Sendo, se é: a tese de Parmênides

Table of contents :
SUMÁRIO......Page 5
PRÓLOGO......Page 7
INTRODUÇÃO......Page 10
AGRADECIMENTOS......Page 12
CAPÍTULO I – Apresentação de Parmênides......Page 15
CAPÍTULO II – Prolegômenos à tese de Parmênides......Page 33
CAPÍTULO III – A tese de Parmênides e sua negação......Page 57
CAPÍTULO IV – O sentido da tese de Parmênides (e de sua negação)......Page 83
CAPÍTULO V – A tese de Parmênides, o pensamento e o discurso......Page 111
CAPÍTULO VI – Apresentação da tese e de sua negação nos fragmentos 6 e 7......Page 127
CAPÍTULO VII – A negação da tese, as "opiniões"e o não-existente terceiro caminho......Page 161
CAPÍTULO VIII – A significação das "opiniões dos mortais"......Page 193
CAPÍTULO IX – O fundamento da tese: o caminho da verdade......Page 209
EPÍLOGO......Page 229
POST-SCRIPTUM 2010......Page 233
APÊNDICE – O POEMADE PARMÊNIDES......Page 235
FRAGMENTO I......Page 237
FRAGMENTO 2......Page 240
FRAGMENTO 3......Page 241
FRAGMENTO 4......Page 242
FRAGMENTO 5......Page 243
FRAGMENTO 6......Page 244
FRAGMENTO 7......Page 245
FRAGMENTO 8......Page 246
FRAGMENTO 9......Page 253
FRAGMENTO 10......Page 254
FRAGMENTO 11......Page 255
FRAGMENTO 12......Page 256
FRAGMENTO 13......Page 257
FRAGMENTO 14......Page 258
FRAGMENTO 15......Page 259
FRAGMENTO 16......Page 260
FRAGMENTO 17......Page 261
FRAGMENTO 18......Page 262
FRAGMENTO 19......Page 263
BIBLIOGRAFIA......Page 265
Autores antigos citados......Page 283
Autores modernos citados......Page 284

Citation preview

SENDO, SE É: a tesedeParmênides

NÉsToR

Lu1s CoRDERO

Tradução: EduardoWolf

ODYSSEUS

2011

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4 Int.eraacionai■l.l (caaara ar•• e!.•ra ':to i'ivro,

(CIP)

N::t~r:

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de Parmênides / ~~etor

Luia corde.:r:o ; {tradução Eduardo Wolf l . Sio Paulo ' OdyHeus Editora, 2011. Titulo

original:

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Panienidee l,

Filoeofia

antiga

2. P&rmênidea I,

Titulo.

CDD-183.5

111-09607 índices

para catálogo

1. Parmênides

: Filosofia

sistem4tico; pré-socrática

183, 5

© 2004 Parmenides Publishing Título original: By Being,It Is Todos os direitos desta edição reservados à: © 2011 Odysseus Editora Leda. Editor: Srylianos Tsirakis Tradução: Eduardo Wolf Revisão técnica: Alberto Barros Revisão: Pedro Ulsen Editoração eletrônica: Lucas Consolin Dezotti Capa: Geysa B. dos Santos / S.T.

OdysseusEditoraLtda. R. dos Macunis, 495 - CEP 05444-00! - Tel./fax: (11) 3816-0835

[email protected] - www.odysseus.com.br

ISBN: 978-85-7876-023-6

Edição: 1 Ano: 201]

Caminante ... sehacecaminoai andar. ANTONIO

MACHADO

Provérbios e cantares

XXIX

SUMÁRIO

Prólogo............................................................•..

ix

Introdução. . . . . . . . . . . . . . . . . • . . . • . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . xii Agradecimentos ................•.....•....................•...........

xiv

Apresentação de Parmênides. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 3 (A)

A

3

REGIÃO ........................................................................

(s) CRONOLOGIA

(c) VmA

5

....................................................................

...........................................................................

10

13 13 13

(D) ÜBRAS .......................................................................... (E)

o POEMA ........................................................................ (1) A RECONSTITUIÇÃO

(2) A FORMA

.........................................................

16

..................................................................

(3) Ü CONTEÚDO ..............................................................

2

Prolegômenos à tese de Parmênides .. . . . . .. . . .. . . .. . .. . .. . . . . . . (A) (B)

A THEORIA DE PARMANIDES ....................................................... A APRESENTAÇÃO ALBGÓRICA DO CONTBÚDO DO POEMA

(e) "DEves

3

INVBSTIGAR TUDo"

21 21 24 35

••.•••••••••••••••••••••••

(1.28) ................................................

A tese de Parmênides e sua negação ............................ (A)

A

(e)

43 43 46 50 52 64

ALTBRNATIVA NO FRAGMBNT0 2 ...............................................

(e) Os

4

18

DOIS ÚNICOS MODOS DB "eNCAMINHAR" o PBNSAMBNT0 •••••••••••••••••••••••

3 e s Do FRAGMBNTO 2 .................................................. (1) f.STINISOLADO B SUA NBGAÇÃ0 .............................................. (2) Ü C0MPLBMBNT0 MODAL DO ISOLADO ill/N B DB SUA NEGAÇÃO •••••••••••••••

VeRsos

O sentido da tese de Parmênides (e de sua negação) ............. A GRAMÁTICA DO "seR" .......................................................... (e) A SIGNIFICAÇÃO DB "seR"B o RBT0RN0 DA QUBSTÃ0

69 69

(A)

DO SUJBIT0 DB EsTIN

BM 2.3A .•..•..••....•.•.•...•••.•••.•.•.••••••••••••• (e)

A

ABS0LUTIZAÇÃ0

• • • •. •. • • • • • • • • • • • • • • • • .• • 71

DO FATO DB SBR, A NBGAÇÃ0 DA TBSB 6 OS CAMINHOS

75 81 (e) ÜIFBRBNÇA eSTRUTURAL eNTRe AFIRMAÇÃO e NeGAÇÃ0. • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • 85 (F) PoR QUe A NeGAÇÃ0 DA Tese é IMPOSSIVeU ........... • • ........ • • • ........ • • .. • 93 DB INVBSTIGAÇÃ0

(D)

5

A

..............................

• • • • • • • • • .. • • • .. • • ......

OPOSIÇÃO BNTRB A TBSB B SUA NBGAÇÃ0 ••••••••

• •..•

A tese de Parmênides, o pensamento e o discurso ............... (A) Ü PeNSAMBNT0 (B) Deve-se

Se eXPReSSA GRAÇAS AO SBR••.•.

DIZeR e Deve-se

(c) iMPOSSIBILIDADe

PeNSAR QUe seND0,

• • .. • • • •

• • • • • • • • • • • • • • • • • • • .. • • • • •

97

• • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • 98

se é .............

De PeNSAR e De DIZeR O QUe NÃO eSTÃ SeND0.

• .. • .... ·• .. • .... 105 • • • • • • • • • • • • • • • • 108

6

Apresentação da tese e de sua negação nos fragmentos 6 e 7 . . . • • . 113 (A)6.IB-6.2A REAPRESENTA O PRIMEIRO CAMINHO DE INVESTIGAÇÃO••••••••••••• • • • • .114 (B)RELAÇÃO ENTRE 6.I-2 E O FRAGMENTO 2 •• •. • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • 118 (c) VERDADE, PERSUASÃO E ENGANO ••••••••••••••

A EXORTAÇÃO A

(D)

••••.•••••••••••••••••••••••••••,•

NÃO EXISTE ••••••••••••••••

• •••• ••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••

(E) PARMÊNIDES NÃO DIZ QUE É PRECISO "sE AFASTAI( EM 6.1B-6.2A

A

(F)

120

PROCLAMAR QUE É POSSfVEL SER E QUE O NADA

••••••••••••••••••••••••••••

.123

DA TESE EXPOSTA

• • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • •, • • • • • • • • • • • • 126

ORIGEM DA NOÇÃO DE 'AFASTAR-SE" COMO CONJECTURA

EM 6.3 •. • • • • • • • • • ••••

, •• 131

(G) RECUSA DA CONJECTURA "TE AFASTO" •• , •••• • •• ••• •• •••••••••,••••••,••••,••••,.

A TESE

(H)

EXPOSTA NO FRAGMENTO 7 •••••••

(1) UMA SOLUÇÃO POSSfVEL PARA A LACUNA DO VERSO 6.3 •••••••

(J)0 7

136

, • • • • •, •, • • •, • • • • •, • • • • • • • • • , • • • • • • • • • .137 , •• , ••• • • •••••

, , ••••

140

APRENDIZADO DO FUNDAMENTO DOS CAMINHOS NO FRAGMENTO 6 •••.•••••••••

144

A negação da tese, as "opiniões" e o não-existente terceiro caminho . . . . . . . • . . . . . • . . . . . . . . . . . . . . • • . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 147 (A) Os SENTIDOS E O INTELECTO ERRANTE NÃO DISTINGUEM E O NÃO SER •••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••. (B)

0

, •. , •••••...

152

LOGOSCOMO CRITÉRIO PARA JULGAR A CRÍTICA DO CAMINHO FORJADO

PELOS HOMENS •••••••••••••••••••••••••

(c) 0 (D) 0

ENTRE O SER , •• , .•••••••••

,., •••• , •••••••••

SIGNIFICADO DE LOGOSEM PARMÊNIDES ••••••••••

, •. , ...•.

,., ••• , ••..

HIPOTÉTICO "TERCEIRO CAMINHO" •••• ,., •• ,., •• , ••• , •• ,.,.,

, ••....

, •• , ... ••....

, , •• , .. 158

, •• , •..•...

160

, ••••......

163

(E) CONFIRMAÇÃO DA EXISTÊNCIA DE APENAS DOIS CAMINHOS DE INVESTIGAÇÃO ••••••••••••••••••••••

8

, .••••••

, •• , .....•••.•

, , , •.....•

A significação das "opiniões dos mortais" ....................... (A) DóXA NÃO É APARÊNCIA .. , •••••••••••• (B)

0

, •. , .......

OBJETO DAS OPINIÕES .....................

(c) A DóXAE OS NOMES

,., ••••• , •• , ••••..

O fundamento da tese: o caminho

(D) Os PRIMEIROS SEMATA:O QUE ESTÁ SEN~~-~

A

IM0B!LID

179

,., •...........•....

,, •...

,.,

,...........

.. l8I

l8J



, •.••............... ..•.•. ••••••.•••

, .....

::.::::::

, .... , ..........••...... • · · • .. • • · · · • · · · ·,,

•,,,.,

da verdade ..................

0 ÚNICO CAMINHO QUE RESTA ... , • , .......... (B)Os SEMATADE EsTIN.......................... (c) 0 ÂMBITO EM QUE OPERAM OS SEMATA (A)

(E)

, ••••.

169

0

•••••••••••••••

(D) Os FORMADORES DE OPINIÃO •••••••.••.••••••••• (E) 0 CONTEÚDO DAS OPINIÕES ••••••••••••••••

9

, • , •..•

ADE •••••••••••.•••.•••••••.••••

195

· • · • • • · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · 1'15 .••..••.•.. , ...•...•... , ........... 198

-~~~~~~ ... •. • ...................

(F)

.....

··········2

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...... . '' '''''

' 188 .. 190

.

, ....•.•

A HOMOGENEIDADE (G) A UNIDADE ........ ::::::::::::::::::::::::::::::: (H) A VERDADE..........................

18 5

• • · · · · · · · · • • ·,,

º~

'.206

' ..

. .. , ...........

.lll

Epílogo..................... . Post-scriptum 2010. . . . . . . . . . . . · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · 215 Apêndice:oPoemadeParm~~~~~~-··· .............................. . 219 Bibliografia .................................. 221 1ndices ..........

·. · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · 2 'i 1

.··········· ............................. .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 269

PRÓLOGO

Os historiadores da filosofia costumam recorrer a Platão para confirmar a importância que, já em seu tempo, havia adquirido a filosofia de Parmênides, e citam a respeito não apenas a célebre passagem do Sofistana qual o Eleata é qualificado de "pai" - espiritual, evidentemente - do protagonista do diálogo (241d) como também o texto do Teeteto que o trata de "venerável"e de "temível" (183e), segundo a forma homérica aplicada ao respeitável Príamo

(Ilíada,3. 172). Em

geral, as citações do texto platônico detêm-se, curiosamente, nesse ponto. Platão, contudo, continua ocupando-se de Parmênides na frase seguinte, e nela encontrase uma verdadeira confissão, prova da lucidez e da sinceridade com que o filósofo encara o pensamento de seus antecessores. Parmênides,

dizPlatão, "pareceu-me

possuir um poder que denota uma profundidade absolutamente cheia de nobreza. Ainda assim, temo que não compreendamos suas palavras e, mais ainda, temo que aquilo em que pensava ao dizê-las esteja muito além de nós" (184a). Estas palavras de Platão foram desde sempre, para nós, um convite, e mesmo uma provocação, para interessarmo-nos pela filosofia de Parmênides. Menos de um século depois de sua morte, já Platão confessa que teme não compreender o sentido da filosofia do Eleata, mas isso não o impede de reconhecer seu imenso valor e, especialmente, não o impede de criticá-la ou, até mesmo, de refutá-la. Isto supõe que, seja qual for o sentido autêntico das ideias de Parmênides, elas foram recebidas por Platão de certa maneira, e é esse Parmênides o que Platão combate ou, se se prefere, retoca e até melhora. Hoje, quase vinte e cinco séculos depois, vemos que o parmenidianismo que Platão critica é uma combinação de ideias próprias do Eleata, às quais se somaram ingredientes das doutrinas de Zenão e de Melisso, e que este conjunto explosivo estava muito provavelmente representado por Antístenes no momento da escritura do Teeteto e do Sofista'(veja-se nosso "Epílogo"). Tudo isso, entretanto, é secundário: é a

1

Anos 369-367 a.C., aproximadamente.

Prólogo I

ix

imagemque Platão tem de Parmênidesque lhe conduz a se interessar por ele. E esseprocedimentosegue vigenteaté hoje. Outros filósofosda Antiguidade (Aristóteles,Plutarco,Sexto Empírico,Simplício)nos ofereceram"outros" Parmênides.E outro tanto fizeram os numerososdoxógrafos,que frequentemente privilegiaramum Parmênides "cosmológico", Essadiversidadedepontos de vistaencorajou-nosa tentar decifrar aque-

laspalavrasquejá para Platão eram enigmáticas.Pretendemos, portanto, desde nossa visãopós-moderna, apreender o pensamento de Parmênides em uma perspectivamais privilegiadado que aquelas a partir das quais o estudaram seus sucessores?Em absoluto.Mas não devemos cair no extremo oposto de aceitarcegamente,sem espírito crítico,o ponto de vista dos autores clássicos. Não nos esqueçamosque, ao comentaro pensamento de seus predecessores,eles não pretendiamfazer "história da filosofiá'.Dialogavam com ideias, não com personagensreais.E essespersonagensreais se expressaram,talvez, oralmente, mas a maiorparte deles - e, entre esses,Parmênides - escreveram textos.Quase milagrosamente, passagensdessestextoschegarama nós2, e - trata-se, em nosso caso,de um partipris,ou, se se prefere,de um preconceito- neles deve basear-se toda a interpretaçãodo filósofo.Quando os autores antigos comentam essas passagens,devemser ouvidose respeitadoscomo testemunhas de primeira mão, mas que nem por isso deixaram de interpretar. É o caso de Platão quando cita e comentao que conhecemoshojecomo os dois primeiros versos do fragmento 7, no Sofista (237a,258d),ou quando Sexto Empíricotranscrevequase a rotalid.1dc do fragmento1 e apresentasua interpretaçãoalegórica.(Adv.M,1tl,. VII 111).Por outro lado,há certas passagensque não mereceram na Antiguidade a atenção que hojejulgamosque mereceme, neste caso, podemos exercer, também nós, o direitoa interpretar• É o caso do fragmento 2, do fragmenro 6 e do primeiro · · verso•do. fragmento 8, que hOJe · parecem expor o nuc · 1co do pens.1menro de Parmerudese que na Antiguidade runguem · , comentou nem citou . . (s.1lvose.·isso ocorreuem textosperdidos)durante onze séculos,até o século VI de nos.-..1 a.1 1•

:No caso_deParmênides,veja-senossocapítulo 1 (e). Com efeito,as únicascitaçõesd essestextos encontram-seem Prodo e em Sunplino. X

I Sendo,se é: a tesede Parmênides

Todas essas considerações teóricas (ou, se assim se quiser, preconceitos), nos fizeram privilegiar, há alguns anos, o estadodo texto do Poema. Toda nova interpretação da filosofia de Parmênides, ou toda crítica de interpretações anteriores, deve apoiar-se em um texto que se aproxime o máximo possível do original perdido. A hercúlea tarefa levada a cabo durante séculos por filólogos e estudiosos dos manuscritos antigos oferecia-nos um ponto de partida firme, mas muito ainda ficava por fazer. Passagens do Poema permaneciam inexplicavelmente obscuras (por exemplo, por que a deusa ordena que o jovem se afaste de um caminho verdadeiro no verso 6.3?Como se pode afirmar-se que o pensamento está expresso no ser, como parece dizer o verso 8.35?). Por esta razão, desde que nossa presença na Europa tornou isso possível, decidimos realizar uma revisão da tradição manuscrita das citações (erroneamente chamadas "fragmentos") do Poema de Parmênides com o objetivo de propor uma nova versão purificada de certos erros que haviam se acumulado ao longo dos séculos. Um primeiro resultado de nossa busca foi apresentado em 1971 como tese de doutorado4, e vários anos depois com o livro Lesdeuxcheminsde

Parménide(1997) 5 completamos nosso trabalho. Novas investigações acerca das fontes manuscritas das primeiras edições do Poema, assim como uma mudança de perspectiva em nossa valorização dos "dois caminhos", permitemnos apresentar hoje esta nova versão da "tese" de Parmênides. Neste trabalho, além disso, levamos em consideração comentários e críticas suscitados por nossos estudos sobre Parmênides e, quando isso é possível, defendemo-nos ou fazemos, resignados, certas retificações. É impossível entrar na filosofia de Parmênides sem se contagiar. Esperamos que o eventual leitor deste livro compartilhe esta ideia.

NESTORLUIS CORDERO Universidade deRennesI, França

• Paris, Sorbonnc. Orientador: Pierre-Maxime Schuhl. 'Primeira edição: Paris-Bruxelas, Vrin-Ousia, 1984. A segunda edição é corrigida e ampliada.

Prólogo

xi

INTRODUÇÃO

A interpretação de Parrnênides que proponho neste trabalho é resultado de mais de quarenta anos de investigações acerca do grande filósofo eleático. Nada assegura, no entanto, que essa interpretação seja definitiva. Os cento e cinquenta versos que puderam ser recuperados de seu Poema (apenas três ou quatro páginas de um texto impresso atual) parecem ser inesgotáveis: cada palavra é uma espécie de bomba relógio, ou, para usar uma metáfora mais agradável, uma espécie de fogo de artifício que, uma vez aceso, espalha-se em variadas cores. Consciente dessa riqueza, minha tarefa principal consistiu em, durante muitos anos, "depurar" o texto do Poema, texto que ao longo dos séculos foi abrigando leituras equivocadas e, pior ainda, conjecturas excessivamentefantasiosas. Uma leitura direta das principais fontes do Poema (entre elas, os manuscritos de Proclo e de Simplício existentes atualmente, entre outros), permitiu-me apresentar um texto que considero mais próximo do original que a versão clássica de

H. Diels.

Uma segunda etapa, que forma o núcleo central desse trabalho, consistiu em interpretar o texto, que já na Antiguidade foi objeto de leituras muito diferentes (Platão e Aristóteles, por exemplo, não parecem estar se referindo ao mesmo filósofoquando comentam Parmênides). Minha interpretação ressalta a contribuição original da filosofia de Parmênides com relação a outros pensadores de seu tempo, mas não pretende separá-lo do contexto filosófico dos pré-socráticos para fazer dele uma espécie de "pai" da oncologia. Pesquisadores eminentes que se interessaram por meus trabalhos sobre Parmênides consideraram que deles resulta um Parmênides eminentemente "oncológico", ~om acentos heideggerianos. Nada mais longe de minha intenção que uma interpretação como essa. M. Heidegger é precisamente o autor que, com sua admirável escrita poético-demagógica, impulsionou, desde meados do século XX, a interpretação neoplatôn'1cad e s· · Quan d o esse comentador de 1mpl'1c10. Aristóteles se interessou por Par • ·d fu di d . . meru es, con n u os 01smodos de enfo,:ar XÜ

Sendo,se é: a tese de Parmênides

a mesma realidade (tudo o que é) que o filósofo propunha, com dois tipos de realidades (o ser e a aparência). Esse esquema, eminentemente platônico, herdava dicotomias inexistentes no tempo de Parmênides. As doxai,que em Parmênides são pontos de vista equivocados sobre tudo o que é (pántatà ónta), tornaram-se, assim, "as aparências': e isso permitiu a Heidegger afirmar que "em Parmênides, é na aparência que o ser se revelá' (Introdução à Metafísica, Cap. 4, §2), que é a afirmação mais antiparmenídica que se pode imaginar. Em Parmênides, o fato de ser (não "o ser") está em todas as coisas, que, em grego, são chamadas "entes" (ónta)precisamente porque são particularizações, e não "aparências" de um "ser" que precisaria "revelar-se".Um Parmênides platonizado é tão absurdo e anacrônico como um Aristóteles tomista. Parmênides é pré-socrático como os demais, que acrescentou uma espécie de axioma prévio à reflexão de seus contemporâneos: se há "coisas"(ónta) cujos princípios e características os demais filósofos buscaram, é porque se dá o fato de ser, que é necessário, único (não "uno") e absoluto, já que é impossível não ser. Parmênides é um pensador realista que justifica a existência de tudo aquilo que os demais filósofos investigam e não foi suficiente que se ocupasse do fato de ser para que fosse qualificado de "antólogo" pois, nesse caso, todos os filósofos que se ocupam de tà ónta o seriam. Disse acima que o texto de Parmênides não deixa de apresentar surpresas, e isso é assim porque sua riqueza está à disposição de quem o interpreta. Desejo vivamente que esse vírus filosófico contagie também os leitores brasileiros.

NESTORLUIS CORDERO

Introdução

I xiü

AGRADECIMENTOS

Se a filosofia ainda está viva hoje, isso se deve a dois fatores principais. O primeiro é a profundidade do pensamento dos filósofos gregos em questionar os fundamentos da realidade, profundidade que continua a ser, ainda hoje, a base de toda a verdadeira reflexão. Que conheçamos esse pensamento, contudo, e que estejamos aptos a apreciar os filósofos gregos em toda sua magnificência, isso devemos a um fator bastante distinto, frequentemente esquecido e ao qual quero pagar tributo neste agradecimento: o hercúleo trabalho dos milhares de intermediários anônimos que nos legaram os textos antigos.

É graças a esses copistas e escribas, verdadeiros operários desconhecidos do intelecto, que os textos que temos hoje puderam sobreviver. Na medida em que mais especialistas juntaram-se às fileiras de trabalhadores dedicados e comprometidos com o aperfeiçoamento da qualidade dos textos, aos poucos as artes da papirologia, da codicologia e da filologia foram nascendo. Nossa dívida e eterna gratidão para com esses servidores e transmissores das ideias do passado são fundamentais. Em nosso tempo, a tarefa de preservar os textos antigos está perto de sua conclusão devido à divulgação de livros antigos e trabalhos dedicados a grandes filósofos do passado. Um pequeno grupo de editores continua a tremenda tarefa dos velhos copistas. Nesse sentido, o trabalho da Parmenides Publishing é exemplar,pois dedica seus esforços a defender Parmênides como o verdadeiro "pai"da Filosofia. Estar entre seu seleto grupo de autores e partilhar dessa divulgação da filosofia de Parmênides faz com que me sinta orgulhoso. Sinceramente agradeço-lhes.

xiv I

Sendo,se é: a tesede Pannênides

SENDO, SE É

CAPÍTULO I

Apresentação de Parmênides

(a) A região Todos os historiadores da Grécia Antiga admitem que em meados do século VIII a.C. produziu-se um fenômeno inédito no interior do mundo helênico, constituído, como se sabe, por um coajunto de cidades autônomas que evoluíram paulatinamente em direção àquilo que formou, um século depois, a pólis democrática: trata-se da expansão - chamada equivocadamente "colonização"1 - rumo ao Ocidente 2 • Por razões diversas - que, não obstante, nada têm a ver com uma idealista "sede de aventuras" -, seja pela escassez cada vez maior de terras cultiváveis (fenômeno grego chamado stenokhoría), seja pela necessidade de buscar novos mercados para os excedentes de produção ou, simplesmente, por motivos particulares (invasões, catástrofes naturais)3, importantes grupos humanos partem, em geral, das cidades mais prósperas, em busca de novos horizontes. É o caso, em um primeiro momento, de Corinto, Mégara e Fócea. Precisamente da Fócea é que nos ocuparemos. Segundo Estrabão (XIV,1, 3 = 633), os focenses,provenientes de regiões vizinhas ao Parnasso, na Fócida, estabeleceram-se na Jônia em uma data que hoje podemos situar por volta dos séculos XI ou X a.C.4 e não apenas participaram tempos depois dessa expansão rumo ao Ocidente, como também, segundo

1 Finley diz que nessa época de crise uma válvula de escape foi provida pelo movimento chamado erroneamente de "colonização" (Finley,M.I., The Ancimt Greeks.Londres: Vicking Press, 1963,

PP·25). 2

Um estudo detalhado da questão pode ser encontrado em Boardman, J.,The Greeksoverseas.

Baltimore: Penguin Books, 1964, pp. 175-231. 1 Ver a explicação para as possíveis causas da expansão no capítulo "üxtensionDu monde grecà partir du VIIIe. siecle", cm Mossé,C. La Grecearchaique d'Homereà Eschyle.Paris: Seuil, 1997, PP·79-95. •cf.Huxley, G.L., The EarlyIonians.Nova Iorque: Faber, 1966, p.25.

Apresentação de Parmênides 1

3

Heródoto,"foramos primeirosentre os gregosque levarama cabo navegações longínquas;foram eles que descobriramo golfo Adriático, Tirrênia, Ibéria e Tartessos[Cádiz]"(I.163). Sabe-seque até o ano 600 a.C. fundaram Massália (Marselha)e que em 565 a.C. estabeleceram-se em Alalia, na Ilha de Córsega 5• Enquanto esse assentamentodos focensesera levado a cabo, um grave acontecimentoaceleroua partida de uma nova onda imigratória: em 545 a.C, Harpagão,um dos generaisdo reipersaCiro,invadea cidade-mãe,Fócea, cujos habitantes,em sua grande maioria,vãopara o exílio6. Quase ao mesmo tempo, uma aliançaentre etruscos e catarginensesataca os focenses da Córsega. Os gregosimpõem-se,mas as perdas que sofremsão tão consideráveisque eles são obrigadosa abandonar a ilha. É assim que focensesexilados do leste (Alalia) e do oeste(Fócea)juntam-se e desembarcamna Lucânia, poucos quilômetros ao sul de Nápoles e estabelecemali o assentamento de Eleia7• Alguns anos depois,nessacidadefóceano sul da Itália, Parmênides nasceu. Sem chegara um acordo,historiadoresdebatem sobre um certo detalhe, ainda que não muito importante para nós: no lugar escolhido para fundar a nova"colônia"haviajá uma populaçãolocal ou os fóceos ocuparam uma área nãohabitada:'O leitorque se interessapela questão pode recorrer aos trabalhos documentadosde E. Ciaceri8,J.Bérard9, G. Vallet e F.Villard 10, M. Napoli 11, E. Lepore12 e, especialmente,J.P. Morel13• Heródoto (1.167) diz que, na ver-

J.,La colonisation grecque de l'Italieméridionale ct de la SicilcJ.i11s l'A11t,,1,.,,rp,,.,· •. I' LJ 1: 1957,p. 267. . .• .,· · · ··

5 Bérard,

Cf. Huxley, EarlyIonians, p. 117. : C'."Pu~iese Carratelli, G., "Nascita di Velia",La parolaJd p,1swo25, 1970.P· ó0. C~cer1, E. Storiadei/aMagnaGrecia. Milão: Albrigui, Scgati & Co .. 1927. 9 Berard, La colonisation grecque. 10 Vallet, V. e Villard, F.,"Les Phocéens en M ·d· · O ·J la fondation d H '!"' La I dI e iterranec cc1 entale :a l'~po,1uc ar,h.11,111ccr • e ye e, paro a e passato 21, 1966, PP· 166-90. 11 Napoh, M., CivilitàdellaMagnaGrcciaRoma. E 00 .. Velia" La paroladelp t 25 1966 · · ur es, 1978, e 1~ ri,cr,a .1rd1colo~1·(t,. •2Dig ..• • . . ..Wlll ' ·• .armemdes111Byzannum, 1 o a maioria porqueexistemalgumasra . . semseratravésd · • lh'L_ rasexccçaa:n:.:rht-mosrmluu111,l1rr1~1,1un,l1;:cr. e c1taçoesreco em outras funtcs ) um texto ,l'W&>S e orgias,e.reccntemcncc & • •icf. Cordero N L 'Th· . d ,um .tgl11Clltoa1cm1~,Jn..1.wthr, ..t..,Jcl'.1111,...h·h. ' .• , 1Sto1n:u texte de Puménrdc". m: ft.,J" '"' P11rn1f111J,. \·,,;.,"" li p,.,. 40

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I4 1 Sendo,se é: a tesede Parmênides

ração panorâmica, a palavra "fragmento" aplicada a essas passagens não tem sentido; elas são citações - literais, podemos presumir (os filólogos não têm a última palavra quan.ço a isso, mas possuem, de fato, as ferramentas que lhes permitem estimar a confiabilidade do texto) - de textos perdidos. Citações do Poema de Parmênides começam bastante cedo: a primeira fonte é Platão, menos de um século depois da morte do filósofo. Platão transcreve umas poucas linhas

no Sofista,no Teetetoe no Banquete44. Então,

é a vez

de Aristóteles, Plutarco, :Sexto Empírico, e assim por diante, até chegarmos a Simplício. As citações são, por vezes, curtas (duas sou três palavras), mas, por vezes, especialmente nos casos de Sexto Empírico e Simplício, podem ter mais de 30 linhas. Em mais.de uma ocasião, a mesma passagem é citada uma série de vezes (esta é a situação ideal, pois quando há divergências, podemos escolher a versão que parece coincidir mais aproximadamente do original); em outros casos, existe apenas uma fonte, e nossa interpretação depende inteiramente dela. Para tentar reconstruir o texto perdido, era necessário reunir todas as

citações dele que pudessem ser encontradas. O sucesso dessa tarefa depende, em boa medida, do estado das fontes,ou seja, do livro que traz cada citação do Poema. Alguns desses textos chegaram a nós de maneira completa, e foi possível reconstruí-los porque diversas cópias manuscritas sobreviveram à passagem do tempo 45 • Outras obras foram mais castigadas pela história, e sua reconstrução exige esforços verdadeiramente homéricos. As tentativas de reconstituição do Poema de Parmênides começaram pouco depois do Renascimento; contudo, apesar de serem meritórias e dignas de louvor, havia textos clássicos ainda desconhecidos naquele momento, e as citações de Parmênides neles contidas não foram descobertas senão séculos mais tarde. Essas tentativas de reconstrução vão de Henri Estienne (Poesis philosophica, 1573) a Hermann Diels (DieFragmente der Vorsokratiker, 1903)46 • Graças a esses trabalhos de re-

bl,•mcid'i11trrpra, B,l.t ,Ir, \Vcgc• un verwandte Vorstellungen im früh · h' h r.. • 1-223 A . d . gncc ISC cn uenkcn, Hcrrnri Emzd,dmlrrn 4. 19\7, p. . respeito essa imagem em Parmê 'd 0 d . . tulo 1 d M l m cs, csru o maas complcro ,onramu J .,., ,, ( ..1p1• e oure atos, 1970, especialmente P· 16-24 "Tarán, 1965,p. 31. · 7

ºMarsoner, A., "Lastruttura dei Procmio di p . • . Storici5, 1976-78,P· 181. armcmdc • J\nn&J/1.kll /11,r,rur" /r.i/,.,,..,,..-,.(1,.,,,,J,

26 1 Sendo,se é: a tesede Pannênides

chamado de "viajante". É um personagem que falaem primeira pessoa e que afirma que decidiu levar a cabo uma viagem "até onde alcança seu thumós (fragmento 11). Essa noção (que Platão retoma em sua tripartição dasfunções 10 faz alusão a Homero não apenas a título de coragem da alma na República)

e de impulso 11 (que seria, em nosso caso, um equivalente da "vontade") 12, mas também inclui certa capacidade de discernir. Quando Circe apresenta a Odisseu os dois trajetos (hodoí:caminhos, rotas) que se apresentam para sua navegação (o de Cila e o de Caríbdis),diz a ele que terá de decidir em seu thu-

mósqual deles seguir (Od. 12.58). O thumósestá, então, relacionado também à deliberação. Trata-se de uma vontade reflexiva que medita, uma espécie de impulso sensato que determina uma ação em função de um objetivo claro e preciso, que deve alcançar-se, ainda que mediante grande esforço. Ou seja, Parmênides, enquanto mestre de filosofia, exige um esforço voluntário e consciente por parte de quem quer aprender13• Esse modo de encarar o acesso ao conhecimento contrasta com a atitude mais passiva do ouvinte das Musas e de outros "mestres da verdade" tradicionais, que tanto podem ensinar como enganar14.Nesses casos, o ouvinte deve confiar no mestre que, quando quer (ou "se quer", cf. Hesíodo, Teogonia 28), anuncia uma verdade. O viajante de Parmênides lança-se na busca pela verdade impulsionado pelo seu thumóse, uma vez que tenha assimilado a mensagem da deusa, julgará "através do raciocínio" (fragmento 7.5) os argumentos que acaba de escutar. Nada se sabe desse viajante. A deusa descreve-o como "kouros" ("jovem") quando o recebe, uma vez que a introdução à viagem se encerra (fragmento

Platão, República 439e-44lc. É o thumósque impele Demódoco a cantar diante dos deuses. (Odisseia, VIII, 45) ""Ardor", Riaux (1840, p. 207), e Cassin (1998, p. 71); "vontade",Untersteiner (1958, p.121); "coração",Tarán, ( 1965, p. 8 ); "ânimo", Gómez-Lobo, (1985, p. 27) e" impulso vital","vontade"(p. 30); "desejo",Conche (1996, p. 42), e Collobert (1930), 10; "espírito",Coxon {1986,p.44). ParaCasertano (1978, p. 13),é uma "paixão intelectual", e por essa razão traduz por "impulso de mínha mente". 11 Como diz Arrighetti, "o homem que sabe( ... ) alcançou a consciência total da força de seu intelecto e das capacidades do mesmo". Arrighetti,G., "ü:redità dell'epica in Parmenide", in Festchrift für RobertMuth wm 65. Grburtstag, ed. Haendel, P. e Meid, W. Innsbruck: Institut für Sprachwissenschaft der Universitat Innsbruck, 1983, p. 13. "Cf. Detienne, M .. Lts Maitresde vrrittdansla Grtcrarchai"que. Paris: Maspéro, 1967, P· 77: "Um mestre da Verdade é rambém um mestre do engano". 10 Cf. 11

Prolegômenosà tese de Parmênides 1 27

1.24),mas esseacljetivopode ser interpretado de diversasformas15.Apesar de não havernada mais natural do que o fato de que seja um jovem quem deseja se educar,esseepítetoexaltoua imaginaçãode vários especialistase se chegou inclusivea interpretaro relatodo fragmento1 como uma experiência autobiográfica.Segundoesseponto de vista,Parmênides não teria atingido seu akmé por voltados quarenta anos (como costuma se considerar arbitrariamente), mas muitoantes16• Não há nada que autorizeessa interpretação. Como ocorre nos diálogosde Platão,Parmênidesexpressa-sepor meio de sua porta-voz, que é, no seu caso,a deusa; Sócrates (e, esporadicamente,o Estrangeiro de Élea, Timeu,o Atenienseetc.) no casode Platão.Se a deusa se dirige a um ouvinte "jovem",este não é outro que um eventual"aluno"de Parmênides. O viajanteé conduzido em uma carruagem puxada por éguas. Que se trate de uma carruagem é algo normal17 : os deuses e os heróis (inclusive o Sol) viajamem carruagens quando o caminho é por terra. .. ou no céu 18• As viagenspor mar, por outro lado, são realizadas usando todos os tipos de navios.A referênciaa éguas,por sua parte, foi objeto de interpretações muito variadas.Para Gómez-Lobo,o fato é quase banal, porque "é o costume dos heróishoméricos"19.Mas isso nem sempre é o caso. Por vezes (por exemplo, II. 24.326,11.615)os heróis são conduzidos por cavalos. Como os órficos recorriamusualmente a éguas, falou-sede uma influência órfica cm Par-

15

Cos~o~e.~alisa o t~rmo kouros, •jovem",em um contexto inici~tko e deduz ,1ue 51g11 ifk .1 • !11:m experienc1a,o que supoe,forçosamente,que sejaum "jovrm"(Coagrow,M.R., -n,c k,,,ir,•• Motif m Parmenides", 19'..1974, p•94)• Corno se trata de uma d cus.i que !li: dmge J 11111 J,lcpro, _Phronesis .. t1arsoner profoe oh, ~ho '. como tradução (Mal'IOllcr, "La srrurrura dd Proenuo·. I'· 155). Sobre o carater aucob1ografico da referência, cf. Reinhardr (1916, P· 111)e K ranz, W . ""vor . · h "H sokrat1sc es, ermes69, 1934,P· 118. 17De todo modo é interessanteobse p· J _ "Th p f rvar que mwtro,um conremporlneoj.I'· ~). llm.a Jclt's.a e ptr ontat"""' ser cnconrrad.acm B ·1 · 68 61Cf.Político,294c8:todiàntói. •• rap, ...i,-r.awcmhl.m.c,lul.au•.r·4◄·. pa gign6111tn0n , o quept"rmarir,c.-lK'l11J'"' •. 63 64

Nrt~

40 1 Sendo,se é: a tesede Parmênides

"ao longo de todos [os tempos ]"68 • Todos esses elementos levaram-me a traduzir os versos 31-2 do fragmento 1 como expus acima: "Contudo, apesar disso, também aprenderás isto: como se houvesse sido necessário que as coisas que parecem existissem realmente, abarcando tudo incessantemente". Vários intérpretes encontraram nesses versos a aparição de um terceiro tipo de conteúdo do ensinamento, além da verdade e das opiniões. Tratar-se-ia das "aparências': sobre as quais Parmênides haveria igualmente se pronunciado. Já vimos que tà dokountanão significa "aparênciá', mas que retoma a noção de "opiniões".Além disso, um novo conteúdo de aprendizado não teria podido ser apresentado em uma frase de tipo adversativo-concessiva,iniciada por "contudo, apesar disso". É verdade que no texto encontra-se o termo "também" (kaí),mas tal termo refere-se à frase precedente e não à passagem seguinte: apesar da verdade das opiniões, tambémé preciso aprendê-las. PJ. Dehon mostrou que o significado de "kaí"aqui é adverbial 69, "inclusive",e a razão do aprendizado de um conteúdo de pensamento errôneo está explicitada pelo próprio Parmênides ao final do fragmento 8, no qual, após haver exposto um discurso sobre "as opiniões dos mortais" (dóxasbroteías, 8.51), referente a uma espécie de cosmologia, assinala que ele anuncia (phatízo)esta ordem cósmica (diákosmon) totalmente verossímil (pántaeoikóta)"paraquenenhumpontodevista[gnóme] dos

mortaisteprevaleça [parelássei]. A verossimilhança do discurso pode convencer a quem conhece a verdade. Somente depois de haver percorrido o caminho da verdade serão obtidos os elementos necessários para apreender a falsidade das opiniões. Por essa razão, quem pretende "saber", deve estar a par delas.

Tal é o senrido de diàpantósem Sófocles, Ajax, 105; Xenofonte, Anábasis,VII, 8, 11; Heródoto, I. 12, e Tucídides, V. 105: "nós sabemos que os deuses reinam sempre (dià pantós) pela necessidade de sua natureza". O significado temporal surge especialmente da combinação de pántacom diàpantós,como em Hipócrates, D, victu,1.1. 69 Dehon, "Les recommendations de la décsse", P· 273. 68

Prolegômenosà tesede Parmênides 1 4I

CAPÍTULO III

A tese de Parmênides e sua negação

(a) A alternativa no fragmento 2 Depois de ter apresentado alegoricamente o conteúdo de sua filosofia e, especialmente, depois de ter mostrado didaticamente que a verdade somente poderá ser alcançada se o pensamento encaminha-se como é devido (quer dizer, se se segue um caminho, um hodós,o qual supõe adotar um met-hodós, ou seja, um método), Parmênides, por intermédio da deusa, oferece ao futuro filósofo uma apresentação rigorosa de sua tese. Este texto fundamental, curiosamente, somente foi citado pela primeira vez mais de um milênio depois de sua escritura por parte de Parmênides, pois suas fontes mais antigas são Proclo e Simplício, quer dizer, dois autores do século sexto de nossa era 1• Proclo transmite sete versos em seu comentário ao Timeude Platão (1.345, 18-27) e repete os versos 5 e 6 em seu comentário ao Parmênides (1078, 4-5). Simplício, de sua parte, somente transcreve os versos 3 a 8. Convencionalmente, esse texto tem sido considerado como "fragmento 2", pois seu conteúdo parece seguir imediatamente às ideias expressas nos últimos versos do chamado "fragmento 1"2• A passagem em questão começa da seguinte maneira: "E, bem, eu direi"3. Vejamos, agora, o que a deusa dirá.

1

Sobre esse curioso faro, veja-se meu trabalho 'Thistoire du texte de Parmenide", in E.tudessur

Parménide,Vol. II, ed. Aubenque,P., Paris: Vrin (1987), p. 3-24. 2

Nas primeiras edições do Poema, contudo, esse texto era considerado como "fragmento 4".

Veja-se nosso trabalho citado na nota anterior. 3 As primeiras palavras do texto, que traduzimos um pouco livremente por "E, bem, eu ... " (ei d'ág'egón), são utilizadas habitualmente em Homero para assinalar a continuidade de um relato. (cf. Ilíada,1.302, 19.108; Odisseia,1.169, 1.271). A respeito do texto que ora comentamos, convém esclarecer que a tradição manuscrita oferece em todos os casos a versão ei d'ágetôn,que não parece ter sentido. A conjectura aceita hoje de maneira quase unânime (com a exceção de R. Vitali (1977, P· 33]. que propõe "ág'etônrreo" e traduz "Orsu,io amole cosevere") e que pode estar baseada na

A tese de Parmênidese sua negação

43

Da mesma maneira pela qual no fragmento 1 Parmênides havia mosseiaconhecernão pode avançar às cegas,caoticamente, sem trado que quem de ~ C'___ rumo nxo, a apresentação rigorosada tese que encontraremos neste fragmento 2 terá a forma de um caminho pelo qual deverá encaminhar-se o pensamento de quem quer que queira chegarao "coraçãoda verdade". Parmênides - já o dissemos_ é O primeiro filósofoque argumenta, que dá razõesem apoio a sua tese.A filosofiaposterior forjaráa fórmula "lógondidónai"para expressar a noção de "dar razão"de algo,e o próprio Parmênides utilizará o termo lógosno fragmento7.5 com o sentido de "raciocínio".Um raciocínio não é um pensamento, é um conjunto de pensamentos relacionados de certa maneira. Mas esseencadeamentode pensamentossupõe uma sucessão ordenada, metódica. Por essarazão,Parmênidespropõe"encaminhar"os pensamentos, quer dizer, formarcom elesum raciocínio.O termo lógosfará alusão precisamente a essa sérieordenadae coerentede pensamentos,expressa em um discurso. Voltemosao discursoque a deusa apresenta ao começo do fragmento 2. Seráo casode propor uma tese,mas essaapresentação por parte da deusa será dupla.Esseprocedimentoé habitualem Parmênides: a verdade de uma noção sereforçaquando se mostra a falsidade (ou a impossibilidade) da noção contrária.No fragmento2 encontra-sea repetiçãodo esquema geral apresentado nos versos28 a 30 do fragmento1,que sustentavaa necessidadede investigar tanto o coraçãoda verdadequanto as opiniõesdos mortais, que não eram verdadeiras (poisnelasnão há verdadeiraconvicção).Essaalternativa entre verdade e não verdadereaparecequando Parmênides,depois de haver realizado a apresentação alegóricade seu ensinamento,põena boca da deusa, a partir do fragmento 2, a exposiçãorigorosade um verdadeirocurso de filosofia.A dcus.1apresentará um

confusãoexistenteentre y e •g" quando essasIceras furam rransl1rcrad,u tm m11111i1.-i1las (pois, . comose sabe,os textos clássicoseseavamescmos · cm m.11us.:ul.u). ·• • · 8 ~rrcn.·t a S. Kararrn ( 1 35, ) p.70 ,quepropõeretomarafórmul a homcnca. · · N a h'1pcxrsc · de qu. O erro dos mortais consisteprecisamente em ter considerado necessário propor apenasum ponto de vista:"o que eles não unificaram necessariamente (e nisso estão equivocados)"(8.54). Essa frase herda as dificuldades da precedente,pois mais uma vez trata-se de pôr em relação um adjetivo numérico, nessecaso,"uno"(mían)(pois uma tradução literal dessa passagem seria:"com os quaisnão é necessário[paraeles]tomar uno")."Uno" (que está no feminino) tanto pode se relacionarcom "pontode vista" (que em grego é fominino)como com "formaexterior".De acordocom minha interpretação, esse numeral confirma aquiloque disse:em vezde adotar um ponto de vista único (míagnóme), os mortais estabeleceram"dois pontos de vista".Ou seja, inquestionavelmente o numeral"uno"de 8.54 refere-se a 'gnómr'', e não a "formas exteriores"1º.E par essa razão a deusa permite-secomentar que "nisso estão equivocados"(8.54b). O sujeito da frase é indubitavelmenteos morrais, o relativo (cn hói)referese ao erro que eles cometeram, e o particípio (peplanemb101, correspondente ao verboplanáo)descrevesua atitude: planáosignifica tanto "errar","divagar" como "equivocar-se", e até mesmo "perder a oporrunidadc" (kairós:o momento

:

Sobre esseclichê,cf; Tucídides, 1.122r 6.17; lnmóatctM's, 10.59; lsé>,rau•s, 4.1 N. Cf. contra,Coxon: "nomru i~nas umi Formi n.io rsd ,rm,· (Coxon ll9Mil, 220).

0

I86 1 Sendo,se é: a tese de Parminides

oportuno ) 11• Os mortais cometeram um erro, pois, como a deusa já havia dito no fragmento 6, "a falta de recursos guia o intelecto erranteem seus peitos" (6.5-6) 12• Como afirma G. Germani, "os mortais não sabem aonde ir, estão desorientados, procedem ao azar em um movimento cheio de oscilações"13• E já vimos que P. Destrée comparou esse andar errante ao dos embriagados14. Os versos seguintes mostram que não apenas os mortais estabeleceram dois pontos de vista, senão que, em consequência disso, essa escolha levou-os 15 uma forma [o termo aqui é démas,que faz alusão a "distinguir [ekrínanto]

à forma no sentido de aspecto exterior, uma espécie de 'configuração'] confrontada consigo mesma [antía].Felizmente, Parmênides expressa essa ideia em uma frase coordenada com a anterior por meio da coajunção kaí ("e"), na qual ele afirma que os "mortais" também"estabeleceram [éthento]provas [sémata][disso] separadas [khorís]umas das outras" (8.55b-56a). Essa passagem é muito importante, pois Parmênides começa a "identificar" os "mortais".São pessoas que ofereceram "provas" de algo, mas essas provas, em vez de se apoiarem na disjunção, que é o núcleo da tese de Parmênides, são vítimas de um pensamento duplo, que separadois universos. Parmênides também oferecerá (como veremos) "provas","sémata" de sua tese, mas essas "provas"são coerentes: não separadas umas das outras, senão que derivam umas das outras. Como os mortais decidiram se expressar por meio de uma forma que é contrária a si própria, logicamente eles precisam oferecer "provas" contrárias, separadas, até mesmo contraditórias. Nos últimos versos de nosso atual fragmento 8, Parmênides fornece vários exemplos. Os fragmentos que seguem, até o assim chamado "fragmento 19", no qual dirá que "assim nasceram essas coisas, segundo a opinião, e assim existem agorá', propõem uma espécie de descrição aparente (portanto, enganadora, porque é "assemelhadá' à verdade) da realidade. Trata-se de uma

Cf. Píndaro, Nem. 8.4. "Errante" (plaktón)é uma forma do verbo plázQ,que é um sinônimo de planág_. n Germani, G., ''Alr,theie in Parmenide," La paroladeipassato43 (1988) 202. . . 14 Destrée, P., "La communauté de 1' être (Parménide, fr. B 5)," Revuedephilosophie anciennel 11 12

(2000) 12. 15 Coxon traduz como "escolhe" (Coxon [1986),221).

A significaçãodas "opiniõesdos mortais"

I87

explicaçãobaseadanas opiniõesque, como vimos, dependem de doispontos de vistaopostose ainda oferecem"provas"a propósito deles.

(d) Os formadores de opinião Quem sustentoua cosmovisãoque Parmênides expõe a partir de8.56/ Os candidatossão tão numerosos que a posição mais sensata consisteem desconsiderá-los. Fiel a sua descoberta, Parmênides poderia ter dito,como outro personagemimportante dirá alguns séculos depois, que "quemnão está comigo,está contra mim"16• Todo sistema filosófico,ideologia,maneira de pensar ou o que for que ignore a tese segundo a qual "sendo,se é'; será vítimadasopiniões,pois estará condenado a relativizaro fato de sere a fazê. lo convivercom seu contrário,o que não está sendo. Para ilustrar tal posição, Parmênideselabora,na parte de seu Poema chamada "Dóxa",um sistemafilosóficofictício,verdadeirasíntesetanto daquilo "quese diz" comodasescolas filosófica anteriores.A pergunta"comquem Pannênides está discutindo aqui/" 17 simplesmentenão fazsenrido • Pannênides opõe-se a todo filósofo,leigoou quemquer que sejaincapazde reconhecer o car.íter necessárioe absoluto do fatode ser,e que,consequentemente,deixa um espaço aberto para admitir que o que não é (e mesmocerto ripo de não-ser) está presente em um modo deconceberas coisas. A maioriados estudiososdo pensamento de Parmênidesviunopen· sarnentodo filósofouma critica acercado pitagorismo. É possível, masospitagóricos nãosão o únicoalvode Parmcnides. É normal que, ao criticarideias que não são compartilhadas, se com«c poruma csptl"iede ajustedecontaS coma ideologia predominante do momcnro. É o caso de Platão a propósito dasofistica,dosestoicosa respeirodo arisrocelismoe do plaronismo,e talvez deParmênidesno que concerneao pitagorismo. Não nos esqueçamosque,ao

:: Palavrasanibuldua jaua Crato por l..ucaa( 11.2l) . Há~ alguna IÓlowsqueIWtmt~m queDau t'llJXX um.1 ~ .xkndid.aparparmênidts emsua,JUWnrudc (cf.Riucow. A~-~ P.armm.dn."V,.f,,,,.Jl_J. ~ Vm Jt,.stcl,.Pt,ilol. 11-sJ,iJm. tu M"""'i(1913)164).

188 1 Sendo,sei: a ~ dl Pannbtida

final do século VI a.C. e começo do V a.C., o sul da Itália era uma zona de forte influência pitagórica, e que inclusive o primeiro filósofo que Parmênides ouviu foi o pitagórico Amínias. Talvez por essa razão seja possíveldetectar na crítica de Parmênides certa abundância de noções pitagóricas18 mas é evidente também que na explicação "aparente" da realidade que ele expõe (e cujo caráter "enganoso"não deixa de assinalar) há elementos que poderiam ser encontrados em outros movimentos filosóficos. O exemplo didático escolhido por Parmênides, a luz (ou seja, o resultado do fogo, da chama) e da escuridão, que reaparece no fragmento 9 como luz e noite 19, não tem significado especial nenhum. Fundamentalmente, eles são opostos, mas são opostos irreconciliáveis. Como fica claro nos versos 8.57-8, cada um é o que é, e, consequentemente, é diferente do outro, mas os versos anteriores haviam assinalado já que se trata de uma diferença no sentido de uma oposição. É interessante destacar, entretanto, que um século (ou talvez menos) antes que Platão, Parmênides está consciente das noções de "mesmidade" ("tautón")e "alteridade" ("hetéroi") (8.57-58) e do fato de que uma supõe a outra. A utilização de tais noções é evidentemente diferente (se bem que os dois filósofos coincidam em um ponto: ambas as noções definem a identidade de cada coisa), pois para Platão, como tudo participa de ambas as noções, cada coisa pode coabitar com seu oposto; enquanto para Parmênides isso seria válido para tudo, menos para o princípio que, para ele, é a existência do que está sendo 20 •

18 Veremos abaixo que luz e escuridão são apresentados como exemplo de "for'.11~~xternas,"e sabemos que, de acordo com Aristóteles, phg_s e skótosfiguravam entre os dez prmc1p1osopostos admitidos pelos pitagórica (Met.A.5.986a22). Cf. Parmenides 8.56-59 (pur.•• nuktós), 14.3(pháos kainuktós).Em 8.41 Parmênides fala de khrg_s, que, segundo Aristóteles (Desens.,439a31),era um termo especificamente pitagórico, o que foi confirmado por Aécio: "os pitagóricos chamavam a

superfície do corpo de khrg_s" (1.15.2). , f. 19 A terra como "princípio" é, como sabemos, mencionada apenas nos textos do~ogr~cos (c · Aristóteles, Gen.e corr.,II.3.330b13). Aristóteles também fala de duas causas (aitias),0 quente e o frio, como porto exemplo o fogo e a terra" (Met.,A.5986b33-34). . . 20 A· d . quan d o P latao - encontra ao menos cmco · e as que são mais importantes do m a assim, rorm , . · •ia o oposto de' contraria que outras (cf. Sofista, 254c), ele nao propoe uma erorma que seJ ,, _ a, ou · 1esmenre diferente daquela do ser, e e, por isso · que essas erorm as "importantes sao apenas s1mp cinco (ser, repouso, movimento, identidade e diferença) e não seis.

A significaçãodas "opiniõesdos mortais"

I89

É evidenteque, além das"certezas"que fazem parte do sentidocotnum

(e que costumam ser expressasem provérbios de todo tipo), certossistemas filosóficosanteriores,que Parmênides não pode ignorar,podem ser inclwdos entre as "opiniões"criticadas no Poema. O indefinido (toapeíron)de Anaximandro, que é consideradoexterno (se a opinião transmitida por Hipólito, Adv.haer., 1.61[=A 11 DK] é autêntica) e que a seguir originoutudo o que~a partir dos gérmenescontrários,poderia fazer parte do pensamentodos"bicéfalos"(6.5),assimcomoa cosmogoniaevolucionistade Anaxímenes21• Quanto à falsidadedasopiniões,é provávelque Parmênides pense em Xenófanes, para quem, por vezes,"aquiloque se apresenta como uma opinião é próximodo real" (fragmento35)22• Para Parmênides, não há nada mais perigosoqueo verossímil,pois se pareceao verdadeiro sem sê-lo.

(e) O conteúdo dasopiniões Mesmo correndo o risco dt desapontar eventuais leitoresdestelivro, não irei me aprofundar na questão da "à6xa"parmenídica. Minha decisão está baseadaem doispressupostos.O primeiro deles é que o próprioParmênidesdiz que o conjunto dt palavras (epéon)que ele se permite apresentar é enganador(apatd6n), {8.52}.Essetermo "mais que nenhum outro no paema 23• parmenídicopodefazer pensar em um.1.intítesc entre a alétheia e falsidade" Como insisti nas páginas acima, seria difkil que Pam1ênidesclassificasse de enganadorum discurso que contém su.1própri.1resc. Ao ,onerário decertos autores24, portanto, acm:liroque não faz sentido algum falar de uma cosmologiaparmenídica.Meu segundo pressuposto é o seguinte: mesmoqueseja admitidoum caráter enganadorparaess.aparte do discurso da deusa,como

21

Reiruwdtaceitou~ hipóttx (Rcinhanh 119161,SO). . SegundoTarin. 11a1t tato Xmó&nrs-.à d,undoque-.rm .alpms.wunros.0 WU"0 guia pua os homrnsi! a opinuo (Tarin (196SI.207.noc.aIS). 21Gemwu, "Aléd,nt;199. . 14 .~ 8oU.ack. .IUIOI' dr um attnao rr.abalho(Bollack. J~·t...a(Oll1IOiogie ~ dicnne~ Pannénide; an n CM!ol.p.H--,r .i PttrrrA..i-i-, ed.Bragut, e Coumne,J.F. [Paris:P.U.F~1990117-Sl). 22

Htn.itnc-,.,

190

1 Sendo,se i: a ~ de Pannlnid,,s

em meu caso, caso se queira compreender que tipo de "cosmologia' contém a dóxa parmenídica, é preciso recorrer, na forma abusiva, aos testemunhos doxográficos. Dificilmente se poderá extrair alguma coisa nesse sentido das citações do Poema que nos foram transmitidas até hoje. Um claro exemplo dessa dependência da doxografia é o trabalho de J.Bollack citado na nota 24, constituído na sua quase totalidade por textos de Aécio e de Cícero que Diels e Kranz agruparam no testemunho A 37. Entretanto, se há algum autor présocrático acerca do qual o intérprete deve desconsiderar completamente os comentadores antigos, esse autor é Parmênides. O doxógrafo mais próximo no tempo ao Parmênides real, Platão, admite com sinceridade e coragem: "Temo que não compreendamos [suniômen] suas palavras [tàlegómena] e temo mais ainda [polúpléon]que aquilo que pensava ao dizê-las ultrapasse nosso alcance"

(Teeteto,184a). O que esperar, então, de testemunhas mais recentes, ainda mais quando seus comentários não vêm acompanhados de citações textuais? Praticamente nada 25.Parmênides (e talvez o mesmo ocorra com Heráclito) é um filósofo que deve ser interpretado a partir do que resta de seus escritos, e os testemunhos antigos somente devem ser considerados quando comentam textos que possuímos e cujo conteúdo conhecemos. Há dois tipos de conteúdo entre os textos que constituem a dóxaparmenídica. Alguns deles descrevem uma cosmologia que talvez tenha sido seguida por certos filósofos, mas que, dados os princípios estabelecidospelo Poema, está inscrita no âmbito de um desconhecimento da tese segundo a qual sendo, se é, e, consequentemente, está privada de qualquer tipo de verdade. Desses textos nos ocuparemos muito brevemente. Outros textos oferecem uma espécie de reflexão sobre essa cosmologia, e também nos ocuparemos deles. Há, por fim, um texto de difícil classificação, pois ainda que trate de um problema "físico" (os fundamentos materiais do pensamento), suas consequências se fazem sentir no âmbito do pensamento: o fragmento 16. Também nos ocuparemos dele.

25 No

capítulo dedicado ao escudo do fragmento 2, já expus minha surpresa cm~ 0 fato de que um texto decisivo como esse não tenha chamado atenção de comentadores antigos, e que por mais de mil anos {até que Proclo e Simplício decidiram citá-lo) eles parecem t~-lo igno~ado {a menos que possíveis citações em trabalhos anteriores ao século 6 d.C. tenham sido perdidas).

A significaçãodas "opiniõesdos mortais"

I9I

Comecemospor essegrupo de textos que descrevem uma "cosmologiá' que Parmênides, por tudo o que dissemos, não apenas compartilha, comoa considera"enganosá'.Trata-sedos fragmentos 10, 11, 12, 13, 14 e 1526.Os fragmentos 17 e 1827 apresentamum conteúdo que poderíamos chamar de "biológico",que se insere,contudo,em uma esfera "cosmogônicá'.Uma rápida leitura do contexto das passagens que diversos comentadores (Platão, Clemente, Simplício,Plutarco,Sexto Empírico)citaram dos fragmentos 10-15mostra-nos que, em cada caso, os autoresparecem conhecer um texto de Parmênides que nós ignoramos,e extraíram alguns versosde um contexto preciso para ilustrar temas que lhes interessavam.Escusa dizer que nunca conheceremos qualo contextooriginal parmenídico a ser encontrado em cada citação. Os fragmentos17 e 18 não fazem senão confirmar que Parmênidesera interessadopor problemasbiológicos,ginecológicosou diretamente medicinais. Contudo,tais textos colocamum problema gravíssimo. Estariam eles,de fato, expondoideiasparmenídicas?Se é assim, seria necessário reconsiderar o valor

da dóxade Parmênides. Creio que, mais uma vez, Parmênides expõe "oque se diz" sobreo tema A ou B, nesse caso, a fecundação. O texto conservadoaté hoje como fragmento 16 recolhe, creio, ideias genuinamenteparmenídicas sobre a maneira de pensar dos mortais. Apresenta,poderíamosdizer, o fundamento material do pensamento errado, pois diz que o que pensa (hóper phronéei) é a natureza (phúsis)dos membros. Como tudo mais que pertença a essa esferada dóxa,suponho que os membros estão constituídostambém por prindpios opostos, e que eles determinam a maneira 28• de pensar,pois, em última instância,sentir (aisthánestlh1i) é pensar (phroneín) B. Cassin e M. Narcy afirmam com lucidez que, na ausência do contexto

autênticode Parmênides,é praticamente impossível pronunciar-se acercados problemas reais que o texto suscita29• De todo modo, proponho a seguinte hipótese: em Parmênides, aquilo que é, é sempre a base do pensar, pois é

26

Cf. traduçãodessesfragmentosao final dc:s1c:livro. Ver nota prévia. 24 Cf. as fontesdesse texto· A...: •...c.....i__ (M. tt. _1009b21) 29Cassin _- ,..,..,..._ e:TN>fruto (Ili- ..-iu.. 1). . r,

'B.,e Nan:y,M., Pannénidesoplusre,FJu.lniur P.,""'"".Jr. Vol.l 1(l'lri." Vrm. 1987), 29!,

I92 1 Sendo,se é: a tesede Parmênides

graças ao que é que ocorre o pensar (cf supraas análises dos versos 8.33-36). Esse princípio é também válido para os outros, mas nesse caso é a concepção de ser que os outros (mortais, filósofos) têm que será o fundamento para

0

pensar deles, e, como sabemos, de uma constituição dupla e "conjuntivá' não poderá surgir senão um pensamento duplo e "conjuntivo". Restam-nos os textos que propõem uma espécie de reflexão sobre essa cosmologia. Podemos incluir nesse conjunto os versos 38 a41 3º do fragmento 8, e os fragmento 9 e 19. O começo do discurso sobre a dóxajá havia confirmado que os mortais estabeleceram pontos de vista para "nomear" (onomázein) as formas exteriores. Para Parmênides, são apenas nomes(onómata, 8.33, 19.3), meros sinais sonoros (epéon,8.52) e, para a opinião, ocupar-se da "realidade", consiste apenas em "nomear" (8.53, 9.1). Mas como os mortais são vítimas do costume arraigado, eles creem que a~ocorresponda aos nomes, e que esse algo é verdadeiro. É aqui que Parmênides se situa nas antípodas dos mortais, pois apenas aquilo que é pode ser dito, e apenas aquilo que é é real. Nascimento e morte, mudança de aparência, mudança de posição (mudança de lugares), até ser e não-ser (8.38-41) são meros nomes; o real, o verdadeiro não se reduz a esses rótulos aplicados às "coisas" que são, mas não são reais. A enumeração dos "nomes" por parte de Parmênides não se dáao acaso. Vimos que entre eles estão "ser e não-ser" (einaikai oukhí)(8.40). Esse exemplo luminosamente demonstra que, conforme disse acima, o objeto de estudo das opiniões e da tese são o mesmo.A diferença está no modo de encarar tais objetos. A via positiva, que é o desenvolvimento da tese, capta a verdade de ambos e julga (krísis)que uma disjunção impõe-se: "se é completamente, ou não se é em absoluto" (fragmento 8.11). As opiniões, que não sabem o que é ser (e que, portanto, não sabem por que aquilo que não é deve ser rejeitado) aceitam

O

"ser e O não-ser" ao mesmo tempo. Não sabem que a decisão consiste

em escolher entre "se é, ou não se é" (8.15). O fragmento 9, que faz parte dos textos que oferecem razões em favor da escolha dos mortais por uma cosmologia dualista, confirma que "tudo

p ara Ebert tam b,em, essa passagem raz e parte do cont eu'do da Doxa (Ebert . • T,• "Wo beoinnt ,,der Weg der Doxa?" Phronesis 34 (1989] 123). io

A significaçãodas "opiniõesdos mortais"

1

I93

[pánta]recebe os nomes [onómastai] de luz e de noite" e que, em funçãode 31 • ' ·1o. Mas como d ambas as possibilida es , esse nome se ap1· 1ca32 a isso ou aqm as únicasdúnameissão a luz e a noite, pode-se dizer que tudo está cheioigualmente(homou)de ambas. E como somente elas existem, não há nada entreelas (medén).Se o todo é feito de dois princípios, e para além deles, nada existe, tais princípiosrepresentam aquilo que é, mas, nesse caso, eles não poderiam ser opostos.Platão, que indubitavelmentese inspira em Parmênides, dirá que quando um filósofoafirmaa existênciade dois princípios contrários, elesupõe, sem se atrevera confessá-lo,que o ser é uma terceira coisa, que "provém"sua existênciados dois princípios(cf.Sofista243d). Finalmente,o fragmento19parececoncluir a apresentaçãoda dóxa,pois se referea um estado de coisasatual (nun) que já havia sido (éphu)produzido. Como se trata da explicaçãoda realidade proposta pelos mortais, esse estado atual é uma consequênciada opinião: assim são as coisas, "segundo a opinião"(katàdóxan,19.1).Cadacoisaestá representada por um ónomapróprio, estabelecidopelos nomes. Parmênides repete, segundo seu método circular, seu ponto de partida de 8.38: os homens estabeleceram nomes, e assim são as coisasagora.

li O tcrm~q~ceu traduzo por"pouabilidadn"t. J11n.im11·.E~ ,...,.i., nur .i J'n"M"ntccm Platão 1fic.ado comum 5J811 queccrramcnrcjá tem no tempo de PumlmJc-~: '' l""fc-r,lc-rt".ili:z.ar ou softtr uma ação.Minha rraduri ·~.;Ll,.LL• . ~ 0 r-vu...rcnr.irccupc-r.irC"J.U .1 plt, ,·~l,,r.lc-J11nam11, quenão

!apenasa~vo,cornose coarumacm,

11

tambtm f'li'M'· da7,"hrca ideiasegundoa qiul um nome.ft'POIW.aobff (tJ'I) .aC(>IJJ. cf. "'f'N· mrnh.ianili.lt m a 8.35.

I94 1 Sendo,se é: a tese~ Parrnlnúks

l1UJ

CAPÍTULO IX

O fundamento da tese: o caminho da verdade Depois de ter mostrado nos fragmentos 6 e 7 que a negação da tese conduz a um caminho sem saída (e que, por isso, o pensamento deve se afastar dele, 7.2), resta apenas fornecer provas em favor do único caminho que fica. Precisamente com essas palavras começa o fragmento 8: "resta, então, apenas uma palavra' do caminho". Essa fórmula, por meio do termo muthos,retoma o começo do discurso da deusa, quando ela anunciou (no fragmento 2) que o seu muthosconsistiria em apresentar "os únicos caminhos de investigaçãoque há para pensar" (2.2). Sabemos que ambas as possibilidades são criticamente examinadas, e que nos versos 17 e 18 do fragmento 8 a deusa confirma que um dos caminhos foi abandonado. Portanto, supomos, restou apenas um caminho, que é representado por uma única palavra, a mesma que o havia caracterizado no fragmento 2: "éstin".

(a) O único caminho que resta

Somente dois autores citaram esses dois primeiros versos do fragmento 8, Sexto e Simplício. A partir do verso 3, pelo contrário, os testemunhos se multiplicam abundantemente, o que demonstra que, para boa parte da tradição clássica, é nesse fragmento 8 que se encontra o núcleo do pensamento de Parmênides, Voltemos, por um momento, aos dois primeiros versos.Disse que apenas Sexto e Simplício citaram-no, mas é importante assinalar que ambos viram com clareza que o caminho apresentado nesses versos opõe-se à eventualidade da existência do que não é, criticada nos fragmentos 6 e 7, ou seja, a

'Sobre a tradução de müthospor "palavra",cf. Capítulo III (a).

o fundamentoda tese:o caminhoda verdade

I95

negação da tese básica. O caminho cuja exposição começa no fragmento 8 é, sem dúvida alguma, o caminho oposto ao das opiniões, que desconhecia a tese principal e única. O texto do começo do fragmento 8 que propus corresponde

à versão transcrita por Simplício na página 142 de seu Comentário à Física de Aristóteles (em outras passagens, nas páginas 78 e 145, há um texto levemente diferente), o que deixa claro que esses versos seguem-se imediatamente ao texto preservado como fragmento 7: "depois de ter recusado o caminho que investiga o não ser, 'afasta teu pensamento desse caminho de investigação' [fragmento 7.2], [Parmênides] prossegue: 'resta então apenas uma .. .'

(Phys.

78). Mais adiante, Simplício confirma essa apresentação: "aqui está o que ele diz após a exclusão [anaíresis] do não-ser: então resta apena uma única palavra do caminho .. .'' (Phys. 146)2.Não há dúvidas de que para Simplício, o caminho que começa é a negação da possibilidade segundo a qual "o que está sendo, é" (7.1), que era o segundo caminho. Aqui, como no resto do Poema, não há vestígio algum de um terceiro caminho. O mesmo corre com a citaçãodesses primeiros versos por parte de Sexto. Nesse caso, assistimos a um fato curioso, pois Sexto cita de forma contínua o último verso do fragmento 7 (que está constituído por um hcmistíquio) e o primeiro verso do fragmento 8 (que consta também apenas de um hcmistíquio)3. A anomalia é a seguinte: Sexto cita apenas os últimos cinco versos do fragmento 7 (7.2-7.6),e essa citação vem imediatamente depois do verso 30 do fragmento 1. Ou seja, em Sexto falta a frase "pois nunca isso iráse impor: que as coisas que não estão sendo, sejam [einaimeeónta]"(7.1). Quer dizer que, para ele, o caminho do qual há que se afastar, mencionado cm 7.2 ("... .lrne caminho.,,")

é o caminho enunciado imediatamente antes, que, cm sua vers.io, não é nosso texto 7.1, mas sim "as opiniões dos mortais, nas quais não há verdadeira convicção"(1.30). Da maneira mais natural possível. para Sexto, as opiniões são o caminho que afirma que "as coisas que não estão sendo, s.io". Apesar disso, é

No contextod.u citaçõesde Simplicio,cf. s~na.A .. [\,j1rrr1c' Jr rf-.,rr:S1111rl1C1UJi11trrprttt at Parménrdt (Bruxelas:Owia, 1990). 3 Furleyacha cm 8.1 a resposta ao "julgamcn10·levado a cahmC'.ir ..ml«' o/,~, cm 7.S-6(Furfcy, "Truth as Whar SurviYCs." 44). · 2

I96

1 Sendo,se é: a tesede Parmênides

curioso que faltem os dois últimos versos do fragmento 1, e que imediatamente depois seu texto continue com o fragmento 7.2 (ou seja, faltam os verso 1.31, 1.32 e 7.1). Não é o momento de arriscar uma hipótese acerca dessa anomalia, mas se poderia imaginar que Sexto contava com uma versão abreviada do Poema que agora, de forma evidente, o caminho apresentado em 8.1 segue imediatamente à supressão do caminho do não ser apresentado em 7.2.4 Cabe dizer que tanto Sexto quanto Simplício dão a entender que um caminho foi eliminado no fragmento 6, que outro foi mantido, e é disso que trata o texto do início do fragmento 8 que eles citam. D. Furley sintetiza do seguinte modo essas etapas do raciocínio parmenídico: "Ou não

q,então

não

p e q;logo, resta

p, ou q,ou p e q;mas não q;e se

apenas p5.

De modo que o único caminho que permanece é a tese fundamental. A outra possibilidade, apresentada no fragmento 2, foi abandonada porque uma análise precisa de seu conteúdo demonstrou que, na verdade, não existe conteúdo algum. Aqueles que pretendem seguir essa via inexistente não fazem senãojogos de palavras: acreditam encontrar o sentido da realidade e apenas o que eles mesmos forjaram: palavras, nomes. Esse caminho é um círculo viciosoe, por isso,já foi abandonado. Assim, proclama a deusa quando, em meio aos argumentos que vai apresentando no fragmento 8, conduz uma espécie de recapitulação. O uso do pretérito perfeito demonstra que a exclusão de um caminho (e de apenas um; consequentemente, se resta apenas um, no começo só havia dois),já foi realizada, e que foi necessária: 'Já se havia decidido [kékritai] por necessidade [anágke] que fique como impensável [anóeton] e inominável [anónumon] e que o outro exista [pélein] e seja autêntico [etétumon]" (8.168). A exclusão deu-se quando, submetido a "juízo" nos fragmentos 6 e 7, o caminho errado não pode se defender da "prova polêmicá' (7.5) a que foi submetido.

O texto de Sexto é diferente do de Simplício. No que lemos déti (uma leitura que também é encontrada em Simplício, Phys.,78) thumós.Vitali segue essa versão, mas inesperadamente traduz 4

"thumós"por "conoscenza" (Vitali (1977),35). . 5 Furley, "T ruth as What Survives," 39. Apesar da clareza desse esquema, 0 feso do P~~conceico leva Furley a dizer que Parmênides "rejeita todos os caminhos, exceto um (Furley, Truth as What Survives," 38). Se esse scholaracreditasse em sua própria interpretação, ele cena _de re· camm · h os sao - poss1ve1s, ' · p e q,e que um é reJ'eicadoe um é manndo. con h ecer que apenas d 01s

o fundamento da tese: o caminhoda verdade

I97

Essestrês versos(8.16-18)nos oferecemuma informação complementar de grande importância. Se bem que Parmênides não utilize o termo "falso"

(pseudés) (ao menos nas passagensde seu Poema que chegaram até nós), sabemos agora que um dos caminhos "não é verdadeiro".É importante notar que o fragmento 8 completa a oposição estabelecidajá no fragmento 2 entre os dois caminhos, um dos quais estavaacompanhado pela verdadee o outro era completamenteincognoscível.Agora sabemos, além disso, que esse segundo caminho nãoé verdadeiro. Recordemos que, enquanto negação da tese, esse caminho era autocontraditório, pois pretendia afirmar um termo acerca de sua negação:do que está sendo,dizia que não existia, e que era necessárioque não existisse(2.5),ejá no fragmento2 Parmênides havia dito que não se podia conhecer nem mencionar "o que não é". O fragmento 8 confirma ambas as impossibilidades: o caminho foiabandonado porque é impensávele inominável. Se considerarmosque, como afirma o fragmento 3, "pensar e ser são o mesmo'; compreende-seque o que não é sejaimpensável.O epíteto "anónumon", mesmo sendoigualmentenegativo,é mais difícilde ser interpretado. Preferi traduzi-lo por "inominável"com o sentidode" impossívelde enunciar",baseado na trilogia ser-pensar-dizerque foi discutida no Capítulo V. Entretanto, o termo poderia significartambém "sem nome'; como em uma passagem da t.ticaNicomaqueia 6, numa alusão, calvez,ao costume humano de "cudo"nomear. de Ariscóceles

(b)Os sématadeéstin Ao começo do fragmento 8, a deusa informa que uma única palavra restacomo conteúdo do caminho:"é".Graças a esse único termo, é produzida uma assimilaçãoentre "é" e o caminho a cal ponto que o esdarccimenco do significadodo "é" encontra-seem uma série de .stmat,1que estão "sobre"(epi) caminho. Esses sbmitasão múltiplos (pollá),o que significa que essa única palavra,"é",possui uma riqueza insuspeita. O próprio Parmênides deu des0

taque a esse faro através da oposição entre ·uma única pal.wra" e ·múlciplos

6

I98

Passageml 107b2,que diz que váriosuc~

1 Sendo,se é: a tesede Parmênides

d.amenr, rúo ttm um oon,r próprio.

sémata".Esses sémata,como eu disse, estão "sobre" o (ou "no") caminho. Até aqui, Parmênides apresentou suas ideias de forma direta, e somente a propósito do caminho errado apresentou uma justificativa - a um só tempo teórica e prática: teórica quando, no fragmento 2, ele afirma que o que não é não pode ser objeto de conhecimento nem de discurso; prática quando mostra, nos fragmentos 6 e 7, que esse caminho errado é impossível de ser percorrido, pois é uma ficção forjada pelos mortais. Agora será preciso apresentar "provas"em favor da tese, ou seja, do caminho acompanhado pela verdade. Esse caminho sustentava que há ser porque não é possível não ser, e dado o caráter necessário da tese, o fato de ser (cuja impossibilidade resultava inimaginável) adquire um caráter necessário e absoluto. Os sématado fragmento 8 são indicações,provas, mesmo (para não dizer "demonstrações"), do caráter necessário e único do fato de ser. Eles estão no caminho porque esse supõe um percurso a efetuar, no qual há etapas, pontos de apoio, indicadores que mostram que o pensamento está bem encaminhado. Esse momento "argumentativo" no pensamento de Parmênides encontra-se entre os versos 2 e 49 do fragmento 8, que constitui uma "argumentação" ou, se se prefere, um "raciocínio" (lógos)confiável e um pensamento (nóema)acerca da verdade (8.50). Mas o que significa sématanesse contexto? O termo, no singular, é sêma,e sua significação é muito ampla, mas em todos os casos se faz alusão a um certo tipo de signo, de sinal ou de indício. Será esse o sentido da palavra em 8.55, em relação às formas exteriores (as quais já discutimos acima). No começo do fragmento 8, como Parmênides fala de um caminho, podemos considerar que os sématasão indicações que se encontram ao longo do caminho. Qual é, entretanto, a função desses sinais? São os testemunhos do caráter necessário e absoluto da presença significada por éstin,e de tudo o que supõe essa presença. Um sêmaé um semeion:um signo ou uma prova7• Melisso de Samos, que sem dúvida alguma conhecia o Poema de Parmênides, afirma que o principal semeionde sua filosofia é o argumento segundo o qual

Cf. L.S.J.: "s,rneion ... = sf.rna", em todos os sentidos; ... no raciocínio, um indício ou uma pr~va. Essa posição seria encontrada antes disso em Albertelli (Albertelli (1939], 240, nota 2), e S,m-

7

plício já havia afirmado que "tó gàr on... Alld ékheis,rneia"(Phys.,77.30).

o fundamento da tese: o caminhoda verdade I I99

apenas um ente existe, mas que, afora isso, existem outros semeiafragmento (8.1). São sinais que remetem a provas em favor da doutrina. Voltemos ao começo do fragmento 8. A única palavra que fica enquanto tema de estudo, de reflexão, de investigação é, por fim, o "éstin"sem mais. Compreendemos agora porque a verdade parmenídica é circular (eukukléos, 1.29), e por que no sucinto e enigmático texto preservado como fragmento 5 afirma que "é comum para mim onde comece, pois ali mesmo voltarei novamente". O ponto de partida coincide com o ponto de chegada. Depois de um longo caminho, o começo do fragmento 8 afirma exatamente o mesmo que o verso 3 do fragmento 2, "éstin".E da mesma forma que no segundo hemistíquio desse verso 3 era "demonstrado" que "se é" porque "não é possível não ser': nos sématado fragmento 8 "será demonstrado", com provas,que "se é" porque o fato de ser é necessário, absoluto e único. Parmênides afirma que há muitas (pollá)provas acerca (ou "sobre": epí) do único termo que fica como caminho válido. Essa afirmação confirma que o caminho e seu conteúdo confundem-se: as provas da existência do caminho seriam provas da existência do "éstin".E, a seguir, um fato pouco usual confirma que "éstin"é inseparável do "sujeito" que ele mesmo produziu (pois, como já disse em diversas ocasiões ao longo desse livro, "é" somente pode ser dito "daquilo que está sendo", pois as provas do caráter absoluto, necessário e único de "é" referem-se a "sendo" (eón):"o que está sendo" representa "é", uma vez que "apenas aquilo que está sendo, é"). Portanto, todos os sématado fragmento 8 são uma espécie de predicados, de atributos ou propriedades de

eón,que Parmênides muito raramente substantiva com o artigo "tó", pois o particípio, sem o artigo, que traduzi como "sendo", capta com maior precisão o caráter dinâmico da presença denotada por éstin.Ainda que cm grego clássico não exista um gerúndio do verbo ser, a nuance do mesmo esraria representada pelo particípio presente, sem artigo: M[oque estáJ sendo". O fragmento apresentará os fundamentos (as M~s")

da tese afirmada

um tanto dogmaticamente no verso 2.3: M[oque está sendoJ é, e [ou 'porque'] não é possível não ser". Disse, então, que a tese supõe (ou pasrula) o caráter necessário e absoluto (e, portanto, único) do fato de ser. Essarcsc é oposta con· traditoriamente à sua negação, mas tal oposição efetua-se entre passibilidades

200 1 Sendo,se é: a tesede Parmênide.t

absolutas, o que exclui qualquer termo intermediário. No meio da.apresentação das provas em apoio do caráter necessário da tese, no fragmento 8, Parmênides recorda que a decisão (krísis,8.15) fundamental ocorre entre "éstineoukéstin" ("é ou não é"), mas essa alternativa se dá entre termos absolutos: "é necessário ser absolutamente [pámpanpelénai]ou não [ser em absoluto]

[eoukhí]"(8.11).

Mas porque o fato de ser, que caracteriza o que está sendo, tem esse aspecto absoluto? Os versos 3-6 do fragmento 8 elencam uma série de "provas"que permitem chegar à conclusão.

(c)O âmbito em que operam os sémata Não é minha intenção aprofundar-me no estudo dos sématano fragmento 8 8• Apenas farei referência a alguns pontos e, em particular, devemos recordar constantemente que, como esses sématadizem respeito ao fato de ser, ou seja, a uma espécie de atividade, de potência e até mesmo de energia, qua4uer

análisedelesrealizadaa partirde coordenadas espaciais nãotemsentido.É Melisso, herdeiro ilegítimo de Parmênides, quem irá estudar o fato de ser em termos de tempo e espaço e, portanto, deduzir que, como o vazio não existe, o ser não tem um lugar (hókei)para ir(!?), e, portanto, é uno; e como não é gerado, nem será destruído, então o ser é, sempre (aeí)foi(!?) e sempre será(!?) (fragmento 2). Tanto o espaço quanto os três verbos temporais são inaplicáveis ao fato de ser, que, no máximo, pode ser reconhecido como uma presença constante 9• Parmênides não esquece que, já no fragmento 1, usou uma imagem alegórica para apresentar suas ideias, e faz o mesmo no fragmento 8, no qual Dike e Moira reaparecerão e Ananke reentrará em cena. Referências a limites, a cadeias e mesmo a uma esfera têm, evidentemente , um valor alegórico, como foi o caso da luz e da escuridio no fragmento 1, pois quem poderia imaginar, senão metaforicamente, o ser "encadeado"?

'Sobre esse assunto recomendo a excelente análise de Tarán (Tarán (1965], 82-160); Bormann (Bormann (1971], 150-79); e, com respeito às linhas 5-21, Wiesner (Wiesner,J., :•me Negation der Entsehung das Seienden: Scudien zu Parmenides B 8.5-21,"Archivfür Geschichte derPh1loso-

phie52 [1970] 1-34). 9

Riggiu fala de uma "presença eterna" (Riggiu (1975], 251).

Ofundamento da tese: o caminhoda verdade 1 20I

(d) Os primeiros sémata:o que está sendo é perene

Parmênides começa a apresentação dos sématado "é" com uma espécie de síntese das características que seriam desenvolvidas a partir do verso 66: "[0 que está] sendo é não-gerado e incorruptível, total [oulon],único [mounogénes], imperturbável [atremés]e completo [telestón ]". (O uso abusivo dos colchetes poderia ser evitado se me atrevesse a usar a expressão "o sendo". Mas não me atrevo... ). A maneira de Parmênides apresentar esses primeiros sémataé válida para aqueles que virão depois. O texto grego diz: "agéneton éón, kai anólethron

estin", literalmente, "sendo não-gerado, é também incorruptível". O sujeito, que está mais uma vez suposto, não é senão o fato de ser e reaparecerá depois apenas no verso 19 como "o que está sendo",

toeón.Os

versos 3 a 19 desenvolvem

uma autêntica demonstração, na qual a redução ao absurdo desempenha um papel essencial, sem que por isso o que é dito refira-se a um sujeito concreto, o que demonstra brilho na argumentação. A máquina parmenídica prepara-se para provar que o que está sendo é perene (sem origem ou fim temporal) e a pseudoquestão que a deusa apresenta a seu discípulo ("Que origem buscarás? Como e quando haveria aumentado?", 8.6-7) é puramente formal: se apenas o que está sendo existe, isso não pode gerar a si mesmo, nem deixar de ser. A consequência secundária desse caráter perene do fato de ser é sua presença permanente. O presente de

"estin" não é o tempo verbal presente. Seria preciso imaginar uma espécie de presença pontual permanente, que perdure, cuja intensidade seja constante e que não se possa controlar mediante parâmetros temporais. L. Tarán fala de um presente atemporal, alheio ao tempo e a suas estruturasw. Apesar de não compartilhar dessa interpretação, F.Fronterotta formula uma questão básica que respondi quando olhei para o contexto em que .sémdtaocorre: por que, em uma palavra, o ser haveria de upertencer" ao tempo''? Segundo minha inter-

1 ºTa~ (1965), 180, nota 2. Fronterom crinca uaa posi,;.io d" Tadn (Fronterotta, "Essere, tempo, 856-58). Para esse autor, ainda que o ~r rste_Jalocahudo t'm um prcM'ntc instantâneo, de ~rte~ce ao tempo, e essa condiç.io t necc:wru par.a rxpli.:u o rn"cuo do conhecimento, ~ue tmphc.aco~temporaneid.adeentrt sujeito e objeto (Fronrerona. "b ..'IC'rc,tcmp."867). Fronterona, Esserc, tempo." 866.

202 1 Sendo,se é: a tesede Parmlnuks

pretação, o que está sendo não tem nada que ver com um tempo estruturado em "momentos" temporais. Parmênides caracteriza o éstincom O tempo verbal presente porque, na gramática grega, é o tempo verbal que lhe permite exibir a presença própria do "agorá' (nun),mas isso não significa que essa presença venha depois de um passado e antes de um futuro. Se quisermos conservar a categoria "presente", devemos compreender por tal categoria um presente permanente, como já disse acima. O caráter perene do que é está assegurado porque Dike, ao não afrouxar ou desfazer os laços, não permite nem que seja gerado, nem que morra (8.1314). No verso 30, outra divindade, Ananke, e no verso 37, Moira, exercerão também uma ação coercitiva similar: a primeira irá manter o ser nos laços ou nas cadeias que o mantém, a última irá forçá-lo a permanecer inalterado. Essas três divindades substituem as Filhas do Sol nessa etapa superior do "curso" de Filosofia. As Helíades, com efeito, conduziram o viajante até as pesadas portas guardadas por Dike. Uma vez que se confirmou, alegoricamente, que o futuro filósofo teve o "direito" de continuar em sua jornada, o caminho conduz inexoravelmente rumo à verdade. E, como vimos nos capítulos anteriores, o caminho da verdade é rigoroso: começa por axiomas, percorre etapas, supera problemas

12 •

O acaso e a digressão pertencem às opiniões. O caminho verda-

deiro segue um curso necessário. O pensamento está encadeado a ele e nenhum desvio é admitido. Esse é o sentido das ligações,dos laços, e até mesmo cadeias cercam o que está sendo. "A belíssima imagem das 'cadeias da Necessidade' significa, sem dúvida alguma, a impossibilidade de que o ser não sejá'13. Quando apresenta os dois primeiros sémata(segundo os quais

O

que

está sendo é não-gerado e incorruptível), Parmênides afirma claramente que o poder de Dike não é senão a força da convicção (pístios iskhús,8.12). A convicção, que estava ausente das opiniões (1.30), reaparecerá no verso 8.2Bpara exilar (quer dizer, "mandar para longe") ainda uma vez mais a geração e

ª

corrupção, e se Parmênides insiste em destacar esse aspecto é porque todos

"Lcmhrc que 11róblrm,1 em grego significa "obstáculo","ba~reira": l 3 (Florence: La "R eaIe, e·,., 11), i.c.. .iquilo que une (dtón), que sustenta (Fc'don, 99c).

204

1 Sendo. se é: a tese de Parmênides

(ásulon)(8.48) 15.B. Cassin encontra um paralelo entre esses versos e a passagem da Odisseiaem que Odisseuresiste ao canto das sereias e afirma que "por sua autolimitação, o ser escapa à coerção dos acontecimentos, do nascimento e da morte [... ]. O ente, que é, mas que 'nunca foi nem nunca será', apenas se imobiliza em uma identidade presente para si mesmo e deixa fora de seus limites o tempo e o devir" 16•

(e)A imobilidade O verso 3.7 afirma que a Moira 17 obriga-o a permanecer total (oulon) e imóvel (akíneton).Essa imobilidade já apareceu no verso 26: "imóvel nos limites de grandes cadeias ... ". Já vimos que essas cadeias, conexões e laços são exigências impostas pela argumentação que "ligá' os raciocínios; é uma questão de "necessidade lógica", para dizer de outro modo. Não há dúvidas de que, por razões inexplicáveis, a "imobilidade",juntamente com a "unidade': o sêmaque mais popularidade alcançou na Antiguidade e que marcou para sempre Parmênides como o filósofo que negou a realidade do movimento. A demonstração da impossibilidade de explicação racional do movimento (da qual foi deduzida equivocadamente sua inexistência) feita por Zenão não tem nada que ver com Parmênides. Nem a tese de Melisso acerca da impossibilidade de que o "ser" se mova como uma consequência da inexistênciado vazio (fragmento 7 [7]). Provavelmente, a invenção por Platão 18 da Escola eleática contaminou Parmênides com essas ideias de seu conterrâneo, Zenão,. e de seu leitor (ainda que leitor distante, pois vivia em Samos), Melisso. Dado

""Inviolahlc" é a tradução de Couloubarirsis (Couloubarirsis (1990],372). 1• C · 8 ., "Lc .:11anr d cs syrl!ncs d ans Ie p oeme • de p armem ' 'de (Quelques assm, . . remarques sur le fr. VIII. 26-33),"cm l:tudri iur Parmbiidt,Vol.II, ed. Aubenque, P. (Pans: Vrm, 1~87),1~8-69;, "P armem · ·dcs Jª ·· h avia · apresenta d o o·k b' A nake, se considerarmos que necessidade I e, e tam em . . ' l>cm · uma divindade. De acordo com Rca1e, esses sao · rres • nornes para a mesma d1vmdade eram

(Reale,Leif,/,,_,,,fi,1 dr, Gmi. 1.3,217).

.

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!'"

1, 'l'

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"S h ·· · 1 f.C d N L "S1mphc1uset eco e e eate, o rc a 11wcnç;iopor Piarão da csco_la E cara, c • or ero, · ·• d G · / d H d I (B (" /Nova Iorque· Walther e ruyter, em Srmr ,crus,aJ vrr,io11 oruvrr,ai iurv1r,e . a ot, · er im . · h. 242d) .. 1987), 166-82; e Cordero, N. L., "L'invention de l'école élémque (Placon, Sop 15ie, ' em ,.. drs sur Ir "Sophutr• dr Pl.i1011,cd. Aubcnquc, p. (N'apo1es.. B'bliopolis 1991)91-124. 1 ctu '

Ofundamentoda tese: o caminhoda verdade 1 205

tudo o que foi dito até aqui, a interpretação dessa "imobilidade" não oferece dificuldade alguma. Como Parmênides não diz nada sobre os "entes" que constituem a dimensão que Platão chamará de "sensível", toda negação (ou afirmação) do movimento "das coisas" fica excluída. Em função da análise do fato de ser no fragmento 8, a questão relevante não é "por que o ser não se move?", mas "por que o ser deveria se mover('. Com efeito, que sentido há em aplicar a categoria do movimento a uma noção necessária e absoluta? O "movimento", como a maior parte dos sématado fragmento 8, tem valor alegórico, como os limites, as cadeias, a esfera (que veremos a seguir), e assim por diante. A história foi mais exigente com Parmênides do que foi com Platão, a quem se perdoou ter dito o contrário: que "o realmente existente

(ousía)", ou seja, a Forma, "move-se(kineisthai)" (Sofista,248e); ninguém tomou a expressão no sentido literal' 9, embora não haja dúvidas de Platão e Parmênides quisessem dizer o mesmo: kineisthaisignifica "agitar-se", "alterar-se". Ao ser conhecida, a Forma Platônica torna-se um objeto de conhecimento, um nóema; já não é o que era, ainda que a alceração por que passou consista apenas em adquirir uma nova propriedade: a de ser conhecida, mas, como já não é o que era, "alterou-se". O que está sendo, em Parmênides, não se alcera, não muda, porque toda mudança suporia tornar-se aquilo que não se é, ou adquirir aquilo que lhe falta, e, nesse caso, que algo mais além daquilo que

é, o que foi negado a prioripelos outros sémata.Como é perfeito, "completo"

(tetelesménon, 8.42), não lhe falta nada. Com um pouco de ironia, Parmênides afirma que, como é "total", se lhe faltasse algo, falcar-lhe-ia tudo(8.33). (f) A homogeneidade De fato, aquilo que está sendo é homogêneo (homón)(8.47), por toda parte igual a si mesmo (ison,8.49). Não há graus do ser: se é, (absoluta· mente), ou não se é (absolutamente). Quem poderia sustentar que é possível

e.."Pl.uon .M-11(lUn'.i-r-,1r.uan1rodui1Ir mouve• ment dans son monde intdligible?"Acttsdu X lt Congrtslntm1.it,.,111il dt Pl11l"wph1( X//, Bruxelas (1953)61-67). ' 9Cf. o artigo cwsico de De Vogcl(De Vogd.

206

1 Sendo, se é: a tese de Parmênides

"meio'-existir"? O fato de ser existe agora (nun)de maneira completamente homogênea (homoupân, 8.5); ele mesmo é completamente homogêneo (pân

estinhomoion,8.22), e completamente contínuo (xunekhes pânestin,8.25), a tal ponto que não apresenta "lacuná' alguma: "[o que está) sendo toca [pelázei] o que está sendo" (8.25). Para ilustrar essa homogeneidade, Parmênides recorre à imagem do sólido perfeito, a esfera, cuja "esfericidade" depende da homogeneidade de sua massa. Com efeito, se a massa de uma esfera apresenta diferenças de densidade em alguns pontos, necessariamente sua superfície irá refletir essa anomalia. Uma esfera perfeita (quer dizer, bem feita) não pode apresentar uma superfície rugosa. Tudo depende da homogeneidade da massa. Por essa razão, Parmênides afirma que " [o que está) sendo, não é como se tivesseaqui ou ali maior quantidade do que [o que está) sendo" (8.48). O que é não se quantifica: é ou não é; é "semelhante" [enalígkios] à massa de uma esfera20 perfeitamente circular, completamente equidistante do centro, pois não é possível que seja nem um pouco mais forte, nem um pouco mais fraca, aqui ou ali". (8.43-45). Semelhança não significa identidade. Para encorajar Diomedes, Ate na fez brotar em seu casco "um fogo incansável, semelhante [enalígktios] ao astro outonal [= Sírio)" (Ilíada,5.5); isso não significa que a estrela ela mesmo brotou em seu capacete. Menelau sai de seu leito "semelhante [ena-

lígktios] a um deus", mas isso não significa que ele seja um deus. O fato de ser, em Parmênides, é semelhante à massa de uma esfera perfeitamente circular porque, do mesmo modo que a massa que torna esse tipo de esfera possível, é homogêneo, igualmente "denso" em toda parte. A imagem é didática: "A perfeição da curvatura esférica é esclarecida por 'nem um pouco mais forte, nem um pouco mais fraca': é a negação de toda diferença quanto ao poder ou à intensidade de ser, pois uma diferença desse tipo na manifestação do ser viria a consagrar as ilusões dos mortais" 21•

'º D·1xsaut traduz

"de uma hola (bou1e)" (D'1xsaut, M ·• "Platon et le lógos de Parménide," em F.tudriwr />11r,nbiidr, Vol. II. cd. Auhenque, P., (Paris: Vrin, 1987],233).

"Dixsaut, "Plaron ct lc lógos," 234-35.

Ofundamentoda tese:o caminhoda verdade 1 207

(g)A unidade Como não há graus na intensidade do fato de ser, ele é homogêneo, contínuo, uno (8.5).Juntamente à "imobilidade" do ser, o semado "uno" (hén) fez de Parmênides o representante máximo da "unidade eleáticá'. Como no caso da primeira prova, tampouco essa aplica-se ao objeto de reflexão "parmenídicá'. Como se sabe, somente duas fontes do fragmento 8.5 chegaram até nós: Simplício e Asclépio, e o termo "hén"figura apenas em Simplício (Phys. 78.145). No lugar de "hén,sunekhés", Asclépio traz "oulophués" (Met.42), que M. Untersteiner, que adota essa versão, traduz por "é um todo em sua naturezá'2 2• Como veremos, as críticas que Platão formulará contra Parmênides apoiamse em grande medida na noção de "totalidade", que parece ser abundante no Poema e que seria contraditória acerca da unidade, e, no texto apresentado por Asclépio,há uma nova referência ao "todo". É muito provável, então que Platão tenha conhecido um texto do Poema que apresentava a versão de Asclépio23. De todo modo, não creio haver razões suficientes para desconfiar do texto de Simplício; trata-se apenas de uma questão de interpretá-lo. O que significa a afirmação segundo a qual o que está sendo é "uno"? Vejamos (1) o que podeser dito a propósito dessa característica e (2) o que

nãopodeser dito dela. (1) Como já foi dito acerca do movimento e de outras noções que supõem parâmetros espaço-temporais, toda referência a um universo físico, ergo, quantificável, deve ser excluída. Se um filósofo formula a pergunta acerca da quantidade de seres, é razoável esperar que ele responderá com adjetivos numéricos: um ou mais de um. Mas, como J.Sarnes notou: "até onde sabemos, a questão

de quantos itens compunham o universo não o interessou [i.e.,a

Parmênides]''24.K. Reinhardt já havia afirmado que o predicado de unidade

~~ntersteiner ~1958),145.Com~ nau kiruu. e~ .1morsusrcnu qurrmÀav.,µÉVOLEicrív55

àvTía õ' EKpívavTOÕɵaçKai cr11µaT' É0EVTO xwpiç àrr' àÀÀflÀOv,Tfl µEv q>Àoyàçai0Éptov rrüp, ~mov õv, µty' [àpmov] EÀa crruytpoio TÓICOU ical µ(~LOÇ ãpxEL 5

rrɵrroucr'áputvt 0f}Ãu µtyf}v TÓ.• tvav.(ov aõnç ápUEV0TJÀUTÉpDids I apx1' Simpl. 31 F li S µ1yf)vStcin, Bergk:µ1ytv Simpl.31 D.E I aõni; Simpl. 31 D,E.

242

1 Sendo, se é: a tese de Parmênides

FRAGMENTO 13

1 Sro6. An1hol.I,9,6; Piar. Symp.1786; Plut. Amai.13;Sext. Adv.Math.IX,9; Simpl.Phys.39 / 16 Arist. Mel. 984626.

. . . concebeu Eros, primeiríssimo dos deuses.

rrpc.ímcrTOV µtv ~Epwm 0EWV µT]TLO"CXTO rráVTWV.

.

TTJ)f.Í>TIUTCl Srob., Sexr.

V : TTPWTOV Aris· e• 1µT)TÍpovEiAlexAI q>úmçom. Arist. Ab I avupwrro1mvom. Alex.,Arist. Ab li 4 rrãm Thcophr. P,F,Alex.l ÉOTl]ÀÉYETat Alex.

246

1 Sendo, se é: a tese de Parmênides

FRAGMENT017 Galen. In Epid.XVII,1002.

À direita, os jovens; à esquerda, as jovens.

ÕE(tTEpoimv µe:vKoúpouç,Àmoimfü:Koúpaç.

OE(mpoimv Karsrcn : ÕE(1npoim libri Ifü:Scaliger: õ' aõ libri.

Apêndice:o poema de Parmênides 1 247

FRAGMENTO

18

Cael.Aurel.De morb.acut.p. 545 (Amman)

Quando a mulher e o homem misturam simultaneamente as sementes de Venus, a potência que, nas veias, deve formar corpos com sangue diferente, elabora-os bem moldados se conserva a proporção. Mas se as potências da semente misturada lutam e não se unem em um corpo que delas resulte, perturbam, com sua dupla semente, o sexo que vai nascer.

Femina virque simul Veneris cum germina miscent, venis informans diverso ex sanguine virtus temperiem servans bene condita corpora fingit. Nam si virtutes permixto semine pugnent nec faciant unam permixto in corpore, dirae nascentem gemino vexabunt semine sexum.

4 nam ed. Sichard(Basileae,1529): at alii.

248

1 Sendo, se é: a tese de Parmênides

FRAGMENTOI9

Simpl. De Cael.558

Assim nasceram essas coisas, segundo a opinião, e assim existem agora. E depois, uma vez desenvolvidas, morrerão. Para cada coisa, os homens estabeleceram um nome distinto.

OÜTWTOLKaTà õó~av ÉcpuTáÔEKal vüv Éam Kal µETÉTTEtT' êmà TOÜÔETEÀEUT~croumTPUcpÉVTa· Toic; ô' õvoµ' ãv0pwrrm

1 tqiúm

KCTTÉ0EVT' ÊTTLO'T]µOv É:KáO'Tq>.

õt.,Simpl.D.E Ivüv Simpl.A,D,E,F:vuv Gaisfordli 3 Ê'JtÍOT]µov ÉKá] ÉKá