até chegar a um pico estreito de ensino superior. A maioria das crianças fazia o ensino fundamental e um número menor passava para o ensino médio. A maioria parava de estudar aos 14 anos para ir trabalhar e ajudar a família. Poucos jovens avançavam para o ensino superior. Os que tinham boas qualificações acadêmicas iam estudar em uma universidade e os outros faziam um curso de formação profissional ou entravam em uma escola politécnica. Na Europa, o ensino médio em geral era dividido em dois tipos: escolas acadêmicas, para uma minoria de alunos que demonstravam essa aptidão, e escolas mais práticas ou técnicas, para a maioria dos alunos que não apresentavam uma veia acadêmica. Os alunos que se formavam nas escolas acadêmicas normalmente iam estudar em universidades, que tinham um status mais elevado e conferiam esse status superior a seus estudantes. Não é que só uma minoria fosse capaz de entrar em uma universidade, mas a oferta de vagas era limitada pela demanda dos mercados de trabalho. Como essas demandas mudaram, o número de vagas no ensino superior aumentou. Nos Estados Unidos e na Europa, a expansão começou na década de 1960, em parte para

acomodar a crescente população dos baby boomers, depois do fim da Segunda Guerra Mundial. Essa tendência se manteve com as demandas crescentes geradas pela “economia do conhecimento”. Desde o advento do sistema educacional público no Reino Unido, a expansão das escolas secundárias andou lado a lado com a fundação de novas universidades nos principais centros industriais.19 Um padrão de expansão semelhante pode ser visto nos Estados Unidos. Algumas universidades americanas, como a Indiana University, a Madison Wisconsin e a Ohio State, hoje são do tamanho de pequenas cidades e formam dezenas de milhares de alunos todos os anos. Nos últimos quarenta anos, a proporção de jovens capazes de tirar um diploma universitário aumentou de 20% para 50%. O que explica esse aumento colossal da capacidade intelectual? Será que foi a água enriquecida com flúor ou a popularização dos hortifrútis orgânicos? O fato é que a maioria dos jovens sempre foi capaz de avançar academicamente, mas, até pouco tempo atrás, a economia não precisava de tantas pessoas formadas.

A cultura da educação A ascensão do industrialismo influenciou não só a estrutura da educação em massa como também sua cultura organizacional. Tal qual as fábricas, as escolas foram planejadas com edifícios projetados especialmente para elas, com limites separando-as do mundo externo, horários definidos e regras de conduta. Elas foram criadas com base nos princípios de padronização e conformidade. Os alunos aprendiam basicamente as mesmas coisas e eram avaliados com testes padronizados e tinham relativamente poucas oportunidades de divergir da norma. Eles percorriam o sistema em grupos etários, com todas as crianças de 5 anos juntas, todas as de 6 anos juntas e

assim por diante, como se a qualidade mais importante que as crianças têm em comum fosse sua “data de fabricação”. Nas escolas de ensino médio, o dia era organizado em unidades-padrão de tempo, com as transições marcadas por sinos ou alarmes. O currículo baseava-se na divisão do trabalho, com professores especializados em disciplinas diferentes. Os sistemas se fundamentavam nos princípios da linearidade e conformidade, os mesmos princípios da linha de montagem de uma fábrica. Cada estágio foi concebido para fundamentar-se no estágio anterior. Se os alunos avançassem da maneira prescrita pelo sistema, especialmente se concluíssem um curso superior, eles saíam pela outra ponta instruídos e prontos para o trabalho. A arquitetura original desses sistemas pode ser vista na maneira como muitos sistemas escolares funcionam hoje. Quando me mudei para Los Angeles, vi um exemplo chocante do princípio linear na forma de um artigo em prol da educação intitulado “A faculdade começa no jardim de infância”. Essa questão da linearidade dá muito pano para a manga, mas quero aproveitar para dizer que a faculdade não começa no jardim de infância. O  jardim de infância começa no jardim de infância. O diretor do teatro infantil The Ark, de Dublin, fez um comentário maravilhoso sobre isso. “Uma criança de 3 anos”, ele disse, “não é a metade de uma criança de 6 anos. Uma criança de 6 anos não é a metade de uma criança de 12 anos”. Uma criança de 3 anos é uma criança de 3 anos e ponto final. Em alguns centros urbanos, a concorrência por vagas nas escolinhas “certas” é tão intensa que as crianças estão sendo entrevistadas... para entrar no jardim de infância! O  que será que os entrevistadores estão procurando, provas de que a criança é uma criança?

O princípio da linearidade vê a educação como uma preparação para algum evento posterior. Essa abordagem por vezes é chamada de modelo do “investimento inicial” para a educação. Acumulamos recursos educacionais no começo da vida e os usamos aos poucos à medida que envelhecemos. Também já ouvi o termo “modelo do tanque de gasolina” para se referir a esse sistema. Na infância e juventude, nosso tanque é abastecido com um suprimento inicial de educação, que deve durar por toda a nossa vida. O problema é que alguns jovens saem da escola só com meio tanque, com uma gasolina de baixa qualidade e com poucos postos de gasolina à disposição caso fiquem sem combustível no caminho. Vale a pena estender essa analogia dos carros. Alguns legisladores falam da reforma da educação como se estivessem resolvendo problemas da indústria automobilística. Eles pontuam a necessidade de livrar-se dos excessos e focar o negócio central para enfrentar a concorrência estrangeira, elevar os padrões e aumentar a eficiência, melhorar o retorno sobre o investimento e reduzir os custos. A diferença é que os automóveis e outros produtos inanimados não sofrem nem se beneficiam com a maneira como são produzidos. As pessoas, por sua vez, têm um profundo interesse na própria vida e na própria educação. Elas têm sentimentos e opiniões, esperanças e ambições. Negligenciar o fator humano está na raiz de muitos problemas criados pelos sistemas industriais de educação. A educação não é só uma preparação para o que pode vir depois, mas também envolve ajudar as pessoas a se engajar com o presente. O que seremos no futuro dependerá da qualidade das nossas experiências aqui e agora. Muitas pessoas nunca tiveram uma progressão simples e linear, partindo da educação até chegar a uma carreira bem planejada. Nossa vida é fustigada demais

pelas correntes e contracorrentes das forças sociais, impulsos pessoais e confluências imprevisíveis de eventos e oportunidades. A premissa de uma linha direta entre o que é ensinado na escola e o trabalho que os alunos farão depois de concluir os estudos prioriza as disciplinas que a economia considera mais relevantes. Se a economia precisar de mais cientistas e tecnólogos, a ciência e a tecnologia são priorizadas e outros cursos, nos campos das artes e humanas, por exemplo, são eliminados para dar espaço aos cursos mais valorizados no momento. Essa política não beneficia os nossos jovens nem a sociedade e está longe de ser a melhor maneira de produzir bons cientistas e tecnólogos. É um erro pensar na relação entre educação e economia como um simples processo de oferta e demanda. Os sistemas industriais até podem ser padronizados e lineares, mas a vida humana não é. A vida humana segue princípios diferentes.

Útil ou inútil? O Conselho da Europa é uma organização intergovernamental com sede em Estrasburgo e que reúne Estados-membros espalhados por todo o território europeu, inclusive muitos países do antigo bloco soviético. Alguns anos atrás, liderei um projeto de pesquisa contratado pelo Conselho da Europa com o objetivo de analisar as verbas alocadas às artes nos sistemas educacionais de 22 países.20 Alguém precisa fazer esse tipo de coisa. Encontramos muitas diferenças e algumas semelhanças. Em todos os países, as artes eram relegadas às margens do currículo escolar. A maioria dos sistemas incluía artes plásticas e música, poucos ensinavam teatro e quase nenhum incluía aulas de dança. O padrão é o mesmo nos Estados Unidos, Canadá, México, América

Central e América Sul e em muitas regiões da Ásia... na verdade, praticamente no mundo todo. Quaisquer que sejam os padrões que a maioria dos países pretende elevar, eles não parecem ter muita relação com as artes. Sei disso pela minha própria experiência na escola. Quando eu tinha 14 anos, meu professor me disse que eu tinha um problema e me mandou ir falar com o diretor da escola. O problema era a minha escolha de cursos optativos para os dois anos seguintes. Eu adorava arte e queria muito aprender mais. E também queria aprender a falar alemão. “Bem, isso é um problema, Robinson”, o diretor me informou. “Você não pode fazer as duas coisas.” Fiquei de queixo caído. Eu não entendia como é que uma coisa podia excluir a outra. Ele explicou: “Você não pode estudar arte e alemão nesta escola porque os horários entram em conflito”. Perguntei o que ele me aconselhava a fazer. “No seu lugar”, ele me orientou, “eu faria alemão”. Perguntei por que e ele respondeu: “Vai ser mais útil”. Achei, e ainda acho, essa forma de pensar exasperante. Eu teria entendido se ele tivesse dito que estudar alemão seria mais interessante, que eu tinha um talento nato para aprender línguas ou que essa disciplina tinha mais a minha cara. Mas dizer que alemão é mais útil que arte? Eu sei que saber falar alemão é útil, especialmente na Alemanha. Mas é útil aprender idiomas e é inútil aprender sobre arte? Como assim? O currículo da maioria dos sistemas escolares parece dividir-se em dois grandes grupos: as disciplinas úteis e as inúteis. Idiomas, matemática, ciência e tecnologia são úteis; história, geografia, arte, música e teatro são inúteis. Quando o dinheiro é curto ou movimentos reformistas se concentram em elevar os padrões, os primeiros cursos a cair costumam ser os de arte. Em 2001, o governo federal dos Estados Unidos sancionou a Elementary and Secondary Education Act

(ESEA), conhecida como a “Lei Nenhuma Criança Deixada para Trás”. A lei tinha como objetivos elevar os padrões acadêmicos em todas as escolas, aumentar a responsabilidade dos professores pelo desempenho dos alunos, melhorar a preparação dos estudantes para entrar na faculdade e, em consequência, reforçar a competitividade econômica dos Estados Unidos. Os principais métodos incluíram intensificar os programas de testes padronizados de idiomas e matemática e vincular os fundos alocados às escolas ao desempenho dos alunos nos testes. A lei resultou de uma coligação entre partidos compostos de pessoas sérias, com os interesses do país em mente e cheias das melhores intenções. Na prática, a lei não conseguiu atingir seus objetivos e tem sido condenada por desmoralizar professores e alunos e por impor uma cultura entorpecedora de testes padronizados, reforçada por penalidades financeiras caso o desempenho da escola seja considerado insuficiente. O desempenho em alfabetização e matemática se manteve praticamente inalterado. Enquanto isso, as verbas alocadas para as artes e os cursos de humanas em muitas escolas americanas despencaram.21 Os legisladores argumentaram que não era a intenção da lei destruir a educação artística nas escolas. E eu acredito neles. Duvido que políticos sérios tenham se reunido em salas de reunião no Congresso dos Estados Unidos para arquitetar a derrocada dos professores de piano do país ou decidir que os professores de dança estavam fugindo do controle e precisavam ser reprimidos. O que aconteceu com as artes foi dano colateral. Os políticos se focaram nas disciplinas do topo da hierarquia. Essa lei é um exemplo excelente do que alguns médicos holísticos chamam de foco séptico, ou a tendência a ver um problema isoladamente sem levar o contexto em conta.

O foco séptico Tive um amigo, Dave, que era ator. Ele era tamanho XG e pesava uns 130 quilos. Era fã de cerveja e adorava beber uma cerveja forte chamada Abbot Ale. A Abbot Ale era tão forte que daria para movimentar um carro pequeno... ou um ator grande. Dave bebia pelo menos cinco litros por dia. Alguns anos atrás, ele começou a reclamar de dor nas costas e o clínico geral o encaminhou para um nefrologista. O especialista o examinou e anunciou que Dave tinha sérios problemas renais. Dave perguntou qual podia ser a causa. “Podem ser várias coisas”, foi a resposta. “Você bebe?” Dave disse que sim, que bebe socialmente, e mencionou a Abbot Ale. Ele admitiu que “socializava” bastante. O especialista disse que ou Dave parava de beber ou teria de encarar a possibilidade de uma insuficiência renal. Dave explicou que não tinha como parar de beber porque era ator. “Nesse caso”, aconselhou o especialista, “por que você não troca a cerveja por um destilado?” Dave disse que tinha medo de ter cirrose no fígado se passasse para os destilados. “Mas você não veio me procurar por causa do seu fígado”, disse o especialista. “A  minha preocupação é com os seus rins!” Um médico holístico teria visto que o problema renal de Dave era um resultado do estilo de vida de seu paciente. Resolver um problema causando outro não é solução. O foco séptico é claro nos movimentos de reforma educacional que se concentram em apenas algumas partes do sistema enquanto negligenciam o sistema como um todo. Por que as disciplinas do topo da hierarquia recebem toda a atenção? E por que essa hierarquia existe? A primeira resposta é econômica. Algumas disciplinas são consideradas mais relevantes para o mercado de trabalho. Gerações de jovens foram orientadas a se afastar das artes com conselhos bem-intencionados sobre as dificuldades de encontrar bons empregos na área. “É

melhor você escolher outro curso que não seja arte. Você nunca vai conseguir ganhar a vida como artista.” “Não estude música, você não vai encontrar um emprego se for músico.” Esses conselhos podem até ser bemintencionados, mas, como veremos, são profundamente equivocados. Costuma-se acreditar que é importante aprender as artes nas escolas por outras razões: como oportunidades de exercitar a criatividade e a expressão pessoal ou como atividades de lazer ou “culturais”. Mas, durante uma crise, muita gente presume que as artes são irrelevantes para ganhar a vida. As artes até podem ser interessantes e enriquecedoras, mas, quando a situação aperta, elas não passam de itens supérfluos, no máximo disciplinas optativas. Em certa ocasião, tive uma discussão na TV britânica sobre o tema com um membro importante do governo. Ele disse que as artes são importantes porque ajudam a educar as pessoas para o lazer. Um dos muitos problemas desse argumento é que o conceito de lazer é vinculado ao conceito de trabalho. Se você tiver menos trabalho, pode ter mais lazer, mas, se não tiver trabalho, você é um desempregado. Na época, mais ou menos 2 milhões de pessoas no Reino Unido estavam desempregadas. E garanto que essas pessoas não estavam se organizando como uma nova classe ociosa. Outra razão, desta vez cultural, explica a hierarquia. Afinal, geralmente não se diz às crianças e aos jovens: “Não estude matemática, você não vai conseguir encontrar um bom emprego se for um matemático”, ou “Não estude ciência, você não vai conseguir ganhar a vida se for um cientista”. Presume-se que as disciplinas do topo da hierarquia são inerentemente mais importantes. Essa premissa não tem a ver com fatores econômicos, mas com ideias relativas ao conhecimento e à inteligência. Essas ideias dominaram nossa mentalidade nos últimos trezentos

anos. Se um dos pilares da educação em massa é o industrialismo, o segundo pilar é o academicismo.

A torre de marfim Na linguagem cotidiana, o termo “acadêmico” muitas vezes é usado como sinônimo de “educação”. Os políticos vivem falando em elevar os “padrões acadêmicos”, como se isso significasse elevar os “padrões educacionais” como um todo. O termo “talento acadêmico” costuma ser usado para se referir à “inteligência” em geral. Só que as duas coisas são totalmente diferentes. O  trabalho acadêmico normalmente se concentra em certos tipos de raciocínio verbal e matemático, para escrever ensaios factuais e críticos, elaborar discussões verbais e fazer análises matemáticas. São habilidades importantes, que a educação deve cultivar, mas, se a inteligência humana fosse limitada a elas, a maior parte da cultura humana jamais teria sido possível. Teríamos muita análise e pouquíssima ação. Não haveria nenhuma ciência prática, tecnologia, empreendedorismo, arte, música ou dança, teatro, poesia, amor, sentimentos ou intuição. Não dá para deixar esses fatores de fora ao levar em conta a inteligência humana. Se a sua inteligência se limitasse ao talento acadêmico, você nem teria conseguido sair da cama de manhã. Na verdade, você nem teria dormido em uma cama. Ninguém teria construído uma. Os acadêmicos poderiam ter escrito sobre a possibilidade teórica de uma cama, mas não teriam construído o objeto em si. É possível ver uma ambiguidade interessante nas atitudes culturais em relação ao desempenho acadêmico. Por um lado, costuma-se acreditar que o desempenho acadêmico seja imprescindível para o sucesso pessoal e para a prosperidade das nações. Se a percepção for que os padrões acadêmicos estão caindo, os especialistas

midiáticos batem com os punhos na mesa e os políticos se exaltam. Por outro lado, o termo “acadêmico” é usado como uma forma educada de ofensa. Em geral, acredita-se que os acadêmicos profissionais vivem em torres de marfim sem ter qualquer conhecimento prático do mundo real. Um jeito fácil de livrar-se de uma prolongada e cansativa discussão é dizer que a discussão é “só” acadêmica. Como podemos ser ao mesmo tempo tão fascinados e tão céticos com a capacidade acadêmica? Como veremos no próximo capítulo, as respostas culturais têm profundas raízes no Iluminismo, período de turbulentas mudanças na filosofia e na ciência na Europa dos séculos XVII e XVIII. As  universidades têm um controle tão rigoroso sobre os currículos e as avaliações escolares que o trabalho acadêmico continua a dominar o sistema educacional em geral. Em muitos aspectos, todo o ensino fundamental e médio não passa de um prolongado sistema para entrar na universidade. As pessoas que seguem para a universidade em vez de ir trabalhar ou fazer algum curso de formação profissional ainda são vistas como os grandes exemplos de sucesso do sistema. Se conseguíssemos nos distanciar um pouco e perguntássemos “Para que tudo isso?”, poderíamos concluir que o principal objetivo da educação obrigatória é produzir professores universitários, que representam a apoteose da cultura acadêmica. Eu já fui professor universitário e tenho enorme respeito pelos acadêmicos e pela vida acadêmica, mas a vida acadêmica não deveria ser considerada o padrão para outras formas de realização humana. Eu conheço artistas, líderes empresariais, dançarinos, esportistas e muitos outros profissionais cujas realizações, inteligência e compaixão são tão consideráveis quanto as de qualquer pessoa que tenha um pós-doutorado.

“Ver a educação como uma preparação para algum evento futuro pode negligenciar o fato de que os primeiros dezesseis ou dezoito anos da vida de uma pessoa são muito mais que um ensaio. Os jovens estão vivendo a vida agora.” Muitas pessoas inteligentíssimas passaram por toda a trajetória escolar achando que eram burras, e muitas pessoas academicamente capazes, que foram aplaudidas pelo sistema, jamais tiveram a chance de descobrir seus outros talentos.

Os papéis da educação A educação tem três papéis principais: pessoal, cultural e econômico. Cada um deles renderia vários livros, mas acho que vale a pena resumi-los em três frases: Papel econômico: proporcionar o conhecimento necessário para ganhar a vida e ser economicamente produtivo. Papel cultural: aprofundar nosso entendimento do mundo. Papel pessoal: desenvolver talentos e sensibilidades individuais. É indispensável saber como esses papéis se interrelacionam para criar sistemas educacionais centrados na criatividade e na inovação.

Desafios econômicos A educação tem um papel importantíssimo no desenvolvimento dos conhecimentos, habilidades e atitudes necessárias para a vitalidade e o crescimento

econômico. Os sistemas educacionais atuais estão causando problemas que afetam pessoas de todos os níveis do mercado de trabalho, desde pessoas altamente qualificadas até pessoas sem nenhuma qualificação.

Os superqualificados A maioria das políticas nacionais de educação se concentra em aumentar o número de pessoas com ensino superior. Essas políticas podem até ser eficazes, mas a enxurrada de pessoas com curso superior acabou levando a uma crise inesperada no recrutamento dessas pessoas. Não que elas sejam escassas. Pelo contrário, o número de pessoas com ensino superior é maior que o número de empregos para pessoas com essa qualificação. Na China, o desemprego de pessoas com diplomas universitários é uma questão delicada. Parte da estratégia econômica do governo chinês foi incentivar milhões de estudantes a fazer um curso universitário para gerar novas habilidades para o mercado de trabalho e agitar o mercado de consumo. As famílias desses estudantes investiram quase tudo o que tinham na educação dos filhos. O problema é que muitos desses estudantes acabaram qualificados demais para as vagas que encontram e, no desespero, estão se candidatando a empregos rurais ou trabalhando como babás e assistentes de limpeza em regiões mais abastadas, como Guangzhou. Citando uma agência de recrutamento de profissionais de limpeza doméstica, o jornal do governo daquela província, o Guangzhou Daily, reportou, em janeiro de 2009, que quinhentas ou seiscentas pessoas se candidatavam para vagas de limpeza doméstica todos os meses, sendo que mais de 90% delas eram estudantes universitários, incluindo 28 estudantes de mestrado.22

O número de empregos para pessoas com ensino superior completo começou a aumentar no fim da década, especialmente nas grandes empresas, mas a oferta ainda é consideravelmente maior que a demanda. No Reino Unido, no mesmo período, havia cerca de 20 mil vagas exigindo superior completo e 200 mil candidatos com no mínimo essa qualificação competindo por elas. Muitos acabaram se candidatando a empregos para os quais eram superqualificados. Na recessão do início dos anos 1980, cerca de 30% de todos os recém-formados eram superqualificados para o emprego. E a superqualificação aumentou ainda mais. E esse não é o único problema. Poucas dessas pessoas têm os conhecimentos que as empresas precisam. As economias complexas de hoje requerem pessoas sofisticadas “com experiência internacional, conhecimento de diferentes culturas, domínio das mais recentes tecnologias, talento empreendedor e capacidade de atuar em empresas cada vez mais complexas”.23 Os empregadores dizem que querem pessoas criativas, capazes de inovar, com boas habilidades de comunicação, que saibam trabalhar em equipe e que sejam flexíveis e autoconfiantes. Eles reclamam que muitos recém-formados apresentam poucas dessas qualidades. Não é de surpreender. Os programas acadêmicos convencionais não foram criados para desenvolver essas habilidades. Ironicamente, a demanda por novas habilidades está surgindo justamente quando as instituições de ensino superior são menos capazes de se adaptar e suprir essa demanda porque o número cada vez maior de estudantes está restringindo as possibilidades de oferecer um ensino personalizado. Atualmente, a maioria das grandes universidades tem poucas oportunidades de ensino individual. Uma multidão de estudantes assiste a aulas ministradas por professores que nem estão na mesma sala

e participam de grandes seminários ministrados por estagiários mal pagos. Em geral, as notas são atribuídas às tarefas e aos trabalhos com pouco feedback para orientar o aluno. A cultura dos testes de múltipla escolha torna o processo ainda mais impessoal e avesso ao risco.

A guerra pelos talentos Muitas empresas e organizações estão tendo dificuldades de encontrar as pessoas de que precisam. Quando as encontram, muitas vezes sentem dificuldade em retê-las. Os executivos reclamam de uma escassez cada vez maior de pessoas necessárias para administrar divisões e gerenciar funções importantes, quanto mais para liderar empresas inteiras. Já faz um tempo que esse problema vem se agravando. Uma das consequências é que as organizações estão travando uma guerra por talentos.24 A McKinsey, empresa de consultoria empresarial, trabalhou com o departamento de recursos humanos de 77 grandes empresas norte-americanas que atuam em diversos setores para mapear sua orientação, práticas e problemas no que tange ao recrutamento e desenvolvimento de talentos. O estudo original incluiu quase quatrocentos escritórios corporativos e 6 mil executivos dos duzentos escalões mais altos dessas empresas. A coleta de informações também incluiu estudos de caso de vinte empresas reconhecidas por serem ricas em talentos.25 Três quartos das empresas disseram que tinham talentos insuficientes em algumas ocasiões e todas sofriam de uma escassez crônica de talentos em todos os níveis da organização.26 O estudo concluiu que os talentos executivos são há um bom tempo um ativo corporativo subgerenciado. As empresas que administram seus ativos físicos e financeiros com rigor e sofisticação não consideram que seu pessoal mereça a

mesma prioridade. Poucos funcionários acreditam que seus empregadores lhes darão boas oportunidades de desenvolvimento profissional. A maioria das empresas só pensa em fazer algum treinamento focando o curto prazo. Só um terço dos empregadores oferece algum treinamento fora do escopo do trabalho. Em um ambiente em rápida evolução, eles se preocupam com a possibilidade de seus melhores talentos serem arrebatados pelos concorrentes. São cautelosos em investir no desenvolvimento de seus talentos, temendo que o investimento acabe beneficiando os concorrentes. A rotatividade de pessoal costuma ser alta e as vagas são preenchidas com candidatos externos. Segundo os profissionais de seleção de pessoal, um executivo trabalha em média em cinco empresas e, dentro de dez anos, esse número pode aumentar para sete. A maioria das empresas opta por introduzir bons processos de recrutamento e retenção para ter as “pessoas certas”. O problema do modelo de curto prazo é que “ele não faz nada para impedir o êxodo das outras – aquelas cujos talentos acabam subdesenvolvidos. O modelo presume um mundo com uma oferta ilimitada de talentos […] que não se importam em trabalhar em empresas onde o desenvolvimento de pessoal não é visto como uma prioridade”.27 Mesmo assim, de acordo com a McKinsey, as empresas estão travando uma guerra por bons executivos seniores que continuará definindo o cenário competitivo nas próximas décadas. O problema é que a maioria dessas empresas não está preparada e até as melhores são vulneráveis.28

Os subqualificados Os problemas já são graves para os muito qualificados. Agora imagine a situação dos subqualificados. Nos Estados Unidos, em média 30% dos alunos que entram na 9a série

não terminarão o ensino médio. Em algumas regiões, essa proporção chega a 50%. Em algumas comunidades de ameríndios, essa porcentagem é ainda mais alta. Entre os estudantes que conseguem continuar no ensino médio, as notas baixas e o desinteresse chegam a ser desesperadores.29 É errado culpar os estudantes por esses números, que refletem um problema do sistema. Qualquer outro processo padronizado com uma taxa de desperdício de no mínimo 30%, podendo chegar a 50% ou mais, seria visto como um fracasso estrondoso. No caso do sistema educacional, o desperdício não é de commodities inertes, mas sim de pessoas que respiram, vivem. As pessoas que não conseguem concluir o ensino médio acabam com poucas opções além de um trabalho de baixa renda (se tiverem a sorte de conseguir encontrar algum) ou anos a fio de desemprego. Os custos do desemprego geram encargos enormes para a economia, enquanto muitas vagas de empregos produtivos acabam não sendo preenchidas. Em 2016, 21 milhões de pessoas na União Europeia estavam desempregadas, sendo que quase um terço tinha menos de 25 anos. Segundo um estudo, “um em cada três europeus em idade ativa tem pouca ou nenhuma qualificação formal, o que reduz em 40% suas chances de encontrar um emprego em comparação com pessoas com qualificações de nível médio. Só no Reino Unido, 5,7 milhões de adultos em idade ativa não têm qualquer qualificação e 20% de todos os adultos da Inglaterra, cerca de 7 milhões de pessoas, têm sérios problemas de alfabetização e aritmética básica”.30 A maioria dos especialistas concorda que o problema da empregabilidade na Europa resulta de um sistema educacional inflexível, pesada carga tributária trabalhista e barreiras à mobilidade.

E os que mais sofrem são os jovens. O mundo tem aproximadamente 600 milhões de jovens entre 15 e 24 anos. Cerca de 75 milhões deles (12%) estão desempregados, o que representa mais ou menos o dobro da taxa de desemprego entre adultos. Segundo a Organização Internacional do Trabalho, o desemprego entre os jovens é um problema cada vez mais grave. A falta de trabalho gera seus próprios riscos sociais, como um sentimento de alienação da sociedade e problemas resultantes da inatividade prolongada. Noventa por cento dos jovens vivem em economias em desenvolvimento, o que os deixa especialmente vulneráveis ao subemprego e à pobreza. “Nos países em desenvolvimento”, segundo a Organização Internacional do Trabalho, “a crise permeia o dia a dia dos pobres. O número de jovens presos na pobreza provocada pelo desemprego aumenta e esse ciclo de pobreza se mantém por pelo menos uma geração”.31 A organização argumenta que essas tendências terão “grandes consequências para os jovens, à medida que novos entrantes aumentam o grupo dos desempregados” e alerta para o “risco de criar uma ‘geração perdida’ composta de jovens forçados a abandonar o mercado de trabalho, tendo perdido a esperança de poder trabalhar para ganhar uma vida decente”. Os estudos da Organização Internacional do Trabalho apontam para o custo do desemprego entre os jovens: “As sociedades perdem o investimento feito na educação. Governos perdem contribuintes para os sistemas de previdência social e são forçados a aumentar os gastos com medidas corretivas”. Os jovens são os impulsionadores do desenvolvimento econômico: “Abrir mão desse potencial é um desperdício econômico que pode comprometer a estabilidade social”. O número cronicamente alto de desempregados, sendo que mais ou menos a metade deles está desempregada há mais de um

ano, constitui mais do que um problema meramente econômico. Os desempregados de longa data fazem parte de um grande grupo que se sente marginalizado pelas forças impulsionadoras da mudança, mas impotentes para fazer qualquer coisa a respeito. Esses grupos tendem a concentrar-se em áreas específicas, o que reduz suas chances de recuperação. (No Reino Unido, a grande maioria dos desempregados mora em 2  mil conjuntos habitacionais.) Em uma sociedade centrada no trabalho, o desemprego ou a desesperança de conseguir um emprego pode levar a um contra-ataque agressivo. Em muitos países, há uma tendência preocupante de desinteresse e agressividade entre os jovens nas escolas.32 Muitos  professores ficam frustrados e desmoralizados. Em um levantamento com professores no Reino Unido, dois terços disseram que queriam sair da escola em que trabalhavam e metade gostaria de parar de lecionar devido à falta de disciplina dos alunos.33 Também os Estados Unidos sofrem com um problema latente de exclusão social. Em vários centros urbanos, a violência entre as gangues está se intensificando. Nas principais cidades europeias, os conflitos entre gangues passaram a fazer parte do cotidiano dos adolescentes. Uma das perspectivas mais preocupantes é o surgimento de uma subclasse permanente, que pode se ver presa em um ciclo irrevogável de crime, pobreza e desespero. E pode sair caro tentar conter a raiva e as frustrações dos marginalizados e desesperançados. Os Estados Unidos têm a maior taxa de encarceramento do mundo. É  espantoso, mas 1 em cada 35 adultos americanos está no sistema correcional – que inclui detenção, prisão, liberdade vigiada e supervisão –, mais que o dobro de trinta anos atrás. As populações prisionais e carcerárias aumentaram 274%, para 2,3 milhões em

2008, enquanto as populações sob supervisão cresceram 226%, para 5,1 milhões. Os números estão concentrados em grupos específicos. Pouco mais de 10% dos adultos negros nos Estados Unidos estão no sistema correcional, cerca de 4% da população hispânica e 2% dos brancos. Um grande número de pessoas das populações carcerárias em rápido crescimento não completou o ensino médio, teve problemas de alfabetização ou aritmética básica ou tirou notas baixas na escola devido a dificuldades de aprendizagem não diagnosticadas. Nos últimos trinta anos, os gastos dos governos estaduais com os sistemas penitenciários são os que mais crescem, perdendo só para o Medicaid, o programa de saúde para a população de baixa renda. Em 2010, os gastos do estado da Califórnia com o sistema correcional ultrapassaram os gastos de todo o ensino público superior. Os custos do encarceramento são muito maiores que os custos com a educação. Manter um detento na prisão custa em média US$ 29 mil por ano, em comparação com cerca de US$ 9 mil para o ensino médio.34 Alguns políticos preferem pagar os custos da contenção a investir nos talentos das comunidades marginalizadas. Mas desenvolver os talentos e as aspirações dos grupos vulneráveis é, de longe, a melhor maneira de reintegrá-los à sociedade e evitar os custos crescentes da reincidência. De todos os pontos de vista – social, ético e econômico –, faria muito mais sentido investir em uma educação melhor e dar a todos os jovens um bom começo de vida do que alocar verbas insuficientes à educação e acabar gastando mais para remediar as consequências.35

Desafios culturais Nas minhas palestras, gosto de pedir às pessoas da plateia para levantar a mão se tiverem mais de 30 anos e manter

a mão levantada se estiverem usando um relógio de pulso. Em geral a maioria das pessoas com mais de 30 anos fica com a mão levantada. Quando peço aos adolescentes para fazer a mesma coisa, pouquíssimos ficam com a mão levantada. Em geral, os adolescentes de hoje não usam relógios de pulso. Para eles, o tempo está por toda parte, em seus smartphones, tablets e consoles de game. Eles não veem necessidade alguma de usar um dispositivo só para contar o tempo. “Por que alguém faria isso?”, eles se perguntam. “Porque alguém usaria um dispositivo que só tem uma função? Que bobagem...” Eu me defendo: “Nada disso. O meu relógio também mostra a data”. Alguém disse que a tecnologia só pode ser considerada uma tecnologia se foi criada depois que nascemos. As tecnologias digitais criaram a que tem sido considerada a maior lacuna entre as gerações desde o rock and roll. Mark Prensky e outros estudiosos traçam uma distinção entre os nativos digitais e os imigrantes digitais.36 A fronteira entre os dois não é clara, mas mostra uma transição geracional. Nas comunidades de imigrantes, os adultos muitas vezes recriam a cultura do antigo país no novo, em nome da nostalgia e da segurança. Os filhos são empurrados à nova cultura, adotam-na com mais vigor e a ensinam aos adultos. É o que acontece muitas vezes com a cultura digital. Nossos filhos têm muito a nos ensinar sobre as possibilidades das novas ferramentas e dos novos modos de pensar. Sua língua nativa é a língua digital, que muitos adultos só falam como uma segunda língua. Nossos filhos nem acham que esses dispositivos são um tipo de tecnologia. Afinal, essas tecnologias são tão naturais para eles quanto o ar que respiram. À medida que as tecnologias avançam, as economias oscilam e as populações mudam, o mesmo acontece com os valores e o comportamento. Os  sistemas educacionais ao redor do mundo precisam dar conta de grandes ondas

de mudança cultural em todas as frentes. Algumas dessas mudanças são consequências diretas da cultura digital, outras não. Nos últimos cinquenta anos, muitas das antigas certezas também caíram por terra, como a família nuclear, padrões de envolvimento religioso, os papéis dos homens e das mulheres. As desigualdades abismais de riqueza e oportunidades estão abrindo divisões ainda mais profundas entre as comunidades culturais. Em todos os lugares e por todas as razões, as identidades culturais hoje são complexas, inter-relacionadas e contestadas.

Desafios pessoais Atualmente, as crianças e jovens na escola são muito mais pressionados  para tirar boas notas do que a minha geração. Eles precisam estudar mais para entrar na faculdade do que eu precisei, precisam estudar mais depois que entram na faculdade e, quando se formam, suas qualificações valem menos. Essa pressão começa quando eles têm 5, se não 3 anos, e se mantém por toda a vida acadêmica. Para os estudantes do ensino superior, a pressão pode ser mais intensa. Com a crescente inflação acadêmica, os estudantes são incrivelmente pressionados para tirar boas notas. Muitos tomam drogas para manter o foco e a concentração nos estudos. E essa não é a única pressão. Em um estudo sobre o comportamento suicida entre estudantes, Rory O’Connor e Noel Sheehy argumentam que os estudantes “são pressionados a ser jovens bem resolvidos, felizes, bemsucedidos, talentosos e inteligentes e eles querem parecer que são tudo isso... Eles são pressionados a não parecer pressionados”. Um número cada vez maior desses estudantes está sucumbindo à pressão e sofrendo as consequências. O número de suicídios nas universidades reflete as pressões tóxicas para ter sucesso. Alguns

orientadores escolares estão exortando as escolas a dedicar mais tempo a ajudar as crianças e os jovens a desenvolver as habilidades pessoais, sociais e de enfrentamento das quais eles precisam para lidar com a vida contemporânea: “É só convencendo as crianças e os jovens a se abrir que podemos combater o estigma associado à incapacidade de lidar com o estresse e a relutância em procurar ajuda... Ao presumir que o sucesso acadêmico é o maior objetivo da vida, não estamos ensinando as pessoas a lidar com o fracasso, o que é uma falha enorme”.37

Em resumo Os atuais sistemas de educação em massa foram concebidos e construídos no passado para resolver problemas do passado. Eles precisam ser repensados para enfrentar os desafios do presente. Apesar do crescente abismo em relação às habilidades necessárias, da guerra pelos talentos e da velocidade das mudanças em todas as frentes, muitos políticos e outros grupos insistem no mantra da necessidade de elevar os padrões acadêmicos tradicionais e melhorar as notas em testes padronizados. A razão, creio eu, é que as premissas que fundamentam essas abordagens à educação têm raízes tão profundas que muitas pessoas nem chegam a se dar conta. Elas se imiscuíram nas ideologias do senso comum, de como as coisas têm de ser. Mas o que pode parecer óbvio também pode estar errado. O foco em elevar os padrões acadêmicos não vai resolver os problemas que enfrentamos. Pelo contrário, pode até agravá-los. Precisamos repensar algumas das nossas ideias básicas sobre a educação, sobre a inteligência e sobre nós mesmos. E, principalmente, precisamos despertar daquilo que James Hemming38 chamou de “ilusão acadêmica”.

Estamos muito mais mergulhados nessa ilusão do que você pode imaginar.

4 A ilusão acadêmica “Toda verdade passa por três estágios: Primeiro, é ridicularizada. Segundo, é combatida com violência. Terceiro, é aceita como óbvia.” ARTHUR SCHOPENHAUER (1788-1860) Você é inteligente? Não é fácil responder a essa pergunta. A inteligência é uma daquelas qualidades que achamos que somos capazes de reconhecer nas pessoas, mas, quando paramos para tentar defini-la, nem sempre conseguimos. Caso sirva de consolo, muitos especialistas nos campos da psicologia, neurologia, pedagogia, entre outros, ainda não chegaram a uma definição consensual de inteligência, mesmo dedicando boa parte da própria inteligência a refletir a respeito. Pode não haver uma definição consensual, mas dois conceitos dominam as concepções populares de inteligência. O primeiro é o QI (quociente de inteligência) e o segundo é a memória para informações factuais.

Bem-vindo ao clube A Mensa é uma associação internacional que se gaba de ser um dos clubes mais exclusivos do mundo. Para entrar na Mensa, os membros precisam ter “inteligência alta” e a organização afirma admitir só 2% da população. A decisão

é baseada no desempenho dos candidatos em vários “testes de inteligência”, que incluem perguntas como estas (do teste original em inglês, só para você ter uma ideia): 1) Qual letra deve vir em seguida? M Y V S E H M S J R S N U S N E P? 2) Detalhes de itens comprados em uma papelaria são mostrados abaixo. 78 – Lápis 152 – Pincéis 51 – Fichários 142 – Canetas hidrográficas ? – Blocos de anotações Quantos blocos de anotações a lista deve incluir? 3) Em qual direção a seta que falta deve apontar?

Esse tipo de pergunta testa a capacidade de aplicar a análise lógica a princípios que determinam uma sequência de ideias.39 Os filósofos chamam isso de raciocínio lógicodedutivo. O pensamento “lógico” constitui uma parte

importante do conceito popular de inteligência. O segundo fator é ter uma boa memória para fatos.

Os fatos Mastermind é um dos programas de perguntas e respostas mais populares da televisão britânica. Quatro concorrentes, um a um, se sentam sob um holofote em um estúdio escuro e enfrentam o apresentador, que faz as perguntas. As perguntas são divididas em duas rodadas de dois minutos: a primeira é sobre um tema especializado escolhido pelo concorrente e a segunda é sobre “conhecimento geral”. O Mastermind do Ano é o melhor de todos os vencedores da série durante o ano e é considerado uma das pessoas mais inteligentes da GrãBretanha. Um programa de rádio de longa data chamado Brain of Britain segue um formato similar. Concorrentes do programa de fenomenal sucesso Quem quer ser um milionário? podem ganhar uma fortuna acertando as respostas a apenas doze perguntas factuais. Programas de perguntas e respostas como esses se baseiam na capacidade de memorizar informações factuais, incluindo nomes, datas, eventos e estatísticas. Os filósofos chamam isso de conhecimento proposicional: conhecimento de que algo é o caso. A capacidade acadêmica baseia-se nessas duas capacidades: raciocínio lógico-dedutivo e conhecimento proposicional. O termo “acadêmico” tem raízes no nome de um bosque perto da antiga Atenas chamado Academeia. Foi lá, quatrocentos anos antes do nascimento de Cristo, que o filósofo grego Platão reuniu uma comunidade de estudiosos. Os ensinamentos de Platão basearam-se nos métodos filosóficos desenvolvidos  por seu mentor, Sócrates. O aluno mais famoso de Platão foi Aristóteles (que, por sua vez, foi tutor de Alexandre, o Grande).

Aristóteles desenvolveu ainda mais esses conceitos em seu próprio trabalho e ensinamentos, com base nos quais evoluíram sistemas de pensamento, de matemática e de ciência que ajudaram a definir o caráter intelectual do mundo ocidental. Mas, apesar de supostamente ter altos QIs, Platão, Sócrates e Aristóteles nunca ouviram falar de QI nem da Mensa. Então, qual é a relação entre os testes de QI, os programas de perguntas e respostas, a educação em massa e o bosque da Academeia?

Mensure a sua mente Como o automóvel, a televisão, o microprocessador e a garrafa de Coca-Cola, o QI é uma das invenções mais atraentes do mundo moderno. É um conceito com quatro partes. Cada pessoa nasce com uma capacidade ou quociente intelectual fixo. Da mesma forma como podemos ter olhos castanhos ou cabelos ruivos, nascemos com uma quantidade definida de inteligência. Nossa inteligência pode ser medida por uma série de testes como os exemplificados anteriormente. Os resultados podem ser comparados com uma escala geral e apresentados na forma de um número de 0 a 200. Esse número é o nosso QI. Nessa escala, o desempenho médio fica entre 80 e 100; 100 e 120 já é acima da média e qualquer coisa acima de 130 abre as portas para a festa de Natal da Mensa. Os testes de QI podem ser usados para prever o desempenho das crianças na escola e na vida. Seguindo essa linha de raciocínio, várias versões de testes de QI são usadas no processo de admissão em escolas e no planejamento educacional. O QI é um índice de inteligência geral, ou seja, as pontuações nesses testes refletem as capacidades

intelectuais gerais de uma pessoa. Por esse motivo, algumas pessoas acham que basta anunciar sua pontuação em um teste de QI para todo mundo saber como elas são inteligentes... ou não. O QI teve consequências explosivas para as políticas sociais e, especialmente, para a educação desde que o conceito foi desenvolvido cerca de cem anos atrás. De onde surgiu a ideia? Como o QI passou a dominar a concepção popular de inteligência? E será que o QI é uma medida justa e precisa de inteligência em todas as culturas?

Admirável mundo velho As bases do teste de inteligência moderno foram estabelecidas em meados do século XIX por Francis Galton, primo de Charles Darwin. Depois de ler A origem das espécies, em 1859, ele se perguntou se a vida humana seguia os princípios da seleção natural que Darwin tinha descrito para o resto da natureza. Galton concluiu que, se a hereditariedade tem algum papel decisivo no desenvolvimento humano, deve ser possível melhorar a raça humana aplicando procedimentos seletivos de reprodução. (Ele foi o primeiro a usar a palavra eugenia, com o significado de “bom” ou “bem” nascido, em 1883.40) Com esse objetivo em mente, ele se dedicou a desenvolver meios científicos de isolar e mensurar a “inteligência geral” e compará-la entre indivíduos. O teste de inteligência moderno baseia-se no trabalho de Galton e, mais especificamente, no de Alfred Binet. No início do século XX, Binet trabalhava com crianças em escolas de ensino fundamental de Paris com o objetivo de identificar as que podiam precisar de atenção especial. Ele começou a criar testes curtos para crianças de idades diferentes que poderiam ser ministrados com facilidade. O

objetivo era prático e o método “era mais pragmático do que científico”.41 Em 1905, ele já tinha criado sua primeira escala de inteligência baseada em um teste de trinta itens concebido para crianças de 3 a 12 anos. O examinador aplicava os itens progressivamente a cada criança até ela não conseguir responder mais nenhum. O desempenho era comparado com a média da faixa etária da criança. Se uma criança conseguisse passar no teste esperado para uma criança de, digamos, 6 anos, considerava-se que a criança tinha uma idade mental de 6 anos. Binet usou a diferença entre a idade mental e a idade cronológica como um índice de “retardamento”. Em 1912, o psicólogo alemão William Stern propôs usar a razão entre a idade mental e a idade cronológica para calcular o famoso quociente de inteligência: QI =

idade mental idade cronológica

× 100

Em poucos anos, traduções do trabalho de Binet começaram a surgir em outros países. Os usos restritos para os quais o conceito foi originalmente projetado logo caíram no esquecimento e o QI passou a ser aplicado em contextos de todo tipo, especialmente nos Estados Unidos. Cem anos depois, o QI continua sendo a principal base de seleção em diferentes tipos de educação e de emprego e na alocação de cargos nas Forças Armadas. O QI tem sido usado para respaldar e atacar teorias de diferenças raciais, étnicas e sociais. Os primeiros testes de QI do Reino Unido e dos Estados Unidos sugeriram que os pobres e seus filhos têm QI baixo e que os ricos e seus filhos têm QI alto. Os pesquisadores se perguntaram se o QI de alguma forma determinava os níveis de riqueza e de sucesso financeiro. Uma variável importante, naturalmente, é que os pobres não tinham condições de

estudar e os ricos tinham, no mínimo uma pequena omissão do ponto de vista metodológico. Por um tempo, essas constatações foram usadas para fundamentar iniciativas políticas baseadas na eugenia, com o objetivo de “melhorar” a raça humana por meio da reprodução seletiva e do controle populacional. No início do século XX, políticos e intelectuais proeminentes, incluindo Winston Churchill e George Bernard Shaw, apoiaram o movimento eugênico, argumentando que a reprodução dos pobres deveria ser meticulosamente controlada. Alguns estados dos Estados Unidos promulgaram leis para esterilizar pessoas classificadas como “retardadas” ou com baixa inteligência. Com motivações diferentes, o Terceiro Reich adotou a eugenia como um pilar da Solução Final. Uma importante controvérsia sobre os testes de QI irrompeu em 1992 com a publicação, nos Estados Unidos, de The Bell Curve [A curva do sino], de Charles Murray e Richard Hernstein.42 No livro, os autores argumentaram que os testes de QI revelam consideráveis diferenças raciais na inteligência humana. Os autores afirmaram que o QI é associado a comportamentos de baixa moral e apontaram para uma conexão com as culturas de alguns grupos étnicos, em especial as comunidades negras e hispânicas. O livro foi condenado por muitos como sendo um tratado racista e gerou um debate acalorado, que continua a fumegar até hoje. O QI já nasceu como uma ideia robusta e provocativa, e permanece assim, mesmo sem haver um consenso sobre exatamente o que os testes de QI medem, nem sobre como o fator medido se relaciona com a inteligência em geral. Mesmo assim, os conceitos de capacidade acadêmica e de QI acabaram sendo aceitos como uma verdade e não como um produto de investigações científicas e perspectivas culturais específicas. O que

explica esse fenômeno foi o triunfo da ciência nos últimos quatrocentos anos e suas raízes nos bosques da Academeia.

O triunfo da ciência Os historiadores costumam dividir a história ocidental em três períodos: antiga, medieval e moderna. Esses períodos não são separados por limites claros ou datas exatas, mas constituem fases reconhecíveis da evolução cultural da humanidade. Eles são marcados por diferentes visões de mundo e pelos diferentes mundos que acabaram sendo criados em consequência. A filósofa Susanne Langer43 argumenta que os horizontes intelectuais de uma sociedade, ou de um período histórico, não são definidos apenas por eventos ou pelos desejos humanos. Eles também se baseiam nos conceitos básicos que as pessoas usam para analisar e descrever a própria vida. Teorias são criadas para responder perguntas e uma pergunta, Langer observa, só pode ser respondida com um determinado número de respostas. Por isso, a característica mais importante de um período intelectual são as perguntas levantadas ou, em outras palavras, os problemas identificados. São as perguntas, e não as respostas, que revelam a visão de mundo no período histórico em questão. Qualquer era intelectual terá algumas premissas básicas nas quais os defensores de todas as visões diferentes se baseiam inconscientemente. Essas atitudes arraigadas constituem nossa ideologia e orientam as teorias, inclinando-nos para este ou aquele grupo de questões e explicações. Se as nossas explicações são teóricas, as nossas questões são ideológicas.

“Copérnico, Galileu e Kepler não resolveram um velho problema, eles fizeram uma nova pergunta.” O termo “paradigma” foi popularizado na década de 1970 pelo filósofo da ciência americano Thomas Kuhn (1922-1996).44 Um paradigma é uma estrutura aceita de regras e suposições que definem formas estabelecidas de fazer as coisas. Na história da ciência, um paradigma não é uma única teoria ou descoberta científica, mas a abordagem subjacente à ciência em si, na qual teorias são formuladas e descobertas são verificadas. Kuhn descreve a ciência como uma atividade de resolução de problemas usando procedimentos e regras aceitos pela comunidade de cientistas. Ele se voltou a analisar períodos históricos que marcaram mudanças nos problemas ou nas regras da ciência, ou ambos. Nessa análise, identificou uma diferença entre períodos de “ciência normal”, quando há um consenso geral entre os cientistas sobre os problemas e as regras, e períodos de “ciência extraordinária”, quando a ciência normal começa a gerar resultados que as regras e as premissas aceitas não têm como explicar. O acúmulo dessas anomalias pode levar a uma perda de confiança nos métodos aceitos e uma crise entre os cientistas, que, por sua vez, podem desencadear períodos de grande criatividade e inventividade. Períodos de “ciência extraordinária” criam oportunidades de levantar novas perguntas e criar novas teorias sobre a natureza e os limites da ciência. Estamos vivendo em uma época de revolução científica. Um novo paradigma pode surgir quando novas ideias ou métodos (o que Susanne Langer chama de ideias geradoras) varrem as visões existentes e as transformam. Ideias verdadeiramente geradoras despertam paixões intelectuais em muitos campos diferentes porque abrem as

portas para novas maneiras de ver o mundo e pensar sobre ele. De acordo com Susanne Langer, “uma nova ideia é uma luz que ilumina coisas que simplesmente não tinham forma para nós antes de a luz incidir sobre elas e lhes dar sentido. Acendemos a luz aqui, ali e por toda parte e os limites do pensamento recuam diante dela”.45 As mudanças de paradigma tendem a seguir um curso característico. Elas são desencadeadas por novas ideias que reconfiguram as maneiras básicas de pensar. No começo, há um período de incerteza intelectual  e empolgação à medida que as novas ideias são aplicadas, estendidas e testadas em diferentes áreas de investigação. Com o tempo, as visões revolucionárias começam a se estabilizar e seu potencial fica mais claro e estabelecido. Elas são incorporadas ao novo modo de pensar ou, em outras palavras, ao novo paradigma. As novas ideias perdem a empolgação, deixando em seu rastro ideias arraigadas e novas certezas. Elas entram na cultura como dados que nem precisam mais ser discutidos e fornecem a estrutura de um novo período da ciência normal. A transição de uma era intelectual a outra pode ser traumática e prolongada. Algumas pessoas nunca chegam a fazer a transição, atendo-se à velha visão de mundo, recusando-se a sair da zona de conforto ideológica. Não é que os novos modos de pensar substituam os antigos em determinados momentos da história. Eles podem passar um bom tempo coexistindo com os antigos, criando muitas tensões e problemas não resolvidos pelo caminho. Todos os períodos importantes de crescimento intelectual foram caracterizados por ideias revolucionárias que impulsionaram as percepções da época. Nos períodos antigo e medieval, ninguém questionava que Ptolomeu (c. 90 d.C.-c. 168 d.C.) estava certo e que o Sol orbitava ao redor da Terra. Duas razões levavam a essa crença. Para começar, parecia mesmo que era  o Sol que

girava em torno da Terra. Afinal, o Sol surgia de manhã, cruzava o céu ao longo do dia e desaparecia à noite. Era óbvio que era o Sol que se movia, não a Terra. As pessoas não caíam para fora do planeta a caminho do trabalho nem precisavam de uma rede para se agarrar quando iam fazer compras. Era uma mera questão de bom senso pensar que a Terra era imóvel. Essa premissa também se baseava em razões religiosas. Na cosmovisão medieval, a Terra era o centro da Criação e os seres humanos eram a última palavra de Deus, a joia da coroa cósmica. Os teólogos partiam do pressuposto de que o universo tinha uma simetria perfeita. Acreditava-se que os planetas giravam em torno da Terra em órbitas circulares perfeitas. Os poetas expressaram essa harmonia nos ritmos do verso; os matemáticos da Grécia antiga desenvolveram fórmulas elegantes para descrever esses movimentos; e os astrônomos elaboraram teorias baseados neles. O problema era que esses movimentos apresentavam variações preocupantes. Os planetas não se comportavam como deviam. Os astrônomos puseram-se a fazer cálculos cada vez mais complexos para explicar essas variações. Perplexo, Nicolau Copérnico (1473-1543) lançou uma proposta radical. E se o Sol não orbitasse a Terra? E se a Terra é que girasse ao redor do Sol? Essa ideia surpreendente resolveu, de uma só vez, muitos dos velhos problemas que tanto importunavam os astrônomos. E  aquilo marcou o início do heliocentrismo. Depois Johannes Kepler (15711630) mostrou que os planetas não se moviam em círculos, mas em órbitas elípticas, um fenômeno que Isaac Newton (1643-1727) acabou explicando como efeito da atração gravitacional. A teoria de Copérnico só provocou grandes repercussões quando Galileu Galilei (1564-1642) passou a se interessar pelo heliocentrismo. Seu telescópio permitiu aos cientistas

enxergar a verdade das teorias copernicanas e as ideias começaram a se estabelecer. O problema era que essas ideias eram heréticas, uma afronta aos desígnios de Deus e à visão da humanidade sobre si mesma. Galileu foi perseguido e levado a julgamento duas vezes por suas opiniões. Mas, com o tempo, mais pessoas passaram a aceitar que essas teorias estavam corretas. Copérnico, Galileu e Kepler não resolveram um velho problema; eles fizeram novas perguntas e, com isso, mudaram o paradigma no qual as velhas perguntas eram estruturadas. Constatou-se que as velhas teorias estavam equivocadas porque se baseavam em premissas erradas. Elas se fundamentavam em uma ideologia falsa. A disseminação dessa constatação inaugurou uma nova era intelectual: um novo paradigma. O Renascimento dos séculos XIV e XV marcou um afastamento da cosmovisão medieval e das ideologias com base nas quais ela foi concebida. Os insights de Copérnico e Galileu marcaram o alvorecer de uma nova era. A transição da visão do universo do século I de Ptolomeu, com a Terra no centro, para o universo de Copérnico, reposicionou não só a Terra no espaço, mas também a humanidade na história. As repercussões não se limitaram à astronomia e se estenderam a todas as áreas da vida cultural, incluindo a filosofia, a política e a religião. Embora ambos negassem ser ateus, os argumentos de Copérnico e Galileu lançaram uma grande sombra de dúvida sobre muitos aspectos dos ensinamentos religiosos. Quinhentos anos depois, Darwin questionaria ainda mais as crenças religiosas, com sua teoria da evolução, uma teoria baseada no paradigma da ciência objetiva anunciada pela revolução copernicana. A cosmovisão medieval, sustentada por dogmas e pela fé, acabou sendo derrubada por uma nova visão de mundo, baseada na lógica, na razão e em evidências.

O renascimento O período que hoje chamamos de Renascimento recebeu esse nome por ter marcado um verdadeiro renascimento do interesse nos métodos e nas realizações do mundo antigo nos campos da filosofia, literatura e matemática. Em pouco mais de 150 anos, o Renascimento deu origem a algumas das personalidades mais luminosas da humanidade e algumas das obras mais duradouras: vidas e realizações que forjaram o mundo que conhecemos hoje. Entre 1450 e 1600, Leonardo da Vinci, Michelangelo, Rafael, Galileu, Copérnico, Shakespeare e Isaac Newton nasceram na Europa. Eles produziram obras de arte e literatura de beleza e profundidade insuperáveis e criaram as bases da ciência, tecnologia e filosofia modernas. A ideia moderna do “homem renascentista” é um homem erudito em uma variedade de disciplinas, incluindo as artes e ciências. O exemplo perfeito do homem renascentista é Leonardo da Vinci, que demonstrou um enorme talento na pintura, escultura, matemática e ciências. Enquanto Michelangelo pintava a Capela Sistina, da Vinci também trabalhava em teoremas científicos e em projetos de novos dispositivos tecnológicos. O Renascimento e os movimentos culturais decorrentes foram impelidos não só pela superação das realizações passadas nas artes e letras, mas por uma sucessão de inovações tecnológicas surpreendentes. Quatro inovações tecnológicas se provariam decisivas: a prensa tipográfica, a bússola magnética, o telescópio e o relógio mecânico.

Espalhando a palavra Antes da prensa tipográfica, só uma pequena elite alfabetizada, em sua maioria confinada à Igreja, tinha acesso a livros, ideias e aprendizado. O poder da Igreja se baseava em seu acesso exclusivo às Escrituras e, por meio

delas, à palavra de Deus. Isso dava ao clero um controle sem igual sobre a mente das pessoas. Com o advento da prensa tipográfica, a impressão e distribuição de livros causaram um apetite voraz pela alfabetização e disseminaram ideias através de fronteiras nacionais e culturais em uma escala até então inimaginável. Com a intensificação do fluxo de ideias, as garras da Igreja começaram a afrouxar. A invenção do livro portátil pelo veneziano Aldus Manutius (1450-1515) facilitou montar uma biblioteca pessoal e revolucionou o controle do conhecimento. A venerável instituição da biblioteca medieval começou a ser substituída por um produto comercial de publicação independente. Nas palavras de Juan F. Rada: “Foi o início de uma nova transição tecnológica e intelectual, que foi uma das condições para a revolução científica e acompanhou o grande período das descobertas. O livro portátil teve um impacto subversivo, criou as condições para a Reforma, para o uso da linguagem vernácula, para a diversificação das publicações e permitiu uma grande expressão individual por parte de autores e leitores”. O livro portátil criou os instrumentos necessários para o desenvolvimento de burocracias complexas e grandes Estados organizados: “A publicação tornou-se o veículo para a transmissão de ideias e debates, para o proselitismo e para o reconhecimento acadêmico. As sementes do Iluminismo foram semeadas e, com elas, a crença na educação e, no presente século, a crença na educação universal e na alfabetização”.46

Localizando-se no tempo e no espaço O Renascimento foi uma era de descobertas reveladoras. As frotas das potências europeias viajaram pelos oceanos em expedições de exploração e colonização. Essas

incursões em território desconhecido foram possibilitadas por novas ferramentas de navegação, incluindo a bússola magnética (desenvolvida originalmente pelos chineses cerca de duzentos anos antes e só recentemente superada pelo GPS), que revolucionou a orientação, especialmente no mar, medindo pontos de direção com grande precisão. Enquanto alguns exploradores mapeavam a Terra, outros seguiram o exemplo de Galileu e investigaram os céus com um novo senso de precisão científica. O telescópio possibilitou observações mais precisas dos movimentos dos planetas e do lugar da Terra no espaço. Essas inovações interagiram com o desenvolvimento de novas teorias nas ciências e na matemática. O mesmo aconteceu com uma invenção mais complexa, que talvez também tenha sua origem em tecnologias chinesas. Nos séculos XVI e XVII, as pessoas começaram a ver o tempo de um jeito diferente. Até então, as maneiras mais confiáveis de medir o tempo eram os relógios de sol e os relógios de água. Versões desses dispositivos eram utilizadas ao redor do mundo desde os tempos antigos e variavam em sofisticação e em como estruturavam a passagem do tempo. Em 1656, Christiaan Huygens, um filósofo, matemático e cientista holandês, aperfeiçoou seu design de um relógio mecânico, regulado por um pêndulo. O relógio de Huygens era complexo, preciso e confiável e ajudou a revolucionar a percepção de tempo da humanidade. A ideia de que o dia é dividido em 24 segmentos iguais de 60  minutos é uma parte indissolúvel da nossa visão de mundo. Com os relógios mecânicos, as pessoas não precisavam mais organizar seu tempo pelos ritmos naturais do dia e da noite, uma mudança que teve uma enorme importância para os padrões de trabalho e para a indústria. O relógio também sugeriu novas maneiras de pensar sobre o universo.

Em 1687, Isaac Newton publicou seu Principia, no qual apresentou suas monumentais teorias sobre o funcionamento da natureza e nosso lugar no cosmos. Ele concebeu o universo como um grande mecanismo semelhante a um relógio, uma ideia que teve um profundo impacto nos avanços subsequentes da ciência e da filosofia. Implícitas nessa imagem estavam ideias de causa e efeito e da importância de estímulos externos em relação aos internos, ideias que hoje afetam nosso pensamento e nosso comportamento no dia a dia. Como Alvin Toffler observa, o relógio foi inventado antes de Newton publicar suas teorias e teve um profundo efeito sobre a maneira como ele as estruturou, embora o próprio Newton tenha advertido contra o uso de suas teorias para ver o universo como se fosse um grande relógio. Ele disse: “A  gravidade explica os movimentos dos planetas, mas não pode explicar quem colocou os planetas em movimento. Deus governa todas as coisas e sabe tudo o que é ou que pode ser feito”.

A ascensão do indivíduo No período medieval, a Igreja e o Estado estavam travados em um abraço apertado. Uma força que começou a corroer o poder da Igreja foi a disseminação da alfabetização. Outra força, fomentada pela alfabetização, foi uma crescente inquietação com a corrupção espiritual e política da Igreja. No início do século XV, o clérigo alemão Martinho Lutero deu início a uma revolta contra Roma que se espalhou rapidamente por toda a Europa e dividiu o cristianismo em dois. Lutero argumentou que nenhum intermediário, muito menos uma Igreja corrupta e que só sabe atuar em causa própria, deveria se colocar entre os fiéis e seu relacionamento com seu Criador. A Reforma enfatizou a necessidade das pessoas de interpretar elas mesmas as Escrituras e tratar diretamente com Deus. A

ênfase no julgamento crítico e no conhecimento fundamentou o desenvolvimento do método científico nos séculos XVII e XVIII na Europa, o período que hoje conhecemos como Iluminismo.

O poder da razão À medida que as velhas certezas da Igreja eram abaladas, os intelectuais do Iluminismo puseram-se a levantar perguntas fundamentais sobre a natureza das coisas. Especificamente, o que é o conhecimento e como nós conhecemos? Eles tentaram ver tudo com olhos críticos e com um novo olhar. O objetivo era ver o mundo como ele é, despojado de superstições, mitos e fantasias. O  conhecimento tinha de se adequar às determinações estritas da lógica dedutiva ou ser corroborado por evidências fornecidas pela observação. O filósofo francês René Descartes (1596-1650) argumentou que tudo deveria ser comprovado. Qualquer novo edifício de conhecimento deveria ser construído tijolo a tijolo e cada elemento deveria ser completamente testado. Ele criou um programa lógico de análise, no qual nada era aceito sem questionamento, nem mesmo sua própria existência. Seu ponto de partida era que a única coisa que ele tinha como saber ao certo era que ele estava pensando sobre os problemas: cogito ergo sum. “Penso, logo existo.” Eu devo estar vivo, porque estou pensando agora. O racionalista percorre sequências lógicas, baseando uma ideia na ideia anterior, em uma estrutura mutuamente dependente. O método empírico também procura padrões em eventos, sugerindo transições de causas conhecidas a efeitos conhecidos. O racionalismo e o empirismo foram as forças impulsionadoras do Iluminismo e varreram a ciência, a filosofia e a política, derrubando métodos tradicionais de pensamento e abrindo

vastos novos campos de possíveis incursões na ciência, tecnologia e filosofia. Essas incursões levaram, no devido tempo, à Revolução Industrial dos séculos XVIII e XIX e ao domínio da ciência na atualidade. Ao longo do caminho, uma fissura foi se abrindo entre duas visões de mundo até então praticamente indistinguíveis: as artes e as ciências.

A formação do mundo moderno As realizações da visão de mundo científica racionalista foram incalculáveis. Elas incluem saltos incomparáveis na medicina e na indústria farmacêutica e na duração e qualidade da vida humana; um crescimento explosivo das tecnologias industriais; sistemas sofisticados de comunicação e transporte; e um entendimento sem precedentes do universo físico. Sabemos que há muito mais por vir, uma vez que o catálogo de conquistas da ciência e da tecnologia continua a crescer. Mas a humanidade teve de pagar um preço alto por isso, especialmente no abismo que se abriu entre as artes e as ciências e no domínio da atitude racionalista, especialmente nas formas de educação resultantes. A união das artes e das ciências, que parecia tão natural no Renascimento, foi se perdendo aos poucos no Iluminismo. No fim do século XVIII e início do século XIX, houve uma grande reação cultural à lógica fria e sua missão de desmistificar o mundo. Na música, na arte, na dança, no teatro, na poesia e na prosa, o heterogêneo grupo dos românticos dedicou-se a reafirmar o poder e a validade da experiência humana, dos sentimentos, das emoções e da transcendência. Enquanto o Iluminismo era representado pelos grandes filósofos e cientistas racionalistas, incluindo Hume, Locke e Descartes, o Romantismo tomou forma nas obras imponentes de

Beethoven, Schiller, Wordsworth, Coleridge, Byron, Goethe e muitos outros. Em contraste com os racionalistas, os românticos celebraram a natureza da experiência e da existência humanas. Hoje em dia, as diferenças nas atitudes em relação às artes e às ciências continuam muito claras. As ciências costumam ser associadas a fatos e verdades. A imagem que temos de um  cientista é de um especialista de jaleco branco fazendo cálculos impessoais com o objetivo de chegar a uma compreensão objetiva do funcionamento do mundo. Por outro lado, as artes estão associadas a sentimentos, imaginação e expressão pessoal. O artista é visto como uma pessoa de espírito livre dando vazão a um turbilhão de ideias criativas. O impacto dessas premissas na educação é amplo e profundo.

A ascensão da educação Antes da Revolução Industrial, relativamente poucas pessoas tinham acesso a qualquer educação formal. Na Europa da Idade Média, a educação era proporcionada em grande parte pela Igreja, nas chamadas grammar schools (literalmente, “escolas de gramática”. Em latim, scholae grammaticales). Originalmente, uma grammar school era uma escola que ensinava gramática, especialmente a gramática latina.47 A Kings School, em Canterbury, alega ser a grammar school mais antiga da Inglaterra. Suas origens remontam a santo Agostinho, em 597 d.C., embora essas instituições possam ter se originado mais de mil anos antes. Grammar schools de vários tipos remontam aos gregos antigos. Muitas grammar schools da Europa foram fundadas por instituições religiosas. Algumas foram construídas anexas a igrejas ou em paróquias, outras eram mantidas por

mosteiros. O principal objetivo dessas escolas era educar meninos para a Igreja, mas os clérigos medievais podiam trabalhar em campos variados. A Igreja era a porta de entrada para todas as profissões, incluindo direito, funcionalismo público, diplomacia, política e medicina. Nas escolas antigas e medievais, o maior foco era o aprendizado de literatura grega e latina e o objetivo era adquirir fluência nessas línguas para entrar na vida profissional. O latim era a língua internacional da Igreja e a fluência em latim era um requisito. Dadas as suas funções especializadas, as grammar schools sempre selecionaram os alunos aplicando testes de admissão. No fim do século XV, a Inglaterra tinha pelo menos trezentas grammar schools, sendo que a Igreja tinha algum envolvimento na maioria delas. No decorrer dos séculos XV e XVI, com o aprofundamento do ceticismo em relação à doutrina religiosa, as organizações não religiosas começaram a abrir escolas para atingir seus próprios objetivos. Muitos desses objetivos tinham a ver com o comércio.48 A influência crescente das grammar schools foi acompanhada de mudanças graduais no que era ensinado. O currículo das grammar schools medievais era especificamente clássico. A educação clássica baseava-se nas sete ciências ou artes liberais: gramática, as estruturas formais da linguagem; retórica, a composição e a apresentação de argumentos; dialética, a lógica formal; aritmética; geometria; música; astronomia.49 As disciplinas clássicas passaram séculos dominando a educação e todas as tentativas de reforma enfrentaram grande resistência. Como observa James Hemming, as escolas estavam sob o domínio da “ilusão clássica”, a ideia de que “só é educado quem sabe ler Homero no original”. Durante o Renascimento, diretores pioneiros de algumas escolas tentaram reduzir o domínio das disciplinas clássicas no currículo das grammar schools introduzindo

outras disciplinas e abordagens mais práticas para ensinálas. Richard Mulcaster foi o primeiro diretor da Merchant Taylors’ School, de 1561 a 1586. Ele fez audazes tentativas de ensinar inglês nas grammar schools, argumentando que o ensino formal do inglês era imprescindível para regulamentar a gramática e a ortografia da língua. Defendeu o ensino de teatro nas escolas e seus alunos apresentaram peças teatrais para a rainha Elizabeth  I em várias ocasiões. O currículo da escola passou a incluir música e teatro, dança, desenho e todo tipo de esportes, incluindo luta livre, esgrima, tiro, handebol e futebol. Francis Bacon (1561-1626) defendeu a inclusão de outras disciplinas no currículo escolar, inclusive história e línguas modernas e, especialmente, ciência. O diretor da Tonbridge School publicou um livro em 1787 sustentando que o currículo deveria incluir história, geografia, matemática, francês, educação artística e educação física. Na Grã-Bretanha, tentativas de incluir disciplinas além das clássicas avançaram muito pouco até meados do século XIX. Charles Darwin (1809-1882) estudou em uma escola de Shrewsbury. Refletindo sobre a  experiência, ele conta: “Nada poderia ter sido pior para minha mente do que essa escola, que era estritamente clássica, sendo que nada mais era ensinado exceto um pouco de geografia e história antiga. A escola como um meio de educação foi para mim um completo vazio. Passei toda a minha vida incapaz de dominar qualquer idioma... O único prazer que recebi desses estudos [clássicos] foi de algumas odes de Horácio que eu muito admirava”.50 A pressão pela mudança veio de outro lugar. Três fatos, em particular, transformariam a opinião pública sobre a educação e reformariam o currículo das grammar schools. O primeiro foi o impacto crescente da ciência e da tecnologia e as mudanças no ambiente intelectual do qual elas faziam parte. O segundo foi o crescimento

desenfreado do industrialismo, que vinha transformando o cenário econômico internacional. As Exposições de 1851 e 1862 apresentaram o rápido progresso industrial de outros países europeus, um movimento nascido na Grã-Bretanha, que então corria o risco de ser superada por outros países. O terceiro fato foi o desenvolvimento de novas teorias sobre a natureza da inteligência e da aprendizagem. A nova ciência da psicologia propunha novas explicações para a natureza da inteligência  e como a inteligência deveria ser cultivada. Essas teorias questionavam os benefícios de uma educação estritamente clássica, com raízes no aprendizado da gramática e da lógica formal. Nos séculos XIX e XX, os clássicos praticamente desapareceram dos currículos do ensino secundário. Em seu lugar, o currículo escolar adotou a hierarquia que hoje conhecemos tão bem: línguas, matemática, ciência e tecnologia no topo, ciências humanas e artes embaixo. Como explicou James Hemming, foi nesse momento que a ilusão clássica foi substituída pela ilusão acadêmica.

A ascensão irresistível do QI Em 1870, o governo britânico aprovou uma Lei do Parlamento para garantir verbas às escolas primárias. Em 1902, voltou a atenção ao ensino médio e começou a abrir grammar schools distritais. Quarenta e dois anos depois, no auge da Segunda Guerra Mundial, o governo aprovou a Lei da Educação de 1944, garantindo educação secundária gratuita a todos os cidadãos britânicos. A lei foi concebida para produzir uma força de trabalho capaz de atender às necessidades da economia industrial do pós-guerra.51 Três tipos de escola foram estabelecidos: grammar schools, escolas secundárias modernas e escolas técnicas. As grammar schools dedicavam-se a educar os “20% melhores”: os futuros médicos, professores, advogados,

contadores, funcionários públicos e gestores da GrãBretanha do pós-guerra. Presumia-se que eles precisariam de uma rigorosa educação acadêmica, que as grammar schools se propunham a fornecer. Os alunos das escolas secundárias modernas eram destinados a trabalhos de colarinho azul e ao trabalho braçal. Eles recebiam uma educação mais básica que, na prática, era uma versão diluída do currículo das grammar schools. Muitos países europeus promulgaram leis parecidas.52 Foi durante a enorme expansão da educação nos anos do pós-guerra no Reino Unido que o conceito de QI criou raízes no sistema como um todo. O grande número de jovens que ingressavam na educação obrigatória deveria ser canalizado para os vários tipos de escolas disponíveis. O teste de QI constituía um método rápido e prático para tomar essa decisão. Esses testes não levavam em conta o contexto social nem as oportunidades educacionais prévias dos alunos.53 E também eram muito limitados. Para tirar notas altas, bastava dominar operações verbais e lógicas padronizadas. O sucesso nesses testes dependia não só da aptidão natural dos alunos, mas do conhecimento das técnicas envolvidas. Apesar dos claros problemas, nunca foi fácil contestar a autoridade desses testes. Na época, como agora, eles contavam com o apoio do governo e da comunidade científica. Eram considerados “acima de qualquer crítica ou isentos de qualquer influência social, concebidos na atmosfera rarefeita de uma investigação puramente científica por algum processo de concepção imaculada”.54 “O sucesso nos testes de QI depende não só da aptidão natural dos alunos, mas do conhecimento das técnicas envolvidas.”

Apesar de toda a sua influência sobre a educação, os testes de QI não avaliam toda a gama de habilidades intelectuais de um aluno. Eles procuram por tipos específicos de habilidade. O mesmo vale para as formas de educação que eles promovem. Alunos de várias gerações passaram a maior parte do tempo escrevendo ensaios, fazendo exercícios de compreensão, respondendo a perguntas sobre informações factuais e aprendendo matemática, atividades que envolvem conhecimento proposicional e formas de raciocínio lógico-dedutivo. A forma mais comum de avaliação continua sendo a prova escrita cronometrada, na qual o sucesso depende principalmente de uma boa memória de curto prazo. Alguns alunos passam meses estudando para tirar notas altas nessas provas, enquanto outros têm mais facilidade e não precisam estudar tanto. Esse padrão se mantém no ensino superior, especialmente nas universidades. Algumas disciplinas promovem outros tipos de habilidades, especialmente as que incluem algum componente prático. A maioria das escolas tem aulas de educação artística, um pouco de música – talvez tocar um instrumento ou cantar em um coral – e educação física. Essas disciplinas são mantidas à margem da educação formal e são vistas como dispensáveis quando a situação aperta. As artes são um exemplo importante.

A limitação da inteligência Alguns anos atrás, participei, com outros dezenove professores universitários das áreas de artes, ciências e estudos sociais, de um comitê para decidir as promoções dos professores da universidade. Um professor universitário deve lecionar, dar conta da burocracia e fazer pesquisas. Um pedido de promoção deve incluir provas da realização de todos os três tipos de tarefa. Eu era chefe de

departamento na época e precisei recomendar professores do meu departamento para as promoções. Não tinha dúvida de que um professor de inglês que eu tinha recomendado seria promovido. Os membros do comitê tinham de sair da sala quando suas recomendações fossem discutidas. Achei que a decisão seria fácil, mas tive de esperar quase meia hora. Ficou claro que eles não estavam chegando a um consenso. Finalmente eles me chamaram para entrar e sentei-me à mesa, ansioso para saber a decisão. O vice-reitor disse: “Temos alguns problemas com esta recomendação. Decidimos segurar a promoção dele mais um ano”. Esperase que os membros do comitê não questionem as decisões que dizem respeito às suas recomendações, mas fiquei pasmo. Quis saber por que e fui informado de que o problema estava no trabalho de pesquisa dele. Mesmo assim não entendi e perguntei qual era o problema com as pesquisas dele. Eles me disseram que as pesquisas eram insuficientes. Eles estavam falando de um professor de inglês que, no período em análise, publicara três romances, sendo que dois deles ganharam prêmios literários nacionais; que tinha escrito duas séries de televisão, sendo que as duas foram transmitidas para o país inteiro e uma delas foi agraciada com um prêmio nacional. Ele publicara dois artigos em periódicos acadêmicos sobre a ficção popular do século XIX. “Mas e isto tudo?”, perguntei, apontando para os romances e os roteiros. “Não temos dúvida de que deve ser tudo muito interessante”, disse um dos membros do comitê, “mas nossa preocupação é com a pesquisa dele”, apontando para os artigos acadêmicos. “Mas ele também pesquisou para escrever isto aqui”, retruquei, apontando para os romances e os roteiros. Todos começaram a revirar folhas de papel e arquivos.

No que diz respeito à pesquisa, a maioria das universidades espera artigos em periódicos ou livros acadêmicos. Pelo jeito não passou pela cabeça de ninguém que romances e roteiros para a TV também pudessem contar como pesquisa. E essa mentalidade faz uma enorme diferença. A questão não era se aqueles romances ou roteiros eram bons, mas se romances e roteiros podiam ou não ser contados como pesquisa. O senso comum dizia que não. Mas o que é pesquisa, afinal? Nas universidades, a pesquisa é definida como uma investigação sistemática em busca de novos conhecimentos. Perguntei ao comitê se eles achavam que romances e roteiros, como obras de arte originais, não podiam ser uma fonte de novos conhecimentos. E, se pudessem, será que o mesmo não se aplicaria à música, à arte e à poesia? Isso quer dizer que o conhecimento só pode ser encontrado em periódicos e livros acadêmicos? Essa questão é importante por várias razões e tem uma profunda relação com o status atribuído às artes e às ciências nas universidades e na educação em geral. Há uma diferença intrigante na pesquisa em departamentos de artes e de ciências nas universidades. Em um departamento de física ou química, você trabalha em um laboratório e “faz” ciência. Você não passa sua vida profissional analisando a vida e a época dos físicos do passado. Se for um matemático, você não analisa as oscilações de humor de Euclides ou como era seu relacionamento com a sogra quando ele desenvolveu suas teorias. Você “faz” matemática. Mas não é o que acontece em muitos departamentos de artes. Professores de inglês não são empregados para produzir literatura, mas para escrever a respeito. Eles passam boa parte do tempo analisando a vida e as motivações dos escritores e as obras produzidas por eles. Podem até usar seu tempo livre para escrever poesia, mas não são incentivados a fazer

isso no trabalho, mesmo se sua poesia acabar dando mais visibilidade à universidade. Espera-se que eles produzam artigos analíticos sobre poesia. Produzir obras de arte não costuma contar como um trabalho intelectual válido em um departamento de artes, mas fazer o equivalente em um departamento de ciências, como física ou química, conta. Por que nas universidades escrever sobre romances é considerado uma atividade intelectual superior a escrever romances? Em outras palavras, se escrever romances não for uma atividade considerada intelectualmente válida, qual seria o valor de escrever sobre eles? Comentei que não é raro que se faça uma distinção entre temas acadêmicos e não acadêmicos. A ciência, a matemática e as ciências sociais são vistas como temas acadêmicos, enquanto a arte, a música e o teatro são considerados não acadêmicos. Essa abordagem leva a vários problemas. O primeiro é a própria ideia de “matérias”, sugerindo que áreas diferentes do currículo são definidas por seu tema. Por exemplo, a ciência é vista como diferente da arte porque as duas áreas tratam de conteúdos diferentes. A matemática não é definida exclusivamente pelo conhecimento proposicional. É uma combinação de conceitos, métodos e processos, além do conhecimento proposicional. Um aluno não aprende apenas sobre matemática, mas também aprende a fazer matemática. O mesmo se aplica à música, à arte, à geografia, à física, ao teatro, à dança e a todo o resto. Por isso, acho muito mais interessante pensar em disciplinas em vez de matérias. A ideia de disciplina também abre a nossa cabeça para a dinâmica do trabalho interdisciplinar. Se não fossem por essas dinâmicas, as disciplinas não teriam como continuar mudando e evoluindo. Era isso o que o linguista James Britton55 tinha em mente quando disse: “Classificamos por nossa conta e risco.

Experimentos demonstraram que até o toque mais leve da mão de um classificador pode nos induzir a considerar membros de uma classe como sendo mais similares do que realmente são e ver itens de categorias diferentes como sendo menos parecidos do que realmente são. E quando precisamos fazer mais do que meramente olhar, esses erros podem, durante nosso trabalho, se transformar em algo muito substancial”. As disciplinas estão em constante processo de fusão, evolução, fertilização cruzada e produção de nova prole. Eu mal tinha começado a trabalhar na minha última universidade quando fui chamado para participar de uma reunião do conselho de professores, um comitê composto de todos os professores da universidade, de todas as disciplinas. O professor de química propôs que a universidade criasse uma nova cátedra de biologia química. O conselho assentiu sabiamente e estava prestes a partir para o próximo assunto da pauta quando o professor de ciências biológicas argumentou que a universidade na verdade precisava era de uma cátedra em química biológica. Como Britton sugere, nossas categorias de conhecimento devem ser, no máximo, provisórias. A segunda suposição é que alguns temas são acadêmicos e outros não, o que não é verdade. Todas as questões podem ser vistas tanto do ponto de vista acadêmico quanto de outros. As universidades são dedicadas ao conhecimento proposicional e ao raciocínio lógico-dedutivo. Os acadêmicos podem analisar qualquer coisa pelo viés da investigação acadêmica: plantas, livros, sistemas meteorológicos, partículas, reações químicas ou poemas. É o modo de trabalho que distingue o trabalho acadêmico, não o tema. A crença na superioridade da inteligência acadêmica se revela na estrutura das qualificações. As universidades têm a tradição de recompensar o desempenho acadêmico com diplomas.

Outras instituições concedem certificados ou outros títulos inferiores. Se quisesse fazer arte, pintar, desenhar ou esculpir, você iria a uma escola de arte e receberia um certificado na conclusão do curso. Se quisesse se formar em arte, teria de estudar história da arte em uma universidade. Lá, você não faria arte, só escreveria a respeito. Se quisesse tocar música e ser um músico, você estudaria em um conservatório e receberia um certificado. Se quisesse se formar em música, entraria em uma universidade e escreveria sobre música. Essas distinções estão começando a cair por terra. Hoje em dia, algumas escolas de arte têm cursos formais e alguns departamentos universitários de artes oferecem cursos práticos. Mesmo assim, algumas culturas e instituições ainda resistem em conceder diplomas por trabalhos práticos nas artes.

Transformando a nossa mentalidade A visão de mundo moderna ainda é dominada pela ideologia que substituiu o medievalismo: a ideologia do racionalismo, da objetividade e do conhecimento proposicional. Essas ideias influenciam as nossas teorias tanto quanto o mito e a superstição serviram de base para os cálculos meticulosos dos astrônomos medievais. Nossa ideologia forma as bases para as nossas questões assim como a ideologia medieval influenciava as perguntas da época. Queremos saber como podemos medir a inteligência. A premissa é que a inteligência é quantificável e pode ser medida. Perguntamos como podemos elevar os padrões acadêmicos, mas não se esses padrões nos darão o que precisamos para sobreviver no futuro. Perguntamos onde podemos encontrar pessoas talentosas, mas ignoramos os talentos das pessoas que nos cercam. Olhamos, mas não vemos, porque a nossa avaliação

tradicional nos impede de enxergar o que está à nossa frente. Queremos saber como promover a criatividade e a inovação, mas engessamos os processos e as condições que ajudariam a cultivar essas qualidades. Presos em uma visão de mundo obsoleta, continuamos a nos fundamentar nos pilares gêmeos da educação em massa, apesar de evidências de que o sistema está deixando tantas pessoas na mão. A ideia popular de inteligência passou a ser tão restrita que chega a ser perigosa e outras qualidades intelectuais são ignoradas ou subestimadas. Apesar de todas as tentativas de promover algum tipo de igualdade entre os cursos acadêmicos e profissionalizantes, persiste a atitude de que os programas acadêmicos têm um status muito superior.56 Só que a inteligência é muito mais complexa do que fomos levados a acreditar pelo sistema educacional industrial/acadêmico. É imprescindível reconhecer toda a gama e todo o potencial da inteligência humana para nos abrir à verdadeira natureza da criatividade. Para educar as pessoas para o futuro, precisamos nos livrar da ilusão acadêmica e aprender a enxergar as verdadeiras habilidades das pessoas e entender como esses diferentes elementos da capacidade humana podem se reforçar uns aos outros, em vez de se prejudicar. Veremos em seguida quais são essas capacidades e o que deve ser feito para disponibilizá-las.

5 Conheça a sua mente

“Agora, mais do que nunca, as comunidades humanas dependem de uma diversidade de talentos e não de um único grupo de habilidades.” Liz Varlow é uma violista da Orquestra Sinfônica de Londres e chegou a ser agraciada com o prestigiado Prêmio Frink. Ela nasceu em Birmingham, na Inglaterra, e começou tocando violino aos 8 anos. Ela ganhou duas bolsas de estudo para estudar no Royal College of Music e recebeu vários prêmios. Seus colegas a descrevem como uma excelente musicista que desenvolveu sua sensibilidade musical a níveis mais elevados. O que a diferencia ainda mais é que ela é surda. Sua audição começou a se deteriorar aos 16 anos. Aos 19 anos, ela não conseguia ouvir mais nada e nenhum médico sabe dizer por quê. Mesmo assim, Liz manteve seu talento como uma excelente musicista profissional. Como ela consegue tocar sem ouvir? “Como é que qualquer pessoa toca?”, ela diz. “Eu sei como produzir sons e também sei quais sons estou produzindo. Com um músico ‘normal’, não surdo, é a

mesma coisa. Ele produz o som e usa a audição para verificar se o som saiu bom. Mas, se desafinar, quando tem a chance de checar já é tarde demais. Como eu conto com uma boa memória aural, uma técnica robusta e um bom senso de humor, consigo lidar com todas as situações profissionais e descobri que a surdez nem é uma desvantagem tão grande.” Dame Evelyn Glennie é uma das percussionistas mais talentosas do mundo. Ela viaja pelo mundo dando concertos virtuosistas e sendo ovacionada de pé. Seus discos já venderam milhões de cópias e ela ganhou vários de prêmios de organizações profissionais de música, incluindo o de Musicista do Ano. Ela recebe convites de universidades do mundo inteiro para dar aulas de mestrado em música. Glennie também é surda. Perdeu quase toda a audição aos 12 anos, quando ainda começava a desenvolver suas habilidades musicais. Ela persistiu, apesar de não poder contar com o sentido que a maioria das pessoas consideraria fundamental para desenvolver esse talento musical em sua plenitude. Esses exemplos contrariam a lógica. Como um surdo pode se tornar um músico extraordinário? As realizações de Liz Varlow e de Evelyn Glennie demonstram a extraordinária flexibilidade e virtuosismo da mente humana. São essas qualidades que fundamentam as capacidades exclusivamente humanas da criatividade e da inovação.

Vivendo em dois mundos Uma das percepções fundamentais da filosofia moderna é que vivemos em dois mundos distintos. Há um mundo que existe, quer você exista ou não: o mundo dos objetos materiais, dos eventos e das outras pessoas. Esse mundo já existia antes de você nascer e continuará existindo

depois que você tiver partido. Há um outro mundo que só existe porque você existe: o mundo da sua consciência, dos seus sentimentos e das suas sensações. Segundo o psicólogo R. D. Laing, nesse seu mundo há apenas um par de pegadas.57 O  seu mundo surgiu quando você nasceu e desaparecerá quando você morrer. Você compartilha o primeiro mundo com os outros e não compartilha o segundo com ninguém. Aprender a reconhecer a diferença entre o seu mundo e o mundo marca um estágio importante do desenvolvimento da identidade pessoal. O  que nos leva a ver o mundo externo como o vemos? Como sabemos que ele realmente existe e não está apenas na nossa cabeça? Alguns filósofos do Iluminismo cogitaram a possibilidade de o mundo simplesmente não existir. Um dos mais famosos foi o bispo Berkeley (1685-1753). Em sua teoria do idealismo, ele propôs que o mundo todo não passava de uma ideia elaborada na mente de Deus. Essa teoria foi recebida com muita zombaria por Samuel Johnson (17091784). Um aliado do bispo atacou Johnson por rejeitar o idealismo afirmando que a teoria de Berkeley “não tinha como ser refutada”. Johnson chutou um pedregulho próximo dizendo: “Eu a refuto assim”. Para Johnson e todos os outros pensadores, até os filósofos idealistas precisam viver no mundo e fazer compras no mercado apesar da incerteza sobre a sua existência. O mundo externo pode até ser uma ilusão, mas, para a vida cotidiana, partimos do pressuposto de que não é o caso. Aceitamos que as pessoas e as coisas que vemos são reais e se manifestam para nós todos da mesma maneira. Essas questões podem ser irresistíveis para os filósofos, mas só são problemas se as considerarmos como tais. Passamos a maior parte da vida na chamada atitude natural.58 Enquanto alguns filósofos dos séculos XVII e XVIII questionavam a existência do mundo material, uma nova

estirpe de cientistas se propôs a colocar o mundo sob o controle da humanidade. Como Bertrand Russell (18721970) comentou, a perspectiva científica não é tanto uma rejeição de dúvidas filosóficas, e sim uma exemplificação de que, na vida cotidiana, presumimos como certas muitas coisas que, diante de um exame mais minucioso, percebemos ser repletas de contradições. Como fazer a ponte entre esses dois mundos?59

A consciência e o cérebro Hoje em dia, aceitamos sem questionamento que a consciência e o cérebro são intimamente relacionados. Essa ideia é relativamente recente. O mundo antigo só via uma relação muito tênue. Se você der uma olhada no cérebro, não dá nada por ele. Não passa de uma massa orgânica enrugada sem partes móveis, isolada do resto do corpo e presa numa gaiola de osso. Um cérebro humano é do tamanho de um melão e parece uma noz gigante. A parte de cima é dividida em duas metades, ou hemisférios, e a superfície é cheia de dobras intricadas. Este é o córtex cerebral ou novo cérebro. Acredita-se que o córtex cerebral seja dividido em quatro regiões, ou lóbulos: parietal, frontal, posterior e anterior. Uma estrutura composta de fibras nervosas, conhecida como corpo caloso, liga os dois hemisférios. Na parte de baixo e de trás do cérebro fica uma região menor, do formato de uma couve-flor, chamada cerebelo, em uma área chamada cérebro antigo. O chamado tronco cerebral sai do cerebelo e o conecta à medula espinhal. Os anatomistas antigos presumiam que as funções da mente que hoje associamos ao cérebro se localizavam no coração e nos pulmões. Acreditava-se que o cérebro abrigava a alma, que sobrevivia à morte física e passava para o outro lado. Fora isso, o cérebro aparentemente não

tinha nenhuma outra função. Na Idade Média, os anatomistas concluíram que o cérebro desempenhava um papel mais prático também nesta vida. Os estudos anatômicos foram evoluindo e passaram a revelar as conexões físicas, pela medula espinhal, entre o cérebro, o sistema nervoso central e o resto do corpo. Ainda não se sabe ao certo qual é a relação entre a substância cinzenta imóvel do cérebro físico e os pensamentos, sentimentos e desejos vibrantes que constituem a consciência humana. Mas é fácil comprovar a relação. Basta retirar o cérebro para dar um fim à consciência. Não se sabe como a mente consciente resulta da matéria física do cérebro. Como uma bola de carne do tamanho de um melão pode gerar os insights de Isaac Newton, a música de Mozart, a dança de Martha Graham, a poesia de Shakespeare e os anseios espirituais de Gandhi? Como podemos explicar o chamado fantasma na máquina? O senso comum faz uma distinção entre a mente e a consciência. Em certo sentido, a consciência é o que perdemos quando caímos no sono e recuperamos quando acordamos. A consciência tem um segundo significado, que é o de compreensão. É nesse sentido que falamos em “conscientizar” a população de um problema, por exemplo. O cérebro é mais que o pensamento consciente. Boa parte das atividades do cérebro é imperceptível à mente consciente. O pensamento consciente só representa uma parte de tudo o que cérebro faz. Grande parte do trabalho do cérebro envolve uma comunicação silenciosa para garantir o funcionamento automático do resto do corpo, como com os processos involuntários do metabolismo, das funções glandulares e das complexas percepções do paladar, olfato, tato, visão, audição e assim por diante. Embora as relações entre a consciência e o cérebro ainda sejam um mistério, sabemos agora mais do que antes

sobre o que as várias regiões do cérebro fazem e como elas se relacionam.

Mapeando a mente Na Idade Média, acreditava-se que a mente era composta de diferentes faculdades e que cada uma delas se localizava em uma parte diferente do cérebro. Essas faculdades incluíam memória, imaginação e raciocínio lógico. Essa teoria foi usada para justificar o currículo clássico das scholae grammaticales. Acreditava-se que a memória era treinada decorando palavras em latim, que o raciocínio lógico era treinado aprendendo geometria e que a imaginação era treinada aprendendo poesia e música.60 Da mesma forma como a maioria dos cérebros humanos é parecida, a maioria dos crânios em geral tem o mesmo formato. Mas, em uma análise mais meticulosa, é possível constatar que os cérebros têm tamanho variados e saliências e cavidades distintas em sua superfície. No século XVIII, o cientista austríaco Franz Gall estudou o cérebro de centenas de pessoas mortas e tentou associar o formato do cérebro com a personalidade de seus antigos proprietários. Ele desenvolveu uma teoria detalhada sobre a personalidade, formato do cérebro e padrões de saliências no crânio, uma teoria conhecida como frenologia (literalmente, o “estudo da mente”). Gall identificou 32 traços de personalidade associados com diferentes padrões de saliências no crânio. Os frenologistas acreditavam que havia uma ligação direta entre funções específicas, como a fala, e diferentes regiões do cérebro. As especulações frenológicas de Gall acabaram sendo desacreditadas por estudos mais ponderados do cérebro. No século XIX, estudos de pessoas com lesões cerebrais mostraram que a ideia de regiões exclusivas para determinadas funções cerebrais não tinha fundamento.

As capacidades do cérebro são mais complexas e dinâmicas do que as teorias iniciais sugeriam. Gerações de cientistas tentaram decifrar o cérebro dissecando cérebros de cadáveres em mesas de laboratório, um método com algumas claras limitações. Nos últimos trinta anos, as tecnologias de varredura do cérebro possibilitaram estudar cérebros vivos monitorando padrões de atividade elétrica e fluxo sanguíneo durante diferentes atividades. Hoje os cientistas sabem muito mais sobre as funções básicas do cérebro, como quais partes são usadas em diferentes atividades e em quais combinações (por exemplo, ao falar, reconhecer rostos, ouvir música ou resolver exercícios de matemática). A neurociência está usando a nanotecnologia para investigar a atividade cerebral em nível molecular, incluindo a transferência de cargas elétricas nas sinapses neurais. Esses estudos estão gerando novas abordagens na psicologia, no desenvolvimento de fármacos e no tratamento da dor. E também apontam para três temas importantíssimos para entender a criatividade. A inteligência é altamente diversificada, dinâmica e distinta.

Diversidade Segundo os filósofos do Iluminismo, o conhecimento do mundo só podia resultar da lógica sistemática e da evidência empírica proveniente dos sentidos. Essa abordagem faz muito sentido à primeira vista. Na prática, muitos outros fatores precisam ser levados em conta. O mundo é muito mais do que somos capazes de perceber com os nossos sentidos. Não vemos o mundo como ele realmente é, mas como ele nos é apresentado pelos nossos sentidos. A natureza dos nossos sentidos determina nosso campo de percepção ou, em outras palavras, o que somos capazes de perceber e como. Vivemos em um ambiente sensorial rico, mas só

percebemos parte do mundo em função da limitação dos nossos sentidos. A nossa vivência do mundo é em parte definida pela nossa constituição física. Um ser humano tem em média 1,5 a 1,8 metro de altura, anda de pé e tem o corpo em grande parte simétrico. Sem proteção, nosso corpo só consegue sobreviver a pequenas variações de temperatura. Embora em geral falemos em apenas cinco sentidos – visão, paladar, tato, audição e olfato –, temos pelo menos mais quatro sentidos – equilíbrio, orientação, dor e temperatura. Nossos olhos ficam na frente da cabeça e temos visão binocular. Somos capazes de enxergar a luz no espectro de um comprimento de onda de cerca de 400 nanômetros (violeta extremo) a cerca de 770 nanômetros (vermelho extremo). Nossos ouvidos normalmente conseguem ouvir sons no intervalo de 20 a 15.000 Hz. Nossos sentidos são os canais pelos quais as informações fluem entre o mundo externo e a nossa consciência. Se esses canais fossem diferentes, outros tipos de informação fluiriam através deles e nossa visão do mundo externo seria transformada. Outros animais têm sentidos diferentes e muitas vezes mais especializados e vivenciam diferentes mundos sensoriais. Alguns mamíferos, como os morcegos, são capazes de detectar frequências ultrassônicas muito acima dos 15.000  Hz. Alguns animais e aves podem detectar os sons infrassônicos ou de baixa frequência. Os pombos chegam a ser capazes de detectar frequências de 0,1  Hz. Os elefantes se comunicam usando frequências de apenas 1  Hz. Dois animais vivendo exatamente no mesmo ambiente físico podem ter visões completamente diferentes dos acontecimentos. Um cavalo-marinho e uma baleia assassina, que vivem na mesma área do oceano, moram no mesmo ambiente, mas vivem em mundos diferentes. Um dos fatores é seu tamanho e força relativos. Eles também são equipados com capacidades sensoriais

completamente diferentes. Nossa visão do mundo também seria diferente se pudéssemos ouvir os sons que os morcegos ouvem, ver o mundo como os gatos ou ter os receptores olfativos de um cão, se pudéssemos ver sons, respirar debaixo d’água ou voar. Nossa configuração física delimita o que somos capazes de perceber no mundo e outros fatores afetam o que efetivamente percebemos. A inteligência humana é mais que um mero processo de percepção, também envolve seleção. Sem essa seleção, teríamos informações demais entrando, como um rádio ligado em uma frequência aberta. Quando olhamos para um cômodo, um panorama, uma rua, não prestamos a mesma atenção a tudo o que entra no nosso campo de percepção. Notamos algumas coisas e deixamos de notar outras. Duas pessoas podem ter percepções totalmente diferentes de uma mesma rua. Um guarda de trânsito pode ver uma sucessão de motoristas desrespeitando as leis e um limpador de janelas pode ver uma sucessão de oportunidades. Um apreciador de aves passeando por um bosque pode ter uma visão completamente diferente de um botânico interessado em plantas raras. Se você tiver um carro amarelo, tem mais chances de ver carros amarelos por toda parte. O que percebemos é afetado por uma variedade de fatores, sendo que muitos deles são culturais. Voltaremos a eles no Capítulo 8. A constituição dos nossos sentidos, do nosso corpo e do nosso cérebro afeta profundamente o que pensamos. Também afeta a maneira como pensamos. A visão racionalista do conhecimento concentra-se nas capacidades lógico-dedutivas da mente. A teoria pode até parecer razoável, mas a consciência envolve muito mais do que essas capacidades específicas. O cérebro é uma entidade orgânica que interage com todos os estados e processos físicos do nosso corpo. Nossa saúde, condição

física e apetite podem afetar profundamente nossos estados mentais. A vida acadêmica tende a desconsiderar o resto do corpo. Em muitas escolas, os alunos são educados da cintura para cima e a atenção acaba se concentrando em sua cabeça, especialmente no lado esquerdo. Muitos acadêmicos vivem dentro de sua cabeça, tendendo um pouco para um lado. De certa maneira, eles não vivem no próprio corpo. Tendem a ver o corpo como um mero meio de transporte para sua cabeça, só um jeito de levar a cabeça para as reuniões. Se você quiser ver provas concretas de experiências extracorpóreas, basta inscreverse em uma conferência de acadêmicos seniores e comparecer ao baile de conclusão das atividades. Você vai ter a chance de testemunhar o fenômeno com os próprios olhos. Homens e mulheres adultos, contorcendo-se incontrolavelmente, mal vendo a hora de a tortura acabar e eles poderem voltar para casa e escrever um artigo a respeito. Por sua vez, os dançarinos adoram viver no corpo e se expressar pelo movimento. Atuei no conselho de administração do Birmingham Royal Ballet, na Inglaterra, e tive o privilégio de ver dançarinos profissionais trabalhando. O rigor, a precisão e a sensibilidade do trabalho deles são de tirar o fôlego. Comentei anteriormente que, nas instituições de ensino, a dança não tem o mesmo status que as matérias “acadêmicas”, mas a dança pode manifestar ideias e sentimentos que não têm como ser expressos de outra maneira. Como disse Martha Graham, a dança é a linguagem oculta da alma. A definição de inteligência ainda pode ser tema de debates, mas acho que podemos concordar aqui que a inteligência inclui a capacidade de formular e expressar nossos pensamentos de maneira coerente. Podemos fazer isso usando palavras e números. Também podemos pensar

visualmente, em sons, em movimentos e em todas as combinações desses modos. Os músicos não tentam expressar pelo som ideias que seriam mais adequadas às palavras. Eles têm ideias musicais, ideias que talvez não possam ser transmitidas por palavras. Os artistas visuais, por sua vez, pensam visualmente e têm ideias visuais. A inteligência inclui a capacidade de enfrentar os desafios práticos de se viver no mundo. O psicólogo do desenvolvimento Howard Gardner, mais conhecido por sua teoria das inteligências múltiplas, define a inteligência como a capacidade de resolver problemas em um determinado contexto. Gardner dá o exemplo de um menino de 12 anos da Micronésia, que foi escolhido pelos anciãos para se tornar um navegador: “Sob a tutela de mestres navegadores, ele aprenderá a combinar o conhecimento da orientação pelas estrelas e da geografia para não se perder pelas centenas de ilhas da região. Por outro lado, temos o adolescente de 14 anos em Paris que aprendeu a programar  um  computador e está começando a compor obras musicais com o auxílio de um sintetizador”. Basta um momento de reflexão, diz Gardner, para revelar que esses dois jovens “demonstram um alto nível de competência em uma área complexa e que, com base em qualquer definição razoável do termo, é possível considerar que eles exibem um comportamento inteligente”.61 Segundo Gardner, há pelo menos sete diferentes tipos de inteligência. E, em trabalho posterior, ele mostrou aceitar que existem mais outros. Mencionei minhas ressalvas em relação à Mensa, o clube exclusivo para pessoas com alto QI. Não tenho nada contra uma organização para pessoas que gostam de testes de QI. Sou totalmente a favor de clubes e sociedades. Acho ótimo que pessoas com interesses em comum se reúnam e se beneficiem desse contato. É possível encontrar clubes para tudo, incluindo culinária, xadrez, atletismo, política,

filatelia, criação de cães, astronomia, o que a sua imaginação quiser. E é claro que não poderia faltar um clube de QI. O meu problema é a maneira como a Mensa se promove, vangloriando-se de ser o clube das pessoas mais inteligentes do planeta. Será mesmo? Se esse clube existisse mesmo, todos nós gostaríamos de ser membros. Mas será que os testes não deveriam incluir outras perguntas? Por exemplo, você sabe compor uma sinfonia? Você sabe tocar em uma orquestra? Você sabe abrir uma empresa e levar essa empresa ao sucesso? Você sabe escrever uma poesia capaz de levar as pessoas às lágrimas? Você sabe coreografar uma dança ou dançar para expressar o que temos de mais humano? Tudo isso são exemplos da clara diversidade da inteligência humana e das muitas maneiras pelas quais nos relacionamos uns com os outros e com o mundo. Será que esses exemplos também não deveriam ser levados em conta em qualquer concepção abrangente de inteligência? E será que as pessoas que se destacam em alguma dessas atividades não deveriam ser aceitas no clube que se gaba de ter as pessoas mais inteligentes do mundo? A questão é que a inteligência é multifacetada, elaborada, complexa e extremamente diversificada. Essa ideia inclui e vai muito além das concepções convencionais de capacidade acadêmica e QI e é por isso que o mundo está repleto de música, tecnologia, arte, dança, arquitetura, negócios, ciências práticas, sentimentos, relacionamentos e invenções que realmente funcionam.

Dinamismo Roger Sperry (1913-1994) foi agraciado com o Prêmio Nobel por sua revolucionária pesquisa sobre a estrutura e as funções do cérebro. Na década de 1950, ele conduziu uma série de experimentos envolvendo pessoas cujos

hemisférios cerebrais tinham sido separados com o corte do corpo caloso. Presumo que essas pessoas tiveram seus hemisférios cerebrais separados antes, e não depois, de concordarem em ajudar Sperry. Caso contrário, eles estavam muito mais comprometidos com o assunto do que eu. Sperry descobriu que os participantes com o “cérebro dividido” eram capazes de realizar duas tarefas não relacionadas simultaneamente, como fazer um desenho com uma mão enquanto escreviam com a outra. Ele concluiu que os dois hemisférios do cérebro cumpriam funções diferentes, porém complementares. Segundo Sperry, o lado esquerdo do cérebro era, em grande parte, envolvido em procedimentos lógicos, incluindo linguagem e matemática, enquanto o lado direito se ocupava mais de operações holísticas, como o reconhecimento de rostos e orientação no espaço físico. A pesquisa de Sperry provocou um enorme interesse, especialmente no setor da educação, por sugerir uma correspondência física no cérebro com as duas grandes tradições da cultura da Europa ocidental. O hemisfério esquerdo parecia relacionar-se com a análise lógicodedutiva do Iluminismo e com o método científico, enquanto o hemisfério direito se relacionava com os impulsos românticos de beleza, intuição e espiritualidade. Os reformistas educacionais argumentaram que o sistema educacional acadêmico dedicava-se quase exclusivamente ao hemisfério esquerdo. James Hemming chegou à surpreendente conclusão de que educar as pessoas treinando apenas as atividades do cérebro esquerdo, como ocorre no currículo acadêmico, era como treinar uma pessoa para correr exercitando apenas uma perna e deixando os músculos da outra se atrofiar. Alguns teóricos pegaram essa ideia e a levaram ao extremo. Lembro-me de ter lido um artigo escrito por uma autora que claramente não digeriu bem as implicações da pesquisa de

Hemming. A autora afirmou ter escrito o artigo em uma face da folha e deixado o verso em branco porque só tinha usado o lado direito do cérebro, uma observação que para mim sugere que ela não usou nenhum lado do cérebro. A questão não é que as duas metades devem funcionar separadamente, mas que elas devem atuar juntas. Carl Sagan expressou essa ideia com grande exatidão. Segundo ele, não há como saber “se os padrões extraídos pelo hemisfério direito são reais ou imaginários sem sujeitá-los ao escrutínio do hemisfério esquerdo”. Por outro lado, “o mero pensamento crítico, sem insights criativos e intuitivos, sem a busca de novos padrões, é estéril e condenado ao fracasso. Resolver problemas complexos em circunstâncias em constante transformação requer a atividade de ambos os hemisférios cerebrais. O caminho para o futuro precisa necessariamente passar pelo corpo caloso”.62 As técnicas de varredura do cérebro mostram que o cérebro se ilumina em diferentes configurações de acordo com a atividade em questão e que até ações simples ativam simultaneamente diferentes regiões do cérebro. Diferentes áreas do cérebro estão associadas a funções mentais específicas, mas também participam de outros processos. A interdependência das funções fica clara nos efeitos de lesões cerebrais. O lobo frontal direito é muito ativado com a música e, se sofrer uma lesão, as habilidades musicais são prejudicadas. Se retirarmos essa parte do cérebro e a segurarmos na mão, ela não vai cantarolar uma melodia. Ela precisa das conexões com o resto do cérebro e do corpo para funcionar. A fala é um exemplo da variação dos padrões de atividade cerebral. Quando falamos em nossa língua nativa, nosso cérebro se configura de um jeito, mas se configura de outro quando falamos uma segunda língua que aprendemos depois da infância.

Estamos sempre vivenciando essa dinâmica da inteligência. A fala normalmente é acompanhada de incontáveis movimentos físicos, expressões faciais e gestos. A dança parece ser basicamente cinestésica, mas os coreógrafos criam danças com uma grande atenção ao design visual e às qualidades da música, muitas vezes com precisão matemática. Para o público, a dança também é uma arte visual. A matemática pode parecer essencialmente abstrata, mas muitos matemáticos dependem de uma nítida imaginação visual. Em certa ocasião, tive a chance de ver um professor do ensino fundamental de Hong Kong dando uma aula de matemática. As crianças, com idades entre 8 e 12 anos, estavam sentadas à mesa, cada uma com um ábaco. O professor ditava cálculos para eles fazerem: 1.289 vezes 15.822; 22.348 dividido por 4.019. Assim que ele terminava de ditar os números, as crianças levantavam a mão, empolgadas para dar a resposta. E todas chegavam às respostas certas. As crianças faziam os cálculos só com o ábaco, na velocidade da luz. Outro aluno foi convidado a usar uma calculadora eletrônica para fins de comparação. Ele levou mais tempo para fazer todas as contas. O professor pediu às crianças para deixar o ábaco de lado e as respostas continuaram rápidas, e sempre mais rápidas do que as do menino usando a calculadora. As crianças internalizaram a operação, visualizando mentalmente o ábaco e “vendo” as respostas. Ao aprender a falar, as relações entre fala, melodia e música são muito fortes. Varreduras do cérebro mostram que as áreas do cérebro mais ativas com a música e a linguagem se sobrepõem consideravelmente. Segundo Diana Deutsch, professora de psicologia da University of California, “a língua nativa de uma pessoa afeta sua percepção da música. A mesma sucessão de notas pode soar diferente dependendo da língua que o ouvinte

aprendeu na infância”.63 Os falantes de línguas tonais, incluindo o mandarim, têm mais chances do que os ocidentais de ter ouvido absoluto. Em um estudo, 92% dos falantes do mandarim que começaram a fazer aulas de música aos 5  anos ou antes tiveram ouvido absoluto em comparação com 8% dos falantes de inglês que tiveram um treinamento musical comparável. Quando nascem, os bebês já conhecem a melodia da fala da mãe. Gravações de áudio feitas dentro do útero no início do parto revelam que os sons produzidos pela mãe podem ser ouvidos em alto e bom som. “As frases que chegam ao bebê são filtradas pelos tecidos do corpo da mãe, de modo que as altas frequências que comunicam grande parte das informações importantes para identificar o significado das palavras são atenuadas, enquanto as características musicais da fala – tom, variações de volume, ritmo e padrões rítmicos – são bastante preservados.” Além de forjar um vínculo inicial entre mãe e filho, a exposição precoce aos sons da fala musical pode dar início ao processo de aprender a falar. Segundo Deutsch, após o nascimento, as melodias da fala são fundamentais para a comunicação entre mãe e filho. Quando os pais falam com o bebê, eles usam padrões de fala exagerados conhecidos como “fala de bebê”, que diferem bastante entre os idiomas. Pessoas portadoras de deficiências sensoriais demonstram evidências convincentes do funcionamento holístico do cérebro. Evelyn Glennie vivencia a música com todo o seu ser. Tocando descalça, ela absorve as vibrações e os ritmos musicais pelo seu corpo de maneiras que transcendem os conceitos comuns de percepção sensorial. De certo modo, a inteligência em si é como uma orquestra. O todo é maior que a soma das partes. A inteligência é composta de muitos elementos especializados, mas só

funciona como deveria quando todos esses elementos atuam juntos em harmonia. O cérebro não é um objeto mecânico, mas uma entidade orgânica. A mente não é uma calculadora, mas um processo dinâmico de consciência. A criatividade não é uma habilidade isolada, restrita a uma ou outra região do corpo. Ela se beneficia do dinamismo entre diferentes maneiras de pensar e ser. A inteligência não só é diversificada e dinâmica, como é especial e distinta, variando de uma pessoa a outra.

Distinção De acordo com Martha Graham: “Há uma vitalidade, uma força vital, uma energia, uma aceleração que passa através de seu corpo e é traduzida em ação e, como você é uma pessoa única durante todo o tempo, essa expressão não tem igual. E, se você bloquear essa expressão, ela nunca chegará a existir através de qualquer outro meio e se perderá para sempre”. Tive a honra e o prazer de trabalhar com Robert Cohan, o talentoso parceiro de Martha Graham e fundador da London School of Contemporary Dance. Perguntei como ele entrou nesse estilo de dança. No início dos anos 1950, ele saiu do Exército dos Estados Unidos e foi morar em Nova York. Ele sempre gostou de dançar e teve um treinamento convencional. Um amigo lhe falou de uma mulher que dava aulas de dança no centro da cidade e achava que ele iria gostar. Cohan foi, e sua vida mudou para sempre. Depois da primeira sessão de três horas no estúdio de Martha Graham, seu corpo tremia quase incontrolavelmente de empolgação. Descobriu, com os métodos e as formas de dança que ela ensinava, uma capacidade da qual jamais suspeitara. Ele se encontrou quando conheceu Martha Graham e passou toda a sua vida

artística no mundo que a ajudou a criar, tornando-se seu principal parceiro de dança e dedicando-se a promover seus métodos na Europa nas décadas de 1970 e 1980, quando dirigiu a London School of Contemporary Dance. “Há uma vitalidade, uma força vital, uma energia, uma aceleração que passa através de seu corpo e é traduzida em ação e, como você é uma pessoa única durante todo o tempo, essa expressão não tem igual. E, se você bloquear essa expressão, ela nunca chegará a existir através de qualquer outro meio e se perderá para sempre.”  — Martha Graham A satisfação que Cohan encontrou na dança ilustra uma questão mais geral. Cada pessoa representa um momento sem igual na história, uma mistura inigualável da nossa herança genética, das nossas experiências e dos pensamentos e sentimentos que se entrelaçaram por tudo isso e constituem nossa consciência única. Cada um de nós tem grandes talentos naturais, mas que se manifestam de formas diferentes. Será que isso significa que ninguém pode ser considerado mais inteligente que os outros? É claro que não. Algumas pessoas são extremamente capazes em muitas áreas, como música, matemática, raciocínio verbal, pensamento visual e assim por diante. Uma grande capacidade em uma área não implica nem exclui uma grande capacidade em outras áreas. Um bom matemático pode ou não ser um bom pintor ou poeta; um poeta talentoso pode ou não ser um bom dançarino ou um músico virtuoso. Não deveríamos estereotipar as pessoas por ter ou não capacidade acadêmica nem rotular uma pessoa com grande talento acadêmico como sendo mais

inteligente do que outra pessoa com grande talento para a música ou a dança. As pessoas são muito mais do que acadêmicas ou não acadêmicas. Não me entenda mal. Não tenho nada contra o desenvolvimento de habilidades acadêmicas. Só estou defendendo um conceito mais amplo de inteligência que inclui o talento acadêmico, mas não se restringe a ele. Crianças com grandes habilidades acadêmicas podem deixar de descobrir seus outros talentos e crianças com menos habilidades acadêmicas podem ter grandes talentos dormentes. Todas essas crianças e jovens podem passar por todo o sistema educacional sem identificar esses talentos. Eles podem perder o interesse, ficar ressentidos com seu “fracasso” e concluir que simplesmente não são inteligentes. Alguns desses “fracassos” do sistema educacional podem acabar se tornando grandes sucessos na idade adulta. Mas quantos deles deixam de encontrar seus talentos? Eles podem nunca saber do que são capazes e quem ou o que poderiam se tornar. Muitas pessoas acabam sendo desviadas de seu caminho natural pelo foco na inteligência acadêmica e na hierarquia das disciplinas. Esse foco se revela especialmente na distinção entre programas acadêmicos e profissionalizantes e a ideia de que sair do sistema escolar para trabalhar ou fazer um curso técnico vale menos do que ir à universidade. Mas a capacidade de construir prédios, fazer a instalação elétrica de uma casa, instalar um sistema hidráulico, plantar, fazer coisas que funcionam ou prestar serviços é exatamente o que muitas pessoas gostam de fazer e todas essas habilidades são fundamentais para a vitalidade e sustentabilidade da vida humana. Algumas vezes, isso é literalmente verdadeiro. Alguns anos atrás, fui a São Francisco divulgar um novo livro. Uma das pessoas na fila para pegar meu autógrafo

era um homem de 30 e poucos anos e perguntei-lhe o que ele fazia da vida. Ele respondeu que era bombeiro. Perguntei quando ele escolheu essa profissão e ele respondeu que sempre quis ser bombeiro. “Na verdade”, ele contou, “quando eu era um moleque, todos os outros meninos queriam ser bombeiros. Mas eu queria mesmo ser bombeiro e mal podia esperar para entrar na corporação”. Ele disse que, quando estava no último ano do ensino médio, um dos professores perguntou à turma o que eles planejavam fazer quando concluíssem a escola. Quase todo mundo falou em ir para a faculdade e ele respondeu que se candidataria para entrar no corpo de bombeiros. O professor declarou que ele cometeria um grande erro; que ele era academicamente inteligente, tinha um futuro brilhante pela frente e estaria jogando fora uma grande oportunidade se escolhesse ser bombeiro. Ele contou que se sentiu humilhado diante dos colegas, mas seguiu em frente com seus planos, entrou no corpo de bombeiros e ama seu trabalho. “Lembrei-me daquele professor na palestra que você deu”, disse ele. “Porque seis meses atrás eu salvei a vida dele. Ele teve um acidente de carro e minha unidade foi acionada. Eu o tirei do carro, fiz uma reanimação cardiorrespiratória e o salvei. Salvei a vida da esposa dele também.” O bombeiro comentou: “Acho que agora ele respeita mais o meu trabalho”.

Repensando a deficiência Uma das consequências de uma visão estreita da capacidade é uma visão proporcionalmente ampla da “incapacidade” ou deficiência. A identificação  de  talentos latentes é ainda mais importante quando as formas convencionais  de comunicação são restritas. Alguns anos atrás, participei de um estudo sobre arte e deficiência presidido pelo cineasta Richard Attenborough e financiado pela Fundação Carnegie. O estudo se focava nos talentos

artísticos de portadores de deficiências e defendia a alocação de mais verbas para essas pessoas. Algumas pessoas com deficiência têm dificuldades com formas convencionais de expressão, como a escrita, a fala, a audição ou a visão. Elas não raro são identificadas em termos de sua deficiência. Em outras palavras, elas não são vistas como pessoas com deficiência, mas como pessoas deficientes. O dr. Phil Ellis concebeu e dirigiu uma iniciativa sem igual de pesquisa sobre pedagogia musical na University of Sunderland. O projeto Touching Sound explorou novas abordagens de terapia sonora para crianças com graves dificuldades de aprendizagem (SLD, na sigla em inglês) e dificuldades de aprendizagem profundas e múltiplas (PMLD, na sigla em inglês).64 Os pesquisadores utilizaram feixes de laser de baixa potência ligados a sintetizadores de som. Quando os feixes eram tocados, sons eram gerados automaticamente. Os sensores podiam ser acionados por minúsculos movimentos, como um piscar de olhos, de maneira que até as pessoas portadoras de necessidades profundas e complexas tinham como controlar a música e os elementos visuais. O projeto trabalhou com crianças cujos movimentos são limitados a apenas alguns músculos ou até mesmo uma pálpebra. As pessoas que possuem uma amplitude normal de movimentos não costumam dar valor à sua capacidade de afetar o ambiente e exteriorizar seus pensamentos e sentimentos. Já as pessoas que têm um controle muscular restrito podem passar a vida toda dependendo dos outros e podem ter grandes dificuldades de se expressar. O  projeto Touching Sound possibilitou a essas pessoas afetar o ambiente e se expressar. Alguns participantes ficaram profundamente tocados ao sentir esse sentimento de liberação pela primeira vez na vida, e os efeitos terapêuticos foram dramáticos. Nas palavras de Marie

Watts, da equipe do projeto: “A  pessoa teve a chance de controlar o ambiente. E, com esse controle, veio o empoderamento. A tecnologia também motivou a equipe, que pôde receber um feedback imediato dos pacientes”.65

Mais do que sabemos Derek Paravicini nasceu prematuro na Inglaterra em 1979, com 25 semanas, pesando apenas 680 gramas. Ele é cego, autista e um prodígio musical impressionante. Acredita-se que sua cegueira tenha sido causada pela oxigenoterapia administrada na UTI neonatal. A terapia também lhe causou graves deficiências de aprendizagem. Ele tem ouvido absoluto, é capaz de reconhecer até vinte notas tocadas ao mesmo tempo e sabe tocar qualquer música depois de ouvi-la apenas uma vez. Também pode transformar canções à perfeição nos estilos de diferentes músicos. Ao ser solicitado a mudar para o estilo de outro pianista, como o pianista de jazz Oscar Peterson, ele é capaz de mudar de estilo no meio da música, tocando, por exemplo, “My Favorite Things” no estilo característico de Peterson. “É como se ele tivesse bibliotecas inteiras de peças e estilos na cabeça”, explica Adam Ockelford, professor de Derek. “Ele consegue pegar uma obra e um estilo e juntar os dois. E a coisa toda meio que explode.” Ninguém sabe como os dedos de Derek conseguem fazer isso tudo, sendo incapazes de fechar um botão ou um zíper. Ele não sabe quanto anos tem. Derek começou a tocar piano quando ainda era bebê, quando sua babá lhe deu um teclado usado. Seu pai conta: “Um dia, minha filha disse: ‘Ele acabou de tocar um hino que ouvimos na igreja hoje’”. Derek tinha 3 anos na ocasião. “Ele não sabia, simplesmente porque não enxergava e ninguém explicou que um piano era tocado com os dedos. Lembro que ele usava os punhos, os

cotovelos e até o nariz.” No começo, Derek resistiu a qualquer tentativa de Ockelford de ensiná-lo, mas, em pouco tempo, conta Ockelford: “Derek pareceu entender que eu não estava tentando tirar seu precioso piano. Eu estava tentando me comunicar com ele e ajudá-lo. Acho que de repente caiu a ficha de que ele podia se comunicar usando o piano e ele simplesmente deslanchou... Depois de toda aquela confusão que ele deve ter sentido na infância, quase sem entender a linguagem, de repente ele tinha uma linguagem que podia controlar, com que podia brincar, que podia usar para dialogar. Tudo o que normalmente fazemos com as palavras, Derek fazia com as notas musicais”. Seu progresso foi surpreendente. Depois de três anos de aulas diárias, Derek foi convidado para tocar em uma festa beneficente. Foi lá que Ockelford viu pela primeira vez a emoção de Derek ao se apresentar e sentir o carinho da plateia. Derek tremia de entusiasmo e euforia e nunca parou de se apresentar – em concertos de jazz, eventos de caridade, igrejas –, conectando-se com o público e atendendo a pedidos na hora. Ele pede a uma pessoa da plateia para escolher uma música, a uma segunda pessoa para escolher o tom e a uma terceira pessoa para selecionar um estilo. Em um evento, Derek foi solicitado a tocar “Ain’t No Sunshine” em si maior ao estilo ragtime. E ele o fez à perfeição. “É como ter três computadores trabalhando ao mesmo tempo e juntá-los instantaneamente, sem pensar”, descreve Ockelford. “Às vezes ele se sai com brincadeiras musicais. Dá para ver uma pequena faísca. Eu diria que ele fica muito satisfeito consigo mesmo e com sua música.”66 Os savants são pessoas com habilidades excepcionais em algumas áreas de inteligência e com capacidade abaixo da média em outras. Embora o autismo seja considerado um fator da prodigiosa capacidade musical de

Derek, sua cegueira também pode contribuir. A parte do cérebro que normalmente seria usada para a visão e a detecção da luz pode estar sendo usada para lhe dar uma habilidade auditiva adicional. Existem outros casos de savants com habilidades extraordinárias em desenho, memória e cálculo matemático. Essas pessoas têm habilidades específicas acima da média combinadas com habilidades bem abaixo da média em outras áreas.67 Todos esses são exemplos das maneiras diferenciadas nas quais a inteligência é configurada em cada pessoa.

Plasticidade e potencial Jeff Lichtman é professor de biologia molecular e celular da Harvard University. Ele dirige um amplo programa de pesquisa com o objetivo de criar um mapa detalhado dos circuitos do cérebro humano. A pesquisa faz parte de um novo campo de investigação chamado “connectomics”. Um equipamento chamado Ultramicrótomo Automático para Coleta de Fatias (Atlum, na sigla em inglês) corta amostras de tecido cerebral em fatias finíssimas que são colocadas em um microscópio eletrônico de varredura para criar imagens de células individuais e todas as suas conexões com outras células. Segundo Lichtman, essa tecnologia “nos dá a oportunidade de observar esse vasto e complexo universo que nos foi em grande parte inacessível até agora”. “À medida que as crianças crescem, seu cérebro é personalizado de acordo com as utilizações que elas fazem ou não dele.” Um dos objetivos do estudo é decifrar os processos do crescimento e da poda neural. No momento do nascimento de um bebê, o cérebro humano tem cerca de 100 bilhões

de células cerebrais. O cérebro de um bebê tem uma plasticidade enorme. Para começar, cada neurônio possui dezenas de conexões, mas elas se reduzem a apenas algumas poucas conexões robustas à medida que o cérebro se desenvolve e de acordo com o modo como ele é usado. Segundo Lichtman, cada célula nervosa de um bebê conecta-se a um número vinte vezes maior de células nervosas que esse mesmo bebê terá quando crescer. “Tentamos desvendar as regras da poda. Se a célula nervosa tiver cem conexões e precisar reduzir esse número para cinco, quais conexões o cérebro vai escolher cortar e manter?” Os neurônios lutam para permanecer conectados e o resultado de cada batalha afeta o resultado para as outras células. “Então, para entender como uma competição afeta uma célula, precisamos entender todas as competições.” O efeito final de todo esse “combate corpo a corpo” neural é o que chamamos de desenvolvimento cerebral e é o que transforma um bebê incapaz de andar ou falar em um ser humano adulto. É esse processo que nos proporciona a flexibilidade que Lichtman chama de “a magia de ser humano”. Segundo ele, uma libélula já precisa nascer sabendo como pegar um mosquito. “Mas, nós, seres humanos, não nascemos com qualquer um desses conhecimentos. Nosso cérebro precisa passar por uma profunda educação que perdura até a segunda década da nossa vida. O que muda no nosso cérebro?”68 A plasticidade do cérebro se revela na maneira como utilizamos a linguagem. Se as crianças crescem em famílias poliglotas, elas aprendem todos os idiomas aos quais são expostas com frequência. Os pais não precisam ensiná-las a falar da mesma maneira que elas são ensinadas nas escolas. As mães não ensinam aos bebês os princípios gramaticais nem os fazem decorar listas de palavras. Elas encorajam, orientam e ensinam palavras

específicas. Aprender uma língua é um processo tão complexo que seria impossível ensiná-la formalmente a um bebê. Seria impensável ensinar-lhes três ou quatro idiomas. Mas os bebês aprendem três ou quatro idiomas e até mais, se necessário. Eles nunca atingem um ponto de saturação ou pedem para a vovó não falar nada porque não dão conta de outro dialeto. Eles absorvem tudo. Isso acontece porque os bebês têm um instinto para a linguagem. Não é que as famílias poliglotas produzam crianças linguisticamente talentosas por algum processo aleatório envolvendo muita sorte. Todas as crianças “normais” têm a capacidade de aprender não só uma, mas muitas línguas. Se um bebê nasce em uma casa onde só se fala uma língua, essa é a língua que ele aprende. É  muito mais difícil aprender uma segunda língua na adolescência.69 À medida que as crianças crescem, seu cérebro é personalizado de acordo com as utilizações que elas fazem ou não dele. Se a capacidade da linguagem não for utilizada, ela poderá desaparecer à medida que os recursos neurais do cérebro vão sendo alocados para outros usos. O mesmo pode se aplicar à música, à matemática ou a qualquer outro talento. Susan Greenfield deu um exemplo surpreendente da plasticidade do cérebro.70 Ela contou de um menino italiano de 6 anos que era cego de um olho. Quando ele era bebê, esse olho ficou coberto com uma venda, e as redes neurais que possibilitam a visão desse olho foram realocadas, causando cegueira permanente. No Pacífico Sul, muitas crianças pequenas são mergulhadores talentosos. Elas desenvolvem a capacidade de passar um bom tempo nadando debaixo da água para coletar pérolas. Em Nova York, a maioria das crianças não tem essa habilidade. São raros os mergulhadores especializados em coleta de pérolas no bairro nova-

iorquino do Bronx. Não há demanda para isso. Seria razoável supor que, se um bebê nova-iorquino fosse levado ao Pacífico Sul, ele seria capaz de aprender as habilidades necessárias. Mas, morando no Bronx, esse bebê pode até ter a capacidade, mas não a necessidade e, em consequência, acaba não desenvolvendo a habilidade. “Agora, mais do que nunca, as comunidades humanas dependem de uma diversidade de talentos e não de um único grupo de habilidades.”

A dança de Darryl Estatisticamente, as pessoas que são obrigadas a sair da escola ou que abandonam os estudos têm mais chances de entrar no sistema de justiça criminal. A estratégia normal é encarcerar os infratores, apesar dos imensos custos sociais e econômicos e das altas taxas de reincidência. Algumas abordagens mais criativas para o problema baseiam-se em reconhecer que as habilidades são diversas, dinâmicas e únicas e que as estratégias para lidar com o desinteresse e a alienação devem ser igualmente sofisticadas. Uma estratégia que admiro muito revela uma ironia especial. A ideia é reunir jovens infratores – que muitas vezes não conseguiram se manter no sistema de ensino – para dançar, a disciplina relegada à base da hierarquia das prioridades educacionais. Os resultados mostram que tanto os infratores quanto a disciplina da dança são subestimados no sistema educacional. A Dance United é uma companhia profissional de dança contemporânea de Bradford, no Reino Unido. A companhia oferece um programa de educação baseado na dança, chamado The Academy, como uma opção para

delinquentes juvenis que estão no sistema de justiça criminal da região. O programa foi criado tendo em mente jovens que não tiveram sucesso no sistema escolar convencional e que correm um grande risco de cair de vez na criminalidade. Os participantes do programa incluem jovens condenados por roubo, delitos relacionados a drogas, furtos e assaltos. A equipe do The Academy é formada por dançarinos profissionais e professores de dança que trabalham com assistentes sociais da agência de apoio a jovens infratores de Bradford, o Bradford Youth Offending Team (YOT), e representantes de outras instituições. O objetivo do The Academy não é só ajudar os jovens a evitar a reincidência, mas ajudá-los a descobrir sua capacidade inata de ter sucesso. O programa busca provocar mudanças profundas nos participantes, reforçando sua confiança no próprio potencial. Os jovens participantes do programa são tratados não como delinquentes em processo de reabilitação, mas como dançarinos profissionais em treinamento.71 O programa baseia-se em métodos utilizados para educar e treinar artistas profissionais de dança contemporânea e é extremamente disciplinado e rigoroso. Por exemplo, as regras básicas incluem a exigência de dançar descalço. Usar joias, bonés ou outros acessórios pessoais não é permitido. O The Academy gira em torno das demandas físicas e criativas da dança, com vistas a um elevado padrão artístico. O programa ajuda os jovens a aprender a confiar uns nos outros e se ajudar. O The Academy trabalha com até quinze jovens por grupo em um programa de treinamento de 25 horas por semana, por um período de doze semanas. Cada ciclo começa com um projeto intensivo de três semanas e, no fim do ciclo, a produção é exibida em apresentações encenadas profissionalmente, no estúdio do The Academy

ou no teatro local. A partir da quarta semana, o currículo de dança e educativo se expande para incluir jazz, danças africanas, capoeira, apresentações circenses, coreografia e muito mais. O  programa inclui palestras de artistas visitantes, como fotógrafos, cineastas e músicos. Muitas pessoas receberam a ideia do programa do The Academy com ceticismo. Como a dança pode beneficiar jovens que não demonstram qualquer respeito pelos outros ou pela propriedade alheia? O conceito não seria apenas uma bobagem romântica infundada para favorecer os infratores? É claro que a solução óbvia para o problema seria a prisão. Para Jim Brady, um funcionário da YOT de Bradford, que conhece bem o problema da delinquência juvenil, a detenção não é a melhor solução. “Se a detenção funcionasse”, diz ele, “o problema da criminalidade juvenil já estaria resolvido. Só que todas as evidências sugerem que o encarceramento não funciona”.72 Seu colega Dave Pope confessa que começou vendo com ceticismo o poder transformador da dança. Hoje ele diz que enxerga muitas outras estratégias para ajudar jovens infratores, mas nenhuma tão eficaz: “Vi infratores trabalhando em canteiros de obras, infratores jogando esportes coletivos, infratores fazendo cursos de comportamento e infratores fazendo cursos de controle da agressividade. A  dança contemporânea, para minha surpresa, foi a estratégia que levou a um progresso maior no menor tempo”. Como um programa de dança pode fazer tanta diferença quando outros programas fracassam? Tara Jane Herbert, diretora artística da Dance United, explica o que o programa realmente faz. Apesar de os participantes serem tratados como bailarinos profissionais e submetidos a um regime de treinamento profissional, o objetivo do The Academy não é transformá-los em artistas profissionais. “A ideia é dar a esses jovens a chance de fazer algo prático e lhes dar as habilidades para poderem ter a chance de fazer

suas opções na vida. A maioria dos jovens com quem trabalhamos não toma decisões conscientes. Eles só reagem. O programa de dança lhes dá a chance de ponderar e só depois agir. É preciso ser capaz de ficar em silêncio, em inatividade, antes de fazer uma escolha, antes de agir.” Ela diz que, em geral, os jovens que participam do programa não sabem como concentrar sua energia física. “Eles são muito inquietos ou desajeitados. Eles não têm os pés no chão. Eles não têm força e quietude, que são o foco do programa. A ideia é efetivamente parar antes de começar a fazer qualquer coisa. É como uma orquestra. É o silêncio antes de começar a tocar, e o mesmo se aplica à dança e à vida.” O programa os ajuda a desenvolver a autoestima facilitando a concretização de seu potencial criativo. Como um membro da equipe explica: “Eles cresceram ouvindo que não têm valor algum e que são incapazes de realizar qualquer coisa. Aqui eles aprendem que têm potencial. Levantando-se de manhã, eles adquirem uma estrutura, uma disciplina, a capacidade de obedecer instruções, a confiança de encarar a vida e enfrentar situações difíceis. Alguns têm dificuldade, porque nunca dançaram antes”. A dança é uma atividade extremamente colaborativa. Como Helen Linsell, uma das dançarinas, explica: “Os participantes precisam se relacionar com pessoas diferentes. Pessoas mais velhas, mais jovens e membros da equipe com os quais eles podem não simpatizar naturalmente”. Rhiana Laws, outra dançarina, enfatiza que “o programa não lhes dá brecha para ficar sem fazer nada, encostar-se na parede ou sentar-se porque estão cansados ou rir no meio de um exercício porque erraram. Somos absolutamente rigorosos e foi exatamente a esse rigor que fui exposta quando estava treinando profissionalmente”. Tara Jane Herbert explica que a apresentação ao público ao fim das três primeiras semanas representa um passo

enorme para os participantes. “Convidamos amigos e parentes e, para a maioria dos participantes, é a primeira vez que na vida eles são vistos de uma perspectiva positiva. É imprescindível que a qualidade, o padrão do trabalho, seja excelente, para que eles realmente possam brilhar no palco. Ao fim da apresentação, a confiança deles cresce muito e eles entendem toda a pressão por foco, cooperação e todas as outras exigências do programa.” Um dos participantes do programa foi um jovem chamado Darryl. Quando Jim Brady conversou com Darryl e sua mãe para analisar suas opções como um jovem infrator, era dificílimo saber o que Darryl estava pensando. “Ele não se envolvia na conversa; praticamente não disse uma palavra”, conta Brady. “Foi só a mãe de Darryl que falou. Dentre os programas disponíveis, estava o programa de dança.” A mãe de Darryl declarou imediatamente que Darryl jamais dançaria. Darryl não disse nada. Mas ele acabou indo ao The Academy e dançou. Segundo Brady, os resultados foram impressionantes. “Darryl passou por uma verdadeira transformação física. Hoje ele se interessa por nutrição, dieta e cuida da saúde. Ele é desembaraçado e sua atitude mudou muito. Hoje ele é mais confiante, e tudo isso aconteceu em apenas três semanas. Foi uma transformação e tanto.” O próprio Darryl confirma os benefícios do programa. “Você faz uma boa sessão”, ele diz, “e sai com tudo doendo. Mas é uma dor boa, porque você sabe que fez uma coisa boa. Depois de algumas semanas, você começa a ver que seu corpo está ficando mais saudável, que os músculos estão crescendo. E aí você começa a pensar que pode fazer alguma coisa boa e divertida para passar o tempo”. Os rigores físicos e artísticos da dança mudaram a maneira como Darryl se vê. E também mudaram a maneira como ele vê os outros. “Acho que aprendi a pensar

também no que as pessoas pensam”, ele diz, “e a ver as coisas do ponto de vista dos outros”. O pai de Darryl também notou a mudança: “A gente tinha muitos atritos com o Darryl em casa. Agora a gente se dá muito bem e esperamos que ele tenha a motivação para se empenhar e entrar na faculdade”. Os pais de outro jovem participante do programa também viram a diferença. Eles ficaram emocionados ao ver a apresentação. “Ele estava cheio de vida”, disse o pai. “Ele disse que gostou tanto que faria tudo de novo.” A mãe concordou: “Ele está transformado. Não acredito que seja o meu filho. É como se fosse um clone dele, só que bom”. Para Robert Morgan, presidente do Conselho de Justiça Juvenil, a ideia do The Academy é clara: “Precisamos tratar esses jovens infratores como pessoas com potencial. Qualquer pessoa que tenha visto o trabalho que está sendo feito aqui consegue ver os enormes recursos inexplorados que precisam ser desenvolvidos”. Depois de uma vida inteira de fracassos e conflitos, Darryl vê seu potencial em termos muito pessoais. “Você pode fazer a diferença”, diz ele. “Dependendo de como enxergar as coisas. Se puder manter a cabeça aberta e deixar o passado para trás, é como um mundo completamente novo.”

Descobrindo o nosso potencial Todos nós temos grandes talentos naturais, mas a capacidade de cada um de nós se revela de maneira diferente. Se não conseguirmos mostrar as habilidades das pessoas pela educação, algumas (talvez até a maioria) nunca vão ter a chance de descobrir sua verdadeira capacidade. Nesse sentido, elas podem nunca saber quem realmente são nem quem elas poderiam ser. Agora, mais do que nunca, as comunidades humanas dependem de

uma diversidade de talentos e não de um único grupo de habilidades. Quando falamos em trabalhar o nosso potencial, a ideia é agir em duas frentes. A primeira é descobrir o alcance e a variedade do nosso potencial. A segunda é transformá-lo em realidade. É por isso que a criatividade deve ocupar o centro do palco na escola, no trabalho e na vida. Eu disse no Capítulo 1 que a criatividade é cercada de muitos equívocos e malentendidos. Afinal, o que é a criatividade? Como a criatividade se relaciona com a inteligência e como ela funciona na prática? Proponho uma visita a Las Vegas para começar a responder a essas perguntas.

6 Seja criativo

“Quando as pessoas descobrem seus talentos e paixões, elas descobrem sua verdadeira energia criativa e concretizam seu potencial. Ajudar as pessoas a conectar-se com seu potencial criativo pessoal é a maneira mais segura de disponibilizar ao mundo o melhor que elas têm a oferecer.” Minha esposa, Terry, e eu, vivemos e trabalhamos juntos há mais de quarenta anos. O ano de 2007 marcou nosso 25o aniversário de casamento e decidimos renovar nossos votos na Capela de Elvis Presley, em Las Vegas. Fomos com trinta amigos e parentes, inclusive nossos dois filhos, James e Kate. Foi um fim de semana inesquecível. De todas as opções, gostamos mais do pacote Blue Hawaii, que incluía um clone do Elvis, quatro músicas e gelo seco. Assim que entramos na capela, o altar se encheu de fumaça de gelo seco, talvez para dar um ar de mistério e santidade. Também contratamos uma dançarina de hulahula, que não estava incluída no pacote, mas era um opcional. Achei que foi uma boa opção. Por mais US$ 100, poderíamos ter chegado em um Cadillac cor-de-rosa, mas achamos um pouco brega demais e poderia ter baixado o nível da ocasião.

Depois da cerimônia, fizemos uma festa no Venetian Hotel, que é do tamanho de uma pequena cidade e inclui, no segundo andar, uma réplica indoor da Praça de São Marcos, de Veneza, incluindo o Grande Canal, com gôndolas e gondoleiros. Eu já fui para Veneza e, em certos aspectos, eu diria que o Venetian Hotel é melhor. É mais autêntico e não tem cheiro de esgoto. Não é por acaso que menciono Las Vegas. Se você pensar a respeito, não há motivo nenhum para a cidade ter sido construída lá. A maioria das cidades tem alguma razão para ter sido fundada onde foi. Algumas cidades, como Nova York ou Barcelona, foram fundadas em portos naturais, que facilitam o comércio. Outras ficam em vales férteis, perfeitos para a agricultura; ou à beira de grandes rios, bons para o transporte e para o povoamento; ou em colinas, boas para a defesa. A cidade de Las Vegas não tem motivo algum para ter sido fundada no meio do deserto. Até onde sei, ninguém está tentando invadir a região. Las Vegas fica cravada no meio de um deserto árido. Não tem um abastecimento natural de água, nem recursos para agricultura e as temperaturas são extremas. É o lugar mais improvável do planeta para fundar uma grande cidade. Mas Las Vegas passou anos sendo uma das cidades que mais crescem nos Estados Unidos e todo mundo já ouviu falar dela. Em certo sentido, Las Vegas ocupa o terreno mais fértil da Terra: a imaginação humana. “Em pelo menos um aspecto, nós, seres humanos, somos totalmente diferentes das outras espécies do planeta. Temos a capacidade de imaginar. E, em consequência, nossa criatividade é ilimitada.”

Las Vegas nasceu como uma ideia. A ideia acabou tendo um apelo tão grande que gerou um redemoinho de energia imaginativa. Não estou sugerindo que você aprove a ideia de Las Vegas, mas que simplesmente reconheça que o conceito todo é fruto da imaginação humana. E o mesmo se aplica a todas as realizações unicamente humanas.

O véu dos conceitos Vemos o mundo não como ele realmente é, mas através de um véu de conceitos. A natureza dos nossos sentidos afeta o que somos capazes de perceber. Mesmo assim, as pessoas não raro veem os mesmos eventos de maneira diferente por terem pontos de vista diferentes. Elas podem estar fisicamente posicionadas em lugares diferentes e literalmente testemunhar os acontecimentos de um ângulo diferente. Se fosse só isso, qualquer discordância poderia ser resolvida comparando o ponto de vista de todas as testemunhas e criando uma visão geral objetiva. Teoricamente, é isso que deveria acontecer em um tribunal de justiça. Na prática, comparar o ponto de vista de todas as testemunhas geralmente agrava ainda mais a discordância. Nossa visão dos acontecimentos é influenciada pelas ideias, valores e crenças através das quais interpretamos nossa experiência. Esses fatores afetam a nossa percepção de mundo e o que decidimos fazer a respeito. Se você levar o seu cachorro para fora e apontar para a Lua, o cachorro provavelmente vai olhar para o seu dedo e depois para você. Se você levar uma criança para fora e apontar para a Lua, a criança provavelmente olhará para a Lua. Isso é chamado de atenção conjunta, a capacidade de compartilhar palavras e um ponto focal. À medida que o cérebro se desenvolve, as crianças aprendem a entender a ideia de que uma coisa pode representar outra. Essa

capacidade forma as bases da realização mais importante da mente criativa: o poder do pensamento simbólico. A linguagem é o exemplo mais claro. Quando está aprendendo a falar, uma criança aprende que os sons podem ter um significado e, mais tarde, aprendem que as letras representam sons. Outros animais têm uma capacidade limitada de pensamento simbólico. Se você disser “pegue” a um cachorro, ele se empertigará e se preparará para correr. Se você começar a discursar sobre a importância de saber pegar as coisas ou os estilos de pegar uma vareta, o cachorro não vai reagir enquanto você não jogar a vareta. Se você mostrar a foto de uma vareta para o cachorro, ele provavelmente vai farejá-la. As habilidades do cachorro não vão muito além da associação entre sons e ações. Elas não se estendem, como ocorre rapidamente com as crianças, a sofisticados poderes de pensamento e comunicação. O poder da representação levou a formas intrincadas de pensamento e comunicação que permeiam a consciência humana e determinam nossas ideias e sentimentos sobre o mundo. Nós não só olhamos para a Lua como a posicionamos nas complexas teorias do universo; não só temos sentimentos um pelo outro como os expressamos na música e na poesia. Não só vivemos em comunidades como construímos elaboradas teorias e constituições políticas. “Criatividade requer colocar a imaginação para funcionar. De certo modo, a criatividade é a imaginação aplicada.” Segundo algumas teorias da inteligência, há uma linha direta ligando os sentidos, o cérebro e as nossas ações. Susanne Langer argumenta que há um processo intermediário. Segundo ela, o cérebro atua como um

grande transformador: “O fluxo de experiência que passa pelo cérebro sofre uma mudança de caráter, não pelo... sentido através do qual a percepção entrou, mas pelo uso inicial que se faz dele imediatamente. Ele é absorvido pelo fluxo de símbolos que constituem a mente humana”.73 Vejamos o exemplo da linguagem.

Falando o que se passa pela sua mente Em geral presume-se que a linguagem é em grande parte um sistema de comunicação. Primeiro temos pensamentos e depois encontramos as palavras para expressá-los. É verdade que a linguagem pode ser uma maneira sofisticada de comunicação, mas ela também tem um papel complexo na definição do que e de como pensamos. Quando uma criança aprende a falar, ela faz mais do que aprender que as coisas têm nomes. Ela absorve modos de pensar possibilitados pelas palavras. Por exemplo, a palavra “camelo” em árabe pode ser expressa de muitas maneiras diferentes. Além da palavra djemal, a linguagem falada pode incluir centenas de outros substantivos, dependendo do dialeto local. Saber as palavras para descrever nuances facilita ver as diferenças entre elas.74 As línguas são mais que uma coletânea de nomes de coisas. Elas são compostas de estrutura gramatical, tempos verbais, modos e sintaxe que podem variar muito entre as línguas. Em algumas línguas ameríndias, por exemplo, a simples ideia de “eu vejo um homem” não pode ser expressa sem indicar se o homem está sentado, em pé ou andando.75 A língua grega tem tempos e modos que não existem no inglês. Essas diferenças ilustram as várias maneiras “naturais” de pensar de diferentes comunidades linguísticas. É relativamente fácil para um falante do inglês aprender francês ou italiano, em parte porque muitas palavras são

semelhantes, mas também porque as convenções dessas línguas são parecidas. As três fazem parte da família das línguas indo-europeias. Pode ser mais difícil para um europeu aprender chinês, porque as convenções diferem muito. O chinês é uma língua monossilábica e tonal. Na verdade, o chinês é tonal porque é monossilábico. Cada palavra é limitada a uma sílaba e representada por um único caractere na linguagem escrita. O número de palavras com sons parecidos tornaria a língua incompreensível se não houvesse alguma maneira de diferenciar o significado, e é aí que o tom da voz entra. As palavras recebem um tom (alto, médio, baixo) e um “contorno”. A voz é mantida no mesmo tom ou sobe ou desce enquanto a palavra é pronunciada. Quase literalmente, o chinês é cantado. Se você cantar a nota errada, seu interlocutor ouvirá um significado completamente diferente. Todo estrangeiro aprendendo a falar chinês vai passar por muitos mal-entendidos e gafes, algumas mais graves que outras. Ao contrário do inglês, do francês ou do italiano, o chinês não usa inflexões para expressar concordância, tempo ou número, que são comunicados no contexto e na ordem das palavras. O chinês escrito também difere dos idiomas europeus por não usar um alfabeto. Cada palavra é um caractere diferente, que precisa ser aprendido em sua totalidade sem o benefício de letras para orientar a pronúncia. Isso levou ao desenvolvimento de vários dialetos diferentes ao longo dos séculos na China, todos baseados em uma linguagem escrita comum. Chineses de diferentes regiões do país podem ter dificuldade de se entender na língua falada, mas podem conseguir se comunicar por escrito. Um jeito fácil de entender esse conceito é dar uma olhada no teclado de um computador. Não importa se o teclado for em inglês, francês ou italiano, todos entendem as letras e os números, mesmo atribuindo

às letras e aos números diferentes nomes e sons, se os lerem em voz alta.76 Ao crescer em uma cultura, as crianças vão absorvendo maneiras de pensar incorporadas nas línguas que aprendem. Dessa forma, as línguas desempenham um papel fundamental no desenvolvimento da consciência. As palavras são muito importantes, mas não são a única maneira pela qual pensamos.

O que você quer dizer? A linguagem é um sistema de símbolos. Um símbolo é algo que representa alguma outra coisa. Qualquer coisa pode ser um símbolo. Os símbolos podem ser informais ou formais. Os símbolos informais não foram criados para ter um significado específico; somos nós que lhes atribuímos um sentido. Um pôr do sol pode simbolizar tristeza para uma pessoa e euforia para outra, dependendo de associações pessoais ou do estado de espírito de cada uma. Já os símbolos formais foram criados para ter um significado específico e em geral todas as pessoas que os usam concordam sobre a função ou o significado deles. Além dessas duas categorias, eu também sugeriria uma ampla distinção entre formas de representação simbólica sistemáticas e esquemáticas.

Símbolos sistemáticos Palavras e números são exemplos de simbolismo sistemático. Os sistemas numéricos são criados com base em um pequeno conjunto de unidades básicas que podem ser combinadas em uma variedade infinita de maneiras de expressar significados precisos. Assim como os números têm valores aceitos, as palavras também têm significados convencionais definíveis em relação umas às outras e

regras que afetam sua utilização. Na linguagem verbal, as palavras são usadas em sequências determinadas por convenções de gramática e sintaxe, para separar o que faz sentido do que não faz. Em sistemas como esses, se os vários elementos não forem compostos de determinadas maneiras, eles deixam de fazer sentido. Podemos não ser capazes de entender todas as palavras de uma frase, mas sabemos que a frase tem um significado porque conhecemos as regras do sistema. Se encontramos uma palavra desconhecida, podemos procurar a definição e encontrar seu significado descrito em outras palavras. Acontece muito de nem precisarmos consultar a definição porque o significado fica claro pelo contexto. A natureza sistemática da linguagem é ilustrada pelo cientista e filósofo Michael Polanyi, que se perguntou o que aconteceria se substituíssemos cada frase diferente da língua inglesa por uma única palavra. “Precisamos começar considerando”, ele disse, “que, com um alfabeto de 26 letras, é possível criar 268 palavras com oito letras, o que totalizaria cerca de 100 bilhões de palavras.” Esse número é aproximadamente o número de neurônios do cérebro humano. A inclusão de bilhões de palavras na língua inglesa “a destruiria completamente, não só porque ninguém seria capaz de memorizar tantas palavras, mas pela importante razão de que muitas delas não fariam sentido. Isso aconteceria porque o significado de uma palavra é formado e esclarecido pelo uso repetido e a grande maioria das palavras de oito letras da língua inglesa seria usada apenas uma vez ou com frequência insuficiente para adquirir um significado”. Na química, por exemplo, os milhões de compostos diferentes são constituídos de cerca de cem elementos químicos: “Como cada elemento tem um nome e um símbolo característico atribuído a ele, podemos escrever a composição de qualquer composto em termos dos

elementos que ele contém. Classificar as coisas pelas características para as quais temos palavras, como fazemos ao falar sobre as coisas, requer o mesmo tipo de conhecimento especializado que um naturalista deve ter para identificar espécimes de plantas ou animais. Desse modo, a arte de expressar-se com precisão, aplicando com exatidão um vocabulário rico, assemelha-se à delicada discriminação praticada por um bom taxonomista”.77

Símbolos esquemáticos Pinturas, poemas, música e dança são exemplos de símbolos esquemáticos. Palavras e números funcionam bem para ideias e conceitos que podem ser expressos em sequência. Imagens visuais apresentam todo o padrão de ideias simultaneamente. Na forma visual, podemos expressar pensamentos que não se ajustam às estruturas das palavras. Seus significados só podem ser expressos nessas formas que assumem. Se quiser entender o significado de uma pintura, você não tem como recorrer a um dicionário de cores para consultar o que o azul e o verde geralmente significam quando são combinados em uma pintura. Não existe um manual de acordes e harmonias que podemos consultar para saber o significado de uma sinfonia e nenhum guia teatral que nos diga o que significa uma peça. Não há significados fixos para as formas simbólicas de arte para separar o que faz sentido do que não faz. O significado de uma obra de arte só está disponível em sua forma de expressão específica. O som e a sensação proporcionados por uma obra artística são inseparáveis não só do que ela significa, mas também de como ela significa. Uma pintura, uma peça teatral, uma sinfonia, um romance são formas complexas e especiais criadas com base em um senso de forma e conhecimento cultural e não de significados sistemáticos.

As formas esquemáticas podem usar símbolos sistemáticos. Afinal, peças teatrais, romances e poemas usam palavras, e a notação musical nos possibilita ver cada nota na forma escrita. A partitura não é a música, assim como o texto não é a peça. Eles são os símbolos sistemáticos nos quais a obra esquemática é codificada e a partir dos quais ela deve ser interpretada pelos atores no palco ou pelo leitor do poema. As palavras podem ser usadas de maneira funcional para dar conta das tarefas do dia a dia. Em geral não gastamos muito tempo lapidando um bilhete ou e-mail rápido para um amigo ou colega de trabalho. Nosso interesse está na mensagem e não na maneira como a mensagem é expressa, no conteúdo e não na forma. Já a poesia é diferente. Os poetas não se interessam apenas pelos significados literais, mas também pelas várias associações de palavras, ritmos e cadências do poema como um todo. Não reagimos a um poema, a uma peça ou a uma música, verso por verso, palavra por palavra ou nota por nota. Uma característica dos símbolos esquemáticos é que reagimos a eles como um todo. A obra completa é mais que a soma de suas partes. Usamos diferentes modos de representação para expressar diferentes tipos de ideias. Diz a lenda que o compositor Gustav Mahler estava em seu estúdio, concluindo uma nova peça para piano. Enquanto ele tocava, um aluno entrou no estúdio e ouviu em silêncio. Ao fim da peça, o aluno perguntou: “Maestro, foi maravilhoso. Sobre o que é?”. Mahler se virou para o aluno e respondeu: “É sobre isso”, e tocou a peça de novo. Se as ideias da música pudessem ser expressas em palavras, não haveria necessidade de compor a música. Algumas ideias só podem ser expressas na matemática. Como descreveu Richard Feynman, vencedor do Prêmio Nobel de Física: “Hoje em dia, a única maneira que temos

de compreender a natureza fundamental do mundo físico é usando algum tipo de raciocínio matemático. Não acho que seja possível reconhecer muitos desses aspectos específicos do mundo, a grande profundidade e o caráter da universalidade das leis, as relações entre as coisas, sem entender matemática. Em muitos aspectos do mundo, a matemática é desnecessária, como o amor. Esses aspectos são encantadores e deleitosos e é possível apreciá-los e nos maravilhar com eles sem saber nada de matemática. Mas, se o assunto for física, desconhecer a matemática é uma grave limitação para entender o mundo”.78 A matemática é o melhor meio de expressão para algumas formas de compreensão do mundo, mas um meio de expressão relativamente insatisfatório para outras. Se quiser descrever o movimento dos elétrons, você precisa usar a álgebra. Se quiser expressar seu amor por alguém, seria melhor usar a poesia. Se alguém lhe perguntar: “Quanto você me ama?”, não lhe entregue uma calculadora dizendo: “Faça os cálculos aqui”.

A sua mente criativa As nossas ideias têm o poder de nos libertar ou de nos aprisionar. Nas palavras do psicólogo George A. Kelly: “Para dar sentido aos eventos, usamos o fio condutor das ideias e, para dar sentido às ideias, precisamos verificá-las usando os eventos”.79 Segundo Kelly, trata-se de um processo de aproximações sucessivas. Usamos esse método para criar os mundos nos quais vivemos e sempre temos a possibilidade de recriá-los. As ideias geradoras da história humana transformaram a visão de mundo da época e ajudaram a redefinir suas culturas. Pode ser isso que o comediante George Carlin tinha em mente quando disse: “Quando finalmente descobri o sentido da vida, eles foram lá e mudaram”.

O que se aplica aos longos ciclos de mudança criativa em uma cultura social também se aplica aos ciclos mais curtos de trabalho criativo realizado por pessoas e grupos. A criatividade é um processo de aproximações sucessivas.

Imaginação, criatividade e inovação A imaginação é a fonte da nossa criatividade, mas imaginação e criatividade são duas coisas diferentes. A imaginação é a capacidade de usar a mente para pensar em coisas que não estão presentes para os nossos sentidos, já criatividade significa colocar a imaginação para funcionar. A imaginação inclui experiências mentais imagéticas, imaginativas e imaginárias. Podemos imaginar coisas que existiram, que existem, que podem existir ou que não existem. Se eu lhe pedir para pensar em um elefante, na escola onde você estudou ou no seu melhor amigo, você será capaz de pensar em imagens mentais extraídas da experiência real. Normalmente, não pensamos em imagens mentais de experiências reais como sendo imaginativas. Seria mais correto pensar nelas como sendo imagéticas. Se eu lhe pedir para pensar em um urso polar verde usando um vestido, você também será capaz de imaginar isso. Nesse caso, você estará pensando em algo que nunca viu ou vivenciou (ou pelo menos é o que eu presumo). Esses tipos de imagens são possibilidades compostas na mente (e não trazidas à mente pela memória). Essas imagens são imaginativas. Podemos confundir experiências imaginativas com experiências reais. Esses tipos de experiência são imaginárias. Usando a imaginação, podemos nos distanciar do aqui e agora. Podemos revisitar e rever o passado. Podemos ter uma visão diferente do presente colocando-nos na cabeça dos outros, e podemos tentar ver a situação com os olhos

deles e sentir com o coração deles. Usando a imaginação, podemos antever muitos futuros possíveis. Podemos não ser capazes de prever o futuro, mas, ao agir com base nas ideias produzidas na nossa imaginação, podemos ajudar a criá-lo. A criatividade vai um passo além da imaginação. A imaginação pode ser uma experiência inteiramente privada da consciência interior. Poderíamos estar deitados, imóveis na cama, com a imaginação a mil e ninguém teria como saber o que se passa na nossa cabeça. As imagens criadas na nossa mente não têm nenhum resultado no mundo real. Mas a criatividade sim. Ser criativo requer fazer alguma coisa. Seria estranho descrever como criativa uma pessoa que nunca fez nada. Descrever alguém como criativo sugere que a pessoa está ativa e deliberadamente produzindo alguma coisa.80 As pessoas não são criativas no abstrato, elas são criativas em algo (em matemática, engenharia, escrita, música, nos negócios, no que for). De certo modo, a criatividade é a imaginação aplicada. E como a criatividade funciona?

O processo criativo Minha definição de criatividade é o processo de ter ideias originais que possuem algum valor. Note três termos-chave nessa definição: processo, original e valor. É mais comum a criatividade ser um processo do que um evento. Um processo implica uma relação entre seus vários elementos, de maneira que cada aspecto afeta todos os outros. Ser criativo envolve dois processos entrelaçados. O primeiro é gerativo e o segundo é avaliativo. A maioria dos trabalhos criativos envolve muitas transições entre esses dois modos. A qualidade da produção criativa relaciona-se a ambos os processos. Ajudar as pessoas a entender e

controlar a inter-relação entre eles é importantíssimo para o desenvolvimento criativo. “A criatividade é o processo de ter ideias originais que têm algum valor.”

Gerando ideias O professor Harry Kroto foi agraciado com o Prêmio Nobel de Química. Ele também foi designer. Perguntei-lhe quais são as diferenças (se é que há alguma) entre a criatividade nas artes e na ciência: no estúdio e no laboratório. Ele respondeu que, para ele, o processo é o mesmo, apesar de os resultados serem diferentes (como veremos no Capítulo 7). Em todos os processos criativos, estendemos as fronteiras do que sabemos agora para explorar novas possibilidades; baseamo-nos nas habilidades que temos agora, muitas vezes ampliando-as e desenvolvendo-as de acordo com as demandas do trabalho. Nos estágios iniciais, ser criativo pode envolver brincar com uma ideia, rabiscar ou improvisar sobre um tema. Pode começar com um pensamento literalmente em formação, com um esboço, um plano ou um design inicial; as primeiras notas de uma melodia ou a sugestão de uma solução para um problema. Pode haver várias ideias em jogo e vários pontos de partida possíveis. A criatividade nem sempre requer livrar-se de todas as restrições ou começar com uma página em branco. Muitos trabalhos criativos precisam se adequar a instruções específicas ou uma série de convenções e grandes obras não raro resultam de trabalhar obedecendo a restrições formais. Quando o presidente Kennedy declarou, em setembro de 1962, que os Estados Unidos levariam um homem à Lua e o trariam de volta à Terra em segurança, ele deu início a uma efervescência de criatividade e inovação que

envolveu bilhões de dólares, milhões de pessoas e centenas de instituições trabalhando em vários campos de atuação. O desafio era claro e as restrições também. Ninguém perguntou se seria possível ajustar as leis da gravidade ou aproximar um pouco a Lua da Terra. O soneto tem uma forma fixa à qual o escritor deve se submeter. O haicai japonês submete o poeta a requisitos formais específicos e o mesmo pode ser dito de muitas outras formas de estrutura poética. Essas restrições não refreiam a criatividade do escritor, apenas lhe impõem uma estrutura. A  produção criativa e o prazer estético estão em usar formas-padrão para obter efeitos sem igual e insights originais. Como ser criativo envolve fazer alguma coisa, a criatividade sempre envolverá o uso de algum meio. Pode ser um meio físico, como aço, madeira, argila, tecido ou comida; podem ser meios sensoriais, como som, luz, voz ou o corpo; podem ser meios cognitivos, como palavras, números ou notação musical. Sempre há uma relação íntima entre as ideias e o meio no qual as ideias são concretizadas. Não importa se a tarefa for projetar um edifício, desenvolver um teorema matemático, uma hipótese científica ou uma composição musical. A criatividade é um diálogo entre as ideias e o meio no qual elas são formadas. Os dançarinos não começam com uma proposição verbal e tentam dançá-la. A dança é desenvolvida com o fazer. É  um processo físico de movimento e reflexão sobre o movimento. Acontece muito de a ideia só surgir (se é que surge), no desenvolvimento da dança, da imagem ou da música.

Avaliando as ideias A criatividade não envolve apenas gerar ideias, mas também avaliá-las. Envolve elaborar as ideias iniciais,

testá-las, refiná-las e até rejeitá-las a favor de outras que vão surgindo pelo caminho. Algumas vezes, porém, a produção criativa pode chegar ao mundo mais ou menos formada e não precisar ser refinada. Dizem que Mozart fez poucas revisões em muitas de suas composições. O poeta John Milton era cego. Toda manhã, ele ditava seções inteiras de sua obra épica, Paraíso perdido, para as filhas anotarem e só fazia pequenas alterações no texto. Bom para eles. Normalmente, o trabalho criativo é mais experimental e exploratório do que isso. “Se você não estiver preparado para estar errado, é pouco provável que crie algo original.” Avaliar as ideias que funcionam e as que não funcionam pode envolver uma reflexão silenciosa, seja ela individual ou coletiva, avaliações imediatas ou testes prolongados. Não é incomum deparar com becos sem saída, ideias e projetos que não funcionam. O processo pode envolver fracassos e mudanças até chegar ao melhor resultado. É possível ver exemplos da natureza repetitiva do trabalho criativo nos rascunhos sucessivos de poemas e romances, de artigos acadêmicos, em projetos de invenções e assim por diante. Diz a lenda que Thomas Edison testou dezenas de ideias e designs da lâmpada antes de se decidir pela versão final. Terrance Tao talvez seja o maior matemático vivo da atualidade. Em 2002, aos 31 anos, ele foi agraciado com a Medalha Fields em Matemática, que equivale ao Prêmio Nobel. Ele diz que as descobertas no campo da matemática sempre envolvem processos de tentativa e erro. “Você tem uma ideia errada”, ele explica, “passa um mês trabalhando nela para perceber que ela não funciona, então sai com outra ideia errada e por aí vai até que

finalmente, pelo processo de eliminação, você tem uma ideia que funciona”. Perguntei a Harry Kroto quantos de seus experimentos fracassaram. Ele respondeu que foram uns 95%. É claro que “fracasso” não é a palavra certa, segundo ele: “É só um processo de descobrir o que não funciona”. Albert Einstein expressou bem a ideia quando disse: “Quem nunca cometeu um erro nunca tentou nada novo”. Não estou dizendo que errar e ser criativo são a mesma coisa, mas, se você não estiver preparado para estar errado, é pouco provável que crie algo original. Michael Polanyi traça uma distinção entre conscientização focal e subsidiária. Se você quiser pregar um pedaço de madeira na parede usando um martelo, o foco da sua atenção estará na cabeça do prego. Você também pode se conscientizar, de maneira subsidiária, do peso do martelo e do movimento do seu braço. É importante que essa relação esteja certa do começo ao fim. Se começar a se focar no que o seu braço está fazendo, provavelmente errará a cabeça do prego. Polanyi continua: “A conscientização subsidiária e a conscientização focal são mutuamente exclusivas. Se um pianista transfere sua atenção da peça que está tocando e passa a observar o que está fazendo com os dedos enquanto toca, ele se confunde e pode ter de parar. Isso em geral acontece se transferirmos nossa atenção focal para detalhes dos quais antes só estávamos conscientes em seu papel subsidiário”.81 “No momento certo e da maneira certa, a avaliação crítica é imprescindível para o processo. No momento errado, ela pode destruir uma ideia que está surgindo.” Em qualquer trabalho criativo, o foco de nossa atenção precisa estar certo. É verdade que em alguns momentos

precisaremos fazer uma pausa para avaliar, mas o pensamento gerador precisa de tempo para se desenvolver. No momento certo e da maneira certa, a avaliação crítica é imprescindível para o processo. No momento errado, ela pode destruir uma ideia que está surgindo. E a criatividade pode ser inibida se tentarmos fazer muitas coisas cedo demais ou ao mesmo tempo. Os estágios finais em geral envolvem refinar os detalhes da expressão, passando a limpo o manuscrito, por assim dizer. Costuma ser impossível tentar produzir uma versão perfeita em uma tacada só. A menos que você esteja falando com John Milton, pedir que alguém escreva um poema sem pensar e sem erros pode inibir a espontaneidade necessária no estágio inicial de geração de ideias. É importante saber que a criatividade percorre estágios diferentes e é importante ter uma noção do ponto em que estamos no processo. Se não soubermos disso, corremos o risco de achar que não somos nada criativos.

Avaliando o valor Quando eu era adolescente, um primo meu entrou correndo em casa todo empolgado. Ele tinha pensado em uma invenção que, na cabeça dele, nos transformaria em milionários. Ele estava na rua e viu uma mulher idosa andando bem devagar, apoiada em uma bengala. Em um momento de inspiração, ele pensou que seria muito mais fácil se a bengala fosse equipada com uma rodinha na ponta. Em vez de levantar a bengala a cada passo, a velhinha só teria de empurrá-la. Ele mal conseguia acreditar que ninguém tinha pensado naquilo antes. Demos um chá para ele se acalmar e tentamos ser delicados ao lhe dar a notícia. A ideia era boa, mas tinha um defeito catastrófico.

Pode ser difícil julgar o valor de novas ideias. Por definição, as ideias criativas sempre estão à frente de seu tempo. Em meados da década de 1830, Michael Faraday fez a primeira demonstração do eletromagnetismo na Royal Institution de Londres. Ele entrou em um auditório com iluminação a gás, se pôs diante de uma plateia composta de cientistas eminentes e mostrou pequenos relâmpagos azuis reluzentes saltando entre duas esferas de cobre. A plateia ficou impressionada, mas muitos cientistas ficaram sem saber o que fazer da ideia. “Isso tudo é muito interessante, senhor Faraday”, disse um deles. “Mas  para que serve?” “Eu não sei”, Faraday supostamente disse, e continuou: “Para que serve um bebê recém-nascido?”. Hoje em dia, um mundo sem eletricidade é simplesmente impensável. Dependemos da eletricidade para fazer praticamente tudo, inclusive para o suprimento de alimentos, transportes, aquecimento, iluminação e telecomunicações. As pessoas do século XIX viram poucos usos da eletricidade que hoje consideramos naturais. As casas das pessoas não estavam cheias de máquinas de lavar louça e televisores desligados só esperando que Faraday concluísse seus experimentos para começar a funcionar. As aplicações da eletricidade resultaram das descobertas envolvendo a eletricidade. As descobertas de Faraday ajudaram a criar as circunstâncias para o desenvolvimento dessas aplicações. Na época, muitas pessoas não conseguiram ver o que fazer com a eletricidade. Não é raro esse tipo de coisa acontecer com insights criativos. Eles estão à frente de seu tempo e as pessoas em geral não os entendem. Os pensadores originais muitas vezes são mais valorizados pelas gerações seguintes porque os valores mudam. Muitos cientistas, inventores, artistas e filósofos foram ridicularizados em vida, mas suas obras foram veneradas pelas gerações posteriores. Pense em Galileu,

cuja investigação do heliocentrismo foi denunciada como herética e desconsiderada como trabalho científico. As pessoas vivem perguntando a artistas de vanguarda: “Mas isto é arte?”.82 Não faltam exemplos de artistas que morreram na miséria e cujas obras hoje são vendidas por fortunas. Por outro lado, pessoas que foram consideradas visionárias em vida podem ser desacreditadas pela história exatamente pelo mesmo motivo. Pense na frenologia. Hoje, poucos cientistas levam a sério a ideia de que a personalidade pode ser interpretada analisando saliências no crânio humano. Mas, em meados do século XIX, o conceito influenciou profundamente a psiquiatria. Nossa visão do passado em geral se mantém em constante evolução. Vivemos em um tempo presente perpétuo. Nosso conhecimento de outras épocas nunca vai corresponder à vasta complexidade vivenciada e compreendida pelas pessoas que as viveram. Nossa visão do passado é seletiva e está sempre aberta a revisões, muitas vezes provocadas por mudanças nos valores contemporâneos. Pessoas há muito esquecidas ou negligenciadas podem ser reinterpretadas como agentes importantíssimos do progresso cultural em função de uma mudança nas tendências atuais ou na perspectiva política. As opiniões fortes e a autoconfiança de Rafael, por exemplo, o levaram a ser considerado por muitos vitorianos como a figura central do Renascimento. Hoje em dia, muitas pessoas se baseiam em Michelângelo, e sua dúvida inquieta quanto à própria capacidade, como sendo o protótipo do homem renascentista. Nosso senso de história e de nós mesmos envolve avaliações e reavaliações contínuas dos nossos ancestrais. A história não está morta porque o presente está muito vivo.

Sendo original

A criatividade implica ter novas ideias. O que qualifica essas ideias como novas? Seria necessário ter uma ideia que nunca ninguém teve antes? De acordo com o senso comum, não. Um resultado criativo pode ser original em diferentes níveis: para a pessoa envolvida; para uma comunidade específica; para a humanidade como um todo. As imponentes personalidades da ciência, das artes, da tecnologia e de outros campos produziram obras de originalidade histórica. Nenhum professor espera isso das crianças. Algumas crianças podem até ser capazes de apresentar uma originalidade histórica; afinal, Shakespeare deve ter tido um professor de inglês quando era criança. Mas, em geral, os professores tentam incentivar um trabalho que seja original para as próprias crianças. “A criatividade percorre etapas diferentes. Costuma ser impossível tentar produzir uma versão perfeita em uma tacada só. Se não soubermos disso, corremos o risco de achar que não somos nada criativos.”

Fazendo conexões Os insights criativos muitas vezes resultam de conexões incomuns entre coisas ou ideias que nunca tinham sido associadas. Todas as ideias existentes têm possibilidades criativas. Os insights criativos ocorrem quando essas ideias são combinadas de maneiras inesperadas ou aplicadas a questões ou problemas com as quais elas normalmente não são associadas. Arthur Koestler descreve isso como um processo de “biassociação”.83 O processo ocorre quando pensamos não em um único plano, como no pensamento linear rotineiro, mas em vários planos ao mesmo tempo. Como observei no Capítulo 5, algumas maneiras de pensar dominam em diferentes tipos de

atividade. Por exemplo, a música é aural, a dança é cinestésica e a física é matemática. Esses modos de pensar não raro usam diferentes áreas da inteligência ao mesmo tempo. Os matemáticos muitas vezes falam em visualizar problemas e soluções. A dança está intimamente relacionada à compreensão musical. As artes visuais dependem muito da inteligência espacial. A composição musical não raro se fundamenta em princípios matemáticos.

Liberdade e controle O resultado criativo está relacionado ao controle do meio. Não basta apenas mandar as pessoas serem criativas. Crianças e adultos precisam dos recursos e das habilidades necessárias para ser criativos. Eu não sei tocar piano. Não digo que sou incapaz de tocar, mas nunca aprendi. Por isso, não tenho como ser criativo no piano. Eu posso criar ruídos e até dar vazão ao que estiver sentindo na hora, mas não posso ser musicalmente criativo como um pianista poderia. Muitas pessoas têm dificuldade com matemática. Elas veem a matemática como uma espécie de quebra-cabeça e não enxergam sua utilidade com muita clareza. Tentar entender as equações sem dominar a “linguagem” matemática é como tentar entender uma partitura musical sem saber ler as notações musicais. Enquanto os leigos veem um quebra-cabeça, os músicos ouvem uma sinfonia. Quem domina a língua da matemática olha as equações e enxerga a beleza das ideias que expressam. Eles ouvem a música. Para algumas pessoas, eu inclusive, entender a beleza matemática é como tentar ler Proust no original sem saber francês. Muitos adultos dizem que não sabem desenhar. Estão certos, eles não sabem. Mas não são mais incapazes de

desenhar do que sou incapaz de aprender a tocar piano. Simplesmente não sabem como. Se tiver a mínima coordenação entre mãos e olhos, a maioria das pessoas é capaz de aprender a desenhar, mas a maioria das pessoas não adquiriu as habilidades necessárias. Normalmente, as pessoas enfrentam dois tipos de problema. O primeiro é perceptivo. As pessoas tentam desenhar de uma maneira fotográfica em vez de ver um objeto de modo mais esquemático. O segundo problema é técnico. Tal qual aprender a escrever, aprender a desenhar é um processo técnico  e cultural, não biológico. A menos que essas habilidades sejam ensinadas e aprendidas, as possibilidades criativas de desenhar permanecerão restritas. Sem prática nem orientação, o desenho da maioria das crianças avança em um padrão reconhecível até mais ou menos os 13 anos de idade. Por volta dos 8 anos, por exemplo, elas começam a desenvolver um senso de perspectiva. À medida que crescem, vão prestando mais atenção aos detalhes e tentam fazer desenhos mais sofisticados. Com uns 12 ou 13 anos de idade, os desenhos em geral param de se desenvolver. Muitas pessoas se frustram e desistem de desenhar nesse ponto. Suas ambições criativas superam suas habilidades técnicas. O que geralmente acontece é que a maioria dos adultos acaba com as habilidades de desenho de um jovem adolescente. Ninguém deveria se surpreender com isso. As crianças não desenvolvem essas habilidades naturalmente, do mesmo jeito como os jovens não acordam no dia do aniversário de 18 anos já sabendo dirigir um carro. Nada disso significa que pessoas com habilidades limitadas não possam ser criativas. O desenvolvimento criativo tem diferentes níveis e passa por diferentes estágios. Algumas pessoas produzem resultados

extremamente criativos usando técnicas relativamente pouco desenvolvidas. Mas, em geral, o desenvolvimento criativo anda lado a lado com a evolução do domínio técnico dos instrumentos ou materiais utilizados. Nesse caso, como em todos os casos, é uma questão de equilíbrio. O controle técnico é necessário para o trabalho criativo, mas não é suficiente. Ser criativo envolve especular, explorar novos horizontes e usar a imaginação. Muitas pessoas especializadas – músicos, dançarinos, engenheiros, cientistas – são extremamente habilidosas, mas não particularmente originais. Elas podem não estar trabalhando com o meio mais adequado para elas. Um músico pode dominar um instrumento, mas não se empolgar muito com ele. E essa não é a única possibilidade. Uma delas é uma educação inadequada. Conheço muitos aspirantes a músico que passaram anos praticando mecanicamente escalas e harmonias e acabaram desistindo para sempre do instrumento. Facilitar o desenvolvimento criativo implica encontrar um equilíbrio entre explorar novas ideias e adquirir as habilidades necessárias para concretizá-las.

Levando para o lado pessoal A criatividade geral é diferente da criatividade pessoal.

Criatividade geral Podemos aplicar o pensamento original em tudo o que fazemos. Em geral, no nosso dia a dia, nos acomodamos em rotinas de comportamentos e hábitos de pensamento. Quando deparamos com um novo problema ou situação, nossos hábitos podem dificultar ver novas soluções. Várias técnicas foram desenvolvidas para ajudar a derrubar formas convencionais de pensamento e encorajar o que Edward de Bono chamou de pensamento lateral.84 Ao

aplicar o pensamento lógico-dedutivo, as ideias se baseiam umas nas outras em etapas previsíveis e levam a um número limitado de soluções, por vezes apenas uma. O pensamento lateral e divergente funciona fazendo associações mais livres, muitas vezes pensando em metáforas ou analogias ou até reformulando o problema para abrir mais possibilidades. Alguns testes foram criados para mensurar o pensamento divergente, assim como existem testes para medir o QI. Uma das perguntas pode envolver responder quantas utilizações você consegue pensar para um clipe de papel. As pessoas pensam em média em dez ou quinze utilizações, todas envolvendo papel. Outras pessoas podem ter mais de cem ideias, indo além das utilizações convencionais para um clipe de papel. Elas podem pensar em um clipe de papel de quinze metros feito de borracha. Afinal, a pergunta não especifica o material nem o tamanho do clipe de papel. Alguns avanços mais interessantes na ciência, na tecnologia e nas artes resultam de reformular a questão, como Copérnico e Galileu fizeram quando decidiram questionar se a Terra realmente ficava no centro do universo. Como Susanne Langer observou, as perguntas que fazemos são tão importantes quanto as respostas que buscamos. Toda pergunta leva a determinadas linhas de investigação. Mude a pergunta e novos horizontes inteiros podem se abrir. O maior valor de uma ideia geradora é levar a novos tipos de perguntas. Essas técnicas gerais de pensamento criativo podem ser aplicadas para gerar um fluxo de ideias e possibilidades, especialmente em grupos e comitês. Elas incluem o repertório de habilidades de pensamento desenvolvidas por Edward De Bono, e a metodologia Synectics, desenvolvida por William Gordon e George Prince.85 Se bem utilizadas, elas podem levar a grandes benefícios nos negócios, na comunidade e na nossa vida pessoal. Essas

técnicas muitas vezes se concentram separadamente na identificação e na análise de problemas, gerando soluções e avaliando as melhores opções. Também se concentram em reagir positivamente às ideias alheias e no valor de trocar diferentes pontos de vista.

Criatividade pessoal Herb Alpert é um dos grandes músicos de sua geração. Quando toca o trompete, é como se ele estivesse falando com você. E, de certo modo, está. Sua criatividade pessoal como músico é inseparável de sua paixão pelas qualidades expressivas do trompete em si. Ele também é um excelente escultor e pintor. Em cada meio, ele se inspira nos materiais que usa e pelas possibilidades que vê neles para produzir suas realizações criativas. Para outros músicos, o melhor meio pode ser o violão, o piano ou o violino. Não faltam exemplos de pessoas cuja criatividade é acionada por um meio específico: não aquarela, mas pastel; não a matemática em geral, mas a álgebra em particular. Em uma conversa que tive com um professor de física da Califórnia, ele se descreveu como um falante nativo de álgebra. Já na primeira aula de matemática na escola, ele teve uma compreensão intuitiva da matéria. Ele disse que o inglês passou a ser sua segunda língua. Hoje ele passa a maior parte da vida falando álgebra. Além das capacidades gerais do pensamento criativo, todos nós temos talentos e paixões especiais e nosso próprio potencial criativo pessoal. Pode ser um potencial para uma forma particular de música, um instrumento específico ou a música em geral; pode ser para matemática, química ou dança contemporânea; você pode ter talento para ser um bombeiro, para cuidar da casa, para atuar como médico ou professor. Todo mundo tem habilidades e capacidades que podem ser desenvolvidas.

No meu livro O elemento-chave, eu falo sobre essa dimensão pessoal de realização criativa, aquele ponto onde o talento individual encontra a paixão pessoal. A criatividade pessoal geralmente resulta da paixão por algum meio específico. O formato de um pedaço de madeira ou a textura de uma rocha servirá de inspiração para um escultor; os músicos adoram os sons que produzem e o que sentem quando tocam os instrumentos. Os matemáticos adoram a arte da matemática da mesma forma que os dançarinos gostam de se movimentar; os escritores são apaixonados pelo poder expressivo das palavras; e os pintores podem ser inspirados pelo potencial de uma tela em branco e sua paleta de cores. Descobrir o meio certo costuma ser um ponto de virada na vida criativa de uma pessoa. O compositor e maestro Leonard Bernstein falou do momento em que se apaixonou pela música. Um dia, na infância, ele encontrou um pequeno piano vertical no corredor de sua casa. A família de Bernstein não era especialmente musical, mas seus pais tinham concordado em cuidar do piano de amigos que tinham ido viajar para o exterior. Ele nunca tinha visto um piano de perto antes. Movido pela curiosidade, abriu o piano, apertou as teclas e sentiu os sons vibrando no instrumento. Ele foi tomado por uma onda de empolgação. Sem saber por que, soube que queria passar o maior tempo possível produzindo aqueles sons. Ele havia encontrado seu meio. E, com isso, abriu as portas para o próprio potencial criativo. A porcelana foi introduzida na Grã-Bretanha no século XVIII. Algumas das peças de porcelana mais requintadas foram feitas na Fábrica de Porcelana Chelsea, fundada por Nicholas Sprimont em 1743. Antes de Sprimont descobrir a porcelana, ele era um competente ourives e ganhava bem. Mas, quando descobriu o novo material, sua imaginação fervilhou. Ele adorava tocar na cerâmica e as

possibilidades que ela apresentava. Passou os vinte anos seguintes produzindo belos objetos que superaram em muito tudo o que fazia com a prata. A alta qualidade de suas realizações criativas resultou de sua relação com o material.86 Por outro lado, a criatividade pode ser inibida pelo meio errado. Alguns anos atrás, trabalhei com uma editora de texto excelente em um livro que escrevi. Ela contribuiu enormemente para a qualidade do livro, como os bons editores de texto fazem. Ela me contou que só começou a trabalhar com edição de texto na faixa dos 40 anos, sendo que antes era pianista de concerto. Perguntei por que mudara de profissão. Respondeu que um dia se apresentou em um concerto em Londres com um maestro renomado. No jantar, depois do concerto, ele comentou que o desempenho dela tinha sido muito bom e ela agradeceu. “Mas você não curtiu muito, não é?”, ele perguntou. Ela ficou surpresa com o comentário. Nunca tinha pensado a respeito. Disse que não tinha, e que na verdade, pensando bem, nunca tinha curtido muito. Ele perguntou por que ela tocava piano e ela respondeu: “Porque eu toco bem”. Ela nasceu em uma família musical e teve aulas de piano. Como demonstrou talento, foi estudar música na faculdade, fez mestrado e doutorado em música e passou naturalmente a tocar piano em concertos. Nem ela nem ninguém tinham parado para perguntar se ela queria ou gostava de tocar piano. Tocava porque tocava bem. O maestro disse: “Fazer alguma coisa bem não justifica passar a vida toda fazendo essa coisa”. Ela passou as semanas seguintes ruminando a ideia e decidiu que ele tinha razão. Apresentou-se até o fim da temporada, fechou o piano e nunca mais o abriu. E se voltou aos livros, sua verdadeira paixão. Quando as pessoas descobrem seu meio, elas descobrem sua verdadeira energia criativa e concretizam seu potencial.

“A capacidade criativa é fundamentalmente humana e acena com uma promessa constante de formas alternativas de ver, pensar e fazer.”

Conclusão A inteligência é diversificada, dinâmica e distinta. O mesmo pode ser dito do processo criativo. Podendo atuar em todos os campos da inteligência humana, o processo criativo envolve fazer conexões dinâmicas e os resultados são sempre diferenciados. A criatividade não é uma capacidade que as pessoas simplesmente têm ou não têm. Envolve muitas funções mentais diferentes, combinações de habilidades e atributos pessoais. Todo mundo tem suas capacidades criativas, mas muitas pessoas acabam concluindo que não são criativas se não aprenderam e não praticaram os elementos que a criatividade envolve. A capacidade criativa é fundamentalmente humana e acena com uma promessa constante de formas alternativas de ver, pensar e fazer. Ninguém precisa ser restringido pelas circunstâncias ou, nas palavras de George Kelly: “Ninguém precisa ser vítima da própria biografia”. Como Carl Jung declarou: “Eu não sou o que aconteceu comigo. Sou o que escolho ser”. Esse é o poder e a promessa de ser criativo.

7 O poder dos sentimentos

“Ser criativo não envolve apenas o pensamento. Envolve o sentimento.” Eu costumava supervisionar programas de doutorado na área de humanas. A universidade tinha determinado um máximo de 80 mil palavras para teses de doutorado. Foi preciso impor um limite porque os candidatos tendiam a ser muito prolixos. Certa vez, entrevistei um candidato que tinha um doutorado por outra universidade. Perguntei se a outra universidade tinha um limite de palavras para a tese e ele respondeu, surpreso, que não. Os candidatos eram livres para escrever o quanto fosse necessário para expor seus argumentos. Perguntei quantas palavras tinha sua tese e a resposta foi: 370 mil palavras. Em inglês, o Antigo Testamento tem mais ou menos o mesmo número de palavras. Perguntei qual era o título de seu trabalho. Era Programas de pós-graduação em Dombey: algumas questões. Dombey87 é uma cidade da Inglaterra com uma população, na época, de cerca de 220 mil habitantes. Isso dá quase 1,5 palavra por pessoa. Não sei o que ele descobriu em Dombey que o levou a precisar de mais de um terço de milhão de palavras para explicar, mas o subtítulo anunciava que o estudo nem era completo e não

passava de uma nota promissória para um estudo mais abrangente que ainda estava por vir. Certa vez perguntei a um professor de matemática como ele avaliava as teses de doutorado no campo da matemática pura. Minha primeira pergunta foi: “Qual é a extensão das dissertações?”. Ele respondeu: “A extensão necessária”. Pedi para ele me dar uma média. Ele disse que recentemente tinha avaliado uma tese de 26 páginas. Estamos falando de página após página após página de matemática com um sinal de igual no fim. Perguntei como ele avaliava esses trabalhos. Presumi que os cálculos estavam “certos”. Dá para imaginar como seria deprimente se você passasse quatro anos fazendo uma tese de doutorado em matemática pura e ela voltasse com um “errado” em letras garrafais e caneta vermelha? Ele respondeu que “normalmente eles estão certos”. Normalmente. “Então, como é feita a avaliação?”, perguntei. “A originalidade é um fator importantíssimo”, ele me disse. “Como todos os doutorados, eles precisam fazer incursões em novos territórios e propor algo que não sabíamos antes.” Em outras palavras, um critério de avaliação é a criatividade do trabalho. Outro critério, ele disse, é estético. É a elegância das evidências, a beleza dos argumentos. Perguntei por que isso é um fator tão importante na matemática. Ele explicou que os matemáticos acreditam que a matemática é uma das maneiras mais puras que temos de entender as verdades da natureza. Como a natureza é inerentemente bela, a premissa é que, quanto mais elegante for a prova, mais chances ela tem de corresponder à beleza da natureza e de ser verdadeira. Ele podia muito bem estar falando de uma sonata, um poema ou uma dança e, de certo modo, estava. A estética é uma grande força em todas as formas de trabalho criativo, tanto para cientistas e matemáticos quanto para músicos, poetas, dançarinos e designers. É uma das maneiras pelas quais a criatividade se estende além do mero pensamento, envolvendo também o sentimento.

“A estética é uma grande força em todas as formas de trabalho criativo, tanto para cientistas e matemáticos quanto para músicos, poetas, dançarinos e designers.”

O exílio do sentimento As principais personalidades do Iluminismo e do Romantismo faziam uma diferenciação muito clara entre o intelecto e a emoção. Os racionalistas desconfiavam dos sentimentos e os românticos só confiavam nos sentimentos. Em seus estilos diferentes, eles viam o intelecto e os sentimentos como distintos e separados uns dos outros. As consequências dessa divisão perduram até hoje.88 Os filósofos racionalistas queriam dissipar as ilusões do mito e da superstição. Nas ciências naturais, sentimentos, intuição, valores e crenças eram vistos como distrações perigosas, uma mera efervescência de mentes indisciplinadas. David Hume disse, sem rodeios: “Se tomarmos nas mãos um volume qualquer, de teologia ou metafísica escolástica, por exemplo, perguntemos: contém ele algum raciocínio abstrato acerca de quantidades ou números? Não. Contém ele algum raciocínio experimental acerca de fatos e existência? Não. Confiemo-lo então às chamas, pois só contém sofismas e ilusões”.89 Com isso, ele quis dizer que, por exemplo, as ciências biológicas não deveriam fazer nenhuma suposição metafísica sobre as origens e as funções da vida, que deveriam ser explicadas apenas em termos materiais. Mesmo se houver qualquer força responsável pela vida na Terra além da lógica e de evidências concretas, a ciência não deve fazer quaisquer suposições a respeito e não deve demonstrar qualquer interesse por ela. Nas ciências humanas, houve uma rejeição semelhante das ideias religiosas e de todas as formas de transcendentalismo. Psicólogos pioneiros, incluindo Ivan

Pavlov (1849-1936), J. B. Watson (1878-1958) e B. F. Skinner (1904-1990), propuseram-se a examinar o comportamento humano de maneiras que deixavam de lado todas as ideias sobre espíritos ou almas imateriais. Eles analisaram o comportamento humano como respostas aprendidas a necessidades práticas de sobrevivência. B. F. Skinner desenvolveu sua teoria do behaviorismo na década de 1920. Ele demonstrou que as pessoas podem ser condicionadas a exibir determinados comportamentos. O experimento de Pavlov com cães chegou a uma conclusão semelhante. Ao alimentar os cães em seu laboratório, Pavlov tocava uma sineta. Em pouco tempo, os cachorros estavam salivando só ao ouvir o som da sineta. Pavlov argumentou que os seres humanos também têm respostas condicionadas. Sigmund Freud (1856-1939) concebeu a mente como um aparato mental usado para ligar a pessoa com o mundo externo. Ele traçou uma distinção entre o id, os impulsos instintivos básicos do comportamento humano, que operam com base no princípio do prazer; o ego, a mente consciente, que opera com base no princípio de realidade e controla nossas funções executivas e nossas relações no mundo; e o superego, a sede dos valores morais, da espiritualidade e da consciência. De acordo com Freud, o ego se mantém em constante estado de tensão, tentando controlar os impulsos primitivos do id, as tendências morais do superego e as demandas conflitantes do mundo externo. A racionalidade depende do controle desses complexos impulsos psicológicos. A psicologia freudiana vê as emoções como fontes potenciais de perturbação de uma personalidade equilibrada. Apesar da influência dessas ideias nas ciências humanas e na cultura popular, em meados do século XX um número crescente de acadêmicos e terapeutas passaram a questionar essas abordagens mecanicistas ao comportamento humano. Em 1960, Jerome Bruner e Frank Miller fundaram o Center for Cognitive Studies na Harvard University, com o objetivo de ir além do paradigma

behaviorista e explorar a natureza intrínseca da mente e da consciência. Jean Piaget já defendia abordagens mais qualitativas para entender como as crianças e os adultos aprendem e vivenciam o mundo. Outros psicólogos e terapeutas se opuseram ao que consideravam ser concepções negativas de sentimentos e emoções resultantes das tradições racionalistas e behavioristas, que R. D. Laing chamou “a psicologia negativa do afeto”. Alguns estudiosos, como Laing, acreditavam que os modelos racionalistas de psicologia eram sintomas de um problema maior, “de que nossa civilização reprime não só os instintos, não só a sexualidade, mas qualquer forma de transcendência”. A partir do início do século XX, foram desenvolvidas muitas teorias alternativas do bem-estar humano. William James (1842-1910), Viktor Frankl (19051997), Carl Jung (1875-1961), Abraham Maslow (1908-1970), Carl Rogers (1902-1987) e muitos outros propuseram, cada um a seu modo, conceitos mais harmoniosos de sentimentos, espiritualidade, mente e corpo. Alguns, como Alan Watts (1915-1973) e Aldous Huxley (1894-1963), basearam-se em antigos ensinamentos orientais que não faziam tantas divisões entre mente, corpo e espírito. Na década de 1960, uma complexa reação cultural contra o racionalismo começava a ganhar força, uma reação que se manifestou em extensas mudanças no que o historiador cultural Raymond Williams chamou de “estrutura de sentimento” da época.

O movimento do crescimento pessoal O movimento do crescimento pessoal teve início na década de 1940 e cresceu rapidamente nos anos 1960, primeiro nos Estados Unidos e depois na Europa. “Crescimento pessoal” refere-se a vários tipos de atividades em grupo que visam a explorar os relacionamentos entre as pessoas e aprofundar o conhecimento de si mesmas e das outras pessoas. Esses grupos, chamados de “grupos T”, encorajavam os participantes a ver o mundo pelos olhos dos outros e a

repensar suas próprias percepções sobre si mesmos. Nesses encontros, não raro, eram aplicadas técnicas de dramatização, artísticas e outras atividades “criativas”; eram usadas teorias alternativas de psicanalistas como Jung e Rogers; e muitas vezes eram integradas técnicas orientais de meditação e relaxamento físico, incluindo a ioga. Hoje os princípios e as práticas do movimento do crescimento pessoal constituem as bases de programas de coaching e mentoring e incontáveis livros foram publicados a respeito em todo o mundo. Os dois pilares do movimento do crescimento pessoal são a individualidade e a autenticidade. Alguém que deseja uma experiência de crescimento pessoal “pode considerar-se menos emocional, física ou sensualmente espontâneo do que gostaria. Ele pode sentir-se solitário e ter dificuldade de se comunicar com autenticidade com os outros. Os valores do treinamento de sensibilidade e do trabalho em grupo são a honestidade e a apresentação do self autêntico”.90 Os encontros em grupo atraíram uma multidão de clientes pagantes em busca de relacionamentos mais autênticos. O movimento do crescimento pessoal também é impulsionado pelo desejo que muitas pessoas têm de conectar-se com seus próprios talentos naturais e com a sua criatividade.91 “Os dois pilares do movimento do crescimento pessoal são a individualidade e a autenticidade.” De acordo com Carl Rogers, a explosão do movimento do crescimento pessoal resultou do declínio das crenças religiosas organizadas e da necessidade de encontrar fontes alternativas de sentido da vida. Victor Frankl acreditava que um número desconhecido de pessoas sofria do que ele chamou de “vácuo existencial”, a perda de um sentido fundamental para a existência que fazia a vida valer a pena. Na visão de Frankl, “o vácuo resultante, o sentimento de vazio é um dos principais desafios para a psiquiatria”.92

Carl Jung concordou. Em sua longa carreira profissional como psicanalista, ele tratou pacientes “de todos os países civilizados da Terra”. De todos os seus pacientes que estavam na segunda metade da vida, “ou seja, com mais de 35 anos, nenhum me apresentou um problema que, em última instância, não envolvesse encontrar uma perspectiva religiosa para a vida. Posso dizer com segurança que todos eles, sem exceção, sentiam esse mal-estar por ter perdido aquele elemento que as religiões de todos os tempos deram a seus seguidores e só foram curados os que conseguiram recuperar sua perspectiva religiosa”.93 Terapeutas holísticos defenderam sistemas de análise que envolviam toda a noção de “ser no mundo” do indivíduo, inclusive a expressão de sentimentos pessoais. A ética implícita é viver no aqui e agora. Em vez de ser exclusivamente existencialista, a contracultura, como veio a ser conhecida, também tinha raízes em interesses metafísicos. Repensar os valores materialistas e buscar a transcendência, especialmente por meio de religiões alternativas, ocupavam o centro desses movimentos. O desgaste das estruturas religiosas tradicionais deu lugar à multiplicação de crenças esotéricas, religiões fundamentalistas e cultos de todo tipo. O interesse nas chamadas paraciências, na percepção extrassensorial e em estados alternativos de consciência também ganhou força.

Distúrbios emocionais Apesar de todas as tentativas da contracultura, a cultura mainstream da saúde mental continua concentrada em distúrbios emocionais, para o deleite das indústrias farmacêuticas. O complexo edifício da saúde mental passou mais de cem anos sendo construído com base no conceito de doenças emocionais. Orientadores, terapeutas, psicólogos e psiquiatras de todo tipo flutuam na maré ascendente formada por pessoas que procuram ajuda para encontrar o sentido da vida e resolver problemas de autoimagem,

relacionamentos ou traumas, com sintomas que vão desde uma depressão temporária até um colapso completo. Esses problemas não se restringem a pessoas com distúrbios clínicos. Multidões de pessoas que parecem ter tudo na vida têm dificuldade de lidar com sentimentos e relacionamentos.

As tais habilidades soft Estamos testemunhando o movimento crescente da “psicologia positiva”, o estudo da felicidade e do bem-estar. Um dos pioneiros desse movimento é Daniel Goleman, que argumenta que a ênfase dominante no QI deveria ser equilibrada por uma ênfase igual no QE, o quociente emocional. Inteligência emocional significa a capacidade de compreender e expressar sentimentos pessoais; a capacidade de conviver com os outros, comunicar-se com clareza e com empatia; e reagir positivamente e com sensibilidade a novas situações. Essas “habilidades soft ” hoje são vistas como fundamentais para manter relacionamentos produtivos em casa, no trabalho e em contextos que envolvam um papel de liderança. Os líderes empresariais vivem reclamando que os jovens que estão entrando na força de trabalho parecem mais fracos nessas áreas do que as gerações anteriores. O “exílio do sentimento” pode estar mais pronunciado do que nunca. Goleman cita um levantamento com alunos e professores que demonstra “uma tendência mundial da atual geração de crianças e jovens de apresentar mais distúrbios emocionais do que a geração anterior. Eles são mais solitários e deprimidos, mais irritadiços e indisciplinados, mais nervosos e preocupados, mais impulsivos e agressivos”.94 Segundo ele, esse é um problema global. As razões para isso são muitas. Especialmente nas economias desenvolvidas, a família nuclear está desaparecendo. Menos pessoas estão se casando e, dentre as que se casam, as taxas de divórcio nunca foram tão altas.

Os adultos passam mais tempo trabalhando e menos tempo com os filhos. As  crianças passam mais tempo ao computador do que brincando com outras crianças. Os pais têm tanto medo de expor os filhos ao crime que poucas crianças podem brincar fora de casa, a menos que estejam acompanhadas de um adulto. De acordo com Goleman, essas crianças crescem sem conhecer as brincadeiras antes comuns “que davam às crianças todo tipo de habilidades que elas podiam usar mais tarde, na vida, como a capacidade de controlar a raiva e resolver discordâncias”.95 O fato de sermos seres “encarnados” e não apenas seres dentro de um corpo ficou claro para mim quando nosso filho James tinha 12 anos e se preparava para os exames finais na escola. Algumas semanas antes das provas, ele nos perguntou se, caso tirasse boas notas, poderia ganhar um videogame. Nós dissemos que não. Ele perguntou qual seria seu incentivo nesse caso e dissemos que ficaríamos muito contentes com ele. Ele não se impressionou. Tirou boas notas e, algumas semanas depois, voltou a pedir o videogame. Dessa vez nós cedemos, principalmente porque eu também queria jogar. Compramos o console e vários games, passei uma hora configurando tudo e deixei James jogando. Pouco depois, nossa filha Kate, que tinha 8 anos, me trouxe uma corda velha que ela encontrara no jardim e perguntou se eu poderia fazer um balanço. Encontrei uma tábua, prendi a corda no galho de uma macieira e a deixei balançando feliz. Algumas horas depois, James a viu no balanço e foi correndo brincar com ela. Eles passaram o resto do dia, todo o dia seguinte e praticamente o verão inteiro brincando no balanço. Inventaram brincadeiras, novas manobras, truques, apresentações circenses e cenários de fantasia, tudo girando em torno daquele balanço. Eles riram, brigaram, fizeram as pazes e continuaram brincando. Brincaram tanto que desgastaram a grama e a terra embaixo do balanço. Brincar ao ar livre abriu a imaginação deles e lhes proporcionou muito mais prazer do que as centenas de dólares em games que ficaram juntando poeira dentro de casa. Veja bem, eu

duvido que James teria se motivado se eu lhe dissesse algumas semanas antes que, se tirasse notas boas nas provas, ele poderia ficar com a corda velha que estava largada no jardim. Hoje em dia, as crianças e os jovens passam mais tempo sentados estudando do que fazendo atividades físicas e interagindo pessoalmente com os colegas. Muitos sistemas escolares reduziram os programas artísticos práticos e as oportunidades para os estudantes lidarem com os sentimentos. Programas de educação física também foram submetidos a grandes cortes e tudo o que esses programas oferecem para conectar as energias físicas e mentais acabou sendo relegado a segundo plano. Nem tudo isso é novidade. A ideia de trabalhar os sentimentos tem sido marginalizada há um bom tempo pelos sistemas educacionais acadêmicos. Na década de 1970, Anthony Storr, professor de psicoterapia da Oxford University, viu muitos exemplos do que chamou de “neurose de Oxford”, que ele descreveu como “precocidade intelectual combinada com imaturidade emocional”.96 Pode ser precipitado atribuir todas as formas de distúrbio emocional à educação acadêmica, mas não há dúvida de que essa educação desempenhou seu papel. O currículo acadêmico convencional em grande parte ignora as “habilidades soft ”. E não é por acaso. É uma característica fundamental do academicismo.

Duas tradições As visões de mundo do Iluminismo e do Romantismo passaram os últimos 250 anos em conflito. Ambos são comprometidos com o individualismo, mas oferecem visões diferentes sobre o que é um verdadeiro indivíduo e o que é preciso para se tornar um. Eu os chamo de indivíduo “racional” e indivíduo “natural”. As duas abordagens tendem a reforçar a divisão entre o intelecto e a emoção.

O indivíduo racional Na visão de mundo racionalista, o indivíduo possui determinadas qualidades mentais que devem ser cultivadas pela educação. A ideologia racionalista gerou diversas teorias nos campos da filosofia e da ciência. Apesar de todas as diferenças, essas teorias têm algumas características em comum. A lógica e a dedução constituem as características distintivas do pensamento independente; essas características são a única fonte confiável de autoconhecimento e do conhecimento do mundo material; o verdadeiro conhecimento é objetivo e independente de valores culturais e sentimentos pessoais. As abordagens à educação baseadas no individualismo racional partem de algumas premissas em comum: • A educação deve se concentrar nos poderes da razã lógico-dedutiva. • Uma mente racional é desenvolvida exercitando ess poderes e absorvendo os vários campos de conhecimen gerados por eles. • O principal papel dos professores é transmitir es conhecimento. Nesse sentido, a educação é uma forma d iniciação.

O indivíduo natural O individualismo natural parte de premissas totalmente diferentes. De acordo com essa abordagem, toda criança é, por natureza, um indivíduo único com talentos e sensibilidades inatas. A educação deve extrair essas qualidades em vez de suprimi-las com os valores e as ideias do mundo adulto. A educação não deve ser baseada no conhecimento, mas centrada na criança. Os modelos naturalistas de educação fazem as seguintes suposições: • A educação deve desenvolver a criança como um todo não apenas suas habilidades acadêmicas. Deve incluir

sentimentos, o desenvolvimento físico, a educação mora a criatividade da criança. • O autoconhecimento é tão importante quanto conhecimento do mundo externo. É imprescindível explor os sentimentos e valores pessoais, bem como oportunidades de exercitar a imaginação e autoexpressão. • Um dos principais papéis dos professores é extrair indivíduo que existe em cada criança. Nesse sentido, educação é um processo de autorrealização.97 Tal qual as raízes do individualismo racional, as raízes do individualismo natural são profundas. A ideia do mundo natural ocupou o centro do Romantismo do século XVIII. Em 1780, Jean-Jacques Rousseau publicou sua obra filosófica Emílio, ou da educação, defendendo uma nova abordagem à educação baseada em brincadeiras, jogos e diversão. Rousseau queria formas de educação que valorizassem a infância e não impusessem valores adultos à mente das crianças. Nos duzentos anos que se seguiram, muitos outros pioneiros da educação “centrada na criança” defenderam, de diferentes perspectivas, a importância das brincadeiras e da criatividade. Alguns desenvolveram os próprios sistemas para promover suas abordagens. Eles incluíram Johann Pestalozzi (1746-1847), Friedrich Froebel (1782-1852), Maria Montessori (1870-1952), Rudolf Steiner (1861-1925), Carl Orff (18951982) e John Dewey (1859-1952). Para todos eles, o papel essencial da educação é desenvolver a personalidade e as habilidades naturais das crianças. As crianças devem ser livres para seguir um padrão natural de desenvolvimento em vez de ser obrigadas a seguir uma sequência padronizada de instrução. Como um escultor, o professor deve acompanhar as características especiais da personalidade de cada criança, revelando aos poucos o indivíduo dentro dela. Acima de tudo, os naturalistas queriam abordar a criança como um todo: mente, corpo e espírito.

O valor das brincadeiras físicas e imaginativas já era reconhecido por filósofos desde Platão e Aristóteles. O século XIX entrou com uma nova perspectiva. As teorias da evolução de Darwin fizeram do desenvolvimento humano um tema de estudo científico. Passou-se a presumir que todo o comportamento tinha alguma relação com a sobrevivência da espécie. Como os bebês e as crianças passam tanto tempo brincando, a suposição era que brincar tinha alguma função biológica. Nos anos 1920 e 1930, avanços na psicologia do brincar foram combinados com as teorias “progressistas” da educação e passaram a influenciar a política educacional do mainstream. Nos últimos cem anos, houve uma crescente pressão por abordagens mais criativas à educação. Nos Estados Unidos, John Dewey desenvolveu novos métodos de ensino em sua escola-laboratório. Na Dalton School, em Nova York, e na Porter School, no Missouri, os professores encorajavam o “aprender fazendo”. Essas ideias foram adotadas por um movimento mais amplo nos anos 1930 para incentivar a criatividade e a autoexpressão nas escolas. Enquanto John Dewey e outros estudiosos promoviam abordagens mais liberais à educação, A. S. Makarenko (1888-1939) trabalhava em seu próprio sistema na Rússia. A revolução deixara milhões de crianças órfãs e desabrigadas. Makarenko concebeu um sistema de educação baseado no trabalho prático e na responsabilidade coletiva. Reconhecendo o terrível sofrimento emocional das crianças, ele lhes proporcionou um enorme valor na forma de atividades criativas, beleza e diversão e organizou um influente programa de grupos musicais e produções de peças teatrais e dança. Segundo um relatório sobre o ensino fundamental no Reino Unido, em 1931, a educação precisava levar em conta a criança como um todo. O  relatório enfatizava a importância de atividades lúdicas, da autoexpressão e de atividades criativas, que, “se os psicólogos estiverem corretos, são intimamente associadas ao desenvolvimento de percepções e sentimentos”.98 A  tendência dominante de ver o currículo

escolar como um quebra-cabeça de matérias separadas precisava ser questionada bem como a ideia de apresentar o conteúdo para as crianças como meras lições a ser aprendidas. A educação precisava partir da experiência, da curiosidade e do despertar dos talentos individuais das crianças. As atitudes naturalistas ganharam terreno na educação nas décadas de 1950 e 1960, em parte por representar uma abordagem mais igualitária à educação. Os naturalistas argumentavam que a educação acadêmica marginalizava os sentimentos, a intuição, a sensibilidade estética e a criatividade, as mesmas qualidades que nos fazem humanos. Nos anos 1960 e 1970, a defesa da autoexpressão e da criatividade na educação tinha raízes na ideia de promover os sentimentos. Essa abordagem se originou nos amplos avanços culturais do movimento do crescimento pessoal fora do âmbito da educação formal.

Educando as emoções Os vários pioneiros das abordagens naturalistas à educação não tinham uma única filosofia em comum nem promoviam as mesmas práticas, assim como os proponentes das filosofias racionalistas não tinham um único ponto de vista. Cada um tinha as próprias concepções de desenvolvimento humano e os próprios métodos de ensino e aprendizagem. À medida que suas abordagens se infiltravam na educação pública, os ideais do individualismo racional e do individualismo natural passaram a representar duas opções distintas: uma escolha entre uma educação acadêmica tradicional, baseada em disciplinas, e uma educação progressista, centrada na criança. Em seus extremos, essas duas abordagens parecem ter pouco em comum, mas elas compartilham pelo menos dois aspectos. Ambas promovem a ideia da libertação do indivíduo das restrições da cultura. Para os racionalistas, o indivíduo torna-

se independente das influências culturais pelo poder do pensamento racional e objetivo. Partindo da premissa de que o conhecimento objetivo existe independentemente das pessoas e da cultura, o indivíduo racional é livre de preconceitos e vê o mundo exatamente como é. Para o naturalista, o objetivo é libertar o espírito individual das pressões da cultura e revelar o eu autêntico. Como cada pessoa é especial, o eu autêntico emergirá da mesma forma como a borboleta sai da crisálida, desde que haja espaço criativo para ele crescer. Nesse aspecto, esses dois ideais são aculturais. Ambos reforçam a divisão entre intelecto e emoção. O crescimento pessoal e o individualismo natural foram reações contra o objetivismo, contra o tratar o conhecimento como algo impessoal. Retomarei essa ideia mais adiante. O perigo está em avançar longe demais na direção do subjetivismo e passar a ver consciência individual como algo completamente independente do mundo dos outros. “Os sentimentos são uma dimensão constante da consciência humana. Ser é sentir.” Laing descreve como esquizoide uma pessoa que vê uma divisão entre sua relação com o mundo e consigo mesma. O esquizoide é incapaz de vivenciar a si mesmo junto com o mundo e só consegue viver em um isolamento desesperador do mundo. Essa descrição pode exagerar os perigos do subjetivismo, mas o princípio básico ainda se aplica. Se uma pessoa não existe objetiva e subjetivamente, mas só como uma identidade subjetiva, “ela não pode ser real”. Em outras palavras, deve haver uma relação positiva entre nosso conhecimento do mundo externo e nosso conhecimento de nós mesmos. Então, qual é a relação entre saber e sentir e que diferença isso faz para a criatividade?

Saber e sentir Descartes disse: “Penso, logo existo”. Como Robert Witkin observa, um ponto de partida igualmente interessante seria: “Sinto, logo existo”.99 Ser é sentir. Os sentimentos são uma dimensão constante da consciência humana. Desde tranquilas intuições a fúrias avassaladoras, os sentimentos são formas de percepção. A maneira como nos sentimos sobre uma coisa é uma expressão do nosso relacionamento com ela. Sentimentos são avaliações. Por exemplo, luto pela morte, euforia por um nascimento, prazer com o sucesso, depressão no fracasso, decepção com a não realização.100 O medo difere da raiva porque uma ameaça é diferente de uma frustração. Essas percepções têm consequências diferentes tanto fisiologicamente quanto nos comportamentos resultantes. Emoções são estados intensos de sentimento, que podem envolver intensas reações fisiológicas. Duas pessoas caindo no mar podem sentir emoções muito diferentes. Um bom nadador pode ficar irritado ou frustrado. Uma pessoa que não sabe nadar pode entrar em pânico. Nos dois casos, eles experimentam uma excitação emocional. As emoções são relacionadas, mas diferentes das atitudes emocionais. Quando estamos com medo ou raiva, nosso corpo libera adrenalina, que nos prepara para uma ação vigorosa. O fluxo sanguíneo é desviado do sistema digestivo para os músculos, a frequência cardíaca acelera, o açúcar é liberado pelo fígado, as glândulas sudoríparas são estimuladas e assim por diante. As alterações hormonais não são decisões conscientes, mas instintos antigos nascidos da necessidade de sobrevivência. Elas nos preparam para a ação, literalmente sem pensar: para “lutar” ou “fugir”. Se a ação física não acontece ou é suprimida, ficamos com uma sensação de energia contida. Os hormônios a mais que inundaram nosso corpo e que teriam sido usados por essas ações, se dispersam aos poucos à medida que nossos sistemas se tranquilizam. A excitação emocional se acalma

enquanto a situação muda e nossa condição física se estabiliza, e o sentimento de contenção se manterá enquanto isso não acontece. Se os incidentes que provocaram a excitação forem repetidos com frequência suficiente – se vivermos levando mordidas de cachorros ou cairmos no mar frequentemente –, podemos desenvolver uma atitude emocional em relação a cães ou ao mar que irromperá sempre que estivermos perto de cachorros ou do mar ou até quando pensarmos neles. Muitas das nossas reações emocionais têm raízes nas profundezas de uma das primeiras partes do cérebro a evoluir. Essa região do cérebro “antigo” inclui as amígdalas, grupos de núcleos em forma de amêndoas nos lobos temporais mediais que constituem parte do que às vezes é conhecido como sistema límbico. As regiões mais antigas do cérebro ajudam na regulação das funções corporais que sustentam a vida, incluindo a respiração e o metabolismo de outros órgãos. O pensamento racional e abstrato desenvolveu-se muito mais tarde na evolução do cérebro e está associado com o neocórtex, as dobras contorcidas na superfície dos dois hemisférios cerebrais, e com o desenvolvimento dos lobos frontais. O cérebro antigo não “pensa” no sentido comum da palavra. Como observa Goleman, é mais um conjunto de reguladores pré-programados que mantêm o corpo funcionando e reagindo para garantir a sobrevivência. Isso não significa que sentimento e razão estejam isolados um do outro. Todas as regiões do cérebro são conectadas por meio de intricados circuitos neurais. Há uma “dança contínua entre intelecto e emoções, sentimento e razão, que é essencial para o bom funcionamento e manutenção de ambos”. De certo modo, temos duas maneiras diferentes de conhecer o mundo e interagir com ele: a racional e a emocional. Essa distinção aproxima-se da distinção popular entre coração e mente: “Saber no fundo do coração que algo está certo é uma convicção diferente, de certa forma mais profunda, de saber a mesma coisa com a mente racional”. Quanto mais

intenso for o sentimento, mais dominante a mente emocional se torna e mais ineficaz se torna a mente racional. Esse sistema parece resultar “das eras de vantagem evolucionária de poder contar com emoções e intuições para orientar nossa reação imediata em situações de vida ou morte e nas quais parar para pensar sobre o que fazer poderia nos custar a vida”. À medida que amadurecemos, o equilíbrio entre razão e emoção muda, ou deveria mudar. Bebês recém-nascidos são tomados por sentimentos de fome, angústia ou contentamento e expressam esses sentimentos com ruídos, expressões faciais e movimentos. Bebês e adolescentes são famosos por emoções turbulentas e alterações de humor. Os adultos normalmente têm mais controle das emoções. Ficamos alarmados, e com razão, quando vemos adultos agindo como bebês, gritando em reuniões ou chorando de frustração quando não conseguem o que querem. Amadurecer não significa reprimir os sentimentos ou desconsiderar sua importância. Na intricada ecologia da consciência, “a faculdade emocional orienta nossas decisões, trabalhando lado a lado com a mente racional, ativando ou desativando os pensamentos”.101 Da mesma forma, o cérebro pensante desempenha um papel executivo sobre as nossas emoções, exceto naqueles momentos em que as emoções saem do controle e o cérebro emocional corre solto. O intelecto não tem como atingir sua eficácia máxima sem inteligência emocional. Manter um equilíbrio entre os dois é imprescindível para uma personalidade equilibrada. As relações entre pensamento e sentimento ocupam o centro do processo criativo em todos os campos, incluindo as artes e as ciências. “As relações entre pensamento e sentimento ocupam o centro do processo criativo em todos os campos, incluindo as artes e as ciências.”

Artistas e cientistas Dentre os legados do Iluminismo e do Romantismo encontram-se muitas suposições em comum, porém equivocadas, sobre as artes e as ciências. Acredita-se que as ciências se baseiam em conhecimento, fatos e objetividade, e que as artes se baseiam em emoções, autoexpressão, o ser e a subjetividade. As ciências devem levar ao conhecimento puro, e as artes devem levar à introspecção pessoal. As ciências são úteis e as artes, dispensáveis.102 Os cientistas são retratados como metódicos, clínicos e objetivos e os artistas, como expressivos, apaixonados e criativos. Na realidade, as artes e as ciências são muito mais parecidas do que costumamos pensar. Ambas incluem elementos objetivos e subjetivos; ambas se baseiam em conhecimento e sentimentos, intuição e elementos não lógicos. A criatividade, em qualquer campo, não é estritamente lógica. Baseia-se em sentimentos e intuições, bem como em ideias existentes, espírito lúdico, conhecimentos e habilidades práticas. Às vezes temos nossas ideias mais originais sem pensar conscientemente a respeito. Se não conseguimos resolver um problema, costuma ser melhor ir dormir ou pensar em outra coisa e deixar nosso subconsciente chegar sozinho a uma solução. Sentimentos, palpites e intuições têm seu papel em todo tipo de trabalho criativo. O mesmo se aplica ao senso de estética, elegância e beleza. E se aplica a todos os campos, da dança ao cálculo. Tanto as ciências quanto as artes envolvem paixões pessoais e ambas podem ser muito criativas. A ciência, assim como a arte, pode ter grande influência sobre a maneira como nos sentimos em relação ao mundo, assim como sobre o mundo pelo qual temos sentimentos. Essas características das artes e das ciências precisam ser consideradas ao refletir sobre os processos criativos e como eles devem ser abordados no sistema educacional. Discutir as artes e as ciências implica abordar complexas questões envolvendo a definição dos dois termos. A ciência

inclui uma enorme variedade de disciplinas e campos de interesse, das ciências naturais às ciências físicas, passando pelo estudo da personalidade humana e dos sistemas sociais. As artes também cobrem uma ampla variedade de práticas, estilos e tradições, tanto historicamente quanto em diferentes culturas: das belas-artes ao artesanato e ao design, passando pelas artes folclóricas tradicionais. Para fins desta discussão, vamos comparar os extremos de cada espectro: as ciências físicas, voltadas ao mundo inanimado, e as belas-artes, relacionadas às sensibilidades humanas.

O processo científico O principal processo da ciência é a explicação. Os cientistas querem saber como o mundo funciona em termos do próprio mundo. A ciência tem como objetivo produzir explicações sistemáticas para eventos, sendo que essas explicações devem poder ser verificadas por evidências. Pelo menos nas ciências naturais, parte-se da premissa de que é possível desenvolver “uma teoria de tudo” e que cada cientista contribui para compor um mosaico colaborativo de ideias explanatórias. Os cientistas buscam se distanciar dos eventos que investigam e produzir um conhecimento independente deles e que pode ser validado por qualquer outro cientista que se proponha a repetir as observações. O modo dominante de compreensão científica é o raciocínio lógico-dedutivo e a produção de conhecimento proposicional. Como mencionei anteriormente, sobre a influência dos testes de QI, muitas vezes se presume que as ciências estão “acima de qualquer crítica ou isentas de qualquer influência social, concebidas na atmosfera rarefeita de uma investigação puramente científica por algum processo de concepção imaculada”.103 Mas esse ideal está bem longe da realidade. A ciência é o produto de seres humanos de carne e osso. O processo aparentemente impessoal da investigação científica envolve quatro escolhas pessoais por parte do cientista: a escolha dos problemas, os métodos de

investigação científica, decisões pessoais e os padrões de objetividade.

Afinal, de quem é o problema? Uma das primeiras decisões do cientista é identificar uma área de investigação, um conjunto de problemas que lhe interessam. Essa decisão pode estar envolta em uma teia de interesses e motivações pessoais. Michael Polanyi fala das paixões intelectuais da ciência. Paixões são expressões de valor. Paixões positivas significam que algo é importante para nós. As pessoas que fizeram grandes realizações em um determinado campo normalmente são movidas por uma paixão por este e pela natureza dos processos envolvidos. O termo “fluxo” tem sido usado para descrever momentos em que estamos absortos em uma atividade que mobiliza completamente nossas capacidades criativas, bem como nosso conhecimento, sentimentos e intuições. A empolgação do cientista que faz uma descoberta “é uma paixão intelectual que nos diz que algo é precioso e, mais particularmente, que é precioso para a ciência”.104 Esse entusiasmo não é um subproduto da investigação científica, mas parte do comprometimento pessoal com as questões que estão sendo investigadas.

O método científico Os cientistas, como qualquer outro ser humano, só são racionais na medida em que os conceitos com os quais estão comprometidos são verdadeiros. Descartes queria ver o mundo através da neblina das suposições do senso comum para obter um senso de realidade mais racional. Seu método envolvia substituir um conjunto de suposições por outro, no caso pelos princípios do raciocínio dedutivo da matemática e da geometria. Ele escreveu em seu Discurso sobre o método: “Essas longas cadeias de raciocínio, todas simples e fáceis, das quais os geômetras costumam se servir para chegar às

mais difíceis demonstrações, me levam a imaginar que todas as coisas que a consciência dos homens pode conhecer são ligadas da mesma maneira”.105 Os cientistas aceitam a legitimidade de determinados métodos e procedimentos. Eles se identificam com sistemas específicos de interpretação e se entregam à confiabilidade desses sistemas. O astrônomo “pressupõe a validade da matemática, o matemático pressupõe a validade da lógica e assim por diante”.106 Todo o arcabouço da investigação científica cairia por terra se alguém comprovasse que esses sistemas são falhos. E pode acontecer. As grandes mudanças de paradigma no entendimento científico descritas por Thomas Kuhn (veja o Capítulo 4) ocorreram justamente quando as estruturas de pensamento existentes e dominantes mostraram-se inadequadas.

Decisões pessoais As estruturas descritas não determinam o desenrolar de nenhuma investigação científica específica. Mas os cientistas precisam enquadrar suas hipóteses e conceber experimentos. Ao fazê-lo, eles acabam tomando muitas decisões seguindo critérios pessoais. Depois que todas as estatísticas foram codificadas e calculadas, as colunas e os dados foram meticulosamente organizados na tela do computador, ainda é necessário analisá-los e interpretá-los para lhes atribuir um significado. No centro de todas as empreitadas científicas existe um elemento de decisão pessoal que não pode ser erradicado (nem deve). A capacidade de julgamento pessoal é um dos instrumentos mais delicados de um cientista. Os cientistas dependem da análise lógica, mas não se restringem a ela. A lógica é apenas um dos métodos utilizados pelos cientistas. Mas eles também utilizam outros métodos nem um pouco lógicos. A intuição pode ser importantíssima na investigação científica. Descobertas científicas não raro resultam de saltos inesperados de

imaginação, quando o cientista se vê subitamente do outro lado de um abismo lógico, quando a solução para um problema é iluminada por uma nova percepção, uma nova associação de ideias ou uma visão de possibilidades imprevistas. Muitas das maiores descobertas foram feitas intuitivamente. Os cientistas podem intuir uma solução ou descoberta antes de realizar um experimento e conceber testes para ver se a hipótese é confirmada ou desmentida. Cada tentativa é concebida para ser a mais metódica possível. Embora a análise racional desempenhe o papel principal, ela constitui apenas uma parte da ciência.

Aproximações sucessivas A objetividade não garante a verdade. Argumentos científicos podem ser objetivos, mas não são necessariamente verdadeiros. Na Idade Média, os cientistas e a população em geral acreditavam que o Sol girava ao redor da Terra. Era o que eles viam acontecer todos os dias. A conclusão era completamente objetiva, e absolutamente equivocada. Significados objetivos são significados testados usando critérios escolhidos por comunidades específicas. Isso não significa que os significados objetivos sejam impessoais, nem poderiam ser. Eles são interpessoais. E isso não é garantia de que eles correspondam à realidade, já que “o mundo do conhecimento objetivo é feito pelo homem”.107 O conhecimento científico deve ser revisto à medida que novas evidências ou novas ideias vão surgindo. O processo fundamental da ciência envolve argumentos e debates, questionar ou basear-se em conhecimentos existentes à luz de novas ideias ou evidências. O interesse não está só nos fatos, mas também no que conta como fatos; não só na observação, mas também na explicação e no significado. Em todos esses aspectos, a criatividade está no centro da ciência.

O processo artístico

O principal processo da arte é a descrição. Os artistas descrevem e evocam as qualidades da experiência. O artista não se preocupa com uma explicação sistemática, mas com a produção de formas únicas de expressão para representar as qualidades de suas percepções e experiências pessoais. O poeta que escreve sobre o amor ou a melancolia tenta articular um estado de ser pessoal: um estado de espírito ou uma sensibilidade. Um compositor pode tentar captar um sentimento na música e levar o ouvinte a vivenciar esse sentimento. Os artistas querem entender o mundo por intermédio de suas próprias percepções dele, expressando sentimentos, imaginando alternativas e criando objetos para expressar essas ideias. O artefato ocupa o centro das artes. Os artistas transformam objetos e eventos em objetos de contemplação. Os compositores fazem música, os pintores fazem imagens, os dançarinos fazem danças e os escritores fazem livros, peças de teatro, romances e poemas. Em suas qualidades materiais, sensoriais e estéticas, a forma da obra incorpora o significado. Os artistas trabalham com ideias sobre qualquer tema de seu interesse. Podem ser ideias sociais ou políticas. Eles podem se interessar por ideias formais sobre as próprias disciplinas. Esse foi um dos principais interesses do modernismo na música, no teatro, na literatura e na pintura. O formalismo, o conceitualismo, o cubismo e outros “ismos” se propuseram a explorar a natureza e os limites das próprias formas de arte. Há uma diferença entre expressar sentimentos pelas artes e dar vazão a esses sentimentos. Os artistas não expressam apenas sentimentos, expressam também ideias sobre os sentimentos; não expressam apenas ideias, mas sentimentos sobre ideias. Com isso, eles podem mobilizar todas as áreas de seu ser. “Não são os interesses dos artistas ou dos cientistas que os distinguem uns dos

outros, mas o modo como eles se interessam.” O escritor E. M. Forster disse que, quando estamos no estado criativo, somos arrancados dos modos normais de pensar. Deixamos cair um balde no poço do nosso subconsciente e, quando esse balde é içado, podemos extrair algo além do alcance da nossa mente consciente. Um artista, diz Forster, “mistura essa coisa com suas experiências normais e usa a mistura para produzir uma obra de arte. O processo criativo emprega muita engenhosidade técnica e conhecimento de mundo; pode lucrar com os padrões críticos, mas, misturado a ele, está aquela coisa que veio no balde, que não pode ser obtida sob demanda”.108 O processo das artes envolve dar forma, coerência e significado à vida dos sentimentos. Os artistas em geral não passam o dia inteiro em estados de efervescência emocional. Basta ver um ensaio de uma companhia de dança ou um músico praticando um instrumento. Escrever romances e compor poemas requer diligência, além de inspiração. A criatividade nas artes, como nas ciências, requer controle dos materiais e das ideias e uma enorme disciplina para aperfeiçoar formas exatas de expressão.

Significado e interpretação Reagir a obras de arte e tentar entendê-las também requer criatividade. Quando assiste a uma peça teatral, a plateia não se vê diante de algo que pode ser lido sistematicamente, como a tela de um computador ou um conjunto de instruções. Uma peça é aberta à interpretação em dois níveis: o que é expresso na peça e o que é expresso pela peça. Interpretamos o que é expresso na peça à medida que ela se desenrola diante dos nossos olhos, acompanhando as ações dos personagens. E é só quando a peça termina que

podemos conceber nossa interpretação da obra como um todo. Digo “nossa interpretação” porque o sentido da peça para nós pode ser diferente de seu sentido para os atores, para o dramaturgo ou para o diretor. O mundo que o dramaturgo busca evocar existe na página, em uma forma abstrata da qual é impossível inferir a performance usando meios puramente lógicos. Dar ao mundo da peça teatral uma forma viva engaja o diretor e os atores em um esforço constante de interpretação, fundamentado na intuição, habilidades e conhecimento cultural. Uma peça escrita sugere uma performance, mas não a determina. Jerzy Grotowski (19331999) observou que todos os grandes textos representam uma espécie de abismo profundo para nós: “Vejamos o exemplo de Hamlet. Cada professor pode nos apresentar um Hamlet objetivo diferente. Eles nos sugerem Hamlets revolucionários, Hamlets rebeldes, Hamlets impotentes, Hamlets excluídos e por aí vai. Não existe um Hamlet objetivo. A força das grandes obras está justamente nesse efeito catalítico. Uma grande obra abre portas”.109 É por isso que performances memoráveis são marcantes e memoráveis não só pelo trabalho criativo original do dramaturgo, mas também pelos atores que lhes dão vida; o Hamlet de Gielgud, o Hamlet de Branagh e assim por diante. As pessoas podem ter opiniões muito discordantes sobre obras de arte, variando de acordo com preferências pessoais e valores culturais. A importância de uma obra de arte não tem como ser medida com uma régua de cálculo. Isso não significa que uma obra de arte não possa ser avaliada. Uma opinião pessoal sem embasamento é diferente de uma avaliação fundamentada. Objetividade significa que as avaliações são feitas de acordo com critérios disponíveis a todos e apresentando evidências encontradas na própria obra. Nesse sentido, é tão válido falar em processos objetivos de fazer e interpretar a arte quanto de fazer e interpretar qualquer outra coisa. Presumir que avaliações artísticas não passam de opiniões pessoais é tão equivocado quanto

presumir que toda opinião científica representa um fato indiscutível. Significado e interpretação ocupam o centro de todo trabalho criativo. Embora as descobertas científicas não raro sejam associadas a cientistas específicos, elas não são exclusivamente deles, da maneira como as pinturas, por exemplo, são exclusivamente dos artistas que as produziram. Em 1959, Watson e Crick descobriram o DNA e descreveram sua estrutura como sendo os elementos constitutivos da vida. Apesar de eles terem sido os primeiros a descobrir o DNA, o DNA não existe por causa deles. Qualquer cientista que siga o mesmo processo investigativo chegará às mesmas conclusões. Caso contrário, as evidências ou os procedimentos podem ser questionados. O mesmo não se aplica às artes. Dois ou mais artistas que começassem do mesmo ponto de partida quase com certeza produziriam obras diferentes. Matemáticos ou cientistas podem ser os primeiros a produzir um determinado trabalho intelectual; pintores, poetas e dançarinos são os únicos a produzir a obra artística. E a obra é sempre apenas do artista. A obra artística é pessoal em um sentido que não se aplica a equações e cálculos matemáticos, nos quais a capacidade de replicar os resultados é inerente à validade do trabalho. E  é porque as obras dos artistas são exclusivamente deles que as investigações biográficas são tão interessantes para os acadêmicos. Uma obra de arte pode ser sobre qualquer objeto de interesse de um artista, assim como um experimento ou teoria científica pode ser sobre qualquer tema de interesse de um cientista. Artistas e cientistas podem se interessar pelo mesmo tema. Pintores e geógrafos podem ser apaixonados por paisagens; romancistas e psicólogos, pelas relações humanas; poetas e biólogos, pela natureza da consciência. Não são os interesses dos artistas ou dos cientistas que os distinguem uns dos outros, mas o modo como eles se interessam. A diferença está nos tipos de

entendimento que eles buscam e nos modos de entendimento que empregam. A identificação de pontos em comum entre as artes e as ciências levou a uma ampla gama de projetos colaborativos e ao surgimento do que pode vir a ser, nos tempos atuais, um novo Renascimento. Trata-se de um Renascimento baseado em uma compreensão mais holística da consciência humana; das relações entre saber e sentir; e de como tudo o que pensamos e sentimos faz parte do processo criativo de dar sentido ao mundo que nos cerca e aos mundos dentro de nós.

Conclusão Um mundo sem sentimentos seria literalmente desumano. Mas os nossos sistemas educacionais fazem muito pouco para abordar essa dimensão humana da nossa personalidade. Como explica Louis Arnaud Reid: “A negligência do estudo dos sentimentos e de seu lugar na economia da mente tem se provado desastrosa, tanto na filosofia quanto na educação. A sensibilidade é mais importante em muitos tipos de conhecimento do que sabemos e reconhecemos”.110 Ser sensível a si mesmo e aos outros é um elemento imprescindível no desenvolvimento das qualidades pessoais que se fazem necessárias com urgência, nos negócios, nas nossas comunidades e na nossa vida pessoal. É  pelos sentimentos, assim como pela razão, que encontramos nosso verdadeiro poder criativo. É por ambos que nos conectamos uns com os outros e criamos os complexos e mutáveis mundos da cultura humana. “É pelos sentimentos, assim como pela razão, que encontramos nosso verdadeiro poder criativo. É por ambos que nos conectamos uns com os outros e criamos os

complexos e mutáveis mundos da cultura humana.”

8 Você não está sozinho

“A criatividade individual é quase sempre estimulada pelas obras, pelas ideias e pelas realizações alheias.”

O gênio solitário? Uma ideia popular da criatividade é a do gênio solitário nadando heroicamente contra as correntes das convenções, defendendo ideias que ninguém jamais ousou defender antes. Não faltam exemplos de figuras icônicas que fizeram contribuições revolucionárias em sua área de atuação. Mencionei alguns deles em capítulos anteriores, como Galileu, Isaac Newton, Martha Graham, entre outros. Mas a imagem do gênio solitário pode ser enganosa. As ideias originais podem até emanar da inspiração de mentes individuais, mas não surgem em um vácuo cultural. A criatividade individual é sempre estimulada pelas obras, pelas ideias e pelas realizações alheias. Como afirmou Isaac Newton, se ele viu mais longe, foi por estar sobre ombros de gigantes. Mesmo quando trabalham sozinhas, como é o caso de algumas pessoas, seus

esforços criativos acontecem inevitavelmente dentro de um contexto cultural. Na prática, nossa própria visão de mundo é profundamente afetada por nossas relações com os outros, no mínimo porque usamos formas compartilhadas de representação que criamos juntos, como as línguas que falamos. Cada pessoa tem a própria vida, mas muito do que criamos é feito em colaboração uns com os outros. O que criamos juntos é a cultura. Tomando de empréstimo uma expressão do antropólogo Clifford Geertz, todas as vidas humanas estão suspensas em “teias de significância” que nós mesmos tecemos. É pela criatividade que esses fios são criados e entremeados para formar teias complexas da cultura humana. No fim do século XVIII, o termo “cultura”, em certo sentido, passou a significar um processo geral de refinamento intelectual ou social. É nesse aspecto que uma pessoa pode ser descrita como “culta”. A qualidade de ser culto é particularmente associada com a apreciação das artes. Por extensão, o termo “cultura” também inclui o campo geral da atividade artística e intelectual. Uma distinção costuma ser feita entre a arte erudita e a cultura popular. “Arte erudita” normalmente refere-se a ópera, música clássica, balé, dança contemporânea, belas-artes, literatura e cinema sérios. “Cultura popular” refere-se a músicas comerciais, cinema popular, TV, moda, design, ficção popular e outras formas com apelo às massas. É esse significado de cultura que os economistas em geral têm em mente quando falam da “indústria cultural”. O termo “cultura” também é usado em um sentido social mais amplo para referir-se ao modo de vida de uma comunidade; seus padrões de trabalho e lazer, moralidade, práticas intelectuais, estética, crenças, produção econômica, poder político e responsabilidade. É essa definição social mais ampla de cultura que tenho em

mente aqui: os valores e as formas de comportamento que caracterizam diferentes comunidades sociais. Argumentei no Capítulo 5 que a inteligência humana é diversa, dinâmica e distinta. O mesmo pode ser dito das culturas que criamos.

Uma questão de tempo Como eu disse no Capítulo 5, nossos sentidos físicos afetam o que somos capazes de perceber do mundo, mas há outros fatores que afetam o que de fato percebemos. Muitos desses fatores são culturais. Diferentes culturas podem ter percepções radicalmente diferentes do mundo. Algumas diferenças culturais são claras, como as línguas que as pessoas falam, as roupas, a comida e os estilos de moradia. Outras diferenças são mais difíceis de identificar por estarem incorporadas nos modos básicos de pensar. Um exemplo pode ser visto nas variações culturais no modo de perceber a passagem de tempo. Em 2001, mudei-me com a minha família de Stratfordupon-Avon, na Inglaterra, para Los Angeles, nos Estados Unidos. Na Europa, um século não é muito tempo, mas em Los Angeles é. Nossa casa em Stratford-upon-Avon tinha sido construída em 1870 e era uma das mais novas da região. Era cedo demais para saber se o bairro ia valorizar. Nossa casa nos Estados Unidos foi construída em 1937, o que, em Los Angeles, é quase uma construção histórica. Os europeus não acham que dez anos é muito tempo. Os americanos acham e usam muito a palavra “década”, talvez para transmitir uma ideia de tradição instantânea. Logo depois que nos mudamos para Los Angeles, ouvi no rádio do carro um comercial de uma concessionária de automóveis da cidade. Esqueci o nome da concessionária, mas até hoje me lembro do slogan: “Servindo Los Angeles com orgulho por quase meia década”.

Em comparação, na Ásia, um milênio não é grande coisa. Na minha primeira viagem a Pequim, fui jantar (você pode não se surpreender) em um restaurante chinês. Foi uma refeição memorável. Para começar, escolhi “sopa de frango preto”. Achei que “preto” fosse um termo figurativo que se referia ao estilo de cozinhar a sopa e não o estado do frango. Eu estava enganado. Os pedaços de frango eram completamente pretos, por dentro e por fora; uma cor de carne que costumo associar à putrefação. Eu não estava enganado. Para a minha satisfação, recebi um caloroso olhar de aprovação do garçom quando escolhi o prato seguinte, garoupa cozida no vapor. Ele levou o pedido à cozinha e voltou alguns instantes depois com uma cesta de bambu. No interior estava o peixe em questão, vivo e fazendo de tudo para escapar, com uma expressão de absoluto terror nos olhos. Eu sabia que, se eu aprovasse o peixe, estaria lhe dando uma sentença de morte. Sei que os animais precisam morrer para eu comêlos e que esse tipo de melindre é uma grande hipocrisia. Algumas culturas, como a chinesa, não se entregam a essas contradições. Mesmo assim, não estou acostumado a conhecer pessoalmente o animal que estou prestes a comer. Assenti sem muito ânimo e, quinze minutos depois, o peixe estava de volta na minha frente, cozido no vapor, todo enfeitado e com um olhar reprovador. Para não começar a comer logo de cara, comentei com o garçom que adoro comida chinesa. É verdade, especialmente se eu não precisar socializar com a comida antes. Ele agradeceu, mas disse que aquele na verdade não era um prato chinês. Os mongóis, ele explicou, tinham levado aquele método de cozinhar peixe à China novecentos anos antes. Menos de milênio. Em termos asiáticos, pode ser só um modismo passageiro. Diferenças culturais no senso de tempo afetam não só o modo como as pessoas levam a vida como também sua

perspectiva política. Em 1972, o presidente americano Richard Nixon se preparava para uma visita histórica à China. Seu secretário de Estado, Henry Kissinger, lhe informou que o premier chinês e ministro das Relações Exteriores, Chou En-Lai, era um estudioso da história francesa. Durante a visita, Nixon perguntou a Chou como ele achava que a Revolução Francesa, em 1789, tinha afetado a civilização ocidental. Chou En-Lai parou para pensar um pouco e respondeu: “Ainda é cedo para dizer”. Para um presidente americano preocupado com as manchetes do dia seguinte, essa visão panorâmica de causa e efeito dificilmente poderia ser mais diferente. As culturas humanas são influenciadas por muitos fatores, incluindo fatores geográficos, padrões populacionais, acesso a recursos naturais e tecnologia, e por eventos políticos, guerras, invasões e conquistas. Todos esses fatores interagem com as ideias e os valores desenvolvidos com o tempo pelas comunidades para dar sentido às suas vidas. Todas as culturas são formadas de vários elementos: sistemas de governo, sistemas judiciários, sistemas educacionais, classes sociais, ocupações, produção econômica e artes. Culturas complexas abrigam incontáveis subculturas e grupos contraculturais que apresentam abordagens alternativas dentro da cultura dominante. Como a inteligência, as culturas não só são diversas, são também dinâmicas. “As culturas humanas são complexas e diversas porque a inteligência humana é intrinsecamente rica e criativa. Como a inteligência, as culturas não só são diversas, são também dinâmicas.”

Culturas dinâmicas

A palavra “cultura”, no sentido biológico, implica crescimento e transformação. O mesmo pode ser dito das culturas sociais. A taxa de mudança varia muito de acordo com cada cultura e com cada época. Atualmente, temos testemunhado, em poucos anos, mudanças exponenciais em muitas comunidades culturais ao redor do mundo, à medida que a cultura se torna cada vez mais globalizada e conectada. Tanto a inteligência individual quanto a mudança cultural são dinâmicas e interativas. Áreas específicas do cérebro se iluminam quando realizamos determinadas funções: linguagem, reconhecimento de rostos e assim por diante. Em qualquer atividade, muitas áreas diferentes do cérebro trabalham em conjunto. O mesmo acontece com a cultura social. Podemos falar separadamente de tecnologia, economia, sistemas jurídicos, ética e trabalho, mas uma cultura só pode ser compreendida se for levada em conta a inter-relação entre todos esses elementos.111 Um exemplo é a interação das artes com a tecnologia.

Artes e tecnologia William Shakespeare foi um dos maiores escritores da história. Ele foi prolífico e talentoso. Mas sua obra consistiu quase totalmente de peças teatrais e poesia. Ele não escreveu romances. Por que será? Um romance pareceria ser a forma natural de expressão para um dos maiores contadores de histórias do mundo. Shakespeare não escreveu romances porque a ideia provavelmente nunca lhe passou pela cabeça. Ele viveu no século XVI. O romance só se desenvolveu como uma forma de arte no século XVIII, na esteira da impressão e do surgimento de uma grande classe letrada com apetite por narrativas extensas. Com mais pessoas alfabetizadas e a melhoria

dos métodos de impressão, o romance, como o conhecemos agora, começou a tomar forma. A orquestra moderna é um kit de ferramentas que possibilita certos tipos de música. A tradição musical clássica da Europa ocidental evoluiu com o avanço da orquestra e seus instrumentos de metal ou madeira. A música clássica seria completamente diferente hoje sem os instrumentos de cordas, metais e instrumentos de sopro e os sons que esses instrumentos possibilitaram para compositores e músicos. As artes visuais evoluíram lado a lado com a tecnologia. Pintores e escultores passaram séculos registrando a imagem de pessoas, lugares e eventos. Esse foi um de seus principais papéis e fontes de renda. A invenção da fotografia acabou com esse monopólio, disponibilizando um método rápido, barato e fiel de registro visual. A nova tecnologia levou a inflamados debates na Academia Real Inglesa sobre o novo status dos artistas. Alguns temiam que a fotografia levasse à morte da pintura. Outros se perguntavam se uma fotografia poderia ser considerada uma obra de arte. Na realidade, a fotografia estava quebrando os moldes nos quais as ideias estabelecidas sobre a arte tinham sido formadas. Como Walter Benjamin (1892-1940) observou, a questão não era se uma fotografia podia ser uma obra de arte, mas o que o desenvolvimento da fotografia implicava para a definição da própria arte.112 Quando a fotografia evoluiu, no decorrer do século XX, para se transformar em uma forma de arte por si só, ela passou a ser vista não tanto como uma ameaça às artes visuais, mas como uma forma de liberação. Livres das restrições das obras figurativas, os pintores passaram a explorar novas possibilidades: da expressão de sentimentos pessoais aos limites da forma visual pela arte abstrata e conceitual. Inovações tecnológicas na produção

de tintas e pigmentos também abriram novos horizontes criativos na pintura. O impressionismo foi facilitado, em parte, pela invenção de tubos de metal flexíveis para o transporte da tinta, facilitando para os pintores trabalhar ao ar livre e captar os momentos fugazes de luz e paisagens. Da mesma forma como os pintores temiam que a fotografia pudesse levar à morte da pintura, muita gente achou que o cinema seria o fim do teatro. Nenhuma das duas previsões aconteceu. Depois do advento do cinema, o teatro foi lançado em um novo período de inventividade e inovação, especialmente nas décadas de 1920 a 1950. As tecnologias são neutras. O que conta é quem as utiliza e para quê. Qualquer ferramenta nas mãos de um artista pode resultar em uma obra de arte. Uma caneta hidrográfica ou um processador de texto podem ser usados para compor uma excelente literatura ou rabiscar uma lista de compras. Uma câmera nas mãos de um artista pode produzir uma arte tão instigante quanto qualquer obra produzida usando pincéis e tintas. “É uma característica interessante da mudança cultural que, por um tempo, as novas tecnologias tendem a ser usadas para fazer a mesma coisa de sempre.” Por um tempo, as novas tecnologias tendem a ser usadas para fazer a mesma coisa de sempre. Os primeiros fotógrafos enquadravam as pessoas para imitar um retrato como se fosse uma pintura a óleo. Com a evolução da tecnologia, os fotógrafos descobriram que podiam registrar momentos e eventos que a pintura não tinha como registrar. A invenção da câmera portátil Brownie por George Eastman em 1900 levou a fotografia às massas e transformou a cultura popular. Por um tempo, os primeiros filmes copiaram as convenções do teatro. Os diretores

utilizavam uma câmera imóvel em um melodrama convencional e filmavam o que se passava diante da câmera. À medida que as câmeras ficavam mais leves, eles perceberam que podiam mudar ângulos e locais e a invenção do foco móvel possibilitou imagens mais intimistas. Com os cineastas fazendo experimentos com essas novas possibilidades técnicas, a linguagem cinematográfica começou a se formar e, em consequência, os filmes se tornaram um campo diferenciado de criação artística. A tecnologia e a criatividade estão em uma constante sinergia. As novas tecnologias apresentam novas possibilidades para o trabalho criativo e o uso criativo das tecnologias leva a evoluções tecnológicas. Câmeras e pigmentos evoluíram à medida que os artistas foram inventando novas técnicas para usá-los; instrumentos musicais e técnicas de gravação evoluíram com as ambições criativas de músicos e produtores. Hoje, as tecnologias digitais proporcionam a pessoas do mundo todo ferramentas sem precedentes para aplicar sua criatividade no som, design, ciências e artes. E, ao usar essas ferramentas, os usuários criam novas redes e aplicações que interagem com o design e a produção de software e hardware em todos os níveis. À medida que a revolução digital acelera, podemos esperar modos ainda mais radicais de produção criativa, cujas consequências são tão difíceis de prever agora quanto as consequências da fotografia o foram para os artistas da era vitoriana.

O que você quer dizer? Um dos exemplos mais claros da natureza dinâmica da cultura é a velocidade na qual as línguas faladas evoluem. Todas as línguas vivas estão mudando. Novas palavras e expressões surgem continuamente para acomodar novas

situações, ideias e sentimentos. O Oxford English Dictionary publica suplementos para incluir novas palavras e expressões que entraram no idioma. Algumas pessoas deploram esse tipo de coisa e veem essas novas palavras como um desvio do inglês correto. Mas foi só no século XVIII que foi feita uma tentativa de formalizar a ortografia e a pontuação da língua inglesa. A linguagem que falamos no século XXI seria praticamente ininteligível para Shakespeare, assim como a linguagem dele para nós. Alvin Toffler estimou que Shakespeare provavelmente entenderia apenas cerca de 250 mil das 450 mil palavras de uso geral na língua inglesa hoje. Isto é, se Shakespeare se materializasse hoje em Londres, ele entenderia, em média, só cinco de cada nove palavras do nosso vocabulário. Como diz Toffler, se estivesse aqui agora, “o Bardo seria semiletrado”.113 “Se Shakespeare se materializasse em Londres hoje, ele seria semiletrado.”

Teoria e ideologia Um terceiro exemplo é composto das interações entre a teoria e a ideologia. No Capítulo 4, falei sobre o poder das ideias geradoras. O senso comum sugere que as velhas teorias são substituídas assim que surgem teorias novas e melhores, capazes de explicar melhor as evidências. Mas nem sempre é o que acontece. Na prática, as teorias podem ser tão sujeitas aos modismos quanto o comprimento de saias ou o corte das lapelas. Boa parte das teorias permanece relegada a um relativo esquecimento. Cientistas, artistas e filósofos do mundo todo estão continuamente produzindo novas ideias de todo tipo. Mas determinadas ideias podem ser subitamente adotadas pelas massas. Como algumas ideias passam a

dominar as outras? Nem sempre é por serem melhores ou mais ponderadas. Outros fatores estão em ação. As teorias são aceitas não só porque foram criadas, mas também porque atendem a uma necessidade. Os testes de inteligência instigam o interesse de políticos e muitos educadores desde os anos 1900 até os dias atuais, apesar das muitas falhas conceituais e metodológicas, dos altos custos sociais desses sistemas e de todos os outros problemas. Teorias naturalistas da educação foram influentes nos anos 1950 e 1960 não só por estarem de acordo com a percepção dos fatos, mas por expressarem as crenças de toda uma geração de professores. “As teorias são aceitas não só porque foram criadas, mas também porque atendem a uma necessidade.” O objetivo das teorias é explicar alguma coisa. Elas muitas vezes são aceitas também por outras razões, não só como uma consequência do desenvolvimento progressivo de ideias melhores. A importância da teoria não é só explicativa, mas também ideológica. Em um sentido importante, a teoria é expressiva. Ela é parte, mas só uma parte, da complexa teia dinâmica da cultura humana.

Diferenças distintas A cultura consiste em ideias e crenças que constituem o que os filósofos chamam de Weltanschauung, ou visão de mundo. Visões de mundo diferentes levam a diferentes formas de comportamento. Vemos exemplos de Weltanschauungen nos mundos distintos retratados em romances, filmes e peças de teatro. Em cada peça de teatro e em cada gênero, apenas certos tipos de

comportamento fazem sentido; os mesmos comportamentos em outro contexto poderiam ser incompreensíveis. O dramaturgo Nicholas Wright argumenta que o trabalho do escritor, do diretor e dos atores é definir um mundo no qual a ação é plausível. Por exemplo, em The Changeling, a tragédia jacobina dos dramaturgos Middleton e Rowley, a única alternativa que a heroína Beatrice Joanna vê ao se casar com seu indesejado pretendente é assassiná-lo: “Hoje em dia, as jovens veriam outras possibilidades. Mas essas possibilidades não têm lugar na produção da peça. O trabalho do diretor é apresentar um mundo social onde nenhuma outra escolha está disponível para ela, e é o trabalho da atriz apresentar uma mulher incapaz de imaginar outra opção”.114 As culturas são sistemas de permissão. Elas têm os próprios códigos de comportamento, formas de linguagem, regras de vestimenta e observância. Algumas formas de comportamento são recompensadas e outras, sancionadas. A permissão pode ser formal (consagrada na forma de leis e imposta por punição judicial) ou informal (incorporada em atitudes sociais e reforçada em tons de voz e linguagem corporal). Violar as convenções do grupo requer coragem e carrega em si o risco de exclusão. Se analisarmos os códigos e as  convenções de outras comunidades, especialmente as mais distantes de nós no tempo ou geograficamente, é fácil ver como elas são diferentes. É mais difícil saber como deve ser viver nessas comunidades. O que nos impressiona quando lemos romances e peças de teatro escritas em épocas diferentes não são apenas as diferentes circunstâncias nas quais as pessoas viviam, mas como elas viam as coisas, o que importava para elas e por que sentiam o que sentiam. Relatos factuais de outras culturas não têm como transmitir essas nuances. Para tanto, precisamos ouvir a música, comer a comida, absorver as imagens, ouvir a

poesia e dançar a dança das outras culturas. Tudo isso são manifestações das sensibilidades que fazem das diferentes culturas o que elas são. Hoje, muitas pessoas vivem em comunidades culturais entrelaçadas. Adultos que migram para outro país ou região muitas vezes se veem culturalmente à deriva. Seus filhos muitas vezes se tornam biculturais ou multiculturais. Eles podem falar duas ou mais línguas, uma na escola ou no trabalho e outra em casa. Essas pessoas precisam mudar suas sensibilidades culturais à medida que transitam entre esses grupos e seus diferentes códigos e costumes. A socialização das crianças baseia-se em parte na necessidade da sociedade de “garantir uma base de expectativa estável. Essa estabilidade depende de essas expectativas serem constantemente concretizadas, apesar das mudanças de pessoal”. Isso não quer dizer que as convenções não evoluam. Elas evoluem, especialmente de uma geração à outra. Embora cada geração tente passar seus genes culturais à próxima, a nova geração pode desenvolver suas próprias maneiras de fazer as coisas, em reação aos pais e em resposta ao mundo herdado. A nova geração reproduz muitos aspectos da cultura, “mas passa a vida inteira sentindo-se diferente em certos aspectos e direcionando sua resposta criativa a uma nova estrutura de sentimentos”.115 “As culturas humanas estão em constante evolução por meio dos pensamentos, sentimentos e ações das pessoas que vivem nelas.”

A vida não é linear

“Cultura” é um termo orgânico que sugere crescimento e desenvolvimento. As culturas humanas estão em constante evolução por meio dos pensamentos, sentimentos e ações das pessoas que vivem nelas. Tal qual o decorrer da vida de cada pessoa, a dinâmica da mudança cultural não é nem linear nem fácil de prever. Ambos são orgânicos e complexos. É difícil entendê-los em retrospecto e quase impossível antevê-los. Nos anos 1950 e 1960, o rock and roll varreu o mundo ocidental como um tsunami. O movimento uniu uma geração de baby boomers e deixou muitos pais horrorizados. As estrelas do rock and roll se inspiraram em enorme variedade de fontes culturais: o blues, o country e o western, o jazz e o swing, música folclórica tradicional e muitas formas de dança. É impossível imaginar um comitê do governo planejando a trajetória do rock and roll. Ninguém poderia ter previsto sua influência cultural. Pelo contrário, todos os políticos que pararam para pensar a respeito tentaram bani-lo. O fenômeno se espalhou com tamanha velocidade devido a uma mistura explosiva de energia criativa e rebelião cultural. Seria possível dizer que o sucesso do rock and roll resultou de questionar a Weltanschauung dominante e expressar um novo Zeitgeist: uma nova filosofia e espírito do tempo. Ou algo parecido. É interessante notar que a explosão do rock and roll na Grã-Bretanha dos anos 1960 e 1970 teve pouca ou nenhuma influência do treinamento formal em música. Alguns dos roqueiros mais notáveis não estudaram em conservatórios de música, mas fizeram faculdade de arte. As tradições pedagógicas das faculdades de arte lhes proporcionaram um clima de experimentação, criatividade pessoal e cultura hip que não se fazia presente nas escolas mais formais de música. As faculdades de arte ofereceram um inesperado terreno fértil para a cultura do rock,

constituindo um exemplo da natureza não linear das tendências culturais. Um segundo exemplo de não linearidade é o crescimento explosivo das mídias sociais. Quando Bill Gates e Paul Allen trabalharam no crescimento de sua nova empresa, a Microsoft, na década de 1970, quando Steve Jobs e Steve Wozniak criaram seu computador pessoal alternativo na década de 1980, quando Tim Berners-Lee se perguntou na Suíça se seria possível conectar bancos de dados informatizados em uma rede mundial de computadores, nenhum deles tinha em mente os fenômenos que possibilitariam no início do século XXI. Google, Twitter, Facebook, Flickr e milhares de outras formas de mídia social estão se espalhando como um vírus por toda a cultura global. Eles são impelidos por um impulso humano primitivo de se conectar com as outras pessoas e compartilhar ideias e informações. As tecnologias mais sofisticadas só têm o poder de mudar o mundo quando se conectam com os instintos humanos básicos. Quando isso acontece, sua influência é irrefreável. Um terceiro exemplo é o destino do telefone. Na última década, o celular passou a ser a plataforma dominante das comunicações digitais. Desde o advento do smartphone, milhões de aplicativos converteram o dispositivo em uma fonte inesgotável de possibilidades digitais. Os recursos musicais, visuais e os games dos smartphones deixam pouco tempo ou inclinação para ligações telefônicas. Os jovens preferem trocar mensagens de texto. Desde que o smartphone chegou ao mercado, as chamadas de voz despencaram, juntamente com as receitas das empresas de telefonia, no início tão interessadas em incentivar a venda dos celulares. Essa, como muitas outras tendências culturais, pegou as empresas de telefonia de surpresa e foi, em grande, parte impossível de prever.

A teia de conhecimento O conhecimento cultural é uma teia complexa da qual uma pessoa sozinha só tem como conhecer uma parcela minúscula. Todo mundo pode alegar ser relativamente bem informado das novidades ou até ser um especialista em algo. Mas, na maioria das áreas, somos meros amadores ou totalmente ignorantes. Dependemos do conhecimento dos outros para entender o mundo e recebemos esse conhecimento de várias formas: histórias, relatos, teorias, sistemas de crenças e assim por diante. “A criatividade se baseia em fazer conexões e em geral avança mais em colaboração do que com tentativas individuais.” Sempre foi assim, mas se acredita que o conhecimento humano esteja dobrando a cada dez anos e a taxa de expansão está acelerando. Uma das consequências é uma especialização cada vez mais intensa, com a tendência a saber cada vez mais sobre menos coisas. À medida que o conhecimento se expande, a especialização é inevitável. O risco é perder de vista a conexão entre as ideias e o modo como elas se baseiam umas nas outras. A produção da ciência moderna é tão rápida, por exemplo, que uma pessoa só tem como entender uma parte irrisória. Um matemático em geral só tem como dominar uma pequena parte da matemática. É raro um matemático capaz de entender mais de meia dúzia de cinquenta trabalhos apresentados em um congresso matemático. De acordo com Michael Polanyi, a linguagem na qual os outros trabalhos são apresentados “é compreensível para a pessoa apenas quando segue as seis palestras mais próximas a sua especialidade. Somando-se a isso a minha própria experiência em química e física, parece-me que a

situação pode ser semelhante em todos os principais campos científicos, de modo que um cientista pode avaliar com competência apenas cerca de um centésimo da produção atual total da ciência”.116 A criatividade fundamenta-se em fazer conexões e, com muita frequência, como veremos no próximo capítulo, ela avança mais em colaboração do que com tentativas individuais. As organizações que impõem fronteiras rígidas entre especialidades podem inibir a inovação. Um bom exemplo é a divisão entre as artes e as ciências na educação. Artistas e cientistas podem colaborar entre si e descobrir um território em comum. Dois exemplos são novos métodos nas ciências sociais e projetos inovadores vinculando as artes com as ciências naturais.

“Descrição densa” Os primeiros psicólogos esperavam produzir explicações científicas para a personalidade e o comportamento da mesma forma que os físicos estavam explicando o comportamento dos ímãs e as forças da gravidade. Nas ciências físicas, essas leis são usadas para prever eventos futuros. Os ímãs não apresentam determinados comportamentos só de vez em quando ou só às terçasfeiras. Eles têm um comportamento consistente. Não seria ótimo se o comportamento humano pudesse ser compreendido e previsto da mesma forma? Os pioneiros das ciências sociais, especialmente da antropologia, também usaram a física e química como modelos para seu trabalho. Eles tentaram agir como se estivessem ocupando uma zona livre da cultura, da qual poderiam tirar conclusões imparciais e “objetivas” sobre as pessoas que estudavam. Com o tempo, os cientistas sociais reconheceram que essa abordagem é problemática e que, em muitos aspectos, o mundo humano não é muito

parecido com o mundo das ciências naturais. Um oceanógrafo que monitora o movimento das marés não tenta entender as motivações da maré. O mundo inanimado não tem motivações. Ele só faz o que faz. Os cientistas dessas áreas tentam entender o como, não o porquê. O mundo físico não deve lealdade alguma a uma determinada interpretação. Apesar das sucessivas reformulações da teoria científica, o universo físico continua sendo o que é. O que muda é a nossa interpretação. O mesmo não pode ser dito do mundo social. As pessoas têm suas razões para fazer o que fazem, mesmo se essas razões forem inconscientes ou incompreendidas. Isso complica o trabalho dos cientistas sociais. Eles também têm os próprios preconceitos, que podem deturpar o que observam e suas interpretações. Os primeiros antropólogos europeus, por exemplo, tendiam a retratar as outras culturas, especialmente as culturas pouco conhecidas da África, Ásia e América, como primitivas, com sistemas de crenças relativamente infantis. Os estudos contemporâneos aprofundam-se na experiência vivida das outras culturas com o objetivo de entendê-las nos próprios termos delas. Para Clifford Geertz, a tarefa do cientista social é basicamente descrever e interpretar. Entender as culturas humanas, diz ele, “não é uma ciência experimental em busca de leis, mas uma ciência interpretativa em busca de significado”.117 Juntamente com os métodos convencionais de análise estatística, os cientistas sociais estão usando cada vez mais técnicas etnográficas e formas de descrição narrativa, que Geertz chama de “descrição densa”, espelhando as habilidades dos escritores de viagens e romancistas.

Artes e ciências

Muitos cientistas têm um grande interesse pelas artes e um número crescente de artistas se inspira em ideias científicas. Alguns estão usando tecnologias avançadas para produzir novas formas de expressão artística. Os cientistas também se inspiram nas artes e no trabalho com os artistas. Um exemplo é a colaboração entre o design de moda e as ciências biológicas.

Linha primitiva Entre a fertilização do óvulo e uma forma humana reconhecível, uma única célula se divide várias vezes para produzir milhões de células. Sem controle, a proliferação celular leva ao câncer, e a regulação da produção celular durante o desenvolvimento do embrião garante que os tipos certos de células sejam formados no lugar certo e no momento certo. A biologia ainda não sabe exatamente como isso acontece. No projeto Primitive Streak, a estilista Helen Storey e sua irmã Kate Storey, bióloga do desenvolvimento, trabalharam em uma coleção de moda que registra as primeiras mil horas da vida humana. A coleção e os materiais de pesquisa foram exibidos em toda a Europa, Estados Unidos e China, em museus de arte e instalações científicas. A exposição atraiu dezenas de milhares de visitantes e questionou a crença comum de que a ciência e a arte são dois mundos isolados. Segundo Helen Storey, a característica mais notável dos muitos grupos que visitaram a exposição foi sua diversidade: jovens e velhos, apaixonados pela arte, pessoas que dedicaram a vida à ciência e praticamente qualquer pessoa entre esses extremos.118

O poder das ideias Como Victor Hugo afirmou, “nada é mais poderoso do que uma ideia que chegou no tempo certo” e há uma grande

relação entre as teorias e a cultura popular. A maioria das pessoas não tem muito tempo para teorias, mas suas vidas são permeadas por ela. Ideias nascidas em laboratórios de cientistas, estudos de filósofos e obras de artistas podem imiscuir-se profundamente na cultura sem que percebamos.119 A linguagem contemporânea usa muitos jargões da psicologia, por exemplo. Conversas de bar referem-se ao ego, impulso sexual, complexo de Édipo e outras ideias freudianas como se fossem simples fatos da vida, em vez de proposições teóricas do século XIX. As mães criam seus bebês de acordo com os modismos e as modas das teorias do desenvolvimento (amamentar ou não, brincar ou não com eles, estimulá-los com música ou imagens), dependendo da taxa de infiltração da teoria na cultura. Às vezes, o gotejamento se transforma em uma torrente. Na década de 1960, um grupo heterogêneo de mulheres, incluindo Gloria Steinem e Germaine Greer, desencadeou um verdadeiro tsunami de mudanças com uma série de livros sobre o feminismo. Para muitas pessoas, especialmente os homens, o feminismo foi um trauma. O movimento pôs por terra as fundações sobre as quais as pessoas construíram o que elas sabem sobre si mesmas, suas famílias, seus parceiros e suas vidas. Derrubou ideias de longa data sobre o que seria uma vida normal: que os homens eram o sexo dominante; que o lugar da mulher era em casa; que o sexo era um prazer masculino e um dever feminino; que os homens tinham grandes ideias e que as mulheres eram cuidadoras e podiam chorar. Essas ideias, como todas as ideias geradoras, penetraram em todos os campos de pensamento. Elas ajudaram a reformular a história das artes e das ciências, mudando a perspectiva sobre as realizações de homens e mulheres célebres e desenterrando a obra de pessoas esquecidas na história.

As ideias feministas questionaram a estrutura da vida profissional que impulsionava os homens ao topo e mantinha as mulheres à margem do sucesso nas empresas e afetaram os relacionamentos tanto nas comunidades quanto em casa. Nos quarenta anos seguintes, essa onda de feminismo seguiu o caminho clássico de uma grande ideia geradora: empolgação inicial, seguida de refinamento progressivo e discussões herméticas sobre questões interpretativas obscuras. Nos anos 1990, o feminismo deu lugar a uma nova fase do pensamento pós-feminista, na qual alguns dos princípios básicos iniciais também foram reformulados. Com o tempo, as ideias revolucionárias da primeira onda feminista foram sendo absorvidas pela cultura dominante. A própria palavra “feminismo”, a necessidade de direitos iguais e o conceito de assédio sexual passaram a fazer parte do léxico social e político. As batalhas estão longe de ser vencidas, mas as regras do combate estão muito mais claras. As novas ideias nem sempre são novas e raramente surgem do nada.120 As ideias centrais do movimento feminista dos anos 1960 já tinham sido expressas no passado. Dos escritos de Mary Wollstonecraft no século XVIII, passando pelos sacrifícios das sufragistas no início do século XX, muitas pessoas influenciaram a perspectiva feminista muito antes de o feminismo se tornar forte na década de 1960. As obras de muitas mulheres se perderam nos cânones da cultura masculina dominante que elas se propuseram a criticar. As  ideias feministas só conseguiram firmar raízes em função das sensibilidades e condições da época. Elas surgiram dessas condições e ajudaram a influenciá-las. O feminismo se desenvolveu lado a lado com os avanços tecnológicos. A liberdade sexual passa a ser um princípio mais prático quando formas baratas e eficazes de contracepção colocam as

mulheres no controle da própria fertilidade. Antes disso, o avanço das mulheres era refreado pelas incertezas da gravidez e da maternidade. Mas o feminismo também fez parte das políticas gerais de liberação dos anos 1960 e 1970 e interagiu com o movimento dos direitos civis na Europa e nos Estados Unidos, com o antiautoritarismo ao redor do mundo, a necessidade de autodeterminação e o surgimento da visão centrada na autorrealização dos baby boomers. Ao apresentar uma convincente análise intelectual, as teóricas do feminismo ajudaram a articular uma nova estrutura de sentimentos. Quais serão as implicações do feminismo da década de 1960 para a civilização? Tal qual a Revolução Francesa, ainda é cedo para saber.

Uma cultura de criatividade? A cultura é o florescimento da criatividade. O pensamento criativo tem mais chances de vicejar em determinadas condições culturais. Quais são as implicações disso tudo para criar uma cultura de criatividade em comunidades e organizações, incluindo escolas e empresas? O que os líderes devem fazer para promover a inovação? Não existe uma estratégia única nem um modelo aplicável a todos os contextos, especialmente porque nenhuma cultura criativa é igual à outra, mas alguns princípios se aplicam às organizações criativas mais eficazes. No próximo capítulo, analisarei as implicações práticas dos argumentos que apresentei no decorrer deste livro e identificarei nove princípios para desenvolver uma cultura de criatividade.

9 Sendo um líder criativo

“Só é possível criar uma cultura de inovação se a iniciativa vier do topo da organização. O endosso e o engajamento dos líderes fazem toda a diferença para promover as mudanças necessárias.”

Promovendo uma cultura de inovação As organizações costumam falar mais de inovação do que de criatividade e há uma distinção entre as duas. Uma cultura de inovação depende do cultivo de três processos, todos relacionados. • Imaginação, que é a capacidade de usar a mente pa pensar em coisas que não estão presentes para os noss sentidos. • Criatividade, que é o processo de ter ideias originais co algum valor. • Inovação, que envolve colocar ideias originais em prática A inovação pode se concentrar em qualquer aspecto do trabalho de uma organização, como produtos, serviços ou sistemas. Ela pode ser o objetivo, mas precisa começar com a imaginação e a criatividade. Tentar desenvolver a inovação

sem antes desenvolver os poderes criativos e imaginativos dos quais ela depende seria como um atleta esperar ganhar a medalha de ouro sem qualquer intenção de se exercitar antes da prova. Assim como o sucesso no atletismo depende do desenvolvimento da aptidão física, uma cultura de inovação depende do exercício dos poderes imaginativos e criativos que a possibilitam. E, como se isso não bastasse, segundo Theresa Amabile, “a criatividade de pessoas e a criatividade de equipes constituem um ponto de partida para a inovação. A primeira é uma condição necessária, mas não suficiente, para a segunda”.121 Então, o que é preciso para desenvolver uma cultura de inovação? Uma grande companhia aérea pediu a minha ajuda para melhorar a coordenação entre a administração sênior e a equipe de linha de frente, que lidava diretamente com os clientes. A equipe tinha muitas ideias para melhorar o atendimento ao cliente, mas a liderança não estava levando as sugestões a sério. Perguntei ao representante da empresa que me procurou o que o CEO achava da situação. Ele disse que o CEO não via problema algum, mas que a empresa nomearia um novo CEO em seis meses. “Neste caso”, eu disse, “volte a me procurar quando o novo CEO estiver no cargo”. Pela minha experiência, se o CEO não vê problema algum, esse é que pode ser o problema. Só é possível criar uma cultura de inovação se a iniciativa vier do topo da organização. Justiça seja feita, alguns líderes têm razão em ficar ansiosos ao pensar em promover a inovação na empresa. Eles temem que vão precisar apresentar um fluxo constante de novas ideias. A boa notícia é que o papel de um líder que se propõe a promover a criatividade na organização não é ter todas as ideias, mas cultivar uma cultura onde todos podem ter novas ideias. Eles também se preocupam com a possibilidade de que liberar a criatividade leve ao caos e ao descontrole. A boa notícia é que criatividade não é sinônimo de anarquia. A criatividade e a inovação são mais eficazes quando há um equilíbrio entre a liberdade de experimentar e

bons sistemas de avaliação. Esses temores causados pela inovação muitas vezes resultam da mentalidade antiga de comando e controle. Promover a criatividade envolve ao mesmo tempo mais e menos que comando e controle. “As organizações não são mecanismos e as pessoas não são componentes. As pessoas têm valores e sentimentos, percepções, opiniões, motivações e biografias que engrenagens e rodas dentadas não têm.”

Mecanismos e organismos Em 1900, Frederick Taylor publicou Os princípios da administração científica. Sua premissa era que as empresas deveriam funcionar como máquinas e que o principal papel da liderança era melhorar a lucratividade aumentando a produtividade. Cada trabalhador deveria ter um papel claramente diferenciado e cada tarefa deveria ser meticulosamente concebida para fazer o melhor uso do tempo, esforço e recursos da empresa. No centro da abordagem de Taylor estavam os princípios de padronização, rotinas fixas e divisão do trabalho. As teorias de Taylor tiveram profundos efeitos sobre o estilo de administração de organizações do mundo todo. Foi com base nesses princípios que Henry Ford desenvolveu o sistema de produção do Modelo T. O “fordismo”, como era conhecido, foi adotado como o modelo de produção industrial durante a maior parte do século XX e influenciou culturas de muitos outros tipos de organização. O taylorismo e o fordismo continuam, em várias formas, a influenciar as culturas corporativas até os dias de hoje, incluindo o movimento de Gestão da Qualidade Total da década de 1980 e a estratégia do Seis Sigma da Motorola.122 Os organogramas de muitas organizações são padrões de caixas organizadas em hierarquias, com linhas horizontais e verticais indicando as direções de poder e responsabilidade. Essas imagens reforçam a impressão de que as organizações

de fato são como máquinas. Buscar a utilização ideal dos recursos e reduzir o excesso de capacidade para aumentar a produtividade podem até ser bons objetivos, mas pensar na organização como uma máquina é hostil a uma cultura de inovação da qual depende o futuro da maioria das organizações. O taylorismo não é a única solução. Nos últimos quarenta anos, a cultura organizacional tem sido foco de muitos estudos. Foram desenvolvidas incontáveis escolas alternativas de pensamento, sendo que muitas questionam a metáfora mecanicista. Peter Drucker, Jim Collins, Warren Bennis, Tom Peters, Charles Handy, Rosabeth Moss Kanter, Clayton Christensen, Meg Wheatley, Theresa Amabile e muitos outros esclareceram as complexidades das organizações e os diferentes estilos de gestão e liderança. Faculdades de administração geraram uma montanha de pesquisas e bibliotecas inteiras de periódicos e livros sobre todos os aspectos da cultura corporativa. Um número cada vez maior de organizações passou a reconhecer a necessidade de inovação sistemática e muitas abordagens foram criadas de acordo com o porte da organização e sua área de atuação. Sabendo ou não, muitas delas estão adotando uma metáfora diferente de cultura organizacional. Por mais sedutora que seja a metáfora da máquina para a produção industrial, as organizações humanas não são mecanismos e as pessoas não são componentes. As organizações são formadas por pessoas, relacionamentos e energias. São comunidades vivas que dependem das ações e dos propósitos das pessoas que as povoam. Elas são muito mais parecidas com organismos. Promover uma cultura de inovação depende de conhecer as diferenças entre essas duas metáforas e de saber transitar entre elas.

Dois desafios culturais As organizações estão diante de dois desafios culturais: externo e interno. No mundo natural, organismos bem-

sucedidos vivem em simbiose com o ambiente, extraindo nutrientes e energia e, em troca, enriquecendo o ambiente. É claro que isso nem sempre é verdade. Alguns organismos destroem o ambiente hospedeiro sugando-lhe toda a vida. Eles são chamados de parasitas. Todo mundo sabe que é exatamente isso que algumas empresas fazem com seu ambiente. Vamos supor que estamos falando de organizações que têm como objetivo ser éticas, sustentáveis e benéficas. Estas precisam de uma cultura interna vibrante, em sinergia com o ambiente em constante mudança no qual estão tentando crescer. A tarefa do líder criativo é promover essa relação entre as culturas externa e interna. “A tarefa do líder criativo é promover um relacionamento resiliente entre as culturas externa e interna.” Os desafios impostos pela cultura externa incluem inovações tecnológicas, mudanças populacionais, novos padrões comerciais, flutuações nas políticas fiscal e monetária, concorrência global, restrições de recursos naturais e os efeitos de tudo isso sobre os clientes. A cultura interna pode ser vista em termos de hábitos e hábitats. Por hábitos, refiro-me aos padrões do trabalho do dia a dia. Eles incluem as estruturas de gestão e a accountability: as relações horizontais entre divisões e as relações verticais entre níveis de gestão. Os hábitos também incluem todos os códigos informais de comportamento que dão a cada organização uma atmosfera única. Por hábitats, refiro-me aos ambientes físicos nos quais as pessoas trabalham: a estrutura dos edifícios, o design dos espaços de trabalho, dos equipamentos e mobiliário. O hábitat físico pode afetar profundamente a cultura e o clima organizacional.

Os papéis e os princípios do líder criativo

Promover a criatividade na organização requer assumir papéis estratégicos em três áreas: pessoal, de grupo e cultural. Cada uma dessas áreas envolve três princípios básicos de prática. Não são fases ou etapas lineares. Elas devem alimentar-se uma à outra em um ciclo contínuo de enriquecimento mútuo.

Papel pessoal O primeiro papel do líder é: Promover as habilidades criativas de todos os membros da organização.

Princípio 1: Todo mundo tem um potencial criativo Passei um tempo prestando consultoria para uma organização cultural internacional que também tem um importante museu de arte. Um dia, eu estava almoçando com o chefe da segurança, que estava bastante irritado. Quando quis saber por que, ele me perguntou se eu tinha ouvido falar do estudo que a administração sênior tinha contratado para propor maneiras de melhorar a “experiência dos visitantes” do museu. Eu estava sabendo do estudo e sabia que uma consultoria de Nova York tinha sido contratada para conduzi-lo. Perguntei qual era o problema. Ele respondeu: “Não seria mais fácil eles perguntarem para a gente?”. “Para que floresça, a inovação deve ser vista como um propósito integral de toda a organização e não como uma atividade à parte.” Ele chefiava uma grande equipe de segurança que passava grande parte do tempo nas galerias e corredores, nos estacionamentos e espaços públicos do museu, interagindo com os visitantes e esclarecendo dúvidas. Eles ajudavam os visitantes a encontrar os restaurantes e toaletes, indicavam o

caminho para as exposições e não raro para obras específicas. Ele disse: “A minha equipe deve saber mais sobre a experiência dos visitantes do que qualquer outro grupo desta organização, mas a administração prefere pagar uma pequena fortuna a uma consultoria externa que nunca pisou aqui antes. E eles nem se deram ao trabalho de nos consultar. Parece que eles acham que o único papel dos seguranças é dar um tapinha na mão das pessoas que tentam tocar as obras de arte”. As organizações geralmente associam criatividade com áreas específicas, como marketing, design e publicidade. É bem verdade que essas áreas podem ser muito criativas, mas a criatividade e a inovação são possíveis em tudo o que uma organização faz. Para que floresça, a inovação deve ser vista como um propósito integral de toda a organização e não como uma atividade à parte. Cada pessoa de uma organização tem experiências diferentes e ideias diferentes para melhorá-la. Em 2001, a Gallup publicou um estudo estimando que “funcionários ativamente descomprometidos” custavam à economia, só dos Estados Unidos, entre US$ 292 bilhões e US$ 355 bilhões por ano.123 Estudos posteriores mostram que os funcionários comprometidos são mais produtivos, lucrativos e têm relacionamentos mais fortes com os clientes. Os funcionários comprometidos são mais motivados a ter ideias criativas para melhorar os processos de negócios e o atendimento ao cliente. Segundo a Gallup, 59% dos “funcionários comprometidos” concordaram firmemente que seu trabalho trazia à tona suas ideias mais criativas, enquanto apenas 3% dos “funcionários ativamente descomprometidos” disseram o mesmo. Conheço muitas pessoas que não gostam do trabalho que fazem. Elas só o suportam. Não é a missão da vida delas. Elas só trabalham para pagar as contas. Também conheço pessoas que adoram o que fazem e não se imaginam fazendo outra coisa. Elas estão em seu elemento. Dizer que uma

pessoa está em seu elemento significa, antes de mais nada, que ela está fazendo um trabalho para o qual tem uma aptidão natural. Pode ser qualquer tipo de trabalho: administração, design, educação, culinária, trabalhar sozinho ou em equipe. A base da diversidade é que as pessoas são boas em fazer coisas muito diferentes: o que desanima uma pessoa pode ser irresistível para outra. Não basta ser bom em alguma coisa. Muitas pessoas fazem bem seu trabalho, mas não gostam muito dele. E, naturalmente, estar em seu elemento não envolve apenas aptidão, mas também requer paixão, amar o que você faz. Quando você está fazendo algo que adora, o tempo muda e uma hora pode parecer cinco minutos. Se você não estiver em seu elemento, cinco minutos podem parecer uma hora. Parece que o relógio para e o tempo se arrasta. Estar em seu elemento implica mobilizar sua energia natural e seu eu mais autêntico. Quando isso acontece, como Confúcio disse, você nunca mais precisa trabalhar. Promover a criatividade na organização implica garantir que todos mobilizem seus pontos fortes criativos e se sintam valorizados por suas contribuições para o desempenho da organização. Toda organização abriga todo tipo de talentos e habilidades inexplorados. As pessoas de uma empresa têm diferentes origens, histórias e perfis, mas é comum as empresas verem as pessoas só em termos de sua formação acadêmica passada e da descrição de cargo atual. Não basta conduzir uma auditoria formal para identificar talentos individuais na organização. Alguns testes genéricos foram desenvolvidos para avaliar o pensamento criativo, bem como várias baterias de testes para avaliar pontos fortes individuais.124 A maioria desses testes só dá uma vaga ideia de todo o potencial. Uma estratégia mais interessante envolve colocar as pessoas em situações específicas e lhes alocar tarefas desafiadoras para revelar suas habilidades. As próprias pessoas podem se surpreender com as habilidades que virão à tona. Uma empresa de publicidade de Nova York que conheço abriu a própria universidade e os funcionários

ensinam os outros. Os designers dão cursos de design gráfico; os redatores publicitários dão aulas de escrita criativa; e os contadores ensinam administração financeira. O programa incentiva a troca de ideias entre os diferentes departamentos da empresa e uma cultura comum a todos. Também desenvolve uma base de habilidades e dá uma agitada no banco de talentos internos. Várias pessoas pediram transferência para outros departamentos quando descobriram que eram boas em um tipo de trabalho diferente. “Estar em seu elemento não envolve apenas aptidão, mas também requer paixão, amar o que você faz.”

Princípio 2: A inovação é a filha da imaginação Nos estágios iniciais de um projeto, boa parte do trabalho criativo consiste em brincar com ideias, rabiscar, improvisar e explorar novas possibilidades. A qualidade do resultado muitas vezes depende de fazer novas conexões, romper as convenções e mudar a perspectiva. Uma organização criativa, segundo Peter Richards, “antes de mais nada, dá às pessoas liberdade para correr riscos; em segundo lugar, permite que as pessoas descubram e desenvolvam a própria inteligência natural; em terceiro lugar, é uma organização onde não há pergunta ‘idiota’ nem resposta ‘certa’; e, em quarto lugar, valoriza a irreverência, a animação, o dinamismo, o surpreendente, o lúdico”.125 A Pixar é um dos estúdios cinematográficos mais inovadores e aclamados da história do cinema. Desde a estreia de Toy Story, seu primeiro longa-metragem de animação, em 1995, a Pixar produziu dezessete longasmetragens, vários curtas-metragens e desenvolveu uma série de inovações tecnológicas que revolucionaram o setor. A empresa foi agraciada com mais de 210 prêmios, incluindo 27 Oscars, vários Globos de Ouro e Grammys, e ganhou mais

de US$ 10 bilhões em todo o mundo. A Pixar sabe muito sobre criatividade corporativa. A organização tem uma cultura fascinante, que inclui a Pixar University, um programa de workshops, eventos, palestras e seminários conduzidos no campus da Pixar todos os dias. A universidade oferece o equivalente a um curso de graduação em belas-artes e arte cinematográfica e mais de uma centena de cursos, incluindo cinema, pintura, desenho, escultura e escrita criativa. Todos os funcionários da Pixar, incluindo os animadores, contadores, cozinheiros, técnicos, assistentes de produção, profissionais de marketing e seguranças, têm o direito de passar até quatro horas (que são contadas como horas de trabalho) por semana estudando na Pixar University e são encorajados a fazer isso. Randy Nelson foi reitor da universidade por doze anos. Exmalabarista e cofundador da trupe de comédia e malabarismo Flying Karamazov Brothers, ele diz que a universidade faz parte do trabalho de todos porque todo mundo que trabalha na empresa é um cineasta. Todos têm acesso aos mesmos cursos e funcionários de todos os níveis sentam-se lado a lado na sala de aula. Em um curso de “Iluminação e captura de movimentos”, a turma era formada por um engenheiro de software de pós-produção, um decorador, um marqueteiro e um chef de cozinha da empresa, Luigi Passalacqua. “Eu falo a língua da comida”, disse ele. “Agora estou aprendendo a falar a língua dos filmes.” A universidade traz muitos benefícios à Pixar. Como qualquer funcionário pode fazer qualquer curso, um fluxo constante de novas ideias percorre a organização. Pessoas de diferentes áreas trabalham umas com as outras e são lembradas de que têm um propósito comum. As habilidades desenvolvidas na universidade são aplicadas por toda a organização. Uma aula de desenho faz mais do que apenas ensinar as pessoas a desenhar. Elas aprendem a ser mais observadoras, não importa o trabalho que façam. Nelson

explica: “Nenhuma empresa do planeta deixaria de se beneficiar de funcionários mais observadores”. “Ser criativo não requer apenas inspiração. Requer habilidade, destreza e um processo recíproco de avaliação crítica.” O brasão da Pixar University inclui o lema latino, Alienus Non Diutius, “Sozinho Não Mais”. Segundo Nelson, “é o centro do nosso modelo, que dá às pessoas oportunidade de errar e de se recuperar juntas dos erros”. E, principalmente, a Pixar University estimula a imaginação de todas as pessoas da empresa, revela talentos pessoais muitas vezes desconhecidos e promove a polinização cruzada da cultura por toda a organização.126

Princípio 3: Todos nós podemos aprender a ser mais criativos O brainstorming é apenas uma das várias maneiras de facilitar o primeiro modo de pensamento criativo: a geração de ideias. Raramente basta pedir às pessoas para sentar ao redor de uma mesa e ter algumas novas ideias. Em uma ocasião, eu e mais ou menos quarenta outros acadêmicos fomos enviados para fazer um treinamento chamado “Como administrar um departamento universitário”. A primeira sessão foi com sete outros chefes de departamento, incluindo professores de sociologia, engenharia, física e ciências sociais. Pouco antes do coffee break, fomos solicitados a fazer um brainstorming sobre o futuro da educação. Recebemos grandes folhas de papel em branco, canetas hidrográficas de ponta grossa e cinco minutos. (Se um dia acontecer de você perder a consciência e acordar se perguntando onde está, veja se está com uma caneta hidrográfica de ponta grossa na mão e uma folha de papel enorme à sua frente. Se for o caso, você tem grandes chances de ter desmaiado em um curso como esse.) O que

se seguiu não foi exatamente a enxurrada de ideias que tínhamos sido levados a esperar. Nem chegou a ser uma chuva, foi mais como uma leve garoa, uma ligeira condensação nas janelas. Lançamos, constrangidos, algumas ideias e nos pusemos a falar de banalidades até os croissants serem servidos. Ser criativo não requer apenas inspiração. Requer habilidade e destreza. O desenvolvimento profissional das habilidades gerais do pensamento criativo (inclusive como atuar em equipes criativas) é uma característica importante das organizações criativas, mas, como observei no Capítulo 3, as organizações muitas vezes relutam em investir nisso.127 Muitas se concentram nas necessidades imediatas ao escolher os treinamentos, o que pode ser contraproducente, uma vez que corrói a lealdade dos funcionários e o senso de propósito comum do qual as culturas criativas dependem. Para a McKinsey, a lição é clara: “Você pode até vencer a guerra pelos talentos, mas antes precisa atribuir uma altíssima prioridade à gestão dos mesmos na empresa. Feito isso, para atrair e reter as pessoas das quais precisa, você tem que criar e aperfeiçoar continuamente uma proposição de valor para os funcionários, a resposta da administração sênior para a seguinte pergunta: por que uma pessoa inteligente, dinâmica e ambiciosa preferiria trabalhar aqui e não em outro lugar? Feito isso, você deve voltar sua atenção ao recrutamento dos melhores talentos e, por fim, desenvolver, desenvolver e desenvolver um pouco mais!”. Uma solução é “formar unidades menores e mais autônomas, criar o maior número possível de cargos de responsabilidade em cada unidade e usar equipes de projeto especiais para proporcionar novos desafios e novas maneiras de trabalhar em equipe”.128 Outra solução, como a Pixar e outras organizações estão demonstrando, é criar universidades internas para desenvolver os próprios talentos. Em 1981, a Motorola foi a primeira empresa nos Estados Unidos a criar uma universidade corporativa. Hoje existem

centenas em todo o mundo.129 Uma universidade corporativa é “uma estrutura interna concebida para melhorar o desempenho individual e organizacional, garantindo que o aprendizado e o conhecimento da organização estejam diretamente vinculados à sua estratégia de negócios”. Os alunos de uma universidade corporativa são os funcionários da organização, que normalmente credencia os próprios programas de treinamento. O principal objetivo é oferecer oportunidades de aprendizagem para atingir as metas da organização. Isso é feito desenvolvendo um senso de cidadania corporativa; ensinando a equipe a entender o contexto e conhecer as prioridades da organização; e desenvolvendo habilidades e aptidões específicas para dar à organização sua vantagem competitiva. Os benefícios também são pessoais. Dei uma palestra na conferência nacional de uma rede internacional de hotéis e o evento incluiu a entrega de diplomas aos formandos da universidade corporativa da empresa. Uma ex-aluna da universidade me contou que aquela tinha sido sua primeira experiência de sucesso acadêmico. Ela teve uma boa carreira na empresa apesar de nunca ter ido bem na escola e aquela tinha sido a primeira vez em que ela fez um curso que revelou seus verdadeiros pontos fortes e lhe mostrou que ela podia ser uma boa aluna. Oferecer esse tipo de oportunidade é um papel importantíssimo de um líder interessado em promover a criatividade na organização e uma das recompensas de uma cultura criativa.

Papel do grupo O segundo papel de um excelente líder é: Formar e ajudar equipes criativas dinâmicas. As melhores equipes criativas são como a mente: são diversas, dinâmicas e distintas. E este papel de liderança inclui formar equipes criativas (decidir quais pessoas trabalharão em quais projetos); focar a equipe (definir

restrições, limites e expectativas); e alocar recursos à equipe (para que ela possa trabalhar no projeto com prazo e materiais necessários).

Princípio 4: A diversidade é um terreno fértil para a criatividade A IDEO é uma consultoria líder de design e inovação. Sediada em Palo Alto, na Califórnia, a empresa tem escritórios em Chicago, Boston, Nova York, São Francisco, Londres, Munique e Xangai. A IDEO trabalhou com dezenas de organizações e ajudou a desenvolver centenas de produtos em setores tão diversos quanto brinquedos, materiais de escritório, mobiliário, computadores, aplicações médicas e automóveis. A empresa foi incluída na lista das 25 Empresas Mais Inovadoras da Business Week, além de ter prestado consultoria para as outras 24 empresas da lista. A IDEO não é especializada em nenhum dos setores nos quais presta consultoria. Ela é especializada em inovação e seu trabalho baseia-se no conceito do design thinking. Para cada projeto, a empresa monta uma equipe de especialistas de diferentes áreas, incluindo engenharia, produtos e produção, ergonomia, ciências comportamentais, marketing e pesquisa de mercado. A equipe explora a tarefa de diferentes pontos de vista e desenvolve uma gama de soluções possíveis. Cada ideia transformada em um protótipo, criticada e testada até a versão final ser escolhida. Como Tim Brown, o CEO da IDEO, explica, “um designer competente sempre pode melhorar o widget do ano passado, mas uma equipe interdisciplinar de excelentes design thinkers é capaz de resolver problemas bem mais complexos”. “A diversidade é um recurso importantíssimo para as equipes criativas e para a força de trabalho como um todo.”

De organizações de pesquisa a empresas comerciais, as melhores equipes criativas reúnem pessoas que pensam diferente, que podem ter idades e ser de sexos diferentes ou que tenham diferentes origens culturais e experiências profissionais. A diversidade é um recurso importantíssimo para as equipes criativas e para a força de trabalho como um todo. Nem todas as empresas perceberam isso ainda. Líderes e gestores tendem a contratar pessoas parecidas com eles. Trabalhei com várias organizações para esclarecê-las sobre a necessidade de criar uma estratégia de diversidade. Uma dessas empresas foi um banco global de investimentos com escritórios na Europa, América e Ásia. O banco se orgulhava de sua estratégia de diversidade, apesar de claramente ainda ter um longo caminho a percorrer, como percebi quando fui recebido pelo representante de uma equipe de gestão sênior composta exclusivamente de homens brancos de meia-idade. Perguntei como ele avaliava a estratégia de diversidade da empresa. Ele respondeu que a empresa estava indo muito bem. “Na verdade”, ele disse, “vou entrevistar um candidato diversificado amanhã”. Perguntei o que ele queria dizer com um “candidato diversificado”. Ele disse: “Você sabe, uma mulher”. Quando cheguei em casa naquela noite, anunciei à minha esposa que ela era diversificada. Ela não fazia ideia. A diversidade, naturalmente, assume muitas formas. Uma dimensão é composta de características inatas, incluindo gênero, idade e orientação sexual. Uma segunda dimensão é composta das origens culturais, incluindo etnia e nacionalidade. Uma terceira é a formação profissional, incluindo experiência profissional, formação acadêmica e especialização. Neste nosso mundo de rápidas mudanças, qualquer organização tem razões éticas para promover a diversidade no trabalho. Mas também tem razões estratégicas. Uma força de trabalho mais diversificada ajuda a organização a se alinhar com as mudanças no ambiente cultural em que atua. Também possibilita diferentes perspectivas para manter uma cultura de inovação.

Princípio 5: A criatividade adora o trabalho em colaboração Reunir pessoas de diferentes áreas não garante um trabalho criativo. Elas precisam saber trabalhar em colaboração para que suas diferenças se transformem em ativos e não obstáculos. Como observa Randy Nelson, colaboração e cooperação são duas coisas diferentes. A cooperação só requer algum tipo de sincronia entre as ações de diferentes pessoas. Elas podem realizar tarefas separadas em momentos diferentes e mesmo assim estar cooperando entre si, desde que uma tarefa ajude na conclusão de outra. Esse é o modus operandi clássico das linhas de montagem industrial e do processamento linear de muitas tarefas administrativas. “Os impulsos criativos da maioria das pessoas podem ser sufocados por críticas negativas, zombarias sarcásticas ou comentários desdenhosos.” Colaboração implica pessoas trabalhando juntas de maneiras que afetam a natureza do trabalho e seus resultados. De acordo com Randy Nelson, a colaboração deve basear-se em dois princípios. Em primeiro lugar, todos precisam reconhecer as contribuições de todos. O objetivo é beneficiar-se das contribuições uns dos outros, não as sabotar. Na Pixar, eles chamam isso de “plussing” (do inglês “plus”, ou “sinal de mais”), um aprimoramento contínuo no qual uma contribuição se soma às outras. Em segundo lugar, sempre ajude os seus colegas a parecer competentes. A ideia não é criticar as contribuições deles, mas usá-las para melhorar os resultados de todos.130 Os impulsos criativos da maioria das pessoas podem ser sufocados por críticas negativas, zombarias sarcásticas ou comentários desdenhosos. Os melhores colaboradores “amplificam” as contribuições uns dos outros. Tim Brown, da IDEO, concorda. O design thinking é colaborativo, “mas, de certa forma,

amplifica, em vez de reduzir, os processos criativos das pessoas; é focado, mas ao mesmo tempo flexível e receptivo a oportunidades inesperadas. É focado não só em otimizar os componentes social, técnico e empresarial de um projeto, mas em lhes atribuir uma necessidade e uma resposta ao design”.131 O slogan da IDEO é “Nenhum de nós é melhor do que todos nós”. O VisViva é um grupo de ensino e pesquisa composto de artistas e engenheiros dos Estados Unidos. Um membro do grupo chama a atenção para um equívoco comum no que diz respeito a grupos interdisciplinares: “Não é verdade que estamos tentando levar a estética aos engenheiros ou, inversamente, levar um empirismo rigoroso aos artistas. A questão é que os dois grupos fazem essas duas coisas de maneiras diferentes. Tentamos promover a criatividade abrindo um espaço para a interação entre disciplinas e pontos de vista”.132 As equipes criativas são diversas e dinâmicas. E também distintas. Elas se formam para realizar tarefas específicas e, quando o trabalho é concluído, se dispersam. Certa vez trabalhei com John Cleese, do Monty Python, em vários eventos voltados à criatividade. Os seis integrantes do Monty Python eram muito diferentes, mas o jeito como eles trabalhavam fazia com que suas diferenças fossem energizantes, altamente produtivas... e hilárias. Juntos, eles criaram muitas coisas que jamais teriam sido possíveis se não tivessem trabalhado em colaboração. Um bom líder sabe quem colocar em uma equipe, quais papéis dar a cada membro da equipe e a melhor hora de passar as pessoas a um novo projeto ou tarefa.

Princípio 6: A criatividade requer tempo As ideias originais podem levar um tempo para evoluir. As organizações criativas sabem que o tempo é um recurso fundamental para a inovação. Algumas dão a seu pessoal um tempo para desenvolver as próprias ideias. No Google, os

engenheiros podem usar 20% de seu tempo em projetos de seu interesse. Se tiverem uma ideia que poderia interessar à empresa, eles podem apresentá-la à equipe de gestão sênior. Cinco por cento de todos os produtos lançados pelo Google foram desenvolvidos nesse esquema. Esse sistema é válido por si, mas também porque transmite ao pessoal do Google a mensagem de que a empresa valoriza sua criatividade a ponto de lhe dar a liberdade de dedicar-se às suas paixões. “Os processos de criatividade também podem ser sufocados pela crença de que as ideias dificilmente serão levadas a sério se não vierem das pessoas certas.”

Papel cultural O terceiro papel de um líder interessado em promover a criatividade é: Fomentar uma cultura geral de inovação.

Princípio 7: As culturas criativas são flexíveis Não existe uma estratégia única para desenvolver uma cultura de inovação. Algumas empresas criam programas de inovação ou laboratórios, que podem se concentrar no desenvolvimento de novos projetos sem atrapalhar o resto da organização. A desvantagem é que essas equipes podem ficar isoladas da cultura geral da empresa e ser rejeitadas por ela quando tentarem se reintegrar. Como a rejeição de tecidos quando órgãos de um corpo são transplantados em outro, os anticorpos culturais do hospedeiro podem atacar as ideias estranhas e neutralizá-las ou destruí-las. Qualquer pessoa que tenha participado de um programa de treinamento fora da empresa sabe como é isso quando volta ao trabalho na segunda-feira e tenta “implementar em cascata” o que aprendeu no fim de semana. A criatividade pode ser sufocada pela crença de que as ideias dificilmente transitam de baixo para cima na

organização ou não são levadas a sério se não vierem das pessoas certas; ou pela pressão de mostrar resultados cedo demais; ou por critérios equivocados de accountability. O estudo da IBM intitulado Capitalizing on Complexity [Capitalizando na complexidade] revelou que os CEOs que capitalizam a complexidade se concentraram em três áreas: Incorporar a liderança criativa: Os líderes interessados em promover a criatividade levam em consideração maneiras até então inéditas de se relacionar mais ativamente com clientes, parceiros e funcionários. Reinventar os relacionamentos com os clientes: Com a internet, novos canais e clientes globalizados, as organizações precisam repensar suas abordagens para conhecer seus clientes, interagir com eles e atendê-los melhor. Desenvolver a destreza operacional: Os melhores CEOs remodelam suas organizações, tornando-as mais rápidas, mais flexíveis e mais capazes de se beneficiar da complexidade. O relatório concluiu que “os líderes interessados em promover a criatividade estão abertos a fazer mudanças mais profundas no modelo de negócio para concretizar suas estratégias. Para ter sucesso, eles correm mais riscos calculados, encontram novas ideias e se mantêm sempre inovando em seu estilo de liderança e comunicação”. Quando John Chambers assumiu o comando da Cisco Systems em 1995, ele dividiu seu papel de liderança em três frentes: desenvolver uma visão e uma estratégia para a empresa; montar a equipe para implementar essa estratégia; e comunicar a estratégia dentro e fora da empresa. Depois de quatro ou cinco anos no cargo, ele repensou seu papel e voltou-se à cultura da empresa. As grandes empresas, segundo ele, têm grandes culturas. “Uma parte enorme da liderança envolve orientar e reforçar a cultura da empresa.” Pensando assim, ele redirecionou seu estilo de liderança do comando e controle para a colaboração e o trabalho em

equipe. “Parece fácil, mas não é, porque não é isso que aprendemos na faculdade de administração, no MBA, na faculdade de direito. Cerca de 80% a 90% do trabalho envolve a maneira como trabalhamos juntos para atingir objetivos em comum, o que requer um conjunto diferente de habilidades.” Segundo Chambers, os engenheiros “são em parte líderes de negócios e em parte artistas e você precisa saber o papel que eles estão desempenhando a cada momento”. Hoje ele considera necessário adotar estilos de trabalho completamente novos, “que podem ser importantíssimos para o futuro dos negócios neste país e no mundo”. Na Cisco, o foco está cada vez mais em equipes colaborativas, grupos intersetoriais compostos de pessoal de vendas, engenharia, finanças, jurídico e outros departamentos. “Estamos treinando líderes para cruzar as fronteiras dos silos. Já fazemos isso com setenta equipes diferentes na empresa. Podemos alocar um líder de vendas para comandar a engenharia. Um advogado pode liderar o desenvolvimento de negócios; um líder de desenvolvimento de negócios pode administrar nossas operações ao consumidor. Vamos treinar um grupo de líderes generalistas que saibam aprender e trabalhar em uma equipe colaborativa. Acho que esse é o futuro da liderança.”133 John Harvey Jones, que atuou como o presidente do conselho da ICI, uma empresa global de produtos químicos, concorda: “Todas as pessoas da empresa, sem exceção”, disse ele, “precisam desenvolver a capacidade de mudar, a autoconfiança para aprender coisas novas e a capacidade de ver o panorama geral. A ideia de que podemos vencer só com cientistas e tecnólogos brilhantes é um grande absurdo. O segredo está na amplitude de visão, na capacidade de perceber tudo o que tem influência no trabalho, em ser flexível e não se deixar intimidar diante de experiências e pontos de vista novos. Precisamos deixar mais do que claro que o especialista que não consegue ter uma visão holística

do cenário como um todo não tem qualquer utilidade para a empresa”.134 “Em todos os casos, a inovação envolve riscos calculados.”

Princípio 8: As culturas criativas são investigativas A inovação envolve tentativa e erro, requer coragem de errar e ter de voltar e recomeçar. O mundo corporativo tende a ser míope e pensar só em curto prazo. Ironicamente, as pressões imediatas resultam dos mesmos desafios que requerem uma visão de longo prazo. Com as organizações competindo em mercados cada vez mais agressivos, as verbas para pesquisas experimentais, pensamento inovador e desenvolvimento em longo prazo estão sendo cortadas para obter retornos imediatos e resultados instantâneos. O problema é que isso pode engessar as mesmas fontes de criatividade das quais o sucesso de longo prazo depende. Ser criativo não envolve apenas caos e risco. A criatividade em qualquer área deve ser um equilíbrio entre liberdade e controle. A inovação envolve o cálculo de riscos e a tolerância da organização a eles. Conversei sobre correr riscos e a liderança criativa com um executivo sênior de uma das empresas de administração fiduciária de maior sucesso da Europa. Como todas as instituições financeiras, a empresa dele estava sendo arrastada por uma corrente turbulenta de mudanças. Ele descreveu como seu estilo de liderança mudou para se adequar a essas novas circunstâncias: Quando cheguei a um cargo de gestão “top”, me dei conta de que eu não tinha mais onde me esconder. Todo mundo precisa tentar fazer seu trabalho direito. No começo, eu achava que fazer o trabalho direito envolvia tentar decidir tudo sozinho e saber todas as respostas. Essa crença levou a uma série de erros e depois à inércia. Foi como se eu tivesse caído de cara na lama. Percebi que fazia mais

sentido admitir os meus erros publicamente e pedir ajuda aos meus colegas para levantar. Aquilo parece ter marcado o início de um entendimento melhor do meu papel como gestor. Comecei a delegar quando me dei conta de que os outros eram mais competentes que eu. Comecei a ouvir em vez de competir com os outros para dar a resposta mais inteligente. Comecei a fazer o que eu sabia que era capaz de fazer, que era apoiar e incentivar meus colegas, em vez de tentar ficar com todas as glórias para mim. Aos poucos, comecei a me ver questionando, e em muitos casos desaprendendo, as lições que eu tinha passado a maior parte da vida reforçando e percebi que ser dogmático é o caminho mais rápido para o desastre em um ambiente que nunca para de mudar. Mas, ao mesmo tempo, me dei conta de que eu precisava de um senso de direção, senão pareceria que eu estava fugindo da responsabilidade, e não delegando. Busquei equilibrar a franqueza e a sinceridade com a abertura para ouvir e ver com bons olhos o ponto de vista dos outros. Na prática, me parece que é exatamente no ponto de convergência desses dois “vetores” que sempre encontro o caminho natural para a frente. É difícil encontrar esse caminho e sei que nunca o vejo com toda a clareza, porque sei que nunca sou 100% aberto às opiniões dos outros. Mas tudo isso me parece muito melhor que a minha abordagem anterior. Agora estamos tentando atingir o mesmo equilíbrio na empresa como um todo. Por exemplo, reconhecer o que não fazemos bem nos levou a terceirizar algumas funções. A abertura a ouvir levou a discussões mais harmoniosas entre a equipe de gestão sênior, a mais confiança e a um processo decisório mais rápido, pois os colegas pararam de questionar os outros, especialmente em áreas sobre as quais o questionador tem pouco conhecimento. O processo também está levando a mais delegação e a mais

empoderamento do pessoal mais jovem, que em geral é mais aberto e menos dogmático. Essa abordagem, por sua vez, levou a um maior sentimento de parceria, tanto dentro da empresa – refletida na disposição do conselho de administração de criar planos de opção de compra de ações para todos os funcionários ao redor do mundo que trabalham na empresa há mais de um ano – quanto com nossos clientes, fornecedores e acionistas, por meio de uma comunicação melhor. É interessante ver que tudo isso também está coincidindo com uma maior conscientização de maneiras de contribuir com a nossa comunidade local. Nada disso parece reduzir nossa competitividade. Pelo contrário, acredito que a nossa competitividade está sendo reforçada e penso que voltamos a aprender como uma organização e novas oportunidades estão surgindo continuamente. Tivemos de aumentar bastante nosso investimento em programas de treinamento, principalmente nos níveis de gestão sênior, incluindo a contratação de psicólogos gerenciais, e adotamos avaliações de 360  graus para os gestores seniores. Temos programas de trainees para recrutar recém-formados. Tudo isso está sendo uma grande curtição para mim. Espero que para os meus colegas também esteja sendo. O fato de a nossa organização ser uma empresa multinacional com funcionários de diversas origens culturais é ao mesmo tempo um estímulo para repensar nossas abordagens e uma rica fonte de pontos de vista diferentes.135

Princípio 9: As culturas criativas precisam de espaços criativos O ambiente físico reflete a cultura organizacional. O tamanho e o formato das áreas de trabalho, a configuração dos móveis e equipamentos, a qualidade da iluminação, os tecidos e as cores... todos esses fatores criam ambientes que podem encorajar ou desencorajar a criatividade. Até a década de

1980, poucas pesquisas foram feitas para investigar como os espaços físicos afetam o trabalho realizado. Desde então, vários estudos foram publicados sobre  o que hoje é conhecido como “psicologia ambiental” e o campo de nome obscuro “ergonomia cognitiva”. O design tradicional de escritórios tem raízes no modelo industrial do século XIX. Quando o foco é a eficiência, as principais ponderações para definir o espaço de trabalho podem ser a produtividade, a ocupação máxima e a uniformidade. O problema é que esse tipo de ambiente dificilmente estimula a imaginação, a criatividade e a inovação. “O design tradicional dos escritórios tem raízes no século XIX.” Hoje em dia, padrões mais flexíveis de trabalho estão resultando de fronteiras menos claras entre casa e escritório, trabalho e lazer. Costuma ser importante permitir que as pessoas personalizem seu espaço de trabalho de maneiras que elas considerem mais propícias ao trabalho criativo. Se a colaboração for importante, a organização precisa disponibilizar espaços compartilhados para reuniões e workshops.

O renascimento Já vimos que as organizações são como organismos. Em alguns aspectos, o ciclo de vida das organizações é similar ao ciclo de vida humana. Os dois começam como uma ideia. A ideia é cultivada e, se for viável, começa a crescer. Os períodos mais criativos da vida das organizações costumam ser os estágios iniciais, quando as possibilidades a ser exploradas geram muito entusiasmo e todo mundo está disposto a ajudar e fazer o que for preciso para garantir a sobrevivência. Em sua juventude, uma organização pode usar muita energia em novas empreitadas e correr riscos precipitados na busca pelo sucesso. À medida que uma

organização de sucesso amadurece, ela tende a se acomodar em estruturas e rotinas fixas e a se tornar mais conservadora. Ela entra na meia-idade. Com o tempo, pode sofrer com um engessamento e perder sua vitalidade e flexibilidade originais. Se a esclerose continuar, ela pode envelhecer e morrer. É o que acontece com muitas organizações. Mas uma organização sempre tem a possibilidade de ser revitalizada e renascer. Charles Handy, o famoso especialista em administração e liderança, chama isso de a “segunda curva” do crescimento.136 Nem todas as organizações passam por essa nova fase de crescimento. O novo crescimento só é possibilitado ao investir nos poderes criativos das pessoas que compõem a organização. As organizações que tiram o melhor proveito de seu pessoal percebem que seu pessoal tira o melhor proveito delas. Esse é o poder da inovação e a eterna promessa da liderança criativa. E esses princípios também se aplicam à educação. “As organizações que tiram o melhor proveito de seu pessoal percebem que seu pessoal tira o melhor proveito delas. Esse é o poder da inovação e a eterna promessa da liderança criativa.”

10 Aprendendo a ser criativo

“A educação não é um processo linear de preparação para o futuro. A ideia é desenvolver talentos e sensibilidades que podemos usar para viver o melhor presente possível e criar o nosso futuro.” O mundo está cheio de professores criativos que fazem um trabalho maravilhoso em salas de aula, estúdios e laboratórios. Instituições inteiras são dedicadas a oferecer programas inovadores em suas cidades e cidades inteiras procuram fazer o mesmo em suas regiões. Na maior parte, essas inovações estão ocorrendo não com o apoio das culturas dominantes na educação, mas apesar delas. O desafio é levar a inovação à educação como um todo, transformando a educação de maneiras que abordem os desafios concretos de viver e trabalhar no século XXI.

Transformando a educação Hoje em dia, a palavra “escola” normalmente se refere a determinados tipos de instituições formais. Usarei o termo neste livro para me referir a qualquer comunidade de aprendizagem, para crianças ou adultos, pública ou privada,

compulsória ou voluntária. Por “educação”, refiro-me a toda a formação escolar, desde a pré-escola até a educação de adultos. Por “estudante” ou “aluno”, refiro-me a qualquer pessoa comprometida em aprender ativamente, independentemente de idade e contexto. Tenho duas explicações para essa abordagem. Para começar, meus argumentos concentram-se na qualidade do ensino e da aprendizagem em qualquer lugar. E, em segundo lugar, as instituições podem assumir muitas formas. No Capítulo 9, descrevi as culturas organizacionais em termos de hábitos e hábitats. Nas escolas, os hábitos incluem o currículo, os horários, o sistema pedagógico e o sistema de avaliação. O hábitat inclui a estrutura física da escola, sua decoração e os arredores. Todos esses fatores podem ser transformados aplicando uma abordagem sistemática voltada a cultivar a imaginação, a criatividade e a inovação. As estruturas podem ser alteradas se houver disposição e se os propósitos forem claros. Acontece muito de os propósitos serem distorcidos por hábitos institucionais. Como declarou Winston Churchill, “formamos nossas instituições e somos formados por elas”. O desafio é recriar nossas instituições reformulando nosso senso de propósito.

Uma cultura de criatividade Em 1997, o governo britânico me convidou para desenvolver uma estratégia nacional de educação criativa em escolas de ensino fundamental e médio e formei e presidi um Comitê Nacional para realizar essa tarefa. O governo já tinha uma estratégia para a alfabetização, que envolvia em parte crianças do ensino fundamental passando uma hora por dia estudando materiais de alfabetização aprovados. Havia uma estratégia semelhante para ensinar matemática. Suspeitei, com base nas conversas que tive com funcionários do governo, que eles esperavam que recomendássemos algo parecido: uma hora de criatividade, talvez às sextas de manhã. Teria sido uma estratégia “certinha”, que o sistema

existente acomodaria com facilidade. Só que nossas recomendações foram muito além. Promover sistematicamente a criatividade nas escolas requer transformar a cultura da educação como um todo. A melhor abordagem é fazer o que os políticos vivem dizendo que deve ser feito: repensar as bases. O problema é que a maioria dos políticos acha que “as bases” equivalem a ler, escrever e fazer contas. É importantíssimo dominar essas habilidades. Mas algumas perguntas mais básicas devem ser respondidas sobre o propósito da educação. Vejamos uma analogia interessante com o teatro.

De volta às bases Peter Brook é um dos diretores de teatro mais talentosos da atualidade. Brook quer fazer do teatro a experiência mais transformadora possível. Ele acredita que o teatro moderno muitas vezes não passa de uma distração. Seu propósito foi corrompido por ruídos e entulho. Para Brook, a essência do teatro é a relação entre ator e público. Nada deve ser acrescentado a essa relação, argumenta ele, a não ser para reforçá-la ou melhorá-la. “Posso pegar qualquer espaço e chamá-lo de um palco nu. Um homem cruza esse espaço vazio enquanto alguém o observa e isso basta para realizar um ato teatral.” Mas, segundo Brook, quando falamos de teatro não é bem isso o que queremos dizer. “Cortinas vermelhas, holofotes, versos brancos, risadas, escuridão, todos esses elementos se sobrepõem de maneira confusa sob o guarda-chuva caótico de uma única palavra genérica: ‘teatro’. Falamos  do cinema matando o teatro, nos referindo ao teatro da época do advento do cinema, um teatro com bilheterias, foyer, assentos dobráveis, luzes da ribalta, mudanças de cena, intervalos, música, como se o teatro fosse, por definição, pouco mais do que isso.”137 Com o tempo, o negócio central do teatro foi sendo maculado por todo tipo de entulho, como camadas após camadas de verniz sobre uma antiga obra-prima.

É fácil ver a analogia com a educação. No centro da educação está a relação entre professores e alunos. Se os alunos não estão aprendendo, a educação não está ocorrendo. A clareza dessa relação foi obscurecida por interesses políticos, termos e condições de emprego, códigos de construção civil, sistemas de avaliação, territórios profissionais, padrões nacionais e estaduais e assim por diante. É fácil esquecer as necessidades dos estudantes e não raro é o que acontece. Muitos estudantes estão saindo do sistema educacional justamente por essa razão. Eles sentem que todo esse sistema barroco não tem nada a ver com eles. Sistemas complexos como a educação dependem de uma grande variedade de funções, algumas na linha de frente e outras em funções de suporte. Certa vez, fui convidado para visitar uma grande cadeia hoteleira para falar sobre como eles estavam abordando o comprometimento dos funcionários. Todas as pessoas da empresa sabem que o negócio central é o conforto e a satisfação de seus hóspedes e que todos os membros da equipe têm seu papel, não só o pessoal da linha de frente, que interage com os hóspedes, como também o pessoal de suporte, que fica nos bastidores. Os lavadores de louça sabem que uma marca de batom em um copo pode comprometer a experiência de um hóspede e que seu trabalho afeta a qualidade do serviço como um todo. Esse senso de propósito comum deu força à marca e impulsionou a expansão da empresa. O propósito central das escolas é melhorar a qualidade da aprendizagem dos estudantes. Os diretores de escolas são responsáveis por promover uma cultura que possibilite a concretização desse propósito. A cultura inclui tudo o que se passa na escola e todas as pessoas que contribuem de uma forma ou de outra, para o melhor ou para o pior. “Se os alunos não estão aprendendo, a educação simplesmente não está

ocorrendo. É indispensável ter um propósito claro.”

Os princípios da transformação Sugeri no Capítulo 3 que a educação tem três propósitos centrais: Pessoal: desenvolver os talentos e as sensibilidades individuais dos estudantes. Cultural: aprofundar seu entendimento do mundo em que vivem. Econômico: capacitá-los a ganhar a vida e ser economicamente produtivos. Meus argumentos relativos à criatividade e à cultura sugerem princípios específicos com base nos quais as escolas podem concretizar esses propósitos.

O talento é diversificado As comunidades humanas dependem de uma diversidade de talentos e não de um único grupo de habilidades. O foco da educação nos conhecimentos acadêmicos e disciplinas específicas marginaliza estudantes que têm interesses e habilidades em outras áreas. Desenvolver uma variedade maior de talentos requer um currículo mais amplo e uma seleção flexível de estilos de ensino. Não estou dizendo que os estudantes só devam estudar o que gostam. A educação deve ampliar os horizontes das pessoas, mas também deve desenvolver seus talentos e interesses pessoais. Quando minha esposa estudou no ensino médio na Inglaterra, ela era obrigada a passar as tardes de quarta-feira do inverno em um campo de hóquei congelado. Ela preferiria não ter de ir à escola na quarta-feira porque se via cercada de meninas mais altas, mais rápidas, mais fortes e que gostavam de jogar hóquei mais do que ela. E passava a maior parte do tempo impotente, como quem vê, paralisado,

um trem de carga se aproximar. Não se incomodaria tanto se as garotas que curtiam tanto derrubá-la no campo tivessem de dançar com ela no estúdio de balé uma vez por semana, onde suas habilidades se destacavam e ela se sentia mais à vontade. Complementando qualquer currículo, os estudantes precisam receber oportunidades de se aprofundar em áreas de seu interesse e se expor a diferentes opções de carreira. Nem todo mundo quer ir para a universidade, por exemplo, e nem todo mundo que quer deveria entrar na faculdade assim que conclui o ensino médio. Alguns preferem fazer um curso técnico de design, ir para um conservatório de música ou uma academia de dança. Outros preferem sair pelo mundo e já começar a trabalhar.

A aprendizagem é pessoal Dennis Littky e Elliot Washor fundaram a Big Picture Learning em 1995, “para encorajar, incitar e promover mudanças no sistema educacional dos Estados Unidos”.138 Com trinta anos de experiência acumulada atuando como professores e diretores de escolas públicas de ensino médio, eles fundaram a Big Picture com o lema “A educação é do interesse de todos” e com o compromisso de mostrar que a educação pode e deve ser radicalmente transformada. Eles queriam criar escolas onde os estudantes se responsabilizariam pela própria educação; passariam um tempo considerável prestando serviços à comunidade sob a orientação de mentores voluntários e onde não seriam avaliados só com base em testes padronizados. Os estudantes seriam avaliados por seu desempenho, por demonstrações de progresso, pela motivação e pela forma de pensar, habilidades manuais, caráter e comportamento exibidos, refletindo as avaliações do mundo real às quais todos nós somos submetidos no dia a dia. A primeira escola foi aberta em South Providence, Rhode Island, em 1996, com uma turma de cinquenta estudantes

afro-americanos e latinos, em sua maioria em situação de risco, que não se encaixavam nas escolas convencionais. Noventa e seis por cento dessa turma formou-se em 2000 e 98% dos que se formaram continuaram estudando. Todas as novas turmas que se formaram tiveram um desempenho igual ou melhor que as anteriores. Muitos desses alunos foram os primeiros da família a concluir o ensino médio e 80% destes foram os primeiros da família a ser aceitos em uma faculdade. Em 2001, a Fundação Bill e Melinda Gates deu à Big Picture Learning uma doação para replicar o design da escola em outras regiões dos Estados Unidos. Em 2003, na esteira do sucesso contínuo das escolas da Big Picture, a Fundação Gates concedeu uma segunda doação para financiar a abertura de mais escolas. A Fundação também concedeu à Big Picture uma doação para atuar como a principal coordenadora da recém-formada Alternative High School Initiative (AHSI). Atualmente, a Big Picture tem 65 escolas em catorze estados norte-americanos, e escolas na Austrália, Israel e Holanda adotaram o modelo de aprendizagem da Big Picture. Todas elas, “do Tennessee à Tasmânia, de Nova York à Holanda, adotaram a filosofia fundamental da Big Picture Learning, educando um aluno de cada vez em uma comunidade”. As escolas da Big Picture acreditam que “todos os alunos devem ter a chance de aprender em um lugar onde as pessoas se conhecem bem e se tratam com respeito. As escolas devem ser pequenas, para que todos os alunos tenham relacionamentos autênticos com os adultos e com outros alunos e ninguém seja negligenciado. Desde as ferramentas de avaliação até o projeto do prédio da escola, uma escola verdadeiramente personalizada aborda cada aluno e cada situação tendo em vista o que é melhor para o indivíduo e para a comunidade”. A cultura das escolas da Big Picture é fundamental para seu sucesso: “Os alunos são incentivados a ser líderes e os líderes da escola são incentivados a ser visionários. Nossas escolas buscam criar

uma cultura respeitosa, diversa, criativa, estimulante e reflexiva”. Littky e Washor explicam que sua missão é mudar a forma como os americanos pensam sobre o sistema de educação pública: “Em vez de um sistema que julga os alunos e estabelece limites para as realizações, estamos construindo um sistema escolar que inspira e desperta, nos nossos jovens, possibilidades de levar uma vida comprometida e ativa. [...] Todo o nosso trabalho busca influenciar o debate nacional sobre a educação pública. Queremos ajudar a convencer os formadores de opinião (políticos, líderes empresariais, representantes da mídia e educadores), bem como os pais e o público em geral, de que há maneiras melhores de educar nossos filhos”.139 Ninguém pode ser obrigado a aprender contra sua vontade. Aprender é um ato pessoal. É claro que, em condições de coerção e penalidade, até os alunos mais relutantes podem memorizar, de má vontade, algumas coisas para evitar consequências desagradáveis. Programas de todo tipo foram criados para levar os estudantes que abandonaram o ensino médio a voltar a estudar. A maioria se baseia na aprendizagem personalizada. Se toda a educação fosse personalizada desde o começo, a taxa de abandono seria muito menor. Alguns dizem que personalizar a educação para todos os estudantes não passa de um sonho impossível. Seria caro demais e os professores simplesmente não teriam como dedicar a cada aluno o tempo e a atenção necessários. Tenho duas respostas para esse argumento. A primeira é que não há alternativa. A educação é pessoal. A aprendizagem personalizada é um investimento, não um custo. Duvido que muitos estudantes acordem todo dia de manhã se perguntando o que podem fazer para melhorar as taxas de alfabetização de sua comunidade. O melhor jeito de fazer isso é estimulando a energia e a curiosidade dos alunos que estão no sistema. Já sabemos qual é o custo de não fazer isso.

“É possível personalizar a aprendizagem para todos os estudantes. Uma das maneiras é pelo uso criativo de novas tecnologias.” Em segundo lugar, é possível personalizar a aprendizagem para todos os estudantes. Uma das maneiras é pelo uso criativo de novas tecnologias. Alguns países estão usando tecnologias on-line para conectar alunos e professores em programas de aprendizado personalizados de vários tipos. Esses países incluem Suécia, Finlândia, Nova Zelândia, Singapura, Reino Unido e Estados Unidos. Mudanças também estão sendo feitas nas universidades. Muitas instituições estão postando cursos na internet e, a cada dia que passa, novos recursos são disponibilizados a futuros estudantes. Com a queda do valor de mercado de um diploma universitário e o aumento do custo de obter esse diploma, mais pessoas tendem a explorar caminhos alternativos para estudar, inclusive as opções que a internet está possibilitando. Nem tudo isso é novidade. A Open University é uma universidade de “ensino a distância” fundada pelo governo britânico em 1969.140 A instituição oferece cursos de graduação, pós-graduação e educação continuada e concede diplomas e certificados. A  Open University tem uma política de admissão aberta, o que significa que o desempenho acadêmico prévio dos alunos não é levado em conta para se matricular na maioria dos cursos. A maioria dos estudantes mora no Reino Unido, mas os cursos podem ser feitos em qualquer lugar do mundo. A Open University tem treze centros regionais espalhados pelo Reino Unido e escritórios por toda a Europa, mais de 250 mil alunos matriculados, incluindo mais de 50 mil estudantes no exterior. É a maior instituição acadêmica da Europa por número de estudantes e uma das maiores do mundo. Desde a sua fundação, mais de 1,5 milhão de estudantes fizeram seus cursos. O sucesso da Open University e de outros escolas on-line demonstra o grande apetite por caminhos

personalizados de ensino superior e a demanda crescente por maneiras inovadoras de fornecer esses caminhos.

A vida não é um exercício acadêmico Ficar sentado em uma sala de aula não é o único jeito de aprender. Quando a educação se conecta com o mundo fora da escola, os jovens são capazes de realizações incríveis. A aprendizagem pelo serviço (service-learning) integra o serviço comunitário com instrução e reflexão para ensinar a responsabilidade cívica e fortalecer as comunidades para o bem comum. O National Youth Leadership Council (NYLC) é um líder global em educação pelo serviço e define esse tipo de aprendizagem como “uma filosofia, uma pedagogia e um modelo para o desenvolvimento comunitário utilizado como uma estratégia de instrução para atingir metas de aprendizado e/ou padrões de conteúdo”. James Kielsmeier fundou o NYLC em 1983, “para criar um mundo mais justo, sustentável e pacífico para os jovens, suas escolas e suas comunidades por meio da aprendizagem pelo serviço”.141 O NYLC está em todos os estados dos Estados Unidos e em 35 países. Os programas do NYLC incluem parcerias com escolas, faculdades, grandes empresas, governos, organizações religiosas e outras entidades sem fins lucrativos. A Room 13 é um empreendimento social que reúne uma comunidade internacional de artistas, educadores e outros profissionais, e uma rede de estúdios em países como Áustria, Botsuana, Canadá, China, Holanda, Índia, México, Nepal, África do Sul, Turquia e Estados Unidos. Os estúdios oferecem cursos e workshops conduzidos por profissionais, eventos de pintura, expedições, treinamentos e todo tipo de programas de desenvolvimento criativo para adultos de todas as idades. O que distingue a organização é que sua equipe de gestão é composta de crianças de 8 a 11 anos. A Room 13 foi fundada em 1994, quando um grupo de alunos do ensino fundamental abriu o próprio estúdio de arte

na Room 13 (sala 13) da Caol Primary School, nas proximidades de Fort William, na Escócia. As atividades do estúdio se concentravam nos programas de residência de artistas, liderados pelo fundador do projeto, Rob Fairley. Ele tinha trabalhado com várias escolas de ensino fundamental e os alunos da Caol o convidaram para ser um artista residente. Incentivados por Fairley, os alunos passaram a administrar o estúdio como se fosse um negócio, levantando fundos para comprar materiais artísticos e contratando outros artistas para trabalhar com eles. “O que os motivou”, conta Fairley “foi sua exasperação diante do desinteresse das escolas em ensinar as artes visuais e as habilidades técnicas básicas necessárias para expressar ideias por meio de imagens visuais”.142 Ao tratar as crianças como artistas e intelectuais do mesmo nível, a Room 13 combina o desenvolvimento artístico com as habilidades de administração de um negócio. Os estúdios da Room 13 são administrados pelos alunos. Uma equipe de administração é eleita para cuidar das operações do dia a dia do estúdio e lidar com as finanças. Nenhum adulto pode assinar os cheques. A Room 13 não discrimina nenhum aluno por idade ou habilidade específica e os métodos não envolvem qualquer tipo de coerção. Os estudantes podem ficar o tempo que quiserem, desde que negociem o tempo com os professores e todo o trabalho das aulas esteja em dia. Concebida e administrada por crianças do ensino fundamental, a Room 13 transformou-se de um projeto voluntário de um dia por semana a uma rede internacional de estúdios, que ficou famosa por criar obras de arte de alta qualidade e expandir as fronteiras da educação criativa.

O sucesso gera mais sucesso El Sistema é um programa nacional de música que formou vários músicos extraordinários e mudou a vida de centenas de milhares de crianças pobres da Venezuela. Hoje o país tem 237 orquestras, 200 orquestras juvenis e 376  coros.

Entre os formandos do El Sistema estão músicos de renome internacional, como Edicson Ruiz, Gustavo Dudamel e a aclamada Orquestra Juvenil Simón Bolívar. Muitas crianças começam a frequentar um centro do El Sistema, chamado de nucleo, já aos 2 ou 3 anos de idade e a maioria continua até a adolescência. Os alunos passam três a quatro horas por dia, até seis dias por semana, no nucleo, além de ter a chance de participar de retiros e workshops intensivos. A participação é gratuita para todos os alunos. O El Sistema tem por objetivo “criar um refúgio diário de segurança, alegria e diversão para valorizar e desenvolver a autoestima de cada criança”. A disciplina não é rigorosa, mas se faz cumprir. O sucesso no El Sistema requer muito empenho, mas os alunos também se divertem. El Sistema também trabalha com os pais dos alunos. Representantes do programa fazem visitas domiciliares para explicar o nível de comprometimento exigido das famílias. Enquanto os alunos aprendem a tocar, os professores instruem os pais sobre a melhor maneira de ajudá-los em casa. Professores e alunos se empenham em “criar um espaço onde as crianças se sintam seguras e desafiadas. Os estudantes que se formam no programa saem sabendo que são capazes, persistentes e resilientes, confiantes de que conseguirão enfrentar os desafios da vida. Eles saem sabendo que são valorizados, amados e apreciados e sua confiança no processo e na cooperação do grupo lhes possibilita sentir que a excelência está em suas mãos”.143 “A criatividade é possível em todas as disciplinas e deve ser promovida no decorrer de toda a educação.”

A criatividade é para todos O comitê nacional de criatividade que presidi a pedido do governo britânico incluiu cientistas, economistas, líderes empresariais, educadores, dançarinos, músicos, atores e

artistas. Nosso relatório, All our Futures [Todos os nossos futuros],144 abordou o currículo todo. Mesmo assim, alguns membros do governo referiram-se a ele como “o relatório das artes”. A criatividade não se limita às artes. O trabalho artístico pode ser muito criativo, mas o mesmo pode ser dito de qualquer atividade que envolva inteligência. Muitas pessoas defendem incluir as artes na educação, mas é um erro associar as artes exclusivamente à criatividade. Essa linha de pensamento implica que as artes são em grande parte uma oportunidade de distrair-se do trabalho acadêmico mais rigoroso, só uma chance de passar um tempo sendo criativo. Essa é uma visão equivocada da natureza da criatividade e das artes. Também implica que outras disciplinas, incluindo matemática e ciências, não são criativas, o que não é verdade. A criatividade é possível em todas as disciplinas e deve ser promovida no decorrer de toda a educação.

Horários criativos Os horários, ou programação, nas escolas são usados para organizar o tempo e os recursos. Teoricamente, o objetivo dos horários programados é facilitar o aprendizado. Na prática, o efeito pode ser o oposto. Em vez de horários flexíveis de acordo com as necessidades de ensino e aprendizagem, alunos e professores são conduzidos ao longo do dia por trilhos de horário fixos. As aulas são dadas em unidades de tempo definidas, não importa qual seja a atividade, em padrões que se repetem semana após semana. Praticar uma língua pode ser melhor em períodos breves e frequentes de imersão; trabalhar em grupo, seja em projetos científicos ou artísticos, costuma ser melhor em períodos mais longos. Os horários podem e devem levar essas diferenças em conta. A School of One (SO1) é um programa de matemática do ensino médio do New York City Department of Education.145 O programa teve início em 2009 e já foi implementado em seis

escolas em Manhattan, no Bronx e no Brooklyn. A missão da escola é “proporcionar instrução personalizada, eficaz e dinâmica em sala de aula para que os professores tenham mais tempo para se concentrar no ensino de qualidade”. A escola desenvolveu um conjunto de programas de computador que incluem perfis de alunos com base em avaliações detalhadas, bem como informações fornecidas pelos pais e professores, e um banco de lições, disponibilizando conteúdo em vários formatos. O sistema se baseia em um programa de computador conhecido como algoritmo de aprendizagem, que gera programações diárias e conteúdos individualizados para cada aluno e professor. Essas programações incluem trabalho em grupo, projetos colaborativos e tempo de estudo individual. Os professores não precisam se ocupar das tarefas administrativas rotineiras, podem se concentrar em “dar apoio e instrução de qualidade aos alunos” e não são obrigados a seguir à risca a programação atribuída pelo computador a eles e aos alunos. O teste-piloto de 2010 foi avaliado pelo Grupo de Estudos de Pesquisa e Políticas do Departamento de Educação da cidade, que concluiu que os alunos participantes tiveram um desempenho muito superior ao dos alunos não participantes. Em 2009, o programa entrou na lista das 100 Melhores Inovações da revista Time. A School of One promete outras inovações usando a TI, contribuindo para “a personalização em massa da aprendizagem”. Outra razão para repensar o esquema de horários programados é que os níveis de energia dos alunos variam no decorrer do dia. Russell Foster é diretor do Circadian Neuroscience do Brasenose College, em Oxford. Ele conduz testes de memória com estudantes adolescentes da Monkseaton High School, no Reino Unido. Sua pesquisa sugere que o cérebro dos adolescentes funciona duas horas atrasado em relação ao horário dos adultos. O relógio biológico das crianças pode mudar quando elas entram na adolescência. Os adolescentes acordam mais tarde não porque são preguiçosos, mas porque são biologicamente programados para isso. Paul Kelley,

diretor da Monkseaton e autor de Making Minds, explica que forçar os adolescentes a acordar cedo todo dia cria “zumbis adolescentes” e diz que lhes permitir entrar na escola às onze da manhã pode afetar profundamente o aprendizado. Kelley argumenta que privar os adolescentes de sono pode afetar sua saúde mental e física, bem como sua educação. Ninguém precisa ser um cientista para saber que arrancar adolescentes da cama de manhã cedo resulta em mudanças bruscas de humor e maior irritabilidade. E também pode aumentar as chances de depressão, obesidade e redução da imunidade a doenças. Segundo Kelley: “Isso os afeta do início da adolescência, mais ou menos aos 11 anos, e se mantém até quando estão na faculdade e às vezes depois. A pesquisa demonstra que não estamos ajudando os adolescentes e que precisamos fazer algo a respeito”. Um resultado da pesquisa foi o desenvolvimento do “aprendizado espaçado”, quando os professores dão aulas curtas, por vezes de menos de dez minutos, passam para uma atividade física e repetem a aula. Em um experimento, os alunos acertaram até 90% das perguntas de um teste depois de uma sessão envolvendo três aulas de vinte minutos, intercaladas por intervalos de dez minutos de atividade física. Os alunos desconheciam o conteúdo das aulas até então.146 A Sudbury Valley School foi fundada em 1968 em Framingham, Massachusetts, nos Estados Unidos. É uma escola particular, frequentada por crianças de 4 a 19 anos, e se organiza ao redor de dois princípios básicos: liberdade educacional e governança democrática. A escola faz parte de uma longa tradição de escolas democráticas que inclui a Summerhill School, fundada em 1921 em Suffolk, Inglaterra, por A. S. Neill. Na Sudbury Valley e na Summerhill, os alunos se responsabilizam pela própria educação. A escola é administrada como uma democracia, e alunos e professores têm os mesmos direitos. Os próprios alunos decidem o que e quando fazer, como e onde fazer. Essa liberdade “ocupa o centro da escola e é um

direito inviolável dos alunos”. As premissas da escola são que “todas as pessoas são curiosas por natureza; que o aprendizado mais eficiente, duradouro e profundo ocorre por iniciativa do próprio aluno; que todas as pessoas são criativas se puderem desenvolver seus talentos especiais; que misturar os alunos de diferentes idades promove o crescimento de todos; e que essa liberdade é fundamental para o desenvolvimento da responsabilidade pessoal”. Os alunos decidem o que fazer e criam os próprios ambientes. Adultos e alunos interagem livremente. “As pessoas podem ser encontradas por toda parte, conversando, lendo e brincando. Algumas podem estar no estúdio de artes digitais, editando um vídeo que fizeram. Quase sempre tem alguém tocando algum instrumento, normalmente em vários lugares. Dá para ver pessoas estudando francês, biologia ou aritmética. Você poderá ver pessoas em computadores, fazendo algum trabalho administrativo no escritório, jogando xadrez, ensaiando um espetáculo ou participando de jogos de RPG. Na sala de arte, as pessoas podem estar desenhando, costurando, pintando ou trabalhando com argila.” O prédio da escola, a equipe e os equipamentos estão lá para os alunos usarem conforme a necessidade: “A escola disponibiliza um ambiente onde os estudantes podem ser independentes. Eles sabem que confiamos neles e que serão tratados como pessoas responsáveis. Proporcionamos uma comunidade na qual os alunos são expostos às complexidades da vida no contexto de uma democracia participativa”.147 A Sudbury e a Summerhill não são experimentos isolados. Dezenas de escolas baseadas em princípios semelhantes foram abertas em mais de trinta países. Embora sejam em sua maioria escolas particulares, elas fazem parte de um movimento crescente que visa envolver os alunos diretamente no projeto e controlar a própria educação. Essas iniciativas incluem uma rede incrível de escolas democráticas

e “cidades educacionais”, desenvolvidas por Yaacov e Sheerly Hecht e sua equipe, cujo trabalho é divulgado por meio de uma importante e crescente rede global de iniciativas relacionadas.148

Nenhuma escola é igual à outra Passei vários anos atuando como mentor em um programa estadual de criatividade e inovação em Oklahoma, nos Estados Unidos. O estado de Oklahoma tem um programa nacionalmente reconhecido de educação inicial. Em meu livro O elemento-chave, descrevo uma escola de Tulsa, também no estado, que tem um relacionamento maravilhoso com um parceiro incomum. O Grace Living Center é um lar de idosos. O diretor do lar procurou o distrito escolar pedindo para participar de alguma forma do programa de leitura. O distrito montou uma sala de aula no saguão do lar de idosos onde um grupo de crianças pequenas vai todos os dias aprender a ler. A parceria gira em torno do programa Book Buddies, que aloca um idoso para cada criança e os idosos passam um tempo ouvindo as crianças lerem e lendo para as crianças. Os resultados foram impressionantes. Mais de 70% das crianças terminam o programa com habilidades de leitura do terceiro ano ou acima, apresentando um desempenho melhor que muitas outras crianças do distrito escolar. Tudo isso porque elas podem contar com um apoio personalizado. E as crianças não aprendem só a ler. Elas aprendem com os idosos sobre as ricas tradições da vida em Oklahoma. E, como se todos esses benefícios não bastassem, os idosos estão tomando muito menos remédios. Agora eles têm uma nova razão para viver e uma nova energia. Eles têm um propósito. De vez em quando, as crianças são informadas de que um amigo de leitura faleceu e não voltará mais. Assim, as crianças também já estão aprendendo sobre os ciclos naturais da vida e da morte.

Na maioria dos sistemas educacionais, as pessoas são segregadas por idade. Esse projeto mostra o que pode acontecer quando diferentes gerações podem voltar a conviver e restabelecer alguns de seus relacionamentos tradicionais. Como acontece com todas as melhores inovações, os resultados, como Elliot Eisner disse, são uma surpresa e não uma previsão.149 Pequenas e criativas mudanças em qualquer escola podem levar a enormes benefícios. Grandes mudanças podem ter resultados transformadores. A cultura de uma escola é muito mais que o currículo, os estilos de ensino e as formas de avaliação. A cultura envolve os valores, o ambiente, o tom e os relacionamentos. Nesse sentido, nenhuma escola é igual a outra, e não deveria ser. A diversidade é fundamental para livrar o sistema dos modelos industriais de padronização e conformidade. O desafio não é disseminar um único modelo, mas propagar os princípios da criatividade para que todas as escolas possam desenvolver a própria abordagem. Como aconteceu em Tulsa, muitas vezes as ideias mais simples podem ter grandes efeitos.

Estamos todos no mesmo barco Transformar a educação requer parceria e colaboração. Todos nós temos um interesse no futuro da educação e, em muitas regiões do mundo, alianças formais estão sendo firmadas entre escolas e os setores empresarial, filantrópico e cultural. Nos Estados Unidos, a Partnership for Twenty First Century Learning é uma organização nacional que defende que “todo aluno deve ser preparado para o século XXI”.150 A organização disponibiliza ferramentas e recursos para ajudar o sistema educacional americano a cumprir essa missão “combinando a leitura, a escrita e a aritmética com habilidades de pensamento crítico, resolução de problemas, comunicação, colaboração, criatividade e inovação”. A parceria defende políticas locais, estaduais e federais para levar essa abordagem a todas as escolas.

A Partnership for Next Generation Learning é uma colaboração com a organização sem fins lucrativos The Council of Chief State School Officers (CCSSO) e um grupo de estados norte-americanos e fundações. A parceria está criando uma rede de “laboratórios de inovação” para a educação. O CCSSO defende um novo sistema de educação, “concebido com base na premissa fundamental de proporcionar a cada criança experiências personalizadas de aprendizado que a levem ao sucesso”. O objetivo da estratégia é redirecionar o debate nacional sobre maneiras de melhorar os resultados da educação. O CCSSO observa que não faltam exemplos, nos Estados Unidos e em outros países, tanto na educação formal quanto em outros setores, de aprendizagem transformadora. “Infelizmente, esses exemplos continuam sendo exceções, e não a norma. Ainda estamos bem longe de uma transformação completamente sistêmica, porque os sistemas federais, estaduais e locais existentes não são propícios a promover a inovação e fazer mudanças transformadoras nas políticas.” Enquanto muitos se concentram em melhorar diferentes elementos do sistema existente, a Partnership for Next Generation Learning “busca parar de alocar energia, tempo e investimento para consertar o que já temos e usar esses recursos para criar o sistema de educação pública do qual precisamos […] e tornar essa transformação uma realidade para todos os alunos”.151 No Reino Unido, a Royal Society of Arts, Manufactures and Commerce (RSA) tem liderado campanhas em prol da transformação educacional. A organização coordenou a elaboração de um “Estatuto da Educação” com a participação de várias organizações parceiras, comprometidas com uma educação mais holística. Isso levou ao desenvolvimento do movimento nacional da Whole Education (algo como “educação integral”), que “une  o aprendizado acadêmico, prático e vocacional, calibrado de acordo com o potencial de cada estudante”. A base da Whole Education é a convicção de que a educação deve “investir no desenvolvimento intelectual dos estudantes, mas também no desenvolvimento

de suas competências sociais e emocionais. Essas competências constituem uma parte importante das bases que possibilitam aos estudantes aprender com eficácia e contribuir com o próprio desenvolvimento e realização e com o desenvolvimento de uma boa sociedade”. A Whole Education atua em parceria com mais de 5 mil escolas e faculdades e incontáveis organizações juvenis e instituições de caridade que trabalham diretamente com os jovens. O objetivo é “garantir que todos os jovens tenham acesso a uma educação que lhes disponibilize as habilidades, conhecimentos, atitudes e recursos necessários para enfrentar os desafios, prosperar na vida e contribuir com a sociedade”.152 As políticas educacionais de âmbito nacional, estadual e municipal afetam profundamente a atmosfera das escolas. É importante convencer os legisladores a mudar as políticas da melhor forma possível. Mas as escolas não podem se dar ao luxo de esperar mudanças políticas para poder agir e os alunos não têm como adiar sua vida enquanto isso não acontece. As escolas em geral têm mais liberdade para inovar do que acreditam ter. A criatividade não requer ausência de restrições, mas apenas a disposição de trabalhar com essas restrições e superá-las.

Ensino criativo Nenhuma escola é melhor que seus professores. Os movimentos nacionais de reforma da educação geralmente se concentram no currículo e na avaliação. O fator mais negligenciado é o único que realmente faz uma diferença no desempenho dos alunos: a qualidade dos professores. Quando pensamos na escola onde estudamos, nos lembramos das pessoas, especialmente dos professores dos quais gostávamos e dos quais não gostávamos, que nos ajudaram ou que nos botaram para baixo. Um comentário casual de um professor  ou até um levantar de sobrancelha pode nos colocar em uma jornada de descobertas ou nos

dissuadir de dar o primeiro passo. Saber ensinar é como saber qualquer outra profissão. Especialistas em qualquer área – médicos, advogados, chefs, artistas, cientistas – têm um amplo repertório de técnicas, conhecimentos profundos e experiências práticas. Os melhores professores sabem quais ferramentas usar de acordo com as demandas de cada situação. Uma cultura criativa nas escolas depende de energizar as habilidades criativas dos professores. “Para cultivar a criatividade nos alunos, um professor precisa saber incentivar, identificar e desenvolver.” No Capítulo 7, expliquei a distinção entre as duas tradições do individualismo: a racional e a natural. Até certo ponto, elas foram associadas a diferentes estilos pedagógicos. Os métodos tradicionais em geral são associados à instrução formal para uma turma inteira e à aprendizagem mecânica; já os métodos progressistas são associados à aprendizagem baseada em investigação e a alunos trabalhando individualmente ou em grupos para explorar os próprios interesses e expressar as próprias ideias. Os dois estilos têm um lugar importante na educação criativa. Em algumas situações, faz mais sentido para o professor dar instruções formais para ensinar habilidades e técnicas ou para transmitir ideias e informações específicas; em outras ocasiões, é mais apropriado deixar que os alunos explorem as ideias por si. Alguns desses métodos enfatizam a criatividade, outros não. Algumas dessas abordagens são excelentes, outras não. Ensinar pela criatividade é diferente de ensinar para a criatividade. Bons professores sabem que seu papel é envolver e inspirar os alunos. Isso por si só já é uma tarefa criativa. Ensinar para a criatividade envolve facilitar o trabalho criativo dos outros. Requer fazer perguntas abertas quando várias soluções são possíveis; trabalhar em grupos em projetos colaborativos, usando a imaginação para

explorar as possibilidades; fazer conexões entre diferentes modos de ver a situação; e explorar as incertezas e as tensões entre eles. Ensinar para a criatividade envolve ensinar de forma criativa. Para ensinar para a criatividade, um professor precisa saber incentivar, identificar e desenvolver.

Incentivar A primeira tarefa de qualquer professor que se proponha a ensinar para a criatividade em qualquer campo é incentivar as pessoas a acreditar em seu potencial criativo e reforçar sua confiança. Outras atitudes importantes para a aprendizagem criativa são motivação e pensamento independente; disposição para correr riscos e ser empreendedor; persistir e ser resiliente diante de tropeços, caminhos errados e becos sem saída.

Identificar Todas as pessoas são capazes de aprender as habilidades do pensamento criativo. Além disso, todos nós temos capacidades criativas pessoais. Um músico criativo não é necessariamente um cientista criativo; um escritor criativo não é necessariamente um matemático criativo. A realização criativa costuma ser motivada pela paixão de uma pessoa por um instrumento específico, pelo que sente em relação ao material, pela empolgação com um estilo de trabalho que estimula a imaginação. Identificar as habilidades criativas das pessoas inclui ajudá-las a descobrir suas forças criativas ou, em outras palavras, estar em seu elemento.

Desenvolver Ao ensinar para a criatividade, os professores buscam: • promover um espírito de experimentação e investigação a disposição de cometer erros;

• incentivar novas ideias, livres de críticas imediatas; • encorajar a expressão de sentimentos pessoais; • transmitir uma ideia dos estágios do trabalho criativo; • desenvolver uma conscientização dos papéis da intuição do senso estético; • ajudar na avaliação crítica de ideias.

Currículo O currículo é o conhecimento, as ideias, as habilidades e os valores que se espera que os estudantes aprendam. O currículo formal, que todos os estudantes precisam seguir, é diferente do currículo informal, que é opcional e inclui programas extracurriculares. O currículo como um todo envolve todas as oportunidades de aprendizagem oferecidas por uma escola, incluindo o currículo formal e o informal. Um claro objetivo do currículo é cultural. Um dos papéis da educação é estampar um selo de aprovação em determinados tipos de conhecimento e experiências e sugerir, por implicação, que os outros não valem a pena. Como diz o sociólogo francês Pierre Bourdieu, a educação distingue entre as esferas da “cultura ortodoxa e a herética”.153 Muita coisa deixa de ser ensinada nas escolas. As escolas não ensinam feitiçaria e necromancia, pelo menos não as escolas normais. Um currículo tem uma segunda função, que é administrativa. As escolas precisam de currículos para poderem se organizar, saber quantos professores contratar, quais recursos são necessários, como dividir o dia, quem alocar onde, em que horário e por quanto tempo. Um currículo equilibrado deveria atribuir status e recursos iguais à alfabetização e à aritmética, às ciências, às ciências humanas, às artes e à educação física. Altos padrões de alfabetização e aritmética são fundamentais e são os portais para aprender muitas outras disciplinas. Línguas e matemática oferecem muito mais que

alfabetização e aritmética básicas. O estudo das línguas deveria incluir literatura e as habilidades de falar e escutar. A matemática também leva a ricos campos de abstração e às linguagens conceituais da ciência e da tecnologia. A educação científica ajuda os alunos a compreender evidências e desenvolve suas habilidades de análise “objetiva”; dá-lhes acesso ao cabedal de conhecimentos científicos acumulados até agora sobre os processos do mundo natural e as leis que os governam; e oferece oportunidades de investigação prática e teórica por meio das quais o conhecimento existente pode ser verificado ou questionado. A educação científica também promove a compreensão dos conceitos científicos e das realizações que afetaram o mundo moderno, bem como a importância e as limitações desses conceitos. As ciências humanas se voltam à compreensão da cultura humana e incluem história, o estudo das línguas, educação religiosa e aspectos da geografia e estudos sociais. A educação nas ciências humanas aprofunda nosso entendimento do mundo: sua diversidade, complexidade e tradições. Amplia o nosso conhecimento do que temos em comum com outros seres humanos, incluindo pessoas de outras épocas e outras culturas, e desenvolve uma consciência crítica da nossa própria época e cultura. As artes se voltam às qualidades das experiências humanas. Através da música, da dança, das artes visuais, do drama e de outras formas de expressão, damos forma às correntes de sentimentos e percepções que constituem a experiência vivida de nós e dos outros. As artes ilustram a diversidade da inteligência e abrem as portas para maneiras práticas de promover essa diversidade. Elas constituem os processos mais naturais de dar forma a sentimentos e emoções pessoais e ao modo como eles se conectam com nossos modos de pensar sobre o mundo; elas estão entre as manifestações mais vivas da cultura humana.

A educação física contribui diretamente para a saúde e o bem-estar das pessoas. Somos seres corpóreos e os processos mentais, emocionais e físicos são intimamente relacionados. A educação física reforça o trabalho criativo acelerando a concentração e a agilidade mental.154 A educação física e os esportes fazem parte de todas as tradições e práticas culturais e evocam fortes sentimentos e valores, tanto em relação aos jogos em si quanto pelo sentimento de coletividade que podem gerar. A educação física fornece oportunidades importantes de desenvolver habilidades individuais e de equipe e compartilhar o sucesso e o fracasso em ambientes controlados. Desta e outras maneiras, a educação física tem papéis tão importantes quanto outras áreas de um currículo equilibrado voltado à educação criativa e cultural. Todas essas áreas do currículo devem estar em equilíbrio, pois cada uma reflete importantes áreas de conhecimento e experiência cultural. Cada uma aborda diferentes modos de inteligência e desenvolvimento criativo e uma pessoa pode ter talentos ocultos em uma ou mais dessas áreas.

Avaliação A avaliação é o processo de julgar o progresso e o desempenho dos estudantes. A avaliação tem vários papéis. O primeiro é diagnóstico. Os alunos podem fazer testes e tarefas de vários tipos para ajudar os professores a conhecer suas aptidões e níveis de desenvolvimento em várias áreas. O segundo papel é formativo e tem o objetivo de coletar evidências sobre o progresso dos estudantes para decidir os métodos de ensino e as prioridades para o trabalho futuro. O terceiro papel é somativo e envolve avaliar o desempenho global dos estudantes na conclusão de um programa de trabalho. Os métodos de avaliação podem assumir várias formas, como perguntas informais em sala de aula, tarefas e testes formais. Elas podem se basear em muitas formas de evidência: participação do aluno em sala de aula, portfólios

de trabalho, trabalhos escritos e apresentações em outras mídias. A avaliação somativa e a formativa têm papéis importantes no ensino e na aprendizagem; para melhorar a qualidade das realizações e para garantir um equilíbrio saudável entre o conhecimento factual e estilos de aprendizagem mais abertos, todos necessários para a educação criativa. O problema da educação criativa é a natureza das avaliações: a ênfase nos testes e avaliações somativas; a ênfase em resultados mensuráveis e rankings de classificação; as pressões do sistema de avaliação nacional sobre professores e escolas. Os sistemas nacionais de avaliação tendem a enfatizar a avaliação somativa. Esses sistemas são usados para avaliar o desempenho de uma escola em comparação com outras. Os resultados dessas avaliações são associados ao status atribuído às escolas, às verbas recebidas e, por vezes, à sua sobrevivência. Em geral, as avaliações nacionais enfatizam “resultados mensuráveis” e concentram-se em testar a memória de conhecimentos factuais dos alunos e habilidades que podem ser medidas comparativamente. Elas normalmente não levam em conta a experimentação, o pensamento original e a inovação. Em consequência, o foco do ensino é reduzido, assim como o aprendizado e a realização dos alunos. Algumas áreas do currículo, especialmente as artes e as ciências humanas; algumas formas de ensino e aprendizagem, incluindo o questionamento, a exploração e o debate; e alguns aspectos de matérias específicas acabam sendo negligenciados. Uma avaliação é composta de dois elementos: uma descrição e uma comparação. Se você disser que uma pessoa é capaz de correr um quilômetro em quatro minutos ou sabe falar francês, essas são descrições neutras do que a pessoa é capaz de fazer. Se você disser que “ela é a melhor atleta da cidade” ou que “fala francês como um nativo”, estará fazendo uma avaliação. As avaliações comparam desempenhos e os classificam de acordo com critérios específicos. Avaliações que usam letras e notas são pouco

descritivas e muito comparativas. Os alunos recebem notas e nem sempre sabem o que elas significam e os professores às vezes as dão sem saber ao certo por que estão dando essas notas. Certa vez conversei com uma aluna do ensino médio que tinha acabado de concluir um programa de dança de três anos. Perguntei o que ela ganhou com o curso e a resposta foi: “Tirei um B”. Uma única letra ou número não tem como transmitir as complexidades que se pretende resumir. Alguns resultados não têm como ser expressos dessa maneira. Como disse Eliott Eisner: “nem tudo que é importante é mensurável e nem tudo que é mensurável é importante”.155 Uma maneira de melhorar a avaliação é separar a descrição da comparação. Portfólios possibilitam descrições detalhadas do trabalho realizado pelos alunos, com exemplos e comentários dos próprios alunos e de outras pessoas. A definição de critérios claros melhora a transparência das avaliações. Na avaliação por colegas, os alunos avaliam o trabalho uns dos outros e concordam com os critérios pelos quais são avaliados. Essas abordagens podem ser especialmente úteis para avaliar o trabalho criativo. Avaliar o desenvolvimento criativo é uma tarefa mais sutil do que testar o conhecimento factual. O trabalho criativo precisa ser original e ter valor. A  originalidade tem graus diferentes. Avaliar o valor depende de critérios claros e relevantes. Os professores muitas vezes não sabem ao certo quais critérios aplicar ao trabalho criativo dos alunos e podem não confiar na própria capacidade de julgamento. O trabalho criativo geralmente passa por várias etapas. Pode começar e não dar em nada, pode envolver tentativas e erros bem como uma série de aproximações sucessivas ao longo do caminho até chegar à obra final. O valor educacional do trabalho criativo pode ser encontrado tanto no processo quanto no produto final. A avaliação deve levar tudo isso em consideração e os professores precisam ser orientados a fazer isso. Uma avaliação insensível pode prejudicar a criatividade dos alunos e levá-los a hesitar em correr riscos,

evitar a experimentação e nunca aprender a identificar e corrigir seus erros. E a comparação também tem seus problemas. Como o trabalho criativo dos alunos deve ser comparado entre escolas ou regiões? As dificuldades de avaliar o desenvolvimento criativo podem ser superadas e já temos muitas pesquisas, experimentos e informações à disposição para nos ajudar nessa tarefa. Muitos sistemas educacionais não priorizam resolver esses problemas. O que acaba acontecendo é uma ênfase desproporcional em algumas formas de aprendizagem e a redução do status de outras.

De olho no futuro Em muitos países, as pessoas estão se unindo para desenvolver as próprias alternativas à escolarização padronizada. Muitas dessas iniciativas estão no setor público; algumas são escolas independentes e algumas são híbridas, como as escolas autônomas (charter schools) dos Estados Unidos.156 Um número pequeno, mas crescente, de pessoas está optando por alternativas mais radicais, incluindo ensino em casa (home schooling) e “não escolarização”.157 Os novos pioneiros da educação alternativa vêm de muitas áreas e contextos diferentes e muitas vezes são motivados pela insatisfação com as próprias experiências na escola e pelo desejo de melhorar a situação para seus filhos. O Blue Man Group é uma organização criativa internacionalmente famosa com sede na cidade de Nova York. O grupo foi fundado em 1988 por Phil Stanton, Chris Wink e Matt Goldman. O Blue Man Group produz apresentações sem igual que combinam música, instrumentos improvisados, comédia e teatro multimídia. O grupo gravou trilhas sonoras para o cinema e a TV e aparece regularmente na televisão. Os Blue Men têm a cabeça raspada, usam roupas pretas e simples, maquiagem azul nas mãos, rosto e cabeça e nunca falam. Eles veem tudo a seu

redor com uma inocência e uma curiosidade infantil. Desde que foi fundado, o grupo se transformou em um fenômeno criativo internacional, com teatros em Nova York, Las Vegas, Orlando, Boston, Chicago, Berlim e Tóquio. Recentemente eles fundaram a própria escola de ensino fundamental. Nenhum dos fundadores do grupo imaginou algo parecido quando iniciaram sua jornada juntos. Como explica Chris Wink:158 “O Blue Man começou não como um negócio, como uma empresa nem como um espetáculo. Começamos como um grupo de amigos em busca de alguma coisa interessante para fazer. Tudo o que tínhamos era um personagem e alguns princípios em comum. Não tínhamos ideia do que faríamos, só sabíamos que queríamos explorar nossas ideias usando aquele personagem”. Ninguém lembra quem foi que teve a ideia de raspar a cabeça e se pintar de azul. E, como explica Matt Goldman, não foi uma ideia que chamou a atenção dos investidores. Um trio de artistas carecas, azuis e mudos não tinha um claro potencial de retorno sobre o investimento. Mas eles adoravam o personagem, em parte por ser tão neutro em termos de cultura, idade e sexo. Ser careca e azul definitivamente não foi um plano linear de longo prazo e o grupo evoluiu levado apenas pela empolgação gerada pela colaboração criativa. Juntos, eles criaram vidas e carreiras que nenhum deles poderia ter previsto. Como Chris Wink explica: “Algumas pessoas têm sorte e querem construir foguetes ou tocar violoncelo. Elas têm sorte porque essas mídias já existem. Nós queríamos ser artistas de rua multimídia pós-modernos que criam instrumentos e exploram a cultura popular em uma espécie de atmosfera primal xamânica. Quem nos daria um emprego? Porque, se alguém tivesse oferecido essa vaga, a gente com certeza teria se candidatado”. O trabalho do grupo foi orientado por alguns princípios claros. Um deles era que todos poderiam ser criativos. “Esse princípio foi necessário”, disse Chris Wink, “porque passamos

o tempo todo no sistema escolar achando que talvez não fôssemos criativos. Quando formamos o grupo, pensamos que talvez aquilo não fosse verdade. E se não for verdade?” Para Phil Stanton, esse princípio fez toda a diferença desde o começo “e afetou tudo o que fizemos até agora”. Embora sejam um grupo de performance, eles buscam ser criativos em tudo o que fazem. Como explica Matt Goldman: “Ser criativo não se restringe à capacidade de fazer um objeto de argila, pintar um quadro ou compor uma peça musical. No mundo dos negócios, é possível ser criativo em qualquer área”. Matt Goldman e Chris Wink são amigos desde o ensino fundamental. Phil Stanton conheceu os dois depois, quando se mudou para a Nova York com pouco mais de 20 anos. Eles se entrosaram logo de cara. Um dos fatores que uniu o grupo no começo, ele diz, “mesmo antes do Blue Man, foi a nossa decepção com a nossa experiência no sistema escolar. Parece que, quando somos crianças, todo mundo pinta e se diverte. Mas alguma coisa acontece no caminho e jogamos no lixo esse tipo de inspiração junto com um monte de outras coisas”. Quando tiveram os próprios filhos, eles e suas esposas se viram diante do dilema de como educá-los. Depois de muito pensar, decidiram abrir a própria escola: a The Blue School. Matt Goldman explica: “Queríamos criar o tipo de escola que gostaríamos de ter tido na infância ou que fantasiamos para os nossos filhos: uma escola que enfatiza a criatividade tanto quanto qualquer outra disciplina, que ensina às crianças um jeito especial de tratar umas às outras por meio do aprendizado social e emocional. Um lugar que não mata a exuberância infantil das crianças, onde elas podem ter paixão por aprender, podem amar a vida e não perder nada disso”. O modelo educacional da Blue School se baseia em dois pilares. O primeiro é o currículo central, que representa as disciplinas básicas do programa: língua e literatura, ciências,

belas-artes, artes dinâmicas, estudos sociais, tecnologia e mídia, matemática, artes físicas e condicionamento físico. O segundo elemento são os valores da escola: criatividade e expressão, relações familiares e comunitárias, ludicidade, exuberância e diversão, autoconhecimento e bem-estar, exploração global e ambiental, múltiplas perspectivas e estilos de aprendizagem diferenciados. Todos os valores da Blue School relacionam-se de alguma forma com a ideia de conexão, “com a comunidade, as emoções, a voz artística, o corpo, o mundo, os próprios interesses ou com um senso de alegria e maravilhamento”. O modelo reflete o trabalho e os princípios do Blue Man Group e surgiu do compromisso da escola em atingir um novo tipo de equilíbrio entre “rigor e encantamento” e da crença de que esses dois fatores são imprescindíveis para uma boa educação. Segundo Chris Wink, “para usar uma metáfora, o modelo educacional tradicional vê as crianças como vagões de carga e a escola como um silo de grãos. A escola enche as crianças e as faz avançar pelos trilhos. Nossa ideia é criar uma plataforma de lançamento onde as crianças são foguetes e o nosso trabalho é só encontrar o disparador”. A abordagem da Blue School, ele explica, “envolve ter o cérebro inteiro cheio de vida e empolgação, vibrando com uma enorme força vital. Precisamos incorporar isso ao nosso modelo educacional. Parece ser uma ideia revolucionária maluca, mas para nós faz muito sentido, faz muito sentido acadêmico”. O trabalho e o ambiente da escola também refletem o compromisso original do Blue Man Group em confiar nos poderes criativos naturais que todas as pessoas têm. De acordo com Chris Wink, “tendemos a pensar que aquela parte de nós que se acha diferente deve ser escondida ou encoberta. A mensagem do Blue Man é que é justamente nessa parte que está a chave para a nossa individualidade. Deixá-la de fora deixa toda essa criatividade de fora. Precisamos ter coragem de expor essa parte de nós mesmos”. Em determinado momento na apresentação do Blue Man, tintas de cores vibrantes saem de tubos no peito

dos artistas e são despejadas nos instrumentos de percussão que eles tocam em uma batida primitiva. “Quando tocamos com a tinta no show”, diz Wink, “as cores vibrantes são um jeito de expressar o que acontece quando você deixa esse seu lado sair”. Seja no setor público ou privado, nas escolas ou em casa, ser criativo na educação e promover a criatividade estão longe de ser luxos dispensáveis. Eles são essenciais para nos possibilitar levar uma vida que valha a pena viver e manter um mundo no qual valha a pena viver. As circunstâncias culturais e econômicas que nós e os nossos filhos temos de enfrentar são totalmente diferentes do passado. Não temos como enfrentar os desafios do século XXI com as ideologias educacionais do século XIX. Precisamos de um novo Renascimento que valorize diferentes tipos de inteligência e cultive as relações criativas entre as disciplinas e entre a educação, o comércio e a comunidade em geral. Não é fácil transformar a educação. Não temos condições de pagar o preço do fracasso e os benefícios do sucesso podem ser maiores do que imaginamos.

Posfácio

“A educação é a chave para o futuro. Uma chave pode ser girada em duas direções. Uma direção impede o acesso aos recursos. A outra direção dá acesso aos recursos e permite que as pessoas sejam elas mesmas.” Todas as ideias sobre imaginação, criatividade e inovação apresentadas neste livro apontam para a necessidade de uma concepção diferente de habilidades, na educação, nos negócios e nas nossas comunidades. Vejo essas questões em termos de ecologia. Desde a Revolução Industrial, esbanjamos e destruímos muito do que o planeta tem a oferecer porque nunca demos muito valor a esses recursos. Colocamos em risco o equilíbrio da natureza, por não entender direito como seus vários elementos diferentes nutrem e sustentam uns aos outros. Os perigos permanecem, mas pelo menos agora os entendemos melhor. Acredito que a maneira como temos usado os recursos humanos pode levar a uma calamidade semelhante. Em prol das economias industriais, submetemos gerações e gerações de pessoas a modos estreitos de educação que marginalizaram alguns de seus talentos e qualidades mais importantes. Em busca uma maior produtividade, negligenciamos os fatores humanos básicos dos quais a criatividade e a inovação dependem. Desperdiçamos grande parte do que as pessoas têm a oferecer porque não vemos valor nisso. E colocamos em risco o equilíbrio das

comunidades com a nossa incapacidade de ver como nossos diferentes talentos e paixões se sustentam e se enriquecem mutuamente. Os perigos permanecem e ainda não são bem compreendidos. Essas questões estão longe de ser triviais. Estamos sendo varridos por uma avalanche de mudanças. Para não ficar para trás, necessitamos de todo o conhecimento sobre nós próprios. As pessoas vivem dizendo que a educação é chave para o futuro. É verdade, mas uma chave pode ser girada em duas direções. Uma direção impede o acesso aos recursos, inclusive o acesso das pessoas que têm direito a eles. A outra direção dá acesso aos recursos e permite que as pessoas sejam elas mesmas. Para concretizar o nosso verdadeiro potencial criativo – nas nossas organizações, nas nossas escolas e nas nossas comunidades –, precisamos mudar a maneira como nos vemos e mudar nossas atitudes em relação às pessoas. Precisamos aprender a ser criativos.

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Sobre o autor

KEN ROBINSON é uma referência internacional nas áreas de desenvolvimento da criatividade, inovação e recursos humanos. Além de dar palestras ao redor do mundo sobre os desafios criativos enfrentados pelas empresas e sistemas educacionais nas novas economias globais, colabora com governos, órgãos internacionais, empresas globais e algumas das mais importantes organizações culturais e educacionais do mundo para concretizar o potencial criativo de pessoas e organizações, tendo liderado projetos nacionais e internacionais no campo da educação criativa e cultural no Reino Unido, Europa, Ásia e Estados Unidos. Sua famosa palestra de 2006, “Será que as escolas matam a criatividade?”, na prestigiosa TED Conference, demonstra seu compromisso com a divulgação de novas ideias e teve mais de 55 milhões de visualizações, tendo sido vista por 400 milhões de pessoas em 160 países. Robinson lecionou educação artística por 12 anos na University of Warwick, no Reino Unido, e hoje é professor emérito. Ele liderou um comitê nacional de criatividade, educação e economia para o governo do Reino Unido. All Our Futures: Creativity, Culture and Education [Todos os nossos futuros: criatividade, cultura e educação] (também conhecido como O Relatório Robinson) foi recebido com muitos elogios. Sua colaboração foi fundamental para a elaboração de uma estratégia para o desenvolvimento criativo e econômico como parte do Processo de Paz na Irlanda do Norte, trabalhando com ministros nas áreas de

treinamento, educação e cultura. Ele foi um dos quatro consultores estrangeiros contratados para ajudar o governo de Cingapura a montar uma estratégia para se tornar o centro criativo do Sudeste Asiático e orientou a estratégia do estado norte-americano de Oklahoma para promover a criatividade e a inovação na cultura, no comércio e na educação. Foi nomeado uma das “Principal Vozes” pela Time/Fortune/CNN. Aclamado pela revista Fast Company como um dos “maiores pensadores do mundo nos campos da criatividade e inovação”, entrou na lista Thinkers50 dos 50 mais importantes pensadores de negócios do mundo. Foi agraciado com títulos honorários de dez universidades da Europa e dos Estados Unidos, e homenageado com o Athena Award, da Rhode Island School of Design; a Peabody Medal por suas contribuições às artes e à cultura nos Estados Unidos; a Benjamin Franklin Medal, da Royal Society of Arts, por suas contribuições às relações culturais entre o Reino Unido e os Estados Unidos; o Gordon Parks Awards pelas contribuições à criatividade e educação; o Arts and Letters Award, da YMCA da cidade de Nova York, pela liderança extraordinária; o LEGO Award pelas contribuições extraordinárias em nome de crianças e jovens; e o Imagination Award da Sir Arthur C. Clarke Foundation. Em 2003, Sir Ken Robinson foi ordenado cavaleiro pela Rainha Elizabeth II pelos serviços prestados no campo das artes. Sir Ken nasceu em Liverpool, no Reino Unido e é casado com Thérèse (Lady) Robinson. Eles têm dois filhos, James e Kate. Outros livros de Ken Robinson: O elemento-chave: descubra onde a paixão se encontra com seu talento e maximize seu potencial é um best-seller do New York Times. O livro foi traduzido para 23 idiomas e já vendeu mais de um milhão de exemplares ao redor do mundo.

Finding Your Element: How to Discover Your Talents and Passions and Transform Your Life também é um best-seller do New York Times. Creative Schools: The Grassroots Revolution That’s Transforming Education aborda a importantíssima questão de como transformar os sistemas educacionais problemáticos do mundo e foi publicado em 15 idiomas até o momento.

1 A vida nunca para. Em comparação com outras espécies, a taxa de mudança das sociedades humanas sempre foi frenética. Mesmo assim, a velocidade das mudanças vem aumentando muito nos últimos trezentos anos. O século XVIII viu revoluções políticas na Europa e na América. Nos séculos XVIII e XIX, grande parte do mundo foi agitada pela ascensão da ciência e pela Revolução Industrial. O século XX foi o mais sangrento da história. A humanidade passou por duas guerras mundiais, vários conflitos regionais e turbulentas revoluções na Rússia e na China. Estima-se que, nesse século, mais de 100 milhões de seres humanos morreram nas mãos de outros seres humanos. Nesse período, também tivemos avanços extraordinários na ciência e na tecnologia e enormes mudanças culturais, especialmente nas antigas economias industriais. 2  “Nenhum país conseguiu subir na hierarquia do desenvolvimento humano sem investimentos constantes na educação”, declarou Irina Bokova, diretorageral da Unesco, ao anunciar o lançamento do Education for All Global Monitoring Report [Relatório de Monitoramento Global de Educação para Todos: Alcançando os Marginalizados], em janeiro de 2010. “A  incapacidade de manter a competitividade no cenário internacional é um resultado direto da nossa incapacidade de manter a competitividade na educação”, explica Jeff Beard, diretor-geral do Bacharelado Internacional, em Genebra, Suíça. 3  Em 2010, a IBM publicou Capitalizing on Complexity [Capitalizando na complexidade], a quarta edição de sua série bienal de levantamentos globais conduzidos pelo IBM Institute for Business Value. O estudo baseou-se em entrevistas pessoais com 1.541 CEOs, diretores gerais e líderes seniores do setor público representando diferentes organizações de diferentes portes atuando em 60 países e 33 setores. O estudo também incluiu um levantamento com 3.619 estudantes de mais de cem importantes universidades do mundo, incluindo estudantes de  graduação e pósgraduação, como MBA e programas de doutorado. Na apresentação do relatório, Samuel J. Palmisano, presidente do conselho, presidente e CEO da IBM, declarou: “Vivemos em um mundo conectado em várias dimensões e em um nível mais profundo: um sistema global de sistemas”. 4 Diamond (2006). 5 Friedman (2007).

6 Ian Pearson, da British Telecom, entrevistado para o The Sunday Times, 4 jun. 2000. 7 Para um breve relato das origens do Centro, veja Lehrer (2007). 8 Kurzweil (1999). Reproduzido com permissão. 9 Ostman (1998). Reproduzido com a gentil permissão de Charles Ostman. 10 Kurzweil (1999). 11 Nas duas últimas décadas, a maioria dos países de crescimento populacional mais rápido do mundo ficava no Oriente Médio e na África. A população do Kuwait cresceu de 1,9 milhão para 2,3 milhões entre 1998 e 2008 e, se essa taxa de crescimento for mantida, a população terá dobrado em menos de vinte anos. A população do continente africano está crescendo a uma taxa de 2,4% e deve dobrar em apenas 27 anos (embora a mortalidade infantil continue sendo mais alta que a de qualquer continente: 76 por mil nascidos vivos). “Entre 2005 e 2050, estima-se que as populações do Afeganistão, Burundi, República Democrática do Congo, Guiné-Bissau, Libéria, Níger, Timor-Leste e Uganda aumentarão pelo menos três vezes.” Perspectivas da População Mundial: Resumo de 2006, Nações Unidas (ST/ESA/SER.A/261/ES). 12 “Entre 2005 e 2050, a população de 60 anos ou mais responderá pela metade do aumento da população mundial, ao passo que o número de crianças (menores de 15 anos) diminuirá ligeiramente.” Ibid. 13 Para uma análise detalhada do setor, veja Florida (2002). 14 MacRae (2010). Outro efeito dessas mudanças na força de trabalho é o número crescente de pessoas trabalhando em casa e com horários flexíveis. Nos Estados Unidos, esse número aumentou de 1,9 milhão em 1991 para 3,6 milhões em 1997. Em 2010, o Trades Union Congress (TUC) do Reino Unido estimou que até uma de cada oito pessoas trabalhava  em casa, representando um aumento de 600 mil pessoas em apenas três anos. Disponível em: . 15 Para um resumo da história da BBC, veja .

16 A educação formal para todos foi introduzida na Grã-Bretanha em 1870. O governo responsabilizou-se por alfabetizar e ensinar aritmética básica para crianças até os 12 anos. Nos últimos anos da Segunda Guerra Mundial, o governo se pôs a planejar a reconstrução do país no pós-guerra. Os novos planos para a educação foram estabelecidos na Lei da Educação de 1944. Um dos principais objetivos foi estender a educação a todos os jovens. 17 Gutek (1972). 18 Ibid. 19 Novas universidades cívicas foram fundadas em Birmingham (1900), Liverpool e Wales (1903), Leeds (1904), Sheffield (1905) e Bristol (1909). Entre 1954 e 1966, o número de alunos que abandonaram os estudos mas que se qualificavam para a universidade subiu de 24 mil para 66 mil. Na década de 1960, 23 novas universidades foram criadas no Reino Unido para atender às demandas dos baby boomers, culminando na criação da Open University, oferecendo a todos educação universitária a distância. Dois terços das atuais universidades britânicas foram fundadas depois de 1960, quando as escolas politécnicas passaram a ser elegíveis para obter o status de universidade. 20 Robinson (1992). 21 De acordo com um estudo, depois que essa lei foi promulgada, quase metade dos distritos escolares dos Estados Unidos eliminou ou reduziu consideravelmente seus programas de artes, demitindo professores de arte. McMurrer (2007). 22 Veja “China pushes to ease grim Chinese unemployment”, Reuters, 7 jan. 2009. Disponível em: . 23 Chambers et al. (1998). 24 Michaels e Handfield-Jones (2001). 25 Guthridge et al. (2008). 26 Apenas 23% dos 6 mil executivos que participaram do levantamento concordam totalmente que sua empresa atrai os melhores talentos e só 10% afirmaram que a empresa retém quase todas as pessoas de alto desempenho. Só 16% acreditam que sua empresa sabe quem são os funcionários de alto desempenho e apenas 3% afirmaram que sua empresa desenvolve bem os funcionários de alto desempenho e afasta os funcionários de baixo desempenho com rapidez. 27 Guthridge et al. (2008). 28 Veja Farrell e Grant (2008). 29 Alliance for Excellent Education (2009). 30 Department for Education and Employment (2000). 31 International Labour Organisation (2010). 32 No Reino Unido, em 2009, 17 mil alunos foram expulsos das escolas por agredir fisicamente um adulto. Haydn (2010).

33 Esses dados e relatos foram retirados de um levantamento conduzido pela National Union of Teachers com membros de todas as escolas de ensino médio da cidade. O levantamento recebeu poucas respostas, com apenas 116 respostas utilizáveis, mas o sindicato está convencido de que as respostas são representativas. Setenta por cento dos professores que foram agredidos tinham mais de cinco anos de experiência de ensino. 34 Hilty (2009). 35 Alliance of Artists’ Communities (1996). A conclusão do relatório foi que o resultado da ênfase equivocada nos papéis punitivos, e não educacionais, do governo foi que a ascensão social, um princípio importantíssimo para os norte-americanos, se viu sob ataque e, com ela, “a possibilidade de reinvenção criativa do indivíduo... um aspecto fundamental da psique americana”. Como concluiu o simpósio, se ficarmos chocados com essa comparação entre investimento no sistema educacional e no sistema prisional, esse fato “também deveria nos  incitar a agir, por refletir um direcionamento das prioridades da nação afastando-se da construção de um futuro para focar-se em soluções imediatas para os complexos problemas sociais culturais que enfrentamos”. 36 Prensky (2001). 37 O’Connor e Sheehy (2000). 38 Hemming (1980).

39 Os testes foram retirados do site oficial da Mensa, em inglês: Disponível em: . As respostas são: Questão 1: “O”. As letras são as primeiras e últimas letras de Mercury, Venus, Earth, Mars, Jupiter, Saturn, Uranus, Neptune and Pluto (Mercúrio, Vênus, Terra, Marte, Júpiter, Saturno, Urano, Netuno e Plutão, em inglês). Questão 2: “140”. A soma da posição de todas as letras no alfabeto. Questão 3: “Sul”. A série é: sul, leste, norte, sul, oeste, leste girando em sentido horário a partir do canto superior esquerdo. 40 Galton baseou-se nas ideias de Darwin e ponderou que a seleção natural poderia ser desestabilizada pela civilização humana. A tendência da sociedade de buscar proteger os destituídos e os fracos ia contra o processo de seleção natural, que, em geral, elimina os mais fracos. 41 Richardson (1999). 42 Hernstein e Murray (1996). 43 Langer (1951). 44 Kuhn (1970). 45 Langer (1951). 46 Rada (1994). Reproduzido com a gentil permissão de J. F. Rada. 47 A primeira ocorrência do termo “grammar school ” foi registrada na língua inglesa em 1387 na forma gramer scole, mas sua forma latina schola grammatica já era utilizada havia pelo menos duzentos anos. A gramática (grammar), com suas formas alternativas gramarye e glomerye, era venerada pelos pouco instruídos, que a consideravam uma espécie de mágica, um sentido que sobrevive no vocabulário moderno na palavra “glamour”. Para ler mais a respeito, veja Davis (1967). 48 A St. Paul’s School, fundada em 1518, foi financiada pela Mercers Company e era independente da Igreja. Durante o reinado dos Tudors, um grande número de grammar schools foi fundado. Muitas escolas que tinham sido fechadas durante a dissolução dos mosteiros por Henrique VIII foram reabertas. As escolas eram fundadas por pessoas ricas e por fabricantes de fardas e uniformes, inclusive a Merchant Taylors’ School. O rei Eduardo VI também promoveu e emprestou seu nome à grammar schools em muitas cidades. O aumento do número de grammar schools se manteve no reinado dos Stuarts. Foram 155 grammar schools fundadas entre 1501 e 1601; e 186 entre 1601 e 1651. Na Inglaterra, a denominação “escola pública”, schola publica, surgiu no século XII. A expressão distinguia essas escolas de escolas particulares ou domiciliares. As escolas públicas eram abertas a qualquer família que tivesse recursos para enviar seus filhos e, nesse sentido, eram literalmente “públicas”. Nos dias de hoje, no Reino Unido, as escolas públicas constituem

um grupo de grammar schools independentes, prestigiosas e autodesignadas como tal. 49 As três primeiras – gramática, retórica e dialética – eram conhecidas como o trivium e formavam a base do currículo do ensino fundamental. As outras quatro, o quadrivium, constituíam a base do currículo universitário. 50 Citado em Davis (1967). 51 Também era considerado imprescindível resolver os problemas claros e, para muitos reformistas sociais, repulsivos da privação social entre as classes trabalhadoras. 52 Em 1908 havia 663 grammar schools e, em 1963, havia 1.295. Essa enorme expansão teve uma relação direta com o desenvolvimento da economia industrial e com a demanda por  uma força de trabalho mais instruída. Desde o início, as grammar schools eram vistas como um meio de avanço social e superiores às escolas modernas de ensino médio. Um dos principais objetivos era disponibilizar um caminho para as universidades. 53 Enquanto o sistema privado se baseava na capacidade do estudante de pagar pelos estudos, o sistema público baseava-se nos conceitos de habilidade e quociente de inteligência. A seleção para entrar em diferentes tipos de escola era uma prova nacional feita aos 11 anos de idade, o “elevenplus”, baseado nas teorias de QI. Menos de um quarto das crianças eram admitidas em uma grammar school. As outras, que não passavam no elevenplus, iam estudar em escolas secundárias modernas. Dá para entender por que muitos desses alunos se consideravam fracassos no sistema educacional até décadas depois. Quando as crianças não passavam no eleven-plus, não eram informadas de que isso aconteceu por razões econômicas. Eles presumiam que não eram tão inteligentes quanto as outras. Era um mito que apenas 20% das crianças eram capazes de passar no teste. O fato era que apenas 20% das crianças podiam passar, porque o número de vagas nas grammar school era planejado com base nisso. Era mais difícil passar no eleven-plus em algumas regiões do país do que em outras porque o número de grammar schools variava de uma região a outra. E, em alguns anos, era mais difícil passar no eleven-plus do que em outros. Se, em um ano, acontecia de 30% ou mais alunos apresentarem um bom desempenho na prova, as autoridades elevavam a nota mínima para a aprovação. Esse sistema é conhecido como “referência à norma”, isto é, a avaliação individual dos candidatos não se baseia em seu desempenho absoluto, mas é relativo ao desempenho dos outros candidatos. Se todos os candidatos tirassem a nota máxima, as pessoas reclamariam que os padrões estavam caindo. A admissão de um candidato não depende apenas de seu desempenho pessoal. Ele pode melhorar o desempenho em 100% em um ano, mas, se todos os outros fizerem o mesmo, as notas individuais desse candidato não serão mais altas do que antes. Os padrões eram mais elevados para as meninas. Esperava-se que poucas mulheres trabalhassem em cargos especializados ou de gestão e, por isso, menos vagas nas grammar schools eram disponibilizadas para elas e a concorrência era mais difícil. As perspectivas de passar no eleven-plus

aumentavam muito se o candidato tivesse aulas particulares com um tutor. O sucesso nesses testes dependia não só da aptidão natural dos candidatos, mas do conhecimento das técnicas envolvidas. Muitos candidatos que não passaram no eleven-plus poderiam ter passado se tivessem estudado com um tutor e muitos dos que tiveram a chance de estudar com um tutor passaram no teste. 54 Simon (1978). 55 Britton (1972). 56 Como explica Peter Scott (1997), o sistema universitário tornou-se um sistema de massa em termos de estrutura, mas permanece elitizado em seus instintos privados. Nas universidades, as faculdades de Administração são valorizadas por contribuir para os lucros, mas têm um status acadêmico relativamente baixo. Já os departamentos de Filosofia e Matemática podem gerar pouca renda, mas seu capital intelectual é muito maior. De certa forma, as novas disciplinas devem transpor esses obstáculos. Novos campos de estudo costumam ser desacreditados pelos campos tradicionais.

57 Laing (1975). 58 Termo usado pelo filósofo alemão Alfred Schutz. Veja Schutz (1972). 59 Russell (1970). 60 O psicólogo americano Edward Thorndyke (1874-1949) demonstrou que, em geral, memorizar poemas ou palavras em latim não melhorava a memória, e só melhorava a habilidade de memorizar poemas ou palavras em latim. 61 Gardner (1993). 62 Sagan (1978). 63 Veja também Hall (1999); Deutsch (1999). 64 Ellis (1989). 65 Veja o comunicado à imprensa no site da Soundbeam: “New sounds from Sunderland”, disponível em: . A pesquisa de Ellis o levou a ser agraciado com um prêmio por seu trabalho e pela criação de um centro de terapia do som em Sunderland. 66 60 Minutes, “Derek Paravincini’s Extraordinary Gift”. Reportagem de Lesley Stahl. Ver . Veja também: Ockelford (2007). 67 As habilidades dos savants, embora excepcionais, parecem ser extremamente concentradas. O que isso tem a ver com meu argumento sobre a natureza interativa da inteligência? Até a mente dos savants revela um processo dinâmico entre diferentes capacidades. Mas, no caso deles, esse processo ocorre entre habilidades muito superiores e em geral muito inferiores em diferentes áreas de inteligência. 68 Lichtman (2009). Reproduzido com a gentil permissão de J. W. Lichtman. 69 Metade do problema é a maneira como elas são ensinadas, naturalmente. O melhor jeito de aprender francês é ir à França e passar o dia inteiro conversando com os franceses. O pior jeito é passar alguns minutos por semana falando com um não nativo do francês que não fala corretamente. Foi exatamente desse jeito que tentei aprender francês. Aprender uma língua em sessões de trinta minutos na escola é como tentar aprender a nadar em terra firme. Seria como equilibrar uma criança em cima de uma mesa durante trinta minutos por semana imitando o nado de peito e prometendo que, se ela pegar o jeito em três anos, poderá nadar na água. Todo mundo sabe o que aconteceria. 70 Greenfield (1997). 71 Uma série de organizações encaminhava os jovens infratores ao The Academy, incluindo o YOT e a National Association for the Care and Resettlement of Offenders (Nacro), que encaminharam jovens participantes dos Intensive Surveillance and Supervision Programmes (ISSPs) ou outros programas comunitários. Algumas escolas também encaminhavam jovens que abandonaram os estudos. Os participantes que concluíram o programa recebiam um Certificado de Habilidades Práticas em Performance (Dança), credenciado pelo Trinity College, em Londres. Os participantes montavam o

próprio portfólio e recebiam créditos pelos módulos concluídos à medida que avançavam no programa. Eles também podiam se candidatar ao nível Bronze do Arts Award, na categoria Jovens. The Academy e seus parceiros tinham o compromisso de encontrar caminhos de volta à educação e possibilidades de emprego aos participantes. O objetivo era ajudar os jovens a adquirir os tipos de habilidades que os ajudariam no mundo do trabalho. Os jovens que queriam continuar estudando dança e manter seu vínculo com a Dance United podiam participar das atividades semanais do grupo de dança de jovens ou entrar na companhia de dança de recém-formados. Todos os recém-formados tinham a chance de manter um contato regular com o pessoal do The Academy, que o ajudaria no caminho que eles escolhessem seguir. 72 As citações desta seção são de The Academy, um filme de Dan Williams e Andrew Coggins. Ver mais detalhes em .

73 Langer (1951). 74 Nosso senso de realidade não é só decorrência de convenções sociais. Dizer que fatores sociais afetam o conhecimento é diferente de dizer que eles determinam o conhecimento. O fato de, na nossa cultura, fazermos a distinção entre cães e gatos pode resultar de determinadas condições sociais. O fato de podermos distinguir entre eles “tem algo a ver com cães e gatos”, Lawton (1975). O modelo mental de qualquer pessoa conterá algumas imagens que se aproximam muito da realidade e outras distorcidas ou imprecisas. Mas, para a pessoa ser funcional, o modelo deve ter alguma semelhança com a realidade: “Toda reprodução do mundo externo, construída e usada como um guia para a ação deve, em certo grau, corresponder a essa realidade. Caso contrário, a sociedade não teria como se manter; os membros da sociedade, se agissem de acordo com proposições completamente falsas, não teriam conseguido fazer nem as ferramentas mais simples para obter comida e abrigo”. 75 Veja Miller (1973). 76 Sou grato a Barrie Wiggham, ex-representante do governo de Hong Kong e representante de Hong Kong em Washington, por me ajudar a elaborar esse exemplo. 77 Polanyi (1969). 78 De uma entrevista filmada com Richard Feynman, reproduzido com permissão da Melanie Jackson Agency, LLC. Disponível na série Masters of Science da Vega Trust: . A Vega Trust foi criada para aprofundar o conhecimento do público sobre os processos científicos e promover a empolgação com a ciência. Um importante representante da Vega Trust foi o ilustre químico e ganhador do Prêmio Nobel Harry Kroto. 79 Kelly (1963). 80 É o que acontece quando os resultados são inesperados ou acidentais. 81 Polanyi (1969). 82 Um exemplo famoso é Carl André, o escultor que exibiu uma pilha de tijolos na Tate Gallery, em Londres, e provocou a indignação de toda a mídia popular. 83 Koestler (1975). 84 www.edwarddebono.com. 85 William J. J. Gordon e George M. Prince foram cofundadores da Synecticsworld (www.synecticsworld.com). A teoria da Synectics baseia-se em três premissas: 1) A produção criativa aumenta quando as pessoas criativas se conscientizam dos processos psicológicos que controlam seu comportamento. 2) O componente emocional do comportamento criativo é mais importante que o componente intelectual e o componente irracional é mais importante que o componente intelectual. 3) Os componentes emocional e irracional devem ser compreendidos e usados como ferramentas de precisão para aumentar a produção criativa.

86 Sou grato a John Haycraft, o ilustre leiloeiro e avaliador de arte inglês, pelas informações e orientações.

87 Na verdade, eu inventei a cidade de Dombey para poupar o doutorando e a verdadeira cidade do constrangimento. 88 O exílio do sentimento fica claro na linguagem do dia a dia. Muitos argumentos são rejeitados por não passar de “julgamentos de valor” ou por ser “meramente subjetivos”. É difícil imaginar algum argumento sendo rejeitado por ser “meramente objetivo”. 89 Citado em Abbs (1979). 90 Siroka et al. (1971). 91 Marx e Maslow argumentariam que a prosperidade econômica da época proporcionou o conforto material necessário para esse tipo de introspecção. Herbert Read teria visto o fenômeno como uma reação à desumanização da sociedade resultante do industrialismo. Sem dúvida, pessoas que se veem isoladas dos produtos do próprio trabalho, expostas a horizontes cada vez mais amplos por meio das novas mídias e cujas raízes na comunidade estão sendo enfraquecidas por uma enorme turbulência social têm mais chances que seus pais ou avós de sentir uma perda de identidade e sentido da vida. 92 Frankl (1970). 93 Jung (1933). 94 Goleman (1996). 95 Ibid. 96 Em Hemming (1980). 97 Costuma-se dizer que o sentido literal da palavra “education”, em inglês, é “conduzir para fora”, da palavra latina educo. A palavra latina mais comum para “conduzir para fora” é educere, um verbo da terceira conjugação, que originou as palavras “educe” (eduzir) e “eduction” (escape), em inglês. Mas o termo “education” deriva de “educare”, um verbo da primeira conjugação que significa criar, ou educar, o que não ajuda muito. 98 Board of Education (1932). 99 No início dos anos 1970, Robert Witkin, um sociólogo britânico, publicou um livro analisando os processos criativos das artes, que intitulou The Intelligence of Feeling (Witkin, 1974). Ele explica, de maneira diferente, alguns temas elaborados por Goleman (1996). 100 Em alguns casos, os estados emocionais têm causas físicas, como algumas formas de depressão ou devido a alterações metabólicas associadas à doença. 101 Goleman (1996). 102 No mundo moderno, a ciência passou a ser vista como a fonte em grande parte incontestada de conhecimento abalizado. Os métodos científicos alegam ser firmemente baseados em fatos verdadeiros “mesmo se não forem, de maneira alguma, demonstráveis, mesmo se precisarem ser aceitos com base na fé, mesmo se tenderem a responder perguntas que, no fim das contas, não têm resposta. Os métodos científicos têm a grande vantagem, nesta nossa sociedade autoconsciente, de ser vistos não como mitos, mas

como verdades, verificadas pelos métodos inescrutáveis do cientista” (Carey, 1967). 103 Simon (1978). 104 Polanyi (1969). 105 Descartes (1968). 106 Pivcevic (1970). 107 Popper (1969). 108 Forster (1974). 109 Grotowski (1975). 110 Reid (1980).

111 As complexidades da identidade cultural são exploradas em muitos campos: na história social, sociologia, cultura, antropologia e nos estudos culturais. As longas revoluções, como Raymond Williams (1966) as chamou, na indústria e na democracia também estão enredadas em uma revolução mais ampla nos valores sociais, que, por sua vez, é interpretada e “até ocasionando lutas muito complexas no mundo das artes e das ideias”. 112 Benjamin (1980). 113 Toffler (1970). 114 Ele prossegue: “O prazer não está em ver a peça se desenrolar em linha reta, mas nas paródias, nas contradições realistas, nas surpresas possíveis no mundo da peça... Quando as regras são quebradas com audácia ficamos tão encantados como quando (um jogador de tênis) joga a raquete no árbitro. Mas o sucesso desses efeitos repousa no nosso prazer em ver as convenções sendo esmagadas” (Robinson, 1980). 115 Williams (1966). 116 Polanyi (1969). 117 Geertz (1975). 118 Department for Education and Employment (1999). Para uma fascinante discussão sobre os vínculos crescentes entre as artes e as ciências, veja Ede (2000). 119 A ideia do modernismo incitou as energias intelectuais até o fim da década de 1960. Elas foram substituídas aos poucos por novas formas de pensar que passaram a ser agrupadas sob a classificação geral de pósmodernismo. 120 As ideias que sustentaram o crescimento do método científico não foram inventadas no século XV. Elas remontam dos gregos antigos e até de antes. Elas encontraram uma nova ressonância no século XV e depois devido às condições culturais da época. As aplicações dessas ideias interagiram com o desenvolvimento de novas tecnologias, que elas ajudaram a tornar possíveis. Por sua vez, essas novas tecnologias criaram novas oportunidades para o desenvolvimento e a aplicação das ideias científicas.

121 Amabile et al. (1996). 122 Tanto a Gestão da Qualidade Total quanto a estratégia do Seis Sigma são sistemas de controle de qualidade criados para reduzir os erros ocorridos durante o processo de fabricação e na cadeia de fornecimento. 123 “What Your Disaffected Workers Cost”, Gallup Management Journal, 15 mar. 2001. 124 Para um amplo estudo sobre o desenvolvimento de testes de criatividade, veja Sternberg (1999). 125 Citado em Alliance of Artists’ Communities (1996). 126 Taylor e La Barre (2006). 127 Para algumas pessoas, uma das formas mais eficazes de desenvolvimento envolve assumir novas funções para ampliar suas habilidades existentes em diferentes áreas de responsabilidade. No entanto, de acordo com um estudo, apenas 10% dos duzentos executivos que participaram da pesquisa disseram que sua empresa usa novas atribuições de cargo para incentivar o desenvolvimento profissional, enquanto 42% nunca trabalharam em outras funções, 40% nunca trabalharam em uma unidade de negócios diferente, 34% nunca ocuparam cargos de responsabilidade e 66% nunca tiveram um papel de liderança na abertura de um novo negócio. 128 Chambers et al. (1998). 129 Department of Trade and Industry (2000). 130 https://goo.gl/gLpq. 131 Brown (2009). 132 Brown (2009). 133 Newsweek, 4 jun. 2010. 134 Harvey-Jones (2003). 135 Comentários retirados de uma entrevista pessoal. 136 Handy (2016).

137 Brook (1995), p. 9. 138 Washor e Mojowski (2013). Ver também . 139 Ibid. 140 The Open University: . 141 www.nylc.org. 142 www.room13scotland.com. Ver também Adams (2005). 143 www.elsistemausa.org. 144 Department for Education and Employment (1999). 145 www.izonenyc.org/initiatives/school-of-one. 146 Kelley (2007). 147 www.sudval.org. 148 Para uma excelente explicação dos princípios e da prática das escolas democráticas, veja Hecht (2011). 149 Eisner (1996). 150 www.p21.org. 151 www.ccsso.org. 152 www.wholeeducation.org. 153 Bourdieu (1971). 154 Kelley (2007). 155 Eisner (1996). 156 As escolas autônomas (charter schools) nos Estados Unidos recebem fundos públicos, mas não são sujeitas a algumas das regras, regulamentações e estatutos aplicáveis a outras escolas públicas. Elas precisam prestar contas ao governo, em termos explicitados no alvará (charter) da escola. As escolas autônomas oferecem uma alternativa a outras escolas públicas, mas legalmente fazem parte do sistema de educação pública e não têm permissão de cobrar mensalidades. 157 A “não escolarização” inclui uma série de filosofias e práticas centradas em permitir que as crianças aprendam por meio de brincadeiras autodirigidas, responsabilidades domésticas e experiência de trabalho e não por meio de um currículo escolar formal. 158 Todas as citações do Blue Man foram retiradas de um breve vídeo que eles fizeram para mim. Reproduzido com permissão.