Semiologia Médica [1, 7 ed.]
 9788527723299

Table of contents :
Capa
Sumário
Parte 1 - Semiologia Geral
Parte 2 - Semiologia da Infância, da Adolescência e do Idoso
Parte 3 - Anomalias Genéticas
Parte 4 - Sistema Tegumentar
Parte 5 - Olhos
Parte 6 - Ouvis, Nariz, Seios Paranasais, Faringe e Laringe
Seção 1 - Ouvidos
Seção 2 - Nariz e Seios Paranasais
Seção 3 - Faringe
Seção 4 - Laringe
Parte 7 - Sistema Respiratório
Seção 1 - Tórax, Traqueia, Brônquios, Pulmão e Pleura
Seção 2 - Diafragma
Seção 3 - Mediastino
Parte 8 - Sistema Cardiovascular
Seção 1 - Coração
Seção 2 - Artérias
Seção 3 - Veias
Seção 4 - Linfáticos
Seção 5 - Microcirculação
Parte 9 - Sistema Digestivo
Seção 1 - Cavidade Bucal e Anexos
Seção 2 - Esôfago
Seção 3 - Estômago e Duodeno
Seção 4 - Intestino Delgado
Seção 5 - Cólon, Reto e Ânus
Seção 6 - Pâncreas
Seção 7 - Fígado e Vias Biliares
Seção 8 - Parede e Cavidade Abdominais
Parte 10 - Sistema Endócrino e Metabolismo
Seção 1 - Hipotálamo e Hipófise
Seção 2 - Tireoide
Seção 3 - Paratireoides
Seção 4 - Suprarrenais
Seção 5 - Gônadas - Testículos e Ovários
Seção 6 - Metabolismo
Parte 11 - Sistema Urinário e Órgãos Genitais
Seção 1 - Sistema Urinário
Seção 2 - Órgãos Genitais Masculinos
Seção 3 - Órgãos Genitais Femininos
Seção 4 - Mamas
Parte 12 - Sistema Hematopoiético
Parte 13 - Sistema Imunológico
Parte 14 - Sistema Locomotor
Seção 1 - Ossos
Seção 2 - Articulações
Seção 3 - Coluna Vertebral
Seção 4 - Bursas e Tendões
Seção 5 - Músculos
Parte 15 - Sistema Nervoso
Parte 16 - Exame Psiquiátrico
Índice Alfabético

Citation preview



••••••• ••••••••••• ••••••••••• ••••••••••••• ••••••••••••• •••••••••••••• •••••••••••••• •••••••••••••• •••••••••••••• •••••••••••••• ••••••••••••• ••••••••••••• ••••••••••• ••••••••••• • •••••••••• ••••••••• ••••••• ••••••• •••••••••• ••••••••••••••• •••••••••••••••••• • •••••••••••••••••••••••••••• • • •••••••••••••••••••• . ••••••••••••••••••••••••• I ••• ••••••••••••••••••••••••• •I • ••••••••••••••••••••••••••••• ••••••••••••••••••••••••••• ••••••••••••••••••••••••••••••••• •••••••••• •••••••••••••••••••• •



,..

I• • ••





• • • • • • • • • • • • •• • • • • • • • • • • •



orto

I·.• .............................. ••••• •••••••••••••••••••••••• . • •••••••••••••••••••••••••••••• •• ••••••••••••••••••••••••• ••••••• •••• ••••••••••••••••••• ). ......... •••••••••••••• .••••••• ••• •••••••••••••••••••• ••••••• •·==·=·=================== •••••••• •••••••• •••••• ·====== •••••• ••••• •••••••••••••••••• •.•••••• ••••••••••••• ••••• I•••••••••• ••••••••••••• ••••••• • ••••••••••••••••••• •••••••• • •••••••••••••••••••••• •••••• !).·=====·================ ...................... . ======= •••••• •••• ••••••••••••••••• • ••••• I•••••••••••••••••••••••• •••••• ). . . ••••••••••••••••••• . ••••• I••••••••••••••••••••••••• •••• ••••• •••••••••••••••• • ••• I. •••••••••••••••••••••••• •••••••••••••••••••• ••••

I • •

I

• • • •• • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • •

• • • • ••••••••••••••••••••••••••

I•





••••••••••••••••••••• •••••••

I ••••••••••••••••••••••••

• • •• • • •





I •

• • • • • • • • • • • • • •• • • • • • •

• •••••

~··········





I ••••• •••••••••••••••••

••••••

~························

I

••••

••••••••••••••••••



~=··=·=·==================

•••

·==== ••••••• •••••

I••••••••••••••••••••••••• •••••••••••••••••••••••

I •••••••••• • ••••••••• • • •

••••••



1.... ••••••••••••••••••••• •••

I

I•

• • • • •• • • • • • • •• • • • • • • • • •

• •••

••••••• ••••••••••••••••

I

•••• .

• • • • • •• • • • • • • • • • • • • • •

• •

•••••••••••••••••••••• •• ••• •• • ••••••••••••••••• ••• ••••••• ••••••••••••• ••r#J•••••••••• • ••••••••••• •• ••••• • ••••••••••• •••••••• •••••••••••• ••••• •••••• . •••••••••••• •• ••• •••••• •••••••••••• •• •••••• •••••••••• :•··==·====· • •========== • ••••••• ••••••••• •• ••••• •••••••••

I I

•••• •••• • •••••••••••• • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • ••





'

.•, ... .. ........... •••••• •....... ••••••••. ·•••.... ... . ••.•••... •••••• • •••••••• ••..• . ....... ••••••••.

• •









'

. ··====·= • ••••• • • •• ·=·=====· ••••• •• . • •••••• •••••••• • • ••• ••••••• ••• ••••• •••••••• •• ••• •• •••• • •• •••• •• ••• •••••• ••••• •••••• :••••• ::•:: • •• •••• ·•••••• . •••••• •• .•••••

••========= •••••••• •••••••• •========== ••••••••• ••••••••• ••••••••• ••••••••• ••••••• ••••••••• •••••••







'

..... .

'





















...









..•....... .







.



••••••••• •••••• •••••• ••••••• •••••• ••••••• ••••• •••••• ·===== ••••• • •••• ••••••• .•..... . ••••••• •••••••• •••••••• =•======· •••••• •

GUANABARA KOOGAN

















Porto & Porto





""""e1n1o o

• •

• •











,. I

• ••

-

• • • •

• I



••







• •

• •

• •





a

* Grupo Editorial - - - - - - - - - - - - - Nacional

O GEN I Grupo Editorial Nacional reúne as editoras Guanabara Koogan, Santos, Roca, AC Farmacêutica, Forense, Método, LTC, E.P.U. e Forense Universitária, que publicam nas áreas científica, técnica e profissionaL Essas empresas, respeitadas no mercado editorial, construíram catálogos inigualáveis, com obras que têm sido decisivas na formação acadêmica e no aperfeiçoamento de várias gerações de profissionais e de estudantes de Administração, Direito, Enfermagem, Engenharia, Fisioterapia, Medicina, Odontologia, Educação Física e muitas outras ciências, tendo se tornado sinônimo de seriedade e respeito. Nossa missão é prover o melhor conteúdo científico e distribuí-lo de maneira flexível e conveniente, a preços justos, gerando benefícios e servindo a autores, docentes, livreiros, funcionários, colaboradores e acionistas. Nosso comportamento ético incondicional e nossa responsabilidade social e ambiental são reforçados pela natureza educacional de nossa atividade, sem comprometer o crescimento contínuo e a rentabilidade do grupo.

Porto &Porto

• • •

















• •







•• •



Celmo Celeno Porto Professor Emérito da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Goiás. Doutor em Medicina pela Universidade Federal de Minas Gerais. Especialista em Clfnica Médica e Cardiologia. Membro Titular da Academia Goiana de Medicina .





Coeditor

Arnaldo Lemos Porto



Especialista em Clfnica Médica e Cardiologia. Coordenador do Centro de Cardiologia do Hospital Santa Helena de Goiânia. • •

•• •• •



~.



••

I

Sétima edição



• •









• •

• •







GUANABARA KOOGAN

• Os autores deste livro e a EDITORA GUANABARA KOOGAN LTDA. empenharam seus melhores esforços para assegurar que as informações e os procedimentos apresentados no texto estejam em acordo com os padrões aceitos à época da publicação, e todos os dados foram atualizados pelos autores até a data da entrega dos originais à editora. Entretanto, tendo em conta a evolução das ciências da saúde, as mudanças regulamentares governamentais e o constante fluxo de novas informações sobre terapêutica medicamentosa e reações adversas a fármacos, recomendamos enfaticamente que os leitores consultem sempre outras fontes fidedignas, de modo a se certificarem de que as informações contidas neste livro estão corretas e de que não houve alterações nas dosagens recomendadas ou na legislação regulamentadora. Adicionalmente, os leitores podem buscar por possíveis atualizações da obra em http://gen-io. grupogen .com .br. • Os autores e a editora se empenharam para citar adequadamente e dar o devido crédito a todos os detentores de direitos autorais de qualquer material utilizado neste livro, dispondo-se a possíveis acertos posteriores caso, inadvertida e involuntariamente, a identificação de algum deles tenha sido omitida. • Direitos exclusivos para a língua portuguesa Copyright © 2014 by EDITORA GUANABARA KOOGAN LTDA.

Uma editora integrante do GEN I Grupo Editorial Nacional

Travessa do Ouvidor, 11 Rio de Janeiro - RJ - CEP 20040-040 Tels.: (21) 3543-0770/(11) 5080-0770 I Fax: (21) 3543-0896 www.editoraguanabara.com.br I www.grupogen.com.br I [email protected] • Reservados todos os direitos. É proibida a duplicação ou reprodução deste volume, no todo ou em parte, em quaisquer formas ou por quaisquer meios (eletrônico, mecânico, gravação, fotocópia, distribuição pela Internet ou outros), sem permissão, por escrito, da EDITORA GUANABARA KOOGAN LTDA. • Capa: Bruno Sales Projeto gráfico: Editora Guanabara Koogan Editoração eletrônica: ~Anthares • Ficha catalográfica P881s 7.ed. Porto, Celmo Celeno Semiologia médica I Celmo Celeno Porto ; co-editor Arnaldo Lemos Porto. 7. ed.- Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2014. il. ISBN 978-85-277-2329-9 1. Semiologia (Medicina). I. Título.

13-03737

CDD: 616.047 CDU: 616-07

Celmo Celeno Porto O Professor Celmo Celeno Porto formou-se na Faculdade

de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais em 1958, pela qual obteve o título de Doutor em 1963. Além do título de Especialista em Clínica Médica e Cardiologia, tem curso de aperfeiçoamento em Medicina Tropical. É fundador da Sociedade Goiana de Cardiologia e da Academia Goiana de Medicina, da qual foi o primeiro presidente. É autor de trabalhos científicos nas áreas de Clínica

Médica, Cardiologia e Educação Médica, além dos livros Exame Clínico, Doenças do Coração, Vademecum de Clínica Médica, Interação Medicamentosa e Dr. Calil Porto I O Menino e a Borboleta, publicados pela Editora

Guanabara Koogan. Atualmente é Professor Emérito da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Goiás e Coordenador do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Saúde (Mestrado e Doutorado) da Universidade Federal de Goiás.







•••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••1

1 •••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••• 1

~············································· ••••••••••••••1 1 ••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••• ••••••••••••• 1

1..... ••• ••••••••••••••• ••••••••••••••••••• • •••••••••••• •••••••••••• ••• •• •••••••••••• •• ••• •••••••••••• •••• ..1 1.... •• •• ••• •••••••••••••••••••••• ••• •• •• ••••••• ••• I ••••• • • ••••••• ••• •••••• ••• ••••••• • • ••••• • • ••••1

1

I

I. •• •••••••••• ••••••••••••• •••••• ••••••••••••• •

•••••

••

••••••••••••••••••••••••••••••

••

•••••

• •••••••• •

••

• • • •1

•••• ••••• •• • • ••• • •• • ••• • • •• ••••• •••• ••• •• I I • •••• ••• •• • • •••••••• •• • • •• ••• •••• • • ••• •• • • •• • • •• •• ••• •••••• ••• •• ••• • • •• • • • •• I •••••

• • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • •1

I •• • . •

I

I





•••••• •••

••





•• •

•••

• •••• •



• .• •• ••

••1

···=·· • •••• • ··=··· • • •• • ••• •• • .I ••1!11• • ••• •• •••. •• • • • • • • •• • • • • • ••••• • • • • • • • • • . • • • •I!• • •. • • • • •• • • • • •• • • ••• • • ••• •









• •







• •











• •





• ••



Autores

Adalmir Morterá Dantas Professor Emérito da UFRJ. Presidente do Centro de Estudos do Hospital de Olhos de Niterói. Affonso Berardinelli Tarantino Professor de Pneumologia da UERJ. Professor de Pneumologia da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Professor da Escola de Medicina Souza Marques e da Universidade Gama Filho. Membro Titular da Academia Nacional de Medicina. AiçarChaul Professor do Departamento de Medicina Tropical, Saúde Coletiva e Dermatologia do Instituto de Patologia Tropical e Saúde Pública da UFG. Especialista em Dermatologia. Alejandro Luquetti Ostermayer Professor Adjunto do Instituto de Patologia Tropical e Saúde Pública da UFG. Subchefe do Laboratório de Imunologia de Doença de Chagas do Departamento de Clínica Médica da Faculdade de Medicina da UFG. Doutor em Medicina Tropical pela UFG. Especialista em Alergia e Imunologia. Alexandre Roberti Professor Assistente do Departamento de Clínica Médica da Faculdade de Medicina da UFG. Coordenador da disciplina Práticas Integrativas II da Faculdade de Medicina da UFG. Mestre em Ciências da Saúde pela UFG. Especialista em Cirurgia de Cabeça e Pescoço. Amaury de Siqueira Medeiros Professor de Urologia da Faculdade de Ciências Médicas de Pernambuco. Arnaldo Lemos Porto Especialista em Clínica Médica e Cardiologia. Coordenador do Centro de Cardiologia do Hospital Santa Helena de Goiânia.

Celmo Celeno Porto Professor Emérito da Faculdade de Medicina da UFG. Doutor em Medicina pela UFMG. Especialista em Clínica Médica e Cardiologia. Membro Titular da Academia Goiana de Medicina. Cesar Alfredo Pusch Kubiak Professor de Clínica Médica do curso de Medicina da Universidade Positivo. Especialista em Clínica Médica. Membro da Academia Paranaense de Medicina. Fellow of the American College of Physicians. Edna Regina Silva Pereira Professora Associada do Departamento de Clínica Médica. Professor do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Saúde da UFG da Faculdade de Medicina da UFG. Doutora em Nefrologia pela USP. Especialista em Nefrologia. Edvaldo de Paula e Silva Professor Adjunto do Departamento de Cirurgia da Faculdade de Medicina da UFG. Especialista em Angiologia. Eleuse Machado de Britto Guimarães Professora Aposentada do Departamento de Pediatria da Faculdade de Medicina da UFG. Doutora em Pediatria pela Faculdade de Medicina da USP. Elisa Franco de Assis Costa Especialista em Geriatria e Clínica Médica. Mestre em Doenças Tropicais pela UFG. Coordenadora da Residência em Geriatria do Hospital de Urgências de Goiânia. Elza Dias-Tosta Neurologista da Fundação Hospitalar do Distrito Federal. PhD em Medicina pela Universidade de Londres. Fábia Maria Oliveira Pinho Professora do curso de Medicina na PUC-Goiás. Doutora em Nefrologia pela USP. Especialista em Nefrologia.

•••

VIII

Semiologia Médica

Fernanda Rodrigues da Rocha Chaul Especialista em Dermatologia. Pós-Graduanda em Dermatologia do Serviço de Dermatologia do Hospital das Clínicas da UFG.

José Abel Ximenes Professor do Departamento de Clínica Médica da Faculdade de Medicina da UFG. Especialista em Gastroenterologia. Membro Titular da Academia Goiana de Medicina.

Frederico Barra de Moraes Professor do Departamento de Ortopedia da Faculdade de Medicina da UFG. Especialista em Ortopedia e Traumatologia. Mestre em Ciências da Saúde pela UFG.

Luis César Póvoa Professor Titular de Endocrinologia da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro e da UFRJ. Livre-Docente de Endocrinologia pela UFRS. Membro Titular da Academia Nacional de Medicina.

Gerson Augusto Veloso Radiologista do Instituto de Ortopedia de Goiânia. Mestre em Medicina Tropical pela UFG. Ex-Professor do Departamento de Radiologia da Faculdade de Medicina da UFG. Glauco Baiocchi Júnior Professor Colaborador da disciplina Alergia e Imunologia da PUC-Goiás. Presidente Vitalício da Associação Brasileira de Alergia e Imunopatologia. Especialista em Alergia e Imunologia. Heitor Rosa Professor do Departamento de Clínica Médica da Faculdade de Medicina pela UFG. Doutor em Medicina pela UFG. Especialista em Gastroenterologia. Membro Titular da Academia Goiana de Medicina. Heloisa Helena Alves Brasil Especialista em Psiquiatria. Psiquiatra do Instituto de Psiquiatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Hélio Hungria (in memoriam) Professor Titular Aposentado de Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina da UFRJ e da UERJ. Membro Titular da Academia Nacional de Medicina. Hélio Moreira Professor Titular Aposentado do Departamento de Cirurgia da Faculdade de Medicina da UFG. Doutor em Medicina pela UFG. Especialista em Coloproctologia. Membro Titular da Academia Goiana de Medicina. Ipojucan Ca1ixto Fraiz Professor da disciplina Internato em Saúde Coletiva do curso de Medicina da Universidade Positivo. Mestre em Sociologia pela Universidade Federal do Paraná. Coordenador do curso de Medicina da Universidade Positivo. João Damasceno Porto Ex-Professor do Departamento de Clínica Médica da Faculdade de Medicina da UFG. Mestre em Gastroenterologia pela UFG. Especialista em Gastroenterologia. Joffre Marcondes de Rezende Professor Emérito da Faculdade de Medicina da UFG. Especialista em Gastroenterologia. Membro Emérito da Academia Goiana de Medicina Joffre Rezende Filho Professor do Departamento de Clínica Médica da Faculdade de Medicina da UFG. Médico Gastroenterologista do Hospital das Clínicas da UFG e do Instituto de Gastroenterologia de Goiânia. Mestre e Doutor em Gastroenterologia pela Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da USP.

Luiz Ernesto de Almeida Troncon Professor do Departamento de Clínica Médica da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da USP. Especialista em Gastroenterologia. Luiz Fernando Job Jobim Professor Associado do Departamento de Medicina Interna da UFRGS. Chefe do Serviço de Imunologia do Hospital das Clínicas de Porto Alegre. Doutor em Ciências Médicas pela UFRGS. Pós-Graduação pela Universidade do Texas (USA) e de Oxford (UK). Luiz Vieira Pinto Professor do Departamento de Cirurgia e Medicina Oral da Faculdade de Odontologia da UFG. Mestre em Diagnóstico Oral pela Faculdade de Odontologia de Bauru - USP. Marcelo Fouad Rabahi Professor do Departamento de Clínica Médica da Faculdade de Medicina da UFG. Especialista em Pneumologia. Professor do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Saúde da UFG. Marco Antonio Alves Brasil Professor da Faculdade de Medicina da UFRJ. Especialista em Psiquiatria. Psiquiatra do Centro Psiquiátrico Pedro 11. Mestre e Doutor em Psiquiatria pela UFRJ. Marco Henrique Chaul Especialista em Dermatologia Pós-Graduando em Dermatologia do Serviço de Dermatologia do Hospital das Clínicas da UFG. Maria do Rosário Ferraz Roberti Professora Adjunta do Departamento de Clínica Médica da Faculdade de Medicina da UFG. Coordenadora da disciplina Práticas Integrativas I da Faculdade de Medicina da UFG. Doutora em Hematologia pela USP. Especialista em Hematologia e Hemoterapia Médica Hematologista do Hemocentro de Goiás. Mariana Jobim Wilson Médica do Serviço de Imunologia do Hospital das Clínicas de Porto Alegre. Doutora em Ciências Médicas pela Faculdade de Medicina da UFRGS. Especialista em Alergia e Imunologia. Mirian Moura Neurologista e Neurofisiologista Clínica da Secretaria de Saúde do Distrito Federal e da Câmara dos Deputados. Nilva Maria Andrade-Sá Professora do Departamento de Clínica Médica da Faculdade de Medicina da UFG. Especialista em Gastroenterologia. Mestre em Gastroenterologia pela Universidade Federal de Goiás. Doutora em Clínica Médica pela USP.



Semiologia Médica Nilzio Antonio da Silva Professor Titular do Departamento de Clínica Médica da Faculdade de Medicina da UFG. Doutor em Reumatologia pela Faculdade de Medicina da USP. Especialista em Reumatologia. Membro Titular da Academia Goiana de Medicina. Paulo Armando Motta Professor Adjunto do Departamento de Genética do Instituto de Biologia da UFRJ, da Escola de Medicina Souza Marques, do Instituto de Biologia da UFF e da Faculdade de Medicina de Petrópolis. Paulo Humberto Siqueira Professor do Departamento de Cirurgia da Faculdade de Medicina da UFG. Especialista em Otorrinolaringologia. Paulo Sérgio Sucasas da Costa Professor Associado do Departamento de Pediatria da Faculdade de Medicina da UFG. Especialista em Pediatria. Mestre e Doutor em Pediatria pela USP. Pós-Doutorado pela UBC (Vancouver, Canadá). Ricardo Brandt de Oliveira Professor do Departamento de Clínica Médica da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, USP. Especialista em Gastroenterologia. Rita Francis Gonzalez Y Rodrigues Branco Professora do curso de Medicina da PUC-Goiás. Mestre e Doutora em Educação Brasileira pela UFG. Especialista em Cardiologia.

IX

Roberto Luciano Coimbra Médico Urologista do Hospital Santa Helena de Goiânia. Salvador Rassi Professor do Departamento de Clínica Médica da Faculdade de Medicina da UFG. Professor do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Saúde da UFG. Especialista em Cardiologia. Doutor em Medicina pela USP. Sebastião Eurico de Melo-Souza Médico Neurologista do Instituto Neurológico de Goiânia. Ex-Professor do Departamento de Clínica Médica da Faculdade de Medicina da UFG. Especialista em Neurologia. Membro Titular da Academia Goiana de Medicina. lherezinha Ferreira Lorenzi Professora Doutora da Faculdade de Medicina da USP. Ulisses G. Meneghelli Professor do Departamento de Clínica Médica da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, USP. Especialista em Gastroenterologia. Valéria Soares Pigozzi Veloso Professora do Departamento de Clínica Médica da Faculdade de Medicina da UFG. Especialista em Nefrologia. Mestre em Ciências da Saúde pela UFG.







••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••• 1

1 •••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••• 1

~············································· ••••••••••••••1 1 ••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••• ••••••••••••• 1

1..... ••• ••••••••••••••• ••••••••••••••••••• • •••••••••••• •••••••••••• ••• •• •••••••••••• •• ••• •••••••••••• •••• ..1 1.... •• •• ••• •••••••••••••••••••••• ••• •• •• ••••••• •••

1

I

••••1

I. •• •••••••••• ••••••••••••• •••••• ••••••••••••• • •••••••• I ••••• • • ••••••• ••• •••••• ••• ••••••• • • ••••• • • •

•••••

••

••••••••••••••••••••••••••••••

••

•••••



••



•••1

•••• ••••• •• • • ••• • •• • ••• • • •• ••••• •••• ••• •• I I • •••• ••• •• • • •••••••• •• • • •• ••• •••• • • ••• •• • • •• • • •• •• ••• •••••• ••• •• ••• • • •• • • • •• I

I I

I

••1 ···=·· • •••• • ··=··· • • •• • ••• •• • .I ••1!11• • ••• •• •••. •• • • • • • • •• • • • • • ••••• • • • • • • • • • . • • • •I!• • •. •••••

•••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••

•• • . • • ••• • ••

• •

•••••• ••• •

••



•••

• ••••













••1

.• • • • •



• •

• • • • •• •











• •















• •





• ••

•• • • ••• • •

Colaboradores

Abdon Salam Khaled Karhawi Professor de Semiologia Médica da Universidade de Cuiabá. Especialista em Clínica Médica, Medicina Intensiva e Infectologia. Acary Souza Bulle de Oliveira Professor Afiliado da Universidade Federal de São Paulo. Alexandre Vieira Santos Moraes Professor Adjunto do Departamento de Ginecologia e Obstetrícia da Faculdade de Medicina da UFG. Professor de Ginecologia e Obstetrícia do curso de Medicina da PUC-Goiás. Doutor em Ginecologia pela Escola Paulista de Medicina da UNIFESP. Especialista em Ginecologia e Obstetrícia. Aluízio Ramos de Oliveira Especialista em radiologia. Ex-Professor do Departamento de Radiologia da Faculdade de Medicina da UFG. Amanda Musacchio Professora Associada de Endocrinologia da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Amauri Batista da Silva Neurologista da Fundação Hospitalar do Distrito Federal. Amélio de Godoy Mattos Professor Associado de Endocrinologia da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Especialista em Endocrinologia. Amilton Antunes Barreira Professor Adjunto do Departamento de Neuropsiquiatria e Psicologia Médica da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, USP. Especialista em Neurologia. AmirSzklo Especialista em Pneumologia. Mestre em Pneumologia pela UFRJ.

Ana Maria de Oliveira Professora do Departamento de Medicina Tropical do Instituto de Patologia Tropical e Saúde Pública da UFG. Especialista em Doenças Infecciosas e Parasitárias. André Luiz Patrão Mestre em Oftalmologia pela UFRJ. Oftalmologista do Hospital de Olhos de Niterói. André Valadares Siqueira Especialista em Otorrinolaringologia Anete Trajman Professora Adjunta de Clínica Médica da Universidade Gama Filho e Fundação Técnico-Educacional Souza Marques. Doutora em Clínica Médica pela UFRJ. Antonio Carlos Pereira Barreto Professor Livre-Docente da Faculdade de Medicina USP. Médico do Instituto do Coração (INCOR) do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP. Especialista em Cardiologia. Antonio Carlos Ximenes Chefe do Departamento de Medicina Interna/Setor de Reumatologia do Hospital Geral de Goiânia do Ministério da Saúde. Coordenador do Internato de Clínica Médica do Hospital Geral de Goiânia. Especialista em Reumatologia. Doutor em Reumatologia pela Faculdade de Medicina da USP. Antônio Cesar Pereira Professor Adjunto da disciplina Imaginologia da UniEvangélica (Anapólis). Especialista em Medicina Nuclear. Mestre pela UNESP (Botucatu-SP). Antonio Luiz Zangalli Professor Associado de Oftalmologia da Faculdade de Medicina da UFRJ. Doutor e Mestre em Oftalmologia pela UFRJ. Chefe do Serviço de Oftalmologia do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho da UFRJ.

••

Semiologia Médica

XII

Áurea Nogueira de Melo Professora Adjunta do Departamento de Pediatria da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Neurologista Infantil e Eletroencefalografista.

Denise Sisteroli Diniz Carneiro Professora do Departamento de Clínica Médica da Faculdade de Medicina da UFG. Mestre em Medicina Tropical pela UFG. Especialista em Neurologia.

Bruno Galafassi Ghini Especialista em Medicina Nuclear.

Edith Terese Pizarro Zacariotti Professora do Departamento de Pediatria da Faculdade de Medicina da UFG. Membro do Núcleo de Estudos e Coordenador de Ações para a Saúde do Adolescente (NECASA-UFG).

Carlos Alberto Ximenes Professor do Departamento de Radiologia da Faculdade de Medicina da UFG. Especialista em Radiologia. Carlos Alberto Ximenes Filho Especialista em Radiologia.

Élbio Cândido de Paula Professor do Departamento de Patologia, Radiologia e Diagnóstico por Imagem da Faculdade de Medicina da UFG. Médico Patologista do Hospital Araújo Jorge de Goiânia.

Carlos Alfredo Marcílio de Souza Professor da Faculdade de Medicina da Universidade Federal da Bahia. Coordenador da Pós-Graduação em Medicina da Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública. Membro Titular da Academia de Medicina da Bahia. Livre-Docente pela Faculdade de Medicina da UFG.

Eli Faria Evaristo Especialista em Neurologia.

Carlos Ehlke Braga Filho Professor das disciplinas Bioética e Medicina do curso de Medicina da Universidade Positivo. Mestre em Educação pela Universidade Federal do Paraná.

Fausto Haruki Hironaka Médico Assistente do Serviço de Radioisótopos do Instituto do Coração (INCOR) da Faculdade de Medicina da USP. Doutor em Cardiologia pela Faculdade de Medicina USP. Especialista em Cardiologia.

Charles Esteves Pereira Médico Cirurgião Vascular da Clínica Prado de Diagnósticos de Goiânia. Charles Mady Professor da Faculdade de Medicina da USP. Médico Assistente do Instituto de Cardiologia (INCOR) da Faculdade de Medicina da USP. Doutor em Cardiologia pela Faculdade de Medicina da USP.

Elisangela de Paula Silveira Lacerda Professora Adjunta do Instituto de Ciências Biológicas da UFG. Doutora em Genética e Bioquímica pela UFU.

Gabriela Cunha Fialho Cantarelli Professora Convidada do curso de Medicina da Pontifícia Universidade Católica de Goiás. Especialista em Docência do Ensino Superior pela FABEC. Líder de Grupos Balint do curso de Medicina da Pontifícia Universidade Católica de Goiás.

Cláudio Jacinto Pereira Martins Professor do Departamento de Clínica Médica da Universidade de Uberaba. Especialista em Clínica Médica.

Geraldo Nunes Vieira Rizzo Especialista em Neurologia e Neuro:fisiologia Clínica. Neuro:fisiologista do Instituto de Neuro:fisiologia Clínica do Hospital Moinhos de Vento de Porto Alegre (RS).

Cristiano Montandon Especialista em Radiologia.

Gustavo Guilherme Queiroz Arimatea Especialista em Cínica Médica.

Daniel Messias de Morais Neto Professor Adjunto de Cirurgia Torácica do curso de Medicina da PUC-Goiás. Doutor em Cirurgia torácica pela USP. Especialista em Cirurgia Torácica.

Hamilton da Costa Cardoso Professor Adjunto de Clínica Médica da Universidade do Estado do Pará. Especialista em Clínica Médica.

Daniela do Carmo Rassi Frota Professora Assistente do Departamento de Clínica Médica da Faculdade de Medicina da UFG. Mestre em Ciências da Saúde pela UFG. Coordenadora do Serviço de Ecocardiografia do Hospital das Clínicas da UFG. Daniela Espíndola Antunes Professora Adjunta de Endocrinologia da Faculdade de Medicina da UFG. Especialista em Endocrinologia e Metabologia. Doutora em Endocrinologia pela UNEFESP. Daniela Graner Shuwartz Tannus Silva Médica do Serviço de Pneumologia do Hospital das Clínicas da UFG. Especialista em Pneumologia. Mestre em Medicina Tropical pelo Instituto de Patologia Tropical e Saúde Pública da UFG.

HansGraf Chefe da Unidade de Tireoide do Serviço de Endocrinologia e Metabologia do Hospital das Clínicas da UFPR. Diretor da Sociedade Latino Americana de Tireoide (LATS). Haroldo Silva de Souza Preceptor da Residência de Clínica Médica e de Endocrinologia e Metabologia do Hospital Geral de Goiânia. Especialista em Endocrinologia. Releio Alvarenga Especialista em Neurologia. Helio Moreira Júnior Especialista em Coloproctologia. Médico do Serviço de Coloproctologia do Departamento de Cirurgia da Faculdade de Medicina da UFG.

Semiologia Médica Henrique Moura de Paula Professor do Departamento de Patologia, Radiologia e Diagnóstico por Imagem da Faculdade de Medicina da UFG. Médico Patologista do Hospital Araújo Jorge de Goiânia. Hugo Pereira Pinto Gama Especialista em Neurologia. Neurologista do Hospital Neurológico de Goiânia. Hugo Vargas Filho Professor Responsável pela disciplina Semiologia Médica da Faculdade de Medicina da Universidade de Passo Fundo (RS). Diretor do Departamento de Cardiologia do Hospital-Escola São Vicente de Paula (Passo Fundo-RS). Humberto Gusmão dos Santos Botelho Médico do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da UFG. Especialista em Clínica Médica. Igor Teixeira da Mata Especialista em Radiologia. Jayme Olavo Marquez Professor-Doutor da disciplina de Neurologia da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Triângulo Mineiro. Doutor em Neurologia pela Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da USP. Professor Visitante da Duke University. Membro Titular da Academia Brasileira de Neurologia. João Alberto Oliveira Campos Professor Titular do Departamento de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da UFG. Especialista em Psiquiatria. João de Castilho Cação Médico Colaborador da disciplina de Clínica Médica da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto. João Rosa do Espírito Santo Professor do Departamento de Clínica Médica da Faculdade de Medicina da UFG. Mestre em Cardiologia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Especialista em Cardiologia.

•••

XIII

José Fernando VIlela Martin Professor do Departamento de Clínica Médica. Responsável pelo curso de Semiologia e Propedêutica Médica da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto. Doutor em Clínica Médica pela USP. José Heleodoro Xavier de Castro Neurofisiologista Clínico do Instituto Neurofisiologia do Hospital Moinhos de Vento de Porto Alegre (RS) e do Hospital de Neurocirurgia da Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre (RS). José Laerte Rodrigues da Silva Júnior Especialista em Pneumologia. Mestre em Ciências da Saúde pela UFG. Professor da Faculdade de Medicina do Centro Universitário de Gurupi e da Faculdade de Medicina do Centro Universitário de Anápolis. José Paulo Cipullo Professor Adjunto e Coordenador de Ensino da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto. Especialista em Clínica Médica. José Paulo Teixeira Moreira Especialista em Coloproctologia. Médico do Serviço de Coloproctologia do Hospital das Clínicas da UFG. Mestre em Medicina Tropical pela UFG. José Silvério Peixoto Guimarães Médico Cardiologista da Clínica Santa Genoveva e do Hospital Santa Helena de Goiânia. Especialista em Cardiologia. Kim-Ir-Sen Santos Teixeira Professor Adjunto do Departamento de Patologia e Imaginologia da Faculdade de Medicina da UFG. Médico Radiologista da Clínica Multimagem de Goiânia. Doutor em Medicina pela USP. Laura Sterian Ward Professora do Departamento de Clínica Médica da Faculdade de Ciências Médicas da UNICAMP. Especialista em Clínica Médica e Endocrinologia. Mestre e Doutor em Clínica Médica pela UNICAMP.

Johnathan Santana de Freitas Professor de Pediatria e Nefrologia Pediátrica da PUC-Goiás. Nefrologista Pediátrico do Hospital das Clínicas da UFG. Especialista em N efrologia Pediátrica.

Leonardo Martins Normanha Médico Radiologista. Membro Titular da Academia Goiana de Medicina.

José Antônio do Livramento Professor Livre-Docente do Departamento de Neurologia da Faculdade de Medicina da USP.

Luis Ramos Machado Professor Assistente do Departamento de Neurologia da Faculdade de Medicina da USP.

José Augusto Machado Chefe de Clínica do Instituto de Ginecologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Doutor em Ginecologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Livre-Docente em Ginecologia da Universidade de Valença.

Luiz Antonio Zanini Professor Adjunto do Instituto de Patologia Tropical e Saúde Coletiva da Universidade Federal de Goiás. Mestre em Medicina Tropical e Saúde Coletiva pela UFG. Especialista em Infectologia.

José Eduardo Lima Especialista em Neurologia. Professor da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da USP.

Luiz Augusto Franco de Andrade Professor Adjunto Doutor da Escola Paulista de Medicina (UNIFESP).



Semiologia Médica

XIV

Luiz Fernando Fróes Fleury Professor do Departamento de Patologia de Faculdade de Medicina da UFG. Professor do Departamento de Biomédica da PUC-Goiás. Luiz Fernando Martins Neurocirurgião do Instituto de Neurologia de Goiânia. Doutor pela Universidade de Berlim. Luiz Rassi Júnior Especialista em Cardiologia. Ecocardiografista da Clínica de Imagem de Goiânia. Luzidalva Barbosa de Medeiros Professora Adjunta do Departamento de Medicina Clínica do Centro de Ciências da Saúde da UFPE. Mestre em Medicina Tropical pela UFPE. Manoel Santos Pereira Professor do Departamento de Patologia e Imaginologia da Faculdade de Medicina da UFG.

Maria Valeriana Leme de Moura Ribeiro Professora Associada do Departamento de Neuropsiquiatria e Psicologia Médica da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da USP. Professora de Neurologia Infantil do Departamento de Neurologia da Faculdade de Ciências Médicas UNICAMP. Mariana Tassara Especialista em Infectologia. Professora do Departamento de Clínica Médica da Faculdade de Medicina da UFG. Mario Monjardim Castello Branco Professor Titular de Clínica Médica da Fundação TécnicoEducacional Souza Marques. Professor Adjunto de Clínica Médica da UFRJ e Universidade Gama Filho. Mauri Felix de Souza Professor do Departamento de Clínica Médica da Faculdade de Medicina da UFG. Doutor em Nefrologia pela USP. Especialista em Nefrologia.

Marcelo Eustáquio Montandon Junior Especialista em Radiologia.

Maurice Borges Vincent Chefe do Setor de Cefaleias do Serviço de Neurologia do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho da UFRJ. PhD pela Universidade Trondheim, Noruega.

Márcio Penha Morterá Rodrigues Professor Substituto de Oftalmologia da Faculdade de Medicina da UFRJ. Mestre e Doutor em Medicina pela UFRJ. Especialista em Medicina Aeroespacial pela Universidade da Força Aérea.

Mauricio Sérgio Brasil Leite Professor Aposentado do Departamento de Patologia e Imaginologia da Faculdade de Medicina da UFG.

Marcus Barreto Conde Especialista em Pneumologia. Maria Ângela Tolentino Neurofisiologista Clínica do Instituto de Neurologia de Goiânia e do Hospital Santa Helena de Goiânia. Especialista em Neurologia. Maria Auxiliadora Carmo Moreira Professora Associada do Departamento de Clínica Médica da Faculdade de Medicina da UFG. Mestre em Pneumologia pela Escola Paulista de Medicina (UNIFESP). Doutora em Ciências da Saúde pela UFG. Maria Conceição de Castro Antonelli Monteiro de Queiroz Médica Pneumologista do Hospital das Clínicas da UFG. Especialista em Pneumologia. Mestre em Ciências da Saúde pela UFG. Maria Helena Alves Canuto Professora do Departamento de Pediatria da Faculdade de Medicina da UFG. Membro do Núcleo de Estudos e Coordenação de Ações para a Saúde do Adolescente (NECASA-UFG). Maria Regina Pereira Godoy Médica da disciplina Clínica Médica da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto. Maria Rosedália de Moraes Especialista em Pneumologia. Médica do Serviço de Cardiologia do Hospital das Clínicas da UFG. Mestre em Ciências da Saúde pela UFG.

Mauro Miguel Daniel Médico Assistente do Instituto de Radiologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP. Radiologista do Hospital Israelita Albert Einstein. Miguel Angel Corrales Coutinho Médico do Serviço de Cirurgia Torácica do Hospital das Clínicas da UFG. Especialista em Cirurgia Torácica. Monike Lourenço Dias Rodrigues Professora Auxiliar de Endocrinologia da Faculdade de Medicina da UFG. Doutora em Endocrinologia pela UNIFESP. Especialista em Endocrinologia. Nayara Gomes Costa Especialista em Clínica Médica. Nelcivone Soares de Melo Especialista em Hematologia. Professor Adjunto do Departamento de Clínica Médica da Faculdade de Medicina da UFG. Nelson Spector Professor do Departamento de Clínica Médica da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Doutor pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Neusa Batista de Melo Professora Adjunta da disciplina Hematologia do Departamento de Clínica Médica da UFG. Doutora em Hematologia pela UNIFESP. Especialista em Patologia Clínica e Medicina Laboratorial Médica do Setor de Citometria do Fluxo do Laboratório Atalaia (DASA-GO).

Semiologia Médica Newra Tellechea Rotta Professora Adjunta, Livre-Docente, do Departamento de Pediatria da Faculdade de Medicina da UFRGS. Ornar Carneiro Filho Especialista em Medicina Nuclear. Diretor do Instituto de Medicina Nuclear de Goiás. Orlando Guaziani Povoas Barsottini Pesquisador do Instituto do Cérebro do Hospital Israelita Albert Einstein. Doutor em Neurologia pela UNIFESP. Osvaldo Massaiti Takayanagui Professor Titular do Departamento de Neurologia e Psicologia Médica da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da USP. Oswaldo Vilela Filho Professor Adjunto de Neurocirurgia da Faculdade de Medicina da UFG. Professor Adjunto de Neurociências do Departamento de Medicina da PUC-Goiás. Neurocirurgião Funcional do Instituto de Neurologia de Goiânia. Neurocirurgião do Serviço de Neurologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da UFG. Doutor em Neurocirurgia pela UNIFESP. Pascoal Martini Simões Professor Titular de Ginecologia da UFRS. Professor Titular de Ginecologia da Faculdade de Medicina de Valença. Paulo César Brandão Veiga Jardim Professor Adjunto do Departamento de Clínica Médica da Faculdade de Medicina da UFG. Doutor em Medicina pela USP. Especialista em Cardiologia. Paulo César Ragazzo Neurofisiologista Clínico do Instituto de Neurologia de Goiânia. Pedro José de Santana Especialista em Radiologia e Diagnóstico por Imagem. Pedro Paulo Teixeira e Silva Torres Especialista em Radiologia e Imaginologia. Médico do Serviço de Radiologia do Hospital das Clínicas da UFG. Racine Procópio Teixeira Especialista em Radiologia. Médico Radiologista de Clínica de Imagem de Goiânia e do Hospital de Urgências de Aparecida de Goiânia. Preceptor do Programa de Residência Médica em Radiologia e Diagnóstico por Imagem do Centro de Reabilitação e Readaptação Dr. Henrique Santillo de Goiânia.

XV

Renato Enrique Sologuren Achá Professor Aposentado do Departamento de Clínica Médica do Centro de Ciências Biomédicas da UFG. Doutor em Medicina pela Escola Paulista de Medicina da UNIFESP. Renato Miranda de Melo Professor Voluntário do Departamento de Cirurgia da Faculdade de Medicina da UFG. Coorientador do Programa de Pós-Graduação em Ciência Animal pela Escola de Veterinária da UFG. Pesquisador da Universidade de Alfenas. Membro Titular do Colégio Brasileiro de Cirurgiões e da American Hernia Society. Doutor em Cirurgia. Roberto Ferreira Filho Professor da disciplina Oncologia Clínica da PUC-Goiás. Especialista em Oncologia Clínica. Rodrigo Oliveira Ximenes Especialista em Clínica Médica e Gastroenterologia. Médico do Serviço de Endoscopia Digestiva do Hospital das Clínicas da UFG. Roseliane de Sousa Araujo Professor Convidado de Pneumologia do curso de Medicina da PUC-Goiás. Especialista em Pneumologia. Mestre em Ciências da Saúde pela HSEFMO-SP. Rubens Carneiro dos Santos Júnior Especialista em Neurologia. Membro do Serviço de Neuroimagem do Instituto de Neurologia de Goiânia. Sandra Josefina Ferraz Ellero Grisi Professor Titular da Pediatria da Faculdade de Medicina da USP. Mestre, Doutora e Livre-Docente pela USP. Especialista em Pediatria. Sérgio Augusto Pereira Novis Professor Titular de Neurologia da Faculdade de Medicina da UFRJ e da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Membro Titular da Academia Nacional de Medicina. Sérgio Gabriel Rassi Professor do Departamento de Clínica Médica da UFG. Especialista em Cardiologia. Sérgio Roberto Haussen Professor Titular de Neurologia da Faculdade Federal de Ciências Médicas de Porto Alegre. Professor Adjunto da Faculdade de Medicina da UFRGS. Siderley de Souza Carneiro Professor do Departamento de Patologia da Faculdade de Medicina da UFG. Mestre em Patologia Tropical pela UFG. Especialista em Patologia.

Rafael Oliveira Ximenes Pesquisador do Serviço de Gastroenterologia. Clínica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP. Especialista em Gastroenterologia.

Silvia Leda França Moura de Paula Professora Adjunta do Departamento de Clínica Médica da Faculdade de Medicina da UFG. Especialista em Endocrinologia.

Raquel Andrade de Siqueira Especialista em Endocrinologia. Preceptora da Residência de Endocrinologia do Hospital Geral de Goiânia. Coordenadora do Clube da Tireoide de Goiás.

Siulmara Cristina Galera Especialista em Clínica Médica e Geriatria. Doutora em Cirurgia pela UFC. Mestre em Medicina pela UFPR. Professora do curso de Medicina da Universidade de Fortaleza.



XVI

Vardeli Alves de Moraes Professor Associado do Departamento de Ginecologia e Obstetrícia da Faculdade de Medicina da UFG. Doutor em Obstetrícia pela Escola Paulista de Medicina da UNIFESP. Especialista em Ginecologia e Obstetrícia. Wanderley Ribeiro Borges de Figueiredo Professor Aposentado do Departamento de Patologia e Imaginologia da Faculdade de Medicina da UFG.

Semiologia Médica Wilson Luiz Sanvito Professor de Neurologia da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo. Yosio Nagato Angiologista do Hospital Geral do Instituto Nacional de Assistência Médica e Previdência Social, Goiânia, e do Hospital das Clínicas da UFG. Especialista em Angiologia.

•••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••1

1 •••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••• 1

~············································· ••••••••••••••1 1 ••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••• ••••••••••••• 1

1..... ••• ••••••••••••••• ••••••••••••••••••• • •••••••••••• •••••••••••• ••• •• •••••••••••• •• ••• •••••••••••• •••• ..1 1.... •• •• ••• •••••••••••••••••••••• ••• •• •• ••••••• •••

1

I

••••1

I. •• •••••••••• ••••••••••••• •••••• ••••••••••••• • •••••••• I ••••• • • ••••••• ••• •••••• ••• ••••••• • • ••••• • • •

•••••

••

••••••••••••••••••••••••••••••

••

•••••



••



•••1

•••• ••••• •• • • ••• • •• • ••• • • •• ••••• •••• ••• •• I I • •••• ••• •• • • •••••••• •• • • •• ••• •••• • • ••• •• • • •• • • •• •• ••• •••••• ••• •• ••• • • •• • • • •• I

I I

I

••1 ···=·· • •••• • ··=··· • • •• • ••• •• • .I ••1!11• • ••• •• •••. •• • • • • • • •• • • • • • ••••• • • • • • • • • • . • • • •I!• • •. •••••

•••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••

•• • . • • ••• • ••

• •

•••••• ••• •

••



•••

• ••••













••1

.• • • • •



• •

• • • • •• •











• •















• •





• ••

•• • • • •• • •

Dedicatória e Agradecitnentos

Desejo expressar minha gratidão aos autores e colaboradores que compartilharam comigo a trabalhosa - mas agradável - tarefa de preparar a sétima edição de nossa Semiologia Médica, trabalho que exigiu profunda revisão do conteúdo e rigorosa escolha de imagens, porque nossos olhos estavam sempre voltados para a medicina do século 21. Sou grato ao GEN I Grupo Editorial Nacional- do qual faz parte a Editora Guanabara Koogan -, na pessoa de seu presidente, Mauro Lorch, de Aluisio Affonso, Juliana Affonso e Maria Fernanda Dionysio, responsáveis diretos pelo projeto gráfico e "construção" do livro, de Christina Norén e Cláudia Rocha, dos Direitos Autorais, e de Andrea Xavier, do Marketing. Sempre recebi dessas pessoas especial atenção durante o preparo dos originais de todos os meus livros. Trabalhamos juntos com alegria e em plena sintonia. Especial agradecimento dedico à Raquel Quirino, que me auxiliou com muita eficiência na organização do imenso material que se transformou nesta obra. Aos meus familiares - Arnaldo, Liliana, Godiva, Roberto, Moema, Bruna, Camila, Kalil, Artur, Frederico, Eduardo, Lenise, Lenita, Luciano - , quero dizer que vocês formam uma rede, cuja trama é constituída de gestos de carinho e manifestações de amor, que é uma fonte inesgotável de energia para meu trabalho como educador. Também à Indiara quero agradecer, pois, além de me incluir em sua linda família, foi uma apoiadora inteligente e sensível de tudo o que escrevo. Vocês são o que tenho de melhor em minha vida! Com respeito e saudade, quero reverenciar a memória de meus pais - Calil e Lourdes - e da Virginia, com quem partilhei longa parte de minha vida. Por fim, quero dizer que são os professores e os estudantes de toda a área da saúde os verdadeiros responsáveis pelo sucesso deste livro. A todos o meu agradecimento e a minha gratidão, pelo apoio, pelas críticas e sugestões.

Celmo Celeno Porto







•••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••1

1 •••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••• 1

~············································· ••••••••••••••1 1 ••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••• ••••••••••••• 1

1..... ••• ••••••••••••••• ••••••••••••••••••• • •••••••••••• •••••••••••• ••• •• •••••••••••• •• ••• •••••••••••• •••• ..1 1.... •• •• ••• •••••••••••••••••••••• ••• •• •• ••••••• •••

1

I

••••1

I. •• •••••••••• ••••••••••••• •••••• ••••••••••••• • •••••••• I ••••• • • ••••••• ••• •••••• ••• ••••••• • • ••••• • • •

•••••

••

••••••••••••••••••••••••••••••

••

•••••



••



•••1

•••• ••••• •• • • ••• • •• • ••• • • •• ••••• •••• ••• •• I I • •••• ••• •• • • •••••••• •• • • •• ••• •••• • • ••• •• • • •• • • •• •• ••• •••••• ••• •• ••• • • •• • • • •• I

I I

I

••1 ···=·· • •••• • ··=··· • • •• • ••• •• • .I ••1!11• • ••• •• •••. •• • • • • • • •• • • • • • ••••• • • • • • • • • • . • • • •I!• • •. •••••

•••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••

•• • . • • ••• • ••

• •

•••••• ••• •

••



•••

• ••••











••1

.• • • • •





• •



• • • • •• •









• •















• •





• ••

•• • • ••• • •

Apresentação à Sétima Edição

,,

.

~

..•.,,'... ....1

;;! !,....... ..

4 ••••





...~~ ····~ ,.•. "'"'' .. r

,; r

. . .. • • • ~

- "'

11

•r- - -

- - -"'•••••••r

a n os .~r .. . .... ~

A apresentação que se segue a esta foi escrita no final de 1989 para a primeira edição de Porto & Porto I Semiologia Médica. Decorridos 25 anos, sete edições e mais de 50 mil exemplares vendidos, é motivo de muita satisfação reafirmar as palavras contidas no texto: ((Estamos honrados com a oportunidade de enriquecer nosso acervo publicando a obra que está destinada não apenas a ocupar esta lacuna [relativa a um texto de semiologia médica] como a tomar-se um marco na literatura científica." Ambas as predições se cumpriram: a obra conquistou o espaço que ficou vago quando o memorável tratado de Vieira Romeiro deixou de ser publicado e tornou-se um dos textos científicos mais respeitados já publicados no Brasil. Nossa honra e nosso orgulho se renovam a cada edição de Porto & Porto I Semiologia Médica, mas a sétima versão tem algo de muito especial: ela comemora os 25 anos de existência do livro e a maior reformulação pelo qual ele já passou. Não nos referimos apenas às profundas mudanças na apresentação gráfica e à atualização do conteúdo, mas também a uma nova geração de autores e de colaboradores, cujos conhecimentos e participação contribuem para minimizar a falta que fazem os grandes mestres que colaboraram em edições anteriores e deixaram saudades. A equipe da Guanabara Koogan que trabalhou nesta edição de Porto & Porto I Semiologia Médica também é quase toda de uma nova geração, e oxigenou o livro com vigor e empenho dignos de nota. Portanto, não é exagerado afirmar que nós da Guanabara Koogan nos sentimos orgulhosos, ainda mais do que em 1989, por sermos os editores de Porto & Porto I Semiologia Médica, por continuarmos a manter com o professor Celmo Celeno Porto uma relação que transcende em muito o binômio autor-editora - por melhor que esse comumente seja- e, ademais, felizes por voltarmos a contribuir para que esta, que é a bíblia da Semiologia brasileira, mantenha-se fiel aos princípios que sempre a nortearam: ser moderna, fundamentada na experiência de autores consagrados, respeitar a realidade didática de professores e estudantes e vislumbrar o futuro, sempre.

Editora Guanabara Koogan

~ ····························································· ~~ ····························································· ············································

•••••••••••••••• 1.••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••• ... ••••••••••••••••••• ••••••••••••••••••• ••••• ••••••••• •• •••••••••••• •• •••••••••••••••••• •••••••••••• 1.••••••••••• .. •• •• •••••••••••••••••••••••••••• •• •• ••••••• ••••• • • ••••••• ••• •••••• ••• ••••••• • • ••••• • • • ••••• 1... ••••• •• • • ••• • •• • ••• • • •• ••••• •••• ••• •• • •I···· ••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••.••••••••• ••• •• • • •••••••• •• • • •• ••• •••• • • ••• •• • •• •• • • • •••••• ••• • •• • ••• •••••• • • • •• •• •• • ••••• ••• • •• • • ···=·· • •••• • ··=··· • • •• • ••• •• • • ••• 1 !1 • • • • • • • • • • • • • • • • • • •I!• • •.• • • •• • • • • • • • • • • • • • ••••••• •• • • • • • • • • • •

I

••

I

•••••

I



I

••••••••••

••



••



•• •



•••••••••••••

••••••

•••••••••••••

••••••••••••••••••••••••••••••

••

••











••



•••

••







••••••









•••



••

••



•••





•••••

••







••••••••• •

••







• •••••

••

••

••••••





Apresentação à Pritneira Edição

Há muito se verificava a necessidade de um texto sobre semiologia médica que não fosse apenas novo, mas moderno; que se fundamentasse na experiência de autores consagrados, porém, paralelamente, vislumbrasse o futuro; um livro que tivesse origem na realidade didática de professores e estudantes, organizado em conformidade com os currículos das diversas escolas. Estamos honrados com a oportunidade de enriquecer nosso acervo publicando uma obra que está destinada não só a ocupar esta lacuna, como também a tomar-se um marco na literatura científica.

Semiologia Médica é obra diferenciada. Não constitui explosão criativa nem simples reunião de assuntos esparsos sob uma mesma capa, mas a colocação, a serviço do ensino- de maneira cuidadosa e seriamente planejada-, do conhecimento e da criatividade de alguns dos maiores expoentes da classe médica brasileira. O texto redigido pelos autores e colaboradores foi exaustivamente revisado pelo autor-editor, que padronizou, sempre que procedente, aspectos de terminologia, de técnicas, filosofias e critérios. Estes cuidados podem ser notados em qualquer parte do livro, mesmo nos menores detalhes. Todas as divisões de partes e seções obedecem ao mesmo critério: cada assunto está em seu lugar e há um lugar para cada assunto. O aspecto gráfico também foi criteriosamente estudado. Um único desenhista fez todas as ilustrações, e a reprodução das figuras foi realizada de acordo com os melhores padrões. A paginação seguiu tendências estéticas atuais, sendo concebida para tornar a leitura agradável, com encadeamento previsível, permitindo ao leitor acompanhar um texto sem quebras visuais, sem figuras demasiadamente grandes ou pequenas, ou inadequadamente dispostas. Todos os autores e colaboradores dedicaram a seus textos seriedade e competência, sendo credores de nossa admiração. Cabe destacar, entretanto, o trabalho do professor Celmo Celeno Porto, que se devotou à tarefa com raro empenho. A par de sua reconhecida experiência no ensino da semiologia, deu sempre mostras de ser a pessoa talhada para tal empreendimento, sobretudo pela elegância e cortesia com que enfrentou os obstáculos que comumente se associam à coordenação de uma obra deste porte.

Editora Guanabara Koogan

•••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••1

1 •••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••• 1

~············································· ••••••••••••••1 1 ••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••• ••••••••••••• 1

1..... ••• ••••••••••••••• ••••••••••••••••••• • •••••••••••• •••••••••••• ••• •• •••••••••••• •• ••• •••••••••••• •••• ..1 1.... •• •• ••• •••••••••••••••••••••• ••• •• •• ••••••• •••

1

I

••••1

I. •• •••••••••• ••••••••••••• •••••• ••••••••••••• • •••••••• I ••••• • • ••••••• ••• •••••• ••• ••••••• • • ••••• • • •

•••••

••

••••••••••••••••••••••••••••••

••

•••••



••



•••1

•••• ••••• •• • • ••• • •• • ••• • • •• ••••• •••• ••• •• I I • •••• ••• •• • • •••••••• •• • • •• ••• •••• • • ••• •• • • •• • • •• •• ••• •••••• ••• •• ••• • • •• • • • •• I

I I

I

••1 ···=·· • •••• • ··=··· • • •• • ••• •• • .I ••1!11• • ••• •• •••. •• • • • • • • •• • • • • • ••••• • • • • • • • • • . • • • •I!• • •. •••••

•••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••

•• • . • • ••• • ••

• •

•••••• ••• •

••



•••

• ••••













••1

.• • • • •



• •

• • • • •• •











• •















• •





• ••

•• • • ••• • •

Prefácio à Sétitna Edição

Medicina de excelência depende de um exame clínico excelente. Nenhuma máquina jamais será criada com capacidade de conhecer um paciente tão bem como fazemos a partir do exame clínico. Não há dúvida de que identificar a doença é fundamental, e, nisso, os recursos diagnósticos, sejam laboratoriais ou de imagem, tornam-se cada vez mais eficientes e necessários. Entretanto, os médicos experientes sabem que identificar uma "lesão" ou uma "disfunção" não é suficiente para bem exercer a profissão. Além disso, uma boa relação médico-paciente, assim como a aplicação prática dos princípios éticos, tem início ao examinarmos o paciente e se consolida no ato de cuidar. Desse modo, pode-se dizer que o lado humano da medicina é indissociável do exame clínico do paciente. Falar com ele, ouvi-lo e auscultá-lo, tocá-lo com nossas mãos, tudo isso é exatamente o que constitui as bases de uma medicina de excelência. Este livro foi elaborado com o objetivo de ser um "bom companheiro" dos estudantes na busca do aprendizado do exame clínico, principal pilar de tudo o que vem depois raciocínio diagnóstico, solicitação e interpretação de exames complementares, proposta terapêutica, avaliação prognóstica. Chegar à 7ª edição com cerca de 50 mil exemplares vendidos é a melhor evidência da aceitação deste livro pelos estudantes e docentes dos cursos da área da saúde, nos quais a disciplina de Semiologia representa a espinha dorsal do ensino-aprendizagem da ciência e da arte de como se deve cuidar de pacientes. Ficamos felizes em contribuir, de alguma maneira, para a formação de profissionais que sabem tirar o máximo proveito dos mais avançados recursos tecnológicos, sem perder a sensibilidade para reconhecer a condição humana do paciente, a qual, convém ressaltar mais uma vez, só é revelada durante o exame clínico. Aliás, essa pode até ser considerada a melhor definição de medicina de excelência! Celmo Celeno Porto Goiânia, 2013

[email protected] celmo@medicina. ufg.br

~ ····························································· ~~ ····························································· ············································

•••••••••••••••• 1.••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••• ... ••••••••••••••••••• ••••••••••••••••••• ••••• ••••••••• •• •••••••••••• •• •••••••••••••••••• •••••••••••• 1.••••••••••• .. •• •• •••••••••••••••••••••••••••• •• •• ••••••• ••••• • • ••••••• ••• •••••• ••• ••••••• • • ••••• • • • ••••• 1... ••••• •• • • ••• • •• • ••• • • •• ••••• •••• ••• •• • •I···· ••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••.••••••••• ••• •• • • •••••••• •• • • •• ••• •••• • • ••• •• • •• •• • • • •••••• ••• • •• • ••• •••••• • • • •• •• •• • ••••• ••• • •• • • ···=·· • •••• • ··=··· • • •• • ••• •• • • ••• 1 !1 • • • • • • • • • • • • •• •• • • • • • •I!• • •.• • • • • • • • • • • • • • ••••••• •• • • • • • • • • • •

I

••

I

•••••

I



I

••••••••••

••



••



•• •



•••••••••••••

••••••

•••••••••••••

••••••••••••••••••••••••••••••

••

••











••



•••

••

••••••











•••









••

••



•••





•••••

••







••••••••• •

••





• •••••

••



Prefácio à Sexta Edição

A medicina moderna exige decisões diagnósticas seguras que se originam de hipóteses consistentes nascidas no exame clínico. A comprovação diagnóstica, por sua vez, quase sempre depende de exames complementares. Contudo, é fundamental saber solicitá-los, escolhendo-se os que tiverem a melhor relação custo-benefício. Ademais, para serem bem interpretados, é necessário que o médico tenha os melhores dados clínicos possíveis. Isso porque, quando o paciente não é bem examinado, os exames complementares nem sempre são corretamente escolhidos, e a interpretação deles pode ser totalmente equivocada. Não podemos nos esquecer de que os exames complementares constituem apenas uma "base de dados" a serem utilizados no momento certo. Entendemos que olho clínico é a capacidade do médico de tirar as melhores conclusões quando todos os dados são considerados, tanto com relação à doença como ao que se refere ao doente. Além disso, o médico que faz um bom exame clínico desenvolve espírito crítico em relação a tudo que concerne à sua profissão. E uma das lições fundamentais que ele aprende é que as doenças podem ser semelhantes, mas os pacientes nunca são exatamente iguais. A partir dessa perspectiva, percebe-se que uma decisão diagnóstica nunca pode resumir-se ao que está

••

••••••



A medicina de excelência apoia-se em três pontos: ética, boa relação médico-paciente e raciocínio científico baseado em dados bem colhidos. Todos dependem do exame clínico, pois é no encontro com o paciente quando tudo acontece... ou não acontece! Os preceitos éticos decidem a qualidade dos atos médicos. Tudo que existe na ciência médica pode ser usado para o bem ou para o mal, e na relação com o paciente está a essência da medicina. Nela é que se encontra o elo de união entre a ciência (médica) e a arte (médica). Ao examinar o paciente, principalmente ao fazer a anamnese, o médico constrói os laços de confiança e respeito, que vão ficando cada vez mais sólidos se ele tiver consciência de que a entrevista não tem apenas um componente técnico, organizado para identificar sinais e sintomas, mas constitui acima de tudo uma relação interpessoal. Outro ponto de apoio é a coleta de dados, não apenas na história da doença, mas sobre a biografia do paciente, na qual se encontra o que o caracteriza como pessoa.



escrito no laudo de um exame, por mais sofisticado que seja; tampouco é o simples registro de valores de substâncias existentes no organismo. É um processo muito mais complexo porque utiliza todos esses elementos, mas não fica restrito a eles, pois, em uma decisão diagnóstica, na qual vai apoiar-se para fazer uma proposta terapêutica, o médico precisa levar em conta outros fatores, nem sempre aparentes ou quantificáveis, relacionados não apenas à "lesãd' ou à "disfunção", mas ao paciente como um todo. Melhor dizendo, relacionados à sua condição de uma pessoa que tem casa, família, trabalho ou aposentadoria, plano de saúde, determinadas condições financeiras, ou seja, todo um contexto que deve ser levado em conta na proposta terapêutica. Para isso, o método clínico continua insuperável. Somente ele tem flexibilidade e abrangência que permitem encontrar as chaves que personalizam cada diagnóstico e cada tratamento. Ao trabalharmos na 6a edição da Semiologia Médica, não perdemos de vista os avanços tecnológicos, fato que está bem evidenciado nos capítulos sobre Exames Complementares, que foram atualizados e bem ilustrados. Porém, como sempre, especial atenção foi dada ao Exame Clínico de todos os sistemas do organismo. Mais ainda, quando abordamos os principais sintomas e as doenças, envidamos todos os esforços para dar o devido valor a todos os elementos dos quais o estudante se vale para aprender a fazer um bom exame clínico, inclusive destacando os conhecimentos essenciais sobre a anatomia e a fisiologia no início dos capítulos. Acima de tudo procuramos nos manter fiéis ao "espírito do livro", cuja característica principal é a revalorização do método clínico e a harmonização entre exame clínico e avanços tecnológicos, sem dúvida o maior desafio do ensino/aprendizagem de uma medicina de excelência. Desejamos ressaltar ainda que, desde a 1a edição, vinda à luz em 1990, nosso único desejo e nossa principal motivação continuam sendo organizar um texto que auxilie os estudantes de medicina a se prepararem para o sucesso profissional, que será fruto da competência técnica, do respeito aos preceitos éticos e de uma boa relação com o paciente. Celmo Celeno Porto Goiânia, 2009

•••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••1

1 •••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••• 1

~············································· ••••••••••••••1 1 ••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••• ••••••••••••• 1

1..... ••• ••••••••••••••• ••••••••••••••••••• • •••••••••••• •••••••••••• ••• •• •••••••••••• •• ••• •••••••••••• •••• ..1 1.... •• •• ••• •••••••••••••••••••••• ••• •• •• ••••••• •••

1

I

••••1

I. •• •••••••••• ••••••••••••• •••••• ••••••••••••• • •••••••• I ••••• • • ••••••• ••• •••••• ••• ••••••• • • ••••• • • •

•••••

••

••••••••••••••••••••••••••••••

••

•••••



••



•••1

•••• ••••• •• • • ••• • •• • ••• • • •• ••••• •••• ••• •• I I • •••• ••• •• • • •••••••• •• • • •• ••• •••• • • ••• •• • • •• • • •• •• ••• •••••• ••• •• ••• • • •• • • • •• I

I I

I

••1 ···=·· • •••• • ··=··· • • •• • ••• •• • .I ••1!11• • ••• •• •••. •• • • • • • • •• • • • • • ••••• • • • • • • • • • . • • • •I!• • •. •••••

•••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••

•• • . • • ••• • ••

• •

•••••• ••• •

••



•••

• ••••













••1

.• • • • •



• •

• • • • •• •











• •















• •





• ••

•• • • ••• • •

Prefácio à Quinta Edição

Ao chegar à 5ª edição, com várias reimpressões, a comprovar a aceitação deste livro pelos professores e estudantes, passei os olhos nas edições anteriores e reli os prefácios, após o que considerei pertinente fazer as seguintes considerações: 1a O espírito do livro - colocar o exame clínico como base de uma boa prática médica

-vem se mantendo na íntegra, mas modernizado a cada nova edição para acompanhar os progressos técnicos ocorridos nos últimos 15 anos. 2a O grande desafio no ensino/aprendizagem da medicina continua sendo conciliar o método clínico e a tecnologia médica. Aliás, a busca do elo de ligação entre a arte (médica) e a ciência (médica) constitui o movimento de vanguarda neste início de século, já que os exames complementares deixaram de ser novidade e vão se incorporando naturalmente na rotina da prática médica. 3a A afirmativa contida na primeira frase do prefácio da 1a edição continua atual:

todo método precisa ter uma visão de conjunto da medicina, seja para ser Especialista ou Clfnico Geral. A partir desta premissa, pode-se definir competência no exercício da profissão médica como a capacidade de formular hipóteses diagnósticas consistentes, associadas à interpretação correta dos exames complementares, ao mesmo tempo em que se estabelece uma boa relação médico-paciente, que culminam na tomada de decisões adequadas para cada paciente, visto como um todo e na sua condição de pessoa humana. Quero ressaltar que a Semiologia Médica faz parte de uma trilogia que teve início com o Exame Clfnico, manual em que procurei apresentar de maneira clara e simples o essencial do médico clínico, e se completou com o Vademecum de Clínica Médica, recentemente publicado, no qual as doenças são abordadas de maneira sucinta para facilitar o trabalho do médico que está na linha de frente da assistência prestada à população brasileira. Desejo expressar minha gratidão e admiração pelos professores que participaram da elaboração desta trilogia, alguns desde a 1ª edição do Exame Clínico, em 1982. Sou imensamente grato à equipe do Editorial Médico da Guanabara Koogan, coordenada com competência pelo Sérgio Alves Pinto, e aos meus auxiliares da Faculdade de Medicina da UFG, que dão o apoio indispensável no preparo do texto e das ilustrações. Celmo Celeno Porto

Goiânia, 2005

~ ····························································· ~~ ····························································· ············································

•••••••••••••••• 1.••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••• ... ••••••••••••••••••• ••••••••••••••••••• ••••• ••••••••• •• •••••••••••• •• •••••••••••••••••• •••••••••••• 1.••••••••••• .. •• •• •••••••••••••••••••••••••••• •• •• ••••••• ••••• • • ••••••• ••• •••••• ••• ••••••• • • ••••• • • • ••••• 1... ••••• •• • • ••• • •• • ••• • • •• ••••• •••• ••• •• • •I···· ••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••.••••••••• ••• •• • • •••••••• •• • • •• ••• •••• • • ••• •• • •• •• • • • •••••• ••• • •• • ••• •••••• • • • •• •• •• • ••••• ••• • •• • • ···=·· • •••• • ··=··· • • •• • ••• •• • • ••• 1 !1 • • • • • • • • • • • • • • • • • • •I!• • •.• • • •• • • • • • • • • • • • • • ••••••• •• • • • • • • • • • •

I

••

I

•••••

I



I

••••••••••

••



••



•• •



•••••••••••••

••••••

•••••••••••••

••••••••••••••••••••••••••••••

••

••











••



•••

••

••••••











•••







••

••



•••





•••••

••







••••••••• •

••





• •••••

••

••

••••••





Prefácio à Quarta Edição

O que aconteceu na medicina nos últimos dez anos, desde a 1a edição da Semiologia Médica? Embora possa parecer paradoxal, surgiram fortes evidências de uma crescente revalorização do exame clínico à medida que os métodos de imagem foram se aperfeiçoando, tanto do ponto de vista técnico, com obtenção de imagens cada vez mais nítidas, quanto na sua capacidade de investigar não apenas os aspectos morfológicos, mas, também, os funcionais. O que parecia conflitante - o método clínico e os exames complementares - está passando a ser uma associação cada vez mais estreita. De um lado, podemos colocar o exame clínico com sua inigualável capacidade de ver o paciente como um todo, o que lhe dá uma sensibilidade que nenhum outro método tem; do outro, os exames complementares que vão adquirindo especificidade cada vez maior. Saber associá-los pode ser o segredo do sucesso profissional. Cumpre ressaltar que a flexibilidade do método clínico, uma de suas características principais, é que possibilita ao médico adaptá-lo a todas as condições da prática médica. Além disso, ele é insubstituível em três situações: para formular hipóteses diagnósticas, para estabelecer uma boa relação médico/paciente e para a tomada de decisões. O médico que levanta hipóteses diagnósticas consistentes é o que seleciona e interpreta com mais acerto os exames complementares. Nenhum médico em nenhum lugar do mundo faz em todos os seus pacientes todos os exames atualmente disponíveis. Isso é economicamente inviável e cientificamente desnecessário. Mais ainda: quem faz bons exames clínicos aguça o espírito crítico e não se esquece de que os laudos de exames complementares são apenas resultados de exames e nunca representam uma avaliação global do paciente. A relação médico-paciente nasce e cresce - ou pode morrer durante o exame clínico. A nosso ver a relação médico-paciente não traduz apenas a qualidade da prática médica, mas interfere claramente na aplicação dos conhecimentos científicos. Mesmo que queira exercer a medicina sem levar em conta o lado humano da profissão, mais cedo ou mais tarde o médico descobrirá que ele não é um "técnico" consertando um "robô': (É bom lembrar que, de acordo com as leis da robótica, no futuro os robôs serão consertados por robôs. Em contrapartida, tudo leva a crer que os pacientes continuarão sendo cuidados pelos médicos.) É também através do método clínico que os princípios da bioética - autonomia, beneficência, não maleficência, sigilo e justiça - serão incorporados pela prática médica. Aqui emerge uma questão fundamental, ou seja, como harmonizar os princípios bioéticos com os avanços tecnológicos. Relevantes questões, ainda não bem resolvidas,



aparecem cada vez com maior frequência na prática da medicina moderna. Um bom exemplo é nossa capacidade de manter ou prolongar a vida por meios artificiais - técnicos, vale dizer - em pacientes nos quais as possibilidades científicas de recuperá-los já se esgotaram. Mais uma vez é o método clínico que nos permitirá tomar as decisões mais adequadas para cada paciente. Aliás, outro aspecto que merece ser ressaltado no ensino/aprendizagem da Semiologia é o conceito de decisão diagnóstica, base e ponto de partida para decisões terapêuticas. Decisão diagnóstica não é o resultado de um ou de alguns exames complementares, por mais sofisticados que sejam, tampouco o simples somatório dos gráficos, imagens ou valores de substdncias existentes no organismo. É um processo muito mais complexo. Utiliza todos esses elementos, mas não se resume a eles. Numa decisão diagnóstica, bem como no planejamento terapêutico, precisamos levar em conta outros fatores, nem sempre quantificáveis e presentes nos fluxogramas. Aí, também, o método clínico continua insuperável. Somente ele tem flexibilidade e abrangência suficientes para encontrar as chaves que individualizam- personalizam, melhor dizendo - cada decisão diagnóstica e consequente proposta terapêutica pela qual vamos optar. Estas considerações decorrem de um fato inconteste: as doenças podem ser semelhantes, mas os doentes nunca são exatamente iguais. Sempre existem particularidades advindas das características antropológicas, étnicas, psicológicas, culturais, socioeconômicas e até ambientais. Tudo isso nos põe diante do maior desafio da medicina moderna, que é conciliar o médico clínico com os avanços tecnológicos. Ao preparar esta edição de Semiologia Médica, continuamos fiéis ao compromisso assumido na 1ª edição: o médico moderno precisa ter uma visão de conjunto da medicina, e deve aprender a conciliar o método clínico e a tecnologia médica, compreendendo que um não substitui o outro e que não há conflito entre ambos. Para atingir estes objetivos alguns capítulos foram reescritos Princípios e Bases da Prática Médica, Semiologia da Adolescência, Semiologia do Idoso, Relação Médico/Paciente - ,outros foram revistos e houve uma considerável renovação das ilustrações, sempre com o propósito de corresponder à grande aceitação desta obra pelos estudantes e professores das escolas médicas brasileiras. Celmo Celeno Porto

Goiânia, 2001

•••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••1

1 •••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••• 1

~············································· ••••••••••••••1 1 ••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••• ••••••••••••• 1

1..... ••• ••••••••••••••• ••••••••••••••••••• • •••••••••••• •••••••••••• ••• •• •••••••••••• •• ••• •••••••••••• •••• ..1 1.... •• •• ••• •••••••••••••••••••••• ••• •• •• ••••••• •••

1

I

••••1

I. •• •••••••••• ••••••••••••• •••••• ••••••••••••• • •••••••• I ••••• • • ••••••• ••• •••••• ••• ••••••• • • ••••• • • •

•••••

••

••••••••••••••••••••••••••••••

••

•••••



••



•••1

•••• ••••• •• • • ••• • •• • ••• • • •• ••••• •••• ••• •• I I • •••• ••• •• • • •••••••• •• • • •• ••• •••• • • ••• •• • • •• • • •• •• ••• •••••• ••• •• ••• • • •• • • • •• I

I I

I

••1 ···=·· • •••• • ··=··· • • •• • ••• •• • .I ••1!11• • ••• •• •••. •• • • • • • • •• • • • • • ••••• • • • • • • • • • . • • • •I!• • •. •••••

•••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••

•• • . • • ••• • ••

• •

•••••• ••• •

••



•••

• ••••













••1

.• • • • •



• •

• • • • •• •











• •















• •





• ••

•• • • ••• • •

Prefácio à Terceira Edição

Tanto os pacientes como os médicos estão proclamando que o lado humano da medicina não pode ser sufocado pelos avanços tecnológicos. Por isso, percebe-se no mundo inteiro a revalorização do exame clínico. Ao mesmo tempo, todos desejamos que novos e mais refinados recursos técnicos estejam sempre disponíveis na prática médica. Como conciliar uma coisa com a outra? Este livro nasceu deste desafio. Por isso colocamos com destaque o estudo dos sinais e sintomas, porque são eles que levam os pacientes a procurar o médico e é a partir deles que iniciamos o raciocínio diagnóstico. Portanto, o primeiro passo, ou seja, o exame clínico do paciente, é sempre o principal. Através dele aprende-se que a doença pode ser a mesma, mas os doentes nunca são

exatamente iguais. Por outro lado, somente quem faz um exame clínico bem-feito sabe aventar hipóteses diagnósticas consistentes, a partir das quais escolhe com mais critério os exames complementares e os tratamentos mais adequados para cada caso. Nenhum médico faz todos os exames complementares possíveis em todos os pacientes que atende. Cientificamente isso é desnecessário e, do ponto de vista econômico, inviável, em qualquer país do mundo. Aliás, esta é uma importante questão da medicina atual: a elevação dos custos com o aumento de nossa eficiência para diagnosticar e tratar os pacientes. Encontrar as maneiras de resolver este desafio também deve fazer parte da formação de todo médico. Por isso, da mesma maneira que a relação médico/paciente precisa ser valorizada ao máximo, a relação custo/benefício não pode ser esquecida. A 3a edição da Semiologia Médica continuou fiel às diretrizes seguidas na concepção inicial deste livro. Com a ajuda permanente dos autores e colaboradores, tem sido possível mantê-lo completamente atualizado, em uma busca constante para encontrar o núcleo de conhecimentos que deve existir na formação de todos os médicos. Quero ressaltar, por fim, a dedicação e a competência de toda a equipe da Editora Guanabara Koogan, que não poupa esforços para melhorar cada vez mais a qualidade desta obra.

Celmo Celeno Porto

Goiânia, 1997

~ ····························································· ~~ ····························································· ············································

•••••••••••••••• 1.••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••• ... ••••••••••••••••••• ••••••••••••••••••• ••••• ••••••••• •• •••••••••••• •• •••••••••••••••••• •••••••••••• 1.••••••••••• .. •• •• •••••••••••••••••••••••••••• •• •• ••••••• ••••• • • ••••••• ••• •••••• ••• ••••••• • • ••••• • • • ••••• 1... ••••• •• • • ••• • •• • ••• • • •• ••••• •••• ••• •• • •I···· ••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••.••••••••• ••• •• • • •••••••• •• • • •• ••• •••• • • ••• •• • •• •• • • • •••••• ••• • •• • ••• •••••• • • • •• •• •• • ••••• ••• • •• • • ···=·· • •••• • ··=··· • • •• • ••• •• • • ••• 1 !1 • • • • • • • • • • • • •• •• • • • • • •I!• • •.• • • • • • • • • • • • • • ••••••• •• • • • • • • • • • •

I

••

I

•••••

I



I

••••••••••

••



••



•• •



•••••••••••••

••••••

•••••••••••••

••••••••••••••••••••••••••••••

••

••











••



•••

••

••••••











•••









••

••



•••





•••••

••







••••••••• •

••





• •••••

••

••

••••••





Prefácio à Segunda Edição O grande desafio da medicina do nosso tempo é a conciliação entre o método clínico e a tecnologia médica. Compreender que um não substitui o outro e que não há conflito entre ambos é o primeiro passo para restabelecer o elo de união entre a arte (médica) e a ciência (médica). Não se pode esquecer que a medicina é um conjunto de tradições, conhecimentos e técnicas que vêm se acumulando há mais de 2.000 anos e que abrange o ser humano como um todo, incluindo suas relações com o meio ambiente e o contexto cultural. Nossa mente consegue, apoiando-se em elementos lógicos e intuitivos, armazenar todo este saber para aplicá-lo na cura dos doentes. Nenhuma máquina será capaz de fazer isso. Sem dúvida, a possibilidade de reconhecer os mais diferentes aspectos do corpo humano ou suas modificações anatômicas e funcionais, com detalhes e precisão nunca antes imaginados, fascinou os médicos a tal ponto que muitos pensaram - e ainda pensam - que o método clínico teria que dar lugar à tecnologia médica. Estabeleceu-se um confronto que nos obrigou a reavaliar o método clínico, ficando evidente que muitos conhecimentos e procedimentos precisavam ser revistos ou abandonados. Isso, na verdade, significa viver um momento de transição que, como sempre, faz nascer duas posições extremas: em uma, concentram-se os que se apegam cegamente, por comodidade ou convicção, à maneira tradicional de exercer a profissão médica; na outra, aglomeram-se os que ficam deslumbrados pelas novidades. É necessário ter a mente aberta e espírito crítico para encontrar uma posição de equilibrio, que consiste em adotar o novo sem medo de conservar o antigo. A partir daí será possível tirar do método clínico o máximo que ele pode dar, acrescentando-lhe a tecnologia com o melhor que ela tiver. Assim fazendo, vamos nos tornar mais eficientes sem perder nossa sensibilidade. Além disso, é fundamental nunca perder de vista que há um lado da medicina que não se enquadra nos limites- e nas limitações - dos aparelhos e das máquinas, por mais maravilhosos que sejam, pois aí se encontra muita coisa indispensável ao nosso trabalho: a relação médico/paciente; as incontáveis maneiras de sentir, sofrer, interpretar o que se sente e de relatar o que se passa no íntimo de cada um; as nuances impressas pelo contexto cultural; a participação dos fenômenos inconscientes e as interferências do meio ambiente. Cuidar de pacientes com eficiência depende de todos esses fatores, porque a ação do médico não se esgota nos conhecimentos técnicos.



Escrevemos no prefácio da 1a edição que todo médico precisa ter uma visão de conjunto da medicina, pois foi com este objetivo que planejamos o livro. Agora, vemos que é necessário acrescentar que esta visão de conjunto inclui a revalorização do exame clí-

nico ao mesmo tempo em que se vão dominando as mais sofisticadas técnicas diagnósticas e terapêuticas. Quem tem experiência sabe que a análise clínica dos sintomas continua sendo tão importante quanto os dados laboratoriais e as imagens obtidas pelos endoscópios, tomógrafos, ultrassons, ressonâncias e outros meios. Ambas se imbricam de tal modo que o médico de nosso tempo, para fazer seu trabalho, vai precisar adquirir uma nova visão da medicina. Além do mais, o médico necessita recuperar seu poder de decisão diagnóstica. Os laudos de exames complementares, embora indispensáveis, são apenas resultados de exame, e nunca representam uma visão global do paciente. Só quem faz o exame clínico terá todos os elementos para conclusões diagnósticas que permitam tratamentos corretos. A última palavra deve ser sempre do médico que assiste o paciente. Trabalhamos nesta 2a edição com este objetivo. Para atingi-lo, revimos todos os capítulos. Alguns foram quase totalmente reescritos. Houve uma busca constante para identificar a essência do método clínico, ao mesmo tempo em que se introduziam os conhecimentos básicos das mais avançadas técnicas. Boa parte das ilustrações foram substituidas ou modificadas; muitas delas passaram a ser em cores. O texto foi revisto para tomá-lo mais claro e de leitura agradável. Todo esse esforço é nossa maneira de corresponder à grande aceitação que este livro teve nas escolas médicas do país, justificando as várias reimpressões feitas em curto período. Mais uma vez quero ressaltar a alta qualidade dos autores e colaboradores que transformaram uma tarefa árdua num agradável trabalho. A todos expresso minha admiração e meu reconhecimento. À Editora Guanabara sou grato por não medir esforços para fazer uma 2a edição ainda melhor que a primeira.

Celmo Celeno Porto

Goiânia, 1994

•••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••1

1 •••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••• 1

~············································· ••••••••••••••1 1 ••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••• ••••••••••••• 1

1..... ••• ••••••••••••••• ••••••••••••••••••• • •••••••••••• •••••••••••• ••• •• •••••••••••• •• ••• •••••••••••• •••• ..1 1.... •• •• ••• •••••••••••••••••••••• ••• •• •• ••••••• •••

1

I

••••1

I. •• •••••••••• ••••••••••••• •••••• ••••••••••••• • •••••••• I ••••• • • ••••••• ••• •••••• ••• ••••••• • • ••••• • • •

•••••

••

••••••••••••••••••••••••••••••

••

•••••



••



•••1

•••• ••••• •• • • ••• • •• • ••• • • •• ••••• •••• ••• •• I I • •••• ••• •• • • •••••••• •• • • •• ••• •••• • • ••• •• • • •• • • •• •• ••• •••••• ••• •• ••• • • •• • • • •• I

I I

I

••1 ···=·· • •••• • ··=··· • • •• • ••• •• • .I ••1!11• • ••• •• •••. •• • • • • • • •• • • • • • ••••• • • • • • • • • • . • • • •I!• • •. •••••

•••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••

•• • . • • ••• • ••

• •

•••••• ••• •

••



•••

• ••••













••1

.• • • • •



• •

• • • • •• •











• •















• •





• ••

• •• • • • •• •

Prefácio à Primeira Edição Todo médico precisa ter uma visão de conjunto da medicina. Isto só é alcançado quando ele, em sua formação, consegue adquirir conhecimentos amplos sobre os métodos diagnósticos e sobre as enfermidades humanas. Entretanto, conciliar a amplitude dos atuais conhecimentos com a limitação do tempo destinado à graduação é permanente desafio. Por tradição, a semiologia é a disciplina onde, natural e necessariamente, estes conhecimentos se aglutinam, prestando-se, portanto, a fornecer uma imagem global da medicina. Fruto e bom exemplo disto foi a Semiologia Médica de Vieira Romeiro, ponto de apoio de várias gerações. A vertiginosa evolução da medicina nos últimos anos modificou profundamente não só os aspectos semiotécnicos, mas a própria estrutura do raciocínio diagnóstico, fazendo-se necessário um livro-texto que acompanhasse tais mudanças. Foi esta a motivação da presente obra, planejada e organizada com a finalidade de proporcionar ao futuro médico uma visão abrangente da medicina moderna. Os assuntos foram distribuídos em 14 partes. A primeira aborda aspectos gerais da semiologia, e as demais têm como referência os sistemas e órgãos, não correspondendo, necessariamente, às especialidades médicas. Cada núcleo inicia-se pela revisão dos fundamentos da anatomia e da fisiologia que mais se aplicam à elaboração do diagnóstico, seja clínico ou auxiliado por exames complementares. A seguir, o exame clínico é abordado de maneira aprofundada, mas sem que se chegue ao nível especializado; a análise dos sinais e dos sintomas antecede a explanação do exame físico de cada órgão ou

sistema, reproduzindo a sequênda natural do raciocínio diagnóstico. Descrevem-se, após, todos ou quase todos os exames complementares disponíveis, dando-se ênfase aos princípios nos quais se baseiam, às suas indicações e principais contribuições para o diagnóstico. Por último, são analisadas, objetivamente, as síndromes e doenças de cada órgão, de forma a integrar a propedêutica e a clínica com os fundamentos da patologia. Acreditamos que a obra será útil aos estudantes em várias etapas de seu curso; aos residentes, que fazem sua formação especializada, mas não podem esquecer a medicina em seu todo; e aos médicos, de maneira geral, que precisam ampliar e modernizar continuamente sua capacidade diagnóstica. Não foi fácil levar a termo este trabalho, em virtude da heterogeneidade e amplitude das matérias. Todavia, foi tarefa agradável, em função da qualificação e da competência dos autores e dos colaboradores, que aceitaram com tolerância as impertinências do coordenador. A concretização da obra somente foi possível pela participação destes professores, aos quais sou grato. Cumpre destacar, porém, o trabalho do Professor Joffre Marcondes de Rezende, que, além de coordenar a parte sobre Sistema Digestivo, muito contribui na revisão final, em particular na uniformização e correção da terminologia científica. Quero ressaltar, ainda, a participação de Aluisio Affonso, Editor da Editora Guanabara, que acompanhou passo a passo tudo o que se fez, desde o projeto inicial, vencendo dificuldades com firmeza e diplomacia. Celmo Celeno Porto

Goiânia, 1990

Material Suplementar

Este livro conta com o seguinte material suplementar: • Ilustrações da obra em formato de apresentação (restrito a docentes cadastrados) • Vídeo de habilidades clínicas (acesso livre a docentes e leitores cadastrados) • Banco de imagens de clínica médica - livro eletrônico (acesso livre a docentes e leitores cadastrados) O acesso ao material suplementar é gratuito mediante cadastro em: http:/ /gen-io.grupogen.com.br e emprego do código existente na etiqueta colada na primeira capa interna deste livro.

*** *O _ __ GEN-10 (GEN I Informação Online) é o repositório de materiais suplementares e de serviços relacionados com livros publicados pelo GEN I Grupo Editorial Nacional, maior conglomerado brasileiro de editoras do ramo científico-técnico-profissional, composto por Guanabara Koogan, Santos, Roca, AC Farmacêutica, Forense, Método, LTC, E.P.U. e Forense Universitária. Os materiais suplementares ficam disponíveis para acesso durante a vigência das edições atuais dos livros a que eles correspondem.

•••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••1

1 •••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••• ,

•••••••••••••• 1..... ••• ••••••••••••••• ••••••••••••••••••• • •••••••••••• •••••••••••• ••• •• •••••••••••• •• ••• •••••••••••• •••• ..1 1.... •• •• ••• •••••••••••••••••••••• ••• •• •• ••••••• •••

~············································· 1 • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • ,1

1

I

I. •• •••••••••• ••••••••••••• •••••• ••••••••••••• • •••••••• I ••••• • • ••••••• ••• •••••• ••• ••••••• • • ••••• • • • •••, •

•••••

••

••••••••••••••••••••••••••••••

••

•••••



••

• • • •1

•••• ••••• •• • • ••• • •• • ••• • • •• ••••• •••• ••• •• I I • •••• ••• •• • • •••••••• •• • • •• ••• •••• • • ••• •• • • •• • • •• •• ••• •••••• ••• •• ••• • • •• • • • •• I

I I

I

•••••

• • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • •1

•• • . • • ••• • ••

• •

•••••• ••• •

••



•••

••••• •





.• • • • •

. .1

···=·· • •••• • ··=··· • • •• • ••• •• • .I ••1!11• • ••• •• •••. •• • • • • • • •• • • • • • ••••• • • • • • • • • • . • • • •I!• ••. • • • • •• • • • • •• • • • •• • • •







• •







• •











• •





Sutnário

Parte 1 Semiologia Geral, 1 Parte 2 Semiologia da Infância, da Adolescência e do Idoso, 129 Parte 3 Anomalias Genéticas, 187 Parte 4 Sistema Tegumentar, 199 Parte 5 Olhos, 231 Parte 6 Ouvidos, Nariz, Seios Para nasais, Faringe e Laringe, 271 Seção 1 Seção 2 Seção 3 Seção 4

Ouvidos, 272 Nariz e Seios Paranasais, 286 Faringe, 298 laringe, 307

Parte 7 Sistema Respiratório, 317 Seção 1 Tórax, Traqueia, Brônquios, Pulmões e Pleura, 318 Seção 2 Diafragma, 413 Seção 3 Mediastino, 422

Parte 8 Sistema Cardiovascular, 429 Seção 1 Seção 2 Seção 3 Seção 4 Seção 5

Coração, 430 Artérias, 547 Veias, 574 linfáticos, 588 Microcirculação, 595

Parte 9 Sistema Digestivo, 603 Seção 1 Seção 2 Seção 3 Seção 4 Seção 5

Cavidade Bucal e Anexos, 604 Esôfago, 626 Estômago e Duodeno, 648 Intestino Delgado, 659 Cólon, Reto e Anus, 688

Seção 6 Pâncreas, 715 Seção 7 Fígado e Vias Biliares, 732 Seção 8 Parede e Cavidade Abdominais, 757

Parte 10 Sistema Endócrino e Metabolismo, 775 Seção 1 Seção 2 Seção 3 Seção 4 Seção 5 Seção 6

Hipotálamo e Hipófise, 776 Tireoide, 794 Paratireoides, 809 Suprarrenais,819 Gônadas ITestículos e Ovários, 833 Metabolismo, 846

Parte 11 Sistema Urinário e Orgãos Genitais, 867 Seção 1 Seção 2 Seção 3 Seção 4

Sistema Urinário, 868 Órgãos Genitais Masculinos, 913 Órgãos Genitais Femininos, 949 Mamas, 976

Parte 12 Sistema Hematopoético, 987 Parte 13 Sistema Imunológico, 1047 Parte 14 Sistema Locomotor, 1081 Seção 1 Seção 2 Seção 3 Seção 4 Seção5

Ossos, 1082 Articulações, 1107 Coluna Vertebral, 1131 Bursas eTendões, 1150 Músculos, 1154

Parte 15 Sistema Nervoso, 1173 Parte 16 Exame Psiquiátrico, 1361 rndice Alfabético, 1395



• ••







•••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••1

1 •••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••• 1

~············································· ••••••••••••••1 1 ••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••• ••••••••••••• ,

1..... ••• ••••••••••••••• ••••••••••••••••••• • •••••••••••• , •••••••••••• ••• •• •••••••••••• •• ••• •••••••••••• •••• .., 1.... •• •• ••• •••••••••••••••••••••• ••• •• •• ••••••• ••• ••••1 • ••••• •• •••••••••••••••••••••••••••••• •• ••••• • •• •••• ,

I

I. •• •••••••••• ••••••••••••• •••••• ••••••••••••• • •••••••• I ••••• • • ••••••• ••• •••••• ••• ••••••• • • ••••• • •

•••• ••••• •• • • ••• • •• • ••• • • •• ••••• •••• ••• •• I I • •••• ••• •• • • •••••••• •• • • •• ••• •••• • • ••• •• • • •• • • •• •• ••• •••••• ••• •• ••• • • •• • • • •• I

I I

I

•••••

•••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••

•• • . • • ••• • ••

• •

•••••• ••• •

••



•••

•••••







.• • • • •

..1 • .I

••1

···=·· • •••• • ··=··· • • •• • ••• •• ••1!11• • ••• •• •••. •• • • • • • • •• • • • • • ••••• • • • • • • • • • . • • • •I!• • •. • • • • •• • • • • •• • • • •• • • •







• •







• •











• •







Sutnário Expandido

Parte 1 Semiologia Geral, 1 1 Princípios e Bases para aPrática Médica, 2 2 Diagnóstico ePrognóstico, 12 3 Semiologia Baseada em Evidências eAspectos Quantitativos dos Exames Complementares, 17 4 Relação Médico-Paciente, 21 5 Método Clínico, 38 6 Anamnese, 46 1 Dor, 67 8 Técnicas Básicas do Exame Físico, 81 9 Exame Físico Geral, 92

Parte 2 Semiologia da Infância, da Adolescência e do Idoso, 129 10 Semiologia da Infância, 130 11 Semiologia da Adolescência, 146 12 Semiologia do Idoso, 151

Parte 3 Anomalias Genéticas, 187 13 Investigação Diagnóstica das Anomalias Genéticas, 188

Parte 4 Sistema Tegumentar, 199 14 15 16 17

Noções de Anatomia eFisiologia, 200 Exame Clínico, 205 Exames Complementares, 225 Doenças da Pele, 227

Parte 5 Olhos, 231 18 19 20 21

Noções de Anatomia eFisiologia, 232 Exame Clínico, 236 Exames Complementares, 245 Doenças dos Olhos, 251

Parte 6 Ouvidos, Nariz, Seios Para nasais, Faringe e Laringe, 271 Seção 1 Ouvidos, 272 22 Noções de Anatomia eFisiologia, 272

23 Exame Clínico, 277 24 Exames Complementares, 279 25 Doenças do Ouvido, 281 Seção 2 Nariz e Seios Paranasais, 286 26 Noções de Anatomia eFisiologia, 286 27 Exame Clínico, 288 28 Exames Complementares, 291 29 Doenças do Nariz edos Seios Para nasais, 293 Seção 3 Faringe, 298 30 Noções de Anatomia eFisiologia, 298 31 Exame Clínico, 300 32 Exames Complementares, 302 33 Doenças da Faringe, 304 Seção 4 Laringe, 307 34 Noções de Anatomia eFisiologia, 307 35 Exame Clínico, 309 36 Exames Complementares, 311 37 Doenças da Laringe, 313

Parte 7 Sistema Respiratório, 317 Seção 1 Tórax, Traqueia, Brônquios, Pulmões ePleura, 318 38 Noções de Anatomia eFisiologia, 318 39 Exame Clínico, 326 40 Exames Complementares, 346 41 Doenças dos Brônquios, dos Pulmões edas Pleuras, 367 Seção 2 Diafragma, 413 42 Noções de Anatomia eFisiologia, 413 43 Exame Clínico, 415 44 Doenças do Diafragma, 416 Seção 3 Mediastino, 422 45 Noções de Anatomia eFisiologia, 422 46 Exame Clínico, 424 47 Exames Complementares, 426 48 Doenças do Mediastino, 427

• ••

••

Semiologia Médica

XXXII

Parte 8 Sistema Cardiovascular, 429 Seção 1 Coração, 430 49 Noções de Anatomia eFisiologia, 430 SO Exame Clínico,440 S1 Exames Complementares,487 S2 Doenças do Coração eda Aorta, 519 Seção 2 Artérias, 547 S3 Noções de Anatomia eFisiologia, 547 S4 Exame Clínico, 550 SS Exames Complementares, 561 S6 Doenças das Artérias, 566 Seção 3 Veias, 574 S7 Noções de Anatomia eFisiologia, 574 S8 Exame Clínico, 577 S9 Exames Complementares, 581 60 Doenças das Veias, 584 Seção 4 linfáticos, 588 61 Noções de Anatomia eFisiologia, 588 62 Exame Clínico, 590 63 Exames Complementares, 591 64 Doenças dos linfáticos, 593 Seção 5 Microcirculação, 595 6S Noções de Anatomia eFisiologia, 595 66 Exame Clínico, 597 67 Exames Complementares, 598 68 Doenças da Microcirculação, 600

Parte 9 Sistema Digestivo, 603 Seção 1 Cavidade Bucal eAnexos, 604 69 Noções de Anatomia eFisiologia, 604 70 Exame Clínico, 609 71 Exames Complementares, 613 72 Doenças da Cavidade Bucal eAnexos, 615 Seção 2 Esôfago, 626 73 Noções de Anatomia eFisiologia, 626 74 Exame Clínico, 631 7S Exames Complementares, 634 76 Doenças do Esôfago, 639 Seção 3 Estômago e Duodeno, 648 77 Noções de Anatomia eFisiologia, 648 78 Exame Clínico, 652 79 Exames Complementares, 654 80 Doenças do Estômago, 656 Seção 4 Intestino Delgado, 659 81 Noções de Anatomia eFisiologia, 659 82 Exame Clínico, 668 83 Exames Complementares, 677 84 Doenças do Intestino Delgado, 684 Seção 5 Cólon, Reto eÂnus, 688 8S Noções de Anatomia eFisiologia, 688 86 Exame Clínico, 692 87 Exames Complementares, 698 88 Doenças do Cólon, Reto eÂnus, 707 Seção 6 Pâncreas, 715 89 Noções de Anatomia eFisiologia, 715 90 Exame Clínico, 718 91 Exames Complementares, 720 92 Doenças do Pâncreas, 727

Seção 7 Fígado eVias Biliares, 732 93 Noções de Anatomia, 732 94 Exame Clínico, 736 9S Exames Complementares, 742 96 Doenças do Fígado e das Vias Biliares, 749 Seção 8 Parede eCavidade Abdominais, 757 97 Noções de Anatomia e Fisiologia, 757 98 ExameClínico, 760 99 Exames Complementares, 763 100 Doenças da Parede eda Cavidade Abdominal, 766

Parte 10 Sistema Endócrino e Metabolismo, 775 Seção 1 Hipotálamo eHipófise, 776 101 Noções de Anatomia e Fisiologia, 776 102 Exame Clínico, 782 103 Exames Complementares, 783 104 Doenças do Complexo Hipotálamo-Hipófise, 787 Seção 2 Tireoide, 794 10S Noções de Anatomia e Fisiologia, 794 106 Exame Clínico, 798 107 Exames Complementares, 803 108 Doenças da Tireoide, 806 Seção 3 Paratireoides, 809 109 Noções de Anatomia e Fisiologia, 809 110 Exame Clínico,811 111 Exames Complementares, 815 112 Doenças das Paratireoides,817 Seção 4 Suprarrenais, 819 113 Noções de Anatomia e Fisiologia, 819 114 Exame Clínico,822 11S Exames Complementares,826 116 Doenças das Suprarrenais,829 Seção 5 Gônadas ITestículos eOvários, 833 117 Testículos INoções de Anatomia e Fisiologia, 833 118 Testículos IExame Clínico, 835 119 Testículos IExames Complementares, 836 120 Doenças dos Testículos, 838 121 Ovários I Noções de Anatomia e Fisiologia, 841 122 Ovários I Exame Clínico, 842 123 Ovários IExames Complementares, 843 124 Doenças dos Ovários, 844 Seção 6 Metabolismo, 846 12S Metabolismo dos Carboidratos, 846 126 Metabolismo das Proteínas, 851 127 Vitaminas, 853 128 Desnutrição, 857 129 Metabolismo dos lipídios, 858 130 Metabolismo da Água e dos Eletrólitos, 862 131 Metabolismo do Cálcio, Ferro, Magnésio, Zinco e dos Oligoelementos, 865

Parte 11 Sistema Urinário e Orgãos Genitais, 867 Seção 1 Sistema Urinário, 868 132 Noções de Anatomia e Fisiologia, 868 133 Exame Clínico, 877 134 Exames Complementares, 883 13S Doenças dos Rins e das Vias Urinárias, 895

•••

Semiologia Médica Seção 2 Órgãos Genitais Masculinos, 913 136 Noções de Anatomia e Fisiologia, 913 137 Exame Clínico, 917 138 Exames Complementares, 923 139 Doenças dos Órgãos Genitais Masculinos, 928 Seção 3 Órgãos Genitais Femininos, 949 140 Noções de Anatomia e Fisiologia, 949 141 Exame Clínico, 953 142 Exames Complementares, 958 143 Doenças dos Órgãos Genitais Femininos, 963 144 Aspectos da Gravidez na Clínica Médica, 971 Seção 4 Mamas, 976 145 Noções de Anatomia e Fisiologia, 976 146 Exame Clínico, 978 147 Exames Complementares, 981 148 Doenças das Mamas, 983

Parte 12 Sistema Hematopoético, 987 149 Noções de Anatomia e Fisiologia, 988 150 Exame Clínico, 993 151 Exames Complementares, 1001 152 Doenças do Sangue, 1012

Parte 13 Sistema Imunológico, 1047 153 154 155 156

Noções Básicas de Imunologia, 1048 Exame Clínico, 1058 Exames Complementares, 1061 Doenças Imunológicas, 1066

Parte 14 Sistema locomotor, 1081 Seção 1 Ossos, 1082 157 Noções de Anatomia e Fisiologia, 1082 158 Exame Clínico, 1086

XXXIII

159 Exames Complementares, 1088 160 Doenças dos Ossos, 1092 Seção 2 Articulações, 1107 161 Noções de Anatomia e Fisiologia, 1107 162 Exame Clínico, 1110 163 Exames Complementares, 1116 164 Doenças das Articulações, 1126 Seção 3 Coluna Vertebral, 1131 165 Noções de Anatomia e Fisiologia, 1131 166 Exame Clínico, 1137 167 Exames Complementares, 1139 168 Doenças da Coluna Vertebral, 1140 Seção 4 Bursas eTendões, 1150 169 Bursas, 1150 170 Tendões, 1152 Seção 5 Músculos, 1154 171 Noções de Anatomia e Fisiologia, 1154 172 Exame Clínico, 1158 173 Exames Complementares, 1164 174 Doenças dos Músculos eda Junção Neuromuscular, 1166

Parte 15 Sistema Nervoso, 1173 175 Noções de Anatomia e Fisiologia, 1174 176 Exame Clínico, 1190 177 Exames Complementares, 1215 178 Doenças do Sistema Nervoso, 1245

Parte 16 Exame Psiquiátrico, 1361 179 180 181 182

Modelos Médicos ePrincípios da Semiologia Psiquiátrica, 1362 Exame Clínico, 1366 Exames Complementares, 1386 Diagnóstico ePrincipais Síndromes Psiquiátricas, 1390

fndice Alfabético, 1395









••••••• ••••••••••• ••••••••••• ••••••••••••• ••••••••••••• •••••••••••••• • • ••••••••••••• • •••••••••••••• ••••••••••••••• ••••••••••••• ••••••••••••• ••••••••••••• =========== •••••••••• • • •••••••• . ••••••• ••••••• •••••••••• • ••••••••••••••• • ••••••••••••••••••••••••••••• • ••••••••••••••••••• •••••••••••••••••••• •••••••• ••••••••••••••••••••••••• ••••••••••••••••••••••••• • ••• • •••••••••••••••••••••••• • •• • ••••••••••••••••••••••••••• •. •••••••••• ····=······················· ••••••••••••••••••••••• ••••••••••• •••••••••••••••••••• ~-=••·=··=·====!====================· ••••• • ••••••••••••••••••••••• • _.•• •••••••••••••••••••••••••••••••• •• •••••••••••••••••••••••••••••• . •••••• .•••••••••••••••••••••••••••••••• • ••••••••••••••••••••• • •••••• •••••••••••••••••••••••• • •••••• •• •••••••••••• •••• ••••••••••••••••••• • •••••• •••••••••••••• •••••••• ••••• •• ••• •••••••••••••••••••• •••••• ••• ••••••••••••••••••••• • •••••• •••• •••• ••••••••••••••••••• ••••••• ••• •••••••••• •••••••• •••••• ••••• • ••••••••••••••••••••• • ••••• ••• ••••• •••••••••••••••••• • •••••• •••••••••••••• ••••••••••••• •••••••• ••••• ••• ••••••••••• ••••••••••••• • • ••••••••••••••••••• ••••••• ••••• ••••••••• •••••••••••••••••••••• •••••••• •••••• •••••••••••••••• ••••••••••••••••••••••••• • •••••• ••• ••••••••••••••••••••••••• •••• ••••••••••••••••• ••••••• ••••• •••• ••••• ••••••••••••••••• • ••••• ••••••• ••••••••••••••••••••••••• •••••• •••• • ••••••••••••••••••• =·==···=====·================ ~~~~ •••• •••••••••••••••••• • ••• • • I • •• ••••••••••••••••••••••• •••• ••••• • •••••••••••••••••••• • ••• ••••••••• •••••••••••••••••• • ••• • ••••••••••••• • •••••••••••••••••••• • •••• ••••••••••••• •••••• ••••••••••••••••••••••• • ••••• • •••• ••••••••••••••••••••••• • ••••• ••••••••••••••••••••••• • ••• •• ••••••• •••••••••••••••• •••• • ••••• ••••••••••••••••••••• =·· 'li I •• .111111111111111111111 • •••• •• • ••••••••••••••••• • ••••••••• ••••••• • •••••••••••• •••• ••••••••••••• •• ·========· ·===========t • ...... • • •• ••••• • ••••••••••• •••••••• . ' • • • • •••••• ••••••••••• ••••••••••• • •

Parte 1







'





••• •••••••••••••••••••••••

I

Semiologia







Geral Celmo Celeno Porto Fábia Maria Oliveira Pinho Rita Francis Gonzalez yRodrigues Branco Arnaldo lemos Porto Cesar Alfredo Pusch Kubiak

• ••••••





I

Colaboradores



I





• ··=== ====== . =========== .. .••••• . •••••••••• . .. . •••••••••• - ·--•.. ....•••••••••••• . . ••••••••• •••• • ••••••••• • • ••• ••••••• ••••••••••• ••••• •••••••• •• •••••• ••••••••• • •••• ••• • •••••••• • •••••• • •••••••• •• •••• •• • • •••••••• ... • ••·===· ·= • . •========· •••••• •••••••• ••••• • •••••••• • • ••••••••• • •• •••••••••• ••••••••• ••••••• ••••••• •••••••••• ••••• • ••••••••• • •••••••••• • •••••• • •••••••• •••••• • ••••••••• •••••••• • ••••••• • •••••••• • • ••• ••••••••• •••••••





I



••••••••• •••••• •• ••• •• •••• • ••• ••• •••••• •••••• ••••• •••••• •••••• •••••• •• •• • •• •••• •• ••• ••• • •• ••••• • • • ••• •••••• •• •• •••••••••



I

••••••••• ••••••











• •



•••••••• •••••• ••••••• •••••• ••••••• ••••• •••••• •••••• ••••••• •••• •••• ••••••• • •••••••• ••••••• ••••••••• ••••••• ••••••••• •••••• •••••••

Abdon Saiam Khaled Karhawi Ana Maria de Oliveira Anete Trajman Carlos Ehlke Braga Filho CláudioJacinto Pereira Martins Denise Sisteroli Diniz Carneiro Gabriela Cunha Fia lho Cantarelli Hamilton da Costa Cardoso Humberto Gusmão dos Santos Botelho lpojucan Calixto Fraiz João Alberto Oliveira Campos Luzidalva Barbosa de Medeiros Mario Monjardim Castello Branco Nelson Spector Osvaldo Vilela Filho

1 Princípios e Bases para a Prática Médica lpojucan Calixto Fraiz, Carlos Ehlke Braga Filho eCelmo Celeno Porto

. .,. Introdução As bases da prática médica não podem ficar restritas às ciências biológicas. A complexidade do processo saúde-doença torna necessária a inclusão de conhecimentos oriundos das ciências humanas e sociais. Para que sejam compreendidas as múltiplas facetas de todas as profissões da área da saúde, os conhecimentos de anatomia, histologia, fisiologia, bioquímica, genética dos agentes agressivos e dos mecanismos de defesa do organismo não são suficientes para uma boa prática médica, por mais profundos e detalhados que sejam. Arte clínica é levar para cada paciente a ciência médica. Esse é o objetivo de uma medicina de excelência. Para atingi-lo é preciso apoiar-se em sólidos princípios e ter amplas bases, pois conhecimentos técnicos e refinados são apenas um dos requisitos da medicina moderna.

. . . Origens da medicina Não há reflexão sobre a medicina que não recorra às suas origens para que se possa construir as bases de sua prática. A referência a Hipócrates como fundador da medicina não deixa de ser um esforço para inscrever essa profissão na racionalidade da filosofia grega, que deixou como grande legado dos gregos a naturalização das explicações sobre a doença. Os trabalhos da escola hipocrática em relação à etiologia da epilepsia, considerada, até então, uma doença sagrada, são um bom exemplo desse esforço. Embora os filósofos da Escola de Cós tenham construido uma base sistematizada, racional e natural de esclarecimento da doença, as explicações ligadas à mitologia não foram abandonadas. Se Hipócrates representa a sistematização de um método - o método clinico - a partir da observação clínica, é em Asclepius, filho de Apolo e pai de Higéia e Panacéia, que será encontrado o mito de origem que moldará as vertentes da medicina. Portanto, a medicina é o desenvolvimento de um método de diagnóstico e prognóstico de situações ligadas ao processo saúde e doença para que seja possível intervir depois.

Os preceitos hipocráticos, além da técnica, melhor dizendo, da semiotécnica, trabalham com um conjunto de valores que irão compor o ethos da profissão médica. Prova disso é que até hoje o ritual do juramento atribuído a Hipócrates é repetido no momento da investidura da condição de médicos durante a cerimônia de formatura. É verdade que, em função das mudanças na profissão e na posição do clínico na sociedade e da própria organização social, o juramento foi adaptado para a realidade atual, preservando os princípios éticos atribuídos à escola hipocrática. Hipócrates pertencia à Escola de Cós, na qual não se aceitava a fragmentação do indivíduo e evitava-se valorizar a doença em suas manifestações locais, em detrimento da compreensão do sujeito que adoece como um todo indivisível. Então, a doença deixa de ter uma explicação mágico-religiosa e passa a ser considerada um evento do mundo natural, apontando-se a relação com o meio ambiente como originária do equilíbrio que mantém a saúde ou a organização que leva ao adoecimento. Um exemplo dessa concepção é o livro Dos ares, das águas e dos lugares, atribuído à escola hipocrática. Por outro lado, voltar-se para a compreensão das origens mitológicas nos permite entender as vertentes da prática médica, as quais, se espera, sejam sinérgicas, mas que tantas vezes entram em antagonismo, tanto nas decisões de prioridades das políticas de saúde quanto nas escolhas feitas pelos médicos em sua atuação. Higéia e Panacéia representaram a dicotomia na qual a medicina se desenvolverá. As medicinas preventiva e curativa, em vez de representarem faces de uma mesma prática, se constituirão em vertentes nem sempre sinérgicas, competindo, muitas vezes, por legitimidade e poder dentro das instituições e das políticas de saúde.

. . . Concepções de saúde edoença As concepções de saúde e doença, os níveis de aplicação das medidas preventivas - incluindo-se o que é chamado de medicina curativa nesses níveis de prevenção -, as relações da medicina com o meio ambiente - entendido atualmente não como apenas físico ou natural, mas como meio social -, a organização do sistema de saúde como expressão dessa sociedade, o ethos da medicina e as suas relações com o direito dos pacientes constituem os princípios e as bases para a prática médica, sem os quais esta é destituída de qualquer relevância social, ficando reduzida a uma técnica a serviço de interesses que não contemplam nem as necessidades mais subjetivas dos pacientes, nem as da sociedade como um todo. A seguinte definição de saúde, o ((estado do completo bem-estar físico, mental e social e não a mera ausência de enfermidade': é costumeira. Esse conceito fez parte da carta de princípios da Organização Mundial da Saúde (OMS), datada de 7 de abril de 1948. Por este motivo o Dia Mundial da Saúde é comemorado nessa data. É preciso salientar que, embora apresente algumas limitações, essa conceituação representou muitos avanços porque, antes de tudo, se trata de uma afirmação em contraposição a conceitos definidos por negação como ((saúde é o silêncio dos órgãos" ou «saúde é a ausência de doenças". Quando são considerados os conceitos por negação, tende-se a organizar a prática médica e o sistema de saúde com objetivos restritos ao tratamento das doenças, visto que a saúde seria a ausência destas. Quando esta é definida como um estado de bem-estar, são introduzidos objetivos que vão além do com-

1

I Princípios eBases para aPrática Médica

bate às doenças e isso claramente amplia a atuação médica, estabelecendo novos compromissos para qualquer sistema de saúde. Outro aspecto que representou avanço foi a abrangência do conceito. Ao reconhecer não somente a dimensão física, mas também as dimensões mental e social, há uma ampliação da abordagem que se faz necessária pelos profissionais da saúde, influindo, inclusive, na própria formaç.ã o. Assim, os currículos das escolas médicas devem ter como abordagem não apenas o adoecimento, a partir da matriz biológica e das ciências básicas, mas também aquelas que contemplem o mental e o social. A biologia humana, se ainda essencial, já não é mais suficiente para que o adoecimento seja entendido. Além de serem necessárias mudanças na formação médica relativas às dimensões abordadas, também é esperado que o médico seja capaz de trabalhar em equipe, pois as abordagens física, mental e social exigirão o concurso de vários profissionais de formação diferenciada, trabalhando juntos em uma abordagem pelo menos multiprofissional, quiçá interdisciplinar ou mesmo transdisciplinar. Mas resta a esse conceito uma crítica, pois se trata de uma proposta com uma boa dose de utopia, visto que espera que seja possível um "completo estado de bem -estar': Porém, as utopias servem para nos apontar uma direção e não necessariamente para que suas metas sejam alcançadas. Se não é possível ter "o completo estado de bem-estar~ é preciso buscar "o mais completo estado de bem-estar" que as nossas ações tornem possível. A questão da causalidade do processo saúde-doença tem uma posição central na medicina. Os conceitos moldam a prática e a prática constrói conceitos. As definições de causalidade têm historicidade, ou seja, dependem de tempo e lugar. Na antiguidade, predominavam as explicações mágico-religiosas sobre a origem das doenças. Moacir Scliar (2002) enfatiza a predominância destas nesse período, citando vários exemplos, nos quais as enfermidades eram sinal de desobediência aos desígnios do divino, como o relato no Velho Testamento de um caso de hanseníase. Tal doença estigmatizante era apresentada como a materialização do desvio moral no próprio corpo do pecador. E, por isso, fugia completamente da alçada da medicina. Com o florescimento da cultura grega, as explicações ligadas à ideia de castigo divino perderam terreno para outras racionais e naturais. Pela observação da natureza, são construídos conhecimentos sobre o corpo humano e sua relação com o ambiente. Nesta perspectiva, a saúde deriva de um equihbrio interno do ser humano, e vai além disso, chegando à sua relação com o meio externo. Afastando-se as causas sobrenaturais, abre-se caminho para uma medicina baseada na observação desses fenômenos (Sayd, 1998). Sobre a transmissibilidade das doenças, longos séculos serviram para que fosse afastada a ideia de que as doenças emergiam dos pântanos e dos maus ares, como se afirmava na teoria miasmática, nascendo, então, a ideia de contágio. E, por fim, o século 19 assistiu a confirmação do conceito de contágio pelos trabalhos de Louis Pasteur (1822-1895) e Robert Koch (1843-1910). Estas descobertas marcaram o início de uma nova época da medicina. Em 1885, as descobertas de Pasteur eram citadas, com entusiasmo, por Dujardin-Beaumetz, professor da Faculdade de Medicina de Paris, como capazes de abrir "novos horizontes à arte de curar, mostrando-nos a natureza real do princípio virulento e contagioso das doenças" (Sayd, 1998). O ceticismo na medicina e o niilismo terapêutico cedem lugar ao que viria a ser a "era da terapêutica"; assim, Robin, outro professor da

3 Faculdade de Medicina de Paris, em 1910, afirma: "Essas conquistas, [... ] no rumo de uma verdadeira terapêutica da etiopatogenia, são provas das certezas que o amanhã nos reserva (Sayd, 1998). Houve assim mais de meio século de otimismo, com o advento dos antimicrobianos e da prevenção por vacinas, entre outras medidas que controlaram a maioria das doenças infecciosas. Era a teoria da unicausalidade das doenças a balizar as pesquisas e a prática médica. Contudo, principalmente a partir da segunda metade do século 20, a teoria unicausal, centrada na microbiologia, mostrou -se insuficiente para explicar as doenças que se tornavam prevalentes pelo processo de industrialização e urbanização: as chamadas crônico-degenerativas. Exigiam-se outros modelos explicativos, agora multicausais. Dentre os modelos de multicausalidade tem vital importância o modelo da História Natural das Doenças de Leavell e Clark, por ser estruturante da medicina preventiva e propor níveis de aplicação de medidas preventivas, assim como os Determinantes de Marc Lalonde, sendo que estes levaram a uma mudança de prioridade nos sistemas de saúde de vários países. Além desses modelos, serão abordados também os Determinantes Sociais em Saúde e a Determinação Social em Saúde, como conceitos necessários para a sustentação de uma boa prática médica.

[...r

. . . Determinantes de saúde de Marc Lalonde Marc Lalonde, ministro da Saúde do Canadá de 1972 a 1977, apresentou, em 1974, um relatório sobre a situação de saúde no país, que ficou conhecido como "Informe Lalonde" (Lalonde, 1974). Em um país no qual já predominavam as doenças crônico-degenerativas como causa de morbimortalidade, foram estudados os determinantes daquela situação de saúde. O "Informe Lalonde" apontou como principais e decisivos os fatores de saúde ligados a: (1) biologia humana; (2) serviços de saúde; (3) meio ambiente; (4) estilo de vida, sendo que os dois últimos tinham maior impacto que os primeiros. Ou seja, o adoecimento naquele país dependia muito mais dos problemas ambientais e do estilo de vida do que de fatores ligados à biologia humana ou mesmo ao acesso aos serviços de saúde. O problema é que havia um grande investimento em saúde no que diz respeito aos serviços e muito pouco nas modificações do ambiente ou dos estilos de vida. Essa análise levou a uma mudança de prioridades, primeiramente no Canadá e depois em outros países, inclusive no Brasil. Passou-se a priorizar as ações de promoção da saúde, inclusive com conferências mundiais de promoção da saúde e instituição de programas para cidades mais saudáveis. Os serviços de saúde no Canadá passaram a priorizar a figura do médico de família, formado com uma visão de promoção e prevenção. Alguns hospitais foram desativados naquele país. Os determinantes estudados no Canadá e apresentados pelo "Informe Lalonde" trazem algumas pistas para a boa prática médica: reconhecer o papel do meio ambiente na saúde das pessoas e atuar na modificação deste de maneira favorável, capacitando-se para interferir positivamente em um processo educativo que contribua para a modificação dos estilos de vida dos pacientes e das populações.

Parte 1 I Semiologia Geral

4

.,.. Determinantes sociais do processo saúde-doença Em 1986, em Brasília, com a participação de mais de 4.000 pessoas, dentre as quais 1.000 delegados, realizou-se a "Oitava Conferência Nacional de Saúde': a primeira com participação popular. Em relação aos modelos de determinação do processo saúde-doença, o relatório final dessa conferência apresenta um conceito de saúde ampliado, que estabelece um conjunto de determinantes sociais e articula o nível de saúde da população com a estrutura social, denunciando que as diferenças no bem-estar das pessoas está ligada às "desigualdades dos níveis de vida". Diz o Relatório Final: [...] a saúde é resultante das condições de alimentação, habitação, educação, renda, meio ambiente, transporte, emprego, lazer, liberdade, acesso e posse da terra e acesso a serviços de saúde. É assim, antes de tudo, o resultado das formas de organização social da produção, as quais podem gerar grandes desigualdades nos níveis de vida.

A saúde não é um conceito abstrato. É definida no contexto histórico de determinada sociedade e em um dado momento de seu desenvolvimento, devendo ser conquistada pela população em suas lutas cotidianas. [... ] Desse conceito amplo de saúde e dessa noção de direito como conquista social, emerge a ideia de que o pleno exercício do direito à saúde implica garantir: trabalho em condições dignas com amplo conhecimento e controle dos trabalhadores sobre o processo e o ambiente de trabalho; alimentação para todos, segundo as suas necessidades; moradia higiênica e digna; educação e informação plenas; qualidade adequada do meio ambiente; transporte seguro e acessível; repouso, lazer e segurança; participação da população na organização, gestão e controle dos serviços e ações de saúde; direito à liberdade, à livre organização e expressão; acesso universal e igualitário aos serviços setoriais em todos os níveis (Conferência Nacional de Saúde, 1986).

Segundo Paim (2008), a compreensão que foi dada pelo relatório da Oitava Conferência Nacional de Saúde "pode ser creditada à produção do saber sobre determinação social do processo saúde-doença realizada pela Saúde Coletiva no Brasil e na América Latina, desde a década de 1970': Nos primeiros anos de redemocratização do país, começa a se consolidar a ideia de saúde como direito de cidadania e a nítida luta pela ampliação de seu conceito. Essa concepção está presente, com poucas modificações, na Lei Orgânica da Saúde, promulgada em 1990 (Brasil, 1990a). A prática médica deve contemplar a compreensão dos determinantes apontados pela "Oitava Conferência Nacional de Saúde" em 1986 e consolidados pela Lei 8.080, em 1990. O médico deve ter uma visão ampliada do conceito de saúde e considerar a convergência dos determinantes no estado de seu paciente. Este conceito nos leva à necessidade de ampliar a clínica, como sugere Gastão Wagner de Souza Campos:"[ ... ] a construção de vínculo permite avançarmos na tão almejada 'desmedicalizaçãd, ou - melhor dizendo - torna possível a ampliação da clínica: valer-se de outros recursos terapêuticos que não somente os medicamentos - educação em saúde, práticas de vida saudáveis, atendimento interdisciplinar [... )" (Campos, 2003).

Em 2005, a Organização Mundial da Saúde (OMS) criou a Comissão sobre Determinantes Sociais, e em 2006 o Brasil criou a Comissão Nacional sobre Determinantes Sociais da Saúde, da qual participam especialistas e personalidades da vida social, econômica, cultural e científica do país. O site da OMS é útil por conter vários artigos e apresentações sobre o papel dos determinantes sociais sobre a saúde (Comissão Nacional sobre Determinantes da Saúde).

.... Modelo de Leavell e Clark de história natural das doenças Em 1965, Hugh Rodman Leavell e Edwin Gurney Clark lançaram, nos EUA, um livro que se tornaria referência por muitas décadas e cujas proposições deram sustentação para as práticas de prevenção. Tratava-se da obra Medicina preventiva para o médico em sua comunidade (Figura 1.1). Descrevendo a evolução das doenças em um esquema denominado "A história natural das doenças~ os autores propuseram o conhecimento de todas as etapas do adoecimento a partir da situação de saúde, reconhecendo esta como um equih'brio instável entre o ser suscetível ao adoecimento, o meio ambiente e os agentes agressores. Este é o período pré-patogênico da história natural das doenças e o médico deve atuar preferencialmente já nessa fase. Para isso, é necessário que o médico e demais profissionais da saúde atendam pessoas sadias e atuem junto a elas, orientando práticas saudáveis de vida. Assim, estes profissionais tornam-se educadores sanitários. As medidas preventivas aplicadas no período pré-patogênico são a promoção da saúde e a prevenção de doenças, sendo chamadas de prevenção . , . pnmana. Porém, a capacidade de agressão dos agentes nocivos (infecciosos ou não) pode superar a capacidade de defesa do ser suscetível quando este habita um ambiente desfavorável à manutenção da saúde, daí pode advir o desequilíbrio, representado por Leavell e Clark pela figura de uma balança na qual o agente agressor e o hospedeiro suscetível ocupam os pratos da balança e o meio ambiente funciona como fulcro. Nesse caso, os indivíduos entrariam no período patogênico iniciado normalmente por alterações teciduais não detectáveis clinicamente, evoluindo para doença precoce discernível, depois avançada e convalescença, podendo ter como desfecho a morte, cronicidade, invalidez ou recuperação. As medidas preventivas aplicadas nesse período são o diagnóstico precoce e o tratamento adequado, além da limitação de invalidez, correspondendo à prevenção secundária. A prevenção terciária se dá no final do processo como reabilitação. Conhecer a história natural das doenças para intervir cada vez mais cedo é a nova proposta para os médicos. Não apenas para os que atuam na saúde pública, mas para todos, principalmente aqueles que atuam em saúde individual, em seus consultórios, motivados tradicionalmente apenas para o diagnóstico e tratamento das doenças. Deste modo, Leavell e Clark procuram romper com a dicotomia entre medicina preventiva e curativa. O médico deve aprender a atuar nas fases iniciais do processo saúde-doença, principalmente no período pré-patogênico, no qual o paciente está saudável, mas já existem estímulos ambientais ao adoecimento.

1

I Princípios eBases para aPrática Médica

5 Morte Sequela, invalidez

Interação de agentes, fatores genéticos e fatores ambientais que produzem estímulo à doença

Horizonte clínico

Sinais e sintomas

Alterações de tecidos

.

.

Interação

Indivíduo suscetível-estímulo/reação

Período pré-patogênico

....

Período patogênico

I I I

I I I I

Promoção da saúde

I

~

I

I

Proteção específica

I I

~

Diagnóstico precoce e tratamento imediato

Prevenção primária

Reabilitação I I I I I I I

Limitação de incapacidade

Prevenção secundária

Prevenção terciária

Medidas preventivas Figura 1.1 História natural e prevenção das doenças (Leavell e Clark).

Quanto aos sistemas de saúde, eles devem ser organizados no sentido de garantir acesso fácil à população, para que a mesma possa entrar em contato com o sistema para as ações de promoção da saúde e prevenção, e para que haja possibilidade de um diagnóstico precoce, ações estas preferenciais em relação às mais tardias, que apresentam maior custo e menor efetividade. Porém, esse modelo encontra limitações por não atuar na estrutura da sociedade produtora de doenças, fazendo com que a solução se dê no plano das mudanças de estilo de vida e/ou ações que não avaliam criticamente a forma como a sociedade se organiza. Por esse motivo, diversos autores latino-americanos, 1 na década de 1970, fizeram críticas ao modelo de Leavell e Clark, entre eles, o brasileiro Sergio Arouca, proeminente intelectual e ativista da Reforma Sanitária Brasileira. Em 1975, Arouca apresentou a tese O dilema preventivista: contribuição para a compreensão e critica da medicina preventiva (Arouca, 2003) na qual desenvolve com clareza seu ponto de vista.

..,. Ética e bioética Etimologicamente, ética vem do grego ethos e significa modo de ser, caráter, conduta. A ética, conforme a maneira de ser abordada, pode ser filosófica, científica ou normativa. Filosófica por ter afirmações absolutas e apriorísticas, científica por estudar o comportamento moral como manifestação humana, e normativa, pois, mesmo sem explicar sua natureza, elabora normas e preceitos sobre o comportamento humano. Ética não se confunde com religião, pois, nesta, os mandamentos são seguidos pela fé e na ética pela razão; a ética é, 1

Jaime Breih no Equador, Juan Cesar Garcia na Argentina, Asa Cristina Laurel no México, entre outros.

portanto, o estudo do comportamento moral do homem, é a ciência da moral, da conduta. O valor da ética está no estabelecimento de uma consciência clara sobre um problema nmdamental. Uma preocupação e uma justificativa para o estudo da ética é o fato de que na medicina repousam os valores mais altos da humanidade. Tem o poder de dar e tirar a vida, lutar por ela e deixar morrer, ajudar e destruir pessoas. Em outras palavras: tudo que existe na ciência médica pode ser usado para o bem ou para o mal. Os homens não só agem moralmente, mas refletem sobre esse comportamento prático e o tomam como objeto de sua reflexão e de seu pensamento. É a passagem da moral efetiva, vivida, para a moral reflexiva. Neste diapasão, entendemos o conceito de Emir Calluf (1976), que conclui que a psicologia estuda o homem como pessoa, como relacionamento intra e inter-humano, mas, ao dispor da capacidade de se encontrar consigo, de refletir (re-fletir, de dobrar-se sobre si mesmo), entra-se no campo da ética. A moral apresenta classicamente duas especiais funções: inibição e transformação. Quanto mais intensa for a motivação do homem pela moral, mais sua particularidade se elevará na cotidianidade e assim vai surgir o conflito entre a herança moral do passado da humanidade e a exigência moral da época. A moral é objeto de estudos da ética e pressupõe três características: (1) seus valores não são questionados; (2) eles são impostos; (3) a desobediência às regras pressupõe um castigo. A grande diferença entre ética e moral é que, para funcionar, a moral precisa ser imposta, enquanto a ética deve ser inerente ao indivíduo, apreendida e incorporada por ele. A moral é imposta, a ética, percebida. Na verdade, a prática demonstra a existência de princípios interpretados de modos diversos, e a experiência de cada um desempenha papel decisivo.

6 É possível dizer que existe um conceito de moral de influência religiosa ou sociológica ou mesmo racional. Para alguns teólogos, a função principal da religião é fornecer um fundamento à moral, a ponto de Dostoievski afirmar por meio de um de seus personagens: "Se Deus não existe, tudo é permitido:' Já os que veem a moral não como algo de origem religiosa, mas sim, sociológica, defendem que a moral seria a expressão de uma sociedade, em dado momento de sua evolução. Para Perelman (1996), a moral racional é independente, centrada no princípio do livre exame, ou seja, há rejeição do argumento impositivo externo e a autonomia de consciência é aplicada. Os autores da ética profissional utilizam com frequência o conceito de deontologia, originado da palavra grega deón [o que é conveniente] e logia [conhecimento]. O pensador Jeremy Benthan introduziu este termo com o seguinte sentido: os estudos das obrigações morais do indivíduo no seio de sua comunidade (Alcântara, 1979). A deontologia é o conjunto de regras, fruto da tradição, que indicam como deverá comportar-se o indivíduo na qualidade de membro de um grupo social determinado. A moral deontológica é na realidade uma ética aplicada que orienta uma dada profissão. Suas normas são estabelecidas pelos próprios profissionais, de maneira empírica, depois de atenta reflexão sobre o cotidiano; em geral, estas permanecem dispostas dentro de um ordenamento semelhante a um código no qual são utilizadas expressões imperativas, tais como "é vedado': "deve" (Código de Ética Médica). As normas deontológicas podem ser postas a causas menores, para legitimar privilégios monopolizados da profissão em relação ao estado ou ao cidadão. A crítica maior aos Códigos de Deontologia é o fato de que são elaborados apenas com a participação dos profissionais da área, sem que sejam ouvidos os reais beneficiários, ou seja os cidadãos, a quem se propõe proteger. O termo "bioéticà' foi introduzido por Van Rensselaer Potter, biólogo envolvido em pesquisas sobre o câncer. Para ele, seria necessário desenvolver um novo campo da ética, que pudesse ser direcionado para a defesa do homem, para a sua sobrevivência e para a melhora de sua qualidade de vida. Se a bioética é parte da ética, está relacionada com os problemas colocados pelo progresso das ciências biomédicas. Um conceito de bioética deverá contemplar a avaliação (a ética) da ação (determinada pelo tipo de técnica) sobre a vida. Para o bioeticista italiano Giovanni Berlinguer (2004), existem dois tipos de bioética: a de situações limites e a cotidiana. A primeira surge devido ao progresso técnico e científico das ciências da saúde, principalmente no que se refere ao início e ao término da vida humana. A bioética cotidiana está relacionada com as condições adversas da vida como exclusão social, fome, falta de acesso à saúde e direitos da cidadania. Em síntese, a bioética é a parte da ética que enfoca as questões referentes à vida humana e, portanto, à saúde. Nela, prevalece o modelo de análise baseada em princípios. No clássico livro de Beauchamp e Childress, Principies of biomedical ethics, os princípios da bioética são apresentados como parâmetros práticos que orientam situações concretas. Cumpre salientar que eles se caracterizam fundamentalmente pelo fato de não existir uma hierarquia entre eles. Os princípios são quatro: beneficência, não maleficência, autonomia e justiça. A beneficência é resultante da tradição médica paternalista. A palavra origina-se do latim bonum facere e significa fazer o bem, ou seja, o médico tem a obrigação de produzir benfeito-

Parte 1 I Semiologia Geral rias, tentando equilibrar a relação risco-benefício, procurando atender aos interesses do paciente, nem sempre expressos e conscientes. Este princípio busca primeiramente a promoção da saúde e a prevenção das doenças, sempre priorizando os benefícios. A não maleficência, do latim primum non nocere, consagrada no texto do Código de Ética Médica de 1957, revogado em 1994, quando foi substituído pelo Código de Deontologia Médica, tem como princípio não agredir o paciente, ou seja, o médico tem obrigação de evitar danos ao paciente. Hipócrates já se referia a ele como: "Criar o hábito de duas coisas: socorrer e não causar danos." Esse pensamento une o primeiro e o segundo princípios, sendo possível até entender que os dois são o mesmo, sendo um consequência ou resultado do outro. A autonomia, do grego autós (eu) + nomos (lei), diz respeito ao autogoverno e à autodeterminação. Ela assegura ao paciente o direito de tomar decisões em tudo que se refere ao processo saúde-doença; vale dizer, reconhece que ele tem domínio sobre sua vida e sua intimidade. Para que esse princípio seja cumprido, é preciso que haja liberdade de pensamento e de ação e existência de opções e capacidade para decidir. Ele limita a ingerência de estranhos na relação médico-paciente. O último princípio é o da justiça, o qual determina distribuição justa, equitativa e universal de bens e benefícios em tudo que se refere à saúde. A atuação do médico com absoluta isenção é o que apregoa esse princípio. John Rawls (1921-2002), ao propor sua teoria da justiça, entende que ela não é uma virtude nem um direito, mas sim um princípio fundador de uma sociedade bem ordenada, que procura ordenar a distribuição dos bens primários produzidos por uma comunidade política. Apresenta esta teoria tendo por base o princípio da equidade como proposta de ordenamento social, demonstrando que o conflito social da modernidade se estabelece na razão da disputa de bens na sua busca ilimitada e na escassez de sua disponibilidade. Para o autor, a justiça como equidade se assenta em dois princípios: da diferença e da igualdade. O da igualdade significa o direito ao mais largo sistema de liberdade de bases iguais para todos; já o da diferença significa que, existindo desigualdades sociais e econômicas, é necessário que se garanta a maior vantagem possível aos menos favorecidos. A análise dos princípios bioéticos não fornece uma justificativa ou teoria que os una, são meras regras sem ordem sistemática. Podem se confrontar em casos complexos, mas a única forma de resolver uma situação é enfrentá-la. O profissional de saúde pode encontrar a solução ao analisar estes princípios e decidir por um deles. Em síntese, deve-se tomar decisões e se responsabilizar por elas. A partir dos anos 1960, começaram a surgir muitas questões que estão repercutindo intensamente no exercício da profissão médica. Entre elas se destacam as modificações do mercado de trabalho e a explosão de informações que chegam aos pacientes pelos meios de comunicação - principalmente televisão e internet -, que estão influenciando a postura dos pacientes e dos médicos. A realidade do comportamento ético na saúde é conflitante; antes se dizia que o remédio mais eficiente para o doente era o próprio médico. Hoje a medicina é exercida entre anônimos, o clínico não sabe o nome do paciente nem o paciente, o nome dele, devido às mudanças ocorridas nos últimos 50 anos, quando se iniciaram as especializações, a institucionalizaç.ão da medicina e a urbanização da população.

1

I Princípios eBases para aPrática Médica

Tudo isso mostra a necessidade de se incluir nos currículos a discussão sobre temas que ultrapassam os tradicionais limites dentro dos quais ainda permanecem prisioneiros os cursos de medicina, em especial aqueles que não conseguem superar o "modelo biomédico~ A conduta do médico deve ser resultado de qualidades humanas e preparo técnico, ao lado de uma ordenação de princípios, representados pelo Código de Ética, bem como os direitos e deveres estabelecidos na legislação do país. Uma sólida formação ética é o que o doente espera do médico com compromisso com a verdade e a justiça social, na compaixão pelo enfermo, na sua humildade e disponibilidade e na prudência e respeito à vontade do doente. A bioética pretende discutir os problemas de saúde com base na responsabilidade moral, relacionada com a própria humanidade. Essa responsabilidade só é possível a partir de uma sociedade educada, suficientemente informada, na qual pacientes, médicos e gestores possam ter um papel ativo e racional na resolução dos problemas de saúde.

.... Método clínico Coube a Hipócrates, meio milênio antes de Cristo, sistematizar uma maneira racional de analisar as queixas relatadas pelos doentes, dando à anamnese e ao exame físico uma estruturação que pouco difere do que se faz hoje. Isso decorreu fundamentalmente da visão que tinha das doenças, consideradas, por ele e seus discípulos, fenômenos naturais. Por mais entusiasmo que se tenha com os refinados recursos laboratoriais e com os aparelhos modernos, a base principal da prática médica continua sendo o exame clínico. Sem dúvida, os exames complementares, inclusive os executados por computadores eletrônicos, alguns deles dispensando até a intervenção do médico, aumentam continuamente as possibilidades de identificar com precisão e rapidez as "lesões" e as "disfunções" provocadas por diferentes enfermidades. Mas à medida que estes recursos são multiplicados, exige-se do médico a capacidade de saber selecionar os exames que devem ser solicitados, a fim de equilibrar uma nova equação da prática médica - custo/beneficio -, para não submeter o paciente a exames desnecessários, muitos deles bastante dispendiosos, e outros nem sempre destituídos de risco. Correlacionar com precisão os dados clínicos com os laudos dos exames complementares pode ser considerada a versão moderna do que se denominava olho clínico, na época em que se contava apenas com as habilidades clínicas para que o diagnóstico fosse feito. Mas, tal como antigamente, o sucesso de um médico pode estar neste olho clínico. A experiência mostra que algumas técnicas e manobras do exame físico podem ser substituídas por algum aparelho, mas a anamnese continua insubstituível nas seguintes condições: (1) formular hipóteses diagnósticas; (2) estabelecer uma boa relação médico-paciente; (3) tomada de decisões. Um equívoco que precisa ser destacado é achar que exames complementares possam "mascarar" deficiências, resultantes de exames apressados e semiotécnica precária Isso oferece uma falsa segurança, além de aumentar os custos. Pior ainda: pode induzir a erros diagnósticos e escolha equivocada de procedimentos terapêuticos. Concluindo: a medicina de excelência só é possível se o exame clínico for excelente.

7

..,. Qualidades humanas Não se pode deixar de incluir entre os princípios e bases para a prática médica as qualidades indispensáveis para o exercício de uma profissão que lida essencialmente com a vida humana. Para ser um verdadeiro médico, os mais modernos conhecimentos científicos são essenciais, mas nunca serão suficientes, pois as profissões de saúde têm algo que as faz diferentes de todas as outras. O ato médico, síntese da profissão médica. deve ter três componentes para ser perfeito: o componente técnico, que nada mais é do que tudo aquilo que advém dos avanços da ciência médica, sejam máquinas que permitem conhecer detalhes de nosso organismo, sejam equipamentos que possibilitam as mais incríveis intervenções, sejam substâncias químicas transformadas em medicamentos; o outro componente é a ética, em sua mais ampla concepção, que inclui não apenas aspectos deontológicos, mas também as nuances mais sutis da relação médico-paciente, pois, são os princípios éticos que direcionam os médicos para a maneira de utilizar os conhecimentos científicos para fazer o bem, sabendo-se que os mesmos conhecimentos também possibilitam fazer o mal; o terceiro componente, o mais importante, são as qualidades humanas que podem ser sintetizadas no respeito incondicional ao paciente, na integridade no exercício da profissão e na compaixão para compreender o sofrimento do paciente, seja ele qual for, e fazer tudo que estiver ao alcance da ciência médica para aliviá-lo. Por isso, competência técnica, por mais refinada que seja. jamais será suficiente para tornar perfeito um ato médico. O desenvolvimento tecnológico que está, a cada dia, a serviço da medicina, ao contrário do que pode parecer à primeira vista não elimina o lado humano da profissão. É exatamente isso que diferencia um bom médico de outro de "segunda cate. , gona.

.... Medicina baseada em evidências Na clássica conceituação de Sackett (1996), "medicina baseada em evidências é o uso consciente, explícito e judicioso da melhor evidência disponível que seja capaz de justificar a tomada de decisões ao se cuidar de pacientes individuais". Sem dúvida, a "ciência médicà' está vivendo uma nova fase, que nasceu na década de 1990, quando novos conceitos foram aplicados ao estudo das doenças, dando origem à epidemiologia clínica. A partir de então, a medicina baseada em evidências vem ocupando lugar de destaque, ao tomar possível responder questões que podem ser provenientes de dados clínicos, exames complementares, uso de medicamentos e outras possibilidades para prevenção e tratamento das doenças. Analisar de maneira crítica as informações sobre métodos de diagnóstico e tratamentos para verificar sua utilidade clínica deve ser parte da formação do médico moderno. Mas é preciso estar atento para o que não é medicina baseada em evidências, ou seja: (1) não deve substituir o raciocínio clínico pela utilização de informações estatísticas como único instrumento para a tomada de decisão diagnóstica e terapêutica; (2) não é desconsiderar a experiência adquirida na relação direta com pacientes; (3) não é perder a autonomia e ficar mental-

8 mente imobilizado por diretrizes, consensos e guidelines, sem capacidade de escolher o que é melhor para o paciente que está diante de si; (4) não é utilizar equipamentos para sanar deficiências surgidas em exame clínico inadequado; (5) não é priorizar o uso de equipamentos e medicamentos novos (Greenhalg, 2005). Em suma, a medicina baseada em evidências vem mudando profundamente a prática médica, passando a ser uma das bases da prática médica atual (ver Capítulo 3, Semiologia

Baseada em Evidências e Aspectos Quantitativos dos Exames Complementares).

..,. Sistema Único de Saúde A prática médica não pode se dar dissociada do contexto social. A discussão reflete a forma como a luta pelo direito à saúde foi ampliando o modelo de determinação da saúde e, consequentemente, aumentando a abrangência do trabalho médico e a responsabilidade de um sistema de saúde que tem a tarefa de viabilizar de forma concreta o direito à saúde. Se, por um lado, o médico deve compreender os modelos de determinação do processo saúde-doença, por outro também é necessário que se compreenda o sistema de saúde vigente no país. A sociedade brasileira se fez representar na Assembleia Nacional Constituinte instalada em 1987, a qual entregou à nação a Carta Constitucional de 1988, na qual existe uma seção inteira dedicada à saúde, conten~o cinco artigos que tratam dos preceitos gerais do Sistema Unico de Saúde (SUS) (Brasil, 1988). Os preceitos constitucionais foram regulamentados em 1990 por meio de duas leis, já que na primeira existiram vetos presidenciais. Para que os princípios do sistema fossem garantidos, foi necessária criar uma segunda lei complementando a primeira, leis 8.080 e 8.142 (Brasil 1990a; 1990b). O SUS deve atender a todos, segundo o princípio da universalidade, ou seja, diferentemente do sistema que o antecedeu, que era ligado à previdência social e atendia apenas àqueles que eram contribuintes,2 o atual deve atender a todos, independentemente da maneira como o cidadão se insere no mundo do trabalho. Esse atendimento universal deve ser realizado sem quaisquer privilégios, porém haverá que atentar para as necessidades de cada um. O SUS deve buscar a promoção da igualdade e, para tanto, é utilizado o princípio da equidade, o qual garante que promover a igualdade não é tratar os desiguais de forma igual, pois assim estaria aumentando a desigualdade. É preciso promover a igualdade tratando cada um conforme as suas necessidades. De nada adianta garantir o acesso a todos (universalidade), buscando atendê-los conforme as suas necessidades (equidade), se o sistema não contemplar o conjunto de necessidades assistenciais dentro de uma visão de integralidade, outro princípio doutrinário do SUS, ao lado dos dois primeiros. A integralidade pressupõe compreender o ser humano nas suas necessidades afetivas, emocionais, mentais, físicas e sociais. As ações que a garantem devem contemplar a promoção da saúde, a prevenção das doenças, a recuperação da saúde e a rea2

Embora tenha havido no sistema previdenciário uma extensão da cobertura, isso não representou uma proposta de universalização plena da atenção à saúde.

Parte 1 I Semiologia Geral bilitação. Também não bastaria que o acesso fosse apenas aos serviços básicos; portanto, compõe o compromisso da integralidade o acesso a todos os níveis do sistema: atenção básica à saúde, secundária e terciária. Dessa maneira, o desafio que se coloca para o SUS é imenso, pois se a universalidade garante o direito de todos, a integralidade prescreve que o SUS deve fazer de tudo. Além desses três princípios, chamados doutrinários, existem as diretrizes organizacionais. A hierarquização organiza o sistema em níveis de assistência que devem funcionar de modo articulado. A atenção básica à saúde, porta de entrada preferencial para o sistema, deve ser resolutiva em 80% das situações, permitindo a criação de vínculo com as pessoas atendidas que vai garantir a continuidade da atenção. Serviços secundários e terciários com maior densidade tecnológica devem estar disponíveis para a complementação da atenção quando necessário. O sistema é descentralizado, o que significa que a esfera de governo municipal tem aumentado as suas responsabilidades. A descentralização permite uma melhor gestão, pois o planejamento local contempla as necessidades das comunidades atendidas, além de que é possível aumentar a democratização do sistema na medida em que o gestor local está mais perto da população. A participação popular se dá por meio dos conselhos e conferências de saúde, permitindo que haja controle da sociedade sobre o sistema. Os conselhos têm caráter permanente, são deliberativos, e os representantes da população têm paridade de representação em relação ao conjunto dos demais membros, representantes de profissionais da saúde, prestadores de serviços públicos e privados. Os conselhos e as conferências devem existir nas três esferas de governo (municipal, estadual e nacional) . O setor privado participa do SUS dentro do princípio organizacional da complementaridade, sendo que as instituições filantrópicas têm precedência em relação às com fins lucrativos. Embora o SUS seja um sistema público que se pretenda equitativo, as iniquidades deste são agravadas pela sua fragmentação em três sistemas, como aponta Mendes (2001): Sistema Único de Saúde, Sistema de Atenção Médica Supletiva e Sistema de Desembolso Direto, sendo o primeiro público e os outros dois privados. c~ssim': afirma o autor, ccao contrário do que a expressão sistema único dá a entender, no Brasil, vige um sistema plural e segmentado'~

.... Omédico diante dos desafios e dilemas do SUS As mudanças na organização do sistema de saúde brasileiro nos últimos 20 anos têm provocado mudanças na profissão e na educação médicas, influenciando os currículos e o perfil dos egressos das escolas de medicina. Essas mudanças se estendem à profissão como um todo, não se restringindo ao âmbito da rede básica ou mesmo do SUS, e influenciam profundamente a prática da medicina. O primeiro desafio é entender o que o SUS, embora ainda fragmentado, é o sistema nacional de saúde, o que condiciona as mudanças na profissão médica, destacando-se: • O conceito ampliado de saúde reconhece que as condições de vida das pessoas e da coletividade resultam em maior ou

1













I Princípios eBases para aPrática Médica menor nível de saúde. Assim, a moradia, a alimentação, a renda, o trabalho, entre outras condições, são determinantes do processo de adoecimento. Nesse sentido, não se pode mais trabalhar com o foco da profissão médica apenas na doença como ente biológico, fazendo-se, portanto, necessário ampliar a visão do processo saúde-doença A ênfase na rede básica de saúde traz consequências no mercado de trabalho médico, ampliando as oportunidades para médicos de perfil generalista e consolidando novas especialidades como Medicina de Família e Comunidade, além de modificar o perfil de pacientes que chegam aos serviços ambulatoriais especializados e hospitalares A promoção da saúde na rede básica, que está perto da casa das pessoas, passa a atuar nos estilos de vida e cria condições para que o médico estabeleça vínculos mais fortes com os pacientes. Se antes havia um sistema de saúde nucleado no hospital e um olhar médico centrado na doença e na recuperação da saúde, agora o olhar médico precisa ir para além da doença O sistema é fortemente territorializado e regionalizado. Assim a comunidade, o meio, o entorno, ou seja, o território onde vive o paciente, não pode mais ser abstraído pelo médico. No território onde ele vive estão os determinantes do nível de saúde e doença e lá também devem estar os recursos para a prevenção ou para a cura, e, no caso das enfermidades crônicas, para o controle da doença A equipe multiprofissional passa a ser essencial para a rede básica e é esse lugar que nos ensina a compartilhar o trabalho e a liderança com os outros profissionais da saúde. Não será diferente no hospital, lugar onde cada vez mais se aprenderá a trabalhar em equipe e respeitar os outros profissionais da saúde O vínculo e a continuidade, cada vez mais necessários nas doenças crônicas, transformarão a medicina. Da missão de curar caminha-se para a missão de cuidar, exigindo a criação de vínculos mais duradouros entre o médico, seu paciente e a família A cogestão do projeto terapêutico no qual o paciente passa a ser corresponsável pelo seu tratamento faz desaparecer a figura do médico "senhor absoluto do saber': Nesse momento, o médico, mais do que "dono do paciente", é um "gestor do plano terapêuticd', compartilhado com os outros profissionais de saúde e com o próprio paciente.

. .,. Código de defesa do consumidor É de grande interesse dos profissionais da saúde conhecer algumas questões básicas sobre a aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor, Lei 8.078, de 11 de setembro de 1980, uma vez que a relação médico-paciente envolve uma prestação de serviço que, segundo esse Código, toma o enfoque de uma relação fornecedor-consumidor. Segundo esse diploma legal, o Consumidor ou Usuário é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final e Fornecedor ou Prestador de Serviço é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, que desenvolve atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços. Admitindo-se que o "trabalho médico" é um serviço, prestado por um fornecedor e recebido por um "consumidor':

9 qualquer problema surgido em decorrência dessa relação fica submetido às regras do referido código. Embora esta questão não seja um ponto pacífico, pois há uma discussão conceitual sobre a atividade médica ser ou não considerada uma relação de consumo, sendo o médico um fornecedor de serviço, diante da letra da lei, ela é secundária, visto que o médico enfrenta, em sua rotina, situações que se amoldam perfeitamente ao objetivo e às definições do Código do Consumidor. Em que pese o fato de a relação parecer definida como exposto anteriormente, há uma polêmica a qual a própria lei induz ao tratar de modo diferenciado a atividade dos profissionais liberais, conforme consta no parágrafo 4º do Artigo 14, que afirma que a responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apurada mediante a verificação de culpa, enquanto para todas as demais relações abrangidas pelo Código do Consumidor a responsabilidade não decorre da culpa, sendo objetiva, ou seja, se houver dano e nexo de causalidade entre o serviço prestado por um fornecedor e o resultado obtido pelo consumidor, há obrigação de indenizar. No entanto, sendo o fornecedor um médico (profissional liberal) a responsabilidade pelos atos prestados ao seu paciente será, ao contrário, apurada mediante a verificação da culpa. O mesmo raciocínio não se aplica às empresas prestadoras de serviços médicos, pois estas não se definem como profissionais liberais, mas sim como pessoas jurídicas. Nesse caso, a responsabilidade por danos ou vícios ou resultados indesejados na prestação do serviço é analisada sob a ótica da responsabilidade objetiva.

. .,. Responsabilidade legal A professora Beatriz Helena Sottile França, no livro Bioética clfnica, do professor Cícero Urban (2003), traz da literatura o conceito da responsabilidade como a obrigação que todo ser livre tem de responder pelos seus atos e sofrer as consequências acarretadas pelos mesmos; ou seja, a capacidade de suportar as consequências de seus atos. Segundo Marton, citado por Aguiar (1960): "A responsabilidade não é fenômeno exclusivo da vida jurídica, ela se liga a todos os domínios da vida social:' Todas as pessoas, no exercício ou não de uma profissão, respondem pelos danos que acarretam em outrem por meio do dolo ou da culpa. Desta forma, a responsabilidade se assenta na moral, na legislação e no contrato. Na acepção jurídica, a responsabilidade corresponde ao dever de responder (do latim respondere) pelos atos próprios e de terceiros e a obrigação de reparar os danos que forem causados. Pode ser penal, civil, administrativa ou moral. A penal tem como fundamento o Artigo 13 do Código Penal; o resultado, de que depende a existência do crime, somente é imputado a quem lhe deu causa. Considera-se causa a ação ou omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido. A responsabilidade civil decorrente da ação humana tem como pressupostos a existência de um ato voluntário e de um dano sofrido pela vítima, a relação de causalidade entre o dano e a ação do agente e o fator de atribuição da responsabilidade pelo dano ao agente, de natureza subjetiva ou objetiva. É o fenômeno jurídico que se apresenta sempre que há violação de um dever jurídico preexistente, e dessa violação resulta um dano material ou moral a outrem.

Parte 1 I Semiologia Geral

10 O Artigo 186 do Código Civil estabelece a regra: aquele que por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito. O elemento constitutivo da responsabilidade civil é a culpa, que se apresenta nas seguintes condições: ( 1) descumprimento do dever de cuidado; (2) produção de um resultado lesivo; (3) se esse resultado é devido à violação do dever de cuidado; (4) e o agente deve ter conhecimento do conteúdo de seu dever. A responsabilidade administrativa é tratada geralmente pelas diversas regras do direito administrativo, no caso médico, nos estatutos, regimentos internos das instituições de saúde ou nos regulamentos. O profissional de saúde, devido às atividades que desenvolve em ambiente social, não poderia estar afastado destas cogitações. Responde nas esferas civil, penal e ética pelas faltas que comete no exercício de sua profissão. O clínico trabalha com o corpo e a vida humanos. Deste modo, sua atuação enseja risco e responsabilidade moral, ética e legaL A fiscalização de sua atividade compete aos Conselhos de Medicina, mas não é exclusiva deles. Solidariamente será objeto de investigação judicial na hipótese de sua ação resultar em algum indício de ofensa à legislação. Os avanços tecnológicos na medicina têm gerado uma responsabilidade cada vez maior para aqueles que a exercem em decorrência da expectativa criada em torno do resultado, mas como atividade biológica raramente poderá haver uma responsabilidade objetiva. Em seu trabalho, a professora Beatriz comenta que o excesso de especialização nas diferentes áreas do conhecimento das profissões da saúde está transformando estes profissionais em técnicos, e os planos de saúde, massificando as profissões, concorrendo para a troca fácil de profissional, sem que haja tempo para a criação de um vínculo de confiança entre médico e paciente. Os atendidos hoje têm um acesso ao conhecimento, que trouxe como resultado um incremento de ações judiciais de cobrança de responsabilidade do profissional de saúde. Entre as causas de processos contra médicos, é possível citar como principais: (1) quebra da relação médico-paciente; (2) massificação das relações; (3) formação deficiente do médico; (4) interferência da mídia (relatando casos e indenizações); (5) tendência internacional de altas indenizações; (6) dano moral; (7) assistência judiciária gratuita. Muito se tem ensinado sobre o gerenciamento de riscos no exercício das profissões de saúde como forma de preservação da vida profissional. Se por um lado isso auxilia na defesa do médico na justiça, por outro, vem criando certa apreensão quanto ao exercício da medicina. O avanço das ciências vem trazendo incontáveis benefícios tecnológicos, mas é preciso que o médico tenha segurança técnica e tranquilidade jurídica para disponibilizá-los aos pacientes, que deveriam ter acesso igualitário a estes procedimentos, ainda uma utopia. Mas nos dizeres do poeta uruguaio Eduardo Galeano: ''A utopia está lá no horizonte. Aproximo-me dois passos, ela se afasta dois passos. Caminho dez passos e o horizonte corre dez passos. Por mais que eu caminhe, jamais o alcançarei. Para que serve a utopia? Serve para isso: para que eu não deixe de caminhar:'

.,. . Seguro médico As constantes denúncias, em geral infundadas, de erros médicos estão criando insegurança e, ao mesmo tempo, uma preocupação com a proteção da atividade médica. A mídia, por seu turno, tem se encarregado da divulgação das ações judiciais, o que, somado aos interesses das seguradoras que comercializam seguros de responsabilidade profissional, tem transformado a relação paciente/profissional de saúde em uma relação comercial, na qual cada paciente se sente no direito de desconfiar que o tratamento que recebeu pode lhe valer algum benefício advindo de uma ação judicial. Em setembro de 2003, a Associação Médica Brasileira, o Conselho Federal de Medicina e as duas entidades sindicais da época - Federação Nacional dos Médicos e Confederação Médica Brasileira - posicionaram-se oficialmente contra o seguro de responsabilidade civil, considerando-o "terapia ineficaz': e fizeram as seguintes recomendações, que permanecem bastante atuais: • Mantenha-se tecnicamente capacitado para o exercício da profissão, por meio de atualizações frequentes • Respeite os limites de sua competência profissional • Invista muito na manutenção de uma boa relação médicopaciente/familiares • Documente, sem protelação, da maneira mais completa possível, todos os seus atos médicos no prontuário do paciente, o mais importante documento médico-jurídico disponível • Aborde o paciente e/ou familiares utilizando uma linguagem plenamente compreensível por ele/eles • Fale sempre a verdade • Não diga o que não sabe. Lembre-se que é correto dizer "não ser ou "isto não se sabe" • Evite atendimentos e prescrições a distância (exemplos, por telefone e internet) • Utilize o termo de consentimento informado, no qual deve constar o estado clínico do paciente, o tratamento necessário, os possíveis riscos e complicações • Faça encaminhamentos responsáveis (por escrito, com arquivo de cópia ou registro na ficha hospitalar, além de contato prévio com o serviço que receberá o paciente) • Não faça exames constrangedores sem a presença de um assistente • Atenda a imprensa, se solicitado. Neste caso, prepare-se previamente se houver tempo; utilize uma linguagem que o leitor ou espectador compreenda; procure manter a calma, qualquer que seja a pergunta; diga sempre a verdade; não use expressões do tipo "nada a declarar"; evite qualquer declaração "em ojf' (com compromisso de não ser divulgada).

.,. . Bibliografia Aguiar Dias J. Da responsabilidade civil. Rio de Janeiro: Forense, 1960. Alcântara HR Deontologia e diceologia. São Paulo: Organização Andrei Editora, 1979. Arouca S. O dilema preventivista: contribuição para a compreensão e crítica da medicina preventiva. São Paulo/Rio de Janeiro: Editora Unesp/Editora Fiocruz, 2003. Berlinguer G. Bioética cotidiana. Brasília: Editora da Universidade de Brasília, 2004. Brasil. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Centro Gráfico do Senado Federal, 1988.

1

I PrincípioseBasespara aPrática Médica

Brasil. Lei n. 8.080, de 19 de setembro de 1990. Dispõe sobre as condições para a promoção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes e dá outras providências. Diário Oficial da União, Poder Executivo, Brasília, DF, 20 set. 1990a. Seção 1, p. 18055. Disponível em: http://portal.saude.gov.br/portal/arquivos/pdf/lEI8080.pdf. Acesso em: 23 jul. 2012. Brasil. Lei n. 8.142, de 28 de dezembro de 1990. Dispõe sobre a participação da comunidade na gestão do Sistema Único de Saúde - SUS e sobre as transferências intergovernamentais de recursos financeiros na área de saúde e dá outras providências. Diário Oficial da União. Brasília, DF, 31 dez. 1990b. p. 25694. Disponível em: http://portal.saude.gov.br/portal!arquivos/pdf/ lei8142.pdf. Acesso em: 23 jul. 2012. CallufE. Psicologia da personalidade. São Paulo: Editora Mestre Jou, 1976. Campos GWS. Saúde - Paidéia. São Paulo: Editora Hucitec, 2003. Comissão Nacional de Determinantes Sociais da Saúde. Disponível em: http:/I determinantes.fiocruz.br/home.asp. Acesso em: 20 jul. 2012. Greenhalg T. Como ler artigos científicos: fundamentos da medicina baseada em evidências. 2ª ed. Porto Alegre: Artmed, 2005.

11 Lalonde M. A new perspective on the health of Canadians. Ottawa: Office of the Canadian Minister ofNational Health and Welfare, 1974. Leavell H, Clark EG. Medicina preventiva. São Paulo/Rio de Janeiro: McGraw-Hill do Brasil/Fename, 1976. Mendes EV. Os grandes dilemas do SUS. Tomo L Salvador: Casa da Qualidade Editora, 2001. Oitava Conferência Nacional de Saúde. Relatório final. Brasília, 1986. Paim JS. Reforma sanitária brasileira: contribuição para a compreensão e crítica. Salvador: EDUFBA; Rio de Janeiro: Fiocruz, 2008. Perelman C. Ética e direito. São Paulo: Martins Fontes, 1996. Sackett DL et ai. Evidence based medicine: what it is and what it isn't. British Medicai Journal. 1996; 312:71-2. Sayd JD. Mediar, medicar, remediar: aspectos da terapêutica na medicina ocidental. Rio de Janeiro: EdUerj, 1998. Scliar M. Do mágico ao social: trajetória da saúde pública. São Paulo: Editora Senac, 2002. Urban CA. Bioética clínica. Rio de Janeiro: Revinter, 2003.

2 Diagnóstico e Prognóstico Cesar Alfredo Pusch Kubiak eCelmo Ce/eno Porto

~

Diagnóstico

O diagnóstico (do grego: dia = através de, e gnosis = conhecimento, ou seja, discernir pelo conhecimento) é a base de toda a atuação dos médicos e de outros profissionais de saúde, como dentistas, enfermeiros, fisioterapeutas, fonoaudiólogos e nutricionistas, sendo um propósito imperativo a ser alcançado. Mason o define "como uma série de procedimentos de ordem intelectual e operacional através dos quais se obtém uma resposta a um determinado problema clínico" (Rodrigues, 1981). Dado sua importância, quando ele não é esclarecido, não se programam adequadamente as intervenções terapêuticas - não farmacológicas, farmacológicas, cirúrgicas, radioterápicas, nutricionais, fisioterápicas e outras. Vale dizer: sem diagnóstico não haverá proposta terapêutica correta. Não será possível monitorar a evolução das doenças, nem atingir a preservação ou restauro da função. A elaboração diagnóstica sempre dependerá de uma base de conhecimentos amplos, incluindo fundamentos de anatomia, fisiologia, patologia, semiologia, e o conhecimento das entidades nosológicas prevalentes. Um médico competente deve conhecer e saber identificar cerca de 300 entidades nosológicas, acessar fontes de informação seguras, elaborar registro e lista de problemas, desenvolver habilidades em comunicação, ter desenvoltura social, capacidade de ser continente, empático, com aptidão para exercitar uma contratransferência construtiva, ser adequado em sua postura como médico, tendo um conjunto de qualidades que lhe permitam se apropriar da almejada perícia clínica (Cutler, 1999). O diagnóstico é resultado de: • Conhecimento médico: é indispensável estar familiarizados com os sintomas comuns em atendimento primário (febre, síndromes dolorosas, dor torácica, cansaço, astenia, vertigens, tonturas, diarreias, infecções de vias respiratórias superiores virais e bacterianas, tosse e insônia entre outros); bem como as entidades nosológicas prevalentes em nosso país: doenças cardiovasculares (hipertensão arterial sistêmica, dislipidemias, aterotrombose, insuficiência coronariana aguda e crônica, insuficiência cardíaca, acidente vascular encefálico), diabetes melito, osteoartrose, depressão, obesidade, doença pulmonar obstrutiva crônica, infecções do trato urinário, dispepsias, doenças endêmicas (dengue, tuberculose, malária, doença de Chagas, AIDS, mal de Hansen, enteroparasitoses e ectoparasitoses)

• Obtenção competente de dados por meio da história clínica e do exame físico (incluindo dados objetivos e subjetivos, como linguagem corporal, estado de ânimo e humor e sinais de sofrimento agudo e crônico) • Registros organizados: documentação científica sistematizada • Tempo necessário para obtenção de um bom prontuário médico: em média devem ser dedicados 30 a 50 min a cada paciente em consulta inicial • Capacidade de integrar dados em conjuntos significativos, seguindo a lógica do raciocínio clínico • Lista dos achados em ordem de importância e significância (lista de problemas) • Uso racional e criterioso de exames complementares • Busca do diagnóstico final pela seleção da nosologia que explique de maneira mais adequada todos os achados • Revisão do diagnóstico, valorizando os dados positivos. O processo do diagnóstico é árduo. Na relação médicopaciente, outrora restrita a duas pessoas, na qual o médico tinha o poder de decidir pelo necessário e o que fazer de melhor para o seu paciente, hoje vicejam "atravessadores" midiáticos (revistas, jornais, televisão, internet) ou institucionais (planos de saúde, cooperativas médicas, seguro saúde, sistema único de saúde, laboratórios farmacêuticos, fornecedores de toda ordem) que estabelecem regras de comportamento e limites na atuação dos médicos, com restrições de tempo para a consulta, na solicitação de exames complementares, influenciando até a escolha das condutas terapêuticas. A prática de uma segunda ou terceira opinião (consulta) tem sido comum, principalmente em processos diagnósticos de maior complexidade ou importância clínica, situação esta que, na dependência da linguagem empregada na verbalização dos fatos, gera conflitos, distorções, mal-entendidos e não raramente processos judiciais ou administrativos sob a justificativa de má prática e erros de diagnóstico e condutas. O advento de sites de busca como o "Google': que nas áreas da saúde tem o quinto maior conteúdo de informações, facilita para pacientes e familiares o acesso a informações, em geral, nas seguintes situações: • • • •

Quando se sente doente Quando há um familiar enfermo Após diagnóstico firmado Antes de iniciar algum tratamento ou se submeter a procedimentos • Novo tratamento anunciado. Por não conhecer a matéria médica, o leigo não terá critérios para selecionar e avaliar o material consultado, fato que, por vezes, atrapalha o processo diagnóstico ou terapêutico, pois este sugere exames e/ou condutas a partir de diagnósticos fantasiosos elaborados por ele ou por falácias científicas que lê e vê (informação sem formação não gera conhecimento). Outro aspecto a ser considerado na elaboração diagnóstica diz respeito à situação na qual o paciente é atendido: horizontal (hospitalizado) ou vertical (ambulatorial), conforme expressou Kloetzel. Neste último, quase sempre, serão encontradas doenças comuns, benignas, de curta duração e, por vezes, autolimitadas, de reconhecimento diagnóstico por vezes difícil, podendo induzir o médico a "rótulos diagnósticos': como viroses, gastrenterites, síndrome gripal, nevralgias, labirintites. Neste cenário de atendimento, é possível exercitar a demora permitida quando o diagnóstico for mais complexo ou o

2

I Diagnóstico e Prognóstico

paciente for portador de várias comorbidades (multimorbidades), ou seja, tratando-se de um paciente portador de doença crônica ("de progresso lento, duração longa e desprovida de resolução espontâneâ'), sem risco de vida imediato. Nestes casos, é correto fazer o atendimento de forma escalonada em várias consultas, elegendo prioridades a serem abordadas em diferentes momentos (Kloetzel, 2004). Outro aspecto a ser discutido são os achados casuais. Exemplo: o enfermo que vem à consulta por diarreia secretória e no qual, durante o exame físico, é identificado um quadro de dermatite seborreica - achado casual que não deve desfocar a atenção do motivo real da consulta. É mais prudente ter como meta o diagnóstico de uma só doença que explique todas as queixas do paciente e os achados do exame físico. Contudo, idosos quase sempre apresentam dois ou mais problemas de saúde. Nesses casos, é mais prudente hierarquizar o que mais incomoda o paciente ou o que põe sua vida em risco. As regras práticas para realizar o diagnóstico são: • Fazer sempre a sua observação clínica (anamnese e exame físico) pessoal • Evitar usar a observação clínica de outrem, para ganhar tempo ou agilizar o trabalho • Quanto menos precisas forem as definições da síndrome clínica, da entidade nosológica e da hierarquização do diagnóstico diferencial, mais difícil será a escolha e a seleção de exames complementares de maior especificidade e sensibilidade para confirmar o diagnóstico, eliminando os diagnósticos diferenciais não pertinentes • Quanto mais inadequada a anamnese, maior a dependência dos dados de exame físico e exames complementares. Lembre-se de que, quando se chega ao final da história clínica sem elementos ou noção de qual síndrome ou nosologia é a mais provável, dificilmente o médico irá avançar com exame físico e exames complementares.

• Sintoma, sinal, síndrome, entidade nosológica Sintoma é uma sensação subjetiva anormal percebida pelo paciente e não observada pelo examinador (inspeção, palpação, percussão e ausculta). Exemplos: dor, náuseas, dormências, insônia e má digestão. Sinal é um dado objetivo notado pelo paciente e observado pelo examinador por meio do método clínico ou de exames complementares. Exemplos: tosse, edema, cianose, sangue na urina (hematúria) ou condensação pulmonar na radiografia de tórax. Síndrome (do grego syndromos = andar junto) é um conjunto de sintomas e/ou sinais que ocorrem associadamente e que podem ser determinados por diferentes causas. Exemplo: síndrome febril (hipertermia, taquicardia, taquisfigmia, sudorese, tremores, mialgias, artralgias), podendo se relacionar com infecções bacterianas, virais, fúngicas, doenças inflamatórias e iatropatogênicas (entendidas como lesão, dano ou prejuízo ocasionado pelo médico ou pela medicina, podendo ser de ordem física, mental, social ou espiritual, seja de maneira direta ou indireta). Entidade nosológica é, em geral, uma doença bem definida com alteração de função de órgãos ou sistemas, ou mesmo perda desta função com suas consequências e repercussões. É uma condição clínica cuja história natural está reconhecida em seu todo ou em parte, cujas características lhe dão per-

13 sonalidade e individualidade, permitindo que seja catalogada, identificada e reconhecida. Há doenças nas quais não se pode intervir, ou se intervém muito pouco, como as genéticas, assim como há aquelas que têm causas bem definidas e o tratamento é curativo, como as infecções bacterianas, virais ou fúngicas. Em algumas, há condições de intervir na disfunção de modo definido (reduzir ou eliminar o edema da insuficiência cardíaca, sem o restauro pleno da função), e em outras será necessária a participação (adesão) do paciente, como em modificações de hábitos de vida (cessação do tabagismo na doença pulmonar obstrutiva crônica, restrição de hidratos de carbono na dieta dos diabéticos, incentivo à atividade física nas doenças cardiovasculares, redução de peso na obesidade).

• Raciocínio diagnóstico Entende-se como diagnóstico clínico a identificação de uma entidade nosológica (doença), contemplando aspectos técnicos e operacionais necessários ao seu reconhecimento, posterior registro e catalogação junto ao serviço de documentação científica e ao Código Internacional de Doenças. Não é um processo estático, sendo permeado de componentes variados da pessoa quando enferma (aspectos emocionais, sociais e situacionais), razão pela qual alguns autores propõem a substituição do conceito de diagnóstico como objetivo da consulta por "processo de resolver problemas médicos" (Titton, 1988). O raciocínio clínico costuma ser mais baseado em probabilidades do que em certezas. E a probabilidade é o conceito segundo o qual o valor preditivo de um teste ou achado clínico depende não apenas de sua sensibilidade e especificidade, mas também da probabilidade prévia (ou seja, da prevalência da doença na população estudada) (ver Capítulo 3, Semiologia Baseada em Evidências e

Aspectos Quantitativos dos Exames Complementares). A resolução de um problema médico tem um ponto inicial claro e uma meta bem definida. A tarefa de resolver este problema (diagnóstico) consiste em achar o caminho entre estes dois pontos. O método científico de testar hipóteses procurando a alternativa que deixa a meta final mais próxima, em regra é o que deve ser aplicado. Pode ser centrado em sintomas quando seu conjunto é comparado com o grupo de doenças que os apresentam, formando um grupo reduzido de possibilidades. A identificação se aclara quando apenas uma doença se encaixa e permanece, justificando o quadro clínico apresentado. O método também pode ser centrado na doença, formulando-se a seguinte questão: o paciente tem a doença x? Conhecendo-se os sintomas reveladores, o arquétipo das entidades nosológicas e a respectiva história natural, é possível checar no paciente quais dados serão úteis para o diagnóstico. Grande parte deste processo é puramente mental, ou seja, os elementos analógicos (intuição) atuam de forma intensa com os lógicos (racionais) decorrentes da formação médica (cultura) e do aprendizado prático (habilidades e competências).

• Definição diagnóstica Os meios para a definição diagnóstica são: • Reconhecimento de um padrão no qual a inferência é intuitiva; o diagnóstico "fácil" do "já visto" - reconhecimento por Gestalt -, o famoso "olho clínico': muitas vezes fundamentado na narrativa. Por exemplo: o diagnóstico das doenças exantemáticas comuns - sarampo ou catapora - é

Parte 1 I Semiologia Geral

14









simples aos olhos de um pediatra, devido ao seu conhecimento, experiência, vivência e à frequência com que se depara com essas enfermidades Fluxograma com base em diretrizes, consensos, protocolos e guias - inferência dedutiva, na qual são identificados sinais e sintomas em uma árvore diagnóstica e são percorridos caminhos e etapas preestabelecidas, que convergem para um diagnóstico final. De grande valia para os serviços de pronto atendimento e úteis para médicos jovens que passam a ter uma parametrização confiável nas suas decisões Método da exaustão. A anamnese é esmiuçada e é feito um exame físico meticuloso na presunção de que a narrativa forneça pistas e elementos para que a doença em questão seja identificada e corroborada por este exame físico detalhado e sistematizado. É preciso lembrar que, neste processo, o "entorno" do problema principal é de grande valia: aspectos sociais (ambiente familiar, ambiente de trabalho), familiares (relações, conflitos), escala de valores e crenças Método hipotético-dedutivo, no qual são valorizados as queixas, sinais, sintomas e achados, e depois correlacionados com os conhecimentos de epidemiologia clínica que vão gerar hipóteses (impressões ou hipóteses diagnósticas). Na sequência, o raciocínio clínico possibilitará o diagnóstico final, por meio da comparação com modelos, peso de evidências e descarte de hipóteses não validadas Raciocínio fisiopatológico, com base na história e na evolução temporal do quadro clínico, valorizando as queixas, os sinais, os sintomas e os achados semiológicos e as suas modificações no decorrer do processo nosológico.

O médico experiente tende a limitar o número de hipóteses a ser testado. Três ajudas heurísticas contribuem para isso: • Evoque uma hipótese apenas se houver dados clínicos suficientes para isto • Quando o conjunto de dados gerar várias hipóteses, aplique as informações epidemiológicas sobre a frequência e a prevalência da doença em suspeição, analisando as mais frequentes e prevalentes antes de pensar nas raridades e exceçoes • Use testes discriminadores (exames complementares) entre as hipóteses que permaneceram, escolhendo os de maior acurácia e especificidade. Passada a fase silenciosa do diagnóstico na qual a mente do médico trabalha ativamente integrando dados, chega-se à fase operacional que consiste em explicar os fatos ao paciente, e em tomar decisões compartilhadas relativas à investigação complementar, à terapêutica (não farmacológica, farmacológica e cirúrgica) e ao prognóstico.

• Tipos de diagnósticos Desde os primórdios da medicina, procurou-se conhecer a natureza e as causas das enfermidades. Após sua fase mística ou religiosa, surgiu, com a civilização grega, a medicina empírica, na qual as doenças passaram a ser consideradas fenômenos naturais. O mais destacado representante desse período foi Hipócrates (460 a 355 a.C.), com justiça considerado o pai da medicina, por ter valorizado a observação clínica e feito da anamnese e do exame físico os fundamentos da prática médica. Desde então, com a observação cuidadosa dos enfermos, foi possível reconhecer muitas doenças por seus sintomas, sinais e por sua evolução, antes de conhecer suas causas. Surgiu, então,

a possibilidade do diagnóstico, ou seja, de reconhecer uma enfermidade por suas manifestações clínicas, bem como prever a sua evolução e seu prognóstico. O reconhecimento de uma doença por meio da anamnese e do exame físico constitui o diagnóstico clínico, o qual nem sempre é factível sem o auxílio de outros métodos semióticos. Muitas doenças cursam com grupo de sintomas e sinais indicativos de distúrbio funcional e relacionados entre si, por uma particularidade anatômica, fisiopatológica ou bioquímica, configurando uma síndrome. O reconhecimento desta constitui o diagnóstico sindrômico, muito útil na prática médica, pois, mesmo não identificando a doença, reduz o número de possibilidades e orienta as investigações que devem ser realizadas. Os distúrbios de cada sistema orgânico nos seres humanos são redutíveis a um número relativamente pequeno de síndromes. O raciocínio diagnóstico é muito facilitado quando um determinado problema clínico se enquadra em uma síndrome bem definida, pois assim apenas algumas poucas doenças deverão ser consideradas no diagnóstico diferencial. Quando a pesquisa da causa de uma doença não se enquadra em uma síndrome, definir o diagnóstico é muito mais difícil, pois pode ser necessário considerar um número muito amplo de doenças. Determinadas enfermidades provocam modificações anatômicas que podem ser identificadas no exame clínico, tornando possível o diagnóstico anatômico. Paralelamente a este, está o diagnóstico funcional ou fisiopatológico, que traduz o distúrbio da função do órgão atingido pela enfermidade e se expressa principalmente por sintomas. A era da medicina empírica foi sucedida pela medicina científica, cujo início pode situar-se no século 20. Os grandes progressos alcançados desde então possibilitaram outros métodos de diagnóstico. A descoberta dos microrganismos por Pasteur, o conhecimento mais aprofundado dos processos bioquímicas e metabólicos, a descoberta dos hormônios e das vitaminas e o desenvolvimento da imunologia, entre outras conquistas, ensejaram a identificação das causas de muitas doenças, tornando possível o diagnóstico etiológico. Ao mesmo tempo, o uso do microscópio no estudo dos tecidos permitiu o diagnóstico histopatológico das lesões. O exame a um só tempo macro e microscópico de peças cirúrgicas ou post mortem, englobando os diagnósticos anatômicos e histopatológicos, constitui o diagnóstico anatomopatológico. A utilização rotineira da radiografia e de outros métodos de imagem como auxiliar quase obrigatório do diagnóstico fez nascer o diagnóstico radiológico, tomográfico, ultrassonográfico e outros. Cada método novo de exame que vai sendo introduzido na prática médica conduz a novos métodos, e fala-se hoje, correntemente, em diagnóstico laboratorial, sorológico, eletrocardiográfico, endoscópico, e assim por diante. Quando o tratamento das doenças ainda era empírico e sintomático, a importância do diagnóstico era bem menor do que nos dias atuais, isto porque há procedimentos terapêuticos específicos para a maioria das enfermidades. Tornou-se necessário, então, um diagnóstico exato ou diagnóstico de certeza. O caminho a percorrer para chegar a este diagnóstico pode ser breve ou longo, dependendo da complexidade de cada caso. Quando o exame clínico de um paciente é realizado, são levantadas hipóteses diagnósticas que devem ser confirmadas ou afastadas após a realização de exames complementares, escolhidos de acordo com sua sensibilidade e especificidade. De posse de todos os elementos que podem auxiliar no raciocínio clínico, efetua-se o diagnóstico diferencial, que consiste na análise comparativa das várias enfermidades que podem

2

I DiagnósticoePrognóstico

apresentar quadro clínico semelhante, procurando-se eliminar sucessivamente as de menor probabilidade em face dos dados disponíveis. Definido por Harvey "como a arte de distinguir uma doença de outra, estabelecendo uma ou mais causas bem definidas para explicar as alterações apresentadas pelo paciente': o diagnóstico diferencial deve levar em conta as enfermidades prováveis em cada caso e não todas as possíveis causas de um ou mais sintomas apresentados pelo paciente. Chega-se, assim, ao diagnóstico mais provável ou, mesmo, ao diagnóstico de certeza. Quando o mesmo paciente apresenta mais de uma condição mórbida, considera-se como diagnóstico principal o referente a mais importante das afecções e como secundários os demais.

• Check-up, rastreamento ou screening Com as práticas de rastreamento e screnning (o famoso check-up) preconizadas pela medicina preventiva, levando-se em conta o potencial revelador dos métodos de imagens e exames laboratoriais, é possível ter frequentemente um achado incidental, sem significância clínica. De modo geral, são representadas por nosologias indolentes ou latentes, por vezes, sequelas antigas, que se tornam iatropatogênicas, causando insegurança, medo e ansiedade. Em algumas situações, estas perduram por anos seguidos até que sejam esclarecidas, como os achados de nódulos solitários no pulmão ou na tireoide, que exigem acompanhamento clínico, radiológico e, por vezes, procedimentos invasivos (punções, biopsias, endoscopias, cateterismos e outros), a doença de pequenos vasos cerebrais quando se realiza uma ressonância magnética cerebral e os cistos benignos em rins e fígado, que exigem acompanhamento médico, sem desdobramentos ulteriores. Tudo isso pode gerar procedimentos diagnósticos sobreponentes, custos desnecessários e desgaste emocional. Nestas situações, cabe ao médico assistente ter a habilidade e a capacidade de dar segurança ao seu paciente, de forma convincente e tranquilizadora e realizar o acompanhamento que se fizer necessário até que tudo seja esclarecido.

• Comprovação diagnóstica Na prática médica atual, torna-se imperioso que haja uma comprovação diagnóstica na etapa final do processo de se identificar uma doença. Isso é importante não apenas para o planejamento terapêutico, cada vez mais específico, mas também para fins periciais, como a perícia médica do INSS, a perícia securitária (indenizações, seguro de vida) e a perícia judicial (danos e lesões corporais traumáticas, mortes violentas). No âmbito restrito das ações judiciais contra o médico, sua principal defesa é um prontuário bem-feito, detalhado, incluindo os elementos comprobatórios. Na relação com o paciente e seus familiares, principalmente em situações com risco à vida ou de sequelas graves, nada melhor que uma investigação clínica rigorosa que culmine com um diagnóstico comprovado por métodos modernos. Por exemplo, boa parte das doenças infecciosas pode dispensar o diagnóstico etiológico. Em outras, não. Exemplo: a demonstração do BAAR (Mycobacterium tuberculosis) é praticamente obrigatória para firmar o diagnóstico de tuberculose, mesmo quando há lesões radiológicas ou tomográficas altamente sugestivas. Da mesma maneira, provas sorológicas são indispensáveis quando se levanta a possibilidade de AIDS.

15 Nas neoplasias benignas ou malignas, a demonstração em exames citológicos e/ou histopatológicos de células neoplásicas é condição essencial para comprovar o diagnóstico que será o ponto de partida no diálogo com o paciente e seus familiares, além de ser fundamental para que seja feita uma proposta terapêutica correta e seja possível considerar com maior probabilidade de acerto o prognóstico.

• Diagnóstico informatizado Desde os anos 1970, vêm sendo propostos sistemas de apoio diagnóstico a partir dos trabalhos de Shortliffe et al. que desenvolveram o programa MYCIN para diagnóstico e tratamento na área de infectologia. Estes sistemas são frutos da tecnologia da informação, um derivativo da inteligência artificial. Eles dependem mais da quantidade de conhecimentos neles depositados do que da capacidade de adquirir conhecimentos. Vários outros programas foram propostos e testados: Internist e sua variante QMR, que fu ncionam com reconhecimento de padrão associado a raciocínio probabilístico; o Consultor, o Iliad e o Dxplain tentam elaborar diagnóstico por escores que são atribuídos à relação entre os achados clínicos e as doenças. Todos foram testados comparativamente com as ferramentas clássicas de elaboração diagnóstica, concluindo-se que só deveriam ser usados por médicos capazes de identificar e utilizar informações relevantes e ignorar as irrelevantes, ficando reservados para ambientes de trabalho altamente controlados. É preciso entender que o computador ainda não pensa, e que, mesmo tendo um excelente banco de dados e programas que consigam associar informações, manipulações matemáticas e algoritmos, ainda há uma grande distância com relação a dispor de diagnósticos seguros elaborados por computadores. A perícia diagnóstica tratada em tópico anterior exige raciocínio lógico (racional) e abstrato, intuição (raciocínio analógico), experiência, vivência e as emoções que permeiam o grande encontro entre o médico e seu paciente, situação ímpar que os computadores não podem simular.

• Acertos e erros diagnósticos Se a busca do diagnóstico é o alvo de toda a ação dos médicos, qual seria a margem de acerto durante este processo? Vários estudos revelam que a margem de acertos depende da qualidade da anamnese, que responde por 80 a 85% deles. O exame físico contribui com 8 a 10%; sendo que os exames complementares colaboram com uma pequena parcela de acertos (Hampton et al., 1975). As dificuldades diagnósticas costumam ocorrer nas seguintes situações: • Doença em estágio inicial com poucas manifestações clí• mcas • Doença comum com apresentação atípica, o que é comum em idosos • Doença psiquiátrica • Doença mascarada (por intercorrências, automedicação, iatrogenias) • Ignorância médica (desconhecimento da doença). Pode-se classificar os erros diagnósticos não intencionais (diferentes dos erros cometidos por imperícia, imprudência ou negligência), também chamados de fatalidades da profissão médica, da seguinte maneira: • Ignorância ou desconhecimento da enfermidade e de sua história natural

Parte 1 I Semiologia Geral

16 • Anamnese inadequada, inconsistente, superficial ou desconexa • Semiotécnica inapropriada: o incompleta, apressada ou incorreta o más condições do exame: local inadequado, iluminação e conforto prejudicados o más condições "semiológicas,: paciente com sequelas, obeso mórbido etc. o pacientes não colaborativos, agressivos e agitados o valorização exagerada de detalhes • Má interpretação dos exames complementares ou valorização indevida • Solicitação irracional de exames complementares - compulsiva, sem a devida correlação com os achados clínicos e com o que se pretende evidenciar e documentar • Manipulação do médico pelos pacientes, pelo medo, pela mídia e pelo bolso: pacientes incisivos, que ameaçam ou chantageiam o médico ou, em alguns casos, profissionais que recebem polpudas comissões para solicitarem determinados exames (geralmente os da "moda,) sem necessidade ou indicação científica • Descompromisso com o seguimento clínico do paciente. Situação na qual o "conluio do anonimato': na feliz expressão de Balint, diluirá a responsabilidade do diagnóstico e do tratamento com múltiplos médicos, de variadas especialidades, múltiplas opiniões, sem que haja um coordenador de equipe e gerenciador dos trabalhos oferecidos, o verdadeiro "médico assistente'~

sas, dúvidas e esperanças vãs, é necessário extrema cautela ao se fazer o prognóstico. Pode ser balizado por meio de algoritmos, como a escala de Framingham para avaliar fatores de risco cardiovasculares (idade, sexo, índice de massa corporal, antecedentes, índices laboratoriais, pressão arterial), inferindo a probabilidade de se predizer percentualmente o risco de ocorrência de um evento em um determinado período de tempo. Além da comprovação diagnóstica, a avaliação prognóstica é indispensável na medicina do trabalho e na perícia médica (institutos de seguridade social como o INSS), pois é por meio do prognóstico que se quantifica o prêmio a ser pago em perícia securitária e em medicina legal no contexto da perícia judiciária Exemplo significante do valor do prognóstico é quando o médico está frente a um portador de doença terminal (neoplásica ou crônica-degenerativa, por exemplo), momento em que os familiares e responsáveis pelo enfermo solicitam informações quanto ao tempo de vida restante a fim de dar tratativas a diversos procedimentos (aviso quanto ao tempo de vida restante aos parentes; preparo e/ou traslado do corpo, providências quanto aos desejos firmados em vida como a cremação). Nestes casos, os médicos se valem do conhecimento da história natural da enfermidade e dos sinais premonitórios de morte (instabilidade hemodinâmica, arritmias respiratórias, falência progressiva de órgãos, decatexia, inquietação, diaforese, cianose intensa, oligoanúria, icterícia progressiva e torpor). A mesma importância se aplica ao processo de doação de órgãos no qual a definição prognóstica quanto à finitude da vida desencadeia vários processos relacionados com a captação e a seleção de receptores.

.... Prognóstico O prognóstico (do grego pro =para diante, gnosis =conhecimento, ou seja, prever pelo conhecimento) enseja desafios ao médico. Apesar de ser importante conhecer a história natural das enfermidades para se prever a evolução das mesmas e suas possíveis consequências e as comorbidades que gravitam em torno do diagnóstico principal, estimando as probabilidades para as principais intercorrências às quais o paciente está sujeito, estes elementos não bastam por si sós para um prognóstico preciso. O prognóstico pode ser determinado no que se refere à vida, à validez (incapacidade temporária ou permanente e invalidez) e ao restabelecimento (cura) do paciente. Ele é fruto de um exercício acurado de conhecimentos, vivências, experiências, além dos dados fisiopatológicos e probabilísticos, uma vez que cada indivíduo tem a sua singularidade, suas reservas, seus instrumentos de reação frente à adversidade e suas crenças e fantasias. Devido ao acesso rápido à internet e à mídia, e à democratização dos conhecimentos que alimentam o paciente e seus familiares de falsas promes-

..,. Bibliografia Cutler P. Como solucionar problemas em clínica médica. 3• ed. Guanabara Koogan, 1999. Cap. 2. Fletcher RH, Fletcher SW. Clinicai epidemiology: a new discipline for an old art Ann Inter Med. 1983; 99(3):401-03. Hampton JR et ai. Relative contributions ofhistory-taking, physicai examination and laboratory investigation and management of medicai outpatients. Brit Med J. 1975; 2: 486-9. Harvey AM, Borddley J. Diferentiai diagnosis. 2nd ed. Philadelphia: WD Saunders, 1971. p. 1-18. Kloetzel K. O diagnóstico clinico: estratégias e táticas. In: Duncan B, Schmidt Ml, Giugliani ERJ. Medicina ambulatorial: condutas de atenção primária baseadas em evidências. Porto Alegre: Artmed, 2004. p. 131-42. Porto CC, Porto AL. Exame clinico: bases para a prática médica. 6• ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2008. Rodrigues PMM. Lógica diagnóstica. Ceará Médico. 1981; 3:371-2. Sackett DL, Rennie D. lhe science of the art of clinicai exarnination. JAMA. 1992; 267: 250-2. Shortliffe EH. Computer-based medicai consultation: Mycin. Arnsterdan: Elsevier Scientific Publ.,l976. Titton JA. A consulta médica: análise dos elementos que a compõem. Scientia et Labor - UFPR, 1988.

3 em Evidências e Aspectos uantitativos dos Exames Complementares Anete Trajman, Nelson Spector, Celmo Celeno Porto e Mario Monjardim Castello Branco

..., Medicina baseada em evidências Os avanços da ciência e a democratização da informação trazida pelo desenvolvimento e pelo acesso quase universal à informática mudaram profundamente a prática médica na segunda metade do século 20. O que antes disso se baseava quase que exclusivamente na experiência profissional e na relação médico-paciente passou a incorporar a evidência científica como parte dos fundamentos para a decisão da melhor conduta médica. Atualmente, para exercer a medicina de maneira apropriada, o médico precisa compreender como as evidências são produzidas e analisar criticamente a profícua literatura publicada diariamente sobre os fatores de risco para desenvolvimento das doenças, os novos métodos diagnósticos e as propostas terapêuticas e profiláticas. Isso requer o domínio das ferramentas desenvolvidas pela epidemiologia clínica. Após dominá-las, o médico entenderá as circunstâncias nas quais um teste diagnóstico novo poderá ajudar em relação aos métodos mais tradicionais, bem como quando e o quanto o seu paciente poderá se beneficiar de um novo tratamento. Nem todas as evidências científicas são produzidas com o mesmo rigor metodológico, e, por isso, não têm o mesmo poder de convencimento. As recomendações baseadas em evidências são graduadas de acordo com a qualidade (ou força) da evidência. As metanálises, que sumarizam resultados de vários estudos de boa qualidade em uma única medida, são as de maior força de evidência e resultam em maior grau de recomendação. São seguidas, por força da evidência, dos ensaios clínicos randomizados duplos-cegos (ou seja, nem os pacientes alocados aleatoriamente nos diferentes grupos de inter-

venção nem os cuidadores conhecem a intervenção à qual o sujeito do estudo está submetido), dos estudos randomizados não mascarados, dos estudos não randomizados, dos estudos caso-controle (aqueles nos quais a análise é feita a partir do desfecho), dos estudos não controlados e, finalmente, das descrições de uma série ou de um único caso, que apresentam menor força de evidência. Frequentemente, estudos de menor força de evidência são plenamente justificáveis, como nas doenças pouco prevalentes nas quais as grandes coortes prospectivas não são factíveis ou muito dispendiosas, ou nos casos em que o desfecho estudado só aparece a longo prazo, o que tornaria os estudos muito demorados. Os médicos devem utilizar as melhores evidências disponíveis para a tomada de decisões. Esta nova maneira de ver e praticar a medicina recebeu a denominação de medicina baseada em evidências (MBE), movimento ainda em expansão, mas já com influência significativa na abordagem do processo saúde-doença.

..., Semiologia baseada em evidências Como subproduto deste movimento, surgiram propostas para se aplicarem técnicas estatísticas a fim de avaliar os sinais e sintomas relatados pelos pacientes. Entre estas destacou-se o manual Evidence-based physical diagnosis, de Steven McGee, da Escola de Medicina da Universidade de Washington, cuja primeira edição é de 2000 e a segunda, 2007. A proposta básica de McGee foi definir a sensibilidade e a especificidade dos dados obtidos no exame físico, assim como o poder discriminatório deles para aventar hipóteses diagnósticas. Contudo, as técnicas estatísticas disponíveis não são adequadas para isso, pois, ao contrário dos testes diagnósticos, não é possível padronizar as manifestações clínicas das doenças. Isso ocorre porque as doenças podem ser semelhantes, mas os pacientes nunca são exatamente iguais. O raciocínio diagnóstico exige que a interpretação do significado dos sinais e sintomas seja feita no contexto de cada paciente. Quando raciocinamos com dois ou mais sintomas, situação habitual na prática médica, a "sensibilidade" e a "especificidade" dos sinais e sintomas podem ser completamente diferentes quando comparadas com o poder discriminatório de cada um deles analisados separadamente. Podem-se usar como exemplo os diferentes significados que a febre pode ter quando é considerada isoladamente e quando está associada a outros sintomas. As combinações são tantas que se torna praticamente impossível definir "sensibilidade" e "especificidade" em todas elas. Fica evidente, então, a principal qualidade do método clínico, ou seja, sua extrema "flexibilidade".

..., Exames complementares No que se refere aos testes diagnósticos, o exercício da medicina baseada em evidências requer a compreensão de como um novo teste diagnóstico se enquadra na investigação do paciente, de como contribui para seu bem-estar e se a evidência foi produzida de forma confiável. Para isso, ao ler um artigo sobre um novo teste diagnóstico, o profissional de saúde deve ter algumas questões em mente, tais como: (1) os resultados do novo teste foram analisados de forma cega em relação ao padrão-ouro (melhor teste disponível no momento)?;

18 (2) todos os pacientes do estudo foram submetidos de modo

independente aos dois testes (padrão-ouro e novo teste, independentemente do resultado do outro)?; (3) essas duas análises mostrarão se os resultados são válidos? Para analisar quais são os resultados, o médico deverá compreender os indicadores de eficácia de um teste diagnóstico, que são: acurácia, sensibilidade, especificidade, valores preditivos e razão de verossimilhança. Finalmente, para entender como a nova tecnologia poderá ajudar na investigação do seu paciente, o médico deverá considerar se aquele teste está disponível para seu paciente, se é custo-efetivo e se o paciente, de fato, se beneficiará da realização do teste. Esses indicadores são fundamentais tanto para a decisão de quais exames solicitar quanto para a correta interpretação deles.

• Probabilidade pré-teste Os exames complementares precisam ser integrados corretamente ao exame clínico e as seguintes questões devem ser analisadas: • De que modo o contexto clínico pode influenciar a interpretação dos resultados de um teste diagnóstico? • Como podemos estimar a capacidade de um exame para excluir ou estabelecer um diagnóstico? • Que fatores devem condicionar a decisão de solicitar um exame complementar? Diante de uma lista de sintomas e sinais, algumas hipóteses diagnósticas se delineiam na mente do médico. A probabilidade da existência da doença suspeitada depende inicialmente da prevalência dessa doença na população à qual pertence o paciente. Essa prevalência é então ajustada, para cima ou para baixo, no paciente em questão, em funç.ão dos dados coletados na anamnese e no exame físico, tais como idade, sexo, cor e existência ou ausência de elementos clínicos frequentes na entidade nosológica que está sendo considerada. Os clínicos referem-se a essa avaliação como índice de suspeita de um determinado diagnóstico, denominando-a probabilidade pré-teste, já que caracteriza uma estimativa da probabilidade de existência de uma doença antes da realização de um teste diagnóstico. A título de exemplo, imagine uma paciente com 27 anos, sem antecedentes médicos importantes, que nega tabagismo ou uso de anticoncepcionais orais e que procura o cardiologista com queixa de dor retroestemallocalizada, com duração de 2 dias, sem relação com o esforço e sem melhora com o repouso. A dor teve início após uma discussão com o marido. A probabilidade de doença coronariana nessa paciente é muito baixa. A informação acrescida por um eletrocardiograma normal tem um valor relativamente modesto, uma vez que não pode reduzir muito a probabilidade pré-teste, que já é muito baixa. Por outro lado, se o ECG revelar alterações da repolarização, é mais razoável pensar que sejam devidas à hiperventilação gerada pela ansiedade do que à isquemia miocárdica. Assim, um ECG alterado nesta paciente também pouco modifica a probabilidade pré-teste de doença coronariana. Outro exemplo é um homem de 60 anos, sedentário, tabagista, diabético, com hipertensão arterial há 12 anos, que recorre ao pronto-socorro com dor retroesternal. A dor é constritiva, mal localizada, aparece aos esforços e cede após dois a três minutos de repouso. Nesse caso, a probabilidade de doença coronariana é muito elevada. Um ECG com alterações da repolarização aumentaria esta probabilidade, mas o ganho

Parte 1 I Semiologia Geral com o exame seria pequeno, pois a probabilidade pré-teste já é muito alta. Podemos concluir que um mesmo resultado de exame será interpretado de maneira diferente em pacientes diferentes. A interpretação dependerá essencialmente da probabilidade pré-teste, ou seja, da impressão diagnóstica do médico antes da realização dos testes diagnósticos. Com efeito, estes testes são mais úteis nas situações clínicas nas quais a probabilidade pré-teste não é muito alta nem muito baixa. Se no exemplo citado o paciente não apresentasse fatores de risco para doença coronariana, a probabilidade pré-teste seria menor e um resultado positivo ou negativo do ECG contribuiria de maneira mais decisiva para fortalecer ou enfraquecer a hipótese de angina de peito. Em suma, o resultado de um teste diagnóstico, seja exame clínico, laboratorial ou de imagem, fornece uma nova informação que é acrescida à probabilidade pré-teste. Naturalmente, a hipótese toma-se mais provável se o teste for positivo para a doença em questão. A probabilidade pós-teste depende da pré-teste e das características operacionais intrínsecas de cada exame, o que será discutido a seguir.

• Desempenho dos testes diagnósticos Não existem testes diagnósticos perfeitos. Exames diferentes apresentam características operacionais diversas. O ECG não é um excelente exame para a definição de insuficiência coronariana, pois há muitos resultados falso-positivos e falso- negativos, a não ser nos casos de infarto agudo do miocárdio. Nos exemplos citados anteriormente, se o ECG do paciente diabético e hipertenso for normal, é muito possível que se trate de um resultado falso- negativo, pois o ECG é feito em repouso, e é sabido que a isquemia miocárdica resulta de um desequilibrio entre a oferta e a demanda de oxigênio precipitado pelo esforço físico. Por outro lado, as alterações da repolarização na paciente jovem podem ser, como já foi dito, um resultado falso-positivo. As vantagens do ECG são o baixo custo e a alta disponibilidade. Entretanto, para o diagnóstico da angina de peito, o teste ergométrico (ECG registrado durante o esforço) é mais "acurado': e a angiocoronariografia pode confirmar a suspeita se lesões obstrutivas nas coronárias forem identificadas. A acurácia é definida pela capacidade de acerto de um teste ser positivo (anormal) quando a doença existe e ser negativo (normal) quando a doença inexiste. Para determinar a acurácia de um teste, é preciso compará-lo com outro procedimento diagnóstico mais preciso que servirá como referencial, o chamado padrão-ouro. Esse padrão-ouro pode ser a necropsia, um procedimento cirúrgico ou um procedimento diagnóstico mais complexo. No exemplo anterior, a angiocoronariografia pode servir de padrão-ouro para o ECG e para o teste ergométrico. O estudante poderá se perguntar: se há um exame de acurácia mais alta, por que alguém escolheria outro com acurácia inferior? Ocorre que a escolha de um exame não é determinada somente pela sua precisão, mas por uma série de fatores relacionados com o seu custo - custo financeiro e relação risco/benefício ou custo/efetividade. É mais razoável começar a avaliação de pacientes com dor torácica por um ECG do que submeter todos com este sintoma a uma angiocoronariografia, visto que este é um exame dispendioso, que consome preciosos recursos materiais e humanos e de natureza invasiva, pois requer a introdução de um cateter e de contraste intra-arterial. Naturalmente, o padrão-ouro também é imperfeito (todo teste pode apresentar resultados falso-positivos e falso-negati-

3

I Semiologia Baseada em Evidências eAspectos Quantitativos dos Exames Complementares

vos), o que traz limitações. O Quadro 3.1 mostra as possibilidades de resultados dos testes diagnósticos, quando comparados ao padrão-ouro. A acurácia do teste é a porcentagem de resultados verdadeiros (a+ d) sobre o total de resultados (a + b + c + d). O exame cuidadoso do quadro também facilita a compreensão das duas principais características operacionais de um teste: a sensibilidade e a especificidade. Sensibilidade é o número de vezes em que um teste é positivo quando há a doença (a/a+ b), ou seja, é a capacidade de detectá-la quando ela está presente. Especificidade é o número de vezes em que um teste é negativo na ausência da doença (d/b + d), o que significa a capacidade do teste de confirmá-la. A sensibilidade e a especificidade são características inerentes ao teste em uma determinada população (i. e., admitindo uma prevalência fixa). Testes muito sensíveis são mais úteis quando o seu resultado é negativo; por outro lado, os testes muito específicos são mais úteis quando o seu resultado é positivo, como será ilustrado a seguir. Por exemplo, há uma mulher de 70 anos com queixas articulares. Entre as possibilidades diagnósticas, está o lúpus eritematoso sistêmico (LES), doença autoimune que acomete principalmente mulheres e cujas manifestações clínicas, em geral, se iniciam na idade reprodutiva. Um exame muito utilizado na avaliação dessa condição clínica é a pesquisa de anticorpo antinuclear (ANA). Ao solicitar o ANA para esta paciente, o médico deve se fazer algumas perguntas: (1) antes do teste, qual é a probabilidade deste diagnóstico?; (2) se a paciente tem LES, qual a probabilidade de o ANA ser positivo (em outras palavras, qual é a sensibilidade do teste)?; (3) se a paciente tem, na verdade, osteoartrite, uma doença degenerativa das articulações comum em idosos, ou outro diagnóstico diferente de LES, qual a probabilidade de o ANA ser negativo (i. e., qual é a especificidade do teste)? As características operacionais do anticorpo antinuclear são: sensibilidade muito elevada, aproximadamente 98%, e especificidade de apenas 50%. Vale ressaltar que este anticorpo pode estar presente em outras doenças autoimunes, em infecções virais, em processos inflamatórios crônicos e mesmo em indivíduos normais. A sua frequência aumenta com a idade, e alguns medicamentos podem induzir à sua formação. Portanto, o ANA negativo excluiria LES virtualmente, enquanto o ANA positivo tornaria a hipótese mais provável, embora ainda a confirmação ainda fosse necessária. Outro teste sérico para o LES, o anti-Sm, pode ser usado para esta confirmação. O anti-Sm é muito mais específico do que o ANA, mas está presente em apenas cerca de 30% dos pacientes com LES. Quando positivo, é muito útil para confirmar LES. Mas encontrá-lo negativo não exclui o diagnóstico, pois a chance de um anti-Sm negativo em pacientes com LES é de aproximadamente 70%. Pode-se ver que testes com alta sensibilidade são usados para o rastreamento das doenças e os de alta especificidade,

Quadro3.1

Desempenho dos testes diagnósticos. Padrão-ouro

Teste

Doença presente

Doença ausente

Positivo Negativo

Verdadeiro-positivo (a) Falso-negativo (c)

Falso-positivo (b) Verdadeiro-negativo (d)

19

para confirmar a doença. Vejamos o exemplo do VDRL (venereal disease research laboratories), um teste sorológico para sífilis, com alta sensibilidade, utilizado para o rastreamento desta doença. O VDRL pode estar falsamente positivo em mulheres grávidas, em pacientes com malária, hanseníase, doenças autoimunes e outras condições não relacionadas com a sífilis. Quando o VDRL é positivo, utiliza-se o FTA-Abs, um exame que detecta o antígeno treponêmico e é, portanto, altamente específico para confirmar se o VDRL positivo é verdadeiro ou falso-positivo. A sensibilidade e a especificidade de um teste estão intimamente relacionadas. Quando uma aumenta, a outra diminui. A definição dos valores normais de um teste influencia a sua sensibilidade e especificidade. Um exemplo recente deste fato é a definição de diabetes melito. O valor normal da glicemia de jejum é de até 100 mg/df. A OMS considerava até recentemente que o valor de corte da glicemia de jejum para o diagnóstico de diabetes melito era de 140 mg/ d.e (duas aferições acima desse valor são necessárias para o diagnóstico definitivo). Recentemente, entretanto, esse valor foi reduzido para 126 mg/df no plasma (no sangue total, o valor de corte para a definição de diabetes é glicemia > 110 mg/df ). Com esse novo valor, a sensibilidade do teste aumentou, e mais indivíduos agora são considerados portadores de diabetes melito. A especificidade, no entanto, decresceu, e é mais provável que seja feito o diagnóstico de diabetes em um indivíduo que tem a glicemia maior que a média da população, mas tem poucas chances de desenvolver as complicações da doença. Neste caso, as implicações são mais epidemiológicas (aumentou a prevalência de diabetes) do que clínicas, pois qualquer que seja o valor encontrado, 126 ou 140 mg/d.e, a recomendação será a mesma: dieta e exercício. Para outros testes, entretanto, as implicações podem ser mais sérias. Vemos então que um teste diagnóstico pode ser anormal (ou positivo) ou normal (ou negativo) em pessoas doentes e não doentes. Outro conceito que então ganha importância é a razão de verossimilhança. A pergunta clínica que está por trás desta razão é: quantas vezes é mais provável que um teste seja positivo em um indivíduo doente do que em um indivíduo sem a doença? Essa é a razão de verossimilhança positiva, definida pela sensibilidade/(! - especificidade). Quanto maior a razão de verossimilhança positiva, melhor a capacidade do teste de discriminar doentes e não doentes, que é o que o médico necessita, em última instância. A razão de verossimilhança negativa é definida como a probabilidade de o teste ser negativo em pessoas saudáveis e é calculada como especificidade/(! sensibilidade).

• Valor preditivo dos testes Tendo em vista a imperfeição dos testes diagnósticos, a questão prática que se coloca é: diante de um resultado positivo (ou negativo), qual é a probabilidade de a doença estar presente (ou ausente)? A resposta está em uma avaliação conjunta da probabilidade pré-teste e das características operacionais de cada teste solicitado. A interpretação dos resultados não depende exclusivamente da sensibilidade e especificidade. Depende também da prevalência da doença em uma população de indivíduos com características clínicas semelhantes às do paciente estudado. Um ECG tem maior probabilidade de ser falso-positivo em um cidadão brasileiro testado ao acaso do que em um cidadão brasileiro com 60 anos, diabético, hipertenso e sedentário. Percebe-se novamente que o contexto clínico é fundamental

Parte 1 I Semiologia Geral

20 para a correta interpretação dos testes diagnósticos. Assim, surgem os conceitos de valores preditivos positivo e negativo, que também podem ser quantificados com o auxilio do quadro do padrão-ouro. O valor preditivo positivo de um teste em uma determinada população é a probabilidade de haver doença diante de um resultado positivo. No Quadro 3.1, o valor preditivo positivo corresponde a a/a + b. O valor preditivo negativo é a probabilidade de não haver doença diante de um resultado negativo, e é calculado no como d/d +c. Observe que para determinar a sensibilidade e a especificidade de um teste é necessário compará-lo a um padrão-ouro. Já o valor preditivo é a interpretação do resultado de um exame à luz da probabilidade pré-teste e da sensibilidade e especificidade já conhecidas deste exame. Para entendermos melhor, imagine que uma pessoa receba um resultado positivo de um teste sorológico anti-HIV. A sensibilidade do ensaio imunoenzimático (ELISA) anti-HIV é superior a 99,5% quando se utilizam dois antígenos diferentes na mesma amostra de soro, como recomendam as normas atuais. O ELISA é, portanto, utilizado para o rastreamento da infecção pelo HIV. Já a especificidade dos testes ELISA anti-HIV mais recentes, embora alta, ainda está longe do ideal. Os estudos de prevalência iniciais em populações de baixo risco de infecção pelo HIV, tais como os doadores de sangue, mostraram que apenas 13% dos indivíduos testados que apresentavam um resultado positivo eram realmente portadores do vírus. Isto equivale a dizer que o valor preditivo positivo do teste ELISA em indivíduos assintomáticos era de 13%. Resultados falso-positivos, mesmo com os testes mais recentes, podem ocorrer devido a doenças hepáticas, vacinação anti-influenza, doenças autoimunes e em mulheres multíparas. Em vista do baixo valor preditivo positivo do teste em indivíduos assintomáticos e das sérias implicações de seu resultado, um teste ELISA anti-HIV positivo deve ser sempre confirmado por outro teste com maior especificidade, como o western-blot. Embora o teste confirmatório seja recomendado em todas as situações, em indivíduos com características clínicas sugestivas de imunodepressão (infecções oportunistas, níveis baixos de linfócitos CD4+ ), o valor preditivo de um teste ELISA é muito mais elevado. Por outro lado, o valor preditivo negativo de um teste ELISA negativo em indivíduos assintomáticos é muito alto. A menos que haja uma razão para se suspeitar de infecção pre-

coce (exposição ao vírus nos últimos 3 meses), nenhum outro teste é necessário para excluir a infecção pelo HIV. Mais uma vez, o mesmo resultado de exame pode ser interpretado de modo diferente em indivíduos diferentes.

..., Interpretação dos resultados dos exames complementares A interpretação dos resultados dos exames complementares requer uma abordagem clínica meticulosa, fundamentada no método clínico. A formulação das hipóteses diagnósticas iniciais baseia-se na anamnese detalhada e nos achados do exame físico. O conhecimento da prevalência da doença se somará aos dados coletados na anamnese e no exame físico para uma estimativa da probabilidade pré-teste. A integração desses dados com as noções de sensibilidade, especificidade, razão, verossimilhança e dos valores preditivos dos testes solicitados resultará na interpretação final correta dos resultados. A anamnese e o exame físico não podem ser substituídos pela realização indiscriminada de exames complementares, uma vez que os seus resultados só podem ser interpretados à luz do quadro clínico do paciente. A própria decisão de solicitar um exame complementar deve estar fundamentada em diversos elementos: uma definição clara daquilo que se deseja obter do exame, uma estimativa da capacidade do exame de fornecer esta resposta com um alto grau de acurácia e uma avaliação dos custos financeiros e da relação risco/benefício do exame em consideração.

. . , Bibliografia Heneghan C, Badenoch D. Ferramentas para medicina baseada em evidências. 2a ed. Porto Alegre: Editora Artmed, 2007. Greenhalgh T. How to read a paper: the basics o f evidence-based medicine. 4th ed. West Susswx., UK: Wiley-Blackwell, 2010. McGee S. Evi.dence-based physical diagnosis. 2nd ed. St Louis, Mo: Saunders, 2007. Sackett DL, Dr SESM, Dr WSRM, Rosenberg W, Dr RBHM. Evi.dence-based medicine: how to practice and teach EBM. 2nd ed. Edinburgh: Churchill Livingstone, 2000.

4

Relação Médico-Paciente Celmo Ce/eno Porto, Rita Francis Gonzalezy Rodrigues Branco, Gabriela Cunha Fialho Cantare/li eAna Maria de Oliveira

Tão importante quanto conhecer a doença que o homem tem é conhecer o homem que tem a doença. (Osler)

O encontro entre o paciente e o médico desperta uma grande variedade de sentimentos e emoções, configurando uma relação humana especial, designada, através dos tempos, como relação médico-paciente. Contudo, esta não é uma relação habitual, comum, pois em seu bojo está inserida uma grande carga de angústia, medo, incerteza, amor, ódio, insegurança, confiança, que determina uma relação dialética entre o ser doente e aquele que lhe oferece ajuda. Nos dias atuais, o médico se encontra muitas vezes com pessoas saudáveis devido à necessidade de promoção de saúde ou de prevenção de doenças. Embora esta não seja uma relação estabelecida com uma pessoa doente, com dor e medo da morte, o simples fato de estar diante de um médico pode causar uma movimentação, dentro do paciente, de questões de ordem emocional capazes de provocar certa regressão e fragilização do assim chamado "paciente". O estudo desse relacionamento deve partir das seguintes . prem1ssas: • A relação médico-paciente constitui a parte fundamental da prática médica, devendo ser foco de atenção e estudo a partir do momento em que o estudante encontra-se com seu primeiro paciente, permanecendo assim durante toda a sua vida profissional • O exame clínico, especialmente a anamnese, continua sendo o elemento principal do tripé no qual se apoia a medicina moderna. Os outros dois componentes são os exames laboratoriais e os equipamentos que produzem valores, traçados e imagens dos órgãos • Para se entender o relacionamento com os pacientes, é necessário adquirir uma boa compreensão dos mecanismos psicodinâmicos envolvidos neste processo • A aprendizagem da relação médico-paciente está intimamente interligada à aprendizagem do método clínico e ambas dependem de treinamento prolongado, sempre sob supervisão • É indispensável a aquisição de conhecimentos básicos das Humanidades (filosofia, antropologia, psicologia, sociologia e outras), pois a relação médico-paciente ultrapassa o âmbito dos fenômenos biológicos, dentro do qual se costuma aprisionar a profissão médica.

A experiência demonstra que um aprendizado correto do exame clínico é importante para o paciente, mesmo que o estudante não saiba prescrever medicamentos ou realizar cirurgias. Isso ocorre porque sua presença ao lado do paciente pode ter ação terapêutica, tal qual a do médico. Importante compreender que cultivar os princípios bioéticos e as virtudes morais é indissociável do exame clínico e faz parte da relação médico-paciente.

...- Relação médico-paciente e princípios bioéticos Ao pensar a relação entre o estudante de medicina (ou o médico) e seu paciente, é preciso levar em consideração as referências bioéticas, especialmente as originadas pela Teoria Principialista proposta por Beauchamp e Chidress. Dessa maneira, a beneficência (buscar fazer sempre o bem para o paciente), a não maleficência (não fazer nada de mal ao paciente) e a justiça (fazer sempre o que é justo ao paciente) são inerentes ao ato médico. Além desses princípios, a bioética principialista acrescentou o respeito à autonomia, que possibilita que o paciente decida sobre o tratamento, aceitando-o ou não, depois do devido esclarecimento. Atualmente, entre os vários fatores que ratificam a aplicação dos princípios bioéticos na prática médica estão o rápido crescimento dos conhecimentos científicos e os avanços tecnológicos, bem como as novas modalidades de organização na prestação de serviços médicos. São situações novas que vêm modificando condutas cultivadas desde os primórdios da medicina. No lugar do paternalismo ou do autoritarismo, caracterizado por os médicos fazerem escolhas para os pacientes de acordo com seus valores profissionais, surge um relacionamento mais igualitário, que resulta, muitas vezes, em decisão compartilhada. O processo pelo qual os médicos e os pacientes tomam decisões juntos é chamado de consentimento informado e é fruto do princípio da autonomia. Além disso, uma nova regra consta da Resolução 1.995, aprovada pelo plenário do Conselho Federal de Medicina (CFM) e publicada no Diário Oficial da União em 31 de agosto de 2012: os pacientes poderão registrar em prontuário a quais procedimentos querem ser submetidos. Assim, o paciente que optar pelo registro de sua diretiva antecipada de vontade poderá definir, com a ajuda de seu médico, os procedimentos considerados pertinentes e aqueles aos quais não quer ser submetido em caso de terminalidade da vida, por doença crônico-degenerativa. Os detalhes sobre ventilação mecânica, procedimentos invasivos dolorosos ou extenuantes ou mesmo a reanimação em caso de parada cardiorrespiratória devem ser estabelecidos na relação médico-paciente, com registro formal em prontuário. Pode-se dizer que o respeito pela autonomia do paciente como ser humano e cidadão é, hoje, o núcleo central do relacionamento médico-paciente. Ainda em relação aos princípios bioéticos, a beneficência e a não maleficência são perfeitamente compreensíveis na prática clínica, seja na dimensão puramente técnica ou na relaciona!. No entanto, a ideia de justiça em bioética não é, igualmente, de fácil compreensão ou aplicação, uma vez que implica considerar princípios de justiça social no acesso à saúde, bem como no atendimento ao paciente. Para Beauchamp e Chidress, a justiça é entendida como "justiça distributiva"

22 a qual se relaciona com uma distribuição igual, equitativa e apropriada na sociedade. A justiça deve ser apreendida como uma atitude fundamental ao atendimento médico. Ao examinar o paciente, o profissional precisa levar em conta o gênero, a cor, as questões morais, sociais e, em alguns casos, a opção religiosa deste. É imprescindível que esses fatores, determinantes para o diagnóstico, não sejam tomados como elementos para discriminar o paciente. Tratá-lo com justiça é, portanto, exercício necessário para garantir a atitude ética do futuro médico e, sobretudo, possibilitar que o estudante respeite a dignidade humana pautada nos direitos humanos. A justiça é o pilar da equidade, e esta torna-se base do atendimento médico. Embora a palavra equidade, do ponto de vista etimológico, se aproxime de igualdade, há um dado primordial que as diferencia. De fato, idealmente, todos os pacientes deveriam ser atendidos de maneira igual se as pessoas fossem iguais. No entanto, elas não são iguais nem anatômica nem fisiologicamente em função do sexo, idade e das predisposições relacionadas com a cor e a etnia. Além disso, é sabido que a desigualdade social também atua como fator predisponente ao adoecimento (determinantes sociais). Por isso, a equidade é hoje conceitualmente vista como "tratar de forma desigual os desiguais" na tentativa de oferecer oportunidades semelhantes a toda a sociedade. Embora este conceito seja frequentemente discutido enquanto se analisa a saúde pública (SUS) pelo fato de ser um de seus princípios doutrinários, tal valor deve fazer parte do atendimento ao paciente em qualquer tipo de acesso: público ou privado, mediado ou não por seguros saúde ou cooperativas médicas. Além desses princípios bioéticos, outros valores se tornam cada vez mais necessários no cotidiano profissional, como o respeito à alteridade (respeitar a diferença no outro) e o sigilo (respeitar o segredo sobre as informações do paciente). Alteridade, hoje, é descrita como valor bioético fundamental, pois estudante e médico precisam respeitar o outro em sua diversidade. Se não é possível excluir ou discriminar o outro pela sua diferença, também não se pode igualar a todos, ignorando-se a diversidade humana que estabelece grande riqueza de possibilidades de estar-no-mundo-vivido. Ações afirmativas como o movimento GLS (gays, lésbicas e simpatizantes), por exemplo, têm chamado a atenção da sociedade para o respeito à alteridade. Um bom exemplo dentro do SUS é a Política Nacional da Saúde Integral da População Negra, instituída em fevereiro de 2007, que dá aos profissionais de saúde uma ferramenta para abordagem ao paciente negro de acordo com sua alteridade. O sigilo deve ser desenvolvido desde o início do curso de medicina orientando-se os estudantes a não conversarem sobre os casos dos pacientes com familiares, namorados, amigos na cantina da faculdade ou mesmo em reuniões sociais. Os estudantes não deverão expor os pacientes nas redes sociais, ainda que a alegria de ter conduzido bem um caso faça com que sintam uma necessidade narcísica de socializar seus feitos. Casos clínicos, quando discutidos em sessões específicas, devem preservar o sigilo mediante artifícios como usar apenas as iniciais em lugar do nome ou, mesmo, evitar dados que permitam identificar o paciente. É preciso lembrar sempre que, em uma discussão de caso clínico, todos os profissionais participantes estão submetidos ao dever do sigilo. A necessidade de prevenção contra possíveis demandas judiciais envolvendo atos médicos é um importante aspecto que também justifica o ensino-aprendizagem dos princípios bioéticos. A boa relação médico-paciente é por si só uma ati-

Parte 1 I Semiologia Geral tude preventiva, que evita mal-entendidos que possam evoluir para situações muito desagradáveis e desgastantes para o médico. O ser humano não nasce ético, nem antiético; nasce aético. A ética é apreendida no curso do desenvolvimento, vinda do bojo do processo de humanização pelo qual todo indivíduo passará ao longo de sua vida. É adquirida com o desenvolvimento biológico, psíquico e social. A ética médica é uma condição subjetiva, afetiva e cognitiva que o indivíduo irá adquirir ao longo de sua vida desde o período de estudante até a vida profissional, mais do que a condição objetiva que o diploma de médico lhe confere. A ética depende da moral e pressupõe uma construção individual, apreendendo valores e atitudes como algo transformado pelos pensamentos e conscientizado na ação. A bioética da relação médico-paciente - ou bioética clínica, como alguns bioeticistas preferem denominar - constitui, provavelmente, a parte mais complexa e, seguramente, mais angustiante de toda a ética médica, pois é no exercício prático da medicina que surgem os verdadeiros conflitos éticos. A bioética das relações parte da necessidade de o indivíduo perceber os conflitos que podem surgir ao relacionar-se com outra pessoa. Esses conflitos próprios dos seres humanos podem ou não fazer parte da consciência do indivíduo, mas existem devido à necessidade de adaptação ao mundo. Na bioética da relação médico-paciente está o conflito entre o emocional e o racional; o desgaste mais acentuado do profissional médico não se deve ao número de horas trabalhadas, mas à intensidade emocional com que vivenda todos os seus atos, pois está lidando com a vida, a honra e a saúde de outras pessoas. Contudo, na maioria das vezes, este conflito é desconhecido tanto pelo médico quanto pela sociedade. Na prática, o que mantém os vínculos efetivos na profissão médica são a confiança, a empatia e a compaixão. O médico não deve se esquecer de que quem o procura é um paciente e não uma doença; e ele o faz em função da dor e do sofrimento. Assim, o clínico passa a atuar com a permissão do paciente e da sociedade. A partir dessas reflexões, e seguindo o percurso do ensino da Ética nas escolas médicas, é possível observar que ela ainda atende, em muitos cursos, às exigências do modelo biomédico, implantado nas sociedades ocidentais no início do século 20, cujo marco inicial sempre referido é o relatório Flexner. Em 191 O, a Carnegie Foundation for the Advancement of Teaching publicou o relatório Flexner, que apresenta uma crítica severa à situação caótica do ensino médico nos EUA no início do século 20 e propõe soluções para esta questão. Esse relatório tornou-se referência para a organização do ensino médico não só nos EUA e no Canadá, mas em praticamente todas as escolas médicas do mundo. Flexner propôs um novo currículo com ênfase nas investigações científicas e no espírito acadêmico tomando por base os acontecimentos da segunda metade do século 19, quando houve um aumento das pesquisas laboratoriais principalmente na Alemanha. A partir das propostas feitas por Flexner, os cursos médicos tornaram-se bastante tecnicistas e houve pouca ênfase no ensino das humanidades. Atualmente, com as mudanças no ensino da medicina, o processo ensino/aprendizagem da relação médico-paciente, bem como da ética e bioética, começa a tomar corpo em vários países e a se mostrar importante na formação dos futuros profissionais. Afinal, os princípios bioéticos, o exame clínico e a relação médico-paciente são indissociáveis. O ensino/apren-

4

I Relação Médico-Paciente

dizagem da semiotécnica e da relação médico-paciente deve ter como base os princípios éticos, desde o primeiro momento da faculdade .

.... Aspectos psicodinâmicos da relação médico-paciente

23 Relacionamento médico-paciente

Médico ativo/ paciente passivo

Médico direcional paciente colabora

Atendimento préhospitalar (SAMU) Pronto-socorro UTI

Enfermaria/quarto Atendimento ambulatorial (Médico autoritário)

Médico age/ paciente participa ativamente

• Ensino médico A elaboração sistemática da anamnese, muito semelhante à feita atualmente, foi a principal contribuição de Hipócrates para a medicina. Nos 2.500 anos decorridos desde então, a prática médica foi se afastando lentamente da magia e do misticismo para apropriar-se dos conhecimentos da física e da química no século 19, buscando ser uma verdadeira ciência. Não resta dúvida de que a aplicação desses novos conhecimentos ao diagnóstico e ao tratamento foi responsável por um extraordinário avanço na ciência médica nos dois últimos séculos. Contudo, ao obter conhecimentos e métodos científicos, os médicos, talvez para afastar o fantasma do misticismo, distanciaram-se das humanidades, comprometendo sua relação com os pacientes. Ao ser praticada dentro do quadro de referência das ciências naturais, a medicina voltou-se mais para a enfermidade do que para o atendido, abstendo-se de contemplar a tentativa de compreender o homem como um ser que pensa e sente, e que vive inserido em uma sociedade relacionando-se com outras pessoas. No final do século 19 e início do século 20, Freud e seus seguidores começaram a desvendar os mecanismos inconscientes envolvidos na relação humana. Esta nova aquisição dos aspectos psicodinâmicos possibilitou pensar a relação médico-paciente sob outra perspectiva. Sempre que alguém procura um médico devido a qualquer questão relacionada com a sua saúde- e esta é a própria definição de paciente -, entram em jogo fenômenos psicodinâmicos próprios do relacionamento entre médico e paciente. É fácil entender que esses fenômenos poderão ter diferentes graus de intensidade ou profundidade em função dos vários fatores que participam desse encontro. Entre eles, destacam-se as características da enfermidade e a duração da relação entre ambos. A relação médico-paciente é assimétrica por natureza. Pressupõe-se que o profissional tenha conhecimento científico sobre os aspectos da doença e que o paciente domine apenas os conceitos do senso comum. Entretanto, a assimetria desta relação tem sido reduzida pela facilidade de acesso do paciente à informação científica por intermédio das várias mídias. A informação adquirida por meio da internet e de reportagens veiculadas em televisão, revistas ou jornais muitas vezes pode causar algum impacto no médico ou mesmo criar atritos na relação entre o profissional e seu paciente. Ao analisarmos as características do encontro médicopaciente e levarmos em conta fatores como a estrutura psicológica de cada um, as modificações que a enfermidade ocasiona na situação vital de quem a sofre, os sentimentos despertados pela duração da doença e as condições do tratamento (hospitalização, regime ambulatorial, consultório particular), é possível, didaticamente, distinguir três níveis ou tipos de relacionamento (Figura 4.1): • Médico ativo/paciente passivo: nesta condição, o paciente abandona-se por completo e aceita passivamente os cuida-

Atendimento ambulatorial Visita domiciliar (Aliança terapêutica)

Figura 4.1 Tipos de relacionamento médico-paciente.

dos médicos, sem mostrar necessidade ou vontade de compreendê-los. Essa é a situação característica da medicina de urgência e emergência. Quanto mais ativo e seguro se mostrar o médico, mais tranquilo e seguro ficará o paciente • Médico direciona/paciente colabora: o profissional assume seu papel de maneira, até certo ponto, autoritária. O paciente compreende e aceita tal atitude, procurando colaborar. Um exemplo clássico dessa situação é a relação entre o médico e o paciente internado em regime hospitalar • Médico age/paciente participa ativamente: o clínico define os caminhos e os procedimentos, e o paciente compreende e atua conjuntamente. As decisões são tomadas após troca de ideias e análise de alternativas. Assim, o atendido assume responsabilidade frente ao processo de tratamento de sua doença. Há, então, um redimensionar de papéis, uma parceria entre o médico e o paciente, corretamente designada aliança terapêutica. O melhor exemplo dessa situação é a relação médico-paciente na Estratégia da Saúde da Família. Atualmente, o paciente não mais se vê no papel tradicional de submeter-se sem queixas e sem perguntas a quaisquer medidas que o médico, supostamente infalível, acredite que são as melhores. Ele espera que a sua individualidade - ou cidadania no sentido mais correto desta expressão - seja respeitada, pois graças aos meios de comunicação, está muito mais bem informado sobre assuntos médicos que as gerações anteriores. Cada um destes tipos de relacionamento será adequado de acordo com as circunstâncias. Saber discerni-los e reconhecer os mecanismos de defesa implicados em cada um caracterizam o bom profissional e corroboram para a boa prática médica. Embora a escolha do tipo de relacionamento pareça ser "consciente': ela atende às necessidades inconscientes e afetivas do médico e do paciente. No primeiro tipo de relação, por exemplo, o desejo de proteção por parte do paciente se harmoniza com a ação decidida, pronta e enérgica do médico. Apropriar-se dos sentimentos inconscientes- que deixam de sê-los para se tornarem parte do mundo consciente- é a melhor maneira de valorizar as emoções que perpassam as relações humanas. Aí se encontra uma das maiores contribuições para a medicina moderna vinda de Freud, que sistematizou os conhecimentos nessa área. É esse conhecimento que instrumentalizao profissional para uma postura de "cui-

24 dado" de seu paciente. Médico cuidador, segundo Winnicott, diferencia-se de médico curador, exatamente pela capacidade humana de atender seu paciente, de modo global e holístico, ampliando o conceito de médico curador, que somente se envolve com a cura da doença, o que frequentemente não é alcançado, originando profunda frustração. "O médico sempre desempenha um papel ativo: o paciente pode manter-se passivo, embora cooperativamente passivo" (M. Balint).

• Transferência, contratransferência e resistência Os principais fenômenos psicodinâmicos da relação médico-paciente são os mecanismos de t ransferência e contratransferência. Tais conceitos provêm da psicanálise e, na prática médica cotidiana, constituem um vasto arsenal terapêutico que independe de técnicas psicoterápicas especiais e que é indissociável do trabalho de qualquer médico (ver Parte 16, Exame Psiquiátrico). Transferência diz respeito aos fenômenos afetivos que o paciente passa (transfere) para a relação que estabelece com o médico. São sentimentos inconscientes vividos no âmbito de seus relacionamentos primários com os pais, irmãos e outros membros da família. Ao entrar em contato com o médico, o paciente revive nas profundezas de seu mundo emocional, em nível inconsciente, sentimentos nascidos e vivenciados nas relações primárias como se fossem situações novas. A potencialidade amorosa desses fenômenos afetivos não desaparece, o que fez com que Freud denominasse esta situação de "amor transferencial", no qual o paciente vivenda os sentimentos dirigidos ao médico como se fossem verdadeiros e reais, sem perceber que o clínico está ocupando a posição de substituto de outra pessoa, a qual, de fato, foi quem originou o sentimento revivido por ele. Em contrapartida, cabe ao profissional compreender tal fato, pois provavelmente é este o fenômeno que faz nascer o respeito do paciente pelo médico, desenvolvendo condições psicológicas para que suas palavras e atitudes sejam capazes de despertar segurança, tranquilidade e esperança. Enfim, é nele que o atendido se ampara para aceitar procedimentos diagnósticos e terapêuticos, mesmo quando eles provocam incômodo ou o obrigam a tomar decisões indesejadas, incluindo modificações alimentares, internação em hospital e uso de medicamentos desagradáveis. Pode-se dizer que o médico trabalha na transferência. A maneira como o médico recebe o paciente, o modo de tratá-lo no decorrer do exame clínico, em particular ao fazer a anamnese, e o tempo que o médico dispõe para o paciente são fatores de suma importância no desenvolvimento dos mecanismos de transferência. Às vezes, a relação médico-paciente é iniciada com uma carga afetiva muito intensa, como ocorre com os pacientes em grande sofrimento físico ou emocional. Se o médico consegue, logo de início, compreender tal situação, propiciando ao paciente a oportunidade de se apoiar emocionalmente nele, é imediata a transferência positiva, que se define pelo momento em que o paciente vivenda o relacionamento de maneira agradável, confirmando a expectativa que tinha de encontrar no médico uma pessoa disponível, atenciosa e com capacidade para ajudá-lo. Do ponto de vista psicodinâmico, o paciente estaria transferindo para o médico o afeto já sentido por outra pessoa, quase sempre o pai ou a mãe. Pode ocorrer o contrário se o paciente reviver fatos desagradáveis de relações anteriores, definindo-se, então, a transferência negativa ou resistência.

Parte 1 I Semiologia Geral Chama-se resistência qualquer fator ou mecanismo psicológico inconsciente que comprometa ou atrapalhe a relação médico-paciente. Os fenômenos de resistência podem surgir no momento da primeira consulta e serem reforçados ao longo da convivência entre o médico e o paciente. Exemplos simples de resistência são os esquecimentos de horário, o adiamento ou a recusa em fazer os exames solicitados, o uso irregular ou o abandono de tratamentos, o não seguimento de regimes alimentares. Outras vezes, a resistência consiste em ocultar ou deturpar sintomas ou fatos relacionados com a doença, como acontece com aqueles que negam o uso de bebidas alcoólicas mesmo ao apresentar claras evidências de intoxicação etílica. Fenômenos de resistência podem ser interpretados como contestação à autoridade do médico, cabendo a ele compreender estes fenômenos psíquicos para manter-se sempre na condução do relacionamento com o paciente. Problemas no comportamento do médico durante o exame clínico, como má apresentação, pressa, indiferença, uso de palavras difíceis, podem ser a causa da transferência negativa. Contudo, apesar de o médico agir corretamente, muitas vezes o paciente identifica, em seu jeito de ser, a figura de outra pessoa, quase sempre também a do pai ou da mãe, com a qual teve um relacionamento desagradável. Cabe ao médico a tarefa de detectar essas manifestações procurando desenvolver mecanismos que as neutralizem. Se ele não conseguir proceder dessa maneira, inevitáveis consequências advirão, como o paciente não confiar em suas decisões, sentir dificuldade em seguir as prescrições ou interromper o tratamento. Além disso, não terão qualquer valor as palavras que o clínico proferir para avaliar preocupações, medos e ansiedades do paciente. Os fenômenos relatados também ocorrem em sentido contrário, ou seja, do médico para o paciente, sendo denominados contratransferência, que seria a passagem de aspectos afetivos do médico para o paciente. Do mesmo modo, entram em jogo mecanismos inconscientes originados de sentimentos já vividos pelo médico em relações anteriores com seus pais, filhos, cônjuge ou outras pessoas da família. É praticamente impossível que um médico entreviste um paciente evitando, inteira e sistematicamente, relacionar os fatos por ele relatados com episódios de sua própria vida ou de sua família. Afinal são seres humanos e não conseguem isolar suas emoções de seu trabalho em uma espécie de "robotização espiritual': É fundamental saber reconhecer seus próprios sentimentos, fraquezas e problemas emocionais despertados nessa situação, mantendo-os sob controle. Defesas são necessárias, mas devem ser adequadas para não perturbar a relação que se inicia. É natural, e até necessário, que o médico sinta afeto pelo paciente, mas também é preciso saber dosar adequadamente esse sentimento. Não é incomum o desenvolvimento de uma sensação erótica que precisa ser percebida e vista sob o prisma da responsabilidade profissional e ética, única maneira de manter a relação médico-paciente dentro dos limites corretos para o exercício da profissão. A contratransferência positiva é útil e importante, principalmente para o tratamento dos pacientes com doenças crônicas e incuráveis. A contratransferência de aspectos negativos de sua vida emocional geralmente é escamoteada pelo médico, que rotula o paciente de "chato", "irritante~ "enjoado': Cabe ao médico elaborar seus problemas emocionais, não deixando que interfiram negativamente na relação. Quando o profissional se defronta com uma doença de difícil diagnós-

4

I Relação Médico-Paciente

tico ou rebelde ao tratamento, a insatisfação pode causar nele um sentimento de frustração. Então ele se "cansa" do paciente e, de modo inconsciente, contratransfere para o atendido seu sentimento de impotência. Surgem, daí, mecanismos de defesa como deslocamento, negação e outros. A designação contratransferência pode induzir ao pensamento de que seriam mecanismos dos quais o médico lança mão para anular a transferência. Não é isso. Contratransferência não é contra a transferência ou algo em sentido contrário a esta. É a própria transferência do médico para o paciente, que reage nessa relação como pessoa, tal como o paciente. A diferença está no fato de o médico ter que assumir, por obrigação ética inarredável, o papel que lhe cabe nessa situação. Para isso, ele deve estar legalmente habilitado e "tecnicamente" preparado, inclusive deve ser capaz de reconhecer e dominar os aspectos psicológicos ora analisados. Nas relações interpessoais habituais, agir espontaneamente constitui a norma, a atitude correta, tornando-as gratificantes, produtivas e agradáveis. Mas quando há uma perturbação nas relações e estas se tornam difíceis, o médico corre o risco de entrar no jogo do paciente, revivendo experiências negativas de sua infância. É necessário, portanto, reconhecer logo as perturbações do relacionamento para evitar atitudes inadequadas que deterioram esta situação. Do ponto de vista psicanalítico, admite-se que, em toda relação humana, há uma inevitável ambivalência, existindo na metade do paciente (e também do médico!) impulsos que trabalham a favor e impulsos que se colocam contra esta relação. Esses aspectos contraditórios devem ser conhecidos, compreendidos e detectados pelo médico quando se transformarem em dificuldades para o paciente. Inclusive, é aconselhável que estes aspectos sejam analisados em conjunto com o objetivo de elaborá-los e superá-los. É por meio do conhecimento desses mecanismos inconscientes que o médico pode aperfeiçoar sua capacidade de relacionar-se com o paciente. Uma compreensão mais profunda dos aspectos psicodinâmicos dessa relação exige o estudo permanente da psicologia e das ciências do comportamento, seja qual for o campo de trabalho do médico. Uma experiência que se mostrou muito útil foi a desenvolvida por Michael Balint em Londres nos anos 50 do século 20, que se baseou na formação de um grupo de médicos ("grupo Balint") que discutia semanalmente os aspectos referentes aos relacionamentos vividos por cada um deles com seus pacientes. Verificou-se que os médicos conseguiam ficar mais calmos e mais interessados pelo relato dos seus pacientes, sentindo-se mais estimulados para realizar a anamnese e mais gratificados pelo trabalho clínico.

Grupos Balint Oclínico e psicanalista Michael Balint desenvolveu, nos anos 50 do século 20 na Clínica Tavistok em Londres, grupos com General Practitioners (GP), do então recém-lançado Sistema Nacional de Saúde inglês. Os médicos viviam dias conturbados, insatisfeitos com o "novo" sistema de saúde. Balint decidiu ouvi-los para tentar trabalhar com eles as possibilidades de um melhor atendimento a uma população castigada pela guerra, pela dor, pelo sofrimento e pela pobreza resultante da devastação bélica na Europa dos anos 1940. Durante as discussões de casos clínicos, Balint percebeu semelhanças nas atitudes dos médicos e em suas angústias. Apartir disso, descreveu ateoria sobre a relação médico-paciente e criou uma metodologia própria (grupos Balint) para treinar os médicos aterem uma boa relação com seus pacientes.

25 Não se pode esquecer, também, dos efeitos terapêuticos desta relação. Os trabalhos sobre placebos demonstraram claramente que a maneira de agir do médico desempenha papel relevante nos resultados dos tratamentos de qualquer natureza, inclusive cirúrgicos. Este efeito terapêutico foi categorizado e descrito por Michael Balint como "O médico como drogà', ressaltando a importância do efeito terapêutico que o comportamento do profissional pode exercer na consulta. De acordo com a percepção balintiana, o clínico, ao prescrever um medicamento, coloca na receita muito de si mesmo e da relação instituída com seu paciente, de forma a ampliar, ou não, o efeito do fármaco por ele receitado. Por isso, a atitude terapêutica deve impregnar toda a atividade do médico, desde o mais simples atendimento clínico até a cirurgia mais complicada. Queira ou não, a influência terapêutica deste - que, quando inadequada, provoca resultados negativos - permeia todo o seu trabalho, incluindo o exame clínico, as revelações diagnósticas, as prescrições terapêuticas e dietéticas, as previsões prognósticas e as orientações relativas ao modo de viver. Para compreender melhor o fenômeno de transferência e contratransferência, o estudante pode assistir ao filme Don ]uan De Marco (dirigido por Jeremy Leven e produzido por Francis Ford Coppola), procurando dialogar o texto anterior com as belas cenas vencedoras do Oscar de 1996.

...- Médico O médico aprende de imediato ou ao longo dos anos que, apesar de todo o tecnicismo existente, a parte mais importante do exercício profissional ainda é o exame clínico. Mas será que ele tem consciência do significado do encontro com o outro ser humano e em que profundidade este se estabelece? Nem sempre, aliás é frequente que não saiba a dimensão desse fenômeno. Balint, em seu clássico livro O médico, seu paciente e a doença, é categórico ao afirmar que os médicos conhecem com detalhes a farmacologia dos medicamentos que utilizam no tratamento de seus doentes, porém não sabem usar a si mesmos como tal. O clínico apresenta uma dimensão terapêutica, e somente uma profunda compreensão da relação médico-paciente possibilita a prática de uma medicina humanista. O encontro entre o médico e o paciente é uma situação singular, pois decisões serão tomadas com relação à vida daquela pessoa. O paciente vai à consulta carregado de ansiedades e dúvidas, esperançoso de ser compreendido e ajudado. Cabe ao médico reconhecer o estado de sofrimento e atuar sobre ele, agindo com continência e de maneira segura, para que seja estabelecida uma relação de confiança. Todavia, o profissional e, sobretudo o estudante, não está isento de ansiedades e dúvidas. Na primeira consulta, uma palavra ou um gesto inadequado pode deteriorar a relação entre médico e paciente e aumentar os padecimentos deste último. Isso acontece frequentemente quando os aspectos psicológicos não são valorizados. Compete ao clínico direcionar este encontro a fim de torná-lo o menos angustiante possível Ele dispõe de conhecimentos que o paciente geralmente não tem - e é tal característica que o coloca na condição de dirigente do encontro, posição que deve assumir, compreendendo, encorajando e respeitando o paciente. Contudo, embora detentor dessas informações e instrumentalizado para dirigir o encontro, o médico não pode

26 se furtar de compreender e respeitar os aspectos culturais de seu paciente; nem tampouco acreditar que ele nada saiba sobre sua doença. Quem "tem" a doença é o paciente, e suas queixas devem sempre ser valorizadas e respeitadas. Caso o médico deixe transparecer insegurança, dúvidas e receios, ou se mostre agressivo e autoritário, sua influência toma-se negativa e deletéria. Vale dizer, da mesma maneira, que os medicamentos e a ação terapêutica da pessoa do médico podem ter efeitos secundários, conhecidos como efeito iatrogênico. Ao realizar um atendimento, o profissional deve guardar para si seus preconceitos, sua posição político-filosófica, bem como sua postura religiosa, não deixando que esses aspectos interfiram no julgamento clínico. Ao dedicar-se ao estudo e ao exercício da medicina, não se pode esquecer que a profissão configura-se como um sacerdócio, visto que a dedicação aos pacientes é fundamental. Porém, deve-se ter em mente que a profissão também se configura como prestação de serviço ao cidadão. Nestas contradições é que se percebe o caráter dialético da medicina, que acaba por imprimir-lhe toda sua beleza e profundidade. Cumpre ressaltar ainda que a expressão sacerdócio propicia interpretações errôneas. Para o leigo, a visão sacerdotal do médico implica, pura e simplesmente, a renúncia aos bens materiais ou a obrigação de "trabalhar de graça'~ Aspectos históricos e socioculturais podem ser identificados como os causadores dessa visão distorcida. O significado correto da expressão é a capacidade de se entregar de corpo e espírito à arte de bem servir ao seu semelhante. É fundamental que o médico assuma o papel de médico cuidador, apresentando-se ao paciente da maneira idealizada por este - vestimenta adequada, higiene cuidadosa, vocabulário apropriado, atitudes firmes, capacidade de compreensão e possibilidade de orientação. Deve, pois, cultivar a noção de que está investido de uma função nobre e importante, e comportar-se de modo a exaltar sua condição profissional. No entanto, é primordial lembrar-se de que ser médico é, sobretudo, lidar com sua própria humanidade, nunca imaginando ser uma divindade acima do bem e do mal. Pensar ser um deus é, no mínimo, viver de acordo com uma visão mágica, primitiva e infantilizada. É necessário respeitar o direito de o paciente participar das decisões que lhe dizem respeito, e somente em casos muito graves o médico poderá tomá-las isoladamente. Novamente faz-se presente o princípio bioético da autonomia e sua consequência prática, representada pelo consentimento informado. É preciso lembrar que boa parte dos pacientes se dirige ao médico buscando não apenas alívio físico, mas também auxílio moral. Além dos conflitos psíquicos que se exprimem pelos sintomas somáticos, pode haver sofrimento psíquico originado de doenças crônicas. Com muita frequência, os sofrimentos físico e psíquico aparecem estreitamente relacionados, não sendo possível diferenciar um do outro. A formação técnica do médico vem sendo muito valorizada, principalmente nas últimas décadas, em virtude do aperfeiçoamento das máquinas, cada vez mais presentes no exercício da medicina. Porém, descuidar da formação humanística é transformar o médico em mero mecânico do corpo humano. Nunca se deve esquecer de que lidamos com pessoas e não com órgãos a serem transformados em gráficos, curvas, imagens ou números. Ao adentrar o século 21 frente a uma medicina baseada em evidências (estatísticas), não se pode perder de vista a condição humana do paciente, inserido em uma sociedade cada vez mais complexa. A experiência tem mostrado que são exatamente os aspectos éticos e morais os

Parte 1 I Semiologia Geral mais apreciados pelos pacientes, mesmo aqueles que se mostram maravilhados com os aparelhos modernos.

• Padrões de comportamento dos médicos Na relação médico-paciente, forma-se uma unidade na qual as características pessoais de ambos são muito importantes. Analisando o médico dentro dessa unidade, percebe-se que este se comporta, na relação com o atendido, de acordo com a sua disponibilidade interna. Compreendem-se como disponibilidade interna as questões inconscientes e transferenciais, mecanismos de defesa, teorização e movimentos conscientes característicos da personalidade e aquilo que se convencionou chamar de vocação. A questão da vocação é delicada e apresenta aspectos polêmicos. Para facilitar a compreensão desse item, talvez se possa falar em um mínimo de vocação, ou seja, um conjunto de características pessoais, que compreendem traços de personalidade e interesse ligados ao próprio indivíduo ou ao seu ambiente familiar, constituindo as bases socioculturais e individuais sobre as quais se apoiam a escolha e o exercício da profissão médica. Pressões familiares representadas pelo desejo de ter um médico na família ou pelo interesse em preparar um sucessor, quando o pai ou a mãe exercem esta profissão, e dispõem de uma clientela ou de um hospital, podem induzir um jovem a procurar o curso de medicina sem ter qualquer aptidão ou o mínimo de interesse por essa profissão. Em outras ocasiões, a escolha desta profissão vem de fantasias de que a medicina proporciona enriquecimento rápido e lances de heroísmo. O erro na escolha pode ficar evidente durante o curso, mas, por vários motivos, o estudante prossegue até o fim. Ao começar os atendimentos, as mesmas pressões que o induziram a uma escolha errada permanecem atuantes, e o processo de desajuste, seguido de crescente insatisfação, frustração ou mesmo revolta, vai se agravando progressivamente. Interesse e respeito pela pessoa humana, capacidade de dedicar-se a tarefas desgastantes e de estudar por longos períodos, senso de responsabilidade bem desenvolvido, nível de inteligência razoável e retidão de caráter seriam traços de personalidade indispensáveis para o exercício da medicina. Atualmente, tem-se dado muita ênfase à resiliência pessoal. O futuro médico necessita reconhecer seu grau de resiliência e procurar desenvolvê-la como instrumento protetor no enfrentamento do estresse. Tal termo foi apropriado da Física e significa, do ponto de vista psicológico, a capacidade de suportar uma carga de estresse sem adoecer. Como o exercício laboral do médico é adoecedor devido à grande carga de estresse, ter resiliência elevada é um fator importante na sua prática. Outro dado considerado importante atualmente com relação esta profissão é a capacidade de engagement. Este termo traduz uma capacidade inerente à pessoa de se engajar no trabalho sentindo satisfação pelo que desenvolve. Pesquisas atuais demonstram que médicos mais engajados têm menos risco de sofrer burnout do que os que não sentem satisfação no trabalho. Dessas observações, foi definido o conceito de personalidade resistente por meio de três dimensões: • Compromisso ou implicação: caracteriza-se pela tendência em envolver-se em todas as atividades propostas da vida do indivíduo e identificar-se com o significado dos próprios trabalhos. Possibilita que o indivíduo reconheça suas próprias metas, tomando decisões e mantendo seus valores. Os profissionais com esta característica são hábeis e desejam enfrentar com sucesso as situações de estresse

4

I Relação Médico-Paciente

• Controle: indica que o profissional tem disposição para pensar e atuar com a convicção de que pode intervir nos acontecimentos. Ele pode perceber também as consequências positivas que precedem muitos dos acontecimentos estressantes, tornando possível o controle dos estímulos em seu próprio benefício • Desafio: torna possível que o profissional perceba o campo como uma oportunidade para aumentar suas próprias competências e não como uma situação de ameaça. Proporciona ainda maior flexibilidade cognitiva e tolerância à ambiguidade que induz a considerar o campo como característica habitual da história e da vida. Um estudante que apresente as características listadas provavelmente terá mais facilidades de trabalho na área médica. É necessário lembrar que a medicina abrange uma gama de atividades, as quais, no que se refere a vocação e aptidão, devem ser separadas em quatro grandes grupos: as atividades clínicas nas quais o convívio direto e diário com os pacientes é fundamental, as atividades laboratoriais ou técnicas que têm como base o manuseio de máquinas ou aparelhos, as atividades ligadas a trabalhos com coletividades e as atividades de gestão relacionadas com o exercício de gerenciamento hospitalar e de cargos públicos. Cada grupo exige interesse e aptidão especiais, embora as características fundamentais possam ser as mesmas. Independentemente de sua personalidade, ou mesmo de uma vocação ainda indecisa, todo médico pode melhorar sua capacidade de relacionamento, desenvolvendo características positivas e controlando os aspectos desfavoráveis. A Figura 4.2 mostra os padrões mais comuns de comportamento dos médicos. É evidente que os padrões do médico podem variar diante de situações diferentes ou ao encontrar-se com determinado paciente, ou seja, o padrão do médico se faz em relação. Um mesmo médico pode, em um momento, mostrar-se paternalista e, em outro, autoritário. A classificação apresentada na figura citada tem o intuito de ajudar o estudante a compreender melhor tais padrões. Não se espera que os médicos sejam diferentes das demais pessoas, que sejam absolutamente perfeitos, constituindo uma "classe" especial, acima da raça humana. Mas não resta dúvida de que são necessárias qualidades especiais para o exercício da medicina. Ao lado da competência científica, ou seja, o conhecimento da ciência médica, o profissional precisa ter algumas características que são fundamentais, destacando-se o interesse por seus semelhantes, respeito pela pessoa humana, espírito de solidariedade, capacidade de compreender o sofrimento alheio (empatia) e vontade de ajudar (compaixão). Por isso, a prática médica é trabalhosa e exige o cultivo de qualidades humanas que não se confundem com habilidades psicomotoras ou técnicas. O médico ideal pode ter um componente paternalista, desde que saiba aceitar o paciente como uma pessoa adulta; pode ter momentos de pessimismo ou de otimismo, desde que não perca o contato com a realidade; pode ter sentimentos de frustração, desde que não transforme o paciente em bode expiatório; pode desenvolver outras atividades profissionais, mas sabendo conservar a medicina como atividade principal; pode agir com autoridade, desde que saiba o momento correto de fazê-lo; pode viver suas inseguranças, desde que as reconheça e não as transfira para o paciente; pode até deixar escapar fragmentos de sua agressividade, desde que o faça com pacientes em condições de revidá-la.

27 Pode-se concluir, enfim, que ser médico não é fácil e que nem todas as pessoas que almejam exercer esta profissão conseguirão fazê-lo de maneira adequada. Que orientação se pode dar aos estudantes que sempre buscam a imagem do médico ideal? Em primeiro lugar, é necessário que as características negativas mais importantes para trabalhar as possibilidades de construção de comportamentos mais adequados e mecanismos de defesa melhores sejam reconhecidas. Uma estratégia que pode ser empregada neste processo ensino-aprendizagem é a utilizaç.ão de atores em laboratórios de habilidades. Cenas montadas para que possam ser analisados comportamentos e atitudes inadequadas geram um excelente material de problematização do tema. Há, ainda, diversos filmes e séries televisivas que podem servir como base para análise e discussão sobre o comportamento médico. A série "ER': famosa nos anos 1990 e 2000, bem como as atuais "House'' e "Grey's Anatomy': dos anos 2000, são exemplos que agradam aos jovens estudantes e trazem muitos aspectos a serem discutidos. É importante frisar ao estudante, mais uma vez, a necessidade de adquirir conhecimentos de psicologia médica. Uma das estratégias que poderia ser usada como complemento dos tradicionais estudos nessa área seria a análise das entrevistas clínicas feitas pelos estudantes, a exemplo do que se faz nos "grupos Balint", sob supervisão de professores, desde o momento em que começam a experienciar o trabalho com pacientes. Outro método bastante atual para análise de entrevistas clínicas é o problem based interview (PBI) no qual o estudante pode visualizar, sob supervisão do professor, após gravação consentida, seu atendimento clínico e a relação desenvolvida com o seu paciente. A análise das vivências nascidas ao lado dos pacientes permite discutir comportamentos e atitudes dentro de um contexto real e verdadeiro. Outro aspecto a considerar é a identificação de modelos que merecem ser seguidos. Cumpre salientar que modelos de comportamento humano não são privativos dos médicos. Estão na família, no grupo social, na comunidade. Mas, em geral, o estudante de medicina busca nos médicos seus modelos, sendo os mais próximos seus professores. Por isso, é o trabalho conjunto do professor com o acadêmico no trato direto com os pacientes a fonte principal para o desenvolvimento das características que definirão a qualidade ética do futuro médico. Daí a imperiosa necessidade de criar oportunidades de convívio entre estudantes e pacientes, em condições de pleno exercício da profissão médica. Melhor ainda seria proceder à análise conjunta de condutas éticas, ao julgamento de ações médicas e à avaliação de atitudes e comportamentos observados no próprio ambiente de trabalho. Ver, ouvir e analisar os fatos vividos em comum é a única maneira de plasmar a personalidade do futuro médico. O "médico ideal': portanto, seria aquele que tem uma personalidade amadurecida, conhece e domina os mecanismos psicológicos envolvidos na relação médico-paciente, dispõe de conhecimentos adequados da ciência médica e sabe aplicá-los dentro de uma visão humanística.

..,. Paciente O ser humano é uma unidade biopsicossocial e espiritual, e seus aspectos afetivos são o que mais o diferenciam dos outros animais. O paciente é um ser humano, com uma identidade de gênero, de certa idade, com uma história individual e personalidade exclusiva. Não é um tubo de ensaio

28

Parte 1

Padrão inseguro A insegurança, na maioria das vezes, é um traço da personalidade. Aprimorar os conhecimentos e desenvolver uma prática médica dentro de princípios éticos e humanos são condutas que poderão superar a insegurança. Conhecimentos insuficientes, exame clínico malfeito e dúvidas na maneira de conduzir o caso inevitavelmente serão percebidos pelo paciente. Quando o médico denota insegurança, o paciente perde a confiança, o que pode despertar a agressividade do médico, criando péssimas condições para o relacionamento entre ambos.

Padrão paternalista Adota atitudes protetoras. Trata o paciente como criança indefesa. Dá conselho como se somente ele soubesse o que é certo. É receptivo ao relato da vida pessoal dos pacientes (característica favorável). Assume a posição de pai, apoia-se na sua visão do mundo e se sente no direito de sugerir ou determinar ao paciente o que deve fazer.

Padrão autoritário Sempre impõe suas decisões. Não aceita analisar suas prescrições e sente-se ofendido com questionamentos feitos pelos pacientes ou seus fami liares. Costuma apregoar suas atitudes em voz alta e ameaçadora. Acredita ser o "dono da verdade"!

Médico sem vocação Desenvolve mecanismos - inconscientes ou claramente propositais que inibem o paciente, impedindo um relacionamento adequado. Algumas vezes, chega a hostilizar os pacientes, principalmente se o atendimento se deve a compromisso de emprego ou é feito por meio de algum vínculo, como "credenciamento" ou SUS. Quando o médico percebe sua falta de vocação, a decisão sensata é o abandono da profissão médica e a busca de outro trabalho.

Padrão otimista Não vê dificuldades em nada, tudo lhe parece simples e sem gravidade, não sabendo reconhecer os casos de prognóstico ruim. Falta-lhe precaução, não tem noção de imprevisto, sente-se como herói e está sempre disposto a prever uma evolução favorável para todos os casos. Ao indicar intervenções cirúrgicas de alto risco, minimiza a possibilidade de fracasso ou complicações, e, quando isso acontece, procura transferir para outros ou para fatores imponderáveis a culpa pela não concretização de suas expectativas.

I SemiologiaGeral

Padrão agressivo A agressividade pode ser sintoma da síndrome de bumout ou ter origem em problemas pessoais. A hostilidade pode se revelar em palavras ofensivas, porém é mais comum disfarçar-se como mau atendimento. O médico não dirige palavra de cumprimento nem olha no rosto do paciente, usa tom de voz grosseiro e não examina corretamente o paciente. Alguns tipos simbólicos de agressividade incluem o uso de medicamentos injetáveis em vez de por via oral, prescrição de regimes alimentares desnecessários ou proibição de atividades sexuais.

Padrão " frustrado" Quase sempre pessimista, pode tornar-se agressivo com os pacientes. Sua principal característica é a frieza na relação com o paciente. É indiferente ao relato dos sintomas, desinteressado em fazer diagnósticos exatos e corretos, não se importa com os resultados da terapêutica que institui, trabalha com má vontade e com pressa, perde o entusiasmo pelo estudo, desatualiza-se, distanciando-se cada vez mais dos progressos c ientíficos.

Padrão pessimista Vê maior gravidade nas doenças que a real, expressa desânimo e desesperança mesmo antes de conhecer o diagnóstico e deixa de tomar decisões diagnósticas ou terapêuticas porque, de antemão, em seu íntimo, não acredita na possibilidade de bons resultados. O médico agrava a angústia do paciente, podendo levá-lo ao pânico.

Padrão "especialista" "Especialista• neste caso significa médico que se dedica a uma especialidade, mas que não tem visão adequada do conjunto da medicina, que não consegue ver o paciente como um todo. Tem acentuado interesse por um órgão ou sistema, do qual tem profundo conhecimento. Este médico tem duas tendências: (1) só se preocupar com a sintomatologia relacionada à sua especialidade; (2) querer interpretar todas as queixas do paciente em função do órgão ou sistema no qual se especializou.

Padrão "rotulador" Tem sempre pronto um diagnóstico rotulado que agrada o paciente. Transmite segurança porque, tão logo o paciente relata suas queixas, ele propõe um diagnóstico, muitas vezes inventando fisiopatologias absurdas e sem nexo, mas facilmente compreendidas e aceitas pelo leigo. Denominações do tipo "espasmo", "ameaça de derrame", " vesícula preguiçosa", "pressão baixa", "intoxicação" fazem parte da lista de "rótulos diagnósticos".

Figura 4.2 Padrões de comportamento e características da relação médico-paciente.

4

I Relação Médico-Paciente

no qual se coloniza alguma espécie de microrganismo, nem uma cobaia que sofreu a agressão de um agente patogênico. Tampouco é uma máquina que teve um de seus componentes avariado. Para avaliá-lo, o médico se vale de sua capacidade de sentir e de estabelecer um relacionamento positivo ou favorável, ou seja, é preciso que tenha empatia e compaixão.

• Padrões de comportamento dos pacientes As pessoas se comportam de maneiras diversas, em função de seu temperamento, de suas condições culturais, de seu modo de viver e das circunstâncias do momento. Toda enfermidade, até o medo de estar doente, provoca certo grau de ansiedade, a chamada ansiedade reativa, e, em muitas ocasiões, são as manifestações desse tipo de emoção que levam o indivíduo ao médico. A doença modifica a personalidade e determina uma regressão emocional a níveis infantis de dependência, com perda da segurança e desenvolvimento de fantasias que têm por objetivo (inconsciente) fugir à realidade. A pessoa doente busca efetivar uma relação com o médico semelhante à relação mãe-filho de suas fases mais primitivas. Todas as enfermidades têm um componente afetivo, e, ao adoecer, o indivíduo acentua os traços de sua personalidade e expressa no bojo de seu quadro clínico seus distúrbios emocionais. Por isso, é útil conhecer os principais padrões de comportamento apresentados pelos pacientes.

Paciente ansioso A ansiedade é descrita como uma inquietação interna, um sentimento negativo em relação ao futuro, uma sensação de medo inexplicável, "contagiosa" e envolvente, que passa facilmente para os familiares, causando, por meio de um mecanismo de círculo vicioso, maior aflição no paciente. É reconhecida pelas manifestações psíquicas e somáticas que a acompanham: inquietude, voz embargada, mãos frias e suadas, taquicardia, boca seca. Alguns pacientes esfregam as mãos sem interrupção, enquanto em outros elas tremem. Bocejar repetidamente ou fumar um cigarro seguido de outro também indica seu desejo inconsciente de reforçar as defesas psicológicas. Frequentemente o paciente quase se debruça sobre a mesa do consultório, expressando, nesse gesto, seu desejo de demonstrar interesse. Além de reconhecer a ansiedade, o médico deve estar preparado para lidar com a situação. É necessário demonstrar segurança e tranquilidade, conduzindo a entrevista sem precipitar a indagação de fatos que possam avivar mais ainda esse sentimento. O paciente ansioso provoca movimentos transferenciais em seus médicos. Dessa maneira, em meio a suas angústias, inquietudes e inseguranças, ele pode levar o profissional a tomar atitudes rápidas, muitas vezes até inconsequentes, que vão ao encontro do desejo inconsciente do próprio paciente. Nesse caso, é preferível passar alguns minutos conversando sobre fatos aparentemente desprovidos de valor, a fim de promover o relaxamento da tensão. Nesse momento, mais do que nunca, o paciente deve reconhecer no médico um ouvinte atento. Na verdade, em certas horas, saber escutar é mais importante do que saber perguntar. Por outro lado, não são adequadas, nem surtem efeito, as tentativas de "acalmar" o paciente, exortando-o a ficar tranquilo e dizendo de antemão, sem elementos que justifiquem a afirmativa, que ele não tem nada ou que sua doença não é grave. Não se pode negligenciar a ansiedade dos próprios médicos ou, mais evidente ainda, dos estudantes de medicina que estão iniciando o aprendizado clínico. A principal causa é a inse-

29 gurança gerada pela falta de domínio do método clínico, mas muitas vezes a ela se associa o receio de estar importunando o paciente. Tais sentimentos são normais e vão sendo superados à medida que o estudante aprende a semiotécnica e os fundamentos da relação médico-paciente. Contudo, se a ansiedade em vez de diminuir for aumentando, é necessário fazer uma avaliação mais profunda da situação.

Paciente deprimido O paciente deprimido tem como principal característica o humor triste. Apresenta desinteresse por si mesmo e pelas coisas que acontecem ao seu redor. Tem forte tendência a isolar-se e, durante a entrevista, reluta em descrever seus padecimentos, respondendo pela metade às perguntas feitas a ele ou permanecendo calado. É comum que se ponha cabisbaixo, os olhos sem brilho e a face toda exprimindo tristeza. Não raramente cai em pranto durante o exame. Relata choro fácil e imotivado, despertar precoce, redução de capacidade de trabalho e perda da vontade de viver. Apresenta-se irritado, entediado ou apático. De maneira geral, a primeira tarefa do médico é conquistar sua atenção e confiança. Isto pode ser conseguido demonstrando-se um sincero interesse pela sua pessoa. A atitude continente, acolhedora e uma escuta atenciosa são elementos fundamentais para que o médico imprima uma boa relação médico-paciente. Ao atender o paciente deprimido, é extremamente necessário avaliar o tipo de depressão e a sua gravidade, dado o grande risco de suicídio. A maioria das pessoas que se suicida apresenta transtorno depressivo. Embora a ideação suicida ocorra com muita intensidade no momento de depressão, o suicídio exitoso geralmente ocorre no período de melhora do humor. A depressão pode apresentar-se de várias maneiras, sendo classificada de acordo com a CID-10 e o DSM-IV como leve, moderada e grave. Pode constituir-se em uma doença como o transtorno depressivo maior ou ser reativa a estressares psicossociais como morte de ente querido ou divórcio, podendo ainda ser consequência de uso de drogas lícitas ou ilícitas como o álcool e a cocaína. Pode se apresentar sob diversas formas como distimia, depressões atípica, secundária, ansiosa, psicótica, endógena (ou melancólica) e estupor depressivo. É comum a associação de estados depressivos a outras doenças, como hipertensão arterial sistêmica, câncer de mama e diabetes tipo 2 (comorbidades). A depressão endógena pode apresentar-se isolada (unipolar) ou constituir a fase depressiva do transtorno bipolar. Uma de suas principais características é surgir inesperadamente, a qualquer momento, sem que haja fatores desencadeantes. É grave, intensa, com ideias de ruína e autoextermínio; mais intensa pela manhã, é quase sempre acompanhada de insônia terminal, ou seja, o paciente acorda de madrugada já com o humor deprimido. Na depressão, o risco de suicídio é alto e o paciente necessita de assistência psiquiátrica de urgência. Contudo, a manifestação de maior gravidade é o estupor depressivo, na qual o paciente permanece imóvel durante dias, na cama ou na cadeira, em mutismo, negando-se a comer e perdendo o controle das suas necessidades fisiológicas (ver Parte 16, Exame

Psiquiátrico). Não é raro que o paciente chore durante a entrevista médica. Outras vezes, percebe-se que o paciente está próximo disso. Ambas as situações provocam mal-estar no médico, mais ainda no estudante de medicina. Em primeiro lugar, é importante deixar claro que não há nada de mais no fato de o

Parte 1 I Semiologia Geral

30 paciente chorar. Quase sempre ele está precisando aliviar uma tensão que vem crescendo em sua mente, relacionada, direta ou indiretamente, com sua doença. O melhor a fazer é deixá-lo chorar sem indagações e sem querer consolá-lo com palavras vazias ou exortações inúteis. Os pacientes quase sempre se sentem embaraçados quando param de chorar, costumam pedir desculpas, mas confessam que estão aliviados e a entrevista pode até ser iniciada ou retomada mais facilmente. As lágrimas podem representar o início de uma relação médico-paciente em um nível mais profundo e, portanto, de melhor qualidade. Pequenos gestos - um leve toque na mão do paciente -,palavras de compreensão ou apenas um silêncio respeitoso podem ajudar o paciente a sair daquela situação, que não deve prolongar-se demasiadamente. É sempre útil oferecer lenços de papel a ele para que possa enxugar suas lágrimas. Algumas vezes, o paciente pode manifestar o desejo de interromper a anamnese, e o médico ou estudante deve respeitar sua vontade, voltando algum tempo depois, no mesmo dia ou no dia seguinte.

Paciente hostil A hostilidade pode ser percebida à primeira vista, após as primeiras palavras, ou pode ser velada, traduzida em respostas reticentes e insinuações mal disfarçadas. É comum que a agressividade dissimule insegurança ou seja uma defesa contra a ansiedade, podendo ainda ser uma manifestação de humor depressivo. Muitas situações podem determinar esse comportamento. Doenças incuráveis ou estigmatizantes costumam despertar gradativamente atitudes hostis contra o médico ou a medicina, de uma maneira geral. Operações malsucedidas, complicações terapêuticas ou decisões errôneas de outro profissional podem desencadear esta reação. Certas condições, como o etilismo crônico e o uso de drogas, lícitas e ilícitas, que por si sós são capazes de despertar sentimentos de autocensura reforçados por atitudes recriminatórias dos familiares, também provocam hostilidade. O paciente inevitavelmente hostil é aquele que foi levado ao médico contra sua vontade por insistência dos familiares, como no caso de alguns idosos. Outra fonte de hostilidade da qual os médicos são, ao mesmo tempo, causadores e vítimas é o trabalho em instituições previdenciárias e no serviço público. A falta de motivação, o exame clínico feito às pressas e a pouca atenção dada aos pacientes levam-nos a sentirem-se desprezados. Daí nasce uma hostilidade específica contra um determinado médico, que pode generalizar-se a todos os demais e contra a própria medicina. Os estudantes, por sua vez. podem ser alvo da hostilidade dos pacientes nos hospitais de ensino, pelo fato de serem procurados com muita frequência para serem examinados, nem sempre estando dispostos a atender tais solicitações. São inúmeras as fontes de hostilidade, e o médico tem obrigação de reconhecê-las para assumir uma atitude correta. A pior conduta consiste em adotar uma posição agressiva, revidando com palavras ou atitudes a oposição do paciente. Serenidade e autoconfiança são as qualidades principais do examinador nessas condições.

Paciente sugestionável O paciente sugestionável costuma ter excessivo medo de adoecer, vive procurando médicos e realizando exames para confirmar sua higidez, mas, ao mesmo tempo, teme exageradamente a possibilidade de os exames mostrarem alguma enfermidade. Tais pacientes são muito impressionáveis e, quando se deparam com alguma campanha contra determinada doença, começam

a sentir os sintomas mais divulgados. Isto ocorre, por exemplo, nas campanhas contra a hipertensão arterial e nas que visam despertar o interesse pela prevenção do câncer. Tais pacientes são também muito ansiosos. O médico deve conversar com eles com cuidado, pois uma palavra mal colocada pode desencadear ideias de doenças graves e incuráveis. Em contrapartida, deve aproveitar esta sugestionabilidade para despertar nesses pacientes sentimentos positivos e favoráveis que eliminam a ansiedade e as preocupações injustificadas.

Paciente hipocondríaco O paciente hipocondríaco, também conhecido como "paciente que não tem nadà: ou ainda, como Balint denomina, o paciente do "envelope gordo" (uma referência ao prontuário grosso devido a várias consultas) está sempre se queixando de diferentes sintomas. Tende a procurar o médico ao surgirem indisposições sem importância ou sem motivo concreto, quase sempre manifestando o desejo de fazer exames laboratoriais ou "em algum aparelho': como costumam dizer. No entanto, por mais exames que faça, não acredita nos resultados se estes forem normais, e continua queixoso. Muda com frequência de médico, passando a não acreditar nos diagnósticos ou pondo em dúvida suas afirmativas de que seus sintomas não traduzem doenças graves. Faz demoradas consultas em sites de busca ("Dr. Google" é o preferido) e adquire um imenso volume de informações que vão alimentar suas dúvidas sobre sua saúde. Mesmo que se disponha de exames complementares normais para reforçar a conclusão de que ele não é portador de "enfermidade orgânica", pouco adianta fazer afirmações de que "sua saúde é perfeità: ou "está tudo bem': pois o paciente hipocondríaco vive em um estado de sofrimento crônico, que é, na verdade, uma ansiedade somatizada. A melhor ajuda que o médico pode prestar a esses pacientes não é pedir mais exames, mas reconhecer que existe um transtorno emocional, passando a analisar alguns aspectos de suas vidas com o objetivo de encontrar dificuldades familiares, no trabalho, problemas financeiros ou outras situações estressantes. O hipocondríaco sempre tem alguns diagnósticos a oferecer à guisa de queixas. O estudante deve estar prevenido e quando o doente disser, por exemplo, que sofre de "hemorroidas" pode ser que seu problema seja, na verdade, "obstipação intestinal': o qual, em sua imaginação, foi transformado no diagnóstico que lhe é mais conveniente. Contradizer com veemência um paciente hipocondríaco não ajuda em nada. Ridicularizá-lo só aumentará as dificuldades no estabelecimento de uma boa relação médico-paciente. Ouvi-lo com paciência e compreensão e expressar opiniões claras e seguras são condições fundamentais para aliviar a ansiedade desses pacientes e ajudá-los a superar seus problemas de saúde.

Paciente eufórico O paciente eufórico apresenta exaltação do humor, fala e movimenta-se demasiadamente. Sente-se muito forte e sadio e fica fazendo referências às suas qualidades. Seu pensamento é rápido, muda de assunto inesperadamente, podendo haver dificuldade de ser compreendido. O médico faz uma pergunta, ele inicia a resposta, mas logo desvia seu interesse para outra questão e continua falando. É necessário ter paciência para examiná-lo. Deve-se observar se esta é a maneira de ser do paciente (temperamento hipomaníaco), se está intimamente relacionado com outras doenças (hipertireoidismo, hiperatividade) ou se está de fato apresentando uma exaltação patológica do humor. Nesses casos, a euforia pode ser sintoma de transtorno bipolar (ver Parte 16, Exame Psiquiátrico).

4 I Relação Médico-Paciente

Paciente inibido O paciente inibido ou tímido não encara o médico, senta-se à beira da cadeira e fala baixo. Não é difícil notar que ele não está à vontade naquele lugar e naquele momento. Não se deve confundir timidez com depressão. O médico pode ajudá-lo a vencer a inibição, que pode ser um traço da personalidade do paciente, mas às vezes se origina no medo de uma doença incurável. Para isso, uma demonstração de interesse pelos seus problemas é fundamental. Algumas palavras amistosas sempre ajudam. Os pacientes pobres e os da zona rural, ao se deslocarem para uma cidade grande e entrarem em um ambiente diferente - carpetes, secretárias, interfones, ar-condicionado, mobiliário moderno -, podem ficar muito inibidos. A tendência desses pacientes é falar pouco e responder afirmativamente - para agradar ao médico - às perguntas que lhes são formuladas. São as maiores vítimas dos médicos autoritários.

Paciente psicótico

31 uma comunicação especial. Falar pausadamente, olhando nos olhos do paciente, pronunciando cuidadosamente as palavras, evitando gritar, pode facilitar a comunicação, permitindo que este faça uma leitura labial.

Pacientes especiais Não nos referimos apenas aos casos de franco retardo mental. A todo momento, o médico entra em contato com pessoas de inteligência reduzida ou vítimas de alienação devido às péssimas condições socioeconômicas a que estão subjugadas. É necessário reconhecê-las para adotar uma linguagem mais simples, adequada ao nível de compreensão do paciente (modelo explicativo leigo). Do contrário, este se retrairá ou dará respostas despropositadas, pelo simples fato de não estar compreendendo a linguagem. Pode preferir calar-se, deixando transparecer a sua incapacidade de entender o médico. Perguntas simples e diretas, usando apenas palavras corriqueiras, ordens precisas e curtas e muita paciência, são os ingredientes para conseguir um bom relacionamento com este tipo de paciente.

Estabelecer uma relação com o paciente psicótico costuma ser difícil para o estudante ou até mesmo para o médico pouco experiente nesta área. O psicótico vive em um mundo fora da realidade do médico. Alucinações, delírios, pensamentos desorganizados fazem com que estes coloquem-se em uma posição de difícil acesso. As psicoses têm na esquizofrenia sua representante maior. Vários podem ser os tipos ou apresentações da esquizofrenia, assim como alguns sintomas esquizofreniformes podem surgir no curso de lesões orgânicas (p. ex., as demências). Os sintomas mais significativos no diagnóstico do esquizofrênico são, hoje, denominados "sintomas de primeira ordem": percepção delirante, alucinações auditivas características (vozes que comentam e/ou comandam as ações do paciente), eco ou sonorização do pensamento, difusão do pensamento (sensação de que as outras pessoas podem ouvir seus pensamentos), roubo de pensamento e vivências de influência (p. ex., sensação de que um ser externo está atuando sobre o corpo do paciente). O conceito de doença mental tem sido modificado e, atualmente, surge o conceito de "transtornos psiquiátricos" grandes síndromes - classificados no DSM-IV (ver Parte 16,

O paciente em estado grave cria problemas especiais para o médico, do ponto de vista psicológico. De maneira geral, não deseja ser perturbado por ninguém, e os exames, de qualquer natureza, representam um incômodo para ele. Por isso, no que diz respeito ao exame clínico, é necessário ser objetivo, fazendo-se apenas o que for estritamente necessário e, mesmo assim, adaptando-se a semiotécnica às condições do paciente. Ao entrevistá-lo, as perguntas devem ser simples, diretas e objetivas, pois sua capacidade de colaborar está diminuída. Para a realização do exame físico, respeitam-se suas conveniências quanto à posição no leito e à dificuldade ou impossibilidade para sentar-se ou levantar-se. Muitas vezes, solicita-se a ajuda de um parente ou enfermeiro para virá-lo na cama ou recostá-lo. Tudo é feito com permanente preocupação de não agravar seu sofrimento. Por outro lado, convém ressaltar que as doenças graves acompanham-se de uma ansiedade que pode ser de grande intensidade. O paciente ansioso deseja que o médico esteja a seu lado, manifestando este sentimento pelo olhar ou segurando suas mãos quando ele se aproxima do leito.

Exame Psiquiátrico).

Paciente fora de possibilidades terapêuticas

Paciente surdo

Conceituar paciente terminal, atualmente denominado "fora de possibilidades terapêuticas': é uma tarefa difícil. Em senso estrito, é aquele que sofre de uma doença incurável em fase avançada, para a qual não há recursos médicos capazes de alterar o prognóstico de morte em curto ou médio prazo. Os exemplos mais frequentes são as neoplasias malignas avançadas, as cardiopatias graves, as nefropatias com insuficiência renal em estágios avançados, a AIDS, em fase final da doença. Não se deve confundir "paciente em estado grave" com "paciente terminal". Por mais graves que sejam as condições de um paciente, quando há possibilidade de reversão do quadro clínico, os mecanismos psicodinâmicos da relação médico-paciente são diferentes dos que ocorrem quando não há esperança de recuperação. Esta relação, quando se dá em casos terminais, pode ser difícil e causadora de sofrimento emocional para o médico e toda sua equipe. Contribuição relevante nesta área foi dada pela psiquiatra Elizabeth Kübler-Ross. Após conviver com centenas de pacientes terminais, ela pôde distinguir cinco fases pelas quais passam estas pessoas ao terem consciência

A comunicação entre o médico e um paciente que não escuta, e, consequentemente, não fala, depende do interesse do primeiro e da inteligência do segundo. Quase sempre alguma pessoa da família faz o papel de intérprete, e, neste caso, a entrevista assume características idênticas às que exigem a participação de uma terceira pessoa. Em tais situações, é óbvio, a anamnese terá de ser resumida aos dados essenciais. Contudo, as informações adquiridas poderão ser cruciais para uma correta orientação diagnóstica. Atualmente tem-se dado ênfase ao aprendizado da linguagem de sinais (Libras). A própria avaliação das escolas médicas feita pelo Ministério da Educação prevê o ensino desta linguagem como um item a ser avaliado. Escolas de excelência, avaliadas com nota máxima, contêm em seu currículo aulas de Libras para que os estudantes desenvolvam uma anamnese adequada com os pacientes surdos. Também os pacientes que se tornaram surdos ao longo do tempo (idosos, perda da audição por doença degenerativa ou trauma) requerem

Paciente em estado grave

Parte 1 I Semiologia Geral

32 de que caminham para a morte. Aliás, cumpre ressaltar que os conhecimentos obtidos por essa psiquiatra são válidos para qualquer paciente. O que ocorre com aquele que está fora de possibilidades terapêuticas é apenas uma amplificação dos fenômenos psicológicos que fazem parte do sentir-se doente. .,.. Primeira fase I negação. O paciente usa todos os meios para não saber o que está acontecendo com ele. É comum que se expresse dessa maneira: "Não, não é possível que isso esteja acontecendo comigo!" Quase sempre a família e o próprio médico reforçam esta negação - a família, escondendo do paciente todas as informações que lhe são fornecidas, o médico, dando a ele uma ideia falsamente otimista de seu estado de saúde. A fase de negação é inerente à condição humana e se torna mais evidente nas pessoas que estão vivendo um momento de grandes responsabilidades, prestígio e poder. Não adianta o médico confrontar a negação do paciente. É mais conveniente calar-se e deixá-lo vivenciar sua frustração, falando apenas o essencial e respondendo às questões de maneira sincera e serena. .,.. Segunda fase I raiva. A pessoa que até então negava sua realidade começa a aceitá-la como concreta, mas passa a agredir os familiares e os profissionais que lhes prestam assistência. Alguns se revoltam contra Deus, expressam desencanto, proferem blasfêmias. Nessa fase, o grau de dificuldade da relação médico-paciente alcança seu nível máximo, pois o paciente mostra-se decepcionado com a medicina e o profissional pode ser o alvo de suas palavras de desespero e raiva. .,.. Terceira fase Inegociação. Depois de negar e protestar, o paciente descobre que a negação e a raiva de nada adiantam e passa a procurar uma solução para seu problema. Promessas de mudança de vida, reconciliação com pessoas da família, busca de Deus compões suas atitudes nessa fase de negociação, na qual o médico pode ter papel muito ativo, apoiando e conversando abertamente com ele. .,.. Quarta fase I depressão. Nesta, o paciente questiona toda a sua vida, seus valores, suas aspirações, seus desejos, suas ambições, seus sonhos. Ele costuma manifestar a vontade de ficar só e em silêncio. Deixa de ter interesse por assuntos corriqueiros - negócios, problemas familiares - aos quais dava grande importância. A revolta e a raiva dão lugar a sentimentos de grande perda. Muito influem na instalação do quadro depressivo as alterações físicas, representadas por emagrecimento, queda de cabelos e cirurgias mutiladoras. Nessa fase, o médico que saiba compreender o que o paciente está passando é decisivo para o alívio de suas angústias. É desnecessário se expressar com palavras duras. Mas a verdade precisa imperar na relação do médico com o paciente e a família . .,.. Quinta fase Iaceitação. Este processo é basicamente o encontro do paciente com seu mundo interior. Perceber a realidade não é desistir da luta ou sentir-se derrotado. É a plena consciência de um fato - a morte próxima - como parte de seu ciclo vital. Muito influem para esta aceitação os valores, as crenças e as ideias que alimentaram a vida daquela pessoa antes de adoecer. Aqueles que têm uma formação religiosa ou um desenvolvimento espiritual mais avançado estão mais bem preparados para aceitar a morte do que as pessoas que se apoiaram apenas em objetivos materiais para viver. É óbvio que, na prática, as coisas não se dão de maneira tão esquemática. O processo é muito complexo e a descrição didática proposta por Kübler-Ross é válida por apresentar referências compreensíveis dentro da complexidade destes fenômenos. Nem sempre as fases se sucedem nesta ordem. Há a possibilidade de que o paciente não viva determinada fase. Também há momentos nos quais o paciente, em vez de avançar na busca da aceitação, regride às fases da negação ou da

raiva. De qualquer modo, é necessário reconhecê-las para que o médico procure adotar as atitudes mais adequadas para cada uma delas (Figura 4.3).

Crianças eadolescentes A criança é um ser único, com etapas de desenvolvimento bem definidas, e não um "adulto pequeno". Ao atender uma criança, o médico deverá ter conhecimento básico de crescimento e desenvolvimento não só do ponto de vista orgânico, mas também do ponto de vista emocional. Relacionar-se com pacientes pediátricos implica uma relação com pai, mãe e toda a família. A criança não procura o médico sozinha, o faz acompanhada de um cuidador (pai, mãe, avós, tios, irmãos, entre outros adultos). A relação médico-paciente torna-se complexa, principalmente porque o conceito de família tem sido ampliado. Muitas vezes cabe ao profissional conversar com a mãe, o marido desta, o pai e a sua esposa e orientá-los, pois os quatro estão, de forma ativa, envolvidos com o processo de saúde/doença da criança. Comumente, as crianças têm medo do médico e dos aparelhos. Este receio é explicável porque elas temem o desconhecido. E, em muitas culturas, são amedrontadas por meio de ameaças como: "Se não ficar quieto, vai tomar injeção!" Talvez a qualidade mais importante para lidar com elas seja a bondade, traduzida na atenção, no manuseio delicado e no respeito pela sua natural insegurança. Conquistar a confiança e a simpatia de uma criança é mais que um ato profissional. É um ato de amor cujo significado será facilmente percebido pelo médico sensível. A relação médico-paciente adolescente é de extrema peculiaridade e envolve aspectos de difícil manuseio pelos médicos e estudantes - sexo, drogas ilícitas, gravidez precoce, alterações corporais (tatuagens, uso de piercings) -,devendo, por isso, ser discutida de modo particular (ver Capítulo 11, Semiologia da Adolescência).

Idosos O comportamento dos idosos varia muito em função de seu temperamento, sendo, talvez, em boa parte, um reflexo do que a vida lhes propiciou. O paciente idoso precisa sentir desde o primeiro momento que está recebendo atenção e respeito, pois

RAIVA

I

NEGAÇÃo

I ~------+-----~--· INEGOCIAÇÃO I

IACEITAÇÃO I

IDEPRESSÃO I

Figura 4.3 Fases da morte e do morrer segundo Elizabeth Küber-Ross.

4

I Relação Médico-Paciente

costuma ter certa amargura e uma dose de pessimismo diante de todas as coisas da vida; às vezes, torna-se indiferente e arredio, principalmente diante do jovem médico que está fazendo sua iniciação clínica. Antes de tudo, é necessário compreendê-lo, aceitando suas "manias" e agindo com paciência e delicadeza. São numerosas as dificuldades psicológicas capazes de dificultar a relação médico-paciente, a começar pela própria idade do médico, geralmente mais jovem. Para contornar esta questão, o médico busca como referência sua experiência pessoal, evocando a imagem dos pais ou avós, o que introduz na relação médico-paciente um componente afetivo eivado de subjetividade. Essa subjetividade - inevitável e necessária - pode ser tão forte que a relação entre o médico e o doente adquire as características do relacionamento criança-adulto, mas de maneira paradoxal: o médico assume o papel de adulto e passa a ver o paciente como uma criança. Tal atitude entra em conflito com o desejo do paciente de ver reconhecida sua personalidade original, de adulto, o que faz com que ele repudie as manifestações de superproteção. O médico, por outro lado, não escapa à angústia da morte, de que o idoso é o símbolo por excelência. Perante este tipo de paciente, o significado do ato médico pode ser conturbado por um sentimento de mal-estar cuja origem provém do conflito interior do profissional que percebe, ao cuidar de um paciente idoso, frequentemente portador de doença incurável, as limitadas possibilidades de seu saber. Esta relação de incerteza e impotência pode ser ampliada quando o médico vivenda momentos de inquietação latente a propósito de sua própria velhice. Pode existir, também, um desencontro entre o interesse do clínico e as expectativas do idoso. O interesse médico é tradicionalmente voltado para o reconhecimento das doenças para as quais ele aciona "remédios" e "cirurgias': enquanto estes pacientes necessitam, sobretudo, ser reconhecidos e respeitados como pessoas (ver Capítulo 12, Semiologia do Idoso). A respeito dos padrões descritos, é necessário reconhecer como o paciente se relaciona com sua doença. Afinal, ao tomar a decisão de procurar um médico, a pessoa vem há muito se relacionando com o seu próprio processo de adoecimento. De acordo com Balint, alguns pacientes veem suas doenças como "uma espécie de filho, um filho mau e malcriado, que em lugar de trazer prazer, é fonte de dor e aborrecimento para seu criador" (Balint dá como exemplo mulheres que sofrem com um tumor). Outra maneira de relacionar-se com a doença é a compreensão de muitos pacientes de que são pessoas boas e que todo o "mal" (adoecimento) vem de fora, ou seja, não lhes pertence de fato! Então desejam que os médicos lhes prescrevam procedimentos que possam expurgar o "mal" de seus corpos. Tais pessoas buscam - além da magia e rezas que exorcizam - o uso de laxativos, flebotomias, enemas ou ((lavagens" e, muitas vezes, procedimentos cirúrgicos repetitivos. Existe ainda aquele para o qual adoecer pode ser considerado um bem-vindo alívio. Este tipo de pessoa tende a perceber a vida como um fenômeno esgotador e, a doença acaba por lhes proporcionar uma oportunidade para retrair-se e cuidar de si mesmos.

. .,. Família A efetivação da proposta do Sistema Único de Saúde (SUS), de implantação da Estratégia de Saúde da Família (ESF) em todo o território nacional, coloca o médico e o estudante,

33 principalmente, frente a um novo ((paciente"- a família. Nessa nova circunstância tudo é diferente: surge o conceito de "consulta domiciliar': estratégias de abordagem domiciliar, consultas coletivas e até uma reflexão sociológica já demonstrada em pesquisas: o animal de estimação ou pet (gato, cão) como membro da família. Cabe ao profissional munir-se de conhecimentos da área da família (psicologia, antropologia, sociologia) e da promoção de saúde para conseguir um bom relacionamento dentro desse novo paradigma. A bioética é essencial nesses atendimentos, e novos conceitos vêm sendo cunhados em todas as profissões da saúde. A definição de família é bastante complexa e abrange núcleos muito diferenciados como possibilidades de cenários familiares. Hoje se trabalha com famílias nucleares, ampliadas, monoparentais, reconstituídas, homossexuais etc. Quando um médico visita um lar para atender uma família, mobilizam-se, dentro dele, todas as emoções que ele próprio vivenda (ou vivenciou) no seio de sua própria família, dando origem a transferências e contratransferências de suma importância. Nos EUA e na Europa, os grupos Balint têm sido um instrumento bastante utilizado no treinamento dos médicos da ESF para o domínio da relação médico-paciente. Mais do que qualquer outro médico, o profissional que desenvolve sua atividade na ESF deve refletir sobre seus conceitos e preconceitos procurando dar conta do enfrentamento de situações difíceis e inusitadas. Pessoas vítimas de violência mental, moral, psicológica, física e sexual dentro do âmbito familiar, bem como vítimas do tráfico de seres humanos (p. ex., mulheres trafi.cadas para a Europa para serem profissionais do sexo) são exemplos comuns de pacientes das equipes da ESF. Os médicos de família e comunidade agem de acordo com os conceitos da medicina centrada na pessoa. Tal teorização é bastante correlata à visão balintiana da relação médico-paciente e tomou corpo nos países europeus e no Canadá, sendo, hoje, uma referência da medicina de família em praticamente todo o mundo. O atendimento centrado na pessoa é composto de seis componentes interativos que são definidos a seguir. .... Explorar a doença e a experiência da doença. O médico, ao atender um paciente, deve explorar a doença por meio da anamnese e de exames físico e laboratoriais, bem como as dimensões da doença para o paciente buscando compreender seus sentimentos, ideias a respeito de seu sofrimento e dor, os efeitos do seu adoecer nas suas funções laborativas e em suas expectativas de vida. .... Entender a pessoa como um todo. O profissional precisa entender seu paciente não só como pessoa, mas também como membro de uma comunidade, de um ecossistema, de uma cultura, alguém contextualizado dentro de uma família, em um cenário de trabalho, com ou sem uma rede de apoio. .... Elaborar um plano conjunto de manejodos problemas. O médico deve levantar junto ao seu paciente os problemas que ele está apresentando e fazer uma lista de prioridades para firmar conjuntamente os objetivos do tratamento e/ou manejo da doença, definindo os papéis do médico e do paciente no projeto terapêutico. Um exemplo claro desta situação está no atendimento de uma paciente hipertensa que não se mostra aderente ao tratamento porque, sendo analfabeta, não consegue ler o nome e a dosagem dos medicamentos que usa. Também podem ser apresentados por ela problemas como o fato de seu filho estar envolvido com drogas, sua filha colocar muito sal no preparo dos alimentos, e não ter dinheiro para comprar a medicação. Cabe ao médico, então, avaliar estes problemas e organizá-los

Parte 1 I Semiologia Geral

34 juntamente com a paciente em uma lista de prioridades, buscando oferecer soluções. Assim o profissional deve receitar medicamentos que constem da lista da REMANE para reduzir gastos com a compra de remédios, conversar com a filha da paciente para que ela reduza o sal no preparo dos alimentos, encaminhar a atendida para grupos de ajuda de familiares de dependentes químicos e o filho para um CAPS-AD (Centro de Atenção Psicossocial do SUS especializado em dependência química) e, por fim, orientá-la a buscar o AJA (Alfabetização de Jovens e Adultos). ~ Incorporar prevenção e promoção de saúde. Este componente remete o médico a uma constante atitude preventiva, buscando não só a cura, mas, em especial, a melhora da saúde com prevenção e/ou redução dos riscos, buscando a identificação precoce de doenças mais prevalentes e redução das complicações no curso das enfermidades já estabelecidas. ~

utilidade do aparelho na relação médico-paciente. Deve ficar claro, no entanto, que nem todas as consultas feitas por telefone podem ser tão simples. Caso o médico perceba a necessidade de um encontro presencial para exame detalhado, este irá orientar o paciente a procurar a unidade básica de saúde, organizando sua agenda de maneira a atender a pessoa que lhe telefonou. Estudos têm mostrado que a consulta por telefone na atenção primária à saúde tem os seguintes aspectos positivos: • • • • • •

Diminuir custos e tempo Minimizar faltas às consultas Melhorar a vacinação Melhorar a promoção de saúde Proporcionar feedback após alta Informar ocorrência de mortes.

Intensificar o relacionamento entre a pessoa atendida e o médico. O

profissional deve exercer a compaixão, o poder (no sentido de fazer o que for melhor ao paciente e também emancipá-lo), buscar a cura quando possível, desenvolver na pessoa atendida a consciência de si mesma (emancipação da pessoa) e trabalhar para promover uma transferência e contratransferência positiva e eficaz. ~ Ser realista. Este componente traz ao médico a responsabilidade pela gestão de tempo buscando otimizar o atendimento de forma humana, mas respeitando o timing da consulta. Também é função do profissional médico a gestão do trabalho em equipe e a sensata administração dos recursos tanto financeiros como das ferramentas da medicina de família e comunidade e dos equipamentos sociais da área adscrita, ou seja, a comunidade atendida pela equipe da ESF. Uma ferramenta da medicina de família e comunidade que merece destaque ao se discutir a relação médico-paciente diz respeito à consulta por telefone. Ainda que se condenem as consultas por telefone de uma maneira geral por ser um meio inadequado de atendimento, podendo inclusive comprometer eticamente o próprio médico, elas vêm se firmando como um recurso auxiliar na atenção primária à saúde. É necessário pensar o atendimento neste modelo como algo específico da ESF. O médico de família e comunidade detém uma importante característica que diferencia seu atendimento dos de outros especialistas, visto que a relação médico-paciente-família é desenvolvida durante anos a fio, constituindo um saber próprio destes: seja do médico com relação aos pacientes e suas famílias, seja do paciente com relação à sua doença e ao seu médico. Tal característica é chamada de longitudinalidade. Por conta da longitudinalidade, que embasa o conhecimento do paciente e da evolução de sua doença, o médico pode, por meio de conversas telefônicas, tirar algumas dúvidas, esclarecer alguns pontos ou orientar algumas condutas a serem tomadas frente a problemas simples que não necessitam obrigatoriamente de um encontro presencial entre o médico e seu paciente. Um exemplo bastante comum é o caso de um paciente cardiopata que faz uso crônico de ácido acetilsalidlico, diurético e inibidores da ECA, que vai a outro especialista que lhe receita algum medicamento que interage com tais fármacos. Muitas vezes o especialista não pergunta sobre os medicamentos já em uso e prescreve o mesmo fármaco em outra apresentação, com outro nome comercial, ou então prescreve algum remédio que interage com os anteriores causando algum transtorno. Em conversa pelo telefone com seu médico de família, ao citar os medicamentos que lhe foram prescritos, o paciente pode obter informações sobre se deve ou não usá-los. Este exemplo simples demonstra a

~ Trabalho do estudante de

medicina com opaciente Quando o estudante inicia seu aprendizado clínico, torna-se obrigatório o trabalho com pacientes. Mesmo que seja alertado para as particularidades deste exercício, somente a vivência dos fatos poderá mostrar-lhe as dificuldades e os obstáculos a superar. Nem sempre, contudo, o estudante compreende o significado e o alcance de algumas exigências, entre as quais se encontra a obrigatoriedade de usar roupas especiais - o uniforme de médico, por exemplo. O uso de roupa branca sob a configuração de uniforme (avental até os joelhos com mangas longas e sapatos fechados com solados antiderrapantes) contribui para uma boa aparência e tem, sobretudo, a função de proteger o estudante de infecções hospitalares e acidentes com secreções orgânicas e objetos perfuro cortantes. Tal indumentária é um equipamento de proteção individual e coletiva, protegendo-o no que diz respeito a acidentes do trabalho, sendo também um símbolo de limpeza e apreço e um fator de identificação profissional. Por isso, para trabalhar em qualquer hospital, o estudante de medicina precisa estar uniformizado e ter aparência agradável (asseio corporal, unhas aparadas, cabelos penteados e, quando longos, seguros por presilhas, sapatos limpos e um aspecto saudável). Outra particularidade importante é seu comportamento e sua maneira de agir. O hospital é uma instituição que tem normas de funcionamento especialmente dirigidas para o bem-estar dos pacientes. Os estudantes devem ser comedidos em suas atitudes, linguagem e comportamento. As brincadeiras, os ditos jocosos, as discussões de assuntos estranhos ao ensino e ao interesse dos enfermos devem ser deixados para outra oportunidade e outro local. O ambiente hospitalar (ou qualquer outro em que se cuida de doentes) exige respeito e discrição. Deve ser sempre lembrado que o ambiente hospitalar é, também, repleto de agentes infectantes (vírus, bactérias etc.), de forma que os estudantes devem evitar encostar-se em paredes, sentar-se ao chão ou nos leitos vagos, e, obviamente, devem lavar as mãos de forma adequada, sempre que forem manusear um paciente. A Norma Regulamentadora nº 32 (NR 32), que discorre sobre a "Segurança e Saúde no Trabalho em Serviços de Saúde e os Riscos Biológicos", proíbe, dentre outros: o ato de fumar, o uso de adornos, o manuseio de lentes de contato nos postos de trabalho e o uso de calçados abertos em ambientes nos quais haja risco de contato com materiais

4

I Relação Médico-Paciente

biológicos. São exemplos de adornos: alianças e anéis, pulseiras, relógios de uso pessoal, colares, brincos, broches e piercings expostos. Esta proibição estende-se a crachás pendurados com cordão e gravatas. A profissão médica exige autodisciplina, à qual o estudante deve aprender a submeter-se desde cedo. O hospital, enquanto campo de estágio, é um espaço sujeito às normas internas e trabalhistas. Embora estudantes não sejam trabalhadores ainda, eles devem aproveitar a oportunidade para aprender. Ao entrar em contato com os pacientes nas enfermarias ou no ambulatório e iniciar o seu aprendizado prático, o estudante encontrará certamente algumas dificuldades que precisará superar. O pleno conhecimento dos princípios e virtudes da bioética passa a ser extremamente necessário. Reforça-se que o estudante deverá ter em mente que tudo o que lhe for relatado pelo doente constituir-se-á em segredo médico, não devendo servir de comentário casual nem com os colegas (ver seção Relação médico-paciente e princípios bioéticos no início do capítulo). O respeito pela individualidade do paciente faz-se notar pela postura do estudante que o atende: manter as portas do consultório fechadas durante as consultas, não adentrar ao recinto do atendimento para conversar assuntos alheios com os colegas e respeitar o momento de repouso ou refeição dos pacientes nas enfermarias. O estudante verifica que, para numerosas doenças, não existe tratamento eficaz. e que o médico nada mais faz que promover alívio aos sintomas e acompanhar a evolução da moléstia. Este fato causa profunda decepção aos que, em suas fantasias de adolescentes, idealizam o médico como um profissional quase onipotente, capaz de influir decisivamente sobre a vida e a saúde. Então sente-se frustrado, como alguém que foi ludibriado na escolha de sua carreira. É necessário maturidade para superar esse sentimento de frustração e adaptar-se à realidade da profissão médica. Outra causa frequente de ansiedade é verificar o valor relativo de toda afirmação em medicina, ou seja, nada existe de absoluto ou de definitivo. Os mesmos sintomas podem decorrer de doenças diferentes, enquanto uma mesma doença pode produzir sintomas diversos. Cada paciente é um universo particular com apenas alguma semelhança com o próximo. Cada um responde de maneira diferente ao mesmo tratamento (as doenças podem ser semelhantes, mas os pacientes nunca são iguais). As verdades em medicina são relativas e provisórias. Ao verificar uma divergência existente na opinião de dois professores, o aluno fica desorientado, então, em vez de perceber que esta situação é comum em medicina e que ele mesmo deve aprender a pensar e decidir por si próprio, reage de maneira diferente, tomando-se hostil em relação à escola e ao corpo docente e desejando, no íntimo, estar matriculado em outra faculdade na qual os professores fossem mais bem preparados e lhe dessem uma orientação mais segura. Esta é a reação de pessoa emocionalmente dependente, que necessita de apoio e se sente insegura. Entretanto, esta situação, longe de ser prejudicial, é benéfica, pois é importante preparar-se para as incertezas da profissão, aprendendo, desde cedo, a desenvolver juízo crítico e discernimento para não ficar mais tarde totalmente preso aos esquemas e regras, protocolos e diretrizes. A ansiedade do estudante nasce também da tomada de consciência da extensão dos conhecimentos que necessita adquirir no reduzido tempo de que dispõe. Os professores, inadvertidamente, podem contribuir para agravar esta situação. Isso porque cada docente, em geral, é um especialista em

35 determinada área, e o acadêmico convive com vários deles ao mesmo tempo, verificando, desde logo, ser incapaz de corresponder ao que cada professor espera dele. Sendo impossível demonstrar um desempenho altamente satisfatório em todos os assuntos que lhe são ministrados, termina por escolher aqueles para os quais foi mais vivamente motivado, desprezando os demais e racionalizando sua atitude com a interpretação de que o faz porque deseja dedicar-se a tal área da medicina ou porque aqueles temas que desprezou são mais bem ensinados. Cria-se, assim, o perigo de especialização precoce, que deve ser evitado a todo custo. Escolas que adotam metodologias ativas (PBL, problematização) favorecem o aprendizado problematizador, o "aprender a aprender': o raciocínio crítico e a possibilidade de compreensão da complexidade do saber científico. Os novos modelos curriculares têm propiciado uma interação das ciências humanas com as áreas biomédicas, evitando, assim, a desqualificação de determinados saberes em detrimento de outros ligados à especialização dos professores. Dessa forma, amenizam-se as fontes de tensão anteriormente expostas. É importante considerar todo paciente como pessoa humana digna de todo respeito e consideração e lembrar que nada deve ser feito sem o seu consentimento. Isto não impede, entretanto, que a medicina seja exercida com espírito científico e que toda pessoa atendida possa contribuir para o aprimoramento dos conhecimentos médicos, o que, em última análise, redunda em benefício aos próprios pacientes. É necessária uma atitude deliberada de observação criteriosa dos fatos para que se possam tirar conclusões válidas. Não se pode dissociar o ensino da pesquisa, e onde não há pesquisa, o ensino tende a deteriorar-se. Outra situação angustiante para o estudante é a sensação de que está "usando" o paciente como objeto de estudo, mas não lhe está dando nada em troca. O estudante sente-se um usurpador, o que, muitas vezes, o inibe em sua prática. Contudo, Catalgo, em um interessante trabalho, mostrou que em uma população de 100 pacientes inquirida a esse respeito, a grande maioria (97%) dizia gostar da presença dos alunos dentro do hospital. Em nossa experiência, temos ouvido de pacientes o relato de que gostam de conversar com os estudantes. Há inclusive aqueles que, ao terem alta, incentivam os acadêmicos a serem bons profissionais escrevendo-lhes bilhetes ou se propondo a fazer orações em suas intenções. Vencidas todas as tensões que possam surgir no ambiente hospitalar, o estudante estará em condições de estabelecer um bom relacionamento com os pacientes e desenvolver uma atitude útil ao aprendizado e benéfica aos doentes sob os seus cuidados. No relacionamento estudante-paciente, a primeira manifestação do acadêmico deve ser de empatia e de interesse pelo doente. O paciente deve ser tratado como uma pessoa humana e jamais como um simples caso a ocupar um leito numerado. Deve ser chamado respeitosamente pelo seu nome próprio, antecedido de Sr. ou Sra., quando se tratar de um adulto. No caso de idosos, nunca chamá-los de "vô ou vozinho, vó ou vozinhâ'. O estudante deve lembrar-se de que a pessoa atendida é alguém muito importante para a própria família, que depende dela, a espera e deseja vê-la recuperada. O paciente vai ao hospital em busca da saúde perdida e espera encontrar ajuda por parte de todos os que o assistem para alcançar seu objetivo. O estudante de medicina está incluído, obviamente. Todo cuidado deve ser tomado com palavras e atitudes que possam atemorizar o paciente ou dar-lhe a conhecer a gravidade de seu mal ou a natureza incurável de sua enfermidade. Deve o estudante abster-se de

Parte 1 I Semiologia Geral

36 fazer indagações ou comentários diante do paciente sobre o prognóstico do caso ou a sobrevida provável. Quando se tratar realmente de uma doença grave ou incurável, de prognóstico reservado, é necessário poupar ao paciente maior sofrimento, evitando que ele conheça toda a verdade. A comunicação de más notícias só deve ser feita junto com o professor após o treinamento em Laboratórios de Habilidades em Comunicação. Palavras que soam como estigmas, tais como câncer, doença de Chagas, hanseníase, AIDS, incurável, óbito e outras tantas, não devem ser mencionadas ao paciente. Esta questão tem sofrido modificações nos últimos anos, tornando-se cada vez mais frequente a revelação ao paciente e à sua família de suas exatas condições, incluindo prognósticos reservados. O trabalho com atores em situações simuladas de comunicação de más notícias tem sido um instrumento importante no processo ensino-aprendizagem dos acadêmicos de medicina. É frequente que o estudante entusiasme-se com casos raros, difíceis e complicados, menosprezando os mais simples com os quais está em contato diariamente. Porém, todo paciente merece a mesma atenção por mais banal que seja seu caso. Para ele, o seu problema é o mais importante de todos e merece séria consideração por parte do médico. O paciente está sempre receoso de ter uma doença grave, e é dever do médico- ou estudante- procurar tranquilizá-lo. Ao registrar a história clínica, é preciso demonstrar disposição para ouvir, deixando o paciente falar à vontade, interrompendo-o o mínimo possível, apenas quando estritamente necessário. É importante que a pessoa atendida possa externar tudo que a preocupa ou aborrece, mesmo que, aparentemente, não tenha relação direta com a doença que se procura diagnosticar. Nunca se deve interromper o paciente com observações como: "isso não interessa", "só responda ao que eu perguntar" e outras semelhantes. Por outro lado, é importante que o estudante adquira a habilidade de nortear de forma adequada a anamnese de pessoas que divagam sobre suas queixas ou mudam o foco da entrevista. Durante a anamnese, o estudante deve esforçar-se ao máximo para se interessar realmente pelo que lhe diz o paciente, procurando depois ordenar os dados fornecidos e fazer indagações complementares se forem necessárias. Ao dirigir-se ao doente, deverá o estudante mostrar-se educado no falar e no agir. Em lugar de dar ordens, usar sempre "por favor': Ao realizar o exame físico, deve evitar ferir o pudor do paciente. Sempre que possível, o paciente deve ser examinado em locais adequados, com as portas fechadas. Deve evitar adentrar ambulatórios onde outros estudantes examinam seus pacientes, abrindo portas, falando alto e consequentemente acanhando a pessoa que lá se encontra. Em nenhuma hipótese o paciente deverá ser hostilizado. A reação do estudante frente a atitudes agressivas deve ser de compreensão e tolerância. Há pacientes que estão sempre gratos ao médico, por menos que este tenha feito em seu benefício. Há outros que estarão sempre revoltados e insatisfeitos, por mais que se faça em seu favor. O estudante deve colocar-se em uma posição de neutralidade e tratar de ambos com bondade e compreensão. Embora o estudante de medicina esteja legalmente impedido de executar qualquer ato médico, na Unidade Básica de Atenção à Saúde da Família (UBASF), no CAIS (Centro de Atenção Integral à Saúde) e no hospital de ensino, ele recebe a incumbência de realizar, sob a supervisão docente, tarefas de crescente complexidade, que culminam no período de internato, com o desempenho de todas as atividades inerentes ao exercício da profissão médica.

Assim como um menor não responde pelos seus atos perante a lei, também o estudante de medicina não é responsável pelos atos médicos que pratica. Toda atividade que desempenha, ele o faz por delegação de função e sob a responsabilidade única e exclusiva dos docentes. Ao mesmo tempo em que desenvolve seus conhecimentos e suas habilidades, igualmente se familiariza com as questões de ética médica e com os deveres da profissão.

~

Discussão de casos clínicos à beira do leito

Nos hospitais universitários, é costume discutir os casos clínicos à beira do leito do paciente ou nas salas de consulta dos ambulatórios. Isso faz parte da dinâmica de trabalho dessas instituições em função da necessidade de ministrar ensino prático aos estudantes de medicina, sendo impossível evitar perguntas, indagações e explicações na frente do paciente naqueles momentos. Por menos que pareça, os pacientes estão sempre muito atentos a tudo o que se fala sobre eles, principalmente nos casos mais graves ou que exigem investigação diagnóstica mais minuciosa. Os professores e estudantes, incluindo os residentes, também precisam estar atentos a estes aspectos, não se esquecendo de que a formação ética e human.ística é indissociável do preparo técnico. Comentários inadequados, expressões que traduzem dúvidas diagnósticas de doenças malignas ou incuráveis e prognósticos pessimistas podem ser fonte de ansiedade e sofrimento psíquico, aumentando seu padecimento. Em princípio, os médicos, professores e estudantes devem se abster de comentários além dos exigidos para a obtenção de dados clínicos e, mesmo assim, escolhendo de forma cuidadosa os termos a serem usados. Palavras como câncer, tuberculose, AIDS, morte súbita, incurável, fatal e muitas outras devem ser evitadas tanto quanto possível. Além disso, é necessário desenvolver o hábito de discutir o diagnóstico diferencial, as hipóteses diagnósticas, as medidas terapêuticas e o prognóstico em outro local, longe dos pacientes. É sempre aconselhável, ao final da discussão, fazer um breve resumo para o paciente, usando-se o modelo explicativo leigo e não o "jargão médico". Assim procedendo, o paciente se sentirá acolhido e respeitado e tornar-se-á senhor de sua doença. Agindo assim, concilia-se o interesse do paciente, que deve estar sempre em primeiro lugar, com o dos estudantes, que estão ali fazendo aprendizado prático. O paciente nunca deve ser colocado na condição de cobaia ou objeto. Prevalece, sobretudo, sua condição humana.

~ Ensino-aprendizagem da

relação médico-paciente As questões provenientes da aprendizagem da relação médico-paciente constituem a parte mais difícil na formação de um médico. Várias são as metodologias didáticas usadas no processo ensino-aprendizagem da comunicação e da relação interpessoal com a pessoa atendida. É necessário conhecer as bases teóricas e os princípios que norteiam este aprendizado,

4 I Relação Médico-Paciente mas o contato direto e supervisionado com pacientes durante a realização de exames clínicos é, sem dúvida, o mais importante. Atualmente tem sido bastante enfatizada a necessidade de treinamento prévio em laboratórios de habilidades antes de o estudante entrar em contato com os pacientes reais. Sessões de simulação com atores que dão feedback aos acadêmicos, discussão em sessões de PBI com atores, problematização de cenas de filmes e análise de óperas e/ou peças de teatro podem ser consideradas como possibilidades de aprendizagem da relação médico-paciente. Uma forma de trabalho que pode ajudar na identificação dos aspectos psicodinâmicos da própria relação médico-paciente baseia-se na prática dos "grupos Balint': Considerando que o momento ideal para iniciar o aprendizado da relação médico-paciente é quando os acadêmicos estão tendo os primeiros contatos com os pacientes, pode-se, nesse momento, adaptar para estudantes de medicina a experiência de Balint Para isso, podem ser formados grupos de 6 a 12 estudantes sob a supervisão direta de um docente que tenha experiência em liderar um grupo Balint. Antes da formação destes grupos, poderão ser feitos alguns encontros com os temas básicos ligados aos aspectos psicodinâmicos que mais influem na relação médico-paciente. Já se sabe, hoje, da importância dos grupos Balint na aquisição de conhecimentos, habilidades e atitudes para lidar com os pacientes e também para lidar com os colegas em equipes multiprofissionais. Esse trabalho baseia-se na vivência do próprio estudante, nascida na realização de anamnese. Isto é fundamental. Sua essência é a análise dos acontecimentos surgidos antes, no decorrer e depois da entrevista, ao mesmo tempo em que se estuda a técnica de elaboração da história clínica. O que sentiu o estudante ao se aproximar de um paciente? Qual foi sua reação frente às reações do paciente? Ficou interessado na entrevista ou se mostrou indiferente? Estava alegre ou triste durante a anamnese? Notou alguma mudança no humor do paciente? O paciente mostrou sinais de rejeição a ele? Se percebeu, como se sentiu? Quais foram seus sentimentos ao entrevistar um paciente com uma enfermidade grave ou incurável? Ao fazer a entrevista, lembrou-se de algum problema pessoal ou familiar? O que sentiu quando o doente começou a contar pormenores de sua vida, aparentemente sem qualquer interesse médico? O que fez? Ao deixar o paciente, algum sentimento específico lhe veio à mente? O que fez com esse sentimento? Essas vivências, quando devidamente supervisionadas, evidenciam os problemas e as dificuldades emocionais vividas pelo estudante. Cada situação suscita novas questões e discussões em torno dos aspectos psicodinâmicos envolvidos. Sem dúvida, não é qualquer professor que pode desenvolver este trabalho, nem em qualquer circunstância, nem em qualquer lugar, nem em qualquer profundidade. É necessário assegurar condições mínimas para desenvolver uma experiência pedagógica dessa natureza. Afinal, discutir com os estudantes os mecanismos psicológicos da relação médico-paciente é um tipo de investigação bastante peculiar que pressupõe certas condições. A partir dessa metodologia, pode-se tentar reconhecer as dificuldades, reações e mudanças de comportamento e/ou de

37 atitudes que os estudantes vão apresentando, ao mesmo tempo em que eles começam a se observar mais, passando a perceber os seus movimentos emocionais em relação ao paciente e a si mesmos. Esta experiência, bastante difundida na Europa e nos Estados Unidos, tem mostrado bons resultados. No curso de medicina da Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC-Goiás), a teoria e os grupos Balint estão postos no currículo e permeiam quatro semestres. Estes grupos destacam-se dos grupos tradicionais por serem adaptados à técnica do grupo de verbalização e grupo de observação (GV/ GO). O grupo de observação fica em silêncio durante todo o desenrolar do grupo Balint, observando a dinâmica balintiana. Apenas se manifestam após o encerramento do grupo Balint, pontuando o que foi observado. Já o grupo de verbalização se constitui no próprio grupo Balint seguindo as normas internacionais para tal. Seja da forma tradicional, seja através do GV/GO, os grupos Balint são momentos de grande aprendizagem para todos. O que se pode perceber ao longo dos grupos Balint realizados com os estudantes é que a relação médico-paciente constitui -se em um momento especial de desenvolvimento do estudante-médico, no qual suas percepções são alteradas em função do contato, da relação. Um momento de luto, no conceito freudiano, pela condição de "estudante-teórico': distante das vicissitudes e dos perigos próprios de uma relação humana. Agora existem duas pessoas: uma, o estudante de medicina, e outra, o paciente, que precisam "conversar", e não mais uma pessoa (o estudante) e um livro, uma lâmina histológica ou um cadáver. Não há outra saída senão "renunciar" a essa dependência-passividade e enfrentar as novas responsabilidades com os poucos recursos externos de que dispõe, mas que começaram a surgir e/ou a serem enfatizados quando "em relação': É preciso coragem para procurar saber o que o paciente projeta no médico, e o que o médico devolve ao paciente, muitas vezes sem nenhuma elaboração! É preciso que o estudante-médico conheça a si mesmo para que possa se aproximar do seu paciente, sem deixar-se envolver.

..,. Bibliografia Balint M. O médico, seu paciente e a doença. São Paulo: Atheneu, 2005. Beauchamp TL, Chidress JF. Princípios de ética biomédica. 4a ed. São Paulo: Edições Loyola, 2002. Branco RFGR. A relação com o paciente: teoria, ensino e prática. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2003. Catalgo AW et ai. O estudo de medicina frente a seus pacientes. Rev. Bras. Educ. Méd., 20:105, 1996. Kahn M. Freud básico - pensamentos psicanalíticos para o século XXI. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003. Kübler-Ross E. Sobre a morte e o morrer. São Paulo: Martins Fontes, 2008. Lago K, Codo W Fadiga por compaixão: o sofrimento dos profissionais em saúde. Petrópolis, RJ: Vozes, 2010. Perestrello DA. Medicina da pessoa. São Paulo: Atheneu, 2005. Porto CC. Exame Clinico. 7a ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2011. Salinsky J, Sackin P. Médicos com emoções. Tipografia Perez, 2004. Stewart M et al. Medicina centrada na pessoa: transformando o método clinico. Porto Alegre, RS: Artmed, 2010.

5 Método Clínico Fábio Maria Oliveira Pinho, Rita Francis Gonzalez y Rodrigues Branco eCelmo Ce/eno Porto

..,. Exame clínico Houve, em determinada época, quem dissesse que o método clínico acabava de ser superado pelos recursos tecnológicos. Para simbolizar esta afirmativa, um radiologista colocara sobre sua mesa, dentro de uma redoma, um estetoscópio e uma antiga "valvâ' (nome arcaico do espéculo vaginal), dizendo que aqueles instrumentos não passavam de curiosas antiguidades. A evolução da medicina mostrou que aquele colega cometera um grosseiro erro de previsão ao superestimar o potencial diagnóstico da radiografia e dos aparelhos de modo geraL O símbolo da tecnologia moderna é o computador, e, quando se vê seu aproveitamento para a feitura da anamnese, conclui-se que o método clínico, em vez de se tornar obsoleto, está cada vez mais vivo. De fato, apenas alguns procedimentos e certas maneiras para sua aplicação são modificados, mas o essencial fica, formando o arcabouço básico da profissão médica. O exame clínico é, sem dúvida, parte fundamental do tripé no qual se apoia a medicina moderna. Os exames laboratoriais e os equipamentos mecânicos ou eletrônicos - os outros dois componentes - dependem dos dados clínicos para se transformarem em informações aplicáveis no tratamento do paciente, por mais exatos que sejam seus resultados ou por mais ilustrativos que sejam seus traçados e imagens. O método clínico, pela sua própria natureza, é o único que permite uma visão humana dos problemas do paciente. Suas principais características - flexibilidade e grande abrangência -, justamente aquilo que costuma limitar o valor dos outros métodos, são o que lhe confere posição inigualável na prática médica, pois, por meio delas, é possível atribuir importância a fatores imponderáveis ou não mensuráveis, sempre presentes nas decisões diagnósticas e terapêuticas. O exame clínico tem um papel especial em três pontos cruciais da prática médica: formular hipóteses diagnósticas, estabelecer uma boa relação médico-paciente e a tomar decisões. O médico que levanta hipóteses diagnósticas consistentes é o que escolhe e interpreta com mais acerto os exames complementares, parte integrante da medicina moderna. Ciente do que é mais útil para cada caso, ele otimiza a relação custo/ benefício, além de interpretar de maneira mais adequada os valores laboratoriais, as imagens e os gráficos construídos pelos aparelhos. O profissional que sabe usar o método clínico aguça cada vez mais seu espírito crítico e não se esquece de que os laudos de exames complementares são apenas resultados de exames e nunca representam uma avaliação global do paciente. Na verdade, correlacionar com precisão os dados

clínicos aos exames complementares pode ser considerado a versão moderna de "olho clínico': segredo do sucesso dos bons médicos, antigos ou modernos, cuja essência é a capacidade de valorizar detalhes sem perder a visão de conjunto. Essa capacidade garante um lugar de destaque para o exame clínico na medicina moderna ou de qualquer tempo. Atualmente é preciso que os profissionais se empenhem na revalorização da relação médico/paciente, pois ao menosprezar seu lado humano, a medicina perde o que tem de melhor; e, nesse ponto, o exame clínico é insuperáveL A relação médico/paciente nasce e se desenvolve durante o exame clínico, e sua qualidade depende do tempo e da atenção que são dedicados à anamnese, tarefa que nenhum aparelho consegue realizar com a mesma eficiência da entrevista com o paciente. Sem dúvida, a qualidade do trabalho do clínico depende de muitos fatores, mas a relação médico-paciente continua sendo um ponto fundamental. A decisão diagnóstica não é resultado de um ou vários exames complementares, por mais sofisticados que sejam, tampouco o simples somatório dos gráficos, imagens ou valores de substâncias existentes no organismo. É um processo muito mais complexo porque utiliza todos estes elementos, sem se resumir a eles. Em uma decisão diagnóstica, assim como no planejamento terapêutico, é preciso levar em consideração outros fatores, nem sempre aparentes ou quantificáveis, relacionados com o paciente como um todo, principalmente se o profissional souber colocar acima de tudo sua condição humana. Aí, também, o método clínico continua insuperável. Somente ele apresenta flexibilidade e abrangência suficientes para encontrar as chaves que individualizam - personalizam, seria melhor dizer - cada diagnóstico realizado. Isso ocorre porque "as doenças podem ser semelhantes, mas os pacientes nunca são exatamente iguais". Sempre existem particularidades advindas das características antropológicas, étnicas, psicológicas, culturais, socioeconômicas e até ambientais. Estas considerações tomam possível afirmar que o grande desafio da medicina moderna é conciliar o método clínico com os avanços tecnológicos. Aquele que compreender este desafio terá revelado o significado da expressão que vem atravessando os séculos sem perder sua força e atualidade: a medicina é uma ciência e uma arte. Aparentemente o exame clínico é simples e fácil. Porém, é muito mais fácil aprender a fazer ultrassonografias, endoscopias, cateterismo e quaisquer outros procedimentos do que efetuar a anamnese, auscultar o coração ou palpar o abdome, pois o domínio do método clínico exige aptidão e longo treinamento.

• Componentes do exame clínico O exame clínico engloba a anamnese e o exame físico, os quais compreendem partes que se completam reciprocamente. A anamnese inclui os seguintes elementos: • • • • • • •

Identificação Queixa principal História da doença atual Interrogatório sintomatológico Antecedentes pessoais e familiares Hábitos de vida Condições socioeconômicas e culturais. O exame físico, por sua vez, pode ser subdividido em:

• Exame físico geral • Exame dos órgãos ou sistemas.

5

I Método Clínico

39

Porém, antes de iniciar o estudo de cada um dos itens que o constituem, é necessário atentar para três aspectos preliminares: • Posicionamento do examinador e do paciente para a realização do exame clínico • Conhecimento das regiões em que se divide a superfície corporal, de modo que o médico possa localizar e anotar corretamente os sintomas e os dados do exame físico • Etapas da anamnese. Enquanto estudante, o examinador deverá seguir as etapas que constituem a anamnese. Depois de ter perfeito domínio da técnica, o clínico, em seu consultório, pode ter a liberdade de alterar os elementos da anamnese. Assim sendo, todos os itens serão pesquisados, porém anotados com mais liberdade, sem tanta rigidez no aprendizado.

• Posições do examinador e do paciente para oexame clínico Para a anamnese, o mais adequado é que o paciente sente-se em uma cadeira defronte à escrivaninha do médico. Atualmente têm sido acentuadas as vantagens de o médico e o paciente se sentarem lado a lado sem o distanciamento provocado pela escrivaninha, mas esta prática ainda não se generalizou. No caso de pacientes acamados, cabe ao examinador sentar-se ao lado do leito, procurando deixá-los na posição que lhes seja mais confortável. Para executar o exame físico, costumam-se adotar fundamentalmente as seguintes posições (Figuras 5.1 a 5.6): • • • • •

Figura 5.2 Paciente em decúbito lateral direito com um dos braços repousando sobre seu corpo e outro em abdução. As pernas são levemente fletidas para maior comodidade do paciente.

Figura 5.3 Paciente em decúbito lateral esquerdo com os braços em abdução para possibilitar a visualização da face lateral do tórax.

Figura 5.4 Paciente em decúbito ventral. Os braços estão sobre o travesseiro e o paciente repousa sobre um dos lados do rosto.

Decúbito dorsal Decúbito lateral (direito e esquerdo) Decúbito ventral Posição sentada (no leito ou em uma banqueta ou cadeira) Posição de pé ou ortostática.

Na realização de exames especiais - exames ginecológico e proctológico, por exemplo, adotam-se posições próprias que serão estudadas no momento oportuno. O examinador colocar-se-á de modos diferentes, ora de um lado, ora de outro, ficando de pé ou sentado, procurando sempre uma posição confortável que lhe permita máxima eficiência em seu trabalho e mínimo incômodo para o paciente. É oportuno lembrar que se torna mais confortável ao paciente que as mudanças de decúbito não sejam constantes e repetidas. Assim sendo, o médico deverá examinar o paciente nos decúbitos já mencionados, depois em posição sentada e a seguir de pé. É clássica a recomendação para o examinador se colocar à direita do paciente. Contudo, isso não quer dizer que deva permanecer fixo nesta posição. O examinador deverá deslocar-se livremente como lhe convier.

Figura 5.1 Paciente em decúbito dorsal. Os braços repousam sobre a mesa de exame em mínima abdução.

Figura 5.5 Paciente na posição sentada. As mãos repousam sobre as coxas. Nesse caso, o paciente está sentado na beirada da mesa de exame.

Figura 5.6 Paciente em posição ortostátka. Os pés encontram-se moderadamente afastados um do outro e os membros superiores caem naturalmente junto ao corpo.

Parte 1 I Semiologia Geral

40

• Divisão da superfície corporal Para a localização dos achados semióticos na superfície corporal, é de toda conveniência empregar uma nomenclatura padronizada. Para isso adotamos a divisão proposta pela Terminologia Anatômica Internacional. Conforme mostram as Figuras 5.7 a 5.11, a superfície do corpo humano pode ser dividida da seguinte maneira: I. Regiões da cabeça 1. Frontal 2. Parietal 3. Occipital 4. Temporal 5. Infratemporal li. Regiões da face 6. Nasal 7. Bucal 8. Mentual 9. Orbital 10. Infraorbital 11. Da bochecha 12. Zigomática 13. Parotideomassetérica 111. Regiões cervicais 14. Cervical anterior 15. Estemocleidomastóidea 16. Cervical lateral 17. Cervical posterior IV. Regiões torácicas 18. Infraclavicular 19. Mamária 20. Axilar 21. Esternal V. Regiões do abdome 22. Hipocôndrio 23. Epigástrio



Lateral (flanco) 25. Umbilical 26. Inguinal (fossa ilíaca) 27. Púbica ou hipogástrico VI. Regiões dorsais 28. Vertebral 29. Sacral 30. Escapular 31. lnfraescapular 32. Lombar 33. Supraescapular 34. Interescapulovertebral VII. Região perineal 35. Anal 36. Urogenital VIII. Regiões do membro superior 3 7. Deltóidea 38. Braquial anterior 39. Braquial posterior 40. Cubital anterior 41. Cubital posterior 42. Antebraquial anterior 43. Antebraquial posterior 44. Dorso da mão 45. Palma da mão IX. Regiões do membro inferior 46. Glútea 4 7. Femoral anterior 48. Femoral posterior 49. Genicular anterior 50. Genicular posterior 51. Crural anterior 52. Crural posterior 53. Calcânea 54. Dorso do pé 55. Planta do pé 24.



11

13

16

Figura 5.7 Divisão da superfície corporal em regiões: cabeça e face (vista anterior).

17

Figura 5.8 Divisão da superfície corporal em regiões: cabeça e pescoço (vista posterior).

5

I Método Clínico

41

18

21

18

31

24

25

24

32

32

46

46

48

48

50

43

27

47

47

~9

49

50

51

51

52

54

52

54

53

Figura 5.9 Divisão da superfície corporal em regiões: pescoço, tórax, abdome, membros superiores e inferiores (vista anterior).

53

Figura 5.11 Divisão da superfície corporal em regiões: tórax, dorso, membros superiores e inferiores (vista posterior).

..,. Entrevista

23

46

47 48

50

49

52 5 1

Figura 5.1O Divisão da superfície corporal em regiões: tórax, abdome, dorso, membros superiores e inferiores (vista lateral).

A entrevista é uma técnica de trabalho comum às atividades profissionais que exigem o relacionamento direto do profissional com sua clientela, como é o caso do repórter, do assistente social, do psicólogo e do médico. A entrevista, em sentido lato, pode ser definida como um processo social de interação entre duas ou mais pessoas que se desenvolve frente a uma situação que exige necessariamente um ambiente onde as pessoas interajam. A situação apresenta elementos de orientação para a ação das pessoas envolvidas na entrevista, quais sejam os objetos físicos (o local de trabalho, os instrumentos), os objetos culturais (os conhecimentos prévios, os valores, as crenças) e os objetos sociais (as pessoas envolvidas na entrevista). A entrevista no exercício da profissão médica é um processo social de interação entre o médico, o paciente e/ou seu acompanhante frente a uma situação que envolve um problema de saúde. A iniciativa da interação, regra geral, cabe ao paciente, que, ao sentir-se convicto de que alguma coisa não está bem consigo, decide procurar o médico para confirmar ou não a sua situação como doente. Porém, se a iniciativa cabe ao paciente, sua plena execução cabe ao médico. O médico, ao conhecer os fatores capazes de interferir na entrevista, poderá criar condições que favoreçam uma com-

Parte 1 I Semiologia Geral

42 preensão maior entre ele e seu paciente, tornando possível uma interação "ótima': Isto será alcançado se o médico conseguir do paciente uma predisposição positiva para fornecer informações durante toda a entrevista. O ambiente (consultório, ambulatório, enfermaria, quarto de hospital ou a própria residência do paciente) e o instrumental utilizado pelo médico são os objetos físicos que interferem na entrevista. Desse modo, um ambiente adequado (silencioso, agradável, limpo) e um instrumental apropriado (móveis adequados e equipamentos que funcionam bem, por exemplo) são condições indispensáveis para uma boa entrevista. O uso de gravadores não é conveniente na entrevista clínica, pois atua como forte inibidor do paciente. As anotações do próprio punho do médico continuam sendo a melhor maneira de registrar as informações prestadas pelo doente. O registro via digital está sendo utilizado atualmente como uma alternativa para anotar os dados da entrevista médica. Nesse caso, o médico ou o estudante deve estar atento para não dar mais importância à máquina do que ao paciente. O aluno iniciante costuma se valer de um roteiro impresso para conduzir a entrevista. A condição de iniciante justifica tal procedimento. A melhor exemplificação da necessidade de ambiente adequado é bem conhecida dos médicos: são as chamadas "consultas de corredor" e as "consultas de festinhas de aniversárid', quando os "clientes" abordam o médico ao passar por ele pelos corredores dos hospitais ou o assediam durante as festas a que o médico comparece. Tais consultas são inevitavelmente incompletas e tirar conclusões diagnósticas delas é um ato de adivinhação. Desde logo, os estudantes devem aprender que o corredor do hospital e os salões de festa são ambientes inadequados para a entrevista médica. A cultura fornece aos membros de uma sociedade, além do instrumental básico de comunicação entre eles - que é a língua -, os padrões de comportamento social que deverão orientar suas ações. O médico e o paciente, regra geral, têm maneiras de sentir, pensar e agir distintas: o médico apoia suas atitudes, como profissional, em um quadro de referência científico, enquanto o paciente pode apoiar suas atitudes em um quadro de referência paracientífico e mesmo anticientífico. A utilização de quadros de referências distintos para orientar as ações pode dificultar o desenrolar da entrevista entre o médico e o paciente; assim, o médico deve preocupar-se não só em conhecer e compreender os elementos culturais que orientam a ação do paciente, como também fazer uma análise de si próprio, no sentido de tornar conscientes os valores básicos que orientam sua ação. O médico deve dar atenção especial à linguagem que vai utilizar durante a entrevista, pois o conjunto de símbolos (termos e expressões) utilizado pela profissão médica nem sempre é compreendido pelo paciente, uma vez que seu quadro de referência pode ser distinto. Plaja et al. fizeram um estudo dos processos e níveis de comunicação entre médico e paciente e chegaram a resultados que merecem ser do conhecimento dos iniciantes no método clínico. Verificaram que muitos doentes tiveram problema de compreensão e, no entanto, por inibição ou acanhamento "fingiam" estar entendendo perfeitamente o que lhes foi perguntado ou explicado. Comprovaram também que o grau de incompreensão acompanhava de perto as diferenças sociais entre o médico e o paciente. Constataram, por fim, que essas barreiras eram superadas no momento em que o médico entendia e aceitava a necessidade de levar em conta a cultura de sua clientela.

O médico deve conhecer, também, os padrões normativos que a cultura criou para ele e para o seu paciente. A nossa cultura estabelece, por exemplo, que tanto o médico quanto o paciente devem apresentar-se bem compostos em termos de higiene e aparência pessoal; o paciente espera que o médico se interesse por seu caso e que lhe dê atenção, enquanto o médico espera que o paciente responda de forma adequada às suas perguntas. O conhecimento adequado do médico, dos padrões normativos que regem a sua conduta e a do paciente, bem como o conhecimento das expectativas de comportamento que o paciente tem do profissional médico, isto é, a conduta que o paciente espera que o médico tenha, são elementos úteis para realizar uma boa entrevista. A entrevista médico-paciente se desenvolve em um ambiente específico, seguindo padrões normativos preestabelecidos pela cultura. Não deve, porém, o médico esquecer-se de que, além dos objetos físicos e culturais, existem os objetos sociais. Estes objetos sociais são o médico e o paciente; assim, a reação do paciente frente à ação do médico, ou vice-versa, é um estímulo a uma nova ação deste último, e assim sucessivamente. Logo, existe uma interestimulação entre o médico e o paciente. Se o médico se apresenta com uma fisionomia carregada após uma resposta do paciente, isto será um elemento de orientação para a ação posterior do paciente, que poderá sentir-se preocupado e passar a responder dentro de uma nova perspectiva. O médico, ao conhecer que os objetos sociais se interestimulam, deverá ter o máximo cuidado em controlar e alterar o comportamento do paciente; por outro lado, deverá desenvolver sua intuição no sentido de captar no paciente indícios subliminares, como uma leve hesitação ao dar uma resposta ou um franzir de testa, que permitirão desenvolver condições que levem a uma interação mais eficaz com o paciente. Alguns fatores que interferem na entrevista são apresentados no boxe adiante.

.,. Exame físico A inspeção, a palpação, a percussão, a ausculta e o uso de alguns instrumentos e aparelhos simples são designados conjuntamente com o exame físico. Um aspecto do exame físico que merece ser ressaltado de imediato é seu significado psicológico. O paciente só se sente verdadeiramente "examinado" quando está sendo inspecionado, palpado, percutido, auscultado, pesado e medido. Esse componente afetivo sempre existe e atinge seu grau máximo nos pacientes com transtornos de ansiedade, podendo, inclusive, ultrapassar os limites do normaL Deve ser reconhecido e corretamente explorado pelo médico para consolidar a relação médico-paciente que teve início na anamnese. Respeito mútuo, seriedade e segurança são os elementos que possibiltarão ao estudante reconhecer o significado psicológico que o exame físico tem para o paciente. Saber usar este componente afetivo é um dos maiores trunfos de que o médico poderá dispor nas mais variadas situações da prática profissional. O exame físico das crianças tem peculiaridades que serão enfatizadas no curso de pediatria. Mas, a título de informe preliminar, desejamos deixar registrada a recomendação de Marcondes: "O exame da criança é resultado de muita paciência, doçura e carinho:'

5

I Método Clínico

Fatores que Interferem na entrevista Vistos de uma maneira esquemática, os elementos que interferem na entrevista podem ser dispostos da seguinte maneira: • Objetos físicos, que incluem: o ambiente adequado, quase sempre representado por uma sala de consultas- o consultório- ou que pode ser o quarto ou aenfermaria o instrumental, cujo mínimo é uma cadeira para o participante da entrevista e omaterial necessário para as anotações • Objetos culturais, que compreendem: o com relação ao médico: • estar consciente de seus valores básicos (ética médica) • usar uma linguagem adequada • cuidar da apresentação pessoal o com relação ao paciente: • conhecer os componentes culturais de sua clientela potencial (nível educacional, padrões alimentares, medicina popular, religiosidade) • conhecer as expectativas de comportamento da clientela em geral • conhecer o universo de comunicação básico (a linguagem) de sua clientela o com relação à comunidade: • conhecer os recursos assistenciais disponíveis na comunidade • conhecer as condições sanitárias da comunidade • Objetos sociais, que incluem: o conseguir do paciente uma predisposição positiva para dar informações o estar atento a indícios subliminares (hesitações, gestos, expressões) que possam indicar incompreensão, receio, defesa, insegurança, desconfiança o controlar suas próprias manifestações que possam induzir respostas inadequadas.

..,. Seguimento do paciente O seguimento do paciente ou follow-up, expressão inglesa universalmente consagrada na linguagem médica, é parte integrante do exame clínico e pode ser definido como a observação sistemática do doente durante a evolução de sua enfermidade. Por influência da tecnologia médica, ao se fazer o seguimento do paciente, está se tornando usual a expressão «monitorar" com o significado de manter sob constante observação um ou mais dados clínicos. Assim, monitorar a pressão arterial seria registrá-la repetidas vezes com o objetivo de reconhecer, prontamente, qualquer modificação. O termo pode ser empregado também quando a observação é realizada com a ajuda de algum aparelho. É o caso, por exemplo, de monitorar o ritmo e a frequência cardíacos, pela observação, em um visoscópio, da atividade elétrica do coração (eletrocardiograma). Todos os dados do exame clínico e de exames complementares podem ser incluídos no seguimento, mas, para simplificar seu trabalho, o médico restringe-se aos clássicos sinais vitais (temperatura, pulso, pressão arterial, frequência respiratória), aos quais se acrescentam dados específicos da enfermidade do paciente. O seguimento de um paciente poderá ser feito a curto prazo ou por longo período, às vezes pelo resto da vida. O seguimento tem por finalidade continuar obtendo dados clínicos, seja pela anamnese ou pela repetição do exame físico, agora dirigido para os setores do organismo mais envolvi-

43 dos. Assim, por exemplo, no seguimento de um paciente com insuficiência cardíaca, o médico fará indagações sobre os sintomas (dispneia, tosse, insônia, oligúria) e, ao examiná-lo, concentrará sua atenção na ausculta do tórax, atento às crepitações nas bases pulmonares, à frequência e ao ritmo do coração; na palpação do fígado, cuja sensibilidade e tamanho passam a ter interesse especial; no exame físico geral, através do qual vai acompanhar o ingurgitamento jugular e a intensidade do edema dos membros inferiores. Ao lado disso, vai registrar o peso e o volume urinário diariamente. A avaliação de resultados terapêuticos é feita quase inteiramente pelo seguimento do paciente, acompanhando-se a evolução da sintomatologia.

Seguimento do padente O seguimento do paciente cria condições ideais para aprofundar a relação médico-paciente, pois os repetidos encontros abrem oportunidade para novas indagações e permanente análise das queixas e das atitudes do paciente. Muitas vezes, somente após o aprofundamento do relacionamento torna-se possível esclarecer questões cuja abordagem não foi possível na entrevista inicial.

..,. Ficha clínica ou prontuário médico Todo atendimento, por mais simples que seja, deve ser registrado na ficha clínica ou no prontuário médico, uma vez que é impossível guardar na memória as queixas, o diagnóstico e as prescrições terapêuticas de todos os pacientes e para que com isso o médico se resguarde legal e eticamente. Tão importante quanto fazer um exame clínico perfeito e completo é elaborar prontuários de todos os pacientes assistidos pelo médico. De acordo com o Parecer CFM n!.l 30/02, aprovado em 10/07/02, "o prontuário do paciente é o documento único constituído de um conjunto de informações registradas, geradas a partir de fatos, acontecimentos e situações sobre a saúde do paciente e a assistência prestada a ele, de caráter legal, sigiloso e científico, que possibilita a comunicação entre membros da equipe multiprofissional e a continuidade da assistência prestada ao indivíduo". O prontuário é um documento que pertence ao paciente, mas fica sob a guarda da equipe médica e/ou da instituição, podendo o paciente fotocopiá-lo. É o principal instrumento de defesa dos profissionais médicos quando há algum tipo de questionamento de natureza ética, civil, administrativa ou criminal. No prontuário devem ser anotadas todas as informações pertinentes ao atendimento prestado. Anotações por mais sucintas que sejam vão formando um dossiê médico de grande valor para o conhecimento de um paciente. Diagnósticos, resultados de exames, reações medicamentosas, cirurgias realizadas, além de outros dados, permitirão ao médico reconhecer com mais facilidade os problemas que o paciente for apresentando ao longo de sua vida. Exames complementares podem ser dispensados ou mais bem interpretados quando se dispõe de anotações anteriores, diminuindo os custos e aumentando a eficiência do trabalho do médico. Há inúmeros modelos de fichas e de prontuários, mas todos eles devem reservar espaço para a identificação do paciente, a história clínica, o exame físico, o diagnóstico, as prescrições terapêuticas e o seguimento do paciente. É necessário abrir um item para as anotações de exames complementares.

Parte1 I Semiologia Geral

44 Ultimamente, foram criados programas de computador para o registro de dados de pacientes, chamados prontuário eletrônico. Alguns pré-requisitos são importantes para se utilizar o Prontuário Eletrônico: estrutura padronizada e concordância sobre a terminologia, definição de regras de comunicação, arquivamento, segurança e privacidade. Com ele se economiza espaço e se consegue maior rapidez no atendimento, visando maior eficiência na assistência médico-hospitalar, porém este tipo de registro médico, do ponto de vista ético e legal, ainda está sendo validado. Todo paciente, não importa onde foi seu atendimento, precisa ter um "prontuário básico': A assistência médica especializada deve usar "anexos" de acordo com suas necessidades.

..,. Laboratório de habilidades O aprendizado da semiologia, hoje, é feito em vários cenários e não somente nos hospitais universitários. Em algumas escolas médicas, para ensinarem a construção de uma história clínica, os professores utilizam os pacientes de enfermarias; em outras já se preferem pacientes provenientes de ambulatórios ou postos de saúde. A enfermaria é um local talvez privilegiado para ensino de técnicas de exame físico, reconhecimento de padrões, demonstração de situações em que o exame físico é alterado, e continua sendo usada com esse objetivo. Já a história clínica construída a partir de pacientes de ambulatórios ou postos de saúde, que apresentam problemas menos complexos, permite que o raciocínio hipotético-dedutivo probabilístico possa ser praticado pelos alunos desde o início. As escolas médicas que adotam metodologias ativas, como o PBL (problem based learning), utilizam, ainda, o laboratório de habilidades como recurso didático para o treinamento de conhecimentos, atitudes e habilidades necessários para o exame clínico. No laboratório de habilidades, há um treinamento das técnicas de história clínica e de exame físico antes do contato do estudante com o paciente. Inicialmente, a anamnese é ensinada pelo professor e treinada utilizando-se pacientes-atores que encenam uma história clínica fictícia. As histórias clínicas encenadas pelos atores são escritas, sob a forma de "cenas teatrais", por professores de semiologia médica, com o intuito de alcançar os objetivos de aprendizagem propostos pela disciplina no que tange a conhecimentos teóricos, habilidades semiológicas e atitudes éticas e humanistas (Quadros 5.1, 5.2 e 5.3). Já o exame físico é ensinado aos estudantes e repetidamente treinado, utilizando-se manequins que simulam reações humanas em diversas situações clínicas, ou também pacientes-atores, quando não for possível a realização do exame no

Quadro5.1

Objetivos do laboratório de habilidades.

• Desenvolvera postura ética na relação médico-paciente • Desenvolvera habilidade de realizaruma anamnese completa • Desenvolvera habilidade de realizarinspeção, palpação, percussão e ausculta • Desenvolvera habilidade de realizara semiotécnica do exame físico geral, dos seguintes sistemas: cardiovascular, respiratório, do abdome, dermatológico, neurológico, endócrino-reprodutor masculino efeminino, endócrino-metabólico, geniturinário masculino efeminino elocomotor.

QuadroS.l

Vantagens do laboratório de habilidades.

• Complexas situações clínicas podem ser desenvolvidas esimuladas • Os procedimentos poderão ser repetidos muitas vezes, oque seria inaceitável para os pacientes • Oerro é permitido e pode ser corrigido de imediato sem oconstrangimento do estudante edo paciente • Exclui-se a dependência de haverpacientes no momento do treinamento • Pode ser um fator de motivação importante para oaluno para adquirirtanto conhecimentos como habilidades • Sendo um espaço de treinamento, oferece maiorsegurança ao estudante quando for examinar opaciente real.

Equipamentos e recursos humanos necessários no laboratório de habilidades. Equipamentos necessários: • Manequins simuladores, estetoscópios, esfigmomanômetros, macas, banquinhos, cadeiras, papel de maca descartável, lençol, fita métrica, calculadora, balança, termômetro, lanterna-foco, diapasão, estesiômetro, martelo eoftalmoscópio. Recursos humanos necessários: • Profissionais-atores ou alunos-estagiários do curso de teatro.

manequim. Vale destacar que os manequins e os atores profissionais não substituem os pacientes, mas apenas antecedem o contato com eles, que, nesse caso, será realizado dentro dos hospitais.

• Treinamentoda técnica da anamnese no laboratório de habilidades A técnica da anamnese é ensinada em um ambiente, dentro do laboratório de habilidades, que simula um consultório médico (Quadro 5.3). Esse espaço é composto por um consultório tipo sala-espelho e por corredores laterais que circundam essa sala (Figura 5.12). Durante a consulta médica simulada, o aluno-médico e o paciente-ator ficam dentro do consultório médico em um ambiente falsamente privativo. O professor e os alunos-observadores, sempre em pequenos grupos (8 a 1Oalunos), ficam nos corredores laterais ao consultório assistindo a toda a consulta, porém sem serem vistos pelo aluno-médico ou paciente-ator. Após o aluno-médico atender o paciente-ator construindo sua anamn ese, todos os acadêmicos se reúnem com o professor para comentar acertos e falhas, esclarecer dúvidas e discutir situações relacionadas com atitudes semiológicas e éticas que, porventura, surgirem durante a consulta simulada. Essa atividade tem por finalidade o treinamento das habilidades necessárias aos estudantes na realização de uma anamnese, com ênfase no desenvolvimento da comunicação, no direcionamento da história clínica, bem como no treinamento das atitudes éticas na relação médico-paciente. Outra maneira bastante usual de estabelecer tal trein amento é a filmagem da cena em que o aluno-médico faz a anamnese com o paciente-ator em videoteipe e posterior apreciação da cena pelo grupo de estudantes e pelo professor, quando os acertos e as falhas são discutidos por todos.

5 I Método Clínico

45

Figura S.12 Sala-espelho. Os ai unos podem ver e ouvir a entrevista médica sem serem vistos, no entanto microfones permitem a comunicação com o professor.

Figura S. 13 Treinamento da semiotécnica do exame físico no laboratório de habilidades.

• Treinamento da semiotécnica do exame físico no laboratório de habilidades

equipamentos que permitem simulações e que, em muitos casos, são vantajosos. Um exemplo que pode ser citado são os manequins que simulam ausculta cardíaca, em que todos os sons cardíacos podem ser ouvidos várias vezes pelos estudantes, até que haja uma memorização completa de todas as suas características e diferenças. Os alunos podem treinar exaustivamente, sem o grande desconforto que isso poderia causar em pacientes reais.

A semiotécnica do exame físico é ensinada em uma sala ampla, dentro do laboratório de habilidades, onde o professor demonstra a técnica nos manequins-simuladores ou nos pacientes-atores e, em seguida, desenvolve o treinamento dos estudantes, que repetem as manobras por várias vezes até dominarem a técnica. Esse encontro entre professor e alunos, em pequenos grupos, é um momento considerado muito rico, pois há uma integração entre o conhecimento teórico apreendido, a prática assistida e posteriormente treinada e as posturas eticamente discutidas. Desse modo, os acadêmicos que realizam antes a semiotécnica do exame clínico no laboratório de habilidades em pacientes-atores ou manequins-simuladores tornam-se mais bem preparados para o momento de lidar diretamente com um paciente real dentro do hospital (Figura 5.13). Sem dúvida, o contato direto do estudante com o paciente, que ainda é possível em países como o Brasil, deve ser intensamente aproveitado para o aprendizado clínico, porém o processo ensino-aprendizagem pode ser complementado com

.... Bibliografia Brasil. Ministério da Educação. Conselho Nacional de Educação. Câmara de Educação Superior. Resolução n.4, CNE/CES de 7 de novembro de 2001. Institui diretrizes curriculares nacionais do curso de graduação em medicina. Diário Oficial da União. Brasília, 9 nov. 200 1; seção 1, p. 38. Diretrizes Curriculares nacionais para os Cursos de Graduação em Medicina. Pezzi L, Neto, SP. O laboratório de habilidades na formação médica. Cadernos da ABEM, vol. 4, 2008. Troncon LEA. Clinicai skills assessment: limitations to the introduction of na "OSCE" (objective structured clinicai exarnination) in a traditional brazilian medicai school. São Paulo Med J 2004; 122(1}:12-7.

6

Anamnese Fábio Maria Oliveira Pinho, Rita Francis Gonzalez y Rodrigues Branco e Celmo Celeno Porto

..., Aspectos gerais Anamnese (aná =trazer de novo; mnesis =memória) significa trazer de volta à mente todos os fatos relacionados com a doença e o paciente. De início, deve-se ressaltar que a anamnese é a parte mais importante da medicina: primeiro, porque é o núcleo em torno do qual se desenvolve a relação médico-paciente, que, por sua vez, é o principal pilar do trabalho do médico; segundo, porque é cada vez mais evidente que o progresso tecnológico somente é bem utilizado se o lado humano da medicina é preservado. Conclui-se, portanto, que cabe à anamnese uma posição ímpar, insubstituível, na prática médica. A anamnese, se benfeita, acompanha-se de decisões diagnósticas e terapêuticas corretas; se malfeita, em contrapartida, desencadeia uma série de consequências negativas, as quais não podem ser compensadas com a realização de exames complementares, por mais sofisticados que sejam. A ilusão de que o progresso tecnológico eliminaria a entrevista e transformaria a medicina em uma ciência "quase" exata caiu por terra. Já se pode afirmar que uma das principais causas da perda de qualidade do trabalho médico é justamente a redução do tempo dedicado à anamnese. Até o aproveitamento racional das avançadas técnicas depende cada vez mais da entrevista. A realização de muitos exames complementares não resolve o problema; pelo contrário, agrava-o ao aumentar os custos, sem crescimento paralelo da eficiência. Escolher o(s) exame(s) adequado(s), entre tantos disponíveis, é fruto de um raciocínio crítico apoiado quase inteiramente na anamnese. O Quadro 6.1 resume os objetivos e as possibilidades principais da anamnese. Em essência, a anamnese é uma entrevista, e o instrumento de que nos valemos é a palavra falada. É óbvio que, em situaQuadro6.1

Possibilidades eobjetivos da anamnese.

• Estabelecer condições para uma adequada relação médico-paciente • Conhecer, por meio da identificação, os determinantes epidemiológicos do padente que influenciam seu processo saúde-doença • Fazer ahistória clínica, registrando, detalhada ecronologicamente, o problema atual de saúde do paciente • Avaliar, de maneira detalhada, os sintomas de cada sistema corporal • Registrar edesenvolver práticas de promoção da saúde • Avaliar oestado de saúde passado epresente do paciente, conhecendo os fatores pessoais, familiares eambientais que influenciam seu processo saúde-doença • Conhecer os hábitos de vida do paciente, bem como suas condições socioeconômicas eculturais.

ções especiais (pacientes surdos ou pacientes com dificuldades de sonorização), dados da anamnese podem ser obtidos por meio da Linguagem Brasileira de Sinais (Libras), da palavra escrita ou mediante tradutor (acompanhante e/ou cuidador que compreenda a comunicação do paciente). Em termos simples, poder-se-ia pensar que "fazer anamnese" é simplesmente "conversar com o paciente"; contudo, entre uma coisa e outra há uma distância enorme, basicamente porque o diálogo entre o médico e o paciente tem objetivo e finalidade preestabelecidos, ou seja, a reconstituição dos fatos e dos acontecimentos direta ou indiretamente relacionados com uma situação anormal da vida do paciente. A anamnese é um instrumento para a triagem de sintomas anormais, problemas de saúde e preocupações, e registra as maneiras como a pessoa responde a essas situações, abrindo espaço para a promoção da saúde. A anamnese pode ser conduzida das seguintes maneiras: • O médico deve deixar que o paciente relate livre e espontaneamente suas queixas sem nenhuma interferência, limitando-se a ouvi-lo. Essa técnica é recomendada e seguida por muitos clínicos. O psicanalista apoia-se integralmente nela e chega ao ponto de se colocar em uma posição na qual não possa ser visto pelo paciente, para que sua presença não exerça nenhuma influência inibidora ou coercitiva • De outro modo, que pode denominar-se anamnese dirigida, o médico, tendo em mente um esquema básico, conduz a entrevista mais objetivamente. O uso dessa técnica exige rigor técnico e cuidado na sua execução, de modo a não se deixar levar por ideias preconcebidas • Outra maneira seria o médico deixar, inicialmente, o paciente relatar de maneira espontânea suas queixas, para depois conduzir a entrevista de modo mais objetivo. Qualquer que seja a técnica empregada, os dados coletados devem ser elaborados. Isso significa que uma boa anamnese é o que se retém do relato feito pelo paciente depois de ter passado por uma análise crítica, com o intuito de estabelecer o significado exato das expressões usadas e a coerência das correlações estabelecidas. Há de se ter cuidado com as interpretações que os pacientes fazem de seus sintomas e dos tratamentos. A história clínica, portanto, não é o simples registro de uma conversa. É mais do que isso: é o resultado de uma conversação com objetivo explícito, conduzida pelo examinador e cujo conteúdo foi elaborado criticamente por ele. As primeiras tentativas são trabalhosas, longas e cansativas, e o resultado não passa de uma história complicada, incompleta e eivada de descrições inúteis, ao mesmo tempo em que deixa de ter informações essenciais. Por isso, pode-se afirmar que a anamnese é a parte mais difícil do método clínico, mas é também a mais importante. Seu aprendizado é lento, só conseguido depois de se realizarem dezenas de entrevistas. Muito mais fácil é aprender a manusear aparelhos, já que eles obedecem a esquemas rígidos, enquanto as pessoas apresentam individualidade, característica humana que exige do médico flexibilidade na conduta e capacidade de adaptação. Para que se faça uma entrevista de boa qualidade, antes de tudo o médico deve estar interessado no que o paciente tem a dizer. Ao mesmo tempo, é necessário demonstrar compreensão e desejo de ser útil àquela pessoa, com a qual assume um compromisso tácito que não tem similar em nenhuma outra relação inter-humana. Pergunta-se frequentemente quanto tempo deve-se dedicar à anamnese. Não se pode, é óbvio, estabelecer limites rígidos.

6

I Anamnese

Os estudantes que estão fazendo sua iniciação clínica gastam horas para entrevistar um paciente, pois são obrigados a seguir roteiros longos, preestabelecidos; é necessário que seja assim, pois, nessa fase, precisam percorrer todo o caminho para conhecê-lo. Nas doenças agudas ou de início recente, em geral apresentando poucos sintomas, é perfeitamente possível conseguir uma história clínica de boa qualidade em 10 min, ao passo que nas doenças de longa duração, com sintomatologia variada, não se gastarão menos do que 30 a 60 min na anamnese. Em qualquer situação, aproveita-se, também, o momento em que está sendo executado o exame físico para novas indagações, muitas delas despertadas pela observação do paciente. A pressa é o defeito de técnica mais grosseiro que se pode cometer durante a obtenção da história; tão grosseiro como se quisesse obter em 2 min uma reação bioquímica que exige 2 h para se completar. O espírito preconcebido é outro erro técnico a ser evitado continuamente, porque pode ser uma tendência natural do examinador. Muitas vezes essa preconcepção é inconsciente, originada de um especial interesse por determinada enfermidade. A falta de conhecimento sobre os sintomas da doença limita de maneira extraordinária a possibilidade de se obter uma investigação anamnésica completa. Quando não se conhece um fenômeno, não se sabe que meios e modos serão mais úteis para que seja detectado e entendido; por isso, costuma-se dizer que anamneses perfeitas só podem ser obtidas por médicos experientes. No entanto, histórias clínicas de boa qualidade são conseguidas pelos estudantes após treinamento supervisionado, não muito longo. A anamnese ainda é, na maioria dos pacientes, o fator isolado mais importante para se chegar a um diagnóstico, mas o valor prático da história clínica não se restringe à elaboração do diagnóstico, que será sempre uma meta fundamental do médico. A terapêutica sintomática só pode ser planejada com acerto e proveito se for fundamentada no conhecimento detalhado dos sintomas relatados. Cada indivíduo personaliza de maneira própria seus padecimentos. Todo paciente apresenta particularidades que escapam a qualquer esquematização rígida. Idiossincrasias ou intolerâncias que a anamnese traz à tona podem ser decisivas na escolha de um recurso terapêutico. Assim, o antibiograma poderá indicar que determinada substância é mais ativa contra determinado germe, porém, se o paciente relatar intolerância àquele antibiótico, sua eficácia cientificamente preestabelecida perderá o significado. Há muitas doenças cujos diagnósticos são feitos quase exclusivamente pela história, como, por exemplo, angina do peito, epilepsia, enxaqueca e neuralgia do trigêmeo, isso sem se falar dos transtornos psiquiátricos, cujo diagnóstico apoia-se integralmente nos dados da anamnese. Determinados pacientes tendem a tomar a condução da anamnese, respondendo apenas às perguntas que lhes interessam, questionando o médico, levantando questões a todo momento ou interpretando eles mesmos os sintomas, ao mesmo tempo em que emitem opiniões sobre exames a serem efetuados. Chegam a sugerir diagnósticos e tratamentos para seus próprios males. Muitas dessas pessoas são adeptas de leituras de divulgação científica em revistas ou em sites da internet. A primeira preocupação do médico deve ser retomar a direção da entrevista de maneira habilidosa, preocupando-se em não assumir nenhuma atitude hostil proveniente da momentânea perda de sua posição de líder daquele colóquio. Muitas vezes, alguns dados da anamnese tornam-se mais claros se voltamos a eles durante o exame físico do paciente.

47

Recomendações práticas • ~no primeiro contato que reside amelhor oportunidade para fundamentar uma boa relação entre o médico e o paciente. Perdida essa oportunidade, sempre existirá um hiato intransponível entre um e outro; cumprimente o paciente, perguntando logo o nome dele e dizendo-lhe o seu. Não use termos como "vovô': "vovó': "vozin ho': "vozinha" para os idosos. Demonstre atenção ao que o paciente está falando. Procure identificar de pronto alguma condição especial - dor, sono, ansiedade, hostilidade, tristeza para que você saiba amaneira de conduzir aentrevista • Conhecer ecompreender as condições socioculturais do paciente representa uma ajuda inestimável para reconhecer adoença eentender opaciente • Perspicácia etato são qualidades indispensáveis para aobtenção de dados sobre doenças estigmatizantes ou distúrbios que afetam a intimidade da pessoa • Ter sempre o cuidado de não sugestionar o paciente com perguntas que surgem de ideias preconcebidas • Otempo reservado à anamnese distingue omédico competente do incompetente, o qual tende atransferir para os instrumentos e para olaboratório a responsabilidade do diagnóstico • Sintomas bem investigados e mais bem compreendidos abrem caminho para um exame físico objetivo. Isso poderia ser anunciado de outra maneira: só se acha oque se procura esó se procura o que se conhece • Acausa mais frequente de erro diagnóstico é uma história clínica mal obtida • Obtidas as queixas, estas devem ser elaboradas mentalmente pelo médico, de modo aencontrar o desenrolar lógico dos acontecimentos, que é a base do raciocínio clínico • Os dados fornecidos pelos exames complementares nunca corrigem as falhas e as omissões cometidas na anamnese • Somente aanamnese torna possível que omédico tenha uma visão de conjunto do paciente, indispensável para a prática de uma medicina humana, ou seja, uma medicina de excelência.

Uma das principais características do método clínico é justamente sua flexibilidade. Contudo, na fase inicial do aprendizado, é melhor procurar esgotar todas as questões durante a anamnese.

. .,. Semiotécnica da anamnese A anamnese se inicia com perguntas do tipo: "O que o(a) senhor(a) está sentindo?': "Qual é o seu problema?': Isso parece fácil, mas, tão logo o estudante começa seu aprendizado clínico, ele percebe que não é bem assim. Não basta pedir ao paciente que relate sua história e anotá-la. Muitos pacientes têm dificuldade para falar e precisam de incentivo; outros - e isto é mais frequente - têm mais interesse em narrar as circunstâncias e os acontecimentos paralelos do que relatar seus padecimentos. Aliás, o paciente não é obrigado a saber como deve relatar suas queixas. O médico é que precisa saber como obtê-las. O médico tem de estar imbuído da vontade de ajudar o paciente a relatar seus padecimentos. Para conseguir tal intento, Bates (2010) sugere que o examinador utilize uma ou mais das seguintes técnicas: apoio, facilitação, reflexão, esclarecimento, confrontação, interpretação, respostas empáticas e silêncio. Afirmações de apoio despertam segurança no paciente. Dizer, por exemplo, "Eu compreendo" em momento de dúvida pode encorajá-lo a prosseguir no relato de alguma situação difícil.

Parte 1

48 O médico consegue facilitar o relato do paciente por meio de sua postura, de ações ou palavras que o encorajem, mesmo sem especificar o tópico ou o problema que o incomoda. O gesto de balançar a cabeça levemente, por exemplo, pode significar para o paciente que ele está sendo compreendido. A reflexão é muito semelhante à facilitação e consiste basicamente na repetição das palavras que o médico considerar as mais significativas durante o relato do paciente. O esclarecimento é diferente da reflexão porque, nesse caso, o médico procura definir de maneira mais clara o que o paciente está relatando. Por exemplo, se o paciente se refere à tontura, o médico, por saber que esse termo tem vários significados, procura esclarecer a qual deles o paciente se refere (vertigens? Sensação desagradável na cabeça?). A confrontação consiste em mostrar ao paciente algo acerca de suas próprias palavras ou comportamento. Por exemplo, o paciente mostra-se tenso, ansioso e com medo, mas diz ao médico que "está tudo bem': Aí, o médico pode confrontá-lo da seguinte maneira: "Você diz que está tudo bem, mas por que está com lágrimas nos olhos?" Essa afirmativa pode modificar inteiramente o relato do paciente. Na interpretação, o médico faz uma observação a partir do que vai notando no relato ou no comportamento do paciente. Por exemplo: "Você parece preocupado com os laudos das radiografias que me trouxe:' A resposta empática é a intervenção do médico mostrando "empatià: ou seja, compreensão e aceitação sobre algo relatado pelo paciente. A resposta empática pode ser por palavras, gestos ou atitudes: colocar a mão sobre o braço do paciente, oferecer um lenço se ele estiver chorando ou apenas dizer a ele que compreende seu sofrimento. No entanto, é necessário cuidado com esse tipo de procedimento. A palavra ou gesto do médico pode desencadear uma reação inesperada ou até contrária por parte do paciente. A resposta do paciente quase sempre nos coloca diante de um sintoma; portanto, antes de tudo, é preciso que se tenha entendido claramente o que ele quis expressar. A informação é fornecida na linguagem comum, cabendo ao médico encontrar o termo científico correspondente, elaborando mentalmente um esquema básico que permita uma correta indagação de cada sintoma. Há momentos na entrevista em que o examinador deve permanecer calado, mesmo correndo o risco de parecer que perdeu o controle da conversa. O silêncio pode ser o mais adequado quando o paciente se emociona ou chora. Saber o tempo de duração do silêncio faz parte da técnica e da arte de entrevistar.

• Elementos componentes da anamnese A anamnese é classicamente desdobrada nas seguintes partes: identificação, queixa principal, história de doença atual (HDA), interrogatório sintomatológico (IS), antecedentes pessoais e familiares, hábitos de vida, condições socioeconômicas e culturais (Quadro 6.2).

Identificação A identificação é o perfil sociodemográfico do paciente que permite a interpretação de dados individuais e coletivos. Apresenta múltiplos interesses; o primeiro deles é de iniciar o relacionamento com o paciente, saber o nome de uma pessoa é indispensável para que se comece um processo de comunicação em nível afetivo. Para a confecção de fichários e arquivos, que nenhum médico ou instituição pode dispensar, os dados da identificação são fundamentais.

Elementos componentes da anamnese.

Quadro6.2 Identificação Queixa prindpal História de doença atual Interrogatório sintomatológico Antecedentes pessoaiS• e familiares Hábitos de vida

Condições soc1oeconom1cas e culturais •

A

I Semiologia Geral

O

Perfil sociodemográfico que possibilita a interpretação dos dados individuais e coletivos do paciente ~o motivo da consulta. Sintomas ou problemas que motivaram o paciente a procurar atendimento médico Registro cronológico e detalhado do problema atual de saúde do paciente Avaliação detalhada dos sintomas de cada sistema corporal. Complementar a HDA e avaliar práticas de promoção àsaúde Avaliação do estado de saúde passado e presente do paciente, conhecendo os fatores pessoais e familiares que influenciam seu processo saúde-doença Documentar hábitos e estilo de vida do paciente, incluindo ingesta alimentar diária e usual, prática de exercícios, história ocupacional, uso de tabaco, consumo de bebidas alcoólicas e utilização de outras substâncias e drogas ilícitas Avaliar as condições de habitação do paciente, além de vínculos afetivos familiares, condições financeiras, atividades de lazer, filiação religiosa e crenças espirituais, bem como a escolaridade

HDA = Históriadedoença atual.

Além do interesse clínico, também dos pontos de vista pericial, sanitário e médico-trabalhista, esses dados são de relevância para o médico. A data em que é feita a anamnese é sempre importante e, quando as condições clínicas modificam-se com rapidez, convém acrescentar a hora. São obrigatórios os elementos descritos a seguir: .,.. Nome. Primeiro dado da identificação. Nunca é demais criticar o hábito de designar o paciente pelo número do leito ou pelo diagnóstico. "Paciente do leito 5" ou "aquele caso de cirrose hepática da Enfermaria 7" são expressões que jamais devem ser usadas para caracterizar uma pessoa. .,.. Idade. Cada grupo etário tem sua própria doença, e bastaria essa assertiva para tornar clara a importância da idade. A todo momento, o raciocínio diagnóstico se apoia nesse dado e, quando se fala em "doenças próprias da infâncià: está se consagrando o significado do fator idade no processo de adoecimento. Vale ressaltar que, no contexto da anamnese, a relação médico-paciente apresenta peculiaridades de acordo com as diferentes faixas etári.as (ver Capítulos 11, Semiologia da Adolescênda, e 12, Semiologia do Idoso) . .,.. Sexo/gênero. Não se falando nas diferenças fisiológicas, sempre importantes do ponto de vista clínico, há enfermidades que só ocorrem em determinado sexo. Exemplo clássico é a hemofilia, transmitida pelas mulheres, mas que só aparece nos homens. É óbvio que existem doenças específicas para cada sexo no que se refere aos órgãos sexuais. As doenças endócrinas adquirem muitas particularidades em função desse fator. A questão de gêneros, bastante estudada nos últimos anos, aponta para um processo de adoecimento diferenciado no homem e na mulher, ainda quando a doença é a mesma. .,.. Cor/etnia. Embora não sejam coisas exatamente iguais, na prática elas se confundem. Em nosso país, onde existe uma intensa mistura de etnias (Figura 6.1), é preferível o registro da cor da pele usando-se a seguinte nomenclatura: • cor branca • cor parda • cor preta.

6

I Anamnese

49

Uma nova maneira de conhecer as características étnicas do povo brasileiro é pelo exame do DNA de grupos populacionais. Pena et al. (2000) demonstraram, pela análise do DNA de 200 homens e mulheres de "cor branca'' de regiões e origens sociais diversas, que apenas 39% tinham linhagem exclusivamente europeia (cor branca), enquanto 33% apresentavam herança genética indígena e 28%, africana (cor negra). A influência da etnia no processo do adoecimento conta com muitos exemplos; o mais conhecido é o da anemia falciforme, uma alteração sanguínea específica dos negros, mas que, em virtude da miscigenação, pode ocorrer em pessoas de outra cor. Outro exemplo é a hipertensão arterial, que mostra comportamento evolutivo diferente nos pacientes negros: além de ser mais frequente nesse grupo, a hipertensão arterial apresenta maior gravidade, com lesões renais mais intensas e maior incidência de acidentes vasculares encefálicos. Em contrapartida, pessoas de cor branca estão mais predispostas aos cânceres de pele. Considerando o alto grau de miscigenação (Figura 6.1) da população brasileira, há necessidade de se ampliarem os estudos da influência étnica nas doenças prevalentes em nosso país, inclusive nos indivíduos de cor parda. O primeiro passo é o registro correto da cor da pele nos estudos epidemiológicos e nos prontuários médicos. ..,. Estado civil. Não só os aspectos sociais referentes ao estado civil podem ser úteis ao examinador. Aspectos médico-trabalhistas e periciais podem estar envolvidos, e o conhecimento do estado civil passa a ser um dado valioso. ..,. Profissão. É um dado de crescente importância na prática médica, e sobre ele teceremos algumas considerações em conjunto com o item que se segue. .,. local de trabalho. Não basta registrar a ocupação atual. Faz-se necessário indagar sobre outras atividades já exercidas em épocas anteriores. Por isso, nos prontuários, devem constar os itens profissão e local de trabalho na identificação, e os itens ocupação atual e ocupações anteriores nos hábitos de vida. Em certas ocasiões, existe uma relação direta entre o trabalho do indivíduo e a doença que lhe acometeu. Enquadram-se nessa categoria as chamadas doenças profissionais e os acidentes de trabalho. Por exemplo, indivíduos que trabalham em pedreiras ou minas podem sofrer uma doença pulmonar determinada por substâncias inaladas ao exercerem sua profissão; chama-se pneumoconiose, e é uma típica doença profissional. O indivíduo que sofre uma fratura ao cair de um andaime é vítima de um acidente de trabalho. Em ambos os casos, ao lado dos aspectos clí-

Branca

64 •

62

nicos e cirúrgicos, surgem questões de caráter pericial ou médico-trabalhista. Em outras situações, ainda que a ocupação não seja diretamente relacionada com a doença, o ambiente no qual o trabalho é executado poderá envolver fatores que agravam uma afecção preexistente. Assim, são os locais empoeirados ou enfumaçados que agravam os padecimentos dos portadores de enfermidades broncopulmonares, como asma brônquica, bronquite crônica e enfisema pulmonar. ..,. Naturalidade. Local onde o paciente nasceu . ..,. Procedência. Este item geralmente refere-se à residência anterior do paciente. Por exemplo, ao atender a um paciente que mora em Goiânia (GO), mas que anteriormente residiu em Belém (PA), deve-se registrar esta última localidade como a procedência. Em casos de pacientes em trânsito (viagens de turismo, de negócios), a procedência confunde-se com a residência, dependendo do referencial. Por exemplo: no caso de um executivo que reside em São Paulo (SP) e faz uma viagem de negócios para Recife (PE), caso seja atendido em um hospital em Recife, sua procedência será São Paulo. Caso procure assistência médica logo depois de seu retorno a São Paulo (SP), sua procedência será Recife (PE). O princípio de territorização do Sistema Único de Saúde (SUS) trouxe uma nova conotação para o item procedência. Uma vez que os municípios brasileiros são divididos em territórios, o registro da procedência territorial é importante para o repasse financeiro municipal. ..,. Residência. Quanto a este item, anota-se a residência atual. Nesse local deve ser incluído o endereço do paciente. As doenças infecciosas e parasitárias se distribuem pelo mundo em função de vários fatores, como climáticos, hidrográficos e de altitude. Conhecer o local da residência é o primeiro passo nessa área. Além disso, deve-se lembrar de passagem que a população tem muita mobilidade e os movimentos migratórios influem de modo decisivo na epidemiologia de muitas doenças infecciosas e parasitárias. É na identificação do paciente e, mais especificamente, no registro de sua residência que esses dados emergem para uso clínico. Citemos como exemplos a doença de Chagas, a esquistossomose, a malária e a hidatidose. A distribuição geográfica dessas importantes endemias deve estar na mente de todos nós, pois a todo momento nos veremos diante de casos suspeitos. ..,. Nome da mãe. Anotar o nome da mãe do paciente é, hoje, uma regra bastante comum nos hospitais no sentido de diferenciar os pacientes homônimos

61 :55

' •54,4 '

o o

:27 21 Parda 15 Preta 1940

: 11 1950

:39

' :39,9

' 53,8 o o

o

1960

'

' '6

1980

:5,2 1997

o o

:43,8

o

43,1

: 6,8

o

76

: 39,1

:30

09

' 48,4

o o o

6,2

2000

2008

47o7

'

2010

Figura 6.1 População brasileira de acordo com a cor da pele/raça/etnia. Os censos demográficos de 1940, 1950, 1960, 1980 e 1997 mostram a relevância da miscigenação no Brasil. Os brancos, que em 1940 representavam 64% da população, no censo de 1997 representavam 54,4%; enquanto isso, os pardos passaram de 21 para 39,9%, e os negros, de 15 para 5,2%. No censo de 2000, os dados pouco se alteraram (IBGE, 2000). Já nos dados de 2008 e de 201 O(IBGE) ocorreram alterações.

Parte 1

50 .,. . Nome do responsável, cuidador e/ou acompanhante. O registro do

nome do responsável, cuidador e/ou acompanhante de crianças, adolescentes, idosos, tutelados ou incapazes (problemas de cognição, por exemplo) faz-se necessário para que se firme a relação de corresponsabilidade ética no processo de tratamento do paciente .,... Religião. A religião à qual o paciente se filia tem relevância no processo saúde-doença. Alguns dados bastante objetivos, como a proibição à hemotransfusão em testemunhas de Jeová e o não uso de carnes pelos fiéis da Igreja Adventista, têm uma repercussão importante no planejamento terapêutico. Outros dados mais subjetivos podem influenciar a relação médico-paciente, uma vez que o médico usa em sua fala a pauta científica, que muitas vezes pode se contrapor à pauta religiosa pela qual o paciente compreende o mundo em que vive .,... Filiação a órgãos/instituições previdenciárias e planos de saúde. Ter conhecimento desse fato facilita o encaminhamento para exames complementares, outros especialistas ou mesmo a hospitais, nos casos de internação. O cuidado do médico em não onerar o paciente, buscando alternativas dentro do seu plano de saúde, é fator de suma importância na adesão ao tratamento proposto.

Queixa principal Neste item, registra-se a queixa principal ou o motivo que levou o paciente a procurar o médico, repetindo, se possível, as expressões por ele utilizadas. É uma afirmação breve e espontânea, geralmente um sinal ou um sintoma, suscitador nas próprias palavras da pessoa, que descreve o motivo da consulta. Geralmente, é uma anotação entre aspas para indicar que se trata das palavras exatas do paciente. Não aceitar, tanto quanto possível, "rótulos diagnósticos" referidos à guisa de queixa principal. Assim, se o paciente disser que seu problema é "pressão alta" ou "menopausa: procurar-se-á esclarecer o sintoma que ficou subentendido sob outra denominação. Nem sempre existe uma correspondência entre a nomenclatura leiga e o significado exato do termo "científicd' usado pelo paciente. Por isso, sempre se solicita a ele a tradução em linguagem corriqueira daquilo que sente. Contudo, algumas vezes é razoável o registro de um diagnóstico como queixa principal. É um verdadeiro risco tomar ao pé da letra os "diagnósticos" dos pacientes. Por comodidade, pressa ou ignorância, o médico pode ser induzido a aceitar, dando-lhes ares científicos, conclusões diagnósticas feitas pelos pacientes ou seus familiares. As consequências de tal procedimento podem ser muito desagradáveis. Por exemplo, não são poucos os indivíduos que perderam a oportunidade de submeter-se a um tratamento cirúrgico com probabilidade de cura para

Pontos-chave • Sugestões para obter a"queixa principal": o Qual o motivo da consulta? o Por que o(a) senhor(a) me procurou? o Oque o(a) senhor( a) está sentindo? o Oque o(a) está incomodando? • Exemplos de "queixa principal": o Dor de ouvido o Dor no peito há 2h o Exame periódico para otrabalho.

I Semiologia Geral

retirada de um câncer retal pelo fato de terem sugerido ao médico e este ter aceito o diagnóstico de "hemorroidas". Que o paciente tenha essa suspeita após observar sangue junto com as fezes é perfeitamente compreensível e aceitável. Imperdoável, sob qualquer pretexto, é o médico aceitar esse "diagnóstico" sem ter realizado um exame anorretal que possibilitaria o reconhecimento da neoplasia causadora daquele sangramento. Às vezes, uma pessoa pode enumerar "vários motivos" para procurar assistência médica. O motivo mais importante pode não ser o que a pessoa enunciou primeiro. Para se obter a queixa principal, nesse caso, deve-se perguntar o que a levou a procurar atendimento médico ou o que mais a incomoda no momento. Quando o paciente chega ao médico encaminhado por outro colega ou instituição médica, no item correspondente à "queixa principal" registra-se de modo especial o motivo da consulta. Por exemplo: para um jovem que teve vários surtos de moléstia reumática, com ou sem sequelas cardíacas, e que vai ser submetido a uma amigalectomia e é encaminhado ao clínico ou cardiologista para averiguação da existência de "atividade reumática" ou alteração cardiovascular que impeça a execução da operação proposta, registra-se, à guisa de queixa principal: '~valiação pré-operatória de amigdalectomia. O paciente já teve vários surtos de moléstia reumática:'

História da doença atual A história da doença atual (HDA) é um registro cronológico e detalhado do motivo que levou o paciente a procurar assistência médica, desde o seu início até a data atual. A HDA, abreviatura já consagrada no linguajar médico, é a parte principal da anamnese e costuma ser a chave mestra para chegar ao diagnóstico. Algumas histórias são simples e curtas, constituídas de poucos sintomas, facilmente dispostos em ordem cronológica e cujas relações entre si aparecem sem dificuldade. Outras histórias são longas, complexas e compostas de inúmeros sintomas cujas inter-relações não são fáceis de se encontrar.

Sintoma-guia Designa-se como sintoma-guia o sintoma ou sinal que permite recompor a história da doença atual com mais facilidade e precisão; por exemplo: a febre na malária, a dor epigástrica na úlcera péptica, as convulsões na epilepsia, o edema na síndrome nefrótica, a diarreia na colite ulcerativa. Contudo, isso não significa que haja sempre um único e constante sintoma-guia para cada enfermidade. O encontro de um sintoma-guia é útil para todo médico, mas para o iniciante adquire especial utilidade; sem grandes conhecimentos médicos e sem experiência, acaba sendo a única maneira para ele reconstruir a história de uma doença. Sintoma-guia não é necessariamente o mais antigo, mas tal atributo deve ser sempre levado em conta. Não é obrigatório que seja a primeira queixa relatada pelo paciente; porém, isso também não pode ser menosprezado. Nem é, tampouco, de maneira sistemática, o sintoma mais realçado pelo paciente. Na verdade, não existe uma regra fixa para determinar o sintoma-guia. Como orientação geral, o estudante deve escolher como sintoma-guia a queixa de mais longa duração, o sintoma mais salientado pelo paciente ou simplesmente começar pelo relato da "queixa principal': O passo seguinte é determinar a época em que teve início aquele sintoma. A pergunta padrão pode ser: "Quando

6

I Anamnese

51

Normas para se obter uma boa HDA • Deixe que opaciente fale sobre sua doença • Determine o sintoma-guia • Descreva o sintoma-guia com suas características e analise-o minuciosamente • Use o sintoma-guia como fio condutor da história e estabeleça as relações das outras queixas com ele em ordem cronológica • Verifique se ahistória obtida tem começo, meio efim • Não induza respostas • Apureevolução, exames etratamentos realizados em relação à doença atual • Leia a história que escreveu para o paciente, a fim de ele possa confirmar ou corrigir algum dado relatado, ou mesmo acrescentar alguma queixa esquecida.

o senhor começou a sentir isso?.,. Nem sempre o paciente consegue se lembrar de datas exatas, mas, dentro do razoável, é indispensável estabelecer a época provável do início do sintoma. Nas doenças de início recente, os acontecimentos a elas relacionados ainda estão vivos na memória e será fácil recordá-los, ordenando-os cronologicamente. Mecções de longa duração e de começo insidioso com múltiplas manifestações causam maior dificuldade. Nesses casos mais complexos, é válido utilizar-se de certos artifícios, procurando relacionar o(s) sintoma(s) com eventos que não se esquecem (casamento, gravidez, mudanças, acidentes). O terceiro passo consiste em investigar a maneira como evoluiu o sintoma. Muitas perguntas devem ser feitas, e cada

Quadro6.3

sintoma tem suas características semiológicas. Constrói-se uma história clínica com base no modo como evoluem os sintomas. Concomitantemente com a análise da evolução do sintoma-guia, o examinador estabelece as correlações e as inter-relações com outras queixas. A análise do sintoma-guia e dos outros sintomas termina com a obtenção de informações sobre como eles estão no presente momento. Visto em conjunto esse esquema básico para a confecção da anamnese, verifica-se que a meta almejada é obter uma história que tenha início, meio e fim. Fica claro, também, que cada história clínica benfeita tem um fio condutor. Apesar das dificuldades iniciais, o estudante deve esforçar-se para fazer uma história que tenha o sintoma-guia como espinha dorsal, enquanto os outros sintomas se articulam com ele para formar um conjunto compreensível e lógico. As primeiras histórias são sempre repletas de omissões porque faltam ao estudante conhecimentos sobre as doenças. Espera-se apenas que ele consiga delinear a "espinha dorsal" da história e que, com o passar do tempo, torne-se capaz de conseguir a reconstituição exata de uma história, por mais complexa que seja.

Esquema para análise de um sintoma Os elementos que compõem o esquema para análise de qualquer sintoma (Quadro 6.3) são: • Início • Características do sintoma • Fatores de melhora ou piora

Esquemapara a~lise de um sintoma.

Como avaliar o sintoma

Exemplo: dor

Início

• Deve ser caracterizado com relação à época de aparecimento • Se foi de início súbito ou gradativo • Se teve fator desencadeante ou não

Características do sintoma

Definir localização, duração, intensidade, frequência, tipo, ou seja, características próprias a depender do sintoma

Fatores de melhora ou piora

Definir quais fatores melhoram e pioram osintoma, como, por exemplo, fatores ambientais, posição, atividade física ou repouso, alimentos ou uso de medicamentos

Relação com outras queixas

Registrar se existe alguma manifestação ou queixa que acompanha osintoma, geralmente relacionado com o segmento anatômico ou funcional acometido pelo sintoma

Evolução

Registrar ocomportamento do sintoma ao longo do tempo, relatando modificações das características e influência de tratamentos efetuados

Situação atual

Registrar como o sintoma está no momento da anamnese também éimportante

Médico:"Quando a dor surgiu?'' Paciente: "Há 3dias:' Médico: "Como ela começou?" Paciente: "De repente, depois que peguei um saco de cimento:' Médico: "Onde dói?'' Paciente: "A dor é no peito, do lado direito, na frente:' Médico:"A dor irradia? Ela 'anda'?" Paciente: "A dor vai para as costas:' Médico: "Quanto tempo dura?" Paciente: "O tempo todo, não para:' Médico:"Como é essa dor?'' Paciente: "E uma dor forte, em pontada:' Médico:"O que melhora a dor?" Paciente: "Melhora quando eu deito do lado direitO:' Médico:"O que piora a dor?" Paciente: "A dor piora quando faço esforço físico e à noite quando esfria o tempo:' Médico: "Você está tossindo?" Paciente: "Não:' Médico:"Você tem falta de ar?" Paciente: "Eu sinto um pouco de falta de ar sim:' Médico: "Essa dorse modificou nestes 3dias?'' Paciente: "Ontem eu tomei uma analgésico e a dor melhorou, mas é só o efeito do remédio acabar que a dor volta:' Médico:"Como está a dor agora?'' Paciente: "Agora a dor está muito forte e está dificultando minha respiração. Nada mais melhora. Preciso de ajuda:'

Parte 1

52 • Relação com outras queixas • Evolução • Situação atual.

Interrogatório sintomatológico Essa parte da anamnese, denominada também anamnese especial ou revisão dos sistemas, constitui, na verdade, um complemento da história da doença atual. O interrogatório sintomatológico documenta a existência ou ausência de sintomas comuns relacionados com cada um dos principais sistemas corporais. De um modo geral, uma HDA benfeita deixa pouca coisa para o interrogatório sintomatológico (IS), que é, entretanto, elemento indispensável no conjunto do exame clínico. Pode-se dizer mesmo que este só estará concluído quando um interrogatório sintomatológico, abrangendo todos os sistemas do organismo, tiver sido adequado e corretamente executado. A principal utilidade prática do interrogatório sintomatológico reside no fato de permitir ao médico levantar possibilidades e reconhecer enfermidades que não guardam relação com o quadro sintomatológico registrado na HDA. Por exemplo: o relato de um paciente conduziu ao diagnóstico de úlcera péptica e, no IS, houve referência a edema dos membros inferiores. Esse sintoma pode despertar uma nova hipótese diagnóstica que vai culminar no encontro de uma cirrose. Em outras ocasiões, é no interrogatório sintomatológico que se origina a suspeita diagnóstica mais importante. Essa possibilidade pode ser ilustrada com o caso de um paciente que procurou o médico concentrando a sua preocupação em uma impotência sexual. Ao ser feita a revisão dos sistemas, vieram à tona os sintomas polidipsia, poliúria e emagrecimento, queixas às quais o paciente não havia dado a menor importância. No entanto, a partir delas o médico levantou a suspeita da enfermidade principal daquele paciente - o diabetes melito. Além disso, é comum o paciente não relatar um ou vários sintomas durante a elaboração da história da doença atual. Simples esquecimento ou medo inconsciente de determinados diagnósticos podem levar o paciente a não se referir a padecimentos de valor crucial para chegar a um diagnóstico. Outra importante função do interrogatório sintomatológico é avaliar práticas de promoção à saúde. Enquanto se avalia o estado de saúde passado e presente de cada sistema corporal, aproveita-se para promover saúde, orientando e esclarecendo o paciente sobre maneiras de prevenir doenças e evitar riscos à saúde. É trabalhoso, mas a única maneira de realizar uma boa anamnese especial, particularmente nessa fase de iniciação clínica, é seguir um esquema rígido, constituído de um conjunto de perguntas que correspondam a todos os sintomas indicativos de alterações dos vários aparelhos do organismo. Mais ainda: para tirar o máximo proveito das atividades práticas, o estudante registrará os sintomas presentes e os negados pelo paciente. Toda queixa será objeto de investigação com base no esquema anteriormente proposto para análise de um sintoma. A simples citação de uma queixa tem algum valor; porém, muito mais útil é o registro das suas características semiológicas fundamentais. Embora o IS seja a parte mais longa da anamnese e pareça ao estudante algo cansativo e muitas vezes inútil, convém relatar que: • A proposta de atender ao paciente de maneira holística inclui o conhecimento de todos os sistemas corporais em seus sintomas e na dimensão da promoção da saúde

I Semiologia Geral

• Pensando no paciente como um ser mutável e em desenvolvimento, é necessário que se registre o estado atual de todo o seu organismo, para se ter um parâmetro no caso de futuras queixas e adoecimento. Por exemplo: se, na primeira consulta, o paciente não se queixou de nenhum sintoma referente ao sistema respiratório e, ao retornar após 2 meses, relata tosse com escarros amarelados e dispneia, o médico pode ter uma ideia clara do aparecimento súbito de uma nova doença • Muitas vezes, o adoecimento de um sistema corporal tem correlação com outro sistema, e há necessidade de tal conhecimento para adequar a proposta terapêutica. Um exemplo clássico é a hipertensão arterial, em que pode existir comprometimento dos sistemas cardiovascular, renal, neurológico e endocrinológico.

Sistematização do interrogatório sintomatológico Não é fácil sintetizar o interrogatório sintomatológico quando se tem como permanente preocupação uma visão global do paciente. Sem dúvida, a melhor maneira é levar em conta os segmentos do corpo, mas os sistemas do organismo abrangem quase sempre mais de um segmento. A solução é conciliar as duas coisas, reunindo em cada segmento os órgãos de diferentes aparelhos, quando isso for possível. Os sistemas que não se enquadram nesse esquema são investigados em sequenc1a. No início do aprendizado clínico muitas são as dificuldades, desde a incompreensão dos termos usados pelos pacientes até a escassez de conhecimentos clínicos, além do longo tempo necessário para fazer o interrogatório sintomatológico; mas esse é um exercício imprescindível no aprendizado do médico clínico. A medida que se adquire experiência, pode-se simplificar ou adaptá-lo às circunstâncias em que o exame clínico é realizado. O domínio do método clínico exige um esforço especial nessa fase; porém, a chave do problema está no exame do maior número possível de pacientes, seguindo-se a sistematização proposta a seguir: A

• • • • • • • • • • • • •



Sintomas gerais Pele e fâneros Cabeça e pescoço Tórax Abdome Sistema geniturinário Sistema hemolinfopoético Sistema endócrino Coluna vertebral, ossos, articulações e extremidades Músculos Artérias, veias, linfáticos e microcirculação Sistema nervoso Exame psíquico e avaliação das condições emocionais.

Sintomas gerais .,. Febre. Sensação de aumento da temperatura corporal acompanhada ou não de outros sintomas (cefaleia, calafrios, sede etc.). .,. Astenia. Sensação de fraqueza. .,. Alterações do peso. Especificar perda ou ganho de peso, quantos quilos, intervalo de tempo e motivo (dieta, estresse, outros fatores). .,. Sudorese. Eliminação abundante de suor. Generalizada ou predominante nas mãos e pés.

6

I Anamnese

.,.. Calafrios. Sensação momentânea de frio com ereção de pelos e arrepiamento da pele. Relação com febre. .,.. Cãibras. Contrações involuntárias de um músculo ou grupo muscular.

Pele e fâneros .,.. Alterações da pele. Cor, textura, umidade, temperatura, sensibilidade, prurido, lesões. .,.. Alterações dos fâneros. Queda de cabelos, pelos faciais em mulheres, alterações nas unhas. Promoção da saúde. Exposição solar (hora do dia, uso de protetor solar); cuidados com pele e cabelos (bronzeamento artificial, tinturas).

Cabeça e pescoço • Crânio, face e pescoço .,.. Dor. Localizar o mais corretamente possível a sensação dolorosa. A partir daí, indaga-se sobre as outras características semiológicas da dor. .,.. Alterações do pescoço. Dor, tumorações, alterações dos movimentos, pulsações anormais.

• Olhos .,.. Dor ocular e cefaleia. Bem localizada pelo paciente ou de localização imprecisa no globo ocular. .,.. Sensação de corpo estranho. Sensação desagradável quase sempre acompanhada de dor. .,.. Prurido. Sensação de coceira. .,.. Queimação ou ardência. Acompanhando ou não a sensação dolorosa. .,.. Lacrimejamento. Eliminação de lágrimas, independentemente do choro. .,.. Sensação de olho seco. Sensação de secura, como se o olho não tivesse lágrimas. .,.. Xantopsia, iantopsia e doropsia. Visão amarelada, violeta e verde, respectivamente. .,.. Diminuição ou perda da visão. Uni ou bilateral, súbita ou gradual, relação com a intensidade da iluminação, visão noturna, correção (parcial ou total) com óculos ou lentes de contato. .,.. Diplopia. Visão dupla, constante ou intermitente. .,.. Fotofobia. Hipersensibilidade à luz. .,.. Nistagmo. Movimentos repetitivos rítmicos dos olhos, tipo de nistagmo. .,.. Escotomas. Manchas ou pontos escuros no campo visual, descritos como manchas, moscas que voam diante dos olhos ou pontos luminosos. .,.. Secreção. Líquido purulento que recobre as estruturas externas do olho. .,.. Vermelhidão. Congestão de vasos na esclerótica. .,.. Alucinações visuais. Sensação de luz, cores ou reproduções de objetos. Promoção da saúde. Uso de óculos ou lentes de contato, último exame oftálmico.

• Ouvidos .,.. Dor. Localizada ou irradiada de outra região. .,.. Otorreia. Saída de líquido pelo ouvido. .,.. Otorragia. Perda de sangue pelo canal auditivo, relação com traumatismo. .,.. Transtornos da acuidade auditiva. Perda parcial ou total da audição, uni ou bilateral; início súbito ou progressivo. .,.. Zumbidos. Sensação subjetiva de diferentes tipos de ruídos (campainha, grilos, apito, chiado, cachoeira, jato de vapor, zunido).

53 .,.. Vertigem e tontura. Sensação de estar girando em tomo dos objetos (vertigem subjetiva) ou os objetos girando em tomo de si (vertigem objetiva). Promoção da saúde. Uso de aparelhos auditivos; exposição a ruídos ambientais; uso de equipamentos de proteção individual (EPI); limpeza do pavilhão auditivo (cotonetes, outros objetos, pelo médico).

• Nariz e cavidades paranasais .,.. Prurido. Pode resultar de doença local ou sistêmica. .,.. Dor. Localizada no nariz ou na face. Verificar todas as características semiológicas da dor. .,.. Espirros. Isolados ou em crises. Indagar em que condições ocorrem, procurando detectar locais ou substâncias relacionados com os espirros. .,.. Obstrução nasal. Rinorreia; aspecto do corrimento (aquoso, purulento, sanguinolento); cheiro. .,.. Corrimento nasal. Aspecto do corrimento (aquoso, purulento, sanguinolento). .,.. Epistaxe. Hemorragia nasal. .,.. Dispneia. Falta de ar. .,.. Diminuiçãodoolfato.Diminuição (hiposmia) ou abolição (anosmia) . .,.. Aumento do olfato. Transitório ou permanente. .,.. Alterações do olfato. Percepção anormal de cheiros. .,.. Cacosmia. Consiste em sentir mau cheiro, sem razão para tal. .,.. Parosmia. Perversão do olfato. .,.. Alterações da fonação. Voz anasalada (rinolalia).

• Cavidade bucal e anexos .,.. Alterações do apetite. Polifagia ou hiperorexia; inapetência ou anorexia; perversão do apetite (geofagia ou outros tipos) . .,.. Sialose. Excessiva produção de secreção salivar. .,.. Halitose. Mau hálito. .,.. Dor. Dor de dente, nas glândulas salivares, na língua (glossalgia), na articulação temporomandibular. Trismo . .,.. Ulcerações/sangramento. Causa local ou doença do sistema hemopoético. Promoção da saúde. Escovação de dentes e língua (vezes/dia); último exame odontológico.

• Faringe .,.. Dor de garganta. Espontânea ou provocada pela deglutição. Verificar todas as características semiológicas da dor. .,.. Dispneia. Dificuldade para respirar relacionada com a faringe. .,.. Disfagia. Dificuldade de deglutir localizada na bucofaringe (disfagia alta). .,.. Tosse. Seca ou produtiva. .,.. Halitose. Mau hálito. .,.. Pigarro. Ato de raspar a garganta. .,.. Ronco. Pode estar associado à apneia do sono .

• Laringe .,.. Dor. Espontânea ou à deglutição. Verificar as outras características semiológicas da dor. .,.. Dispneia. Dificuldade para respirar. .,.. Alterações da voz. Disfonia; afonia; voz lenta e monótona; voz fanhosa ou anasalada. .,.. Tosse. Seca ou produtiva; tosse rouca; tosse bitonal. .,.. Disfagia. Disfagia alta. .,.. Pigarro. Ato de raspar a garganta. Promoção da saúde. Cuidados com a voz (gargarejos, produtos utilizados).

• Tireoide e paratireoides .,.. Dor. Espontânea ou à deglutição. Verificar as outras características semiológicas.

Parte 1 I Semiologia Geral

54 .,. Outras alterações. Nódulo, bócio, rouquidão, dispneia, disfagia.

• Vasos e linfonodos .,. Dor. Localização e outras características semiológicas. .,. Adenomegalias. Localização e outras características semiológicas. .,. Pulsações e turgência jugular.

Tórax • Parede torácica .,. Dor. Localização e demais características semiológicas, em particular a relação da dor com os movimentos do tórax. .,. Alterações da forma do tórax. Alterações localizadas na caixa torácica como um todo. .,. Dispneia. Relacionada com dor ou alterações da configuração do tórax.

• Mamas .,. Dor. Relação com a menstruação e outras características semiológicas. .,. Nódulos. Localização e evolução; modificações durante o ciclo menstrual. .,. Secreção mamilar. Uni ou bilateral, espontânea ou provocada; aspecto da secreção. Promoção da saúde. Autoexame mamário; última mamografia/ ultrassonografia (USG) (mulheres> 40 anos).

• Traqueia, brônquios, pulmões e pleuras .,. Dor. Localização e outras características semiológicas. .,. Tosse. Seca ou com expectoração. Frequência, intensidade, tonalidade, relação com o decúbito, período em que predomina. .,. Expectoração. Volume, cor, odor, aspecto e consistência. Tipos de expectoração: mucoide, serosa, purulenta, mucopurulenta, hemoptoica. .,. Hemoptise. Eliminação de sangue pela boca, através da glote, proveniente dos brônquios ou pulmões. Obter os dados para diferenciar a hemoptise da epistaxe e da hematêmese. .,. Vômica. Eliminação súbita, através da glote, de quantidade abundante de pus ou líquido de aspecto mucoide ou seroso. .,. Dispneia. Relação com esforço ou decúbito; instalação súbita ou gradativa; relação com tosse ou chieira; tipo de dispneia. .,. Chieira. Ruído sibilante percebido pelo paciente durante a respiração; relação com tosse e dispneia; uni ou bilateral; horário em que predomina. .,. Cornagem. Ruído grave provocado pela passagem do ar pelas vias respiratórias altas reduzidas de calibre. .,. Estridor. Respiração ruidosa, algo parecido com cornagem. .,. Tiragem. Aumento da retração dos espaços intercostais.

• Diafragma e mediastino

pericardite; dor de origem aórtica; dor de origem psicogê• mca. .,. Palpitações. Percepção incômoda dos batimentos cardíacos; tipo de sensação, horário de aparecimento, modo de instalação e desaparecimento; relação com esforço ou outros fatores desencadeantes. .,. Dispneia. Relação com esforço e decúbito; dispneia paroxística noturna; dispneia periódica ou de Cheyne-Stokes. .,. Intolerância aos esforços. Sensação desagradável ao fazer esforço físico. .,. Tosse e expectoração. Tosse seca ou produtiva; relação com esforço e decúbito; tipo de expectoração (serosa, serossanguinolenta) . .,. Chieira. Relação com dispneia e tosse: horário em que predo• rruna . .,. Hemoptise. Quantidade e características do sangue eliminado. Obter dados para diferenciar da epistaxe e da hematêmese. .,. Desmaio esíncope. Perda súbita e transitória, parcial ou total, da consciência; situação em que ocorreu; duração; manifestações que antecederam o desmaio e que vieram depois. .,. Alterações do sono. Insônia; sono inquieto. .,. Cianose. Coloração azulada da pele; época do aparecimento (desde o nascimento ou surgiu tempos depois); intensidade; relação com choro e esforço. .,. Edema. Época em que apareceu; como evoluiu, região em que predomina. .,. Astenia. Sensação de fraqueza . .,. Posição de cócoras. O paciente fica agachado, apoiando as nádegas nos calcanhares . Promoção da saúde. Exposição a fatores estressantes; último check-up cardiológico.

• Esôfago .,. Disfagia. Dificuldade à deglutição; disfagia alta (bucofaríngea); disfagia baixa (esofágica) . .,. Odinofagia. Dor retroesternal durante a deglutição. .,. Dor. Independente da deglutição. .,. Pirose. Sensação de queimação retroesternal; relação com a ingestão de alimentos ou medicamentos; horário em que aparece. .,. Regurgitação. Volta à cavidade bucal de alimento ou de secreções contidas no esôfago ou no estômago. .,. Eructação. Relação com a ingestão de alimentos ou com alterações emocionais. .,. Soluço. Horário em que aparece; isolado ou em crise; duração. .,. Hematêmese. Vômito de sangue; características do sangue eliminado; diferenciar de epistaxe e de hemoptise. .,. Sialose (sialorreia ou ptialismo). Produção excessiva de secreção salivar.

Abdome O interrogatório sobre os sintomas das doenças abdominais inclui vários sistemas, mas, por comodidade, é melhor nos restringirmos aos órgãos do sistema digestivo. Os outros órgãos localizados no abdome devem ser analisados separadamente, reunindo-se o sistema urinário com os órgãos genitais, o sistema endócrino e o hemolinfopoético.

.,. Dor. Localização e demais características semiológicas. .,. Soluço. Contrações espasmódicas do diafragma, concomitantes com o fechamento da glote, acompanhadas de um ruído rouco. Isolados ou em crises. .,. Dispneia. Dificuldade respiratória. .,. Sintomas de compressão. Relacionados com o comprometimento do simpático, do nervo recorrente, do frênico, das veias cavas, das vias respiratórias e do esôfago. Promoção da saúde. Exposição a alergênios (qual); última radiografia de tórax.

.,. Dor. Localização e outras características semiológicas. .,. Alterações da forma e do colume. Crescimento do abdome; hérnias; tumorações.

• Coração e grandes vasos

• Estômago

.,. Dor. Localização e outras características semiológicas; dor isquêmica (angina do peito e infarto do miocárdio); dor da

.,. Dor. Localização na região epigástrica; outras características semiológicas.

• Parede abdominal

6

I Anamnese

.,.. Náuseas evômitos. Horário em que aparecem; relação com a ingestão de alimentos; aspecto dos vômitos. .,.. Dispepsia. Conjunto de sintomas constituído de desconforto epigástrico, empanzinamento, sensação de distensão por gases, náuseas, intolerância a determinados alimentos. .,.. Pirose. Sensação de queimação retroesternal.

• Intestino delgado .,.. Diarreia. Duração; volume; consistência, aspecto e cheiro das fezes. .,.. Esteatorreia. Aumento da quantidade de gorduras excretadas nas fezes. .,.. Dor. Localização, contínua ou em cólicas. .,.. Distensão abdominal, flatulência e dispepsia. Relação com ingestão de alimentos. .,.. Hemorragia digestiva. Aspecto "em borra de café" (melena) ou sangue vivo (enterorragia). • Cólon, reto e ânus .,.. Dor. Localização abdominal ou perianal; outras características semiológicas; tenesmo. .,.. Diarreia. Diarreia baixa; aguda ou crônica; disenteria. .,.. Obstipação intestinal. Duração; aspecto das fezes. .,.. Sangramento anal. Relação com a defecação. .,.. Prurido. Intensidade; horário em que predomina. .,.. Distensão abdominal. Sensação de gases no abdome. .,.. Náuseas e vômitos. Aspecto do vômito; vômitos fecaloides. • Fígado e vias biliares .,.. Dor. Dor contínua ou em cólica; localização no hipocôndrio direito; outras características semiológicas. .,. Icterícia. Intensidade; duração e evolução; cor da urina e das fezes; prurido. • Pâncreas .,.. Dor. Localização (epigástrica) e demais características semiológicas. .,. Icterícia. Intensidade; duração e evolução; cor da urina e das fezes; prurido. .,.. Diarreia e esteatorreia. Características das fezes. .,.. Náuseas e vômitos. Tipo de vômito. Promoção da saúde. Uso de antiácidos, laxantes ou "chás digestivos".

Sistema geniturinário • Rins e vias urinárias .,.. Dor. Localização e demais características semiológicas. .,.. Alterações micdonais. Incontinência; hesitação; modificações do jato urinário; retenção urinária. .,.. Alterações do volume e do ritmo urinário. Oligúria; anúria; poliúria; disúria; noctúria; urgência; polaciúria. .,.. Alterações da corda urina. Urina turva; hematúria; hemoglobinúria; mioglobinúria; porfirinúria. .,.. Alterações do cheiro da urina. Mau cheiro. .,.. Dor. Dor lombar e no flanco e demais características semiológicas; dor vesical; estrangúria; dor perineal. .,.. Edema. Localização; intensidade; duração. .,.. Febre. Calafrios associados. • Órgãos genitais masculinos .,. lesões penianas. Úlceras, vesículas (herpes, sífilis, cancro mole). .,.. Nódulos nos testículos. Tumor, varicocele. .,.. Distúrbios miccionais. Ver Rins e vias urinárias. .,.. Dor. Testicular; perineal; lombossacra; características semiológicas. .,.. Priapismo. Ereção persistente, dolorosa, sem desejo sexual.

55 .,.. Hemosperrnia. Sangue no esperma. .,.. Corrimento uretral. Aspecto da secreção. .,.. Disfunções sexuais. Disfunção erétil; ejaculação precoce; ausência de ejaculação, anorgasmia, diminuição da libido, síndromes por deficiência de hormônios testiculares (síndrome de Klinefelter, puberdade atrasada) . Promoção da saúde. Auto exame testicular; último exame prostático ou PSA; uso de preservativos.

• Órgãos genitais femininos .,.. Ciclo menstrual. Data da primeira menstruação; duração dos ciclos subsequentes. .,.. Distúrbios menstruais. Polimenorreia; oligomenorreia; amenorreia; hipermenorreia; hipomenorreia; menorragia; dismenorreia. .,.. Tensão pré-menstrual. Cólicas; outros sintomas. .,.. Hemorragias. Relação com o ciclo menstrual. .,.. Corrimento. Quantidade; aspecto; relação com as diferentes fases do ciclo menstrual. .,.. Prurido. Localizado na vulva . .,.. Disfunções sexuais. Dispareunia; frigidez; diminuição da libido; . anorgasm1a. .,.. Menopausa e climatério. Idade em que ocorreu a menopausa; fogachos ou ondas de calor; insônia. .,.. Alterações endócrinas. Amenorreia; síndrome de Turner. Promoção da saúde. último exame ginecológico; último Papanicolaou; uso de preservativos; terapia de reposição hormonal.

Sistema hemolinfopoético .,.. Astenia. Instalação lenta ou progressiva . .,.. Hemorragias. Petéquias; equimoses; hematomas; gengivorragia; hematúria; hemorragia digestiva. .,.. Adenomegalias. Localizadas ou generalizadas; sinais flogísticos; fistulização . .,.. Febre. Tipo da curva térmica. .,.. Esplenomegalia ehepatomegalia. Época do aparecimento; evolução. .,.. Dor. Bucofaringe; tórax; abdome; articulações; ossos. .,.. Icterícia. Cor das fezes e da urina. .,.. Manifestações cutâneas. Petéquias; equimoses; palidez; prurido; eritemas; pápulas; herpes . .,.. Sintomas osteoarticulares. .,.. Sintomas cardiorrespiratórios. .,.. Sintomas gastrintestinais. .,.. Sintomas geniturinários. .,.. Sintomas neurológicos.

Sistema endócrino O interrogatório dos sintomas relacionados com as glândulas endócrinas abrange o organismo como um todo, desde os sintomas gerais até o psíquico, mas há interesse em caracterizar um grupo de manifestações clínicas diretamente relacionadas com cada glândula para desenvolver a capacidade de reconhecimento, pelo clínico geral, dessas enfermidades .

• Hipotálamo e hipó.fise .,.. Alterações do desenvolvimento físico. Nanismo, gigantismo, acromegalia. .,.. Alterações do desenvolvimento sexual. Puberdade precoce; puberdade atrasada . .,.. Outras alterações. Galactorreia; síndromes poliúricas; alterações visuais. • Tireoide .,.. Alterações locais. Dor; nódulo; bócio; rouquidão; dispneia; disfagia.

Parte 1

56 .,. . Manifestações de hiperfunção. Hipersensibilidade ao calor; aumento da sudorese; perda de peso; taquicardia; tremor; irritabilidade; insônia; astenia; diarreia; exoftalmia. .,. . Manifestações de hipofunção. Hipersensibilidade ao frio; diminuição da sudorese; aumento do peso; obstipação intestinal; cansaço facial; apatia; sonolência; alterações menstruais; ginecomastia; unhas quebradiças; pele seca; rouquidão; macroglossia; bradicardia.

• Paratireoides .,. . Manifestações de hiperfunção. Emagrecimento; astenia; parestesias; cãibras; dor nos ossos e nas articulações; arritmias cardíacas; alteraçõesósseas; raquitismo; osteomalacia; tetania. .,. . Manifestações de hipofunção. Tetania; convulsões; queda de cabelos; unhas frágeis e quebradiças; dentes hipoplásicos; catarata. • Suprarrenais .,. . Manifestações por hiperprodução de glicocorticoides. Aumento de peso; fácies "de lua cheia"; acúmulo de gordura na face, região cervical e dorso; fraqueza muscular; poliúria; polidipsia; irregularidade menstrual; infertilidade; hipertensão arterial. .,. . Manifestações por diminuição de glicocorticoides. Anorexia; náuseas e vômitos; astenia; hipotensão arterial; hiperpigmentação da pele e das mucosas. .,. . Aumento de produção de mineralocorticoides. Hipertensão arterial; astenia; cãibras; parestesias. .,. . Aumento da produção de esteroides sexuais. Pseudopuberdade precoce; hirsutismo; virilismo. .,. . Aumento de produção de catecolaminas. Crises de hipertensão arterial, cefaleia, palpitações, sudorese. • Gônadas Alterações locais e em outras regiões corporais indicativas de anormalidades da função endócrina.

Coluna vertebral, ossos, articulações e extremidades Neste item, além do sistema locomotor, serão analisados órgãos pertencentes a outros sistemas pela sua localização nas extremidades.

• Coluna vertebral .,. . Dor. Localização cervical, dorsal, lombossacra; relação com os movimentos; demais características semiológicas. .,. . Rigidez pós-repouso. Tempo de duração após iniciar as atividades. • Ossos .,. . Dor. Localização e demais características semiológicas. .,. . Deformidades ósseas. Caroços; arqueamento do osso; rosário raquítico. • Articulações .,. . Dor. Localização e demais características semiológicas. .,. . Rigidez pós-repouso. Pela manhã. .,. . Sinais inflamatórios. Edema, calor, rubor e dor. .,. . Crepitação articular. Localização. .,. . Manifestações sistêmicas. Febre; astenia; anorexia; perda de peso. • Bursas e tendões .,. . Dor. Localização e demais características semiológicas. .,. . limitação de movimento. Localização; grau de limitação.

Músculos .,. . Fraqueza muscular. Segmentar; generalizada; evolução no decorrer do dia. .,. . Dificuldade para andar ou para subir escadas.

I Semiologia Geral

.,. . Atrofia muscular. Localização. .,. . Dor. Localização e demais características semiológicas; cãibras. .,. . Cãibras. Dor acompanhada de contração muscular. .,. . Espasmos musculares. Miotonia; tétano.

Artérias, veias, linfáticos e microcirculação • Artérias .,. . Dor. Claudicação intermitente; dor de repouso. .,. . Alterações da cor da pele. Palidez, cianose, rubor, fenômeno de Raynaud. .,. . Alterações da temperatura da pele. Frialdade localizada. .,. . Alterações tróficas. Atrofia da pele, diminuição do tecido subcutâneo, queda de pelos, alterações ungueais, calosidades, ulcerações, edema, sufusões hemorrágicas, bolhas e gangrena. .,. . Edema. Localização; duração e evolução. • Veias .,. . Dor. Tipo de dor; fatores que a agravam ou aliviam. .,. . Edema. Localização. Duração e evolução. .,. . Alterações tróficas. Hiperpigmentação, celulite, eczema, úlceras, dermatofibrose. • Linfáticos .,. . Dor. Localização no trajeto do coletor linfático e/ou na área do linfonodo correspondente. .,. . Edema. Instalação insidiosa. Lesões secundárias ao edema de longa duração (hiperqueratose, lesões verrucosas, elefantíase) . • Microcirculação .,. . Alterações da coloração e da temperatura da pele. Acrocianose; livedo reticular; fenômeno de Raynaud; eritromegalia; palidez. .,. . Alterações da sensibilidade. Sensação de dedo morto, hiperestesia, dormências e formigamentos. Promoção da saúde. Cuidados com a postura; hábito de levantar peso; movimentos repetitivos; uso de saltos muito altos; prática de ginástica laboral.

Sistema nervoso .,. . Distúrbios da consciência. Obnubilação; estado de coma. .,. . Dor de cabeça e na face. Localização e outras características semiológicas. .,. Tontura e vertigem. Sensação de rotação (vertigem); sensação de iminente desmaio; sensação de desequih'brio; sensação desagradável na cabeça. .,. . Convulsões. Localizadas ou generalizadas, tônicas ou clônicas; manifestações ocorridas antes (pródromos) e depois das convulsões. .,. . Ausências. Breves períodos de perda da consciência. .,. . Automatismos. Tipos. .,. . Amnésia. Perda da memória, transitória ou permanente; relação com traumatismo craniano e com ingestão de bebidas alcoólicas. .,. . Distúrbios visuais. Ambliopia; amaurose; hemianopsia; diplopia. .,. . Distúrbios auditivos. Hipocusia; acusia; zumbidos. .,. . Distúrbios da marcha. Disbasia. .,. . Distúrbios da motricidade voluntária eda sensibilidade. Paresias, paralisias, parestesias, anestesias. .,. . Distúrbios esfincterianos. Bexiga neurogênica; incontinência fecal . .,. . Distúrbios do sono. Insônia; sonolência; sonilóquio; pesadelos; terror noturno; sonambulismo; briquismo; movimentos rítmicos da cabeça; enurese noturna. .,. . Distúrbios das funções cerebrais superiores. Disfonia; disartria; dislalia; disritmolalia; dislexia; disgrafia; afasia; distúrbios das gnosias; distúrbios das praxias.

6

I Anamnese

57

Promoção da saúde. Uso de andadores, bengalas ou cadeira de ro-

Pontos-chave

das; fisioterapia.

• Antes de iniciar o interrogatório sistematológico (15), explique ao paciente que você irá fazer questionamentos sobre todos os sistemas corporais (revisão "da cabeça aos pés"), mesmo não tendo relação com o sistema que o motivoua procurá-lo. Assim, você terá preparado o paciente para a sériede perguntas que compõe oIS • Inicie a avaliação de cada sistema corporal com essas perguntas gerais. Exemplos: "Como estão seus olhos e visão?'; "Como anda sua digestão?" ou "Seu intestino funciona regularmente?'~ Aresposta permitirá que você, se necessário, passe para perguntas mais específicas, e, assim, detalhe a • que1xa • Não induza respostas com perguntas que afirmem ou neguem o sintoma, como porexemplo:"Osenhor estácom falta de ar, não é?" ou"Osenhor não está com falta de ar, não é mesmo?"Nesse caso, ocorreto é apenas questionar:"Osenhor sente falta de ar?"

Exame psíquico e avaliação das condições emocionais .,. Consciência. Alterações quantitativas (normal, obnubilação, perda parcial ou total da consciência) e qualitativas. .,. Atenção. Nível de atenção e outras alterações. .,. Orientação. Orientação autopsíquica (capacidade de uma pessoa saber quem ela é), orientação no tempo e no espaço. Dupla orientação, despersonalização, dupla personalidade, perda do sentimento de existência. .,. Pensamento. Pensamento normal ou pensamento fantástico, pensamento maníaco, pensamento inibido, pensamento esquizofrênico, desagregação do pensamento, bloqueio do pensamento, ambivalência, perseverança, pensamentos subtraídos, sonorização do pensamento, pensamento incoerente, pensamento prolixo, pensamento oligofrênico, pensamento demencial, ideias delirantes, fobias, obsessões, compulsões. .,. Memória. Capacidade de recordar. Alterações da memória de fixação e de evocação. Memória recente e remota. Alterações qualitativas da memória. .,. Inteligência. Capacidade de adaptar o pensamento às necessidades do momento presente ou de adquirir novos conhecimentos. Déficit intelectual. .,. Sensopercepção. Capacidade de uma pessoa apreender as impressões sensoriais. llusões. Alucinações. .,. Vontade. Disposição para agir a partir de uma escolha ou decisão; perda da vontade; negativismo; atos impulsivos. .,. Psicomotricidade. Expressão objetiva da vida psíquica nos gestos e movimentos; alterações da psicomotricidade; estupor. .,. Afetividade. Compreende um conjunto de vivências, incluindo sentimentos complexos; humor ou estado de ânimo; exaltação e depressão do humor. .,. Comportamento. Importante questionar comportamentos inadequados e antissociais. Idosos podem apresentar comportamentos sugestivos de quadros demenciais . .,. Outros. Questionar também sobre alucinações visuais e auditivas, atos compulsivos, pensamentos obsessivos recorrentes, exacerbação da ansiedade, sensação de angústia e de medo constante, dificuldade em ficar em ambientes fechados (claustrofobia) ou em ambientes abertos (agorafobia), onicofagia (hábito de roer as unhas), tricofagia (hábito de comer cabelos), tiques e vômitos induzidos.

Antecedentes pessoais efamiliares A investigação dos antecedentes não pode ser esquematizada rigidamente. É possível e útil, entretanto, uma sistematização que sirva como roteiro e diretriz de trabalho.

Antecedentes pessoais Considera-se avaliação do estado de saúde passado e presente do paciente, conhecendo fatores pessoais e familiares que influenciam seu processo saúde-doença. Em crianças e indivíduos de baixa idade, a análise dos antecedentes pessoais costuma ser feita com mais facilidade do que em outras faixas etárias. Às vezes, uma hipótese diagnóstica leva o examinador a uma indagação mais minuciosa de algum aspecto da vida pregressa. Por exemplo: ao encontrar-se uma cardiopatia congênita, investiga-se a possível ocorrência de rubéola na mãe durante o primeiro trimestre da gravidez. O interesse dessa

indagação é por saber-se que essa virose costuma causar defeitos congênitos em elevada proporção dos casos. Os passos a serem seguidos abrangem os antecedentes fisiológicos e antecedentes patológicos.

Antecedentes pessoaisfisiológicos A avaliação dos antecedentes pessoais fisiológicos inclui os seguintes itens: gestação e nascimento, desenvolvimento psicomotor e neural e desenvolvimento sexual.

• Gestação e nascimento Neste item, incluem-se os seguintes fatores: • • • • • •

Como decorreu a gravidez Uso de medicamentos ou radiações sofridas pela genitora Viroses contraídas durante a gestação Condições de parto (normal, fórceps, cesariana) Estado da criança ao nascer Ordem do nascimento (se é primogênito, segundo filho etc.) • Número de irmãos.

• Desenvolvimento psicomotor e neural Este item abrange os seguintes fatores: • Dentição: informações sobre a primeira e a segunda dentições, registrando-se a época em que apareceu o primeiro dente • Engatinhar e andar: anotar as idades em que essas atividades tiveram início • Fala: quando começou a pronunciar as primeiras palavras • Desenvolvimento físico: peso e tamanho ao nascer e posteriores medidas. Averiguar sobre o desenvolvimento comparativamente com os irmãos • Controle dos esfíncteres • Aproveitamento escolar.

• Desenvolvimento sexual Este item inclui os seguintes fatores: • • • •

Puberdade: estabelecer época de seu início Menarca: estabelecer idade da 1a menstruação Sexarca: estabelecer idade da 1a relação sexual Menopausa (última menstruação): estabelecer época do seu aparecimento • Orientação sexual: atualmente, usam-se siglas como HSM; HSH; HSMH; MSH; MSM; MSHM, em que: H - homem; M - mulher e S - faz sexo com.

Parte 1

58

Antecedentes pessoais patológicos

Pontos-chave

A avaliação dos antecedentes pessoais patológicos compreende os seguintes itens: doenças sofridas pelo paciente, alergia, cirurgias, traumatismo, transfusões sanguíneas, história obstétrica, vacinas e medicamentos em uso. • Doenças sofridas pelo paciente: começando-se pelas mais comuns na infância (sarampo, varicela, coqueluche, caxumba, moléstia reumática, amigdalites) e passando às da vida adulta (pneumonia, hepatite, malária, pleurite, tuberculose, hipertensão arterial, diabetes, artrose, osteoporose, litíase renal, gota, entre outras). Pode ser que o paciente não saiba informar o diagnóstico, mas consegue se lembrar de determinado sintoma ou sinal que teve importância para ele, como icterícia e febre prolongada. Faz-se, então, um retrospecto de todos os sistemas, dirigindo ao paciente perguntas relativas às doenças mais frequentes de cada um • Alergia: quando se depara com um caso de doença alérgica, essa investigação passa a ter relevância especial, mas, independentemente disso, é possível e útil tomar conhecimento da existência de alergia a alimentos, medicamentos ou outras substâncias. Se o paciente já sofreu de afecções de fundo alérgico (eczema, urticária, asma), esse fato merece registro • Cirurgias e outras intervenções: anotam -se as intervenções cirúrgicas, referindo-se os motivos que a determinaram. Havendo possibilidade, registrar a data, o tipo de cirurgia, o diagnóstico que a justificou e o nome do hospital onde foi realizada • Traumatismo: é necessário indagar sobre o acidente em si e sobre as consequências deste. Em medicina trabalhista, este item é muito importante por causa das implicações periciais decorrentes dos acidentes de trabalho. A correlação entre um padecimento atual e um traumatismo anterior pode ser sugerida pelo paciente sem muita consistência. Nesses casos, a investigação anamnésica necessita ser detalhada para que o examinador tire uma conclusão própria a respeito da existência ou não da correlação sugerida • Transfusões sanguíneas: anotar nº de transfusões, quando ocorreu, onde e por quê • História obstétrica: anotar na de gestações (G); na de partos (P); n 2 de abortos (A); n 2 de prematuros e n 2 de cesarianas (C) (G_ P_ A_ C_). Neste item, caso o paciente seja do sexo masculino, indaga-se o número de filhos, enfatizando-se a importância da paternidade • Vacinas: anotar as vacinas (qual; época da aplicação) • Medicamentos em uso: anotar: qual, posologia, motivo, quem prescreveu.

Antecedentes familiares Os antecedentes começam com a menção ao estado de saúde (quando vivos) dos pais e irmãos do paciente. Se for casado, inclui-se o cônjuge e, se tiver filhos, estes são referidos. Não se esquecer dos avós, tios e primos paternos e maternos do paciente. Se tiver algum doente na família, esclarecer a natureza da enfermidade. Em caso de falecimento, indagar a causa do óbito e a idade em que ocorreu. Pergunta-se sistematicamente sobre a existência de enxaqueca, diabetes, tuberculose, hipertensão arterial, câncer, doenças alérgicas, doença arterial coronariana (infarto agudo do miocárdio, angina de peito), acidente vascular cerebral,

I Semiologia Geral

Investigue se o paciente tomou as vacinas recomendadas pelo Ministério da Saúde adepender da faixa etária: • Crianças: BCG; difteria; tétano; coqueluche; hepatite B; poliomielite; meningite por influenza B; sarampo; rubéola; varicela; caxumba; rotavírus (diametas); febre amarela (a cada 1Oanos) • Adolescentes: difteria; tétano; hepatite B; sarampo; caxumba; rubéola; febre amarela (a cada 1Oanos) • Adultos e idosos: difteria; tétano; sarampo; caxumba, rubéola; febre amarela (a cada 1Oanos). Para 60 anos ou mais: influenzo ou gripe; pneumonia por pneumococo. R:mte: Portaldo Ministério da Saúde www.portal.saude.gov.br.

dislipidemias, úlcera péptica, colelitíase e varizes, que são as doenças com caráter familiar mais comuns. Quando o paciente é portador de uma doença de caráter hereditário (hemofilia, anemia falciforme, rins policísticos, erros metabólicos), torna-se imprescindível um levantamento genealógico mais rigoroso e, nesse caso, recorre-se às técnicas de investigação genética.

Hábitos e estilo de vida Este item, muito amplo e heterogêneo, documenta hábitos e estilo de vida do paciente e está desdobrado nos seguintes tópicos: • • • •

Alimentação Ocupação atual e ocupações anteriores Atividades físicas Hábitos.

Alimentação No exame físico, serão estudados os parâmetros para avaliar o estado de nutrição do paciente; todavia, os primeiros dados a serem obtidos são os seus hábitos alimentares. Toma-se como referência o que seria a alimentação adequada para aquela pessoa em função da idade, do sexo e do trabalho desempenhado. Induz-se o paciente a discriminar sua alimentação habitual, especificando, tanto quanto possível, o tipo e a quantidade dos alimentos ingeridos - é o que se chama anamnese alimentar. Devemos questionar principalmente sobre o consumo de alimentos à base de carboidratos, proteínas, gorduras, fibras, bem como de água e outros líquidos. Assim procedendo, o examinador poderá fazer uma avaliação quantitativa e qualitativa, ambas com interesse médico. Temos observado que o estudante encontra dificuldade em anotar os dados obtidos. Com a finalidade de facilitar seu trabalho, sugerimos as seguintes expressões, nas quais seriam sintetizadas as conclusões mais frequentes: • Alimentação quantitativa e qualitativamente adequada • Reduzida ingesta de fibras • Insuficiente consumo de proteínas, com alimentação à base de carboidratos • Consumo de calorias acima das necessidades • Alimentação com alto teor de gorduras • Reduzida ingesta de verduras e frutas • Insuficiente consumo de proteínas sem aumento compensador da ingestão de carboidratos • Baixa ingestão de líquidos • Reduzida ingesta de carboidratos

6

I Anamnese

Pontos-chave • No item Desenvolvimento psicomotor e neural, em Antecedentes pessoais fisiológicos, temos de saber aidade em que determinadas atividades teriam início para verificar se foram de aparecimento precoce, tardio ou normal. Por exemplo, apartir dos 6 meses de idade, surge oprimeiro dente; apartir dos 6 meses também a criança começa a engatinhar e com 1 ano de idade ela anda. Afala desenvolve-se entre 1 e 3 anos de idade, e o controle dos esfíncteres acontece entre 2e4 anos de idade • Perguntas sobre a sexualidade devem ser feitas após já se ter conversado bastante com o paciente- assim ele fica mais descontraído e o estudante não se sente tão constrangido • Deve-se começar perguntando sobre o desenvolvimento psicossexual quando parou de mamar, se foi amamentado ao seio ou não, quando foi ensinado a usar o "piniquinho': Em seguida, pode-se perguntar como foi sua adolescência e, de forma tranquila, pergunta-se com que idade teve sua primeira relação sexual • Após a informação da sexarca, o estudante, ainda de maneira tranquila, pode perguntar se o paciente mora com familiares ou sozinho, acrescentando a seguinte indagação: "Osenhor mora sozinho? Mora com algum companheiro ou companheira?" - de modo a deixar o paciente livre para demonstrar sua orientação sexual • Em seguida, pode-se questionar se o paciente pratica sexo seguro ou não (se usa preservativo, se tem outros parceiros etc.) • lembre-se sempre que o que é perguntado de maneira adequada, sem demonstrar preconceito, é respondido também com tranquilidade • Mostre-se sempre tranquilo, sem sinais de discriminação, seja qual for a informação do paciente.

• Reduzido consumo de gorduras • Alimentação puramente vegetariana • Alimentação láctea exclusiva.

Ocupação atual e ocupações anteriores Na identificação do paciente, deve-se abordar este aspecto. Naquela ocasião, foi feito o registro puro e simples da profissão; aqui pretendemos ir mais adiante, obtendo informações sobre a natureza do trabalho desempenhado, com que substâncias entra em contato, quais as características do meio ambiente e qual o grau de ajustamento ao trabalho. Devemos questionar e obter informações tanto da ocupação atual quanto das ocupações anteriores exercidas pelo paciente. Desse modo, ver-se-á que os portadores de asma brônquica terão sua doença agravada se trabalharem em ambiente enfumaçado ou empoeirado, ou se tiverem de manipular inseticidas, pelos de animais, penas de aves, plumas de algodão ou de lã, livros velhos e outros materiais reconhecidamente capazes de agir como antígenos ou irritantes das vias respiratórias. Os dados relacionados com este item costumam ser chamados história ocupacional, e voltamos a chamar a atenção para a crescente importância médica e social da medicina do trabalho.

Atividades físicas Torna-se cada dia mais clara a relação entre algumas enfermidades e o tipo de vida levado pela pessoa no que concerne à execução de exercícios físicos. Por exemplo: a comum ocorrência de lesões degenerativas da coluna vertebral nos trabalhadores braçais e a maior incidência de infarto do miocárdio entre as pessoas sedentárias. Tais atividades dizem respeito ao trabalho e à prática de esportes e, para caracterizá-las, há que indagar sobre ambos.

59 Devemos questionar qual tipo de exercício físico realiza (p. ex., natação, futebol, caminhadas etc.); frequência (p. ex., diariamente, 3 vezes/semana etc.); duração (p. ex., por 30 min, por 1 h); e tempo que pratica (p. ex., há 1 ano, há 3 meses). Uma classificação prática é a que se segue: • • • •

Pessoas sedentárias Pessoas que exercem atividades físicas moderadas Pessoas que exercem atividades físicas intensas e constantes Pessoas que exercem atividades físicas ocasionais.

Hábitos Alguns hábitos são ocultados pelos pacientes e até pelos próprios familiares. A investigação deste item exige habilidade, discrição e perspicácia. Uma afirmativa ou uma negativa sem explicações por parte do paciente não significa necessariamente a verdade! Deve-se investigar sistematicamente o uso de tabaco, bebidas alcoólicas, anabolizantes, anfetaminas e drogas ilícitas.

Consumo de tabaco O consumo de tabaco, socialmente aceito, não costuma ser negado pelos pacientes, exceto quando tenha sido proibido de fumar. Os efeitos nocivos do tabaco são indiscutíveis: câncer de boca, faringe, laringe, pulmão e bexiga, afecções broncopulmonares (asma, bronquite, enfisema e bronquiectasias), afecções cardiovasculares (insuficiência coronariana, hipertensão arterial, tromboembolia), disfunções sexuais masculinas, baixo peso fetal (mãe tabagista), intoxicação do recém-nascido em aleitamento materno (nutriz tabagista), entre outras. Diante disso, nenhuma anamnese está completa se não se investigar esse hábito, registrando-se tipo (cigarro, cachimbo, charuto e cigarro de palha), quantidade, frequência, duração do vício e abstinência (já tentou parar de fumar).

Consumo de bebidas alcoólicas A ingestão de bebidas alcoólicas também é socialmente aceita, mas muitas vezes é omitida ou minimizada por parte dos pacientes. Que o álcool tem efeitos deletérios graves sobre fígado, cérebro, nervos, pâncreas e coração não mais se discute; é fato comprovado. O próprio etilismo, em si, uma doença de fundo psicossocial, deve ser colocado entre as enfermidades importantes e mais difundidas atualmente. Não se deve deixar de perguntar sobre o tipo de bebida (cerveja, vinho, licor, vodca, uísque, cachaça, gin, outras) e a quantidade habitualmente ingerida, bem como frequência, duração do vício e abstinência (se já tentou parar de beber). Nos últimos anos, tem sido amplamente praticado o chamado binge drinking ou heavy drinking (beber exageradamente), principalmente entre jovens. O binge drinking é definido como o consumo de cinco ou mais doses de bebidas alcoólicas em uma única ocasião por homens ou quatro ou mais doses de bebidas alcoólicas em uma única ocasião por mulheres, pelo menos uma vez nas últimas 2 semanas. Esse tipo de padrão de consumo de álcool expõe o bebedor a situações de risco, tais como danos à saúde física, sexo desprotegido, gravidez indesejada, superdosagem, quedas, violência, acidentes de trânsito, comportamento antissocial e dificuldades escolares, tanto em jovens como na população geral. Para reconhecimento dos pacientes que fazem uso abusivo de bebidas alcoólicas, vem sendo bastante difundido o questionário CAGE (sigla em inglês), composto de quatro pontos a serem investigados: necessidade de diminuir (cut down) o consumo de bebidas alcoólicas; sentir-se incomodado (annoyed) por críticas à bebida; sensação de culpa (guilty) ao

60 Avaliação do hábito de consumir bebidas alcoólicas e/ou ograu de dependência Para facilitar aavaliação do hábito de ingerir bebidas alcoólicas e/ou do grau de dependência do paciente ao consumo de álcool, pode-se fazer uso da seguinte esquematização: • Pessoas abstêmias, ou seja, não consomem definitivamente nenhum tipo de bebida alcoólica • Consumo ocasional, em quantidades moderadas • Consumo ocasional, em grande quantidade, chegando aestado de embriaguez • Consumo frequente em quantidade moderada • Consumo diário em pequena quantidade • Consumo diário em quantidade para determinar embriaguez • Consumo diário em quantidade exagerada, chegando o paciente a avançado estado de embriaguez.

beber; necessidade de beber no início da manhã para "abrir os olhos" (eye-opener), ou seja, para sentir-se em condições de trabalhar.

Uso de anabolizantes eanfetaminas O uso de anabolizantes por jovens frequentadores de academias de ginástica tornou-se hoje uma preocupação, pois tais substâncias levam à dependência e estão correlacionadas com doenças cardíacas, renais, hepáticas, endócrinas e neurológicas. A utilização de anfetaminas, de maneira indiscriminada, leva à dependência química e, comparadamente, causa prejuízos à saúde. Alguns sedativos (barbitúricos, morfina, benzodiazepínicos) também causam dependência química e devem ser sempre investigados.

Consumo de drogas ilícitas As drogas ilícitas incluem: maconha, cocaína, heroína, ecstasy, LSD, crack, oxi, chá de cogumelo, inalantes (cola de sapateiro, lança-perfume). O uso dessas substâncias ocorre em escala crescente em todos os grupos socioeconômicos, principalmente entre os adolescentes. O hábito de frequentar festas rave pode estar associado ao uso abusivo de drogas ilícitas. Não deixar de questionar sobre tipo de droga, quantidade habitualmente ingerida, frequência, duração do vício e absti" . nenc1a. A investigação clínica de um paciente que usa drogas ilícitas não é fácil. Há necessidade de tato e perspicácia, e o médico deve integrar informações provenientes de todas as fontes disponíveis, principalmente de familiares.

Condições socioeconômicas e culturais As condições socioeconômicas e culturais avaliam a situação financeira, vínculos afetivos familiares, filiação religiosa e

Questionário CAGE • Você já sentiu a necessidade de diminuir a quantidade de bebida ou parar de beber? • Você já se sentiu aborrecido ao ser criticado por beber? • Você já se sentiu culpado em relaçãoabeber? • Alguma vez já bebeu logo ao acordar pela manhã para diminuir o nervosismo ou a ressaca? Duas respostas positivas identificam 75% dos elilistas com uma especificidade de 95%.

Parte 1

I Semiologia Geral

crenças espirituais do paciente, bem como condições de moradia e grau de escolaridade. Este item está desdobrado em: • • • •

Habitação Condições socioeconômicas Condições culturais Vida conjugal e relacionamento familiar.

Habitação Importância considerável tem a habitação. Na zona rural, pela sua precariedade, as casas comportam-se como abrigos ideais para numerosos reservatórios e transmissores de doenças infecciosas e parasitárias. Como exemplo, poder-se-ia citar a doença de Chagas. Os triatomíneos (barbeiros) encontram na "cafua" ou "casa de pau a pique" seu habitat ideal, o que faz dessa parasitose importante endemia de várias regiões brasileiras. Na zona urbana, a diversidade de habitação é um fator importante. Por outro lado, as favelas e as áreas de invasão propiciam o surgimento de doenças infectoparasitárias devido à ausência de saneamento básico, proximidade de rios poluídos, ineficácia na coleta de lixo e confinamento de várias pessoas em pequenos cômodos habitacionais. Por outro lado, casas ou apartamentos de alto luxo podem manter, por exemplo, em suas piscinas e jardins, criadouros do mosquito Aedes aegypti, dificultando o controle da dengue. A habitação não pode ser vista como fato isolado, porquanto ela está inserida em um meio ecológico do qual faz parte. Neste item, é importante questionar sobre as condições de moradia: se mora em casa ou apartamento; se a casa é feita de alvenaria ou não; qual a quantidade de cômodos; se conta com saneamento básico (água tratada e rede de esgoto), com coleta regular de lixo; se abriga animais domésticos, entre outros. Indaga-se também sobre o contato com pessoas ou animais doentes. Se afirmativo, questiona-se sobre onde e quando ocorreu e sobre a duração do contato. A poluição do ar, a poluição sonora e visual, os desmatamentos e as queimadas, as alterações climáticas, as inundações, os temporais e os terremotos, todos são fatores relevantes na análise do item habitação, podendo propiciar o surgimento de várias doenças.

Condições socioeconômicas Os primeiros elementos estão contidos na própria identificação do paciente; outros são coletados no decorrer da anamnese. Se houver necessidade de mais informações, indagar-se-á sobre rendimento mensal, situação profissional, se há dependência econômica de parentes ou instituição. A socialização da medicina é um fato que anda de par com esses aspectos socioeconômicos. Não só em relação ao paciente em sua condição individual, mas também quando se enfoca a medicina dentro de uma perspectiva social. Todo médico precisa conhecer as possibilidades econômicas de seu paciente, principalmente sua capacidade financeira para comprar medicamentos. É obrigação do médico compatibilizar sua prescrição aos rendimentos do paciente. A maior parte das doenças crônicas (hipertensão arterial, insuficiência coronária, dislipidemias, diabetes) exige uso contínuo de um ou mais medicamentos. No Brasil, atualmente, há distribuição gratuita de medicamentos para pacientes crônicos e cabe ao médico conhecer a lista desses remédios para prescrevê-los quando for necessário. Uma das mais frequentes causas de abandono do tratamento é a incapacidade de adquirir remédios ou alimentos especiais.

6

I Anamnese

Condições culturais É importante destacar que as condições culturais não se

restringem ao grau de escolaridade, mas abrangem a religiosidade, as tradições, as crenças, os mitos, a medicina popular, os comportamentos e hábitos alimentares. Tais condições culturais devem ser respeitadas em seu contexto. Quanto à escolaridade, é importante saber se o paciente é analfabeto ou alfabetizado. Vale ressaltar se o paciente completou o ensino fundamental, o ensino médio ou se tem nível superior (graduação e pós-graduação). Tais informações são fundamentais na compreensão do processo saúde-doença. Partir de algo simples, como grau de escolaridade (alfabetizado ou não), é a maneira mais prática de abordar esse aspecto da anamnese. Todavia, é o conjunto de dados vistos e ouvidos que permitirá uma avaliação mais abrangente.

Vida conjugal e relacionamento familiar Investiga-se o relacionamento entre pais e filhos, entre irmãos e entre cônjuges. Em várias ocasiões temos salientado as dificuldades da anamnese. Chegamos ao tópico em que essa dificuldade atinge o seu máximo. Inevitavelmente, o estudante encontrará dificuldade para andar nesse terreno, pois os pacientes veem nele um "aprendiz~ adotando, em consequência, maior reserva a respeito de sua vida íntima e de suas relações familiares. Há que reconhecer esse obstáculo, mas preparando-se desde já, intelectual e psicologicamente, para, em época oportuna e nos momentos exatos, levar a anamnese até os mais recônditos e bem guardados escaninhos da vida pessoal e familiar do paciente. Tal preparo só é conseguido quando se associa o amadurecimento da personalidade a uma sólida formação científica.

. . . Anamnese em pediatria A particularidade mais marcante reside no fato de a obtenção de informações ser feita por intermédio da mãe ou de outro familiar. Às vezes, o informante é a babá, um vizinho ou outra pessoa que convive com a criança. Os pais - ou os avós, principalmente - gostam de "interpretar" as manifestações infantis em vez de relatá-las objetivamente. É comum, por exemplo, quando o recém-nascido começa a chorar mais do que o habitual, a mãe ou a avó "deduzir" que o bebê está com dor de ouvido, isso com base em indícios muito inseguros ou por mera suposição. Outra característica da anamnese pediátrica é que esta tem de ser totalmente dirigida, não havendo possibilidade de deixar a criança relatar espontaneamente suas queixas. Durante a entrevista, o examinador deve ter o cuidado de observar o comportamento da mãe, procurando compreender e surpreender seus traços psicológicos. O relacionamento com a mãe é parte integrante do exame clínico da criança.

. .,. Anamnese em psiquiatria A anamnese dos pacientes com distúrbios mentais apresenta muitas particularidades que precisam ser conhecidas pelos médicos, mesmo os que não se dedicam a esse ramo da medicina.

61

. .,. Exame clínico e relação médico-paciente A relação médico-paciente apresenta um componente cultural que não depende do que o médico faz. É uma herança do poder mágico dos feiticeiros, xamãs e curandeiros que antecedem o nascimento da profissão médica, mas que ainda hoje muito influencia a maneira como os pacientes veem os médicos. Não há por que menosprezar este fenômeno ligado à evolução da humanidade. Existe, contudo, outro componente da relação médico-paciente, este, sim, estreitamente ligado à própria ação do médico, pois ele surge durante a anamnese e é fruto da maneira como ela é feita; portanto, depende do médico. Por isso, é necessário tomar consciência da importância deste momento, porque ele é decisivo. Daí a razão de se dizer que o aprendizado do médico clínico, cuja única maneira de se conseguir é fazendo o exame clínico, é também a principal oportunidade para estabelecer as bases do aprendizado da relação médico-paciente que servirão para o resto da vida. Sem dúvida, o essencial deste aprendizado está nas vivências do próprio estudante, nascidas na realização de entrevistas, quando ele assume o papel de médico dentro de uma situação real e verdadeira, como a propiciada pelo exame de pacientes em um hospital. Jamais a tecnologia educacional conseguirá reproduzi-la e, se o fizer, ficará faltando seu ingrediente principal, que é resultante da interação de duas pessoas que se põem frente a frente em busca de algo relevante para ambas. Se o estudante tiver oportunidade - e isso depende de como o professor orienta o ensino do exame clínico - de analisar os acontecimentos vivenciados por ele, duas coisas acontecem ao mesmo tempo: aprende a técnica de fazer a anamnese e reconhece os processos psicodinâmicos nos quais ele e o paciente se envolvem, querendo ou não, proposital ou inconscientemente. É inevitável e necessário que o estudante descubra seu lado humano, com suas possibilidades e limitações, certezas e inseguranças, até então amortecido nos trabalhos feitos nos anfiteatros anatômicos e laboratórios das cadeiras básicas. Somente a partir do momento em que tem diante de si pessoas fragilizadas pela doença, pelo receio da invalidez, pelo medo de morrer, é que o estudante percebe que o trabalho do médico não se resume apenas à técnica, embora tenha que dominá-la o melhor possível para ser competente, e que há alguma coisa mais, diferente de tudo o que viu até então, que interfere com seus valores, crenças, objetivos, sentimentos e emoções, obrigando-o a refletir sobre a carreira médica. Nesta hora o papel do professor de semiologia atinge seu ponto mais nobre, se ele souber tirar proveito daquelas situações para mostrar aos seus alunos que aquele algo diferente é a relação médico-paciente que está nascendo. São as primeiras raízes, ainda débeis de um processo que precisa ser cultivado a cada dia, em múltiplas situações, agradáveis ou sofridas, para se poder compreender o mais rápido possível a complexidade das situações que o aluno está vivendo. Alguns estudantes, talvez os mais sensíveis e os mais maduros, notam logo que participam de alguma coisa que ultrapassa os limites que se previa existir no trabalho direto com pacientes. Muitos desenvolvem uma ansiedade que lhes tira o sono, desperta questionamentos, provoca dúvidas. Tudo isso é inevitável, porque a aprendizagem verdadeira do método clínico é indissociável da aprendizagem da relação médico-paciente.

62 Precisamos estar atentos, preparados e disponíveis para não desperdiçar a oportunidade que os próprios estudantes nos oferecem para formarmos a mente e o coração dos futuros médicos. Estamos convencidos de que a recuperação do prestígio da profissão médica, tão reclamada, começa aí, valorizando desde cedo a relação estudante-paciente, não por meio de palavras e preleções, mas orientando-os nestes passos iniciais, mostrando para eles que a relação médico-paciente nada tem a ver com aparelhos e máquinas, não importa quão sofisticados sejam. Que ela continua dependendo da palavra, dos gestos, do olhar, da expressão fisionômica, da presença, da capacidade de ouvir, da compreensão, enfim, de um conjunto de elementos que só existem na condição humana do médico. A relação médico-paciente é uma relação interpessoal que tem princípios aplicáveis a qualquer tipo de relação, mas a condição de médico e a doença a fazem particular e diferente de todas as outras.

..,. Considerações finais Às vezes, os estudantes questionam o detalhamento - excessivo, como costumam dizer - da anamnese como é exposto neste livro, argumentando que não é assim que se faz na vida prática. Na verdade, o que estamos propondo é um esquema para o aprendizado do método clínico. Para isso, é necessário ser o mais abrangente possível, de modo a incluir quase tudo de que se precisa nas inúmeras maneiras em que é feito o exercício da profissão médica, sempre pensando, é claro, que o trabalho do médico deve ter a mais alta qualidade. A transposição ou adaptação deste esquema para "prontuários" e "fichas clínicas" precisa levar em conta as diferentes condições em que se dá o exercício profissional. Em hospitais universitários, por exemplo, os prontuários costumam ser muito detalhados, constituindo verdadeiros cadernos. Isso é justificável porque, durante o curso de medicina e na pós-graduação, é necessário aproveitar ao máximo a oportunidade de obter dos pacientes um conjunto de dados que vão permitir uma visão ampla e profunda das enfermidades. Nestes casos,

Parte 1 I Semiologia Geral os prontuários se assemelham ao esquema de anamnese aqui proposto. De modo diferente, por motivos óbvios, nos postos de saúde as fichas clínicas são mais simples, contendo apenas os dados essenciais do exame do paciente. Entre um extremo e outro, encontra-se uma grande variedade de modelos de fichas e prontuários, muitos deles já buscando uma maneira adequada para o uso dos dados clínicos em computador. Em clínicas especializadas, determinados aspectos são extremamente detalhados, enquanto os protocolos de pesquisa clínica são especificamente preparados para esclarecer questões que estão sendo investigadas. Por isso, para se adquirir uma sólida base do método clínico, é indispensável a realização de histórias clínicas com a maior abrangência possível, não importando o tempo e o esforço que sejam despendidos. O domínio do método clínico depende deste primeiro momento. As adaptações que vão ser feitas mais tarde, ampliando ou sintetizando um ou outro aspecto da anamnese, não irão prejudicar a correta aplicação do método clínico.

..,. Bibliografia Bickley LS, Szilagyi PG. Bates. Propedêutica Médica, I 03 ed. Rio de Janeiro, Guanabara Koogan, 2010. Bird B. Talking with Patients. Lippincott Co., 1975. Coulehan J, Block M. A Entrevista Médica. Porto Alegre, Artes Médicas, 1989. D~ssumpção EA. Os que Partem, os que Ficam. Belo Horizonte, O Lutador, 1987. Entralgo PL. La Histeria Clínica. Barcelona, Salvat, 1961. Jardim PCBV. Patologia da Hipertensão Arterial em Negros. Hiperativo, 3:173-179, 1996. Jarvis C. Exame Físico e Avaliação de Saúde, 3a ed. Rio de Janeiro, Guanabara Koogan, 2002. Kina CM, Martins MA. O ensino e o aprendizado das habilidades clinicas e competências médicas. Medicina, 29:407-413, 1996. Kübler-Ross E. Sobre a Morte e o Morrer. São Paulo, Martins Fontes, 1987. Pena S, Carvalho Silva D, Alves-Silva J, Prado V, Santos F. Estudo do DNA em 200 homens e mulheres de cor branca. Ciência, 2000. Porto CC. Exame Clínico. Bases para a Prática Médica, 7" ed. Rio de Janeiro, Guanabara Koogan, 2012. Sousa PR. Os Sentidos do Sintoma. Psicanálise e Gastrenterologia. São Paulo, Papírus, 1992. Zaidhaft S. Morte e Formação Médica. Rio de Janeiro, Francisco Alves, 1990.

Este roteiro está disponível para download em http://gen-io.grupogen.com.br. Identificação: Nome: Idade:

Sexo/gênero: Feminino ( ) Masculino ( )

Cor/Etnia: Branca ( ) Pardo ( ) Preta ( ) Indígena ( ) Asiático ( ) Estado dvil: Casado ( ) Solteiro ( ) Divorciado ( ) Viúvo ( ) Outros ( ) Profissão: Local de trabalho: Naturalidade:

Procedência:

Residênda: Nome da mãe: Nome do responsável/cuidador/arompanhante (emcaso de criança, adolescente, idoso ou incapaz): Religião:

Plano de saúde:

Queixa prindpal:

(Queixa principal que levou opaciente aprocurar omédico, repetindo, se possfve/, as expressões por ele utilizadas). História da doença atual:

(Permita ao paciente falar de sua doença. Determine osintoma-guia. Desaeva osintoma com suas caraderísticas eanalise-o minuciosamente. Use osintoma-guia como um fio condutor da hist6ria eestabeleça relações das outras queixas com ele em ordem crono16gica. Verifique se ahistória obtida tem começo, meio e fim. Não induza respostas. Apure evolução, exames etratamentosjá realizados).

Interrogatório sintomatológico: Estado geral: febre; calafrios; sudorese; mal estar; astenia; alteração peso (kg/tempo); edema; anasarca.

Pele efâneros: prurido; icterícia; palidez; rubor; cianose; alterações na pele (textura; umidade; temperatura; sensibilidade); diminuição tecido subcutâneo; alterações de

sensibilidade; dormência, lesões cutâneas; queda de cabelos; pêlos faciais em mulheres; alterações das unhas.

Promoção da saúde: exposição solar (protetor solar); cuidados com pele e cabelos.

Cabeça: cefaleia; enxaqueca; tonturas; traumas.

64

Parte 1 I Semiologia Geral

Olhos: dor ocular;ardência; lacrimejamento; prurido; diplopia; fotofobia; nistagmo; secreção; escotomas; acuidade visual; exoftalmia; amaurose; olho seco. Promoção da saúde: uso de óculos ou lentes de contato; último exame de vista.

Ouvidos: dor; otorreia; otorragia; acuidade auditiva; zumbidos; vertigem; prurido. Promoção da saúde: uso de aparelhos auditivos; exposição ruídos ambientais; uso de equipamentos de proteção individual (EPI); limpeza dos ouvidos (cotonetes, outros objetos,

pelo médico). Narizecavidadesparanasois:dor; espirros; obstrução nasal; coriza; epistaxe; alteração do olfato; dor facial. Cavidade bucal eanexos:sialose; halitose; dor de dentes; sangramentos; aftas; ulcerações; boca seca; uso de próteses dentárias; dor na articulação temporomandibular (ATM). Promoção da saúde: escovação (dentes e língua)- vezes ao dia; último exame odontológico.

Faringe: dor de garganta; pigarro; roncos. Laringe: dor; alterações na voz. Promoção de saúde: cuidados com a voz (gargarejos, produtos usados).

Vasos e linfonodos: pulsações; turgência jugular; adenomegalias. Mamas: dor; nódulos, retrações; secreção papila r(especificar qual mama). Promoção da saúde: autoexame mamário; última ultrassonografia/mamografia (mulheres com idade> 40 anos).

Sistema respiratório: dor torácica; tosse; expectoração; hemoptise; vômica; dispneia; chieira; cianose. Promoção da saúde: exposição a alergenos (qual); última radiografia de tórax:

Sistema cardiovascular: dor precordial; palpitações; dispneia aos esforços; dispneia em decúbito; ortopneia; dispneia paroxística noturna; edema; síncope; lipotímia; cianose progressiva; sudorese fria. Promoção da saúde: exposição afatores estressantes; último check-up cardiológico:

Sistemadigest6rio: alterações do apetite (hiporexia; anorexia; perversão; compulsão alimentar); disfagia; odinofagia; pirose; regurgitações; eructações; soluços; dor abdominal; epigastralgia; dispepsia; hematêmese; náuseas;vômitos; ritmo intestinal (normal; diarreia; obstipação intestinal); esteatorreia; distensão abdominal; flatulência; enterorragia; melena; sangramento anal;tenesmo; incontinência fecal; prurido anal.

Promoção da saúde: uso de antiácidos; uso de laxantes; uso de chás digestivos.

Sistema urin6rio: dor lombar; disúria; estrangúria; anúria; oligúria; poliúria; polaciúria; nictúria; urgência miccional; incontinência urinária; retenção urinária; hematúria; colúria; urina com mau cheiro; edema; anasarca.

6

I Anamnese

65

Sistema genital masculino: dor testicular; priapismo; alterações jato urinário; hemospermia; corrimento uretra I; fimose; disfunções sexuais. Promoção da saúde: autoexame testicular; último exame prostático ou PSA; uso de preservativos.

Sistema genital feminino: ciclo menstrual (regularidade; duração dos ciclos; quantidade de fluxo menstrual; data da última menstruação); dismenorreia; TPM (cefaleia, mastalgia, dor baixo ventre epernas, irritação, nervosismo einsônia); corrimento vaginal; prurido vaginal; disfunções sexuais; uso de anticoncepcionais orais outro tipo de contracepção.

Promoção da saúde: último exame ginecológico; terapia de reposição hormonal; último exame de Papanicolaou; uso de preservativos.

Sistema hemolinfopoético: adenomegalias; esplenomegalias; sangramentos. Sistema endócrino: alterações desenvolvimento físico (nanismo; gigantismo; acromegalia); alterações desenvolvimento sexual (puberdade precoce ou atrasada); tolerância a calor efrio; relação apetite epeso; nervosismo; tremores; alterações pele efâneros; ginecomastia; hirsutismo.

Sistema osteoartkular: dor óssea; deformidades ósseas; dor, edema, calor, rubor articular; deformidades articulares; rigidez articular; limitação de movimentos; sinais inflamatórios; atrofia muscular; espasmos musculares; cãibras; fraqueza muscular; mialgia.

Promoção de saúde: cuidados com a postura, hábito de levantar peso, como pega utensmos em locais altos ou baixos, movimentos repetitivos (trabalho), uso de saltos muito altos; pratica ginástica laboral.

Sistema nervoso: síncope; lipotímia; torpor; coma; alterações da marcha; convulsões; ausência; distúrbio de memória; distúrbios de aprendizagem; alterações da fala; transtornos do sono; tremores; incoordenação de movimentos; paresias; paralisias; parestesias; anestesias.

Promoção de saúde: uso de andadores, cadeira de rodas, fisioterapia.

Exame psíquico e condições emocionais: consciência; atenção; orientação (tempo eespaço); pensamento (normal, alteração do curso ou conteúdo); memória; inteligência; sensopercepção; vontade; humor; alucinações visuais eauditivas; atos compulsivos; pensamentos obsessivos recorrentes; ansiedade; angústia; sensação de medo constante; dificuldade em ficar em ambientes fechados (claustrofobia) ou em ambientes abertos (agorofobia); hábito de roer unhas (ornicofagia); hábito de comer cabelos (tricofagia); tiques; vômitos induzidos.

Antecedentes pessoais:

Fisio/6gicos Gestação enascimento: gestação (normal/complicações), condições do parto (normal domiciliar/normal hospitalar/cesário/gemelar/uso de fórceps); ordem de nascimento; quantidade de irmãos.

Desenvolvimento psicomotor eneural (idade que iniciou adentição; o engatinhar; oandar; ofalar econtrole de esfíncteres; desenvolvimento físico; aproveitamento escolar):

Desenvolvimento sexual: puberdade (normal/precoce/tardia); menarca (idade), menopausa (idade), sexarca (idade); orientação sexual (HSM, HSH, HSMH, MSH, MSM, MSMH).

Patol6gicos Doenças da infância (sarampo, varicela, caxumba, amigdalites, outras):

Traumas/acidentes:

66

Parte 1 I Semiologia Geral

Doenças graves e/ou aônicas (HAS, diabetes, hepatite, malária, artrose, litíase renal, gota, pneumonia, osteoporose, outras):

Cirurgias: Transfusões sanguíneas (na/quando/onde/motivo): História obstétrica:

Gesta

Aborto

Pa~

Paternidade:

(espontâneo ou provocado) Prematuro

filhos

Imunizações (qual vacina/quando/doses):

Alergias: Medicamentos em uso atual (qual/posologia/motivo/quem prescreveu):

Antecedentes familiares: Doenças dos familiares (pais, irmãos, avós, tios, primos, cônjuge efilhos):

Hábitos de vida: Alimentação: Ocupação atualeocupações anteriores: Viagens recentes (onde, período de estadia): Atividades físicas diárias eregulares: Atividade sexual (n° parceiros/hábitos sexuais mais frequentes/uso de preservativos): Manutenção do peso: Consumo de bebida alcoólica (tipo de bebida, quantidade, frequência, duração do vício; abstinência):

Uso de tabaco (tipo, quantidade, frequência, duração do vício; abstinência):

Uso de outras drogas ilícftas (tipo, quantidade, frequência, du~ção do vício; abstinência):

Uso de outras substâncias:

Condições socioeconômicas eculturais (condições de moradia; saneamento básico e coleta de lixo):

Contato com pessoas ou animais doentes (onde, quando e duração):

Vida conjugal eajustamento familiar (relacionamento com pais, irmãos, cônjuge, filhos, outros familiares e amigos):

Condições econômicas (rendimento mensal, dependênda econômica, aposentadoria):

Cesária

7

Dor Celmo Celeno Porto, Oswaldo Vilela Filho eDenise Sisteroli Diniz Carneiro

O estudo da dor foi impulsionado após a fundação, em 1974, da Associação Internacional para o Estudo da Dor (International Association for the Study of Pain - IASP). O primeiro subcomitê de taxionomia da dor da IASP propôs a seguinte definição: "Dor é uma desagradável experiência sensorial e emocional associada a uma lesão tecidual já existente ou potencial, ou relatada como se uma lesão existisse:' A parte final da definição, ou seja, "relatada como se uma lesão existisse': refere-se a alterações mais sutis do sistema nervoso central, como distúrbios bioquímicos ou psíquicos. Nessa situação, o paciente descreve a sensação dolorosa como se houvesse uma lesão tecidual, dizendo, por exemplo: "Parece que tenho uma ferida no peito." Desse modo, a dor passa a ser definida de maneira mais abrangente, nos termos de uma experiência humana. Além disso, tal conceituação evita a ligação restrita da dor a um estímulo. Ao mesmo tempo, reforça o fato biológico de que o estímulo que a causa provavelmente lesiona os tecidos, especialmente se ele é mantido. É também nosso mecanismo básico de defesa. Em primeiro lugar, porque surge antes que ocorra uma lesão grave, como quando se percebe um calor excessivo, a pressão de um objeto cortante ou outras formas de objetos potencialmente lesivos. A sensação dolorosa provoca o imediato afastamento do objeto que provocou o estímulo ou alguma ação que impeça uma lesão posterior. Segundo, porque a dor serve como base para se aprender a evitar objetos ou situações com os quais ou nas quais uma lesão possa ocorrer posteriormente. Em terceiro lugar, a dor causada por lesões de articulações, infecções abdominais, além de outras doenças, impõe limites na atividade ou provoca a inatividade e o repouso, essenciais para a recuperação natural do organismo doente. Entretanto, há dores como as que surgem após lesão do sistema nervoso periférico, como na avulsão do plexo braquial ou pela amputação de um membro, que não servem a nenhum propósito útil. Uma pessoa que teve amputação traumática de um braço ou de uma perna pode vir a sofrer dor do "membro fantasmâ: que se torna crônica e acompanha o paciente por toda sua vida. Nesse caso, deixa de ser um sintoma de doença para se tornar uma síndrome clínica que requer atenção especial. Uma dor crônica pode ser tão terrível, intensa e temida, que alguns pacientes chegam a cometer suicídio para se verem livres de tal sofrimento. Nestes casos, ela não serve a nenhum propósito útil de defesa ou o que quer que seja para o organismo. O oposto à dor, ou seja, a falta de sensibilidade dolorosa que também pode ocorrer, é um fator limitante de sobrevida. Pessoas que nascem sem a capacidade de sentir dor testemunham o valor da dor. Há relatos sobre extensas queimaduras, ferimentos graves e contusões sérias ocorridas durante a

infância devido à ausência de sensação dolorosa. Estes pacientes mordem a língua enquanto mastigam e aprendem com dificuldade a evitar lesões; além disso, morrem mais precocemente em função de múltiplas lesões, principalmente osteoarticulares, complicadas por infecção, e apresentam grandes escaras de decúbito. A dor também carrega um significado social de valores culturais importantes na maneira como a pessoa percebe e responde a ela. Em alguns rituais indígenas, por exemplo, as pessoas são submetidas a sacrifícios que seriam extremamente dolorosos, mas, como são executados com exaltação, não são notados sinais de que a pessoa esteja sentindo dor. Sternbach e Tursky (apud Vilela Filho, 1994) compararam as respostas a um estímulo doloroso padronizado em mulheres de quatro grupos étnicos. Por ordem de resistência à dor, ficaram em primeiro lugar as americanas, seguidas das irlandesas e judias, sendo as mais frágeis, as italianas. É necessário notar que, além das variações étnicas e culturais, existem características individuais que provêm da soma das experiências da vida de cada um. Podem-se acrescentar ainda as tendências neuróticas e depressivas, expressas mais comumente nas dores abdominais, cervicais e lombares, associadas à má postura, e dor perineal.

..,. Anatomia da dor Para se compreender os diversos aspectos da dor, é necessário ter em mente o mapa dermatomérico (Figura 7.1). A dor compreende três mecanismos básicos: transdução, transmissão e modulação, pertencentes ao componente sensorial-discriminativo da sensação dolorosa.

• Transdução É o mecanismo de ativação dos nociceptores, fenômeno que

ocorre pela transformação de um estímulo nóxico - mecânico, térmico ou químico - em potencial de ação. Os nociceptores nada mais são do que terminações nervosas livres de fibras mielínicas finas (A-delta ou III) sensíveis aos estímulos mecânicos e/ ou térmicos nóxicos, ou amielínicas (C ou IV), sensíveis aos estímulos citados e aos químicos (nociceptores C polimodais). Os estímulos mecânicos e térmicos nóxicos, além de excitarem os nociceptores sensíveis a eles, promovem dano tecidual e vascular local, liberando ou formando uma série de substâncias, tais como os íons hidrogênio e potássio, serotonina, histamina, cininas, leucotrienos, prostaglandinas e substância P, as quais, por sua vez, atuam nos nociceptores a elas sensíveis por meio de três mecanismos distintos: ativação direta (potássio, hidrogênio, cininas, serotonina e histamina), sensibilização (cininas, prostaglandinas e substância P) e produção de extravasamento do plasma (substância P e cininas). Cumpre assinalar que, no ser humano, a estimulação isolada de fibras A-delta cutâneas produz dor em pontada, a de fibras C cutâneas, dor em queimação, e a de fibras A-delta e C musculares, dolorimento (aching pain) ou cãibra. Admitindo-se que a dor seja um sinal de alarme, compreende-se que o estímulo adequado para provocá-la em um tecido é aquele que, em geral, é capaz de lesioná-lo. Assim, os nociceptores musculares são mais sensíveis ao estiramento e à contração isquêmica; os articulares, aos processos inflamatórios e aos movimentos extremos; os viscerais, à distensão,

Parte 1

68

I Semiologia Geral

C3

Plexo cervical Plexo cervical Cutàneo braquial lateral

Cutàneo braquial Mediai

C4

Cutàneo braquial mediai

--++-

lntercostobraquial --++-

C5 ...+--..l/

Cutàneo antebraquial Mediai Lateral

T11

C6

J

Cutàneo antebraquial Lateral-+ Posterior-++

T12 -1--'r\---t- rlio-hipogástrico

L1

Radial

L2 Ulnar

Mediano

llioinguinal Genitofemoral Cutàneo femoral lateral

L3

Obturador Cutàneo femoral lateral

L2 -

Cutàneo femoral posterior

-+-Femoral

Femoral

L3

Fibular comum Safenoso Safenoso -

S1

+.--H

Tibial

Figura 7.1 Mapa dermatomérico.

à tração, à isquemia, ao processo inflamatório e à contração espasmódica; os das cápsulas das vísceras maciças, à distensão; os miocárdicos, à isquemia; e os tegumentares, a uma variedade de estímulos mecânicos, térmicos e químicos nóxicos, mas não à distensão e à tração. Observa-se, também, uma extrema variabilidade na sensibilidade dos diferentes tecidos e órgãos aos estímulos dolorosos, o que reflete a distinta concentração e distribuição de terminações nociceptivas neles. Os parênquimas cerebral, hepático, esplênico e pulmonar, por exemplo, são praticamente indolores. Em contrapartida, o tegumento e o revestimento fibroso do sistema nervoso (meninges), dos ossos (periósteo) e das cavidades abdominal (peritônio parietal) e torácica (pleura parietal) são extremamente sensíveis. Mais recentemente, foram identificadas estruturas denominadas nociceptores silenciosos nas terminações periféricas das fibras C de nervos articulares, cutâneos e viscerais, mas não dos músculos. Em condições normais, tais receptores

encontram-se "quietos" (silenciosos), insensíveis aos estímulos mecânicos. Porém, quando sensibilizados, como durante um processo inflamatório ou estímulos químicos ou térmicos, tornam-se espontaneamente ativos e altamente responsivos aos estímulos mecânicos, mesmo aos inócuos. Por se tratar de nociceptores, a resposta obtida à sua estimulação é a dor.

• Transmissão É o conjunto de vias e mecanismos que possibilita que o impulso nervoso, gerado ao nível dos nociceptores, seja conduzido para estruturas do sistema nervoso central comprometidas com o reconhecimento da dor (Figura 7.2). As fibras nociceptivas (A-delta e C), oriundas da periferia, constituem os prolongamentos periféricos dos neurônios pseudounipolares situados nos gânglios espinais e de alguns nervos cranianos (trigêmeo, principalmente, facial, glossofaríngeo e vago). As provenientes de estruturas somáticas cur-

7

I Dor

69 Córtex

Córtex

associativo sensitivo (parietal) (frontal) 1 1

Sistema

Nl

SRM

SRPB

o Fibras < M

c 2

Figura 7.2 Vias nociceptivas. (1) Vias nervosas de transmissão do impulso doloroso: TER = trato espinorreticular; TPET = trato paleoespinotalâmico; TNET = trato neoespinotalâmico; SRPB =substância reticular pontobulbar; SRM = substância reticular mesencefálica; Nl = núcleos inespecíficos; NVPL = núcleo ventral posterolateral; NVPM = núcleo ventral posteromedial. (2) Células transmissoras.

sam por nervos sensoriais ou mistos e apresentam uma distribuição dermatomérica. Já as que vêm das vísceras cursam por nervos autônomos simpáticos (cardíacos médio e inferior, esplâncnico maior, menor e médio, esplâncnicos lombares) e parassimpáticos (vago, glossofaríngeo e esplâncnicos pélvicos - S2, S3 e S4). O nervo vago é responsável pela inervação dolorosa do parênquima pulmonar {muito discreta) e dos 2/3 superiores do esôfago. O parassimpático pélvico é responsável pela inervação do cólon descendente, sigmoide, reto e boa parte da bexiga e uretra proximal. Os nervos simpáticos, por sua vez, são responsáveis pela inervação dolorosa do coração, da maior parte do trato gastrintestinal (1/3 inferior do esôfago, estômago, delgado, cólon ascendente e transverso, figado, vias biliares e pâncreas) e de grande parte do trato geniturinário, observando-se que a bexiga e a uretra proximal têm inervação parassimpática e simpática. Os impulsos que seguem pelos nervos simpáticos passam pelo tronco simpático e alcançam os nervos espinais pelos ramos comunicantes brancos. Os aferentes nociceptivos cardíacos adentram a medula entre os 1a e 5Jl segmentos torácicos, os do trato digestivo, entre o 5° segmento torácico e o 2° lombar, e os do trato geniturinário, entre o 1Oº torácico e o 2º lombar. Os impulsos que trafegam pelo parassimpático pélvico atingem a medula entre os 2° e 4° segmentos sacrais, por meio dos respectivos nervos espinais.

Os prolongamentos centrais dos neurônios pseudounipolares adentram a medula espinal (ou o tronco cerebral) sobretudo pela raiz dorsal (porção ventrolateral), mas também pela raiz ventral, na qual se bifurcam em ramos ascendente e descendente, constituindo o trato dorsolateral ou de Lissauer. Tais ramos fazem sinapse com neurônios do corno dorsal; as fibras C cutâneas terminam principalmente nas lâminas I e IIo de Rexed, as fibras A-delta cutâneas, bem como os aferentes musculares (A-delta e C), nas lâminas I e V, e os aferentes viscerais (C e A-delta), nas lâminas I, IIo, V e X. Vários são os neurotransmissores nesses aferentes, destacando-se o glutamato, aparentemente responsável pela excitação rápida dos neurônios medulares, e a substância P, envolvida com a excitação lenta dos mesmos. Outras substâncias, tais como a somatostatina, o polipeptídio intestinal vasoativo e o polipeptídio relacionado com o gene da calcitonina, dentre outras, parecem atuar não pela ativação ou inibição direta dos neurônios medulares, mas sim pela modulação da transmissão sináptica. Dos neurônios do corno dorsal originam-se as vias nociceptivas, que podem ser divididas em dois grupos principais: • vias do grupo lateral: filogeneticamente mais recentes, quase totalmente cruzadas e representadas pelos tratos neoespinotalâmico (espinotalâmico lateral), de longe o mais conhecido, neotrigeminotalâmico, espinocervicotalâmico e sistema pós-sináptico da coluna dorsal, terminam, predominantemente, nos núcleos talâmicos ventrocaudal (ventral posterolateral- VPL +ventral posteromedial- VPM), submédio, porção mediai do tálamo posterior (POm) e porção posterior do núcleo ventromedial (VMpo ), de onde partem as radiações talâmicas para o córtex somestésico (fibras provenientes de VPL e VPM), orbitofrontal (fibras oriundas de POm) e insular (fibras procedentes de VMpo). Por serem essas vias e estruturas somatotopicamente organizadas, estão elas envolvidas com o aspecto sensorial-discriminativo da dor • vias do grupo mediai: filogeneticamente mais antigas, parcialmente cruzadas, incluem os tratos paleoespinotalâmico, paleotrigeminotalâmico, espinorreticular e espinomesencefálico e sistema ascendente multissináptico proprioespinal. Essas vias podem terminar direta ou indiretamente nos núcleos dorsomedial e intralaminares (centromediano, parafascicular e central lateral) do tálamo mediai, após sinapse na formação reticular do tronco cerebral e na substância cinzenta periaquedutal, de onde partem as vias reticulotalâmicas (emitem colaterais para o sistema límbico e para a substância cinzenta periventricular). Do tálamo mediai partem radiações difusas para todo o córtex cerebral. As vias do grupo mediai não são somatotopicamente organizadas e estão relacionadas com o aspecto afetivo-motivacional da dor (Figura 7.2). Independentemente de sua origem (somática ou visceral), as fibras nociceptivas parecem trafegar no sistema nervoso central pelas mesmas vias, cursando, em sua maioria, pelo quadrante anterolateral da medula espinal. Em meados dos anos 1990, todavia, uma revisão desse conceito tornou -se necessária quando o grupo liderado por Willis descreveu uma via exclusiva para a condução da dor visceral, localizada na porção mais anterior e mediai do funículo posterior. Não obstante, vale ressaltar que os aferentes nociceptivos viscerais são com certa frequência bilaterais e não unilaterais, como os somáticos. Tal fato, associado à extrema ramificação dos nervos viscerais (um mesmo nervo participa da inervação de

Parte 1 I Semiologia Geral

70 diversas vísceras), ao relativamente pequeno número de aferentes viscerais (correspondem a apenas 10% das fibras da raiz dorsal), ao proporcionalmente elevado número de fibras C (condução lenta) nos nervos viscerais (1 fibra A para 10 fibras C; na raiz dorsal, tal proporção é de 1 para 2) e à chegada dos aferentes de uma mesma víscera em múltiplos segmentos medulares, justifica a baixa precisão da dor visceral tanto em termos de localização como de qualificação.

PVG

+t PAG

TPDL

4

.

t+ BRV

... 4

TPDL

• Modulação Além de vias e centros responsáveis pela transmissão da dor, há também os responsáveis por sua supressão. E, curiosamente, as vias modulatórias são ativadas pelas nociceptivas. O primeiro sistema modulatório descrito, denominado teoria do portão ou das comportas, foi proposto por Melzack e Wall, em 1965 (Figura 7.3). Como se sabe, as fibras amielínicas (C) e mielínicas finas (A-delta) conduzem a sensibilidade termoalgésica, enquanto as fibras mielínicas grossas (A-alfa e A-beta) conduzem as demais formas de sensibilidade (tato, pressão, posição, vibração). Segundo essa teoria, a ativação das fibras mielínicas grossas excitaria interneurônios inibitórios da substância gelatinosa de Rolando (lâmina li) para os aferentes nociceptivos, impedindo a passagem dos impulsos dolorosos, ou seja, haveria um fechamento da comporta, ao passo que a ativação das fibras amielínicas e mielínicas finas inibiria tais interneurônios inibitórios, tornando possível a passagem dos impulsos nociceptivos (abertura da comporta). Esse mecanismo explica por que uma leve fricção ou massageamento de uma área dolorosa proporciona alívio da dor. Em 1969, Reynolds demonstrou a existência de outro sistema modulatório (Figura 7.4) ao verificar, em ratos, que a estimulação elétrica da substância cinzenta periaquedutal (periaqueductal gray- PAG) produzia acentuada analgesia, M

c

A a.

Aj3

SG

NET

Figura 7.3 Teoria das comportas de Melzack e Wall. SG = lnterneurônio da substância gelatinosa {lâmina 11); NET =neurônio de projeção espinotalâmico {célula de origem do trato neoespinotalâmico).

NE

o CD

5HT

NE

o CD

Figura 7.4 Centros modulatórios da dor. PVG = substância cinzenta periventricular; PAG =substância cinzenta periaquedutal; BRV = bulbo rostroventral; TPDL = tegmento pontino dorsolateral; CD =corno dorsal; NE = norepinefrina; SHT = 5-hidroxitriptami na {serotoni na);~= excitação; -o= inibição.

a qual era acompanhada por um aumento da concentração dos opioides endógenos no liquor e revertida pela administração de naloxona (antagonista opioide). Demonstrou-se, posteriormente, que analgesia similar podia ser obtida pela estimulação elétrica da substância cinzenta periventricular (periventricular gray- PVG), do bulbo rostroventral (BRV) (núcleos rafe magno, magnocelular e reticular paragigantocelular lateral) e do tegmento pontino dorsolateral (TPDL) (locus ceruleus e subceruleus) ou pela microinjeção de morfina em qualquer desses sítios (PVG-PAG, BRV e TPDL). Esta analgesia podia ser revertida por lesão do bulbo rostroventral, secção bilateral do funículo dorsolateral da medula espinal e administração intrarraquidiana de antagonistas serotoninérgicos e noradrenérgicos. Postulou-se, então, que a estimulação elétrica da substância cinzenta periventricular e periaquedutal excitaria o bulbo rostroventral e o tegmento pontino dorsolateral, de onde partem vias descendentes inibitórias para os neurônios nociceptivos do corno dorsal. Tais vias cursam bilateralmente pelos funículos dorsolaterais da medula espinal e utilizam como neurotransmissor, respectivamente, a serotonina (via rafe-espinal, proveniente do BRV) e a norepinefrina (via reticuloespinal, oriunda do TPDL). A estimulação elétrica de outras estruturas, como o funículo posterior da medula espinal, lemnisco mediai, tálamo ventrocaudal, cápsula inte.r na, córtex somestésico e córtex motor, também pode proporcionar alívio da dor. Em vista disso, percebe-se que todas essas estruturas estão, de alguma forma, envolvidas na modulação da sensação dolorosa. A partir desse conhecimento, Vilela Filho, em 1996, propôs a existência do circuito modulatório prosencéfalo-mesencefálico, que justificaria a analgesia obtida pela estimulação dessas áreas do sistema nervoso (Figura 7.5). Conclui-se que a dor pode ser provocada tanto pela ativação das vias nociceptivas como pela lesão das vias modulatórias (supressoras), o que a torna semelhante a outras funções envolvidas na manutenção da homeostase, como a pressão arterial e a temperatura.

7

I Dor

71

• Aspectos afetivo-motivacional e cognitivo-avaliativo da dor

Núcleo ventrocaudal do tálamo (VC)

r

Glutamato aspartato

.

Córtex somestésico I

.

Glutamato aspartato

Córtex motor I

I

Glutamato

. Dopamina

I

+ Putame anterior

I ..

I

Substância .. ?Substância • nigra compacta 1 1 nigra reticu/ada

SP I

.

Pálido mediai I

I

Gaba Tálamo mediai

o

I ?

o

F. R. mesencefál ica

Figura 7.5 Circuito modulatório prosencéfalo-mesencefálico. VC = núcleo ventrocaudal do tálamo; SP = substância P; ? = neurotransmissor desconhecido; F.R. mesencefálica = formação reticular mesencefálica; ~ =excitação; -o= inibição.

Opioides endógenos

Aestimulação elétrica da PVG-PAG, do tegmento pontino dorsolateral e do bulbo rostroventral produz profunda analgesia. Curiosamente, a aplicação de ínfimas quantidades de morfina nesses sítios reproduz este efeito. Em ambos os casos, a analgesia pode ser revertida pela administração parenteral de naloxona (antagonista opioide). Como a aplicação segmentar de morfina no espaço subaracnóideo, epidural ou mesmo diretamente na medula espinal também causa este efeito, concluiu-se que a ação sistêmica da morfina se deve à sua atuação tanto no tronco cerebral como na medula espinal. Uma vez mapeadas as áreas de atuação da morfina no sistema nervoso central, seus receptores foram prontamente identificados, tendo-se distinguido os seguintes tipos principais: mu, delta e kappa. Após a descoberta dos receptores opioides, passou-se a investigarquais substâncias endógenas se ligariam a eles. Aprimeira substância identificada foi a encefalina, um pentapeptídio. Posteriormente, foram isoladas a betaendorfina e a dinorfina. Essas substâncias, denominadas opioides endógenos, têm em comum a sequência inicial de aminoácidos (tirosina-glicina-glicina-fenilalanina e metionina ou leucina) e a atividade analgésica (betaendorfina > encefalina > dinorfina). Abetaendorfina - opioide endógeno mais potente conhecido - é sintetizada a partir da pró-opiomelanocortina, atua nos receptores mu e está presente em células do hipotálamo basal (seus axônios projetam-se para osistema límbico, PAG e Jows ceruleus) e do núcleo do trato solitário. Aencefalina pode ser de dois tipos: metionina-encefalina e leucina-encefalina. t sintetizada a partir da pró-encefalina Ae encontra-se distribuída principalmente pelo hipotálamo, PAG, bulbo rostroventral ecorno dorsal da medula espinal. Atua preferencialmente nos receptores delta, mas também nos mu. Adinorfina, o mais fraco dos opioides endógenos, é derivada da pró-dinorfina ou pró-encefalina B, atua nos receptores kappa e tem distribuição similar à da encefalina. Deve-se ressaltar que, mais recentemente, foram identificados receptores opioides também nos nociceptores, o que abre uma nova alternativa terapêutica para a aplicação dos analgésicos opioides. Tal é o caso, por exemplo, da administração intra-articular de morfina nos pacientes portadores de dor articular decorrente de artrite.

Até o momento, a dor foi abordada como sensação, ou seja, de acordo com seu aspecto sensorial-discriminativo, que é aquele que possibilita a identificação de algumas das mais importantes características da experiência dolorosa: sua localização, duração, intensidade (parcialmente) e qualidade (parcialmente). Isto só é possível graças ao alto nível de organização somatotópica das vias (vias do sistema lateral) e estruturas (núcleos ventral posterolateral - VPL e ventral posteromedial - VPM do tálamo e córtex somestésico) envolvidas com essa dimensão da dor. Contudo, ela não é apenas uma sensação. A resposta final a um estímulo álgico compreende também uma série de reações reflexas, emocionais e comportamentais, que depende do aprendizado e memorização de experiências prévias, do grau de atenção ou de distração, do estado emocional e do processamento e integração das diversas informações sensoriais e cognitivas. Trata-se dos aspectos afetivo-motivacional e cognitivo-avaliativo da dor. ..,. Aspecto afetivo-motivacional. As vias nociceptivas do grupo mediai não são somatotopicamente organizadas e, por essa razão, parecem não contribuir para o aspecto sensorial-discriminativo da dor. Em contrapartida, estão relacionadas, por meio de suas conexões, com a formação reticular do tronco cerebral, hipotálamo, núcleos mediais e intralaminares do tálamo e com o sistema límbico, estruturas reconhecidamente comprometidas com a regulação das emoções e do comportamento, incluindo a dimensão afetiva (experiência desagradável, ruim, amedrontadora) e motivacional (ação causada pela sensação dolorosa, como a reação de retirada ou de fuga) da dor. Diversas são as evidências que apoiam esse envolvimento. Em um experimento realizado em gatos acordados, que foram treinados para desligar o estímulo elétrico nóxico, aplicado em um nervo periférico, quando ele se tornava máximo, pôde-se observar que a atividade elétrica do núcleo gigantocelular (localizado na formação reticular bulbar) aumentava com o incremento da intensidade do estímulo aplicado e alcançava o nível máximo quando o animal executava a manobra aversiva (desligava o estímulo). Curiosamente, a estimulação elétrica direta desse núcleo (ou da formação reticular mesencefálica) provocava a mesma resposta obtida com a estimulação elétrica nóxica do nervo periférico: a anulação do estímulo. A lesão do núcleo gigantocelular e da formação reticular mesencefálica, por outro lado, reduzia marcadamente a resposta desses animais aos estímulos álgicos. O sistema límbico e o hipotálamo (doravante também considerado parte integrante deste sistema) são constantemente bombardeados por estímulos internos e externos, parte deles conduzidos pelas vias do grupo mediai. Os córtices temporal e parietal, responsáveis pela integração das informações sensoriais, visuais e auditivas, apresentam íntima conexão com a amígdala e o hipocampo, importantes componentes do sistema citado. A área pré-frontal, considerada por muitos a mais importante área associativa cortical, apresenta conexões diretas com o hipotálamo, o núcleo dorsomedial do tálamo (tálamo mediai), o giro do cíngulo e a formação reticular mesencefálica e bulbar. As informações que alcançam o sistema límbico são adequadamente avaliadas e, quando são significativas e apropriadas, as emoções e os comportamentos são exteriorizados.

Parte 1 I Semiologia Geral

72 A estimulação elétrica do sistema límbico pode provocar uma série de reações emocionais e comportamentais, algumas delas claramente relacionadas com a dor. No hipotálamo posteromedial, por exemplo, considerado o centro simpático do sistema nervoso autônomo, provoca elevação da pressão arterial, da frequência cardíaca e midríase bilateral; em um animal acordado, tais respostas associam-se à reação de fuga, que também pode ser obtida com a estimulação da amígdala (reação de raiva também é comum), do hipocampo e do fórnix. A ativação do cíngulo pode induzir ansiedade e a da área septal, a sensação de prazer e conforto. Muito interessantes são as respostas obtidas com a lesão de diversas destas estruturas, todas elas direta ou indiretamente conectadas com as vias nociceptivas do grupo mediai. A lesão do giro do cíngulo (cingulotomia), do hipotálamo posteromedial (hipotalamotomia posteromedial), dos núcleos talâmicos mediais e intralaminares (talamotomia medial/intralaminar) e da via reticulotalâmica (tratotomia mesencefálica mediai) e a desconexão da área pré-frontal (lobotomia ou leucotomia pré-frontal) promovem marcada redução do componente afetivo-motivacional da dor, sem interferir com seu componente sensorial-discriminativo, isto é, o paciente continua perfeitamente capaz de perceber os estímulos álgicos, mas eles perdem sua conotação desagradável e desprazerosa. Os núcleos intralaminares do tálamo, relevantes terminações das vias do grupo mediai, emitem suas eferências sobretudo para os gânglios da base (striatum = putame + caudato), que provavelmente estão relacionados com a resposta motora somática desencadeada pelo estímulo doloroso, como deixar cair uma xícara de café quente para não queimar a mão (o córtex motor e a via corticoespinal também estão envolvidos com essa resposta). O hipotálamo, por sua vez, é o responsável pelas respostas motoras autonômicas (viscerais) frente aos estímulos dolorosos, tais como hipertensão arterial, taquicardia, sudorese, palidez e midríase. Tais respostas são mediadas pela formação reticular do tronco cerebral, via reticuloespinal e corno lateral da medula toracolombar (Tl-12). ~ Aspecto cognitivo-avaliativo. As primeiras experiências dolorosas do ser humano compreendem apenas seus aspectos sensorial-discriminativo e afetivo-motivacional. Ao morder o dedo, por exemplo, o bebê sente dor, manifestando-a emocionalmente pelo choro. Com o passar dos anos, a sensação dolorosa passa a ser relacionada com certas polaridades como prazer/ castigo e bom/mau. As influências culturais e religiosas tomam vulto no simbolismo da dor: para alguns, a manifestação pública desta sensação deve ser refreada, como sinal de força; para outros, deve ser encorajada como modo de angariar simpatia e solidariedade. Todas essas informações e experiências vão sendo armazenadas no âmbito da memória. E é a partir da avaliação e julgamento desses dados que se formará aquilo que o indivíduo considerará como dor. Isso só é possível devido às vias e estruturas responsáveis pela dimensão cognitivo-avaliativa da algia. O impulso doloroso chega ao córtex somestésico pelas vias nociceptivas de condução rápida do grupo lateral, nas quais a informação é processada. Essa informação, juntamente com outras de natureza tátil, proprioceptiva, auditiva e visual, também já processadas, é integrada nas áreas corticais associativas, sobretudo no neocórtex temporal. Então, os componentes da memória são ativados à procura de uma experiência prévia similar. Por fim, entra em ação o julgamento da experiência sensorial, momento em que é definida como dolorosa ou não (nesse processo, a área pré-frontal é de grande relevância); em caso afirmativo, dependendo de sua intensidade e do risco

que a situação representa para o organismo, pode ser utilizada uma estratégia de resposta padronizada ou definida uma nova. A intensidade da dor depende de uma série de fatores: amplitude do estímulo álgico, grau de atenção (fator que acentua a dor) ou de distração (atenuante), estado emocional (o medo, a apreensão e a ansiedade amplificam a dor) e aspectos culturais e religiosos, dentre outros. Assim, o mesmo estímulo doloroso pode ser considerado intenso por um indivíduo e leve por outro ou até pelo mesmo indivíduo quando submetido a estímulos iguais em circunstâncias distintas. Também é interessante o papel do condicionamento na dor. Pavlov demonstrou que, quando o choque e a queimadura eram usados como estímulos condicionantes para a alimentação de cães, após um período, estes animais passavam a responder a esses estímulos sem qualquer manifestação de dor, embora continuassem a reagir adequadamente a outros estímulos semelhantes. Finalmente, deve-se ressaltar a poderosa influência que o sistema cognitivo-avaliativo exerce sobre os sistemas sensorial-discriminativo e afetivo-motivacional da dor. Dadas as extensas conexões dos lobos temporal (com a amígdala e o hipocampo) e frontal (com o hipotálamo, tálamo medial!intralaminar e cíngulo) com o sistema límbico, o sistema cognitivo encontra-se em situação ideal para interferir (contribuir ou modificar) nas respostas do sistema afetivo-motivacional. Por outro lado, as eferências frontais para a formação reticular bulbar e mesencefálica (onde se situam importantes centros modulatórios da dor, como o bulbo rostroventral e a substância cinzenta periaquedutal- PAG) e as eferências do córtex somestésico para o corno dorsal (influência inibitória sobre os neurônios nociceptivos através da via corticoespinal ou piramidal) e certas estruturas subcorticais, das quais se originam as vias extrapiramidais destinadas à medula espinal, influenciam significativamente a transmissão nociceptiva no corno dorsal, afetando, dessa maneira, o sistema sensorial-discriminativo da dor. Por todas essas razões, o sistema cognitivo é considerado o centro de controle do processamento doloroso.

~

Classificação fisiopatológica da dor

Do ponto de vista fisiopatológico, a dor pode ser classificada em nociceptiva, neuropática, mista e psicogênica.

• Dor nociceptiva É causada pela ativação dos nociceptores e pela transmissão dos impulsos gerados, que percorrem as vias nociceptivas até as regiões do sistema nervoso central, onde são interpretados. A dor secundária a agressões externas (picada de um inseto, fratura de um osso, corte da pele), a dor visceral (cólica nefrética, apendicite), a neuralgia do trigêmeo, a dor da artrite e da invasão neoplásica dos ossos são exemplos de dor nociceptiva.

Caraáerísticas A dor nociceptiva começa simultaneamente ao início da atividade do fator causal, o qual pode ser, em geral, identificado. Sua remoção frequentemente culmina com o alívio da sensação dolorosa. Nenhum déficit sensorial é identificado nesses pacientes, e a distribuição da dor corresponde à das fibras nociceptivas estimuladas. Quanto menor é o número de segmentos medulares envolvidos na inervação de uma estru-

7

I Dor

tura, mais localizada é a dor (somática superficial). Em contrapartida, quanto maior o número de segmentos medulares, mais difusa é a dor (visceral e somática profunda). A dor nociceptiva pode ser espontânea ou evocada. A espontânea pode ser expressa com as mais variadas designações: pontada, facada, agulhada, aguda, rasgando, latejante, surda, contínua, profunda, vaga, dolorimento. Todas essas denominações sugerem lesão tissular. A evocada pode ser desencadeada por algumas manobras como: manobra de Lasegue na ciatalgia, a dor provocada pelo estiramento da raiz nervosa, obtida pela elevação do membro inferior afetado, estando o indivíduo em decúbito dorsal, e lavar o rosto e escovar os dentes, nos pacientes com neuralgia do trigêmeo. Esse tipo de dor reproduz a sentida pelo paciente.

• Dor neuropática Também denominada dor por lesão neural, por desaferentação (privação de um neurônio de suas aferências), ou central (quando secundária às lesões do sistema nervoso central). Decorre de lesão de qualquer tipo infligida ao sistema nervoso periférico ou central, e pode apresentar-se de três formas: constante, intermitente e evocada. Ainda não há certeza sobre quais mecanismos fisiopatológicos estão envolvidos, mas a lesão do trato neoespinotalâmico (ou neotrigeminotalâmico, para a dor facial) parece ser condição sine qua non para o seu aparecimento. Sabe-se também que esse tipo de dor é gerado dentro do sistema nervoso, independentemente de qualquer estímulo externo ou interno (componente constante). A secção do trato neoespinotalâmico, tão eficaz em eliminar a dor nociceptiva, agrava a neuropática (componente constante). Embora haja várias hipóteses sobre essa questão, este último fato sugere que o mecanismo mais provavelmente envolvido em sua gênese é o da desaferentação. Quando um neurônio é privado de suas aferências ( desaferentação), aparecem diversas alterações: degeneração dos terminais pré-sinápticos, reinervação do sítio desaferentado por axônios vizinhos (brotamento ou sprouting), substituição de sinapses inibitórias por outras excitatórias, ativação de sinapses anteriormente inativas e aumento da eficácia de sinapses antes pouco eficazes. A ocorrência dessas alterações acaba por tornar as células desaferentadas hipersensíveis (células explosivas ou bursting cells). Sua hiperatividade espontânea, visto que são integrantes das vias nociceptivas, seria o substrato fisiopatológico para a dor constante (descrita como em queimação ou formigamento) da qual sequeixam esses pacientes. Outra hipótese é que o componente constante da dor neuropática se deva à hiperatividade das vias reticulotalâmicas e do tálamo mediai. A estimulação elétrica dessas estruturas, em pacientes com dor neuropática, mimetiza a sensação dolorosa referida por eles. Naqueles que não a apresentam, todavia, a estimulação elétrica das mesmas estruturas não produz nenhum efeito. Vilela Filho (1996, 1997) propôs que a hiperatividade do tálamo medial!via reticulotalâmica seria devida à hipoatividade do Circuito Modulatório Prosencéfalo-Mesencefálico, secundária à lesão das vias neoespinotalâmica e espinotalâmica anterior, ativadores habituais desse circuito, ou à interrupção do mesmo. A dor neuropática apresenta mais dois componentes, podendo ser intermitente ou evocada (alodínia e hiperpatia). A intermitente decorre da ativação das vias nociceptivas pela cicatriz formada no foco lesional ou por efapse (impul-

73 sos motores descendentes cruzam para as vias nociceptivas no sítio de lesão do sistema nervoso). A secção cirúrgica completa da via neoespinotalâmica (ou neotrigeminotalâmica, na dor facial) elimina essa modalidade de dor. A dor evocada, por sua vez, se deve aos rearranjos sinápticos decorrentes da desaferentação. A reinervação de células nociceptivas desaferentadas por aferentes táteis, por exemplo, faria com que a estimulação tátil, ao ativar neurônios nociceptivos, produzisse uma sensação dolorosa, desagradável (alodínia). A substituição de sinapses inibitórias por excitatórias, o aumento da eficácia de sinapses outrora pouco efetivas e a ativação das anteriormente inativas, por outro lado, poderiam tomar tais células hiper-responsivas aos estímulos dolorosos, manifestando-se clinicamente sob a forma de hiperpatia. Como a dor evocada depende da estimulação dos receptores e do tráfego dos impulsos pelas vias nociceptivas, ela pode ser aliviada pela secção cirúrgica da via neoespinotalâmica (ou neotrigeminotalâmica, na dor facial). São exemplos de dores neuropática as que ocorrem: (1) nas polineuropatias (em sua forma diabética, na qual há acometimento predominante de fibras mielínicas finas e arnielínicas, na alcoólica, que compromete indistintamente qualquer tipo de fibra, e na causada por carência de vitamina B12), (2) na neuralgia pós-herpética (acomete preferencialmente fibras mielínicas grossas do ramo oftálmico do nervo trigêmeo ou dos nervos intercostais, manifestando-se, em geral, como uma mononeuropatia dolorosa), (3) no membro fantasma, (4) por avulsão do plexo braquial, (5) pós-trauma raquimedular e (6) pós-acidente vascular encefálico ("dor talâmica").

Características da dor neuropática Sua etiologia é variada, incluindo afecções traumáticas, inflamatórias, vasculares, infecciosas, neoplásicas, degenerativas, desmielinizantes e iatrogênicas. Seu início pode coincidir com a atuação do fator causal, porém, mais comumente, ocorre após dias, semanas, meses ou até anos. Em geral, o fator causal não pode ser removido, por ter deixado de agir ou por ser impossível interrompê-lo. A maioria dos pacientes apresenta déficit sensorial clinicamente detectável. A distribuição da dor tende a sobrepor-se, pelo menos parcialmente, à perda sensorial. A dor neuropática apresenta-se pelo menos em uma das seguintes formas: constante, intermitente (ambas são espontâneas) e evocada. A dor constante ocorre em praticamente 100% dos casos, sendo, em geral, descrita como dor em queimação ou dormente ou em formigamento, ou como um mero dolorimento. Trata-se de uma disestesia (sensação anormal desagradável) normalmente nunca experimentada pelo paciente. A dor intermitente é mais frequente nas lesões nervosas periféricas e da medula espinal, sendo rara nas lesões encefálicas, e relatada como dor em choque, aguda. Lembra a dor da ciatalgia, mas, diferentemente desta, seu trajeto não segue o de qualquer nervo. A dor evocada, presente em mais da metade dos casos, conquanto mais comum nas lesões encefálicas, é também frequente nas lesões medulares e do sistema nervoso periférico, podendo manifestar-se sob a forma de alodínia ou de hiperpatia. A forma constante da dor neuropática, ao contrário da dor nociceptiva, tende a ser agravada pela interrupção cirúrgica das vias da dor, pois tais procedimentos acentuam a desaferentação.

Parte 1 I Semiologia Geral

74

• Dor mista É aquela que decorre dos dois mecanismos anteriores.

Ocorre, por exemplo, em certos casos de dor por neoplasia maligna, quando ela se deve tanto ao excessivo estímulo dos nociceptores quanto à destruição das fibras nociceptivas.

• Dor psicogênica Toda dor tem um componente emocional associado, o que varia é sua magnitude. A dor psicogênica, porém, é uma condição inteiramente distinta, para a qual não há qualquer substrato orgânico, sendo gerada por mecanismos puramente , . ps1qmcos.

Caraáerísticas da dor psicogênica Tende a ser difusa, generalizada, imprecisa. Algumas vezes, pode ser localizada e, nesse caso, em geral, sua topografia corresponde à da imagem corporal que o paciente tem da estrutura que julga doente. Assim, se imagina ter um infarto do miocárdio, a área dolorida corresponderá à do mamilo esquerdo e não à região retroestemal ou à face medi.al do braço esquerdo. Se a doença imaginada é uma colelitíase, a área da dor será a do hipocôndrio direito e não o ombro ou a área escapular direita. Isso ocorre porque o paciente desconhece a dor referida em sua imagem corporal. Se ele acreditar erroneamente que o fígado está localizado no hipocôndrio esquerdo, ao imaginar-se com uma dor de origem hepática, relatará uma sensação dolorosa no hipocôndrio esquerdo e não no direito. A dor psicogênica muda de localização sem qualquer razão aparente. Quando irradiada, não segue o trajeto de qualquer nervo. Sua intensidade é variável, sendo agravada pelas condições emocionais do paciente, o que, em geral, é contestado por ele. Pode ser relatada como muito intensa, excruciante, lancinante, incapacitante. Costuma ser descrita de maneira dramática ("como um canivete introduzido no corpo", 'como tendo a pele arrancada''). Não infrequentemente é possível estabelecer-se a concomitância de um evento negativo relevante na vida do paciente e o início da dor. Sinais e sintomas de depressão e ansiedade crônicas são com frequência identificáveis. Estes pacientes são neuroticamente fixados em sua dor, trazendo à consulta uma lista interminável de medicamentos já usados e de centros de tratamento e especialistas já procurados. A utilização inadequada e abusiva de medicamentos é comumente observada. Se questionados, podem referir um sem-número de cirurgias prévias de indicação duvidosa, sugerindo uma hiper-reatividade a desconfortos relativamente leves. Ao exame físico, em geral sem quaisquer achados relevantes, tendem a literalmente pular ao mero toque da região "dolorosa~ por vezes simulando déficit sensorial de distribuição "histérica'' (não segue qualquer padrão dermatomérico) e fraqueza muscular. Os exames complementares são normais. As avaliações psiquiátrica e psicológica acabam por identificar depressão, ansiedade, hipocondria, histeria ou transtorno somatoforme.

.... Tipos de dor Considerando-se o seu sítio de origem, a dor pode ser classificada em: somática (superficial e profunda), visceral e irradiada. .,.. Dor somática superfidal. É a forma de dor nociceptiva decorrente da estimulação de nociceptores do tegumento. Tende

a ser bem localizada e se apresentar de maneira bem distinta (picada, pontada, rasgando, queimor), de acordo com o estímulo aplicado. Sua intensidade é variável e, de certa maneira, proporcional à intensidade do estímulo. Decorre, em geral, de trauma, queimadura e processo inflamatório. .,.. Dor somática profunda. É a modalidade de dor nociceptiva consequente à ativação de nociceptores dos músculos, fáscias, tendões, ligamentos e articulações. Suas principais causas são: estiramento muscular, contração muscular isquêmica (exercício exaustivo prolongado), contusão, ruptura tendinosa e ligamentar, síndrome miofascial, artrite e artrose. É mais difusa que a dor somática superficial, apresenta localização imprecisa, sendo em geral descrita como dolorimento (aching pain), dor surda, dor profunda e, no caso da contração muscular isquêmica, como cãibra. Sua intensidade é proporcional à do estímulo causal, mas comumente vai de leve à moderada. Às vezes, pode manifestar-se como dor referida. .,.. Dorvisceral. É a dor nociceptiva decorrente da estimulação dos nociceptores viscerais. É profunda, e tem características similares às da dor somática profunda, ou seja, é difusa, de difícil localização e descrita como um dolorimento ou uma dor surda, vaga, contínua, profunda, que tende a acentuar-se com a solicitação funcional do órgão acometido. Tais características se devem às peculiaridades da inervação nociceptiva visceral. De um modo geral, a dor visceral pode ser relacionada com quatro condições: (a) comprometimento da própria víscera (dor visceral verdadeira); (b) comprometimento secundário do peritônio ou pleura parietal (dor somática profunda); (c) irritação do diafragma ou do nervo frênico; (d) reflexo viscerocutâneo (dor referida). Embora a dor visceral verdadeira, em geral, apresente as características mencionadas anteriormente, ela tende a se localizar próximo ao órgão que a origina. A dor cardíaca, por exemplo, tem localização retroesternal ou precordial; a pleural, na parede do hemitórax correspondente; a esofágica é retroesternal ou epigástrica; a gastroduodenal localiza-se no epigástrio e no hipocôndrio direito; a ileojejunal e dos cólons, embora difusa, é predominantemente periumbilical; a do sigmoide e do reto é pélvica e perineal; a hepática e biliar localiza-se no hipocôndrio direito e epigástrio; a esplênica, no hipocôndrio esquerdo; a pancreática, no epigástrio, hipocôndrio esquerdo e meio do dorso; a renal, nos flancos; a ureteral, nos flancos com irradiação para o baixo ventre e genitália; a vesical e uretral proximal é pélvica e se localiza no baixo ventre; a uterina, no baixo ventre, pélvica, perineal e lombar baixa; a ovárica é pélvica, perineal, lombar baixa e ocorre também nas fossas ilíacas. Pode-se dizer ainda que determinadas qualidades de dor são mais específicas para certo tipo de víscera. Assim, a dor das vísceras maciças e dos processos não obstrutivos das vísceras ocas é descrita como surda; a dos processos obstrutivos das vísceras ocas é do tipo cólica; a por comprometimento da pleura parietal (dor somática profunda e não visceral) é em pontada ou fincada; a por isquemia miocárdica é constritiva ou em aperto; e a por aumento da secreção do ácido clorídrico (gastrite, úlcera gástrica ou duodenal) é do tipo em queimação ou ardor. .,.. Dor referida. Pode ser definida como uma sensação dolorosa superficial, que está distante da estrutura profunda (visceral ou somática) cuja estimulação nóxica é a responsável pela dor. Obedece à distribuição metamérica (Figuras 7.1 e 7.6). A explicação mais aceita para esse fenômeno é a convergência de impulsos dolorosos viscerais e somáticos superficiais e profundos para neurônios nociceptivos comuns localizados no corno

7

I Dor

75 Neurônio aferente somático

3 Feixe espinotalâmico

2

~~:S 'i~ __'7 ~=~ ~ A

,

__ ...

,. /

1 Neuron1o ~ 1_

aferente visceral

/

t

Neurônio motor somático

B

Neurônio motor visceral

A Dor referida

B Dor irradiada Figura 7.6 Dor referida e dor irradiada. A. Dor referida. Oestímulo doloroso procedente de uma víscera é conduzido pelo neurônio aferente visceral (1) e penetra na medula com o neurônio aferente somático (2), responsável pela sensibilidade superficial daquele metâmero. Seja qual for a origem do estímulo- pele ou víscera -, este será conduzido aos centros superiores através do feixe espinotalâmico (3). O estímulo doloroso vindo de uma víscera é"percebido" pelo cérebro como se tivesse nascido na área cutânea do metâmero correspondente. 8. Dor irradiada em paciente com hérnia discai entre L4 e LS (lombociatalgia) comprimindo a raiz de LS. A dor é irradiada para a nádega, face posterolateral da coxa e posterolateral da perna.

dorsal da medula espinal (sobretudo na lâmina V). Visto que o tegumento apresenta um suprimento nervoso nociceptivo muito mais exuberante do que o das estruturas profundas somáticas e viscerais, a representação talâmica e cortical destas é muito menor do que a daquela. Por conseguinte, os impulsos dolorosos provenientes das estruturas profundas seriam interpretados pelo cérebro como oriundos do tegumento e o paciente apontaria a dor neste local. São exemplos de dor referida: dor na face mediai do braço (dermátomo de T1) em pacientes com infarto agudo do miocárdio, epigástrica ou periumbilical (dermátomos de T6-T1 O) na apendicite, no ombro (dermátomo de C4) em indivíduos com doença diafragmática ou irritação do nervo frênico (Figura 7.1). O apêndice parece não ser sede de dor visceral verdadeira. Na apendicite, a dor começa na região epigástrica ou perium-

bilical (dor referida) e, posteriormente, por irritação do peritônio parietal suprajacente, passa a ser sentida na fossa ilíaca direita (dor somática profunda). A irritação do diafragma ou do nervo frênico não é incomum nas doenças de órgãos torácicos e do andar superior do abdome. Quando ocorre, o paciente apresenta dor referida no ombro (dermátomo de C4) porque o nervo frênico, responsável pela inervação do diafragma, origina-se predominantemente do quarto segmento medular cervical. Porém, as afecções da vesícula biliar (colecistite, colelitíase), que não têm qualquer relação com o diafragma, também podem cursar com dor referida no ombro. Neste caso, ela é explicada pela participação do nervo frênico na inervação nociceptiva da vesícula biliar. .,.. Dor irradiada. Caracteriza-se por ser sentida a distância de sua origem, porém ocorre obrigatoriamente em estruturas inervadas pela raiz nervosa ou em nervo cuja estimulação nóxica é responsável pela dor. Um exemplo clássico é a ciatalgia, provocada pela compressão de uma raiz nervosa por uma hérnia de disco lombar (Figura 7.6) . .,.. Dor aguda e crônica. Em conformidade com sua distribuição temporal, a dor pode ser classificada em aguda ou crônica. A dor aguda é uma importantíssima modalidade sensorial, desempenhando, entre outros, o papel de alerta, comunicando ao cérebro que algo está errado. Acompanha-se de manifestações neurovegetativas e desaparece com a remoção do fator causal e resolução do processo patológico. A dor crônica é a que persiste por um período superior ao necessário para a cura de um processo mórbido ou que está associada a afecções crônicas (câncer, artrite reumatoide, alterações degenerativas da coluna), ou, ainda, a que decorre de lesão do sistema nervoso. Não tem qualquer função de alerta e determina acentuado estresse, sofrimento e perda na qualidade de vida. É a maior causa de afastamento do trabalho, gerando um enorme ônus para o país.

.... Características semiológicas da dor Todo paciente deve ser sistematicamente avaliado, levando-se em consideração as 1O características semiológicas da dor (decálogo da dor): localização, irradiação, qualidade ou caráter, intensidade, duração, evolução, relação com funções orgânicas, fatores desencadeantes ou agravantes, fatores atenuantes e manifestações concomitantes. .,.. localização. Refere-se à região onde o paciente sente a dor. Descrições como "dor na vesícula" carecem de valor semiótico e devem ser desencorajadas, pois dependem da imagem corporal que o paciente tem, a qual pode ser completamente equivocada. Deve-se solicitar ao paciente que aponte com um dedo a área dolorida, que deve ser registrada de acordo com a nomenclatura das regiões da superfície corporal (ver Capítulo 5, Método Clínico). Caso o paciente refira dor em mais de um local, é importante que todos sejam devidamente registrados no mapa corporal, devendo ser estudados semiologicamente em separado, inclusive para saber se a sensação dolorosa é irradiada ou referida. Dores diferentes, sem relação entre si, podem indicar uma doença apenas (exemplo: dor em múltiplas articulações, como nas afecções reumáticas), processos patológicos independentes ou dor psicogênica. Também é relevante a avaliação da sensibilidade na área de distribuição da dor e adjacências. A hipoestesia é evoca-

76

Parte 1 I Semiologia Geral

tiva de dor neuropática, sobretudo se for descrita como em queimação ou formigamento. Por vezes, porém, a sensibilidade parece estar aumentada, o que pode indicar hiperestesia (hipersensibilidade aos estímulos táteis) e hiperalgesia (hipersensibilidade aos estímulos álgicos) - reações que ocorrem em uma área sem comprometimento da inervação sensorial - ou alodínia e hiperpatia. Alodínia e hiperpatia ocorrem em uma área de hipoestesia e são excelentes indicadores da dor neuropática. Sua verificação é particularmente útil nos casos em que o déficit sensorial é subclínico, ou seja, quando é mais difícil de confirmar o diagnóstico de dor neuropática. Naturalmente, uma história adequada concernente à etiologia da dor (lesão do sistema nervoso) facilita o diagnóstico. Dessa maneira, conclui-se que a localização é fator de extrema importância para a determinação de sua etiologia. Vale lembrar que a dor somática superficial tende a ser mais localizada, enquanto a somática profunda e a visceral, assim como a neuropática, tendem a ser mais difusas. .,. Irradiação. A dor pode ser localizada, irradiada (segue o trajeto de uma raiz nervosa ou nervo conhecido) ou referida (Figura 7.6A e B). O reconhecimento da localização inicial da dor e de sua irradiação pode indicar a estrutura nervosa comprometida. Assim: • Radiculopatia de SI (lombociatalgia): dor lombar com irradiação para a nádega e face posterior da coxa e da perna, até a região do calcanhar • Radiculopatia de LS (lombociatalgia): dor lombar com irradiação para a nádega e face posterolateral da coxa e da perna, até a região maleolar lateral • Radiculopatia de IA (lombociatalgia): dor lombar com irradiação para a virilha, face anterior da coxa e borda anterior da canela (também face mediai da perna), até a região maleolar mediai • Radiculopatia de LI: dor dorsal na transição toracolombar, com irradiação anterior e inferior para a virilha • Radiculopatia de T4: dor dorsal com irradiação anterior, passando pela escápula, para a área mamilar • Radiculopatia de C6 (cervicobraquialgia): dor cervical com irradiação para a face lateral do braço e antebraço • Neuralgia occipital (radiculopatia de C2 e/ou C3): dor na transição occipitocervical, com irradiação superior, anterior e lateral, podendo atingir vértex, globos oculares, ouvidos e, às vezes, até a face. A dor irradiada pode surgir em decorrência do comprometimento de praticamente qualquer raiz nervosa, podendo ser o território de irradiação predito pelo exame do mapa dermatomérico (Figura 7.I). Exemplos de dor referida: • • • •

Apêndice: dor na região epigástrica Vesícula, fígado: dor na escápula e no ombro Ureter: dor na virilha e genitália externa Coração: dor na face mediai do braço. É interessante mencionar que processos patológicos ante-

riores ou concomitantes, que afetam estruturas inervadas por segmentos medulares adjacentes, aumentam a possibilidade de que a dor seja sentida em uma região servida por ambos os segmentos medulares, fazendo com que esta esteja localizada de maneira atípica. Assim, a dor da insuficiência coronária (angina do peito) pode irradiar-se para o epigástrio, em portadores de úlcera duodenal, e para o membro superior direito em indivíduos com fratura recente dessa região.

.,.. Qualidade ou caráter. Para que seja definida a qualidade ou oca-

ráter da dor, o paciente é solicitado a descrevê-la ou di.zer que tipo de sensação e emoção ela lhe traz. Vários termos são utilizados para descrever sua qualidade. Tal variabilidade pode indicar diferentes processos fisiopatológicos subjacentes ou apenas características socioculturais. Não raro o paciente experimenta extrema dificuldade em qualificar sua dor. Quando isso ocorre, o médico deve oferecer a ele uma relação de termos "descritores" mais comumente usados e solicitar que escolha aquele ou aqueles que caracterizam sua dor de maneira mais adequada. Primeiramente, deve-se definir se esta é espontânea e/ou evocada. Dor evocada é aquela que ocorre apenas mediante algum tipo de provocação. São exemplos a alodínia e a hiperpatia, presentes na dor neuropática, e a hiperalgesia primária e secundária, presentes na dor nociceptiva. Alodínia é uma sensação desagradável, dolorosa, provocada pela estimulação tátil, sobretudo se repetitiva, de uma área com limiar aumentado de excitabilidade (região parcialmente desaferentada, hipoestésica). Muitas vezes, os pacientes trazem o seguinte relato sobre esta sensação: "O mero contato da roupa ou do lençol é extremamente doloroso:' Hiperpatia é uma sensação desagradável, mais dolorosa que a comum, provocada pela estimulação nóxica, sobretudo a repetitiva, de uma área com limiar de excitabilidade aumentado (região parcialmente desaferentada, hipoestésica). Hiperalgesia é a resposta exagerada aos estímulos aplicados em uma região que está com reduzido limiar de excitabilidade, que pode se manifestar sob a forma de dor a estímulos inócuos ou de dor intensa a estímulos leves ou moderadamente nóxicos. Dois tipos de hiperalgesia têm sido descritos: primária, que ocorre em uma área lesionada e se deve à sensibilização local dos nociceptores, e secundária, que se dá no entorno da área lesada e parece ocorrer após a sensibilização dos neurônios do corno dorsal, que decorre da estimulação repetitiva e prolongada das fibras C. A dor espontânea, por sua vez, pode ser constante ou intermitente. Dor constante é aquela que ocorre continuamente, podendo variar de intensidade, sem nunca desaparecer completamente. O indivíduo dorme e acorda com dor. Quando é neuropática, a dor constante é mais comumente descrita como em queimação ou dormência, formigamento (disestesia). Quando é nociceptiva, são utilizados diversos termos para qualificá-la (ver seção Tipos de dor). A dor intermitente é aquela que ocorre episodicamente, sendo sua frequência e duração bastante variáveis. É em geral descrita como dor em choque, aguda, pontada, facada, fisgada. Deve ser diferenciada das exacerbações da dor constante. O caráter da dor ajuda a definir o processo patológico subjacente. Assim: dor latejante ou pulsátil ocorre na enxaqueca, abscesso e odontalgia; em choque, na neuralgia do trigêmeo, na lombociatalgia, na cervicobraquialgia e na dor neuropática (componente intermitente); em cólica ou em torcedura, na cólica nefrética, biliar, intestinal ou menstrual; em queimação, se visceral, na úlcera péptica e esofagite de refluxo e, se superficial, na dor neuropática (constante); constritiva ou em aperto, na angina do peito e infarto do miocárdio; em pontada, nos processos pleurais; dor surda, nas doenças de vísceras maciças; dor "doída" ou dolorimento, ocore mais comumente nas doenças das vísceras maciças e musculares, como a lombalgia, e também na dor neuropática (constante); e em cãibra, em afecções medulares, musculares e metabólicas.

7

I Dor

77

Mais dois tipos especiais de dor devem ser mencionados: a dor do membro fantasma e a síndrome complexa de dor regional (ver boxe adiante). .,. Intensidade. É um componente extremamente relevante da dor, aliás é o que apresenta maior importância para o paciente. Resulta da interpretação global dos seus aspectos sensoriais, emocionais e culturais. Sua magnitude é o principal determinante do esquema terapêutico a ser instituído ou modificado. Por se tratar de uma experiência basicamente subjetiva, é fundamental que sua quantificação se baseie em critérios bastante rígidos, para que possamos minimizar os erros em sua avaliação. As escalas com expressões, como sem dor, dor leve, dor moderada, dor intensa, dor muito intensa e pior dor possível, simples, prática e de amplo uso, têm a desvantagem de serem muito subjetivas e de conter apenas um pequeno número de opções, o que pode comprometer sua sensibilidade como instrumento de aferição (Figura 7.7). Atualmente, prefere-se, para o adulto, a utilização de uma escala analógica visual para avaliar a intensidade da dor, a qual consiste em uma linha reta com um comprimento de 10 centímetros, tendo em seus extremos as designações sem dor e pior dor possível. É pedido que o paciente indique a intensidade da dor em algum ponto dessa linha. O resultado é descrito pelo examinador como intensidade "x" em uma escala de zero a dez (Figura 7.7). Para adultos com baixa escolaridade, crianças e idosos, para os quais a compreensão da escala analógica visual pode ser difícil, é possível utilizar as escalas de representação gráfica não numérica, como a de expressões faciais de sofrimento: sem dor, dor leve, dor moderada e dor intensa (Figura 7.7). Se o paciente tem dificuldade em definir "pior dor possível': sugerimos que a compare com a dor mais intensa por ele experimentada. A dor do parto, da cólica nefrética, de uma úlcera perfurada (no momento da perfuração) são referências bastante adequadas para esse fim. A determinação do grau (leve, moderado ou intenso) de interferência da dor com o sono, trabalho, relacionamento

Dor do membro fantasma e srndrome complexa de dor regional Após terem parte de seu corpo amputada, alguns indivíduos ainda a sentem (sensação fantasma) como causa de profunda dor. Ador fantasma ocorre mais comumente após amputação de um membro, embora também possa se dar após a enucleação do globo ocular, a remoção da mama (mastectomia) ou a amputação do pênis. ~ neuropática, sendo a secção dos nervos mistos e sensoriais, no ato da amputação, sua causa. Tais pacientes, não infrequentemente, apresentam também a chamada dor do coto, aqual parece decorrer da hiperexcitabilidade do neuroma formado na extremidade proximal do nervo seccionado. As dores do coto de amputação e fantasma são de dificílimo tratamento, sendo, frequentemente, rebeldes a qualquer abordagem farmacológica ou cirúrgica disponível. Asíndrome complexa de dor regional (SCDR) é caracterizada pela dor associada a alterações vasomotoras, sudomotoras etróficas. Tende aser excruciante e conta com três componentes: dor constante em queimação ou disestésica, intermitente fugaz em choque, provocada por praticamente qualquer movimento, e evocada, caracterizada por alodínia e hiperpatia. Aalgia étão intensa que o paciente assume uma postura de constante defesa do segmento corporal afetado. Aunha torna-se grande, porque o indivíduo é incapaz de cortá-la, devido à sensação. Apele torna-se fina, lisa e brilhante. Atemperatura cutânea geralmente é elevada, embora possa diminuir. Há, em geral, aumento local da sudorese (hiperidrose) e variação da coloração da extremidade acometida (pálida, hiperemiada ou arroxeada). As articulações tornam-se rígidas e a osteoporose se desenvolve. Asíndrome complexa de dor regional pode ser classificada em dois tipos: SCDR-1, quando não há lesão demonstrável de nervo periférico, eSCDR-11, quando há lesão nervosa. Tal síndrome recebeu, outrora, várias designações, incluindo distrofia simpática reflexa (hoje denominada SCDR-1), causalgia (atualmente designada SCDR-11) e atrofia de Sudeck. Osubstrato fisiopatológico subjacente parece ser a hiperatividade do sistema nervoso autônomo simpático. conjugal e familiar e atividades sexuais, sociais e recreativas fornece pistas indiretas, porém, de certa maneira, objetivas, de sua intensidade. .,. Duração. Inicialmente, determina-se com a máxima precisão possível a data de início da dor. Quando ela é contínua, calcu-

A

Sem dor

Dor moderada

Dor leve

Dor intensa

Pior dor possível

Dor muito intensa

Escala analógica visual de O a 10 de intensidade da dor

I

B

o

1

3

2

4

Dor leve

Sem dor

6

5

7

Dor intensa

Dor moderada

9

8

10

Pior dor possível

Dor muito intensa

Escala facial de expressão de sofrimento

c

,-.....

,-.....

~

-v-

-v-

,-..... -v-

,-.....

,-.....

-v-

"'-../

'-..r'

'-..r'

~

..._

-

Sem dor

\.....

-v-

-v-

Dor leve

J

-v-

I\ \..... -v-

'-..r'

"'-../

--

~

,~,

Dor moderada

Dor intensa

Figura 7.7 Escalas de dor. Escala descritiva simples de intensidade da dor (A), escala numérica de Oa 1Ode intensidade da dor (8), escala facial de intensidade da dor (C).

78 la-se sua duração de acordo com o tempo transcorrido entre seu início e o momento da anamnese. Se é cíclica, interessa registrar a data e a duração de cada episódio doloroso. Se é intermitente e ocorre várias vezes ao dia, é suficiente que sejam registrados a data de seu início, a duração média dos episódios dolorosos, o número médio de crises por dia e de dias por mês em que se sente dor. Dependendo de sua duração, a dor pode ser classificada como aguda ou crônica. Aguda é aquela que dura menos de 1 mês (ou 3 meses, conforme outros autores), e desaparece dias ou semanas após a cura de uma doença ou lesão. Dor crônica é a que persiste por 1 mês além do necessário para a cura da doença ou lesão causal, durando, habitualmente, mais de 3 meses (1 mês ou 6 meses, segundo outros autores). A duração da dor também está relacionada com outros aspectos conceituais importantes. Por exemplo, para que uma cefaleia possa ser considerada enxaqueca, entre outros quesitos, ela deve durar mais de 4 h e menos de 72 h. .,.. Evolução. Trata-se de uma característica semiológica de extrema relevância, que nos revela a maneira como a dor evoluiu, desde o seu início até o momento da anamnese. Sua investigação é iniciada por seu modo de instalação: se súbito ou insidioso. Se é súbita, em cólica, e está localizada no hipocôndrio direito, por exemplo, sugere colelitíase, ao passo que uma dor de início insidioso, surda, na mesma área, traduz. mais provavelmente, colecistite ou hepatopatia. Em ambos os casos pode haver irradiação da dor para a área escapular e/ou ombro direito. É também relevante definir a concomitância da atuação do fator causal e o início da sensação dolorosa. A dor neuropática pode iniciar-se semanas, meses ou mesmo anos após a atuação do fator causal em mais da metade dos casos. Já o início da dor nociceptiva é sempre simultâneo ao da atuação do fator causal. Durante sua evolução, pode haver as mais variadas modificações na dor. Devido ao uso abusivo e inadequado de analgésicos, pacientes com enxaqueca ou cefaleia tensional crônica podem evoluir para uma forma diferente de cefaleia, designada cefaleia crônica diária, de tratamento muito mais difícil. Indivíduos com síndrome complexa de dor regional tipo li (causalgia) provocada por lesão traumática do nervo mediano direito, por exemplo, que inicialmente apresentam dor restrita ao território desaferentado, podem, ao longo dos meses e anos, sentir também dor no tronco e em outras extremidades. O não reconhecimento da forma inicial de apresentação da dor (caso o paciente só seja visto tardiamente) torna o diagnóstico extremamente difícil. Em pacientes com dor neuropática, os seus componentes (dor constante, intermitente e evocada) frequentemente surgem em diferentes épocas. Assim, um indivíduo que tinha apenas dor constante, em queimação, bem controlada farmacologicamente, pode voltar a apresentá-la, não pela perda do controle da dor constante (embora isso também possa ocorrer), mas pelo aparecimento de dor intermitente ou evocada. A dor nociceptiva também pode mudar suas características, como no caso do paciente portador de úlcera péptica, com dor crônica epigástrica em queimação, que, subitamente, passa a apresentar dor aguda, intensa, na região epigástrica, a qual, horas após, espalha-se por todo o abdome, caracterizando o quadro típico de uma úlcera perfurada, enquanto a difusão da dor pelo abdome é indicativa da peritonite química decorrente do extravasamento do suco digestivo e consequente irritação peritoneal. Outro exemplo interessante é o de paciente do sexo feminino, com história prévia de doença biliar e dor crônica surda no hipocôndrio direito, que passa,

Parte 1 I Semiologia Geral subitamente, a apresentar dor intensa. em barra, no andar superior do abdome, associada a vômitos repetitivos, ou de paciente do sexo masculino, com história de etilismo crônico, que passa a apresentar dor súbita como a anteriormente descrita; em ambos os casos, o diagnóstico mais provável é o de pancreatite aguda (doença biliar e etilismo são as causas mais frequentes de pancreatite aguda nos sexos feminino e masculino, respectivamente). A intensidade da dor também pode variar de acordo com a evolução. Sua redução progressiva, sem qualquer alteração na terapêutica, pode sugerir que o quadro doloroso está entrando em remissão, como acontece frequentemente com a dor aguda e em certos casos de dor crônica. Intensidade inalterada ou progressiva acentuação ao longo dos meses, a despeito de terapêutica adequada, por outro lado, podem sugerir que ela se instalou de forma definitiva. A dor crônica, em sua evolução, pode também mostrar surtos em relação às ocorrências em um mesmo dia (ritmicidade) e surtos periódicos ao longo dos meses e anos (periodicidade). Na úlcera péptica duodenal, por exemplo, a dor pode adquirir um ritmo próprio ao longo do dia: dói - come - passa (a ingestão de alimento «tampona" o ácido clorídrico). A cefaleia em salvas, por outro lado, apresenta uma periodicidade peculiar: crises com duração de 15 a 180 min, variando de 1 crise a cada 2 dias até 8 crises por dia. por períodos de 6 a 12 semanas, após o que entra em remissão por cerca de 12 meses. Além de todas essas alterações evolutivas, a dor pode mudar seu padrão em função do tratamento instituído, como no caso do paciente com dor nociceptiva em um membro inferior, ocasionada pela invasão óssea por câncer, que é submetido a cordotomia anterolateral (secção do trato neoespinotalâmico na medula espinal) para aliviá-la. Embora a dor inicial possa ser totalmente eliminada, meses após pode surgir um novo tipo, dor neuropática, decorrente da desaferentação provocada pela cirurgia. Como se pode notar, a mudança das características clínicas pode indicar apenas uma alteração evolutiva (p. ex., ampliação da área da dor na causalgia), complicação da mesma enfermidade (p. ex., perfuração da úlcera) ou uma afecção distinta (p. ex., pancreatite aguda na paciente com doença biliar prévia). Assim, devemos nos interessar não somente pelas características da dor na fase inicial ou no momento atual, mas por todas as alterações ocorridas no transcurso de sua evolução. Tais dados fornecem valiosas pistas para o esclarecimento diagnóstico . .,.. Relação com funções orgânicas. Essa relação é avaliada de acordo com a localização da dor e os órgãos e estruturas situados na mesma área. Assim, se a dor for cervical, dorsal ou lombar, pesquisa-se sua relação com os movimentos da coluna (flexão, extensão, rotação e inclinação); se for torácica, com a respiração, movimentos do tórax, tosse, espirro e esforços físicos; se tiver localização retroestemal, com a deglutição, posição e esforço físico; se for periumbilical ou epigástrica, com a ingestão de alimentos; se no hipocôndrio direito, com a ingestão de alimentos gordurosos; se no baixo ventre, com a micção, evacuação e menstruação; se articular ou muscular, com a movimentação daquela articulação ou músculo; se nos membros inferiores, com a deambulação, e assim por diante. Como regra geral, pode-se dizer que a dor é acentuada pela solicitação funcional da estrutura em que se origina. Assim, na insuficiência arterial mesentérica (dor surda periumbilical) esta é intensificada pela alimentação por provocar aumento do peristaltismo intestinal. Na colecistite (dor surda no hipocôn-

7

I Dor

drio direito), ela é exacerbada por substâncias que estimulam a liberação de colecistoquinina (a vesícula contrai e o esfíncter de Oddi relaxa, fazendo com que a bile, tão importante para a digestão dos lipídios, seja lançada no tubo digestivo) pela mucosa intestinal (alimentos gordurosos). A dor em uma articulação ou músculo é acentuada pela movimentação daquela articulação ou a contração do músculo. A retroesternal que é acentuada pela deglutição, pelo decúbito dorsal horizontal ou pela flexão do tronco (essas duas posturas favorecem o refluxo de suco gástrico para o esôfago em indivíduos com esfíncter cárdico hipoativo, como na hérnia hiatal), é sugestiva de esofagite de refluxo, ao passo que a retroesternal acentuada pelo esforço físico é mais indicativa de insuficiência coronária (o exercício determina um aumento do trabalho do miocárdio e quando seu suprimento arterial está comprometido, ocorre isquemia, fazendo com que haja a sensação dolorosa). Uma exceção a essa regra é o alívio da dor da úlcera péptica duodenal pela ingestão de alimentos; isso ocorre porque ela se deve à hipercloridria e não à atividade duodenal propriamente. ... Fatores desencadeantes ou agravantes. São os fatores que desencadeiam a dor, em sua ausência, ou que a agravam, se estiverem presentes. As funções orgânicas estão entre eles, porém uma série de outros fatores pode ser determinada. Devem ser procurados ativamente, pois, além de nos ajudarem a esclarecer a enfermidade subjacente, seu afastamento constitui parte importante da terapêutica a ser instituída. São exemplos: os alimentos ácidos e picantes, bebidas alcoólicas e anti-inflamatórios hormonais ou não hormonais, na esofagite, gastrite e úlcera péptica; alimentos gordurosos, na doença biliar; chocolate, queijos, bebida alcoólica (sobretudo o vinho), barulho, luminosidade excessiva, esforço físico e menstruação, em um significativo número de enxaquecosos; decúbito dorsal prolongado, tosse e espirro (todos esses fatores determinam elevação da pressão intracraniana), na cefaleia por hipertensão intracraniana (tumor cerebral, hematoma intracraniano); flexão da nuca (estira a meninge inflamada), na meningite e hemorragia subaracnóidea; qualquer movimento que estire a raiz nervosa (elevação do membro inferior estendido, flexão do tronco) ou que aumente a pressão intrarraquidiana (tosse, espirro), na hérnia discai lombossacra; lavar o rosto, escovar os dentes, conversar, mastigar ou deglutir (essas atividades estimulam as terminações nervosas trigeminais), no paciente com neuralgia do trigêmeo; qualquer fator que determine aumento da pressão intra-abdominal, nas doenças de vísceras abdominais; deambulação, na estenose do canal lombar e na insuficiência arterial dos membros inferiores; esforço físico, na coronariopatia, dores musculares, articulares e da coluna; estresse, barulho, vibrações, mudanças climáticas, água fria e atividade física (nesse caso, a dor é acentuada durante algum tempo e não imediatamente após a atividade física), na dor neuropática; emoção e estresse, em qualquer tipo de sensação dolorosa. .,.. Fatores atenuantes. São aqueles que aliviam a dor, como algumas funções orgânicas, posturas ou atitudes que resguardam a estrutura ou órgão onde esta é originada (atitudes antálgicas), distração, ambientes apropriados, medicamentos (analgésicos opioides e não opioides, anti-inflamatórios hormonais e não hormonais, relaxantes musculares, antidepressivos, anticonvulsivantes, neurolépticos, anestésicos locais), fisioterapia, acupuntura, bloqueios anestésicos e procedimentos cirúrgicos. O paciente deve ser interrogado sobre quais desses fatores aliviaram sua dor. No caso dos medicamentos, os nomes, as doses e o período em que foram usados devem ser anotados.

79 A distração tende a diminuir qualquer dor. Locais escuros e sem barulho costumam aliviar a enxaqueca. Dormir também costuma produzir esse efeito. A ingestão de alimentos é adequada para as dores provocadas pela diminuição do pH (esofagite, gastrite e úlcera péptica). O peristaltismo tende a intensificar a sensação dolorosa no aparelho digestivo; por isso, pode ser diminuída com o jejum ou o esvaziamento do estômago (vômito). O repouso melhora a dor muscular, articular e da insuficiência coronária. A distensão das vísceras abdominais maciças (distensão da cápsula hepática, esplênica e renal, da serosa pancreática e pelve renal) ou ocas é causa de dor, que é acentuada pelo aumento da pressão intra-abdominal. Assim, o paciente tende a assumir posturas que reduzam a pressão sobre o órgão lesado e que diminuam esta pressão: na colecistite, flete o tronco e sustenta o hipocôndrio direito com a mão; na nefropatia, o paciente fixa o tronco e inclina-se para o lado oposto àquele afetado; na dor pancreática, o indivíduo senta-se ou deita-se com as coxas e pernas fletidas, de modo a encostar os joelhos no peito. Os pacientes com causalgia (SCDR-II), dada a pronunciada alodínia, assumem uma postura de extremo zelo para com o segmento afetado: tornam-se praticamente reclusos, na tentativa de evitar qualquer estímulo sensorial, causa de dor excruciante; mantêm o membro comprometido imóvel, só com muita dificuldade permitindo o seu exame. Na lombociatalgia, para evitar o estiramento da raiz nervosa (causa de dor), o membro comprometido é mantido em atitude antálgica de semiflexão; ao deambular, essa atitude permanece e o tronco é inclinado para a frente, como se fosse uma saudação (marcha saudatória). A dor nociceptiva costuma ser responsiva aos anti-inflamatórios, analgésicos opioides e não opioides, acupuntura, fisioterapia, bloqueios anestésicos proximais à região dolorosa, à interrupção cirúrgica da via neoespinotalâmica (ou neotrigeminotalâmica, na dor facial) e a certos procedimentos ditos modulatórios, como a estimulação elétrica crônica de PVG-PAG (substância cinzenta periventricular e periaquedutal) e à administração intratecal (subaracnóidea) de opioides. Os componentes intermitente e evocado da dor neuropática respondem às mesmas estratégias adotadas para a dor nociceptiva. Além disso, a intermitente responde aos anticonvulsivantes e, aparentemente, aos anestésicos locais (mexiletina). O componente constante da dor neuropática, excetuando-se os bloqueios anestésicos proximais, costuma ser resistente às demais terapêuticas mencionadas, podendo, inclusive, ser agravado pela interrupção cirúrgica da via neoespinotalâmica ou neotrigeminotalâmica. É, por outro lado, responsivo aos antidepressivos (tricíclicos e inibidores da recaptação de serotonina e norepinefrina), neurolépticos (quando associados aos antidepressivos), anestésicos locais (em alguns casos, como na polineuropatia diabética), à destruição cirúrgica das vias reticulotalâmicas (tratotomia mesencefálica mediai e talamotomia mediai) e a uma série de procedimentos modulatórios, como a estimulação crônica da medula espinal, lemnisco mediai, tálamo (VPL e VPM), cápsula interna e córtex motor. .,.. Manifestações concomitantes. A dor aguda, nociceptiva, sobretudo quando intensa, costuma acompanhar-se de manifestações neurovegetativas, que se devem à estimulação do sistema nervoso autônomo pelos impulsos dolorosos, incluindo sudorese, palidez. taquicardia, hipertensão arterial, mal-estar, náuseas e vômitos. Tais características não têm qualquer valor para o diagnóstico etiológico da dor. Por outro lado, várias manifestações clínicas associadas à dor e relacionadas com a enfermidade de base são de grande valia para o diagnóstico,

80 Dor eenvelhecimento Com o envelhecimento, o limiar de dor aumenta e, consequentemente, estes pacientes podem apresentar problemas graves sem que ador seja um sinal de alarme. Um exemplo clássico é o grande número de infartos e doenças abdominais agudas que ocorrem sem esta sensação. Paradoxalmente, quando sentem dor, os idosos podem apresentar um nível de tolerância menor e uma reação mais acentuada. Muitas vezes as manifestações dolorosas são atípicas e mal localizadas (exemplo: infarto com dor abdominal ou no dorso émais frequente nessa faixa etária). Poderíamos supor que eles se queixam muito mais de dor do que os pacientes mais jovens, sendo, inclusive, rotulados de poliqueixosos e hipocondríacos, porque o envelhecimento está relacionado múltiplas afecções crônicas que se manifestam principalmente por sensações dolorosas, tais como insuficiência coronária, osteoartrose, osteoporose com fraturas, artrite reumatoide, hérnia hiatai eoutras. Cumpre assinalar que muitos deixam de relatar as dores que estão sentindo por considerá-las consequência inevitável do envelhecimento que, portanto, devem ser suportadas sem queixas. Por outro lado, portadores de demência podem não relatar suas dores devido adificuldades de expressão. Nesses casos, podem apresentar-se mais confusos e agitados. (Ver Capítulo 12, Semiologia do Idoso.) ainda mais quando outros dados como sexo, idade, doenças prévias e hábitos de vida são considerados. Assim, a cefaleia em salvas é mais frequente em homens e associada a lacrimejamento, rinorreia ou obstrução nasal, hiperemia conjuntiva!, sudorese na face e ptose palpebral parcial; a enxaqueca com aura (escotomas) e acompanhada por disacusia (intolerância ao barulho), foto fobia (intolerância à luminosidade excessiva), náuseas e vômitos é mais frequente em mulheres; a cefaleia da hipertensão intracraniana acentua-se com o decúbito e acompanha-se de vômitos em jato, náuseas e diplopia (visão dupla); a cólica nefrética associa-se a disúria, polaciúria e hematúria; a odinofagia acompanha-se de disfagia; dor torácica em adul-

Parte 1

I Semiologia Geral

to, do sexo masculino, tabagista, se associada a esforço, sugere insuficiência coronária e se acompanhada de tosse e hemoptise, câncer pulmonar. Por estes exemplos, é possível averiguar a importância da determinação das manifestações concomitantes, as quais devem ser bem definidas durante a anamnese.

...- Bibliografia Bonica JJ. Anatomic and physiologic basis of nociception and pain. In: Bonica JJ. (ed.). The management of pain. 2nd ed. Philadelphia: Lea & Febiger, 1990. p. 28-94. Bonica JJ, Yaksh T, Liebeskind JC, Pechnick RN, DePaulis A. Biochemistry and modulation of nociception and pain. In: Bonica, J.J. (ed.). The management of pain. 2nd ed. Philadelphia: Lea & Febiger, 1990. p. 95-121. Hirshberg RM, Al-Chaer ED, Lawand NB, Westlund KN, Willis WD. Is there a pathway in the posterior funiculus that signals visceral pain? Pain 1996; 67(2-3}: 291 -305. Porto CC. Exame clínico.'? ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2012. Porto CC, Porto AL. Vademecum de clínica médica. 3a ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2010. Tasker RR. Pain resulting from central nervous system pathology (central pain). In: Bonica JJ. (ed.). The management of pain. 2nd ed. Philadelphia: Lea & Febiger, 1990. p. 264-83. Vilela Filho O. Dor: anatomia funcional, classificação e fisiopatologia. Neurocirurgia Contemporânea Brasileira, 1996; 2(6}. Vilela Filho O. Dor: aspectos clinicos e estratégia cirúrgica. Neurocirurgia Contemporânea Brasileira, 1997; 2{7). Vilela Filho O. Síndrome pós-laminectomia. In: Sociedade Brasileira de Neurocirurgia (ed.). Temas de atualização em neurocirurgia. São Paulo: Frôntis Editorial, 1998. p. 51-68. Vilela Filho O. Thalamic ventrobasal stimulation for pain relief: probable mechanisms, pathways and neurotransmitters. Arq. Neuropsiquiatr., 1994; 52(4):578-84. Vilela Filho O, Corrêa CF. Neuroestimulação e dor: estimulação elétrica do sistema nervoso para o manejo da dor crônica intratável. Biotecnologia, 1998; {6):56-66. Willis WD, Westlund KN. Anatomy and physiology of pain. In: Gildenberg PL, Tasker RR. (eds.). Textbook of stereotactic and functional neurosurgery. NewYork: McGraw-Hill, 1998. p. 1289-310.

8

Técnicas Básicas do Exame Físico Fábio Maria Oliveira Pinho eCelmo Celeno Porto

As mãos devem ser lavadas antes e após o exame físico.

O uso de luvas deve ser estimulado na maioria dos pacientes, e obrigatório quando o paciente apresentar lesões cutâneas, assim como ao exame na cavidade bucal.

..,. Introdução Ao exame físico, a maioria dos pacientes sente-se ansiosa por se sentir exposta, apreensiva por receio de sentir dor e amedrontada em relação ao que o médico possa encontrar. Os estudantes, por sua vez, sentem-se inseguros e apreensivos no início do aprendizado clínico, uma vez que têm receio de provocar desconforto no paciente. Para superar esses aspectos, o estudante deve se preparar técnica e psicologicamente. Uma boa semiotécnica exige o estudo prévio de como aplicar corretamente a inspeção, a palpação, a percussão e a ausculta. Do ponto de vista psicológico, nada melhor do que estar imbuído do papel de médico, cujo principal objetivo é ajudar o paciente. Mesmo sabendo da condição de estudante, o paciente pode sentir-se bem quando percebe que está sendo examinado com seriedade e atenção. Ser gentil e ter delicadeza constituem componentes fundamentais do exame físico, principalmente dos pacientes que sofrem dor ou apresentam sintomas desagradáveis. O estudante deve permanecer calmo, organizado e competente. Durante o exame físico - menos ao fazer a ausculta -, pode-se continuar a fazer indagações ao paciente, de preferência relacionadas com os dados obtidos naquele momento, perguntando, por exemplo, se a palpação está provocando ou piorando a dor. Outras vezes, é neste momento que novas perguntas podem ser necessárias para completar informações obtidas durante a anamnese. Mantenha o paciente informado do que pretende fazer. Quando é necessária a participação ativa dele- por exemplo, aumentar a profundidade da respiração ao palpar o fígado -, faça a solicitação em linguagem acessível ao paciente. É natural que o exame físico do estudante seja sempre mais demorado que o de um médico experiente. Para obter os dados do exame físico, é preciso utilizar os sentidos- visão, olfato, tato e audição. As habilidades necessárias ao exame físico são: • • • •

Inspeção Palpação Percussão Ausculta.

Para executá-las, é fundamental treinar a repetição e a prática supervisionada em manequins, em pessoas saudáveis (atores e próprios colegas) e em pacientes. As precauções para realização do exame físico são apresentadas na Figura 8.1.

O uso de jaleco é indispensãvel. Deve-se ressaltar a importância do uso de calçados fechados, com solado antiderrapante e de fãcil limpeza, para completar as estratégias de proteção individual.

O uso de equipamentos de proteção individual (EPI), como luvas, máscara, gorro, propés, avental com mangas longas e óculos de proteção, deve ocorrer quando houver possibilidade de contato com líquidos corporais (sangue e secreções).

Todos os profissionais da ãrea da saúde que têm contato direto com pacientes devem se vacinar para prevenir hepatite B, tétano e influenza A (H1N1 ).

Biossegurança Figura 8.1 Precauções ao realizar o exame físico.

82

Parte 1

.,.. Inspeção É a exploração feita a partir do sentido da visão. Investigam-se a superfície corporal e as partes mais acessíveis das cavidades em contato com o exterior. A inspeção começa no momento em que se entra em contato com o paciente realizando-se uma "inspeção gerar'. A "inspeção direcionadâ' pode ser panorâmica ou localizada - pode ser efetuada a olho nu ou com auxílio de uma lupa (Figura 8.2). Raramente se emprega a inspeção panorâmica com visão do corpo inteiro; entretanto, para o reconhecimento das dismorfias ou dos distúrbios do desenvolvimento físico, é conveniente abranger, em uma visão de conjunto, todo o corpo. Mais empregada é a inspeção de segmentos corporais, e, a partir daí, deve-se fixar a atenção em áreas restritas. As lesões cutâneas tornam-se mais evidentes quando ampliadas por uma lupa que tenha capacidade de duplicar ou quadruplicar seu tamanho.





• Semiotécnica A inspeção direcionada exige boa iluminação, exposição adequada da região a ser inspecionada e uso ocasional de determinados instrumentos (lupa, lanterna, otoscópio, oftalmoscópio e outros) para melhorar o campo de visão e ter em mente as características normais da área a ser examinada, como apresentado a seguir: • A iluminação mais adequada é a luz natural incidindo obliquamente. Todavia, cada vez mais dependemos de iluminação artificial. Para uma boa inspeção, a luz deve ser branca e de intensidade suficiente. Ambientes de penumbra não são adequados para que se vejam alterações leves da coloração da pele e das mucosas; por exemplo, cianose e icterícia de grau moderado só são reconhecidas quando se dispõe de boa iluminação. Para a inspeção das cavidades, usa-se um foco luminoso, que pode ser uma lanterna comum • A inspeção deve ser realizada por partes, desnudando-se somente a região a ser examinada, sempre respeitando o pudor do paciente. Assim, quando se vai examinar o tórax, o abdome permanece recoberto, e vice-versa. O desnudamento das partes genitais causa sempre constrangimento do paciente. Na verdade, a única recomendação a ser feita é que o examinador proceda de tal modo que seus menores gestos traduzam respeito pela pessoa que tem diante de si.





I Semiologia Geral

Se, em determinadas ocasiões, encontrar obstinada recusa por parte do paciente, o estudante deve interromper seu exame e solicitar ao professor o auxílio necessário. O estudante inicia seu aprendizado, seja na comunidade ou em hospitais universitários, em contato com os pacientes atendidos pelo Sistema Único de Saúde (SUS), em sua maioria de baixo poder econômico e pouca escolaridade. Essa particularidade deve realçar na mente do aluno a necessidade de respeito e recato, pois essas pessoas humildes e indefesas costumam sofrer caladas e resignadas por medo de levantar a voz para um protesto ou uma negativa O conhecimento das características da superfície corporal, assim como da anatomia topográfica, permitirá ao estudante reconhecer eventuais anormalidades durante a inspeção. Por esse motivo, e com a finalidade de educar a visão, será dada ênfase ao estudo das lesões elementares da pele (ver Capítulos 14, 15, 16 e 17) Há duas maneiras fundamentais de se fazer a inspeção: o olhar frente a frente a região a ser examinada: a isso se designa inspeção frontal, que é o modo-padrão desse procedimento o observar a região tangencialmente: essa é a maneira correta para pesquisar movimentos mínimos na superfície corporal, tais como pulsações ou ondulações e pequenos abaulamentos ou depressões A posição do examinador e do paciente depende das condições clínicas do paciente e do segmento corporal a ser inspecionado. De modo geral, o paciente senta-se à beira do leito ou da mesa de exame, a menos que essa posição seja contraindicada ou impossibilitada. O examinador deve ficar de pé diante do paciente, movimentando-se de um lado para o outro, de acordo com a necessidade. No paciente acamado, a posição do paciente e a sequência do exame físico precisam ser adaptadas de acordo com as circunstâncias. Para examinar as costas e auscultar os pulmões, deve-se inclinar o paciente ora para um lado ora para outro A inspeção começa durante a anamnese, desde o primeiro momento em que se encontra com o paciente, e continua durante todo o exame clínico.

Para finalizar, vale a pena relembrar a máxima que diz: "Cometem-se mais erros por não olhar do que por não saber:'

.... Palpação A palpação frequentemente confirma pontos observados durante a inspeção. A palpação recolhe dados por meio do tato e da pressão. O tato fornece impressões sobre a parte mais superficial, e a pressão, sobre as mais profundas.

Pontos-chave

Figura 8.2 Inspeção com auxílio de uma lupa.

• Mantenha asala de exame com temperatura agradável • Mantenha a privacidade na hora do exame, evitando interrupções • Adquira o hábito de prestar atenção às expressões faciais do paciente, ou mesmo de perguntar se está tudo bem, enquanto prossegue no exame físico, pois fontes de dor epreocupações podem ser reveladas • Sempreutilize um avental ou lençol para cobrir o paciente • Durante o exame, mantenha o paciente informado de cada passo para deixá-lo tranquilo.

8

I Técnicas Básicas doExameFísico

Pela palpação percebem -se modificações de textura, temperatura, umidade, espessura, consistência, sensibilidade, volume, dureza, além da percepção de frêmito, elasticidade, reconhecimento de flutuação, crepitações, vibração, pulsação e verificação da existência de edema e vários outros fenômenos. Por conveniência didática, relacionamos juntamente com os vários tipos de palpação outros procedimentos - vitropressão, puntipressão e fricção com algodão - que fogem um pouco do que se entende por palpação no sentido estrito.

83 • Palpação com a mão espalmada, em que se usam apenas as polpas digitais e a parte ventral dos dedos (Figura 8.6) • Palpação com a borda da mão • Palpação usando-se o polegar e o indicador, em que se forma uma "pinça" (Figura 8.7) • Palpação com o dorso dos dedos ou das mãos. Esse procedimento é específico para avaliação da temperatura (Figura 8.8)

• Semiotécnica A técnica da palpação deve ser sistemática, com a abordagem tranquila e gentil. O paciente fica tenso ao ser tocado bruscamente, dificultando o exame. Explique cada etapa do exame ao paciente e a maneira como ele pode cooperar. Recomenda-se que o examinador aqueça as mãos, friccionando uma contra a outra antes de iniciar qualquer palpação. A posição do examinador e do paciente depende das condições clínicas do paciente e do segmento corporal a ser palpado. Geralmente, o paciente fica em decúbito dorsal, e o examinador de pé, à direita do paciente. Esse procedimento apresenta muitas variantes, que podem ser sistematizadas da seguinte maneira: • Palpação com a mão espalmada, em que se usa toda a palma de uma ou de ambas as mãos (Figuras 8.3 e 8.4) • Palpação com uma das mãos superpondo-se uma à outra (Figura 8.5)

Figura 8.5 Palpação com uma das mãos superpondo-se à outra.

Figura 8.6 Palpação com a mão espalmada, usando-se apenas as polpas

digitais e a parte ventral dos dedos. Figura 8.3 Palpação com a mão espalmada, usando-se toda a palma de

uma das mãos.

Figura 8.7 Palpação usando-se o polegar e o indicador, formando uma Figura 8.4 Palpação com a mão espalmada, usando-se ambas as mãos.

"pinça'~

84

Parte 1 I Semiologia Geral

Figura 8.8 Palpação com o dorso dos dedos.

• Digitopressão, realizada com a polpa do polegar ou do indicador. Consiste na compressão de uma área com diferentes objetivos: pesquisar a existência de dor, avaliar a circulação cutânea, detectar se há edema (Figura 8.9) • Puntipressão, que consiste em comprimir com um objeto pontiagudo um ponto do corpo. É usada para avaliar a sensibilidade dolorosa e para analisar telangiectasias tipo aranha vascular (Figura 8.10)

• Vitropressão, realizada com o auxílio de uma lâmina de vidro que é comprimida contra a pele, analisando-se a área através da própria lâmina. Sua principal aplicação é na distinção entre eritema de púrpura (no caso de eritema, a vitropressão provoca o apagamento da vermelhidão e, no de púrpura, permanece a mancha) (Figura 8.11) • Fricção com algodão, em que, com uma mecha de algodão, roça-se levemente um segmento cutâneo, procurando ver como o paciente o sente (Figura 8.12). É utilizada para avaliar sensibilidade cutânea • Pesquisa de flutuação, em que se aplica o dedo indicador da mão esquerda sobre um lado da tumefação, enquanto o da outra mão, colocado no lado oposto, exerce sucessivas compressões perpendicularmente à superfície cutânea. Havendo líquido, a pressão determina um leve rechaço do dedo da mão esquerda, ao que se denomina flutuação • Outro tipo de palpação bimanual combinada é a que se faz, por exemplo, no exame das glândulas salivares (Figura 8.13), quando o dedo indicador da mão direita é introduzido na boca, enquanto as polpas digitais dos outros dedos - exceto o polegar - da outra mão fazem a palpação externa na área de projeção da glândula; outro exemplo de palpação bimanual é o toque ginecológico combinado com a palpação da região suprapúbica.

'

Figura 8.9 Digitopressão realizada com a polpa do polegar ou do indicador.

Figura 8.11 Vitropressão realizada com uma lâmina de vidro.

Figura 8.1 O Puntipressão usando-se um estilete não perfurante e não cortante.

Figura 8.12 Fricção com algodão.

8

I Técnicas Básicas do Exame Físico

85

Figura 8.13 Exemplo de palpação bimanual (palpação das glândulas salivares). Figura 8.14 Percussão direta. A ponta dos dedos golpeia diretamente a região que se quer percutir.

Pontos-1...-f

Veia jugular anterior

Figura 9.21 Veias superficiais da cabeça e do pescoço.

112

Parte 1

I Semiologia Geral

Veia axilar Veia femoral

Veias torácicas Ramos anastomóticos com a veia epigástrica superior Ramos anastomóticos com as ve1as paraumbilicais

Veia femoropoplítea \ti--1-- Veia safena

magna Veia safena acessória

Ramos anastomóticos com a veia epigástrica inferior

Veia safena magna

--r-i

Veia safena -l:ít.:í parva

Veia safena magna

Figura 9.22 Veias superficiais do abdome e do tórax.

Rede venosa plantar

Rede venosa do dorso do pé

Figura 9.24 Veias superficiais dos membros inferiores.

Localização Plexo venoso subcutâneo do braço Plexo venoso subcutâneo do antebraço

Veia mediana basílica Veia cefálica Veia mediana acessória cefálica Veia mediana Veia basílica cefálica do antebraço Veia cefálica ~t"t1 do antebraço Plexo venoso subcutâneo do antebraço

Rede venosa do dorso da mão

Figura 9.23 Veias superficiais dos membros superiores.

Tórax, abdome, raiz dos membros superiores, segmento cefálico, estas as regiões em que se pode encontrar circulação colateral e que serão analisadas com mais detalhes quando se descreverem os principais tipos.

Direção do fluxo sanguíneo É determinada com a seguinte técnica: comprime-se com

as polpas digitais dos dois indicadores, colocados rentes um ao outro, um segmento da veia a ser analisada; em seguida, os dedos vão se afastando lentamente, mantida constante a pressão, de modo a deslocar a coluna sanguínea daquele segmento venoso (Figura 9.25). Quando os indicadores estão separados cerca de 5 a 10 em, são imobilizados e se assegura se realmente aquele trecho da veia está exangue. Se está, executa-se a outra parte da manobra, que consiste em retirar um dos dedos, permanecendo comprimida apenas uma extremidade. Feito isso, procura-se observar o reenchimento daquele segmento venoso. Se ocorre o enchimento imediato da veia, significa que o sangue está fluindo no sentido do dedo que permanece fazendo a compressão. Permanecendo colapsado o segmento venoso, repete-se a manobra, agora descomprimindo-se a outra extremidade e verificando se houve enchimento do vaso. A manobra deve ser repetida 2 ou 3 vezes para não haver dúvida, e, ao terminá-la, o examinador terá condições de saber em que sentido corre o sangue. Este fenômeno se registra usando-se as seguintes expressões: • Fluxo venoso abdome-tórax • Fluxo venoso ombro-tórax • Fluxo venoso pelve-abdome.

9

I Exame Físico Geral

113 2Qtempo

I

..

.. E

a

D

E

3Qtempo

D

..

b .r\.

I E

D

Figura 9.25 Manobra para determinar o sentindo do fluxo sanguíneo. No 12 tempo aplicam-se sobre um segmento de veia as polpas digitais dos indicadores justapostos. No 22 tempo, os dedos se afastam um do outro enquanto comprimem o vaso, que vai se tornando exangue. O 3!! tempo consiste na retirada da compressão: em a retirou-se a mão direita, e o vaso permaneceu vazio; em b foi retirada a mão esquerda e aí, então, ocorreu o reenchimento da veia. Pode-se concluir que o sangue está fluindo da esquerda para a direita.

Existência de frêmito e/ou sopro A existência de frêmito, perceptível pelo tato, ou sopro, perceptível pela ausculta, necessita ser pesquisada. A única condição em que se costuma perceber frêmito e/ou sopro é quando há recanalização da veia umbilical (síndrome de Cruveillier-Baumgarten). Conhecidas a localização e a direção do fluxo, podem ser caracterizados quatro tipos fundamentais de circulação colateral: • Tipo braquicefálica: caracteriza-se pelo aparecimento de veias superficiais ingurgitadas em ambos os lados da parte superior da face anterior do tórax, com o sangue fluindo de fora para dentro, na direção das veias mamárias, toracoaxilares e jugulares anteriores. Esse tipo de circulação colateral pode apresentar variações, na dependência do tronco venoso comprometido. Assim, se o obstáculo estiver no tronco braquicefálico direito em decorrência de adenomegalia ou aneurisma do joelho anterior da crossa da aorta, haverá estase na veia jugular externa direita, que permanece não pulsátil. Se o obstáculo estiver no tronco braquicefálico esquerdo em consequência de adenomegalia ou aneurisma da convexidade da crossa da aorta, surgirão os seguintes sinais: jugular esquerda túrgida e não pulsátil e empastamento da fossa supraclavicular esquerda • Tipo cava superior: a rede venosa colateral vai se distribuir na metade superior da face anterior do tórax; às vezes, também na parte posterior, nos braços e no pescoço. A direção do fluxo sanguíneo é toracoabdominal, indicando que o sangue procura alcançar a veia cava inferior através das veias xifoidianas e torácicas laterais superficiais (Figuras 9.26 a 9.28). Além da rede de veias, costumam surgir os seguintes sinais: estase jugular bilateral não pulsátil, cianose e edema localizado na porção superior do

Figura 9.26 Circulação colateral tipo cava superior.

tronco, pescoço e face. Esse tipo de circulação colateral se instala quando há um obstáculo na veia cava superior, seja compressão extrínseca por neoplasias ou outras alterações mediastinais, principalmente do mediastino superior • Tipo porta: o obstáculo pode estar situado nas veias supra-hepáticas (síndrome de Budd-Chiari), no fígado (cirrose hepática) ou na veia porta (pileflebite) (Figura 9.29). A rede venosa vicariante localiza-se na face anterior do tronco, principalmente nas regiões periumbilical, epigástrica e face anterior do tórax. A direção do fluxo sanguíneo será de baixo para cima, do abdome para o tórax, à procura da veia cava superior através das veias xifoidianas e torácicas laterais. Quando a circulação colateral se torna mais intensa, podem-se ver vasos nos flancos e fossas iliacas. Neste caso, a direção da corrente sanguínea é de cima para baixo, do abdome para os membros inferiores, à procura da veia cava inferior. Outras vezes, a rede venosa colateral se concentra

Figura 9.27 Circulação colateral tipo cava superior.

114

Parte 1 I Semiologia Geral

\

\

(

I

I .

I

(

I

I

I

I

Figura 9.28 Circulação colateral tipo cava superior.

Figura 9.30 Circulação colateral tipo cava inferior.

na região umbilical, de onde se irradia como os raios de uma roda, ou, melhor comparando, como as pernas de aranha que se destacam de um corpo central - o umbigo -, recebendo o nome de circulação colateral tipo "cabeça de medusa" • Tipo cava inferior: o obstáculo situa-se na veia cava inferior, e a circulação colateral vai se localizar na parte inferior do abdome, região umbilical, flancos e face anterior do tórax. O sangue fluirá no sentido abdome-tórax à procura da veia cava superior (Figura 9.30). A causa mais frequente desse tipo de circulação colateral é compressão extrínseca por neoplasias intra-abdominais.

interessa-nos apenas o edema cutâneo, ou seja, a infiltração de líquido no espaço intersticial dos tecidos que constituem a pele e a tela celular subcutânea. As coleções líquidas nas cavidades serosas devem ser referidas por serem fenômenos fisiopatologicamente afins ao edema e é comum que sejam vistas associadas no mesmo paciente; contudo, os derrames cavitários (hidrotórax, ascite, hidropericárdio e hidrartrose) serão estudados na semiologia dos diferentes aparelhos. A investigação semiológica do edema tem início na anamnese, quando se indaga sobre tempo de duração, localização e evolução. No exame físico completa-se a análise, investigando-se os seguintes parâmetros:

• Edema É o excesso de líquido acumulado no espaço intersticial

ou no interior das próprias células. Pode ocorrer em qualquer sítio do organismo, mas, do ponto de vista semiológico,

v

• • • • • • •

Localização e distribuição Intensidade Consistência Elasticidade Temperatura da pele circunjacente Sensibilidade da pele circunjacente Outras alterações da pele adjacente.

Localização e distribuição

\

(

\ I

I

t

Figura 9.29 Circulação colateral tipo porta.

A primeira grande distinção a ser feita é se o edema é localizado ou generalizado (Figuras 9.31 a 9.34). O edema localizado restringe-se a um segmento do corpo, seja a um dos membros inferiores, seja a um dos membros superiores, seja a qualquer área corporal. Excluída essa possibilidade, consideramos o edema como generalizado mesmo que aparentemente se restrinja a uma parte do organismo. É nos membros inferiores que mais frequentemente se constata a existência de edema; todavia, duas outras regiões devem ser sistematicamente investigadas: face (especialmente regiões subpalpebrais) e região pré-sacra, esta particularmente nos pacientes acamados, recém-natos e lactentes.

Intensidade Para determinar a intensidade do edema, emprega-se a seguinte técnica: com a polpa digital do polegar ou do indica-

9

I Exame Físico Geral

115

Figura 9.31 Edema generalizado ou anasarca (síndrome nefrótica).

dor, faz-se uma compressão, firme e sustentada, de encontro a uma estrutura rígida subjacente à área em exame, seja a tíbia, o sacro ou os ossos da face. Havendo edema, ao ser retirado o dedo vê-se uma depressão, no local comprimido, que costuma ser chamada de fóvea Estabelece-se a intensidade do edema referindo-se à profundidade da fóvea graduada em cruzes(+, + +, + + + e + + + +). Com a experiência, vai sendo adquirida a capacidade de estabelecer o grau do edema, também escalonado em cruzes. Duas outras maneiras podem ser usadas para avaliar a magnitude da retenção hídrica: • Pesando-se o paciente diariamente 1 vez/dia, pela manhã ou à noite. Variações muito acentuadas do peso traduzem retenção ou eliminação de água. Todo paciente que apresenta edema deve ser pesado diariamente

Figura 9.33 Edema localizado em uma das regiões orbitárias (caso agudo de doença de Chagas com sinal de Romaria).

• Medindo-se o perímetro da região edemaciada, como se pode fazer no caso dos edemas de membros inferiores, e comparando-se um lado com o outro em dias sucessivos.

Consistência A mesma manobra adotada para avaliar a intensidade serve também para investigar a consistência do edema, a qual pode ser definida como o grau de resistência encontrado ao se comprimir a região edemaciada. Classifica-se em dois tipos: • Edema mole: é facilmente depressível. Observado em diferentes condições, significa apenas que a retenção hídrica é de duração não muito longa, e o tecido celular subcutâneo está infiltrado de água • Edema duro: nesse tipo de edema, depara-se com maior resistência para obter a formação da fóvea. Traduz a existência de proliferação fibroblástica que ocorre nos edemas de longa duração ou que se acompanharam de repetidos surtos inflamatórios. Elefantrase ~uma síndrome caracterizada por hiperplasiacutânea regional em decorrência

de obstrução da circulação linfática, com represamento de linfa (linfedema) e proliferação tibroblástica intensa. Acomete comumente os membros inferiores. As principais causas são tilariose e erisipela.

Elasticidade

Figura 9.32 Edema facial muito acentuado nas regiões periorbitárias.

Ao se avaliar a intensidade e a consistência, verifica-se, também, a elasticidade. Esta é indicada não só pela sensação percebida pelo dedo que comprime, mas principalmente observando-se a volta da pele à posição primitiva quando se termina a compressão.

116

Parte 1

I Semiologia Geral

de perturbação venosa localizada, mas pode ser parte de uma cianose central ou mista. Vermelhidão indica processo inflamatório. Deve-se observar, ainda, a textura e a espessura da pele: pele lisa e brilhante acompanha o edema recente e intenso; pele espessa é vista nos pacientes com edema de longa duração; pele enrugada aparece quando o edema está sendo eliminado.

Fisiopatologia e causas de edema O raciocínio parte do conhecimento das estruturas que tomam parte nas trocas de água e eletrólitos, esquematizadas na Figura 9.35. Interessa também relembrar as forças que atuam ao nível dos capilares regulando a passagem de água e de eletrólitos de um compartimento para outro e que são as seguintes: • • • • •

Figura 9.34 Edema dos membros inferiores. Em uma das pernas podem ser vistas as depressões provocadas por digitopressão.

Dois tipos são encontrados: • Edema elástico: a pele retoma imediatamente à sua situação normal, ou seja, a fóvea perdura pouquíssimo tempo. O edema elástico é típico dos edemas inflamatórios • Edema inelástico: é aquele cuja pele comprimida demora a voltar à posição primitiva, ou seja, a depressão persiste por certo tempo.

Pressão hidrostática Pressão oncótica das proteínas Permeabilidade da parede capilar Osmolaridade intra e extravascular Fluxo linfático.

Essas forças agem por si mesmas ou em obediência a mecanismos humorais, tais como a aldosterona ou substâncias tipo histamina. Paralelamente a elas, participam da formação de edema generalizado os mecanismos reguladores da reabsorção de sódio e água ao nível dos rins, os quais, por sua vez, também estão sujeitos à ação de hormônios, seja a aldosterona, seja o hormônio antidiurético. Outra etapa do raciocínio que leva à compreensão do edema é quando se procura relacionar a causa com o mecanismo de sua formação. As principais causas de edema são: • • • •

Síndrome nefrítica Síndrome nefrótica Pielonefrite Insuficiência cardíaca

Temperatura da pele circunjacente Usa-se o dorso dos dedos ou as costas das mãos, comparando-se com a pele da vizinhança e da região homóloga. Há três possibilidades: • Pele de temperatura normal: frequentemente a temperatura na região edemaciada não se altera, o que é desprovido de qualquer significado especial • Pele quente: significa edema inflamatório • Pele fria: traduz comprometimento da irrigação sanguínea daquela área.

Sensibilidade da pele circunjacente Para apreciação da sensibilidade, aproveita-se uma vez mais a manobra inicialmente descrita: digitopressão da área que está sendo investigada. Doloroso é o edema cuja pressão desperta dor, e indolor, quando tal não ocorre. Edema doloroso é o inflamatório.

Outras alterações da pele adjacente A primeira a ser investigada consiste na mudança de coloração. Pode-se notar palidez. cianose ou vermelhidão. A palidez atinge maior intensidade nos edemas que se acompanham de transtorno da irrigação sanguínea. A cianose é indicativa

Aumento da pressão hidrostática

Diminuição da pressão osmótica das proteínas

Obstrução dos vasos linfáticos

Edema

Aumento da permeabilidade capilar

Retenção de sódio

Figura 9.35 Principais fatores que participam da fisiopatologia do edema. De conformidade com a causa, predomina um ou outro desses fatores, mas, quase sempre, eles se associam.

9

I Exame Físico Geral

• • • • • • • • •

Cirrose hepática Hepatite crônica Desnutrição proteica Fenômenos angioneuróticos (edema alérgico) Gravidez Toxemia gravídica Obesidade Hipotireoidismo Medicamentos (corticosteroides, anti-inflamatórios, antagonistas do cálcio).

Qualquer que seja a causa do edema, há sempre participação de dois ou mais mecanismos com predomínio de um ou outro. No entanto, a retenção de sódio e água constitui fator importante em todo edema generalizado. Engloba-se sob a designação de edema renal o que se observa na síndrome nefrítica, na síndrome nefrótica e na pielonefrite. Embora se diferencie nos seus mecanismos fisiopatológicos, o edema renal, seja qual for a causa, apresenta características semiológicas comuns. É um edema generalizado, predominantemente facial, acumulando-se de modo particular nas regiões subpalpebrais. Tal fato torna-se mais evidente no período matutino, e os pacientes costumam dizer que "amanhecem com os olhos empapuçados': Na síndrome nefrótica, o edema é intenso ( + + + a + + + +) e se acompanha frequentemente de derrames cavitários. Já na síndrome nefrítica e na pielonefrite, é discreto ou moderado (+ a ++).Além disso, o edema renal é mole, inelástico, indolor, e a pele adjacente mantém temperatura normal ou discretamente reduzida. Na formação do edema da síndrome nefrítica, além da retenção de sódio e água por desequilíbrio glomerulotubular, o outro fator que se destaca é o aumento da permeabilidade capilar. De outra parte, os grandes edemas da síndrome nefrótica encontram no hiperaldosteronismo secundário e na hipoproteinemia sua principal explicação fisiopatológica. O edema constitui um dos sinais cardeais da insuficiência cardíaca congestiva e se caracteriza por ser generalizado, predominando nos membros inferiores. Diz-se que é vespertino por ser mais observado no período da tarde após o paciente manter-se de pé por várias horas. Tanto é assim, que nos pacientes acamados a retenção hídrica se acumula na região pré-sacra. O edema cardíaco varia de intensidade (+ a + + + +), é mole, inelástico, indolor, e a pele adjacente pode apresentar-se lisa e brilhante. Decorre, sobretudo, do aumento da pressão hidrostática associado à retenção de sódio e água. É provável que haja, também, aumento da permeabilidade capilar em consequência da ação do fator natriurético atrial. Em uma primeira fase esse distúrbio hidrossalino se deve à estase renal e à diminuição do débito cardíaco. Posteriormente passa a ter importância um aumento secundário da produção de aldosterona. O aumento da pressão hidrostática, por sua vez, reflete o aumento da pressão venosa, que é o denominador comum de todos os sinais de insuficiência ventricular direita. Na cirrose hepática, o edema é generalizado, mas quase sempre discreto (+ a + +). Predomina nos membros inferiores, e é habitual a ocorrência de ascite concomitante. É mole, inelástico e indolor. Além da hipoproteinemia consequente ao transtorno no metabolismo proteico, admite-se que participe de modo relevante da sua formação um hiperaldosteronismo secundário, responsável pela retenção de sódio e água, e a hipoalbuminemia.

117 O edema da desnutrição proteica, também chamado edema carencial ou discrásico, é generalizado, predominando nos membros inferiores. É mole, inelástico, indolor e não costuma ser de grande intensidade ( + a + +). Considera-se fator primordial na sua produção a diminuição da pressão osmótica das proteínas plasmáticas, uma decorrência da ingestão reduzida dessas substâncias. Por isso, é designado também edema da fome crônica. O edema alérgico acompanha os fenômenos angioneuróticos, e o fator principal na sua formação é o aumento da permeabilidade capilar. Da reação antígeno-anticorpo surgem diferentes substâncias, entre as quais a histamina e as cininas que, agindo ao nível do capilar, alteram sua permeabilidade. Tal alteração permite a passagem de água para o interstício entre as células. Esse tipo de edema pode ser generalizado, mas costuma restringir-se a determinadas áreas, principalmente a face. Instala-se de modo súbito e rápido, e a pele, por esse motivo, torna-se lisa e brilhante, podendo também apresentar-se com a temperatura aumentada e a coloração avermelhada. Trata-se de um edema mole e elástico. A causa principal do edema medicamentoso é a retenção de sódio. Predomina nos membros inferiores, mas, quando é mais intenso, pode ser facial. Na gravidez normal, não é raro aparecer um discreto edema, principalmente nos membros inferiores. Todavia, nas toxemias gravídicas o edema quase sempre é intenso, e sua explicação fisiopatológica reside nas alterações renais - nefropatia gravídica - combinadas com as modificações hormonais advindas da própria gravidez. Por fim, cumpre lembrar o edema pré-menstrual, que surge na semana que antecede a menstruação, e o edema que acompanha as alterações que advêm no climatério.

Edema localizado Antes de analisar as características semiológicas e os mecanismos de formação dos edemas localizados, é necessário relacionar suas principais causas: • • • • •

Varizes Flebites e trombose venosa Processos inflamatórios Afecções dos linfáticos Postura.

O edema observado nos portadores de varizes - edema varicoso -localiza-se nos membros inferiores, preponderando em uma ou outra perna: acentua-se com a longa permanência na posição de pé; não é muito intenso (+ a + +); a princípio é de consistência mole, porém, nos casos muito antigos, torna-se cada vez mais duro; é inelástico, e, com o passar do tempo, a pele vai alterando sua coloração, até adquirir tonalidade castanha ou mesmo mais escura. Pode tornar-se espessa e de textura mais grosseira. O edema da trombose venosa é mole, chega a ser intenso, e a pele costuma estar pálida. Em certos casos, adquire tonalidade cianótica. Classicamente essas condições são chamadas flegmasia alba dolens e flegmasia alba cerulea. O mecanismo básico na formação do edema varicoso e da trombose venosa encontra-se no aumento da pressão hidrostática, seja por insuficiência das valvas das veias, seja por oclusão do próprio vaso. O edema da flebite em parte decorre do componente inflamatório que aumenta a permeabilidade capilar e também das

118 Unfedema emixedema

Linfedema é a designação que se dá para oedema originado nas afecções dos vasos linfáticos. Depende da obstrução dos canais linfáticos (pós-erisipela, filariose) e caracteriza-se semiologicamente por ser localizado, duro, inelástico, indolor, e com francas alterações da textura e da espessura da pele, que se torna grossa e áspera. Nos casos avançados, configura o quadro chamado de elefantíase (figura 9.36). Mixedema é uma forma particular de edema observado na hipofunção tireoidiana. Não se trata de uma retenção hídrica conforme ocorre nos edemas de uma maneira geral. No mixedema, há deposição de substância mucopolissacarídica (glicoproteínas) no espaço intersticial e secundariamente uma certa retenção de água. ~ um edema pouco depressível, inelástico, não muito intenso, ea pele apresenta as alterações próprias da hipofunção tireoidiana. alterações já assinaladas no caso de varizes e de tromboses venosas. Como os demais edemas inflamatórios, caracteriza-se por ser localizado, de intensidade leve a mediana (+ a + +), elástico, doloroso, com a pele adjacente se apresentando lisa, brilhante, vermelha e quente. O edema postura! é o que ocorre nos membros inferiores das pessoas que permanecem por longo tempo na posição de pé ou que ficam com as pernas pendentes por várias horas, como acontece em viagens longas. Decorre de aumento da pressão hidrostática. É localizado, discreto (+ a + +), mole, indolor e desaparece rapidamente na posição deitada.

• Temperatura corporal A temperatura do interior do corpo permanece quase constante, em uma variação de no máximo 0,6°C, mesmo quando exposto a extremos de frio ou de calor, graças ao

Figura 9.36 Linfedema de longa duração com hiperpigmentação e

alteração da textura e espessura da pele, configurando o que se chama de elefantíase.

Parte 1

I Semiologia Geral

aparelho termorregulador. A temperatura da parte externa do corpo, ao contrário, está sujeita às variações das condições ambientais. Pequenas variações na temperatura normal são observadas, de pessoa a pessoa, e em uma mesma pessoa, em diferentes regiões do corpo. Os valores térmicos estão aumentados em certas condições, tais como refeições, exercícios físicos intensos, gravidez ou ovulação. Na mulher sadia, a ovulação exerce um efeito tão característico sobre a temperatura corporal que é possível determinar a época da ovulação durante os ciclos menstruais. A temperatura baixa 24 a 36 h antes do início da menstruação e continua nesse nível durante o período menstrual. Coincidindo com a ovulação, a temperatura se eleva, mantendo-se até 1 ou 2 dias antes da menstruação seguinte. Como a diferença entre esses níveis térmicos raramente ultrapassa 1°C, a temperatura deve ser medida em condições basais, ou seja, pela manhã, antes de se levantar e de realizar qualquer atividade.

Regulação da temperatura corporal O calor gerado no interior do corpo atinge a superfície corporal por meio dos vasos sanguíneos que formam o plexo vascular subcutâneo, mas pouco calor se difunde para a superfície, graças ao efeito isolante da camada do tecido adiposo. O fluxo sanguíneo para a pele equivale de 10 a 30% do débito cardíaco total. Um elevado fluxo sanguíneo faz com que o calor seja conduzido da parte interna para a superfície corporal com grande eficiência, enquanto a redução do fluxo sanguíneo provoca fenômeno contrário. A condução de calor para a pele é controlada pelo grau de constrição das arteríolas e das anastomoses arteriovenosas. A vasoconstrição, por sua vez, regulada pelo sistema nervoso simpático, responde às alterações que ocorrem na temperatura corporal interna. Ao chegar à superfície corporal, o calor é transferido do sangue para o meio externo através de irradiação, condução e evaporação. Para que haja irradiação, a temperatura corporal tem que ser mais alta que a do meio ambiente. Em certos locais de trabalho - onde haja fornos, por exemplo - a temperatura pode superar a temperatura corporal, impedindo a irradiação do calor com repercussão sobre o controle térmico. O corpo perde calor também por condução, ou seja, quando o corpo se encosta em um objeto frio, ele cede calor até que as temperaturas se igualem. É o que acontece também em relação ao ar que está em contato com a pele. Neste caso, a perda de calor é limitada pela velocidade com que o ar circula, já que a temperatura da camada de ar envolve o corpo e logo se iguala à temperatura corporal. Este mecanismo de perda de calor é chamado de convecção. Quando a água se evapora da superfície corporal, ela o faz graças à energia térmica cedida pelo corpo. A água que se evapora insensivelmente ao nível da pele e dos pulmões atinge uma quantidade em tomo de 600 mf/ dia. Isso significa uma perda contínua de calor de 12 a 16 calorias por hora. Esta evaporação insensível não é comandada pelo centro termorregulador; contudo, a evaporação do suor pode ser controlada por fibras simpáticas colinérgicas que terminam perto das células glandulares sudoríparas. A temperatura do corpo é regulada quase inteiramente por mecanismos nervosos de retroalimentação que operam por meio do centro termorregulador, localizado no hipotálamo. Provavelmente, os mais importantes receptores térmicos são os neurônios termossensíveis especiais localizados na área

9

I Exame Físico Geral

pré-óptica do hipotálamo. A regulação termostática do frio é feita por receptores situados na medula espinal e pele. Os estímulos que atingem os receptores periféricos são transmitidos ao hipotálamo posterior, no qual são integrados com os sinais dos receptores pré-ópticos para calor, originando impulsos eferentes no sentido de produzir ou perder calor. Este centro de controle de regulação da temperatura é o chamado termostato hipotalâmico. Quando a temperatura corporal atinge 37°C inicia-se a sudorese, que a partir deste ponto aumenta rapidamente com um mínimo de elevação na temperatura corporal. A taxa de produção de calor é reduzida a partir deste instante. O aquecimento da área termostática pré-óptica aumenta a taxa de eliminação do calor corporal de dois modos: estimulando as glândulas sudoríparas e causando vasodilatação dos vasos cutâneos. Quando o corpo é resfriado abaixo de 37°C, são postos em ação mecanismos especiais para conservar o calor corporal. A conservação do calor implica vasoconstrição na pele, a qual reduz a perda de calor por condução e convecção, e piloereção para reter o calor entre os pelos e abolir a transpiração.

Locais de verificação da temperatura e valores normais A temperatura corporal é verificada por meio do termômetro clínico, que no Brasil é graduado em graus Celsius (°C). Os termômetros clínicos registram temperaturas entre 35°C e 42°C. Os termômetros eletrônicos têm como limites 32°C e 43°C. A temperatura corporal pode apresentar variações na dependência do local em que será procedida a sua mensuração. Desse modo, ele pode ser: axilar, oral, retal, timpânico, arterial pulmonar, esofágico, nasofaringiano e vesical. No Brasil, o local habitual é o oco axilar. Para utilização correta desse método é necessária a higiene da axila e do termômetro, evitando-se a presença de umidade no local. O termômetro deve ser conservado em álcool absoluto ou álcool io dado. A mensuração da temperatura na cavidade oral, bastante comum em outros países, é feita pela colocação do termômetro na região sublingual. Para isso, é necessário termômetros individuais. A temperatura retal é feita pela aplicação do termômetro na ampola retal. Nesse caso, além do uso de termômetros individuais, há uma diferença no termômetro, visto que seu bulbo é redondo. A membrana timpânica é o local de eleição para mensuração da temperatura central; contudo, não tem grande aceitação na prática clínica. É importante conhecer as diferenças fisiológicas existentes entre os três locais - oco axilar, boca e reto -, porque, em determinadas situações patológicas (abdome agudo, afecções pélvicas inflamatórias), devem ser medidas as temperaturas axilar e retal, tendo valor clínico uma diferença maior que 0,5°C: • Temperatura axilar: 35,5 a 37°C, com média de 36 a 36,5°C • Temperatura bucal: 36 a 37,4°C • Temperatura retal: 36 a 37 ,5°C, ou seja, 0,5°C maior que a axilar.

Febre Significa temperatura corporal acima da faixa da normalidade. Pode ser causada por transtornos no próprio cérebro ou por substâncias tóxicas que influenciam os centros termorreguladores.

119 Muitas proteínas ou seus produtos de hidrólise, além de outras substâncias tóxicas, como toxinas bacterianas, podem provocar elevação do ponto de ajuste do termostato hipotalâmico. As substâncias que causam esse efeito são chamadas p1rogemos. Os pirogênios são secretados por bactérias ou liberados dos tecidos em degeneração. Quando o ponto de ajuste do termostato hipotalâmico é elevado a um nível mais alto que o normal, todos os mecanismos de regulação da temperatura corporal são postos em ação, inclusive os mecanismos de conservação e de aumento da produção de calor. Poucas horas depois de o termostato ter sido ajustado a um nível mais alto, a temperatura corporal se aproxima desse nível. A regulação da temperatura corporal requer um equihbrio entre produção e perda de calor, cabendo ao hipotálamo regular o nível em que a temperatura deve ser mantida. Na febre, este ponto está elevado. A produção de calor não é inibida, mas a dissipação do calor está ampliada pelo fluxo sanguíneo aumentado através da pele e pela sudorese. A febre pode ser resultado de infecções, lesões teciduais, processos inflamatórios e neoplasias malignas, além de outras condições. Há evidências de que endotoxinas bacterianas (lipopolissacarídios provenientes da parede celular) estimulam a síntese e a liberação de um pirogênio endógeno ao agir sobre os neutrófilos. Uma vez liberado dentro da circulação geral, o pirogênio alcança o sistema nervoso central e estimula a liberação de prostaglandinas no cérebro, em particular na área pré-óptica hipotalâmica. Este último estágio é sensível a substâncias como o ácido acetilsalicílico. •

A



Significado biológico da febre Uma questão frequentemente levantada é se a febre é ou não benéfica ao paciente. Pode-se dizer que, em algumas infecções, a hipertermia parece ser nitidamente benéfica. É o caso da neurossífilis, das infecções gonocócicas e da brucelose crônica. Algumas outras doenças, tais como a artrite reumatoide e a uveíte, às vezes melhoram após piretoterapia. Não obstante, na imensa maioria das doenças infecciosas não há razão para se acreditar que a hiperpirexia acelere a fagocitose, a formação de anticorpos ou quaisquer outros mecanismos de defesa. Assim sendo, a febre é mais um sinal de alerta do que um mecanismo de defesa. Além disso, a febre apresenta alguns aspectos nocivos. Desse modo, a maior velocidade de todos os processos metabólicos acentua a perda de peso, e a espoliação do nitrogênio aumenta o trabalho e a frequência do coração. A sudorese agrava a perda de líquidos e sais. Pode haver mal-estar consequente à cefaleia, fotofobia, indisposição geral ou uma desagradável sensação de calor. Os calafrios e os suores profusos das febres sépticas são particularmente penosos para o paciente.

Sfndrome febril

Afebre não é apenas um sinal, constituindo, na verdade, parte de uma síndrome (síndrome febril) na qual, além de elevação da temperatura, ocorrem vários outros sintomas e sinais, cujo aparecimento e intensidade variam em relação direta com a magnitude da hipertermia, destacando-se astenia, inapetência, cefaleia, taquicardia, taquipneia, taquisfigmia, oligúria, dor no corpo, calafrios, sudorese, náuseas, vômitos, delírio, confusão mental e até convulsões, principalmente em recém-nascidos e crianças.

Parte 1

120

I Semiologia Geral

Sintomas subjetivos da febre

Início

Varia muito entre as pessoas a percepção do estado febril. Muitos pacientes são capazes de avaliar com precisão as elevações térmicas de seu organismo, enquanto outros, com temperaturas elevadas, nada sentem. Quando a temperatura se eleva subitamente, o paciente pode mesmo sentir frio ou, mais frequentemente, calafrios. Por vezes, ele não se dá conta de que está febril porque outros sintomas dominam o quadro clínico.

Pode ser súbito ou gradual. No primeiro caso, percebe-se de um momento para outro a elevação da temperatura. Nesse caso, a febre se acompanha quase sempre dos sinais e sintomas que compõem a síndrome febril. É frequente a sensação de calafrios nos primeiros momentos da hipertermia. A febre pode instalar-se de maneira gradual e o paciente nem perceber seu início. Em algumas ocasiões, predomina um ou outro sintoma da síndrome febril, prevalecendo a cefaleia, a sudorese e a inapetência. Conhecer o modo de início da febre tem utilidade prática. Em algumas afecções, a instalação é súbita, enquanto, em outras, é gradual, levando dias ou semanas para caracterizar-se o quadro febril.

Patogenia da febre A exploração da origem da febre deve levar em conta dois aspectos: • A febre é manifestação de diversos tipos de processos patológicos, e não apenas das moléstias infecciosas. Também podem ocasionar febre as doenças neoplásicas, os acidentes vasculares, distúrbios metabólicos e inúmeros processos inflamatórios. O fator comum a todos é a lesão tecidual • A febre ocorre quando há comprometimento por um desses mecanismos de qualquer tecido do organismo. A maior parte dos trabalhos experimentais sobre a patogenia da febre foi realizada com pirogênios bacterianos. Essas substâncias são lipopolissacarídios complexos de alto peso molecular que formam parte da parede celular das bactérias. Dois aspectos da resposta febril causada por essas endotoxinas parecem relevantes, quanto ao seu provável mecanismo de ação: • Após inoculação intravenosa, há um período latente variável (até uma hora ou mais no homem) antes do início de febre • Durante esse período, os granulócitos circulantes desaparecem virtualmente da corrente sanguínea devido à sua aderência às paredes dos vasos. Uma substância conhecida como pirogênio endógeno, com propriedades biológicas semelhantes às do pirogênio leucocitário, surge no sangue de diversos animais, inclusive no homem, após administração intravenosa de endotoxina.

Efeitos da febre A incapacidade de um paciente apresentar febre em face de infecção grave geralmente significa mau prognóstico. É provável que nas infecções a febre tenha pouco a ver com a evolução, uma vez que a maioria dos germes não produz uma mudança na temperatura corporal que os destrua. A febre que acompanha moléstias não infecciosas não parece servir a qualquer fim útil, podendo, às vezes, ser nociva. Nas neoplasias malignas, por exemplo, a temperatura elevada apenas acelera a perda de peso e causa mal-estar. Da mesma maneira, a febre que acompanha o infarto do miocárdio aumenta a velocidade do metabolismo, acarretando, assim, uma sobrecarga ao miocárdio enfraquecido. A hipertermia da intermação pode causar lesão irreversível do cérebro.

Características semiológicas da febre Devem ser analisadas as seguintes características semiológicas da febre: • • • • •

Início Intensidade Duração Modo de evolução Término.

Intensidade Aplica-se a seguinte classificação, tomando por referência o nível da temperatura axilar: • Febre leve ou febrícula: até 37,5°C • Febre moderada: de 37,6° a 38,5°C • Febre alta ou elevada: acima de 38,6°C. A intensidade da febre depende da causa e da capacidade de reação do organismo. Pacientes em mau estado geral, os indivíduos em choque e as pessoas idosas podem não apresentar febre ou ter apenas uma febrícula quando acometidos de processos infecciosos.

Duração A duração da febre é uma característica de grande relevância, influindo inclusive na conduta do médico, que é diferente nos casos cuja febre se instalou há poucos dias em relação a outros que vêm apresentando febre por tempo prolongado. Por isso, tem-se procurado estabelecer um conceito de febre prolongada, mas não se chegou ainda a consenso quanto ao tempo mínimo de duração para que se aplique esta designação; ela é usada quando a febre permanece por mais de 1 semana, tenha ou não caráter contínuo. Esse conceito é prático e conveniente, pois é possível fazer-se uma lista relativamente curta das principais doenças que causam febre prolongada, destacando-se: tuberculose, septicemia, malária, endocardite infecciosa, febre tifoide, colagenoses, linfomas, pielonefrite, brucelose e esquistossomose.

Modo de evolução A rigor, só se poderá saber o modo de evolução da febre por meio da análise de um quadro térmico, mas a simples informação obtida da anamnese pode servir de base para se conhecer essa característica. O registro da temperatura em uma tabela, dividida no mínimo em dias, subdivididos em 4 ou 6 horários, compõe o que se chama gráfico ou quadro térmico, elemento indispensável para se estabelecer o tipo de evolução da febre. Unindo-se por uma linha os valores de temperatura, fica inscrita a curva térmica do paciente (Figura 9.37). A anotação costuma ser feita 1 ou 2 vezes/dia, mas, em certos casos, registra-se a temperatura de 4 em 4 ou de 6 em 6 h. O mais comum é a mensuração de temperatura pela manhã e à tarde. Classicamente descrevem-se os seguintes tipos evolutivos de febre: • Febre contínua: aquela que permanece sempre acima do normal com variações de até 1°C e sem grandes oscilações;

9

I Exame Físico Geral

121

por exemplo, febre tifoide, endocardite infecciosa e pneumonia (Figura 9.38) • Febre irregular ou séptica: registram-se picos muito altos intercalados por temperaturas baixas ou períodos de apirexia. Não há qualquer caráter cíclico nestas variações. Mostram-se totalmente imprevisíveis e são bem evidenciadas quando se faz a tomada da temperatura várias vezes ao dia; um exemplo típico é a septicemia. Aparece também nos abscessos pulmonares, no empiema vesicular, na tuberculose e na fase inicial da malária (Figura 9.39) • Febre remitente: há hipertermia diária, com variações de mais de 1°C e sem períodos de apirexia. Ocorre na septicemia, pneumonia, tuberculose (Figura 9.40) • Febre intermitente: nesse tipo, a hipertermia é ciclicamente interrompida por um período de temperatura normal; isto é, registra-se febre pela manhã, mas esta não aparece à tarde; ou então, em 1 dia ocorre febre, no outro, não. Por vezes, o período de apirexia dura 2 dias. A primeira se denomina cotidiana, a segunda terçã e a última quartã. O exemplo mais comum é a malária. Aparece também nas infecções urinárias, nos linfomas e nas septicemias (Figura 9.41)

• Febre recorrente ou ondulante: caracteriza-se por período de temperatura normal que dura dias ou semanas até que sejam interrompidos por períodos de temperatura elevada. Durante a fase de febre não há grandes oscilações; por exemplo: brucelose, doença de Hodgkin e outros linfomas

Término É clássico conceituar o término da febre em:

• Crise: quando a febre desaparece subitamente. Neste caso costumam ocorrer sudorese profusa e prostração. Exemplo típico é o acesso malárico • Lise: significa que a hipertermia vai desaparecendo gradualmente, com a temperatura diminuindo dia a dia, até alcançar níveis normais. Observado em inúmeras doenças, é mais bem reconhecido pela análise da curva térmica

Causas de febre As doenças causadoras de febre podem ser divididas em três tipos: • Por aumento da produção de calor, como ocorre no hipertireoidismo (atividade aumentada da glândula tireoide)

HORAS 2 6 10 14 18 22 2 6 10 14 18 22 2 6 10 14 18 22 2 6 10 14 18 22 2 6 10 14 18 22 2 6 10 14 18 22 2 6 10 14 18 22 2 6 10 14 18 22 2 6 10 14 18 22 RESP. TEMP. PULSO 60

40"

140

50

39"

120

40

38"

100

30

37"

80

-

-

I

20

36"

35"

""" r-

~

-

" '\ i""

1/

..... ~

-

1\.

/

'

v

/

-

-

_....

-

I'

r--

I

'

, 1'~ ~

-

,;'

40

Figura 9.37 Gráfico ou quadro térmico normal. HORAS 2 6 10 14 18 22 2 6 10 14 18 22 2 6 10 1< 18 22 2 6 10 14 18 22 2 6 10/14 18 22 2 6 10 14 18 22 2 6 10 14 18 22 2 6 10 14118 22 2 6 10)14 18 22 RESP. TEMP. PULSO 60

50

40"

39"

140

~

A

r,..

v

..,

/

r-..

!,.-.

......

r ~

,-

~

/

/

v '

r

I

~

\..

......

'li

...... 40

38"

100 ~

'

I

I

'

30

3T

80

20

36"

60

35"

40

I

I

I

I

I

I

Figura 9.38 Febre contínua. A temperatura permanece acima do normal, com variações de até 1oc, mas sem grandes oscilações.

Parte 1 I Semiologia Geral

122

HORAS 2 6 10 14 18 22 2 6 1o 141822 2 6 10 14 18 22 2 6 10 14 18 22 2 6 10 14 18 22 2 6 10 14 18 22 2 6 10 14 18 22 2 6 10 14 18 ~- 2 6 10 14 18 22 RESP. TEMP. PULSO I I

60

40'

140

""

/ 50

39'

r

-

..

I

120

'I

/

A

'I

I -

40

38'

100

I

/ 'I

I

li

/

I

\

30

37.

VI

80

36'

35.

1\ \

I 'I

'

60

' \ li.

~ \J

.

I

\



VI 20

\

-

I"

\

I

\

I

l

~

I

~



/

11

....

-

I

I

40

.

I

Figura 9.39 Febre irregular ou séptica. Registram-se picos muito altos intercalados por temperaturas baixas ou períodos de apirexia.

HORAS 2 6 10 14 18 22 2 6 10114.18 22 2 6 10 14 18 22 2 6 10 14 18 22 2 6 10 14 18122 2 6 10 14 18 22 2 6 10 14 18 22 2 6 10 14 18 22 2 6 10 14 18 22 RESP. TEMP. PULSO

60

40.

I

140

'

A I

I

/ !

50

39.

I

I

/

120

r ...

\

..

I /

30

38.

v 37.

1

1\

/

40

'

\

1/

\

/oo

~

\

I

í\

\

I 1\

'1\

1/

I

'

'\

/

1/

\

'I I.

\

1/

\

IV

, ..... 1\

"

[V

I

,.,

i\

,

" " ...,

1/

\

.

\ I 'I

"

80

. . 20

36'

60 I

35.

I

40 I

I

I

I

I

I

I

Figura 9.40 Febre remitente. Hipertermia diária com variações de mais de 1oc, sem períodos de apirexia.

HORAS 2 6 10 14 18 22 2 6 10114 18 22 2 6 10 14 18 22 2 6 10 14 18 22 2 6 10 14 18 22 2 6 10 14 18 2 2 2 6 10 14 18 2 2 2 6 10 14 18 22 2 6 10 14 18 22 RESP. TE MP. PULSO I I I

60

40.

50

39.

40

38'

140

...

""

120

'

...

"

-

1 r-

1-

100

--

I'

-~

I l

30

20

37'

'

80

36.

~

35.

40

-

..

-J

1"i" [..I

--

1-

I

I

Figura 9.41 Febre intermitente. A hipertermia é interrompida por um período de temperatura normal. Neste caso configura-se o tipo terçã, ou seja, em 1 dia ocorre febre e no outro não.

9

I Exame Físico Geral

Febre eantibiótims

Deve ser ressaltado, mais uma vez, que não são somente as doenças infecciosas as causadoras de elevação térmica.Todavia, no trabalho cotidiano do médico, é nos germes e nos parasitos que se encontram as causas mais frequentes de febre. Com grave prejuízo para os pacientes, assiste-se com frequência a um erro elementar, qual seja o uso de antibióticos indiscriminadamente em todo paciente febril, sem a preocupação de estabelecer o agente responsável pelo processo infeccioso. Os antibióticos são uma das maiores conquistas da ciência médica. Não saber usá-los corretamente constituierro imperdoável do médico. • Por bloqueio na perda de calor, como acontece na insuficiência cardíaca congestiva, na ausência congênita das glândulas sudoríparas (produtoras de suor) e em certas doenças da pele (p. ex., ictiose) • Por lesão dos tecidos, grupo no qual se inclui a maioria das doenças febris, ou seja: o Todas as infecções por bactérias, riquétsias, vírus e outros parasitos o Lesões mecânicas, como nos processos cirúrgicos e nos esmagamentos o Neoplasias malignas o Doenças hemolinfopoéticas o Afecções vasculares, incluindo infarto do miocárdio, hemorragia ou trombose cerebral e trombose venosa o Distúrbios dos mecanismos imunitários ou doenças imunológicas: colagenoses, doença do soro e febre resultante da ação de medicamentos o Doenças do sistema nervoso central.

Doenças do sistema nervoso Quase sempre há febre após lesão cerebral, e o nível da temperatura pode ter algum valor na avaliação prognóstica. Nos casos mais graves, quase sempre a febre é elevada, podendo haver rápida ascensão da temperatura antes do óbito O acidente vascular cerebral é acompanhado de febre moderada, de 37,5°C a 38,5°C. Nas grandes hemorragias pode surgir temperatura muito elevada, antes do óbito. Na hipertermia neurogênica, a temperatura pode elevar-se após intervenções cirúrgicas na região da fossa hipofisária e no 3° ventrículo. A hipertermia pode ser grave. A lesão da medula acompanha-se de grave distúrbio da regulação da temperatura. Lesões da medula cervical inferior produzem temperatura corporal muito baixa, enquanto as pessoas com lesão da parte alta da medula cervical apresentam com frequência febre elevada. A causa dessa perturbação da temperatura é, talvez, a interrupção de feixes aferentes e eferentes do hipotálamo.

Neoplasias malignas As neoplasias malignas quase sempre causam febre. No carcinoma broncogênico, a febre pode ser o resultado de infecç.ão associada; porém, muito comumente, o próprio tumor parece ser o responsável. Hipernefroma e carcinoma primitivo ou metastático do fígado com frequência determinam febre prolongada. Acredita-se que a causa da febre seja a liberação de produtos do tecido destruído pelo tumor. Contudo, há pouca correlação entre o grau de febre e a extensão da necrose tecidual. Na verdade, a infecção secundária é a principal causa da febre nas doenças malignas. A febre não apresenta aspecto característico, embora a febre baixa ou recidivante seja mais comum em neoplasias não associadas à infecção.

123 Nos linfomas, a febre é quase constante, sendo frequentemente o primeiro sintoma. A leucemia aguda geralmente é uma enfermidade febril, mesmo quando não há infecção.

Anemias hemolíticas e púrpura Algumas anemias hemolíticas são associadas à febre, especialmente as de causa imunológica, e as crises de hemólise na anemia falciforme. Também as doenças hemorrágicas (púrpura trombocitopênica, hemofilia e escorbuto) provocam febre se houver hemorragia nos tecidos.

Doenças infecciosas e parasitárias A febre está quase sempre presente nas infecções virais, bacterianas e por protozoários e nos processos inflamatórios de fundo imunoalérgico (artrite reumatoide, lúpus eritematoso). Na maior parte das doenças infecciosas e parasitárias, a febre logo se acompanha de sinais e sintomas indicativos do órgão afetado, facilitando o reconhecimento da enfermidade. Exemplos: febre e dor de garganta nas amigdalites; febre, dor pleurítica e tosse com ex.pectoração hemoptoica nas pneumonias; febre, náuseas e icterícia na hepatite infecciosa; febre e lesões cutâneas na erisipela; febre, dor abdominal e contratura da parede no abdome agudo. Contudo, o paciente com febre pode ser visto pelo médico antes do aparecimento de sintomatologia específica da enfermidade. Nesses casos, dados epidemiológicos podem colocar o médico de sobreaviso. Há um grupo de doenças infecciosas que têm como uma de suas características o aparecimento de febre prolongada, nem sempre acompanhada de sintomatologia indicativa da enfermidade responsável por ela. Neste grupo destacam-se as seguintes afecções: • Tuberculose: a tuberculose é capaz de provocar quadros febris desorientadores, com frequência surpreendente, apesar de que uma simples radiografia de tórax costuma ser suficiente para elucidar sua forma mais comum - a tuberculose pulmonar. Nas outras localizações, principalmente a intestinal e a geniturinária, pode haver maior dificuldade diagnóstica • Endocardite infecciosa: na forma subaguda clássica da doença, quase sempre está presente um sopro cardíaco; contudo, a ausência de um sopro não elimina a possibilidade de estar em causa esta doença. O diagnóstico torna-se difícil quando se trata de pessoas idosas, porquanto em tais casos pode-se deixar de dar a devida importância à presença de um sopro cardíaco • Brucelose: essa infecção deve ser levada em consideração sempre que se trate de fazendeiros, veterinários ou pessoas que trabalham em matadouros. Existe uma concepção errônea de que a brucelose sempre se acompanha de artrite. Ela de fato determina com frequência artralgias e mialgias, porém é muito raro que haja um processo inflamatório com rubor e intumescimento articular • Salmonelose: a febre tifoide apresenta grandes variações clínicas, podendo determinar uma febre que dura semanas praticamente sem outros sintomas • Infecções piogênicas: certas localizações inflamatórias podem ser relativamente assintomáticas, estando enquadrados neste grupo a osteomielite vertebral e dos ossos pelvianos, certos abscessos, as colangites e as bronquiectasias

Parte 1 I Semiologia Geral

124 • Amebíase: geralmente a colite amebiana provoca sintomas que indicam tratar-se de uma doença do cólon. Em contrapartida, o comprometimento hepático pode não oferecer um quadro clínico característico e a febre prolongada pode ser sua principal manifestação • Esquistossomose: as pessoas que vivem em regiões endêmicas podem apresentar febre prolongada decorrente dessa parasitose. A diarreia, a hepatoesplenomegalia e a anemia são sugestivas • Malária: a malária é uma causa frequente de febre em várias regiões do país. Antes de adquirir o caráter intermitente, a febre é contínua ou irregular, podendo causar alguma dificuldade diagnóstica • Doença de Chagas aguda: febre de duração prolongada é um dos principais sintomas da fase aguda da doença de Chagas.

Outras causas de febre Podem apresentar quadro febril as colagenoses (lúpus eritematoso disseminado, artrite reumatoide, periarterite nodosa, moléstia reumática), as crises hemolíticas que ocorrem em alguns tipos de anemia, a tromboflebite, a arterite temporal, a sarcoidose, além do uso de alguns medicamentos, inclusive antibióticos.

Hipotermia Consiste na diminuição da temperatura corporal abaixo de 35,5°C na região axilar ou de 36°C no reto. Pode ser induzida artificialmente quando se vai submeter o paciente a determinados tipos de cirurgia ou pode ser consequente a congelamento acidental, choque, síncope, doenças consuntivas, hemorragias graves e súbitas, coma diabético e nos estágios terminais de muitas doenças.

• Postura ou atitude na posição de pé Deve-se observar a atitude ou posição do paciente não apenas no leito, mas também quando ele se põe de pé. Uma postura defeituosa pode ser consequência de mau costume ou de afecção da coluna vertebral. Entre as queixas mais comuns na prática médica, estão a dorsalgia e a lombalgia, que, em muitos casos, advêm de má postura. Do ponto de vista semiológico, podemos classificar a postura da seguinte maneira (Figura 9.42): • Boa postura: o Cabeça ereta ou ligeiramente inclinada para diante o Peito erguido, fazendo adiantar ao máximo essa parte do corpo o Abdome inferior achatado ou levemente retraído o Curvas posteriores nos limites normais • Postura sofrível: o Cabeça levemente inclinada para diante o Peito achatado o Abdome algo protruso, passando a ser a parte mais saliente do corpo o Curvas posteriores exageradas • Má postura: o Cabeça acentuadamente inclinada para diante o Peito deprimido o Abdome saliente e relaxado o Curvas posteriores extremamente exageradas. Essas posturas guardam certa relação com o biotipo da pessoa. Assim, os longilíneos frequentemente reúnem as características de uma má postura.

Controle da temperatura e envelhecimento Os pacientes idosos apresentam alterações no sistema de regulação da temperatura corporal responsáveis não só pela ausência de febre, quando acometidos por doenças infecciosas, como também os predispõem a um maior risco de apresentar hipotermia ou hipertermia em situações de frio ou calor extremos. A fisiopatologia do descontrole de temperatura no idoso pode ser assim sumarizada: • Hipotermia: o Sensação de frio diminuída o Capacidade de perceber as alterações da temperatura diminuída o Resposta autonômica vasoconstritora ao frio anormal o Resposta de calafrios diminuída o Termogênese diminuída • Hipertermia: o Limiar central de temperatura elevado o Sudorese diminuída ou ausente o Capacidade de percepção do calor diminuída o Resposta vasodilatadora ao calor diminuída o Reserva cardiovascular diminuída. Quanto à febre, é importante lembrar que podem apresentar infecções sem resposta febril, sendo a ausência desta um sinal de mau prognóstico. Podem apresentar, com mais frequência, confusão mental, delírios e alucinações quando têm elevação da temperatura.

A

B

c

Figura 9.42 Postura ou atitude na posição de pé de pessoa jovem. A. Boa postura. B. Postura sofrível. C. Má postura.

9

I Exame Físico Geral

125

Cifose, lordose eescollose

As afecções da coluna costumam acompanhar-se de alterações da posição, cabendo neste ponto referências à: • Gfose: é uma alteração da forma da coluna dorsal com concavidade anterior, vulgarmente designada "corcu nda'~ Acausa mais comum é o vício de postura. Pode ser consequência de tuberculose da coluna (mal de Pott), osteomielite, neoplasias, ou ser de origem congênita • Lordose (cervical ou lombar): é o encurvamento da coluna vertebral, formando concavidade para trás. Decorre de alterações de vértebras ou de discos intervertebrais, podendo ser citada como exemplo a espondilite reumatoide • Escoliose: é o desvio lateral da coluna em qualquer segmento vertebral, sendo mais frequente na coluna lombar ou lombodorsal. Pode ser de origem congênita ou secundária a alterações nas vértebras ou dos músculos paravertebrais. ~ frequente a combinação

de desvio lateral com encurvamento posterior

que se denomina cifoescoliose. Uma atitude muito típica pode ser vista nos parkinsonianos e é determinada pela rigidez muscular generalizada (Figura 9.43). O paciente permanece com o tronco ligeiramente fletido para frente, os membros superiores igualmente fletidos, enquanto as mãos e os dedos se movem continuamente, tomados de um tremor lento e de amplitude sempre igual.

Postura e envelhecimento Está claro que um idoso nunca é igual ao outro, pois existe uma grande variabilidade no processo de envelhecimento. Algumas alterações na postura podem ser consideradas típicas da velhice, mas variam a época e a velocidade em que essas alterações vão ocorrer e até que ponto elas serão influenciadas pelas doenças, tratamentos e sequelas apresentadas pelos pacientes. Com o avançar da idade, a cabeça desloca-se para frente e ocorre uma diminuição da lordose lombar normal.

• Biotipo ou tipo morfológico

duo. Não confundir biotipo com altura. Conquanto haja certa correlação entre a altura e o tipo constitucional, são conceitos diferentes. Por ser prática e simples, adotamos a seguinte classificação: • Longilíneo: classicamente comparado a D. Quixote, apresenta como características os seguintes elementos (Figura 9.44C): o Pescoço longo e delgado o Tórax afilado e chato o Membros alongados com franco predomínio sobre o tronco o Ângulo de Charpy menor que 90° o Musculatura delgada e panículo adiposo pouco desenvolvido o Tendência para estatura elevada • Mediolíneo: é o tipo intermediário e caracteriza-se pelos seguintes elementos (Figura 9.44B): o Equih'brio entre os membros e o tronco o Desenvolvimento harmônico da musculatura e do panículo adiposo o Ângulo de Charpy em torno de 90° • Brevilíneo: frequentemente comparado a Sancho Pança, apresenta as seguintes características (Figura 9.44A): o Pescoço curto e grosso o Tórax alargado e volumoso o Membros curtos em relação ao tronco o Ângulo de Charpy maior que 90° o Musculatura desenvolvida e panículo adiposo espesso o Tendência para baixa estatura. A determinação do biotipo encontra sua principal utilidade para a correta interpretação das variações anatômicas que acompanham cada tipo morfológico, pois há uma relação entre a forma exterior do corpo e a posição das vísceras. Assim, a forma do coração e a localização do ictus cordis serão diferentes nos três tipos. A forma do estômago, por sua vez. está estreitamente relacionada com a morfologia externa do indivíduo, conforme mostra a Figura 9.45.

O biotipo, também denominado tipo morfológico, é o conjunto de características morfológicas apresentadas pelo indiví-

Figura 9.43 Postura e marcha do idoso (à esquerda) em comparação com a do jovem.

A

B

c

Figura 9.44 Tipos morfológicos. A. Brevilíneo. B. Mediolíneo. C. Longilíneo.

Parte 1 I Semiologia Geral

126

. •

..

• •

.•

.

'

•'

.••' .

• ••



·/ ' . '





•' •

.. •

f

•' •

••

..

. . .. ... •:.. . • :.

. . . .... .•. ..•• ...... . . .. ..... 1~

o



..~

•••

..

: ' ,'". • • ...

.. . •

•••

\







.•



''.

.'

• • •

.•



••

.



.. - .

.... .' .. • . .. . ... ........ .... ...... ....: ...... ..

.. .

• . • •

... t

.. A

B

c

Figura 9.45 Os esquemas mostram as variações de forma e posição das vísceras em relação aos tipos morfológicos. A. Brevilíneo. 8. Mediolíneo. C. Longilíneo.

• Marcha O modo de andar do paciente poderá ser de grande utilidade diagnóstica, especialmente nas afecções neurológicas. Deve ser analisada solicitando-se ao paciente que caminhe certa distância (acima de 5 m), descalço, de preferência com calção, com olhos abertos e fechados, indo e voltando sob a observação do examinador. A marcha normal pode sofrer variações em relação a particularidades individuais ("cada pessoa tem seu jeito característico de andar"), ou em razão de distúrbios do aparelho locomotor.

Marcha eenvelhecimento Com o envelhecimento, a marcha também pode alterar-se, mesmo na ausência de qualquer doença. A marcha senil caracteriza-se por aumento da flexão dos cotovelos, cintura e

quadril. Diminuem também o balanço dos braços, o levantamento dos pés e o comprimento dos passos (marcha de pequenos passos) (Figura 9.43). Essas alterações são consideradas consequência fisiológica do envelhecimento; porém, não estão presentes em todos os idosos. Alguns indivíduos podem alcançar idades muito avançadas sem apresentar essas alterações. Em outros, podem ocorrer precocemente. É importante lembrar que o envelhecimento caracteriza-se por diminuição da reserva funcional, o que predispõe o idoso a inúmeras afecções; portanto, a marcha do idoso pode estar alterada pela presença de doenças neurológicas e/ou osteomusculares. Antes de rotular a marcha do paciente como "marcha senil", é preciso afastar todas as doenças que podem alterá-la. Detalhes sobre o exame da marcha no paciente idoso podem ser vistos no Capítulo 12, Semiologia do Idoso.

Este roteiro está disponível para download em http://gen-io.grupogen.com.br. Identificação do paciente: _ _ _ _ _ _ _ _ _ __ Estado geral (BEG, REG, MEG): _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ __ Fácies (atípica/típica-qual): _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ __ Nível de consdênda: _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ __ Estado de hidratação (hidratado/desidratado): _ _ _ _ _ _ _ _ __ Mucosas (coradas/hipocoradas/hipercoradas): _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ __ Respiração (eupneico/dispneico): _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ __ Atitude (ativa/passiva): _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ __ Postura (boa/sofríveVmá): _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ __ Movimentos involuntários (ausentes/presentes-tipo): _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ __ Biotipo (brevilíneo, mediolíneo ou longilíneo): _ _ _ _ _ _ _ _ _ __ Peso: Altura:

Kg em

IMC (índice de massa corpórea): _ __ RCQ (relação cintura-quadril):

em

CA (circunferência abdominal): Temperatura axilar:

em 0 (

Panículo adiposo (normal/aumentado/diminuído): _ _ _ _ _ _ _ _ _ __ Musculatura (tônus etrofismo): _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ __ Desenvolvimento físico (normal/nanismo/gigantismo): _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ __ Pele (cor, umidade, textura, turgor, elasticidade, sensibilidade, lesões):

Fâneros (unhas, cabelos, cílios, superemos, pelos do corpo):

Estado de nutrição (nutrido/desnutrido):------------Veias superficiais (ausentes/presentes-varizes es i m e t r i a ) : - - - - - - - - - - - - Circulação colateral (ausente/presente-tipo):-----------------Edema (local, intensidade, elasticidade, temperatura, sensibilidade, consistência): _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ __

Fala e linguagem: _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ __ Marcha: _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ ___

I.

--• •••••

·----

•••• •••

I • • •••• 1• • • • • • • I •. • • • •

••• ••••• •••• • • • •• • • • •• • ~..

I





••••••• ••••••••••• ••••••••••• ••••••••••••• ••••••••••••• •••••••••••••• • • ••••••••••••• • •••••••••••••• ••••••••••••••• ••••••••••••• ••••••••••••• ••••••••••••• =========== •••••••••• • • •••••••• . ••••••• ••••••• •••••••••• • ••••••••••••••• • ••••••••••••••••••••••••••••• • ••••••••••••••••••• •••••••••••••••••••• •••••••• ••••••••••••••••••••••••• ••••••••••••••••••••••••• • ••• • •••••••••••••••••••••••• • •• • ••••••••••••••••••••••••••• •. •••••••••• ····=······················· ••••••••••••••••••••••• ••••••••••• •••••••••••••••••••• ~-=••·=··=·====!====================· ••••• • ••••••••••••••••••••••• • _.•• •••••••••••••••••••••••••••••••• •• •••••••••••••••••••••••••••••• . •••••• .•••••••••••••••••••••••••••••••• • ••••••••••••••••••••• • •••••• •••••••••••••••••••••••• • •••••• •• •••••••••••• •••• ••••••••••••••••••• • •••••• •••••••••••••• •••••••• ••••• •• ••• •••••••••••••••••••• •••••• ••• ••••••••••••••••••••• • •••••• •••• •••• ••••••••••••••••••• ••••••• ••• •••••••••• •••••••• •••••• ••••• • ••••••••••••••••••••• • ••••• ••• ••••• •••••••••••••••••• • •••••• •••••••••••••• ••••••••••••• •••••••• ••••• ••• ••••••••••• ••••••••••••• • • ••••••••••••••••••• ••••••• ••••• ••••••••• •••••••••••••••••••••• •••••••• •••••• •••••••••••••••• ••••••••••••••••••••••••• • •••••• ••• ••••••••••••••••••••••••• •••• ••••••••••••••••• ••••••• ••••• •••• ••••• ••••••••••••••••• • ••••• ••••••• ••••••••••••••••••••••••• ••••• • ••••••••••••••••••• ••••• = ·==···=====·========== = = ==== ~~~~ •••• •••••• •••••••••• • • • ••• • • I • •• ••••••••••••••••••••••• •••• ••••• • •••••••••••••••••••• • ••• ••••••••• •••••••••••••••••• • ••• • ••••••••••••• • •••••••••••••••••••• • •••• ••••••••••••• •••••• ••••••••••••••••••••••• • ••••• • •••• ••••••••••••••••••••••• • ••••• ••••••••••••••••••••••• • ••• •• ••••••• •••••••••••••••• •••• • ••••• ••••••••••••••••••••• =·· 'li I •• .111111111111111111111 • •••• •• • ••••••••••••••••• • ••••••••• ••••••• • •••••••••••• •••• ••••••••••••• • ...... •••·========· ·===========t • •• ••••• • ••••••••••• •••••••• . ' • • • • •••••• ••••••••••• ••••••••••• • •

Parte 2







'

Semiologia da Infância, da Adolescência e do Idoso









••• •••••••••••••••••••••••

I



Ele use Machado de Britto Guimarães Elisa Franco de Assis Costa Paulo Sérgio Sucasas da Costa

• ••••••



Colaboradores



I

Edith Tereza Pizarro Zacariotti João de Castilho Cação Johnathan Santana de Freitas José Fernando Vilela Martin José Paulo Cipullo Maria Helena Alves Canuto Maria Regina Pereira Godoy Sandra Josefina Ferraz Ellero Grisi Siulmara Cristina Galera



I





• ··=== ====== . =========== .. .••••• . •••••••••• . .. . •••••••••• - ·--•.. ....•••••••••••• . . ••••••••• •••• • ••••••••• • • ••• ••••••• ••••••••••• ••••• •••••••• •• •••••• ••••••••• • •••• ••• • •••••••• • •••••• • •••••••• •• •••• •• • • •••••••• ... • ••·===· ·= • . •========· •••••• •••••••• ••••• • •••••••• • • ••••••••• • •• •••••••••• ••••••••• ••••••• ••••••• •••••••••• ••••• • ••••••••• • •••••••••• • •••••• • •••••••• •••••• • ••••••••• •••••••• • ••••••• • •••••••• • • ••• ••••••••• •••••••





I



••••••••• •••••• •• ••• •• •••• • ••• ••• •••••• •••••• ••••• •••••• •••••• •••••• •• •• • •• •••• •• ••• ••• • •• ••••• • • • ••• •••••• •• •• •••••••••



I

••••••••• ••••••











• •



•••••••• •••••• ••••••• •••••• ••••••• ••••• •••••• •••••• ••••••• •••• •••• ••••••• • •••••••• ••••••• ••••••••• ••••••• ••••••••• •••••• •••••••

10

Infância Paulo Sérgio Sucasas da Costa, Johnathan Santana de Freitas e Sandra Josefina Ferraz Ellero Grisi

Para Woods (2012), os adultos representam "crianças grandes"; dessa maneira, muitos princípios discutidos para outras faixas etárias se aplicam também aos pacientes pediátricos. Neste capítulo, serão abordadas as peculiaridades da propedêutica pediátrica em suas diferentes etapas (ver boxe Etapas da infância), a qual reúne arte e ciência, ora mais uma, ora mais outra. Durante a leitura, esperamos que nunca se encontre o limite exato entre ambas. O objetivo da consulta pediátrica é o acompanhamento do crescimento e desenvolvimento de um ser, que precisa ser assistido integralmente e de modo particular, uma vez que o ambiente emocional, físico e social vai interferir na constituição orgânica e psíquica deste, com repercussões para toda sua vida. A assistência global deve ser feita sempre que possível e deve abranger, conforme Pedro de Alcântara: os problemas orgânicos e psíquicos, de modo preventivo e curativo, em sua totalidade e em suas mútuas dependências, à luz das particularidades orgânicas da criança; os aspectos socioeconômicos e culturais da família e do ambiente físico, de modo evolutivo, isto é, conforme cada fase de desenvolvimento e visando à formação física e psíquica de uma pessoa sadia e socialmente útil Pelos motivos anteriormente descritos, é indispensável a mais acurada propedêutica. Pela condição emocional da criança, exige-se do médico gentileza e doçura no seu trato, proporcionando segurança para o exame clínico e expressando respeito e atenção à sua condição de vulnerabilidade afetiva. Esperam-se ainda do médico, condutas especiais na relação com a família, uma vez que a criança é dependente dela e a adesão ao tratamento depende inteiramente dessa relação médico-família.

Etapas da infância • • • • •

Recém-nascido (de zero a 28 dias de vida) lactente (de 29 dias de vida a2 anos de idade) Pré-escolar (dos 2aos 7anos de idade) Escolar (dos 7aos 1Oanos de idade) Adolescente (dos 10 aos 20 anos de idade).

...- Relação médico-paciente em pediatria O paciente deve ser o centro da relação médico-paciente, independentemente de diferentes faixas etárias e graus de

compreensão. Na pediatria isto não é diferente. No entanto, nas idades iniciais, essa relação é intermediada pelos pais ou responsáveis e a eles transferida, sem perder o foco na criança, observando-se que, muitas das vezes, os pais necessitam de mais assistência e compreensão do que o próprio paciente. Do recém-nascido ao adolescente, a relação médico-paciente intermediada pelos pais vai diminuindo, ou seja, com a criança pequena, a relação é bastante mediada pelos pais e, com o adolescente (ver Capítulo 11, Semiologia da Adolescência), há informações trocadas e responsabilidades que são inerentes ao seu maior grau de compreensão. Atualmente, principalmente na pediatria, a relação da criança, dos pais e do médico é, com frequência, semelhante à de uma equipe multiprofissional. Cada um tem o seu papel neste processo e o médico nunca deve delegar ou se subtrair na construção da relação médico-paciente, mesmo em uma consulta de urgência ou na interconsulta, ainda que única, com um subespecialista.

..., Consulta pediátrica Na maioria das consultas pediátricas, o paciente necessita de um tradutor, o qual, frequentemente, mal compreende sua linguagem. Ou seja, coletar dados claros e fidedignos sobre a criança pequena requer mais arte que ciência. Identificar e diagnosticar problemas no crescimento e outros problemas de saúde e observar atentamente a linguagem gestual e a relação da criança com seus pais ou responsáveis, que revelam os vínculos emocionais e sociais que poderão repercutir na constituição do sujeito- tudo deve ser motivo da atenção do médico durante a consulta. O médico deve ter habilidade para examinar a criança, que pode estar intimidada, irritada, em choro franco, com agitação psicomotora, fato habitual na prática pediátrica. O exame físico deve ser realizado na íntegra, podendo ser modificada a sequência da semiologia clássica, garantindo-se o exame por aparelhos no momento mais apropriado. Algumas vezes, ao iniciar o exame físico, a criança já está chorando. Outras vezes não. É preciso que o médico tenha perspicácia e lembre que a criança pode vir a chorar; então, caso ela ainda não tenha chorado, no início do exame fisico, é bom avaliar os fatores que serão mais comprometidos pelo choro, como por exemplo: frequência cardíaca e respiratória, ausculta cardíaca (dificilmente se identificará um sopro corretamente na criança que chora), tensão das fontanelas, e tensão abdominal (se normotenso, se flácido), assim como a pressão arteriaL Após terem-se avaliados estes itens, caso a criança chore, os demais itens não terão sua avaliação tão prejudicada ou até mesmo facilitada, como a ausculta respiratória. Explica-se: os lactentes não obedecem ao comando de inspirarem profundamente (o que ajudaria na ausculta dos murmúrios vesiculares pulmonares). Quando estão chorando, realizam inspirações profundas e involuntárias e o médico deve calmamente aguardar tais momentos para realizar a ausculta com atenção.

..., Avaliação clínica do recém-nascido A anamnese do recém-nascido (RN) inclui as etapas anteriores ao seu nascimento. Os fatores gestacionais e as condições periparto adquirem importância fundamental para faixa etária.

10

I Semiologia da Infância

131

Inicia-se a avaliação pela identificação com o nome, sexo, idade, etnia, naturalidade (nesta faixa etária, geralmente coincide com a procedência), filiação, endereço. A queixa principal e a anamnese são informadas pelo responsável, de acordo com sua capacidade de observação e de percepção do que está ocorrendo com a criança. O médico deve estar atento ao fato de que, muitas vezes, a queixa dos responsáveis pode induzir a um falso diagnóstico, como no caso da mãe que se queixa que o RN está com dor pelo fato de o bebê estar chorando. Observa-se, porém, que ao ser amamentado, fica saciado e dorme, findando seu choro. Assim, conclui-se que a queixa de "dor" não procedia. Na verdade o RN estava faminto!

peso e estatura e idade gestacional ao nascimento. Também perguntar sobre doenças diagnosticadas até o momento, como alergias, e sobre os medicamentos em uso • Com relação à família: identificar doenças familiares nos parentes de primeiro e segundo graus (pais, irmãos, avós, tios, primos). Questionar sobre casos de síndromes clínicas na família e doenças raras ou que sejam frequentes entre os familiares • Imunizações/vacinação: verificar caderneta de saúde da criança. O recém-nascido deve ter recebido BCG e primeira dose da vacina anti-hepatite B no primeiro dia de vida.

• Interrogatório sintomatológico

Verificar se o RN está em aleitamento materno exclusivo (AME), estimulando-o e parabenizando a mãe por tal conduta. Enfatizar a importância do AME para o melhor desenvolvimento do RN. Já são de senso comum os benefícios do aleitamento matemo exclusivo até o 6° mês de vida do bebê. Caso tenha ocorrido o desmame, questionar o motivo. Caso a mãe ainda tenha leite, propor um plano para retornar à lactação materna exclusiva. Caso não seja possível, identificar o leite em uso, modo de preparação (diluição, cuidados de higiene) e oferecimento.

.,. Geral. Informar-se sobre o sono do RN: se dorme bem (especificar quantas horas ao dia- as horas de sono diárias diminuem de aproximadamente 16,5 h de sono/dia na primeira semana de vida para cerca de 15,5 h de sono/dia ao final do primeiro mês de vida); questionar se há irritabilidade, prostração ou dificuldade para amamentar. .,. Sistema tegumentar. Pápulas, manchas, placas, descamações, alterações da cor da pele (icterícia, por exemplo) . .,. Sistema cardiovascular. Dispneia ao amamentar, edema, cianose. .,. Sistema respiratório. Congestão nasal, coriza, tosse, cianose, esforço respiratório, roncos, sibilos. .,. Sistema gastrintestinal. Ritmo intestinal, características das fezes, vômitos. .,. Sistema geniturinário. Número de micções (estimular cuidador a observar quantas fraldas o RN molha por dia), características da urina (cor, odor, quantidade). No caso do sexo masculino, questionar se o jato urinário é forte e se ocorre projeção a longa distância ou se é fraco e curto (possibilidade de válvula de uretra posterior).

• Antecedentes Antecedentes do RN e familiares: • Com relação à gestação: duração da gestação (se o RN foi pré-termo- menos de 37 semanas; termo- de 37 a 42 semanas; ou pós-termo - acima de 42 semanas); se houve intercorrências (diabetes melito gestacional, infecções como, por exemplo, infecção do trato urinário poucos dias antes do parto); via do parto (natural ou cesariana); exames complementares realizados pela mãe (sorologias maternas gestacionais para toxoplasmose, hepatites B e C, HTLV, HIV I e II, citomegalovírus, sífilis, rubéola, doença de Chagas; se foi constatada alguma alteração do feto no ultrassom gestacional); tipo sanguíneo materno ABO-Rh • Com relação ao recém-nascido: se ocorreu alguma intercorrência no parto (aspiração de mecônio, trabalho de parto prolongado); qual a condição do RN ao nascimento (verificar boletim de Apgar na caderneta de saúde da criança, se houve choro logo após o nascimento e cianose prolongada); se foram necessárias manobras de reanimação neonatal, se foi necessário oxigênio, passagem por UTI neonatal. Caso tenha sido necessária, pedir relatório detalhado de alta hospitalar da UTI neonatal. Verificar uso de antibióticos, hemoderivados, necessidade de ventilação mecânica e por quantos dias. Verificar se houve intercorrências, comorbidades, procedimentos médicos. Questionar grupo sanguíneo ABO-Rh do RN, se houve icterícia, edema. Questionar

• Alimentação

Vantagens do aleitamento materno

• Menor custo • Diminuição da mortalidade infantil, principalmente por causas infecciosas, como diarreia e infecções respiratórias, além de enterocolite necrosante. Proteção contra incidência e gravidade das diarreias, pneumonias, otite média, diversas infecções neonatais • Proteção contra a síndrome de morte súbita do lactente, diabetes insulinadependente, doença de Crohn, colite ulcerativa, linfoma, doenças alérgicas e outras doenças crônicas do aparelho digestivo • Lactentes em aleitamento materno exclusivo têm melhor desempenho cognitivo • Aceleração da involução uterina, diminuindo o sangramento pós-parto. Proteção da mãe contra câncer de mama e ovário; aumento do tempo de amenorreia e aumento do intervalo de tempo entre as gestações.

• Desenvolvimento neuropsicomotor No desenvolvimento do RN, até a 4a semana de vida, é esperado que em posição prona mantenha atitude fletida, gire a cabeça de um lado para o outro. Quando suspenso ventralmente, espera-se que a cabeça fique pendida. Na posição supina, fica geralmente fletido, um pouco rígido. Pode fixar o olhar em faces ou na luz na linha de visão. Quando vira o corpo, apresenta "olhos de boneca': Tem preferência visual pela face humana. Para a avaliação do desenvolvimento psicológico, é importante observar o estabelecimento da relação mãe-filho, que nessa fase pode ser avaliado pela maneira de a mãe relacionar-se com o bebê, tal como: a mãe fala com a criança em um estilo particularmente dirigido (manhês), propondo algo à criança e aguarda a sua reação.

.... Exame físico do recém-nascido O primeiro exame físico do recém-nascido deve ser minucioso e é de fundamental importância na identificação de malformações e problemas de saúde inerentes a esta faixa etária.

Parte 2

132 Podem-se identificar sinais de doenças que necessitem de acompanhamento a longo prazo ou que determinem intervenções imediatas. Faz parte do exame físico do RN a aferição das medidas corporais: comprimento, peso, perímetros cefálico e torácico. .,.. Ectoscopia. Avaliar a cor da pele- clara, ictérica (Figura 10.1), cianótica -, seu turgor, ocorrência de descamação, manchas (mongólicas, eritema tóxico), equimoses, hematomas e lesões cortocontusas, que podem ocorrer no momento do parto. É importante procurar evidências de síndromes genéticas: fronte proeminente, micro ou macrocrania, alterações no dorso nasal, pregas epicânticas, hipertelorismo, orelhas de baixa implantação, micrognatia, protrusão da língua, pescoço alado (ver Capítulo 13, Investigação Diagnóstica das Anomalias Genéticas). Na boca, avaliar os lábios e a conformação do palato: se em ogiva, fenda palatina, se há fissura labiopalatal etc., pesquisar se há dentes neonatais (dentes ao nascimento -mais comuns nas meninas). A maioria dos casos é familiar e sem implicações patológicas, mas podem estar associados a síndromes genéticas. Observar anatomia da língua e freio lingual (anquiloglossia parcial ou "língua presà'); verificar gengivas. Observar a posição dos mamilos (podem estar afastados na linha média) e a posição de inserção do coto umbilical no abdome, verificando se este tem duas artérias e uma veia. Avaliar genitália (ver adiante). Observar região sacral em busca de fóveas, fossetas, tufos capilares, proeminências (mielomeningocele), manchas (mongólicas). Avaliar membros, com especial atenção aos dedos das mãos (quirodáctilos) e dos pés (pododáctilos) em busca de polidactilias, sindactilias, dedos mais curtos ou mais longos que o habitual. Observar palma das mãos em busca de linha palmar transversa contínua e formato da planta do pé (pé plano). Avaliar posição dos pés em relação aos tornozelos (pés tortos congênitos). É também importante verificar se as narinas e a região anal estão pérvias, por meio de uma sonda fina introduzida delicadamente nestes orifícios em busca de atresia de cóanas e imperfuração anal respectivamente. .,.. Aparelho cardiovascular. Ausculta atenciosa de todo o tórax. Observar visualmente o ictus cordis e palpá-lo para identificação de frêmitos de origem cardíaca. Sua posição varia de acordo com a faixa etária, localizando-se lateralmente à linha hemiclavicular esquerda no 3!l espaço intercostal esquerdo no recém-nascido. Contar a frequência cardíaca (Quadro 10.1) e avaliar o ritmo. Lembrar que a arritmia sinusal ou respiratória é normal na infância e que nesta situação, a frequência cardíaca aumenta com a inspiração e diminui na expiração. Palpar os

Grau Extensão da icterfcia

I ..,.

o

Nenhuma Face e pescoço



11



11

Tórax e dorso

111

Abdome abaixo do umbigo até joelhos

~

IV

v

Braços e pernas abaixo dos joelhos Mãos e pés

Figura 10.1 Icterícia neonatal. Esquema para gradação da extensão da icterícia.

I Semiologia da Infância, da Adolescência edo Idoso

Quadro 10.1 Frequência canUaca (FQ por faixa etária na infância. Faixa etária

FCmédia

Espectro da FC

Recém-nascidos

145 bpm

(90 a 180) bpm

6meses

145 bpm

1 ano

132 bpm

(105a185) bpm (105 a170) bpm

2anos

120 bpm

(90 a 150) bpm

4anos 6anos

108 bpm 100 bpm

(72 a 135) bpm (65 a 135) bpm

10 anos

90bpm

(65 a 130) bpm

f( = frequência cardíaca; bpm =batimentos por minuto.

pulsos femorais. Observar se ocorrem sopros cardíacos e avaliar sua intensidade. No exame físico do aparelho cardiovascular, é importante estar atento também a cianoses, edemas, tamanho do fígado e reflexos hepatojugulares. .,.. Aparelho respiratório. Durante a inspeção, procurar sinais de esforço respiratório (avaliar se há tiragem subcostal, intercostal e fúrcula; observar se ocorrem cianose, batimento de aletas nasais e balancim toracoabdominal - assincronia entre o movimento do tórax e do abdome no ciclo respiratório). Avaliar frêmito torácico, proceder à ausculta do tórax para avaliação do murmúrio vesicular. Observar se há ruídos adventícios (sibilos, estertores). Contar a frequência respiratória do RN em 1 min (Quadro 10.2). .,.. Abdome. Avaliar a forma do abdome (globoso, plano, escavado), tensão (abdome intensamente flácido, com pele enrugada e vísceras abdominais palpáveis como na síndrome de prune belly), ocorrência de visceromegalias e massas palpáveis. A percussão, avaliar o timpanismo. A ausculta, observar os ruídos hidroaéreos. Avaliar cordão umbilical, contando número de artérias e veias (normalmente duas artérias e uma veia) . .,.. Genitália. Verificar se é típica masculina ou feminina. Na genitália masculina, procurar testículos na bolsa escrota! e na região inguinal. Verificar se há exposição da glande e, havendo, observar se há epispadia ou hipospadia (o meato uretral externo localizado na face dorsal do pênis ou na face ventral do pênis, respectivamente). Nas meninas, verificar se há sinequia (aderência) de pequenos lábios, hipertrofia de lábios vulvares, de clitóris (comuns na hiperplasia congênita de suprarrenal). Casos de anormalidades da diferenciação sexual devem ser identificados. Caso a genitália seja ambígua, não se deve dizer o sexo do RN até que se faça uma melhor avaliação e se tenha tal certeza (em alguns casos, essa determinação só vai ser possível após análise de alguns exames, como o cariótipo). .,.. Membros. Pesquisa dos sinais de Ortolani e Barlow (Figuras 10.2 e 10.3) para identificação de luxação congênita do quadril. Observar o formato dos membros, se há edema, hipoplasia, alterações nos dedos dos pés ou das mãos- polidactilias, sindactilias -, se há alguma alteração observada durante a palpação de clavículas (crepitação, por fratura, que pode ocorrer no parto). Pesquisa de reflexos e sinais neurológicos: buscar Frequência respiratória máxima esperada por faixa etária na inta ncia. Idade

Frequência respiratória máxima

Até2 meses

Até 60 irpm

Entre 2meses e 12 meses Acima de 12 meses

Até 50 irpm Até 40 irpm

irpm = incu~õe.srespiratórias por minuto.

-----------------------

10

I Semiologia da Infância

A

133

( t~..q·

, ,

{f~

Figura 10.2 A manobra de Barlow é um teste provocativo realizado com os quadris e joelhos do recém-nascido fletidos. Seguram-se as pernas gentilmente, com as coxas em adução (A), e o examinador aplica uma força no sentido posterior. A manobra é positiva (B) se o quadril é deslocável (luxável).

Figura 10.4 Reflexo de Moro. t deflagrado com algum estímulo (som mais intenso ou movimento súbito do recém-nascido)- a coluna se arqueia para trás e os braços e mãos se abrem, simulando um abraço. Pode ser observado até os 5 a 6 meses de vida.

o tempo médio gasto entre o médico questionar "o que está acontecendo?" e interromper o paciente com outra pergunta "e o intestino?" é de apenas 18 s! Possivelmente novas pistas surgiriam, se o paciente não fosse assim interrompido.

• Anamnese do lactente ao escolar Anamnese do ladente

8

Figura 10.3 A manobra de Ortolani é o reverso da de Barlow. O examinador segura as coxas do recém-nascido e gentilmente realiza a abdução do quadril enquanto move anteriormente o grande trocanter com dois dedos (A). A manobra é positiva (B) quando a cabeça do fêmur luxada retoma ao acetábulo, com um "clunk" palpável quando o quadril é abduzido.

identificar hipertonias, hipotonias, movimentos anormais e reflexos tendinosos e cutaneoplantar (devem ser interpretados no contexto geral do exame neurológico; isolados, nesta faixa etária, não fundamentam diagnóstico e não ditam conduta). Avaliar igualmente reflexos primitivos (Moro - Figura 10.4, tônico-cervical e preensão palmar e plantar).

..,. Avaliação do lactente ao escolar A descrição da propedêutica do lactente ao escolar será exposta adiante, destacando-se aspectos mais peculiares desta ou daquela faixa etária. É importante que a anamnese não seja direcionada e que seja passiva o tanto quanto possível. Não é raro que os pais ou responsáveis, que costumam desempenhar o papel de intermediador do paciente, sejam interrompidos de forma inadvertida e com frequência pelo profissional de saúde, antes que seja exposto o raciocínio e a história clínica completa. De acordo com o hematologista e oncologista, Jerome Groopman,

Essa fase da vida da criança é marcada por rápido crescimento e intenso desenvolvimento. As interações entre pais e filhos mudam cotidianamente, obrigando estes a se adaptar à nova realidade. Decorre daí a necessidade de explorar os compromissos, dúvidas e preocupações dos pais na anamnese. Recomenda-se avaliar o cotidiano da criança, registrando seus padrões e a adequação da alimentação, do sono, suas funções fisiológicas, sua relação com a família e os cuidados domésticos para prevenir acidentes. As principais preocupações são com o ritmo do crescimento e a aparência física do lactente. Algumas dúvidas mais frequentes estão relacionadas com os lactentes jovens e dizem respeito à cicatrização do coto umbilical, ocorrência de exantemas, primeiras enfermidades, como resfriado ou febre, erupção de dentes, uso de medicamentos e vitaminas, reações a imunizações, bem como a avaliação da visão e da audição do bebê. A constituição dos laços afetivos é ponto fundamental da consulta pediátrica para avaliação do desenvolvimento, e os pais devem ser arguidos sobre seus sentimentos com relação ao filho, por exemplo, se sentem que estão seguros para o cuidado, e sobre o reencontro da rotina de vida adequada para toda a família. Os pais devem ainda ser incentivados a relatar o temperamento do lactente- irritadiço ou calmo-, a previsibilidade do comportamento e sua reação aos comportamentos típicos da criança, por exemplo, ao choro ou à irritação. Nos lactentes mais velhos, devem-se buscar evidências que indiquem ansiedade com a separação e insegurança diante de estranhos. Essas reações devem ser explicadas aos pais. Para avaliação dos marcos do desenvolvimento neuropsicomotor (DNPM), a abordagem começa com uma pergunta geral, como: "O que ele está fazendo atualmente?': A partir dessa pergunta, comparam-se as respostas obtidas a uma escala de padrões de desenvolvimento. O Ministério da Saúde disponibilizou, em 2002, uma ferramenta de avaliação do DNPM (Figura 10.5),

Parte 2

134

I Semiologiada Infância, da Adolescência edo Idoso

Ficha de acompanhamento do desenvolvimento Registro:

Nome:

Data de nascimento

Idade (meses)

Marcos do desenvolvi menta (resposta esperada)

-' '-

Abre e fecha os braços em resposta à estimulação (Reflexo de Moro) Postura: barriga para cima, pernas e braços fletidos, cabeça lateralizada Olha para a pessoa que a observa Dá mostras de prazer e desconforto Fixa e acompanha objetos em seu campo visual Colocada de bruços, levanta a cabeça lateralmente

)(

Arrulha e sorri espontaneamente

.....ê~--...

Começa a diferenciar dia/noite

~

Postura: passa da posição lateral para linha média

."'rj .....·~_J__r:cr.;--·-

Colocada de bruços, levanta e sustenta a cabeça apoiando-se no antebraço ~....-r. ':-:-

Emite sons- Balbucia 1------------------+-+-+-+--+-+--4--+--+-+-t--+--+--+-1 Conta com a ajuda de outra pessoa mas não fica passiva Rola da posição supina para prona Levanta pelos braços, ajuda com o corpo Vira a cabeça na direção de uma voz ou objeto sonoro Reconhece quando se dirigem a ela Senta-se em apoio Segura e transfere objetos de uma mão para outra Responde diferentemente a pessoas familiares ou estranhas Imita pequenos gestos ou brincadeiras Arrasta-se ou engatinha Pega objetos usando o polegar e o indicador Emprega pelo menos uma palavra com sentido Faz gestos com a mão e a cabeça (tchau, não, bate palmas etc.)

Marcos do desenvolvimento (resposta esperada)

~~ ~~

~----~~--+-------------------------------------~~~ ;tt Anda sozinha, raramente cai ~

~ .,

Tira sozinha qualquer peça do vestuário

}f1 \1

Combina pelo menos 2 ou 3 palavras ~-+------------~---------------------------+~~~r-+-;-~-r-+~~~~

Ç~.A' ~

~'3

Distancia-se da mãe sem perdê-la de vista

..;)

Leva os alimentos à boca com sua própria mão

Corre e/ou sobe degraus baixos Aceita a companhia de outras crianças mas brinca isoladamente Diz seu t"'V""''v nome e nomeia

como sendo seus

Veste-se com auxílio Fica sobre um pé, momentaneamente Usa frases Começa o controle esfincteriano Reconhece mais de duas cores Pula sobre um pé só Brinca com outras crianças Imita pessoas da vida cotidiana (pai, mãe, médico etc.) Veste-se sozinha Pula alternadamente com um e outro pé Alterna momentos cooperativos com agressivos Capaz de expressar preferências e ideias próprias

O

Período em que 90% das crianças adquire o marco

O

Presentes até o 42 mês

P = presente; A =ausente; NV = não verificado Elaborado por Brant, J. A. C., Jerusalinsky. A. N. e Zannon, C. M. L C.

Figura 10.5 Avaliação do crescimento e desenvolvimento {M$,2002).

10

I Semiologia da Infância

em que nas áreas em cinza ocorrem 90% das novas aquisições do desenvolvimento. Em crianças maiores, o desempenho escolar é uma maneira de se avaliar o DNPM. A história familiar, incluindo saúde, hábitos de vida e questões psicossociais, é tópico essencial e deve incluir os antecedentes e as condições atuais de saúde da família, a adaptação da família ao bebê, o envolvimento do cônjuge nos cuidados com a criança, a inserção do trabalho na rotina familiar, as providências para os cuidados diários e a rivalidade entre irmãos. As condições ambientais devem fazer parte do inquérito, particularmente as questões sobre tabagismo na família, no domicílio, se há umidade e ventilação da casa. Os hábitos alimentares da família devem receber atenção especial, e os saudáveis devem ser estimulados, levando em conta que o paladar e preferências são cultivados desde os primeiros anos de vida e são fundamentais para uma vida saudável.

Anamnese do pré-escolar e escolar Esse período da vida da criança é marcado por intensa atividade motora com rápida aquisição de habilidades, linguagem e grande capacidade de aprendizagem. Por isso, é importante durante a consulta avaliar a dinâmica familiar e o estilo pessoal da criança e da família, com objetivo de promover integração e atender às necessidades da criança em desenvolvimento. Também é o período em que se deve proceder às triagens sensoriais formais para verificar as condições para aprendizagem. Na anamnese exploram-se as dúvidas e preocupações dos pais. A partir de 3-4 anos, deve-se estabelecer também um diálogo com a criança durante a consulta. Para avaliar o cotidiano da criança, pergunta-se sobre a alimentação, a participação nas refeições familiares, padrões de lanches e recusa de alimentos, além da conduta dos responsáveis com relação às recusas alimentares. Outros tópicos incluem padrões e preocupações com o sono, especialmente o despertar noturno perturbado, progressos e dificuldades no treinamento esfincteriano, cuidados dentários e medidas de prevenção de acidentes. As habilidades motoras e a sociabilidade também devem ser motivo de questionamentos. Nas crianças maiores, indaga-se sobre a prática de esportes e exercícios físicos na rotina diária, estimulando-as. Sobre as preocupações com doenças, solicita-se a avaliação dos pais com relação à saúde geral da criança a infecções comuns da infância e reações alérgicas. O desenvolvimento deve ter um enfoque especial na consulta da criança nessa faixa etária e pode ser abordado nos conteúdos afetivo e cognitivo. No afetivo, os pais são incentivados a descrever as reações do pré-escolar que oscilam entre as manifestações de dependência e independência, evidenciada por comportamentos que alternam entre desejos de exploração do ambiente e pessoas, negativismo, ansiedade de separação e dificuldade para controlar os impulsos. Além disso, exploram -se as brincadeiras preferidas e a integração entre o pré-escolar e os demais familiares. Para o escolar, as perguntas concentram-se em descrições do estilo de comportamento (p. ex., extrovertido, tímido), adaptação ao ritmo de um ano escolar formal e interações com os colegas. A rivalidade entre irmãos e o papel da criança na vida familiar também devem ser abordados e avaliados no desenvolvimento da criança. No cognitivo, a principal observação no pré-escolar deve ser com o conteúdo e a complexidade da linguagem. Aos 2 anos de idade, cerca de 50% da fala da criança deve ser inteligíveL Erros de articulação, como substituir "r" por "1" ou "c" por "t", são comuns e normais nesse momento. Aos 4 anos, quase

135 toda a fala da criança deve ser compreensíveL Outros tópicos incluem as evidências de curiosidade e de interesse em objetos ou pessoas que não estejam presentes. No escolar, devem ser observados o desempenho da criança na escola, o que gosta e desgosta na escola, notas, absenteísmo e repetência. O inquérito ainda deve incluir a história familiar, caso não seja conhecida pelo médico, e inclui antecedentes e as condições atuais de saúde da família. O exame físico da criança deve ser sempre realizado com paciência e gentileza, desde a fala em tom e momentos adequados até a modo de manipular ou conter o paciente. Os procedimentos mais "temidos" ou dolorosos, em geral, são os finais, devem ser sempre previamente informados ao paciente e não devem ser suprimidos por vontade dos pais ou da criança. O exame físico, em consulta de primeira vez, retorno ou na emergência, deve ser sempre completo. O exame físico tem início quando o paciente é recebido pelo médico no consultório e seu estado geral -grau de atividade ou prostração, fácies, desconforto respiratório, irritabilidade e choro fácil, cianose e edemas - pode ser facilmente identificado. As várias etapas do exame físico geral e dos diferentes aparelhos foram descritas com detalhes (e com as particularidades) no item Exame físico do recém-nascido. A avaliação geral, a propedêutica cardiorrespiratória, abdominal, entre outras, não sofrerão alterações dramáticas em lactentes, pré-escolares e escolares. Em geral, os lactentes também são examinados em decúbitos, ou seja, iniciando-se o exame com paciente em decúbito dorsal, a ausculta respiratória, por exemplo, será realizada em toda a região torácica anterior. Somente após a avaliação do estado geral e de todos os sistemas possíveis no decúbito dorsal, o médico passará ao exame dos aparelhos e sistemas com o paciente em decúbito ventral. Na criança maior, capaz de se sentar e compreender ordens simples, o exame físico se assemelha ao do adulto, por aparelhos e sistemas e não em decúbitos. A avaliação do crescimento e desenvolvimento faz parte das ações básicas de saúde em pediatria. Para avaliação do crescimento ponderoestatural, dispõe-se de várias curvas de crescimento (curva de Marcondes, curva da Organização Mundial da Saúde - OMS, curva dos Centers for Disease Control - CDC etc.), que estratificam as crianças em percentis ou escores Z (quantidade de desvios padrões acima ou abaixo da média). Em 2006 foram lançadas pela OMS as novas curvas para avaliação do crescimento da criança conforme um estudo mundial que teve início em 1996 com a participação de países que representaram as 6 principais regiões geográficas do mundo: Brasil (Pelotas) - representando a América Latina -, Ghana (Accra), Índia (Nova Délhi), Noruega (Oslo), Oman (Muscat) e EUA (Davis). Essas curvas estão representadas nas Figuras 10.6 a 10.17. Nas curvas de crescimento, o peso ou a estatura em determinado mês (ou ano) de vida deve ser plotado na curva de acordo com a idade na consulta. O resultado desta plotagem será expresso no percentil ou intervalo de percentis no qual a criança se enquadra. Como exemplo, um lactente de 4 meses, do sexo masculino, que esteja pesando Observação inidal do estado geral Van den Bruel et a/. (201 0), em uma revisão sistemática, determinaram que a observação inicial do estado geral ('1nstinto clínico" em determinar agravidade do quadro clínico em crianças) é determinante para evitar a evolução de um quadro grave, sendo considerada assim pelos autores como um alerta vermelho na avaliação inicial em pediatria.

Parte 2

136

I Semiologiada Infância, da Adolescência edo Idoso

Comprimento/estatura por idade MENINOS

da salldt

Do nascimento aos 5 anos (percentis)

I

.

I

· -+--+-+-+-~~• -+-+-+-~-+- ~-~~~-~~-

Figura 10.6 Curva de crescimento (altura por idade) para meninos de Oa 5 anos (OMS).

Comprimento/estatura por idade MENINAS Do nascimento aos 5 anos (percentis)

Figura 10.7 Curvas de crescimento (altura por idade) para meninas de Oa 5 anos (OMS).

10

I Semiologia da Infância

137

Estatura por idade MENINOS Dos 5 aos 19 anos (percentis)

p 85

Figura 10.8 Curvas de crescimento (altura por idade) para meninos de 5 a 19 anos (OMS).

Estatura por idade MENINAS

llnistfrio daS**

Dos 5 aos 19 anos (percentis)

I

+

Figura 10.9 Curvas de crescimento (altura por idade) para meninas de 5 a 19 anos (OMS).

pSO

Parte 2

138

I Semiologiada Infância, da Adolescência edo Idoso

Peso por idade MENINOS Do nascimento aos 5 anos (percentis)

Figura 10.10 Curvas de peso por idade para meninos de Oa 5 anos (OMS).

Peso por idade MENINAS Do nascimento aos 5 anos (percentis)

Figura 10.1 1 Curvas de peso por idade para meninas de Oa 5 anos (OMS).

Minlsttrio daSaQde

10

I Semiologia da Infância

139

Peso por idade MENINOS Dos 5 aos 10 anos (percentis)

'--""~' p 50

p 15 p3

Figura 10.12 Curvas de peso por idade para meninos de 5 a 10 anos (OMS).

Peso por idade MENINAS

c~~s.·•

Dos 5 aos 10 anos (percentis)

I l 1

1

itit:t-.-ll

..• -

p85

1 I

pSO

I

p 15

...I

r

Figura 10.13 Curvas de peso por idade para meninas de 5 a 1Oanos (OMS).

-

p3

Parte 2

140

I Semiologiada Infância, da Adolescência edo Idoso

IMC por idade MENINOS Do nascimento aos 5 anos (percentis)

Figura 1O.14 Curvas de IMC (índice de massa corpórea) para meninos de Oa 5 anos (OMS).

IMC por idade MENINAS Do nascimento aos 5 anos (percentis)

Figura 10.15 Curvas de IMC (índice de massa corpórea) para meninas de Oa 5 anos (OMS).

dasaadt

10

I Semiologia da Infância

141

IMC por idade MENINOS Dos 5 aos 19 anos (percentis)

p 15

p3

+

l

+- •

Figura 1O.16 Curvas de IMC (índice de massa corpórea) para meninos de 5 a 19 anos (OMS).

IMC por idade MENINAS Dos 5 aos 19 anos (percentis)



r t



~

I I

!TI t

-+-

l

.. + + •

-+

-



f

p85

I

I

p50

p 15

p3

Figura 1O. 17 Curvas de IMC (índice de massa corpórea) para meninas de 5 a 19 anos (OMS).

Parte 2

142 7.000 gramas, estará no percentil 50 de peso, ou seja, espera-se que 50% dos lactentes masculinos de 4 meses estejam com peso superior e que 50% do mesmo sexo e faixa etária estejam com peso inferior ao do paciente. Com relação à estatura, a criança é classificada como estatura normal se o respectivo percentil estiver entre 1O e 90. Os pacientes com percentil inferior ao último (< percentil 3 na curva da OMS, < percentil 5 na curva do CDC ou < percentil 2,5 na curva de Marcondes) são diagnosticados como baixa estatura. Inversamente e menos comum, crianças acima do último percentil (> percentil 97 na curva da OMS, >percentil 95 na curva do CDC ou > percentil 97,5 na curva de Marcondes) são consideradas como alta estatura. Em crianças e adolescentes, a avaliação da pressão arterial é baseada no sexo, idade e percentil de estatura. Em 2004, a Academia Americana de Pediatria publicou os novos valores de diagnóstico de hipertensão em crianças e adolescentes Quadro10.3

1

90

95

5

10

25

50

75

90

95

50

80 94 98 105 84 97 101 109 86 100 104

81 95

85

34 49 54 61 39 54 59 66

35 50

36 51 55 63 41 56 60 68 45 60

37 52 56

39 54 58 66

44

44

58 63 71

59 63 71

48

48

112

113

112

88 102 106

89 103 107 114 91 105 109 116 92 106 11o 117

119 96 110 114 121 98

120 97 111 115

62 67 75 51 66 71 78 55 69 74 81 57

63 67 75 52 67 71 79 55 70 74 82 57

72

72

76

72

38 53 57 65 43 58 62 70 47 62 66 74 51 66 70 78 54 69 73 81 56 71 75 83 58 73

39 53 58 66

94 108

89 103 106 114 92 106 110 117 95 109

111

87 100 104 112 90 104 108 115 93 107 110 118 95 109 112 120 96 110 114 121 98 111 115 123

88 102 106

102 110 87 101 105

83 97 101 108 87 100 104 111 89 103 107 114 91 105 109 116 93 106 110 118 94 108 112 119 95 109 113 120 97 110 114 122 98 112 116

76

77

84

85 60 74 79 87 61 76 80 88 61 76 81 88 63

76 84 59 74 78 86 61 76 80 88 62

95 99 50 95 99 50 95 99 50 95 99 50

95 99

117

50 90

94 107

95

111

99 90

119 95 109

95

113

99

50

120 97

90

111

95

115

99

122 99

50 90

95 99

50 90

9

10

11

50

50 90

95 99

12

113

90 104 108 115 91 105 109 116 92 106 110

99

8

Percentil de altura

75

95

7

Percentil de altura

50

90

6

PA diastólica (mmHg}

25

90

5

PA sistólica (mmHg}

10

90

4

(Quadros 10.3 e 10.4) adotados no Quinto Consenso Brasileiro de Hipertensão Arterial (2006). A pressão arterial considerada normal é inferior ao percentil 90; a pressão arterial limítrofe, entre os percentis 90 e 95 e a hipertensão é definida por valores superiores ao percentil 95 para o sexo, idade e respectivo percentil de estatura.

5

90

3

Aobesidadeéum problemacrescente de saúdenapopulação pediátrica. Ogden etal. (2012) relataram que 9,7% de lactentes epré-escolares e16,9% deescolares e adolescentes nos EUA estão obesos. No Brasil, a Pesquisa Nacional de Demografia e Saúde da Criança e da Mulher (PNDS), de 2006, revelou sobrepeso e obesidade emcrianças e adolescentes na ordem de 13,9%. Ao exame físico, considera-se sobrepeso quando o percentil de IMCenquadra-se entre o percentil 85 e 95 da curva e obesidade, quando o percentil está acima do 95para osexo efaixa etária (Figuras10.14a10.17).

PA percentil 90

2

Obesidade em crianças eadolescentes

Valores de pressão arterial referentes aos percentis 50, 90, 95 e 99 para meninos de 1a 17 anos de idade, de acordo com o percentil de estatura.

Masrulino

Idade (anos}

I Semiologiada Infância, da Adolescência edo Idoso

50 90

95 99

113 117

124 101 115 119 126

99

106 85 99

94

107 111

118 95 109 112 120 96 110 114 121 98 112 116

m

100 114 117

123

125

100 114 118 125 102 116 120 127

102 115 119 127

104 118 122

129

99

103 110 88

102 106 113

91 105 109 116 93 107 111 118 95 108 112 120 96

110 114 121 97 111 115 122 99

112 116 123 100 114 118 125 102 115 119 127 104 117 121

129 106 120 123 131

99 113 117

124 100 114 118 125 102 115 119 127 103 117 121 128 105 119 123 130 108 121 125 133

113

92 105 109 117

111 115

123 99 113 117

124 100 114 118 125 102 115

119 127 103 117

121 128 105 119 122 130 107 120 124 132

109 123 127 134

122

98 112 116 123 100 113 117

125 101 115 119 126 102 116 120 127

104 118 121

59 63 71

77

53 68 72

80 55 70 74 82 56 71 75 83 57 72

77

130 107

85 59 74 78 86 59 74 78 86

110 123 127 135

55 59 67

59 63 71 47 62 66 74 50 65 69

123

125 132

40

44

106 119

121

62

44

76 84 58 73

129

54

64 72

48

49

63 67 75 51

64

66

70 78 53 68 72 80

55 70 74 82 57 72

76 84

58 73 77

85 59 73 78 86

60

75 79 87 60

75 79 87

68 76 52 67 71 79 54 69 73 81 56 71 75 83 58 72 77

85 59 74 78 86 60 74 79 86 61 75 80 88 61 75 80 88

64

42 57 61 69 46

61 65 73 50 65 69

n

53 68 72 80

55 70 74 82 57

59 73 78 86

60

75 79 87 61 75 80 88

62 76 81 89 62 76 81 89

77

82 90 63 77

82 90

84

59 74 78 86 60 75 79 87 61 76 81 88 62 77

81 89 63 78 82 90 63 78 82 90

77

81 89 63 78 82 90 63 78 82 90 64 79 83 91 (continua)

10

I Semiologia da Infância

143

Valores de pressão arterial referentes aos percentis 50, 90, 95 e 99 para meninos de 1a 17 anos de Idade, de acordo com opercentil de estatura. (continuoçõo) Masculino

Idade (anos)

PA sistólica (mmHg)

PA diastólica (mmHg)

Percentil de altura

Percentilde altura

PA percentil

5

10

25

50

75

90

95

5

10

25

50

75

90

95

50

105 118 122 130 107 121 125

106 120 124

108

110

111

112

124

128

126 130

131

133

135

63 78 82 90

67 79

126

109

111

113

123

125

91 65 79

67 79 83 91 65 80

132

84

84

131

132

128 136

132

99

50

109

113

115

122

127

129

92 66 80

95

131

133

50

126 134 111

140 118

90

125

131

133

95

135

137

144 121

95

131

132

99

139

140

143 120 134 138 145

92 66 81 85 93 67 82 87 94 70

90

129 136 114 127

138 116 130 134 141 118

139 117 130 134 142 119

140 117

90

110 124 127

127 134 112 125 129 136 114 128

126 130 138

125 129 136 114 128

61 76 80 88 62

62

122

60 75 79 87 60 75 80 87 61 76 81 88 63 78 82 90 65 80

60

95

104 117 121 128 106 120 124

13

90

95 99

14

50 90

15

99

16

99

17

50

135

112

126 130 137

115 128

132

139 116 130 134 141

132

136 143

135

139 146

137

115

128

131

135 142 120 134 137 145 122

136 140 147

84

92

75 79 87 61 76 80 88

62 77

81 89 63 78 83 90 66 80

85 93

77

81 89 63 78 82 90 64 79 83 91 66 81 86 93

77

81 89 63 78 82 90 64

79 83 91 65 80 84

92 67 82 87 94

64

79 83 91 65 80

83

84

85

92 66 81 85 93 68 83 87 95

93 67 82 86 94

69 84 88

96

84

89 97

Fonte: National High Blood Pressure Education Program Working Group on High Blood Pressure in Children and Adoles2 >5 >7 > 10

Sal 7a 10

necessidade de indagar sobre esses problemas na anamnese do paciente idoso incontinente. A incontinência fecal é menos prevalente e geralmente acompanha a urinária. Deve ser sempre pesquisada, pois, se os pacientes tendem a esconder a incontinência urinária, quanto mais a fecal. .,.. Sexualidade. Sexualidade é a maneira como uma pessoa vivencia e expressa o seu sexo e, frequentemente, é confundida com a relação sexual, que, por sua vez, não está restrita ao ato da penetração, mas engloba também a troca de sons, cheiros, olhares, toques e carícias. A relação ou ato sexual corresponde apenas a um dos aspectos da sexualidade, que também é expressa por meio dos gestos, do jeito de andar, da postura, da fala, das roupas, dos adornos, ou seja, de cada detalhe da personalidade e do comportamento do indivíduo. O ato sexual humano, além do aspecto reprodutivo, serve para atender às necessidades pessoais mais profundas e reforçar a relação entre parceiros, colaborando assim para a estabilidade da sociedade. Apesar da revolução na concepção e na prática da sexualidade observada nas últimas décadas, a maioria dos médicos não tem por hábito incluir, na anamnese, indagações sobre as relações sexuais de seus pacientes, principalmente se eles forem idosos. Provavelmente porque falar sobre o assunto ainda seja, para muitos, um tabu, especialmente se o interlocutor for mais velho, como no caso do médico que cuida de idosos. Pode-se dizer que existe o mito da velhice assexuada, principalmente na família. Os filhos e os netos são os primeiros a negar a sexualidade dos pais e/ou dos avós. Não raro, interpretam o seu interesse sexual como um desvio ou sinal de demência. O médico assimila esse preconceito e deixa de conversar sobre a libido e o ato sexual de seus pacientes idosos. Muitos podem indagar: e se o(a) paciente não deseja e não tem mais interesse por sexo, eu não poderei ofendê-lo(a) com essa pergunta? É claro que não, se o assunto for abordado de maneira respeitosa e com bom senso. Por exemplo, não se justifica perguntar sobre a atividade sexual de um idoso com demência, imobilizado no leito. Contudo, muitos pacientes idosos que se sentem inibidos para expor as suas queixas, se estimulados podem se abrir e fornecer dados importantes para o diagnóstico de suas enfermidades e de suas expectativas e frustrações quanto à qualidade de vida. Como no caso da mulher idosa que, ao ser indagada, diz que mantinha relações sexuais até há pouco tempo, mas que, nos últimos meses, a libido diminuiu porque tem dispareunia (dor durante a penetração), o que tem lhe causado uma grande angústia, comprometendo o seu relacionamento conjugal. Nesse caso, uma avaliação médica criteriosa pode identificar a causa e, com o tratamento, a paciente pode recuperar a sua autoestima e qualidade de vida. O ato sexual é influenciado por inúmeros fatores orgânicos, emocionais, sociais e culturais. Ele pode estar alterado devido a problemas hormonais (deficiência de estrogênios e de testosterona), doenças do aparelho geniturinário (infecções, hipertrofia prostática, cistocele), doenças cardiovasculares (insuficiência cardíaca, insuficiência coronariana- nas quais o esforço do ato sexual pode causar desconforto), doenças cerebrais (demência- que pode ocasionar quadros de hipersexualidade ou repulsa por parte do parceiro) e inúmeras outras afecções comuns nos idosos (diabetes melito, DPOC). A depressão é uma das doenças que cursam com diminuição da libido, queixa que corrobora para o diagnóstico, mesmo nos idosos. Convém lembrar que muitos medicamentos antidepressivos podem causar distúrbios ejaculatórios e disfunção

162 erétil em homens. Indagar sobre a sexualidade faz parte do acompanhamento do tratamento da depressão, a despeito da idade do paciente. Fatores socioculturais são muito importantes. O mais marcante deles é que tem aumentado o número de indivíduos que alcançam idades avançadas em condições psicofísicas satisfatórias e que não estão dispostos a abdicar da vida sexual. Surge então um problema: a falta de parceiro. Contribuem para essa situação: a viuvez, a separação, a doença do parceiro ou o seu desejo de renunciar à vida sexual (o que também é aceitável, já que, na vida do ser humano, não há nada mais pessoal e característico do que o modo de vivenciar a sexualidade), o preconceito do paciente e dos familiares, a falta de estímulo de uma sociedade que só entende sexo como algo saudável se realizado por pessoas jovens e de físico perfeito, o isolamento imposto nas instituições para idosos e nas próprias famílias, pois esses indivíduos frequentam menos compromissos sociais e têm menores chances de conhecer pessoas diferentes. Esse conflito é mais acentuado para as mulheres, que têm maior expectativa de vida e prevalecem em maior número na velhice. Apesar de as idosas de hoje terem assistido a profundas mudanças no papel da mulher, elas continuam presas a uma educação rígida de que, após a menopausa, ou seja, após findada a sua capacidade reprodutiva, a sua vida sexual não tem mais sentido. Todas essas situações socioculturais devem ser levadas em conta, mesmo que, na maioria das vezes, o médico não tenha como solucioná-las. O simples fato de ouvir e procurar compreender uma queixa que está reprimida pode ser de grande ajuda para que o paciente encontre a melhor solução para o seu caso. O envelhecimento pode, independentemente de haver doenças, alterar o ciclo da resposta sexual, que é composto de 4 fases: excitação, platô, orgasmo e resolução. A fase de excitação, que ocorre em resposta a um estímulo e caracteriza-se pela ereção, no homem, e pela lubrificação vaginal, na mulher, é mais demorada nos idosos, que necessitam de estímulos maiores que os jovens. Tal situação não deve ser confundida com falta de resposta do organismo, e os pacientes devem ser esclarecidos sobre essas modificações. O homem leva menos tempo que a mulher para chegar ao orgasmo. Com o envelhecimento, ele consegue controlar melhor a fase de platô e prolongá-la, chegando ao orgasmo junto com a mulher. Essa alteração, ao contrário das demais, pode contribuir para a melhora da qualidade das relações sexuais do casal idoso. Com o envelhecimento, diminuem as contrações pélvicas, penianas, prostáticas, vaginais e uterinas que caracterizam o orgasmo. Até por volta dos 50 anos, o orgasmo ocorre simultaneamente com a ejaculação, e o homem não consegue diferenciá-los. No idoso é frequente o "orgasmo seco", independentemente da ejaculação, pois a produção do esperma e do líquido seminal diminui com a idade. Após a fase de resolução, caracterizada pela descongestão rápida de todas as estruturas envolvidas no ato sexual, o homem passa por um período refratário ou de latência, que não ocorre na mulher. No jovem, esse período é curto, geralmente de minutos. No idoso, ele é mais prolongado, podendo levar dias e até semanas sem que se consiga nova ereção. Esclarecer o paciente sobre essas modificações é importante, pois muitos homens idosos podem imaginar-se impotentes quando o período refratário é muito prolongado. A sexualidade deve ser abordada de maneira franca e respeitosa na anamnese do paciente idoso. Problemas que eles

Parte 2

I Semiologia da Infância, da Adolescência edo Idoso

não revelam espontaneamente podem ser importantes para o diagnóstico de diversas enfermidades, como a diminuição da libido na depressão, a dispareunia na deficiência estrogênica e a disfunção erétil no diabetes melito. É necessário esclarecer sobre as modificações esperadas com o envelhecimento, pois aquilo que é normal pode ser interpretado como doença e ser fonte de angústia e frustrações, causando mais disfunção sexual e iniciando um círculo VICIOSO.

Por outro lado, a disfunção sexual provocada por uma doença orgânica ou psíquica pode ser fonte de frustração para o paciente, e o tratamento da afecção, sem levar em conta a melhora da disfunção sexual, deixa a desejar porque não se reverte em melhora da qualidade de vida. ~ Ansiedade e/ou depressão. A depressão e a ansiedade são os problemas psiquiátricos mais comuns em idosos e, geralmente, apresentam-se de maneira atípica, com deficiência de memória e distúrbios da percepção, incluindo alucinações e delírios. ~ Febre. Cumpre lembrar que os idosos podem apresentar infecções sem resposta febril. Com mais frequência, apresentam confusão mental, delírios e alucinações quando têm elevação da temperatura. ~ Dor. Com o envelhecimento, o limiar de dor aumenta e, consequentemente, os pacientes idosos podem apresentar problemas graves de saúde sem que a dor seja um sinal de alarme. Exemplos clássicos são os infartos e as doenças abdominais agudas que evoluem sem dor nesses pacientes. Paradoxalmente, quando têm dor, os idosos podem apresentar um nível de tolerância menor e uma reação bem mais acentuada. Muitas vezes, as manifestações dolorosas são atípicas e mal localizadas (p. ex., infarto com dor abdominal ou no dorso é mais frequente nessa faixa etária). Vários estudos têm demonstrado que a dispneia, e não a dor precordial é o sintoma mais frequente nos idosos com insuficiência coronariana. Se o limiar está aumentado, por que eles se queixam muito mais de dor do que os pacientes mais jovens, sendo, inclusive, rotulados de poliqueixosos e hipocondríacos? Porque o envelhecimento está relacionado com múltiplas afecções crônicas que se manifestam principalmente por dor, tais como insuficiência coronária, osteoartrose, osteoporose com fraturas, artrite reumatoide, hérnia hiatal e outras. Cumpre assinalar que muitos idosos deixam de relatar as dores que estão sentindo por considerá-las como consequência inevitável do envelhecimento e que, portanto, devem ser suportadas sem queixas. Por outro lado, portadores de demência podem não relatar suas dores em razão de dificuldades de expressão. Nesses casos, podem apresentar-se mais confusos e agitados. ~ Queixas relacionadas com as mudanças no dclo da vida. Não é raro os idosos procurarem assistência médica por apresentarem queixas relacionadas com vários eventos vitais, ou serem levados por seus familiares por temerem que esses eventos sejam a causa ou agravante de doenças. Os eventos e as mudanças no ciclo de vida que comumente podem afetar a saúde e a capacidade funcional dos idosos são a menopausa, a aposentadoria, doença e morte do cônjuge e/ou de filhos, o diagnóstico de uma doença incapacitante ou terminal e o "ninho vazio': ou seja, a saída dos filhos da casa dos pais. Na anamnese de pacientes idosos, eles merecem atenção especial, mesmo que não seja o motivo da consulta médica, pois os pacientes podem procurar assistência em busca de tratamento para sintomas que, indiretamente, podem estar relacionados com esses eventos. Como é o caso da depressão desencadeada pelo luto ou do alcoolismo desencadeado pela

12

I Semiologia do Idoso

incapacidade para preencher o tempo livre após a aposentadoria. Esses eventos caracterizam perdas e necessitam de um período para o ajustamento. Em algumas situações, esse período pode se prolongar e o paciente pode apresentar sintomas incapacitantes, como é o caso da depressão pós-luto que ultrapassa 2 meses e que causa sentimentos excessivos de culpa e ideações suicidas. Nesse caso, o tratamento com antidepressivos pode estar indicado. Uma situação especial é a do paciente portador de uma doença terminal, que pode acontecer em qualquer faixa etária, mas é mais comum na velhice. Atualmente, só em situações muito especiais um paciente adulto não é informado sobre o seu diagnóstico e sobre o seu prognóstico, por mais grave que ele seja. Esse paciente passa por estágios de negação, raiva, barganha e introspecção, até a fase final de aceitação. Durante todas essas fases, o paciente tem medo, desespero, angústia, depressão. Lidar com essa situação talvez seja um dos maiores desafios da "arte de cuidar". Esses pacientes sem perspectivas de cura não podem ter o tratamento de seus sintomas esquecidos ou negligenciados. Cuidados paliativos para alívio de sintomas como a dor, a dispneia, náuseas, vômitos, constipação intestinal, ansiedade e depressão devem ser instituídos logo que se tenha o diagnóstico de uma doença crônica sem perspectiva de cura. .,.. Antecedentes e hábitos de vida. No que se refere aos antecedentes pessoais do paciente, pode não ter utilidade saber as condições de nascimento e doenças da infância, mas a história de tuberculose, doenças sexualmente transmissíveis e intervenções cirúrgicas é de extrema importância. Nas mulheres, a época da menarca não é tão relevante quanto a época e as condições da menopausa. O número de filhos e a história de morte de algum deles devem ser sempre indagados, mesmo para os homens. O luto pela perda de um filho pode ter grandes implicações no estado de saúde de um idoso. Da mesma maneira que as doenças da infância, algumas informações sobre os familiares são menos importantes na avaliação do paciente idoso, a não ser os casos de diabetes, demência, depressão e doenças neurológicas, como a coreia de Huntington. Além de perguntar sobre os antepassados, o médico deve fazer um inventário das condições de saúde dos descendentes. A história familiar pode ser também uma oportunidade para explorar as experiências, expectativas e atitudes do paciente com relação às doenças e à morte. Por exemplo, ele pode dizer "eu tenho medo de ficar 'esclerosado' como a minha mãe" ou "eu não gostaria de terminar a minha vida em um asilo como o meu pai': As condições e os hábitos de vida são muito importantes e incluem partes da avaliação geriátrica ampla. Devem-se investigar minuciosamente os hábitos alimentares, as condições de trabalho, a prática de atividade física e os vícios, principalmente o consumo de álcool, que tende a ser ocultado pelo paciente. Outro vício esquecido nos idosos é o consumo de drogas ilícitas, pois é comum acreditar que nessa faixa etária isso não acontece. O tipo de habitação, a existência de escadas, a localização dos banheiros são informações importantes, principalmente nos casos de quedas. Saber se o paciente reside sozinho ou com familiares, conhecer suas condições financeiras e quem administra as finanças é necessário para o planejamento terapêutico. A informação sobre a saúde daqueles que dão apoio aos idosos, principalmente aos dependentes, é essencial. Não é raro descobrir que as pessoas que cuidam de familiares idosos

163 frequentemente não os deixam sozinhos e se dedicam integralmente ao seu cuidado. Isso pode levar a exaustão, depressão, maus-tratos e internação precoce em asilos. O ideal é que essas informações sejam completadas em uma visita domiciliar. Na impossibilidade de realizá-la, pede-se ao paciente que descreva o seu dia a dia.

• Exame físico O exame físico do idoso deve ser completo e minucioso. Contudo, muitas vezes as condições clínicas e a fragilidade do paciente dificultam sua realização e demandam maior paciência e disposição por parte do médico. No entanto, uma investigação clínica incompleta faz com que o médico necessite de maior número de exames complementares que, muitas vezes, acabam por confundi-lo ainda mais, além de cansar o seu paciente. No caso de um paciente agitado ou em estado grave, o exame pode ser mais sumário na primeira visita, priorizando-se os problemas que oferecem risco de vida e que demandam intervenção terapêutica imediata; porém, deve ser completado o mais breve possível, inclusive com a realização da avaliação funcional. Assim como a anamnese, o exame físico do paciente idoso apresenta particularidades e o médico precisa ter em mente as alterações fisiológicas do processo de envelhecimento e como as manifestações das doenças o alteram e são alteradas por ele. O exame físico começa a ser realizado no momento em que o paciente entra no consultório, ou o médico entra no ambiente onde ele está (domicílio, enfermaria, asilo). Observam-se a postura, fácies, deambulação, os gestos, o modo de sentar e levantar, como ele se despe e acomoda-se na mesa para exame. Muitas vezes, o médico ou o(s) acompanhante(s), ao perceberem as dificuldades do paciente, apressam-se em ajudá-lo. O médico deve conter o seu ímpeto e simplesmente observar, pois o seu objetivo é estabelecer um diagnóstico preciso dessas dificuldades para poder amenizá-las. No entanto, deve manter-se próximo e vigilante, já que as quedas também podem ocorrer dentro de um hospital ou de um consultório. É importante que o examinador se lembre de elevar a cabeceira da mesa de exame, pois são frequentes, nessa faixa etária, afecções que causam dispneia de decúbito. É necessário dispor de um pequeno travesseiro, porque muitos são portadores de artrose cervical ou de doença de Parkinson, que causam rigidez e dificultam o apoio da cabeça no mesmo plano do dorso. .,.. Postura e marcha. Está claro que um idoso nunca é igual a outro, pois há uma grande variabilidade no processo de envelhecimento. Algumas alterações na postura podem ser consideradas típicas da velhice, mas variam a época e a velocidade em que essas modificações irão ocorrer e até que ponto elas serão influenciadas por enfermidades, medicamentos e sequelas de doenças. Devemos lembrar que, com o avançar da idade, a cabeça desloca-se para frente e ocorre diminuição da lordose lombar normal (Figura 12.6). Com o envelhecimento, a marcha também pode modificar-se, mesmo que não haja qualquer doença. A marcha senil caracteriza-se por aumento da flexão dos cotovelos, cintura e quadril. Diminui também o balanço dos braços, o levantamento dos pés e o comprimento dos passos (marcha de pequenos passos) (Figura 12.7). Essas modificações são consideradas consequência fisiológica do envelhecimento, porém não ocorrem em todos os idosos. Alguns indivíduos podem alcançar idades muito avançadas sem apresentá-las; em outros, elas podem ocorrer precocemente.

Parte 2

164

50 anos

90 anos

Figura 12.6 Modificações na postura dos 50 aos 90 anos.

É importante lembrar que o envelhecimento caracteriza-se

por diminuição da reserva funcional, o que predispõe o idoso a inúmeras afecções. Portanto, a marcha do idoso pode estar alterada em decorrência de doenças neurológicas e/ ou osteomusculares. Antes de rotular a marcha do paciente como marcha senil, é preciso afastar todas as doenças que podem alterá-la. Uma maneira simples e eficiente de avaliar a marcha do paciente idoso é executar o teste de "levantar e andar" (get up and go test) (ver Avaliação geriátrica ampla). .,. Fácies. Algumas expressões fisionômicas que caracterizam fácies típicas de algumas doenças, como o hipotireoidismo, hipertireoidismo, depressão, e mesmo da síndrome parkinsoniana, podem não ser observadas nos idosos. .,. Peso e altura. O peso nem tanto, mas a altura é um parâmetro quase sempre negligenciado no exame físico do paciente ido-

Figura 12.7 Marcha de um idoso comparada com a de um jovem. (Adaptada de Murray et a/., 1969.)

I Semiologia da Infância, daAdolescência edo Idoso

so. Quando se determina a estatura, deve-se ter em mente que ela é provavelmente menor do que a que o paciente alcançou ao final de sua fase de crescimento. Isso resulta do encurtamento da coluna vertebral por redução da altura dos corpos vertebrais e dos discos intervertebrais, além do aumento de todas as suas curvaturas. Em algumas doenças, como a osteoporose, esse fenômeno acentua-se ainda mais. O peso corporal modifica-se ao longo dos anos, em decorrência das alterações constitucionais próprias do envelhecimento. Há aumento ponderai até por volta dos 60 anos e, em seguida, redução lenta e gradual. O idoso deve ser pesado em toda consulta médica e seu índice de massa corporal calculado. O índice de massa corporal (IMC) ou índice de Quetelet, calculado pelo peso (kg) dividido pela altura (m) ao quadrado, é rotineiramente utilizado para a avaliação do estado nutricional. Nos idosos, deve-se atentar para modificação dos valores em decorrência da diminuição da estatura com o envelhecimento e alguns autores propõem o ponto de corte de menor que 22 para desnutrição. .,. Hidratação. As alterações da pele (diminuição do turgor), da mucosa oral e da língua (menos umedecidas por diminuição da produção de saliva) e das conjuntivas (diminuição da secreção lacrimal) que ocorrem com o envelhecimento dificultam a avaliação do estado de hidratação do paciente idoso. No entanto, mesmo com tantas dificuldades, essa avaliação deve ser sempre feita, já que os distúrbios hidreletrolíticos ocorrem com mais frequência e são mais graves nessa faixa etária. .,. Pele. A pele senil apresenta alterações decorrentes da passagem dos anos (diminuição da elasticidade, do turgor, da espessura, das secreções sudorípara e sebácea), da ação ambiental principalmente dos raios ultravioleta (zonas de hipo e hiperpigmentação, zonas de hiperqueratinização) e das afecções que muito frequentemente a acometem (neoplasias, micoses). Devem-se buscar sinais de carências nutricionais, principalmente vitamínicas, pois elas são mais comuns nos idosos, destacando-se as alterações tegumentares da pelagra e do escorbuto. Durante o exame da pele, pode-se avaliar a existência de lesões sugestivas de maus-tratos (equimoses), de úlceras por pressão e as condições de higiene do paciente. As pregas na pele devem ser revistas em busca de monilíase, principalmente quando o paciente é incontinente. .,. Pressão arterial. A medida da pressão arterial é um dado que não pode ser esquecido durante o exame físico do idoso. Com o envelhecimento, a pressão arterial sistólica eleva-se (hipertensão sistólica isolada do idoso), o que constitui um fator de risco importante para as doenças cerebrovasculares, além do fato de que, entre esses pacientes, a prevalência da hipertensão arterial essencial também é maior. O envelhecimento altera os mecanismos de controle da homeostase e pode predispor à hipotensão postural Os fatores que contribuem para a maior prevalência de hipotensão postural nos idosos são descritos no Quadro 12.7. .,. Hipotensão postura!. Hipotensão postura! ou ortostática é reconhecida quando ocorre uma redução de 20 mmHg ou mais na pressão sistólica e/ ou 1O mmHg ou mais na diastólica ao passar-se da posição deitada para a posição de pé. Para detectá-la, é preciso obedecer à seguinte técnica: (1) determinar a pressão arterial do paciente em decúbito dorsal, depois de 2 a 3 min de descanso; (2) em seguida, com o paciente sentado, e, após ficar de pé, com intervalo de 1 e 3 min. (Se a suspeita de hipotensão postural for grande, pode-se fazer uma nova medida depois que o paciente der alguns passos.) É importante tomar o pulso e contar a frequência cardíaca durante todas as etapas da pesquisa de hipotensão postura!, pois este pode ser

12

I Semiologia do Idoso Mecanismos que predispõem à hipotensão ortostática nos idosos (Lipsitz, 1989).

• • • • •

Diminuição da sensibilidade dos barorreceptores Diminuição da capacidade de reter sal Baixos níveis de renina e aldosterona, principalmente ao assumir a posição de pé Aumento do peptídio natriurético atrial Diminuição da resposta de elevação da frequência cardíaca com a queda da pressão arterial • Diminuição do enchimento ventricular

um dado muito importante no diagnóstico etiológico. Em indivíduos normais, ela se eleva de 6 a 12 bpm na posição ereta. A falta de elevação da frequência cardíaca na queda da pressão arterial indica falha do sistema nervoso autônomo. Acentuado aumento na frequência de pulso (maior que 20 bpm), na posição supina, sugere hipovolemia. A medida da pressão arterial dos idosos sempre deve ser feita nas três posições. Artérias enrijecidas dos idosos contribuem para o que se convencionou chamar de pseudo-hipertensão arterial. Essa condição caracteriza-se por níveis pressóricos elevados detectados pelo esfigmomanômetro, ausência de lesão de órgãos-alvo, sensibilidade aumentada aos anti-hipertensivos com hipotensão postura! e pressão intra-arterial normal. Algumas manobras, entre elas apalpação da artéria radial após a interrupção do fluxo sanguíneo pela compressão da artéria umeral pelo manguito do esfigmomanômetro (sinal de Osler), foram descritas para diferenciá-la da verdadeira hipertensão, mas nenhuma delas mostrou-se eficaz. A melhor maneira de fazer esse diagnóstico é observar clinicamente o paciente e valorizar a ausência de lesão de órgãos-alvo, os níveis pressóricos menores em outros membros e a resposta aos anti-hipertensivos. Deve-se estar sempre alerta se o "paciente piora" quando a "pressão melhora': .,.. Exame da cabeça e do pescoço. Nos pacientes idosos é importante observar alterações no tamanho do crânio, pois ele pode aumentar na doença de Paget dos ossos, que acomete quase exclusivamente indivíduos de faixas etárias mais avançadas. Devem-se observar as condições dos dentes e das próteses, e estas devem ser retiradas para exame, pois elas podem ocultar lesões, inclusive malignas. O exame do pescoço deve ser bastante minucioso no idoso. Palpam-se a tireoide, os pulsos arteriais, que também devem ser auscultados, as cadeias ganglionares e as parótidas. .,.. Exame do tórax. À inspeção do tórax, são frequentes a cifose torácica e o alargamento do diâmetro anteroposterior, situações que podem ser consideradas consequências do envelhecimento normal, mas que se acentuam em algumas doenças comuns nessa faixa etária (DPOC, osteoporose). Nas mulheres, as mamas devem ser sempre examinadas, pois o câncer de mama também é comum nas idosas. Todo dado positivo pulmonar tem o mesmo significado que em um paciente jovem, pois o envelhecimento pulmonar, no máximo, pode ocasionar diminuição do murmúrio vesicular, mas nunca ruído adventício. O aumento do diâmetro anteroposterior do tórax leva a uma interposição pulmonar entre o coração e a caixa torácica que pode alterar o exame. À inspeção e palpação, os sinais podem ser menos evidentes, pois, com o envelhecimento, torna-se cada vez mais difícil a palpação do ictus cordis em decorrência de alterações como a atrofia miocárdica e o aumento do volume residual pulmonar. À ausculta, as bulhas cardíacas podem ser hipofonéticas. Até a quarta década de vida, a segunda bulha cardíaca (B2) é

165 mais audível no segundo espaço intercostal esquerdo do que no direito. Com o envelhecimento, essa relação inverte-se, em virtude de modificações na posição da aorta e da artéria pulmonar. Os idosos são mais propensos a apresentar doenças que causam modificações na fonese das bulhas, como miocardiopatias e arritmias. A quarta bulha pode surgir sem significado patológico, como consequência da redução da complacência do ventrículo esquerdo que acompanha o processo de envelhecimento. Alguns estudos relatam que a quarta bulha pode ser detectada em até 94% dos idosos, independentemente de haver ou não cardiopatia (Spodick e Quarry-Pigott, 1973). A dilatação e a perda da elasticidade da aorta ascendente e o espessamento dos folhetos da valva aórtica podem ser responsáveis pelo aparecimento de estalido protossistólico e/ou de sopro ejetivo, nem sempre com significado patológico. Se houver estenose aórtica, o sopro quase sempre se acompanha de frêmito, alterações da pressão arterial e dos pulsos. O sopro sistólico regurgitativo no foco mitral também pode não ter significado patológico e traduzir apenas espessamento e calcificação da valva mitral, sem que haja alteração funcional. Os sopros diastólicos sempre indicam disfunção valvar. .,.. Exame do abdome. É importante lembrar a necessidade de paipar e auscultar o trajeto da aorta abdominal, pois dilatações aneurismáticas e estenoses de seus ramos (renais, por exemplo) são mais comuns em idades avançadas. Apalpação daregião suprapúbica também é importante nos casos de diminuição do volume urinário ou incontinência, sob pena de deixar passar uma bexiga distendida. O toque retal deve completar o exame, pois as doenças prostáticas, os fecalomas e as neoplasias do reto são frequentes nessa faixa etária. Os idosos podem estar com fecaloma que se manifesta de maneira atípica, com a chamada incontinência fecal paradoxal e, ocasionalmente, apenas confusão mental. .,.. Exame das extremidades. Examinam-se os membros em busca de doenças osteoarticulares, as quais são a principal causa de incapacidade nesse grupo de indivíduos. Deformidades, como as alterações da tíbia com arqueamento das pernas, são sugestiva de doença de Paget dos ossos, que é exclusiva dessa faixa etária. Os nódulos de Heberden das articulações interfalangianas distais são comuns na osteoartrose, que também é uma doença mais frequente na velhice. Já os nódulos de Bouchard, das interfalangianas proximais, as deformidades em pescoço de cisne e em casa de botão, o desvio ulnar dos quirodáctilos e a atrofia dos músculos interósseos são próprios da artrite reumatoide, doença que ocorre em faixas etárias mais jovens, dos 30 aos 50 anos, mas cujas sequelas poderão ser observadas tardiamente. Pesquisam-se sinais de inflamação e isquemia. Avalia-se o trofismo muscular. Os pulsos devem ser rotineiramente palpados, pois a insuficiência vascular é mais comum nesses pacientes, consequência de doenças crônicas, como a hipertensão e o diabetes, e do tabagismo. O edema sempre deve ser pesquisado, sem se esquecer de que ele pode ser causado pela estase venosa em decorrência da imobilidade. Veias varicosas contribuem para agravar essa situação. .,.. Exame neurológico. Deve ser realizado em todos os idosos, independentemente da queixa do paciente, pois muitas doenças neurológicas podem manifestar-se com sintomas inespecíficos, como é o caso da doença de Parkinson, que pode ocorrer sem tremor e o paciente procurar assistência por depressão e/ou quedas. O diagnóstico será estabelecido pelo encontro, ao exame físico, de outros sinais extrapiramidais, como bradicinesia e rigidez. Primeiro, avalia-se a função mental. Examinam -se os nervos cranianos e, principalmente, a movimentação ocular. Quando comparados com os jovens,

Parte 2

166 os idosos apresentam maior dificuldade com o olhar vertical, principalmente para cima. É importante ressaltar que cerca de 30 a 40% dos idosos têm rigidez de nuca decorrente de osteoartrose da coluna cervical, tornando esse sinal pouco específico para o diagnóstico de irritação meníngea. A força e o trofismo muscular devem ser avaliados e os reflexos profundos testados. O envelhecimento pode diminuí-los, principalmente os patelares e aquileus. Sinais de comprometimento piramidal (sinal de Babinski, hiper-reflexia) e extrapiramidal (rigidez, tremores, coreia, bradicinesia) devem ser pesquisados, pois as doenças neurodegenerativas que acometem os idosos podem afetar esses sistemas. Avalia-se também a sensibilidade tátil, dolorosa, vibratória e proprioceptiva.

~ Avaliação geriátrica ampla Na população idosa, devido à sua heterogeneidade, além de um exame clínico pormenorizado é de fundamental importância uma avaliação abrangente englobando aspectos cognitivos, funcionais e psicossociais. A avaliação geriátrica ampla (AGA), também denominada de avaliação geriátrica global (AGG) ou abrangente, é um termo derivado do inglês comprehensive geriatric assessment (CGA) utilizado para denominar um procedimento de avaliação multidimensional, frequentemente interdisciplinar, que tem como objetivo determinar as deficiências, incapacidades e desvantagens apresentadas pelo paciente idoso, visando ao planejamento do cuidado e ao seguimento. Avalia a capacidade cognitiva e funcional do idoso utilizando escalas e testes para cada item que se deseja avaliar. Os métodos utilizados na AGA são realizados de uma maneira sistematizada por observação direta, questionários autoaplicados ou por meio de entrevistas do próprio indivíduo ou de seu acompanhante (familiar ou cuidador), e estes são os denominados instrumentos de avaliação. Os principais objetivos da AGA são: • Melhorar a acurácia diagnóstica • Avaliar a capacidade funcional do indivíduo qualitativa e quantitativamente • Estabelecer parâmetros para acompanhamento do paciente • Orientar a decisão de medidas que visam preservar e restaurar a saúde • Identificar fatores que predispõem à iatrogenia e estabelecer medidas para sua prevenção • Identificar os indivíduos de alto risco e orientar quanto aos seus riscos • Servir de guia para modificações e adaptações do ambiente em que o idoso vive, visando à preservação de sua independência • Estabelecer critérios para indicar reabilitação, internação, institucionalização e alta. As principais vantagens da utilização da AGA na avaliação e no planejamento das intervenções com o idoso são: • Diminuição da mortalidade e da incapacidade funcional • Diminuição das hospitalizações e do consumo de medicamentos • Diminuição do albergamento em asilos e maior utilização dos recursos comunitários • Redução dos acidentes envolvendo idosos

I Semiologia da Infância, daAdolescência edoIdoso

Os pacientes idosos considerados de alto risco para rápida deterioração clínica e cuja a AGA é imperativa apresentam as seguintes características: • • • • • • •

Têm idade superior a 80 anos Vivem sós Estão de luto ou deprimidos Têm deficiência cognitiva Caem com frequência Têm incontinência urinária e/ou fecal Não souberam lidar adequadamente com acontecimentos do passado e com as perdas que uma vida longa pode trazer.

Os parâmetros normalmente avaliados na AGA são os seguintes: • Equih'brio e mobilidade • Função cognitiva • Capacidade de o indivíduo realizar as atividades básicas da vida diária • Capacidade do indivíduo de realizar as atividades instrumentais da vida diária • Condições emocionais • Disponibilidade e adequação de suporte familiar e social • Condições ambientais • Estado e risco nutricionais. Uma dificuldade que se apresenta na AGA é que a maior parte dos instrumentos de avaliação utilizados não são validados e/ou adaptados ao nosso meio. Optou-se por descrever os testes e escalas consagradas pela literatura, que vêm sendo aplicados em nosso meio em diversos estudos. Ressalta-se, porém, a necessidade de estudos de validação e adaptação no país. ~ Equilíbrio emobilidade. A avaliação desse item pode ser feita por um teste simples, chamado de get up and go test (teste delevantar e andar), cujo objetivo é avaliar o equih'brio sentado, a transferência de sentado para a posição de pé, a estabilidade na deambulação e as alterações no curso da marcha sem utilizar estratégias de compensação. O indivíduo é solicitado a levantar-se de uma cadeira alta com encosto reto e descanso para os braços, deambular 3 m, voltar e sentar-se novamente. Durante o teste, observam-se a mobilidade, o equilíbrio e a marcha do paciente. Os escores e sua interpretação são: 1 normalidade, 2 - anormalidade leve, 3 - anormalidade média, 4 - anormalidade moderada, 5 - anormalidade grave. Indivíduos com pontuação de 3 e mais apresentam risco aumentado de quedas. Uma variação desse teste é o chamado timed get up and go test (teste de levantar e andar cronometrado) em que, além dos itens anteriores, é avaliado o tempo necessário para o indivíduo realizar a tarefa. Os escores e sua interpretação são: inferior ou igual a 10 segundos - indivíduo independente sem alterações no equih'brio; inferior ou igual a 20 segundos - indivíduo independente em transferências básicas; superior ou igual a 30 segundos- indivíduo dependente em muitas atividades da vida diária e na habilidade da mobilidade. Para avaliação específica do equih'brio, uma prova simples de ser realizada é a pesquisa do sinal de Romberg, realizada com o indivíduo em posição ereta, pés unidos e olhos fechados. O sinal é positivo quando há o aparecimento de oscilações corpóreas, podendo ocorrer queda em qualquer direção. Pode ser necessária a realização de manobras especiais como a colocação dos pés um na frente do outro ou apoiar-se em um só pé, esse é o denominado Romberg sensibilizado. ~ Função cognitiva. A cognição é o conjunto de processos mentais que permite pensar, perceber e aprender. Inclui a atenção, a

12

I Semiologia doIdoso

167

percepção, a memória, o raciocínio, o juízo, a imaginação, o pensamento, a linguagem, entre outros. As doenças que causam alterações na função cognitiva constituem um dos maiores problemas dos pacientes idosos, pois resultam na perda da autonomia e progressiva dependência, com consequente sobrecarga aos familiares e cuidadores, além da necessidade de uma ampla equipe multiprofissional para o atendimento das necessidades do indivíduo, gerando um custo financeiro maior. Há inúmeras escalas e testes que avaliam a cognição com objetivo de detectar precocemente as alterações, determinando a extensão das mesmas, e realizar planejamento terapêutico adequado. Os testes para avaliação do estado mental devem ser simples, rápidos e reaplicáveis; não devem necessitar de material complementar e conhecimento especializado para que possam ser aplicados também por membros da equipe multiprofissional. .,. Miniexame do estado mental (MEEM). Instrumento de rastreio, proposto por Folstein et al. (1975), foi modificado por Bertolucci et al. em 1994 e Brucki et al. em 2003, sendo a versão mais utilizada, em nosso meio, a que está demonstrada no Quadro 12.8, por ser de boa aplicabilidade clínica em vários ambientes.

Quadro12.8 Orientação temporal

Orientação espada/

Memória imediata Atenção ecálculo Memória de evocação Linguagem

A pontuação máxima do teste é 30 pontos, havendo grande influência da escolaridade nos escores de interpretação. Sugere-se o uso dos escores propostos por Brucki et al. (2003). Escore normal de acordo com anos de escolaridade: analfabetos: 20 pontos; 1-4 anos: 25 pontos; 5-8 anos: 26 pontos; 9-11 anos: 28 pontos; superior a 11 anos: 29 pontos. .,. Questionário resumido do estado mental (MSQ). Teste desenvolvido especialmente para aplicação em idosos por Pfeiffer, em 1975, é uma avaliação geral da cognição sem interesse em detectar alterações mínimas ou localizadas e ainda não está validado em nosso meio (Quadro 12.9). Também sofre influência da escolaridade. A pontuação é feita computando-se as respostas erradas (1 ponto para cada resposta e máximo de 10 pontos). A interpretação dos escores é a seguinte para o funcionamento intelectual: O a 2 pontos: intacto; 3-4 pontos: dano leve; 5-7 pontos: dano moderado; e 8 a 10 pontos: dano grave. .,. Fluência verbal. Teste utilizado para o estudo da linguagem e da memória semântica. Solicita-se que o indivíduo diga o maior número de itens de uma categoria semântica (p. ex., animais, frutas) ou fonêmica (palavras indicadas por determinada letra) durante 1 min. O escore é a soma do número de itens corretos (excluindo-se as repetições). Indivíduos normais comescolaridade menor que 8 anos devem falar no mínimo 9 itens, e os com escolaridade de 8 e mais anos, mínimo de 13 itens.

Miniexame do estado mental (Folsteln, 1975). Ano Mês Dia do mês Dia da semana Hora Loca Iespecífico Local genérico Bairro ou rua próxima Cidade Estado Nomear 3objetos e pedirque o paciente repita (carro, vaso, tijolo)

5 pontos

Diminuir 7de 100, 5vezes sucessivas (alternativa: soletrara palavra "mundo"na ordem inversa) Repetir os 3objetos citados anteriormente Nomear 2objetos: relógio e caneta Repetir: "Nem aqui, nem ali, nem lá" Seguir ocomando de 3estágios: "Pegue este papel com a mão direita, dobre-o ao meio ecoloque-o no chão" Ler eexecutar a ordem: "Feche os olhos" Escrever uma frase

5 pontos 3 pontos 2 pontos 1ponto 3 pontos 1ponto 1 ponto

Copiaro desenho:

1 ponto

Escores de acordo com escolaridade: analfabetos: 20 pontos; 1a 4 anos: 25 pontos; 5a Sanos: 26 pontos; 9 a 11anos: 28 pontos; superior a 11 anos: 29 pontos (Brucki, 2003).

5 pontos

3 pontos

Parte 2

168 Quadro 12.9 Questionário resumido do estado mental (pfeiffer, 1975). Questões

Certo

2. Qual é o dia da semana? 3. Qual é nome deste lugar? 4. Qual é o número do seu telefone? (Se não tiver telefone, qual éoseu endereço?) 5. Quantos anos você tem? 6. Qual é a sua data de nascimento? 7. Quem é oatual presidente do seu país? 8. Quem foi opresidente antes dele? 9. Como éo nome de solteira de sua mãe? 10. Subtraia 3de 20 e continue subtraindo até o número final.

... Capacidade do indivíduo de realizar as atividades básicas da vida diária. São definidas como atividades básicas da vida diária (AVD básicas ou ABVD) as tarefas que o indivíduo realiza para o seu autocuidado, e a incapacidade em executá-las indica um alto grau de dependência com consequente complexidade e aumento do custo social e financeiro (Quadro 12.10). Avalia-se a capacidade do indivíduo de realizar essas tarefas, observando se é independente, total ou parcialmente dependente e se necessita de ajuda mecânica, como bengalas, andadores ou cadeiras de rodas. No item referente à incontinência, deve-se observar se é intermitente, contínua ou noturna. As escalas se baseiam em informações do paciente ou de cuidadores sobre as dificuldades e a necessidade de ajuda para execução das atividades avaliadas. Elas devem ser breves, simples e de fácil aplicação para que alcancem o principal objetivo, que é servir como instrumento rápido de avaliação, triagem e estratificação de risco, podendo ser aplicadas pelos diversos profissionais da equipe interdisciplinar. Há diversas escalas e testes para avaliação desse item, porém apresentam limitações e, por esse motivo, são insuficientes para um diagnóstico funcional completo. Dentre as escalas mais utilizadas em nosso meio, podemos citar a escala de Katz (Quadro 12.11) e a escala de Barthel (Quadro 12.12). A escala de Katz não contempla nenhum item sobre deambulação, mas é a que apresenta a adaptação transcultural para o nosso meio, realizada por Lino et al. (2008) e cuja interpretação é: O- independente em todas as seis funções; 1 - independente em cinco funções e dependente em uma função; 2 - independente em quatro funções e dependente em duas funções; 3- independente em três funções e dependente em três funções; 4 - inde-

Quadro 12.10 Cuidados pessoais

Mobilidade

lncontinênda

Atividades báskas da vida diária. Comer Banhar-se Vestir-se Ir ao banheiro Andar com ou sem ajuda Passar da cama para a cadeira Mover-se na cama Urinária Fecal

Avaliação das atividades básicas da vida diária (Katz, 1976; Uno et oL, 2008).

Errado

1. Que dia é hoje? (dia/mês/ano)

I Semiologia da Infância, da Adolescência edo Idoso

Instruções: para cada área de funcionamento listada a seguir, assinale a descrição que se aplica (a palavra "ajuda" significa supervisão, orientação ou auxílio pessoal). 1- independente; D- dependente. 1. Tomar banho (leito, banheira ou chuveiro) ( ) Não recebe ajuda (entra na banheira e sai sozinho, se este for o modo habitual de tomar banho). (I) ( ) Recebe ajuda para lavar apenas uma parte do corpo (como, por exemplo, as costas ou uma perna). (I) ( ) Recebe ajuda para lavar mais de uma parte do corpo, ou não toma banho sozinho. (D) 2. Vestir-se

Pega roupas nos armários e gavetas, inclusive peças íntimas, emanuseia fechos (inclusive os de órteses e próteses, quando forem utilizadas). ( ) Pega as roupas e veste-se completamente, sem ajuda. (I) ( ) Pega as roupas e veste-se sem ajuda, exceto para amarrar os sapatos. (I) ( ) Recebe ajuda para pegar as roupas ou vestir-se, ou permanece parcialou completamente sem roupa. (D) 3. Uso do vaso sanitário

Ida ao banheiro ou local equivalente para evacuar e urinar; higiene íntima e arrumação das roupas. ( ) Vai ao banheiro ou local equivalente, limpa-se e ajeita as roupas sem ajuda (pode usar objetos para apoio, como bengala, andador ou cadeira de rodas, e pode usar comadre ou urinol à noite, esvaziando-o de manhã). (I) ( ) Recebe ajuda para irao banheiro ou local equivalente, ou para limpar-se, ou para ajeitar as roupas após evacuação ou micção, ou para usar acomadre ou urinol à noite. (D) ( ) Não vai ao banheiro ou equivalente para eliminações fisiológicas. (D) 4. Transferência

( ) Deita-se e sai da cama, senta-se e levanta-se da cadeira sem ajuda (pode estar usando objeto para apoio, como bengala ou andador). (I) ( ) Deita-se e sai da cama e/ou senta-se e levanta-se da cadeira com ajuda. (D) ( ) Não sai da cama. (D) 5. Continência

( ) Controla inteiramente a micção ea evacuação. (I) ( ) Tem "addentes" ocasionais. (D) ( ) Necessita de ajuda para manter ocontrole da micção e evacuação; usa cateter ou é incontinente. (D) 6. Alimentação

( ) Alimenta-se sem ajuda. (I) ( ) Alimenta-se sozinho, mas recebe ajuda para cortar carne ou passar manteiga no pão. (I) ( ) Recebe ajuda para alimentar-se, ou é alimentado parcialou completamente pelo uso de cateteres ou fluidos intravenosos. (D)

pendente em duas funções e dependente em quatro funções; 5 - independente em uma funç.ão e dependente em cinco funções; 6 - dependente em todas as seis funções. A escolha de uma ou outra escala dependerá da experiência do examinador na aplicação da mesma e do conhecimento das limitações de cada uma. ... Capacidade do indivíduo de realizar as atividades instrumentais da vida diária. As atividades instrumentais da vida diária (AIVD) são as necessárias para uma vida independente e ativa na comunidade. Estão relacionadas com as atividades mais complexas (Quadro 12.13) e, de acordo com a capacidade para realizar essas atividades, é possível determinar se o indivíduo pode viver sozinho.

12

I Semiologia do Idoso

Quadro 12.12

Escala de Barthel para a avaliação fundonal do idoso (Mahoney eBarthel, 1965).

Alimentação 10 pontos 5 pontos Oponto Banho 5 pontos Oponto Vestuário 10 pontos 5 pontos Oponto Higiene pessoal 5 pontos Oponto Evacuação 10 pontos 5pontos Oponto Micção 10 pontos 5 pontos Oponto Uso do vaso sanitário 10 pontos 5 pontos Oponto Passagem cadeira-cama 15 pontos 10 pontos 5pontos Oponto Deambulação 15 pontos 10 pontos 5 pontos Oponto Escadas 10 pontos 5 pontos Oponto

169

Independente- Capaz de usar qualquer talher. Come em tempo razoável Ajuda- Necessita de ajuda para cortar, passar manteiga etc. Dependente Independente - lava-se porcompleto sem ajuda. Entra na banheira esai sem ajuda Dependente Independente- Veste-se, despe-se e arruma a roupa sem ajuda. Amarra os sapatos Ajuda- Necessita de ajuda, mas realiza pelo menos metade das tarefas em tempo razoável Dependente Independente - lava o rosto, as mãos, escova os dentes etc. Barbeia-se e utiliza sem problemas atomada no caso de aparelhos elétricos Dependente Continente- Não apresenta episódios de incontinência. Se são necessários enemas e supositórios, coloca-os sozinho Incontinente ocasional - Apresenta episódios ocasionais de incontinência ou necessita de ajuda para aaplicação deenemas ou supositórios Incontinente Continente - Não apresenta episódios de incontinência. Quando faz uso de sondas ou de outro dispositivo, toma as suas próprias providências Incontinente ocasional- Apresenta episódios ocasionais de incontinência ou necessita de ajuda para ouso desonda ou outro dispositivo Incontinente Independente - Usa ovaso ou o urinol. Senta-se e levanta-se semajuda, mesmo que use barras de apoio. limpa-se e veste-se sem ajuda Ajuda- Necessita de ajuda para manter o equilíbrio, limpar~se evestir-se Dependente Independente- Não necessita de ajuda. Se utiliza cadeira de rodas, faz tudo isso sozinho Ajuda mínima - Necessita de pequena ajuda ou supervisão Grande ajuda-~ capaz de sentar-se, mas necessita de ajuda total para a mudança para a cama evice-versa Dependente Independente - Pode caminhar pelo menos 100m, mesmo que utilíze bengalas, muletas, prótese ou andado r Ajuda- Pode caminhar pelo menos 100m, mas necessita de ajuda ou supervisão Independente em cadeiras de rodas- Movimenta-se na sua cadeira de rodas por pelo menos 100m Dependente Independente - ~ capaz de subirou descerescadas sem ajuda ou supervisão, mesmo que necessite de dispositivos, como muletas ou bengalas

Ajuda- Necessita de ajuda física ou de supervisão Dependente

Uma escala muito utilizada no nosso meio é a escala de Lawton, mas não está adaptada nem validada em nosso meio (Quadro 12.14). O questionário de Pfeffer para atividades funcionais (1982) é utilizado para avaliar a autonomia funcional do indivíduo referente às atividades do dia a dia. É utilizado frequentemente para avaliar se o déficit cognitivo é acompanhado de limitações na capacidade funcional. Não adaptado e não validado. O escore para um indivíduo normal é menor que 6 pontos; valores superiores indicam comprometimento, ou seja, dificuldade em realizar atividades instrumentais (Quadro 12.15).

.,. Condições emocionais do paciente. O envelhecimento é um processo que ocorre ao longo da vida, e não há nenhuma característica psíquica específica dos idosos. Esse processo é complexo e o comportamento de cada indivíduo na velhice irá depender da intensidade das alterações biológicas inerentes, mas principalmente pelas suas vivências, suas condições sociais e culturais. Dessa maneira, torna-se difícil conceituar envelhecimento psíquico normal. As perdas e limitações que ocorrem no processo de envelhecimento tornam-se exacerbadas na sociedade ocidental, em que há uma valorização excessiva da capacidade de produ-

Parte 2

170 Quadro 12.13

Atividades instrumentais da vida diária.

Dentro de casa

• Preparar acomida • Fazer oserviço doméstico • lavar e cuidar do vestuário • Executar trabalhos manuais • Manusear a medicação • Usar otelefone • Manusear dinheiro Fora de casa

• Fazer compras (alimentos, roupas) • Usar os meios de transporte • Deslocar-se (ir ao médico, compromissos sociais e religiosos)

Quadro 12.14

I Semiologia da Infância, da Adolescência edo Idoso

zir e consumir. Esse fato leva muitos idosos a se considerarem mais dependentes e incapazes do que realmente são, e a aceitar sinais e sintomas de doenças como algo próprio do envelhecimento, o que irá retardar o diagnóstico e consequente tratamento, principalmente nas doenças psíquicas. Os idosos estão sujeitos às mesmas doenças psíquicas que acometem a população mais jovem. Alterações no comportamento que persistem por um tempo mínimo de 2 semanas, como irritabilidade, pessimismo, sensação de menos valia, inúmeras queixas orgânicas, a falta de interesse pelas atividades habituais, os distúrbios de memória e o afastamento social, não devem ser considerados como características da população idosa, mas sim como prováveis sinais e sintomas de uma depressão. Essa manifestação atípica muitas vezes dificulta o diagnóstico; por isso, é importante pesquisar depressão em todos os pacientes idosos com essas queixas. Um dos instru-

Escala de Lawton (Lawton et o/., 1982).

Atividade

Pontuação de cada item

t capaz de preparar as refeições Sem ajuda ou supervisão Com supervisão ou ajuda parcial Incapaz

3 2 1

Tarefas domésticas ~capaz de realizar todo trabalho sem ajuda ou supervisão ~capaz de realizar apenas otrabalho doméstico leve (lavar louça, fazer a cama) ou necessita de ajuda ou supervisão

Incapaz de realizar qualquer trabalho doméstico

3 2 1

Trabalhos manuais epequenos reparos na casa ~capaz sem ajuda ou supervisão

Realiza pequenos trabalhos com ajuda ou supervisão Incapaz

3 2 1

Lavar epassar aroupa ~capaz de lavar toda asua roupa sem ajuda ou supervisão ~capaz de lavar apenas peças pequenas ou necessita de ajuda ou supervisão

Incapaz de lavar qualquer peça de roupa

3 2 1

Manuseio da medicação ~capaz de tomar toda e qualquer medicação na hora e doses corretas sem supervisão

3

Necessita de lembretes e de supervisão para tomar a medicação nos horários e doses corretas ~ incapaz de tomar a medicação

2 1

Capacidade para usar otelefone ~capaz de utilizar otelefone por iniciativa própria ~capaz de responder às ligações, porém necessita de ajuda ou aparelhoespecial para discar

Completamente incapaz para ouso do telefone

3 2 1

Manuseio de dinheiro ~capaz de administrar seus assuntos econômicos, pagar contas, manusear dinheiro, preencher cheques ~capaz de administrar seus assuntos econômicos, porém necessita de ajuda com cheques e pagamentos de contas

Incapaz de lidar com dinheiro

3 2 1

Compras ~capaz de realizar todas as compras necessárias sem ajuda ou supervisão

Necessita de supervisão para fazer compras Completamente incapaz de fazer compras, mesmo com supervisão

3 2 1

Uso de meios de transporte ~capaz de dirigir carros ou viajar sozinho de ônibus, trem, metrô e táxi

Necessita de ajuda e/ou supervisão quando viaja de ônibus, trem, metrô e táxi Incapaz de utilizar qualquer meio de transporte Total de pontos Escore: 9:totalmente dependente; 10 a 15: dependência grave; 16a 20: dependência moderada; 21a 25: dependência leve; 25 a 27: independente.

3 2 1

Pontos do paciente

12

I Semiologia do Idoso

171 Escala de depressão geriátrica de Yesavage (Yesavage, 1983).

Questionário de pfeffer para atividades fundonais (pfeffer et aL, 1982). Mostre ao informante as opções e leia as perguntas. Anote a pontuação como se segue: Sim, é capaz Nunca ofez, mas poderia fazer agora Com alguma dificuldade, mas faz Nunca fez e teria dificuldade agora Necessita de ajuda Não é capaz Perguntas

Questões

o o 1 1

2

3

Pontuação

1. Ele(a) é capaz de cuidar do seu próprio dinheiro? 2. Ele(a) é capaz de fazer as compras sozinho (p. ex., de comida e roupa?) 3. Ele(a) é capaz de esquentar água para café ou chá e apagar ofogo? 4. Ele(a) é capaz de preparar comida? S. Ele(a) é capaz de manter-se a par dos acontecimentos e do que se passa na vizinhança? 6. Ele(a) é capaz de prestar atenção em um programa de rádio, televisão ou artigo de jornal e de entendê-lo ediscuti-lo? 7. Ele(a) é capaz de lembrar-se de compromissos e acontecimentos familiares? 8. Ele(a) é capaz de cuidar de seus próprios medicamentos? 9. Ele(a) é capaz de andar pela vizinhança e encontrar o caminho de volta para casa? 10. Ele(a) é capaz de cumprimentar seus amigos adequadamente? 11. Ele(a) é capaz de ficar sozinho(a) em casa sem problemas? Versão utilizada no Projeto SABE. Disponível em: www.fsp.usp.br/sabe. Escore: 6ou mais pontos: comprometido; 1,O • Mulheres: RCQ > 0,85. É importante que os profissionais envolvidos no atendimento ao idoso estejam convictos de que a triagem e a avaliação nutricionais adequadas do paciente, com consequente intervenção nutricional, são fundamentais para melhoria da sua qualidade de vida. Um importante instrumento de triagem e avaliação nutricional foi validado especificamente para a população geriátrica, trata-se da Miniavaliação Nutricional (MAN), de Guigoz e Vellas (1994). Veja o Quadro 12.23. A primeira parte é a triagem e se o escore for maior ou igual a 12 pontos não será necessário prosseguir. A segunda parte é que compreende a avaliação propriamente dita, tendo um escore total de 16 pontos. Ao final, soma-se a pontuação da triagem com a da avaliação e o resultado permite classificar o idoso como normal(> 24 pontos), em risco de desnutrição (entre 17 e 23,5 pontos) e desnutrido (< 17 pontos). É impor-

Quadro 12.23

I Semiologia da Infância, da Adolescência edo Idoso

tante ressaltar que a desnutrição é fator de risco para a síndrome do idoso frágil (ver Peculiaridades clínicas das doenças no idoso) e importante marcador de mau prognóstico em idosos hospitalizados. Portanto, a AGA engloba todos esses parâmetros como cognição, marcha, equilíbrio, humor, capacidade para executar as atividades da vida diária, rede de suporte social e/ou familiar, condições ambientais e nutrição. Sua estrutura e componentes podem variar dependendo do local e da equipe que a utiliza, sugerimos um modelo que pode ser mudado a depender da experiência do profissional com as escalas e testes (Quadro 12.24). Convém ressaltar que existem inúmeros estudos, inclusive meta-análises comprovando que a avaliação do paciente geriátrico por meio da AGA, em unidades geriátricas ou por equipes de geriatria, e posterior plano terapêutico e de reabilitação com base nessa avaliação resultou em menor mortalidade, menor perda funcional, menor índice de institucionalização e menos readmissões hospitalares (Stuck et al., 1993).

Miniavaliação nutridonal (Guigoz et oL, 1994).

Triagem A. Oconsumo de alimentos diminuiu nos últimos 3 meses devido à perda de apetite, problemas digestivos, dificuldades para mastigar ou deglutir? O.Diminuição grave 1. Diminuição moderada 2. Não houve diminuição 8. Perda de peso nos últimos 2meses: O.Superior a3kg 1. Não sabe informar 2. Entre 1e3 kg 3. Não perdeu peso C. Mobilidade: O.Restrito ao leito ou à cadeira de rodas 1. Deambula, mas é incapaz de sair de casa sem ajuda 2. Deambulanormalmente eécapaz de sair de casa sem ajuda

D. Teve algum estresse psicológico ou doença aguda nos últimos 3 meses? O.Sim 2. Não E. Problemas neuropsicológicos: O.Tem demênciae/ou depressão grave 1. Demêncialeve 2. Sem problemas F. fndice de massa corporal [peso (kg)/altura (m)~: O. IMC < 19 1.19 7 pontos - depressão ~ 11 pontos- depressão moderada agrave

4. Estado nutricional

Ausência de risco nutricional Existência de risco nutricional

Miniavaliação nutricional de Guigóz

< 17 pontos- desnutrido 17 a23,5 pontos - risco de desnutrição ~ 24 pontos - nutrido

5. Suporte social: Apgar da família edos amigos

< 3 pontos - acentuada disfunção 4 a6pontos- moderada disfunção > 6 pontos - leve disfunção

6. Outras avaliações: 7. Outras informações

Número de quedas no último ano: _ _ __ quedas órtese: _ _ _ _ _ _ _ _ _ __

o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o

Atividade física: _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ __ Prótese: _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ __

8. Observações: _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ __

Avaliação final O Independente O Dependente O Idoso não frágil O Idoso frágil

O Baixo risco de quedas O Alto risco de quedas O Sem déficit cognitivo O Déficit cognitivo

O Sem risco nutricional O Risco nutricional O Suporte social adequado O Suporte social inadequado

Observações finais: _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ __

176

.,.. Exames complementares Em qualquer idade, os exames complementares são úteis para a confirmação diagnóstica, esclarecimento etiológico, avaliação prognóstica e/ou para acompanhamento terapêutico. Muitas vezes, o diagnóstico é estabelecido durante o exame clínico, dispensando-se exames complementares para justificar uma intervenção terapêutica. Por exemplo: em um paciente idoso com tremores de repouso, rigidez, bradicinesia, marcha de pequenos passos, salivação e que nunca utilizou medicamentos com efeito antidopaminérgico, o diagnóstico de síndrome parkinsoniana é inquestionável, e o tratamento específico pode ser iniciado sem a realização de qualquer exame complementar. Em outras situações, contudo, só se consegue estabelecer um diagnóstico sindrômico insuficiente para instituir tratamento, sendo necessários exames complementares para o diagnóstico anatômico, definição da etiologia e decisão terapêutica. Por exemplo: uma paciente idosa que há 1 ano vem apresentando diminuição progressiva da memória, desorientação, agnosia, dificuldade para realização das tarefas habituais e distúrbio de comportamento tem, sem dúvida, uma síndrome demencial, mas o tratamento específico só deve ser instituído após realização de exames para esclarecer o diagnóstico etiológico, ou seja, a causa do quadro demencial, que tanto pode ser uma doença degenerativa como um tumor cerebral ou hipotireoidismo. Exames complementares poderão ser necessários para estabelecer o prognóstico, como se faz no estadiamento das neoplasias malignas, os quais não só orientam a terapêutica como também podem definir a provável evolução. Em outros casos, são indispensáveis para avaliação ou acompanhamento do tratamento, como, por exemplo, a dosagem de eletrólitos, principalmente potássio, nos pacientes que estão utilizando diuréticos. Nas últimas décadas, com o desenvolvimento da tecnologia médica e dos sofisticados métodos de análise bioquímica, alguns exames passaram a ser utilizados na avaliação dos fatores de risco, ou seja, são realizados em indivíduos sem doença com o objetivo de quantificar os riscos para afecções futuras, o que possibilita estabelecer medidas profiláticas. Exemplo comum é a dosagem de lipídios para prevenção primária das doenças cardiovasculares. No caso de pacientes de idade muito avançada, é comum a solicitação de exames para a comprovação da higidez do ancião ou o diagnóstico de moléstia subclínica, pois, nessa faixa etária, muitas doenças manifestam-se com poucos sintomas ou de maneira atípica. Por exemplo: dosagem do TSH e dos hormônios tireoidianos para a detecção de hipotireoidismo latente, disfunção relativamente comum em mulheres idosas. Independentemente da finalidade - diagnóstica, prognóstica, para acompanhamento ou para quantificação de risco -, os exames complementares devem ser solicitados com parcimônia, levando-se em conta a relação custo-benefício, e embasados na história clínica - incluindo antecedentes, hábitos de vida -, no exame físico e na avaliação funcional. Como se sabe, os valores considerados normais para os exames laboratoriais são determinados a partir dos resultados obtidos em um grupo de indivíduos saudáveis. Cumpre salientar, contudo, que, para os pacientes idosos, ainda não estão disponíveis estudos suficientes para a determinação de muitos valores laboratoriais. As modificações fisiológicas resultantes do processo de envelhecimento podem justificar,

Parte 2

I Semiologia da Infância, da Adolescência edo Idoso

em alguns casos, valores diferentes dos considerados normais para a população mais jovem. Entretanto, frequentemente, um resultado anormal reflete a interação entre modificações relacionadas com o envelhecimento fisiológico e doenças mais comuns nessa faixa etária. Quanto aos exames de imagem, é importante saber valorizar as alterações anatômicas decorrentes do envelhecimento per se, as quais, na maioria das vezes, são facilmente reconhecidas, mas não raro são consideradas indicativas de alguma enfermidade. Ao interpretar o resultado de exame de um idoso, devem-se evitar dois tipos de erro - por excesso e por falta. A regra mais importante para evitá-los é valorizar os dados obtidos do exame clínico. O Quadro 12.25 mostra alguns cuidados a tomar na interpretação dos resultados de exames nesse grupo de pacientes. Precaução maior será necessária quando se pensa em realizar um exame invasivo em um paciente idoso, como é o caso das angiografias, biopsias e laparoscopia. Esses pacientes apresentam reserva funcional diminuída, e um exame invasivo mal indicado ou mal conduzido pode contribuir ainda mais para piora do seu quadro clínico. Isso não quer dizer que a idade, por si só, seja um fator limitante para a realização de exames. O mais importante é fazer uma avaliação criteriosa do doente e pesar os riscos e os benefícios do procedimento. O encontro de bactérias patogênicas em líquidos orgânicos, secreções e tecidos corpóreos deve ser sempre considerado anormal, mesmo que os pacientes estejam assintomáticos. Nesses casos, os antimicrobianos podem não estar indicados, mas o acompanhamento em busca de sinais e sintomas de uma infecção deve ser contínuo. Exemplo frequente é o idoso com bacteriúria assintomática, que, na grande maioria das vezes, não precisa ser tratado. Finalmente, é importante conhecer os conceitos de sensibilidade e especificidade para que se possa interpretar adequadamente um exame laboratorial, mesmo que nem sempre eles possam ser aplicados de forma absoluta ao examinar um paciente (ver Interpretação dos testes diagnósticos na prática

clfnica).

.,.. Hemograma. Em qualquer faixa etária, o hemograma é um exame de extrema importância para o diagnóstico e acompanhamento do tratamento de diversas moléstias. No entanto, para os idosos nos quais as doenças podem apresentar-se de maneira subclínica ou atípica, esse exame é obrigatório quando há perda abrupta da capacidade funcional, quedas, confu-

Cuidados com resultados de exames de padentes idosos (Dinh e Kagan, 1999). Resultado anormal • Nunca resulta somente do envelhecimento (exemplo: aumento dos lipídios sanguíneos) • Reflete uma anomalia, mas não necessariamente uma doença que deva ser tratada ou mais profundamente investigada (exemplo: hipoalbuminemia em um paciente aparentemente hígido)

Resultado aparentemente normal • Pode refletir uma doença se comparado com um exame anterior (exemplo: eletrocardiograma com alterações de repolarização que seriam consideradas normais para aidade não fosse ofato de um exame realizado há poucos dias não ter mostrado essas alterações) • Pode ser oresultado de afecções que determinam alterações contrárias entre si (exemplo: paciente com polimialgia reumática eVHS normal, por ser portador de policitemia).

12

I Semiologia do Idoso

são mental, incontinência ou descompensação de uma doença crônica. Uma anemia ou uma infecção pode ser a causa de qualquer uma dessas condições clínicas. Eritrócitos. O número de eritrócitos pode variar de acordo com o peso, a altitude e a presença de hipoxemia. O hematócrito pode alterar-se em função do estado de hidratação do paciente. A Organização Mundial da Saúde (OMS) definiu como anemia níveis de hemoglobina abaixo de 12 g/de para as mulheres e 14 g/ de para os homens. Com o envelhecimento, provavelmente em decorrência da redução da produção de testosterona, os níveis de hemoglobina podem diminuir fisiologicamente nos indivíduos do sexo masculino. Diante disso, muitos homens idosos podem ser considerados anêmicos se utilizarmos o critério de hemoglobina menor que 14 gldt. Nessa faixa etária, recomenda-se que o critério para o diagnóstico de anemia seja de hemoglobina menor que 12 g/de, tanto para homens com para mulheres (Freedman e Sutin, 1998). leucóátos. A contagem total e diferencial dos leucócitos geralmente não se altera com o envelhecimento. Entretanto, alguns idosos podem apresentar leucopenia, em decorrência principalmente de linfopenia. Em idosos com febre, a ausência de leucocitose e/ou neutrofilia não é suficiente para descartar a etiologia bacteriana de uma infecção, pois eles frequentemente podem apresentar infecções sem que essas alterações ocorram, embora, na maioria dos casos, haja desvio para a esquerda. Plaquetas. A contagem de plaquetas não se altera com a idade. Portanto, toda trombocitopenia ou trombocitose deve ser exaustivamente investigada em busca de uma causa. .... Velocidade de hemossedimentação (VHS). A VHS aumenta com a idade, principalmente no sexo feminino, sendo o mecanismo responsável por essa modificação ainda desconhecido. Acredita-se que a diminuição da albumina e o aumento das globulinas que acompanham o processo do envelhecimento seriam responsáveis por esse fenômeno. As seguintes fórmulas possibilitam o cálculo dos valores máximos da VHS na primeira hora para indivíduos idosos: • Homens: Idade/2 • Mulheres: (Idade+ 10)/2. Em um homem de 80 anos, por exemplo, a VHS pode ser considerada normal até 40 mm na primeira hora e, em uma mulher da mesma idade, até 45. Valores mais elevados certamente correspondem à existência de doenças inflamatórias, infecciosas, neoplasias malignas ou de anemia. No entanto, valores normais não são suficientes para excluir inflamação, pois se trata de exame de baixa sensibilidade e baixa especificidade. A arterite de células gigantes e a polimialgia reumática, que acometem quase exclusivamente pacientes idosos, caracterizam-se por VHS extremamente elevada na sintomatologia característica. .... Ferro sérico eferritina. Os níveis séricos de ferro diminuem com a idade, porém os depósitos de ferro aumentam progressivamente, sobretudo no sexo feminino, o que acarreta aumento da ferritina. É importante considerar essas alterações quando se investiga a etiologia das anemias nos idosos. .... Eletroforese de proteínas. A albumina plasmática diminui com o envelhecimento, de modo que os idosos podem apresentar níveis de albumina até 0,9 g/de menores do que os valores considerados normais nas faixas etárias mais jovens. Essa alteração ocorre na ausência de doença e é considerada fisiológica, porém deve ser levada em conta ao se prescreverem, para esse grupo de pacientes, medicamentos que se ligam fortemente às proteínas plasmáticas (p. ex., anticoagulantes orais, propranolol, benzodiazepínicos, meperidina e fenitoína).

177 A gamaglobulina IgG aumenta com a idade, sem que isso signifique doença. Cerca de 2% dos indivíduos com mais de 70 anos apresentam níveis elevados de IgM, na ausência de sintomas. Essa condição é reconhecida clinicamente como gamopatia monoclonal benigna, e apenas 20% dos seus portadores evoluem para mieloma múltiplo ou outra neoplasia de células plasmáticas. .... Ureia, creatinina e depuração da creatinina. O envelhecimento caracteriza-se por perda da reserva funcional dos órgãos e uma das funções mais afetadas é a filtração glomerular. Estima-se que há redução de cerca de 10% nesse índice, por década, a partir dos 40 anos; portanto, uma depuração da creatinina de 50 a 60 ml'/min depois dos 70 anos pode ser considerada normal. Como a massa muscular também diminui com o envelhecimento, os níveis de ureia e creatinina permanecerão dentro dos valores considerados normais para os mais jovens. Do ponto de vista clínico, essas alterações são muito importantes, pois indicam que os idosos podem desenvolver insuficiência renal muito mais facilmente quando são observados quadros agressivos, como hipovolemia, infecções e uso de medicamentos nefrotóxicos. A prescrição de fármacos também é influenciada, de tal modo que todo medicamento de eliminação renal deve ter sua dose reduzida quando utilizado por pacientes idosos, mesmo aqueles com ureia e creatinina normais (p. ex., digitálicos, aminoglicosídios, lítio, antivirais e diuréticos). É importante ressaltar, também, que os indivíduos idosos necessitam de uma redução muito maior da depuração da creatinina para que a creatinina sérica se eleve a determinado nível observado nos jovens com clearance bem mais elevado.

.... Aspartato aminotransferase (AST ou TGO), alanina aminotransferase (ALT ou TGP), fosfatase alcalina e amilase. As enzimas hepáticas TGO e TGP não sofrem alterações com o envelhecimento. No entanto, a fosfatase alcalina frequentemente apresenta discreto aumento. Níveis muito elevados dessa enzima nem sempre indicam doença hepática. É importante lembrar que os idosos são propensos a apresentar doenças metabólicas ósseas (osteoporose, doença de Paget, osteomalacia) que também são responsáveis por sua elevação. A amilase sérica aumenta até os 70 anos e, depois, tende a diminuir. .,.. Eletrólitos. Os níveis séricos de sódio, potássio e cloro não se alteram em decorrência do processo de envelhecimento, mas os idoso são mais propensos a apresentar desequih'brios eletrolíticos do que os mais jovens, principalmente a hiponatremia. O cálcio diminui com a idade, especialmente nos indivíduos do sexo masculino. A determinação da calcemia, anualmente, mesmo na ausência de sintomas que a justifiquem, não é abusiva, pois permite o diagnóstico de formas latentes de hiperparatireoidismo primário que requerem vigilância e facilita a prescrição de cálcio e vitamina D para diminuir o risco de fraturas . .,.. Ácido úrico. O ácido úrico aumenta linearmente com a idade e passa a manter relação com os níveis de ureia e creatinina. Na mulher idosa, os níveis de ácido úrico equiparam-se aos dos homens. Valores acima de 7,7 mg/de são considerados anormais para ambos os sexos (Santos, 1989). .,.. Coagulação. O envelhecimento, por si só, não altera os testes que avaliam a coagulação sanguínea, como o tempo de coagulação (TC), tempo de protrombina (TP) e o tempo de tromboplastina parcial ativada (TTPA). Convém ressaltar que o valor diagnóstico da prova do laço e o tempo de sangramento (TS) é limitado em qualquer faixa etária. Existem evidências de que a adesividade plaquetária aumenta com a idade.

.,. . Glicemia e teste de tolerância à glicose. A secreção basal de insulina não se altera com a idade, porém, devido provavelmente à resistência à insulina, a tolerância à glicose diminui em cerca de 60% dos idosos saudáveis. Os critérios adotados pela Organização Mundial da Saúde para o diagnóstico de diabetes melito são os mesmos, tanto para os idosos como para os mais jovens, entretanto as metas de controle podem ser ajustadas nos muito idosos e nos frágeis. .,. . lipídios sanguíneos. Os níveis de colesterol total, LD L-colesterol e triglicerídios tendem a aumentar dos 30 aos 70 anos, diminuindo após essa idade em ambos os sexos. Esse aumento é muito mais acentuado quando o indivíduo ganha peso. A queda dos níveis de triglicerídios, a partir dos 70 anos, é mais acentuada nos homens, assim como a dos níveis de HDL-colesterol nas mulheres. .,. . Hormônios sexuais. Nos homens, os níveis de testosterona se reduzem a partir dos 50 anos e, por volta dos 80 anos, alcanlçam valores 50% menores do que os do adulto jovem. Nas mulheres, os níveis de testosterona não se alteram com a idade; em contrapartida, os estrogênios diminuem drasticamente após a menopausa, chegando a níveis muito baixos por volta dos 60 anos. Eles também diminuem com o avançar da idade nos indivíduos do sexo masculino. Em decorrência dessas alterações, as gonadotrofinas hipofisárias aumentam de maneira acentuada, principalmente nas mulheres. .,. . Função tireoidiana. As concentrações de tri-iodotironina (T3) diminuem a partir dos 50 anos, porém as de tiroxina (T4) e do hormônio estimulante da tireoide (TSH) mantêm-se estáveis. A dosagem sistemática do TSH e o intervalo desta dosagem não apresenta consenso na literatura, mas devido a alta prevalência de hipotireoidismo subclínico e clinico com apresentações atípicas nesta população, a solicitação desses exames deve ser realizada rotineiramente a cada ano. .,. . Reações sorológicas para sífilis e pesquisas de autoanticorpos. Os títulos de VDRL aumentam com a idade sem que isso signifique infecção recente ou antiga pelo Treponema pallidum. Para confirmação diagnóstica, é necessário realizar testes sorológicos mais específicos, como o FTA-ABS. Títulos baixos de autoanticorpos, principalmente FAN e fator reumatoide podem ser detectados nos idosos, e isso nem sempre significa doença autoimune. .,. . Exame de urina. Os valores de referência para o sedimento urinário não se modificam na velhice, e suas alterações têm o mesmo significado que nos indivíduos mais jovens. A bacteriúria assintomática, comum nessa faixa etária, deve ser considerada como uma anormalidade, mas nem sempre deve ser tratada com antimicrobianos. .,. . Dosagem de vitaminas. Os níveis séricos de algumas vitaminas (Bp B6, Bw C, De E) podem estar diminuídos no idoso, devido a uma série de fatores, que vão desde a diminuição da absorção até por ação de medicamentos que interferiam com seu metabolismo. As dosagens devem ser solicitadas de acordo com critérios clínicos em indivíduos de risco ou que apresentem sinais e sintomas de deficiência.

• Comentários sobre os exames laboratoriais Convém lembrar que as alterações referidas nos exames complementares refletem, quase exclusivamente, o resultado do processo de envelhecimento. As doenças que podem acometer os idosos são responsáveis por alterações muito mais importantes nos valores desses exames. O Quadro 12.26 mostra sinteticamente os efeitos do envelhecimento sobre alguns exames laboratoriais.

I Semiologia da Infância, da Adolescência edo Idoso

Parte 2

178

Efeitos do envelhedmento sobre valores de alguns exames laboratoriais. Aumentados

Inalterados

Diminuídos

VHS

Série branca

Hemoglobina nos homens

Ferritina Fósforo nas mulheres Ácido úrico

Plaquetas Sódio, potássio Ureia, creatinina EAS TGO, TGP Glicemia

Ferro sérico Cálcio Oearance da creatinina

Fosfatase alcalina Colesterol total, LDLcolesterol etriglicerídios até os 70 anos FSH, LH lgG VDRL, FAN, fator reumatoide

T4, TSH lgM elgA Vitaminas Ae 82

Amilase Tolerância à glicose, HDLcolesterol nas mulheres e triglicerídios nos homens após os ?O anos T3, estrogênio, testosterona Albumina Vitaminas 811 861 812, C, De E

• Gasometria arterial A Pao2 diminui com o envelhecimento, de tal modo que valores em tomo de 70 mmHg são considerados normais aos 80 anos. Sorbini sugere a seguinte fórmula para cálculo da variação da Pa02 com a idade: Pa0 2 (mmHg) = 109- (0,43 x idade) O pH, a Pac0 2 e as dosagens de bicarbonato não se modificam com o envelhecimento.

• Eletrocardiograma O eletrocardiograma é um exame muito solicitado por ser barato e não invasivo. Apesar das inúmeras modificações estruturais no coração do idoso, capazes de alterar o traçado eletrocardiográfico, esse exame é muito útil mesmo em situações em que a doença de base não seja cardiovascular. A insuficiência coronariana pode apresentar-se, nesses pacientes, de forma atípica ou oligossintomática. Portanto, condições clínicas como síncope, queda, astenia aguda, confusão aguda, dor abdominal, náuseas e vômitos são suficientes para indicar a realização de eletrocardiograma nessa faixa etária. Aproximadamente 50% dos idosos apresentam alterações eletrocardiográficas não relacionadas com sintomas clínicos. Entretanto, na grande maioria das vezes, sem a realização de exames mais sofisticados, é impossível afirmar que não são causadas por doença cardiovascular oculta, principalmente pela doença coronariana. As alterações eletrocardiográficas comumente observadas nos idosos são: • Desvio do eixo do QRS para a esquerda • Discretas alterações do segmento ST e diminuição da amplitude da onda T • Alterações do ritmo, bloqueios atrioventriculares e bloqueios de ramo e divisionais podem ocorrer pela redução do número de células do nó sinusal e do feixe de His, como também pela propagação das alterações degenerativas das valvas e do esqueleto cardíaco para o sistema de condução.

12

I Semiologia do Idoso

• Radiografia do tórax As alterações musculoesqueléticas e vasculares do envelhecimento podem ser responsáveis por erros e dificuldades na interpretação do exame radiográfico do tórax. Assim, o aumento do índice cardiotorácico não corresponde necessariamente a aumento da área cardíaca, podendo depender da diminuição do diâmetro transverso e aumento do diâmetro anteroposterior da caixa torácica. Os pulmões podem apresentar-se hiperinsuflados, mesmo na ausência de doença pulmonar, como consequência do aumento fisiológico do volume residual. Em indivíduos muito idosos, as cartilagens traqueais e dos brônquios-fontes podem calcificar-se. Comumente, observam-se traves fibróticas e acentuação da trama brônquica, indicativas de sequelas de afecções pulmonares prévias. A aorta pode apresentar-se alargada e alongada com calcificações, principalmente na sua crossa. Os ossos da coluna têm densidade diminuída e, frequentemente ocorrem calcificações das articulações entre o esterno e as costelas. São comuns imagens anormais provocadas pela osteoartrose e osteófitos marginais, conhecidos vulgarmente como bicos de papagaio.

• Teste ergométrico As indicações do teste ergométrico são as mesmas que em outras faixas etárias, ou seja, diagnóstico da insuficiência coronariana e avaliação da aptidão física e do significado das arritmias. Contudo, as doenças osteomioarticulares, vasculares periféricas, sequelas neurológicas e alterações do sistema de condução do coração podem limitar sua indicação e reduzir sua sensibilidade e sua especificidade para o diagnóstico de isquemia miocárdica. A resposta ao esforço altera-se com o envelhecimento. Diminui o consumo máximo de oxigênio (V0 2 máx), o aumento da frequência cardíaca é atenuado, a pressão arterial sistólica eleva-se linearmente, enquanto a diastólica aumenta inicialmente para, depois, sofrer queda progressiva.

• Ecocardiograma As janelas ecocardiográficas podem estar comprometidas nos idosos, por alterações da parede torácica, principalmente aumento do diâmetro anteroposterior e existência de calcificações das cartilagens condrocostais. Observam-se aumento da espessura da parede da aorta e do seu diâmetro, espessamento e calcificações valvares, aumento do diâmetro do átrio esquerdo, hipertrofia ventricular e diminuição da complacência do ventrículo esquerdo. A sua grande indicação, nessa faixa etária, é para diferenciar a insuficiência cardíaca sistólica da diastólica e avaliar sua gravidade.

• Radiografia simples do abdome Não se altera muito no paciente idoso, exceto pelo fato de que são comuns as calcificações nas paredes da aorta. Suas indicações são as mesmas que em outras faixas etárias, mas algumas situações como febre inexplicada e confusão mental podem justificar sua realização, mesmo que o paciente não apresente sintomas abdominais.

• Ultrassonografia abdominal As indicações também são idênticas às das faixas etárias mais jovens. Muitos idosos podem ter a vesícula biliar esclero-

179 atrófica e cálculos podem ser descobertos sem que o paciente apresente sintomas. Pequenos cistos renais são comuns e não têm significado patológico. Aneurismas da aorta podem ser detectados na ausência de sintomas.

• Radiografia do crânio Trata-se de um exame de indicações limitadas para o paciente idoso. Na grande maioria das doenças do sistema nervoso central que acometem esses pacientes, o exame é normal. Permanece útil no caso de fraturas, doença de Paget dos ossos e mieloma múltiplo, em que as anormalidades ósseas são evidentes. É comum haver calcificações da glândula pineal e do parênquima cerebral, sem significado patológico.

• Eletroencefalograma O envelhecimento pode levar a uma redução da frequência dos ritmos alfa de 10,5 ciclos/segundo no adulto jovem para 8,6 no velho de 80 anos (Silva, 1981). Pode ocorrer atividade lenta focal, principalmente temporal. Ondas sugestivas de atividade epileptógena não devem ser assim consideradas sem que haja sintomatologia que as justifique.

• Tomografia do crânio e ressonância magnética A tomografia do crânio deve ser solicitada para todo idoso que apresente confusão mental, crises convulsivas ou distúrbio de comportamento, mesmo que não haja outros sinais de comprometimento do sistema nervoso central. Nas doenças metabólicas e degenerativas, incluindo as demências, a probabilidade de a tomografia ser normal é grande. Contudo, a ressonância nuclear magnética pode demonstrar alterações; por isso, pode ser o exame inicial em determinadas circunstâncias. O cérebro diminui de volume com a idade, e sinais de atrofia do parênquima cerebral com aumento dos espaços liquóricos (hidrocefalia ex-vacum) são normais. Anormalidades da substância branca, que aparecem na tomografia computadorizada como áreas de hipodensidades periventriculares, são verificadas em cerca de 30% dos idosos saudáveis, mas podem estar associadas à doença cerebrovascular, à hipertensão arterial sistêmica e à doença de Alzheimer. Essas alterações, conhecidas como leucoaraiose, também podem ser vistas na ressonância magnética, e vários estudos anatomopatológicos demonstraram a associação desses achados radiológicos com desmielinização, gliose, necrose e cavitação do tecido cerebral, geralmente associadas à aterosclerose de pequenos vasos. A ressonância nuclear magnética também é o exame mais indicado quando se investigam afecções da medula espinal, entre elas a mielopatia cervical, que é uma situação quase exclusiva da velhice e caracteriza-se por compressão da medula cervical pelas alterações decorrentes de osteoartrose da coluna.

. .,. Peculiaridades clínicas das doenças no idoso A partir da descoberta das bactérias até meados do século 20, o conceito de doença era firmemente embasado na patologia e relacionado com achados de necropsia e, mais tarde, com as alterações microscópicas. As doenças infecciosas eram as grandes assassinas e, à medida que a microbiologia avan-

180 çava, a doença era vista sempre em termos de uma única etiologia. A saúde era vista como ausência de doença. A melhora das condições de higiene e de saneamento, os programas de imunização e o advento de fármacos antimicrobianos eficazes alteraram todos esses conceitos, pois as afecções crônicas tornaram-se cada vez mais importantes. As doenças passaram a ser relacionadas com múltiplos fatores de risco e, principalmente, com a incapacidade funcional, mesmo na ausência de alterações anatomopatológicas que as justificassem. O conceito de saúde deixou de ser relacionado apenas com a ausência de doença, para significar qualidade de vida e bem-estar. Ao cuidar de um paciente idoso, percebe-se a importância desses novos conceitos e entende-se, então, que alguém pode estar "saudável" e ser portador de várias moléstias crônicas. O objetivo da medicina ultrapassa a proposta de cura das doenças, que na maioria das vezes, é praticamente impossível em idosos, para buscar, também, a manutenção e a recuperação da capacidade funcional. Para compreender as complexas interações que ocorrem entre o envelhecimento e as doenças, alguns princípios fundamentais necessitam ser enfatizados. ... Coexistência de múltiplas doenças. Em geral, múltiplas doenças coexistem. A premissa clínica de que todos os sinais e sintomas devam ser explicados por um único diagnóstico é de pouco valor quando se presta assistência a pacientes idosos. Nestes, é comum o fato de várias doenças crônicas e agudas interagirem, entre si e com fatores sociais e psicológicos, para determinar o quadro clínico. O paciente pode ter muitas queixas sem que nenhuma domine o quadro clínico, ou, ao contrário, apresentar uma queixa principal que não possa ser explicada por uma única doença. Vários estudos têm demonstrado que cerca da metade das pessoas com mais de 60 anos que procuram assistência médica são portadoras de duas ou mais doenças (Horan, 1998), e essa situação tem sido designada na literatura como multimorbidade, que significa a coexistência de dois ou mais problemas de saúde não relacionados em um só indivíduo, mesmo que esses problemas compartilhem fatores de risco e fatores causais, como o caso de uma idosa portadora de obesidade, hipertensão arterial, osteoartrose e diabetes. Trata-se de um fenômeno frequente nos consultórios e hospitais - aliás, é quase sempre a regra entre pacientes idosos. Nas faixas etárias mais avançadas, os pacientes procuram, na maior parte das vezes, ajuda médica para seus vários problemas, e não apenas para uma doença especial. Essa situação é sistematicamente excluída dos estudos que suportam o atual conhecimento médico baseado em evidências. .,. Predominância de doenças crônicas. Em função da menor reserva funcional e da exposição ao longo da vida a inúmeros fatores de risco, entre os idosos prevalecem as doenças crônicas, definidas como qualquer condição que dure mais de 3 meses. Cerca de 80% dos idosos são portadores de pelo menos um problema crônico, entre eles a hipertensão arterial, insuficiência coronariana, insuficiência cardíaca, diabetes melito, osteoartrose, osteoporose, demência e depressão. Esse fato já era conhecido de Hipócrates, pois, nos aforismos, encontramos a seguinte observação: "No todo, as pessoas idosas apresentam menos queixas que os jovens, mas as doenças que as acometem nunca as deixam:' .,. Espectro próprio e amplo de doenças. Algumas doenças tendem a aparecer quase exclusivamente na velhice enquanto outras ocorrem tanto em pacientes jovens como nos idosos. Exemplos de doenças quase que exclusivas de pacientes idosos são:

Parte 2

I Semiologia da Infância, da Adolescência edo Idoso

leucemia linfoide crônica, angiodisplasia colônica, doença de Alzheimer, doença de Paget dos ossos, polimialgia reumática, dentre outras. Nos idosos, as doenças interagem entre si e com as modificações ocasionadas pelo processo de envelhecimento, o que altera totalmente sua apresentação clínica. Algumas síndromes, geralmente de múltiplas causas, são extremamente comuns a ponto de serem conhecidas como os Gigantes da geriatria, incluindo incontinência urinária e/ ou fecal, insuficiência cognitiva, imobilidade, instabilidade postura! e quedas e iatrogenia. .,. Apresentação das doenças de modo atípico. Na velhice, as doenças podem apresentar-se de maneira oligossintomática, com sintomatologia inespecífica ou, muitas vezes, de maneira totalmente atípica. É comum que um idoso com doença grave seja assinto mático ou oligossintomático, como: insuficiência coronariana sem nunca ter tido angina. Em outras situações, muitas doenças manifestam-se com sintomatologia inespecífica, como confusão mental, distúrbio do humor, incontinência, inapetência, emagrecimento e síncope. Por outro lado, existem afecções que têm uma forma de apresentação característica no idoso totalmente diversa da que aparece em jovens. Nessa faixa etária, as doenças também podem manifestar-se de maneira completamente diferente da esperada, como o infarto agudo do miocárdio com dor abdominal e o hipotireoidismo com depressão. No início do século 20, William Osler fez a seguinte observação sobre os idosos: "Na velhice, a pneumonia pode ser latente, apresentando-se sem calafrios. A tosse e a expectoração são discretas e os sintomas constitucionais intensos. Pode não ocorrer febre, mas, quando ocorre, é sempre menos intensa do que nos jovens:' O Quadro 12.27 mostra os fatores predisponentes, as doenças que comumente se apresentam de maneira atípica e as apresentações mais comuns. É importante lembrar, contudo, que essas diferentes formas de apresentação clínica das doenças nos idosos são frequentes, mas não a regra. Elas também podem manifestar-se com o mesmo quadro dos indivíduos jovens. É claro que, quanto mais velho ou mais frágil for o paciente, maior será a chance de as doenças se apresentarem de modo diferente. O envelhecimento é um processo contínuo; quanto mais se vive, mais vulnerável o indivíduo se torna. Portanto, um paciente pode ter pneumonia aos 65 anos e queixar-se de tosse produtiva, dor torácica e febre. Aos 78 anos, o mesmo paciente pode ter outra pneumonia, sem tosse, sem febre e apresentar apenas confusão mental.

... Apresentação tardia de algumas doenças em fases mais avançadas. A tendência das doenças de se apresentarem tardiamente e em estágios avançados não é rara nos idosos, principalmente com as neoplasias malignas. Tanto o paciente como os médicos parecem contribuir para isso. Os idosos, em geral, alimentam pequena expectativa com relação ao seu estado de saúde e, muitas vezes, interpretam um sinal ou um sintoma como resultado do próprio envelhecimento e não procuram assistência. O médico, por sua vez, também pode, erroneamente, atribuir condições passíveis de tratamento ao processo de envelhecimento e, consequentemente, negar ao paciente a possibilidade de melhora ou mesmo de cura. Quem cuida de pacientes idosos deve estar atento a anemias, mesmo discretas, sem explicação, a dores mal definidas e mal localizadas, à queixa de fadiga que pode significar dispneia de esforço, às febrículas, à perda de peso e, principalmente, aos casos em que ocorre queda rápida e inexplicada da capacidade funcional. Estar atento a essas situações não implica a realização aleatória de exames

12

I Semiologia do Idoso

Quadro 12.27

181

Manifestações atrpicas das doenças nos idosos (Costa eTeixeira, 2007).

Fatores predisponentes

Formas mais comuns

Doenças que comumente podem manifestar-se de forma atípica

• • • •

• • • • • • • • • •

• • • • • • • • • • •

• • • • •

Idade avançada Diminuição da reserva fundonal Incapacidade de manter a homeostase Percepções equivocadas sobre o envelhecimento Síndrome do idoso frágil Comorbidades Incapacidade funcional Deficiência cognitiva Polifarmácia

Alterações inexplicáveisde capacidade funcional Piora do estado mental Inícioou intensificação de incontinência urinária e/ou fecal Perda de peso ou dificuldade em aumentá-lo Astenia Quedas Dores generalizadas Pressão arterial instável Taquicardia etaquipneia Febre ausente ou de valor inferior à gravidade do processo infeccioso

complementares sofisticados, de alto custo e invasivos em todos os pacientes, mas a execução de um exame clínico minucioso para a escolha correta dos exames pertinentes ao caso e o acompanhamento constante do paciente. .,. Interação das doenças entre si. Muitas enfermidades, em particular as crônicas, que coexistem no idoso, podem interagir, entre si, influenciando a expressão clínica, o diagnóstico e o tratamento. Alguns dos efeitos dessa interação são descritos no Quadro 12.28.

• Gigantes da geriatria Alguns problemas clínicos, comuns na velhice, com múltiplas causas, curso crônico, embora não impliquem risco de vida iminente, comprometem a qualidade de vida e constituem um desafio diagnóstico e terapêutico. Esses problemas receberam a denominação de «Gigantes da geriatria" ou «5 is': compreendendo: • • • • •

Insuficiência cognitiva Incontinência urinária e/ou fecal Instabilidade postura! e quedas Imobilidade Iatrogenia.

A existência de uma dessas condições clínicas pode comprometer a capacidade do idoso de exercer suas atividades habituais ou até as atividades básicas da vida diária. É comum

Quadro 12.28

Pneumonias Infecções urinárias Meningite Tuberculose Infarto agudo do miocárdio Insuficiência cardíaca Tromboembolismo pulmonar Hematoma subdural crônico Hipotireoidismo Hipertireoidismo Depressão

que um paciente apresente mais de um problema, como a associação de insuficiência cerebral com incontinência, e um deles pode ser, inclusive, a causa do outro. A boa assistência ao idoso depende da capacidade do médico em lidar com os "5 is", e os principais aspectos da abordagem de cada um deles serão enfatizados a seguir.

Insuficiência cognitiva Uma discreta perda de memória para fatos recentes e da capacidade de reter novas informações, que não progride e que não prejudica as atividades do paciente, é normal na velhice. No entanto, alterações da memória, da orientação, da percepção, da linguagem e distúrbios do comportamento, de intensidade suficiente para interferir nas atividades do indivíduo, são causadas por várias afecções e podem ser agrupadas em três grandes síndromes: o delirium, a demência e a depressão (3D). .,. Delirium. Trata-se de um problema comum na velhice, mas que frequentemente não é diagnosticado. Acomete cerca de 1O a 20% dos pacientes idosos hospitalizados com problemas clínicos. Nos casos cirúrgicos, a incidência é maior e chega a 50% dos pacientes submetidos a tratamento cirúrgico de fratura do colo do fêmur (O'Keeffee, 1999). Caracteriza-se por redução aguda ou subaguda da capacidade intelectual, em geral acompanhada de incapacidade de manter a atenção e com flutuações do nível de consciência, intercalando períodos de sonolência com momentos de agitação.

Interações das doenças nos idosos.

Interações

Exemplos

Doença que impede amanifestação de outra

Paciente portador de insuficiênciacardíaca pode não se queixar de dispneia porque também éportador de artrite reumatoide enão se exercita osuficiente para desencadear esse sintoma Paciente portador de doença de Alzheimer não se queixa de disúria, quando tem infecção urinária, mas apenas apresenta piora da função mental Paciente portador de insuficiência coronariana pode ter o quadro clínico agravado quando tem hipertireoidismo Paciente portador de depressão com queixa de deficiência de memóriapode receber odiagnóstico de demência

Doença que altera aapresentação de outra Doença que agrava aoutra Doença que simula aapresentação de outra Doença que dificulta otratamento de outra Doença que facilita otratamento de outra Doença que desencadeia uma cascata de outras doenças

Paciente portador de DPOC não pode ser medicado com betabloqueador para ainsuficiência coronariana ou para hipertensão arterial Paciente recebe betabloqueador para tratamento da hipertensão arterial emelhora do tremor senil Paciente com insônia émedicado com benzodiazepínico, apresenta sonolência econfusão mental durante odia por efeito do medicamento, cai, fratura o colo do fêmur e, em decorrência da imobilidade, pode apresentar mais confusão mental, úlcera de decúbito etromboembolismo pulmonar

Parte 2

182 O delirium precisa ser prontamente reconhecido e adequadamente tratado, pois pode levar a inúmeras complicações, como quedas, traumas, incontinência, retenção urinária, fecaloma, pneumonia por aspiração, úlceras por pressão, distúrbios hidreletrolíticos, desnutrição, hospitalização prolongada, e até mesmo à morte. Sua fisiopatologia ainda é desconhecida, mas admite-se que a redução na transmissão colinérgica, que acompanha o envelhecimento, tenha papel primordial. Por isso, a etiologia medicamentosa deve ser sempre lembrada, principalmente com relação aos fármacos com efeito anticolinérgico (antidepressivos, antiparkinsonianos, antiarrítmicos, antialérgicos, antigripais, antiespasmódicos e até o digital). Pode ser causado por inúmeras afecções e deve-se buscar sempre o diagnóstico etiológico, pois o tratamento baseia-se na correção do fator causal, já que é uma condição totalmente reversível. Em alguns casos, ele pode não reverter completamente. Quando isso acontece, é provável que o paciente seja portador de uma síndrome demencial subjacente. O Quadro 12.29 mostra as principais causas de delirium. A avaliação do paciente com delirium geralmente é difícil, sendo a história clínica obtida por meio das informações dos familiares e/ou dos cuidadores. O exame físico é dificultado pela agitação e pela incapacidade do paciente em cooperar. Deve-se afastar de imediato a possibilidade de um medicamento ser o causador da síndrome. Exames complementares, como o hemograma, radiografia do tórax, eletrocardiograma, ureia, creatinina, cálcio, sódio, potássio, exame simples de urina e provas de função hepática são solicitados inicialmente. O exame clínico irá nortear a solicitação de outros exames, tais como tomografia do crânio, reações sorológicas, dosagens hormonais e exame do liquor. .,.. Demência. Pode ser considerada um problema de saúde pública, pois acomete aproximadamente 10% das pessoas com mais de 60 anos. A prevalência aumenta progressivamente com a idade, chegando a acometer 30 a 40% das pessoas com mais de 85 anos. Assim como o delirium, pode ser causada por várias doenças, e o diagnóstico etiológico é essencial para o tratamento, sendo sempre necessário afastar a possibilidade de uma causa potencialmente reversível, mesmo que isso corresponda apenas a 10 a 20% dos casos. A principal causa

I Semiologia da Infância, da Adolescência edoIdoso

dessa síndrome é a doença de Alzheimer, afecção degenerativa cerebral incurável e de etiologia ainda desconhecida. Outras causas são descritas no Quadro 12.30. Demência é uma síndrome caracterizada por diminuição persistente e geralmente progressiva das funções cognitivas. Difere do delirium por apresentar início insidioso e não comprometer a consciência (Quadro 12.31). O diagnóstico da síndrome demencial é clínico e tem base nos critérios do DSM IV. A deficiência de memória não é suficiente para o diagnóstico, pois são necessárias alterações em pelo menos dois domínios diferentes da cognição (p. ex., memória e linguagem, memória e funções executivas) e de tal intensidade que levem prejuízo funcional para o paciente. Nunca se faz o diagnóstico de demência na vigência do delirium; corrige-se o último para depois pesquisar a primeira. Nas fases iniciais, as alterações podem ser tão sutis que passam despercebidas, e os testes para avaliação mental, como o miniexame do estado mental de Folstein et al. (1975), podem apresentar resultados normais. Nesses casos, quando a suspeita é grande, em geral embasada em relatos dos familiares, pode-se solicitar testes mais sofisticados para avaliação neuropsicológica. Os exames complementares hematológicos, bioquímicos e de imagem são necessários para fazer o diagnóstico etiológico. .,.. Depressão. É um problema pouco reconhecido nas faixas etárias mais elevadas. Muitos fatores contribuem para isso. Entre eles, o fato de que alguns sintomas depressivos, como desinteresse, diminuição da psicomotricidade e da memória, são, com frequência, erroneamente considerados pelo paciente, pelos familiares, e até mesmo pelo médico, como consequências inexoráveis do envelhecimento. É comum os pacientes procurarem assistência não por apresentarem humor deprimido, mas principalmente por apresentarem diminuição da memória e, eventualmente, sintomas psicóticos, como alucinações, ilusões e paranoia. Durante muito tempo, esse quadro foi conhecido como pseudodemência depressiva. Ultimamente, essa denominação vem sendo abandonada. O diagnóstico diferencial entre essas duas síndromes costuma ser dificultado pelo fato de que indivíduos portadores de demência podem apresentar,

Quadro 12.30 Quadro 12.29 • • • • •

Causas maiscomuns de deJirium.

Medicamentos (principalmente com efeito anticolinérgico) Bebidas alcoólicas Síndrome da abstinência alcoólica (delirium tremens) Síndrome da abstinência de sedativos Distúrbios hidreletrolíticos (hipo ehipernatremia, hipercalcemia, desidratação) e acidobásicos • Hipoxemia • Hipoglicemia • Crise tireotóxica • Infecções (principalmente meningite, pneumonia ou infecção urinária) • Infarto agudo do miocárdio • Embolia pulmonar • Acidente vascular cerebral • Arritmias cardíacas • Insuficiência cardíaca, hepática ou renal • Anemia • Fecaloma • Transferência para ambiente não familiar

Causasmaisfrequentes de demência.

Irreversíveis

Potencialmente reversíveis

• • • • •

• • • • • • • • • • •

Doença de Alzheimer Doença de Pick Demência por corpúsculos de lewy Doença de Huntington Demência por príons (doença de Creutzfeldt-Jakob, kuru, GerstmannStraussler-Shenker) • Doença de Parkinson • Esclerose múltipla • Demências vasculares (cortical, subcortical edoença de Binswanger) • Traumatismos cranianos repetidos (demência pugilística) • Calcificações idiopáticas dos núcleos da base (doença de Fahr) • Paralisia supranuclear progressiva • Atrofias multissistêmicas • Anoxiacerebral

• • • • •

Hidrocefalia de pressão normal Tumores intracranianos Hematoma subdural crônico Encefalites Neurossífilis Demência relacionada com o HIV Anemia Hipoxemia Hipercalcemia Disfunções tireoidianas Deficiências vitamínicas (Bw B1 e ácido fólico) Encefalopatia hepática Encefalopatia urêmica Medicamentos Uso de drogas ilícitas Bebidas alcoólicas

12

I Semiologia do Idoso

183

Diferenças drnicas entre delirium edemênda (Upowski, 198n. Variáveis

Delirium

Demênda

Instalação

Aguda Horas - semanas

Insidiosa Meses - anos

Flutuante Comprometida Muito comprometida

Estável Preservada até as fases finais Pouco comprometida

Alerta Memória

Distração Diminuída (principalmente a imediata)

Normal Diminuída (principalmente a recente)

Pensamento

Desorganizado Incoerente, hesitante, rápida ou lenta Sempre alterado, inversão do padrão com insônia ànoite e sonolência diurna

Pobre

Duração Curso Consciência Atenção

Fala Sono

Dificuldade em encontrar palavras Fragmentado

principalmente nas fases iniciais, síndrome depressiva. Diante de um paciente com distúrbio do humor e diminuição da memória, muitas vezes é impossível distinguir se o caso é de depressão pura ou de demência acompanhada da síndrome depressiva. Quando o exame clínico não for suficiente para o esclarecimento, pode-se iniciar prova terapêutica com antidepressivos. O Quadro 12.32 mostra algumas diferenças clínicas entre depressão e demência. O diagnóstico de depressão, assim como o de demência e de delirium, é essencialmente clínico e requer, no mínimo, cinco dos seguintes sinais e sintomas, por pelo menos 2 semanas consecutivas: humor deprimido, perda do interesse (sendo obrigatória a presença destes dois), aumento ou diminuição do apetite, perda ou ganho de peso, insônia ou sonolência, agitação ou diminuição da psicomotricidade, fadiga ou perda

Diferenças drnicas entre depressão edemência (Lippmann, 1985). Demênda

Depressão

Deterioração cognitiva precede adepressão (quando aúltima ocorre)

Depressão precede adeterioração cognitiva

História de doença clínica predisponente écomum Pode queixar-se mais de tristeza que de memória fraca Mau fornecedor de dados históricos

História de depressão écomum

Costuma responder de modo incorreto às perguntas Nega ou esconde os problemas Menos incomodado pela disfunção Esforça-se muito para executar tarefas simples Pior à noite Amor-próprio intacto Apetite frequentemente normal Sono varia de normal ainquieto

Frequentemente se queixa de memória fraca etristeza Razoável fornecedor de dados históricos Pode evitar responder às perguntas (prefere dizer não sei) Exagera os problemas Parece angustiado com adisfunção Desiste muito facilmente Pior pela manhã Baixo amor-próprio Apetite frequentemente diminuído Despertar precoce éum problema comum

da energia, diminuição da concentração e/ou da memória, sentimento de inutilidade ou culpa excessiva e pensamentos recorrentes de morte ou ideação suicida. Tais sintomas devem causar prejuízo ao funcionamento social, ocupacional ou em outras áreas importantes da vida do indivíduo e não resultarem do efeito de alguma substância, doença ou luto. Já que o envelhecimento resulta em maior vulnerabilidade às doenças, diante de um idoso com esses sintomas deve-se pensar em depressão, mas é importante afastar outras afecções como hipotireoidismo, hipercortisolismo, doenças hepática, renal, pancreática e cardiovascular. Medicamentos potencialmente causadores de distúrbio do humor, como a metildopa e outros anti-hipertensivos, devem ser suspensos. Outras doenças psiquiátricas, como a esquizofrenia e algumas psicoses, apesar de raramente se iniciarem na velhice, devem ser lembradas como causa de perda cognitiva nessa faixa etária. Assim também, as deficiências auditiva e/ou visual podem estar causando ou agravando o distúrbio mental.

Incontinência urinária e/ou fecal A incontinência é um dos problemas médicos que mais afetam a dignidade do paciente idoso, e, não raro, é escondida, em especial pelas mulheres, que se conformam com tal situação, como um preço a ser pago por terem tido filhos. Incontinência refere-se à perda involuntária de urina e/ou de fezes em quantidades suficientes e com a frequência necessária para se transformar em problema social ou de saúde. Ela é anormal em qualquer idade e deve ser tratada, podendo ser curada mesmo nos idosos mais debilitados. A incidência da incontinência urinária aumenta com a idade. Ocorre em 30% dos idosos da comunidade e em 60 a 70% dos residentes em asilos, sendo duas vezes mais comuns nas mulheres. A incidência da incontinência fecal também aumenta com a idade, ocorrendo em 10% dos idosos da comunidade e em 50% dos residentes em asilos. Está associada à incontinência urinária em 75% dos casos. Suas consequências são sérias, e entre elas destacamos: fissuras perineais, úlceras por pressão, infecções urinárias repetidas, sepse, quedas, fraturas, constrangimento, isolamento, depressão, além de tensão e angústia para o cuidador. A incontinência é um dos principais motivos que levam os familiares a colocar o idoso em uma instituição asilar. Suas causas são complexas e muitas vezes múltiplas, e há uma tendência por parte dos médicos de rotular os idosos que sofrem desse mal como incuráveis, deixando de fazer uma investigação diagnóstica adequada. Na maioria dos casos, a incontinência urinária e/ou fecal é transitória e causada por problemas potencialmente reversíveis. O Quadro 12.33 mostra as principais causas de incontinência transitória para as quais devemos estar atentos.

Instabilidade postura/ e quedas O equih'brio e a marcha dependem de uma complexa interação das funções nervosas, osteomusculares, cardiovasculares e sensoriais, além da capacidade de adaptar-se rapidamente às mudanças ambientais e posturais. O controle do equih'brio altera-se com a idade e a marcha torna-se instável, de modo que, diante de uma agressão adicional a qualquer uma das funções supracitadas, o idoso pode cair. No entanto, as quedas geralmente resultam da interação de inúmeros fatores relacionados com o paciente e com o ambiente. Dificuldades visuais, problemas vestibulares, doenças neurológicas e cardiovasculares, deformidades osteoarticulares associadas às barreiras arquitetônicas (escadas inadequadas, pisos irregu-

Parte 2

184 Quadro 12.33

Causas deincontinênda transitória.

Urinária

Fecal

• Delirium • Infecção urinária • Vaginite/uretrite atróficas por deficiênciade estrogêniona mulher menopausada • Medicamentos (diuréticos, anticolinérgicos, alfa-antagonistas, bloqueadores dos canais de cálcio, benzodiazepínicos, antipsicóticos) • Depressão • Aumento na produção de urina (insuficiência venosa com edema, insuficiência cardíaca, hipercalcemia, hiperglicemia) • Imobilidade • Fecaloma

• Delirium • Colites infecciosas • Medicamentos (laxativos, fibras, alguns antiácidos, orlistate, metformina) • Depressão • Hipertireoidismo • Alimentação hiperosmótica • Imobilidade • Fecaloma (diarreia paradoxal)

lares e/ou escorregadios, tapetes soltos) contribuem para elevada incidência de quedas nas faixas etárias mais elevadas. Convém ressaltar também a importância dos medicamentos, principalmente os sedativos e aqueles que podem causar hipotensão postura!, e dos calçados inadequados usados pelos idosos. Além das fraturas, as quedas podem ser responsáveis por outros problemas comuns na velhice, como hematomas e outras lesões, traumatismo craniano, medo de andar, reclusão no domicílio e limitação das atividades físicas. As quedas devem ser abordadas como um sintoma e todos os fatores que contribuem para elas devem ser elucidados e, dentro do possível, corrigidos.

Imobilidade A imobilidade nunca deve ser encarada como fato normal na velhice. A sua prevenção é um dos principais objetivos do cuidado ao idoso, já que esse grupo de pacientes, por sua vulnerabilidade, é muito mais propenso que os jovens a ter doenças que podem levar a essa situação. As causas e complicações da imobilidade são descritas no Quadro 12.34. O custo social e econômico de um paciente retido no leito ou em uma cadeira de rodas é altíssimo. É importante lembrar-se das úlceras por pressão, que são uma das mais temidas complicações da imobilidade por demandarem tratamento prolongado

Principais causas ecomplicações da imobilidade nos idosos. Causas

Complicações

• Fraturas • Sequelas neurológicas (traumas, infecções, neoplasias) • Acidente vascular cerebral • Demência avançada (doença de Alzheimer, demência vascular eoutras) • Doença de Parkinson • Afecções reumáticas • Câncer avançado • Fraqueza muscular edesnutrição • Abandono • Medicamentos (sedativos)

• • • • •

Atrofia muscular Rigidez articular eancilose Osteoporose Incontinência Obstipação/fecaloma • ú!ceras de pressão • Pneumonias • Trombose venosa e embolia pulmonar • Confusão mental • Depressão

I SemiologiadaInfância, da Adolescência edo Idoso

e caro. Aproximadamente 70% dessas lesões ocorrem em indivíduos com mais de 70 anos e indicam debilidade fisica e maior risco de morte, pois raramente ocorrem em pessoas sadias. Para preveni-las são necessários cuidados constantes, já que, em um paciente de risco, 1 dia de cuidado inadequado é suficiente para o desenvolvimento de uma úlcera por pressão. É comum que idosos, depois de uma queda, mesmo sem grandes repercussões, apresentem medo de novas quedas e parem de deambular, desenvolvendo uma síndrome da imobilidade, sem que existam razões orgânicas para isso.

latrogenia Apesar de, nas últimas décadas, muita atenção ter sido dada às afecções causadas pela intervenção do médico, principalmente na imprensa leiga quando se relatam os chamados "erros médicos", a iatrogenia ainda não é uma preocupação da maioria dos profissionais, pois são raros os estudos para verificação da sua prevalência e é baixo seu índice de notificação. É importante ressaltar que iatrogenia nem sempre significa erro médico, pois se considera como afecção iatrogênica qualquer condição mórbida decorrente da intervenção do médico e/ou de outros profissionais de saúde, seja ela certa ou errada, justificada ou não, mas que acarrete consequências prejudiciais à saúde do paciente (Carvalho Filho, 1998). Iatrogenia tem origem no grego e significa, literalmente, doença causada pelo médico (iatrós = médico; genes = origem; ia= moléstia). Com o desenvolvimento da tecnologia médica, dos métodos invasivos de diagnóstico e de tratamento, dos inúmeros e potentes fármacos disponíveis, era de esperar que a incidência de lesões causadas por atos médicos aumentasse. A iatrogenia, principalmente a medicamentosa, é importante nos indivíduos idosos, pois, por serem mais vulneráveis, são mais propensos a apresentá-las e, geralmente, com maior gravidade. Diante de um paciente idoso que piora subitamente, cabe ao médico indagar primeiro: "O que eu fiz com esse paciente?" Os fatores que tornam os idosos mais propensos a sofrer iatrogenia medicamentosa estão resumidos no Quadro 12.35.

Fatores que tomam os idosos mais propensos à iatrogenia medicamentosa. • Diminuição da reserva funcional dos órgãos • Ocorrência de múltiplas doenças • Alterações nafarmacocinética dos fármacos o Alterações na composição corporal o Redução da albumina plasmática o Diminuição do metabolismo hepático o Redução da filtração glomerular • Alterações na farmacodinâmica dos fármacos o Menor capacidade de resposta dos receptores alfa-adrenérgicos o Receptores beta-adrenérgicos reduzidos em número e em afinidade por seus agonistas o Diminuição da produção de neurotransmissores (acetilcolina, dopamina) o Aumento da sensibilidade aos benzodiazepínicos (receptores GABA) o Redução da atividade do sistema renina-angiotensina • Alterações nos mecanismos de controleda homeostase o Diminuição do controle postura I o Alterações na regulação da temperatura o Alterações dos mecanismos de manutenção da pressão arterial na posição supina o Intolerânciaà glicose • Uso de vários medicamentos • Uso incorreto da medicação (deficiência visual, auditiva ecognitiva) • Maior tendênciaà automedicação

12

I Semiologia do Idoso

Um sinal de que o idoso está recebendo assistência inadequada é a chamada cascata iatrogênica. Quando, a partir de uma avaliação diagnóstica, institui-se um tratamento que produz efeitos adversos, em vez de suspender ou modificar a posologia do medicamento, o médico prescreve outro para tratar o efeito adverso, e assim por diante. Por exemplo, prescreve-se um medicamento anticolinérgico para tratar um paciente com tremores provocados pelo uso de antivertiginosos; em consequência, ele passa a apresentar delirium, motivando a prescrição de uma medicação psicotrópica para controlar o comportamento. Diante das inúmeras modificações que o processo do envelhecimento ocasiona na farmacocinética e farmacodinâmica dos medicamentos, a prescrição para os idosos deve seguir sempre o princípio básico de começar com doses baixas e aumentá-las aos poucos. Além disso, todas as vezes que um idoso apresentar sintomas ou sinais novos deve-se afastar a possibilidade de reação adversa a fármacos.

• Síndrome do idoso frágil É comum que os idosos relatem ou sejam considerados

como portadores de fragilidade, significando maior vulnerabilidade e fraqueza. Até bem pouco tempo, era um termo vago e inespecífico, mas, diante da constatação de que indivíduos, geralmente muito idosos, apresentavam-se em condições precárias de saúde, com reservas funcionais extremamente diminuídas e com capacidade muito limitada para resistir à mínima agressão, alguns autores passaram a considerar uma condição clínica que pode ser denominada síndrome do idoso frágil ou síndrome da fragilidade do idoso. Fried et al. descreveram, em 2001, o fenótipo dessa síndrome e associaram-no a maior risco de declínio funcional e morte. De acordo com esses autores, a síndrome poderia ser diagnosticada na ocorrência de três ou mais dos cinco sintomas: perda de peso, velocidade lenta da marcha, inatividade física, sensação subjetiva de exaustão (fadiga) e fraqueza muscular (medida pela redução da força do aperto de mão). Na grande maioria das vezes, esse quadro clínico não pode ser explicado por um único problema ou doença e confunde-se o que chamamos de envelhecimento malsucedido. Na sua fi.siopatologia parecem estar envolvidos fatores nutricionais, metabólicos, neuro-humorais e imunológicos que levariam à perda de massa muscular com comprometimento da força e/ ou do desempenho musculares, conhecida como sarcopenia (Quadro 12.5), resultando em perda funcional e redução da capacidade do organismo em manter a homeostase e responder às agressões, predispondo o paciente a quedas, confusão mental, imobilidade, úlceras de pressão, dependência, hospitalizações prolongadas e recorrentes, recolhimento em asilos e morte. Prevenir o seu desenvolvimento é a melhor terapêutica, já que, depois de instalada, é praticamente impossível revertê-la. Nunca é demais lembrar que, para isso, o exame clínico, incluindo a avaliação geriátrica ampla do paciente, é essencial. Só por meio dele é que o médico poderá reconhecer os fatores desencadeantes dessa síndrome e corrigi-los.

.,. . Bibliografia Beck LH. The aging kidney: defending a delicate balance of fluid and electrolytes. Geriatrics, 2000; 55(4):26-32. Bertolucci PH, Brucki SMD, Campacci SR et ai. O Miniexame do Estado Mental em uma população geral. Arquivos de Neuro-Psiquiatria, 1998; 52(1):1-7.

185 Brucki SM, Nitrini R, Caramelli P. et al. Sugestões para o uso do Miniexame do Estado Mental no Brasil. Arquivos de Neuro -Psiquiatria, 2003; 61(3B):777-781. Butler RN. Age-ism: Another form ofbigotry. The Gerontologist, 1969; 9:243-246. Carvalho Filho, E.T. Prevenção da iatrogenia. In: Jacob Filho W. Promoção da Saúde do Idoso. Lemos, São Paulo, 1998, p. 55-64. Churnlea WC, Roche AF, Steinbaugh MLS. Estirnating stature frorn knee height for persons 60 to 90 years of age. Journal of Arnerican Geriatrics Society, 1985; 33(2):116-120. Cornfort A. Biology ofSenescence. Elsevier North-Holland Inc., New York, 1979. Costa EFA. Avaliação geriátrica ampla. In: Liberrnan A, Freitas EV, Savioli Neto F et ai. (Eds.). Diagnóstico e Tratamento em Cardiologia Geriátrica. Manole, São Paulo, 2005, p. 59-74. Costa EFA, Galera SC. O clínico e o idoso. In: Porto CC, Porto, AL (Eds.) Vadernecum de clínica médica (3• ed.). Editora Guanabara Koogan - Grupo Editorial Nacional (GEN), Rio de Janeiro, 2010, p. 5-10. Costa EFA, Galera SC, Porto CC. Exame clínico do idoso. In: Porto CC, Porto AL (Eds.). Exame clínico. (7• ed). Editora Guanabara Koogan - Grupo Editorial Nacional (GEN), Rio de Janeiro, 2011, p. 178-187. Costa EFA, Santana ZS. Síndrome do Idoso Frágil. In: Porto CC, Porto AL. (Eds.) Vadernecurn de Clínica Médica (3a ed.). Editora Guanabara Koogan - Grupo Editorial Nacional (GEN), Rio de Janeiro, 2010, p. 869-870. Dinh F, Kagan Y. Examens complémentares courants en gériatrie. Encycl Méd Chir (Elsevier, Paris). Encyclopédie Pratique de Médecine, 3-1020, 1998. 6p. Duthie Jr., E. H. History and physical examination. In: Duthie & Katz: Practice ofGeriatrics (3rded.). W.B. Saunders Cornpany, Philadelphia, 1998, p. 3-14. Ellis G, Whitehead MA, Robinson D et aL Cornprehensive geriatric assessrnent for older adults adrnitted to hospital: rneta-analysis of randornised controlled trials. BMJ, 343:d6553. doi: 10.1136/bmj.d6553, 2011. Folstein MF, Folstein SE, McHugh PR. Minimental state. A praticai method for grading the cognitive state of patients for the Clinician. Journal ofPsychiatric Research, 1975; 12:189-198. Freedman ML, Sutin DG. Blood disorders and their management in the elderly. In: Brocklehurst's Textbook of Geriatric Medicine and Gerontology (51h ed.). Churchill Livingstone, New York, 1998, p. 1247. Goldman R. Speculations on vascular changes with aging. J Arn Geriat Soe, 1970; 18:765-779. Gorwni ML, Costa EFA, Dueire Lins MCLMC. Comorbidade, multimorbidade e aprsentações atípicas das doenças nos idosos. In: Freitas, EV, Py L (Eds). Tratado de Geriatria e Gerontologia. (3• ed.). Editora Guanabara Koogan Grupo Editorial Nacional (GEN), Rio de Janeiro, 2011, p. 931-944. Guigoz Y, Vellas B, Garry PJ. Mini Nutritional Assessrnent: A practical assessrnent tool for grading the nutritional state of elderly patients. Facts and Research in Gerontology, 1994 Supplement # 2:15-59. IBGE. Sinopse do Censo Demográfico 2010. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 2011. IBGE. Síntese de Indicadores Sociais. Urna análise das condições de vida da população brasileira. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 2010. Katz S, Apkom A. A rneasure of prirnary sociobiological functions. International Journal ofHealth Services, 1976; 6(3):493-508. Lawton MP, Moss M, Fulcomer Metal. A Research and service-oriented multilevel assessment instrument. Journal of Gerontology, 1982; 37:91 -99. Lawton MP. The functional assessment of elderly people. Journal of American Society, XIX (6}: 465-481, 1971. Lemos N, Medeiros SL. Suporte social ao idoso dependente. In: Freitas EV, Py L, Cançado FAX et al. Tratado de Geriatria e Gerontologia (2• ed.). Guanabara Koogan, Rio de Janeiro, 2006, Capítulo 129, p. 1227-1233. Lino VTS, Pereira SEM, Camacho LAB et al. Adaptação transcultural da Escala de Independência em Atividades da Vida Diária (Escala de Katz). Cad Saúde Pública, 2008; 24(11):103-112. Lipowski ZJ. Delirium (Acute Confusional State). ]AMA, 1987; 258 (13): 1789-1792. Lipsitz LA. Orthostatic hypotension in the elderly. N Engl J Med, 1989; 321:952-957. Liu H, Bravata DM, Ingram MS et al. Systematic review: the safety and efficacy of growth horrnone in the healthy elderly. Ann Intern Med, 2007; 146:104-115. Mahoney FI, Barthel DW. Functional Evaluation: The Barthel Index. Maryland State Medicai Journal, 1965; 61-65. Najas MP, Maeda AP, Nebuloni CC. Nutrição em Gerontologia. In: Freitas EV, Py L (Eds). Tratado de Geriatria e Gerontologia. (3• ed.). Editora Guanabara Koogan - Grupo Editorial Nacional (GEN), Rio de Janeiro, 2011, p. 1382-1391. Papaléo Netto M. O Estudo da Velhice: Histórico, Definição do Campo e Termos Básicos. In: Freitas EV, Py L (Eds). Tratado de Geriatria e Gerontologia. (3• ed.). Editora Guanabara Koogan - Grupo Editorial Nacional (GEN), Rio de Janeiro, 2011, p. 3-13.

186 Pereira SRM. Fisiologia do Envelhecimento. In: Freitas EV, Py L (Eds). Tratado de Geriatria e Gerontologia. (3 3 ed.). Editora Guanabara Koogan - Grupo Editorial Nacional (GEN), Rio de Janeiro, 2011, p. 947-948. Pfeffer RI, Kurosaki TT, Harrah CH et aL Measurement of functional activities in older adults in the community. Journal of Gerontology, 1982; 37(3):323-329. Pfeiffer E. A short portable mental status questionnaire for the assessment of organic brain onsequ in elderly patients. Journal of American Geriatrics Society, 1975; 23:433-441. Porto CC, Costa EFA. Envelhecimento do sistema cardiovascular e suas implicações no diagnóstico e tratamento. In: Porto CC. Doenças do coração. Prevenção e tratamento (2 3 ed.). Guanabara Koogan, Rio de Janeiro, 2005, p. 47-52.

Parte 2 I Semiologiada Infância, da Adolescência edo Idoso Riley MW Forward. In: Shawie KW, Campbell RT. Methodological Issues in Aging Research. Springer Pub: New York, 1988. Rocha LMM, Miró A, Schneider RH et al. An overview about geriatrics and aging in Brazil. NPG Neurologie - Psychiatrie - Gériatrie, 2010; 10: 220 a 224. Smilkstein G, Ashworth C, Montano D. Validity and reliability of the Family APGAR as a test offamily functions. The Journal ofFamily Practice, 1982; 5(2):303-311. Spodick DH, Quarry-Pigott UM. Fourth heart sound as a normal finding in older persons. The New England Journal of Medicine, 1973; 288:140-141. Stuck AE, Siu AL, Wieland GD et al. Comprehensive geriatric assessment: a meta-analysis ofcontrolled trials. The Lancet, 1993; 342 (8878): 1032-1036. Yesavage JA, Brink TL. Development and validation of a geriatric depression screening scale: a prelirninary report. J Psychiatr Res, 1983; 17:37-49.



••••••• ••••••••••• ••••••••••• ••••••••••••• ••••••••••••• •••••••••••••• • • ••••••••••••• • •••••••••••••• ••••••••••••••• ••••••••••••• ••••••••••••• ••••••••••••• =========== •••••••••• • ••••••••• ••••••• • ••••••• •••••••••• • ••••••••••••••• • ••••••••••••••••••••••••••••• • ••••••••••••••••••• •••••••••••••••••••• •••••••• ••••••••••••••••••••••••• ••••••••••••••••••••••••• • ••• • •••••••••••••••••••••••• • •• • ••••••••••••••••••••••••••• •. •••••••••• ····=······················· ••••••••••••••••••••••• ••••••••••• •••••••••••••••••••• ~-=••·=··=·====!====================· ••••• • ••••••••••••••••••••••• • _.•• •••••••••••••••••••••••••••••••• •• •••••••••••••••••••••••••••••• . •••••• .•••••••••••••••••••••••••••••••• • ••••••••••••••••••••• • •••••• •••••••••••••••••••••••• • •••••• •• •••••••••••• •••• ••••••••••••••••••• • •••••• •••••••••••••• •••••••• ••••• •• ••• •••••••••••••••••••• •••••• ••• ••••••••••••••••••••• • •••••• •••• •••• ••••••••••••••••••• ••••••• ••• •••••••••• •••••••• •••••• ••••• • ••••••••••••••••••••• • ••••• ••• ••••• •••••••••••••••••• • •••••• •••••••••••••• ••••••••••••• •••••••• ••••• ••• ••••••••••• ••••••••••••• • • ••••••••••••••••••• ••••••• ••••• ••••••••• •••••••••••••••••••••• •••••••• •••••• •••••••••••••••• ••••••••••••••••••••••••• • •••••• ••• ••••••••••••••••••••••••• •••• ••••••••••••••••• ••••••• ••••• •••• ••••• ••••••••••••••••• • ••••• ••••••• ••••••••••••••••••••••••• •••••• •••• • ••••••••••••••••••• ••••••••••••••••••••••••••••• • ••• •I • ••• •••• ••••••••••••••••••••••• •••••••••••••••• •• ••• ••• • •• ••••••••••••••••••••••• •••• ••••• • •••••••••••••••••••• • ••• ••••••••• •••••••••••••••••• • ••• • ••••••••••••• • •••••••••••••••••••• • •••• ••••••••••••• •••••• ••••••••••••••••••••••• • ••••• • •••• ••••••••••••••••••••••• • ••••• ••••••••••••••••••••••• • ••• •• ••••••• •••••••••••••••• •••• • ••••• ••••••••••••••••••••• =·· •

Parte 3















••• •••••••••••••••••••••••

I

Anomalias Genéticas



Paulo Armando Motta

• ••••••



Colaboradora



Elisângela de Paula Silveira Lacerda



I





.111111111111111111111

'li I ••



•••• •• • ••••••••••••••••• • ••••••••• ••••••• • •••••••••••• •••• ••••••••••••• • ...... •••·========· ·===========t • •• ••••• • ••••••••••• •••••••• . ' • • • • •••••• ••••••••••• •••••••••••

• ··=== ====== . =========== .. .••••• . •••••••••• . .. . •••••••••• - ·--•.. ....•••••••••••• . . ••••••••• •••• • ••••••••• • • ••• ••••••• ••••••••••• ••••• •••••••• •• •••••• ••••••••• • •••• ••• • •••••••• • •••••• • •••••••• •• •••• •• • • •••••••• ... • ••·===· ·= . ========· •••••• • • •••••••• ••••• • •••••••• • • ••••••••• • •• •••••••••• ••••••••• ••••••• ••••••• •••••••••• ••••• • ••••••••• • •••••••••• • •••••• • •••••••• •••••• • ••••••••• •••••••• • ••••••• • •••••••• • • ••• ••••••••• •••••••

• •



I



••••••••• •••••• •• ••• •• •••• • ••• ••• •••••• •••••• ••••• •••••• •••••• •••••• •• •• • •• •••• •• ••• ••• • •• ••••• • • • ••• •••••• •• •• •••••••••



I

••••••••• ••••••











• •



•••••••• •••••• ••••••• •••••• ••••••• ••••• •••••• •••••• ••••••• •••• •••• ••••••• • •••••••• ••••••• ••••••••• ••••••• ••••••••• •••••• •••••••

13 Investigação Diagnóstica das Anomalias Genéticas PauloArmando Motta eElisângelade PaulaSilveira Lacerda

..,. Introdução A genética tornou-se um princípio organizador central da prática médica, pois sua essência e abordagem não se restringem a nenhuma especialidade ou subespecialidade médica, ao contrário, permeiam muitas áreas da medicina. As doenças hereditárias classificam-se em gênicas e cromossômicas. As gênicas subdividem-se em monogênicas (um par de genes), multifatoriais e poligênicas (vários pares de genes). As gênicas resultam de mutações que ocorrem no DNA, causadas por agentes físicos, químicos ou biológicos. Em geral, os genes causadores de doenças são conhecidos como recessivos (só se manifestam clinicamente em homozigose, isto é, em dose dupla) ou dominantes (manifestam-se clinicamente mesmo quando em heterozigose, isto é, em dose única). As doenças cromossômicas podem ser causadas por agentes físicos, como as radiações, ou químicos, inclusive por elevações de pH de uma célula em meiose. As alterações gênicas, tanto quanto as cromossômicas, podem ocorrer tanto na linhagem somática quanto na germinativa. As alterações na linhagem germinativa têm grande interesse genético, pois podem ser transmitidas aos descendentes.

Genes ODNA éformado por uma dupla hélice composta de nucleotídios. Todo gene é composto de um número variável de pares de nucleotídios, embora nem todo trecho de DNA seja gene. Isso significa que o DNA não é uma sequência ininterrupta de genes, havendo entre eles o que se chama de DNA espaçador. Em uma célula somática humana, existem aproximadamente 30.000 genes, mas não são todos diferentes. Há os de cópia única, os medianamente repetidos e os muito repetidos. Os genes são medidos pelo seu número de pares de bases. Cada mil pares de bases (pb) é um quilo base (kb). Existem genes com menos de 50 kb, como o da albumina, outros com quase 250 kb, como o da fibrose cfstica, egenes enormes, como o da distrofia muscular, com mais de 2milhões de pares de bases (2 Mb).

As alterações cromossômicas que ocorrem por erros de separação (não disjunção) das cromátides de um cromossomo, durante as mitoses do desenvolvimento embrionário, produzem duas ou mais populações de células cromossomicamente diferentes no indivíduo (mosaicismo), algumas normais e outras anormais, dificultando o diagnóstico de algumas doenças por atenuar seu quadro clínico. O exemplo citado é de anomalia referente às alterações no número de cromossomos, mas existem muitas síndromes causadas por alterações estruturais, como as deleções, inversões, translocações e outras, que podem produzir o mesmo quadro clínico das anomalias , . numencas. As doenças hereditárias são relatadas em quase todas as especialidades médicas. É importante, contudo, destacar que nem todas as malformações congênitas são hereditárias, bem como nem todas as doenças hereditárias são congênitas. A coreia de Huntington é um exemplo de manifestação tardia. A heterogeneidade genética, isto é, a produção de um quadro clínico semelhante por causas genéticas diferentes, também pode dificultar a informação genética (erroneamente denominada aconselhamento genético). Um diagnóstico impreciso é causado principalmente por informação genética errada. Ao contrário do que ocorre com as doenças não genéticas, nas doenças hereditárias, o paciente, ou um de seus familiares, é o ponto de partida para um trabalho que envolve também os pais e outros familiares . Cumpre ressaltar o grande progresso no reconhecimento das anomalias genéticas, ainda no estágio pré-implantatório (ou mesmo antes com os chips de DNA), nos primeiros meses de gestação, possibilitando ao médico a intervenção precoce. O estudo dos antecedentes familiares é indispensável, pois se sabe que determinadas doenças hereditárias têm diferenças de frequências gênicas em certas populações ou raças, como é o caso das talassemias, que predominam em populações oriundas do Mediterrâneo, da anemia falciforme, na raça negra, das lipidoses, em populações judaicas, e muitas outras. A hipercolesterolemia, um dos distúrbios mais comuns referidos, provém de herança autossômica dominante por heterozigose, e é observada em 1 em cada 500 pessoas. As dislipidemias, principalmente a elevação do LDL-colesterol, são um dos mais importantes fatores de risco para doença arterial coronariana (ver Capítulo 129, Metabolismo dos Lipfdios). O gene está no cromossomo 19, e já foram identificadas mais de 150 mutações diferentes. Caso um homem ainda jovem faleça desta doença, o gene dos seus filhos pode ser testado para essa doença e imediatamente medidas preventivas serão iniciadas. O estudo da transmissão dos genes em famílias (análise de heredogramas) é fundamental na informação genética. O termo aconselhamento genético, embora consagrado pelo uso, tem sido muito criticado, pois o médico não deve aconselhar, mas, sim, dar informações genéticas quanto ao risco de a prole ser afetada, deixando a decisão final por conta do casal. É ideal que as informações que o médico obtém em uma primeira entrevista com o paciente, com relação à sua família, devam ser averiguadas, pois, sendo leigo, não pode fornecer dados fidedignos sobre anormalidades ou não em sua família, indicando apenas os casos que porventura tenham sido diagnosticados. O termo inglês pedigree é usado principalmente para designar a genealogia de animais de raça. No Brasil., por extensão, usam-se os termos genealogia e árvore genealógica também como sinônimo de heredograma, ainda que este último seja a denominação específica do diagrama que descreve resumidamente a história familiar. O termo genealogia corresponde

13

I Investigação Diagnóstica das Anomalias Genéticas D

O Mulher

Homem

~ Casamento

L)=() Casamento

Filhos em ordem de nascimento

consangulneo

ó'o ou

I

IJ

ó

,...ô..., Gêmeos UU monozigótioos

~ Gêmeos

U U dizigótioos

Sexo não especificado

Hetero:ig?tos para ~m gene '-' autossom1co recessiVo

0•

Portadora de um recessivo ligado ao X

I Aborto ou

h- Morte

• natimorto

t

1ft ou

e Afetados

D 3homens O 2mulheres

1/C\

ou

189

Propósito

11

111

IV

v Figura 13.2 Aparecimento de uma característica autossômica dominante por mosaico gonadal ou mutação na gametogênese de um dos genitores da segunda geração (McKusick).

/

~ Sintomas de uma síndrome

Figura 13.1 Símbolos mais comuns em heredogramas.

tanto ao estudo que tem por objetivo estabelecer a origem de um indivíduo ou de uma família como à exposição cronológica, geralmente em forma de diagrama, da filiação de um indivíduo ou da origem e ramificações de uma família. É, portanto, um diagrama de hereditariedade. Por meio do estudo dos genes em árvores genealógicas (termo antigo), podem-se identificar seus padrões de transmissão. Na preparação de um heredograma são empregados símbolos internacionalmente adotados, como os das Figuras 13.1 e 13.2. As gerações são numeradas em algarismos romanos, e as pessoas que se incorporaram àquela família, em arábicos, mesmo que estas numerações não estejam expressas no heredograma; e seus filhos, localizados da esquerda para a direita, em ordem de nascimento. Também não é obrigatório representar o cônjuge em cada casamento, quando este não apresentar o caráter em estudo. O indivíduo a partir do qual se traçou o heredograma é denonimado propósito( a), ou probando(a), ou caso índice, sendo assinalado com uma seta no heredograma (Figura 13.3). A determinação do padrão de herança é importante para o diagnóstico no probando e para identificar outros indivíduos na família que podem estar em risco e que necessitem de avaliação e de consulta genética. Diante de tantos exames cito-

genéticos e moleculares disponíveis para os geneticistas, uma história familiar precisa, que inclua o heredorama da família, permanece como uma ferramenta fundamental para o uso de todos os médicos e consultores genéticos para o planejamento e tratamento individualizado dos seus pacientes.

..,. Tipos de herança genética • Herança autossômica dominante Os principais critérios usados para a identificação de uma herança autossômica dominante em um heredograma são: • Não sendo a característica influenciada pelo sexo, deve-se encontrar aproximadamente o mesmo número de homens e mulheres afetados • A característica deve aparecer em todas as gerações, isto é, ser sequencial (exceto se houver penetrância incompleta do gene) • Os indivíduos afetados têm pelo menos um dos genitores afetado (a não ser que tenha ocorrido mutação gamética) • Em média, cerca de 50% da prole de um genitor afetado serão afetados • Padrão de heredograma vertical, com múltiplas gerações afetadas.

11

111

IV

Figura 13.3 Heredograma de distrofia muscular, tipo de Duchenne, uma condição recessiva ligada ao X na qual os homens afetados não se reproduzem (Thompson e Thompson). A seta indica o indivíduo a partir do qual se levantou o heredograma (caso índice).

Parte 3 I Anomalias Genéticas

190

• Herança autossômica recessiva Neste caso, os principais critérios de identificação em um heredograma seriam: • Estando o gene em um autossoma, deve-se encontrar o mesmo número de homens e mulheres afetados • Os indivíduos afetados geralmente têm pais normais • Há uma probabilidade de 25% de a prole de pais portadores (heterozigotos) ser afetada • Os pais podem ser consanguíneos • Padrão de heredograma horizontal, com um ou mais irmãos afetados. Em geral, apenas um indivíduo afetado.

• Herança recessiva ligada ao X Esta herança pode ser identificada pelos seguintes padrões: • Admitindo-se que o gene seja raro na população, a frequência de mulheres afetadas deve ser muito menor que a de homens afetados, pois precisariam receber 2 genes para serem afetadas, enquanto para os homens bastaria 1 • O gene é transmitido por um homem afetado para todas as suas filhas, e estas para mais ou menos metade de sua prole • Um homem nunca o transmite para seu filho • Padrão de heredograma similar ao "movimento do cavalo~ no jogo de xadrez - os meninos afetados podem ter tios maternos afetados. Em um heredograma, os homens são afetados por intermédio de mulheres, não de homens nor• mrus.

ção de diferenciação de tecidos específicos. O silenciamento é atribuído à metilação do DNA. Para maiores informações, veja a excelente obra de Lewis nas referências ao final deste capítulo.

• Herança mitocondrial Esta herança pode ser identificada pelos seguintes padrões: • A prole de um homem afetado jamais é afetada • Toda a prole de uma mulher afetada pode ser afetada, mas as condições mitocondriais normalmente são muito variáveis, mesmo dentro de uma família. O DNA mitocondrial (mtDNA) se dispõe em um cromossomo circular com 16.569 pares de bases, já totalmente sequenciado, que codifica dois tipos de rRNA, 22 tipos de tRNA e 13 polipeptídios que constituem enzimas da fosforilação oxidativa. Algumas proteínas mitocondriais são de origem nuclear. Como o citoplasma do zigoto é quase totalmente oriundo do zigoto, as mitocôndrias são de origem materna. Assim, as doenças causadas por mutações no mtDNA são transmitidas para a prole pela mãe, tais como diabetes tipo MODY, a epilepsia mioclônica, com fibras vermelhas anfractuosas, na qual ocorrem surdez, demência e convulsões; a síndrome de Kearns-Sayre, na qual ocorrem perda de visão, de audição e problemas cardíacos, devido a deleções em vários pontos do mtDNA; a neuropatia óptica de Leber, e outras. Quando os DNA de algumas mitocôndrias sofrem mutação e outros não, a célula apresenta o que se chama de heteroplasmia, que resulta em gradações do quadro clínico.

• Herança dominante ligada ao X Esta herança pode ser identificada pelos seguintes padrões: • Características muito semelhantes aos heredogramas autossômicos dominantes, exceto pela questão de todas as filhas de um homem afetado serem também afetadas, mas nenhum dos filhos ser • A condição geralmente é mais leve e variável nas mulheres do que nos homens. Nesse caso ao contrário da herança recessiva ligada ao X, o número de mulheres afetadas, em um heredograma, pode ser igual ou superior ao de homens afetados. Sendo igual, seria confundida com uma herança autossômica. A melhor maneira de identificá-la é por meio da prole dos homens afetados, pois estes transmitem a característica para todas as suas filhas, mas não para seus filhos. São poucos os exemplos deste tipo de herança dentre as doenças hereditárias. Os critérios já descritos aqui se referem à chamada herança mendeliana. Entretanto, recentemente foram descritos tipos não mendelianos de transmissão de doenças, dentre os quais destacamos a dissomia uniparental, o imprinting genômico e a herança mitocondrial. Diz-se que há dissomia uniparental quando ambos os cromossomos de um par vieram de um só genitor, e não dos dois, como é normal. Foram descritos casos de fibrose cística do pâncreas em que ambos os cromossomos do par 7 vieram da mãe. O imprinting genômico é uma modificação do material genético ao passar por uma gônada masculina ou feminina. São exemplos as síndromes de Angelman e Prader-Willi. Devemos notar ainda as alterações no funcionamento de um gene, causadas não por mutação, mas por um silenciamente epigenético da expressão gênica, que inclui fenômenos tão diversos como o já citado imprinting, e a manuten-

..,. Exame clínico Embora a anamnese, bem como o exame físico, nas doenças hereditárias, siga de um modo geral os padrões habituais, é importante destacar alguns pontos. O exame clínico deve ser o mais meticuloso possível, sendo importante também que o médico se cerque de todos os testes moleculares, bioquímicas e cromossômicos pertinentes ao caso. A interpretação desses exames deve ser cautelosa, pois existem muitos polimorfismos, principalmente bioquímicos, que não constituem uma doença, mas situações incomuns estatisticamente. Por outro lado, existem muitas situações que mimetizam doenças genéticas, conhecidas como fenocópias. As anomalias genéticas podem causar várias alterações na morfologia corporal e no desenvolvimento mental dos pacientes. Retardamento mental, avaliado clinicamente ou pela determinação do quociente intelectual (QI), de grau leve a intenso, é frequente na síndrome de Down, na síndrome de Turner e nas anomalias cromossômicas estruturais (ver Parte 16 I

Exame Psiquiátrico). Alterações neurológicas e musculares, incluindo hipotonia muscular, pseudo-hipertrofia, convulsões, fraqueza, dificuldade para levantar e deambular, são características das distrofias musculares. Ver Capítulos 172, Exame Clfnico (da Seção Músculos) e 176, Exame Clínico (da Parte 151 Sistema Nervoso). As modificações da morfologia facial são muito frequentes e podem ser de grande valor no diagnóstico, destacando-se a fácies mongoloide, com as pregas epicânticas (membrana cutânea de forma semilunar, disposta verticalmente, fazendo uma ponte entre as pálpebras superior e inferior), ponte nasal

13

I Investigação Diagnóstica das Anomalias Genéticas

baixa, hipoplasia maxilar e uma expressão fisionômica que denota retardamento mental, além de orelhas pequenas e de implantação baixa, pescoço largo e occipúcio achatado. O hipertelorismo (afastamento excessivo dos olhos) aparece na síndrome de Down. Alterações do tórax (em escudo, ginecomastia, hipoplasia mamilar), do abdome (hérnia umbilical) e das extremidades (membros alongados ou curtos, mãos e dedos curtos) podem fornecer subsídios para o diagnóstico. Ocorrem também as alterações cardiovasculares, principalmente a coarctação da aorta e a comunicação interventricular, e as anomalias geniturinárias (hipospadia, atrofia testicular, criptorquidismo). Um grupo importante de sintomas são os relacionados com o sistema hemopoético (distúrbios na coagulação, alterações do formato das células sanguíneas). Como foi exposto, as anomalias genéticas de uma maneira geral manifestam-se pelos mais variados sintomas e sinais, destacando-se, sem dúvida, os relacionados com a morfologia corporal, facilmente reconhecidos no exame físico geral do paciente. Durante o exame físico, é preciso estar atento para situações de expressividade reduzida de um gene, nas quais os sintomas são muito atenuados, quase ausentes (forma frustra do gene), ou mesmo ausência total de manifestação (penetrância incompleta). Isto pode fazer com que o médico seja induzido a erro na interpretação do heredograma e, consequentemente, no "aconselhamento genético': Outro aspecto importante é a heterogeneidade genética, que pode ser de locus ou alélica. Ambas ocasionam variações clínicas de uma mesma doença.

. . . Exames complementares As doenças genéticas se manifestam em quase todas as especialidades médicas, havendo portanto uma grande variedade de exames na dependência do(s) órgão(s) envolvido(s). Existem, no entanto, alguns mais específicos, como o estudo dos cromossomos (cariotipagem), o exame do líquido amniótico e das células nele suspensas (amniocentese), bem como a punção de vilosidade coriônica, o fingerprint de DNA, as sondas de DNA etc. Na classe médica, é um erro comum solicitar um cariótipo sempre que se supõe que o paciente tenha uma doença hereditária. Nenhuma doença de natureza gênica pode ser confirmada pela cariotipagem, pois nem mesmo no microscópio eletrônico é possível observar os genes. Para casos de doenças gênicas, o exame a ser solicitado deverá ser em nível molecular, como uma hibridização in situ com fluorescência (FISH) ou uma reação em cadeia da polimerase (PCR). Resumo das possíveis in lgações para caracterizar os prindpais padrões de heredogramas mendellanos • Identificação clínica de uma síndrome: ter sempreem mente que algumas síndromes clinicamente definidas podem mostrar mais de um modo de herança • Se estiver suspeitando de alguma alteração numérica ou estrutural, solicite um exame de cariotipagem • Caso adoença esteja relacionada com uma alteração gênica, solicite análise de genes candidatos para mutações • Verifique se existem alterações bioquímicas, incluindo anormalidades das funções mitocondriais • Verifique se existe desvio na inativação do X.

191

• Análise dos cromossomos (cariotipagem) O estudo dos cromossomos humanos só alcançou um bom grau de precisão a partir de 1970, quando surgiram as técnicas de bandeamento desenvolvidas por Casperson, em que os cromossomos aparecem com bandas claras e escuras possibilitano sua identificação com exatidão. Dependendo do corante e do método usado, teremos o bandeamento G (Giemsa), o Q (Quinacrina), o C (marca fortemente o Centrômero) e outros. O uso dessas técnicas não é aleatória, escolhe-se de acordo com o quadro clínico do paciente; a menos que haja alguma indicação específica. Em geral é solicitado pelo médico um cariótipo tradicional, em que se utiliza o bandeamento G, mostrado na Figura 13.4. Embora seja possível estudar os cromossomos de qualquer célula, desde que ela tenha núcleo, o material preferido é o sangue periférico. Há poucos anos, as lâminas eram observadas e fotografadas ao microscópio óptico, os filmes eram revelados e feitas as ampliações. Recortavam-se os cromossomos, agrupando-os de acordo com as convenções internacionais, obtendo-se, então, o cariótipo (Figura 13.4). Atualmente sistemas automatizados identificam as metáfases nas lâminas, fotografando-as e enviando essas informações para um software que identifica cada cromossomo, pareando-os entre seus homólogos. Os resultados dos cariótipos costumam ser representados por fórmulas, estabelecidas em conferências internacionais. As técnicas mais modernas são a hibridização in situ com fluorescência (FISH), cariótipo espectral além de outras como a CGH e CGH array.

• Amniocentese A amniocentese é utilizada desde 1930 para a detecção pré-natal de problemas fetais. Na década de 1960, as técnicas foram aprimoradas para a detecção de anomalias cromossômicas e dosagens enzimáticas, tomando-se de grande importância na informação genética. É um procedimento que só deve ser feito por um profissional bem treinado. Com acompanhamento pelo ultrassom, é feita uma punção, geralmente transabdominal, em que se retiram de 1O a 20 m.e de líquido amniótico. O momento ideal para fazer este exame é por volta da 16a semana após o início do último período menstrual. No líquido amniótico encontram-se células que se soltam da pele e das vias urinárias e respiratórias do feto. As células são pelo menos de dois tipos: epitelioides e células semelhantes a fibroblastos. Após sua retirada, as células são depositadas em um meio de cultura para posterior análise cromossômica, enquanto o líquido é examinado bioquimicamente para detecção de anormalidades enzimáticas, hormonais, ou de outros constituintes, como, por exemplo, a dosagem de alfafetoproteína, muito importante no reconhecimento de defeitos do tubo neural. A indicação mais comum para este exame é a idade materna avançada (acima de 35 anos), quando o risco de anomalias cromossômicas na prole é sabidamente maior. A lista de erros metabólicos hereditários diagnosticáveis pela amniocentese está aumentando. Quando bem praticada, a amniocentese tem uma margem de erro inferior a 1%. Os riscos são calculados em tomo de 1% para aborto espontâneo e mais 1% para problemas neonatais, como dificuldades respiratórias e deformidades posturais (pé torto).

• Técnica do DNA recombinante Hoje em dia, um dos instrumentos auxiliares mais modernos e precisos para o diagnóstico das anomalias genéticas é

Parte 3 I Anomalias Genéticas

192

1

2

4

3

••

5 ,

t !

6

8

7

14

20

11

12

••• 16

15

l 19

10

lt

aa 13

9

''

17

18

A • 21

22

X

y

Figura 13.4 Cariótipo humano masculino normal (46,XY) com a técnica de bandeamento G. (Dr. Hector Seuanez, Laboratório de Citogenética do Depto. de Genética do Instituto de Biologia da UFRJ.)

a técnica do DNA recombinante, popularmente conhecida como "engenharia genéticâ'. Ela se aplica às áreas mais diversas, tais como o diagnóstico das anomalias genéticas, medicina fetal, microbiologia médica, terapêutica, medicina forense e outras. À medida que se avolumam as informações do Projeto do Genoma Humano e do proteoma, cada vez mais se compreendem as bases moleculares das doenças, ocasionando desdobramentos do que antes era tido como uma única entidade nosológica. Isto, sem dúvida, tem um grande impacto na medicina, em vista das sutis nuances clínicas. A medicina atual é enfocada do ponto de vista molecular. O leitor interessado deve consultar a excelente obra Principies of Molecular Medicine, editada por J. Larry Jameson, Humana Press, 1998.

que o cromossomo extra era o 22. No entanto, este erro, por convenção, ainda persiste. Cerca de 92 a 95% dos casos de mongolismo manifestam esta trissomia do "21 "; os demais são causados por t ranslocações, as quais não têm correlação com a idade materna avançada. Aliás, dados recentes revelam que parte dos casos de trissomia estão relacionados com a idade paterna avançada (42 anos) (Figuras 13.5 e 13.6).

~ Anomalias genéticas As mais comuns anomalias genéticas são as síndromes de Down, de Tumer, de Klin efelter, a síndrome poli-X, a síndrome XYY, a síndrome de Martin-Bell, a mola hidatiforme, as distrofias musculares, a hemofilia, a anemia falciforme, as talassemias e o grupo das heranças multifatoriais.

• Síndrome de Down O quadro clínico desta síndrome, também denominada mongolismo ou trissomia do 21, foi descrito em 1866 por Down e identificado citogeneticamente em 1959, por Lejeune, como resultante de um cromossomo extra no grupo G, conhecido como "21 ': Os estudos de Yunis com autorradiografia, bem como os métodos de bandeamento, mostraram, porém,

Figura 13.5 Fácies de uma criança portadora de síndrome de Down. (Cortesia de Bartalos e Baramki.)

13

I Investigação Diagnóstica das Anomalias Genéticas

193

B

A

3

2

1

(

c 6

o

't 13

7

8

5

10

11

12

16

17

18

'

9

E

14

15

G

F 19

4

20

••

I

21

• •

22

XX

Figura 13.6 Down por trissomia do "21 '~ Observe que os cromossomos em triplicata são os menores. (Cortesia de Stanbury, Wyngaarden e Fredrickson.}

Delabar et al., usando uma sonda de cDNA, mostraram que, tanto na doença de Alzheimer quanto nos pacientes com síndrome de Down, há uma duplicação dos genes de proteína b-amiloide e ets-2, ambos situados no braço longo do cromossomo 21 (21q22), bem como uma duplicação de SOD1 entre os genes citados, mas apenas na síndrome de Down. A incidência desta síndrome é de 1 a 2:1.000 nascimentos. As principais características clínicas são: • Gerais: ambos os sexos são igualmente afetados. O prognóstico é bastante variável. Os homens são estéreis e as mulheres férteis • Neurológicas: hipotonia logo ao nascimento; retardo psicomotor e QI variável, com média entre 25 e 50 • Cabeça: fácies extremamente característica (Figura 13.5); occipúcio achatado • Olhos: pregas epicânticas; manchas de Brushfield e hipertelorismo • Orelhas: pequenas e de implantação baixa • Nariz: ponte nasal baixa • Boca: língua protrusa com sulcos marcantes; palato estreito; hipoplasia maxilar • Pescoço: largo, em geral alado • Coração: lesões cardíacas em 50% dos pacientes, principalmente defeito do septo ventricular (CIV) e canal atrioventricular • Abdome: diástase dos retos abdominais; hérnia umbilical e atresia duodenal • Mãos: mãos e dedos curtos; clinodactilia do quinto dedo • Pés: espaço entre o 112 e 212 dedos do pé aumentado e sulco plantar • Urogenitais: criptorquidismo ocasional • Radiológicas: índice ilíaco menor que 60°; hipoplasia da falange média do quinto dedo • Dermatoglíficas: linha simiesca nas palmas; trirrádio axial distai (ângulo atd aumentado); excesso de alças ulnares; alça halucal (72% dos pacientes contra 0,5% dos controles).

• Síndrome de Turner Grande parte dos sintomas da síndrome de Turner (ST), ou disgenesia gonadal, foi descrita em 1930 por Ullrich e com-

pletada por Turner em 1938. A identificaç.ão citogenética foi feita por Ford em 1959, quando demonstrou a existência de um único cromossomo sexual, o X (Figura 13.7). Há incidência entre 1 em cada 2.000 a 1 em cada 5.000 meninas nascidas vivas. Cerca de 50% dos casos de ST estão associados a um cariótico 45,X; 25% com uma anomalia estrutural do cromossomo X e 25% com mosaicismo 45, X. Os abortos espontâneos chegam a 7,5%. Para os casos de anomalia estrutural do X, tais como isocromossomo do braço longo, deleção do braço curto, entre outros, estas estão associadas a um quadro clínico de Turner ou de síndrome de Noonan. O diagnóstico diferencial pode ser feito com base na ocorrência de coarctação da aorta ou estenose pulmonar, sendo a primeira característica da síndrome de Tumer e a segunda, da síndrome de Noonan. Nesta última, a cromatina sexual de X é sempre positiva e, na síndrome de Turner, em geral é negativa. Suas principais características clínicas são (Figura 13.8): • Gerais: aspecto feminino; baixa estatura; cromatina sexual de X negativa. Expectativa de vida normal (exceto quando há alterações cardiovasculares ou renais) e mais de 90% têm disgenesia ovariana • Neurológicas: QI um pouco abaixo dos irmãos normais; diminuição da acuidade auditiva • Pele: nevos pigmentados (pescoço, face) • Cabeça: maxila estreita; mandíbula pequena • Olhos: pregas epicânticas frequentes; ptose palpebral; raramente hipertelorismo • Orelhas: implantação baixa, malformadas ou proeminentes • Pescoço: alado (50%); implantação baixa dos cabelos • Tórax: largo em escudo; hipertelorismo e hipoplasia mamilar; mamas não desenvolvidas • Cardiovasculares: anomalias em 35% dos pacientes, sendo a coarctação da aorta a mais comum; ocasionalmente hipertensão arterial. Quase 50% dos pacientes têm uma valva aórtica bicúspide e, portanto, um risco aumentado de dilatação e dissecção da raiz aórtica • Extremidades: cubitus valgus; linfedema no dorso das mãos e pés; unhas distróficas; quarto metacarpiano reduzido; encurtamento e clinodactilia do 5g dedo

Parte 3 I AnomaliasGenéticas

194

B

A 2

1

c 6

.. '

3

4

li

p ~

8

7

o

••• 10

9

E 15

14

13

rs

F

11

12

17

18

&A 16

G

20

19

5

A 21

~

22

XX

Figura 13.7 Cariótipo mais frequente na síndrome de Turner (4S,X). (Cortesia de Stanbury, Wyngaarden e Fredrickson.)

• Urogenitais: disgenesia ovariana (gônadas em fita de estroma ovariano) com infertilidade (raríssimas exceções, provavelmente mosaicos) • Dermatoglíficas: trirrádio axial distai em 20 a 30% dos casos; contagem total de cristas dérmicas (TRC) aumentada.

• Síndrome de Klinefelter A descrição clínica desta síndrome foi feita em 1942 por Klinefelter, e sua identificação citogenética, em 1959, por Jacobs e Strong, e também por Ford et al., os quais descreveram um fato raro: a ocorrência simultâ-

150

140 130

120 110 100

90 •

80 70

60 50

401 30

20

I Figura 13.8 Paciente com o quadro completo da síndrome de Turner. (Cortesia de Bartalos e Baramki.)

13

I Investigação Diagnóstica das Anomalias Genéticas

195

nea das síndromes de Klinefelter e Down em um mesmo paciente. Sua incidência é uma das mais altas dentre as anomalias cromossômicas: 1:850 nascimentos masculinos. Mais de 80% dos pacientes têm o cariótipo 47,XXY (Figura 13.9). Nos casos em que existem três ou até quatro cromossomos X, o retardamento mental é bem mais intenso, com agravamento do quadro clínico. As principais características são (Figura 13.10): • Gerais: aspecto masculino; cromatina sexual de X positiva; diagnóstico geralmente na puberdade; pernas e braços longos; hábito eunucoide • Neurológicas: retardamento mental de leve a moderado; dificuldades de ajuste social • Tórax: ginecomastia (cerca de 25% dos casos) • Urogenitais: testículos pequenos e azoospérmicos; esterilidade • Dermatoglíficas: contagem total de cristas dérmicas mais baixa (TRC).

• Síndrome poli-X A síndrome poli-X se manifesta em cerca de 1:1.250 nascimentos femininos. Não há anomalias fenotípicas distinguíveis. A puberdade e a fertilidade são normais, embora possam ocorrer distúrbios menstruais e menopausa precoce. O número de cromatinas sexuais de X está aumentado. Nas 47, XXX (Figura 13.11), retardamento mental leve é descrito em 2/3 dos casos, mas nas 48,XXXX ou 49,XXXXX o retardamento é pronunciado.

Figura 13.10 Paciente com síndrome de Klinefelter apresentando pernas e braços longos e ginecomastia.

• Síndrome XYY A síndrome XYY, primeiramente descrita em 1961 por Sandberg, teve grande repercussão em 1965, quando Jacobs et al. descobriram casos de duplo Y em prisões de máxima segurança. Cumpre assinalar, contudo, que tão propalada agressividade e comportamento antissocial não têm sido confirmados em todos os casos de duplo Y. O assunto ainda motiva grandes debates.

Podem ser identificados pela dupla cromatina sexual de Y (com fluorescência), mas não há um padrão preciso para o diagnóstico (Figura 13.12). As características comumente descritas são: • Gerais: grande estatura; comportamento antissocial; agressividade e violência

A

B

3

2

1

••

'

c

8

7

6

o

.. ..

9

10

11

12

16

17

18

E

13

F

5

4





19

15

14

,..



G • 20

21

• 22



X X Y

Figura 13.9 Cariótipo mais comum na síndrome de Klinefelter. (Cortesia de Stanbury, Wyngaarden e Fredrickson.)

Parte 3 I Anomalias Genéticas

196

A



B

2

1

' 4

3

I

c

7

6

o

'

8

'

9

E

13

14

F

• l

10

11

12

I

16

17

21

22

18

G

20

19

v

l

15

I

5

X

X

X

Figura 13.11 Cariótipo de uma paciente poli-X, com bandeamento G. (Cortesia de Stanbury, Wyngaarden e Fredrickson.)

• Neurológicas: desenvolvimento intelectual prejudicado, moderado ou normal; convulsões; EEG anormal • Pele: acne frequente • Cardiovasculares: lesões cardíacas ocasionais • Extremidades: artropatias; sinostose radioulnar • Urogenitais: hipogonadismo frequente; testículos atrofiados; hipospadia; subfertilidade • Radiológicas: sinostose radioulnar • Dermatoglíficas: normais ou ligeira redução da contagem total de cristas dérmicas.

grandes, face longa, prognatismo e epilepsia. A maior parte dos indivíduos afetados também tem anomalias no comportamento, incluindo hiperatividade, hábito de abanar ou morder as mão, explosões de comportamento, pouco contato visual e traços de autismo. Cerca de 20 a 30% das mulheres heterozigotas são levemente retardadas. O sítio "frágil" do cromossomo X é em Xq27.3, uma região de coloração menos intensa no braço longo do X. A síndrome do X frágil tem uma incidência estimada de 16 a 25 por 100.000 na população masculina em geral e metade disso na população feminina. A síndrome responde por 3 a 6% dos casos de retardamento mental entre meninos com uma história familiar positiva de retardamento mental e nenhum defeito de nascimento.

• Síndrome do Xfrágil Também conhecida como síndrome de Martin-Bell, é o tipo hereditário mais comum de retardamento mental moderado, somente superado pela síndrome de Down entre todas as causas de retardamento mental no sexo masculino. Tem como características principais o retardamento mental, macro-orquidismo e como características secundárias, orelhas

-E

Trata-se de uma anomalia do trofoblasto coriônico na qual o embrião não é formado. As vilosidades têm o formato de

;;,~

1,-1 u ..

e

2

1

-
---------*"- +-- - - 34•0° n----~~--- 34,0°

,..,._..-+----T----'.~-

O.....,...._-

33,5° 32 •5°

Figura 15.2 Temperatura cutânea normal.

O aumento da temperatura em áreas restritas ou em segmentos corporais é o nosso foco. A causa principal são os processos inflamatórios. O calor e o rubor são reconhecidamente parte de um processo inflamatório. A dor pode ocorrer apenas quando provocada, e nos processos inflamatórios mais profundos praticamente não há intumescimento da área circunjacente. A hipotermia localizada ou segmentar revela quase sempre redução do fluxo sanguíneo em determinada área. Isso decorre, muitas vezes, de oclusão arterial. Quase sempre a frialdade aparece com a palidez, e os dois sinais juntos se reforçam e se valorizam. A diminuição da temperatura da pele pode ser generalizada, e sua interpretação já foi feita quando explicada a hipotermia corporal. Um tipo especial de frialdade nas extremidades é observado nos pacientes com transtornos de ansiedade. Observa-se em ambas as mãos e nas extremidades inferiores. Nesta situa-

Dor, calor e rubor: exemplo de raciocínio diagnóstico Queixa comum na prática é "dor nas juntas"; toda vez que se desenvolve um raàocínio diagnóstico a partir dessa queixa, têm-se duas alternativas: ocorrendo apenas dor, ou seja, apenas artralgia, o significado clínico da queixa é menor; porém, constatados dor, calor e rubor (com ou sem aumento da articulação), estaremos diante de uma artrite com significado clínico muito mais importante, a partir do qual se desenvolverá oraàocínio que resulta no diagnóstico.

Essas duas características devem ser analisadas e interpretadas simultaneamente. Elasticidade é a propriedade de o tegumento cutâneo se estender quando tracionado; mobilidade refere-se à sua capacidade de se movimentar sobre os planos profundos subjacentes. Para avaliar a elasticidade, pinça-se a prega cutânea com o polegar e o indicador, fazendo em seguida certa tração, ao fim da qual se solta a pele. Para a pesquisa da mobilidade, emprega-se a seguinte manobra: pousa-se firmemente a palma da mão sobre a superfície que se quer examinar e movimenta-se a mão para todos os lados, fazendo-a deslizar sobre as estruturas subjacentes (ossos, articulações, tendões, glândula mamária etc.). Do ponto de vista da elasticidade, pode-se ter: • Elasticidade normal: observada na pele de indivíduos hígidos • Aumento da elasticidade ou pele hiperelástica: características semelhantes às da borracha. Ao se efetuar uma leve tração, a pele se distende duas a três vezes mais que a pele normal. O exemplo mais demonstrativo é a síndrome de Ehlers-Danlos, na qual ocorre um distúrbio do tecido elástico cutâneo • Diminuição da elasticidade ou hipoelasticidade: reconhecida pelo fato de a pele, ao ser tracionada, voltar vagarosamente à posição primitiva, ou seja, a prega cutânea, feita para executar a manobra, vai-se desfazendo lentamente, enquanto nas pessoas com elasticidade normal a prega se desfaz prontamente A diminuição da elasticidade é observada nas pessoas idosas, nos pacientes desnutridos, no abdome das multíparas e, principalmente, na desidratação. Quanto à mobilidade, pode-se verificar: • Mobilidade normal: a pele normal apresenta certa mobilidade com relação às estruturas mais profundas com as quais se relaciona • Mobilidade diminuída ou ausente: a mobilidade está diminuída quando não se consegue deslizar a pele sobre as estruturas vizinhas. Isso ocorre em área sede de processo cicatricial, na esclerodermia, na elefantíase e nas infiltrações neoplásicas próximas à pele, cujo exemplo típico são as neoplasias malignas da glândula mamária • Mobilidade aumentada: é observada na pele das pessoas idosas e na síndrome de Ehlers-Danlos.

• Turgor Avalia-se o turgor, pinçando com o polegar e o indicador uma prega de pele que abranja o tecido subcutâneo. O turgor diferencia-se em: • Normal: quando o examinador tem a sensação de pele suculenta em que, ao ser solta, a prega se desfaz rapidamente. Indica conteúdo normal de água, ou seja, a pele está hidratada

15

I Exame Clínico

• Diminuído: sensação de pele murcha e observação de lento desfazimento de prega. Turgor diminuído indica desidratação.

• Sensibilidade Podem ser analisados os seguintes tipos de sensibilidade: • Sensibilidade dolorosa: a perda da sensibilidade dolorosa é chamada hipoalgesia ou analgesia, e o aumento da sensibilidade dolorosa denomina-se hiperestesia. o Hipoalgesia ou analgesia: pode ser percebida pelo paciente que nota ausência de dor ao contato com algo aquecido ou ao se ferir. Semiologicamente, é pesquisada tocando-se a pele com a ponta de uma agulha. Exemplo importante é a perda da sensibilidade dolorosa na hanseníase o Hiperestesia: é a sensação contrária, ou seja, até os toques mais leves e suaves despertam nítida dor. Tal fenômeno aparece no abdome agudo, na síndrome isquêmica das extremidades inferiores, em neuropatias periféricas • Sensibilidade tátil: tem como receptores os corpúsculos de Meissner, os de Merkel e as terminações nervosas dos folículos pilosos. Para pesquisá-la, fricciona-se levemente o local com uma mecha de algodão. Anestesia ou hipoestesia refere-se a perda ou diminuição da sensibilidade tátil. • Sensibilidade térmica: os receptores específicos são os bulbos terminais de Krause, para as temperaturas frias, e os corpúsculos de Ruffini, para as quentes. Pesquisa-se a sensibilidade térmica com dois tubos de ensaio, um com água quente e outro com água fria (Figura 15.3).

• Lesões elementares Modificações do tegumento cutâneo causadas por processos inflamatórios, degenerativos, circulatórios, neoplásicos, transtornos do metabolismo ou por defeito de formação. As externas são avaliadas facilmente pelo exame clínico, que é um excelente meio para o estudante exercitar sua capacidade de observação. Para a avaliação de lesões elementares, empregam-se a inspeção e apalpação. O uso de uma lupa para ampliar a superfície da pele e as lesões é vantajoso.

209 As lesões elementares classificam-se em: • • • • • •

Alterações de cor Elevações edematosas Formações sólidas Coleções líquidas Alterações da espessura Perda e reparações teciduais.

Alterações de cor (mancha ou mácula) A mancha ou mácula corresponde à área circunscrita de coloração diferente da pele normal, no mesmo plano do tegumento e sem alterações na superfície. A verdade é que o correto reconhecimento de uma mácula não se faz apenas pela inspeção; é por meio da palpação - deslizando-se as polpas digitais dos dedos indicador, médio e anular sobre a área alterada e suas adjacências - que melhor se pode verificar qualquer elevação da pele e eventuais alterações da superfície (Figura 15.4). As manchas ou máculas dividem-se em: pigmentares, vasculares, hemorrágicas e por deposição pigmentar.

Pigmentares São pigmentares quando decorrem de alterações do pigmento melânico. Subdividem-se em três tipos: • Hipocrômicas e/ ou acrômicas: resultam da diminuição e/ou ausência de melanina. Podem ser observadas no vitiligo, pitiríase alba, hanseníase; algumas vezes são congênitas, como no nevo acrômico e no albinismo (Figura 15.5) • Hipercrômicas: dependem do aumento de pigmento melânico. Exemplos: pelagra, melasma ou doasma, manchas hipercrômicas dos processos de cicatrização, manchas hipercrômicas da estase venosa crônica dos membros inferiores, nevos pigmentados, melanose senil (Figuras 15.6 e 15.7). Os nevos são muito frequentes, têm aspecto variável e aparecem em qualquer idade. O nevo tuberoso ou "verruga mole" é uma pequena saliência roxa, geralmente pilosa, localizada, na maioria das vezes, no rosto. Efélides são as manchas de sarda • Pigmentação externa: substâncias aplicadas topicamente que produzem manchas do cinza ao preto. Exemplos: alcatrões, antralina, nitrato de prata, permanganato de , . potass10.

Vasculares Decorrem de distúrbios da microcirculação da pele. São diferenciadas das manchas hemorrágicas por desaparecerem após digitopressão (compressão da região com a polpa digital;

Epiderme

-

Derme

Tecido subcutâneo

Figura 15.3 Pesquisa de sensibilidade térmica, usando-se um tubo de ensaio com água quente e outro com água fria.

o }

(

Figura 15.4 Corte esquemático de mácula, mostrando derrame pigmentar na derme superficial e média.

Parte 5

210

I Sistema Tegumentar

A Figura 15.5 Mancha. A. Acrômica (vitiligo). 8. Hipocrômica (pitiríase alba).

vitropressão, quando a compressão é feita com uma lâmina de vidro transparente; e puntipressão, quando se emprega um objeto pontiagudo). As manchas vasculares subdividem-se em: telangiectasias e manchas eritematosas ou hiperêmicas.

Telangiectasias Dilatações dos vasos terminais, ou seja, arteríolas, vênulas e capilares. As telangiectasias venocapilares são comuns nas pernas e nas coxas das pessoas do sexo feminino e se denominam varículas ou microvarizes. Podem ser vistas, também, no tórax de pessoas idosas (Figura 15.8). Outro tipo de telangiectasia são as chamadas aranhas vasculares, que têm este nome porque seu formato lembra o desses aracnídeos (um corpo central do qual emergem várias pernas em diferentes direções). Localizam-se no tronco, e para fazê-las desaparecer basta fazer uma puntipressão exatamente sobre seu ponto mais central. Desaparecem porque esta manobra oclui a arteríola central, alimentadora dos vasos ectasiados. Há outros tipos de telangiectasias, tais como os nevos vasculares de origem congênita.

Figura 15.6 Mancha hipercrômica (eritema fixo medicamentoso).

Mancha eritematosa ou hiperêmica Decorre de vasodilatação, tem cor rósea ou tom vermelho-vivo e desaparece à digitopressão ou à vitropressão. É uma das lesões elementares mais encontradas na prática médica (Figura 15.9). Podem ser simples, ou seja, sem outra alteração da pele ou, ao contrário, ocorrer juntamente com outras lesões: pápula, vesícula, bolha. Costumam ter variados tamanhos; ora são esparsas, ora confluentes, ou seja, fundem-se por estarem muito próximas umas das outras. Surgem nas doenças exantemáticas (sarampo, varicela, rubéola), na escarlatina, na sífilis, na moléstia reumática, nas septicemias, nas alergias cutâneas e em muitas outras afecções.

Hemorrágicas São também chamadas "sufusões hemorrágicas" e, como já foi mencionado, não desaparecem pela compressão, diferentemente dos eritemas. Não desaparecem por se tratar de sangue

Figura 15.7 Mancha hipercrômica extensa (pitiríase versicolor).

I Exame Clínico

15

211

8 Figura 15.8 A. Telangiectasia. B. Pele senil.

extravasado. De acordo com a forma e o tamanho, subdividem-se em três tipos (Figura 15.10): • Petéquias: quando puntiformes (Figura 15.11A e B) e com até 1 em de diâmetro • Víbices: quando formam uma linha. Esse termo também é empregado para lesão atrófi.ca linear • Equimoses: quando são em placas (Figura 15.11C), maiores que 1 em de diâmetro. A coloração das manchas hemorrágicas varia de vermelho-arroxeada a amarela, dependendo do tempo de evolução, dado muito usado em medicina legal para se avaliar o tempo decorrido entre o aparecimento da lesão e o momento do exame. Nas grandes e médias equimoses, as mudanças de coloração acontecem nos seguintes períodos: Figura 15.9 Manchas eritematosas (eritema polimorfo). ..... .. ...... . . .. .... . . ...·.·..... .....;.... . . Surdez de percepção

Surdez de transmissão

Figura 24.1 Prova de Weber. A. Na surdez de percepção ou neurossensorial (lesão da orelha interna, representada em vermelho), o paciente ouve melhor do lado normal. B. Na surdez de transmissão (lesão da orelha média, representada em preto), o paciente ouve melhor do lado surdo (Hungria, 2002).

Figura 24.2 Surdez de transmissão do ouvido direito. O exemplo mostra um dos tipos de curva de surdez de condução pura, no qual a queda da acuidade auditiva por via respiratória (0) é quase igual em todas as frequências. Essa queda não ultrapassa 60 decibéis. A via óssea (60% 51 a 60%

41 a59%

~40%

~50%

~40%

.... Exame das secreções broncopulmonares As secreções broncopulmonares podem ser estudadas por coleta da expectoração, por aspiração do conteúdo gástrico, por aspiração traqueobrônquica, pela coleta na broncoscopia, pelo lavado broncoalveolar, pela aspiração transtraqueal ou por aspiração percutânea por agulha.

Grave

aasslficação dos distúrbios ventilatórlos.

O escarro e outras secreções produzidas ou provenientes do sistema broncopulmonar podem ser avaliados em suas características físicas, além da pesquisa de microrganismos, células neoplásicas e elementos da mucosa brônquica. Procedimentos simples, mas úteis, são a observação macroscópica do escarro e o exame microscópico de uma preparação fresca com coloração pelo Gram. O exame microscópico da expectoração permite identificar a presença de bactérias, inclusões virais, fungos, parasitos e células. O exame a fresco do material não corado oferece excelentes resultados para a pesquisa do Paracoccidioides brasiliensis. O material proveniente do trato respiratório, uma vez colhido, deve ser enviado imediatamente para exame. É necessário insistir para que o paciente se empenhe em eliminar material proveniente da traqueia ou da garganta após acesso de tosse. Explicar ao paciente que o material deve ser obtido de "dentro dos pulmões" e não por aspiração da nasofaringe ou pela eliminação de saliva. A secreção colhida pela manhã, logo que o paciente acorda e após higiene oral, constitui o material mais adequado. Expectoração induzida por aerossol está indicada nos pacientes incapazes de obter espontaneamente material suficiente para o exame. Usa-se para isso uma solução salina a 10% aquecida e nebulizada que tem propriedades irritantes e estimulantes sobre as glândulas mucíparas, induzindo-as a produzir secreção. Material para exame pode ser obtido também por lavagem broncoscópica e por punção transcutânea. Contudo, tais técnicas não são de rotina, ficando reservadas para os casos cujo diagnóstico não pôde ser estabelecido pelos métodos tradicionais ou quando o antibiograma se tornar indispensável. Os exames bacteriológico e citológico da secreção, realizados após lavado brônquico, são simples e costumam oferecer elevado índice de positividade, comparável ao obtido com material eliminado 24 h após a broncoscopia. O lavado broncoalveolar é um método diagnóstico para estudo da celularidade alveolar, muito útil em grande número de doenças pulmonares, estando indicado nas fibroses pulmonares intersticiais difusas, nas afecções granulomatosas e nos infiltrados pulmonares, cujo diagnóstico permanece indefinido após a realização dos exames tradicionais. O lavado gástrico só tem indicação em crianças.

• Exame bacteriológico A identificação, no escarro, do agente microbiológico causador de infecção no trato respiratório inferior, com exceção do bacilo álcool-acidorresistente (BAAR) e de fungos, continua a ser dificultada pela contaminação que o material sofre ao transitar pela faringe e pela boca, surgindo sempre a pergunta: "Este agente é mesmo proveniente do pulmão?" Tal dificuldade pode ser contornada, em grande parte, pelo adequado processamento do material e dos germes colhidos e, judiciosamente, interpretado. Para isso toma-se um grumo purulento (viscoso) da secreção obtida, arrastando-o para junto da margem da lâmina, e desprezando o excesso de saliva.

364 O grumo "quase seco" é então distendido no centro da lâmina e no esfregaço corado pelo Gram. Busca-se identificar o(s) tipo(s) de células(s) ali presente(s). O encontro de macrófagos (mononucleares) junto a bactérias ou fagocitados sugere que o material deve ter vindo do pulmão. O exame por cultura do escarro não consegue ser tão discriminatório quanto à proveniência dos germes: isso porque crescem no meio de cultura os microrganismos com maior capacidade para fazê-lo, seja do escarro, seja da saliva. Agora juntando-se o resultado do exame de cultura com o que se encontrou no exame direto ("interpretado"), pode-se saber com maior grau de certeza se o que cresceu na cultura era proveniente do pulmão. Os germes piogênicos, com parede celular bem definida, gram-positivos ou gram-negativos, aeróbios ou aneróbios, podem ser facilmente identificados no exame direto, mas sempre crescem facilmente em culturas. Exemplo: pneumococo e Haemophilus influenzae. Já outros microrganismos como micoplasma, clamídia e legionela não são corados pelo Gram, não sendo assim identificados por tal método e, sim cultivados em laboratório, o que é de difícil feitura. Além da coloração pelo método do Gram, que permite identificar os germes gram-positivos (cocos) e os Gram-negativos (bastonetes), deve-se, no mesmo material, solicitar a coloração pelo método de Ziehl-Neelsen para pesquisa de BAAR, que deverá ser repetida pelo menos em três amostras diferentes. Quando o paciente estiver em uso de antibiótico, o tratamento será suspenso 24 a 48 h antes da coleta do material. Mas isto só se justifica quando a cultura do escarro for decisiva para um diagnóstico ainda pendente. Quanto à pesquisa de fungos, o mais comumente identificável ao exame direto é o Paracoccidioides brasiliensis, responsável pela paracoccidioidomicose ou doença de Lutz. Na candidíase pulmonar, seu agente etiológico, a Candida albicans, é também de identificação fácil, sem, todavia, ter, na maioria das vezes, significado patológico; sua presença só tem valor quando relacionada com a clínica.

..,. Exame citológico Uma amostra de material corretamente colhida é fator decisivo no resultado. Nesse sentido é necessário insistir para que o paciente envie a primeira expectoração da manhã, procedente da traqueia, após acesso de tosse. Se o resultado for negativo no primeiro exame, novas amostras devem ser obtidas. Meteria! purulento ou contendo exclusivamente saliva (coleta mal feita) é impróprio para a citologia. O estudo citológico deve ser feito também no material colhido com o broncoscópico. Além do lavado broncoscópico, procede-se a um escovado brônquico no qual se fará o estudo das células. A citologia do escarro inclui também a verificação da presença de eosinófilos de interesse no diagnóstico de asma e síndrome de Loeffler.

..,. Exame do líquido pleural O derrame pleural é uma coleção anormal de líquido no espaço pleural. A sua retirada é indicada tanto como procedimento diagnóstico (derrame pleural inexplicado), como terapêutico (punção de alívio).

Parte 7

I Sistema Respiratório

Para realizá-lo, o paciente deve estar sentado, apoiado sobre o lado são, com o braço correspondente ao derrame afastado do tórax, em posição cômoda. Antes de proceder à toracocentese, o médico delimita pela percussão a área de macicez, tendo diante dele a radiografia do tórax em PA e perfil, feita naquele dia ou de véspera. Com esses elementos, pode-se determinar o ponto ideal da punção. A maioria das toracocenteses é feita na face lateral do tórax na linha axilar média, aproximadamente entre a região axilar superior e a inferior, o que, em geral, coincide com o 5° ou o 6° espaço intercostal. O local ideal da punção estará na dependência do limite superior do líquido. Procede-se à anestesia com solução de xilocaína a 1%. A agulha, de calibre 30 x 8, deve atravessar os vários planos da parede torácica até atingir o folheto parietal, facilmente perceptível pela sua resistência característica. Nesse momento, um pequeno recuo da agulha faz com que ela fuja do espaço pleural, permanecendo sobre o folheto parietal, onde são injetados aproximadamente 3 m.e de anestésico. A agulha deve penetrar no tórax deslizando sobre a borda superior da costela. Para isso, convém apoiar firmemente o dedo indicador da mão esquerda sobre a referida borda, o mais próximo possível do local de entrada da agulha. É aconselhável que, antes da introdução da agulha, abra-se com a ponta do bisturi um pequeno pertuito na pele para facilitar sua penetração e movimentação. A menor queixa do paciente, como desconforto, angústia, dispneia ou acesso de tosse, exige que a retirada do líquido seja interrompida por alguns momentos. Nessa situação é aconselhável que se deixe entrar certa quantidade de ar pela agulha, a fim de se restabelecer a pressão ideal na cavidade pleural. Quando o líquido for purulento ou sanguíneo, usa-se um trocarte de calibre maior. A análise do líquido pleural, sempre que possível, deve seguir uma rotina rígida e detalhada. Até mesmo a quantidade colhida pode contribuir para a avaliação diagnóstica de um derrame: exsudatos volumosos, que se instalam rapidamente, quase nunca se refazem e costumam ser de natureza tuberculosa. Os derrames malignos, ao contrário, se reproduzem rapidamente, exigindo repetidas punções. Os derrames pleurais são classificados em transudatos e exsudatos e, para sua diferenciação, utilizam -se os critérios de Light, ou seja, os exsudatos apresentam uma das seguintes características: • Relação proteína do líquido pleural/proteína sérica > 5 • Relação desidrogenase láctica (DHL) do líquido pleural! líquido sérico > 0,6 • Desidrogenase láctica no líquido pleural > 200 UI/.e. Esta diferenciação é importante porque separa os derrames de causa sistêmica (transudatos) dos de causa local (exsudatos). Nos exsudatos, pode estar indicada uma biopsia pleural para esclarecimento diagnóstico. Nos transudatos, a causa básica é extrapleural, devido a distúrbios nas pressões hidrostática ou oncótica, não estando indicada biopsia pleural. Os exsudatos, no início, têm aspecto seroso ou serofibrinoso, de cor amarelo-citrina, ligeiramente turvos . Tonalidade esverdeada levanta a suspeita de processo supurativo. Os derrames hemorrágicos não costumam ser de natureza tuberculosa, embora isto possa ocorrer. Derrame francamente hemorrágico -mais de 100.000 hemácias por mihlitro- é a regra nos processos malignos.

40

I Exames Complementares

Quando o líquido aspirado, no início ou durante a punção, for francamente hemorrágico, é necessário verificar se o sangue provém da cavidade pleural ou de vaso acidentalmente atingido. O sangue procedente da cavidade pleural não coagula com a mesma facilidade do sangue circulante. Nos derrames hemorrágicos (para que isto ocorra basta 1 me de sangue em 1.000 mR de líquido), esse aspecto se mantém durante toda a toracocentese. O líquido pleural, na grande maioria dos derrames, é inodoro. Só os empiemas pútridos de natureza estreptocópica ou que contenham germes anaeróbicos apresentam odor intenso. O empiema tuberculoso, não contaminado por outros germes, é sempre inodoro. A análise bacteriológica do líquido pleural visa à pesquisa de BAAR e de outras bactérias gram-positivas ou gram-negativas, seguida às vezes de testes de sensibilidade. Nos derrames serofibrinosos de natureza tuberculosa, a população bacteriana é pobre (paucibacilar); por isso, a pesquisa de BAAR pelo exame direto, e até mesmo por cultura, costuma ser negativa. Além disso, cumpre salientar que o cultivo do bacilo de Koch exige aproximadamente 45 dias, razão pela qual não se justifica depender da cultura para iniciar o tratamento de um derrame supostamente tuberculoso. A pesquisa de outros germes e o antibiograma só se justificam nos líquidos que tenham características de supuração. A taxa de glicose no líquido, embora de valor prático discutível, deve ser verificada rotineiramente. Há necessidade de correlação com a glicemia, e, habitualmente, os líquidos de efusão apresentam 20 mg% a menos que o plasma. lndice baixo de glicose só é encontrado na doença reumatoide e no lúpus eritematoso. A contagem de glóbulos brancos deve ser feita especificamente determinando o número de neutrófilos, de linfócitos e de eosinófilos. A grande maioria dos derrames de natureza tuberculosa contém mais de 1.000 glóbulos brancos por me, e os linfócitos predominam em quase todos os casos. Quando a neutrofilia for acentuada, é provável que o derrame resulte de supuração, exceto no início dos derrames tuberculosos, ocasião em que a neutrofilia é a regra. A presença de eosinófilos fala contra a natureza específica de um derrame e da sua possível transformação em empiema. Eosinofilia abundante é encontrada nos derrames que, além do líquido, contenham ar (hidropneumotórax). A desidrogenase láctica (DHL) deve ser dosada, desde que haja suspeita de malignidade. Nestes casos, seu teor no líquido pleural é bem maior que no sangue. O resultado pode ser "falso-positivo", na presença de numerosas células degeneradas, como glóbulos brancos, hemácias e restos teciduais. A pesquisa de células malignas no líquido pleural é um exame altamente especializado. Às vezes um derrame serofibrinoso, com celuridade relativamente pobre, sugere tuberculose; no entanto, a citologia pode revelar a presença de células malignas. A adenosinadeaminase (ADA) é uma enzima encontrada nos tecidos e sangue, e que catalisa a adenosina em inosina e amônia. Tem sido observada uma forte correlação entre valores elevados desta enzima e derrames tuberculosos. Outras condições em que há aumento da ADA são doença reumatoide, linfoma e empiema. Na prática, em um sentido abrangente, doença da pleura é sinônimo de derrame pleural (Quadro 40.5). Derrame pleural, por sua vez, em nosso meio sugere tuberculose da serosa.

365 As demais doenças que acometem a pleura são: mesotelioma maligno e benigno, lesões metastáticas, infecções bacterianas, virais, actinomicóticas, doença tromboembólica, secundárias a doenças do trato digestivo, e colagenoses.

. .,. Biopsia pulmonar Procedimento pelo qual é retirado um fragmento de tecido pulmonar para definição diagnóstica em pacientes portadores de patologia pulmonar. Os métodos utilizados são a biopsia transbrônquica por broncoscopia, a punção-biopsia transcutânea orientada por radioscopia ou tomografia computadorizada, a biopsia pulmonar a céu aberto e a biopsia por videotoracoscopia. É importante realizar estudos radiológicos adequados e em conjunto com o radiologista para definir qual o melhor método a ser utilizado, levando em conta a localização das lesões, as características clinicorradiológicas e os riscos de cada método. .,. Biopsia transbrônquica. Realizada por broncoscopia (flexível ou rígida), introduzindo-se uma pinça pelo canal do aparelho; uma vez atingida a região acometida pela doença, são realizadas mordidas com retirada de fragmentos de tecido pulmonar. As vantagens deste método são a menor morbidade e o fato de ser realizado sob sedação leve, anestesia tópica, sem utilização de outros aparelhos, portanto, pouco invasivo. A falta de visualização direta da lesão, as pequenas dimensões das amostras e os artefatos por compressão pela mordida da pinça figuram entre as desvantagens. Apresenta alto rendimento diagnóstico nos casos de sarcoidose, linfangite carcinomatosa, rejeição de transplante, neoplasias malignas e algumas infecções.

... Punção-biopsia transcutânea de pulmão orientada por tomografia computadorizada. Pode ser aspirativa ou com agulha lancetante, sendo que nesta última é possível a retirada de fragmentos maiores de tecido. As complicações são: pneumotórax, hemoptise e raramente implantes neoplásicos no trajeto da agulha.Tem rendimento alto em lesões periféricas, sendo contraindicada nas discrasias sanguíneas, uso de anticoagulante, enfisema, bolhas subpleurais, pneumectomia contralateral, hipertensão pulmonar e malformação arteriovenosa. .,. Biopsia pulmonar a céu aberto. Método no qual é retirado um fragmento de pulmão (5 X 3 X 2 em) por uma pequena toracotomia. A principal indicação é para o diagnóstico de doença intersticial difusa do pulmão quando os outros métodos falharam. O tecido obtido deve ser dividido para diferentes exames como anatomopatológico, bacteriológico, micológico e, se necessário, biologia molecular, cultura de vírus, microscopia eletrônica e imunofluorescência. Tem a desvantagem de provocar maior morbidade, dor e tempo de recuperação pós-operatória. Eventualmente é realizada em pacientes sob tratamento intensivo e imunossuprimidos, cuja gravidade exige diagnóstico etiológico e tratamento imediato. .,. Biopsia pulmonar por videotoracoscopia. Permite obter fragmentos de biopsia semelhantes ao da biopsia a céu aberto, com incisões menores e utilização de grampos endoluminais próprios para esta finalidade. Provoca menor dor pós-operatória e menor tempo de hospitalização; no entanto, tem custo mais elevado e exige ventilação monopulmonar.

Parte 7

366

I Sistema Respiratório

Quadro40.5 Caracterfsticas do lrquido pleural por etiologia.

Tuberculose Clínica

Câncer

Nos jovens Adultos Convívio Doença Doença primária secundária

Macroscopia Seroso. Às vezes

lnsuficiênàa cardíaca

Pneumonias (infecções)

Sinais e sintomas cardíacos

Sinais e sintomas História ou não de broncopulmonares comprometimento articular Nódulos subcutâneos Seroso

Sanguinolento Seroso

sanguinolento Microscopia

30a70% BK+ Cristais de colesterol

Ce/ularidade linfocitário

Pobre em hemácias Cultura

Citologia: + em 50%

Turvo amareloesverdeado

Embolia pulmonar

Micose

Traumatismo Quilotórax

Antecedentes Cirurgia Imobilização no leito Doença venosa

Exposição ' aerea endêmica

História de trauma

Sanguinolento

Seroso

Sanguinolento Quiloso

Positivo ou não

Sanguinolento Menos de 10.000 linfocitário hemácias

Predominância de linfocitário polimorfonucleares e menos de 1.000 leucócitos

Positiva, 1Oa 70% no líquido e10a15%no escarro lavado

Transudato Exsudato ouexsudato

Artrite reumatoide/ colagenoses

Positivo ou na-o

Glicose

Menos de 60 mg Menos de 60mg

Outros

Na maioria tuberculinopositivo Idade

Hemorrágico, reproduzindo rapidamente

Transudato

Exsudato

Mais Associado a lesão frequentemente pulmonar à direita

Gotículas de gordura

Predominância de hemácias

Francamente hemorrágico

Positiva ou não

Exsudato

História de trauma Lesão maligna

Positiva ou na-o

Exsudato

Exsudato

Exsudato

Acima de 60 mg

5 a 17 mg na artrite reumatoide

-

Coágulo rápido. Doença Células LE oufator emboligênica patente ou não reumatoide

Exsudato

Exsudato

Testes cutâneos e serológicos úteis

BK = bacilode Koch.

..., Bibliografia American Thoracic Society Statement. Guidelines for the Six-minute Walk Test. Am JRespir Crit Care Med. 2002; 116:111-117. Arnerican Thoracic Society/European Respiratory Society Task Force. Standardisation oflung function testing. Nurnber 2: Standardisation of spirometry. Eur Respir J2005; 26:319-338. Bruzzi JF, Komaki R, Walsh GL; Truong MT, Gladish GW, Mundem RF, Erasmus JJ. Irnaging ofNon-Small Cell Lung Cancer of the Superior Sulcus. Part Il: Initial Staging and Assessment ofResectability and Therapeutic Response. Radiographics, 2008; 28: 561 -572. Dias fu\1, Chauvet PR, Siqueira HR, Rufino R Testes de Função Respiratória: do laboratório à aplicação clínica com 100 exercícios para o diagnóstico. São Paulo: Atheneu 2llp. 2000. Juhl JH, Crummy AB, Kuhlman JE. Paul & Juhl: Interpretação Radiológica. 7• edição. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2000. Kligerman S, Digurnarthy S. Staging ofNon-Small Cell Lung Cancer Using Integrated PET/CT. AJR 2009; 193: 1203-1211. Müller NL; Silva CIS. Imaging of the Chest. 1th Elsevier Inc. 2008. Nakazono T, White CS; Yarnasaki F, Yarnaguchi K, Egashira R, Irie H, Kudo S. MRI Findings of Mediastinal Neurogenic Turnors. AJR. 2011; 197: W643-W652.

Pereira CA, Sato T, Rodrigues SC. New reference values for forced spirometry in white adults in Brazil. J Bras Pneurnol. 2007; 33: 397-406. Rabahi MF, Ferreira AA, Reciputti BP, Matos TD, Pinto SA. Fiberoptic bronchoscopy findings in patients diagnosed with lung cancer. J Bras Pneurnol. 2012;38(4):445-451. Rodrigues Jr R, Pereira CAC. Resposta a broncodilatador na espirometria: que parâmetros e valores são clinicamente relevantes em doenças obstrutivas? JPneurnol. 2001; 27:5-47 Santos M K; Júnor J E; Mauad F M; Muglia V F; Trad C S. Ressonância Magnética do Tórax: Aplicações Tradicionais e Novas, com ~nfase em Pneurnologia. J Bras Pneum. 2011; 37(2):242-258. Silva CISS, Marchiori E, Souza Júnior A.S., Müller NL. Consenso Brasileiro Ilustrado sobre a Terminologia dos Descritores e Padrões Fundamentais da TC de Tórax. J Bras Pneum 2010; 36(1):99-123. Silva CISS, Müller NL. Tórax. Colégio Brasileiro de Radiologia e Diagnóstico por Imagem. 1a edição. Rio de Janeiro, Elsevier. 2010. Sociedade Brasileira de Pneurnologia e Tisiologia. Diretrizes para Testes de Função Pulmonar. J Pneumol. 2002; 28(supl3}. Van Beek E J R; Tchatalbechev V; Wild J M. Lung Magnetic Resonance Irnaging - An Update. Irnaging. 2008, 20: 264-277. Webb WR, Müller NL, Naidich DP. High-Resolution CT ofthe Lung. 41h Lippincott Williarns & Wilkins 2009. Zamboni M, Monteiro, AS. Broncoscopia no Brasil. JBras Pneumol, 2004;30(5): 419-425

41 Doenças dos Brônquios, dos Pulmões e das Pleuras Marcelo Fouad Rabahi, Roseliane de Souza Araujo, Maria Rosedalia de Moraes, Marcus Barreto Conde, Maria Conceição de Castro Antonelli Monteiro de Queiroz, Marianna Tassara, Maria Auxiliadora Carmo Moreira, Daniela Graner Schuwartz Tannus Silva, Roberto Ferreira Alho, Miguel Angel Corrales Coutinho eAffonso Berardinelli Tarantino

..,. Introdução As principais enfermidades dos brônquios, dos pulmões e das pleuras são: asma brônquica, doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC), bronquiectasias, pneumonias, abscesso pulmonar, tuberculose, micoses pulmonares, fibrose pulmonar idiopática, pneumoconioses, tromboembolia pulmonar, hipertensão arterial pulmonar, insuficiência respiratória, neoplasias pulmonares, neoplasias pleurais e pneumotórax.

. .,. Asma brônquica A asma é uma doença inflamatória crônica, caracterizada por hiper-responsividade das vias respiratórias inferiores com limitação variável do fluxo aéreo, reversível espontaneamente ou com tratamento, e resulta da interação entre fatores genéticos e exposição ambiental. Suas manifestações clínicas são episódios recorrentes de sibilância, dispneia, opressão torácica e tosse, em vários níveis de gravidade. Esses sintomas ocorrem particularmente à noite e pela manhã, ao despertar. Estima-se uma prevalência entre 4 e 12% da população, segundo a Organização Mundial da Saúde. No Brasil é consi-

derado um problema de saúde pública, constituindo-se importante causa de hospitalizações pelo Sistema Único de Saúde (2,3% do total), com cerca de 350.000 internações anuais, sendo a terceira causa de internação entre crianças e adultos jovens. É uma importante causa de absenteísmo escolar e no trabalho. Pode evoluir com crises graves que põem a vida em risco. Diversos elementos celulares participam do processo inflamatório na asma, em particular, mastócitos, eosinófilos, linfócitos T, macrófagos, células epiteliais e neutrófilos, estes últimos nos casos de asma grave. Diversos fatores parecem estar envolvidos, entre eles fatores genéticos, exposição a substâncias encontradas no ambiente (principalmente poeira doméstica) e infecções virais ocorridas na fase de desenvolvimento do sistema imune. As infecções virais estariam envolvidas em uma alteração da resposta a infecções, primariamente do tipo THI para resposta tipo TH2, o que possibilita relacionar asma e reações alérgicas. A resposta inflamatória alérgica (Figura 41.1) é iniciada pela interação de alergênios ambientais com células apresentadoras, os linfócitos TH2, que produzem mediadores da inflamação, responsáveis pelo início e manutenção do processo inflamatório. Vários mediadores inflamatórios são liberados pelos mastócitos (histamina, leucotrienos, triptase e prostaglandinas), pelos macrófagos (fator de necrose tumoral - TNF-alfa, IL-6, óxido nítrico), pelos linfócitos T (IL-2, IL-3, IL-4, IL-5, fator de crescimento de colônias de granulócitos), pelos eosinófilos (proteína básica principal, ECP [eosinophil cationic protein], EPO [eosinophil peroxidase], mediadores lipídicos e citocinas), pelos neutrófilos (elastase) e pelas células epiteliais (endotelina -1, mediadores lipídicos, óxido nítrico) . Os mediadores da inflamação lesionam a membrana basal, provocando alterações na permeabilidade vascular, hipersecreção de muco, mudanças na função mucociliar e aumento da reatividade do músculo liso das vias respiratórias. Essas alterações podem resultar, a longo prazo, em remodelamento e obstrução das vias respiratórias.

• Manifestações clínicas A suspeita de asma brônquica é levantada por história de tosse, chiado e dispneia recorrente, com piora noturna e aos exercícios, ou quando há infecções virais (gripes e resfriados), exposição a alergênios ambientais, fumaça de cigarro, alterações climáticas, estresse ou emoções. Um dos principais sintomas de asma é o chiado ou sibilos na ausculta do tórax, predominantemente à noite e pela manhã. Os sibilos, embora quase sempre observados, não são exclusivos de asma, podendo ocorrer outras patologias. Cumpre ressaltar que a ausência de sibilos não exclui o diagnóstico de asma. A tosse pode ser seca ou produtiva, com expectoração mucoide ou mucopurulenta, com episódios de exacerbação. Cuidadosa investigação de rinite alérgica, polipose rinossinusal, sinusite, eczema e doença do refluxo gastresofágico

Fatores precipitantes de crise asmática Asma Cerca de 5% dos casos de asma são considerados de difícil controle; é esse percentual que representa os maiores custos com a doença, sendo necessária uma intervenção direcionada, investigação de comorbidades, controle dos fatores desencadeantes e avaliação ativa da adesão ao tratamento.

• • • • • •

Alergênios ambientais (ácaros, epitélios de animais como cão e gato, mofo) Infecções respiratórias (gripes e resfriados) Irritantes específicos (fumaça, poluentes químicos, odores intensos) Fármacos (AAS, AINE, betabloqueadores) Exercícios Emoções

Parte 7

368 Metaplasia de células calciformes Aumento da produção de muco



TGF-~

L _ _ __

• •• •• •

....

I •••••

Linfócitos T

I VGEF I

Endotelinas EGF

IL-13, IL-9, IL-4

I Sistema Respiratório

Eos

_______. .

• Desequilíbrio MMP!TIMP

a• •

Linfócitos T

Fibrose subepitelial crescimento CMLI







I Angiogênese I



TGF-~

cysLTS

cysLTS

Mastócitos

.. ...... ........·.:.

Deposição de colágeno

I

Mastócitos



I

• •

Eosinófilos

figura 41.1 Resposta inflamatória na asma brônquica. IL = interleucina; MMP =matriz metaloproteinase; T~MP = inibi?or tecidual da MP; EGF =~ator de crescimento da epiderme; VGEF = fator de crescimento endotelial vascular; TGF-~ =fator de transformaçao do cresCimento ~; cysLTS = leucotneno cysteinye; Eos = eosinófilos.

deve fazer parte da rotina da avaliação e acompanhamento de um paciente com asma.

• Diagnóstico O diagnóstico de asma é feito principalmente pelos dados clínicos e espirométricos. A história de atopia e sintomas recorrentes característicos aumenta a probabilidade de asma, porém a espirometria é necessária para confirmar o diagnóstico.

Espirometria

(metacolina, histamina, carbacol) é sugestiva de asma. O teste de broncoprovocação fornece uma medida da hiper-responsividade brônquica, ou seja, reflete a sensibilidade ou a facilidade com que as vias respiratórias reagem aos estímulos externos que podem causar manifestações clínicas de asma.

• Avaliação da gravidade da asma Os parâmetros para avaliação da gravidade ou do controle da asma estão resumidos no Quadro 41.1.

É o método de escolha na determinação da limitação ao

fluxo aéreo e no diagnóstico de asma. São indicativos de asma: • Obstrução ao fluxo aéreo, caracterizada por redução do volume expiratório forçado no primeiro segundo (VEF1), abaixo de 80% do previsto e redução da sua relação com a capacidade vital forçada para menos de 75% em adultos e de 86% em crianças • Obstrução ao fluxo aéreo, que desaparece ou melhora significativamente após uso de broncodilatador (aumento do VEF1 de 7% em relação ao valor previsto e de 200 m.e em valor absoluto, após inalação de um beta-2 agonista de curta duração).

Pico de fluxo expiratório O pico de fluxo expiratório (PFE) é um parâmetro importante principalmente para o monitoramento do controle da asma. A variação diurna do PFE pode ser utilizada para se comprovar a obstrução do fluxo aér~o. A re:ersibilidad~ da obstrução é um importante dado esp1rométnco para o diagnóstico e a avaliação do controle da asma. Caracterizam a reversibilidade: (1) aumento de pelo menos 15% no PFE após inalação de um broncodilatador ou um curso de corticosteroide por via oral; (2) variação diurna nas medidas de PFE maior que 20% (diferença entre a maior e a menor medida do período), considerando as medidas realizadas pela manhã e à tarde, ao longo de um período de 2 a 3 semanas.

Teste de broncoprovocação Os pacientes com prova de função pulmonar normal e quadro clínico compatível com asma podem ser avaliados por meio do teste de broncoprovocação. Uma redução significativa no VEF1 (por convenção > a 20%) com agentes bronco constritores

.., Doença pulmonar obstrutiva crônica A doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC) é uma enfermidade que pode ser prevenida e tratada, caracterizada por obstrução crônica e progressiva d? fluxo expi~atório, _associada a uma resposta inflamatória anomala das VIas resprratórias e do parênquima pulmonar a partículas e gases tóxicos. Determina efeitos extrapulmonares importantes, e exacerbações contribuem para a gravidade da doença. . _ É uma epidemia mundial, que acomete cerca de 600 milhoes de pessoas em todo o mundo, causando 2, 7 milhõ~s de mortes a cada ano, com estimativa de ser a 3íl causa de ób1to em 2030. Apresenta alta morbidade com grande impacto e~onô~ic.o e social. No Brasil é considerado um problema de saude publica, representando a 6a causa de mortes e sendo responsável por 125.000 hospitalizações por ano. Diagnóstico da alergia

Aforte associação entre asma e doenças alérgicas, tais como dermatite, urticária e, principalmente, rinite alérgica, indica a necessidade de investigação de alergia, seja por testes alérgicos cutâneos ou dosagens séricas (lgE específicos). Os exames sorológicos auxiliam na determinação de fatores desencadeantes de asma e no tratamento da asma. Em nosso meio, predomina a sensibilização a antígenos inaláveis, sendo os mais frequentes os ácaros das espécies Dermatophagoides pteronyssinus, Dermatophagoides farinae e 8/omiatropica/is. Outros alergênios inaláveis (pólen, fezes e fragmentos do exoesqueleto de baratas, epitélios de cães e gatos) são importantes, mas sensibilizam menos pacientes. Poluentes ambientais ou ocupacionaistambém sã~ desencadeantes e/ou agravantes de asma. Alimentos, por sua vez, raramente mduzem asma.

41 I Doenças dos Brônquios, dos Pulmões edas Pleuras Quadro41.1

369

Avaliação do controle drnico atual (preferendalmente nas últimas 4semanas).

Parâmetros

Asma controlada

Asma parcialmente controlada

Sintomas diurnos limitação de atividades Sintomas/despertares noturnos Necessidade de medicação de alívio Função pulmonar (PFE ou VEF1)

Nenhum ou < 2vezes/semana Nenhuma Nenhum Nenhuma

> 3vezes/semana

Qualquer Qualquer > 2vezes/semana

Normal

< 80% do previsto ou do melhor prévio

Asma não controlada

Três ou mais dos parâmetros da asma parcialmente controlada

(se conhecido) Avaliação dos ris 40 anos Tabagismo atual ou passado Tabagismo passivo ou exposição à fumaça de gases nocivos (combustão da lenha) Espirometria: VEF1 /CVF < 0,70

VEFl = volume expiratórioforçadonoprimeiro segundo; CVF= capaddade vital forçada.

Não utiliza o "ponto de ancoragem•

Utilização do "ponto de ancoragem•

Edema e insuficiência cardíaca congestiva

Raramente edema e insuficiência cardiaca

Hipoxemia com hipercapnia

Hipoxemia sem hipercapnia

Quadro41.2

Expectoração abundante e infecção

Hematócrito normal Obstrução grave (VEF1 diminuído) Aumento da capacidade pulmonar total Volume residual muito aumentado Complacência aumentada Difusão diminuída

Policitemia Obstrução grave (VEF1 diminuído) Capacidade pulmonar total normal Volume residual aumentado Complacência normal Difusão normal TC tórax -lesão centrolobular Complicação - cor pu/mona/e

Figura 41.5 Estereótipos clínicos nas formas avançadas de DPOC.

Parte 7

372 A polissonografia para investigação de apneia do sono em pacientes com DPOC pode ser útil para o diagnóstico da síndrome de sobreposição das duas doenças. .,. Exames radiológicos. Embora o diagnóstico da DPOC seja essencialmente funcional, a radiografia do tórax deve ser realizada para excluir doenças associadas. Em estágios mais avançados pode demonstrar hiperinsuflação pulmonar, bolhas e espessamento das marcas broncovasculares. A tomografia computadorizada do tórax pode demonstrar a existência e o tipo de enfisema (panlobular, centrolobular, perilobular), além da eventual existência de bronquiectasias, bolhas e perfusão em mosaico (indicando obstrução em pequenas vias respiratórias) (Figura 41.6). Os exames radiológicos também ajudam na identificação do câncer de pulmão e de sequelas associadas. .,. Exames cardiológicos. Ecodopplercardiograma para avaliação cardiovascular e diagnóstico da hipertensão pulmonar e de

cor pulmonale. .,. Exames hematológicos. Hemograma (policitemia), exames bioquímicos (na identificação de comorbidades) e dosagem de alfa-1 antitripsina (indivíduos jovens com enfisema) . .,. Avaliação da inflamação local e sistêmica. A avaliação de células e mediadores inflamatórios no escarro, lavado broncoalveolar (LBA) e sangue periférico ainda não está padronizada.

• Avaliação da gravidade da DPOC A classificação de gravidade proposta pela Iniciativa Global para Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica (Global Initiative for Obstructive Lung Disease, GOLD) leva em consideração o grau de limitação ao fluxo aéreo ( espirometria) (Quadro 41.3). A avaliação da gravidade pode ser feita por meio de marcadores clínicos e funcionais, como no índice de BODE (body, obstruction, dyspnea, exercise), composto pelo índice de massa corporal (IMC), grau de obstrução na espirometria (VEFl pós-broncodilatador), grau de dispneia pela escala do Medicai Research Council e tolerância ao exercício pelo teste de caminhada de 6 min (TC6' ). Quanto maiores os valores encontrados no índice, pior é o prognóstico (Quadro 41.4).

Quadro41.3

I Sistema Respiratório

aassificação da obstrução ao fluxo pela GOLD.

GOLD 1

VEF1 > 80% do previsto

GOLD2

50% ~ VEF1< 80%do previsto

GOLD3 GOLD4

30% < VEF1 < 50%do previsto VEF1 < 30% do previsto

Quadro41.4

(ndice de BODE.

o

1

2

3

VEF1 (%previsto)

>65

50a64

36a49

8 no soro em pacientes assintomáticos e com doença pulmonar é sugestivo de doença pulmonar e/ou disseminada. Na radiografia do tórax a criptococose pulmonar pode apresentar-se de diferentes formas. É necessário ressaltar que imagens localizadas (massas e nódulos) predominam nos pacientes imunocompetentes, enquanto nos imunocomprometidos há predomínio de infiltrado intersticial e de opacidade intersticial difusa. As manifestações mais comumente observadas são: • Nódulos unilaterais ou bilaterais: o achado radiológico mais comum são nódulos bem definidos e não calcificados, solitários ou múltiplos, raramente com cavitação. Os nódulos são tipicamente de localização subpleural • Infiltrados intersticiais uni ou bilaterais, mais frequentes em pacientes imunocomprometidos, incluindo pacientes com AIDS, fazendo-se necessário nestes casos o diagnóstico diferencial com pneumocistose • Padrão miliar semelhante à tuberculose • Derrame pleural, que pode ocorrer tanto nos pacientes imunocompetentes como nos imunocomprometidos • Adenopatia hilar e mediastinal, constituindo um complexo primário similar ao da tuberculose. Quando ocorre o acometimento do lobo superior com envolvimento dos linfonodos supraclaviculares a criptococose mimetiza tumor de Pancoast.

~

Fibrose pulmonar idiopática

A fibrose pulmonar idiopática (FPI) é uma das doenças mais frequentes entre as doenças intersticiais pulmonares e se caracteriza por variados graus de inflamação, destruição alveolar, fibrose e hipoxemia crônica (Quadro 41.10).

• Patogenia e achados histopatológicos O processo patológico se inicia com agressão, de causa desconhecida, ao epitélio alveolar ou apoptose e reparo tecidual anormal. Há exsudação de fibrina, formação de focos fibroblásticos e deposição de matriz extracelular, com dano arquitetura! e prejuízo na função pulmonar. Os principais achados histopatológicos são: fibrose, áreas de faveolamento (áreas císticas semelhantes a favos de mel), reação fibroblástica de distribuição irregular, comprometimento da periferia dos ácinos ou lobos pulmonares, especialmente

aassificação das doenças pulmonares interstlciais (Diretrizes de Doenças Pulmonares lnterstidais, 2012). A. Causas ou associações conhecidas • Pneumoconioses • Infecções, drogas • Colagenoses • Aspiração gástrica.lmunodeficiências • Relacionadas com o uso de tabaco o Pneumonia intersticial descamativa o Bronquiolite respiratória com doença pulmonar intersticial o Histiocitose de células de Langerhans B. Pneumonias intersticiais idiopáticas • Fibrose pulmonar idiopática, pneumonia intersticial não específica, pneumonia organizante, pneumonia intersticial aguda C. Linfoides • Pneumonia intersticiallinfoide, bronquiolite linfoide, linfoma D. Granulomatosas • Sarcoidose, pneumonite de hipersensibilidade, infecções granulomatosas E. Outras • Linfangioliomiomatose, proteinose alveolar, pneumonia eosinofílica

parênquima subpleural, infiltrado de linfócitos, plasmócitos e histiócitos nos septos alveolares, associado a hiperplasia das células alveolares tipo li. Pneumonia intersticial usual é o padrão clássico encontrado na biopsia pulmonar em pacientes com fibrose pulmonar idiopática.

• Manifestações clínicas Predomina em indivíduos do sexo masculino, entre 40 e 70 anos de idade. O tempo de história varia de 6 a 24 meses até o diagnóstico. O paciente apresenta uma síndrome intersticial caracterizada por tosse seca e dispneia, que progride dos grandes para os pequenos esforços, sem ortopneia ou dispneia paroxística, baqueteamento digital (25 a 50% dos pacientes) com unhas em "vidro de relógio': inspeção, palpação e percussão sem dados relevantes e ausculta de estertores finos tipo "velcro': especialmente no final da inspiração, nas bases pulmonares (90% dos casos). Na fase tardia da doença, o paciente pode apresentar síndrome de insuficiência cardíaca direita e cor pulmonale crô• mco. A FPI pode evoluir com episódios de exacerbação aguda, levando à piora da dispneia e da hipoxemia.

• Exames complementares Radiografia do tórax. Opacidades reticulares, principalmente nas bases pulmonares, frequentemente associadas a faveolamento. Diminuição do volume pulmonar. ~ TC do tórax. Opacidades reticulares, bronquiectasias de tração, faveolamento, áreas de opacidade tipo "vidro fosco': fibrose com distorção da arquitetura pulmonar. As lesões predominam nas regiões periféricas do pulmão (Figura 41.18). O aparecimento de novas áreas com aspecto em vidro fosco e consolidações, associado a piora do quadro clínico/funcional, sugere exacerbação aguda, desde que descartadas infecção pulmonar, embolia pulmonar ou insuficiência cardíaca. ~ Provas de função pulmonar. Distúrbio ventilatório restritivo, hipoxemia e diminuição da capacidade de difusão do monóxido de carbono. ~

41

I Doenças dos Brônquios, dos Pulmões edas Pleuras

399 Caso clínico

Figura 41 .18 Imagem axial de tomografia computadorizada do tórax em janela de pulmão, mostrando espessamento septal e áreas de faveolamento em paciente com fibrose pulmonar idiopática.

... Lavado broancoalveolar ebiopsia transbrônquica. Apresentam pouco

valor no diagnóstico, todavia, o encontro de linfócitos aumentados na citometria do lavado acima de 30%, sugere outros diagnósticos, considerando que na FPI há aumento de neutrófilos. ... Biopsia pulmonar cirúrgica. Deve ser realizada quando os achados tomográficos não são característicos ou quando o quadro clínico sugere outra doença, em pacientes com menos de 50 anos de idade, independentemente do achado tomográfico. A biopsia pulmonar deve ser evitada em pacientes muito idosos ou portadores de comorbidades expressivas.

• Diagnóstico diferencial Pneumoconioses, sarcoidose, pneumonite por hipersensibilidade, outras pneumonias intersticiais idiopáticas.

• Evolução e prognóstico A FPI é uma doença respiratória grave, ainda sem tratamento eficaz, com mediana de sobrevida de 2 a 5 anos, após início dos sintomas.

..,. Pneumoconioses Pneumoconioses são afecções pulmonares causadas pela inalação de poeiras em ambiente de trabalho, que provocam reação tecidual, podendo levar à fibrose do parênquima pulmonar. O grau de reação tecidual depende da natureza química da poeira, do tamanho, do formato, da distribuição e da concentração das partículas, da duração da exposição e da suscetibilidade individual. História ocupacional e ambiental detalhada do paciente é fundamental para caracterização das pneumoconioses.

• Doenças eexposições relacionadas .,.. Silicose. Doença provocada pela inalação de sílica (dióxido de

silício). Apresenta-se sob três formas: aguda, acelerada e crônica, dependendo do tempo e grau de exposição.

Paciente branco, 60 anos de idade, casado, brasileiro, contador. Refere dispneia há 2 anos, progressiva, atualmente aos mínimos esforços, contínua, independentemente do decúbito, acompanhada de tosse seca. Há 1mês observou edema nos membros inferiores (MMII) e dor nohipocôndriodireito. Exame físico: dispneico +14+em repouso, turgência jugular discreta. Ritmo cardíaco regular, bulhas normofonéticas. FC= 100 bpm, PA = 130/80mmHg, FR= 28 ipm. Inspeção, palpação e percussão normais. À ausculta, estertores finos, "em velcro': predominantes nos 1/3 médio einferior, bilateralmente, cianose +/4+, baqueteamento digital em ambas as mãos. Edemas de MMII +14+. .,.. Comentários. Trata-se de paciente com doença pulmonar crônica caracterizada por: síndrome de insuficiência respiratória crônica, sínd rome pulmonar intersticial, síndrome de insuficiência cardíaca direita. Considerando-se idade, sexo, evolução rápida, presença isolada de estertores em "velcro" como achado auscultatório, baqueteamento digital e cianose de extremidades, a hipótese diagnóstica de FPI é consistente. As provas de função pulmonar revelam distúrbio ventilatório restritivo acentuado, hipoxemia acentuada edifusão de monóxido de carbono de 50% do valor previsto para o paciente. A radiografiade tórax eatomografia de tórax de alta resolução foram muito sugestivas de FPI e a biopsia cirúrgica confirmou o diagnóstico•

Exposições relacionadas: extração e beneficiamento de rochas como o granito e pedras em geral, mineração de ouro e de pedras preciosas e perfuração de poços; nas indústrias de cerâmica, de materiais de construção, de borracha, na fabricação de vidro e de fertilizantes (rocha fosfática), em fundições, na produção de talco (contaminado com sílica); operação de jateamento de areia, retífica e polimento de metais e minerais com abrasivos contendo sílica, e em atividades de manutenção e limpeza de fornos, moinhos e filtros; confecção de prótese dentária. .,.. Doenças asbestose-relacionadas. Doenças associadas à inalação de fibras de asbesto, que são minerais de alta resistência à fricção, ao fogo, à abrasão, são isolantes térmicos e acústicos e tem largo emprego industriaL Podem ser acometidos o parênquima pulmonar (asbestose), e a pleura (espessamento pleural focal ou extenso e mesotelioma maligno). A exposição ao asbesto tem sido relacionada com o câncer de pulmão. Exposições relacionadas: mineração e beneficiamento do asbesto, indústria de fibrocimento (telhas e caixas d'água), fabricação de pastilhas, lonas de freios, discos de embreagem. ... Pneumoconiose do trabalhador do carvão. Relacionada com a extração de carvão mineral. .,.. Siderose. Causada por inalação de minério de ferro, na mineração de hematita fabricação de esmeril, siderúrgicas, fundição de ferro e solda metálica. .,.. Beriliose. Por exposição ao berílio na fabricação de rebolos, trabalho em indústria eletrônica e prótese dentária (fabricação de ligas).

• Manifestações clínicas Podem ser assintomáticas por longo período ou evoluir com dispneia progressiva, tosse, estertores pulmonares e sibilos.

• Diagnóstico diferencial Pneumopatias intersticiais por outras causas, sarcoidose, câncer de pulmão (forma pseudotumoral da silicose), tuberculose miliar (forma crônica, nodular, da silicose),metástases pulmonares (pneumoconiose por carvão).

400

Parte 7

I Sistema Respiratório

• Exames complementares .,.. Radiografia do tórax. Pode não haver correlação entre os achados radiológicos e as manifestações clínicas (Figura 41.19) . .,.. TC do tórax. Superior à radiografia do tórax no diagnóstico precoce das pneumoconioses e para quantificar a gravidade e extensão das alterações (Figura 41.20) . .,.. lavado broncoalveolar. Pode ser indicado para excluir outras doenças como tuberculose, micoses, pneumonite por hipersensibilidade, sarcoidose e câncer. Na silicose, o padrão celular diferencia a silicose simples da complicada por meio do estudo do grau de atividade fibrogênica . .,.. Biopsia pulmonar (em geral desnecessária). Indicada quando o quadro radiológico é atípico, rapidamente progressivo ou há exposição a vários tipos de poeira.

• Complicações Tuberculose pulmonar, cor pulmonale crônico, insuficiência respiratória crônica.

• Prevenção Controle eficaz da produção de poeiras na extração e processamento industrial das substâncias que podem ser inaladas. Uso de equipamento de proteção individual. Controle clínico, espirométrico e radiológico periódicos.

.... Tromboembolia pulmonar Chama-se tromboembolia pulmonar (TEP) a oclusão brusca, total ou parcial da artéria pulmonar e/ou de seus ramos por um coágulo sanguíneo (trombo que se desprende de uma veia ou do coração). Os trombos originam-se mais frequentemente dos membros inferiores e pelve, mas podem se formar também nas câmaras cardíacas e, mais raramente,

Figura 41.19 Radiografia de tórax em PA mostrando consolidações pulmonares bilaterais em forma de massas em paciente com silicose.

Figura 41.20 Imagem axial de tomografia computadorizada do tórax em janela de pulmão, em paciente com exposição em mina de esmeraldas, onde se caracterizam consolidações bilaterais, aspecto tomográfico que favorece diagnóstico de silicose.

nos membros superiores. Pode causar insuficiência cardíaca direita aguda, grave, que pode levar ao óbito, mas potencialmente reversível. O diagnóstico é difícil, por se tratar de quadro clínico incaracterístico na maioria das vezes e com grande espectro de apresentações clínicas, desde sensação de ansiedade com discreta dispneia até quadro de insuficiência respiratória aguda. Pode ser fatal na primeira hora após o início dos sintomas em 10% dos casos, manifesta-se com choque ou hipotensão arterial em 5 a 10% dos casos e em mais 50% dos casos sem choque, mas com sinais ecocardiográficos ou laboratoriais de insuficiência cardíaca direita. As principais consequências do evento tromboembólico são hemodinâmicas. Trombos grandes ou múltiplos podem aumentar agudamente a resistência vascular pulmonar para um nível que não pode ser vencido pelo ventrículo direito (VD), causando cor pulmonale agudo. Nos pacientes que sobrevivem ao evento agudo a ativação do sistema simpático com estímulo inotrópico e cronotrópico ajudam a restituir o fluxo sanguíneo pulmonar. nmbolos pequenos e distais, principalmente em pacientes sem doença cardíaca ou respiratória subjacente geralmente não causam repercussão hemodinâmica e sim áreas de tamanhos variados de hemorragia alveolar, que podem manifestar-se com hemoptise, pequeno derrame pleural e dor torácica ventilatório-dependente. A suspeita clínica de TEP depende da presença de um quadro clínico compatível, na presença de fatores de risco. A manifestação clínica relaciona-se com a carga embólica e com a condição cardiorrespiratória prévia do paciente. As principais manifestações clínicas na TEP não maciça são: taquipneia (> 20 ipm no adulto), dispneia, dor torácica pleurítica, taquicardia, apreensão, tosse e hemoptise. Nos quadros maciços, colapso circulatório agudo e morte súbita podem ocorrer. Como não há um quadro clínico específico ou patognomônico para TEP e, raramente, o diagnóstico será descoberto por acaso em um exame inespecífico, é sempre importante pensar nessa possibilidade diagnóstica nos pacientes com algum dos sintomas citados anteriormente. Um estudo clássico em TEP, o PIOPED (Prospective Investigation ofPulmonary Embolism Diagnosis), mostrou que é possível classificar os pacientes em categorias de suspeita clí-

41

I Doenças dos Brônquios, dos Pulmões edas Pleuras

401

Casodínico

Homem de 49 anos, profissão atual vigilante. Opaciente refere dispneia há 5 anos, inicialmente aos grandes esforços e atualmente aos médios esforços. Relata tosse seca diária. Garimpeiro dos 31 aos 45 anos e vigilante há 4 anos. Alega exposição a poeira fina, em grande quantidade, durante os 14 anos em que foi garimpeiro em uma mina de esmeraldas. Trabalhava na escavação de túneis utilizando explosivos. Não usava dispositivos de proteção individual. Exame físico: Paciente dispneico +/4+ em repouso. Ritmo cardíaco regular, bulhas normofonéticas. FC = 100 bpm, PA = 130/80 mmHg, FR = 20 ipm. Inspeção, palpação e percussão normais. Ausculta: roncos e sibilos raros. Trata-se de um paciente com doença pulmonar crônica: síndrome de insuficiência respiratória crônica, síndrome brônquica de obstrução. Considerando-se a história ocupacional, asuspeita de silicose épertinente. As doenças difusas do pulmão podem cursar com queixa de dispneia crônica, alterações radiológicas e funcionais pulmonares significativas eexame físico torácico pobre. Ressalte-se, nesse caso, que a profissão atual em nada se relaciona com o diagnóstico da doença ocupacional e que a história ocupacional foi crucial para conclusão diagnóstica. Na espirometria foi encontrado um distúrbio ventilatório misto (obstrutivo e restritivo) moderado. Aradiografia do tórax e a tomografia do tórax de alta resolução foram muito sugestivas de silicose e associadas aclínica e história ocupacional tornaram desnecessária a confirmação do diagnóstico por biopsia pulmonar. nica, ou seja, baixa, moderada ou alta probabilidade clínica de TEP, e que cada categoria guarda uma importante relação com a incidência de TEP (9%, 30% e 68% respectivamente). Além disso, este estudo demonstrou que a probabilidade clínica influencia a interpretação dos exames complementares,

Quadro41.11

ou seja, para resultados idênticos de cintigrafia pulmonar, a prevalência de TEP varia conforme a probabilidade pré-teste. Vários escores já foram propostos para avaliação da probabilidade clínica de TEP. Os mais usados são o escore de Wells e o escore de Genebra revisado (Quadro 41.11 ).

• Diagnóstico Os exames habitualmente realizados nas unidades de emergência no paciente com sintomas torácicos agudos auxiliam no diagnóstico diferencial, reforçando a suspeita clínica ou tendendo a outro diagnóstico, mas não são capazes de confirmar ou descartar com segurança a presença de TEP.

• Exames complementares .,. Radiografia de tórax. Apesar de os achados mais frequentes serem inespecíficos (atelectasias laminares, elevação da hemicúpula diafragmática e pequeno derrame pleural), a radiografia de tórax é muito útil para afastar ou confirmar outras causas de dispneia e dor torácica. Outros achados que podem favorecer o diagnóstico de TEP são oligoemia regional (sinal de Westermark), alargamento de artérias pulmonares e opacidades periféricas em cunha (sinal ou corcunda de Humpton). No entanto, nenhum desses achados tem especificidade suficiente para confirmar o diagnóstico de TEP .,. Gasometria arterial. Frequentemente ocorre hipoxemia e/ou hipocapnia na TEP, mas a gasometria pode ser normal. .,. Eletrocardiograma. Pode ser normal. O clássico padrão SI Q3T3 é infrequente. Outros sinais de sobrecarga direita podem ser

Escore de probabilidade dínica para embolia pulmonar. escore de Genebra revisado eescore de Wells. Escore de Genebra revisado

Variável

Fatores predisponentes Idade> 65 anos TVP ou TEV prévia Cirurgia ou fratura há menos de 1 mês Malignidade Sintomas Dor em membro inferior unilateral Hemoptise Sinais clínicos Frequência cardíaca: • 75-94bpm • 100bpm

+1,5

Sinais clínicos de TVP

+3

Julgamento clínico: diagnóstico alternativo menos provável que TEP Probabilidade clínica (3 níveis}

Probabilidade clínica Baixa Intermediária Alta

Oa3 4a 10 4

Parte 7

402 observados. Alguns pacientes apresentam apenas taquicardia sinusal. O maior valor do ECG é excluir outras patologias, principalmente infarto agudo do miocárdio. .,. Dímero D. É um produto da degradação da fibrina que está aumentado no plasma em situações de coagulação e fibrinólise. Utilizando-se método de alta sensibilidade como ELISA (> 95%), o teste possibilita descartar TEP em pacientes com baixa e moderada probabilidade clínica. O teste não deve ser usado em pacientes com alta probabilidade clínica, pois nessa situação não é capaz de descartar o diagnóstico nem de confirmá-lo, pela sua baixa especificidade (40% para ELISA). .,. Eco-Doppler de membros inferiores. Excelente para o diagnóstico de trombose venosa profunda (TVP). Pode diagnosticar TVP em 30 a 50% dos pacientes com TEP, possibilitando o início do tratamento. .,. Cintigrafia pulmonar de ventilação e perfusão. O resultado deste exame é classificado em 4 categorias: normal, baixa, intermediária ou alta probabilidade de TEP. Exame normal descarta TEP com segurança, assim como um exame de baixa probabilidade de TEP, quando associado a baixa probabilidade clínica. No outro extremo, resultado de alta probabilidade possibilita diagnóstico de TEP a não ser em pacientes com baixa probabilidade clínica, situação em que outros exames confirmatórios devem ser solicitados. Todas as outras combinações de probabilidades clínicas e cintigráficas exigem exames adicionais, o que faz com que frequentemente o exame não seja suficiente para o diagnóstico de TEP. .,. Angiotomografia de tórax. Tem a vantagem de viabilizar a avaliação de outros compartimentos torácicos (parênquima, mediastino, vasos, caixa torácica e pleura), possibilitando a investigação de outras possibilidades diagnósticas. Toma possível, ainda, a visualização direta do êmbolo no interior dos vasos (falha de enchimento). .,. Arteriografia pulmonar. Exame invasivo e passível de complicações, além de pouco disponível. Atualmente só é utilizado nas raras situações em que os métodos de imagem são inconclu.

SlVOS •

.,. Ecocardiograma. Seu maior valor é na estratificação de risco, mas o achado de trombos intracavitários e sinais de sobrecarga de VD podem ser úteis para o diagnóstico.

• Estratificação de risco A TEP pode ser estratificada em diferentes níveis de risco de mortalidade precoce (intra-hospitalar ou nos primeiros 30 dias após o evento agudo) com base em marcadores de risco. Essa classificação, além de auxiliar na escolha da estratégia diagnóstica, tem um importante papel na decisão terapêutica. Os principais marcadores são: • Marcadores clínicos: choque e hipotensão • Marcadores de disfunç.ão de ventrículo direito (VD): dilatação, hipocinesia ou aumento do VD no ecocardiograma, dilatação do VD na tomografia computadorizada, elevação do BNP (peptídio natriurético cerebral) e aumento da pressão em câmeras direitas no cateterismo cardíaco • Marcadores de lesão miocárdica: troponina cardíaca positiva (Figura 41.21).

• Estratégia diagnóstica O tratamento precoce da TEP diminui de maneira significativa a mortalidade e, portanto, deve ser prontamente instituído

I Sistema Respiratório

Tromboembolia pulmonar- Estratificação de risco

TEP confirmada I

Estabilidade hemodinâmica

Instabilidade hemodinâmica

Biomarcadores . . sencos I

Troponina baixa e BNP baixo

Troponina elevada ou BNP elevado

Ecocardiograma I

Ir

Sem disfunção deVO

Com disfunção deVO

r Anticoagulação plena

Trombólise ou embolectomia

Figura 41.21 Estratificação de risco para tromboembolia pulmonar (TEP). BNP = brain natriuretic peptide; VD =ventrículo direito. (Fonte: SBPT. Recomendações para o Manejo da Tromboembolia Pulmonar.)

logo que confirmado o diagnóstico. Nos pacientes com moderada e alta probabilidade clínica, na ausência de contraindicações à anticoagulação, deve-se iniciar o tratamento tão logo o diagnóstico seja suspeitado, enquanto se aguardam os exames confirmatórios (Figura 41.22).

..,. Hipertensão arterial pulmonar A hipertensão pulmonar (HP) compreende um conjunto de doenças com achados comuns, mas com diferenças fisiopatológicas e prognósticas. É definida hemodinamicamente por uma pressão média de artéria pulmonar > 25 mmHg em repouso. A classificação atual, resultante de uma reunião de que aconteceu em Dana Point, Califórnia, em 2008, manteve a filosofia das classificações anteriores, dividindo a HP em grupos de acordo com características patológicas, fisiopatológicas e terapêuticas (Quadro 41.12). .,. Grupo 1 (hipertensão arterial pulmonar). Condições incluídas nesse grupo caracterizam-se pela ocorrência de HP pré-capilar (definida hemo dinamicamente como pressão média de artéria pulmonar > 25 mmHg com pressão de oclusão de artéria pulmonar ou pressão de átrio esquerdo < 15 mmHg). Inclui uma série de doenças que são semelhantes no quadro clínico e virtualmente idênticas na patologia da microcirculação. .,. Grupo 2. Inclui os casos de hipertensão pulmonar associada a doenças do coração esquerdo. Os mecanismos de aumento da pressão de artéria pulmonar nesse grupo são múltiplos e incluem, principalmente, a transmissão da pressão das câmaras esquerdas (HP pós-capilar). Diferencia-se hemodinamica-

41

I Doenças dos Brônquios, dos Pulmões edas Pleuras

403

Tromboembolia pulmonar- Pacientes estávies na apresentação

Suspeita de TEP Quadro clínico, fatores de risco, gasometria, ECG, radiografia de tórax

Estimar probabilidade clínica pré-teste Escore de Wells para TEP

Sinais clínicos de TVP I

Ir

I

Eco-Doppler da região acometida

Escore Wells < 4

Escore Wells > 4

Dispneia Taquipneia Dor torácica

Com fatores de risco e/ou sem causa aparente

Instabilidade hemodinâmica • hipotenção • sinais de baixo débito cardíaco • hipoxemia

Protocolo de pacientes instáveis

"

I

Negativa

Positiva

Considerar

.-------------- ---------·

Dímero D*

I I I

I

TEV confirmada

Normal

I I I

Ir

Angio-TC multidetector

Elevado

TEP excluída

Heparinização plena (exceto contraindicações}

Negativa

Positiva

I

Escore Wells > 4

Ecografia venosa de membros inferiores (+ ecografia venosa de membros superiores se cateter central}

Escore Wells < 4

TEP confirmada

TEP excluída

I

~

~

Negativa

Positiva

Arteriografia pulmonar convencional

TEV confirmada

I

Negativa

Positiva

TEV confirmada

TEP excluída

Figura 41.22 Recomendações para o manejo da TEP propostas pela SBPT. *Dímero D realizado com técnica de alta sensibilidade. TEV = tromboembolia venosa; TEP = tromboembolia pulmonar; TVP =trombose venosa profunda; ECG =eletrocardiograma.

mente dos outros grupos pela presença de pressão de oclusão > 15 mmHg. .,. Grupo 3. Condições com HP associada a doenças pulmonares e/ ou hipoxia estão classificadas neste grupo. Os mecanismos de HP incluem vasoconstrição hipóxica, estresse mecânico da hiperinsuflação pulmonar, perda de capilares, inflamação e efeito tóxico da fumaça do cigarro. .,. Grupo 4. Refere-se a HP associada à tromboembolia crônica. O principal mecanismo deve-se a não resolução de embolias agudas prévias que posteriormente sofrem fibrose, levando a obstrução mecânica de artérias pulmonares. .,. Grupo 5. Estão incluídas diversas situações com causas multifatoriais para HP ou de mecanismo fisiopatológico ainda não esclarecido.

• Manifestações clínicas Os sintomas dos pacientes com HP são inespecíficos e dependem da presença ou não de condição associada à HP. Em geral, dispneia relacionada com os esforços é o sintoma mais precoce e mais frequente. É progressiva ao longo do tempo e pode associar-se a fadiga, pré-síncope e síncope, em decorrência do baixo débito cardíaco. Pode haver dor torácica decorrente da dilatação do tronco da artéria pulmonar com compressão coronariana e isquemia ventricular direita. Mais raramente os pacientes podem apresentar tosse seca, palpitações, hemoptise e rouquidão. É importante que uma classificação clínica fun cional seja realizada a cada consulta, tanto para previsão de prognóstico como para avaliar resposta a trata-

Parte 7

404 Tromboprofilaxia primária Atromboembolia pulmonar é uma importante causa de morte em pacientes internados. Todo paciente hospitalizado, clínico ou cirúrgico, deve ter orisco de desenvolver tromboembolia venosa avaliado sistematicamente, o que torna possível o emprego adequado de medidas profiláticas, sejam farmacológicas ou não farmacológicas. Entre as medidas não farmacológicas estão a deambulação precoce e acompressão pneumática intermitente de membros inferiores. Profilaxia farmacológica é feita, em geral, com heparina não fracionada ou heparina de baixo peso molecular. mentos instituídos. A classificação mais utilizada é a classificação da New York Heart Association, modificada para HP/ Organização Mundial da Saúde: • Classe I: pacientes com HP, mas sem limitações das atividades físicas. Atividades físicas habituais não causam dispneia ou fadiga excessiva, dor torácica ou pré-síncope • Classe li: pacientes com HP resultando em discreta limitação das atividades físicas. Confortável em repouso, mas atividades físicas habituais causam dispneia ou fadiga excessiva, dor torácica ou pré-síncope • Classe III: pacientes com HP e importante limitação das atividades físicas. Estes pacientes estão confortáveis em

Classificação drnica da hipertensão pulmonar (Dana Point, 2008). Grupo 1- Hipertensão arterial pulmonar (HAP) • ldiopática • Hereditária • Associada adrogas etoxinas • Associada a: o Doenças do tecido conjuntivo o Infecção pelo HIV o Hipertensão portal o Doença cardíaca congênita o Esquistossomose o Anemia hemolítica crônica • Hipertensão pulmonar persistente do recém-nascido 1' Doença venoclusiva pulmonar Grupo 2- Hipertensão pulmonar devido adoenças do coração esquerdo • Sistólica • Diastólica • Doença valvular Grupo 3- Hipertensão pulmonar devido adoenças pulmonares e/ou hipoxemia • Doença pulmonar obstrutiva crônica • Doenças pulmonares intersticiais • Outras doenças pulmonares com padrão restritivo eobstrutivo • Doenças respiratórias do sono • Hipoventilação alveolar • Exposição crônica agrandes altitudes • Anormalidades do desenvolvimento Grupo 4- Hipertensão pulmonar tromboembólica crônica Grupo 5- Hipertensão pulmonar com mecanismos multifatoriais ou não esclarecidos • Doenças hematológicas: esplenectomia, doenças mieloproliferativas • Doenças sistêmicas: sarcoidose, histiocitose de células de Langerhans, linfangioliomiomatose, neurofibromatose, vasculites • Distúrbios metabólicos: doença por depósito de glicogênio, doença de Gaucher, doenças da tireoide • Outras: obstrução tumoral, mediastinite fibrosante, insuficiência renal crônica em diálise

I Sistema Respiratório

repouso, mas esforços menores que as atividades habituais causam dispneia ou fadiga excessiva, dor torácica ou pré-síncope • Classe IV: pacientes com HP e incapacidade para realizar qualquer atividade física sem sintomas. Manifestam sinais de falência ventricular direita. Dispneia e fadiga podem estar presentes em repouso e o desconforto aumenta com qualquer esforço. Os dados obtidos ao exame físico variam com o estágio da doença, desde normal até a observação de sinais de insuficiência cardíaca direita. Em geral, o primeiro achado é hiperfonese da segunda bulha no foco pulmonar. Mais tardiamente, pode-se observar sopro de insuficiência tricúspide, sopro de insuficiência pulmonar, distensão jugular, hepatomegalia, edema periférico e ascite.

• Exames complementares A abordagem diagnóstica inclui a confirmação do diagnóstico de HP, a exclusão de causas associadas e avaliação da gravidade. .,.. Radiografia de tórax. Importante na avaliação inicial e muito útil na identificação de doenças cardiovasculares ou pulmonares associadas à HP. Além disso, em 90% dos casos a radiografia está alterada no momento do diagnóstico de HP, evidenciando dilatação de artérias pulmonares com perda da vascularização periférica pulmonar, abaulamento do arco médio e aumento de átrio direito. .,.. Eletrocardiograma. São achados sugestivos de HP: desvio do eixo para a direita, aparecimento de onda P pulmonale, sinais de hipertrofia de VD. Arritmias ventriculares são raras, mas arritmias supraventriculares podem ocorrer em estágios mais avançados da doença. .,.. Ecocardiograma. É o método não invasivo mais sensível para detecção de HP, além de ser importante para exclusão de causas cardíacas associadas. A pressão sistólica da artéria pulmonar, indiretamente medida pelo eoocardiograma, oorrelaciona-se positivamente com a pressão média da artéria pulmonar medida de forma invasiva. A estimativa da pressão sistólica da artéria pulmonar por meio do ecocardiograma é possível mediante a equação de Bernoulli modificada Assim, pode-se estimar o gradiente de pressão que direcionao fluxo sanguíneo através de um orifício. Gradiente de pressão = 4 X velocidade de regurgitação 2 Somando-se a este gradiente a pressão estimada do átrio direito, obtida pela observação da extensão do colapso da veia cava, obtém-se a estimativa da pressão sistólica da artéria pulmonar. Assim: PSAP = 4(VRT) 2 + PAD Em que: PSAP = pressão sistólica de artéria pulmonar; VRT =velocidade de regurgitação tricúspide; PAD = pressão estimada no átrio direito. Com base na estimativa da PSAP, o consenso da Sociedade Europeia de Cardiologia e da Sociedade Respiratória Europeia sugere a classificação da HP em improvável, possível e provável. Sugere ainda, pela subjetividade da estimativa da PAD, que seja informado no laudo do exame a medida da VRT (Quadro 41.13). O ecocardiograma possibilita ainda a avaliação de fatores prognósticos da doença e se há derrame pericárdico, sinais de

41

I Doenças dos Brônquios, dos Pulmões edas Pleuras

405

Critérios propostos para estimativa de HP com base no ecocardiograma pela Força Tarefa das Sociedades Europeias Respiratóriaede Cardiologia. Diagnóstico ecocardiográfico: HP improvável VRT < 2,8 m/s, PSAP < 36 mmHg; sem variáveisecocardiográficas sugestivasde HP* Diagnóstico ecocardiográfico: HP possível VRT < 2,8 m/s, PSAP < 36 mmHg mas na presença de variáveisecocardiográficas sugestivas de HP* VRT entre 2,9 m/s e3,4 m/s, PSAP entre36 e50 mmHg; com ou sem variáveis ecocardiográficas sugestivas de HP* Diagnóstico ecocardiográfico: HP provável VRT > 50 m/s, PSAP > 50 mmHg; com ou sem variáveis ecocardiográficas sugestivas deHP* "Aumento da veloddade dar~urgitação na válvula pulmonar, rurto tempo deaceleração de ejeção do VD, aumento de câmaras direitas, anormalidades da forma e função do septo, espessamento das paredes do ventrirulo direito, aumento de artérias pulmonares principais. VRT= velocidade de r~urgitação tricúspide; PSAP = pressão sistólica deartéfia pulmonar; HP= hipertensão pulmonar.

disfunção ventricular direita e excursão sistólica do anel tricúspide (TAPSE). .,. Cateterismo cardíaco direito. É o exame que possibilita a confirmação do diagnóstico de hipertensão pulmonar. É fundamental nos pacientes com suspeita de hipertensão arterial pulmonar para descartar a presença de disfunção de câmaras esquerdas e guiar a escolha terapêutica. Nos demais grupos da classificação (li, III, IV e V) a indicação do cateterismo cardíaco deve ser avaliada caso a caso. Vários outros exames serão necessários de acordo com a suspeita da causa da hipertensão pulmonar. Provas de função pulmonar como a espirometria, medida de volumes pulmonares e capacidade de difusão ao monóxido de carbono na suspeita de doenças pulmonares, como doença pulmonar obstrutiva crônica e fibrose pulmonar, polissonografia na suspeita de apneia do sono, angiotomografia de tórax ou cintigrafia de perfusão na suspeita de embolia crônica, provas reumatológicas, testes sorológicos virais, função tireoidiana, fun ção hepática, ultrassonografia de abdome superior e biopsia retal, conforme o caso (Figura 41.23).

Suspeita de hipertensão pulmonar

ECO transtorácico bidimensional dilatação de VD e aumento da PSAP

Sinais de doença cardíaca esquerda? Bidimensional -dilatação de VD e aumento da PSAP

Cardiopatia esquerda, valvar

Sinais de shunt intracardíaco

Cardiopatia congênita

Radiografia/tomografia de tórax espirometria

DPOC/D. intersticiais/ anormalidades da caixa torácica

Oximetria de pulso noturna/ polissonografia

Distúrbios do sono

Cintigrafia V/Q angiotomografia de tórax

Tromboembolismo pulmonar crônico

FAN, FR, ANCA

Lúpus, esclerodermia, doença reumatoide, vasculites

Condição associada a HP



HIV, sorologias para hepatite

AIDS, hepatite 8

Função hepática/PPF biopsia reta!

Hipertensão porto-pulmonar/ Esquistossomose

Hipertensão arterial pulmonar idiopática Figura 41.23 Recomendações para o manejo da hipertensão arterial (HP) pulmonar propostas pela SBPT. VD =ventrículo direito; PSAP =pressão sistólica de artéria pulmonar; DPOC =doença pulmonar obstrutiva crônica; V/Q = ventilação/ perfusão; FAN =fator anti nuclear; FR =fator reumatoide; ANCA= anticorpo antineutrófilo citoplasmático; PFP =provas de função pulmonar.

406

.,.. Insuficiência respiratória O processo respiratório compreende três mecanismos: ventilação, movimento de entrada e saída do ar e sua distribuição na árvore brônquica até o local onde ocorrem as trocas gasosas - os alvéolos; difusão, passagem de 0 2 e C02 através da membrana alveolocapilar; e perfusão, passagem do sangue venoso pelos capilares alveolares, onde ocorrem as trocas gasosas. Esses mecanismos dependem dos movimentos respiratórios, os quais, por sua vez, regulam a ventilação, fazendo com que os níveis de 0 2 e C02 no sangue sejam mantidos constantes, conforme as necessidades metabólicas. A ventilação pulmonar, por sua vez, depende de um complicado e harmônico conjunto de que participam o sistema nervoso central, a caixa torácica, os músculos respiratórios, as vias respiratórias e os próprios pulmões. O comprometimento de qualquer um desses componentes pode perturbar a ventilação. No início de uma doença respiratória, desenvolvem-se alterações funcionais que podem ser detectadas por testes de função pulmonar, quando as tensões dos gases arteriais ainda estão dentro dos níveis normais. Isto porque, nesta fase, os mecanismos de adaptação e compensação são suficientes para a manutenção das trocas gasosas. Entre esses mecanismos compensatórios, destacam-se o aumento do trabalho dos músculos respiratórios, responsável pelo aumento da ventilação alveolar, e os ajustes hemodinâmicos da pequena circulação (regulação do débito cardíaco, reflexo de vasoconstrição hipóxica de von Euler), que promovem a adequação entre a ventilação e a perfusão. Com a progressão da doença, são ultrapassados os limites da reserva funcional e o equih'brio se rompe, aparecendo, então, hipoxemia, com ou sem hipercapnia. Insuficiência respiratória surge quando o funcionamento dos diversos componentes da respiração não satisfaz as demandas metabólicas do organismo em termos de trocas gasosas. A definição prática de insuficiência respiratória é, portanto, de natureza gasométrica: hipoxemia (PaCh menor que 50 mmHg) com ou sem hipercapnia (Pac0 2 maior que 50 mmHg). Na grande maioria dos casos, a hipoxemia acompanha-se de Pac0 2 normal ou baixa, em decorrência da hiperventilação que se instala na tentativa de correção da hipoxemia. As principais causas de deficiência de aporte ou utilização de oxigênio em nível tecidual são: • Diminuição da concentração de 0 2 no ar do meio ambiente: grandes altitudes (rarefação atmosférica), regiões de intensa combustão ou ambientes confinados sem renovação de ar • Em nível pulmonar, três alterações podem estar implicadas como causa de hipoxemia: hipoventilação alveolar, distúrbio da relação ventilação-perfusão e defeito de difusão ou bloqueio alveolocapilar o Hipoventilação alveolar: renovação do ar alveolar em quantidade menor que a necessária para remover o C02 resulta em aumento do C02 no ar alveolar, com deslocamento do 0 2 e consequente diminuição da pressão alveolar de 0 2• Daí decorre a diminuição da quantidade do gás que passa para o sangue, levando à hipoxemia o Distúrbio da relação ventilação-perfusão: se não houver perfeita adequação entre ventilação e perfusão, ao nível de cada alvéolo, podem surgir distúrbios nas trocas

Parte 7

I Sistema Respiratório

gasosas. Se a perfusão for excessiva, ocorre shunt pulmonar (defeito fixo, irreversível) ou efeito shunt (alteração apenas funcional por defeito de regulação e reversível em certas circunstâncias) o Defeito de difusão ou bloqueio alveolocapilar: o equilíbrio entre o oxigênio alveolar e o sanguíneo é dificultado quando há espessamento da barreira alveolocapilar • Os principais distúrbios do transporte sanguíneo de 0 2 estão relacionados com as anemias intensas, hemoglobinopatias, estado de choque e insuficiência cardíaca • Na fase tecidual, etapa nobre do processo respiratório, tem lugar o catabolismo aeróbio. A falta de atividade física é a principal causa da insuficiência respiratória tecidual por reduzir o número e a qualidade das mitocôndrias. No que diz respeito à hipercapnia, sua principal causa é a hipoventilação alveolar, que pode ocorrer por distúrbio dos centros respiratórios ou por incapacidade dos músculos inspiratórios em manter nível de trabalho adequado para superar eventuais distúrbios das trocas gasosas. As causas de insuficiência respiratória são as doenças do aparelho respiratório, incluindo os centros nervosos, as vias de condução, os músculos, o arcabouço ósseo, as vias respiratórias, o interstício pulmonar e a perfusão. Na grande maioria dos casos, aparece primeiro hipoxemia, quase sempre devida à alteração da relação ventilação-perfusão (shunt ou efeito shunt). Na tentativa de corrigir o distúrbio gasométrico, aparece hiperventilação, que ocasiona aumento do trabalho dos músculos respiratórios. Se os músculos entrarem em fadiga, instala-se hipoventilação, que provoca acúmulo de C02 no sangue, agravando ainda mais a hipoxemia. Do ponto de vista fisiopatogênico, a insuficiência respiratória compreende dois grandes grupos: insuficiência ventilatória e insuficiência alveolocapilar. Insuficiência ventilatória é a incapacidade dos pulmões de movimentar adequadamente o ar do meio ambiente para os alvéolos. Insuficiência alveolocapilar é a incapacidade dos pulmões de assegurar adequada mobilização gasosa entre os alvéolos e o fluxo sanguíneo capilar.

• Insuficiência ventilatória A insuficiência ventilatória pode ocorrer por três mecanismos: (1) funcionamento inadequado dos centros nervosos e do aparelho muscular; (2) obstrução das vias respiratórias; (3) impossibilidade de o parênquima pulmonar se distender. O funcionamento inadequado dos centros nervosos e do aparelho muscular que comandam a ventilação resulta em insuficiência ventilatória neuromuscular. As causas mais importantes são: (1) depressão dos centros respiratórios, anestesia geral, doses excessivas de morfina ou barbitúricos, hipertensão intracraniana, traumatismo cerebral, anoxia ou isquemia cerebral prolongada, alta concentração de C02, eletrocussão; (2) interferência na condução dos estímulos nervosos dos centros respiratórios até as placas neuromusculares (lesões traumáticas da medula, poliomielite, neuropatia periférica); (3) bloqueio do estímulo nervoso no nível da placa neuromuscular (intoxicação pelo curare, miastenia gravis, botulismo, intoxicação nicotínica); (4) doença dos músculos respiratórios (dermatomiosite). A obstrução das vias respiratórias ocasiona insuficiência ventilatória obstrutiva Aqui estão incluídos os processos obstrutivos intrabrônquicos (acúmulo de secreções e corpos

41

I Doenças dos Brônquios, dos Pulmões edas Pleuras

estranhos) e endobrônquicos (compressão intrínseca por neoplasias, aneurisma). A impossibilidade de o parênquima pulmonar se distender, mesmo quando eficientemente acionado pelo comando neuromuscular, caracteriza a insuficiência ventilatória restritiva. Suas causas mais importantes são: (1) limitação dos movimentos do tórax (artrite, esclerodermia, obesidade, elevação do diafragma por tumor abdominal, ascite ou meteorismo), (2) enrijecimento do parênquima pulmonar por fibrose, congestão pulmonar da insuficiência ventricular esquerda, estenose mitral e pneumonia.

• Insuficiência alveolocapilar Incompetência dos pulmões para assegurar adequadas trocas gasosas pode depender de dois mecanismos: proporção inadequada entre a ventilação e a perfusão e redução da permeabilidade das estruturas participantes das trocas gasosas. .,. Proporção inadequada entre ventilação alveolar e perfusão (distúrbio V/Q). Várias doenças brônquicas ou pulmonares podem provo-

car esta inadequação com diminuição da ventilação regional (shunt ou efeito shunt). Deve-se destacar que essas alterações ocorrem irregularmente no pulmão, o que, aliás, é uma de suas características mais importantes. O que pode ocorrer também é a quantidade de ar que chega aos alvéolos não ser suficiente para depurar o sangue de C02, a fim de saturá-lo de oxigênio. Isso denomina-se insuficiência alveolocapilar distributiva. As variações regionais da perfusão, na maioria dos casos, são devidas à embolia ou trombose de ramos da artéria pulmonar por coágulos sanguíneos, gordura, gás, parasitos, êmbolos metastáticos, obstrução parcial ou completa de uma artéria pulmonar ou de um de seus ramos por lesões aterosderóticas, endarterite, colagenose ou embolias; compressão ou angulação de vasos pulmonares por neoplasias, derrames pleurais ou pneumotórax; redução do leito vascular por destruição do parênquima (enfisema) ou por obliteração fibrótica; congestão Considerações práticas Diante de um padente pneumopata, que apresenta insuficiência respiratória, baseando-se na gasometria arterial, convém considerar duas condições: (1) hipoxemia com hipercapnia; (2) hipoxemia com normocapnia ou hipocap• nra.

.,. Hipoxemia com hipercapnia. Hipercapnia com pulmões normais significa ventilação alveolar insuficiente, como se verifica nos pacientes com distúrbios que interferem com o mecanismo do "fole" pulmonar, tais como afecções cerebromedulares graves, doenças do sistema muscular, da parede torácica ou das vias respiratórias superiores. Se houver uma afecção pulmonar assodada, a ventilação minuto pode estar diminuída, normal ou até aumentada. Contudo, aventilação alveolar estará sempre diminuída para as necessidades daquela situação, produzindo, então, hipercapnia. Hipercapnia significa que os músculos inspiratórios não são capazes de manter onível de ventilação alveolar necessário - eisto ocorre geralmente por fadiga muscular, após um período em que há aumento do trabalho respiratório• .,. Hipoxemia sem hipercapnia. Em pulmões normais, esta situação ocorre mais comumente nos grandes shunts direita-esquerda e nas grandes altitudes, onde a pressão parcial de oxigênio é baixa. Havendo doença pulmonar com hipoxemia ou Pco2 baixa, várias afecções podem estar implicadas, tanto obstrutivas como restritivas. Entre as obstrutivas, citam-se bronquite, asma eenfisema. Entre as restritivas, insuficiência cardíaca congestiva, fibrose pulmonar, pneumonias, tromboembolismo esíndrome da angústia respiratória do adulto (SARA).

407 regional por descompensação cardíaca; colapso de vasos pulmonares por grande redução do volume sanguíneo circulante (choque), fístulas arteriovenosas. .,. Redução da permeabilidade. A redução das estruturas que separam o lúmen alveolar do lúmen capilar determina insuficiência alveolocapilar disfuncional. Aqui estão incluídos os vários quadros clínicos conhecidos como síndrome do bloqueio alveolocapilar (transudatos, membrana hialina), espessamento das estruturas anatômicas que compõem a barreira alveolocapilar normal (carcinoma de células alveolares, edema intersticial, fibrose). Todas essas alterações também causam distúrbio da relação ventilação-perfusão, no sentido de formação de efeito shunt. Resumindo, a insuficiência respiratória pode ser: • Ventilatória (disfunção apenas ventilatória) o neuromuscular o restritiva o obstrutiva • Alveolocapilar (disfunção ventilatória ou perfusional difusional) o distributiva o difusional.

• Tipos clínicos de insuficiência respiratória A insuficiência respiratória pode ser aguda, crônica e crônica agudizada. .,. Insuficiênciarespiratóriaaguda. Geralmente é devida a traumatismos cranioencefálicos, depressão medicamentosa dos centros respiratórios, SARA ou doença de outra natureza e de curso superagudo. Os efeitos nocivos são dependentes da hipoxemia. Pode ocorrer óbito em um período de 4 min se houver parada respiratória ou obstrução completa das vias respirató. nas. .,. Insuficiência respiratória crônica. As afecções brônquicas, parenquimatosas ou intersticiais crônicas permanecem por período mais ou menos prolongado, com os gases arteriais dentro dos parâmetros normais. Em uma etapa seguinte, os gases se alteram durante o exercício. Insuficiência respiratória durante o repouso só se instala em fase mais avançada, geralmente com hipoxemia, mas sem hipercapnia. Em período ainda mais tardio, aparece hipoventilação alveolar com hipercapnia e hipoxemia mais grave. Nas doenças obstrutivas, é mais ou menos comum a ocorrência de níveis altos da Pac0 2 durante muitos anos antes do êxito letal. Nas fibroses pulmonares, ao contrário, o aparecimento de hipercapnia ocorre na fase final. .,. Insuficiência respiratória crônica agudizada. Se as condições ventilatórias ou de trocas gasosas piorarem subitamente, ocorre agudização da insuficiência respiratória crônica. O fator agravante costuma ser por infecções broncopulmonares, depressão medicamentosa dos centros respiratórios, traumatismo torácico, descompensação cardíaca, intervenções cirúrgicas e embolia pulmonar.

• Manifestações clínicas A insuficiência pulmonar inicial só é detectável pelas provas de função pulmonar - é a fase latente da insuficiência. Desde que o processo evolua, ocorrem as manifestações clínicas, destacando-se a dispneia, seu principal sintoma, que traduz o maior trabalho ventilatório exigido para que a hematose seja mantida. É a fase compensada da insuficiência pulmonar. Em uma terceira etapa, com o agravamento do quadro, observa-se, além da dispneia, hipoxemia, com ou sem hiper-

Parte 7

408 capnia, traduzindo falência da hematose, apesar do aumento do trabalho ventilatório. É a fase descompensada da insuficiênda pulmonar (Quadro 41.14). Além das repercussões próprias de cada doença, dominam o quadro clínico as consequências da hipoxemia e da hipercapnia (Quadro 41.15). ... Consequências da hipoxemia. A hipoxemia ocorre de forma mais constante nas doenças crônicas. Nos casos de instalação aguda, no início, há tendência para aparecer hipertensão arterial, taquicardia e aumento do débito cardíaco. Após algum tempo, variável conforme o caso, aparecem hipotensão, bradicardia e queda do débito cardíaco, por depressão dos centros nervosos. Essas alterações não costumam ser encontradas na hipoxemia crônica. Nos casos crônicos, a hipoxemia causa hiperglobulia, aumento da viscosidade sanguínea e baqueteamento dos dedos. Também é nítida a incoordenação muscular. A cianose está intimamente ligada ao grau de hipoxemia, à taxa de hemoglobina, à função cardíaca e à circulação periférica. A vasoconstrição pulmonar é um dos efeitos mais importantes da hipoxemia, tendo como consequência a hipertensão pulmonar (reversível, no início) e o cor pulmonale. Lesões neurológicas e cardíacas ocorrem em casos de hipoxemia pronunciada - abaixo de 30 mmHg. Entre as primeiras, citam-se confusão mental, excitação, delírio e coma. Entre as cardíacas, incluem-se lesão miocárdica e arritmias. ... Consequências da hipercapnia. Há nítido efeito hipercrínico, caracterizado por sudorese fria e viscosa, hipersalivação e hipersecreção gástrica. Ocorrem vasodilatação cerebral e vasoconstrição renal. Da vasodilatação cerebral decorrem edema cerebral com edema de papila, aumento da pressão liquórica, confusão mental, depressão, cefaleia, desorientação e coma. Quadro41.14

Quadro41.15

I Sistema Respiratório

Sinais esintomas da hipoxemia eda hipercapnia.

Hipoxemia* • Confusão mental • Grande inquietação • Agressividade • Taquicardia • Hipertensão arterial • Vasoconstrição periférica • Cianose (fase final) • Bradicardia (fase final) Hipercapnia** • Sonolência • Desorientação progressiva • Cefaleia (encefalopatia) • Asteríxis • Vermelhidão cutânea • Heperemia das mucosas • Aumento da sudorese • Edema da papila • Taquicardia e hipertensão moderada • lngurgitamento das veias da retina *Lembra padente comintoxic 130 ms). A eletrocardiografia dinâmica (Holter) muitas vezes é útil na identificação de arritmias (p. ex., fibrilação atrial, taquicardia ventricular).

• Radiografia do tórax Deve incluir o tamanho do coração e as condições do parênquima pulmonar; o aumento da silhueta cardíaca implica insuficiência VE ou biventricular. Pacientes com disfunção sistólica grave podem apresentar radiografia de tórax normal se a disfunção estiver compensada; silhueta cardíaca de tamanho normal não exclui disfunção sistólica ou diastólica. As anormalidades dos campos pulmonares podem variar desde um ingurgitamento suave dos vasos peri-hilares até der-

522

Parte 8

I Sistema Cardiovascular

Figura 52.2 Insuficiência cardíaca (paciente monitorado, acompanhando os eletrodos). A. A radiografia do tórax evidencia cardiomegalia, congestão pulmonar e derrame pleural à direita. B. Após o tratamento, observam-se normalização da área cardíaca, desaparecimento da congestão pulmonar e do derrame pleural.

rames pleurais bilaterais, linhas B de Kerley e edema pulmonar franco (Figura 52.2).

Ecocardiograma É útil na avaliação da estrutura e função cardíacas e para

a identificação de possíveis causas estruturais da insuficiência cardíaca. Embora o conceito de fração de ejeção seja bem aceito como indicador de disfunção de bomba, anormalidades estruturais, como os graus de hipertrofia e dilatação cardíacas, estão relacionadas mais intimamente com a fisiopatologia e o prognóstico. As medidas rotineiras do tamanho, da estrutura e das funções sistólica e diastólica do coração devem fazer parte deste exame, fornecendo informações importantes para o diagnóstico, prognóstico e conduta médica.

~

Defeitos orovalvares adquiridos

Os aparelhos valvares do coração podem sofrer alterações em suas diferentes estruturas que resultam em estenose ou insuficiência, sendo comum a associação de ambas as condições.

• Insuficiência aórtica Insuficiência aórtica é a incapacidade de fechamento das sigmoides aórticas, tomando possível o refluxo de certa quantidade de sangue para o ventrículo esquerdo durante a diástole. As principais causas são: moléstia reumática, lues, aterosclerose, endocardite infecciosa e doença primária das valvas semilunares. A origem congênita é rara. O grau de insuficiência varia dentro de amplos limites, sendo a repercussão hemodinâmica e as manifestações clínicas diretamente proporcionais ao volume de sangue refluído. Quando é pequeno, não há alteração da função ventricular e o paciente tem condições de vida praticamente normal. Em contrapartida, na insuficiência aórtica grave, a falência ventricular esquerda pode sobrevir no espaço de poucos anos. Além da dispneia e dos outros sintomas indicativos de insuficiência ventricular esquerda, pode ocorrer o quadro de angina de peito, devido ao "roubo" do fluxo coronariano -

efeito Venturi - provocado pela rápida passagem do sangue da aorta para o ventrículo esquerdo durante a diástole. Em geral, a insuficiência aórtica apresenta abundantes dados ao exame físico, classicamente subdivididos em sinais periféricos e sinais no nível do coração. No coração, destacam-se as características do ictus cordis - deslocado para baixo e para a esquerda, tipo musculoso e amplo - indicativo da dilatação e da hipertrofia do ventrículo esquerdo, e o sopro diastólico, aspirativo, em decréscimo, audível no foco aórtico ou foco aórtico acessório com irradiação para a ponta do coração. Nos casos graves, ausculta-se também um sopro sistólico, de ejeção, causado pelo hiperfluxo de sangue pela valva aórtica. Os sinais periféricos são decorrentes da grande pressão diferencial, tanto por aumento da pressão sistólica, devido ao maior volume de sangue ejetado, como por diminuição da pressão diastólica, decorrente da própria lesão da valva, registrando-se então valores em tomo de 160/60, 150/40 e 140/ zero. Daí surgem o pulso radial amplo e célere, as pulsações visíveis das carótidas (dança arterial), a ocorrência de pulso digital e pulso capilar e as oscilações da cabeça acompanhando os batimentos cardíacos (sinal de Musset), pulsação na base da língua (sinal de Minervini) e duplo sopro auscultado à compressão da artéria femoral (sinal de Duroziez) (Figura 52.3). O eletrocardiograma evidencia sobrecarga diastólica do ventrículo esquerdo, com ondas R altas e T pontiagudas nas precordiais esquerdas. Na radiografia simples do tórax, observa-se aumento da área cardíaca, a expensas de crescimento do ventrículo esquerdo e do átrio esquerdo. A aorta pode estar alongada, com botão aórtico proeminente. A ecodopplercardiografia possibilita definir aspectos anatômicos relativos à etiopatogenia da lesão. Estes dados, associados ao tamanho da cavidade ventricular esquerda e à função ventricular, ajudam a quantificar o grau da repercussão hemodinâmica da insuficiência aórtica de maneira não invasiva. Com relação aos aspectos etiopatogênicos, o eco-Doppler pode identificar o caráter transvalvar propriamente dito (reumático, endocardite) ou extravalvar (dissecção aórtica, ruptura do seio de Valsalva) e da insuficiência, de difícil definição clínica. Em pacientes assintomáticos com insuficiência aórtica, a utilização da ecodopplercardiografia de esforço para análise da

52 I Doenças do Coração eda Aorta

523

-C>

0

C>

~-+- Pulsações carotídeas

amplas (dança arterial)

Pressão diferencial aumentada

Pulso capilar amplo

- -ft:l)

-

-vtA.J

\...'

'_)

Figura 52.3 Sinais periféricos de insuficiência aórtica.

função ventricular esquerda torna possível a identificação de diferentes grupos de pacientes pelo grau da reserva cardíaca. Esta avaliação é importante na escolha do momento ideal para encaminhar o paciente ao tratamento cirúrgico. Atualmente, com a utilização da ecocardiografia transesofágica, uma importante causa da insuficiência aórtica tem sido prontamente reconhecida: a dissecção aórtica aguda.

• Estenose aórtica A estenose aórtica consiste na redução do orifício da valva aórtica e em alterações da via de saída do ventrículo esquerdo por malformação congênita, moléstia reumática ou degeneração senil com deposição de cálcio. A malformação congênita é representada por uma valva bicúspide que vai se tornando espessa, fibrótica e calcificada, com redução da mobilidade dos seus folhetos e diminuição da área orificial. Na moléstia reumática, o processo inflamatório determina espessamento dos folhetos da valva e fusão das comissuras, impedindo sua abertura normal. A degeneração senil com deposição de cálcio, mais frequente em pacientes acima de 60 anos, acompanha-se de alterações degenerativas e deposição de cálcio nos folhetos vaivares. Quando a etiologia é reumática, valva mitral costuma ser comprometida; aliás, estenose aórtica isolada em pacientes jovens quase sempre não é de origem reumática, mas congênita.

As manifestações clínicas da estenose aórtica dependem basicamente da hipertrofia ventricular esquerda, que é o mecanismo de que dispõe o coração para vencer a obstrução e manter um débito cardíaco adequado. Entretanto, esta hipertrofia somente é benéfica até certo limite, acima do qual ocorre hipoxemia da musculatura ventricular por não haver desenvolvimento proporcional da circulação coronária. A hipoxemia crônica provoca degeneração progressiva das miofibrilas, responsável pela falência funcional do ventrículo esquerdo. Além das manifestações de insuficiência ventricular esquerda, são frequentes os sintomas de insuficiência coronariana, tipo angina de peito, e fenômenos sincopais após esforço, os quais são explicados pela vasodilatação periférica que "rouba" sangue da circulação cerebral, pelo fato de o débito cardíaco estar impossibilitado de aumentar durante o esforço físico. Deve ser salientado que a ocorrência de angina de peito e síncope indica que a estenose é grave. Ao exame físico, encontra-se um pulso radial de pequena amplitude ou anacrótico, quando a estenose é de grau moderado a intenso; ictus cordis intenso, pouco deslocado para baixo e para a esquerda, a indicar a hipertrofia ventricular esquerda; frêmito sistólico; sopro sistólico de ejeção, rude, localizado no foco aórtico com irradiação para cima, em direção à face lateral direita do pescoço. Na estenose aórtica leve, pode ser ouvido um clique sistólico que antecede o sopro. Na estenose aórtica grave ocorre desdobramento invertido da 2a bulha cardíaca. O eletrocardiograma registra sobrecarga ventricular esquerda com onda T negativa em precordiais esquerdas nos casos de estenose grave. No exame radiológico do tórax não se observa, como na insuficiência aórtica, aumento do ventrículo esquerdo, a não ser nos pacientes que já apresentam falência ventricular esquerda. A ecodopplercardiografia define a localização da estenose aórtica: valvar, subvalvar ou supravalvar. Na estenose aórtica valvar, o número de cúspides pode ser facilmente definido. Fatores etiopatogênicos, assim como o grau de espessamento e calcificação, são reconhecidos e quantificados. A ecodopplercardiografia possibilita ainda o cálculo do gradiente, da área valvar, do grau de hipertrofia ventricular e da função ventricular esquerda. Estes dados, juntamente com a clínica do paciente, tornam possível uma avaliação segura do estadiamente da estenose aórtica, evitando, na maioria dos casos, o estudo hemodinâmico invasivo.

• Insuficiência mitral A insuficiência mitral consiste no fechamento incompleto da valva mitral com refluxo de sangue para o átrio esquerdo durante a sístole ventricular. As principais causas são: moléstia reumática, prolapso valvar mitral e infarto agudo do miocárdio. As cardiomiopatias e a miocardiosclerose, com grande dilatação da cavidade ventricular esquerda, também são capazes de determinar insuficiência mitral. A história natural deste defeito valvar, bem como sua sintomatologia, depende basicamente do modo de sua instalação, que difere conforme a etiologia. No infarto agudo do miocárdio e na endocardite infecdosa, quando há insuficiência mitral, esta decorre de disfunção ou ruptura de músculo papilar, possibilitando a regurgitação de

Parte 8 I Sistema Cardiovascular

524 sangue para um átrio de tamanho normal, sem tempo nem capacidade para adaptar-se ao maior volume sanguíneo que passa a receber. Em tais condições, há aumento da pressão intra-atrial, a qual se transmite imediatamente à rede capilar pulmonar, causando congestão pulmonar com edema intersticial ou transudação de líquido para os alvéolos, exteriorizada por dispneia intensa ou, nos casos mais graves, pelo quadro de edema pulmonar agudo. Ao exame físico do coração, constatam-se ventrículo esquerdo hipercinético, sem sinais de dilatação - ictus cordis não deslocado, mas de intensidade maior -, sopro sistólico de regurgitação no foco mitral com irradiação para a axila e uma 4Jl bulha originada pela contração vigorosa do átrio esquerdo. A insuficiência mitral de etiologia reumática é uma lesão de instalação gradativa e evolução crônica, pois o processo inflamatório evolui vagarosamente, ao longo de meses, o que possibilita ao átrio esquerdo ir se dilatando progressivamente. Nestas condições, há pequena elevação da pressão intra-atrial e, em consequência, a pressão venocapilar pulmonar pouco se altera. Os sinais de congestão pulmonar, principalmente a dispneia, só aparecem muitos anos depois. Na inspeção e na palpação do precórdio, encontram-se um ictus cordis com características de dilatação do ventrículo esquerdo e um frêmito sistólico no foco mitral. À ausculta, percebe-se uma 3a bulha cardíaca, sopro sistólico de regurgitação, localizado no foco mitral, com irradiação para a axila e que mascara a P bulha cardíaca. É possível ouvir um sopro diastólico, curto, de enchimento ventricular; em boa parte dos pacientes, o ritmo é irregular pela ocorrência de fibrilação atrial. A insuficiência mitral reumática com frequência está associada à estenose mitral, pois as lesões inflamatórias e suas sequelas - espessamento e fusão das bordas das cúspides e encurtamento das cordoalhas - dificultam a abertura e o fechamento das valvas. Quando a estenose mitral é importante, além da dilatação do átrio esquerdo, há aumento de pressão nesta cavidade, a qual se transmite para a circulação pulmonar, causando hipertensão pulmonar de intensidade variável. Nestes casos, podem predominar as manifestações clínicas da estenose mitral. Na insuficiência mitral que ocorre nas cardiomiopatias com grande aumento do coração, não há lesões do aparelho valvar, mas sim dilatação do anel da valva mitral acompanhando a dilatação da cavidade ventricular esquerda. A quantidade de sangue regurgitado é relativamente pequena, não havendo, portanto, grande dilatação do átrio esquerdo nem significativo aumento da pressão em seu interior, embora o sopro tenha as mesmas características descritas na insuficiência mitral reumática e no infarto agudo do miocárdio. Os sintomas e os sinais dependem da cardiomiopatia ou da miocardiosclerose. O eletrocardiograma evidencia sobrecarga ventricular e atrial esquerda, se houver também estenose mitral. Na radiografia simples do tórax, encontram-se crescimento destas cavidades e sinais de congestão pulmonar nos casos que apresentam hipertensão venocapilar. A ecodopplercardiografia possibilita identificar a causa da insuficiência mitral (reumática, prolapso de valva mitral, ruptura de corda tendínea, isquemia de músculo papilar). Em situações de urgência, com insuficiência mitral aguda, causadora de edema agudo dos pulmões, o eco-Doppler pode ser realizado à beira do leito do paciente. Nestas situações, o exame hemodinâmico não somente é dispensável como também é contraindicado, por agravar ainda mais o estado do

paciente. A utilização do eco-Doppler possibilita quantificar o grau de insuficiência mitral. A ecocardiografia transesofágica representa grande avanço na investigação da causa e da repercussão hemodinâmica da insuficiência mitral por tornar possível melhor visualização da valva mitral e de seu aparelho de sustentação.

• Estenose mitral A estenose mitral consiste no estreitamento do orifício atrioventricular esquerdo devido a espessamento e fibrose das cúspides valvares com fusão das suas comissuras (Figura 52.4). A causa principal é a moléstia reumática. Outras causas, porém muito raras, incluem síndrome carcinoide, artrite reumatoide, lúpus eritematoso. Uma das características da estenose mitral é sua lenta progressão, transcorrendo cerca de 1O anos após a agressão reumática para que haja redução de 50% da área do orifício atrioventricular, cujo valor normal é em torno de 5 cm2• Tomando-se por base a área do orifício atrioventricular, a estenose mitral pode ser classificada em leve, moderada e grave. Na estenose mitral leve, com área maior que 2,5 cm2, o paciente permanece assintomático, mesmo executando esforços físicos. A única alteração hemodinâmica é um moderado aumento da pressão no átrio esquerdo, que, por si só, é capaz de manter o volume-minuto dentro dos limites normais. Nestes casos, os achados semióticos são hiperfonese da 1a bulha cardíaca no foco mitral e sopro diastólico, restrito à parte pré-sistólica da diástole, que corresponde ao aumento do fluxo sanguíneo pela contração atrial. A rigidez dos folhetos da valva propicia o aparecimento do estalido de abertura mitral. Na estenose mitral moderada, a área orificial está reduzida a aproximadamente 1,5 cm2, aparecendo, então, dispneia e palpitações após esforços, que traduzem a congestão na circulação pulmonar. Nesta fase, o gradiente de pressão entre o átrio e o ventrículo esquerdo determina o aparecimento de um conjunto de fenômenos estetoacústicos que são típicos da estenose mitral: 1ª bulha cardíaca hiperfonética no foco mitral, estalido de abertura mitral, sopro diastólico com características de ruflar, com reforço pré-sistólico, e 2ª bulha cardíaca hiperfonética no foco pulmonar. Quando a área valvar for menor que 1 cm2, a estenose mitral é grave, com intensificação da dispneia, que pode ocorrer aos mínimos esforços e na posição deitada, dispneia paroxística noturna, tosse seca e hemoptise. À ausculta, constata-se que o estalido de abertura torna-se mais precoce e o sopro diastólico, mais duradouro. A pressão elevada no átrio esquerdo transmite-se pelas veias pulmonares aos capilares dos pulmões com 2 consequências: a primeira, responsável pela sintomatologia de congestão pulmonar, é o edema intersticial e a transudação de líquido para o interior dos alvéolos; a segunda é a hipertensão pulmonar, responsável pela hipertrofia do ventrículo direito, que pode ser avaliada clinicamente pela intensidade do componente pulmonar da 2ª bulha cardíaca. Aproximadamente 30% dos pacientes apresentam manifestação reativa de hipertensão pulmonar, desencadeada pela própria congestão venocapilar. Chama-se reativa porque há constrição ativa dos vasos pulmonares. Nestes casos, os sinais de hipertensão pulmonar preponderam sobre os demais, com

52

I Doenças doCoração eda Aorta

525 •



Figura 52.4 Estenose mitral. A. Radiografia do tórax em PA e perfil mostrando uma silhueta tipo mitral com arco médio abaulado, pela dilatação da artéria pulmonar e da auriculeta esquerda, e crescimento ventricular direito. No perfil, chama a atenção a compressão do esôfago pela dilatação do átrio esquerdo (setas}. B. Orifício mitral estreitado em decorrência de moléstia reumática. C. Ecocardiograma bidimensional demonstrando comprometimento reumático típico da valva mitral (VM} com espessamento de ambas as cúspides e redução da abertura valvar (estenose}. Observe a abertura em domo, típica da cúspide anterior (seta} e aumento acentuado do átrio esquerdo (AE}. VE =ventrículo esquerdo; AO= átrio direito; VD =ventrículo direito; AO= aorta.

desaparecimento quase total dos sinais originados na própria valva estenosada. Os principais dados semióticos são: Na ectoscopia, pode-se encontrar cianose nas mãos e no rosto. A inspeção do tórax, quando há hipertensão pulmonar grave, pode ocorrer abaulamento paraesternal esquerdo. Na palpação, o ictus cordis é impalpável ou de pequena intensidade, a indicar que o ventrículo esquerdo está normal, podendo-se observar, em alguns pacientes, uma retração sistólica apical, levantamento em massa do precórdio e pulsação epigástrica, sinais indicativos de hipertrofia ventricular direita. A 1a bulha, no foco mitral, e a 2a bulha, no foco pulmonar, são palpáveis. Percebe-se, também, um frêmito diastólico no foco mitral. A ausculta, encontram-se hiperfonese da 1ª bulha no foco mitral e da 2a bulha no foco pulmonar, estalido de abertura mitral e sopro (ruflar) diastólico com reforço pré-sistólico na área mitral. Este sopro é mais audível com o paciente em decúbito lateral esquerdo e após um pequeno exercício que aumente a frequência cardíaca. Ao eletrocardiograma, observa-se sobrecarga atrial esquerda e, quando há hipertensão pulmonar, também sobrecarga ventricular direita. A radiografia simples do tórax demonstra aumento do átrio esquerdo, dilatação da artéria pulmonar e crescimento do ven-

trículo direito se houver hipertensão pulmonar. A congestão pulmonar é denunciada pelos sinais de edema intersticial. Na estenose mitral, a ecodopplercardiografia pode visualizar tromba intra-atrial, grau de flexibilidade valvar e calcificação das cúspides, anel e estruturas subvalvares. A utilização do recurso Doppler possibilita medir a área valvar, o gradiente diastólico transvalvar mitral e a pressão sistólica do ventrículo direito e da artéria pulmonar. Mais recentemente, a ecodopplercardiografia transesofágica ampliou o espectro da ecocardiografia por tornar possível a obtenção de imagens de alta resolução da valva mitral, aparelho subvalvar e átrio esquerdo, auxiliando na avaliação hemodinâmica precisa quando o ecocardiograma transtorácico mostra dados inconclusivos. Estes fatos tornam o estudo hemodinãmico invasivo indicado apenas nos casos nos quais é imprescindível conhecer a anatomia coronariana.

• Insuficiência tricúspide A insuficiência tricúspide, analogamente à insuficiência mitral, decorre do incompleto fechamento da valva tricúspide, com regurgitação de sangue para o átrio direito, durante a sístole ventricular. Pode ser orgânica, quando, então, está invariavelmente associada à estenose tricúspide, ou funcional, o que é mais frequente, em consequência de insuficiência ventricular direita

Parte 8

526 em virtude da hipertensão pulmonar. A dilatação do anel tricúspide pode ser secundária a infarto do ventrículo direito, por coaptação incompleta dos folhetos. Os sinais físicos são ventrículo direito hipertrofiado e sopro holossistólico de alta frequência, audível na área tricúspide, que aumenta com a inspiração profunda (manobra de Rivero-Carvallo). Se a insuficiência for grave, pode ocorrer pulsação hepática sistólica. Os dados semióticos que caracterizam a insuficiência tricúspide funcional são: (1) o sopro holossistólico diminui ou desaparece após a compensação do paciente (2) há evidência clara de hipertensão pulmonar (3) os sintomas de insuficiência cardíaca aparecem tardiamente na evolução de um paciente com estenose mitral. A radiografia do tórax apresenta evidências de aumento do átrio direito associado à dilatação do ventrículo direito. Ao eletrocardiograma, encontram-se sinais de sobrecarga atrial e ventricular direitas. Fibrilação atrial ocorre frequentemente.

.... Pro lapso da valva mitral A síndrome do prolapso da valva mitral caracteriza-se pela protrusão de uma ou ambas as cúspides valvares para dentro do átrio esquerdo durante a sístole ventricular (Figura 52.5). Alteração mixomatosa das valvas seria a causa mais comum, mas, em muitos casos, o exame histológico nada revela de anormal. O prolapso da valva mitral vem sendo considerado o tipo mais comum de disfunção mitral em adultos jovens, principalmente mulheres. A sintomatologia é muito variável, predominando o aparecimento de arritmias e dor precordial sem as características da dor de isquemia miocárdica. O dado mais importante para o reconhecimento do prolapso da valva mitral é a ocorrência de um clique mesossistólico na área mitral, podendo estar acompanhado ou não de um sopro mesotelessistólico. O clique do prolapso da valva mitral deve ser diferenciado dos estalidos protossistólicos que aparecem em crianças com cardiopatias congênitas associadas à dilatação do tronco da artéria pulmonar e da aorta.

I Sistema Cardiovascular

O diagnóstico é feito pelo ecocardiograma, que mostra a protrusão da(s) cúspide(s) formando uma concavidade superior (Figura 52.5 C). O prolapso da valva mitral (PVM) é um dos diagnósticos ecocardiográficos mais frequentes. Contudo, está bastante sujeito a erros de interpretação. O clínico, diante de caso admitido com o PVM, necessita caracterizá-lo como primário ou secundário, com insuficiência mitral ou não e com redundância valvar associada à ruptura de cordoalha tendínea. Estes fatores são importantes para se decidir sobre a profilaxia da endocardite infecciosa.

.... Cardiopatias congênitas As cardiopatias congênitas consistem em defeitos estruturais presentes desde o nascimento. As causas são várias infecções, uso de medicamentos, agentes físicos ou químicos -, mas, na maioria dos casos, não se consegue estabelecer uma firme correlação entre o defeito congênito e sua possível causa. Há cerca de 40 tipos de defeitos anatômicos, porém mais de 90% dos pacientes apresentam uma das seguintes anomalias: comunicação interatrial, comunicação interventricular, persistência do canal arterial, estenose pulmonar e tetralogia de Fallot.

• Comunicação interatrial A comunicação interatrial (CIA) é o segundo defeito cardíaco congênito mais frequente. Pode ter diferentes formatos anatômicas, sendo mais comum o tipo ostium secundum, que é representado por um orifício localizado na fossa oval (Figura 52.6). A característica hemodinâmica principal é o hiperfluxo pulmonar devido ao desvio de sangue do átrio esquerdo para o direito, por meio da comunicação entre estas cavidades. Os portadores de CIA só apresentam sintomas na vida adulta, em geral na terceira década, exceto quando a comunicação é muito ampla, a qual determina um grande desvio de sangue. Nestas condições, a criança apresenta dispneia de esforço e, com bastante frequência, bronquites de repetição. À inspeção e à palpação do precórdio, observa-se batimento ventricular direito hipercinético.

VE

AE VE A

Figura 52.5 Prolapso da valva mitral. A. Representação esquemática do prolapso da valva mitral com e sem insuficiência mitral. 8. Ventriculografia mostrando o prolapso com insuficiência mitral. C. Ecocardiograma trasesofágico demonstrando prolapso da valva mitral de ambas as cúspides, sendo mais acentuado na cúspide posterior (CP). AE =átrio esquerdo; VE =ventrículo esquerdo; AD =átrio direito; VD =ventrículo direito; CA = cúspide anterior.

52

I Doenças doCoração eda Aorta

527

J\JV CIA

AO

A

t·:; oc ~ ~~ ~ . .. .. . ...' I ., .. IJ . . . . . . . .. ..... . .. .... ... ..... ' . ' ..

-

~~

.



.

v

:

.

'

.'

2 :;o·,.

•;

.. .

3

oVR

I'·

'"

••

'l"~ ~-

oVL

oVF

,.. I•::• rii.

. ;:

:;

.

• •• o

1.1

:i!

. ;

•• ••

.1\"""

'\

c

... ,. "

!-

o

E

Figura 52.6 Comunicação interatrial (CIA). A. Representação esquemática da comunicação interatrial (a seta indica a direção do fluxo sanguíneo de AE para AO). 8. Angiografia mostrando passagem do cateter pela comunicação entre os átrios. O contraste injetado no átrio esquerdo alcançou o átrio direito. C. Eletrocardiograma mostrando aspecto de bloqueio do ramo direito. D. A radiografia do tórax evidencia hiperfluxo pulmonar do tipo arterial com abaulamento do arco médio e dilatação das cavidades direitas. E. Ecocardiograma trasesofágico com diagnóstico de comunicação interatrial (CIA) do tipo ostium secundum. Demonstra-se descontinuidade em região de fossa oval, medindo 1,25 em. AE =átrio esquerdo; AO= átrio direito; AP =artéria pulmonar; Ao= aorta; VE =ventrículo esquerdo; VD =ventrículo direito; AAD =apêndice atrial direito.

Na ausculta, o achado principal é o desdobramento constante e fixo da 2ª bulha cardíaca no foco pulmonar, tendo igual intensidade os componentes aórtico e pulmonar. Percebe-se, também, sopro sistólico, de ejeção, de pequena intensidade, localizado na área pulmonar. Em geral, este sopro não se acompanha de frêmito. No eletrocardiograma, em 90% dos casos, encontra-se o padrão de bloqueio incompleto ou completo do ramo direito e aumento do intervalo PR. A radiografia simples do tórax evidencia dilatação do átrio e do ventrículo direito, abaulamento do arco médio e sinais de hiperfluxo pulmonar. O ecocardiograma módulo M caracteriza-se por sinais de sobrecarga volumétrica do ventrículo e átrio direitos. Ao eco bidimensional, o diagnóstico é feito pela visualização direta da falha do septo interatrial no corte subxifoide. A avaliação da importância hemodinâmica da CIA é auxiliada pelo eco-Doppler, analisando-se o volume sistólico pulmonar e o sistêmico. Em paciente adulto, há dificuldades técnicas para diagnosticar CIA, decorrentes, sobretudo, da distância do transdutor ao septo interatrial. Entretanto, esta dificuldade pode ser superada com a utilização da técnica transesofágica, que possibilita o diagnóstico deste defeito em adulto sem grandes dificuldades (Figura 52.6 E).

• Comunicação interventricular Trata-se da cardiopatia congênita mais frequente. Na maioria das vezes, o defeito do septo interventricular que estabelece a comunicação entre os ventrículos situa-se na

porção membranosa do septo, logo abaixo da valva aórtica (Figura 52.7). Aproximadamente 1/3 das comunicações interventriculares se fecha espontaneamente no decorrer do primeiro ano de vida; nestes casos, o defeito é pequeno, mas pode ocorrer fechamento de orifícios de tamanho mediano ou mesmo grandes. O fenômeno hemodinâmico principal é a passagem de sangue do ventrículo esquerdo para o direito durante a sístole ventricular, o que resulta em hiperfluxo pulmonar com aumento do retorno sanguíneo ao átrio esquerdo, elevando sua pressão e causando, em consequência, hipertensão venocapilar pulmonar. As manifestações clínicas vão depender da magnitude do orifício no septo interventricular. Quando pequeno, há pouca repercussão hemodinâmica e o paciente é assintomático, sem atraso do desenvolvimento físico. Nas comunicações de porte mediano, a criança apresenta dispneia ao mamar (levando muito mais tempo para fazê-lo), ganha peso vagarosamente e está propensa a contrair infecções respiratórias. Nas grandes comunicações, a criança apresenta-se gravemente enferma logo após o nascimento, com desenvolvimento precoce de insuficiência cardíaca. Na inspeção e na palpação do precórdio, encontram -se impulsão ventricular direita e esquerda, simultaneamente, com características hipercinéticas, e frêmito sistólico mais intenso na região mesocardíaca. Na ausculta, constata-se hiperfonese da 2a bulha cardíaca no foco pulmonar, indicando hipertensão na artéria pulmonar, sopro holossistólico de regurgitação, mais intenso no 4° e no 5º- espaço intercostal esquerdo, entre os focos mitral e tri-

Parte 8

528

I Sistema Cardiovascular

J\.)V AO

c

B

A

Figura 52.7 Comunicação interventricular (CIV). A. Desenho esquemático da CIV. B. Angiografia com injeção de contraste em VE, evidenciando sua passagem para VD (setas). C. Radiografia do tórax mostrando hiperfluxo pulmonar do tipo arterial, abaulamento do arco médio e aumento das cavidades esquerdas. Ao= aorta; AD =átrio direito; AE =átrio esquerdo; AP =artéria pulmonar; VD =ventrículo direito; VE =ventrículo esquerdo.

cúspide, irradiando-se na direção do hemitórax direito. Pode ser ouvido, também, um sopro mesodiastólico no foco mitral, devido ao hiperfluxo pela valva mitral, e que precede uma 3a bulha cardíaca. O ECG revela sobrecarga atrial esquerda e sobrecarga biventricular. A radiografia simples de tórax evidencia aumento da circulação pulmonar e crescimento dos ventrículos. O ecocardiograma módulo M mostra dilatação das cavidades esquerdas nos casos de CIV com repercussão hemodinâmica importante. O eco bidimensional visualiza diretamente o defeito, tornando possível, inclusive, a determinação do seu tamanho. O Doppler auxilia na localização e viabiliza a medida do gradiente interventricular, consequentemente, da pressão da

artéria pulmonar, elementos importantes na avaliação hemodinâmica da CIV.

• Persistência do canal arterial O canal arterial é um conduto que conecta a artéria pulmonar à aorta durante a vida fetal, fechando-se nas primeiras 24 h após o nascimento. Quando permanece aberto, constitui o defeito congênito denominado persistência do canal arterial, possibilitando a passagem de sangue da aorta para a artéria pulmonar (Figura 52.8). É mais frequente no sexo feminino e tem maior incidência em crianças cujas mães tiveram rubéola durante a gravidez.

AD

A

o

B

c

Figura 52.8 Persistência do canal arterial (PCA). A. Desenho esquemático do PCA. B. Angiografia mostrando o trajeto do cateter que passou pela veia cava superior, átrio direito (AD), ventrículo direito (VD) e artéria pulmonar (AP), penetrou no canal persistente e alcançou a aorta (Ao). C. Aortografia demonstrando a contrastação concomitante da artéria pulmonar em consequência da conexão entre a aorta e a pulmonar. O. Ecocardiograma transtorácico com mapeamento de fluxo em cores demonstrando fluxo turbulento em mosaico (setas) para o interior da artéria pulmonar esquerda a partir da aorta, compatível com persistência do canal arterial. AE =átrio esquerdo; VE =ventrículo esquerdo.

52

I Doenças do Coração eda Aorta

A história natural desta anomalia depende do tamanho do canal e das alterações na circulação pulmonar decorrentes do aumento do fluxo sanguíneo. No recém-nascido, dada a elevada resistência pulmonar, é quase nulo o fluxo de sangue pelo canal, não se auscultando sopro nestas crianças. Com o desenvolvimento da criança, há uma queda na resistência arterial pulmonar, formando um gradiente de pressão entre a aorta e a artéria pulmonar, passando a existir, então, um fluxo sanguíneo durante a sístole e a diástole, pois tanto a pressão sistólica como a diastólica são maiores na aorta comparando-se com a artéria pulmonar. Ao exame físico do coração, encontram-se sinais de sobrecarga ventricular esquerda, 3a bulha cardíaca e, o que é característico, um sopro contínuo, mais audível no 1° e no 2º espaço intercostal esquerdo. Este sopro, chamado "sopro em maquinaria~ acentua-se no momento da 2a bulha cardíaca e diminui à inspiração. Pode-se ouvir, também, um sopro mesodiastólico no foco mitral, devido ao hiperfluxo sanguíneo através da valva mitral. Os sinais periféricos da persistência do canal arterial, semelhantes aos observados na insuficiência aórtica, são pulso célere, pulsações arteriais amplas no pescoço e aumento da pressão diferencial. No eletrocardiograma, nota-se sobrecarga atrial e ventricular esquerda. Na radiografia do tórax, observam-se dilatação do átrio esquerdo e do ventrículo esquerdo, abaulamento da artéria pulmonar e aumento da circulação pulmonar. O ecocardiograma módulo M na persistência do canal arterial fornece achados semelhantes aos de uma comunicação interventricular, ou seja, crescimento das cavidades esquerdas. O eco bidimensional possibilita localizar o defeito e determinar o seu tamanho; o Doppler é extremamente útil para identificar o defeito e medir o gradiente entre a aorta e a artéria pulmonar.

• Estenose pulmonar A estenose pulmonar valvar, responsável por 10% dos casos de cardiopatia congênita, caracteriza-se pela ocorrência de valvas semilunares malformadas, com aspecto em cúpula,

B

529 com um orifício central ou próximo ao centro, que impossibilita a abertura normal da valva (Figura 52.9). Como consequência desta obstrução, há hipertrofia do ventrículo direito, cuja intensidade varia com a gravidade da estenose da valva. A estenose pulmonar é considerada leve quando o gradiente pressórico entre a artéria pulmonar e o ventrículo direito é de 25 a 50 mmHg; moderada, de 50 a 100 mmHg; e grave, quando maior que 100 mmHg. Os casos de estenose leve ou moderada são praticamente assintomáticos; no entanto, quando o defeito é grave, advém insuficiência ventricular direita, com os clássicos sinais de hipertensão venosa. Os dados semióticos variam conforme o grau da estenose. Na estenose pulmonar leve, ouve-se um clique de ejeção precoce, mais intenso à expiração- o clique origina-se da dilatação pós-estenótica da artéria pulmonar-, bem como desdobramento da 2a bulha cardíaca, sendo o componente pulmonar igual ao componente aórtico - o desdobramento aumenta na inspiração -, e sopro sistólico de ejeção, na área pulmonar, rude, de pequena ou média intensidade, com irradiação na direção da região infraclavicular esquerda. Na estenose pulmonar moderada, já se observa batimento ventricular direito, mas apenas raramente percebe-se clique; o desdobramento da 2~ bulha cardíaca é mais amplo, sendo o componente pulmonar de menor intensidade que o aórtico, e o sopro é mais intenso, acompanhando-se de frêmito. Na estenose pulmonar acentuada, os batimentos do ventrículo direito são intensos, não há clique, o componente pulmonar da 2ª bulha cardíaca torna-se inaudível, aparece ritmo de galope atrial e o sopro é sempre de grande intensidade, com manifestação em crescendo, tardio e com frêmito. O pulso radial tem amplitude diminuída. O eletrocardiograma evidencia sobrecarga sistólica do ventrículo direito, com ondas R altas e ondas T invertidas nas derivações precordiais direitas. O ecocardiograma módulo M evidencia graus variáveis de hipertrofia ventricular direita; o eco bidimensional, por visualizar diretamente a valva, pode demonstrar sua abertura diminuída durante a sístole. Ao medir o gradiente entre o ventrículo direito e a artéria pulmonar, o Doppler torna possível avaliar o grau de repercussão hemodinâmica.

c

Figura 52.9 Estenose pulmonar (EP). A. Desenho esquemático da EP. 8. Angiografia: a injeção do contraste em VD, que tem aspecto hipertrófico, evidencia o espessamento valvar com estreitamento do seu orifício e a dilatação pós-estenótica. C. Radiografia do tórax mostrando hipofluxo pulmonar, abaulamento do arco médio (dilatação pós-estenótica) e hipertrofia ventricular direita. Ao= aorta; AD = átrio esquerdo; AP = artéria pulmonar; VD = ventrículo direito; VE = ventrículo esquerdo.

530

• Tetralogia de Fallot A tetralogia de Fallot é a cardiopatia congênita cianótica mais frequente, sendo constituída de 4 defeitos anatômicos (daí a sua denominação): comunicação interventricular, estenose pulmonar infundibulovalvar, dextroposição da aorta e hipertrofia do ventrículo direito. A gravidade da tetralogia de Fallot depende do grau da estenose infundibulovalvar. Quando a estenose é pronunciada, grande parte do sangue insaturado que chega ao ventrículo direito passa diretamente para a aorta, por meio da comunicação interventricular; nesses casos, a cianose é permanente e intensa. Em contrapartida, se a obstrução na via de saída do ventrículo direito não for grave, boa parte do sangue que chega a esta cavidade consegue alcançar os pulmões, em que será oxigenado, de tal modo que a cianose só aparecerá durante a execução de esforço físico. Muitas vezes, a criança com este defeito não apresenta cianose logo ao nascer, a qual só vai se manifestar após alguns meses de vida. Estes pacientes estão sujeitos a "crises de hipoxia': que ocorrem após algum esforço e se caracterizam por aumento da cianose, taquipneia e perda da consciência. A causa dessas crises é o espasmo do infundíbulo do ventrículo direito. É uma situação grave, com alta mortalidade. Nas crianças de mais idade, é possível observar a "posição de cócoras" que elas adotam intuitivamente, após esforço físico, para aliviar seus sintomas. Admite-se que, nesta posição, haja aumento da resistência arterial periférica que se transmite à raiz da aorta e ao ventrículo esquerdo, redundando em diminuição do shunt direita-esquerda e consequente aumento do fluxo pulmonar (Figura 52. 10). À inspeção do tórax, pode-se encontrar um abaulamento precordial, indicativo da hipertrofia ventricular direita.

Figura 52.1 OCriança portadora da tetralogia de Fallot na "posição de cócoras" após esforço físico.

Parte 8

I Sistema Cardiovascular

À ausculta, encontra-se uma 2~ bulha cardíaca única- for-

mada exclusivamente pelo fechamento da valva aórtica que está anteriorizada, pela sua dextroposição -, de alta intensidade e de qualidade metálica, mais audível no foco tricúspide, diminuindo no foco mitral e, mais ainda, no foco pulmonar. Além disso, ouve-se um sopro sistólico de ejeção, localizado na área pulmonar, que termina sempre antes do componente aórtico da 2ª bulha cardíaca. O eletrocardiograma evidencia hipertrofia do ventrículo direito. A radiografia do tórax mostra um coração de tamanho normal ou hipertrofia do ventrículo direito, além da diminuição da circulação pulmonar (Figura 52.11).

..,. Hipertensão arterial A hipertensão arterial é uma síndrome caracterizada basicamente por aumento dos níveis pressóricos, tanto sistólico quanto diastólico. A hipertensão arterial é uma das mais importantes enfermidades do mundo moderno, pois, além de ser muito frequente - 10 a 20% da população adulta são portadores de hipertensão arterial -, ela é a causa direta ou indireta de elevado número de óbitos, decorrentes de acidentes vasculares cerebrais, insuficiência cardíaca, insuficiência renal e infarto agudo do miocárdio. A confirmação diagnóstica deve ser efetuada com mais de uma tomada de pressão em várias ocasiões. Os valores dos níveis sistólico e diastólico são importantes fatores de risco para o aparelho cardiovascular. São considerados portadores de hipertensão arterial aqueles indivíduos que apresentem pressão diastólica acima de 90 mmHg e sistólica acima de 140 mmHg (acima de 18 anos) (Quadro 52.2). Por outro lado, são considerados portadores de hipertensão arterial sistólica isolada aqueles que apresentam níveis de pressão diastólica abaixo de 90 mmHg e pressão sistólica igual ou superior a 140 mmHg. Em determinadas pessoas, os níveis pressóricos sofrem grandes variações, para mais ou para menos, em curto período de tempo, às vezes alcançando cifras acima dos valores normais. Impactos emocionais podem ser responsáveis, mas, em muitas ocasiões, isso ocorre sem que haja qualquer fator desencadeante. Em alguns pacientes, basta fazer 2 mensurações da pressão arterial, com intervalo de poucos minutos entre uma e outra, para se comprovarem diferenças significativas. Em uma primeira medida, encontra-se, por exemplo, 160/100 mmHg; em outra, feita logo a seguir, registra-se 140/90 mmHg. A esta condição, denomina-se hipertensão arteriallábil. Seguramente, a regulação da pressão arterial desses pacientes é diferente da dos que não apresentam tais variações tensionais, mas não se pode rotulá-los de hipertensos. A conduta correta do ponto de vista diagnóstico é fazer avaliações periódicas, pois, com frequência, esses pacientes acabam desenvolvendo hipertensão arterial. Denomina-se crise hipertensiva a elevação repentina da pressão arterial em geral, pressão diastólica acima de 120 mmHg acompanhada de cefaleia, tonturas, palpitações e perturbações visuais. Uma crise hipertensiva pode acometer uma pessoa normotensa ou hipertensa. Típicas crises hipertensivas são observadas no feocromocitoma pela descarga periódica de catecolaminas. Além disso, ocorrem com

52

I Doenças do Coração eda Aorta

531

,..._... Ao 8 AD

Fallot

A

c

D

Figura 52.1 1 Tetralogia de Fallot. A. Representação esquemática dos 4 defeitos anatômicos que constituem esta cardiopatia: comunicação interventricular, estenose pulmonar infundibular, dextroposição da aorta e hipertrofia ventricular direita. B. Ventriculografia direita evidenciando a estenose pulmonar infundibulovalvar. C. Ventriculografia esquerda mostrando a dextroposição da aorta, a qual cavalga o septo e a comunicação interventricular. D. Radiografia do tórax mostrando hipofluxo pulmonar, arco aórtico à direita, arco médio deprimido e hipertrofia ventricular direita. Ao= aorta; AD = átrio direito; AE =átrio esquerdo; AP =artéria pulmonar; VD =ventrículo direito; VE =ventrículo esquerdo.

frequência em pacientes com hipertensão arterial essencial, podendo estar relacionadas com distúrbios emocionais, ingestão de bebidas alcoólicas ou alimentos excessivamente salgados e supressão súbita de alguns medicamentos anti-hipertensivos. Neste último caso, denomina-se fenômeno de rebote. Convém salientar que, para valorizar as alterações dos níveis tensionais, especialmente quando estão próximos dos valores normais, é necessário que o médico tenha obedecido a todas as recomendações estudadas no item sobre determinação da pressão arterial. É de uso corrente a classificação com base em níveis pressóricos (hipertensão leve, moderada ou grave); entretanto, esta deve ser desestimulada, sendo mais útil usar uma classificação que leva em conta a ocorrência ou não de dano em órgãos-alvo, em particular a hipertrofia ventricular esquerda. Assim, teremos, como mostra o Quadro 52.2, estágio 1, estágio 2, estágio 3, com complicação ou não por lesão em órgão-alvo. Quanto à evolução, a hipertensão arterial pode ser benigna ou maligna. O tipo benigno da hipertensão arterial evolui len-

aassificação da pressão arterial (maiores de 18 anos) (VI Diretrizes Brasileiras de Hipertensão Arterial, 2010). Classificação

Pressãosistólica

Pressão diastólica

Ótima Normal

< 120mmHg < 130mmHg

< 80mmHg 180mmHg

>110mmHg

Hipertensão sistólica isolada

> 140mmHg

333 U) anti-ONase Bl Diagnóstico • Surto inicial de FR ou surto recorrente de FR sem cardite = 2critérios maiores ou 1 maior e 2menores+ evidência de estreptococcia prévia • Surto recorrente de FR com cardite = 2 critérios menores + evidência de estreptococcia prévia • Coreia reumática ou cardite reumática insidiosa ou lesão orovalvar crônica= não é necessário nenhum outro critério. VHS = veloddade de hemossedimentação; PC·R= proteína Creativa; FR = febre reumática; ASLO= anticorpo antiestreptolisina.

Na radiografia simples do tórax, encontra-se aumento global do coração e, quando há insuficiência miocárdica, observam-se sinais de estase venosa pulmonar. O eletrocardiograma mostra complexos ventriculares (QRS) de baixa voltagem, alteração difusa da repolarização ventricular (ondas T achatadas ou negativas), prolongamento do espaço PR e aumento do intervalo QT. Além disso, é possível registrar alterações do ritmo cardíaco. O estudo ecocardiográfico é um método útil no diagnóstico da miocardite aguda, possibilitando avaliar a fun ção miocárdica e identificar lesões valvares. Na cardite reumática, há a possibilidade de detectar o acometimento pericárdico. O encontro de outras manifestações clínicas - poliartrite migratória, febre prolongada, sinal de Romana, sinais de infecção das vias respiratórias superiores, amigdalites com formação de membranas, enfartamento ganglionar ou rash cutâneo - pode ajudar no reconhecimento da causa da miocardite.

. .,. Cardiomiopatias ou miocardiopatias A denominação genérica de "cardiomiopatia'' ou "miocardiopatia'' compreende várias entidades nosológicas em que há comprometimento do miocárdio, conforme mostram os Quadros 52.5 e 52.6.

• Principais cardiomiopatias As cardiomiopatias mais comuns são: cardiopatia chagásica crônica, cardiomiopatia hipertrófica, cardiomiopatia dilatada e endomiocardiofibrose.

Quadro52.5

aassificação das cardiomiopatias (OMS/ISFC-1995).

• Cardiomiopatia dilatada • Cardiomiopatia hipertrófica • Cardiomiopatia restritiva • Cardiomiopatia arritrnogênica do ventrículo direito • Cardiomiopatias específicas • Cardiomiopatias não classificadas

Parte 8 I Sistema Cardiovascular

538 Quadro52.6

Cardiomiopatias específicas (OMS/IFC-1995).

Cardiomiopatia isquêmica Cardiomiopatia valvar Cardiomiopatia hipertensiva Cardiomiopatia inflamatória • idiopática, autoimune e infecciosa • cardiopatia chagásica, HIV, enterovírus, adenovírus, citomegalovírus Cardiomiopatia metabólica • tireotoxicose, hipotireoidismo, insuficiência da suprarrenal, feocromocitoma, acromegalia, diabetes melito, doenças familiares de depósito, hemocromatose, síndrome de Hurler e Refsum, doenças de Niemann-Pick, Hand-Schüller-Christian, Fabry-Anderson, Morquio-UIIrich, distúrbios de potássio e magnésio, doenças nutricionais, amiloidose, febre do Mediterrâneo Cardiomiopatia por doença sistêmica • lúpus eritematoso sistêmico, poliarterite nodosa, artrite reumatoide, dermatomiosite, escleroderrnia, sarcoidose Cardiomiopatia por distrofia muscular • Duchenne, Becker, miotônicas Cardiomiopatia por doença neuromuscular • ataxia de Friedreich, síndrome de Noonan, lentigionose Cardiomiopatia por reação tóxica ede sensibilidade • álcool, catecolaminas, antraciclinas, irradiações Cardiomiopatia periparto

.,. Cardiopatia chagásica crônica. Merece destaque a cardiomiopatia chagásica, cujo agente etiológico, Trypanosoma cruzi, é transmitido ao ser humano pela picada de triatomíneos ou por ingestão de substâncias contaminadas ou, ainda, por transfusão de sangue. Mais raramente, pelo leite materno ou transplante de órgão. Na fase aguda, encontra-se intenso processo inflamatório difuso, representado por infiltração linfoplasmocitária, edema intersticial e congestão. Tais alterações caracterizam, na verdade, a miocardite aguda. A fase crônica caracteriza-se pela ocorrência de inflamação crônica, atrofia e fragmentação de fibras do sistema específico, dilatação e tortuosidade dos vasos intramiocárdicos, áreas de adelgaçamento da parede ventricular, especialmente da ponta do ventrículo esquerdo, dilatação global das cavidades cardíacas e, nos casos mais avançados, trombose intracavitária e áreas fibróticas. Estes achados são variáveis de caso para caso, o que explica a variedade de manifestações clínicas desta doença (Figura 52.15). Outro tipo de alteração é a destruição dos neurônios intramurais do coração, cujas consequências conferem características especiais à cardiopatia chagásica. Entre a fase aguda e a crônica, ocorre um longo período de tempo- 10 a 30 anos- em que não são identificadas lesões ou estas são muito discretas, sem qualquer repercussão clínica ou eletrocardiográfica, constituindo o tipo indeterminado da doença. A etiopatogenia da cardiopatia chagásica ainda apresenta pontos de discussão, admitindo-se a participação de vários fatores, atuando com diferentes mecanismos, dentre os quais se destacam a reação inflamatória, seja pela ocorrência dos parasitos ou por mecanismo alérgico; as lesões isquêmicas por alterações vasculares; as alterações degenerativas em consequência das lesões inflamatórias isquêmicas e neurotróficas (destruição neuronal).

As manifestações clínicas da cardiopatia chagásica são os distúrbios do ritmo - praticamente todas as arritmias conhecidas são encontráveis nesta enfermidade -, a insuficiência cardíaca e os fenômenos tromboembólicos (Figura 52.16). Ao exame físico do coração, os achados mais frequentes são ictus cordis não visível e não palpável, bulhas cardíacas hipofonéticas, arritmias extrassistólicas e desdobramento constante da 2ª bulha cardíaca, quando há bloqueio do ramo direito. Além disso, a pressão arterial sistólica costuma ser baixa, com pressão diferencial diminuída, o que determina um pulso radial de pequena amplitude. O diagnóstico da cardiomiopatia chagásica tem como base o encontro destes dados clínicos em um paciente procedente de zona endêmica ou que apresente testes imunológicos (hemaglutinação, imunoenzimático ou de imunofluorescência) positivos para tripanossomíase americana. Ao eletrocardiograma encontram-se arritmias, bloqueios da condução atrioventricular, bloqueios de ramo - principalmente de ramo direito - e alterações difusas da repolarização ventricular. A radiografia simples de tórax pode ser normal ou apresentar diferentes graus de aumento do volume cardíaco. .,. Cardiomiopatia hipertrófica. A cardiomiopatia hipertrófica caracteriza-se pelo aparecimento de uma importante hipertrofia da musculatura ventricular, a qual pode predominar no septo, com diminuição da cavidade ventricular, configurando uma cardiomiopatia hipertrófica obstrutiva. No entanto, nem sempre a hipertrofia das paredes ventriculares acompanha-se de obstrução das câmaras ventriculares, o que caracteriza o tipo não obstrutivo. Admite-se que seja de origem congênita com incidência em vários membros da mesma família. A maioria dos portadores do tipo não obstrutivo é assintomática. No tipo obstrutivo, os sintomas mais frequentes são: palpitações, decorrentes da percepção das contrações mais enérgicas do coração ou de arritmias; precordialgia, quase sempre relacionada com a atividade física, sendo consequência de isquemia miocárdica relativa, pelo maior consumo de oxigênio pelas fibras hipertrofiadas; e síncopes, as quais estão relacionadas com a obstrução da via de saída do ventrículo esquerdo. Ao exame físico do coração, encontra-se um ictus cordis com as características de hipertrofia do ventrículo esquerdo. No tipo obstrutivo, ausculta-se um sopro sistólico de ejeção mais audível no foco aórtico acessório e com pequena irradiação na direção do pescoço, cuja origem é na redução dinâmica da via de saída do ventrículo esquerdo. Sua característica importante é o aumento de intensidade quando se aplicam fármacos que elevam a força de contração do coração (isoproterenol ou nitrito de amilo). No eletrocardiograma e no estudo radiológico, comprova-se a hipertrofia do ventrículo esquerdo. O melhor exame para o diagnóstico desta afecção é o ecocardiograma, que possibilita o reconhecimento do aumento da espessura do septo e da parede ventricular, além de detectar alterações na dinâmica da contração cardíaca. .,. Cardiomiopatia dilatada. A cardiomiopatia dilatada caracteriza-se pela dilatação do ventrículo esquerdo, direito ou ambos, com disfunção sistólica. Frequentemente, acompanha-se de algum grau de hipertrofia, mas sem afetar as características da cardiomiopatia hipertrófica. Doenças como a cardiopatia isquêmica (doença arterial coronariana), a hipertensão arterial, a cardiopatia chagásica e

52

I Doenças do Coração eda Aorta

A

539

8

Figura 52.15 Cardiopatia chagásica crônica. A. Coração aumentado de volume, globoso, ponta romba, formada por ambos os ventrículos. B. Paredes ventriculares delgadas e cavidades dilatadas, com trombo mural na ponta (lesão apicai). C. Corte histológico do miocárdio, visualizando-se uma fibra muscular íntegra com grande quantidade de amastigotas (tipo intracelular do T. cruzt); destaca-se a ausência de infiltrado inflamatório. O. Intenso infiltrado, predominantemente linfocitário, com miocitólise; diferentemente de C, não há parasitos. E. Além do infiltrado inflamatório, observam-se despovoamento miocelular e acentuação difusa do conjuntivo (fibrose). Essas diferentes alterações aparecendo-se manifestam com a evolução da doença, mas podem ser encontradas em um mesmo paciente.

Parte 8

540

I.

t



Figura 52.16 Trombose intracardíaca. A. Ecocardiograma transtorácico em paciente portador e cardiopatia chagásica demonstrando grande aneurisma apicai do ventrículo esquerdo com trombo mural em seu interior. B. Trombo localizado na ponta do ventrículo esquerdo na cardiopatia chagásica crônica. ANEU =aneurisma; VE =ventrículo esquerdo; VD =ventrículo direito; MP= marca-passo.

outras cardiomiopatias específicas (Quadro 52.6) devem ser excluídas. O exame histopatológico é inespecífico. A etiologia da cardiomiopatia dilatada nem sempre é conhecida, sabendo-se, contudo, que infecções virais são responsáveis por cerca de 50% dos casos. O quadro clínico varia conforme a intensidade e o grau evolutivo da doença. O paciente pode ser assintomático ou apresentar dispneia e intolerância aos esforços e palpitações em consequência de arritmias. Nos casos mais graves, o coração apresenta grande dilatação com ictus cordis desviado para o 611 ou 711 espaço intercostal, mas sem as características da cardiomiopatia hipertrófica. As bulhas cardíacas costumam ser hipofonéticas. Diferentes tipos de arritmias são encontrados, sendo mais frequentes as extrassístoles, a fibrilação atrial e os bloqueios atrioventriculares. Pode surgir insuficiência mitral e tricúspide por dilatação das cavidades ventriculares. É frequente a formação de trombos intracavitários, dos quais destacam-se êmbolos que se alojam nos pulmões, no cérebro ou em artérias periféricas. Com o passar do tempo, instala-se o quadro de insuficiência cardíaca que se torna cada vez mais refratária ao tratamento. Os exames complementares básicos (radiografia simples do tórax, eletrocardiograma e ecocardiograma) confirmam as

I Sistema Cardiovascular

alterações miocárdicas. Cumpre destacar a utilidade do ecocardiograma para o estudo da disfunção sistólica e o reconhecimento de trombos. ~ Endomiocardiofibrose. A endomiocardiofibrose, uma das manifestações clínicas da cardiomiopatia restritiva, caracteriza-se por intensa hiperplasia fibrosa que invade o endocárdio e o miocárdio. A fibrose é mais acentuada na via de entrada dos ventrículos, comprometendo com frequência as valvas mitral e tricúspide, que se tornam insuficientes. O tecido fibrótico reduz a complacência ventricular, o que lhe confere as características de cardiomiopatia restritiva. É comum a ocorrência de trombose intracavitária. Sua etiologia é desconhecida, tendo sido relacionada com desnutrição, infecções estreptocócicas e com maior consumo de alimentos ricos em serotonina. As manifestações clínicas relacionam-se com insuficiência cardíaca e com eventuais fenômenos tromboembólicos. Quando ocorre insuficiência mitral ou tricúspide, encontram-se os sinais indicativos destes defeitos valvares. O eletrocardiograma mostra hipertrofia das cavidades cardíacas, principalmente do ventrículo esquerdo. O estudo radiográfico evidencia aumento da área cardíaca e hipertensão venocapilar quando o ventrículo esquerdo está seriamente comprometido. O ecocardiograma revela redução da complacência ventricular, cavidade ventricular normal ou reduzida, função sistólica normal, espessamento e calcificação pericárdica. ~ Outras cardiomiopatias. Conforme se vê na classificação das cardiomiopatias (Quadros 52.5 e 52.6), várias enfermidades podem acompanhar-se de comprometimento miocárdico. O diagnóstico de qualquer uma delas ou o encontro de alterações que denunciam o comprometimento do miocárdio, conforme descrito anteriormente, leva o médico a investigar melhor o coração do paciente. Outras vezes, ocorre o oposto, ou seja, ao encontrar uma cardiomiopatia, procuram-se detectar, em outras partes do organismo, sinais de enfermidades parasitárias, nutricionais, metabólicas, endócrinas, neuromusculares, do tecido conjuntivo ou tóxicas. Contudo, resta um grupo de pacientes nos quais não é possível estabelecer correlação entre as alterações miocárdicas e uma enfermidade sistêmica. Não se encontram, tampouco, as características clínicas ou fisiopatológicas que possibilitem o reconhecimento de uma das cardiomiopatias descritas. Tais casos costumam ser rotulados de cardiomiopatia idiopática ou de causa desconhecida.

..., Cardiopatia hipertensiva O elemento fundamental da cardiopatia hipertensiva é a hipertrofia ventricular esquerda, consequência direta da maior resistência a ser vencida por esta câmara durante a sístole cardíaca. Podem ser encontradas outras lesões miocárdicas, possivelmente relacionadas com um mecanismo isquêmico, seja pela desproporção entre a oferta e o consumo de oxigênio nas grandes hipertrofias do ventrículo esquerdo, seja pelo aparecimento de aterosclerose coronária. A elevada incidência de aterosclerose coronária nesses pacientes faz com que os mecanismos patogênicos dessas

52

I Doenças do Coração eda Aorta

enfermidades se imbriquem de tal modo que nem sempre se consegue dissociá-los. Os dados semióticos principais da cardiopatia hipertensiva são o ictus cordis, com as características de hipertrofia ventricular esquerda, e o aumento de intensidade da 2a bulha cardíaca na área aórtica. No nível da fúrcula esternal, é possível detectar as pulsações da aorta. No pescoço, as pulsações das artérias carótidas tornam-se mais amplas, e observa-se o denominado "pulso durd' no pulso radial, que traduz aumento da tensão, decorrente da pressão diastólica elevada. O eletrocardiograma evidencia sobrecarga ventricular esquerda, e, nos casos mais graves, sobrecarga atrial esquerda. O estudo radiográfico mostra a hipertrofia das câmaras esquerdas, especialmente do ventrículo esquerdo. A ecocardiografia tem maior sensibilidade que a eletrocardiografia e os raios X no diagnóstico da hipertrofia ventricular esquerda; a importância deste diagnóstico está no prognóstico dos pacientes. A hipertrofia ventricular esquerda está associada a maior incidência de insuficiência cardíaca congestiva, infarto agudo do miocárdio, acidente vascular cerebral e morte súbita.

541





r #



..,. Endoca rdite infecciosa Endocardite infecciosa é a inflamação do endocárdio em consequência da ação dos mais diversos microrganismos, especialmente bactérias e fungos. Em grande parte dos casos de endocardite, o processo se instala em paciente com defeitos cardíacos congênitos, principalmente comunicação interventricular, persistência do canal arterial e coarctação da aorta, ou com lesões mitrais ou aórticas de etiologia reumática (Figura 52.17). O agente etiológico mais frequente é o Streptococcus viridans. Após o advento da cirurgia cardíaca, aumentou a incidência de endocardites por estafilococos, pseudomonas e diversos fungos. Admite-se como fatores desencadeantes o manuseio de focos sépticos (extrações dentárias, amigdalectomia) ou manipulações intracardíacas (cateterismo ou cirurgia). O quadro clínico é muito variável, sendo possível separar os quadros superagudos, com processos destrutivos intensos, de outro grupo de pacientes de evolução mais lenta com predomínio de lesões proliferativas. Deve-se suspeitar de endocardite infecciosa nos pacientescom anomalia cardíaca congênita ou defeito orovalvar adquirido - que apresentem febre sem causa aparente. A febre quase sempre adquire as características da febre séptica ou irregular e se acompanha com frequência de toxemia, anorexia intensa, palidez cutânea e comprometimento do estado geral. O surgimento de microembolias, evidenciadas por hematúria, hemorragias retinianas, acidente vascular cerebral e petéquias, tem grande valor diagnóstico. Nos casos de evolução mais longa, com manifestações clínicas mais exuberantes, há hipocratismo digital, nódulos de Osler e hepatoesplenomegalia. Quando ocorre destruição de uma valva, desenvolve-se o quadro de insuficiência cardíaca aguda, que sempre piora o prognóstico do paciente. O exame físico do coração revela os elementos semióticos da cardiopatia prévia, ressaltando-se que a mudança das

Figura 52.17 Endocardite infecciosa. A. Corte histológico mostrando o processo inflamatório e as vegetações. B. Ecocardiograma transesofágico demonstrando vegetação (VEG) aderida à face atrial da valva mitral (VM). AE =átrio esquerdo; VE =ventrículo esquerdo; AD = átrio direito; VD = ventrículo direito.

características de um sopro preexistente ou o surgimento de outro sopro em curto período de tempo tem valor para o diagnóstico da endocardite infecciosa. O ecocardiograma, principalmente o transesofágico, é de grande utilidade ao demonstrar a ocorrência de vegetações em valvas cardíacas (Figura 52.17). O diagnóstico etiológico é feito pela hemocultura, cumprindo ressaltar que é necessário seguir todas as exigências técnicas na coleta de sangue e utilizar diferentes meios de cultura para se conseguir o isolamento do germe.

..,. Cor pulmonale crônico Cor pulmonale crônico é uma síndrome constituída de hipertrofia ventricular direita secundária a qualquer doença que afeta primariamente as estruturas pulmonares. Tal conceituação exclui as lesões cardíacas capazes de determinar hipertrofia do ventrículo direito, mesmo que ocorram lesões no nível dos pulmões, como é o caso da estenose mitral. As causas mais comuns de cor pulmonale crônico são: enfisema pulmonar, tromboembolismo pulmonar, esquistossomose pulmonar e fibroses intersticiais. O mecanismo patogenético principal é a hipertensão pulmonar em consequência de alterações anatômicas ou funcionais que diminuem a superfície vascular. É frequente a participação de ambos os fatores, como acontece no cor pulmonale do

542

Parte 8

I Sistema Cardiovascular

enfisema pulmonar, em que há destruição da vasculatura pulmonar e desequih'brio na relação ventilação/perfusão, aliada a perturbação da difusão, ambos determinando hipoxemia. As manifestações clínicas do cor pulmonale crônico podem ser divididas em 2 fases: na primeira, quando não há falência funcional do ventrículo direito, encontram-se os sinais de hipertrofia desta câmara e hiperfonese da 2i bulha cardíaca na área pulmonar; na segunda, quando o ventrículo direito entra em insuficiência, surgem os sinais e os sintomas desta síndrome Qugulares ingurgitadas, hepatomegalia, edema generalizado, ritmo de galope). Estes pacientes também apresentam sinais e sintomas da doença pulmonar responsável pelo cor pulmonale, destacando-se a cianose, o hipocratismo digital, a poliglobulia, além das alterações específicas de cada doença, como é o caso do tórax em tonel dos pacientes enfisematosos. O eletrocardiograma mostra hipertrofia ventricular direita, enquanto a radiografia do tórax, além desta alteração, evidencia o abaulamento do arco médio provocado pela hipertensão pulmonar e as modificações do parênquima pulmonar. O ecodopplercardiograma evidencia a sobrecarga sistólica do ventrículo direito e a hipertensão pulmonar.

. . . Pericardite aguda A etiologia das pericardites agudas pode ser viral, bacteriana ou acompanhada de afecções sistêmicas, especialmente do grupo das colagenoses (moléstia reumática, lúpus eritematoso disseminado, artrite reumatoide), neoplásicas (infiltração leucêmica), metabólicas (uremia), infarto agudo do miocárdio e traumáticas. As infecções bacterianas apresentam-se como propagação de processos infecciosos pulmonares ou fazem parte de um quadro septicêmico. Os germes mais frequentes são os pneumococos, os estafilococos e os estreptococos. A pericardite viral, cujo principal agente etiológico é o vírus Coxsackie B, é mais frequente em adolescentes, havendo um período prodrômico com febre e mal-estar, assemelhando-se a um quadro gripal, mas tendo como sintoma indicativo do comprometimento pericárdico a dor retroesternal ou precordial contínua que se agrava com a respiração profunda, tosse e movimentação do tórax. A pericardite viral pode ocorrer sob a manifestação de ligeira epidemia. A pericardite tuberculosa pode apresentar-se em um tipo agudo, mas, na maioria dos casos, tem evolução crônica, com sintomatologia muito discreta ou nula. Nas pericardites que aparecem nas colagenoses, neoplasias e uremia, além da dor precordial, sobressai a sintomatologia da doença principal. Ao exame físico, o achado que possibilita o diagnóstico de pericardite, independentemente de sua natureza, infecciosa ou não, é o atrito pericárdico, que é a expressão tátil ou estetacústica das alterações da superfície dos folhetos pericárdicos, os quais se tornam rugosos, irregulares e recobertos por uma substância fibrinosa (Figura 52.18). A este tipo de pericardite, designa-se pericardite seca Todavia, qualquer que seja a etiologia do processo inflamatório do pericárdio, pode haver acúmulo de líquido no saco pericárdico, recebendo, então, denominação de pericardite serofibrinosa. O derrame pericárdico modifica completamente as manifestações clínicas da pericardite. Em primeiro lugar, diminui

Figura 52.18 Pericardite fibrinosa reumática. A. Os folhetos pericárdicos tornam-se rugosos, irregulares e recobertos por uma substância fibrinosa. Ao roçar um sobre o outro, causam o atrito pericárdico. B. Ecocardiograma transtorácico apical 4 câmaras, evidenciando grande derrame pericárdio (DP), circundando todo o coração e levando ao colapso diastólico do ventrículo direito (sinal ecocardiográfico clássico de tamponamento cardíaco). AE =átrio esquerdo; VE =ventrículo esquerdo; AD =átrio direito; VD =ventrículo direito.

ou suprime a dor ao afastar um do outro os folhetos parietal e visceral do pericárdio. Pelo mesmo motivo, o atrito pericárdico desaparece. Quando o derrame é volumoso e de instalação rápida, a principal consequência é a dificuldade no enchimento do coração; este quadro denomina-se tamponamento cardíaco. O fator responsável pelas alterações hemodinâmicas é a pouca distensibilidade do pericárdio quando o acúmulo de líquido se faz rapidamente. As manifestações clínicas do tamponamento cardíaco decorrem da congestão dos pulmões, que se exterioriza por dispneia e tosse seca e aumento brusco da pressão venosa que causa congestão do fígado, cuja expressão semiológica é a dor no hipocôndrio direito, principalmente ao palpar este órgão. O mecanismo da dor é a distensão da cápsula de Glisson. Nos derrames de instalação mais lenta não ocorre a síndrome de tamponamento cardíaco, e o quadro clínico vai surgindo vagarosamente, com cansaço, dispneia de esforço, hepatomegalia e ascite. O derrame pericárdico apresenta sinais físicos característicos: ictus cordis invisível e impalpável; bulhas cardíacas hipofonéticas; pressão venosa elevada, provocando ingurgitamento jugular e hepatomegalia; pulso radial diminuído de amplitude, surgindo o chamado pulso paradoxal (ou seja, a amplitude do

52

I Doenças do Coração eda Aorta

pulso radial diminui durante a inspiração, em vez de aumentar, como acontece em condições normais). O eletrocardiograma evidencia complexos QRS de baixa voltagem e a radiografia de tórax mostra aumento global da área cardíaca. O estudo ecocardiográfico é o principal exame complementar nestes casos, pois, além de comprovar o diagnóstico de derrame - diferenciando-se claramente das grandes cardiomegalias -, é capaz de avaliar a quantidade de líquido no saco pericárdico (Figura 52.18). A punção pericárdica pode tomar-se necessária, sendo uma medida de urgência com o objetivo de aliviar o tamponamento cardíaco; contudo, pode ter apenas finalidade diagnóstica para análise das características do líquido.

. .,. Perica rdite constritiva A pericardite constritiva tem como principal característica a ocorrência de espessamento fibrótico do pericárdio que adere ao miocárdio, formando uma carapaça rígida que dificulta o enchimento diastólico do coração. Na fase avançada, encontra-se quase sempre extensa calcificação. A tuberculose é a causa mais comum. As manifestações clínicas dependem do grau da perturbação hemodinâmica, sendo constituídas dos sinais e sintomas indicativos de congestão sanguínea no território pulmonar e na grande circulação, além das manifestações decorrentes de diminuição do débito cardíaco. Astenia, dispneia, estertores pulmonares, jugulares ingurgitadas, hepatomegalia, edema generalizado e ascite são frequentes. Ao exame do pulso radial, é possível constatar diminuição da amplitude e pulso paradoxal. A ausculta do coração, percebe-se uma 3ª bulha cardíaca bem nítida, originada no abrupto enchimento ventricular no início da diástole. No eletrocardiograma, observa-se alteração difusa da repolarização ventricular. A radiografia do tórax mostra um coração não aumentado de tamanho - daí surgiu uma observação prática muito útil: em pacientes com quadro de insuficiência cardíaca congestiva com coração de tamanho normal, deve-se pensar sempre em pericardite constritiva. A calcificação ao redor do coração reforça este diagnóstico. Os estudos ecocardiográfico e tomográfico evidenciam as lesões pericárdicas.

. .,. Doenças da aorta As doenças da aorta podem ser congênitas ou adquiridas. Os defeitos congênitos compreendem a coarctação da aorta, anomalias do arco aórtico e da origem das artérias carótidas e do tronco braquicefálico. As afecções adquiridas compreendem traumatismos, dissecção aórtica aguda (aneurisma dissecante), trombose, aneurismas e arterite de Takayasu. Em geral, as afecções adquiridas resultam de alterações degenerativas da parede da aorta. Atualmente, a aterosclerose tem importante papel na patogênese dos aneurismas. Em

543 épocas anteriores, a sífilis era a principal causa de dilatação aneurismática da aorta ascendente, frequentemente com comprometimento da valva aórtica. A relação entre hipertensão arterial e dissecção aórtica aguda está bem demonstrada. Uma condição que merece referência especial é a esclerose senil da aorta e dos grandes vasos, que faz parte do processo de envelhecimento, mas que, com frequência, associa-se a aterosclerose. As alterações do colágeno da parede aórtica, principalmente em mulheres jovens, constituem importante causa de aneurisma ou dissecção aguda. Os aneurismas devem entrar no diagnóstico diferencial de dor torácica, dor lombar e dor abdominal. A dissecção e a ruptura determinam dor de grande intensidade, de início súbito, enquanto os aneurismas de crescimento lento podem ser assintomáticos ou causar dor surda e de longa duração. Em geral, o exame clínico fornece poucas informações, mas são de grande valor para despertar a suspeita de comprometimento da aorta. Atualmente, vários exames de imagem possibilitam o diagnóstico preciso das afecções aórticas, incluindo radiografia simples do tórax, ultrassonografia, tomografia computadorizada, aortografia e ressonância magnética (Figura 52.19). ... Coarctação da aorta. Coaretação significa estreitamento por malformação de um segmento da artéria aorta. Conforme sua localização com relação ao dueto arterial, a coaretação da aorta pode ser pré-duetal ou pós-ductal (Figura 52.20). No tipo pré-ductal, também chamado tipo infantil, habitualmente associado à hipoplasia do arco aórtico e a outras anomalias cardíacas, o dueto arterial é permeável, estabelecendo-se por meio dele um curto-circuito direita-esquerda. No tipo pós-ductal ou tipo adulto, o dueto arterial está completamente fechado ou, ao permanecer permeável, suas dimensões são reduzidas, havendo pequeno fluxo de sangue da aorta para a artéria pulmonar. As diferenças anatômicas fundamentais entre os 2 tipos de coarctação são: no tipo pré-ductal, a aorta descendente está em conexão direta com a artéria pulmonar pelo dueto arterial, enquanto no tipo pós-ductal o sangue alcança a porção aórtica após a coarctação por uma circulação colateral, não havendo fluxo sanguíneo no nível da zona estreitada. O dado semiótico diretamente relacionado com a coarctação é um sopro sistólico de ejeção que pode ser ouvido na parte inferior da borda estemal esquerda ou na região interescapular, em que o sopro pode ser contínuo devido à existência de gradiente pressórico entre os segmentos proximal e distai da aorta, tanto na sístole como na diástole. Os dados clínicos mais importantes de coarctação da aorta são as diferenças na amplitude dos pulsos e na pressão arterial entre os membros superiores e inferiores, havendo hipertensão arterial e pulsos amplos nos braços e, ao contrário, hipotensão arterial e pulsos pequenos ou impalpáveis nos membros inferiores. É possível observar, ainda, a pulsação da crossa da aorta na fúrcula supraesternal. Por fim, quando existe uma importante circulação colateral, as artérias intercostais tomam-se palpáveis, podendo-se perceber nelas um frêmito sistólico. ... Aortite sifilítica. A aortite sifilítica é um processo inflamatório crônico que surge na fase tardia da lues. O processo predomina na aorta ascendente, cujas paredes se dilatam, formando os . aneunsmas.

544

Parte 8 I Sistema Cardiovascular

I

I •

•'\ .. -- ' • i i

I

II

I

t

Figura 52.19 A. Aterosclerose da aorta, vendo-se placa ateromatosa que sofreu hemorragia. No canto direito (seta) vê-se o local em que houve desgarramento de uma parte do ateroma transformado em um êmbolo que se alojou em uma artéria da perna direita. B. Arteriografia digital mostrando dissecção da aorta atingindo a artéria ilíaca comum esquerda e terminando em fundo de saco (sem reentrada), com obstrução parcial do lúmen verdadeiro [seta fina= capa intimai, separando os lúmens verdadeiro (interna) e falso (externa); seta grossa= falso lúmen]. C. Tomografia computadorizada do tórax revelando dissecção da aorta ascendente e descendente (setas =capa intimai). D. Imagem por ressonância magnética, incidência axial, revelando dissecção da aorta torácica descendente (setas= capa intimai). E. Diagnóstico ao ecocardiograma trasesofágico de dissecção de aorta. Ao Doppler colorido, observa-se o orifício de reentrada na aorta descendente. Na sístole, o fluxo é direcionado do lúmen verdadeiro (LV) para o lúmen falso (FL), e na diástole, o inverso: OR =orifício de reentrada.

A destruição das cúspides da valva aórtica determina a insuficiência desta valva. Não havendo dilatação aneurismática e/ou insuficiência valvar, a aortite sifilítica é assintomática e sua única evidência clínica pode ser uma mudança no timbre e na intensidade da 2a bulha cardíaca no foco aórtico. .,.. Aterosclerose da aorta. A aorta é uma das sedes mais frequentes de aterosclerose. As placas ateromatosas formam-se em qualquer segmento da aorta, predominando na raiz do vaso, com

frequente extensão à valva aórtica e, às vezes, aos óstios das artérias coronárias (Figura 52.19). A evolução das placas ateromatosas culmina, muitas vezes, na sua calcificação. Quando isto ocorre, é possível diagnosticar a aterosclerose aórtica pelo encontro, em radiografias simples do tórax, de imagens densas localizadas na parede do vaso. Não havendo lesão da valva aórtica (estenose e insuficiência) ou formação de aneurisma, a aterosclerose da aorta não apresenta sintomas.

52

I Doenças doCoração eda Aorta

v\)~ / Ao

545

v

Ao

"--oo('y A

.,.. Aneurismas da aorta. As causas de dilatação aneurismática da aorta são a sífilis e a aterosclerose. Há um tipo especial, denominado aneurisma dissecante ou dissecção da aorta, que é consequência de lesões da camada média da aorta (Figura 52.21). Aneurismas podem aparecer em qualquer segmento da aorta torácica ou abdominal, e suas manifestações clínicas dependem quase totalmente da compressão de órgãos ou estruturas vizinhas, sendo mais frequentes a voz rouca e bitonal por compressão do nervo recorrente, a disfagia por compressão do esôfago, a dispneia por compressão da traqueia ou de brônquios, a estase venosa por compressão da veia cava superior. Os grandes aneurismas da aorta ascendente e da crossa provocam abaulamento da parede anterior do tórax, principalmente no 2Qe 32 espaços intercostais direitos, acompanhados de movimentos pulsáteis. Nesses casos, observa-se dor contínua e intensa. Algumas vezes, é possível notar sopros sistólicos na área correspondente ao aneurisma. Os aneurismas da aorta abdominal são acessíveis à palpação, mas o diagnóstico definitivo só pode ser feito pela aortografia (Figura 52.22). Na dissecção aórtica aguda, a dor é uma manifestação importante. Suas características assemelham-se à dor do infarto agudo do miocárdio. Frequentemente, a suspeita diagnóstica nasce em radiografias simples do tórax ou do abdome, mas o diagnóstico de certeza depende da ecocardiografia e da aortografia. A ecocardiografia transesofágica (ETE) demonstra praticamente toda a extensão da aorta torácica. O reconhecimento da dissecção da parede do vaso associada ou não à dilatação da aorta é prontamente feito. Com a ETE, visualizam-se o trajeto e a extensão do jlap intimai, bem como a luz verdadeira e a falsa. Mais recentemente, a ressonância magnética tem se mostrado um recurso valioso no estudo da dissecção aórtica.

Figura 52.20 Coarctação da aorta (Ao). A. Representação esquemática dos 2 tipos de coarctação: pré-ductal e pós-ductal. B. Aortografia mostrando a coarctação. C. Radiografia de tórax vendo-se as lesões das costelas. AP = artéria pulmonar.

Fibrose ou esderose senil da aorta Atibrose ou esclerose senil da aorta tem como substrato anatômico oaumento do tecido fibroso que vai ocupando o lugar do tecido elástico. ~um processo involutivo, próprio do envelhecimento, frequentemente mal interpretado e confundido com a aterosderose. Aaorta torna-se alongada e um pouco dilatada, mas a alteração principal é a perda de sua elasticidade, que tem como expressão hemodinâmica um aumento da pressão sistólica, sem modificação dos níveis diastólicos, registrando-se, então, valores de 170/80, 180/80, 190/90 mmHg, indicativos da perda de elasticidade da aorta. Na verdade, esta hipertensão sistólica representa ummecanismo de adaptação da dinâmica circulatória para compensar a perda de elasticidade do segmento inicialda grande circulação. Ao exame clínico, encontra-se pulsação mais intensa da crossa aórtica no nívelda fúrcula esternal. Aradiografia simples do tórax evidencia oalongamento da aorta com proeminência do botãoaórtico. Não é rara aconcomitância de placas ateroscleróticas calcificadas nestes casos, mas são afecções completamente distintas.

Figura 52.21 A e B. Aneurisma dissecante tipo A.

Parte 8 I Sistema Cardiovascular

546

.... Bibliografia

A Figura 52.22 Aneurisma da aorta abdominal infrarrenal. A. Aspecto externo, vendo-se a aorta dilatada com aspecto fusiforme. B. Vista interna do aneurisma, mostrando trombose que deixa o lúmen"aparentemente normal'; inclusive na arteriografia.

Braunwald E. Heart disease. A textbook of cardiovascular medicine. 7th ed. WB Saunders Co., 2005. Fuster V. Atherosclerosis and coronary artery disease. Lippincott Raven Publ., 1996. Heart failure practice guideline. Journal Card Failure. 2006; 12: 38-57. Nohria A, Lewis E, Stevenson LW Medical management of advanced heart failure. JAMA. 2002; 287: 628-640. Porto CC, Porto AL. Doenças do coração. Prevenção e tratamento. 2a ed. Guanabara Koogan, 2005. Porto CC, Porto AL Vademecum de clínica médica. 3a ed. Guanabara Koogan, 2010. VI Diretrizes brasileiras de hipertensão arterial das Sociedades Brasileiras de Cardiologia, Hipertensão e Nefrologia, 2010. WHO/ISFC Report of 1995. Task force on the definition and classification of cardiomyopathies. Circulation. 1996; 93: 841 -842.

••••••••••••••• . •••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••• ,

•••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••1

••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••



•••••••••••••1

••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••1

••••• •••••• ••• •• •••••••••••• •• ••• •••••••••••• •••• ..1 •• •• •••••••••• ••••••••••••• •••••• ••••••••••••• ••••••••• • • •••• ••• •• • • •••••••• •• • • •• ••• •••• • • ••• •• • ••• • •• • • ···=·· • •••• • ··=··· • • •• • ••• •• • • . I ••!I• • ••••• •••. •• • • • • • • •• • • • • • ••••• •••••••••.•• •I!• • •. • • • • •• • • • • •• • • ••• • • Seção 2 Artérias

••••••

•••••





•••••••••••••••••••

••

••••• • •••••

•••• •



I

••

•••

• ••

••••••• ••• •••••• ••• ••••••• ••••••••••••••••••••••••••••••

•••••

•• •

••••• •• • • •

•••••••••••••••••••



••••••••••••••••••••••

••



••



••

•••

•••



••



•••

••••••



•••



•••

••

•••



••••••••••••1

••

••

• • ••

••••• ••••• •

•• ••••• •



••••••• •

• ••

••• • •

I

•••1 •••1

•••• ••• •• I

••







••

I

• • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • •1 • • • •••••• ••• • •• • ••• •••••• • • •• •• •• • •••1









• •



.



• •





53 Noções de atomia e Fisiologia Edvaldo de Paula eSilva e Yosio Nagato

A árvore arterial é constituída de artérias de grande, médio e pequeno calibres e de arteríolas. São de grande calibre: aorta, tronco braquicefálico, ilíacas comuns, ilíacas externas, femorais comuns e carótidas comuns; de médio calibre, as artérias subclávias, carótidas internas, axilares, braquiais, femorais superficiais e poplíteas; as demais artérias são de pequeno calibre. As arteríolas, além de apresentarem diâmetro ainda menor, têm características histológicas especiais. A parede arterial é formada por três camadas - endotélio, média e adventícia - com estruturas diferentes, de acordo com o calibre e a função do vaso (Figura 53.1). A camada endotelial apresenta células endoteliais dispostas em escamas e sustentadas por um arcabouço de tecido conjuntivo frouxo. Separando-a da camada média, existe uma estrutura de fibras elásticas, denominada membrana elástica



.



• •





• ••



interna, que apresenta aspecto sanfonado quando a artéria está contraída, e liso, quando dilatada. Com o envelhecimento, a camada endotelial sofre espessamento, à custa da proliferação do tecido conjuntivo subendotelial. A camada média é constituída de fibras elásticas e musculares. Nas artérias de grande calibre, há predominância do tecido conjuntivo; nas de médio e pequeno calibres, passa a ocorrer aumento gradativo das fibras musculares lisas e diminuição das fibras elásticas. As fibras musculares são dispostas circularmente, podendo haver fibras longitudinais em algumas artérias. Separando a média da adventícia, há uma camada de tecido elástico cuja espessura varia de acordo com a artéria. Trata-se da membrana elástica externa, que é bem desenvolvida nas artérias coronárias. A camada mais externa da artéria, adventícia, é formada de tecido conjuntivo, sendo mais abundante nas artérias de médio calibre. Em algumas artérias, a adventícia pode ser mais

\ t-- - Sulber,doltélio ---~< ~;-r..~embrana

elástica----rr interna

:.• •t .•



Figura 53.1 Corte histológico de uma artéria.

548 espessa que a camada média. Nela localizam-se os vasa vasorum, constituídos de arteríolas, capilares arteriais e venosos, vênulas e vasos linfáticos. A nutrição da parede arterial é feita por embebição, por meio da camada endotelial, e por nutrientes transportados pelos vasa vasorum. As artérias, as arteríolas e as metarteríolas são intensamente inervadas pelo sistema nervoso autônomo, responsável pela vasoconstrição e vasodilatação desses vasos. O sistema simpático é responsável também pela manutenção do tônus vasomotor. Ainda há dúvidas quanto à existência de inervação parassimpática na árvore arterial. A função primordial do sistema vascular é o transporte de nutrientes para as células e a remoção de catabólitos, que são levados aos órgãos responsáveis por sua eliminação. A circulação apresenta outras funções, tais como absorção de substâncias no nível dos intestinos, enchimento de órgãos eréteis e controle da temperatura corporal. O fluxo sanguíneo depende primordialmente da contração cardíaca e é regulado pela elasticidade e contratilidade das artérias. As grandes artérias, graças às suas paredes elásticas, sofrem distensão durante a sístole cardíaca, acumulando sangue em seu interior; na diástole, voltam ao seu calibre normal, impulsionando o sangue para as artérias que estão adiante. Assim, o fluxo sanguíneo ocorre de maneira contínua, e não de modo intermitente, como é a contração cardíaca. O fluxo do sangue é determinado por um gradiente de pressão fornecido pela força contrátil do coração, sempre maior que a resistência periférica, proporcionada principalmente pelas arteríolas. O fluxo de sangue para os tecidos é controlado por fatores neurovegetativos, humorais e locais. .,. Mecanismos de controle do fluxo sanguíneo. O controle nervoso do fluxo de sangue nas artérias e arteríolas é feito por intermédio dos sistemas simpático e parassimpático. O simpático inerva o coração e todo o sistema vascular, exceto os capilares; o parassimpático inerva apenas o coração e os órgãos eréteis das genitálias masculina e feminina. O sistema nervoso simpático fornece fibras vasoconstritoras e vasodilatadoras, com predomínio de umas ou de outras, conforme a função do órgão. Assim, nos rins, no baço, nos intestinos e na pele, predominam as fibras vasoconstritoras; no coração, nos músculos esqueléticos e no cérebro, as vasodilatadoras. O centro vasomotor localizado no bulbo tem a propriedade de emitir continuamente estímulos vasoconstritores conduzidos pelo simpático à parede arterial, o que a mantém em estado de contração parcial. É o que se chama tônus vasomotor. .,. Regulação da pressão arterial. O aumento da pressão arterial determina dilatação da parede das artérias. Nos seios carotídeos, situados na bifurcação carotídea e na crossa da aorta, existem receptores sensíveis à distensão e à contração dessas artérias, de onde partem impulsos que são transmitidos ao centro vasomotor, no bulbo, o qual, por sua vez, emite estímulos que alcançam o coração e as artérias periféricas com a finalidade de diminuir a contratilidade cardíaca e promover vasodilatação arteriolar, ocasionando queda da pressão arterial. Quando há diminuição da pressão arterial, ocorre fenômeno contrário. O aumento da volemia estimula os receptores localizados nos átrios e na artéria pulmonar, provocando impulsos que alcançam o centro vasomotor pelas vias simpáticas. Deste centro, partem estímulos para os rins, os quais determinam aumento do débito urinário, e para o hipotálamo, reduzindo a

Parte 8

I Sistema Cardiovascular

produção do hormônio antidiurético, o que também promove aumento do débito urinário. .,. Fluxo arterial nas condições de estresse. Quando o organismo sofre um estresse, os centros corticais e hipotalâmicos estimulam o centro vasomotor, que emite impulsos para o coração - aumentando sua frequência e sua contratilidade- e impulsos vasoconstritores para as artérias, que elevam o tônus vasomotor, com exceção das artérias musculares, que recebem estímulos vasodilatadores. Também são enviados estímulos à medula suprarrenal que desencadeiam liberação de norepinefrina e epinefrina, que atuam no nível das artérias e do coração, aumentando a resistência periférica e a contratilidade cardíaca. Todas essas alterações buscam preparar o organismo para a "luta ou fuga': e representam as reações primitivas do organismo diante de qualquer agressão. .,. Mecanismos de controle humoral. Diversas substâncias atuam sobre a parede arterial provocando vasoconstrição ou vasodilatação. As mais importantes são: epinefrina, norepinefrina, angiotensina, bradicinina, vasopressina, serotonina, prostaglandinas, íons Ca+, K+, Mg+, Na+, H+. A epinefrina e a norepinefrina são continuamente produzidas pelas suprarrenais e agem na parede arterial, mantendo o tônus vasomotor. Em condições de estresse, sua secreção aumenta pela estimulação do sistema nervoso simpático. A epinefrina apresenta ação vasodilatadora no coração e nos músculos esqueléticos e ação vasoconstritora nas demais artérias. A norepinefrina apresenta apenas ação vasoconstritora. A formação de angiotensina depende do seguinte mecanismo: quando ocorre hipotensão arterial, a queda do fluxo renal ou a diminuição da concentração de sódio estimula a secreção da renina, que age sobre uma proteína plasmática angiotensinógeno - transformando-o em angiotensina I, que sofre a ação da enzima conversora da angiotensina (ECA), sendo transformada em angiotensina li, com potente ação vasoconstritora. A angiotensina li atua nas arteríolas, produzindo vasoconstrição com elevação da pressão arterial. Age, também, no nível dos rins, aumentando a reabsorção de sódio e de água. A bradicinina produz vasodilatação e aumento da permeabilidade capilar. A vasopressina tem ação vasoconstritora arteriolar e age nos rins, produzindo reabsorção de água. A serotonina apresenta ação vasodilatadora e vasoconstritora e sua participação no controle da circulação é pouco conhecida. A histamina é liberada em todos os tecidos lesados a partir dos eosinófilos e dos mastócitos; tem ação vasodilatadora arteriolar e aumenta a permeabilidade capilar. As prostaglandinas constituem um grupo heterogêneo de substâncias, algumas com ação vasodilatadora e outras, vasoconstritora. Os íons sódio, magnésio e potássio, quando em níveis elevados, produzem vasodilatação; o aumento do cálcio determina vasoconstrição. Quando há aumento ou grande diminuição da concentração do hidrogênio, determina-se vasodilatação; diminuição discreta deste íon provoca vasoconstrição. .,. Regulação local do fluxo sanguíneo. O fluxo sanguíneo nos leitos capilares é controlado por mecanismos locais, mediados principalmente pela concentração de oxigênio, óxido nítrico, co2 e hidrogênio. Basicamente, o aumento da concentração de oxigênio produz contração do esfíncter pré-capilar, diminuindo o fluxo, enquanto a diminuição provoca relaxamento do esfíncter pré-capilar, aumentando a perfusão.

53 I Noções de Anatomia eFisiologia .,.. Funções do endotélio. As células endoteliais formam uma barreira física e outra metabólica, capaz de degradar substâncias e impedir que elas atuem nas camadas mais profundas da parede dos vasos. Outra função importante é a modulação do tônus vascular, liberando substâncias vasodilatadoras (prostaciclinas e fator de relaxamento derivado do endotélio) e vasoconstritoras (endotelina). O endotélio desempenha também fundamental papel com relação à hemostasia e na regulação da atividade fibrinolítica. Visto deste modo, o endotélio cons-

549 titui, na verdade, um extenso órgão que se espalha por todo o organismo, correspondendo a uma área de cerca de 1.000 m 2 em uma pessoa adulta.

.... Bibliografia Guyton AC. Fluxo sanguíneo pela circulação sistêmica e sua regulação. In: Fisiologia humana. 6' ed. Guanabara Koogan, 1988.

54 Exame Clínico Edvaldo de Paula eSilva e Yosio Nagato

..,. Introdução O exame clínico das artérias compreende a anamnese e o exame físico com algumas manobras especiais.

..,. Anamnese Algumas enfermidades vasculares se manifestam preferencialmente em um dos sexos. A tromboangüte obliterante, por exemplo, acomete os homens em uma proporção de 9:1, com relação às mulheres. Já a doença de Takayasu aparece principalmente nas mulheres, assim como as varizes e as afecções vasoespásticas, como a doença de Raynaud e o livedo reticular. A idade é um elemento importante no raciocínio diagnóstico, pois as vasculopatias têm suas faixas etárias preferenciais. Exemplos: a tromboangiite obliterante, a doença de Takayasu e as doenças vasoespásticas costumam aparecer até os 40 anos; a aterosclerose surge após os 40 ou 50 anos; e a arterite temporal é mais comum em pessoas acima de 60 anos de idade. Um acidente vascular cerebral em paciente jovem sugere sempre ruptura de aneurisma congênito, enquanto, em uma pessoa idosa, é mais provável que se trate de trombose ou embolia, em virtude de comprometimento aterosclerótico das artérias. A raça também tem importância no diagnóstico. A tromboangüte obliterante, por exemplo, tem maior incidência entre os povos orientais e semitas. A úlcera de perna da anemia falciforme ocorre geralmente em negros e pardos. Nos antecedentes pessoais, é importante a pesquisa de doenças que possam se manifestar no sistema vascular, tais como lues, tuberculose, doenças cardíacas de um modo geral, colagenoses, febre reumática, diabetes e hipertensão arterial. Deve-se indagar sobre cirurgias prévias, principalmente herniorrafia inguinal, cirurgia de hérnia de disco, meniscectomia, dissecção venosa e cateterismo.

Pesquisa-se, também, sobre a ocorrência de fraturas, contusões, traumatismos por arma branca ou arma de fogo. Determinados trabalhos podem causar, agravar ou desencadear doença arterial, destacando-se os seguintes: • Trabalho com martelo pneumático pode ocasionar traumatismo nas artérias das mãos e desencadear o fenômeno de Raynaud • Trabalhadores em câmaras frigoríficas estão mais sujeitos a sofrer alterações nas extremidades (dedos, nariz, orelhas) produzidas por vasospasmo induzido pelo frio • Trabalhadores em lavoura de trigo podem sofrer intoxicação pela inalação do esporão do centeio, com aparecimento de alterações isquêmicas nas extremidades, devido à vasoconstrição provocada por alcaloides do ergot. O tabaco tem indiscutível ação deletéria sobre o sistema arterial, causando vasospasmo e edema da íntima, além de aumentar a adesividade plaquetária. Tais alterações propiciam o aparecimento de trombose, principalmente nas pequenas artérias. A alimentação hiperlipídica aumenta a incidência de aterosclerose. O uso continuado de alguns medicamentos pode levar ao aparecimento de doença vasospástica, como é o caso do ergotismo em pacientes que abusam dos derivados do ergot para tratamento da enxaqueca.

..,. Sinais e sintomas Os principais sintomas e sinais das afecções das artérias são dor, alterações da cor e da temperatura da pele, alterações tróficas e edema. ~ Dor. A dor das afecções arteriais pode manifestar-se como formigamento, queimação, constrição ou aperto, cãibras, sensação de peso ou de fadiga. A dor mais característica da enfermidade arterial isquêmica crônica é a claudicação intermitente, que é uma dor diretamente relacionada com a realização de exercício; relatada como dor, aperto, cãibra ou queimação, ela surge após a realização de um exercício e vai aumentando de intensidade com sua continuação, podendo obrigar o paciente a interromper o que estiver fazendo. Com a interrupção do exercício, a dor desaparece rapidamente, de modo a possibilitar que o paciente volte a fazê-lo por período de tempo correspondente ao anterior, levando à dor novamente, fazendo-o parar outra vez. Esquematicamente, a claudicação intermitente pode ser descrita assim: Exercício ~ Dor ~ Repouso ~ Alívio da dor ~Exercício~ Dor (Figura 54.1). A dor isquêmica é causada pelo acúmulo de catabólitos ácidos ou por produtos de degradação dos tecidos, como a bradicinina, que estimulam as terminações nervosas.

Figura 54.1 Claudicação intermitente. Após caminhar alguns metros, o paciente começa a sentir dor na panturrilha, a qual se intensifica até obrigá-lo a parar. Depois de algum tempo parado (repouso), a dor desaparece, voltando o paciente a caminhar aproximadamente a mesma distância, quando, então, a dor reaparece. (Adaptada de Moraes, 1974.)

54

I Exame Clínico

De início, a claudicação intermitente ocorre quando o paciente faz longas caminhadas. Com a progressão da doença, a distância que consegue caminhar vai diminuindo, e, depois de algum tempo, não é possível andar nem mesmo dentro de casa. A claudicação intermitente é um sintoma tão importante que sua análise correta toma possível avaliar o grau de comprometimento do segmento arterial e a evolução da doença. Se a isquemia agravar-se ainda mais, a dor, que aparecia apenas durante a deambulação, passa a surgir em repouso, tornando-se inclusive mais intensa quando o paciente se deita. Aí, então, recebe o nome de dor em repouso. O aumento da dor na posição deitada deve-se à diminuição do fluxo sanguíneo para os membros inferiores, que é maior quando o paciente está de pé, em virtude da ação da gravidade. Na tentativa de obter algum alívio, o paciente com dor de repouso costuma dormir com o membro comprometido pendente; contudo, em geral, a dor não desaparece, porque esta posição provoca edema do membro afetado, agravando a isquemia. Aí, então, o paciente senta-se, coloca o pé sobre a cama e passa a afagar com delicadeza a área comprometida, cuidando para que nada, além da sua mão, a toque, pois até o roçar do lençol intensifica a dor, tomando-a intolerável. A dor em repouso é um sintoma de extrema gravidade, pois traduz isquemia intensa com risco de gangrena, passível de ocorrer à simples diminuição da temperatura ambiente. .,.. Alterações da cor da pele. A cor da pele depende do fluxo sanguíneo, do grau de oxigenação da hemoglobina e da presença de melanina. Nas doenças arteriais, as alterações da pele compreendem palidez, cianose, eritrocianose, rubor e o fenômeno de Raynaud. A palidez aparece quando há diminuição acentuada do fluxo sanguíneo no leito cutâneo, como ocorre na oclusão e no espasmo arterial (Figuras 54.2 e 54.10). Surge cianose quando o fluxo de sangue no leito capilar se toma muito lento, provocando consumo de quase todo o oxigênio, com consequente aumento da hemoglobina reduzida. A eritrocianose, coloração vermelho-arroxeada que ocorre nas extremidades dos membros com isquemia intensa, aparece no estágio de pré-gangrena, sendo consequência da formação de circulação colateral com dilatação de capilares arteriais e venosos, última tentativa do organismo para suprir as necessidades de oxigênio dos tecidos. O rubor ocorre principalmente nas doenças vasculares funcionais e se deve à vasodilatação arteriolocapilar.

Figura 54.2 Fenômeno de Raynaud. Nas falanges distais dos dedos mínimos e do anular da mão esquerda, observa-se intensa palidez, correspondente à primeira fase do fenômeno (vasospasmo).

551 Fenômeno de Raynaud

Ofenômeno de Raynaud é uma alteração da coloração da pele caracterizada por palidez, cianose e rubor de aparecimento sequencial. Contudo, nem sempre ocorrem as 3 fases. Podem surgir palidez e cianose, cianose e rubor ou apenas palidez ou cianose. Costuma ser desencadeado pelofrio e por alterações emocionais. t observado em diversas arteriopatias, nas doenças do tecido conjuntivo e do sistema nervoso, em afecções hematológicas, na compressão neurovascular cervicobraquial, em traumatismos neurovasculares e em intoxicações exógenas por metais pesados e ergot. Afisiopatologia do fenômeno de Raynaud é a seguinte: na primeira fase, ocorre vasospasmo com diminuição do fluxo sanguíneo para a rede capilar das extremidades, que é a causa da palidez (Figura 54.2). Na segunda fase, desaparece oespasmo das arteríolas e dos capilares arteriais e surge espasmo dos capilares venosos e vênulas, determinando estase sanguínea que provoca maior extração de oxigênio com aumento da hemoglobina reduzida, daí surgindo a cianose. Na terceira fase, desaparece o vasospasmo e ocorre vasodilatação, sendo o leito capilar inundado por sangue arterializado, que torna a pele ruborizada. O livedo reticular é uma alteração da coloração da pele caracterizada por uma cianose em modo de rede, circundando áreas de palidez. Nas manifestações mais intensas, a pele adquire o aspecto de mármore, daí a denominação cutis

marmorata . O livedo reticular e o fenômeno de Raynaud sofrem grande influência da temperatura ambiente, aumentando com o frio e diminuindo com o calor. .,.. Alteração da temperatura da pele. A temperatura da pele depende, basicamente, do maior ou menor fluxo sanguíneo. Nas doenças arteriais obstrutivas, a redução do aporte sanguíneo provoca diminuição da temperatura da pele (frialdade). Nos casos agudos, a interrupção abrupta do fluxo sanguíneo provoca nítidas alterações da temperatura abaixo do local da obstrução. A topografia da frialdade depende do nível da obstrução, do vasospasmo e da magnitude da circulação colateral preexistente. Se o vasospasmo for intenso, fica comprometida maior extensão da rede arterial, diminuindo ainda mais o fluxo sanguíneo e, consequentemente, ampliando a área de esfriamento (Figura 54.3). Nas obstruções crônicas, em virtude da instalação lenta da oclusão, há tempo para a formação de uma circulação colateral capaz de suprir parcialmente as necessidades metabólicas dos tecidos, havendo, então, menor queda da temperatura da pele. A frialdade da pele toma-se mais evidente quando cai a temperatura ambiente, pois o frio, poderoso agente vasoconstritor, passa a atuar na circulação colateral, reduzindo-a. .,.. Alteraçõestróficas. As alterações tróficas compreendem a atrofia da pele, a diminuição do tecido subcutâneo, a queda de pelos, alterações ungueais (atrofia, unhas quebradiças ou hiperqueratósicas), calosidades, lesões ulceradas de difícil cicatrização, edema, sufusões hemorrágicas, bolhas e gangrena. A maior parte destas alterações aparece nas arteriopatias crônicas; nas oclusões agudas, costumam surgir apenas bolhas, edema e gangrena. A pele atrófica torna-se delgada, brilhante, lisa, rompendo-se com pequenos traumatismos. Tal alteração é comum nas extremidades e nos cotos de amputação. A atrofia da pele costuma estar associada à diminuição do tecido subcutâneo, à queda de pelos e às alterações ungueais.

552

Parte 8

I Sistema Cardiovascular

Figura 54.3 Relação entre o local de oclusão da artéria e o nível de frialdade e palidez da pele. As áreas demarcadas por azul-claro representam as regiões que podem ou não esfriar, variando sua extensão de acordo com a intensidade do vasospasmo e/ou da circulação colateral preexistente. (Adaptada de Wolosker, Puech-Leão, Albers, 1974.)

As calosidades aparecem nos pontos de apoio, geralmente na cabeça do primeiro e quinto metatarsianos, nas polpas dos pododáctilos e nos calcanhares. São muito dolorosas e podem ulcerar-se. As úlceras podem ser minúsculas ou extensas, dependendo do grau de comprometimento arterial, localizando-se de preferência nas bordas dos pés, nas polpas digitais, nas regiões periungueais, no calcanhar e nas regiões maleolares. Podem aparecer espontaneamente ou após traumatismos, compressão, longa permanência no leito e enfaixamento com atadura ou gesso e são muito dolorosas. O fundo contém material necrótico e a cicatrização é difícil. Uma das características das úlceras isquêmicas é o fato de serem mais dolorosas no decúbito horizontal em comparação aos membros pendentes, em virtude da ausência da ação da gravidade sobre a circulação arterial naquela posição. Por este motivo, a dor é mais intensa à noite. Nos diabéticos e nos hansenianos, as ulcerações localizam-se de preferência nas polpas digitais e nas áreas de pressão da planta dos pés. Apresentam contornos nítidos, bordas circulares e hiperqueratósicas. Em geral, são indolores e podem conter secreção purulenta. Este tipo de úlcera recebe o nome de mal perfurante plantar. Na hipertensão arterial de longa duração, pode ocorrer ulceração, que geralmente se localiza na face lateral da perna, em seu terço inferior. É superficial, tem contorno regular, fundo necrótico e é muito dolorosa; é provocada pela obstrução de arteríolas da pele (arterioloesclerose). As lesões bolhosas aparecem nas oclusões arteriais agudas e traduzem grave comprometimento da pele. As bolhas são de tamanho variável e assentam-se sobre áreas cianóticas. Assemelham-se às produzidas por queimaduras e indicam avançado grau de isquemia com irreversibilidade do processo. Lesões bolhosas na pele e trombose capilar, reconhecível à digitocompressão, influenciam fortemente os critérios para indicação de amputação de membros. Gangrena é a morte de tecidos em consequência de isquemia intensa, aguda ou crônica. Pode ser desencadeada por pequenos traumatismos, compressão, infecção, micose interdigital ou espontaneamente. Ela se apresenta de duas maneiras - gangrena úmida e gangrena seca. A gangrena úmida tem limites imprecisos, é dolorosa e se acompanha de edema e sinais inflamatórios. Surge no diabetes, na tromboangiite obliterante, na trombose venosa profunda

e em certas infecções graves da pele e do tecido subcutâneo. Acompanha-se de secreção serossanguinolenta ou purulenta de intenso mau cheiro. A pele necrosada fica escura (preta), tem consistência elástica à palpação, deslizando facilmente sobre os planos profundos. A gangrena úmida, relacionada com infecção e toxemia, pode ser fatal e é uma condição que deve ser tratada em caráter de emergência. A gangrena seca é assim denominada pelo fato de os tecidos comprometidos sofrerem desidratação, ficando secos, duros, com aspecto mumificado. A pele comprometida fica preta e firmemente aderida aos planos profundos; há uma nítida delimitação entre a parte sadia e a comprometida. Com a evolução do processo, surge um sulco denominado "sulco de delimitação~ em que aparece alguma secreção de odor fétido (Figura 54.4).

Figura 54.4 Gangrena seca. Observa-se mumificação dos dedos, desidratação da pele do dorso do pé e nítido "sulco de delimitação" entre a parte sadia e a comprometida.

54

I Exame Clínico

Durante sua instalação, a gangrena seca apresenta dor; contudo, com o evoluir do processo, passa a ser indolor. Este tipo de gangrena ocorre principalmente na arteriosclerose obliterante periférica, podendo ser vista também na evolução tardia das oclusões arteriais agudas. É necessário diferenciar gangrena úmida, gangrena seca e gangrena gasosa. As duas primeiras ocorrem em razão de isquemia, ou seja, por deficiência do suprimento de oxigênio para os tecidos; na gangrena gasosa, o fornecimento de oxigênio é normal, mas as células não conseguem aproveitá-lo, devido à ação de endotoxinas produzidas por bactérias. .,.. Edema. O edema que ocorre em doenças arteriais isquêmicas resulta de inúmeros fatores, tais como aumento da permeabilidade capilar por isquemia, tendência dos pacientes a manterem os pés pendentes para aliviar a dor, dificultando o retorno venoso, processo inflamatório nas arterites e, às vezes, trombose venosa associada.

. .,. Exame físico O exame físico das artérias compreende inspeção, palpação, ausculta, medida da pressão arterial nos quatro membros e algumas manobras especiais. O exame do paciente começa quando este entra no consultório, sendo necessário observar o tipo de marcha, a postura e a fácies.

• Inspeção Para que seja feita inspeção, o paciente deve ficar de pé e deitado. Nas manobras especiais, descritas mais adiante, mudanças de posição e elevação ou abaixamento dos membros são úteis na avaliação das alterações de coloração da pele. Na eritrocianose, por exemplo, que aparece na tromboangiite obliterante avançada, pode surgir palidez cutânea intensa quando se muda a posição do membro, de pendente para horizontal ou elevada. A pele deve ser examinada em toda a extensão da superfície corporal, procurando-se alterações de coloração (palidez, cianose, eritrocianose, rubor, manchas), assimetria de membros e de grupos musculares, alterações ungueais, ulcerações, calosidades, gangrenas e micoses interdigitais. É fundamental observar eventuais batimentos arteriais que podem sugerir hipertensão arterial, arteriosclerose, aneurisma ou fístula arteriovenosa.

. .,. Palpação À palpação, avaliam-se a temperatura da pele, compa-

rando-se áreas homólogas em diferentes níveis do corpo, a elasticidade, a umidade da pele, a ocorrência de tumoração, infiltração do derma e tecido subcutâneo, manifestação de frêmito nos trajetos arteriais ou sobre tumoração, pulsatilidade das artérias e endurecimento de suas paredes. .,.. Temperatura da pele. A avaliação da temperatura da pele deve ser feita em ambiente com temperatura amena e estável, pois frio ou calor intensos podem mascarar eventuais alterações. Cumpre relembrar que modificações da temperatura são mais bem percebidas com o dorso da mão ou dos dedos.

553 .,.. Elasticidade da pele. Além da pesquisa da elasticidade, que é feita pinçando-se uma dobra da pele com a polpa dos dedos indicador e polegar, avalia-se sua consistência e a mobilidade sobre os planos profundos. Algumas colagenoses, como o lúpus eritematoso e a esclerodermia, determinam espessamento e endurecimento da pele, o que também ocorre com as doenças 1squem1cas cromcas. .,.. Umidade da pele. A umidade da pele é avaliada com o dorso das mãos ou com as polpas digitais; aumento ou diminuição da umidade pode ter importância no diagnóstico. A hiperidrose, por exemplo, ocorre nas moléstias vasculares funcionais, na distrofia simpaticorreflexa e na causalgia, enquanto ausência de sudorese em áreas restritas pode levantar a suspeita de hanseníase, doença que sempre deve entrar no diagnóstico diferencial das úlceras das extremidades. .,.. Frêmito. Frêmito é a sensação tátil das vibrações produzidas pelo turbilhonamento do sangue ao passar por uma estenose ou dilatação. O frêmito corresponde ao sopro e pode ser sistólico ou contínuo (sistodiastólico). Frêmito sistólico ocorre nas estenoses e nos aneurismas; o frêmito contínuo, nas fístulas arteriovenosas . A intensidade do frêmito varia de acordo com o grau de estenose ou dilatação e com a velocidade do fluxo sanguíneo. Pode ser graduado de+ a++++. Quando o frêmito é pouco intenso, deixando dúvidas quanto à sua ocorrência, pode-se torná-lo mais nítido ao solicitar que o paciente faça algum exercício com o membro afetado. Se o frêmito estiver nos membros inferiores, o paciente deve saltitar ou correr durante alguns minutos. Se for nos membros superiores, deve executar movimentos de abrir e fechar as mãos. •

A



A



Palpação dos pulsos periféricos A palpação sistematizada e simétrica das artérias possibilita detectar diminuição ou ausência de pulso, viabilizando o diagnóstico de estenose ou oclusão. A amplitude do pulso é graduada de + a ++++ e pode variar de examinador para examinador, mas o importante é a determinação da amplitude comparativamente em pulsos homólogos pelo mesmo examinador. As artérias acessíveis à palpação são: carótida comum, temporal superficial, facial e nasal, subclávia, braquial, radial, cubital, aorta abdominal, ilíaca externa, femoral comum, poplítea, tibial anterior, dorsal do pé, tibial posterior e digitais, das mãos e dos pés (Figura 54.5). Como a palpação de todos os pulsos demanda muito tempo, costuma-se examinar rotineiramente apenas as artérias carótidas, radiais, cubitais, femorais, dorsais do pé e tibiais posteriores. Se houver diminuição ou ausência de um desses pulsos, é necessário fazer o exame de todas as outras artérias, principalmente no segmento corporal com alterações. A técnica de palpação dos pulsos periféricos é a seguinte: .,.. Pulso radial. Em virtude de sua utilização para a análise do funcionamento cardíaco, o pulso radial foi estudado com o exame do coração (ver Capítulo 50, Exame Clfnico). .,.. Pulso c.arotídeo. Para examinar as artérias carótidas, o médico coloca-se diante do paciente, ficando este de pé ou sentado. O pulso carotídeo direito é palpado com a polpa do polegar esquerdo, que afasta a borda anterior do músculo esternocleidomastóideo, ao mesmo tempo que procura as pulsações, perceptíveis um pouco mais profundamente. As polpas dos dedos médio e indicador fixam -se sobre as últimas vértebras cervicais (Figura 54.6).

Parte 8 I Sistema Cardiovascular

554 A. temporal l

A. nasal ----=:::fi A. facial - - - --"1 .': A. carótida comum -=~~~~:.."~~..;~ A. subclávia A. axilar - --F- ,...... "_

__.

A. braquial - -c-:jsA. ulnar A. radial Aa. digitais -

---il

-+

---+-,....,:--- A. ilíaca externa

r;

'---+-itt'fl\"--

A. femoral comum

,'----+-- - - A. femoral

\,\ 1\r...,;;f-- __ y 'r'

superficial A. poplítea

..1-+--- - - A. fibular

t--+-+- - - - A. tibial posterior dorsal do pé -......L..I...~---- Aa. digitais -t-7-'t- - - - A.

Figura 54.5 Representação esquemática dos locais em que se deve fazer a palpação das artérias periféricas. (Adaptada de Kappert.)

Para a palpação da artéria carótida esquerda, usa-se a mesma técnica com a mão direita. A palpação da carótida também pode ser feita com o paciente em decúbito dorsal, com a cabeça levemente fletida e o médico postado à sua direita. Palpam-se os batimentos arteriais com as polpas dos dedos indicador, médio e anular. Independentemente da técnica, é necessário palpar com delicadeza para não comprimir o seio carotídeo, pois isso pode causar bradicardia, parada cardíaca ou desprendimento de trombos aderidos a uma placa ateromatosa. Não se devem palpar ambas as artérias ao mesmo tempo, para evitar o risco de isquemia cerebral nos pacientes que apresentem oclusão de uma delas. .,. Pulso temporal superficial. A artéria temporal superficial deve ser palpada com o dedo indicador, acima da articulação temporomandibular, logo adiante do trago. Pode-se palpar também o ramo frontal, situado acima da arcada supraorbitária.

Figura 54.6 Técnica de palpação do pulso carotídeo.

O paciente pode ficar sentado, de pé ou em decúbito dorsal. .,. Pulso subclávio. A artéria subclávia é palpada com o paciente sentado, fazendo leve flexão da cabeça para o lado a ser examinado. O médico fica à frente, ao lado ou atrás do paciente e procura sentir a subclávia com os dedos indicador, médio e anular, na fossa supraclavicular, profundamente e posteriormente à clavícula (Figura 54.7A). Este pulso é difícil de encontrar, em especial nos indivíduos brevilíneos e obesos. .,. Pulso axilar. A artéria axilar pode ser palpada com o paciente sentado ou em decúbito dorsal. O médico coloca-se ao lado do membro a ser examinado. Enquanto a mão homolateral sustenta o braço ou antebraço do paciente, em leve abdução, os dedos indicador, médio e anular da mão contralateral procuram comprimir a artéria axilar contra o colo do úmero, no oco axilar (Figura 54.7B) . .,. Pulso braquial. A artéria braquial é palpável em toda a sua extensão, sendo mais acessível, contudo, no seu terço distal (Figura 54.7C). O paciente fica sentado ou em decúbito dorsal e o médico se posta ao lado do membro a ser examinado; com a mão homolateral, segura o antebraço do paciente, fazendo leve flexão sobre o braço, enquanto os dedos indicador, médio e anular da mão contralateral sentem as pulsações da artéria no sulco bicipital, abarcando o braço do paciente e utilizando o polegar como ponto de fixação na face lateral do braço. .,. Pulso cubital. A artéria cubital pode ser palpada com o paciente sentado ou em decúbito dorsal. O médico fica na frente ou ao lado do paciente, conforme esteja ele sentado ou deitado; com a mão homolateral, segura a mão do paciente, fazendo leve flexão, e com os dedos indicador, médio e anular da mão contralateral procura sentir as pulsações da artéria cubital, situada entre os músculos flexor superficial dos dedos e o flexor ulnar do carpo, utilizando o polegar como ponto de apoio no dorso do punho (Figura 54.7D). .,. Pulso aórtico abdominal. A aorta é palpada com o paciente em decúbito dorsal, fazendo leve flexão das coxas sobre a bacia para promover relaxamento dos músculos abdominais. O médico fica à direita do paciente e, com a mão direita, procura a aorta no espaço compreendido entre o apêndice xifoide e a cicatriz umbilical, pressionando-a contra a coluna vertebral. A mão esquerda deve apoiar-se sobre a direita para ajudar na compressão (Figura 54.8). A palpação da aorta abdominal costuma ser difícil nos pacientes obesos e musculosos. Nos indivíduos muito magros e nas multíparas com flacidez na parede abdominal, as pulsações aórticas podem tomar-se tão evidentes que chegam a ser confundidas com aneurisma. É necessário considerar a hipótese de aneurisma da aorta abdominal ou das artérias ilíacas comuns quando há pulsações visíveis abaixo da cicatriz umbilical. .,. Pulso ilíaco. As artérias ilíacas externas e comuns podem ser palpadas com o paciente em decúbito dorsal com as coxas levemente fletidas sobre a bacia. O médico fica do lado a ser examinado e, com os dedos indicador, médio e anular da mão do mesmo lado, comprime a parede abdominal ao longo da linha que vai da cicatriz umbilical à parte média do ligamento inguinal. A mão oposta pode apoiar-se sobre a outra, auxiliando a compressão. Este pulso costuma ser difícil de palpar nos indivíduos obesos e musculosos. .,. Pulso femoral. A artéria femoral é palpada na região inguinocrural, logo abaixo do ligamento inguinal, em sua porção média (Figura 54.9A).

555

54 I Exame Clínico

A

B

D

Figura 54.7 Técnica de palpação dos principais pulsos do membro superior. A. Subclávio. B. Axilar. C. Braquial. D. Cubital.

Com o paciente em decúbito dorsal, o médico se posta do lado que será examinado e, com os dedos indicador, médio e anular, procura sentir as pulsações da artéria femoral comum no triângulo de Scarpa. Como a artéria femoral comum é superficial, não se deve fazer sobre ela muita compressão, principalmente nos indivíduos magros, pois isso pode provocar estreitamento do lúmen arterial com formação de um "falso" frêmito. Os frêmitos verdadeiros, encontrados nessa região, decorrentes de estreitamento da artéria por placas de ateroma, são percebidos à palpação superficial, sem qualquer compressão. .,.. Pulso poplíteo. A artéria poplítea é de difícil palpação, principalmente nos indivíduos obesos e musculosos e para con-

Figura 54.8 Técnica de palpação do pulso aórtico abdominal.

seguir palpá-la com precisão, é necessário bom treinamento (Figura 54.9B e C). Existem várias técnicas, destacando-se as seguintes: Primeira témica. Com o paciente em decúbito ventral, o médico se posta à sua direita e, com a mão esquerda, faz leve flexão da perna do paciente para diminuir a tensão do oco poplíteo. Firmando os dedos indicador, médio e anular na face anterior do joelho, o examinador aprofunda o polegar no oco poplíteo e tenta sentir as pulsações da artéria ali situada (Figura 54.9B). Segunda técnica. Com o paciente em decúbito dorsal e com a perna a ser examinada semifletida, o médico se posta ao seu lado, abarcando o joelho com as mãos; fixa os polegares na patela e aprofunda os dedos indicador, médio e anular de ambas as mãos no oco poplíteo. Enquanto os dedos de uma das mãos fazem compressão, os da outra procuram sentir as pulsações da artéria (Figura 54.9C) . .,.. Pulso tibial anterior. A artéria tibial anterior é palpada no terço distai da perna, entre os músculos extensor do hálux e extensor longo dos dedos. O paciente deve estar em decúbito dorsal com leve flexão do joelho. O médico coloca-se do lado do membro em exame, firmando o pé do paciente, em dorsiflexão, com uma das mãos. Com os dedos indicador, médio e anular da mão contralateral, procura sentir as pulsações da artéria no local referido. .,.. Pulso pedioso. A artéria pediosa é palpada entre o primeiro e o segundo metatarsianos. O paciente deve permanecer em decúbito dorsal, com leve flexão do joelho. O médico fica ao lado do membro a ser examinado e palpa a artéria com os dedos indicador, médio e anular de uma das mãos; com a outra, fixa o pé do paciente em dorsiflexão (Figura 54.9D). Esta artéria pode apresentar variações de localização e, quando não palpada no local habitual, é necessário procurá-la em toda a extensão do dorso do pé.

Parte 8

556

I Sistema Cardiovascular

A

D

Figura 54.9 Técnica de palpação dos principais pulsos do membro inferior. A. Femoral. B. Poplíteo- primeira técnica. C. Poplíteo- segunda técnica. D. Pedioso. E. Tibial posterior.

.,. Pulso tibial posterior. A artéria tibial posterior é palpada na região retromaleolar interna com o paciente em decúbito dorsal, com leve flexão do joelho (Figura 54.9E) - a extensão completa do joelho pode determinar compressão da artéria poplítea com diminuição dos pulsos podais. O médico fica ao lado do membro a ser examinado, sustentando o calcanhar do paciente com a mão homóloga; com os dedos indicador, médio e anular da mão contralateral, procura sentir as pulsações da artéria na região retromaleolar, fixando o polegar na região maleolar externa. .,. Pulsos anômalos. Nos pacientes em que não há ocorrência de pulsos tronculares abaixo dos cotovelos e dos joelhos, deve-se procurar em tomo destas articulações a manifestação de pulsos anômalos, que podem ser palpados quando se desenvolve boa circulação colateral.

• Ausculta Com o objetivo de detectar sopros, a ausculta deve ser feita no trajeto de todas as artérias tronculares do corpo. Os sopros podem ter intensidade variável, sendo conveniente quantificá-los em cruzes (+ a ++++), usando os mesmos critérios aplicados na ausculta do coração. Os sopros pouco intensos tornam-se mais nítidos após a realização de exercícios, tais como saltitar, correr alguns minutos ou abrir e fechar a mão repetidas vezes. Podem ser sistólicos ou contínuos (sistodiastólicos): os sistólicos são em razão de estenose ou dilatação da artéria; os contínuos ou sistodiastólicos originam-se nas fístulas arteriovenosas. Os sopros arteriais são produzidos por vibrações decorrentes de alterações do fluxo sanguíneo. Em condições normais, o sangue flui de maneira corrente laminar com velocidade um

pouco mais rápida na porção central, tal como as águas de um rio sem obstáculos em seu leito. Fato fundamental é que não se formem turbilhões, pois, quando isso acontece, o fluxo deixa de ser laminar e surgem vibrações que dão origem aos sopros. Cumpre assinalar que podem aparecer sopros em artérias normais, como ocorre nos pacientes anêmicos com diminuição da viscosidade sanguínea e aumento da velocidade do sangue. Exercícios intensos também aumentam a velocidade do fluxo sanguíneo, provocando sopros. Ao se auscultar uma artéria, deve-se tomar o cuidado de não comprimi-la fortemente, pois isso pode determinar "estreitamento artificial" do vaso, com o aparecimento de sopro. Nesses casos, basta reduzir a compressão para o sopro desaparecer. Nos indivíduos com hipertensão arterial, é indispensável a ausculta nas regiões epigástricas e lombares, buscando detectar sopros originados em artérias renais estenosadas. A combinação da ausculta com a palpação possibilita determinar o local de uma estenose. Exemplo: ao fazer a palpação dos membros inferiores, nota-se que o paciente apresenta pulso femoral direito intenso (++++) e pulso poplíteo diminuído (+ a ++), dado que levanta logo a suspeita de estenose no trajeto femoropoplíteo. Auscultando-se ao longo da artéria femoral superficial, é possível encontrar um sopro sistólico no nível do anel do adutor magno. Combinando-se estes dados de palpação e ausculta, conclui -se que há uma estenose naquele segmento arterial.

• Manobras para avaliação do fluxo arterial nas extremidades Antes do advento dos modernos aparelhos de detecção e quantificação do fluxo arterial, foram idealizadas inúmeras manobras ou provas para avaliar o fluxo sanguíneo nas arté-

54 I Exame Clínico rias periféricas. Muitas foram abandonadas, mas algumas permanecem válidas para a avaliação clínica dos pacientes com afecções vasculares.

• Manobras para avaliação do fluxo arterial nos membros inferiores As mais importantes são a manobra da marcha, a da isquem ia provocada, a do enchimento venoso e a da hiperemia reativa. ... Manobra da marcha. A prova da marcha consiste em fazer o paciente andar cadenciadamente, medindo-se a distância e o tempo necessários para que ocorra dor nos membros inferiores e incapacidade funcional. Pode ser padronizada e até quantificada, fazendo-se o paciente andar em uma esteira rolante, usada em teste ergométrico com velocidade regulável. Sua indicação principal é nos pacientes que apresentam claudicação intermitente. Esta manobra torna possível o seguimento clínico das doenças isquêmicas. Com ela, é possível comprovar que, conforme a isquemia aumenta, a distância percorrida se torna cada vez mais curta; além disso, é útil para avaliação de tratamento, quando pode acontecer o contrário. Dois parâmetros devem ser analisados nesta prova: o tempo de claudicação, que é o tempo gasto para o aparecimento da dor, e o tempo de incapacidade funcional, que é o tempo necessário para que o paciente seja obrigado a parar, em decorrência da dor. ... Manobra da isquemia provocada. A manobra da isquemia provocada compreende três tempos (Figura 54. I O). No primeiro tempo, com o paciente em decúbito dorsal, o médico observa a coloração das regiões plantares.

A

557 No segundo tempo, o paciente eleva os membros inferiores até um ângulo de 90°, mantendo-os nesta posição durante I min com a ajuda das mãos colocadas na face posterior das suas coxas. Se o paciente não conseguir elevar as pernas espontaneamente, elas devem ser mantidas nesta posição com o auxílio do médico (Figura 54.IOB). Após I min, observa-se a coloração das regiões plantares. Em condições normais, não há alteração da coloração ou, se houver, será muito discreta. Havendo isquemia, aparece palidez na região plantar do membro comprometido, tanto mais intensa quanto maior for a deficiência de irrigação (Figura 54.I OC). Nos casos em que há dúvida, para tomar a prova mais evidente, solicita-se ao paciente que execute movimentos de extensão e flexão dos pés em uma frequência de 30 movimentos por minuto, durante 3 min. Ao final do exercício, observam-se novamente as regiões plantares. Havendo isquemia, a palidez plantar torna-se mais nítida. No terceiro tempo, os membros voltam à posição horizontal, observando-se, então, o tempo necessário para o retorno da coloração normal. Em pessoas normais, isso se faz em 5 a I2 segundos. Se houver isquemia, este tempo se prolonga, aumentando quanto mais intensa for a isquemia; aliás, quando houver isquemia, o pé nem readquire a coloração normal ele passa a ter uma cor vermelho-arroxeada ou vermelho vivo, denominada "hiperemia reativa~ Nos casos de isquemia muito acentuada, a hiperemia não é homogênea, ficando mesclada com áreas de palidez. Nesses pacientes, a elevação dos membros provoca também dor, que se intensifica com a movimentação dos pés. Esta prova pode ser realizada nos membros superiores, bastando solicitar ao paciente que eleve os braços acima da cabeça e execute movimentos de flexão e extensão dos dedos. A sistemática de observação é a mesma. ... Manobra da hiperemia reativa. A manobra da hiperemia reativa compreende 3 tempos.

c

Figura 54.10 Manobra da isquemia provocada. A. Primeiro tempo. B. Segundo tempo (elevação dos membros inferiores até um ângulo de 90°). C. Observe a ocorrência de palidez na região plantar direita com a elevação do membro.

558 No primeiro tempo, estando o paciente em decúbito dorsal, o médico observa a coloração dos membros. No segundo tempo, seus membros inferiores são elevados a cerca de 90°, mantendo-os nesta posição durante 3 min para que haja esvaziamento do leito venoso. Em seguida, coloca-se na raiz da coxa um manguito pneumático, de largura apropriada, o qual é insuflado até ultrapassar o valor da pressão sistólica do paciente. No terceiro tempo, os membros voltam à posição horizontal; 3 min após, o manguito é desinsuflado rapidamente. Observam-se, então, as alterações de coloração que aparecem distalmente. Nos indivíduos normais, imediatamente após a desinsuflação do manguito, nota-se o aparecimento de uma coloração avermelhada que progride de maneira uniforme até alcançar os pododáctilos, no prazo de 1Oa 15 segundos, permanecendo por 30 a 40 segundos. Esta coloração desaparece no mesmo sentido em um prazo de, no máximo, 2 min. Quando ocorre isquemia, o tempo de surgimento da coloração avermelhada é mais longo e pode demorar até 30 min para acometer os pododáctilos. Além disso, a disseminação da coloração nem sempre é uniforme, ocorrendo em placas, que podem ser cianóticas, em vez de avermelhadas. A manobra da hiperemia reativa pode ser realizada nos membros superiores, bastando, para isso, fazer a compressão com o manguito na parte proximal dos braços. ..,. Manobra do enchimento venoso. A manobra do enchimento venoso compreende, também, três tempos. No primeiro tempo, com o paciente sentado e com as pernas pendentes, o médico observa o estado de enchimento das veias do dorso dos pés. A seguir, solicita-se a ele deitar-se elevando os membros inferiores a cerca de 90°, após o que o examinador massageia as veias superficiais, esvaziando-as com movimentos deslizantes da mão em direção à coxa. No terceiro tempo, o paciente reassume a posição sentada rapidamente, deixando os pés pendentes outra vez. Determina-se, então, o tempo necessário para o enchimento das veias. Em condições normais, este período é de cerca de 1O segundos; quando há isquemia, o tempo se prolonga, aumentando de acordo com a intensidade da deficiência da irrigação. Cumpre assinalar que esta manobra não tem valor nos portadores de varizes e nos pacientes submetidos à simpatectomia lombar e nem quando é realizada em ambiente muito frio, em virtude de espasmo arteriolar e venoso provocado por temperaturas baixas.

• Manobras para avaliação do fluxo arterial nos membros superiores As manobras para avaliação do fluxo arterial nos membros superiores compreendem a manobra de Adson, a costoclavicular, a costoclavicular passiva, a da hiperabdução e a de Allen. Para mais bem compreendê-las, é necessário recapitular as relações anatômicas entre as artérias subclávia e axilar e as estruturas que podem comprimi-las. A artéria subclávia corre entre os músculos escalenos anterior e médio, sobre a primeira costela (triângulo interescalênico), juntamente com o plexo braquial. Em sua passagem pelo espaço costoclavicular, a artéria subclávia e o plexo braquial podem ser comprimidos pela primeira costela e pela clavícula. A artéria axilar passa sob o tendão do músculo pequeno peitoral, próximo à sua inserção no processo coracoide, local

Parte 8

I Sistema Cardiovascular

em que pode sofrer compressão durante a hiperabdução do braço. Eventualmente, pode haver uma costela cervical anômala, flutuante ou articulada à primeira costela e que pode comprimir a artéria subclávia e as raízes do plexo braquial. Um processo transverso muito longo da 7ª vértebra cervical, bem como traves fibróticas, pode determinar alterações iguais às de uma costela. A hipertrofia do músculo escaleno anterior também pode ocasionar compressão da artéria subclávia e das raízes do plexo braquial. ..,. Manobra de Adson. Esta manobra é utilizada para o diagnóstico de compressão da artéria subclávia e do plexo braquial pelo músculo escaleno anterior, costela cervical, processo transverso longo da 7ª vértebra cervical ou bridas fibróticas (Figura 54.11). É realizada em dois tempos. No primeiro tempo, coloca-se o paciente sentado com os membros superiores apoiados sobre os joelhos; feito isso, o médico palpa o pulso radial e ausculta a região supraclavicular, do lado que está sendo examinado (Figura 54.11A). No segundo tempo, enquanto o médico palpa o pulso radial, solicita-se ao paciente que faça uma inspiração profunda, retendo-a, seguida de extensão forçada da cabeça, que é girada para o lado em exame. O médico permanece auscultando a região supraclavicular; se houver compressão da artéria subclávia, o pulso radial diminui de intensidade ou desaparece e surge um sopro na região supraclavicular (o sopro desaparece se a manobra provocar oclusão total da artéria). O paciente pode queixar-se de parestesia ou dor no membro superior e, além disso, é possível observar palidez na região palmar. Em alguns casos, esta manobra toma-se positiva quando o paciente gira a cabeça para o lado oposto. Para ter valor diagnóstico, a manobra deve ser repetida várias vezes, com resultados semelhantes. O diagnóstico diferencial da causa da compressão da artéria subclávia - músculo escaleno anterior, costela cervical ou apófise transversa longa da 7~ vértebra cervical- é feito pelo estudo radiológico da região. A compressão por brida fibrótica pode ser confirmada por exame de ressonância magnética ou por exploração cirúrgica. ..,. Manobra costoclavicular. É utilizada para detectar compressão da artéria subclávia no nível de sua passagem pelo espaço costoclavicular (Figura 54.12). É realizada em dois tempos. No primeiro tempo, o paciente é posto sentado com as mãos apoiadas sobre os joelhos; em seguida, o médico palpa o pulso radial e ausculta a região supraclavicular ou infraclavicular na junção do terço médio com o terço externo da clavícula (Figura 54.12A). No segundo tempo, solicita-se ao paciente que faça uma inspiração profunda, ao mesmo tempo que joga os ombros para trás e para baixo, como na posição de sentido (exagerada) dos militares. Se houver compressão da artéria subclávia, o pulso radial diminui ou desaparece e surge um sopro na região supra ou infraclavicular. O sopro desaparece quando o pulso se torna impalpável (Figura 54.12B). ..,. Manobra costoclavicular passiva. Esta manobra é constituída de dois tempos. No primeiro tempo, o paciente é posto na posição sentada com o braço abduzido a 90° e com o antebraço fletido também a 90°. Nesta posição, o braço do paciente é sustentado pelo médico, que palpa o pulso radial. No segundo tempo, é feita rotação lateral do braço, que é jogado para trás. Se houver compressão da artéria subclávia, ocorre diminuição ou desaparecimento do pulso. A ausculta na região supra ou infraclavicular, na junção do terço médio com o lateral da clavícula, detecta um sopro na vigência de compressão. A inspiração potencializa esta manobra.

54

I Exame Clínico

559

Figura 54.1 1 Manobra de Adson. A. Primeiro tempo. B. Segundo tempo.

A

B Figura 54.12 Manobra costoclavicular. A. Primeiro tempo. B. Segundo tempo.

Parte 8

560

I Sistema Cardiovascular

Figura 54.13 Manobra de hiperabdução. A. Primeiro tempo. B. Segundo tempo.

... Manobra de hiperabdução. Esta manobra serve para o diagnósti-

co de compressão da artéria subclávia pelo tendão do músculo pequeno peitoral, sendo realizada em dois tempos (Figura 54.13). No primeiro tempo, o paciente fica sentado com os membros superiores pendentes ou apoiados sobre os joelhos. Neste momento, o médico palpa o pulso radial do lado em exame. No segundo tempo, enquanto o médico palpa o pulso radial, solicita-se que o paciente faça hiperabdução do braço, colocando a mão acima da cabeça. Durante a movimentação do braço, o médico observa a amplitude do pulso. Se houver compressão, o pulso diminui ou desaparece e, à ausculta da região axilar, é possível detectar sopro. Esta manobra pode ser potencializada com a inspiração profunda . ... Manobra de Allen. A manobra de Allen busca detectar oclusão da artéria ulnar ou da artéria radial, sendo realizada em quatro tempos (Figura 54.14). No primeiro tempo, o paciente fica sentado com os membros superiores estendidos à sua frente, mantendo as regiões palmares voltadas para cima. No segundo tempo, o médico palpa a artéria radial com o polegar, fixando os demais dedos no dorso do punho do paciente. No terceiro tempo, enquanto comprime a artéria radial, o médico solicita ao paciente fechar a mão com força, de modo a esvaziá-la de sangue. No quarto tempo, mantendo-se a artéria radial comprimida, solicita-se ao paciente que abra a mão sem estender os dedos. Em condições normais, há uma rápida volta da coloração da mão e dos dedos. Havendo estenose ou oclusão da artéria ulnar, o retorno da coloração é mais demorado e não é uniforme, formando placas. Para o diagnóstico de oclusão da artéria radial, o médico usa a mesma manobra; no entanto, no terceiro e quarto tempos, a artéria comprimida é a ulnar.

A

c

B

,, ' ,~Artéria Artéria~d-1-/

radial

ulnar ~Oclusão

(trombo)

Figura 54.14 Manobra de Allen. A. Enquanto o médico comprime o pulso radial, o paciente fecha a mão com força, provocando palidez pelo esvaziamento de sangue. B. Ao abrir a mão, a coloração normal volta quando estão normais a artéria ulnar e a arcada palmar. C. Se houver oclusão da artéria ulnar, a mão permanece pálida. (Adaptada de Fairbairn 11.)

.... Bibliografia Burihan E, Batista-Silva JCC. O exame vascular. In: Pitta GBB, Castro AA, Burihan E, editores. Angiologia e cirurgia vascular: guia ilustrado. Maceió: UncisaVEcmal & Lava, 2003. Moraes IN. Propedêutica vascular. São Paulo: Sarvier, 1974. Wolosker M, Puech-Leão LE, Albers MTV. Oclusões arteriais agudas. In: Zerbine EJ et al. Clínica cirúrgica Alipio Corrêa Neto. 3a ed. 2Qvol. São Paulo: Sarvier, 1974.

55 Exames Complementares Edvaldo de Paula eSilva e Yosio Nagato

..,. Introdução Os exames complementares para o diagnóstico de doenças vasculares podem ser não invasivos e invasivos. Os exames não invasivos mais utilizados atualmente são: dopplerfluxometria, ecografia, tomografia computadorizada e ressonância magnética. Os exames invasivos mais usados são angiotomografia, angiorressonância e angiografia.

..,. Ultrassonografia (dopplerfluxometria e ecografia) A dopplerfluxometria é utilizada na avaliação da velocidade do fluxo sanguíneo, e a ecografia, no estudo das estruturas dos vasos. A dopplerfluxometria é útil no estudo das doenças arteriais orgânicas e funcionais, no controle de enxertos arteriais, na avaliação de resultados da simpatectomia, na determinação dos efeitos de medicamentos vasodilatadores, na avaliação de circulação de alças intestinais em transposição (esofagocoloplastia), na avaliação das microanastomoses arteriais e venosas, na seleção de pacientes a serem submetidos à arteriografia e no diagnóstico de doenças venosas, tais como varizes, trombose venosa profunda e insuficiência valvular. .... Efeito Doppler. Quando se emite um feixe sonoro ultrassônico a um obstáculo estático, ele é refletido com a mesma frequência; quando o feixe sonoro encontra um obstáculo que se move em direção à fonte emitente, a onda refletida é de frequência maior; quando o obstáculo se afasta, a onda refletida é de frequência menor. A diferença entre a frequência emitida e a refletida corresponde ao efeito Doppler. Esta propriedade dos ultrassons viabilizou a construção de aparelhos capazes de determinar com precisão a velocidade do fluxo sanguíneo de maneira não invasiva. A dopplerfluxometria possibilita o estudo dos sons, o registro gráfico das ondas de pulso, a medida da pressão sistólica isolada, da pressão de diferentes segmentos dos membros superiores e inferiores e da pressão sistólica peniana. Além disso, fornece dados para a determinação de vários índices de pressão. É possível, também, o estudo da circulação cerebral de maneira não invasiva.

Os sons podem ser registrados em uma fita magnética para estudo em um analisador de espectro sonoro que quantifica o grau de estenose de uma artéria com grande precisão. A morfologia da curva obtida na dopplerfluxometria pode ser alterada por inúmeros fatores, tais como estenose, oclusão, vasoconstrição e vasodilatação. A determinação da pressão arterial no nível da artéria pediosa e da tibial posterior é feita com grande facilidade com o dopplerímetro, mesmo no caso de oclusão e estenose, desde que os vasos estejam pérvios no local do exame. .... Pressão segmentar. Entende-se por pressão segmentar a medida da pressão arterial em diversos níveis ou segmentos dos membros, principalmente dos inferiores. Ela é de grande importância para avaliar oclusão nos segmentos aortoilíaco, femoropoplíteo e nas artérias mais distais. A pressão da coxa proximal é 20 a 40 mmHg maior que a pressão no braço; no terço distai, aproximadamente 116% da pressão no braço e no tornoz.elo, de 11 a 14 mmHg acima da pressão do braço. Maior importância tem a comparação das pressões obtidas nos diversos níveis. Assim, uma diferença menor que 20 mmHg entre níveis contíguos é considerada normal; entre 20 e 30 mmHg, duvidosa; acima de 30 mmHg, anormal. Resultado anormal indica estenose ou oclusão das artérias situadas entre as 2 medidas. A medida da pressão no nível dos pododáctilos é de importância no prognóstico de cicatrização dos cotos de amputação e de úlceras isquêmicas. .... fndices de pressão. Mais importante que a determinação da pressão supramaleolar isolada e das pressões segmentares é a relação entre a pressão supramaleolar e a pressão braquial (índice de pressão supramaleolar!hraço ou tornozelo/braquial) e a relação entre a pressão do terço proximal da coxa e a pressão braquial (índice coxa/braço). O valor normal do índice de pressão supramaleolar!hraço varia de 0,97 a 1,2; níveis abaixo de 0,97 são indicativos de estenose ou oclusão. O índice de pressão coxa/braço é normalmente superior a 1,2. Entre 0,8 e 1,2, indica estenose no segmento aortoilíaco; abaixo de 0,8, oclusão. .... Pressão sistólica do pênis. A medida da pressão do pênis é valiosa na identificação da impotência sexual de origem arterial. É realizada com um manguito de 2,5 a 3 em de largura, utilizando-se um dopplerímetro ou um pletismógrafo para a identificação do fluxo, de modo a possibilitar a mensuração da pressão sistólica peniana. A pressão do pênis normal é igual à pressão braquial ou até 20 mmHg abaixo desta. O valor da pressão sistólica peniana, dividido pela pressão sistólica braquial, é o índice pênis/braço, cujo valor normal é acima de 0,8.

• Provas de esforço Algumas manobras que exigem a execução de esforço são fundamentais na avaliação da circulação arterial periférica. A dopplerfluxometria veio dar mais sensibilidade a esta avaliação. Em vista desse fato, foram idealizadas as provas de esforço (provas de estresse), que podem ser realizadas pela marcha, após exercício de flexão e extensão do pé com o paciente deitado e com garroteamento do membro ou hiperemia reativa. Essas provas são importantes para a avaliação do grau de isquemia dos pacientes acompanhados ambulatorialmente em tratamento clínico ou para a análise do grau de perviedade dos vasos ou próteses usadas para revascularização e para a seleção de pacientes candidatos a arteriografia.

562

Parte 8

I Sistema Cardiovascular

~

Prova da marcha. Pode ser realizada em um corredor demarcado ou em esteira ergométrica, na posição horizontal ou com inclinação de 12% (10,8°) e velocidade de 2,4 kmlh. São medidas as pressões arteriais no braço e no tornozelo, com o paciente em repouso e após caminhar até apresentar claudicação ou por 5 min. Diferenças de pressão braço-tornozelo > 20 mmHg são sugestivas de estenose hemodinamicamente significativa. ~ Exercício de flexão e extensão dos pés. Essa prova é realizada com o paciente deitado em posição supina com o membro elevado em uma inclinação de 30°. Toma-se a pressão arterial no braço e no tornozelo com o paciente em repouso. A seguir, solicita-se ao paciente que faça flexão e extensão do pé em uma frequência de 40 a 50 movimentos por minuto, até que sinta dor na musculatura da perna ou até 5 min. Mede-se a pressão arterial no braço e no tornozelo de minuto a minuto, até que ela volte ao nível pré-exercício ou até 5 min. ~ Prova do garroteamento do membro ou hiperemia reativa. Essa prova é realizada com o paciente em decúbito horizontal e mede-se a pressão no braço e no tornozelo. A seguir, é feito garroteamento da coxa com um manguito pneumático insuflado a uma pressão superior à pressão sistólica do paciente. O garroteamento é mantido por 3 a 7 min. Após liberação do garrote, toma-se imediatamente a pressão no braço e no tornozelo de minuto a minuto, até a volta dos valores pré-exercício ou até 5 min. Nessas provas, quanto maior for o tempo gasto para retornar aos valores pré-exercício, maior será a isquemia.

.,.. Ecografia A ecografia consiste no registro das ondas de ultrassons refletidas a partir de superfícies de diferentes densidades e é cada vez mais empregada no diagnóstico de doenças vasculares, tais como aneurismas, estenoses e oclusões arteriais, principalmente das artérias carótidas, aorta abdominal, ilíacas, femorais comuns, femorais superficiais, poplíteas e de artérias mais distais.

.,.. Dúplex scan O dúplex scan ou eco-Doppler combina avaliação anatômica com a funcional da árvore vascular (Figura 55.1). Pelo Doppler colorido, o vaso é mais facilmente localizado, a direção do fluxo é prontamente determinada (cor azul - fluxo se aproxima do transdutor; cor vermelha - fluxo se afasta do transdutor) e os locais de maior velocidade facilmente visualizados (maior velocidade - cores mais saturadas; menor velocidade - menos saturadas). Por ser método não invasivo, o dúplex scan tem como vantagens seu baixo custo, versatilidade, possibilidade de ser realizado repetidas vezes e isenção de riscos. Praticamente todas as artérias do corpo podem ser mapeadas pela ultrassonografia dúplex, sendo a aorta torácica e o coração melhor estudados pelo dúplex transesofágico, e as artérias intracranianas, pelo Doppler transcraniano. O dúplex apresenta três funções distintas: triagem (screening) diagnóstico definitivo e acompanhamento. Como triagem, é utilizado na detecção de doença, particularmente as graves, em uma população grande e diversa, principalmente estenose

Figura 55.1 A. Dúplex scan colorido normal da carótida. B. Úlcera em carótida em escala cinza e com Doppler colorido. C. Dúplex de carótidas mostrando carótida interna ocluída. A avaliação anatômica é feita com ultrassom modo B (ecografia) em tempo real, e a funcional, com dopplerfluxometria e análise espectral.

da carótida (Figura 55.1B), aneurisma da aorta abdominal (Figura 55.2A), dissecção aórtica aguda, aneurismas periféricos e lesões ateroscleróticas dos membros inferiores. Como método diagnóstico definitivo, fornece informações precisas sobre a localização e a gravidade de lesões obstrutivas, em alguns casos dispensando a angiografia. No seguimento dos pacientes, constitui o exame de escolha, pois detecta precocemente erros técnicos pós-operatórios e lesões estenosantes recorrentes, em particular, pós-endarterectomia da carótida e na revascularização dos membros.

.,.. Tomografia computadorizada A tomografia computadorizada (TC) para o estudo dos vasos arteriais é a tomografia helicoidal, sendo que os aparelhos mais modernos fazem o escaneamento multiplanar em tempos cada vez menores. As imagens obtidas podem ser reconstruídas de maneira tridimensional, facilitando a

55

I Exames Complementares

Figura 55.2 A. Dúplex scan da aorta abdominal com aneurisma infrarrenal, sendo visualizados o cólon proximal e a extensão do aneurisma até a bifurcação aórtica. B. Dissecção da aorta abdominal, em que se observa o duplo lúmen separado pelo septo dissecante.

localização e a mensuração das lesões. Para isso, utiliza-se contraste iodado e o exame passa a ser denominado angiotomografia. A angiotomografia pode estudar toda a árvore arterial desde cerebrais, coronárias, viscerais até artérias das extremidades (Figura 55.7). Podem ser visualizadas dilatações (Figura 55.3B), obstruções, estenoses, circulação colateral, malformações arteriais e arteriovenosas e dissecção arterial (Figura 55.3A). É de suma importância para o diagnóstico e planejamento do tratamento dos aneurismas da aorta torácica e abdominal. É utilizado no estudo de patologias agudas (ruptura de aneurismas) e crônicas ateroscleróticas e inflamatórias (doença de Takayasu, tromboangiite obliterante) e também na detecção de infecção em próteses vasculares implantadas. Uma das desvantagens da angiotomografia é a necessidade de se utilizar grande quantidade de contraste iodado, que limita seu uso em pacientes com insuficiência renal crônica e nos pacientes alérgicos ao iodo.

563

Figura 55.3 Tomografia computadorizada axial contrastada. A. Corte axial da aorta descendente, mostrando dissecção crônica da aorta, visualizando-se o lúmen contrastado, o septo calcificado, que separa o lúmen dos trombos, e intensa calcificação da parede externa da aorta. B. Corte axial da aorta abdominal, mostrando grande aneurisma com o lúmen contrastada, área com trombo e calcificações na parede externa da aorta.

..., Ressonância magnética A ressonância magnética (RM) é utilizada no diagnóstico das dilatações e dissecções da aorta torácica e abdominal, das alterações isquêmicas e malformações vasculares cerebrais, das afecções das artérias femoral e poplítea (aneurismas, cistos adventiciais e síndrome do aprisionamento), das afecções da veia cava inferior (trombose, tumores invasivos, anomalias anatômicas), sendo de especial utilidade na avaliação das malformações vasculares periféricas (hemangiomas, fístulas) (Figura 55.4).

Figura 55.4 Angiografia por ressonância magnética contrastada com gadolínio. A. Fase precoce, mostrando aorta abdominal e ilíacas com estenose da aorta abaixo da emergência das artérias renais, veias renais De Ee veia cava inferior. Ocorrência de cisto no polo inferior do rim E. B. Fase tardia, mostrando ainda contrastação da aorta e ilíacas, veias ilíacas e cava inferior, veia porta, veias supra-hepáticas. Observe duplicação da veia cava inferior abaixo das veias renais.

564

Parte 8 I Sistema Cardiovascular

A angiografia obtida por ressonância magnética fornece imagens bi ou tridimensionais dos vasos, tornando possível estimar a gravidade das lesões. A angiografia por ressonância depende do movimento do sangue dentro do vaso; portanto, é um método fisiológico que possibilita analisar velocidades e volumes de fluxo. É um método incruento e, por não utilizar meios de contraste iodados, pode ser aplicado em pacientes com função renal comprometida e nos que apresentam alergia a esses contrastes. Na angiorressonância, utiliza-se o gadolínio, substância paramagnética, por tornar as imagens vasculares mais nítidas. Nos pacientes renais crônicos, o gadolínio pode provocar complicação grave, potencialmente fatal: a fibrose sistêmica nefrogênica, doença descrita em 1997.

..- Arteriografia A arteriografia fornece uma imagem do lúmen do vaso, delineando o contorno das paredes internas das artérias e viabilizando o diagnóstico de estenose, oclusão, circulação colateral, ocorrência ou não de reenchimento troncular distai a uma oclusão, fístula arteriovenosa e vascularização patológica (neoplásica). É um exame que define com precisão a localização anatômica das lesões e as condições das artérias distalmente, fator imprescindível para o tratamento cirúrgico. A arteriografia é um método cruento e doloroso, não desprovido de risco, e necessita de anestesia locorregional ou geral. Assim, sua indicação deve ser feita com rigor, após completa avaliação do paciente e com objetivos definidos. As arteriografias podem ser feitas por meio de punção direta da artéria, cateterismo por punção cutânea (técnica de Seldinger), dissecção de uma artéria ou punção venosa (arteriografia por subtração digital). A arteriografia tem chance de apresentar complicações relativas à técnica de punção ou ao cateterismo, aos meios de contraste e à anestesia, incluindo formação de hematoma, hemorragia e trombose no local da punção, dissecção da parede da artéria, formação de aneurisma dissecante, perfuração arterial e deslocamento de placas de ateroma com embolização distai. Os contrastes podem provocar inúmeras reações secundárias, destacando-se náuseas, vômitos, urticária, edema da glote, choque anafilático, paraplegia e insuficiência renal. Uma arteriografia normal tem as seguintes características: a parede da artéria é lisa, seu calibre é uniforme e vai diminuindo à medida que os ramos são emitidos. O contraste desaparece rapidamente, segundos após o término da injeção (Figura 55.5). As afecções que apresentam alterações características na arteriografia são embolia arterial, aterosclerose, tromboangiite obliterante, hiperplasia fibromuscular, fístula arteriovenosa, aneurismas e costela cervical. Na embolia arterial, com oclusão arterial aguda, mas sem comprometimento aterosclerótico do vaso, observa-se que a artéria a montante da oclusão tem paredes lisas e regulares e há interrupção brusca do contraste, formando uma imagem comparada a uma taça invertida, escassa circulação colateral e ausência de contraste nas artérias tronculares distais (Figura 55.6A). Na aterosclerose, as paredes são irregulares, com abaulamentos e reentrâncias, diminuição do lúmen arterial (localizado ou em vários pontos, ao longo da artéria), dilatação da artéria a jusante de uma estenose, abundante formaç.ão de circulação colateral do tipo convergente e reenchimento das artérias tronculares distais à oclusão (Figura 55.6B).

Figura 55.5 Aortografia normal. Observe as paredes lisas, o calibre uniforme e a diminuição progressiva do diâmetro da artéria à medida que os ramos são emitidos.

Figura 55.6 Arteriografias mostrando algumas alterações vasculares. A. Embolia arterial -observe que a artéria femoral superficial apresenta paredes lisas com brusca interrupção do fluxo (imagem de taça invertida no local da obstrução). Nota-se também a ocorrência de êmbolos no trajeto da artériafemoral profunda. Ausência de circulação colateral. B. Aterosclerose -observe a irregularidade da parede da artéria femoral superficial, na qual há um segmento trombosado. Ocorrência de circulação colateral. C. Aneurisma -observe grande dilatação fusiforme da aorta. O. Hiperplasia fibramuscular- nota-se estenose da artéria renal com dilatação pós-estenótica.

55

I Exames Complementares

Na tromboangiite obliterante, nota-se que a parede arterial a montante da lesão vai diminuindo como a ponta de um lápis, oclusão de pequenas artérias tronculares - mais raramente de artérias de médio calibre -, circulação colateral abundante do tipo divergente, com arteríolas em formato de saca-rolhas, e raramente reenchimento de artérias tronculares distais. Na hiperplasia fibromuscular, a qual compromete mais frequentemente as artérias renais e carótidas, observa-se que a parede arterial a montante e a jusante da lesão é lisa e, no local comprometido, a artéria pode apresentar imagem serrilhada ou tipo "colar de pérolas': ou ainda constrição localizada com dilatação pós-estenótica (Figura 55.6D). No aneurisma, é característica a dilatação do vaso, sacular ou fusiforme, sendo possível notar irregularidades na parede, indicativas de placas ateromatosas ou trombos (Figuras 55.6C e 55.7).

565 Na fístula arteriovenosa, a parede arterial a montante e a jusante é lisa, há diminuição do calibre da artéria distai à fístula, formação de circulação colateral abundante, contrastação da veia satélite da artéria precocemente, sendo possível visualizá-la enquanto ainda há contraste na artéria. A presença de uma costela cervical pode provocar estenose da artéria subclávia direita (Figura 55.8).

Figura 55.8 Arteriografia de estenose de artéria subclávia direita porcostela cervical.

. .,. Bibliografia

Figura 55.7 Angiotomografia de aneurisma de artéria poplítea bilateral.

Blankensteijn JD, Kool LJS. Computed tomography. In: Rutherford's vascular surgery. 7th ed. Saunders Elsevier, 2010. Dawson DL, Strandness Jr. DE. Duplex scanning. In: Vascular diseases surgical & interventional therapy. Edited by Strandness }r. DE, Breda AV. Churchill Livingstone Inc., 1994. Litt H, Carpenter JP. Magnetic resonance imaging. In: Rutherford's vascular surgery. 7th ed. Saunders Elsevier, 2010. Rana NR, McLafferty RB. Arteriography. In: Rutherford~s vascular surgery. 7th ed. Saunders Elsevier, 2010.

56

Doenças das Artérias Edva/do de Paula eSilva, YosioNagatoeCharles EstevesPereira

.,. . Introdução As principais doenças das artérias são arteriosclerose (que inclui aterosclerose, mediosclerose de Mõnckberg, esclerose senil dos grandes vasos, arteriolosclerose e microangiopatia diabética), tromboangiite obliterante, aneurismas, fístulas arteriovenosas e traumatismos arteriais. Deve-se estudar separadamente a síndrome isquêmica aguda e a síndrome isquêmica crônica, pois quase todas as arteriopatias podem apresentá-la. Constituem grupo à parte as doenças vasculares funcionais, que incluem doença de Raynaud, acrocianose e livedo reticular.

fusa e choque neurogênico. A dor é de menor intensidade ou ausente quando a oclusão ocorre em leito arterial previamente comprometido, com circulação colateral presente. Com a persistência do processo isquêmico, há comprometimento do sistema nervoso periférico, provocando perda da sensibilidade térmica, tátil, dolorosa e dos movimentos. A pele adquire, de início, palidez intensa, que surge vários centímetros abaixo do nível da oclusão. Com o evoluir do processo isquêmico, se não ocorrer irrigação por intermédio de colaterais, a pele vai ficando cianótica, difusamente ou em placas. A cianose é indicativa de isquemia acentuada, sem grandes possibilidades de recuperação. A diminuição da temperatura da pele é sinal característico da redução do fluxo arterial. Em geral, tal como a palidez, a frialdade instala-se alguns centímetros abaixo do nível da oclusão e sua intensidade é maior nas partes mais distais do membro (Figura 54.3). Quando a isquemia é acentuada, os músculos sofrem contratura intensa, chamada contratura isquêmica de Volkmann, além de ficarem muito dolorosos à palpação e à mobilização. As bolhas ou flictenas surgem nas isquemias graves; em geral, nas áreas cianóticas. Os pulsos periféricos desaparecem distalmente à oclusão. Proximalmente, o pulso pode estar diminuído, em virtude do espasmo arterial. Cumpre ressaltar que a palpação dos pulsos deve ser feita atentamente, pois, às vezes, tem-se a sensação de palpar um pulso, quando, na verdade, o que se está percebendo é a transmissão de um pulso proximal. A confirmação diagnóstica pode ser feita por meio do dúplex scan.

.,. . Síndrome isquêmica crônica .,. . Síndrome isquêmica aguda A síndrome isquêmica aguda surge em consequência da interrupção brusca de sangue para um segmento do organismo. A etiologia é variável, destacando-se embolia arterial, responsável por mais de 70% dos casos, trombose arterial, traumatismos arteriais, dissecção aguda da aorta e ligadura inadvertida de uma artéria. O quadro clínico da síndrome isquêmica aguda depende da área comprometida, destacando-se a síndrome isquêmica cerebral aguda (AVC), as síndromes de isquemia miocárdica (angina de peito, infarto do miocárdio), a síndrome isquêmica intestinal aguda e a síndrome isquêmica aguda dos membros, a única aqui analisada. As demais serão estudadas em outros capítulos.

• Síndrome isquêmica aguda dos membros O quadro clínico da isquemia aguda dos membros é caracterizado por dor, alteração da cor e da temperatura da pele, contratura muscular, bolhas e ausência de pulsos periféricos, distalmente à oclusão arterial. A dor ocorre em cerca de 70% dos casos, podendo ser de instalação súbita ou insidiosa. Comumente é precedida da sensação de formigamento e dormência. Com a evolução do processo isquêmico, instala-se dor constritiva de forte intensidade que se acompanha de incapacidade funcional. Quando a dor é muito intensa, o paciente pode apresentar sudorese pro-

A síndrome isquêmica crônica é de aparecimento insidioso, por diminuição progressiva da irrigação sanguínea em um determinado território. É provocada pela redução ou oclusão do lúmen de uma artéria, fato que pode ocorrer em inúmeras afecções, destacando-se a aterosclerose, as arterites, as fístulas arteriovenosas, a compressão extrínseca por costela cervical e as neoplasias. Os sinais e os sintomas dependem do território comprometido, existindo os mais variados quadros clínicos. Neste capítulo, será estudada apenas a síndrome isquêmica crônica dos membros inferiores.

.,. . Síndrome isquêmica crônica dos membros inferiores Na síndrome isquêmica crônica dos membros inferiores, a sintomatologia depende do grau de comprometimento da artéria, da localização da lesão e do grau de desenvolvimento da circulação colateral. Nas oclusões da aorta terminal, o paciente relata dor tipo claudicação, lor2lizada nas nádegas e nas coxas, impotência sexual e hipotrofia dos músculos das coxas e das pernas. Quando a oclusão se propaga distalmente, comprometendo a circulação colateral, o paciente pode apresentar queda de pelos, úlceras periungueais, onicogrifose, gangrena de pododáctilos e dor em repouso. As lesões arteriais mais distais podem provocar claudicação da perna ou apenas do pé.

56

I Doenças das Artérias

Nas isquemias graves, ocorre dor em repouso e, em geral, a extremidade adquire uma coloração vermelho-cianótica. É frequente o aparecimento de áreas necróticas, bastando para isso um pequeno traumatismo ou a diminuição da temperatura ambiental. O diagnóstico de estenose ou oclusão é suspeitado pelo exame clínico e confirmado por dopplerimetria, dúplex scan, pletismografia, termografia e arteriografia. ... Nomenclatura e classificação da isquemia dos membros inferiores. A Sociedade de Cirurgia Vascular dos Estados Unidos e o capítulo norte-americano da Sociedade Internacional de Cirurgia Cardiovascular indicaram um grupo de trabalho para padronização dos relatórios sobre isquemia dos membros inferiores, que sugeriu os conceitos aqui resumidos: • Isquemia crítica: indica diminuição acentuada da circulação do membro de maneira aguda ou crônica agudizada que, se não tratada a tempo, pode levar à amputação de parte ou de todo o membro • Isquemia aguda difusa do membro inferior: o membro inferior acometido de isquemia difusa aguda é classificado, de acordo com a gravidade, em: o Viável: dor isquêmica ausente, ausência de alterações nervosas, boa perfusão capilar da pele, fluxo arterial pulsátil e audível ao nível do tornozelo com o dopplerímetro, pressão sistólica do tornozelo maior que 30 mmHg. Membro sem risco imediato de amputação o Com viabilidade ameaçada: dor isquêmica intensa, parestesia e paresia, ausência de fluxo arterial pulsátil ao nível do tornozelo, sistema venoso profundo pérvio ao dopplerímetro. O quadro é reversível desde que se restaure o fluxo arterial com presteza o Inviável: ocorrência de cianose fixa na pele, ausência de perfusão capilar na pele, lesões bolhosas, perda de sensibilidade superficial e profunda, paralisia e/ou contração muscular. Amputação, qualquer que seja o tratamento efetuado • Dor isquêmica em repouso: dor de forte intensidade que acomete o membro inferior, geralmente no nível do pé e pododáctilos, com o paciente em repouso, e não cede mesmo com analgésicos potentes. Este termo só deve ser utilizado quando persiste por mais de 6 semanas, apesar do tratamento adequado • úlcera isquêmica rebelde: úlcera que não cicatriza apesar de tratamento adequado, às vezes por meses. A pressão sistólica no nível do tornozelo não ultrapassa 60 mmHg e, no nível dos pododáctilos, 40 mmHg • Salvação do pé: termo que indica o resultado positivo de um tratamento que evitou a amputação do pé, mesmo tendo havido amputação menor. Somente é válido quando o coto resultante do tratamento for funcional • Amputação menor: amputação de pododáctilos e transmetatarsiana. Nesse tipo de amputação, o paciente deve ser capaz de caminhar sem o uso de prótese • Amputação maior: amputações que levam à necessidade de uso de prótese por parte do paciente para poder ficar de pé ou deambular.

.,.. Classificação em graus. Foi sugerida para a isquemia crônica dos membros inferiores a classificação em 4 graus (0, I, II e III) e em 7 categorias. Para a classificação em graus, é utilizado apenas o exame clínico: • O = paciente assintomático • I = paciente portador de claudicação que pode ser leve, moderada ou grave

567 • II = paciente portador de dor isquêmica de repouso • III = paciente portador de lesão trófica.

.,.. Classificação em categorias. Para a classificação em categorias, é necessária a utilização de dopplerímetro, pletismógrafo, bem como a medida da pressão sistólica no nível do tornozelo e artelhos, realização de prova de esforço (marcha ou exercício de flexão-extensão do pé ou da hiperemia reativa), registro das ondas de pulso no nível do tornozelo e artelhos: • O = paciente assintomático, com lesão arterial hemodinamicamente insignificante, que, à prova de esforço (marcha ou exercício de flexão-extensão do pé ou hiperemia reativa), não apresenta anormalidade • 1 = paciente portador de claudicação leve que consegue completar a prova de esforço (marcha ou exercício de flexão-extensão do pé ou hiperemia reativa), mas, ao final, tem a pressão sistólica no nível do tornozelo acima de 50 mmHg, mas 25 mmHg abaixo da pressão sistólica braquial • 2 = paciente com claudicação moderada e que, no teste de esforço (marcha ou exercício de flexão-extensão do pé ou hiperemia reativa), situa-se entre as categorias 1 e 3 • 3 =paciente com claudicação grave que não consegue completar a prova de esforço e, ao final do exercício, apresenta pressão arterial sistólica menor que 50 mmHg • 4 = paciente com dor em repouso que apresenta, em repouso, pressão arterial sistólica ao nível de tornozelo menor que 40 mmHg, no nível de artelho menor que 30 mmHg e ondas de pulso no nível do tornozelo achatadas e fracamente pulsáteis • 5 = paciente portador de úlceras isquêmicas de difícil cicatrização ou gangrenas focais e que apresenta, em repouso, pressão sistólica no nível do tornozelo menor que 60 mmHg, no nível do artelho menor que 40 mmHg e ondas de pulso no nível do tornozelo achatadas ou fracamente pulsáteis • 6 =paciente portador de lesões tróficas extensas com comprometimento acima do terço médio do pé, tornando-o irrecuperável funcionalmente após tratamento e que apresenta, em repouso, pressão sistólica no nível do tomozelo menor que 60 mmHg, no nível de artelho menor que 40 mmHg e ondas de pulso no tornozelo achatadas ou fracamente pulsáteis.

.... Arteriosclerose Arteriosclerose não é uma entidade clínica única e definida, e sim o nome genérico de um grupo de afecções cujo denominador comum é a ocorrência de alterações não inflamatórias da parede vascular, as quais culminam com o endurecimento das artérias, que pode ocorrer em cinco afecções, etiopatogênica e anatomopatologicamente distintas, a saber: aterosclerose, mediosclerose de Monckeberg, esclerose senil dos grandes vasos, arteriolosclerose e microangiopatia diabética. Não há relação direta entre os vários tipos de arteriosclerose, constituindo erro frequente o estabelecimento de correlações entre 2 ou mais tipos. O que ocorre, na verdade, com relativa frequência, é a concomitância, na mesma pessoa ou no mesmo segmento vascular, de dois ou mais tipos de arteriosclerose, sem que tais processos mórbidos se inter-relacionem etiopatogenicamente.

Parte 8

568 Assim, na aorta de pessoas idosas, não é raro encontrar sinais de esclerose senil e lesões ateroscleróticas, não significando, entretanto, que exista relação entre uma e outra. É uma mera coincidência, cuja explicação recai sobre o fato de estas afecções ocorrerem na mesma faixa etária. A concomitância de medíosclerose da artéria radial e aterosclerose aórtica ou coronária também não é rara. Todavia, trata-se de simples coincidência, e o encontro de uma artéria radial endurecida e tortuosa não possibilita presumir a existência de lesões ateroscleróticas no nível da aorta, das artérias coronárias ou cerebrais. Sendo a hipertensão arterial, ao mesmo tempo, causa direta da arteriolosclerose e um dos mais importantes fatores de risco da aterosclerose, não é de estranhar que, nos pacientes hipertensos, encontrem-se associados estes dois tipos de arteriosclerose. Algo semelhante ocorre com os pacientes diabéticos, que podem ser acometidos de microangiopatia diabética, afecção vascular específica desta enfermidade, e de aterosclerose, em cuja patogênese participam, por certo, alterações metabólicas que ocorrem no diabetes. ... Relação entre arteriosclerose etrombose. O único tipo de arteriosclerose que mantém relação direta com a trombose é a aterosclerose. Tais relações são tão estreitas que, tempos atrás, a literatura médica criou uma abundante sinonímia envolvendo as duas condições mórbidas. Lesões ateroscleróticas são as causas principais de trombose arterial. A palavra aterosclerose (do grego athere = papa; sklerós = endurecimento; sufixo osis), foi criada por Marchand em 1904. É o principal tipo de arteriosclerose em função das complicações isquêmicas que podem ocorrer no coração, no cérebro, nos rins, no intestino e nas extremidades inferiores. A lesão anatomopatológica fundamental é a placa de ateroma, cuja formação pode ser assim esquematizada: Inicialmente, há infiltração na íntima da artéria de substâncias lipídicas contidas no plasma sanguíneo. A lesão tem início na substância fundamental, ocorrendo um processo degenerativo com dilacerações das fibras colágenas pela invasão de lipófagos infiltrados de substâncias lipídicas. Ocorrem, então, edema e necrose da área em que tais alterações se processam, culminando com a proliferação de tecido fibroso que vai ocupar os espaços necróticos. Tais alterações vão se sucedendo até se formar a placa de ateroma. Em síntese, a placa ateromatosa, lesão básica da aterosclerose, é um depósito de substâncias lipídicas encravadas em uma área de fibrose da íntima, sempre circundada por neoformação vascular. Uma característica fundamental da lesão aterosclerótica é sua localização subintimal com lesão do endotélio circunjacente. Para compreender a importância clínica desta enfermidade, é necessário conhecer suas possibilidades evolutivas e as eventuais complicações, que são as seguintes: • Crescimento progressivo da placa ateromatosa, isoladamente ou confluindo com outras placas; tal crescimento é feito no sentido do lúmen do vaso, determinando sua oclusão parcial ou total (Figura 56.1) • Crescimento progressivo, como referido no item anterior, com calcificação do vaso • Ulceração ou ruptura da placa ateromatosa com formação de uma superfície irregular naquele segmento do vaso, propiciando a instalação de trombose • Ocorrência de hemorragia subintimal com protrusão da placa no lúmen do vaso (tais hemorragias decorrem do fato

I Sistema Cardiovascular

de haver ao redor da placa ateromatosa uma neoformação vascular importante) • Ocorrência de trombose no nível da placa ateromatosa com oclusão parcial ou total do vaso (Figura 56.1). Em qualquer destas possibilidades evolutivas ou quando ocorre trombose, aparece sempre a mesma consequência: oclusão total ou parcial do vaso, que resulta em isquemia de todo um órgão ou parte dele. Um dos principais mecanismos que podem levar à oclusão vascular é a formação de trombo no local da placa ateromatosa. É provável que haja quase sempre uma alteração concomitante da coagulabilidade sanguínea, seja diretamente relacionada com o distúrbio do metabolismo lipídico, responsável também pela placa aterosclerótica, ou por outras causas, dentre as quais se destacam as alterações plaquetárias com aumento da adesividade e da capacidade de agregação destes elementos. A isquemia constitui, portanto, o fenômeno fisiopatológico fundamental. Cumpre salientar, contudo, que é necessário ocorrer um estreitamento equivalente a, no mínimo, 50% do diâmetro do lúmen vascular para que haja manifestação . " . 1squem1ca. ... Mecanismos etiopatogênicos. Inúmeras teorias têm tentado explicar os mecanismos que determinam as lesões ateroscleróticas, sua maneira de progredir e os acontecimentos que levam às complicações.

I Macrófagos Células espumosas Espessamento da subintima

Macrófagos Células musculares lisas Estrias gordurosas

111

IV

Macrófagos Gotas lipidicas Células musculares lisas

Lipidios extracelulares Desorganização endotelial

v

VI

Núcleos lipldicos Proliferação de tecido fibroso

Núcleos lipldicos Tecido fibroso Calcificação, fissura ou ruptura da placa trombo

11

Figura 56.1 Fases da formação de uma placa aterosclerótica com fissuras e tromba no tipo VI.

56

I Doenças das Artérias

Tudo leva a crer que cada teoria inclui uma parte da verdade, pois, à medida que os fatos se acumulam, torna-se evidente que a aterosclerose pode resultar de diferentes modificações que afetam a própria parede arterial, os componentes do sangue, os mecanismos hemodinâmicos intravasculares e os fenômenos metabólicos que se passam entre a íntima do vaso e a corrente sanguínea. É o que se poderia chamar de teoria multifatorial. É claro que a importância de cada um destes fatores pode variar, ora predominando um, ora outro; no entanto, uma coisa é certa: não há aterosclerose se não houver infiltração de substâncias lipídicas na subíntima das artérias. Reação edematosa, proliferação fibroblástica, neoformação capilar, regeneração das células endoteliais e calcificação são fenômenos que se seguem à infiltração lipídica. Por isso, as perturbações do metabolismo lipídico continuam tendo lugar de destaque entre as teorias que procuram explicar a aterosclerose. Qualquer que seja o fenômeno inicial, fato indiscutível é a frequente associação dos dois fenômenos - placa de ateroma e trombose sanguínea. Ao admitir que a aterosclerose humana não é determinada por um único fator etiológico, reconheceram-se vários fatores coparticipantes aos quais se convencionou chamar de fatores de risco. São considerados, no presente momento, fatores de risco: dislipidemias, hipertensão arterial, diabetes, tabagismo, obesidade, sedentarismo, estresse e medicamentos anticoncepcio• ncus. A associação de dois ou mais fatores tem adquirido grande importância, e as mais variadas combinações são possíveis. Por exemplo: hipertensão arterial, tabagismo e dislipidemias associam-se com muita frequência, fazendo crescer fortemente a possibilidade de aterosclerose. No lipidograma, as indicações de aterosclerose são hiperlipoproteinemia com predomínio das lipoproteínas de baixa densidade (LDL); na radiografia do tórax, calcificação do botão aórtico; na radiografia simples do abdome, calcificação da parede da aorta e das artérias ilíacas; na ecogra:fia, o encontro de placas de ateroma e calcificação da parede das artérias, bem como a ocorrência de aneurismas; na dopplerimetria, pode-se identificar estenose ou oclusões arteriais. Contudo, as evidências mais diretas das lesões ateroscleróticas, exteriorizadas pela irregularidade das paredes arteriais, estenoses e oclusões (Figura 56.2) são obtidas nas arteriogra:fias e no dúplex scan . .,. Mediosderose de Mõnckeberg. A mediosclerose, descrita por Mõnckeberg em 1903, caracteriza-se pela ocorrência de :fibrose e calcificação da túnica média das artérias de médio calibre (radiais, braquiais, temporais, poplíteas, uterinas) (Figura 56.3). A lesão inicial é um processo de :fibrose que vai substituindo as fibras musculares. Na fase tardia, aparecem calcificações que podem dar à artéria o aspecto de traqueia de passarinho, ou seja, o vaso :fica endurecido e apresenta anéis duros, facilà palpação, quando presentes em artérias mente, perceptíveis . acess1ve1S. Na mediosclerose, não há lesão da camada íntima, nem redução do lúmen vascular. Isto quer dizer que, neste tipo de arteriosclerose, nunca ocorre obstrução (parcial ou total) dos vasos acometidos, não havendo, portanto, fenômenos tsquenncos. Equívoco comum é relacionar o achado de mediosclerose da artéria radial ou de qualquer outro vaso com a possível ocorrência de aterosclerose coronária ou de outro território. Não há qualquer nexo entre estas enfermidades e a causa da mediosclerose é desconhecida. •

A

569

Figura 56.2 Aterosclerose da aorta. Observam-se irregularidade das paredes da aorta terminal (diminuição do diâmetro), trombose da artéria ilíaca comum esquerda e estenose da artéria ilíaca comum direita.



Figura 56.3 Mediosclerose de Mõnckeberg. A. Fibrose da camada média corada em azul entre as miofibrilas em vermelho. B. Em fase mais avançada, aparecem calcificações na camada média.

570 .,. . Esderose senil dos grandes vasos. A esclerose ou fibrose senil dos grandes vasos - aorta, tronco braquicefálico, subclávias e carótidas - tem como substrato anatômico o aumento do tecido fibroso, que vai ocupando o lugar do tecido elástico. É um processo involutivo, próprio do envelhecimento, quase sempre mal interpretado e, com frequência, confundido com aterosclerose. Pode ser reconhecida na radiografia simples do tórax, quando aparece uma aorta alongada, algo tortuosa e com botão aórtico saliente. A perda da elasticidade dos grandes vasos tem como expressão hemodinâmica o aumento da pressão sistólica, sem modificação dos níveis diastólicos. Daí ser comum o encontro, em pessoas idosas, de níveis tensionais de 170/80, 180/90 ou 190/90 mmHg, sem que isso signifique que tais pessoas sejam hipertensas, no sentido habitual que se dá a esta denominação. A essa alteração, denomina-se hipertensão sistólica isolada. A esclerose senil resume-se ao aumento do tecido fibroso na camada média do vaso, sem alteração da íntima. Não há, portanto, oclusão do lúmen vascular, nem o aparecimento de condições facilitadoras para a ocorrência de trombose. .,. . Arteriolosclerose. Como indica a própria designação, a arteriolosclerose é uma enfermidade das arteríolas, caracterizada por alterações degenerativas e proliferativas que levam ao espessamento da parede do vaso com estreitamento do seu lúmen. A redução do lúmen vascular, por sua vez, determina isquemia do parênquima, que vai sofrendo degeneração e fibrose. A ocorência de um regime pressórico elevado determina hiperplasia da camada média e, a longo prazo, em decorrência da isquemia crônica das fibras musculares, ocorre degeneração celular com substituição fibrótica, a qual culmina com a transformação do vaso em um tubo rígido que funciona como se estivesse em permanente constrição. A arteriolosclerose pode ser diagnosticada com facilidade pelo exame de fundo de olho. Pode ser detectada, também, pela biopsia renal ou pulmonar. A consequência da arteriolosclerose é uma isquemia crônica, difusa e progressiva, que provoca fibrose intersticial do órgão acometido, cujos melhores exemplos são a nefrosclerose hipertensiva e a úlcera isquêmica da perna. .,. . Microangiopatia diabética. É uma lesão dos pequenos vasos e dos capilares, diretamente relacionada com o diabetes. O fenômeno inicial é a deposição de substâncias mucopolissacarídeas na íntima dos vasos, o que determina edema da íntima, deslocamento do endotélio para fora de sua posição normal e separação da membrana elástica interna em duas camadas. Fibras musculares lisas destacam-se de sua estrutura e migram pelos espaços afrouxados da lâmina elástica interna até o centro do processo de hialinização, em que passam a proliferar; substâncias proteicas, lipídicas e hialinas são ali depositadas. A medida que o processo evolui, ocorre fibrose e, na fase final, calcificação. O conjunto dessas alterações constitui placas no nível das quais se formam agregados plaquetários e que podem resultar em oclusão do lúmen vascular.

Parte 8

I Sistema Cardiovascular

A inflamação das veias (flebite) pode preceder a das artérias, sendo, frequentemente, migratória, isto é, acomete ora um membro, ora outro, de maneira irregular e em períodos diferentes da evolução da doença. Na flebite, geralmente superficial, a veia fica muito dolorosa, endurecida, com hiperemia em seu trajeto. Quando o comprometimento de uma veia está regredindo, se não houver tratamento, surge flebite em outro local, observando-se, em um mesmo paciente, flebites em vários períodos de evolução. A flebite, por sua vez, acompanha-se de trombose. Em geral, a inflamação começa nas artérias de pequeno calibre, manifestando-se posteriormente nas de médio calibre. O processo inflamatório acomete todas as camadas da artéria, além de englobar as veias e o nervo satélite, formando um bloco fibroso (Figura 56.4). O comprometimento do nervo tem grande importância na sintomatologia dolorosa. As lesões endoteliais provocam a adesão das plaquetas, dando início à formação de trombos que, progressivamente, ocluem o lúmen arterial. A obstrução dos troncos arteriais ocorre de modo gradativo, o que possibilita o desenvolvimento de circulação colateral, a qual, na arteriografia, tem caráter divergente. A tromboangiite se manifesta em pessoas jovens, predominando no sexo masculino, na proporção de 9:1. A etiologia desta afecção é desconhecida, apesar de sua estreita relação com o tabagismo ser conhecida.

. .,. Tromboangiite obliterante A tromboangiite obliterante, também conhecida por doença de Buerger, é uma afecção inflamatória das pequenas e médias artérias das extremidades, acompanhada de inflamação das veias superficiais e profundas.

Figura 56.4 Tromboangiite obliterante. A. Observe a fibrose da adventícia e periarteriolar, representando reliquat do processo inflamatório que se estendeu ao conjuntivo extravascular. B. No lúmen da artéria, encontra-se um trombo organizado e recanalizado.

56

I Doenças das Artérias

Na fase inicial da doença - de flebites -, o paciente apresenta febrícula, dor no trajeto da veia comprometida, edema no membro afetado e episódios de fenômeno de Raynaud. Na fase de comprometimento arterial, pode surgir claudicação intermitente com dor nas panturrilhas e/ou nos pés. Nas fases mais avançadas, quando há pré-gangrena ou então gangrena, surge dor intensa nos pododáctilos ou nos pés, mesmo em repouso. Nesta fase, o paciente já não consegue dormir, passando as noites em claro, sentado e afagando o membro comprometido, o qual se apresenta frio, edemaciado, com eritrocianose, hiperidrose e lesões ulceradas ou necróticas nos pododáctilos. O paciente costuma deixar os pés pendentes na borda da cama, com o que obtém passageiro alívio da dor, mas o edema e a estase venosa provocados por esta posição agravam a isquemia com aumento da dor, que passa a ser contínua, não cedendo com analgésicos comuns. O diagnóstico é feito pela anamnese e pelo exame físico. Na fase aguda, a hemossedimentação pode estar elevada, mas o hemograma não costuma ser modificado. A arteriografia mostra imagens características, sendo indispensável para a confirmação do diagnóstico. Contudo, o diagnóstico de certeza é dado pela biopsia do feixe vasculonervoso comprometido.

. .,. Arterites As arterites constituem um grupo heterogêneo de enfermidades com diferentes etiologias, incluindo aortite sifilítica, tromboangüte, arterite temporal, arterite primária da aorta ou síndrome de Takayasu, poliarterite nodosa, endoarterites bacterianas que assestam em defeitos vasculares congênitos (canal arterial persistente e coarctação da aorta), arterites que acompanham infecções bacterianas, destacando-se a tuberculose, por riquétsias ou fungos (blastomicose). As manifestações clínicas são variáveis em função da localização, extensão e complicações das lesões vasculares. A aortite sifilítica ou luética, causada pelo Treponema pallidum, ocorre no período terciário da lues, 10 a 20 anos após a lesão primária. O processo inflamatório compromete as 3 camadas da artéria, predominando na média. A aortite luética localiza-se de preferência na porção ascendente da aorta, com frequente comprometimento das válvulas aórticas, que se tornam insuficientes, e dos óstios das coronárias, que podem ocluir-se. O processo inflamatório enfraquece as paredes da aorta, propiciando a formação de aneurismas. O diagnóstico é feito a partir do encontro de insuficiência aórtica ou de aneurisma da aorta ascendente. Levando-se em conta a idade do paciente, a localização do aneurisma e a ocorrência de outras alterações valvulares, é possível diferenciar o

Vasculltes e angiites Os termos vasculite e angiite designam o comprometimento de pequenas artérias, arteríolas e capilares arteriais, seja por ação direta de microrganismos (vasculites infecciosas), seja por hipersensibilidade (vasculites alérgicas). As principais afecções que se acompanham de vasculites são: poliarterite nodosa, doença de Kawasaki, colagenoses, granulomatose de Wegener, granulomatose de Chürg-Strauss, arterite temporal, arterite de Takayasu.

571 aneurisma aterosclerótico do aneurisma sifilítico. A radiografia simples do tórax mostra imagens sugestivas. O diagnóstico da sífilis propriamente dita é firmado pela positividade das reações sorológicas. A arterite temporal, cuja etiopatogenia a aproxima das doenças do colágeno, caracteriza-se por cefaleia, distúrbios visuais - às vezes, com perda da visão, uni ou bilateral - e manifestações articulares, musculares e psíquicas. A artéria torna-se dolorosa e hiperpulsátil, podendo acompanhar-se de manifestações inflamatórias ao longo de seu trajeto. O diagnóstico é feito pela biopsia da artéria temporal.

. .,. Doença de Takayasu A doença de Takayasu é uma arterite que acomete a aorta e seus ramos, podendo se manifestar também nas coronárias e nas artérias pulmonares; ocorre mais em mulheres (6 a 8 vezes), principalmente abaixo dos 40 anos. Pode ocorrer em crianças e adolescentes, mas é mais prevalente dos 20 aos 40 anos. A etiologia é desconhecida, apesar de se especular sobre a possibilidade de ser uma doença imunológica. A doença de Takayasu pode apresentar 3 fases: aguda, subaguda e crônica. Na fase aguda, os sintomas são: febre, cefaleia, perda de peso, mialgia e artralgia. Na fase subaguda, ocorre inflamação nas artérias, o que provoca dor no trajeto do vaso comprometido, muitas vezes a carótida (carotidínia). Na fase crônica, ocorre fibrose da artéria e degeneração aneurismática. A fibrose pode ser tão acentuada que provoca estenose e até mesmo oclusão da artéria. Dependendo do local acometido, a doença pode ser classificada em 6 padrões, de acordo com a Conferência Internacional de Tokio sobre Arterite de Takayasu, realizada em 1994: • Tipo 1: limitada aos ramos do arco aórtico • Tipo lia: limitada ao arco aórtico e seus ramos • Tipo Ilb: limitada ao arco aórtico e seus ramos e a aorta descendente • Tipo 111: acomete a aorta torácica descendente e a aorta abdominal e seus ramos • Tipo IV: acomete a aorta abdominal e seus ramos • Tipo V: acomete toda a aorta e seus ramos. Um C ou P é acrescido se há comprometimento das coronárias ou das artérias pulmonares. Os sinais e sintomas dependem da localização e do grau de comprometimento das lesões, assim podem ocorrer: deficiência visual, tonturas, claudicação intermitente de membros superiores, claudicação intermitente de membros inferiores, hipertensão arterial, insuficiência aórtica, insuficiência mitral, insuficiência cardíaca congestiva etc. O diagnóstico é feito com base na história, quando clínico, e nos exames complementares. É importante a palpação dos pulsos e a medição da pressão arterial em ambos os membros • supenores. Os exames laboratoriais que mostram maiores alterações são a velocidade de hemossedimentação (VHS) e a proteína C reativa (PC-R), que se mostram bastante elevadas, mas não são específicas; o derivado proteico purificado (PPD) pode ser altamente positivo. As metaloproteinases MMP-3 e MMP-9 costumam estar elevadas na doença em atividade. A interleucina 6 (IL-6) também está elevada na doença ativa e serve para monitorar a evolução da atividade da doença.

Parte 8 I Sistema Cardiovascular

572 O dúplex scan mostra comprometimento da parede e do lúmen arterial e identifica estenose, oclusão e aneurisma. A angiotomogra:fia e a angiorressonância mostram também alteração da parede e do lúmen arterial mais detalhadamente que o dúplex scan na aorta torácica. A angiografia digital com subtração de imagem permanece o padrão-ouro, para a avaliação das lesões da doença de Takayasu, apesar de estudar apenas o lúmen dos vasos. O exame mostra estenose, oclusões, aneurisma, formação de circulação colateral etc.

.,. . Aneurismas arteriais Denomina-se aneurisma a dilatação das paredes de um vaso, formando um "tumor" localizado. Os aneurismas arteriais podem ser congênitos ou adquiridos. Os adquiridos subdividem-se em espontâneos e traumáticos. Dependendo da constituição de suas paredes, os aneurismas adquiridos são classificados em verdadeiros e falsos (Figura 56.5). Os verdadeiros são aqueles em que as paredes do aneurisma seriam formadas por todas as camadas da artéria; nos falsos, estaria ausente uma destas camadas. Os aneurismas congênitos comprometem mais frequentemente a carótida interna intracraniana, o polígono de Willis e as artérias cerebrais. Os aneurismas espontâneos ocorrem na aterosclerose, na sífilis e nas arterites. As localizações principais dos aneurismas ateroscleróticos são na aorta e na artéria poplítea; acometem geralmente pessoas idosas (Figura 56.6). Os aneurismas sifilíti-

Figura 56.5 Falso aneurisma da artéria femoral superficial. A arteriografia mostra extravasamento de contraste, formando imagem sacular no nível da coxa.

cos localizam-se mais frequentemente na aorta ascendente e na crossa e incidem em pessoas mais jovens. Os aneurismas por arterites localium-se quase sempre nas artérias periféricas e vis• cerru.s.

Existe um tipo de aneurisma adquirido, denominado micótico, que é provocado por infecção da parede arterial, e está relacionado com a endocardite infecciosa e não com fungos, como parece indicar sua denominação. Sua localização preferencial é nas artérias periféricas. Os aneurismas micóticos acompanham-se de intenso processo inflamatório com dor, calor e rubor na pele circunjacente, podendo até ser confundido com abscesso. Não é rara sua ruptura espontânea ou drenagem equivocada. Os aneurismas traumáticos são produzidos por ferimentos por arma de fogo, objetos cortantes ou perfurantes e por fraturas ósseas. Têm sido também observados aneurismas no nível de anastomoses arteriais e pós-estenóticos. Os primeiros ocorrem por falha na sutura com ruptura da parede arterial ou do enxerto. Os pós-estenóticos têm como causa compressões extrínsecas do vaso ou surgem em decorrência de placas de ateroma. Admite-se que sejam ocasionados por alteração da dinâmica do fluxo sanguíneo. Aneurisma dissecante ou dissecção aórtica aguda é um tipo especial de aneurisma que acomete principalmente a crossa da aorta e a parte inicial da aorta descendente. Decorre do descolamento longitudinal da camada íntima com infiltração de sangue no espaço formado na subíntima. A artéria adquire um duplo canal; em consequência, há estreitamento do lúmen da aorta e de seus ramos. O sangue pode retornar ao lúmen da aorta por um orifício distai. O aneurisma dissecante está relacionado com a hipertensão arterial nos pacientes com mais de 40 anos e com a necrose cistica da aorta nas pessoas mais jovens. As manifestações clínicas dos aneurismas são variáveis, predominando geralmente os sintomas decorrentes de suas complicações. Os aneurismas intracranianos manifestam-se por hemorragias subaracnóideas com cefaleia intensa, de início inesperado, hemiplegia, coma ou morte súbita. As manifestações clínicas dos aneurismas da crossa da aorta dependem da estrutura comprimida. Assim, quando há

Figura 56.6 Angiotomografia de aneurisma de artéria poplítea bilateral.

56

I Doenças das Artérias

compressão do nervo recorrente, surge rouquidão; compressão da traqueia ou dos brônquios provoca dispneia e tosse; compressão do esôfago causa disfagia. A dor pode acompanhar qualquer um destes sintomas, podendo localizar-se na região precordial, no dorso ou no epigástrio. Tem intensidade variável, sendo muito intensa durante a expansão do aneurisma e nos casos de ruptura do saco aneurismático. Na maioria das vezes, os aneurismas abdominais são assintomáticos, mas podem ser reconhecidos pela ocorrência de amplos batimentos da parede abdominal quando se tornam mais volumosos. Na fase de expansão, ou ao se romperem, provocam dor na região lombar ou no abdome. A dor localiza-se com mais frequência nas regiões epigástrica e periumbilical. Pode ocorrer hematêmese, melena ou choque quando a ruptura se dá para o interior de uma víscera oca. Os aneurismas periféricos manifestam-se como um tumor pulsátil, que frequentemente determina fenômenos dolorosos e compressivos de estruturas circunvizinhas, tais como nervos, veias, músculos e linfáticos. Os aneurismas poplíteos são acompanhados frequentemente por tromboses ou desprendimento de êmbolos, responsáveis por quadro de isquemia aguda. Ao pesquisar outras doenças, o diagnóstico dos aneurismas pode ser feito "acidentalmente': É o que ocorre com os aneurismas torácicos, encontrados em radiografias do tórax realizadas por motivos diversos e com os aneurismas da aorta abdominal, nas ultrassonografias realizadas para estudo do abdome e da pelve. Os aneurismas da aorta abdominal e os periféricos são diagnosticados pela palpação (tumor pulsátil) e pela ausculta (ocorrência de sopro sistólico). Confirma-se o diagnóstico pela ecografia, podendo-se utilizar também tomografia computadorizada, ressonância magnética e arteriografia. A arteriografia pode provocar imagem normal quando as paredes do saco aneurismático estão preenchidas por coágulos. Os aneurismas intracranianos são diagnosticados pela arteriografia carotídea, pela angiorressonância e pela tomografia computadorizada helicoidal.

..,. Fístula arteriovenosa adquirida Fístula arteriovenosa adquirida é uma comunicação anormal entre uma artéria e uma veia, originada espontaneamente ou por um traumatismo que lesa as paredes de uma artéria e de uma veia adjacente. As causas de traumatismo são projétil de arma de fogo, faca, estilhaço de vidro, fragmento ósseo, instrumento cirúrgico como lâmina de bisturi, meniscótomo, goiva e tesoura (Figura 56.7). A comunicação arteriovenosa pode fazer-se diretamente, por um canal fistuloso, por meio de um pseudoaneurisma ou no interior de um hematoma. Nos casos de comunicação direta, as manifestações clínicas são tardias, dependendo de complicações como isquemia periférica, insuficiência cardíaca e insuficiência venosa crônica. Quando a comunicação arteriovenosa é feita por um hematoma ou pseudoaneurisma, a fístula manifesta-se como um tumor pulsátil, com ingurgitamento venoso proxirnal e distai e aumento da temperatura local. Nas fístulas de longa duração, surgem sinais de insuficiência venosa com edema, hiperpigmentação, prurido e eczema. Em alguns casos, o membro sofre hipertrofia e pode ficar muito deformado pela ocorrência de volumosas varizes e linfedema secundário. Se a fístula for grande e estiver próxima ao coração, haverá importante aumento do retorno venoso, ocasionando dilata-

573

Figura 56.7 Fístula arteriovenosa traumática. A arteriografia por punção da artéria axilar mostra uma fístula arteriovenosa no nível da prega do cotovelo com enchimento precoce de veias superficiais do braço.

ção e hipertrofia cardíaca, taquicardia e hipertensão arterial com pressão diferencial aumentada. Com o passar do tempo, pode ocorrer insuficiência cardíaca congestiva. No local de urna fístula arteriovenosa, encontra-se massa pulsátil, aumento da temperatura da pele circunjacente, frêmito contínuo com reforço sistólico que corresponde, na ausculta, a um sopro contínuo com reforço sistólico. Sua compressão provoca diminuição da frequência cardíaca (sinal de Nicoladoni-Branham). A suspeita de fístula arteriovenosa deve ser levantada sempre que o paciente relata a chiado no trajeto de uma artéria, aumento da temperatura da pele, acompanhado de varizes, e maior crescimento de um membro com relação ao outro. Ao exame físico, o encontro de um frêmito contínuo praticamente sela o diagnóstico de fístula arteriovenosa. A confirmação diagnóstica e a localização exata da fístula são dadas pela arteriografia, na qual se vê contrastação precoce da veia satélite proximal e distai à fístula (Figura 56.7) e pelo dúplex scan.

..,. Doenças vasculares funcionais As doenças vasculares funcionais são caracterizadas por alteração da coloração da pele decorrente de vasospasmo arterio lar, sem comprometimento orgânico dos vasos. As mais comuns são doença de Raynaud, acrocianose e livedo reticular, que serão estudados no Capítulo 68, Doenças

da Microcirculação.

..,. Bibliografia Abularrage CJ, Arora S. Takayasu's disease. In: Rutherford's vascular surgery. 7th ed. Saunders Elsevier, 2010. Bonamigo TP, Ristow AV et al. Aneurismas. Di Livros, 2000. Kauffman P, Sitrângulo Jr. CJ. Tromboangeite obliterante. In: Maffei FHA, Lastória S, Yoshida WB, Rollo HA. Medsi, 2002. Doenças vasculares periféricas. 3a ed. Vol. 2. Kauffman P, Sitrãngulo Jr. CJ. Arterite de células gigantes. In: Maffei FHA, Lastória S, Yoshida WB, Rollo HA. Medsi 2002. Doenças vasculares periféricas. 3a ed. Vol. 2. Matas R. Aneurismas. In: Martorell F. Angiologia enfermidades vasculares. Barcelona: Salvat Editores; 1967. Puech-Leão P, Kauffman P. Aneurismas arteriais. Fundo Editorial BYK 1998. Rutherford RB, Baker JD, Emst C et ai. Recommended standards for report dealing with lower extremity ischemia: Revised version. J Vasc Surg. 1997; 26: 517-538.

• • ••••••• •••••••• •••••• •• • • ••• • •

• •

••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••1

••• •••••••••••••••••••••••••••••••••••••••• • ••••••••••••• •••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••• •••• ••••••••••••••••••• ••••••••••••••••••• • ••••••••••••• ••••••••••• ••• •• •••••••••••• •• ••• •••••••••••• •••• • •• ••• •• •• ••• •••••••••••••••••••••• ••• •• •• ••••••• •• • 1.• ..• • •••••• •• • • ••• • •• • ••• • • •• ••••• •••• ••• •• • • ••• •• • • •••••••• •• • • •• ••• •••• • • ••• •• I

•• •••••••••• ••••••••••••• •••••• ••••••••••••• ••••••••• I ••••• • • ••••••• ••• •••••• ••• ••••••• • • ••••• • • • ••••1 I ••••• •• •••••••••••••••••••••••••••••• •• ••••• • •• • ••••1

I···· ••••••••••••••••••••••••••••••••••••.••••• ••• ••• • •• • • ···=·· • •••• • ··=··· • • •• • ••• •• • • ..1 !1.. • • • • • • • • •• • • • • • • • • • • I! • • • • • •• • • • • • • • • • •• • ••••••• •• • • • • • • • • • • Seção 3 Veias

I •

••





•• • . •

I



••





••





••

•••

••••••

•••••• ••• •





••





•• •





•••

•• •••



••• •••••• •





• ••••





••



•.



.•





•• ••







••







57 Noções de atomia e Fisiologia Edvaldo de Paula eSilva e Yosio Nagato

O sistema venoso periférico é constituído de capilares venosos, vênulas e veias (de pequeno, médio e grande calibres). Os capilares venosos são continuação direta dos capilares arteriais, dos quais recebem o fluxo sanguíneo. Os capilares confluem para formar as vênulas (ver Seção 5, Micro circulação, Capítulo 65, Noções de Anatomia e Fisiologia), que se juntam formando as veias, cujo calibre aumenta à medida que se aproximam das veias cavas. As veias de pequeno e médio calibres distribuem-se superficial e profundamente com relação ao plano aponeurótico; as grandes veias são profundas. O sistema venoso superficial e o profundo comunicam-se pelas veias que atravessam a aponeurose, chamadas veias perfurantes (Figura 57.1). As veias comunicantes interligam as veias do sistema superficial entre si, o mesmo ocorrendo com as veias do sistema profundo.

1 ••••1

•••

I





As veias profundas das extremidades acompanham as artérias homônimas. Em geral, são 2 veias para uma artéria, exceção para as veias femorais comuns, veias femorais superficiais, veias poplíteas, veias axilares, veias jugulares internas que acompanham as carótidas, veias subclávias, tronco braquicefálico (direito e esquerdo), veias ilíacas externas e veias ilíacas internas, que são únicas. A parede venosa, bem mais fina que a arterial, em virtude da menor espessura da camada muscular, é constituída do endotélio ou íntima, da camada média ou muscular e da adventícia. A elasticidade das paredes venosas é bem maior que a das artérias. O sistema venoso funciona como condutor e como reservatório de sangue, sendo para isso provido de válvulas, geralmente bicúspides, que dirigem a corrente sanguínea da periferia para o centro e da superfície para a parte profunda do organismo. Nos membros inferiores, o número de válvulas costuma ser maior que nos membros superiores. As veias cavas (inferior e superior), os troncos braquicefálicos (direito e esquerdo) e as veias da cabeça são desprovidas de válvulas. ... Veias dos membros inferiores. As veias superficiais compreendem a veia safena magna ou interna, a veia safena parva ou externa e as veias marginais mediai e lateral do pé. A veia safena magna ou interna começa no nível do maléolo mediai, anteriormente a ele, como continuação da veia marginal medial do pé; sobe pela face anteromedial da perna até o nível do joelho, passando posteriormente aos côndilos da tíbia e do fêmur; continua pela face medial da coxa até o seu terço proximal, quando se anterioriza; após cruzar a fossa oval, termina desembocando na veia femoral comum (Figura 57.2). No nível da perna, recebe inúmeras tributárias, das quais as mais importantes são a colateral anterior e a colateral posterior da perna. No nível do terço inferior da coxa, recebe a veia cola-

.I

I I

Parte 8

576

Veias comunicantes com a safena interna

Maléolo externo

Figura 57.3 Veia safena parva ou externa com as perfurantes e as comunicantes com a safena interna.

Vis afronte é o conjunto de mecanismos que atuam no coração direito e no tórax, favorecendo o retomo venoso. Dentre estes, estão a pressão do átrio direito, a sucção cardíaca sobre as veias centrais a pressão negativa intratorácica e a pressão positiva intra-abdominal. Em condições normais, o valor da pressão no átrio direito ou pressão venosa central é em tomo de O mmHg. A regulagero é feita de acordo com o retomo venoso e com a capacidade do ventrículo direito de bombear o sangue que lhe chega. Falência do ventrículo esquerdo, hipertensão pulmonar e falência do ventrículo direito provocam aumento da pressão no átrio direito, que pode chegar a 30 mmHg. Em contrapartida, ela se toma negativa quando o retorno venoso está muito diminuído, como acontece nas grandes hemorragias. Quando há aumento da pressão no átrio direito, dificulta-se o retorno venoso e aparece estase nas veias, fenômeno facilmente evidenciável nas jugulares. Quando a pressão atrial é negativa, o retorno venoso é favorecido, pois esta câmara fimdona como uma bomba aspirativa. O mecanismo de sucção cardíaca deve-se ao rebaixamento do tabique atrioventricular que ocorre na sístole, aumentando o volume do átrio que, então, aspira o sangue das veias cavas. Durante a diástole, o enchimento rápido do ventrículo também cria condições que favorecem a aspiração do sangue. A pressão intratorácica, que é normalmente negativa, durante a inspiração tem esta negatividade aumentada, cons-

I Sistema Cardiovascular

tituindo importante fator na aspiração do sangue periférico. Além disso, a inspiração, ao abaixar o diafragma, aumenta a pressão intra-abdominal, comprimindo as veias viscerais e a veia cava inferior, de modo a impulsionar o sangue para o átrio. Na expiração, o diafragma se eleva, diminuindo a pressão intra-abdominal e fazendo com que o sangue das extremidades inferiores seja aspirado para a veia cava inferior. Sendo a pressão no nível das vênulas em tomo de 15 mmHg e no átrio direito próximo de OmmHg, este gradiente de pressão entre as veias periféricas e o átrio direito constitui um dos principais mecanismos do retomo venoso no indivíduo em posição supina. Na posição de pé, a pressão nas veias periféricas sofre a influência da força da gravidade, aumentando quanto maior for sua distância do coração. A pressão no nível do pé pode chegar a 90 mmHg; ao contrário, nos seios intracranianos, a pressão pode ser negativa em virtude da ausência de colabamento das paredes venosas. Nas veias do pescoço, a pressão permanece em tomo de O mmHg, pelo fato de o efeito aspirativo do átrio direito ser contrabalançado pela ação da pressão atmosférica, provocando colabamento de suas paredes. A volemia é um fator preponderante na manutenção da pressão venosa periférica. Hipovolemia de qualquer natureza provoca queda da pressão venosa periférica e, consequentemente, diminuição do retorno venoso. Nos casos de hipervolemia, ocorre o inverso. As ondas dos pulsos arteriais provocam compressão das veias satélites, as quais, por meio das válvulas, orientam o fluxo sanguíneo centripetamente. A contração da musculatura comprime as veias intra e intermusculares, aumentando a pressão venosa que, pela disposição das válvulas venosas, propele o sangue em direção ao átrio direito. Cessando a contração da musculatura, as veias são descomprimidas, com tendência a voltar ao seu calibre normal. Neste momento, a pressão no seu interior diminui, provocando aspiração do sangue dos segmentos mais distais e das veias superficiais. A repetição intermitente desse mecanismo é o principal fator do retorno venoso periférico dos membros inferiores. Outro mecanismo importante do retorno venoso é a compressão do coxim plantar durante a marcha, que expulsa o sangue do seu interior para as veias da perna.

..., Bibliografia Belcaro G, Nicolaides NA, Veller M. Anatomy and dynamics of the venous and lymphatic systems. In: Venous disorders: a manual of diagnosis and treatment. Saunders, 1995. Belca~o G, Nicolai~es NA, Veller M. Physiology of veins and their relationship Wlth venous d.1sorders. In: Venous disorders: a manual of diagnosis and treatment. Saunders, 1995. Guyton AC. Débito cardíaco, retorno venoso, insuficiência cardiaca e choque. In: Fisiologia humana. 6a ed. Tradução Esberard CA. Guanabara Koogan, 1988.

58 Exame Clínico Edvaldo de Paula eSilva e Yosio Nagato

..,. Anamnese Para o diagnóstico das doenças das veias, destacam-se os seguintes dados nos antecedentes pessoais: número de gestações, cirurgias prévias, traumatismo, permanência prolongada no leito, imobilização prolongada com gesso ou tração, uso de anticoncepcionais, estado de choque, desidratação, antecedentes de neoplasias e prática de esportes. Devido à ação mecânica do útero crescido e à ação hormonal sobre a musculatura lisa dos vasos, a gestação constitui um importante fator no aparecimento de varizes. Operações de longa duração com intensa manipulação de tecidos, tal como ocorre na cirurgia do quadril, colecistectomia, prostatectomia, histerectomia, junto ao repouso prolongado no leito, são causas frequentes de trombose venosa. Além disso, desidratação, estado de choque, traumatismos e neoplasias também são causas de trombose venosa. O uso de anticoncepcionais parece ser um fator importante na gênese da trombose venosa e no desenvolvimento de varizes. Trombose venosa de causa desconhecida em paciente idoso pode fazer pensar em síndrome paraneoplásica, obrigando o médico a procurar alguma neoplasia maligna. Alguns esportes, como levantamento de peso, basquetebol e voleibol, podem ser responsáveis pelo aparecimento de varizes em pessoas predispostas. Insuficiência cardíaca, acidente vascular cerebral, insuficiência respiratória crônica, além de outras condições em que o paciente permanece acamado por longos períodos, frequentemente estão acompanhados de trombose venosa. Quanto aos antecedentes familiares, admite-se que a hereditariedade seja um fator importante na incidência de varizes. Com relação à profissão, sabe-se que as pessoas que trabalham de pé, permanecendo paradas por várias horas, como barbeiros, cabeleireiros, balconistas, cirurgiões, odontologistas, e as que fazem esforço físico intenso (estivadores, carregadores de caminhão) têm maior propensão a apresentar insuficiência venosa crônica e varizes.

..,. Sinais e sintomas Os principais sintomas e sinais das doenças venosas são dor, alterações tróficas (edema, celulite, hiperpigmentação, eczema, prurido, úlceras e dermatofibrose), hemorragias e hiperidrose. .,. Dor. A principal queixa dos pacientes com varizes dos membros inferiores é a dor, referida como peso nas pernas, quei-

mação, ardência, cansaço, cãibra, formigamento, dolorimento, fincada, pontada ou ferroada. A dor intensa, associada a edema e cianose, levanta a suspeita de trombose venosa profunda. O mecanismo da dor da estase venosa é a dilatação da parede das veias. Nas microvarizes, a dor costuma ser relatada como queimação ou ardência; em outras vezes, como sensação de peso e cansaço. As varizes médias e calibrosas provocam sensação de peso, cansaço, formigamento e queimação nos pés; quanto maior a insuficiência venosa, mais intensa é a dor. Permanecer de pé agrava os padecimentos do paciente. Nas mulheres, a dor costuma ser mais frequente nos períodos pré, peri e pós-menstruais . A dor da insuficiência venosa torna-se mais intensa no período vespertino, ao final da jornada de trabalho, após caminhadas ou longos períodos na posição ortostática. Quando a insuficiência é muito intensa, a dor pode ocorrer desde o momento em que se levanta da cama; nesses casos, o paciente costuma relatar sensação de intumescimento das veias e peso nas pernas e nos pés, que diminui ao caminhar. Ao contrário do que acontece com a insuficiência arterial, a dor da insuficiência venosa melhora com a deambulação, tornando-se, contudo, mais intensa com a interrupção da marcha. Além disso, diferentemente da dor isquêmica, ela melhora com a elevação dos membros. O repouso no leito, com os pés elevados, alivia a dor da insuficiência venosa. Alguns doentes, paradoxalmente, relatam piora, com sensação de queimação nesta posição. Nestes casos, o paciente não consegue ficar parado, procurando colocar os membros nas partes mais frias da cama. É frequente também o relato de dor com a ocorrência de cãibras noturnas. .,. Alterações tróficas. As principais alterações tróficas das venopatias são edema, celulite, hiperpigmentação, eczema, úlceras e dermatofibrose. Edema. O edema da insuficiência venosa crônica costuma surgir no período vespertino e desaparece com o repouso, sendo mais intenso em pessoas que permanecem muito tempo sentadas, com os pés pendentes. Tal fato torna-se bem evidente ao final de viagens longas. O edema é mole e depressível, localizando-se de preferência nas regiões perimaleolares, mas pode alcançar o terço proximal das pernas na insuficiência venosa mais grave. Na síndrome pós-trombótica, quando o edema se torna permanente, há aumento global do volume do pé, da perna e até da coxa, sem que aparentem estar edemaciados. O edema da insuficiência venosa crônica quase sempre predomina de um lado, naquele em que o retorno do sangue estiver mais prejudicado, diferentemente do edema da insuficiência cardíaca, da disproteinemia e da insuficiência renal, que costuma ter intensidade igual em ambas as pernas. Quando o edema não regride com o repouso, é necessário procurar outra etiologia além de insuficiência venosa . O mecanismo de formação do edema da insuficiência venosa é o aumento da pressão no interior das veias, das vênulas e dos capilares venosos, fato que ocasiona a saída de líquido para o espaço intersticial. Celulite. A medida que o edema se torna crônico, acumulam-se substâncias proteicas no interstício do tecido celular subcutâneo. A manifestação dessas substâncias desencadeia reações inflamatórias da pele e do tecido subcutâneo; a pele adquire,

Parte 8

578 então, coloração castanho-avermelhada com aumento da temperatura e dor na região correspondente. Tal quadro é denominado celulite subaguda ou crônica. Hiperpigmentação. Na hipertensão venosa de longa duração, podem surgir manchas acastanhadas na pele, esparsas ou confluentes, situadas no terço inferior do membro comprometido, mais frequentemente na região perimaleolar interna. Em alguns casos, a hiperpigmentação acomete toda a circunferência da perna. A hiperpigmentação se deve ao acúmulo de hemossiderina na camada basal do derma, a qual provém das hemácias que migram para o interstício e que são fagocitadas pelos macrófagos. Eaema ou dermatite de estase. O eczema varicoso ou dermatite de estase pode apresentar-se de maneira aguda ou crônica. Nos casos crônicos, ocorrem reagudizações periódicas com fre"' . quenc1a. O tipo agudo é caracterizado por pequenas vesículas que secretam um líquido seroso, que pode ser abundante; acompanha-se de prurido intenso. O tipo crônico aparece no terço distai da perna ou no dorso do pé; em alguns casos, generaliza-se por todo o corpo. Em certos pacientes, as áreas de eczema são hipersensíveis a um grande número de substâncias, as quais não afetam a pele sadia. Eczema que aparece nas pernas de pacientes com varizes, mesmo de grau leve, deve ser atribuído à insuficiência venosa crônica, até prova em contrário. O prurido é mais intenso no período vespertino e noturno, admitindo-se que sua causa seja a liberação de histamina das células destruídas pela anoxia secundária à insuficiência venosa. , Ulcera. Trata-se de uma complicaç.ã o frequente da insuficiência venosa crônica grave, em razão de varizes ou trombose venosa profunda (síndrome pós-trombótica). Tais ulcerações podem surgir em consequência de mínimos traumatismos, como o ato de coçar em áreas correspondentes à tromboflebite superficial ou nos locais de ruptura de varizes. A localização principal destas úlceras é na região perimaleolar interna, em virtude da proximidade das perfurantes de Cockett, as que mais frequentemente se tornam insuficientes. Podem surgir em outros locais e, em casos avançados, circundam toda a circunferência do terço inferior da perna. Está demonstrado que a estase venosa dos membros inferiores leva ao acúmulo de leucócitos e monócitos nos capilares com migração para o interstício, no qual haveria agressão dos tecidos com liberação de diversas substâncias, tais como histamina, citocinas, leucotrienos e radicais livres, que seriam responsáveis pela formação das úlceras. A úlcera é rasa, tem bordas nítidas, apresentando constantemente uma secreção serosa ou seropurulenta. É menos dolorosa que a úlcera isquêmica; a dor é maior quando a perna está pendente, melhorando com sua elevação, exatamente o contrário do que ocorre com a úlcera isquêmica. Em geral, as úlceras situadas acima do terço médio da perna têm outra etiologia que não a insuficiência venosa crônica. Dermatofibrose. Nos pacientes com insuficiência venosa crônica, os repetidos surtos de celulite e as ulcerações que cicatrizam acabam determinando fibrose acentuada do tecido subcutâneo e da pele, com diminuição da espessura da perna, que adquire o aspecto de "gargalo de garrafa': A fibrose provoca anquilose da articulação tibiotársica, a qual prejudica acentuadamente o retorno venoso, por interferir no mecanismo da bomba venosa.

I Sistema Cardiovascular

Hemorragias. As varizes, principalmente as dérmicas, se rompem com relativa frequência, seja espontaneamente ou após traumatismo, causando hemorragias de grau variável, às vezes abundantes. Hiperidrose. Na insuficiência venosa crônica de longa duração e de grau acentuado, é comum o aparecimento de sudorese profusa no terço distai das pernas.

. ,. Exame físico O exame físico das veias deve ser realizado com o paciente inicialmente na posição de pé, depois deitado, usando o mínimo de roupa. O exame físico compreende a inspeção, a palpação, a ausculta e algumas manobras especiais. .,. Inspeção. Para se ter uma ideia de conjunto, a inspeção é feita inicialmente com o paciente de pé, ficando o médico postado a uma distância de 2 m. Examina-se o paciente de frente, de perfil (direito e esquerdo) e de costas. Para isso, ele vai girando em torno de si. A inspeção panorâmica possibilita detectar deformidades da bacia e do tronco e assimetria dos membros, caracterizada por diferenças de comprimento e de volume. O possível observar com mais facilidade a ocorrência de varizes e sua distribuição dos pés às coxas, além de circulação colateral na raiz da coxa, na região pubiana, na parede abdominal e torácica. A extensão das manchas, do eczema e das úlceras pode ser avaliada nesta inspeção panorâmica. A seguir, é feita a inspeção próxima ao paciente, observando-se os detalhes das lesões. De perto, veem-se melhor os eritemas, a cianose, as púrpuras, as petéquias e as telangiectasias. .,. Palpação. À palpação, o médico pesquisa alteração da temperatura, da umidade e da sensibilidade da pele e do tecido subcutâneo, as características do edema e o estado da parede venosa, que pode ter consistência elástica normal ou estar espessada, de consistência endurecida. A ocorrência de um trombo recente no interior das varizes provoca intensa dor à palpação. Procura-se localizar as perfurantes, os frêmitos espontâneos, como os das fístulas arteriovenosas ou das neoplasias altamente vascularizadas, ou provocados, como ocorre na insuficiência da crossa da safena magna à manobra de Valsalva, ou da tosse. É necessário identificar as massas neoplásicas no trajeto dos grandes troncos venosos que sofrem estase por compressão extrínseca. É indispensável a palpação dos pulsos periféricos dos pacientes com varizes, pois ausência de pulsos pode contraindicar eventual cirurgia. A identificação de veias perfurantes insuficientes é de grande importância no pré-operatório de cirurgia de varizes. O dado que torna possível reconhecê-las é o alargamento do orifício da aponeurose pela qual elas passam. Para isso, faz-se a palpação com a polpa dos dedos indicador ou polegar nas regiões em que é mais provável a ocorrência de perfurantes insuficientes, ou seja, na face mediai da perna em seu terço distai (perfurantes de Cockett), na face mediai da perna em seu terço proximal (perfurante de Boyd), na face mediai da coxa em seu terço distai (perfurante de Dodd), na face posterior da perna junto à cabeça mediai do músculo gêmeo e na face lateral da perna no septo que separa os músculos ante-

58 I Exame Clínico

579

rolaterais dos posteriores (Figura 57.1). Comprime-se a área provável e, com pequenos movimentos circulares ou longitudinais, consegue-se delimitar uma depressão de bordas nítidas, provavelmente por onde passa a perfurante insuficiente. .,.. Ausculta. A ausculta dos segmentos venosos tem por finalidade detectar sopros espontâneos que podem aparecer nas fístulas arteriovenosas, ou provocados, como ocorre na grande insuficiência da crossa da safena interna.

•\ JI

• Manobras especiais Existem inúmeras manobras para o diagnóstico da insuficiência valvular das veias superficiais, das veias profundas e das veias perfurantes. Serão descritas apenas as mais importantes, que são a de Brodie-Trendelenburg modificada, a dos torniquetes múltiplos, a de Perthes, a de Homans, a de Olow e a de Denecke-Payr. Estas manobras tiveram grande utilidade quando se fazia apenas cirurgia de segmentos varicosos. Posteriormente, com a realização de operações mais amplas, com ressecção sistemática das safenas interna e externa, elas perderam muito de sua importância. Entretanto, dada a necessidade de preservar o máximo possível das safenas, muito utilizadas para substituir artérias em cirurgias cardiovasculares, estas manobras precisam ser reabilitadas, agora associadas a outros novos métodos exploratórios, como a dopplerimetria, o dúplex scan e a flebografia. .,.. Manobra de Brodie-Trendelenburg modificada. Esta manobra é utilizada para o diagnóstico de insuficiência da válvula ostial da safena interna e das válvulas de veias perfurantes, sendo realizada em 3 tempos (Figura 58.1). No primeiro tempo, o paciente é colocado na posição de decúbito dorsal. No segundo tempo, eleva-se o membro comprometido a 90°, esvaziando-se as varizes com massagens na perna no sentido caudocranial. Em seguida, coloca-se um torniquete na raiz da coxa, logo abaixo da crossa da safena, com pressão suficiente para bloquear a circulação venosa superficial. No terceiro tempo, o paciente assume a posição de pé, observando-se o que ocorre com as veias das pernas. Três alternativas são possíveis: • Ao se colocar o paciente de pé com o torniquete, observa-se rápido enchimento das varizes, com fluxo sanguíneo no sentido caudocranial. Isso demonstra a ocorrência de perfurantes insuficientes • Retirando-se o torniquete, há rápido enchimento das varizes com fluxo sanguíneo no sentido craniocaudal, o que caracteriza insuficiência da válvula ostial da safena interna • Após a primeira alternativa, retira-se o torniquete: se as varizes continuarem seu enchimento caudocranialmente, é sinal de que somente há insuficiência de perfurantes. Entretanto, se houver rápido enchimento das veias no sentido craniocaudal, é porque existe também insuficiência da válvula ostial da safena interna.

.,.. Manobra dos torniquetes múltiplos. Esta manobra busca a localização das perfurantes e é realizada em três tempos. No primeiro, coloca-se o paciente deitado com o membro comprometido em posição elevada, esvaziando-se as varizes com manobras de compressão; no segundo, aplicam-setorniquetes nos terços superior, médio e inferior da coxa e nos terços superior e médio da perna; no terceiro, é necessário que o paciente coloque-se de pé.

2





l



•> ••



I

,

.

,• ·''

. '

I



3A

38

Figura 58.1 Manobra de Brodie-Trendelenburg modificada. 1. O paciente em decúbito dorsal eleva o membro comprometido, as varizes são esvaziadas com massagens na perna e coloca-se um torniquete na raiz da coxa, logo abaixo da crossa da safena. 2. O paciente assume a posição de pé, observando-se o que ocorre com as veias da perna. 3A. Um rápido enchimento das varizes demonstra aocorrência de perfurantes insuficientes. 38. Retirando-se o torniquete, se houver rápido enchimento das varizes com fluxo sanguíneo no sentido craniocaudal, caracteriza-se insuficiência da válvula ostial da safena interna. (Adaptada de Lofgren.)

O enchimento de varizes em qualquer dos segmentos delimitados pelos torniquetes indica a ocorrência de perfurantes insuficientes neste segmento. .,.. Manobra de Perthes. Esta manobra tem por finalidade a demonstração da perviedade do sistema venoso profundo. É realizada em 2 tempos: No primeiro, com o paciente de pé, coloca-se um torniquete no terço médio da coxa; no segundo, pede-se a ele que caminhe enquanto se observa o comportamento das varizes situadas abaixo do torniquete. Há duas possibilidades: • Se as varizes esvaziam com a deambulação, o sistema venoso profundo está pérvio até o nível do torniquete • Se as varizes não esvaziam, pelo contrário, ficam mais túrgidas com a deambulação, o sistema venoso profundo está ocluído. Neste último caso, se o paciente continua andando, vai sentir dor cada vez mais intensa no membro garroteado, a ponto de ser necessário parar.

.,.. Manobra de Homans. Esta manobra consiste na dorsiflexão forçada do pé em paciente com suspeita de trombose venosa das veias profundas da perna. Se a dorsiflexão provocar dor intensa na panturrilha, a manobra é positiva, indicando a possibilidade de trombose venosa.

Parte 8

580 .,. . Manobra de Olow. Consiste na compressão da musculatura da panturrilha contra o plano ósseo. Se a compressão provocar dor intensa, a manobra é positiva, levantando a suspeita de trombose venosa profunda das veias da perna. Uma variante desta manobra consiste na compressão da musculatura da panturrilha com a mão em garra. .,... Manobra de Denecke-Payr. Esta manobra consiste na compressão com o polegar da planta do pé contra o plano ósseo. Se a compressão provocar dor intensa, ela é positiva e indica a possibilidade de trombose profunda das veias profundas do pé.

I Sistema Cardiovascular

.... Bibliografia Belcaro G, Nicolaides NA, Veller M. Anatomy and dynamics of the venous and lymphatic systems. In: Venous disorders - a manual of diagnosis and treatment. Saunders, 1995. Belcaro G, Nicolaides NA, Veller M. Physiology of veins and their relationship with venous disorders. In: Venous disorders - a manual of diagnosis and treatment. Saunders, 1995. Guyton AC. Débito cardíaco, retorno venoso, insuficiência cardíaca e choque. In: Fisiologia humana. 6a ed. Tradução Esberard CA. Guanabara Koogan, 1988.

59

Exames Complementares

sua grande precisão diagnóstica, tem sido o exame de escolha para o estudo das doenças venosas. O dúplex scan possibilita avaliação adequada de todas as veias do corpo com exceção das intracranianas, veia cava superior e ilíacas internas (Figuras 59.1 e 59.2) e tem como limitação ser examinador e aparelho-dependente. A pletismografia de oclusão venosa é um método diagnóstico ainda não muito difundido, sendo mais utilizado nos laboratórios de pesquisa de fluxo vascular; tem como base o

Edvaldo de Paula eSilva e Yosio Nagato

..,. Introdução Os exames complementares para o estudo da doença venosa podem ser não invasivos (dopplerfluxometria, dúplex scan e pletismografia de oclusão venosa) e invasivos (angiotomografia venosa, angiorressonância venosa e flebografia) .

..,. Dopplerfluxometria A dopplerfluxometria consiste na exploração do sistema venoso com um feixe ultrassônico, valendo-se do efeito Doppler. Apenas as veias mais superficiais podem ser exploradas pelo dopplerímetro, já que a interposição de tecidos, tanto gorduroso quanto muscular, interfere na intensidade e na qualidade do som, dificultando sua interpretação. Assim, nos membros inferiores, as veias passíveis de serem estudadas são a safena magna em toda a sua extensão, a safena parva, as perfurantes, as tibiais posteriores, a poplítea, a femoral superficial e a femoral comum. Pelo estudo desta última, é possível ter ideia do estado das veias ilíacas externas, ilíacas comuns e até da veia cava inferior. No membro superior, há a possibilidade de estudar as veias superficiais, as veias braquiais, a veia axilar e a veia subclávia. O estudo desta última fornece informações sobre o tronco braquicefálico e a veia cava superior. No pescoço, podem ser estudadas as veias jugulares interna e externa. Por meio da dopplerfluxometria venosa, avaliam-se perviedade ou oclusão da veia, competência das válvulas, localização de perfurante insuficiente e ocorrência de fístula arteriovenosa.

..,. Dúplex scan ou eco-Doppler Com o dúplex scan podem ser analisadas a anatomia da parede, a velocidade e a direção do fluxo em uma veia, possibilitando assim a detecção de insuficiência valvular, dilatação e trombose venosa. O dúplex scan colorido tornou mais rápida e fácil a avaliação da direção do fluxo sanguíneo e a execução do exame. Por

Figura 59.1 A. Dúplex scan (eco-Doppler) normal, sendo visualizada a bifurcação dos vasos ilíacos comuns, estando as veias em azul e as artérias em vermelho. AIC, artéria ilíaca comum. 8. Dúplex scan demonstrando oclusão da veia femoral comum por trombose aguda. Observe fluxo colateral pela veia safena magna (VSM). C. Dúplex scan em corte transversal da veia femoral comum demonstrando trombose parcial com registro de fluxo contínuo ao Doppler (abaixo).

582

Parte 8

I Sistema Cardiovascular

Figura 59.2 Dúplex scan em corte transversal da veia poplítea demonstrando trombose parcial.

aumento do volume do sangue venoso represado temporariamente por um torniquete e a sua velocidade de drenagem após retirada da compressão. Nas pessoas normais, a oclusão venosa produz grande aumento do volume de sangue venoso no segmento represado. Quando se retira a compressão, há rápido esvaziamento do sangue. Em caso de trombose venosa nos grandes vasos dos membros, há redução no enchimento venoso e grande retardo na sua drenagem. Sua principal indicação é no diagnóstico da trombose venosa aguda profunda e na avaliação do grau de insuficiência venosa, podendo também determinar a função da bomba muscular da panturrilha.

..,. Angiotomografia venosa (flebotomografia) A angiotomografia venosa pode estudar a árvore venosa desde as veias da cabeça às veias das extremidades superiores e inferiores, sendo possível, no abdome, estudar bem as veias ilíacas internas e veias retroperitoneais e também o sistema porta. A angiotomografia venosa evidencia dilatações, estreitamentos, trombose, formação de circulação colateral e alteração da parede venosa. No caso de trombose, é possível identificar se o trombo é agudo, subagudo ou crônico. É um exame importante na detecção de embolia pulmonar e trombose venosa, sendo possível realizar um segundo exame após a angiotomografia para o diagnóstico de embolia pulmonar, usando a mesma infusão de contraste. Com os aparelhos mais recentes, multiplanares, o tempo de realização do exame fica mais curto, o que o torna mais fácil de ser tolerado. A desvantagem da angiotomografia é a necessidade de grande volume de contraste iodado, o que limita sua utilização em pacientes com insuficiência renal crônica grave e nos pacientes alérgicos ao iodo.

..,. Angiorressonância venosa (fleborressonância) A angiorressonância venosa ou fleborressonância consegue estudar as mesmas áreas abordadas pela angiotomografia venosa com a vantagem de não usar contraste iodado; entretanto, utiliza um contraste, o gadolínio, que pode provocar fibrose sistêmica nefrogênica nos pacientes com insuficiência renal grave, o que é potencialmente fatal. Com mais eficácia que o dúplex scan, a fleborressonância pode estudar as veias pélvicas e as veias retroperitoneais. A fleborressonância sofre interferência de estruturas metálicas, que deformam a imagem. Esse exame pode diferenciar trombo recente de trombo antigo, fator muito importante na orientação terapêutica.

..,. Arteriografia pulmonar A arteriografia pulmonar é realizada pelo cateterismo da artéria pulmonar. É um exame cruento que, em razão das manobras para a colocação do cateter na posição adequada, pode provocar bloqueio do ramo direito, podendo ser muito grave nos pacientes que já apresentam bloqueio do ramo esquerdo, o que pode provocar parada cardíaca. Assim, a arteriografia pulmonar só deve ser realizada quando houver grande suspeição de embolia pulmonar, pois esse diagnóstico não é confirmado pelos outros métodos diagnósticos (angiotomografia, angiorressonância, cintigrafia pulmonar). Durante o procedimento, é medida a pressão na artéria pulmonar; se estiver muito alta, pode contraindicar a infusão de grande volume de contraste. Os achados que confirmam o diagnóstico de embolia pulmonar são falha de enchimento no lúmen arterial e oclusão de artérias tronculares e segmentares; a arteriografia pulmonar é o melhor método para o diagnóstico de embolia pulmonar aguda.

59

I Exames Complementares

583

..,. Flebografia A flebografia toma possível a visualização do sistema venoso pela injeção de uma substância contrastante. É o melhor método para o estudo do sistema venoso, apesar dos inconvenientes de ser cruento, sujeito a complicações, às vezes graves, e de não poder ser repetido com facilidade. As complicações da flebografia geralmente estão relacionadas com intolerância aos meios de contraste ou irritação dos tecidos pelos mesmos. A não contrastação de segmentos venosos profundos e a falha de enchimento persistente são os fatores para o diagnóstico de trombose venosa profunda. A existência de veias perfurantes e veias superficiais contrastadas dão o diagnóstico de incompetência das válvulas das perfurantes (Figura 59.3). A ausência de válvulas, o retardo no esvaziamento e a contrastação de perfurantes e veias superficiais são os achados da síndrome pós-trombótica .

..,. Bibliografia

Figura 59.3 Flebografia da perna. Observe a contrastação de dois pares de veias profundas, a ocorrência de válvulas e o refluxo do contraste para veias superficiais das faces lateral e mediai da perna devido à insuficiência de veias perfurantes, que aparecem bem contrastadas.

Faria RCS. Aplicações da angiotomografia no diagnóstico de doenças venosas. In: Maffei FHA, Lastória S, Yoshida WB, Rollo HA. Doenças vasculares periféricas. 3a ed. Medsi, 2002. Gark K et ai. 1hromboembolic disease: comparison ofcombined CT pulmonary angiography and venography with bilateralleg sonography in 70 patients. AJR. 2000; 175:997-1001. Leon LR Jr., Labropoulos N. Vascular laboratory: venous duplex scanning. In: Rutherford's vascular surgery. 7th ed. Saunders Elsevier, 2010. Taffoni MJ et al. Prospective comparison of indirect CT venography versus venous sonography in ICU patients. AJR. 2005; 185:457-462. Tashibana A. Avaliação por imagem da trombose venosa profunda. In: Presti C, Simão E, Castelli V. Atualização em cirurgia vascular e endovascular. Elsevier, 2010.

60 Doenças das Veias Edvaldo de Paula eSilva, Yosio Nagato eCharles Esteves Pereira

..,. Introdução Dentre as doenças do segmento venoso do sistema vascular destacam-se as varizes dos membros inferiores, presentes em mais de 40% das mulheres com mais de 40 anos, e a trombose venosa, cuja incidência é muito alta, principalmente após intervenções cirúrgicas, podendo acompanhar-se de embolia pulmonar com elevadas taxas de mortalidade. As complicações tardias das varizes, tais como o eczema, tromboflebite, dermatofibrose, ancilose tibiotársica, úlceras e a sequela tardia da trombose venosa profunda - síndrome pós-trombótica -,que produz as mesmas complicações, mas com maior intensidade, determinam grande sofrimento a seus portadores, geralmente tornando-os incapazes para o trabalho, constituindo assim importante problema social.

Determinadas profissões que exigem a permanência na posição de pé por longos períodos de tempo (balconistas, barbeiros, cabeleireiros, odontologistas, cirurgiões) acompanham-se de aumento da pressão venosa dos membros inferiores, o que pode provocar insuficiência valvular e dilatação das veias. Além disso, a elevação da pressão intra-abdominal, nas pessoas que utilizam muito a prensa abdominal (estivadores, carregadores de caminhão), nos obesos, nos portadores de ascite volumosa ou fecaloma, provoca aumento da pressão nas veias dos membros inferiores, capaz de causar varizes. Durante a gestação, as paredes das veias sofrem a ação da progesterona, que atua na musculatura lisa, relaxando-a. Com isso, as veias se dilatam, aparecendo insuficiência valvular e varizes. Parece ser este fator hormonal, associado ao crescimento do útero, a causa principal de varizes durante a gravidez. Os principais sintomas e sinais das varizes são dor, edema, manchas na pele, eczema, dermatofibrose, úlceras, celulite e hemorragias. O diagnóstico de varizes é feito basicamente pela história clínica e pelo exame físico, principalmente pela inspeção e palpação. A manobra de Brodie-Trendelenburg é importante para o diagnóstico de varizes com insuficiência da válvula ostial da safena interna e de perfurantes. A manobra de Perthes faz o diagnóstico diferencial entre varizes primárias e as produzidas por obstrução do sistema venoso profundo. Contudo, essa diferenciação é mais clara com o dúplex scan ou com a flebografia.

..,. Varizes dos membros inferiores Varizes são veias permanentemente dilatadas, com alterações de suas paredes e válvulas, assim como de sua função (Figura 60.1). Quanto à etiologia, são classificadas em primárias e secundárias. As varizes primárias, idiopáticas ou essenciais são de causa desconhecida; as secundárias ocorrem em razão de outras afecções, dentre as quais as mais importantes são a trombose venosa profunda e as fístulas arteriovenosas. A trombose venosa profunda ocasiona varizes por interromper o fluxo de sangue nas veias profundas, aumentando a pressão na rede venosa da região, com insuficiência das válvulas das veias perfurantes, fato que propicia refluxo sanguíneo para as veias superficiais. A consequência final é a dilatação das veias superficiais, ou seja, a formação das varizes. As fístulas arteriovenosas provocam varizes ao produzir aumento da pressão venosa nas veias daquele território. As varizes primárias são as mais frequentes e há vários fatores que predispõem ao seu aparecimento, salientando-se a hereditariedade, a profissão e a ação de alguns hormônios. Acredita-se que algumas pessoas apresentem um defeito do tecido conjuntivo que seria o responsável pelo enfraquecimento das paredes venosas e pelas alterações valvulares. Fala a favor desta hipótese a associação de varizes com hérnia, pé plano, estrias, condições que têm por base a fraqueza do tecido conjuntivo. É frequente a ocorrência de varizes em várias pessoas de uma mesma família, o que indica a existência de um fator genético.

Figura 60.1 Varizes volumosas de membro inferior.

60

I Doenças das Veias

. .,. Trombose venosa A trombose venosa consiste na coagulação intravenosa do

sangue com obstrução parcial ou total do lúmen de uma veia. Esta afecção vem recebendo, ao longo dos anos, inúmeras denominações - moléstia tromboembólica, tromboflebite, flebotrombose, flebite, varicoflebite, trombose venosa profunda, trombose venosa superficial - cada uma delas dando ênfase a um dos aspectos da doença. Os fatores mais importantes para o desenvolvimento de uma trombose venosa são aumento da coagulabilidade sanguínea, diminuição do fluxo sanguíneo (estase) e lesão do endotélio vascular. Inúmeras são as condições clínicas nas quais há ocorrência de um ou mais desses fatores, destacando-se: traumatismos (contusões, esmagamentos e fraturas); intervenções cirúrgicas (especialmente as grandes operações, nas quais se faça muita manipulação dos tecidos, como a pancreatoduodenectomia, colecistectomia, prostatectomia, aneurismectomia; próteses da articulação coxofemoral); desidratação; insuficiência cardíaca; doença obstrutiva pulmonar crônica; acidente vascular cerebral; neoplasias; trombocitose; disfibrinogenemias; deficiência de antitrombina III; proteínas C e S; mutação do fator V de Leiden; lúpus eritematoso sistêmico; trombocitopenia associada ao uso de heparina; estado de choque; infecções sistêmicas; gravidez; uso de anticoncepcional oral; hiperlipidemias; compressão venosa; tabagismo; viagens prolongadas; entre outros. A sintomatologia da trombose venosa aguda é variável, podendo-se distinguir 3 tipos clínicos, conforme a localização da trombose e/ou do desprendimento de fragmentos de tromba. No tipo indeterminado, o paciente não apresenta qualquer sintoma característico, devendo-se pensar nesta enfermidade em pacientes acamados por doença debilitante ou por cirurgia que apresentem febrícula, taquicardia, taquipneia e mal-estar geral No tipo localizado, além dos sintomas gerais, iguais aos do tipo indeterminado, surgem, no local da trombose ou no território drenado pela veia comprometida, dor, edema, alteração da temperatura e da cor da pele e ingurgitamento das veias superficiais. A dor é de intensidade variável, podendo, quando intensa, levar à impotência funcional. Geralmente, seu início é súbito, piora com a movimentação e melhora com repouso e elevação do membro comprometido. O edema é o sinal mais característico da trombose venosa aguda, aparecendo em cerca de 80% dos casos. Localiza-se na região imediatamente abaixo da trombose, e, quando esta acomete ambas as veias ilíacas ou a veia cava inferior, o edema chega ao períneo, à região glútea e aos membros inferiores. Nas primeiras horas após a instalação da trombose, ocorre diminuição da temperatura da pele em virtude de vasospasmo reflexo; no entanto, com o desaparecimento deste e o desenvolvimento de processo inflamatório no local do tromba, há aumento da temperatura no membro ou no local comprometido. Nos casos de trombose em que há espasmo arterial reflexo intenso, pode surgir palidez no membro afetado, enquanto perdurar a vasoconstrição. Entretanto, a alteração de cor mais frequente é a cianose, em razão da estase venosa. Quando ocorre trombose em veias profundas, o retorno venoso passa a ser feito pelas veias superficiais, as quais ficam muito ingurgitadas. A trombose venosa superficial é caracterizada por dor intensa, principalmente à palpação, endurecimento da área circunjacente, aumento da temperatura e eritema ao longo do

585 Phlegmasia alba dolens e Phlegmasia cerulea dolens Phlegmasia alba dolens é um quadro de trombose venosa da veia ilíaca e/ou femoral caracterizado por edema desde a raiz da coxa, dor, coloração esbranquiçada da pele e aumento da temperatura no membro afetado (Figura 60.2). Phlegmasia cerulea dolens é um quadro de trombose venosa profunda e superficial, com bloqueio quase total do retorno venoso, que se manifesta por edema intenso a partir da raiz da coxa, cianose intensa, diminuição da temperatura, flictenas eáreas de necrose que podem acometer todo o membro. trajeto da veia comprometida, caracterizando o quadro clínico da flebite. No tipo tromboembólico, fragmentos do tromba se desprendem e se alojam no pulmão (embolia pulmonar). As manifestações gerais e locais, juntam-se as pulmonares. ~mbolos pequenos localizam-se nas artérias pulmonares mais periféricas, provocando dor do tipo pleurítico, ou seja, em pontada, intensa e relacionada com os movimentos respiratórios, dispneia e tosse; se houver infarto pulmonar, aparece escarro hemoptoico. Em decorrência do comprometimento da pleura, é possível ouvir atrito pleural. ~mbolos maiores causam importante comprometimento da circulação pulmonar, surgindo então dor na região precordial ou diafragmática, de caráter constritivo, semelhante a dor anginosa, taquicardia, taquipneia, cianose, agitação, sudorese, choque e insuficiência ventricular direita aguda. Quadros mais graves ou morte súbita são provocados por grandes êmbolos capazes de ocasionar oclusão total ou subtotal do tronco da artéria pulmonar.

Figura 60.2 Trombose venosa ileofemoral. Observa-se intenso edema do membro inferior esquerdo, desde a raiz da coxa.

586

Parte 8

I Sistema Cardiovascular

O diagnóstico de trombose venosa aguda localizada é facilmente feito pela história clínica e exame físico, tendo valor propedêutico as manobras de Homans, Olow e Denecker-Payr (Capítulo 58, Exame Clínico). A comprovação diagnóstica pode ser feita pela pletismografia, dopplerimetria, dúplex scan, flebografia, flebotomografia e fleborressonância. Em geral, a comprovação diagnóstica de embolia pulmonar é difícil quando não se instala infarto pulmonar. A radiografia simples do tórax pode revelar imagem de condensação, principalmente nos lobos inferiores dos pulmões. A condensação em cunha com base voltada para a pleura ou sinal de Hampton não é frequente; amputação da imagem radiológica dos ramos da artéria pulmonar com diminuição da vascularização dos segmentos pulmonares correspondentes também é pouco frequente. Faixas de atelectasia nas bases pulmonares, derrames pleurais de graus variáveis e elevação da cúpula diafragmática são mais comuns. Os meios diagnósticos para confirmação de embolia pulmonar são: cintigrafia de infusão com microesferas ou macroagregados de albumina humana marcada com tecnécio 99, cintigrafia de ventilação com xenônio 133 (ver Figura 40.17), angiotomografia, angiorressonância e arteriografia pulmonar.

.- Síndrome pós-trombótica A síndrome pós-trombótica é determinada por hipertensão venosa crônica que se instala como complicação tardia da trombose venosa em veias profundas dos membros inferiores. A trombose venosa provoca sempre aumento da pressão sanguínea distalmente ao local ocluído. Esta hipertensão dilata as veias, provocando insuficiência das válvulas das veias distais e das perfurantes. Com isso, o fluxo do sangue sofre inversão, passando a fluir do sistema profundo para o superficial, elevando a pressão nas veias superficiais, que vão sofrendo progressiva dilatação. Com o passar do tempo, em decorrência da reabsorção do trombo, as veias ocluídas sofrem um processo de recanalização e, assim, as válvulas são destruídas, estabelecendo-se graves perturbações na dinâmica circulatória, com modificação da direção do fluxo sanguíneo, o que perturba intensamente o funcionamento da bomba venosa periférica. Advêm, então, as complicações, as mesmas encontradas nas varizes, mas de intensidade maior, ou seja, dor, edema, manchas hipercrômicas, eczema, celulite, varizes, hiperidrose e úlceras (Figura 60.3). O diagnóstico da síndrome pós-trombótica é feito pela história clínica e exame físico, sendo necessário pesquisar a existência de trombose venosa profunda anterior, traumatismo, cirurgia ortopédica, operações anteriores ou doenças que obrigaram o paciente a permanecer em repouso por longos períodos, gestação e puerpério. A pletismografia confirma o diagnóstico nos casos em que a recanalização for pequena e a circulação colateral pouco desenvolvida. A dopplerimetria e o dúplex scan são importantes para avaliar o grau de refluxo nas veias profundas e nas perfurantes. O exame fundamental para o diagnóstico é a flebografia, a qual fornece dados sobre o estado das válvulas, a formação de circulação colateral, o grau de recanalização dos vasos e de refluxo para o sistema superficial, informações indispensáveis para a orientação terapêutica (Figura 60.4).

Figura 60.3 Síndrome pós-trombótica. Observe o aumento de volume do membro inferior direito, com varizes na face mediai da perna, hiperpigmentação da perna e do pé e úlcera.

.- Insuficiência venosa crônica São diversas as causas de insuficiência venosa crônica na perna. As principais manifestações clínicas são dor ou sensação de repleção ou cansaço na(s) perna(s), que aparecem e/ou pioram na posição de pé e são aliviadas por repouso, principalmente com membros inferiores elevados. Edema e dilatação das veias são os sinais clínicos mais importantes; com o tempo, pode surgir pigmentação da pele na face mediai e, algumas vezes, na face lateral do tornozelo e na porção inferior da perna. Pode complicar-se com dermatite de estase e ulceração. Os pacientes com insuficiência venosa crônica estão sujeitos a desenvolver veias varicosas, secundárias à trombose venosa profunda.

• Classificação clínica, etiológica, anatômica e patológica (CEAP) A Sociedade de Cirurgia Vascular e o Capítulo da Sociedade Internacional de Cirurgia Cardiovascular da América do Norte elaboraram, em 1995, uma classificação das doenças venosas crônicas, na tentativa de promover melhor uniformidade e clareza nas publicações sobre essas doenças, com base em sinais clínicos (C), etiologia (E), localização anatômica (A) e patologia (P) (Quadro 60.1).

60

I Doenças das Veias

587 aasslficação drnica, etiológica, anatômica epatológica (CEAP).

Figura 60.4 Trombose da veia cava inferior. A. Flebografia mostrando as

veias ilíacas externa, interna e comum esquerda e ilíaca direita, vendo-se calibrosas veias que vão formar circulação colateral no abdome. B. Em exposição mais tardia, nota-se drenagem do contraste no interior do canal medular.

...- Bibliografia EklõfB, Rutherford RB, Bergan JJ et al. American venous forum international Ad Hoc committee for revision of the CEAP Classification. Revision of the CEAP classification for chronic venous disorders: consensus statement. J Vasc Surg. 2004; 40: 1248-1252.

C- Classificação Clínica CO: ausência de sinais visíveis ou palpáveis de insuficiência venosa C1: telangiectasias, veias reticulares Q: veias varicosas 0: varizes e edema sem alterações de pele C4: alterações de pele devido à doença venosa (hiperpigmentação, eaema, lipodermatoesclerose, atrofia branca) C4A: pigmentação ou eaema C4B: lipodermatoesderose ou atrofia branca C5: alterações de pele acima, com úlcera cicatrizada C6: alterações de pele acima, com úlcera ativa E- Classificação Etiológica Congênita (Ec): causa da doença venosa crônica está presente desde onascimento Primária (Ep): causa da doença venosa crônica é indeterminada Secundária (Es): causa da doença venosa crônica está associada a uma causa conhecida (trombose venosa profunda, trauma, outras) En: nenhuma causa venosa identificada A- Classificação Anatômica (localização) Veias superficiais (Asl-5) As1: telangiectasias, veias reticulares As2: safena magna acima do joelho As3: safena magna abaixo do joelho As4: safena parva As5: veias calibrosas com safenas normais Veias profundas* (Ad6-16) Ad6: cava inferior Ad7: ilíaca comum Ad8: ilíaca externa Ad9: ilíaca interna Ad10: veias pélvicas (gonadais, ligamento largo) Ad11: femoral comum Ad12: femoral profunda Ad13: femoralsuperficial Ad14: poplítea Ad15: tibiais (anteriores, posteriores ou fibulares) Ad16: musculares (gastrocnêmicas, soleares, outras) Veias perfurantes (Ap17-18) Ap17: perfurante de coxa Ap18: perfurante de perna P- Cla.ssificação Patológica Refluxo (Pr) Obstrução (Po) Refluxo e Obstrução (Pr,O) Nenhuma fisiopatologia venosa identificada (Pn) •Em inglê~: deep (d6-16).

Gillepsie DC, Aidinian G. Venography. In: Rutherford's vascular surgery. 7th ed. Saunders Elsevier, 2010. Maffei FHA. Diagnóstico clínico das doenças venosas periféricas. In: Maffei FHA, Lastória S, Yoshida WB, Rollo HA. Doenças vasculares periféricas. 3a ed. Medsi, 2002. Porter JM, Moneta GL. An international consensus committee on chronic venous disease: reporting standards in venous disease; an update. JVasc Surg. 1995; 21:635-645.

• • ••••••• •••••••• •••••• •• • • ••• • •

• •

••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••1

••• •••••••••••••••••••••••••••••••••••••••• • ••••••••••••• •••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••• •••• ••••••••••••••••••• ••••••••••••••••••• • ••••••••••••• ••••••••••• ••• •• •••••••••••• •• ••• •••••••••••• •••• • •• ••• •• •• ••• •••••••••••••••••••••• ••• •• •• ••••••• •• • 1.• ..• • •••••• •• • • ••• • •• • ••• • • •• ••••• •••• ••• •• • • ••• •• • • •••••••• •• • • •• ••• •••• • • ••• •• I

•• •••••••••• ••••••••••••• •••••• ••••••••••••• ••••••••• I ••••• • • ••••••• ••• •••••• ••• ••••••• • • ••••• • • • ••••1 I ••••• •• •••••••••••••••••••••••••••••• •• ••••• • •• • ••••1

I···· ••••••••••••••••••••••••••••••••••••.••••• ••• ••• • •• • • ···=·· • •••• • ··=··· • • •• • ••• •• • • ..1 !1.. • • • • • • • • •• • • • • • • • • • • I! • • • • • •• • • • • • • • • • •• • ••••••• •• • • • • • • • • • • Seção 4 Linfáticos

I •

••





•• • . •

I



••





••





••

•••

••••••

•••••• ••• •





••





•• •





•••

•• •••



••• •••••• •





• ••••





••



•.



.•





•• ••







••







61 Noções de atomia e Fisiologia Edvaldo de Paula eSilva e Yosio Nagato

O sistema linfático é constituído dos vasos linfáticos e dos linfonodos. Os vasos linfáticos originam-se na microcirculação, como capilares linfáticos, os quais formam uma extensa rede entre os capilares arteriais e os venosos. Os capilares linfáticos se unem para formar os vasos linfáticos que correm ao longo do trajeto das veias superficiais ou dos feixes vasculonervosos profundos. Em geral, não há nos membros comunicação entre a rede linfática superficial e a profunda, a não ser nas regiões poplíteas, inguinais e axilares. Os linfáticos desembocam em linfonodos que se agrupam na nuca, no pescoço, nas axilas, nas virilhas, nos hilos pulmonares e ao longo dos vasos ilíacos, da aorta e da veia cava inferior (Figura 61.1 ). Dos linfonodos nascem os vasos linfáticos eferentes em menor número que os aferentes, porém mais calibrosos. Os

1 ••••1

•••

I





vasos linfáticos eferentes podem desembocar em outros linfonodos ou, juntando-se a outros, formar coletores mais calibrosos. Os vasos linfáticos dos membros inferiores unem-se, no nível do abdome, aos viscerais, formando o dueto torácico, o qual caminha ao longo da coluna vertebral, para ele se dirigindo os vasos do mediastino; desemboca na junção da veia jugular interna esquerda com a subclávia esquerda. Na altura da sua crossa, na inserção nestas veias, recebe os vasos oriundos do membro superior esquerdo e da metade esquerda da cabeça e do pescoço. Os vasos linfáticos da parede abdominal, abaixo do umbigo, costumam drenar para os linfonodos inguinais; os localizados acima do umbigo juntam-se aos da metade esquerda do tórax e desembocam nos linfonodos da axila esquerda. Os vasos linfáticos do hemitórax direito drenam para a axila e para os linfonodos que acompanham a artéria mamária interna no mediastino anterior. Os vasos linfáticos do membro superior direito juntam-se aos da metade direita da cabeça e do pescoço, formando o dueto linfático direito, que desemboca na junção da veia jugular interna direita com a subclávia direita. As principais comunicações entre o sistema linfático e o sistema venoso são as desembocaduras do dueto torácico e do dueto linfático direito. Entretanto, há evidências de existirem outras comunicações linfaticovenosas, principalmente no nível dos gânglios. Existem vasos linfáticos em quase todos os tecidos, com exceção das cartilagens, ossos e sistema nervoso central. Nos músculos estriados, praticamente não há vasos linfáticos; no entanto, eles estão presentes no tecido conjuntivo intermuscular e nos tendões e são abundantes nas bainhas tendinosas, no periósteo, no tecido subcutâneo e na derme. Os vasos linfáticos superficiais alojam-se no tecido subcutâneo.

.I

I I

61

I Noções de Anatomia eFisiologia

589

Linfonodos da cabeça e do pescoço Linfonodos mediastinais Linfonodos mesentéricos

Linfonodos axilares, supratrocleares e epitrocleanos

Linfonodos para-aórticos

Figura 61.1 Sistema linfático superficial (verde) e profundo (vermelho). (Adaptada de Wolf-Heidegger- Atlas de Anatomia Humana, 6a ed., 2006.)

As funções do sistema linfático são: remoção das proteínas do líquido intersticial; remoção de bactérias e sua destruição; formação de anticorpos e absorção de nutrientes no nível dos intestinos. .,. Fatores que determinam ofluxo linfático. Determinam o fluxo linfático: pressão do líquido intersticial, válvulas dos vasos linfáticos, bomba linfática, contração dos músculos e movimentação do corpo. A pressão do líquido intersticial varia de acordo com a quantidade de líquido e de proteínas no interstício e com a compressão dos tecidos adjacentes. Aumento da pressão intersticial incrementa a absorção de líquido pelos linfáticos, juntamente com os quais são absorvidas proteínas. A absorção de proteína diminui a pressão coloidosmótica do líquido intersticial, o que propicia maior absorção de líquidos pelo capilar venoso. Os capilares e os vasos linfáticos apresentam válvulas que se dispõem a intervalos de poucos milímetros. Os capilares não têm fibras musculares lisas; contudo, as células endoteliais são

providas de fibras mioendoteliais que, em determinadas condições, contraem-se várias vezes por minuto. As células endoteliais são organizadas em escamas, tendo filamentos de proteção fixados aos tecidos adjacentes com capacidade de contração, o que aumenta o diâmetro do capilar linfático, criando um pequeno gradiente de pressão negativa no lúmen do capilar, levando o líquido intersticial a ser sugado para seu interior. Com a contração das fibras mioendoteliais, o capilar linfático se contrai, aumentando a pressão intracapilar. Isso faz com que as células se justaponham, funcionando como válvulas e impedindo que o líquido volte para o espaço intersticial, forçando-o a fluir para os coletores linfáticos. Esses coletores dispõem de fibras musculares lisas que se contraem conforme o volume de linfa no interior do coletor aumenta, funcionando como uma bomba linfática. Como os coletores são providos de válvulas, a contração das fibras musculares provoca aumento da pressão intraluminal e força a linfa a fluir centripetamente. Quando há relaxamento da musculatura lisa, o vaso se dilata, aspirando o líquido do compartimento distai. Outros fatores que influem no fluxo linfático são a contração dos músculos esqueléticos que comprimem os coletores linfáticos e os movimentos do corpo. Isso porque qualquer movimento faz com que haja estiramento da pele, de músculos e de tendões, provocando compressão nos coletores linfáticos. A contração das artérias também leva à compressão dos linfáticos. Por fim, outro fator é a compressão extrínseca ocasionada por roupas, calçados e ligas. Diminuição da remoção de proteínas e de líquido pelo sistema linfático ocasiona o edema de origem linfática, que, inicialmente, tal como o edema da insuficiência venosa e de outras causas, é mole e depressível, regredindo com o repouso. No entanto, com o passar do tempo, o acúmulo de proteína no interstício estimula a proliferação fibroblástica no tecido subcutâneo, causando uma fibrose que altera as características do edema, o qual se torna duro, pouco depressível, não desaparecendo com o repouso, chamando-se, então, linfedema.

..,. Bibliografia Godoi JMP. Fisiologia do sistema lnfático. In: Neto GHJ, Belczak CEQ, Linfologia: diagnóstico, clínica e tratamento. Yendis, 2009. Guyton AC. Dinâmica da membrana capilar, os líquidos corporais e o sistema linfático. In: Guyton AC. Fisiologia humana. @ ed., tradução Esberard CA. Guanabara Koogan, 1988. Jacomo AL, Rodrigues Junior AJ. Anatomia clínica do sistema linfático. In: Vogelfang D: Linfologia básica. Icone Editora, 1995. Garrido M. Sistema linfático: embriologia e anatomia. In: Garrido M, Pinto-Ribeiro A. Linfangites e erisipelas. 2• ed. Revinter, 2000. Kopf-Maier P. Wolf-Heidegger de Atlas de anatomia humana, 6' ed. 2006.

62 Exame Clínico Edvaldo de Paula eSilva e Yosio Nagato

..,. Anamnese Nos antecedentes pessoais, é importante pesquisar a ocorrência de infecções da pele e do tecido subcutâneo (erisipela), de cirurgia ou traumatismo no trajeto dos principais coletores linfáticos e nas regiões de agrupamento dos linfonodos. É necessário esclarecer, também, sobre a possibilidade de tuberculose, blastomicose, cromomicose, doença de Hodgkin e radioterapia. Deve-se indagar sobre episódios que possam sugerir trombose venosa profunda e conhecer a procedência do paciente (zona endêmica de filariose), suas condições de moradia e de trabalho. Nos antecedentes familiares, é importante a ocorrência de afecção semelhante à do paciente, pois a moléstia de Milroy (linfedema congênito) tem incidência familiar. Os hábitos higiênicos do paciente são essenciais, já que as infecções por fungos e a contaminação por bactérias são mais frequentes em pessoas de condições higiênicas precárias. Os principais sinais e sintomas das afecções dos linfáticos são edema, linfangite e adenomegalias. .,. Edema. O edema linfático pode ser ocasionado por bloqueio ganglionar ou dos coletores linfáticos como consequência de processo neoplásico, inflamatório (linfangite), parasitário (filariose) e após cirurgia de esvaziamento ganglionar. O bloqueio ganglionar ocorre com frequência nas metástases neoplásicas, acompanhando-se de edema unilateral, de evolução rápida, acometendo todo o membro. A princípio, o edema é mole, depressível, mas vai se tornando cada vez mais duro com o passar dos dias; é frio e não regride significativamente com o repouso, mesmo quando o paciente eleva o membro comprometido. O edema resultante do comprometimento de coletores linfáticos é de instalação insidiosa, iniciando-se pela extremidade do membro afetado, ascendendo lentamente com o passar dos meses ou dos anos. É duro, não depressível, frio, leva à deformidade do membro e não diminui substancialmente com o repouso, mesmo com a elevação do membro. Devido ao edema duro, a pele dos pododáctilos fica difícil de ser pinçada entre os dedos e o não pregueamento da pele do segundo pododáctilo constitui o sinal de Stemmer positivo. Quando ocorre, é patognomônico do linfedema. Em geral, o edema de longa duração produz hiperqueratose da pele e lesões verrucosas que caracterizam o quadro denominado elefantíase.

.,. Adenomegalia. Adenomegalia significa aumento de volume de um linfonodo, predominando, do ponto de vista histológico, hiperplasia reacional. Pode ser produzida por inúmeras causas, tais como: • infecções bacterianas - estreptococcias, estafilococcias, sífilis, tuberculose • infecções virais - rubéola, mononucleose • neoplasias próprias dos linfonodos, como a doença de Hodgkin • invasão de linfonodo por metástases neoplásicas de outros órgãos - do aparelho digestivo, rins, próstata, útero, ovários, pele, osso • invasão por fungos - blastomicose, cromomicose • invasão por parasitos - estrongiloidíase. As adenomegalias superficiais são frequentemente denominadas "ínguas" e aparecem principalmente nas regiões inguinais, axilares, cervicais e supraclaviculares. Nos processos infecciosos agudos, frequentemente há supuração do linfonodo com formação de abscesso local. .,. linfangite. Linfangite é a inflamação de um vaso linfático, caracterizando-se por eritema, dor e edema no seu trajeto. Como os principais coletores linfáticos acompanham as veias superficiais, a linfangite costuma ser confundida com flebite. Em pacientes com erisipela (infecção bacteriana aguda causada por Streptococcus pyogenes), podem ser observados "cordões eritematosos" -faixa avermelhada e dolorosa- indicativos de linfangite.

..,. Exame físico O exame físico compreende a inspeção, a palpação e a ausculta. Deve ser feito com o paciente desnudo ou com o mínimo de roupa possível. .,. Inspeção. Feita inicialmente com o paciente de pé, estando o examinador postado a cerca de 2 m, procurando identificar assimetrias no corpo, principalmente aumento de volume, lesões da pele como hiperqueratose, hiperpigmentação, úlceras, vesículas, micoses superficiais e eritema. O exame é realizado de frente, de perfil e de costas. Para isso, solicita-se ao paciente que gire em torno de si, parando nas posições referidas. .,. Palpação. Procura-se alteração da temperatura, da consistência, da sensibilidade e da elasticidade da pele e do tecido subcutâneo. É necessário palpar os pulsos arteriais, embora, nos membros com linfedema crônico, em virtude da fibrose da pele e do tecido subcutâneo, a palpação da artéria torne-se difícil ou mesmo impossível. Os linfonodos dos grupos ganglionares devem ser palpados e analisados quanto ao tamanho, consistência, mobilidade e sensibilidade.

..,. Bibliografia Gomes SCN. Diagnóstico do linfedema. In: Neto HJG, Belczak CEQ. Linfologia, diagnóstico, clínica e tratamento. Yendis, 2009. Vogelfanga D. Diagnóstico e estudo do linfedema. In: Vogelfang D. Linfologia básica. São Paulo: Icone Editora, 1995.

63

Exames Complementares Edvaldo de Paula eSilva e Yosio Nagato

..,. Introdução Os exames complementares específicos para investigação do sistema linfático são a linfocromia, linfografia, linfografia radioisotópica, ultrassonografia (dúplex scan), tomografia computadorizada e ressonância magnética.

..,. linfocromia A linfocromia consiste em corar os vasos linfáticos com um corante vital. O mais utilizado é o azul-violeta. A finalidade deste exame é conhecer a perviedade e a distribuição da rede linfática. Em indivíduos normais, o corante, absorvido pelos linfáticos, delineia os coletores localizados no tecido subcutâneo, sendo possível reconhecer o trajeto por eles percorrido. Nos casos de linfedema de longa duração, principalmente os de origem congênita, o azul-violeta não cora os coletores linfáticos, mas sim uma rede de linfáticos dérmicos que produz mancha irregular que não sobe pelo dorso do pé e pela perna, tendendo, pelo contrário, a se difundir para a planta do pé.

..,. linfografia A linfografia, também denominada linfangiografia, é um exame radiológico que possibilita visualizar os coletores linfáticos e os linfonodos. Para que os vasos linfáticos sejam contrastados aos raios X, é necessária a introdução de uma substância radiopaca, sendo mais utilizado o lipiodol ultrafluido; para que seja injetada, é preciso fazer a dissecção de um vaso linfático. Nas linfografias dos membros inferiores, injeta-se o contraste no dorso do pé; nas dos membros superiores, no dorso da mão. A dissecção do linfático é possível após a linfocromia. A linfografia pode ser feita em qualquer região do organismo na qual se possa puncionar um coletor linfático, como no pênis, no escroto e nas regiões retroauriculares. Pode-se fazer também a dueto grafia retrógrada após punção ou cateterismo do dueto torácico. Devido à dificuldade de sua realização e possibilidade de complicações locais como infecção e fibrose nos linfonodos em

razão do meio de contraste e da possibilidade de processos de alergia ao contraste e ao corante necessário para a sua realização, esse exame tem sido pouco utilizado, sendo reservado apenas para casos de indicação cirúrgica em centros especializados.

..,. linfografia radioisotópica ou linfocintigrafia Os radioisótopos podem ser utilizados para avaliação da velocidade de drenagem linfática e no estudo dos duetos, vasos linfáticos e linfonodos, principalmente em pacientes com suspeita de comprometimento ganglionar por neoplasia. Dextrana 500 marcado com Te 99m é injetado no pé ou na mão, fazendo-se em seguida as captações iniciais, que possibilitam verificar a velocidade do desaparecimento da radioatividade. A linfocintigrafia realizada com o 198Au é um método que pode proporcionar dados sobre a absorção e o transporte linfático e mostra refluxo dérmico, dilatações, tortuosidades, vias colaterais, linfonodos intermediários e assimetria linfonodal. Ao comparar a linfografia com a linfocintigrafia, é possível afirmar que a linfografia convencional é melhor para se estudar a anatomia dos linfáticos e dos linfonodos, mas a linfocintigrafia é mais fácil de ser realizada, pois não exige dissecção do linfático. Além disso, ela fornece melhores informações sobre a fisiopatologia da circulação linfática. A linfocintigrafia é o método de escolha para se estudar linfedema, pois torna possível avaliar os vasos linfáticos, mostrando, por meio de análise comparativa dos membros, a velocidade de drenagem e o grau de concentração da linfa na cadeia linfática da área em estudo.

..,. Ultrassonografia (dúplex scan) A ultrassonografia no linfedema mostra a ocorrência de edema e fibrose de subcutâneo e espessamento da aponeurose. O exame mostra que o edema não acomete o espaço subaponeurótico, nem músculos e nem tendões. É importante para afastar suspeita de trombose venosa. Utilizando técnicas adequadas, é possível visualizar ao ultrassom os coletores linfáticos e mesmo trajetos linfáticos anormais. Na filariose penoescrotal, é possível visualizar vermes adultos da filária em linfáticos do cordão espermático. Esses vermes movimentam-se dentro dos vasos e a imagem obtida ao ultrassom foi designada como "sinal da dança da filária". A ocorrência da dança da filária já foi observada em outros locais como nos linfáticos dos membros inferiores e nos linfonodos. Os transdutores utilizados para a identificação dos vermes foram de 3,5 MHz e 7,5 MHz.

..,. Tomografia computadorizada e ressonância magnética no estudo do linfedema A tomografia computadorizada e a ressonância magnética no linfedema mostram espessamento da pele, aspecto em "favo de mel" do subcutâneo, espessamento da aponeurose

592 perimuscular, infiltrado de gordura e ausência de comprometimento do espaço subfascial (músculos, tendões etc.). Os edemas que não são de origem linfática acometem tanto o espaço subfascial como o epifascial. A RM pode mostrar dilatação dos troncos linfáticos. Tanto a TC como a RM são importantes para identificar ou afastar possíveis causas de comprometimento linfático, como tumores, compressões extrínsecas etc.

Parte 8





• •

~

Biopsia de linfáticos

A histologia do linfático mostra que ele apresenta vasa vasorum, inervação e pode evidenciar endotélio, camada muscular e adventícia. No linfedema, a histopatologia é capaz de mostrar diversos tipos de alterações que podem ser de etiologia inflamatória e não inflamatória, que serão descritas a seguir: • Linfangite e perilinfangite: infiltrado leucocitário agudo, hiperemia e vascularite dos vasa vasorum; não há oclusão do vaso linfático • Endolinfangite proliferante: proliferação endotelial formando prolongamentos e depressões celulares; pode ocorrer oclusão do vaso • Trombolinfangite aguda ou crônica: caracteriza-se pela ocorrência de trombos aderidos à íntima cujo endotélio está destruído. O trombo pode apresentar diversas eta-



~

I Sistema Cardiovascular

pas evolutivas, aguda e crônica, já com tecido de granulação etc. Linfangiopatia obliterante: fibro- hialinização progressiva da íntima com oclusão do lúmen do linfático; tecido elástico fragmentado e escasso; camada muscular adelgaçada Linfangiopatia fibrosa: lesão grave, irreversível, cicatriz de origem inflamatória da parede vascular e também processo distrófico com formação de tecido fibroso cicatricial Linfangiopatia com hialinose da íntima Linfangiopatia com hiperplasia muscular: a hipertrofia muscular está associada ao aumento do peristaltismo do linfático para vencer bloqueio do linfático Linfangiectasia: dilatação dos vasos linfáticos com afilamento de suas paredes.

Bibliografia

Andrade MFC, Almeida MTN. Tomografia computadorizada. In: Vogelfang D. Linfografia. São Paulo: !cone Editora, 1995. Boubaci AS, Wolosker M. Linfopatias. In: Zerbini EJ et ai. Clínica cirúrgica Alípio Corrêa Neto. 3a ed. 2Qvol. São Paulo: Sarvier, 1974. Gomes SCN. Diagnóstico do linfedema.ln: Neto GHJ, Belczak CEQ. Linfologia, diagnóstico, clínica e tratamento. Yendis, 2009. Rockson SG. Lymphedema: evaluation and decision making. In: Rutherford's vascular surgery. 7th ed. Saunders Elsevier, 2010. Sales EA. Linfografia.In: Vogelfang D. Linfologia básica. São Paulo: !cone Editora 1995. Vogelfang D. Linfografia radioisotópica. In: Vogelfang D. Linfologia básica. São Paulo: !cone Editora 1995.

64

Doenças dos Linfáticos Edvaldo de Paula eSilva, Yosio Nagato eCharles Esteves Pereira

..,. Introdução As doenças primárias do sistema linfático, em geral, estão relacionadas com malformações congênitas, como os higromas císticos e os linfedemas primários, ou com neoplasias próprias do sistema linfático, como a doença de Hodgkin. As doenças secundárias podem ser resultantes do comprometimento ganglionar por células neoplásicas das mais diversas origens, por bactérias ou fungos, radioterapia ou cirurgia de esvaziamento ganglionar. Podem decorrer também do comprometimento dos coletores linfáticos por bactérias (estreptococos), nematoides (filária), de complicações de cirurgia de varizes e retirada de veias safenas para enxertos arteriais e cardíacos.

..,. Erisipela A erisipela é uma doença infecciosa produzida por estreptococo (Streptococcus pyogenes) do grupo A e raramente do grupo C. Caracteriza-se clinicamente por febre elevada, cefaleia, náusea e vômito, concomitantemente com sinais inflamatórios na área afetada (calor, rubor, edema e dor) (Figura 64.1).

Figura 64.1 Erisipela na perna esquerda.

Pode comprometer a pele e o tecido celular subcutâneo de qualquer parte do corpo, porém é mais frequente nos membros inferiores. Quase sempre se observa comprometimento de vasos linfáticos (linfangite) e de linfonodos (adenites). A porta de entrada das bactérias são pequenas escoriações ou ferimentos da pele. No caso dos membros inferiores, a porta de entrada costuma ser as lesões produzidas por micoses interdigitais. Na maioria dos casos, ocorre processo inflamatório difuso da pele e do tecido subcutâneo, caracterizando uma celulite extensa. Podem aparecer lesões bolhosas, semelhantes às produzidas por queimaduras, ou áreas de necrose. Como os principais coletores superficiais dos membros inferiores acompanham a veia safena interna, é necessário o diagnóstico diferencial entre trombose da safena interna e linfangite. Na trombose, palpa-se um cordão duro no trajeto da veia, raramente há febre ou, se existe, é baixa e não há enfartamento ganglionar inguinal. Na linfangite, observam-se faixa avermelhada e dolorosa no trajeto linfático, adenomegalia inguinal dolorosa, acompanhada quase sempre de febre elevada.

..,. linfedema Linfedema é o edema resultante do comprometimento do sistema linfático. Suas características dependem da etiologia, do tempo de evolução e das complicações (Quadro 64.1). Em sua fase inicial, o linfedema é mole, depressível, frio, indolor e regride com o repouso. O de longa duração costuma ser duro, não depressível, frio, indolor e não regride com o repouso. O linfedema congênito é o que se observa desde o nascimento. Nesse grupo se enquadram o linfedema primário congênito propriamente dito, o linfedema por brida amniótica e o linfedema familiar ou doença de Milroy. O linfedema congênito acomete qualquer parte do organismo, toda a extensão ou parte de um membro, podendo estar

Quadro64.1

aassificação do linfedema.

1. Primário • Congênito (brida amniótica, doença de Milroy) • Precoce • Tardio 2. Secundário A. Alteração dos vasos linfáticos • Pós-surtos de erisipela • Pós-estase venosa crônica • Pós-traumatismo • Filariose • latrogênico o Pós-cirurgia de varizes o Pós-safenectomia para revascularização arterial o Pós-dissecção inguina I para circulação extracorpórea B. Alteração doslinfonodos • Neoplasia • Fibrose pós-radioterapia • Esvaziamento ganglionar • Tuberculose • Medicamentos

Parte 8

594

Figura 64.2 Linfedema congênito.

associado a outras malformações vasculares como hemangiomas capilares ou hemangiomas cavernosos. Sua consistência é elástica e depressível. O repouso não reduz significativamente o edema (Figura 64.2). O linfedema primário congênito parece ser consequência de malformação linfática regional que leva à estase linfática. O linfedema por brida amniótica é resultante da compressão circunferencial de um membro durante o desenvolvimento intrauterino. Ao exame físico, o paciente apresenta uma área de constrição com hipotrofia e edema elástico da parte distai. A doença de Milroy, ou linfedema primário familiar, é uma enfermidade familiar que acomete em especial o sexo feminino e ocorre em razão de hipoplasia ou aplasia da rede linfática superficial, em geral, bilateralmente. A doença de Milroy evolui mais rapidamente que os outros linfedemas congênitos. O membro afetado é sede de frequentes surtos de erisipela, fica totalmente deformado, tomando o aspecto de elefantíase ou paquidermia. O linfedema primário precoce costuma aparecer entre o nascimento e a puberdade, sendo seu início dos 9 aos 15 anos. Em geral, manifesta-se no sexo feminino, em uma proporção de 10/1. É consequente a hipoplasia ou aplasia do sistema linfático superficial.

I Sistema Cardiovascular

O linfedema primário precoce evolui lentamente durante anos, mas complicações infecciosas, principalmente a erisipela, provocam deformidade do membro, levando à elefantíase, tal como nos outros tipos de linfedema. O linfedema secundário à alteração dos vasos linfáticos é consequente a ligadura, secção, ressecção ou trombose dos vasos coletores linfáticos. Dos processos infecciosos, o que mais frequentemente provoca oclusão dos vasos coletores linfáticos é a erisipela. Outra doença que também pode levar a isso é a filariose, parasitose endêmica em várias regiões do Brasil. O linfedema secundário à safenectomia interna, realizada para tratamento de varizes ou para ser usada como "ponte" em cirurgia de revascularização arterial, geralmente decorre de lesão dos vasos coletores linfáticos que acompanham a safena. O edema não aparece imediatamente após a cirurgia, mas sim meses depois. Se ocorrer regeneração dos linfáticos, o edema regride; caso contrário, ele progredirá lentamente, causando deformidade e incapacidade funcional do membro. O linfedema secundário à alteração dos linfonodos é mais frequente nos casos de comprometimento dos gânglios linfáticos por neoplasia primária ou metastática. Nos membros superiores, ocorre após mastectomia com esvaziamento ganglionar da axila. Alguns medicamentos, como a anfotericina B, podem causar fibrose dos linfonodos e, consequentemente, linfedema.

..,. Linfadenopatias reacionais e inflamatórias Para mais informações sobre linfadenopatias reacionais e inflamatórias, veja o Capítulo 152, Doenças do Sangue.

..,. Bibliografia Cordeiro AK, Baracat FF. Etiologia e patogenia. In: Cordeiro AK, Baracat FF. Linfologia. São Paulo: BYK-Procienx, 1983; p. 81 -5. Garrido M. Linfangites necrotizantes. In Garrido M, Pinto-Ribeiro. Linfangites e erisipelas. 2a ed. Revinter, 2000. Stemick M. Linfangites: etiologia. In: Garrido M, Pinto-Ribeiro A. Linfangites e erisipelas. 2a ed. Revinter, 2000.

•••••••••••••••



••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••1

•••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••1

••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••



•••••••••••••1

••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••1

••••• •••••• ••• •• •••••••••••• •• ••• •••••••••••• •••• ..1 •• •• •••••••••• ••••••••••••• •••••• ••••••••••••• ••••••••• • • •••• ••• •• • • •••••••• •• • • •• ••• •••• • • ••• •• • ••• • •• • • ···=·· • •••• • ··=··· • • •• • ••• •• • • . I ••!I• • ••••• •••. •• • • • • • • •• • • • • • ••••• •••••••••.•• •I!• • •. • • • • •• • • • • •• • • ••• • • Seção 5 Microcirculação

••••••

•••••





•••••••••••••••••••

••

••••• • •••••

•••• •



I

••

•••

• ••

••••••• ••• •••••• ••• ••••••• ••••••••••••••••••••••••••••••

•••••

•• •

••••• • •• • •

•••••••••••••••••••



••••••••••••••••••••••

••



••



••

•••

•••



••



•••

••••••



•••

•••



••

• • ••

••••• ••••• •

•• •••••

••

•••

••••••••••••1

••





••••••• •

•••

• ••

• •

I

•••1 •••1

•••• ••• •• I

••







••

I

• • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • •1 • • • •••••• ••• • •• • ••• •••••• • • •• •• •• • •••1











• •



.



• •





65

Noções de atomia e Fisiologia Edvaldo de Paula eSilva e Yosio Nagato



.



• •





• ••



Entre a arteríola e a vênula existem outras anastomoses arteriovenosas, além da metarteríola. A arteríola terminal é constituída de três camadas: íntima, média e adventícia. A camada íntima é formada pelo endotélio, espaço epiendotelial e membrana elástica interna; a média, por camada simples ou dupla de miócitos, incluídos em uma substância fundamental rica em proteoglicanas e glicoproteínas, fibras colágenas e elásticas; e a adventícia, por tecido conjuntivo frouxo, poucas fibras elásticas, fibroblastos e histiócitos. A metarteríola apresenta fibras musculares esparsas. Nos locais de emergência dos capilares há uma fibra muscular

Musculatura lisa

Microcirculação é o conjunto de pequenos vasos com diâmetro de até 30 micra, incluindo arteríolas, metarteríolas, vênulas, capilares e linfáticos. O tecido intersticial que circunda estes vasos integra, anatômica e fisiologicamente, a microcirculação (Figura 65.1) e, por meio dela, é feita a comunicação entre os sistemas arterial e venoso e na qual se processa a troca de nutrientes, líquidos e catabólitos entre o plasma e o líquido intersticial. A arteríola terminal diminui de calibre à medida que emite ramos, até chegar ao diâmetro de 20 micra. Uma arteríola terminal dá origem a cerca de 500 capilares. De uma metarteríola, que é ramo da arteríola terminal, nascem de 8 a 1O capilares. A metarteríola, também denominada canal de junção ou canal preferencial, desemboca diretamente em uma vênula. Os capilares nascidos nas metarteríolas desembocam em vênulas da mesma unidade funcional ou de outras unidades.

Esfíncteres pré-capilares Anastomose (shunO

~

"'

Figura 65.1 Representação esquemática da microcirculação.

596 que envolve o capilar, servindo corno esfíncter - o esfíncter pré-capilar. Os capilares apresentam apenas urna camada endotelial assentada na membrana basal, a qual é circundada por um espaço subendotelial, envolvido por urna película de proteoglicanas e glicoproteínas. Na membrana basal, encontram-se as células de Rouget ou pericitos, que são ricas em mitocôndrias. Os pericitos estão relacionados com a liberação de mediadores químicos como heparina, serotonina, bradicinina, prostaglandinas e trornboxano, substâncias que regulam o fluxo sanguíneo local. Os capilares apresentam inúmeros "poros': que são aberturas entre 2 células endoteliais, os quais põem em comunicação o lúrnen do capilar com o espaço intersticial. As vênulas têm calibre maior que o das arteríolas, são tortuosas, apresentam fibras musculares e estão recobertas por tecido conjuntivo mais denso que o das arteríolas. Os capilares linfáticos ou fendas linfáticas são espaços intersticiais recobertos de endotélio e juntam-se, formando os coletores linfáticos. O espaço intersticial é constituído de tecido conjuntivo frouxo, fibras colágenas reticulares, grande quantidade de mucopolissacaridios, dos quais o mais importante é o ácido hialurônico, que se encontra em cadeias espiraladas, além do líquido intersticial, em sua maior parte como gel. A rnicrocirculação recebe inervação apenas simpática e as estruturas inervadas são principalmente as arteríolas. As rnetarteríolas, os esfíncteres pré-capilares e as vênulas podem ter inervação escassa; os capilares são desprovidos de inervação. A função primordial da rnicrocirculação é a nutrição dos tecidos e a remoção de catabólitos. Além disso, as arteríolas e as vênulas representam importante papel nos mecanismos do controle da dinâmica circulatória. Pela ação constritora do simpático, as arteríolas e as pequenas artérias se contraem, aumentando a resistência periférica. As vênulas (e as pequenas veias) também sofrem contração, diminuindo a sua complacência, o que determina a saída do sangue do seu interior para as veias centrais. Ambos os mecanismos - desenvolvimento da resistência periférica e diminuição da complacência - determinam aumento da pressão arterial. O inverso determina diminuição. Além do sistema simpático, pelo menos 3 mecanismos horrnonais atuam no nível das arteríolas e vênulas, todos envolvidos na regulação da pressão arterial. São os sistemas epinefrina-norepinefrina, renina-angiotensina e vasopressina. O fluxo de sangue nas metarteríolas e nas comunicações arteriovenosas diretas é controlado, em parte, pela contratilidade de sua musculatura e pelas almofadas das anastornoses arteriovenosas que podem bloquear ou abrir seu lúmen. O fluxo de sangue dos capilares é controlado pelo esfíncter pré-capilar, que se contrai de 1 a 1O vezes por minuto. Portanto, este fluxo é descontínuo, sendo controlado principalmente pelo teor de oxigênio nos tecidos. Quando a concentração de oxigênio está diminuída, os capilares se abrem mais vezes e por períodos mais longos. Além do oxigênio, algumas outras substâncias podem alterar a tonicidade e a permeabilidade dos capilares, aumentando ou diminuindo o fluxo de sangue e as trocas metabólicas. Dentre estas substâncias destacam-se histarnina, bradicinina,

Parte 8 I Sistema Cardiovascular serotonina, prostaglandinas e vários íons, incluindo C02, K, Ca, H, Mg, Na, acetatos e citratos. As hemácias têm um diâmetro maior que o da maioria dos capilares e sua passagem só é possível graças à sua capacidade de deformação, conjugada ao poder de distensão do capilar. A passagem das hemácias pelos capilares nem sempre é contínua, fazendo-se, às vezes, em "bolos" separados por "áreas" de plasma livre de hemácias. ... Troca de nutrientes, líquidos e catabólitos entre o plasma e o líquido intersticial. As trocas entre o sangue e o líquido intersticial ocorrem por difusão, pinocitose e filtração. A difusão é o mecanismo mais importante, fazendo-se de modo diferente se a substância for lipo ou hidrossolúvel. A difusão da água ocorre principalmente pelos poros ou fendas intercelulares e, em menor grau, por poros da membrana celular. A difusão dos elementos lipossolúveis corno o oxigênio, o C0 2 e alguns gases anestésicos ocorre livremente pelas membranas celulares. A difusão de urna substância hidrossolúvel, como o sódio, o cloro e a glicose, é feita por poros intercelulares, já que não são solúveis na membrana lipídica das células endoteliais. As substâncias cujas moléculas são maiores que o calibre dos poros são pouco difusíveis. É o caso da albumina, cuja concentração, por esse motivo, é maior no plasma que no líquido intersticial. No transporte por pinocitose, a substância é "fagocitada" pela célula endotelial, formando urna vesícula que será levada até a outra parede da célula para ser liberada. Por esse mecanismo, é possível transportar água, ureia, glicose, além de outras substâncias, mas de preferência as macromoléculas que não passam pelos poros. O equilíbrio das trocas entre o plasma e o líquido intersticial é mantido pela concentração das suas substâncias, pela ação da pressão hidrostática nos capilares e no líquido intersticial e pela pressão coloidosrnótica do plasma e do líquido intersticial. A resultante dessas forças propicia um contínuo pequeno aumento de líquido e de proteínas no líquido intersticial. Esse líquido em "excesso" e as proteínas não reabsorvidas pelo capilar venoso são drenados pelos capilares linfáticos, mantendo-se o equih'brio. Inúmeros fatores alteram o equih'brio no nível da rnicrocirculação, destacando-se os seguintes: • Aumento da pressão hidrostática no capilar, seja por estase venosa ou por vasodilatação arteriolar. As causas de estase venosa são: insuficiência venosa crônica, trombose venosa e insuficiência cardíaca. A dilatação arteriolar se deve geralmente à liberação de histamina nos casos de processos alérgicos • Diminuição das proteínas plasmáticas que determinam redução da pressão coloidosmótica do plasma com consequente extravasamento de líquido para os tecidos. Pode ocorrer por falta de ingestão, impossibilidade de formação ou por excesso de eliminação de substâncias proteicas, como ocorre na síndrorne nefrótica • Obstrução linfática que provoca acúmulo de líquido e proteínas no espaço intersticial • Aumento da permeabilidade capilar por lesão do endotélio, como ocorre nas queimaduras, processos inflamatórios e nas intoxicações bacterianas.

66 Exame Clínico Edvaldo de Paula eSilva e Yosio Nagato

O exame clínico da microcirculação é feito pela inspeção e pela palpação, destacando-se as alterações da cor e da temperatura da pele e a ocorrência de edema. A cor da pele se deve, em grande parte, à cor do sangue no interior dos capilares e vênulas, e sofre alterações com as mudanças de temperatura. Quando o meio ambiente está quente, os capilares dilatam-se e o sangue flui rapidamente, dando à pele cor avermelhada. Quando está frio, os capilares e vênulas contraem-se, o sangue flui lentamente, havendo maior extração do oxigênio com aumento da hemoglobina reduzida, o que confere à pele uma cor azulada. No fenômeno de Raynaud, as alterações da cor da pele ocorrem em sucessão mais ou menos rápida: primeiramente, aparece palidez por constrição das arteríolas e vênulas; em seguida, a dilatação destes vasos faz surgir uma coloração violácea; por fim, o desaparecimento do espasmo vascular propicia a entrada, na microcirculação, de um fluxo sanguíneo que vai dar à pele uma coloração avermelhada. Na acrocianose, chama a atenção uma cianose persistente, acompanhada de frialdade, dor e hiperidrose.

Tanto no fenômeno de Raynaud como na acrocianose, o frio é um importante fator no desencadeamento do quadro clínico. No livedo reticular, as modificações da cor da pele ocorrem em placas, entremeando manchas pálidas, vermelhas e violáceas. Na eritromelalgia, além da vermelhidão da pele, o paciente apresenta hipertermia e dor em queimação nas áreas comprometidas. Nas condições em que há vasoconstrição intensa da microcirculação, como, por exemplo, no estado de choque hipovolêmico, com expulsão do sangue do interior dos seus vasos, a pele adquire cor pálida (palidez cutânea). Quando ocorre vasodilatação, como nos processos inflamatórios, a pele adquire cor avermelhada (rubor). Um método importante e prático para medir o fluxo sanguíneo capilar consiste em fazer uma leve compressão sobre o leito ungueal. Logo após a compressão, observa-se palidez, que desaparece rapidamente ao se descomprimir. Se houver vasoconstrição, o tempo de retorno da coloração normal fica nitidamente aumentado. Alterações da sensibilidade são comuns nos distúrbios da micro circulação, representadas por diminuição da sensibilidade (p. ex., sensação de dedo morto), hiperestesia (acrocianose) ou fenômenos parestésicos (dormências e formigamento). A combinação de palidez e hipotermia é um dado importante no diagnóstico de oclusão arterial, sendo indispensável comparar áreas homólogas. O exame clínico desses pacientes deve incluir sempre uma rigorosa avaliação dos pulsos periféricos, pois frequentemente os distúrbios da microcirculação são decorrentes de afecções das artérias, principalmente aterosclerose e tromboangiite obliterante, cujo mecanismo fisiopatológico fundamental é a isquemia por estreitamento do lúmen vascular. A ausência ou diminuição de pulsos periféricos, sempre comparando segmentos homólogos, é elemento semiótico de grande utilidade no raciocínio diagnóstico.

67

Exames Complementares Edva/do de Paula eSilva e Yosio Nagato

.,. . Introdução Os exames complementares que tornam possível analisar distúrbios da microcirculação incluem exames laboratoriais, teste da fragilidade capilar, dopplerfluxometria, oximetria de pulso, capilaroscopia, videocapilaroscopia e laser Doppler . . tmagmg. A dopplerfluxometria foi discutida no estudo da semiologia das artérias.

.,. . Exames laboratoriais Determinados exames podem ajudar na explicação de algumas alterações no funcionamento da microcirculação, principalmente os que mostram aumento ou diminuição da viscosidade sanguínea, tais como o hematócrito, a agregação plaquetária e a dosagem de fibrinogênio.

.,. . Testes de fragilidade capilar • Teste do laço ou fenômeno de Rumpei-Leede Um manguito de pressão arterial é aplicado na porção mais alta do braço e insuflado a um nível pouco abaixo da pressão sistólica, mantendo-se assim por 5 min. Em seguida à desinsuflação do manguito, são contadas as petéquias que aparecem distalmente. O resultado é analisado do seguinte modo: poucas petéquias ou moderado número delas na dobra do cotovelo (+), muitas petéquias na porção mediana do membro superior (++ ), alcançando o pulso (+++), inúmeras petéquias incluindo o dorso da mão (++++). Do ponto de vista das doenças hemolinfopoéticas - em especial, afecções hemorrágicas - o teste do laço é desprovido de valor clínico (ver Capítulo 152, Doenças do Sangue) .

O aparelho utiliza a emissão de feixes de luz vermelha (660 nm) e infravermelha (940 nm). A luz atravessa os tecidos e é absorvida parcialmente pela hemoglobina e desoxi-hemoglobina e captada por um receptor. A diferença na absorção dos dois feixes de luz fornece dados que possibilitam determinar a faixa de saturação de oxigênio no sangue. O aparelho é anexado a um monitor em que são visualizados os dados de taxa de saturação da hemoglobina Sp0 2 e a frequência de pulso; ele costuma ser colocado na extremidade de um dedo, mas pode ser adaptado ao lóbulo da orelha. Esse aparelho tem indicação nas urgências para detectar parada cardíaca, insuficiência respiratória, estado de choque etc.; na anestesia, para monitoramento peroperatório da ventilação e da frequência cardíaca; na UTI, para monitoramento de pacientes críticos, principalmente naqueles com ventilação mecânica, nos quais é utilizado também como critério de desmame. Tem sido utilizado pela fonoaudiologia na avaliação da saturação de oxigênio na disfagia, pelos fisioterapeutas e pela medicina do esporte (Figura 67.1) .

.,. . Capilaroscopia evideocapilaroscopia A capilaroscopia consiste no exame direto dos capilares por meio do capilaroscópio. Atualmente, a capilaroscopia é feita utilizando-se um microscópio acoplado a um sistema computadorizado com obtenção de imagens com aumento de até 1.000 vezes, o que possibilita a visualização dos elementos figurados do sangue. O sistema computadorizado toma possível o registro das imagens obtidas e da velocidade do fluxo. Trata-se da videocapilaroscopia. A capilaroscopia normal na prega periungueal apresenta o seguinte padrão: leito capilar em tom branco-rosado, capilares vermelhos, delicados dispostos em paliçada (forma de U invertido), em paralelo ao eixo longitudinal do dedo, com as duas alças de tamanho igual, sendo uma aferente (arteríola) e a outra, mais calibrosa (vênula), eferente. O número de capilares é constante em uma média de 7 a 17 por mm2; o fluxo sanguíneo é contínuo e não há exsudato ou hemorragias. É possível identificar as seguintes alterações: tortuosidade, dilatação, afi.lamento e diminuição dos capilares, áreas avasculares, exsudação, hemorragia, alentecimento e inversão de

.,. . Oximetria de pulso A função do oxímetro de pulso é medir indiretamente a saturação de oxigênio no sangue e, concomitantemente, calcular a frequência cardíaca de modo não invasivo.

Figura 67.1 Aparelho de oximetria. Observe o sensor colocado no dedo e o monitor para registro de dados.

67 I Exames Complementares fluxo, neoangiogênese, aglomerados de capilares semelhantes aos glomérulos renais. Essas alterações surgem isoladas ou em conjunto, dependendo da doença de base. O exame é útil para o estudo da síndrome de Raynaud primária e secundária, da microangiopatia diabética, das doenças do colágeno (lúpus eritematoso, esclerodermia, dermatomiosite, artrite reumatoide), síndrome de Sjõgren, psoríase e no seguimento do tratamento dos pacientes.

..,. Laser Doppler imaging O laser Doppler imaging é um método de captação de imagem utilizado para a avaliação do fluxo capilar de maneira não invasiva, podendo explorar extensas áreas de até 1.000 cm2 • Na prática, o exame mostra áreas de maior ou menor irrigação, sendo que áreas mais irrigadas aparecem na cor vermelha e as menos irrigadas, na cor azulada. É possível ver a imagem em tempo real e armazená-la. É utilizado para o estudo de diversas áreas da medicina, tais como: doenças vasculares funcionais, doenças do colágeno, diabetes melito, arteriopatias, queimaduras, cicatrização de úlceras, cirurgia plástica (no estudo da viabilidade de enxertos livres de pele e de retalhos pediculados ou transplantados).

599

..,. Bibliografia Cardoso MCAF, Silva AMP. Oximetria de pulso: alternativa instrumental na avaliação clínica junto ao leito para disfagia. International Archives ofOtorhinolaryngology. 2010; 14(2). Coelho SCS, Ramos AD, Pinheiro VS et ai. Nailfold videocapilaroscopy in Turner syndrome: a descriptive study. J Vasc Bras. Porto Alegre, Dec. 2007; 6( 4). Coelho SCS, Guimarães MN, Fernandes TJ. Endotelium in Turner Syndrome with capillaroscopy. J Vasc Bras. Porto Alegre. 2011; 10(2). Corrêa MJU, Perazzio SF, Andrade LEC et al. Laser Doppler imaging para quantificação do fluxo sanguíneo de polpa digital em condições basais e após estimulo frio em pacientes com esclerose sistêrnica. Rev Bras Reumatol. 2010; 50(2):128-40. Gschwandtner ME, Ambrozy E, Schneider B et ai. Laser Doppler imaging and capillary microscopy in ischemic ulcers. Atherosclerosis. 1999; 142:225-232. Halfoun VLRC, Fernandes TJF, Pires MLE et al. Estudos morfológicos e funcio nais da microcirculação da pele no diabetes mellitus. Arquivos Brasileiros de Endocrinologia & Metabologia. 2003; 47:271-9. Halloway GA Jr., Burgess EM. Preliminary experiences with Laser Doppler velocirnetry for the determination of amputations leveis. O & P Library POI. 1983; 7(2):63-6. Leroux MB, Lashak C, Berbotto G,et al. Acrosindromes primárias. Arch Argent Dermatol. 2011; 65:109-14. Leutenegger M, Martin-Williams E, Harbi Pet al. Real-time full field laser Doppler irnaging. Biomed Opt Express. 2011 June 1; 2(6):1470-77. Nenes WA, Terzi RGG. Oximetria de pulso na avaliação do transporte de oxigênio em pacientes críticos. Rev Latin Am Enfermagem. Ribeirão Preto. 1999; 7(2).

68

Doenças da Microcirculação Edva/do de Paula eSilva e Yosio Nagato

.,. . Introdução Os principais distúrbios da microcirculação são a síndrome/doença de Raynaud, a acrocianose, o livedo reticular e a eritromelalgia.

.,. . Doença ou síndrome de Raynaud/fenômeno de Raynaud Na doença de Raynaud, a alteração de coloração da pele ocorre de modo sequencial, iniciando-se com palidez, seguida de cianose e terminando com rubor. As alterações sequenciais da cor da pele dá-se o nome de fenômeno de Raynaud. A doença, cuja etiologia é desconhecida, evolui em crises, que podem não ser completas, ou seja, aparecendo apenas cianose e rubor, ou palidez e rubor, somente cianose ou unicamente palidez. Durante as crises, ocorrem parestesias, descritas como formigamento, agulhadas, queimação, dormência ou sensação de aumento de volume dos dedos e pode surgir dor. Quando as crises se tomam frequentes e intensas, aparecem pequenas áreas de necrose nas polpas digitais, quase sempre muito dolorosas. Pode comprometer os pés, mas a localização predominante é nas mãos. O fenômeno de Raynaud costuma ser desencadeado pela exposição ao frio e por impactos emocionais. Com predominância no sexo feminino, na proporção de 5:1, a doença de Raynaud manifesta-se principalmente nas primeiras décadas de vida. O diagnóstico da doença de Raynaud deve ser feito de acordo com os seguintes critérios: • Episódios de fenômeno de Raynaud desencadeados por frio ou emoção • Bilateralidade do fenômeno • Ausência de gangrena ou, se presente, limitada a pequenas áreas nas polpas digitais • Ausência de qualquer causa orgânica que possa ser responsabilizada pelo fenômeno de Raynaud • Duração dos sintomas de, pelo menos, 2 anos. Daí se vê que o diagnóstico da doença de Raynaud é feito por exclusão, procurando-se afastar todas as afecções que podem acompanhar-se do fenômeno de Raynaud, tais como doenças vasculares orgânicas, colagenoses, compressões da

cintura escapular, síndrome do túnel carpiano, ergotismo, causalgia, crioglobulinemias e distrofia simpático-reflexa. O registro gráfico obtido pelo dopplerímetro ou pelo pletismógrafo mostra curvas típicas de distúrbio vascular funcional.

.,. . Acrocianose A acrocianose é caracterizada por cianose persistente nas partes distais dos membros até, no máximo, o nível dos punhos ou dos tornozelos, acompanhada de hipotermia e hiperidrose dos dedos e mãos. Raramente observa-se comprometimento do nariz e das orelhas. A acrocianose é mais frequente em mulheres jovens e de meia-idade. Sua etiologia é desconhecida, admitindo-se, porém, que seja por conta de uma disfunção do sistema nervoso autônomo ou hipersensibilidade local ao frio com aumento do tônus arteriolar. A doença costuma ter início nas épocas frias, mas, com a evolução, passa a aparecer em períodos quentes. O sintoma mais incômodo costuma ser a hiperidrose persistente das mãos, que pode transformar-se em um problema social com graves repercussões psicológicas. A acrocianose tem evolução benigna e pode desaparecer na fase adulta. O diagnóstico é feito pela história clínica e exame físico, prova da alternância de temperatura e capilaroscopia. A prova da alternância de temperatura consiste em imergir alternadamente a mão do paciente em água quente por 5 min e, em seguida, em água fria a l2°C também por 5 min. Em pessoas normais, há o retomo à temperatura normal anterior à prova em cerca de 20 min. No paciente com acrocianose, o retorno é demorado, levando mais de 30 min. Capilaroscopia na acrocianose: os capilares do leito ungueal estão bastante dilatados com redução da velocidade do fluxo sanguíneo e, à observação demorada, pode ser identificada inversão de fluxo momentaneamente. Vale salientar que todos os pulsos periféricos estão presentes e normais.

.,. . Livedo reticular O livedo reticular é caracterizado pela ocorrência de manchas vermelhas (eritrocianose) ou cianóticas., circundando áreas de pele normal, como malhas de rede que lhe conferem aspecto de mármore, localizadas nas extremidades e no tronco. A doença é de etiologia desconhecida e resulta de espasmo arteriolar, seguido de dilatação dos capilares e vênulas. Na maioria dos casos, não se observa qualquer alteração orgânica nos vasos. Em alguns pacientes, contudo, há proliferação da íntima e infiltração linfocitária perivascular. Reconhecem-se 2 grupos de pacientes com livedo reticular. No primeiro, denominado cutis marmorata, os sintomas são leves, o comprometimento dos membros só ocorre quando expostos ao frio, as alterações da pele desaparecem nas épocas quentes e não há alterações tróficas; o quadro permanece inalterado durante anos. Ambos os sexos são comprometidos, geralmente por volta da segunda ou terceira década de vida. O segundo grupo é constituído de pacientes com sintomas mais intensos, incluindo comprometimento do tronco, e as alterações cutâneas não desaparecem nos períodos quentes. À

68 I Doenças da Microcirculação medida que a doença evolui, surgem dor, parestesias, gangrenas cutâneas e úlceras muito dolorosas. O livedo reticular pode ser secundário, acompanhando doenças autoimunes, tromboangiite obliterante, policitemia, trombocitemia, crioglobulinemia, criofibrinogenemia, intoxicação por chumbo, arsênio e hidrocloreto de amantadina. O diagnóstico é feito por história clínica e exame físico. A pletismografia e a dopplerimetria mostram alterações sugestivas de doença vascular funcional.

..,. Eritromelalgia A eritromelalgia é um distúrbio vasomotor decorrente de vasodilatação arteriolar anormal dos pés e das mãos. A causa é desconhecida e ocorre em crises paroxísticas; compromete principalmente adultos ou idosos. Em geral, as crises são desencadeadas por exposição ao calor, banhos quentes e exercícios físicos. A eritromelalgia pode ser primária ou secundária. O tipo primário é raro e o diagnóstico é feito por exclusão, devendo afastar-se todas as causas de eritromelalgia secundária. As crises são bilaterais, comprometendo mais os pés que as mãos. Inicialmente, a doença manifesta -se por crises esporádicas e de curta duração, que se tomam mais frequentes e prolongadas com o passar do tempo.

601 O paciente apresenta vermelhidão da pele, hipertermia e dor em queimação nas áreas comprometidas. Em alguns, há manifestação de hiperestesia cutânea com aumento da sensibilidade ao contato com lençóis, que pode causar grande sofrimento ao doente. As crises melhoram com a elevação dos membros e com imersão em água fria. Não há comprometimento orgânico dos vasos, apenas alteração funcional com dilatação arteriolar durante as crises. O exame com eco-Doppler, durante a crise, evidencia crescimento da onda sistólica e diminuição da resistência periférica, com aumento da velocidade do fluxo nas arteríolas da região, sugestivo de fístulas arteriovenosas. O exame após a crise apresenta traçado normal, indicando que não há comprometimento orgânico das arteríolas. Na eritromelalgia secundária, as crises são menos pronunciadas e restritas apenas a um membro. Inúmeras causas podem ser responsáveis pela doença, destacando-se insuficiência venosa, policitemia, gota, diabetes melito, hipertensão arterial, alcoolismo crônico, lúpus eritematoso, artrite reumatoide, arteriosclerose, tromboangiite obliterante, hipertireoidismo, neuropatia periférica, medicamentos, metaplasia mieloide, dentre outras. O prognóstico da eritromelalgia secundária depende da evolução da doença básica, podendo, em alguns casos, evoluir com necrose da extremidade.

I.

--• •••••

·----

•••• •••

I • • •••• 1• • • • • • • I •. • • • •

••• ••••• •••• • • • •• • • • •• • ~..

I





••••••• ••••••••••• ••••••••••• ••••••••••••• ••••••••••••• •••••••••••••• • ••••••••••••••• ••••••••••••• ••••••••••••••• ••••••••••••• ••••••••••••• ••••••••••••• ••••••••••• ••••••••••• •••••••••• • • •••••••• . ••••••• ••••••• •••••••••• • ••••••••••••••• •••••••••••••••••• • ••••••••••••••••••••••••••••• • • •••••••••••••••••••• •••••••• ••••••••••••••••••••••••• ••••••••••••••••••••••••• •••••• ••••••••••••••••••••••••• • • ••••••••••••••••••••••••••• •• •••••••••••••••••••••••••••••••••• •••••••••••••••••••••••••••• ••••••••••• •••••••••••••••••••• •• . •••••••••••••••••••••••••• ••• •••• • ••••••••••••••••••••••••• ••••• • ••••••••••••••••••••••• •...•• •••••••••••••••••••••••••••••••• •• •••••••••••••••••••••••••••• •••••••••••••••••••••••••• . ••• • •••••••••••••••••••••••••••••• • ••••••••••••••••••••• ••••• •• ••• •• •••••••••••• •••• ••••••••••••••••••• • ••• •• •••••••••••••• • ••• ••••• •• ••• •••••••••••••••••••••••• •••••••••••••••••••• ••••• I ••• •••• •••• ••••••••••••••••••• • •• •• ••• •••••••••• •••••••• •••••• • •• • ••••••••••••••••••••• ••• ••• ••• ••••• •••••••••••••••••• • •• •••••••••••••• ••••••••••••• •• •••• •••• ••••••••••• ••••••••••••• •• • • ••••••••••••••••••• •• •••• •• ••••• ••••••••• •••••••••••••••••••••• •• • •• •••••••••••••••• •• •••• ••••••••••••••••••••••••• •• •• ••• ••••••••••••••••••••••••• •••• ••••••••••••••••• •• ••• ••• •••• ••••• ••••••••••••••• • •••• ••••••• ••••••••••••••••••••••• •• • ••••••••••••••••• • ••• ••• =•·==···=====·=========== == .~ ••• . .... .••••.•...•...• •• •••••••••••••••••••• • === I• •••••••••• •••• • ••••••••••••••••• • 111 ••••••••••••••• •• • •••········=· • ••••••••••••••••• ••• •••••••••• • ••• • ••••••• •••••••••••• • ••• • ••• • ········=·········· •• • •••••••• •••••••••• •• •• • ••••• •• ••••••• •••••••••••• •• • • • • ····=············ ··= 'w I •• .1111.111111111111 •• •••• •• •••••••••••••• •• • ••••••••• ••••••• ••••••••••••• •••• ••••••••••••••· •••••••••••• • I •••••••:• •



Parte 9







'





Sistema







Digestivo

~-·

••• •••••••••••••••••••••••

I

Heitor Rosa Hélio Moreira João Damasceno Porto Joffre Marcondes de Rezende Joffre Rezende Filho José Abel Ximenes Luiz Ernesto de Almeida Troncon Luiz Vieira Pinto Nilva Maria Andrade-Sá Ricardo Brandt de Oliveira Ulysses G. Meneghelli

••



I

I

••

•••

'

····==·====· ===========·· ...... ······=· ····=······ •• =·= ====·= ··===·======= • • ••••• •••••• • •••••••••• • •••.. •••••• • ._. .• . •••••••••• - .... •••••••• . . ••••••••• • •••• • ••••••••• • ••••••• ••••••• • ••••••••• ••••• • •••••••• •••••• •••••• ••••••••• • ••• • •••••••• •• ••••••••••• • •••••••• •• • • •••••••• • ... • •··===· ·= • . ========· •••••• • •••••••• • •••••••• • • ••••• • •• ••••••••• • · ••••• =·=====· . ========== •• • ••••••••• • •••••••••• •••••• •••••• • •••••••• •••••• • ••••••••• •••••••• •••••••• • ·=··=·==· ======== ••••••••• . •••••••• •

Colaboradores





I

•••••• ••.... ••• . ••• .. ••• •••••• •••••• ·===== . •••••• •••••• •• •• • •• •••• •• ••• ••• • •• ••••• • • • ••• •••••• •• •• ••••••••• •



I





•••••••• •••••• ·····a· •••••• •••• • •••••• •====== ••••• ••••••• •••• •••• ••••••• • •••••••• ••••••• ••••••••• ••••••• •••••• •••••••••• •••••• •

Carlos Alberto Ximenes Hélio Moreira Júnior José Paulo Teixeira Moreira Kim-lr-Sen Santos Teixeira Leonardo Martins Normanha Manoel Santos Pereira Marcelo Eustáquio Montandon Junior Maurício Sérgio Brasil Leite Ornar Carneiro Filho Racine Procópio Teixeira Rafael Oliveira Ximenes Renato Miranda de Melo Rodrigo Oliveira Ximenes

I



•••



••

••••••••••••••••••••••••••

•••••••••••

• •

••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••• •••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••• • •••••••••••••• •••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••• •••• ••••••••••••••••••• ••••••••••••••••••• • ••••••••••••• •••• •••••• ••• •• •••••••••••• •• ••• •••••••••••• •••• • •• ••• •• •• ••• •••••••••••••••••••••• ••• •• •• ••••••• ••• • ••••• • • ••••••• ••• •••••• ••• ••••••• • • ••••• • • • ••••• ,. .. ••••• •• • • ••• • •• • ••• • • •• ••••• •••• ••• •• • .••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••.••••••••• •• •• • • • •••••• ••• • •• • ••• •••••• • • • • • •• •• • ••••• ••• • •• • • ···=·· • •••• • ··=··· • • •• • ••• •• • • ••• !I.. • • • . • • • • •• • • • • • . • • • • I! • • • . • • •• • • • • • • • • • •• • ••••••• •• • • • • • • • • • • Seção 1

I ••

••••••••••

I •••••



I • ,

I

•••• ••



••

••

•••••••••••••



•••••••••••••

••••••••••••••••••••••••••••••

••• •• •



••••••



••







••



••••••••

•••

••

••••••











•• •



•••



••

••

•• ••• •••



• ••••

•••••



•••• •

•.

••





•••••••••







••



• •••••

••• •• I •



••







Cavidade Bucal e Anexos

69 Noções de atomia e Fisiologia Luiz Vieira Pinto

.,.. Introdução A cavidade bucal dispõe de um conjunto de estruturas banhadas pela saliva, com flora microbiana própria de grande potencial defensivo, e desempenha importantes funções, referentes à mastigação dos alimentos e à fonação. A ingestão e a digestão dos alimentos começam pela mastigação, feita pelos dentes, com auxílio da língua e pela ação química da saliva. Para a fonação concorrem a língua, os dentes e os lábios, além de cavidades ressonadoras (nasais, paranasais e bucofaríngea). As afecções periodontais dos tecidos de suporte e proteção dos dentes como a gengivite e a periodontite, juntamente com a cárie dentária, constituem as principais causas de perda dos órgãos dentais.

••

••••

I





A cavidade bucal tem formato oval, sendo limitada anteriormente pelos lábios, lateralmente pelas bochechas, inferiormente pelo soalho muscular, posteriormente pelo istmo da faringe e superiormente pelo palato. Comunica-se com o exterior pela abertura dos lábios e com a faringe, por meio do istmo da garganta. O vestíbulo da cavidade bucal é o espaço entre as bochechas e os lábios e os ossos maxila e mandíbula e os dentes (Figura 69.1). Na avaliação semiológica da cavidade bucal, o médico deve seguir uma sistematização que inclui as seguintes estruturas: lábios, mucosa bucal (bochechas), mucosa do sulco vestibular, cavidade bucal própria, gengiva, língua, dentes, epitélio bucal e os anexos, glândulas salivares e articulação temporomandibular.

.,.. Lábios Os lábios são formados por vários músculos com aspecto de duas dobras musculofibrosas, que limitam a cavidade bucal. Quando abertos, visualizam-se a gengiva e os dentes. O epitélio que os recobre externamente tem as características do tegumento comum, apresentando pelos, glândulas sudoríparas e sebáceas. A mucosa que recobre os lábios internamente dispõe de glândulas labiais mistas. As vezes, no lábio superior, há glândulas sebáceas isoladas, ectópicas. O lábio superior está separado da bochecha pelo sulco nasolabial, que parte da asa do nariz, dirigindo-se para baixo e lateralmente até o ângulo da boca. O lábio inferior é separado do mento pelo sulco labiomentual, que se torna mais proeminente e profundo com o aumento da idade. No ângulo da boca, o encontro do lábio inferior e superior forma uma depressão, mais nítida quando se abre a boca, chamada comis-

69

I Noções de Anatomia eFisiologia

Palato mole

605

----:.::f:i~oi

úvula __,. Am ígdalas Papilas ___:;:,..

Superfície ventral da llngua

~- óstio do canal submandibular

Figura 69.1 Cavidade bucal e suas principais estruturas. (Adaptada de Wolf-Heidegger- Atlas de Anatomia Humana, 6ª ed., 2006.)

sura labial. Quando a boca está fechada e a mandJ.bula em posição de repouso, os lábios entram em contato, formando uma linha pouco acima das bordas iniciais dos dentes incisivos superiores. A abertura da boca, bem como os movimentos de mastigação, depende de um equiltbrio harmônico entre os músculos, os ossos maxila e mandJ.bula e os dentes.

. .,. Mucosa bucal (bochechas) O músculo bucinador é responsável pela manutenção da tensão, movimentação e flexibilidade da bochecha durante a mastigação e a fonação. Na parte posterior encontram-se o músculo masseter e a glândula parótida, entre a mucosa e o músculo bucinador; externamente, a pele. Pelo lado bucal, a mucosa bucal é limitada superior e inferiormente pela reflexão da mucosa do osso alveolar, constituindo o fórnix ou fundo de saco vestibular. Anteriormente, a mucosa bucal limita-se com a mucosa dos lábios e a comissura labial. No limite posterior, temos a prega da mucosa que une as extremidades posteriores dos ossos alveolares, chamada região do trígono retromolar. Na mucosa bucal, entre a lâmina própria elástica da mucosa e a fáscia muscular, encontram-se numerosas glândulas mistas e glândulas sebáceas isoladas, ectópicas. O conduto parotídeo abre-se no vestíbulo bucal, no nível da face vestibular do segundo molar superior, evidenciado por uma elevação da mucosa - a papila parotídea. Entre as fibras dos músculos masseter e bucinador existe uma formação especial de tecido gorduroso, denominada corpo adiposo da boca (Bichat). Os componentes estruturais da mucosa bucal facilitam a integração biomecânica da mastigação dos alimentos e da fonação.

. .,. Mucosa do sulco vestibular A região entre as mucosas bucais constitui o sulco vestibular. Ela se caracteriza pela textura frouxa do tecido submucoso,

que possibilita movimentos para cima e para baixo contra os músculos e ossos. A mucosa que recobre o osso alveolar até o colo dos dentes constitui a gengiva livre e a gengiva inserida. A mucosa alveolar é lisa, com grande número de vasos sanguíneos, pontilhada de pequenas saliências, quase sempre queratinizada ou paraqueratinizada. Na linha mediana, ligando a mucosa dos lábios aos ossos alveolares, há pregas que constituem os freios labiais, superior e inferior, formadas de tecido conjuntivo frouxo entre as membranas mucosas, cuja função é facilitar a movimentação dos lábios.

. .,. Cavidade bucal própria A cavidade bucal própria apresenta um contorno periférico formado pelos ossos alveolares e arcadas dentárias. O soalho da cavidade bucal é muscular, tendo na parte posterior a base de fixação da língua. O teto é formado pelo palato duro, que apresenta esqueleto ósseo, pelo palato mole e véu palatino. Os ossos que formam o palato duro são os processos palatinos dos maxilares e as lâminas horizontais dos ossos palatinos. Na parte anterior do palato duro, encontram-se as rugas palatinas, cruzando-o nos sentidos anterior e transversal. São formadas de tecido conjuntivo denso e desempenham papel importante na mastigação dos alimentos. Na borda livre do palato mole, encontra-se, na linha média, uma saliência chamada úvula palatina e, lateralmente, 2 pregas: o arco palatoglosso e o arco palatofaríngeo do véu do palato. Entre os arcos existe uma fossa triangular - as fossas amigdalianas - nas quais se alojam as amígdalas palatinas.

. .,. Gengiva A gengiva mantém-se firmemente ligada aos dentes e à maxila ou à mandíbula na qual está situada. Nas pessoas de cor branca, tem coloração rósea pálida e é levemente pontilhada. Nas pessoas pardas ou negras, pode ser difusa ou parcialmente marrom.

Parte 9

606

~ Língua A língua é um órgão constituído fundamentalmente de musculatura estriada, cuja base e parte central estão fixadas no soalho da boca. Pode ser dividida em corpo ou superfície dorsal, base, ponta, bordas laterais e superfície ventral. Na linha média encontra-se o freio lingual, ligando a face ventral da língua ao soalho da boca. Na superfície dorsal da língua situam-se as papilas circunvaladas, filiformes, fungiformes e folheadas, que lhe conferem aspecto rugoso. Nessas papilas localizam-se os botões gustativos, cuja função é analisar os constituintes químicos dos alimentos. A língua é formada de músculos extrínsecos com origem em ossos palatoglosso, chamados de estiloglosso, genioglosso e hioglosso, e músculos intrínsecos de fibras verticais, transversais e longitudinais. Estes 2 grupos de músculos são responsáveis pelas modificações da mobilidade, formato e versatilidade da língua.

~ Dentes Os dentes estão dispostos na cavidade bucal em 2 arcadas, inseridas nos ossos maxila e mandíbula. O dente é formado por uma parte que fica acima da gengiva - coroa - e uma ou mais raízes dentro de cavidades ósseas, chamadas alvéolos. O limite de transição entre a coroa e a raiz é denominado colo dentário (Figura 69.2). O ser humano tem duas dentições. A primeira, chamada decídua, inicia-se com a erupção dos primeiros dentes aos 5 meses e termina aos 2 anos e meio, em um total de 10 dentes em cada arcada dentária. A segunda dentição, chamada dentição permanente, inicia-se aos 5 anos e termina dos 18 aos 21 anos, em um total de 16 dentes em cada arcada dentária.

Em ambas as dentições, os dentes apresentam estruturas semelhantes, ou seja, tecidos duros mineralizados, esmalte e dentina, uma parte central não mineralizada, a polpa dentária, que é um tecido rico em nervos e vasos sanguíneos. Nas raízes, recobrindo a dentina, fica o cemento, cuja estrutura é semelhante à do osso, ainda que não apresente sistemas de Havers nem vasos sanguíneos. Entre o cemento e o osso alveolar está o ligamento periodontal, formado por um tecido conjuntivo denso com características especiais, que une o cemento dentário ao osso alveolar, possibilitando pequenos movimentos dos dentes dentro dos alvéolos. As fibras colágenas da membrana periodontal estão orientadas em feixes que se entrelaçam para evitar que pressões fortes sejam exercidas diretamente sobre o tecido ósseo, o que provocaria sua reabsorção. O osso alveolar é a parte do periodonto de sustentação que está em contato imediato com o ligamento periodontal, sendo formado por um tecido ósseo do tipo imaturo. As fibras colágenas estão dispostas em formações lamelares que penetram no osso e no cemento, inserindo-se nessas estruturas, para manter os movimentos dentários. Distinguem-se quatro tipos de dentes: incisivos, com função de cortar os alimentos; caninos, pontiagudos, que rasgam os alimentos; pré-molares, que amassam os alimentos; e molares, que trituram e moem. Na dentição decídua, não há os pré-molares; em seu lugar, estão os molares decíduos com as funções dos molares permanentes. As arcadas dentárias normais apresentam um arranjo dos dentes entre si com relação perfeita de oclusão entre as arcadas superior e inferior. Os dentes estão dispostos em uma sequência rigorosa, isto é, cada dente em contato com seus vizinhos. Os pontos de contato ficam na superfície mais alta da convexidade das faces proximais das coroas. A relação das arcadas dentárias e dos dentes superiores e inferiores depois do fechamento máximo chama-se oclusão, e esta, quando perfeita durante os movimentos da mastigação, constitui a articulação normal.

~ .____ __ Esmalte Coroa

Colo-_,

t+-- Dentina

Raiz

H

N

±I+

+

>

+> ± >

+>


+ +

>

L

L

IR

IR

N L

±

IR Sopro/atrito*

+

ICC = insufidéncia cardíaca conge5tiva; CA =carcinoma; HVA = hepatite vira Iaguda; N= normal; L= lisa; IR = irregular, ocasional;>= aumentada;< = diminuída. **Para a borda: N=normal;= espessa ou romba.

94 I Exame Clínico

Hepatomegalia Denomina-se hepatomegalia o aumento volumétrico do fígado à custa de um ou de todos os lobos. Isto significa que o órgão, como um todo, ultrapassa seus limites superior, inferior e transverso. Entretanto, devemos estar atentos ao fato de que nem todo fígado palpável está aumentado de volume. Por exemplo, nos enfisematosos pode-se palpar o fígado graças à expansão dos pulmões, os quais deslocam para baixo o diafragma. Neoplasias no polo superior do rim direito podem deslocar o fígado para baixo e para frente, simulando uma verdadeira hepatomegalia. O lobo de Riedel, raro prolongamento do lobo direito, pode simular volumosa hepatomegalia, neoplasia ou rim. A medida do tamanho do fígado, pela palpação e por cuidadosa e delicada percussão hepática, é o método hepatimétrico mais rápido, fácil e barato. Talvez, adquirindo-se experiência, possa ser um dos mais precisos. Quando houver dúvidas a respeito do volume e dos limites do fígado, assim como das características de sua superfíde, podem-se utilizar outros métodos, tais como o exame radiológico, a ultrassonografia e a tomografia. A radiografia simples do abdome é o método radiológico mais usado, apesar de depender de uma série de aspectos técnicos, tais como regime, gás e/ou líquido e posição do paciente. Apesar de a densidade hepática ser bem caracterizada e de estar aumentada na hepatomegalia, a avaliação radiológica das dimensões do fígado não é fácil, porque o lobo esquerdo raramente é individualizado. Entretanto, alguns sinais são valiosos para caracterizar a hepatomegalia, destacando-se: • alterações na curvatura normal do diafragma direito, como variação dos ângulos dos seios costofrênico e cardiofrênico. Elas estão presentes em uma série de condições patológicas do fígado. Por exemplo, a cúpula diafragmática pode estar retificada nas neoplasias hepáticas e elevada nos abscessos subfrênicos • o deslocamento do estômago para a esquerda, visto à radiografia contrastada, é um sinal de hepatomegalia comumente encontrado nas neoplasias do fígado. Porém, não é um método usual. Os exames de imagem fazem-no melhor. Os demais métodos serão descritos no capítulo seguinte. As causas de hepatomegalia são múltiplas e o Quadro 94.3 é uma tentativa de classificação, reunindo as mais frequentes. Cabe agora analisar o significado da hepatomegalia. Nenhuma deve ser considerada como um fato sem importância clínica. A correlação com o quadro clínico é fundamental, embora sejam frequentes as hepatomegalias silenciosas ou assintomáticas. A exploração funcional hepática é obrigatória e a biopsia e/ou exame por imagem podem vir a ser os elementos de decisão. Um exemplo de hepatomegalia não patológica é a do recém-nascido, no qual o fígado está aumentado enquanto cumpre sua temporária função hematopoética. Uma hepatomegalia de questionável significado patológico e de evolução assintomática é a secundária ao uso crônico de fenobarbital e outros medicamentos que produzem o fenômeno de indução enzimática, o qual provoca hipertrofia e hiperplasia do retículo endoplasmático liso; entretanto, à microscopia óptica praticamente não se detectam alterações. Enfim, a hepatomegalia não caracteriza o fígado como sede primitiva da doença. Na verdade, o fígado aumentado de volume é um sinal clínico que traduz hepatopatia ou apenas a resposta a uma doença a distância ou sistêmica.

739 Quadro94.3

Causas de hepatomegalia.

Circulatórias • Insuficiência ventricular direita • Obstrução venosa supra-hepática • Pericardite constritiva • Doença veno-oclusiva Colestase intra eextra-hepática prolongada • Benigna • Maligna Infecciosas • Abscessos piogênicos • Infecções bacterianas evirais sistêmicas • Hepatites virais agudas ecrônicas • Tuberculose • leptospirose • Hanseníase • Febre amarela • Mononucleose • Sarcoidose • Sífilis Parasitárias • Abscessos amebianos • Malária • Esquistossomose • Calazar • Hidatidose • Micoses profundas (blastomicose sul-americana, histoplasmose) Metabólicas • Hemocromatose • Amiloidose • Doença de Wilson • Glicogenoses • lipoidoses • Kwashiorkor • Diabetes melito • Obesidade • Alcoolismo Neoplásicas • Câncer primitivo emetastático • Neoplasias hematopoéticas, cistos e hemangiomas Outras • Cirroses • Hepatite alcoólica epor substâncias • Fibrose congênita • Hepatite crônica autoimune

• Exame da vesícula biliar A vesícula biliar normalmente não é acessível à palpação e só se torna palpável em condições patológicas. É necessário que ocorra alteração na consistência de suas paredes, como no câncer vesicular, ou que haja aumento de tensão no seu interior por dificuldade de escoamento de seu conteúdo em consequência de obstrução do dueto cístico ou do colédoco para se tornar palpável A obstrução do cístico quase sempre é de natureza calculosa ou inflamatória, e a vesícula distende-se por acúmulo de sua própria secreção, constituindo a vesícula hidrópica.

740

Parte 9

A obstrução do colédoco, por sua vez, pode ser calculosa ou neoplásica. Raramente, entretanto, a obstrução coledociana por cálculo causa distensão da vesícula biliar a ponto de torná-la palpável, sobretudo nas pessoas idosas com vesícula já esclerosada. .,.. Sinal de Courvoisier. Vesícula biliar palpável em paciente ictérico é sugestiva de neoplasia maligna, a qual, na maioria das vezes, se localiza na cabeça do pâncreas. .,.. Sinal de Murphy. Na colelitíase e na colecistite crônica, embora a vesícula não seja palpável, é frequente o paciente relatar dor quando é exercida compressão sob o rebordo costal direito, no ponto cístico, durante a inspiração profunda. A maneira de pesquisar este sinal é a seguinte: o examinador, à direita do paciente em decúbito dorsal, coloca sua mão esquerda de modo que o polegar se insinue sob o rebordo costal direito no nível da borda interna do músculo reto anterior, enquanto a face palmar da mão apoia-se sobre o flanco. Sem afrouxar a pressão exercida pela mão palpadora, solicita-se que o paciente respire profundamente. Em caso de dor, o atendido interrompe o movimento respiratório ao mesmo tempo que reclama da sensação dolorosa. O ponto de palpação da vesícula pode ser tocado de duas maneiras. Nas pessoas magras, ele corresponde à interseção da borda externa do músculo reto abdominal com a cartilagem costal. Nos pacientes obesos, pela linha que une a crista ilíaca à arcada costal passando pelo umbigo (Figura 94.3).

• Exame do baço Procede-se da mesma maneira que na palpação do fígado, a região examinada é o quadrante superior esquerdo. Se não for possível palpar o baço por meio das manobras descritas, utiliza-se um outro recurso, que consiste em examinar este órgão com o paciente na posição de Schuster. Em decúbito lateral direito, o paciente deve estar com a perna direita estendida e a coxa esquerda fletida sobre o abdome em um ângulo de 90°; ademais, o ombro esquerdo é elevado,

I Sistema Digestivo

colocando-se o braço correspondente sobre a cabeça. De início, o examinador posta-se diante do paciente, pousando com alguma pressão sua mão esquerda sobre a área de projeção do baço como se quisesse deslocá-lo para baixo. Enquanto isso, a mão direita executa apalpação, coordenando-a com os movimentos respiratórios do paciente, de tal modo que, durante a inspiração, o examinador avança sua mão no rumo do rebordo costal. As esplenomegalias de pequeno volume ou "ponta do baço" são difíceis de palpar, principalmente quando o volume abdominal está aumentado. Um recurso bastante interessante consiste em solicitar ao doente que se deite sobre o antebraço esquerdo, em uma posição de 90° em relação ao braço. Nesta manobra, o antebraço faz o rechaço do baço para cima; desta forma, o órgão será palpado somente por uma das mãos (direita ou esquerda), de forma suave e sem pressão sobre a região. Observe que a palpação só é feita durante a inspiração. O reconhecimento do baço de grande volume é confirmado pela identificaç.ã o da chanfradura esplênica - uma reentrância semicircular que corresponde à direção do hilo. Isto pode ser válido quando é feito o diagnóstico diferencial entre massas e o rim esquerdo, por exemplo. A característica semiológica principal é a distância entre a reborda costal e a extremidade inferior do baço, medida em centímetros, tomando-se como referência a linha hemiclavicular esquerda. Com este dado, torna-se possível avaliar o volume dessa víscera. Excluída a possibilidade de ptose esplênica, todas as vezes que se consegue palpar este órgão significa que seu volume está aumentado, ou seja, há esplenomegalia. Para o baço se tornar palpável, é necessário que alcance o dobro de seu tamanho normal (este órgão mede aproximadamente 13 x 8 x 3,5 em e pesa 180 a 200 g), achando-se na loja esplênica, recoberto pelo diafragma e pela parede costal esquerda, entre a 9a e a 11 a costela; sua extremidade inferior dista 5 em do rebordo costal.

Esplenomegalia Em grande número de condições, o aumento do baço encontra-se associado ao crescimento do fígado, constituindo as hepatoesplenomegalias (ver Capítulo 152, Doenças do

Sangue). Deve distinguir-se a esplenomegalia de outras massas palpáveis da região, notadamente neoplasias renais, rim policístico e neoplasia do ângulo esplênico do cólon. Nos casos que se acompanham de periesplenite, a palpação do baço desperta sensação dolorosa, denominada esplenalgia. Uma causa comum é o infarto esplênico. Conforme o tamanho alcançado pelo baço, as esplenomegalias são classificadas em três graus: Vesícula

--r-;-~,.. I I

I

Borda externa : do músculo - --+-;' reto abdominal

',

'' ''

-~-,---t-- Umbigo ' ', '' ', ' --~- Crista ilíaca B

A

1I

I\

Figura 94.3 O local de palpação da vesícula biliar (ponto cístico) é determinado de duas maneiras: (1) nas pessoas não obesas corresponde à interseção do arco costal com a borda externa do músculo reto abdominal direito (A); (2) nas pessoas obesas corresponde à interseção da linha que une a crista ilíaca anterossuperior esquerda ao arco costal, passando pelo umbigo (8).

• Grau 1: baço apenas palpável sob o rebordo costal esquerdo • Grau II: baço palpável entre o rebordo costal esquerdo e uma linha transversa passando pela cicatriz umbilical • Grau III: baço palpável abaixo da cicatriz umbilical. Qualquer que seja a etiologia determinante da esplenomegalia, o baço hipertrofiado pode interferir na função hemopoética da medula óssea, causando alterações no hemograma caracterizadas por anemia, leucopenia e trombocitopenia. Esta ação do baço sobre a medula óssea constitui o hiperesplenismo, que pode ser seletivo, quando apenas um dos elementos figurados do sangue é atingido, ou global, quando existe pancitopenia no sangue periférico. O hiperesplenismo é diagnosticado pelo mielograma, que evidencia hiperplasia celular (ver Capítulo 152, Doenças do Sangue).

94 I Exame Clínico As grandes esplenomegalias causam abaulamento do flanco esquerdo, podendo ser reconhecidas à inspeção, especialmente por sua mobilidade durante os movimentos respiratórios. A esplenomegalia pode resultar de estase venosa (esplenomegalia congestiva) ou de hiperplasia dos tecidos linfoide e retículo-histiocitário. As esplenomegalias de grau III, encontradas em nosso meio, se devem à forma hepatoesplênica da esquistossomose mansônica, cirrose hepática, malária crônica, calazar e leucemia mieloide crônica. As principais causas de esplenomegalia são: • Doenças infecciosas e inflamatórias: (1) agudas e subagudas (febre tifoide, septicemia, abscesso do baço, mononucleose infecciosa, endocardite bacteriana); (2) crônicas (tuberculose, sífilis congênita, malária, calazar, tripanossomíase, histoplasmose, sarcoidose, síndrome de Felty, lúpus eritematoso sistêmico) • Esplenomegalias congestivas (hipertensão portal): cirrose do fígado; trombose da veia porta; obstrução da veia esplênica; transformação cavernosa da veia porta • Esplenomegalias reativas ou hiperplásicas (reação dos elementos linforretículo-histiomacrofágicos): ( 1) anemias hemolíticas de vários tipos- anemia esferocítica constitucional e adquirida; anemias crônicas com componente de destruição eritrocitária; anemias megaloblásticas; talassemias; anemias de hemoglobinopatias diversas; (2) púrpura trombocitopênica crônica; (3) lúpus eritematoso sistêmico (geralmente com anemia hemolítica e/ou trombocitopenia); (4) neutropenia esplênica primária; (5) hiperplasias linfocitárias benignas -linfocitose benigna da criança, linfadenite angioimunoblástica • Esplenomegalias por metaplasia mieloide do baço: metaplasia mieloide agnogênica ou mielofibrose primária; policitemia vera; doença hemolítica do recém-nascido

741 • Esplenomegalias das doenças metabólicas ou de depósitos: ( 1) tesaurismoses (doença de Gaucher; doença de Niemann-Pick; mucolipidoses); (2) mucopolissacaridoses (gargulismo); (3) amiloidose e lipemia diabética • Esplenomegalias dos linfomas, leucemias e histiomonocitose malignas: (1) linfomas tipo Hodgkin e não Hodgkin; (2) leucemias agudas e crônicas (linfoides, mieloides e monocíticas); (3) retículo-histiomonocitoses malignas (histiocitoses malignas; eritrofagocitose familial) • Esplenomegalias dos cistos e neoplasias: (1) cistos verdadeiros e falsos; (2) metástases de carcinomas e sarcomas; (3) hamartomas.

..,. Bibliografia Eisenberg RL. Diagnóstico diferencial por imagens. 33 ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1999. Liddel HG, Scott R. Liddel & Scott Greek English Lexicon. United Kingdom: Oxford, 1978. Mattos AA, Dantas W Compêndio de hepatologia. 23 ed. São Paulo: Fundo Editorial Byk, 2001. Porto CC, Porto AL. Exame clínico: bases para a prática médica. 7• ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2012. Porto CC, Porto ALP. Vademecum de clínica médica. 3• ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2010. Rosa H. Colestase. In: Oliveira e Silva A; D'Albuquerque LAC. Hepatologia clínica e cirúrgica. São Paulo: Sarvier, 1986. Rosa H. Síndromes hepáticas. In: Dani RA; Castro LP. Gastroenterologia clínica. 2• ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2001. Sherlock S. Diseases of the liver and biliary system. 10th ed. Londres: Blackwell, 2000. Silva AO et al. Cirrose hepática. In: Davi R Gastroenterologia essencial. 3• ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2006. Sleisenger & Fordtran. Gastrointestinal and liver disease. 7th ed. New York: Saunders, 2002. WolffH. Antropologia do Antigo Testamento. São Paulo: Loyola, 1975.

95

O aspartato aminotransferase (AST), anteriormente conhecido como TGO (transaminase glutâmico-oxalacética), catalisa a seguinte reação:

Exames Complementares

Aspartato + Alfacetoglutarato ~ Oxalacetato + Glutamato.

Heitor Rosa eLeonardo MartinsNormanha

.,. . Introdução Os exames complementares podem ser divididos em dois grandes grupos: métodos não invasivos e invasivos. Métodos não invasivos são aqueles que estudam um órgão, cavidade ou sistema sem romper a integridade dos tecidos nem ocupar espaço (Quadro 95.1). Os invasivos são aqueles realizados por instrumentos ou aparelhos que atingem um órgão, cavidade ou sistema por meio da perturbação da integridade dos tecidos, ou da ocupação do espaço nas vísceras ocas. Biopsia do fígado, peritonioscopia e colangiografia percutânea são exemplos de perfuração. Já a endoscopia é um exemplo de intubação de víscera oca.

.,. . Exames laboratoriais Existem centenas de exames laboratoriais que investigam, no soro sanguíneo, diferentes parâmetros da atividade hepática. Entretanto, com um pequeno e selecionado número de testes, o médico pode ter a correta e adequada ideia das alterações hepatobiliares. Os testes de que dispomos podem fornecer um diagnóstico funcional ou sindrômico, servindo como elementos de triagem para outros exames mais específicos. ..,. Estudo de lesão hepatocelular. Para esse estudo, usa-se, com mais frequência as dosagens da aspartato aminotransferase (AST; ex-TGO), da alanina aminotransferase (ALT/ex-TGP), da gamaglutamiltransferase (GGT). Quadro95.1

Métodos diagnóstkos.

A. Exames laboratoriais • Estudo de lesão hepatocelular • Estudo da síntese hepática • Estudo da colestase eicterícia • Estudo imunológico {marcadores virais) B.lmagens • Radiologia convencional • Ultrassonografia • Tomografia computadorizada • Ressonância magnética • Colangiorressonância magnética C. Laparoscopia, biopsia eelastografia

Suas maiores concentrações estão no coração, músculo esquelético, cérebro e fígado, nesta ordem. A alanina aminotransferase (ALT), que tem sua maior concentração no fígado e já foi conhecida como TGP (transaminase glutamicopirúvica), catalisa a seguinte reação: Alanina + Alfacetoglutarato ~ Piruvato + Glutamato. Ambas as enzimas são de localização citoplasmática e liberadas na circulação quando há necrose tecidual; no caso do fígado, necrose hepatocitária. Seus níveis mais elevados estão presentes na hepatite viral aguda, com predomínio da ALT. Geralmente estão com valores acima de 400 UI. Na hepatopatia alcoólica, os níveis mais elevados são de AST, sendo a relação ASTI ALT maior do que 2, porém, os valores estão muito aquém daqueles da hepatite viral aguda. Avaliam também a evolução das hepatites crônicas. ..,. Estudo das colestases e icterícia. As bilirrubinas são um derivado do metabólito heme formado na degradação da hemoglobina principalmente no baço (200 a 300 mg/dia), originando a forma denominada livre ou indireta ou não conjugada (BI). A conjugação é feita no hepatócito com o radical SO/ + e/ou o ácido hialurônico, cuja reação é catalisada pela glicuroniltransferase, passando a se denominar bilirrubina direta ou conjugada (BD). A fração BI não é hidrossolúvel, circula ligada à albumina e não é filtrada pelos rins, estando, assim, ausente na urina. A BD é hidrossolúvel e filtrada pelos rins; aparece na urina e nas icterícias obstrutivas, manchando a roupa com cor amarela (ver Capítulo 96, Doenças do Fígado e das Vias Biliares). A gamaglutamiltransferase (GGT) distribui-se desde o hepatócito até a árvore biliar extra-hepática. Ela catalisa a transferência de grupos gamaglutamil de vários peptídios para aminoácidos. Junto com a fosfatase alcalina, é conhecida como marcador de colestase, pois seus níveis séricos elevam-se nestas formas de icterícia. Apesar de não ser muito específica, seu aumento geralmente traduz lesão hepatobiliar, e pode identificar as hepatopatias induzidas pelo álcool. A fosfatase alcalina (FA) catalisa as reações de hidrólise de vários ésteres-fosfato e é encontrada nos ossos, fígado, intestinos, placenta e rins, localizando-se principalmente no nível da membrana plasmática. Os valores obtidos no soro geralmente originam-se do fígado e dos ossos. Durante a fase de crescimento, a criança apresenta valores elevados desta enzima. Outra causa fisiológica de elevação é a gravidez, devido à produção placentária. A sensibilidade destas enzimas nas colestases é alta, porém sua especificadade é baixa, pois isoladamente elas não possibilitam o diagnóstico diferencial entre as formas intra e extra-hepáticas. Observam-se valores maiores nas colestases extra-hepáticas e no câncer do fígado. As lesões osteolíticas elevam bastante a FA, assim como as metástases hepáticas de neoplasia óssea. ..,. Estudo da síntese hepática. A síntese hepática é avaliada pelas dosagens de albumina e de protrombina, duas das várias proteínas produzidas exclusivamente no fígado. Se não houver integridade do hepatócito, não haverá produção nem síntese normal das mesmas. Vários fatores podem causar hipoalbuminemia e devem ser reconhecidos clinicamente, como mostra o Quadro 95.2.

95

I Exames Complementares

Quadro95.2

743

Causas mais frequentes de hipoalbuminemia.

• Menor oferta (fome crônica) • Obstáculo à ingestão e àpassagem ao duodeno (estenose do esôfago, tumor gástrico) • Defeito na absorção (atrofia da mucosa intestinal) • Defeito na síntese hepática (cirrose) • Maior catabolismo (câncer) • Maior excreção proteica (síndrome nefrótica)

Por isso, antes de ver a hipoalbuminemia como resultado de uma lesão da célula hepática, as outras causas devem ser excluídas. Com frequência, elas estão associadas. A cirrose é uma causa importante de déficit na síntese da albumina. A lesão hepatocitária também diminui a produção de protrombina. Nas icterícias com baixa atividade de protrombina, se a reserva funcional hepática for adequada, sua síntese aumenta com a administração da vitamina K. A falta de resposta à vitamina K, para a normalização do tempo e da atividade da protrombina, evidencia lesão importante do hepatócito, podendo traduzir uma doença grave do fígado (Quadro 95.3) . .,. Estudo imunológico. Marcadores imunológicos são utilizados no diagnóstico de doenças autoimunes ou neoplasias. Os autoanticorpos tipo antinúcleo (AAN), antimúsculo liso (AML), antimicrossoma de fígado e rim (LKM) auxiliam no diagnóstico da hepatite crônica autoimune. A cirrose biliar primária é diagnosticada com pesquisa do anticorpo antimicrossoma (AMA). O marcador alfafetoproteina é usado na investigação do carcinoma hepatocelular. Todos esses marcadores não podem ser considerados isoladamente, devendo ser relacionados com história clínica, biopsia de fígado e/ou exame de imagem.

.,. Radiografia simples do abdome. Embora seu uso tenha diminuído devido à ultrassonografia, ainda tem grande utilidade nas urgências abdominais, tais como dor ou sinais de abdome agudo. Os achados mais frequentes são calcificações na topografia da vesícula biliar (colelitíase) e pancreáticas (pancreatite aguda ou crônica). .,. Colangiografia peroperatória. A colangiografia peroperatória é realizada durante a colecistectomia, com a finalidade de detectar cálculos de pequenas dimensões ou cálculos residuais no colédoco e verificar a permeabilidade da árvore biliar. O contraste é injetado diretamente no colédoco. Esse exame pode ser substituído pela ultrassonografia, de maneira que o cirurgião tenha mais conforto e precise de menos tempo (Figura 95.1). .,. Colangioressonância magnética. Atualmente substitui a colangiografia transparieto-hepática e a colangiopancreatografia retrógrada por via endoscópica (CPER). Trata-se de um método não invasivo, não ionizante, mais confortável para o paciente e com maior precisão diagnóstica devido aos inúmeros cortes e diferentes imagens.

. .,. Exames de imagem Os exames de imagem incluem a radiografia simples do abdome, a tomografia computadorizada, a colangiografia peroperatória, a colangiorressonância e o eco-Doppler. Acrescentem-se aos exames de imagem a ressonância magnética, a ultrassonografia e a cintigrafia abdominal e endoscópica.

Quadro95.3

Figura 95.1 Colangiografia peroperatória mostrando um cálculo no colédoco.

Testes de avaliação funcional hepática. Origem

Valores nonnais nosoro

Significado da alteração

Valor diagnóstico

ALT

Mitocôndrias Citosol

5 a 20 UI 8 a 30 UI

Necrose celular Necrose celular

AST: ALT > 2 = Lesão por álcool > 300 = hepatite aguda

Colestase eicterícias GGT

Do hepatócito àsVBEH

7a28U

Doença hepatobiliar

Colestase, hepatopatia alcoólica, neoplasia

Excreção biliar

Colestase, neoplasia

Atividade

Lesão hepatocelular AST

5a 18 U

FA

Membrana

Adultos 35-104 U/L (mulheres) 40-129 U!L (homens)

Bilirrubina Síntese Albumina

SRE/Hepatócito

0,3 a 1 mg/df

Metabolismo e excreção

Diagnóstico de icterícia

Hepatócito

3,5 a 4,5 g/df

Lesão do hepatócito

Protrombina

Hepatócito

70a 100%

Lesão do hepatócito

Gravidade da lesão hepática (mas não específico) Cirrose, necrose maciça, submaciça Gravidade da lesão hepática (mas não específico)

VBE =vias biliares extra·hepáticas; SRE =sistema reti 18 JJ.g/df. Na deficiência de ACTH aguda, ainda sem atrofia de suprarrenais, a resposta ao teste pode ser normal.

784

Parte 10

I Sistema Endócrinoe Metabolismo

Testes de supressão com dexametasona

Avaliação do eixo gonadotrófico

Na fisiologia do eixo corticotrófico, corticoides exógenos exercem feedback negativo sobre o CRH e o ACTH, levando à supressão do cortisol sérico. Na síndrome de Cushing (suspeita de hipersecreção de ACTH hipofisário, extra-hipofisário ou de cortisol), administra-se dexametasona (1, 2 ou 8 mg) na tentativa de reproduzir o feedback normal e obter a supressão do cortisol sérico < 1,8 tJ.g/de. Se não houver supressão, admite-se que seja patológica a secreção de ACTH não suprimível ou cortisol.

Para avaliação do eixo gonadotrófico, na maioria dos casos as dosagens basais são suficientes. Estradiol ou testosterona baixos com gonadotrofinas (LH e FSH) aumentadas levam ao diagnóstico de hipogonadismo primário, enquanto gonadotrofinas diminuídas indicam hipogonadismo secundário. Contudo, no diagnóstico diferencial de puberdade precoce, existem casos em que as dosagens basais não são elucidativas. Espera-se aumento de LH/FSH e estradiol ou testosterona na puberdade precoce central, o que nem sempre ocorre. Recorre-se, então, ao teste de estímulo de LH após GnRH ( 100 mg IV, fazendo-se a dosagem de LH e FSH antes da aplicação de GHRH e após 30 e 60 min). Não se realizam, na prática, testes de supressão para avaliação do eixo gonadotrófico.

Avaliação do eixo somatotrófico Testes de estímulo de GH A dosagem basal do hormônio de crescimento não distingue adequadamente entre normalidade do eixo somatotrófico e deficiência. Os testes de estímulos são necessários para avaliação do status secretório do eixo somatotrófico. Indícios laboratoriais de que o eixo esteja insuficiente são: múltiplas deficiências hipofisárias, níveis limítrofes ou baixos de IGF-I e patologia hipotálamo-hipofisária. Os testes mais utilizados são teste de tolerância insulínica, teste de estímulo com glucagon, GHRH + arginina, clonidina, L-dopa e GHRH + GHRP6. Todos os testes apresentam sensibilidade e especificidade variável de acordo com a idade, estágio puberal, ensaio laboratorial utilizado e índice de massa corpórea. Cerca de 10% das crianças normais não apresentam resposta a algum desses testes, sendo, muitas vezes, necessários dois deles para a confirmação diagnóstica. O pico de GH considerado normal também varia na literatura e entre os kits comerciais utilizados, porém, em geral, considera-se um pico de GH > 10 tJ.g/df como resposta normal. Pela ausência de peptídios sintéticos para as provas na maioria dos laboratórios, os testes mais comumente utilizados no Brasil são definidos a seguir. .,.. Teste de tolerância insulínica. A hipoglicemia também é um estímulo eficiente para a secreção de GH. O mesmo protocolo para a avaliação de cortisol é utilizado para a de GH. .,.. Teste de estímulo com glucagon. O glucagon causa hiperglicemia transitória, o que estimula a secreção de insulina endógena, seguida de hipoglicemia e liberação de GH. Administra-se 0,03 mglkg, máximo de 1 mg (subcutâneo ou intravenoso), e amostras são colhidas a cada 30 min, por 3 h. .,.. Teste de estímulo com clonidina. A clonidina estimula a secreção de GH por vários mecanismos, incluindo o estímulo sobre o GHRH. Administra-se 0,1 a 0,15 mg/m2 (máximo de 250 J.Lg) VO e mede-se GH a cada 30 min, durante duas horas. Esse teste só é efetivo em crianças.

Teste de supressão de GH Na avaliação de hipersecreção de GH, observada na acromegalia e no gigantismo, esperam-se níveis elevados de GH basal e IGF-I. Entretanto, em casos de níveis limítrofes, realiza-se o teste de supressão de GH com 75 g de glicose, dosando-se GH antes da administração da glicose e após 30, 60, 90 e 120 min. Em ensaios mais sensíveis, a resposta de GH < 0,4 J,Lg/ .e em qualquer dos tempos é considerada normal.

Avaliação do eixo tireotrófico O eixo tireotrófico é frequentemente avaliado pelas dosagens basais. O diagnóstico de hipertireoidismo central (exemplo: tumor produtor de TSH hipofisário) é feito pelo encontro de níveis aumentados de TSH na presença de T4 livre aumentado. Tal diagnóstico tem como base a demonstração de níveis séricos baixos de tiroxina livre (T4L), estando os níveis séricos de TSH baixos, normais ou mesmo discretamente aumentados (em geral< 10 mU/f ). O TRH sintético está disponível para testes de estímulo, mas é pouco informativo, raramente necessário na prática clí• mca.

Avaliação do eixo ladotrófico A avaliação dos níveis de prolactina (PRL) é feita pela dosagem basal, sem necessidade de provas funcionais. Os níveis de PRL podem sugerir o diagnóstico etiológico da hiperprolactinemia. Valores maiores que 150 a 200 ng/mf (normal até 15 ng/mf ) são habitualmente encontrados em prolactinomas, e menores que 100 ng/m.e em outras causas, como no uso de medicamentos, hipotireoidismo e nas fases iniciais da gravidez. Um aspecto a ser considerado é o encontro de valores falsamente baixos de PRL, por motivos metodológicos, em tumores secretores de PRL de grandes dimensões. Esse artefato é denominado efeito gancho (hook effect) e pode ser afastado por diluições sucessivas da amostra. Outra dificuldade diagnóstica, encontrada com mais frequencia, é o achado de valores elevados de PRL em pacientes assintomáticos. Nesses casos, deve-se pensar em macroprolactinemia, que é a presença de polímeros de PRL circulante (big-big prolactin ou macroprolactina), os quais apresentam reatividade cruzada nos ensaios utilizados rotineiramente. É importante ressaltar que esses polímeros não apresentam atividade biológica e não necessitam ser acompanhados em dosagens sucessivas.

..., Neuro-hipófise A neuro-hipófise tem como hormônios principais o antidiurético (ADH) e a ocitocina. As alterações dos níveis de ADH resultam em duas síndromes a depender de hiposse-

103

I Exames Complementares

ereção (diabetes insípido central - DIC) ou hipersecreção (síndrome da secreção inapropriada de ADH ou SIADH). As dosagens de ADH não são facilmente disponíveis, sendo que o diagnóstico de DI e SIADH advém da suspeita clínica, da medida do volume urinário de 24 h, das dosagens séricas de sódio, osmolaridade plasmática (Posm) e osmolaridade urinária (Uosm).

• Diabetes insípido central Em pacientes portadores de lesões radiologicamente visíveis na região hipotalâmica, a presença de poliúria hipotônica, descartadas outras etiologias, por meio de dados clínicos e/ou laboratoriais (diabetes melito com glicosúria significativa, diabetes insípido nefrogênico, hipopotassemia e hipercalcemia), é, em geral, suficiente para o diagnóstico de DIC. É essencial para o diagnóstico do DIC que o volume urinário de 24 h seja elevado (variável, mas geralmente> 45 mi/kg em adultos ou > 2,5 mi/kg!h) e a Uosm esteja abaixo da Posm (ou densidade urinária< 1006). A hipernatremia ocorre quando a poliúria não pode ser compensada pela ingesta hídrica. Na suspeita de DIC não confirmada clinicamente, pode-se realizar o teste de restrição hídrica. .,. Teste de restrição hídrica. Deve-se internar o paciente pela manhã com privação de ingesta hídrica por 7 a 8 h com monitoramento, a cada hora, dos sinais vitais, do volume urinário e da osmolaridade urinária e, a cada duas horas, do peso, da osmolaridade plasmática e do sódio plasmático. O teste de restrição hídrica confirma o diagnóstico de DI quando a osmolaridade urinária estiver estável (aumento < 30 mosmol/kg) em 2 ou mais medidas consecutivas, a despeito da elevação da osmolaridade plasmática ou quando esta exceder 295 a 300 mosmol/kg. Ao fim do teste, se os critérios diagnósticos forem alcançados ou ocorrer a perda de 5% do peso corporal, administra-se a vasopressina (ADH sintético), observando-se melhora do quadro no DIC, o que não acontece no DI nefrogênico (resistência ao ADH nos rins). Esse teste está formalmente contraindicado em pacientes cuja osmolaridade plasmática já se encontra elevada, o que ocorre com frequência devido à orientação médica para o paciente não ingerir água na noite que precede o teste.

• Secreção inapropriada de hormônio antidiurético A SIADH é um distúrbio relativamente frequente, caracterizado por hiponatremia hipotônica (Posm < 275 mosm/kg H 20), sem que a urina esteja apropriadamente diluída (Uosm > 100 müsm!kg H 20), na ausência de hipovolemia, hipotensão arterial, insuficiência suprarrenal, hipotireoidismo, vômitos prolongados ou outros estímulos não osmóticos para a secreção de ADH. Os critérios diagnósticos essenciais de SIADH são: • hiponatremia com hipo-osmolalidade plasmática efetiva (Posm < 275 müsm/kg H 20), excluindo-se a pseudo-hiponatremia (hiperglicemia, hipertrigliceridemia ou hiperproteinemia acentuadas) • concentração urinária inapropriada para a baixa osmolaridade plasmática, acima da diluição máxima (Uosm > 100 müsm/kg H 20), com função renal normal

785 • euvolemia clínica (ausência de sinais de hipovolemia, como hipotensão postura!, taquicardia, turgor da pele diminuído, mucosas secas, ou de hipervolemia, como edema e as cite) • excreção urinária elevada de sódio (UNa > 40 nmol/i) em ingesta normal de sódio e água • ausência de outras causas de hipo-osmolaridade clinicamente euvolêmica, como hipotireoidismo, hipocortisolismo ou uso recente de diurético. A SIADH é um diagnóstico de exclusão e deve ser diferenciada da hiponatremia hipervolêmica, hipovolêmica e de outras formas de hiponatremia euvolêmica por meio da história clínica, do exame físico e da dosagem de eletrólitos. A evolução clínica da SIADH cursa com níveis normais ou reduzidos de ureia, ácido úrico e aldosterona, e não há a necessidade de provas funcionais para o diagnóstico.

.... Exames de imagem Na radiografia simples do crânio, podem-se encontrar alterações na forma e na estrutura da sela túrcica e tábua óssea, que são visíveis apenas em macroadenomas de longa duração. As modificações da estrutura óssea circunjacente são, em geral, expressão indireta de uma neoplasia intrasselar, sendo mais observado o rebatimento das apófises clinoides em consequência do crescimento do tumor na direção do nervo óptico. As erosões na sela túrcica indicam processo tumoral que cresce rumo ao seio esfenoidal. A ressonância nuclear magnética (RNM), método de imagem que possibilita a melhor avaliação de anormalidades estruturais da hipófise, sela túrcica e das estruturas parasselares, não apenas fornece informações sobre a configuração óssea, mas também permite identificar o tamanho, a posição e a extensão de massas intrasselares maiores que 3 mm. As variações de sinal podem sugerir diagnósticos diferenciais de tumores hipofisários, tais como metástases, granulomas, processos infiltrativos, meningiomas, hipofisites, apoplexia hipofisária e outros (Figura 103.1). A tomografia de sela túrcica (TC) pode ser solicitada na impossibilidade de realização da RM, sendo também útil para diagnóstico de massas selares. Apesar de menor nitidez e sensibilidade para tumores< 1 em, a TC auxilia em alguns diagnósticos diferenciais, tais como calcificações (p. ex., craniofaringiomas) e hiperostoses (meningiomas). Radiografias de ossos longos, mãos e face são muito úteis na avaliação da acromegalia. Além das modificações da região selar, encontram-se retificação do ângulo da mandíbula, prognatismo, dentes afastados, projeção marcada do pavilhão auricular e hiperpneumatização dos seios frontais, com aspecto de hiperostose frontal interna. À radiografia simples do tórax observam-se grande gradil torácico e aumento da área cardíaca. Porém, as alterações mais marcantes fora do crânio são as das extremidades: as mãos apresentam dedos grossos, com proliferação óssea nas extremidades falangianas, as quais adquirem aspecto de cogumelo. Fato similar observa-se nos pés, nos quais, além das alterações falangianas, existe aumento do calcâneo, o que, associado ao grande espessamento da pele do calcanhar, configura um aspecto característico.

786

Parte 10 I Sistema Endócrino eMetabolismo

Septo pelúcido

lnfundíbulo

~~--P. _AP 't-

Lobo temporal

...__ Seio cavernoso Seio esfenoidal

8

IJ

r

'

Figura 103.1 A. RM de sela túrcica, corte coronal, ponderada em T1. 8. Figura esquemática representativa da anatomia demonstrada pelo corte à RM. AP = adeno-hipófise; OC = quiasma óptico; CC= corpo caloso.

~

Bibliografia

Gardner D, Shoback D. Greenspan's Basic & Clinicai Endocrinology. 9. ed. Mc-Graw-Hill, 2011.

Larsen PR etal. Williams. Tratado de Endocrinologia. 11. ed. Elsevier, 20 lO. Maciel RMB, Mendonça BB, Saad, MJA. Endocrinologia. 1. ed. Atheneu, 2007. Vilar L. Endocrinologia Clínica. 4. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2009.

104

Doenças do Complexo ·potálamo-::""-"pófise Monike Lourenço Dias Rodrigues eSilvia Ieda França Moura de Paula

Podem-se dividir as síndromes hipotálamo-hipofisárias em dois grupos: com hiperfunção hipofisária ou com hipofunção hipofisária Em geral, os quadros de hiperfunção ocorrem em razão de neoplasias; quando não, a hiperfunção é considerada idiopática. As síndromes decorrentes da hiperfunção são: • • • • •

Gigantismo e acromegalia por hiperprodução de GH Síndrome de Cushing por hiperprodução de ACTH Síndromes hiperprolactinêmicas por hiperprodução de PRL Puberdade precoce por hiperprodução de LHRH Hiperprodução de hormônio antidiurético.

Nas neoplasias hiperfuncionantes, o encontro de níveis altos de FSH, LH, GH, prolactina e TSH sela o diagnóstico. No entanto, à exceção dos níveis elevados de prolactina, as outras alterações exigem provas funcionais de estímulo ou supressão (ver Capítulo 103, Exames Complementares). A hipofunção hipofisária é ocasionada por processo necrótico ou inflamação, ou pode ser de causa desconhecida (idiopática). Pode depender de neoplasia não secretante - craniofaringioma, por exemplo - que destrói a hipófise, determinando hipofunção. São as seguintes as síndromes que ocorrem na hipofunção: • Nanismo por deficiente produção de GH

19 anos

27 anos

• Insuficiência suprarrenal secundária por produção deficiente de ACTH • Síndrome de Sheehan por produção deficiente de FSH e LH • Puberdade atrasada por produção deficiente de LHRH • Diabetes insípido por produção deficiente de ADH. Nos quadros de hipofunção, valores baixos praticamente não têm valor, pois podem expressar tão somente processos inibitórios de transição, sendo sempre necessárias as provas funcionais (ver Capítulo 103, Exames Complementares).

.... Neoplasias hipofisárias As neoplasias hipofisárias quase sempre são de evolução lenta e, além das manifestações neurológicas por compressão, determinam, com frequência, distúrbios endócrinos. Na infância, podem não causar sintomas locais, exteriorizando-se tão somente por distúrbio do crescimento. No adulto, as manifestações neurológicas relacionadas com a expansão neoplásica são representadas por tonturas, cefaleia, alterações do campo visual, ptose palpebral e distúrbios da motilidade ocular (ver Capítulo 21, Doenças dos Olhos, e Capítulo 178, Doenças do Sistema Nervoso). O diagnóstico é feito com exames radiológicos, principalmente com tomografia computadorizada e ressonância magnética do crânio. A tomografia computadorizada e a ressonância magnética são de grande valor no reconhecimento de uma situação não muito rara, denominada sela vazia, síndrome caracterizada por baixa densidade radiológica no interior da sela túrcica por ausência parcial ou total da hipófise.

.... Gigantismo eacromegalia Na criança, a hiperprodução de GH e a produção excessiva de IGF-I (somatomedina C) provocam crescimento exagerado, mas harmônico, com aumento da estatura e sem sinais clínicos característicos (gigantismo). No adulto, instala-se a acromegalia, que tem evolução lenta, transcorrendo, em média, 10 anos entre o aparecimento dos primeiros sinais e a procura do médico. A melhor forma de avaliar a evolução da moléstia é pela análise de uma sequência de fotografias do paciente, por meio das quais se percebem facilmente as alterações morfológicas que vão surgindo com o passar dos anos (Figura 104.1).

37 anos

52 anos

Figura 104.1 Acromegalia. Modificações progressivas dos traços fisionômicos até configurar a fácies acromegálica típica.

788 O aspecto do paciente acromegálico é inconfundível, mas ele próprio e seus familiares podem, a princípio, não notar as modificações (Figuras 104.1 a 104.4). As manifestações clínicas dependem do crescimento excessivo dos ossos e tecidos moles. A face se alonga e se alarga, tornando-se proeminentes as bossas frontais. O queixo avançado caracteriza o prognatismo. Os dentes, o nariz e as orelhas alargam-se e a pele se espessa. Esse conjunto de alterações determina a fácies acromegálica. A língua se hipertrofia e os dentes separam-se devido ao crescimento da manc:h'bula (Figuras 104.2 e 104.3). Os dedos engrossam e assumem aspecto de dedos em "salsichà' (Figura 104.4). Devido ao espessamento das cordas vocais e ao aumento da língua, a voz fica rouca e arrastada. Aparece também visceromegalia universal, salientando-se o aumento da área cardíaca, frequentemente associada à isquemia miocárdica por aterosclerose coronária e insuficiência cardíaca. Letargia, sudorese excessiva, fraqueza muscular e artralgia são queixas frequentes. As alterações da coluna vertebral (espondiloartrose) fazem parte da artrose generalizada. Os ossos longos encurvam-se, dando ao paciente um aspecto característico. O tórax assume a forma de barril, em consequência do alongamento das costelas e das cartilagens costais. Pés gigantescos apresentam dedos grossos e pele espessada, principalmente no calcanhar. Apesar do aumento das vísceras gastrintestinais e da hepatomegalia, não existem manifestações clínicas marcantes nesse setor. A capacidade de filtração glomerular, o fluxo sanguíneo renal e a capacidade tubular estão aumentados, sem que se saibam as consequências disso. Na mulher, ocorre amenorreia e, no homem, hipoespermia, havendo, em ambos, diminuição da libido.

Figura 104.2 Acromegalia. Fácies com alargamento do nariz, fossas frontais proeminentes, prognatismo e macroglossia.

Parte 10

I Sistema Endócrino e Metabolismo

Figura 104.3 Acromegalia. Lábios grossos e afastamento dos dentes.

Na acromegalia, há importantes distúrbios no metabolismo glicídico, encontrando-se hiperglicemia basal em 20 a 30% dos pacientes e alterações da curva glicêmica do tipo diabético em 70 a 80% deles. Diabetes melito ocorre em 1O a 20% dos pacientes acromegálicos, o que contribui para o surgimento precoce de aterosclerose. Além disso, níveis elevados de fósforo podem ser encontrados. O mecanismo fisiopatológico de todas essas alterações é a grande ação anabólica do hormônio somatotrófico, que se reflete em um balanço positivo de nitrogênio e cálcio, além do efeito diabetogênico. Os tumores hipofisários secretores de GH são responsáveis por quase todos os casos de acromegalia. A maioria consiste em adenomas benignos, embora, com frequência, apresentem crescimento agressivo, com infiltração dos tecidos peri-hipofisários. Em um pequeno número de casos (2 a 5%), as causas podem ser tumores de ilhotes (pâncreas) e feocromocitoma com produção ectópica de GH ou tumores de pâncreas, pulmão, mama e ovário com produção ectópica de GHRH (fator liberador de GH). A tomografia computadorizada e a ressonância magnética da hipófise permitem o reconhecimento da neoplasia responsável pela acromegalia. Os níveis plasmáticos de GH estão elevados e podem chegar a 500 ng/mf, mas, como a secreção desse hormônio é pulsátil, dosagens ocasionais tem condições de evidenciar níveis levemente elevados ou dentro dos limites normais ( < 5 ng/ mf). Os níveis plasmáticos de IGF-I também estão altos.

Figura 104.4 Acromegalia. Dedos grossos em "salsicha':

104

I Doenças doComplexo Hipotálamo-Hipófise

..,. Síndrome de Cushing A síndrome de Cushing é um conjunto de sinais e sintomas resultantes de exposição inadequada, excessiva e prolongada ao cortisol ou a corticoides. Há duas formas clínicas: síndrome do Cushing ACTH-dependente e síndrome de Cushing ACTH-independente. A síndrome de Cushing ACTH -dependente compreende três condições clínicas: • Doença de Cushing, que corresponde a 70 a 80% dos casos, sendo o adenoma hipofisário produtor de ACTH a principal causa • Síndrome do ACTH ectópica, resultante da produção excessiva de ACTH por tumores não hipofisários (carcinoides brônquicos e câncer pulmonar de células pequenas ou alveolares) • Síndrome do CRH ectópico, decorrente da produção de hormônio hipotalâmico liberador de ACTH ectopicamente, sendo o carcinoide a causa mais frequente. A síndrome de Cushing ACTH-independente será analisada no Capítulo 116, Doenças das Suprarrenais. Para determinar a origem do ACTH (hipofisário ou ectópico), é feito o teste de estimulação com CRH e o de estimulação com desmopressina (DDAVP). Para definir se a síndrome Cushing é ACTH -dependente ou não, faz-se a dosagem de ACTH plasmático e o teste de supressão com dose alta de dexametasona. Por serem pequenas, essas neoplasias não provocam manifestações neurológicas.

..,. Síndromes hiperprolactinêmicas A fisiopatologia dessas síndromes deve-se à ação direta da prolactina sobre as mamas e à inibição da produção de FSH, LH, progesterona e testosterona. São provocadas, na maioria das vezes, por pequenas neoplasias hipofisárias secretoras de prolactina (PRL), não acompanhadas de alterações neurológicas. Predominam nas mulheres e se manifestam por esterilidade, irregularidade menstrual, amenorreia e galactorreia. Daí, a antiga denominação de síndrome amenorreia-galactorreia (Figura 104.5). A galactorreia, produção de leite por mulheres que não são puérperas, é observada em 30 a 40% das mulheres com hiperprolactinemia. Deve-se suspeitar dessa condição clínica em todas as mulheres com amenorreia.

Figura 104.5 Galactorreia. Sinal clínico mais importante da síndrome hiperprolactinêmica.

789 Nos homens, o excesso de prolactina resulta em impotência, diminuição da libido, infertilidade e hipogonadismo. Cumpre ressaltar que são inúmeras as causas de hiperprolactinemia, incluindo vários tipos de medicamentos (fenotiazina, butirofenona, metoclopramida, tioxantinas, metildopa, antidepressivos tricíclicos, estrogênios e inibidores da síntese de dopamina). O diagnóstico é feito com a dosagem de prolactina (< 100 ng/df sugere afecção hipofisária; 100 a 200 ng/gl, microadenomas, e> 200 ng/df, macroadenoma). É necessária a dosagem de GH para identificar tumores mistos, produtores de prolactina e GH.

..,. Puberdade precoce A puberdade precoce caracteriza-se pelo surgimento de caracteres sexuais secundários em idade inferior a 8 anos, no sexo feminino, e 9 anos, no sexo masculino (ver Capítulo 11, Semiologia da Adolescência). Geralmente não é acompanhada de neoplasias da hipófise; contudo, é preciso ter o cuidado de excluir tal possibilidade com exames radiológicos e tomográficos. A puberdade precoce é classificada em puberdade precoce gonadotrofina-dependente, também denominada verdadeira ou central, e puberdade precoce independente de gonadotrofinas, denominada periférica. Nas meninas, ocorre inicialmente um arredondamento das formas corporais, seguindo-se o aparecimento de pelos pubianos e axilares, juntamente com o desenvolvimento das mamas e da menarca. Variam muito a velocidade e a ordem de surgimento dessas alterações. Além disso, sudorese axilar com odor forte é frequente, inclusive como primeira queixa. Em meninos, a puberdade precoce é denunciada pelo nítido delineamento muscular, desenvolvimento da pilificação axilar e pubiana, aumento do pênis e dos testículos (Figuras 104.6 e 104.7).

Figura 104.6 Puberdade precoce verdadeira isossexual {criança de 8 anos).

790

Parte 10 I Sistema Endócrino eMetabolismo As crianças com baixa estatura podem ser classificadas em três padrões:

Figura 104.7 Testículos de tamanho normal para a genitália, característica da puberdade precoce verdadeira.

O aumento dos testículos é um dado fundamental para diferenciar esta síndrome da pseudopuberdade precoce, quando os esteroides sexuais têm origem suprarrenal, os quais não causam aumento dos testículos em um quadro clínico semelhante. Também são frequentes os distúrbios de conduta, principalmente agressividade e sexualidade exacerbada e anormal, sendo comum a masturbação na presença de outras pessoas. É fundamental a determinação da idade óssea, pois, com frequência, existe fechamento prematuro das diáfises, cuja consequência será a baixa estatura. Em virtude da complexidade fisiopatológica, para se avaliar corretamente uma criança com sinais de puberdade precoce são necessários os seguintes exames: • • • •

Exame radiológico de punhos e mãos para avaliação óssea Exames de imagens da região hipotalâmica (hipofisária) Ultrassonografia da pelve e do abdome superior Tomografia computadorizada ou ressonância magnética das suprarrenais • Dosagens hormonais, incluindo LH, FSH, estradiol, testosterona, TSH, T4 , 17a-hidroxiprogesterona, androstenediona • Provas funcionais de glândulas endócrinas.

~

• Baixa estatura constitucional. A velocidade de crescimento e a idade óssea normal são compatíveis com a idade cronológica. Caracteristicamente, essas crianças estão abaixo do quinto percentil, porém crescendo paralelamente com as faixas normais • Baixa estatura com retardo de crescimento. A velocidade de crescimento é lenta, com recuperação da altura normal ao final da puberdade, mas com atraso da idade óssea e estatura!. Caracteristicamente, apresentam retardo de desenvolvimento puberal, porém mantêm potencial de estatura normal na idade adulta • Baixa estatura com atenuação ou paralisação do crescimento. Ocorre queda brusca na velocidade de crescimento, geralmente resultante de agressão importante à saúde física ou emocional da criança. Observa-se acentuado atraso da idade óssea, bem como da estatura. A redução do crescimento pode ser decorrente de doenças gastrintestinais (doença celíaca, doença de Crohn), doenças renais (insuficiência renal crônica, acidose tubular), hipotireoidismo, síndrome de Cushing, pseudo-hipoparatireoidismo.

.,.. Acondroplasia e hipocondroplasia. Condição de origem congênita, caracterizada por desproporção corporal: extremidades curtas, cabeça relativamente grande, fronte proeminente, ponte nasal achatada e lordose lombar. .,.. Nanismo hipofisário. Relacionado com a deficiência de GH, tendo como característica proporções harmônicas do corpo. Nos casos mais graves, observam-se fronte olímpica, maxilares pequenos, face de "bonecá' ou de "anjo querubim': mãos e pés pequenos, micropênis. Além disso, GH e IGF-1 estão diminuídos. A deficiência da produção de GH pode ser completa (forma clássica) ou parcial. A clássica deficiência de GH é caracterizada por falta consistente de aumento de GH sérico (5 ng/mf) a dois testes de estimulação farmacológica em crianças com velocidade de crescimento subnormal. A criança apresenta baixa estatura harmônica característica do nanismo hipofisário, totalmente diferente do nanismo dismórfico (Figura 95.1). Além da falta de crescimento, não existem outras manifestações clínicas nessas crianças. O papel do GH nos adultos vem sendo estudado recentemente e tem importante função na nutrição e na composição do corpo, além de outras funções.

~

Nanismo (baixa estatura)

O crescimento é um processo dinâmico, que envolve alteração da altura em função do tempo e traduz modificações decorrentes da maturação tecidual. No Quadro 101.3, estão descritos fatores e condições que interferem no crescimento. Na avaliação de crianças com baixa estatura, é importante verificar a velocidade do crescimento pelas curvas de crescimento, idade cronológica, idade óssea e idade estatura!. Com base nesses dados, podemos avaliar se o crescimento está normal ou deficiente (ver Capítulo 10, Semiologia da Infância).

Puberdade atrasada

A puberdade atrasada caracteriza-se pela persistência do estágio pré-pubertário, o que quase sempre está associado a baixa estatura (ver Capítulo 11, Semiologia da Adolescência). Nas meninas, ocorre quando a telarca não surge antes dos 13 anos, pubarca até os 14 anos e menarca até os 16 anos, ou se a menarca não tiver ocorrido até 5 anos após os primeiros sinais puberais. Nos meninos, considera-se puberdade atrasada o surgimento da pubarca, após os 14 anos e 6 meses, e o volume testicular menor ou igual a 3 cm3 aos 14 anos. Pode ser constitucional ou relacionada com alterações hormonais, quando se caracteriza a hipogonadismo, que pode ser

104

I Doenças doComplexo Hipotálamo-Hipófise

791

de baixa produção de FSH/LH pela hipófise (hipogonadismo hipogonadotrófico) ou aumento das gonadotrofinas (hipogonadismo hipergonadotró:fico). São múltiplas as causas, incluindo anomalias genéticas (síndrome de Kallmann, síndrome de Prader-Willi, síndrome de Laurence-Moon-Biedl, síndrome de Klinefelter, síndrome de Noonan), infecções, radiação ionizante, hipotireoidismo, desnutrição, anomalias vasculares, malformações congênitas, doenças infiltrativas. Em função disso, a investigação diagnóstica depende de um exame clínico detalhado, que possibilitará definir os exames complementares necessários, os quais podem incluir: ( 1) dosagens hormonais (T4 livre, TSH, LH, FSH, prolactina, testosterona, estradiol); (2) radiografia de punhos e mãos para determinar a idade óssea; (3) ultrassonografia pélvica para avaliar ovários e útero; (4) teste do GnRH; (5) teste de estímulo com gonadotrofina coriônica; (6) exame de imagens (TC e RM) de região hipotalâmico-hipofisária e (7) determinação do cariótipo. Figura 104.8 Síndrome de Sheehan. Fácies típica, descorada, assemelhando-se a um "palhaço'~

..,. Produção deficiente de hormônios gonadotróficos em adultos Hipofunção hipofisária pode ser o resultado tanto de lesão da glândula hipofisária como do hipotálamo. As principais causas são: neoplasias (adenoma hipofisário, craniofaringioma, tumor hipotalâmico), doença infiltrativa (hemocromatose, amiloidose, sarcoidose, histiocitose X), infecções, alterações vasculares (síndrome de Sheehan), radiação ionizante do cérebro, síndrome da sela vazia. As manifestações clínicas dependem da diminuição das funções das glândulas suprarrenais, da tireoide, dos ovários e testículos, pois dependem do estímulo dos hormônios hipo:fisários. Assim, a deficiência do ACTH é acompanhada de fraqueza, colapso circulatório, fadiga, anorexia, perda de peso, hipoglicemia. A de TSH provoca intolerância ao frio, obstipação intestinal, perda de cabelo, pele seca, rouquidão. A de GH determina diminuição da massa e força muscular, obesidade visceral, transtornos do sono, e a de ADH causa diabetes insípido. A deficiência de FSH e LH no homem adulto causa hipotrofia ou atrofia dos caracteres sexuais secundários preexistentes, com impotência, redução do volume testicular e oligosperrnia. Tais alterações podem ser acompanhadas de graves distúrbios psicológicos. Na mulher adulta, determina amenorreia, agalactia pós-parto, queda dos pelos pubianos e axilares, perda da libido, flacidez das mamas e transtornos psicológicos, caracterizando a síndrome de Sheehan (Figuras 104.8 a 104.10). Em nosso meio, se a puberdade não tiver início até os 14 anos de idade, pode ser considerada atrasada (ver Capítulo 11, Semiologia da Adolescência). Na hipofunção tireoidiana e no atraso puberal, existe retardamento pronunciado da idade óssea. Na deficiência de hormônio somatotró:fico, pode haver discreto atraso. Na precocidade puberal, ocorre adiantamento da idade óssea que causa grande preocupação, pois traz, como consequência, baixa estatura.

Figura 104.9 Síndrome de Sheehan. Queda dos pelos axilares.

Figura 104.10 Síndrome de Sheehan. Queda dos pelos pubianos.

Parte 10

792

~ Síndromes poliúricas A excreção de quantidades excessivas de urina com densidade baixa ocorre em quatro condições: ( 1) diabetes insípido central ou neurogênico; (2) diabetes insípido nefrogênico; (3) diabetes insípido gestacional e (4) polidipsia psicogênica.

• Diabetes insípido central ou neurogênico Condição clínica decorrente da secreção diminuída do hormônio antidiurético (ADH) pela neuro-hipó:fise, que se caracteriza pela incapacidade dos rins de concentrar a urina na presença de uma concentração aumentada de solutos no plasma. A ocorrência de diabetes insípido permanente requer a destruição dos núcleos hipotalâmicos secretores de hormônio antidiurético ou que as lesões se situem acima da eminência média. Assim, a destruição da neuro-hipófise ou do talo hipo:fisário não é suficiente para produzi-la de forma completa. Nas formas idiopáticas ou na forma familiar de diabetes insípido, verifica-se hipotrofia dos núcleos hipotalâmicos ou atrofia dos tratos supraóptico e paraventricular. Vários processos granulomatosos (sarcoidose, tuberculose, histiocitose), inflamatórios, vasculares ou neoplásicos (craniofaringioma, gliomas, astrocitomas, adenomas) na região perisselar podem produzir essa síndrome. A tomografia computadorizada e a ressonância magnética permitem o diagnóstico de tumores no hipotálamo ou na hipófise. Após hipofisectomia, pode-se ter um quadro transitório ou permanente de poliúria, dependendo do nível de secção da haste hipo:fisária. ... Manifestações dínicas. Experimentalmente, o desenvolvimento do diabetes insípido segue um padrão trifásico, similar ao que ocorre após trauma ou cirurgia na região hipotalâmica. Em uma primeira fase, ocorrem intensa poliúria e polidipsia que duram, em geral, 5 a 6 dias. Em seguida, tem-se um período de antidiurese de mesma duração, explicado pela descarga de ADH pela área lesada. Na terceira fase ou de lesão estabelecida, aparece o diabetes insípido permanente, completo ou parcial, dependendo da extensão da lesão. Na forma idiopática ou primária (50% dos casos), a doença afeta., indiscriminadamente, ambos os sexos. O início da poliúria e da sede costuma ser abrupto, logo alcançando grandes volumes. Contudo, em geral, o paciente permanece assintomático até o volume de urina ultrapassar 3 a 4 .e por dia. Há preferência por água gelada. A enurese noturna é comum nas crianças. A ingestão de líquidos e a diurese atingem 5 .e ou mais por dia, com noctúria acentuada. Desde que não haja lesão no centro da sede, o paciente consegue equilibrar a poliúria com a ingestão de líquido. Quando a diurese for de 12 a 15 f por dia, sobrevêm cansaço, perda de peso e obstipação intestinal. O diabetes insípido pode ocorrer em qualquer idade, embora sua incidência seja maior antes dos 20 anos. Nas causas secundárias de deficiência de ADH, além de poliúria e polidipsia, podem estar presentes sintomas ou sinais neurológicos da doença de base. O diagnóstico diferencial entre o diabetes insípido idiopático e o secundário tem como base os seguintes fatos: (1) evidência de lesões do sistema nervoso central tipo neoplásicas; (2) perturbações adeno-hipofisárias; (3) evidência de doenças como tuberculose, sarcoidose, doença de Albright, doença de

I Sistema Endócrino e Metabolismo

Polldlpsia psicogênica Trata-se de uma causa relativamente comum de polidipsiaepoliúria. Tem caráter progressivo no decorrer de vários meses ou anos eatinge preferencialmente o sexo feminino. Os pacientes são psicologicamente instáveise variam desde um estado de ansiedade leve até verdadeiro estado psicótico. Aquantidade de água ingerida varia com o estado mental dos pacientes, que ora apresentam intensa polidipsia, ora ingerem quantidades normais de água ou de qualquer líquido, gelado ou não. ~comum afalta de noctúria. Aingestão exagerada e crônica de grande quantidade de água perturba o mecanismo renal de concentração urinária. Não existe aqui, portanto, insensibilidade das células tubulares renais ao hormônio antidiurético, se bem que os valores plasmáticos do hormôniosão baixos em razão da constante hemodiluição ou baixa osmolaridade, que inibe asecreção hipotálamo-neuro-hipotisária do hormônio antidiurético. Na polidipsia psicogênica, a injeção de ADH não reduz a sede e, em geral, causa cefaleia, náuseas, vômitos e mal-estar devidos à intoxicação hídrica. Aosmolaridade plasmática desses pacientes na fase de poliúria/polidipsia costuma ser abaixo do normal, ao contrário do diabetes insípido verdadeiro ou do nefrogênico.

Hand-Schüller-Christian, metástases de câncer de mama, que têm aspectos clínicos bem definidos.

• Diabetes insípido nefrogênico No diabetes insípido nefrogênico, ocorre incapacidade renal de concentrar a urina, apesar de níveis plasmáticos normais ou mesmo aumentados de hormônio antidiurético. Pode ser primário (congênito ou familiar) ou secundário às seguintes afecções: insuficiência renal crônica, síndrome pós-uropatia obstrutiva, síndrome pós-transplante renal, nefropatia hipopotassêmica, nefropatia hiperpotassêmica, doença renovascular, mieloma múltiplo e doença policística renal. Pode-se fazer a diferenciação entre a forma hipotalâmica e a nefrogênica, com base nos níveis plasmáticos de vasopressina ou no aumento da osmolaridade urinária, após a administração de vasopressina exógena.

• Diabetes insípido gestacional Caracteriza-se por diminuição do hormônio antidiurético durante a gestação em virtude de produção excessiva pela placenta da enzima vasopressinase, que inativa o ADH circulante.

• Avaliação diagnóstica nas síndromes poliúricas A diferenciação entre diabetes insípido central ou neurogênico, diabetes insípido nefrogênico e polidipsia psicogênica não costuma ser um difícil problema clínico. No diabetes insípido central, por deficiência de ADH, ocorre diluição da urina com poliúria, polidipsia e desidratação hipertônica. A osmolaridade plasmática e o sódio sérico mostram-se elevados, e a poliúria não desaparece com arestrição de líquidos. A poliúria é revertida com a administração de vasopressina. No diabetes insípido nefrogênico, há refratariedade à administração exógena de ADH, apesar do estado hiperosmolar com urina diluída, poliúria e desidratação hipertônica. Na polidipsia psicogênica, a ingestão excessiva de água causa super-hidratação com queda na osmolaridade e baixa

104

I Doenças do Complexo Hipotálamo-Hipófise

793

no sódio plasmático, com supressão da secreção de ADH. Isso, por sua vez, causa diluição de urina com poliúria. A medula renal torna-se menos concentrada por causa da lavagem continuada dos rins. A administração exógena de hormônio antidiurético pode levar à intoxicação aquosa. A prova de privação aquosa não induz concentração urinária máxima, mas a concentração urinária osmolar ultrapassa a plasmática. A urina hipotônica não responde à restrição de líquido e, diferentemente do diabetes insípido central, não há resposta ao hormônio antidiurético exógeno (vasopressina).

Para se chegar a esse diagnóstico, é necessário excluir a possibilidade de depleção de volume intravascular com depleção de sódio e condições em que há edema associado à diminuição do volume sanguíneo efetivo (insuficiência cardíaca congestiva, cirrose hepática, síndrome nefrótica), além de insuficiência renal, deficiência de glicocorticoide e hipotireoidismo. As causas de secreção inadequada de hormônio antidiurético compreendem doenças do sistema nervoso central, doenças pulmonares, neoplasias e o uso de vários medicamentos (opiáceos, antidepressivos tricíclicos, fenotiazinas, clorpropamida, carbamazepina, clofibrato, vincristina, ciclofosfamida, tiazídicos) .

..,. Síndrome de secreção inadequada de hormônio antidiurético

..,. Bibliografia

Caracteriza-se por hiponatremia hipotônica, níveis baixos de sódio plasmático e concentração urinária elevada, em um paciente com níveis elevados de vasopressina na ausência de estímulos osmóticos ou hemodinâmicos para a secreção desse hormônio. As manifestações clínicas resultam da hipotonicidade e incluem fraqueza, anorexia, vômitos, convulsões e até coma.

Bandeira F, Waechter C, Carmargo K et al. Endocrinologia pediãtrica. Medbook, 2008. Coronho V. et al. Tratado de endocrinologia e cirurgia endócrina. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2001. Mandei S. Clinicai endocrinological update 2000 Syllabus. The Endocrine Society Press, 2000. Porto CC, Porto AL. Vademecum de clínica médica. 3. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2010. Setian N. Endocrinologia pediãtrica. Aspectos físicos e metabólicos do recém-nascido ao adolescente. Sarvier, 2002. Vilar Letal. Endocrinologia clínica. Rio de Janeiro: Medsi, 2001.

• • ••••••• •••••••• •••••• •• • • ••• • •

• •

••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••1

••• •••••••••••••••••••••••••••••••••••••••• • ••••••••••••• •••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••• •••• ••••••••••••••••••• ••••••••••••••••••• • ••••••••••••• ••••••••••• ••• •• •••••••••••• •• ••• •••••••••••• •••• • •• ••• •• •• ••• •••••••••••••••••••••• ••• •• •• ••••••• •• • 1.• ..• • •••••• •• • • ••• • •• • ••• • • •• ••••• •••• ••• •• • • ••• •• • • •••••••• •• • • •• ••• •••• • • ••• •• I

•• •••••••••• ••••••••••••• •••••• ••••••••••••• ••••••••• I ••••• • • ••••••• ••• •••••• ••• ••••••• • • ••••• • • • ••••1 I ••••• •• •••••••••••••••••••••••••••••• •• ••••• • •• • ••••1

I···· ••••••••••••••••••••••••••••••••••••.••••• ••• ••• • •• • • ···=·· • •••• • ··=··· • • •• • ••• •• • • ..1 !1.. • • • • • • • • •• • • • • • • • • • • I! • • • • • •• • • • • • • • • • •• • ••••••• •• • • • • • • • • • • Seção 2 Tireoide

I •

••





•• • . •

I



••





••





••

•••

••••••

•••••• ••• •





••





•• •





•••

•• •••



••• •••••• •





• ••••





••



•.



.•





•• ••







••







105 Noções de atomia e Fisiologia





ausente. Cada lobo da glândula é composto por vários lobos menores, e cada um deles se subdivide em lóbulos compostos de até 40 folículos (Figura 105.1). A glândula tireoide é ricamente vascularizada, suprida pelas artérias tireóideas superior, inferior e média. A drenagem venosa é realizada pelas veias tireoidianas superiores, médias e inferiores. O conhecimento da drenagem linfática é de grande importância para o tratamento adequado nas neoplasias malignas da tireoide.

Alexandre Roberti

A glândula tireoide é uma estrutura única, mediana, revestida por uma cápsula, situada na porção anterior do pescoço, na altura da quinta à sétima vértebra cervical. Apresenta peso médio de 20 a 30 g, sendo mais pesada nas mulheres (Figura 105.1). Tem forma semelhante à da letra "H" e é formada por dois lobos laterais que se unem à linha média pelo istmo. Cada lobo, na glândula normal, mede aproximadamente 4 em de altura, 2 em de largura e 3 a 4 em de espessura. Apresenta um ápice ou polo superior e uma base ou polo inferior. O lobo direito pode ser atrófico ou estar ausente. O istmo é uma faixa de tecido glandular que une os polos inferiores dos lobos. O lobo piramidal ou pirâmide de Lalouette é uma porção da glândula que se estende para cima a partir da margem superior do istmo, à esquerda da linha média, podendo estar

1 ••••1

•••

I

Osso hioide Ligamento cricotireoide -~--Cartilagem-~---:-­

tireoide

Glândula tireoide - -Lobo piramidal Lobo direito _ _ __,

-=======--= --=-------

Istmo Lobo esquerdo Traqueia-

Figura 105.1 Anatomia da tireoide. (Adaptada de Wolf-Heidegger- Atlas de Anatomia Humana, 6a ed., 2006.)

.I

I I

105

I Noções de Anatomia eFisiologia

795

A drenagem se inicia no estroma folicular junto aos capilares, formando uma rede linfática, rica em anastomoses, inclusive cruzadas de lobo a lobo. Essa rede caminha para os linfáticos subcapsulares na superfície da glândula, e, daí, para os coletores externos. A primeira estação de drenagem no pescoço são os linfonodos do compartimento central ou nível VI. As estações subsequentes são os níveis III e IV (jugulocarotídeo médio e baixo) do pescoço e os linfonodos mediastinais superiores. Pode ainda haver uma drenagem para o nível V (supraclavicular), o nível II (jugulocarotídeo alto) e, mais raramente, para o nível I do pescoço (Figura 105.2). A inervação da tireoide provém do sistema simpático, cujos filetes nervosos nascem do gânglio cervical e do sistema parassimpático, por meio do nervo vago. Existe uma relação de importância clínica e cirúrgica com o nervo laríngeo inferior ou recorrente, que se situam entre a traqueia e os lobos tireoidianos. Sua lesão no ato operatório ou sua infiltração por neoplasias pode levar à disfonia por paresia ou paralisia da prega vocal homolateral. A função da glândula tireoide é regulada pelo eixo hipotálamo-hipófise-tireoide e por outros fatores como o nível de iodo. A principal regulação ocorre pela tireotrofina (TSH) ou pelo hormônio estimulador da tireoide. O TSH aumenta a produção de hormônios tireoidianos e possui, ainda, um efeito trófico. Há incremento na produção de TSH com a liberação de tireotrofina (TRH). Com o aumento de liberação de hormônios tireoidianos, ocorre diminuição da liberação de TSH e TRH. Outros fatores locais, humorais ou neuroendócrinos podem interferir no eixo hipotálamo-hipófise-tireoide (Figura 105.3). Os fatores capazes de regular a função e a proliferação dos tireócitos são o iodo intracelular e o TSH pela ação de seu receptor específico (TSH-R). O TSH estimula e mantém os processos de síntese e secreção dos hormônios tireoidianos,

IIB

"~'

IB

VA 111 VI

VB IV

Figura 105.2 Anatomia dos linfonodos do pescoço. Drenagem linfática da tireoide. (Adaptada de Wolf-Heidegger - Atlas de Anatomia Humana, 6a ed., 2006.)

Hipotálamo

,.---Estimulação via TRH

Pituitária

1

(_)

( Hormônio livre ..

• Hormônio ligado )

Protelnas de ligação

Tireoide Estimulação via TSH

Figura 105.3 Eixo hipotálamo-hipófise-tireoide. (Adaptada de Wolf-Heidegger- Atlas de Anatomia Humana, 6a ed., 2006.)

e ainda controla a diferenciação e proliferação dos tireócitos, aumentando, inclusive, a vascularização da tireoide. Além do TSH, outros hormônios influenciam as células tireoidianas, como o hormônio luteinizante (LH), a gonadotrofina coriônica, os estrógenos, a insulina e o hormônio de crescimento (GH). O TSH atua no tireócito mediante a ativação do receptor de TSH (TSH-R), o qual está localizado na membrana basolateral do tireócito e pertence a uma família de receptores acoplados a proteínas ligadoras de GTP. Essas proteínas ativam a adenilciclase e aumentam o cAMP no citoplasma dos tireócitos. O cAMP liga-se à subunidade reguladora da proteinoquinase dependente de cAMP (PKA), liberando a subunidade catalítica, a qual passa a fosforilar vários substratos intracelulares, que são os efetores do TSH. Este estimula todas as etapas da biossíntese e secreção hormonal. A unidade funcional da glândula tireoide é o folículo, no qual uma camada de células foliculares circunda o lúmen folicular que contém material coloide, sendo seus principais componentes a tireoglobulina e os hormônios tireoidianos. A célula folicular apresenta dois polos. A membrana apical, que está em contato com o coloide, e a membrana basal, em contato com os capilares sanguíneos. Os hormônios secretados pela glândula tireoide são a tiroxina (T4), a tri-iodotironina (T3) e pequenas quantidades de precursores hormonais monoiodotirosina (MIT) e di-iodotirosina (DIT). A tireoide secreta 80% de T4 e 20% de T3• Nos tecidos periféricos, T4 é convertido em T3 com atividade biológica superior. A biossíntese dos hormônios tireoidianos apresenta três etapas. A primeira é o transporte de iodo do capilar até o interior da célula folicular, via membrana basal. A segunda é a organificação do iodo, o qual é incorporado à tirosina da tireoglobulina. A terceira é o acoplamento que compreende a união de iodotirosinas que formarão T3 e T4 • A segunda e a terceira

Parte 10

796 etapas ocorrem no nível da membrana apical, no transcurso da fusão das vesículas exofíticas de tireoglobulina com amembrana apical (Figura 105.4). O iodo é incorporado à célula folicular contra um gradiente químico por um sistema de transporte de iodo. O transportador é o cotransportador sódio/iodo ou symporter (NIS), que é uma proteína de 618 aminoácidos. No interior da célula, o iodo é transportado até o coloide via membrana apical, mediante a ação de uma proteína de 780 aminoácidos: a pendrina (Figura 105.4). No indivíduo normal, a formação de quantidades ideais de hormônios tireoidianos depende da oferta de iodo exógeno. O iodo é obtido pela dieta, sendo a quantidade mínima de 100 a 150 J,Lg/dia. O maior depósito de iodo no organismo se encontra na tireoide, e quantidade de iodo semelhante à ingerida é eliminada pela urina. O iodo, ao ingressar na célula folicular, é oxidado e unido aos resíduos tirosina da tireoglobulina, formando monoiodotirosina (MIT) e di-iodotirosina (DIT). Essa reação é catalisada por uma glicoproteína, a enzima peroxidase tireóidea (TPO ), na presença de peróxido de hidrogênio (H20 2). A tireoglobulina é uma glicoproteína de 660 kDa; é o principal componente do coloide. Depois de sintetizada, a tireoglobulina é incorporada a vesículas exofíticas, que se fundem à membrana apical folicular. O processo de secreção de T3 e T4 demanda a recaptação de tireoglobulina pela célula folicular e sua hidrólise enzimática. A tireoglobulina é incorporada por pinocitose no nível da membrana apical. Uma vez internalizada, a tireoglobulina pode ter três caminhos. O primeiro é a fusão dos endossemos com a tireoglobulina com os lisossomos. Tais partículas migram até a zona basal da célula. Em seu interior, por ação de enzimas proteolíticas, a tireoglobulina é partida com a liberação de T3, T4> DIT e MIT. T3 e T4 são liberados da célula e se difundem para o sangue. O segundo é a reciclagem da tireoglobulina imatura devolvendo-a ao lúmen folicular. O terceiro é o transporte da

I Sistema Endócrino e Metabolismo

tireoglobulina da membrana apical até a basal e sua exocitose, sem ser hidrolisada para compor a tireoglobulina circulante. As iodotirosinas MIT e DIT liberadas da tireoglobulina no interior da célula tireoidiana são deiodadas por uma deiodase específica. O iodo produzido dessa maneira é reutilizado para a formação de novos hormônios tireoidianos. Os hormônios tireoidianos, circulantes em sua maioria (95%), encontram-se unidos a proteínas transportadoras. As afinidades diferentes dessas proteínas pelo T3 e T4 explicam as diferenças de liberação desses hormônios nos tecidos. A fração de hormônio circulante livre é a única com capacidade de ingressar nas células e exercer seus efeitos. A concentração da fração livre é o melhor parâmetro para indicar o nível de atividade dos processos metabólicos dependentes de hormônios tireoidianos. Em condições normais, 0,03% do T4 e 0,3% do T3 estão nas formas livres. As principais proteínas transportadoras de hormônios tireoidianos são a globulina transportadora de tiroxina (TBG), a transtirretina (TTR) e a albumina. Essas proteínas são responsáveis pela manutenção da concentração sérica de hormônios tireoidianos. Na ausência das proteínas, os hormônios seriam reduzidos significativamente em poucas horas. Outra função seria a de evitar a perda renal de iodo. A entrada de hormônios tireoidianos na célula é fundamental para sua ação; para isso, há necessidade de um transportador. O T4 sofre uma série de modificações intracelulares envolvendo processos de ativação e inativação, com a participação de diversos sistemas enzimáticos que resultam em deiodação, conjugação, desaminação e descarboxilação. A deiodação de T4 em posição 5 leva à formação de T3, composto com maior afinidade pelos receptores dos hormônios da tireoide. Os hormônios da tireoide atuam nos processos de diferenciação, crescimento e metabolismo, bem como no funcionamento de quase todos os tecidos. O T3, no núcleo celular, interage com moléculas proteicas associadas a cromatinas, os receptores nucleares de hormônios da tireoide (RT3). 1

Coloide Célula folicular tireoidiana

Tireoglobulina Exocitose

Sangue Retículo endop asrn~~IICGl

r Proteólise ~

.• Endocitose

Conjugação

Figura 105.4 Biossíntese de hormônios tireoidianos. (Adaptada de Wolf-Heidegger- Atlas de Anatomia Humana, 6a ed., 2006.)

105

I Noções de Anatomia eFisiologia

No mecanismo de ação, há o controle da expressão de genes transcricionais, levando a mudança na síntese de determinados mRNA, que, por sua vez, provocam mudanças na expressão celular de determinadas proteínas e originam uma resposta funcional nos tecidos-alvo. Os hormônios tireoidianos regulam o metabolismo de hidratos de carbono, lipídios e proteínas; promovem aumento da utilização celular de glicose nos tecidos extra-hepáticos; estimulam a neoglicogênese hepática, bem como a síntese, mobilização e a degradação lipídica. Além disso, participam da síntese de proteínas estruturais, enzimas e hormônios. No coração, aumentam a contratilidade e a frequência cardíaca. No cérebro, durante a gestação, a falta de hormônio tireoidiano, que está associada a perda de memória e sonolência, provoca danos estruturais. A termogênese, principal responsável pelo metabolismo basal, é regulada por esse hormônio. No osso, T 3 é um determinante primário do crescimento somático pós-natal e do desenvolvimento do esqueleto, além de ser um regulador do metabolismo ósseo e mineral no adulto.

797 Na tireoide, há ainda a produção de calcitonina pelas células parafoliculares ou células C, peptídio de 32 aminoácidos. O principal efeito da calcitonina é a inibição da reabsorção osteoclástica.

...- Bibliografia Barra GB et al. Mecanismo molecular da ação do hormônio tireoideano [internet]. Arquivos Brasileiros de Endocrinologia & Metabologia. 2004; 48:25-39. Carvalho MB. Tratado de tireoide e paratireoides [internet]. Rubio, 2007. Gardner ED, O'Rahilly R, Müller F. Gardner-Gray-O'Rahilly anatomy: a regional study ofhuman structure [internet]. Saunders, 1986. Kronenberg H, Williams RH. Williams textbook of endocrinology [internet]. Saunders/Elsevier, 2008. Maia AL et al. Nódulos de tireoide e câncer diferenciado de tireoide: consenso brasileiro. Arquivos Brasileiros de Endocrinologia & Metabologia [internet]. 2007; 51:867-893. Mohebati A, Shaha AR. Anatomy ofthyroid and parathyroid glands and neurovascular relations. Clinicai Anatomy [internet). 2012; 25(1}: 19-31. Stack BC et al. American thyroid association consensus review and statement regarding the anatomy, terminology, and rationale for lateral neck dissection in differentiated thyroid cancer. Thyroid. 2012; 22(5}: 501-508. Vaisman M, Rosenthal D, Carvalho DP. Enzimas envolvidas na organificação tireoidiana do iodo. Arquivos Brasileiros de Endocrinologia & Metabologia [internet). 2004; 48:9-15.

106 Exame Clínico Laura Sterian Ward eAlexandre Roberti

.,. . Anamnese As doenças tireoidianas são mais frequentes nas mulheres e surgem em faixas etárias distintas. Os bócios multinodulares, por exemplo, ocorrem predominantemente após a quarta década de vida. A naturalidade e a procedência do paciente precisam ser conhecidas, pois ele pode ser proveniente de áreas pobres em iodo (regiões de bócio endêmico). A profissão do paciente também tem sua importância no raciocínio diagnóstico, principalmente quando há manipulação de material que contém iodo, antissépticos iodados ou hormônios tireoidianos. Podem surgir nessas pessoas o chamado hipertireoidismo factício e o hipertireoidismo com captação baixa de 131 I por contaminação com iodetos. O paciente costuma procurar o médico, queixando-se de "problema da tireoide", "cansaço", "nervosismo" ou apresentando sintomas relacionados com o aparelho cardiovascular, tais como dispneia e palpitações. Outras vezes, o próprio paciente ou seus familiares notam o aumento de volume da tireoide, relatando, então, "caroço no pescoço" ou aparecimento de "papo" (Figura 106.1). É importante pesquisar a presença de fatores desencadeantes ou concomitantes, como, por exemplo, puberdade, gestação, traumas emocionais e/ ou físicos e infecções. O uso de medicamentos é de particular interesse no diagnóstico das doenças da tireoide, pois não se pode concluir o exame de um paciente suspeito de sofrer de uma tireoidopatia sem que se esclareça se ele usou medicamentos antes do início da doença, ou realizou outros tratamentos. Deve-se dar particular atenção às substâncias iodadas (xaropes, contrastes radiológicos, colutórios), medicamentos cardiológicos (amiodarona, propranolol) e carbonato de lítio. Os fatores autoimunes são cada vez mais evidenciados nas doenças tireoidianas.

B

Figura 106.1 Sócio. A. De frente. B. De perfil.

.,. . Sinais e sintomas As afecções tireoidianas manifestam-se por sintomas e sinais locais (dor, rouquidão, aumento do volume da tireoide) e sintomas gerais, incluindo alterações psicológicas. Podem ser divididos em dois grandes grupos: os sintomas e sinais de hiperfunção, e os de hipofunção da glândula. As alterações locais da tireoide são importantes em ambos os grupos, entre as quais destacam-se a dor, a dispneia, a disfonia ou rouquidão e a disfagia. No entanto, as doenças tireoidianas podem cursar a longo prazo, sem sinais clínicos. .,. Dor. Sua causa principal é a tireoidite aguda ou subaguda. Mais raramente, pode ser ocasionada por hemorragia ou necrose de um nódulo tireoidiano. Na tireoidite subaguda, a dor deve ser diferenciada da amigdalite ou da faringite. As principais características semiológicas da dor de origem tireoidiana são: piora com a deglutição ou com a palpação; irradiação para os arcos mandibulares ou ouvidos, acompanhada de aumento do volume da glândula, sintomas de hipertireoidismo, febre baixa e mal-estar geral. .,. Dispneia, disfonia e disfagia. A dispneia é manifestação incomum, causada pela compressão da traqueia, principalmente quando o paciente flete a cabeça. A disfonia ou rouquidão é provocada pela compressão do nervo laríngeo recorrente. A disfagia decorre da compressão ou invasão neoplásica do esôfago. O aparecimento súbito desses sintomas em um paciente com bócio pode indicar a presença de câncer da tireoide, principalmente do tipo anaplásico, cujo crescimento é rápido. É de suma importância a caracterização do tempo de evolução, pois há pacientes que sabem da presença de um nódulo por vários anos. Entretanto, um crescimento rápido, em semanas ou poucos meses, levanta sempre a suspeita de câncer.

• Sintomas e sinais de hiperfunção tireoidiana Os sintomas de hiperfunção tireoidiana têm como base fisiopatológica o aumento do metabolismo basal, causado pelo excesso de hormônio tireoidiano. Destacam-se entre eles a hipersensibilidade ao calor, o aumento da sudorese corporal e a perda de peso. Quase sempre há aumento do apetite, mas, mesmo assim, o paciente emagrece. Algumas vezes, há anorexia notadamente em pacientes idosos. Poliúria e polidipsia, denunciando a presença de diabetes melito, podem estar presentes e ocorrem em razão do aumento do metabolismo dos carboidratos e dos lipídios (gliconeogênese). Sugestivas de hipertireoidismo são as queixas de nervosismo, irritabilidade, ansiedade, insônia, tremores, choro fácil e hiperexcitabilidade. Tais manifestações são produzidas por ação direta dos hormônios tireoidianos sobre o sistema nervoso, sendo, não raramente, confundidas com distúrbios da afetividade, decorrentes de traumas emocionais. .,. Sistema cardiovascular. Na hiperfunção ocorrem taquicardia, palpitações e dispneia de esforço, que são produzidas por ação direta dos hormônios tireoidianos sobre as fibras cardíacas, já se conhecendo a existência de receptores para esses hormônios no coração. A fibrilação atrial é a principal arritmia no hipertireoidismo. Provavelmente, há também mediação das catecolaminas. Quando o hipertireoidismo é intenso e de longa dura-

106

I Exame Clínico

799

ção, o trabalho cardíaco exagerado, o aumento do consumo de oxigênio e as lesões das miofibrilas ocasionam a chamada miocardiopatia tireotóxica, cujas características clínicas são semelhantes às das outras miocardiopatias (ver Capítulo 52,

Doenças do Coração e da Aorta). As ações inotrópicas e cronotrópicas dos hormônios tireoidianos provocam aumento do volume de ejeção e da frequência cardíaca, assim como vasodilatação periférica, reproduzindo o quadro da síndrome hipercinética, ou seja, hiperatividade cardíaca, bulhas hiperfonéticas, aumento da pressão arterial sistólica e queda da diastólica (pressão diferencial aumentada), pulso rápido, com frequência entre 100 e 160 bpm. É comum o encontro de ritmo irregular causado por fibrilação atrial e de sopro sistólico na área pulmonar. .,. Sistema digestivo. Na hiperfunção tireoidiana, há aumento da motllidade intestinal, ocasionando maior número de dejeções diárias ou diarreia franca. Pacientes com constipação intestinal anterior podem experimentar "melhorà' da função intestinal. .,. Sistema reprodutor. Nas mulheres, a hiperfunção tireoidiana provoca alterações menstruais, provavelmente por causa do aumento da velocidade de metabolização dos esteroides ou à degradação de proteínas transportadoras dos hormônios se• xuru.s. Pode haver oligomenorreia (mais frequente), amenorreia ou polimenorreia. Abortos repetidos são registrados. No homem, perda da libido e impotência podem ocorrer. A ginecomastia, um achado frequente, é explicada pelo aumento da relação estrogênio-androgênio. .,. Sistema musculoesquelético. Uma das queixas mais frequentes no hipertireoidismo é a fraqueza muscular. Acomete principalmente musculatura proximal, cinturas pélvica e escapular. O paciente refere dificuldade para levantar-se sem o auxílio das mãos e subir escadas; em graus extremos, até pentear os cabelos torna-se difícil. Quando o comprometimento muscular é muito intenso, compromete a deambulação (miopatia tireotóxica). Tais alterações são provocadas por intenso catabolismo e consequente atrofia muscular, sendo mais grave nos homens (ver Capítulo 174, Doenças dos Músculos e da ]unção Neuro-

muscular). No aparelho locomotor, observa-se atrofia muscular facilmente detectável ao exame da musculatura peitoral, da região escapular e da cintura pélvica, e, às vezes, nos músculos faciais e das mãos. Esses achados são comuns nos homens e raros nas mulheres. Em 1% dos casos, pode-se encontrar acropatia, que não é diferente da encontrada em outras doenças (baqueteamento dos dedos e artelhos, edema do tecido subcutâneo e um tipo peculiar de proliferação do periósteo nas extremidades). Pelo aspecto radiológico, pode ser diferenciada da osteoartropatia hipertrófica pulmonar. .,. Sintomas oculares. O principal sintoma ocular do hipertireoidismo é a exoftalmia com exoftalmopatia (Figura 106.2). A exoftalmopatia é uma condição de fundo autoimune, quase sempre acompanhada de disfunção tireoidiana, mas não é manifestação de doença da tireoide. Em geral, ao deflagrar o distúrbio tireoidiano, há também produção de anticorpos antitecido retro-orbitário, com infiltração do espaço retrobulbar e dos músculos motores extraoculares por uma substância mucopolissacarídica, edema e células inflamatórias. Com isso, o globo ocular é empurrado para fora. O paciente relata lacrimejamento, fotofobia, sensação de areia nos olhos, dor retro-ocular, edema subpalpebral e diplopia, esta causada pela infiltração e paralisação dos músculos extraoculares.

Figura 106.2 Exoftalmia.

Além da exoftalmopatia, encontram-se olhar brilhante, retração palpebral superior e manifestações adrenérgicas (aumento do tônus simpático). Na retração da pálpebra superior, a esclera aparece acima da íris, tornando os olhos "abertos" e produzindo o "olhar de medo ou de espanto~ o que configura a fácies basedowiana (Figura 106.2). .,. Sistema nervoso. O paciente mostra-se irrequieto, hipercinético, fala rapidamente, demonstra apreensão e costuma segurar firmemente as mãos entre os joelhos, além de apresentar tremores finos nas mãos. Observa-se também hiper-reflexia, sendo o reflexo aquileu o que melhor traduz essa alteração. .,. Pele e fâneros. A pele do paciente com hipertireoidismo é fina, sedosa, úmida e quente, devido à vasodilatação (por isso, costuma-se dizer que o médico começa a reconhecer o hipertireoidiano no aperto de mão). As mãos são quentes e úmidas, diferentes das mãos úmidas e frias do estado de ansiedade. As unhas podem apresentar-se descoladas do leito, denotando onicólise (unhas de Plummer) (Figura 106.3). Os cabelos são finos e lisos. O tecido adiposo escasso é consequência do emagrecimento, geralmente intenso. Nos casos mais graves, há ausência da bola de Bichat e aparência caquética. Outros sintomas são o vitiligo, os sintomas produzidos pela doença de Addison, a anemia perniciosa e a miastenia gravis.

• Sintomas e sinaisde hipofunção tireoidiana No hipotireoidismo, a diminuição do metabolismo intermediário condiciona manifestações clínicas, cuja intensidade depende do grau da hipofunção. Cansaço, hipersensibllidade ao frio e tendência para engordar são as principais queixas, que podem evoluir para intenso cansaço, desânimo e dificuldade de raciocínio.

Figura 106.3 Unhas descoladas do leito, denotando onicólise (unhas de Plummer).

800

Parte 10 I Sistema EndócrinoeMetabolismo

Em grau mais avançado, surgem desatenção, desleixo com a aparência e com os próprios pertences, apatia, lentidão de movimento e da fala (voz arrastada, rouquenha), letargia e coma. Em geral, o coma é desencadeado por estresse (infecções, traumas, cirurgia) ou por medicamentos (anestesia, barbitúricos e tranquilizantes). Quase não há queixas referentes ao aparelho cardiovascular; contudo, em alguns pacientes, pode haver angina. Em outros, chamam a atenção para o aparelho circulatório a hipercolesterolemia e as alterações eletrocardiográficas constituídas de bradicardia, baixa voltagem e alteração difusa da repolarização ventricular. A constipação intestinal é comum no hipotireoidismo, e as fezes tornam-se secas e endurecidas, podendo evoluir para fecaloma. Também pode ocorrer galactorreia, amenorreia, infertilidade, diminuição da libido e ginecomastia, em decorrência do aumento da secreção da prolactina, hormônio hipofisário que sofre influência do TRH. Parestesias (formigamento, dormência), dores musculares e dores articulares, sem caráter específico e acometendo todas as articulações, são frequentes. Os músculos podem sofrer infiltração de mucopolissacarídeos e, nas articulações, pode ocorrer derrame sinovial de pouca monta. A síndrome do túnel carpiano encontrada em alguns pacientes deve-se à compressão do nervo mediano pelo infiltrado edematoso. Há aumento da reabsorção de cálcio nos ossos, levando à osteoporose e à hipercalcemia, cujas manifestações podem ser náuseas, vômitos e anorexia. Na hipofunção tireoidiana, ocorre diminuição da sudorese, a pele é seca e descamada, as unhas são fracas e quebradiças, os cabelos ressecados e também quebradiços, com queda abundante. Todas essas manifestações ocorrem por causa do hipometabolismo, havendo diminuição da calorigênese e hipotrofia das glândulas sudoríparas e sebáceas. Frequentemente surge edema nos membros inferiores e periorbital, em virtude da retenção hídrica consequente à diminuição da filtração glomerular. A aparência do paciente torna-se tanto mais característica quanto mais grave for a hipofunção. Nos casos avançados, surge a fácies mixedematosa (Figura 106.4), caracterizada

Figura 106.4 Fácies mixedematosa.

por fisionomia apática, pele infiltrada, com bolsas subpalpebrais, enoftalmia e, às vezes, língua protrusa (macroglossia). Se a macroglossia não for aparente, ao exame da cavidade oral pode-se observar a marca dos dentes nas faces laterais da língua, evidência de que seu volume ultrapassou os limites demarcados pela arcada dentária. É comum a rarefação do terço externo das sobrancelhas. Esses pacientes apresentam-se calmos e desinteressados, participam pouco da consulta e demonstram dificuldade para se lembrar de fatos e datas. A voz é rouca e arrastada. Seus movimentes são lentos, preguiçosos, levando-os a demorar na execução das manobras do exame físico, tais como trocar de roupa, sentar-se e levantar-se. O exame do sistema nervoso mostra lentidão dos reflexos profundos, mais evidente no reflexo aquileu. Além das alterações do sistema nervoso, as manifestações cutâneas são as que mais chamam a atenção do médico. Em graus leves de hipofunção (hipotireoidismo subclínico), costuma-se suspeitar de hipotireoidismo pelas alterações da pele. O tecido adiposo tem distribuição universal, sendo frequente a obesidade (Figura 106.5). As mucosas podem estar hipocrômicas em decorrência de anemia, que não é rara. A pele assume coloração pálida, cérea, em consequência do acúmulo de caroteno devido ao retardo metabólico da sua transformação em vitamina A e à própria anemia. Em função da hipocalorigênese, além da atrofia das glândulas sebáceas e sudoríparas, a pele torna-se ressecada, áspera, descamada e fria, podendo adquirir o aspecto de "pele de papirô: Os pelos e os cabelos escasseiam, tornam-se secos, sem brilho e quebradiços. As unhas ficam frágeis e aparecem sulcos transversos múltiplos.

Figura 106.5 Paciente com hipotireoidismo grave, observando-se baixa estatura, obesidade e fácies mixedematosa.

106

I Exame Clínico

O edema é do tipo não depressível, devido à presença de mucopolissacarídeos no tecido subcutâneo. No hipotireoidismo franco ou mixedema, o paciente apresenta pressão arterial normal ou discretamente elevada, em consequência do aumento da resistência periférica. O pulso é lento e de pequena amplitude. Bulhas hipofonéticas e bradicardia traduzem a falta das ações inotrópicas e cronotrópicas dos hormônios tireoidianos. Derrame pericárdico é encontrado com frequência. Por ser de evolução lenta e de pouca magnitude, raramente causa tamponamento cardíaco. A insuficiência cardíaca não é comum. A ascite, muitas vezes volumosa, é um dado indicativo de hipofunção grave. O derrame é do tipo exsudativo, rico em substâncias proteicas. Ocasionalmente, encontra-se hepatomegalia. Em função da hipomotilidade intestinal, podem-se encontrar dilatação do cólon, fecaloma ou até íleo paralítico. No hipotireoidismo, os dados referentes ao aparelho reprodutor são pouco expressivos, notadamente no homem, que pode apresentar apenas derrame no saco escrota! (hidrocele). Nas mulheres, é frequente o achado de secreção leitosa quando se comprimem as mamas (galactorreia). A musculatura aumenta de volume, toma-se firme e parece mais desenvolvida (pseudo-hipertrofia). A semirrigidez muscular, consequente ao alentecimento dos processos de contração e descontração, simula miotonia verdadeira (pseudomiotonia).

. . . Exame físico da tireoide O exame físico da tireoide tem como base a inspeção, a palpação e a ausculta. Por meio da inspeção e da palpação, podem-se definir a forma e o tamanho da glândula. Se houver aumento, deve-se esclarecer se é global ou localizado. Para apalpação da tireoide, usam-se 3 manobras: • Paciente sentado e o examinador de pé atrás dele (abordagem posterior). As mãos e os dedos rodeiam o pescoço, com os polegares fixos na nuca e as pontas dos indicadores e médios quase a se tocarem na linha mediana. O lobo direito é palpado pelos dedos da mão esquerda, enquanto os dedos da outra mão afastam o esternocleidomastóideo. Para o lobo esquerdo, as coisas se invertem • Paciente sentado ou de pé e o examinador sentado ou de pé, postado à sua frente (abordagem anterior). São os polegares que palpam a glândula, enquanto os outros dedos apoiam-se nas regiões supraclaviculares • Paciente e examinador nas mesmas posições da abordagem anterior, fazendo-se a palpação com uma das mãos, que percorre toda a área correspondente à tireoide. A flexão do pescoço, ou a rotação discreta do pescoço para um lado ou para o outro, provoca relaxamento do músculo esternocleidomastóideo, facilitando a palpação da tireoide (Figura 106.6). Ao inspecionar e palpar a tireoide, solicite que o paciente realize deglutições "em seco", o que permite caracterizar melhor o contorno e os limites da tireoide, a qual se eleva durante o ato de deglutir. Movimente os dedos em vários sentidos, procurando definir a forma e os limites da tireoide. Por meio da palpação, determinam-se o volume ou as dimensões da glândula, seus limites, a consistência e as características da sua superfície (temperatura da pele, presença de frêmito e sopro). Além disso, é importante dar atenção especial à hipersensibilidade, à consistência e à presença de nódulos.

801

• Exame físico geral No diagnóstico do hipertireoidismo, o exame físico deve abranger todo o organismo, mas dois achados merecem referência especial- a oftalmopatia e o mixedema pré-tibial. ... Oftalmopatia. No exame dos olhos, observa-se se há edema palpebral e da conjuntiva, protrusão ocular (exoftalmia), hiperemia e edema conjuntiva! e quemose. Tais alterações, que constituem oftalmopatia tireotóxica, podem ser agrupadas em classes (Quadro 106.1). Algumas manobras ajudam na detecção das alterações oculares: • ao fechar os olhos, por exemplo, o paciente pode deixar à mostra a porção inferior da íris - lagoftalmia (classe 3) • ao solicitar ao paciente que acompanhe com os olhos os movimentos do seu dedo indicador e mantenha a cabeça em posição fixa, as paralisias da musculatura ocular tomam-se evidentes (classe 4). O movimento de olhar para dentro (convergência) é, com frequência, o mais comprometido. A mensuração da exoftalmia pode ser feita com um exoftalmômetro. Tais dados são úteis para se acompanhar a evolução da oftalmopatia. Considera-se normal valor de até 23 mm; valores maiores são indicativos de proptose (ver Capítulo 19, Exame Clínico).

A oftalmopatia, em geral, inicia-se ao mesmo tempo em que as manifestações tireoidianas, mas pode precedê-las ou surgir posteriormente. ... Mixedema pré-tibial. No mixedema pré-tibial, as lesões cutâneas afetam a face anterolateral da perna, mas não ficam necessariamente limitadas à área pré-tibial (Figura 106.7). Essas lesões são placas brilhantes, vermelho-acastanhadas e rugosas. Assemelham-se à "pele de porco". São indolores, mas, algumas vezes, podem determinar sintomas compressivos com insuficiência vascular. O mecanismo fisiopatológico é desconhecido. Provavelmente, trata-se de uma alteração autoimune, que acomete 5% dos pacientes com doença de Graves.

Hipotireoidismo subclínico

Valorizam-se cada vez mais os quadros pouco sintomáticos que podem surgir, principalmente, em mulheres no pós-climatério, e são diagnosticados tão somente por exames laboratoriais, devendo ser tratados.

Quadro 106.1 Classificaçãoda oftalmopatia tireotóxica. Classe

Alterações

1

Olhar brilhante, retração da pálpebra superior, sinal de Von Graef, que é aimpossibilidade da pálpebra superior de acompanhar o movimento do globo ocular quando se olha paracima epara baixo (lid-/ag) Edema palpebral eda conjuntiva (que pode prolabar) edas glândulas lacrimais (estas alterações podem estar presentes da classe 1a6)

2 3 4 5

6

Protrusão do globo ocular (proptose) causada por acúmulo de tecido retro-orbitário Paralisia de um ou mais movimentos dos olhos por comprometimento da musculatura extraocular Retração da pálpebra superior, proptose eparalisação de alguns movimentos oculares, resultando em exposição permanente dos olhos com ressecamento eulceração da córnea Cegueira por lesão do nervo óptico

802

Parte 10

I Sistema Endócrino e Metabolismo

E

Figura 106.6 Técnica de palpação da tireoide. A. Abordagem posterior. B. Abordagem posterior com palpação do lobo tireoidiano direito. C. Abordagem posterior com palpação do lobo tireoidiano esquerdo. D. Abordagem anterior. E. Abordagem anterior com palpação do lobo tireoidiano direito.

c

Nódulos tireoldianos Formações nodulares podem ser visíveis e/ou palpáveis na tireoide. Não se trata de uma"doença clínica'~ mas uma manifestação clínica de várias afecções tireoidianas. Os nódulos podem ser únicos ou múltiplos, benignos ou malignos e ocorrem em 4a5% da população. Quando se utiliza oexame ultrassonográfico, a prevalência atinge 20%. Procura-se também detectar frêmito. À ausculta, investiga-se se há sopros sobre atireoide. Atireoide normal épalpável em muitos indivíduos normais, eolobo direito, com frequência, é um pouco maior do que o esquerdo. ~importante anotar a presença de gânglios satélites. Oaumento da tireoide denomina-se bócio.

..,. Bibliografia

Figura 106.7 Mixedema pré-tibial.

Coronho V et ai. Tratado de endocrinologia e cirurgia endócrina. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2001. Ewardo CRW et ai. Endocrine disease. In: Davidson's principies and practice of Medicine. Churchill Livingstone, 2000. Mandell S. Clinicai endocrinological update 2000 Syllabus. The Endocrine Society Press, 2000. Porto CC, Porto AL. Vademecurn de cllnica médica. 3. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2010. Vilar Letal. Endocrinologia clínica. Medsi, 2001.

107

Exames Complementares Alexandre Robertí, Antônío César Pereíra, Carlos Alberto Xímenes Fílho, tlbío Cândído de Paula eHenríque Moura de Paula

Os exames complementares para o diagnóstico das afecções da tireoide incluem: dosagem de T 3, T4> T4 livre e TSH; captação tireoidiana com iodo radioativo (1311 ou 1231); cintigrafia tireoidiana; pesquisa de corpo inteiro com 1311; tomografia por emissão de pósitrons (PET-CT), com fluordeoxiglicose marcada com flúor-18 (FDG- 18F); ultrassonografia, dosagem de anticorpos antitireoidianose e exame citológico.

..., Dosagens hormonais As dosagens dos hormônios e dos anticorpos antitireoidianos são realizadas atualmente por radioimunoensaio, técnica baseada na reação antígeno-anticorpo e na marcação desses anticorpos com material radioativo. ... Dosagem de tri-iodotironina (T3), tetraiodotironina (T4), tetraiodotironina livre (T4 1ivre) e hormônio tireotrófico (TSH). No hipertireoidismo, o T3, o T4 e o T4 livre estão elevados e o TSH está normal ou baixo. Raramente encontram-se níveis altos de T3 e T4 com TSH elevado (hipertireoidismo por neoplasia produtora de TSH hipofisário ou ectópico). No hipotireoidismo primário, os níveis de T3, T4 e T4 livre estão baixos e o de TSH está elevado. Ocasionalmente, o TSH está elevado, com níveis normais de T3 e T4> no estado de pré-falência da tireoide. Raramente, o TSH está baixo com níveis baixos de T3 e T4 nas lesões hipotalâmico-hipofisárias.

tireoidite subaguda); na identificação da tireoide sublingual x cisto do dueto tireoglosso, e na avaliação de nódulos tireoidianos, quando houver supressão do TSH, ou a punção aspirativa por agulha fina (PAAF) tiver sido inconclusiva na investigação de possível malignidade. Além disso, quanto ao estudo do carcinoma bem diferenciado da tireoide, a pesquisa de corpo inteiro com 131I (PCI- 131 1) possibilita o estadiamento da doença e o seguimento após o tratamento com tireoidectomia e radioiodoterapia (iodo-131). Outras aplicações são a confirmação diagnóstica da disormogênese (teste do washout com o perclorato), de nódulos autônomos (teste da supressão), de agenesia tireoidiana, bócio mergulhante etc. A captação tireoidiana é verificada com o emprego de uma pequena quantidade de iodo radioativo (13 11 ou 1231) VO, por meio da qual se faz a contagem da atividade na região cervical do paciente, 2 a 24 h após a administração dos radiofármacos, com uma sonda de captação ou gamacâmara. A cintigrafia é a imagem da tireoide obtida por uma gamacâmara, após o uso dos radiotraçadores (Figura 107.1), que possibilitam avaliar visualmente o funcionamento da glândula como um todo e dos nódulos. Estes podem ser classificados como hipocaptantes ou hipofuncionantes (frios), normocaptantes (mornos) e hipercaptantes (quentes), sendo que, nos primeiros, o risco de malignidade varia de 1Oa 20%, enquanto nos últimos é inferior a 1%. No caso da avaliação de carcinomas medulares, anaplásicos ou da suspeita de indiferenciação de carcinomas bem diferenciados da tireoide, na qual as células perderam a função de organificação do iodo, a PCI- 1311 é ine.ficaz na caracterização e no estadiamento do tumor. No entanto, tais células têm o metabolismo da glicose aumentado, o que viabiliza a sua investigação por meio da tomografia por emissão de pósitrons (PET-CT), com fluordeoxiglicose marcado com flúor-18 (FDG- 18F), um exame da medicina nuclear que se tem mostrado fundamental na investigação desses carcinomas.

..., Cintigrafia e captação tireoidiana Os estudos do sistema endócrino foram os primeiros procedimentos em medicina nuclear e iniciaram-se logo após o final da Segunda Guerra Mundial, com a captação e a cintigrafia tireoidiana. Atualmente, são utilizados os radiotraçadores pertecnetato-991ll'fc, 1311 ou 1231 para a avaliação das fisiopatologias dessa glândula, o que possibilita tomar decisões terapêuticas importantes na condução de inúmeros casos. Ao longo de todos esses anos, várias reuniões multidisciplinares produziram consensos e diretrizes que ratificaram como as principais indicações para a sua realização: no diagnóstico diferencial das tireotoxicoses (p. ex., doença de Graves x

Figura 107.1 Cintigrafias tireoidianas. A. Tireoide normal. B. Bócio difuso tóxico (doença de Basedow-Graves). C. Tireoidite subaguda (doença de Quervain). D. Bócio multinodular tóxico com nódulos quentes e frios (doença de Plummer). (Cortesia do Centro de Diagnóstico por Imagem- COI.)

804

.,.. Ultrassonografia A ultrassonografia é indicada para determinar as características morfológicas da glândula tireoide, tais como: suas dimensões (aumentadas/normais/reduzidas); a ecotextura do seu parênquima; a presença de nódulos e suas características (císticos, sólidos, mistos, hipoecoicos, isoecoicos e ecogênicos); seu padrão de vascularização ao estudo Doppler; as agenesias, hipoplasias e ectopias, suas relações com estruturas vizinhas. Esse exame é necessário no tratamento e acompanhamento terapêutico da doença (Figura 107.2).

Parte 10 I Sistema Endócrino eMetabolismo finas de 23 a 27 gauge. O material retirado é colocado em lâminas e enviado para estudo citológico. Também é possível a realização de esvaziamento de cisto com ou sem esclerose com álcool a 99%.

.... Dosagens de anticorpos antitireoidianos Entre os exames imunológicos, destaca-se a dosagem de anticorpos antitireoidianos (antitireoglobulínicos e antimicrossomais). Normalmente, a pesquisa desses anticorpos é negativa. Nas afecções tireoidianas de mecanismo imunológico, como a tireoidite de Hashimoto e a doença de Basedow-Graves, estão muito elevados.

.... Exame citológico A punção aspirativa por agulha fina (PAAF) de tireoide é uma das ferramentas mais relevantes na investigação de nódulos tireoidianos. Antigamente, os nódulos eram quase sempre abordados cirurgicamente, porém, com o uso regular da PAAF, o número de cirurgias diminuiu drasticamente. A PAAF possibilita a obtenção de material para avaliação citológica dos nódulos tiroidianos (Figura 107.3), a qual pode ou não ser guiada por ultrassonografia. A realização da PAAF guiada por ultrassonografia é recomendada por aumentar a acurácia do método devido à diminuição de falsos-negativos e também do número de espécimes inadequados. É um método simples que não requer anestesia local, feito em nível ambulatorial ou de consultório, que possibilita o diagnóstico de várias afecções tireoidianas.

Figura 107.2 Ultrassonografia da tireoide que evidencia nódulo cístico.

__,_

.,.. Ultrassonografia para guiar punção aspirativa por agulha fina A ultrassonografia para guiar punção aspirativa por agulha fina (PAAF) é indicada na avaliação de nódulos tireoidianos acima de 0,8 em e/ou com características suspeitas: nódulo sólido hipoecoico, nódulo cístico com vegetação mural, contornos irregulares, presença ou não de microcalcificações, sua vascularização ao Doppler (quanto maior o fluxo central, mais suspeito). Após a determinação de qual nódulo apresenta características mais suspeitas, é realizada a punção aspirativa, orientada e guiada pelo ultrassom. A PAAF consiste na retirada de material por leve aspiração ou capilaridade, por meio da utilização de seringas de 5, 1O ou 20 mf acopladas a agulhas





••





I

I



..•



•• Figura 107.3 Esfregaços e achados citológicos em bócio nodular.

107 I Exames Complementares Teoricamente, a maioria dos nódulos palpáveis são candidatos a PAAF, assim como aqueles com características ultrassonográficas suspeitas, que são: presença de micro-

Sistemade Bethesda para diagn6stim dtológim de nódulos tireoidianos: categorias diagnósticas recomendadas. !.Insatisfatória ou não diagnóstica: conteúdo de cisto; espécimes acelulares ou hipocelulares; outros (esfregaços hemorrágicos, espessos etc.) 11. Benigno: nódulo folicular benigno (bócio nodular, bócio adenomatoso, nódulo coloide etc.), tireoidite linfocitária e/ou de Hashimoto, tireoidite granulomatosa (subaguda), outros lll.lesão folicularde significado indeterminado ou atipia de significado indeterminado IV. Neoplasia folicular ou suspeita para neoplasia folicular: adenoma folicular, carcinoma folicular, tumores com células de Hürthle V. Suspeito para malignidade: suspeito para carcinoma papila r, suspeito para carcinoma medular, suspeito para linfoma não Hodgkin, suspeito para carcinoma metastático, outros VI. Maligno: carcinoma papilar, carcinoma pouco diferenciado, carcinoma medular, carcinoma anaplásico, linfoma não Hodgkin, carcinoma metastático, outros

805 calcificações, nódulo sólido hipoecoico, margens irregulares/lobuladas, vascularização intran odular e metástase nodal. Os nódulos que, à PET-CT, são ávidos por FDG- 18F também são candidatos a PAAF por terem alto risco de malignidade. Recentemente, o National Cancer Institute (NCI) recomendou a utilização de categorias padronizadas (Quadro 107.1), as quais são preditoras de malignidade (Quadro 107.2).

Quadro 107.2

Risco de malignidade segundo categorias de Bethesda. __,

Categorias diagnósticas

Risco de malignidade(%)

I. Insatisfatória ou não diagnóstica 11. Benigno li I. lesão folicularde significado indeterminado ou atipiade significado indeterminado IV. Neoplasia folicular ou suspeita para neoplasia folicular V. Suspeito para malignidade VI. Maligno

1a4

Oa3 5 a 15 15 a 30 60a75 97 a99

108

Doenças da Tireoide Hans Grafe Alexandre Roberti

As principais afecções da tireoide são os bócios (uni ou multinodulares), as tireoidites, as disfunções tireoidianas e o câncer de tireoide. Do ponto de vista funcional, as disfunções tireoidianas podem levar ao hipertireoidismo ou hipotireoidismo. Com frequência, não há alteração da produção hormonal nas tireopatias (ver Capítulo 106, Exame Clínico).

~

Bócios

O aumento de volume da tireoide é chamado de bócio. Conforme mostra o Quadro 108.1, os bócios podem ser difusos, nodulares ou difusos com nódulos. Qualquer tipo de bócio (nodular ou difuso) pode ser tóxico (acompanhado de hipertireoidismo) ou atóxico. O bócio difuso atóxico caracteriza-se por um aumento global da tireoide, sem sintomatologia de disfunção. Ao exame físico, encontra-se uma tireoide indolor, sem limites precisos, com superfície lisa. As principais causas de bócio difuso atóxico são deficiência de iodo (bócio endêmico), gravidez, puberdade, ingestão de substâncias bociogênicas (nabo, repolho, couve, soja, resorcinol, lítio), traço hereditário. No entanto, em geral, a causa do bócio é multifatorial. Na tireoidite de Hashimoto, quando o comprometimento tireoidiano ainda não foi capaz de determinar hipotireoidismo, as características clínicas são as de bócio difuso atóxico. Nesses casos, à palpação, a glândula encontra-se difusamente aumentada, endurecida, com superfície irregular e indolor. Quadro 108.1

Classificação dos bócios.

Difuso • Atóxico ou não tóxico • Tóxico Nodular • Uninodular o Atóxico ou não tóxico o Tóxico • Multinodular o Atóxico ou não tóxico o Tóxico Difuso com nódulos

O bócio difuso tóxico, cujo exemplo clássico é a doença de Basedow-Graves, caracteriza-se por aumento global da tireoide, acompanhado de sintomatologia de hipertireoidismo. Ao exame físico, a tireoide apresenta consistência firme, elástica, com a superfície lisa. Em geral, percebem-se frêmito e sopro sistólico sobre a glândula, o que evidencia a hipervascularização e a hipercinesia cardiovascular. O bócio uninodular atóxico caracteriza-se pela presença de nódulo único, sem sinais e sintomas de disfunção. É importante caracterizar o tamanho do nódulo, comparando-o a coisas conhecidas (azeitona, limão, ovo de galinha) ou estimando seu volume em centímetros, no sentido de se ter um padrão para o acompanhamento evolutivo de bócio. O nódulo pode ser firme, duro ou pétreo, ou de consistência cística, móvel à deglutição ou estar aderido aos planos superficiais e profundos. As principais causas são o bócio coloide e, em uma frequência de 5 a 10%, os carcinomas de tireoide. Atualmente, a ultrassonografia (US) de tireoide é o principal exame de imagem a ser solicitado na investigação inicial de um nódulo de tireoide. Apenas quando existe suspeita de hiperfunção de um nódulo, com base na dosagem diminuída do TSH (que sempre deve ser solicitado na investigação inicial de um nódulo), é que a cintigrafia de tireoide está indicada. O bócio uninodular tóxico, conhecido como doença de Plummer, também é um nódulo único, acompanhado de sintomas e sinais de hipertireoidismo. Em geral, o restante da glândula é impalpável. Em pacientes com essa doença, está indicada uma cintigrafia de tireoide, que revelará a presença de um nódulo hipercaptante, sem captação do restante da tireoide. Atualmente, sabe-se que 80 a 90% dos nódulos únicos hiperfuncionantes são resultado de uma mutação somática do receptor do TSH. A cintigrafia de tireoide mostra um nódulo ((quente': geralmente, com apagamento do tecido extranodular, devido à supressão do TSH hipofisário pelos níveis aumentados de T3 e T4 produzidos pelo nódulo tireoidiano autônomo. Não há frêmito nem sopro sobre a tireoide. No bócio multinodular (BMN) (atóxico ou tóxico), encontram-se na tireoide dois ou mais nódulos. São, em geral, bócios de longa evolução, com consistência variável - firme, elástica ou endurecida. Os limites dos nódulos podem ser imprecisos e, não raramente, mergulham atrás da fúrcula esternal, em direção ao mediastino (bócio mergulhante). Sinais e sintomas de hipertireoidismo caracterizam o bócio multinodular tóxico. A base fisiopatológica é a mesma do bócio difuso tóxico. Com frequência, mutações somáticas do receptor do TSH também levam à produção autônoma de hormônios tireoidianos. A ultrassonografia e a tomografia computadorizada em bócios mergulhantes fornecem detalhes anatômicos que completam os dados obtidos pela palpação da glândula. A cintigrafia se presta para avaliação funcional, mas a caracterização de hipo ou hiperfunção depende do exame clínico e das dosagens hormonais.

~ Tireoidites Tireoidite é a inflamação da tireoide, havendo quatro tipos: tireoidite aguda, tireoidite de Hashimoto, tireoidite granulomatosa subaguda e tireoidite de Riedel

108

I Doenças da Tireoide

A tireoidite aguda é um processo inflamatório decorrente de invasão bacteriana ou fúngica da glândula, sobressaindo-se entre as manifestações clínicas a dor, o calor e rubor local. A tireoidite de Hashimoto é um distúrbio inflamatório crônico de etiologia autoimune, consequência da agressão do tecido tireoidiano por anticorpos. É chamada também de tireoidite linfocítica crônica, em função do seu quadro histopatológico, no qual predomina um infiltrado linfocitário com evolução crônica. Na fase inicial, pode determinar hipertireoidismo, mas sua principal consequência funcional é o hipotireoidismo. Em geral, o bócio é difuso, com superfície irregular, firme ou firme-elástica e indolor. A tireoidite granulomatosa sub aguda (ou tireoidite viral ou também tireoidite de de Quervain) é causada por vírus, mas seu mecanismo fisiopatológico não é bem conhecido. Fala a favor da etiologia viral sua maior incidência nas mudanças de estação climática. Suas manifestações clínicas são dor local intensa, irradiada para os arcos da mandíbula, acompanhada de febre; mal-estar geral; astenia e sintomatologia de hipertireoidismo. Frequentemente, a dor é confundida com faringite ou amigdalite. Nesse tipo de tireoidite, encontra-se bócio com baixa captação de 131 I e velocidade de hemossedimentação (VHS) elevada. A tireoidite de Riedel é muito rara, com fisiopatologia desconhecida, caracterizando-se pela proliferação de tecido fibroso (tireoidite fibrosa) em áreas localizadas, ou se estendendo por toda a tireoide, invadindo, inclusive, os tecidos vizinhos. Pode ser assintomática no início, mas, com o crescimento progressivo, pode ser confundida com câncer.

..,. Câncer da tireoide As neoplasias malignas da tireoide estão presentes em 5 a 10% dos nódulos tireoidianos. Uma classificação de aplicação clínica é apresentada no Quadro 108.2. O carcinoma tireoidiano, em geral, tem uma evolução lenta, com exceção dos tumores indiferenciados. Na anamnese, devem chamar a atenção a referência à irradiação prévia sobre o pescoço, a presença de um nódulo que cresce rapidamente, a rouquidão e o achado ao exame físico de nódulo duro, aderido ou não aos planos profundos e superficiais, podendo haver comprometimento da cadeia ganglionar cervical. Na maioria dos casos, são nódulos com características ecográficas sugestivas de malignidade, como a presença de mar-

Quadro 108.2

cancer da tireoide.

Diferenciados • Carcinoma papilífero • Carcinoma folicular • Carcinoma medular lndiferenciados • Carcinoma anaplásico • linfomas Tumores metastáticos

807 gens irregulares, microcalcificações, aspecto hipoecoico e vascularização aumentada. O exame citológico realizado após a punção aspirativa por agulha fina (PAAF) do nódulo define o diagnóstico.

..,. Hipertireoidismo O hipertireoidismo ou tireotoxicose é uma síndrome clínica, fisiológica e bioquímica, que surge quando os tecidos ficam expostos a quantidades excessivas de T3 e T4• Pode ser transitório ou permanente, e as manifestações clínicas variam amplamente quanto à sua gravidade. Entre os pacientes com hipertireoidismo, 65 a 80% apresentam o quadro clínico da doença de Graves. As principais causas de hipertireoidismo estão sumarizadas no Quadro 108.3. O hipertireoidismo é apenas um aspecto da doença de Basedow-Graves. Além do aumento difuso da tireoide, seus outros componentes são a oftalmopatia, o mixedema pré-tibial e a acropatia. O mecanismo fisiopatológico dessa síndrome é imunológico, do tipo humoral. O processo imunológico é desencadeado pela produção, pelos linfócitos B, de imunoglobulinas estimuladoras da tireoide, as quais determinam hiperplasia e hiperfunção, com consequente produção de hormônios tireoidianos, fora do controle do hormônio tireotrófico. No hipertireoidismo provocado por bócio nodular (único ou múltiplo), não ocorrem alterações autoimunes e, consequentemente, não surgem a oftalmopatia ou a dermopatia características da doença da Graves. Na tireotoxicose que surge na tireoidite subaguda e na tireoidite de Hashimoto, o processo inflamatório lesiona os folículos tireoidianos, causando liberação dos hormônios ali estocados . O hipertireoidismo da síndrome de Jod-Basedow é causado pelo iodo contido em medicamentos ou pela exposição ao iodo "frio" (não radioativo) em pacientes que já apresentam doença nodular de tireoide. Por meio desse mecanismo, a amiodarona, os contrastes iodados e os xaropes iodados podem ocasionar hipertireoidismo em pacientes com bócio prévio com áreas hiperplásicas autônomas. Os achados laboratoriais consistem basicamente em altos níveis de T3 e T4 livres e baixos níveis de TSH.

Quadro 108.3

Causas de hipertireoidismo.

Principais • Bócio difuso tóxico {doença de Basedow-Graves) • Bócio multinodulartóxico • Bócio nodular tóxico {doença de Plummer) • Tireotoxicose transitória das tireoidites (subaguda ou de Hashimoto) • Tireotoxicose iatrogênica (hormônio tireoidiano) • Hipertireoidismo induzido por iodo {Jod-Basedow) • Hipertireoidismo factício Causas menos comuns • Neoplasia produtora de TSH • Secreção inadequada de TSH • Secreção ectópica de TSH {mola hidatiforme) • Metástases de câncer de tireoide funcionante

Parte 10

808

I Sistema Endócrino e Metabolismo

Merecem referência o hipertireoidismo subclínico e a crise tireotóxica. Os pacientes com hipertireoidismo subclínico apresentam concentrações séricas normais de T 3 e T 4 e níveis baixos de TSH. As manifestações clínicas são escassas, merecendo destaque os episódios de fibrilação atrial sem causa aparente. A crise tireotóxica consiste no aparecimento de um quadro grave de hiperfunção tireoidiana com febre, taquicardia, náuseas, vômitos, dor abdominal, ansiedade intensa, podendo ser fatal se não for instituído tratamento imediato.

.- Hipotireoidismo Hipotireoidismo é uma síndrome clínica e bioquímica causada pela secreção diminuída de T 3 e T 4, em consequência de afecção da tireoide, da hipófise e/ou do hipotálamo. No hipotireoidismo primário, os níveis de TSH estão elevados. O diagnóstico precoce do hipotireoidismo congênito, no máximo com 20 a 30 dias de vida, adquire excepcional importância. Após esse período, as lesões cerebrais podem se tornar irreversíveis. Há probabilidade de haver bócio, mas, com mais frequência, a tireoide é impalpável (atireose, disgenesias tireoidianas). As modificações clínicas que devem chamar a atenção do médico são o choro rouco, lanugem fetal, icterícia prolongada, língua protrusa, macroglossia, apatia (a criança é pouco ativa no berço), hipotonia, dificuldade para sugar, obstipação intestinal, hérnia umbilical e abdome protruso. A queda do coto umbilical é retardada. Um achado radiográfico de disgenesia epifisária é quase patognomônico (Figura 108.1). No adulto, a mais importante causa de hipotireoidismo adquirido é a tireoidite de Hashimoto. Tal como na doença de Basedow-Graves, o mecanismo do hipotireoidismo é por autoimunidade, aqui com predomínio inicial de alterações da imunidade celular e, mais tarde, das alterações humorais. Pode haver ou não bócio. Caracteristicamente, os anticorpos antitireoidianos estão elevados. Não raramente, o hipotireoidismo passa despercebido em pacientes idosos, principalmente mulheres. No hipotireoidismo iatrogênico, além da tireoidectomia ou da ação do 131 !, são causas importantes os medicamentos antitireoidianos (propiltiouracila) e os fármacos que contêm iodo ou lítio (Quadro 108.4).

Figura 108.1 Hipotireoidismo congênito, no qual se notam macroglossia, abdome protruso e hérnia umbilical.

Quadro 108.4

Causas de hipotireoidismo.

Hipotireoidismo primário Congênito • Atireose (cretinismo) • Disgenesias tireoidianas • Deficiência endêmica de iodo • Uso de 131 1na gestante Adquirido • Tireoidite de Hashimoto • latrogênico (pós-cirúrgico, irradiação, substâncias) • Por carência de iodo (bócio endêmico) • Tireoidite subaguda (transitório na fase de convalescença) • Atrofia idiopática

Hipotireoidismo secundário (hipofisário) Hipopituitarismo Hipotireoidismo terciário (hipotalâmico)

Teste do pezinho

.- Bibliografia

Aimportância de todos os médicos participarem do esforço junto às maternidades para a realização do "teste do pezinho': obrigatório por lei, é a melhor maneira de detectar precocemente o hipotireoidismo congênito. Apenas cerca de 5% das crianças com hipotireoidismo congênito apresentam um quadro clínico que faça suspeitar de hipotireoidismo congênito. Esse é o motivo principal de se exigir a triagem do hipotireoidismo congênito por meio do "teste do pezinho':

Coronho V et ai. Tratado de endocrinologia e cirurgia endócrina. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2001. Ewardo CR et al. Endocrine disease. In: Davidson's principies and practice of Medicine. Churchill Livingstone, 2000. Mandell S. Clinicai endocrinological Update 2000 Syllabus. The Endocrine Society Press, 2000. Porto CC, Porto AL. Vademecum de clínica médica. 3. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2010. Vilar Letal. Endocrinologia clínica. Rio de Janeiro: Medsi, 2001.

••••••••••••••• . •••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••• ,

•••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••1

••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••



•••••••••••••1

••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••1

••••• •••••• ••• •• •••••••••••• •• ••• •••••••••••• •••• ..1 •• •• •••••••••• ••••••••••••• •••••• ••••••••••••• ••••••••• • • •••• ••• •• • • •••••••• •• • • •• ••• •••• • • ••• •• • ••• • •• • • ···=·· • •••• • ··=··· • • •• • ••• •• • • . I ••!I• • ••••• •••. •• • • • • • • •• • • • • • ••••• •••••••••.•• •I!• • •. • • • • •• • • • • •• • • ••• • • Seção 3 Paratireoides

••••••

•••••





•••••••••••••••••••

••

••••• • •••••

•••• •



I

••

•••

• ••

••••••• ••• •••••• ••• ••••••• ••••••••••••••••••••••••••••••

•••••

•• •

••••• •• • • •

•••••••••••••••••••



••••••••••••••••••••••

••



••



••

•••

•••



••



•••

••••••



•••



•••

••

•••

••••••••••••1

••

••

• • ••

••••• ••••• •

•• ••••• •



••••••• •

• ••

••• • •

I

•••1 •••1

•••• ••• •• I

••







••

I

• • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • •1 • • • •••••• ••• • •• • ••• •••••• • • •• •• •• • •••1











• •



.



• •







.



• •





• ••



109

Noções de atomia e Fisiologia Alexandre Roberti

Laringe

As paratireoides, quase sempre em número de quatro, situam -se atrás da tireoide, acopladas à sua face posterior, na altura dos polos inferiores e superiores de cada lobo. Cumpre assinalar, contudo, que são frequentes as variações anatômicas quanto ao número e à localização dessas glândulas, podendo ser encontradas no mediastino, dentro da cápsula tireoidiana ou, mais raramente, atrás do esôfago. Cada paratireoide pesa Paratireoides Paratireoides aproximadamente de 15 a 30 mg. As glândulas paratireoides recebem ramos da artéria tireoidiana superior ou inferior (Figura 109.1). Histologicamente, as paratireoides são compostas por uma cápsula fibrosa e por cordões de células epiteliais de três tipos: as principais, produtoras do paratormônio; as claras, as que estão em repouso com grânulos citoplasmáticos de lipídios e glicogênio, e as oxifílicas, cujas funções não são bem conhe- Figura 109.1 Anatomia das paratireoides. (Adaptada de Wolf-HeideggerAtlas de Anatomia Humana, ~ ed., 2006.) cidas.

810 As paratireoides secretam continuadamente o hormônio paratireoidiano ou paratormônio, um polipeptídio cujas principais funções estão relacionadas com o metabolismo do cálcio e as unidades metabólicas dos ossos. Os órgãos-alvo do paratormônio são, portanto, os ossos e os rins. Indiretamente, o paratormônio atua no intestino, aumentando a absorção de cálcio, por ser estimulador da síntese de 1,25-vitamina D3, no nível dos rins. Seus efeitos mais importantes são o aumento da calcemia e a diminuição da fosfatemia. O aumento da calcemia decorre de sua ação sobre os rins, nos quais estimula a reabsorção de cálcio, aumentando a conversão de 25(0H)D3 para 1,25(0HhD3 (o metabólito mais ativo de vitamina D). Nos ossos, ele aumenta a reabsorção de cálcio, tornando-o disponível na corrente sanguínea. Além disso, o paratormônio acelera a remodelação óssea, a osteólise osteocítica e a formação de osteoclastos e osteoblastos (Figura 109.2). A diminuição da fosfatemia é consequência da excreção aumentada de fosfato na urina. A secreção do paratormônio obedece aos níveis de cálcio sérico; assim, quando o nível sanguíneo de cálcio diminui, há estimulação da secreção do paratormônio. Ao contrário, quando o cálcio se eleva, é inibida sua secreção, exceto nos estados de hiperparatireoidismo e hipomagnesemia, parecendo que o magnésio exerce algum controle na secreção desse hormônio (Figura 109.2). Embora a calcitonina e a vitamina D não sejam produzidas nas paratireoides, essas substâncias também exercem importante papel no metabolismo do cálcio dos ossos. A calcitonina, produzida pelas células C da tireoide, tem duas principais funções: diminui os níveis de cálcio sérico (efeito antagônico ao do paratormônio) e inibe a reabsorção do fósforo nos rins, aumentando sua excreção (Figura 109.2). A síntese da vitamina D3 é iniciada na pele, na qual existe o 7 -desidrocolesterol, que, sob a ação dos raios ultravioleta solares, é transformado em vitamina D3, a qual é hidroxilada no fígado (25-0H colecalciferol). Nos rins, sofre outra hidroxilação e forma, então, 1,25(0HhD3, seu metabólito mais ativo. A vitamina D3 tem grande importância no metabolismo do cálcio, pois aumenta sua absorção intestinal e sua reabsorção no rim, além de aumentar a reabsorção do fosfato no rim, diminuindo sua excreção (Figura 109.2).

Parte 10 I Sistema Endócrino eMetabolismo

~

. - - - - - - 1'PTH - - - - - - - - - ,

Rim Osso 25(0H)D

t

f1 a-hidroxilase \....."1 ,25(0H)p

- NaPi-lla - NaPi-llc

~

t ca2• 1'P04 Urina

~ i Ca

2

Intestino delgado

~

v PÜ4

i Ca2• 1' P04

Reabsorção

Absorção



~

i Ca 2• Figura 109.2 Ações dos paratormônios e controle da calcem ia. (Adaptada de Wolf-Heidegger- Atlas de Anatomia Humana, 6a ed., 2006.)

~

Bibliografia

Botelho JBL, Cançado ARS, Sousa EAD. Importância anatomocirúrgica das características macroscópicas, localização e suprimento vascular das glândulas paratireoides cervicais [internet]. Revista do Colégio Brasileiro de Cirurgiões. 2004; 31: 132-38. De Carvalho MB. Tratado de tireoide e paratireoides (internet]. Rubio, 2007. Kronenberg H, Williams RH. Williams textbook of endocrinology. Saunders/ Elsevier, 2008.

110 Exame Clínico Alexandre Roberti eRaquel Andrade Siqueira

condições metabólicas. Em geral, as convulsões são acompanhadas de espasmo carpopodal, dado que deve levantar a suspeita de hipoparatireoidismo. ... Alterações cardiovasculares. Podem ocorrer hipotensão, redução da contratilidade miocárdica e insuficiência cardíaca congestiva, por meio de mecanismo ainda não definido. A hipocalcemia causa prolongamento do intervalo QT no eletrocardiograma, que se associa a repolarização ventricular precoce e desencadeia arritmia cardíaca. .,.. Papiledema. Pode ocorrer em pacientes com hipocalcemia grave e, em geral, é reversível com o tratamento da hipocal• cenua.

• Manifestações crônicas Os sinais e sintomas das doenças das paratireoides dependem do distúrbio funcional, que pode ser dividido em estado de hipofunção e hiperfunção. Em ambas as condições, ocorrem alterações do metabolismo do cálcio e do fósforo, bem como das unidades metabólicas dos ossos, origem de todas as manifestações clínicas.

...- Hipoparatireoidismo Condição clínica caracterizada por secreção ou ação deficiente do paratormônio (PTH), com redução dos níveis plasmáticos de cálcio e aumento dos níveis de fosfato, na presença de função renal normal. Os sinais e os sintomas mais importantes do hipoparatireoidismo são atribuíveis à hipocalcemia, a qual está associada a um espectro de manifestações clínicas, variando de poucos sintomas, se a hipocalcemia é leve, a convulsões graves, insuficiência cardíaca refratária, ou laringospasmo, se grave. Associadas ao grau de gravidade, a velocidade de desenvolvimento da hipocalcemia e a cronicidade determinam igualmente as manifestações clínicas. Entre os sintomas de hipocalcemia, tetania, papiledema e convulsões podem ocorrer em pacientes que desenvolvem hipocalcemia aguda. Por comparação, alterações na ectoderme e nos dentes, catarata, calcificação dos gânglios da base e desordens extrapiramidais são características da hipocalcem1a cromca. '

A

'

• Manifestações agudas ... Tetania. Sintoma mais frequente na hipocalcemia aguda, ca-

racterizado por irritabilidade neuromuscular. Os sintomas da tetania podem ser leves (dormências periorais, parestesias de mãos e pés, câimbras musculares) ou graves (espasmo carpopodal, laringospasmo e convulsões focais ou generalizadas). Há pacientes que apresentam sintomas menos específicos como fadiga, irritabilidade, ansiedade e depressão, bem como alguns que, mesmo com hipocalcemia grave, não apresentam sintomas neuromusculares. Tetania é incomum, a menos que a concentração de cálcio ionizável encontre-se abaixo de 4,3 mg/de (1,1 mmol/.e), o que corresponde ao cálcio sérico total de 7 ,O a 7,5 mg/d.e ( 1,8 a 1,9 mmol/.e). ... Convulsões. Podem ocorrer no paciente com hipoparatireoidismo, muitas vezes interpretadas nas crianças como epilepsia. Isso leva o médico a ministrar fenobarbital, o qual inibe a síntese da vitamina D3 no fígado, agravando ainda mais as

... Distúrbios extrapiramidais. Calcificações dos gânglios da base e

do cerebelo podem estar presentes no hipoparatireoidismo de longa evolução e caracterizam a síndrome de Fahr. Alguns dos pacientes com essa doença desenvolvem parkinsonismo; outros, distúrbios do movimento (distonia, hemibalismo, coreoatetose) ou demência, enquanto há aqueles que permanecem assintomáticos. Em alguns casos, os sintomas extrapiramidais melhoram com o tratamento à base de vitamina D e cálcio. ... Doenças oculares. Particularmente, a catarata é frequente no hipoparatireoidismo crônico. O tratamento da hipocalcemia paralisa a progressão da doença. .,.. Manifestações esqueléticas. Pacientes com hipoparatireoidismo congênito podem apresentar osteosclerose, espessamento cortical e anormalidades craniofaciais. Já aqueles com hipoparatireoidismo pós-cirúrgico tendem a apresentar aumento da densidade mineral óssea quando comparados com sujeitos normais. ... Anormalidades dentárias. Na criança, os dentes podem ser hipoplásicos ou, caso a doença tenha se iniciado antes da erupção dos dentes, podem nunca aparecer. .,.. Manifestações ectodérrnicas. Ao exame físico do paciente, encontramos pele seca, áspera e inchada, áreas de alopecia, cabelos secos, unhas frágeis e quebradiças, com estrias transversais características. Monilíase ocorre somente naqueles pacientes com hipoparatireoidismo idiopático, geralmente como componente da síndrome poliglandular autoimune do tipo 1 (hipoparatireoidismo, insuficiência suprarrenal, candidíase e/ou outras doenças autoimunes). .,.. Alterações renais. A excreção urinária de cálcio é relativamente elevada nos pacientes com hipoparatireoidismo devido à perda do efeito estimulador do PTH na reabsorção cálcio tubular. Portanto, hipercalciúria franca e possível nefrolitíase podem ocorrer à medida que o cálcio sérico volta ao normal, o que pode retardar a correção plena da hipocalcemia.

• Manobras dássicas ao exame físico Os sinais de Trousseau e de Chvostek são de extrema importância no diagnóstico do hipoparatireoidismo, pois traduzem irritabilidade neuromuscular por tetania latente devido à hipocalcemia. Sinal de Trousseau, ou espasmo carpopodal, pode ser provocado ao se manter o manguito do aparelho de pressão insuflado, por 3 min, 20 mm de mercúrio acima da pressão sistólica do paciente. Nos casos de hipocalcemia, ocorrem flexão do punho, extensão das articulações interfalangianas e adução do polegar, configurando o que se costuma chamar de "mão de parteiro" (Figura 110.1).

812

Figura 110.1 Hipoparatireoidismo, observando-se o sinal de Trousseau ou espasmo carpopodal na mão esquerda.

Sinal de Chvostek é pesquisado pela percussão do nervo facial, adiante do pavilhão auditivo. Quando há hipocalcemia, aparece contração da musculatura da face e do lábio superior no lado em que se fez a percussão. É importante ressaltar que o sinal de Chvostek ocorre em 10% da população normal.

~

Hiperparatireoidismo

Síndrome clínica resultante do excesso de paratormônio (PTH), que pode ser de três tipos: primário, secundário e terciário. O hiperparatireoidismo primário (HPTP) resulta da hipersecreção do hormônio da paratireoide (PTH), ou paratormônio, por adenoma em 85 a 95% dos casos, hiperplasia em 5% ou carcinoma em < 1%, sem que haja uma causa extraparatireoidiana. É a causa mais comum de hipercalcemia diagnosticada ambulatorialmente. O hiperparatireoidismo secundário tem como causa principal a insuficiência renal crônica (IRC) e resulta de hipocalcemia crônica, produção deficiente de 1,25(0H) 2D3 (calcitriol) e hiperfosfatemia. Esse quadro pode evoluir para um estado de hipersecreção autônoma de PTH, que, acompanhada de hipercalcemia, caracteriza o hiperparatireoidismo terciário.

Parte 10

I Sistema Endócrinoe Metabolismo

por reabsorção óssea periosteal do aspecto radial das falanges médias e nas porções distais das clavículas, desmineralização "em sal e pimentà' do crânio, cistos ósseos e tumores marrons nos ossos longos (osteoclastomas), que podem ser palpáveis. É importante ressaltar que, no HPTP, há maior perda de osso cortical que trabecular, e, atualmente, a osteíte fibrose cística é manifestação clínica mais rara (< 5% dos pacientes dos EUA) . .,.. Manifestações renais. Nefrolitíase, hipercalciúria, nefrocalcinose, insuficiência renal crônica e anormalidades na função tubular renal constituem as manifestações renais mais importantes do HPTP. Nefrolitíase pode ocorrer em 15 a 20% dos pacientes. .,.. Manifestações neuromusculares. Fraqueza muscular e fadiga são queixas comuns entre pacientes com HPTP. Parestesias e câimbras, assim como hipotonicidade muscular, acompanhada de hiperextensibilidade ligamentar, podem ser detectadas . .,.. Distúrbios neuropsiquiátricos. Sintomas neurocomportamentais como letargia, labilidade emocional, ansiedade, depressão, comportamento psicótico e disfunção cognitiva são frequentes em pacientes com HPTP.

Outras manifestações clínicas .,.. Ósseas. Pacientes com HPTP tendem a apresentar redução da densidade mineral óssea (DMO), particularmente nos ossos corticais (antebraço e quadril). Fraturas não são comuns, e sua incidência parece relacionada não somente com as alterações ósseas na densidade mineral cortical, mas também com o efeito da doença em outros fatores associados à qualidade do osso. .,.. Cardiovasculares. O HPTP pode estar associado a hipertensão (causa indefinida), hipertrofia ventricular esquerda e disfunção diastólica, e aumento da espessura média da carótida intimai. .,.. Alterações no peso eno metabolismo da glicose. Maior frequência de intolerância à glicose e diabetes tipo 2 tem sido relatada em alguns estudos de HPTP, assim como maior índice de massa corpórea (IMC) nos pacientes com HPTP quando comparados com controles. .,.. Manifestações reumatológicas. São incomuns no HPTP dos dias atuais. Compreendem a hiperuricemia, a gota e a pseudogota (condrocalcinose) com deposição de cristais de pirofosfato nas articulações.

• Hiperparatireoidismo primário A apresentação clínica mais comum do hiperparatireoidismo primário (HPTP) é hipercalcemia assintomática. O diagnóstico é realizado com o achado de PTH elevado ou inapropriadamente normal na vigência de hipercalcemia.

Manifestações clínicas clássicas As anormalidades diretamente associadas ao hiperparatireoidismo são a nefrolitíase e a doença óssea (osteíte fibrosa cística), ambas por prolongada exposição ao excesso de PTH. Os sintomas atribuídos à hipercalcemia incluem anorexia, náuseas, constipação intestinal, polidipsia e poliúria. .,.. Envolvimento ósseo (Figuras11 0.2 e110.4). A osteíte fibrosa cística é caracterizada clinicamente por dor óssea e, radiograficamente,

Figura 110.2 Hiperparatireoidismo, destacando-se as alterações esqueléticas.

110

I Exame Clínico

813

.,.. Manifestações gastrintestinais. Entre esses distúrbios, destacam-se anorexia, vômitos, dores abdominais e constipação intestinal, decorrentes da hipercalcemia, a qual é responsável pelas alterações da motilidade gastrintestinal. úlcera péptica pode ocorrer no hiperparatireoidismo, provavelmente provocada pelo aumento da secreção de gastrina em resposta à hipercalcemia. Dor abdominal aguda, irradiada para o dorso, pode indicar pancreatite. A gênese da pancreatite no hiperparatireoidismo ainda é obscura, mas, talvez, ocorra devido a cálculos pancreáticos ou depósitos intraductais de cálcio. .,.. Manifestações oculares. Podem ocorrer depósitos de cálcio na conjuntiva ou na córnea, alterando a acuidade visual (queratite "em banda,) (Figura 110.3). .,.. Exame físico. Não existem alterações específicas no exame físico do HPTP. Raramente encontram-se depósitos de cálcio na córnea, alterando a acuidade visual (queratite "em bandà'). O exame com lâmpada de fenda, em geral, é necessário para o diagnóstico.

• Hiperparatireoidismo secundário Ocorre quando a glândula paratireoide responde apropriadamente às baixas concentrações de cálcio extracelular (hipocalcemia plasmática), aumentando as concentrações do PTH, que, por sua vez, mobiliza a absorção intestinal de cálcio via aumento do calcitriol (1,25 di-hidroxivitamina D) e aumenta a reabsorção óssea. Bioquimicamente, é caracterizado por PTH elevado e cálcio sérico normal ou baixo. Pode ocorrer em pacientes com insuficiência renal crônica (IRC) e comprometimento da produção de calcitriol, assim como em indivíduos com ingesta ou absorção de cálcio inadequadas, deficiência ou resistência à vitamina D, ou doenças gastrintestinais que cursem com má absorção. Manifestações clínicas do hiperparatireoidismo secundário, associado à IRC, decorrem principalmente da hiperfosfatemia e da deficiência de calcitriol, resultando em hipocalcemia e consequente aumento dos níveis de PTH. Se essas anormalidades fisiológicas não forem corrigidas, doença osteorrenal conhecida como osteodistrofia renal tende a se desenvolver. Em geral, é assintomática, mas pode causar fibrose cística (fraqueza), dor óssea e muscular, e necrose avascular. Dentre as várias formas de osteodistrofia renal, destacam-se a osteíte, caracterizada pelo aumento do turnover ósseo e mineralização defectiva, em geral assintomática; a doença óssea adinâmica, que ocorre como consequência da

Figura 110.4 Criança com hiperparatireoidismo, na qual se destacam protrusão frontal e deformidades ósseas.

terapia supressiva excessiva do PTH; e a osteomalacia, a qual é caracterizada por dor óssea e miopatia graves. Além da osteodistrofia renal, o hiperparatireoidismo secundário é associado a distúrbios do metabolismo mineral, principalmente do cálcio e fósforo, que parecem predispor a calcificação arterial e aterosclerose, aumentando o risco de mortalidade cardiovascular e por todas as causas. Nas manifestações clínicas do hiperparatireoidismo secundário, resultantes de hipocalcemia por outras causas associadas a vitamina D ou ingesta e/ou absorção inadequadas de cálcio, podem-se salientar o raquitismo na criança e a osteomalacia no adulto, cujos sintomas compreendem apatia, fadiga muscular, dores ósseas, tetania, distensão abdominal, as quais se juntam às manifestações da doença de base (esteatorreia, insuficiência renal). Ao exame físico, observam-se protrusão frontal, deformidades ósseas (encurvamento dos membros, costelas em colar de contas) (Figura 110.4) e marcha bamboleante. A marca registrada do raquitismo e da osteomalacia são as pseudofraturas, que consistem em rarefações ósseas lineares, adjacentes a vasos. Os locais mais frequentes das pseudofraturas são costelas, escápulas, pelve e tl'bia. Em geral, há diminuição da densidade óssea, alargamento das epífises de crescimento (crianças), erosões subperiostais e linhas finas, radiodensas (linhas de Harris). Podem ser encontradas fraturas verdadeiras. Nas crianças, as deformidades ósseas são mais importantes, pois apresentam alargamento das suturas cranianas, bossa frontal, achatamento do crânio (craniotabes) e rosário raquítico. Os dentes são hipoplásicos e sua erupção, retardada.

• Hiperparatireoidismo terciário

Figura 110.3 Queratite "em banda" no hiperparatireoidismo.

Caracteriza-se por um estado de hipersecreção autônoma de PTH, acompanhado de hipercalcemia plasmática, geralmente resultantes da evolução de hiperparatireoidismo secundário. Seu diagnóstico diferencial se faz com o hiperparatireoidismo primário (HPTP) (ver Manifestações clínicas clássicas do hiperparatireoidismo primário).

814

..,. Bibliografia Hipoparatireoidismo Benoit SR, Mendelsohn AB, Nourjah P et ai. Risk factors for prolonged QTc arnong US adults: Third National Health and Nutrition Exarnination Survey. Eur J Cardiovasc Prev Rehabil. 2005; 12:363. Chan FK, Tiu SC, Choi KL et ai. Increased bone mineral density in patients with chronic hypoparathyroidism. J Clin Endocrinol Metab. 2003; 88:3155. Cooper MS, Gittoes NJ. Diagnosis and management of hypocalcaemia. BMJ. 2008; 336:1298. Goltzman D, Cole DEC. Hypoparathyroidism. In: American Society of Bone and Mineral Research. Primer on the metabolic bone diseases and disorders of mineral metabolism. 6th ed. 2006; 36:216. Kazmi AS, Wall BM. Reversible congestive heart failure related to profound hypocalcemia secondary to hypoparathyroidism. Am J Med Sei. 2007; 333:226. Laway BA, Goswami R, Singh N et ai. Pattern ofbone mineral density in patients with sporadic idiopathic hypoparathyroidism. Clin Endocrinol (Oxf). 2006; 64:405. Rastogi R, Beauchamp NJ, Ladenson PW. Calcification of the basal ganglia in chronic hypoparathyroidism. J Clin Endocrinol Metab. 2003; 88:1476. Thakker RV. Hypocalcemia: pathogenesis, ditferential diagnosis, and management. In: American Society of Bone and Mineral Research. Primer on the metabolic bone diseases and disorders of mineral metabolism. 6nd ed. 2006; 35:213.

Hiperparatireoidismo Andersson P, Rydberg E, Willenheimer R. Primary hyperparathyroidism and heart disease - a review. Eur Heart J. 2004; 25:1776. Bilezikian JP, Khan AA, Potts JT Jr. Third International Workshop on the Management of Asyrnptomatic Prirnary Hyperthyroidism. Guidelines for the management of asymptomatic primary hyperparathyroidism: summary statement from the third international workshop. J Clin Endocrinol Metab. 2009; 94:335. Bilezikian JP, Silverberg SJ. Clinicai practice. Asymptomatic primary hyperparathyroidism. N Engl J Med. 2004; 350:1746. Bolland MJ, Grey AB, Gamble GD, Reid IR. Association between primary hyperparathyroidism and increased body weight: a meta-analysis. J Clin Endocrinol Metab. 2005; 90:1525. Bollerslev J, Jansson S, Mollerup CL et ai. Medicai observation, compared with parathyroidectomy, for asymptomatic primary hyperparathyroidism: a prospective, randomized trial. J Clin Endocrinol Metab. 2007; 92:1687. Broadus AE, Horst RL, Lang R et ai. The importance of circulating 1,25-dihydroxyvitamin D in the pathogenesis of hypercalciuria and

Parte 10 I Sistema Endócrino eMetabolismo renal-stone formation in primary hyperparathyroidism. N Engl J Med . 1980; 302:421. De Geronimo S, Romagnoli E, Diacinti D et ai. The risk of fractures in postmenopausal women with primary hyperparathyroidism. Eur J Endocrinol. 2006; 155:415. Khosla S, Melton LJ, Wermers RA et ai. Primary hyperparathyroidism and the risk offracture: a population-based study. J Bone Miner Res. 1999; 14:1700. Lowe H, McMahon DJ, Rubin MR et ai. Normocalcemic primary hyperparathyroidism: further characterization of a new clinicai phenotype. J Clin Endocrinol Metab. 2007; 92:3001. Lundgren E, Lind L, Palmér M et ai. Increased cardiovascular mortality and normalized serum calcium in patients with mild hypercalcemia followed up for 25 years. Surgery. 2001; 130:978. Peacock M. Primary hyperparathyroidism and the kidney: biochemical and clinicai spectrum. J Bone Miner Res. 2002; 17 (2}:87. Procopio M, Magro G, Cesario F et ai. The oral glucose tolerance test reveals a high frequency ofboth irnpaired glucose tolerance and undiagnosed Type 2 diabetes mellitus in primary hyperparathyroidísm. Diabet Med. 2002; 19:958. Rubin MR, Maurer MS, McMahon DJ et ai. Arterial stiffness in mild primary hyperparathyroidism. J Clin Endocrinol Metab. 2005; 90:3326. Rubin MR, Silverberg SJ, Bile-L:ikian JP. Primary hyperparathyroidism: Rheumatologic manifestations and bone disease. In: Maricic M, Gluck OS (eds). Bone disease in rheumatology. Philadelphia: Lippincott Williams & Wilkins, 2005, p. 190. Silverberg SJ, Bilezikian JP. Evaluation and management of primary hyperpa.rathyroidism. J Clin Endocrinol Metab. 1996; 81:2036. Silverberg SJ, Shane E, Dempster DW, Bilezikian JP. The effects of vitarnin D insufficiency in patients with primary hyperparathyroidism. Am J Med. 1999; 107:561. Tanaka Y. Primary hyperparathyroidism with breast carcinoma. Breast Cancer. 2010; 17:265. Turken SA, Cafferty M, Silverberg SJ et ai. Neuromuscular involvement in mild, asymptomatic primary hyperparathyroidism. Am J Med. 1989; 87:553. Walker MD, Fleischer J, Rundek T et ai. Carotid vascular abnormalities in primary hyperparathyroidism. J Clin Endocrinol Metab. 2009; 94:3849. Walker MD, Fleischer JB, Di Thllio MR et ai. Cardiac structure and diastolic function in mild primary hyperparathyroidism. J Clin Endocrinol Metab. 2010; 95:2172. Walker MD, McMahon DJ, Inabnet WB et ai. Neuropsychological features in primary hyperparathyroidism: a prospective study. J Clin Endocrinol Metab. 2009; 94:1951. Yu N, Donnan PT, Leese GP. A record linkage study of outcomes in patients with mild primary hyperparathyroidism: the Parathyroid Epidemiology and Audit Research Study (PEARS). Clin Endocrinol (Oxf). 2011; 75:169.

111

Exames Complementares Alexandre Roberti eAntônio César Pereira

Os exames mais importantes no diagnóstico das afecções das paratireoides são a dosagem de cálcio e fósforo, do paratormônio, o exame radiológico dos ossos, a ultrassonografia, a tomografia, a ressonância magnética e a cintigrafia.

. .,. Dosagem de cálcio e fósforo A dosagem do cálcio total é o método mais utilizado, porém a avaliação do cálcio ionizável e/ou a fração livre possibilitam diagnóstico mais preciso. No hiperparatireoidismo, encontra-se hipercalcemia com níveis baixos de fósforo. Em geral, o cloro plasmático está elevado, com discreta acidose hiperclorêmica. Na urina de 24 h, o cálcio está aumentado (150 mg/24 h). O clearance de fósforo também se encontra elevado. Antes de iniciar o diagnóstico diferencial da hipercalcemia, deve-se descartar a possibilidade de hipercalcemia artificial (uso de medicamentos, por exemplo). No hipoparatireoidismo, o cálcio plasmático está baixo, e o fósforo tende a elevar-se. Na urina de 24 h, a princípio, o cálcio está aumentado, mas ocorre esgotamento das reservas e diminuição do cálcio plasmático, com queda dos seus valores. Lembre-se de que alguns medicamentos (fenitoína, corticoides, diuréticos e laxativos) podem ocasionar níveis séricos baixos de cálcio.

. .,. Dosagem do paratormônio A determinação do paratormônio ou suas frações fornece valiosa contribuição no diagnóstico do hiperparatireoidismo.

A dosagem do AMP cíclico na urina de 24 h é um dado indireto da ação do paratormônio, e, quando elevado, significa excesso deste hormônio. Quando há doença óssea, a hidroxiprolina pode estar aumentada. No hipoparatireoidismo, quase nunca é utilizada a dosagem do paratormônio, porque, com simples dosagem de cálcio e fósforo, o diagnóstico é possível. Na dúvida, porém, deve ser utilizado esse exame.

. .,. Dosagem da vitamina D A pele é o único sítio capaz de produzir vitamina D. No fígado, o colecalciferol é convertido em 2S(OH)D. No rim, sob estímulo do PTH, essa vitamina é convertida em [1 ,25 (OH) 2D], que é a forma ativa. A principal ação da vitamina D ativa é contribuir para manter níveis séricos e extracelulares de cálcio constantes. Além disso, estimula o transporte ativo do cálcio do lúmen do duodeno para o sangue, possibilita a mineralização óssea normal, mobiliza cálcio do osso para a circulação e viabiliza a maturação do colágeno e da matriz celular. O aparecimento de hiperparatireoidismo secundário pode ser considerado um marcador de insuficiência de vitamina D . Pode-se considerar a seguinte classificação de Lips: deficiência leve, 25(0H)D entre 25 nmol/f e 50 nmol/f (lO a 20 ng/mf); deficiência moderada, entre 12,5 nmol/f e 25 nmol/f (5 a 10 ng/mf); e deficiência grave, menor que 12,5 nmol/f (menor que 5 ng/mf).

. .,. Exame radiológico dos ossos As manifestações radiológicas das afecções das paratireoides podem ser divididas em três tipos: descalcificação generalizada, cistos ósseos e "tumores marrons" (ver Capítulo 160,

Doenças dos Ossos). Reconhece-se a descalcificação pela diminuição da densidade dos ossos, ausência de lâmina dura entre os dentes e reabsorção óssea subperiostal (Figura 111.1). No crânio, o aspecto "mosqueado" é característico. Nas falanges e no metacarpo, na articulação acromioclavicular e sínfise púbica, a reabsorção subperiostal é mais evidente. Os cistos ósseos e os "tumores marrons" são encontrados nos ossos longos. Essas alterações, aliadas à reabsorção subperiostal, constituem a osteíte fibrosa cística. No estudo radiológico, podem-se encontrar ainda fraturas patológicas e condrocalcinose dos rins, cálculos ou nefrocal. cmose.

.

~

o

'

~

~

- - --

-

-

-

---

.

Figura 11 1.1 Alterações ósseas no hipoparatireoidismo. A. Ausência da lâmina dura entre os dentes. B. Reabsorção óssea subperiostal. C. Aspecto "mosqueado" no crânio. O. Cistos ósseos.

Parte 10

816

I Sistema Endócrino e Metabolismo

Figura 111 .2 Cintigrafia das paratireoides em paciente com hiperparatireoidismo primário, demonstrando adenoma imediatamente abaixo do polo inferior do lobo tireoidiano esquerdo (setas). A. Sestamibi-9911Tfc: Imagem cervical precoce (1 5 min). B. SestamibP 9 nTTc: Imagem cervical tardia (3 h). C. Cintigrafia da tireoide com pertecnetato-9911Tfc (para reparo anatômico e técnica de subtração). (Cortesia do Centro de Diagnóstico por Imagem- CDI.)

~

Ultrassonografia, tomografia computadorizada e ressonância magnética

Os métodos de imagem têm sido utilizados na tentativa de localizar adenomas das paratireoides. Embora não tenham valor absoluto, são um recurso diagnóstico de relativa importância. Os adenomas ectópicos da paratireoide podem ser evidenciados no pescoço pela ultrassonografia e no tórax por tomografia.

~

Cintigrafia

Em geral, não só os adenomas de paratireoides maiores que 500 mg são detectados pela cintigrafia das paratireoides (Figura 111.2), mas também as hiperplasias, sendo estas com sensibilidade menor que a encontrada nos adenomas. Várias técnicas têm sido propostas, mas a de maior aceitação e melhores resultados é a de dupla-fase com o sestamibi-9911Yfc, que consiste na injeção intravenosa do radiotraçador, seguido da aquisição de imagens anteriores da região cervical e do tórax- precoces (lO a 15 min) e tardias (2 a 4 h). Além disso, é realizada uma cintigrafia da tireoide com pertecnetato-99!I1fc -um radiotraçador que não se concentra nas paratireoides e é útil como reparo anatômico e para a sub-

tração de imagens, pois permite acréscimo na sensibilidade da detecção. As aquisições de imagens tomográficas do tórax, também chamadas de SPECT, tendem a aumentar a sensibilidade na detecção de eventuais glândulas ectópicas. A principal vantagem da cintigrafia é que, associada à cirurgia radioguiada, a qual utiliza o gamaprobe (um aparelho portátil para detecção de radiação), possibilita uma cirurgia minimamente invasiva. Essa técnica da medicina nuclear é extremamente eficaz em reduzir o tempo e a extensão da cirurgia, a qual é feita sob anestesia local com sedação. A cirurgia clássica, normalmente, utiliza anestesia geral e uma ampla exploração cervical bilateral. A cintigrafia das paratireoides pode também ser indicada para a localização de tecido paratireoidiano hiperfuncionante em pacientes com doença recorrente ou persistente. Muitos deles têm uma ou mais intervenções cirúrgicas prévias, e isso faz com que uma nova exploração cirúrgica seja tecnicamente mais difícil. Glândulas ectópicas e/ou supranumerárias nessa população são mais prevalentes, e a localização pré-operatória também aumentará as chances do sucesso cirúrgico.

~

Bibliografia

Lips P. Vitamin D deficiency and secondary hyperparathyroidism in the elderly: consequences for bone loss and fractures and therapeutic implications. Endocr Rev. 2001; 22:477-501.

112

Doenças das Paratireoides Alexandre Robertí eHaroldo Sílva de Souza

alguma lesão - como ultrassonografia, cintigrafia com sestamibi marcado com tecnécio (exame mais sensível), tomografia computadorizada e ressonância magnética - são necessários para o planejamento cirúrgico. Os adenomas únicos respondem por até 89% das causas de HPTP, e os duplos, por 5%. A hiperplasia glandular, com as quatro glândulas aumentadas, contribui com cerca de 6% dos casos. Muito raramente, I a 2% dos casos, o carcinoma é a causa do hiperparatireoidismo. Existem formas hereditárias e genéticas do HPTP, porém são raras, podendo fazer parte das neoplasias endócrinas múltiplas (MEN) tipos 1 e 2. Hiperparatireoidismo secundário pode evoluir para um estado de hipersecreção autônoma de PTH que, acompanhada de hipercalcemia, caracteriza o hiperparatireoidismo terciário. A evolução para esse estágio é infrequente, compreendendo cerca de 5% dos pacientes com insuficiência renal crônica .

. .,. Hiperparatireoidismo

. .,. Hipoparatireoidismo

É o distúrbio que resulta da hipersecreção do hormônio da paratireoide (PTH); pode ser primário, secundário ou terciá• no. A forma primária é suspeitada na presença de cálcio sérico elevado, já que o modo de apresentação clínica mais comum é a hipercalcemia assintomática, associada à elevação da concentração do paratormônio, embora, ocasionalmente, o PTH possa estar dentro da faixa de normalidade, mas inapropriadamente elevado para o nível de hipercalcemia. As anormalidades diretamente associadas ao hiperparatireoidismo primário (HPTP) são nefrolitíase e doença óssea (osteíte fibrosa cística e diminuição da densidade óssea, em especial no osso cortical), bem como doença cardiovascular. O diagnóstico diferencial inclui outras causas de hipercalcemia, representadas principalmente pelas neoplasias malignas e pela hipercalcemia hipocalciúrica familiar (HFF). Outras etiologias menos frequentes são a síndrome do leite-álcali, as doenças granulomatosas, a hipervitaminose D e alguns fármacos, como o lítio e os diuréticos tiazídicos, além do hiperparatireoidismo secundário (HPTS), que não cursa com hipercalcemia. As neoplasias malignas relacionadas com o HPTP são as causas mais comuns de elevação de cálcio sérico. As neoplasias malignas respondem por mais de 90% dos casos e caracteristicamente se apresentam com níveis mais elevados de cálcio e com PTH em níveis indetectáveis ou muito baixos. Na HFF, há história familiar de hipercalcemia assintomática, excreção urinária baixa de cálcio, curso benigno, sem necessidade de tratamento. O HPTS se desenvolve quando a paratireoide responde apropriadamente ao nível reduzido de cálcio extracelular, laboratorialmente se apresenta com PTH elevado e cálcio sérico baixo ou normal, ocorrendo em pacientes com insuficiência renal (deficiência de produção de I,25-di-hidroxivitamina D), indivíduos com ingestão ou absorção inadequada de cálcio e na deficiência de vitamina D, cada vez mais frequente nos dias atuais. Outros testes para confirmar HPTP são: excreção urinária de cálcio nas 24 h elevada (40%) ou normal. Fósforo sérico pode estar diminuído, mas tipicamente está na faixa inferior da normalidade. Dosagem de vitamina De estudo da densidade mineral óssea também são úteis na avaliação do paciente. O diagnóstico de HPTP é estabelecido basicamente portestes bioquímicas apropriados, porém exames de localização de

Condição clínica decorrente da secreção e/ou ação deficiente do paratormônio (resistência), com consequente redução na concentração de cálcio sérico, o qual é responsável pelas manifestações clínicas da doença. É mais frequente em decorrência de cirurgias na região cervical, pela remoção acidental das paratireoides ou pelo comprometimento de sua vascularização, com consequente deficiência de PTH, transitória ou definitiva, ou mais raramente, após tratamento radioativo, em particular terapia ablativa da tireoide com I -131. Outras causas são os distúrbios infiltrativos, como hemocromatose e doença de Wilson, doenças autoimunes, fazendo parte, inclusive, da síndrome poliglandular autoimune tipo l, associadas a candidíase mucocutânea e/ou doença de Addison. Doenças granulomatosas e neoplasia envolvendo a paratireoide são outros possíveis agentes etiológicos. Quando não se encontra nenhuma causa aparente, é rotulado como idiopático. Agenesia, ou hipoplasia congênita das paratireoides, tende a se manifestar como fenômeno isolado ou parte da síndrome de DiGeorge ou síndrome de Barakat. A hipomagnesemia pode prejudicar tanto a secreção como a ação do PTH. Já a deficiência, ou resistência à vitamina D é causa de hipocalcemia sem hipoparatireoidismo. Pseudo-hipoparatireoidismo é uma doença hereditária, caracterizada por resistência dos órgãos-alvo à ação do PTH; cursa com hipocalcemia, hiperfosfatemia e níveis elevados de PTH. Existem dois tipos principais: IA e lB. Pseudo-hipoparatireoidismo lA apresenta características fenotípicas singulares, denominadas osteodistrofia hereditária de Albright, expressadas clinicamente por face arredondada, pescoço curto, baixa estatura, calcificações ou ossificações subcutâneas e braquidactilia (dedos curtos das mãos, sobretudo o quarto e o quinto). Independentemente da causa, a sintomatologia está relacionada com o tempo de evolução e os níveis séricos de cálcio e deve-se ao aumento da excitabilidade neuromuscular, esquelética e miocárdica, clinicamente caracterizada por cãibras, parestesias e, nos casos mais graves, tetania, espasmo carpopedal, laringospasmo, convulsões e arritmias cardíacas, que podem eventualmente resultar em morte. Calcificação dos gânglios da base e do cerebelo é mais comum nos tipos idiopático ou autoimunes.

818 O primeiro passo na avaliação de um paciente com hipocalcemia é a medida da albumina sérica. Cada redução de 1 g/ df na albumina baixa o cálcio total em 0,8 mg/df, sem afetar a concentração de cálcio ionizado; assim, não produz sintomas nem sinais de hipocalcemia. Portanto, na presença de hipoalbuminemia, deve-se corrigir o cálcio sérico ou solicitar o cálcio ionizado. Os marcadores bioquímicas do hipoparatireoidismo são hipocalcemia e hiperfosfatemia, quando a função renal é normal. O PTH está em nível baixo ou indetectável, exceto nos casos de resistência ao PTH, quando se encontra no limite superior da normalidade.

Parte 10 I Sistema EndócrinoeMetabolismo

.... Bibliografia Bilezikian JP et ai. Guidelines for the management of asymptomatic primary hyperparathyroidism: summary statement from the Third International Workshop. J Clin Endocrinol Metab. 2009: 94:335. Carvalho MB et a/. Tratado de tireoide e paratireoide. Rubio, 2007. Chacra AR et al. Guia de endocrinologia. Manole, 2007. Greenspan FS et ai. Endocrinologia básica e clínica. Artmed, 2006. Henry MK et al. Williams tex:tbook of endocrinology, 11. ed. Saunders Company, 2007. Silverberg SJ et al. A 10-year prospective study of primary hyperparathyroidism with or without parathyroid surgery. N Eng J Med. 1999: 341:1249. Vilar L et al. Endocrinologia clínica. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2006.

••••••••••••••• . •••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••• ,

•••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••1

••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••



•••••••••••••1

••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••1

••••• •••••• ••• •• •••••••••••• •• ••• •••••••••••• •••• ..1 •• •• •••••••••• ••••••••••••• •••••• ••••••••••••• ••••••••• • • •••• ••• •• • • •••••••• •• • • •• ••• •••• • • ••• •• • ••• • •• • • ···=·· • •••• • ··=··· • • •• • ••• •• • • . I ••!I• • ••••• •••. •• • • • • • • •• • • • • • ••••• •••••••••.•• •I!• • •. • • • • •• • • • • •• • • ••• • • Seção 4 Suprarrenais

••••••

•••••





•••••••••••••••••••

••

••••• • •••••

•••• •



I

••

•••

• ••

••••••• ••• •••••• ••• ••••••• ••••••••••••••••••••••••••••••

•••••

•• •

••••• •• • • •

•••••••••••••••••••



••••••••••••••••••••••

••



••



••

•••

•••



••



•••

••••••



•••



•••

••

•••

••••••••••••1

••

••

• • ••

••••• ••••• •

•• ••••• •



••••••• •

•••

• ••

• •

I

•••1 •••1

•••• ••• •• I

••







••

I

• • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • •1 • • • •••••• ••• • •• • ••• •••••• • • •• •• •• • •••1











• •



.



• •





113

Noções de atomia e Fisiologia Daniela Espíndola Antunes



.



• •

polos superiores dos rins, retroperitonealmente, de cada lado da coluna vertebral, entre a 11 ª vértebra torácica e a 1ª vértebra lombar. Pesam em média 4 g, com 2 a 3 em de largura e 4 a 6 em de comprimento. A glândula direita tem forma piramidal ou triangular; a esquerda, semilunar ou alongada (Figura 113.1). O suprimento sanguíneo deriva de diversas pequenas artérias, ramos terminais das artérias frênica e suprarrenal, ocasionalmente da ovariana e da espermática esquerda. A veia suprarrenal direita é curta e drena diretamente para a veia cava inferior, enquanto a veia suprarrenal esquerda drena para a veia renal do mesmo lado. A inervação é autonômica, sendo as fibras parassimpáticas originadas na cadeia celíaca e no tronco vagai. As suprarrenais são compostas de dois tecidos embriologicamente distintos - o córtex e a medula -, que derivam respectivamente do mesoderma e neuroectoderma.



• ••



.,. Córtex. Corresponde a 90% da glândula e constitui-se de três zonas, anatomicamente distintas, nos adultos: glomerulosa, fasciculada e reticulada (Figura 113.2). A zona glomerulosa é a mais externa, localiza-se abaixo da cápsula e constitui 15% do córtex. Suas células têm pouco citoplasma e pequena quantidade de lipídios. Nessa camada, são produzidos os mineralocorticoides, cujo principal representante é a aldosterona. A zona fasciculada é central e compreende a 75% do córtex. Células grandes, contendo grande quantidade de lipídios, formam cordões radiais e são responsáveis pela síntese de glicocorticoides (cortisol e corticosterona).

Artérias frênicas inferiores

As glândulas suprarrenais ou adrenai.s localizam-se nos



Artérias suprarrenais superiores Glândula

Artéria suprarrenal média Artéria suprarrenal inferior Artéria renal

Artéria abdominal

Figura 113.1 Representação esquemática das glândulas suprarrenais.

820

Parte 10

Fatores que agem Resposta sobre a glândula ~---~~;:;;;:------, da glândula

.....

.....

A hipofisectomia causa

Atrofia corbcal

Estressehipotâlamohipófise ~ ACTH,

provocando l=;;::::: rn~~;::::;:~~~~~

OACTHea angiotensina estimulam a ........síntese de

Hipertrofia cortical

Aldosterona

Glicocorticoides O ACTH estimula a síntese de ~.~· Esteroides

Glicocorticoides O ACTH estimula a síntese de

• Esteroides sexuais

As fibras nervosas pré-ganglionares provocam a liberação de Norepinefrina

Figura 113.2 Medula e córtex suprarrenal com suas três camadas: glomerulosa, fasciculada e reticulada. (Adaptada de Junqueira LC e Carneiro J- Histologia Básica, 11ª ed., 2008.)

A zona reticulada, a mais profunda, apresenta células praticamente sem lipídios. É o local de produção dos esteroides sexuais (desidroepiandrostenediona (DHEA), DHEA-sulfato e androstenediona) e pequena quantidade de glicocorticoides. Utilizando o colesterol como molécula precursora, o córtex suprarrenal é especializado na produção de hormônios esteroidais (glicocorticoides, mineralocorticoides e esteroides sexuais). A esteroidogênese suprarrenal é regulada por dois circuitos endócrinos de feedback ou retroalimentação: o eixo hipotálamo-hipofisário-suprarrenal (HHS), responsável pela produção de glicocorticoides e esteroides sexuais, e o sistema renina-angiotensina-aldosterona, responsável pela produção de aldosterona. Os hormônios hipotalâmicos CRH (hormônio liberador de corticotrofina) e ADH (hormônio antidiurético) estimulam a adeno-hipófise a produzir ACTH (hormônio adrenocorticotrófico). O ACTH estimula o córtex suprarrenal a produzir cortisol, que, por sua vez, exerce feedback negativo sobre a secreção de CRH e ACTH. Já a produção da aldosterona, é regulada primariamente pelo sistema renina-angiotensina (SRA) e por níveis de potás-

I Sistema Endócrino e Metabolismo

sio, sendo o ACTH um secretagogo modesto. A cascata enzimática do SRA se inicia com a secreção de renina pelo aparelho justaglomerular renal e culmina com a produção de angiotensina II, potente estimulador da liberação de aldosterona. Altas concentrações plasmáticas de cortisol são capazes de inibir a secreção de ACTH e CRH; por outro lado, elevado volume sanguíneo intravascular suprime a liberação de renina e, consequentemente, a atividade mineralocorticoide. O ACTH é secretado de maneira pulsátil, com um ritmo circadiano. Desse modo, os níveis de cortisol plasmático começam a se elevar nas fases tardias do sono, alcançam um pico ao despertar, caindo durante o dia e alcançando seus níveis mais baixos à noite. O ritmo circadiano depende do ciclo dia/noite e do estado sono/vigília, e pode alterar-se quando esses processos são rompidos (trabalhadores noturnos, viagens longas com mudança de fuso horário). Tanto a síntese como a captação de colesterol, precursor dos esteroides, são estimuladas pelo ACTH. Este hormônio, a angiotensina II e o potássio constituem os agentes que estimulam e promovem a esteroidogênese suprarrenal, por meio da conversão enzimática inicial do colesterol em pregnenolona. A partir de então, ao passar por diversas etapas intermediárias, zona-específicas, ocorre a produção do esteroide finaL Os glicocorticoides têm como protótipo o cortisol e exercem seus efeitos pela ligação a receptores nucleares, sendo assim denominados pela ação primordial no metabolismo glicídico. Aumentam a concentração de glicose, atuando no metabolismo do glicogênio, das proteínas e dos lipídios. No fígado, promovem a síntese e o depósito de glicogênio a partir de aminoácidos derivados da mobilização proteica extra-hepática. Nos tecidos periféricos (músculos e gordura), inibem a captação e a utilização de glicose; no tecido adiposo, a lipólise é ativada, levando à liberação de ácidos graxos para a circulação. O resultado final é o aumento dos níveis de glicose e resistência à insulina. O metabolismo do cálcio também é afetado pelos glicocorticoides. Esses esteroides diminuem a função osteoclástica e a reabsorção intestinal de cálcio, e aumentam a excreção renal do íon. Além dos efeitos metabólicos, exercem diversos efeitos na homeostase cardiovascular e imune. Nas células do músculo liso vascular, aumentam a sensibilidade aos agentes vasopressores, mantendo o tônus vascular normal, além de aumentarem a contratilidade miocárdica. No sistema imunológico, os glicocorticoides têm importante repercussão, pois agem como anti-inflamatórios naturais e supressores da resposta imune: diminuem a permeabilidade vascular, interferem na redistribuição de linfócitos e nos processos de fagocitose e digestão de antígenos, inibem a síntese de imunoglobulinas e a produção de citocinas, entre outros. Em decorrência dessas propriedades farmacológicas, uma série de glicocorticoides sintéticos tem sido desenvolvida para tratamento de doenças inflamatórias e autoimunes. Os m ineralocorticoides apresentam ação prevalente sobre o metabolismo da água e do sal, sendo a aldosterona o esteroide mais importante dessa classe. Agem predominantemente nos túbulos coletores renais, nos quais modulam a retenção renal de sódio, por conta da excreção de potássio e íons hidrogênio. Dessa maneira, regulam o balanço de água corporal total, a pressão arterial e o balanço de potássio. Os esteroides sexuais produzidos pelas suprarrenais têm, em sua maioria, ação androgênica. Representados pelo DHEA, DHEA-sulfato e androstenediona, constituem importantes componentes da circulação de andrógenos nas mulheres

113

I Noções de Anatomia eFisiologia

pré-menopausadas (> 50%). Nos homens, sua contribuição é menor devido à produção de testosterona pelos testículos. O DHEA é um pré-hormônio essencial para a biossíntese de esteroides sexuais, podendo ter ação tanto androgênica como estrogênica, de acordo com sua conversão enzimática nos tecidos-alvo. .,. Medula. A medula das suprarrenais ocupa a parte mais central das glândulas, embora não haja demarcação clara entre córtex e medula. É inervada por neurônios derivados da cadeia simpática, do tipo pré-ganglionar. Desse modo, pode ser vista como um neurônio simpático pós-ganglionar, sem axônio, capaz de liberar diretamente na circulação as catecolaminas (epinefrina, norepinefrina e dopamina). A epinefrina é secretada e estocada exclusivamente nas suprarrenais, contudo a norepinefrina é sintetizada também nos neurônios simpáticos. A dopamina, precursor da norepinefrina, age primariamente como neurotransmissor no SNC. As células adrenomedulares são chamadas de cromafins, devido à oxidação da epinefrina e norepinefrina em melanina quando coradas com sais de cromo. As catecolaminas são substâncias que contêm o radical catecol e uma cadeia lateral com um grupo amino. São sintetizadas a partir da tirosina, mediada por reações enzimáticas, na seguinte sequência: tirosina- dopa- dopamina- norepinefrina - epinefrina. O sistema nervoso simpático, incluindo a medula suprarrenal, é um complexo circuito que envolve impulsos centrais aferentes e eferentes. Impulsos originados de vísceras alcançam o sistema nervoso central, uma vez que são conduzidos por um grande número de nervos aferentes viscerais. Fibras eferentes fazem sinapses no nível da savértebra cervical até a 2a ou 3a vértebra lombar, com neurônios simpáticos pré-ganglionares. Diversos sistemas ou órgãos, como o cardiovascular, o pulmonar, o gastrintestinal, o geniturinário, o metabólico, os olhos, a pele, as glândulas salivares e as glândulas endócrinas, têm receptores adrenérgicos.

821 Entre os fatores que estimulam a liberação das catecolaminas estão o exercício, o estresse físico ou psicológico, a hipoglicemia, a hipoxia, a hemorragia, a dor e o infarto do miocárdio. Existem 3 tipos de receptores adrenérgicos (a., 13 e DA) e seus subtipos (a.l, a.2, 131, 132, 133, DAl, DA2). Quando as catecolaminas atuam no receptor a.l, levam a vaso constrição com hipertensão e dilatação pupilar. Já a ativação dos receptores a.2 suprime a ação simpática no SNC, diminuindo os níveis pressóricos. Quando agem no receptor 131, causam aumento da frequência e contração cardíaca; o estímulo de 132 causa relaxamento na musculatura lisa no útero, nos brônquios e vasos. Ligação ao receptor 133 ativa a lipólise e o gasto energético.

.,.. Bibliografia Chrousos GP. Adrenal physiology and diseases [internet]. S. Dartmouth, MA: MDTEXT, Inc. 2012 (Acesso em 2 Set]. Espfndola-Antunes D, Kater CE. Distúrbios da adrenal. In: Lopes AC, José FF, Lopes RD (eds). Guias de medicina ambulatorial e hospitalar da UNIFESP-EPM - Clínica Médica. 1. ed. São Paulo: Manole, 2008. p. 1687-1694. Espíndola-Antunes D, Kater CE. Síndrome de Cushing. In: Chacra AR (org.), Schor N (ed.). Guia de endocrinologia ambulatorial e hospitalar da UNIFESP-EPM. 1. ed. São Paulo: Manole, 2008. Espíndola-Antunes, Kater CE. Incidentalomas de adrenal. In: Saad MJA, Maciel RMB, Mendonça BB (eds). Endocrinologia. 1. ed. São Paulo: Atheneu, 2007. p. 599-613. Silva RC, Kater CE, Cunha AA, Moraes AM et al. Insuficiência adrenal primária no adulto: 150 anos depois de Addison. Arq Bras Endocrinol Metab. 2004; 48:724-738. Stewart PM. The adrenal cortex and endocrine hypertension. In: Kronenberg HM, Melmed S, Polonsky KS, Larsen PR (eds). Williams textbook of endocrinology. 11th ed. Philadelphia: Saunders/Elsevier, 2008;14. p. 445-540. Vilar L. Doenças das adrenais. In: Vilar L, Kater CE, Naves LA et ai. (eds). Endocrinologia Cllnica. 3. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2006, p. 349-458.

114 Exame Clínico Daniela Espíndola Antunes

.,.. Introdução As manifestações clínicas das doenças suprarrenais resultam de distúrbios causados pelo aumento ou diminuição da produção hormonal e dependem do tipo de esteroide em questão. Raramente, neoplasias excessivamente grandes ocasionam sintomas locais por compressão, podendo ser palpadas como massas abdominais ao exame físico.

.,.. Sinais e sintomas • Alterações causadas por excesso de glicocorticoides A síndrome de Cushing (SC) consiste em sinais e sintomas associados à exposição prolongada a níveis elevados de glicocorticoides. Esse termo é usado para definir todos os casos de hipercortisolismo, incluindo os tumores primários

B

A

da suprarrenal (adenomas e carcinomas), os secundários a tumores hipofisários produtores de ACTH e à secreção ectópica de ACTH (carcinoide brônquico e carcinoma pulmonar de pequenas células). O termo doença de Cushing é reservado para os casos de etiologia hipofisária. O uso crônico de glicocorticoides com finalidade terapêutica (hipercortisolismo exógeno) também pode levar à SC; nesses casos, chamada de síndrome de Cushing iatrogênica, causa mais frequente de SC. As manifestações clínicas da SC são variáveis e diferem amplamente na gravidade. A apresentação clássica inclui: obesidade centrípeta; membros finos; giba dorsal; fácies pletórica e em "lua cheia"; estrias violáceas largas no abdome, nas mamas, nádegas, na raiz das coxas e nos quadris; hirsutismo/ hipertricose (Figura 114.1); acne; hipertensão; hematomas e equimoses com pequenos traumas; oligo ou amenorreia; infertilidade; disfunção erétil; hipotrofia muscular e fraqueza muscular proximal. Alterações do psiquismo, como labilidade emocional e quadros de psicose franca, são comuns. Complicações metabólicas são associadas a frequência ao hipercortisolismo crônico e incluem hipertensão arterial sistêmica, intolerância a glicose ou diabetes melito (presente em até um terço dos pacientes), dislipidemia, osteopenia ou osteoporose, quando observada a densitometria óssea da coluna ou do fêmur (detectada em mais de 50% dos pacientes). Ganho ponderai - com distribuição centralizada do tecido adiposo na face (fácies em "lua cheia"), na região dorsocervical ("giba de búfalo"), no pescoço, na região supraclavicular e no abdome - pode ser útil para o diagnóstico da se, sendo o sinal/sintoma mais frequente. Contudo, é pouco discriminatório, assim como o hirsutismo, uma vez que podem estar presentes em uma série de outras doenças, como síndrome dos ovários policísticos, obesidade simples, depressão e alcoolismo. Esses estados, nos quais sinais e sintomas sugestivos de SC estão presentes, com alguma evidência bioquímica de hipercor-

c

Figura 114.1 Síndrome de Cushing. A. Obesidade centralizada, causada pelo excesso de glicocorticoides, predomina na face, no tronco e abdome. Estrias características, largas e violáceas, podem ser vistas no abdome. Observam-se também membros finos com perda de tecido subcutâneo. 8. Rosto arredondado e pletórico caracteriza a fácies em "lua cheia': C. Acúmulo de gordura supraclavicular e em região dorsocervical ("giba de búfalo"). Hirsutismo também pode ser encontrado na síndrome de Cushing, evidenciado na paciente por aumento de pelos na face.

114

I Exame Clínico

tisolemia, reversíveis após tratamento de doença de base, são conhecidos como pseudocushing. Por isso, há a necessidade de se identificarem os sinais/sintomas discriminatórios da verdadeira SC dos estados de pseudocushing. Miopatia proximal, pele fina com formação espontânea de equimoses ou aos mínimos traumas, estrias violáceas maiores que 1 em de largura, osteopenia ou osteoporose são fortes indícios de hipercortisolemia. A fraqueza muscular é secundária à miopatia esteroide, caracteristicamente é proximal e ocorre devido a alterações catabólicas no tecido muscular. Não só predomina na cintura pélvica, mas também é observada na cintura escapular, dificultando a realização de atividades, tais como: subir escadas, levantar-se da cadeira sem apoio e pentear-se (ver Capítulo 174, Doenças dos Músculos). A inspeção, observa-se hipotrofia muscular. A presença de estrias violáceas, maiores de 1 em de largura, é praticamente patognomônica da SC. Os glicocorticoides inibem a divisão dos queratinócitos e fibroblastos, diminuindo a matriz extracelular da pele e a síntese de colágeno. Outros achados não específicos da SC incluem infecções fúngicas superficiais, acantose nigricans em regiões de pregas (sinal de resistência insulínica) e cálculos renais. Hiperpigmentação cutaneomucosa, surgimento rápido de fraqueza muscular intensa, hipopotassemia, ausência de ganho de peso ou pequeno ganho, sem fenótipo cushingoide evidente, têm como causa provável a síndrome de ACTH ectópico, na qual grandes quantidades de ACTH e cortisol são produzidos. Entretanto, na maioria das vezes, a síndrome de ACTH ectópico pode ser indistinguível das outras formas de hipercortisolismo. Hirsutismo acentuado e virilização sugerem fortemente carcinoma suprarrenal. Em crianças, ganho de peso e interrupção do crescimento linear são comuns. A diminuição da velocidade de crescimento deve-se à supressão do GH e às interferências no eixo GH-IGF-1 (Figura 114.2).

Figura 11 4.2 Síndrome de Cushing em criança. Além da obesidade e da fácies de "lua cheia': destaca-se o déficit estatura I.

823

• Alterações causadas por diminuição de glicocorticoides e mineralocorticoides A diminuição da produção de glico e mineralocorticoide ocorre na entidade clínica conhecida como insuficiência suprarrenal (IS). Depende da extensão de perda da função das glândulas e se há ou não preservação da produção de mineralocorticoide. A IS pode ser dividida em 2 categorias, dependendo do local da lesão. É chamada insuficiência suprarrenal primária (ISP) ou doença de Addison, quando há destruição do córtex suprarrenal, e insuficiência suprarrenal secundária (ISS), quando ocorre por alteração na produção/secreção de ACTH e/ou CRH. Na insuficiência suprarrenal primária, além de deficiência de cortisol, costuma haver também deficiência de aldosterona. .,. Insuficiência suprarrenal crônica. Entre as principais manifestações clínicas estão astenia, fraqueza, anorexia e perda de peso. Distúrbios gastrintestinais, como náuseas e vômitos determinam depleção de líquidos e sais, com desidratação e hipotensão postura!. Hiperpigmentação da pele e das mucosas é um sinal importante que pode, inclusive, preceder as outras manifestações, sendo mais evidente em regiões expostas ao sol, em áreas de atrito e cicatrizes. Cumpre salientar que a hiperpigmentação só é observada na ISP em decorrência do excesso de produção de ACTH e fragmentos de pró-opiomelanocortina que atuam nos melanócitos (Figura 114.3). Em mulheres, pode ocorrer diminuição da libido e da pilificação pubiana e axilar. Hipoglicemia exteriorizada por taquicardia, sudorese abundante e tremores pode ser grave, principalmente em crianças. Nos adultos, tende a se manifestar após jejum pro-

Figura 114.3 A hiperpigmentação da pele e das mucosas é o achado mais característico da insuficiência suprarrenal primária (doença de Addison). t mais facilmente percebida em áreas expostas ao sol, como face, pescoço e dorso de mãos. Na cavidade oral, pode ser encontrada na superfície interna dos lábios, mucosa bucal e lingual, e bordo gengiva I.

824

Parte 10

I Sistema Endócrino e Metabolismo

longado, febre, infecção, náuseas e vômitos. Pode ocorrer dor abdominal tão intensa, que mimetiza um quadro de abdome agudo. .,.. Insuficiência suprarrenal aguda. Também conhecida como crise suprarrenal, trata-se de uma emergência endócrina potencialmente fatal. A apresentação clínica inclui início rápido de hipotensão e taquicardia, podendo evoluir para choque refratário a expansão de volume e medicamentos vasoativos, e para falência de múltiplos órgãos. Sintomas inespecíficos, como anorexia, náuseas, vômitos, dor e distensão abdominal, fraqueza, apatia, cianose e palidez, estão presentes com frequência. Pode acontecer febre devido à infecção ou ao próprio hipocortisolismo.

• Alterações causadas por excesso de mineralocorticoides Sinais e sintomas de excesso mineralocorticoide decorrem de doenças suprarrenais que ocasionam aumento da produção de aldosterona ou, mais raramente, de 11-desoxiscorticosterona. Hipertensão arterial sistêmica moderada ou grave é a manifestação mais comum. Já a hipopotassemia, considerada historicamente como característica de tumores produtores de aldosterona, ocorre apenas em estágios mais tardios da doença. Quando acentuada, pode ser traduzida por relato de cansaço, fraqueza, cefaleia, palpitação, cãibras, polidipsia, poliúria e noctúria (defeito na concentração renal induzido pela hipopotassemia). Além disso, paralisia flácida é uma apresentação muito incomum, e edema periférico raramente é visto. Alcalose metabólica pode estar presente em consequência de perda renal de hidrogênio.

• Alterações causadas por excesso de esteroides sexuais de origem suprarrenal Os esteroides sexuais, produzidos pelas suprarrenais, têm, na sua maioria, ação androgênica. A desidroepiandrosterona (DHEA), o DHEA-sulfato e a androstenediona são considerados pré-hormônios e precisam sofrer conversão enzimática nos tecidos-alvo para ter efeito biológico androgênico, principal, ou estrogênico. Em quantidades excessivas, trazem consequências para crianças e mulheres adultas, uma vez que, nos homens adultos, a contribuição das suprarrenais para a produção de testosterona é pouco expressiva (ver Capítulo 113, Noções de Anatomia e Fisiologia). Dentre as principais etiologias estão a hiperplasia suprarrenal congênita e os tumores suprarrenais, em sua maioria carcinomas. Na mulher adulta, acarreta síndrome hiperandrogênica, caracterizada por hirsutismo, acne, alopecia androgenética (perda de cabelos com padrão masculino) (Figura 114.4), irregularidade menstrual e infertilidade. O hirsutismo evidencia-se pela presença de pelos com características masculinas: escuros, grossos e crespos, em locais de implantação dos pelos masculinos. Surgem, então, pelos na face, no tronco, no abdome, na região posterior dos braços e nas coxas. Os pelos pubianos tomam a forma losangular, típica do sexo masculino, estendendo-se pela linha média anterior do abdome e pela raiz das coxas. Estímulo androgênico intenso, geralmente causado por carcinomas, determina a síndrome virilizante. Nesses casos, o hirsutismo é grave e surgem outras alterações, como alopecia acentuada e calvície, hipertrofia do clitóris, engrossamento da voz, hipertrofia muscular e amenorreia.

Figura 114.4 Síndrome hiperandrogênica em mulher adulta, evidenciada pelo aumento de pelos na face (grossos, hiperpigmentados e crespos), acne, rarefação de cabelos em região frontal (alopecia adrogenética) e aumento de massa muscular.

Nas crianças, o excesso de androgênio causa puberdade precoce periférica, com características isossexuais no sexo masculino (compatíveis com sexo genético) e heterossexuais no feminino (compatíveis com o sexo masculino). Surgem pelos pubianos (pubarca), axilares e acne precocemente. Nos meninos, ocorre aumento do pênis e preservação do volume testicular (Figura 114.5), indicando a origem extragonádica da produção do hormônio androgênico. Nas meninas, há aumento do clitóris (clitoromegalia), geralmente, sem desenvolvimento mamário. O hiperandrogenismo leva ainda ao aumento da velocidade de crescimento em ambos os sexos; contudo, a maturação esquelética prematura provoca o fechamento epifisário, que resulta em baixa estatura.



Figura 114.5 Puberdade precoce periférica, causada pelo excesso de andrógenos em criança do sexo masculino. Surgimento de pelos pubianos e aumento peniano ocorrem precocemente; o volume testicular é preservado. Observar também a baixa estatura por fechamento epifisário antecipado.

114

I Exame Clínico

• Alterações causadas por hipersecreção de catecolaminas Produção excessiva de catecolarninas é causada por tumores de linhagem neuroendócrina, como os feocromocitomas e paragangliomas. As manifestações da hipersecreção de catecolaminas, geralmente, surgem em crises, com sintomas abruptos e de curta duração, conhecidos como paroxismos, embora seja assintomática em muitas ocasiões. Hipertensão arterial sistêmica é o achado mais frequente, podendo ser sustentada ou paroxística, sendo a última mais usual com antecedente de normotensão ou hipertensão sustentada. Contudo, pode ocorrer também hipotensão, principalmente com a mudança de posição deitada para sentada ou em pé (hipotensão postural). Paroxismos com a tríade clássica de sintomas - cefaleia, sudorese e palpitações -, acompanhados ou não de picos hipertensivos, levam a alto grau de suspeição de hipersecreção de catecolaminas. Podem ser espontâneos ou desencadeados por mudança postural, medicamentos, ansiedade, exercícios e aumento da pressão intra-abdorninal. Com menos frequência, ocorre palidez, ansiedade, náuseas, diarreia, fraqueza, distúrbios visuais, dor torácica e abdominal.

825 As complicações crônicas incluem miocardiopatia, a qual se manifesta por insuficiência cardíaca congestiva e arritmias cardíacas, retinopatia, nefrosclerose, infarto agudo do miocárdio e acidente vascular cerebral.

. . . Bibliografia Chrousos GP. Adrenal physiology and diseases (internet]. S. Dartmouth, MA: MDTEXT, Inc. 2012 [Acesso em 2 Set]. Disponível em: www.endotext.org Espindola-Antunes D, Kater CE. Distúrbios da adrenal. In: Lopes AC, José FF, Lopes RD (eds). Guias de medicina ambulatorial e hospitalar da UNIFESP - EPM - Clínica Médica. 1. ed. São Paulo: Manole, 2008. p. 1687-1694. Espfndola-Antunes D, Kate.r CE. Sind.rome de Cushing. In: Chac.ra AR (org.), Scho.r N (ed.). Guia de endocrinologia ambulatorial e hospitalar da UNIFESP-EPM. 1. ed. São Paulo: Manole, 2008. Espíndola-Antunes, Kater CE. Incidentalomas de adrenal. In: Saad MJA, Maciel RMB, Mendonça BB (eds). Endocrinologia. 1. ed. São Paulo: Atheneu, 2007. p. 599-613. Silva RC, Kater CE, Cunha AA, Moraes AM et ai. Insuficiência adrenal primária no adulto: 150 anos depois de Addison. Arq Bras Endocrinol Metab. 2004; 48:724-738. Stewart PM. The adrenal cortex and endocrine hypertension. In: Kronenberg HM, Melmed S, Polonsky KS, Larsen PR (eds). Williams textbook of endocrinology. 11th ed. Phüadelphia: Saunders/Elsevier, 2008;14. p. 445-540. Vilar L. Doenças das adrenais. In: Vüa.r L, Kate.r CE, Naves LA et ai. (eds). Endocrinologia Clínica. 3. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2006, p. 349-458.

115 Exames Complementares Daniela Espíndola Antunes

.,. . Introdução Os exames laboratoriais empregados para o diagnóstico das doenças das suprarrenais visam detectar os estados de hipo ou hiperfunção glandular. Destacam-se as dosagens basais dos esteroides e os testes de estímulo ou supressão. Estes são empregados quando os valores basais não são capazes de confirmar ou descartar alterações na produção hormonal.

.,. . Dosagem basal de cortisol eseus metabólitos O cortisol circula no plasma ligado a proteínas (transcortina e albumina), contudo é a fração livre desse hormônio que tem ação biológica. Dessa maneira, podemos medir o cortisol total (plasmático), associado a proteínas carreadoras, ou sua fração livre (urinária e salivar), não ligada a proteínas. Em algumas situações, como o uso de medicamentos e doenças concomitantes, pode ocorrer alteração da produção das proteínas carreadoras, sendo mais acurado medir sua porção livre. A secreção do cortisol varia de acordo com o ritmo circadiano. Alcança níveis mais elevados pela manhã (5,0 a 25,0 1-Lg/ df, às 8 h) e caem progressivamente com o passar do dia (2,5 a 12,5 ~J-g/df, às 16 h e 2,0 a 5,0 ~J-g/d.f às 23 h). Assim, se a dosagem de cortisol plasmático total for feita nesses horários, é possível avaliar o ritmo de secreção do cortisol. A dosagem urinária dos metabólitos 17-hidroxiesteroides reflete os níveis de seus percussores - cortisol, cortisona e, em certas ocasiões, desoxicortisol. Já a dosagem urinária dos 17 -cetosteroides reflete a secreção androgênica suprarrenal. Entretanto, a dosagem de metabólitos urinários tem caído em desuso devido ao desenvolvimento de métodos acurados para medição de cada esteroide que se pretende avaliar individualmente.

.,. . Exames para detecção de hipercortisolismo Três tipos de exames têm alta sensibilidade para detecção de hipercortisolismo: cortisollivre urinário, cortisol salivar e teste de supressão com baixas doses de dexametasona.

A determinação do cortisollivre urinário é um dos parâmetros não invasivos mais amplamente utilizados, pois fornece medida do cortisol sérico, driblando suas variações durante o dia. São necessárias 2 a 3 dosagens consecutivas em urina de 24 h. Valores que excedem em 4 vezes o limite superior do método são vistos quase que exclusivamente na síndrome de Cushing. A dosagem do cortisol salivar, que também mensura a forma livre do cortisol, oferece vantagens adicionais, uma vez coletado apenas uma vez, em casa, entre as 23 h e O h. A prova de supressão do cortisol com baixas doses de dexametasona avalia a integridade do mecanismo de feedback, perdida nos estados de hipercortisolismo. Consiste na administração de 1 mg de dexametasona às 23 h, determinando-se o cortisol no dia seguinte às 8 h da manhã. A administração do glicocorticoide inibe a secreção noturna do ACTH, havendo, então, redução matinal do cortisol nos indivíduos normais para níveis menores que 1,8 ~J-g/df. Certas condições - tais como obesidade, alcoolismo e depressão -, conhecidas como estados de pseudocushing, podem manifestar-se com alterações fenotípicas similares à síndrome de Cushing (ver Capítulo 114, Exame CUnico), associadas a alterações dos níveis e do ritmo do cortisol, as quais são resolvidas após tratamento da doença de base. Para eliminar possíveis resultados falso-positivos na obesidade, por exemplo, deve-se dar preferência ao teste prolongado com 2 mg de dexametasona, em vez de o teste com 1 mg. Para isso, administra-se 0,5 mg de dexametasona de 6/6 h, durante 48 h (iniciar ao meio dia e terminar às 6 h). Dosar o cortisol sérico 2 h após a última dose. Considera-se normal o valor menor que 1,8 ~J-g/df de cortisol sérico.

.,. . Exames para detecção de hipocortisolismo Valores de cortisol total, medido às 8 h, servirão para confirmar a hipótese diagnóstica de insuficiência suprarrenal se estiverem muito baixos (< 3 mg/df) e para excluir a hipótese, se estiverem elevados (;:::: 19 mgldf). A disponibilidade de ensaios sensíveis e específicos para o ACTH tem possibilitado a classificação da IS em primária (ISP) ou secundária (ISS). ACTH > 100 pg/mf indica ISP e ACTH < 20 pg/mf , ISS. Entretanto, muitas vezes, valores intermediários de cortisol (4 a 18 mg/df) e ACTH são observados em indivíduos com deficiência parcial e exigem realização de testes de estímulo. O teste de estímulo do cortisol pode ser realizado com ACTH sintético, de preferência se houver suspeita de insuficiência suprarrenal primária, ou induzido por hipoglicemia, considerado padrão-ouro na investigação de insuficiência secundária. O teste de estímulo rápido com ACTH consiste na administração de 250 1-Lg de ACTH sintético intravenoso ou intramuscular, com coleta de sangue para a dosagem de cortisol antes (O min) e após 60 min da administração do ACTH sintético. A resposta é considerada normal quando ocorre pico de cortisol > 19 mg/df; resposta inferior a esse valor indica diminuição da reserva adrenocortical. O teste de tolerância à insulina, ou estímulo hipoglicêmico, avalia todo o eixo, uma vez que a hipoglicemia estimula a liberação de CRH e ACTH. Após administração de insulina são realizadas dosagens seriadas do cortisol plasmático (30, 60, 90 e 120 min) e glicemia (15, 30, 60, 90 e 120 min). Para validar o teste, é essencial que haja queda da glicemia para valores

115

I Exames Complementares

< 40 mg/df. A resposta é considerada normal se ocorrer pico de cortisol > 18 a 20 mg/dt'.

. ,. Avaliação da hipersecreção de mineralocorticoides Os dados laboratoriais principais dessa condição são a dosagem da aldosterona e a atividade plasmática de renina. Se houver hiperaldosteronismo primário (excesso de produção de aldosterona pelas suprarrenais), ocorre supressão da atividade plasmática de renina, via sistema renina-angiotensina-aldosterona (ver Capítulo 113, Noções de Anatomia e Fisiologia). A relação aldosterona/atividade plasmática de renina (RAR) é, atualmente, o teste mais apropriado e conveniente para rastreamento de hiperaldosteronismo (aldosterona ~ 12). O valor de corte de 27 (ng/df: ng/mf /h) para a RAR e de 12 ng/ di para a aldosterona sérica tem alta sensibilidade e especificidade. Vários medicamentos podem interferir na avaliação da atividade plasmática de renina e da aldosterona: os betabloqueadores e os antagonistas do receptor da aldosterona são os principais deles. Recomenda-se que esses medicamentos sejam suspensos por, pelo menos, 3 semanas antes da avaliação. A hipopotassemia, considerada historicamente como característica de hiperaldosteronismo primário, ocorre apenas em estágios mais tardios da doença. Apenas 9 a 3 7% dos pacientes apresentam hipopotassemia ao diagnóstico. Assim, a dosagem de potássio sérico, embora bastante específica para o hiperaldosteronismo primário, não é um bom exame para rastreamento. Testes dinâmicos, como infusão intravenosa de solução salina, administração de fludrocortisona ou sobrecarga oral de sódio, devem ser realizados para a confirmação da autonomia da secreção de aldosterona no hiperaldosteronismo primário. A ausência de supressão confirma o diagnóstico.

. ,. Avaliação da hipersecreção de catecolaminas No diagnóstico da hiperfunção da medula, o objetivo é demonstrar excesso de produção de catecolaminas, em especial epinefrina e norepinefrina. Deve incluir a dosagem de, pelo menos, 2 dos seguintes testes, repetidos, ao menos, 2 vezes: dosagem de metanefrinas (metabólitos das catecolaminas) e/ou de catecolaminas (norepinefrina + epinefrina + dopamina) em urina de 24 h, sendo mais sensível a dosagem da primeira, e/ou medida de catecolaminas plasmáticas (norepinefrina + epinefrina + dopamina), que apresenta altos índices de resultados falso-positivos quando realizada isoladamente. A dosagem de metanefrinas plasmáticas determinada por HPLC (cromatografia de alto desempenho) está disponível apenas em laboratórios especializados, e é bastante sensível (99%) para o diagnóstico de feocromocitomas esporádicos, porém tem especificidade menor que a das metanefrinas urinárias (82% versus 89%). A dosagem do ácido vanilmandélico, que praticamente não é mais utilizada, apresenta altas taxas de falso-positivos e negativos.

827 Testes dinâmicos provocativos (p. ex., com glucagon) são usados quando os achados clínicos são muito sugestivos, mas a pressão arterial é normal e as catecolaminas plasmáticas estão apenas discretamente elevadas (entre 500 e 1.000 pg/mf). O ideal é que o teste seja realizado com o paciente sob bloqueio alfa-adrenérgico; caso contrário, elevação repentina da pressão arterial pode ocorrer durante o procedimento. Embora não específica para feocromocitomas e paragangliomas, a dosagem de cromogranina A, um marcador de tumores neuroendócrinos, pode ser útil no diagnóstico, e seus níveis se correlacionam com o volume da massa.

. ,. Tomografia computadorizada e ressonância magnética Em razão de suas dimensões e localização retroperitoneal, as glândulas suprarrenais são pouco acessíveis à radiologia convencional, inclusive ao método ultrassonográfico. O advento da tomografia computadorizada (TC) representou um grande avanço na investigação das doenças suprarrenais, em especial das massas detectadas de modo acidental (incidentalomas). É a modalidade primária preferida para avaliação anatômica das glândulas suprarrenais, por ser um procedimento rápido e amplamente disponível, além de oferecer a mais alta resolução espacial. Ao se utilizar técnica de varredura apropriada, as glândulas suprarrenais podem ser visualizadas em 100% dos casos. Para a maioria dos pacientes, a técnica de estudo mais apropriada consiste em cortes de 2,5 a 3 mm de espessura, com intervalos de 1,5 a 3 mm na região suprarrenal, com determinação da densidade pré-contraste, seguindo contraste oral. Quando apropriado, imagens pós-contraste são obtidas nas fases venosa portal e tardia, 60 a 90 segundos e 15 min após injeção do contraste, e fornecem o valor de washout ou índice de clareamento (Figura 115.1). A ressonância magnética (RM) representa um meio adicional na avaliação das lesões suprarrenais, em especial para o diagnóstico de adenomas, com a vantagem de não necessitar de contraste. Sua resolução espacial, inferior à da TC, é adequada para lesões muito pequenas, entre 0,5 e 1 em. Os estudos por RM incluem imagens ponderadas em T1, para os detalhes anatômicos, e em T2. As técnicas com supressão de gordura, com base em diferentes taxas de frequência da ressonância dos prótons na gordura e na água, contribuem para a caracterização de massas pequenas e adenomas com alto conteúdo lipídico. O resultado de qualquer exame de imagem deve ser interpretado paralelamente às dosagens hormonais, às provas funcionais e aos exames bioquímicas.

. ,. Cintigrafia A cintigrafia pode ser útil quando é observado quadro clínico e laboratorial sugestivo de hiperfunção suprarrenal, mas não se consegue identificar a lesão pela TC ou RM. Nesses casos - em geral, de tumores ectópicos -, pode ser solicitada cintigrafia com radiotraçadores para a linhagem tumoral investigada.

828

Parte 10

I Sistema Endócrino e Metabolismo

Figura 115.1 A figura mostra TC de carcinoma de suprarrenal esquerda, visualizado como massa sólida de 5 em de diâmetro e contornos irregulares. Densidade pré-contraste de 32 UH (A), fase portal de 85 UH (8) e tardia de 65 UH (C), com índice de clareamento de 37%.

Análogos radiomarcados da somatostatina podem ser úteis na detecção de tumores de linhagem neuroendócrina, como na síndrome de Cushing. O MIBG (metaiodobenzilguanidina) apresenta afinidade por tecido simpatoadrenérgico, principalmente células cromoafins da medula suprarrenal, podendo ser vantajoso para a localização de paragangliomas e feocromocitomas.

~

Bibliografia

Chrousos GP. Adrenal physiology and diseases [internet]. S. Dartmouth, MA: MDTEXT, Inc. [acesso em 2 set. 2012]. Disponível em: www.endotext.org

Espíndola-Antunes D, Kater CE. Distúrbios da adrenal. In: Lopes AC, José FF, Lopes RD (eds). Guias de medicina ambulatorial e hospitalar da UNIFESP - EPM - Clínica Médica. 1. ed. São Paulo: Manole, 2008. p. 1687-1694. Espíndola-Antunes D, Kater CE. Síndrome de Cushing. In: Chacra AR (org.). Guia de endocrinologia ambulatorial e hospitalar da UNIFESP-EPM. Schor N (ed.). 1. ed. São Paulo: Manole, 2008. Espíndola-Antunes, Kater CE. Incidentalomas de adrenal. In: Saad MJA, Maciel RMB, Mendonça BB (eds). Endocrinologia. 1. ed. São Paulo: Atheneu, 2007. p. 599-613. Silva RC, Kater CE, Cunha AA, Moraes AM et al. Insuficiência adrenal primária no adulto: 150 anos depois de Addison. Arq Bras Endocrinol Metab. 2004; 48:724-738. Stewart PM. The adrenal cortex and endocrine hypertension. In: Kronenberg HM, Melmed S, Polonsky KS, Larsen PR (eds). Williams textbook of endocrinology. 11th ed. Philadelphia: Saunders/Elsevier, 2008;14. p. 445-540. Vilar L. Doenças das adrenais. In: Vilar L, Kater CE, Naves LA et al. (eds). Endocrinologia Clínica. 3. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2006, p. 349-458.

116

Doenças das Suprarrenais

Estados pseudocushigoides São aqueles em que há sinais e sintomas sugestivos de se e alguma evidência bioquímica de hipercortisolemia, reversíveis após tratamento da doença de base (ver Capítulo 114, Exame Oínico). Os sinais e sintomas mais específicos para discriminar a verdadeira se dos estados de pseudocushing são a miopatia proximal, pele fina com formação de equimoses aos mínimos traumas, bem como estrias violáceas maiores que 1 em de diâmetro. Osteopenia ou osteoporose, detectadas na densitometria óssea de coluna vertebral e fêmur proximal, também podem ser forte indício de hipercortisolemia, especialmente na ausência de outros fatores de risco.

Daniela Espíndola Antunes .,. Sinais e sintomas. As manifestações clínicas da SC são variá-

..,. Introdução As principais afecções do córtex das suprarrenais são a síndrome de Cushing, a insuficiência adrenal e o hiperaldosteronismo primário. A principal afecção da medula é o feocromocitoma.

..,. Síndrome de Cushing A exposição crônica a níveis excessivos de glicocorticoides leva a um amplo espectro clínico de sinais e sintomas conhecidos como síndrome de Cushing (SC) (ver Capítulo 114,

Exame Clínico). .,. Etiologia e fisiopatologia. A causa mais comum da SC é a iatrogênica (exógena), que resulta do uso prolongado de glicocorticoide por via oral, parenteral, intranasal ou cutânea, ocasionando a supressão do ACTH e atrofia adrenocortical bilateral. A SC endógena é mais rara e causa a perda do mecanismo de retroalimentação normal do eixo hipotálamo-hipófisesuprarrenal e do ritmo circadiano de secreção do cortisol (ver Capítulo 113, Noções de Anatomia e Fisiologia). Dois tipos de SC de natureza endógena podem ocorrer. No primeiro, o hipercortisolismo decorre da estimulação do córtex suprarrenal por excesso de ACTH, condição conhecida como SC ACTH-dependente. Caracteriza-se por hiperplasia suprarrenal bilateral, secundária à hipersecreção de ACTH por adenoma hipofisário, chamada de doença de Cushing (DC), e, mais raramente, por secreção do hormônio liberador de ACTH (CRH). A DC é a causa mais frequente da SC ACTH-dependente (70 a 80% dos casos) e, na grande maioria dos casos, é consequência de microadenoma hipofisário (< 10 mm). Secreção inapropriada de ACTH pode também ser resultado de neoplasia não endócrina de origem diversa (principalmente tumores carcinoides de pulmão, timo e pâncreas), caracterizando a síndrome do ACTH ectópico (lO a 15% dos casos). O outro tipo SC ACTH-independente deve-se a neoplasias próprias do córtex suprarrenal, benignas ou malignas (15 a 20% dos casos em adultos e 65% dos casos em crianças pré-púberes, nas quais os carcinomas são três vezes mais comuns). Raramente (cerca de 5% dos casos), a SC ACTH-independente é decorrente de lesões suprarrenais bilaterais.

veis e diferem amplamente na gravidade. A apresentação clássica inclui obesidade centrípeta, membros finos, giba dorsal, fácies pletórica e em "lua cheia~ estrias vinhosas largas no abdome, nas mamas, nádegas, na raiz das coxas e nos quadris, hirsutismo/hipertricose (ver Figura 114.1), acne, hipertensão, hematomas e equimoses, oligo ou amenorreia, impotência, hipotrofia muscular e fraqueza muscular proximal. Alterações do psiquismo, como labilidade emocional e quadros de psicose franca, são comuns. A tolerância à glicose está diminuída, e o diabetes está presente em até um terço dos pacientes. Contudo, nos últimos anos, o diagnóstico da SC tem sido feito nas suas fases precoces, antes mesmo do desenvolvimento dos sinais e sintomas clássicos - é o que se chama de síndrome de Cushing sub clínica. Esse tipo de SC pode estar presente em até 20% dos pacientes com massas suprarrenais descobertas incidentalmente. Presença de hiperpigmentação cutaneomucosa devido aos elevados níveis de ACTH, surgimento rápido de fraqueza muscular intensa, hipopotassemia, ausência de ganho de peso ou pequeno ganho, sem fenótipo cushingoide grosseiro, têm como causa provável a síndrome de ACTH ectópico (SAE). Entretanto, a SAE pode ser indistinguível dos outros tipos de hipercortisolismo. Hirsutismo grave e virilização sugerem fortemente carcinoma suprarrenal. Em crianças, ganho de peso e interrupção do crescimento linear são comuns. A diminuição da velocidade de crescimento deve-se à supressão do G H e às interferências no eixo GH-IGF-I. .,. Diagnóstico. A investigação diagnóstica tem de ser realizada após se afastar, pela anamnese detalhada, o uso de glicocorticoides exógenos. Na primeira etapa, que consiste em documentar o hipercortisolismo, deve-se incluir a realização de, pelo menos, 2 testes com alta sensibilidade, como cortisol salivar, cortisol urinário livre e teste de supressão com baixas doses de dexametasona (detalhes no Capítulo 115, Exames Complementares). O passo seguinte é determinar a etiologia da SC - se é ACTH -dependente ou ACTH-independente -,pela medida do ACTH às 8 h. Na sequência, pode ser necessário emprego de testes de estímulo do ACTH e cortisol ou cateterismo do seio petroso, para diferenciação entre adenoma hipofisário e SAE, caso seja ACTH-dependente. A obtenção de imagem deve ser determinada pelos níveis de ACTH. Se a SC é ACTH -independente, solicita-se tomografia computadorizada (TC) de suprarrenais (ver Capítulo 115, Exames Complementares) (Figura 116.1). No caso de SC ACTH-dependente, está indicada ressonância de hipófise; se há indícios de SAEM, TC de tórax e abdome.

Parte 10

830

Figura 116.1 Tomografia computadorizada de suprarrenais realizada para investigação da síndrome de Cushing ACTH-independente. Evidenciada lesão hipodensa em topografia de suprarrenal esquerda, de bordas regulares, compatível com adenoma.

~

Insuficiência suprarrenal

A insuficiência suprarrenal (IS) foi a primeira doença associada a um órgão endócrino. O reconhecimento da doença por Addison é aceito como o início da endocrinologia clínica. É chamada insuficiência suprarrenal primária (ISP), ou doença de Addison, quando há destruição do córtex suprarrenal, e insuficiência suprarrenal secundária (ISS), quando ocorre por alteração na produção/secreção de ACTH e/ou CRH. Na ISP, além de deficiência de cortisol, costuma ocorrer também deficiência de aldosterona. .... Insuficiência adrenal crônica. Entre as principais manifestações clínicas, estão a astenia, fraqueza, anorexia e perda de peso. Distúrbios gastrintestinais, como náuseas e vômitos, determinam depleção de líquidos e sais, com desidratação e hipotensão postura!. sendo evidentes na ISP e menos frequentes na ISS. Hiperpigmentação da pele e das mucosas é um sinal importante que pode, inclusive, preceder as outras manifestações, sendo mais evidente em áreas de atrito e cicatrizes. Cumpre salientar que a hiperpigmentação só é observada na IAP em decorrência do excesso de produção de ACTH e fragmentos da pró-opiomelanocortina que atuam nos melanócitos (ver Figura 114.3). Em mulheres, pode ocorrer diminuição da libido e da pilificação pubiana e axilar. Hipoglicemia pode ser grave, principalmente em crianças; nos adultos, pode manifestar-se após jejum prolongado, febre, infecção, náuseas e vômitos. Pode ocorrer dor abdominal de tal intensidade que mimetiza um quadro de abdome agudo. .... Insuficiência suprarrenal aguda. Conhecida também como crise suprarrenal, trata-se de uma emergência endócrina potencialmente fatal. A apresentação clínica inclui início rápido de hipotensão e taquicardia, podendo evoluir para choque refratário à expansão de volume e aos medicamentos vasoativos, e falência de múltiplos órgãos. Sintomas inespecíficos, como anorexia, náuseas, vômitos, dor e distensão abdominal, fraqueza, apatia, cianose e palidez estão frequentemente presentes. Febre pode acontecer devido à infecção ou ao próprio hipocortisolismo. .,.. Etiologia. A causa mais prevalente de ISP é a adrenalite autoimune, que pode estar associada a outras endocrinopatias,

I Sistema Endócrino e Metabolismo

como tireoidite autoimune, diabetes melito tipo 1 e hipoparatireoidismo, caracterizando as síndromes poliglandulares. Contudo, na América do Sul, a suprarrenalite de causa granulomatosa (pós-tuberculose e paracoccidioidomicose) ainda é bastante frequente. Já a ISS, ocorre mais frequentemente após suspensão abrupta de uso crônico de glicocorticoides, os quais inibem diretamente a secreção de ACTH e CRH. Pode também ser consequente a doenças tumorais e infecciosas hipotálamo-hipofisárias, traumatismo craniano, necrose hipofisária pós-parto (síndrome de Sheehan), radioterapia e apoplexia hipofisária. A crise suprarrenal ocorre em 25% dos casos de doença de Addison. Pode ser secundária à suspensão abrupta do glicocorticoide em usuários crônicos e em portadores de IS crônica, expostos a estresse, seja por falta de diagnóstico prévio, seja por falta de ajuste adequado da dose do glicocorticoide necessário nessas ocasiões. Ocorre também nos processos hemorrágicos e septicêmicos pela destruição rápida do córtex suprarrenal (síndrome de Waterhouse-Friederichsen). .... Diagnóstico. Pode ser estabelecido pela dosagem do cortisol e ACTH plasmáticos basais matinais e por meio de testes de estímulo (descritos em detalhes no Capítulo 115, Exames Complementares). Na avaliação bioquímica, podem ser encontrados: hiponatremia/hiperpotassemia, acidose metabólica, hipoglicemia, anemia normocítica leve, linfocitose e eosinofilia. Para diagnóstico etiológico, na suspeita de ISP, solicite anticorpos anticórtex suprarrenal!anti-21-hidroxilase; pesquisa de doenças granulomatosas, AIDS e carcinoma metastáticos, quando apropriado, e TC de suprarrenais. Em indivíduos jovens do sexo masculino, determine ácidos graxos de cadeia longa e ressonância magnética (RM) de crânio para avaliação de adrenoleucodistrofia. Na suspeita de ISS, RM hipotálamo-hipofisária poderá fornecer importantes informações.

~

Hiperaldosteronismo primário

O hiperaldosteronismo primário (HAP) é um grupo de condições clínicas que se caracterizam por produção excessiva e relativamente autônoma de aldosterona, não supressível por sobrecarga de sódio. Mais de 10% dos pacientes diagnosticados como hipertensos apresentam, na verdade, hipertensão secundária a HAP. A produção inapropriada de aldosterona causa supressão da renina, hipertensão arterial sistêmica moderada a grave, retenção de sódio e excreção aumentada de potássio, que, se prolongada, leva a hipopotassemia (ver Capítulo 114, Exame

Clínico). Edema periférico raramente é visto, e alcalose metabólica pode estar presente em consequência das perdas renais de hidrogênio. Devem ser investigados os pacientes com hipertensão estágio 2 (PA ~ 160 a 179 x 100 a 109 mmHg) ou 3 (PA > 180 x 110 mmHg), hipertensão resistente, hipertensão com hipopotassemia espontânea ou induzida por diurético, incidentaloma de suprarrenal associado à hipertensão e hipertensão com história familiar de acidente vascular cerebral precoce (inferior a 40 anos). O HAP pode resultar de adenoma suprarrenal produtor de aldosterona, hiperplasia suprarrenal bilateral e, raramente, de uma condição genética conhecida como hiperaldosteronismo supressível por dexametasona. .,.. Diagnóstico. A relação aldosterona/atividade plasmática de renina (RAR) é, atualmente, o teste mais apropriado e con-

116

I Doenças das Suprarrenais

veniente para rastreamento de hiperaldosteronismo (aldosterona > 12 ng/df). O valor de corte de 27 ng/df para a RAR e de 12 ng/di para a aldosterona sérica tem alta sensibilidade e especificidade. As alterações bioquímicas são mais evidentes no aldosterona. Vários medicamentos podem interferir na avaliação da atividade plasmática de renina e da aldosterona: antagonistas do receptor da aldosterona, betabloqueadores e diuréticos são os principais. Recomenda-se que esses medicamentos sejam suspensos por, pelo menos, 3 semanas antes da avaliação. Além disso, deve ser aconselhada dieta normossódica; se houver hipopotassemia, deve ser corrigida. A dosagem sérica de potássio não deve ser usada para rastreamento de HAP. Hipopotassemia ocorre em uma minoria de pacientes ao diagnóstico, embora sua presença tenha alta especificidade (ver Capítulo 115, Exames Complementares). Testes dinâmicos, como infusão intravenosa de solução salina 0,9% (2 f em 4 h), administração oral de fludrocortisona (potente mineralocorticoide sintético) ou sobrecarga oral de sódio (6 g/dia durante 3 dias), devem ser realizados para a confirmação da autonomia da secreção de aldosterona no hiperaldosteronismo primário. A ausência de supressão dos níveis da aldosterona urinária no primeiro teste ou plasmática nos últimos dois confirma o diagnóstico. Após demonstração da secreção autônoma de aldosterona, recomenda-se a diferenciação entre os dois principais subtipos de hiperaldosteronismo primário: adenoma ou hiperplasia suprarrenal bilateral, sendo este mais frequente. Essa avaliação é muito importante, já que o tratamento de escolha para o adenoma é a adrenalectomia e para a hiperplasia é o clínico, com antagonista do receptor mineralocorticoide. O cateterismo bilateral de veias suprarrenais, considerado padrão-ouro, possibilita, com alta acurácia, distinguir entre doença uni (adenoma) ou bilateral (hiperplasia). Trata-se de um procedimento invasivo e disponível apenas em grandes centros, o qual necessita de radiologista experiente para a canulação. Como alternativas, podem ser realizados testes dinâmicos com sensibilidade e especificidade bastante inferiores, como o da postura, dieta hipossódica e administração de diuréticos. No adenoma, há resistência aos procedimentos que estimulam o sistema renina-angiotensina, bem como hipersensibilidade na hiperplasia bilateral com elevação dos níveis plasmáticos de aldosterona. Por fim, deve ser solicitada TC das suprarrenais, visando auxiliar na identificação do subtipo de hiperaldosteronismo primário e exclusão de carcinoma adrenocortical. Adenoma pode ser visualizado como pequena lesão hipodensa, geralmente < 2 em; hiperplasia suprarrenal bilateral pode exibir imagem normal ou nodular; os carcinomas, geralmente, são volumosos(> 4 em).

. .,. Feocromocitoma e paraganglioma Os feocromocitomas e paragangliomas são neoplasias produtoras de catecolaminas originadas das células cromafins da medula suprarrenal ou gânglios simpáticos (extrassuprarrenais), respectivamente. Tumores secretores de catecolaminas são raros, com prevalência de 0,1 a 0,6% entre pacientes rastreados para hipertensão arterial secundária. No entanto, é importante a suspeição, o diagnóstico e a localização desses tumores, uma vez que

831 representam uma causa curável de hipertensão secundária (tratamento cirúrgico), são potencialmente letais, podem ser malignos (lO a 15%) e estar associados a síndrome genética (10 a 20% dos casos). A presença de feocromocitoma pode ser a primeira pista para descobertas de outros tumores, como o carcinoma medular de tireoide na neoplasia endócrina múltipla tipo 2 ou tumores cerebrais e renais na síndrome de von Hippel-Lindau. As manifestações da hipersecreção de catecolaminas, geralmente, surgem em crises, com sintomas abruptos e de curta duração, conhecidos como paroxismos, embora seja assintomática em muitas ocasiões. Hipertensão arterial sistêmica é o achado mais frequente e pode ser sustentada ou paroxística, sendo esta mais comum, por ter antecedente de normotensão ou hipertensão sustentada. Contudo, hipotensão também pode estar presente, principalmente com a mudança da posição deitada para sentada ou em pé (hipotensão postura!). Paroxismos com a tríade clássica de sintomas - cefaleia, sudorese e palpitações -, acompanhados ou não de picos hipertensivos, levam a alto grau de suspeição de hipersecreção de catecolaminas. Podem ser espontâneos ou desencadeados por mudança postura!, medicamentos, ansiedade, exercícios e aumento da pressão intra-abdominal. Com menos frequência, ocorrem palidez, ansiedade, náuseas, diarreia, fraqueza, distúrbios visuais, dor torácica e abdominal. Como observado, os tumores produtores de catecolamina estão associados a grande morbidade e mortalidade cardiovascular. ... Diagnóstico. O objetivo é demonstrar excesso de produção de catecolaminas, em especial epinefrina e norepinefrina, em pacientes com quadro clínico sugestivo e em todos os casos de incidentaloma suprarrenal. Deve-se incluir a dosagem de, pelo menos, 2 dos seguintes testes, repetidos duas vezes ao menos: dosagem de metanefrinas e/ou de catecolaminas em urina de 24 h, sendo mais sensível a dosagem da primeira, e/ou medida de catecolaminas plasmáticas, que apresenta altos índices de resultados falso-positivos quando realizada isoladamente. A dosagem de metanefrinas plasmáticas determinada por HPLC (cromatografia de alto desempenho) está disponível em laboratórios de ponta e é bastante sensível (99%) para o diagnóstico de feocromocitomas esporádicos, mas tem especificidade menor que a das metanefrinas urinárias (82% versus 89%). A dosagem do ácido vanilmandélico apresenta altas taxas de falso-positivos e negativos, praticamente não sendo mais utilizada. Testes dinâmicos provocativos (p. ex., com glucagon) são usados quando os achados clínicos mostram-se muito sugestivos, porém, a pressão arterial é normal, e as catecolaminas plasmáticas são apenas discretamente elevadas (entre 500 e 1.000 pg/mf). O ideal é que o teste seja realizado com o paciente sob bloqueio alfa-adrenérgico; caso contrário, elevação repentina da pressão arterial pode ocorrer durante o teste. Dosagem de cromogranina A, um marcador de tumores neuroendócrinos, embora não específica para feocromocitomas e paragangliomas, pode ser útil no diagnóstico, e seus níveis se correlacionam com o volume da massa. A TC e RM têm-se mostrado de grande utilidade para a localização tumoral (Figura 116.2). Os feocromocitomas são, em geral, maiores que 3 em e costumam ser identificados de maneira acurada na TC. Lesões volumosas podem ter componente cístico devido à necrose central ou hemorragia. Expostas à RM, tipicamente, apresentam baixo sinal na sequência T1, mas se tornam brilhantes na sequência T2, produzindo o chamado "sinal da lâmpada~

Parte 10 I Sistema Endócrino eMetabolismo

832

Figura 116.2 Tomografia computadorizada de suprarrenais realizada para localização de feocromocitoma, após confirmação bioquímica de excesso de produção de catecolaminas. Observada lesão volumosa em topografia de suprarrenal esquerda, heterogênea, com área de necrose central.

..,. lncidentalomas suprarrenais A descoberta incidental de lesão suprarrenal tem sido um evento frequente em virtude da realização constante de exames para avaliação abdominal. O incidentaloma suprarrenal (InS) é definido como uma lesão anatômica geralmente maior que 1 em de diâmetro, descoberta casualmente por exames de imagem, na ausência de sintomas ou achados clínicos sugestivos de doença suprarrenal. A prevalência dos InS varia de acordo com a técnica de imagem utilizada e com a idade; acometem cerca de 3% da população de meia-idade, mas, nos idosos, sua prevalência eleva-se expressivamente para 10%. O adenoma cortical clinicamente silencioso é o tumor mais frequente entre os InS. Contudo, feocromocitoma, hiperaldosteronismo primário e produção hormonal em níveis discretamente suprafisiológicos, principalmente de cortisol (síndrome de Cushing subclínica), podem ser causas subjacentes. A maioria dos pacientes com InS apresenta síndrome de Cushing dita subclínica, sem manifestações clínicas evidentes da síndrome de Cushing. No entanto, não é infrequente o encontro de hipertensão arterial e distúrbios metabólicos, como intolerância à glicose, ou diabetes e dislipidemia. Osteopenia e osteoporose costumam ser também manifestações associadas.

Testes para avaliação de hipercortisolismo (ver Capítulo 115, Exames Complementares) devem ser empregados na avaliação de todo InS. Adicionalmente, testes diagnósticos para investigação de feocromocitoma tem de ser realizados em todo paciente com InS, ainda que normotenso, em razão da sua alta morbimortalidade. O hiperaldosteronismo primário deve ser investigado especialmente em hipertensos. A principal preocupação da investigação de InS está na distinção entre adenomas e carcinomas. Carcinomas, apesar de raros, têm mau prognóstico. Geralmente, apresentam diâmetro maior que 4 em, são funcionantes, causam síndromes mistas (produção de cortisol e andrógenos) no adulto e virilizaç.ão isolada em crianças (ver Capítulo 114, Exame CUnico). O tipo de exame é de grande importância na avaliação da lesão. Podem ser empregadas TC e RM (ver Capítulo 115, Exames Complementares), sendo que a TC é a modalidade primária preferida para avaliação anatômica das glândulas . suprarrenrus. O tamanho da massa é essencial, e o limite de 4 em para definir provável lesão benigna ou maligna é empregado rotineiramente. Além disso, os adenomas, frequentemente, têm elevado conteúdo lipídico intracitoplasmático e densidade pré-contraste baixa, menor que 1O unidades Hounsfield (UH).

..,. Bibliografia Chrousos GP. Adrenal physiology and diseases [internet]. S. Dartmouth, MA: MDTEXT, Inc. [acesso em 2 set. 2012]. Disponível em: ww\v.endotext.org Espíndola-Antunes D, Kater CE. Distúrbios da adrenal. In: Lopes AC, José FF, Lopes RD {eds). Guias de medicina ambulatorial e hospitalar da UNIFESP - EPM - Clínica Médica. 1. ed. São Paulo: Manole, 2008. p. 1687-1694. Espíndola-Antunes D, Kater CE. Síndrome de Cushing. In: Chacra AR (org.), Schor N (ed.). Guia de endocrinologia ambulatorial e hospitalar da UNIFESP-EPM. 1. ed. São Paulo: Manole, 2008. Espíndola-Antunes, Kater CE. In: Saad MJA, Maciel RMB, Mendonça BB (eds). Incidentalomas de adrenal. Endocrinologia. 1. ed. São Paulo: Atheneu, 2007. p. 599-613. Silva RC, Kater CE, Cunha AA, Moraes AM et ai. Insuficiência adrenal primária no adulto: 150 anos depois de Addison. Arq Bras Endocrinol Metab. 2004; 48:724-738. Stewart PM. The adrenal cortex and endocrine hypertension. In: Kronenberg HM, Melmed S, Polonsky KS, Larsen PR (eds). Williams textbook of endocrinology. 11th ed. Philadelphia: Saunders/Elsevier, 2008;14. p. 445-540. Vilar L. Doenças das adrenais. In: Vilar L, Kater CE, Naves LA et al. (eds). Endocrinologia Clínica. 3. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2006, p. 349-458.

•••••••••••••••



••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••1

•••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••1

••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••



•••••••••••••1

••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••1

••••• •••••• ••• •• •••••••••••• •• ••• •••••••••••• •••• ..1 •• •• •••••••••• ••••••••••••• •••••• ••••••••••••• ••••••••• • • •••• ••• •• • • •••••••• •• • • •• ••• •••• • • ••• •• • ••• • •• • • ···=·· • •••• • ··=··· • • •• • ••• •• • • . I ••!I• • ••••• •••. •• • • • • • • •• • • • • • ••••• •••••••••.•• •I!• • •. • • • • •• • • • • •• • • ••• • • Seção 5 Gônadas Testículos e Ovários

••••••

•••••





•••••••••••••••••••

••

••••• • •••••

•••• •



I

••

•••

• ••

••••••• ••• •••••• ••• ••••••• ••••••••••••••••••••••••••••••

•••••

•• •

••••• • •• • •

•••••••••••••••••••



••••••••••••••••••••••

••



••



••

•••

•••



••



•••

••••••



•••



•••

••

•••

••••••••••••1

••

••

• • ••

••••• ••••• •

•• ••••• •



••••••• •

• ••

••• • •

I

•••1 •••1

•••• ••• •• I

••







••

I

• • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • •1 • • • •••••• ••• • •• • ••• •••••• • • •• •• •• • •••1











• •



.



• •





117

Testículos Noções de Anatomia e Luis César Póvoa, Amando Mussachio eAmélio de Godoy Mattos

As gônadas compreendem os testículos e os ovários. O estudo das doenças que afetam essas glândulas não pode ser dissociado do eixo córtex-hipotálamo-hipófise, dos fenômenos de neurotransmissão e dos mecanismos de contrarregulação. É fundamental também o conhecimento das características cromossômicas do paciente (ver Capítulo 13,

Investigação Diagnóstica das Anomalias Genéticas). O sexo genético de uma pessoa é determinado no momento da concepção. A presença de um cromossomo Y resulta na diferenciação masculina, independentemente do número de cromossomos X existentes. Ao contrário do cromossomo Y, o X é necessário à vida, pois numerosos sistemas enzimáticos dependem de genes nele localizados.



.



• •





• ••



As gônadas embrionárias permanecem indiferenciadas nos primeiros 42 dias de vida do feto. A partir do 43n dia, até o 5012, um gene ligado ao Y, indutor da diferenciação testicular, denominado antígeno H-Y, promove o desenvolvimento da porção medular da gônada fetal e a formação dos testículos. O antígeno H-Y apresenta grande importância, pois, mesmo na ausência do cromossomo Y, induz a diferenciação testicular. Em contrapartida, na ausência do antígeno H-Y, mesmo na presença do Y, não ocorre formação dos testículos. A presença dos dois cromossomos X é necessária para o desenvolvimento ovariano perfeito. A perda de um cromossomo X resulta em gônadas rudimentares. O desenvolvimento dos órgãos sexuais e as manifestações hormonais concomitantes são imperceptíveis durante a infância, mas adquirem um rápido e intenso impulso na puberdade. O surgimento e a evolução da puberdade - quer no homem, quer na mulher - dependem dos vários fatores que regulam o funcionamento do eixo córtex-hipotálamo-hipófise-gônadas, além da participação dos esteroides produzidos pelo córtex da suprarrenal. Os testículos normais têm forma ovoide, medem de 4 a 5 em de comprimento por 3 em de largura e cerca de 2 em de espessura, e pesam aproximadamente 20 g. Em decorrência da localização escrota!, os testículos apresentam temperatura inferior à abdominal. Os túbulos seminíferos compreendem 85% do volume testicular. Em torno dessa estrutura tubular, distribuem-se o epitélio, constituído por células de Sertoli, e as células germinativas. O tecido intersticial, localizado entre os túbulos, contém células de Leydig, macrófagos, vasos sanguíneos e linfáticos.

834 As células germinativas produzem as espermatogônias, as quais sofrem maturação no interior dos túbulos seminíferos no processo de espermatogênese. As células de Sertoli secretam uma proteína carreadora de androgênios nos túbulos seminíferos; por isso, a alta concentração de testosterona nesse local. Elas secretam também a inibina, que é uma substância responsável pela contrarregulação da secreção do hormônio foliculoestimulante (FSH), realizam a fagocitose de resíduos e participam da movimentação e maturação dos gametas. As células intersticiais ou intertubulares de Leydig têm por função primordial a produção de testosterona. Dois hormônios hipofisários - o luteotrófico (LH) e o foliculoestimulante (FSH) - estimulam as funções testiculares.

Parte 10

I Sistema Endócrino e Metabolismo

O LH estimula a síntese e a secreção de testosterona pelas células de Leydig, sendo contrarregulado de maneira inibitória, principalmente por esse androgênio. O FSH estimula a espermatogênese, sendo contrarregulado inibitoriamente pela inibina, secretada pelas células de Sertoli.

..., Bibliografia The Rotterdam ESHRE/ASRM-Sponsored PCOS consensus workshop group. Revised 2003 consensus on diagnostic criteria and long-term health risks related to polycystic ovary syndrome (PCOS). Hum Reprod. 2004; 19:41 -7. Bandeira F et ai. Endocrinologia pediátrica. Rio de Janeiro: Medbook, 2008. Porto CC, Porto AL. Vademecum de clínica médica. 3. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2010.

118

..,. Exame físico

Testículos Exame Clínico

Ao exame físico geral, avalia-se a distribuição pilosa androgênica, que compreende o recesso temporal da implantação dos cabelos, a barba, os pelos axilares e torácicos. Na região pubiana, os pelos tomam a forma losangular, estendendo-se da região umbilical à raiz das coxas, mesmo nos indivíduos glabros (ver Capítulo 11, Semiologia

Luis César Póvoa, Amando Mussachio eAmélio de Godoy Mattos

..,. Anamnese As características do desenvolvimento, particularmente com relação à puberdade, são de suma importância no diagnóstico das enfermidades gonadais, devendo-se considerar a época de instalação e a sequência do surgimento dos caracteres sexuais secundários (ver Capítulo 11, Semiologia da Adolescência). Alguns pacientes podem relatar dor testicular de pouca ou média intensidade nos processos inflamatórios crônicos e nas varicoceles, enquanto dor intensa ocorre nos quadros infecciosos agudos (ver Capítulo 137, Exame Clínico). A história do paciente deve ser bem dirigida. A simples comprovação de paternidade anterior, por exemplo, afasta uma afecção primária dos testículos, orientando o raciocínio diagnóstico para um processo adquirido. Histórico de doença sexualmente transmissível, ocorrência de traumatismo local e parotidite epidêmica com comprometimento testicular são eventos importantes, porque podem deixar sequelas e repercutir na função endócrina dos testículos. As condições térmicas a que se expõe o testículo são importantes, pois ambientes superaquecidos podem comprometer a espermatogênese. Alterações cromossômicas têm sido encontradas em gametas de pacientes expostos a radiações ionizantes e não ionizantes, como o ultrassom e o radar. A frequência e as condições da atividade sexual merecem destaque, mas devem ser avaliadas com perspicácia pela possibilidade de omissão ou falseamento das informações.

da Adolescência). A voz grave e a protrusão da cartilagem cricoide são também manifestações androgênicas. Hipogonadismo que ocorre nas fases iniciais da puberdade determina o habitus eunucoide característico, no qual se observam modificações nas proporções corporais. Outras manifestações de hipogonadismo são hipodesenvolvimento muscular, ombros estreitos, alta estatura e distribuição adiposa feminina, predominando nos quadris, nas coxas e no abdome inferior. Ao exame físico da genitália, deve-se observar a relação pênis-bolsa escrota!, cuja proporção normal é de 2:1 no homem adulto, se bem que a relação 1:1 pode ser encontrada em pessoas normais (ver Capítulo 137, Exame

Clinico). No pênis, observa-se a localização do orifício uretra!. A bolsa escrotal mostra-se normalmente enrugada e pigmentada. O conteúdo da bolsa fornece um grande número de dados semióticos. O volume dos testículos deve ser determinado com auxílio de orquidômetros. A consistência normal dos testículos é elástica e firme. O epidídimo deve ser palpado para que sejam identificadas eventuais alterações estruturais, congênitas ou adquiridas. Pode-se, com frequência, encontrar varicocele, a qual compromete a função germinativa.

..,. Bibliografia Bandeira F et ai. Endocrinologia pediátrica. Rio de Janeiro: Medbook, 2008. Porto CC, Porto AL. Vademecum de clínica médica. 3. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2010. The Rotterdam ESHRE/ASRM-Sponsored PCOS consensus workshop group. Revised 2003 consensus on diagnostic criteria and long-term health risks related to polycystic ovary syndrome (PCOS). Hum Reprod. 2004; 19:41 -7.

119

Testículos Exames Complementares Luis César Póvoa, Amanda Mussachio eAmélio de Godoy Mattos

A prova do clomifeno, um esteroide que se liga a receptores hipotalâmicos, não permitindo a contrarregulação inibitória da liberação de LHRH pelos hormônios gonádicos, possibilita avaliar a integridade do eixo hipotálamo-hipófise. Em geral, as gonadotrofinas aumentam após a administração do clomifeno.

.... Espermograma A avaliação funcional das células germinativas dos túbulos seminíferos é feita pela análise do líquido seminal. Cumpre ressaltar, contudo, que esse exame tem limitações, não existindo até o momento um método que consiga determinar a capacidade fertilizante do esperma humano (ver Capítulo 138,

Exames Complementares).

Os exames complementares, do ponto de vista endócrino, compreendem as dosagens hormonais, as provas funcionais, o espermograma, a ultrassonografia, a tomografia computadorizada, a biopsia testicular, a determinação da cromatina sexual e do cariótipo.

.... Dosagens hormonais A dosagem das gonadotrofinas (LH e FSH) e a da testosterona são as mais importantes. Usando-se a técnica de radioimunoensaio, os valores considerados normais para LH são < 5,0 mUI/mf (pré-púberes); 1,0-13,0 (entre 13 e 69 anos); 11,0-55,0 (acima de 70 anos); os de FSH < 6,0 mUI!m.e (pré-púberes); 10-18,0 (entre 13 e 69 anos); 3,0-55,0 (acima de 70 anos); e os da testosterona, de 1,0 a 75,0 ng/m.e, dependendo da idade. No hipogonadismo primário, de origem testicular, encontram-se valores elevados de gonadotrofinas (LH e FSH) e níveis baixos de testosterona.

.... Provas funcionais Quando as dosagens hormonais forem normais, mas houver comprovação clínica de disfunção, podem-se empregar as provas funcionais; as mais utilizadas são o teste de estímulo testicular por gonadotrofina, a prova de LHRH (hormônio liberador de LH) e o teste do clomifeno. O estímulo por gonadotrofinas avalia a reserva hormonal testicular. Essa técnica consiste em administrar, após a coleta de sangue para a dosagem basal da testosterona, 5.000 unidades de gonadotrofina coriônica por dia, durante 5 dias. No sexto dia determina-se o nível de testosterona. Em condições normais há aumento de 50% com relação ao valor basal. A reserva hipofisária de gonadotrofinas é avaliada por estímulo do LHRH e do teste do clomifeno. Se não houver resposta à administração de LHRH, o diagnóstico será de hipogonadismo secundário de origem hipofisária.

O esperma, obtido por masturbação após um período de abstinência sexual de 3 a 5 dias, é coletado em um recipiente de vidro. O espermograma inclui a contagem, a motilidade e a morfologia dos espermatozoides, além de outros parâmetros. De acordo com a Organização Mundial da Saúde, os valores normais são os apresentados no Quadro 119.1. Geralmente os homens férteis têm volume de esperma entre 1,5 e 6,0 m.e, concentração de espermatozoides superior ou igual a 20 x 106, motilidade igual ou superior a 60 a 70% dos espermatozoides morfologicamente normais. A avaliação morfológica tem grande importância e um exemplo disso é a associação entre varicocele e espermatozoides com afilamento da cabeça. Logo após a ejaculação, o líquido seminal coagula, mas, em condições normais, liquefaz-se em 30 min. Liquefação incompleta sugere disfunção prostática, pois é a próstata que produz as enzimas responsáveis por este fenômeno. Quando a mobilidade é baixa, com relação ao número total dos espermatozoides, deve-se averiguar se os imóveis estão vivos ou mortos. A coloração supravital torna possível a identificação dos espermatozoides metabolicamente ativos. A grande quantidade de leucócitos sugere a ocorrência de processo infeccioso do trato geniturinário. O esperma contém altos níveis de fosfatase ácida, frutose e camitina. A principal fonte de fosfatase ácida é a próstata; já a frutose é secretada pelas vesículas seminais. Sua ausência em indivíduo azoospérmico sugere obstrução do dueto ejaculatório. A maior parte da camitina provém do epidídimo e parece estar relacionada com o metabolismo dos espermatozoides; não obstante, seu significado clínico ainda é desconhecido.

Quadro 119.1

Espennograma normal (OMS).

Volume

2,0 a 6,0 m.e

Motilidade

60% dos espermatozoides devem ter motilidade satisfatória

Morfologia

50% em formato ovoide

Concentração

20 x 1Q6 espermatozoides/mf

Viabilidade

60% em coloração supravital

Aglutinação

10%

Células brancas

1x 1ü6m.e

119 I Testículos I Exames Complementares

. .,. Ultrassonografia e tomografia computadorizada A ultrassonografia é particularmente útil na investigação de tumores escrotais, possibilitando distinguir tumores testiculares de tumores escrotais não testiculares. Deve-se atentar sempre para a possibilidade de neoplasia maligna se for detectado tumor testicular, sobretudo em homens jovens. O hematoma testicular pode mimetizar um tumor de testículo. Deve-se interrogar sobre história de trauma e, na persistência da dúvida, realizar acompanhamento, que mostrará regressão do hematoma e continuidade ou aumento da lesão em caso de tumor. Se comprovado o tumor testicular, far-se-á a tomografia computadorizada para investigação de comprometimento linfonodal do retroperitônio. Tumores do testículo direito drenam para linfonodos das regiões pré-aórtica, pré-cava e aortocava; e os do testículo esquerdo, para os para-aórticos.

. .,. Biopsia testicular Nos casos de oligospermia ou azoospermia, somente a biopsia testicular define a natureza e a extensão do processo. O conhecimento dos dados histopatológicos é útil inclusive para definir se as medidas terapêuticas podem trazer algum resultado; além disso, não raramente, esses dados fornecem o diagnóstico etiológico da enfermidade, como ocorre na sín-

837 drome de Klinefelter, nas orquites infecciosas, nas agenesias das células germinativas e nos estados de hipogonadismo hipogonadotrófico.

. .,. Determinação da cromatina sexual e do cariótipo O exame das células epiteliais de esfregaços da mucosa bucal é o método mais prático para determinar o número de cromossomos X nas células somáticas (ver Parte 3, Anomalias Genéticas). Na fisiologia celular, apenas um cromossomo X é ativo. Havendo mais de um, estes unem-se à membrana celular, denominando-se, então, "cromatina de Barr'~ Os indivíduos normais do sexo masculino são cromatina de Barr-negativos. Quando mosaicismos e anomalias cromossômicas são constatados, é necessário o exame de cultura de tecidos (sangue, fibroblastos e gônadas) para determinar o cariótipo.

. .,. Bibliografia Bandeira F et ai. Endocrinologia pediatrica. Medbook, 2008. Porto CC, Porto AL. Vademecum de clíncia médica. 3a ed. Guanabara Koogan, 2010. The Rotterdam ESHRE/ASRM - sponsored PCOS consensus workshop group. Revised 2003 Consensus on diagnostic criteria and long-term health risks related to polycystic ovary syndrome (PCOS). Hum Reprod. 19:41-7,2004.

120

Doenças dos Testículos Luis César Póvoa, Amando Mussachio eAmélio de Godoy Mattos

As principais enfermidades testiculares endócrinas são: o hipogonadismo hipergonadotrófico, cujo tipo clínico principal é a síndrome de Klinefelter, a agenesia testicular, os processos inflamatórios e exposição dos testículos à radiação ionizante, o climatério masculino/andropausa, a puberdade atrasada, o criptorquidismo e a ginecomastia (ver Capítulo 139, Doenças

dos órgãos Genitais Masculinos).

.... Hipogonadismo Alterações da função reprodutora em homens podem ser decorrentes de doenças dos testículos, hipogonadismo primário ou hipergonadotrófico, e da hipófise ou do hipotálamo, hipogonadismo secundário ou hipogonadotrófico. As manifestações clínicas da deficiência de testosterona variam amplamente, dependendo da época em que se manifesta a hipofunção testicular. Assim, ocorrendo deficiência da testosterona durante a gravidez, a diferenciação sexual masculina não se completa, podendo desenvolver-se a genitália externa feminina, verificar-se a virilização parcial, hipospadia e microcefalia. Quando a deficiência de testosterona ocorre antes da puberdade, esta se atrasa e é incompleta; quando ocorre depois, algumas características puberais regridem. A diminuição da energia e da libido pode ser observada alguns dias ou poucas semanas após a redução dos níveis de testosterona, enquanto a diminuição dos pelos pubianos, axilares e faciais, da massa muscular e da densidade óssea é mais lenta, acontecendo ao longo de meses ou anos. Embora o hipogonadismo possa ser suspeitado com base nos sintomas e sinais, o diagnóstico só pode ser confirmado pelos níveis séricos baixos de testosterona. Concentrações séricas elevadas de LH ou FSH indicam hipogonadismo primário, e valores normais indicam hipogonadismo secundá.

no.

As causas de hipogonadismo primário podem ser congênitas (síndrome de Klinefelter, de Noonan, e de Turner masculina, criptorquidismo) ou adquiridas (orquite, irradiação, traumatismo, medicamentos e causas autoimunes) (ver Parte 3, Anomalias Genéticas). As causas de hipogonadismo secundário são múltiplas, incluindo afecções hipotalâmicas e hipofisárias (neoplasias, lesões infi.ltrativas, anomalias congênitas, cirurgia, irradiação).

• Síndrome de Klinefelter A síndrome de Klinefelter, tipo mais comum de hipogonadismo primário masculino, caracteriza-se por falência do setor germinativo e hipofunção das células de Leydig (ver Parte 3, Anomalias Genéticas). Os pacientes apresentam um ou dois ou três cromossomos X supranumerários, considerado o fator etiológico fundamental desta anomalia. As principais manifestações clínicas são testículos pequenos, de consistência firme, ginecomastia e hipoandrogenismo. Embora seja uma afecção congênita, grande parte das manifestações só se torna evidente após a puberdade, quando, pelo estímulo das gonadotrofinas, os testículos sofrem fibrose e hialinização dos túbulos seminíferos; em consequência, seu tamanho não ultrapassa 1,5 em de comprimento por 1,5 em de largura. Alguns pacientes têm fraca produção androgênica, resultando em incompleto desenvolvimento dos caracteres sexuais secundários. O eunucoidismo da síndrome de Klinefelter tem características próprias, parecendo ser independente da deficiência androgênica. As proporções corporais nos pacientes com cariótipo 47, XXY surgem inexplicavelmente antes da puberdade, e os membros inferiores estão mais comprometidos que os superiores. A ginecomastia bilateral é observada quase sempre; podendo às vezes ser evidenciada somente pela palpação das mamas. Os níveis plasmáticos de gonadotrofi.nas são elevados e os de testosterona básicos também. Mais de 80% dos pacientes apresentam o cariótipo 47, XXY. Nos casos em que existem 3 ou 4 cromossomos X, o retardamento mental é intenso.

.... Agenesia testicular Nos pacientes com agenesia testicular, mas fenotipicamente masculinos, não há tecido testicular. Observam-se anorquia e resposta negativa à administração de gonadotrofina coriônica, enquanto, nos pacientes com criptorquidismo, há aumento dos níveis séricos de testosterona.

.... Puberdade atrasada No homem, em condições normais, a puberdade inicia-se antes da idade de 15 anos. Entretanto, sem razão aparente, alguns jovens atrasam o início do desenvolvimento sexual e só alcançam a maturidade entre 20 e 22 anos, fato comumente observado em vários membros da mesma família . O diagnóstico diferencial nesses casos inclui um grande número de enfermidades juntamente com o hipopituitarismo. Havendo déficit de gonadotrofinas associadas à hipossecreção de outros hormônios hipofisários, deve-se considerar a princípio o hipogonadismo secundário. A deficiência isolada de gonadotrofinas é uma doença rara, de origem congênita, frequentemente familial, na qual há hipossecreção de LH e FSH (ver Capítulo 139, Doenças dos

Órgãos Genitais Masculinos).

120

I Doenças dos Testículos

O tipo clássico (síndrome de Kallmann) é caracterizado por malformações congênitas, destacando-se a anosmia ou hiposmia (incapacidade ou dificuldade de identificar odores). Podem ser referidos também surdez, lábio leporino, fenda palatina, criptorquidia e anomalias esqueléticas. A maior dificuldade consiste em diferenciá-la da puberdade atrasada constitucional quando inexistem malformações.

. .,. Criptorquidismo A incidência de criptorquidismo ao nascimento é de aproximadamente 10%. Durante o primeiro ano de vida ou a partir do segundo, até a puberdade, os testículos migram espontaneamente para a bolsa escrota! na maioria dos casos. Deve-se diferenciar o criptorquidismo dos testículos retráteis, os quais podem ser conduzidos à bolsa por meio de manobras. Uma condição que pode ser confundida com o criptorquidismo é a ectopia testicular. Na ectopia, a gônada desenvolve-se normalmente, mas, por motivos desconhecidos, durante sua migração para a bolsa escrota! sofre um desvio, passando a localizar-se fora do trajeto normal. Na criptorquidia verdadeira, os testículos localizam-se na cavidade abdominal ou no canal inguinal. Devem ser transferidos para a bolsa escrota! precocemente, antes do terceiro ano de vida, pois lesões irreversíveis podem surgir se não houver tal providência (ver Capítulo 139, Doenças dos Órgãos Genitais Masculinos).

. .,. Climatério masculino e andropausa A andropausa ou deficiência androgênica do homem em envelhecimento, conhecida na literatura inglesa pela sigla PADAM (partial androgen deficiency of aging male), caracteriza-se pela redução dos níveis de testosterona com manifestações clínicas variáveis. Pode ser assintomática. Ao contrário do que acontece com os ovários da mulher, no homem, a função testicular, tanto a germinativa quanto a hormonal, não declina abruptamente em um determinado momento da vida. A idade, por si só, não parece alterar o processo da espermatogênese, embora o processo seja muito vulnerável a distúrbios metabólicos e degenerativos. A infertilidade é comum a partir da oitava década da vida. A produção de testosterona declina com a idade, mas os níveis séricos desse hormônio podem permanecer normais. Quando, em consequência de algum processo patológico, diminui-se a produção hormonal pelas células de Leydig, surgem sintomas característicos do climatério, tais como fogachos ou ondas de calor, diminuição da libido, impotência, irritabilidade, incapacidade de concentração e depressão. Este quadro, denominado climatério masculino, pode ser observado na síndrome de Klinefelter ou, mais raramente, em homens que apresentavam função testicular normal. Podem provocar deficiência precoce da função testicular a destruição pituitária por cirurgia ou irradiação, a falência idiopática das células de Leydig e a atrofia testicular secundária a isquemia ou infecção (caxumba).

839 No exame físico é muito importante encontrar testículos pequenos ou mesmo atróficos, pois o volume testicular normalmente não diminui com a idade. Quando a deficiência hormonal é de longa duração, pode haver regressão dos caracteres sexuais secundários. As dosagens hormonais podem mostrar níveis elevados de gonadotrofinas (LH e FSH) e concentrações baixas de testosterona. Andropausa pode ser considerada a síndrome masculina correspondente à menopausa. Ocorre em geral após os 50 anos de idade, mas diferentemente da menopausa não tem um indicador clínico como a interrupção da menstruação, no caso da mulher. Ressalta-se também, que a queda na produção de testosterona não se compara à diminuição dos níveis de hormônios femininos, que são extremamente baixos na menopausa. Em alguns homens o nível de testosterona pode permanecer normal até idade avançada. As manifestações da andropausa incluem diminuição do desejo sexual, dificuldade de ereção (disfunção erétil), diminuição da massa muscular e aumento da proporção de gordura corporal com obesidade androide, perda de massa óssea, dificuldade de concentração, problemas de memória e tendência a apatia e depressão. Osteopenia e osteoporose são frequentes. Não há consenso com relação aos critérios de diagnóstico da andropausa.

. .,. Processos inflamatórios e exposição dos testículos à radiação ionizante Diversos processos inflamatórios e infecciosos podem acometer o testículo, acarretando não raramente danos irreversíveis na função endócrina e na produção de espermatozoides. Aproximadamente 15 a 25% dos pacientes com parotidite epidêmica (caxumba) desenvolvem orquite. Quando tal fato ocorre antes da puberdade, a maioria dos pacientes recupera-se satisfatoriamente. Entretanto, se a orquite surgir na puberdade ou na fase adulta, geralmente as lesões dos túbulos seminíferos são irreversíveis, causando sequelas. As orquites de etiologia gonocócica e hanseniana também podem causar sequelas no epitélio germinativo. A exposição dos tecidos à radiação ionizante em doses superiores a 600 rads pode lesar definitivamente as células germinativas. Entretanto, as células de Leydig, mais resistentes, só serão lesadas com doses superiores a 800 rads.

. .,. Ginecomastia Ginecomastia ou crescimento glandular benigno da mama masculina, geralmente bilateral se corretamente pesquisada, em geral ocorre com bastante frequência. Deve ser diferenciada de lipoma, carcinoma, neurofibromatose e obesidade. O crescimento pode variar de intensidade, desde um tecido glandular apenas palpável subareolar até desenvolvimento semelhante ao do sexo feminino (Figura 120.1) (ver Capítulo 148, Doenças da Mamas). É um achado frequente na puberdade, incidindo em cerca de 70% dos jovens, com tendência a regredir espontanea-

Parte 10

840

I Sistema Endócrinoe Metabolismo

Ginecomastia fisiológica A ginecomastia pode ser considerada fisiológica no sexo masculino em três períodos da vida: neonatal, puberdade evelhice. No período neonatal, aginecomastia é decorrente do excesso de estrogênio circulante de origem materna e placentária. Pode estar associada à produção de leite. Ocorre involução entre 6 e12 meses. A ginecomastia puberal é de origem incerta, mas pode estar relacionada com níveis plasmáticos elevados de estradiol. Há regressão espontânea em um período de 8 a24 meses. Aginecomastia que ocorre em homens idosos está relacionada com adiminuição dos níveis de testosterona livre. Nesta fase é comum a ginecomastia decorrente da ação de medicamentos.

Figura 120.1 Ginecomastia.

mente. Não obstante, pode também ser encontrado em adultos aparentemente saudáveis em uma incidência de 30%. A ginecomastia é observada em muitos pacientes com várias enfermidades que nada têm em comum (cirrose, hipertireoidismo, insuficiência renal). A associação a obesidade é frequente. Geralmente é assintomática, mas, principalmente quando se desenvolve de maneira rápida, as mamas podem revelar-se dolorosas e hipersensíveis à palpação. Os principais hormônios relacionados com a ginecomastia são os estrogênios, os androgênios e a prolactina. A administração de estrogênios, substâncias antiandrogênicas ou estimuladoras da liberação de prolactina pode causar ginecomastia. Doenças crônicas como a cirrose hepática

e diversas anomalias genéticas também podem coexistir com ginecomastia. Outras causas incluem medicamentos não hormonais (digitálicos, espironolactona, cimetidina, cetoconazol, agentes citotóxicos, antidepressivos, anfetaminas e similares). O uso de maconha tem sido associado à ginecomastia.

..,. Bibliografia Bonacorsi AC. Andropausa: insuficiência androgênica parcial do homem idoso. Arq Brasil Endocrinol Metab. 45:123-133,2001. Carakushansky G. Doenças genéticas em pediatria. Guanabara Koogan, 2001. Coronha V et ai. Tratado de endocrinologia e cirurgia endócrina. Guanabara Koogan, 2001. Mandei S. Clinicai endocrinological update 2000 syllabus. The Endocrine Society Press, 2000. Porto CC, Porto AL. Vademecum de clínica médica. 3a ed. Guanabara Koogan, 2010. Vilar L et ai. Endocrinologia clínica. Rio de Janeiro: Medsi, 2001.

121

Ovários Noções de Anatomia e Luis César Póvoa, Amanda Mussachio eAmélio de Godoy Mattos

Os ovários são glândulas em formato de amêndoas, localizadas próximo às paredes laterais da pelve, com aproximadamente 3 em de comprimento, 2 em de largura e 1,5 em de espessura. Estão situados paralelamente ao útero, posteriormente aos ligamentos redondo e largo e abaixo das tubas uterinas. Os ovários estão suspensos pelos mesovários, infundíbulos pélvicos e ligamentos útero-ováricos. A vascularização arterial é realizada pelas artérias ovarianas, que são ramificações da artéria uterina, originada na artéria ilíaca interna. Em virtude desta estrutura, é possível a Hipotálamo

FSH

LH

/\

I

Corpo lúteo em crescimento

Follculo Follculo em maduro Follculo crescimento primário

0

\I

foliculares

Estrogênio

Fase menstrual

1 1



1--- Fase proliferallva - · I-- Fase secretória 5

14 dias

Fase Fase isquêmica menstrual

I

27

•I

28

•I

1

Figura 121.1 Esquema que mostra as relações entre o hipotálamo, a hipófise, o ovário e o endométrio com os ciclos ovarianos e menstrual.

retirada do útero (histerectomia) sem prejudicar a vascularização do ovário, que continua recebendo o fluxo sanguíneo das artérias ovarianas (ramos da aorta). A vascularização venosa ocorre de modo distinto entre os dois ovários; ambos têm o fluxo sanguíneo drenado pelas veias ovarianas, mas a veia ovariana direita desemboca na veia cava inferior, e a esquerda, na veia renal esquerda. Com relação à drenagem linfática, os vasos linfáticos acompanham os sanguíneos e unem-se aos provenientes das tubas uterinas e do fundo do útero, em direção aos linfonodos lombares. Fisiologicamente, os ovários têm duas funções: produção periódica de gametas (oócitos e óvulos) e produção hormonal. Ambas as atividades estão envolvidas no processo contínuo de maturação folicular, ovulação, formação e regressão do corpo lúteo. Do nascimento à puberdade, o ovário aumenta progressivamente de tamanho. Essa mudança é decorrente da lenta e constante elevação das gonadotrofinas. Concomitantemente, a secreção ovariana de estradiol também vai aumentando. Na puberdade, a elevação dos níveis de estrogênio de origem ovariana, em consequência de maior estímulo gonadotrófi.co, promove rápido crescimento do útero, da vagina, das glândulas sexuais acessórias, da genitália externa, da pelve e das mamas. Além disso, aceleram-se o crescimento somático e o fechamento das cartilagens de conjugação, e é responsável pelo crescimento do epitélio glandular e do endométrio, causando transudação de água e sais (ver Capítulo 11, Semiologia da Adolescência). A progesterona, secretada principalmente pelo corpo lúteo, provoca no endométrio, que já sofreu a ação do estrogênio, sua transformação no tipo secretor. A funç.ão ovariana na mulher adulta envolve uma complexa integração entre os ovários, a hipófi.se, o hipotálamo e o córtex cerebral (Figura 121.1); é cíclica, com períodos que duram, em média, 28 dias, e perdura por aproximadamente 35 anos. Em síntese, ocorrem os seguintes processos: com a queda dos níveis de estrogênio e de progesterona, há liberação do hormônio luteotrófi.co (LH) e, principalmente, do hormônio foliculoestimulante (FSH), que por sua vez, promove o desenvolvimento dos folículos ovarianos que vão produzir os estrogênios. O progressivo aumento dos estrogênios influi na secreção de LHe FSH, cujo pico é alcançado antes da ovulação. Após a ovulação, por volta do 14º dia do ciclo, o folículo roto é preenchido por células amarelas, capazes de produzir grande quantidade de progesterona e de estrogênios, recebendo, então, a denominação de corpo lúteo. Não havendo fecundação, o corpo lúteo involui, há queda da produção hormonal e o resultado é a descamação do epitélio uterino, iniciando um novo ciclo. O fenômeno ovariano básico na menopausa é a cessação dessa função cíclica. A redução dos folículos diminui a frequência ovulatória e as menstruações tomam-se esparsas até a total suspensão. Os níveis de gonadotrofinas elevam-se acima dos valores normais e a secreção estrogênica diminui progressivamente, provocando hipotrofia em órgãos que dela dependam, como a hipófi.se, o útero, a vagina e as mamas.

..,. Bibliografia Bandeira F et ai. Endocrinologia pediátrica. Medbook, 2008. Porto CC, Porto AL. Vademecum de clínica médica. 33 ed. Guanabara Koogan, 2010. The Rotterdam ESHRE/ ASRM - sponsered PCOS consensus workshop group. Revised 2003 Consensus on diagnostic criteria and long-term health risks related to polycystic ovary syndrome (PCOS). Hum Reprod. 2004. 19:41-7.

122

Ovários Exame Clínico Luis César Póvoa, Amando Mussachio eAmélio de Godoy Mattos

O diagnóstico das afecções endócrinas de origem ovariana baseia-se no conhecimento do desenvolvimento sexual, considerando-se a época e a sequência do surgimento dos caracteres sexuais secundários, a idade da menarca, as características do ciclo menstrual e a menopausa. A puberdade no sexo feminino tem início, em geral, entre 8 e 12 anos de idade (ver Capítulo 11, Semiologia da

Adolescência). Na maioria das meninas, a exteriorização clínica mais precoce é o surgimento do botão mamário (protrusão da aréola mamária pelo tecido glandular). O primeiro episódio menstrual ocorre por volta dos 12 anos. É comum, nos 2 anos subsequentes à menarca, ocorrerem várias alterações do ciclo menstrual, sem que isto revele enfermidade. As alterações menstruais são (ver Capítulo 141, Exame

Clínico): • • • • • •

Menorragia: sangramento excessivo e prolongado Hipermenorreia: sangramento intenso, porém normal Hipomenorreia: sangramento escasso e de curta duração Oligomenorreia: ciclos menstruais superiores a 35 dias Polimenorreia: ciclos menstruais inferiores a 25 dias Metrorragia: sangramento intermenstruaL

..,. Exame físico Os hormônios sexuais atribuem as características somáticas próprias de cada sexo. Na mulher, o tecido adiposo predomina nos quadris, nas mamas, no períneo, nas coxas e no hipogástrio; o desenvolvimento muscular é discreto e o esqueleto pélvico é largo; a voz é aguda, os pelos são escassos, adquirindo formato triangular no púbis. O aumento dos androgênios causa, inicialmente, hirsutismo, ou seja, surgimento de pelos com características masculinas (grossos, crespos e escuros), localizados na raiz das coxas, no abdome, no tronco e na face. Se o estímulo for muito intenso, surge o virilismo, manifestado pelo engrossamento da voz, hipertrofia muscular, recesso temporal na implantação dos cabelos, calvície, barba espessa, acne, seborreia e hipertrofia do clitóris. O hirsutismo é uma condição clínica comum. Em geral o aumento dos pelos corporais surge gradualmente durante a segunda e a terceira décadas da vida. Pode ocorrer juntamente com alterações menstruais ou amenorreia. Outras manifestações incluem infertilidade, acne, obesidade e acantose nigri-

cans. Os hormônios androgênios podem ter origem nos ovários, sobretudo nos ovários policísticos, e nas suprarrenais (hiperplasia e tumores). A constatação de galactorreia é importante, pois, quando há hiperprolactinemia, ocorre oligomenorreia com ciclos anovulatórios ou amenorreia. As técnicas de palpação dos ovários estão descritas no Capítulo 140, Noções de Anatomia e Fisiologia.

..,. Bibliografia Bandeira F et ai. Endocrinologia pediátrica. Medbook, 2008. Porto CC, Porto AL. Vademecum de clínica médica. 3a ed. Guanabara Koogan, 2010. The Rotterdam ESHRE/ ASRM - sponsored PCOS consensus workshop group. Revised 2003 Consensus on diagnostic criteria and long-term health risks related to polycystic ovary syndrome (PCOS). Hum Reprod. 2004. 19:41-7.

123 Ovários Exames Complementares Luis César Póvoa, Amando Mussachio eAmélio de Godoy Mattos

Os exames complementares para o diagnóstico dos distúrbios ovarianos compreendem dosagens hormonais, determinação da cromatina sexual e do cariótipo e exames de imagem (ver Capítulo 142, Exames Complementares).

..,. Dosagens hormonais Os valores normais de LH, FSH, estradiol e progesterona relacionam-se com a fase do ciclo menstrual e a técnica utilizada para sua determinação (Quadro 123.1). Portanto, para a interpretação dos resultados dessas dosagens consideram-se estas particularidades. Na insuficiência ovariana primária encontram-se níveis elevados de LH e FSH, com baixa concentração de estrogênios e progesterona. Nos ciclos anovulatórios, quando não há fase lútea, caracterizados em geral por oligomenorreia, não há o pico de gonadotrofinas no meio do ciclo nem aumento da progesterona.

..,. Exames de imagem A avaliação radiológica dos ovários representa importante recurso no diagnóstico das doenças dos ovários. Uma das principais investigações que desafiam a prática ginecológica diária é a abordagem das tumorações pélvicas, e sem os exames de imagem não há como realizar diagnósticos diferenciais. Dentre o arsenal radiológico que o ginecologista utiliza em sua prática diária, há a ultrassonografia (pélvica e transvaginal), a tomografia computadorizada e a ressonância magnética. A ultrassonografia é o exame mais utilizado para a avaliação dos ovários, podendo-se utilizá-lo em qualquer faixa etária, porém, em crianças e pacientes virgens, deve-se optar pela via pélvica, e nas demais pacientes, a transvaginal. Para realizar o exame por via pélvica, é necessário o enchimento prévio da bexiga, que neste caso é utilizado como uma janela acústica, possibilitando a visualização do útero e ovários. Um dos principais objetivos da ultrassonografia é determinar os tumores sólidos ou císticos e benignos ou malignos. Para esta diferenciação são utilizados parâmetros como ecogenicidade, ecotextura, tamanho, contornos, conteúdo intratumoral e vascularização por meio de Doppler. O Quadro 123.2 apresenta essas diferenças. Outra indicação da ultrassonografia dos ovários é auxiliar nos diagnósticos das alterações menstruais, como amenorreia, dismenorreia e menorragia e tratamento da infertilidade. Nestes casos o médico examinador procura avaliar o formato, a quantidade e o tamanho dos folículos na superfície ovariana. A ressonância magnética e a tomografia computadorizada serão indicadas quando a ultrassonografia não definir a origem de uma tumoração pélvica (ovário, sigmoide e cólon), para avaliar invasão linfonodal, auxiliar no estadiamento tumoral, demonstrar invasão local ou comprometimento de órgãos vizinhos. Caracteristicas ultrassonográficas edrnicas

dos tumores de ovário.

..,. Cromatina sexual e cariótipo O cromossomo X das células somáticas femininas precipita-se junto à membrana celular e pode ser pesquisado por meios citológicos. A mulher normal tem cromatina positiva. Nos casos de disgenesia gonadal (o cariótipo 45, XO- síndrome de Turner), a pesquisa é negativa (ver Capítulo 13, Investigação Diagnóstica das Anomalias Genéticas).

Valores nonnais de LH, FSH, estradiol e progesterona de acordo com a fase do ddo menstrual. LH (hormônio

Fases

luteotrófico)

Fase folirular Pico ovulatório Fase lútea

0,8 a 18,0 mUI/ml 20,0 a 60,0 mUI/ml 0,8 a 20,0 mUI/ml

Pósmenopausa Gravidez

FSH (hormônio foliculoestimulante) Estradiol 1,0 a 15,0 mUI/ml 5,0 a 35,0 mUI/ml 1,0 a 13,0 mUI/ml

> 25,0 mUVmf > 30,0 mUI/mi < 3,0 mUI/me

< 2,0 mUI/mf

Progesterona

15 a < 2 ng/mf 220 pg/mf 130a 500 pg/mi 45a 2a20ng/mf 280 pg/mi < 65pg/

mf

Benigno

Maligno

Pacientes jovens Unilateral Crescimento lento Tumor cístico e simples Cápsula lisa e íntegra Sem septos ou vegetações Sem ascite Doppler (IR > 0,45) Tamanho geralmente< 5 em Marcadores tu morais baixos ou normais Móvel e regular

Pacientes idosas Bilateral úescimento rápido Tumores sólidos ou complexos Cápsula espessa ecom implantes Com septos e vegetações no interior Com ascite Doppler (IR < Q,45) Geralmente maiores que 10 em Marcadores tumorais altos Fixos e irregulares

..,. Bibliografia Bandeira F et ai. Endocrinologia pediatrica. Medbook, 2008. Porto CC, Porto AL. Vademecum de clínica Médica. 3it ed. Guanabara-Koogan, 2010. The Rotterdam ESHRE/ASRM - sponsered PCOS consensus workshop group. Revised 2003 Consensus on diagnostic criteria and long-term health risks related to polycystic ovary syndrome (PCOS). Hum Reprod. 2004; 19:41-7.

124

Doenças dos Ovários Luis César Póvoa, Amando Mussachio eAmélio de Godoy Mattos

As principais síndromes endócrinas de origem ovariana podem ser identificadas, de maneira simples e objetiva, como amenorreia primária, amenorreia secundária, dismenorreia, menopausa, síndrome dos ovários policísticos e tumores ovarianos.

. . . Amenorreia primária Amenorreia primária é a ausência da menstruação, do desenvolvimento ou crescimento dos caracteres sexuais secundários (pelos/mama) até os 14 anos de idade, ou a falta de menstruação até os 16 anos, independentemente da presença ou não de caracteres sexuais secundários. É uma síndrome rara, decorrente em 60% dos casos de um erro do desenvolvimento gonadal dos duetos de Müller ou do aparelho genital externo. A alteração mais frequente é a disgenesia gonadal. Nos restantes 40% de pacientes com amenorreia primária, as causas são hipogonadotróficas, endocrinopatias, resistência ovariana às gonadotrofinas, sinequias de endométrio e a síndrome dos ovários policísticos. A disgenesia gonadal abrange a clássica síndrome de Tumer e suas variantes (ver Capítulo 13, Investigação Diagnóstica das

Anomalias Genéticas).

. . . Amenorreia secundária Amenorreia secundária é a ausência de menstruação por pelo menos 3 ciclos consecutivos em pacientes que tiveram catamênios anteriormente. As causas fisiológicas incluem a gravidez, a amenorreia puerperal e a menopausa. Estas condições são facilmente identificadas pela história da paciente. Embora se possa indicar a realização inicial de exame pélvico por ultrassonografia, a amenorreia secundária deve ser investigada do ponto de vista endocrinológico depois da ausência de três ou quatro ciclos menstruais. As causas ovarianas de amenorreia incluem doenças autoimunes, infecções ovarianas, uso de quimioterápicos, neoplasias ovarianas e ooforectomia (ver Capítulo 143, Doenças dos

Órgãos Genitais Femininos). Apenas a síndrome dos ovários policísticos e as neoplasias ovarianas com produção autônoma de hormônios causam

manifestações endócrinas sistêmicas, além da ausência da menstruação, em razão da secreção excessiva de androgênios, provocando quadro clínico de hirsutismo ou virilismo. A causa mais frequente de amenorreia secundária é, sem dúvida, a síndrome dos ovários policísticos, observando-se a produção aumentada de androgênios. As alterações menstruais mais importantes são a oligomenorreia ou amenorreia, podendo haver episódios de menometrorragia. A ausência de ovulação é a regra. Costuma haver hirsutismo, embora possa eventualmente ocorrer virilização. Os quadros de virilismo de causa ovariana são determinados por neoplasias ovarianas como arenoblastoma, disgerminomas e gonadoblastomas. Os anticoncepcionais hormonais promovem redução da menstruação, diminuindo até o ponto de amenorreia .

. . . Dismenorreia Dismenorreia significa menstruação dolorosa, podendo ser primária ou secundária. Na dismenorreia primária não se consegue demonstrar a existência de uma afecção pélvica. O tipo secundário pode ser causado por doença inflamatória pélvica crônica, endometriose e liomiomas uterinos. A dor localiza-se na porção inferior do abdome, sendo mais intensa na linha média, iniciando juntamente com a menstruação e dura de 12 a 72 h. Pode ter características de cólica. Há evidências de que a dismenorreia primária relaciona-se com a liberação de prostaglandinas pelo endométrio durante a menstruação.

. . . Menopausa A menopausa é definida como a extinção das menstruações. A amenorreia costuma ser precedida de alterações menstruais. Para algumas mulheres, esta transição é assintomática; para outras, as manifestações clínicas são intensas, com duração de meses ou anos. Além da interrupção das menstruações, a mulher pode ter fogachos ou ondas de calor, que perduram de 6 meses a 5 anos após a menopausa, palpitações, sudorese, mudanças de humor (irritabilidade e depressão), insônia, lanugem, diminuição das mamas e dos pelos pubianos, secura vaginal, atrofia do trato urinário, atrofia da pele, osteoporose. Em geral, a menopausa ocorre em torno dos 50 anos. Quando ocorre antes dos 40 anos, é definida como menopausa prematura e pode estar associada a distúrbios hormonais. Após 52 anos, é chamada de tardia. O climatério engloba a menopausa e um período de 5 a 1O anos em que podem ocorrer sintomas menopáusicos. Em geral, não se prolonga mais do que 10 a 15 anos após a cessação das menstruações, período durante o qual haverá declínio progressivo da função ovariana (ver Capítulo 141, Exame

Clínico). Do ponto de vista biológico, a menopausa ocorre quando há depleção de todos os folículos ou se os ovários são retirados cirurgicamente. Pode ser secundária ao uso de medicamentos antiestrogênicos. Em praticamente todas as mulheres menopáusicas, observa-se elevação dos níveis séricos do hormônio foliculoestimulante (FSH > 25 mUI/mf). A depleção folicular do ovário resulta em diminuição de 95% na produção de estradiol.

124

I Doenças dos Ovários

As principais alterações associadas ao hipoestrogenismo consistem em perda acelerada de osso trabecular e cortical (osteoporose), aumento do colesterol de baixa densidade (LDL) e diminuição do HDL, predispondo ao aparecimento de aterosclerose, atrofia genital e eventos vasomotores.

..,. Síndrome dos ovários policísticos Múltiplos cistos em ambos os ovários provocam alterações do eixo córtex-hipotálamo-hipófise-ovário com distúrbio na secreção de GnRH ou resposta inadequada a esse hormônio que aumenta a liberação do LHe/ou diminuição de FSH, causando hiperandrogenismo ovariano, atresia folicular e anovulação. Os ovários revelam-se aumentados e o córtex ovariano preenchido com folículos em todos os estágios de desenvolvimento, porém, a maioria dos folículos exibe atrofia. Observa-se também proliferação de células tecais e hiperplasia endometrial. Os ovários policísticos originam-se durante a vida fetal, mas tornam -se manifestos na adolescência com a maturação do eixo córtex-hipotálamo-hipófise-ovário. As principais manifestações clínicas são: oligomenorreia, amenorreia, hirsutismo, acne, sangramento uterino disfuncional, virilismo, acantose nigricans, obesidade, perda de cabelos, infertilidade, hipertensão arterial, resistência à insulina, hipercolesterolemia. A relação LH/FSH é maior que 2,5 ou 3,0. Outras dosagens hormonais (prolactina, TSH, testosterona, desidroepiandrosterona, 17 -hidroxiprogesterona) e testes funcionais (teste de supressão com dexametosona, curva glicêmica) são necessários para realizar o diagnóstico diferencial e interpretar corretamente as múltiplas manifestações clínicas. Manifestações de hiperandrogenismo dependem do aumento da testosterona e do cortisol. A ultrassonogra:fia evidencia ovários aumentados com inúmeros cistos foliculares, distribuídos em colar, na periferia dos ovários.

845

..,. Tumores ovarianos Os tumores ovarianos correspondem ao aumento anormal do órgão, e podem ser benignos ou malignos; císticos, sólidos ou complexos. Os cistos são coleções de líquido envolvidos por uma membrana. Alguns apresentam septos ou vegetações na cápsula. Os sólidos são lesões menos frequentes entre os tumores benignos, comumente associados à neoplasia maligna. Os tumores ovarianos podem ser originários de qualquer tipo celular do ovário, embora a maioria provenha das células do epitélio superficial. A propedêutica para os tumores ovarianos pode ser dividida em: anamnese, exame físico e ginecológico e exames complementares. A maioria dos tumores ovarianos na fase inicial éa assintomáticos, mas, quando provocam sintomas, manifestam-se por aumento do volume abdominal, ascite, amenorreia, tumoração pélvica, sangramento vaginal anormal, emagrecimento e derrame pleural. A suspeita diagnóstica é constatada por meio do exame físico associado a exames de imagem (ultrassonografia e tomografia) e marcadores turno• ra1s. Os marcadores são substâncias que aumentam de acordo com o tipo de tumor que a paciente apresenta. Nos tumores ovarianos serosos ocorre aumento doCA 125, e, nos mucinosos, do CEA (antígeno carcinoembrionário). A confirmação só é realizada pelo histopatológico. Para tumores com características benignas (CA 125 baixo, ultrassonogra:fia transvaginal: benignidade), pode-se indicar a videolaparoscopia; nos casos com suspeita de malignidade, indica-se a laparotomia exploradora com congelação para a confirmação diagnóstica. Os diagnósticos diferenciais são feitos a partir da observação das patologias que provocam massas anexiais, como: gravidez ectópica; hidrossalpinge; miomas uterinos subserosos; abscessos pélvicos; endometriomas; cistos fisiológicos e tumores de sigmoide.

Critérios para diagnósticos da sfndrome dos ovários policísticos (consenso internacional de Roterdã)

..,. Bibliografia

• Falta de ovulação crônica ou deficiência de ovulação • Sinais clínicos e/ou laboratoriais de hiperandrogenismo • Ovários policísticos ao ultrassom

Bandeira F et al. Endocrinologia pediátrica. Medbook, 2008. Porto CC, Porto AL. Vademecum de clínica médica. 3a ed. Guanabara Koogan, 2010. The Rotterdam ESHRE/ASR.l"\1 - sponsored PCOS consensus workshop group. Revised 2003 Consensus on diagnostic criteria and long-term health risks related to polycystic ovary syndrome (PCOS). Hum Reprod. 2004; 19:41-7.

São necessários no mínimo dois destes dados.

• • ••••••• •••••••• •••••• •• • • ••• • •

• •

••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••1

••• •••••••••••••••••••••••••••••••••••••••• • ••••••••••••• •••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••• •••• ••••••••••••••••••• ••••••••••••••••••• • ••••••••••••• ••••••••••• ••• •• •••••••••••• •• ••• •••••••••••• •••• • •• ••• •• •• ••• •••••••••••••••••••••• ••• •• •• ••••••• •• • 1.• ..• • •••••• •• • • ••• • •• • ••• • • •• ••••• •••• ••• •• • • ••• •• • • •••••••• •• • • •• ••• •••• • • ••• •• I

•• •••••••••• ••••••••••••• •••••• ••••••••••••• ••••••••• I ••••• • • ••••••• ••• •••••• ••• ••••••• • • ••••• • • • ••••1 I ••••• •• •••••••••••••••••••••••••••••• •• ••••• • •• • ••••1

I···· ••••••••••••••••••••••••••••••••••••.••••• ••• ••• • •• • • ···=·· • •••• • ··=··· • • •• • ••• •• • • ..1 !1.. • • • • • • • • •• • • • • • • • • • • I! • • • • • •• • • • • • • • • • •• • ••••••• •• • • • • • • • • • • Seção 6 Metabolismo

I •

••





•• • . •

I



••





••





••

•••

••••••

•••••• ••• •





••





•• •





•••

•• •••



••• •••••• •





• ••••





••



•.



.•





•• ••







••







125

Metabolismo dos Carboidratos Luis César Póvoa, Amando Mussachio eAmélio de Godoy Mattos

..,. Introdução Os carboidratos ou glicídios são produtos orgânicos compostos basicamente de carbono, oxigênio e hidrogênio, estando os dois últimos elementos quase sempre na proporção H2n0 n. Podem ser divididos em mono, oligo ou polissacarídios. Os monossacarídios são compostos de apenas uma molécula, e seus tipos mais importantes são as hexoses, que incluem a glicose, a galactose (com mesma composição da glicose, dela diferindo apenas na posição de uma oxidrila [OH] no carbono C4 de sua fórmula estrutural) e a frutose, um isômero da glicose com a mesma composição, mas cuja fórmula estrutural é de um pentágono, e não de um hexágono. Os oligossacarídios têm de 2 a 10 moléculas de monossacarídios, apresentando grande importância os dissacarídios (duas moléculas), destacando-se entre eles a lactose (glicose

1 ••••1

•••

I





+ galactose), a maltose (glicose + glicose) e a sacarose (glicose + frutose). Os polissacarídios têm mais de 1O moléculas de monossacarídios e uma de suas funções é a de reserva energética ou estrutural.

Vias do metabolismo da glicose Na via de Embden-Meyerhof, aglicose, após penetrar na célula- sendo indispensável para isso a insulina na maioria dos casos-, inicia sua metabolização pela agregação de um radical fosforado (fosforilação), reação à intervenção da enzima glicoquinase ou da hexoquinase, ambas ativadas pela insulina. Daí em diante, duas alternativas são possíveis: em uma, ocorre a formação de glicogênio com a interveniência da enzima glicogênio-sintetase (também ativada pela insulina); em outra, em razão de sucessivas transformações químicas, alcança-se o estágio de ácido pirúvico, que se mantém em equilíbrio com o ácido láctico e posteriormente transforma-se em acetilcoenzima A• Na via de Krebs, a acetilcoenzima A se combina com o oxalacetato para formar citrato, iniciando uma série circular de reações com a regeneração do oxalacetato e eliminação de C02 e H20, que são fontes de energia. Os ácidos aminados provenientes do metabolismo das proteínas fornecem substrato para aformação de oxalacetato, citrato ealfacetoglutarato, que fazem parte do ciclo. Aacetilcoenzima A, em vez de se integrar no ciclo de Krebs, tem aalternativa de se transformar em acetoacetilcoenzima Aeiniciar, apartir daí, aformação dos ácidos graxos de cadeia longa. Todas essas reações são reversíveis. Por qualquer destas vias, o glicogênio, no fígado, transforma-se em glicose e alcança a corrente sanguínea para prover as necessidades periféricas. Oácido láctico pode, em virtude de sua conversão em ácido pirúvico, integrar avia de Embden-Meyerhof e, seguindo caminho inverso, converter-se também em glicose. Omesmo pode ocorrer com as proteínas e as gorduras, originando a glicose, fenômeno que se denomina gliconeogênese.

.I

I I

125

I Metabolismo dos Carboidratos

Os principais sacarídios de reserva energética são o amido no reino vegetal e o glicogênio no reino animaL Com função estrutural, encontra-se a celulose no reino vegetal e a condroitina (estrutura de ossos, cartilagens e tendões) no reino animal. Outros polissacarídios, como a heparina e o ácido hialurônico, têm diferentes funções. Os glicídios dos alimentos são transformados em dissacarídios por ação das enzimas salivares e pancreáticas e, a partir daí, por hidrólise, no intestino delgado, são convertidos em monossacarídios, forma pela qual são absorvidos, principalmente por difusão passiva (ver Capítulo 81, Noções de Anatomia e Fisiologia). A glicose, principal carboidrato circulante, provém de três fontes principais: pré-formada nos alimentos, proveniente da glicogenólise (degradação do glicogênio) e proveniente da gliconeogênese (formação de glicose a partir de proteínas e gorduras). A glicose circulante pode ser utilizada como fonte energética, permanecer estocada como fonte de energia de utilização rápida (racemização e formação de glicogênio), ficar estocada para ser utilizada como energia de reserva (transformação em ácidos graxos de cadeia longa) e participar da formação de outras substâncias necessárias ao organismo, incluindo polissacarídios e aminoácidos não essenciais.

..,. Distúrbios do metabolismo dos carboidratos Os principais distúrbios do metabolismo causados pelos carboidratos são o diabetes e a hipoglicemia.

• Diabetes O diabetes é uma enfermidade metabólica caracterizada por hiperglicemia, cuja etiopatogênese envolve mecanismos múltiplos, entre os quais se destacam a resistência periférica à ação da insulina e a diminuição da secreção de insulina pelas células beta do pâncreas (diabetes tipo 2). O diabetes tipo 1 (diabetes insulinodependente) é causado por destruição das células beta do pâncreas, provocando deficiência absoluta de insulina, e consequentemente hiperglicemia e cetoacidose. Admite-se que tal distúrbio seja de origem genética, sendo desencadeado, agravado ou agudizado por diversos fatores, tais como viroses na infância, vida sedentária, obesidade, dislipidemias, hipertensão arterial, estresse emocional ou físico. A investigação diagnóstica baseia-se principalmente na anamnese, seguida pelo exame físico, mas a comprovação do distúrbio deve ser feita por exames complementares. Atualmente, utiliza-se a seguinte classificação: diabetes clínico (tipo 1, tipo 2, secundário), tolerância diminuída à glicose, diabetes gestacional e glicemia de jejum alterada.

Critérios diagnósticos básicos • Glicemia em jejum igual ou superior a 126 mg/df em duas ocasiões diferentes • Glicemia aleatória igual ou superior a 200 mg/df com sintomas clássicos

. OU atípiCOS ,

• Glicemia na 2a hora do teste de tolerância à glicose oral (TIGO) igual ou superior a200 mg/df.

847 Uma variação especial de diabetes tipo 1 é o diabetes latente autoimune em adultos (LADA, correspondendo à denominação em inglês latent autoimmune diabetes in adults), com início e progressão mais lentos, detectando-se como característica anticorpos específicos nos indivíduos (GAD, IAA e IA2). .,. Exame clínico. Considerando-se a enfermidade de origem genética, na anamnese deve-se investigar se há casos de diabetes na família, seja nos ascendentes diretos (pais e avós) ou nos colaterais (tios, primos, irmãos), a fim de se encontrar o vínculo hereditário. Acontecimentos sugestivos de tendência ao diabetes incluem a ocorrência, na família, de morte súbita de pessoa jovem por doença cardíaca, fato suspeitoso de infarto do miocárdio em portador de diabetes não diagnosticado, abortos repetidos e gestações a termo com fetos pesando mais de 4 kg. Nos antecedentes patológicos de jovens com diabetes, referências à parotidite epidêmica (caxumba), sarampo e infecções por vírus Coxsackie podem indicar a possível causa da doença. História de episódios sugestivos de hipoglicemia (tonturas, sudorese fria, tremores, distúrbios do comportamento e até perda da consciência) pode ser evidência de perturbação do funcionamento do pâncreas endócrino referente à produção de insulina. Em adultos, hábitos alimentares caracterizados por consumo excessivo de carboidratos, principalmente os concentrados (doces, balas e refrigerantes), inatividade física, ocorrência de gestações sucessivas, estresse emocional ou físico e, principalmente, obesidade devem ser investigados quando há suspeita de diabetes. No interrogatório sintomatológico, a confirmação de surtos de diarreia pode indicar neuropatia autonômica; dor na região epigástrica ou mesogástrica, principalmente com irradiação em barra, pode sugerir pancreatite. São comuns as alterações da acuidade visual acompanhando as flutuações da glicemia. Prurido vulvar, geralmente causado por infecção por Candida albicans, é sintoma frequente. No homem, a diminuição da capacidade de ereção pode ser decorrente de neuropatia diabética ou vasculopatia precoce. Os sinais clínicos de descompensação, um conjunto de sintomas chamados "poli': ou seja, poliúria, polidipsia e polifagia, sugerem o diabetes, principalmente se aliados a astenia e perda de peso. No exame físico do paciente diabético, os seguintes pontos merecem atenção especial. Nas crianças é importante a verificação do peso e da altura, comparando-os aos valores previstos para a idade e o sexo. Nos adultos, a determinação do peso e da altura possibilita caracterizar alterações ponderais (para mais ou para menos), tendo como referência o peso teórico ideal do paciente, o qual servirá de base para o cálculo do valor calórico da dieta a ser estabelecida (ver Capítulo 10, Semiologia da Infância). A queilite angular (lesão ulcerada das comissuras labiais) pode indicar carência de vitaminas do complexo B, principalmente a riboflavina. Ainda na boca, deve-se observar se há sulcos no dorso ou na borda da língua, pois são frequentes em diabéticos. No tegumento cutâneo deve ser pesquisada a existência de necrobiose diabética, que é expressa por placas atróficas de limites nítidos, de cor pardacenta e bordas salientes. Lesões bolhosas, por vezes de grande volume, podem, também, ser encontradas, principalmente nos membros inferiores (Figura 125.1).

848

Parte 10 I Sistema Endócrino eMetabolismo

Figura 125.1 Necrobiose diabética, destacando-se as lesões bolhosas. Figura 125.3 Mal perfurante plantar.

Lesões inflamatórias da pele com grande destruição de tecidos, tipo abscesso, fleimão ou antraz, principalmente na nuca e no dorso, são achados frequentes. Além das alterações da acuidade visual, referidas pelo No aparelho circulatório merecem atenção as artérias paciente, podem-se encontrar, ao exame oftalmológico,. cataperiféricas, principalmente as dos membros inferiores, o~de rata precoce e anomalias do fundo do olho. Cumpre sal1~ntar costumam aparecer lesões isquêmicas. Nos casos de lesoes que existem alterações do fundo do olho específicas do diabeisquêmicas graves, surgem, principalmente nos pés, zonas de tes, as quais podem ser, inclusive, o ponto de partida para o necrose (gangrena) caracterizadas pela coloração preta da pele diagnóstico desta enfermidade (ver Capítulo 21, Doença dos (Figura 125.2). Olhos). O sistema nervoso é frequentemente afetado, obser- ... Exames complementares. A verificação do teor de glicose circuvando-se diminuição ou extinção dos reflexos e perda da lante (glicemia) é o elemento determinante para o diagnóstico sensibilidade profunda (ver item Neuropatias periféricas, no do diabetes, haja vista a pesquisa de glicose na urina fornecer Capítulo 178, Doenças do Sistema Nervoso). resultados falsamente positivos ou negativos. Casos avançados de perda da sensibilidade resultam em mal Em jovens, particularmente durante a gestação, que se aliperfurante plantar (Figura 125.3) com lesões ulcerativas trófi- mentam abundantemente de carboidratos e em pessoas com cas, quase sempre indolores e sem sinais inflamatório~. Pod:m baixo limiar renal para a glicose, não é raro o encontro de localizar-se no nível do calcanhar, na altura das articulaçoes resultados falso-positivos. Por outro lado, pode-se observar metatarsofalangianas ou no primeiro pododáctilo. Alterações ausência de glicose na urina em pacientes idosos, particularda sensibilidade vibratória também podem ser encontradas. mente do sexo feminino, mesmo com níveis elevados de gliParalisias isoladas de pares cranianos podem ocorrer com cemia, em virtude do progressivo aumento do limiar renal da maior frequência nos diabéticos do que nos não diabéticos. glicose com a idade. Portanto, a glicosúria constitui apenas Dentre elas, a do VI par (motor ocular externo) parece ser a marcador indireto do diabetes. mais comum. Nesses casos, o olho do lado afetado desloca-se O teor de glicose no sangue varia com o método de análise para o ângulo interno, produzindo estrabismo conve:gente e a origem do sangue utilizado. As dosagens feitas no plasma com impossibilidade de abdução desse olho. Alteraçoes da apresentam valores 15% mais altos do que os obtidos no sansensibilidade tátil, térmica e dolorosa demonstram o compro- gue venoso total (Quadro 125.1). . _ metimento do sistema nervoso periférico. Valores próximos do máximo exigem a determmaçao da glicemia pós-prandial, a qual consiste na dosagem da glicose sanguínea 1, 2 ou 3 h após uma refeição que contenha 50 g.de carboidratos. Um desjejum constituído de um copo de lette, um pão de 50 g, uma colher das de sopa de açúcar e o s~co ~e duas laranjas é uma alimentação adequada para a realizaçao do teste. A refeição-teste pode ser substituída por 50 g de glicose dissolvida em um copo d'água. Em pessoas normais, a glicemia pós-prandial não deve ultrapassar 160, 120 e 100 mg/de após 1, 2 e 3 h, respectivamente, pelo método de Somogyi-Nelson. Pode-se fazer, também, um teste de tolerância à glicose oral (TTGO), denominado curva glicêmica. Esse teste, em adultos, consiste na administração de 75 g de glicose. Para crianças administra-se 1,75 g/kg de peso (até um máximo de 75 g de glicose) diluído em água, depois de se fazer a coleta de sangue em jejum. Para gestantes, prevalecem os critérios de O'S~van e Mahan (1964), ou seja, a administração de 100 g de glicose. Segue-se a coleta de sangue 1/2 h, 1 h, 11/2 h e 2 h após a ingesFigura 125.2 Lesão isquêmica com gangrena.

125

I Metabolismo dos Carboidratos

Quadro 125.1

849

Valores normais da glicemia de jejumde acordo com os diversos métodos de dosagem.

Método

De redução Cobre Ferricianeto Cobre Enzimáticos Dosagem específica de glicose

Nome do método

Fonte do sangue

Teor normal em jejum {mg/df)

Substâncias dosadas

Somogyi-Nelson

Venoso total

60 a 100

Hoffman (Autoanalyzer) Folin-Wu

Venoso total Venoso total

65 a 105 80a 120

Açúcar verdadeiro + 5 mg!df Açúcar verdadeiro+ 10 mg/df Substâncias redutoras totais

Glicose-oxidase {diversas modificações) Ortotoluidina

Venoso total Plasma

60a95 70 a 110

Glicose verdadeira apenas Açúcar verdadeiro apenas

Adaptado de Seltzer.

tão da glicose. Alguns cuidados precisam ser tomados, entre eles destaca-se uma dieta que contenha pelo menos 150 g de carboidratos nos 3 dias anteriores à realização do teste. A interpretação deste teste está sintetizada nos Quadros 125.2 a 125.4.

Tríade de Whipple Manifestações clínicas sugestivas de hipoglicemia: Níveis baixos de glicemia(< 50 mg/df) no momento da crise+ melhora dos sintomas com a administração de glicose (pura ou nos alimentos).

• Hipoglicemia Hipoglicemia é um estado metabólico caracterizado por níveis de glicose plasmática inferiores a 50 mg/df. A regulação do nível de glicemia no sangue se faz por mecanismo nervoso e hormonal. Os estímulos vagais são hipoglicemiantes por ativarem as células beta das ilhotas de Langerhans, produtoras de insulina, enquanto os estímulos simpáticos são hiperglicemiantes, agindo por intermédio da epinefrina, que promove glicogenólise hepática e gliconeogênese.

Valores para interpretação do teste oral de tolerânóa à glicose em adultos, exdurdas gestantes. Concentração da glicose em mg/df Sangue venoso plasmático Diabetes clínico Jejum Teste oral de tolerância àglicose 1/2 h, 1 h, 11/2 h 2h Tolerância diminuída à glicose Jejum 1/2 h, 1 h, 11/2 h 2h

Dois valores emdias diferentes> 140 Dois valores emum destes horários> 200 2! 200 < 140 um valor em umdestes horários 2! 200 > 140 e< 200

O mecanismo hormonal envolve a insulina - ún ico hormônio de ação hipoglicemiante - e o glucagon, a epinefrina, a tireoxina, o GH, o ACTH e os glicocorticoides -, que são hiperglicemiantes. A regulação dos níveis da glicemia é rápida. Uma hipoglicemia de 15 a 20 min provoca imediata elevação da produção dos antagonistas hormonais e aumento da atividade simpática. A hipoglicemia pode ser de origem orgânica ou funcional. Dentre as hipoglicemias orgânicas, assumem importância o hiperinsulinismo por adenoma ou carcinoma das células beta do pâncreas (insulinomas), a nesidioblastose (proliferação de células insulinossecretoras fora das ilhotas de Langerhans) e as decorrentes de metabolismo glicídico anormal, como ocorre na doença de von Gierke (glicogenose) e na galactosemia. Entre as funcionais, pode-se incluir a fase inicial do diabetes, a decorrente de alimentação rápida, de trabalho muscular intenso e a de lactação. São causas de hipoglicemia: doses incorretas de insulina ou hipoglicemiante oral, etilismo, jejum prolongado, hepatopatia crônica, insuficiência renal crônica, medicamentos (pentamidina, sulfonamidas, haloperidol, enalapril, AINE). Ao exame clínico encontra-se história de distúrbios de comportamento acompanhados de sensação de fadiga intensa, tremor, barramento visual, sudorese profusa, perda da consciência e até convulsões. A sintomatologia da hipoglicemia decorre principalmente do sofrimento do sistema nervoso, pois ele não dispõe de

Valores para interpretação do teste oral de tolerância à glicose em gestantes.

Valores para interpretação do teste oral de tolerânóa à glicose em crianças. Concentração da glicose em mg/df

Concentração da glicose em mg/df

Sangue venoso plasmático Diabetes clínico 1/2 h, 1 h ou 11/2 h 2h Tolerância diminuída à glicose Jejum 2h

Sangue venoso plasmático Diabetes gestacional Jejum

> 120 2! 200 >200 < 140 2! 140

1h 2h 3h

> 105 > 190 > 165 > 145

Obs.: Alteração em dois de quaisquer desses valores tem significado diagnóstico.

Parte 10

850 reservas de glicogênio, necessitando, por isso, do fornecimento contínuo de glicose por via sanguínea. Sintomas desde a infância podem indicar alguma enfermidade metabólica, incluindo nesidioblastose, galactosemia, doença de von Gierke e síndrome de MacQuaire. Nos pacientes diabéticos, o uso de hipoglicemiantes orais ou de insulina, em excesso, a falta de alimentação e o aumento da atividade física são as principais causas de hipoglicemia. Todos os sintomas desaparecem de imediato com a aplicação parenteral ou in gestão oral de glicose, confirmando o diagnóstico. Excetuando o momento da crise, na imensa maioria dos casos, nenhuma alteração aparece no exame físico. Dentre os exames complementares, o de maior valia, que possibilita inclusive diferenciar as hipoglicemias orgânicas das funcionais, é a dosagem da glicose e da insulina plasmática de 4 em 4 ou 6 em 6 h, durante jejum prolongado (72 h). Níveis altos de insulina plasmática na mesma amostra em que os valores da glicemia são baixos revelam inadequada secreção de insulina e ausência de resposta aos mecanismos reguladores da produção deste hormônio. Isto ocorre nos casos de nesidioblastose e insulinomas. Nas hipoglicemias funcionais, a glicemia e a insulinemia decrescem paralelamente. Os critérios para o diagnóstico de tolerância à glicose diminuída e do diabetes foram estabelecidos em 1979 por um grupo de trabalho - o National Diabetes Data Group -, os quais, com algumas modificações, foram adotados pela Organização Mundial da Saúde (Quadro 125.5).

I Sistema Endócrino e Metabolismo

Tolerlncia à glkose diminurda ediabetes. Critérios de interpretação da glkemiade jejum edo teste de tolerancia à glkose oral (TIGO), adotados peloNational Diabetes Data Group (NDDG) epelaOrganização Mundial da Saúde (OMS). Valores de glicose para plasma venoso. Diagnóstico

NDDG

OMS

Normal

Glicemia de jejum< 115 mg/d.e

Glicemia de jejum < 115 mg/df TTGO- 120 min < 140 mg/df

TTGO - 120 min < 140 mg/df eentre Oe 120 min < 200 mgldf Tolerânàa à glicose diminuída (TGD)

TTGO - 120 min > 140 e< 200 mg/df e 1 valor entre Oe 120 min ~ 200 mg/df

Diabetes

Glicemia de jejum~ 140 mg/d.e

Glicemia de jejum< 140 mg/df

TTGO- 120 min ~ 200 mg e1 valor entre Oe 120 min ~ 200 mg/df

Glicemia de jejum < 140 mg/df TTGO- 120 min > 140 < 200 mg/df Glicemia de jejum> 140 mg/df TTGO -120 min ~ 200mg

..,. Bibliografia American Diabetes Association. Clinicai practice recommendations, 2003. Diabetes Care. 26:Sl21 -Sl24, 2003. Bandeira F et al. Endocrinologia pediátrica. Medbook, 2008. Porto CC, Porto Al. Vademecum de clínica médica. 3a ed. Guanabara Koogan, 2010.

126

Metabolismo das Proteínas Luis César Póvoa, Amando MussachioeAméliode Godoy Mattos

..,. Introdução As proteínas são cadeias de ácidos aminados - compostos orgânicos com agrupamentos COOH e um radical NH 2• Alguns aminoácidos não podem ser sintetizados pelo organismo, apesar de indispensáveis para seu funcionamento; sendo denominados "essenciais': São a metionina, a tironina, o triptofano, a lisina, a leucina, a isoleucina, a fenilalanina e a valina. No estômago, sob a ação da pepsina, as proteínas são hidrolisadas e se transformam em polipeptídios de cadeias mais curtas (proteases e peptonas). No intestino, as enzimas pancreáticas - tripsina, quimotripsina e carboxipeptidase, além de outras - completam a digestão, agindo em diferentes níveis das ligações das cadeias dos polipeptídios, transformando-os em ácidos aminados que são absorvidos por difusão no intestino delgado (ver Capítulo 81, Noções de Anatomia e Fisiologia). Os aminoácidos são utilizados no organismo para sintetizar as proteínas do plasma, as estruturas dos tecidos, dos hormônios, as enzimas e várias outras substâncias. Podem, também, ser desaminados e seu resíduo ser oxidado, ocorrendo a produção de gás carbônico e água. Podem, ainda, servir para a síntese de gordura ou glicose. Os produtos finais da metabolização das proteínas são a ureia, a creatina e a creatinina.

..,. Distúrbios do metabolismo das proteínas As afecções decorrentes de distúrbios das proteínas podem ser divididas em quatro grupos: erros inatos do metabolismo, alterações do metabolismo das purinas e pirimidinas, alterações do metabolismo das porfirinas e outras alterações do metabolismo das proteínas, que incluem a amiloidose e a doença de Wilson.

• Erros inatos do metabolismo Entre as afecções por erro inato do metabolismo, conceituado como ausência congênita de vias metabólicas que normalmente deveriam existir, destacam-se a fenilcetonúria, a alcaptonúria e o albinismo.

Na fenilcetonúria ou ocronose ocorre acúmulo de fenilalanina no plasma e no liquor, pela inatividade da enzima fenilalanina-hidroxilase. As consequências são retardo mental por dano cerebral, convulsões e dermatite. A exagerada eliminação urinária de fenilalanina confere odor desagradável à urina, facilitando o reconhecimento desta enfermidade, mas, o diagnóstico correto dependerá da dosagem da fenilalanina plasmática. Na alcaptonúria ou doença de Folling acumula-se no organismo o ácido homogentísico, produto da tirosina não metabalizado, excretado pela urina. Pode-se identificar este distúrbio metabólico quando se expõe a urina à luz e ela adquire coloração escura (marrom ou preta). Esse ácido tem forte capacidade redutora e, em contato com sais de ferro, produz coloração violeta. Artropatia, pigmentação escura ocular da pele, das cartilagens e tendões são as manifestações clínicas da alcaptonúria. No albinismo o defeito está na síntese da melanina. Os melanócitos existentes na pele, no bulbo dos pelos, no sistema nervoso e na retina sintetizam melanina, negra ou amarela, a partir da tironina. Ocorrendo anomalia no metabolismo da melanina, sua formação fica impedida, causando hipopigmentação da pele (que adquire cor leitosa), dos cabelos e da íris (a qual se torna translúcida). Esses sinais, facilmente evidenciados à inspeção do paciente, assim como o nistagmo, por vezes associado à fotofobia, são característicos do albinismo.

• Alterações do metabolismo das purinas e pirimidinas As nucleoproteínas do núcleo e do citoplasma das células são predominantemente RNA (ácido ribonucleico) e DNA (ácido desoxirribonucleico), tendo em sua composição um polímero complexo - o ácido nucleico - no qual se encontram uma molécula de base purina ou pirimidina e uma pentose (ribose ou desoxirribose), além de fósforo. A ribose é formada no metabolismo oxidativo da glicose, no shunt da hexose-monofosfato, a partir da glicose-6-fosfato ou da frutose-6-fosfato. O produto final do metabolismo das purinas é o ácido úrico. .,. Gota. O acúmulo de ácido úrico, seja por superprodução, seja por deficiência de eliminação renal, acarreta o depósito desta substância nos tecidos, principalmente nas articulações, ossos e tecido subcutâneo, causando a enfermidade denominada gota (ver Capítulo 164, Doenças das Articulações) . A gota é uma doença hereditária com incidência entre vários membros da família, devendo-se, por isso, indagar sua existência nos parentes. Há maior prevalência em homens. Raramente ocorre na infância e na juventude. Excessos alimentares e alcoólicos e uso de alguns medicamentos (aminofilina, cafeína, diazepam, corticoides, substâncias citotóxicas, etambutol, metaqualona) são importantes fatores desencadeantes das crises de artrite. Ao exame físico, as juntas apresentam-se intumescidas, devido à reação inflamatória, deformadas, e em sua superfície podem existir formações denominadas "tofos~ As cartilagens articulares são os principais locais em que se depositam os uratos, causadores de dor e impotência funcional com aumento de volume, principalmente da primeira articulação metatarsofalangiana (podagra). O acúmulo de uratos pode ocorrer em outras articulações (inclusive nas mãos) e em locais em que não há articulações, como, por exemplo, no lobo da orelha.

852

Parte 10

I Sistema Endócrino e Metabolismo

Pseudogota Processo inflamatório agudo causado pela deposição de cristais de pirofosfato de cálcio na cartilagem hialina e na fibrocartilagem da.s grandes articulações. Não e.stá relacionada com oaumento do ácido úrico, mas, com oenvelhecimento, a permanência prolongada no leito e o traumatismo articular. O exame complementar mais importante é a dosagem de ácido úrico no sangue, cujos valores normais oscilam entre 3,0 e 7,0 mgldf, em homens; e 3,0 e 6,0 mg/df, em mulheres. Nas crises de gota, o ácido úrico sempre está muito acima desses valores. O aumento da velocidade de hemossedimentação e da leucocitose ocorrem com frequência, mas não são específicos da enfermidade. Ao exame radiológico, nos casos de longa duração, observam-se lesões subcondrais nas falanges com aspecto característico.

• Alterações do metabolismo das porfirinas As porfirinas são compostos orgânicos que têm como estrutura básica a porfirina, uma substância composta de quatro anéis pirrólicos ligados por pontes de CH ou meteno. As porfirinas são sintetizadas a partir do aminoácido glicina e podem existir na forma livre ou ligadas ao ferro (hemoglobina, mio-hemoglobina, citocromo e catalase) ou ao zinco (uroporfirinas e coproporfi.rinas). Suas principais funções são o transporte de oxigênio (hemoglobina) e de elétrons (citocromo), a ativação do H20 2 (peroxidase), a decomposição do H20 2 (catalases) e a ativação do oxigênio (citocromo-oxidase). Sua excreção é feita principalmente pela urina, sob a forma de uro ou coproporfirina. O envenenamento por chumbo, benzeno e tetracloreto de carbono ou a existência de enfermidades como anemias hemolíticas, cirrose hepática, leucemias e linfogranulomatose maligna (doença de Hodgkin) aumentam essa excreção. .,. Porfirias. Erros inatos do metabolismo que provocam superprodução de porfirinas causam as enfermidades denominadas porfirias, que podem existir sob duas formas clínicas: porfiria aguda intermitente, causada por deficiência de porfirobilinogênio-desaminase, de herança autossômica dominante; e porfiria cutânea tardia, esporádica ou hereditária, podendo estar associada a hepatopatia alcoólica, hepatite C, hemossiderose e uso de medicamentos. Na doença de Gunter, variação congênita da porfiria, o local da superprodução é a medula óssea. Os sinais e sintomas iniciam-se na infância. O acúmulo de porfirinas na pele causa fotossensibilidade, que se traduz pelo surgimento de bolhas e vesículas nas regiões expostas à luz; por necrose e destruição dos tecidos que progressivamente produzem mutilações nas mãos e face (depressão do nariz e orelhas). Aumento da pigmentação da pele e esplenomegalia também são observados. A porfiria aguda intermitente é caracterizada por crises de dor abdominal e lesões do sistema nervoso periférico mani-

Figura 126.1 Porfiria. Lesões cutâneas.

festa das por dor, parestesias e paralisias. Alterações da motilidade das vísceras ocas por comprometimento neurovegetativo e lesões cutâneas também podem ocorrer (Figura 126.1). O exame complementar que mais facilmente evidencia esta enfermidade é a exposição da urina à luz, provocando seu escurecimento. Aumento de eritrócitos e das copro e uroporfirinas são dados laboratoriais úteis.

• Outras alterações do metabolismo das proteínas .,. Amiloidose. A amiloidose pode ser primária ou secundária, relacionada com doenças crônicas (sífilis, doença reumatoide, mieloma e tuberculose), e provocada por acúmulo de amiloide, de natureza proteica, no baço, nos rins e no fígado. Hepatomegalia, esplenomegalia e síndrome nefrótica são as principais manifestações clínicas da amiloidose. Para confirmação diagnóstica, emprega-se o teste do vermelho congo, o qual consiste em injetar o corante por via venosa. Normalmente, em 1 h, menos de 50% desta substância desaparecem da circulação. Nos casos de amiloidose, pela grande afinidade da substância amiloide por essa substância, 90% ou mais do corante são absorvidos e desaparecem da circulação. .,. Doença de Wilson. A doença de Wilson é uma enfermidade rara, de origem familiar, na qual há defeito primário no transporte realizado pela membrana celular, principalmente no sistema nervoso central- núcleos lenticulados, córtex e cerebelo. Há excreção aumentada de cobre e aminoácidos com diminuição da ceruloplasmina plasmática. É uma doença própria da infância, iniciando-se os sintomas aproximadamente aos 11 anos, podendo-se evidenciar movimentos atetósicos, disartria e deficiência de salivação. Os reflexos profundos são normais e não há sinal de Babinski, porque o sistema piramidal não é afetado. Não é referida fraqueza muscular, como ocorre em muitas lesões neurológicas.

.,. Hipovitaminoses. As carências vitamínicas (hipovitaminoses),

127

independentemente do motivo que as cause, produzem sinais e sintomas que identificam o elemento predominantemente em falta, devendo-se, contudo, atentar para o fato de que raramente há carência isolada de uma única vitamina.

Vitaminas Luis César Póvoa, Amando Mussachio eAmélio de Godoy Mattos

.,.. Introdução Vitaminas são substâncias orgânicas de origens variadas, indispensáveis ao funcionamento normal do organismo, mas que não podem ser sintetizadas por ele (Quadro 127.1). As vitaminas atuam geralmente como catalisadores de reações, intervindo como coenzimas nos processos metabólicos. De acordo com suas características físicas, podem ser divididas em lipossolúveis (vitaminas A, D, E e K) e hidrossolúveis (vitaminas B1, B2, B6 , B12 e C).

Quadro 127.1 Vitamina A Retino/

81 Tiamina

81 Riboflavina

83 Áddo nicotínico (niacina)

8s Ácido pantotênico

.,.. Vitamina A(retinol) A vitamina A é um álcool, particularidade cuja importância é a formação por esterificação de compostos com proteínas, ácidos biliares e graxos, os quais, por sua vez, ao serem decompostos por hidrólise, liberam a vitamina. As necessidades diárias de vitamina A para pessoas adultas são de cerca de 5.000 UI. Para as crianças de 3 anos, 2.000 UI, aumentando progressivamente até alcançar o nível de 5.000 UI aos 14 anos. As fontes principais são ovos, leite e seus derivados, arroz integral, cenoura, batata-doce, aspargo, feijão-verde, banana, espinafre e frutas amareladas ou verde-escuras. Esta vitamina é relativamente estável ao calor e, assim, a simples cocção ou fervura do leite não diminui sua quantidade, porém alimentos secos e desidratados têm considerável diminuição no seu teor de vitamina A.

Vitaminas-características químicas efisiológicas e principais fontes alimentares. Características químicas e fisiológicas

Principais fontes alimentares

Álcool - lipossolúvel e termoestável Atua na acuidade visual Protege otegumento cutâneo Composto orgânico derivado do tiazol e pirimidina - hidrossolúvel e termolábil Atua como coenzima no metabolismo dos carboidratos Protege osistema nervoso central e periférico Favorece a condutibilidade dos nervos periféricos ~ster fosforado derivado da ribose - hidrossolúvel e termoestável Destruída pelos raios ultravioleta Atua como enzima carreadora de oxigênio na respiração celular (mecanismos de oxidação e redução) Ácido aminado - hidrossolúvel e termoestável Atua como coenzima respiratória Ação vasodilatadora

Ovos, leite e derivados, cenoura, batata-doce, feijão-verde, banana

Carne, peixe, leite eoutras fontes de proteínas, principalmente triptofano

D Ergostero/

Ácido aminado- hidrossolúvel e termoestável

Fígado, ovo, amendoim, arroz integral, ervilha

K

Carne de porco, presunto cozido, espinafre, amendoim, castanha-decaju e castanha-do-pará, levedura de cerveja, germe de trigo, semente de girassol, arroz integral

Ovos, leite, vísceras (fígado, rim), peixe, frutas, vegetais

Vitamina

86 Piridoxina

8u Ganocobalamina

c Áddo ascórbico

Características químicas e fisiológicas

Principais fontes alimentares

Composto nitrogenado com um anel benzênico - hidrossolúvel, termolábil Atua como enzima no metabolismo dos aminoácidos

Carne, fígado, frutas, cereais, batata, banana

Estrutura complexa contendo uma molécula de cobalto - hidrossolúvel, termolábil Atua na eritropoese Influencia o metabolismo de carboidratos, proteínas e gorduras

Produtos de origem animal, principalmente fígado e rim, leite e ovos

Ácido orgânico levógiro hidrossolúvel e termolábil Mantém a normalidade do tecido conjuntivo intracelular, dos ossos e dos dentes

Frutas cítricas, tomate, leite fresco

Esteroide derivado do ciclopentanofenantreno - lipossolúvel Atua no metabolismo do cálcio edo fósforo Favorece a incorporação de cálcio e fosfato nos ossos e cartilagens Derivada de naftoquinona lipossolúvel Destruída pela luz Atua na coagulação do sangue e na atividade das células hepáticas

Ovos e leite

Alface, espinafre, couve-fio~ brócolis

854 As maiores fontes alimentares da vitamina A são as elementares - os pigmentos carotenoides, especialmente o carotenol beta, cuja hidrólise produz duas moléculas de vitamina A. Como o caroteno e a vitamina A são lipossolúveis, sua absorção é favorecida ou dificultada pelos fatores que afetem a absorção dos lipídios, tais como diarreia crônica, doença celíaca, afecçôes pancreáticas, ingestão de óleos minerais ou parafinas líquidas. Na retina, mais precisamente nos bastonetes, estruturas responsáveis pela percepção luminosa de baixa intensidade, a rodopsina (da qual a vitamina A faz parte como grupo prostético), ao se transformar em retineno (aldeído da vitamina A) e opsonina (proteína retiniana), realiza uma reação reversível com o consumo de vitamina A. Não havendo suprimento adequado, a acuidade visual é prejudicada, ocorrendo a chamada "cegueira notumà: um dos primeiros sinais de carência dessa vitamina. Conjuntivite, fotofobia e pigmentação marrom da conjuntiva constituem a sequência do quadro clínico. Queratinização da conjuntiva que se estende à córnea e provoca degeneração, ulceração e perfuração é consequência tardia de carência de vitamina A (ver Capítulo 21, Doenças dos Olhos). Além disso, a vitamina A exerce ação protetora no tegumento cutâneo, e sua falta causa hiperqueratose folicular por obstrução dos duetos sebáceos, principalmente nos braços e nádegas. Nível sérico: 360 a 1.200 1-Lg/df.

..., Vitamina 81 (tia mina)

Parte 10

I Sistema Endócrino e Metabolismo

ção celular. É hidrossolúvel e termoestável, mas exterminável pelos raios ultravioleta. As necessidades diárias de riboflavina são aproximadamente 1,5 mg. A vitamina B2 está associada às flavinas existentes em muitas fontes naturais, como o ovo, os peixes, o leite e as vísceras (fígado e rim), as hortaliças de folhas verdes, o tomate. A riboflavina é absorvida pelo intestino, sendo a seguir fosforilada; está em todos os tecidos dentro de limites não ultrapassados mesmo que haja aumento na ingestão. É eliminada pela urina, da qual é um componente normal. Sua carência pode decorrer de déficit na ingestão ou por alimentação inadequada, mas ser devida, também, ao aumento da necessidade desta substância no organismo, como ocorre na gravidez, lactação, infecções crônicas, hipertireoidismo e, principalmente, no diabetes melito. Os sinais clínicos situam-se na pele, nas mucosas e nos olhos. A lesão mais evidente e mais comum é a queilite angular, na qual as comissuras labiais apresentam fissuras e maceração tecidual e há, além disso, glossite (ver Capítulo 72, Doenças da Cavidade Bucal e de seus Anexos). Nos olhos há prurido, ardência e fotofobia, podendo-se encontrar conjuntivite ao exame físico. Na pele, surge descamação eritematosa na face (asas do nariz e orelhas) e dermatite nas mãos, vulva, ânus e períneo. Nível sérico: 3 a 15 1-Lg/df.

.... Vitamina 83 (ácido nicotínico/niacina)

A vitamina B1 é um composto orgânico formado pelo tiazol e um anel pirimidínico. É hidrossolúvel e, por isso, facilmente absorvida no intestino delgado e no intestino grosso. É armazenada em vários tecidos e eliminada principalmente pelos rins e, em menor proporção, pelo suor. As necessidades de tiamina são de cerca de 1,2 mg/dia. As fontes alimentares de vitamina B1 são farelo de soja, aveia, espinafre, amendoim, castanha-de-caju e castanha-do-pará, germe de trigo e semente de girassol. O princípio ativo da tiamina - o pirofosfato - age como coenzima, catalisando as reações que mantêm em equihbrio os ácidos láctico e pirúvico, resultantes do metabolismo anaeróbio dos carboidratos. No sistema nervoso central, a carência desta vitamina causa edema e lesões degenerativas. Contudo, as maiores repercussões são no sistema nervoso periférico, cujas lesões degenerativas provocam polineuropatia beribérica (ver Capítulo 178, Doenças do Sistema Nervoso). A polineuropatia ocasiona dor, cãibras, sensação de fraqueza, principalmente nos membros inferiores, reflexos patelares diminuídos e, finalmente, extintos; perda do sentido vibratório e atrofias musculares (frequentes). Além disso, a carência de vitamina B1 produz edema da fibra miocárdica com dilatação cardíaca (cardiopatia beribérica). Nível sérico: 83 a 180 nrnol/df.

O ácido nicotínico é um ácido aminado que faz parte das coenzimas respiratórias I e II. É um potente vasodilatador. O ácido nicotínico é absorvido no estômago, intestino delgado, cólon, alça sigmoide e reto, sendo armazenado em todos os tecidos, mas principalmente aqueles com elevada concentração onde o metabolismo é mais intenso (músculos e eritrócitos). As necessidades diárias de niacina são cerca de 15 mg. As principais fontes alimentares são carne vermelha, peixe, leite e outras substâncias ricas em proteínas, principalmente as que apresentam alto teor de triptofano. A carência desta substância causa a pelagra, que se traduz por uma sintomatologia que costuma ser referida como a síndrome dos três "d": dermatite, diarreia e demência. A inflamação da pele (dermatite) apresenta lesões simétricas, com pele seca, áspera e descamativa, em áreas corporais expostas à luz solar, daí advindo o nome pelagra ('pelle" + 'agro", pele áspera). As lesões são mais intensas nas regiões onde há atrito (dorso da mão, punho, cotovelo e períneo). Associadas à diarreia, encontram-se astenia, inapetência, perda de peso e fraqueza muscular. A sintomatologia psíquica (demência) compreende irritabilidade, perda da memória, fobias e confusão mental.

..., Vitamina 82 (riboflavina)

..., Vitamina 85 (ácido pantotênico)

A riboflavina é uma combinação de ribose e isoaloxazina. Seu éster fosforado forma uma enzima carreadora de oxigênio que atua nos processos de oxidação e redução da respira-

O ácido pantotênico, como um componente da coenzima A, tem importante papel no metabolismo dos carboidratos, proteínas e gorduras.

127

I Vitaminas

As principais fontes de ácido pantotênico são fígado bovino, amendoim, ervilha, soja, arroz integral, brócolis, leveduras, gema de ovo, geleia real. A carência de ácido pantotênico manifesta-se por anorexia, irritabilidade, dormência e formigamento nas mãos e pés, insônia, astemia, hipotensão postura!, cefaleia. Níveis sanguíneos: 100 a 180 ~J-g/df.

. .,. Vitamina 86 (piridoxina) A piridoxina, o piridoxal e a piridoxamina são compostos orgânicos nitrogenados com um anel benzênico. Seus derivados fosforados adquirem atividade vitamínica quando se transformam em enzima ativa. A vitamina B6 atua principalmente no metabolismo dos aminoácidos, e suas necessidades diárias são 2 a 3 mg. Suas fontes alimentares são carne, fígado, frutas e cereais integrais. Os sinais e sintomas indicativos de carência desta vitamina incluem eritema pruriginoso na face e no couro cabeludo, lesões descamativas nos cotovelos, braços e pescoço, semelhantes às da pelagra; glossite, estomatite, neurite periférica, perda de peso, anorexia, depressão e convulsões (em crianças).

855

. .,. Vitamina C(ácido ascórbico) A vitamina C é um ácido levógiro (L-ascórbico), hidrossolúvel e estável quando exposto à luz solar. O ácido ascórbico é essencial para a manutenção da normalidade do tecido conjuntivo intercelular, ossos e dentes. É armazenado em todos os tecidos e excretado pela urina. As necessidades diárias de ingestão de ácido ascórbico são 45 mg. Suas fontes principais são frutas cítricas, alguns vegetais, como tomate e leite fresco. Convém ressaltar que a pasteurização destrói a vitamina C. A carência de vitamina C provoca uma enfermidade denominada escorbuto, cujos sinais e sintomas compreendem lesões das gengivas, as quais se tornam congestas, de cor vermelho-escura, friáveis e sangrantes; petéquias e equimoses disseminadas em toda a pele, mas com predomínio nas extremidades inferiores; hemorragias, como epistaxes, hematêmese e melena, mais frequentes em crianças do que em adultos; dores ósseas e musculares; comprometimento do estado geral; há febre, taquicardia, dispneia, palpitações e dilatação do coração. Nível sérico: 0,6 a 2,0 mg/df.

. . . Vitamina D(ergosterol) . . . Vitamina 812 (cianocobalamina) e ácido fólico A vitamina B 12 é a cianocobalamina, cuja complexa estrutura contém em sua fórmula, além de C, H, O e P, uma molécula de cobalto que é parte integrante da molécula. O ácido fólico é um derivado do ácido glutâmico e contém em sua estrutura o ácido para-aminobenzoico. A vitamina B12,juntamente com o ácido fólico, atua na eritropoese e sua carência produz anemia perniciosa (ver Parte 12, Sistema Hematopoético). As necessidades diárias de vitamina B 12 são 3 ~J-g. As fontes principais são os produtos de origem animal, principalmente fígado, rins, leite e ovos. A absorção da vitamina B12 depende da existência de um fator intrínseco no suco gástrico, o que não ocorre com o ácido fólico. A carência de ácido fólico ocorre devido à ingestão deficiente desta substância, cuja gênese quase sempre é o alcoolismo crônico. A vitamina B12> armazenada em grande quantidade, influencia o metabolismo dos carboidratos, proteínas e gorduras. São sinais de carência a anemia perniciosa e a anemia macrocítica da gravidez, que se manifestam por glossite, estomatite e faringite. Quando a deficiência é de vitamina B 12 e não de ácido fólico, ocorrem lesões dos nervos sensoriais e há dor intensa nas extremidades, parestesias, ataxia e exaltação dos reflexos. Tais sinais não são corrigidos com a administração de ácido fólico. Apenas a vitamina B 12 pode eliminá-los. Nível sérico: 190 a 900 ~J-g/df.

A vitamina D é um esteroide, ou seja, um derivado do núcleo básico do ciclopentanofenantreno. Seu precursor é o ergosterol, o qual, após irradiação pelos raios ultravioleta da luz solar, forma a vitamina D 2 ou calciferol. O 7 -desidrocalciferol, sofrendo a ação dos raios ultravioleta (na pele), transforma-se em vitamina D 3 , forma ativa da vitamina. A vitamina D é lipossolúvel. As necessidades diárias de vitamina D são 400 UI. Suas fontes principais são ovos e leite, sendo este último de maior importância porque também fornece cálcio e fósforo. A vitamina D é um dos fatores responsáveis pelo metabolismo do cálcio e do fósforo, atuando diretamente na absorção do cálcio pelo intestino - o que indiretamente favorece a absorção do fósforo - e regulando a perda renal de cálcio e fósforo, seja por ação direta nos rins ou por intermédio do paratormônio, mobilizado pelos níveis sanguíneos de cálcio. Nos ossos e nas cartilagens, sua ação favorece a incorporação do cálcio e do fosfato, promovendo a mineralização desses tecidos. A carência de vitamina D produz o raquitismo, cuja sintomatologia depende das alterações do esqueleto. Por falta de mineralização, os ossos apresentam consistência diminuída, com parada do crescimento nas cartilagens de conjugação, ocorrendo, então, deformidades nos ossos longos, principalmente dos membros inferiores, por estarem submetidos a maiores pressões, destacando-se o arqueamento das tl'bias. No crânio aparecem deformidades nos occipitais e zonas de descalcificação em outras áreas. O comprometimento das articulações condroesternais resulta em protrusão do esterno (tórax em quilha) e formação do "rosário raquítico" devido ao aumento de volume dessas ao longo do esterno. Baixa estatura e membros encurvados, principalmente os inferiores, são sinais sugestivos da carência de vitamina D (ver Capítulo 160, Doenças dos Ossos). Nível sérico: 15 a 80 ng/mf.

Parte 10

856

.,.. Vitamina K A vitamina K é um derivado da naftoquinona. É lipossolúvel e facilmente destruída pela luz. A vitamina K é absorvida no intestino delgado e não é facilmente estocável pelo organismo. As necessidades mínimas de ingestão diária são 105 f,Lg. As fontes naturais incluem fígado, gema de ovo, alface, espinafre e couve-flor. A vitamina K está intimamente associada à atividade da célula hepática e à coagulação do sangue. Carência de vitamina K pode ser ocasionada por fístula biliar e icterícia obstrutiva, pois a ausência de bile no trato intestinal impede sua absorção. O mesmo ocorre na diarreia croruca. A falta de vitamina K reduz a formação de protrombina pelo fígado, resultando, consequentemente, em sangramento por defeito na coagulação do sangue. A determinação do tempo de protrombina pode ser uma maneira indireta de se avaliar o déficit de vitamina K. Nível sérico: 0,09 a 2,2 ng/mf. A

'

I Sistema Endócrino e Metabolismo

Hlpervitaminoses

A hipervitaminose Aé provocada por ingestão excessiva e prolongada de vitamina A(retinol) e manifesta-se por anorexia, irritabilidade, insônia, cefaleia, erupções cutâneas, unhas frágeis, cabelos ásperos, alopecia, edema, gengivite. Ahipervitaminose 81, provocada por doses maiores que 400 mg/dia, manifesta-se por náuseas, prurido, urticária, hemorragia digestiva. Ahipervitaminose 831 provocada por doses maiores que 1.750 mg/dia de niacina, ácido nicotínico ou niacinamida, manifesta-se por náuseas, vômitos, arritmias, hiperbilirrubinemia e elevação das transaminases. Ahipervitaminose Cmanifesta-se por diarreia. Ahipervitaminose D(ergocalciferol e colecalciferol) manifesta-se por náuseas, vômitos, diarreia, tremores, cefaleia, hipercalcemia, litíase urinária. Ahipervitaminose Emanifesta-se por náuseas, vômitos, cefaleia, hipoglicemia, aumento do tempo de coagulação.

.,.. Bibliografia Cuppari L. Nutrição clínica no adulto. Manole, 2002. Porto CC, Porto AL. Vademecum de clínica médica. 3a ed. Guanabara Koogan, 2010.

128

Desnutrição •

Luis César Póvoa, Amando Mussachio, Amélio de Godoy Mattos eCelmo Celeno Porto

A desnutrição deve ser conceituada como um conjunto de carências de diversas naturezas, principalmente de proteínas, incluindo também deficiência de carboidratos, lipídios e micro nutrientes. Teoricamente poderia ocorrer carência isolada de qualquer aminoácido essencial, de uma ou outra vitamina, de algum mineral, mas, na prática, a desnutrição é uma soma de carências múltiplas, devido à falta de alimentos, em decorrência de hábitos alimentares errados, inclusive por dietas para emagrecimento mal orientadas, ou em razão de enfermidades (ver Capítulo 127, Vitaminas). A denominação deficiência calórico-proteica foi adotada pelo Comitê de Nutrição da FAO/WHO, o qual a subdividiu em três categorias:

• Kwashiorkor, incluindo o kwashiorkor marasmático • Marasmo, que inclui a caquexia • Inespecífica, que inclui famintos e subnutridos. Em crianças, a desnutrição é geralmente classificada em três graus em função do peso do desnutrido, relacionando-o com o esperado para a idade da criança, a saber: • Desnutrição leve: 85 a 90% do peso esperado • Desnutrição moderada: 75 a 84% do peso esperado • Desnutrição grave:< 74% do peso esperado. A desnutrição de 3R grau compreende o kwashiorkor e o marasmo.

Kwoshlorkor emarasmo No kwashiorkor, a deficiência é predominantemente proteica, sendo a in gesta calórica próxima do normal. No marasmo, adeficiência é global, de proteínas ede caI orias. No kwashiorkor, oinício da sintomatologia é rápido, mas a magreza é mascarada por edema que acomete até a face, a qual se torna arredondada (face de "lua cheia"). Diarreia intensa; dermatite com placas escuras disseminadas; alterações dos cabelos que se tornam sem brilho, quebradiços edescorados, às vezes, avermelhados; hepatomegalia (esteatose hepática) eapatia, com desinteresse pelo ambiente, anorexia e musculatura hipotrófica são características da enfermidade. No marasmo, o aparecimento da sintomatologia é insidioso e a extrema magreza é o sinal mais evidente; há perda de 60% ou mais do peso corporal. Apele é seca e sem brilho, mas não existe a dermatite que surge no kwashiorkor. Os cabelos não apresentam alterações de coloração. Di arreia pode ocorrer, mas é de intensidade menor do que no kwashiorkor. Não há hepatomegalia. Não ocorre anorexia nem apatia, mantendo-se o paciente interessado pelo ambiente.

Figura 128.1 Desnutrição por deficiência calórico-proteica.

Os fatores causadores de desnutrição podem ser esquematizados da seguinte maneira: • Fatores que interferem no consumo de alimentos: inapetência provocada por doenças infecciosas prolongadas ou alcoolismo, diarreia crônica, gastrenterites, úlcera péptica, anorexia e vômitos da gravidez, distúrbios psíquicos como depressão e anorexia nervosa • Fatores que interferem na absorção: ausência de sucos digestivos como na acloridria, icterícia obstrutiva e distúrbios pancreáticos, hipermotilidade intestinal como na colite ulcerativa, nas doenças diarreicas, uso de óleos minerais (laxativos) e substâncias catárticas, cirurgia gástrica ou intestinal, inclusive cirurgia bariátrica • Fatores que interferem no armazenamento ou na utilização: hepatites, cirrose hepática, alcoolismo, diabetes melito • Aumento de excreção por perdas: como nas queimaduras, sangramentos crônicos, glicosúria, albuminúria, lactação • Necessidades aumentadas de nutrientes: como ocorre na atividade física intensa, gravidez, lactação, febre, hipertireoidismo e nos períodos de crescimento rápido. Do ponto de vista clínico, a desnutrição é facilmente reconhecível nos seus estágios mais avançados por baixo peso corporal, sinais de emaciação com malares e costelas salientes, redução da massa muscular, pele seca, fria, apergaminhada, ausência de tecido subcutâneo, apatia e embotamento mental (Figura 128.1). Podem aparecer edema, as cite e derrame pleural em função da baixa concentração das proteínas plasmáticas.

.... Bibliografia Porto CC, Porto AL. Vademecum de clínica médica. 33 ed. Guanabara Koogan, 2010.

129

Metabolismo dos Lipídios Luis César Póvoa, Amando Mussachio, Amé/io de Godoy Mattos eCelmo Celeno Porto

metabólica, como se observa na descompensação do diabetes melito. O colesterol pode ser sintetizado pelas células hepáticas ou provir da ingestão de lipídios. Ele deriva basicamente de um núcleo chamado ciclopentanofenantreno, composto por três anéis hexagonais e um pentagonal. Deste núcleo derivam os esteroides sexuais e o ergosterol, precursor da vitamina D; sua metabolizaç.ão produz os ácidos biliares (eólico e desidrocólico ), fundamentais para a absorção de alguns alimentos.

.,. . Lipoproteínas As lipoproteínas dividem-se em:

.,. . Introdução Os lipídios são compostos orgânicos formados basicamente por ácidos graxos ((livres" encontrados no plasma (na verdade circulam ligados à albumina); fosfolipídios (com radical fosfato), como a lecitina e a cefalina; colesterol (gorduras neutras), apresentando-se livre ou esterificado, sendo este o modo no qual se encontram cerca de 70% do colesterol circulante; e, finalmente, por triglicerídios, que são ésteres de colesterol com ácidos graxos livres. Os lipídios, além da função plástica e de participação nas reações de fosforilação (fosfolipídios), atuam como sobressalentes de energia, sendo mobilizados para este fornecimento quando os carboidratos não estão disponíveis de imediato para as necessidades orgânicas. Sempre que a ingestão for superior às necessidades imediatas do organismo, há formação de triglicerídios, que são armazenados nas células do tecido adiposo. A síntese orgânica dos ácidos graxos ocorre a partir da acetilcoenzima A, produto final do metabolismo dos carboidratos no ciclo de Embden-Meyerhof por transformação do piruvato (ver Capítulo 125, Metabolismo dos Carboidratos). Os lipídios são digeridos e absorvidos no intestino principalmente por hidrólise dos triglicerídios que, sob a ação das lipases pancreáticas, são desdobrados em glicerol, di e monoglicerídios, sais de ácidos graxos (oleico, esteárico e palmítico) e ácidos graxos livres. A posterior emulsificação pela bile completa o processo de digestão. O papel do suco gástrico é insignificante. Alguns lipídios (fosfolipídios, por exemplo) podem ser absorvidos com a molécula intacta. Uma vez absorvidos, os lipídios são ressintetizados e transportados no plasma, conjugados com proteínas, formando lipoproteínas. Em algumas situações, os ácidos graxos podem ser metabolizados para produção de energia, como ocorre na falta absoluta de insulina, que torna impossível a metabolização dos carboidratos para fornecimento de energia. Aí, então, os lipídios tornam-se a principal fonte energética. A lipólise, sob a ação da epinefrina, produz ácidos graxos livres, e sua forma ativa (acilcoenzima A) é metabolizada, produzindo energia, mas provocando um aumento da acetilcoenzima A, cuja condensação com o oxalacetato é dificultada pelo excesso de moléculas de hidrogênio provenientes do sistema citocromo oxidase, utilizados para metabolizar os ácidos graxos. Há também acúmulo de corpos cetônicos (beta-hidroxibutírico, acetoacético e acetona), que podem causar acidose

• Quilomícrons: substâncias de densidade muito baixa (menor que 0,95), compostas principalmente por triglicerídios exógenos (85%); os demais componentes são os fosfolipídios (3%), colesterol (lO a 3% livres, 7% ésteres), proteínas (2%). • Pré-betalipoproteínas: substâncias de muito baixa densidade (0,95 a 1,006 - VLDL: very low density lipid), compostas principalmente por triglicerídios endógenos (55%), sendo os demais componentes os fosfolipídios (22%), colesterol (13 a 5% livres, 8% ésteres), proteínas (lO%). • Betalipoproteínas: apresentam baixa densidade (1,006 a 1,063 - LDL: low density lipid) e são compostas principalmente de colesterol (45 a 8% livres, 37% ésteres), sendo os demais componentes os triglicerídios (12%), os fosfolipídios (22%) e as proteínas (21%). • Alfalipoproteínas: têm alta densidade (1,063 e 1,21 - HDL: high density lipid) e são compostas principalmente por proteínas (50%), sendo os demais componentes os triglicerídios (6%), os fosfolipídios (26%), o colesterol (18 a 3% livres, 15% ésteres). Os valores de referência para os níveis de normalidade de colesterol total e de suas frações de maior interesse, segundo orientação do Grupo de Estudos e Pesquisas em Aterosclerose (GEPA), da Sociedade Brasileira de Cardiologia, encontram-se no Quadro 129.1. Valores de referência para os nrveis de normalidade de colesterol (IV Diretrizes sobre Dislipidemias- SBC, 2007). Níveis sé ricos de colesterol total: • Ótimo: < 200 mg/df • limítrofe: 200 a 239 mg/df • Elevado: > 240 mg/df Níveis séricos de LDL-colesterol: • Alto risco: > 160 mg/df • Médio risco: 130 a 160 mg/df • Baixo risco: 100 a 130 mg/df Níveis sé ricos de HDL-colesterol: • Como fator protetor: > 60 mg/df • Padrão normal: 39 a 59 mg/df • Como fator de risco: < 40 mg/df Níveis séricos de triglicerídios: • Crianças:< 100 mg/df • Desejável:< 150 mg/df • limítrofe: 150 a 200 mg/df • Aumentado: > 200 mg/df

129

I Metabolismo dos lipídios

..,. Distúrbios do metabolismo dos lipídios As alterações do metabolismo dos lipídios são fundamentalmente as dislipidemias ou hiperlipoproteinemias.

• Dislipidemias Dislipidemia significa um desvio anormal no valor de uma ou mais frações lipídicas do plasma. A relação entre alterações dos lipídios e doença arterial coronariana está comprovada experimental, epidemiológica e clinicamente. As dislipidemias compreendem vários tipos de alterações que ocorrem isolada ou associadamente, destacando-se: (1) hipercolesterolemia isolada (aumento do colesterol total e/ou do LDL-colesterol); (2) hipertrigliceridemia isolada (aumento dos triglicerídios); (3) hiperlipidemia mista (aumento do colesterol total e dos triglicerídios); (4) HDL-colesterol diminuído. Do ponto de vista etiológico, podem ser primárias, em virtude de distúrbios genéticos, alguns dos quais só se manifestam por influência ambiental, principalmente os relacionados com a alimentação; e secundárias, causadas por outras doenças (diabetes, hipotireoidismo, síndrome nefrótica, hepatopatia obstrutiva, obesidade) ou uso de medicamentos (corticoides, diuréticos, betabloqueadores). As manifestações clínicas mais frequentes são as descritas a seguir. .,. Arco corneano. É um sinal frequente de hipercolesterolemia, mais específico quando se manifesta na infância, adolescência, ou antes dos 50 anos. .,. Xantomas e xantelasmas. São depósitos de lipídios na pele ou tendões, de cor amarelada, geralmente relacionados com hiperlipidemia de longa duração. São classificados em xantelasma (xantomas nas pálpebras); xantomas eruptivos, podendo localizar-se nas nádegas, dorso, ombros, joelhos e cotovelos; xantomas tuberosos, xantomas tendinosos (tendão de Aquiles e dorso das mãos e pés) e xantomas palmares. Cumpre ressaltar que xantomas podem aparecer em outras afecções, como doenças malignas linfoproliferativas e cirrose biliar primária. Em alguns casos não há causa subjacente. .,. Pancreatite. Associada a níveis elevados de triglicerídios, geralmente acima de 500 mg/d.t'. .,. Causas de dislipidemias. Entre as causas mais comuns de dislipidemias secundárias estão dieta inadequada, com alto teor de gorduras, ingestão excessiva de bebidas alcoólicas, diabetes, obesidade, hipotireoidismo e medicamentos (tiazídicos, betabloqueadores). O diagnóstico das dislipidemias é eminentemente laboratorial; contudo, a valorização dos valores encontrados deve considerar a idade, o sexo, a história familiar, se há doenças em curso e o uso de medicamentos.

• Síndrome metabólica Entre 2005, a American Heart Association e o National Heart, Lung and Blood Institute validaram os seguintes critérios para o diagnóstico da síndrome metabólica (observação de pelo menos três elementos): • Circunferência abdominal o Homens: > 102 em o Mulheres: > 88 em • Pressão arterial: ~ 130/85 mmHg

859 • Glicemia:~ 100 mg/d.t' • Triglicerídios: > 150 mg/df • Colesterol HDL o Homens:< 40 mg/df o Mulheres: < 50. As causas e fatores de risco são genética, alimentar (inadequação) e sedentarismo. A síndrome metabólica está relacionada com diabetes, doença arterial coronariana e doença arterial carotídea, síndrome de ovários policísticos, esteatose hepática, hiperuricemia, microalbuminúria, estados pós-trombótico, disfunção endotelial.

• Doença de Gaucher e doença de Niemann-Pick Algumas alterações do metabolismo lipídico afetando o sistema reticuloendotelial são raras, devendo ser lembradas a doença de Gaucher e a doença de Niemann-Pick. Na doença de Gaucher há acúmulo de glicocerebrosídios, possivelmente por defeito enzimático que impede seu catabolismo nas células reticuloendoteliais do baço, fígado e medula óssea. Pode ocorrer em crianças, jovens e adultos. Dores ósseas e articulares, hepatoesplenomegalia, lesões neurológicas, icterícia, coloração marrom-amarelada da pele, principalmente nas zonas expostas, anemia, leucopenia e trombocitopenia são suas principais manifestações clínicas. A doença de Niemann-Pick é causada pelo acúmulo de fosfolipídios, especialmente a esfingomielina por deficiência na atividade de esfingomielinase ácida. Há incidência predominante na raça judaica, sendo seis vezes mais frequente em mulheres do que em homens, e sua sintomatologia se inicia na infância. Hepatoesplenomegalia, retardo mental e convulsões são as principais manifestações.

Dlsllpidemias e aterosderose Omaior interesse clínico das dislipidemias é a sua estreita relação com a aterosclerose. Aaterosclerose, cuja lesão essencial ocorre na placa ateromatosa, tem em sua gênese vários componentes (proliferação de células musculares, acúmulo de colágeno e de fibrina), sendo omais importante odepósito de colesterol (ver Capítulo 56, Doenças das Artérias). Por isso, o parâmetro metabólico de maior significado no aumento do risco de aterosclerose precoce é a elevação do nível do colesterol total. Valores de 200 mg/d.e já significam maior probabilidade de aterosclerose, e o risco aumenta progressivamente à medida que os valores de colesterol se elevam. Ahipercolesterolemia de origem exógena, por aumento de ingesta, tem tanta importância quanto a de caráter familiar, que é decorrente do excesso de produção automática do organismo. Sabe-se que a maior parte do colesterol plasmático está ligada às lipoproteínas beta (lOl-colesterol) e, portanto, as dislipidemias do tipo 11 da classificação de Fredrikson (em que as lDl estão aumentadas) são as de maior risco, principalmente se ostriglicerídios estiverem concomitantemente aumentados, como ocorre no tipo llb e no tipo 111. Aelevação do colesterol VlDl não tem a mesma importância se for isolada, pois os triglicerídios, que são seu maior componente, por si sós não parecem sertão aterogênicos. Se, contudo, houver diabetes associado, como ocorre com frequência no tipo IV, o risco de aterosclerose aumenta. Resta ressaltar a influência das lipoproteínas alfa, de alta densidade (H Dl-colesterol). Elas exercem influência protetora contra o desenvolvimento da aterosclerose e, assim, valores altos de HDl-colesterol protegem contra a aterosclerose, e pequenas variações para menos de seus níveis, principalmente se estiverem abaixo dos valores inferiores da normalidade, aumentam o risco.

Parte 10

860

• Obesidade A denominação obesidade não identifica uma alteração primária ou específica do metabolismo dos lipídios. Com mais propriedade, a obesidade pode ser considerada um distúrbio do tecido adiposo, envolvendo a estocagem, a mobilização e a metabolização dos lipídios, que resulta em acúmulo excessivo de gordura. O tecido adiposo é o maior órgão armazenador de energia do corpo, no qual se depositam as calorias ingeridas em excesso, e é a fonte principal de energia nos períodos em que as necessidades energéticas não podem ser supridas por outras fontes- jejum e atividade física prolongada, por exemplo. Nos indivíduos normais, o tecido adiposo constitui cerca de 10 a 20% do peso corporal. Nos obesos constitui aproximadamente 50%. A conceituação de "obesidade~ entendida como peso corporal acima do normal, é bastante arbitrária. Admite-se que excesso de peso corporal de até 10% acima do peso ideal, calculado em função da altura, idade e sexo, deve ser considerado apenas como "peso aumentado': Acima desses limites, caracteriza-se a obesidade. Assim, por exemplo, um homem de 40 anos com 1,70 m de altura teria um peso ideal de 66,500 kg e, portanto, até 73,100 kg (lO% a mais) seria considerado aumento de peso; acima desse limite, obesidade. Tratando-se de mulher com a mesma altura, o peso ideal seria 63 kg e, portanto, acima de 69,300 kg (10% a mais) já seria reconhecido como obesidade. A classificação da obesidade em leve quando o peso corporal está entre 10 e 15% acima da referência, moderada quando se situa entre 15 e 30% acima e grave quando superior a 30% é artificial e apenas codifica números sem interesse teórico ou prático, já que não explica diferenças na etiologia, nas consequências, na evolução ou nas medidas terapêuticas a adotar. A espessura da prega da pele, medida geralmente na região do tríceps, usada como diagnóstico de obesidade quando excede 23 mm em homens adultos e 30 mm em mulheres, também é questionável como expressão do volume de gordura no organismo e não deve ser usada como parâmetro para avaliação de emagrecimento, a não ser quando for impossível a determinação do peso corporal, como ocorre, por exemplo, nos pacientes imobilizados no leito por aparelho gessado. É importante salientar que, embora o índice de massa corpórea tenha suprido falhas das tabelas que relacionam peso, altura e sexo, nenhum índice conseguiu resolver o problema de como medir o tecido gorduroso. Para isso têm surgido métodos, como a densitometria e a bioimpedância. A densitometria é amplamente empregada para detectar osteoporose, já que, ao medir a quantidade de osso no corpo de alguém, também mede-se a gordura existente neste corpo. Já na bioimpedância, existe um aparelho que utiliza minicorrente elétrica ligando as extremidades, isto é, da mão até o pé. O tecido gorduroso tem pouca água, diferentemente do

Oassificação de acordo com o índice de massa corpórea (IMO, resultado da divisão do peso pela altura ao quadrado (kglm2) • • • • • •

Peso abaixo do normal:< 18,4 kg/m 2 Peso saudável: 18,5 a24,9 kg/m 2 Sobrepeso: 25 a29,9 kg/m 2 Obeso classe 1: 30 a34,9 kg/m 2 Obeso classe 11: 35 a39,09 kg/m 2 Obeso classe 111 (obesidade mórbida): > 40 kg/m 2•

I Sistema Endócrino e Metabolismo

tecido muscular. A corrente é bem conduzida na água; assim, é possível fazer uma diferenciação entre o que o indivíduo tem de gordura e a sua massa magra. É necessário esclarecer que todos esses índices buscam avaliar a proporção de gordura na composição corporal. Para se confirmar a desnutrição de um indivíduo, não basta somente apresentar o peso abaixo do mínimo indicado nas tabelas. A desnutrição em adultos requer utilização de dosagens bioquímicas. Também é verdade que um indivíduo com baixo peso, muito provavelmente por estar no seu limite crítico de equih'brio orgânico, pode tornar-se desnutrido em situações nas quais, obviamente, isto não aconteceria. Na obesidade ocorre aumento do número e do tamanho dos adipócitos, que são as células armazenadoras de gordura. Tais alterações podem ocorrer na infância, quando há aumento da ingestão de alimentos, muitas vezes por imposição materna, e . , . tornam-se trreverstvets. O acúmulo de gordura com consequente aumento do volume do tecido adiposo é influenciado por vários fatores, incluindo os genéticos, hormonais (leptina, resistina e grelina), psicológicos, culturais, endócrinos, hipotalâmicos, medicamentos (contraceptivos orais, antidepressivos tricíclicos, corticoides, anti-histamínicos). Cada um desses fatores, isoladamente ou associados, pode ser reconhecido como causa de obesidade, devendo ser avaliados para se adotarem condutas terapêuticas adequadas. Como fatores genéticos entende-se a tendência familiar para aumento de peso, que pode ter origem em hábitos alimentares. Pela anamnese se evidenciam os casos de obesidade na família (ancestrais ou colaterais). Fatores psicológicos que causam ansiedade têm como consequência a ingestão exagerada de alimentos, seja em quantidade, seja na regularidade das refeições, portanto devem ser investigados. Por fatores culturais entendem-se o tipo e a quantidade de alimentos ingeridos, a frequência e também os hábitos de vida em geral, como o tipo de trabalho desempenhado e as atividades físicas ou esportivas executadas. À anamnese poder-se-á estabelecer se há predomínio de alimentos com alto teor de carboidratos (arroz, batata, massas, doces, sorvete, pão) ou se a dieta é variada; se há consumo exagerado de refrigerantes, os quais contêm cerca de 30% de açúcar; quanto ao número de refeições principais, se há refeições intermediárias; se o tipo de trabalho requer pequena, média ou grande atividade física; se há prática regular de exercício físico ou se o paciente é sedentário. Homens e mulheres não acumulam gordura nas mesmas áreas do corpo. No homem, a gordura tende a se armazenar na parte superior do corpo (obesidade tipo androide ou central) ou na região abdominal, como um "pneu': A morfologia corporal lembra o formato de uma maçã. Nas mulheres, predomina o acúmulo nos quadris e nas coxas (obesidade tipo ginecoide ou periférica), cujo formato assemelha-se ao de uma pera (Figura 129.1). Estes dois tipos de obesidade podem ser mais bem identificados pela circunferência abdominal, cujos valores são os seguintes: • Mulheres: 88 mm • Homens: 102 mm. Embora influenciada pelo acúmulo de gordura subcutânea, a circunferência da cintura não é indicativo confiável de gordura visceral, a qual só pode ser corretamente avaliada por tomografia computadorizada e ressonância magnética, porém

129

I Metabolismo dos lipídios

861

Figura 129.1 fndice cintura-quadril. Figura 129.2 Ressonância magnética do abdome mostrando a gordura subcutânea e a visceral.

esse tipo de avaliação não é utilizado na prática cotidiana (Figura 129.2). Em comparação à gordura subcutânea, a gordura visceral apresenta um elevado turnover metabólico, estando diretamente relacionada com distúrbios metabólicos (dislipidemia, tolerância reduzida à glicose) e cardiovasculares (acidente vascular cerebral, cardiopatia isquêmica). Por isso, os homens obesos apresentam risco cardiovascular maior do que as mulheres, desde que o excesso de gordura nelas seja armazenado nos quadris e nas coxas (obesidade tipo ginecoide). Algumas doenças endócrinas produzem aumento do peso corporal e devem, por isso, ser sempre consideradas na avaliação de um paciente obeso. Hipotireoidismo é uma delas, sendo facilmente reconhecível pela sintomatologia característica (fala lenta, arrastada e sem inflexões; queda de cabelos, face inexpressiva, edema facial, principalmente nas pálpebras; pele seca, descamativa, inelástica e com infiltração subcutânea). As dosagens de T3, T4 e TSH confirmam o diagnóstico. A síndrome de Cushing também deve ser lembrada quando se examina um paciente obeso com hipertricose, estrias violáceas no abdome, coxas e mamas, acúmulo de gordura no dorso e nuca formando uma "gibà' e distribuição central de gordura (não incide nos membros), ao contrário da distribuição universal na obesidade simples (Figura 129.1). Na obesidade de origem hipotalâmica (síndrome de Laurence-Moon-Biedl), chamam a atenção a deficiência mental, a genitália infantil, a ausência de caracteres sexuais secundários, distância puboplantar maior

que a pubovértice (hipogonadismo), retinite pigmentar e polidactilia ou sindactilia. O diagnóstico de obesidade deve considerar todos esses fatores, atentando-se, também, para a possibilidade de coexistir com outra enfermidade, como o diabetes, muitas vezes desencadeado ou agravado pela obesidade, a hipertensão arterial, irregularidades menstruais e aterosclerose (ver Parte 1, Semiologia Geral). A obesidade está relacionada com inúmeras enfermidades, mas nem sempre é corretamente considerada no diagnóstico e no tratamento da hipertensão arterial das dislipidemias, do diabetes, da insuficiência cardíaca, além de outras.

..,. Bibliografia Consenso Latino-Americano de Obesidade. Disponível no site www.obeso. org.br. IV Diretrizes Brasileiras sobre Dislipidemias. Arq Bras Cardiol. 88 (Supl. I): Abril, 2007. Kannel WB et ai. Regional obesity and risk of cardiovascular disease. J Clin EpidemioL 44:153-90, 1991. Porto CC, Porto AL. Vademecum de clfnica médica. 3• ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2010. Porto CC. Fatores de risco e doenças cardiovasculares. In: Porto CC, Porto AL. Doenças do coração: prevenção e tratamento. 2a ed. Guanabara Koogan, 2005. Póvoa LC. Endocrinologia. São Paulo: Sarvier, 1984.

130

Metabolismo da Á a e dos Eletrólitos Luis César Póvoa, Amando Mussachio, Amé/io de Godoy Mattos eCelmo Celeno Porto

. .,. Introdução No organismo humano, a água é responsável por 50 a 70% do peso corporal, sendo esta proporção menor em obesos pela pouca afinidade do tecido adiposo com a água. Na água corporal acham-se dissolvidos os eletrólitos, que são átomos (ou grupos de átomos) com carga elétrica, denominados íons. Os íons com carga positiva são os cátions; e os com carga negativa sao os amons. A concentração de eletrólitos é medida pelo número de miliequivalentes por litro (mEqt.e), sendo 1 miliequivalente o milésimo de 1 equivalente, que é o peso atômico da substância dividido por sua valência. Esta concentração pode também ser expressa em milimoles por litro, sendo o milimol o milésimo de um mol, que é o peso molecular expresso em gramas. Quando a valência da substância é igual a 1, o milimol e o miliequivalente têm o mesmo valor. A quantidade de miliequivalentes no líquido determina sua pressão osmótica, que é a força de atração que o soluto exerce sobre o solvente e que, no caso, resulta em passagem de água da região de menor pressão para a de maior pressão, mantendo o equilíbrio osmótico. A pressão osmótica é medida em miliosmóis por litro, sendo miliosmol o milésimo do osmol, que é a pressão exercida por um equivalente. A osmolaridade da solução é a pressão osmótica total que resulta da soma dos miliequivalentes nela existentes. A água orgânica está dividida em dois compartimentos: o intracelular, que contém 2/3 (66%) da água total, representando 40% do peso corporal, e o extracelular, que contém 1/3 da água total, representando 20% do peso corporal. O compartimento extracelular compreende o plasma sanguíneo, que contém 25% (1/ 4) da água extracelular; a linfa; o líquido cefalorraquidiano e os líquidos intersticiais dos tecidos, que, em conjunto, correspondem a 75% (3/4) da água extracelular. A concentração de eletrólitos nos líquidos extracelulares difere da dos intracelulares. No plasma, o principal cátion é o sódio (Na), com 142 mEq/f . Os demais são o potássio (K), com 5 mEq/f ; o cálcio (Ca), com 5 mEq/f; e o magnésio (Mg), com 3 mEq/f. Dos ânions, o cloro (Cl) é o de maior valor, com 103 mEq/f, sendo os demais o bicarbonato (HC03), com 27 mEq/f ; as proteínas, com 16 mEq/.f; outros ânions orgânicos não protei•

-

A



cos, com 6 mEq/.f; e o fosfato (HP0 4) somado ao sulfato (S0 4), com 3 mEq/f. No compartimento intracelular, o principal cátion é o potássio (150 mEq/.f). Os outros são o magnésio (40 mEq/.f) e o sódio (lO mEq/f). Dos ânions, o fosfato e o sulfato têm o maior valor ( 150 mEq/.e), seguidos das proteínas (40 mEq/ f ) e do bicarbonato (1O mEq/ f ). A osmolaridade do plasma é, portanto, de 310 mOsm/.e, que é a soma dos miliequivalentes existentes. A das células é um pouco mais alta (400 mOsm/f), porém existe um equih'brio osmótico entre os compartimentos intra e extracelulares pelo movimento constante de água através da membrana celular. Além do equilíbrio osmótico, os líquidos extracelulares, notadamente o plasma, mantêm-se em equilíbrio acidobásico. Existem, dissolvidas nos líquidos extracelulares, substâncias "ácidas", que podem liberar íons hidrogênio, e substâncias "bases': receptoras de hidrogênio. A concentração de íons H+ existentes no líquido orgânico é expressa em pH, que representa o logaritmo negativo da concentração de H+ em moles por litro de solução. O pH da água é 7 (dissocia-se em igual número de H+ e OH). O pH normal do sangue oscila entre 7,36 e 7,44, ou seja, tem uma reação fracamente básica ou alcalina. O pH do sangue é mantido pelos seguintes mecanismos: ( 1) "tampões" químicos, sendo o mais importante o sistema ácido carbônico-bicarbonato; (2) mecanismos respiratórios que eliminam ácido carbônico, produto ácido final do metabolismo; (3) pelo trabalho dos rins, os quais eliminam excessos de ácidos e de bases. A manutenção da quantidade de água no organismo é dependente do equihbrio entre o ingerido e o excretado. Habitualmente são ingeridos diariamente 1.200 m.e da água existente nos líquidos naturais e 1.000 m.e nos alimentos sólidos, havendo ainda a água fornecida pelo metabolismo endógeno, que é de aproximadamente 300 m.e, totalizando, portanto, um aporte de 2.500 mf de água por dia. São excretados, por outro lado, a cada 24 h, 2.500 m.e de água, sendo 1.400 m.e de urina, 1.000 mf pela persp~ação insensível (eliminação de água pela pele e pelos pulmoes) e 100 m.e pelas fezes. Para a homeostase da água, vale dizer, para a manutenção do equih'brio entre o ingerido e o excretado, intervêm o centro hipotalâmico da sede, que, sensível às necessidades do organismo, regula a ingestão voluntária, e fatores hormonais que atuam no sistema tubular renal, representados pelo hormônio antidiurético (ADH), secretado pela neuro-hipófise, que promove reabsorção de água sempre que a pressão osmótica do compartimento extracelular excede a do intracelular, e pela aldosterona produzida na zona glomerulosa da suprarrenal, que promove a reabsorção de sódio com consequente retenção de água e aumento da excreção de potássio.

. .,. Distúrbios do metabolismo da água e dos eletrólitos As alterações do metabolismo da água e dos eletrólitos compreendem a deficiência e o excesso de água, a hiponat~e­ mia e a hipernatremia, a hipopotassemia e a hiperpotassem1a, a acidose e a alcalose, a hipocalcemia e a hipercalcemia.

130

I Metabolismo da Águaedos Eletrólitos

• Deficiência de água A deficiência de água pode ser decorrente da privação de líquidos por inexistência absoluta de água, impossibilidade de deglutição, ausência da sensação de sede ou por excesso de eliminação por falta de produção de hormônio antidiurético (diabetes insípido), cetoacidose diabética, diarreia, vômitos, sudorese intensa, queimaduras. Do ponto de vista prático, pode-se estimar o grau de desidratação por dados clínicos, relacionando-o com a provável perda de peso corporal, o que serve, inclusive, para orientar a reidratação. Os sinais e sintomas são fraqueza, apatia, aumento da sede (exceto nos casos de lesão do centro da sede), perda de peso, pele seca, diminuição da sudorese com axilas e virilhas secas, língua seca com fissuras, saliva escassa, diminuição do turgor da pele. Nos casos graves há febre, alucinações e delí.rio. Os dados laboratoriais variam de acordo com a etiologia da deficiência, porém na maioria dos casos há hemo concentração com hematócrito acima de 50% do nível considerado normal.

• Excesso de água ou intoxicação aquosa O excesso de água, também chamado de intoxicação aquosa, pode ocorrer por excesso de secreção do hormônio antidiurético, perda da capacidade renal de excreção da água (insuficiência renal aguda, insuficiência cardíaca congestiva), excesso de administração de água, principalmente por via parenteral ou retal. Os sinais e sintomas são fraqueza, apatia, alterações do comportamento, convulsões, pele úmida, quente, congesta e edemaciada. Laboratorialmente constatam-se hematócrito e hemoglobina diminuídos pela diluição, porém o volume globular médio é aumentado em decorrência de a pressão osmótica da célula ser maior do que a do plasma.

• Hiponatremia A perda de sódio, associada ou não à água, pode ocorrer pelo trato gastrintestinal (diarreia, vômitos, fístula biliar e aspiração por sonda), pela pele (sudorese intensa, queimaduras, lesões exsudativas), por sequestração no próprio organismo (obstrução intestinal, peritonite, trombose da veia porta), através dos rins (nefrites, acidose diabética) ou pelo uso de medicamentos (diuréticos, inibidores da anidrase carbônica). Se a perda de água for rápida, o quadro clínico será de choque. Se for gradativa, ocorrem fraqueza, especialmente quando o paciente se põe de pé (muitas vezes com hipotensão postural), apatia, cefaleia e sensação vertiginosa. Confusão mental e delírio aparecem nos casos graves.

Desidratação

• Desidratação leve (até 2% do peso corporal): sede moderada, pelee mucosa oral comumidade discretamente diminuída; axilas evirilhas secas • Desidratação moderada (3 a 5% do peso corporal): sede acentuada, adinamia, queda do estado geral, turgor e elasticidade da pele discretamente diminuídos; discreta hipotonia dos globos oculares; mucosa oral bem seca • Desidratação intensa (6 a 10% do peso corporal): sede intensa, incapacidade física e mental, língua muito seca e enrugada; turgor e elasticidade da pele muito diminuídos; acentuada hipotonia dos globos oculares; taquicardia e hipotensão arterial.

863 Ao exame físico verificam-se perda do turgor e diminuição da elasticidade da pele, globos oculares deprimidos, reflexos profundos diminuídos ou abolidos, hipotensão ortostática. Na hiponatremia, os dados laboratoriais são elevação do hematócrito e do volume globular médio, dimin uição do sódio, do cloro ou do bicarbonato. O potássio está geralmente elevado. Na hiponatremia a concentração de sódio no soro é menor que 130 mEq/.e, sendo a alteração eletrolí.tica mais comum em pacientes hospitalizados. A hiponatremia pode ser hipervolêmica, normovolêmica e hipovolêmica. Os pacientes com edemas (por insuficiência cardíaca congestiva, cirrose, síndrome nefrótica, insuficiência renal) apresentam com frequência hiponatremia hipervolêmica. A hiponatremia normovolêmica é provocada por medicamentos, estresse (traumatismo, cirurgia). Outra causa é a secreção inapropriada de hormônio antidiurético. A hiponatremia hipovolêmica é decorrente de perda gastrintestinal (vômitos, diarreia, fístulas, peritonite) e renal (uso excessivo de diuréticos, diurese osmótica, diurese pós-obstrutiva). A pele pode ser um meio de perda de líquidos e eletrólitos (sudorese profusa, queimaduras).

• Hipernatremia O excesso de sódio em geral está associado a excesso de água e sua expressão clínica é o edema, quase sempre com aumento da secreção de aldosterona. As causas mais comuns de edema com retenção de sódio são insuficiência cardíaca congestiva (falência da bomba propulsora), redução da concentração da albumina sérica (cirrose hepática, síndrome nefrótica), hiperaldosteronismo primário, síndrome de Cushing, uso de medicamentos anti-inflamatórios e de corticoides e infusão excessiva de soluções contendo sódio. Os sinais e sintomas das enfermidades causadoras de edema estarão evidentes juntamente com os de hiperosmolaridade, que causam comprometimento cerebral traduzido por confusão, embotamento, apatia e finalmente coma. Os exames laboratoriais mostrarão elevação do sódio (acima de 145 mEq/1.), com potássio normal ou ligeiramente diminuído.

• Hipopotassemia Potássio sérico abaixo de 3,5 mEq/1. caracteriza hipopotassemia ou hipocalemia e causa alcalose metabólica. A hipopotassemia ocorre devido a diminuição da ingestão, absorção diminuída (esteatorreia, doença de Crohn), perda urinária aumentada (hiperaldosteronismo, síndrome de Cushing, pielonefrite crônica, acidose tubular renal, síndrome de Fanconi, uso de diuréticos), transferência intra e extracelular (cetoacidose diabética, após tratamento insulí.nico). Os sinais e sintomas incluem anorexia, vômitos, fraqueza muscular, distensão abdominal, desaparecimento do peristaltismo intestinal (silêncio abdominal à ausculta) e abolição de reflexos. Laboratorialmente há hipopotassemia plasmática, mas o ECG é o melhor avaliador da hipopotassemia, encontrando-se achatamento da onda T, com espaço QT aumentado, onda U nos casos avançados e onda T negativa com onda U muito ampla, acompanhada de depressão do segmento ST nos casos graves.

864

• Hiperpotassemia A hiperpotassemia (potássio sérico acima de 5,0 mEq/i) aparece juntamente com a acidose e pode ocorrer devido a administração exagerada de potássio, necrose tecidual e excreção diminuída por oligúria ou anúria (insuficiência renal). Determinados medicamentos, como agentes antineoplásicos, heparina, diuréticos poupadores de potássio (espironolactona, triantereno), podem causar aumento da concentração sérica de potássio. Os sintomas de hiperpotassemia são fraqueza muscular, paralisia flácida, bradicardia, extrassístoles e parada cardíaca em diástole, que pode ser o resultado final desta alteração. Dos exames complementares, além de potássio sérico acima de 5 mEq/.e, o ECG mostra ondas T pontiagudas, aumento do espaço PR e ausência de onda P.

• Acidose ealcalose Acidose e akalose são modificações do pH sanguíneo decorrentes do aumento ou da diminuição da concentração sanguínea de íons H+. O pH normal do sangue oscila entre 7,36 e 7 ,44. Ocorrendo aumento da concentração de íons H +, o pH estará abaixo de 7,36, configurando a acidose. Se houver diminuição de íons H+, o pH ficará acima de 7,44, o que configura a alcalose. Tanto a acidose quanto a alcalose podem ter causa respiratória ou metabólica. Na acidose respiratória há aumento de C02 e ácido carbônico, o que pode decorrer de excesso de inalação de co2 (anestesia). Pode ocorrer também em consequência de lesões que interferem com a respiração, diminuindo a eliminação do dióxido de carbono (edema agudo do pulmão, fibrose pulmonar, enfisema, bronquite crônica, pneumotórax, hemotórax, intoxicação por ópio, morfina ou barbitúricos). A sintomatologia é a da doença básica associada a astenia, cefaleia, arritmias cardíacas, sonolência e torpor, além de cianose. Laboratorialmente, na fase descompensada, encontra-se Pco2 elevada (acima de 40 mmHg), com bicarbonato padrão e excesso de base normais. O potássio geralmente está aumentado. A acidose metabólica é causada por excesso de produção de ácidos (acidose diabética, láctica ou de jejum, anestesia, tireotoxicose), ingestão exagerada de ácidos (administração de cloretos), retenção de ácidos (doenças renais) ou perda excessiva de bases (diarreias, fístulas do intestino delgado ou biliares, acidose tubular renal). Os sinais e sintomas são os da doença básica, aos quais se associam astenia, cefaleia, vômitos, arritmias cardíacas e dores abdominais. Nos dados laboratoriais, na fase descompensada, encontra-se Pco2 normal, com bicarbonato padrão baixo e excesso de base com valor negativo.

Parte 10

I Sistema Endócrino e Metabolismo

Na alcalose respiratória há diminuição da Pco2 alveolar por hiperventilação. Eliminando-se grandes quantidades de C02 , aumenta-se a relação bicarbonato-ácido carbônico. As causas mais frequentes são insuficiência cardíaca (fase inicial), choque, doenças infecciosas, asma brônquica, hiperventilação pulmonar (ansiedade, dispneia suspirosa). Os sinais e os sintomas incluem tonturas, parestesias, formigamento nas extremidades, palpitações, tremores e sudorese, além de tetania (espasmo carpopedal, sinais de Trousseau e de Chvostek) (Figura 130.1). Laboratorialmente, observa-se P c~ baixa com bicarbonato padrão normal e cloro plasmático elevado. Na alcalose metabólica ocorre excesso de base (bicarbonato) ou perda de íons H+, produzindo aumento da relação bicarbonato-ácido carbônico. As causas de alcalose metabólica são ingestão exagerada de bicarbonato, lactato, citrato, perda de ácido clorídrico por vômitos, aspiração gástrica ou diarreia em recém-nascidos, uso prolongado de diuréticos e hipercalcemia prolongada. Os sinais e sintomas compreendem respiração lenta, fraqueza e íleo paralítico (hipopotassemia), além de tetania. Laboratorialmente encontra-se Pco2 normal com bicarbonato padrão elevado e cloro baixo. Hipocalcemia e hipercalcemia serão estudadas no Capítulo 131, Metabolismo do Cálcio, Ferro, Magnésio, Zinco e dos

Oligoelementos.

A

8 Figura 130.1 Tetania desencadeada pela compressão da artéria braquial

(sinal de Trousseau).

131 Metabolismo do Cálcio, Ferro, Magnésio, Zinco e dos Luis César Póvoa, Amando Mussachio eAmélio de Godoy Mattos

.... Distúrbios do metabolismo do cá leio Além da função de formador de osso, o cálcio é indispensável para o funcionamento das sinapses neuromusculares e do músculo cardíaco e para a coagulação do sangue. Apenas 60% do cálcio circulam como íons, estando o restante ligado às proteínas.

• Hipocalcemia A hipocalcemia (taxa de cálcio plasmático abaixo de 9 mg/100 ou início ionizado menor que 4,7 mg/d.e) pode ocorrer no raquitismo (falta de vitamina D), na esteatorreia, no hipoparatireoidismo, na insuficiência renal, síndrome nefrótica e por transfusão de sangue citratado. A cirurgia prévia da tireoide é uma condição comum em pacientes com níveis baixos de cálcio, secundários a hipoparatireoidismo. O sinal mais importante da hipocalcemia é a tetania, mas espasmo carpopedal, sinais de Chvostek e de Trousseau, alterações do comportamento, parestesias e convulsões também são observados com frequência. Laboratorialmente, o cálcio sérico apresenta valores baixos, podendo chegar a 4,7 mg/d.e. O eletrocardiograma (ECG) mostra alongamento do QT, com depressão do segmento ST e onda T normal.

m.e

• Hipercalcemia A hipercalcemia (cálcio plasmático acima de 10,3 mg/d.e) pode ocorrer devido a aumento da absorção de cálcio (excesso de vitamina Dou idiopática na infância), ou destruição óssea excessiva (hiperparatireoidismo primário, metástases osteolíticas de carcinoma de mama ou pulmão).

Níveis muito altos de cálcio (acima de 14 mg/df ) não têm relacão com as paratireoides e sugerem câncer. A hipercalcemia acarreta diminuição da excitabilidade neuromuscular. A excreção aumentada de cálcio, dela decorrente, pode provocar a formação de cálculos renais. No hiperparatireoidismo, lesões osteolíticas são evidenciáveis. Os sinais e sintomas são incoordenação muscular, náuseas e dores abdominais. Sinais neurológicos e psíquicos são predominantes muitas vezes. Laboratorialmente, além da hipercalcemia, o fosfato está geralmente reduzido e a fosfatase alcalina elevada quando houver osteólise.

..,. Distúrbios do metabolismo do ferro A função mais importante do ferro é a formação do pigmento hemo (por meio de sua união com a protoporfi.rina), o qual, por sua vez, combina-se com proteínas para formar hemocompostos (hemoglobina e mioglobina) que transportam oxigênio e hemoenzimas (citocromo, catalase, peroxidase) que atuam na oxidação intracelular. As necessidades diárias de ferro são de cerca de 1 mg para compensar a eliminação de igual quantidade pela descamação da pele, sudorese, excreção biliar e da mucosa gastrintestinal. Quantidades adicionais (aproximadamente 0,8 mg/dia) são necessárias para repor as perdas pelo fluxo menstrual. A puberdade, a gravidez e a lactação também requerem aumento do suprimento de ferro.

• Hemocromatose O aumento anormal da quantidade de ferro no organismo conduz à hemocromatose, que pode ser primária ou secundária. A hemocromatose primária é causada por distúrbio genético do metabolismo, que produz aumento da absorção (embora o conteúdo de ferro da dieta seja normal) com consequente acúmulo de hemossiderina nos tecidos (fígado, pâncreas, coração, hipófise, suprarrenal). É uma doença rara, de distribuição universal, predominante no homem (nas mulheres, as perdas de ferro por menstruação, parto e lactação dão relativa proteção) e com início da sintomatologia geralmente na idade adulta, após os 40 anos, pois é necessário longo período de acúmulo para que surjam sintomas. Os sinais e sintomas dependem do(s) órgão(s) mais comprometido(s). Hepatomegalia precede de anos o início da sintomatologia. Ginecomastia, perda dos pelos corporais e eritema palmar são decorrentes do comprometimento hepático. Insuficiência cardíaca e arritmias ocorrem com a progressão da hemossiderose miocárdica. A coloração bronzeado-escura da pele, causada pela deposição de melanina, predomina na face, nos antebraços, mãos, mamilos e nas cicatrizes. Acometimento hipofisário causa sinais de pan-hipopituitarismo. Depósitos de ferro em áreas do cérebro podem ser responsáveis por distúrbios psíquicos. A determinação do teor de ferritina plasmática e a saturação da transferrina tornam possível o diagnóstico da hemocromatose. A biopsia hepática ou de pele pode confirmar o diagnóstico, mas não o exclui se for negativa.

866 A hemocromatose secundária ocorre em consequência de excessiva introdução de ferro por via parenteral (repetidas transfusões de sangue), absorção aumentada devido à terapêutica oral prolongada, como sais de ferro, ingestão de alimentos ou água com grande teor de ferro. A sobrecarga de ferro pode ocorrer devido à talassemia e à anemia sideroblástica.

..., Distúrbios do metabolismo do magnésio O total de magnésio do corpo humano é de cerca de 25 g (quantidade só superada pelas de sódio, potássio e cálcio), estando cerca de 50% nos ossos. O teor plasmático é de 1,5 a 2,5 mEq/ .e e pelo menos um terço circula ligado a proteínas. O magnésio tem função estrutural nos cristais ósseos e atua como cofator nas reações de transfosforilação do ATP, sendo, portanto, importante no metabolismo energético. É absorvido pelo intestino, sendo a maior fonte alimentar a clorofila, da qual faz parte, e eliminado pelos rins. Uma ingestão diária de cerca de 4 J.Lg por quilo de peso corporal é suficiente para manter um balanço positivo. Hipomagnesemia (valores abaixo de 1,5 mEq/l) pode ser decorrente de absorção diminuída por dieta pobre nesse elemento, síndromes disabsortivas (ingestão de bebidas alcoólicas), uremia; de perda renal excessiva por defeitos tubulares renais; secundária a tratamento com alguns antibióticos (gentamicina, anfotericina) e diuréticos ou a diabetes melito. A sintomatologia inclui sintomas e sinais gastrintestinais (anorexia, náuseas, vômitos, íleo paralítico), neuromusculares (astenia, cãibras, irritabilidade muscular, letargia), cardiovasculares (taquicardia, sensibilidade aumentada aos digitálicos) e metabólicos (hipopotassemia e hipocalcemia). Hipermagnesemia (valores acima de 2,5 mEq/l) é rara pela grande capacidade de excreção renal, e a sintomatologia é decorrente das lesões do sistema nervoso central, onde age como sedativo, deprimindo funções; e de sua ação no sistema cardiovascular, provocando hipotensão por vasodilatação periférica, bradicardia e assistolia por depressão do sistema excitocondutor do coração. As principais causas de hipermagnesemia são insuficiência renal, cetoacidose diabética, hipotireoidismo e uso de determinados medicamentos. A sintomatologia inclui fraqueza muscular, paralisia flácida, depressão respiratória, hipotensão arterial.

..., Distúrbios do metabolismo dos oligoelementos Deficiência ou excesso de oligoelementos é bastante difícil de identificar em virtude de a maioria dos seus efeitos ser inespedfica e em nível celular, de tal modo que os níveis séricos nem sempre caracterizam a real situação do elemento no • orgamsmo. Oligoelementos ou microminerais compreendem zinco, selênio, cobre, manganês, cromo, iodo, flúor e molibdênio.

Parte 10 I Sistema Endócrino eMetabolismo O zinco, assim como o cobre, o manganês, o cromo, o selênio, o vanádio e o cobalto, é um mineral indispensável ao organismo, embora apenas na quantidade de "traços"; é absorvido no intestino delgado e eliminado principalmente pelas fezes.O zinco é parte de várias enzimas e outros componentes celulares, sendo essencial para a síntese de proteínas, do DNA edoRNA. Deficiência aguda de zinco foi descrita em casos de alimentação parenteral, e sua sintomatologia inclui diarreia, erupção na face, nas extremidades e no períneo; irritabilidade, depressão, fraqueza muscular e alopecia. Deficiência crônica, com sintomatologia semelhante à que ocorre na deficiência aguda, pode ser decorrente de doenças intestinais inflamatórias crônicas, doença de Crohn, cirrose e alcoolismo. Excesso de zinco causa náuseas e vômitos, dores abdomi. . nru.s e anem1a. A deficiência de cobre provoca anemia hipocrômica microdtica, alterações megaloblásticas na medula óssea, leucopenia, neutropenia, osteoporose, alterações cutâneas, vitiligo, alope. cta.

O excesso de cobre causa náuseas, vômitos, diarreia, anemia hemolítica, icterícia, anel de Kayser-Fleischer, degeneração hepatolenticular (doença de Wilson). A deficiência de manganês manifesta-se por diminuição do apetite, perda de peso, dermatite, diminuição do crescimento de cabelos e unhas, enruivecimento dos cabelos, aumento do tempo de protrombina que não responde à vitamina K. O excesso de manganês provoca irritabilidade e agressividade, falta de coordenação motora e demência, manifestações semelhantes às do parkinsonismo e da doença de Wilson. A deficiência de cromo provoca perda de peso, elevação dos níveis de colesterol e dos triglicerídios. O excesso causa dermatite e aumento do risco de câncer do pulmão. A deficiência de iodo causa hipofunção da tireoide e surgimento do bócio, comprometimento mental e do crescimento em crianças e adolescentes. O excesso de iodo provoca acne e mixedema (ingestão de 2 mg/dia), especialmente em pacientes com tireoidite de Hashimoto e hipertireoidismo em casos crônicos de bócio. A deficiência de flúor provoca cárie dentária e compromete a mineralização óssea. O excesso de flúor causa fluorose dentária com comprometimento do esmalte, deposição de fluoropatita nos ossos, produzindo deformidades esqueléticas e calcificação de tecidos moles. A deficiência de molibdênio causa fadiga, alopecia e alterações mentais decorrentes do metabolismo inadequado de aminoácidos contendo enxofre. O excesso de molibdênio aumenta a produção de ácido úrico, podendo causar gota.

..., Bibliografia Cuppari L. Nutrição clínica no adulto. Manole, 2002. Porto CC, Porto AL. Vademecum de clínica médica. 3" ed. Guanabara Koogan, 2010. Waitzberg DL. Nutrição oral, enteral e parenteral na prática clínica. 3aed. Athenea, 2000.



••••••• ••••••••••• ••••••••••• ••••••••••••• ••••••••••••• •••••••••••••• • ••••••••••••••• ••••••••••••• ••••••••••••••• ••••••••••••• ••••••••••••• ••••••••••••• ••••••••••• ••••••••••• •••••••••• • • •••••••• . ••••••• ••••••• •••••••••• • ••••••••••••••• •••••••••••••••••• • ••••••••••••••••••••••••••••• • • •••••••••••••••••••• •••••••• ••••••••••••••••••••••••• ••••••••••••••••••••••••• •••••• ••••••••••••••••••••••••• • • ••••••••••••••••••••••••••• •• •••••••••••••••••••••••••••••••••• •••••••••••••••••••••••••••• ••••••••••• •••••••••••••••••••• •• . •••••••••••••••••••••••••• ••• •••• • ••••••••••••••••••••••••• ••••• • ••••••••••••••••••••••• •...•• •••••••••••••••••••••••••••••••• •• •••••••••••••••••••••••••••• •••••••••••••••••••••••••• . ••• • •••••••••••••••••••••••••••••• • ••••••••••••••••••••• ••••• •• ••• •• •••••••••••• •••• ••••••••••••••••••• • ••• •• •••••••••••••• • ••• ••••• •• ••• •••••••••••••••••••••••• •••••••••••••••••••• ••••• I ••• •••• •••• ••••••••••••••••••• • •• •• ••• •••••••••• •••••••• •••••• • •• • ••••••••••••••••••••• ••• ••• ••• ••••• •••••••••••••••••• • •• •••••••••••••• ••••••••••••• •• •••• •••• ••••••••••• ••••••••••••• •• • • ••••••••••••••••••• •• •••• •• ••••• ••••••••• •••••••••••••••••••••• •• • •• •••••••••••••••• •• •••• ••••••••••••••••••••••••• •• •• ••• ••••••••••••••••••••••••• •••• ••••••••••••••••• •• ••• ••• •••• ••••• ••••••••••••••• • •••• ••••••• ••••••••••••••••••••••• •• • ••••••••••••••••• • ••• ••• =·==···= ====·=========== == .~ ••• .••••.•...•...• •• .•• .... •••••••••••••••••••• • === I• ••••••••• •••• • ••••••••••••••••• • 111 ••••••••••••••• •• • •••········=· • ••••••••••••••••• • •• •••••••••• • ••• •• ••• ••••••• •••••••••••• • ••• • ········=·········· •• • •••••••• •••••••••• •• •• • ••••• •• ••••••• •••••••••••• •• • • • • ····=············ ··= 'w I •• .1111.111111111111 •• •••• •• •••••••••••••• •• • ••••••••• ••••••• ••••••••••••• •••• ••••••••••••••· •••••••••••• • I •••••••:• •



Parte 11







'





Sistema Urinário e ,







Orgãos Genitais

~-·

••• •••••••••••••••••••••••

I

Edna Regina Silva Pereira Valéria Soares Pigozzi Veloso Roberto Luciano Coimbra

••



Colaboradores

I

I

••

•••

'

····==·====· ===========·· ...... ······=· ····=······ •• =·= ====·= ··===·======= • • ••••• •••••• • •••••••••• • •••.. •••••• • ._. .• . •••••••••• - .... •••••••• . . ••••••••• • •••• • ••••••••• • ••••••• ••••••• • ••••••••• ••••• • •••••••• •••••• •••••• ••••••••• • ••• • •••••••• •• ••••••••••• • •••••••• •• • • •••••••• • ... • •··===· ·= • . ========· •••••• • •••••••• • •••••••• • • ••••• • •• ••••••••• • · ••••• =·=====· . ========== •• • ••••••••• • •••••••••• •••••• •••••• • •••••••• •••••• • ••••••••• •••••••• •••••••• • ·=··=·==· ======== ••••••••• . •••••••• •





I

•••••• ••.... ••• . ••• .. ••• •••••• •••••• ·===== . •••••• •••••• •• •• • •• •••• •• ••• ••• • •• ••••• • • • ••• •••••• •• •• ••••••••• •



I





•••••••• •••••• ·····a· •••••• •••• • •••••• •====== ••••• ••••••• •••• •••• ••••••• • •••••••• ••••••• ••••••••• ••••••• •••••• •••••••••• •••••• •

Alexandre Vieira Santos Moraes Amaury de Siqueira Medeiros Bruno Galafassi Ghini Carlos Alfredo Marcílio de Souza Gustavo Guilherme Queiroz Arimatea José Augusto Machado Mauri Felix de Souza Mauricio Sergio Brasil Leite Nayara Gomes Costa Ornar Carneiro Filho Pascoal Martini Simões Pedro José de Santana Pedro PauloTeixeira eSilva Torres Siderley de Souza Carneiro Vardeli Alves de Moraes

• • ••••••• •••••••• •••••• •• • • ••• • •

• •

••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••1

••• •••••••••••••••••••••••••••••••••••••••• • ••••••••••••• •••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••• •••• ••••••••••••••••••• ••••••••••••••••••• • ••••••••••••• ••••••••••• ••• •• •••••••••••• •• ••• •••••••••••• •••• • •• ••• •• •• ••• •••••••••••••••••••••• ••• •• •• ••••••• •• • 1.• ..• • •••••• •• • • ••• • •• • ••• • • •• ••••• •••• ••• •• • • ••• •• • • •••••••• •• • • •• ••• •••• • • ••• •• I

•• •••••••••• ••••••••••••• •••••• ••••••••••••• ••••••••• I ••••• • • ••••••• ••• •••••• ••• ••••••• • • ••••• • • • ••••1 I ••••• •• •••••••••••••••••••••••••••••• •• ••••• • •• • ••••1

I···· ••••••••••••••••••••••••••••••••••••.••••• ••• ••• • •• • • ···=·· • •••• • ··=··· • • •• • ••• •• • • ..1 !1.. • • • • • • • • •• • • • • • • • • • • I! • • • • • •• • • • • • • • • • •• • ••••••• •• • • • • • • • • • • Seção 1 Sistema Urinário

I •

••





•• • . •

I



••





••





••

•••

••••••

•••••• ••• •





••





•• •





•••

•• •••



••• •••••• •





• ••••





••



•.



.•





•• ••







••







132

Noções de atomia e Fisiologia





de glóbulos vermelhos, na regulação de cálcio, fósforo e no metabolismo ósseo. Os ureteres são condutos que levam a urina dos rins à bexiga. A bexiga é um órgão muscular arredondado, localizado na pelve, que serve de depósito temporário para a urina, continuamente formada pelos rins. Quando a urina ultrapassa os limites fisiológicos da capacidade de armazenamento da bexiga, é eliminada através da uretra (Figura 132.1).

Edna Regina Silva Pereira eGustavo Guilherme Queiroz Arimatea

.,.. Rins

.,.. Introdução A principal função dos rins é manter o volume e a composição química dos líquidos do organismo dentro de limites adequados ao funcionamento das células. Por essa razão, diz-se que a função dos rins é manter a homeostasia, a constância do meio interno. Os rins conseguem manter esse equihbrio por meio de um eficiente sistema que poupa água e sais minerais nas quantidades adequadas e, ao mesmo tempo, excreta resíduos tóxicos do metabolismo normal, cuja acumulação é prejudicial à célula, tais como ureia, ácido úrico, creatinina, que são excretados com a urina. Os rins também participam eficientemente da excreção de fármacos e de seus metabólitos; paralelamente, eles secretam hormônios que participam na regulação da hemodinâmica renal e sistêmica na produção

1 ••••1

•••

I

Os rins, que costumam ser um par, são órgãos glandulares, com o formato de feijão, com a parte convexa voltada para fora e a côncava, chamada hilo renal, para a linha mediana. Localizam-se de cada lado da coluna vertebral, no espaço retroperitoneal (Figura 132.2), justapostos à fáscia que reveste a parede abdominal posterior. O rim do adulto mede aproximadamente 11 em de comprimento, 3 em de espessura e 5 em de largura, ocupando, longitudinalmente, o espaço entre a 12a vértebra torácica e a 3ª lombar; o direito ocupa uma posição cerca de 1,5 em mais baixa que o esquerdo. Cada rim situa-se em uma massa de gordura perirrenal, posterior ao peritônio, em contato com os músculos psoas maiores. A irrigação dos rins é feita pelas artérias renais, que são grandes vasos originados da aorta. Em geral, a artéria renal é única, entra pelo hilo e divide-se em 5 artérias segmentares, correspondendo aos segmentos renais. Cada segmento é suprido por uma artéria segmentar que origina as artérias

.I

I I

132

I NoçõesdeAnatomia eFisiologia

869

Artéria renal

Veia cava inferior

Veia ilíaca

Artéria ilíaca

Figura 132.1 Representação esquemática do sistema urinário.

interlobares. Na junção do córtex com a medula, essas artérias se curvam, formando um arco que acompanha a base das pirâmides, e passam a ser chamadas artérias arciformes. Destas, partem as artérias interlobulares, que se dirigem radialmente para a periferia do córtex. As interlobulares dão origem às arteríolas aferentes que vão formar o tufo glomerular. A drenagem venosa, cuja conformação assemelha-se bastante à distribuição arterial, ocorre pelas várias veias que formam a veia renal, que deságua na cava inferior. A inervação dos rins provém do plexo renal e consiste em fibras simpáticas e parassimpáticas, sendo que estas últimas são pouco significativas no rim. A secção do rim mostra que seu parênquima compõe-se de uma porção mais externa, o córtex, do qual derivam formações parenquimatosas de coloração mais escura, de formato piramidal, com vértice orientado para o hilo renal. Essas formações constituem a medula renal e sua ponta recebe o nome de papila. As pirâmides medulares são separadas entre si por extensões de tecido cortical, formando as colunas de Bertin. As papilas renais, em número de 10 a 18, conectam-se a receptáculos musculomembranosos, chamados de pequenos cálices. De 2 a 4 destes cálices unem-se para formar os grandes cálices, e estes constituem a pelve renal, que continua pelo ureter (Figura 132.3). Os dois rins contêm em torno de 2.400.000 unidades funcionais, chamadas néfrons (Figura 132.4). O número de néfrons varia de acordo com a raça e pode estar reduzido em nascidos com baixo peso, diminuindo a reserva funcional renal, o que torna o indivíduo mais suscetível a complicações • renrus. O néfron compõe-se de glomérulo, túbulos contornados (proximal e distai), alça de Henle e tubo coletor. O glomérulo ou corpúsculo renal é formado pelo tufo glomerular e cápsula de Bowman. O tufo glomerular é constituído de três tipos de células especializadas: células endoteliais, que revestem o lúmen dos capilares; células mesangiais,

A

Figura 132.2 Relação dos rins com a coluna vertebral e últimas costelas. A. Representação esquemática. B. Reconstrução por tomografia computadorizada.

870

Parte 11 Cálices renais

Artéria renal

Vela renal Pelve renal Medula

Figura 132.3 Representação esquemática do rim, pelve renal e ureter. (Adaptada de Wolf-Heidegger- Atlas de Anatomia Humana, 6a ed., 2006.)

localizadas entre as alças dos capilares glomerulares, na região denominada mesângio, dão suporte estrutural ao glomérulo. São unidades contráteis que participam da regulação da filtração glomerular, secretam substâncias, captam imunocomplexos e estão envolvidas na ocorrência de doenças glomerulares. Por último, as células epiteliais viscerais, também conhecidas como podócitos, que se localizam na superfície externa dos capilares. As células epiteliais formam os processos podocitários, que são prolongamentos que se interdigitam, formando fendas de filtração ao longo da parede capilar. A cápsula de Bowman é revestida por uma camada de células epiteliais parietais. Artéria --... aferente Artéria

Tufo glomerular

Túbulo contornado proximal contornado distai

Alça de Henle

I Tubo coletor Figura 132.4 Representação esquemática de um néfron típico.

I Sistema Urinário eÓrgãos Genitais

A esta se segue o túbulo contornado proximal, que tem um curso tortuoso no córtex renal. Posteriormente, penetra em ângulo reto na medula renal, formando o ramo descendente da alça de Henle. Neste percurso, sofre redução de diâmetro. A este segmento, segue-se uma curvatura que origina o ramo ascendente da alça de Henle, conferindo-lhe o formato de grampo de cabelo. Este ramo segue em linha reta de volta à proximidade do glomérulo que lhe deu origem no córtex renal. No meio deste percurso, retoma a sua largura original. No córtex, origina-se o túbulo contornado distai, que se liga ao tubo coletor pelo túbulo conector (antigamente considerado parte do túbulo contornado distai) e se orienta para a papila. No nível desta, grupos de tubos coletores se juntam para formar os duetos papilares de Bellini, que aparecem na superfície da ponta da papila por onde sai a urina. São descritos dois tipos de néfrons - os corticais e os justamedulares. Os néfrons corticais são superficiais e têm alças de Henle curtas que alcançam apenas a porção externa da medula. Os néfrons justamedulares dispõem de glomérulos maiores e alças de Henle que adentram até a ponta da papila renal. A arteríola eferente do glomérulo forma a alça vascular vasa recta, que também desce à papila tal como a alça de Henle, voltando, então, ao córtex. No segmento inicial do túbulo distai, encontram-se células epiteliais especializadas - mácula densa - que, em decorrência da arquitetura do néfron, se justapõem às células granulares especiais do tufo vascular do mesmo glomérulo. Este conjunto constitui o aparelho justaglomerular, responsável pela secreção de renina, enzima fundamental na produção de angiotensina (Figura 132.5).

..,. Ureteres, bexiga e uretra Em continuidade à pelve renal de cada rim, encontra-se o ureter, que é um conduto de natureza muscular, medindo 30 a 35 em de comprimento por 4 a 8 mm de diâmetro. Em sua parte mais distai, ele atravessa a parede vesical, abrindo-se no interior da bexiga. A bexiga é um órgão muscular oco, formando cavidade virtual, situada no assoalho pélvico e que se continua com a uretra. A localizaç.ão da bexiga na primeira infância é abdominal, assumindo progressivamente localização pélvica à medida que a criança se desenvolve. O assoalho pélvico lhe serve de suporte. A parede da bexiga é formada por uma rede entrelaçada de tecido muscular, cujas fibras se orientam para formar o colo vesicaL Este se constitui das fibras musculares que ultrapassam o orifício vesical e continuam na uretra. Na base da bexiga, encontra-se o músculo trigonal, que exerce importante papel no esvaziamento vesical. O interior da bexiga é revestido por epitélio de tipo transicional, desprovido de glândulas mucosas. A uretra constitui o conduto para eliminação da urina. No homem, serve também para ejaculação e eliminação de secreções prostáticas (ver Capítulo 136, Noções de Anatomia e Fisiologia).

..,. Fisiologia renal Os rins exercem inúmeras funções. A principal delas é manter o volume e a composição química dos líquidos corporais dentro de limites adequados à função celular. A parada súbita

132

I NoçõesdeAnatomia eFisiologia

871

Mácula densa do túbulo distai Arteríola eferente Células ......;;;;::==:~

justaglomerulares

""=== Folheto visceral da cápsula de Bowman (podócitos) Folheto parietal da cápsula de Bowman

Espaço capsular

Orla em escova ~-----"1 (microvilos)

A

-.-'i -------~, •

..--.:q



Túbulo contorcido proximal

Figura 132.5 Representação esquemática (A) e fotomicrografia (8) de corpúsculo renal (de Malpighi). Nota-se, tanto em A quanto em B, o túbulo distai junto ao polo vascular, o glomérulo e o polo urinário do corpúsculo, onde tem início o túbulo contorcido proximal. Em A observam-se detalhes das arteríolas, aferente e eferente; da mácula densa e das células justag lomerulares; dos podócitos e das características de células do folheto parietal da cápsula de Bowman. Em B, fotomicrografia obtida de preparado corado pela hematoxilina-eosina. (Médio aumento.) (Cortesia de Junqueira & Carneiro - Histologia Básica, 1P ed., 2008.)

da função renal coloca o indivíduo em perigo de morte, pois logo é prejudicado o funcionamento das funções de diversos outros órgãos e sistemas (coração, sistema nervoso, pulmões etc.). Os rins têm, portanto, o papel de manter a homeostase, ou seja, a constância do meio interno. Para isso, regulam a quantidade de água, íons, radicais ácidos, que devem ser poupados ou eliminados na urina quando o seu conteúdo na dieta ultrapassa as necessidades do indivíduo. Por outro lado, o metabolismo normal do organismo produz solutos, cuja acumulação seria danosa ao organismo (ureia, creatinina, ácido úrico, ácidos não voláteis), que são excretados pelos rins. Os rins também participam eficientemente da eliminação de medicamentos, toxinas e seus metabólitos. Os rins também apresentam funções endócrinas e, deste modo, participam de outros mecanismos essenciais de manutenção da vida. Assim, atuam no controle da pressão arterial pela produção da renina, que irá induzir a síntese da angiotensina li, um potente agente vasoconstritor e importante estímulo para a secreção de aldosterona e para desencadear o mecanismo da sede. O tecido renal é o principal local para a síntese da eritropoetina, hormônio que regula a produção de hemácias pela medula óssea. Os rins têm também papel importante na produção de prostaglandinas e na atividade do sistema calicreína-cinina. Um número considerável de hormônios atua diretamente sobre os rins, regulando mecanismos fisiológicos e exercendo importantes efeitos no organismo. A aldosterona e outros mineracolocorticoides sintetizados pela suprarrenal estimulam a absorção de sódio pelo néfron distai em resposta às necessidades do organismo de manter

o volume líquido extracelular. A aldosterona também atua ao nível do néfron distai, aumentando a secreção de íons potássio e hidrogênio, em um processo que resulta concomitantemente em regeneração de bicarbonato, contribuindo para a manutenção do equih'brio acidobásico. O hormônio antidiurético (HAD) aumenta a permeabilidade do tubo coletor à água, o que possibilita a eliminação de solutos em menor quantidade de água, concentrando a urina e poupando água para o organismo. A atuação do ADH consiste em promover a expressão de aquaporinas, canais de água, na membrana luminal do tubo coletor, o que possibilita a absorção passiva de água na vigência de hipertonicidade medular (Figura 132.6). O hormônio paratireoidiano (PTH) atua no túbulo proximal, ampliando a síntese intracelular do AMP-cíclico e, deste modo, aumentando a absorção de cálcio e de magnésio e inibindo a absorção de fosfato e de bicarbonato. O hormônio paratireoidiano induz também a síntese renal do 1,25-di-hidroxicolecalciferol, também chamado de calcitriol, a principal forma biologicamente ativa da vitamina D3• .,.. Filtração glomerular. A formaç.ão de urina tem início no glomérulo, no qual se processa a filtração de aproximadamente 1.200 m.e de sangue por minuto. O volume da ultrafiltração - fração do plasma, livre de células e de grandes proteínas depende do fluxo plasmático renal e das pressões hidrostáticas e osmóticas nos capilares glomerulares. A pressão osmótica intracapilar e a pressão hidrostática no espaço de Bowman atuam como forças contrárias à filtração. A determinação do volume de ultrafiltrado formado por minuto pelos rins constitui a taxa de filtração glomerular (TFG). A TFG é o parâmetro

Parte 11

872

AQP-3 AQP-4

cAM P-. Proteinoquinase A ATP

!

Fosforilação da proteína

0

0

0~

AQP-2

AQP-2

Fluido intersticial renal

Células tubulares

Lúmen tubular

Figura 132.6 Mecanismo de ação do hormônio antidiurético (HAD) no tubo coletor. O HAD se liga ao receptor na membrana basolateral (V2) que é acoplado a adenilciclase (AC). A geração de adenosina monofosfato cíclico (cAMP) provoca a ativação da proteinoquinase A (PKA) que fosforila os canais de água, aquaporinas 2 (AQP-2). As vesículas contendo AQP-2 são inseridas no interior da membrana luminal, aumentando a permeabilidade à água.

mais importante na mensuração da função renal, tanto em estudos fisiológicos quanto na avaliação clínica dos portadores de doenças renais. ... Aporte sanguíneo e filtração glomerular. Os rins recebem aproximadamente 25% do total do volume sanguíneo ejetado pelo coração a cada minuto. Apesar de os 2 rins terem peso similar ao do coração (em tomo de 300 g), eles chegam a receber um fluxo de sangue cerca de 4 vezes superior ao da circulação coronária. Em adultos normais, o fluxo sanguíneo renal (FSR) é de aproximadamente 1.200 mf/min. Portanto, um indivíduo com hematócrito de 45% tem um fluxo plasmático renal (FPR) de mais ou menos 660 m.etmin, pois considerando-se que 55% do volume sanguíneo correspondem ao plasma, o FPR = 0,55 x 1.200 = 660 mf/min. O córtex renal recebe aproximadamente 75% do FPR, outros 24% destinam-se à medula renal e apenas uma mínima proporção (em tomo de 1%) chega à papila. O FPR e a filtração glomerular são mantidos estáveis graças a um eficiente mecanismo de autorregulação, mesmo quando a pressão arterial média sofre amplas variações. No entanto, a capacidade de manter a hemodinâmica renal torna-se prejudicada quando a pressão arterial média cai abaixo de 70 mmHg e a :filtração glomerular cessa quando a pressão arterial média alcança 40 a 50 mmHg. O mecanismo de autorregulação que possibilita essa constância da pressão de filtração decorre da relação entre a resistência oferecida pelas arteríolas aferente e eferente. Os fatores não são completamente compreendidos, mas estão envolvidos os receptores de estiramento miogênicos sensíveis ao cálcio, o feedback tubuloglomerular e a angiotensina li. Mantendo-se um aporte sanguíneo normal (FSR de 1.200 m.é'/ min e FPR de 660 m.é'/min), os glomérulos renais filtram aproximadamente 125 m.é' de plasma por minuto (fração de filtração de cerca de

I Sistema Urinário eÓrgãos Genitais

20%), ou seja, são produzidos pelos glomérulos em torno de 180 .e de ultra:filtrado de plasma por dia, dos quais aproximadamente 1,5 a 2,5 .e vão constituir a urina eliminada por dia. Os glomérulos, em número estimado de 2.400.000 nos 2 rins de um homem adulto normal, apresentam uma superfície calculada em 1,6 m 2 - área próxima à da superfície corporal do homem. A formação do ultra:filtrado através da membrana capilar glomerular é determinada pelas forças de filtração-reabsorção de Starling. Estas incluem: (1) o gradiente de pressão hidrostática transcapilar, que favorece a passagem de líquidos; (2) o gradiente de pressão oncótica transcapilar, exercido pelas proteínas que não atravessam a membrana capilar e opõem-se à ultra:filtração; (3) o coeficiente de filtração glomerular que, quanto maior, mais favorece o fluxo de líquidos e a formaç.ão de ultra:filtrado. Do ponto de vista qualitativo, os capilares glomerulares comportam-se como os demais capilares do organismo, viabilizando a passagem de água, eletrólitos e solutos de baixo peso molecular e retendo células do sangue, proteínas plasmáticas e outras macromoléculas (coloides). Existem, entretanto, diferenças quantitativas na troca de líquidos quando se comparam os capilares glomerulares com os sistêmicos: (1) a pressão hidráulica nos capilares glomerulares é maior e permanece relativamente constante, enquanto decresce significativamente ao longo dos capilares sistêmicos; (2) a pressão no espaço da cápsula de Bowman, opondo-se ao fluxo de líquidos, é maior que a oferecida pelos tecidos do organismo; (3) os capilares glomerulares deixam passar menos proteínas que os capilares sistêmicos, produzindo, deste modo, um aumento progressivo na concentração de proteínas plasmáticas, elevando assim a pressão oncótica capilar. Como resultado, observa-se redução da :filtração ao longo do capilar glomerular, em decorrência deste aumento da pressão oncótica. Embora se observe também que a pressão de filtração diminui ao longo dos capilares sistêmicos, isso decorre da redução progressiva da pressão hidráulica; (4) adicionalmente, o fluxo de líquido é muito maior nos capilares renais que nos sistêmicos, podendo o coeficiente de filtração do capilar glomerular ser 10 a 100 vezes maior, de acordo com o método de mensuração utilizado. ... Permeabilidade glomerular. Os capilares glomerulares apresentam elevada permeabilidade à água e a pequenos solutos como eletrólitos, glicose, ureia e aminoácidos. Solutos com aproximadamente até 5.200 dáltons, como a inulina, por exemplo, estão presentes no ultrafiltrado glomerular, na mesma concentração do plasma. Acima deste peso molecular, os solutos são progressivamente retidos à medida que sua massa aumenta. Além do peso molecular, a retenção de proteínas e outras macromoléculas é fortemente influenciada pela forma das moléculas e, sobretudo, pela carga elétrica das mesmas. Macromoléculas de tamanhos comparáveis terão sua passagem mais dificultada quanto mais negativa for a sua carga elétrica, e facilitada quanto mais positiva, ou mesmo neutra. Assim, por exemplo, moléculas de dextranas de carga negativa e de peso molecular semelhantes ao da albumina apresentam filtração parecida à desta proteína, ou seja, 0,003 em comparação à da inulina, tomada como igual a 1,0. Porém, se a carga elétrica da dextrana é neutra, ela é filtrada cerca de 20 vezes mais que a albumina. Tais evidências sugerem que a membrana glomerular seja dotada de «poros" guarnecidos de carga elétrica negativa e que a perda dessas cargas em doenças glomerulares pode levar a uma acentuada albuminúria, ocasionando hipoproteinemia, como é o caso da síndrome nefrótica.

132

I NoçõesdeAnatomia eFisiologia

873

.,.. Aparelho justaglomerular. No hilo glomerular, existe uma região em que as arteríolas aferente e eferente se aproximam, após constituírem o tufo glomerular (Figura 132.5). A arteríola aferente, nesta região, é dotada de células mioepiteliais especializadas que secretam renina, que é armazenada em grânulos secretores. Essas células têm rica inervação simpática que controla a secreção de renina e é liberada em resposta a estímulos locais. Ainda no hilo glomerular, encontra-se a mácula densa, que corresponde a um segmento especializado do néfron localizado no final do segmento espesso ascendente da alça de Henle, justapondo-se às arteríolas aferente e eferente do glomérulo. Este conjunto de elementos forma o aparelho justaglomerular. Nas células da mácula densa, o transporte de íons está relacionado com o sistema cotransportador Na+-K+-2Cl, o qual depende da concentração local de cloro. A concentração de NaCl neste segmento da mácula densa regula o fluxo sanguíneo glomerular pelo mecanismo de feedback tubuloglomerular, no qual uma carga aumentada de NaCl na mácula densa provoca redução da taxa de filtração glomerular. A secreção de renina também sofre regulação local por meio da concentração de sódio do filtrado em contato com a mácula densa. Assim, em condições de expansão de volume extracelular, ocorre aumento do fluxo sanguíneo renal, levando a maior aporte de NaCl à região da mácula densa e ocasionando redução da liberação de renina; de modo contrário, na hipovolemia, a liberação de renina é aumentada e, consequentemente, ocorre a formação de angiotensina II, que irá ativar os mecanismos poupadores de água e sal. .,.. Função tubular. Os túbulos processam, por meio de mecanismos de absorção e secreção, todo o volume de líquido ultrafiltrado pelos glomérulos- cerca de 180 f. por dia- resultando na eliminação de 1.500 a 2.500 mililitros de urina por dia. Em decorrência da diversidade de mecanismos presentes ao longo do néfron, os túbulos renais exibem extraordinária heterogeneidade de formato e estrutura. A reabsorção e a secreção de solutos podem ser realizadas por mecanismo de transporte ativo, que requer consumo de energia, ou por transporte passivo, não implicando gasto energético (Figuras 132.7 e 132.8). .,.. Túbulo proximal. O túbulo proximal absorve cerca de 60 a 70% do ultrafiltrado glomerular, bem como dos íons Na+, K+, Cl- e Ca++ e mais de 90% do bicarbonato. É também o local da ab-

Lúmen tubular

Epitélio tubular

Membrana basal Capilar peritubular

Junção celular

Figura 132.8 Representação esquemática do transporte epitelial. Solutos e água podem mover-se por via transcelular e paracelular.

sorção de virtualmente toda a glicose e aminoácidos filtrados. Neste segmento tubular, também ocorre secreção de solutos como ânions orgânicos. Esses mecanismos de secreção são importantes para a remoção de toxinas e substâncias. Apesar da absorção desse grande volume de água e de solutos, o ultrafiltrado que atravessa o túbulo proximal permanece isotônico. A água move-se passivamente para o interstício renal ao longo do túbulo proximal em função do gradiente osmótico criado pelo transporte ativo de solutos e, desse modo, a isotonicidade é mantida. A passagem da água é facilitada pela presença da proteína aquaporina, formadora de canais de água. .,.. Alça de Henle. As células do término do túbulo proximal fazem uma transição abrupta para formarem o braço descendente delgado da alça de Henle, que, no caso dos glomérulos justamedulares, desce até próximo ao término da papila medular renal. Nesse ponto, o túbulo renal dobra-se formando a alça e toma direção ascendente de volta ao córtex. Nesse trajeto, as células da alça delgada fazem nova transição para formarem o braço ascendente largo da alça de Henle, que continua pelo

.----.__Túbulo distai

Túbulo proximal

ercuh:>se • Hipertensão Necrose papila renal

Neoplasia

Cálculo

Divertículo

Corpo estranho

Pólipos

Ulcerações

Figura 133.1 Causas de hematúria.

frequência, os pacientes apresentam piúria e disúria simultaneamente. As infecções urinárias são as causas mais comuns de piúria. O registro de cilindros leucocitários no sedimento urinário sugere infecção dos rins e vias urinárias altas (pielonefrite). Piúria é encontrada, também, nos pacientes com glomerulonefrite aguda. Uma causa rara de urina turva é a obstrução de duetos linfáticos. Neste caso, a linfa, ao ser drenada para a pelve renal, origina quilúria, assumindo a urina uma coloração esbranquiçada e opalescente. Dentre as causas de quilúria encontram-se a filariose, a tuberculose e as neoplasias.

A dor originada no sistema urinário pode assumir características diversas. Os tipos principais são: dor lombar e no flanco, cólica renal, dor vesical, estrangúria e dor perineal. .,. Dor lombar e no flanco. A dor renal característica situa-se no flanco ou região lombar, entre a 12a costela e a crista ilíaca, e, às vezes, ocorre irradiação anterior. O parênquima renal é insensível, não ocasionando dor. Contudo, a distensão da cápsula renal dá origem a tal dor, que é percebida na região lombar e no flanco, por ser comum a inervação com esta parte do tronco (Figura 133.2). A dor é descrita como uma sensação profunda, pesada, de intensidade variável, fixa e persistente, que piora com a posição ereta e se agrava no fim do dia. Geralmente, não se associa a náuseas e/ou a vômitos. Na síndrome nefrótica, glomerulonefrite aguda, nefrite intersticial e pielonefrite aguda, pode ocorrer este tipo de dor. A obstrução urinária aguda em razão de cálculo na pelve renal ou de obstrução ureteropélvica que causa dilatação tubular e aumento dos rins provoca também este tipo de dor, especialmente quando a maior ingestão de líquido aumenta o fluxo urinário. Rins policísticos podem chegar a grande volume sem causar dor, exceto quando algum cisto se rompe, torna-se infectado ou hemorrágico. Neste último caso, a dor localiza-se no ângulo costovertebral. A ocorrência de nítido aumento da dor à movimentação, obrigando o paciente a manter-se imóvel, indica inflamação perinefrética. Essa inflamação acompanha-se de irritação capsular, séptica ou asséptica, ocorrendo na nefrite intersticial bacteriana, infarto renal, ruptura de cisto renal, quando há hemorragia ou necrose tumoral e no extravasamento de urina. Cumpre ressaltar que toda dor lombar ou no flanco, ou mesmo nas costas, costuma ser interpretada pelos pacientes como originária dos rins. No entanto, com muita frequência, ela é de natureza extrarrenal, provocada por espasmo da

Urina com aumento da espuma Decorre da eliminação aumentada de proteínas na urina, presente em glomerulonefrites, nefropatia diabética, nefrites intersticiais. A hiperfosfatúria também pode determinar essa alteração. Entretanto, mais comumente, é causada por urina muito concentrada associada a um fluxo rápido do jato uri, . nano.

Mau cheiro O odor característico de urina decorre da liberação de amo ma. Um simples aumento da concentração de solutos na urina pode determinar cheiro desagradável. No entanto, fetidez propriamente dita surge nos processos infecciosos, pela existência de pus ou por degradação de substâncias orgânicas. A

'

Frente

Dorso

Figura 133.2 Dor renal localizada e cólica ureteral. A dor de origem renal pode ficar restrita à área de projeção dos rins (região lombar), ou seguir o trajeto ureteral alcançando o pênis e o testículo, no caso do homem, ou o grande lábio, no caso da mulher.

880 musculatura lombar, alterações degenerativas das vértebras (espondiloartrose) ou comprometimento de disco intervertebral. Assim, diante da queixa de "dor nos rins", é necessário estar atento tanto para as doenças renais como para as enfermidades da coluna vertebral. .,.. Cólica renal ou nefrética. Esta denominação é dada a um tipo especial de dor decorrente de obstrução do trato urinário, com dilatação súbita da pelve renal ou do ureter, que se acompanha de contrações da musculatura lisa dessas estruturas. Em seu início, pode haver apenas uma sensação de desconforto na região lombar ou no flanco, irradiando-se vagamente para o quadrante inferior do abdome do mesmo lado. Rapidamente, essa sensação de desconforto evolui para dor lancinante, de grande intensidade, acompanhada de mal-estar geral, inquietude, sudorese, náuseas e vômitos. O paciente fica inquieto no leito ou levanta-se à procura de uma posição que lhe traga algum alívio. A dor da cólica renal costuma começar no ângulo costovertebral, acometer a região lombar e flanco, irradiando-se para a fossa ilíaca e região inguinal, alcançando o testículo e o pênis, no homem, e o grande lábio, na mulher. A dor é tipicamente em cólica, com fases de espasmos dolorosos que podem durar vários minutos, seguindo-se de alívio, geralmente incompleto. O desaparecimento súbito da dor, ocasionado pela resolução natural da obstrução, é importante no diagnóstico diferencial. Existem algumas variantes clínicas da cólica renal, conforme a altura da obstrução. Assim, se a obstrução for na junção ureteropélvica, a dor costuma situar-se no flanco e irradiar-se para o quadrante superior do abdome ou mesmo para a região inguinal homolateral; já a obstrução ureterovesical ocasiona sintomas de irritação do trígono vesical, representados por disúria, urgência e frequência, podendo sugerir cistite. Cálculo obstruindo o final do ureter pode causar dor persistente no testículo e pênis, ou no grande lábio vaginal, do mesmo lado, sem, entretanto, apresentar sintomas de irritação vesical. .,.. Dor hipogástrica ou dor vesical. É a dor originada no corpo da bexiga que geralmente é percebida na região suprapúbica. Quando ela decorre de irritação envolvendo a região do trígono e do colo vesical, a dor irradia-se para a uretra e meato externo, podendo ser relatada como uma sensação de queimor. A retenção urinária completa aguda acompanha-se de dor intensa na região suprapúbica e intenso desejo de urinar. .,.. Estrangúria ou tenesmo vesical. É perceptível quando há inflamação vesical intensa, podendo provocar a emissão lenta e dolorosa de urina, chamada estrangúria, e que é decorrente de espasmo da musculatura do trígono e colo vesical. .,.. Dor perineal. É decorrente normalmente da infecção aguda da próstata, que causa dor perineal intensa, sendo referida no sacro ou no reto. Pode causar também estrangúria.

• Edema Edema é uma manifestação comum em pacientes portadores de doença renal. Existem quatro situações clínicas em nefrologia que são comumente acompanhadas de edema: glomerulonefrite aguda, síndrome nefrótica, insuficiência renal aguda e crônica. O edema que surge nas doenças renais resulta de diferentes mecanismos patogênicos que lhe conferem características semiológicas próprias. O edema da glomerulonefrite é generalizado, porém mais intenso na região periorbitária pela manhã, quando o paciente acorda. Ao final do dia, se o paciente estiver deambulando normalmente, predomina nos membros inferiores. Este edema

Parte 11

I Sistema Urinário eÓrgãos Genitais

decorre da retenção de sal e água em consequência das lesões glomerulares. Em crianças, o aparecimento do edema costuma ser súbito, podendo ser acompanhado de manifestações de insuficiência cardíaca congestiva. Na glomerulonefrite crônica, a existência e a intensidade do edema são muito variáveis, podendo estar ausente ou manifestar-se apenas como edema periorbitário pela manhã; o paciente relata que acorda com os "olhos empapuçados': O edema da síndrome nefrótica é generalizado e mais intenso que o da glomerulonefrite, podendo chegar à anasarca, especialmente em crianças. Quando o estado geral do paciente é bom e ele deambula, é comum observar-se, pela manhã, intenso edema facial. No fim do dia, são as pernas que estão edemaciadas. É frequente a ocorrência de ascite. A intensidade do edema pode oscilar de acordo com a ingesta de sal, pois, na síndrome nefrótica, o mecanismo fisiopatológico básico é a redução da pressão oncótica por hipoalbuminemia (underfill), com redução do volume plasmático e passagem de água para o espaço intersticial, o que pode se agravar com a retenção hídrica decorrente da retenção salina (overfill). Daí a ocorrência de anasarca (Figura 133.3). Na pielonefrite, o edema é de pequena intensidade, quase sempre restrito à região periorbitária pela manhã. Na insuficiência renal aguda, o edema decorre geralmente da hiper-hidratação. O edema da insuficiência renal crônica é muito variável, modificando-se conforme a causa determinante; depende também da fase da doença, do grau do distúrbio funcional ou de eventuais alterações que ocasionem a descompensação clínica.

• Febre e calafrios Nas infecções agudas que acometem o trato urinário, a febre costuma ser elevada e vir acompanhada de calafrios, dor lombar ou suprapúbica. As principais causas são pielonefrite, cistite e prostatite. Nas infecções crônicas, a temperatura está discretamente aumentada ou com elevações intermitentes, às vezes acompanhadas de calafrios. O adenocarcinoma renal costuma acompanhar-se de febre, que pode ser até mesmo a única manifestação clínica da doença.

. . . Exame físico O exame físico dos vários segmentos do sistema urinário tem peculiaridades marcantes, cabendo ao médico explorá-las adequadamente para obter elementos confiáveis para o raciocínio diagnóstico; no entanto, frequentemente, nenhuma anormalidade é detectada.

• Exame dos rins O exame físico do sistema urinário deve começar pela inspeção do abdome, dos flancos e das costas, com o paciente sentado. Em seguida, deve-se fazer a palpação e a compressão dos ângulos costovertebrais. Posteriormente, efetua-se a percussão com a face interna da mão fechada, chamada "punho-percussão". Por fim, deve ser realizada ausculta abdominal, que será útil na verificação de sopros abdominais como ocorre na estenose de artérias renais. Utiliza-se o diafragma do estetoscópio para a ausculta de mesogástrio e hipocôndrios.

133

I Exame Clínico

881 Hipovolemia

Normo-hipovolemia

(underfil~

(overtil~

Proteinúria

Retenção de Na por defeito tubular primário

Hipoalbuminemia

I.!. Pressão oncótica I

t

I .!. Volume plasmático I

"

.----------'/------, -

Ati vação do sistemaRAA

i Vasopressina

t R

Retenção hídrica

I Volume plasmático normal/i I

t

Vasopressina normal

t

I .!. Aldosterona I

etenção de sódio

Edema Figura 133.3 Mecanismo de formação do edema na síndrome nefrótica. RAA =renina-angiotesina-aldosterona.

A palpação dos rins é feita com o paciente em decúbito dorsal da seguinte maneira: enquanto uma das mãos procura explorar os quadrantes superiores do abdome, a outra mão, espalmada, "empurra'' o flanco correspondente de baixo para cima, na tentativa de trazer o rim para uma posição mais anterior (palpação bimanual). Em pessoas magras, o polo inferior do rim direito (normal) pode ser palpado na inspiração, o que, geralmente, não acontece com o rim esquerdo. Tendo em conta suas características anatômicas, especialmente sua localização retroperitoneal, é fácil compreender que os rins normais são praticamente inacessíveis à palpação. Entretanto, o polo inferior pode ser palpável em crianças e em adultos magros com musculatura abdominal delgada (Figura 133.4). Quando os rins estão aumentados, é possível palpá-los e, até mesmo, percebê-los à inspeção, se o aumento for muito grande, principalmente em crianças, ou no caso de rins poli-

císticos em adultos. Nestes casos, percebe-se abaulamento do flanco. Rins facilmente palpáveis denotam, em geral, aumento de volume (hidronefrose, neoplasia ou cistos) ou pelo fato de serem anormalmente móveis (ptose renal), ou, ainda, por estarem deslocados por neoplasias retroperitoneais. Em geral, o aumento de ambos os rins decorre de doença policística ou de hidronefrose bilateral. Durante a palpação dos rins, é necessário avaliar a sensibilidade renal. Muitas vezes, a compressão com as pontas dos dedos pode ser suficiente para despertar dor. É necessário lembrar-se de fazer a punho-percussão do ângulo costovertebral, formado pela borda inferior da 12a costela e apófises transversas das vértebras lombares superiores (Figura 133.4). O aparecimento de dor à compressão ou à punho-percussão sugere infecção renal, mas pode ser de origem musculoesquelética.

• Exame dos ureteres Pela palpação profunda da parede abdominal anterior, é possível determinar dois pontos dolorosos quando existe infecção ou obstrução dos ureteres. O superior fica na parte média dos quadrantes superiores direito e esquerdo, e o inferior, nas fossas ilíacas direita e esquerda, próximos à região suprapúbica. A reação dolorosa à palpação profunda destes chamados "pontos ureterais" tem significado diagnóstico, especialmente quando são identificados outros dados sugestivos de comprometimento do trato urinário alto.

• Exame da bexiga Vista dorsal Figura 133.4 Projeção dos rins na parede anterior do abdome e do dorso.

A bexiga vazia não é palpável, porém pode haver hipersensibilidade na área suprapúbica ao se fazer a palpação. Retenção urinária aguda ou crônica, levando à distensão vesical, pode ser percebida por inspeção, palpação e percussão da região

882 suprapúbica. Se houver retenção urinária, observam-se reação dolorosa intensa e ocorrência de um abaulamento no hipogástrio. Apalpação, observa-se massa lisa e firme na linha média (globo vesical). Em mulheres, o esvaziamento vesical por cateterismo poderá ser necessário para o diagnóstico diferencial com cisto do ovário.

• Exame da próstata O exame da próstata é feito pelo toque retal, cuja técnica está descrita na seção que trata dos órgãos genitais masculinos (ver Capítulo 137, Exame Clfnico).

Parte 11

I SistemaUrinárioeÓrgãos Genitais

.... Bibliografia Bennett JC, Plum F. Cecil - Tratado de medicina interna. Doenças dos rins. 23° ed. Elsevier, 2009. Brenner K. The Kidney. 9th. Saunders, 2012 Onusko E. Diagnosing secondary hypertension. Am Fam Physician. 2003; 67:67-74. Porto CC, Porto AL. Vademecum de clínica médica. 3a ed. Guanabara Koogan, 2010. Porto CC, Porto AL. Exame clínico. Bases para a prática médica. 7• ed. Guanabara Koogan, 2012. Riella M. Princípios de nefrologia e distúrbios hidroeletrolíticos. s• ed. Guanabara Koogan, 2010.

134

Exames Complementares Valéria Soares Pigozzi Veios~ Nayara Gomes Costa, Carlos Alfredo Marcílio de Souza, Bruno Galafassi Ghini, Pedro José de Santana ePedro Paulo Teixeira eSilva Torres

..,. Introdução Os exames complementares compreendem o exame simples de urina, o exame quantitativo da urina, a proteinúria quantitativa, as provas de função renal, o exame bacteriológico da urina, a ultrassonografia, os exames radiológicos, a ressonância magnética, a cintigrafia renal, a biopsia renal, a endoscopia e a angiografia.

..,. Exame simples de urina O exame simples de urina, exame sumário de urina ou urina tipo I, é um dos métodos mais práticos para o diagnóstico e o acompanhamento de pacientes com alterações do trato . , . unnar10. O exame deve ser feito em urina recém-coletada, no meio do jato urinário, em frasco limpo. No homem incircunciso, o prepúcio deve ser retraído e o meato, limpo. Exame durante o período menstrual tem valor limitado, mesmo quando se tenta evitar eventual contaminação da urina com tampão vaginal. A melhor amostra para exame é a primeira urina da manhã, por ser mais concentrada e ter pH mais baixo, tornando possível melhor preservação dos elementos figurados e de cilindros, além de facilitar a determinação semiquantitativa da proteinúria. O exame tem início pela avaliação de cor, turvação e odor da urina; espuma em abundância indica proteinúria. Vários medicamentos podem alterar a cor da urina. Utilizam-se métodos físico-químicos para análise da densidade, do pH, pesquisa de proteínas, glicose e cetonas. O sedimento urinário é examinado ao microscópio. .,.. Densidade urinária. Densidade urinária e osmolalidade são medidas que refletem a concentração urinária de solutos. A capacidade dos rins de concentrar até aproximadamente 4 vezes o volume de solutos do plasma é um dos principais indicadores de eficiência da função renal A densidade ou gravidade específica corresponde ao peso de uma determinada solução de solutos dividido por igual volume de água destilada. A osmolalidade corresponde à quantidade de solutos osmoticamente ativos por kg de H 2 0. A densidade urinária pode ser medida com um urodensímetro (requer cerca de 200 mf de urina) ou com um refractômetro (requer uma gota de urina) ou, ainda, com uma fita de imersão. Os rins eliminam urina com densi-

dade específica que varia de 1,001 a 1,040, o que corresponde a osmolalidade de 50 a 1.100 müsm/kg H 2 0. A determinação da densidade urinária e, mais precisamente ainda, da osmolalidade urinária é muito útil no diagnóstico diferencial entre necrose tubular aguda, na qual a densidade e a osmolalidade são baixas, e insuficiência pré-renal, quando a densidade e a osmolalidade estão acima de 1,020 e 450 mOsm/f, respectivamente. .,.. pH. O pH varia entre 4,5 e 8,0. Um pH urinário abaixo de 6,0 pode ser considerado normal; na primeira urina da manhã, geralmente, o valor encontrado está entre 5,0 e 6,0. Se estiver acima de 8,0, sugere a ocorrência de infecção, alcalose sistêmica, acidose tubular renal ou uso de acetazolamida. .,.. Proteínas. A presença de proteína na urina - proteinúria - em quantidade superior a 150 mg/dia está acima dos valores nor• ma1s. Na avaliação semiquantitativa com o método da fita, observa-se a seguinte correspondência de concentração de , . protemas na unna: • Negativo ou vestígios: menos de 20 mg/df o 1+ = 21 a 100 mg/dR o 2+ = 101 a 300 mglde o 3+ = 301 a 1.000 mg/df o 4+ =acima de 1.001 mg/de. A proteinúria é um sinal comum nas doenças renais e das vias urinárias; pode ser um achado isolado ou estar associada a outros elementos. A detecção de microalbuminúria, por técnica especial em diabéticos e hipertensos, tem crescido de interesse por ser um marcador precoce de comprometimento renal. A proteína de Bence-Jones pode ser detectada graças à propriedade que ela tem de se precipitar quando a urina é aquecida em uma proveta entre 45° e 60°C, para depois se redissolver à temperatura de fervura da urina. Sua presença é indicadora de gamopatia, notadamente mieloma múltiplo. .,.. Glicose. A presença de glicose na urina - glicosúria - é determinada por agentes redutores não específicos (reação de Benedict e Clinitest) ou com tiras com reagentes específicos para glicose. Os primeiros, além de menos sensíveis, produzem reação falso-positiva em presença de vários açúcares, ácidos e alguns medicamentos. A tira reagente é sensível a concentrações de até 100 mg/df de glicose. Concentrações elevadas de glicose na urina estão associadas a diabetes melito, glicosúria renal e síndrome de Fanconi. A glicosúria deve ser diferenciada de outras condições que envolvam a existência de carboidratos na urina, como lactosúria e galactosúria. .,.. Cetonas. Quando o organismo metaboliza glicídios de modo incompleto, ocorre formação de corpos cetônicos facilmente detectáveis na urina. Presença de cetonúria em pacientes com diabetes melito indica descompensação metabólica grave. Pacientes em uso de levodopa costumam apresentar resultados falso-positivos, que também podem ocorrer no jejum prolongado e na cetoacidose alcoólica. .,.. Urobilinogênio. É um derivado incolor da bilirrubina, que é em parte excretado com as fezes e em parte reabsorvido e excretado com a urina. Na icterícia obstrutiva, o urobilinogênio não é drenado para o intestino e, portanto, sua concentração na urina é baixa. Em outros tipos de icterícia, a quantidade de urobilinogênio na urina está aumentada. .,.. Teste do nitrito. A positividade do teste baseia-se na capacidade de as bactérias gram-negativas transformarem nitratos em nitritos. Resultados falso-negativos ocorrem em presença

Parte 11

884 de enterococos e de outros microrganismos que não formam nitritos ou quando a urina não demora tempo suficiente na bexiga (4 h) para que ocorra a transformação. "" Sedimento urinário. O sedimento urinário é examinado para identificar células, cilindros e bactérias. Sedimento rico sugere doença glomerular. "" Hemácias. Considera-se normal a ocorrência de até duas hemácias por campo de grande aumento. Quando em quantidade superior, tem-se hematúria microscópica, dado muito importante na detecção de doenças renais ou das vias urinárias. Estados febris, esforço físico, frio intenso e distúrbios da coagulação podem ocasionar hematúria microscópica, sem que haja necessariamente lesão renal. Menos de 1 mf de sangue diluído em 500 mf de urina confere ao líquido coloração similar à de urina hematúrica. Frequentemente, é necessário investigar a origem da hematúria, isto é, se ela decorre de lesão glomerular ou de outra parte do trato urinário. Com este objetivo, tem sido preconizada a pesquisa de hemácias dismórficas na urina. O exame do sedimento urinário por microscopia de fase ou após secar o sedimento sobre lâmina, corado apropriadamente, torna possível distinguir: ( 1) hemácias eumórficas ou isomórficas: caracterizadas pelo tamanho uniforme e formato semelhante ao das hemácias circulantes normais - são de origem extraglomerular; (2) hemácias dismórficas: caracterizadas por contorno irregular, citoplasma heterogêneo e variações de tamanho. Quando o percentual de hemácias dismórficas supera 70% do total, a causa da hematúria está geralmente associada às doenças glomerulares. "" leucócitos. Os leucócitos podem ser observados em número de até 3 por campo de grande aumento. Podem ter origem em qualquer parte do trato urinário; em caso de infecção, o seu número aumenta, chegando a ser incontável, e, por vezes, estão agrupados. A elevação anormal do número de leucócitos na urina é chamada leucocitúria ou piúria. "" Células epiteliais. As células epiteliais de descamação são encontradas ocasionalmente e, em mulheres, podem ser numerosas. "" Bactérias e fungos. Em geral, a urina não contém bactérias ou fungos. A presença de bactérias pode denotar contaminação, quando a urina não foi colhida com os cuidados de assepsia e examinada imediatamente após a emissão. "" Cristais. Sendo a urina normalmente supersaturada de sais, é natural a formação de cristais, ocasionando cristalúria. Os cristais de ácido úrico são os mais comuns, assumindo diversos formatos e cores, variando de amarelo a amarronzado; os de oxalato de cálcio são transparentes e assumem o formato de quadrados intersectados por 2 diagonais. Os cristais contendo fosfato são muito frequentes e se formam em urinas alcalinas. Os de cistina são raros e indicam a existência de uma doença metabólica, chamada cistinúria. Os cristais de estruvita (fosfato amoníaco magnesiano) podem ser encontrados em litíase associada a infecções urinárias por bactérias produtoras de uréase, como Proteus e Klebsiella. "" Cilindros. São corpos proteicos que assumem a forma do segmento do néfron em que são formados; têm grande importância diagnóstica justamente pelo fato de sua origem ser no parênquima renaL Existem cilindros de vários tipos: • Cilindros hialinos são transparentes e homogêneos. Podem ser encontrados em ausência de doença renal. São formados pela precipitação proteica no lúmen tubular • Cilindros granulosos têm o formato e a constituição dos hialinos, porém incluem restos celulares que sofreram



• • •

I Sistema Urinário eÓrgãos Genitais

degeneração, conferindo a eles o aspecto que lhes dá o nome. São indicativos de doença tubular ou glomerular Cilindros céreos são mais largos e mais refrativos que os hialinos e têm extremidades irregulares. Ocorrem na doença renal crônica, na necrose tubular aguda e na glomerulonefrite aguda acompanhada de oligúria; não ocorrem em rins sadios Cilindros leucocitários são vistos nas pielonefrites e na nefrite intersticiaL São cilindros hialinos contendo leucócitos Cilindros de células epiteliais são prevalentes na fase poliúrica da insuficiência renal aguda Cilindros hemáticos são compostos de hemácias compactadas ou dispersas em material proteico e têm coloração laranja-amarelada. Sua presença tem grande valor diagnóstico, indicando glomerulonefrite em atividade.

..., Proteinúria quantitativa Este exame apresenta alta sensibilidade na detecção das afecções renais em seus estágios iniciais. Está indicado quando se observa proteinúria persistente ou intermitente no exame de urina de indivíduos aparentemente sadios, para evidenciar lesões incipientes dos glomérulos renais (nefrites), para avaliar a extensão e a evolução do comprometimento renal e para o controle do tratamento da síndrome nefrótica. Em condições habituais, um adulto normal excreta menos de 100 mg de proteínas na urina eliminada em 24 h. Excreção urinária superior a ISO mg/dia é considerada anormaL Do ponto de vista fisiopatológico, a proteinúria decorre de três principais mecanismos: glomerular, tubular e hiperproteinemia. "" Glomerular. Decorre do aumento patológico da permeabilidade glomerular, que ocasiona filtração e excreção de macromoléculas, em geral não filtráveis, tais como albumina e gamaglobulinas. É a causa mais comum de proteinúria (glomerulonefrites, síndrome nefrótica). "" Tubular. Decorre de doenças tubulointersticiais que ocasionam incapacidade do túbulo proximal de reabsorver proteínas que são normalmente filtradas, como [32-microglobulina e inulina. É o que ocorre na síndrome de Fanconi. Geralmente não excede 1 a 2 g/dia. "" Hiperproteinemia. Algumas doenças ocasionam produção excessiva de proteínas de baixo peso molecular, que podem atravessar a membrana glomerular. Quando a concentração plasmática dessas proteínas está elevada, certa quantidade delas é filtrada pelos glomérulos e eliminada com a urina. É o que ocorre, por exemplo, com as imunoglobulinas de cadeias leves do mieloma múltiplo. "" Proteinúria ortostática. Ao observar a presença de proteinúria ao exame semiquantitativo até 1+ a 2+ ou até 300 mg/df, é importante afastar a possibilidade de «proteinúria ortostática" ou "postura!~ um tipo de proteinúria de evolução benigna que ocorre em aproximadamente 3 a 5% de adolescentes e desaparece antes dos 30 anos. Isso porque alguns indivíduos na posição de pé podem apresentar proteinúria sem que haja qualquer lesão renal. Também é importante determinar se a proteinúria é persistente ou transitória; proteinúria transitória ocorre nas doenças febris, na insuficiência cardíaca ou hepática, após exercícios físicos extenuantes e mesmo em estados emocionais intensos. "" Miaoalbuminúria. Um tipo importante de proteinúria é a chamada microalbuminúria. Neste caso, o paciente elimina até

134

I Exames Complementares

300 mg de albumina no total de 24 h. Com esta quantidade de proteínas, se a urina estiver diluída, o exame com fita tem pouca sensibilidade para detectá-la e por isso deve ser determinada em urina coletada durante 24 h. A microalbuminúria é de grande importância no seguimento de pacientes com diabetes melito e hipertensão arterial, sendo um indicador precoce de nefropatia diabética e de nefroesclerose. A medida da excreção de proteínas em 24 h permanece como método padrão para determinação da proteinúria. Entretanto, pela elevada possibilidade de erros e pouca praticidade na coleta de urina por esse período de tempo, pode-se medir em uma amostra de urina isolada o índice proteína/creatinina urinária. Neste caso, a concentração de proteína em mg%, dividida pela concentração de creatinina em mg%, produz um índice confiável da excreção de proteínas, e quando apresenta resultado superior a 30 mg!litro, corresponde a proteinúria importante.

. . - Provas de função rena I As provas de função renal podem ser divididas em testes clínicos e testes especiais. Os testes clínicos são de larga utilização na prática médica pela simplicidade de execução laboratorial, enquanto os testes especiais são de uso restrito como, por exemplo, a dosagem de inulina e cistatina C, em trabalhos de investigação científica ou em situações clínicas incomuns, quando passa a ser necessária uma avaliação exata de componentes específicos da função renal. .,. Dosagem de creatinina e ureia. A taxa de filtração glornerular (TFG) é considerada o melhor índice de função renal. A avaliação da TFG é de amplo uso clínico para detectar deficiência de função e acompanhar sua evolução na vigência de processos patológicos. Os principais parâmetros para avaliar TFG são: dosagem da creatinina sérica (CrS), clearance da creatinina endógena (ClCr) e estimativa por meio da equação de Cockcroft e Gault O nível normal de ureia está entre 18 e 45 mg/di e o de creatinina, entre 0,6 e 1,2 rng/di. A CrS é o parâmetro endógeno mais comumente utilizado para estimar a TFG. O inverso da Cr (1/Cr) reflete razoavelmente a TFG, de modo muito mais confiável que a ureia. Isso porque a produção de creatinina é constante para um dado indivíduo (aproximadamente 15 rng/kg de peso corporal/dia). Sua fonte de produção é o tecido muscular, sendo um produto final do metabolismo da creatinina. A creatinina é livremente filtrada pelo glomérulo e secretada pelo túbulo proxirnal; deste modo, a creatinina excretada na urina origina-se da filtração glornerular (85%) e da secreção tubular (15%). Quanto maior o nível sérico de creatinina, menor deverá ser a TFG e maior a proporção de creatinina originada de secreção tubular. A secreção de creatinina é inibida por diversos medicamentos: ácido acetilsalicílico, cimetidina, trirnetoprima, espironolactona e arnilorida. Cefoxitina, cefalotina e níveis elevados de acetoacetato na cetoacidose diabética podem provocar aumento da creatinina sérica pelo fato de interferirem na reação de coloração. A concentração de ureia no sangue depende de sua produção no organismo, da ingesta de proteínas, do índice de filtração glornerular e do estado de hidratação do paciente. A ureia é formada predominantemente no fígado e, em pequenas proporções, nos rins e no cérebro. Eleva-se com a

885 maior ingesta proteica (dieta rica em carnes, ovos) ou com o aumento do catabolisrno proteico (febre, estado séptico, uso de corticoide) e com a presença de sangue no intestino, se houver sangramento no trato digestivo. Nessas condições, o nível de ureia sanguínea eleva-se independentemente da TFG. Ocorre diminuição na produção de ureia quando decresce a ingestão proteica (desnutrição, alcoolismo crônico) e na insuficiência hepática. O nível de ureia também pode estar reduzido quando a utilização de antibióticos diminui a flora intestinal, provocando decréscimo da formação de amônia e de sua reconversão em ureia pelo fígado. O estado de hidratação pode determinar aumento ou redução dos níveis de ureia, em consequência da variação para mais ou para menos do volume líquido do organismo (desidratação ou hiper-hidratação), independentemente da produção de ureia ou de alterações da taxa de filtração glornerular. .,. Clearance de creatinina. O índice de filtração glornerular pode ser medido diretamente pela depuração ou clearance de determinadas substâncias filtradas pelos rins. O conceito de clearance (Cl) apoia-se na capacidade que os rins têm de depurar ou eliminar uma determinada substância existente no sangue, que atravessa o sistema vascular renal por minuto. Se um soluto presente no plasma (p. ex., creatinina) é excretado pelos rins, a quantidade eliminada em miligramas por minuto é expressa pela equação UCr x V, na qual UCr é a concentração de creatinina na urina em miligramas por mililitro, e V é o fluxo urinário em mililitros de plasma depurados de Cr em 1 rnin. Na prática diária, o clearance de creatinina (CC r) é o método mais aplicado para a medida da taxa de filtração glornerular (TFG) e, deste modo, para a avaliação da função renal. Quando a função renal é estável, a excreção de creatinina é igual à sua produção. Por isso, o nível de creatinina sérico permanece constante. Não é, contudo, uma medida perfeita da TFG e, na sua interpretação, deve-se levar em consideração que, à medida que a função renal decresce na insuficiência renal crônica, urna fração maior de creatinina é eliminada por secreção tubular, hiperestimando o valor final do clearance. Na insuficiência renal aguda, tanto na fase inicial de desenvolvimento quanto na de recuperação, o clearance tem valor discutível, já que a concentração de creatinina no plasma e na urina está em evolução. Determina-se o CCr coletando-se a urina eliminada em um período de 24 h; no entanto, é possível utilizar períodos menores de tempo. Antes de iniciar a coleta de urina, o paciente esvazia completamente a bexiga, anota a hora da micção e descarta essa urina. Neste momento, começa o período do clearance e, daí em diante, toda urina será posta em um frasco. No final do período, a bexiga deve ter sido esvaziada completamente, a urina guardada e a hora anotada. No início, no decorrer ou no final do período de coleta, retiram-se amostras de sangue para a determinação da creatinina sérica. O tempo de coleta pode durar algumas horas a mais ou a menos. O mais importante do exame é anotar com exatidão o momento do início e do fim da coleta. Após determinarem-se o volume de urina em mililitros por minuto e a concentração de creatinina no soro e na urina (rng/rni ), calcula-se o valor do CCr ajustado para 1,73 m 2 de superfície corporal. Em consequência das dificuldades de uma coleta urinária exata em 24 h, o clearance de creatinina pode ser estimado pela equação de Cockcroft e Gault que, com base na produção e excreção constante de creatinina, incorpora idade, sexo e

Parte 11

886 peso corporal na avaliação da TFG, dispensando a medida do volume urinário. ClCr = (140- idade) x (peso em kg)/CrS x 72 Para mulheres, deve-se subtrair 15% do valor encontrado. Determinação da filtração glomerular por traçadores radioativos. Embora a TFG possa ser estimada a partir da concentração sérica de creatinina por diferentes algoritmos, os erros individuais são consideráveis, e os desvios padrão podem chegar a 50 mf/min, especialmente quando a TFG é baixa, pois existe um mecanismo compensatório de aumento na secreção tubular. Em crianças, principalmente, a correlação com a aferição por inulina é pequena. A filtração glomerular é um processo passivo que pode ser quantificado pela aferição do clareamento de uma substância do plasma, dadas as seguintes restrições: • A substância deve ser livremente filtrada pela membrana glomerular • Ela não pode ser secretada ou reabsorvida pelo túbulo • Não pode se ligar a proteínas plasmáticas • Não deve interferir com a função renal • Não pode ser excretada por outra via que não seja a renal • Deve ser metabolicamente inerte, não sendo metabolizada ou ligada a outros tecidos. O método geralmente aceito como padrão-ouro para aferir a TFG usa infusão contínua de inulina. A metodologia, entretanto, é difícil e consome muito tempo, por isso é considerada inapropriada para uso clínico. Na prática clínica, é possível obter aferição com acurácia por meio de traçadores radioativos como o 5 1Cr-EDTA, pelo cálculo da curva de clareamento dessa substância no tempo, depois de uma única injeção do material. Esse clareamento é dado pela divisão entre a dose injetada e a área sob a curva. Esse método, embora torne desnecessária a coleta de urina, requer a coleta de múltiplas amostras de sangue; a partir dele, foram desenvolvidos 2 outros cálculos com base em apenas 2 ou mesmo uma única coleta, apresentando ainda estreita correlação com a TFG. As desvantagens do método são a contraindicação em pacientes muito edemaciados ou com ascite e o fato de não ser amplamente difundido no Brasil, embora seja um exame de baixo custo, alta acurácia e fácil execução, viável mesmo em indivíduos sem controle miccional.

~

Exame bacteriológico da urina

O exame bacteriológico da urina compreende a microscopia direta e a cultura. Em ambas, são indispensáveis as precauções para evitar contaminação exterior. Além disso, a urina deve ser examinada ou preparada para cultura em tempo inferior a 30 min. Caso não seja viável, deve-se refrigerá-la, para impedir crescimento bacteriano. .,. Exame miaoscópico. A grande vantagem do exame microscópico é sua simplicidade e baixo custo. O encontro de mais de 3 leucócitos em grande aumento ou a presença de bactérias indica provável infecção urinária ativa. Contudo, o grande inconveniente do exame microscópico direto é a falta de adequada padronização, prejudicando o valor do método. Quando o sedimento urinário é processado e centrifugado, a presença de bactérias e de mais de 1O leucócitos por campo é indicativa de infecção urinária, admitindo-se que equivale

I Sistema Urinário eÓrgãos Genitais

a uma bacteriúria de 105 bactérias por mililitro de urina em cultura quantitativa. A presença de um número elevado de leucócitos sem bacteriúria evidente tem reduzido valor para o diagnóstico de infecção urinária. .,. Cultura. Primeiramente, é necessário alertar para a necessidade de técnica adequada de coleta da urina. Uma boa higiene dos órgãos genitais é indispensável; as mulheres devem ser instruídas para afastar os lábios vulvares. A coleta em recipiente estéril é obrigatória. A cultura é realizada inoculando-se urina em meio de cultura apropriado. A intensidade da bacteriúria é determinada pela contagem das colônias. Número igual ou superior a 100.000 colônias por mililitro indica, seguramente, a ocorrência de infecção. Quando o número de colônias é inferior a 10.000, raramente trata-se de infecção urinária. Em geral, valores intermediários (mais de 10.000 e menos de 100.000) traduzem contaminação, principalmente em presença de flora bacteriana mista; mas havendo dados clínicos suspeitos, é necessário repetir o exame.

~

Ultrassonografia

A capacidade de visualizar ultrassonograficamente os órgãos do trato urinário é multifatorial, correlacionando-se com os seguintes fatores: (1) tipo corporal, (2) experiência do observador e (3) tipo de equipamento. Daí a importância de esses exames serem realizados apenas por profissionais habilitados, com formação e titulação específica. Esse método é um excelente recurso não invasivo para avaliação renal, vesical e prostática. Dispõe de muitas vantagens, como não invasividade, ampla disponibilidade e não utilização de radiação ionizante, esta última característica muito importante principalmente na faixa etária pediátrica, em mulheres em idade reprodutiva e em gestantes. As principais indicações da ultrassonografia nesse contexto são para a identificação de obstrução, diagnóstico diferencial entre lesões sólidas e císticas, avaliação da insuficiência renal aguda e crônica, seguimento de pacientes com rins transplantados e como guia para procedimentos invasivos (p. ex., biopsia renal e aspiração de cistos). Mais recentemente, tem sido estudada a ultrassonogra:fia renal com contraste intravenoso por microbolhas, obtendo-se resultados positivos na literatura; no entanto, o método ainda é de baixa disponibilidade para avaliação do trato urinário em nosso meio. Cistos renais que não preenchem os critérios de benignidade (anecoico, reforço acústico posterior, parede bem fina, imperceptível e lisa, formato arredondado ou ovoide) e lesões sólidas devem ser avaliados por TC ou RM. A avaliação ultrassonográfica para pesquisa de litíase renal é um exame muito pedido nos consultórios médicos. À USG, os cálculos renais são visualizados como focos hiperecoicos produtores de sombra acústica com boa definição. Para os pacientes que se apresentam com cólica renal aguda, o papel do radiologista é confirmar o diagnóstico, definir o tamanho do cálculo, sua localização e número, além de avaliar complicações associadas. A busca por ureterolitíase, especialmente no ureter médio, é difícil devido à interposição gasosa e à localização retroperitoneal profunda do ureter. É necessário salientar, ainda, a limitação do método ultrassonográfico na detecção de cálculos calicinais com diâmetro inferior a 0,5 em.

134

I Exames Complementares

887

Na insuficiência renal, a ultrassonografia é importante pela determinação do tamanho e visualização da arquitetura externa e interna renal, o que possibilita a diferenciação das causas renais e pós-renais. Redução do diâmetro longitudinal aquém de 9,0 em e espessura cortical renal inferior a 1,5 em são parâmetros importantes que auxiliam na caracterização de cronicidade (Figuras 134.1 e 134.2) .

..., Radiologia convencional A utilização das radiografias simples para avaliação do sistema urinário tem baixa acurácia para detecção da maioria das doenças, e seu uso é limitado nos dias atuais. Entretanto, eventualmente, ainda são utilizadas radiografias convencionais no contexto de litíase do trato urinário, por exemplo, em prontos-socorros, em que é a única modalidade por imagem disponível, ou ao guiar procedimentos urológicos, como litotripsia extracorpórea (Figura 134.2).

..., Urografia excretora Por muitas décadas, a urografia excretora foi a principal modalidade de imagem para a avaliação do trato urinário. Nos últimos anos, outros métodos como a ultrassonografia, tomografia computadorizada e ressonância magnética são utilizadas com maior frequência para o estudo das doenças das vias . , . unnar1as. A urografia excretora baseia-se na propriedade renal de filtrar e concentrar substâncias radiopacas (contraste iodado), viabilizando a avaliação de aspectos anatômicos e funcionais dos rins e vias urinárias. Torna possível a detecção de anormalidades congênitas, além de auxiliar no diagnóstico de litíase urinária. Vale destacar que, especialmente na avaliação da litíase, a tomografia computadorizada fornece mais parâmetros com relação a esta condição e ainda possibilita excluir ou confirmar outros diagnósticos diferenciais, tendo impacto na tomada de condutas.

Figura 134.1 A. Imagens de ultrassonografia evidenciando rim de aspecto normal. 8. Rim contraído e com parênquima atilado relacionado com nefropatia crônica. C. Ectasia do sistema coletor urinário.

Figura 134.2 A. Radiografia que mostra cálculo na topografia do terço médio ureteral esquerdo, achado confirmado no exame ultrassonográfico realizado em conjunto. 8. Ultrassonografia do rim esquerdo, corte longitudinal, do mesmo paciente, demonstra moderada dilatação pielocalicinal. C. Ultrassonografia no flanco esquerdo, corte longitudinal, caracteriza imagem ovalada hiperecoica formadora de sombra acústica posterior medindo 1,96 em no terço médio ureteral ipsilateral, achado responsável pela obstrução.

888 As radiografias iniciais, especialmente o nefrograma de 30 segundos ou 1 min, possibilitam a avaliação do contorno e capacidade funcional renal. Já as radiografias finais são próprias para o estudo do sistema ureteropielocalicinal (Figura 134.3).

..,. Tomografia computadorizada A tomografia computadorizada (TC) com contraste iodado intravenoso tornou-se o método de escolha na avaliação da maioria das lesões focais renais. Além de possibilitar melhor caracterização de lesões detectadas à US, também viabiliza um acurado estadiamento pré-terapêutico. A tomografia computadorizada não contrastada é ainda considerada o padrão-ouro na avaliação da litíase urinária.

Parte 11

I Sistema Urinário eÓrgãos Genitais

As tecnologias atuais, com tomógrafos helicoidais de múltiplas fileiras de detectores (TCMD ou TC multislice) e a utilização de protocolos dedicados com 4 fases de exame (pré-contraste, corticomedular, nefrográfica e excretora) ampliaram ainda mais a aplicabilidade da TC, com exames mais rápidos, de maior resolução espacial, com possibilidade de reconstruções multiplanares e tridimensionais. A tomografia computadorizada é muito útil também na avaliação do espaço perirrenal, retroperitoneal e das lojas suprarrenais. O exame de imagem multiplanar renal proporciona excelente detalhamento anatômico. As densidades da medula renal e do córtex renal na TC sem contraste são muito semelhantes, variando o parênquima renal de 27 a 47 UH. O seio renal é anterior e mediai ao tecido parenquimatoso, sendo facilmente diferenciado do parênquima por sua atenuação gordurosa. O trato urotelial origina-se nessa região, incluindo neste local os cálices e a pelve renaL O sistema coletor está geralmente colapsado, porém pode haver um pequeno volume de liquido calicinal. A aparência dos rins varia com o momento da aquisição das imagens pós-injeção do contraste intravenoso. Na TC sem contraste, a porção medular central do parênquima não é diferenciada do córtex nos rins normais. Durante a fase arterial de realce, o córtex e a medula impregnam-se em diferentes velocidades com a cortical brilhante justaposta à medula, menos realçada. Tais características possibilitam a identificação das lesões hipervasculares, destacando-se o diagnóstico dos carcinomas de células renais. Após 90 a 120 segundos da administração do contraste, durante a fase nefrográfica, o realce do córtex e da medula equilibra-se, com nítido delineamento da gordura do seio renal central, otimizando desta maneira a identificação de lesões focais parenquimatosas renais. Durante a fase excretora, o contraste denso enche os sistemas coletores, ureteres e a bexiga urinária, sendo a melhor para avaliar as lesões uroteliais (Figuras 134.4 e 134.5). As principais indicações da TC são: • Avaliar a presença de massa neoplásica e estabelecer o diagnóstico diferencial entre lesões sólidas, císticas e abscesso ou hematoma • Detectar invasão neoplásica no espaço perirrenal e de linfonodos comprometidos, bem como de recidivas/remanescentes tumorais • Examinar urolitíase • Guiar para biopsia percutânea • Analisar traumas renais.

..,. Ressonância magnética

Figura 134.3 A. Radiografia simples do abdome evidencia calcificação no terço distai do ureter direito (seta vazada) e cálculo no mesorrim esquerdo (seta preta). 8. Radiografia 5 min após a injeção do contraste evidencia falha de enchimento no terço distai do ureter direito, com consequente moderada dilatação ureteropielocalicinal a montante. Nota-se ainda nefrograma persistente ipsilateral.

A RM transformou-se em um instrumento valioso na avaliação dos distúrbios do trato urinário nos últimos anos. Inúmeras técnicas foram desenvolvidas para fornecer a aquisição rápida de imagens com boa resolução espacial e de contraste. As técnicas de sincronização respiratória ajudam a reduzir o artefato de movimento. É possível a aquisição de imagens nos planos axial, coronal ou sagital. Um exame de imagem do rim por RM inclui imagens ponderadas em TI e T2. Pode ser escolhido um plano de imagem axial ou coronal. Quando se identifica uma lesão focal, um segundo plano de imagem pode ser valioso para caracterização e localização adicionais. As imagens pré e pós-contraste ponderadas em TI são realizadas para avaliar o realce do rim

134

I Exames Complementares

889

Figura 134.4 A. TC de abdome, corte axial sem contraste, demonstra cálculo no terço distai do ureter direito. B. TC de abdome, reformatação coronal, sem contraste, evidencia moderada dilatação ureteral. C. Reformatação curvilínea, demonstrando o ureter direito em toda a sua extensão, com moderada dilatação.

Figura 134.5 Angiotomografia de artérias renais. Observam-se aorta difusa mente ateromatosa e stents na emergência das artérias renais para correção de estenoses por placas ateroscleróticas.

890 e quantificar a impregnação de qualquer lesão focal detectada. Alguns benefícios das imagens ponderadas em T2 são a capacidade de detectar lesões ósseas e metastáses hepáticas. Nas sequências sem contraste ponderadas em TI, a intensidade de sinal do rim normal na RM é similar à aparência de outros órgãos abdominais, como o fígado. O tecido cortical renal apresenta características de sinal de TI moderadas. Na ausência de supressão de gordura, o seio renal apresenta intensidade gordurosa típica, ou seja, sinal hiperintenso em TI e moderado em T2. Contudo, as imagens ponderadas em T I geralmente empregam a supressão de gordura, havendo redução do sinal do tecido adiposo circunjacente, com consequente melhor visualização do rim. As características do sinal hiperintenso em T2 estão presentes na medula e córtex renais (Figura 134.6). Após a administração do gadolínio, o córtex e a medula podem ser nitidamente diferenciados caso exista um delay de aquisição de imagens de menos de 70s. A fase nefrográfica, aproximadamente IOO s após a injeção, criará um realce homogêneo do parênquima renal, semelhante à TC. A gordura perinéfrica será semelhante a outras áreas de gordura em todas as sequências. Nas imagens mais tardias, durante a

Parte 11

I Sistema Urinário eÓrgãos Genitais

fase excretora, pelo menos 3 a 5 min após a injeção do agente paramagnético, o contraste será concentrado no sistema coletor, com melhor definição das unidades pielocalicinais e ureteres. Determinadas técnicas podem ser úteis para avaliar doenças urológicas específicas. No estadiamento do carcinoma de células renais, as imagens coronais ponderadas em T2 e pós-contraste em TI no plano do coração podem ser valiosas para detecção e caracterização do acometimento da veia cava inferior. As imagens coronais intensamente ponderadas em T2 do sistema urotelial, a urografia por RM, podem fornecer informações com relação a tumores, estenoses ou obstrução ureterais com base no sinal obtido da urina sem administração do contraste intravenoso.

..,. Cintigrafia renal A medicina nuclear é a especialidade médica que usa radiofármacos com finalidade diagnóstica e terapêutica. Os radiofármacos são compostos químicos marcados com radioisótopos, que se acumulam seletivamente em determinados órgãos ou tecidos. Assim, a principal finalidade das imagens diagnósticas obtidas é a avaliação da fisiologia e fisiopatologia. Os exames mais comumente realizados pela medicina nuclear são feitos em um detector de radiação denominando câmera de cintilação, ou gamacâmera, daí o fato de os estudos serem chamados de cintigrafias. De acordo com a maneira de realização das imagens, elas podem ser classificadas em planares (ou estáticas), dinâmicas ou tomográficas (single photon emission computed tomography- SPECT). Pelas propriedades físicas, o radioisótopo ideal para obtenção da cintigrafia é o tecnécio-99 metaestável (99lltfc), e atualmente os traçadores mais utilizados são marcados com esse átomo.

• Cintigrafia renal estática

Figura 134.6 A. Representação do sistema coletor urinário na ressonância magnética. B. lmagem coronal de ressonância magnética na ponderação T2 evidenciando rins de configuração e dimensões normais.

O ácido dimercaptossuccínico marcado com tecnécio 99 ( lltfc-DMSA), depois de administração intravenosa, é captado pelas células tubulares da pars recta, conferindo excelente propriedade para imagens do córtex renal. A principal indicação para realização da cintigrafia renal estática é a detecção de anormalidades corticais relacionadas com infecção do trato urinário, por apresentar alta sensibilidade tanto na pielonefrite aguda quanto na crônica. As imagens SPECT conferem sensibilidade ainda maior na detecção de defeitos corticais focais. Considera-se como sequela permanente um defeito cortical que persista 6 meses após a infecção aguda. Além da detecção de anormalidades focais do parênquima renal, a quantificação da função renal relativa por este método tem alta acurácia e é reprodutível e de fácil execução. Devido ao alto contraste entre a concentração do radiofármaco nos rins e nos demais tecidos, a função renal relativa calculada por este método é mais precisa que a obtida na cintigrafia renal dinâmica. Outras indicações são detecção de rins ectópicos, confirmação de exclusão funcional de rins multicísticos e detecção de outras anormalidades associadas a infecção, como rim em ferradura, rins hipoplásicos ou outras malformações. São realizadas imagens estáticas nas projeções anterior, posterior e 4 oblíquas do abdome, e em alguns centros também imagens SPECT (Figura 134.7).

134

I Exames Complementares

891

Figura 134.7 Cintigrafia renal estática com 99""Tc-DMSA evindenciando rim direito normal e múltiplas cicatrizes no parênquima do rim esquerdo, que apresenta ainda hipoconcentração difusa do traçador por redução em sua função.

• Cintigrafia renal dinâmica O ácido dietilenotriaminopentacético marcado com tecnécio ( 99rnTc-DTPA) é o radiofármaco mais utilizado no Brasil para a realização da cintigrafia renal dinâmica. Como esse traçador é eliminado exclusivamente por filtração glomerular, a relação entre a concentração do fármaco no órgão-alvo e no tecido ao seu redor (relação alvo-fundo) não é tão favorável quanto a de outros traçadores usados com a mesma finalidade ( 99mTc-EC e 99rrlfc-MAG3), cujas propriedades se aproximam mais do fluxo plasmático renal efetivo, por sofrerem filtração glomerular e secreção tubular. Imediatamente após a administração do traçador, são adquiridas imagens sequenciais do abdome, frequentemente na projeção posterior, pois os rins tópicos são melhor vistos nessa projeção. As imagens do primeiro minuto após a injeção servem para avaliar o fluxo sanguíneo dos rins, e as seguintes são agrupadas a cada minuto, para que seja avaliado o acúmulo progressivo no parênquima renal e o consequente clareamento do traçador nas demais regiões, e a eliminação da urina radiomarcada para a pelve e em seguida para a bexiga. Desenhando-se áreas de interesse nas posições dos rins, é possível obter uma curva da radioatividade em cada rim no decorrer do período avaliado. A essa curva dá-se o nome de renograma. O protocolo mais comum ao estudar obstrução das vias urinárias inclui a administração de furosemida aos 20 min de estudo (protocolo F+20), e a análise conjunta do renograma, das imagens e de outros parâmetros matemáticos possibilita classificar as vias urinárias em normais, hidronefrose sem padrão obstrutivo (estase urinária), hidronefrose

com retenção de urina radiomarcada (padrão obstrutivo) e hidronefrose com padrão intermediário de eliminação. Os rins que e.x ibem padrão obstrutivo apresentam maior probabilidade de desenvolver perda de função, afilamento cortical e cicatrizes parenquimatosas. Além da aplicação em todas as uropatias obstrutivas, a cintigrafia renal dinâmica também é usada na avaliação de transplantes renais e hipertensão renovascular. Neste último caso, avalia-se a comparação entre dois estudos renais dinâmicos: o primeiro, em condições basais; e o segundo, após administração de captopril, um inibidor de enzima conversora de angiotensina (IECA). Se as imagens comparativas evidenciarem queda da filtração glomerular de um rim na vigência de IECA, indicam a presença de doença renovascular (Figuras 134.8 e 134.9).

• Cistocintigrafia O refluxo vesicoureteral (RVU) é uma anormalidade comumente encontrada em crianças com infecção do trato urinário. A cistocintigrafia é realizada para detectar e acompanhar a evolução do RVU, uma vez que, com o crescimento da criança e a maturação da junção vesicoureteral, até 79% dos RVU apresentam regressão espontânea. O método de referência para diagnóstico é a cistografia miccional por raios X, pois esse método confere detalhes anatômicos que fogem à cistocintigrafia, graças à sua resolução espacial. Entretanto, a cistocintigrafia direta (CCD) apresenta maior sensibilidade e menor exposição à radiação, pela sua alta resolução de contraste e pela observação ininterrupta.

892

Parte 11

I Sistema Urinário eÓrgãos Genitais

Figura 134.8 Cintigrafia renal dinâmica com 9911Tfc-DTPA evidenciando hidronefrose bilateral; entretanto, o rim direito apresenta eliminação adequada da urina radiomarcada no decorrer do estudo (padrão "não obstrutivo"), e o rim esquerdo mostra retenção de urina até o final do estudo (padrão "obstrutivo"), além de redução de sua função e afilamento cortical. Os padrões das curvas dos renogramas refletem esse achado por meio da quantidade de radioatividade em cada rim no decorrer do exame. A perda de função do rim esquerdo tende a ser progressiva se não houver intervenção para melhorar a drenagem de urina de sua pelve.

134 I Exames Complementares

893

I IMG / 1W.

A

8 Figura 134.9 Cintigrafia renal dinâmica com 99111'fc-DTPA em situação basal (A) e na vigência de captopril (8). Nota-se significativa queda da função renal à direita no estudo com inibidor de enzima conversora de angiotensina (8) com relação ao basal (A). Esse padrão deve-se à doença renovascular à direita.

Assim, o diagnóstico de RVU em pacientes com alta suspeita clínica que apresentam cistografia normal é a principal indicação da CCD, além do acompanhamento da evolução do RVU em crianças. Embora o procedimento da CCD seja similar ao da cistografia, pois é realizada a sondagem vesical e são observados o enchimento da bexiga e a micção, o acompanhamento do processo é ininterrupto, conferindo maior número de imagens, possibilitando o diagnóstico do RVU mesmo que este seja de curta duração, isto é, apresente esvaziamento rápido. Há ainda a possibilidade de se diagnosticar refluxo sem a necessidade de sondagem, por meio da cistocintigrafia indireta (CCI). Ao término do estudo renal dinâmico, a bexiga encontra-se cheia de urina radiomarcada. Nesse momento, solicita-se ao paciente que urine, e são feitas imagens dinâmicas durante a micção. A observação de enchimento pélvico durante a micção caracteriza RVU. Embora tenha a vantagem de tornar a sondagem desnecessária, esse método apresenta menor sensibilidade, pois não é possível diagnosticar RVU durante o enchimento vesical, e naturalmente é necessário que o paciente tenha controle de sua diurese, desqualificando seu uso em crianças com menos de 3 anos de idade. Algumas instituições sugerem a realização da CCD em crianças com controle miccional apenas quando a CCI for negativa.

..,. Biopsia renal Atualmente, a biopsia renal é utilizada sempre que se faz necessário elucidar a natureza e a magnitude de lesões renais, assim como na orientação do nefrologista para a terapêutica e o prognóstico da enfermidade renal. Biopsias seriadas podem caracterizar a história natural da nefropatia. Nas seguintes situações, o diagnóstico histológico de uma lesão renal é importante para orientação terapêutica: síndrome nefrótica do adulto, síndrome nefrótica da criança resistente a esteroides, glomerulonefrites em adultos (não sugestiva de doença pós-estreptocócica) e na insuficiência renal aguda de causa desconhecida ou acompanhada de oligúria ou anúria superior a 3 semanas. Outra indicação importante visa ao diagnóstico diferencial entre rejeição do enxerto no pós-transplante renal e necrose tubular aguda. As contraindicações para biopsia renal percutânea incluem rim solitário (exceto no caso de transplante), diátese hemorrágica, hipertensão arterial não controlada, doença policística, hidronefrose, neoplasias e rins contraídos por insuficiência renal crônica.

Parte 11

894 Atualmente, a biopsia percutânea é realizada com acompanhamento ultrassonográfico. Em pacientes obesos, a tomografia computadorizada pode ser usada como alternativa para guiar a biopsia. Complicações da biopsia renal são relativamente infrequentes. Ultrassonografia feita após o procedimento pode revelar hematoma perirrenal. Hematúria macroscópica ocorre em menos de 10% dos pacientes.

angiografia. Essas novas técnicas poderão facilitar o diagnóstico da hipertensão de causa renovascular. A angiografia por tomografia computadorizada vem sendo utilizada em substituição à angiografia convencional na avaliação do sistema arterial de doador de rim para transplante, bem como em outras situações, incluindo hematúria não explicada, poliarterite nodosa, tumores renais e doença policística (Figura 134.5).

~ ~

Endoscopia

A utilização de endoscópios (cistoscópio e ureteroscópio) possibilita a visualizaç.ão da superfície interna da uretra e da bexiga, viabilizando a identificação de neoplasias, cálculos, fatores de manutenção de infecção, corpos estranhos, origem de hematúria, malformações e orifícios ureterais. Também é possível a utilização da endoscopia para a realização de biopsias, extração de cálculos ureterais e ressecção de neoplasias. Através do cistoscópio pode-se introduzir um cateter até a pelve renal, para coleta de urina unilateral para exame bacteriológico, citológico, determinação em separado da função renal ou então para a introdução de contraste radiológico para a feitura de pielografia ascendente. Além disso, é possível introduzir dispositivos especiais para retirada e fragmentação de cálculos. Em situações especiais, a cistoscopia é indicada para confirmar a ocorrência de refluxo vesicoureteral. Neste caso, instila-se na bexiga solução contendo corante (p. ex., azul de metileno). Após o paciente urinar, verifique com o endoscópio se o ureter drena líquido azul. Em caso afirmativo, fica comprovada a presença de refluxo. A endoscopia está contraindicada na infecção urinária aguda, pois o traumatismo da mucosa pode exacerbar a infecção. Quando existem manifestações claras de hipertrofia prostática, o exame endoscópio pode provocar edema do colo vesical ou da uretra posterior, causando obstrução urinária completa. Dentre as complicações frequentes do exame endoscópico encontram-se sangramento, hematúria, disúria, retenção urinária e infecção com surtos de bacteriemia.

~ Angiografia renal A angiografia renal é utilizada para fins de diagnóstico ou de intervenção terapêutica. No momento, este tipo de obtenção de informações sobre a vasculatura renal está passando por inúmeros progressos devido ao dúplex Doppler, à angioultrassonografia e à tomografia computadorizada helicoidal com

I Sistema Urinário eÓrgãos Genitais

Bibliografia

Bennett JC, Plum F. Ceci! - Tratado de medicina interna. Doenças dos rins. 23a ed. Elsevier, 2009. Bent S, Saint S. The optimal use of diagnostic testing in women with acute uncomplicated cystitis. Dis Mon. 2003; 49:83-98. Brenner K. The Kidney. 9th Saunders, 2012. Christensen AB, Groth S. Determination of99mTc-DTPA clearance by a single plasma sample method. Clin Physiol. 1986; 6:579-588. Cohen RA, Brown RS. Clinicai practice. Microscopic hematuria. N Engl J Med. 2003; 348:2330-8. Daneman A, Navarro OM, Somers GR et al. Renal pyramids: focused sonography of normal and pathologic processes. RadioGraphics. 2010; 30:1287-1307. Dyer RB, Chen MY, Zagoria RJ. lntravenous urography: technique and interpretation. RadioGraphics. 2001; 21:799-824. Fleming JS, Wilkinson J, Oliver RM et ai. Comparison of radionuclide estimation of glomerular filtration rate using technetium-99m diethylene-triaminepentaacetic acid and chromium 51 ethylenediaminetetraacetic acid. Eur J Nucl Med. 1991; 18:391-395. Gerst S, Hann LE, Li D et al. Evaluation of renal masses with contrast-enhanced ultrasound: initial experience. AJR. 2011; 197:897-906. Guignard JP, Torrado A, Feldman H et aL Assessment of glomerular filtration rate in children. Helv Paediat Acta. 1980; 35:437-447. Ham HR, Piepsz A. Clinicai measurement of renal clearance. Curr Opin Nephrol Hypertension. 1992; 1:252-260. Jinzaki M, Matsumoto K, Kikuchi E et al. Comparison o f CT urography and excretory urography in the detection and localization of urothelial carcinoma ofthe upper urinary tract. AJR. 2011; 196:1102-9. Katabathina VS, Kota G, Daysam AK et al. Adult renal cystic disease: a genetic, biological, and developmental primer. RadioGraphics. 2010; 30:1509-1523. Lee JKTL, Sagel SS, Stanley RJ et ai. Tomografia computadorizada do corpo em correlação com ressonância magnética. 4• ed. Capítulo 18. 2008. Nacif MS, Jauregui GF, Mendonça Neto A et ai. Análise retrospectiva das urografias excretoras em um serviço de radiologia de um hospital geral. Radiol Bras. 2004; 37(6):431 -435. Picciotto G, Cacace G, Cesana P et al. Estimation of chromium-51 ethylenediarnine tetra-acetic acid plasma clearance: a comparative assessment of simplified techniques. Eur J Nuc Med. 1992; 19:30-35. Rehling M, Rabol A. Measurement of glomerular filtration rate in adults: accuracy of five single-sample plasma clearance methods. Clin Physiol. 1989; 9:171-182. Riella M. Princípios de nefrologia e distúrbios hidroeletrolfticos. sa ed. Guanabara Koogan, 2010. Rucker CM, Menias CO, Bhala S. Mimics of renal colic: alternative diagnoses at unenhanced helical CT. RadioGraphics. 2004; 24:Sll -S33. Rumack CM, Wilson SR, Charboneau JW Tratado de Ultra-sonografia Diagnóstica: Volume l. Capítulo 9. 4a ed. 2012. Watson WS. A simple method of estimating glomerular filtration rate. Eur J Nuc Med. 1992; 19:827. Zweizig SL. Cancer o f the kidney. Clin Obstet Gynecol. 2002; 45:884-91.

135 Doenças dos Rins e das Vias Urinárias Edna Regina Silva Pereira, Valéria Soares Pigozzi Velos4 Carlos Alfredo Marcílio de Souza eMauri Felix de Souza

..,. Introdução As doenças dos rins e das vias urinárias podem ser estudadas de maneira mais proveitosa quando agrupadas em síndromes. Desse modo, podemos é possível, em uma primeira fase, identificar as manifestações do quadro clínico do paciente que correspondem a uma síndrome e, em uma fase posterior, aprofundar a investigação diagnóstica, de modo a definir a doença específica. As principais síndromes renais são síndromes nefrítica e nefrótica, infecção urinária, obstrução urinária, lesão renal aguda e doença renal crônica. As neoplasias renais e as doenças císticas dos rins constituem outros grupos importantes de doença renal.

..,. Síndrome nefrítica A síndrome nefrítica decorre de processo inflamatório do capilar glomerular. Do ponto de vista clínico, caracteriza-se por disfunção renal de início abrupto, por graus variáveis de hematúria, cilindros hemáticos, edema, hipertensão arterial, oligúria e proteinúria subnefrótica. Do ponto de vista evolutivo e de gravidade das lesões, a síndrome nefrítica pode ser classificada como glomerulonefrite aguda, glomerulonefrite rapidamente progressiva e glomerulonefrite crônica. .,.. Glomerulonefrite aguda. Caracteriza-se pelo aparecimento súbito de urina escura, hipertensão arterial, edema (especialmente periorbitário pela manhã) e azotemia. O paciente se recupera em dias ou semanas em 97% dos casos, embora o quadro clínico possa não ter remissão completa. Hipertensão arterial é decorrente da expansão do volume intravascular. O sedimento urinário costuma revelar a presença de hemácias dismórfi.cas e cilindros hemáticos. Em geral, ocorre proteinúria, em quantidade variável, desde menos de 500 mg/dia a 4 ou mais gramas em 24 h, conforme o grau de comprometimento da taxa de filtração glomerular (TFG). Com a piora da função renal, a proteinúria pode tomar-se menos intensa. As causas de glomerulonefrite aguda incluem infecções bacterianas (estreptococcias, endocardite bacteriana), deposição de imunocomplexos (lúpus eritematoso disseminado e nefropatia por IgA) e anticorpos circulantes que lesam amembrana basal glomerular (síndrome de Goodpasture).

Ao realizar a avaliação de um paciente com síndrome nefrítica aguda, devem ser feitos exames sorológicos especiais que podem orientar quanto à etiologia da doença e ao tratamento, tais como níveis de complemento, anticorpos antinucleares (ANA), crioglobulinas, IgA, anticorpos anticitoplasma de neutrófilos (ANCA), anticorpos antimembrana basal glomerulat (anti-GBM), título de antiestreptolisina O (ASLO), fator nefrítico C3 e marcadores virais de hepatite. A biopsia renal pode ajudar na caracterização do tipo de glomerulonefrite. A gravidade da evolução pode correlacionar-se com os danos estruturais, e, na glomerulonefrite rapidamente progressiva, mais de 50% dos glomérulos apresentam crescentes. A Figura 135.1 mostra as diversas categorias e mecanismos fisiopatológicos envolvidos nas glomerulonefrites. .,.. Glomerulonefrite rapidamente progressiva (GNRP). É uma síndrome clínica caracterizada por perda rápida da função renal (dias a semanas), geralmente acompanhada de oligúria ou anúria e alterações urinárias características de glomerulonefrite (hematúria, cilindros hemáticos e proteinúria) . A principal característica histopatológica da GNRP é a presença de crescentes em mais de 50% dos glomérulos renais. Chama-se de crescente a proliferação de células epiteliais, acompanhada da deposição de fibrina, polimorfonucleares e monócitos no espaço de Bowman, assumindo formato de meia-lua. A gravidade da doença é, em parte, relacionada com o grau de formação de crescentes. Pacientes com crescentes circunferenciais em mais de 80% dos glomérulos tendem a apresentar-se com insuficiência renal avançada que pode não responder à terapia. Entretanto, pacientes com crescentes em menos de 50% dos glomérulos, particularmente se não forem circunferenciais, costumam seguir um curso mais indolente ou, em casos raros, apresentar remissão. A glomerulonefrite aguda pós-infecciosa, a nefropatia por IgA, a nefrite lúpica ou secundária a outras doenças sistêmicas podem evoluir como glomerulonefrite rapidamente progressiva, tipo 2. A classificação da GNRP com base em critérios etiopatogênicos e patológicos é apresentada no Quadro 135.1. .,.. Glomerulonefrite crônica. É a via final comum de todas as glomerulopatias que evoluem para cronicidade e insuficiência renal terminal. Do ponto de vista clínico, a glomerulonefrite crônica manifesta-se de modo insidioso, o paciente não se queixa, e a doença é descoberta em exames de rotina em pacientes com hipertensão arterial ou que relatam apenas edema discreto. Apresentam-se com elevação nos níveis séricos de ureia e creatinina, alterações do sedimento urinário com proteinúria e/ou hematúria. Mais raramente, manifesta-se com quadro de síndrome nefrótica típica, com edema generalizado e diminuição da função renal. Em alguns casos, predominam os sinais de uremia. Na evolução da doença, o paciente costuma apresentar episódios de proteinúria maciça, que leva à síndrome nefrótica. Além disso, é possível observar episódios que se assemelham à exacerbação da glomerulonefrite aguda, com edema, hematúria, aparecimento ou agravamento da hipertensão arterial. A glomerulonefrite crônica tende a evoluir durante anos, progredindo para insuficiência renal terminal, com necessidade de diálise e transplante. Todas as doenças glomerulares, excetuando-se a doença de lesões mínimas e a doença da membrana basal fina, podem evoluir com esclerose glomerular e doença renal crônica progressiva. O diagnóstico da doença primária só é possível mediante biopsia renal e exame histopatológico. Quando os rins estão muito contraídos, com lesões avançadas, nem mesmo a biopsia renal consegue identificar a causa desencadeante.

Parte 11

896

I Sistema UrinárioeÓrgãos Genitais

Glomerulonefrites mediadas por anticorpos

Presença de anticorpos anti-GBM à imunofluorescência

Presença de ANCA circulante sem deposição de imunocomplexos no glomérulo à imunofluorescência

Deposição granular de imunocomplexos na imunofluorescência glomerular

I

I

Com hemorragia pulmonar

Sem hemorragia pulmonar





Síndrome de Goodpasture

Ausência de vasculite sistêmica

Vasculite sem broncospasmo ou granulosa

Granulomas sem broncospasmo

Eosinófilos Broncospasmo Granulomas

t

t

t

t

GN-ANCA

Poliangiite • • ca microscop1

Granulomatose com poliangiite

Síndrome de Churg-Strauss

GN anti-MBG

lgA sem vasculite

lgAcom vasculite sistêmica

LES

Nefropatia por lgA

Púrpura de HenochSchõnlein

Nefrite lúpica

Infecção

Alteração membranaproliterativa

Depósitos granulares densos MB

Depósitos subepiteliais MB

Outras características

GN aguda pós-infecciosa

GNMP tipo I

GNMP tipo 11

GN membranosa

Outras

Figura 135.1 Categorias e mecanismos fisiopatológicos das glomerulonefrites. {Adaptada de Jennette e Falk, 2012.) GN = glomerulonefrite; anti-MBG = anti membrana basal glomerular; ANCA = anticorpos anticitoplasma de neutrófilos; LES =lúpus eritematoso sistêmico; MB = membrana basal; GNMP = glomerulonefrite membranoproliferativa.

• Glomerulonefrite aguda Os principais tipos de glomerulonefrite aguda (GNA), de acordo com sua etiologia, são a pós-estreptocócica, a pós-infecciosa não estreptocócica e a nefropatia por IgA.

Glomerulonefrite aguda pós-estreptocócica As manifestações clínicas dessa glomerulopatia costumam ter início súbito, com aparecimento de hematúria macroscópica e edema cerca de 1 a 3 semanas após uma infecção estreptocócica da garganta ou de pele. É mais comum em crianças de 2 a 6 anos, mas pode ocorrer em pessoas de qualquer idade. A patogênese da glomerulonefrite aguda pós-estreptocócica é representada por uma reação inflamatória dos glomérulos renais em resposta à infecção por cepas nefritogênicas de estreptococos beta-hemolíticos do grupo A de Lancefield. O período de latência entre a infecção e o aparecimento das lesões corresponde ao tempo de formação e posterior deposição dos imunocomplexos nos glomérulos. Investigações Classificaçãodasglomerulonefrites rapidamente progressivas(aescênticas). • Tipo 1: presença de anticorpo antimembrana basal glomerular {anti-MBG), quando há comprometimento pulmonar - síndrome de Goodpasture • Tipo 2: deposição de imunocomplexos • Tipo 3: pauci-imune {associada a anticorpos anticitoplasma de antineutrófilos ANCA) • Tipo 4: apresenta características dos tipos 1e 2, com os 2anticorpos positivos {anti-MBG e ANCA). Também chamada de doença do "duplo anticorpo"positivo Adassificação utiliza o padrão de depósito imune à imunofluoreS 60 anos (%)

Glomerulopatia por lesões mínimas Glomeruloesclerose segmentar focal Glomerulopatia membranosa Glomerulonefrite membranoproliferativa Outras

76

20

20

8

15

2

7

40

39

4

7

o

5

18

39

Adaptado de Orth eRitz, 1998.

Quadro 135.3 • • • • • • • • • • • • •

Causas de srndrome nefrótica secundária.

Diabetes melito Lúpus eritematoso sistêmico (LES) Amiloidose Pré-eclâmpsia Vírus da imunodeficiência humana (HIV) Hepatite vira! (B eC) Doenças parasitárias Vasculites Neoplasias Medicamentos Obesidade Anemia Falciforme Nefropatia crônica do enxerto

900

Parte 11 Manifestações nefróticas e nefrfticas nas glomerulonefrites.

---Síndrome

Tipo de glomerulonefrite (GN)

nefrótica

Síndrome nefrítica

Doença de lesões mínimas

+ ++ + + ++ + +++ + + ++ ++ + +

+ + ++ +++ ++ + + ++ + +

Nefropatia membranosa Glomerulopatiadiabética Glomeruloesclerose segmentar efocal Glomerulopatiamembranoproliferativa GNA pós-infecciosa GN rapidamente progressiva

Adaptado de Jenette eMandai, 2012. GNA= glomerulonefriteaguda.

sexo masculino. Em adultos, a prevalência de "lesões mínimas" é de 20%. O início da doença é agudo, podendo ser precedido por infecção das vias respiratórias superiores. Quase todos os pacientes desenvolvem o quadro completo com edema intenso e generalizado, grande proteinúria, hipoalburninernia e hiperlipidernia. A função renal e a pressão arterial costumam estar normais. Em adultos, a síndrorne nefrótica por lesões mínimas está frequentemente relacionada com hipertensão arterial e insuficiência renal aguda, a última principalmente no grupo etário acima de 60 anos. A hematúria microscópica ocorre em 15 a 20% dos casos, sendo rara a hernatúria macroscópica. Não se conhece o mecanismo etiopatogênico da doença de lesões mínimas; porém, anormalidades na função do linfócito T podem estar envolvidas. As células T produzem, aparentemente, urna linfocina que diminui as cargas negativas da membrana basal com aumento da permeabilidade a proteínas, em especial a albumina. Atualmente, junto com a glorneruloesclerose segmentar e focal são denominadas "podocitopatias~ doenças glornerulares que ocorrem por lesões primárias das células epiteliais glomerulares, o podócito. Em geral, a síndrome nefrótica por doença de lesões mínimas é uma condição idiopática, mas pode ocorrer associada a infecções virais, alergias, uso de anti-inflamatórios não esteroidais e neoplasias. Dentre as neoplasias, a mais frequente é o linfoma de Hodgkin, mas pode ocorrer com tumores sólidos. O principal achado histopatológico é a ausência de lesões detectáveis à microscopia óptica e de depósitos imunes no estudo pela imunofluorescência dos glomérulos renais. Entretanto, a microscopia eletrônica mostra fusão ou desaparecimento dos podócitos das células epiteliais. A proteinúria maciça constitui o principal achado laboratorial da síndrome nefrótica por lesões mínimas. Caracteristicamente, é de "alta seletividade~ e o paciente perde predominantemente proteína de baixo peso molecular, como a albumina, não havendo passagem de proteínas de grande peso molecular. A concentração de albumina sérica é geralmente inferior a 2 g/de e, nos casos mais graves, inferior a 1 g/de. O colesterol total, as lipoproteínas de baixa densidade e os triglicerídios estão elevados. Hiponatremia é, em geral, falsa, decorrente de hiperlipidemia. A velocidade de hemossedimentação está elevada em consequência da hiperfibrinogenemia, como também da hipoalbuminemia. Os níveis de IgG podem estar profundamente diminuídos, o que pode resultar em infecção. Os níveis de complemento são caracteristicamente normais na glomerulopatia com lesões mínimas. O exame do sedimento urinário dos pacientes com síndrome nefrótica é fundamental, pois contribui para a identifi-

I Sistema Urinário eÓrgãos Genitais

cação da lesão renal subjacente. Na glomerulopatia por lesões mínimas, é frequente a observação de corpos ou gotículas gordurosas; essas gotículas, quando examinadas com filtro de luz polarizada, formam figuras comparadas a urna cruz de malta, daí a denominação antiga de nefrose lipoídica. Essas gotículas de gordura, ou mesmo as inclusões gordurosas nos cilindros, são coradas em vermelho pelo ácido periódico de Schiff (PAS). Cilindros hialinos e granulosos são vistos em grande quantidade. A presença de hematúria microscópica não é frequente, ao contrário de outras causas primárias ou secundárias de síndrome nefrótica. A doença por lesões mínimas costuma ter bom prognóstico. A sobrevida em 10 anos é superior a 95%, sendo maior em crianças que em adultos. A doença é classicamente responsiva ao uso de corticosteroides. Em crianças, obtém-se remissão completa da síndrome nefrótica em 90% dos casos, após 4 a 6 semanas de tratamento. Em adultos, as taxas de remissões são inferiores, e urna resposta completa com corticosteroides pode levar até 15 semanas. As recidivas são frequentes nessa doença, e apenas 25% têm remissão a longo prazo. ... Glomeruloesderose segmentar e focal (GESF). Nos últimos anos, seguindo a tendência mundial, houve aumento do número dos casos diagnosticados de GESF. No Brasil, a GESF é a principal causa de síndrome nefrótica do adulto. Conforme os dados do Registro Paulista de Glomerulopatias, entre 1999 e 2005, GESF foi encontrada em 29,7% das glomerulopatias primárias; nos EUA, representa 35% das causas de síndrome nefrótica em adultos biopsiados, indicando a principal causa de síndrome nefrótica. Caracteristicamente, as lesões escleróticas são observadas em alguns glomérulos (característica focal), nos quais acometem algumas alças capilares (característica segmentar), permanecendo as restantes normais (Figura 135.4). A presença de alguns glomérulos inteiramente esclerosados (característica global) é um achado comum. Nos segmentos afetados, observa-se, à imunofluorescência, deposição de IgM e C3. A GESF pode ocorrer como doença glomerular idiopática ou estar associada a várias outras condições, como obesidade mórbida, anemia falciforme, abuso de analgésico e de heroína, uso de pamidronato, refluxo vesicoureteral e AIDS. Na patogênese da GESF, como na doença de lesões mínimas, a lesão do podócito parece ser o fator fundamental envolvido.

Figura 135.4 Glomeruloesclerose segmentar e focal (GESF). Variante da GESF, forma "colapsante"; observa-se glomérulo com tufo glomerular retraído, exibindo esclerose segmentar com colapso dos capilares (coloração - hematoxilina-eosina).

135

I Doenças dos Rins edas Vias Urinárias

Para o desenvolvimento desta lesão, a principal hipótese é a presença de uma toxina circulante, que é sugerida pela elevada taxa de recorrência de GESF pós-transplante renal. Dentre os pacientes com GESF primária, há moderada predominância de homens; presença de hipertensão arterial é encontrada em 1/3 dos pacientes na apresentação; hematúria ocorre em cerca de 60% dos casos e a função renal está geralmente pouco afetada no início da doença. Os pacientes com uma variante da GESF, denominada "colapsante" (Figura 135.4), apresentam proteinúria e insuficiência renal mais grave. Os fatores associados a uma evolução desfavorável são: insuficiência renal, elevado grau de proteinúria, não resposta ao corticosteroide, além de fibrose intersticial e atrofia tubular significativa na biopsia renal. A sobrevida renal é de 70% em 5 anos e de 40% em 10 anos. .,. Nefropatiamembranosa. É uma das causas mais comuns de síndrome nefrótica do adulto, e pode ocorrer como doença primária ou secundária. A nefropatia membranosa ocorre predominantemente em homens (2:1); embora possa ter início em qualquer idade, é mais comum após os 30 anos, com um pico na 4a e 5a décadas. Geralmente, o modo de apresentação da doença é com o quadro clínico clássico da síndrome nefrótica, 1O a 20% dos pacientes apresentando proteinúria menor que 2,0 g/24 h. A maioria apresenta-se com função renal normal ou ligeiramente comprometida no início; se insuficiência renal progressiva se desenvolve, o curso costuma ser insidioso. Cerca de 40% dos pacientes apresentam hematúria microscópica; hematúria macroscópica é incomum. O aparecimento de hipertensão arterial no curso da doença é variável. Trombose venosa é relatada com mais frequência em pacientes com glomerulopatia membranosa em comparação a outros pacientes com síndrome nefrótica. A principal característica da nefropatia membranosa é o espessamento da membrana basal dos capilares, sem aumento da celularidade glomerular. Depósitos de imunocomplexos, finamente granulosos, formados por IgG e C3, podem ser vistos à imunofluorescência (Figura 135.5). Não são conhecidos precisamente os antígenos que desencadeariam esses depósitos no tipo idiopático, mas evidências recentes identificaram o receptor de fosfolipase A2 do tipo M (PLA2 R) como alvo antigênico em 70% dos pacientes com glomerulopatia membranosa idiopática. A microscopia eletrônica mostra depósitos eletrodensos, tipicamente subepiteliais. As formas secundárias da glomerulopatia membranosa estão associadas a lúpus eritematoso, tireoidite autoimune, medicamentos como penicilamina, ouro, captopril, neoplasias ou a infecções como hepatite pelo vírus B. A doença costuma evoluir com função renal normal por muitos anos; são comuns remissões e recidivas. Aproximadamente 35% dos pacientes evoluem em 1O anos para insuficiência renal terminal, e em 32% há remissão espontânea da doença. Piora abrupta na função renal pode ser decorrente de depleção de volume por diurese excessiva, trombose de veia renal ou aparecimento de crescentes, que está associado ao aparecimento de anticorpos antimembrana basal ou ANCA. .,. Glomerulonefrite membranoproliferativa (GNMP). Também conhecida como glomerulonefrite mesangiocapilar ou glomerulonefrite lobular, suas manifestações principais podem ser as da síndrome nefrótica ou da síndrome nefrítica (Quadro 135.4). Ocorre mais frequentemente entre 8 e 16 anos de idade, acometendo igualmente ambos os sexos. O exame histológico do rim revela espessamento da membrana com aparência de duplo contorno, hipercelularidade mesangial e proliferação endocapilar, que, em conjunto, levam

901

Figura 135.5 Glomerulonefrite membranosa. A. Espessamento difuso da parede dos capilares ("membrana basal''), comprometendo todo o glomérulo. B. Depósito de imunocomplexos subepiteliais, visualizados na coloração pela prata como espículas (spikes) na superfície externa da membrana basal. C. Depósitos de lgG evidenciados pela imunofluorescência.

ao aspecto de lobulação do tufo glomerular. Há 3 tipos histológicos de GNMP, classificados de acordo com os achados na microscopia eletrônica: • GNMP tipo I: quando são observados depósitos imunes no mesângio e no espaço subendotelial • GNMP tipo II (doença de depósito denso): quando são observados depósitos eletrodensos intramembranosos (imunes de C3) à microscopia eletrônica • GNMP tipo III: quando são observados depósitos semelhantes ao tipo I, mas também são encontrados depósitos imunes no espaço subepitelial.

Parte 11

902 Outra classificação proposta diferencia a GNMP em 2 grupos, de acordo com a imunofluorescência: GNMP com depósito de complemento C3 e imunoglobulinas em mesângio e parede capilar: mediada por imunocomplexos. GNMP com depósito de complemento C3 e ausência de imunoglobulinas: mediada pela via alternativa do complemento. Os achados patológicos sugerem ser a GNMP tipo I uma doença do complexo imune; a identificação do antígeno nefritogênico é desconhecida na maioria dos pacientes. Na GNMP tipo Il, um autoanticorpo, o fator nefrítico C3, que desencadeia a ativação persistente da cascata do complemento, pode ser o responsável pela doença nesses pacientes. As apresentações clínicas da GNMP são as seguintes: (1) síndrome nefrótica em 50% dos casos; (2) síndrome nefrítica, com hematúria micro ou macroscópica, edema e hipertensão arterial em 25%; e (3) os pacientes restantes (25%) são detectados incidentalmente, com hematúria e proteinúria. A hipertensão arterial é caracteristicamente discreta, e a disfunção renal ocorre em pelo menos metade dos pacientes. O curso clínico é variável. Em geral, 1/3 dos pacientes com GNMP tipo I tem remissão espontânea, 1/3 tem doença progressiva e 1/3 irá apresentar períodos de melhora e piora, mas a doença nunca desaparece completamente. A sobrevida renal em 1O anos é de 40 a 60%; no entanto, os pacientes não nefróticos têm sobrevida de mais de 80%. O prognóstico daqueles com GNMP tipo II é pior que o daqueles com GNMP tipo I; as remissões espontâneas são raras e a taxa de recidiva após transplante é alta. Laboratorialmente, a hematúria é a principal marca da GNMP e pode ser micro ou macroscópica. O grau de proteinúria é variável. Em 75 a 90% dos pacientes, o C3 está persistentemente baixo. O fator nefrítico C3 é encontrado em 60% dos pacientes com GNMP tipo 11. Evidências sorológicas e clínicas de crioglobulinemia, hepatite C, hepatite B, osteomielite, endocardite e shunt ventriculoatrial infectado devem ser pesquisadas em portadores de GNMP tipo I.

~

Insuficiência renal aguda

Insuficiência renal aguda (IRA) ou lesão renal aguda (LRA) tem sido tradicionalmente definida como uma síndrome. Caracterizada pelo rápido declínio da taxa de filtração glomerular (FG), resultando em acúmulo no sangue de produtos do metabolismo nitrogenado, como a ureia e a creatinina, e incapacidade de manter o equilíbrio hidreletrolítico e acidobásico, acompanhada ou não de redução da diurese. É uma patologia complexa, de etiologias múltiplas e variáveis e sem consenso em sua definição. Atualmente, são utilizadas elasQuadro 135.5

I Sistema Urinário eÓrgãos Genitais

sificações que se baseiam no aumento da creatinina sérica e queda na diurese, como a risk, injury, failure, loss, end-stage kidney disease (RIFLE) e a Acute Kidney Injury Network (AKIN) (Quadro 135.5). Em consequência dessas classificações, tem sido proposta a substituição da antiga terminologia, insuficiência renal aguda, por lesão renal aguda, por ser mais ampla. Abrange desde pequenas alterações na função renal até mudanças que necessitam de terapia de substituição renal. A incidência desta síndrome vem aumentando nas últimas décadas, estando associada ao aumento da expectativa de vida e às múltiplas comorbidades da população. A LRA é menos frequente na comunidade (0,4 a 0,9%) do que em pacientes hospitalizados (4,9 a 7,2%); em pacientes internados nas unidades de terapia intensiva (UTI), pode ocorrer em torno de 20 a 40%. Os principais fatores de risco para o desenvolvimento da LRA, em pacientes hospitalizados, são: idade avançada, presença de doença renal crônica, sepse e cirurgias cardíacas, entre outros. A ocorrência de LRA é crescente entre idosos, e 3 fatores que afetam a hemodinâmica renal têm sido imputados para esta maior incidência: o próprio envelhecimento renal, a maior frequência de estados patológicos nesta faixa etária, o uso excessivo de medicamentos por estes pacientes e o uso cada vez mais frequente de procedimentos intervencionistas e cirúrgicos neste grupo específico de doentes. A mortalidade dos pacientes com LRA permanece em torno de 40 a 50%, apesar dos avanços diagnósticos nas técnicas dialíticas e das práticas de terapia intensiva, podendo alcançar mais de 70% quando analisados pacientes em UTI com sepse. Dentre as causas, destacam-se os distúrbios que levam à redução da perfusão renal, à utilização de substâncias nefrotóxicas ou à participação associada destes e de outros fatores que lesam os rins. Quanto à etiologia, LRA pode ser classificada em 3 categorias: pré-renal, renal e pós-renal (Quadro 135.6). ... LRA pré-renal. É a etiologia mais comum de LRA (55 a 60%); por definição, não há defeito estrutural nos rins; glomérulos, túbulos e interstício estão intactos e a FG é rapidamente restabelecida após correção da perfusão renal. Em situações de hipoperfusão renal discreta (pressão sanguínea média > 80 mmHg), a FG é mantida por mecanismos compensatórios, pela dilatação da arteríola aferente e constrição da arteríola eferente, mantendo a perfusão glomerular e a pressão de filtraç.ão. Na azotemia pré-renal, esta autorregulação está comprometida, levando à retenção de creatinina e ureia. A diminuição da função renal em razão de LRA pré-renal ocorre em 2 situações: quando há redução generalizada do volume sanguíneo circulante (traumas, sangramentos, queimaduras, grandes cirurgias, desidratação) ou isquemia renal seletiva, como ocorre na insuficiência cardíaca e hepática. História e exame físico cuidadosos podem identificar eventos e/ou processos patológicos que estão por trás da LRA pré-renal, sugerindo o diagnóstico de base: (1) história de

Definição eestadiamento para insuficiênda renal aguda. Critério do Acute lnjury Network (AKIN).

Estágio

Critériopara creatinina sérica

Critério para débito urinário

1

Aumento na creatinina sérica > 0,3mg/df ou aumento de 150 a 200% (1,5 a 2vezes) ovalor basal Aumento na creatinina sérica para mais que 200 a 300% (2 a3vezes) do valor basal Aumento na creatinina sérica para mais que 300% (3 vezes) ovalor basal (ou creatinina sérica 2! 4,0 mg/df com um aumento agudo de, pelo menos, 0,5 mg/dl)

Menos que 0,5 mf/kg por hora, por mais de 6h

2 3

Menos que 0,5 mf/kg por hora, por mais de 12 h Menos que 0,3 mf/kg por hora, por 24 h, ou anúria por 12 h

Classificação modificada do critériode RIFLE (risk, injury, failure, loss, end-stage kidney disease). Oestadiamentoproposto pelogrupo AKIN (Acute Kidney lnjury Network) utiliza apenas creatinina ou débito urinário para definir a IRA e o estágio. Critériode AKIN.

135

I Doenças dos Rins edas Vias Urinárias

Quadro 135.6

903

Diagnóstico diferendal da insuficiência renal aguda.

Diagnóstico

Causas

Exames simplesde urina

Osm U/P

Creat U/Purinária

Na mEq!i

Fração de excreção

Pré-renal Renal Necrose tubular aguda

Redução do volume circulante efetivo

Normal ou cilindros hialinos

>1

>40

< 20

1

20

:-Q

.... 0(1)

!!? E ::J o () ~

IL-5

Q)a.

.... E

O....

o

()

-

"

Fli-1 Ni-E2 >---+

::J

•Q)

ü

Eritrócito

Mastócito

Gfi-1b --. +- C/EBPa --. G-C51 - .

Eosinófilo

•• •••

Neutrófilo

IL-1 XBP-1

Monócito/ Linfócito macrófago B

IL-7 IL-2

IL-75

Linfócito Natural T killer

Plaquetas

Figura 149.1 Hematopoese: etapas do desenvolvimento das células sanguíneas nos diferentes compartimentos, com regulação pelos fatores de crescimento e por fatores de transcrição. HSC = stem ce/1 hematopoética; PEM =precursor eritrocítico e megacariocítico; PGM =precursor granulocítico-monocítico; PCL =precursor linfoide comum. (Adaptada de Orkin e Zon, 2008.)

Em seguida, elas alcançam um grau de diferenciação ainda maior, o que as torna "unipotentes", isto é, capazes de dar origem apenas a uma determinada série sanguínea. As células do sangue, quando completamente diferenciadas, exercerão as funções descritas a seguir. Os eritrócitos, ou hemácias, são células encarregadas das trocas gasosas (0 2 e C02) entre os tecidos e o meio ambiente por meio da hemoglobina nelas contida. As células granulocíticas são elementos de defesa contra bactérias, fungos, parasitos e partículas estranhas ao meio interno. Os monócitos e macrófagos também são encarregados da defesa do organismo graças à capacidade de fagocitar qualquer corpúsculo estranho e de participar das reações imunológicas. Os linfócitos e os plasmócitos são células relacionadas com as reações de reconhecimento de agentes que provêm do meio externo, agindo diretamente sobre eles (linfócitos T, responsáveis pela resposta imune celular) ou por intermédio da secreção de anticorpos (linfócitos B e plasmócitos, responsáveis pela resposta imune humoral). As células natural killer (NK) são linfócitos responsáveis pela resposta imune inata. Os granulócitos, os monócitos, os linfócitos e os plasmócitos recebem a denominação genérica de leucócitos ou glóbulos brancos do sangue. Apenas os granulócitos são dotados de

movimentação ativa, do tipo ameboide (quimiotaxia). Os granulócitos e os monócitos (macrófagos) exercem a fagocitose. As plaquetas são elementos importantes nos fenômenos que resultam na hemostasia.

• Microambiente medular e moléculas de adesão A hematopoese medular constitui um mecanismo complexo no qual participam: • células indiferenciadas, também denominadas células-tronco ou stem cells, as quais dependem do microambiente para a regulação de sua autorrenovação e de sua diferenciação • macromoléculas de composição química diversa que formam a matriz extracelular (ECM) • fatores de maturação (CSF, ou colony stimulating factors), produzidos pelas chamadas células estromais, representadas principalmente por linfócitos, por macrófagos e por células endoteliais de parênquima medular • moléculas de adesão: o estímulo à proliferação e à maturação celular é mediado pelas moléculas de adesão. Elas são encontradas na matriz extracelular da medula óssea, interferindo na biologia das linhagens medulares (eritrocitária, granulocítica e megacariocitária) e do timo (linhagem linfocitária). Tais moléculas diferem entre si na composição

Parte 12

990 química, na sua presença segundo a linhagem celular, na função desempenhada nessas células e no tipo de ligante necessário para que elas funcionem • fatores de transcrição: existem vários fatores de transcrição, os quais atuam isoladamente ou em associação, como, por exemplo, o GATA-1, que é necessário para o desenvolvimento das linhagens eritroide e megacariocítica, o C/ EBP-alfa para a linhagem granulocítica e o Pax5, indispensável para a diferenciação linfoide.

• Células dos órgãos hemoformadores e do sangue periférico De modo geral, as células sanguíneas têm vida média curta, que varia de algumas horas a poucos meses. Apenas uma pequena população de células linfoides sobrevive por um período de tempo maior (alguns anos). Para repor as perdas, a hematopoese medular mantém-se em um ritmo acelerado, que resulta em uma variedade de tipos celulares que correspondem às fases de diferenciação das várias linhagens. Em um esfregaço obtido por punção aspirativa da medula óssea, há uma riqueza de número e de tipos celulares. As células que se multiplicam são as mais jovens, cujos núcleo e citoplasma exibem características especiais. A partir de determinadas fases, em cada uma das linhagens, não mais ocorre divisão celular, continuando apenas o processo de maturação do núcleo e do citoplasma. O estímulo para a proliferação de todas as linhagens provém da periferia e essa proliferação pode se intensificar graças ao aumento do número das divisões celulares e/ou o encurtamento dos períodos de repouso das células. A primeira célula da linhagem eritrocítica denomina-se pr6-eritroblasto. As células dessa linhagem sofrem divisões e iniciam a síntese de hemoglobina na etapa denominada eritroblasto policromatófilo. Posteriormente, continuam a diferenciação e a maturação, reduzindo o seu tamanho (designado eritroblasto ortocromático) até perderem o núcleo, sendo então denominadas reticulócito. A partir da fase de reticulócito, as células são encontradas no sangue periférico em pequeno número (até 1,5% em condições normais). Portanto, os reticulócitos e os eritrócitos não possuem material nuclear e não são capazes de divisão. Os eritroblastos policromatófilos apresentam elevado índice de divisões celulares, enquanto os eritroblastos ortocromáticos quase não se dividem. O eritrócito é uma célula anucleada de formato bicôncavo, favorecendo as trocas gasosas. Os neutrófilos circulam no sangue periférico em torno de 3 a 6 h, necessitando de um alto índice de produção celular nessa linhagem. Os neutrófilos surgem a partir de uma célula primordial pluripotente (stem cell) sob a influência de citocinas, principalmente dos fatores estimulantes de colônias de granulócitos e de granulócitos-monócitos (G-CSF e GM-CSF, respectivamente), os quais induzem um complicado programa transcricional que leva à maturação morfológica e à expressão gênica neutrófilo-específico. Os neutrófilos têm função crítica na resposta imune inata. Respondem a infecções bacterianas e fúngicas por meio do processo de quimiotaxia, de adesão endotelial, de fagocitose e de secreção de enzimas microbicidas, de proteases e de espécies reativas de oxigênio. Os eosinófilos e os basófilos estão em pequena quantidade no sangue periférico e são produzidos em resposta a IL-3, a IL-5 e ao GM-CSF. Os eosinófilos estão caracteristicamente aumentados nas reações alérgicas enquanto basófilos e mastócitos participam de reações imunes mediadas pela IgE.

I Sistema Hematopoético

O megacarioblasto é a primeira célula da linhagem plaquetária visualizada à microscopia óptica. O megacariócito sofre estímulo da trombopoetina, que atua no seu desenvolvimento. A característica mais marcante dessa célula é que ela sofre várias mitoses não acompanhadas de divisão celular, resultando em células cada vez maiores, com número duplo de material nuclear (2N, 4N, 8N etc.). São as maiores células da medula óssea, contendo núcleos polilobulados e citoplasma muito abundante. Nesse citoplasma formam-se as plaquetas, elementos desprovidos de material nuclear. As plaquetas soltam-se do citoplasma dos megacariócitos, isoladamente ou em grupos, e, assim, caem no sangue. É raro o encontro de restos de material citoplasmático ou de núcleos desnudos de megacariócitos em esfregaços de sangue periférico. A diferenciação da série linfoplasmocitária apresenta poucas etapas intermediárias até a fase madura. A partir da célula primordial, surge uma célula ainda indiferenciada, mas já "comprometida'' para a linhagem linfocitária, a qual dá origem ao linfoblasto, célula nucleada, que evolui para linfócito maduro. Quando esse linfócito é de origem B (bursa-símile), a diferenciação final resulta no plasmócito, que é o elemento de origem linfocitária capaz de sintetizar imunoglobulinas. Denominam-se citocinas, ou fatores de crescimento, certas substâncias produzidas pelas células mononucleares sanguíneas (linfócitos e monócitos) e por células do estroma da medula óssea (macrófagos, células endoteliais) que atuam na hematopoese por um mecanismo complexo, ainda não totalmente esclarecido (Quadro 149.1). Dividem-se as citocinas em fatores de crescimento propriamente ditos ou CSF e interleucinas (IL). O Quadro 149.1 demonstra algumas interleucinas e CSF importantes na hematopoese. As interleucinas também são de vários tipos e interferem de modo particular na proliferação e na diferenciação das células linfocitárias T e B. Enquanto os CSF não têm ação sobre as células linfocitárias, muitas interleucinas promovem a diferenciação e estimulam várias funções de algumas linhagens mieloides (neutrófilos, eosinófilos, monócitos-macrófagos, megacariócitos e eritrócitos), como a IL-3. As interleucinas recebem a denominação IL seguida de um número: IL-1 a IL-15. Cada IL estimula de modo preferencial um tipo celular, mas há superposição de ação entre elas, isto é, mais de uma IL pode atuar sobre a mesma célula efetora jovem. Disso resulta o estímulo da proliferação e/ou da diferenciação celular. Além dos CSF e das interleucinas, existem outras substâncias, elaboradas também pelos mononucleares do sangue, que atuam sobre a diferenciação e a função das células hematopoé-

Principais interleudnas eCSF envolvidas na hematopoese. G-CSF GM-CSF M-CSF ll-3 {multi-CSF)

EPO {eritropoetina) TPO {trombopoetina)

Estimula preferencialmente a granulocitopoese Estimula a granulocitopoese ea monocitopoese Estimula preferencialmente a monocitopoese Estimula a proliferação e a diferenciação das linhagens granulocítica, eritrocitária, monocitária e megacariocitária. ~também fator estimulante da função de monócitos, de basófilos e de eosinófilos Atua na diferenciação final das células eritrocitárias Atua na diferenciação do megacariócito e da produção de plaquetas

149 I Noções de Anatomia eFisiologia ticas. Elas são denominadas, genericamente, moduladores da hematopoese. Os moduladores da hematopoese são: os interferons (IFN) a, ~ e 8, o fator de necrose tumoral ou 1NF (tumor necrosis factor) e os fatores transformadores do crescimento celular ou TGF ( transforming growth factors). O fator steel (SF) é produzido por células fibroblásticas e estremais da medula óssea e estimula a proliferação das células jovens de todas as linhagens medulares. Os mecanismos reguladores da hematopoese são complexos, envolvendo a ação de substâncias que podem ter efeito estimulante ou supressor sobre as células pluripotentes (stem cells) ou comprometidas medulares. Elas atuam em quantidade mínima pelo contato direto entre a citocina e o seu receptor específico situado na membrana das células efetoras. Outras substâncias produzidas por células não estremais também são consideradas como "moduladoras" da hematopoese, sendo denominadas neuroreguladoras da diferenciação celular.

991 Q

=

Plaquetas em repouso

Legenda: CD39/ADPase



ADP Adenosina ON (óxido nítrico)



PGI 2

-

~ ~c~ Agregação plaquetária

Recrutamento o plaquetário O ~

• Células endoteliais

Plaquetas ativadas

Figura 149.2 Hemostasia primária.

,... Hemostasia secundária (coagulação). A fibrina forma uma rede de

. .,. Hemostasia A coagulação do sangue resulta de um delicado processo balanceado cujo ponto central é a conversão do fibrinogênio em fibrina pela trombina. Dessa maneira, a coagulação do sangue inicia-se em resposta à lesão vascular, com o objetivo de preservar a integridade vascular. A habilidade em manter os fluidos corpóreos dentro do espaço vascular é um mecanismo de defesa básico a todos os organismos multicelulares. A coagulação ocorre quando a enzima trombina é formada e produz a proteólise da molécula de fibrinogênio solúvel no plasma, transformando-a em um polímero insolúvel de fibrina ou coágulo. A hemostasia, portanto, pode ser definida como uma série complexa de fenômenos biológicos que ocorre em resposta à lesão de um vaso sanguíneo com objetivo de deter a hemorragia. O mecanismo hemostático inclui três processos: ( 1) hemostasia primária, (2) coagulação (hemostasia secundária) e (3) fibrinólise. Esses processos têm em conjunto a finalidade de manter a fluidez necessária do sangue, sem haver extravasamento pelos vasos ou obstrução do fluxo pela presença de trombos. .... Hemostasia primária. É o processo inicial da coagulação desencadeado pela lesão vascular. Imediatamente, mecanismos locais produzem vasoconstrição, alteração da permeabilidade vascular com produção de edema, vasodilatação dos vasos tributários da região em que ocorreu a lesão e adesão das plaquetas. Dessa maneira, a vasoconstrição diminui o fluxo de sangue no local em que houve a lesão vascular, tornando preferencial o fluxo pelos ramos colaterais dilatados. Simultaneamente, a formação de edema intersticial diminui o gradiente de pressão entre o interior do vaso lesado e a região adjacente, produzindo um tamponamento natural e auxiliando a hemostasia. A exposição ao colágeno subendotelial promove a adesão das plaquetas em presença do fator de von Willebrand, tornado as plaquetas ativadas, que liberam o conteúdo dos grânulos citoplasmáticos. Uma das substâncias presentes nos grânulos plaquetários é o ADP, que é capaz de recrutar e de ativar novas plaquetas, assim como modificar o seu formato, promovendo sua agregação (Figura 149.2). Esse tampão plaquetário fornecerá a superfície adequada ao processo de coagulação do sangue (hemostasia secundária de fibrina, ou coágulo), produzindo um coágulo resistente.

fibras elásticas que consolida o tampão plaquetário e transforma-o em tampão hemostático. A coagulação ocorre devido a uma série de reações químicas entre várias proteínas plasmáticas que convertem proenzimas (zimógenos) em enzimas (proteases). Essas proenzimas e enzimas são denominadas fatores de coagulação. A ativação desses fatores é provavelmente inidada pelo endotélio ativado, finalizada na superfície das plaquetas ativadas e tem como produto essencial a formação de trombina. Os monômeros de fibrina produzidos durante essas reações bioquímicas polimerizam-se e formam um polímero solúvel (fibrina S) que, sob a ação do fator XIIIa (fator XIII ativado pela trombina) e de íons cálcio, produz o alicerce de fibras que mantém estável o agregado de plaquetas previamente formado (Figura 149.3) A coagulação inicia-se após a lesão vascular. O sangue é exposto a células expressando o fator tissular (FT). A formação do complexo FT-FVIIa inicia a coagulação, ativando os fatores IX e X. A propagação da coagulação acontece quando ostraços de trombina formada são capazes de ativar o FV e o FVIII. O FVIIIaforma um complexo com o FIXa (FVIIIa-FIXa), provocando a ativação de grandes quantidades de FXa e causando uma explosão de trombina, que culmina com a formação do coágulo de fibrina. ,... Fibrinólise. Em condições normais, os vasos sanguíneos devem constituir um sistema tubular não trombogênico capaz de desencadear, por mecanismos locais, os processos que iniciam a coagulação e que, após a recuperação da lesão anatômica, possam remover o coágulo e restabelecer a circulação local (fibrinólise). Normalmente, a coagulação e a afibrinólise encontram-se em equilíbrio dinâmico, de tal maneira que ocorrem simultaneamente: enquanto a primeira interrompe a perda sanguínea, a última remove a fibrina formada em excesso, devolvendo a fluidez normal do sangue no interior do vaso restaurado. A plasmina, proteína que lisa a rede de fibrina, é derivada do plasminogênio que está ligado internamente à rede de fibrina. O ativador tecidual do plasminogênio (TPA, tecidual plasminogen activator), liberado pelo endotélio que circunda a área da lesão, é responsável pelo desencadeamento do processo que limita a progressão desnecessária da trombose. A antiplasmina, presente no plasma, combina-se com o excesso de plasmina liberada, impedindo o aparecimento de fibrinólise generalizada. Essa proteína está presente na circulação em uma concentração plasmática 10 vezes maior do que a plasmina.

Parte 12

992

I Sistema Hematopoético

Lesão vascular Célula com expressão do fator tissular

A

B

Célula com expressão do fator tissular FT

FT

FT

FT

FT ._____ FVII

FVIl

FT

FT

FXI

FT

FT-FVIIa FIX

FT-FVIIa . - - - --l FX

FX

--- ... -

FIX

'' '

''

\ \ \

- - - - -- - FXIa

\

I

'' ' ' ':

PT FXa FIXa

FXa

FIXa

I

~ ,2~~-------~~!~---, • - - - FIXa-FVIIIa ',,

FX

Trombina

• I

5

FXa-FVa~ ~~------------ ----- -~~- -~-- --

w +

:

'I \ I I I

W

PT---~----

j

',

\ Rede de : ativação retrógrada da coagulação I

'

,,

I

v , I

Trombina - ------------- - -~ ---- -' 'I \

FXIIIa Fibrinogênio - - - Fibrina

~

'

FXIII

XL-Fibrina

Figura 149.3 Hemostasia secundária. FT = fator tissular; PT = protrombina; FV =fator V; FVII = fator VIl; FVIII = fator VIII; FIX =fator IX; FX = fator X; FXI =fator XI; FXIII =fator XIII. A letra "a" após o fator indica que ele sofreu ativação. A. Início da coagulação. Após a lesão vascular, o sangue é exposto ao fator tissular. A formação do complexo FT-FVIIa inicia a coagulação, ativando os fatores IX e X. B. Propagação da coagulação: a pequena quantidade de trombina gerada na fase inicial da coagulação é insuficiente para iniciar a polimerização da fibrina, mas capaz de ativar os fatores V e VIII. O complexo Vllla-Xa leva a geração de trombina em grandes quantidades, que cu lima no coágulo de fibrina. (Adaptada de Mac Vey JH. Clinicai Hematology, 2006.)

.... Bibliografia Orkin, Zon. Hematopoiesis: an evolving paradigm for stemcell biology. Cell, 132:631 -644, 2008.

150 Exame Clínico Maria do Rosário Ferraz Roberti, Therezinha Ferreira Lorenzi, Mauro Miguel Daniel, Neusa Batista de Melo eNelcivone Soares de Melo

. .,. Introdução De maneira geral, as hemopatias caracterizam-se por comprometer de maneira global as condições físicas dos doentes. Algumas hemopatias manifestam-se desde a tenra idade, caracterizando-se por astenia, palidez, crises ictéricas, pouca disposição para as brincadeiras da infância ou por hemorragias em mucosas, na pele ou nas articulações. Esse início precoce sugere tratar-se de doenças de caráter hereditário. Há quadros nitidamente neoplásicos, com aumento de volume dos linfonodos, do fígado, do baço, ou neoplasias extranodais (ossos, mamas, ovários, testículos, glândulas de secreção externa e tecido subcutâneo). Em certas condições hematológicas, as manifestações clínicas são muito pouco evidentes ou são até mesmo ausentes. Há situações em que a medula óssea está comprometida sem que existam sintomas ou sinais indicativos de hemopatia, podendo ser diagnosticada em achados de exames de rotina (p. ex., certas leucemias crônicas).

. .,. Anamnese A anamnese é de suma importância nas hemopatias. Dessa maneira, quanto mais detalhada, mais informações sobre a doença em investigação serão coletadas. Informações sobre alimentação, febre, emagrecimento, dores ósseas, possíveis locais de sangramento e tempo de instalação da doença fornecem dados preciosos para o raciocínio clínico. Da mesma maneira, a exposição a agentes tóxicos à medula, tais como organofosforados e benzeno, também deve ser investigada. O interrogatório sintomatológico minucioso complementa as informações necessárias para firmar o diagnóstico da hemopatia em questão. Assim como em qualquer patologia em investigação, a anamnese bem feita é capaz de firmar o diagnóstico clínico em cerca de 80% dos casos; associada ao exame físico, esse percentual chega a 90% dos casos analisados. Os exames complementares contribuem com apenas 10% desse percentual. ... Antecedentes pessoais e familiares. Algumas hemopatias são de natureza hereditária. Assim, as anemias por aumento da destruição causadas por defeito intrínseco das hemácias, tais como a anemia esferocítica constitucional e as hemoglobinopatias, costumam incidir em mais de um membro da família, incluindo irmãos, pais, avós, tios ou primos.

Certas púrpuras com defeito intrínseco das plaquetas e um grande número de coagulopatias, tais como a hemofilia e a doença de von Willebrand, também têm caráter familial. Algumas doenças dos leucócitos, denominadas "anomalias leucocitárias': que determinam quadros clínicos que chamam a atenção a maior suscetibilidade às infecções, também podem ter caráter hereditário. É útil, portanto, o interrogatório minucioso sobre a idade em que tiveram início as manifestações clínicas, pois, em muitos casos, os sintomas têm início na infância e há referência a familiares vivos ou mortos que tenham apresentado doença semelhante. Convém lembrar também que o conhecimento das condições socioeconômicas do paciente e do meio em que ele vive e trabalha pode ter grande importância no diagnóstico das doenças. Assim, os pacientes com menor poder aquisitivo têm mais chances de desenvolver anemias carenciais. Pessoas que trabalham em contato com defensivos agrícolas (agrotóxicos), em fábricas em que há substâncias químicas tóxicas (p. ex., benzeno) ou em contato com cosméticos podem desenvolver anemia aplásica por intoxicação da medula óssea. O uso indiscriminado de antitérmicos, analgésicos, anti-inflamatórios e antibióticos tem aumentado a incidência de vários tipos de anemias e de púrpuras de origem iatrogênica. Por fim, até mesmo condições emocionais e estresses podem explicar o aparecimento ou o agravamento de algumas hemopatias.

• Sinais e sintomas Os sinais e sintomas mais frequentes das hemopatias são: astenia ou fraqueza, hemorragias, febre, adenomegalias, esplenomegalia, hepatomegalia, dor, icterícia, manifestações cutâneas (palidez, prurido, lesões herpéticas, equimoses ou petéquias) (Figuras 150.1, 150.2 e 150.3). Pode ocorrer sudorese noturna. Sintomas osteoarticulares (dor, edema, deformidades), sintomas cardiorrespiratórios (dispneia, taquicardia, tosse), sintomas gastrintestinais, geniturinários e neurológicos estão presentes em grande número de casos. No Quadro 150.1 estão sumarizados os sintomas e os sinais mais frequentes nas hemopatias, podendo-se muitas vezes caracterizar três síndromes: (1) síndrome anêmica, (2) síndrome hemorrágica e (3) síndrome proliferativa.

Figura 150.1 Volumosa adenomegalia cervical direita.

Parte 12

994 Quadro 150.1

I Sistema Hematopoético

Sinais esintomas frequentes nas hemopatias.

Gerais • Fraqueza (astenia) • Febre • Perda de peso Localizados

Figura 150.2 Extensa equimose perilabial em paciente hemofílico após

trauma.

• Cutâneos: palidez; hemorragias (equimoses e petéquias), icterícia, prurido, úlceras, infiltrações (máculas, pápulas, tumores e pústulas), cianose, descamação, herpes • Hemorrágicos: cutâneas, gengivorragias, epistaxe, hematúria, hematêmese, melena • Cardiorrespiratórios: taquicardia, dispneia, tosse, dor precordial, edema • Gastrintestinais: anorexia, náuseas, vômito, plenitude abdominal, dor abdominal, icterícia, melena, hepatoesplenomegalia, obstipação intestinal • Geniturinários: hematúria, oligúria, edema (insuficiência renal), colúria, meno e metrorragia, priapismo, edema escrotaI • Neurológicos: cefaleia, tonturas, vômito (hipertensão intracraniana), torpor, convulsões, deficiência sensório-motora (nervos cranianos e periféricos) • Osteoarticulares: dor, derrames, tumores • Tu morais: adenomegalia, hepatoesplenomegalia, tumor ósseo e/ou de tecidos moles (gengiva, subcutâneo) Síndromes mais frequentes

.,. Astenia. A astenia ou fraqueza pode ser de aparecimento súbito ou ter instalação lenta e progressiva. A astenia, o cansaço e a dispneia podem ocorrer em graus variados e a lipotimia, ou pré-síncope, costuma ocorrer juntamente com a palidez cutaneomucosa. Caracterizam, clinicamente, um estado de "anemia'~ Nas crianças, nos adolescentes e nos indivíduos com grande atividade física, esses sintomas podem ser menos intensos. Da mesma maneira, observamos indivíduos oligossintomáticos em anemias crônicas quando comparados com pacientes de mesma faixa etária, de mesmos valores de hemoglobina e portadores de anemia aguda. A anemia por carência de ferro é mundialmente a mais frequente. Quando a astenia e a palidez estão associadas a perda progressiva de peso, deve-se suspeitar de hemopatia maligna. Nesses casos, pode ocorrer o relato de sintomatologia febril.

• Síndrome anêmica: palidez cutaneomucosa, astenia, palpitações, dispneia, tonturas, icterícia, hepatoesplenomegalia, dores abdominais e/ou musculares, edema, úlcera de perna, amenorreia, colúria • Síndrome hemorrágica: púrpuras (petéquias e equimoses), sangramento mucoso (nariz e gengivas), hematomas, hemorragias digestivas e geniturinárias (hematêmese, hematúria, meno e metrorragia), cólicas abdominais, sangramento no SNC (cefaleia, vômito, torpor, coma) • Síndrome proliferativa: fraqueza (a.stenia), febre, anorexia, palidez cutaneomucosa, emagrecimento, hemorragias cutaneomucosas, prurido cutâneo, adeno, hepato eesplenomegalias, dores ósseas, tumores ósseos e/ou subcutâneos (gengiva), tosse, dispneia, sinais de hipertensão intracraniana, deficiências neurológicas sensório-motoras, priapismo

.,. Hemorragias. As hemorragias manifestam-se por perdas sanguíneas pelas mucosas ou pelo aparecimento de manchas cutâneas do tipo petéquias ou equim oses. Em outros casos, há referência ao aparecimento de coleções sanguíneas em cavidades articulares (hemartroses) ou nos tecidos subcutâneo e intramuscular (hematoma) (Figuras 150.4 e 150.5). As hemorragias podem ser espontâneas ou surgir após traumas ou pequenos traumatismos. As hemorragias que acompanham as doenças do sangue decorrem de alterações dos pequenos vasos, das plaquetas ou devido à deficiência dos fatores da coagulação sanguínea.

Figura 150.3 1cterícia observada em portador de hemoglobinopatia S ho-

mozigótica.

Figura 150.4 Hemartrose em artelhos da mão esquerda após trauma.

150

I Exame Clínico

Figura 150.5 Hematoma em região inguinal e bolsa escrota I em portador de coagulopatia congênita.

Quando as delgadas paredes dos capilares estão alteradas, o sangue pode atravessá-las, causando hemorragia que fica mais ou menos restrita à região perivascular. Diz-se, então, que há uma capilaropatia. Quando as plaquetas estão em número diminuído (plaquetopenia ou trombocitopenia) ou têm sua função alterada, embora numericamente normais (plaquetopatia), pode ocorrer hemorragia através das mucosas (gengivorragia, metrorragia, enterorragia, hematúria, epistaxes) ou da pele (petéquias, equimoses ou hematomas). Frequentemente, quando a hemorragia é secundária à plaquetopatia ou à plaquetopenia, a manifestação hemorrágica mais comum é o sangramento cutaneomucoso. Quando o sangramento ocorre em virtude da deficiência de fatores de coagulação, a manifestação hemorrágica mais comum é a equimose (Figura 150.4). Dá-se o nome de púrpura às doenças em que há alteração do número ou da função das plaquetas- púrpuras plaquetárias - ou dos vasos - púrpuras vasculares. Os hematomas aparecem nas chamadas coagulopatias, sendo comuns na hemofilia congênita. .,.. Febre. A febre é referida com frequência pelos pacientes com hemopatias, principalmente naqueles em que o número dos neutrófilos está muito reduzido (neutropenia). Como tais células são elementos de defesa do organismo, entende-se que, na vigência de neutropenia, há ocorrência de infecções, principalmente bacterianas. Nas neutropenias acentuadas, agudas ou crônicas, em geral, surge uma síndrome febril. Pode haver febre decorrente de infecções nas leucemias agudas e nas anemias aplásicas. Entretanto, em pacientes cujas defesas estejam extremamente deprimidas ou nos que estão em uso de corticosteroides, a febre pode não existir mesmo na vigência de processo infeccioso. Nas hemopatias com crises hemolíticas ou hemorragias, nos linfomas e nas leucemias, a febre nem sempre está relacionada com a infecção. Acredita-se que, nos linfomas e nas leucemias, as células malignas em proliferação sejam responsáveis pela produção e pela liberação de pirogênio endógeno, que produziria a elevação da temperatura. Na presença de febre persistente (febre de origem indeterminada) e sem infecção localizada aparente, com ou sem manifestação de anemia ou de hemorragia, há de se pensar em hemopatia maligna. Nos linfomas tipo Hodgkin, com certa frequência, há uma curva térmica característica, denominada "febre de

995 Pel-Ebstein,. Trata-se de febre elevada, constante, que responde mal aos antitérmicos e que persiste por 5 a 1Odias, retornando a níveis normais durante os dias seguintes, voltando depois a se elevar. .,.. Dor. A dor pode ser localizada na orofaringe, no tórax, no abdome ou nos membros, sendo secundária à presença de infecções, ao crescimento tumoral com distensão de tecidos ou à compressão de raízes nervosas. Pode ser de localização óssea, articular ou muscular, como em portadores de anemias crônicas, especialmente naquelas de caráter hemolítico (doença falciforme). As dores ósseas também são frequentes no mieloma de células plasmáticas. Os distúrbios de coagulação podem dar origem a grandes hematomas que causam dor intensa quando a coleta de sangue comprime nervos ou distende cápsulas articulares ou serosas. O crescimento tumoral de alguns órgãos, embora lento, pode causar desconforto muito grande, acompanhado de dor local. As adenomegalias secundárias à infiltração de células hematopoéticas malignas não costumam acompanhar dor local nem fenômenos flogísticos . .,.. Icterícia. A icterícia acompanha quase sempre as crises hemolíticas. Nas anemias hemolíticas constitucionais, a icterícia é permanente, com crises de recrudescimento, quando há, então, intensificação da palidez, da astenia, da lipotimia, das dores osteomusculares e acentuação da colúria ou da cor das fezes, devido ao aumento da bilirrubina indireta no sangue, com excreção aumentada do urobilinogênio urinário e fecal. A dosagem das bilirrubinas no soro orienta o diagnóstico diferencial entre as icterícias hemolíticas e as icterícias de origem parenquimatosa. A dosagem das transaminases (ALT e AST), da gamaglutamil transferase (-yGT), da fosfatase alcalina, do urobilinogênio urinário e a determinação do tempo de protrombina (TP) servem para testar a função hepática, o que auxilia o diagnóstico diferencial das icterícias (ver Capítulos 94, 95 e 96 da Parte 9, Seção 7, Fígado e Vias Biliares). Deve-se lembrar, contudo, que nas hemopatias a icterícia pode ser do tipo hemolítico (quando há aumento da destruição das hemácias) ou hepático (quando então há lesão parenquimatosa causada por infiltração de células leucêmicas ou linfomatosas no fígado). A icterícia pode ser ainda secundária à lesão tóxica das células hepáticas, causadas por agentes químicos, como os quimioterápicos empregados no tratamento das doenças neoplásicas. .,.. Adenomegalias, esplenomegalia e hepatomegalia. O crescimento de gânglios linfáticos ou linfonodos (adenomegalia), do baço (esplenomegalia) e do fígado (hepatomegalia) é frequente nos processos linfoproliferativos. Esses sintomas podem ocorrer de maneira isolada ou em associação. Nas leucemias, também ocorrem essas organomegalias, cuja causa é a proliferação de células anômalas. Em pacientes que faleceram de leucemia em fase avançada da doença, encontra-se, na necropsia, infiltração de praticamente todos os órgãos: cérebro, coração, pulmões, baço, glândulas endócrinas, gônadas, glândulas de secreção externa, pele e músculos. Os crescimentos "tumorais, em casos de linfomas causam desconforto por si sós, mas podem, também, ser acompanhados de fenômenos secundários de tipo compressão, com dor, dispneia e dificuldade motora, conforme sua localização. A esplenomegalia é comum nas hemoglobinopatias. Nesse caso, não encontramos adenomegalia associada. .,.. Alterações da pele e fâneros. Além do aparecimento de petéquias e de equimoses, o revestimento cutâneo altera-se com frequência nas hemopatias.

996 A pele pode estar pálida, traduzindo a presença de anemia (Figura 150.6). De modo geral, a anemia está relacionada com a diminuição da massa eritrocitária (oligocitemia) e da hemoglobina do sangue. Além da palidez cutânea, portadores de anemia carencial podem referir queda de cabelo e unhas quebradiças. Queilite angular pode ser observada na carência da cobalamina. A coiloníquia pode ser observada na anemia ferropriva. Outras manifestações cutâneas que podem ocorrer nas hemopatias são edema, eritemas, máculas, pápulas, bolhas e pústulas. Pode ocorrer impregnação do derma por pigmento bilirrubínico (icterícia), ferro (hemocromatose) ou infiltração por células neoplásicas (leucêmides), além da formação de verdadeiros tumores subcutâneos (infiltrações linfomatosas e das reticuloendotelioses malignas). A pele pode apresentar também coloração avermelhada (eritrodermia) ou cianótica nas poliglobulias e na policitemia, além de descamação (micose fungoide e síndrome de Sézary) e de prurido. O prurido cutâneo é relatado com muita frequência nos linfomas, associado ou não a aumento da sudorese. Esse sintoma pode ser extremamente desagradável, só melhorando após o tratamento específico do linfoma. Sua causa não está totalmente esclarecida, parecendo coincidir, em certos casos, com aumento da imunoglobulina tipo IgE no soro. O prurido é generalizado, geralmente sem evidência de lesão cutânea, exceto aquelas provocadas pelo ato de coçar (sinais de coçadura). Outras neoplasias derivadas da proliferação de linfócitos T também podem ocasionar prurido cutâneo como sintoma inicial, sendo a micose fungoide um exemplo típico disso. As leucemias linfoides, embora mais raramente, podem determinar um quadro pruriginoso. As leucemias basoffiicas e as mastocitoses podem apresentar um período inicial cuja única queixa é o prurido. Nesses casos, o prurido está relacionado com a liberação de histamina, presente nas granulações citoplasmáticas daquelas células. Em certos pacientes, o prurido pode permanecer durante longo período, como único sintoma, com nenhuma ou pequena alteração da pele.

Figura 150.6 Palidez cutânea intensa em portador de anemia perniciosa.

Parte 12

I Sistema Hematopoético

Nos linfomas e nas leucemias crônicas, especialmente as linfocitárias, como consequência da imunodepressão, podem aparecer infecções virais tipo herpes simples ou herpes-zóster, que adquirem gravidade muito grande com rápida disseminação. Pelo mesmo motivo, quando há lesões das mucosas da boca e da vagina por infecção micótica, especialmente do gênero Candida, há que se pensar em imunodepressão, especialmente em se tratando de pessoas mais idosas. ... Sintomas osteoarticulares e musculoesqueléticos. São comumente referidos nas anemias crônicas constitucionais e nas coagulopatias. A doença falciforme caracteriza-se por dores ósseas e articulares intensas. Como essa sintomatologia comumente é acompanhada de febre e de leucocitose no sangue periférico, podendo incidir em crianças de baixa idade, não é raro que esse quadro seja confundido com a febre reumática. No entanto, presença de icterícia, episódios de colúria, anemia crônica e história familiar, ao lado dos exames laboratoriais, possibilitam fazer o diagnóstico diferencial. A eletroforese de hemoglobina, com o encontro da hemoglobina S, é fundamental para essa diferenciação. Os sintomas dolorosos (crise vasoclusiva) devem-se à presença de microêmbolos e de infartos causados pela aglutinação das hemácias falcizadas que aparecem em decorrência da isquemia e do fluxo sanguíneo lento nos pequenos vasos sanguíneos. Além da dor pode haver edema da articulação. Com o aparecimento dos infartos e a substituição de tecido ósseo por tecido conjuntivo, podem advir deformidades ósseas. A hiperplasia dos eritroblastos ou de células antecessoras das hemácias, no interior dos ossos chatos do crânio e da face, pode levar a deformidades tais como as que se observam em crianças e em adultos jovens portadores de talassemia (hemoglobinopatia que cursa com anemia crônica na qual há defeito na síntese de hemoglobina) quando não tratados adequadamente. A hiperplasia dos eritroblastos na medula dos ossos ocasiona adelgaçamento das tábuas ósseas externas. A radiografia dos ossos mostra, então, alterações nos ossos chatos e nos ossos longos, especialmente na apresentação mais grave da talassemia na criança. Nas hemofilias A ou B graves, o comprometimento musculoesquelético ocorre devido ao sangramento intra-articular e muscular espontâneo. A dor articular ocorre devido à distensão e à inflamação da sinóvia. Nos casos de sangramento articular repetido, pode-se observar deformidade articular e limitação ao movimento da articulação comprometida. A artralgia é mais comum nos casos agudos de sangramento do que nos casos crônicos, nos quais a deformidade articular já está instalada (Figura 150.7). As principais articulações acometidas são: joelhos, tornozelos, quadril e cotovelos. A síndrome das pernas inquietas, caracterizada por espasmos musculares involuntários noturnos resultando em distúrbios do sono, pode ser exacerbada ou aparecer na carência de ferro. Nas leucemias e nos linfomas não Hodgkin, a proliferação de células malignas na região subperiostal dos ossos e junto às articulações acarreta, em certos pacientes jovens ou em crianças, o aparecimento de dor óssea e/ou articular, simulando, às vezes, um quadro reumático. O déficit do desenvolvimento pôndero-estatural pode ser significativo em portadores de anemias crônicas, em especial nas anemias constitucionais (anemias hemolíticas e hemoglobinopatias, sem tratamento adequado) ou nas anemias carendais graves quando ocorrem na infância.

150

I Exame Clínico

Figura 150.7 Joelho em portador de hemofilia, com sinovite crônica e deformidade articular.

.,.. Sintomas cardiorrespiratórios. Quando presentes, os sintomas cardiorrespiratórios estão sempre relacionados com um grau maior de anemia. A anemia grave determina redução da capacidade laborativa e da atividade física. Os sintomas referidos são dispneia e taquicardia. Se a anemia é aguda, decorrente de hemorragia volumosa, há diminuição do volume de sangue circulante, causando tonturas e lipotimia. Tosse, dispneia e dor torácica podem ser referidas por portadores de linfomas nos quais haja massas neoplásicas mediastinais e derrame pleural. Quando ocorre a síndrome da compressão da veia cava superior, ocasionada pelo aparecimento de massa ganglionar localizada no mediastino, o paciente refere frequentemente edema cervicofacial, pletora facial e dispneia. Menos frequentemente podem ocorrer associados ao quadro tosse seca, edema dos membros superiores, dor torácica e disfagia. .,.. Sintomas gastrintestinais. Dizem respeito, principalmente, a hemorragias na mucosa do trato gastrintestinal, desde a boca até o reto. São frequentes nas leucemias agudas, nas púrpuras plaquetopênicas e nas plaquetopatias. Podem ser relatadas como pequenos sangramentos aos traumatismos, como, por exemplo, o ato de escovar os dentes, ou podem ser espontâneos. Perdas sanguíneas maiores pelas fezes são referidas em associação a cólicas abdominais na púrpura vascular de Henoch-Schõnlein. A melena (fezes escuras) pode corresponder a hemorragias gastrintestinais altas ou a excesso de urobilinogênio fecal, como ocorre nas anemias hemolíticas. Em casos de esplenomegalia congestiva, como na esquistossomose mansônica, pode ocorrer hematêmese por ruptura de varizes esofágicas, as quais costumam estar associadas a plaquetopenia decorrente de hiperesplenismo. Nas púrpuras plaquetopênicas, nas leucemias ou na anemia aplásica, podem ocorrer vômitos sanguíneos. O sangue pode ser proveniente do nariz e, se deglutido, é eliminado com o vômito por irritação da mucosa gástrica. Dores abdominais de tipo contínuo ou em cólicas podem estar presentes quando há crescimento tumoral intra-abdominal. A dor abdominal pode ser um dos sintomas da hemo-

997 globinúria paroxística noturna, que também pode apresentar disfagia. O baço aumentado de volume nas síndromes mieloproliferativas costuma comprimir o estômago e ocasionar desconforto pós-prandial. Na doença falciforme, quando ocorre infarto do baço por aglutinação das hemácias, aparece dor, especialmente se o local infartado estiver junto à serosa peritoneal. Abdome agudo pode ocorrer em pacientes portadores de hemólise crônica após trauma, ainda que pequeno, sobre a região abdominal. A coleção de sangue que se forma pode ser tamponada pela cápsula de revestimento da víscera comprometida ou ser intraperitoneal, causando dor. Nas anemias hemolíticas constitucionais, entre elas a microesferocitose hereditária, podemos observar litíase biliar que pode determinar crises de cólicas e de icterícia obstrutiva (cálculos de sais de bilirrubina) . .,.. Sintomas geniturinários. As hemorragias são também os sintomas geniturinários mais importantes: menometrorragia e hematúria, causadas quase sempre por plaquetopenia. Deve-se lembrar que a menorragia é a causa mais frequente de anemia ferropriva da mulher em idade fértil. A amenorreia pode ocorrer em portadoras de anemia crônica acentuada e também em mulheres que estão em tratamento com quimioterápicos. O relato de colúria é frequente nos episódios de hiper-hemólise das anemias hemolíticas ligados à excreção aumentada de urobilinogênio urinário. Certos pacientes referem urina escura (cor de chá-mate ou de coca-cola) pela manhã, na primeira micção. Outros eliminam urina escura após períodos longos em posição ortostática ou após exposição ao frio. Nesses casos, há eliminação de hemoglobina pela urina, ou seja, hemoglobinúria. A hemoglobinúria aparece como um sintoma associado à hemoglobinúria paro:xística noturna, doença associada à hemólise pela lise do complemento. Sintomas ligados à insuficiência renal (edema, oligúria) podem estar presentes em casos de mieloma, uma doença proliferativa das células plasmocitárias que se caracteriza por apresentar lesões osteolíticas responsáveis por dores ósseas e por fraturas. .,.. Sintomas neurológicos. A deficiência de ferro pode estar associada a déficit sensorial e cognitivo na infância, podendo levar a déficit de aprendizagem. A queixa de parestesia é o sintoma neurológico mais comum na carência da cobalamina (vitamina B12), mas os sintomas neurológicos podem ser variados, envolvendo alterações cerebrais, sintomas psiquiátricos, mielopatia, neuropatia ou desordens do sistema nervoso autônomo. A plaquetopenia pode ocasionar hemorragia no sistema nervoso central (SNC) e pode ser fatal. Quadros de infiltração do SNC por células leucêmicas ou linfomatosas ou de compressão da medula espinal são muito graves. Os primeiros caracterizam-se por cefaleia e vômito (hipertensão intracraniana), enquanto nos últimos os pacientes referem diminuição da força muscular (paresia, paralisia ou mesmo tetraplegia) de instalação lenta ou subaguda. Este último pode ser observado em portadores de mieloma de células plasmáticas. Na leucemia mieloide aguda ocorrem, embora raramente, quadros de proliferação celular na cavidade orbitária, com lesão do nervo óptico e protrusão dos globos oculares (cloroma), decorrendo a partir daí a diminuição progressiva da acuidade visual.

Parte 12

998 Em portadores de policitemia vera, o aumento da massa de hemácias e do volume sanguíneo total leva a um quadro de hiperviscosidade sanguínea e à consequente dificuldade de circulação do sangue nos pequenos vasos. Sintomas de hipertensão arterial, tais como cefaleia, vertigens, escotomas, perturbações sensoriais e motoras nas extremidades e alteração na esfera psíquica, podem ser observados nesses pacientes.

. ,. Exame físico No exame físico, avalia-se o estado geral, a pele, as mucosas, o sistema osteomuscular, os gânglios linfáticos, o sistema cardiorrespiratório, o sistema digestivo, o sistema geniturinário e o sistema nervoso. No exame físico geral deve-se observar se o paciente está em condições gerais e nutricionais boas ou regulares ou se há grande comprometimento de seu estado físico. Isso pode orientar acerca da duração e da gravidade da doença. Pacientes com hemopatia maligna de certa duração podem estar emagrecidos ou quase caquéticos já na primeira consulta. Há leucemias e linfomas que passam despercebidos durante um tempo longo pois são de evolução lenta. Outras vezes, essas afecções instalam-se de modo abrupto, determinando quadros dramáticos de hemorragia, de crescimento neoplásico rápido, de anemia intensa, de febre ou de infecções de difícil controle, podendo levar o paciente, em pouco tempo, à caquexia, ao torpor e, se não for atendido com presteza, à morte. As anemias carenciais, de modo geral, são de instalação lenta, seja qual for a carência em questão (ferro, proteínas ou vitaminas), e pouco comprometem o estado geral dos pacientes no início. .,. Pele e mucosas. A palidez cutaneomucosa varia em função do grau de redução dos glóbulos vermelhos e da taxa de hemoglobina. A pele pode apresentar pequenos pontos avermelhados ou discretamente arroxeados que correspondem a petéquias ou a manchas hemorrágicas maiores (equimoses ou sufusões hemorrágicas), cujo aparecimento pode ser espontâneo ou após pequenos traumatismos. Essas manifestações hemorrágicas, observadas melhor na pele do que nas mucosas, denominam-se, genericamente, púrpuras, as quais podem ocorrer devido a alterações de pequenos vasos ou do número das plaquetas circulantes. Mais raramente são observadas nas coagulopatias. As anemias crônicas, especialmente as hemolíticas constitucionais, e as hemoglobinopatias modificam profundamente o desenvolvimento físico dos pacientes, resultando em hipodesenvolvimento das massas musculares, em estatura baixa e em caracteres sexuais secundários pouco marcados, quando não tratadas adequadamente. Condicionam ainda o aparecimento de certas lesões cutâneas, como as úlceras maleolares dos indivíduos com doença falciforme. O hipodesenvolvimento corporal é manifesto nas hemoglobinopatias, cujo melhor exemplo é a talassemia, forma major. Os pacientes com talassemia são de baixa estatura, têm deformidades do crânio e da face e apresentam coloração branco-pardacenta da pele, que tende a se tornar escura com o passar dos anos, pela hemocromatose decorrente do uso frequente de transfusões de sangue. O hipodesenvolvimento sexual é acentuado em muitos pacientes. Infiltrações da pele e do tecido subcutâneo por células leucêmicas ou linfomatosas podem ocorrer sob a forma de máculas e de pápulas de extensão variáveL

I Sistema Hematopoético

Nas anemias hemolíticas, há impregnação cutânea por pigmento bilirrubínico produzindo icterícia. A anemia hemolítica autoimune e a púrpura trombocitopênica imune podem ocorrer no lúpus eritematoso sistêmico (LES) isoladamente ou em associação. A pancitopenia também pode ocorrer no LES. Lesões herpéticas e outras manifestações infecciosas na pele e nas mucosas são relativamente comuns nas hemopatias malignas por deficiência imunológica, associadas ou não à redução das células granulocíticas, especialmente dos neutrófilos circulantes. Em algumas hemopatias, há lesões de pequenos vasos (vasculites), além de plaquetopenia e de anemia hemolítica. Podem ser encontradas na pele lesões tróficas secundárias a vasculites, como, por exemplo, necrose das pontas dos dedos. Quando há grandes crescimentos tumorais de tipo linfomatoso, eles costumam causar compressão de feixes vasculonervosos, cianose, edema a montante da compressão e ingurgitamento venoso. .,. Sistema locomotor. Hipotrofia muscular é frequente nas hemopatias malignas de evolução lenta. Os pacientes com linfoma podem vir à primeira consulta em grau avançado de caquexia. Nas doenças hemorrágicas pode haver sangramento que disseca as fibras musculares, formando hematomas e provocando contraturas musculares. As hemorragias intra-articulares repetidas, frequentes na hemofilia, levam a artropatias crônicas anquilosantes. Na doença falciforme e na talassemia, as lesões dos ossos, acompanhadas de artralgias, não são raras. Na infância dos portadores de doença falciforme pode ocorrer crise vasoclusiva nos pés e nas mãos (síndrome pé-mão), quadro extremamente doloroso, decorrentes de falcização das hemácias. As necroses ósseas, assépticas, como as da cabeça do fêmur, conduzem a deformações do esqueleto, mais encontradas em crianças e jovens na apresentação grave dessa doença. Na talassemia há alterações características da face, com crescimento da região do maxilar superior, dentes incisivos de grande tamanho, resultando no aspecto denominado "face de roedor~

Em certos doentes talassêmicos e falcêmicos, o crânio pode apresentar-se aumentado, no sentido vertical, aspecto conhecido como turricefalia ou crânio em torre. Tumores ósseos palpáveis e dolorosos localizados no crânio e/ou nas extremidades podem ser encontrados no mieloma de células plasmáticas. Esses tumores são formados pelo crescimento exagerado de células plasmocitárias malignas. Fraturas patológicas costumam ocorrer nesses pacientes e são devidas ao adelgaçamento extraordinário do tecido ósseo provocado pela expansão do tecido neoplásico no interior da medula. .,. Gânglios linfáticos. O aumento de tamanho dos gânglios linfáticos das cadeias superficiais ocorre em diversas hemopatias. As adenomegalias infecciosas e não infecciosas podem apresentar-se sob três aspectos: (1) adenomegalia isolada, quando apenas um gânglio está acometido; (2) adenomegalia regional, quando vários gânglios de uma mesma região estão alterados; e (3) adenomegalia generalizada, quando todo o sistema ganglionar está hiperplasiado. É importante o diagnóstico diferencial entre as adenomegalias infecciosas e as de natureza proliferativa, havendo alguns dados que possibilitam essa diferenciação. De modo geral, as linfadenites aparecem agudamente, acompanhando-se de dor e de calor local. Algumas vezes, há edema junto aos gânglios, tendência à flutuação e à fistulização (p. ex., tuberculose ganglionar).

150

I Exame Clínico

Nas hipertrofias ganglionares, devido à proliferação de células neoplásicas, não costuma haver dor local nem sinais flogísticos. Isso, entretanto, não tem valor absoluto, pois em alguns linfomas pode haver necrose do tecido tumoral, presença de flutuação e mesmo fistulização. Às vezes é referida dor em gânglios infartados, sede de linfoma tipo Hodgkin, após a ingestão de bebida alcoólica. As leucemias agudas, mieloides ou linfoides, os linfomas tipo Hodgkin e não Hodgkin, as reticuloses e outras condições, tais como macroglobulinemias, doenças de acúmulo e estados de imunodeficiência, apresentam adenomegalias quase sempre de tipo generalizado, dependendo tal disseminação do estado evolutivo dessas doenças. .,.. Sistemas circulatório e respiratório. As alterações cardiorrespiratórias podem depender de infecções, de infiltrações parenquimatosas, de adenopatia mediastinal, de anemia grave ou de presença de derrames. Em muitos pacientes, especialmente os mais idosos, são encontradas alterações não relacionadas com a hemopatia, como tosse, dispneia, edema, sinais de insuficiência cardíaca e hipertensão arterial. Entretanto, em algumas doenças, esses sintomas estão diretamente relacionados com a hemopatia, como é o caso da policitemia vera. Nesta, há aumento da massa de hemácias em circulação, tornando o sangue mais viscoso, levando à pletora sanguínea generalizada com ingurgitamento dos pequenos vasos venosos e tonalidade cianótica da pele, em especial do segmento cefálico. Pode haver hipertensão arterial, tonturas, cefaleia e palpitações. Em alguns casos de mieloma de células plasmáticas e na macroglobulinemia, por aumento da viscosidade sanguínea consequente à hiperproteinemia, podem ocorrer alterações semelhantes. A redução do número de hemácias na policitemia e a queda da paraproteína no mieloma de células plasmáticas e na macroglobulinemia, promovidas pelo tratamento específico, melhoram ou fazem desaparecer tais alterações. Na doença falciforme e na talassemia pode haver comprometimento do miocárdio e do pericárdio por depósito de ferro secundário às múltiplas transfusões. Nas anemias de evolução crônica, o coração procura compensar a hipoxia dos tecidos pelo aumento da frequência cardíaca. Quando a hemoglobina cai abaixo de certo nível (4 g/100 mf de sangue), o coração pode entrar em insuficiência (cor anêmico). Podem ocorrer também infartos, sobretudo nas crises de falcização, determinando então cardiomegalia e outras alterações que podem resultar em arritmias e em aparecimento de sinais de insuficiência cardíaca. Ainda na doença falciforme, podemos observar hipertensão pulmonar, seja em decorrência de infarto pulmonar devido a crise vasoclusiva ou mesmo devido a hemossiderose transfusional. .,.. Sistema digestivo. Nas anemias carenciais megaloblásticas, há atrofia das papilas linguais, dando origem à glossite atrófica, em que a língua é lisa e brilhante. A queilite angular ou comissurite é caracterizada por processo inflamatório localizado no ângulo da boca, uni ou bilateral, em que se observa discreto edema, descamação, erosão e fissura. Essa afecção pode ser observada na anemia ferropriva ou megaloblástica. As infecções bucais e da orofaringe são frequentes nos casos de diminuição dos granulócitos e nos pacientes imunessuprimidos, podendo haver lesões típicas de candidíase, de inflamação gengival e até de abscesso amigdaliano. O paciente neutropênico pode apresentar aftas na mucosa oral. Na leucemia aguda monocítica, ou mielomonocítica, pode ocorrer o crescimento da gengiva por hiperplasia de células

999 desse local, a qual pode ser acentuada, chegando a encobrir os dentes. Nos linfomas também pode ocorrer infiltração de células malignas na mucosa gengival, com seu crescimento e expulsão dos dentes. Exemplo disso é o crescimento gengival presente em alguns casos de linfoma de Burkitt. Crescimento tumoral, geralmente unilateral, da amígdala palatina também pode ser encontrado no exame da cavidade bucal em casos de linfoma. A amígdala pode alcançar volume tão grande que quase fecha a orofaringe, causando dificuldade respiratória e de deglutição. As hemorragias através da mucosa oral são frequentes nos distúrbios da hemostasia, nas púrpuras e nas anemias aplásicas. Os pacientes podem apresentar sangramentos espontâneos ou aos menores traumas, como o simples ato de escovar os dentes (gengivorragia). Bolhas hemorrágicas também podem ser observadas no exame da cavidade oral desses pacientes. Hepato e esplenomegalia são encontradas nas anemias hemolíticas em geral. As talassemias caracterizam-se pelo baço e pelo fígado muito aumentados, o que ocasiona desconforto abdominal. Isso ocorre nas doenças linfoproliferativas e mieloproliferativas, como a leucemia linfoide crônica, a leucemia mieloide crônica, a mielofibrose e os linfomas linfocíticos de evolução lenta. A icterícia pode existir em todos esses casos em grau variável. Na doença falciforme, o baço quase nunca é de grande tamanho, tendendo a reduzir-se, até mesmo desaparecer, deixando de ser palpável com a evolução da doença, como resultado de infartos sucessivos que nele ocorrem. Esses infartos podem provocar dor muito intensa quando se localizam junto à cápsula. Em alguns casos de linfomas e de leucemias crônicas, podem ser palpadas massas ganglionares no abdome. .,.. Sistema geniturinário. O hipodesenvolvimento dos caracteres sexuais secundários associado à estatura pequena é frequente nas anemias de tipo crônico em ambos os sexos. No sexo feminino, são frequentes as hemorragias e as metrorragias secundárias à plaquetopenia ou à plaquetopatia. Por outro lado, a menorragia é uma das causas frequentes de anemia ferropriva na mulher em idade reprodutiva, sem que ela apresente qualquer coagulopatia. No sexo masculino, pode ocorrer infiltração de células leucêmicas ou linfomatosas nos testículos, resultando em dor e em aumento de volume da bolsa escrotal. Nas leucemias crônicas, pode surgir priapismo, com sintomatologia extremamente dolorosa. O priapismo pode ser encontrado também na doença falciforme em decorrência do fenômeno de falcização das hemácias nos corpos cavernosos do pênis. As infecções da mucosa vaginal por fungos são relativamente comuns nas leucemias e nos linfomas, especialmente nas pacientes imunossuprimidas. Hematúria macroscópica é frequente nas diáteses hemorrágicas e quando há in.filtraç.ão leucêmica ou linfomatosa dos rins ou das vias urinárias. .,.. Sistema nervoso. As manifestações neurológicas compreendem tonturas, cefaleia, paralisia de nervos cranianos ou periféricos, perda da sensibilidade superficial e profunda (paraplegia, tetraplegia) e estado torporoso ou comatoso. Na anemia megaloblástica do tipo "anemia perniciosà: ocorre degeneração dos cordões dorsais e laterais da medula espinal, lesões da substância branca do córtex cerebral e alterações degenerativas dos nervos com perda da sensibilidade ao calor e da sensibilidade vibratória, redução da memória,

1000 parestesias, alucinações, fraqueza muscular, paralisias, falta de coordenação motora e aumento do tônus muscular (espasticidade). O sinal de Babinski é frequentemente encontrado. Quando há hemorragia cerebral, os sintomas variam de acordo com sua localização. Pode haver cefaleia persistente, de aparecimento súbito, vômito, perda da consciência, alterações da visão e perturbações da sensibilidade e/ou motricidade. As leucemias agudas podem manifestar-se, de início ou durante a evolução, com quadro meníngeo, por infiltração de células leucêmicas no sistema nervoso central (neuroleucemia). Nessas situações há sintomas de hipertensão intracraniana, como cefaleia, vômito, paralisia ou paresia de nervos cranianos (geralmente pares Ili, IV, VI, VIII), convulsões, distúrbios visuais, chegando ao estado de coma. Os linfomas em fase circulante (denominados no passado de linfoma leucemizado) podem apresentar o mesmo quadro da neuroleucemia. Quando há crescimento neoplásico de tipo linfomatoso ou mielomatoso podem surgir lesões ósseas da coluna verte-

Parte 12

I Sistema Hematopoético

bral com dor óssea, compressão da medula espinal ou de raízes nervosas de instalação rápida ou lenta, evidenciadas por paresia ou por paralisia de membros inferiores, alterações dos esfíncteres (incontinência) e distúrbios da sensibilidade. Na anemia hemolítica do recém-nascido, por incompatibilidade de sangue matemo-fetal (sistema Rh e ABO e grupos menores), a impregnação dos núcleos cerebrais por bilirrubina (kernicterus) conduz a quadro de letargia, hipotonia (inicial), perda do reflexo de sucção, opistótono e hipertonia generalizada com alterações da respiração. As crianças que sobrevivem a esse quadro podem apresentar sequelas neurológicas. Manifestações neurológicas de diferentes tipos podem aparecer em hemopatias nas quais a lesão de pequenas artérias propicia a formaç.ã o de trombos ou de hemorragias, como é o caso da doença falciforme, em que as hemácias falcizadas interrompem a circulação nos pequenos vasos do tecido nervoso, e de certas púrpuras que acompanham formação de trombos plaquetários (púrpura trombocitopênica trombótica).

151

Exames Complementares Maria do Rosário Ferraz Roberti, Therezinha Ferreira Lorenzi, Mauro Miguel Daniel, Neusa Batista de Melo eNelcivone Soares de Melo

..,. Introdução O diagnóstico das hemopatias baseia-se na anamnese e no exame físico dos pacientes, mas os exames laboratoriais, muitas vezes, são necessários para confirmar e para caracterizar o diagnóstico de modo mais preciso. Os exames complementares utilizados para o estudo de rotina das células do sangue são hemograma, mielograma (obtido por aspirado da medula óssea), anatomopatológico de medula óssea (erroneamente chamado de biopsia da medula óssea, pois esta se refere ao ato da coleta do material), reações citoquímicas, ultraestruturais, imunológicas (imunocitoquímica, imunofenotipagem e imuno-histoquímica) e adenograma. O esplenograma (um método para explorar o baço, descrito em 1963) foi utilizado no passado, mas atualmente tem apenas valor histórico. A citogenética é usada rotineiramente no diagnóstico de hemopatias malignas, sendo o caritótipo (ou cariograma) com bandeamento a técnica mais utilizada.

Vários outros testes bioquímicas são úteis em hemopatias, assim como diversos testes imunológicos, exames do líquido cefalorraquidiano e exames radiológicos ou exames por imagem. Não se deve esquecer que grande número de anemias pode ser causado por verminoses. Daí a importância do exame parasitológico de fezes para a complementação do diagnóstico dessas anemias.

..,. Hemograma Hemograma é o exame do sangue periférico no qual vêm expressos o número dos eritrócitos e os índices hematimétricos, o número dos leucócitos em valor absoluto (i.e., por unidade de volume), os valores relativos ou percentuais dos vários tipos de leucócitos, o número de plaquetas por milímetro cúbico e a velocidade da hemossedimentação. ... Série eritrocitária. Os eritrócitos, ou hemácias, são produzidos na medula óssea e só penetram na corrente sanguínea quando amadurecem. São células desprovidas de núcleo e seu interior é ocupado, quase exclusivamente, pela hemoglobina (Figura 151.1). A hemoglobina é constituída de uma parte proteica (globina) e de um núcleo contendo ferro (heme). O número de eritrócitos circulantes é de 4.500.000 a 5.000.000/mm3, sendo mais alto, em geral, no sexo masculino (exame quantitativo). O exame qualitativo dos eritrócitos é feito por esfregaço do sangue periférico, corado pelo método Leishman ou Giemsa. No esfregaço pode-se analisar a forma, o tamanho e as características tintoriais dos eritrócitos (Figura 151.1 ). Os eritrócitos têm a forma de um disco bicôncavo, com diâmetro em torno de 7 micra. Por esse motivo, após a coloração, observa-se uma tonalidade amarelo-pardacenta mais escura nas bordas das células, enquanto o centro permanece mais claro. As modificações qualitativas dos eritrócitos são importantes para caracterizar o tipo de alteração presente nessa linhagem nas várias anemias.

••



, •

A

8

...

c



• D

E

F

Figura 151 .1 Esfregaços de sangue periférico (coloração de Leishman, 800X). A. Anemia ferro priva: hipocromia e anisocitose. B. Eritrócito com pontuação basófila (seta). C. Eritrócitos em foice. O. Anisocitose acentuada, megalócito (seta). E. Ovalocitose. F. Eritrócito em alvo e corpúsculo de Howeii-Jolly (seta).

1002

Parte 12

Os termos usados para designar essas alterações são observados no Quadro 151.1. Quando o processo de produção e de amadurecimento dos eritrócitos na medula óssea está alterado por deficiência dos fatores de maturação, como a vitamina B12 e o ácido fólico, formam -se células muito grandes denominadas macroeritroblastos e megaloblastos. Aos megaloblastos da medula óssea correspondem os megalócitos ou macrócitos do sangue periférico. Estes são glóbulos vermelhos muito grandes com coloração discretamente basóflla (azulada) e atípicos. Não só a linhagem vermelha se altera, mas também a linhagem granulocítica tem seu desenvolvimento alterado. São encontradas também células granulocíticas de tamanho maior, com núcleos grandes e cromatina frouxa. As granulações características da série granulocítica costumam estar diminuídas, ficando o citoplasma às vezes desprovido delas. Esse aspecto é nítido em esfregaços de material medular, mas também é encontrado no sangue. Tais células granulocíticas anormais recebem o nome de células de Tempka-Braun. Reticulócitos. São eritrócitos jovens que aparecem no sangue em pequena proporção (1 a 1,5%). Têm um retículo fino que é corado por corante supravital (azul de Cresil). O aumento de tais células está ligado à emissão de maior número delas da medula óssea, geralmente por perda aumentada na periferia (hemorragias crônicas e hemólise). Dá-se a esse aumento a denominação de reticulocitose. O estudo da linhagem vermelha ou eritrocitária completa-se com a determinação dos índices hematimétricos, que estão demonstrados no Quadro 151.2.

Alterações morfológicas encontradas no esfregaço do sangue periférico. Morfologia

Descrição

Anisocitose Poiquilocitose (do grego poikílos =irregular, variado) Macrocitose

Variação do tamanho dos eritrócitos Variação da forma

Microcitose

Eritrócitos de pequeno tamanho Eritrócitos pequenos, esféricos, que não apresentam centro claro, mas são homogeneamente corados Eritrócitos ovais íem um ponto central corado, um halonão corado e uma borda corada

Esferocitose Ovalocitose Eritrócitos sem alvo Eritrócitos em lágrima Eritrócitos crenadas Corpúsculos de Howell-Jolly Corpúsculos de Heinz Eritrócitos com pontilhado basófilo Anel deCabot Acantócitos

Esquizócitos Hipocromia

Eritrócitos de grande tamanho

Dacriócitos íem as bordas irregulares Inclusões pequenas de fragmentos de DNA observados em asplenia Inclusões de precipitados insolúveis de hemoglobina Eritrócitos recém-formados, com RNA remanescente e com distribuição semelhante a"poeira" Remanescente da membrana nuclear, de aspecto filiforme econfiguração oval ou redonda Eritrócitos de forma esférica com espículas de diferentes comprimentos, distribuídas irregularmente na superfície Fragmentos de eritrócitos Eritrócitos pouco corados

Quadro 151.2

I Sistema Hematopoético

rndices hematimétricos. Valor normal (adultos)

rndice hematimétrico

Oque avalia

VCM (volume corpuscular médio) CHCM (concentração da hemoglobina corpuscular média)

Otamanho (volume) médio dos eritrócitos

80 a100 U

Ograu de saturação de hemoglobina no eritrócito

31 a36 g/df

HCM (hemoglobina corpuscular média)

Amédia de hemoglobina por eritrócito

26 a35 pg

Dosagem de hemoglobina (Hb) realizada pelo método da cianometemoglobina ou dosada eletronicamente em contadores automatizados. É expressa em gramas por decilitro de sangue. Os valores normais são: em homens, entre 14 e 18 g/df; nas mulheres, entre 12 e 16 g/ df. O resultado em g/d.t' é convertido em porcentagem(%), de modo impreciso, considerando-se o valor de 16 g/df correspondente a 100%. Hematóaito (Ht). Indica o volume total de eritrócitos em relação a certo volume de sangue total. É expresso em fração dos glóbulos por litro de sangue. Pode-se também expressar em porcentagem(%). Os valores médios são os seguintes: Homens: 0,41 a O,Sl.t'/f ou 41 a 51%; mulheres: 0,37 a 0,47 f/f ou 37 a 47%. Valor globular (VG). Na prática, costuma-se calcular o valor globular baseando-se no hábito de expressar a hemoglobina em porcentagem e na relação, arbitrariamente fixada, de que o percentual de 100% de eritrócitos corresponde a 5,0 x 10 13/.t' (5 milhões/mm3). É calculado dividindo-se a metade da hemoglobina (%) pelas duas cifras iniciais dos eritrócitos. Valores normais: 0,9 a 1,0. É um índice falho, pois depende do que se expressa como 100% de hemoglobina e da fixação do normal de eritrócitos em 5.000.000/mm3• Volume corpuscular médio (VCM). Refere-se ao volume médio de um único eritrócito. O resultado é expresso em fentolitros. Calcula-se dividindo o valor do hematócrito (%ou f t.e x 1.000) pelo número de eritrócitos em milhões. Valor normal: 80 a 100 f.e (fentolitros). Quando o hemograma é realizado em contadores automatizados, esse índice hematimétrico é determinado automaticamente pelo contador. Hemoglobina corpuscular média (HbCM). Expressa a quantidade média (peso) de hemoglobina contida em um único eritrócito. Obtém-se pela divisão do peso da hemoglobina (g/df) pela cifra de eritrócitos em milhões por mm3• O valor normal oscila entre 26 e 35 pg (picogramas). Igualmente ao VCM, é calculado automaticamente pelo contador. Concentração hemoglobínica corpusrular média (CHbCM). Expressa a quantidade (concentração) média de hemoglobina por eritrócito, independentemente de seu tamanho. Calcula-se dividindo a hemoglobina (g/df) pelo valor do hematócrito (% ou f/ .e x 1.000). É expressa em g/df. O valor normal oscila entre 31 e 36 gldf. Igualmente ao VCM, é calculado automaticamente pelo contador. Dois outros índices foram acrescentados para o estudo dos eritrócitos: o RDW (red cell distribution width) e o HDW (hemoglobin distribution width), que servem para indicar, respectivamente, a variação de volume eritrocitário e a variação de concentração de hemoglobina de uma determinada amostra de eritrócitos sanguíneos. Quando observamos o RDW aumentado, há indicação de anisocitose presente no esfregaço. .,. Hemossedimentação. A hemossedimentação (ou velocidade de sedimentação dos eritrócitos) é avaliada em função de um período de tempo de 1 h e de 2 h. O sangue com anticoagulante

151

I Exames Complementares

é colocado em um tubo capilar (Wintrobe ou Westergreen) e para sedimentação em posição vertical durante esse tempo. A sedimentação mais ou menos rápida da coluna de células vermelhas do sangue depende do volume dessas células e da composição química do plasma, especialmente das proteínas. Nas anemias, em geral, o volume dos glóbulos vermelhos ou hematócrito (Ht) é menor do que o normal, em tomo de 0,45 l/l. Esses glóbulos sedimentam-se com maior facilidade e mais rapidamente; portanto, a hemossedimentação será aumentada. Quando o hematócrito está aumentado, isto é, havendo poliglobulia, a sedimentação dos glóbulos vermelhos será mais difícil. A hemossedimentação normal vai de O a 1O mm por hora (teste de Wintrobe), no sexo feminino, sendo menor no sexo masculino, na ausência de anemia. Esse teste não é específico de quaisquer condições, nem de hemopatias, e altera-se em algumas doenças crônicas, tais como tuberculose pulmonar, artrite reumatoide, doenças malignas (p. ex., o linfoma de Hodgkin) ou doença reumática. Valores normais da hemossedimentação não excluem um estado mórbido, mas, inversamente, valores aumentados em geral traduzem uma doença que pode estar em evolução, embora de maneira latente. Série leucocitária. Os leucócitos são produzidos na medula óssea e caem na corrente circulatória quando alcançam certo grau de amadurecimento. Essas células podem ser estudadas no sangue periférico ou em material de medula óssea. A parte do hemograma relativa aos leucócitos é denominada fórmula leucocitária ou leucograma. As variações da fórmula leucocitária refletem as alterações quantitativas, enquanto o exame citológico das células, após coloração pelos corantes chamados pan-ópticos, evidencia as alterações leucocitárias qualitativas. As cifras normais dos leucócitos no sangue periférico variam dentro de amplos limites, indo, em condições normais, de 4 a 10 X 109 /l (4.000 a 10.000 por mm3). O aumento do número de leucócitos denomina-se leucocitose e a diminuição denomina-se leucopenia. De modo geral, a leucocitose ocorre como uma resposta do organismo a agentes estimulantes da produção de leucócitos (infecções, por exemplo) ou nos processos de proliferação maligna. Situações fisiológicas também podem cursar com leucocitose. Podemos citar como exemplo a gestação (ver Capítulo 152, Doenças do Sangue). As leucopenias, em geral, evidenciam diminuição da produção dos leucócitos pela medula óssea. Faz-se a contagem global em amostra de sangue venoso colhido com anticoagulante ou por picada da polpa digital. A contagem diferencial ou relativa dos leucócitos é obtida pela análise do esfregaço de sangue periférico colocando-se uma gota de sangue sem anticoagulante sobre uma das extremidades de uma lâmina de vidro desengordurada, usando-se a borda polida de outra lâmina, colocada em uma inclinação de 45° para espalhar o sangue, formando uma delgada película. O esfregaço assim obtido será corado por método panóptico, de Leishman ou Giemsa. Os núcleos adquirem tonalidade azul-acastanhada, podendo-se reconhecer a malha cromatínica e os nucléolos, geralmente presentes em células jovens ou imaturas. Os nucléolos adquirem tonalidade azulada. O citoplasma das várias linhagens leucocitárias é diferenciado pelo aspecto, pelo tamanho e pelo número de granulações. As células eritrocitárias e os leucócitos desprovidos de granulações citoplasmáticas podem ser reconhecidos pela

1003 coloração do citoplasma, aliada às características dos núcleos. As plaquetas têm características próprias que também possibilitam sua identificação. A fórmula normal apresenta os tipos celulares listados no Quadro 151.3. A leucocitose, com maior frequência, está na dependência do aumento dos neutrófilos (neutrofilia ou neutrocitose) ou dos linfócitos (linfocitose), uma vez que essas células são as que aparecem em maior proporção. Entretanto, pode haver leucocitose por aumento de eosinófilos (eosinofilia ou eosinocitose), de basófilos (basofilia ou basocitose), de monócitos (monocitose) e, mesmo, de plasmócitos (plasmocitose). As leucopenias são causadas, geralmente, por queda dos neutrófilos (neutropenia ou neutrocitopenia) (ver Capítulo 152, Doenças do Sangue), associada ou não à diminuição dos outros granulócitos (eosinopenia e monocitopenia). Mais raramente têm como causa a redução de linfócitos (linfocitopenia ou linfocitopenia). As diminuições dos basófilos e dos plasmócitos, isoladamente, não têm significado clínico. As infecções bacterianas agudas costumam provocar leucocitose no sangue periférico à custa dos neutrófilos. Nesses casos, é comum o encontro de células da linhagem neutrofílica mais jovens do que os bastonetes, tais como metamielócitos, mielócitos e até promielócitos. Essas células, em condições normais, ficam retidas na medula óssea. Fala-se, então, em desvio à esquerda quando tais células surgem na circulação. Nessas condições, há diminuição relativa dos linfócitos (linfocitopenia relativa) e os eosinófilos desaparecem da circulação (eosinopenia da fase aguda das infecções). Acompanhando esse desvio à esquerda, observa-se, nos granulócitos maduros, bastonetes e segmentados neutrófilos e aumento de granulações citoplasmáticas denominadas granulações tóxicas. Elas correspondem às granulações normais de tais células, também chamadas de granulações primárias, ricas em conteúdo enzimático, importantes para a defesa do organismo contra partículas estranhas (p. ex., bactérias). Reação leucemoide. Quando a reação granulocítica neutrofílica é acentuada, pode haver leucocitose e intenso desvio à esquerda, encontrando-se células imaturas na circulação (podendo ser encontrados mieloblastos). A presença de células granulocíticas precursoras na circulação pode simular um processo proliferativo leucêmico e recebe a denominação reação leucemoide. As células que participam da reação leucemoide são morfológica e funcionalmente normais, enquanto na leucemia as células são anômalas, embora possam ter aspecto morfológico próximo ao normaL

Distribuição normal em números relativos (percentuais) dos leucócitos em sangue periférico. Leucócitos

Percentual observado na diferenóal ou contagem relativa

Neutrófilos

São os mais numerosos (60 a 65%); a quase totalidade corresponde às formas segmentadas Apenas 2a 5% aparecem sob aforma de bastonete Correspondem a 2 a4% dos leucócitos do esfregaço São raros no sangue circulante, aparecendo na proporção de Oa 1% Totalizam 20 a 30%. Há células de diferentes aspectos, denominadas linfócitos típicos (a maioria), atípicos e linfócitos granulares

Eosinófilos Basófilos linfócitos

Plasmócitos Monócitos

De Oa1%

Presentes no percentua Ide 4a 8%

Parte 12

1004 Reação leucoeritroblástica. Ocorre leucocitose com desvio à esquerda e a presença de eritroblastos circulantes. Em geral, está associada à fibrose medular. .,. Série plaquetária. As plaquetas são células especiais, derivadas dos megacariócitos da medula óssea, que aparecem nos esfregaços de sangue isoladas ou em grupos. As plaquetas são estruturas anucleadas, medindo de 2 a 4 micra, desprovidas de material nuclear e são coradas também por Leishman ou Giemsa. O número de plaquetas pode ser obtido por diversos métodos: pelo método indireto, isto é, em lâmina corada, fazendo-se a relação do número das plaquetas encontradas com o número de eritrócitos por mm3 (método de Fonio); pela contagem direta em câmara de Neubauer, diluindo certo volume de sangue em oxalato de amônio a 1%. Com esse método obtêm-se valores mais próximos do real. Outro método, mais utilizado atualmente, é o obtido pelo contador automático de células, oferecendo um valor mais preciso. Em condições normais, há de 200.000 a 400.000 plaquetas por mm3• Quando esse número cai para menos de 150.000/ mm3, fala-se em plaquetopenia, ou trombocitopenia, e quando sobe para mais de 500.000/mm3, denomina-se plaquetose ou trombocitose. A variação do número normal das plaquetas ocorre isolada ou concomitantemente com alterações da hemostasia. O aumento acentuado de plaquetas costuma ocorrer nas chamadas síndromes mieloproliferativas, das quais a leucemia mieloide crônica é a doença mais frequente. A plaquetose e a leucocitose, nesses casos, fazem parte do processo proliferativo, portanto, maligno. As alterações numéricas das plaquetas nem sempre estão associadas aos processos malignos. As plaquetas também são coradas nos esfregaços, sendo fácil reconhecê-las como os menores elementos do sangue. Não têm material nuclear, mas apresentam pequenos grãos (cromômeros) corados em uma tonalidade mais escura do que a do citoplasma (hialômero) que serve de fundo. Em certas condições, como nas síndromes mieloproliferativas, o tamanho das plaquetas é muito maior, chegando a 5 a 7 micra ou mais. Fala-se, então, em plaquetas gigantes. Elas podem estar isoladas umas das outras ou agrupadas em número maior ou menor. Geralmente tais plaquetas têm poucos grãos corados e são mais azuladas ou basófilas. Há uma ocorrência de púrpura na qual há discreta plaquetopenia com plaquetas grandes e anormalmente formadas. É a púrpura de Bernard-Soulier, doença provocada por defeito congênito das plaquetas em que a função está alterada (ver Capítulo 152, Doenças do Sangue). Existem doenças nas quais há distúrbio funcional das plaquetas, permanecendo normais em número e em morfologia nos esfregaços vistos ao microscópio óptico. Os contadores automáticos de leucócitos e de plaquetas surgiram nos anos 1980, tendo evoluído progressivamente até os modelos capazes de distinguir os vários tipos de células. A citometria de fluxo com aplicação de raios laser possibilitou a análise do tamanho e da estrutura interna dos leucócitos, podendo-se determinar a fórmula leucocitária. As plaquetas também são estudadas por meio desses analisadores, que podem determinar o seu número e as variações de tamanho e de estrutura.

.... Mielograma (aspirado de medula óssea) A função hematopoética da medula é pesquisada no mielograma, obtido por aspirado de medula óssea e pelo estudo

I Sistema Hematopoético

anatomopatológico ou pela histologia do fragmento de medula óssea obtido por biopsia Os locais de coleta do material para o mielograma são o esterno, na região do manúbrio ou parte superior do corpo esternal. Pode-se obter material de boa qualidade ao se puncionar a apófise espinhosa anterior do ilíaco ou a apófise de uma vértebra dorsolombar. Em crianças com poucos meses de idade, pode-se obter material de boa qualidade pela punção do terço superior da h'bia ou da crista ilíaca anterior. As punções são realizadas após antissepsia com germicida e sob anestesia local. A punção deve ser efetuada rapidamente, mas com tranquilidade para o paciente. Para ser representativo, o material puncionado deve perfazer 2 a 3 gotas de sangue e conter grumos. As gotas de sangue são colocadas sobre lâminas desengorduradas, fazendo-se o esfregaço com a borda polida de outra lâmina de vidro. O esfregaço (três a quatro lâminas) deve ser corado pelos corantes Leishman ou Giemsa, podendo ser necessárias algumas colorações citoquímicas (Figura 151.2). Faz-se a contagem de 500 células, dando-se o resultado em valores percentuais. Realiza-se também, de maneira sistemática e sem diferencial, a avaliação da celularidade e uma busca rigorosa por células não hematopoéticas e por parasitos. A composição do mielograma normal está elucidada no Quadro 151.4. Em condições normais, a relação entre o número total de células granulocíticas (G) e eritroblásticas (E) é de 3:1. Nas anemias, essa relação diminui e até se inverte por hiperplasia dos eritroblastos. As células jovens medulares, capazes de se diferenciar em direção às linhagens granulocítica, eritrocitária e plaquetária, são denominadas, genericamente, precursores medulares. A diferenciação delas é regulada por fatores estimuladores e por fatores inibidores, do que resulta a produção eficiente e apropriada dos elementos sanguíneos e possibilita ao organismo atender todas as suas necessidades. Há, pois, um mecanismo regulador da hematopoese que pode se alterar em diversas condições.

Distribuição normal das células encontradas em mielograma (Bain, 1996; Ottolander, 1996}. Setores ou séries avaliados

Células eritroblásticas Blastos Células granulocíticas Células monocíticas linfócitos Plasmócitos Células do estroma medular Série megacariocítica

Celularidade

Percentual observado nas contagens diferencial ou relativa

Células nucleadas da sérievermelha: 20 a 30% Menos de 5% Neutrófilos eseus precursores, eosinófilos e basófilos: 55 a65% Correspondem a 2a 4% Totalizam 5a 10% De Oa 1,2% Até 2% Avaliação sem diferencial. Os megacariócitos estão sempre presentes, localizados preferencialmente nas bordas enas extremidades dos esfregaços, mas raramente aparecem na contagem diferencial Aavaliação é realizada de acordo com a idade, sem diferencial ecom estimativa graduada em normal, aumentada ou diminuída Aestimativa da celulartdade leva em consideração apresença de grumos, aquantidade de células no esfregaço eaexistênda de certa quantidade de gordura

151

I Exames Complementares

1005

\ c

o Figura 151.2 Esfregaços de sangue periférico e de medula óssea {de A a E) {800X). A. Coloração da peroxidase em medula óssea normal. B. Anemia megaloblástica, coloração de Leishman. C. Eritroblastos circundam um macrófago, coloração de Leishman. O. Sangue periférico, segmentados neutrófilos positivos pela reação citoquímica da fosfotase alcalina. E. Grupo de blastos mieloides corados pelo Leishman. Bastonete de Auer presente no citoplasma. F. Aspecto histológico de medula óssea. HE. Eritroblasto (seta).

A medula óssea é capaz de responder a modificações que ocorrem no sangue periférico de modo rápido desde que esteja funcionando normalmente. Assim, perdas hemorrágicas e infecções agudas refletem-se na pronta reação do parênquima medular, daí resultando o estímulo para a proliferação acelerada dos precursores das várias linhagens celulares. A medula mostra-se hipercelular por aumento do número de divisões celulares e por encurtamento do tempo de mitose. Se houver um estímulo para maior produção de células eritrocitárias, o número de precursores eritroblásticos aumenta. A relação G/E será menor, chegando até a se inverter (G/E = 1:1, 1:3 etc.). Se há estímulo para a proliferação dos precursores granulocíticos, a relação G/E aumenta (4:1, 5:1 etc.). Quando há hemorragias agudas ou crônicas de grande monta, os megacariócitos são estimulados a proliferar. Em todas essas situações, a medula óssea vai se apresentar hipercelular e a morfologia das várias linhagens poderá estar mais ou menos alterada. Se o parênquima medular não estiver íntegro, como, por exemplo, na fibrose medular (mielofibrose) ou na intoxicação medular por irradiação ou por substância química, não haverá resposta apropriada do órgão aos vários estímulos. Então,

pode ocorrer a citopenia seletiva ou a pancitopenia (diminuição das três linhagens) e ser detectada no sangue periférico. Nos processos proliferativos das células sanguíneas em geral (leucemias e linfomas), a infiltração da medula óssea por células malignas pode ser maior ou menor, podendo resultar também em queda de todas as células sanguíneas normais. Essas doenças proliferativas são de natureza donal, isto é, todas as células malignas provêm de uma só célula jovem que sofreu profunda alteração na sua capacidade de proliferar e de amadurecer (ou de diferenciar) normalmente. Isso faz com que tais células fujam ao controle dos fatores que regulam a hematopoese normal. Com a evolução do processo leucêmico ou linfomatoso, há prejuízo na diferenciação das demais células precursoras normais, que são suplantadas em número pelas células malignas, resultando em citopenia ou em pancitopenia. Isso pode também acontecer, em grau sempre menor, nas infiltrações medulares por células malignas de origens epitelial e mesenquimal (carcinoma e sarcomas). A invasão medular por células metastáticas pode levar ao aparecimento de uma reação conhecida como reação leucoeritroblástica, na qual observamos leucocitose com desvio à esquerda e presença de eritroblastos circulantes.

Parte 12

1006

~

Biopsia da medula óssea (exame anatomopatológico)

Para completar o estudo da medula óssea hematopoética, pode ser necessário retirar um fragmento de osso no patamar da crista ilíaca posterior (Figura 151.3). Para a realização da biopsia de medula óssea, é necessária anestesia local do periósteo com xilocaína a 2% após antissepsia. Deve-se retirar um fragmento ósseo com cerca de 1 a 1,5 em de comprimento por 2 a 3 mm de diâmetro. Com esse material, faz-se um imprint sobre uma lâmina destinada à coloração imediata (Leishman). O fragmento ósseo é colocado em um fixador (Bouin ou Lennert), incluído em parafina, e os cortes são corados pela hematoxilina-eosina (HE) e submetidos também a colorações próprias para reticulina (impregnação pela prata), a estudo do colágeno e a colorações mais específicas (enzimas, hemossiderina, pesquisa de fungos e de micobactérias). Após o preparo do fragmento e as colorações, é realizado o exame denominado de anatomopatológico (AP) ou histológico de medula óssea. A avaliação histológica da medula óssea (anatomopatológico corado por HE) é indispensável nas doenças linfoproliferativas crônicas para detectar a presença de infiltração medular. Quando presente, deve ser descrito o padrão de infiltração (se intersticial, nodular, difuso ou maciço), importante para diagnóstico diferencial e com valor prognóstico. Enquanto o mielograma fornece dados sobre as várias linhagens celulares hematopoéticas, referentes mais especificamente à morfologia normal ou alterada de cada uma delas, a biopsia da medula óssea dá elementos sobre as condições do estroma ou do microambiente em que tais células proliferam. Por meio da biopsia tem-se noção global do tecido e por meio do estudo citológico (mielograma) pode-se avaliar as modificações celulares mais delicadas que escapam ao exame histopatológico (Figura 151.2F).

~ Adenograma O exame citológico do material obtido pela punção de linfonodos não substitui o exame histológico (anatomopatológico do fragmento de linfonodo), mas pode orientá-lo. B

Crista ilíaca

A

Figura 151.3 Biopsia da medula óssea em crista ilíaca direita (A). A agulha é introduzida até a medula óssea para retirada do fragmento ósseo (8).

I Sistema Hematopoético

O exame citológico possibilita avaliar com muita nitidez e detalhes a morfologia das células sanguíneas; entretanto, perdem-se nesse exame os dados de inter-relação delas e a visão de conjunto, importante em algumas hemopatias. A facilidade para puncionar um gânglio linfático infartado a curtos intervalos de tempo e a possibilidade de eliminar a priori uma doença de tipo proliferativo maligno ou de demonstrar a existência de parasitos como o Paracoccidioides brasiliensis, por exemplo, tomam esse exame muito útil. Cumpre ressaltar, contudo, que o exame histopatológico deve ser feito em seguida, sempre que possível.

~

Reações citoquímicas e ultraestrutu rais

Os esfregaços de sangue e de medula óssea podem ser estudados após colorações citoquímicas, especialmente nos casos de leucemia e linfoma. As reações citoquímicas mais usadas são as seguintes: • Reação da peroxidase e do sudan-black B, as quais revelam as granulações específicas da série granulocítica. A enzima peroxidase é específica da linhagem mieloide, enquanto o sudan-black-B, por identificar lipídios, é menos específica. Nas leucemias agudas, a peroxidase e o sudan-black B servem para diferenciar as formas mieloides das linfoides • Reação da fosfatase alcalina, que revela as granulações específicas neutrófilas. A reação da fosfatase alcalina é positiva em segmentados neutrófilos normais. Ela aumenta de intensidade nas neutrofilias reacionais e infecciosas e toma-se negativa nos segmentados neutrófilos leucêmicos da leucemia mieloide crônica. Desse modo, essa reação citoquímica presta-se ao diagnóstico diferencial entre a chamada reação leucemoide e a leucemia mieloide crônica • Reação da fosfatase ácida, que mostra de modo característico os linfócitos T e os monócitos-macrófagos. A fosfatase ácida tem um tipo de distribuição característica nos linfócitos T normais e leucêmicos • Reação doPAS, que toma possível identificar os mucopolissacarídios. A reação doPAS é intensamente positiva nas células atípicas da linhagem eritroblástica, caracterizando assim a chamada eritroleucemia (leucemia mieloide aguda tipo M6) . Esse subtipo de leucemia é definido por estudo imunológico denominado imunofenotipagem • Reação de Perls, que demonstra a presença de grãos de ferro nas células da linhagem vermelha, assim como a hemossiderina presente em células macrofágicas; é indispensável para a identificação de sideroblastos anelados, utilizados na classificação morfológica das síndromes mielodisplásicas • Reação da cloro-acetato-esterase (CAE), que comprova a existência de granulações específicas neutrófilas • Reação da alfa-naftil-acetato-esterase (ANAE), que demonstra granulações monocíticas características. A reação da ANAE é positiva nas células da linhagem monocítica, sendo útil no diagnóstico da leucemia da linhagem monocítica. Um melhor conhecimento da ultraestrutura das células hematopoéticas foi adquirido após o uso da microscopia eletrônica. Com essa técnica tem-se noção mais precisa das erganelas celulares (núcleo, nucléolos, mitocôndrias, aparelho de Golgi, vacúolos citoplasmáticos e membranas) e da constituição química das células.

151

I Exames Complementares

..., Estudos imunológicos .,.. lmunocitoquímica. A citoquímica pode ser complementada pela imunocitoquímica. Este é um dos métodos de estudo imunológico em que as células são previamente fixadas em lâminas por citocentrifugação. A pesquisa pode ser realizada pelas técnicas de imunofluorescência (IF), de imunoperoxidase (IP) e de fosfatase alcalina antifosfatase alcalina (APAAP). As estruturas citoplasmáticas e/ou das membranas celulares podem ser identificadas graças à conjugação de um corante com anticorpos específicos que reconheçam antígenos presentes naqueles locais. Como esses antígenos variam de acordo com a linhagem celular em questão (mieloide, linfoides T e B e natural killer- NK), as reações antígeno-anticorpo servem como marcadores celulares. A leitura das reações é feita ao microscópio óptico (para as reações de IP e APAAP), de imunofluorescência (para as reações de IF) ou, modemamente, pela citometria de fluxo (ver adiante). .,.. lmunofenotipagem. É um estudo imunológico em amostra de tecido, estando as células viáveis (living cells) e em suspensão. Essas células em suspensão são identificadas por uma reação de imunofluorescência direta (mais frequente), sendo a leitura realizada por citometria de fluxo. A citometria de fluxo é um método quantitativo e qualitativo em que são analisadas, de modo individual e por vários parâmetros (tamanho, granularidade ou complexidade interna e constituintes celulares marcados), milhares de células por segundo. O aparelho desenvolvido para essa função é o citômetro de fluxo, criado em 1972 por Herzenberg e denominado FACS (jluorescence activated cell sorting) com laser .. . argomo. Na década de 1980, essa metodologia foi mundialmente difundida em função da necessidade de monitoramento dos linfócitos T CD4 nos casos da síndrome da imunodeficiência adquirida (AIDS). A imunofenotipagem identifica (1) o fenótipo das diferentes linhagens celulares de origem hematopoética e (2) o estádio de diferenciação celular intralinhagem (se precursoras, diferenciadas ou maduras). Esse exame tomou-se indispensável para o diagnóstico e a classificação das doenças hematológicas principalmente nas leucemias agudas, nas doenças linfoproliferativas crônicas, na hemoglobinúria paroxística noturna e, ainda, na pesquisa de doença residual mínima como monitoramento de tratamento, principalmente em leucemias agudas da linhagem linfoide. Pode ser realizado em qualquer tecido no qual seja necessária a pesquisa de células malignas. Em hematologia, a imunofenotipagem é rotineiramente realizada em sangue periférico, aspirado de medula óssea, liquor cefalorraquidiano e/ou líquido pleural, e/ou qualquer tecido do qual possamos obter células em suspensão. Em casos em que a suspeita de doença de origem hematopoética ocorre em outros órgãos, nos quais não é possível obter de modo direto as células em suspensão (p. ex., fragmentos de estômago, linfonodo, baço após esplenectomia etc.), coloca-se um fragmento do material obtido por biopsia em um meio líquido (tampões como PBS® ou RPMI®) para obter as células em suspensão. Nessas condições, o material deve ser enviado imediatamente ao laboratório para melhor obtenção de células viáveis. .,.. lmuno-histoquímica (IH). Esse exame compreende o estudo imunológico em amostra de tecido fixada em parafina. A IH é realizada após a avaliação do anatomopatológico pelas colorações preconizadas (descritas anteriormente) e tem indicação abso-

1007 luta em casos de doenças hematológicas (principalmente as doenças linfoproliferativas crônicas) e em casos de suspeita de infiltração neoplásica da medula óssea. As infiltrações medulares podem ser por doença de origem hematopoética ou por metástase, sendo a imuno-histoquímica indispensável para a determinação da origem (hematopoética versus não hematopoética) e da linhagem da celular (mieloide, linfoide T, B e natural killer). Nas doenças hematopoéticas malignas, os estudos imunológicos de imunofenotipagem (com leitura por citometria de fluxo) e de imuno-histoquímica são complementares. Isso porque alguns dos antígenos são pesquisados exclusivamente por uma ou por outra das duas metodologias. Por exemplo, a pesquisa da proteína ciclina DI (no caso, o antígeno a ser estudado) e outros marcadores de linhagem não hematopoética (identificação de células malignas de origem epitelial e mesenquimal) são realizados apenas por IH. Ao contrário, estudos de doença residual mínima (DRM) em leucemias agudas e em linfomas são efetuados, com maior precisão, por citometria de fluxo.

..., Exames necessários para estudo das células hematopoéticas clonais Quanto às hemopatias relacionadas mais especificamente com a série leucocitária, outros exames, tais como o exame do líquido cefalorraquidiano, os testes bioquímicas e os testes imunológicos, podem ser necessários para o esclarecimento da doença. Os exames descritos a seguir são importantes nessas condições. .,.. Exame do líquido cefalorraquidiano (LCR, liquor). Nas leucemias agudas e em linfomas leucemizados (em fase circulante), pode haver infiltração do sistema nervoso central (neuroleucemia). O liquor deve ser retirado para exame logo de início, ocasião em que pode ser detectada a presença de células blásticas (leucêmicas) mesmo em pacientes nos quais não estejam presentes sintomas clínicos de infiltração meníngea. Faz-se a pesquisa de células anômalas no liquor que, frequentemente, apresenta aumento da pressão e da taxa de proteínas e diminuição da glicose. Quase todos os esquemas de tratamento de leucemias agudas e de linfomas leucemizados incluem a injeção de quimioterápico intratecal, que pode ser feita no momento em que se retira o liquor para exame (ver Capítulo 177, Exames Complementares). .,.. lmunofenotipagem. Esse exame pode ser também chamado de determinação de marcadores celulares (membrana ou superfície e citoplasma) e pode ser realizado em ambas as células normais e malignas. As várias linhagens celulares podem ser diferenciadas pelo aspecto morfológico após coloração de rotina e de citoquímica ao microscópio óptico. Entretanto, a imunofenotipagem por citometria de fluxo é indispensável para o diagnóstico e a classificação das neoplasias hematológicas. Com a imunofenotipagem pode-se definir o tipo de célula presente em uma doença proliferativa maligna, caracterizando, por exemplo, as células blásticas ou precursoras das leucemias agudas das linhagens linfoide T (time-dependente) e linfoide B (bursa-dependente), das leucemias mieloblásticas agudas (das sublinhagens monocítica, megacarioblástica e eritroblástica) e das células diferenciadas em linfomas não Hodgkin com ou sem a fase circulante (tipos T, B ou NK).

Parte 12

1008 Assim, as células das linhagens eritrocítica, granulocítica, monocítica, megacariocítica, plasmocítica, os linfócitos T, B e natural killer podem ser marcadas com anticorpos monoclonais dirigidos para os respectivos antígenos de diferenciação definidos pela designação CD (cluster of differentiation) seguidas de um algarismo. Por exemplo, o anticorpo monoclonal CD19 é dirigido contra o antígeno (proteína de membrana) CD19 que existe nas células da linhagem linfoide B. Dentre esses antígenos CD, citamos alguns exemplos: • Antígenos marcadores de linfócitos T: CD2, CD3, CD5, CD4 (linfócitos auxiliares), CD7 (linfócitos T precursores e diferenciados) e CD8 (linfócitos supressores) • Antígenos marcadores de linfócitos B: CD19, CD20, CD22, CD24, cadeias pesadas -y (IgG), a (IgA), õ (IgD), IJ. (IgM) e leves (kappa e lambda) das imunoglobulinas • Antígenos marcadores de células NK (não apresentam o receptor de células T; são, portanto, CD3 negativas): CD56, CD57, CD7, CD2 • Antígenos da linhagem plasmocítica: CD38 e CD 138 • Antígenos da linhagem granulocítica: CD13, CD33, CD15, CD64, MPO; os CD 117 e CD34 identificam as células precursoras • Antígenos da linhagem monocítica: CD14, CD15, CD33, CD64e CD36 • Antígenos da linhagem eritrocítica: CD71, CD235 (glicoforina A), CD36 • Antígenos da linhagem megacariocítica e plaquetários: CD41, CD42, CD61 e CD9. .,. Citogenética. Mesmo após o estudo da morfologia do sangue,

da medula óssea e do estudo imunológico (imunofenotipagem) nas doenças hematológicas malignas, torna-se ainda necessária a complementação diagnóstica com a citogenética convencional (cariograma ou cariótipo). Segundo orientações da Organização Mundial da Saúde (OMS), para a classificação de leucemias agudas, de síndromes mielodisplásicas e de doenças linfoproliferativas torna-se necessária a complementação diagnóstica com a pesquisa de algumas das translocações pelos métodos de hibridação in situ por fluorescência - FISH (imunofluorescência) e/ou reação em cadeia da polimerase- PCR (molecular). .,. Testes cutâneos de imunidade celular. As doenças linfoproliferativas malignas conduzem a um estado de imunodeficiência maior ou menor, segundo o tipo de doença e seu estado evolutivo. Os linfomas, em particular o linfoma de Hodgkin, caracterizam-se pela queda da imunidade de tipo celular que pode ser analisada por meio de testes cutâneos de sensibilidade de tipo tardio: reações intradérmicas negativas à tuberculina, à candidina e ao dinitroclorobenzeno (DNCB). No presente, a imunidade celular também pode ser avaliada pela determinação dos números relativo e absoluto das células T auxiliares (CD4) por citometria de fluxo (monitoramento imune). .,. Teste de Coombs ou teste da antiglobulina humana (TAD). Utilizado para o diagnóstico das anemias hemolíticas, deve ser recomendado, também, no esclarecimento das anemias que acompanham as linfoproliferações malignas (leucemia linfoide crônica, linfoma tipo Hodgkin e linfoma não Hodgkin), pois essas hemopatias podem cursar com quadro autoimune (anemia hemolítica autoimune). Essa técnica também é utilizada no preparo do sangue a ser transfundido. .,. Dosagem de imunoglobulinas no soro ena urina. As imunoglobulinas são secretadas pelas células linfocitárias B e pelos plasmócitos. Nas linfoproliferações malignas dessas células é comum o aumento exagerado de um tipo de imunoglobulina bem definido produzido por um determinado clone de células B. Esses pro-

I Sistema Hematopoético

cessos linfoproliferativos são, por isso, denominados monoclonais. A eletroforese do soro e/ou da urina costuma colocar em evidência o aumento acentuado dessas proteínas, que são identificadas na imunoeletroforese pelos antissoros específicos. Exemplos típicos de doenças linfoproliferativas monoclonais são o mieloma de células plasmáticas e a macroglobulinemia de Waldenstrõm. As proteínas anômalas são detectadas no soro e na urina dos pacientes. A leucemia linfocítica crônica (LLC) também é doença de tipo monoclonal de linfócitos B. Entretanto, raramente é encontrado pico de imunoglobulina monoclonal no sangue e na urina, como ocorre nas duas outras condições já referidas (ver Capítulo 155, Exames Complementares). .,. Provas de função hepática e dosagem de enzimas (transaminases). São úteis no acompanhamento das hemopatias, pois a lesão do fígado pode estar presente no início ou durante sua evolução. Sobretudo nas leucemias e nos linfomas, há interesse em saber as condições hepáticas do paciente, uma vez que os quimioterápicos são, geralmente, metabolizados pelo fígado. A maioria dos quimioterápicos é hepatotóxica. É sempre importante avaliar a possibilidade ou o risco do uso de quimioterápicos em pacientes que apresentem provas hepáticas alteradas, pois lesões hepáticas prévias podem ocasionar hiperdosagem de medicamentos por deficiência de metabolização. .,. Dosagem no soro de mucoproteínas, lactatodesidrogenase, cobre, ácido úrico, cálcio, glicose, ureia e creatinina. As mucoproteínas, a lactato-

desidrogenase ou desidrogenase láctica (DHL) e o cobre costumam elevar-se nos linfomas. A ureia, a creatinina e o ácido úrico podem estar elevados nos casos em que exista lesão do parênquima renal. A glicose deve ser sempre dosada, pois, nos esquemas de quimioterapia, há uso de corticosteroides, os quais podem elevar a taxa de glicose de um paciente diabético. O cálcio e a fosfatase alcalina podem estar elevados no mieloma de células plasmáticas e nos linfomas que causam lesões osteolíticas e/ou renais.

~

Exames por imagem eoutros exames

.,. Exames por imagem. No estudo de um paciente com hemopa-

tia, pode haver a necessidade de exames radiológicos de vários tipos. A radiografia simples tem seu espaço de utilização bastante reduzido atualmente, mas pode ser útil ainda, por exemplo, na avaliação da calota craniana, das costelas e, eventualmente, de ossos longos e ossos do esqueleto axial. A tomografia computadorizada do tórax é útil para o estudo do parênquima pulmonar e do mediastino. A tomografia computadorizada do abdome, preferencialmente, e também a ultrassonografia podem ser necessárias para avaliação dos órgãos parenquimatosos e para pesquisa de linfonodomegalias. A ressonância magnética é bastante interessante para a avaliação dos ossos longos, ilíacos e das vértebras como complementação para algumas anemias constitucionais (anemia falciforme e talassemia), de leucemias, de linfomas e de mieloma múltiplo. Em casos de suspeita de infiltração do sistema nervoso central, a ressonância magnética é o método de escolha. A cintigrafia e, principalmente, a tomografia computadorizada associada à tomografia por emissão de pósitrons (PET-CT) são armas poderosas como estudos complementares de algumas hemopatias. A PET-CT é hoje de fundamental importância no diagnóstico, no estadiamento e no controle pós-tratamento de doenças como o linfoma.

151

I Exames Complementares

.,. laparoscopia e laparotomia. Podem ser indicadas quando os dados clínicos e os demais exames não forem conclusivos para estabelecer o diagnóstico. .,.. Eletrocardiograma. É recomendado às pessoas com antecedentes clínicos de lesão cardíaca, em especial àquelas que necessitam fazer uso de quimioterápicos com reconhecida ação cardiotóxica ( antraciclinas). .,.. Eletroencefalograma. Deverá ser realizado quando houver quadro neurológico de tipo central que pode decorrer de infiltração neoplásica ou hemorrágica. O uso de corticosteroides é necessário em várias moléstias do sangue. O tratamento prolongado pode levar ao aparecimento de quadro convulsivo em pessoas que apresentem foco irritativo cerebral.

..,. Exames necessários para estudo das anemias Os requerimentos necessários para a eritropoese fisiológica incluem as células progenitoras da linhagem eritroide e microambiente medular normais, além do suporte adequado de eritropoetina, de ferro, de cianocobalamina, de folato, de hormônios tireoideanos e de outros hormônios. A falência, a ausência ou o suporte inadequado de qualquer um desses fatores levará à ocorrência de anemia de graus variáveis. Portanto, para definir a etiologia da anemia, deveremos levar em consideração os fatores epidemiológicos, assim como a anamnese e os achados do exame físico. A investigação laboratorial é em geral necessária para definição da etiologia. .,.. Epidemiologia. A causa mais comum de anemia no mundo é a carência de ferro. Nos pacientes hospitalizados ou cronicamente enfermos, a causa mais comum é a anemia de doença crônica. Deles, a anemia secundária à insuficiência renal ou ao hipotireoidismo são causas frequentes. Em nosso meio, a presença da doença falciforme deve sempre ser considerada. Os descendentes de italianos e de árabes podem ser portadores das síndromes talassêmicas. .,.. Achados de história e exame físico. História de sangramento excessivo, principalmente pelo trato gastrintestinal em ambos os sexos e genital nas mulheres, favorece a deficiência de ferro. A hematúria isolada é causa incomum de anemia ferropriva, exceto se o sangramento for intenso e prolongado, como pode ocorrer na doença falciforme SS ou SC. Mulheres multíparas sem reposição de ferro ou que doam sangue repetidamente podem ter carência de ferro. Antecedentes familiares de icterícia associada à anemia sugerem doença hemolítica constitucional. Sintomas de neuropatia e de glossite favorecem o diagnóstico de anemia megaloblástica. A anemia associada a emagrecimento e a sudorese noturna favorece o diagnóstico de síndrome neoplásica ou de síndrome da imunodeficiência adquirida. Existem vários testes bioquímicos e imunológicos importantes para o diagnóstico das anemias que devem ser recomendados de acordo com o quadro clínico apresentado pelo paciente. Assim, a presença de anemia de tipo crônico, com ou sem crises de icterícia ou de esplenomegalia, com ausência de manifestações hemorrágicas ou de crescimento tumoral, levanta rapidamente a suspeita de alteração da linhagem eritroblástica ou vermelha do sangue. Nesses casos, além do hemograma e do mielograma, pode haver necessidade de outros exames específicos para o estudo da série vermelha, tais como dosagem do ferro e da siderofilina, além de outros.

1009 Para o estudo diagnóstico das hemopatias relacionadas com a série eritroblástica, lança-se mão dos exames a seguir. .,.. Dosagem de ferro e da siderofilina. O ferro faz parte da molécula de hemoglobina, entrando na formação do heme. Uma pequena quantidade de ferro na dieta é suficiente para manter a taxa normal, desde que não haja perdas sanguíneas. A quantidade do ferro corporal é um pouco mais baixa na mulher que menstrua do que no homem (50 mglkg de peso no homem e 35 mg/kg de peso na mulher). As reservas de ferro são menores nas mulheres em fase sexual ativa e nos indivíduos em crescimento, embora a taxa de ferro sérico se mantenha constante, em tomo de 120 ~g/de. A siderofilina, ou transferrina, é a proteína que transporta o ferro do plasma até as células medulares, nas quais ocorre a síntese da hemoglobina. O ferro passa, então, a integrar a molécula de hemoglobina do eritrócito, que vive na circulação cerca de 100 dias, em média. Ao final desse tempo, os eritrócitos são destruídos com eliminação do ferro, que será fagocitado pelos macrófagos (Figura 151.4) sob a forma de ferritina e de hemossiderina, mas a maior proporção volta ao plasma, sendo transportado novamente pela siderofilina, refazendo o ciclo. O ferro não é excretado. A avaliação da ferritina e da transferrina, aliada à dosagem do ferro sérico, é útil para o diagnóstico correto de possível carência ou de excesso deles no organismo. A avaliação fisiológica da transferrina pode ser determinada pela capacidade total de fixação do ferro ( CTFF) e pelo índice de saturação da transferrina (IST). Este encontra-se diminuído nas anemias ferroprivas e aumentado na sobrecarga de ferro (Figuras 151.5 e 151.6). Quando a dosagem da ferritina revela valores reduzidos (os normais variam de 12,0 a 100,0 ng/mf), pode-se afirmar que há ferropenia. O inverso não é verdadeiro. Valores elevados de ferritina sérica (> 350 ng/mf) podem estar presentes quando há aumento do ferro na circulação, embora não haja excesso nos depósitos. Isso ocorre na anemia das doenças crônicas. Observa-se também aumento da ferritina na hemocromatose hereditária ou na hemossiderose transfusional. A hemossiderina é a apresentação mais estável de depósito do ferro e o seu aumento traduz sempre excesso desse elemento no organismo. Ela pode ser facilmente visualizada em esfregaços de medula óssea pela coloração de Perls. A Figura 151.6 ilustra a quantidade estimada de hemossiderinanos grumos celulares em esfregaços de medula óssea. A importância dessas determinações é crucial, pois algumas vezes um diagnóstico incorreto de anemia ferropênica

Figura 151.4 Esfregaço de medula óssea com coloração para ferro (Perls) evidenciando um macrófago com restos celulares e ferro (seta).

1010

Parte 12

I Sistema Hematopoético





c

B

A

Figura 151.5 Depósito normal (A), muito aumentado (8) e ausência de depósitos de ferro nos grumos celulares (C).

com consequente administração de ferro agrava uma situação em que já há certo grau de siderose. .,. Punção-biopsia de medula óssea. Estuda a celularidade e a morfologia dos precursores medulares, sua relação entre si, seu microambiente e a presença de fibroses colagênica e reticulínica. .,. Reação de Coombs ou teste da antiglobulina. Esse teste evidencia a presença de eritrócitos sensibilizados por anticorpos ditos incompletos (tipo IgG). Esse é o Coombs "direto': O teste de Coombs "indireto" demonstra a presença de anticorpos no soro dos portadores de anemia hemolítica tipo imune. .,. Eletroforese da hemoglobina. É um teste importante para a caracterização das anemias nas quais possa haver defeito de formação, de natureza constitucional, da molécula da hemoglobina, resultando no aparecimento de hemoglobinas anômalas (hemoglobinopatias). .,. Dosagem da vitamina 812 e de foi atos no soro. Serve para o diagnóstico de anemia carencial tipo macrocítico e megaloblástico. Os valores normais são: (1) vitamina B12 = 200 a 900 ng/ .e; (2) ácido fólico = 2 a 6 nglm.e. .,. Dosagens de enzimas eritrocitárias. Testes mais complexos podem ser necessários para esclarecer a natureza da anemia, como, por exemplo, as dosagens de enzimas eritrocitárias, cuja deficiência existe nas chamadas "eritroenzimopatias~ No citoplasma dos eritrócitos há duas vias que catabolizam a glicose: a via principal, denominada de Embden-Meyerhof (90%), e a via acessória ou da hexose-monofosfato (10%). Atua nessas duas vias uma série de enzimas cuja função é propiciar a energia necessária para o eritrócito funcionar normalmente. Como exemplos dessas enzimas há a adenosina-trifosfato

T ransferrina livre

Capacidade total de ligação do ferro L'--_.

500 1--

T ransferrina ligada ao ferro

400 1--

'"'E 8,...

300 1--

Õ>

:1.

200 1-100

desidrogenase (ATPase), a glicose-6-fosfato desidrogenase (G-6-PD), a piruvatoquinase (PK) e a glutation-redutase (GR) . Em alguns pacientes, há diminuição de uma dessas enzimas, o que pode resultar no encurtamento da vida dos eritrócitos, ocasionando anemia de tipo hemolítico. As principais eritroenzimopatias referem-se a deficiências da G-6-PD, PK e GR. .,. Dosagem de bilirrubinas. Na anemia hemolítica, há aumento da bilirrubina indireta em relação à direta. .,. Exame de urina. Visa especialmente à pesquisa de proteínas anormais (Bence-Jones) e de urobilinogênio. A proteína de Bence-Jones é encontrada em muitos mielomas, enquanto o urobilinogênio está aumentado nas anemias hemolíticas. .,. Exame de fezes. Para a pesquisa de ovos de parasitos, de sangue oculto (anemias hemorrágicas) e de urobilinogênio (anemias hemolíticas) . .,. Desidrogenase láctica (DHL). Sofre aumento quando há lise celular. Dessa maneira, nos processos hemolíticos e neoplásicos com grande renovação celular, podemos observar DHL aumentada. Na anemia perniciosa devido à aeritropoese ineficaz podemos observar aumento de DHL.

.,. Exame de imagem.

. .,. Exames necessários para o estudo das coagulopatias A avaliação da coagulação do sangue requer conhecimento do processo hemostático (ver Capítulo 149, Noções de Anatomia e Fisiologia). A descrição detalhada do evento hemorrágico, a história pessoal e familiar, as comorbidades, as medicações em uso e o exame físico detalhado oferecem informações valiosas para a investigação laboratorial. As alterações da estrutura e da função dos vasos, o número e/ou a função das plaquetas, da quantidade e/ou da função dos fatores de coagulação, da estabilização do coágulo e do processo de fibrinólise levam às doenças hemorrágicas. Dessa maneira, os testes de triagem devem pesquisar alterações na hemostasia primária e secundária, na estabilização do coágulo e na fibrinólise. Pode ainda ocorrer combinação dessas alterações (Figura 151.7).

f-

. .,. Prova do laço ou do torniquete Normal

Deficiência de ferro

Gravidez tardia

Infecção Hemocromatose Inflamação Hemossiderose Neoplasia

Figura 151.6 Ferro sérico, capacidade de ligação e doenças. (Adaptada de Williams, 1983.)

Em pacientes que apresentam sangramento pelas mucosas ou quadro cutâneo de púrpura, deve-se fazer a prova do laço que é simples e útil, embora careça de grande precisão. Atualmente, esse teste deve ser realizado apenas com indi-

151

I Exames Complementares

1011

História hemorrágica

História clínica

História familiar

Quantidade, tipo, localização, duração, início

Hepatopatia, nefropatia, medicações, cirurgias prévias

Doença autossômica ou herança ligada ao cromossomo X, consanguinidade, etnia

Exame físico

Testes de triagem

Tipo e localização do sangramento (equimoses, petéquias, hematomas), esplenomegalia

Hemograma completo, anãlise do esfregaço (esquizócitos), bioquímica (DHL), TP, TTPa e fibrinogênio

Testes específicos

Hemostasia primária

Hemostasia secundária

Trombocitopenia (repetir a coleta em sangue citratado, pois pode afastar pseudoplaquetopenia)

Deficiência de fatores Dosagem individual de fatores

'-

Doença de von Willebrand Fator de von Willebrand Cofator da ristocetina Multímetros de von Willebrand Dosagem do fator VIII

Anormalidade da função plaquetária Curva de agregação plaquetãria com os agonistas • Acido araquidônico, epinefrina, ADP e ristocetina

lnibidores da coagulação Pesquisa de inibidor de coagulação (teste da mistura ou de triagem) Se não ocorrer a correção do TTPa com a mistura: determinar o inibidor em unidades Bethesda; dosar o nível do fator Anticoagulante lúpico Anticorpo anticardiolipina

Estabilidade do coágulolfibri nólise

Deficiência do fator XIII Dosar fator XIII Hiperfibrinólise Fibrinogênio, produtos de degradação da fibrina, D-dímero, tempo de lise de euglobulina Deficiência do inibidor alfa-2 plasmina lnibidor da ativação do plasminogênio (PAI-1)

Doenças do fibrinogênio Dosagem do fibrinogênio, produtos de degradação da fibrina, D-dímero, tempo de trombina, tempo de reptilase

Púrpuras vasculares Tempo de sangramento Excluir colagenoses Figura 151.7 Algoritmo para investigação do paciente que apresenta sangramento. DHL = desidrogenase láctica; TP = tempo de protrombina; TTPa = tempo de tromboplastina parcial ativada. (Adaptada de Lo Russo e Macick, Clinicai Hematology, 2006.)

cação absoluta, como, por exemplo, na suspeita de dengue. Esse teste só terá valor se executado com a técnica adequada. Ele consiste em fazer pressão sobre o sistema venoso e capilar do braço com o manguito do esfignomanômetro durante cinco minutos, mantendo-o insuflado em um nível entre a pressão arterial mínima e máxima. Por exemplo, se a pressão arterial do paciente for 140/80 mmHg, mantém-se o manguito insuflado no nível de 100 a 120 mmHg. Nas púrpuras plaquetopênicas, plaquetárias ou vasculares pode aparecer um grande número de petéquias no braço em que estiver sendo feito o teste. Os testes laboratoriais mais

importantes para o diagnóstico das síndromes hemorrágicas serão revistos ao serem abordados os distúrbios da hemostasia e da coagulação sanguínea.

...- Bibliografia Bain B. the bone marrow aspirate of healthy subjects. British fournal of Haematology. 1996; 94: 206-9. Lipschitz D, Cook JD, Finch C. A clinicai evaluation of serum ferritin as an index of iron stores. N Engl f Med. 1974; 290: 1213-16. LoRusso K, Macik G. Chronic bruising and bleeding diatheses.ln: Young NS, Gerson SL, High KA ed. Clinicai Hematology. Mosby. Cap. 85. 2006.

152

Doenças do Sangue Mariado RosárioFerraz Roberti, Neusa Batista de Meloe Nelcivone Soares de Melo

Hemopatia refere-se a doenças do sangue, de hemo, sangue, e phátos, doença. Podem ser divididas em primárias, secundárias e associadas. As hemopatias primárias compreendem os distúrbios relacionados com as séries hemopoéticas - eritrocitária, leucocitária ou plaquetária -, além dos defeitos da hemostasia e da coagulação sanguínea. Denominam-se hemopatias secundárias as lesões principais não localizadas nos órgãos hematopoéticos ou nas células sanguíneas. Exemplos disso são as modificações que ocorrem em algumas parasitoses, como no tipo hepatoesplênico da esquistossomose mansônica, em que pode haver alteração da volemia e dos fatores de coagulação, devido à lesão hepática, além do número das células sanguíneas por hiperfunção esplênica (hiperesplenismo). As hemopatias associadas fazem parte do quadro clínico de outras moléstias cuja etiopatogenia pode ou não ser bem definida. São exemplos algumas doenças hereditárias nas quais há deficiência de enzimas que atuam no metabolismo dos polissacarídios ou dos lipídios. São denominadas reticuloendotelioses de acúmulo ou doenças de depósito lisossomal.

. . . Hemopatias primárias

(hipoxia) para uma determinada função metabólica, surgem no organismo as reações adaptativas. Essas reações dependem: (1) da rapidez da instalação da anemia, (2) da sua intensidade e (3) dos mecanismos de adaptação intraeritrocitários e sistêmicos. Por exemplo, para compensar o déficit de oxigênio tecidual, o coração passa a trabalhar em ritmo mais acelerado, resultando em taquicardia. As anemias são provocadas por vários fatores e classificam-se segundo dois critérios: morfológico e cinético ou fisiopatológico. Na prática, devem ser utilizadas ambas as classificações. O critério morfológico não esclarece a causa da anemia, mas sim do aspecto morfológico dos eritrócitos presentes na circulação. Segundo esse critério, as anemias podem ser macrocíticas, microcíticas e normocíticas (Quadro 152.1), como descrito a seguir: • Macrocíticas: caracterizam-se pela presença de hemácias de grande volume e geralmente hipercrômicas. Algumas dessas anemias podem ser megaloblásticas. Incluem-se nesses casos a anemia por carência de folatos ou de vitamina B12 (cianocobalamina) • Microcíticas: com predomínio de hemácias de pequeno volume e pobres em hemoglobina ou hipocrômicas. Incluem-se as anemias ferroprivas e as síndromes talassêmicas • Normocíticas: são geralmente normocrômicas, estando incluídas neste grupo as anemias das doenças crônicas, as anemias hemolíticas, as aplasias medulares (anemia aplásica), embora estas últimas possam ser macrocíticas. A classificação cinética fornece a base fisiopatológica para explicar os diferentes tipos de anemia (Quadro 152.2). A avaliação depende da capacidade de regeneração medular, avaliada pela produção de reticulócitos.

Anemias por deficiência na produção dos eritrócitos A alta atividade proliferativa da linhagem eritrocítica toma a eritropoese muito sensível às deficiências de nutrientes

Quadro 152.1

Classificação morfológica das anemias.

• Doenças da linhagem eritrocitária

I. Anemias maaoáticas e normocrômicas

As afecções dessa linhagem compreendem as anemias e as poliglobulias, além de outras doenças de incidência rara (porfirias e metemoglobinemias).

1. Sem megaloblastos na medulaóssea a) anemia hemorrágica ehemolítica b) anemiasecundária ao uso de antimetabólitos c) anemiadas hepatopatias 2. Com megaloblastos na medulaóssea a) deficiência de vitamina B12 b) deficiência de ácido fólico c) defeito da síntese do DNA (congênito ou iatrogênico)

Anemias Constituem as doenças do sangue mais frequentes. A anemia é definida pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como a condição na qual o conteúdo da hemoglobina no sangue está abaixo do normal. Portanto, significa redução da taxa de hemoglobina abaixo de 13,0 gldf para um indivíduo ao nível do mar e com um volume sanguíneo normal. Esse valor varia com o sexo, podendo ser um pouco menor na mulher, especialmente na gestante. A diminuição do número de eritrócitos (hemácias), oligocitemia, por si só, não define o estado anêmico, embora com frequência seja observada oligocitemia em pacientes anêmicos. Os principais sintomas das anemias estão relacionados com a má oxigenação dos tecidos, especialmente o cérebro e o próprio coração. A intensidade dos sintomas depende da idade, do sexo, do tempo de instalação, da causa, das altitudes, da associação com outras doenças e com o uso de medicamentos. Devido à incapacidade de suprir oxigênio para os tecidos

11. Anemias nonnocíticas enormoaômicas 1. Anemia hemorrágica aguda 2. Anemias por produção deficiente de hemácias a) aplasia medular b) insuficiência renal c) doenças crônicas d) endocrinopatias (mixedema) e) infiltração medular (leucemias, mieloma) 3. Anemias hemolíticas (com discreta reticulocitose)

111. Anemias microcíticase hipocrômicas 1. Anemia ferropriva 2. Anemia sideroblástica 3. Talassemias

152

I Doenças do Sangue

Quadro 152.2

aassificação dnética ou fisiopatológica das anemias.

1013 Normal

Depleção de ferro

Estoque ----1~

I. Anemias por deficiênda de produção de eritródtos 1. Deficiência de elementos essenciais a) Ferro (anemia ferropriva) b) Ácido fólico c) Vitamina B12 (anemia perniciosa) d) Proteínas e) Outras vitaminas (ácido ascórbico, piridoxina, riboflavina) esais minerais (cobre, cobalto) 2. Deficiência de eritroblastos a) Aplasia medular (anemia aplásica) b) Eritroblastopenia.s puras (timoma, presença de anticorpos) c) Hereditária d) Anemias refratárias 3. Infiltração medular a) Leucemias agudas ecrônicas b) Mieloma múltiplo c) Carcinomas esarcomas d) Mielofibrose 4. Endocrinopatias a) Mixedema b) Insuficiência suprarrenal c) Hipertireoidismo S. Insuficiência renal crônica 6. Outras: cirrose hepática, doenças inflamatórias crônicas

11. Anemias por excesso de destruição de eritrócitos 1. Corpusculares a) Defeitos da membrana b) Déficit enzimático- enzimopatias c) Hemoglobinopatias d) Outras: hemoglobinúria paroxística noturna, satumismo e) Porfirias 2. Extracorpusculares a) Anticorpos: iso eautoanticorpos. Fármacos b) Hipersequestração esplênica (hiperesplenismo) c) Traumas mecânicos: microangiopatia, próteses valvares d) Infecções: malária, Clostridium

Hemoglobina---.!-Transporte--

•+~

Enzima ----i~ Normocrômica normocítica

Eritrócitos

Hipocrômica microcítica

Figura 152.1 Desenvolvimento da anemia ferropriva. (Nelcivone Soares de Melo.)

de ferro pelo intestino aumenta quando os estoques de ferro estão reduzidos, antes mesmo de se desenvolver a anemia e de o ferro plasmático estar reduzido. A ferritina sérica já se encontra reduzida. A eritropoese em paciente com deficiência de ferro resulta em células com conteúdo reduzido de hemoglobina, traduzindo-se por hemácias hipocrômicas e microcíticas (observadas no esfregaço do sangue) e por redução dos índices hematimétricos, volume corpuscular médio (VCM) menor que 80 fl e concentração de hemoglobina corpuscular média (CHCM) menor que 32 g/df. A contagem de reticulócitos também é reduzida. Nessa fase da doença, os estoques já foram depletados. As causas mais frequentes relacionam-se com a perda sanguínea. O Quadro 152.3 relaciona as principais causas de anemia ferropriva. Quadro 152.3 Sangramento

Principais causas de anemia ferropriva. Uterino

Gastrintestinal

Menorragia Parto Sangramento pós-menopausa Varizes de esôfago Hérnia de hiato

Helicobacter pylori Doença péptica Ingestão de ácido acetilsalicílico Telangiectasia hereditária Carcinoma do trato gastrintestinal (estômago, cólon etc.) Retocolite ulcerativa Diverticulite Hemorroidas sangrantes

111. Perdas de sangue 1. Hemorragias agudas 2. Hemorragias crônicas (úlceras etumores intestinais, parasitos intestinais, menstruações

essenciais, como o ferro, o ácido fólico e a vitamina B12• As anemias carenciais são as mais frequentes na prática clínica, sobretudo a anemia por deficiência de ferro. .,. Anemia ferropriva. A anemia ferropriva é definida como o ((estado mais avançado da deficiência de ferro". Na infância, os estoques de ferro acumulam-se gradualmente. No adulto, em condições normais, esse estoque permanece constante. Na mulher em idade fértil são discretamente reduzidos, em decorrência das perdas menstruais e de possíveis gestações. A deficiência de ferro instala-se por mecanismos diversos: aumento do consumo, excesso de perda (hemorragias) ou má absorção. A depleção dos estoques de ferro devido somente à falta de ingesta (alimentação deficiente) ocorre em cerca de 4 anos. A Figura 152.1 demonstra o desenvolvimento da anemia ferropriva em relação aos estoques de ferro. Quando o organismo está em balanço negativo de ferro, o primeiro evento é a depleção dos estoques de ferro, que é mobilizado para a produção de hemoglobina. A absorção

Anemia Anemia Deficiência Deficiência de ferro de ferro (inicial) (avançada)

Pulmonar Renal

Má absorção

lngesta deficiente Aumento da demanda

Hemoptise Hemossiderose pulmonar idiopática Hematúria (em geral decausa renal ou bexiga) Hemoglobinúria (hemoglobinúria paroxística noturna) Enteropatia induzida pelo glúten Gastrectomia Gastrite atrófica Doença inflamatória crônica Ingestão de argila Vegetariano estrito Estirão do crescimento na infância e adolescência, quando aoferta de ferro émenor Prematuridade Gestação

Parte 12

1014

I Sistema Hematopoético

O RDW (red cell distribution width), observado em hemograma realizado em contadores automatizados, é útil no diagnóstico diferencial entre anemia ferropriva e talassemias. Na anemia ferropriva o RDW está aumentado e na talassemia tende a ser normal ou próximo ao normal. A dosagem de ferro sérico e a transferrina saturada de ferro são baixas (lO a 20%, geralmente); a ferritina também está diminuída (abaixo de 10,0 ng/mf). A ferritina pode estar no limite inferior da normalidade se houver algum processo inflamatório associado. Na medula óssea, há hiperplasia dos eritroblastos. São picnóticos e irregulares, sendo em geral pequenos, denominados microeritroblastos. A reação de Perls (coloração de ferro) mostra redução dos grãos de hemossiderina e diminuição dos eritroblastos que contêm grãos de ferro (sideroblastos) no material medular. Apesar de mostrar alterações caraterísticas da carência de ferro, o exame é pouco indicado, pois o perfil de ferro, associado ao hemograma, em geral é suficiente para firmar o diagnóstico. A Figura 152.2 demonstra o algoritmo para avaliação laboratorial da anemia hipocrômica.

Quando a carência de ferro é intensa e crônica, ocorrem mudanças teciduais. Comumente observamos astenia, lipotimia, anorexia e alterações tróficas da pele e de anexos que podem ocorrer em todo tipo de anemia. Na ferropenia podem surgir sintomas mais ou menos típicos, representados por glossite atrófica, que pode acompanhar perversão do apetite, manifestada por geofagia, ou seja, vontade de comer terra e barro, disfagia cervical pela presença de uma membrana esofágica que desaparece com o tratamento (síndrome Plummer-Vinson), coiloníquia, estomatite angular, cabelos finos e enfraquecidos, amenorreia na mulher e diminuição da libido nos dois sexos. O diagnóstico laboratorial baseia-se no estudo da série vermelha do sangue (Capítulo 151, Exames Complementares). Observa-se diminuição da taxa de hemoglobina e do hematócrito e o número de eritrócitos pode estar normal, pouco ou muito diminuído. A anemia é microcítica e hipocrômica. O VCM e a CHCM são baixos. A contagem de reticulócitos costuma ser normal ou reduzida, subindo rapidamente após o início da terapêutica (crise reticulocitária). Eventualmente, há reticulocitose discreta.

VCM 100 fi I

Verificar cobalamina sérica, contagem de reticulócitos e esfregaço de sangue periférico

Cobalamina diminuída

Cobalamina normal

_l

Anticorpo antifator intrínseco

Ácido metilmalônico

Positivo

Elevada (função renal normal)

Anemia perniciosa

Deficiência tecidual de cobalamina

Outros achados: • História de deficiência nutricional ~ Tratar com ácido fólico • Alcoolismo crônico ~ Tratar com ácido fólico • Doença hepática ~ Tratar com ácido fólico se a nutrição for deficiente • Hipotireoidismo ~ Tratar tireoidopatia • lnexplicado ~ Exame da medula óssea e cariótipo

Figura 152.3 Algoritmo para avaliação das anemias macrocíticas. (Adaptada de Schechter GP. Clinicai Hematology. 2006.)

gação do ferro e pela a ferritina sérica normal ou aumentada em presença de estoques de ferro normal. O fator-chave na patogênese da ADC é o aumento da hepcidina, o que está associado a processos infecciosos, neoplásicos ou inflamatórios. A hepcidina é um peptídio rico em cisteín a produzido no fígado e parece ser o principal mediador capaz de restrin gir o suprimento de ferro para a medula em pacientes com inflamação e com infecção. O aumento da hepcidina resulta em diminuição da absorção do ferro intestinal e o sequestro do ferro nos macrófagos, reduzindo o aporte de ferro disponível para os eritrócitos. Mecanismos adicionais resultam de aumento das citocinas inflamatórias, incluindo a interleucina (IL)-1, IL-6, o fator de necrose tumoral (TNF) e o fator transformador de crescimento TGF-!3. O Quadro 152.4lista as principais condições associadas à ADC. Os achados hematológicos da ADC incluem: hemoglobina em geral não menor que 9,0 g/df, VCM normal ou levemente diminuído, ferro sérico e capacidade total de ligação do ferro diminuídos, saturação da transferrina levemente reduzida e ferritina sérica normal ou aumentada. A velocidade de hemossedimentação (VHS) e a proteína C reativa (PCR) em geral estão aumentadas. A hepcidina sérica e urinária está aumentada. A reação de Perls em medula óssea demonstra a presença de ferro nos macrófagos.

Quadro 152.4

Anemias hemolíticas .,. Anemias hemolíticas. Do grego, hemo, sangue, e lise, quebra. Indica que a destruição dos eritrócitos está acelerada. Quando a hemólise é fisiológica, a vida média do eritrócito não está comprometida. Pode ser intravascular, quando a hemoglobina é liberada no plasma, ou extravascular, quan do a hemólise se dá no sistema reticuloendotelial (principalmente no baço). Nos casos patológicos, o tempo de sobrevida das hemácias está diminuído (normal: de 80 a 120 dias). Quando a sobrevida dos eritrócitos está diminuída, a medula óssea aumenta o número de precursores (eritroides), a fim de compensar a hemólise (hiperplasia do setor eritrocítico). A anemia só ocorre quan do a hiperprodução medular não consegue se igualar ao ritmo da destruição. Nessa tentativa, a medula óssea pode entrar em falência, surgindo a crise aplásica da anemia hemolítica. As anemias hemolíticas podem ser adquiridas ou congênitas, estas por defeito corpuscular ou extracorpuscular (Figura 152.4). De modo geral, as corpusculares correspondem às anemias de natureza constitucional. As extracorpusculares são as de tipo adquirido. Observam-se anemia, icterícia, colúria, fezes mais escuras do que o habitual e, se o quadro for crônico, esplenomegalia.

Principais causas de anemiade doença crônica.

Infecções crônicas

Doença inflamatória crônica

Neoplasias

Outras

Osteomielite

Artrite reu matoide

Insuficiência cardíaca congestiva

Endocardite bacteriana

Artrite reumatoide juvenil

Carcinoma (especialmente o metastático e/ou com infecção)

Tuberculose

lu pus eritematoso sistêmico

linfoma

Síndrome da imunodefidência adquirida

Abscesso

Esclerodermia

Mieloma

Bronquiectasia

Doença inflamatória do intestino

Infecção crônica do trato urinário

Tromboflebite

Miocardiopatia isquêmica

152

I Doenças do Sangue

1017 Anemia com reticulocitose e aumento de bilirrubina indireto

Suspeitar de hemólise

Checar haptoglobina para confirmar*

I

Teste de antiglobulina direta (TAD)- teste de Coombs

Positivo

Exame de esfregaço do sangue periférico

Negativo

Hemólise imune

Alterações diagnósticas na forma do eritrócito? Esferócitos (esferocitose hereditária) Eliptócitos (eliptocitose hereditária) Esqu izócitos (anemia microangiopática)

I

TAD: positivo lgG +I-C3d

TAD: positivo C3d

Negativo ou não diagnóstico ?lgM clonal ?Infecção (EBV, micoplasma, viral) ?Aioimune**

Aglutinina fria ?Induzida por medicamentos ?Autoimune ?Aioimune**

I

Elevada

Eletroforese de proteínas Anticorpo EBV/micoplasma

Diminuída

?Deficiência enzimática Checar G6PD (rever medicações) PK (piruvatoquinase) ?Hemoglobinopatia Checar eletroforese hemoglobina ?Aumento de sensibilidade ao complemento Teste para HPN (citometria de fluxo para CD52 e CD55) Hemossiderina na urina

Teste para lgG* hemolisina ao frio***

Figura 152.4 Algoritmo para avaliação da anemia hemolítica. HPN = hemoglobinúria paroxística noturna; EBV = vírus Epstein-Barr. Adaptada de Schechter GP. Clinicai Hematology; 2006. {*Outros parâmetros que podem ser úteis: desidrogenase láctica encontra-se acentuadamente elevada no hemólise intravascular e hemoglobina livre plasmática apresenta-se aumentada na hemólise grave. **Reações transfusionais hemolíticas, transplante com incompatibilidade linfocitária. ***Teste de Donath-Landsteiner.)

O diagnóstico de anemia hemolítica é feito com os seguintes dados: História clínica e antecedentes. É importante saber se há icterícia associada à palidez e se isso ocorre desde a infância. Outras informações de interesse são a presença do mesmo quadro em familiares, a consanguinidade e o uso de medicamentos antes de aparecer os sintomas. Exame físico. Palidez em graus variados. Icterícia geralmente leve, embora possa haver exceções. Esplenomegalia, adenomegalia (anemias hemolíticas secundárias e linfomas), lesões cutâneas (úlceras maleolares) e alteração da forma do crânio são os achados mais frequentes. Diagnóstico laboratorial. É comum a todos os processos hemolíticos a presença de hiperbilirrubinemia indireta. A degradação da hemoglobina forma duas subunidades de cadeia globínica que são ligadas à haptoglobina circulante formando um complexo que é metabolizado pelo fígado. Laboratorialmente, encontramos nos processos hemolíticos uma diminuição dos níveis séricos da haptoglobina. A hemólise crônica leva à eritropoese ineficaz que cursa com aumento da absorção do ferro entérico. Dessa maneira, mesmo sem transfusão, podemos observar aumento do ferro sérico e da ferritina. Quando a hemólise é intravascular, a hemoglobina livre no plasma será excretada pelos rins por meio de hemoglobinúria e de hemossiderinúria, podendo culminar em carência de ferro.

A hiperplasia do setor eritrocítico culmina em alargamento do espaço medular, em alterações ósseas observadas na calota craniana, em ossos longos e em corpos vertebrais. No hemograma observamos níveis reduzidos da hemoglobina em graus variados. A anemia pode ser normocrômica, normocítica ou hipocrômica e microcítica ou macrocítica. Eritroblastos circulantes podem ser observados. Pode haver esferocitose, hemácias em alvo (talassemias), ovalocitose, hemácias em foice ou drepanócitos e outras alterações qualitativas. A policromasia é um achado frequente. A reticulocitose está presente em quase todos os casos, em porcentagem variável. Quando a hemólise é intensa, o volume corpuscular médio (VCM) pode estar aumentado, refletindo o aumento de células jovens circulantes (reticulocitose) ou mesmo células nucleadas (eritroblastos). Fora das crises hemolíticas, a porcentagem dos reticulócitos oscila entre 3 e 5%, mas, durante as crises, pode subir para 40 a 60%. Nessas crises ocorre também leucocitose. Os principais achados clínicos e laboratoriais na anemia hemolítica estão sumarizados no Quadro 152.5. Nas crises hemolíticas devido à infestação por parasitos (malária) são encontradas hemácias contendo diferentes tipos do plasmódio no seu interior. A medula óssea apresenta-se hipercelular, com hiperplasia do setor eritrocítico. A relação granulócitos/eritroblastos

Parte 12

1018 Quadro 152.5

Principais achados laboratoriais nas anemias hemolfticas.

Aumento da destruição dos eritrócitos Aumento de bilirrubina não conjugada (bilirrubina indireta) • icterícia • colelitíase Aumento do urobilinogênio urinário efecal Diminuição haptoglobina sérica Alterações extravasculares • esplenomegalia • aumento dos estoques de ferro Alterações intravasculares • hemoglobinemia e hemoglobinúria • hemossiderinúria • diminuição de estoques de ferro Hiperplasia do setor eritrocítico (compensatória) Expansão medular: alterações ósseas Aumento da eritropoese: inversão da relação mieloide/eritroide Reticulocitose/policromasia Aumento das necessidades de folato: macrocitose

diminui, podendo haver inversão dessa relação. Não é indicado rotineiramente. ... Anemia hemolítico-esferocítica constitucional ou esferocitose congênita (anemia de Minkowski-Chauffard}. É uma doença familial, transmitida como caráter dominante. Há defeito da membrana dos eritrócitos ao nível do citoesqueleto (deficiência de espectrina e de anquirina, na maioria dos casos). Quando as hemácias passam por um local pobre em glicose (o baço, por exemplo), elas modificam-se, tornam-se mais esféricas e são facilmente destruídas, seja no próprio baço ou em outros locais ricos em células macrofágicas. O quadro clínico é variável, havendo desde hemólise grave no período neonatal com kernicterus (infrequente) até casos assintomáticos, o que é mais comum. Cursa com anemia de grau variado, úlceras nas pernas, esplenomegalia, litíase biliar e icterícia quase permanente. A curva de fragilidade osmótica mostra aumento da fragilidade. O teste de Coombs é negativo. Às vezes, ocorre crise aplásica ou "falêncià' da medula óssea. Há o desaparecimento do estado hemolítico após esplenecto• rma . ... Eliptocitose congênita e estomatocitose. São condições raras de natureza constitucional. Na eliptocitose, a anomalia é genética, ligada a genes relacionados com os grupos sanguíneos. Há tipos homozigóticos e heterozigóticos; nos primeiros, a anemia pode ser intensa, com esplenomegalia e icterícia em maior grau. Na estomatocitose os eritrócitos apresentam depressão da membrana, que lembra uma "bocà' (microscopia eletrônica). Tais células podem ser encontradas em várias circunstâncias: alcoolismo, cirrose alcoólica, esferocitose congênita, talassemia, deficiência de glutationa, peroxidase, neoplasias. Por causa desses glóbulos anômalos pode haver hemólise com reticulocitose e icterícia. ... Anemia hemolítica por defidência de glicose-6-fosfato desidrogenase (G-6PD}. A principal funç.ão do eritrócito é o transporte de gases dos pulmões aos tecidos. Sendo a hemácia uma célula anucleada não há síntese proteica. Os processos metabólicos ficam dependentes das vias enzimáticas, sendo o ciclo glutationa o maior agente redutor no eritrócito. Quando ocorre deficiência

I Sistema Hematopoético

enzimática, há aparecimento de anemia hemolítica. A G-6PD é o primeiro passo na via fosfatopentose. Essa condição é a deficiência enzimática, determinada geneticamente, mais comum no mundo. Existem quatro síndromes associadas à deficiência da G-6PD. Em todas elas, a hemólise é agravada ou promovida por infecções ou por ingestão de medicamentos ou de alimentos que promovam estresse oxidativo. A apresentação clínica difere entre si. O episódio hemolítico desencadeado por medicamento ou por alimento costuma limitar-se a certo tempo, pois as células mais velhas são mais sensíveis a taxas baixas de G-6PD. O aparecimento de reticulócitos na circulação, mais ricos em G-6PD, coincide com a melhora da crise hemolítica. O diagnóstico é feito pela dosagem da G-6PD nos eritrócitos. ... Anemia hemolítica por deficiência de piruvatoquinase (PK). É uma doença genética de caráter recessivo. Manifesta-se em crianças por anemia, por esplenomegalia e por um quadro de anemia hemolítica não esferocítica. O diagnóstico é feito pela dosagem da PK nos eritrócitos.

Anemias por alterações da hemoglobina (hemoglobinopatias) As hemoglobinopatias hereditárias são as doenças genéticas mais comuns, tendo apenas um único gene comprometido. Estima-se que cerca de 7% da população mundial seja portadora de uma hemoglobinopatia. Ocorre em alta frequência nos países tropicais e subtropicais e consiste principalmente em síndromes talassêmicas (a e~ talassemias) e hemoglobinopatias S, C e E (e suas associações). Diferentes cadeias de hemoglobina são sintetizadas no embrião, feto e adulto, cada uma adaptada às suas necessidades de oxigênio, no desenvolvimento embrionário até a vida adulta. Todas são formadas por uma estrutura tetramérica, organizadas em dois pares diferentes de cadeia globínica, cada uma delas acoplada a um grupo heme. No indivíduo adulto, a síntese de hemoglobina (Hb) ocorre nos eritroblastos, persistindo até os reticulócitos. HbA e HbA2 são hemoglobinas encontradas normalmente em indivíduos adultos, variando de 96 a 98% para a HbA e 3,0% para a HbA2. A HbF é normal até 1,0%. As mutações nos genes das cadeias globínicas causam redução quantitativa da síntese da hemoglobina (talassemias) ou alterações qualitativas na síntese da hemoglobina (hemoglobinas variantes). ... Doença faldforme ou drepanodtose (hemoglobinopatia SS}. É uma anemia hemolítica crônica hereditária, cuja manifestação clínica surge em decorrência da HbS que polimeriza e que promove a deformação do eritrócito de formato bicôncavo para a forma de foice em situações de baixa tensão de oxigênio. Essa alteração estrutural ocorre devido à substituição de um aminoácido, o ácido glutâmico, por valina, na posição 6 da cadeia ~ da globina. É a mais frequente das hemoglobinopatias. Nos países das Américas é encontrada em indivíduos negros e pardos, nos tipos homozigóticos e heterozigóticos. O quadro clínico relaciona-se com o fenômeno de falcização, que é reversível quando ocorre a reoxigenação da hemoglobina. Mesmo nas hemácias de formato normal, a presença da HbS reduz a capacidade de deformidade e torna o sangue mais viscoso. Episódios repetidos ou prolongados de faleização danificam a membrana progressivamente, com cansequente desidratação intracelular. A alteração da membrana favorece a adesão do eritrócito ao endotélio vascular. Muitos processos contribuem para os fenômenos vasoclusivos, responsáveis pela maioria das manifestações clínicas dessa doença, que resulta em lentificação do fluxo sanguíneo

I Doenças do Sangue

152

devido à redução de óxido nítrico e à consequente vasodilatação, além de aumento da viscosidade sanguínea. As hemácias em foice aderem à parede do endotélio. A adesão é promovida pelos leucócitos, pelas plaquetas ativadas e pelas citocinas inflamatórias. A ocorrência do fenômeno vasoclusivo leva a infarto da área comprometida. Esses infartos são seguidos de fibrose e de calcificação. Isso ocorre particularmente no baço, no qual a rede sinusoidal tem fluxo lento. Devido às oclusões vasculares, ocorrem quadros dolorosos muito intensos. Outra característica clínica é a hemólise crônica, intra e ex:travascular. A fragmentação da membrana favorece a lise mediada pelo complemento, promovendo a hemólise intravascular. A alteração da membrana também leva à fagocitose das hemácias falcizadas pelos macrófagos. As principais manifestações clínicas são: • Anemia, devido à hemólise crônica ou complicada pela exacerbação do processo hemolítico • Fenômenos vasodusivos: manifestam-se por crises dolorosas (musculares, dores abdominais, priapismo) • Alteração no desenvolvimento pôndero-estatural devido à anerma cromca • Infecções recorrentes (asplenia funcional) • Complicações neurológicas, relacionadas com infarto ou com hemorragia cerebral devido aos fenômenos vasoclu•

A





SlVOS

• Complicação pulmonar aguda ou crônica: síndrome torácica aguda (relacionada com os fenômenos vasoclusivos no parênquima pulmonar e/ou infecção e/ou embolia por gordura medular). As complicações crônicas relacionam-se com hipertensão pulmonar • Complicações hepatobiliares: colelitíase, hemossiderose transfusional, hepatite viral (relacionada com as múltiplas transfusões) • Gravidez: perda fetal recorrente por trombose placentária, por retardo do crescimento intrauterino, por aumento da incidência de pré-eclâmpsia • Trombose, geralmente desencadeada por infecções devido à falcização de grande número de eritrócitos. Podem causar necrose de ossos (dedos, cabeça do fêmur), amaurose (oclusão da artéria central da retina), hipoesplenismo (necroses repetidas no baço), infarto do pulmão e do mesentério • úlceras das pernas • Crise de sequestro esplênico (em crianças, o baço armazena grande quantidade de hemácias, causando anemia acentuada e hipovolemia) • Complicação renal: insuficiência renal, hematúria por necrose de papila, proteinúria por lesão glomerular • Insuficiência gonadal. O diagnóstico laboratorial inclui: • Hemograma: anemia hemolítica e presença de drepanócitos no esfregaço • Eletroforese de hemoglobina, que quantifica a hemoglobina S e detecta outras hemoglobinas anômalas • Triagem neonatal • Teste de falcização, útil apenas para triagem da doença, pois não quantifica a quantidade de HbS. No tipo heterozigoto da anemia falciforme (HbAS), o sangue pode ser normal ou pouco alterado. Quando a HbA está presente em pelo menos 50%, o risco de falcização diminui e só existe quando o indivíduo fica submetido a ambientes com tensão de oxigênio muito baixa (exemplo: despressurização no interior de um avião).

1019 Existem outros tipos de hemoglobinopatia (C, D, E, hemoglobinas instáveis ou que produzem metemoglobina), que são mais raras, encontradas em diversas partes do mundo, com quadros clínicos variáveis, cujo diagnóstico depende de estudos laboratoriais específicos. .,. Talassemias. São doenças hereditárias causadas por defeitos genéticos que se traduzem na diminuição ou na ausência da síntese de cadeias globínicas ex ou ~· Os dois tipos mais frequentes são a ex-talassemia e a ~-talassemia. Tipos raros podem ser encontrados. A maioria das talassemias tem herança mendeliana. Os indivíduos heterozigotos são em geral assintomáticos. Os homozigotos para ex ou ~-talassemia são sintomáticos. Pode haver associação a outra hemoglobina anômala. Clinicamente são classificadas em major, intermediária ou minor. A talassemia major é grave e necessita de transfusões. A intermediária apresenta anemia, com ou sem esplenomegalia, enquanto a minor (ou traço) é assimtomática. Alfatalassemia. Nessa talassemia, um ou mais genes podem estar ausentes, resultando em apresentações diferentes da doença • Todos os quatro genes (ex2, ~ 2 ) estão ausentes. Há incompatibilidade para a vida, ocorrendo hidropisia fetal (morte in utero). A Hb presente no sangue é, principalmente, de tipo ex4 (Hb Bart's), com pequena quantidade de ~ 4 (HbH) • Três dos quatro genes estão faltando. Esse tipo é denominado hemoglobinopatia H . Corresponde a um tetrâmero de cadeias ~ (~ 4 ) que facilmente se precipita formando corpúsculos de Heinz no interior dos eritrócitos. A eletroforese de Hb mostra HbH como o tipo de Hb de mais rápida migração • Talassemia a 0• Há dois genes alterados. Também é denominada alfatalassemia 1. Pode haver HbH ou Hb Bart's nos eritrócitos • Talassemia ex 1• É uma apresentação muito discreta na qual o número de eritrócitos não é baixo. Os portadores desse tipo são "portadores silenciosos': Há deleção de um único gene. Alguns têm Hb Bart's ao nascimento. Há apresentações de talassemia a em que a cadeia a apresenta também variação estrutural, como a HbCS (Constant

Springer). Betatalassemia. Nesses casos, há desequih'brio na formação das cadeias globínicas com diminuição de cadeias ~ e excesso de cadeias ex. As cadeias de ex-globina são instáveis e precipitam no interior dos eritroblastos, o que interfere na maturação. Essa alteração leva à destruição intramedular dos precursores eritrocíticos (eritropoese ineficaz). A degradação dos componentes da cadeia globínica leva à alteração da membrana e à alteração da deformidade celular, o que contribui para o processo hemolítico. Ocorre estímulo à produção de eritropoetina com consequente expansão da medula óssea. Os ossos do crânio e os ossos longos são afetados. Entretanto, se a anemia for corrigida por transfusões, a eritropetina é normalizada, as alterações esqueléticas não ocorrem e a esplenomegalia é menos marcada. A betatalassemia pode ser dividida em dois tipos: (1) ~ -talassemia: há ausência total de cadeias beta (ou totalmente não funcionantes); e (2) ~ 1 -talassemia: há diminuição da síntese de cadeias beta. Betatalassemia major ou anemia de Cooley. Geralmente são homozigotos (~ ~ ). Clinicamente, observam-se palidez acentuada, icterícia, hipodesenvolvimento ponderai e psíquico; hepato e esplenomegalia, alterações ósseas (crânio e face), alterações endócri0

0

0

1020 nas (hipogonadismo ), manifestações cardíacas, lesão hepática, hemossiderose (por transfusões repetidas) e colúria. Atualmente, com a instituição do tratamento precoce, tem-se observado de maneira mais leve as alterações ósseas e as em decorrência da hemossiderose transfusional. Hematologicamente, nota-se Hb muito baixa com contagem de eritrócitos geralmente elevada, hipocromia, microcitose, esferocitose, hemácias "em alvo~ eritroblastos em circulação, corpúsculos de Howell-Jolly. Tipos intermediários da betatalassemia. Os portadores são heterozigotos. Há anemia discreta ou moderada. Hepato e esplenomegalia estão ausentes. O sangue mostra hipocromia ligeira, persistente, com microcitose discreta e, mais raramente, microcitose. Ocorre aumento de HbA2 e HbF, em geral. Tais indivíduos têm um gene normal e um gene (3-talassêmico (f3W ou (f3f3 1). Talassemia por persistênáa da hemoglobina fetal. A produção de cadeias 'Y persiste no adulto, formando-se a HbF (a 2 'Y2 ) . Há apresentações homozigotas e heterozigotas. As primeiras apresentam poliglobulia (a afinidade da HbF pelo 0 2 é maior), enquanto as outras são assintomáticas. .,.. Anemia sideroblástica. Essa denominação corresponde a um conjunto de situações em que há anemia de tipos hipocrômico e microcítico e depósito de Fe no interior dos eritroblastos da medula óssea (sideroblastos). Os grãos de ferro podem circundar o núcleo do eritroblasto, formando o sideroblasto "em anel". O Fe no citoplasma dessas células é corado pela reação de Perls. Esse acúmulo de ferro deve-se à alteração da síntese do heme e à síntese deficiente de hemoglobina. Clinicamente, predominam sintomas de anemia crônica. Hematologicamente, observam-se: (1) sangue: eritrócitos hipocrômicos, microcíticos ou normocrômicos; policromasia; (2) medula óssea: sideroblastos e sideroblastos "em anel': Eritroblastos mostram sinais de dificuldade de maturação. A anemia sideroblástica pode ser de dois tipos: congênita e adquirida. A anemia sideroblástica congênita ocorre em indivíduos masculinos, mas é transmitida pelo sexo feminino (ligada ao sexo). A anemia sideroblástica adquirida será discutida juntamente com a síndrome mielodisplásica. .,.. Hemoglobinúria paroxística noturna. Hemoglobinúria paroxística noturna (HPN) é uma anemia hemolítica crônica adquirida, rara e de curso clínico extremamente variável. Apresenta-se frequentemente com infecções recorrentes, com neutropenia e com trombocitopenia; surge em associação a outras doenças hematológicas, especialmente com síndromes de falência medular, como anemia aplásica e síndrome mielodisplásica. É considerada ainda um tipo de trombofilia adquirida, apresentando-se com tromboses venosas variadas, com especial predileção por trombose de veias hepáticas e intra-abdominais, sua maior causa de mortalidade. A tríade anemia hemolítica não imune, pancitopenia e trombose faz da HPN uma síndrome clínica única, que deixou de ser encarada como simples anemia hemolítica adquirida para ser considerada um defeito mutacional clonal da célula-tronco hematopoética. A mutação ocorre no gene da fosfatidilinositolglicana classe-A e resulta no bloqueio precoce da síntese de âncoras de glicosilfosfaditilinositol (GPI), responsáveis por manter aderidas à membrana plasmática dezenas de proteínas com funções específicas. Assim, na HPN, há aumento da suscetibilidade de lise dos eritrócitos ao complemento, causando hemólise.

Parte 12

I Sistema Hematopoético

O quadro clínico caracteriza-se por colúria, em geral pela manhã, por anemia hemolítica, por icterícia, por febre (se houver infecção) e por esplenomegalia discreta. Podem ocorrer fenômenos trombóticos, preferencialmente no cérebro e nas vísceras abdominais, responsáveis por cefaleia intensa, náuseas, vômito e cólicas abdominais. No exame hematológico, destaca-se a anemia sem esferocitose. A reticulocitose pode estar presente ou não. Há tendência para leucopenia e para plaquetopenia. Outros testes incluem: • Ferro sérico diminuído pela perda quase permanente de hemoglobina e de hemossiderina pela urina • Reação de Perls na medula óssea negativa pela ausência do ferro de depósito • Reação de Perls positiva na urina • O exame da medula óssea é variável. Pode haver hiperplasia, normocelularidade ou até aplasia medular • Teste de Ham (teste da hemolisina ácida) positivo, observando-se lise de hemácias incubadas com soro humano compatível em meio ácido (pH 6,5). Este teste apresenta especificidade de 100%, porém pouca sensibilidade, por isso é pouco utilizado nos dias atuais • Pesquisa do clone HPN por citometria de fluxo é o exame padrão-ouro, pois avalia a expressão das proteínas ancoradas pela GPI com altas sensibilidade e especificidade. A porcentagem de células com deficiência de proteínas GPI-ancoradas é reflexo direto do clone HPN.

.,.. Porfirias. São um grupo de doenças raras, adquiridas ou congênitas em que há perturbação na síntese do heme. Há vários tipos de porfiria. A que se relaciona com o sistema hematopoético é chamada porfiria eritropoética congênita. Nessa doença há um erro metabólico com produção, pelos eritroblastos da medula óssea, de excesso de porfirina. Há anemia hemolítica, normocrômica e normocítica, esplenomegalia, hirsutismo e dentes avermelhados (eritrodontia). Os doentes têm tendência à fotossensibilização. Quando a pele recebe os raios solares diretamente, formam -se bolhas. Esse quadro pode ser muito grave, causando necrose das extremidades com mutilações. Há formas homozigotas e heterozigotas.

Anemias hemolíticas adquiridas São divididas em duas categorias, dependendo do mecanismo que provoca a destruição prematura dos eritrócitos. São classificadas em imunológicas e não imunológicas. Nas anemias hemolíticas imunes, os autoanticorpos são os principais agentes de destruição. .,.. Anemias hemolíticas imunológicas. São causadas por anticorpos ou por medicamentos. Os anticorpos podem ser produzidos pelo próprio sistema imunológico e direcionados contra epítopos da membrana dos eritrócitos ou podem ser aloanticorpos. Estes são produzidos pelo paciente e dirigidos contra antígenos estranhos ao paciente. Também podem ser produzidos após exposição a antígenos eritrocitários não próprios (aloimunização materna, transfusão sanguínea). O Quadro 152.6 mostra a classificação das anemias hemolíticas adquiridas. Tipicamente, as anemias hemolíticas imunes e não imunes são diferenciadas pelo achado do anticorpo na superfície eritrocitária. As anemias hemolíticas imunológicas são definidas como patologias nas quais ocorre destruição precoce dos eritrócitos mediada por autoanticorpos fixados a antígenos da membrana eritrocitária. Essa fixação imune desencadeia uma série de reações em cascata que culmina com a lise dessas células (hemó-

152

I Doenças do Sangue

Quadro 152.6 Tipo do antígeno Autoimune

Aloimune

1021

aassificação das anemias hemolrtlcas adquiridas. Anticorpo

Doença

Assoáações

Anticorpo quente

Primária Secundária

ldiopática Colagenoses (LES etc.) Doença linfoproliferativa Infecções (EBV) Císto de ovário Câncer Substâncias

Anticorpo frio

Doença hemaglutinina fria Síndrome do anticorpo frio Hemoglobinúria paroxística ao frio Reação hemolítica transfusional Doença hemolítica do recém nascido Pós-transplante de medula óssea Anticorpo mediado por macrófago Anticorpo mediado pelo complemento Modificação da membrana

DonathLandsteiner Induzido por antígenos eritrocitários

Dependente de fármacos

Infecções, doenças linfoproliferativas Sífilis, após doença vira I

lise intravascular) e/ou com fagocitose pelo sistema macrofagocítico (hemólise extravascular). Esses anticorpos são detectados por meio do teste da antiglobulina ou do teste de Coombs. Eles podem ser detectados no soro (teste de Coombs indireto) ou nos eritrócitos (teste de Coombs direto) dos pacientes. São, em geral, imunoglobulinas de tipo IgM ou IgG (raramente IgA). Os anticorpos IgG reagem a 37°C, ligando-se à membrana dos eritrócitos na circulação (anticorpos "quentes"). A hemólise é principalmente extravascular, sem presença de complemento, embora possa ocorrer hemólise intravascular mediada pelo complemento. Os eritrócitos cobertos pela IgG são destruídos preferencialmente no baço. O grau de anemia irá depender da taxa de destruição e da velocidade de reposição pela medula óssea. A anemia hemolítica autoimune (AHAI) pode ocorrer com ou sem associação a outra doença de base. Nesses casos, as doenças mais comuns são LES, artrite reumatoide, doença linfoproliferativa ou exposição a medicamentos. Em muitos casos, a especificidade do anticorpo não pode ser determinada. Normalmente, os autoanticorpos mostram reatividade a vários antígenos e não são específicos como os aloanticorpos. Os anticorpos tipo IgM são quase sempre reagentes a baixas temperaturas (abaixo de 37°C) e não costumam se ligar à membrana dos eritrócitos circulantes (anticorpos "frios"). Podem fixar-se aos eritrócitos quando eles circulam nas regiões periféricas, portanto mais frias, do corpo. Causam hemólise menos intensa. Na anemia hemolítica autoimune por anticorpos quentes, a sintomatologia é a de uma síndrome hemolítica com anemia, com icterícia, com febre e com colúria. Adenomegalia e

hepatoesplenomegalia são frequentes se associadas a doenças linfoproliferativas. No sangue são encontrados esferócitos e reticulócitos. As plaquetas podem estar diminuídas, determinando a síndrome de Evans, caracterizada por anemia hemolítica e por plaquetopenia. A anemia hemolítica autoimune por anticorpos frios tem melhor prognóstico do que a anemia por anticorpos quentes. Pode ser aguda, associada à pneumonia e à mononucleose infecciosa ou crônica associada ao linfoma. Nas anemias hemolíticas por iso ou aloanticorpos, os anticorpos originam-se após uma sensibilização prévia, em geral gestações prévias ou transfusões. A doença hemolítica do recém-nascido ocorre quando aloanticorpos maternos dirigidos contra antígenos eritrocitários do feto são produzidos após a exposição a eritrócitos incompatíveis durante a gestação ou transfusão prévia. Uma grande variedade de aloanticorpos eritrocitários está envolvida na doença hemolítica do recém-nascido (DHRN); entre eles podemos citar: anticorpos anti-D, anti-C (rhesus), anti-Kl (Kell) ou anti-Fy (Duffy). As isoemaglutininas IgG ABO que ocorrem sem exposição prévia podem causar DHRN, mas em geral não trazem risco ao feto. A doença pode ter aspecto grave ou moderado. Na apresentação menos grave, há anemia e icterícia acentuada e progressiva com aumento de bilirrubina indireta, o que pode impregnar o sistema nervoso central (kernicterus). No sangue do feto observa-se anemia com eritroblastos em grande número (eritroblastose) e o teste da antiglobulina direta é positivo. Nas anemias hemolíticas imunológicas associadas a medicamentos, estes podem provocar anemia hemolítica por vários . mecanismos: • Formação de imunocomplexo constituído de um complexo anticorpo-fármaco-proteína plasmática. O anticorpo e o complemento atacam e lisam a hemácia. O teste de Coombs é positivo. Exemplos: quinina e fenacetina. O anticorpo é IgM • O fármaco fixa-se ao eritrócito e o anticorpo presente no plasma atua sobre ele. O teste de Coombs é positivo. Exemplo: penicilina (anticorpo IgG) • Há modificações da membrana do eritrócito pelo fármaco. Exemplo: cefalotina (anticorpo IgG) • O tipo de anemia é semelhante à autoimune idiopática. O fármaco não toma parte na reação, mas leva à "indução" da reação imune. Exemplo: alfametildopa (anticorpo IgG).

.,.. Anemias hemolíticas extracorpusculares não imunológicas. Nelas se agrupam as anemias causadas por destruição aumentada dos eritrócitos que apresentam modificações de membrana, provocadas por mecanismos não imunológicos, que levam à destruição intravascular das células. Além da hemólise intravascular, as hemácias alteradas são fagocitadas pelos macrófagos teciduais, principalmente os localizados no baço. Essas anemias são produzidas por infecções e por causas .. . mecan1cas. Infecções pelo plasmódio (malária). A anemia é devida a vários mecanismos: • mecânico: o parasito causa a ruptura das células parasitadas • aumento da fagocitose (por macrófagos esplênicos) das hemácias não parasitadas, mas lesadas anteriormente (mecanismo de pitting). O hiperesplenismo contribui para a anemia

1022 • hemólise intramedular • mecanismo imunológico associado • hemólise causada pelo antimalárico usado no tratamento. Outras infecções: Clostridium welchii, Haemophilus influenzae, Mycobacterium tuberculosis e Toxoplasma gondii também podem provocar anemia hemolítica. Causas mecânicas. Alteram a morfologia das hemácias, tomando-as mais frágeis com diminuição da sobrevida • • • •

Válvulas cardíacas artificiais Microangiopatias Síndrome hemolítico-urêmica Hemólise dos corredores de longa distância (hemoglobinúria pela marcha) • Coagulação intravascular disseminada. A Figura 152.4 mostra um algoritmo para a investigação laboratorial de anemia hemolítica.

• Doenças da linhagem leucocitária Os neutrófilos originam-se de uma célula precursora hematopoética pluripotente sob a influência de citocinas, principalmente G-CSF (fator estimulador de colônias de granulócitos) e GM-CSF (fator estimulador de colônias de granulócitos/monócitos), os quais induzem um intrincado programa transcricional que leva à maturação morfológica e à expressão de genes específicos dos neutrófilos. Os neutrófilos são células altamente especializadas mediando ambos os processos inflamatório e antimicrobiano. Circulam na corrente sanguínea por 3 a 6 h atendendo uma demanda em resposta a estímulos periféricos, podendo aumentar em número rapidamente em resposta à infecção bacteriana aguda ou fúngica ou a processos inflamatórios. Portanto, a regulação do número de neutrófilos e a integridade do programa de maturação são críticos na homeostase. A interrupção de qualquer desses mecanismos pode levar ao aparecimento de sérias patologias. O processo complexo de diferenciação torna o neutrófilo capaz de múltiplas funções, incluindo adesão à parede vascular, transmigração, morte oxidativa e secreção de grânulos. A cessação de qualquer desse processos complexos pode interromper de maneira crítica a resposta imune inata. As afecções da linhagem leucocitária podem ser de origem maligna e não maligna.

Alterações leucocitárias não malignas As alterações não malignas são reacionais ou anomalias de origem constitucional, genética. Nas do tipo reacional, incluem-se as modificações que ocorrem no sangue e na medula óssea em algumas doenças infecciosas ou inflamatórias. Os leucócitos modificam-se quantitativa e qualitativamente como resposta à ação de agentes bacterianos, virais, parasitários ou químicos que atingem a medula óssea e os demais órgãos hemopoéticos. Compreendem as leucopenias e as leucocitoses. ~ leucopenias. Referem-se à diminuição do número total de leucócitos do sangue periférico (leucometria). Os valores normais para o adulto, em números absolutos, variam de acordo com a fonte pesquisada. De um modo geral, temos 4,5 a 11 x 109/f para ou leucócitos; neutrófilos: 1,8 a 7,7 x 109/l ; linfócitos: 1 a 4,8 x 109/l ; eosinófilos: 0,2 x 109/l ; e monócitos: 0,3 x 109/l . A neutropenia (diminuição do número de granulócitos) é definida pela diminuição do número absoluto de neutrófilos

Parte 12

I Sistema Hematopoético

(ou granulócitos) para abaixo de 1,5 a 1,8 x 109/l ou 1.500 a 1.800/mm3• Idade, raça, meio ambiente e outros fatores podem influenciar o número de granulócitos. É classificada em discreta, moderada e grave, de acordo com o número de neutrófilos (entre 1.500 e 1.000, entre 1.000 e 500 e< 500/mm3, respectivamente). Quando o número de neutrófilos está abaixo de 500/mm3, o paciente torna-se vulnerável a infecções bacterianas. O termo agranulocitose é usado para as apresentações mais graves, em geral < 100/mm3 • As causas incluem medicamentos (antibióticos, antitérmicos e anti-inflamatórios), agentes químicos, agentes infecciosos, radiação ionizante, mecanismos imunológicos, síndromes de falência medular e doenças hereditárias. As infecções são as causas mais comuns de neutropenia adquirida. As mais comumente associadas à neutropenia são: virais (EBV, influenza, sarampo, CMV, hepatites virais, AIDS), toxoplasmose, brucelose, febre tifoide, tuberculose, malária, dengue, riquetsiose e babesiose. Os antitireoidianos, a procainamida e os macrolídios estão entre os medicamentos mais comumente relacionados no processo de neutropenia. A eosinopenia está associada à infecção bacteriana, à administração de corticosteroides, à hipogamaglobulinemia, ao estresse físico e ao timoma. O Quadro 152.7 mostra as causas mais frequentes de neutropenia. ~ leucocitose. Trata-se do aumento do número de leucócitos, acima dos valores normais. Pode ser de tal ordem que se confunde com um quadro de leucemia. É a chamada reação leucemoide. De maneira prática, a leucocitose tradicionalmente é classificada de acordo com o componente celular que contribui para a leucocitose. Por exemplo, se o aumento é devido aos linfócitos, denomina-se linfocitose. Se o aumento é devido a neutrófilos, neutrofilia ou neutrocitose. Se observarmos aumento de células mais jovens, denomina-se desvio à esquerda (bastonetes, meta-

Quadro 152.7

Causas de neutropenla.

I. Diminuição da produção de granulócitos na medula óssea Tóxica: medicamentos, irradiação Infecção: vírus, bactérias, protozoários Imunológica: lesão do estroma medular Nutricional: avitaminose, desnutrição crônica Substituição das células normais da medula óssea: leucemias, linfomas, mielofibrose, metástases neoplásicas Congênita: neutropenia familial, anemia de Fanconi, imunodeficiência Controledefeituoso da granulocitogênese: neutropenia cíclica Doenças adquiridas de patogenia pouco precisa: hemoglobinúria paroxística noturna, colagenose, cirrose hepática 11. Alteração da maturação dos granulócitos na medula óssea Tóxica: medicamentos Nutricional: avitaminose, desnutrição crônica Congênita: neutropenia familíal 111. Aumento da destruiçãodos granulócitos na circulação Tóxica: medicamentos Imunológica: leucoaglutininas, leucolisinas, isoimunização Hipersequestração: em medula óssea, baço, pulmão, fígado IV. Condições especiais Neutropenia cíclica Síndrome de Felly

152

I Doenças do Sangue

mielócitos, mielócitos etc.). No caso do aumento de eosinófilos, dizemos eosinofilia ou eosinocitose; de basófilos, basofilia ou basocitose; de monócitos, monocitose. Essas alterações podem ocorrer de forma isolada ou em combinação entre elas. A neutrocitose é classificada em quatro categorias, de acordo com o mecanismo que causou o aumento, incluindo a produção, a diminuição da saída do espaço vascular (demarginação), o aumento da mobilização do pool de estoque medular e a redução da marginação tecidual. De maneira geral, as causas não malignas de leucocitose estão associadas a infecções, inflamações, reações alérgicas, doenças hereditárias ou a outras causas, embora possa estar relacionada com processos fisiológicos, tais como exercícios físicos ou estresse. A causa mais comum da leucocitose é infecção bacteriana. Entre os processos inflamatórios, a doença inflamatória do intestino, a artrite reumatoide e as vasculites (síndrome de Kawasaki), são os mais comuns. O carbonato de lítio, a carbamazepina, a fenitoína, o fenobarbital, os corticosteroides e a heparina são medicamentos descritos que podem causar leucocitose. Entre outras condições, podemos citar: hipoxia, esplenectomia e trauma. A eosinocitose é observada em resposta a reações alérgicas e à hipersensibilidade a medicamentos e infecções parasitárias. São também descritas como causas a dermatite herpetiforme, o pênfigo e o eritema multiforme. A monocitose é observada em infecções bacterianas, tais como tuberculose, endocardite bacteriana sub aguda e brucelose. A sífilis e outras infecções por protozoários também são descritas como responsáveis por monocitose. Entre outras causas são arroladas sarcoidose, LES, artrite reumatoide e retocolite ulcerativa. A linfocitose pode ser fisiológica em crianças. As infecções virais em geral causam linfocitose com ou sem neutropenia. Entre as viroses que mais comumente é observada a linfocitose, podemos citar a mononucleose, a citomegalovirose, as hepatites infecciosas e a infecção pelo vírus sincicial respiratório. Denominam-se anomalias leucocitárias certas condições em que essas células apresentam morfologia diferente da normal. Essas anomalias incluem doenças em que a função celular está comprometida em razão de defeitos na composição enzimática das granulações leucocitárias. Isso propicia o aparecimento de infecções graves e a morte prematura (Quadros 152.8 e 152.9). Outras vezes, embora os granulócitos tenham morfologia normal, eles apresentam alterações funcionais. São exemplos disso a "síndrome do leucócito preguiçoso" e a doença de Chédiak-Higashi, nas quais se observa diminuição da capacidade dessas células de eliminar microrganismos. Na doença granulomatosa crônica, ligada ao sexo, há deficiência na geração de H 20 2 pelas células granulocíticas, o que também reduz sua função. A anomalia na capacidade de adesão ao endotélio ou a alteração da estrutura proteica das membranas celulares pode ser responsável por defeitos funcionais. O Quadro 152.10 mostra as principais causas de neutrocitose.

Alterações leucocitárias malignas Abrangem processos proliferativos de vários tipos celulares nos quais existem alterações na proliferação e na diferenciação celular. Essas neoplasias da linhagem hematopoética são divididas de acordo com a linhagem acometida e o grau de diferenciação celular.

1023 Caracterfsticas morfológicas, genéticas edrnicas das anomalias leucocitárias autossômicas dominantes. I. Anomalia de Pelger-Huet 1. Falta de segmentação nuclear dos segmentos neutrófilos + aumento de condensação da cromatina nuclear dos polimorfonucleares, linfócitos e monócitos 2. Transmissão: autossômica dominante Formas: a) homozigótica - os pais são heterozigóticos. Muito rara b) heterozigótica - é a mais comum c) portador parcial 3. Função neutrofnica normal 4. Malformações ósseas e do SNC só em homozigóticos. 11. May-Hegglin

1. Granulações azurófilas no citoplasma dos granulócitos e monócitos, contendo RNA 2. Alterações plaquetárias 3. Inclusões semelhantes aos corpúsculos de Dõhle das infecções. 111. Hipersegmentação constitudonal dos neutrófilos

Transmissão autossômica dominante Forma: heterozigótica e homozigótica (muito rara). IV.Gigantismo dos segmentados neutrófilos Transmissão autossômica dominante.

A classificação da OMS estratifica as neoplasias inicialmente de acordo com a linhagem celular em linfoide, mieloide e em dendríticalhistiocítica, sendo postulado um correspondente normal para cada uma das neoplasias. As neoplasias de células precursoras Oeucemias agudas) são consideradas separadamente das neoplasias mais maduras ou diferenciadas (neoplasias mieloproliferativas, mieloprolife-

Caracterfsticas morfológica edrnicas das anomalias leucocitárias autossômicas recessivas. I. Anomalia de Alder-Reilly 1. Granulações abundantes, azurófilas, nos granulócitos (tipo neutrofnico), ou nos linfócitos (tipo linfoático), e/ou monócitos (tipo monodtico) contendo mucopolíssacarídios acumulados por falha enzimática (erro metabólico) 2. Conservação aparente da função leucocitária; quadro clínico: osteoarticular, ocular, cardíaco e manifestações neurológicas mais ou menos graves 11. Anomalia de Chédiak-Higashi-Steinbrinck

1. Granulações primárias grosseiras, peroxidase-positivas, nos granulócitos, linfócitos, monócitos e células jovens da medula óssea (alterações lisosômicas) 2. Maior suscetibilidade às infecções bacterianas, albinismo, adenohepatoesplenomegalía, neuropatias e hemorragias (raras) 3. Adoença pode ser leve em heterozigotos (pais e parentes próximos) 111. Anomalia de Alius-Grignaschi

1. ~um defeito de peroxidase dos neutrófilos (primário) e monócitos (secundário) 2. Todos os portadores são homozigotos e não há quadro clínico patológico IV. Anomalia de Jordan 1. Vacúolos gordurosos citoplasmáticos nos granulócitos e raramente em monócitos e linfócitos 2. Relatos de doença degenerativa muscular progressiva

1024

Parte 12 Causas mais frequentes de granulocitose (neutrofilias, eosinofilias, basofilias).

I. Neutrofilias Fisiológicas: digestão, gravidez, estresse, exercício físico, tabaco Agentes físicos: calor, frio, convulsões, vômitos Emoções: medo, ansiedade, raiva, alegria Infecções: bactérias, vírus, parasitos, fungos Inflamações: febre reumática, artrite reumatoide, miosite, nefrite Neoplasias: carcinomas,linfomas, sarcomas Alterações metabólicas Hemopatias: anemias (hemorrágica, hemolítica), leucemia mieloide crônica, síndromes mieloproliferativas Medicamentos: hormônio (corticosteroide) 11. Eosinofilias Parasitoses: toxoplasmose, ascaridíase, estrongiloidíase, esquistossomose, ancilostomose, triquinelose Alergia: asma, febre do feno Dermatites: eaema, psoríase, pênfigo Síndromes de hipereosinofilía: poliarterite nodosa, Loeffler, eosinofilia tropical, síndrome hipereosinofnica Distúrbios gastrintestinais: colite ulcerativa Hemopatias: micose fungoide, linfomas, leucemia eosinófila, leucemia mieloide • • cronrca 111. Basofilias Hipersensibilidade: medicamentos, alimentos, eritrodermia Síndromes mieloproliferativas: leucemia mieloide crônica, leucemia basofnica, mielofibrose

rativas/mielodisplásicas, síndromes mielodisplásicas e neoplasias de células B, Te NK). As neoplasias de células maduras são estratificadas de acordo com características biológicas (mieloproliferativa com hematopoese ineficaz versus mielodisplásicas com hematopoese ineficaz) e com características genéticas. Entre as neoplasias maduras da linhagem linfoide, as doenças são listadas de acordo com a apresentação clínica (disseminada, extranodal, indolente e agressiva) e, de certo modo, com o estádio de diferenciação, quando ele puder ser postulado.

Leucemias agudas As leucemias agudas são neoplasias malignas do tecido hematopoético, cujas células perderam sua capacidade de se diferenciar, permanecendo em estádio precursor ou imaturo, também chamado de blastos. Por manter preservada sua capacidade de proliferação, essas células se acumulam na medula óssea causando inibição da hematopoese normal (síndrome de falência medular) e consequente redução, principalmente, nas células das linhagens eritrocítica, granulocítica e megacariocítica. Os sintomas são decorrentes da redução da taxa de hemoglobina, da neutropenia e/ou da plaquetopenia, de parâmetros que dependem do grau de infiltração medular, bem como da intensidade com que os blastos infiltram outros órgãos. Em geral, as leucemias agudas manifestam -se por sintomatologia inicial quase constante de palidez, de hemorragias e de febre. São doenças graves, de início súbito e evoluem rapidamente para morte quando não tratadas. Podem ser divididas em leucemias agudas da linhagem linfoide (11A) e leucemias agudas da linhagem mieloide (1MA).

I Sistema Hematopoético

As leucemias agudas incidem em qualquer fase da vida. Entretanto, as 11A são mais frequentes na infância entre 2 e 1O anos e no adulto acima de 40 anos. As 1MA ocorrem em qualquer idade e sua incidência aumenta com a idade, sendo incomuns em crianças. As leucemias linfoides agudas têm prognóstico melhor do que as mieloides, especialmente quando acometem crianças e são tratadas precocemente. Nas leucemias linfoides agudas, os órgãos linfoides, como linfonodos e baço, aumentam de volume com maior frequência do que nas leucemias mieloides agudas. As leucemias mieloides agudas que incidem em adultos têm má evolução e respondem de maneira menos favorável ao tratamento.

Classificação das leucemias agudas As leucemias agudas mieloides podem apresentar células que correspondem às diversas etapas de diferenciação da célula-mãe, pluripotente, da medula óssea. A célula blástica, ou precursora, na leucemia, alcança certo grau de diferenciação e tende a se perpetuar nessa fase por distúrbio de maturação que caracteriza a leucemia aguda. As células muito indiferenciadas (stem cells) não têm morfologia reconhecida como própria, sendo denominadas hemocitoblastos. Tais células, quando se diferenciam para a linhagem granulocítica, já têm estruturas citoplasmáticas bem-definidas, o que possibilita classificá-las como sendo dessa linhagem. Outras células blásticas, como os linfoblastos, os pró-eritroblastos, os megacarioblastos e os monoblastos, também são reconhecidas pelas estruturas características de cada linhagem celular. Em 1976, um grupo de hematologistas franceses, americanos e ingleses reviu a morfologia das células blásticas presentes nas leucemias agudas, do que nasceu a classificação FAB (French-American-British), usada internacionalmente desde então. Segundo essa classificação, para o diagnóstico de leucemia aguda é necessário o encontro de 30% ou mais de blastos na medula óssea. Excetuam-se os casos de leucemia mieloide aguda do subtipo M3 (1MA-M3), em que as células neoplásicas estão diferenciadas em promielócitos, para os quais não foram definidos percentuais. Nos casos em que os blastos mieloides estão em percentual variável, mas inferiores a 30%, assim como a porcentagem de eritroblastos (maior que 50%), foram incluídos no grupo das síndromes mielodisplásicas. A classificação FAB divide as leucemias agudas em mieloides e linfoides. As mieloides subdividem-se em oito tipos MO e M1 a M7 -,enquanto as linfoides se classificam em três tipos- Ll, 12 e 13. Nos Quadros 152.11 e 152.12 estão descritas as características citológicas e citoquímicas dos blastos e das demais células predominantes em cada tipo. Os dados morfológicos e as reações citoquímicas nem sempre são suficientes para definir o tipo ou a natureza das células proliferantes das leucemias mieloides e/ou linfoides. Atualmente, é indispensável a pesquisa por citometria de fluxo de marcadores específicos das várias etapas de diferenciaç.ã o celular, tanto da linhagem mieloide como da linfoide, usando para isso anticorpos monoclonais (imunofenotipagem) (ver o Capítulo 151, Exames Complementares). Em 1985, a classificação FAB foi revista pelo mesmo grupo de hematologistas, ocasião em que foi proposta a biopsia de medula óssea como exame de rotina no diagnóstico das leucemias mieloides agudas, indicada principalmente nos casos em que não são obtidas células pelo aspirado de medula. Em 1986 e em 1988 ocorreram mais duas reuniões do grupo FAB para reavaliação das classificações das leuce-

152

I Doenças do Sangue

1025

Classificação da OMS para as leucemlas agudas das linhagens linfoide e mieloide. lMA com anormalidades recorrentes (translocações balanceadas/inversões) lMA com t(8;21 )(q22;q22) lMA com inv16(p13;q16) ou t(16;16)(p13.1;q22); CBFB-MYH11 leucemia promielocítica aguda com t(15;17)(q22;q12); PMl-RARA lMA com t(9;11 )(p22;q23); MLLT3-Mll lMA com t(6;9)(p23;q34); DEK-NUP214 lMA com inv(3)(q21;q26.2) ou t(3;3)(p21;q26.2); RPN1-EVI1 lMA (megacarioblástica) com t(1 ;22)(p13;q13); RBM15-MKl1 lMA com mutações genéticas (FLT3, NPM1, CEBPA) l MA com alterações relacionadas com amielodisplasia Evolução de síndrome mielodisplásica (SMD) Com antecedente de SMD, anormalidades citogenéticas relacionadas com aSMD e displasia multilinhagem lMA reladonada com aterapêutica (lMA-t) Tratamento prévio com agentes alquilantes, radioterapia, inibidores de topoisomerase eoutros. leucemia aguda de linhagem ambígua leucemia aguda in diferenciada leucemia aguda de fenótipo misto com t(9;22)(9q34;q11.2); BCR-ABl1 leucemia aguda com t(v;11q23); rearranjo Mll leucemia aguda defenótipo misto B, mieloide, não categorizadas de outra forma (NOS) leucemia aguda de fenótipo misto T, mieloide, não categorizadas de outra forma (NOS) lMA não categorizadas de outra forma (NOS) -Classificação FAB

Tipo de célula leucemia mieloide aguda com diferenciação ' . m1mma leucemia mieloide aguda sem maturação

FAB MO

leucemia mieloide aguda com maturação leucemia mielomonocítica aguda leucemia monoblástica emonocítica aguda

M2 M4 MS

leucemia eritroblástica aguda leucemia megacarioblástica aguda leucemia basofílica aguda

M6 M7 FAB não aplicável;

Panmielose aguda com mielofibrose

FAB não aplicável; casos sem critérios para LMA relacionada comSMD

M1

mias agudas linfoides e mieloides. A partir de então, essas leucemias passaram a ser classificadas de acordo com critérios morfológico (M), imunológico (I) e citogenético (C). Tratam-se das classificações MIC dos tipos linfoides e mieloides de leucemia. Em 1995, o grupo EGIL (grupo europeu para a classificação imunológica das leucemias) definiu que, além dos critérios morfológicos, alguns subtipos de leucemias agudas da linhagem mieloide deveriam ser diagnosticados somente após a realização da imunofenotipagem. São os subtipos MO, em que os blastos apresentam reação citoquímica negativa para a enzima peroxidase, mas ela é detectada por citometria de fluxo com a pesquisa intracitoplasmática da mieloperoxidase (MPO). Os outros subtipos são a LMA-M6 e a LMA-M7, nas quais os blastos são marcados para a linhagens eritrocítica e megacariocítica, respectivamente. Nas leucemias agudas das linhagens linfoide B, são identificadas etapas de diferenciação intralinhagem, sendo classificadas de acordo com a presença do antígeno CDIO (calla) e da cadeia pesada f.L (IgM) das imunoglobulinas em citoplasma (estádio pré-B) (Figura 152.5). Nas leucemias agudas da linhagem linfoide T, da mesma forma, são identificadas etapas de diferenciação intralinhagem. Elas são classificadas de acordo com a presença dos antígenos CD3, CD7, CD2, CD5, CDla e das cadeias alfa e beta do receptor de células T (TCRaf3 e TCR-yõ). A classificação vigente para as leucemias agudas é a proposta pelaOMSem2008 (Quadro 152.12).Alémdoscritériosdemorfologia da classificação do grupo Franco-Americano-Britânico (FAB) e imunológicos (EGIL), foi incorporada a informação genética (anormalidades recorrentes), e, ainda, nos casos de leucemia aguda da linhagem mieloide (LMA), se ela tem origem primária (LMA de novo) ou se evoluiu de uma síndrome mielodisplásica. Para o diagnóstico das leucemias agudas, deve-se considerar os dados clínicos, o hemograma, o mielograma e a imunofenotipagem. Como verificado na classificação da OMS,



.. .-

"'o .,...

... .... . .. •, . -o

.,

~



Quadro 152.12 Classificação da OMS para as leucemias linfoides agudas (UA). Neoplasias de células B precursoras

Neoplasias de células T precursora

Leucemia linfoide aguda/linfoma linfoblástico B leucemia linfoide aguda/linfoma linfoblástico com anormalidades recorrentes: • com t(9;22)(q34;q11.2); BCR-ABl1 • comt(v;11q23) rearranjo Mll • com t(12;21)(p13;q22); TEl-AML1 (ETV6-TUNX1) • com hiperdiploidia • com hipodiploidia (lLA hipodiploide) • com t(5;14)(q31;q32);1l3-IGH • com t(1;19)(q23;p13.3); E2A-PBX1 (TCF3-PBX1) leucemia linfoide aguda!linfoma linfoblástico T

~

11.

§ o

..



UJ

..



•• •• •

• I

.



&-~;~~~:,..,...--r--r.,...,"r--..'t-"'T-T"'M-...--T"""T-rl

oo

10 1

102

103

104

COlO FITC ->

Figura 152.5 Citograma em dot plot, com dupla marcação, colocados os antígenos CD10FITC no eixo Xe o antígeno CD20PE no eixo Y, demonstrando células precursoras da linhagem linfoide B, com expressão dos antígenos CD1 O(antígeno cal/a) e CD20 (em verde). As células com expressão do antígeno CD20+++ de forte intensidade (em vermelho, na escala log103) representam as células diferenciadas da linhagem linfoide B normais, as quais são negativas ou não expressam o antígeno CD1 O. Este gráfico ilustra um caso de leucemia linfoide aguda, cal/a positivo, e a expressão heterogênea do antígeno CD20.

1026

Parte 12

certas alterações cromossômicas são frequentes em alguns tipos de leucemia, sendo necessária a inclusão do cariograma no estudo clínico. As leucemias linfoides agudas da linhagem linfóde T exibem, com frequência, anomalia citogenética tipo translocação (t) ou deleção (del) do cromossomo 9 [t ou del (9p)]. As leucemias linfoides agudas da linhagem linfoide B podem apresentar translocação dos cromossomos 12 e 21 [t(12; 21) (p13; q22)], sendo frequentes em crianças, e indicam boa resposta ao tratamento. As alterações citogenéticas são bastante variáveis nas leucemias mieloides: t(8;21); t(15;17); t(9;11); trissomia do cromossomo 8 etc. Entretanto, algumas das anormalidades citogenéticas são analisadas atualmente por biologia molecular; são de extrema importância para entender a patogenia dessas doenças e podem ter valor prognóstico.

Neoplasias mieloproliferativas Em 2008, na classificação da OMS, a nomenclatura das doenças mieloproliferativas foi alterada de "doenças mieloproliferativas crônicas" para "neoplasias mieloproliferativas" (NPM) e o subgrupo, inicialmente chamado de "doenças mieloproliferativas/mielodisplásicas", foi também alterado para "neoplasias m ieloproliferativas/mielodisplásicas com o objetivo de indicar a natureza neoplásica, clonal ou maligna dessas patologias. Foi acrescentado um novo subgrupo, as "neoplasias mieloides e linfoides com eosinofilia e anormalidades do PDGFRA, PDGFRB e FGFRI': assim como novas doenças, como a mastocitose, foram também adicionadas e/ ou foram atualizados os critérios diagnósticos dentro de cada subgrupo. As NPM estão descritas no Quadro 152.13. Os algoritmos diagnósticos para policitemia vera (PV), para trombocitemia essencial (TE) e para mielofibrose primária (MFP) foram substancialmente alterados para incluir a informação sobre o gene JAK2. Além dessas, o limite da contagem do número de plaquetas para diagnóstico em TE foi diminuído para ~ 450.000/ f.d. As neoplasias mieloproliferativas são doenças das células hematopoéticas progenitoras (stem cell) caracterizadas por proliferação anômala de uma ou de mais das linhagens mieloides (granulocítica, eritrocítica, megacariocítica e mastócitos). Essas condições têm vários aspectos clínicos e hematológicos semelhantes, havendo casos em que o diagnóstico diferencial não é simples. De modo geral, a leucemia mieloide crônica (LMC) cursa com leucocitose muito elevada, enquanto na policitemia vera (PV) é característico o encontro de grande aumento de eritrócitos no sangue circulante e a elevação da taxa de hemoglobina (poliglobulia). Diferentemente do que ocorre com as leucemias agudas, que incidem em qualquer fase da vida, as neoplasias mieloproliferativas (NMP) atingem pessoas na idade adulta, com pico de incidência da quinta à sétima década da vida. Em alguns

Quadro 152.13

Neoplasias mieloproliferativas (NMP).

leucemiamieloide crônica, BCR-ABll postivo (lMC) leucemianeutrofmca crônica (lNC) Policitemia vera (PV) Mielofibrose primária (MFP) Trombocitemiaessencial (TE) leucemiaeosinofmca crônica, não especificada (lEC, NOS) Mastocitose Neoplasias mieloproliferativas inclassificáveis (NMP-U)

I Sistema Hematopoético

subtipos, em especial na leucemia mieloide crônica e na trombocitemia essencial, existem relatos de casos em crianças. A incidência de todos os subtipos combinados é de 6 a 10/100.000 por ano. Inicialmente, as NMP são caracterizadas por hipercelularidade da medula óssea, com maturação eficaz e aumento no número de granulócitos, de eritrócitos e/ou de plaquetas em sangue periférico. Quase sempre iniciam de modo insidioso, comprometendo pouco o estado geral dos pacientes, mas têm potencial para progressão, que culmina em falência medular pela mielofibrose, em hematopoese ineficaz ou em leucemia em fase aguda. Em todos esses casos, a medula óssea costuma ser hipercelular, com exceção da mielofibrose, na qual, em decorrência da fibrose progressiva, há redução do parênquima hematopoético. O diagnóstico diferencial dessas apresentações de neoplasias mieloproliferativas, em um passado recente, era baseado, principalmente, na reação citoquímica da fosfatase alcalina em neutrófilos do sangue e na medula óssea. A fosfatase alcalina é uma enzima existente nos neutrófilos normais, mas que se encontra negativa ou fracamente positiva nas células granulocíticas da leucemia mieloide crônica, enquanto se apresenta normal ou até mesmo aumentada nas outras doenças desse grupo. A pesquisa da fosfatase alcalina dos neutrófilos está em desuso e o diagnóstico deve ser firmado com os estudos citogenéticos e moleculares em cada subtipo de NMP.

Leucemia mieloide crônica A leucemia mieloide crônica (LMC) é uma neoplasia mieloproliferativa crônica que se origina de uma célula primitiva pluripotente, ou stem cell, e apresenta uma história natural bi ou trifásica em pacientes não tratados: uma fase crônica inicial com curso clínico indolente (fase crônica), seguida por uma fase acelerada e uma fase blástica, ou ambas. É caracterizada pela presença do cromossomo Philadelphia (Ph), descrito em 1960. Essa anormalidade genética consiste na translocação recíproca e balanceada entre os cromossomos 9 e 21. Essa t(9;21)(q34;q11.2) forma uma proteína lu'brida de pelo molecular 210 kDa (p210) com atividade de tirosinoquinase, capaz de provocar estímulo da proliferação. A incidência anual é de 1 a 2 casos por 100.000 por ano. Pode ocorrer em qualquer idade, mas a idade média ao diagnóstico é na quinta e sexta décadas de vida, com discreto predomínio em homens. A LMC compromete de forma variável o estado geral dos pacientes, que podem chegar à primeira consulta assintomáticos em cerca de 20 a 40% dos casos ou com manifestações clínicas exuberantes (Quadro 152.14). Os casos assintomáticos são diagnosticados em um exame de rotina quando o aumento global de leucócitos é detectado. A maioria dos pacientes apresenta um curso clínico com início insidioso, evoluindo com características de doença crônica, relativamente fácil de se controlar durante um tempo variável. Entretanto, com a progressão da doença, modificações clínicas e citológicas costumam aparecer de maneira mais ou menos intempestiva. Se nenhum tratamento for instituído, a doença entra em uma fase acelerada em que a hepatomegalia e esplenomegalia se intensificam, a anemia se acentua e há maior dificuldade em manter em níveis baixos o número dos leucócitos do sangue, além do surgimento de astenia, de febre e de perda de peso. Em seguida, a doença entra em uma fase de transformação blástica. É a denominada crise blástica da leucemia mieloide crônica, de difícil controle terapêutico.

152

I Doenças do Sangue

Quadro 152.14

1027

Fases evolutivas da leucemia mleloide crônica.

Clínica I. Fase inicial (dura poucos meses ou até anos) Aumento do baço Aumento do fígado (discreto) Prurido e urticáriaa frio(> histamina)

Sangue periférico

Medula óssea

Anemia leucocitose (10% assintomática) Trombocitose Baso e eosinofilia (< 5%) Blastos (< 1O%) Aumento de mielóàtos Fosfatase alcalina nos neutrófilos diminuída ou negativa

Hipercelular Aumento da série granulocítica Aumento da série megacariocitária Cromossomo Ph1 positivo Células Gaucher-like

Aumento da anemia, anisopoiquilocitose Aumento da leucodtose Aumento da basofilia leucoeritroblastose Formas intermediárias ou precursores mieloides Aumento de blastos

Mielofibrose - especialmente aumento de reticulina {1/3 dos casos) Basofilia Basofilia (pontuado basófilo) nos eritroblastos

Anemia refratária Diminuição da leucocitose Blastos aumentados (eritroblastos) Trombocitopenia Fosfatase alcalina nos neutrófilos: aumento do escore

Mieloblastos Blastos linfoblastos (20 a 30% dos casos) Anomaliacromosômica (duplicação cromossomo Ph1)

11. Fase mielopro/iferativa (acelerada)

Esplenomegalia Perda de peso Piora clínica progressiva: Hemorragias Sepse Tumores ou infiltrações blásticas extramedulares 111. Fase bldstica acelerada

Esplenomegalia Adenomegalia (rara) Hemorragias Sepse Tumores extramedulares

Atualmente, com o advento dos inibidores da tirosinoquinase, essa doença, se tratada adequadamente, tem bom prognóstico e a evolução da fase crônica para a acelerada e blástica é menos comum. Alguns sintomas e sinais, bem como alterações citológicas do sangue periférico e da medula óssea, caracterizam essas três fases, resumidas no Quadro 152.14.

Leucemia neutroft1ica crônica A leucemia neutrofílica crônica (LNC) é uma neoplasia mieloproliferativa rara, caracterizada por neutrocitose mantida e medula óssea hipercelular devido a uma proliferação granulocítica, com predomínio de neutrófilos, e a uma hepatoesplenomegalia. Neste subtipo de NMP não é detectado o gene BCR/ABL1 ou o cromossomo Philadelphia. A incidência da LNC é desconhecida. Geralmente, afeta adultos idosos, mas existem relatos de casos em adolescentes. Em cerca de 20% dos casos, a neutrofilia está associada a uma neoplasia subjacente. Geralmente, o sangue e a medula óssea estão envolvidos, embora qualquer tecido possa ser infiltrado por neutrófilos. A esplenomegalia é a característica mais constante, que pode ser sintomática. Em cerca de 25 a 30% dos casos, é descrita história de sangramento mucocutâneo ou do trato gastrintestinal. A avaliação do sangue periférico demonstra leucocitose (;::: 25.000/mm3) com neutrocitose, sem desvio à esquerda. Não são detectados blastos nem sinais de displasia. A avaliação da medula óssea demonstra hipercelularidade com aumento do setor granulocítico, mas sem sinais de displasia. A razão granulocítica/eritrocítica pode ser de 20:1 ou maior. A fibrose reticulínica é incomum. Em cerca de 90% dos casos, o estudo citogenético é normal, embora anormalidades clonais possam ser detectadas durante o curso da doença.

A sobrevida varia de 6 a 20 anos. O desenvolvimento de características mielodisplásicas pode ser um sinal de transformação da doença para leucemia aguda.

Policitemia vera É uma neoplasia mieloproliferativa crônica caracterizada

por aumento da produção de células eritrocíticas, independentemente dos mecanismos que regulam a hematopoese normal. Em geral, todos os pacientes apresentam uma mutação do gene Janus 2, JAK2 V617F, ou outra mutação funcionalmente similar no gene JAK2, que resulta na proliferação das linhagens eritrocítica, granulocítica e megacariocítica (pan-mielose). A policitemia vera (PV) desenvolve-se em três fases: (1) prodrômica, fase pré-policitêmica, caracterizada por eritrocitose discreta; (2) policitêmica evidente, associada a um aumento significante de massa eritrocitária; (3) mielofibrose pós-policitêmica (MF pós PV), com citopenias, incluindo anemia, associadas à hematopoese ineficaz, à fibrose medular, à hematopoese extramedular e ao hiperesplenismo. A incidência da PV varia de 0,7 a 2,6 por 100.000 por ano na Europa e nos EUA. Ocorre em indivíduos com idade média de 60 anos. Existe discreta predominância em homens. Os principais sintomas estão relacionados com anormalidades vasculares ou com hipertensão arterial, causadas por aumento na massa eritrocitária. Em cerca de 20% dos pacientes, são documentados na história fenômenos tromboembólicos (arteriais ou venosos), manifestações cardiorrespiratórias (angina do peito, infarto do miocárdio, dispneia) e podem ser a primeira manifestação da PV. Outros sintomas como cefaleia, tonturas, perturbações visuais, prurido (principalmente após o banho), hipertensão arterial e lesões tróficas nas extremidades também são descritos. Os achados de exame físico são pletora sanguínea com coloração arroxeada da pele, especialmente na cabeça, hepatomegalia (40%) e esplenomegalia (70%).

Parte 12

1028

I Sistema Hematopoético

Os achados de morfologia em sangue periférico e a histologia de medula óssea devem sempre ser correlacionados com outros dados clínicos e laboratoriais para estabelecer um diagnóstico. Faz-se necessário excluir todas as causas de policitemia secundária.

e/ou hemorragia. A micro-oclusão vascular pode levar a ataque isquêmico transitório, à isquemia digital e à parestesia. Ocorrem hemorragias e fenômenos tromboembólicos com sintomas graves no sistema nervoso central, no estômago, nos pulmões, no coração e no baço (infartos).

Mielofibrose primária

Leucemia eosinoft1ica aônica (não especificada)

A mielofibrose primária (MFP) é uma neoplasia mieloproliferativa clonal caracterizada pela proliferação predominante de megacariócitos e granulócitos, a qual está associada à deposição reativa de tecido conectivo e à hematopoese extramedular. Apresenta evolução "passo a passo" de uma fase inicial pré-fibrótica, caracterizada por medula óssea hipercelular com fibrose reticulínica mínima ou ausente, para uma fase de fibrose com marcado aumento de reticulina ou de colágeno e osteoesclerose. A fase fibrótica manifesta é estimada em 0,5 a 1,5 por 100.000 pessoas por ano. Incide em idade mais avançada, na sexta e na sétima décadas da vida. Ao momento do diagnóstico, até 30% dos pacientes são assintomáticos. Nos estádios finais, fase com hematopoese extramedular, o baço torna-se crescido, o qual se torna saliente no abdome à medida que o paciente emagrece, chegando, muitas vezes, ao estado de caquexia. A hepatomegalia é variável. O sangue e a medula são os locais sempre envolvidos. O sangue mostra discreta leucocitose. A punção do esterno ou da crista ilíaca é de aspiração difícil, obtendo-se pouco material e, às vezes, é "secà' (sem material). Nesses casos, é indicado realizar biopsia da medula óssea, que vai revelar fibrose, nessa etapa em maior grau, ou osteoesclerose. Essa fase com fibrose acentuada é caracterizada por reação leucoeritroblástica no sangue, em que são visualizados os precursores eritrocíticos nucleados (eritro-ortocromáticos) e a morfologia eritrocitária alterada com hemácias em forma de gota ou de lágrima (ver Capítulo 151, Exames Complementares). São comuns os infartos do baço, os quais provocam dor intensa. O baço volumoso pode armazenar grande quantidade de sangue e ser responsável, em parte, pela anemia. Deve-se levar em conta que, em todas as doenças mieloproliferativas, o baço é sede de metaplasia mieloide. Daí a necessidade de um estudo cuidadoso de cada caso, em particular antes de se indicar a retirada desse órgão como medida para controlar a anemia. Para o diagnóstico, é necessário excluir outras neoplasias mieloproliferativas e demonstrar a mutação do gene JAK2 V617 ou outro marcador clonal (como o MPL W515K/L).

Trombodtemia essencial A trombocitemia essencial (TE) é uma neoplasia mieloproliferativa crônica que compromete primariamente a linhagem megacariocítica. :B caracterizada por aumento mantido no número de plaquetas, igual ou superior a 450.000/mm3 em sangue periférico, por aumento do número de megacariócitos maduros em medula óssea e por episódios de hemorragia e/ou de trombose. A incidência da TE é desconhecida. Quando diagnosticada pelos critérios do Grupo de Estudos de PV, é estimada em 0,6 a 2,5% por 100.000 pessoas por ano. Geralmente, ocorre em adultos com 50 a 60 anos de idade, de modo igual em ambos os sexos. Entretanto, existe outro pico de incidência, em torno dos 30 anos de idade, principalmente em mulheres. Mais da metade dos pacientes é assintomática na época da identificação da trombocitose, vista acidentalmente em exame de rotina em sangue periférico. Os demais pacientes apresentam-se com alguma manifestação de oclusão vascular

É uma NMP na qual ocorrem proliferação clonal, autô-

noma, de precursores eosinofílicos e persistente aumento do número de eosinófilos em sangue periférico, na medula óssea e em tecidos periféricos, sendo a eosinocitose a anormalidade hematológica predominante. Essa NMP, designada por leucemia eosinofílica (LEC) NOS (não especificada), exclui pacientes com cromossomo Philadelphia, rearranjos do gene BCRJ ABL1 ou PDGFRA, PDGFRB ou FGR1. Em LEC não especificadas de outra forma, o número de eosinófilos é igual ou maior que 1,5 x 109I i no sangue periférico. Pode haver menos de 20% de blastos na medula óssea ou no sangue periférico. Para confirmar o diagnóstico, é necessário demonstrar a evidência de natureza clonal em eosinófilos ou nos mieloblastos. Em muitos casos é impossível comprovar a clonalidade; e, se não existe aumento de blastos, o diagnóstico de "síndrome hipereosinofílica idiopática'' é feito. A síndrome hipereosinofílica idiopática é definida por um aumento persistente de eosinófilos em número igual ou maior que 1,5 x 109/l por pelo menos 6 meses, para a qual nenhuma causa foi encontrada. É um diagnóstico de exclusão, sem evidência de clonalidade e com envolvimento e disfunção de órgãos. A LEC é uma doença multissistêmica. Ocorre agressão orgânica resultante de infiltração por eosinófilos ou pela liberação de citoquinas, enzimas, fatores humorais ou outras proteínas pelos eosinófilos. O sangue e a medula estão sempre envolvidos. Os outros órgãos mais comumente agredidos são o coração, os pulmões, o sistema nervoso central, a pele e o trato gastrintestinal. Em 30 a 50% dos casos há evidência de infiltração no baço e no fígado. Em alguns pacientes, a eosinocitose é detectada por acidente, sendo eles assintomáticos. Em outros pacientes, podem ser detectados fadiga, febre, tosse, angioedema, dores musculares, prurido e diarreia. As manifestações clínicas mais graves são as relacionadas com a fibrose endomiocárdica. Outras manifestações clínicas são neuropatia periférica, sintomas pulmonares e reumatológicos. O diagnóstico começa sempre por excluir a eosinocitose reativa, por demonstrar a clonalidade em eosinófilos e por excluir outras NMP crônicas.

Mastocitose A mastocitose é uma proliferação clonal que se acumula em um ou mais órgãos. É caracterizada pela presença de infiltrados multifocais de agregados coesivos e compactos de mastócitos. É uma doença heterogênea, com apresentação clínica que pode ser de apenas lesões na pele, as quais podem regredir espontaneamente, até agressivas com infiltração em órgãos, com falência de múltiplos órgãos e com curta sobrevida. São conhecidos subtipos de mastocitose (cutânea, indolente, sistêmica, agressiva, leucêmica, sarcoma mastocitário e mastocitoma extracutâneo). Ocorre em qualquer idade, mas é geralmente diagnosticada após a segunda década de vida. Cerca de 80% dos pacientes apresentam evidência de envolvimento da pele. Raramente, ocorre envolvimento de sangue periférico, sendo a medula óssea quase sempre comprometida.

152

I Doenças do Sangue

1029

Os demais órgãos que podem ser envolvidos são o baço, os linfonodos, o fígado e a mucosa do trato gastrintestinal. O diagnóstico de mastocitose requer a demonstração de agregados de mastócitos em uma amostra adequada de medula óssea ou tecido comprometido e a detecção de mutação pontual no gene c-KIT.

Neoplasias mieloproliferativas inclassificáveis As neoplasias mieloproliferativas inclassificáveis (NMP-U) devem ser aplicadas somente para os casos que apresentem características clínicas, laboratoriais e morfológicas definitivas de uma NMP, mas que não preencham critérios para qualquer uma das neoplasias mieloproliferativas específicas. A maioria das NMP-U pode estar incluída em um destes três grupos: (1) PV, MFP ou TE, nas quais todas as características clínicas não foram desenvolvidas completamente; (2) estádio avançado de NMP, na qual a mielofibrose, a osteoesclerose ou a transformação (com aumento de blastos e de displasia) podem obscurecer o diagnóstico; e (3) pacientes com evidência clara e convincente de NMP, nos quais a coexistência de uma doença inflamatória ou neoplásica dificulta o diagnóstico clínico e/ou morfológico. A incidência das NMP-U é desconhecida, mas alguns relatos indicam que a porcentagem de casos com NMP-U é em torno de 10 a 15% dos casos de NMP crônicas. No Quadro 152.15 estão resumidos os dados mais importantes para o diagnóstico diferencial das doenças mieloproliferativas.

Síndromes mielodisplásicas As síndromes mielodisplásicas (SMD) constituem um grupo de doenças clonais de stem cells (células progenitoras) hematopoéticas, caracterizadas por hematopoese ineficaz, por displasia de uma ou de mais das linhagens mieloide (eritrocítica, granulocítica e megacariocítica), citopenia(s) e por maior risco para desenvolver leucemia mieloide aguda. Esta última característica justificou a denominação anterior de "estados pré-leucêmicos".

Quadro 152.15

Ocorre principalmente em adultos com idade média de 70 anos, com uma incidência anual não relacionada com idade de 3 a 5 por 100.000 pessoas, mas atinge cerca de 20 por 100.000 indivíduos acima de 70 anos. Em alguns indivíduos, geralmente na idade madura, ou em pessoas mais idosas, podem ocorrer alterações hematológicas maldefinidas que se caracterizam, quase sempre, por anemias crônica e refratária ao uso de folato e de vitamina B 12• A maioria dos indivíduos apresenta-se com sintomas relacionados com a citopenia (anemia, plaquetopenia e neutropenia), isoladas ou em associação. Quando as três séries estão comprometidas denominamos pan citopenia. Nesses casos, o mielograma pode revelar alterações de celularidade (hipercelular, na maioria das vezes), numéricas (quanto ao aumento do número de blastos e alterações percentuais das diversas linhagens celulares) e morfológicas (diseritropoese, disgranulopoese, dismegacariopoese etc.). Entretanto, tais achados isolados sugerem, mas não confirmam, o diagnóstico de SMD. Tais pacientes precisam ser acompanhados criteriosamente durante um tempo variável e são rotulados como portadores de mielodisplasia até que se tenha critérios suficientes para definir o diagnóstico de leucemia. Os nomes displasia medular ou dispoese, embora sejam bastante abrangentes, indicam que há uma alteração na hematopoese. A displasia pode manifestar-se nas linhagens eritrocítica, granulocítica e megacariocítica. A Figura 152.6 demonstra as alterações citológicas, descritas a seguir, na displasia medular. .,.. Diseritropoese. Refere-se a alterações quantitativas e qualitativas das células eritroblásticas da medula óssea e dos eritrócitos do sangue periférico. Incluem anisocitose, poiquilocitose, macrocitose, megalocitose, policromasia e pontuação basófila dos eritrócitos circulantes. Os eritroblastos podem ser encontrados no sangue e na medula óssea, apresentando tamanhos diversos e anomalias nucleares e citoplasmáticas variadas. Sideroblastos em anel são frequentes em certos casos.

Diagnóstico diferendal entre leucemia mieloide crônica (LMC) e reação leucemoide (RL).

Sangue periférico

LMC

RL

leucocitose Eosinofilia e basofilia Neutrofilia Plaquetose Eritroblastos circulantes Granulações tóxicas e outros achados de infecção Fosfatase alcalina nos neutrófilos Cromossomo Philadelphia (Ph1)

Acentuada (> 100.000/mm3) Presente Presente, sem escalonamento Frequente (plaquetopenia rara) Frequentes Geralmente ausentes Zero ou diminuída Presente(> 85% dos casos)

Discreta(< 100.000/mm3) Ausente Presente, com escalonamento Ausente Ausentes Presentes Normal ou aumentada Ausente

Medula óssea

LMC

RL

Celularidade Fibrose Blastos Eritroblastos Megacariócitos Eosinofilia e basofilia Relação G/E (granulócitos/eritroblastos) Metaplasia mieloide em fígado, baço e gânglios

Normal ou aumentado Frequentemente presente %normal ou aumentada Frequentemente bizarros Frequentemente bizarros Presente Aumentada(> 3/1) Presente

Normal Ausente %normal Normais Normais Ausente Normal (3/1) Ausente

Parte 12

1030

I Sistema Hematopoético

Figura 152.6 Alterações citológicas na displasia medular.

.,. Disgranulopoese. Engloba alterações nucleares em granulócitos do sangue e da medula óssea, como hipossegmentação (tipo Pelger-Hüet), hipersegmentação e formas bizarras. As anomalias citoplasmáticas são representadas pela falta de grânulos ou por hipogranulação. Pode haver aumento da basofilia do citoplasma e de grãos anômalos tipo Auer. .,. Dismegacariopoese. Caracteriza-se pelo encontro de plaquetas atípicas, grandes, quase homogêneas. Há megacariócitos muito pequenos ao lado de células grandes, com núcleo único, grande e não lobulado. Outros têm vários núcleos pequenos, podendo ser encontrados em número reduzido nos esfregaços de aspirado medular. O maior desafio no diagnóstico da SMD é determinar se a presença de displasia é devida a uma doença clonal ou a um resultado de algum outro fator. A presença de displasia não é, por si só, evidência de doença clonal, pois existem vários fatores nutricionais, tóxicos, entre outros, tais como deficiência de vitamina B12 e de ácido fólico, exposição a metais pesados e quimoterápicos, que podem causar displasia. Nas síndromes mielodisplásicas são descritas várias anomalias cromossômicas, em especial a chamada síndrome Sq- [a perda do braço longo (q) do cromossomo 5]. Sabe-se que nessa região se situam proto-oncogenes responsáveis pela síntese de alguns fatores de crescimento celular, seus receptores de membrana e várias interleucinas. Outras alterações cromossômicas são descritas: (1) monossomia do 7 e do 8; e (2) deleções nos cromossomas 12 e 17 (12p e 17q). As SMD foram inicialmente definidas pelo grupo cooperativo FAB em 1982, que levou em consideração os parâmetros clínicos, morfológicos e citoquímicos. Posteriormente, a nova classificação, proposta pela OMS em 1999 e modificada em 2001, associou aos parâmetros anteriores a imunofenotipagem e a genética. O grupo FAB propôs a classificação das síndromes mielodisplásicas em cinco tipos (Quadro 152.16). .,. Anemias refratárias (AR). Surgem frequentemente acima dos 50 anos de idade. Raramente há neutropenia e plaquetopenia sem anemia. Há hiperplasia de eritroblastos e diseritropoese Quadro 152.16

Classificação FAB das SMD. %blastos

Classificação

No sangue periférico

Na medula óssea

AR ARSA AREB AREBt* LMMC

10% células em> 2 línhagens mieloides < 5% blastos, > 15%sideroblastos anelados Sem bastonetes de Auer Displasia de uma ou múltiplas linhagens 5a9% blastos Sem bastonetes de Auer

Displasia de uma ou múltiplas linhagens 1Oa 19%blastos Pode haver bastonetes de Auer

Displasia única (série granulocítica ou megacariocítica) < 5% blastos Sem bastonetes de Auer Série megacaricítica hiper ou normocelular Megacariócitos hipolobados < 5%blastos Sem bastonetes de Auer 5q- isolado em citogenética

AR= anemia refratária; ARSA =anemia refratária com sideroblastos em anel; CROM = citopenia refratária com displasia multilinear; CROM-SA = citopenia refratária com displasia multilinear e sideroblastos em anel; ARES= anemia refratária com excesso de blastos; SMO = sindromes mielodisplásicas.

ças danais, agressivas e diferem das SMD de novo. Esses casos são denominados de SMD relacionada com a terapêutica (SMD-t). Ocorrem em pacientes jovens com pancitopenia acentuada, medula óssea hipercelular, podendo ocorrer fibrose e uma maior incidência de anormalidades citogenéticas danais (cariótipos complexos). Geralmente, os pacientes evoluem para óbito em 5 a 7 meses, ainda na fase de mielodisplasia, antes da evolução para leucemia aguda . .,. Síndromes mielodisplásicas da infância. A SMD é rara na infância e difere da SMD do adulto. Geralmente ocorre em associação a anormalidades genéticas constitucionais e a síndromes de instabilidade cromossômica (síndrome de Down, de Klinefelter, de Tumer, anemia de Fanconi, ataxia telangiectásica, síndrome de Bloom, xeroderma pigmentoso e síndrome de Li-Fraumeni). Foram desenvolvidas classificações próprias para a SMD infantil, tais como a classificação CCC (categoria, citologia e citogenética) de Toronto, desenvolvida em 2002, e a proposta feita por Hasle em 2003, esta tem como base a classificação da OMS para as SMD e SMP da infância (Quadro 152.18).

Diagnóstico dlferendal entre sfndromes mielodl.splásicas e leucemia mieloide aguda Em 1985, o grupo FAB procurou definir normas para o diagnóstico diferencial entre aleucemia mieloide aguda eas síndromes com mielodisplasias (dieritropoese, disgranulopoese edismegacariopoese). De acordo com esse grupo, é necessário avaliar se o material aspirado de medula óssea éhipo ou hipercelular. Se for hipocelular, oestudo do caso exige a biopsia da medula óssea. Se omaterial obtido for hipercelular, abiopsia medular não éessencial para firmar odiagnóstico. Nesse caso, se onúmero de células eritroblásticas da medula óssea for> 50% ese houver> 30% de blastos (mieloides) das células não eritroides (o que inclui blastos e setor granulocítico), está definida aleucemia mieloide aguda tipo M6. Quando, no material hipercelular, houver menos de 50% de eritroblastos e se entre as demais células houver um número maior que 30% de blastos (mieloide), é definida uma leucemia mieloide aguda que pode ser de tipo M1-MS. Os casos realmente duvidosos são aqueles em que há número variável de eritroblastos nos esfregaços, mas os blastos mieloides são inferiores a30%. Oseguimento dos casos de síndrome mielodisplásica deve incluir o quadro clínico, o aspecto das células nos aspirados de medula óssea (percentual, morfologia epresença de displasia) e, também, sempre que possível, oquadro histológico medular eo cariótipo. Há evidência de que essa síndrome seja uma manifestação que antecede um quadro leucêmico, embora não termine necessariamente como leucemia aguda. Pacientes mais idosos podem falecer de intercorrências antes de manifestarem a leucemia. Em indivíduos mais jovens, a anemia pode ser osintoma predominante e evoluir para um quadro de SMD hipocelular com pancitopenia grave, sendo necessário o diagnóstico diferencial de anemia aplásica. Nas síndromes mielodisplásicas da infância, a monossomia do cromossomo 7, a deleção do braço longo do 7 (7q-) e a trissomia do 8 são as anomalidades cromossômicas mais encontradas.

• Linfadenopatias As doenças do tecido linfoide constituem um capítulo importante da patologia humana, tanto pela elevada frequência quanto pela diversidade de lesões, as quais, por vezes, são apenas manifestações secundárias de afecções sistêmicas. Os linfonodos, juntamente com o baço, as tonsilas (amígdalas palatinas), as adenoides e as placas de Peyer compõem um tecido altamente organizado de células imunes que filtram os antígenos do tecido extracelular. A linfa penetra pelos sinusoides, que são ricos em macrófagos e que removem 99% de todos os antígenos apresentados. O linfonodo, com sua alta concentração de linfócitos e de células apresentadoras de antígenos, é um órgão ideal para receber antígenos que ganham acesso por meio da pele e do trato gastrintestinaL Os linfonodos têm alta capacidade de crescer e de modificar. O tamanho do linfonodo depende da

Quadro 152.18 SMD

SMD/SMP Síndrome de Down

Classificação da SMD pediátrica segundo a OMS. CR (< 2% blastos SP e< 5% blastos MO), AREB (2 a 19% blastos SP e5a19blastos MO), AREBt (20 a 29% blastos SP ou MO) LMMJ, LMMC (apenas secundária), LMC Ph 1Mielopoese anormal transitória, LMA

CR = citopenia refratária; ARES= anemia refratária com excesso de blastos;ARESt = anemia refratária com excesso de blastos emtransfonnaçáo; LMMJ =leucemia mielomonoótica juvenil;LMMC =leucemia mielomonocítica crônica; LMC Ph1• =leucemia mieloideaônica cromossomo Philadelhia negativo; MO= medula óssea; SP=sangue perirerico.

1032 idade, da cadeia analisada e dos eventos imunológicos antecedentes. Nos neonatos, os linfonodos são praticamente imperceptíveis, porém, com o passar dos anos, ocorre progressão da massa total de linfonodos até o final da infância. Na adolescência, observa-se atrofia progressiva dos linfonodos, que continua até a vida adulta. A adenomegalia é um sinal clínico pertencente a várias doenças. Sua incidência anual é de 0,6% na população geral. Em pacientes com menos de 50 anos, em cerca de 80% dos casos, é inespecífica ou benigna. Já nos indivíduos com mais de 50 anos, em 60% dos casos, pode ser de origem maligna. Na criança, a adenomegalia, em sua maioria, é benigna e autolimitada, em geral secundária a doenças virais. Dessa maneira, é secundária a um aumento de linfócitos normais e de macrófagos em resposta adaptativa a um estímulo antigênico. Outros mecanismos menos comuns responsáveis por adenomegalia incluem acúmulo nodal de células inflamatórias em resposta a uma infecção no próprio linfonodo (linfadenite), a linfócitos neoplásicos ou em doenças de depósito (doença de Gaucher). A adenopatia está associada, em sua maioria, às infecções bacteriana e viral. São alterações de natureza hiperplásica ou inflamatória, próprias do tecido linfoide (linfonodos, placas de Peyer, amígdalas e outros órgãos linfoides), causadas pela ação antigênica de vírus, de bactérias, de fungos e de outros microrganismos, resultando nas linfadenopatias reacionais. Quando as lesões decorrem da ação direta desses agentes, surgem as linfadenopatias inflamatórias ou linfadenites propriamente ditas. Os vírus EBV e CMV, causadores da mononucleose e da citomegalovirose, respectivamente, são os agentes etiológicos mais importantes das adenomegalias, embora em geral elas sejam causadas por viroses do trato respiratório superior. A linfadenite localizada (linfadenite reacional) tem como agente causal mais frequente o estafilococos e o estreptococos do grupo 13-hemolítico. Outros patógenos, tais como o vírus da AIDS e as doenças autoimunes, são causas menos comuns de adenopatia. Em nosso meio, algumas infecções como a tuberculose, a febre tifoide, as micoses profundas e as leishmanioses também devem ser consideradas. A adenopatia é mais comum em crianças, cujo sistema imune está em resposta à exposição de novos antígenos, podendo ser vista em um terço dos neonatos e em crianças nas cadeias cervicais. Raramente é observada generalizada e, quando isso ocorre, deve-se pensar em infecção congênita, principalmente pelo citomegalovírus. O diagnóstico diferencial é amplo. A anamnese associada ao exame físico detalhado é de suma importância para o reconhecimento do padrão de drenagem e para a procura de focos infecciosos. As características do linfonodo, ou seja, o tamanho, a cadeia (se localizado ou generalizado), a consistência, a sensibilidade, o tempo de evolução e os sinais flogísticos associados à cadeia comprometida deverão ser observados de maneira sistemática. A presença de adenomegalia dolorosa, com alteração da coloração da pele adjacente e calor local, sugere linfadenite. Ao contrário, linfonodos endurecidos, coalescidos e indolores sugerem neoplasias. O estado reacional é reversível Cessado o estímulo imunogênico, o linfonodo readquire sua morfologia normal.

Linfadenopatias reacionais einflamatórias Como as linfadenopatias reativas podem simular linfomas, é necessário proceder ao diagnóstico diferencial valendo-se da investigação clinicopatológica.

Parte 12

I Sistema Hematopoético

Dependendo da área estimulada, as hiperplasias reativas podem adquirir os seguintes padrões morfológicos: folicular, sinusal, difuso e misto.

Linfadenopatias inflamatórias ou linfadenites De maneira diferente dos tipos reativos, nesses casos os agentes infecciosos atuam diretamente sobre o tecido linfoide por meio de seus mecanismos patogênicos (grau de parasitismo, virulência). Provocam reações inflamatórias agudas ou crônicas do tipo granulomatoso e não granulomatoso. Quase sempre os agentes etiológicos são evidenciados pela histomorfologia, por exemplo, os fungos na paracoccidioidomicose e os bacilos de Koch na tuberculose. Quanto à etiologia das linfadenopatias, podemos classificá-las da seguinte maneira: • virais: citomegalovírus, herpes-vírus • bacterianas: tuberculose, brucelose, hanseníase, donovanose e doença da arranhadura do gato, causada pela bactéria Afipia felix • fúngicas: paracoccidioidomicose, criptococose, histoplasmose, ficomicoses • protozoários: leishmaniose, toxoplasmose congênita, balantidíase, amebíase • Chlamydia (linfogranuloma venéreo) • metazoários: estrongiloidíase, ascaridíase, cisticercose, esquistossomose • agentes inan.imados: sarcoidose, beriliose, doença de Crohn, doença de Whipple • outras: riquétsias e algas • idiopática: agente não determinado.

Neoplasias do tecido linfoide As neoplasias linfoides de células maduras compreendem várias doenças linfoproliferativas com curso clínico geralmente crônico, as quais acometem principalmente os adul-

Diagnóstico diferencial entre linfadenopatias readonais elinfomas

Em razão de as linfadenopatias reacionais poderem simular linfomas, tanto do ponto de vista clínico como do morfológico, alguns cuidados adicionais devem ser observados por parte do clínico na investigação do paciente, incluindo: • Na anamnese, deve-se questionar o uso de medicamentos (hidantoinatos, penicilina), antecedente recente de vacinação ("becegeíte"), contato com animais, picada de insetos e história de viroses. Vale ressaltar que nas adenopatias cervicais uma avaliação odontológica deve ser considerada • Exérese do linfonodo mais comprometido, ou seja, o mais infartado, mesmo que seja o de mais difícil acesso, devendo ser retirado inteiro, se possível com tecido perilinfonodal. Esse procedimento deve ser realizado após avaliar as variáveis de risco (idade, localização e características do linfonodo) • Acondicionamento adequado do linfonodo em fixador apropriado (para o preparo de 1 f faz-se uma solução de 200 mf de formo! a 40%, na qual se adicionam 750 mf de álcool absoluto e 50 mf de ácido acético glacial), que deve conter um volume cerca de 10 vezes maior do que o do espécime. Olinfonodo deve ser seccionado ao meio, a fresco, para a realização de imprints (compressão firme do linfonodo sob a lâmina de vidro limpa) e para a avaliação citológica após colorações adequadas. Após a realização dos imprints, o linfonodo poderá ser mergulhado no fixador • Realizar os exames complementares que cada caso requer. Exemplo: reações sorológicas para afastar os agentes etiológicos mais frequentes.

152

I Doenças do Sangue

1033

tos. A maioria (90%) é de origem linfoide B, sendo as demais (10%) das linhagens T /NK. Comprometem primariamente o sangue periférico, a medula óssea e outros órgãos linfoides, tais como o baço. Todas podem apresentar, já no início da doença, células clonais (leucêmicas) circulantes.

Classificação dos linfomas não Hodgkin Várias foram as classificações propostas para categorizar os diversos tipos de linfomas não Hodgkin. Em 2001, a OMS classificou as linfoproliferações malignas tipo Bem três maneiras, de acordo com as características clínicas: (1) predominantemente leucêmicas (disseminadas), (2) linfomas primários extranodais e (3) predominantemente nodais. Os linfomas tipo 1 e 2 têm evolução relativamente indolente. A classificação proposta da OMS foi revista em 2008 e está representada no Quadro 152.19. As neoplasias maduras da linhagem linfoide são definidas na classificação da OMS (2008) de acordo com a apresentação clínica (disseminadas, agressivas, muito agressivas e indolentes), com o local primário de origem (linfonodal e extranodal) e com características morfológicas, imunológicas e genéticas.

Quadro 152.19

Classifica~ da OMS para as neoplasias do tecido linfoide.

Neoplasias de células Bmaduras (periféricas)

Neoplasias de célulasT/NK maduras (periféricas)

llC/Iínfoma linfocítico leucemia prolinfocítica B linfoma de zona marginal esplênica Tricoleucemia linfoma linfoplasmocítico Doenças da cadeia pesada Neoplasias de células plasmáticas linfoma MAlT linfoma marginal nodal linfoma folicular linfoma do manto linfoma difuso de grandes células (lDGCB) lDGCB primário do sistema nervoso central lDGCB cutâneo primário lDGCB EBV-positivo do idoso lDGCB associado a inflamação crônica Granulomatose linfomatoide linfoma de grandes células mediastinal . '. pnmano linfoma de grandes células intravascular linfoma de grandes células AlK-positivo linfoma plasmablástico linfoma de grandes células multicêntrico associado a HHV8 Doença de Castelman linfoma de efusões linfoma de Burkitt linfoma de células B, inclassificável com características intermediárias entre lDGCB e linfoma de Burkitt linfoma de células B, inclassificável com características intermediárias entre lDGCB e linfoma de Hodgkin dássico

leucemia prolinfocítica T leucemia do línfocítica do linfócito granular Doença linfoproliferativa crônica de células NK leucemia agressiva de células NK Doença linfoproliferativa Tda infância, EBV-positiva leucemia/linfoma de células Tdo adulto linfoma de células NK/T extra nodal, tipo nasal linfoma de células Tassociado a enteropatia linfoma Thepatoesplênico linfoma Ttipo paniculite subcutânea Micosefungoide Síndrome de Sezary Doenças línfoproliferativas cutâneas primárias de células TCD30+ linfoma cutâneo primário de células T gama/delta linfoma de células T, nâo especificado linfoma Tangioimunoblástico linfoma de grandes células anaplásico, AlK-positivo linfoma de grandes células anaplásico, AlK-negativo

A classificação da OMS reconhece três grandes categorias de neoplasias: (1) linfoide B, (2) linfoide T/NK e (3) linfoma de Hodgkin. Até certo ponto, as neoplasias das linhagens linfoide B, T e NK são classificadas de acordo com o seu correspondente normal e seu estádio de diferenciação das células comprometidas em precursoras e diferenciadas (maduras ou periféricas). As categorias B, T e NK de células precursoras ou blastos (leucemias agudas da linhagem linfoide) foram descritas anteriormente. Serão descritas as neoplasias das linhagens B, T e NK de células maduras (ou periféricas): leucemias e linfomas. As fases sólida e circulante/leucêmica estão presentes em várias neoplasias linfoides, sendo artificial a distinção entre leucemias e linfomas. O Quadro 152.19lista as doenças diferenciadas do tecido linfoide.

Leucemia linfoide crônica (linfoma linfodtico) A leucemia linfoide crônica (LLC) e o linfoma linfocítico (linfoma linfocítico de pequenas células) são diferentes manifestações clínicas da mesma doença. A LLC é a apresentação mais comum, representando cerca de 25% de todas as leucemias. É rara antes dos 40 anos de idade. A idade média no diagnóstico é de 60 anos; apenas 15% dos pacientes têm idade inferior a 50 anos. Entre todas as leucemias, a LLC é a que tem maior incidência familiar, encontrada em 5 a 10% dos pacientes. Em uma série de 2.000 amostras de sangue periférico de pacientes com linfocitose, a LLC representou dois terços dos casos e quase um terço foi representado por linfomas não Hodgkin em fase circulante (linfócitos clonais encontrados no sangue periférico, que se desprenderam de seu local de origem). Dameshek e Galton, na década de 1960, conceituaram que a LLC como uma doença em que ocorre um progressivo acúmulo de linfócitos, com início no linfonodo e/ou na medula óssea e que gradualmente se expande para a maioria dos órgãos hematopoéticos. Esse conceito de progressão lenta foi a base para o sistema de estadiamento proposto por Rai et al. em 1975. Explica, ainda, as progressivas anormalidades do sistema imune, o que resulta em hipogamaglobulinemia e, não infrequentemente, em complicações autoimunes (Quadro 152.20). A medula óssea, avaliada histologicamente com detalhes, reflete a progressão da LLC de um infiltrado intersticial e nodular inicial, para uma fase tardia de substituição difusa das células hematopoéticas normais por linfócitos. Estudos posteriores demonstraram que as células em questão apresentam baixa taxa de proliferação celular (Ki67 s; 2%) e hiperexpressão da proteína antiapoptótica Bcl2, fatores esses determinantes para a evolução da LLC.

Alterações imunológicas da função dos linfócitos Bna leucemia linfoide crônica. • Hipogamaglobulinemia (50% dos casos) • lg monoclonal no soro: geralmente lgG (< 10% dos casos) • Anemia hemolítica autoimune (Coombs positivo) • Trombocitopenia imunológica • Aplasia pura da série vermelha (medula óssea) • lesões penfigoides • Infecções: disseminação de vacinas

Parte 12

1034 A célula de origem é da linhagem B, com perfil imunológico que demonstra a expressão do antígeno CDS e de outros antígenos com padrões distintos daqueles observados nos linfomas não Hodgkin em fase circulante de células B (LNH-B). Devido à superposição de achados imunológicos nas neoplasias de células B com expressão de CDS, foi desenvolvido um sistema de escore, amplamente usado para diagnóstico diferencial imunológico entre LLC e LNH-B. Cerca de 3,5% de indivíduos saudáveis, com idade superior a 40 anos, podem apresentar linfocitose monoclonal de células B com fenótipo semelhante ao da LLC. Precisa ainda ser elucidado se esse achado representa uma condição predisponente ou mesmo uma LLC ainda não manifesta. A maioria dos pacientes é assintomática. Em 50% dos pacientes, a doença é diagnosticada em exame de sangue de rotina. Em outros, os sintomas são devidos à anemia ou quando da descoberta de adenomegalia. No diagnóstico, os pacientes deverão ser estadiados pelos sistemas proposto por Ray (1975) e/ou Binet (1981). O estadiamento de Binet considera três estadios: (1) pacientes com linfocitose ou com até duas áreas linfoides comprometidas (cervical, axilar, inguinal, baço e fígado); (2) pacientes com mais de duas regiões linfoides compromentidas; e (3) pacientes com anemia (Hb < 10 g/ df) ou plaquetopenia (plaquetas< 100.000/f.Lf ). O diagnóstico considera os aspectos clínicos, a morfologia dos linfócitos circulantes, a imunofenotipagem, a histologia da medula óssea e o estudo citogenético. O sangue periférico demonstra linfocitose > 5.000/f.L.l, com fenótipo B, CDS+ e restrição de uma das cadeias leves. Entretanto, em alguns casos, devido à fraca intensidade de expressão de todas as cadeias das imunoglobulinas, não é possível determinar a clonalidade por citometria de fluxo. O escore deve ser 4 ou S. O exame histológico tem valor prognóstico. As anormalidades citogenéticas são várias, mas nenhuma é específica. A metodologia de hibridização in situ (FISH) possibilita a detecção de alterações em 80% dos casos. As mais frequentes são a trissomia do cromossomo 12 e as deleções nos cromossomos 6 (del6q), 11 [del (ll);(q22-q23)], 13 [del(13);(q14.3) e 17 [del(17);(p13.1)]. Essas alterações estão associadas à progressão de doença. O diagnóstico diferencial deve ser realizado com os outros subtipos de linfoma não Hodgkin em fase circulante e com fenótipo semelhante ao da LLC (Figura 152.7).

Linfomas não Hodgkin de células B Os linfomas não Hodgkin (LNH) são um grupo heterogêneo de doenças neoplásicas do tecido linfoide com características distintas. Do ponto de vista clínico, em razão das diferenças no comportamento, os LNH são classificados em indolentes, agressivos e muito agressivos.

" ~,-------------.

o" • •• • • •

A T""

..

"'.,

.. ..

I

w

a_

T""' -1 ~

Figura 152.7 Diagnóstico diferencial pela citometria de fluxo de subtipos do linfoma não Hodgkin.

• Linfoma folicular: t(14;18)(q32;q21); t(2;8)(pl1;21); t(18;22)(q21;q11) • Linfoma de Burkitt: t(18;14)(q24;q32); t(2;8)(pll;q24); t(8;22)(q24;q11) • Linfoma difuso de grandes células B: t(3;14)(q27;q32); (14;18)(q21;32); (8;14)(q24;q32)

152

I Doenças doSangue

• Linfoma MALT (associado ao tecido linfoide das mucosas): t(11;18)(q21;q21); t(1;14)(q22;q32); trissomia 3 (+3) e hiperexpressão de bcl6. Mais recentemente, a t(11;18) (q21;q21) • Linfoma linfoplasmocitoide: t(9;14)(pl3;32).

Neoplasias de células plasmáticas As neoplasias de células plasmáticas resultam de expansão de um clone de células diferenciadas da linhagem linfoide B, que tipicamente secretam uma única cadeia pesada das imunoglobulinas (monoclonal), chamada paraproteína ou proteína M. As neoplasias dos plasmócitos incluem o mieloma de células plasmáticas, o plasmocitoma e as síndromes definidas pela consequência do depósito tecidual de imunoglobulina, a amiloidose primária e as doenças com depósito de cadeias leve e pesada. O mieloma múltiplo, na atual classificação da OMS, é designado por mieloma de células plasmáticas. Foram definidos critérios para o diagnóstico de mieloma e das doenças relacionadas (Quadro 152.21). A gamopatia monoclonal é definida pelo encontro de um pico monoclonal proteico ::;; 3,0 g/df no sangue. A medula apresenta< 10% de plasmócitos e não há lesão de órgãos-alvo (CRAB: hipercalcemia, insuficiência renal, anemia e lesões osteolíticas). A presença de pico monoclonal reflete a expansão de um clone, mas essa condição não é considerada neoplásica uma vez que a observação continuada de tais casos não evidencia sinais de evolução maligna. O mieloma de células plasmáticas é a neoplasia linfoide mais frequente em negros e a segunda mais frequente em brancos e representa 15% das doenças hematológicas. É uma neoplasia que atinge indivíduos na sétima década de vida. Os aspectos clínicos do mieloma são decorrentes de uma combinação de fatores como a infiltração em medula óssea, as complicações resultantes da presença da paraproteína e deficiência de imunoglobulinas. Sintomas relacionados com a compressão de medula espinal (parestesias, plegias, incontinência ou retenção urinária, obstipação intestinal) estão associados ao plasmocitoma em vértebra ou em fratura compressiva de vértebras. A insuficiência renal está presente em 40% dos casos. As duas principais causas da doença renal são a hipercalcemia e a nefropatia do mieloma. A doença óssea é a principal causa de morbidade no mielema, responsável por fraturas patológicas, por compressão da medula espinal, por hipercalcemia, por dor óssea e, como Quadro 152.21

Neoplasias de célulasplasmáticas.

• Gamopatia monoclonal de significado indeterminado {GMSI) • Mieloma de células plasmáticas o Variantes: • Mieloma assintomático (smoldering) • Mieloma não secretor • Leucemiade células plasmáticas • Plasmocitoma o Plasmocitoma solitário do osso o Plasmocitoma extraósseo {extramedular) • Doenças de depósito de imunoglobulina o Amiloidose primária o Doença sistêmica de depósito de cadeias pesada e leve o Mieloma osteosclerótico {síndrome de POEMS)

1035 consequência, culminando em progressiva diminuição da qualidade de vida. Em cerca de 15% dos portadores de mieloma, podemos observar a síndrome de hiperviscosidade, atribuída à presença da proteína monoclonal, em geral IgA ou IgG3. Os sintomas estão relacionados com a estase vascular e a hipoperfusão tecidual. São descritos confusão mental, dilatação das veias da retina com hemorragia, cefaleia, sangramento mucoso, dispneia, hipoxemia, edema pulmonar agudo, entre outros. Em 97% dos pacientes existe componente monoclonal sérico ou urinário. São assim distribuídos: IgG (50%), IgA (20%) e proteinúria de Bence-Jones (apenas cadeia leve) em 15%. Os mielomas IgD, IgE e IgM ocorrem em< 10% e os não secretores são raros ( < 3%). Em 8% dos casos de mieloma, os pacientes são assintomáticos (smoldering). Em 3% dos casos de mieloma, quando avaliados por imunoeletroforese ou por imunofixação, não encontramos a proteína M. Entretanto, quando estudados por outra metodologia (imunocitoquímica ou citometria de fluxo), a paraproteína é detectada em 85% dos casos. Os 15% dos pacientes nos quais não é detectada a paraproteína são chamados de não secretores. A confirmação laboratorial do mieloma requer a realização de eletroforese de proteínas séricas e imunofixaç.ão sérica e urinária para confirmação do pico monoclonal. O aspirado de medula óssea faz o diagnóstico em quase 100% dos casos, dispensando até a biopsia da medula óssea. O mielograma revela geralmente um percentual de plasmócitos ~ 10%. Como essas neoplasias são clonais, a determinação de clonalidade por imunofluorescência ou por imunoperoxidase evidenciará um tipo ou outro dessas cadeias leves na quase totalidade das células malignas. Entretanto, quando o número de células neoplásicas é pequeno, pode restar dúvida, pois concomitantemente podem existir células de clones normais secretoras de cadeias leves diferentes (policlonais). Nesses casos, a biopsia medular é útil para mostrar o grau de invasão medular e de fibrose. Outros exames são relevantes para a avaliação de lesão orgânica ou tecidual, assim como o estudo radiológico do esqueleto e ~ 2 -microglobulina. No Quadro 152.22 observam-se a classificação, a composição química e as doenças que se associam aos estados de crioglobulinemia. A imunofenotipagem por citometria de fluxo revela o perfil imunofenotípico como uma célula diferenciada da linhagem linfoide B e clonal para uma das cadeias leves. São marcadores dessas células os antígenos CD19, CD45, CD138 e CD38 e as cadeias pesadas e leves das imunoglobulinas (kappa ou lambda). As anormalidades genéticas ocorrem em 60% dos portadores de mieloma e geralmente envolvem o gene da cadeia pesada das imunoglobulinas (14q32, locus da cadeia pesada da imunoglobulina). Mais raramente, o mieloma de células plasmáticas pode ter uma fase de disseminação sanguínea, caracterizando-se o tipo leucêmico da doença: a leucemia de células plasmáticas, a qual ocorre em 2 a 5% dos casos de mieloma. É definida como o encontro de 20% ou > 2 x 109I f. de plasmócitos na contagem diferencial de sangue periférico. No sangue, entretanto, é raro o achado de plasmócitos. A infiltração da medula óssea por células neoplásicas leva a alterações do hemograma. Surgem anemia, leucopenia e plaquetopenia. Entretanto, pode haver infiltração medular com hemograma praticamente normal.

Parte 12

1036 Quadro 152.22

Crioglobulinemias.

Tipo de crioglobulinemia

Composição .1munoqu1mJCa '

Monoclonal

lgG lgM Bence-Jones lgA lgM-IgG lgG-IgG lgA-IgG

Mista

Policlonal

.

lgM-IgG lgM-IgG-IgA

Doenças associadas Mieloma Macrobulinemia de Waldenstrõm Leucemia linfoide crônica Artrite reumatoide Síndrome de Sjõgren Crioglobulinemia mista essencial Lúpus eritematoso sistêmico Artrite reumatoide Síndrome de Sjõgren Mononucleose infecciosa Infecção por citomegalovírus Hepatite aguda vira I Hepatite crônica Cirrose hepática Glomerulonefrite Endocardite Hanseníase

Calazar Esplenomegalia tropical

No plasmocitoma extramedular (extraósseo), os plasmócitos originam-se em tecidos outros que não o osso. São descritas infiltrações neoplásicas do aparelho respiratório, do aparelho digestivo, do tecido subcutâneo, do sistema nervoso, das glândulas salivares, dos linfonodos, da bexiga, do SNC, da mama, da tireoide, do testículo, da parótida e da pele. É frequente a associação a neoplasias epiteliais. A doença da cadeia pesada gama, ou doença de Franklin, é uma neoplasia de linfócitos, de linfócitos plasmocitoides e de plasmócitos que produzem somente uma das cadeias pesadas gama das imunoglobulinas. De acordo com o tipo da cadeia pesada, classifica-se essa doença em quatro tipos: gama, alfa, mu e delta. Clinicamente, a neoplasia pode envolver tecidos linfoides, sintomas sistêmicos e manifestações autoimunes. A amiloidose é causada por um plasmócito ou, mais raramente, por uma neoplasia linfoplasmocítica que secreta cadeia leve anormal completa ou fragmentos de uma imunoglobulina anormal. Denomina-se amiloidose o depósito extracelular de substância proteica com característica fibrilar em uma ou mais regiões do organismo. Essa substância fibrilar cora-se de róseo com a hematoxilina-eosina. Em nada se relaciona com o amido, como o nome pode sugerir, embora, após a coloração pelo iodo, ela adquira uma cor semelhante à dessa substância. Quimicamente, a substância amiloide é constituída por 90 a 95% de protema, sendo o restante de natureza hidrocarbonada (mucopolissacarídios), responsável por sua característica metacromasia tintorial. A composição química varia segundo o tipo da substância amiloide. Na chamada amiloidose primária e na amiloidose relacionada com o mieloma, a composição química é semelhante à observada nas cadeias leves das imunoglobulinas. Na amiloidose secundária, a estrutura é proteica, com 76 aminoácidos, e não está relacionada com cadeias leves de imunoglobulina, denominando-se proteína A ou amiloide A.

I Sistema Hematopoético

A amiloidose tem sido relacionada com a proliferação dos linfócitos B e de plasmócitos, especialmente o mieloma múltiplo, no qual há proteinúria elevada e proteinúria de Bence-Jones. Tais casos sempre foram rotulados como amiloidose primária, em contraposição aos de amiloidose secundária, que surge nos indivíduos que têm infecções crônicas e recidivantes, como tuberculose, doença reumatoide, osteomielite, hanseníase ou sífilis. De outro lado, a presença de estruturas amiloidogênicas próprias das cadeias leves das imunoglobulinas (porção variável) propicia sua fixação nos tecidos. Essas proteínas que circulam no sangue, ao atravessarem tecidos ricos em vasos capilares em que o fluxo circulatório é lento, podem precipitar-se, dando origem à substância amiloide. A smdrome de POEMS caracteriza-se por polineuropatia, por endocrinopatia com componente M e por lesões cutâneas.

Linfoma de Hodgkin O linfoma de Hodgkin (LH) é uma doença rara, de aspecto patológico característico. Esse linfoma leva o nome de Thomas Hodgkin, que o descreveu em 1832. Foi chamado de "doençà' durante longo tempo devido às incertezas de sua natureza neoplásica. Estudos moleculares comprovaram ser uma doença do tecido linfoide. Apesar de ter sido descrita em 1832 como fatal, o LH é considerado uma neoplasia de bom prognóstico. O LH representa cerca de 30% dos linfomas. Para a compreensão desse linfoma, é necessário conhecer: (1) a origem da célula tumoral; (2) a origem do infiltrado reativo ao redor das células Reed-Sternberg e (3) as distinções clínicas e patológicas entre os linfomas de Hodgkin e não Hodgkin. O linfoma de Hodgkin é distinto de todas os tipos de linfomas pelas suas características patológicas singulares e por suas características biológicas: a peculiar célula de Reed-Sternberg dentro de um exuberante infiltrado reativo, a sua tendência de se originar em um único grupo de linfonodos e o seu modo de disseminação passo a passo. Como resultado, o estadiamento clínico tem maior influência no tratamento do que nos linfomas não Hodkgin. Até recentemente, a natureza da célula de Reed-Sternberg (RS) era obscura. Esse mistério foi finalmente resolvido por estudos das células RS isoladas dos tecidos. Esses estudos demonstraram que, em todas os tipos de LH, exceto no subtipo com predominância linfocitária nodular, as células de RS apresentam rearranjo clonal para genes da cadeia pesada das imunoglobulinas e hipermutação somática, o que prova serem elas derivadas do centro germinativo de células B. A reação tecidual característica no LH ocorre em resposta a um estímulo por uma variedade de citocinas produzidas pelas células de RS. É um tumor que acomete principalmente linfonodos, baço e outros tecidos linfoides. O quadro clínico varia de acordo com os locais envolvidos e o tipo histológico (p. ex., os pacientes tendo o subtipo com predominância linfocitária geralmente apresentam doença localizada). Os sintomas constitucionais podem ocorrer em 25 a 30% dos casos, mais frequentemente na doença disseminada com febre, sudorese, queda progressiva do estado geral, adenomegalias, hepato e esplenomegalia e perda ponderal relevante (> 10% do peso nos últimos 6 meses). O comprometimento do estado geral dos pacientes pode ser discreto e a evolução, lenta. Em raras ocasiões, a doença evolui de modo agudo, levando rapidamente à caquexia e à morte.

152

I Doenças doSangue

O diagnóstico é realizado pelo encontro de células gigantes, em geral binucleadas, presentes em número variável nos linfonodos, na medula óssea e em outros tecidos, células essas denominadas células de Reed-Sternberg. As células RS apresentam citoplasma abundante, geralmente hiperbasófilo e finamente vacuolizado. Não são observados restos de material fagocitado, embora o aspecto lembre muito o dos histiócitos ou dos macrófagos. O núcleo pode ser único ou duplo (em espelho) e ter uma rede cromatínica delicada; aí se observam grandes massas nucleolares muito azuis. Admite-se que as células realmente proliferantes da neoplasia sejam elementos mononucleares menores, de tipo reticular, denominadas células variantes de RS. A classificação nos tipos predominância linfocitária, esclerose nodular, celularidade mista e depleção linfocitária relaciona-se com o aspecto histológico sem correspondência com o exame citológico.

Classificação do linfoma de Hodgkin Durante muito tempo foi usada a classificação que distinguia três tipos: granuloma, paragranuloma e sarcoma. Os tipos mais benignos eram os paragranulomas, nos quais havia aumento dos linfonodos, mas a estrutura deles estava mais ou menos conservada, com grande quantidade de linfócitos e raras células do tipo RS. Os tipos de sarcoma, ao contrário, indicavam desarranjo total da estrutura linfoide, presença de muitas células do tipo "reticular malignd' e de células gigantes de Reed-Sternberg típicas. A maior porcentagem (70%), porém, compreendia ao granuloma de Hodgkin com aspecto que lembra o de uma reação inflamatória: células linfoides normais, plasmócitos, eosinófilos, neutrófilos e fibrose em maior ou menor grau. Além desses elementos, o encontro de células de Reed-Sternberg típicas, volumosas, contendo núcleos únicos ou em espelho, cromatina frouxa com nucléolos grandes e muito basofílicos, definia o diagnóstico. Outras classificações foram aparecendo ao longo dos anos. Atualmente, a mais usada é a de Rye, nome da cidade em que se reuniu o grupo de patologistas que a propôs em 1966. Ela compreende os subtipos: (1) predominância linfocitária, (2) esclerose nodular, (3) celularidade mista e (4) depleção linfocitária. Em 1994, o grupo REAL dividiu o tipo predominância linfocitária em tipo nodular (PLN) e em LH clássico, rico em linfócitos. O LH clássico inclui a esclerose nodular (EN), a celularidade mista (CM) e o tipo de depleção linfocitária (DL). Em 2001, a OMS (Organização Mundial da Saúde) reviu a classificação REAL, considerando dois tipos de LH (Quadro 152.23): (1) linfoma de Hodgkin clássico, que compreende os subtipos EN, CM, DL e LH clássico rico em linfócitos (a EN foi dividida em tipos I ou II, de acordo com o número de células atípicas); e (2) predominância linfocitária nodular (PLN).

Quadro 152.23

OassificaçãodaOMSpara linfoma de Hodgkin.

• linfoma de Hodgkinclássico o Esclerose nodular o Celularidade mista o Depleção linfocitária o Rico em linfócitos • Predominância linfocitária nodular

1037 Os subtipos do linfoma de Hodgkin clássico são definidos deste modo: • Esclerose nodular (EN): este subtipo é mais comum em adultos jovens. É o subtipo de maior resistência do hospedeiro. Caracteriza-se pela presença de fibrose, que limita os agrupamentos linfocitários. Há células de RS típicas e células de contornos citoplasmáticos mais delimitados, denominadas células lacunares, cujas massas nucleolares são menores do que as das células de Reed-Sternberg. Pode estar associada ao vírus EBV, mas isso é raro • Celularidade mista (CM): é mais comum em homens mais idosos, mas pode ocorrer em adultos jovens e em crianças. A quantidade de células linfocitárias é menor do que no tipo predominância linfocitária e há células de Reed-Sternberg em maior número. São encontrados histiócitos, eosinófilos, neutrófilos, plasmócitos e tecido fibroso. Em 70% dos casos está associada ao vírus EBV • Depleção linfocitária (DL): este é um subtipo raro, exceto em portadores da síndrome do vírus da imunodeficiência humana (HIV-positivos). É característica a diminuição das células linfocitárias (a resposta do hospedeiro a essas células é escassa), sendo frequente o achado das células de Reed-Sternberg. Pode haver riqueza celular, à custa dos elementos reticulares sarcomatosos, ou o material ser muito pobre em células devido à proliferação de tecido fibroso. A maioria dos casos está associada ao vírus EBV, principalmente em pacientes HIV-positivos. • Rico em linfócitos (RL): este é um subtipo incomum, no qual a resposta celular consiste em linfócitos. Em cerca de 40% dos casos, estão associados a EBV. A predominância linfocitária nodular (PLN) é um subtipo incomum, em 5% dos casos, geralmente em homens jovens e de meia-idade, com início em linfonodos axilares ou cervicais. Há quantidade apreciável de linfócitos associados a células mononucleares típicas e atípicas (popcorn kernel-like), sendo raras ou ausentes as células de Reed-Sternberg. Essas células estão tipicamente dentro dos agregados nodulares de linfócitos B, os quais representam expansão de células B foliculares, estando os folículos linfoides conservados ou já com desarranjo folicular. Esse tipo não está associado ao vírus Epstein-Barr (EBV).

Estadiamento do linfoma de Hodgkin Consiste em avaliar o grau de disseminação da doença, dado importante para definir a terapêutica e o prognóstico de cada caso. É adotada a classificação estabelecida na cidade de Ann Arbor, em 1971, que considera os seguintes estágios: • Estádio I: comprometimento de uma região isolada de linfonodo (I) ou de um único órgão ou local extralinfático (IE) • Estádio Il: comprometimento de duas ou mais regiões de linfonodos não contíguas, mas situadas do mesmo lado do diafragma (II) ou de um órgão ou local extralinfático e em uma ou mais regiões de linfonodos do mesmo lado do diafragma (IIE). Eventualmente, pode haver doença no baço (IISE) • Estádio III: comprometimento de regiões de linfonodos situados em ambos os lados do diafragma. Pode incluir o baço (IIIS), um órgão ou local extralinfático (IIIE) ou ambos (IIISE) • Estádio IV: comprometimento disseminado de um ou mais locais extralinfáticos, com ou sem invasão de linfonodos (exemplos: medula óssea, pulmão, pele, sistema nervoso central etc.).

Parte 12

1038 Todos esses estádios podem ser divididos em dois grupos: (1) quando não estão presentes febre (> 38°C), sudorese e perda de peso (> 10% em relação aos últimos 6 meses) durante os últimos 6 meses; ou (2) quando os sintomas anteriormente relacionados estão presentes. O estadiamento pode ser clínico, baseado apenas em elementos propedêuticos e em exames laboratoriais ou patológicos. Ele se baseia no exame histopatológico da medula óssea e/ou de outros órgãos em que haja suspeita de infiltração tumoral. A biopsia de medula óssea deve ser feita de modo rotineiro, mesmo em centros menores, pois é de fácil realização e traz informações importantes. A presença de infiltração medular coloca o paciente no estádio IV, significando pior prognóstico mesmo na ausência de disseminação em órgãos linfoides. O estadiamento cirúrgico teve sua utilidade no passado, mas atualmente, com a evolução dos exames de imagem (tomografia com emissão de pósitrons- PET-CT), esse tipo de estadiamento está fora de uso. A laparoscopia com observação da cavidade abdominal e a biopsia do baço ou do fígado também podem ser empregadas para o estadiamento em situações especiais. As novas técnicas de estudo por meio de imagem (ultrassom, cintigrafia com gálio 67 e ressonância magnética) podem pôr em evidência a disseminação da doença em ossos, no abdome e na cavidade torácica.

I Sistema Hematopoético

A trombocitopenia é a causa mais comum de síndrome hemorrágica.

Alterações da hemostasia e da coagulação As alterações da hemostasia e da coagulação sanguínea incluem diferentes condições clínicas nas quais há tendência para sangramento ou, ao contrário, para a formação de trombos. Costuma-se considerar três grandes grupos: as púrpuras, as coagulopatias e as tromboses. .,. Púrpuras. Caracterizam-se pela presença de hemorragia do tipo petequial ou equimoses. .,. Coagulopatias. Geralmente manifestadas por grandes hemorragias, do tipo hematoma, que podem aparecer em diferentes locais do organismo, sendo características as hemartroses das grandes articulações. Enquanto nas púrpuras há alterações das plaquetas e dos vasos sanguíneos, nas coagulopatias há alterações dos fatores da coagulação sanguínea. .,. Tromboses. São condições em que há formação anormal de trombos no interior das veias ou das artérias. A fisiopatologia da trombose é caracterizada pela tríade de Virchow: lesão endotelial, lentificação do fluxo sanguíneo e aumento da coagulabilidade do sangue. Os dois primeiros relacionam -se com fatores adquiridos para a trombose e o último, em geral, com fatores genéticos.

• Doenças hemorrágicas

Púrpuras

A existência de doenças hemorrágicas fatais de ocorrência familiar é descrita na literatura médica desde o início do século 16. Os avanços na medicina laboratorial com foco especial em biologia molecular e nas técnicas de DNA recombinante propiciaram melhoras significativas tanto no diagnóstico como no tratamento dessas doenças. O diagnóstico das doenças hemorrágicas deve considerar as condições dos vasos (integridade anatômica, capacidade de vaso constrição), das plaquetas (número, funções de adesividade e de agregação), a coagulação do sangue e a formação e retração do coágulo. Os mecanismos hemostáticos normais são suficientes para tamponar qualquer dano vascular. Três sistemas biológicos intimamente ligados estão envolvidos nesse processo: plaquetas, vasos sanguíneos e proteínas da coagulação. Os fatores plasmáticos constituem a via intrínseca e a via extrínseca da coagulação. A anamnese e o exame físico fornecem pistas importantes no diagnóstico das doenças hemorrágicas. Assim, por exemplo, se a hemostasia inicial é aparentemente completa e dela segue hemorragia tardia, horas ou dias após a lesão, tal indica deficiência ou alteração da função dos fatores de coagulação, isto é, sugere "coagulopatia". Uma importante característica dos defeitos da coagulação é a persistência da hemorragia mesmo após tratamento local. Exemplos: suturas realizadas em hemofílicos causam hematomas em torno dos fios, provocando reabertura do ferimento. As síndromes hemorrágicas secundárias a defeitos das plaquetas e/ou dos vasos têm história de hemorragias múltiplas e polimorfas. A hemorragia, quando local, é única ou recidiva na mesma área. A característica dessas síndromes hemorrágicas é a variedade de sinais e de sintomas reconhecidos por anamnese bem dirigida, na qual se investigam com detalhes os episódios hemorrágicos (petéquias, equimoses, hematomas, epistaxes, menometrorragias, hemartroses, hemorragias digestivas, hemoptises e gengivorragias). A história familiar e os antecedentes pessoais têm grande valor diagnóstico.

As púrpuras caracterizam-se por hemorragias na pele e/ ou nas mucosas, as quais podem ser puntiformes (petéquias), ocorrendo isoladamente ou agrupadas, ou formar placas (equimoses) de cor vermelho-azulada. As equimoses aparecem com mais frequência nos locais em que traumatismos ocorrem ou nas áreas sujeitas a maior pressão venosa (membros inferiores). As púrpuras podem ser divididas em púrpuras plaquetárias e em púrpuras vasculares (Quadro 152.24). Nas púrpuras plaquetárias há diminuição (púrpuras plaquetopênicas) ou alteração qualitativa das plaquetas (trombocitopatias ou trombastenias). Caracteristicamente, o sangramento resultante das doenças plaquetárias é imediato e transitório. Tende a cessar prontamente com pressão local e não recorre quando a pressão é removida. Quando esse padrão de sangramento ocorre no período neonatal ou na infância, deve-se suspeitar de plaquetopatia congênita. Nas púrpuras plaquetopênicas a diminuição do número de plaquetas circulantes pode dever-se a três mecanismos: (1) diminuição da produção de megacariócitos na medula óssea, (2) aumento do armazenamento dos tipos circulantes (baço com aumento de volume) ou (3) excesso de destruição. Neste caso, há a ação, em geral, de um mecanismo imunológico (anticorpos antiplaquetas). A falta de produção, o aumento do armazenamento e o excesso de destruição das plaquetas podem ocorrer em várias enfermidades, congênitas ou adquiridas. A alteração pode ocorrer com as plaquetas ou com os megacariócitos (células precursoras) na medula óssea. As causas mais comuns de agressão às plaquetas ou ao megacariócito são os agentes infecciosos e os anticorpos antiplaquetas induzidos por ação de medicamentos. As causas de plaquetopenia estão relacionadas no Quadro 152.25. Nas púrpuras com alteração qualitativa ou funcional das plaquetas, o número delas é normal. Denomina-se trombocitose o aumento do número de plaquetas circulantes, o que pode ocorrer em condições fisiológicas, como após exercícios físicos, ou por aumento de sua pro-

152

I Doenças do Sangue

Quadro 152.24

1039

Classificação das púrpuras.

Doenças plaquetárias (alteração numérica ou funcional das plaquetas)

Primária

Distúrbios vasculares Osangue pode extravasar em consequência de:

Distúrbios da coagulação Outras alterações da coagulação que causam alteração numérica ou funcional da plaqueta

Púrpura trombocitopênica imune: as plaquetas são destruídas devido a anticorpos, púrpura amegacariocítica etc. Púrpura trombocitopênica Secundária Púrpura trombocitopênica causada por fatores externos (drogas, infecções, hemodiluição, aloimunização, circulação extracorpórea) Plaquetopatia (função alterada, com número normal) von Willebrand, Bernard Soulier, Glanzman, doença das plaquetas ànzentas etc. Suporte vasculardeficiente, púrpura senil/púrpura por uso de corticosteroides, escorbuto, síndrome de Ehlers-Danlos, telangiectasia hemorrágica hereditária Dano aos pequenos vasos vasculite (Henoch-Schonlein), sepse bacteriana, poliarterite Disproteinemia Crioglobulinemia mista, mieloma de células plasmáticas, amiloidose, macroglobulinemia de Waldenstrom Coagulação intravascular disseminada Trombocitopenia induzida por heparina- púrpura e necrose vascularsecundária a tampão plaquetário induzido por anticorpos anti plaquetas que oclui olúmen vascular Necrose secundária ao uso de varfarina

dução na medula óssea, havendo, então, nesses casos, elevação concomitante dos megacariócitos medulares. Essa situação pode estar presente em doenças infecciosas ou inflamatórias crônicas, nos linfomas e nos carcinomas, nos casos de asplenia, isto é, após ressecção cirúrgica do baço ou por sua atrofia e nas doenças mieloproliferativas (leucemia mieloide crônica, policitemia vera e mielofibrose). O termo t rombocitemia é reservado ao aumento do número de plaquetas que surge na chamada trombocitemia essencial (TE), doença mieloproliferativa na qual há proliferação exagerada de megacariócitos com produção aumentada de plaquetas, cujas morfologia e função são alteradas. É uma doença muito rara, à qual se associam fenômenos tromboembólicos, hemorragias e esplenomegalia geralmente acentuada.

Quadro 152.25

Causas de plaquetopenia.

Diminuição da produção Agressão ao parênquima medular

Aplasia Drogas/toxinas Hepatite Neoplasias

Distribuição normal

----~------------~--

Esplenomegalia

Hepatopatia Mielofibrose

Aumento da destruição Não imune CIV

Síndrome hemolítico-urêmica (SHU) Púrpura trombocitopênica trombótica (Pn) Síndrome HELLP

Defeitos congênitos

Imune

Anemia de Fanconi Síndrome TAR Rubéola Anomalia de May-Hegglin Síndrome Wiskott-Aidrich

Induzida por substâncias (sulfonamidas, sais de ouro, quinidina, ciclosporina, tracolimus, heparina) Secundária ao LES, tireoidite, colite Aloimune (neonatal ou pós transfusão) Doenças linfoproliferativas (LNH, LLC) Doenças infecciosas (AIDS) Púrpura trombocitopênica imune (PTI)

Produção insu~ciente

Deficiência de cobalamina/ folato

CIV =coagulação íntrava.scular; TAR = trombocitopenía com rádio au.sente; LES = lúpu.s erítemato.so si.stêmíco; LNH = línfoma não Hodgkín; LLC = leucemia línfodtica crônica.

As trombocitopatias são doenças hereditárias, muito raras, em que a morfologia das plaquetas pode estar alterada (plaquetas gigantes, doença de Bernard-Soulier) ou condições em que apenas os testes da função plaquetária se alteram. Algumas vezes ocorre deficiência de função com discreta plaquetopenia do tipo adquirido, causada por m edicamentos (anti-inflamatórios, antidepressivos) ou por algumas doenças (uremia, macroglobulinemia, mielofibrose, coagulação intravascular disseminada e púrpura trombocitopênica t rombótica). Os exames laboratoriais para determinar qual anomalia está presente são vários e complexos e somente o conjunto deles pode definir o diagnóstico final. As púrpuras vasculares são aquelas em que a lesão vascular é considerada como a principal causa das manifestações hemorrágicas. Incluem-se entre elas várias afecções: (1) púrpura vascular autoimun e: como a púrpura alérgica (Henoch-Schõnlein) ou a púrpura produzida por medicamentos; (2) púrpura infecciosa: que surge no sarampo e na meningococcemia; (3) púrpuras vasculares hereditárias: incluindo a telangiectasia, a púrpura de Ehlers-Danlos, em que há alteração do tecido conjuntivo; e (4) outros tipos, como o escorbuto, a púrpura senil e a púrpura das paraproteinemias. Em algumas doenças, como na telangiectasia hereditária e nas púrpuras das paraproteinemias, concomitantemente à lesão vascular há alterações qualitativas das plaquetas. A prova do laço é positiva nas púrpuras vasculares. .,.. Púrpura trombocitopênica imunológica (PTI). É uma doença autoimune que afeta adultos e crianças, sendo a causa mais comum de plaquetopenia. É uma plaquetopenia adquirida na qual anticorpos antiplaquetas atuam n a gênese da doença. Esses anticorpos atuam opsonizando as plaquetas, levando à remoção precoce pelo sistema reticuloendotelial, em associação a uma diminuição na produção das plaquetas pela medula óssea. A plaquetopenia ocorre em graus variados, havendo pacientes assintomáticos, assim como sangramento cutaneomucoso. Em crianças, ocorre remissão espontânea na maioria dos casos. Entretanto, cerca de 15% dos pacientes pediátricos desenvolverão a apresentação crônica da doença. No adulto, a doença é insidiosa e muitas vezes oligossintomática, sendo frequente o encontro de plaquetopenia em exames de rotina. As queixas in cluem sangramento cutaneomucoso em graus variados. A mulher em idade fértil é mais acometida do que o homem .

1040 O diagnóstico da PTI é sempre de exclusão, em que o encontro de plaquetopenia sem outras causas confirma o diagnóstico. Os elementos-chave para o diagnóstico da PTI incluem história familiar negativa para hemorragias e história de doença hemorrágica aguda. Pode estar associada à doença linfoproliferativa ou a colagenoses. Nas crianças, pode ocorrer associação a vacinação ou virose próxima ao evento hemorrágico. No exame, encontramos sangramento cutâneo mucoso, petéquias e equimoses e ausência de hepato ou esplenomegalia ou adenomegalia. Quando esses achados de exame físico estão presentes, devemos suspeitar de associação a doença linfoproliferativa. O hemograma é normal, exceto pela plaquetopenia, que pode ser acentuada. A pesquisa de anticorpo antiplaquetas é inespecífica. O mielograma pode evidenciar hipercelularidade no setor megacariocítico, mas pode estar normal, sendo, portanto, de pouca utilidade diagnóstica. .,.. Doença de von Willebrand (DvW). Doença hemorrágica descrita em 1926, cujo defeito básico comum a todas as variantes é a deficiência de um ou mais aspectos da atividade funcional do fator de von Willebrand (FvW). É a doença hemorrágica congênita mais comum, afetando homens e mulheres. A doença de von Willebrand (DvW) afeta predominantemente a hemostasia primária. Defeitos qualitativos e quantitativos do FvW são causados por várias mutações genéticas, o que determina um quadro clínico variado em relação a hemorragias, que podem ser leves ou muito graves, exibindo um comportamento semelhante ao da hemofilia. Esta doença caracteriza-se por sangramento cutâneo mucoso ou por hemorragia no pós-operatório, incluindo epistaxe, sangramento anormal após extração dentária, menorragia nas mulheres e sangramento após pequenos traumas. O FvW serve como proteína transportadora do fator VIII da coagulação, formando com este o complexo proteico FVIII-FvW, que é capaz de servir de suporte à adesão das plaquetas ao endotélio do vaso lesado. A maior quantidade do FvW produzida pelas células endoteliais permanece no plasma, circulando sob o tipo complexo FVIII-FvW Entretanto, certa parte (15 a 20%) é armazenada nos grânulos alfa das plaquetas, de onde pode ser liberada em resposta à ação de certas substâncias, como a trombina e o ADP. As formas adquiridas podem ocorrer em doenças autoimunes e linfoproliferativas, em que uma paraproteína se liga ao FvW, acelerando seu clareamento da circulação e produzindo um padrão da doença tipo 2A ou tipo 3. Nesses casos, suspeita-se da presença de um fator inibidor do complexo proteico VIII-FvW. Pode ocorrer também, em associação à síndrome mieloproliferativa, quando há plaquetose. Há descrição de associação com o hipotireoidismo. A estenose aórtica grave pode levar à clivagem anormal do FvW, causando uma DvW adquirida. A valvuloplastia da valva estenosada corrige a doença hemorrágica. .,.. Síndrome de Bernard-Soulier. É um distúrbio constitucional, de herança autossômica e recessiva, sendo o relato de consanguinidade comum. Caracteriza-se por hemorragias cutaneomucosas. O tempo de sangria é prolongado. A plaquetopenia é de leve a moderada. As plaquetas são gigantes. Não há agregação plaquetária induzida pela ristocetina. As glicoproteínas Ih-IX-V da membrana plaquetária estão envolvidas no processo fisiopatológico decorrentes de mutação genética. Esse complexo glicoproteico atua como receptor da membrana para o fator de von Willebrand na hemostasia . , . pnmana.

Parte 12

I Sistema Hematopoético

.,.. Trombastenia de Glanzmann. Distúrbio constitucional, de herança autossômica e recessiva. Hemorragias cutaneomucosas fazem parte do quadro clínico. A diátese hemorrágica é caracterizada por tempo de sangramento prolongado, por retração do coágulo ausente, por número de plaquetas normais e por ausência de agregação plaquetária em resposta aos agonistas ADP, colágeno, ácido araquidônico e trombina. A agregação induzida pela ristocetina e o fator de von Willebrand são normais. As plaquetas ficam isoladas nos esfregaços de sangue periférico, sem formar agregados. Esse defeito na função plaquetária está associado à deficiência ou à disfunção da integrina a.nbl3m (complexo GPIIb/IIIa), que atua como receptora para o fibrinogênio e para o fator de von Willebrand (FvW) nas plaquetas ativadas. Observa-se ausência de antígenos plaquetários específicos. .,.. Deficiência dos grânulos « ou síndrome de plaquetas cinzentas. É uma doença constitucional de natureza supostamente hereditária. As hemorragias são discretas. O tempo de sangria encontra-se discretamente aumentado. A plaquetopenia é moderada e há ausência de grânulos alfa nas plaquetas, o que determina a aparência cinzenta nos esfregaços de sangue. A agregação com ácido araquidônico está (inconstantemente) diminuída após a adição de colágeno e de trombina. Há liberação anormal de serotonina. Encontram-se os seguintes defeitos: alfagrânulos defeituosos e/ou anormais e alteração dos constituintes normalmente armazenados nos alfagrânulos plaquetários. São estes: fibrinogênio, fator de von Willebrand (fator VIII/FvW), fibronectina, trombospondina, betatromboglobulina, fator IV plaquetário e PDGF (fator de crescimento derivado de plaquetas). Há excesso de produção do PDGF e isso explica a fibrose medular que acompanha a doença. ... Defiáências do pool de reserva das plaquetas. Incluem as anomalias dos grânulos delta, dos grânulos alfa e a deficiência concomitante dos grânulos delta e alfa. .,.. Doença do pool de grânulos delta. É uma doença constitucional, autossômica e dominante. Ocorrem hemorragias discretas. O tempo de sangria é moderadamente aumentado. Há diminuição da agregação plaquetária com colágeno e com trombina. Ausência da segunda onda de agregação após a adição de ADP e de epinefrina. A agregação com ácido araquidônico está (inconstantemente) diminuída. Observam-se os grânulos densos das plaquetas reduzidos. Como consequência, há diminuição dos constituintes normalmente presentes nesses grânulos: nucleotídios, cálcio e serotonina. Alterações desse pool de reserva foram encontradas em outras doenças constitucionais (doença de Chédiak-Higashi e síndrome de Wiskott-Aldrich), em doenças autoimunes, na coagulação intravascular disseminada e em síndromes mieloproliferativas. ... Defiáências associadas dos grânulos alfa e delta das plaquetas. Nessa deficiência, o defeito parece estar relacionado com a morfogênese anormal dos grânulos nas células precursoras (megacariócitos) . .,.. Pseudovon Willebrand. É uma doença constitucional que secaracteriza por apresentar hemorragias discretas. As plaquetas são de tamanho grande e pode haver plaquetopenia discreta e aumento do tempo de sangria. .,.. Púrpura de Henoch-Schonlein. Púrpura não trombocitopênica que surge associada a urticária, vasculite, comprometimento renal e sintomas gastrintestinais. A etiologia é desconhecida. Ocorre leucocitose e hemossedimentação acelerada, enquanto os testes de coagulação, a contagem de plaquetas e a dosagem de complemento são normais.

152

I Doenças do Sangue

1041

Coagulopatias As coagulopatias dividem-se em hereditárias e adquiridas. Todas as coagulopatias hereditárias apresentam o mesmo quadro clínico, caracterizado por sangramentos espontâneos ou após pequenos traumas. As hemorragias aparecem sob a apresentação de hemartrose, de hematomas subcutâneos ou intramusculares, de hemorragias no trato digestivo ou urinário e de hemorragia cerebral. As coagulopatias hereditárias são pouco frequentes e advêm da deficiência constitucional de um dos fatores da coagulação sanguínea, recebendo sua denominação de acordo com o fator que está diminuído ou ausente. As deficiências dos fatores I a VII nas coagulopatias hereditárias são encontradas no Quadro 152.26. Nas coagulopatias hereditárias, a transmissão é feita por mecanismo de herança direta a partir de pais doentes ou portadores dos defeitos genéticos e há o comprometimento de um único fator de coagulação. A incidência de coagulopatia recente em famílias sem antecedentes dessas doenças sugere o aparecimento de alterações genéticas dos tipos mutação, deleção ou translocação dos genes responsáveis pela síntese das proteínas ativas da coagulação. A hemofilia A é a coagulopatia hereditária mais comum. Meta um em cada 10.000 meninos nascidos vivos e a distribuição é igual entre os grupos étnicos. É de herança ligada ao sexo, na qual as mulheres são portadoras e os homens são doentes. Na hemofilia A o fator de coagulação deficiente é o fator VIII e na hemofilia B é o fator IX. Ambas apresentam a mesma apresentação clínica e a gravidade da doença ocorre de acordo com a quantidade do fator deficiente (Quadro 152.27). O comprometimento muscular esquelético é frequente na hemofilia grave, sendo as articulações dos joelhos, dos tornozelos e dos cotovelos as mais acometidas. Se não tratadas, o sangramento recorrente leva à sinovite crônica, podendo resultar em deformidade articular, como a anquilose. O sangramento muscular pode ocorrer em qualquer agrupamento muscular, sendo os mais comuns os da

Quadro 152.26

Coagulopatias hereditárias mais comuns. Alteração do fibrinogênio (hipofibrinogenemia, afibrinogenemia e disfibrinogenemia) Deficiência de protrombina ou hipoprotrombinemia Deficiência da proacelerina Deficiência da proconvertina Hemofilia A(deficiência do fator anti-hemofnico) Hemofilia B(deficiência do componente tromboplástico do plasma fator Christmas) Deficiência do fator Stuart-Prower Deficiência do antecedente tromboplástico do plasma Deficiência do fator Hageman, fator contato Deficiência do fator estabílizador da fibrina

Fator I Fator 11 Fator V Fator VIl Fator VIII Fator IX Fator X Fator XI Fator XII Fator XIII

Quadro 152.27

Oassificação das hemofilias.

Concentração do fator de coagulação deficiente

Tendênda hemorrágica

Incidência relativa (%)

< 1%

Grave: hemartroses frequentes,

50

hematomas musculares e sangramento nos órgãos internos Moderada: sangramentos espontâneos em menor frequência e a pequenos traumas, pós-cirúrgicos Leve: sangramento significante após grandes traumas, pós-cirúrgico

2 a 5%

> 5 a 45%

30

20

coxa, os da panturrilha e os da parede posterior do abdome (Figura 152.8). Podem ocorrer episódios de hematúria macroscópica, assim como sangramento no trato digestório. Hemorragia intracraniana, apesar de infrequente, leva a risco de morte e caracteriza urgência médica.

Localizações "perigosas" de certas hemorragias musculares ou hematomas Palato e língua Cavidade do olho ......, Região cervical Face anterior do antebraço





Nervo mediano

Lado direito do abdome (superficial)



Palmada mão

Psoas (hematoma profundo)

Músculos da região glútea ( J

\

r . Face posterior do joelho

Músculo da coxa

~

Pantu rrilha

distensores

do pé

(

'

Figura 152.8 Hemorragias de risco com localização em músculos ou em partes moles que podem evoluir para complicações graves (síndrome compartimental) e/ou perda de função do membro acometido.

1042 As coagulopatias adquiridas formam um grupo heterogêneo de enfermidades. Nesse grupo de doenças, o defeito é múltiplo, associando-se a alterações vasculares, plaquetárias e a deficiências de um ou mais fatores de coagulação. Por isso, para a elucidação diagnóstica, os testes devem abranger todas as fases da coagulação. As coagulopatias são divididas em: (1) por destruição e consumo acelerado dos fatores da coagulação (p. ex., coagulação intravascular disseminada e fibrinólise); (2) por deficiência causada por doenças do fígado; (3) pela presença de inibidores patológicos da coagulação (p. ex., antitrombina, antifator VIII, antifator IX, antifator X, antifator XI); esses inibidores são encontrados em decorrência de doenças autoimunes, em processos neoplásicos ou secundários ao tratamento, como acontece, por exemplo, na hemofilia, em que o paciente desenvolve um inibidor de coagulação contra o fator deficiente; pequena porcentagem (5 a 10%) dos portadores de lúpus eritematoso sistêmico desenvolve um anticoagulante conhecido como ((anticoagulante lúpico"; o nome é inadequado, pois, na maioria das vezes, esses pacientes apresentam trombose mas não hemorragias; a natureza desse inibidor ainda não está completamente esclarecida; é uma imunoglobulina, na maioria das vezes IgG, mas, ocasionalmente, IgM, a qual interfere ou inibe vários fatores, principalmente da via intrínseca da coagulação; e (4) por outros distúrbios da coagulação (p. ex., após circulação extracorpórea, uso de medicamentos, leucemias e mieloma de células plasmáticas). .,.. Coagulação intravascular disseminada (CIVD). É uma síndrome que tem como causa diversas doenças, mas sempre com desequih'brio nos mecanismos de coagulação e de fibrinólise. Resulta da formação de quantidade anormal de trombina intravascular com a participação dos fatores das vias intrínseca e extrínseca da coagulação. A ativação da coagulação dá origem a depósitos de fibrina em pequenos vasos. Ocorre a liberação do ativador tecidual de plasminogênio (t-PA) no endotélio. A plasmina resultante ataca a fibrina recém-formada e o fibrinogênio circulante, estabelecendo-se fibrinólise e fibrinogenólise. Na maior parte das vezes, resulta em um quadro hemorrágico muito grave por alteração dos fatores da coagulação. Essa alteração é denominada coagulopatia de consumo, que ocorre como consequência da formação de microtrombos disseminados. Associam-se ainda anemia hemolítica microangiopática e púrpura plaquetopênica. Clinicamente, encontram-se manchas purpúricas e equimóticas, hemorragias em órgãos vitais (cérebro) e no aparelho digestivo, que levam ao estado de hipovolemia e de choque. A icterícia secundária à anemia hemolítica microangiopática faz parte do quadro. Pode haver insuficiência cardiocirculatória. Sepse e neoplasias são responsáveis por mais da metade dos casos de CIVD. Não existe um único teste laboratorial para o diagnóstico. Laboratorialmente, observamos tempo de protrombina alargado, tempo de tromboplastina alargado, plaquetopenia em graus variados, consumo de fibrinogênio e aumento da degradação da fibrina observada pelo aumento de dímeros D. .,.. Coagulação intravascular disseminada e doenças assoáadas. A coagulação intravascular disseminada é desencadeada por substâncias ou por manobras que propiciam o início da coagulação sanguínea. Uma vez iniciado o processo, o indivíduo tem tendência a manifestar quadro hemorrágico, que pode ter manifestações clínicas ou ser subclínico. O quadro hemorrágico está associado ao consumo dos fatores de coagulação e à plaquetopenia, embora inúmeros fatores estejam envolvidos, tais como função plaquetária anormal secundária a falência renal

Parte 12

I Sistema Hematopoético

e diminuição da síntese dos fatores de coagulação secundária à falência hepática. Infecções. Septicemia por meningococo, por estafilococo, por gram-negativos, por malária, por viroses (hepatite, HIV). Causas obstétricas. Descolamento prematuro da placenta, retenção de feto morto e de placenta, toxemia gravídica, septicemia pós-aborto ou parto, embolia por líquido amniótico. Neoplasias. Neoplasias da próstata, do pulmão, do estômago, do pâncreas, de leucemia aguda promielocítica. lmunocomplexos. Reações transfusionais por incompatibilidade ABO, reação anafilática, vasculite. Traumatismos. Politraumatismos, embolia gordurosa, grande queimado.

Intervenções cirúrgicas. Doenças hepáticas. Cirrose, hepatite, hepatoma. Outras. Hipoxia, veneno de cobra, dissecção aórtica, hemangioma gigante (síndrome de Kasabach-Merritt), aneurisma de grandes vasos (aorta) hemólise, rejeição a transplante, uso de drogas ilícitas, pancreatite. Os principais fatores desencadeantes são: • Produção de substâncias tromboplásticas (células neoplásicas, traumatismos) • Lesões endoteliais extensas • Ativação plaquetária (septicemia, vasculites, imunocomplexos). Os fatores favorecedores são: • Alterações dos inibidores da coagulação (exemplo: deficiência de antitrombina (AT) • Bloqueio do sistema monocítico-macrofágico. Os fatores agravantes são: • Insuficiência circulatória que favorece a trombose • Diminuição da atividade fibrinolítica. A trombose que ocorre ao lado das hemorragias é menos frequente e, em geral, menos grave. Formam-se trombos em pequenas artérias e/ou em veias periféricas ou de órgãos, que provocam necroses de localização variada (extremidades, rins) ou tromboflebites. A trombose da micro circulação pode ser precipitada por deficiência de proteínas anticoagulantes naturais, bem como perda de receptores vasculares como a trombomodulina. A disfunção endotelial pode também provocar a depleção de óxido nítrico, resultando em falta de inibição da ativação plaquetária. .,.. Fibrinólise primária. Associa-se à doença hepática ou ao carcinoma de próstata. Há fibrinólise, com consumo de fibrinogênio, sem haver ativação da coagulação. Como consequência, há hemorragias muito graves que podem levar à confusão com o quadro de CIVD. Na fibrinólise não há consumo dos fatores da coagulação; as plaquetas estão em número normal, o tempo de protrombina é normal, mas o fibrinogênio é muito baixo. Os testes de coagulação, a contagem de plaquetas e a observação de esfregaços do sangue periférico fazem o diagnóstico diferencial entre CIVD e fibrinólise . .,.. Hepatopatias. Grande parte dos fatores pró-coagulantes, as proteínas anticoagulantes naturais e os inibidores da coagulação são sintetizados no fígado. O fígado também participa do processo de clareamento dos fatores de coagulação ativados, presentes na circulação sanguínea. A síntese dos fatores Il, VII, IX e X (vitamina K-dependentes) e dos fatores I, V, XI, XII e XIII (não dependentes de vitamina K) pode estar muito prejudicada nessas doenças.

152

I Doenças doSangue

1043

Pode-se calcular a importância do órgão em relação à coagulação sanguínea. Quando está comprometido, ocorrem anomalias múltiplas e os testes laboratoriais detectam-nas . ou menor prec1sao. .com ma10r O Quadro 152.28 exemplifica as alterações mais frequentes da falência hepática. .,. Anticoagulantes circulantes. Atuam diretamente sobre os fatores da coagulação. São, portanto, inibidores adquiridos da coagulação. Exemplo: anticoagulante contra fator VIII:C. Provocam quadro clínico semelhante ao da hemofilia. Costumam incidir em portadores de distúrbios do sistema imune, como na doença reumatoide. O lúpus eritematoso sistêmico pode apresentar atividade anticoagulante que interfere na conversão da protrombina em trombina. Os pacientes em geral não sangram; ao contrário, há maior tendência às tromboses. Quando ocorre hemorragia, há plaquetopenia e, com frequência, hipoprotrombinemia. Quando os pacientes recebem imunossupressores ou corticoides, o anticoagulante desaparece. .,. Circulação extracorpórea. A hemorragia pode aparecer como complicação nesses casos, em geral pela presença da heparina no sangue transfundido e, também, por plaquetopenia. Mais raramente, associam-se a uma coagulação intravascular disseminada e à hiperfibrinólise.

Diagnóstico das síndromes hemorrágicas Para facilitar a investigação laboratorial do paciente com hemorragia, a Figura 152.9 é apresentada adiante.

Quadro 152.28

Alterações encontrêlias nos portadores de falênda ~ica.

Diminuição da síntese dos fatores de coagulação: • Diminuição da síntese • Defidência de vitamina K • Aumento do dearance • Fatores de coagulação anormais devido à hipocarboxilação Plaquetopenia: • Sequestro esplênico ou hepático • Deficiência da trombopoetina • Destruição devido atoxinas ou anticorpos antiplaquetas Disfibrinogenemia: • Conteúdo de ácido siálico anormal Hipofibrinogenemia: • Diminuição da síntese • Perda paraoespaço intravascular ascite • Aumento do catabolismo • Perda devido a hemorragiamaciça Fibrinólise anormal: • Aumento da secreção ediminuição da do clareamentodo ativador tecidual do plasminogênio Diminuição da síntese de a-2-antiplasmina, plasminogênioeinibidor da fibrinólise ativado pelatrombina Infecções Heparinoides endógenos: • Atividade do anti-FXa

Trombose A trombose pode ocorrer em artérias ou em veias. Pode ser adquirida ou congênita. A condição clínica na qual existe uma propensão para desenvolver trombose é definida como estado de hipercoagulabilidade ou trombofilia. Entretanto, não há consenso na definição de trombofilia.

PLT: Normal TP: Normal TTPa: Normal

Disfunção da célula sinusoidal Insuficiência renal Hipotermia

PLT: < 50.000/lll TP : Normal TTPa: Normal

Testes básicos para função PLT

PLT: Normal TP: Normal TTPa: Alargado

PLT: Normal TP: Alargado TTPa: Alargado

Teste FvW

I

l

Pos.

Pos.

Neg.

Neg.

r

Testes específicos para função PLT

Considerar coagulopatias

Teste FvW

Considerar coagulopatias

I

r

Pos.

Pos.

Neg.

r

Plaquetopatia congênita

DvW

Deficiência de fator XII Deficiência de APA2 Doença vascular

ITrombocitopenia I IDvW I

Diagnóstico final Figura 152.9 Algoritmo para investigação laboratorial de um paciente com sangramento agudo. PLT = plaquetas;TP =tempo de protrombina; TIPa =tempo de tromboplastina parcial ativada; FvW =fator de von Willebrand; DvW =doença de von Willebrand. (Adaptada de Watzke HH. Clinicai Hematology; 2006.)

Parte 12

1044 .,. . Trombose arterial. Tem como causa a lesão do endotélio vascular. A patogênese da trombose arterial é complexa e depende da progressão da aterosclerose, da instabilidade e da ruptura da placa e da embolização do trombo associado à placa ateromatosa Aproximadamente 20% dos acidentes vasculares encefálicos são causados por êmbolos de origem cardíaca e sua ocorrência pode ser significativamente reduzida pelo uso de anticoagulantes orais nos portadores de fibrilação atrial, de disfunção ventricular esquerda grave e em portadores de valvuloplastias metálicas. .,. . Trombose venosa. O tromboembolismo venoso é uma doença comum, com uma incidência de aproximadamente 1:1.000 pessoas, havendo aumento com a progressão da idade. A trombose ocorre frequentemente nas veias dos membros inferiores, resultando em sintomas agudos, tais como dor e edema da perna acometida e dilatação das veias superficiais colaterais. Pode também causar danos permanentes nas paredes venosas e insuficiência venosa crônica em mais de um terço dos pacientes. Eles terão graus variados de edema nas pernas, dor e ulceração. Quando o trombose forma em veia periférica ou nas cavidades direitas do coração, a consequência será o tromboembolismo pulmonar (TEP). Quando se forma nas cavidades atrial ou ventricular esquerdas, o êmbolo pode alojar-se na circulação cerebral, renal ou nos membros inferiores. O reconhecimento do tromboembolismo venoso (TEV) é importante devido ao aumento da morbidade, do risco de TEP fatal e também devido às suas sequelas: alto risco de TEV recorrente, síndrome pós-flebítica e hipertensão pulmonar. Causas de TEV estão listadas no Quadro 152.29. Dessa forma, a fisiopatologia difere nos casos de trombose arterial ou venosa e, consequentemente, a terapêutica. Os antiagregantes são indicados na trombose arterial enquanto os anticoagulantes são usados nas tromboses venosas.

• Baço O baço pode ser descrito como um lago venoso intercalado na circulação sanguínea de retorno. Sua dimensão é pequena (8 a 13 em de comprimento x 7 em largura x 3 em espessura) e o peso representa, em média, 0,1 a 0,2% (50 a 80 g) do peso corpóreo de um indivíduo adulto normal. Exerce função de imunovigilância (clareamento de microrganismos e de antígenos provenientes da circulação sanguínea, síntese de imunoglobulinas, properdina) e hematopoese (remoção de eritrócitos envelhecidos, hematopoese embriológica). A estrutura anatômica é simples, não existindo um tecido próprio do órgão. É constituído por uma cápsula fibrosa externa revestida por células peritoneais da qual partem septos ou trabéculas fibrosas que se ramificam e formam guias para a entrada de vasos e de nervos no parênquima esplênico.

Quadro 152.29

I Sistema Hematopoético

No interior do baço reconhecem-se duas regiões funcionalmente distintas: a polpa branca e a polpa vermelha. A primeira compreende, basicamente, os folículos linfoides ou linfonodos, enquanto a segunda é formada pelos cordões de Billroth e pelos sinusoides vasculares. Os cordões de Billroth formam uma estrutura reticular na qual desembocam finas arteríolas que trazem células sanguíneas circulantes, como eritrócitos, neutrófilos, linfócitos, monócitos e eosinófilos. Os sinusoides constituem os primeiros elementos do sistema vascular eferente. Têm a forma de ampolas revestidas por células endoteliais que repousam sobre uma fina membrana basal, ao longo da qual se situam células adventiciais que têm atividade macrofágica. Esses macrófagos são elementos de defesa importantes, encarregando-se de fagocitar germes patogênicos, como bactérias capsuladas, parasitos etc., assim como restos celulares presentes no sangue que circula no local. O contingente linfocitário do baço, presente nos linfonodos como no restante do parênquima, tem função dinâmica ligada ao reconhecimento de substâncias antigênicas trazidas pela circulação. A interação entre linfócitos T circulantes (células de memória), linfócitos B presentes no baço e macrófagos é importante para uma resposta imunológica normal do órgão. Em condições normais, o baço não é palpável, embora possa ser palpado em 2 a 3% de indivíduos hígidos, principalmente adolescentes e pessoas longilineas. A quantidade de sangue que circula por minuto no baço é grande, da ordem de 300 m.e. A passagem das células sanguíneas na circulação esplênica faz-se com certa dificuldade mecânica, resultando sofrimento celular, especialmente para os eritrócitos. Isso porque os sinusoides apresentam um diâmetro de 3 ~ e os eritrócitos de 7 ~- A recirculação dessas células nesse ambiente em que haja anoxia relativa faz com que, ao final de 80 a 100 dias, elas estejam alteradas, sendo então fagocitadas por macrófagos da polpa vermelha. Em média, 0,4% dos eritrócitos são destruídos por dia. As principais funções do baço em um indivíduo adulto são: • Linfopoética e imune: o baço é um dos locais do tecido linfoide periférico (ou secundário), em que ocorre a diferenciação antígeno-dependente da linhagem linfoide e é um local de síntese de anticorpos (resposta imune humoral e celular). Ele pode ser chamado de "superlinfonodo", pois é importante para uma resposta a antígenos de bactérias, tais como Streptococcus pneumoniae, Haemophilus influenzae e

Neisseria meningitidis • Hemocaterese (ocorre na polpa vermelha): destruição de eritrócitos senescentes ou defeituosos ou ainda sensibilizados por qualquer tipo de anticorpos, por fixadores ou não

Causas de TEV.

Inevitáveis/meio ambiente

latrogênica

Relaàonadas com doenças

Envelhecimento Gestação e puerpério Imobilização prolongada devido a viagens longas Desidratação

Imobilização devido a pós-operatório Cateter venoso de demora Farmacológico: estrógenos (contraceptivos, terapia de reposição hormonal, tamoxifeno), quimioterapia, heparina, tratamento pró-coagulante

Síndrome do anticorpo antifosfolipídio Tumor sólido, neoplasias hematológicas (síndrome mieloproliferativa, leucemia promielodtica aguda) Doença inflamatória Doença hematológica (hemoglobinúria paroxística noturna, doença falciforme, púrpura trombocitopênica trombótica) Usuários de drogas injetáveis

152

I Doenças doSangue

de complemento e de bactérias, por restos celulares, por corpúsculos de Jolly e de Heinz • Hematopoética: desde o segundo até o sexto mês de vida intrauterina; após, retoma à sua função em condições patológicas • Reservatório (armazenamento) de células sanguíneas: em condições normais, 20 a 40% são retidas no baço em equilíbrio dinâmico com as células que circulam • Remodelagem de eritrócitos jovens e reaproveitamento do ferro liberado após sua destruição.

.,. Causas de esplenomegalia. Hipertrofia devido ao aumento da atividade imune (endocardite bacteriana subaguda, mononucleose infecciosa, LES, síndrome de Felty). Hipertrofia devido ao aumento da destruição de eritrócitos (hemoglobinopatias). Congestiva (trombose de veia esplênica, hipertensão portal). Doenças mielo ou linfoproliferativas. Infiltrativa (sarcoidose, doença de Gaucher). Outras causas (cistos, hemangiomas, trauma).

Hiperesplenismo, hipoesp/enismo eanesplenismo Os termos hiperesplenismo, hipoesplenismo e anesplenismo são usados para indicar que o baço está com sua função aumentada, diminuída ou ausente, respectivamente. Quadro 152.30

1045 De modo geral, mas não obrigatoriamente, quando o órgão está aumentado em seu volume - esplenomegalia - costuma haver hiperesplenismo. Essa é uma condição definida quando ocorre: esplenomegalia associada à citopenia (isolada ou combinada), hipercelularidade da medula óssea e correção das citopenias após esplenectomia. Exemplos de doenças que cursam com hiperesplenismo: malária, calazar, anemias hemolíticas, hipertensão portal. No hipoesplenismo e no anesplenismo há redução das polpas branca e vermelha. Exemplo típico é o anesplenismo presente na doença falciforme do adulto. As crises hemolíticas repetidas provocam infartos do órgão, a consequente substituição do parênquima celular por fibrose e o posterior depósito de cálcio. O baço torna-se reduzido em seu volume e hipofuncionante. Os baços volumosos frequentes na talassemia e na mielofibrose também são hipofuncionantes. As células linfocitárias e os macrófagos normais são substituídos por precursores eritrocitários ou granulocíticos que caracterizam a metaplasia mieloide encontrada nesses casos. O exame do sangue periférico revela a presença de eritrócitos contendo grãos de ferro (siderócitos), pontuação basófila, corpúsculos de Howell-Jolly e de Heinz. No Quadro 152.30 estão enumeradas as principais causas de esplenomegalia que podem ser ou não acompanhadas de disfunção esplênica.

Causas de esplenomegalia.

Esplenomegalias infecciosas e inflamatórias • Agudas e subagudas: febre tifo ide, septicemias, abscessos do baço, mononucleose infecciosa, endocardite bacteriana • Crônicas: tuberculose, sífilis congênita, malária, calazar, tripanossomíase, histoplasmose, sarcoidose, síndrome de Felty, lúpus eritematoso sistêmico Esplenomegalias congestivas (hipertensão portal} • Cirrose do fígado • Trombose da veia porta • Obstrução da veia esplênica • Transformação cavernosa da veia porta Esplenomegalias reativas ou hiperplásicas (reação dos elementos linforretículo-histiomaaofágicos) • Anemias hemolíticas de vários tipos: anemia esferocítica constitucional eadquirida; anemias crônicas com componente de destruição eritrocitária; anemias megaloblásticas; talassemias; anemias de hemoglobinopatias diversas • Púrpura trombocitopênica crônica • Lúpus eritematoso sistêmico (geralmente com anemia hemolítica e/ou trombocitopenia) • Neutropenia esplênica primária • Hiperplasias linfocitárias benignas - linfocitose benigna da criança, linfadenite angioimunoblástica Esplenomegalias por metaplasia mieloide do baço • Metaplasia mieloide agnogênica ou mielofibrose primária; policitemia vera; doença hemolítica do recém-nascido Esplenomegalias das doenças metabólicas ou de depósitos • Tesaurismoses (doença de Gaucher; doença de Niemann-Pick; mucolipidoses) • Mucopolissacaridoses (gargulismo) • Amiloidose e lipemia diabética Esplenomegalias dos linfomas, leucemias e histiomonocitose malignas • linfomas tipo Hodgkin enão Hodgkin • Leucemias agudas ecrônicas (linfoides, mieloides e monocíticas) • Retículo-histiomonocitoses malignas (histiocitoses malignas; eritrofagocitose familial) Esplenomegalias dos cistos e neoplasias • Cistos verdadeiros efalsos • Metástases de carcinomas esarcomas • Hamartomas

1046

..,. Bibliografia Aster JC, Freedman A, eds. Pathophysiology of blood disorders. 1st ed. New York: Mac Graw Hill, 2011. Bennet JM, Catovsky D., Daniel MT, Flandrin G, Galton DAG., Gralnick HR, Sultan C. The French-American-British (FAB) cooperative group. Proposals for the classification of the myelodysplastic syndrome. Brit. J. Haemat., 1982; 51:189-199. Bennet JM, Catovsky D, Daniel MT, Flandrin G., Galton DAG, Gralnick HR, Sultan C. Proposed revised cri teria for the classification of acute myeloid leukemia; a report of the French-American-British Cooperative Group. Ann. Intern., Med., 1985; 103:620-625. Bennet JM, Catovsky D, Daniel MT, Flandrin G, Galton DAG, Gralnick HR, Sultan C. The french-american-british (FAB) cooperative group. Proposals for the classification of chronic (mature) B and T lymphoid leukaemias. J. Clin. Pathol.; 1989; 42:567-584. Bitting RL, Bent S, Li Y, Kohlwes J. The prognosis and treatment of acquired hemophilia: a systematic review and meta-analysis. Blood Coagul. Fibrinolysis. Oct 2009; 20(7):517-23. Brasil. Ministério da Saúde. Manual de diagnóstico e tratamento da doença de von Willebrand. Brasília: Ministério da Saúde, 2006. Brasil. Ministério da Saúde. Manual de tratamento das coagulopatias hereditárias. Brasília: Ministério da Saúde, 2006. Cançado RD, Jesus JA. A doença falciforme no Brasil. Rev. Bras. Hematol. Hemoter. 2007; 29(3):204-206. Dunn AL. Pathophysiology, diagnosis and prevention of arthropathy in patients with haemophilia. Haemophilia. 2011; 17:571-578. Germing U, Gattermann N, Strupp C, Aivado M, Aul C. Validation of the WHO proposals for a new classification of primary myelodisplastic sydromes: a retrospective analysis of 1600 patientes. Leuk Res. 2000; 24(12):983-992. Goddard AF, James MW, Mclntyre AS, Scott BB. Guidelines for the management ofiron deficiency anaemia. Gut. Oct 2011; 60(10): 1309-16. Hasle H, Niemeyer CM, Chessels JM, Baumann J, Bennett JM, Kerndrup G et al. A pediatric approach to the WHO classification of myelodysplastic and myeloproliferative diseases. Leukemia. 2003; 17(2):277-82. Hillman RS, Ault KA. Leporrier M, Rinder HR, eds. Hematology in clinicai practice. 5th ed. New York: Mac Graw Hill, 2011. Hoffman R, Benz EJ, Furie B, Shattil SJ. Hematology: basic principies and practice. Philadelphia, Pa: Churchill Livingstone, 2009.

Parte 12

I Sistema Hematopoético

lsraels SJ, Kahr WHA, Blanchette VS, Luban NLC, Rivard GE, Rand ML. Platelet disorders in children: a diagnostic approach. Pediatr. Blood Cancer. 2011; 56:975-983. Lorenzi TF (coordenadora). Atlas de hematologia. P ed. Clínica hematológica ilustrada. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2006. Lorenzi TF. Manual de hematologia: propedêutica e clínica. 4" ed. Rio de Janeiro: MEDSI, 2006. Martins MA, Ca.rrilho FJ, Alves VAF, Castilho EA, Cerri GG, Wen CL. Clínica médica. Volume 1. P edição. São Paulo: Editora Manole Ltda., 2009. Moerloose PD, Fischer K, Lambert T, Windyga J, Batorova A, Lavignelissalde G, Rocino A, Astermark J and Herman C. Recommendations for assessment, monitoring and follow-up of patients with haemophilia. Haemophilia. 2012; 18:319-325. Murphy K, Travers P, Walport M, eds. Imunobiologia de Janeway. 7• ed. Porto Alegre: Artmed, 2010. Parker CJ. Bone marrow failure syndromes: paroxysmal noctumal hemoglobinuria. Hematol Oncol Clin North Am. 2009; 23(2):333-46. Podesta Haje DD, Ono F, Oliveira GB, Almeida J, Paula JC, Batista Neto LV, Barros SBS. Orthopaedic evaluation in children with severe haemophilia A or B submitted to primary prophylaxis therapy in a coagulopathy treatment centre. Haemophilia. 2011; 17:228- 232. Porto CC; Porto AL Vademecum de clínica médica (33 ed.). Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2010. Rai KR, Sawitsky A, Cronkite EP, Chanana AD, Levy RN, Pasternak BC. Clinicai staging of chronic lymphocytic leukemia. Blood. 1975; 46:219-234. Recommendations for a morphologic, immunologic and cytogenetic (MIC) working classifications ofthe primary and therapy-related myelodysplastic disorders. Report of the Workshop held in Scottsdale, Arizona, USA, on February 23-25, 1987. Third MIC Cooperative Study Group. Cancer Genet Cytogenet. 1988; 32:1-10. Rodeghiero F, Stasi R, Gernsheimer T, Michel M, Provan D, Arnold DM et al. Standardization of terminology, definitions and outcome criteria in immune thrombocytopenic purpura of adults and children: report from an international working group. Blood. 2009;113:2386-2393. Swerdlow SH, Campo E, Harris NL, Jaffe ES, Pileri SA, Stein H, Thiele J, Vardiman JW WHO classifications of tumors ofhaematopoietic and lymphoid tissues. 4th ed. Lyon, France: IARC Press, 2008. Valenti.no LA, Hakobyan N, Enockson C, Simpson ML, Kakodkar NC, Cong L, Song X. Exploring the biological basis of haemophilic joint disease: experimental studies. Haemophilia. 2012; 18:310-318.



••••••• ••••••••••• ••••••••••• ••••••••••••• ••••••••••••• •••••••••••••• • ••••••••••••••• ••••••••••••• ••••••••••••••• ••••••••••••• ••••••••••••• ••••••••••••• ••••••••••• ••••••••••• • •••••••••• ••••••••• ••••••• • ••••••• •••••••••• • ••••••••••••••• •••••••••••••••••• • ••••••••••••••••••••••••••••• • • •••••••••••••••••••• •••••••• ••••••••••••••••••••••••• ••••••••••••••••••••••••• •••••• ••••••••••••••••••••••••• • • ••••••••••••••••••••••••••• •• •••••••••••••••••••••••••••••••••• •••••••••••••••••••••••••••• ••••••••••• •••••••••••••••••••• •• . •••••••••••••••••••••••••• ••• •••• • ••••••••••••••••••••••••• ••••• •••••••••••••••••••••••• •...•• ••••••••••••••••••••••••••• •• • ••••••••••••••••••••••••••• •• •••••••••••••••••••••••••••• . ••• • •••••••••••••••••••••••••••••• • ••••••••••••••••••••• ••••• •• ••• •• •••••••••••• •••• ••••••••••••••••••• • ••• •• •••••••••••••• • ••• ••••• •• ••• •••••••••••••••••••••••• •••••••••••••••••••• ••••• I ••• •••• •••• ••••••••••••••••••• • •• •• ••• •••••••••• •••••••• •••••• • •• • ••••••••••••••••••••• ••• ••• ••• ••••• •••••••••••••••••• • •• •••••••••••••• ••••••••••••• •• •••• •••• ••••••••••• ••••••••••••• •• • • ••••••••••••••••••• •• •••• •• ••••• ••••••••• •••••••••••••••••••••• •• • •• •••••••••••••••• •• •••• ••••••••••••••••••••••••• •• •• ••• ••••••••••••••••••••••••• •••• ••••••••••••••••• •• ••• ••• •••• ••••• ••••••••••••••• • •••• ••••••• ••••••••••••••••••••••• •• • ••••••••••••••••• • ••• •••••••••••••••••••••••••• • ••• ••••. .... •••••.••••.•...•...• ••••••••••••• .• ••• •• •••••••••••••••••••• • === I• •••••••••• •••• • ••••••••••••••••• • 111 ••••••••••••••• •• • •••········=· • ••••••••••••••••• • •• •••••••••• • ••• ••••••• •••••••••••• • ••• ••• ••• • •••••••• •••••••••• •• •• • ••••• •• ••••••• •••••••••••• •• • • • • ····=············ ··= 'w I •• .1111.111111111111 •• •••• •• •••••••••••••• •• • ••••••••• ••••••• ••••••••••••• •••• ••••••••••••••· •••••••••••• • I •••••••:• •













Sistema Imunológico







~-·



••• •••••••••••••••••••••••

I

I

Parte 13

Alejandro Luquetti Ostermayer Mariana Jobim Wilson Glauco Baiocchi Júnior Luiz Fernando Job Jobim

••





••• ••••••••:··········



••

'

····==·====· ===========·· ...... ······=· ····=······ •• =·= ====·= ··===·======= • • ••••• •••••• • •••••••••• • •••.. •••••• • ._. .• . •••••••••• - .... •••••••• . . ••••••••• • •••• • ••••••••• • ••••••• ••••••• • ••••••••• ••••• • •••••••• •••••• •••••• ••••••••• • ••• • •••••••• •• ••••••••••• • •••••••• •• • • •••••••• • ... • •··===· ·= . ========· •••••• • • •••••••• ••••• • •••••••• • • ••••••••• • •• •••••••••• ••••••••• ••••••• ••••••• •••••••••• • ••••••••• • •••••••••• •••••• •••••• • •••••••• •••••• • ••••••••• •••••••• •••••••• • ·=··=·==· ••••••••• . •======== ••••••• •



I





•••••• ••• • ••• •••••••• •••••• ••• •••••• ·===== . •••••• •••••• •• •• • •• •••• •• ••• ••• • •• ••••• • • • ••• •••••• •• •• ••••••••• •



I







•••••••• •••••• ·····a· •••••• •••• • •••••• •====== ••••• ••••••• •••• •••• ••••••• • •••••••• ••••••• ••••••••• ••••••• •••••• •••••••••• ••••••

153 Noções Básicas de Imunologia

Divisão funcional dos mecanismos de defesa do organismo. Mecanismo Características

Imunidade inata (resistênda natural)

Imunidade adquirida (resposta imune)

Especificidade Memória Barreiras mecânicas e ' .cas qU1m1

Não Não Pele (camada córnea+ ácidos graxos + pH) Mucosas (muco +cílios + tosse+ espirros) Ação de lavagem (urina, saliva lágrimas) Suco gástrico (HCI) Tubo digestivo Trato genital Macrófagos-monócitos (fagocitose ecitocinas) leucócitos-neutrófilos (fagocitose) Basófilos-mastócitos (citocinas) eosinófilos Células NK (citotoxicidade) Sistema do complemento lisozima (muramidase) Proteína Creativa Monocina: ll-1 Fator de necrose tu moral alfa (TNF-a) Fator quimiotático neutrófilo (NCF) leucotrieno B4 Prostaglandina E2 Proteína amiloide Asérica Alfa-1-antitripsina lnterferona-alfa e beta Alfa-2-macroglobulina

Sim Sim

Alejandro Luquetti Ostermayer, Luiz Fernando Job Jobim e Mariana Jobim Wilson Flora normal Células

A imunidade, em sentido amplo, está relacionada com o reconhecimento de material (vivo ou inerte) que penetra no organismo (por via oral, respiratória ou parenteral) e que não pertence àquele indivíduo (non selj); uma vez reconhecido como estranho, esta imunidade tentará eliminá-lo. Em último termo, é mecanismo essencial para manutenção da vida. O homem encontra-se cercado de outros seres vivos. Alguns destes, principalmente os microrganismos, invadem o corpo humano de maneira contínua, na tentativa de garantir a sua própria sobrevivência. Essa invasão é seguida, em geral, de multiplicação dos vírus, bactérias, fungos, protozoários e helmintos. Para poder manter a sua integridade fenotípica, o ser humano se defende destes invasores impedindo sua penetração, eliminando-os após sua entrada ou neutralizando-os. Em outras circunstâncias, ocorrem alterações no próprio indivíduo, como o câncer, por exemplo, das quais também deve defender-se para preservar a sua integridade. Além disso, o sistema analisa e eventualmente rejeita tecidos estranhos, introduzidos por meio de transfusões de sangue e transplantes, para manter as características fenotípicas. Diferentes mecanismos encarregam-se de manter os microrganismos a distância, assim como de proteger o organismo de neoplasias e enxertos. Estes podem ser divididos em dois grupos: mecanismos de resistência natural, também chamada imunidade inata; e mecanismos de imunidade específica, resistência adquirida ou resposta imune. Ambos encontram-se sob controle genético, em diferentes cromossomos, no caso da resistência natural, e concentrado no 6° par cromossômico do homem, no caso de genes que controlam a resposta imune adquirida. Outra característica destes mecanismos é o fato de agirem por meio de algumas células (macrófagos, linfócitos) e pela síntese de substâncias químicas, em especial enzimas (imunidade inata) e anticorpos (imunidade propriamente dita) (Quadro 153.1). Estes mecanismos de defesa não são mutuamente excludentes; pelo contrário, eles se complementam. ""' Imunidade inata (resistência natural). A imunidade inata não tem memória nem especificidade - 2 propriedades essenciais da imunidade adquirida. É a primeira linha de defesa, agindo já na fase de invasão dos antígenos, eliminando a maioria dos agressores. Quando esta barreira falha, é acionada a segunda linha de defesa, mais complexa, lenta, porém muito efetiva, que é a resposta imune do sistema imunológico.

Síntese de substâncias ' . s qu1m1ca.

linfócitos T (citotoxicidade e linfocinas) linfócitos B(anticorpos)

• linfocinas ll-2 ll-3 ll-4 ll-5 ll-6 ll-7 ll-8 ll-9 ll-10 -ll-33 lnterferona-gama • Anticorpos lgG lgM lgA lgE

NK= natural kíller. IL = intefleucina.

A imunidade natural é composta de células e de substâncias químicas, assim como de barreiras naturais. Dentre estas, encontram-se a pele e as enzimas das mucosas (p. ex., lisozimas das lágrimas). A célula central é o macrófago no sentido mais amplo do sistema fagocítico-mononuclear, que compreende monócitos, macrófagos, histiócitos, células de Kupffer, osteoclastos, micróglia, células mesangiais glomerulares e macrófagos alveolares. Outras células, também de origem mieloide, são os leucócitos neutrófilos (polimorfonucleares), os basófilos, os mastócitos e os eosinófilos. Também existem as células NK (natural killer), similares a linfócitos que agem por citotoxicidade, destruindo células invadidas por vírus. O mecanismo é por intermédio de perfurinas, que abrem soluções de continuidade na superfície da célula-alvo, provocando sua morte. Um dos mecanismos inespecíficos que possibilitam identificar agentes externos (microrganismos) é a família de receptores toll-like (toll-like receptors ou TLR) que se encontram na superfície dos fagócitos. Uma vez que estes identificam um patógeno, por meio dos receptores TLR, produzem fatores de transcrição (NFKB) que induzem a síntese de moléculas efetoras, tais como citocinas e interferona-alfa e beta.

153

I Noções Básicas de Imunologia

Dentre os fatores séricos, é muito importante o sistema enzimático do complemento, pela ativação por via alternativa, seguido pela lisozima e pela interferona-alfa (secretada pelos leucócitos) e beta (sintetizada pelos fibroblastos) (Quadro 153.1). .,. Imunidade adquirida (resposta imune). A imunidade adquirida entra em funcionamento a partir do momento em que as barreiras da resistência natural forem insuficientes para impedir a entrada no organismo de substâncias estranhas. Esta resposta imune é feita "sob medidà' do antígeno (especificidade) e, uma vez produzida, será acionada no futuro sempre que o mesmo antígeno penetrar no indivíduo (memória), por intermédio dos linfócitos T (LT) e suas linfocinas, e dos linfócitos B (LB) e seus anticorpos. Além da especificidade e da memória, a ausência de resposta contra as próprias células é a terceira propriedade da imunidade adquirida. .,. Células que participam da resposta imune. As principais células envolvidas são os linfócitos T ("time-dependentes") e B ("medula óssea-dependentes") gerados em microambientes diversos, desenvolvidos como linhagens separadas, expressando diferentes antígenos e receptores de superfície, porém agindo em cooperação, discriminando o que é o próprio (selj) do que é estranho (non selj) ao organismo. Além dos linfócitos T e B e seus produtos (linfocinas e imunoglobulinas, respectivamente), existem outras células e sistemas que participam ativamente da resposta imune, embora não pertençam estritamente ao sistema imunológico, ou seja, não têm memória nem especificidade, propriedades essenciais dos linfócitos. Dentre essas células e sistemas, destacam-se as células apresentadoras de antígeno (APC ou antigen presenting cells), que são fundamentais tanto na iniciação de uma resposta imune, como na fase efetora, e, inclusive, na regulação do sistema imunológico. As células mais conhecidas dentre as APC são o próprio macrófago e os componentes do sistema fagocítico-mononuclear. Outras células com características fenotípicas e funcionais de APC são as células endoteliais, as células de Langerhans da pele, as células interdigitais, as células dendríticas foliculares, as células em "véu" (veiled cells), dentre outras. Todas elas são capazes de processar antígenos e apresentá-los ao linfócito T auxiliar CD4, iniciando assim a ativação celular. Do ponto de vista fenotípico, apresentam em sua superfície antígenos de histocompatibilidade HLA (antígenos leucocitários humanos), que são moléculas de glicoproteína do complexo principal de histocompatibilidade (CPH) de classe li (HLA-DR). Esta característica está presente apenas em outro tipo de célula - o próprio linfócito B. Além das APC, participam também da resposta imune: as células NK, os leucócitos neutrófilos, eosinófilos e basófilos-mastócitos, assim como as plaquetas. Dentre as proteínas que auxiliam, encontra-se, em lugar de destaque, o sistema do complemento, que pode ser ativado pela via clássica, como consequência da união de um antígeno e de um anticorpo da classe IgG ou IgM. Este conjunto de enzimas com atividade lítica é responsável pela destruição de células, participando também da resposta inflamatória. Outras proteínas participantes na resposta imune são as proteínas de fase aguda (proteína C reativa), do sistema de coagulação, das cininas e da fibrinólise. .,. Comunicação entre as células. Todas as células mencionadas devem interagir e comunicar-se de maneira coordenada. Para isso, cada célula dispõe de antígenos de superfície que a identificam e receptores que possibilitam o encaixe de mediadores

1049 químicos liberados por outras células. Cada célula pode ter várias funções: algumas sintetizam e excretam diferentes mediadores químicos, em geral peptídios, que vão se combinar com receptores de células vizinhas ou distantes; essa combinação peptídio-receptor dá ordens à célula, que podem significar sua ativação ou sua reprodução (expansão do número de células que compartilham a presença desse receptor). Outras células, após a sua ativação, podem tornar-se citotóxicas, ou seja, adquirir a capacidade de eliminar células-alvo, reconhecidas como tais pela presença de determinados antígenos na sua superfície. .,. Antígenos e receptores de superfície. Existem antígenos de superfície comuns a todas as células nucleadas de uma determinada pessoa e que dão a elas uma "identidade" com significados tais como apresentação de antígenos e estímulo ou supressão da função de outras células. Os genes responsáveis pela síntese destas proteínas de superfície encontram-se localizados no sexto par cromossômico e podem ser divididos em três grupos ou classes: genes HLA das classes I, li e III. Os genes da classe I comandam a síntese de proteínas, os antígenos HLA dos Zoei A, B e C, presentes na membrana das células nucleadas do organismo, são responsáveis pela rejeição de transplantes e apresentação de antígenos (especialmente virais, micobactérias e fungos) aos linfócitos T citotóxicos (LTCT). O sistema HLA é codominante, ou seja, o indivíduo sempre herda um alelo materno e outro paterno. Cada antígeno é denominado por um número, de acordo com convenções internacionais, existindo painéis de antissoros que os detectam ou reagentes moleculares que identificam seus genes HLA. Na realidade, existem muitas moléculas HLA distribuídas na superfície celular. A expressão destes antígenos pode ser aumentada pela ação de diferentes citocinas (p. ex., INF-gama). Os genes de classe li são responsáveis pela síntese de antígenos dos Zoei DR, DP e DQ, presentes apenas nas APC, linfócitos B e linfócitos T ativados. Estes antígenos de classe II têm potencialmente maior importância que os da classe I, com relação à rejeição de transplantes. Os genes de classe III codificam a síntese de componentes do sistema do complemento (C2, C4 e fator B), assim como de citocinas, como o fator de necrose tumoral (TNF - tumor necrosis factor) alfa e beta, e proteínas de choque térmico (HSP - heat shock proteins) de 70 kDa. Além do importante papel dos antígenos de histocompatibilidade na rejeição de transplantes, eles têm grande relevância também na regulação da resposta imune. Os linfócitos T citotóxicos (LTCT) apenas reconhecem e eliminam uma célula infectada por um vírus ou uma célula neoplásica se os agentes forem apresentados por moléculas HLA do próprio paciente. Os antígenos de classe li têm importância não apenas na rejeição de transplantes, mas também na regulação da resposta imune: as APC apresentam os antígenos ao linfócito T CD4 auxiliar por intermédio de seus antígenos HLA de classe li (antígenos DR, DQ ou DP), assim como o efeito-controle de linfócitos CD4 perante o LB somente se produz com a apresentação pelos antígenos HLA de classe li do próprio paciente ou de células HLA idênticas às dele. Podemos dizer que o sistema imune reconhece os antígenos non self, desde que esses sejam apresentados por moléculas HLA self(Figura 153.1). O reconhecimento de células imunes entre si e com outras células do organismo é realizado por meio dos antígenos de histocompatibilidade, assim como de receptores próprios (como exemplo, receptor de célula T - TCR).

Parte 13

1050

NK

Célula-alvo Receptor

Ativador

Lis~

..

KIR NK

Célula-alvo Receptor Lise

Ativador ..

Figura 153.1 Ação das células natural killer {NK): li se das células-alvo quando estas não expressam antígenos HLA {parte inferior), não sendo reconhecidas pelos KIR (kil/er immunoglobulin-like receptor); ausência de destruição das células-alvo quando expressam o HLA e são reconhecidas pelos KIR como células do próprio organismo (sem.

Existem moléculas que facilitam a adesão intercelular, como a LFA-1 (leukocyte function antigen), que pertence à família das integrinas; a ELAM (endothelialleucocyte adhesion molecule), que facilita a adesão de neutrófilos a células endoteliais, e a ICAM (intercellular adhesion molecule), que facilita a adesão a células em geral (Figura 153.2). Existem também antígenos específicos de algumas células participantes da resposta imune, que não se encontram em outras células do organismo, identificados por meio de anticorpos monoclonais. Um clone é uma família de células que descende de uma célula única, com características idênticas, morfológicas e funcionais. Anticorpos monoclonais (AcMc) são produzidos por um clone de plasmócitos, obtido por engenharia genética, que envolve a fusão de um clone de células tumorais (hibridoma ou mieloma) produtoras de anticorpos monoclonais com linfócitos B (após imunização com o antígeno para o qual desejamos anticorpos específicos). Estes últimos, após a fusão, diferenciam-se em plasmócitos que se

ICAM-1

Citoplasma de APC 1-:-L-:: FA . ,. .-"""'3----,. )

n.Jn'- ;::>~,..,...,.ç- IV nervo ambíguo --.--Colículo superior AquedU!O cerebral -;r--~~') Corpo geniculado mediai Núcleo do_L-- -r-- 6 111 nervo - - Substância Feixe negra Lemnisco espinotalâmico mediai '\_Base do

Núcleo do XII nervo

Núcleo dorsal Núcleo do trato solitário .?----..- fX nervo

"'-Núcleo e trato do V nervo X nervo

"-!

pendúnculo cerebral

Núcleo de Edinger-Westphal

XII nervo 111 nervo

B

Oliva

Fossa interpeduncular

o

Lemnisco mediai

Pirâmide (feixe corticoespinal)

Figura 175.13 Representação esquemática do tronco encefálico. A. Em perfil, com todas as suas porções. 8. Mesencéfalo. C. Ponte. O. Bulbo.

Continua cranialmente com o bulbo, admitindo-se como limite o forame occipital, e caudalmente une-se à coluna pelo chamado filamento terminal. No sentido longitudinal, a medula compreende as seguintes porções: cervical, torácica, lombar e sacrococcígea, terminando em forma de cone. Os segmentos ce.rvical e lombar abrigam uma população maior de células, cujos axônios se destinam aos membros superiores e inferiores, respectivamente. Tal como ocorre no encéfalo, a medula é envolvida pelas meninges pia-máter, aracnoide e dura-máter. Adotando curvatura de concavidade anterior na vida fetal, durante o nascimento e, mais evidentemente, na fase adulta, a medula mostra uma curvatura cervical anteroconvexa e outra maior, toracolombar anterocôncava. Nessas modificações, a medula nada mais faz senão acompanhar a curvatura da coluna vertebral que a contém (Figura 175.14). Também na fase fetal, até o quarto mês, a medula tem a mesma dimensão da coluna e as raízes nervosas são horizontalizadas. A partir de então, a coluna vertebral apresenta um crescimento maior, de modo que, à época do nascimento, a medula termina entre a 1ª e a 2ª vértebras lombares. Nessa circunstância, as raízes torácicas vão gradativamente deixando de ser horizontalizadas, alcançando a verticalidade máxima nos segmentos lombares e sacros, formando a chamada cauda equina (Figura 175.13). Tal como ocorre com as demais partes do sistema nervoso central, a medula é composta pela substância cinzenta, de situação interna, e pela substância branca, de localização marginal.

... Substância cinzenta. Sua forma assemelha-se a um "H': mais volumoso em sua metade anterior (Figura 175.15B); é atravessada em toda a sua extensão longitudinal pelo canal central, o qual se mostra revestido por células ependimárias. O "H" cinzento medular deve sua coloração à abundância de células originadas dos neuroblastos. Macroscopicamente, observam-se, a cada lado da linha média, as colunas anterior e posterior, separadas pela substância intermédia lateral. As colunas de cada hemimedula estão ligadas pela substância intermédia central, a qual envolve o canal central. Tendo o aspecto de pontas ou de cornos quando são feitos cortes transversais, as colunas cinzentas são formadas, em sua parte anterior, por células motoras multipolares, também conhecidas como motoneurônios inferiores ou periféricos, em contraposição aos neurônios motores superiores ou centrais, situados no córtex motor cerebral, com os quais estão diretamente conectados. Em razão de todos os impulsos nervosos originados no sistema nervoso central terem de passar obrigatoriamente pelos motoneurônios inferiores em direção aos órgãos efetores, essas células também são designadas via motora final comum. Em sua parte posterior, as colunas são menos volumosas, porém mais ricas em células pequenas e médias. Essas células constituem elos de ligação das vias aferentes, oriundas dos gânglios espinais (sensoriais), com as células motoras da coluna anterior, além de formar subestações das grandes vias ascendentes que se destinam ao encéfalo. As colunas intermediolaterais, entretanto, melhor evidenciadas nas intumescências cervical e lombar, abrigam células autonômicas simpáticas, cujas fibras deixam a medula

1182

Parte 15 CI C li

c 111

CIV

cv

C VI C VIl TI Til T 111 TIV TV T VI T VIl T VIII TIX TX T XI T XII

-

LI

C1 C2 C3 C4 C5 C6 C7 C8 T1 T2 T3 T4 T5 T6 T7 T8 T9 T 10 T 11

junto aos axônios das células motoras e terminam no tronco ou cadeia simpática paravertebral. .,.. Substânda branca. Envolvendo o "H" cinzento, a substância branca é dividida em funículos ou cordões ventrais, dorsais e laterais. Cada funículo é formado por feixes de fibras ascendentes e descendentes denominados tratos e fascículos, cujos limites entre si são imprecisos (Figura 175.15B). Os tratos e os fascículos são formados por fibras nervosas que têm origem nos receptores periféricos, os quais enviam seus impulsos para o sistema nervoso central (vias ascendentes, aferentes ou sensoriais), e por fibras oriundas dos mais variados centros nervosos destinados aos motoneurônios, que constituem a via motora final comum. A medula pode ser sede de inúmeras enfermidades, propiciando manifestações sensoriais (dor, parestesia, hipo/anestesia), motoras (paresia/paralisia), reflexas (hipo/hiper/arreflexia, sinal de Babinski, exaltação do automatismo), tróficas (atrofia muscular) e autonômicas (retenção ou incontinência vesical/retal, alterações dos fâneros e da pele, hiper/anidrose, síndrome oculossimpática de Claude Bernard Horner). Essas manifestações serão discretas ou intensas, dependendo do grau e da extensão do comprometimento das várias estruturas das substâncias branca e cinzenta da medula. Em função do nível da lesão, as manifestações podem ser vesicorretais (cone medular), nos membros inferiores (região torácica ou lombossacra) ou nos quatro membros (medula cervical).

Nervos cervicais 1-8

Nervos torâcicos 1-12

T 12 L1

L li

L2

L 111 L3 LIV

Nervos lombares 1-5

L4 LV L5

SI Sll

s 111

-

SIV SV

S1 S2 S3 S4 S5

Nervos sacros 1-5

..,. Meninges

Nervo coccigeo Figura 175.14 Medula e suas

raízes nervosas relacionadas topografica-

mente com a coluna vertebral.

Seio sagital superior

Granulações aracnóideas Aracnoide cerebral Dura-máter cerebral Espaço subaracnóideo '---+-- Pia-mâter cerebral

---:r-- Córtex cerebral A ' .. . .. ... ,...•.. ,

?

. /

,.

....

~.





~

I

~

....

-.:_ ~··\j

Dura-mâter espinal Aracnoide espinal Espaço subaracnóideo Pia-máter espinal Ugamento ~,.-- denticulado Espaço epidural

Figura 175.15 Meninges

do cérebro (A) e da medula subaracnóideo, no qual circula o liquor.

I Sistema Nervoso

(8)

com espaço

O encéfalo e a medula estão protegidos, em toda a sua extensão, por membranas e por cavidades contendo líquido, as quais funcionam como verdadeiros amortecedores contra os repetidos traumas a que estão sujeitos tão importantes e sensíveis órgãos. As membranas, de origem mesenquimal, são constituídas por três folhetos: dura-máter, aracnoide e pia-máter, os dois últimos também denominados leptomeninge (Figura 175.15B). .,.. Dura-máter. A mais externa, muito resistente e espessa, também chamada de paquimeninge, subdivide-se em duas camadas na região craniana: a externa, aderida aos ossos cranianos, tal como o periósteo; e a interna, considerada a verdadeira meninge, sendo encontrada na região craniana e no canal vertebral. Entre a camada externa e a tábua óssea craniana e entre a camada interna e a aracnoide, existem espaços virtuais, local em que frequentemente se localizam os hematomas traumáticos extradural e subdural, respectivamente. A dura-máter é bastante inervada e sua compressão ou tração (trauma, neoplasias) causam cefaleia. .,.. Aracnoide. Também chamada de folheto médio, é muito delicada, com incontáveis trabéculas, o que lhe confere semelhança à teia de aranha. Carece de inervação e de vascularização. Entre a pia-máter e a aracnoide, existe o espaço subaracnóideo, pelo qual circula o líquido cefalorraquidiano ou liquor. Nos processos inflamatórios (meningites ou leptomeningites), as raízes e os nervos participam do quadro clínico por atravessarem o referido espaço e banharem-se no liquor, alterado pela inflamação das meninges (Figura 175.15). .,.. Pia-máter. É o folheto mais interno e adere em toda a extensão do encéfalo e da medula, penetrando em seus sulcos. Mostra-se transparente e delicada, porém resistente. Recebe rica inervação, sobretudo na base e no terço inferior da convexidade encefálica.

175

I Noções de Anatomia eFisiologia

Quadro 175.2 Relação entre rarzes nervosas ventrais einervação muscular. Raiz nervosa ventral

Músculos inervados

C5-6

Bíceps braquial

(6-8

Tríceps braquial

Tl-8

Musculatura torácica

T6-12

Musculatura abdominal

l2-4 LS-51-2

Quadríceps femoral Gastrocnêmio

Relação entre algumas rarzes nervosas dorsais ea superfkie corporal. Raiz nervosa dorsal

Região corporal inervada (dennátomo)

Q

Região occipital

(4

Região cervical eface superior do ombro

T1

Região superior do tórax eface mediai do braço

T4

Região da papila mamária

T10 l1 l4 53 55

Região umbilical Região inguinal Hálux, face lateral da coxa eface mediai da perna Face mediai da coxa Região do períneo

. .,. Líquido cefalorraquidiano O líquido cefalorraquidiano (LCR), ou liquor, formado nos ventrículos laterais, dirige-se, mediante força propulsora gerada pela ação pulsátil dos plexos coroides, para o III ventrículo, através dos forames interventriculares (de Monro), passando após para o IV ventrículo através do aqueduto do mesencéfalo (de Sylvius); finalmente, o liquor alcança o espaço subaracnóideo por intermédio das aberturas laterais (forames de Luschka) e da abertura mediana do N ventrículo (forame de Magendie). Das cisternas basais, ganha a convexidade dos hemisférios cerebrais por meio das cisternas interpeduncular e pré-quiasmática, entrando em contato com as regiões anteriores, laterais e mediais do encéfalo. Para alcançar as regiões médias e laterais posteriores hemisféricas, o liquor utiliza a cisterna ambiens. No espaço subaracnóideo medular, o liquor circula até o filamento terminal, retornando à cavidade craniana, em que, por intermédio das granulações aracnóideas (vilosidades ou invaginações da aracnoide através da dura-máter, no lúmen dos seios venosos), ocorre sua reabsorção (Figura 175.15).

• Fisiologia da circulação do líquido cefalorraquidiano A circulação liquórica é ativa e permanente, sendo o liquor formado continuamente pelos plexos coroides dos ventrículos laterais, Ill e IV, além de outras estruturas destinadas a tal fim. A sua produção é de 0,35 mf/min, ou seja, de 500 mf/ dia, sendo estimada a quantidade de liquor contida nos ventrículos, nas cisternas basais e no espaço subaracnóideo em aproximadamente 150 mf. A formação de liquor implica transporte ativo de íons sódio e cloro, parecendo ser semelhante ao processo que ocorre com os líquidos nos rins, nos olhos e na vesícula biliar.

1183 A estrutura histológica dos plexos coroides favorece rápida e contínua filtração do plasma através dos seus capilares, os quais se apresentam em justaposição e são do tipo fenestrado, possuindo um tecido epitelial constituído por epêndima especializado. Provavelmente, essas estruturas não são exclusivas para a formação do liquor. Há indícios de que sejam também encarregadas de absorção e de outras funções, envolvendo uma série de trocas metabólicas ainda não devidamente esclarecidas. Atualmente, sabe-se com segurança que o liquor não é apenas um ultrafiltrado e que uma secreção ativa deve estar envolvida em maior ou em menor grau.

. .,. Irrigação sanguínea do sistema nervoso centra I O encéfalo recebe suprimento sanguíneo de dois sistemas arteriais: o carotídeo, irrigando os dois terços anteriores, e o vertebrobasilar, que irriga o terço posterior (Figuras 175.16, 175.17 e 175.18) . .,. Sistema carotídeo. A artéria carótida comum direita, em 99% dos casos, nasce do tronco braquicefálico; a artéria carótida comum esquerda, em 80% dos casos, origina-se do arco aórtico. A artéria carótida comum no nível da 4'1 vértebra cervical e da cartilagem tireoidiana bifurca-se, formando as carótidas interna e externa. Logo após a bifurcação, a artéria carótida interna sofre pequena dilatação, denominada seio carotídeo, local em que se encontram os corpúsculos carotídeos barorreceptor e quimiorreceptor. A artéria carótida interna pode ser dividida em quatro segmentos: (1) cervical, que se estende da bifurcação da artéria carótida comum até o ponto de penetração no canal carotídeo da porção petrosa do osso temporal; (2) segmento intrapetroso; (3) segmento intracavernoso, no qual a artéria carótida interna penetra no seio cavernoso e mantém íntima relação com o III, IV, V e VI pares de nervos cranianos. Nesse segmento a artéria hipofisária é emitida e formará o sistema porta-hipofisário. Atravessa, depois, a dura-máter, abaixo do II e acima do Ill nervo craniano, para gerar o último segmento; (4) segmento supradinóideo, emitindo os seguintes ramos: artéria timpânica, artéria oftálmica, artéria comunicante posterior, artéria coróidea anterior, artéria cerebral média e artéria cerebral anterior. Os dois últimos segmentos formam o chamado sifão carotídeo. A artéria oftálmica nasce na porção anterior do sifão carotídeo, penetra na órbita junto com o nervo óptico, emite ramos que fazem anastomose com ramos da artéria carótida externa (artérias angular e nasal) e penetra no globo ocular como artéria central da retina. Essa artéria é acessível à medida de pressão por intermédio da oftalmodinamometria, possibilitando, com isso, inferências a respeito da pressão sanguínea do sistema carotídeo. A artéria comunicante posterior emerge da artéria carótida interna, seguindo posteriormente em íntima relação com o III nervo craniano (o aneurisma dessa artéria pode causar paralisia do nervo) para juntar-se à artéria cerebral posterior. Em seu trajeto, emite ramos que vão irrigar a porção anterossuperior do hipotálamo, do tálamo ventral, do terço anterior do trato óptico, do braço posterior da cápsula interna e do núcleo subtalâmico de Luys. A artéria corióidea anterior origina-se logo acima da artéria comunicante posterior (ou raramente dela própria) ou ainda da artéria cerebral média. Supre o globo pálido, o corno temporal do ventrículo lateral e o plexo coroide.

1184

Parte 15

I Sistema Nervoso

A. comunicante anterior A. cerebral anterior

A. anteromedial central

A. carótida interna A. anterolateral central

A. cerebral média

A. comunicante ::---- posterior ~-

A. posteromedial central

...__ A. cerebral posterior

A. labirlntica

A. cerebelar anteroinferior A. vertebral

A. cerebelar posteroinferior A. espinal anterior

Figura 175.16 Circulação cerebral. Esquema mostrando a distribuição das artérias na base encefálica. (Adaptada de Wolf-Heidegger- Atlas de Anatomia Humana, 6a ed., 2006.)

to

Ramo parieto-occipital

A. pericalosa

no

calosomarginal "'('" p

-

Ramo calcarino

A. cerebral A. cerebral anterior posterior

Figura 175.17 Fotografia evidenciando parte da face inferior do encéfalo. Notam-se os tratos olfatórios (to), os nervos ópticos (no), a hipófise (hi), os nervos oculomotores (oc), a ponte (p) e as artérias basilar(*) e aracnóidea (seta). Observa-se a artéria carótida interna entre os nervos ópticos e oculomotores.

Figura 175.18 Circulação cerebral. Esquema da distribuição das artérias cerebrais anterior e posterior nas faces mediai e inferior do hemisfério. (Adaptada de Wolf-Heidegger- Atlas de Anatomia Humana, 6ª ed., 2006.)

A artéria carótida interna termina bifurcando-se na artéria cerebral anterior e na artéria cerebral média. A artéria cerebral anterior corre anteromedialmente sobre o nervo óptico e emite ramos perfurantes como a artéria estriada mediai ou recorrente de Heubner, que irriga o estriado, as porções adjacentes da cápsula interna, o putame e os núcleos septais (Figura 175.18). Nessa altura, emite a artéria comunicante anterior, formando o segmento anterior do círculo arterial do cérebro (de Willis). A seguir, volta-se para cima em direção ao corpo caloso e emite as artérias

orbitária e frontopolar, as quais irrigam o polo frontal e a face orbitária do lobo frontal. A artéria cerebral anterior divide-se em artéria calosomarginal e pericalosa (Figura 175.18). A primeira segue pelo sulco do cíngulo, irrigando o giro do cíngulo e o lóbulo paracentral, anastomosando-se com ramos da artéria cerebral média. A artéria pericalosa segue sobre o corpo caloso em sua porção dorsal para irrigar o precúneo; seus ramos fazem anastomoses com ramos da artéria cerebral posterior. Ocasionalmente, as duas artérias cerebrais anteriores são originárias de um mesmo tronco.

175

I Noções de Anatomia eFisiologia

A artéria cerebral média é, na realidade, a porção terminal da artéria carótida interna (Figura 175.16); ela supre os hemisférios cerebrais em 80% de suas necessidades. Em sua trajetória, flete-se lateralmente penetrando no sulco lateral (sulco silviano), emitindo vários ramos perfurantes, que suprem o putame, a cabeça do núcleo caudado, o joelho e o braço posterior da cápsula interna; desses ramos, a artéria lenticuloestriada é a mais proeminente. Na superfície lateral do sulco lateral, a artéria cerebral média emite inúmeros ramos - frontal ascendente ou orbitofrontal, temporal anterior, pré-rolândico, parietal posterior e parietal anterior - e termina como artéria angular. A artéria temporal anterior dirige-se para irrigar o polo do lobo temporal. A artéria temporal posterior supre o lobo temporal laterossuperior; a artéria orbitofrontal nutre a convexidade do lobo frontal. As artérias parietal posterior e angular, que são os ramos mais posteriores da artéria cerebral média, nutrem o lobo parietal e a porção superior do lobo temporal; os ramos terminais dessas artérias anastomosam-se na superfície cerebral com ramos das artérias cerebrais anterior e posterior. .,. Sistema vertebrobasilar. Apesar de seu aporte total de sangue ser menor do que o do sistema carotídeo, o sistema vertebrobasilar tem uma importância capital, pois supre centros vitais no tronco encefálico. As artérias vertebrais nascem como primeiros ramos das artérias subclávias, ascendem pelos forames transversos das vértebras cervicais, exceto a 7a, e penetram no crânio através do forame occipital dentro dos forames transversos das vértebras; as artérias vertebrais que mantêm íntima relação com o plexo venoso local podem sofrer constrição por osteófitos ou durante a rotação ou a extensão da cabeça sobre a nuca, determinando isquemia cerebral. Após penetrarem no crânio através do forame occipital, as artérias vertebrais ascendem ventrolateralmente ao bulbo, emitindo ramos perfurantes antes de se unirem para resultar na artéria basilar. As artérias vertebrais dão origem às artérias cerebelares posteroinferiores. Estas contornam o bulbo e vão suprir porções do cerebelo (verme e superfície inferior dos hemisférios cerebelares) e do bulbo lateral (o trato espinotalâmico, trato rubroespinal, núcleo e trato espinal do trigêmeo, o núcleo ambíguo, o núcleo dorsal do vago e as fibras eferentes desses núcleos). As artérias cerebelares posteroinferiores servem de ponto de referência nas herniações das amígdalas cerebelares, pois, nessa situação, são visualizadas abaixo do forame ocdpital. A artéria basilar emite três tipos de ramos: os paramedianos (que penetram no tronco cerebral assim que deixam sua origem), os circunflexos curtos e os circunflexos longos (são assim chamados dependendo das distâncias percorridas). As artérias paramedianas suprem áreas contíguas mais medianas, tais como os núcleos pontinos e os tratos corticopontinos, corticoespinal e corticobulbar. As artérias circunflexas curtas irrigam a porção intermediária anterolateral, que inclui o trato corticoespinal (porção mais lateral), o lemnisco mediai, os núcleos pontinos, as fibras pontocerebelares, a parte dos núcleos e os nervos trigêmeo e facial. As artérias circunflexas longas são duas: cerebelar anteroinferior e cerebelar superior. A cerebelar anteroinferior supre o segmento caudal da ponte (incluindo o pedúnculo cerebelar inferior, o pedúnculo cerebelar médio, o flóculo e a porção do hemisfério cerebelar adjacente). A artéria labiríntica é ramo da artéria cerebelar anteroinferior e supre a orelha interna. Deve-se destacar que os canais semicirculares e a cóclea são extremamente sensíveis à isquemia, que se manifesta por vertigem e por distúrbios

1185 auditivos. Assim, a artéria labiríntica serve de parâmetro de acometimento do sistema vertebrobasilar. A artéria cerebelar superior (último ramo da artéria basilar antes de se bifurcar) supre a porção rostral dorsolateral do tronco encefálico, incluindo o pedúnculo cerebelar superior, os núcleos próximos ao IV ventrículo e ao núcleo denteado e a porção superior dos hemisférios cerebelares. Apesar de a origem embriológica da artéria cerebral posterior ser do sistema carotídeo, 90% das pessoas têm o fluxo sanguíneo nessas artérias proveniente da artéria basilar; elas saem no ápice da fossa posterior sobre os nervos oculomotores, fazem anastomose com as artérias comunicantes posteriores, circundam os pedúnculos cerebrais passando pela borda livre da tenda do cerebelo (nesse ponto podem sofrer compressão pela herniação do lobo temporal contra a tenda do cerebelo), seguem um trajeto nas superfícies mediai e inferior dos lobos temporais e occipitais e terminam nos polos occipitais respectivos (Figura 175.18). Seu ramo circunflexo supre o mesencéfalo, o corpo geniculado mediai e os colículos. O ramo talamogeniculado supre a porção posterior do tálamo e o corpo geniculado lateral. A artéria coróidea posterior emerge próximo à origem da artéria cerebral posterior e penetra na cissura transversa para terminar no III ventrículo, supre o tálamo e o esplênio do corpo caloso e faz anastomose com a artéria coróidea anterior. As artérias parieto-occipital e calcarina, além das artérias temporais anterior e posterior, suprem a superfície dos lobos occipital e temporal e, nessa superfície, fazem anastomose com as artérias cerebrais média e anterior.

..,. Vias de anastomose O círculo arterial do cérebro (polígono de Willis) (Figuras 175.16 e 175.17) garante a comunicação entre os dois hemisférios cerebrais e entre o sistema carotídeo e o vertebrobasilar. Ele é formado pelas duas artérias cerebrais anteriores unidas pela artéria comunicante anterior e pelas duas cerebrais posteriores unidas pela artéria basilar e comunicantes posteriores, que ligam as artérias posteriores com as artérias carótidas internas, fechando assim o polígono. Na superfície dos hemisférios, as artérias cerebrais anterior, média e posterior mantêm uma rede anastomótica leptomeníngea difusa; algumas vezes, dependendo de seus calibres, a artéria meníngea média e a artéria meníngea anterior tomam parte nessa rede anastomótica. Deve-se mencionar, finalmente, a anastomose entre a artéria oftálmica e a artéria carótida externa e as artérias occipitais com o sistema vertebrobasilar. .,. Sistema venoso. O sangue cerebral é drenado por dois sistemas venosos básicos: o superficial e o profundo. Eles drenam para os seios durais que, por sua vez, drenam para o sistema jugular. A veia jugular interna situa-se na bainha da carótida interna junto ao nervo vago, une-se com a veia subclávia para formar a veia braquicefálica, que, juntamente com sua homônima contralateral, constitui a veia cava superior. O sistema venoso superficial drena o sangue do córtex e da substância branca adjacente por três grupos principais: o superior, o médio (ou silviano) e o inferior, por meio de suas tributárias piais. O grupo superior drena a convexidade e desemboca no seio longitudinal superior; o grupo médio drena a face inter-hemisférica para os seios longitudinais superior e inferior; e o grupo inferior drena a face inferior para os seios cavernosos, petroso e lateral.

1186

Parte 15

O sistema venoso profundo drena a substância branca periventricular, os núcleos da base, a cápsula interna, o centro semioval e os plexos coroides. Suas veias de drenagem principais são as veias basilares, as veias cerebrais internas e as veias laterais dos ventrículos laterais, que confluem para formar a veia cerebral magna (veia de Galeno). A veia cerebral magna drena para o seio sagital inferior, formando o seio reto. A reunião dos seios reto, sagital superior e occipital configura a confluência dos seios (tórcula de Herófilo), de onde emergem os seios transversos, lateralmente, continuando com os seios sigmoides que terminam nos forames jugulares, local de início das veias jugulares internas.

... Fisiologia da circulação cerebral A premissa básica relativa ao funcionamento da circulação cerebral encontra-se no fato de estar essa rede contida no interior de uma caixa rígida, o crânio, juntamente com os demais conteúdos: parênquima cerebral e líquido cefalorraquidiano. Disso decorre que não pode haver variação no volume de qualquer elemento intracraniano sem redução dos volumes dos outros componentes. Um adulto jovem de estatura média apresenta fluxo sanguíneo cerebral de 50 a 55 mf/100 g de massa cerebral/min, aproximadamente 750 ml/min, representando com isso 14% do débito cardíaco. Se o suprimento sanguíneo para o cérebro é interrompido, em 30 s o metabolismo neural entra em sofrimento; em 2 min, inicia-se um processo de necrose celular.

... Controle da circulação cerebral O fluxo sanguíneo cerebral (FSC) é diretamente proporcional à diferença entre a pressão arterial média (PAM) e a pressão venosa cerebral (PVC) e inversamente proporcional à resistência vascular cerebral (RVC), expressa na fórmula seguinte: FSC = PAM- PVC RVC A manutenção da pressão arterial sistêmica nos limites normais assegura um fluxo sanguíneo adequado ao sistema nervoso central. Entretanto, variações amplas da pressão não alteram o FSC; a alteração só ocorre quando a pressão arterial cai abaixo de 60 mmHg. Esse fato, associado às pequenas variações da PVC em condições fisiológicas, possibilita deduzir que o controle da circulação cerebral é feito por meio da autorregulação da RVC. Em condições patológicas, como na insuficiência cardíaca congestiva e na trombose dos seios venosos, os valores de PVC são elevados, chegando a interferir com o fluxo sanguíneo cerebral. A RVC é diretamente proporcional à viscosidade sanguínea e ao comprimento do vaso e inversamente proporcional ao raio do vaso elevado à quarta potência. O comprimento dos vasos cerebrais é praticamente constante, não influenciando a RVC; a viscosidade sanguínea pode influenciar a resistência em condições patológicas, pois se sabe que, na policitemia ou na desidratação, há um aumento da RVC e, com isso, diminuição do FSC, ocorrendo o inverso na vigência de anemia. O calibre vascular varia de acordo com inúmeras condições clí-

I Sistema Nervoso

nicas, mas, diferentemente dos demais, os vasos cerebrais estão sujeitos a diversas influências dilatadoras, muitas delas potentes, mas poucas com influências constritoras. Isso significa, evidentemente, que, em condições normais, a circulação cerebral encontra-se sob influência de um tônus vasoconstritor. O mais potente efeito dilatador é o aumento da pressão de C02 (hipercapnia); importantes também são a P0 2 e o pH sanguíneos, cujas elevações produzem, ao contrário, vasoconstrição cerebral. Esses três fatores, por estarem intimamente relacionados com o metabolismo tecidual, são conhecidos como fatores humorais que atuam na autorregulação vascular cerebral. O FSC é variável na dependência do número de sinapses e também da atividade. A atividade neuronal é importante em alguns métodos de imageamento, visto que, nesses métodos, são detectados mudança no fluxo sanguíneo regional e no metabolismo dentro do encéfalo. Essa característica ocorre devido ao fato de que os neurônios mais ativos em determinado momento ou situação requerem mais oxigênio e glicose e, com isso, o aporte sanguíneo será ajustado direcionando mais sangue às áreas mais ativas. Em condições patológicas, os mecanismos de autorregulação do FSC podem ser ineficazes. A hipotensão arterial crônica é bem tolerada; já a hipotensão aguda é tolerada até um limite aproximado de 60 mmHg, abaixo do qual há diminuição do FSC. A aterosclerose cerebral diminui o calibre das artérias e das arteríolas, que se tornam rígidas, perdendo, assim, a capacidade de reação. A hipertensão intracraniana causa diminuição do calibre dos vasos por redução da pressão transmural, aumentando, portanto, a RVC e diminuindo o FSC. Os centros vasomotores bulbares sofrem isquemia relativa e lançam mão de descarga vasoconstritora sistêmica, elevando, com isso, a pressão arterial sistêmica para restaurar o FSC. Essa compensação da hipertensão intracraniana com elevação da pressão arterial se faz até que a pressão intracraniana alcance 450 mmH2 0 . Acima desse limite, quanto maior a pressão intracraniana, menor será o FSC, o qual poderá cessar quando a pressão intracraniana se igualar à pressão arterial.

... Irrigação sanguínea da medula espinal .,. Sistema arterial. A rede arterial medular é composta pelas artérias espinais (ramos das vertebrais) e pelas artérias radiculares, oriundas dos ramos espinais das artérias segmentares nascidas da aorta. As artérias vertebrais, ramos das subclávias, pouco antes de se juntarem para formar o tronco da artéria basilar, dão origem a dois curtos ramos descendentes, um de cada lado, que são as artérias espinais. A obstrução da artéria espinal anterior, em nível cervical, conduz ao quadro clínico de paralisia flácida dos membros superiores e paresia espástica dos inferiores, termoanalgesia abaixo do nível da lesão, além de distúrbios esfincterianos e genitais. Os ramos espinais, provenientes das artérias tireoidiana, iliolombar e sacrais laterais, penetram através dos vários forames intervertebrais e dão origem a dois ramos: periférico e central. Entre todas as artérias radiculares, destaca-se, pela importância, a artéria radicular magna ou grande artéria radicular, também conhecida por artéria de Adamkiewicz. É única e res-

1188

Parte 15

terior (sensorial). Dentro da medula, as fibras sensoriais de vários tipos e calibres adotam trajetos diversos, dependendo de sua função ou do estímulo que conduzem: há fibras que entram em sinapses com os neurônios motores, compondo o arco reflexo; outras se dirigem para a substância branca posterior, formando os fascículos grácil e cuneiforme, os quais conduzem a sensibilidade proprioceptiva e tátil discriminativa; outro grupo de fibras ascende alguns segmentos e atravessa a medula, formando, do lado oposto, os feixes espinotalâmicos ventral e lateral, os quais conduzem os impulsos dos vários tipos de sensibilidade superficial (tátil, térmica e dolorosa) (Figura 175.19). .,. Plexos nervosos espinais. Cinco são os plexos: cervical, braquial, lombar, sacro e coccígeo, cada qual reunindo fibras sensorimotoras e simpáticas de vários segmentos medulares (Figura 175.19).

~ Nervos Tendo ou não origem nos plexos, os nervos distribuem-se por todo o organismo, seja conduzindo os impulsos, seja recolhendo da periferia, por intermédio dos vários tipos de receptores, todos os tipos da sensibilidade. Pela sua extensão e complexidade, o estudo dos nervos e de sua distribuição anatômica não será objeto deste compêndio. Diversas são as possibilidades de lesão transitória ou definitiva do sistema nervoso periférico, a maioria das quais está no Capítulo 178, Doenças do Sistema Nervoso, em uma ou em várias de suas partes. Ressaltam-se, entretanto, algumas poucas situações lesionais, expostas no Quadro 175.4. .,. Nervos cranianos. Em número de 12 pares, os dois primeiros (olfatório e óptico) não são considerados propriamente nervos. O

Quadro 175.5

I Sistema Nervoso

Sistema nervoso periférico: topografia lesional ecausas prindpais. local da lesão*

Condição clínica

Causas principais

1 - Ponta anterior da medula 2- Neurônios motores 4- Axônios motores 6- Raiz ventral 7- Raiz dorsal

Síndrome do 11 neurônio motor Idem (atrofia de evolução mais lenta)

Infecção, degeneração, neoplasia, lesão vascular Infecção, neoplasia, compressão discai, osteoartrose

Síndrome radiculocordonal posterior Herpes-zóster

Infecção, neoplasia

Síndrome do cordão posterior Ciatalgia ou lombociatalgia Neuralgia cérvico-occipital Braquialgias Causalgias Membro fantasma Ciatalgia Atrofia muscular neuropática Síndrome do túnel carpiano

Infecção, dismetabolismo

14- Gânglio espinal 15- Células do gânglio 17 e 18- Cordão posterior 8-Tronco do nervo espinal Plexo e/ou nervo

Infecção

Compressão discai, neoplasia, osteoartrose Infecção, compressão, estiramento, neoplasia, secção parda Iou tota I, heredodegeneração

*Figura 175.19.

Quadro 175.5 mostra a relação dos nervos cranianos, sua origem e suas principais funções. O comprometimento dos nervos cranianos, isolados ou associados entre si, acarreta situações clínicas diversas, estudadas no Capítulo 176, Exame Clfnico.

Nervos aanianos: origens, tipos de estrmulos efunções prindpais.

Nervos cranianos

Origem do nervo

1- Olfatório

11- Óptico 11 I- Oculomotor

Mucosa olfatória Retina Mesencéfalo

IV- Troclear

Mesencéfalo

V- Trigêmeo

VI - Abducente VIl- Facial

Mesencéfalo Ponte Bulbo Medula superior Ponte Ponte

VIII - Vestibulococlear

Orelha interna

Tipo de estímulo conduzido pelas fibras Sensorial Sensorial Motor Parassimpático Sensação proprioceptiva Motor Sensação proprioceptiva Motor Sensação superficial Sensação proprioceptiva Motor Motor Parassimpático Sensorial Sensação proprioceptiva Sensorial Sensorial

Funções principais Olfato Visão Motilidade ocular (RM, OI, RS, RI) e músculo elevador da pálpebra Motilidade do esfíncter da pupila Motilidade ocular (OS) Mastigação Sensibilidade da metade anterior da cabeça

Motilidade ocular (Rl) Atividade mímica faàal Secreção salivar (glândulas submandibular e sublingual) Secreção lacrimal Gustação dos 213 anteriores da língua Audição (ramo coclear) Equilíbrio (ramo vestibular) (continua)

175 I Noções de Anatomiae Fisiologia Quadro 175.5

1189

Nervos cranianos:origens, tipos de estrmulos efunções principais. (rontinuação)

Nervos cranianos

Origem do nervo

IX- Glossofaríngeo

Bulbo

X-Vago

Bulbo

XI- Acessório

Medula cervical Bulbo (ramo que se une ao vago)

XII- Hipoglosso

Bulbo

Tipo de estímulo conduzido pelas fibras

Funções principais

Motor Parassimpático Sensorial Sensorial Motor Sensorial Parassimpático Motor

Motilidade bucofaríngea Secreção salivar (glândula parótida) Gustação do 1/3 posterior da língua

Motor

Motilidade da língua

Motilidade dopalato e da faringe lnervação dos órgãos viscerais toracoabdominais Motilidade do trapézio e do estemocleidomastóideo

RM = músculo reto mediai; OI= múswlo oblíquo inferior; RS =músculo reto superior; RI= músculo reto inferior; OS= músculooblíquo superior; RL = múswlo reto lateral.

. .,. Bibliografia Bemarroch EE et al. Mayo Clinic Medicai Neurosciences. 5ª ed. Mayo Clinic Scientific Press, 2008.

Carneiro, MA. Atlas e Texto de Neuroanatomia 2• ed.. São Paulo: Manole, 2004. Machado, ABM. Neuroanatomia Funcional 2a ed. São Paulo: Atheneu, 2002.

176

Exame Clínico Sebastião Eurico de Melo-Souza

.,. . Anamnese Tal como ocorre nos demais sistemas do organismo, nas doenças neurológicas a anamnese representa uma grande ajuda para o diagnóstico e, às vezes, por si só, é suficiente para se chegar a uma conclusão. Assim, no que diz respeito à história da doença atual, os aspectos a seguir merecem ser revistos. .,. Data do início da doença. O objetivo é estabelecer a duração da doença, se muito recente (horas ou dias), recente (semanas ou poucos meses) ou de longa duração (muitos meses ou anos). Uma enfermidade como a hemorragia cerebral instala-se rapidamente; a meningite subaguda e uma doença degenerativa, como a esclerose lateral amiotrófica, têm histórico de muitos dias ou até alguns meses ou anos. .,. Modo de instalação da doença. Para caracterizar a importância desse item, basta atentar para o fato de que, quando o sistema nervoso é comprometido agudamente, costuma-se afirmar que, se não foi por traumatismo, terá sido por distúrbio vascular. Ao contrário, uma enfermidade de instalação lenta levanta a suspeita de processo degenerativo ou neoplásico. .,. Evolução cronológica dos sintomas. Interessa saber quando e como os sintomas foram surgindo ou desaparecendo, pois isso reflete a história natural das doenças. Alguns exemplos ilustram bem essa afirmativa: • Tumor cerebral: os sintomas surgem gradativamente, de modo rápido ou não, dependendo do local e da natureza do tumor • Doença heredodegenerativa do sistema nervoso: a evolução é progressiva, mas se processa muito lentamente • Acidentes vasculares cerebrais e poliomielite: as manifestações são súbitas e, após um período de tempo variável, desde que não haja piora gradativa do quadro clínico, ocorre recuperação completa ou incompleta • Esclerose múltipla (doença desmielinizante): nesse caso, a evolução é muito sugestiva do diagnóstico. Ou seja, após um surto agudo, verifica-se regressão parcial (ou total) dos sintomas; depois de um período variável, eclode novo surto com piora do quadro clínico e recuperação menos intensa, e, assim, sucessivamente • Epilepsia e enxaqueca: as manifestações aparecem de modo paroxístico e, entre as crises, o paciente nada apresenta de anormaL

.,. Exames etratamentos realizados com os respectivos resultados. Sempre é útil saber acerca disso, sobretudo quando se trata de epilepsia, cefaleia e acidentes vasculares cerebrais. .,. Estado atual do enfermo. Apura-se a situação em que se encontra o paciente no momento do exame, a fim de fechar o ciclo evolutivo que a enfermidade vem apresentando.

.,. Antecedentes. Nos antecedentes familiares, especial ênfase deve ser dada às doenças musculares e heredodegenerativas do sistema nervoso, ocorridas em pessoas da família. Indaga-se sobre consanguinidade dos pais, doenças contagiosas e incompatibilidade sanguínea materno-fetal. No que se refere aos antecedentes pessoais, alguns fatos devem ser esmiuçados com maior ou menor destaque, dependendo do que se apurou na história da doença atual, sendo possível esquematizar essas indagações da seguinte maneira: Condições pré-natais. Anota-se a ocorrência de traumatismo, toxemia gravídica, infecções, uso de medicamentos teratogênicos, tentativas de abortamento, movimentos fetais. Condições do nascimento. É preciso esclarecer se o parto foi normal e a termo; se cesáreo, qual o motivo; se houve demora no trabalho do parto; se o fórceps foi usado; se existiu circular de cordão; se houve necessidade de manobra de reanimação ou de incubadora; o peso e a estatura do recém-nascido; se ocorreu icterícia, cianose ou palidez; se chorou ou não logo ao nascer. Condições do desenvolvimento psicomotor. Apura-se como ocorreu o aleitamento; se o bebê sugou os seios e a mamadeira de modo eficiente; em que época firmou a cabeça (normal até os 4 meses), sentou (normal até os 7 meses), andou e falou (normal até os 16 meses). Vacinações. Cumpre indagar sobre a vacinação antipoliomielite, antissarampo e outras. Doenças anteriores. Viroses comuns da infância, meningite, traumatismo cranioencefálico, teníase, tuberculose, doenças venéreas, tripanossomíase, alcoolismo, carência alimentar, intoxicações acidentais ou profissionais, doenças iatrogênicas, intervenções cirúrgicas, convulsões, diabetes melito, hipertensão arterial, cardiopatias, alergia. Hábitos de vida. Registram-se dados sobre a alimentação, moradia, uso de bebidas alcoólicas e drogas ilícitas. Hábitos sexuais podem ser importantes, dependendo da suspeita clínica, principalmente da AIDS.

.,. . Sinais e sintomas Os principais sinais e sintomas das afecções do sistema nervoso são distúrbios da consciência, cefaleia, dor na face, tonturas e vertigens, convulsões, ausências, automatismos, amnésia,

Pontos-chave • Em cada período etário, há prevalência de determinadas doenças: infecções na infância, processos desmielinizantes no jovem e doenças vasculares na pessoa idosa • Ao ser feito o registro da anamnese, devem-se evitar palavras técnicas, como hemiplegia, quando o paciente menciona paralisia da metade do corpo • Há palavras ou afirmações que não devem ser aceitas sem o devido esclarecimento. Assim, tontura e vista escura podem ter significações diversas, e dor nem sempre quer dizer dor propriamente dita • Tem mais utilidade descrever a sensação percebida pelo paciente do que anotar a designação por ele dada ao sintoma • Às vezes, os dados negativos têm valor igual ou superior aos positivos • ~ necessário obter informações com os parentes ou amigos do paciente, ou mesmo com pessoas que o trazem, quando ele tiver nível intelectual reduzido, transtornos mentais, crises epilépticas, alterações de estado de consciência (coma, sonolência, torpor) ou quando se tratar de crianças.

176

I Exame Clínico

movimentos involuntários, distúrbios visuais, distúrbios auditivos, náuseas e vômitos, disfagia, distúrbios da marcha, paresias, paralisias, distúrbios da sensibilidade, dores radiculares, distúrbios esfincterianos, distúrbios do sono e distúrbios das funções cerebrais superiores. .,. Distúrbios da consciência. A percepção consciente do mundo exterior de si mesmo caracteriza o estado de vigília, que é resultante da atividade de diversas áreas cerebrais coordenadas pelo sistema reticular ativador ascendente. Entre o estado de vigília ou plena consciência e o estado comatoso, no qual o paciente perde completamente a capacidade de identificar seu mundo interior e os acontecimentos do meio que o circunda, é possível distinguir diversas fases intermediárias em uma graduação, cujo principal elemento indicativo é o nível da consciência. Pode haver dificuldade para saber onde começa e onde termina o estado de coma, isto é, qual é o limite entre a vigília e o início do comprometimento da consciência e entre este e a morte encefálica. A consciência pode ser perdida de modo agudo e breve, como nas síncopes, convulsões, na concussão cerebral por traumatismo de crânio leve. Quando a consciência é comprometida de modo pouco intenso, mas seu estado de alerta é discreto a moderadamente comprometido, chama-se obnubilação. Na sonolência, o paciente é facilmente despertado, responde mais ou menos apropriadamente e volta logo a dormir. A confusão mental ou delirium configura-se por perda de atenção, o pensamento não é claro, as respostas são lentas e não há percepção normal temporoespacial, podendo surgir alucinações, ilusões e agitação. Se a alteração de consciência é mais pronunciada, mas o paciente ainda é despertado por estímulos mais fortes, tem movimentos espontâneos e não abre os olhos, caracteriza-se o estupor ou torpor. Se não há despertar com essa estimulação, e o paciente está sem movimentos espontâneos, ocorre o estado de coma (ver Capítulo 178, Doenças do Sistema

Nervoso). Atualmente, tem-se evitado usar as expressões citadas anteriormente pelo fato de, eventualmente, vários observadores terem noções diferentes sobre cada uma delas. Desse modo, tem sido utilizada a escala de coma de Glasgow (EG). Essa escala, estabelecida em 1974 por Teasdale e Jennett, foi inicialmente utilizada para avaliação de traumatizados, porém, hoje, é usada em outras situações, determinando alterações de nível de consciência. A EG é uma escala com importante valor preditivo de sobrevivência nos casos de traumatismos cranioencefálicos. Ressalte-se a importância da experiência do examinador na aplicação da EG, pela possibilidade de variações na pontuação entre vários observadores. Tal avaliação consiste na análise de três parâmetros (abertura ocular, reação motora e resposta verbal), obtidos por vários estímulos, desde a atividade espontânea e estímulos verbais até estímulos dolorosos (de preferência, estímulos dolorosos provocados por lápis ou caneta que comprimem o leito ungueal; o estímulo doloroso supraorbital pode provocar fechamento dos olhos) (Quadro 176.1). .,. Cefaleia. Significa dor de cabeça e é uma das queixas mais frequentes na prática médica. Pode ser motivada por causas diversas e apresentar-se sob diferentes tipos, de intensidade variável. Os mais comuns são definidos a seguir. Cefaleia vascular. Existe uma série de cefaleias denominadas primárias - sem lesões estruturais claras que as determinem. As

1191 Quadro 176.1

Escaladecoma deGlasgow.

Parâmetro

Resposta observada

Escore

Abertura ocular

Abertura espontânea Estímulos verbais Estímulos dolorosos Ausente Orientado Confuso Palavras inapropriadas Sons ininteligíveis Ausente Obedece a comandos verbais Localiza estímulos Retirada inespecífica Padrão flexor Padrão extensor Ausente Escore= 3a 15

4

Melhor resposta verbal

Melhor resposta motora

3 2

1 5 4

3 2

1 6

5 4

3 2

1

principais são as chamadas vasculares e a tensional, descrita a seguir. A principal característica das vasculares é o seu caráter pulsátil, latejante, pois acompanham os batimentos cardíacos. O melhor exemplo é a enxaqueca. A enxaqueca é uma cefaleia geralmente hemicraniana (frontotemporal), de intensidade crescente, às vezes precedida por alterações visuais transitórias (escotomas cintilantes, hemianopsias, escurecimento visual) ou por parestesias fugazes (dormência em uma das mãos, por exemplo). Quase sempre outros sintomas acompanham a enxaqueca, como náuseas e vômitos, fotofobia, irritabilidade, hiperacusia, que levam o paciente a se recolher em quarto escuro e silencioso. Cada crise dolorosa dura até 72 h, no máximo. A enxaqueca típica se manifesta por meio de crises intercaladas por períodos de acalmia de duração variável (ver Capítulo 178,

Doenças do Sistema Nervoso). Outra cefaleia, classificada como vascular, é a chamada cefaleia em salvas. Nesse caso, episódios de dor muito intensa, de caráter pulsátil ou não pulsátil, na região frontotempororbitária, sistematicamente unilateral, ocorrem de tempos em tempos, com períodos de dor de 8 a 12 semanas. Esses períodos, separados pelos de acalmia, são denominados salvas. Cada episódio de dor geralmente dura de 15 a 180 mine, frequentemente, ocorre durante a madrugada. Durante a crise álgica, o paciente refere rinorreia, congestão nasal, lacrimejamento, hiperemia conjuntiva!, sudorese frontal e intensa agitação. Raramente essas crises permanecem por meses ou anos sem acalmia, sendo, então, chamadas de cefaleia em salvas crônica. Cefaleia da hipertensão intracraniana. Quando aumenta a pressão no interior da caixa craniana, o sintoma principal é uma cefaleia pulsátil, que toma a cabeça toda. Geralmente, perdura dias ou meses, tornando-se cada vez mais intensa e, com o passar do tempo, resistente aos analgésicos. Quase sempre se exacerba pela manhã, quando passa a ser acompanhada de vômitos. Os sintomas associados mais comuns são náuseas e vômitos (estes podem ser abruptos, sem náuseas, projetados a distância e chamados de vômito em jato ou vômito cerebral), diplopia, diminuição da acuidade visual, convulsões, alterações psíquicas que variam desde a apatia e indiferença até a excitação e agressividade (ver Capítulo 178, Doenças do Sistema Nervoso).

1192 Cefaleia tensional. A dor é descrita como constritiva, em aperto, às vezes como um peso na cabeça. Em geral, há um fundo doloroso constante, de intensidade leve a moderada, com pioras ocasionais. Localiza-se preferencialmente nos músculos da nuca, podendo, entretanto, difundir-se (ver Capítulo 178, Do-

enças do Sistema Nervoso). .,.. Dor na face. Podem ocorrer diversos tipos de dor facial, com variações de intensidade, caráter, irradiação e localização, conforme a etiologia (que podem ser afecções odontológicas, sinusais, oftalmológicas, defeitos da articulação temporomandibular, defeitos do septo nasal). É importante chamar a atenção para uma dor facial muito característica, embora pouco frequente: a neuralgia essencial do trigêmeo. Trata-se de uma dor extremamente intensa, evidenciada por meio de agulhada (como se fosse choque ou faísca) no território de um dos três ramos periféricos do V nervo craniano. Além disso, é estritamente unilateral, podendo ser desencadeada por estimulação em uma determinada área (zona-gatilho), sendo a comissura labial o ponto mais comum. Este fato obriga o paciente a não sorrir, conversar ou mastigar, sempre com o intuito de não mover os lábios. A neuralgia do trigêmeo é quase exclusiva de pessoas idosas (ver Capítulo 178, Doenças do Sistema Nervoso). .,.. Tontura e vertigem. Tontura ("estonteamento': ((tontice~ "zonzeira~ "cabeça vaziâ') é uma queixa bastante constante na prática médica, observada em quase todas as faixas etárias. Tontura e vertigem confundem-se frequentemente, em decorrência da dificuldade de rigorosa definição dos sintomas por parte dos pacientes, os quais não conseguem descrever com precisão as manifestações, ou, então, fornecem vagas informações sobre o incômodo. Embora distintas, uma e outra podem estar associadas ou não, mas, provavelmente, o mecanismo da tontura se assemelha ao da vertigem. Nesta, há o caráter rotatório subjetivo, enquanto, na tontura, prevalecem a sensação de instabilidade do equili'brio e a insegurança durante a marcha. Os diferentes tipos de tontura são definidos a seguir. Tontura com nítida sensação de rotação. É representada pela vertigem, na qual o paciente tem a sensação de girar em torno do ambiente, ou vice-versa. Com frequência, a vertigem se instala agudamente e é acompanhada de náuseas, vômitos, desequih'brio, palidez e sudorese. Se estiver na posição vertical, parada ou andando, o paciente pode cair. A sensação vertiginosa independe da posição em que se encontre o paciente, persistindo, inclusive, quando este está com os olhos fechados, e é suficientemente incômoda a ponto de obrigá-lo a repousar no leito. A vertigem decorre predominantemente de lesão ou disfunção das vias vestibulares, em especial de sua porção periférica (canais semicirculares e ramo vestibular do VIII nervo craniano), constituindo a síndrome vestibular periférica. Suas causas principais são infecções, intoxicações, neoplasias e edema do labirinto. Tontura com sensação de iminente desmaio. Durante esse quadro, o paciente se torna pálido, apresenta escurecimento visual e transpiração profusa. Tais sintomas regridem quando o paciente assume a posição deitada. Na presença de doença cardiovascular subjacente, as manifestações surgem de súbito e têm curta duração. Ao contrário, e mais frequentemente, se os sintomas tiverem instalação gradual e forem persistentes, deve-se pensar em queda do fluxo sanguíneo cerebral por mecanismo reflexo de vasodilatação periférica (síncope reflexa ou vasovagal). Outras vezes, esse tipo de tontura é oriundo dare-

Parte 15

I Sistema Nervoso

dução difusa do fluxo sanguíneo ou de nutrientes cerebrais, à semelhança do que se passa na chamada hipotensão postura!. Tontura manifestada com a sensação de desequilíbrio. Condição própria de descontrole do sistema motor e só aparece quando o paciente se põe a andar e regride quando sentado. Tontura com sensação desagradável na cabeça. É um tipo de difícil caracterização por ser mal definida e vagamente descrita pelos pacientes ("cabeça oca, leve ou grande"). Nessas circunstâncias, vale lembrar a possibilidade da presença de hiperventilação, depressão ou ansiedade. .,.. Movimentos involuntários. Alguns movimentos involuntários são constantes, enquanto outros ocorrem periodicamente ou em crises (ver Capítulo 178, Doenças do Sistema Nervoso). Os principais deles são definidos como convulsões, tetania e fasciculações. Convulsões. São movimentos musculares súbitos e incoordenados, involuntários e paroxísticos, que ocorrem de maneira generalizada ou apenas em segmentos do corpo. As crises epilépticas são manifestações neurológicas decorrentes de descargas bioelétricas, originadas em alguma área cerebral. Tais manifestações podem apresentar-se de variadas maneiras, de acordo com o tipo e a extensão das descargas bioelétricas envolvidas. Assim, as crises epilépticas podem ser generalizadas e parciais ou focais, as quais são definidas a segwr. As generalizadas ocorrem quando as descargas afetam a maior parte do córtex cerebral. Isso determinará vários tipos de manifestações clínicas, sendo as convulsivas e não convulsivas as mais importantes. As convulsivas são movimentos musculares súbitos e incoordenados, involuntários e paroxísticos, que ocorrem de maneira generalizada ou eventualmente em segmentos do corpo. Há dois tipos fundamentais: as tônicas e as clônicas, além de um tipo que soma as características de ambas: as tônico-clô• mcas. As convulsões tônicas se caracterizam por serem sustentadas e imobilizarem as articulações. As clônicas são rítmicas, alternando-se contrações e relaxamentos musculares em ritmo mais ou menos rápido. As convulsões surgem em muitas condições clínicas, mas todas têm um denominador comum: descargas bioelétricas originadas em alguma área cerebral, com imediata estimulação motora. O exemplo clássico são os vários tipos de epilepsia (tônicas, clônicas, tônico-clônicas), as etiologias eventualmente detectadas e a elas relacionadas (neoplasias cerebrais, neurocisticercose, sequelas de traumatismos cranioencefálicos, sequelas de acidentes vasculares cerebrais etc.), os estados hipoglicêmicos, as intoxicações exógenas (álcool, estricnina, inseticidas), as meningites, a síndrome de Stokes-Adams ou mesmo os episódios febris em crianças. Ressalte-se que a maior parte das epilepsias- que, por definição, referem-se à situação clínica na qual crises epilépticas ocorrem repetitivamente - não apresenta etiologia claramente definida, e seu tratamento é feito basicamente para controlar as cnses. As convulsões são descritas com as expressões acesso e congestão. O quadro mais típico se constitui de perda abrupta da consciência com queda ao solo, seguido de uma fase de enrijecimento global (fase tônica), substituída, por sua vez, por contrações musculares sucessivas, generalizadas e intensas (fase clônica). Ao final de 2 a 5 min, a crise cessa, e o paciente entra em relaxamento total e sono profundo, do qual dificilmente é o

o

176

I Exame Clínico

despertado. Acorda após algum tempo, confuso e atordoado, sem noção do que aconteceu. Essa descrição corresponde às crises convulsivas generalizadas, antigamente chamadas de grande mal. Durante o episódio convulsivo, observam-se, em geral, cianose, sialorreia, incontinência de esfíncteres, mordedura da língua e ferimentos diversos (ver Capítulo 178, Doenças do Sistema Nervoso). Já nas manifestações não convulsivas, há classicamente as assim chamadas ausências. São breves períodos de perda de consciência (de 5 a 30 segundos), que podem passardespercebidos pelo próprio paciente e pelos familiares. Ocorrem quase exclusivamente em crianças, sendo descritos como se o paciente estivesse parado como uma estátua. Às vezes, diz-se que a criança fica distraída ou "encantadà'. Durante esse curto período, ela nem chega a cair; apenas interrompe brevemente suas atividades. Pode também apresentar um leve tremor de pálpebras. A recuperação da consciência é rápida, e prossegue a atividade prévia como se nada tivesse ocorrido. Corresponde ao quadro clínico da epilepsia tipo pequeno mal. Nas crises epilépticas parciais ou focais, as manifestações clínicas, que dependem do ponto afetado, ocorrem devido a descargas bioelétricas em locais restritos do encéfalo. Verificam-se duas possibilidades: as parciais simples e as parciais complexas. No caso das parciais simples, não existe alteração de nível de consciência e de contato com o ambiente. O exemplo clássico são crises bravais-jack.sonianas, em que descargas na área do giro pré-central determinam abalos nos membros e face contralaterais. Já nas parciais complexas, as descargas ocorrem em áreas nas quais existe alteração do estado de consciência. Nesse quadro, ocorrem, com frequência, os chamados automatismos, que se caracterizam por fenômenos complexos em que há perda de consciência, durante a qual o paciente executa atos de modo ordenado ou desordenado. No primeiro caso, os circunstantes nada percebem de anormal. Esses atos são os mais variados, desde pequenos gestos até atividade completa, como dirigir veículos. Tais automatismos representam atividade epiléptica do lobo temporal ou, eventualmente, do lobo frontal. Muitas vezes, essas crises parciais, simples ou complexas evoluem para um quadro de generalização secundário, com as clássicas apresentações do assim chamado grande mal. A manifestação prévia é denominada aura epiléptica, cujo reconhecimento possibilita que o paciente perceba a instalação da crise. Assim, desconforto retroesternal, dor abdominal, parestesias, desvio forçado da cabeça e olhos para um lado, alucinações visuais, auditivas e olfatórias são manifestações de aura epiléptica. A aura fornece importantes informações sobre o tipo de crise epiléptica (generalizada ou parcial) e a área cerebral afetada. Tetania. É uma forma particular de movimento involuntário e caracteriza-se por crises exclusivamente tônicas, quase sempre localizadas nas mãos e nos pés, por isso denominadas espasmos carpopodais. A tetania pode ocorrer independentemente de qualquer manobra, contudo, às vezes, é necessário usar um artifício para desencadeá-la, o que é feito com uma compressão do braço com o manguito do esfigmomanômetro. A compressão adequada corresponde a um nível pressórico intermediário entre a máxima e a mínima, isto é, se a pressão arterial do paciente for de 140/90 mmHg, insufla-se o manguito até 11 O mmHg de 3 a 1O min, ao fim dos quais poderá aparecer um movimento involuntário naquela extremidade, o

1193 qual nada mais é do que um espasmo carpal. É chamado "mão de parteiro~ e o fenômeno em sua totalidade recebe a designação de sinal de Trousseau. A tetania ocorre nas hipocalcemias (hipoparatireoidismo, por exemplo) e na alcalose respiratória por hiperventilação. Fasciculações. São contrações breves, arrítmicas e limitadas a um feixe muscular. Não devem ser confundidas com as mioqui• mias. As fasciculações acontecem em virtude da perda da inervação muscular, ocorrendo nas neuropatias periféricas e, principalmente, em doenças do corno anterior da medula. .,. Amnésia. Significa perda da memória, podendo ser não somente permanente, como nos idosos, mas também transitória, em crises, confundindo-se, às vezes, com alguns tipos de perda da consciência. Bastante característica é a amnésia pós-traumática, quando o paciente permanece por tempo indeterminado sem se lembrar de alguns fatos (amnésia parcial), ou mesmo de toda a sua vida pregressa (amnésia total). Ressalte-se que não há perda de consciência de forma global, mas, sim, perda seletiva de uma das funções superiores - a memória (ver Capítulo 180, Exame Clínico).

.,. Distúrbios visuais (amaurose, ambliopia, hemianopsia, diplopia). A redução da acuidade visual denomina-se ambliopia, e a perda total da visão, amaurose. Tanto a ambliopia como a amaurose podem ter caráter uni ou bilateral, definitivo ou transitório, súbito ou gradual, e estão habitualmente na dependência de lesões da retina (oclusão da artéria central, obstrução da carótida, coriorretinite macular), da papila ou do nervo óptico (papilite, neurite retrobulbar, neoplasia, hipertensão intracraniana). Podem também ocorrer por descolamento da retina, hemorragia e glaucoma. Vale lembrar que essas alterações podem estar presentes em pacientes neuróticos (transtorno de conversão ou histérico) e nos simuladores. Hemianopsia corresponde a um defeito campimétrico, no qual o paciente perde a visão da metade do campo visual, podendo ser homônima ou heterônima. Nesta, o defeito é por lesão do quiasma óptico (neoplasia da região selar, aracnoidite), e naquela, a lesão situa-se na via óptica retroquiasmática (distúrbios vasculares, infecções, neoplasias, doenças desmielinizantes). A diplopia, ou visão dupla, é um sintoma bastante incômodo, no qual a pessoa vê em dobro as imagens, levando-a a fechar um dos olhos na tentativa de corrigir o defeito. Ocorre nos casos de estrabismo convergente e divergente, uni ou bilateral, refletindo paresia ou paralisia de um ou mais músculos ligados aos movimentos dos olhos (UI, IV e VI) (ver Capítulo 19, Exame Clínico, da Parte 5, Olhos). .,. Distúrbios auditivos (hipoacusia, acusia, zumbidos). Hipoacusia ou acusia são perturbações auditivo-deficitárias, respectivamente parcial e total, podendo situar-se em um ou em ambos os lados. Na hipoacusia discreta, o paciente, muitas vezes, não se dá conta da deficiência; eventualmente, ao telefone, observa dificuldade para ouvir em um dos ouvidos, quando compara com a acuidade auditiva do lado oposto. Há pacientes que têm dificuldade auditiva apenas para a voz cochichada. As causas mais frequentes de hipoacusia e/ou acusia estão relacionadas com as várias partes do aparelho auditivo: cerume, corpo estranho e atresia da orelha externa; otite, otosclerose e colesteatoma na orelha média; defeitos neurossensoriais (congênitos, presbiacusia, neoplasia do ângulo pontocerebelar, síndrome de Méniere, traumatismo, labirintite, medicamentos) referentes à orelha interna.

1194 Conforme a sede da lesão, as deficiências auditivas são denominadas de condução, quando localizadas no ouvido externo e médio, e neurossensoriais, quando há comprometimento da cóclea e das demais partes do nervo auditivo. O zumbido ou tinido, uni ou bilateral, constante ou não, deve ser encarado como um processo de estimulação anormal do ramo coclear do VIII nervo craniano, decorrente de múltiplas causas, mas, na maioria das vezes, não há causa determinada (ver Capítulo 23, Exame Clinico, da seção Ouvidos). .,.. Náuseas e vômitos. As náuseas, ou enjoo, correspondem a uma sensação de mal-estar, tanto na região epigástrica como na faríngea. São acompanhadas de palidez cutânea, bradicardia, sudorese, repulsa à ingestão de alimento e quase sempre precedem os vômitos. Ambas as manifestações são frequentes em distúrbios do aparelho digestivo, nas labirintopatias e na enxaqueca, mas podem ser encontradas em doenças neurológicas, agudas ou crônicas, que aumentam a pressão intracraniana (meningite, neoplasia, hemorragia, traumatismo cranioencefálico). Contudo, é importante destacar que, nas encefalopatias, o vômito não é precedido de náuseas. É o chamado vômito central ou cerebral ou também, impropriamente, vômito em jato. .,.. Disfagia. Trata-se da alteração do transporte do alimento da boca ao estômago, a qual pode ou não culminar na entrada de alimento na via respiratória. Quando tem saída espontânea ou forçada, é representada pelo termo penetração laríngea. Se não houver saída do alimento, mas direcionamento para os pulmões, ultrapassando o nível das pregas vocais, denomi. na-se asp1raçao. Existem várias causas de disfagia: neurológicas, mecânicas e, mais raramente, psicológicas. De forma geral, quando a disfagia tem causa neurológica, é mais intensa para sólidos e líquidos, notadamente para a ingestão destes sob a forma de goles contínuos. Ao ingerir líquidos, há tendência de refluxo pelo nariz e/ou penetração na árvore traqueobrônquica. Assim, o paciente diz que consegue engolir melhor alimentos pastosos e líquidos com colher. As principais alterações localizam-se nos nervos cranianos bulbares, isolados ou não, surgindo, então, paralisia da língua (XII) e do palato faríngeo (IX e X). A dificuldade se exacerba quando as alterações são bilaterais. ... Distúrbios da marcha (disbasia), da motricidade voluntária (paresias ou paralisias) eda sensibilidade. Estão expostos adiante, neste mesmo capítulo. .,.. Dores radiculares. As raízes nervosas, dentro do canal raquidiano ou nas suas emergências, são muito sensíveis e desencadeiam dores quando submetidas a quaisquer fatores nocivos, especialmente a compressão e a inflamação. As dores radiculares mais frequentes são as cervicobraquialgias, as nevralgias intercostais e as lombocitalgias (ver Capítulo 168, Doenças da Coluna Vertebra[) . .,.. Distúrbios esfincterianos. Embora exista mais de um esfíncter de interesse neurológico, será estudado apenas o esfíncter vesical, com a correspondente bexiga neurogênica Bexiga neurogênica. Formada por fibras musculares lisas, a bexiga é inervada pelo simpático (trígono), parassimpático (músculo detrusor) e pelos plexos intramurais, os quais têm atividade bem menor nos casos em que a bexiga se desliga do sistema nervoso. As fibras simpáticas, não tendo importância prática, colocam em destaque o sistema parassimpático, formado por células situadas no centro medular sacro (S2 -S3 -S4 ) e respectivas raízes. Do ponto de vista funcional, há que se considerar um centro encefálico, ao qual se subordina o centro medular, por

Parte 15 I Sistema Nervoso meio de vias descendentes, que têm origem em vários centros superiores (facilitadores e inibidores). A micção ocorre quando a parede da víscera se distende e estimula as raízes parassimpáticas aferentes, as quais, por sua vez, acionam o centro reflexógeno S2-Sr S4, que envia impulsos para a contração do detrusor, por meio das fibras eferentes. Trata-se, portanto, de um reflexo automático, de nível medular. Acrescente-se que a pessoa toma conhecimento desses fatos fisiológicos em razão das informações que, constantemente, recebe por meio das aferências sensoriais oriundas da bexiga. Para melhor compreensão das vias anatômicas, observe a Figura 176.1. Os vários tipos de bexiga neurogênica dependem da topografia da lesão (central ou periférica). O Quadro 176.2 resume tais variedades. As causas mais frequentes de bexiga neurogênica são a polirradiculoneurite, para as que envolvem as raízes sensorial e motora; poliomielite, neoplasia, traumatismo raquimedular, para as lesões do centro sacral; traumatismo raquimedular, infecções, neoplasia e angioma, para o comprometimento das vias suprassegmentares (ascendente e descendente), acima do centro reflexógeno, em nível medular. .,.. Distúrbios do sono. O sono pode ser definido como um estado complexo de aparente repouso normal e periódico, qualitativa e quantitativamente variável, caracterizado pela suspensão parcial da percepção dos fatores ambientais e da motricidade voluntária. Constitui-se em um estado peculiar de consciência, diverso do coma e da anestesia, por ser fisiológico e periódico, isto é, espontaneamente reversível e recorrente (ver Capítulo 178, Doenças do Sistema Nervoso).

5 4

y.

I

-·----ii I

I

I 6

3

+ t

Figura 176.1 Representação esquemática da inervação da bexiga e de suas vias. A via aferente vagai (1), ativada pela distensão da bexiga, estimula diretamente o neurônio do centro medular (2) e, por meio da via ascendente (3), alcança o córtex sensorial (4). Do córtex motor, o neurônio (5) controla e inibe o centro medular, pela via corticovagal (6). Do centro medular o neurônio envia o seu axônio (7), o qual termina no músculo detrusor da bexiga (9), por meio do nervo periférico (8). (Adaptada de Wolf-Heidegger -Atlas de Anatomia Humana, 6" ed., 2006.)

176

I Exame Clínico

Quadro 176.2

1195

Tipos de bexiga neurogênica.

Topografia da lesão

Arco reflexo

Consciência da micção

Controle superior inibitório da bexiga

Tipo de alteração

Raízes aferentes Raízes eferentes Raízes sensoriais e motoras (aferentes/ eferentes) ou centro medular

Interrompido Interrompido Interrompido

Não Sim Não

Sim Não Não

Bexiga atônica Bexiga paralítico-motora Bexiga autônoma

Vias sensorial ascendente emotora descendente Via corticovagal

Normal

Não

Não

Bexiga reflexa

Normal

Interrompido

Interrompido

Bexiga não inibida

.,. Distúrbios das funções cerebrais superiores. Entre as funções cerebrais superiores (FCS) com vistas ao exame clínico, impõe-se o conhecimento dos distúrbios: (1) da comunicação por meio da linguagem, fala, escrita e leitura; (2) do estado mental; (3) das gnosias; (4) das praxias. Essas condições clínicas dependem de mecanismos bastante complexos, incluindo-se a topografia da lesão. Em razão das dificuldades existentes, ainda hoje a terminologia causa confusões, destacando-se os vocábulos palavra, fala e linguagem. Confere-se à linguagem um conteúdo simbólico interior, no qual o pensamento encontra-se elaborado. Esse conteúdo pode não ser exteriorizado, mas, quando ocorre, ele o faz habitualmente por meio da palavra falada e/ou escrita. A linguagem pode exteriorizar-se também por meio de sinais ou símbolos: gestos, mímica, olhar, dança, alfabeto dos cegos. A manifestação do conteúdo simbólico ocorre à medida que o sistema nervoso se modifica gradualmente no processo natural de amadurecimento. A partir de certo momento, inicia-se a palavra falada e, mais tarde, a escrita.

• Distúrbios da comunicação .,. Disfonia. Consiste principalmente na alteração do timbre da voz, que se torna rouca ou bitonal, e depende da disfunção das cordas vocais por lesão do nervo acessório (XI par). Quando a lesão for bilateral, o paciente torna-se afônico. A disfonia pode também ocorrer por lesões estruturais das cordas vocais. .,. Disartria. Caracteriza-se por alteração da articulação da palavra falada ou fala, decorrente de algumas neuropatias centrais e/ou periféricas. Dentre as primeiras, sobressaem: paralisia pseudobulbar (misto de anasalada e explosiva), parkinsonismo (arrastada, lenta), síndrome cerebelar (escandida, explosiva). Quanto à disartria por problemas periféricos, menciona-se a lesão dos nervos cranianos VII, IX, X e XII (voz fanhosa) . .,. Dislalia. É a perturbação da articulação da palavra falada, sem que as causas estejam localizadas no sistema nervoso. Existem tipos diversos de dislalia. A fisiológica observa-se na criança até 4 anos de idade e consiste na troca de sílabas ou letras ("papato" por sapato, "potão, por portão); a que é acompanhada de retardo psicomotor, prolongando-se, em geral, até os 10 anos de idade; a secundária a lesões do palato, língua, dentes, lábios e mandíbula, de interesse da fonoaudiologia. .,. Disritmolalia. Trata-se da perturbação do ritmo da fala, destacando-se: (a) taquilalia, na qual se observa a alteração do ritmo da fala, tornando-a imprecisa, e (b) gagueira, em que há interrupção do ritmo da fala, observando-se a gagueira fisiológica ou evolutiva, até os 3 anos de idade, e a que se prolonga pela idade adulta. Nesse caso, existem nítido fator genético e envolvimento de fatores psíquicos que se agravam com o tempo, causando no paciente reações de ansiedade.

.,. Dislexia. Condição de natureza genética, consiste na dificuldade de capacitar-se para a leitura convencionalmente ensinada. É comum a inexistência de alterações neurológicas e psíquicas, mas boa parcela das crianças disléxicas tem antecedentes de retardo na aprendizagem da fala. A alteração reflete desorganização temporoespacial, e a dificuldade se mostra mais na composição das palavras do que na identificação das letras isoladas. O grau máximo dessa condição denomina-se alexia .,. Disgrafia. Como indica o próprio termo, a grafia é basicamente irregular, fragmentada, a ponto de, muitas vezes, tornar-se ilegível. Existem a disgrafia espacial ou de evolução, na qual não se observam distúrbios neurológicos, e a disgrafia secundária a problemas orgânicos, como o parkinsonismo (micrografia) e a cerebelopatia (macrografia). .,. Afasia. Melhor seria a denominação disfasia, mas a força do uso torna difícil restringir o vocábulo afasia apenas aos casos de perda total da linguagem. Assim, deve ser entendida como disfasia a maior parte das alterações rotuladas de afasia. A análise clínica da linguagem deve envolver amplamente os distúrbios da expressão verbal (fala e/ou escrita), em que se observa desintegração dos mecanismos que propiciam a palavra falada e/ou escrita; da recepção verbal (áudio e/ou visual), nos quais é evidente a dificuldade de compreensão das ideias-símbolos; e da atividade gestual, também denominada linguagem corporal, excluindo-se, todavia, os distúrbios mentais patentes. As mais importantes formas clínicas de afasia são definidas a seguir. Afasia motora ou verbal. É conhecida como afasia de Broca, em que há dificuldade de variável intensidade para expressar-se pela fala ou escrita e, habitualmente, associa-se a hemiparesia ou hemiplegia direita, por lesão do opérculo frontal e da área motora adjacente do hemisfério esquerdo. Afasia receptiva ou sensorial. Denominada afasia de Wernicke, na qual o paciente apresenta de leve a extrema dificuldade para a compreensão da fala e da escrita desacompanhada de outro déficit motor, por comprometimento do giro superior e posterior do lobo temporal esquerdo. Nessa forma clínica, o paciente pode apresentar parafasia, na qual os vocábulos ou as frases estão erroneamente colocados; perseveração, que é a repetição de um mesmo vocábulo; jargonofasia, cuja manifestação é o uso de palavras novas e incompreensíveis. Afasia global. Decorrente de lesão das duas regiões anteriormente mencionadas, constitui-se na forma mais importante de afasia, em virtude de sua gravidade. A compreensão e a expressão da linguagem ficam amplamente reduzidas. A hemiparesia ou herniplegia direita está presente. Afasia de condução. Trata-se de um tipo de afasia em que a maior dificuldade é a repetição de palavras. Embora consiga ler e falar razoavelmente, o paciente não é capaz de repetir frases que lhe são ditas. Há também componente amnéstico. Ocor-

1196 re, geralmente, por comprometimento do giro supramarginal dominante. Afasia amnéstica. Ainda que discutível, admite-se que decorra de lesão de pequena área na junção dos lobos parietal, temporal e occipital esquerdos. O paciente apresenta incapacidade para designar ou nomear os vocábulos ou o nome de objetos, conservando, contudo, sua finalidade. Assim, o indivíduo sabe para que se destina o pente, por exemplo, mas não consegue lembrar-se da palavra pente nem expressá-la. Afasia transcortical. Nas afasias transcorticais, o achado mais relevante é uma repetição conservada, apesar de existirem outros sintomas de afasia. As afasias transcorticais podem ser sensoriais, motoras ou mistas. Na transcortical sensorial, existe transtorno importante da compreensão, com uma expressão verbal fluente, muitas vezes em forma de jargão semântico. A repetição, porém, está preservada. Na transcortical motora, existe importante alteração da expressão verbal, com compreensão conservada e boa capacidade de repetição. A transcortical mista é o transtorno grave da linguagem que se caracteriza por alteração tanto da compreensão como da expressão verbal, se bem que se conserva boa capacidade para a repetição. De fato, representa uma combinação da afasia transcortical motora com a afasia transcortical sensorial. .,. Distúrbios do estado mental. Ver adiante, neste capítulo, em Avaliação do estado mental. .,. Distúrbios das gnosias. Gnosia significa reconhecimento, função específica do córtex cerebral. À sua perda dá-se o nome de agnosia, cujas manifestações mais importantes são para o reconhecimento dos sons (agnosia auditiva), da visão de objetos (cegueira cortical ou psíquica), dos objetos colocados em sua mão ao ser suprimida a visão (estereoagnosia), do próprio corpo em relação ao espaço (somatoagnosia), da fisionomia alheia (prosopoagnosia) ou de sua própria (autoprosopoagnosia). Vale ressaltar a possibilidade de associação de manifestações, configurando a clássica síndrome de Gerstmann: desorientação direita-esquerda, agnosia digital bilateral, acalculia e disgra:fia. A lesão situa-se no lobo parietal dominante, na porção posterior e inferior. As lesões causadoras dos distúrbios gnósticos localizam-se em pontos diversos, mas predominam no córtex dos lobos parietal, temporal e occipital. Tais lesões costumam decorrer de acidentes vasculares cerebrais, traumatismo cranioencefálico e neoplasia. .,. Distúrbios das praxias. Praxia significa atividade gestual consciente e intencional, e a dificuldade ou incapacidade dessa atividade denomina-se apraxia, sem que haja paralisias, ataxias ou hipercinesias. As manifestações clínicas mais conhecidas são descritas a seguir. Apraxia construtiva. Corresponde à perda dos gestos normalmente organizados, tais como: desenhar, modelar ou copiar modelos. Apraxia ideomotora. Reflete a dificuldade ou a incapacidade para a execução de gestos simples, permanecendo inalteradas a atividade automática e a ideia do ato a ser realizado. Assim, quando se ordena que o paciente segure a sua orelha ou bata três vezes na porta ou sobre a mesa, ele, apesar do entendimento, não consegue realizar os atos determinados ou os faz com dificuldade variável. Apraxia ideatória. Ocorre quando diferentes gestos simples, realizados isoladamente, ao serem constituídos em um ato mais

Parte 15

I Sistema Nervoso

complexo, perdem ou reduzem a sua sequência lógica e harmoniosa. Dê ao paciente, por exemplo, uma caixa de fósforos e um maço de cigarros, e ele terá dificuldade ou incapacidade para executar todos os atos que o levariam a fumar: retirar o palito da caixa de fósforos e o cigarro do maço, levar o cigarro à boca, riscar o palito, acender o cigarro e fumar. Apraxia do vestir. E caracterizada pela dificuldade ou incapacidade para executar os atos habituais de despir-se ou vestir-se. O paciente apresenta dificuldade variável para abotoar a camisa, vestir a manga da camisa, dar o nó na gravata - ou a coloca antes da camisa. As lesões ocupam a topografia retrorrolândica direita. Apraxia da marcha. Causada pela lesão frontal de ambos os hemisférios, que propicia o aparecimento de dificuldade da marcha, em especial o seu início. Apraxia bucolinguofacial. Consiste na alteração dos gestos da mímica facial, da boca e da língua, permanecendo inalterado o automatismo. Decorre de lesões frontais e do hemisfério esquerdo. O paciente não consegue realizar adequadamente atos simples, como mostrar a língua ou os dentes, colocar a língua em diversas posições, reproduzir a mímica de sorrir, chorar ou beijar. De modo geral, admite-se que a topografia lesional das apraxias situa-se nos lobos frontal e parietal do hemisfério dominante, mas outras regiões, tais como o corpo caloso, lobos temporais do mesmo lado ou do lado não dominante, também podem produzir alguns tipos de apraxia. As causas principais são as mesmas mencionadas no item sobre agnosias.

. . Exame físico O exame da fácies, do crânio, das várias posturas, dos movimentos involuntários, do tegumento cutâneo e da musculatura foi descrito na parte de semiologia geral (ver Capítulo 9, Exame Físico Geral). O exame neurológico compreende ainda vários outros itens, que serão estudados a seguir. .,. Pescoço ecoluna cervical. Do ponto de vista neurológico, cumpre incluir os exames seguintes. Carótidas. Procede-se à palpação e à ausculta de ambas as carótidas em separado, comparando-se a amplitude e averiguando se existe frêmito e/ou sopro. O exame é feito com suavidade, ao longo da borda interna do músculo esternocleidomastóideo, e tem por objetivo surpreender a existência de estenose ou oclusão da artéria, condições que determinam distúrbios vasculares encefálicos (ver Capítulo 54, Exame Clínico). Região supraclavicular. A ausculta dessa região tem a mesma importância que a das carótidas, porque é nesse ponto que a artéria vertebral tem origem na subclávia. limitação dos movimentos. Pede-se ao paciente que execute movimentos de extensão, flexão, rotação e lateralização da cabeça. Caso haja dificuldade ou limitação para a realização desses movimentos, isso deve ser assinalado com a respectiva graduação. Eventual dificuldade ou limitação talvez esteja na dependência de doenças osteoarticulares, musculares, meningites, radiculopatias e hemorragia subaracnóidea (ver Capítulo 162, Exame Clínico). Rigidez da nuca. Estando o paciente em decúbito dorsal, o examinador coloca uma das mãos na região occipital e, suavemente, tenta fletir a cabeça do paciente. Se o movimento for fácil e amplo, não há rigidez nucal, ou seja, a nuca é livre. Caso contrário, fala-se em resistência, defesa ou simplesmente rigidez

176

I Exame Clínico

1197

da nuca Esta última situação é frequentemente encontrada na meningite e na hemorragia subaracnóidea. Prova de Brudzinski. Com o paciente em decúbito dorsal e membros estendidos, o examinador repousa uma das mãos sobre o tórax do paciente e, com a outra colocada na região occipital, executa uma flexão forçada da cabeça (Figura 176.2). A prova é positiva quando o paciente flete os membros inferiores, mas há casos nos quais se observam flexão dos joelhos e expressão fisionômica de sensação dolorosa. Transição craniovertebral. Trata-se de uma região que oferece grande importância em certas situações clínicas. Observe especialmente se existe o chamado "pescoço curto': o qual pode denunciar deformidades ósseas, como redução numérica das vértebras cervicais, platibasia e impressão basilar, nitidamente visíveis ao exame radiológico. Essa deformidade existe, com alguma frequência, nos originários da região Nordeste do país, mas, nesses casos, nem sempre tem significado patológico. ... Coluna lombossacra. Avaliam-se os seguintes parâmetros: • Limitação dos movimentos: solicita-se ao paciente executar movimentos de flexão, extensão, rotação e lateralização da coluna e observa-se a eventual existência de limitação na amplitude dos movimentos e em que grau. As causas são as mesmas citadas para a coluna cervical • Provas de estiramento da raiz nervosa: o Prova de Lasegue: com o paciente em decúbito dorsal e os membros inferiores estendidos, o examinador levanta um dos membros inferiores estendido. A prova é positiva quando o paciente reclama de dor na face posterior do membro examinado, logo no início da prova (cerca de 30° de elevação)

....

o

o

Prova de Kernig: consiste na extensão da perna, estando a coxa fletida em ângulo reto sobre a bacia e a perna sobre a coxa (Figura 176.3). Considera-se a prova positiva quando o paciente sente dor ao longo do trajeto do nervo ciático e tenta impedir o movimento. Essas provas são utilizadas para o diagnóstico de meningite, hemorragia subaracnóidea e radiculopatia ciática Manobra de Patrik: trata-se de uma prova que não faz parte da semiologia da coluna lombossacra, mas é importante fazê-la nesse ponto, já que pode dar informações importantes sobre o estado da articulação coxofemoral: o tornozelo é colocado ao lado mediai do joelho contralateral, e o joelho ipsilateral é levemente deslocado em direção à mesa de exame. Isso força a articulação do quadril e, geralmente, não exacerba a compressão verdadeira das raízes nervosas. Em geral, o resultado é positivo na presença de doença da articulação do quadril.

... Nervos raquidianos. Pelo menos quatro nervos devem ser examinados em seus trajetos periféricos pelo método palpatório: • Nervo cubital, no nível do cotovelo, na epitróclea • Nervo radial, na goteira de torção no terço inferior da face externa do braço • Nervo fibular, na parte posterior e inferior da cabeça da fi'bula • Nervo auricular, na face lateral da região cervical. A importância prática desse exame reside no fato de que algumas doenças (hanseníase, neurite intersticial hipertrófica) acometem seletivamente os nervos periféricos, espessando-os. ... Marcha ou equilíbrio dinâmico. Como foi visto anteriormente, cada pessoa tem um modo próprio de andar, extremamente variável, individualizado pelas suas características físicas e mentais. Ao observar a maneira pela qual o paciente se locomove é possível, em algumas afecções neurológicas, suspeitar do ou fazer o diagnóstico sindrômico. A todo e qualquer distúrbio da marcha, dá-se o nome de disbasia. A disbasia pode ser uni ou bilateral, e os tipos mais representativos são determinados a seguir. Marcha helicópode, ceifante ou hemiplégica. Ao andar, o paciente mantém o membro superior fletido em 90°C no cotovelo e em adução, e a mão fechada em leve pronação. O membro inferior

A

B Figura 176.2 A e B. Pesquisa de rigidez da nuca.

Figura 176.3 Pesquisa do sinal de Kernig.

1198 do mesmo lado é espástico, e o joelho não flexiona. Devido a isso, a perna tem de se arrastar pelo chão, descrevendo um semicírculo quando o paciente troca o passo. Esse modo de caminhar lembra o movimento de uma foice em ação. Aparece nos pacientes que apresentam hemiplegia, cuja causa mais comum é acidente vascular cerebral (AVC) (Figura 176.9). Marcha anserina ou do pato. O paciente para caminhar acentua a lordose lombar e vai inclinando o tronco ora para a direita, ora para a esquerda, alternadamente, lembrando o andar de um pato. É encontrada em doenças musculares e traduz diminuição da força dos músculos pélvicos e das coxas. Marcha parkinsoniana. O doente anda como um bloco, enrijecido, sem o movimento automático dos braços. A cabeça permanece inclinada para a frente, e os passos são miúdos e rápidos, dando a impressão de que o paciente "corre atrás do seu centro de gravidade" e vai cair para a frente. Ocorre nos portadores da doença de Parkinson. Marcha cerebelar ou marcha do ébrio. Ao caminhar, o doente ziguezagueia como um bêbado. Esse tipo de marcha traduz incoordenação de movimentos em decorrência de lesões do cerebelo. Marcha tabética. Para se locomover, o paciente mantém o olhar fixo no chão; os membros inferiores são levantados abrupta e explosivamente, e, ao serem recolocados no chão, os calcanhares tocam o solo de modo bem pesado. Com os olhos fechados, a marcha apresenta acentuada piora, ou se torna impossível. Indica perda da sensibilidade proprioceptiva por lesão do cordão posterior da medula. Aparece na tabes dorsalis (neurolues), na mielose funicular (mielopatia por deficiência de vitamina B 12, ácido fólico ou vitamina B6), mielopatia vacuolar (ligada ao vírus HIV), mielopatia por deficiência de cobre após cirurgias bariátricas, nas compressões posteriores da medula (mielopatia cervical). Marcha de pequenos passos. É caracterizada pelo fato de o paciente dar passos muito curtos e, ao caminhar, arrastar os pés como se estivesse dançando "marchinha'~ Aparece na paralisia pseudobulbar e na atrofia cortical da senilidade. Marcha vestibular. O paciente com lesão vestibular (labirinto) apresenta lateropulsão quando anda; é como se fosse empurrado para o lado ao tentar mover-se em linha reta. Se o paciente for colocado em um ambiente amplo e lhe for solicitado ir de frente e voltar de costas, com os olhos fechados, ele descreverá uma figura semelhante a uma estrela, daí ser denominada também marcha em estrela. Marcha escarvante. Quando o doente tem paralisia do movimento de flexão dorsal do pé, ao tentar caminhar, toca com a ponta do pé o solo e tropeça. Para evitar isso, levanta acentuadamente o membro inferior, o que lembra o "passo de ganso" dos soldados prussianos. Marcha claudicante. Ao caminhar, o paciente manca para um dos lados. Ocorre na insuficiência arterial periférica e em lesões do aparelho locomotor. Marcha em tesoura ou espástica. Os dois membros inferiores enrijecidos e espásticos permanecem semifletidos, os pés se arrastam e as pernas se cruzam uma na frente da outra quando o paciente tenta caminhar. O movimento das pernas lembra uma tesoura em funcionamento. Esse tipo de marcha é bastante frequente nas manifestações espásticas da paralisia cerebral. .,. Equilíbrio estático. Terminado o estudo da marcha, solicita-se ao paciente continuar na posição vertical, com os pés juntos, olhando para frente. Nessa postura, ele deve permanecer alguns segundos. Em seguida, ordena-se a ele que feche as pálpebras. A isso se denomina prova de Romberg. No indivíduo normal, nada se observa, ou apenas ligeiras oscilações do corpo são notadas (prova de Romberg nega-

Parte 15

I Sistema Nervoso

tiva). Na vigência de determinadas alterações neurológicas, ao cerrar as pálpebras, o paciente apresenta oscilações do corpo, com desequihbrio e forte tendência à queda (prova de Romberg positiva). A tendência para a queda pode ser: (1) para qualquer lado e imediatamente após interromper a visão, indicando lesão das vias de sensibilidade proprioceptiva consciente; (2) sempre para o mesmo lado, após transcorrer pequeno período de latência, traduzindo lesão do aparelho vestibular (Figura 176.4). A prova de Romberg é positiva nas labirintopatias, na tabes dorsalis, na degeneração combinada subaguda e na polineuropatia periférica. Em algumas ocasiões, sobretudo nas lesões cerebelares, o paciente não consegue permanecer de pé (astasia) ou o faz com dificuldade (distasia), alargando, então, sua base de sustentação pelo afastamento dos pés para compensar a falta de equihbrio. Tais manifestações não se modificam quando se interrompe o controle visual (prova de Romberg negativa). .,. Motricidade voluntária. De três tipos são os atos motores: voluntário, involuntário e reflexo. O primeiro, mais recentemente adquirido na escala animal, em virtude de lei ontogenética, atua sobre os demais no sentido de inibição, controle e moderação. O sistema motor voluntário que comanda os movimentos dos vários segmentos do corpo é representado pelos neurônios centrais ou superiores, situados no córtex frontal, preci-

Figura 176.4 Prova de Romberg. A. Posição dos pés na manobra de Romberg. 8. Prova de Romberg sensibilizada (um pé na frente do outro).

176

I Exame Clínico

1199

samente na circunvolução pré-central, cujos axônios formam o fascículo corticoespinal, também chamado piramidal, indo terminar em sinapse nos vários níveis medulares com os segundos neurônios motores. Esses são chamados periféricos ou inferiores e se localizam nas colunas ventrais da medula. Seus axônios alcançam a periferia e terminam nos músculos. Os neurônios motores - superior e inferior - e suas vias estão representados na Figura 176.5. A motricidade voluntária é estudada por meio de duas técnicas, uma para a análise da motricidade espontânea e outra para a avaliação da força muscular. .,. Motriàdade espontânea. Solicita-se ao paciente executar uma série de movimentos, especialmente dos membros, tais como: Membro inferior

f/

Membro superior

~

Córtex motor

Segmento cefálico Tálamo

.,--·-·-. . .:. \'\.

\ Fasciculo piramidal~ Mesencéfalo

I I

Feixes corticonucleares ---it--

...-~

e corticoespinal Ponte

----

\\

VIl Nervo craniano

\

"'-)-

Bulbo superior

.

cramano

Bulbo inferior

Decussação piramidal Medula cervical

Medula lombar Figura 176.5 Representação esquemática da via motora descendente, desde sua origem no córtex motor até as sinapses de seus axônios com os neurônios da coluna cinzenta anterior da medula (feixe corticoespinal) e os núcleos motores dos nervos cranianos no tronco cerebral (feixe corticonuclear). No córtex, pode-se ver também a representação topográfica dos movimentos do corpo, de acordo com sua importância no homem, que constitui a clássica figura do homúnculo de Penfield e Rasmussen.

abrir e fechar a mão, estender e fletir o antebraço, abduzir e elevar o braço, fletir a coxa, fletir e estender a perna e o pé. Durante a execução desses movimentos, é importante observar se eles são realizados em toda a sua amplitude. Não o sendo, cumpre avaliar o grau e a sede da limitação. Exemplos: moderada limitação da amplitude do movimento de elevação do braço esquerdo, acentuada redução da amplitude do movimento de extensão do pé direito, e assim por diante. Um dado importante que pode ajudar nessa fase de avaliação da motricidade é a realização de movimentos repetitivos dos dedos, como, por exemplo, aproximar e afastar o indicador e o polegar. Nas síndromes piramidais, existe diminuição da velocidade dos movimentos. Nas extrapiramidais, como a parkinsoniana, há também diminuição da velocidade dos movimentos; porém, observa-se progressiva diminuição da amplitude dos movimentos com a realizaç.ão deles. O mesmo pode ser observado nos movimentos de flexão e extensão da coxa sobre o tronco, com o paciente sentado. Mastadas as condições locais extraneurológicas (abscesso, anquilose, retração tendinosa), as causas de redução ou abolição do movimento voluntário são representadas por lesão dos neurônios motores e/ou de suas vias (sistema piramidal, colunas ventrais da medula e nervos) . .,. Força muscular. O paciente procura fazer os mesmos movimentos mencionados no exame da motricidade espontânea, só que, desta vez, com oposição aplicada pelo examinador. Tais manobras são mostradas nas Figuras 176.6 e 176.7. Não havendo indícios de doença que justifique exame particularizado de determinados segmentos, esse exame é realizado rotineiramente de modo global. Nos casos de discreta ou duvidosa deficiência motora dos membros, realizam-se as denominadas provas deficitárias, representadas pelas provas de Barré, Mingazzini e dos braços estendidos (Figura 176.8, horizontal e vertical). O resultado do exame da força pode ser registrado de duas maneiras: • Literalmente, anotando-se a graduação e a sede, assim: o Força normal nos quatro membros o Força discretamente diminuída na extensão do antebraço direito o Força moderadamente diminuída na flexão da perna esquerda o Força muito reduzida na extensão do pé direito o Força abolida na flexão da coxa esquerda • Percentualmente, anotando-se também a graduação e a sede, ou seja: o 100%: força normal o 75%: movimento completo contra a força da gravidade e contra certa resistência aplicada pelo examinador o 50%: movimento contra a força da gravidade o 25%: movimento completo sem a força da gravidade o 10%: discreta contração muscular o 0%: nenhum movimento. Outra maneira de nomear os déficits de movimento é com o grau de força: • Grau V: força normal • Grau IV: movimento completo contra a força da gravidade e contra certa resistência aplicada pelo examinador • Grau III: movimento contra a força da gravidade • Grau II: movimento completo sem a força da gravidade • Grau I: discreta contração muscular • Grau 0: nenhum movimento.

Parte 15 I Sistema Nervoso

1200

I

I A



,-=-'--

c

o

F Figura 176.6 Exame da força muscular das mãos e do antebraço.

As denominações técnicas de paralisia total ou parcial, com as diversas localizações, estão descritas no item sobre paralisia. ~ Tônus musaJiar. O tônus pode ser considerado como o estado de tensão constante a que estão submetidos os músculos, tanto em repouso (tônus de postura), como em movimento (tônus de ação). O exame do tônus é realizado com o paciente deitado e em completo relaxamento muscular, obedecendo-se à seguinte técnica: • Inspeção: Verifica-se a existência ou não de achatamento das massas musculares de encontro ao plano do leito. É

mais evidente nas coxas e só tem valor significativo na acentuada diminuição do tônus • Palpação das massas musculares: Averigua-se o grau de consistência muscular, a qual se mostra aumentada nas lesões motoras centrais e diminuída nas periféricas • Movimentos passivos: Imprimem-se movimentos naturais de flexão e extensão nos membros e observam-se: o a passividade, ou seja, se há resistência (tônus aumentado) ou se a passividade está aquém do normal (tônus diminuído)

176 I Exame Clínico

A --------~========~====~

1201

o

I

E

c

Figura 176.7 Exame da força muscular dos membros inferiores.

a extensibilidade, isto é, se existe ou não exagero no grau de extensibilidade da fibra muscular. Assim, na flexão da perna sobre a coxa, fala-se em diminuição do tônus quando o calcanhar toca a região glútea de modo fácil • Balanço passivo: O examinador, com as suas duas mãos, segura e balança o antebraço do paciente, observando se a mão movimenta-se de forma normal, exagerada (na hipotonia) ou diminuída (na hipertonia). O mesmo pode ser obse.rvado, aplicando-se a manobra nos membros inferiores, segurando a perna e observando o balanço dos pés. o

A diminuição do tônus (hipotonia) ou o seu aumento (hipertonia) devem ser registrados com as respectivas gradua-

ção e sede. Exemplos: moderada hipotonia nos membros inferiores. Acentuada hipertonia dos membros direitos. Considerando o interesse clínico no reconhecimento das alterações do tônus muscular, convém reunir as características semiológicas da hipotonia e da hipertonia, como segue definição. Na hipotonia, observam-se achatamento das massas musculares no plano do leito, consistência muscular diminuída, passividade aumentada, extensibilidade aumentada. A hipotonia é encontrada nas lesões do cerebelo, no coma profundo, no estado de choque do sistema nervoso central, nas lesões das vias da sensibilidade proprioceptiva cons-

Parte 15 I Sistema Nervoso

1202

B

A hipertonia também pode ser transitória e/ ou intermitente, como ocorre em certas condições clínicas (descerebração, síndrome meníngea, tétano, tetania e intoxicação estricnínica). Outras vezes, sob a forma de distonia (alternância entre hipo e hipertonia), é encontrada na atetose e na distonia de torção. Por fim, não se pode esquecer de que, em certas condições locais (retração tendinosa), gerais (convalescença prolongada) ou fisiológicas (contorcionismo), o tônus muscular costuma sofrer modificações. "" Coordenação. Na execução dos movimentos, por mais simples que sejam, entram em jogo mecanismos reguladores de sua direção, velocidade e medida adequadas, que os tornam econômicos, precisos e harmônicos. Não basta, portanto, que exista força suficiente para a execução do movimento; é necessário que haja coordenação na atividade motora. Coordenação adequada traduz o bom funcionamento de, pelo menos, 2 setores do sistema nervoso: o cerebelo (centro coordenador) e a sensibilidade proprioceptiva. À sensibilidade proprioceptiva cabe informar continuamente ao centro coordenador as modificações de posição dos vários segmentos • corporais. A perda de coordenação é denominada ataxia, a qual pode ser de três tipos: cerebelar, sensorial e mista. Cumpre mencionar que, nas lesões da sensibilidade proprioceptiva, o paciente utiliza a visão para fiscalizar os movimentos incoordenados. Cerradas as pálpebras, acentua-se a ataxia. Tal fato não ocorre nas lesões cerebelares. Faz-se o exame da coordenação por meio de inúmeras provas, mas bastam as que se seguem: • Prova dedo-nariz: Com o membro superior estendido lateralmente, o paciente é solicitado a tocar a ponta do nariz com

Figura 176.8 A. Prova dos braços estendidos. B. Prova de Mingazzini.

ciente, das pontas anteriores da medula, dos nervos, na coreia aguda e em algumas encefalopatias (mongolismo). Na hipertonia, encontram-se consistência muscular aumentada, passividade diminuída e extensibilidade aumentada. A hipertonia está presente nas lesões das vias motoras piramidal e extrapiramidal. A hipertonia piramidal, denominada espasticidade, é observada comumente na hemiplegia, na diplegia cerebral infantil, na esclerose lateral da medula e na mielopatia compressiva. Apresenta, pelo menos, duas características: (1) é eletiva, pois alcança globalmente os músculos, com predomínio dos extensores dos membros inferiores e flexores dos membros superiores. Tais alterações determinam a clássica postura de Wernicke-Mann (Figura 176.9); (2) é elástica, com retorno à posição inicial de um segmento do corpo (antebraço, por exemplo), no qual se interrompeu o movimento passivo de extensão. A hipertonia extrapiramidal, denominada rigidez, é encontrada no parkinsonismo, na degeneração hepatolenticular e em outras doenças desse sistema. Tem duas características básicas que a diferenciam da hipertonia piramidal: (1) não é eletiva, porquanto acomete globalmente a musculatura agonista, sinergista e antagonista; (2) é plástica, com resistência constante à movimentação passiva, como se o segmento fosse de cera (flexibilidade cérea); está habitualmente associada ao sinal da roda dentada, que se caracteriza por interrupções sucessivas do movimento, lembrando os dentes de uma cremalheira em ação.

Figura 176.9 Postura de Wernicke-Mann, observada na fase de espasticidade da hemiplegia.

176

I Exame Clínico

o indicador. Repete-se a prova algumas vezes: primeiro, com os olhos abertos e, depois, fechados. O paciente deve estar de preferência de pé ou sentado (Figura 176.10A e B) • Prova calcanhar-joelho: Na posição de decúbito dorsal, o paciente é solicitado a tocar o joelho oposto com o calcanhar do membro a ser examinado (Figura 176.10C e D). A prova deve ser realizada várias vezes, de início com os olhos abertos; depois, fechados. Nos casos de discutível alteração, «sensibiliza-se" a prova mediante o deslizamento do calcanhar pela crista tibial, após tocar o joelho. Diz-se que há dismetria (distúrbio na medida do movimento) quando o paciente não consegue alcançar com precisão o alvo • Prova dos movimentos alternados: Determina-se ao paciente que realize movimentos rápidos e alternados, tais como: abrir e fechar a mão, movimento de supinação e pronação, extensão e flexão dos pés. Tais movimentos denominam-se diadococinesia, e a capacidade de realizá-los é chamada eudiadococinesia. Sua dificuldade é designada disdiadococinesia e a incapacidade de realizá-los recebe o nome de adiadococinesia. O registro das alterações encontradas é feito anotando-se a sede e o grau de ataxia.

• Reflexos De modo genérico, pode-se afirmar que a toda ação correspende uma reação. Assim é o reflexo: trata-se de uma resposta

1203 do organismo a um estímulo de qualquer natureza. A reação pode ser motora ou secretora, dependendo da modalidade do estímulo e do órgão estimulado. Para nosso estudo, têm interesse os reflexos motores, cuja base anatomofuncional é o arco reflexo, representado esquematicamente na Figura 176.11 e constituído pelos seguintes elementos: • • • •

via aferente: receptor e fibras sensoriais do nervo centro reflexógeno: substância cinzenta do sistema nervoso via eferente: fibras motoras do nervo órgão efetor: músculo.

.,. Reflexos exteroceptivos ou superficiais. Nesses reflexos, o estímulo é feito na pele ou na mucosa externa, por meio de um estilete rombo. Alguns reflexos mucosos serão vistos quando os nervos cranianos forem estudados. Os reflexos cutâneos habitualmente examinados são definidos a seguir. Reflexo cutâneo-plantar. Estando o paciente em decúbito dorsal, com os membros inferiores estendidos, o examinador estimula superficialmente a região plantar, próximo à borda lateral e no sentido posteroanterior, fazendo um leve semicírculo na parte mais anterior (Figura 176.12). A resposta normal é representada pela flexão dos dedos. A abolição desse reflexo ocorre quando há interrupção do arco reflexo e, algumas vezes, na fase inicial da lesão da via piramidal. A inversão da resposta normal, ou seja, a extensão do hálux

-

c

B

-

D Figura 176.1 OExame da coordenação motora. A e B. Prova dedo indicador-nariz. Ce O. Prova calcanhar-joelho.

Parte 15

1204

_.... B

o

Figura 176.1 1 Representação esquemática do arco reflexo simples: (A) via aferente; (B) via eferente; (C) centro reflexógeno; (O) órgão efetor.

I Sistema Nervoso

(os demais podem ou não apresentar abertura em forma de leque), constitui o sinal de Babinski, um dos mais importantes elementos semiológicos do sistema nervoso (Figura 176.13) que indica lesão da via piramidal ou corticoespinal. Reflexos cutâneo-abdominais. Ainda com o paciente em decúbito dorsal, com a parede abdominal em completo relaxamento, o examinador estimula o abdome do paciente no sentido da linha mediana em três níveis: superior, médio e inferior. A resposta normal é a contração dos músculos abdominais que determina um leve deslocamento da cicatriz umbilical para o lado estimulado. Podem estar abolidos quando houver interrupção do arco reflexo, na lesão da via piramidal e, às vezes, mesmo na ausência de alterações do sistema nervoso (obesidade, pessoas idosas, multíparas). ~ Reflexos proprioceptivos, profundos, musculares ou miotáticos. Reconhecem-se os tipos fásicos ou clônicos, e os tônicos ou posturais. Na pesquisa dos reflexos miotáticos fásicos ou clônicos, o estímulo é feito pela percussão com o martelo de reflexos do tendão do músculo a ser examinado (Figuras 176.14 e 176.15). De rotina, são investigados os reflexos aquileu, patelar, flexor dos dedos, supin ador, pronador, bicipital e tricipital. No Quadro 176.3 estão listados os elementos semiológicos fundamentais desses reflexos. Pela maneira especial como é provocado, o clônus do pé e da rótula é colocado à parte do quadro geral dos reflexos, os quais consistem na contração sucessiva, clônica, do tríceps sural e dos quadríceps, respectivamente, quando o estiramento rápido do músculo em questão é provocado e mantido. São encontrados na lesão da via piramidal e sempre acompanhados de exaltação dos reflexos daqueles músculos. Os reflexos miotáticos fásicos podem estar: normais, abolidos, diminuídos, vivos ou exaltados. Suas alterações podem ser simétricas ou não (Quadro 176.3). O registro dos resultados deve ser feito literalmente ou por meio de sinais convencionais, da seguinte maneira: • • • • •

Arreflexia ou reflexo abolido: O Hiporreflexia ou reflexo diminuído: Normorreflexia ou reflexo normal: + Reflexo vivo: ++ Hiper-reflexia ou reflexo exaltado:+++.

A arreflexia ou hiporreflexia são encontradas comumente nas lesões que interrompem o arco reflexo (poliomielite, polineuropatia periférica, miopatia), e a hiper-reflexia nas

c Figura 176.12 Reflexo cutâneo-plantar: observe o sentido do estímulo.

Figura 176.13 Sinal de Babinski.

176

I Exame Clínico

Quadro 176.3

1205

Reflexos miotáticos fásicos ou dônicos.

Reflexo

Músculo

Centro medular

Sede do estímulo

Resposta

Aquileu Patelar Flexor dos dedos Supinador

Tríceps sural Quadríceps Flexor dos dedos da mão

LS-51 L2-L4 C7-C8-T1

Tendão de Aquiles Tendão rotuliano Face anterior do punho

Flexão do pé Extensão da perna Flexão dos dedos da mão

Supinadores

CS-C6

Apófise estiloide do rádio

Flexão do antebraço e, às vezes, ligeira supinação eflexão dos dedos

Pronador Bicipital Tricipital

Pronadores Bíceps Tríceps

(6-C7-(8-T1

Processo estiloide da ulna Tendão distai do bíceps Tendão distai do tríceps

Pronação da mão eantebraço Flexão do antebraço Extensão do antebraço

CS-C6 C6-C7-C8

o

-

Figura 176.14 Exame dos reflexos profundos: flexor dos dedos (A), pronador (8), supinador (C), tricipital (0) e bicipital (E).

Parte 15

1206

I Sistema Nervoso

É encontrada na lesão piramidal, especialmente de nível medular.

• Sensibilidade Os estímulos, de qualquer natureza, atuando sobre os órgãos receptores da superfície corporal ou na profundidade do corpo, são conduzidos por sistemas especiais (vias aferentes ou aferências sensoriais) até o sistema nervoso central. O estudo semiológico da sensibilidade diz respeito aos receptores, às vias condutoras e aos centros localizados no encéfalo. Essas vias sensoriais estão em estreita e contínua ligação com as vias motoras, configurando, em seu conjunto, o arco reflexo que representa a unidade anatomofuncional do sistema nervoso. Para melhor compreensão da propedêutica da sensibilidade e das alterações em seus vários níveis, veja a Figura 176.16, na qual foram esquematizados os elementos anatômicos. A classificação mais utilizada das formas da sensibilidade é demonstrada na Figura 176.17.

Córtex parietal

Mesencéfalo

Figura 176.1 S Exame dos reflexos profundos: patelar (A) e aquileu (8).

lesões da via piramidal (acidente vascular cerebral, neoplasia, doença desmielinizante, traumatismo). É possível, todavia, obter resposta diminuída ou aumentada, mesmo na ausência de doença. A experiência do examinador, somada aos outros dados semiológicos, possibilitará a correta interpretação dos achados. Nos pacientes com lesão do cerebelo, é comum a resposta em pêndulo do reflexo patelar (reflexo patelar pendular), consequência da hipotonia. A assimetria nas respostas dos reflexos tem grande importância, porque evidencia anormalidade neurológica, sendo necessário ser bem analisada conjuntamente com os outros elementos semióticos. .,. Reflexo de automatismo ou de defesa. O reflexo de automatismo ou de defesa representa reação normal de retirada do membro a um estímulo nociceptivo, habitualmente aplicado no pé. Por ser um tipo especial de reflexo, é analisado separadamente, procedendo-se da seguinte maneira: com o paciente em decúbito dorsal e os membros inferiores estendidos, faz-se um beliscamento na região dorsal do pé, ou uma flexão forçada nos dedos do pé, ou ainda a percussão rápida e repetida na região plantar com o martelo de reflexo. Em condições normais, o membro estimulado permanece na mesma posição ou apresenta discreta retirada, caso o estímulo seja muito forte. A resposta anormal é uma tríplice flexão, representada pela flexão do pé sobre a perna, desta sobre a coxa e da coxa sobre a bacia. Corresponde, na verdade, a um exagero da resposta normal.

( 17 Ponte

Bulbo superior

Bulbo inferior

.

!

c __.__

I

;

B-·~·--;;·~~~ I ; '-.

• =---.

i

Cordão dorsal

i I

i

Medula

A; Lateral )Feixes espinotalâmicos VentraI Figura 176.16 Representação esquemática das aferências sensoriais, exceto o segmento cefálico, mostrando: fibras que transmitem as impressões tátil grosseira ou protopática e de pressão (A); fibras para a dor e temperatura (B); fibras para as sensibilidades vibratória, cinético-postura! e tátil epicrítica ou discriminativa (C).

176

I Exame Clínico

1207 Sensibilidade

\

I Objetiva

\

I Geral

I Profunda

I

Especial

\ Superficial

I

Vibratória Pressórica Cinético-postura! Dolorosa

I

Subjetiva

\ Olfação Visão Gustação Audição

Tátil Térmica Dolorosa

Figura 176.17 Classificação das formas de sensibilidade.

A sensibilidade subjetiva compreende as queixas sensoriais que o paciente relata durante a anamnese, ou seja, a dor e as parestesias (dormência, formigamento). A sensibilidade objetiva, a rigor, não deixa de ser subjetiva, já que depende da resposta do paciente aos estímulos percebidos. É dita objetiva apenas porque, nesse caso, está presente um estímulo aplicado pelo examinador. A sensibilidade especial corresponde aos sensórios e será estudada na parte relativa aos nervos cranianos. A investigação da sensibilidade demanda, antes de tudo, muita paciência, metodização e uso de material adequado. Para ser feito o exame da sensibilidade com a máxima precisão, devem ser obedecidas as seguintes recomendações: • proporcione um ambiente adequado (silencioso e com temperatura agradável) • o paciente precisar estar com roupas sumárias (se houver necessidade, deve ser despido) • o paciente deve manter os olhos fechados durante o exame após explicações adequadas do que será realizado • tanto quanto possível, evite sugestão quanto à sede e à natureza do estímulo aplicado. Exemplo: não pergunte ao paciente se ele está sentindo ser tocado com algodão no pé direito enquanto isso estiver sendo feito • Ao aplicar o estímulo, indague: está sentindo alguma coisa? O quê? Em que parte do corpo? Em seguida, compare os estímulos em áreas homólogas e também em vários locais do mesmo segmento • o tempo de exame não deve ser muito prolongado para não provocar desatenção e impaciência • o seguinte material deve ser usado: pedaço de algodão ou um pincel pequeno e macio; estilete rombo que provoque dor sem ferir o paciente; dois tubos de ensaio ou vidrinhos, um com água gelada e outro com água quente (a cerca de 45°) e diapasão de 128 vibrações por segundo.

.,. Semiotécnica. O estudo da sensibilidade superficial e da sensibilidade profunda é feito do seguinte modo descrito a seguir. Sensibilidade superficial. Para a sensibilidade tátil, utiliza-se o pedaço de algodão ou o pequeno pincel macio, os quais são roçados de leve em várias partes do corpo.

A sensibilidade térmica requer dois tubos de ensaio, um com água gelada e outro com água quente, com que se tocam pontos diversos do corpo, alternando-se os tubos. A sensibilidade dolorosa é pesquisada com o estilete rombo, capaz de provocar dor sem ferir o paciente. A agulha hipodérmica é inadequada, sobretudo em mãos inábeis. A diminuição da sensibilidade tátil recebe o nome de hipoestesia; sua abolição, anestesia; e seu aumento, hiperestesia. Tais alterações estão na dependência da lesão das vias das várias modalidades sensoriais. O resultado do exame, se for normal, deve ser registrado literalmente, discriminando-se cada tipo de sensibilidade. Se houver alterações, o registro será feito em esquemas que mostrem a distribuição sensorial corporal ou, então, discriminativamente, como exemplificado a seguir: • diminuição da sensibilidade tátil • abolição da sensibilidade vibratória • aumento da sensibilidade superficial dolorosa. É fundamental acrescentar a esses exemplos o grau e a loca-

lização das alterações. Sensibilidade profunda. A sensibilidade vibratória (palestesia) é pesquisada com o diapasão de 128 vibrações por segundo, colocado em saliências ósseas. A sensibilidade à pressão (barestesia) é verificada mediante compressão digital ou manual em qualquer parte do corpo, especialmente de massas musculares. A cinético-postura! ou artrocinética (batiestesia) é explorada deslocando-se suavemente qualquer segmento do corpo em várias direções (flexão, extensão). Em dado momento, fixa-se o segmento em uma determinada posição, que deverá ser reconhecida pelo paciente. Para facilitar o exame, elegem-se algumas partes do corpo, como o hálux, o polegar, o pé ou a mão. A sensibilidade dolorosa profunda é avaliada mediante compressão moderada de massas musculares e tendões, o que, normalmente, não desperta dor. Se o paciente acusar dor, é sinal de que há neurites e miosites. De modo contrário, os pacientes com tabes dorsalis não sentem dor quando se faz compressão, mesmo forte, de órgãos habitualmente muito dolorosos, como é o caso dos testículos. .,. Estereognosia. Em seguida ao exame da sensibilidade, avalia-se o fenômeno estereognóstico, que significa a capacidade de reconhecer um objeto com a mão sem o auxílio da visão. É função tátil discriminativa ou epicrítica com componente proprioceptivo. Coloca-se um pequeno objeto comum (chave, botão, grampo de cabelo) na mão do paciente, o qual, com os olhos fechados, deve reconhecer o objeto apenas pela palpação. Quando se perde essa função, diz-se astereognosia ou agnosia tátil, indicativa de lesão do lobo parietal contralateral (Figura 176.18).

• Nervos cranianos Os 12 nervos cranianos têm origem no tronco encefálico ou se dirigem para ele, com exceção dos dois primeiros, que, por sinal, não têm características morfológicas de nervo, e sim de tecido cerebral e do ramo externo do XI, cuja origem se encontra na medula cervical. .,. I Nervo olfatório. As impressões olfatórias são recolhidas pelos receptores da mucosa nasal e conduzidas aos centros corticais da olfaç.ão, situados nos hipocampos, após atravessarem os dois lobos frontais. No exame da olfação, empregam -se substâncias com odores conhecidos: café, canela, cravo, tabaco, álcool etc.

Parte 15 I Sistema Nervoso

1208

,

A

c

B

o Figura 176.18 Exame de sensibilidade. A. Tátil. 8. Dolorosa. C. Vibratória. O. Cinético-postura!.

De olhos fechados, o paciente deve reconhecer o aroma que o examinador colocar diante de cada narina. Afastadas as condições que impeçam o reconhecimento do odor (resfriado comum, atrofia de mucosa), as alterações deficitárias (hiposmia e anosmia) ganham maior significado clínico, pois dependem de distúrbios neurológicos, como sífilis nervosa, fratura do andar anterior da base do crânio e neoplasia da goteira olfatória. De outra parte, existem alterações da olfação por lesões corticais que compreendem os seguintes tipos: • Parosmia, que consiste na perversão do olfato • Alucinações olfatórias • Cacosmia, a qual é uma sensação olfatória desagradável na ausência de qualquer substância capaz de originar odor. Essas manifestações, às vezes referidas durante a anamnese, têm de ser levadas em consideração, pois podem representar verdadeiras crises epilépticas, por lesão do úncus hipocampal. São chamadas crises epilépticas uncinadas. ... 11 Nervo óptico. As imagens são recolhidas na retina por meio dos cones e bastonetes, e conduzidas ao centro da visão no lobo occipital, pelos axônios que constituem o nervo, o quiasma e o trato óptico, o corpo geniculado lateral e as radiações ópticas (ver Exame neuroftalmológico, no Capítulo 19, Exame Clfnico). O nervo óptico é examinado da seguinte maneira: • Acuidade visual: Pede-se ao paciente que diga o que vê na sala de exame (na parede, na mesa) ou leia alguma coisa.

Examina-se cada olho em separado. Havendo diminuição da acuidade, fala-se em ambliopia; quando abolida, constitui-se em amaurose. Ambas podem ser uni ou bilaterais e costumam ser causadas por neurite retrobulbar, neoplasias e hipertensão intracraniana • Campo visual: Sentado, o paciente fixa um ponto na face do examinador, postado à sua frente. O examinador desloca um objeto nos sentidos horizontal e vertical, e o paciente dirá até que ponto está "percebendo" o objeto nas várias posições. Cada olho é examinado separadamente. A isso se denomina avaliação do campo visual ou campimetria. As alterações campimétricas causadas por neoplasias, infecções e desmielinização são anotadas em relação ao campo visual, e não à retina. Assim, hemianopsia homônima direita significa perda da metade direita do campo visual. Esta e outras alterações podem ser mais bem observadas na Figura 176.19 • Fundoscopia: Com o oftalmoscópio, o fundo de olho toma-se perfeitamente visível. O neurologista não pode prescindir desse exame, que constitui verdadeira biopsia incruenta. Podem ser reconhecidos o tecido nervoso (retina e papila óptica) e os vasos (artérias, veias e capilares), que evidenciam fielmente o que se passa com as estruturas análogas na cavidade craniana. Entre as alterações que podem ser encontradas, destacam-se: a palidez da papila, a qual significa atrofia do nervo óptico; a estase bilateral da papila, que traduz hipertensão intracraniana, e as modificações das arteríolas, que aparecem na hipertensão arterial.

176

I Exame Clínico

1209

Campo visual Metade esquerda

Metade direita

Retina temporal

Amaurose direita

Nervo_, óptico Trato ' . -optlco

Hemianopsia heterônima bitemporal

+ Quiasma

c

c(J) (]) Quadrantanopsia homônima esquerda

-+-+-

os

os

RI

s(J) (]) Hemianopsia homônima esquerda

Corpo geniculado lateral

RI

DDe) e)

\I Lobo occipital Centro visual Figura 176.19 Representação esquemática das vias ópticas e as consequências das lesões mais frequentes.

.,. 111 Nervo oculomotor, IV nervo troclear e VI nervo abducente. Esses três nervos são examinados em conjunto, pois inervam os vários músculos que têm por função a motilidade dos globos oculares. Tais músculos compreendem o reto mediai, o reto superior, o reto inferior, o oblíquo inferior (inervados pelo oculomotor), o oblíquo superior (inervado pelo troclear) e o reto lateral (inervado pelo abducente). O III nervo inerva também a musculatura elevadora da pálpebra. A investigação semiológica desses nervos pode ser sistematizada da seguinte maneira. Motilidade extrínseca. A posição do globo ocular é dada pelo nmcionamento harmônico dos vários músculos. Caso haja predomínio de um deles (por paresia ou paralisia de seu antagonista), ocorre o que se chama estrabismo (desvio do olho de seu eixo normal), que pode ser horirontal (convergente ou divergente) ou vertical (superior ou inferior), e isso vai depender se o desvio é em uma ou em outra direção. Na presença de estrabismo, pelo menos na fase inicial, o paciente reclama de visão dupla ou diplopia (Figuras 176.20 e 176.21). O exame é feito em cada olho separadamente e, depois, simultaneamente, da seguinte maneira: estando o paciente com a cabeça imóvel, o examinador solicita a ele que desloque os olhos nos sentidos horiwntal e vertical. No exame simultâneo, acrescenta-se a prova da convergência ocular, que é feita aproximando gradativamente um objeto dos olhos do paciente. A Figura 176.22 mostra o esquema da paralisia da musculatura extrínseca dos olhos.

Figura 176.20 Posição primária dos olhos e representação esquemática da ação dos músculos oculares extrínsecos (RM- reto mediai, RL- reto lateral, RS- reto superior, RI- reto inferior, OI- oblíquo inferior e OS- oblíquo superior). Para a execução dos movimentos horizontais, entram em ação os retos mediai e lateral (movimentação primária); para os movimentos verticais, inferiores ou superiores, acionam-se os retos superior e inferior e os oblíquos superior e inferior.

As causas mais frequentes de lesões dos nervos oculomotores são traumatismos, diabetes melito, aneurisma intracraniano, hipertensão intracraniana e neoplasias da região selar. Motilidade intrínseca. O exame da pupila é feito em seguida ao estudo da motilidade extrínseca dos globos oculares. A íris é formada por fibras musculares lisas e apresenta uma camada externa, radiada, inervada pelo simpático cervical, e uma camada interna, circular, que recebe a inervação parassimpática. Esta tem origem no mesencéfalo, no núcleo de Edinger-Westphal, e suas raízes alcançam o olho por intermédio do III nervo, que constitui a sua via eferente. A via aferente corresponde às fibras pupilomotoras, as quais têm origem na retina e transitam pelo nervo óptico. A pupila é normalmente circular, bem centrada e tem um diâmetro de 2 a 4 mm. Ressalte-se que o diâmetro pupilar é o resultado do funcionamento equilibrado entre os dois sistemas autônomos - simpático e parassimpático. A irregularidade do contorno pupilar é chamada discoria; quando o diâmetro se acha aumentado, fala-se em midríase; o contrário, miose; a igualdade de diâmetros denomina-se isocoria; e a desigualdade, anisocoria (Figura 176.23). Dinamicamente, a pupila é examinada por meio de um feixe luminoso (lanterna de bolso) e pela convergência ocular. Em ambiente de pouca luminosidade, o paciente deve olhar para um ponto mais distante. O examinador incide o feixe de luz em uma pupila e observa a resposta nos dois lados. Chama-se reflexo fotomotor direto a contração da pupila na qual se fez o estímulo, e de reflexo fotomotor consensual a contração da pupila oposta. Em seguida, aproxima-se dos olhos um objeto, e as pupilas se contrairão normalmente - é o reflexo da acomodação. Os reflexos podem estar normais, diminuídos ou abolidos. A abolição pode abranger todos os reflexos ou ser dissociada. Assim, na lesão unilateral do oculomotor, a pupila entra em midríase homolateral (predomínio do simpático) e não responde a estímulo algum - é chamada midríase paralítica. A pupila oposta permanece normal. Na lesão bilateral da via aferente (fibras pupilomotoras que estão juntas com o nervo óptico), os reflexos fotomotor direto ou consensual estão abolidos, enquanto o reflexo de acomodação está preservado. Outro exemplo é representado pela lesão da via aferente do lado direito: se o estímulo for aplicado à direita, os reflexos

1210

Parte 15 I Sistema Nervoso

A

c

B

D Figura 176.21 Exame da motilidade ocular.

/ RL

RI

. RM

RS

/ os

OI

Figura 176.22 Representação esquemática da paralisia isolada dos músculos extrínsecos do olho direito. A seta indica o sentido do movimento ocular, partindo da posição primária dos olhos.

direto e consensual estarão abolidos; se for à esquerda, ambos os reflexos estarão normais, o que significa que o reflexo de acomodação está preservado. Existem duas alterações pupilares, classicamente conhecidas, que são o sinal de Argyll-Robertson e a síndrome de Claude Bemard-Homer. O sinal de Argyll-Robertson consiste basicamente em miose bilateral, abolição do reflexo fotomotor e presença do reflexo de aco-

modação. Foi tido por muito tempo como patognomônico da sífilis nervosa Na verdade, sabe-se hoje que ele pode depender de várias outras causas. A lesão responsável pelo sinal de Argyll-Robertson situa-se na região periaquedutal, no mesencéfalo. A síndrome de Claude Bernard-Homer é caracterizada por rniose, enoftalrnia e diminuição da fenda palpebral. Decorre de lesão do simpático cervical (traumatismo, neoplasia do ápice pulmonar, pós-cirurgia cervical).

176

I Exame Clínico

1211

E

D

Pupilas normais (circulares, centradas e diàmetros normais)

Anisocoria com miose à direita

E

D

E

D

E

D

Discoria à esquerda

lsocoria e midríase bilateral

Figura 176.23 Forma das pupilas.

.,.. VNervo trigêmeo. O trigêmeo é nervo misto, constituído de vá. rcuzes: ' nas • Raiz motora, representada pelo nervo mastigador, que inerva os músculos destinados à mastigação (temporal, masseter e pterigóideos). Avalia-se a lesão unilateral da raiz motora pela observação dos seguintes elementos: o atrofia das regiões temporais e masseterinas o a abertura da boca promove desvio da mandíbula para o lado da lesão o ao trincar os dentes, nota-se debilidade do lado paralisado o há dificuldade do movimento de lateralização da mand.Ibula • Raízes sensoriais que compreendem os nervos oftálmico, maxilar e mandibular, cuja distribuição na face se vê na Figura 176.24.

11

Figura 176.24 Representação esquemática da distribuição sensorial do nervo trigêmeo. Ramos: (I) oftálmico; (li) maxilar; (111) mandibular.

As raízes sensoriais responsabilizam-se pela sensibilidade geral da metade anterior do segmento cefálico. O exame dessas raízes é semelhante ao da sensibilidade superficial, estudada anteriormente, cabendo apenas acrescentar a pesquisa da sensibilidade comeana, feita com uma mecha de algodão que toca suavemente entre a esclerótica e a córnea. O paciente deve estar com os olhos virados para o lado oposto, a fim de perceber o menos possível a prova. A resposta normal é a contração do orbicular das pálpebras, daí a denominação de reflexo cómeo-palpebral. As alterações do trigêmeo podem ser consequência de herpes-zóster, traumatismo e neoplasias. Comprometida a raiz sensorial, o paciente vai referir dor, limitada à área correspondente à sua distribuição. Em tais casos, usa-se a designação de neuralgia do trigêmeo ou de trigeminalgia. Cumpre diferenciar a trigeminalgia secundária da essencial ou idiopática. Entre as características que as diferenciam, sobressai o fato de que, na essencial, não se encontram alterações objetivas deficitárias de sensibilidade da face, enquanto, na secundária, tais alterações estão presentes. .,.. VIl Nervo facial. Do ponto de vista semiológico, interessa a parte motora do nervo facial, a qual se divide anatomoclinicamente em dois ramos - temporofacial e cervicofacial - , os quais se distribuem para a musculatura da mímica facial. Para fazer o exame do nervo facial, solicita-se ao paciente enrugar a testa, franzir os supercílios, fechar as pálpebras, mostrar os dentes, abrir a boca, assobiar, inflar a boca e contrair o platisma ou músculo cutilar do pescoço. Na paralisia unilateral, observam-se lagoftalmia (o olho permanece sempre aberto); ausência do ato de piscar; epífora (lacrimejamento); desvio da boca para o lado normal, sobretudo quando se pede ao paciente que mostre os dentes ou abra amplamente a boca, e incapacidade para contrair o platisma, assobiar e manter a boca inflada. A paralisia da face se chama prosopoplegia e, quando bilateral, fala-se em diplegia facial. Cerca de 80% dessas paralisias são chamadas a frigore e têm caráter benigno. Admite-se, atualmente, que essas paralisias sejam provocadas por infecções virais, acompanhadas de reação edematosa do nervo. Outras causas incluem o diabetes

1212

Parte 15 I Sistema Nervoso

melito, as neoplasias, a otite média, os traumatismos, o herpes-zóster e a hanseníase. Na hanseníase, a paralisia pode ser incompleta do tipo ramuscular, isto é, apenas ramos terminais são lesados. Tem importância prática a distinção entre a paralisia por lesão do nervo facial (paralisia infranuclear ou periférica) e aquela por lesão da via corticonuclear ou feixe geniculado (paralisia central ou supranuclear). No tipo periférico, toda a hemiface homolateral é comprometida, enquanto, na central, somente a metade inferior da face contralateral se mostra alterada. Este último tipo ocorre com frequência nos acidentes vasculares e nas neoplasias cerebrais. A Figura 176.25 ilustra tipos de paralisia da face. Resta fazer algumas considerações sobre o nervo intermédio ou nervo intermediário de Wrisberg, que tem curto trajeto junto ao nervo facial. Por um de seus ramos principais (corda do tímpano), o nervo intermédio recolhe as impressões gustativas dos dois terços anteriores da língua. Às vezes, na vigência de paralisia facial periférica, é possível caracterizar alguma anormalidade da gustação, seja por informação do paciente, seja mediante exame desse sensório. Para isso, são empregadas soluções saturadas com os sabores doce, amargo, salgado e ácido, colocadas na língua para serem identificadas pelo paciente. Não se esqueça de que, entre uma e outra prova, a boca deve ser lavada convenientemente. .,. VIII Nervo vestibulocodear. É constituído por duas raízes: a coclear, incumbida da audição, e a vestibular, responsável pelo equih'brio. O VIII nervo é objeto da neuro-otologia, à qual compete seu exame por requerer aparelhagem especializada. No exame neurológico de rotina, faz-se apenas uma exploração mais ou menos grosseira das duas raízes, coclear e vestibular, desse nervo.

A

o Figura 176.25 Paralisia facial. A. Paralisia facial periférica unilateral esquerda. B. Bilateral por lesão ramuscular assimétrica, podendo-se observar o desvio da comissura e lagoftalmia. Ce O. Paralisia da hemiface direita, restrita à metade inferior, componente da hemiplegia desse lado; não há lagoftalmia, configurando a paralisia facial do tipo central ou supranuclear.

A raiz coclear é avaliada pelos seguintes dados e manobras: • • • •

Diminuição gradativa da intensidade da voz natural Voz cochichada Atrito suave das polpas digitais próximo ao ouvido Prova de Rinne, que consiste em aplicar o diapasão na região mastoide. Quando o paciente deixar de ouvir a vibração, coloca-se o aparelho próximo ao conduto auditivo. Em condições normais, o paciente acusa a percepção do som (Rinne positivo). Transmissão óssea mais prolongada que a aérea (Rinne negativo) significa deficiência auditiva de condução.

As alterações auditivas são representadas por sintomas deficitários (hipoacusia) ou de estimulação (zumbido, hiperacusia e alucinações). Afastadas as causas de diminuição ou a abolição da acuidade por transmissão aérea (tamponamento por cerume, otosclerose), as causas mais comuns de lesão da raiz coclear são a rubéola, o neurinoma, a fratura do rochedo, a intoxicação medicamentosa e a síndrome de Méniere. Já os sintomas irritativos (zumbidos) podem estar ou não associados a déficit de audição, ou depender de focos corticais (alucinações), ou, ainda, acompanhar a paralisia facial periférica (hiperacusia). O acometimento da raiz vestibular é reconhecível pela anamnese, quando as queixas do paciente incluem estado vertiginoso, náuseas, vômitos e desequilíbrio. A vertigem corresponde a uma incômoda e ilusória sensação de deslocamento do corpo ou dos objetos, sem alteração de consciência. A investigação da raiz vestibular compreende a pesquisa de nistagmo, desvio lateral durante a marcha, desvio postura!, sinal de Romberg e provas calórica e rotatória. O nistagmo consiste em movimentos oculares ritmados, com dois componentes: um rápido e outro lento. O nistagmo pode ser espontâneo ou provocado e compreende os tipos horizontal, vertical, rotatório e misto. Quando há desvio postura! durante a marcha, observa-se lateropulsão para o lado da lesão. Se o paciente estiver de pé ou sentado com os olhos fechados e os membros superiores estendidos para frente e elevados em ângulo reto com o corpo, os braços irão desviar-se para o lado do labirinto lesado, e o corpo tenderá a cair para este mesmo lado. Sinal de Romberg positivo, com desequilíbrio do corpo para o lado lesado. Provas calórica e rotatória. São realizadas em gabinete de neurootologia, pois requerem equipamento especializado. Pelo estímulo dos labirintos com água quente e fria (prova calórica) e uma cadeira giratória (prova rotatória), é possível diagnosticar comprometimento do nervo vestibular e de suas vias. As causas de lesões da raiz vestibular são as mesmas que comprometem a codear. Em algumas situações clínicas, ambos os ramos são comprometidos simultaneamente, como no caso da clássica síndrome de Méniere, a qual consiste em crises de zumbidos, vertigens, desequih'brio, náuseas e vômitos, além de gradativa hipoacusia que se agrava a cada novo episódio. ... IX Nervo glossofaríngeo e X nervo vago. Pelas estreitas ligações quanto à origem, ao trajeto e à distribuição, esses nervos são examinados em conjunto. Algumas funções estão imbricadas entre si; outras, porém, correspondem a um ou a outro nervo especificamente. O exame do X nervo inclui o ramo interno do XI, que é motor, tem origem bulbar e se une em curto trajeto ao nervo vago. A lesão unilateral do glossofaríngeo pode exteriorizar-se por distúrbios da gustação do terço posterior da língua (hipogeusia e ageusia); no entanto, esse exame não é habitualmente

176

I Exame Clínico

realizado. Pode aparecer disfagia. Mais raramente ocorre dor, em tudo semelhante à trigeminalgia, exceto quanto à sede, que é na fossa amigdaliana. Na lesão unilateral do IX e do X nervos, observam-se: desvio do véu palatino para o lado normal, quando o paciente pronuncia as vogais a ou e; desvio da parede posterior da faringe para o lado normal (sinal da cortina) pela cuidadosa estimulação; disfagia com regurgitação de líquidos pelo nariz, e diminuição ou abolição do reflexo velopalatino. A lesão isolada do X nervo, a qual envolve apenas o ramo laríngeo, determina considerável disfonia. A porção autonômica (nervo vago) não é examinada rotineiramente. As causas mais frequentes de lesão dos nervos IX e X, ou de seus ramos, são: neuropatia diftérica, neoplasia do mediastino, esclerose lateral amiotrófica, siringobulbia e traumatismo. .,. XI Nervo acessório. Essencialmente motor, interessa aqui o exame do ramo externo, de origem medular cervical, de trajeto ascendente, que penetra na cavidade craniana pelo forame occipital e dela sai pelo forame jugular, juntamente com os nervos IX e X. Inerva os músculos esternocleidomastóideo e a porção superior do trapézio. A lesão do acessório por traumatismo, esclerose lateral amiotrófica ou siringomielia tem como consequência atrofia desses músculos, deficiência na elevação do ombro (trapézio) e na rotação da cabeça para o lado oposto (esternocleidomastóideo) do músculo comprometido. .,. XII Nervo hipoglosso. Trata-se de um nervo exclusivamente motor, o qual se origina no bulbo e se dirige para os músculos da língua. Investiga-se o hipoglosso pela inspeção da língua - no interior da boca ou exteriorizada -, movimentando-a para todos os lados, forçando-a de modo que vá de encontro à bochecha e, por fim, palpando-a, para avaliação de sua consistência. Quadro176A

1213 Nas lesões unilaterais do hipoglosso, observam-se atrofia e fasciculação na metade comprometida. Ao ser exteriorizada, a ponta da língua se desvia para o lado da lesão. As vezes, ocorre disartria para as consoantes linguais. Nas lesões bilaterais, as manifestações compreendem atrofia, fasciculação, paralisia, acentuada disartria e dificuldade para mastigar e deglutir (a língua auxilia esses atos). As causas da lesão do hipoglosso são praticamente as mesmas já assinaladas para os nervos IX, X e XI.

.... Avaliação do estado mental A avaliação do estado mental é uma importante parte do exame neurológico, só que ela é feita com características próprias, procurando-se analisar especificamente os elementos clínicos que mais se correlacionam com as enfermidades neurológicas. Não se trata, portanto, de exame psiquiátrico, mas, sim, de uma avaliação mais restrita, que abrange apenas a orientação temporoespacial, memória e linguagem. Utiliza-se uma tradução validada do Minimental state, já universalmente adotada e fácil de ser aplicada. Nas pessoas analfabetas, nas de reduzida capacidade intelectual ou nível cultural muito baixo, o teste precisa ser adaptado. Como se pode ver no Quadro 176.4, essa avaliação é quantitativa, o que possibilita uma avaliação evolutiva mais precisa do paciente. .,. Orientação. Pergunta-se ao paciente o ano, o mês, o dia do mês e da semana e a hora aproximada do exame. A resposta certa de cada item vale 1 ponto, perfazendo um máximo de 5 pontos. A seguir, pergunta-se o nome do país, do estado, da cida-

Avaliação do estado mental- MEEM.

Nome _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ ldade _ __ Escolaridade (em anos) _ _ _ __ Data I /_ Orientação Ano, mês, dia do mês e da semana, hora aproximada Nome do país, do estado, da cidade, do andar/setor, local em que se encontra Retenção de dados Repetir os nomes de 3objetos Diminuir 7de 100, cinco vezes seguidas, ou soletrar a palavra mundo na ordem inversa Atenção e cálculo Memória Repetir os nomes dos 3objetos já referidos Linguagem Nomear caneta e relógio Repetir nem aqui, nem ali, nem lá Prova dos 3comandos Ler e executar. Feche os olhos Escrever uma frase Função visuoespacial Copiar um desenho

Total Adaptado de Folsten(1975).

Máximo normal

5

5 3 5 3 2 1

3 1 1

1

30

Pontos obtidos pelo paciente

1214

Parte 15 I Sistema Nervoso

de, do bairro e do local da consulta, perfazendo, também, se todas as respostas forem corretas, um total de 5 pontos. .,.. Memória. Para avaliar a memória, são realizados 3 testes: • Diga ao paciente 3 palavras, para que ele repita logo após, valendo um ponto cada uma, no total de 3 pontos • Solicite ao paciente diminuir 7 de 100, por 5 vezes subsequentes (100- 7 = 93, 93- 7 = 86, e assim por diante). Cada resposta vale 1 ponto, totalizando 5 • Peça ao paciente que repita as 3 palavras do primeiro teste, valendo 1 ponto cada uma, podendo perfazer 3 pontos no '

• Solicite ao paciente que copie um desenho simples (geralmente 2 pentágonos), valendo 1 ponto. Somando-se todos os itens, pode-se chegar a um total de 30 pontos. Consideram-se normais valores de 27 a 30 pontos; 24 a 27 pontos é um valor tolerado como normal; abaixo de 23 caracteriza o comprometimento do estado mental. Quanto mais baixo o valor obtido, maior o comprometimento do estado mental. Deve-se levar em conta o nível de escolaridade da pessoa examinada.

.

maxJ.ll10.

.,.. linguagem. A linguagem é analisada em 6 etapas:

..., Bibliografia

• Peça ao paciente que fale os nomes de dois objetos apresentados a ele (caneta e relógio, por exemplo), valendo 1 ponto cada resposta correta • Solicite ao paciente que repita uma frase ou um conjunto de palavras (p. ex., aqui, ali e lá), valendo 1 ponto se repetir corretamente • Prova dos 3 comandos: solicite ao paciente que pegue uma folha de papel, dobre-a em 3 partes e a coloque em determinado lugar, valendo 1 ponto cada etapa • Apresente ao paciente um papel no qual esteja escrito: Feche os olhos. Ele terá de ler só para si e executar o que está escrito, valendo 1 ponto • Peça ao paciente que escreva uma frase própria, valendo 2 pontos

Ajuriaguerra J, Hécaen H. Le cortex cérébral. Paris: Masson et Cie, 1949. Barraquer-Bordas L. Afasias, apraxias, agnosias. Barcelona: Toray, 1974. Barraquer-Bordas L. Neurologia fundamental. 3. ed. Barcelona: Toray, 1976. Canelas HM. Fisiopatologia do sistema nervoso. São Paulo: Sarvier, 1983. Folstein M, Folstein S, McHugh P. The minimental state examination. J Psychiatr Res. 1975; 12:189-198. Mayo Clinic and Mayo Foundation. Clinicai Exarnination in Neurology. 6. ed. Mosby Year Book, 1991. Melo-Souza SE. Exame neurológico. In: Exame clinico. Porto & Porto. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan. 2002; 20:445-474. Melo-Souza SE. Tratamento das doenças neurológicas. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2000. Porto CC. O exame clinico. 7. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2012. Sanvito WL. Propedêutica neurológica básica. Ed. do Autor, 1972. Teasdale G, Jennett B. Assessment ofcoma and impaired consciousness: a practical scale. Lancet. 1974; 2:81 -84.

177

Exames Complementares Geraldo Nunes Vieira Rizzo, Hugo Pereira Pinto Gama, José Antônio do Livramento, José Heleodoro Xavier de Castro, Luís dos Ramos Machado, Maria Ângela Tolentino e Rubens Carneiro dos Santos Júnior

No diagnóstico das afecções do sistema nervoso, são realizados os seguintes exames: exame do líquido cefalorraquidiano, exames neurofisiológicos (eletroencefalografia, eletromiografia, potenciais evocados), exames de imagem (neuroimagens), ultrassonografia, ressonância magnética e cintigrafia cerebral.

. ,. Líquido cefalorraquidiano O líquido cefalorraquidiano (LCR) é formado pelos plexos coroides, os quais são estruturas vasculares com atividade secretória situadas nos ventrículos cerebrais. Pequeno contingente resulta de trocas de sangue-LCR, por diálise, ao longo do revestimento ependimário dos ventrículos, assim como do espaço subaracnóideo. O LCR ventricular drena pelos orifícios do teto do IV ventrículo para a cisterna magna, porção do espaço subaracnóideo situada na fossa craniana posterior. Da cisterna magna, a maior parte do LCR segue, em sentido cranial, para o espaço subaracnóideo periencefálico. Pequena parte do LCR segue, em sentido caudal, para o espaço subaracnóideo raquidiano. A reabsorção do LCR ocorre nas vilosidades aracnóideas estruturas que se projetam no interior do lúmen vascular do sistema venoso. Elas são encontradas tanto no nível dos nervos raquidianos como dos seios venosos intracranianos. É no seio sagital superior que se projetam as vilosidades mais diferenciadas, designadas granulações de Pacchioni. Assim, há contínuo deslocamento do LCR do sistema ventricular para o espaço subaracnóideo e, neste, a partir da cisterna magna, em sentido raquidiano e, particularmente, no sentido da convexidade cerebral. Havendo equilíbrio entre formação e reabsorção, o volume de LCR no adulto costuma ser em tomo de 150 m.e. A barreira hematencefálica atua dinamicamente para manter o ambiente metabólico do sistema nervoso central (SNC) e do LCR. A atividade da barreira hematoliquórica garante, em condições normais, as diferenças na composição do LCR em relação à composição do sangue. Dele depende a composi-

ção do LCR, no qual estão presentes os componentes do soro, embora em concentrações diferentes. O SNC encontra-se revestido por LCR interna e externamente. Esse revestimento líquido é de extrema importância para a sua proteção mecânica, quer em relação a forças normais (como a gravitacional), quer em relação a forças não fisiológicas (como no traumatismo cranioencefálico). Revestindo o SNC, o LCR facilita a rápida difusão de substâncias para as diferentes estruturas com as quais está em contato, assim como facilita a difusão de seus componentes e a de medicamentos injetados dentro do sistema LCR, como na região lombar. O LCR possibilita também a homogeneização das respostas de defesa, quando o SNC é acometido por processos infecciosos (meningites, encefalites): a reação inflamatória desencadeada é detectada em todo o sistema LCR. .,. Coleta. Três são os locais de punção para coleta de LCR: lombar, suboccipital e ventricular. A Academia Brasileira de Neurologia recomenda que a punção lombar seja a punção de eleição, ficando a suboccipital reservada apenas a situações raras e de indicação precisa. Punção suboccipital ou cisterna! deve ser feita somente por médicos devidamente treinados. As punções lombar e suboccipital estão contraindicadas na vigência de síndrome de hipertensão intracraniana com efeito de massa, tipo tumoral. Pode fazer exceção o esclarecimento de síndrome infecciosa, cuja etiologia não tenha sido estabelecida por outros métodos diagnósticos. A pressão inicial e a final após a coleta do LCR servem para o cálculo dos quocientes raquidianos. Em condições normais, a pressão inicial é inferior a 20 e superior a 5 cmH20; o valor da pressão final é cerca da metade da inicial. Havendo hipertensão do LCR por efeito de massa (tipo tumoral), a pressão final apresenta queda maior; na hipertensão por aumento de LCR (tipo meningítico), a pressão final apresenta queda menor. Na suspeita de bloqueio do canal raquidiano, seja qual for sua natureza, é necessário verificar suas condições dinâmicas. Para isso, utilizam-se provas manométricas. A mais utilizada é a prova manométrica de QueckenstedtStookey, realizada da seguinte maneira: uma vez registrada a pressão inicial, sem desconectar o manômetro da agulha de punção, provoca-se hipertensão do LCR por compressão simultânea de ambas as veias jugulares por 1Osegundos. Em condições normais, prontamente registra-se aumento da pressão do LCR, que chega a cerca do dobro do valor da pressão inicial. Interrompida a compressão das jugulares, verifica-se queda, que alcança o valor da pressão inicial em cerca de 10 a 20 segundos. Caracteriza-se o bloqueio completo do canal raquidiano quando a pressão do LCR não se modifica em função da compressão jugular. O bloqueio parcial, quando o aumento é pequeno, inicia-se após curta latência e persiste após certo período. Cessada a compressão jugular, diminui lentamente (tempo maior que 30 segundos), nem sempre retomando ao valor da pressão inicial, mantendo-se acima dele. .,. Aspecto e cor. Límpido e incolor é o LCR normal. Levemente turvo, turvo, fortemente turvo e purulento são graduações qualitativas do aspecto do liquor. Graduações semelhantes podem ser adotadas quando o LCR se apresenta hemorrágico. Nesse caso, é necessário estabelecer, com segurança, se há hemorragia subaracnóidea propriamente dita, ou se ela é decorrente do ato de puncionar. No primeiro caso, a intensidade da hemorragia mantém-se homogênea à medida que se deixa gotejar o LCR (prova dos tubos sucessivos), não se observando também a formação de coágulos; no segundo, estes tendem a formar-se e a intensi-

1216

Parte 15

dade de hemorragia a diminuir de modo progressivo. Além disso, observa-se a cor do sobrenadante da amostra após centrifugação. No primeiro caso, o sobrenadante é amarelado (xantocrômico) e, no segundo, incolor. A xantocromia é a principal alteração da cor do liquor. É observada quando há bloqueio no canal raquidiano e também é constatada no sobrenadante de centrifugação do LCR hemorrágico por hemorragia que acomete o sistema LCR (como na hemorragia subaracnóidea, no acidente vascular cerebral hemorrágico, em certos traumas cranioencefálicos). Quando a hemorragia é muito recente, em vez de xantocromia, observa-se cor avermelhada (eritrocromia).

• Dados do exame do liquor de interesse neurológico A citologia e a concentração de proteínas totais são essendais. Seguem-se outras determinações bioquímicas (glicose, cloro, frações proteicas e enzimas), exames imunológicos para lues, cisticercose e outras afecções que costumam acometer o SNC. Quando necessário, exames microbiológicos devem ser realizados. Os valores normais da composição do LCR encontram-se no Quadro 177.1. Número de células. O LCR normal, a partir do segundo mês de vida, não apresenta hemácias e contém até quatro leucócitos por milímetro cúbico (Quadro 177.1). O aumento do número de leucócitos (células) é chamado de hipercitose ou pleocitose. Diz-se que a pleocitose é ligeira quando existem até 10 células/ mm3• Valores maiores caracterizam pleocitose discreta, moderada, nítida ou intensa (Quadro 177.2). Tipo de células (citomorfologia}. Normalmente, linfócitos e monócitos compõem o perfil citomorfológico do LCR: 50 a 75% de linfócitos e 25 a 50% de monócitos (Quadro 177.3). Quando

Quadro 177.1

LCRnormal. Unidade de medida

Pressão* Aspecto e cor Citologia Citomorfologia Proteínas totais Glicose Cloro

Entre 5 e 20 límpido e incolor Oe 41eucócitos linfócitos (50 a70) Monócitos (30 a 50) Até40** 50a80 118a 130

mmH 20

%

mgldf mg/dl mEq/f

Enzimas • TGO

• DHL • ADA Frações proteicas • Pré-albumina • Albumina • Globulinas o Alfa 1 o Alfa 2 o Beta o Gama

Até 10 Até 33 Até 4,5

UI UI UI

3a8 45a64

% %

Compos~ão do LCR: prindpais alterações de Interesse em

propedêutica neurológica. Intensidade LCR

Alteração

Discreta

Moderada

Nítida

Intensa

Células* (nO) Proteínas totais (mg/dl) Glicose (mg/de) Gamaglobulinas

Aumento

10a50

50 a 200

200 a 1.000

> 1.000

Aumento

40a50

50a200

200 a 1.000

> 1.000

Diminuição

49a40

39 a 30

29a 10

< 10

Aumento

14a20

20 a 35

35a50

>50

(%) "Aumento ligeiro:> 4 até 10/mm 1•

outros leucócitos são encontrados (macrófagos, plasmócitos, neutrófilos, eosinófilos, basófilos), qualquer que seja a proporção, o perfil citomorfológico é classe II. Perfis classe III, IV ou V são caracterizados quando estão presentes células atípicas do LCR, de natureza neoplásica suspeita (classe III), provável (classe IV) ou certa (classe V). Proteínas totais. Os limites superiores de referência para a normalidade variam conforme seja o LCR: ventricular, até 25 mgl de; da cisterna magna, até 30 mg/df; da região lombar, até 40 mg/de (Quadro 177.1). Lactentes abaixo de 6 meses de idade apresentam concentrações maiores, por incompleto amadurecimento da barreira hematencefálica: na primeira semana de vida, até 120 mg/de; 80 até o primeiro mês de vida, 60 até o segundo, 50 até o terceiro, 40 do terceiro ao sexto mês de vida. Frações proteicas. O perfil proteico do LCR é estabelecido por eletroforese. O perfil proteico é considerado normal quando a participação das diferentes frações se encontra dentro dos limites apresentados no Quadro 177.1. As alterações do perfil proteico se dividem em dois grupos: relacionadas com o comprometimento da barreira hematencefálica e com a reação inflamatória local. No primeiro, dependendo da intensidade da alteração, caracterizam-se três tipos de perfil: • Tipo albumínico: as alterações são discretas e ocorre aumento da participação de albumina • Tipo sérico: as alterações são intensas, reproduzem o perfil proteico do soro, e nele não são evidenciadas as frações pré-albumina e beta-2 • Tipo misto: lembra uma mistura do perfil normal e o do soro. As alterações relacionadas com a resposta inflamatória são caracterizadas por aumento do teor de gamaglobulinas. Quanto maior o teor de globulinas, maior a probabilidade de resultarem de imunoprodução local no sistema LCR propriamente.

Quadro 177.3 3a7 5a 11 13a20 7a14

% % % %

"Pressáo em de