Sobre o valor

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P IE R R E

SALAM A

SOBRE O VALOR ELEMENTOS

PARA

LIVROS

UMA

HORIZONTE

CRÍTICA

T ítulo:

SU R L A V A L E U R E lem en ts pour une critique

A utor: ©

P ierre iSalama Libriairie F ran çois M aspero, P aris, 1975 L ivros ¡Horizonte, 1980

Tradutor:

R ui Junqueira L opes

iColecção:

M ovim ento n.° 29

Capa

S oares R ocha

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R eservad os tod os os d ireitos de publicação total ou p arcial para a lín gu a portuguesa (P o rtu ga l) por LIVRO S HORIZONTE, LDA. R u a d'as C hagas, 17, 1.°, D t.° — 1200 LISBO A Im p resso em P o rtu g a l

N o fim do séc. x ix , o centro de gravidade dos con flitos sociais p assara do an tagon ism o entre ca p ita lista s e prop rietá­ rios fundiários p ara a oposição entre trabalhadores e cap ita­ listas. O m edo e a té o horror, su scita d o s p elas obras d e Marx, foram exacerbados em tod a a E uropa p e la Comuna d e P a ris (1871). A s doutrinas, que afirm avam a ex istên cia de conflitos, foram , desde então, consideradas indesejáveis. P elo contrário, a s teorias, que a fa sta v a m a s atenções do antagonism o entre classes sociais, eram m u ito b em acolhidas. J. E a tw ell e J. R obinson L ’E con om iqu e m oãern e fid iscien se, 1974, • p. 46

O m arxism o é ta lv ez dem asiado válid o p ara que o d eixe­ m os ap enas a o s m arxistas. iFornece um p rism a crítico através do qual o s 'econom istas da -corrente dom inante terão tod a a van tagem em exam in ar a s su as análises. P. A. Sam uelson, E-conom-ics: W inds of C hange. E vo lu tio n of EconomAc D o ctrin e, M cGraw Hill, N ew York, 1973, p. 866

IN T R O D U Ç Ã O G ERA L

« M arx ... n u m curso de análise económ ica, m esmo que lhe custe a crer, é um filó so fo ...» « M arx ... em filosofia, não é possível, é um econ o m ista... e a prova é que escreveu «O C A P IT A L .» Sem pre entre duas esferas, M arx não estava inserido em nenhum a, excepto q u an d o algum obstinado — apontado a dedo — tentava fazê-lo p e n e tra r num a. Q uando, p o r vezes, lhe concediam algum as referências, era em geral p a ra dizer: «A teoria do valor-trabalho está m orta e e n te rrad a... a prova? Foi S chum peter que o disse», ou então: «M arx? Pois tome-se um pouco de R icardo, um pouco de Hegel e aí está!» A brindo um m anual d o prim eiro o u do segundo ano * verifica-se que, na m aior parte deles, a análise m arxista está ausente e, no entanto, fala-se aí de valor, de preços, de m oeda, de desem prego, etc. De M arx, nem um a palavra. Trata-se de Ciência, forja-se o hom o econom icus, são abolidas as clas­ ses sociais, procuram -se condições de equilíbrio, algumas vezes deduzem-se m esm o as do equilíbrio' geral. Em resum o tudo é m ecânico, soberbo, m a s... onde está a e x p lo raç ão ? Em parte algum a ! O que é norm al, porque isso é político, e é evidente que a Ciência, afectando' neutralidade, deve ele­ var-se acima desses interesses contingentes ou até mesqui-

* O autor refere-se aos p rogram as fran ceses, m a s en con ­ tram os um bom paralelo n os n o sso s (a n tes d e 25 de A b ril), das cadeiras básicas de T eoria -Económica, A n álise E con óm ica ou sim p lesm en te «E conom ia» do 1.° e 2.° ano das F aculdades de E conom ia. (N . do T.).

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SOBRE O V A LO R — ELEM ENTOS PARA UMA CRÍTICA

nhos, em bora fonte d e tantos desequilibrios. Cria-se artifi­ cialm ente um a sociedade ideal, em que os indivíduos, quer sejam trabalhadores ou em preendedores, são iguais, senhores das suas opções e do seu destino. A p a rtir daqui, deduz-se um a política económ ica capaz de vergar a realidade rebelde, de a fazer corresponder a esta sociedade ideal em que cada um m axim iza a sua satisfação ... Isto p ode ter como consequência concreta que se preconize a lim itação dos direitos sindicais (J. R uelf nos anos 1920-1930) ou que se deseje que os sindicatos se tornem parcei­ ros responsáveis (discurso de Jacques C hirac). Em qualquer dos casos, trata-se de simples dedução lógica. T en tar descor­ tin ar aí traços de política corresponderia a sermos m al inten­ cionados. Mas eis que M arx, expulso pela p o rta, reen tra pela janela. Será que alguns espíritos esclarecidos com preenderam que as teorias que ensinavam não eram coerentes, que o sistema reynesiano tinha as suas lim itações ? O u será antes que o m arxism o se im põe do exterior, a p artir das lutas e das fábricas ocupadas, da crise do capitalism o e dos seus valores ? O perigo é grande ! As duas citações que destacam os de início provam -no. U m a vez que M arx se im põe, aceitám o-lo mas desenraízem o-lo. Despojemo-lo do seu aspecto «ideoló­ gico», façam os dele um hom em de ciência «puro», superior às paixões...

O objecto deste trabalho é fornecer alguns elem entos de crítica sobre aquilo que constitui a pedra angular de qual­ quer teoria económ ica: o valor. A prim eira p arte será consagrada às teorias neoclássicas. A presentarem os integralm ente as teorias deste econom ista, não por prazer, mas porque elas são m uitas vezes apresentadas de form a fragm entada, parcelar. M ostrarem os assim que um ra­ ciocínio aparentem ente anódino — com o a determ inação do preço por um m ercado— conduz à negação da exploração. Se bem que em crise, esta teoria é hoje dom inante. Por isso, irem os expor a sua crítica interm a. Depois de term os entrado no «jogo», m ostrarem os q u e a incoerência interna destas teo­

INTEODTJÇÃO GERAL

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rias provém do carácter inaceitável das suas hipóteses e do seu desenvolvim ento. A segunda p arte será consagrada às teorias ricardianas e m arxistas. M ais precisam ente, m ostrarem os em que funda­ m entos se baseia a tentativa recente de «secularizar a econo­ m ia política m arxista». A crítica da interp retação neo-ricardiana de M arx conduzir-nos-á a um a análise detalhada do problem a da transform ação dos valores em preços de p ro d u ­ ção. M ostrarem os assim que o estudo- dos preços de produção perm ite analisar «a anatom ia da sociedade burguesa». Longe de estar esterilizada, a análise m arxista revela assim a sua força. Por ser um a arm a de actuação, ela realiza a crítica da econom ia política.

I

A

POSIÇÃO

N E OCL ÁS S I CA

IN TR O D U Ç Ã O

A teoria neoclássica assenta era bases simples, eviden­ tes à prim eira vista. É aí que reside a sua força. O indivíduo, as suas opções, as suas decisões consti­ tuem a p ed ra angular d a análise neoclássica. Por um lado, ele sabe quais as suas necessidades, p o r outro, os preços e o rendim ento são p ara ele um dado. M unido deste binóm io, ele optim iza a sua escolha. Neste sentido, podem os dizer que ele é senhor das suas decisões. O indivíduo constitui apenas um a ínfim a parte da socie­ dade. Esta é form ada pelo conjunto dos indivíduos, tom ados um a um. Estes indivíduos são todos iguais e racionais, quer sejam trabalhadores ou em presários. A acção racional do conjunto destes indivíduos faz que os preços sejam determ i­ nados ao nível do m ercado. O m ercado é soberano. O indi­ víduo porque é um a parcela infinitesim al, terá de se lhe adaptar. Ele é, pois, escravo do m ercado. Senhor e escravo, o indivíduo constitui a base do racio­ cínio neoclássico. O que o caracteriza é a sua capacidade de escolher livrem ente. Se os indivíduos puderem escolher livre­ m ente, então o sistema em que vivemos é o m elhor; não se justificará, portanto, qualquer ten tativ a de o destruir: bastará aperfeiçoá-lo, concedendo aos hom ens — ou a alguns de entre eles — a sua liberdade, e se, porv en tu ra, esta lhes tiver sido coarctada. As conclusões são im portantes: os preços são determ ina­ dos pelo m ercado, e não pod erá haver exploração do « traba­ lho», se ... os (homens) puderem exercer o seu livre arbítrio. Bastará que apenas um im peça a livre escolha dos outros,

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SOBRE O VALOR— • ELEM EN TOS PARA UMA CRÍTICA

que exerça um ¡poder d e dom inação, que -tente d e tu rp a r as leis do m ercado em seu beneficio, p ara que o conjunto de individuos, tom ados um a um (a «sociedade»), não possa atingir o máxim o de satisfação. Vamos expor as hipóteses e a dedução que perm item tais conclusões. N um a prim eira fase, iremos aceitar o con­ junto das hipóteses. Irem os ligar entre si os fragm entos da análise neoclássica, que, considerados isoladam ente parecem bastante insignificantes. Vam os efectuar esta construção do conjunto porque os m anuais evitam m uitas vezes fa zê -lo 1. N um a segunda fase, dem onstrarem os que, mesmo acei­ tando as hipóteses de p artid a neoclássicas, o raciocínio é incoerente e que, p ara que n ão o fosse, seria necessário con­ siderar um a econom ia onde existisse um só bem , ou seja, a p ró p ria negação da escolha que os neoclássicos obstinada­ m ente colocam em prim eiro plano. N um a terceira e últim a fase, criticarem os as hipóteses explícitas e, sobretudo, im plícitas, que são avançadas. Dem ons­ trarem os que a incoerência in tern a desta teoria não é mais do que a consequência lógica do carácter inaceitável das suas hipóteses falsam ente sim plifieadoras. N o ta s

i Quem m ostra, por exemplo, a s consequências d a análise do consum idor ou do p ro d u to r? Mais concretam ente, quem m os­ t r a que estas análises constituem as trav es m estras d a análise neoclássica do valor, que conduz m uito n atu ra lm e n te à tese da não-exploração ? Ê preciso confessar que, re g ra geral, ,é neces­ sário e sp e ra r pelo doutoram ento p a ra 'entender este tipo de ligações...

1.

A DEDUÇÃO

A dedução dos neoclássicos é sim ultaneam ente simples e complexa. Sim ples, porque repousa sobre hipóteses iniciais aparentem ente evidentes e triviais. Com plexa, porque a glo­ balidade do raciocínio dedutivo raram ente é apresentada e varia de autor p ara autor. Para bem entenderm os esta ded u ­ ção, temos de conhecer a «filosofia» em que se inspira tal corrente e as hipóteses «sim plificadoras» que é levada a con-, siderar.

Secção 1.

Filosofia e dedução

A base filosófica do raciocínio é simples. A sociedade é com parada a um a com plexa m áquina, da qual os indivíduos são as várias peças. A sociedade é, pois, form ada pelo con­ junto desses indivíduos tom ados um a um . Em si m esma não tem autonom ia p rópria. O seu com portam ento é a resultante do com portam ento dos indivíduos que a com põem *. A socie­ dade é, pois, o som atório dos indivíduos e nada mais. P ar­ te-se das quantidades infinitesim ais (os indivíduos) p a ra che­ gar ao todo (a sociedade). P ortanto, parte-se do indivíduo, cujo com portam ento se estuda. O indivíduo é colocado perante um a série de bens. Estes bens são em quantidade lim itada. Serão, portanto, mais ou menos raros. O indivíduo tem necessidades. Essas necessi­ dades são naturais. Deste m odo, antes m esm o de saber o preço das m ercadorias, bem com o o seu rendim ento, ele poderá dizer qual a satisfação que lhe dará o consum o deste o u daquele bem , em m aior ou m enor quantidade. Pode efec-

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tu a r estas ‘e stim ativas independentem ente do conhecim ento -dos preços e d o rendimento-, porque está sujeito a necessi­ dades naturais, inatas. P-oderá assim afirm ar que, se comer 1 kg de pão, beneficiará de um a «utilidade total» (uma satisfação) de 9; se comer 1,5 kg, a utilidade será de 10 e, finalm ente, se com er 2 kg de pão, a utilidade total será de 10,5. A evolução da utilidade total (9-10-10,5) m ostra que, quanto m ais pão ele consom e, m enor é O' apetite. Diz-se então que «a intensidade de um prazer que se prolonga, é decrescente e acaba p o r s-e anu lar -no ponto de saciedade» (Lei de G ossen). A utilidade total cresce, mas de form a cada vez m enos intensa. E sta constitui um a lei e ssen c ia l2. A firma-se que os indivíduos agem em conform idade com ela, p a ra efectivarem as suas opções. O que interessa ao indi­ víduo não é sobre-tudo a utilidade total que lhe adviria do consum o d-e d eterm inada quantidade de um bem , m as sim o acréscimo de satisfação, que ele sentirá, devido ao consum o de cada unidade suplem entar. É este acréscimo' de satisfação que ele irá com parar a um -outro acréscim o resultante do con­ sum o de um a unidade suplem entar de um outro b-em. O indi­ víduo raciocina, pois, m arginalm ente *. C om para as utilidades marginais, que lhe proporciona o consum o deste ou daquele bem. É um dos elem entos que com andará a sua escolha. Considerem os um exem plo: Pão (1,5 kg-1 kg) = 0,5 kg —> U.M . = 10 - 9 = 1 (2 kg-1,5 kg) = 0,5 kg U.M . = 10,5-10 = 0,5 Tecido (3 m-2 m) = 1 m --------------> U.M . = 0,8 (4 m-3 m) = 1 m --------------~>U.M . = 0,5

* Ou se ja considerando acréscim os sup lem en tares no con­ sum o, e com parando o s correspondentes aum entos de prazer ou de satisfação. { N. do T.).

A DEDUÇÃO

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O consumo de 2 kg de pão proporciona-lhe um a satisfa­ ção, que excede em 0,5 aquela que ele teria, se apenas tivesse comido 1,5 kg. A utilidade m arginal é, pois, 0,5. Equivale à utilidade m arginal que lhe advém do consum o de 4 m de tecido. A evolução das duas utilidades m arginais (a do pão e a dos tecidos) será im portante nos m om entos da opção. O indivíduo obedece, pois, a um hedonism o perfeito. Ele optim iza os seus p ra z e re s 3. Mas pode ser-lhe difícil cal­ cular as suas necessidades. Por isso, a análise neoclássica adoptou de um a form a geral a ideia de que, se o indivíduo não pode m edir os seus prazeres, pode ao menos estabelecer entre eles um a relação de ordem, p o d e dizer, por exem plo, se a combinação de duas m ercadorias (ou mais) num a deter­ m inada quantidade lh e proporciona um a satisfação seme­ lhante, m aior ou m enor do que um a outra com binação dessas duas m ercadorias. Chega-se assim à construção de curvas de indiferença:

U m quilo de pão e dois litros de vinho proporcionam a m esm a satisfação que dois quilos de pão e um litro de vinho. O indivíduo, dado que age racionalm ente (é hom o eco n o m ku s, segundo nos disseram ), tanto pode escolher a prim eira com binação com o a segunda. É-lhe indiferente. Se

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SOBRE O VALOR — ELEM EN TOS PARA UMA CRÍTICA

preferir consum ir m ais vinho, a utilidade m arginal que daí advirá será decrescente. Inversam ente, o facto de consum ir m enos pão (para consum ir m ais vinho) faz que aum ente a utilidade m arginal, que retira de um consumo m e n o r 4. O de­ créscim o da u tilidade m arginal do vinho e o acréscim o do pão com pensam -se. É devido a este facto que ele extrai a m esm a satisfação da prim eira com binação que da s e g u n d a 5. Se o indivíduo quiser consum ir dois quilos de pão e dois litro s de vinho, obterá um a satisfação superior àquela que obtém das com binações precedentes, dado que dois quilos de pão e dois litros de vinho representam um a quantidade su p erio r a dois quilos de pão e um litro de vinho ou a dois litros de vinho e um quilo de pão. Ele poderá relacionar este nível m ais elevado de satisfação com um a outra com binação qu e lhe proporcione idêntico nível, por exem plo, um litro de vinho e q uatro quilos de pão. Situar-se-á então num a curva de indiferença (I 2) superior à precedente (li). Pode então afirm ar-se que, passar de um a curva p ara a outra, é «trepar a colina dos prazeres» (P a re to )... O conjunto destas curvas constitu irá o m apa de indiferença de cada indivíduo. A té agora, não fizemos interferir nem os preços das m ercadorias nem o rendim ento do consum idor. Trata-se, pois, de um a hipótese de com portam ento que, apesar d e aparen­ tem ente insignificante é, de facto, h eró ic a ... O indivíduo conhece as suas necessidades independentem ente dos preços e do rendim ento, m as ainda não pode fazer a sua opção. A inda lhe faltam certos dados. A nalisarem os a sua escolha na secção 2. P or agora, prossigam os. O indivíduo é um a q uantidade infinitesim al. É igual a todos os outros e não pode influenciá-los. O indivíduo con­ sum idor de bens tem , pois, o m esm o com portam ento que o indivíduo em presário 6, e é igual a ele. O indivíduo em pre­ sário consom e os serviços que se lhe deparam . Pode, pois, op ta r entre consum ir diversas quantidades de trabalho e as correspondentes quantidades de capital. T rabalho e capital são m ercadorias. M as trata-se de m ercadorias com caracterís­ ticas particulares: participam na criação de outras m ercado­ rias, sendo, portanto, factores de produção. T al como o conhecim ento da u tilidade m arginal dos bens de consum o é im portante p a ra o indivíduo consum idor,

A DEDUÇÃO

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tam bém a dos factores de p rodução o é p ara o indivíduo em presário. A utilidade m arginal que corresponde à utiliza­ ção de um a dada quantidade d e factores de produção é a produtividade marginal. O indivíduo em presário constrói, pois, curvas de isoproduto, que correspondem às curvas -de indiferença p ara o consum idor. Estas curvas m ostram — tal como as curvas de indiferença — as diversas com binações de factores de produção, que lhe proporcionarão a m esm a quan itidade -de produto, quer dizer, a m esm a satisfação. O em pre­ sário tem um a posição de indiferença na escolha, tal como o consum idor. O bedece às mesmas regras.

Secção 2.

A dedução propriam ente dita

M unidos destas hipóteses e do seu fundam ento filosó­ fico, podem os agora analisar a dedução dos neoclássicos. P ara com preender bem -esta dedução, é necessário ter sem pre em m ente o -objectivo fixado: — M ostrar que os preços são indicadores d-e escassez, quer dizer, que o preço é determ inado pela u tilidade m argi­ nal (ou pela produtividade m arginal). — Q ue, neste caso, nos encontram os no m elhor dos m un­ dos possíveis, o nde não pode h av er exploração. O raciocínio faz-se em três etapas: 1.a etapa: Perm anecendo ao- nível do indivíduo, estabelece-se a relação p re ç o --------- > procura. P or outras palavras, constrói-se a curva da procura a que chamamos teórica. 2.a etapa: Passa-se p ara o nível da sociedade, quer -dizer, do conjunto dos indivíduos. Estabelece-se então a rela­ ção p ro cu ra --------- > preço. M ostra-se assim como- se determ i­ nam os preços. Estabelece-se assim a lei do valor utilidade. 3 .“ etapa: G eneralizam -se os resultados obtidos à deter­ m inação dos preços dos factores de produção. Tais -preços são determ inados pela produtividade m arginal. N ão poderá aí -existir exploração, se houver -equilíbrio. Deve-se pois procu­

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SOBRE’ O VALOR — ELEM EN TOS PARA UMA CRÍTICA

rar o equilíbrio. As condições çpara que ele exista devem , po rtan to , ser respeitadas.

1. A:

Primeira etapa: estabelecim ento da relação P ----------> D É dado um equilíbrio

As necessidades são dadas. Vimos que hipóteses isto im plicava (necessidades natu rais, eternas). Deduz-se o con­ sumo das curvas de indiferença (m apa de indiferença) para dois bens x e y , C onsideram os dados os preços (Px, Py) e o rendim ento (R) disponível do indivíduo consum idor. Isto perm ite cons­ tru ir a recta de orçamento-. E sta recta de orçam ento pode representar-se: R — xPx + yPy o u ainda: — xPx R y = ---------- + ------Py Py Esta recta intercepta curvas de indiferença. Como existe um a infinidade de curvas, ela in tercep tará algumas e outras não. D onde se pode deduzir que existe um a curva que será tangente à, recta de orçam ento. Este ponto de tangência é ex­ trem am ente im portante. Exprim e o p onto onde o indivíduo, tendo em conta, p o r um lado, as suas necessidades e, p o r outro, os preços e os seus recursos, m axim iza a satisfação. É um ponto de equilíbrio e é o m ais elevado que ele pode atingir, consideradas as lim itações atrás referidas. N este ponto, o indivíduo racional está satisfeito. Este ponto de equilíbrio goza de um a p ropriedade m uito im portante. Sabe-se, com efeito, que a tangente a um a qual­ q u er curva de indiferença exprim e o sim étrico da taxa m ar— dy UM x ginal de substituição TM S = ---------- = -------- . Sabem os, endx UMy tretanto, que a inclinação desta tangente é tam bém igual a

A DEDUÇÃO

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Px . D e onde: Py UM x

Px

UM x

UMy

Px

Py

(em valor absoluto) e UM y

Py

, que po-

demos alargar a n m ercadorias. T rata-se de um a lei extrem am ente im portante para' a análise neoclássica: em situação de equilíbrio as utilidades marginais das diferentes mercadorias ponderadas pelos res­ pectivos preços são iguais. Podem os efectuar exactam ente o m esm o raciocínio para o em presário pro d u to r. O em presário tem à sua frente o con­ junto das .curvas de isoproduto. C ada curva exprim e as diver­ sas (infinitas) possibilidades de com binação de factores de produção p a ra obter um a q uantidade determ inada de produto. Introduzem -se os preços de «aluguer» dos factores de produ­ ç ã o 7 e os recursos do ■em presário. Pelo mesmo raciocínio-, obtém -se o equilíbrio do pro d u to r, igualm ente as produtividades m arginais ponderadas pelos respectivos preços:

PMA

PMB

PA

PB

que podem os alargar a n factores de produção. T udo isto nada tem de espantoso, pois que, m ais uma vez, todos os indivíduos são iguais, quer sejam produtores ou consum idores e obedecem ao m esm o com portam ento: escolher, m axim izando a sua satisfação. B.

E ste equilíbrio é p ertu rb ad o

A sequência do raciocínio consiste em rom per este equi­ líbrio. O preço e /o u o rendim ento variam . Porquê ? Pouco im porta. Supõe-se que um dos dados se m odifica. Q ual é a intenção ? V er com o se passa de um equilíbrio para outro.

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SOBRE O VALOR — ELEM EN TOS PARA UMA CRÍTICA

A nalisam -se as condições de passagem deste equilibrio per­ turb ad o ao novo equilíbrio. Surgem-nos assim destacados dois efeitos: um efeito de rendim ento e um efeito de substituição. U m a baixa de preços conduziu deste -modo a um novo equi­ líbrio, graças ao jogo com binado destes dois efeitos, que, no entan to , é necessário distinguir. — Por um lado, a baixa de preço de X m elhora o poder de com pra (efeito rendim ento) e conduz naturalm ente a um acréscim o na com pra de X e de Y (com um a excepção: os bens inferiores p a ra os quais a procura baixa, quando o poder de com pra aum enta, como p o r exem plo, a m argarina). Se P é o ponto de equilíbrio inicial, a baixa do preço d e X conduz a um deslocam ento paralelo da recta de orça­ m ento, suscitando um efeito de rendim ento em que o indiví­ duo aum entará o seu consum o de O p p ara O p ’. — P or outro lado, esta m esm a baixa do preço de X leva o consum idor a preferir X a Y pois Y tornou-se mais caro, em relação a X 8 (efeito de substituição). A recta de

A DEDUÇÃO

25

orçam ento desloca-se p a ra a direita, dado que se pode com­ p ra r um a quantidade superior de X com o mesmo rendim ento. O indivíduo com prará O q em lugar de O p. O efeito total é a soma dos dois efeitos, tanto p a ra X como p a ra Y. O novo p onto de equilíbrio é Q , situado sobre um a curva de indiferença superior. Poder-se-ia pensar que é inútil distinguir os dois efeitos, um a vez que, no exemplo anterior, o ponto de equilíbrio final é possível de obter, se considerarm os só o efeito de substituição. M as com eteríam os um erro. Os dois efeitos podem agir em sentidos contrários, como dem onstrarem os. Im porta, pois, distingui-los. O esquem a é o seguinte: P (equilíbrio perturbado) P’ Q (equilíbrio final). A curva N P Q é u m conjunto de pontos de equilíbrio, pois é o lugar onde se situam todos os pontos de equilíbrio, p ara sucessivas variações de Px. Chegados ao novo equilíbrio, vam os de novo rompê-lo. Px continua a baixar. Isto perm ite-nos construir a curva M PQ , unindo os diversos pontos sucessivos de equilíbrio. E sta curva tem um a propriedade interessante. Podem os dela derivar a

curva teórica de p ro cu ra do p ro d u to X , em relação ao preço. Com efeito, cad a ponto desta cu rv a está de acordo com a — Px — dy relação antes definida: tga = ---------- = ------------. Como Py Py dx

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SOBRE O VALO R— ■ELEM EN TOS PARA TJMA CRÍTICA

— Px é constante, e ---------- - representa a inclinação da tangente às Py curvas de indiferença, facilm ente se deduz a variação que sofre Px, quando a q uantidade de x aum enta. Tem os dx f e» T ga = > tg«’ > Px i . C onstruím os assim um a curva de procura. E sta deduz-se das propriedades de equilí­ brio do consum idor. T rata-se, pois, de um a curva teórica de­ crescente. D ifere de um a curva obtida estatisticam ente, na m edida em que não é construída com base em observações estatísticas, mas sim deduzida da sucessão de pontos de equi­ líbrio, tendo p o r origem o m apa de indiferença. 2.

Segunda etapa:

Estabelecim ento da relação D -> P, ou lei do valor propriam ente dita

Consideram os a curva de procura de um indivíduo para o bem X. Poderem os proceder analogam ente para todos os outros bens Y , Z ... o u factores de pro d u ção A, B, C ,... A.

C onstrução da curva de p ro cu ra do m ercado

Devem os agregar as curvas de procura individual para o bem X. Vimos que tal era possível, pois considera-se que a sociedade é form ada pelo som atório, pois considera-se que a então a curva de pro cu ra total p a ra o bem X, o u seja a curva da procura no m ercado de X . Ê a este nível, e apenas a ele, que o preço é determ inado. Ao nível do indivíduo, o preço seria um dado que ele não podia m odificar por ser um simples átom o. Se bem que o indivíduo esteja situado no fulcro da análise neoclássica, se bem que seja ele quem escolhe e quem decide, ele apenas o pode fazer condicionado a um a série de variáveis que lhe são im postas. N ão pode actuar sobre elas. Pelo contrário, é o m ercado que sintetiza o .conjunto das vontades, pois é ao seu nível que as curvas de procu ra individuais são agregadas. D este m odo, o m ercado será soberano. O indivíduo sujeitar-se-á à sua decisão, o preço, que lhe surge como um dado. É ao nível do m ercado que se fixará o preço. É, pois, aí que irá operar a teoria do valor-utilidade, transform ando-se o

A DEDUÇÃO

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preço, já que é determ inado e não um dado, num indicador de escassez. U m preço m uito elevado significa que o bem é raro, logo m uito útil, e, inversam ente, pouco consum ido (por ser m uito caro), e que, p o r isso, é dotado d e um a utilidade marginal m uito elevada. O M ERC A D O é pois soberano. Se a procu ra cresce (em relação à o ferta), o preço eleva-se (a curva da procura desloca-se p a ra cim a). O preço de equilíbrio passa de A a A \ O preço é, pois, claram ente determ inado pela p rocura, não de um indivíduo, m as do conjunto dos indivíduos. Tem os então a relação inversa:

PR O CU R A

B.

-> PREÇO

Interdependência dos 'mercados

Q uedarm o-nos aqui seria, n o entanto, largam ente insu­ ficiente e mesmo parcialm ente falso. O indivíduo é, com efeito, .continuam ente colocado p e ra n te opções a efectuar. Q uando m axim iza a sua u tilidade, fá-lo em relação a um conjunto de bens. C om prar m ais X p o d e q u erer dizer com prar m enos Y. V erificám o-lo, quando analisám os os efeitos de rendim ento e de substituição. D esde logo, a ideia de opção im plica necessariam ente a existência de vários bens e de vários m ercados em contacto.

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SOBRE O V A LO R — ■ELEM EN TOS PARA TJMA CRÍTICA

O s m ercados de X , Y, Z ... A , B, C .... são necessaria­ m ente interdependentes. E sta interdependência não é m ais do que o resultado da ideia de escolha e de decisão individual, base da análise neoclássica. Terem os, pois:

Deverem os neste m om ento distinguir dois casos: — aquele em q u e apenas existe um equilíbrio nas trocas; — aquele em que se considera que os bens oferecidos são tam bém produzidos. a) E quilíbrio das trocas: supõe-se neste caso ultra-simples que cada indivíduo tem , à p artid a, antes de qualquer troca, um patrim ónio constituído p o r um a série de bens. Esses bens não são produzidos. Já existem . N ão há, pois, actividade d e p rodução e, p o r esse facto, não existem m ercados de factores de p rodução. P ortanto, as quantidades dos diferentes bens são dadas. C ad a indivíduo decide trocar o que possui p o r aquilo que não tem — mas que deseja — e en tra, deste m odo, em contacto com outro indivíduo que deseja efectuar a operação inversa. Podem os, desde já, considerar que a oferta de um constitui a procu ra de outro inversam ente. O preço é deter­ m inado, no m ercado soberano, pela intersecção da oferta e da procura, com a seguinte particularidade: A oferta não é m ais do que um a procura recíproca, independente da procura, pois que provém de um outro indivíduo (cujas decisões são independentes dos outros indivíduos). Poderem os então dizer q u e o preço é determ inado exclusivam ente pelas curvas da p ro cu ra (a p ro cu ra e a procura recíproca).

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A DEDUÇÃO

Tem os, po rtan to , a relação D ------------ > P. O preço constitui assim um indicador de escassez. O que é válido p ara um m ercado é-o p ara o conjunto dos m ercados. Os m ercados independentes são, pois, soberanos. A troca é um a troca directa de um bem por outro. C ada bem é expresso em função de um outro bem . Mais precisam ente, o preço de um bem é dado em relação ao preço de um outro. É a con­ sequência da ideia fundam ental de escolha avançada pelos neoclássicos. O s preços são assim preços relativos: o preço de X , em relação ao de Y, que escreverem os P x /y . Q uando buscam os os preços do conjunto dos bens no consumo dos m ercados, é necessário considerar um bem cujo preço servirá de referência. Poderem os assim exprim ir os preços das outras m ercadorias em função deste preço padrão. A m ercadoria, que servirá de referência, cham ar-se-á num erário (N) e o seu preço será, p o r hipótese, igual a 1 . E sta m ercadoria pode ser um a qualquer. M as é necessário um a, p ara que possamos passar da troca entre dois indivíduos p ara a troca generali­ zada *. Porque se trata de troca (no sentido anterior), o num erário não é dinheiro. O equilíbrio é um indivíduo real e não monetário. Os indivíduos perm utam um a certa quan­ tidade do bem X p o r um a certa q uantidade do bem Y. A rela­ ção é X Y , e o preço será quer P x /y , quer, no caso de nos interessar, a determ inação sim ultânea de todos os pre­ ços, no conjunto de todos os m ercados interdependentes, P x /N , P y /N , etc., com N = 1. Estam os em presença de um equilíbrio geral, quando o conjunto dos indivíduos está satis­ feito, feliz, equilíbrio esse que se exprim e em term os reais (um a m ercadoria em relação à o u tra). Os preços relativos são, po rtan to , indicadores de escas­ sez. Eles são determ inados pela pro cu ra (utilidade m arginal). ■b) Introdução de um a actividade de produção: As m erca­ dorias são em p arte já existentes (patrim ónio do indivíduo) e em p arte produzidas. A existência de um a actividade produ­

* No {N . ão T. ).

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produtos.

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SOBRE O VA LO R— • ELEM ENTOS PARA TJMA CRÍTICA

tiva introduz o em presário, que, como q ualquer indivíduo, tem um com portam ento tendente a m axim izar a utilidade, que emerge da sua actividade, neste caso, o lucro. As quan­ tidades dos bens de consumo deixam de ser um dado, mas as dos factores de produção continuam a sê-lo. N a m edida em q u e, como vim os, a actividade do p ro d u to r em presário obe­ dece rigorosam ente às m esm as regras que a actividade do indivíduo consum idor, terem os de form a sem elhante a deter­ m inação dos preços. M as o facto novo é que existe agora um a curva da oferta: a o ferta dos em presários resulta de um a actividade p rodutiva, ou seja, da com binação de vários facto­ res de produção (coeficientes técnicos). E sta oferta apresenta-se no m ercado face a um a procura. Além de independente da procura, ela já não é um a curva de pro cu ra recíproca. O preço é, pois, determ inado, aparente­ m ente, pela oferta e pela procura. Q uan d o nos colocamos ao nível da sociedade, ou seja do conjunto dos indivíduos, e, consequentem ente, dos m ercados X , Y, Z ... A, B, C ... interdependentes, obtem os um m odelo, no qual as procuras individuais dos bens, as quantidades produzidas e os respecti­ vos preços (excepto o do num erário igual a 1 ) são incógnitas. A resolução de tal m odelo perm ite determ inar estes preços de equilíbrio. (Para sermos mais exactos, seria necessário acres­ cen tar que, se bem que tenham os o mesmo núm ero de in­ cógnitas e de equações, não poderem os garantir que os preços obtidos correspondam a um a só solução de equilíbrio.) A satisfação de cada indivíduo, consum idor ou produtor, é então m áxim a. N ão deixa, contudo, de parecer que os preços são deter­ m inados igualm ente pela oferta. Sem nos determ os em por­ m enores inúteis p o r agora, devemos dizer que a curva de oferta de um m ercado corresponde ao agregado do conjunto de curvas de custos m arginais das em presas, que produzem o bem em causa, vendido n o m ercado. A í são integrados os coeficientes técnicos de produção (com binação dos factores de produção), que poderem os supor fixos ou não. Porém, a curva da oferta não desem penha exactam ente o mesmo papel que a curva da procura, ainda que seja ao nível de inter­ secção destas duas curvas que se fixa o preço de equilíbrio. Por outras palav ras, não existe sim etria. «M as se estes indi-

A DEDUÇÃO

31

víduos, tendo encontrado os serviços produtores necessários procedessem ao fabrico dessas mesm as m ercadorias e intro­ duzissem os seus produtos no m ercado, as m ercadorias, cujo preço de venda excedesse o custo de produção, m ultiplicar-se-iam e aquelas, cujo custo de produção excedesse o preço de venda, escasseariam , até que a igualdade do preço de venda e do custo de produção fosse restabelecida. Eis o problem a da p rodução e eis com o a consideração dos custos de produção determ ina a quantidade e não o p r e ç o 9.» A concorrência p u ra e perfeita (conceito que definirem os seguidam ente) desem boca, pois, num a situação paradoxal, em que a procura do m áximo lucro (para além do juro rem une­ rad o r do capital em patado), p o r cada em presário, conduz a um a situação de equilíbrio, em que deixa de haver lucro. H avendo lucro, ele atrairia concorrentes, a oferta aumentaria, o preço seria reduzido o lucro anulado. A busca p o r parte de cada um do máximo lucro conduz assim a um a situação de equilíbrio em que o lucro é em todos os casos nulo e onde, deste m odo, toda a gente deverá ser feliz (a existência, a contrário, de um lucro em determ inado bem faria decerto que o p ro d u to r desse bem ficasse satisfeito, mas fa ria tam bém que os outros produtores, que não pudessem beneficiar desse rendim ento, não fossem felizes, e, portanto, a sociedade, no seu conjunto, não se encontraria em situação óptim a). A oferta, nestas condições (condições discutíveis, m as que não criticarem os p o r agora), actua apenas sobre as quantidades que, p o r existir um a procura, fazem v ariar os preços. Os pre­ ços de equilíbrio são, pois, fundam entalm ente determ inados pela procura (utilidade m arginal ou produtividade m arginal) e este equilíbrio significa, sim ultaneam ente, que as quantida­ des produzidas são tais, que não se verifica um lucro em nenhum a em presa, lo so que os custos m arginais são iguais aos outros custos m édios mínim os. Assim, mesmo neste caso m ais com plexo, em que exis­ tem dificuldades devidas aos custos, o preço de equilíbrio ê determ inado fundam entalm ente pela procura. Ê um indicador de escassez. Assim

p p n r iT P a

—^ PPFCO

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C.

SOBRE O VALOR— ■ELEM EN TOS PARA UMA CRÍTICA

E quilíbrio p ertu rb ad o e p apel desem penhado pela lei do valor

M ostrám os como se passava do equilíbrio individual ao equilíbrio geral, havendo ou não um a actividade produtiva. V im os assim com o eram determ inados os preços, e, deste m odo, realçam os o profundo sentido da teoria subjectiva do valor. D izer que o preço é determ inado pela utilidade m ar­ ginal é pressupor que o com portam ento do indivíduo consiste em m axim izar a sua utilidade (ou lucro), dado que node fazê-lo, efectuando escolhas (afectação óptim a de recursos) e ainda pressupor que o resultado final será q ue o conjunto dos indivíduos obtém a satisfação m áxim a, p orque cada um deles a obtém individualm ente. M as n ã o basta chegarm os a este ponto. É necessário m ostrar como, se este equilíbrio for perturbado, se regressa — sob certas condições — a novo equilíbrio. Ê necessário m ostrar que o regresso ao equilíbrio im plica que a lei do valor p ode actuar em pleno. Irem os fazê-lo rapidam ente. «P ara que o equilíbrio seja estável, é necessário que um ligeiro m ovim ento, a p a rtir de um a situação de equilíbrio, faça intervir outras forças, que tenderão restabelecê-lo. Isto equivale a dizer que um a elevação dos preços acima do nível de equilíbrio deverá necessariam ente provocar a intervenção de forças tendentes a um a dim inuição dos mesmos, o que im plica, em concorrência p u ra e perfeita, que um a alta nos preços torne a o ferta m ais im portante que a procura. A con­ dição de estabilidade é, pois, a seguinte: um a alta dos preços to rn a a oferta m ais im portante que a procura» (H icks, p. 55). A condição de equilíbrio no m ercado é, p ortanto: O x = D x, sendo a de estabilidade: Px 4, ----- > Dx f tal que D x > Ox ou dx > O (procura excedentária p o s itiv a )10. a)

Troca de dois bens x e y

As condições de equilíbrio são as mesm as para x e para y. N este ponto verificarem os quais as im plicações de um a baixa do preço de X no seu m ercado. D epois, num segundo ponto,

A DEDUÇÃO

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analisarem os as consequências da baixa do preço de X sobre os outros m ercados (interdependência). A baixa do preço de X provoca dois efeitos. O prim eiro é o efeito de substituição. Q uando o preço de X dim inuir, a procura aum enta e a oferta contrai-se. D aí resulta um a pro­ cu ra exoedentária positiva (dxt). O segundo é um efeito de rendim ento. A baixa do preço de X conduz a um acréscimo da procura, exceptuando-se, é claro, o ,caso dos bens inferio­ res. O problem a torna-se, no entanto, mais delicado, no to­ cante à oferta. Esta pode crescer ou decrescer. A procura excedentária (dx2) não é, pois, necessariam ente positiva. Ê necessário, po rtan to , estudar, caso p o r caso, a evolução da oferta, na m edida em que esta, não só determ ina a existência de um a pro cu ra excedentária positiva ou negativa (dx2), mas determ ina igualm ente o efeito final, p o r com paração desta procura excedentária (dx2) com aquela, que resulta do efeito de substituição (dxi). Analisem os pois a evolução da oferta: — A quele que oferece pode desejar m anter o seu rendi­ m ento total, apesar da baixa do preço de X . A um entará natu ­ ralm ente a sua oferta, em bora ganhe menos por unidade ven­ dida. Se o aum ento da oferta corresponde ao aum ento da p ro ­ cura, a procura excedentária, que resulta do efeito de rendi­ m ento, é nula. Como o excedente de procu ra, que resulta do efeito d e substituição, é positivo, o excedente de procura total (dx = dxi + dx2) é igualm ente positivo. O m ercado de X regressa ao equilíbrio, dado que a condição de estabilidade é cum prida. A contrário, o m ercado de X não regressará ao equilíbrio, q u ando a procura excedentária final fo r negativa. O ra, pode ser este o caso, quando o acréscimo da oferta é tal, que a procu ra excedentária, que resulta do efeito de ren­ dim ento, não só é negativa, mas tam bém assume um valor em que o efeito final não é positivo (dx 2 < 'O tal que | dx 2 1 > | dxi | e dx < O ). Tem os assim caso — m uito p articu lar — em que as for­ ças contrárias não poderão actuar. Os neoclássicos gostam , de

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SOBRE' O VALOR — ELEM EN TOS PARA UMA CRÍTICA

um a form a geral, de estu d ar este tipo de casos. O nosso pro­ pósito é apenas m ostrar que tais casos podem dar-se e neles a lei do valor — segundo os neoclássicos — não pode actuar. Estes casos, especiais, são, em geral, considerados aberrantes e a política económ ica deve agir de m odo a eliminá-los (daí a necessidade de os detectar com rigor). b) Trocas m últiplas, interdependência. Q u alq u er desequilíbrio n u m m ercado repercute-se neces­ sariam ente sobre outros que, em contra p artid a, podem influenciar, de novo, aquele em que inicialm ente se verificou a perturbação e podem , um a vez m ais, desequilibrá-lo, se, entretanto, ele tiver voltado ao equilíbrio. O raciocínio é im portante, pois trata-se de m ostrar que, se as decisões indi­ viduais são respeitadas, não só a situação, que se obtém , é a m elhor, m as tam bém qualq u er p erturbação não poderá con­ duzir ao caos, m as sim ao retorno a este óptim o, sem pre no caso de a «liberdade» re in a r... Suponham os, p a ra sim plificar, que O' m ercado de X é estável, mas que o m ercado de Y é p ertu rb ado (Py t ) por um deus ex m achina (ou seja, não im porta p orquê — há que não fazer p erg u n tas... pois pode estragar-se tu d o ! ) . Q ue acontece a M x ? Sem pre dois efeitos: um efeito de rendim ento e um efeito de substituição. Prim eiro efeito: de rendim ento. Podem os considerar que é fraco (salvo se o bem Y era quantitativam ente im portante — em relação a X — no «cabaz de com pras» do consum i­ dor). O aum ento de preço de Y conduz a um a p ro cura excedentária negativa de Y e a um a ligeira baixa n a de X. Segundo efeito: de substituição. D everem os considerar dois casos lim ites: — X e Y são estritam ente sucedâneos: U m a elevação no preço de Y leva a um aum ento da p ro cu ra de X , que, graças à lei do valor, acarreta um a alta n o preço de X , que conduz a um regresso à situação de equilíbrio, p o r reabsorção do excedente (D x 4- ef. o 1.° ponto).

A DEDUÇÃO

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— X e Y são bens estritam ente com plem entares: A ele­ vação do preço de Y im plica um a baixa na sua procura, mas, por definição, baixará tam bém a procura de X. A procura excedentária de X torna-se negativa, o q u e conduz a um a redução do seu preço. A elevação do preço de Y suscita, pois, um a dim inuião do preço de X. Existem , po rtan to , neste caso m últiplos problem as, podendo o desequilíbrio ser cum ulativo e generalizável aos outros m ercados. C om preendem os a razão pela qual o caso dos bens com plem entares não é n ad a apre­ ciado pelos neoclássicos. Pois é precisam ente o caso em que não se pode escolher. A filosofia geral é, portanto, simples: se o equilíbrio global não existe, ou se, existindo, não node ser reatingido, após um a perturbação, é porque os «autom atism os livres» do m ercado (dos m ercados) não puderam funcionar. Pode ser, por exem plo, o caso da existência de m onopólios que vão entravar a baixa de preços necessária, face a um a procura excedentária negativa. O u ainda o caso dos sindicatos (sim, ■sim !) pois que, obrigando os patrões a pagar m ais do que deveriam , im pedem a baixa dos preços (dos salários), quando esta se torna necessária (caso em que a procura de trabalho é inferior à o ferta de trabalho p o r p arte dos trabalhadores). M elhor, favoreceriam o desem prego, pois não perm itiriam que este fosse reabsorvido. Força m aléfica, os sindicatos devem, pois, ser suprim idos (hoje, mais prudentem ente, dir-se-ia que os sindicatos deverão ser «responsáveis», tal como os sindi­ catos alem ães). N ão são os hom ens iguais entre si ? (revolu­ ção de 1789, lei d e \L e C hapelier). U m trab alh ad o r não é igual ao seu patrão ? Associarem-se é, necessariam ente, blo­ quear o livre jogo de m ercad o ... e daí não perm itirem que os indivíduos atinjam o paraíso da satisfação m áxim a. Eis com o, p artin d o de um a ideia simples, evidente à prim eira vista — a escolha, a opção — se chega ao equilí­ brio, e do equilíbrio às suas consequências sociais, justifica­ das precisam ente pela necessidade de m anter a liberdade indi­ vidual. Q ue esta liberdade seja form al ou não, que im porta ? ... a apologia d o sistem a encontra aí o seu fundam ento pseudocientífico.

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SOBRE O VALOR — ELEM EN TOS PARA UMA CRÍTICA

RESUM O O equilibrio do consum idor e do p ro d u to r obedece às m esmas leis. O s dois indivíduos situam-se rigorosam ente em p é de igualdade. Cada um deles pode transform ar-se no outro, se assim o desejar, sem qualq u er obstáculo a dificultar-lhe o cam inho. E sta hom ogeneidade dos indivíduos e dos com por­ tam entos resulta na constituição de diversos m ercados funda­ m entalm ente idênticos. Os m ercados de bens e os m ercados d e factores de produção constituem pólos situados exacta­ m ente sobre o m esm o plano. N ão existe q ualquer hierarquia. A penas os laços de interdependência se m anifestam . Nestes m ercados os preços dos bens e dos factores de produção 11 são determ inados. Os m ercados são, pois, soberanos, defi­ n indo o quadro em que os indivíduos deverão o p tar (fixando preços), mas eles próprios são form ados pelo som atório das vontades (opções) individuais. ¡Podemos estabelecer o seguinte paralelism o: TEO RIA

'DO

CONSUM IDOR

— V erifica-se equilíbrio, s e da­ dos os preços

T EO R IA DO PRO DU TO R -V erifica-se equilíbrio se, para o s preços de aluguer, tem os

TJMx

UM y

UM z

P té A

P té R

P té M

Px

Py

Pz

PA

PB

PM

— Introduzida ção:

um a perturba­

E feito d e rendim ento, efeito de su bstituição: C urva de procura in­ dividual

- Introduzida ção:

um a perturba­

E fe ito de rendim ento, efeito de su b stitu ição: _^

C urva de procura in­ dividual

Px Q

Q

A DEDUÇÃO

ê um a curva teórica. — passagem ao m ercado de X (nível dos consum idores) —•interdependência dos m er­ cados de X e de Y, condi­ ção de estabilidade, se Px f — > d x > O— ► P x

t

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é u m a cu rva teórica. —ip a ssa g em a o m ercado de A (n ível dos produtores) —■interdependência dos m er­ cados de A e de B , condi­ ções d e estabilidade, se PA 4, > dA > 0 — PA P

Sem evocar, p o r en q u an to (cf. a 3.a etapa), que tipo de problem a específico pode arrastar a agregação das curvas de procura individuais de factores de produção, recordem os um a vez m ais que a interdependência de m ercados, situados ao mesmo nível, é a consequência lógica das decisões indivi­ duais. Certam ente se poderia objectar que esta interdependên­ cia terá tam bém p o r origem o facto de, p ara p roduzir este ou aquele bem , ser necessária esta o u aquela com binação produ­ tiva. O aum ento do preço de X arrasta assim um acréscimo na procura dos factores de produção (A no nosso^ caso), que servem p ara produzi-lo. E sta interdependência será tam bém de natureza técnica. D e facto, podem os dizer que esta interde­ pendência técnica é desprezada, apesar da existência de coefi­ cientes técnicos, que já assinalám os. «À prim eira vista, isto pode parecer estranho, pois que, como é evidente, a análise de um a (a interdependência dos m ercados) conduz ao estudo d a outra (interdependência técnica). M as num âm bito estri­ tam ente neoclássico, esta conexão não pode ser efectuada facilm ente, dado que os factores, que influem na oferta e os que determ inam a procura, são pressupostam ente independen­ tes. Segundo a visão neoclássica da econom ia, os m ercados estão ligados uns aos outros, não p orque os diferentes p ro d u ­ tos sejam consum idos no fabrico de outros, mas po rq u e, por exemplo, a com pra de um a q u antidade exagerada de um bem

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SOBRE O VA LO R— ■ELEM EN TOS PARA UMA CRÍTICA

q u a lq u e r p e rtu rb a a p ro cu ra dos outros m ercados; de igual m odo, a produção de um a q u antidade mais elevada de qual­ q u er bem p ertu rb a a procu ra nos outros m ercados; ainda na m esm a linha, a p rodução de um a m aior q uantidade de um bem tem influência sobre os factores de produção, afastando-os da produção de outros bens». (E. S. N ell). E, parafraseando Sraffa, N ell acrescenta: «A produção é considerada como um a espécie de ru a de sentido único, em que os «factores finais» são transform ados em «produtos finais», sendo ignoradas to­ das as etapas interm édias, fixando-se a atenção, p o r um lado, sobre as condições q u e influenciam a venda dos produtos finais e, p o r outro, sobre a rem uneração dos «factores». N um tal sistema, a p rodução poderia ser tecnicam ente interdepen­ dente, mas esta característica não se torn a de m odo nenhum necessária, dado que a escassez dos factores é condição sufi­ ciente de interdependência dos m e rc a d o s12». C om preende-se, desde logo, porque é que no sistema neoclássico o indivíduo pode ser soberano, sendo escravo dos m ercados que ele p ró p rio subproduz, devido às suas opções em com um com os outros indivíduos. 3.

A generalização: a teoria da não exploração Irem os estudar sucessivam ente três pontos:

— A teoria da repartição deduzida da análise precedente; — A teoria da repartição vista sob um ângulo im ediata­ m ente m acroeconôm ico; — A teoria da repartição e a sua representação sob a form a de função de produção. A)

A teoria da repartião deduzida da análise precedente

As m ercadorias são fabricadas com o auxílio dos «facto­ res de produção»: trab alh o e capital. O trab alh ad o r aluga o seu trabalho ao em presário. Com o rendim ento, que obtém , pode efectivar escolhas, com prar aquilo que lhe apetece. O u m elhor, podem os afirm ar que a sua decisão de trab alh ar repousa sobre u m a escolha: tra b a lh a r ou n ão trabalhar. T ra ­ b alh ar, se o salário é suficiente p a ra com pensar o sacrifício e

A DEDXJÇÃO

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satisfazer as suas necessidades. Caso contrário, não trab alh ar (desemprego vo lu n tá rio ...). O em presário — indivíduo como os outros — en co n tra num certo m ercado os fundos necessá­ rios p ara efectuar um a escolha: tanto de trabalho, tanto de capital, p ara p ro d u zir um a determ inada quantidade. T al como em relação ao trab alh ad o r pode-se mesmo dizer que a sua decisão de «em preender», resulta de um a opção: em preender no caso do rendim ento que espera ex trair ser satisfatório, não em preender, no caso contrário. T rabalhadores e em presários decidem e escolhem , se­ gundo os preços, que resultam dos m ercados. 'Estes p re to s são os preços dos factores de produção. T rata-se para os neoclássicos de factores de produção, m ais do que bens de produção. O trabalho e, sobretudo, o capital, não participam apenas na criação do valor. São p arte integrante desta criação de valor. É o que os distingue dos simples inputs. D esde logo, a determ inação dos seus preços de «aluguer» perm itirá expli­ car como se distribui o valor criado. A análise da determ ina­ ção destes preços ê, pois, a análise da repartição dos rendi­ mentos. Salário, taxa de juro, preços dos factores de produção são determ inados nos respectivos m ercados pela sua produti­ vidade m arginal com o o preço de qualquer m ercadoria o é pela utilidade m arginal. Os factores de produção são, pois, pagos na proporção em que contribuem p a ra a criação do valor. Ao longo de toda a nossa análise, insistim os sobre o paralelismo que existia entre a determ inação dos preços das m ercadorias e dos factores de produção. Isto significa, repitam o-lo, que a análise do equilíbrio do consum idor (ou do produtor) não é neutra. 'Pelas hipóteses e pelo desenvolvim ento, ela conduz à teoria do valor utilidade, segundo a q ual os preços das m er­ cadorias são determ inados pela utilidade m arginal e os preços dos factores de produção pela produtividade m arginal. Pelas hipóteses e pela dedução chega-se assim logicam ente à teoria da não exploração e, logo, à harm onia universal. Tese extre­ m am ente ú til p ara as políticas económicas que a têm por ori­ gem, pois surge como um a justificação, q u an d o acontece pre­ cisam ente que um factor de produção (o trabalho) é explorado.

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SOBRE O VALOR — ELEM EN TOS PARA TJMA CRÍTICA

O problem a é m uito mais com plexo do que parece à pri­ m eira vista. Já evocám os a sua dificuldade, quando dissemos qu e os preços das m ercadorias eram preços de com pra, en­ q u an to que os preços dos factores de produção eram preços de «aluguer» 13. Mais precisam ente, o em presário escolhe e com bina factores de produção, de tal form a que as produtividades m arginais ponderadas pelos preços sejam todas iguais en tre si. M as ao seu nível os factores de produção em causa são constituídos, certam ente, p o r trabalho, mas tam bém e sobretudo, por u m conjunto de bens de produção específicos, tais com o to m o s, m áquinas de lam inar, fresadoras, etc. O btêm -se as curvas de p ro cu ra destes bens de produção, agregando as curvas de procura individual de cada em presá­ rio , referentes a estes bens. O btêm -se então os m ercados de tornos, lam inadores, fresadoras, etc. A dificuldade provém do facto de não nos interessar n ad a perm anecer a este nível. Para fazer um a teoria da repar­ tição dos rendim entos, é necessário ultrapassar o plano do torno, do laminador, da fresadora, etc. D o mesmo m odo que consideram os o m ercado do tra b a lh o , 14 é necessário term os um m ercado do conjunto destes bens de produção, ou seja, o m ercado do capital. Assim , podem os m ostrar com o se distri­ b u i o valor criado pelo dois (três, se considerarm os a terra) factores de produção: o trabalho e o capital. Mas é aí que reside a dificuldade. Com efeito, os tornos, as fresadoras, etc., apenas constituirão um factor de produção, se este for hom ogêneo, pois um produto define-se pela sua ho m o g en eid a d e1S. O ra os referidos bens de produção são pro­ dutos diferentes, logo não hom ogéneos. N ão podem os agre­ gar curvas de procura e oferta correspondentes aos m ercados de tornos, lam inadores, fresadoras, etc. p ara o b ter o m ercado do capital, factor de produção tal com o não se podem somar cenouras e nabos. A única solução que pode existir consiste em hom ogeneizar estes diversos factores de produção através de um preço. Poderão então ser com paráveis e susceptíveis de agregação. Poderem os, p ara utilizar um a expressão recente, fazer a soma de «capitais heterogéneos» (Sam uelson). O preço que p ode servir de referência, pode ser o preço unitário da m ercadoria que escolhemos como num erário. Assim podemos exprim ir o torno em bens de consum o X , a fresadora idem,

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etc. O capital — conjunto destes capitais heterogéneos, con­ junto destas «coisas» — será hom ogeneizado através de um preço: o preço do capital em bens de consum o (preço rela­ tivo). Passarem os assim da produtividade m arginal, em ter­ mos físicos, do torno, da fresadora, etc., à. produtividade m arginal dita em valor do capital. Como nos situam os sem pre ao nível do equilíbrio geral em term os reais 16 (preço relativo), o capital, enquanto factor de produção, transform ar-se-á deste m odo em algo indefinido, um conjunto de coisas concretas, m as como coisa «homogé­ nea» (tornada hom ogénea), p rocurada e oferecida num m er­ cado, algo totalm ente incom preensível. N ão será um torno, nem um a fresadora, mas tudo ao mesmo tem po, ou seja um a coisa q u a lq u e r17. C om preende-se p o r que razão os econo­ mistas neoclássicos puderam eles próprios evocar recentem ente estes problem as, caracterizando o seu capital com o um capi­ tal geleia, resum indo assim a sua dificuldade em aprender o inapreensível. T riste ironia da sorte p ara aqueles que dese­ javam p artir de «coisas concretas», de com portam entos que se pretendiam naturais. Sobre este m ercado do capital determ ina-se um preço. Este preço é a taxa de juro. Ê determ inada pela produtividade marginal, porque cada um dos seus elementos o é tam bém . O capital — enquanto factor de produção — é rem unerado pela sua produtividade m arginal e o trabalho idem. Os dois fac­ tores de produção são, pois, rem unerados na proporção em que contribuem p ara o processo de criação de valor. N enhum deles — se o equilíbrio geral é respeitado — é explorado. N ão há exploradores nem explorados. Ê lógico, um a vez que os indivíduos são pressupostam ente iguais e podem m axim i­ za r as suas satisfações. A lguns com pram bens de consum o, vendem os seus serviços (o trabalho), em prestam um a parte do seu rendim ento, q u e preferem não consum ir im ediata­ m ente (teoria da abstinência) e, portan to , «oferecem capital». O utros alugam os serviços do trabalho, pedem em prestado capital, e, com um a com binação óptim a destes factores, fazem produzir bens de consumo ou de p ro d u ç ã o ls. N o m ercado do capital (e no trabalho 19 verificam -se as m esm as condições de equilíbrio e de estabilidade que nos outros m ercados. A um a baix a do preço de o ferta do capital (a taxa de juro)

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SOBRE O VALOR— >ELEM EN TOS PARA TJMA CRÍTICA

deveria .corresponder u m a escolha preferencial d o capital em detrim ento do trabalho, tornando-se aquele relativam ente m enos caro d o que este. D esta baixa da taxa de juro deveria resultar um aum ento da intensidade de utilização do capital

i i -------------> — t L CO N CLU SÃ O C om o lem bram os atrás, a passagem do equilíbrio do p ro d u to r ao equilíbrio dos produtores não se efectua sem sur­ girem m últiplos problem as. Estes problem as residem essen­ cialm ente: — n a dificuldade em conceber as ligações entre os m er­ cados dos diferentes bens de produção e o m ercado do capital, «conjunto» destes bens; -— na dificuldade de conceber, no quadro de um sistema económ ico tom ado em term os reais, o que poderão ser con­ cretam ente a oferta e a procura de capital. A dificuldade, em últim a análise, reside na passagem de um a análise da troca e da «produção» (interdependência dos m ercados) ou seja, a um a análise em que os factores de pro­ dução (trabalho, capital) serão rem unerados na proporção em que cada um deles contribuiu p ara a criação de valor, quando se verificam as condições de equilíbrio geral. É isto que perm ite explicar p orque é que, em geral, os autores neoclássicos se viram em dificuldades, quando se tratav a de definir o que era exactam ente o capital. A presen­ tám os um a p arte essencial do raciocínio. Evocám os ainda algumas outras. Resta acrescentar que a m aioria das vezes, sobre este ponto nodal, tais raciocínios são apenas esboçados, quan d o n ã o integralm ente ignorados, pelos econom istas neo­ clássicos contem porâneos, até quase aos nossos d ia s 20. Pas­ sa-se levianam ente do cálculo da p rodutividade física de um factor de produção (o torno, a fresadora) p a ra a determ inação da taxa de lu c r o 21, através da produtiv id ade m arginal (em

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valor) do factor de produção capital, p o r sim ples extensão ou generalização, como se tal fosse um a coisa perfeitam ente linear. N ada de supreendente, pois que não se defina o capi­ tal, o que é, com o se obtém . «Ensina-se o estudante de ciências económicas a escrever y = f (L, K) (função de produção), em que L é a q uantidade de trabalho, K a quantidade de capital e y o volume anual de bens produzidos. Recom enda-se-lhe que não diferencie os trabalhadores, m edindo deste m odo L em hom ens-horas, com o quantidade de trabalho, e fala-se-lhe do problem a dos núm eros-índices que é colocado pela escolha de um a unidade de m edida do p ro d u to ; neste m om ento, apre­ senta-se-lhe subitam ente a questão seguinte, na esperança de que ele se esqueça de perguntar em que unidade se deve m edir o K. E, antes mesmo de ele ter posto esta questão, ele já se tornou p ro fe s s o r22...» . E nfim , nada de surpreendente, pois escamotear esta questão é poder concluir sem aparentes difi­ culdades que a repartição dos rendim entos é óptim a, quando cada um dos factores de produção (capital e trabalho) é rem u­ nerado pelo que lhe é devido, ou seja, logo que as condições desequilíbrio geral estejam cum pridas. A m bos estão felizes. Não existe exploração. A utojustificação do sistém a, que se alim enta destes «esquecim entos» na análise, e que facilm ente reveste form as científicas pela m atem atização a que se presta, explorando assim abusivam ente num erosos estudantes para quem o hábito fa z m uitas vezes o monge. Estas dificuldades em m ostrar que pode e deve existir — no quadro do sistema capitalista — um estado de equilí­ b rio em que ninguém é explorado, e que, mesmo se acidental­ m ente pudessem existir explorados, nenhum indivíduo seria ex p lo ra d o r 23 são dificuldades reais. N ão nos surpreendem , no entanto, pois trata-se de negar a realidade c o n c re ta ... para a «explicar». A pesar disso, o facto de estas dificuldades exis­ tirem não nos perm ite refu tar a análise neoclássica a nível d a sua coerência interna. N a m elhor das hipóteses, apenas poderem os supor — n a fase em que nos encontram os — que essas dificuldades são reveladoras da problem ática que conhe­ ceu o sistem a neoclássico a nível da sua p ró p ria coerência, questão que estudarem os em seguida.

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B.

SOBRE O VALOR — ELEM EN TOS PARA UMA CRÍTICA

A teoria da repartição observada sob um ângulo im ediatam ente m acroeconôm ico

Porque estas dificuldades existem, um a o u tra corrente d e pensam ento — no seio dos neoclássicos — im aginou po­ der escamoteá-las abandonando o(s) indivíduo(s) e situando-se im ediatam ente ao nível das grandezas globais: R endi­ m ento, C apital, T rabalho. Esta corrente inspira-se no sistema m acroeconôm ico de Ricardo e tenta ultrapassá-lo, corrigindo a análise clássica da determ inação do preço do trabalho, do c ap ital, e da te rra utilizada. M ais concretam ente, esta cor­ rente tenta hom ogeneizar a análise de R icardo. A análise de R icardo m ostra com efeito que o preço do trigo é determ i­ n ado pela ú ltim a unidade de te rra utilizada (a unidade mar­ ginal de terra), de tal form a que os proprietários fundiários possuidores das primeiras terras cultivadas, extraem uma renda igual à diferença en tre o preço do trigo (fixado pela ú ltim a unidade) e o custo desse tr. > (fixado pela unidade de te rra utilizada), sendo, no entam , o preço do trabalho e do capital determ inados de m aneira diferente. A p a rtir do m om ento em que se considera que terra, trab alh o e capital são factores de produção, o u seja, coiscis susceptíveis de criar valor, dever-se-ia, para se m anter a coe­ rência, adoptar um m étodo de determ inação sem elhante para o preço de cada um destes factores. Senão, poderíam os dedu­ zir que não se tratav a de factores de p ro d u ção ou que, por exem plo, apenas o trabalho é criador de valor e que os bens de produção, longe de criarem valor, apenas transferem o seu valor. O objectivo desta corrente de pensam ento consistirá prim eiro em pressupor que terra, trabalho e capital consti­ tuem factores de produção e depois em m ostrar que, genera­ lizando o sistem a de determ inação do preço da terra — factor de p ro d u ç ã o — aos outros factores, se pode efectuar um a determ inação análoga do preço destes últim os. Assim, não som ente a ren d a seria determ inada pela produtividade m ar­ ginal da terra, mas tam bém a taxa de lucro (ou juro) o seria pela produtividade m arginal do capital e, finalm ente, a taxa d e salário p ela produtividade m arginal d o trabalho. É este tipo

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de raciocínio que J. B. C lark efectua no final do século passado. Este estudo levantou logo de início alguns problem as. A generalização do raciocinio de R icardo poderia ter sido válida, se a determ inação do preço da te rra obedecesse ao princípio da produtividade m arginal. D e facto, tal não se verifica. A análise da renda de Ricardo é diferencial. Não obedece, pois, a este principio. Trata-se, n o caso de R icardo, de considerar terras diferentes de fertilidades diferentes. O preço do trigo só depende da últim a térra utilizada, na condição desta ser a menos fértil. Q uanto m ais cresce a pro­ cu ra do trigo, m ais se alarga a superficie cultivada a terras cada vez menos férteis. A firm ar que o preço do trigo depende da térra m enos fértil utilizada é dizer, p o r um lado, que esta terra não recebe renda e, p o r outro, q u e apenas as terras m ais férteis recebem um a ren d a, igual à diferença entre o custo do trigo na térra m enos fértil (o preço) e o custo do trigo nas terras m ais férteis. A ren d a não existe, pois, no caso da últim a térra utilizada, precisam ente porque se tra ta da m enos fértil. N ão é rem unerada ao seu preço, igual à renda — produtividade m arginal — pois que esta últim a não existe. A vancem os agora um pouco m ais. O princípio da deter­ m inação do preço da térra pela produtividade m arginal — ou se ja pela últim a térra cultivada — não pode ser aplicado, pois que as prim eiras e as últim as terras não são sem elhantes, em R icardo. Trata-se de terras com fertilidades diferentes e, daqui, se seguirm os a lógica neoclássica, cada terra diferen­ ciada pela sua produtividade, deveria constituir um factor de produção. P or outras palavras, a te rra não é hom ogénea (fertilidade diferenciada). Ela n ão é, pois, um factor de pro­ dução, um a vez que este — como q ualquer outro produto— se define pela sua hom ogeneidade. P ara se conhecer o acrés­ cim o de p ro d u to obtido pelo aum ento do factor de p rodução SQ ------- é ain d a condicão necessária, que o acréscim o sei a da ST m esm a natu reza que o factor de p rodução utilizado anterior­ m ente. D e outro modo não podem os efectuar este tip o de cálculo.

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SOBRE O VALOR — ELEM EN TOS PARA DMA CRÍTICA

E assim voltam os a encontrar o problem a que havíamos colocado a propósito do < capital. T ornos, fresadoras, lam ina­ dores, etc., constituem factores de produção 'heterogéneos, tal como acontecia com as prim eiras e as últim as terras utili­ zadas. N ão as poderíam os to rn ar hom ogéneas, a m enos que o fizéssemos através de um preço (num erário). O problem a das condições de agregação encontra-se de novo colocado, se bem que tivéssemos partido de um a análise m acroeconôm ica e não de um a análise a nível m icroeconóm ico. Este tipo de crítica não é re c e n te 24, se bem que apenas" recentem ente fosse form alizado. O que é interessante não é tanto o facto de este tipo de crítica ter sido esboçada, mesmo p o r alguns neoclássicos ávidos de coerência interna, m as, sim, que tais críticas tenham sido p u ra e sim plesm ente ignoradas. Se bem que a relação com R icardo seja ténue e que a «generalização» seja contestável, vejamos em porm enor como é elaborada a teoria da repartição, segundo as produtividades m arginais, a este nível m acroeconôm ico. Supõe-se que, p ara pro d u zir um a certa quantidade y°, são necessários dois factores de produção, o capital e o tra­ balho, em quantidades determ inadas.

O objectivo é p ro d u zir um a certa q uantidade y°. O ra­ ciocínio é válido para o curto prazo. Supõe-se, pois, que pode v ariar apenas um dos factores de produção, perm ane­ cendo o o u tro constante. Im aginem os que o factor trabalho pode v ariar. Q uanto m aior é o aum ento da quantidade utili­ zada deste facto r m ais decresce a sua produtividade m argi­ nal 25 (curva DB). Ki Inicialm ente, tem os — . P ara obter y° o facto r trabaL, lho aum enta e passa de Li p ara L2. O bterem os então y° com Kj a com binação — . O trabalho é pago pela sua produtividade L2

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A DEDUÇÃO

m arginal, n a m edida em que existe interesse em contratar trabalhadores suplem entares, enquanto a taxa de salario for inferior à produtividade m arginal do trabalho. O produto y° é igual à superfície do trapézio OBD L 2, em que OD é o p roduto por trab alh ad o r e O L 2 o núm ero de •trabalhadores. A taxa de salário é O C, igual a BL 2, p ro d u ti­ vidade m arginal do trabalho, quando O L 2 trabalhadores são utilizados. A m assa de salários é, pois, equivalente ài super­ fície L 2BOC, o u seja ao produto da produtividade m arginal pelo núm ero de trabalhadores. Resta a superfície DCB. Ela representa a fracção a conceder ao capital Ki. 'Pode-se então afirm ar que a rem uneração do capital representa um resíduo. A taxa d e ju ro — custo unitário do c a p ita l— é pois um resíduo dividido p o r .certa q uantidade de capital.

A originalidade desta análise advém da inversão que ela faz dos dados do problem a. T rata-se, como sempre, de pro­ duzir a q u antidade y°, m as, desta vez, fazendo v ariar a quan­ tidade de capital, sendo constante a quantidade de trabalho.

Ko

Inicialm ente temos a com binação — . A quantidade de L2 capital passa de Ko a Ki, sendo Ki > Ko. Como qualquer outro facto r de produção, a su a produtiv id ad e m arginal é decres-

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cente. O em preendedor p ed irá em prestado capital até ao ponto em que o p roduto obtido pela aplicação da últim a unidade de capital (produtividade m arginal) é equivalente ao custo dessa m esm a unidade (taxa de juro).

O p ro d u to y° é igual à superfície do trapézio M O K iJ, em que OM representa o p ro d u to p o r unidade de capital utilizada (tam bém cham ada produtividade m édia) e OKi a q uantidade de capital utilizada de form a a igualar a produ­ tividade m arginal e a taxa de juro O N . A parte correspon­ dente ao capital é, pois, igual ao produto da sua produtivi­ dade m arginal JKi pela q uantidade OKi ou seja, a superfí­ cie OKi JN . Resta, pois, p ara com pletar a superfície do tra­ pézio, a área M N J, q u e se destina à rem uneração dos trab a­ lhadores. P ortanto, a m assa de salários é, neste caso, um resíduo. A taxa de salário é o quociente deste resíduo pelo núm ero de trabalhadores. É bom recordarm os q u e nos estam os a referir sem pre à m esm a q uantidade de produtos y°. N um caso, a taxa de salá­ rio é determ inada pela sua produtividade m arginal e, no ou tro , pelo resíduo, dividido pelo núm ero de trabalhadores. Inversam ente, num caso, a taxa de lu cro é determ inada pelo q uociente do resíduo pela q u an tid ad e de capital e, no outro, pela p ro d u tiv id ad e m arginal d o capital.

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P ara cada factor de produção, o resíduo «unitário» cor­ responde à produtividade m arginal, com um a condição, po­ rém : — que tal seja verdadeiro, pelo m enos, p ara um dos factores. P or outras palavras, não basta que as superfícies dos dois trapézios sejam iguais p a ra daí se deduzir que as superfícies ocupadas por cada factor são correspondentes. Para que a superfície e O N JK i seja igual à superfície CDB, quer dizer, p ara que a produtividade m arginal do capital m ultiplicada pela quantidade de capital seja igual ao resíduo, é necessário e suficiente que não exista um sobrelucro neste resíduo. É preciso, pois, supor um a p erfeita m obilidade do capital, de tal form a que os sobrelucros sejam elim inados. Resum idam ente, deveria existir um estado de concorrência p u ra e perfeita. Se este estado existe, estam os então em equilíbrio. O ra ­ ciocínio torna-se rigoroso. Os factores de produção são rem u­ nerados pela sua produtividade m arginal. É esta q u e deter­ m ina o nível de tal rem uneração. N ão existe exploração.

C.

R epartição e função de produção

D esde o início, os neoclássicos form alizaram o seu racio­ cínio, introduzindo a função de produção m acroeconôm ica26. Esta função adquiriu um a posição de grande relevo n a aná­ lise. Por essa razão, é ú til relem brar rapidam ente o que representa não a função de produção «tout court», mas a função de produção neoclássica. a)

Função de produção e escolha das técnicas

Ao nível m ais geral, a função de produção é um a rela­ ção particu lar entre os inputs (os factores de produção) e a q uantidade produzida. A função de produção, p ara um dado nível de conhecim entos, descreve as diversas com binações produtivas e estabelece um a relação en tre estas e a q u anti­ dade produzida. M ais precisam ente, no q u e diz respeito aos neoclássicos, a junção de produção m icroeconóm ica indica qual a com bi­ nação prod u tiv a que m axim iza a taxa de lucro, de en tre n

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SOBRE O VALOR — ELEM EN TOS PARA UMA CRÍTICA

com binações produtivas possíveis. O em presário .conhece um leque de técnicas de produção. Estas podem ser definidas pelo seu coeficiente de fabricação, ou seja, a relação en tre a quan­ tidade p roduzida e a quantidade de factores utilizados. O em ­ presário conhece a taxa de salário. O seu objectivo é, pois, operar um a escolha, de tal m odo que, m unido de um conjunto de técnicas e da taxa de salário, ele escolhe a técnica óptim a: aquela, precisam ente, que m axim iza a sua taxa de lucro. Como vimos, podem os desenvolver o m esm o raciocínio a nível global. O objectivo dos em presários é efectuarem a m esm a escolha, se estiverem perante dados idênticos. Supo­ nham os, pois, dois factores de produção, o capital e o traba­ lho. Representem os em abcissas as diversas com binações pro­ dutivas, de tal form a que, q u an d o K varia, L perm anece constante. Representem os em ordenadas o pro d u to por traba­ lh ad o r. Podem os igualm ente indicar no gráfico as diversas técnicas, dado que estas se definem como um a relação entre a q uantidade produzida e a q u an tid ad e de factores produtivos utilizada. Sejam as técnicas X , Y, Z , L, M.

Seja O w i a taxa de salário. A taxa de lucro, se fo r u ti­ lizada a técnica X , será - 1— ■■. S erá m anifestam ente m enor, O ai

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sc utilizarm os a técnica M. A técnica X é, pois, óptim a. Ê ela a escolhida. A o u tra é rejeitada, pois é «inferior». N ão fará parte da função de produção. P ara esta taxa de salário Owi, a técnica Y proporciona a mesma taxa de lucro que a téc­ nica X . O em presário está, pois, num a situação de indiferença. Se a taxa de salário aum entar p a ra O w 2, a técnica Y perm ite bi W2 a taxa de lucro ------- . A técnica Z proporciona idêntica O a2 taxa de lucro, o que não se verifica com a técnica L. Esta últim a é, pois, rejeitada. Se considerarm os que o em presário dispõe de um a infi­ nidade de técnicas, a curva X Y Z torna-se contínua. Cada um dos seus pontos representa um a técnica de produção. A téc­ nica utilizada será aquela que m axim iza a taxa de lucro, considerada um a determ inada taxa de salário. Se o salário é O w , a técnica E m axim iza a taxa de lucro (fig- 2 ). Q uan to m ais se eleva o salário, m ais o pon to E se afasta p a ra a d ireita, m ais a intensidade de utilização do capital ,K . (— ) cresce. L Podemos im ediatam ente tecer certas considerações: — supõe-se que os factores de produção podem ser subs­ tituídos. Q uando a taxa de salário cresce, a intensidade de utilização do capital cresce (o cap ital torna-se m enos caro em relação ao trabalho); — a função de produção tem um a form a p articular. Os rendim entos de escala (só K varia) são decrescentes. Diz-se que esta função se com porta correctam ente (w ell-behaved); — finalm ente, as duas conclusões precedentes não se de­ duzem de propriedades inerentes à função de produção, mas sim, da maneira com o esta foi construída. As propriedades da função de produção, tal como é elab o rad a pelos neoclássicos, deduzem-se a p artir das hipóteses de com portam ento, que acabam os de considerar. Assim, as técnicas M e L foram rejeitadas com o técnicas inferiores. N ão fazem p a rte da fun­ ção de produção, pois n ão perm item m axim izar a taxa de

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SOBRE O VALOR — ELEM EN TOS PARA UMA CRÍTICA

lucro, p ara urna dada taxa de salário. A função d e produção neoclássica reflecte, portanto, um a via de equilíbrio. Ela não se dem onstra. A penas descreve tal equilíbrio gráfica e algé­ bricam ente. Eis, pois, um a conclusão essencial. b)

Função de produção e repartição

A função de produção a nível m acro apresenta as mes­ m as propriedades que a nível m icro. É um indicador da opti­ m ização d a escolha de técnicas. A nível m acro ela apresenta contudo, m ais um a propriedade. Indica tam bém a repartição dos rendim entos. Q ualquer que seja a taxa de salário O w , a p arcela dos lucros, em relação ao rendim ento, será igual a ------Ob

e

a

dos

salários,

tam bém

em

relação

a

rendi-

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m ento será — —- , sendo finalm ente a relação lu cro /saláOb bw rio igual a -------. É fácil a leitu ra destas diferentes relações Ow no gráfico anterior (fig. 2 ). N a m edida em que a função de produção neoclássica reflecte o raciocínio desta escola de pensam ento, ela deve tam bém m o strar que a repartição dos rendim entos se verifica de acordo com o princípio da rem uneração da produtividade marginal. As quantidades de trabalho e de capital são considera­ das ao nível da sociedade. O preço destes factores — ta l como para qualquer o u tra m e rc a d o ria — estabelece-se através das regras da oferta e da procura, de tal form a — como vimos a tr á s — que todas as quantidades oferecidas correspondem à procura. T odo o trabalho é utilizado, o mesmo se verifi­ cando com o capital. N ão pode h aver subutilização para os factores de p ro d u ç ã o 27. Se subsistisse um a parcela de trab a­ lho n ão utilizado, a taxa de salário deveria descer, até que essa parcela fosse absorvida, sendo a condição de equilíbrio, recordêmo-lo, que a oferta iguale a procu ra em cada m ercado, e a condição de estabilidade que um a redução no preço faça em ergir um a procu ra excedentária. Se efectivam ente estive­ rem verificadas as condições de equilíbrio e de estabilidade, existirá pleno em prego dos factores de produção. A utilização destes dois factores de produção determ ina, pois, u m a combiK° nação pro d u tiv a (— ) , que indica sobre a função de produL ção (via de equilíbrio técnica J) (fig. 2). A inclinação da função de prod u ção neste pon to determ ina a taxa de lucro. SY Esta inclinação é igual a d ( Y /L ) /d ( K /L ) = ------8K SY O ra, ------- é a produtividade m arginal. A taxa de lucro SK é, pois, igual a produtividade m arginal do ca p ita l2S. E sta pro­ dutividade m arginal do capital — é im po rtan te frisá-lo — não depende das qualidades intrínsecas do capital, nem da

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SOBRE O VALO R— 1ELEM EN TOS PARA DMA CRÍTICA

últim a unidade utilizada em relação às precedentes. D epende, antes de m ais, da q uantidade de trabalho com a q u al o capi­ tal está com binado. A produtiv id ad e m arginal do capital é, pois, função de um a com binação produtiva. Portanto, é fu n ção de dados «tecnológicos». É este o facto que explica que as m odalidades d a rep ar­ tição dos rendim entos, segundo os neoclássicos possam encon­ tra r um fundam ento técnico e económ ico. T écnico, porque se tra ta de escolha entre com binações p rodutivas existentes; económ ico, p orque a opção se efectua, segundo os principios da suposta racionalidade, de m axim ização da taxa de lucro. Podem os obter a repartição dos rendim entos no estado de equilibrio, calculando no ponto J a elasticidade do produto per capita em relação ao capital per capita. _ d (Y /L ) C~

Y /'L

/ dK/L /

K /L

_ d (Y /L )

/ Y_

~ d (K /L ) /

K

d (Y /L ) 8 Y como ---------- = -------- = r, teremos: d (K /L ) 5K K P Lucros e — r X — = — = -----------------Y Y Rendim ento A elasticidade da função de produção indica, portanto, a parte em que os lucros participam no rendim ento, de tal form a que a produtividade m arginal do capital determ ina a taxa de lucro. Se tivéssemos feito variar o trabalho em vez do capital, a elasticidade teria igualm ente determ inado a repartição dos rendim entos, desta vez com a determ inação da taxa de salário através d a produtividade m arginal do tra­ balho. A repartição dos rendim entos tem, pois, um fundam ento técnico-económico. Ela não resulta nem da correlação de for­ ças nem da luta de classes. E la é, pois, optim izada, quando as condições, que visam u m estado de equilíbrio, são respei­ tadas. Uma vez mais, esta conclusão não se extrai das proprie­ dades inerentes a qualquer função de produção. Ela é apenas

A DEDUÇÃO

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a conclusão m atem ática de u m raciocínio económ ico. Eis a razão p o r que um a função de tipo particu lar é geralm ente privilegiada pelos neoclássicos. T rata-se da função de produ­ ção hom ogénea de grau 1. M as os paradoxos a que ela con­ duz fazem q u e alguns prefiram rejeitá-la. c)

Propriedades matem áticas e paradoxos económicos

A função de p ro d u ção hom ogénea de grau k é por defi­ nição um a função tal que, se m ultiplicarm os os factores de produção p o r X, o p ro d u to é m ultiplicado p o r Xk. A hom o­ geneidade de grau 1 significa pois que, se os factores de p ro ­ dução são m ultiplicados p o r X, o p ro d u to é tam bém m ultipli­ cado p o r X. É esta função que os neoclássicos privilegiam . Ela significa, econom icam ente, que, a cu rto prazo, os rendim en­ tos de escala (varia apenas um factor) são decrescentes e que, a longo prazo, os rendim entos de escala são constantes ou proporcionais (a escala altera-se, dado que os dois factores variam ). Diz-se tam bém que a longo prazo, não existem eco­ nom ias de escala, pois que nenhum ganho (nem perda) p arti­ cular é obtido a nível do custo, q u an d o se m ultiplicam os factores de p rodução por X, sendo o produto m ultiplicado pelo mesmo factor X. Fundam entalm ente nada se altera, dado que a escassez relativa, entre os factores de p rodução, perm a­ nece idêntica. Essa função de produção tem um a propriedade m atem á­ tica interessante. Pode aplicar-sejlh e o teorem a de E u le r 29. O p roduto total é sem pre igual à soma dos produtos m arginais relativos a cada factor — considerando-se o outro cons­ tante — m ultiplicada pela q uantidade utilizada de cada um desses factores. O que econom icam ente significa que o pro­ duto total se reparte integralm ente, quando cada factor de produção é pago segundo a sua produtividade marginal. Como a função hom ogénea de grau 1 corresponde a um a via de equilíbrio, esta proposição não é m ais que a consequência m atem ática deste equilíbrio que se considerou realizado. A questão complica-se, quan d o se considera que a fun­ ção de produção pode ter um a hom ogeneidade diferente de 1 . Sabem os, com efeito, que os capitalistas têm todo o interesse em p ro c u ra r as econom ias de escala. A sim ples observação

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SOBRE O VALOR — ELEM EN TO S' PARA UMA CRÍTICA

da realidade (sejamos concretos !) m ostra-nos q u e os capi­ talistas se concentram , a fim de alcançarem as possibiiídaües financeiras p a ra alargarem o seu aparelho de produção (eles m ultiplicam os seus «factores de produção» por X,). O inte­ resse desta operação consiste na esperança que têm de ver baixar os seus custos unitários. Por outras p alavras, o objec­ tivo procurado é que o p roduto total aum ente m ais que os factores de produção. A função de produção seria assim hom ogénea, sem dúvida, mas de um grau superior a 1 . O ra, neste caso, tu d o se desm orona ! Dem onstra-se facilm ente que o produto é insuficiente para rem unerar os dois factores de produção, segundo a sua p rodutividade m ar­ ginal. Existe, pois, um a p e r d a 30. Com efeito, neste caso, os factores de produção são cada vez mais eficazes. R em unerar os factores de produção, segundo a sua produtividade m argi­ nal, traduz-se, pois, em rem unerar as doses anteriores de cada factor — as m enos produtivas (ou eficazes) — à sem elhança da últim a dose — a m ais prod u tiv a (ou eficaz) — o que arrasta certam ente um a p erd a líquida. P ortanto, dado que estam os em presença de rendim entos de escala crescentes, estam os perante um a perda. O paradoxo é, pois, o seguinte: qualquer situação apa­ rentem ente boa é má. Inversam ente, se considerarm os o caso de rendim entos de escala decrescentes, ou deseconom ias de escala (K < 1), a situação deveria ser má. Ora, garante-se que ela é excelente ! Q ualq u er tentativa, ainda que leve, de ligação à reali­ dade, seguindo paralelam ente o raciocínio neoclássico da rem uneração dos factores de produção, segundo a sua pro­ dutividade m arginal, conduz, pois, a absurdos ! É pelo facto de estes absurdos tornarem frágil a teoria neoclássica que certos autores tentaram m ostrar que não e ra de form a alguma necessário ter um a função de p rodução hom ogénea e de grau 1 p ara se verificar a justiça da sua te o ria ... É suficiente, dizem esses autores, que nos transportem os im ediatam ente p a ra o equilíbrio. Ficaríam os com dúvidas, pois que precisa­ m ente q ualquer situação favorável apenas pode corresponder a um a situação de eq u ilíb rio ... M as vejam os o seu raciocínio; podem os escrever:

A DEDUÇÃO

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Y Py = A P a + BPb T rata-se de um a simples equação contabilística; o pro­ duto Y m ultiplicado pelo seu p reço é igual à taxa de salário (Pa) m ultiplicada pela quantidade de trabalho utilizada (A), à qual se ju n ta a taxa de lucro (PB), m ultiplicada pela qu an ­ tidade de capital (B), se considerarm os que A e B são o tra­ balho e o capital. E sta igualdade significa sim plesm ente que o rendim ento se decom põe em salários e lucros. Podemos tam bém escrever esta igualdade da seguinte m aneira: „ A Pa BPb Y = -------+ ------ Py Py colocando assim em relevo os preços relativos. Sabemos que em equilíbrio não h á qualquer outro lucro que não seja o juro atribuído ao capital e m p restad o 31. O preço de venda é igual ao m ínim o do custo m édio 32. E stabelecendo as diferenças, podem os descrever m atem aticam ente esta situa­ ção económ ica: _SY ___Pa_ SA

Py

SY SB

_

Pb Py

daí SY SY Y = -------A + --------B = f ’A A + f B B SA SB O btivem os assim o m esm o resultado que anteriorm ente — ou seja, a repartição integral do produto, quando os facto­ res de produção são rem unerados pela sua p rodutividade m ar­ ginal — , sem que tivéssemos que recorrer a q ualquer fun­ ção de produção. O significado económ ico do que acabam os de escrever é simples: em equilíbrio, temos a repartição integral do pro­ duto. O ra o equilíbrio significa que reina no m ercado a con-

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SOBRE O VALOR— 'ELEMENTOS PARA DMA CRÍTICA

corréncia pura e perfeita, ou seja, que estão preenchidas as 5 condições bem conhecidas: — a atom icidade do m ercado (ninguém tem peso sufi­ ciente p a ra influenciar outrem ); — a hom ogeneidade do p ro d u to (não existem m onopólios de m arca); — a livre en trad a e saída do m ercado (não actuação de m onopólios); — a p erfeita m obilidade de factores de produção (liber­ dade de efectuar despedim entos, p o r exem plo); — o ráp id o e perfeito conhecim ento do m ercado. Se um a destas condições não for respeitada, não podem os o b ter a equação final. O s factores de p rodução já não são pagos pela sua produtividade m arginal. São, pois, explorados. Chegam os assim à ideia, segundo a qual a exploração depende da natureza dos m ercados. Se n ão forem concorrenciais, estes factores são explorados. O u m elhor, os factores podem ser todos explorados, sem que, no entanto, exista um exp lo ra d o r! Conclusão, se querem os ev itar a exploração, é necessário criar as condições p a ra que o equilíbrio reine nos m ercados, a fim de que estes possam ser concorrenciais. É necessário, pois, estim ular o livre em p reen d im en to ... e sobretudo evitar as liga­ ções entre os trabalhadores. In d o mais ao fu n d o da questão, na m edida em que se denunciam os sindicatos com o possuindo um poder d e m onopólio, denunciam -se igualm ente aqueles que estão na origem da exploração: ou sejam os sindicatos ! 33 Ê o que se cham a a neutralidade da ciência económ ica... U m raciocínio sem elhante é feito, hoje em dia, pelos políticos e econom istas burgueses, sob a capa, bem entendido, da Ciência com C grande. Em vez de equilíbrio, fala-se de crescim ento eq uilibrado e transportam -se as conclusões de um p a ra ou tro , o q u e gera o seguinte raciocínio: se reclam ais dem asiado, o bolo não poderá crescer com suficiente rapidez (crescim ento não equilibrado e daí não óptim o), se, pelo con­ trário , vos com portardes bem , fordes m odestos nas vossas reivindicações, o bolo crescerá m ais depressa e vós d e tal beneficiareis. C onclusão: calai as vossas reivindicações, pois

A DEDUÇÃO

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apenas podereis gan h ar com isso ... se fordes dem asiadam ente gulosos, apenas podereis p e rd e r... e quem terá a c u lp a ? ...

CON CLU SÃ O A lgumas palavras p ara concluir este capítulo. D esm ontá­ m os a teoria neoclássica de duas form as: — p artindo do indivíduo; — partindo im ediatam ente de quantidades globais. O prim eiro m étodo é m icroeconóm ico. Justifica as deci­ sões do indivíduo e, p o r generalização, m ostra que este é, sim ultaneam ente, senhor e escravo. Passa-se assim do equilí­ brio de um indivíduo ao equilíbrio geral, respeitante ao con­ junto da sociedade. N este caso a teoria neoclássica pretende dem onstrar que os factores de produção — bens particulares, específicos, p o rq u e eriam v a lo r — são pagos, segundo a sua produ tiv id ad e m arginal. O segundo m étodo é macroeconômico. A parenta não privilegiar as decisões do indivíduo, p orque aparenta igno­ rá-lo. Procuram -se as condições de equilíbrio da sociedade. Trata-se então de um equilíbrio global (e já não apenas geral). N este quadro a teoria neoclássica do valor tenta dem onstrar que os principais factores de produção — o trabalho, o capi­ t a l — são rem unerados pelo seu contributo, quer dizer, pela sua produtividade m arginal. Q u er partam os de um m étodo, q u er de ou tro, chegamos às mesmas conclusões, o que se to rn a aparentem ente em ba­ raçoso. Poderíam os m ostrar que se trata de dois conceitos am bí­ guos: que um contém elem entos de outro. Isto já foi levado a cabo p o r certos autores (M aohlup), não tendo qualquer interesse retom ar o assunto. Pelo contrário, o que é mais im portante n o ta r é que, de cada vez que partim os de um nível m acroeconôm ico, tivemos que reco rrer a raciocínio de nível m icro p ara to rn ar lógica a exposição. Assim se processou a tentativa de determ inados econom istas no sentido de hom oge­ neizarem o raciocínio de R icardo, quanto à rem uneração dos factores de produção. Foi necessário reco rrer à concorrência

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SOBRE O VALOR — ELEMENTOS PARA UMA CRÍTICA

p u ra e perfeita p a ra dem onstrar que a superfície representada pelo pagam ento ao capital segundo a p rodutividade m arginal correspondia à superfície residual. D e igual m odo, procede­ mos ao mesmo tipo de raciocínio, quando m ostram os que não era de todo necessário a existência de um a função hom ogénea de grau 1 . O u, n outro exem plo, recorrem os à natureza dos m ercados p ara chegarm os às condições de equilíbrio. A penas no caso de se verificarem as condições de concorrência pura e perfeita, não haveria exploração e os factores seriam rem u­ nerados, segundo a sua produtividade m arginal. D esta m aneira, tudo nos surge m ais claro. O m étodo m acroeconôm ico, avançado no início do século pelos neoclás­ sicos, aperfeiçoado e desenvolvido nos anos trin ta por certos econom istas em reacção à corrente neoclássica (os Keynesianos), pode facilm ente ser recuperado pelos neoclássicos recen­ tes, porque precisam ente a noção de equilíbrio global pode m uito bem integrar a de equilíbrio geral. Parte-se, ao que parece, de quantidades globais como o capital, o trabalho, etc. mas estas não são mais, de facto, que a agregação das uni­ dades elem entares. O problem a do no bridge, entre m icro e m acro, é assim resolvido. O indivíduo, os seus critérios de escolha e as suas decisões constituem sem pre os fundam entos da análise. A p artir d aq u i, não é lógico que cheguemos às m esm as conclusões, quer partam os de um m étodo, q u e r de outro ? M as quantas hipóteses im plícitas foi necessário — du­ rante o percurso— esconder, quantos «esquecim entos» foi necessário cam uflar p ara to rn ar o raciocínio aparentem ente, coerente ? É o que tentarem os m ostrar seguidam ente. BNFotas 1 U m a im a g em poderá escla recer e ste ponto de v ista : u m a m ultidão ê com posta por um a m ultiplicidade de indivíduos. N ão há efeitos de m assas, aquando de um a m an ifestação. O com portam ento da m ultidão é a ag reg a çã o doe com portam en­ to s de cada indivíduo. 2 E sta lei parece em ergir da própria evidência. Contudo, sem p retenderm os a in d a criticar nem a filo so fia d e sta escola,

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01

nem as hipóteses, realcem os a relatividade desta lei citando o bem conhecido provérbio «comer e coçar, o m al é com eçar». E ste provérbio não encontraria um terreno de estudo n a aná­ lise neoclássica, ¡pois e sta se ocupa dos indivíduos «norm ais» e exclui aqueles que, por estarem esfom eados, poderiam sen tir um prazer crescente, a um a ta x a crescente, pelo m en os de início, ¡nos actos d e consum o. 3 l)a í a expressão de Jevons: A a ritm ética dos p ra zeres... 4 A taxa, de 'crescimento da utilidade to ta l é decrescen te ¡(utilidade m argin al decrescen te), quando o consum o aum enta. In versam ente, a utilidade m arginal cresce, quando o. consum o dim inui. T rata-se da m esm a lei, m as v ista por um prism a diferente. 5 O n osso p ropósito ê expor um a dedução. ,Não tem os intenção de m ostrar o conjunto das definições e do raciocínio neoclássicos. P ara este efeito, devem con su ltar-se os m anuais. A crescentem os, porém , que os n eo clá ssico s calculam , em relação ao indivíduo., o custo de preferência de um pouco m ais de vinho em detrim ento de um pouco m a is de pão. Chamam a este custo ta x a m arginal de su b stitu ição (T .M . S .). E sta ta x a será igu al à inclinação da curva de indiferença. Ë decrescente. Com efeito, por definição, jd (vinho) x U M (vin h o) | + [d (p ão) X U M '(p ão) | = 0 ganh o + perda = 0 — dp UM v donde tg a = — ------ = ----------- , sendo p o pão e v o vinho. dv UMp 6 R eferindo-se ao em presário e à em presa, H icks escreve: «Convém, todavia, rever 'este assunto a fim de fazer rea lça r o paralelism o que existe entre o caso da em presa e o do indi­ víduo. Ë graças a e ste paralelism o que n ós vam os poder apre­ sen tar a s leis, que regem a atitude da em presa no m ercado, sob um a form a an áloga àquela que já adoptám os para o caso do indivíduo. Poderem os fin alm en te alargar a teoria da troca à questão da produção». (HICKS,V aleu r e t C a p ita l, Dunod, p. 69). 7 Oem presário é um átom o. E le não pode, pois, comprar o trabalho, pois assim fica ria num a posição dom inante em rela­ ção ao trabalhador. Portanto, não p ossu i fa cto res de produção; alugados. T erem os ocasião de vo lta r a este com plexo assunto, m a is adiante. 8 S a lv o n o ca so d e X ser ‘C omplementar d e Y. 9 W alras, E lém en ts d’économ ie p o litiq u e pure. A p p en d ice Pichón, 1926, p. 477 (citado por A. C ham eau, L a D em an de d ’encaisses m o n éta ires, Cujas, 1970). 10 A sequência deste ponto não é essencial. P oderá ser omitido., devendo neste, c a so o leitor retom ar o tex to n a p. 3:6.

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SOBRE O VALOR — ELEMENTOS PARA TJMA CRÍTICA

11 A única diferença, frisa m o s u m a v e z m ais, ê que, para e ste s últim os, se tr a ta de p reço d e alu gu er. 12 S . ÍNell «T héories d e la croissan ce e t th éories d e ia valeur», P ro b lém a tiq u e d e la croissan ce, E conóm ica, 1974, t. II, p. 180. 13 E sta distinção, alg u m a s v ezes pouco exp lícita n o s n eo ­ clá ssico s, é im portante. O indivíduo-em presário n ão pode com­ p rar os fa cto res de produção, porque, n esse caso, o s p ossuiria, o que lhe conferiria um poder de dom inação. O s fa cto res de produção são, pois, alugados. E s ta distinção, no entanto, está n a base de d ificu ldades in u ltra p a ssá v e is p a ra os n eoclássicos, a o pretenderem tornar coerente a su a tese da n ão exploração, (cf. caps. 2 e 3). 14 É necessário ainda su p or que to d a s as unidades de tr a ­ balho são sem elhantes, senão caím os no m esm o problem a. A diante voltarem os a este ponto. 15 C onstitui m esm o um a d as condições d a concorrência pura e p erfeita com o verem os. « O equilíbrio m onetário su r g e posteriorm ente. K um a m on eta riza çã o do equilíbrio real. A m oeda é, pois, um véu , um sim ­ p les interm ediário n as trocas. N ad a m ais. S e ela fo r m a is do que isto, ta l sign ificará que ela actu a sobre o valor d os b ens e, consequentem ente, a teoria su b jectiva do v a lo r n ã o é válida. í(Cf. cap. 3.) 17 Como s e tra ta de um equilíbrio real, o capital n ão pode se r form ado por dinheiro, que perm itiria com prar bens de pro­ dução. A fo rm a co n creta da procura de capital p elos em presá­ rios torna-se um a coisa m isteriosa. is A este n ível da análise, há, n o entanto, v á r ia s d iv e rg ê n ­ c ia s no próprio seio da corrente n eoclássica. E sta s d ivergên cias têm com o origem essen cial o p roblem a do m ercado de capital. P a ra algu n s (E ergu son ), o capital, enquanto fa cto r ELEMENTOS PARA UMA CRÍTICA

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pós-keynesianos (H arro d e m esm o R o b in so n )4, que esforços foram feitos p a ra construir funções de produção que trata­ riam o progresso técnico não neutro de m aneira indepen­ dente e que, p a ra realizar esta proeza, viriam a considerar um a elasticidade de substituição constante (função C., E. S.) ? Q ue dizer — senão que se tra ta apenas de pequenos porm e­ nores — quando, enfim , se sabe que esta profusão de arti­ gos, p o r todo o lado, viu a sua fonte secar m uito depressa, quando foram colocados os verdadeiros problem as ? É real­ m ente um facto interessante verificar o súbito desapareci­ m ento desta discussão, q u ando, enfim , os neoclássicos foram atacados — nom eadam ente pelos neocam bridgeanos — , não pela existência dos ipsílones, m as pela própria existência da sua função de produção. Secção

2.

. . . a o verdadeiro problem a

H á um problem a que os neoclássicos evitam , ou resol­ v e m ... sem se interrogarem sobre as consequências da sua solução quan to à lei subjectiva do valor: é o da m edida do capital. Pudem os verificá-lo, ao longo da exposição dos seus diversos raciocínios. De que se trata exactam ente ? e, sobretudo, o que é que a resolução deste problem a im plica a nível da validade da sua lei do valor ? 1.

D e que se trata ?

Sublinhám os que ao nível m icro não era nada fácil com ­ p reen d er de m aneira coerente o m ercado do capital. Podía­ mos considerar que este resultava da agregação de diferentes m ercados de factores de produção, tais como o torno, a fresadora, o lam inador, etc. Mas havíam os realçado im ediata­ m ente que não era possível som ar estes capitais heterogéneos, a m enos que os hom ogeneizássem os através de um preço. T orno, fresadora, lam inador, etc., eram pois expressos em função de um num erário, no caso vertente por um bem de consum o. T ornados hom ogéneos p o r um preço e transfor­ m ando-se assim n o capital, tínham os afirm ado ser extrem a-

A INCOERÊNCIA INTERNA

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m ente difícil saber o que este era e que deste m odo, graças à «m aleabilidade » 5 que adq u iria poderia ser tudo e nada. Acrescentám os que esta solução colocava igualm ente questões sobre a p ró p ria natu reza da interdependência dos m ercados. M as que im p o r ta ? ... não reside aí o problem a essencial. O problem a essencial reside no preço, que vai servir para hom ogeneizar capitais heterogéneos. Com efeito, se expri­ m irm os tornos, fresadoras, lam inadores, etc., em bens de consum o, falta ainda exprim ir os preços destes. Consideremos um torno e um bem de consum o A, produzido com esse torno e com trabalho. Podem os escrever duas equações contabilisticas utilizadas, aliás, pelos neoclássicos, exprim indo o facto de o valor de um bem se poder decom por em salários p a ra a sua produção e lucros dela retirados. Terem os: A p a = Law + T ap tr

T p , = L tw + T tp ,r

(1)

(2)

A prim eira equação exprim e o valo r do bem de consumo (produto da quantidade física pelo preço). E sta é igual à quan­ tidade de trab alh o (La) que m ultiplica a taxa de salário afectada a esta quantidade, mais a q uantidade física de capital (o torno T ), que m ultiplica o seu n reço (n )> obtendo-se o valor deste capital, que finalm ente se m ultiplica pela taxa de ■lucro, p ara se obter o lucro. Podemos dizer a mesma coisa p ara a segunda equação. O valor d o capital utilizado (T pt) é igual à m assa de salá­ rios necessários p ara a sua fabricação (Ltw ) m ais a massa dos lucros retirados, partin d o , no entan to , do princípio — para sim plificar — que o bem de equipam ento (o torno) é fabricado com o seu pró p rio auxílio e do tra b a lh o 6. Se supuserm os q u e o bem de consum o é o num erário, o seu preço pode ser igual à unidade (para sim plificar, pois que de facto ele poderia ser igual a qualq u er o u tra grandeza um a vez que «é dado»). Se dividirm os as duas equações

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SOBRE O VALOR — ELEMENTOS PARA UMA CRÍTICA

pela q u an tid ad e produzida (A n a prim eira, T n a segunda), colocam os em destaque os coeficientes de fabrico. Terem os: I = law + tap tr

(1)

pt = l tw + t.p tr

(2 )

La em que la = — A

L,t

Ta

T t+

lt = — , ta = — , t t = — T A T

são coeficientes de fabrico e p t o p reço relativo do to rn o em bens de consum o, dado que p = I. Estam os em presença de duas equações e de 3 incógnitas pt, w e r. Podem os explicitar pt. A pós redução do sistem a, tería­ mos:

k Pt =

----------------------------------

K+

'(V a — 1att>r

e daí pt = f(r). Poderíam os recom eçar, considerando o caso da fresa­ dora, do lam inador , 7 etc. D e cada vez, teríam os o preço rela­ tivo destes bens de equipam ento, relativam ente ao mesma bem de consum o, em função da taxa de lucro, ou seja, de urna variável da repartição. Podem os afirm ar com rigor que esta­ mos perante um problem a com plicado, no que respeita à, coe­ rência da análise neoclássica, dado que esta se propõe deter­ m inar a taxa de lucro, através da produtividade m arginal do capital, enq u an to , sim ultaneam ente, p a ra m edir o capital, necessitam os da taxa de lucro. Estam os em presença de um caso típico de raciocinio circular:

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A INCOERÊNCIA INTERNA

capital • taxa de lucro

taxa de lucro

Estam os peran te um problem a análogo no essencial, quan d o consideram os a questão a nível m acro. Já havíam os frisado que os neoclássicos evitavam até há pouco tem po dizer com o o capital era m edido num a função de produção. Este «esquecim ento» perm itia-lhes, por um lado, dem onstrar teóricam ente que o equilibrio e ra atingido, quando as rem u­ nerações eram determ inadas pela produtividade m arginal e, p o r outro, m ostrar na p rá tic a — recorrendo a testes econo­ m é tric o s— que a sua função de produção, certam ente aper­ feiçoada (problem a do progresso técnico, etc.), poderia expli­ c ar a realidade, o q u e significa que o sistema era fu ndam en­ talm ente justo, pois que correspondia grosso m odo a urna via de equilibrio, o nde tudo correria pelo m elhor, no m elhor dos m undos. Este «esquecim ento» irá d u rar m uito tem po e tal não acontecerá p o r acaso. Alguns autores do início d o século (Bõhm-Bawerk, p o r exemplo) tinham já colocado o problem a da m edida do capital. Seria necessário esperar pelo fim dos anos sessenta, p a ra que se resignassem a tentar re sp o n d e r8... D e qualq u er ánodo, vejam os m elhor do que se trata. Podemos m edir o capital de diversas form as. Se, por exem plo, dissermos que o capital é m edido em bens de consum o, caímos directam ente no problem a anterior. É necessário conhecer a taxa de lucro, ou seja, um a variável da repartição, ao mesmo tem po que o objectivo é a fixação desta m esm a variável. Poder-se-ía m edir o capital pelos ganhos futuros que ele é susceptível de proporcionar. Mas p ara actualizar estes ga­ nhos futuros é necessário que saibam os qual a taxa de juro. O ra o objectivo é precisam ente determ inar esta taxa de juro (de lucro) pela produtividade m arginal do capital. D aí o mesmo problem a. Poderíam os inverter a questão e afirm ar que o capital é determ inado pelo seu custo de produção. Em lugar de consi­ derarm os o fu tu ro , temos em conta o passado. O ra, as u n i­ dades de trab alh o gastas no passado, p a ra p roduzir o capital, devem na lógica neoclássica, ser actualizadas. Com efeito,

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SOBRE O VALOR— 1ELEMENTOS PARA TJMA CRÍTICA

sejam duas m áquinas ,cada um a necessitando, para produzir, de seis unidades de trabalho, mas cuja localização no tempo é distinta. A prim eira foi produzida graças a um dispêndio regular de 1,5 unidades d u ran te q uatro anos e a segunda necessitou de 4 unidades, há q uatro anos e de 2 unidades, n o ano passado. As duas m áquinas têm um valor diferente, dado que um a unidade de trab alh o em pregue h á q u a tro anos n ã o significa o mesmo que um a outra em pregue h á três anos 9. Estam os, pois, perante o mesmo problem a. A m edida do capital necessita do prévio conhecim ento da taxa de lucro, quando ao mesmo tem po a produtividade m arginal haveria de a determ inar. R esum am os o que ficou para trás: T anto ao nível m icro com o m acro, estam os face a um a contradição: Q uer conheça­ mos a taxa de lucro, caso este em que podem os m edir o capi­ tal e calcular a produtividade m arginal deste, factor, mas não podem os calcular a taxa de lucro, pois que a consideram os com o um dado; q u er não conheçam os a taxa de lucro, sendo p o r isso impossível calcular a produtividade m arginal do capi­ tal e, logo, determ inar esta taxa de lucro! 2

.

O que é que isto im plica?

Em prim eiro lugar, é evidente que a p rodutividade m ar­ ginal não p ode determ inar a rem uneração de um factor, o que, em term os claros, significa m uito sim plesm ente que a lei do valor neoclássica é totalm ente incoerente, m esm o quando se aceitam as hipóteses de partida ! Seguidam ente, podem os ex trair o utras consequências assaz im portantes, que passam p o r retom ar o problem a sob outros prism as. D issem os que a função de produção estabe­ lecia um a relação entre as diversas com binações produtivas e as quantidades produzidas. M ais concretam ente, tratava-se de um a relação entre as diversas com binações produtivas efi­ cientes e a quantidade produzida. A cada com binação p ro d u ­ tiva deveria corresponder um a e só um a quantidade p ro d u ­ zida. Assim , a — deveria corresponder Qi, a — , Q 2, etc.

A INCOERÊNCIA INTERNA

73

D e igual m odo, as condições de estabilidade do modelo neoclássico indicam q u e toda a variação no preço de um facto r deverá im plicar um a variação da respectiva procura em determ inado sentido. Assim, se a taxa de juro baixa, o preço do tra b a lh o — se bem que estável sob o aspecto abso­ luto — torna-se relativam ente m ais elevado do que o preço d a oferta do capital, o q u e deveria acarretar um a m odificação na com binação p rodutiva, de tal m odo que a intensidade capitalística crescesse. Sintetizam os este raciocínio da form a seguinte: K

i

t

O ra nos m ostram os que era necessário to rnar o capital hom ogéneo, através de um preço o u possibilitar a sua com­ paração com a quan tid ad e produzida igualm ente por inter­ m édio de um preço. Nos dois casos é necessário um preço para m edir o capital. D esde logo, o capital é a valorização de um a série de bens de equipam ento. Por outras palavras, a expressão K não rep resentará apenas um a q uantidade física de um bem de equipam ento (ou de um a série de bens de equipam ento), m as um a quantidade física m edida p o r um preço. E ste preço depende de um a variável da repartição, neste caso, a taxa de lucro. A cabám os de o dem onstrar. Podem os, pois, pensar que, quando a taxa de lucro varia, o preço tam bém varia. Como o valo r do capital não é insensí­ vel à variação deste preço — um a vez que é este que o valo­ riza — um a m esm a quantidade física de capital poderá ter valores diferentes consoante o preço, logo consoante a taxa de lucro. Em term os claros, isto significará que, se é preciso 1 torno e L trabalho p a ra p ro d u zir Q i bens de consum o, este torno pod erá assum ir os valores Ki, ou K2, etc. D este m odo, diversas intensidades capitalísticas poderiam p ro d u ­ zir Qi.

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SOBRE O VALOR — ELEMENTOS PARA TJMA CRÍTICA

K,

Qi L O ra, isto está em contradição absoluta com a função de produção neoclássica, dado que esta estabelece um a relação en tre as quantidades físicas de inputs (as com binações produ­ tivas) e a q uantidade produzida. P or outras palavras, a rela­ ção entre a quantidade de capital e a q uantidade de produtos deveria perm anecer constante, se a técnica fosse a ¡mesma. Ki K2 O ra ta l n ão é o caso: — e — representam a m esm a técL L nica, mas a preços diferentes e a valores diferentes (Ki ^ K2). Assim, p ara um a m esm a com binação produ tiv a, existem duas (ou m ais) relações, que a ligam à q uantidade produzida e isto porq u e a com binação p rodutiva não pode — no corpo da teoria n eo clássica— ser expressa de o u tra form a q u e não seja em valor e não em term os físicos. Por outras palavras a relação neoclássica necessita, para ser válida, que o capital seja expresso em term os físicos; ora, paralelamente, a coerên­ cia da análise neoclássica im plica que ele seja expresso em valor, o que torna inviável este tipo de relação fundam ental. Podem os representar graficam ente esta contradição tra ­ çando duas curvas. A curva (A) representa a função de produção, tal como esta deveria ser. A curva (B) representa as form as possíveis, que a curva poderia tom ar, segundo a evolução da taxa de lucro. Podem os generalizar e afirm ar que, com outras taxas de K2 lucro, — poderia rep resen tar um a .combinação produtiva L Ki (física) m uito diferente de — , o que significa que a quanti-

A INCOERÊNCIA INTERNA

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dade Qi poderia ter sido produzida p o r meio de duas ou mais técnicas (físicas) d ife re n te s10. R esum idam ente, pelo facto de se ter torn ad o necessário hom ogeneizar o capital p o r interm é­ dio de um preço, de o valorizarem , toda a argum entação neo­ clássica se desm orona. O raciocínio deixa d e ser coerente. A elasticidade não pode dar a repartição dos rendim entos, segundo a produtividade m arginal. Podemos construir tantas curvas quantas as taxas de lucro. Foi o que fez R obinson, desde 1956, em reacção à corrente neoclássica. M as traçar estas curvas significa conhecer a priori a taxa de lucro e daí não fazer sentido ir determ iná-la posteriorm ente... D uas ou três (ou n) com binações produtivas (tom adas a nível físico) poderão originar um a m esm a quantidade produ­ zida. É um a contradição. Mas prossigam os. A baixa da taxa de juro (ou da taxa de lucro) não dá necessariam ente origem a um aum ento da intensidade capitalística. Tudo depende da influência desta taxa de lu cro sobre o preço que m ede o capital. Assim, terem os:

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SOBRE O VALOR — ELEMENTOS PARA UMA CRÍTICA

o que está em to tal contradição com a análise neoclássica. O raciocínio — um a vez adm itidas as hipóteses — é, pois, incoerente. M elhor, podem os dem onstrar — e fá4o-emos em se g u id a — que um a m esm a com binação produtiva pode ser escolhida, tom ando duas taxas de juro diferentes. O u ainda, dizendo de outra m aneira, que, em consequência de uma baixa n a taxa de juro, a intensidade capitalística pode crescer e que se esta baixa prosseguir, a intensidade capitalística pode desta vez baix ar e reencontrar o seu nível inicial (!). Duas taxas de ju ro servem assim à m esm a com binação produtiva ó ptim a ! É o que se cham a o fenóm eno d o resw itching ou retorno das técnicas. A origem destas contradições fundam entais na lógica da exposição neoclássica provém do facto de ter sido necessário m ed ir o cap ital através de um preço e de este preço depender de um a variável da repartição u . N outros term os, a variação em valor do capital depende, por um lado, da sua variação física ou quantitativa (m udança de com binação p rodutiva), e das variações do preço q u e o m ede, podendo um a e o u tra cam inhar em sentidos opostos. N ão podem os, pois, afirm ar que um a baixa n a taxa de lucro pode suscitar autom atica­ m ente um aum ento da intensidade capitalística, tu d o depen­ dendo da influência desta baixa sobre o preço. T rata-se de um a contradição de fundo, reconhecida hoje pelos neoclássicos. O que é interessante verificar é a form a como estes autores vão ten tar reab ilitar o seu corpo teórico sem cair num m undo com apenas um bem , que despojaria com o verem os m ais tard e, a sua teo ria de qualquer objecto.

Secção

3.

As tentativas de resposta dos neoclássicos

Já no início do século, alguns econom istas estavam cons­ cientes desta redundância do raciocínio e haviam tentado — sem êxito — m edir o capital, sem recorrer a um a variável da repartição. H oje, assiste-se a um a tentativa de reabilitação da teoria neoclássica a p artir de duas ideias de fundo. A pri­ m eira consiste, p o r um lado, em reconhecer os vícios de que enferm a a função de p rodução e , p o r outro, em construir um a pseudofunção de produção, que não sofreria dos mes-

A INCOERÊNCIA INTERNA

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mos erros, m as desem penharia um papel análogo ao d a ju n ­ ção da produção tradicional. Deve-se a Sam uelson esta tenta­ tiva. A segunda ideia consiste em retom ar a taxa de rendi­ m ento’ de Fisher e em m ostrar que o que é im portante é esta taxa de rendim ento, a qual determ ina a taxa de lucro, não havendo necessidade, desde logo, de reco rrer ao capital e, portanto, de o m edir (Solow). U m tenta ultrapassar o pro­ blem a da m edida do capital, outro tenta suprim i-lo. Vamos analisar sucessivam ente estas duas tentativas.

1.

O real face ao imaginário: a tentativa de Sam uelson

N ão se trata de um a sorte hum orística. É este o m étodo que Sam uelson utiliza. D ado que não se pode hom ogeneizar o capital, sem reco rrer a um a variável da repartição, vai par­ tir-se im ediatam ente do real, ou seja, de um a série de capitais heterogéneos. T en ta m ostrar-se que o m undo real pode ser contraposto ao m undo im aginário, m undo no qual a função de produção tradicional seria válida. M ais precisam ente, no m undo real, a função de produção tradicional não pode servir p ara determ inar a repartição dos rendim entos, segundo as produtividades m arginais, dado que sofre dos vícios que já apontám os. Podem os, po rtan to , supor que ela poderia cum ­ p rir esse papel no m undo im aginário. E, se confrontarm os o m undo real, agora considerados os capitais heterogéneos, ao m undo im aginário e nos aperceberm os de que o prim eiro pode conduzir a um a determinação da repartição dos rendi­ m entos, segundo as produtividades m arginais, sem cair nos vícios precedentes e que, através dele, se pode reconstruir a função de produção m acro (agregada), de tal m odo que corresponda à função de produção tradicional (o im aginário), então poderem os afirm ar que esta últim a é válida, no essen­ cial. N um a prim eira abordagem , isto parece complexo — ver dade seja dita, é necessário im aginação p a ra conceber um a tal resposta — , m as a ideia é sim ples, como iremos ver.

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SOBRE O VALOR— -ELEMENTOS PARA UMA CRÍTICA

H IP Ó T E S E S 1. Supõe-se que apenas um bem de consumo é produ­ zido n . SupÕe-se, pelo contrário, que, para produzir este bem , podem os u tilizar tantas com binações produtivas quantas dese­ jarm os: torno (a) fresadora (/?), m áquinas-instrum entos diver­ sos, com binados com o trabalho. Estam os, pois, em presença de capitais heterogéneos. Supõe-se que não existe progresso técnico, pois o problem a de fundo não se situa a este nível, como vimos. Supõe-se igualm ente q u e os rendim entos de escala são constantes p ara cada com binação p ro d u tiv a 13, donde se deduz que os coeficientes de fabricação o são de igual m odo. Supõe-se enfim um a econom ia concorrencial. 2. Supõe-se igualm ente que a depreciação (d) do bem de equipam ento é independente da sua idade. E sta hipótese suscita alguns problem as que n ão analisarem os. 3. Supõe-se enfim um a econom ia estacionária. O exce­ dente líquido é distribuído em lucros e salários, que servem exclusivam ente p ara ad q u irir bens de consum o, pois que, por hipóteses, a acum ulação líquida é nula. As proporções, entre o sector p ro d u to r do bem de consum o e aquele que produz o bem de equipam ento, devem ser tais, que a p rodução deste últim o corresponda exactam ente às necessidades do sector de bens de consum o, p ara substituição do capital utilizado e àquilo que ele próprio necessita p ara substituir os seus bens de equipam ento desgastados. O excedente líquido será, então, igual a um a quantidade física do bem de .consumo 14. A hipótese de distribuição do excedente líquido em lucro e salário tem igualm ente um outro significado im portante. Significa que o salário é pago post factum , um a vez a m erca­ doria produzida e v e n d id a 15. A.

A pseudofunção de p rodução

Podemos agora escrever as mesm as equações, que consi­ derám os no ponto 1. Cham arem os sistema de produção a estas duas equações. M ostram com o se fabrica o bem d e con-

A INCOERÊNCIA INTERNA

79

sum o A q u ando se utiliza a técnica «, e com o é fabricado o ■próprio bem de equipam ento a. D ado que existe um a série de bens de equipam ento (a, ¡3, y , etc.), h averá um a série de sistemas de produção, cada um representado p o r estas duas equações. Tem os, pois, p ara o sistema 1

= l aw + capc (r + d)

p c = lcw + Ccpc — 1a

ou seja,

1c

qu ando a intensidade capitalística do sector p ro d u to r do bem de consum o fo r superior à do sector p ro dutor do bem de equipam ento a (ou /3 )ló. ca cc Terem os um a .curca côncava, quando — < — , ou seja, lc quando a intensidade capitalística do sector pro d u to r do bem de eq uipam ento « é superior à do sector do bem de consum o. ca c F inalm ente terem os um a recta, q u ando — = — , quer 1a lc dizer, quando as duas intensidades capitalisticas forem iguais. Sam uelson interessa-se unicam ente p o r este últim o caso. Considerem os a tangente no pon to P. E sta tangente é igual a W wi -------, em que w iW corresponde à diferença entre o exceO ri dente O W 17 p o r trab alh ad o r e a taxa de salário (O w i). Esta diferença representa, pois, o lucro por trab alh ad o r em pre­ gue. D ividindo pela taxa de lucro obterem os: lucro por trab alh ad o r P /L K tg W P w i = -------------------------------- = -------- = — taxa de lucro P /K L

A INCOERÊNCIA INTERNA

81

A tangente da curva dos salários é, pois, igual ao valor do capital p o r trabalhador. Como a curva dos salários é neste caso urna recta, a tangente é constante, q u alquer que seja o ponto P considerado sobre w — r. O valor do capital por trabalhador é constante, qualquer que seja a variação da taxa de lucro entre O e R , no sistem a a. P or outras palavras, o valor do capital por trabalhador p ara a, não é alterado pelas variações da taxa de lucro. P ara cada sistema há um e um só valor do capital. Sam uelson m ultiplica o núm ero dos sistemas, m antendo a mesma hipótese de igualização das intensidades capitalísticas no seio de cada sistem a ¡3, y , etc., entre o sector pro­ dutor de bens de consum o A e o sector p ro d u to r do bem de produção C/3, c y ... Estam os, pois, em presença de um a fam i­ lia de rectas M a M/3, M y, etc. Ao longo de cada um a destas rectas, o valor do capital por trab alh ad o r é constante. Para cada sistema, há, pois, seguram ente um e um só valor do capital p o r trabalhador. Podem os orden ar estes sistemas de tal form a, que o valor do capital p o r trab alh ad o r cresce, quando a taxa de lucro decresce, passando de R a O . O sis­ tem a M y possuirá assim um valor p ara o capital por trab a­ lhado r superior a M/3, por sua vez superior a M a. Podemos representar este conjunto de sistemas pelas duas seguintes figuras:

O btem os n a fig. 4 um a curva envolvente quebrada ABCD. E sta curva designa-se p o r fro n teira dos salários ou fronteira do preço dos factores, consoante os autores. O em­ presário situa-se sobre esta curva envolvente. Com efeito,

SOBRE O VALOR— 1ELEMENTOS PARA UMA CRITICA

82

p a ra um a taxa de salário O w i, ele tem interesse em m axim i­ za r a sua taxa de lucro. O sistem a a proporciona-lhe um a taxa de lucro O r 2 superior à que lhe proporciona o sistem a j8 : O n 1S. Se m ultiplicarm os o núm ero de técnicas, poderem os pen­ sar que a curva envolvente se to rn ará continua. Ela será decrescente e convexa. C ada ponto sobre esta curva significa então u m sistema representado por u m valor do capital por trabalhador. É este ponto essencial do raciocínio. G raças a esta pro­ priedade, podem os deduzir duas coisas: — qu ando a taxa de lucro cresce de O a R , o sistema de produção escolhido caracteriza-se p o r um valor do capital decrescente: r

t izfc*— i . L dade do equilibrio;

Encontram os as condicões de estabili-

— pode facilm ente c a lc u la rle o valor do capital J. Calcula-se a inclinação em cada ponto e m ultiplica-se pela qu antidade de trab alh o utilizado nesse ponto. Para cada taxa de lucro, obtem os um determ inado sistem a ao qual corres­ ponde um e um só valor do capital. Parece que resolvem os o nosso problem a. Partim os de capitais heterogéneos. N ão colocamos a hipótese de um capi­ tal hom ogéneo, que teríam os tido de hom ogeneizar. Cons­ truím os um a curva envolvente. Procedendo assim, considerá­ mos que podíam os passar de um sistem a p ara outro instanta­ neam ente e sem custo, quando variava a taxa de lucro. Supu­ semos que o capital podia ser m aleável. Eis a razão por que Sam uelson lhe cham a capital geleia e o representa pela letra J (jelly). M ais precisam ente, um a m áquina « pode ser substi­ tuíd a p o r outra (/3) im ediata e gratuitam ente, quando a taxa de lucro varia. O capital tom a então form as diversas, segundo a taxa de lu cro e daí a sua denom inação de geleia. A cons­ trução deste capital-geleia perm ite-nos estabelecer um a rela­ ção, en tre a taxa de lucro e o capital, tal que este represente um a e um a só técnica de produção. A m edida deste capital-

A INCOERÊNCIA INTERNA

83

-geleia não enferm a, pois dos mesmos vícios que o capital, que deveríam os to rn ar hom ogéneo na função de produção tradicional, dado que q ualquer variação na taxa de lucro im plica um a m udança no valor do capital, devida exclusiva­ m ente a um a alteração na técnica de produção. Avancem os um pouco m ais. Sam uelson cham a a esta curva envolvente a pseudoíunção de produção. Pseudo, por­ que vai desem penhar exactam ente o mesmo papel que a fun­ ção de produção, sem com partilhar, no entanto, dos mesmos defeitos. A elasticidade desta pseudofunção d e produção vai-nos dar a repartição dos rendim entos. Com efeito, èm — dw todos os pontos, a tangente é ig u a l---------- = J /L . A elasticidr — d w /w J r P dade é, pois, igual a -------------- = — X — = — , ou seja, a d r/r L w w relação entre os lucros e os salários. Tem os, pois, um a deter­ minação da repartição dos rendim entos pelo simples cálculo de um a elasticidade. É certo poderm os afirm ar que este cál­ culo não im plica que a repartição dos rendim entos seja deter­ m inada segundo o princípio das produtividades m arginais. M as que tal não nos preocupe ! É aqui que vai intervir o imagi­ nário. Podêmo-lo m ostrar de duas m aneiras: analítica e grafi­ cam ente. Considerem os, em prim eiro lugar, um a função de produção tradicional, mas im aginária e de grau 1. Poderem os, K desde logo, calcular — . A intensidade capitalista é igual L à seguinte relação: K

d ( 8 Q /S L )

L “

d ( 8 Q / 8 K)

em q u e Q / 8 K e Q /S L são as produtividades m arginais do capital e do trabalho. N o m undo im aginário, estas determ inam a taxa de salários e a tax a de lucro. Poderem os, pois, escrever: K _ L

— dw dr

84

SOBRE' O VALOR— • ELEMENTOS PARA UMA CRÍTICA

— dw } O ra, ---------- = — no m undo real. Então K e T desemdr L penham o mesm o papel, sem que um enferm e dos vícios do outro. D este m odo, porque o m undo im aginário corresponde ao m undo real, poder-se-ia pensar que o m undo im aginário era justo no essencial e que a elasticidade da curva envol­ vente nos dá a repartição dos rendim entos, segundo as produtividades m arginais. Em segundo lugar, podem os facilm ente estabelecer que a curva envolvente pode dar origem a um a via de equilíbrio que representa a função de produção e inversamente. Com efeito, seja um ponto P tom ado sobre a curva envolvente (m undo real). Este ponto P representa um sistema preciso, m aterializado por AB. O A representa o excedente liquido p o r trabalhador p ara este sistem a im ag in ário ---------------- > = real d (S Q /S K ) L 6K d i(sQ /8 K ) d (Q /L ) X d (K /L )

(SQ /SK ) dl(K /L)

di(sQ /áL )

K

-

—,----- ----------- *—------ = ------------1— = —'—----------------- H----- + d (K /L ) X d ( s Q /s K )

d l(aQ /sK )

d i(5Q /sK )

L

(SQ /SK ) dl(K/ÍL) K — d (s Q /s L ) -I------- >— — ------------—• d e onde s e conclui: — — —•—— —-— -— • d(S'Q/,5K) L d ( s Q /s K ) 20 P odêm o-lo fa cilm en te dem onstrar a n ív el m atem á tico (B adhu ri). C onsiderem os a relação Q = L w + Kr, em que K é o valor do cap ital ex p resso n o bem d e con su m o (quer dizer, K p c n as n ossas relações precedentes em que K era o cap ital físic o ). 15 um a relação eo h ta b ilístiça e tam b ém definitória. iSe dividir­ m os por L, tem os: q = k r + lw , donde dq = rdk + kd r + dw. dq I>este modo, — — .produtividade m a rg in a l do c a p ita l— n ã o é dk ig u a l à ta x a d e lucro r. P a r a que ta l se v erifica sse, seria dw necessário que kdr + d w fo sse ig u a l a O, ou se ja q u e ---------- - = dr — dw = k (capital p or trabalhador). iSam uelson ob tém k — ------ ■, dr quer dizer p ressu p õ e que kdr + d w = O ; o ra escrever dr + dw = dq = O, é dizer que dq — rdk = O (onde r = —*— ), é supor que, dw d e facto, a fu n ção de produção é h om ogén ea de grau 1, pois é este tip o de relação que define a fu n çã o de produção h om ogé­ n ea de grau 1. P odem os, com efeito , escrever dQ = f ’K dK + fL d L .

104

SOBRE O VALOR — ELEMENTOS PARA UMA CRÍTICA

C alcula-se a produtividade m a rg in a l d e um factor, supondo o dQ outro constante, donde dLi = O, logo dQ = f ’KdK e f ’K = — —- = dK = r. iConclusão: Se S am u elson pode fa z e r coincidir o rea l com o im aginário, é porque o real, ta l como e le o define, incorpora já o seu im aginário ! Cf. B adhuri, «On the S gn ifiea n ce o f R ecent C ontroversies on C apital T h eo ry : a M arxian V iew », in C a p ita l an ã G row th , P enguin. 21 U m exem plo concreto pode encontrar-se n a literatura clá ssica : para Ricardo, o trigo ê bem de consum o, quando é sim p lesm ente consum ido e fa c to r de produção, quando serv e com o sem en te. 22 A expressão é de R uth Cohen, segu n d o J. R obinson. 23 S o lo w , T héorie ãu C a p ita l e t T au x d e rendem&nt, D unod, 1970, p. 4. 24 Idem , Ibid., p, i5. Sem m esm o c ita r B oukharine, podem os ¡evocar R obinson e E atw ell. «Contudo, não fo i tan to a fraq u eza da teoria pura, m a s sim as alterações no clim a político, que puseram term o ao reino dos clássicos. M esm o na su a form a m a is liberal, a s doutrinas clá ssica s colocam a tón ica no papel econó­ m ico das classes so cia is e no seu con flito de in teresses. N o fin a l do séc. x ix , o centro d e gravidade dos co n flito s so cia is h a v ia -se tran sferid o d o an tagon ism o entre ca p ita lista s e proprietários fu ndiários p ara a oposição entre trabalhadores e cap italistas. O m edo ou m esm o o horror, su scitad os pela obra d e Marx, foram exacerbados em tod a a E uropa p ela C om una de P a ris (1871). A s doutrinas, que advogavam a ex istên cia de conflitos, foram logo consideradas indesejáveis. A s teorias que a fa sta v a m a atenção do an tagon ism o entre as cla sses so cia is receberam um acolhim ento sig n ifica tiv o » (J. R obinson , J. E atwell , in tr o ­ dução à M oderna E con om ia, U E co n o m iq u e m o ã ern e, E disciense, 1874, p. 4i6. 25 Idem , 0'p. c it., p. 7. 26 Idem , op. cit., p. 18. 27 Idem , Ibid., p. 9. 28 Idem , Ibid., pp. 10-11. 29 Idem , Ibid., p. 9. 30 T rata-se, com o n o s recordam os, d e um raciocínio p reci­ sam en te idêntico ao que efectu ám os para construir a curva de procura teórica em eq u ilíb rio— - p ertu rb a çã o —• regresso a o equilíbrio. O regresso ao equilíbrio- perm ite tr a ça r a cunva da procura e estab elece a relação I> ■- '■ —> P (lei do v a lo r n eo clá s­ sico ). 31 A ssem elh a-se, com o verem os m a is n itid am en te, quando procederm os à generalização, m a s não é a produtividade m ar­ ginal, pois dessa fo rm a devê-la-íam os calcular, o que im p licava que m ed íssem os o capital. Ora, querem os p recisam en te e v ita r e s te ponto. «A ta x a de rendim ento de um in v estim en to n ão

A INCOERÊNCIA INTERNA

105

depende, nem para a su a -existência nem para o seu sign ificad o, da possibilidade de definir «produtividades m arginais». 32 E, pois, o m esm o objectivo que p rossegu ia Sam uelson, com a diferença de que ele p en sava poder determ inar a ta x a d e lucro, avaliando o valor do capital por trabalhador, indepen­ dentem ente d esta taxa. 33 P oderíam os não te r em con ta a depreciação. S e r ia n eces­ sário introduzir a hip ótese de as m áquinas não se d esgastarem , o que não alteraria o raciocínio e o sim p lificaria. N e ste caso, contudo, a ta x a de rendim ento teria sido calculada para um período in fin ito e não para um, dois ou «n» períodos. O a crés­ cim o de bens de consum o teria sido um fa c to e não desapare­ ceria. A ta x a de rendim ento obtida não corresponderia à ta x a de rendim ento de Solow-iFisher, excep to se considerarm os que, no fim do segundo período, a s n ovas m áquinas n ão sã o u tiliza ­ das. Cf. H arcourt, S om e C a m b rid g e Controv& rsies in th e T h eo ry of C apital, Cam bridge U n iv ersity P ress, 1872. 34 Os hom ens são p agos logo que a m áquina é produzida.

35 P a ra um conhecim ento m ais completo do problem a, con­ s u lta r H arcourt, nom eadam ente no que diz respeito à crítica de Robinson sobre a hipótese de pleno em prego duran te o equi­ líbrio e a pertu rb ação sem m odificação do preço relativo. 36 Cf. P a sinetti «S w itch es o f Techniques and the «R ate of R eturn» in C apital Theory», E conom ic Journal, Julho 1969, vol. 79, publicado no te x to de H arcourt, L aing , C a p ita l & G ro w th , P en gu in B ooks; v er tam bém a resposta de Solow e a de P a s i­ netti, em E. J vol. 80. P od em os u ltrap assar este p on to e p a s­ sa r im ediatam ente ao cap. 3. 37 Supom os, p ara sim plificar, que o s dois siste m a s u tili­ zam a m esm a força de trabalho e que n os encontram os num estad o estacionário. ¡São, pois, as m esm as h ip ó teses que S am u el­ son considera n o seu modelo.

3.

C R IT IC A E X T E R N A

A teoria neoclássica do valor apenas é válida se perder a sua razão de ser. A incoerência in tern a desta teoria não nos deve surpreender. Com efeito, até esta altura, aceitám os as hipóteses desta teoria, ainda que estas nos parecessem estranhas. A incoerência interna desta teoria é a consequência lógica do carácter inaceitável das suas hipóteses falsam ente sim plificadoras. D este m odo, de um a crítica interna devere­ mos passar a um a crítica externa. Esta crítica externa é necessária p o r duas razões. É ela que nos perm itirá localizar os erros de base, nos conduzirá à sua superação e nos levará a todo um outro tipo de explica­ ção global da realidade concreta. É tam bém ela que nos per­ m itirá não intro d u zir, ainda que sub-repticiam ente, algumas dessas hipóteses, aparentem ente anodinas, no q u ad ro d a ela­ boração de um a lei do valor diam etralm ente oposta. Esta tarefa é hoje tanto mais necessária, q uanto assistimos, depois de 1970, a um a série de tentativas da p arte dos neoclássicos 1 (e de neocam bridgeanos), visando dem onstrar que se a sua teoria é deform ada, a de M arx tam bém o é e, m ais, os m ar­ xistas não perceberam que M arx é, p ara todos os efeitos, um neoclássico de grande valor, ao qual apenas faltaram conhe­ cim entos m atem áticos mais profundos, p ara chegar aos mes­ mos resultados dos que W alras ou L eontieff, p ara uns; que K eynes-H arrod-D om ar, p ara outros! Um a reflexão, mesmo rápida, sobre as hipóteses neoclás­ sicas é, pois, necessária, tanto mais que frequentem ente estas se revestem de um carácter assaz anodino. 'Podemos enum erar quatro: ■ — a hipótese sobre as necessidades, os preços e os ren­ dim entos ao nível do indivíduo;

108

SOBRE O VALOR — ELEMENTOS PARA UMA CRÍTICA

— a hipótese sobre a passagem do indivíduo à sociedade, p o r sim ples agregação; — a dicotom ia entre equilíbrio real e equilíbrio m one­ tário; — a hipótese, segundo a q u al o capital seria um factor de produção, cujo preço constituiria um preço de «aluguer» e não de com pra definitiva. T ratarem os rapidam ente das três prim eiras. São as mais conhecidas, aquelas cujas im plicações im ediatas são as mais perceptíveis. Q uanto à q u arta hipótese, analisá-la-emos mais porm enorizadam ente. As suas im plicações não são de im ediato tão com preensíveis. Ê ela que está na base da incoerência in tern a dos neoclássicos. A sua crítica pode conduzir quer a um a elaboração do tipo ricardiano quer a um a outra, de tipo m arxista. O ra, quando se sabe — e vê-lo-emos ao longo da nossa segunda p a r te — que m uitos raciocínios parcialm ente ricardianos se encontram nos trabalhos passados e presentes de autores m arxistas, .compreende-se como é im portante ana­ lisar com precaução esta ú ltim a hipótese. Secção

1.

Acerca ãas necessidades

O in divíduo racional (hom o econom icus) conhece, por um lado, as suas necessidades e, por outro, os preços e o seu rendim ento. Perante este binóm io, o indivíduo pode optim i­ zar a sua escolha. N ecessidades e preços-rendim ento são, pois, dados independentem ente. Isto perm ite traçar, prim eiro, o m ap a de indiferença (necessidades), depois, a recta de orça­ m ento (preços-rendim ento) e, assim , determ inar finalm ente o pon to de equilíbrio. A pertu rb ação deste equilíbrio e a pos­ terio r passagem a outro perm item traçar a curva de procura teórica do indivíduo em relação a u m bem , e p o r agregação, a de todos os indivíduos, p ara esse mesmo bem . A construção desta curva de procura do m ercado é o substrato da lei do valor-utilidade. O s preços são, pois, determ inados. São indica­ dores de escassez. N a base deste raciocínio, encontram os claram ente o m apa de indiferença. D esde logo, recolocar em questão a p ró p ria existência deste m apa é to rn ar a p ô r em

CRÍTICA EXTERNA

109

causa o- conjunto do raciocínio, que se desenvolve a p a rtir desse pressuposto. Basta pensarm os que as necessidades não são independentes dos preços e do rendim ento, para que nos seja impossível construir um m apa de indiferença indepen­ dente da recta de orçam ento e daí que não possamos encon­ trar um ponto de equilíbrio. A inexistência deste ponto de equilíbrio conduz logicam ente ài inexistência da curva da procura teórica. D esde logo, a teoria neoclássica do valor-utilidade não seria dem onstrável. E staria suspensa no vazio. A teoria neoclássica do valor repousa, portanto, sobre um a base m uito frágil. As necessidades não são independen­ tes dos preços do rendim ento. N ão são inatas. São produzidas pela sociedade. O indivíduo encontra-se subm etido a várias determ inações, elas mesmas produto de desenvolvim ento con­ traditório do sistem a capitalista. É um a banalidade afirm ar isto, hoje em dia. A publicidade é dem asiadam ente asfixiante, p a ra que se possa falar em necessidades inatas. P ortanto, os preços e o rendim ento influem nas necessidades do indivíduo, podendo m odificá-las ou criar outras. U m objecto pode, pois, possuir um a utilidade, mas um a utilidade social e não natural. Não podem os aperfeiçoar a teoria neoclássica, repondo em causa o carácter n atu ral das necessidades, a sua indepen­ dência, em relação aos preços e ao rendim ento. T o rnar a pôr em causa esta hipótese é fazê-lo em relação à pedra angular sobre a qual assenta a teoria do valor utilidade, ou seja, é colocar em causa a sua p rópria existência.

Secção

2.

O todo e as partes

A penas algumas palavras sobre o segundo ponto. A so­ ciedade não corresponde ao som atório dos indivíduos. N ão podem os p artir das parcelas p ara obter o todo. A com preen­ são da evolução das partes só pode ser atingida a p a rtir da com preensão do conjunto. Este conjunto é um todo, estrutu­ rado e hierarquizado. Assim, «a concepção da totalidade, que apreende a realidade nas suas leis e estruturas internas e se esforça p o r descobrir íntim as e necessárias conexões internas,

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SOBRE O VALOR— ■ELEMENTOS PARA UMA CRÍTICA

sob a superficialidade e a contingência dos fenóm enos, opõe-se à concepção em pírica que se prende às forças fenom enais e contingentes, e não consegue abranger o processo de evoiução da re a lid a d e 2». T ra ta s e de um ponto hoje suficientem ente clarificado e conhecido p ara que nos dem oremos com ele. V ejam os, pois, as consequências desta rejeição do raciocínio neoclássico. Em prim eiro lugar, não se pode passar da vida de equilíbrio de um indivíduo (curva de procura teórica) para a curva de procura do m ercado, dado que o com porta­ m ento dos indivíduos (da sociedade) não pode resultar da agregação dos com portam entos individuais. N ão se pode, pois, construir a curva de procura teórica p ara um m ercado. Um elem ento essencial da lei do valor neoclássico, desaparece deste m odo. Em segundo lugar, não se pode, partindo ime­ diatam ente do conjunto hierarq u izad o e estruturado, que constitui a sociedade, deduzir que os indivíduos são todos iguais, quer sejam produtores, ou seja, consum idores e traba­ lho de capital ou trabalhadores, isto é, consum idores de bens de consum o e fornecedores de serviços. A análise do indiví­ duo deve d ar lugar ao estudo dos grupos sociais ou das clas­ ses sociais. R esulta im ediatam ente desta rejeição que o funda­ m ento do equilíbrio geral não pode situar-se ao nível das decisões do indivíduo, já que rejeitám os o tipo de relação estabelecida pelos neoclássicos en tre o indivíduo e os indiví­ duos (agregação). Certam ente poderíam os pensar que a recusa desta hipótese m etodológica de base não põe em causa o con­ junto da análise neoclássica, pois que, como vim os, esta pode p a rtir de quantidades globais. N o entanto, tal não é o caso. A análise m ediante as quantidades globais é na realidade um a m istificação. T rabalho ou capital não são m ais que a agre­ gação im plícita das unidades elem entares. Já o m ostrám os na conclusão do capítulo 1. Por conseguinte, o indivíduo, as suas escolhas e as suas decisões, constituem a pedra angular da análise, quer esta seja m icro, o u aparentem ente m acro. Recaí­ m os, pois, no anterior impasse. Um a vez que não se afigura possível p artir do indivíduo p a ra verificar a teoria do valor utilidade, esta encontra-se de novo suspensa no vazio.

CRÍTICA EXTERNA

Secção

3.

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Uma troca directa generalizada ou o estatuto da mercadoria

A análise estabelece aquilo que se designa p o r um a dicotomia, en tre o equilíbrio real e o equilíbrio m onetário. Já havíam os frisado este problem a. Recordem o-lo rapida­ m ente: o indivíduo escolhe. O preço de um bem é, pois, com­ parado ao preço de outro. Estamos em presença de preços relativos. Para to rn ar com paráveis todas as m ercadorias, toma-se um bem (não im porta qual), que servirá de num e­ rário. O conjunto dos preços das m ercadorias será então expresso em relação ao preço deste num erário, que se supõe igual a 1. T rata-se de um sistem a generalizado de preços relativos. Estabelece-se assim um equilíbrio geral, se forem respeitadas certas condições. É, pois, um equilíbrio real, dado que repousa sobre um a troca directa generalizada. O indivíduo troca a m ercadoria M x pela m ercadoria My, etc. Temos a rela­ ção M — M e não M — D (M ercadoria — D inheiro — M er­ cadoria). A m oeda não é introduzida na troca. Só após se verificar este equilíbrio real é que se acrescenta a m oeda. Obtém-se então o equilíbrio m onetário. Este resulta do equi­ líbrio real. N ão é m ais do que um a troca directa monetarizada. T oda esta sequência não aparece p o r acaso. Com efeito, a nível do equilíbrio real, estabelece-se que o valor das m er­ cadorias é função da utilidade m arginal. O seu preço, de­ pende exclusivam ente da escassez. In tro d u zir a m oeda poderia significar que os indivíduos fazem intervir um a outra variá­ vel na sua decisão de escolha, p o r exem plo, o desejo de pos­ suir o próprio dinheiro. Im ediatam ente, um tal com porta­ m ento teria por consequência que o preço estabelecido para esta ou aquela m ercadoria não dependeria unicam ente da sua raridade, m as de algo mais, o que constituiria a p rópria nega­ ção da lei do valor utilidade. Esta é a razão pela qual se pro­ cede prim eiro à análise do equilíbrio real, só posteriorm ente se acrescentando a m oeda, ,com o objectivo de alcançar o equilíbrio m onetário. M as, p ara q u e este equilíbrio m onetá­ rio não esteja em contradição como equilíbrio real, quer dizer, para que a lei do valor utilidade possa conservar a sua vali­ dade explicativa é necessário precisam ente que a m oeda não

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SOBRE O VALOR — ELEMENTOS PARA TJMA CRÍTICA

seja cobiçada p o r si mesma. D everá servir unicam ente como interm ediário nas trocas. P ara utilizarm os um a expressão consagrada, direm os que ela apenas pode ser um véu. D este raciocínio resultam m últiplos problem as. Os pre­ ços absolutos (nível geral dos preços) são indeterminados, já que a injecção de um a qualquer quantidade de m oeda não é susceptível de afectar a estru tu ra dos preços relativos. D ito de outra form a, a um a estru tu ra dos preços relativos — pre­ viam ente determ inada — podem corresponder vários níveis gerais de preços. Esta conclusão vem acarretar m últiplos problem as aos econom istas neoclássico s3. R ejeitar a dicotom ia entre equilíbrio real e equilíbrio m onetário é ten tar integrar im ediatam ente a m oeda. Logo, é considerar que a troca entre duas m ercadorias não se efectua segundo o m odelo M — M , tratando-se antes de um acto duplo, com três term os: M — D /D — M. É considerar que a m ercadoria constitui, sim ultaneam ente, um valor de uso e um valor de troca e que esta dupla característica constitui um a contradição. P or outras palavras, na m ercadoria não se devem confundir o valor de uso e o valor de troca. Ela é um valor de uso ou um valor de troca, sendo am bos sim ultanea­ m ente. Esta contradição traduz-se no desdobram ento da form a valor. A m ercadoria é um a form a de valor, a m oeda é um a o u tra. A m ercadoria, objecto desta contradição, não pode ser com preendida de form a estática, mas apenas na circulação, ou seja, nas suas m etam orfoses. A m oeda não é sim plesm ente sinal de valor (num erário), pode ser tam bém reserva de valor. E sta função exprime-se então p o r um a fuga ao acto de troca M — D /D — M, sendo a m oeda procurada, em parte, pelo próprio desejo de a possuir. E sta função desaparece quando a m oeda é reintegrada na c irc u la ç ã o 4. Mas este raciocínio está em perfeita contradição com o dos neoclássicos. Ele conduz à refutação do princípio segundo o qual a o ferta cria a sua p ró p ria pro cu ra (lei de Say), p rin ­ cípio absolutam ente necessário à determ inação do equilíbrio geral no sector r e a l 5. N ão pode, pois, aperfeiçoá-lo. A este raciocínio corresponde o u tra teoria do valor, cujo fundam ento não pode ser a utilidade. À teoria neoclássica, que apenas se detém sobre relações en tre as coisas, e assim m ergulha no

CRÍTICA EXTERNA

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fetichism o das m ercadorias, é necessário contrapor um a o u tra que estabeleça relações entre os hom ens. Secção

4.

Preço de aluguer e preço de com pra

Senhor e escravo, o indivíduo é a base do raciocínio neoclássico. Ele é considerado, enquanto indivíduo e, deste m odo, igual a qualquer outro. N ão pode, pois, exercer a m enor influência sobre as escolhas de outrem . Q ue seja trabalhador ou em presário, pouco im porta. O que o caracteriza é a sua capacidade intrínseca de escolher livrem ente. É sobre esta base que se elabora a análise neoclássica. Deste pressuposto resulta a analogia e o paralelism o entre o equilíbrio do con­ sum idor e do produtor. Por conseguinte, os m ercados de bens de consumo e os de factores de produção que se deduzem precisam ente destes equilibrios (dos consum idores, dos p ro d u ­ tores) são forçosam ente sem elhantes. São caracterizados por condições de existência de equilíbrio e de estabilidade idên­ ticas. Situam-se ao mesmo nível. N enhum elo hierárquico os liga. Só se verifica um a interdependência, entre o conjunto destes m ercados, efectuando-se, pois, entre elem entos aná­ logos. É esta a razão pela qual vários autores negaram que existisse na teoria neoclássica um a análise da produção. N a m edida em que o equilíbrio da produção ê reproduzido fiel­ m ente no equilíbrio das trocas, pode-se pensar que a produ­ ção é «prisioneira das trocas» (B. Schm itt). É um passo que já havíam os dem onstrado, quando analisám os todas as im pli­ cações deste tipo de interdependência. O em presário não pode possuir factores de produção. Estaria, caso tal se verificasse, em posição de dom inação. O em presário pode apenas alugar estes serviços de produção. Os preços que deverá pagar pela sua utilização são preços de aluguer. N ão podem ser preços de com pra. Estes preços, a nível da sociedade, devem ser determ inados pela produtivi­ dade m arginal de cada um dos factores alugados. Tem os, pois, um a limitação. C apital e trabalho são mer­ cadorias específicas. A tónica não é colocada no facto de poder haver necessidade de u m tanto de capital e de um tanto de tra-

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SOBRE O VALOR — ELEMENTOS PARA UMA CRÍTICA

balho, com o «inputs» necessários à produção de mercadorias, m as sobre o facto de estas mercadorias serem fontes d e cria­ ção de valor. A lém do m ais, é p o r isto que os neoclássicos lhes cham am factores de produção. P orque o ponto de p artid a da análise é não só o indiví­ duo, mas tam bém o pressuposto de que todos os indivíduos são iguais, sejam quem forem , o capital e o trabalho são considerados factores de produção e não inputs. Esta consi­ deração especifica o m étodo dos neoclássicos relativam ente ao dos ricardianos e ao dos m arxistas. Os preços de aluguer destes factores de produção são, contudo, determ inados da m esm a form a que o preço de com ­ p ra das outras m ercadorias. Supõe-se que a produtividade m arginal de cada um deles determ ina o respectivo preço, tal com o a utilidade m arginal determ ina em relação às outras m ercadorias. A teoria da repartição dos rendim entos não é m ais do que um a sim ples extensão da teoria da troca, com a única diferença de, num caso, a produtividade m arginal ser igual ao preço de aluguer e, no outro, a utilidade m arginal determ inar o preço de com pra, sem que, no entanto, seja igual a ele. E sta diferença provém do sim ples facto de, num caso, se tratar do preço de aluguer e, no outro, do preço de com pra. Ê a partir deste ponto que se podem explicar todas as contradições internas deste tipo de teoria. Neste sentido, pode afirm ar-se que as contradições internas não são m ais que a consequência lógica de hipóteses de p artid a totalm ente erradas. Com efeito, não é pelo facto de se p a rtir do indivíduo, sem elhante a q ualquer outro, que se elim ina o problem a do preço de compra do capital. M ais precisam ente, considera-se o preço de aluguer, mas não se pode elim inar o preço de com pra. O indivíduo — em presário aluga um factor de pro­ dução— dado que o n ão pode possuir, — mas a rem unera­ ção que lhe deverá conceder é função do preço d e compra desse factor, exactam ente n a m edida em que se pretende dem onstrar que o preço de aluguer (taxa de juro) é igual à produtividade m arginal do capital e que, p ara conhecer esta últim a, é preciso que se possa avaliar o capital ao seu preço, necessariam ente preço de com pra.

CRÍTICA EXTERNA

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A ssim, a p artir do indivíduo, não exclui o cálculo do preço de com pra dos factores de produção. P ara calcular este preço, é necessário que se conheça um a variável da rep arti­ ção, o p reço de aluguer, que estaríam os interessados em deter­ m inar de outro modo. A contradição radica, pois, no facto de não se poder conservar ao mesmo tem po a noção de indivíduo produtor — igual a q ualquer outro indivíduo — e elim inar o preço de com pra do capital (ou do trabalho), já que, p ara calcular o preço de aluguer, é necessário saber o preço de com pra. A única form a de ultrapassar esta contradição consiste em abandonar o pressuposto de que o trabalho e o capital são em conjunto considerados com o factores de produção e passar a tratá-los como inputs. O p tar p o r este caminho é rejeitar a concepção neoclás­ sica do indivíduo, é decidirmo-nos p o r um raciocínio Ricardiano e, ao fim e ao cabo, tendo em bora em conta os lim ites deste raciocínio, é penetrarm os num raciocínio m arxista. Com­ preende-se porque é que os neoclássicos preferem perm anecer envolvidos nas suas contradições. A «partida» é dem asiado im portante!

[Notas 1 T en tativas que an alisarem os n a 2.a parte. 2 K. K o sik , L a D ialectiqu e du co n cret, ¡Maspero, 1970. 3 N ão podem os aqui analisar as d iversas ten ta tiva s fe ita s pelos n eoclássicos — nom eadam ente D on P a tin k in — p a ra rom ­ per esta contradição e in tegrar a m oeda. N ão é esse o n osso objectivo. P a ra um a exposição clara sobre a questão, pode co n ­ su lta r-se B. SCHMIDT, M onnaie, sa la ire s e t p ro fits, P . U . F. 1966; igu alm en te O laasen , M onnaie, R even u N a tio n a l e t P rix , Dunod, 1967. 4 D esenvolverem os este ponto n a 2.a parte, cap ítu lo 2. 5 Cf. In fra, o ponto- sobre a interdependência dos m ercados.

II

AS ANÁLISES RICARDIANA E MARXISTA

A teoria neoclássica está errada. As suas contradições internas são o fru to de hipóteses de p a rtid a insustentáveis. Contudo, continua a ser ensinada nas universidades e é apre­ sentada ainda como elaboração científica na m aior parte dos cursos. T al significa que tem um a vida longa. E sta deve*se, tanto ao carácter aparentem ente evidente das hipóteses e do m étodo seguido, como à capacidade de cobertura m atem ática que a teoria perm ite, e, enfim , à função ideológica que cum pre. O começo da crise deste tipo de raciocínio é apenas o reflexo da crise, que atravessa hoje o sistem a capitalista, quer ao nível económ ico, quer aos níveis político e ideológico. Surge, então, com bastante nitidez, o seu carácter profundadam ente apologético, n a m esm a altu ra em que a crise dos valores burgueses conduz os trabalhadores, os jovens, a rejei­ tar qualquer glorificação do sistem a, n a m esm a ocasião em que a sua apologia já não é suficiente p a ra os governantes. Chegamos a um período em que estes devem p ro curar algo diferente p ara actuar sobre a realidade, p ara atenuar as crises, para evitar as suas consequências políticas. T rata-se para eles de reconhecer a crise, na tentativa de a ultrapassar, de aceitar a existência de classes (e não de indivíduos iguais), para m elhor com baterem a classe operária, cada vez m ais am ea­ çadora. R esum idam ente, perante «um cavalo que se torna louco», a teoria neoclássica perde cada vez mais a sua utili­ dade, o em pirism o reina, tendo com o objectivo salvar o que é possível, tan to ao nível do desem prego, como da inflação ou da recessão. Já não é o equilíbrio geral (ou o crescim ento equilibrado), que se glorifica, mas sim um a situação que é menos m á que o u tra s... A m ão divina — senão o petróleo árabe — teria lançado a m aldição sobre o conjunto das eco­ nomias capitalistas desenvolvidas, e a tarefa dos governantes seria atenuar — m ediante certos «sacrifícios necessários» — o peso desta m aldição. N avegar entre escolhos, fazer que o barco não m eta tanta água como o do vizinho, eis o título de

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SOBRE O VALOR — ELEMENTOS PARA UMA CRÍTICA

gloria de que a burguesia se reclam a, p ara legitim ar a sua existência. Bem magros títulos p a ra um a burguesia assaz decadente e que se agarra desesperadam ente ao p o der ! A entrada em crise deste tipo de análise da realidade não se reflecte apenas ao nivel da política económ ica e dos meios que a justificam , mas tam bém em toda a recente orientação dos trabalhos dos sobreviventes neoclássicos. Após afirm arem bem alto que a teoria m arxista do valor estava «m orta e enterrada» (Schum peter), após conseguirem que o ensino do m arxism o esteja p o r assim dizer ausente das universidades quando não d e tu rp a d o 2, são agora forçados a reconhecer a vitalidade que o m arxism o tem hoje em d ia ... para m elhor o com baterem . P erante as críticas apontadas às teorias neoclássicas, pe­ rante a sua incapacidade de resposta face à reaparição do dem ónio m arxista, que se esperava enterrado por m uito tem po, chegou a h o ra de reagir. A pesar de d u ra n te anos e anos terem deliberadam ente ignorado a corrente m arxista, assiste-se hoje a um a reviravolta com pleta. D e h á 5-6 anos a esta parte, Sam uelson apenas escreve sobre M a rx ... a tal pon to que ficam deveras chocados num erosos nostálgicos de tem pos passados, com o L erner, segundo o qual as conclusões de Sam uelson «constituem concessões sem motivo à. teoria do valor-trabalho já tão com pletam ente destruída, concessões que atingem verdadeiram ente a h o n ra do raciocínio cien­ tífico 3». O objectivo dos neoclássicos é, no entanto, claro. T ra­ ta-se de «secularizar a econom ia m a rx ista 4», de recuperar M arx, de mesmo o restituir, despojado de todos os seus aspectos m etafísicos e apologéticos (da revolução), «a um nível tão elevado como W alras na história da econom ia m ate­ m á tic a 5» ... O u ainda, sem atingir esta apreciação honorífica, ¡Samuelson conclui, m uito séria e doutam ente: «O m arxism o é talvez dem asiado válido p ara que o abandonem os aos m ar­ xistas. Ele fornece um prism a crítico através do qual os economistas da corrente dom inante podem , em seu próprio benefício, exam inar as suas a n á lise s6». E sta tentativa de «secularização da econom ia política m arxista» encontra um a base de apoio n a recente reaparição de um a corrente neo-ricardiana (tam bém cham ada neocam-

AS ANÁLISES RICARDIANAS E MARXISTAS

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bridgeana). Sem ten tar fazer aqui a historia desta corrente, podem os afirm ar que teve origem num a crítica das teses neo­ clássicas e num a tentativa de síntese dos contributos keynesianos e da teoria clássica (R icardo, Sm ith). A p artir de urna crítica da noção de equilíbrio neoclássico, estes autores foram levados a colocar o problem a da m edida do capital e dos pre­ ços de produção, se bem que após um desvio, que apontava p ara um a análise da acum ulação de c a p ita l7. Já não se trata pois de: a) p a rtir dos individuos atom izados, m as sim de grupos ou classes sociais; b) de considerar o capital e o trabalho, não com o facto­ res de produção, mas como inputs, de onde resulta calcularem-se os preços de com pra e não o preço de aluguer. Este raciocinio ricardiano perm ite construir im ediata­ m ente um modelo de produção (e não de troca) que, para ser determ inado, necessita que, pelo m enos, um a variável da repartição seja dada (variável exógena), com o terem os opor­ tunidade de ver. Assim, é, pelo m enos, paradoxal v er neoclássicos tenta­ rem recuperar a análise n eo -ricard ian a 8 p ara efectuarem o que eles pensam ser um a crítica interna dos trabalhos de M arx. A análise neo-ricardiana apresenta-se assim como um a faca de dois gumes, servindo, p o r um lado, p a ra dem olir internam ente o raciocínio neoclássico e, p o r outro, p ara fazer o mesmo no tocante à análise m arxista. Esta recuperação pelos neoclássicos da análise neo-ricardiana é, no entanto, menos surpreendente do que pode parecer à prim eira vista, se nos lem brarm os que os trabalhos de Sm ith e R icardo deram precisam ente origem a estas duas correntes radicalm ente diferentes. A análise neo-ricardiana afasta-se da análise ricardiana a nivel das conclusões. P artindo de um a problem ática comum, a análise neo-ricardiana chega, graças a um a form alização m uito mais pronunciada do que a efectuada p o r R icardo, à negação da lei do valor. É pelo facto de o raciocinio neo-ricardiano conduzir a esta negação que ele se torna interessante p ara os neoclássicos n a sua crítica a M arx. C onfundindo M arx com R icardo, desem bocando na m esm a conclusão que os neocam bridgeanos sobre o carácter n ão necessário da lei do

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SOBRE O VALOR — ELEMENTOS PARA UMA CRÍTICA

valor, a sua tarefa im ediata é te n ta r aproxim ações en tre o novo M arx, «despojado de todos os seus aspectos metafísicos» e a análise neoclássica m oderna, aproxim ação que apenas os m arxistas, cegos pela sua fé, talm udistas até à m edula, não poderão a ceitar... Esta p arte será, pois, consagrada, num prim eiro capítulo, ao raciocinio neo-ricardiano e às críticas, ditas internas, dos neoclássicos a M arx e, num segundo capítulo, a m ostrar por­ que é que essas críticas internas são, de facto, críticas exter­ nas, que, p ara serem válidas, necessitariam previam ente de um a colagem ao tipo de abordagem ricardiano e de raciocinio.

N o ta s 1 K esp an toso v erifica r que os m anuais do prim eiro e s e ­ gundo a/no ignoram M arx; enquanto o program a do prim eiro ano se debruça sobre o s preços e, como sabem os, M arx tem uma teo ­ ria bem diferente daquela ¡que é ap resen tad a (a teoria n eo clá ssica ) e o program a do segundo ¡ano trata, entre outros tem as, da ¡repartição do rendim ento, do desem prego, da m oeda, existindo igu alm en te acerca d estes poucos contributos de M arx e de m a r­ x is ta s ¡bem diferentes dos estudos n eoclássicos ¡e k eyn eslan os ¡que aí sã o apresentados! 2 D iscutindo com Sam uelson, S. H ym er e S. R esn ick puse­ ram -lh e a seg u in te questão a o term in arem o s se u s estudos: «O ¡que é que ex iste em M arx q u e é válido e n ão e stá incluído no diplom a de econom ia do M. I. T. ?» A ¡resposta fo i extrem am en te su cin ta: «A lu ta d e classes.» ¡Sem com entários. Cf. In tern a tio n a l tra.de an d U neven D e ve lo p m e n t, T a le U n iversity, 1970 (P aper n.° 83). 3 A . ÍLerner , «A N o te on U n d ersta n d in g th e ¡Marxian N otio n of E xploitatio n » , J. E. L. M arço de 1972, pp. ¡50-51. 4 P. A. S amuelson , E co n o m ics: W in ds of C h a n g e — E volu tion o f E con om ic D o ctrin es, M cGraw-H ill, N o v a Iorque, 1973, p. 865; tom a idên tica ¡posição ¡em todos os ¡seus escritos m ais recentes. 5 MORISHIMA, Maro? E con om ics: a D u a l T h eo ry o f V alue a n d G-rowth, C am bridge U n iv ersity P ress. 1973. 6 p . A. ¡Samuelson , op. c it., p. 866. 1 N om ead am en te J. ROBINSON, The A ccw m ú lation o f C a p i­ ta l, 1956. P a ra um aprofundam ento dos problem as ¡que os seu s estudos colocam , perm itim o-n os referir a n o ssa te s e ¡comple­ m entar: L e P ro b lè m e d e la D owble D ê te rm in a tio n du T au x de S a la ire R é e l c h e z les N eo -C a m b riã g ien s, U n iv ersité P a ris I, 1971.

AS ANÁLISES RICAKDIANAS E MARXISTAS

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8 ¡Samuelson, n a su a resp o sta a tRranfenbrenner, indica: «O m eu p on to de partid a n a d iscu ssã o não era neoclássico. E ra sraffiano, ou, dito doutro modo, era pré-m arxista: não era o que Cobb-:Douglas ou J. B. C lark teria m dito; era o que R icardo e Sm ith teriam dito, um a v ez exp licad as as su a s grandes leis, acerca do estad o estacion ário da b u sca do lucro em concorrên­ cia, etc.». (iCf. «Sam uelson’« R ep ly on iMarxian m atters», J. E. L ., M arço d e 1973, p. 164.)

U. F. R b J. BIBLIOTECA

I P P I) K 1.

M A R X E R IC A RD I AN IS MO

A crítica neoclássica da lei do valor-trabalho, hoje çm dia, pretende ser um a crítica séria. N ão se tra ta de opor aos m arxistas o problem a do preço de um a «obra-prim a» ou da água n o deserto \ V ai tentar efectuar um a crítica, que acredita o u q u e deseja acreditar, interna aos trabalhos de M arx.

Secção

1.

M arx ricardiano

Podemos situar o ponto de p a rtid a das críticas «m oder­ nas» à lei do valor-trabalho de M arx, nos trabalhos já com um bom p a r de anos, de von B ortkiew icz. Este ten ta corrigir erros de M arx, m as, ao fazê-lo, acaba p o r enfraquecer a aná­ lise m arxista. O u m elhor, na m edida em que os próprios tra ­ balhos de von Bortkiew icz contêm , igualm ente erros, a sua correcção conduziria a negação da pertinência do problem a do valor. P or outras palavras, a análise da lei do valor-traba­ lho ricardiana leva, por um lado, a p ô r em questão M arx e, po r outro, a rejeitar, porque inútil, a própria lei do valor. É po r este m étodo que se chegará a «secularizar a econom ia m arxista». M as p ara com preender este raciocínio observem os prim eiro com o M arx é visto pelos autores neo-ricardianos, neoclássicos, e tam bém por um bom núm ero de autores mar­ x ista s 2. Tom arem os sucessivam ente os três pontos seguintes: — A apresentação tradicional de M arx; — a correcção de von B ortkiew icz; — o erro de von Bortkiew icz, sua correcção e im pli­ cações.

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1.

SOBRE O VALOR — ELEMENTOS PARA UMA CRÍTICA

A apresentação tradicional de M arx

D esde que se considere um m undo com n m ercadorias, devem ter-se em conta diversas com binações produtivas. Estas são representadas p o r com binacões orgânicas de desigual imC portância (— ) . V A existência deste conjunto de com posições orgânicas deveria privilegiar os capitalistas que utilizam pouco capital constante (C) e m uito capital variável (V), já que apenas a forca de trabalho é criadora de um valor superior ao seu custo, em detrim ento dos capitalistas, que utilizam pouco capital variável e m uito capital constante. U m tal resultado ■ — aparentem ente conform e com a lei do valor — estaria em contradição absoluta com o m ovim ento real do c a p ita l 3 e a elevação da com posição orgânica que o acom panha. D aqui, poder-se-ia, pois, deduzir que a lei do valor é falsa. O valor de troca de um a m ercadoria não seria igual à quantidade de trab alh o [abstracção, socialm ente n e c e ssá ria 4] . A substância do valor não deveria ser o trabalho (abstracção). Logo, a força de trabalho não poderia ser o único factor criador de valor. Deste m odo, ela não seria necessariam ente explorada. T al conclusão estaria errada. Se considerarm os um grande núm ero de capital em concorrência, é necessário efec­ tu ar aquilo a que se cham ou a transformação dos valores em preços de p ro d u ç ã o 5. Procedendo assim, M arx m ostra que o fundam ento da produção da riqueza é a exploração da fo rça de trabalho pelo capital, que esta se verifica na espera da produção e não na espera da circulação [ou da tr o c a 6] , e que, finalm ente e acim a de tudo, os capitalistas constituem um a «franco-maçonaria», face aos trabalhadores, na m edida em que precisa­ m ente as transferências de m ais-valia social se verificam dos sectores de baixa com posição orgânica do capital para aque­ les em que esta com posição é m aior. A transform ação dos valores em preços de produção per­ m ite, pois, explicar, por um lado, o m ovim ento real dos vários capitais e, p o r ou tro , a sim ilitude de classe dos capitalistas aparentem ente opostos uns aos outros pela concorrência.

MARX E RXCARDIANISMO

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É este duplo objectivo que legitim a a necessidade de passar dos valores aos preços de produção e existe apenas porque foi necessário exam inar prim eiram ente o capital ern geral, p ara seguidam ente se passar aos vários capitais. Só quando se chega a este ponto da análise é que é necessário proceder à transform ação dos valores em preços de produção. Mas abandonem os provisoriam ente este im portante aspecto e regressemos àqueles que expõem raciocínios de M arx. A par­ tir deste dado (a necessidade de transform ar), que eles não ignoram , em bora não tentem extrair o seu significado pro­ fundo, aceitando-o com o tal, constrói-se um a série de hipó­ teses, que devem perm itir que se proceda à. transform ação m atem ática.

A.

H IP Ó T E S E S D O M O D E L O 7

a) capital. b)

São dadas as diversas composições orgânicas do PI São dadas as taxas de exploração ( — ) , que supo­

mos iguais a 1 0 0 p o r cento em todos os ram os. PI c) É dada a taxa de lucro r = ---------- , que supomos C + V idêntica em todos os ram os. E sta hipótese sobre a preparação da taxa de lucro é particularm ente im portante. V ai constituir a pedra angular do raciocínio. d) Consideram -se três empresas cada um a com deter­ m inada com posição orgânica do capital. Supõe-se que estas três em presas são representativas dos três sectores funda­ m entais (sector I dos bens de produção, sector n dos bens de consum o e sector in dos bens de luxo), o que perm ite cons­ tru ir o modelo de transform ação sob a form a de esquem a de reprodução sim ples do sistem a (sendo, pois, as mais-valias líquidas utilizadas de form a im produtiva). e) Supõe-se que as mercadorias são trocadas por outras mercadorias, com o num m odelo w alrasiano. Assim, o valor da m ercadoria-força de trab alh o (capital variável) não corres-

SOBRE O VALOR — ELEMENTOS PARA UMA CRÍTICA

128

p o nderá a um a soma em dinheiro susceptível de servir para com prar um a série de m ercadorias necessárias à reprodução desta força de trabalho [ciclo M — D — M 8] . Tal valor será im ediatam ente equivalente a um a soma de m ercadorias [acto M — M 9] . /) O esquem a de p artid a (em valor) é expresso em « inputs» de trabalho [que alguns consideram como unidades de trabalho em abstracção 10] e não em preços m onetários. B.

O m odelo

Õ> >

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•O d X £

0Õ IC 01 d O u k = KPk Temos k equações e k incógnitas (os preços p a, ... pk). Como nao existe excedente, o sistema reproduz-se de form a idêntica. Terem os necessariam ente: A a + A D + ........ A k = A; Bo + B +

Bk = B;

etc.

A soma dos m em bros da equação da esquerda é igual à dos da direita. H á, no entanto, um a equação a m ais, na m e­ d id a em que pode ser deduzida das outras. Existem pois k — 1 equações. Se considerarm os o preço de um a q u alquer m ercadoria como numerário, o sistem a pode ser resolvido.. N ota: O salário corresponde a q ualquer m ercadoria. O trabalho (e o seu salário), representando um a m ercadoria A ou B ou C ’, situa-se ao nível de todas as outras m ercado­ rias. É um input e um p ro d u to com o os outros. T rata-se, por­ tanto, de um a troca M — M 31. B.

Segunda fase: Econom ia com excedente

Existe um excedente que se torn a necessário repartir.. Neste ponto intervém a hipótese central da perequação da taxa de lucro. Existência de um excedente significa que não é possível, adicionar as colunas p ara obter as linhas (Aa + Ab + ... A k ^ A). Existem , pois, k equações face a k —-1 incógni­ tas, sendo r a taxa de lucro. A taxa de lucro é, pois, determ i­ nad a ao m esm o tem po que os preços 32.

MARX E RICARDIANISMO

143

Nota: A qui deparam os com urna crítica que havíam os feito aos teóricos neoclássicos: p ara conhecer os preços, é necessário ter um a variável da repartição. Os prim eiros não podem determ inar a segunda. C. Terceira fase: N ovas hipóteses acerca do salário M odificam os a hipótese respeitante ao salário. N ão m ais o considerarem os com o a quantidade de m ercadorias, que assegura estritam ente a reprodução física do indivíduo. Ele pode agora variar. Sraffa considera que o excedente orodilzido pode beneficiar os trabalhadores. O salário é, pois, con­ siderado como pago post factum , o u seja, um a vez obtido, o excedente e com um a parcela deste excedente. Este divide-se, portanto, em lucro e salário. Pressupõe-se que o salário é com posto unicam ente de bens de luxo (ou de produtos não fundam entais). Segundo a definição que já avançám os, isto significa que o preço destes bens que com põem o salário — se depender dos preços e d as quantidades dos meios de produção necessários p ara os o b t e r — não actua sobre os preços dos meios de p ro d u ç ã o 33. D este m odo, as inovações nos m étodos d e produção destinados à produção de bens de luxo, se não actuam sobre o preço dos outros bens, tam bém o não fazem directam ente em relação à taxa de lu c ro 34. Os bens de luxo, n ão sendo m eios de produção relati­ vam ente aos o u tro s bens, não surgem juntam ente com estes ú ltim o s 35. Tem os k equações e k — 1 preços, ainda faltando deter­ m inar a taxa de lucro e o salário, o u seja, k + 1 incógnitas. Podem os m udar de num erário e considerar que tom am os o «rendim ento nacional», ou seja, o que resta após terem sido substituídas todas as m ercadorias utilizadas na produção de ou­ tras m ercadorias, com o num erário. Terem os que determ inar k preços e as duas variáveis da repartição (k + 2 incógnitas). Mas terem os um a equação suplem entar, se supuserm os que este num erário é igual a 1 36. Finalm ente, o modelo não pode ser determ inado, dado que existe um a incógnita a m ais, rela­ tivam ente às equações (k + 2 incógnitas contra k + 1 equa­ ções). É necessário, portanto, fixarm os um a variável da rep ar­ tição. Sraffa escolhe — p ro v iso riam en te— o salário. O sis-

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SOBRE O VALOR — ELEMENTOS PARA UMA CRÍTICA

tem a pode, desde logo, ser determ inado, m as, contrariam ente ao sistem a neoclássico, ele é aberto, sendo o salário um a variá­ vel exógena. N ota: As hipóteses form uladas p o r Sraffa não são esco­ lhidas ao acaso; são absolutam ente necessárias ao seu modelo. T al acontece com as duas hipóteses principais respeitantes ao salário. O salário é pago post factum , o u seja, após a obtenção do excedente e com p arte deste. N este sentido, esta hipótese diferencia-se no fundam ental da interpretação m arxista, se­ gundo a qual o salário corresponde a um avanço de capital e significa um a transform ação do dinheiro em capital-dinheiro. D e qualq u er m odo, colocar esta hipótese perm ite isolar a m assa salarial (Lw) dos meios de produção. N ão a considerar significa — a contrario — que o salário faz parte dos meios de produção. O ra, como o problem a central será analisar o efeito de um a variação do salário sobre os preços de produção, se não o isolarm os destes, tal quererá necessariamente dizer que os meios de pro d u ção se m odificam e, portanto, os mé­ todos de pro d u ção foram alterados. O ra o sistema de preços q u e estabelecem os corresponde a um e um só conjunto de m étodos de produção que supom os dado e estável, já que con­ sideram os dados os A ., B., etc. Se o salário varia, pelo me­ nos um m eio de produção tam bém se altera. A este novo conjunto de m étodos de produção corresponderá u m outro sistema de preços, independente do precedente. P ara analisar o efeito de um a variação de salário sobre os preços, é necessário, pois, considerar que os preços que se m odificam correspondem ao m esm o conjunto de m étodos de produção. A m odificação dos preços será, pois, deduzida de um sistem a de preços previam ente conhecido, correspondente, a um dado conjunto de m étodos de produção. O s novos pre­ ços não serão independentes dos anteriores, resultando a sua m odificação da alteração do salário. O salário não deve, pois, ser tom ado com o fazendo parte dos m étodos de produção, a fim de que a sua alteração não os m odifique. D everá ser iso­ lado e considerar-se-á com o pago post factum , sobre o exce­ dente. N ão se trata, pois, de um a hipótese neutra. É vital

MAEX E RICARDIANISMO

145

p ara o objectivo de Sraffa, ou seja, p a ra analisar e m edir os preços, quando a repartição dos rendim entos se m odifica. A segunda hipótese sobre os salários diz respeito aos bens não fundam entais (bens de luxo). Sraffa justifica — se bem que lev em en te— que, sendo o salário variável nos dias de hoje, a p arte correspondente à estrita subsistência perde o seu peso relativo e, deste modo, é possível, ao nível teórico, considerar que o salário é integralm ente form ado p o r bens de luxo ! T al como a anterior hipótese, esta é absolutam ente ne­ cessária a Sraffa. Com efeito, supunham os que os salários são compostos p o r bens fundam entais, como o fazem R icardo e M arx. Q ualq u er m odificação no preço destes bens compo­ nentes do salário influirá — por definição— nos preços dos outros bens fundam entais, que constituem os m eios de pro­ dução. Terem os então um a m odificação no lado esquerdo (os meios de p rodução), sem que seja necessário m odificar o salário re a l37. E, se supuserm os que o salário varia, a m odi­ ficação nos preços dos meios de p rodução resultará de um a dupla causa, a m odificação da repartição dos rendim entos e a m odificação dos preços. Será claram ente im possível isolar o efeito da variação da repartição dos rendim entos sobre os preços e, portanto, m edir estes últim os. Estas duas hipóteses são essenciais p ara o estudo de Sraffa. É o que vamos ver com m ais rigor, analisando o padrão invariável construído por ele.

D.

Quarta fase: O s efeitos de um a variação do salário sobre os preços

Os m étodos de produção n ão se m odificam , bem como as quantidades produzidas. O salário v a r ia 38. Propom o-nos analisar os efeitos desta variação sobre a taxa de lucro e sobre o preço das m ercadorias, ficando en ten d id o que a taxa de lucro se supõe sem pre idêntica em todos os ramos (hipótese de perequação das taxas).

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a)

SOBRE O VALOR — ELEMENTOS PARA UMA CRÍTICA

R am os com défice e ramos com excedente

As m ercadorias diferenciam -se um as das outras pelos m étodos de produção, que foi necessário utilizar para as pro­ duzir. A lgum as contêm m ais trabalho que o utras e inversa­ m ente. Como as m ercadorias necessárias à produção de outras m ercadorias contêm elas próprias diferentes quantidades de trab alh o em relação aos meios de produção, que tam bém é preciso p roduzir, o problem a adquire um a aparente com ple­ xidade que podem os rep resen tar esquem aticam ente: M ercadoria A

M ercadoria B

A taxa de lucro é, p o r suposição, a m esm a em todos os ram os. Após um a variação no salário, a taxa de lucro elevar-se-á o u baixará. D ado que as m ercadorias contêm diferentes qu antidades de trab alh o proporcionalm ente aos respectivos meios de produção, o mesm o se verificando para estes últi­ mos (são, na realidade, m ercadorias, m as vistas sob o lado input), a m anutenção de um a taxa de lucro igual em todos os ram os exigirá um a adaptação dos preços das m ercadorias. Com efeito, considerem os um caso simples. D uas m erca­ dorias, A e B, carecem , p ara a sua produção, de diferentes quantidades de trabalho, em relação aos seus meios de pro­ dução. A redução do salário perm ite um a redução da taxa de lucro, m as, afectando Lw , ela req u er p a ra os lucros um a frac­ ção do excedente proporcional à quantidade de trabalho (L) em cada ram o. U m a vez que estas quantidades de trabalho são diferentes, os lucros suplem entares supervenientes tam ­ bém o serão. As taxas de lucro finais não serão necessaria­ m ente iguais. O s ram os com u m a fo rte percentagem d e tra ­

MARX E RICARDIANISMO

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balho verão as respectivas taxas de lucro elevar-ise e inver­ sam ente. P ara que as taxas de lucro sejam iguais, é preciso que o preço das m ercadorias, que contêm m uito trabalho, baixe (ramos com excedente) e que, inversam ente, o preço das m ercadorias, incorporando pouco trabalho, se eleve (ramos com défice). As taxas de lucro poderão então ser iguais e os ram os com défice poderão rem unerar os seus meios de pro­ dução à taxa uniform e de lucro, graças ao decréscimo dos preços das m ercadorias dos ram os excedentários. D estacam os, portanto, dois efeitos de um a baixa do salário:

dw -l

\

1) dpe t 2) dpd i

Como as m ercadorias se trocam p o r m ercadorias, é difí­ cil sab er se, a seguir a um a variação do salário, a m odifica­ ção do preço relativo (preço da m ercadoria A em relação à m ercadoria B) resulta em p articu lar de um a m odificação no preço da m ercadoria A ou da m ercadoria B. T orna-se, pois, necessário possuir um num erário que possa ser um padrão invariável de valores. A penas um num erário com a qualidade de ser insensível a um a variação do salário perm itirá m edir o efeito de um a m odificação da repartição dos rendim entos sobre o preço desta ou daquela m ercadoria. Este p ad rão é tanto m ais necessário q uanto é igualm ente preciso te r em conta os efeitos de urna variação do salário sobre os preços das m ercadorias inputs, sobre o p reço das m ercadorias inputs necessárias p ara produzir esses inputs, etc. R esulta desta consideração dos inputs que um ram o aparen­ tem ente com féfice poderia utilizar meios de produção com ­ postos de inputs pertencentes a ram os excedentários, os quais poderiam perfeitam ente pertencer a ram os deficitários, etc. Pode-se facilm ente conceber que, em função destas pro p o r­ ções diversas en tre trab alh o e meios de p rodução, afectando tanto os inputs com o os inputs destes inputs (e assim sucessi­ vam ente), o preço relativo de duas m ercadorias pode variar em sentido oposto ao que seria de esperar, observando apenas

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SOBRE O VALOR — ELEMENTOS PARA TIMA CRÍTICA

as proporções aparentes entre trabalho e meios de produção. A necessidade de o b ter um pad rão capaz de m edir o efeito total de um a variação do salário sobre os preços é, portanto, absolutam ente im prescindível. Este padrão será o novo nume­ rário.

Nota: A igualização das taxas de lucro desem penha um papel fundam ental. D aí resulta que, em função da existência de ram os com excedente e de outros com défice, haja redu­ ções ou elevações de preço. A necessidade de um padrão in­ variável de valores é fruto d a necessidade de m edir estas elevações e reduções. Ora não se põe a questão de saber por que processos as taxas de lucro se igualam. Supõe-se que são iguais, p ara qualq u er nível da taxa. Poder-se-ia dem onstrar que o m odelo de Sraffa não pode explicar esta igualização. Não podem os passar de um sistem a no qual as taxas de lucro seriam diferentes (sem atender a que é problem ático cons­ tru ir um pad rão invariável de valores neste caso) p a ra um sistem a em que as taxas de lucro são iguais, pois que a con­ corrência significa que as quantidades produzidas se m odi­ ficam e que, neste caso, estam os em presença de dois siste­ mas diferentes, cada um com seu padrão, não podendo, por­ tanto, ser com parados. Eis a razão pela qual a igualização das taxas de lucro é um dado e existe urna recusa em forne­ cer qualquer elemento explicativo. R eside aqui um a .séria lim itação aos trabalhos de Sraffa. b) A construção de um padrão invariável de valores: O que acabam os de dizer im plica que este padrão deve possuir um a qualidade p articular. È preciso que a proporção entre trab a­ lho e meios de produção seja ta l que não haja défice nem excedente; caso contrário, verificar-se-ia um a m odificação no seu preço. É igualm ente necessário, e p o r idêntica razão, que esta proporção de equilíbrio (cham ada tam bém «crítica») seja respeitada a m ontante em todas as sucessivas fases e no tocante aos meios de produção. Como não é fácil crer que exista um a m ercadoria tendo estas qualidades, é necessário i construi-la. E sta m ercadoria será com posta (daí o nom e de «m erca­ doria com posta») de um conjunto de outras, em proporções

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a determ inar. O sistem a, que perm ite o b ter esta m ercadoria com posta, chama-se sistema padrão. É extraído do sistema concreto. As m odalidades da sua construção são sim ples. Esco­ lhem-se fracções das equações 'do sistema real, de tal m odo que o sistema padrão utilize as m ercadorias inputs nas m es­ mas proporções que os produtos que são o b tid o s39. Como a redução, a p a rtir do sistema real, significa que o conjunto do trabalho não é utilizado, m ultiplica-se o sistem a obtido por um m ultiplicador, de tal m odo que o conjunto do trabalho seja aplicado. O sistem a obtido é o sistem a padrão. O produto líquido (ou rendim ento nacional) deste sistem a pode agora servir de unidade da m ercadoria padrão, um a vez que ele tem as mesmas qualidades que o sistema padrão. O produto líquido padrão serve, po rtan to , de n u m e rá rio 40. Q uando o salário — m edido em bem padrão — se eleva, as m ercadorias (incluídas no sistema padrão), que contêm pouco trabalho, vêem o seu preço descer, e inversam ente. M as a construção proporcional do sistem a padrão im plica necessariam ente que as m odificações se com pensem . Q preço da m ercadoria com posta padrão não se m odifica. D esta construção podem os deduzir duas consequências: — A relação entre o produto líquido e os m eios de pro­ dução (relação padrão) é sem pre constante, p ara qualquer variação do salário. T rata-se aqui de um a diferença funda­ m ental do sistem a real, dado que neste um a variação do salário afectava directam ente os preços dos meios de pro d u ­ ção e do p roduto líquido, sem q u e pudéssem os saber se o num erador variava mais ou menos que o denom inador. A va­ riação do salário não agia sobre a relação padrão, dado que tanto o n um erador como o denom inador, se bem que cada um seja com posto p o r m ercadorias heterogéneas, são, de facto, quantidades da m esm a m ercadoria com posta. N ão há, por­ tanto, necessidade de os converter em preços, a fim de os com parar e, se acaso efectuássemos esta conversão m ultipli­ cando cada um a das m ercadorias sim ples pelo seu preço, a relação, em term os de preço, seria a m esm a que em term os de quantidades. É independente de qualq u er m odificação na repartição dos rendim entos.

150

SOBRE O VALOE — ELEMENTOS PARA UMA CRÍTICA

— Podem os estabelecer agora um a relação linear entre o salário e a taxa de lucro, am bos expressos em um bem p ad rão . Seja, pois, R a relação padrão. Esta relação é igual ao p ro d u to líquido S sobre os m eios de produção (M ). A taxa de lucro r é igual ao lucro (P), sobre os m eios de produção, P /M o u seja, P /M . Poderem os escrever -------= P /S ou ainda S /M r P /S = — . Como o p roduto líquido S é tom ado com o uniR dade, temos P = 1 — w , onde w representa a parte dos salá­ rios. Terem os, p o rtan to , a relação: r / R = 1 — w ou seja r = R (1 — w) A relação entre a taxa de lucro e a p arte dos salários é, pois, linear, no âm bito do -sistema p a d rã o 41. Esta relação é independente das m udanças de preço p o r razões análogas às desenvolvidas anteriorm ente. «A taxa de lucro n o sistem a p ad rão aparece assim como- um a relação entre quantidades de m ercadorias, sem consideração dos respectivos p re ç o s.42» Estas duas conclusões constituem a pedra angular do ataque neocam bridgeano con tra o sistem a neoclássico. M os­ tram que não é possível estabelecer um a relação linear entre o salário e a taxa de lucro, que não é possível o b te r uma taxa de lucro independente dos preços, logo, de um a variável da repartição, a m enos que se considere como num erário o produto líquido padrão. O ra, a escolha de tal num erário ne­ cessita que se construa o sistema padrão e consequentem ente que seja dada um a variável da repartição. Sem elhante esco­ lha conduz, no entanto, à negação do próprio objecto da teoria do valor neoclássica, um a vez que esta assume como objectivo a determ inação tanto da taxa de salário como da taxa de lucro. D aí que a determ inação da repartição dos ren­ dim entos, segundo as leis neoclássicas, ¡caia necessariam ente num am ontoado de incoerências, como vimos atrás. ¡c) A aplicação do sistem a real: O sistem a real dá origem ao sistem a p ad rão . Este encontra a raiz no sistem a real tal

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como o definim os. O s dois sistemas com preendem as mesmas equações fundam entais, variando apenas as proporções. A re­ lação r = R (1 — w), que obtivem os p ara o sistema padrão, é, pois, necessariam ente válida p ara o sistem a real, na condi­ ção de o salário perm anecer expresso em m ercadoria padrão. P or outras palavras: a taxa de lucro r será idêntica em ambos os sistemas, q u er seja expressa como um a relação q u an tita­ tiva no sistem a padrão o u em valor n o sistem a real, sendo o salário expresso n o bem padrão. U m exem plo num érico e um esquem a vão-nos perm itir colocar em m aior relevo esta correspondência en tre os dois sistem as. Os dois são diferentes, se bem que um seja um a em anação do outro. N um , as proporções, en tre os produtos e os factores, são tais, que a relação padrão (produto líquido sobre meios de produção) perm anece constante, qu alq u er que seja a m odificação no salário. N o sistem a real, a relação, entre o pro d u to líquido e os m eios de prod u ção , não pode ser constante. Se supuserm os que a relação padrão é de 20 p o r cento e que a p arte do rendim ento líquido (ou produto líquido) p ad rão é de três quartos, a taxa de lucro é de 5 p o r cento. Se deduzirm os do sistem a real o equivalente dos salários no rendim ento líquido padrão, a p a rte dos lucros, que resta nos dois casos, n ão pod erá corresponder e não poderá originar a m esm a taxa de lucro, dado que num caso a relação, entre o produto líquido e os meios de produção, é constante e no outro não o é. N ão poderem os, pois, ter 5 por cen to como taxa de lucro n o sistem a re a l... a m enos que os preços do sistem a real possam v ariar de tal m odo que as m ercadorias que constituem esta relação sejam expressas em m ercadoria padrão (o num erário).

1

w rendim ento líq u id o padrão

V

w

PREÇO

4--------------------------- > PREÇO

rendim ento real

152

SOBRE O VALOR — ELEMENTOS PARA UMA CRÍTICA

Basta, pois, que os lucros, no sistema real, sejam expres­ sos em preços tais, que o valor destes lucros, sobre o valor dos meios de produção, conduza a um a taxa de lucro de 5 por cento. R esum am os: a relação linear, en tre o salário e a taxa de lucro não é válida n o sistem a real. É-o, no entanto, no sistema padrão. P ara que ela seja igualm ente válida no sistema real, é necessário que o salário seja expresso em m ercadoria p a d r ã o 43 e, deste m odo, que o num erário seja este pad rão específico. Se o salário v ariar, podem os agora m edir com facilidade o efeito desta alteração sobre os preços de produção das m er­ cadorias. Suponham os que o salário aum enta. A taxa de lucro b aixará, segundo a relação linear anteriorm ente esta­ belecida. E sta redução da taxa de lucro, acom panhada pela sua perequação em todos os ram os da produção, exigirá um a m odificação nos preços de produção expressos no bem padrão. Com o, por construção, o bem pad rão é um a m edida invariá­ vel de valores, pode-se deduzir que esta m odificação dos pre­ ços de produção tem como ú n ica origem a variação dos salários. Finalm ente, se encontrám os um p ad rão invariável de valores e podem os m edir o efeito de um a variação da rep ar­ tição dos rendim entos sobre o preço de produção, é neces­ sário que construam os o sistem a p adrão, sendo esta operação assaz com plexa. O objectivo da fase seguinte será precisa^ m ente analisar as condições, que perm item evitar esta cons­ trução.

E.

Q uinta fase: E m busca de u m novo padrão que perm ita evitar a construção do sistem a padrão

A relação, que acabam os de estabelecer, é fundam ental. Ela indica — a contrario — que, se for verificada no sis­ tem a real, então os preços das m ercadorias e do salário serão necessariam ente expressos em bem padrão. V ai perm itir-nos m edir os preços, sem que seja preciso recorrerm os à constru­

MARX E RICARDIANISMO

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ção do sistema p adrão. Pode-se com efeito estabelecer esta relação de o u tra m aneira, ou seja: r = R (1 — w)

(r — R) Supõe-se que L, trabalho gasto num ano, é igual à uni1

dade. O lado esquerdo — é p o rtan to igual a 1 /w L . Exw prim e, segundo Sraffa, em bora os term os nos apareçam m al escolhidos, a « quantidade de trabalho, que se pode com prar com o produto líquido padrão». É fácil verificar que esta quantidade de trabalho é variável. Aumenta, quando o salá­ rio baixa e cresce quando cresce a taxa de lucro. Esta q u an ­ tidade variável de trabalho pode constituir um a nova unidade de m edida. Os preços podem , pois, ser expressos em term os de quantidade variável de trabalho, em vez de o serem em produto líquido padrão. A vantagem desta nova definição é que ela constitui a prim eira fase n o sentido de exprim ir os preços num padrão invariável de valor, sem que tenhamos que construir o sistema padrão. T rata-se precisam ente de um a pri­ m eira fase. Para conhecer a quantidade variável de trabalho é preciso conhecer o salário. O ra, este é expresso em m erca­ doria padrão, ou seja, em produto líquido padrão. P ara evitar totalm ente a construção do sistema padrão, deve-se modificar um a das hipóteses do modelo respeitantes ao salário. Vamos supor tam bém que o salário deixa de ser variável indepen­ dente. A taxa de lucro torna-se então a variável independente, dado que o m odelo deve necessariam ente ser «aberto» para um a variável da repartição. Irem os supor, portanto, que a taxa de lucro é dadaH, m esmo antes de os preços serem fixados. O btem os um num erário que substitui as funções do bem padrão, em virtude da relação que estabelecem os. Este num e­ rário é a quantidade variável de trabalho. N ão tem os neces­ sidade de construir o sistem a p adrão, na condição todavia de considerarm os a taxa de lucro como variável independente.

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SOBRE O VALOR— - ELEMENTOS PARA UMA CRÍTICA

D esta construção podem os deduzir que a quantidade de tra­ balho assum irá um valor unitário, quando a taxa de lucro for nula e um valor infinito, quando a taxa de lucro tender p ara R (excedente sobre meios de produção). Podem os, desde logo, dem onstrar facilm ente que os preços das m ercadorias, expressos neste novo p ad rão , correspondem à quantidade de trabalho gasta no passado e actualm ente, p ara p ro duzir estas m ercadorias, quando a taxa de lucro for nula. É sobre este ponto q u e nos iremos d ebruçar em seguida. a)

A «redução» a quantidades de trabalho de períodos diferentes

O salário e os preços são expressos na m ercadoria padrão. Sabemos que a equação de preço de um a m ercadoria se pode escrever da seguinte m aneira: (A aPa + BaPb +

+ K aPk> (1 + f) + LaW = A Pa

Podem os considerar que os inputs A, B ... K, necessários à produção de A, são igualm ente produzidos, num período anterior, p o r meios de produção e trabalho. O mesmo se passa com estes meios de produção, etc. Podem os, desta form a, substitu ir A, B, K pelas suas respectivas equações, procedendo de igual m odo oom os meios de produção e assim sucessiva­ m ente. O ra, a m ercadoria input A foi produzida com o auxí­ lio de trabalho e de m ercadorias. Mas este trabalho e estas m ercadorias foram gastos no período anterior. É necessário, pois, actualizá-los, m ediante a aplicação de (1 + r)2. A m er­ cadoria in p u t A será, po rtan to , substituída por: procurado, quando w O sa lá rio é, p o rta n to , u n icam en te u m a varia; se esta s hipó­ teses su plem entares v a riá v e l da re p a r­ não fo ssem resp eita­ tição, e não áa das: os m eios de pro­ produção. dução alterar-se-iam , — Ê constituído por seria im p ossível isobens de luxo.

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SOBRE O VALOR — ELEMENTOS PARA UMA CRÍTICA

Hriapcóitoecsienisose

supHliepmóteensteasres

Cesotnasseqnuoêvnacsiahsipnóotesceassonãdoe sesnetriedmo rdeasspeciotnacdlaussõees lar o efeito da varia­ ção da repartição sobre os p reços e, portanto, m edir estes últim os. Im p ossib ili­ dade p ois de cons­ truir um padrão in­ v ariável de valores.

2. E sco lh er um ou ­ III. A g én ese d a peretro num erário. quação não é expli­ (Construir um p a ­ cada. P a r a cada v a ­ drão in variável de riação do salário, valores. esta perequação rep roduz-se in sta n ta ­ n eam ente. 3. P o d e-se d eixar de IV. São c o n f u n d i d o s calcular o siste m a preço de produção e padrão, se se e s­ valor. colher com o p a ­ drão a quantidade variá v el que o produto l í q u i d o p erm ite comprar, e, se considerar­ m o s r com o v a ­ riável independen­ te, restan d o w co­ m o variável de­ pendente. 4. C álculo dos p re­ V. [Desaparecim ento d as ços d e produção, p o s s i b i l i ã a d e s de com o som a d e tr a ­ ex istên cia da explo­ balho p assado e ração. A teoria do v alor teria como actualizado. exclu sivo cam po de validade as so cied a ­ des p rim itivas.

MARX E RICARDIANISMO

165

N otas 1 E sta s críticas con sistiam em dem onstrar a co n tra rio que o ipreço de u m a m ercadoria era função da sua escassez, logo da utilidade m arginal. R ecordem os que, para os m arxistas, um a «obra-prima» não é um a m ercadoria um a v ez qu e não é repro­ d u tív e l— m as sim um ,hem. 2 A crítica destes ú ltim os será feita no capitulo 2. i O cap ital dirige-se de sectores de baixa com posição or­ g ân ica -para secto res de com posição orgân ica m ais elevada. 4 Term os que definirem os em seguida, razão p e la qual os colocam os entre parênteses. s M arx u tiliza igu alm en te a expressão «m etam orfose» 'do valor em preço de produção. V erem os m ais tarde que ela tem a sua im portância e que não é por acaso que os críticos de M arx a escam otearam . P ara serm os m ais concretos, deveríam os a crescen tar um p on to que todos o s que expõem p osições de M arx om item , ou seja, que os d iferentes períodos de rotação dos diver­ sos cap itais conduzem igu alm en te a esta transform ação. 6 A exploração não provém do fa cto de c a p ita ú sta s se apropriarem de todo o produto líquido (de am ortizações) ou de um a fracção, ainda que su b stan cial, deste. A exploração não resu lta de um a m á distribuição (m á em relação a que norm a ? ), m as do fa c to de a m ercadoria força de trabalho, com prada pelo seu valor, ise transform ar -na esfera de produção em cap ital v a riá v e l, ou seja, por criar um v a lo r superior ao que custou. ^ R ecordem os ainda um a v ez que apresentam os aqui a s h ip óteses de Marx, tal com o a s concebem a -maior -parte dos seu s com entadores (essen cialm en te -ricardianos e n eo clá ssica s). A validade destas h ip óteses será discutida no cap ítu lo 2. P or a g o ra lim itam o-n os a eceitá-las. s M ercadoria — D inheiro — M ercadoria. 9 M ercadoria —-M ercadoria. 10 P or ex. M edio, P r o fit e t p lu s-v a lu e : a p p a ren ce e t ré a ­ lité dan s la produ ction c a p ita liste , 1972. Trad. fra n cesa em P ro ­ blém atiqu e de la croissan ce, Econo-mic-a, 1974, vol. 2. 11 P. A. S am uelson, «Pour com prendre le concept m arxien d ’exploitation: un résum é du prétendu de la -transform ation en tre valeurs -marxiennes e t p rix concurrentiels», ./. 1971, publicado tam bém em P ro b lé m a tiq u e s..., op. cit., p. ,214. -Cf. tam ­ bém B r o n f e n b r e n n e r : «E les [-preços e va lo res] ajusta-m-se no ¡mercado para estabelecer um a ta x a -de lucro de equilíbrio» («D as K a p ita l» pou r l’hom m e m o d ern e, Science & ¡Society, 1965, -também -oublicado em P ro b lém a tiq u es ..., p. 8). Igu alm en te em B aum ol «The T ran sform ation o f V alues: W hat M arx really m eant (an In terp rétation )», M arço d e 1974, p. 53, etc. E ncontram os id ên tica p osição em m arxistas com o S w eezy: «To-dos os ca p ita lista s preferem consagrar-se à •produção de b en s de salário- i(-sector il, ta x a d e lucro '60 por

E.L.,

J.E.L.,

SOBRE O VALOR — ELEMENTOS PARA UMA CRÍTICA

164

.cento) p ara ben eficiarem de m a is a lta s ta x a s de lucro, e u m a ta l ©m igração de capital de um as in d ú strias p a ra a s ou tras transform ará o esq u em a in icial. P od e definir-se a situ a çã o de equilíbrio como sendo aq u ela -que assegu ra a ig u a liza çã o d as ta x a s de lucro» ( The T h eo ry of C a p ita list D e ve lo p m e n t, iMonthly ¡Revíew, 1942); de ig u a l m odo em M eek, etc., o m e sm o em D avid Y a f f é : «E sta s diversas ta x a s de lucro u n iform izam -se sob o efeito da concorrência num a ta x a geral de lucro» (in C ritiq u es de l’E con om ie P olitiq u e, n.° 20). E sta p osição comum, m uito con­ testá v el, sob re a s causas da perequação será discutida m a is adiante. 12 «A grégation in L eo n tieff M atrix and th e Labour T heory o f V alue», E co n o m étrica , 1961. 13 P a ra operar esta transform ação, n ã o é n ecessário p res­ suporm os a reprodução sim ples, como nos pudem os aperceber. M P . A . S a m u elso n , op. cit., p. .221. is p . A . SAMUELSON, «'Insight and D étou r in th e T heory o f E xploitation . A R ep ly to B aum ol», J. E . L ., 1974, p. 63. 16 O próprio M arx tin h a reconhecido que, n e ste ponto, havia um problem a, m as concluíra, com o verem os ad ian te, que ele não tin h a im portância. 17 R ecordem os m a is um a v e z que o sig n ifica d o económ ico deste m odelo é que, p or exem plo, a som a dos ca p ita is va riá v eis (V( + V2 + V ,) é equivalente à produção do secto r II, sem que tenha sido n ecessário introduzir a moeda. E sta m o s claram ente em p resença de u m a tro c a de tino' M — 'M e não do tipo M — D — M. is A crescentem os que esta com posição orgân ica m éd ia deve e la própria tam bém ter um csrto «valor». .Com efeito, o to ta l dos preços é igu a l a xW , + y W 2 + W , = x>';C H-y^jV + ^ P L , e o total dos valores é ig u a l a ^ C + ^ V + ÿ P l. P a r a que ambos correspondam e a ssim seja v erifica d a a segunda condição de M arx, é n ecessário q ue -%C + ^ V = x ^ C + y £ V , donde ------ =

Sv y



i

1 ---X « E a razão p ela qual W in tern ítz suporá a igualdade som a d os valores = som a dos preços de produção, o que B ortk iew icz não faz. Mas, ta l como B ortk iew icz, ser-lhe-á n ecessá ria um a condição especial (a m esm a que a B o rtk iew icz) para que a so m a d as m a is-v a lia s corresponda à dos lucros. E s ta condição é

y —l

que a com posição orgân ica do siste m a se ja ig u a l a ----------. 1— x Cf. «V alues and P rices: a Solution of th e so -ca lled T ran sform a­ tio n Problem », E co. Jour., 1948.

MARX E RICARDIANISMO

165

20 O que d istin gu e e ste esquem a d o m odelo d e equilibrio geral neoclássico é que, por um lado, não considera fa cto r e s de produção, m a s sim m ercadorias (Cj, Vj, etc.), contribuindo para a produção de ou tras m ercadorias — e s ta s são, pois, con­ sideradas com o in p u ts — e, por outro, o m odelo é restrin gid o a três ¡bens correspondentes ao¡s tr ê s secto res e não a um a v a rie­ dade de bens. 21 é um tipo de prob lem ática ¡sem elhante que conduz ¡os n eoclássicos a escrever abusivam ente: «O sistem a de ¡Marx pode se r fá cilm en te transform ado num siste m a w airasian o de equi­ librio geral» (B ronfenbrener , op. cit., p. 3 ); de ig u a l modo, Sam uelson por v a r ia s v ezes ( esquecendo que, m esm o com esta s hipóteses, não s e tra ta de um m odelo d e optim ização de recursos esca sso s), efectu a este tip o de apreciação.

22

I>.

YAFFÉ,

O p. CÜ .

23 D . J. H arris, «A propos du sch ém a d’accum ulation et de raprodution de ¡Marx», J. E. L ., J u lh o de 1972; in P ro b lém a tiq u e ..., op. c it., p. 53. 24 o que im plica a com preensão esp ecífic a do que é e fe c ­ tivam ente, um a m ercadoria. 25 E fá c il dem onstrar e s ta proposição. S e considerarm os as d u as prim eiras equações: (xCj + yV j) i( l + ¡r’) = xW , i( x!C2

+ y V ,) ¡(1 + r’) = y W ,

podem os isolar y n a prim eira: x¡(C, (1 + r’> —>W[) y

=

-

.................................. ................ ..........................

V, i ( l + r’) xC , (1 + r1) e y n a segunda: y = — -------------- —•—— W , — V , (1 + r’) C j i d + d ’) — Wj C, 1( 1+ r’) donde ------ —•—•—-—*------ = — — --------------------Y, ¡(1 + 1’ )' W , — V 2 ( l + r’) Tem os, portanto, um a equação do segundo grau com um a in cógn ita r’. A ta x a ¡de lucro pode, pois, se r deduzida a partir apenas d estas duas equações. E la depende som en te do cap ital awançado nos d ois prim eiros secto res e d a ta x a de exploração. 2« E m M arx, qualquer a lteração nos m étodos de produção verificad a n este sector, a fe c ta a ta x a de lucro, m as não a fecta o valor da fo rça de trabalho (não ¡existe m a is-v a lia rela tiv a ), na m edida em que e sta s m ercadorias1 ¡(sendo de lu xo) n ão en tram

SOBRE O VALOR — ELEMENTOS PARA UMA CRÍTICA

166

com o elem ento reprodutor da fo rç a de trab alh o e são exclusi­ v am ente ¡compradas peio,s capitalistas. 27 A su b stan cia do valor nao será o trabalho abstracto, m as, sim , o peso, o com p rim en to... E in teressa n te n o ta r como um 'esquema que se presum e em valor, em unidade de trabalho — s e bem que n a realidade e ste ja expresso em v alor de troca (com o v erem o s), ou seja , em quantidade de eq u iv a le n te— pode a ssim ser tran sp osto p a ra um outro em term os d e p esos, etc. O problem a 'é sab er se esta h ipótese resp eitan te ao esquem a em v alor ¡é correcta ou não, s e é n ecessário p artir d a s unidades de trabalho ou dos p reços m onetários. ¡C¡f. su pra. 28 A cerca d este ponto, v er se c çã o 2. 29 D. ¡Ricardo, P rin c ip e s d e l’écono = Kp

a a

k a

a b k b

a k

k k

)■ i(.l + r) = Ap

a k

Os in p u ts m u ltip licad os p elos resp ectivos preços são fa cto exced en te ires de (1 + r ), p ois que p ara a 1.“ linha r = ---------— — ---------- = valor d o s inxputs Ap — A p — B p — K p a

a a

A p

+ B p

a b

a k

■= —.— ------1------ --------———i—1. Ë um a form ulação a n á lo g a à a a

a b

+ ... + K p

a k

que tínham os, quando considerám os o v alor p ara Marx, ¡M = (C + V ) '(I + r ). 33 Inversam en te, o s preços dos p ro d u to s fu n d a m en ta is actuam sobre o s preços dos m eios de produção, ao m esm o tem po que dependem deles. 34 P a rece ex istir aqui um a d ivergên cia em relação à an á­ lise de R icardo. P a r a este, a ta x a de lucro depende das condi-

MAKX E KICARDIANISMO

167

ções directas ou ind irectas ex isten tes n a produção d as m erca­ dorias, que icompõem o salário. E sta divergência é apenas a p a ­ rente. E m R icardo, os íbens de salário são produtos fundam en­ tais. A ta x a de lucro não depende das condições de produção dos produtos de luxo. O m esm o se v erifica em ¡Sraffa, e é por este últim o considerar que os bens de sa lá rio sã o b ens d e luxo (não fu n d am en tais) que a ta x a de lucro n ã o é directam en te in flu en ciad a p ela s a ltera çõ es n o s m étodos de produção d estes bens. 35 T erem os im ed iatam en te o se g u in te sistem a: (A p

a a

(A p k

+ B p

+ ... K p ) 1(1 + r ) + Li w — Ap

+ B p

+ ... K p ) 1(1 + r ) + L w = Kp

a b

a

k

a k

b

k k

a

k

a

, k

•Supomos q u e o trab alh o é uniform e e a ta x a de salários única. Cada ram o u tiliza um a dada p ercen ta g em de trabalho. T odo o trabalho é utilizado. T em os portan to L + B + . . . L. = 1. a

b

k

36 E sta equação pode -escrever-se do segu in te modo: [A — (S A )] p i a

+ [ 0 — ,( V B ) ] p + ... [ K — ( t K ) ] p i b i k

=1.

37 N a m edida em qu e devem os supor que a s m esm a s quan­ tidades d e m eios de su b sistên cia sã o devolvidas aos trab alh a­ dores. 38 Send o o sa lá rio pago p o s t fa ctu m , su p õe-se que ele con stitu i um a fracção do rendim ento nacional. D ado qu e se partiu da hipótese que este era ig u a l a 1, o salário poderá variar de 0' a 1 (ta x a de lucro n u la). 39 S e A , B ... K sã o a s quantidades de m ercadorias funi i i d am en tais consideradas, enquanto in p u ts, e se A, B, C sã o as m esm as m ercadorias consideradas, enquanto produtos, é n eces­ sário que: k

2

------A : t B : . . . t K i= l

1

i

= A : B: ... : K i

40 O produto líquido padrão é o num erário e tem os, por­ tanto, n + 1 equações e n + 2 in cógn itas (ta x a s de lucro e de sa lá rio ). T al como n a terceira fa se, basta que tom em os um a variável da repartição, n este caso o salário, com o bem padrão para determ inarm os o sistem a padrão. 41 V oltando a considerar Sraffa, pode-se diaer que, s e a p arte dos salários é de três quartos do produto líquido padrão

168

SOBRE O VALOR — ELEMENTOS PARA TJMA CRÍTICA

S e a relação padrão é R = — = 2 0 %, a ta x a de lucro é igu al 3.1 a 5 %. 42 P . SR A F F A , o p . Cit., p. 28. 43 ¡Sendo o bem padrão — recordem os — o produto líquido. 44 Poderia, segundo S raffa, se r determ inado p elo n ív el da ta x a m on etária de juro. 45 B a sta calcular a d iferença de preços de duas m ercado­ rias. E s ta diferença corresponde à diferença das suas resp ectiv a s equações. D epende, pois, da ta x a de lucro. Ei su ficien te, portanto, calcu lar para que ta x a s de lucro esta diferença se anula. 46 Gf. su pra. P od em os a crescen ta r — se bem que n ão ti­ v éssem o s an alisad o as su as te o r ia s — - que esta co n clu sã o cons­ titu i igualm en te u m a crítica d e fundo às te n ta tiv a s de Bõhrn-B aw erk e de W ikisell p a ra m edirem o cap ital p elo «período de produção». 47 Os term os entre p arên teses serão d iscu tid os e aprofun­ dados com m aior precisão no capítulo segu in te. 48 P oderíam os m esm o a crescen tar que a p a ssa g em dos v alores aos preços de produção forn ece u m a d a s ch a ves, que p erm item com preender o fundam ento d e c la sse dos cap italistas, contrariam ente à s a sserçõ es de certos m a rx ista s. N e s te ponto, M arx é b astan te claro. Cf. supra. 49 é com intenção p articu lar que u tilizam os a expressão trabalho e não fo rça d e trabalho, dado que os ricardianos utili­ zam a prim eira. R ecordem os que é a introdução d e sta segunda n oção que irá perm itir explicar o m istério d a m a is-v a lia em M arx. É devido ao fa c to de esta noção se r ignorada p or R icardo que eie não pôde explicar de form a coerente a g én ese do lucro. só N ão se encontra este tipo de raciocínio em R icardo. Segundo este, o v alor relativo das m ercadorias ap en as corres­ ponde à quantidade de trabalho despendido, n o ca so de não existirem cap itais fix o s. A introdução d estes v em p ôr problem as e exige que s e procure um padrão. M as nunca R icardo con si­ dera que a ta x a de lucro p ossa ser nula. P od e variar, nom eada­ m en te ap ós um a a lteração no salário, m a s não pode torn ar-se nula.

2 . PARA UMA INTERPRETAÇÃO, QUE PERMITA COMPREENDER O PROCESSO DE ACUMULAÇÃO E AS SUAS CONTRADIÇÕES

Até este momento, são simples as conclusões que pode­ mos extrair: se aceitarmos as hipóteses de partida, a teoria da exploração ou é falsa ou não pertinente e, consequente­ mente, a teoria do valor é inútil. Estas conclusões são importantes. Resultam de hipóteses de base atribuídas a Marx. Constituem, portanto, uma crítica interna pertinente se e só se as hipóteses, que lhes são subja­ centes, se identificarem efectivamente com as de Marx. Caso tal não se verifique, elas não poderão constituir uma crítica in­ terna das conclusões de Marx acerca da exploração e do valor. Poderiam, quando muito, ser o resultado de um corpo teórico diferente do de Marx, cuja validade e pertinência poderiam ser opostas a este. Neste sentido, de falsa crítica interna, elas poderiam transformar-se em crítica externa. Mas a validade desta .crítica externa depende da validade e da pertinência das hipóteses de partida em que se baseiam estas conclusões. Assim, qualquer que seja a óptica considerada — crítica interna ou crítica ex tern a— é necessário que nos debruce­ mos sobre as hipóteses de que partimos e as discutamos. É o que iremos fazer na primeira secção. Uma vez levada a cabo esta discussão, estaremos abali­ zados a ajuizar se os erros atribuídos a Marx são efectiva­ mente erros. Poderemos então propor uma outra interpreta­ ção da transformação dos valores em preços de produção. iNão consideramos a obra de Marx como se de a Bíblia se tratasse. Para nós, o problema reside em saber se o traba­ lho de Marx nos ajuda a compreender o movimento do capi­ tal, a reprodução das relações sociais e as contradições que

170

SOBRE' O VALOR— -ELEMENTOS PARA UMA CRÍTICA

daí advêm ! A validade do pensamento- marxista baseia-se precisamente nesta capacidade de compreender o real. Dentro deste -capítulo, mostraremos que os preços de produção expri­ mem, -com efeit-o, a lei -do valor, no quadro do modo de pro­ dução capitalista. Será este o objectivo da -segunda secção. Secção

1.

Crítica das hipóteses atribuídas a M arx

A crítica feita a Marx é ricardiana. Certos comentado­ res reconhecem-no. É o que se passa com Samuel-son, quando escrev-e: «O meu ponto de partida na discussão não é neo­ clássico. Era sraffiano, -ou, por outras palavras, pré-marxista. *» De forma semelhante, afirma Schumpeter: «Para -compreender verdadeiramente a sua doutrina económica, é, antes do mai-s, necessário que nos apercebamos de que ele era, como teórico, um aluno de R icardo... A sua doutrina do valor é a de R icardo... Os argumentos de Marx são apenas menos corteses, mais prolixos e mais «filosóficos», no pior sentido do term o.2» iSupóe-se que a teoria do valor de Marx é, portanto, equivalente à de Ricardo e é da formalização da tese de Ricardo, que se -extrai a negação- da teoria do valor e da exploração. Esta interpretação da teoria do valor de Marx é com­ partilhada por numerosos marxistas. Segundo Dobb, por exemplo, «a diferença essencial entre Marx e a economia polí­ tica clássica reside na teoria da mais-valia3». Marx prolonga­ ria, pois, o trabalho de Ricardo e torná-lo-ia mais coerente, distinguindo o trabalho da força de trabalho. Não -existiriam duas concepções fundamentalmente distintas do valor para estes dois autores. Outros autores marxistas admitem a validade das críti­ cas ricardianas dirigidas a Marx, mas rejeitam as suas con­ sequências. Para alguns (Cartelier, etc.), a teoria dos preços de produção não abarcaria a da exploração, o que permite concluir que a t-eoria dos preços de produção, que emana dos trabalhos neocambridgeanos, não poderia constituir um a crí­ tica da teoria da exploração e do valor de Marx. Para outros (Bernetti, etc.), os «campos teóricos» (nível de abstracção) do valor e dos preços de produção seriam de tal modo distin-

PARA UMA INTERPRETAÇÃO

171

tos que seria errado pretender operar a transformação dos valores em preços. Não se pode, pois, concluir da teoria dos preços de produção a negação ou não pertinência da teoria do valor e da exploração. «Pareceu-nos que a supressão do problema da transformação é a própria consequência do con­ texto lógico, no qual estão inseridos os conceitos de valor e preço. Mais precisamente, o que se verifica ser criticável é a inclusão simultânea dos conceitos de valor e preço no qua­ dro lógico de um modelo económ ico.4» Estas diversas concepções encenam uma problemática comum. Colocam em primeiro plano o problema da medida do valor, à maneira de Ricardo. Para alguns, subestimam ou ocultam mesmo a questão das formas do valor. O melhor exemplo encontra-se talvez na própria maneira de colocar o problema. Estes diferentes autores aceitam como pertinente a representação de von Bortkiewicz. Mais concretamente eles aceitam que se possa raciocinar com um modelo de input«output. N otem os que o «modelo» de M arx se baseia na existência de cinco ramos, de form a algum a relacionados entre si. Não se trata, por parte de Marx, de um desconhecimento

de matemática, como gostam de sugerir Samuelson e tantos outros, já que, a partir do Livro II, Marx analisa as relações de input-output, no seu estudo da reprodução simples e alargada, mas trata-se de uma questão fundamental de método. Do «modelo» de Marx, que é deliberadam ente um modelo de input-output, podem ser extraídas duas conclusões funda­ mentais, que abordaremos posteriormente: 1). Não se trata de uma demonstração matemática. Esta seria inútil e, sobre­ tudo, errada, a nível metodológico. A parte esquerda (valor) situa-se a um nível de abstracção d iferente d a parte direita (preços de produção). Ê, pois, uma m esm a realidade, obser­ vada a dois níveis distintos de abstracção. O «modelo» de Marx refere-se a uma análise da grandeza do valor (unidade de trabalho abstracto). Pelo contrário, os modelos de input-output devem ser analisados em termos de valor de troca (quantidade de equivalente). A omissão da distinção entre valor e valor de troca é precisamente a consequência directa das suas posições relativamente às formas do valor. Sobre este ponto, autores como Cartelier e Benetti são inconsequen­ tes: por um lado, aceitam a análise, em termos de «formas de

172

SOBRE O VALOR — ELEMENTOS PARA ÜMA CRÍTICA

valor»; por outro, omitem estas ¡considerações, quando acei­ tam que o problema do «erro» de Marx possa ser colocado em -termos de modelo de input-output. Estas diferentes concepções são simultaneamente falsas e estéreis. A adopção destes pontos de vista não permite com­ preender o modo de produção capitalista e, a posteriori, anali­ sar a sua «anatomia». Vamos mostrá-lo, passando em revista as principais hipóteses atribuídas a Marx. Três dessas hipó­ teses pareceram-nos pertinentes pelas suas implicações. Tra­ ta-se da troca directa de mercadorias, da medida do valor e finalmente da perequação da taxa de lucro. As duas primei­ ras, tomadas em conjunto, significam que é necessária a determinação de um numerário em termos reais. A terceira implica um modelo estático do qual estariam excluídas as esferas da circulação. A hipótese da reprodução simples, se bem que falsa, não nos parece merecedora de discussão, na medida em que, como observámos, não era de todo neces­ sária 5. 1.

A s form as de valor

Por se ter -suposto que as mercadorias são trocadas por outras mercadorias, é necessário determinar um numerário. E, porque o salário pode variar, é preciso considerar um numerário que seja um padrão invariável6. Uma vez que o salário é considerado unicamente como uma variável da repartição (pago post factum ) -e não da produção, além de se pressupor composto de um conjunto de produtos de luxo, é, pois, possível construir o padrão. As mercadorias são, no caso das análises de von Bortkiewicz, de Samuelson e de tantos outros, avaliadas em uni­ dades de trabalho e seguidamente em termos de numerário, quando se passa dos valores aos preços de produção1. Comofrisám os7, quer seja no esquema em termos de valor ou no esquema em termos de preços de produção, o equilíbrio obtido exprime-ise em termos reais. A moeda está ausente. A intro­ dução da moeda apenas se pode efectuar, após obtido o equi­ líbrio e graças a uma monetarização do numerário que assume então duas funções: meio de circulação para os dois primei-

PARA UMA INTERPRETAÇÃO

175

ros sectores, reserva de valor para o último (produção de ouro). As mercadorias, se bem que produzidas por outras mer­ cadorias, segundo a fórmula M — M, são, no caso do modelo de Sraffa, igualmente avaliadas em unidades de trabalho «que o produto líquido padrão pode comprar». Estas duas hipóteses são falsas. Não só não são- as de Marx, mas tam bém significam um a incorrecta com preensão de o que é um a mercadoria.

As mercadorias trocam-se por dinheiro. São, portanto, im ediatam ente expressas em dinheiro. O dinheiro está pre­ sente, logo no acto da troca, não pode ser introduzido poste­ riormente. Mas é insuficiente quedarmo-nos por aqui. A ques­ tão, que, desde logo, se coloca, é, com efeito, o que é o dinheiro, qual a sua génese ? É procedendo a esta análise que se poderá com preender porque é que as mercadorias não se trocam por mercadorias, e, sobretudo, porque é que as implicações de uma tal posição são necessariamente erradas. A FORMA D IN HEIRO Para compreender a génese da forma dinheiro, é neces­ sário partir da mercadoria. a)

Considerações sobre a m ercadoria

A mercadoria é, numa primeira aproximação, objecto de utilidade social (valor de uso) e portador de valor (valor de troca). Pode ser desejada por si própria, ou pode servir para obter outras. É neste sentido que ela é uma contradição8. Ela não pode ser sim ultaneam ente objecto de utilidade e por­ ta-valor. Ela é ou um ou outro. Sendo objecto de utilidade, quer dizer, valor de uso, não poderá ser porta-valor, ou seja, valor de troca. Sendo porta-valor, ela não pode ser objecto de utilidade, pois vai servir precisamente para a aquisição de outra mercadoria desejada. A m ercadoria em si, é, pois, uma contradição. Esta contradição resolve-se pela sua exterioriza-

174

SOBRE O VALOR — ELEMENTOS PARA UMA CRÍTICA

cão. A mercadoria não pode, portanto, ser concebida senão na sua circulação, ou seja, nas suas sucessivas metamor­

foses 9. As mercadorias trocam-se entre si. Até aqui, nada de original, apenas trouxemos à luz este duplo carácter (aspecto ou factores, diz Marx, que não podem coexistir). As mercadorias trocam-se umas pelas outras, porque têm qualquer coisa em comum. Se considerarmos duas mercado­ rias poderíamos pensar que o traço comum seria o peso, a cor, etc. Se considerarmos uma troca generalizada, é evidente que estas características não se afiguram comuns a todas as merca­ dorias. E, no entanto, trocam-se entre si. Apenas resta então um carácter comum: elas são o produto de um determinado dis­ pêndio de força de trabalho humano. É certo que o traba­ lho gasto na produção de cada mercadoria é específico a ela, afirmando-se neste sentido que o trabalho afecto à produção de valores de uso é trabalho concreto. Mas o que faz que elas possam ser trocadas é o facto de serem o fruto de um traba­ lho indistinto, de um dispêndio de força de trabalho humano, de um trabalho abstracto. Trabalho concreto e trabalho abs­ tracto representam o duplo carácter do trabalho, o primeiro relacionado com o valor de uso da mercadoria e o segundo com o seu valor de troca 10. Eis um ponto fundamental, igno­ rado por Ricardo. A substância do valor é, portanto, este trabalho abstracto. A grandeza do valor é a quantidade de trabalho' abstracto [socialmente necessário u ] . A este nível de análise, dois pro­ blemas surgem: — O que é exactamente o trabalho abstracto? — Qual a razão por que utilizámos o termo «valor», em vez de valor de troca ? 1.

O trabalho abstracto

O trabalho abstracto «coexiste» com o trabalho concreto, já que a mercadoria, tanto pode ser observada, sob a óptica do valor de troca, como sob a do valor de uso. Na medida em que se trata de dois aspectos antagónicos da mercadoria e sobretudo porque um não pode ser deduzido a partir do

PARA UMA INTERPRETAÇÃO

175

outro, o trabalho abstracto não se pode definir a partir dos trabalhos concretos. Mais precisamente, aquele não pode cons­ tituir apenas um a generalização destes. Trata-se de algo fun­ damentalmente diferente. Colletti sublinha-o claramente quando escreve: «O trabalho abstracto é o que existe de igual e de comum em todos os trabalhos concretos, quando essas actividades são consideradas, abstraindo dos dbjectos reais (ou valores de uso), que produzem e em função das quais se

reproduzem ... Efectuando esta abstracção, verifica-se que todos estes trabalhos são apenas dispêndio de força de traba­ lho hu m an o .12» Não se poderá pois afirmar, como faz Sweezy, que o trabalho abstracto pode ser o «trabalho em geral, o que existe de comum a toda a actividade produtiva hum ana B». Não é uma generalização dos trabalhos concretos, uma abs­ tracção, pelo espírito, destes últimos. É ainda o que existe de comum nos trabalhos concretos, mas, desde que se não considerem as mercadorias como valores de uso, desde que se abstraiam as suas especificidades, para apenas se considerar o aspecto de portadoras de valor. Na medida em que o tra­ balho abstracto é a substância do valor, considerá-lo como um a abstracção feita pelo espírito conduziria a considerar também o valor como uma abstracção análoga. Como Colletti igualmente frisa, «o erro deste modo de com preender o tra­ balho «abstracto» reside não apenas no facto de — sendo ele uma abstracção do espírito— não se perceber como é que o valor, se bem que produto do trabalho abstracto, pode ser algo de real, mas também no facto de, procedendo desta maneira, se abrir caminho a uma transformação do próprio valor numa generalização abstracta ou em ideia 14». O trabalho abstracto é, portanto, «uma abstracção que se revela na realidade da tro c a 15».

2.

Valor ou valor de troca ?

Não se trata de duas categorias equivalentes 16: «O valor de uma mercadoria manifesta-se, quando se apresenta como valor de tro c a .17» Clarifiquemos este ponto. Aquilo que fundamenta a troca de uma dada quantidade de uma m ercadoria por uma

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outra quantidade de uma m ercadoria diferente é o dispêndio de trabalho abstracto que foi efectuado. Na sua troca, as mercadorias apenas exprimem que, na sua produção, foi acu­ mulado trabalho abstracto. Neste sentido, as mercadorias são «metamorfoseadas em idênticos sublim adosI8». Mas continue­ mos. «E nquanto cristalizações desta substância social com um , eles [os objectos] são considerados valores. Esse qualquer coisa de com um que se m anifesta na relação de troca, ou no valor de troca, é por consequência, o seu valor 19.» Deste modo, por serem o produto de um trabalho abstracto, as mercadorias são consideradas valores. Por detrás da relação de troca (valor de troca), entre duas mercadorias, oculta-se o valor; o valor de troca, por ser uma relação de troca entre duas mercadorias, é uma forma fenom enal do valor. A mercadoria não é, pois, valor de troca senão na aparência. De facto, ela é valor de uso e valor. Valor e não valor de troca, porque, como correctamente afirma Backhaus, o valor de troca é «uma forma de apareci­ mento de um conteúdo, que dele deve ser distinto. Este con­ teúdo, que se deve tomar como «fundamento» do valor de troca, é o v a lo r20». O valor é o fundamento do valor de troca. O valor de troca é apenas uma forma fenomenal do valor. A origem desta distinção advém do duplo carácter do trabalho, con­ creto e abstracto. Portanto, o problema essencial é sabermos o que faz que o trabalho se represente no valor, que o pro­ duto do trabalho assuma a form a de mercadoria. De forma inversa, a economia política clássica não con­ siderou esta questão. Considerando a existência de mercado­ rias como um facto natural, a-histórico, ela centralizou as suas investigações sobre a relação de troca de duas mer­ cadorias diferentes. Por outros termos, o próprio facto de considerar a mercadoria como algo de natural, de não tomar em conta as condições históricas e sociais em que o produto do trabalho assume a forma de mercadoria, conduz neces­ sariamente a colocar apenas o problem a da grandeza do valor, ignorando paralelam ente as form as do valor. Somente é anaj lisado o problema da medida, mas, porque as formas do valor

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são ignoradas, a génese da moeda será ignorada, como iremos ver em seguida. Assim, o ponto fundamental da clivagem com a análise ricardiana não se situa na distinção entre trabalho e força de trabalho, mas na concepção de valor de troca como forma fenomenal do valor. As consequências desta concepção total­ mente diferente são consideráveis, tanto ao nível da análise do fetichism o como ao do estudo das form as do valor. É este último ponto que iremos de seguida analisar. b) A s form as de valor Agora o objecto do estudo desloca-se. Porque nos inter­ rogamos sobre o que é uma mercadoria, sobre as causas que fazem que o produto do trabalho tome a forma de mercado­ ria, põe-se o problema do valor e das suas formas. Deste modo, o problema da medida do valor relativiza-se. Melhor, para compreender fundamentalmente o sentido exacto de que se reveste a medida do valor é necessário passar primeira­ mente pelo estudo do valor e das suas form as21. Então é que se poderá responder a esta questão: como é que o valor se torna preço de mercado ? Colocado assim o problema e porque ele necessita do estudo da génese da moeda, podere­ mos compreender porque é que não existe o pressuposto erro de Marx na questão dos preços de produção e porque é que O' problema do numerário ou do estalão invariável dos valo-« res não é mais do que a consequência lógica de uma incom­ preensão profunda do que é a mercadoria. As mercadorias aparecem com um duplo aspecto, o de valor de uso e o de valor. Estes dois aspectos são contradi­ tórios. A mercadoria não pode ser, ao mesmo tempo, objecto de utilidade social e portadora de valor. Ou é uma coisa ou outra, sendo as duas coisas ao mesmo tempo. Objecto de utilidade para aquele que a deseja, ela é portadora de valor — pois permite obter uma outra m ercadoria em troca — para aquele que decide cedê-la, porque ela já não se reveste, para ele de utilidade. As mercadorias devem pois exteriorizar a sua contradição pela circulação. Só podem fazê-lo, porque «se apresentam sob uma dupla form a, a sua forma natural (o seu valor de uso) e a sua forma de v alo r» 22. Ora, «as

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mercadorias possuem uma form a de valor particular... a form a-m oeda. Trata-se agora de fazer o que a economia bur­ guesa nunca tentou, trata-se de fornecer a génese da forma moeda, isto é, de desenvolver a expressão do valor contido na relação do valor das mercadorias, desde o seu esboço mais simples e mais aparente, até a esta forma de moeda, que salta aos olhos de toda a gente»23. A troca de uma mercadoria por outra vai-nos dar a expressão mais simples do valor desta mercadoria. Assim,

afirmar que QiA = Q2B não quer somente dizer que é pre­ ciso QiA para obter Q2B. É, sobretudo, dizer que para lá desta aparência, que QiA exprim e o seu valor em Q2B. O sinal matemático «igual» não significa, pois, fundamental­ mente, uma igualdade, mas uma expressão de valor de uma mercadoria em relação a outra. E ste é o ponto essencial. Q2B será a form a da existência do valor contido em QiA. Q2B vai, pois, representar, um papel específico: o de equi­ valente, pois ele exprim irá 0 valor de QiA. Q2B será, assim, a forma equivalente deste valor contido em QiA. Paralela e inversamente, QiA será a forma relativa deste valor. Não pode, por conseguinte, ser a forma equivalente, uma vez que não pode ser equivalente dela própria. É, como dissemos, a forma relativa deste valor. Para que QiA fosse a form a equi­ valente, seria necessário inverter a equação e escrever Q2B = = QiA. Neste caso, Q2B perderia a sua função de forma equivalente para revestir a de forma relativa. Acabamos de chegar a uma conclusão essencial, cujo significado pleno nos aparecerá em breve: um a mercadoria não pode ser ao m esm o tem po form a equivalente e fortna relativa.

Esta conclusão é lógica. Voltemos de novo à equação QiA = Q2B. Se eu troco QiA por Q2B, isto significa para mim: — Que QiA não possui valor de uso; — Que Q2B possui um valor de uso.

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Vou, então, servir-me de QiA para obter Q2B. QiA será, então, portadora de valor. Donde, «a mercadoria, cujo valor se encontre sob uma forma relativa, é sempre expressa como quantidade de valor, contrariamente ao que sucede com o equivalente, que figura sempre na equação como simples quantidade de uma coisa útil [...] precisamente porque a quantidade de valor não é expressa» 24. Conclui-se desta análise que: — «O valor de uso (do equivalente) torna-se a forma de manifestação do seu contrário, 0 v alo r.25» — «O trabalho concreto torna-se a forma de manifes­ tação do seu contrário, o trabalho humano abstracto'.2Ó» — «O trabalho concreto, que produz o equivalente [ ...] , possui a forma de igualdade com um outro trabalho [...] e torna-se assim, embora trabalho particular, como qualquer outro trabalho, produtor de mercadorias, trabalho sob forma social im ediata.27» Estas três conclusões são essenciais, pois permitem carac­ terizar 0 equivalente no que respeita à expressão do valor de uma mercadoria. c)

A génese da moeda

Podemos agora analisar a moeda, pois estudámos a sua génese: o equivalente. Basta-nos generalizar o raciocínio pre­ cedente. É por isso que o vamos fazer sucintam ente28. Se considerarmos as permutas seguintes: Qa = Qb, Qa = Qc, Qa = Qd, etc., exprimimos 0 valor de A, segundo vários equivalentes B, C, D, etc. Tais relações não são muito significativas, pois poderíamos sempre substituir um equiva­ lente por outro para exprimir 0 valor de A. É-nos possível inverter estas relações. Sabemos com efeito que uma mesma mercadoria não pode ser ao mesmo tempo form a relativa e form a equivalente do valor. É ou uma ou outra, na sua relação com outra mercadoria. Então pode­ mos escrever: Qb = Q a, Qc = Qa, Qd = Qa. A mercadoria A desempenha então o papel de equivalente pois abandonou o seu papel de forma relativa. Porque todas as m ercadorias

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se relacionam com ela, ela é equivalente geral, ou forma geral de valor. Esta forma geral de valor torna-se a expressão social do m undo das m ercadorias29. Esta forma torna-se m oeda (ou d in heiro)30. Ela «é a primeira que coloca as mercadorias em relação entre si» como valores fazendo-as aparecer ■ — umas em relação às outras — como valor de tro c a 31. Uma vez que estudámos as formas do valor e a génese da moeda, podemos completar a definição de valor de troca, forma fenomenal do valor. Se «o valor de troca aparece de início como a relação quantitativa, como a proporção na qual os valores de uso de espécies diferentes se trocam uns pelos outros», pode-se defini-lo agora, como J. L. D a l l e m a g n e : «O valor de troca de uma mercadoria é, pois, o tempo de tra­ balho particular, concreto necessário para produzir a merca­ doria, que serve de equivalente geral e que encarna o trabalho social abstracto, no qual se transforma o tempo de trabalho p articu lar.32» A m edida (ou grandeza) do valor será — como vimos — a quantidade de trabalho abstracto socialmente necessário. N ão se pode confundir com o valor de troca, ptíis este é um a form a fenom enal de valor. Eis porque: «A gran­ deza do valor exprime uma relação de produção, o laço íntimo que há entre um artigo qualquer e a porção de trabalho social que é necessário para lhe conferir existência. Desde que o valor se transforma em preço, esta ligação necessária aparece como uma relação de troca de uma mercadoria vulgar com a mercadoria moeda que existe para além d ela.33» O dinheiro coloca, pois, as mercadorias, enquanto valo­ res, em ligação entre si. Mas fá-las aparecer como valores de troca. Trata-se, pois, de uma conclusão fundamental. A sua origem encontra-se na análise do valor e das suas formas. Dito de outra forma, a moeda é uma forma de valor particular das mercadorias. Porque forma de valor de mercadorias, não pode estar dissociada delas. Está-lhes intimamente ligada. A mer­ cadoria, objecto de contradições, pode ser constrangida à imobilidade. A circulação das mercadorias é a exteriorização da contradição entre o valor de uso e o valor. As formas de

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valor sucedem-se: m ercadoria, form a relativa — dinheiro, form a equivalente (ciclo Mi — D , depois D — M 2). N ão se pode, pois, considerar um a troca m ercadoria por mercadoria com o fa zem os neo-ricardianos. U m a tal concepção conduz necessariam ente a um a introdução tardia da m oeda. Precisam ente p orque não se com preende a génese da m oeda, esta só é concebida como m onetarização dum a troca prees­ tabelecida e não como um a form a de m anifestação do v a lo r 34. «A s mercadorias são expressas em dinheiro, antes m esm o de este as fazer circu la r.35» É p o r isso que elas são im ediata­ m ente expressas em d in h e iro 36. O facto de considerarem m odelos de input-output, ao colocarem 0 problem a da transform ação, conduz estes autores a raciocinarem em term os de valor de troca. T rata-se, con­ tudo, de um valor de troca pouco relacionado com o valor de troca de M arx, já que, como acabám os de ver, o valor de troca para M arx é um a quantidade de equivalente, ou seja, um a quantidade idealizada de dinheiro. N o quadro de um m odelo de input-output, mesmo prim ário, como o de von Bortkiew icz, o salário deve ser expresso em valor de troca, ou seja, em quantidade idealizada de dinheiro e não em quantidade de trabalho representativa do volum e de m erca­ dorias necessário à reprodução de força de trabalho. O ciclo não é, pois, M ercadoria Força de T rab alh o — M ercadoria, mas sim M ercadoria Força de T rabalho— D inheiro — M erca­ doria. D ado que a sua m odelização não perm ite colocar p ri­ m eiro o problem a em term os de valor, eles apenas podem raciocinar em term os de num erário, ou de padrão. Resum am os: p ara os neo-ricardianos, as m ercadorias são factos naturais, a-históricos, que se im põem ao observador. D esta concepção restritiva decorre um a só preocupação: a da m edida. O valor de troca não é concebido como um a form a fenom enal do valor. O valor de troca é só considerado para além da sua ligação com o valor. D este m odo, as form as do valor não podem ser analisadas, a génese da m oeda só pode ser ignorada, 0 que confirm a necessariam ente a introdução da m oeda a um a m onetarização de um a troca real M ercado­ r i a — M ercadoria preestabelecida (troca).

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SOBRE O VALOR — ELEMENTOS PARA UMA CRÍTICA

A análise das form as do valo r e da génese da m oeda constitui um cam inho necessário p ara apreciar a validade das hipóteses atribuídas a M arx e das críticas que daí decorram . d)

Consequências

Os neo-ricardianos e num erosos m arxistas atribuem a M arx a hipótese, segundo a qual as m ercadorias são exclusi­ vam ente m edidas em unidades de trabalho. É a sua base de pa rtid a p ara a form ação dos esquem as de transform ação dos valeres cm preço de produção. N o entanto, é falsa, por m ais «surpreendente» que possa parecer à prim eira vista. M ais precisam ente, quando se trata do «m odelo» de M arx, são considerados cinco ram os (m ercadorias) com dife­ rentes composições orgânicas do capital: Estes ramos não estão em contacto uns com os outros. São tom ados apenas com o exem plos, no sentido de serem analisadas as consequên­ cias da form ação de um a taxa de lucro m édio, ao nível de cada um deles. Pode-se levar em conta a grandeza do valor das m ercadorias (quantidade de trab alh o abstracto social­ m ente necessário) produzidas por cad a ram o e estudar as suas variações após a form ação de um a taxa de lucro médio. N a m edida em que o valor está na base do valor de troca, tam bém este últim o pode ser considerado. N o entanto, no âm bito do «m odelo» form ulado p o r M arx, tal não é neces­ sário. Só o será, quando supuserm os os ram os em contacto uns com os outros, ou seja, quando integrarm os na análise a circulação das m ercadorias. (N O T A : é assim que M arx procede desde a p. 176 do capítulo 9 (ed. francesa), onde, ab andonando o «m odelo», ele analisa a troca das m ercado­ rias entre si.) A p a rtir desse m om ento e porque o valor está na -base do valor de troca (quantidade de equivalentes), pode ser tom ado em consideração este últim o, como form a feno-' m enal do valor. É esta a ideia que se p retende veicular quan d o se diz que as m ercadorias são expressas em dinheiro, antes mesmo de este as fazer circular. -Esta form a de expres­ são não é exclusiva de um a análise em term os .de grandeza de valor (quantidade de tra b a lh o ...). Pelo contrário, ela só se pode efectivar p orque foi previam ente levada a cabo a análise em term os de valor.

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É contudo, m uito diferente, a dedução dos neo-ricardianos e de num erosos m arxistas. A omissão da diferença entre valor e valor de troca leva-os a raciocinar em term os reais. Por outras palavras, o estudo em termos de unidades de tra ­ balho, é aparente, dado que é, de facto, o produto da sua incapacidade em introduzir im ediatam ente o dinheiro. Ele oculta um estudo em term os reais, consequência da hipótese de as m ercadorias se trocarem entre si. P ortanto, a süa con­ cepção de valor de troca, por não ser deduzida a p artir do valor, não reconhece naquele um a form a fenom enal, não podendo, pois, ser definido em term os de equivalente. Um m odelo de input-output, tal como é concebido por eles, ou de form a geral um modelo em que pelo m enos algumas m er­ cadorias são consideradas em circulação , 37 é um m odelo no qual as m ercadorias deveriam ser expressas em term os de equi­ valente (quantidade de dinheiro idealizada). O ra, tal não é o caso. Porque da sua análise está excluída a passagem neces­ sária do valor ao valor de troca, a sua m edida em term os de unidades de trabalh o é errada. Como fizemos n o tar antes, o sinal igual, entre a form a relativa do valor e a sua form a equivalente, significa que a quantidade de valor da m ercadoria exprim e-se na form a equi­ valente e tom a deste m odo a form a preço de m ercado. Mas a igualização dos dois term os da equação apenas constitui um prim eiro tem po do raciocínio, um a abstracção necessária, para analisar o m ovim ento da quantidade de valor da m erca­ doria. Ela tem p o r objectivo sublinhar que só as m odificações nas condições de produção são de ordem a m odificar a quan­ tidade de valor desta ou daquela m ercadoria, e não a rela­ ção de oferta e p ro c u ra 3S. É abondonada na segunda parte do raciocínio; os preços de m ercado diferem agora do valor de troca e flutuam em torno dele 39. Este pensam ento não está presente nos trabalhos dos neo-ricardianos e dos neoclássicos, quando eles criticam M arx. H á um a confusão dos seus próprios raciocínios (ignorância das form as do valor) com os de M arx, se bem que estes sejam radicalm ente diferentes. As m ercadorias não são expressas de m aneira equivalente em dinheiro o u unidades de trabalho i São exclusivam ente m edidas em unidades de trabalho, conse-

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SOBRE O VALOR— V M

PM

J_________________ A

m a triz dos valores ind ivid u a is

1.» secção

::: ►

[V I’] -------> V M ’

2 a secção

O ciclo do capital produtivo traz à luz a influência da prim eira esfera da circulação, sobre a esfera da produção, isto é, sobre as condições sociais da produção. A existência do desvio, en tre preço de m ercadoria e valor de m ercado, exprim e, pois, a divergência necessária, entre a oferta e a procura. Mas a p ró p ria existência desse des­ vio subproduz os factores, que tenderão a anulá-lo. «A oferta e a procura podem provocar, de um a form a m uito variada, a anulação do efeito produzido pela sua desigualdade, se, p or exemplo, o preço de m ercado baixa após um a dim inuição da procura. É possível então que, se for retirado capital, a o ferta se encontre dim inuída. M as é igualm ente possível, neste caso, que o próprio valor de m ercado sofra um a baixa, após a descoberta de técnicas, que dim inuem o tem po de trabalho necessário. E stará então nivelado ao preço de m ercado.» M arx concretiza, acrescentando: «Se alguém consegue produzir em melhores condições; vender m ais e apoderar-se assim de um a parte m ais im portante do m ercado, vendendo abaixo do preço corrente do m ercado ou do valor de m ercado, conti­ n u a rá a agir desta form a, e é por aí que começa a acção, que leva, pouco a pouco, os outros a adoptarem , eles tam bém , o m odo de produção m enos oneroso, reconduzindo o trabalho socialm ente necessário a u m nível inferior. 77» 2

.

O preço de produção determ ina-se segundo os m esm os princípios que o valor

A econom ia capitalista é constituída p o r «n» ram os (n m ercadorias). Existe concorrência en tre os capitalistas no in terior de cada ram o. Os capitalistas aparecem corno «falsos

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SOBRE O VALOR — ELEMENTOS PARA ÜMA CRÍTICA

irm ãos». P a ra com preender a sua unid ad e pro fu n d a, para apreender o m ovim ento dos capitais diversos, é necessário ir além da aparência das coisas e procu rar as contradições internas do capital. Posto isto, o .concreto será então um con­ creto «pensado» e poderá ser encontrada a unidade da sua diversidade. A análise do valor e do valor de m ercado (de troca) corresponde, pois, a urna fase necessária no processo de apropriação teórica do real. A análise dos preços de pro­ dução e dos preços de de produção de mercado (form a feno­ m enal dos preços de p ro d u ç ã o )78 corresponde, portanto, a aplicação da lei do valor ao nivel dos capitais diversos. Se bem que, p o r um lado, o capítulo 1 0 seja desordenado e inaca­ bado, esta posição está claram ente expressa. Como já o fize­ mos notar. M as o problem a não se coloca tanto, quanto ao facto de ser esta a posição, que está presente neste capí­ tu lo — pois, apesar de tudo, vimos tam bém que aí se encon­ travam esboços de raciocínios errados — mas sim que é esta a única com patível com o duplo carácter da mercadoria. Ê isto que é decisivo. Chegados a esta fase da nossa análise, devemos inter­ rogar-nos, sobre o sentido que reveste a perequação da taxa de lucro. M ostrám os que, p o r um lado, não se podia passar dos valores aos preços pela concorrência, e que, por outro, a concorrência actuava ao nível dos capitais diversos. Vamos m o strar que a perequação das taxas de lucro exprim e urna sanção social do lado da produção, mas que existe, contudo, um diferencial das taxas de lucro. A tendência para anular esta diferença resulta da concorrência entre os capitais e da m udança das com binações produtivas que im plica. a) A perequação: um a sanção social. A ideia, que desen­ volvemos ao nível da m ercadoria (um ram o), é retom ada ao nivel das m ercadorias (vários ram os). A o nivel de um ram o (de um a m ercadoria), certas em ­ presas são penalizadas em proveito doutras, trabalhando em condições superiores à m édia. D os diversos valores indivi­ duais decorre um valor de m ercado, traduzindo essas sanções (positivas ou negativas), situadas exclusivam ente ao nível da esfera de produção. Estas sanções afectam a m ais-valia, de tal form a que certas em presas recebem menos e outras mais

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do que lhes deveria proporcionar a exploração dos seus traba­ lhadores. M as, n a m edida em que, p o r definição, o valor de m ercado é a m édia ponderada dos valores individuais, a soma da m ais-valia criad a pelo conjunto dos trabalhadores não é afectada. • Ao nível das várias m ercadorias diferentes, esta sanção exprim e o nível geral atingido pelas forças produtivas, não num ram o particu lar, m as no conjunto dos ram os. Os ram os retardatários, tendo um a com posição orgânica do capital infe­ rior à m é d ia 79, são penalizados em proveito daqueles que têm um a com posição orgânica do capital superior à m édia. A perequação das taxas exprim e, pois, esta sanção social e traduz o nível atingido pelas forças produtivas em relação ao seu nível m édio. Como este nível m édio não é estável, progredindo de um a form a caótica, as quantidades de m ais-valia social transferidas entre os ram os evoluirão, segundo o desenvolvi­ m ento da respectiva força pro d u tiv a do trabalho. As trans­ ferências de m ais-valia social — das quais a perequação das taxas de lucro não é m ais do que o resultado— exprim em estas sanções. E stas sanções não têm «m aterialidade», no sentido em que não resultam nem de um a passagem directa da mais-valia de um ram o p ara ou tro , nem de um m ecanism o de m ercado como o da concorrência. Estas sanções não são m ais que a consequência da passagem de um nível de abstrac­ ção para outro. A «form a m etam orfoseada» do valor ao nível dos capitais diversos é a dos preços de produção. Estes últi­ mos são, pois, som ente a expressão da lei do valor, a este nível de análise m ais próxim o do real. M as a com preensão do valor a este nível de análise necessita previam ente d a sua com preensão a um nível de abstracção superior. A análise da transform ação é precisa, p orque trad u z a necessidade de ab o rdar prim eiro a lei do valor ao nível do capital em geral. N este sentido não pode ser um a simples operação m atem ática. N ão introduzim os a concorrência. Ela não age a este nível de análise. Mas pode-se já prever que, se os ram os retardatários forem penalizados, só ligeiram ente atrairão os capitais. N o entanto, p ara com preender a orientação do capi­ tal e a sua reafectação, é necessário intro d u zir o efeito que exerce a esfera de circulação sobre a de produção. N ão pode-

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m os, com efeito, com preender esta orientação, se nos situar­ mos exclusivam ente ao nível da esfera produção, em suma, se se excluir o ciclo do capital, um a vez que, a este nível, as taxas de lucro são teoricam ente iguais. b) O preço de m ercado é um a form a do v alo r e, ao nível da abstracção em que nos situam os agora, é um a form a de preço de produção. T al como o preço de m ercado não pode ser igual ao valor de m ercado (form a fenom enal do valor), tam bém não pode ser igual ao preço de produção do m ercado. O scila em torno deste. Esta flutuação não é neutra. Age sobre a evolução do preço de produção, cria distorções nas taxas de lucro. Q uando a procura é superior à oferta, aparece um sobrelucro. E ste sobrelucro é de natureza não som ente a atrair novos capitais, mas tam bém a provocar m odi­ ficações de .combinações produtivas. Sobrelucros em certos ram os, sublucros noutros — resultados das diversas funções de que se reveste o dinheiro e da desigualdade en tre as neces­ sidades sociais e as diversas p ro d u ç õ e s— constituem a base a p a rtir da qual a concorrência pod erá jogar. Esta concorrên­ cia, deslocando os capitais dos ram os m enos rendíveis para os mais rendíveis, suscitará paralelam ente m odificações das com binações p ro d u tiv a s80. A concorrência entre capitais segue-se à conversão das m ercadorias em dinheiro. As condições da conversão das m ercadorias em dinheiro provocam um entrelaçam ento p arti­ cu lar dos diferentes ciclos de capitais em cada ram o. Os capitais tentam fugir dos ram os com fraca rem uneração para aqueles cuja rem uneração é m ais elevada. Este m ovim ento do capital, quando não é travado por barreiras seguidas pelos m onopólios, é de índole a nivelar as taxas de lu c r o 81. P orque o dinheiro tem várias funções, porque o preço de m ercado exprim e um a sanção, conform e a quantidade de m er­ cadorias produzidas corresponda o u não- às necessidades so­ ciais, as taxas de lucro são diferentes. Porque a concorrência actua, estas taxas de lucro tendem a nivelar-se. Mas, porque o dinheiro tem sem pre várias funções, porque a m ercadoria conserva o seu carácter contraditório, este diferencial de taxas tende a reproduzir-se.

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M ostrám os a origem deste diferencial das taxas de lucro. M ostrám os que ele tendia p ara desaparecer e que, neste p ro ­ cesso, se reproduzia. Localizámos a causa deste m ovim ento contraditório nas form as do valor, ponto que analisám os porm enorizadam ente n a 1 .a secção. Esta análise deve ser com pletada. M ostrám os com efeito a que nível agia a concorrência e quais eram os seus efeitos. N ão m ostrám os porque é que a concorrência favorecia a acu­ m ulação de cap ital nos ram os de ponta, com forte com posição orgânica, em detrim ento das actividades retardatárias. É-nos necessário, pois, m ostrar porque é que se constituem sobrçlucros nos ram os de ponta, sobrelucros que são de natureza a atrair os capitais. Encontram os alguns elem entos de resposta a este problem a na obra de P. M a ttic k 82. Os sobrelucros — não provenientes da existência de mo­ nopólios — são o resultado de um a superioridade do preço de m ercado em relação ao preço de produção de m ercado. Este afastam ento provém de um a procura superior à oferta. A tendência p a ra acum ular exprime-se -— já o v im o s— por um aum ento de com posição orgânica m édia, cuja origem se encontra nas contradições entre capital e trab alho (e não na concorrência). A procu ra p ara o sector I torna-se m aior rela­ tivam ente à do sector II. O ra o sector I é caracterizado por um a mais elevada com posição orgânica do c a p ita l83. Este m ovim ento ascendente p ara os ram os do sector I m ateriali­ za-se num a procu ra que se desenvolve m ais rapidam ente que o nível de produção industrial (excepto nos períodos de crise). Esta pressão sobre a procura, neste tipo de m ercadoria, con­ duz a um a deslocação positiva, en tre o preço de m ercado e o preço de produção de m ercado, mas tende a flu tu ar por sobre este últim o. D aí resulta um sobrelucro q ue favorece a penetração de capital neste sector e acentua, deste m odo, o m ovim ento ascendente d a com posição orgânica do capital, ¡reforçando as forças, que tendem a fazer baixar a taxa de lucro. Inversam ente, os ram os retardatários vêem a sua procura enfraquecer. A parecem sublucros, que suscitam um a em igra­ ção de capital.

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¡Mostrámos o que significa a perequação das taxas de lucro e a origem do diferencial destas taxas. Indicám os, por fim , as causas da orientação do capital p ara os ram os m ais im portantes. R esta unicam ente este ponto, que m ereceria ser aprofun­ dado. Só esta aproxim ação perm ite ir p ara além do pretenso paradoxo, perequação das taxas de lucro diferencial destas taxas e com preender o m ovim ento do capital. A categoria de preço de produção é, pois, necessária para com preender o m ovim ento do capital, apreender as contradi­ ções q u e suscita, se aperceber das contradições sociopolíticas, que elas im plicam , e para agir, enfim , sobre estas últi­ mas. Porque o m arxism o o perm ite, porque é um m eio para a acção, ele critica a econom ia política M.

N otas 1 ¡P. A . iSam uelson, «¡Samuelson’s R ep ly o n M arxian iMatters», J. E. L., M arço de 1973, p. 64. 2 S chumpeter , C a p ita lism e, so cia lism e e t d é m o c ra tie , ci­ tad o p or H . G. B ackhaus , « D ialectique d e la fo rm e valeur», C ritiq u es de l’E con o m ie P o litiq u e, n.° 19. 3 M. Dobb, P o litica l E co n o m y an d C a p ita lism . Sobre este a ssu n to ver H. G rossm ann, M arx, l’économ ie p o litiq u e classiqu e e t le p ro b lèm e de la dyn am iqu e, Champ libre, p. 58. 4 B e n e t t i, V a leu r e t ré p a rtitio n , P. U . G.-M aspero, 1973, pp. 127-128. E m term os claros, tal sig n ifica que o Livro III é «conversa de chacha» e que n ão poderá ex istir qualquer lig a ­ ção entre ele e o s L ivros X ou II. A o contrário de Samraelson, que considera o L ivro I como m eta físico e o L ivro II com o cien tífico (n a condição de serem elim inados os seus laços com o livro I ) . B en etti dará m a is im portância a o L ivro I, por opo­ siç ã o ao Livro III. E sta concepção conduz n atu ralm en te a en ten ­ der o m arxism o apenas como «crítica da econom ia política» — e isto de um a form a original —- excluindo qualquer possibi­ lidade de analisar a s contradições econ óm icas do m odo de pro­ dução ca p ita lista a través do contributo que p a ra ta l dão o s preços de produção. 5 N om eadam ente, quando s e tratou d e d e sa g reg a r o m o­ delo de von B ortk iew icz. P a ra um a crítica porm enorizada da u tilização das equações de reprodução sim ples, rem etem os o leitor p a ra o ex celen te artigo de D. Y a f f é in serto no: n.° 20 das C ritiq u es d e l’E con o m ie P olitiqu e.

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6 R icardo a crescen ta v a um a outra razão: a m od ificação d as técn icas d e produção. E ste efeito n ã o fo i an alisado ¡por 'Sraffa, pois a cada conjunto de técn icas corresponde um e um só padrão. 1 Cf., su pra, cap. 1. 8 «A m erca d o ria é unidade im e d ia ta d e v a lo r d e u so e v a ­ lor de troca, ou seja, de elem entos opostos. E la é, pois, im ed iata­ m ente con traditória. E s ta contradição d eve desenvolver-se, desde que prescindam os, como fizem o s a té agora, de a n a lisa r a m er­ cadoria ou sob um a óp tica de v alor de uso, ou sob um>a óptica de valor de troca, para passarm os a considerá-la no seu con­ junto, n a sua relação real com a s outras, m ercadorias. M as, a relação rea l das m ercad orias um as com as outras, é o seu processo de troca.» (K. M arx, O C apital, L ivro I, 1.“ edição, p or D. Y a ffé , «V aleur e t p rix dans L e C a p ita l de Marx». C. B. P. n.° 20, p. 71; e sta p a ssa g em fo i elim inada, aquando da 3.1 ed ição.) 9 A própria definição de v alor d e tro ca in d ica e sta con ­ tradição: «o valor de troca su r g e prim eiram ente com o a rela ­ ção q u a n tita tiv a , com o a proporção em qu e d iferen tes v a lo res de uso se trocam uns p elo s outros». I(K. M a rx , O C a p ita l, L ivro I ) . 10 «Tal com o a m ercadoria d eve ser, an tes do m ais, um a utilidade para ser um valor, o trabalho d eve ser, acim a de tudo, ú til para ser considerado dispêndio de fo rça hum ana no sentido ab stracto do term o.» (K. M arx, op. c it.) 11 A colocação en tre p arên teses sig n ific a qu e e sta exp res­ sã o será definida m a is tarde. 12 Colletti, D e R o u ssea u à Lénine, Gordon & B reach,

1972, p. 139. 13 P . M. iS w e e z y , op. cit., p. 53. 14 C o l le t ti, op. cit., p. 141. Colletti prossegue o raciocí­ nio, dem onstrando a fo rm a como um a ta l in te rp re taç ão abre cam inho ao abandono d a te o ria do valor-trabalho, tornando-se o v alor um a sim ples construção do esp írito («f. pp. 141 e se g s...). is Colletti, op. cit., p. 145. M arx diz: «Quando o s produ­ tores colocam em p resen ça e em relação os produtos do seu trabalho, enquanto valores [. . . ], eles estabelecem , através de ta l conduta, que o s se u s diferen tes trab alh os são igu ais. F azem -no sem o saberem .» 16 «Se no início d e ste capítulo, para seg u ir a m an eira v u l­ g a r de nos exprim irm os, dissem os: a m ercadoria é v alor de uso e valor de troca, is so n ão d eix a de ser fa lso , se tom ado à letra.» (K. M ARX, op. c it.)

n

K. M arx, op. cit.

18 Idem, ibid. 19 Idem , ibid.

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20 iH. G. B ackhaus, «D ialectique .de la fo rm e valeur», C. E . P ., n.° 18, p. 8, ique iconclui: «,0 facto, de o ob jecto geral» com o tal, ou seja, o valor com o valor, n ão se pode exprim ir, «aparecendo; a p en a s so b u m a fo rm a deform ada, com o ‘relação’ d e dois valores, d e uso, esco n d e-se à com preensão do leitor (p. 9). » 21 CPode dizer-se que é o estudo do v alor de troca das m er­ cad orias ou seja, d a relação de troca, o u ainda da m edida que n o s perm itiu encontrar os traços de valor que aí estavam con­ tidos. E ncontrado ’e ste, t ©le q u e n o s p erm ite rep en sar o da m edida. 22 K arl Marx, op. v i t . 23 Idem , ibid. 24 Idem , ibid. 25 Idem , ibid. 26 Idem , ibid. 27 Idem , ibid. 28 P a ra um estudo porm enorizado, rem etem os p a ra J. 1* D allem agn e, L ’In flation , M aspero, 1972, cap. 2: «M onnaie e t loi d e la valeur-travail». 29 R evela, por con segu in te, que n e ste m undo o carácter universalm ente hum ano d o trabalho fo rm a o- seu ca rá cter social especifico. i(Karl M arx, op. c it.). 30 U tilizarem os a p a rtir daqui in d istin tam en te o s term os moeda, e dinheiro.

31 K. M arx, op cit. 32 j . D. D allemagne, « L e (M ythe d e la stagflation», L ’In ­ fla tio n , M aspero, 1972, p. 163. 33 K arl M arx, ob. c it. D ito isto , M arx u tilizará m u ita s v ezes, como, sinónim os, v a lo r e valor de troca, u m a v ez que fe ita s esta s p reeisões im portantes no sen tid o da «m aneira de fa la r vulgar», p o is «desde que s e saib a isto, a velha locução já n ã o tem m alícia e serv e p a ra abreviatura». A ssim o valor de troca será utilizad o algu m as v ezes, no lu g a r d o v alor e in versa­ m en te (nom eadam ente n o L ivro I I I ). N a n o ssa opinião é la ­ m entável. 34 Segundo R icardo, a m oeda, porque é um m eio de circu­ lação', troca-se pelas m ercadorias, com o m ercadoria. E s ta com ­ p reen são «descritiva» da m oeda conduz a um a incom preensão d a gén ese da m oeda, cuja origem está naquilo que R icardo con ­ sidera unicam ente O' v alor d e troca, sem v er que e le era apenas um a form a fenom enal do valor. D e sta concepção errada decorre necessariam en te a su a teoria q u an titativa da m oeda, que não é de surpreender encontrarm os nos n eoclássicos. 35 K arl M arx, T heorien ü b er ãen M e h rw ert. (T eoria da m a is-v a lia ), t. 2, p. 98, citado por D . Y affé , op. cit., p. ©3. Tra­ itasse de um ponto capital. 36 «O dinheiro é ele-próprio já u m a re p resen ta çã o do v a ­ lor, e p ressu p õ e este. O dinheiro, enquanto p a d rã o de preços1,

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su põe já a transform ação (teórica) de m ercadoria em dinheiro. D esde que os valores de todas as m ercadorias estejam repre­ sen tad os pelos preços m on etários e se p o ssa en tão com pará-los, eles estão já com parados. M as p ara que o valor se ja representado por um preço- é n ecessá rio prim eiro -que o v alor das m ercadoirias esteja representado em dinheiro. O dinheiro não é senão a form a sob a qual a p a r e c e o- v alor -das m ercadorias no p rocesso de circulação.» (OK. M arx, T h eorien ..., t. 3, p. 161, citado por D . Y a ffé , op. cit., pp. 63-'64). 37 P or exem plo, quando s e considera que o salário é equi­ va len te a um a certa quantidade de m ercadoria. 38 «,Na realidade, e la s ’(oferta e procura) n unca .coincidem. ¡Se algum a vez isso acontecesse, seria com pletam ente por acascfl; do ponto de v is ta científico, e sta probabilidade é n u la e não te m .de ser considerada. M a s e m econom ia p o lític a e stá su b en ­ ten dido q u e elas coincidem . P o rq u ê ? P a ra estu d a r os fen ó m e­ n os n a sua fa rm a n orm al, adequ ada ao se u con ceito, is to é, p a ra os co n sid era r fo ra das -a parên cias p ro d u zid a s pelo m o v i­ m en to de o fe r ta e pro cu ra : e \mais, p a ra p o d er d esco b rir e, p o r a ss im dizer, fix a r a ten d ên cia re a l do seu m o vim en to » (K. M arx, O C apital, L ivro III, t. 1, o sublinhado é m eu .) 39 iMarx diz m u ita s v e zes — ao n ív el do L ivro I-—■ que o preço de m ercado flu tu a à v o lta do valor. J á vim os que um a vez fe ita s as correcções-, :na questão do v a lo r e do valor de troca, M arx utilizava de m an eira in d istin ta os dois term os. P en ­ sam os qu e é lam en tável. E s ta confusão dos 'dois term os — ao nível term inológico-—* é de m olde a fo rn ecer u m a b a se a um a interpretação neo-ricardiana à te o r ia do v alor -de M arx. N o te­ m os, contudo, que ao n ível do L ivro III, M arx ,c essa, reg ra geral, de fa zer e sta confusão e afirm a que o v alor de m ercado (ou valor de troca) con stitu i o eixo em torno do qual g ira o preço de m ercado; cf. 2.° secção d este capítulo. 40 D avid Y a ffé com ete um erro quando ju lg a que o m o­ delo d e preços de produção, b asead o n a p rob lem ática d e von Bort-kiewicz, é estabelecido em, term os m onetários. É certo que, no -caso de von B ortkiew icz, o numerário- é o ouro, m a s já vim os que poderá ser diferente, nom eadam ente, quando se p ro­ puser, com o su ced e com iSraffa, a n alisar a influência da v a ria ­ ção do salário sob re o p reço de produção. E s te erro v a i con ­ duzi-lo a d esenvolver duas críticas inoportunas, sendo um a delas, a segunda, falsa . A prim eira con siste em afirm ar que não se- pode com parar um m odelo real (em term os de valor) a um m odelo m onetário i(o dos preços de produção), a seg u n d a con­ s iste em criticar a noção de preço da m oed a (o n u m erário). Se, com efeito, se considerar que o num erário é im ed iatam en te m o e d a — -como- fa z Y a f f é —•„ n ão pode h aver preço m onetário, pois um a m ercadoria -não pode se r o seu próprio -equivalente. A e ste propósito, Y a ffé -cita M arx: «O preço- d e um a m ercado-

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ria, qu e se r v e d e m edida d e valores, e, portanto, de m oeda, n ão existe, pois, caso contrario além da m ercadoria que serve de m oed a eu teria ainda n ecessid ad e de um a segu n d a m ercado­ r ia que serv isse de m oeda. U m a dupla m edida de valores.» (K. iMarx, Theorien, t. 2, p. 199, citado por D . Y affé , op. cit., p. 61.) E s ta crítica é inoportuna, porque o esquem a de preços de pro­ dução ta l como o concebem os neo-ricardianos, os n eoclássicos © certos m arxista s (que reconhecem a ju steza d a crítica de von Biortkicwicz: M eek, Dobb, S w eezy , B en etti, O artelier), é e sta ­ belecido em term os reais. Ë ig u a lm en te falsa, dado que o preço do num erário que von B ortk iew icz e outros an alisam é estabe­ lecid o em p reço s d e produ ção e não em m oeda. Ora a cita ção de IMarx fa z referên cia a um p re ç o m o n etá rio, porque o funda­ m en to d essa m esm a cita çã o é p recisam en te que u m a m ercado­ r ia não pode ser o seu próprio equivalente. 41 E ncontram os, por exem plo, n o capítulo 9, do L ivro U I, resp eitan te ao m odelo m atem á tico da transform ação dos v a lo ­ res em preço de produção, as fr a se s segu in tes, das quais, o m í­ n im o que se pode dizer é que foram deliberadam ente ignora­ das p elos crítico s ou «correctores»: «Trata-se, pois, com efeito, d a expressão m o n etá ria da quantidade to ta l do trabalho -— p a s­ sado ou novam en te a c r esc e n ta d o — contido nas m ercad orias...». «OSTo início supúnham os que o p reço da reven d a de um a m erca­ doria ©ra ig u a l ao v a lo r g a sto n a produção. M as p a ra a com pra o preço de produção de u m a m ercadoria é o se u preço de revenda.» 42 P odem citar-se duas cau sas fu n d am en tais da d esigu al­ dade entre a o ferta e a procura, sem pre d iferen te sem pre renovada. A prim eira diz resp eito à s d iv ersa s fu n ções da moeda. A m oeda na circulação das m erca d o ria s é, por definição, m e­ dida de valor, m eio de circulação, m as pode tam bém se r m eio d e reserva (entesouram ento ), que, bruscam ente lançado em circulação, é de n atu reza a tornar m aior a procura em rela­ ção à oferta. P a r a bem entender e ste ponto, b a sta lem brarm os o que havíam os dito, quanto à questão do equivalente, a saber, que o seu v a lo r d e u so tom ava a form a de m a n ifesta çã o do seu contrário, o valor. P od e p o is se r desejad o por ele próprio ou rejeitado. N a circu lação do ca p ita l, o dinheiro pode ser um m eio d e p agam ento. Ë então um a va n ço so b re a produ ção fu tu ra . E p e la an álise d esta função particular do dinheiro que se podem h oje explicar os fenóm enos in fla cio n ista s (sobre e ste assu n to v er J. L. D allem agne, artig o citado, e, do m esm o autor, em alem ão, «Inflação e crise», publicado n a s ob ras co lig id a s por A ltv a ter). E ste ponto é ig u a lm en te p o sto em rela çã o por um econ om ista não m a rx ista T homas «D’où v ien t l’e x cè s de cré­ d it ?», L e M onde de l’économ ie, 13 de Maio de 1975. A segu n d a razão, que an lisarem os m elhor n a 2.a secção e que M arx aborda im e d ia ta m e n te , depois da a n á lise da m ercado­ ria, n o L ivro I (cap ítu lo 2: «A s tro ca s» ), e im e d ia ta m e n te depois

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do m odelo m atem ático d as tran sform ações dos v a lo res em preço de produção no L ivro III (cap. 10), c a p ítu lo s cu rio sa m en te es­ qu ecidos pelos n osso s co m en ta d o res, diz resp eito ao fa c to do m ercado forn ecer u m a sanção, que indica se a m ercadoria pro­ duzida corresponde ou não à n ecessid ad e social, cuja «deter­ m in ação qu an titativa é em inentem ente elá stica e flutuante». (K. M arx , O C a p ita l, L ivro IH, cap. 10, p. 204). 43 Supor que a s m ercad orias d as d iferen tes -esferas de produção se vendem pelo seu valor, sig n ific a som en te que o seu valor é o eixo de g ra v ita çã o à v o lta do- qual g ira o preço e sobre o qual s e alinham o s se u s altos e b aixos su cessivos. (Idem , ibid., cap. 10.) Como fiz e m o s notar, teria sid o m elhor falar em valor de troca. 44 O1 que, a n o sso ver, n ã o sig n ific a q ue o problem a da transform ação esteja ¡resolvido. 45 K arl M arx , O C a p ita l, L ivro III, cap. 9. 46 Idem , ibid. 47 M ais precisam en te, M arx diz qu e o preço d e m ercado flu tu a em torno do preço de produção do m ercado. 48 K . M arx , O C apital, Livro IH , t. 1, cap. 9. 49 E s te ponto será desenvolvido n a secção 2. so C onsiderar que a perequação das ta x a s de lucro e stá realizad a é, com efeito, considerar q ue a con corrên cia agiu e já não age. Ê, pois, situ a r-se fora da circulação do capital. T axas de lucro e su a perequação supõem -se realizad as de u m a v e z p o r todas. A p artir daí, trata-se apenas d e operar m atem á tica (e não econom icam ente) a transform ação. O porquê d esta tra n s­ form ação, o sen tid o d e que e la se reveste, p a ra a in telig ên cia do processo de acum ulação e ta n ta s o u tras q u estões essenciais, tornando-se im possíveis de abordar devido à s lim itações im pos­ ta s por este quadro analítico. si «O capital, sendo v alor que s e valoriza, n ão im plica som en te relações de cla sse ou um determ inado carácter social repousando sobre a ex istên cia do trabalho com o trabalho-assalariado: é u m m o vim en to , um processo cíclico, atravessan d o d iferen tes estád ios e que im p lica ele próprio três form as dife­ rentes do p rocesso cíclico. É, p o r isso , que só o p odem os co n si­ d era r com o u m m o vim e n to e não com o u m a coisa e m repouso.it (O C a p ita l L ivro II, t. 1.) 52 Idem , ibid., L ivro m , t. 1. 53 Ê o que M arx nota, quando indica que a oferta e a procura nunca podem coincidir e que daí iresulta um a fa s ta ­ m ento entre o preço de m ercado e o valor de troca: «Portanto, s e a o ferta e a procura não coincidem em nenhum ca so particu­ lar dado, as su a s d esig u a ld a d es su ced em -se, de ta l m odo que, a o considerar-se o conjunto por um período m a is ou m enos longo, a oferta e a procura coincidem sem p r e... M as o fa c to de e la s coin cidirem re s u lta so m en te d a m é d ia d a s v a ria ç õ e s p a ssa -

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d a s e do m o v im e n to contínuo d a su a contradição.» (Idem , ibid., L ivro III, t. 1). E ste ponto será desenvolvido n a secçã o 2. 54 «Mas é um fa c to que o cap ital abandona urna esfera com ta x a de lucro pouco elevad a e se p recip ita sobre a que com porta urna ta x a de lucro m a is im p o rta n te... O1 c a p ita l p ro ­ v o c a um a relação tal, entre a o fe rta e a procura, que le v a à igualdade do lucro m édio, entre a s d iferen tes esfe ra s de produ­ ção, daí a tra n sfo rm a çã o dos v a lo r e s e m p reço de produção» i(cap. 10), tratando-se de contradições internas da lei d e baixa tend ên cia de lucro (cap. 15): «E nquanto tudo corre bem, a concorrência, como vim os n a perequação da ta x a de lucro geral, desem penha praticam ente o papel de um a a m ig a da cla sse capi­ talista, raparte colectivam en te o espólio comum, proporcional­ m ente ao avançado por cada um.» 55 Já sublinhám os este ponto em dois trabalhos: In tro d u tio n à l’économ ie p o litiq u e, M aspero, 1972 (com J. V allier) e «A nouveau su r la transform ation d es valeu rs en p rix de pro­ duction». Colloque Sraffa, A m iens, 1973, nos C ah iers â ’tu d es écon om iqu es, n.° 4, 1976. 56 F oi o que fez M arx dizer: «Pareceria, pois, que a teo ­ ria do valor era aqui im com p atível com o m ovim ento real e o s fenóm enos objectivos, que acom panham a produção e que, por consequência, renunciar a com preender estes fenóm enos.» (Liivro III, t. 1 ). Daqui, a necessidade1 de p assar ao preço de produção, p a ra co m p reen d er exactam & nte o p ro cesso de acu­ m ulação. 57 P. M, S w e e z y , T he T h eo ry of C a p ita list D evelo p m en t. 58 P od er-se-ia a crescen tar que um tal raciocínio parece in felizm en te encontrar a su a ju stifica çã o — seria n ecessário se r ta lm u d ista — num p en sam en to errado de ¡Marx: «C onsequente­ m ente, as taxas de lucro estab elecidas nos diversos ram os d ife­ rem m uito na o rigem . E sta s d iv ersa s ta x a s de lucro, so b o efe ito da concorrência, u n iform izam -se (Livro III, t. 1. cap. 9 ). E ste raciocínio deixaria pressupor que haveria um a p re e x istê n ­ cia m aterial (e n ão só ló g ica ou teórica) do v a lo r — e ta x a s de lucro diferentes — ao nível d os ca p ita is diversos e que só um m ovim ento de capital, como- aquele que d escreve S w eezy , uniform izaria 'as ta x a s de lucro, p ara dar origem a o s p reço s de produção! 59 A m aior p arte dos m arxistas, que aderem a e sta com ­ preensão, evitam ex tra ir — com o S w e e z y — >a s consequências d a su a posição. 60 E ncontram os e sta p osição n um artigo d e C. B en etti: «Mas em que asp ecto é que os preços de [produção] sã o u m a m odificação do valor, p ara além d e exprim irem o s d esvios em relação à s rela çõ es de tro ca , que s e estabelecem , quando a s m ercadorias se perm utam segundo as quantidades de trabalho incorporado, logo, segundo a lei do valor, com o lei das rela çõ es de troca?» («L a T ransform ation des v a leu rs en p rix d e p ro-

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du ction et la critique de 1’écon om ie politíque», C ah iers du C E R E L , Janeiro d e 1973, n.° 4, pp. 6 -6 ). E s ta p osição d ev e-se à incom preensão das form as do valor p or parte deste econom ista. 61 Cf., su pra, o que d issem os a, propósito de Sraffa: expli­ ca r a peréquação das ta x a s sig n ifica n ão m a is se poder e s ta ­ belecer um padrão. 62 K arl Marx, o C a p ita l, L iv ro I. 63 K arl M arx, F ond& m ents..., A nthropos, t. 2, p. 290. 64 «A baixa de ta x a de lucro (resu ltad o da ten d ên cia para acum ular — P. S .) p rovoca a concorrência entre cap italistas; não é esta que p rovoca aquela» (K. M arx, O C a p ita l L ivro III, t. 1, cap. 16). 65 Ou ainda: «N a concorrência, esta ten d ên cia inerent,e ao capital em geral a p a rece ao capital particular como um a lim itação exercida sobre ele pelos ou tros c a p ita is... A su a característica essencial é a p a rec e r com o acção recíproca de todos os capitais: E um a ten dên cia in tern a , com o que im p o sta do e x te rio r.» (K. M arx, F o n d e m e n ts..., p. 371, sublinhado por m im .) 66 K. M arx, O C a p ita l, L ivro IH , t. 1, cap. 15, e; ig u a l­ m ente: «íâ certo que a concorrência n ivela e igu aliza a ta x a de lucro, m as não cria a m edida (. . . ), só a relação fu ndam ental entre trabalho e cap ital o pode fazer.» (F o n d e m e n ts..., t. 2, p. 46.) 67 «....R esulta que ca d a ca p ita lista individual, bem com o o conjunto dos capitalistas, em cada esfera de produção p a rti­ cular, participa n a exploração, d e tod a a cla sse operária pelo conjunto do capital e no grau d esta exploração, não som en te por sim p a tia geral de cla sse, m as tam bém p or in teresse económ ico directo.» (K. Marx, O C apital, L ivro III, t. 1, cap. 10.) 68 Idem , ibidem . G ostaríam os que Oartelier, em v e z de afirm ar perem ptoriam ente que a teoria dos preços de produção não pode exprim ir o fenóm eno de exploração, lesse com m ais cuidado este capítulo 10, p ois ta l serv iria para refu tá -lo ! Mneontram os um a p osição um pouco sem elh an te em B enetti, quando escreve: «Contudo, v im o s tam bém que a relação, entre lucro e m ais-valia, n ão pode se r dem onstrada na b ase do es­ quem a de transform ação dos valores em p reço ... A razão disto e stá em que a s ca teg o ria s de v a lo r e de m a is-v a lia n ão têm som en te um estatu to p o sitiv o (com o as categorias d a econom ia p o lítica ), m as tam bém um estajtuto crítico.» (Op. c it., p. 151.) 69 K. 'Marx, O C apital, L ivro III, t. 1, cap. 10 (sublinhado por P . S .), e igualm en te: «P elo n o sso desenvolvim ento, m o s­ trám os com o o valor de m ercado ( e tudo o que fo i d ito é válido, com a s restrições n ecessárias, p a ra o p reço d e p ro d u çã o )...» 70 H. E e n is , V aleu r e t catpitalism e, Ed. S ociales, 1957, p. 60.

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SOBRE O VALOR — ELEMENTOS PARA UMA CRITICA

71 Com preende-se, desde já, que a so m a dos v a lo r e s indivi­ duais corresponda n ecessariam en te à so m a dos v alores d e m er­ cado. -Para m ais porm enores: O C a p ita l, L ivro IH , t. 1. 72 A grandeza de v alor não deveria se r confundida como v alor de troca. L em bram os que p ara M arx «A grandeza de v alor exprim e, pois, um a relação de produção, -o- laço íntim o, que há entre um artigo qualquer e a porção de trabalho social n ecessário -pa-ra lhe dar lugar. D esde que o v alor se tran sform e em preço, e sta relação aparece com o um a relação de troca.» (K. M arx, O C apital, L ivro X.) Cf., in fra , secçã o 1. 73 «Se a procura s-e sobrepõe, m esm o -que se ja pouco, â -oferta, é o valor individual das m ercadorias produzidas n as con­ dições d esfavorá v eis que reg u la o preço de m ercado.» (Idem, ib id em , L ivro II, t. 1, oap. 10). «S e a procura é fra c a em relação à oferta, a fracção favorecid a, qualquer que seja a grandeza, a tin g e urna posição dom inante, fazen d o que o seu preço corres­ ponda ao seu valor individual.» (Idem , ib id em .) Há -algumas v ezes confusão n o texto de M arx, no uso dos term os preço d-e -mercado e valor -de m ercado. E sta s con fu sões parecem ser o resultado de um a m á trad u ção d a l . 1 edição, como o indica u m a n ota d a p á g in a 200 da edição fra n cesa de L a Plêiade. 7“* Idem , ibidem . F om os nós que sublinhám os. 75 O ciclo do capital produtivo, an alisad o no Livro TI, é o da reprodução do c a p ita l: «Em P. . . P ’, P ’ não exprim e a pro­ dução da m ais-valia, m as sim a cap italização do -capital que é efectuada.» (Idem, ib id em , L ivro II. t. 1.) 76 «A relação entre a o ferta e a procura explica, pois: P or um lado, as próprias diferenças d os preços de m ercado em rela­ ção aos valores de m ercado; por outro, o ten dên cia p a ra r&dus ir e sta s d iferen ça s; isto é, a tendência pa-ra anular a acção- da relação entre a o fe r ta e a procura.» (Idem , ibid., L ivro III, t. 1, cap. 10. Sublinhado por P. S .). 77 Idem , Ib id em , sublinhado por P. S. 78 Já h avíam os notado que M arx u tiliza m u ita s vezes, ao n ível do Livro III, o term o valor, em v e z de valor de troca. Com o cap ítu lo 10, e s ta am biguidade desaparece, p ois M arx an alisa a-s flutu ações de preço de m ercado, em relação ao valor de m ercado (de troca) e não -em torno do valor. E sta am bigui­ dade reaparece. Contudo, quando M arx indica que tudo o que fo i escrito sobre o v alor de m ercado é válido para o preço de produção. Só no fim do seu capítulo ele esclarece o «eu pensa­ m en to e avança o conceito de p reço de produ ção d e m ercado, que com para ao valor de m ercado (p. ex. p. 213). T erem os assim o s seg u in tes pares: valor-preço de produção: valor de meroado-preço de produção de m ercado (form as fen o m en a is). A tran s­ form ação do prim eiro im p lica a do segundo e traduz a p assagem d e um n ível de abstracção a outro. 7» A com p osição o rg â n ica do cap ital eleva-se n o tem po de um a m an eira caótica, en trecortad a p ela s crises. E sta elev a ­

PARA UMA INTERPRETAÇÃO

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ção da com posição o rg â n ica do -capital traduz a aparição de novos sectores d e iponta. P aralelam en te, a n tig o s ¡sectores de pon ta tornam -se ¡retardatários, com o o do têx til natural. A su a com posição orgânica não segue, a o m esm o ritm o, o m ovim ento ascendente da com posição o rgân ica geral. Pode, pois, dizer-se que os ram os retardatários são caracterizad os .por um a com po­ siçã o orgânica m a is baixa. C ontudo, o aum ento d a com posição orgân ica é de n atu reza a fa z e r b aixar a ta x a de lu cro geral. Ê isto que ex p lica que o s ram os de .ponta, por um lado, ten tem im prim ir ao se u capital con stan te um a rotação m a is rápida (o que dim inui a com posição org â n ica ) e, .por outro lado, b enefi­ c ie m d a intervenção do E stado. E sta interven ção do E stad o con­ duz à desvalorização (depreciação) do seu ca p ital constante, o que age de um a m aneira fa v o rá v el sobre a ta x a geral de lucro e sobre as su a s ta x a s m a is particularm ente. A interven­ ção do Estado, assim como a m aior rotação, a g e sobre o n ível d a ta x a m édia de lucro do sector privado e sobre o n ív el da ta x a de lucro dos secto res chave. T em por função, p or um lado, •travar a s crises de superprodução e favorecer a acum ulação n os sectores-eh aves (é o que se cham a h oje redesdobram ento). M as e sta in terven ção situ a -se e m relação « o m ecan ism o qu e d e sc re v e ­ m os. T em ,por fu n ção a cen tu a r a tran sferên cia de m ais-valia social, .precisam ente dos secto res retardatários, para os sectores de ponta e m an ter um certo n ível d as ta x a s de lucro. N este ú ltim o caso, situ a -se em relação' à s contradições, que a lei da b aixa tendencial d a ta x a d e lucro im plica. 80 P oderá acrescen tar-se que a concorrência será , então, m a is exacerbada, quanto a lei de baixa ten den cial de lucro c o ­ m eçará a exercer os seu s efeito s n efa sto s sobre a ta x a d e lucro. 81 lOomo m ostrám os atrás, os m onopólios apenas podem tr a v a r este m ovim ento do capital. Os sobrelucros dos m onopó­ lio s são, poirtanto, transitórios. N ã o podem ser etern os. N este sentido, os m onopólios estão su je ito s à lei do valor, m esm o que se possam desligar d ela tem porariam ente. C f. S alama, J. V alier , op. cit., caps. 1 e 3. 82 p , iMattick , M a rx e t K e y n e s, Gallim ard, pp. 56-57. A análise de iMattick é contudo incom pleta, n a m edida em que e stá cen trad a exclusivam en te sobre as san ções r esu lta n tes da evolução das necessid ad es so cia is e não trata das san ções ao n ível da produção. P od er-se-ia fa z e r a m esm a crítica ao seu a rtig o contra iSamuelson. 83 P or outro lado, sa b e-se que o s bens, ditos d e luxo, te n ­ dem a «proletariar-se». A procura d os bens de consum o dura­ douros cresce m ais depressa que a dos bens de con su m o n ão duradouros. E ste 1.° su b sector é caracterizado por u m a compo­

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SOBRE O VALOR— 'ELEMENTOS PARA UMA CRÍTICA

sição o rgân ica do cap ita l m a is elev a d a em geral (ex cep to no que d iz respeito- ao pequeño; m a teria l electrodom éstico, tra n ­ sistores, etc.), do que n o 2.° su b secto r d e b ens de consum o. A su a expansão conduz a um a procura de bens de equipam ento, ta n to m ais elevada quanto intensa. 84 Pa.zendo lato, ele denuncia o carácter ap ologético da econom ia vu lgar (b u rgu esa). M as e sta denúncia, p or s i só, não pode con ferir-lhe o carácter de crítica da econom ía p olítica. Só o- adquire, porque perm ite, de início, fa z e r a an atom ia d a socie­ dade burguesa, porque é um rneio para a acção !

C O N C LU SÃ O D A 2.a PA R TE

Algumas palavras p ara resum ir o nosso estudo. As hipóteses de base atribuídas a M arx, quer para ,o criticar, quer p ara o corrigir, levam à inutilidade da teoria do valor. Esta conclusão está contida nas hipóteses. Sendo as hipóteses falsas, igualm ente esta conclusão é falsa. As m ercadorias são im ediatam ente expressas em dinheiro antes mesmo que este as faça circular. D ito de outra form a, o valor de troca não é equivalente nem ao valor, nem à gran­ deza do valor. É somente um a form a fenom enal de valor e a sua expressão. Este ponto perm ite analisar as form as de valor. O preço de m ercado, form a necessária da aparição do valor, flutua, quer em torno do valor de troca (m ercado), quer em torno do preço de produção do m ercado. D esde logo, o erro fundam ental denunciado só pode ser um , um a vez que o custo de produção é expresso im ediatam ente em term os m onetários. Os preços de produção são a expressão da lei do valor ao nível dos capitais diversos. A transform ação dos valores em preço de produção significa a passagem de um nível de aproxim ação do real a outro. O prim eiro nível de abstracção (capital em geral) é contudo necessário. A transform ação não é senão a aplica­ ção dos ensinam entos extraídos a este nível de análise a um nível de abstracção mais próxim o do real. O real torna-se então um «concreto pensado». A unidade da sua diversidade aparente pode ser com preendida. Os preços de produção, porque expressão da lei do valor, perm item desde então in terp retar a anatom ia da sociedade burguesa, descobrir as suas contradições e fornecem , assim, um a arm a eficaz p ara a acção. O que é descurável p a ra aque­ les que pensam que «a arm a de crítica não pode substituir a crítica das arm as» ...

J

F. R. J. B IB L IO T E C A

i p p u n ÍNDICE

INTRODUÇÃO GERAL, I

.................................................................

— A POSIÇÃO NEO CLÃ SICA ................................. Introdução .......................................................................

9 15

1.

A D E D U Ç Ã O ............................................................ SECÇÃO 1. ;Filo,sofia e dedução .................. SECÇÃO' 2. A dedução propriam ente dita •

17 17 21

2.

A IN CO ERÊNC IA I N T E R N A .......................... ¡SECÇÃO 1. D os pequenos porm enores SECÇÃO< 2. ... a o verdadeiro problem a SECÇÃO 3. A s ten ta tiv a s d e resp osta dos c lá ssico s ............................................

'65 65

3.

76 107 108 100

E X T E R N A ........................................... 1. A cerca das n ecessid ad es ... • >2. O todo e a s p a r t e s ................... 3. U m a troca d irecta gen eralizad a ou o e sta tu to da m e r c a d o r ia ..................... SECÇÃO 4. P reço d e a lu g u er e preço,de com pra

111 11'5

I I — A S A N Á L ISE S RIiCARDIANA E ,M A R X IS T A ...........

117

1.

CRITICA SECÇÃO' SECÇÃO SECÇÃO

68

M ARX E R IC A R D IA N IS M O ...................................... SECÇÃO 1. M arx ricardiano ...................................... 'SECÇÃO1 2. O prolongam ento d as críticas: o m o­ d elo d e S r a ffa .......................................

125 125 139

RESU M O G ER AL DO CAPITULO I 2.

P A R A U M A IN TER PRETAÇ ÃO , 'QUE P E R ­ M ITA C O M PREEND ER O PRO CESSO DE A C U ­ MULAÇÃO E A S S U A S CONTRADIÇÕES ... SECÇÃO 1. C rítica das h ip óteses atribuídas a M arx .......................................................... SECÇÃO 2. P a r a u m a interpretação' n ão rioard iana d a tran sform ação ...................

CONCLUSÃO D A SE G U N D A P A R T E .......................................

169 170 191 211