Sartre: Psicologia e fenomenologia
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PSICOLOGIA E FENOMENOLOGIA

PT(pod:

SARTRE

PSICOLOGIA E FENOMENOLOGIA

OFICINA ve FILOSOFIA DIREÇÃO: MARILENA CHAUI

Luiz Damon SANTOS MouTINHO

SARTRE

PSICOLOGIA E FENOMENOLOGIA PREFÁCIO DE BENTO PRADO JÚNIOR

TOMBO . 186472

SBD-FELCH-USP BIBLIOTECA DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS SOCIAIS

Fapesp

brasiliense

Copyrichi pyrght O by Luiz Damon Santos Moutinho,

1995 Nenhuma parte desta publicaç dopode ser gravada, armazenada reprogua nada emsistemas e pi eletrônicos fotocopiad. uzida À por meios os mecâni meecânicos ico ou outro. Ss quaisquer isqu i em a autorização prévia da editora,

4

Coordenação editoria l: Floriano Jonas € Eeparação € revisão: José Teixeira Neto apa e projeto gráfico: Carlos das Neves Edit ção eletrônica:

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DEDALUS - Ac e

NOM Dados Inte (Câm rnac ara ionaBra is de sil Cata O lo, gação na Publicação (CIP) Livro, SP, Brasil) Moutinho, Luiz Damon Santos, 1964Santos Mo Sartre:i psicColo ologEia € fenomenologii a / Luiz Damon de Fios) aulo: Brasiliense, 1995. — (Oficina

ISBN 85-11-12069-6 1. Filosofia 2, Filosofia - Brasil 1. Título. II. Séri e

95-1932

CDD-100 Índices para catálogo sist emático:

1, Filosofia 100

,

MARILENA CHAUI

NOS últimos decênios, cresceram no Brasil

Guilherme Rodrigues Net

Produção: discurso edit orial

Oficina de Filosofia

tanto a produção de trabalhos emfilosofia quanto o interesse — profissional ou não — dos leitores de filosofia. Certamente, do lado acadêmico, o desen

volvimento dos cursos de pós-graduação estimu lou pesquisas originais e rigorosas nos mais varia dos campos filosóficos, fazendo surgir um público leitor exigente, cuja carência de bons textos não tem sido atendida, pois, quase sempre, a produção - filosófica permanece sob a formade teses deposi tadas em bibliotecas universitárias, sobretudo as dos mais jovens, ainda pouco armados para entren

tar as imposições feitas pelo mercado editorial. As sim, bonse belostrabalhosficamrestritos ao conhe cimento de poucos. Doutra parte, do lado dos lei tores não especialistas, a demanda porfilosofia pos sivelmente exprime o mal-estar do fim do século, a crise das utopias e projetos libertários, da racio nalidade, dos valores éticos e políticos, que repoem

o interesse e a necessidade dareflexão filosófica, Para responder a essa dupla situação, nasce à

Oficina de Filosofia, cujo intuito é publicar (edi tando e divulgando) os resultados de pesquisas de

jovens estudiosos de filosofia. Mas não só, ixis tem trabalhos que são, para os privilegiados que à eles têm acesso, clássicos da produção filosófica

io de À FAPESP Fundaç. do de Amparo à Pesq uisa do Estado de Rua Pio XI, 1500 05468-901 — São Paulo — SP Fone (011!) 837-0311

EDITORABRASILIENSE

S.A

Av. Marquês de São Vicen te, 1 771 01139-903 São Pau lo SP Fone (0H) 861-3366 Filiada ÂABDR



“São Paulo

brasileira, nunca editados. É nossa intenção publicá los também, estimulandonovas pesquisas em filo sofia e garantindo aos nãoespecialistas o direito à informação e à fruição dessas obras. À Oficina de

Filosofia publicará, alternadamente, trabalhos dos

mais jovens e dos mais velhos, buscando expor,

para usarmos a expressão de Antonio Candido, a

existência de um “sistema de obras” que, do lado acadêmico, suscite debates e permita tornarmo-nos referência bibliográfica e de pesquisa uns para 08

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LUIZ DAMON SANTOS MOUTINHO

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outros, instituindo, assim, uma tradição filosófica

brasileira; e, do lado não acadêmico, cumpra o pa-

pel de alimentar a reflexão e de criar novas perple-

xidades ao propor respostas às existentes. Há de parecer estranho o título “Oficina de Filosofia”, escolhido para esta coleção. Afinal, não diferenciara Pitágoras os filósofos dos demais, comparando-os aos que compareci am aos Jogos Olímpicos, alguns para vender e com prar, outros para competir e, os superiores, dedica dos apenas a contemplar? Platão e Aristóteles não prosseguiam

na mesmatrilha, afirmando o laço necessário entre theo rta e scholé, contemplação e ócio?

to, a diferença temporal, tema e objeto daNo invent estan igação filosófica,seria perdida ou fica-

ria dissimulada se quiséssemos ignorar que faze-

mos filosofia num mundo em que, pelo menos na

aparência, foi abolida à instituição da escravidão é, portanto, também a hierarquia entr e escravos que trabalham livres quefruem. Mun do capitalista e

hegemonicamente da ética prot estante, ainda que | quantitativamente os não cristãos sejam mais nu-

merosos, e os católicos romanosexistam em maior

número do que os reformados. Per tencemos a uma

| :

|

cultura e a umasociedade quecrê novalor

das obras

(para a salvação eterna ou par a o prazer da vida

presente), que fala em trabalho inte lectual eo

profissionaliza dentro e fora da aca demia, e que

faz do ócio “oficina do diabo”. Tanto do pon to de

vista das condições materiais de nossa sociedade quanto da perspectiva ideológica quefaz do traba-

lho um valor moral, os que fazem filosofia traba. À . lham. Por Isso, contrariando nossos ancestrais, ie de Filosofia | teima

AGRADECIMENTO S

E

PREFÁCIO



INTRODUÇÃO |

CONSCIÊNCIA E EGO REVISÃO DAPSICOLOGIA: A PERSPECTIVACenirica CRÍTIC; , EA FENOMENOLOC E VNSERLIANO º OBJEÇOESAO EU FOR e OBJEÇÕESAO EU MATERIAL (to)

[= I—

UEIV -V

A CONSTITUIÇÃO DO EGOrsss ma —* O TRANSCENDENTAL EO PSÍQUICO.

2 A CONTINGÊNCIA

[= OTEMA DA CONTINGÊNCIA.... mm

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= A EXPERIÊNCIA.DEROQUENTIN,.

N - À NECESSIDADENA ARTE sms V- AIRRUPÇÃODA EXISTÊNCIA,,

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vo A BRIMADODA EXISTÊNCIA

(5) FENÔMENO E SIC SNIFICADO NIO DA PSICOLOGIA

nr ODELO HUMIANO. m- O MODELO CARTESIANO..

a OPSÍQUICOENQUANTO WENÔMENO

vI= OTEMADA TEMPORALIDADEINALISMO

VIL- RELAÇÕESINTERNAS E RACIONA Lt

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PASSAGEM À FENOMENOLOGIA

[= A “CIÊNCIA FUNDANTE” ss

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O PROBLEMA DA HYLE.....

mem LE DA IMAGEM JEM MENI MENTAL, | AHYLE OTEMA DA REDUÇÃO FENOMENOLÓGICA OBJEÇÕESAO NADAHEIDEGGERIANO OSER-NO-MUNDO.. SER TRANSFENOMENAL. OO SERTRANSFENON is TICACÃO E O PROJETO ANADIFICAÇÃ R

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CONCLUSÃO. sete

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BIBLIOGRAFIA

51

CRONOLOGIA

INDICE ONOMÁSTICO INDICE REMISSIVO

po 19]

DEIXO AQUI REGISTRADOS MEUS MAIS sinceros agradecimentos ao Prof. Dr. CarlosAlberto Ribeiro de Moura, que, gentilmente, orientou este trabalho;a Floriano Jonas Cesar, que tornou possível sua publicação; e a Vilma Aguiar, a quem o dedico,

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Uma Introdução a Osereonada uni BENTO PRADO JÚNIO)

Universidade Podoraldosão

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NOSSA relação com os textos filosóficos parece ser goveridda o

por uma complicadadialética de proximidade e distância. Não sãoNy mesmas as dificuldades que se opõem à compreensão da filosofiaariti

ga e da filosofia contemporânea. E não é a proximidade da obra

temporânea que nos assegura um acesso privilegiado a seu sentido

mai ili o, como sugéb rem Husserl e Heidegger. É o que explica, involuntariamente, o prós prio Sartre, na homenagem póstuma que consagrou a Merleau-Ponty!

na revista Les Temps Modernes. Trata-se, à primeira vista, de um parh-

doxo, já que não poderíamos imaginar (pensando nos escritos di

Merleau-Ponty e de seu amigo) duas empresas filosóficas mais próxi=

mas. Uma mesma formação escolar, uma inegável simpatia intelectual: mútua, o uso dos mesmos instrumentos conceituais (colhidos, na corn

tingência da contemporaneidade, como os moyens du bord imediatas

mente disponíveis, a fenomenologia, a Gestaltpsychologie, o marxismo etc... — toda uma série de produtos culturais de recente importação na França). E, no entanto, o próprio Sartre confessa, no texto referido,

À dissertação i da pela Fapespdee mestrado pelo CNP|que d eu origem a este trabalho foi financia-

que nada compreendia do que Merleau-Ponty sugeria em suas últimas — reflexões consagradas à Natureza, um pouco inspiradas pela metafisicaou pela cosmologia de Whitehead, Sartre diz que, na ocasião, não podia entender por “Natureza” coisa diferente do objeto das ciências



LUIZ é DAMON SANTOS MOUTINHO

naturais (sempre desconfiado do “objetivismo” que compro metera, entre outras coisas, a idéia de uma “Dialética da Natureza”). O que queremos sugerir é que o entusiasmo por uma obra, a certeza de sua significatividade filosófica, essa espécie de adesão imediata à seu poder de revelação ou de verdade, não signif ica necessaria-

mente compreensãode seu sentido. A simpatia, decididament e, não é condição suficiente de compreensão. E sentir o poder verita tivode um

discurso não significa necessariamente compreender o seu funcionamento lógico ou transcendental.

Após 52 anos desde a publicação de O ser e o nada, é possível perceber a necessidade desse distanciamento. Comose esse grande Ji-

vro só pudesse revelar tardiamente o que importa (as regras de sua construção) depois do declínio do fascínio que exerceu sobre seus leitores, quando desua publicação. Pois é bem em termos de fascina ção que devemos descrever sua acolhida pelos leitores dos anos 40 São inúmeros os testemunhos (lembro aqui o de Michel Tournier. entre mil

outros) desse acontecimento filosófico: todos falam, mais ou menos

nos mesmos termos, da vertigem de algo semelhante a uma descob erta absoluta (um pouco como o próprio Sartre descreve sua descob erta

enquanto estudante secundário, dos Dados imediatos da consciênci de Bergson: “Bergsonfazia a verdade cair do céu”). . | Enfim, uma linguagem “viva” ou “totalizante”, que permi te viaja das noções mais abstratas da filosofia às mais concre tas da vida cotidiana, pública ou privada. Essa nova linguagem desco mpartimentada dá coesão a linguagens antes dispersas, quando desligadas da experiência única do sujeito: discurso científico, literário, erótic o ou amoroso

político e mesmo o surdo discurso do sonho reagrupam-se harmonio-

quente, tornando finalmente visível o sentido (ou não sentido) do

Mas é claro (sobretudo retrospectivamente) que essa descoberta

era também o efeito de uma invenção ou de uma constr ução. Lembremos aqui as belas páginas que Yvon Belaval consagrou aos Filósofos e suas linguagens, logo após a Guerra, Lá ele diz mais ou menos o se-

guinte:

fica difícil, depois de ler O sere o nada, descre ver qual ver

tenômeno (sobretudo os que implicam o olhar) sem recor rer ao estilo inventado por Sartre e às suas metáforas, Como se, desdet oda à eterni-

PREPÁCIO

dade, tais fenômenos esperassem a publicação desselivro para revelái enfim sua secreta verdade. Tratava-se da invenção de umalinguagem e de um estilo ihven ção fortemente motivada, é claro, dentro, mas sobretudo fora do Cimpo da filosofia universitária. A atraçãoirradiada por O ser e o nada tinha muito a ver, também, com o drama da Segunda Guerra e da Ocupação da França. Como se os escritos de Sartre oferecessem a linguapein ne

cessária para a intelligentzia resistente nessa trágica cireunstáne ta,

Poética de que ela carecia.

Passados 52 anos da publicação, é possível reler a obraide tim perspectiva diferente da de seus contemporâneos, adeptos entusiastas

ou inimigos mortais (pois ninguém ignoraaextraordinária vaga de ódio queesse livro também provocou). Não que odistanciamento 0'6 eclipse tanto da fascinação quanto do ódio — diminuade alguma maneitno sei peso. Certamente ninguém mais lê a obra de Sartre, hoje, como “atilo

sofia inultrapassável de nosso tempo”, comoele próprio caracterizar

mais tarde não o seu “existencialismo”, mas o marxismo, Mas ndo o por isso que O ser e o nada se transformou em apenas um livro etitre

outros, na imensa e homogênea praia onde se justapõem as mil 6 uma obrasda tradição da filosofia. Tudo se passa comose essa obra tivesse

de morrer (ou libertar-se de seu esplendor ideológico), para poder re nascer como obra propriamente filosófica. Era preciso quese apajiasse

a precipitada evidência de sua verdade, para que viesseà luzà arquito

tura de seu sentido.

Não quero sugerir, aqui — o que provocariao justo horror de Sartro -, a idéia de uma veritas philosophica perennis, que retiraria sua stbs tância e sua subsistência do desvanecimentohistórico da obra e de seu

* autor. Comose a philosophia perennis(essa espécie de vampiro tri cendental) se alimentasse da morte das filosofias e dos filósofos singgu lares, ou seja, da filosofia real. Mesmo porque afilosofia de Sartre é

essencialmente atualista: umaverdade.eterna é uma verdade.moarta, 6-6

importaotempo e ohomem presente.

Na verdade, o que querosugeriré que até mesmo a relação vivi da da obra comsuacircunstância temporal (examinada atualmente por Cristina Diniz Mendonça, em trabalho ainda em curso, que visa O ser e o nada como filosofia que exprimetambéma experiência da Ocupa

LUIZ DAMON SANTC 5 MOU TINHO

ga e ) so M Se

toi na , ple € ham | en t Cc » col CON pi cecnst s V el no 1 te2m po passado.

PRITÁCIO

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Iv mentDep o I ois H dede 5252 anos — e nesta data que marcaria 90 anos do nas ci núnto do o | óso ) fo

» vem > ac calhar a publicação deste livr o de Luiz, vantos Moutinho. Livro que se caracteriza, entre outras li AUS » Por Or um gra 4 nde3 ace ac rto LU metodológico. Acerto que ousarí erever a c ode . É 1QO | arts como a descoberta de um ponto intermediário entre doiDOS da Í 95 opoN I stos daà hist orio hist graf orio iaia filo graf filocsófi sóf; ca: a: o bergso niano e o cha Oni -hamad Fa

da upExp a Pa liquem cmo-n o nos os: no priime meiiro caso, o historiador mergul

mado

ha, a partir o o n o Hera Jr:l da é obrFc a, em dir Í eçã â o de uma intuiç ão úni ca original ri MnáriaSs im aa filo (assim filosofi sofi a de Berkeley, rebatida sobre a ima A gem € ma à an matéria como a “finíssim:ae tra nsp are nte pelí cula ” q epar Nei ra a a subjet ivi jeti daddee humana vida E finini ita da realidade de absolu ta ta deD de Deu ens) oo

nonSeg e undo cas caso, o his isto tor ris iador-arquit Í eto lim I ita-se a reconstituir as ar ro açõ $ es* ar dargument nta tiv ativas aç

1 res de qua (liv lquer solo irtuiti o“ a | controláv eiss por por quaqu: lquerrfforma de lvei experiência) que, só el o m stmocer o sentido da obra. É dE Cs pod em , Luiztz Dam D: on não ão faz fa; nem uma coisa nem outra. Não asp ira a somuninic caçaçã ão o sim simpát pática ica”” com c alguma int i uição original, queseri o me No

” | € necces ess ari sar ame iam nte ent /raí,ída pela expressão e tra discursiva. Tampou o c ia dad TOS constitu ti ir Ir;apenas nas aa épu é ra argumentativa da obra, com o see ela : do ho núsc esse cons : de de umaad exp experi eriênc ência, i que não é inefável embo ja o nesessarinmente sobredetermi nada one men, O que à Naesta sta aná anállis ise ete tem de partic i ularmente interessante é just am *"€-VEM com que entretece os pólos opostos da intuição ( or A a OSpper OrCten nNCcia I! ) e j da a est estrrutura raçã ção lóg ó ico gi -argumentativa do discur o. unCravção Quo rar raraa e exempl mpla nplrar que lhe permit i e capta pta r r in in viv vi o o movime Í nto i | 6 de um

pensamento. Acerto metodo lógico que tem a For 'pr soma aúu eme ple mentar de atender às Ê exii gências de seu “objeto” (co no ses , imil mt | auso a a explicar ar oart Si re ' ad men ent tem em aucto | ris). ucto | S), ris) , Jáiájá que o fil Jóóso soffo o em em e concordaria que

Sultão Bi Mai

não há intuição que não se

exprima, assi O há disc ô urso é articulado sem uma exp xper iênc eri ênci: ia que3 o prprec.eda. da,

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“ movimento o | p en nsane m nt O! las É ce sempre | da c tendd são

CNO cuaes daia pólos

Comefeito, Luiz Damon torna visível o fio conceitual (com sua tensão, suas torçõese distorções) queleva dos primeiros textos de Sartré ao limiar de O ser e o nada. Temos diante de nós umasofisticada intro

dução a O ser e o nada. Comose passadapsicologia à fenomenologia? Ou da fenomenologia à ontologia? Que transformações devem sotrei as disciplinas da psicologia pura e da fenomenologia transcendental;

para que, finalmente, a intuição básica da contingência possa ser Ex pressa conceitualmente? Tais são algumas das perguntas essenciais

aqui recebem umaprimeira resposta. Não se trata de uma crônica das

opiniões sucessivas de Sartre na década de 30 e no início da de40s%w

leitor não tem nas suas mãos, agora, uma obra de doxografia. A6 és

ponder às questões acima enumeradas, Luiz Damon descreve a mort gem de um horizonte problemático bem comoas aporias que ele insti

la. Sem a consciênciadesse horizonte e dessas aporias, não podera

mos compreender a solução que lhes oferece O ser e o nada, ou seja

necessidade e o sentido desse grande livro. V

O mínimo que podemos dizer é que este livro acolhe bem, nó

Brasil, a obra de Sartre. Para mostrá-lo, cabe situar, mesmoque suma

riamente, essa acolhida ao fio da história recente. Quando Sartre passou pelo Brasil, em 1960, além dos efeitos hiperbólicos que sua passagem provocou, com justiça aliás, na impren

sa, houve ocasião para um diálogo com os brasileiros que cuidavam de

filosofia e, mais particularmente, de teoria das ciências humanas. Que

a presença de Sartre na produção local era viva, é o que se pode notar na Introdução (e não apenasnela) da tese de doutoramentoque Fernando

Henrique Cardoso consagrou a Capitalismoe escravidão no Brasil meri

dional. Naquela ocasião, Gérard Lebrun dedicou um ensaio crítico à

introdução do livro de Fernando Henrique, onde discutia a maneira pela qual as noções de dialética e estrutura eramaí encadeadas. Infelizmen te esse belo ensaio foi perdido e, comele, um registro, porolhar extet no ou europeu, da presençaviva de Sartre no pensamento brasileiro da época. Lembro, ainda, para marcar aquele tempo, uma longa resenha

da Crítica da razão dialética, feita por Gerd Bornheim nas páginas de

O Estado de S. Paulo. O mesmo Gerd Bornheim que, mais tarde, con

sagraria outras páginas ao filósofo,

Ly

LUIZ DAMON SANTOS MOUTIN HO

Não terão sido apenas esses ossinais do efeit o do pensamento

de dartre entre nós, nemtalvez os mais impo rtantes — são apenas aqueles que a minha memória desarmada regis tra no momento. Porque o que importa sobretudo vincar é a mudança dos tempos. Trinta e cinco anos

INTRODUÇÃO

depois da passagem de Sartre pelo Brasil, é um outro autor que aparece para nós

mais distante, é claro, mas também,talve z, mais próx

imo. Mais distante, porque hoje é mais difícil ser sartriano, ou utilizar direta 6 ingenuamente os instrumentos de pens amento queele forjou. Mais próximo, sobretudo, porque hoje é menos difíc il compreendersua obra, porq

ue podemos começar a compreendê-la como obra clássica — como uma obra que não carece de verdadelitera l ou imediata para impor-se à quem pretende pensar a filosofia, a cultura e à sociedade.

Mas é apenas graças a trabalhos como o de Luiz Damon, que contribui fortemente para a análise da orig em e da gênese da ontologia fenomenológica (lançando luz sobre essa expr essão aparentemente paradoxal), que a obra de Sartre começa novament e, mesmo se à

distincia, a aproximar-se de seus leitores atuais, deste como de outros países,

a 1 a realiz stréado. e de mestr em nível í i ESTE texto é fruto de uma pesquisa, 5: de de de dado i da FFLCH da Universida da no Departamento de F ilosofia à! doa area er anhar ompanh acomp os ram procu nele, : içãoão éé m odesta : Paulo. Sua ambiç

A

euapr cessivas fases do pensamento de Jean-Paul Sartre, desde

ser d até a p nci a do ego, idênc Ensai|o sobre a transcendê ilosófica, obra filosó i 5

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e pr l € maes nada. Não. certamente, descrever a segiiência de temas

ndo al: a leitum a ão em especi jetivoivo éé antes focalii zar uma questão nosso objet a sartriana da fenomenologia. Procuramos mostrar como essa leit oº emen comp e ões revis ndo se alterando ao longo do tempo, sofre ana. ana e ia a obra sartri ópria a própr ] e, simultaneamente, constituindoel

debit datee q

rmanente com Edmund Husserl de início e depois com o ntc dotrabalhode Sartre; junto içã ao conju Heide i gger deveráá por sii sósó dar feição He cão do co | até esse período.

É certo que nesse debate Sartre adota por vezes a pos ção 7 é do ive s, quan epois atéÉ 1938, Edepoi 1 ulo. . Ele será “husserliano” RA discíp ncoar lhe pei esgotado” Husserl, sofrerá a “influência” de Heidegger, o que lhe | no pé mitirá superar o antigo mestre (Sartre 39, pp. 224 - 230). A ssim, none e ia que íodo husserliano, limita-se a desenvolver umapsicolog a rl. 1] Essa sserl, j puraa dede Husse da da “ciência fundante”, a fenomenologia

figura E |

o ca de imagem cclássi aa imagem com inar com de “discípulo” não parece contudo combinar ' acionai is tradi iscÍ pulo nos moldes's tr Sartre. artre E, de fato, ele tampoucoéé um discí Do interior mesmo da psicologia procurará reordenar cont y ro +35



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ganizá-los, conforme seu objetivo; mas reivindicará a influénci:

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LUIZ DAMON SANTOS MOL FTIN HO

alemães, enquanto desenvolve aquela psicologia. Haverá contudo um momento aí terá fim a figura do disc ípulo — em que nosso autor fará à passagem do plano da psicologia ao da “ciência fundante”, o terreno

da fenomenologia pura em que se colocam Husserl e Heidegger. Essa passagem

se consumará quando o pensamento de Husserl pender para o “idealismo”. Procuramos acompanharnosso auto r até o momento em

que essa passagem se consuma. A explicação inte gral para ela — é o que nos pare

ce =

está no conceito de contingência. Qua ndo Husserl adota a tese

idealista da “constituição de ser”, rompen do com a possibilidade dese

afirmar a dupla contingência (da cons ciência e do ser do mundo), impoe-se a Sartre a necessidade de reescrev er à fenomenologia pura. Daí por que este texto se encerra com a anál ise da Introdução de O sere o nada: é nela que Sartre esclarece o equí voco idealista de Husserl, mostrando a impossibilidade da constituição de ser. Deixamos, portanto,

vosso autor no momento em que ele most ra a necessidade de se redimens

ionar o plano da fenomenologia pura , no momento em que essa fenomenologia começa a ser rees crita, na sua porta de entrada, quando tivermos mostrado o restabel ecimento do verdadeiro ser da

consciência e do verdadeiro ser do mundo. E quando, paralelamente, o

mtsenal teórico de Sartre estiver inteiram ente pronto, já que o filósofo tora vencido as dificuldades mais séri as para desenvolver uma verdadeira “ontologia fenomenológica”.

Para dar conta do estabelecimento desse arse nal teórico, most

rando, desde o início, a constituição progressiva da obra sartriana, começamos pela análise do primeiro textofilosóf ico de Sartre, o curto Ensaio sobre

4 transcendência do ego. Depois, recorrem os a um texto literário, A nemsoa, que Sartre, um pouco analogamente a Platão, supunha ser um

bom veículo para “verdades e sentimen tos metafísicos”. A náusea aparove

como uma espécie de “duplo” do Ensaio sobre a transcendência do ego, duplo literário que dá prosseguimen to e avança alguns temas abordado s no ensaio, Depois, passamos a À imag inação e O

imaginário, textos concebidos como duas partes de um mesmo livro: a primeira, “crítica”, em que são passadas em revista algu mas teorias da imaginação,

e a segunda, “científica”, em que Sart re desenvolve uma psicologia tonomenológica da imaginação. São doi s momentos importantes da obra

sutrana, que, junto com o Esboço de uma teoria das emoções, revelam Ho som Bartro psicólogo, mas as difi culdades que desse plano ele localiza na tonomenologia de Husserl e Heidegger, Daí sua importância

INTRODUÇÃO

para nós. Depois disso, sempre em função de revelar, através o tur sartriana da fenomenologia, a constituição de uma obra, aborc ame | , diários de guerra, primeiro esboço do que virá a sei O ser o nada Nos diários, é possível verificar, num ato de voyeurismo, à apar im e dos conceitos, suas primeiras roupagens, suas dificulda: é b, eus obstáculos, as soluções encontradas, Certamente, não 6 uma pi qu A vantagem ter diante dos olhos a revelação explícita cos onda Mae à encontrados pelo filósofo e as reflexões, não para ( ortá

Os : o! Eno

bárbaro alemão, mas para desatá-los. Por fim, analisamos é x E ' , nada. E detemo-nos na Introdução, certamente, onde o autor mou

superado as dificuldades que por uma década mol Ivai am TN

ou e onde portanto se abrem as portas para uma reconst Ituiç no , fenomenológica”. Mas não só na Introdução; afora a guns Po o esparsos, dedicamo-nos ao capítulo sobre o corpo, analisar õ . "

com A náusea, pois no corpo se condensa o segredo das singulares

experiências de Antoine Roquentin,

I CONSCIÊNCIA E EGO

|- REVISÃO DA PSICOLOGIA: A PERSPECTIVA CRÍTICA E À FENOMENOLOGIA pata EM outubro de 1933 (Contat e Rybalka 5, p. 25), Sartre parte

a Berlim com um objetivo: estudar o pensamento de Husserl. Lá deveri substitia permanecer nove meses, como bolsista do Instituto Francês,

indo Raymond Aron. Conhece-se o famoso episódio, descrito pot

fala a Sartre de mone de Beauvoir, no qual Aron, num café em Paris, tu és fenomenolo fenomenologia: “Estás vendo, meu camaradinha, se

1, p. 138) gista, podes falar desse coquetel, e é filosofia” (Beauvoir

6 Esse encontro foi a circunstância que levou Sartre a Berlim. Aron teria convencido “de que a fenomenologia atendia exatamente às SUAS preocupações: ultrapassar a oposição do idealismoe do realismo, alii , tal mar a um tempo a soberania da consciência e a presença do mundo

como se dá a nós” (id., ibid.; grifos nossos). À parte o anedótico da de lembrança de Beauvoir, é preciso notar que, se “Sartre empalideceu apresentou emoção, ou quase”, às palavras de Aron foi porque este lhe preocupa suas de umafilosofia já constituída que vinha ao encontro

ções e que lhe permitiria “superar as contradições que O dividiam en tão” (id., ibid., p. 188).

Era ao conceito de intencionalidade que aludia Aron, efoi nele que de Sartre enxergou novas possibilidades. Segundo as memórias jovem O s, Francê uto Beauvoir, na Páscoa de 34, ainda bolsista do Instit

4

LUIZ DAMON SANTOS MOUTINHO

CONSCIENCIA E EGO

Dono! a pussa as férias em Paris e fala-lhe exat amente desse conceito.

o a esmeEpulsÃo daqueles “conteúdos de consc iência” quea fi-

recusar onde, fazendo vigir a idéia de consciência intencional, Sartré 0 so a presença de qualquer conteúdo no interior dessa consciência fun guir, estabelecido o vazio do campo da imanência, buscará então

Ida interior”, da qual “sempre tivera horror”: “Tudo se situava tora, As as Cois coisas, as, as ver dades, os sentim verd; | entos, as significações e o próMIO CU;

de pal Ensaio sobre a transcendência do ego nãoé portanto um textó o, psíquic do sentido ao nele cologia, na medida em que não se visa

| a e

art vislumbra nele, lembra Beauvoir, é a liberação total da

Adgiia de

Nica francesa preconizava e, por consegiiên cia, o fim de

prio eu; nen = hum fat 4 or "Ss ietiivo alterava, port subjet anto, a verdade do mundo. ; tal qual se dava a nós” (Beauvoir1, p. 188) n A jmtencionalidade deverá representar o fim da “filosofia alimen roda o foo digestivar “Todos lemos Léon Brunschvicg, André 2

ande cam CAPeron todos acredita mos que o Espírito-Aranha

Ce as dosto para sua cia, as cobriade uma baba branca e lentamen-

eglutia,

re

Zta-as à sua própria substância. Que é uma mes:

um ros hedo, uma casa? Um certo conjunto de “conteúdos d jen eia, uma ordem desses conteúdos” (Sartre 40 p. 29) Já nãodeverá haver mais representação como imagem ou signo da coisa es a tem. por, À representação, tal como o Eu, implica a “vida inte jar”de que fala Bi unschvicg, e que Sartre sempre dese jou expurgar do c: do da imanencia, Liberada assim a consciência, via intencionalid: de,Sai o

se impos de imediato, ainda segundo Beauvoir uma árd a tá efaa covisão de toda a psicologia. Não é outra cois a o que ele procurará an m pnprimeiro texto filosófico publicad o, escrito ainda em

9 Ensaio. obre a transcendência do ego. “Revisar toda a psioblogia”: na verdade, esse curto ensaio não tem todo esse fôlego: l É

antes o começo dessa tarefa. Sartre procurará nesse texto a en “o . ar uma teoria do objeto psíquico” (id., ibid. p.317) isto É fi lda

montar o psíquico, objeto da psicologia !.

e

ND 6

finda em oral er umentação éfeita a partir do conc eito deconsciência in-

foton!

se-à que para Sartre a expulsão dos “conteúdos de con s-

cirhoia, à recusa de um Euhabitante da cons ciência, de toda f

ida inter lor ”, são decorrências necessár ias impostas pelo conceito de enc f

a Esse trabalho de limpeza precederá aquele de £

àydo.

to

a

(GA

p

ie Constitui propriamente a parte negativa da obra,

O o MJLICO E ki val Ê dept O nómo Je | HE CS c1 l eto pi b Jele à te * Í Do E isamen 4 ( que, “NC sea conscii ência Cà vazio , lo é t im sor ) do Hiun É lo Nu I É ) da « oneé , Í cia, ; , mas 5 para d Cl la YV cremo remos S 1 ss ( )

o: O damentar o Ego transcendente e, comele, todo o campo do psíquic maneira pela qual'o trata-se antes de fixar o seu ser, ou, se se quiser, a

psíquico é constituído.

o

tm Porque visa a essa constituição, Sartre procura tornar clavóp de de atites cio, a perspectiva em que ela pode ser pensada. Daí por que,

Husserl entrar em cena, nosso filósofo ajusta as contas com O neokan pela tismo francês, que, numa perspectiva crítica, procura igualmente

co, À pers maneira segundo a qual o transcendental constitui o empíri kantianó ido e pectiva crítica não é boa, dirá ele, pois o transcendental er a um transcendental constituinte. Visá-lo nessa perspectivaé sulvent

is questão crítica, já que o problema de Kanté apenas o de “detertnimar trans O 14). p. 36, (Sartre condições de possibilidade da experiência” en cendental é aqui um conjunto de condições lógicas, não uma conscr

ele [Kant] o cia real: “A consciência transcendental é somente para

en conjunto das condições necessárias para a existência de uma consei

condi cia empírica” (id., ibid., p. 15). Os neokantianos realizam essas procuram ui ções, tomám transcendental comofáto absoluto, quando um pon “em m-se coloca pela constituição do Eu. Exatamente por isso; to de vista radicalmente diferente do de Kant” (id., ibid.)?.

Mas se os neokantianos subvertem a perspectivacrítica é precisa

na termito mente porque a constituição do empírico (ou do psíquico,

logia sartriana) sópodeserpensada a partir de uma consciência réu, fatoabsoluto; o transcendentalpensadono plano puramente formal nisi

o. O erró do pode constituir, como é o caso do transcendental kantian

r, isto neocriticismo é procurar no kantismo o que ele não pode oferece levará 65 é, a resposta ao problema da constituição do Ego. Isso

“como neokantianos ao equívoco de conceber aquele transcendental como cons um inconsciente” (id., ibid., p. 14), dé vez que, entendido

ciência real, está para além da consciência empírica. É como se a afit t mação de que a consciênciatranscendental tem apenas uma pre-ex

un

de Kant) 2. Sartre apóia sua leitura de Kant em Emile Boutroux (A filosofia

ty

p LUIZD AMON SANTOS MOL JTINHO

CONSCIÊNCIA E EOO

tência lógica não bastasse; con forme observa P. Lachiêze

-Rev. “ i samente porque é consciência, ela não poderia comportar sóessa pré .

Fopresentaa Pre existência lógica não pode ser aqui senão um modode pres ação para uma reflexão que procede por umaanálise raci ;

mas, ao termo do processo, a idéi a de uma consciência supostadeve DD o ituída por uma cons ciência efetiva; como teria dito na den CAIcO izer a prova “(La chitze-Rey 19, p. 449). Entreempire sei ncia tornadaefetiva nãoseria tal como a consciência npír à, consciente de si: seria real , porém inconsciente... S ivi o cora reencontrada progressivam ente pelo eu empírico: esseteria a Pap: de Fiontrar conscienteme nte O que a consciência transcenCida id AD) tormente ou faria eternamente no inco nsciente”

rcadÓds poontode* Part partiida não ã seráá pois pol o sujeito kantiano, já que este é RPA SLI

nA - pa tir ele, não é possível reso lver o problema que np end ca nesse pequeno texto: a constituição do Ego..Ele não é TN la de sl à si não é o verd adeiro absoluto; ele é antes o

nd, e puma consirução, o que signific a que ele tem o seu ser mediRap

A primeira parte do Ensaio sobre a transcendência do ego, como dissemos, é negativa. O problema da constituição do Ego só será enfrentado quando se tiverem recusado as teorias que afirmai uma presença do Eu, formal ou material, na consciência. A intencionalidade será aqui a chave que liberará o campo da consciência, para então se reconstituir o psíquico. E Husserl, que parecia ser o patrono dessa empreitada, é paradoxalmente o primeiro a ser alvo de objeção: é que, em Idéias, Husserl ressuscita o Eu transcendental ausente das

preta como sendo de Husserl mesmo; tratar-se-á apenas de repor 0 ver

Ju dadeiro conceito de consciência adulterado com o ressurgimento do inutil a transcendental. E, para isso, ele procurará mostrar, de início, dade desse Eu ressuscitado, na medida em que os conceitos centrais da

fenomenologia dele prescindem; depois, procurará mostrar que, nndis

que inútil, o Eu de Idéias é nocivo e “ameaça pôra perder” (...) “todos

os resultados da fenomenologia” (id., ibid., p. 26). Por que um Eu transcendental é inútil? Porque o papel “ordinário conferido a ele é realizado, na fenomenologia, pela própria conseién

( mento, que aqui aparece como um dado (id., ibid, p 17) so orienta 4 Wirapassar o terreno da epis temologia único di; : ironia, conhecido da filosofia francesa” (idem 40 Pp. p 29) . Noutraspalav avra ras s,

que deve cundê lo; essa é a questão que se impõe ao idea

A

Assim, as objeções a Husserl se valem de noções que Sartre inlei

pró rio er doSo

lismo, no er cosantianos. Se a subjetiv idade é mero construto lógico o 0 junto de condições de possibilidad e da experiência não pRo o pe pela cons tituição real de um Eu empírico. o tiruto Tá ia se Uscar uma subjetividade concreta, não um 160, Acessível a cada um de nós, É entã o que Husserl apa:

H — OBJEÇÕES AO EU FORMAL HUSSERLIANO

delidade ao conceito de consciência intencional.

o nntltuida o o Pr 5,Isto é, buscar-se-á “interrogar as ciências DOR Ti par anda» a títu lo de condição de possibilidade motos (id do To oSse caso, o pen samento (ou a subjetividade) se dono Mravés d seu: próprios prod utos, isto é, nós apenas o apreen10 à significação de pensamentos feit os” (id., ibid.). Há i um primado do conhecimento que éaregraea medid nã buscaa

deve ae abandoi lar ar O pi "im: imado do conhecime i nto e atingir o ser, absoluto »

que os pós-kantianos deram ao “Bu penso” e entretanto queremos tosol ver o problema daexistência de fato do Euna consciência, encontramos no nosso caminho a fenomenologia de Husserl” (Sartre 36, p. 16).

Investigações (id., ibid., p. 20). Isto soará para Sartre como uma infi

9 can cimento;é O significado mais profundo do

idealismo: nantes a pedido pelo conhecimento ”, “há apenas ser conhecido” (ue b o Porque a subjetividad e é recuperada e construída

subjetividade! Precisaria, diz Sartre, fundar o

s rece: “Se abandonamos todasas interpretações mais ou menos força

cia. Esse papel — a realização da “unidade e individualidade da conscién

4|

cia” (id., ibid., p. 20) — pode ser explicado a partir dos conceitos de

consciência intencional e consciência em fluxo, sem que seprecise recor rer à hipótese inútil de um Eu.

A consciência se define pela intencionalidade, diz Sartre(id., ibid,

p.21); ela é “o princípio essencial da fenomenologia”, o quelhe permi

te, já no Ensaio sobrea transcendência do ego, anunciar o seu refrão

preferido: “Toda consciênciaé consciência de alguma coisa” (id. Ibid,, p. 33). O objeto implicado pela consciência intencional, e que aparecia

o!

SOMo unas

“das

c

CIânoi

K

jogo de

:

ir é “cessidade de um Eu que forje essa unidaS: ee tida porCima de, pentação écomo real”, Se, aocontrário, reafirmamos a repre transcendental enduan ou S1gNO da coisa espaço-temporal, talvez o Eu

necessário; nesse caso,05 conteide subjetivo de unificação, torne-se ua no dade real”:» ace “unidade”seria aquiredutível àconscienai ne tro de ve; atória,

aa due se trata de representação, por ondese exigiria um princi afirma: PAo DA e unificação. É o que Sartre parece dizer quando

s0mo é somarei dois dei consciências ativas pelas quais eu somei,

“dois e dois fazem uat x para fazer quatro é o objeto transcendente áéria impossível conseumacoapormanência dessa verdade eterna o edutiveis quantas consciências operatório” (Sertão SÉidos P.

»

,

,

obje

um, O

AAS-

-

ão Eu unificante Mamedido a net, torna desnecessário o recurso

elo já é aquela dad i pe que é verdadeiramente transcendente, das consciências: “O obie & Por isso mesmo, a unidade não forjada apreendem e é nele | Jeto é transcendente às consciências que o

Esta solução é que y encontra sua unidade” (id., ibid., p. 22).

tendente real, não de um o parcial; ela fala apenas da unidade trans-

na medidh em que é transcende PUNCPio imanente. A unidade real,

do er nidade unificado “e não representação, exclui a possibilidade av consciências. Impõe-se Dois IDR a de d ca própria nã da sidade de umasíntese da unifica-

dlbábias e

clas ora suscel eldo o resma de que “o fluxo contínuo das consciênUm princí io

bol DP,

| por o objetos transcendentes fora dele” (id.

Ialis andlogo : Pio imanente não significará entretanto um pólo-sudet dus) no Pólo-objeto? Nãosignificará um idêntico, um permanufvito, a o samente seria o Eu transcendental? Se não é um póloletra as Fio o poe operar a síntese das consciências? Aqui, Sartre

qoes de Husserl para afirmar que é a própria consciência

+. O mov

imonto aqui é antogo análo ao que deverá

all. sob à ávide nada: também !

a

nrrar

ução de O s erá , ocorrer na Introduçã

1. ali or à Notambém € Sartre dderguerá de ointencionalidade, | égide do nóema irreal), ro C VEZ contra SA princípio vez vas objoçhea ais contraà H Husse reafirmadia iúito a verd a! (dessa

SÊ i úviri O

dum

dadeira transcendência do objeto (do ser) qu:

ansfenomenais”, CL cap, é

4,

+

Vile

ty

CONSCIENCIA E tuts

: DAMON SANTOS MOUTINHO LUIZ

e

VII

É

;

ão

Iuanto a da cons-

tamente por um “que se unifica a si mesma e concre retenções concretas € neais as intencionalidades “transversais”, que são modo pelo qual a consciém das consciências passadas” (Sartre 36, p. 22),

Ali, Husserl teria ensinado, que; cia se constitui como fluxo unitário. titua

daconsciência que cons embora possa parecer chocante, é o fluxo 106). É da maneira mesma sua própria unidade (Husserl 13, pp. 105as, SC dem-se em unidades mais vast pela qual os vividos se reúnem, fun

encontrajá constituída sem unificam, que a “unidade da consciência se iip)

cípio egológico (Ichprin que seja necessário, por acréscimo, um prin icando-os uma sepunda unif e s próprio suportando todos os conteúdo cn

princípio seria incompre vez. Aqui como alhuresa função de um tal sível” (idem 15, p. 153). real, não te do transcendente, que é unidade Assim, nem do lado

que é fluxo auto-unificátito, presentação, nem do lado do imanente, pro

ce necessário. São OS não fluxo unificado, o Eu transcendental pare tornam inútil, desde, é ela: prics conceitos da fenomenologia que o do, afirmação que diga so que se aceite ter o Eu aquele papel assinala

l é Husserl. Na verdade, nenhum pape de passagem, Sartre não credita a to

re apenas aponta, náie assi ralado diretamente ao Eu de Idéias. Sart ou críticas que nada tom mada desse Eu, “preocupações metafísicas conta des p. 34). Talvez por que ver com à fenomenologia” (Sartre 36, nosso autor trate logo de des sas “preocupações críticas” de Husserl, (ld, o ele é entendido “ordinariamente” mantelar o papel do Eu tal com . ibid., p. 20), leia-se, pelos neokantianos

B

hipótese inútil, realizando Entretanto, não basta mostrar o Eu como o,

ha. Mais que iss um trabalho que a própria consciência desempen a fenomenologia; noutias preciso mostrar que o Eu é nocivo e ameaça

ados pelo Eu transcen palavras, buscar-se-á agora fixar os danos caus que ele causa no campo dental, e isso se fará apontando a deturpação da consciência. o produção sintéti Segundo Sartre, “após ter considerado o Eu com

ões ), Husserl voltou, ca e transcendente da consciência (nas Investigaç ntal” (id., ibid.). De tato, nas Idéias, à tese clássica de um Eu transcende entendido como “ponto, de nas Investigações Husserl recusa O eu puro, completamente qfipi referência unitário ao qual se rel aciona, de maneira erl 15, p. 159). Num nal, todo conteúdo de consciência como tal” (Huss

sa

50

; DAMON SANTOSMOUTINHO LUIZ

CORSCIPNCIA PEGO

texto em que cita Paul Natorp, objetando-lhe, isso fica ainda mais claro. O Euaparece para Natorp como “centro subje tivo de referência” sem poder tornar-se conteúdo, “rebelde a toda descrição”: “Tod presentação que poderíamos nos fazerdo eu faria dele um objeto Ma nós Já cessamos de pensá-lo como um eu quan do o pensamos como objeto” (Husserl 15, p. 160). Ora, “por impr essionantes que sejam e -

nto, um vividoentre outros, nem como um fragmento devivido; entreta “ele parece estar aí constantemente, mesmo necessariamente”; ele

pertence a todo vivido; enquanto esses passam, ele permanece idênti co, e essa identidade “que ele conservaatravés de todas as mudanças reais e possíveis dos vividos não permite considerá-lo em nenhum, séi vivi tido como uma parte ou um momento real (reelles) dos próprios:

ses desenvolvimentos”, diz Husserl, “não posso, após madu

su dos” (Husserl 11, p.189). Noutras palavras, nenhuma redução pode

fe. xão, dar-lhes meu assentimento” (id., ibid.). A objeção ue se gue é de nat ureza muito diversa da que fará Sartre no Ensaio sobre a tran cendência do ego ao próprio Eu husserliano ressuscitado E

primir o “puro” sujeito do ato: “O fato “de estar dirigido para”, de

e estar ocupado com”, “de tomar posição com relação a” [...) envolv

necessariamente em sua essência de ser precisamente um raio que “eita

Segundo Husserl, não há sentido em se falar de um “fato fund mental da psicologia”, se não podemos pensá -lo, e para pensá-loé --

na do eu”” (id., ibid., p. 270).

Enquanto não é momento real do próprio vivido, forçoso é conclui

cessário fazer dele um “objeto”. Nãose trata de um conceito estreit de

que o Eu transcendental (“transcendência no seio da imanência”) (id.

objeto, sem dúvida, mas ainda assim se trata de objeto: “Do mesmo modo que a orientação da atenção sobre um pensamento, umasensa ão [...] faz desses vividos objetos de percepçãointer na sem por isso fazer

ibid., p. 190) não podeser considerado como “para si”. Quanto à desen

não ção desse Eu, na medida em que ela incide sobre um “raio”, incide ão de sua sobre um algo, mas sobre uma maneira: “Se se faz abstraç amente “maneira de se relacionar” ou “de se comportar”, ele é absolut

deles objetos no sentido de coisas, igua lmente o centro de referência

que é o eu e toda relação determinada do eu a um conteúdo seri também, enquanto observados, dados objetivame nte”fid., ibid. 161).

desprovido de componentes eidéticos e não tem mesmo nenhum conte do que se possa explicitar” (id., ibid., p. 270). O raio do “olhar” varia portanto, enquanto o Eu permanece idêntico, no sentido de que ele pet tence a todo vivido, que vem e passa. As descrições a que se presta O Eutratam pois, precisamente, das “maneiras particulares pelas quaisele é

Não há aqui Eu rebelde à descrição: ele, como tudo o mais | od dado objetivamente”; não é, pois, “cent ro de referência” PoEe de

Entretanto, já em Idéias, Husserl muda sua posiç ão; afirma ali t tomado nas Investigações uma posição “céti ca”: “Nas Investi a ses

emcada espécie ou modo do vivido o Eu que os vive” (id., ibid., p. 271):

lógicas adotei na questão do eu puro uma posição cética que não mude manter com o progresso de meus estudos” (ide m 11 p. 190) Igual. mente na segunda edição das Investigações, em nota acrescentada à primeira edição, volta a afirmar que aprendeua enco ntrar o eu primiti-

C Ora, que problemas Sartre vê nessa concepção do Eu? Que danos

pata podeele causar à consciência? Segundo nosso filósofo, o Euseria

vo, enquanto centro de referência necessário, “ou antes aprendi que a pente não precisa se deixar reter, na apreensã o pura dodado elo t mor de cair no excesso da metafísica do Eu” (idem 15, p 161) 'g n

do Husserl, na evidência mesma do cogito o Eu é apreendido: ieessa evidência [eu sou”] existe verdadeiramente como adequada - e ncia desejaria negá-lo? —, como podemos nos disp ensar de admitir um Eu

puro? Este é precisamente apreendido na reali zação da evidência c

-

fenomenologicamentepura e necessariamente como sujeito de

'

to, essa realização pura o apreende eo ipso de uma maneira vido “puro do tipo “cogito”” (id., ibid,, p. 157). | Seguramente a esse Eu não cabe o papel de

cias.

o e unificar as consciên-

Uma vez executada à redução, contudo, ele aparece; não como

| Husserl estrutura formal da consciência (Sartre 36, p. 37), não como | para Kant, evidentemente, mas ainda assim estrutura formal. Entretat



/ to, se a fenomenologia é científica e não crítica,isto é, se a consciência

aparece aí como fato, não como um conjunto de condições lógicas,

torna-se para Sartre um equívoco falar no Eu comoestrutura formal:

se “O Eu, com sua personalidade, é tão formal, tão abstrato quanto

supõe, como um centro de opacidade. Ele é para o Euconereto € psicofísico o que o ponto é para as três dimensões: é um Eu infinita mente contraído” (id., ibid., p. 25). Entendamos: o Eu formal, “trans

cendental”, nada mais é que uma “contração infinita do Eu material”

(id., ibid., p. 37). Simplesmente porqueseo transcendental é fato, não

14

é DAMON SANTOS 'MOUT LUIZ INHO

COPSCUNCIA DOOU

princípio lógico, o Eu é da mesma ordem, isto é, material e não formal

Daí por que o Eutranscendental implica opac idade: é que se trata d um Eu material contraído.

Isso explica por que a sua presença na consciên cia implica dano: a opacidade do Eu rompe com princípio da translucidez da consciên-

cia. À consciência, diz Sartre, é trans lúcida, isto é, não há nela

germe

de opacidade: “Tudo é claro e lúcido na cons ciência: o objeto está e face dela com sua opacidade caracterís tica, mas ela, ela é

pura e

si q plesmente consciência de ser consciência dess e objeto é à lei de sua existência” (Sartre 36, p. 24). Já o Eu, por seu lado “não é claroe

translúcido para si mesmo, ele se apresent a como realidade cujo “c

-

teúdo” (psíquico, pois que se trata de um Eu mater ial) exige desenvol. vimento. Essa opacidade, se afirmada como pres ente na consciência, destrói o princípio segundo o qual a consciên cia é fenômeno, isto é,

nela “ser” e “aparecer” são um e o mesmo. É por isso que se o E : tornadoestrutura da consciência, ele a tran sforma em “mônada” o .

na-a “obscura”, substancializa-a. E poraí romp e o que para Sartrese constitui como o ponto básico da fenomenologi a. o D

Dizer que o Eu formal é na verdade material equiv ale a dizer que ele é não transcendental, mas psíquico. Ou, por outra, equivale a dizer

que, de mera forma, ele torna-se um Eu cujo único sentido são seu

conteúdos psíquicos. Mas de onde vem que à persp ectiva científica um Eu transcendental é impossível? De onde vem que ele se reduz a ser mera contração de um Eu material e psíquico? Sartr e deverá mostrá-lo pela descrição da consciência, na qual o campo transcendental deverá

aparecer puro, e o Eu como sendo de outra ordem precisamente a or-

dem do psíquico. Mas há de início uma dificuldade para operar essa descrição: ela só pá

tida. Ora, se é assim, estamos no direito de perguntar se ocorre o mes mo com o Eu, ou, noutras palavras, “se o Eu que pensa é comum às duas consciências superpostas ou se não é antes o da consciência reflé tida” (Sartre 36, pp. 28-29). Sartre se recusa aqui à “evidência” “eu sou”, mas não apenas porqueela poderia implicar umasubstancialização da consciência, mas antes e principalmente porque o termo “eu” parece encontrar conteúdos assimiláveis nos limites da consciência refletida,

o quesignificaria dizer que ele é uma criaçãodareflexão. A mera possibilidade disso impede-nos de recorrerà reflexão .Más

haveria outra maneira de visarmos à consciênciairrefletida que não

reflexivamente? A questão aqui se resume aisso: há a possibilidade de que o Eu apareça apenasà reflexão, pertencendo assim à consciência refletida; se visarmos à consciência reflexionante, ela por sua vez tor nar-se-á refletida, e o nosso problema permanece. Assim, como atingi

a consciência irrefletida enquanto irrefletida? Evidentemente, visar, à consciência presente é refletir, o que nos força a apelarpara as consciên cias passadas. Mas visar às consciências passadas sem pô-las

teticamente! Sartre chama a isso “lembrança não-reflexiva”!, O quea

torna possível é o fato de que toda consciência, “sendo consciência

não-tética de si mesma, deixa uma lembrança não-tética que se pode consultar” (id., ibid., p. 30). Trata-se da lembrança de uma consciên

cia, sem que essa lembrança ponhaessa consciênciateticamente, Pos

so apelar para ela na medida em que dirijo minhaatençãopara os “ob

jetos ressuscitados”, sem contudo “perder de vista” a consciência em

questão, “guardando com ela um tipo de cumplicidade e inventariando

seu conteúdo de maneira não-posicional” (id., ibid.). Se o faço, diz Sartre, o resultado não é duvidoso”: “Enquantoeulia, havia consciên cia do livro, dos heróis do romance, mas o Eu não habitava essa cons

ciência, ela era somente consciência do objeto e consciência não

posicional de si mesma” (id., ibid.).

de se dar reflexivamente. Por conta disso , impõe-se uma descontian a:

Evidentemente, essa operação sugere de imediato que há aqui uma oposição indevida e uma má escolha: estou opondo a reflexão, que ga

6,9 vivido como vivido de um Eu? Essa desco nfiança se impõe uando

4. Há um erroda edição (ou talvez dopróprio Sartre). Num momento, aparece o termo

Não seria precisamente o ato reflexivo que faria nascer o Eu na cons. ciência refletida?” (id., ibid., p. 29). A modifica ção que sofre o vivido ao tornar se refletido, não seria essencialmente a aparição do Eu, ist

percebemos, na reflexão, que aquilo que é afir mado diz respeito à cons-

clência refletida, não à consciência reflexiona nte. Dá-se o mesmo no

Eu penso”, isto é, o pensamento aí afirmado é0 da consciência refle-

“souvenir non-réfléchi” (Sartre 36, p. 32) e, noutro momento, o termo “souvenirs non réflexifs” (id., ibid.) quando designam na verdade uma mesma operação, O erro

está na grafia daquele primeiro termo, que deveria ser “souvenir non-réflexif” 5. Na verdade, é duvidoso sim, como o próprio autor admitirá mais à frente

Ha

LUIZDAMON SANT Ja MOUTINHO

rante a “certeza absoluta” , e na qual aparece o Eu, a uma apreensão não-reflexiva e oblíqu

a de uma consciência por out

ra, na qualo Eu não

brança não-reflexiva: é que , desde que pro

curo restituir escoadas, já estou no terreno da lembrança, e, reflexiva

consciências

ou não, ela é sempre duvidosa. Não há aqui oposição entre o cer to e o duvidoso. E

E Essa operação, contudo, não pode nos garantir que a ausência do Eu na consciência é uma evidência apodítica e adequa da. Mas ela traz uma consegiiência fundam ental: a de preparar o ter reno para a prática de um tipo de reflexão, chamada Pura, que ser á a responsável pela liberação definitiva do ca mpo da imanência. A ref lex ão, diz Sartre, não é um poder misterios o e infalí vel, ela

tem “limites de direit o e de fato” (Sartre 36, p. 45). Na medi da em que ela põe uma con sci ência e se limita a essa consciência, “tudo o que ela afirma é cer to e adequado”. Assim, não erro quando, sen tindo repulsão e cólera à vista de Pedro declaro: “Experimento nesse momento uma vio len ta repulsão por Pedro”. Dizendo isso, não ultrapasso os dados de mi nha consciência refletida, isto é, não ultrap asso o meu vividos.

Entretanto, um sentido transcendente aparece como unidade das consciências coléricas, como unidade transcend ente: o ódio. Nesse momento, se me volto para o ódio, muda a hat ure za da reflexão (para reflexão “impura” ou “co nstituinte”), e muda por que me dirijo agora para o sentido transcend ente constituído atravé s do Erlebnis, e não par O Erlebnis imanente. Ne a ssa mudançaestá implic ada uma “passagem ao infinito”, já que o ódio apa rec

e como não se limitando à consciência

mma

6. No Ensaio sobre a transcendência do 80, não aparece o termo “vi o original alemão (Erleb vido” (vécu), mas nis), não traduzido. Sar tre só o traduzirá em A imaginação.

CCI DICIA LEGO

instantânea derepulsão, mas como unidadede uma infinidade de dons ciências coléricas, presente e passadas. O ódio apareceatra o o

periência de repulsão, ele se dá “em e por cada movimentode é Ro to, de repulsãoe de cólera, mas ao mesmo mpo nãoéne o Ros

escapa a cada um afirmandosua permanência (Sartre ? E n r do sa medida, o ser do ódio não coincide com º seu parece 4 io

bastante para afirmar que ele não é da consciência.Ta como o a se revela através de perfis, igualmente o ódio, (am bém unid e ni cendente, se revela através de aparições: as repulsas, có eras eba com uma diferença básica: o ódio só aparece à consciência e

já que ele é unidade sintética transcendente de Oo ai VA Ora, na liberação da consciência outra coisa não. arí qu Nos praticar a reflexão pura, devendo portanto ater-se emao | , na

dados da imanência. É por onde nos asseguramos das evi cncias ed

ca e adequada. A diferença assinalada entre a imanência eos no

transcendente (vivido de repulsão e ódio) deve repetir-se agora q .

consciência e Eu. É essa reflexão que está implicadana 0] era a verdadeiro cogito. A descrição do cogito, diz varre, most quam

apreensão de uma consciência por outra se dá sem por O “

Já o objeto espaço-temporal se dá através de uma in a AR pectos. De outro lado, as verdades eternas afirmam suart o dono! na medida mesma em que se dão como ,independentes ó o ipa a

quanto a consciência é rigorosamente individualizada na ó ur ção E questão que se põe é: operada a reflexão pura, hálugar para

entre os dados da imanência? Não, “o Eu nãose dá como u m nom

concreto, uma estrutura perecível de minha consciência atua il : n

pp. 33-34). Ele se dá como permanente, comotr inscençel vaia

conclui que ele não é da consciência. O Eu, tal como0 ód 1ox está a

além da imanência; ele aparece, mas aparece como u anscer

ente

na exata medida em que aparece como tal que ele é nãotu insoer na ,

mas psíquico. Ou seja, se tomadaa consciência na perapeci va cent

fica”, isto é, comofato absoluto, o Bu transcendenta se re o Decor

sariamente em Eu material, e pela simples razão de que,al apareça à reflexão, ele aparece para além da consciência.

ad



LUIZ DAMON SANTOS MOUTINHO

HW-

OBJEÇÕES AO EU MATERIAL

Tendo mostradoque o Eu nãoé “habitante” da consci ência, mas, ao

contrário, transcendência, impõe-se mostrar a constituição dessa transcendência e, concomitantemente, o sentido do transcendent al constituinte. Antes, porém, é preciso completar o trabalho negat ivo de liberação da consciência, considerando agora as teorias que afirmam uma presença material do Eu na consciência, que serão aqui as teorias dos

“moralistas do “amor-próprio””, na medida em que afirmam emtodos

Os atos uma“relação ao Eu” (Sartre 36, p. 38)”. Se socor ro Pedro, esse

ato esconde um estado que permanece na penumbra: é um estad o desagradável em que me encontro à vista dos sofrimentos de Pedro, causa |

do meu socorro (id., ibid, p. 40). O Eu é aqui o pólo de atração de

nossos desejos, ainda que seja inconsciente. O equívoco dessa tese é a confusão inicial que ela estab elece entre atos reflexivos e atos irrefletidos, “erro frequente dos psicó logos” (id.,

ibid., p. 39). Essa confusão se manifesta no fato de que só se pode

tentar suprimir o estado desagradável referido se ele for conhecido, e

isso só pode ocorrer por um ato dereflexão: Superpõe-s e aqui portanto uma estrutura reflexiva a uma consciência irrefletida, a do ato piedoso. Esse, contudo, não é o único erro; além da super posição, o refletido aparece aqui como primeiro, como original, o que constitui uma

“absurdidade” (id., ibid., p. 41).

Pode-se argumentar que a objeção apresentada toma o eleme nto

superposto como consciente, tal como o ato piedo so, vindo daí que se fale em “superposição”. Mas ele pode estar “esco ndido” por trás da consciência, pode estar na “penumbra”; numa palavr a, pode ser “in-

7. Por que os “moralistas”? Nos diários de guerra, Sartre confessará que o papel as-

sumido pelo Ego no Ensaio sobre a transcendênc ia do ego é indicativo de sua atitude:

“de olhar de cimapara baixo”, de se “refugiar no alto da torre” (Sartre 39, pp. 392193). O Eu posto fora, “como um visitante indiscreto”, salvag uarda a “consciência-

relúgio”, que para Sartre, em 1940, já se assemelha a umaliberdade aérea, não enraizada

(tl, tbid., p. 356). Falando de si, diz ele: “Por muito tempo acreditei que não se podia

conciliar a existência de um caráter com à liberd ade da consciência; pensei que o caráter

nada mais era que o bouquet de máximas mais morais que psicológicas” (id.,

tbied,, p. 393), O caráter assim confundido com as máximas dos moralistas, e tido como ameaça à liberdade, não explica bastante por que se recusará no Ensaio sobre a transcendência do ego as teorias dos moralistas do amor próprio?

COPBSCIENCIA ELOS

vi

consciente”, Aqui aparece pela primeira vez a crítica sartriana à noção de inconsciente, Ligado de início à psicologia clássica (La Roche

foucauld teria sido “um dos primeiros a fazer uso, sem noméá-lo, do inconsciente”; Sartre 36, p. 38), Sartre não o distinguirá porém do im

consciente freudiano: a mesma crítica vale para ambos, O inconsciente será tomado apenas, em qualquer caso, como uma variação daquela mesma superposição, O que se busca aqui é assegurar à autono ua ta consciência irrefletida, sua “prioridade ontológica”: ela é primeira mos mo quando aparece a consciência refletida, Não há portanto estrutura auperposta, não há Eu implicado nas consciências, ainda que seja to mado como “inconsciente”.

[| Ássim, não é um estado subjetivo o que move meu desejó, mo

objeto desejável; vê-se aqui o uso quefaz Sartre do conceito de inten

cionalidade: a consciênciase transcende em direção ao objeto, isto vc. 0

meu desejo é “centrífugo”,lé Pedro mesmo quem me aparecé Conto “devendo-ser-socorrido”. Mais ainda, se não há Eu no plano irrellet do, se é o desejável que move o desejante, se essa estrutura se bástu, então a dor de Pedro me aparece como a cor desse tinteiro: “Tudo Le passa como se vivêssemos em um mundo onde os objetos, além dis qualidades de calor, odor, formaetc., tivessem as de repugnante, atraét te, charmosas, úteis etc., e como se essas qualidades fossem forças que exercessem sobre nós certas ações” (id., ibid., pp. 41-42). O atraente, à umável, o terrível são propriedades da coisa mesma, não a soma de reações subjetivas: “Eis que essas famosas reações subjetivas , Ódio, amor, temor, simpatia, queflutuam na salmoura malcheirosa do Espíri to, daí se arrancam; elas não são senão maneiras de descobrir o mundo

São as coisas que se desvelam frequentemente a nós como odiáveis, simpáticas, horríveis, amáveis” (idem 40, p. 31), Evidentemente, essa descrição do plano irrefletido não invalida os casos em que aafetividade é posta para si mesma; se digo “tenho pena de Pedro”, essa reflexão qualifica minha ação, olho-me a agir “no sen tido em que se diz de alguém queele se escuta falando”, Nesse caso, “não é mais Pedro que meatrai, é minha consciência socorredora que

me aparece como devendo ser perpetuada” (idem 36, p. 42). Isso con tudo não significa superposição de estrutura, já que se assenta apenas na reflexividade da consciência; significa somente que os sentimentos

podem aparecer de início como meus sentimentos,

1h

j DAMON SANTi 15 MOU LUIZ TINHO

PAIS ICIA LIGO

IV - A CONSTITUIÇÃO DO EGO

A



dente na atitude reflexiva, é em uma atitude muito precisa: aquela da reflexão impura ou constituinte, que busca precisamente uma unidade transcendente para os vividos, Não há vivido de ódio, há um sentido

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transcendente para os vividos de repulsão, sentido 'esse posto, como

unificador daqueles vividos pela reflexão impura[E nesse reino de sem tido unificador, transcendente, que morará o psíquicoJDessa maneira, ele está fora; como objeto, o psíquico implica dubitabilidade: Ecento que Pedro me repugna, mas é e permanecerá sempre duvidosoqueseu à odeie” (Sartre 36, p. 47).

Além dos estados, Sartre descreverá o que chama de “ações"teu

lidades”. As ações são também transcendências. Mas, diferentemente

do estado, “a ação não é somente a unidade noemática de uma contente

To essa do descriçã çãoo éé vál váliida no plano irr Í efletido. Na passagem par a o plano da TE Es ae TA unidade transcendente das consciências refle Me idadi s. das » ha atitude reflex iva. , éé anáaná log g o ao obj ob j eto na atii tude irr rn i e: Os aparecem como pól os-obj eto j s, , com o uniÍdadessint intéti éti cas Da or com a

diferença de que o Ego, ao contrário daquele, é conseia Ta dl Entretant o, o Ego será apenas a uni dade indireta das qs

e e MU A unidade dir eta será representada pel o que (e S:36 den e e estados”, 2“aç ç ões” e “ qualid i ades”, ? que, evii dentemenpar

ecer na atitude reflexiva.

Jáé desc revemos aci i ma a constiitui tuição de um estado, o ódi o Ele se

de consciência: é também umarealização concreta” (id, ibidasps 5) O que a torna transcendência é o fato de ser unidade das consetene as

ativas; por exemplo, “tocar piano”, “raciocinar”, “fazer uma hipótese”

etc. Quantoà qualidade, ela não unifica espontancidades, come o está

do, ou consciências ativas”, como a ação, mas passividades, ou Sei, estados: “Quando experimentamos muitas vezes ódios em face de dito rentes pessoas ou rancores tenazes ou longas cóleras, unificamos essas diversas manifestações intencionando uma disposição psíquica para produzi-las” (id., ibid., p. 53). A qualidade é, pois, uma virtualidades

uma potencialidade. B Ora, que será o Egosenãoa unidade dos estados, das ações e, faculta tivamente, das qualidades!”, numa palavra, do psíquico? “O psíquica.o.

o objetotranscendente da conseiência-reflexiva”, e o Ego aparece como :

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8. Sartre reserva otermo j Paslid sivade rea a) (Sa ”. rtr dioe 36, p. 19)5 SP 6 dis aos tim Tt ão( nção €..)6 entno re ess S esa doimo s asp Ciect e O os de um gramatical (4 Sei , a a meCe sma

1 parece ser simple smente funcional, para Ma cri psicologia p não dizer o ra o termo que apa recia na crítica a Husser Ego” em LD Ea qo l: Moi sis ni mo nes du ca paí por que agora utiliz aremos ; antes ora à tradução para Je, ora para Moi,

realizando a “síntese permanente do psíquico” (id,, ibid., p. 54), sinte se indissolúvel, “real e concretamente inanalisável” (id,, ibid, p. 56) Se é o Ego quem aparece como unificador, deve-se perguntar: de que maneira o Ego opera asíntese? Como podefazê-lo, se ele é trans cendente? Novamente se põe aqui o problema da síntese, Dessa vez

9, Segundo Sartre, a diferença, que ele não estabelece, entre consciência ativa é aim plesmente espontânea é das “mais difíceis da fenomenologia” (Sartre 36, p. 51) 10, “Facultativamente”, porque a qualidade é uma unificação, digamos, de “segun do grau”, não unificação direta

e

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LUIZ DAMONSANTOS MOUTINHO

contudo, a questão parece mais complicada: antes, tratava-se apenas de mostrar que o Eutranscendental não realiza síntese, não unifica cons- -

ciências, que, aocontrário, é a própria consciência que se auto-unifica.

Afastado o Eu do campo da imanência, tornado transcendente,ele pa-

rece agora ganhar um papel que lhe foi recusado quando este parecia possível, De fato, é incompreensível que se fale em um Ego transcen-

Cor E ba PN Do tato

t

A que se deve essa inversão? Ainda: como compatibilizar a afirma

gho de que a consciência espontânea nada produz a não ser ela mesma e a idéia de que o Ego é constituído afinal pela própria consetenem? Deve-se lembrar que a consciência liberada tornou-se um nada: Do dos os objetos físicos, psicofísicos e psíquicos, todas as verdades do

Mas trata-se aqui de uma “pseudo-espontaneidade”. Pois “a verdadeira espontaneidade deve ser perfeitamente clara: é o que produz e nada

dos os valores estão fora dela, pois meu próprio Eu deixou do'fazer parte dela”, Entretanto, pode-se dizer que esse nada é tudo, ma medida em que “é consciência de todos esses objetos” (Sartre 36, p. /4ju Nao senão porque é “nada”, porque é absolutamente translúcida avspánes ma, que a consciência é espontaneidade. Defato, ligada sintetieaminto a algo, pelo princípio de ação e reação, ela envolveria alguma passiva dade; não seria assim espontânea. A consciência não se liga poisisenao a si mesma, na realização da síntese das consciências escoadas ela nada “produz” que não ela mesma. Diante disso, como afimarque ai consciência “constitui” o Ego? Sabemos que, malgrado a inversão, “o que é primeiro realmento são as consciências, através das quais se constituem os estados depois através destes, o Ego” (id., ibid., p. 63). A consciência rellexivadinvo nto a produção real, numa espécie de projeção de sua própria espontamor dade no objeto Ego, para fugir de si mesma, À “função” do Ego sema assim antes “prática” que “teórica”: “Talvez seu papel essencial-seja

sibilidade de ligação “sintética” entre ela e outra coisa!!, tal como há entre o Ego e oestado. Isso implicaria “umacerta passividade na trans-

tal como uma“falsa representação” da consciência, Eque só aí, graças ao Ego, “umadistinção poderá se efetuarentre o possível e o real, entre

dente como realizador de síntese. A solução desse problemaliga-se à última das nossas questões indicadas acima, a da constituição do Ego.

Essa constituição, realizada pela reflexão impura, é feita “emsenti-

do inversodo que segue a produçãoreal”, o quesignifica que “as consciências são dadas como emanando dos estados, e os estados como

produzidos pelo Ego” (Sartre 36, p. 63). O Ego aparece como produzindo seus estados, ações e qualidades, tipo de produção que Sartre

denomina “poética” (id., ibid. p. 60). Não é o estado que se reúne à

totalidade Ego, mas, por meio da reflexão constituinte (impura), é intencionada “umarelação que atravessa o tempo ao inverso”, de modo que o Ego aparece como a fonte do estado (id., ibid.). O Ego, objeto e portanto passivo, aparece paradoxalmente como produtor, como espontâneo, no momento mesmo de sua constituição.

mais” (id., ibid., p. 62). A noção justa de espontaneidade afasta a pos-

formação” (id., ibid.). Em O ser e o nada, essa idéia é retomada: “É

precisamente porque ela [a consciência] é espontaneidade pura, porque

nada podeagir sobre ela, que a consciência não pode agir sobre nada” (idem 37, p. 26). Sartre cita a título de exemplo o princípio de ação e

reação: a passividade do paciente reclama passividade igualno agente.

Dessa maneira, estamos diante de dois conceitos de espontaneidade,

ou melhor, diante de uma verdadeira e de uma falsa espontaneidade. Essa última, segundo Sartre, é “ininteligível” (idem 36, p. 63), deriva-

da apenas da inversão implicada na constituição mesma do Ego.

11, Será na forma de“ligação sintética” a relação entre consciência e mundo tal

como aparecerá em Diário de umaguerra estranha e O ser e o nada. Mas já não se

tratará da mesma ligação, até porque ela implicará uma negação permanente da

consciência em relação ao mundo,

mascarar à consciência sua própria espontaneidade” (id., ibid., pb),

a aparência e oser, entre o querido e o sofrido” (id. ibid., p. 82),

Isso não explica contudo como a consciência constitui o Ego; SegundoSartre, a produção já invertida é espontânea: “Nós constituímos espontaneamente nossos estados e ações como produções do Ego” (id, ibid., p. 77). O Ego já nasce como falsa espontaneidade, falsa répre sentação. Ora, isso parece ainda não resolver o problema da constituição; não resolve contudo se entendermos essa questão como a que trata do

surgimento daidentidade noemática a partir da multiplicidade das cons ciências. Mas não é assim que Sartre a pensa, ao menos no que toca di constituição do Ego.[“Constituir” tem aqui simplesmente o sentido de “projetar”, e o que é projetado é já a consciência enquanto unidade sintética, que toma a forma de unidade noemática | E o que permite resolver os problemas quese podem colocar acerca da síntese do Ego | Porque o Ego é consciência projetada, a sua constituição não im plicará ligação sintética entre constituinte e constituído | Igualmente pos



LUIZ DAMON SANTOS MOUTINHO

isso se produz a inversão: porque, enquanto consciência projetada, hipostasiada, o Ego deve aparecer como primeiro, como espontâneo:

“A consciência projeta suaprópria espontaneidade no objeto Ego para lhe conferir o podercriadorque lhe é absolutamente necessário” (Sartre

'6, p. 63). Mesmoaindissolubilidade da síntese do Ego é garantid a pelo fato de que essa síntese não é senão a da própria consciência. sendo objeto, o Ego não opera síntese, mas tampouco esta é feita de tora, como se houvesse aí um X suporte. Na medida em que o Ego é projeção da consciência, sua síntese é tal como a desta: indissolúvel e passiva jNo fundo, trata-se apenas de uma só e mesmasíntese, realizada no nível ainda da consciência: é a consciência já unificada que é

projetada como Ego,/ sendo assim, não há problema em se compreender que o Ego apa-

reça como unificador, como realizando a síntese permanente do psíqui-

co, Defato, ele assim aparece, mas apenas à reflexão impura, àquela retlexão que não apenas ultrapassa os dados da imanência, mas que toma ainda o Ego pela consciência, confundindo-o com esta. Por isso ele aparece como unificador.[A reflexão impura constitui o Ego, conferindo-lheos caracteres-que são antes da consciência espontânea) Entretanto, “essa espontaneidade, representada e hipostasiada em um objeto, torna-se uma espontaneidade bastarda e degradada, que conserva magicamente sua potência criadora tornando-se passiva. De ondea ir-

DIM NCIA E LOU

aqui os métodos de observação externa e de introspecção (Sartre 36, p 1. Neste caso, “posso colecionar os fatos que me concernem é tentar interpretá Jos tão objetivamente quanto se setratasse de um outro” (id, ibid., p. 68).

|

Dois campos, duas ciências; [consciência e Ego não se confundem, comonão se confundem consciência e objeto./O transcendental assim liberado, aparece comovazio, comonada”, espontaneidade que é criação ex nihilo, e o Ego, por seu lado, aparece com o papel essencial do, talvez, “mascarar à consciência a sua própria espontaneidade” (id., ibid, p. 81). “Espontaneidade monstruosa” que conceberá contudo um meto

de “escapar-se a si mesma”, quando se projeta no Eu e aí se abso! Vo

(id., ibid., p. 83). Não é de outro modo que Sartre define o sentido da

célebre “atitude natural” (id., ibid.). Só nessaatitude fazem sentido às noções de ação e paixão: a atividade “se dá como emanando de uma passividade (...) num plano em que o homem se considera ao mesmo

tempo sujeito e objeto” (id., ibid., p. 82): já aí é necessária a constituição

do Ego, ou antes, já estamosno planodo Ego. Mas deve se ainda acres

centar que o Ego pertence ao planoreflexivo. Não foi o próprio Sai tre

quem afirmou que no nível da consciência irrefletida não há Ego! Isso nos leva à conclusão de que a atitude natural, aquela em que existe o Ego, é para Sartre não a condutairrefletida, mas a conduta reflexiva...

racionalidade profunda da noção de Ego” (id., ibid, pp. 63-64). Irra-

cionalidade que ressalta na medida em que o Ego aparece comosíntese

de atividade e passividade, de interioridade e transcendência, de consciência e objeto.

V

O TRANSCENDENTAL E O PSÍQUICO

A liberação da consciência torna os campos transcendental e psíquico nitidamente separados,correspondendo a cada um uma disciplina particular, com seus métodos próprios. De um lado, “uma esfera transcendental pura acessível apenas à fenomenologia” (id., ibid, p. 1), através da “redução fenomenológica”. É uma esfera de existência absoluta, isto é, “de espontaneidades puras que não são jamais objetos

e que se determinam asi mesmas a existir” (id., ibid.). De outro lado, o

psíquico enquanto objeto transcendente da consciência reflexiva (id.,

tbid., p. 54), esfera acessível à psicologia. Enquanto “objeto”, valem

12, Mas não como nadificação, não como negação, o que só deverá ocorrer depoi ifi

da leitura de Heidegger, Cl.

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DISSEMOSno capítulo anterior que o encontro com Aron foi a ci

cunstância que levou Sartre a Berlim, onde deveria permanecer nove

meses estudando o pensamento de Husserl, comobolsista do Instituto

Francês. Aron teria conseguido convencê-lo de que a fenomenologia

vinha ao encontro das suas preocupações, permitindo-lhe superaras contradições que o dividiam então (entre realismo e idealismo) pela

afirmação da soberania da consciência e da presença do mundo, tal qual se dá a nós. Contudo, não foi com Aron que Sartre teve o primeiro contato com a fenomenologia. Antes desse episódio, em 1927, particiy

para, com Paul Nizan, da tradução da Psicopatologia geral, de K Jaspers; os dois normalistas fizeram a correção das provas do texto francês. Sartre teria conhecido com Jaspers o conceito de “compreensão”, que, segundo Beauvoir, ele procurara reter e aplicar, “Jaspers”,

diz ela, “opunha à explicação causal, utilizada nas ciências, outro tipo

de pensamento quenão se assenta em nenhum princípio universal, mas que apreende relações singulares, mediante intuições (...), ele a definia

e a justificava a partir da fenomenologia. Sartre ignorava tudo dessa

filosofia, mas nem por isso deixara de reter a idéia de compreensão é tentava aplicá-la” (Beauvoir |, p, 46). Foi a possibilidade de uma nova psicologia que Sartre enxergou no conceito de compreensão: por opos sição “à psicologia analítica e empoeirada que ensinavam na Sorbonne”,



LUIZ DAMON SANTOS MOUTINHO

A CENTTINGINCIA

Jaspers fornecia um instrumento que respeitava o indivíduo enquanto

“totalidadesintética e indivisível”, instrumento que vinha a calhar ao jovem estudante, que já “desprezava a análise que só disseca cadáve-

res" (Beauvoir1, pp. 35 e 46). De novo aqui aparece a fenomenologia,

embora como panode fundo, e novamente como “atendendo a preocu-

pações” que eramentãodo jovem Sartre.

Não se temnotícia de que entre esse primeiro contato indireto, em

1927, e o encontro com Aron, em 1932, Sartre tivesse procura do se

aproximar da fenomenologia. Pelas lembranças de Beauvoir, tudo se passa como se o contato entre as culturas francesa e alemã fosse então

bastante reduzido. Nesse ínterim, escreve poemas, um volume de en-

satos chamado A lenda da verdade, uma peça, de um ato, inspirada em

Pirandelloe dá início a A náusea (Contat e Rybalka 5, pp. 24-25). Mesmo a tradução de um fragmento de Que é metafísica?, de Heidegger,

aparecida em junho de 1931 no mesmo número da revista (Bifur) que

publicou umtrecho de A lenda da verdade, não atraiu Sartre: “Não lhe percebemos o interesse”, diz Beauvoir, “porque não compreendemos

nada”. Segue ainda com seuinteresse por psicologia; é nesse período que forja a noção de “má-fé”, passível de explicar “todos os fenô-

menos que outros atribuem ao inconsciente” (Beauvoir 1, p. 131); procura aplicar o conceito de “compreensão”, tirado de Jaspers, mas encontra aí apenas “uma diretriz bastante vaga”: faltavam-lhe “esquemas”; “nosso esforço durante esses anos tendeu para induzi-los e inventá-los” (id., ibid., p. 130).

:

Além dointeresse porpsicologia, da tentativa de superar os impasses entre realismo e idealismo, outro problema preocupava Sartre nesse período. Na verdade, é um problema que vem desde pelomenos 1925: trata-se do conceito de contingência. Há notícias desse te já em sua

correspondência de 1925 (Contat e Rybalka 5, p. 23) e 1926 (has Lettres

au Castor, de Sartre), e ainda várias referências de Beauvoir.

Era sobre

a contingência o poema que escreveu em 1929, A árvore: “Como mais tarde, em À náusea, a árvore com sua vã proliferação indicava a contin-

gência” (Beauvoir 1, p. 48). Do mesmo modo, o “factum” que come-

13, O próprio Sartre, em Diário de uma guerra estranha, embora confundindo as

datas, diz:

“Li sem compreender, em 1930, Que É Metafísica? na revista Bifur”

(Sartre 39, p. 225, n.1; Beauvoir |, p. 82).

a

çou a escrever no final de 1931; Sartre o chamava “o factum sobre

contingência”, é essa obra, que, após modificações, tornar-se-á A mit sea. Segundo Beauvoir, “em sua primeira versão o novo factum asse melhava-se ainda a 4 lendada verdade: era uma longa e abstrata medi

tação sobre a contingência”. Teria sidoela queminsistiu “para que Sartre desse à descoberta de Roquentin [o herói do romance] uma dimensão romanesca, para que introduzisse em sua narrativa um pouco do

suspense que nos agradava nos romances policiais” (Beauvoir |, p 109). Não que a forma literária tivesse sido sugerida por Beauvoir,

essa forma já havia sido tentada pelo próprio Sartre em A lena iu

verdade e parecia fazer parte de um programa. De novo Beauvoir “Re cusando qualquer crédito às afirmações universais, ele tirava de si o

direito de enunciar a própria recusa .no tom do universal; em vez de dizer, cabia-lhe mostrar. Ele admirava os mitos a que, por razões análo gas, Platão recorrera, e não se incomodava com imitá-lo", Andiscu

nascepoisinserida nessaperspectiva:“Exprimirmunaforma-literim verdades.esentimentosmetafísicos” (id. ibid., p. 284).

Mas a ambição de Sartre nãose restringia à produção literária. Pot conta dos estudos defilosofia e psicologia acabará sendo levado a esere

ver também ensaios. Numaentrevista de 1938, depois da publicação de A náusea, declarou: “Desejaria exprimir minhas idéias apenas de uma forma bela — querodizer, na obra de arte, romance ou novela, Mas fé

apercebi de que era impossível. Há coisas muito técnicas, que exigem

um vocabulário puramentefilosófico. Assim, me vi obrigado a duplicar, por assim dizer, cada romance de umensaio, Dessa forma, ao mesmo tempo que À náusea, escrevi À psique, obra que logo aparecerá e que trata da psicologia do ponto de vista fenomenológico” (Contate Rybalka 5, p. 65). Sabe-se que de À psiquesó foi publicado um trecho, o Eshoço de uma teoria das emoções (Beauvoir1, p. 317). Essa obra, e mesmo, pelo que se temnotícia, A psique, não parece contudo o “duplo” de À náusea: os temas são, aparentemente, muito diferentes. Entretanto, há talvez um meio declarear a relação, mas para isso valeria mais aproximar A náusea não do Esboçode umateoria das emoções, pequeno fragmen

14, Ver ainda a apresentação de Contat e Rybalka de A lenda da verdade: “O interesse

principal desse texto (,..) é nos indicar a maneira pela qual Sartre concebe de início seu projeto de unir filosofia e literatura” (Contat e Rybalka 5, p. 53; Beauvoir 1, p, 48)

ps

48

LUIZ DAMON SANTOS MOUTINHO

NA CONDENA

to, mas do Ensaio sobre a transcendência do ego: é que nessa obra,

porta que subitamente parece ganhar “personalidade” (Sartre 34, p. 17)

como vimos, Sartre “esboça a teoria do objeto psíquico”, de que o Esboço de umateoria das emoções, na verdade, procurará ser um “desenvolvimento”!*. Essateoria, por seu lado, tem como contrapartida o conceito

de consciência, entendida como vazio puro, “nada”; ora, é precisa mente

através desse conceito de consciência, tal como aparece no Ensaio sobre a transcendência do ego, e do conceito de contingência, tal como descrito em A náusea, que procuraremos uma aproximação entre as duas obras. Tentaremos mostrar comoesses dois conceitos são o anverso 6 o reverso de uma mesma moeda. A nosso ver, (aafirmaçãod e.que.a

consciência é “nada”sósetornainteiramenteinteligívelàluz do.conceito de contingência [E é a partir daí que algo como uma“teoria do psíquico” se imporá como umanecessidade.

o

ou é a mão dealguém que é sentida, ao contato com a sua, como “um

grande vermebranco” (id., ibid, p. 18). Em suma, são os objetos que;

ao contato, parecem viver, transformar-se em pequenos aniimáis.

Roquentin anota em seu diário: “Os objetos não deveriam tocar; já que

não vivem(...) a mimeles tocam — é insuportável, Tenho medo dé em

trar em contato com eles exatamente comose fossem aniimáis vivos (id., ibid., p. 26). A esse “enjõo adocicado”, ele denomina “a tiuisda nas mãos” (id., ibid., p. 27). Esse é, contudo, apenas o começo da “aventura” de Roquentin o começo de “uma metamorfose insinuante e docemente horrivelido to

das as suas sensações”!º. Dessa vez, a Náusea, que Roquentin já pássa

a escrever com maiúscula, não se limitará mais às sensações táteisy más

se prolongará pelas sensações visuais. Com isso, a Náusea estende sus

HI A EXPERIÊNCIA DE ROQUENTIN A

.

O suspense que Sartre deveria introduzir no seu “factum” referese à descoberta, feita pelo herói, da contingência. Todo o roman ce é

um percurso que tem seu ponto alto quando o herói Antoine Roquentin

enuncia: “A contingência não é uma ilusão, (...) é o absoluto, (...) a gratuidade perfeita” (Sartre 34, p. 194). Até que o enuncie, contud o, deverá passar por umasérie de experiências, narradas por ele em forma de diário, De início, Roquentin percebe uma mudança na sua maneira de ver

as coisas, algo novo, que bem pode ser afinal uma mudanca no modo como os objetos se dão. A primeira experiência narrada ocorreu quan-

teias por campo mais largo; quanto aos objetos, já não parecerao no cessariamente animais vivos, mas de qualquer forma sofrerão meta morfoses. São, por exemplo, as faces de umacriada que aparecem de maneira bizarra: “Sob as maçãs do rosto havia duas manchas corde rosa que pareciam se entediar naquela carne pobre, As faces se estirá vam, se estiravam em direção às orelhas” (id., ibid., p. 38), São sus pensórios que repentinamente parecem ganharvida: “Quasenão se vecti

os suspensórios sobre a camisa azul, estão apagados, perdidos no azul, mas trata-se de uma humildade falsa: na verdade, não passam desper

cebidos, meirritam por suaobstinação de carneiros, como se, destina dos a serem roxos, tivessem parado no meio do caminho sem abandoó

nar suas pretensões. Dá vontade de lhes dizer: “Façam isso, torném-se roxos, e assunto encerrado”” (id., ibid., pp. 38-39)",

do se preparava para lançar uma pedra no mar; algo o fez deter-se:

“Nesse momento, detive-me, deixei cair a pedra e fui embora” (id., tbid., p. 14). Era um “enjõo adocicado”, desagradável, que passava da

pedra para as mãos (id., ibid., p. 27). Noutro momento, é o trinco da

16. Contat e Rybalka 5, p. 61. Os autores aqui reproduzem a “priêre d'insérer

escrita por Sartre à época em que mandou o texto para a Gallimard. Sartre faz um rápido resumo, “num tom meio irônico, meio sério”, do que é o romance 17. A esse respeito, ver as memórias de Beauvoir relativas ao ano de 1931, quando

Sartre inícia o “factum”, Falando de cinema, faz o clogio dos Irmãos Marx:

“Pul

verizavam furiosamente não somente a rotina social, O pensamento organizado, a Ê » ia “ACI. £ "o 15. Veremo à s] que,x do Ensaio ao Esboço a , se não mudaa concepção da gênese do psíqui-

co, tal como mostramos no capítulo 1, mudarão contudo os métodos reservados à psico

logia (ver capítulo 3) (Beauvoir |, p. 317).

linguagem, mas ainda o próprio sentido dos objetos, e assim os renovavam: quando

mastigavam com apetite os pratos de porcelana, mostravam que prato não ve reduz a um utensílio, Esse gênero de contestação encantava Sartre que, nas ruas do Havre,

observava, com olhos de Roquentin, as inquietantes metamorfoses de um suspenaú

“t) |

, LUIZ DAMON SANTOS MOUTINHO

B 'Mas não é apenas a “meta d morfose as sensações” que faz parte do

leque de experiências de Roquentin e que deve levá-lo afinal àquela

dei radeira descoberta. Há ainda à -perdado passado”. Roquentiné um

historiador e “aventureiro” que, diz Sartre no pedi do de publicação

“depois deter feito longas viagens (...) se fixou em Bouville em meio a ferozes pessoas de bem” (Contat e Rybalka 5, p. 61). Três anos depois de instalado nessa pequena cidade (Lamápolis ...), com o objetivo de

“Concluir suas pesquisashistóricas sobre o Marquês de Rollebon”, aven-

AS EMITIR NCIA

a!

te, ao entrar num dancing chamado La Grotte Bleu, minha atençao doi despertada por uma mulher grandalhona, meio bébada. E.6 essaariimi lher que estou aguardando nesse momento, a ouvir “Blue sky" oque vai voltar a se sentar à minha direita e me enlaçar o pescaço cam os seus braços”. Senti então com violência que vivia uma aventura Mar

Erna retornou, se sentou ao meu lado, me enlaçou o pescoço comi os

seus braços e detestei-a sem saber bem por quê. Agora compreendo e porque era preciso recomeçaraviver e a impressão de aventuna acaba

va de se dissipar” (Sartre 34, p. 66).

tureiro do século XVIII (Sartre 34, p. 11), ele começará o seu diário À essa altura, a Náuseajá o acometeu, e é a esse período que Sartre se tuero, quando diz: “Agora Roquentin perde seu passado gota a gota, sto PE a cad lc air Rs balho 5,6 1 dia mais em um estranhoe louco presente” (Contate

É a narração que converte um acontecimento banal em ayenititia, como converteu em aventura o passadode Roquentin;la narração von

A “perda do passado” é percebida pelo herói aventureiro, num pri-

inversão de sentido que a narração provoca, como se procedesse “us

metro momento, à medida que a noção de aventura lhe aparece como uma fraude. “Normalmente me sinto orgulhoso por haver tido tantas

aventuras. Mas hoje, mal pronunciei essas palav ras, sou tomado de uma

grande indignação contra mim-mesmo: parece-me que estou mentindo

que em minha vidainteira não tive a menor avent ura, ou, antes quejá

nem sei o que significa essa palavra” (Sartre 34, pp. 61-62) /À importância dessa descoberta não está apenas no fato de que um passado

querido tem osentido alterado, mas ainda no fato de que a própria vida lhe aparecerá com uma“qualidade” até então insuspeitada./

l Im episódio que ilustra bem a diferença entre a vida e aaventura é

descrito pelo próprio Roquentin: “Quando estav a em Hamburgo, com

aquela tal de Ernaque tinha medo de mim e em quem eunão confiava

levava uma vida-extravagante, mas eu estava dentro dessa vida não

pensava nisso. E depois, uma noite, num café de San Pauli Erna me

deixou um momento para ir ao toalete. Fiquei sozinho havia um gramofone tocando “Blue sky”. Comecei a narra r para mim mesmo o que ocorrera depois de meu desembarque. Disse -me: “Na terceira noi-

rio, de um banco de bonde. Destruição e poesia: belo programa! Despojado de seu

arnês demasiado humano,

(Beauvoir 1, p, 113)

o mundo descobria sua estupefaciente desor dem”

fere uma organicidade, um “rigor” aos acontecimentos que-a simples sucessão quotidiana desconhece: “Nunca há começos, Os dias sésnde

dem aos dias, sem rima, nem solução” (id., ibid.). Esse rigor vemda

avessas”: “Os acontecimentos ocorrem num sentido e nós os narrámos

em sentido inverso” (id., ibid., p. 67). Noutras palavras,fa namração introduz o finalismo na ordemdos acontecimentos: o fim está presénto

desde o começo, “invisível”; é mesmo ele quem torna o começo, come ço.jEle “tudo transforma”: os instantes não mais se empilham “uns so bre os outros ao acaso”, mas são “abocanhados pelo fim da históriato os atrai, e cada um deles atrai por sua vez o instante que o precéde” (id., ibid.). As frases aparentemente “supérfluas” e lançadas ao acaso

são na verdade “informações cujo valor compreenderemos depois” (idl,, ibid.). Os detalhes vividos pelo herói são “anunciações”, “promessas”,

A consegiiência é a intromissão da necessidade no curso dos acontedi mentos, conferindo-lhes aquela organicidade e rigor. Mas não porque

eles estejam dispostos em ordem mecânica, não porque o passado de

termine o presente, como se já o contivesse inteiro, mas porque é anitos o futuro que indica o presente, que o arrasta para si, Não é pois por determinismo, mas por fatalismo: “O fim, quetransforma tudo, já esta

presente. Para nóso sujeito já é o herói dahistória. Sua depressão, sets problemas de dinheiro são bem mais preciosos do que os nossos: dou ra-os a luz das paixões futuras” (id., ibid.). Em verdade, o herói não

escolhe, ele cumpre umdestino. Daí por que a descobertade que não teve aventuras não se limita a uma questão de palavras: “As aventuras estão nos livros. E, natural mente, tudo o que se conta nos livros pode acontecer realmente, mas

não da mesma maneira, Era essa forma de acontecer queera tão impor

mr

a

LUIZ DAMONEANTOS MOUTINHO

AO CITIDIGITICIA

tante para mim, que eu prezava tanto” (Sartre 34, p. 63)./Mais que palavras, é o sentimentode fatalidade, de necessidade que escapa e a consequente e ainda tímida descoberta da sua antítese, a liberdade! | É à fatalidade que faz a maneira diferente das narrativas, e é ela que

outra vez, ela não começa: “Diante da Galeria Gillet já não sei o que fazer. Estarão à minha espera no fundo da galeria? Mas há também, na

Roquentin tanto quis: “Há algo que eu prezava mais do que todo o

resto, sem-perceber muito bem. Não era o amor, Deus meu, nem a gló-

Ha, nem a riqueza. Era... Enfim eu imaginara que em determinados

momentos minha vida podia assumir uma qualidade rara € preciosa. Não eram necessárias circunstâncias extraordinárias: tudo o que eu pedia era um pouco de rigor”(id., ibid.; grifos nossos). O passado de Roquentin, até então, tinha esse rigor, essa fatalidade: Roquentin tivera “aventuras”, fora um “aventureiro”. Quando ele finalmente diz “Nãotive aventuras. Aconteceram-me histórias, fatos, inci-

dentes, tudo o que se quiser. Mas não aventuras” (id., ibid.), quando diz 1880, é todoo passado de que se orgulhava quese desfaz, que perde O rigor, à organicidade: os acontecimentos perdem o brilho da necessidade, da fatalidade, não mais se soldam uns aos outros para compor uma “forma melódica” (id., ibid., p. 64), uma aventura. A experiê ncia

da “perda do passado” nãose limita contudo si mesma; a vida aparecerá

agora com uma nova qualidade. Isso se mostra na fracassada tentativa

de Roquentin de forjar uma aventura no presente. É nessa tentativa que a antíteseliberdade-fatalidade se revela com clareza. C

pe

er

Num domingo, ao final do dia, Roquentin é novamente tomado “por um grande sentimento de aventura” (id., ibid, p. 86). Tenta então forjar uma, “Algo vai suceder: na obscuridade da Rua Basse-de-Vieille há al-

guma coisa à minha-espera, é ali, exatamente na esquina destayrua tran-

quila, que minhavida vai começar. Vejo-me avançar com o sentimento da fatalidade” (id., ibid., p. 87). Roquentin prepara uma aventura: um come-

ço, uma ordem, um rigor deverão sobrevir. Mas ainda não é o momento. “Equivoquei-me, a Rua Basse-de-Vieille era apenas umaescala: a coisa

está à minha espera no fundo da Praça Ducoton” (id., ibid. p. 88). No-

ah

vamente se põe a caminhar, adiante é que começara a aventura, mas,

Praça Ducoton, (...) certa coisa que necessita de mim para nascer (Je

preciso escolher: sacrifico a Galeria Gillet, ignorarei para sempre o que ela me reservava” (Sartre 34, p. 88). De novo, nada acontece, então que Roquentin forja, retrospectivamente, a aventura que não exis tiu: “Do fundo desse café algo retrocede para os momentos esparsos desse domingoe solda-os uns aos outros, dá-lhes um sentido: atraves sei todo esse dia para chegar a esse momento, (...) para contempla esse rosto delicado(...) Tudo parou; minhavida parou (...) estou teltz

(id., ibid., p. 89) [Vê-se por aqui que não é o acontecimento, extraordi nário, grandioso, banal, que importa, mas a qualidade de fatal, dee cessário, o que significa dizer que é um certo encadeamento entre 05 acontecimentos que é visado: eles devem aparecer soldados utis n0s

outros, tal como no mundo romanesco. Entretanto, a tentativa revela se fracassada: a aventura só pôde ser forjada retrospectivamente, Em quanto acontecia, Roquentin foi livre para escolher: não havia fatalida de; a liberdade irrompe pouco a pouco.! No dia seguinte, depois de vivida a experiência, como acontece em outras ocasiões, Roquentin tentará compreendê-la, Lamentará “ter sido

sublime” no dia anterior; procurará “limpar-se com pensamentos abs

tratos, transparentes como a água” (id,, ibid., p. 90). Compreenderá então que o encadeamento tão desejado dos fatos forja não apenas O rigor, mas ainda uma nova temporalidade. Ou antes, O rigor só é possi vel por conta de uma confusãoentre o plano do tempo e o do aconteci outro, e assim sucessivamente”, isto é, enquanto há uma necessidade

na passagem do tempo, não se verifica omesmo quanto. daos.aconteci

mentos. O sentimento de aventura se origina quando “se atribui essa propriedade aos aconteciméntos que nos surgem nosinstantes; trans

portamos para o conteúdo o que pertence à forma” (id., ibid.). Os acon

tecimentos aparecem então como necessários, eles próprios, tal como à passagem do tempo em que eles se deram. Mais: o próprio encadea mento dos acontecimentos aparece comonecessário.|Eis aí a aventura: nãoo fato, mas o seu encadear, necessário, fatal, irreversível./O senti mento de aventura, conclui Roquentin, “decididamente não se origina

18. E a fatalidade o inverso da liberdade, não o determinismo, diz Sartre em vários lugares, citando Alain (Sartre 38, pp, 99 e 328),

dos acontecimentos (...) É antes a maneira pela qual os instantes se encadeiam” (id,, ibid.).

ns



LAS DAMON SANTOS MOUTINHO

Mas, comodissemos, a “perda do passado” não se limita a si, ela deverá ainda comprimir Roquentin num presenteameaçador, sem salvação, A aventura forjada logo revelou-se uma fraude: “[o sentimento

VE GR INGIRICIA

meio de sua metamorfose (...) tentava, com a força de meu olhar, sedu zi-los a seu aspecto quotidiano” (Sartre 34, p, 120) Reduzida à CONSA A um presente eterno, é sua realidade de coisa, seu aspecto quotidiano; seus pontos de apoio, que sufocam, que se metamorfoseiam

de aventura] far-me-á essas curtas visitas irônicas para me mostrar que

minha vida é um fracasso?” (Sartre 34, p. 89). Mergulhando aos poucos em “um estranhoe louco presente”, Roquentin ainda se agarrará a uma tábua, o trabalho: “Não esquecer que o Sr. de Rollebon representa hoje

em dia a única justificativa de minha existência” (id., ibid., p. 110).

Entretanto, isso não basta; aNáusearetornará,edessavezmais ameacadora: a descobertadequenãohánecessidadeentre.umacontecimento

e outro éaqui ofatonovo. Essa descoberta, contudo, não deve ser confundida com a tese filosófica humiana, transfigurada em “fato existencial”, dramatizada (Danto 6, p. 23), como ocorre aArthur Danto. Embora haja dramatização, pois se trata afinal de um romance, não é o

conceito de causalidade que está aqui em questão, nem mesmoa título

de passagem, da “perda do consciência, poralidade, à

de metade do caminho. Trata-se antes de conduzir, a partir passado”, à idéia de não-temporalidade, das coisas e da isto é, trata-se de conduzir à perda da própria temausência de tempo: “As lâmpadas verdes, as grandes ja-

no

E Entretanto, a crise de Roquentin ainda não atingiu seu apices poi

ora, ele ainda consegue se agarrar ao trabalho. “O Sr, de Rollebonura meu sócio: precisava de mimparaser, e eu precisava dele para úio

sentir meu ser (...) já não via minha mãoquetraçava as letras no papel. nem sequer a frase que escrevera — mas portrás, para além do-papel, via o marquês, que solicitava esse gesto e cuja existência esse questo prolongava, consolidava. Euera apenas um meio de fazê-lo vivençele

era minha razão de ser” (id., ibid., p. 148). “Minha razão deser”, “pio

cisava dele para não sentir meu ser”: se desaparece o marquês, um giná

terá que ser dado. Agora é a própria consciência que deverá apareúti como não-temporal, como comprimida num presente sem transcendem cia. E de fato o marquês desaparecerá, morrendo “pela segunda vez".

Essa “morte” não é, contudo, um capítulo a mais no desaparedi

mento do passado, que já ocorreu, na medida em queo existente apare

nelas, as escadas — tudo isso forma um dique para conter o futuro” (Sartre 34, p. 118).

ceu como puro presente; trata-se antes de uma nova compreensio de

acima, implica que “tudo pode se produzir, tudo pode acontecer” (id., ibid.), Mas.isso não afeta apenas a ordem do possível, afeta ainda — eis

questão: “Por certo fazia muito tempo que eu compreendera que meu [passado] me escapara. Mas até então pensava que simplesmente se retirara do meu alcance. Para mim o passadoera (...) uma outra matei

Assim, a não-necessidade na série dos acontecimentos, descoberta

o essencial - o próprio existente, como se ele tivesse“dificuldade em passar de um instante para o outro”, comprimidonumpresenteeterno: “Tudo pode acontecer. Evidentemente, não o gênero de horror que os homens inventaram; Impétraz [escultura] não ia se pôr a dançar em seu soclo; seria outra coisa” (id., ibid.). Essa “outra coisa” não significa uma outra sequência, a desordem, o caos iminente; significa antes que

os existentes, na medida em que aparecem como não-temporais, como reduzidos a um presente eterno, ganham inesperados contornos, como

se afetados de “umaespécie de inconsistência”, comose se tornasse m

“coisas desvigoradas”, “seres instáveis”: “Aonde ir? aonde ir? Tudo pode ocorrer (...) Enquanto pudesse fixar os objetos, nada aconteceria: olhava o mais possível o calçamento, as casas (...) meus olhos iam rapidamente de uns para outros, para poder surpreendê-los e detê-los no

uma nova experiência, já que agora é a consciência mesma que está em

ra de existir, um estado (...) de inação; cada acontecimento, quando seu

papel findava, se arrrumava sensatamente, por si próprio, numa caixa

se tornava acontecimento honorário (...) Agora eu sabia: as coisas são

inteiramente o que parecem — e portrásdelas... não existe nada” (id,

ibid., p. 145). Não se trata portanto de um passado conservado à parte, mas do próprio aniquilamento do passado = na medida em que existe

apenas presente puro. Consuma-se aqui a recusa total da realidade do tempo.)

Se dessa vez a Náuseaincidiu sobre Roquentin é porque o marquês até então impedia que o herói se visse comprimido ele próprio num instante sem transcendência: “Lancei um olhar ansioso ao meu redor: só o presente, nada além do presente (...) Revelava-se a verdadeira na

tureza do presente; era o que existe e tudo o que não era presente não

56

LUIZ DAMON SANTOS MOUTINHO

A CORTINGIENCIA

existia. O passado não existia. De modo algum. Nemnas coisas, nem

so, logo sou: sou porque penso, por que penso? Já não quero pensar,

em meu pensamento” (Sartre 34, p. 145). É nesse momento que final-

st

sou porque penso que não quero ser, penso que eu... porque... bálrt?

mente Roquentin poderá dizer, como Descartes na Segunda medita ção, “existo”: “Existo, E suave, tão suave, tão lento” (id., ibid., p. 149).

(Sartre 34, p. 152).

De outro lado, não é encerrado na subjetividade que a descoberta

se faz: a aparente fascinação pela reflexividade da consciência mad o

F

bastante para isso. Além do corpo, é todo o mundo, de resto já ineluido

no roteiro de experiências de Roquentin, que aparece como “existorn te”. O significado disso só ficará claro para o herói no passo sepuinto, quandoa próprialinguagemdesabr. É então que Roquentin descobri

Entretanto, diferentemente de Descartes, não é como pensam ento

puro quea existência é desvelada. Ao contrário, ocorpo é aqui realida deinsuprimível. É mesmo enquanto corpo que o enunciadose faz: “Te-

rá o sentido da sua “aventura”: “A Náusea”, diz Sartre no pedido de publicação, “é a Existência que se desvela — e isso não é bonito «lê ver,

nho perpetuamente na boca uma pequena poça de água esbran quiçada discreta — que roça minha língua. E essa poça também sou eu. E a língua também, e a garganta, sou eu (...) Sinto minha mão. Esses dois

a Existência” (Contat e Rybalka 5, p. 61).

animais que se agitam na ponta de meus braços sou eu (...) sinto seu

G

gesto que será repetido pelo personagem Mathieu Delarue, de outro

rompe, quando desabam as relações, as medidas, as quantidades; então o existente aparece: “O verdadeiro maré frioe negro, cheio de animais!

peso na mesaque não sou eu. Essa impressão de peso persist e, não passa, persiste” (id., ibid.). Talvez por conta da descoberta do corpo enquanto realidade insuprimível, Roquentin fere o próprio corpo, num

A “existência” desabrocha quando a “fina película” do mundo se

romancede Sartre, A idade da razão: “Meu canivete está sobre à mesa.

rasteja sob essa fina película verde que é feita para enganar as pessoas:

Abro-o. Por que não? De toda maneira seria uma mudança. Coloco minha mãoesquerda sobre o bloco e me desfiro uma boa canivetada na Mas não é só enquanto corpo que a existência se desvela, há ainda

(...) Os vernizes se dissolvem, as pelezinhas aveludadas e brilhantes, as pelezinhas de pêssego do bom Deus se rompem portodos os lados sob meu olhar, se fendem e se entreabrem” (Sartre 34, p. 184). Mas, para além das relações, a “existência” só aparecerá nua e crua de falo quando desabar o derradeiro exorcismo, a linguagem: “Apóio mitiha

corpo vivesozinho, uma vez que começoua viver. Mas o pensam ento,

é um banco, um pouco comose fosse um exorcismo, Mas a palavra

palma 6...) a ferida é superficial. Sangra. E afinal? O que foi que mudou?” (id., ibid., p. 151). 0 pensamento, substancialmente diverso (a essa altura...) do corpo: “O

mão no banco, mas retiro-a precipitadamente: isso existe (,..) Murmuro:

sou eu que o continuo, que o desenvolvo” (id., ibid., p-150) . Na verda-

permanece em meus lábios: se recusa air pousar na coisa, Ela continua sendo o que é, com sua pelúcia vermelha, milhares de patinhas verme

de, O pensamento não aparece como substância, é antes não-substan-

cial, espontâneo. “Meu pensamento sou eu: eis por que não posso pa-

lhas, para o ar, muito rígidas, patinhas mortas” (id., ibid, p. 185). 4)

rar. Existo porque penso... e não posso me impedir de pensar. Nesse exato momento — é terrível — se existo é porque tenho horror a existir.

banco, puro, sem tempo, sem relação, sem nome, não é mais um banco:

ele se metamorfoseia, libertado que está de tudo, menos dele mesmo,

Sou eu, sou eu que me extraio do nada à que aspiro (...) os pensamen-

tos nascem portrás de mim como uma vertigem, sinto-os nascer atrás de minha cabeça...” (id., ibid., pp. 150-151). O enunciado do cogito

de sua existência.JÔ existente é pura presençay“As coisas selibertaram

i

não é assim a descoberta de uma substância pensante, mas a de uma consciência que é permanentecriação ex níhilo, espont aneidade pura

|

por que o enunciado nada tem aqui da calma e sosseg ada reflexão cartesiana, mas é antes uma experiência dramática: “Sou, existo , pen-

|

para além de toda vontade, como se nascesse sempre “por detrás” ; daí

|

de seus nomes. Estão presentes, grotescas, obstinadas, gigantescas, é parece imbecil chamá-las de bancos ou dizer o que quer que seja a respeito delas: estou no meio das Coisas, das inomináveis” (id,, ibid,, p. 186).

Desaparecido o último“verniz”, o último“exorcismo”, Roquentin

compreenderá finalmente o que querdizer “existir”: “Subitamente, de repente, o véu se rasga: compreendi, vi” (id,, ibid,, p. 187). Aexperien

5h

LUIZ DAMON SANTOS MOUTINHO

cia se passa diante de umaraiz de castanheiro'". Ali, Roquentin compreendequea existência não é uma “forma vazia”, uma “categoria abs-

trata”, como sugerido pela palavra ser, último reduto a escond era existência (o maré verde”, “aquilo lá é uma gaivota”), mas que.a existên-

cla não.se deixa apreender: “Tentava inutilmente contar os castanheiros

e situá-los em relação à Véleda; tentava comparar sua altura com a dos

plátanos: cada um deles escapava das relações em que procurava encerrá-los, isolava-se, extravasava. Eu sentia o arbítr io dessas relações (...) elas já não tinham como agir sobre as coisas. Demais, o

castanheiro, ali em frente a mim um pouco à esquerda. Demais, a Véleda...” (Sartre 34, p. 190).

A existência não se deixa apreender, explicar, deduzir, pelo uso,

pela palavra, pela função; mesmo as “qualidades” (cores , sabores, odores) não são meras qualidades; o verde não é um não-sei-quê que se acrescenta ao mar, é ele mesmo um existente, sovad o, cheio de si mes-

mo; O mesmo com o movimento. Não há passagens no balanço dos

galhos da árvore, não há intermediações, existências surpreendidas “no

ato de nascer”: “Todas aquelas pequenas agitações se isola vam, se afirmavam por si mesmas. Excediam por todos os lados os galhos e ra-

mos” (id. ibid., p. 195). O movimento, diferente da árvore, é, ele tam-

bém, um absoluto, uma coisa, um existente: “Tudo estava pleno, tudo

em ato, não havia tempo fraco, tudo, até o mais imper ceptível estremecimento era feito com existência” (id., ibid, p. 196). Daí por que o

tempo da existência é o presente eterno, ou antes, a existê ncia é sem

tempo; ao seu desvelamento, diz Roquentin: “O tempo parara: uma

pequena poça preta aos meus pés; era impossível que alguma coisa viesse após aquele momento”(id., ibid., p. 194).

IA ex istência nua € crua, sem vernizes e pelícu las, exposta e irredu-

tível, insuprimível, a existência sem ponto de apoio, sem'tempo, sem nome, sem nada, revela-se como pura contingência:“ O essencialé a contingência. O que quero dizer é que, por definição, a existência não

é a necessidade. Existir é simplesmente estar presen te; os entes apare-

19, Danto lembra, com razão, o quanto é metaforicame ntesignificativo que se trate de uma raiz (Danto 6, p. 26). Foi também sobre uma árvore o poema que tinha a contin gência por tema, Segundo Beauvoir, essa foi uma experiência verdadeira do próprio Sartre, embora numa atitude não desesp erada como a de Roquentin (Beauvoir | pp.

108-109)

ACORNTINCINCIA

Di

cem, deixam que os encontremos, mas nunca podemos dedusistosw(vs) a contingência não é uma ilusão, (...) é o absoluto, (...) a pratúidade perfeita” (Sartre 34, pp. 193-194),

HH — A NÁUSEA E O MÉTODO A.série.de experiências por.que passou Roguentin começou pelos

sentidos: foi pelo tato que ele experimentou umaligeira transformação na apreensão dos objetos. Ligeira transformação, mas o bastante para assustá-lo: “Se todos os indícios que se acumulam são precursores de uma nova reviravolta em minhavida, então tenho medo. (...) sinto medo do que vai nascer, se apoderar de mim — e me arrastar para onde (ul,

ibid., p. 20). Nada aqui do famoso erro dos sentidos primeiro estagio da dúvida nas Meditações —; ao contrário, os “sentidos” são parte ho cessária no percurso de Roquentin, já que por eles os objetos começam

revelar sua verdade escondida. Seu testemunho, portanto, não é recu

sado; em vez disso, ele é levado a umaespécie de esgotamento de suas

possibilidades, sem sair do seu círculo: os objetos se metamorfoseiam, adquirem aparências bizarras, ao toque parecem viveretc, À recusa do testemunho dos sentidos, em Descartes, faz parte de um percurso deci dido voluntariamente, de onde a possibilidade daquela recusa; já à Roquentin, as experiências acontecem involuntariamente, ele é vitima delas, de onde nem se cogita de se recusar qualquer testemunho,

nesse âmbito que se inscreve aquele esgotamento: os “sentidos”, sem

um guia que os direcione, sem umadecisão que os condicione, entre gues a si mesmos, revelarão o que Descartes sequer suspeitava”,

A comparação com Descartes, no que se refere ao voluntário € involuntário, não é gratuita. O próprio Sartre parece incentivá-la, Já no início do diário, em tom anticartesiano, referindo-se às primeiras expe

riências, Roquentin anota: “Já não posso duvidar de que alguma coisa

me aconteceu. Isso veio como umadoença, não como uma certeza co

20. Alguns anos depois, em Diário de uma guerra estranha, Sartre voltará a esse assunto: “(...) levei a fúria do secreto (...) em A náusea até querer apreendor on

sorrisos secretos das coisas vistas absolutamente, sem os homens, Roquentin, diam

te do jardim público, era como eu mesmo em uma rua napolitana; as coisas lhe

faziam sinais, ele precisava decifrá-los” (Sartre 39, p. 182).

6o

LUIZ DAMON GBANTOS MOUTINHO

AOONTINGIENCIA

mum, não como uma evidência, Instalou-se pouco a pouco, sorrateiramente” (Sartre 34, p. 17), Noutro momento, quandofinalmente afirma

peitar a contingência desse “acidente”, ou mesmo da série de “aciden tes”, quesão as experiências de Roquentin. O queilude, talvez, é o fato de que aliteratura, mesmo quando quer apreender a contingênciaçin ê troduz a necessidade, dando vezo à idéia de que aqueles “acidentes: constituiriam um método”. Se se respeita a contingência, talvez sepossa entender por que A náusea — que a tem por tema — é escrita em form de diário: Roquentin “anota” os acontecimentos do dia-a-dia, ao comer da pena, como se, por esse meio, conseguisse fazê-la entrar, Éeleipró prio quem o diz: “Há que ter cuidado comaliteratura. É preciso escore

“existo”, a existência não aparece comoponto de chegada, mas ainda

como algo que vem, que acontece: “A existêncialiberada, despren dida, rellui sobre mim. Existo” (id., ibid., p. 149). Mas é só no Ensaio sobre a transcendência do ego, obra contemporânea de A náusea, que a refe-

rencia a Descartes é explícita. Embora ali se trate de redução fenomenológica e métodocartesiano, a oposição se faz, entre outros

eritérios, no quediz respeito ao involuntário e voluntário. A redução fenomenológica, diz Sartre, para apreender a consciência na sua verdadeira natureza, enquanto espontaneidade não-pessoal,

ver ao correr da pena; sem escolher as palavras” (Sartre 34, pu 90) Deve-se lembrar ainda do “expediente barroco”? de quese serviu Santo

deve ser realizada “sem nenhuma motivação anterior” (idem 36, p. 73).

o texto — não o romance — aparece comopublicado a partir deals

lá o método cartesiano, guiado pela dúvida, aparece como obra de um Eu, oriundo de “motivações psicológicas”: daí por que “é completa-

cadernos “encontrados entre os papéis de Antoine Roquentin” e putli cados “sem nenhumaalteração”, conforme “notados editores” aparecida

mente natural que o cogito (...) vê aparecer um Eu em seu horizon te”

já na primeira página!

(td., ibid. ), substancializando assim uma consciência que é antes pura espontaneidade, não-substancial. Novamente aqui, portanto , a distân-

cia entre o involuntário e o voluntário, e, somente naquele caso, a verdadeira natureza da consciência se revela?!; embora a náusea não se compare à redução fenomenológica, ela é igualmente não-motivada,

IV — A NECESSIDADE NA ARTE

IA ligeira transformaçãona apreensão dos objetos tornou-se verda deira metamorfose após as experiências da “perda do passado” e da

ela vem como “umadoença”, instala-se “pouco a pouco”, Roquentin é “acometido” porela. Isso é tanto mais necessário quanto se trata no

antes de ser desvelada, é ela própria que se desvela. Por isso não se pode falar na náusea como “método”, ou que

“Roquentin encarna o método”, como faz Gerd Bornhei + comparando a náusea à dúvida metódica cartesiana. Se é verdade que há “um

caminhar que vai do desconhecido ao conhecimento” (Borhheim 3, PP. 16-17), não se pode contudo forjar esse “caminho” senão retrosp ectivamente: falar em método aqui é cair no mesmo logro em que Roquentin incorreu quando, também retrospectivamente, forjou parasi

perda do tempo; foram essas experiências que levaram Roquentin ag

Apa sf

romance não apenas de trazer a lume o sentido último da existência, masainda aquela consciência pura, sem as impurezas psicológicas, que,

bl

“estranho e louco presente” De início, há a descoberta de que seu pas

sado romanesco é um engodo, não porque não tenha vivido “histórias, incidentes”, mas porque o romanesco introduz a necessidade onde não

havia senão liberdade. A “perda dopassado” equivale assim a uma pri meira descoberta daliberdade, que fica clara na tentativa frustrada de forjar uma aventura no presente.)

Essa descobertase dá na base de uma oposição entre necessidade é

liberdade, oposição essa que encobre umaoutra: aquela entreliteratura

uma aventura, que, quando vivida, não existiu. É necessário pois res-

22. Falando de literatura, diz Beauvoir: “Pensava ele [Sartre] que toda narrativa

introduz uma ordem falaciosa na realidade; ainda que se empenhe na incoerência,

41, Evidentemente, a involuntariedade não écritério exclusivo da reflexão proposta

Aremos a esse esse problema pr por or Si ma , e e)à questão 5 res Voltarem a (7 da redução os a ão fenomeno f. pica no lógica,

capitulo «

no

se o contador se esforça por reapreender a experiência crua, em sua dispersão 6 contingência, só produz uma imitação em que a necessidade se inscreve. (,,.) Criar, pensava ele, era conferir ao mundo uma necessidade” (Beauvoir 1, pp. 43:44)

23. A expressão é de Juan Nuno, embora não relacione o expediente e a “descon

fiança” em relação à literatura com o problema da contingência (Nuno 28, pp. 19-20)

ts

LUIZ DAMON SANTOS MOUTINHO

A CONTINGINCIA

e vivido, ou antes, entre este e a arte. A literatura, nós vimos, cria necessidade pelo recurso ao finalismo, conferindo aos aconte cimentos

amúsica não seJimita apenas.a criar necessidade interna, mas também

4

conferenecessidade.ao contingente, que cla assume no romance tim

uma fatalidade própria à arte. Essa fatalidade, “maneira diferente” de acontecer, é o que Roquentin tanto ambicionava para sua vida[É exatamente na medida em que a arte escapa à contingência, criando necess idade, que ela tem um papel fundamental no romance,e, nesse sentido,

Junçãoterapêutica: a de livrar Roquentin do amargo sentimento dá con tingência que é a náusca: “Quando a voz se elevou no silêncio, senti meucorpose enrijecer, e a Náusease dissipou” (Sartre 34, pp. 4244)

of these days”. E através dessa canção que Roquentin perceb e, pela

mesmo compasso: “(...) a duração da música se dilatava, se-inflava como umatromba. Enchia a sala com sua transparência metálica, vamu

mais Importante que aliteratura é a música! Todo o romance é permeado por uma mesma canção de jazz, “Some

primeira vez, o abismo entre a arte e o mundo: “A voz [da cantora] se

insinua e desaparece. Nada morde a faixa de aço, nem a porta que se

abre, nem a lufada de ar que passa por meus joelhos” (Sartr e 34, p. 42)”, Amúsicaé igualmente.criaçãodenecessidade: “Mais alguns segundos, e a negra vai cantar. Isso parece inevitável, tão forte é a necessidade dessa música (...) Se amoessa bela voz é sobretudo porisso: não é nem por seu volume, nem por sua tristeza; é porque ela é o acontecimento que tantas notas prepararam, de tão longe, morrendo para queela possa nascer” (id., ibid.). Se a música tem um papel mais fundamental no romance, contudo, é exatamente na medida em que, quando se “entra” nela, a necessidade

se estende pelo mundo: “Estou na música. (...) Meu Deus! Foi sobretudo isso que mudou: meus gestos. Esse movimento de meu braço se

desenvolveu como um tema majestoso, deslizou ao longo do canto da

negra, pareceu-me que estava dançando” (id., ibid., p. 435. É porqu e

Essa tese parece implicar que se toma umaatitude estéticatambomi

diante do mundo; e de fato, deslizando ao compassoda música, Roquen tin passa a descrever tudo ao seu redor como se também deslizasse no

gando contra as paredes nosso tempo miserável. (...) O rosto de Adolpho está ali (...) No momento em que minha mãose fechava vi suá cara, cla tinha a evidência, a necessidade de uma conclusão” (id,, ibid., p. dd) Alguns anos depois (em O imaginário), Sartre retoma O mésimo assunto, e dessa vez recusando veementemente que o belo se aplique ao real: “O real não é jamais belo. A belezaé um valor que não poder

nunca se aplicar senão ao imaginário” (idem 38, p. 371), A partir dos estudos sobre a imaginação, definirá duas atitudes irredutíveis da cons ciência: a atitude imaginante e a atitude realizante (id., ibid., p, 31)/A

obra de arte, definida comoirreal (id., ibid., p. 362), é acessível apenas

à atitude imaginante, o que parece implicar a impossibilidade dá tése

de A náusea. Mas, de fato, não é assim. É perfeitamente possivel a contemplação estética em face doreal. Apenas nesse caso há um “tipo de recuo com relação ao objeto contemplado(...) a partir desse mo mento, ele não é mais percebido; ele funciona como análogon de mi

mesmo, isto é, uma imagemirreal do que ele é se manifesta para nãos

através de sua presençaatual” (id., ibid., p. 372). É o que ocorre, poi

24. O próprio Sartre o teria percebido, lembra Beauvoir, vendofi de cinema. Beauvoir o afirma numa rápida passagem: “Foi olhando passar em imagens numa tela que[Sartre] teve a revelação da necessidade da arte e descobr iu,por contraste a deplorável contingência das coisas dadas” (Beauvoir 1, p. 52). 25. Em Diário de uma guerra estranha, Sartre afirma: “Não entendo por beleza

somente o prazer sensual dos instantes, mas antes a unidade e a necessidade

no curso do tempo. Os ritmos, as repetições de períodos ou de refrãos metiram lágrimas as formas mais elementares de periodicidade me comov em. Noto que esses desenvolvimentos regrados devem ser essencialmente tempora is, pois a simetria espacial medeixaindiferente. (...) que esse evento seja belo, isto é, que-ele tenha a necessidade esplêndida e amarga de uma tragédia, de uma melodia, de um ritmo, de

todas essas formas temporais que avançam majesto samente, através de repetições

regradas, para um fim que elas levam em seu flanco. Expliqu ei tudo isso em 4

náusea” (Sartre 39, p. 343),

exemplo, quando contemplo uma bela mulher ou uma tourada: “O ob

jeto, dando-se como por detrás de si mesmo, torna-se intocável, esta

fora de nosso alcance(...) É nesse sentido quese podedizer: a extremá beleza de uma mulher mata o desejo que se tem porela, Defato, não podemos nos colocar ao mesmo temponoplano estético (,..) e no plaiio realizante da posse física. Para desejá-la é preciso esquecer que ela é bela, porque o desejo é um mergulho profundo nocoração da existén cia no que ela tem de mais contingente e absurdo” (id., ibid., pp. 372

373). Não há portanto nenhumaincompatibilidade em se afirmar uma contemplaçãoestética diante do real, como em 4 náusea, e se afirmai

que o real não é jamais belo: é que, quando ocorre aquela contempla ção, o real se converte em imaginário, em análogon de si mesmo,

64

LUIZ DAMON SANTOS MOUTINHO

Entretanto, a função terapêutica da música não durará muito: à medida que a náusea estende suas teias, a música (a arte) aparecerá

como o absolutamente outro do mundo, sem que possa dar a este a

ilusão da necessidade. Roquentin lamentará: “Sinto tanta felicidade quando uma negracanta: que pináculos não atingiria eu, se minha pró-

pria vida constituísse a matéria da melodia!” (Sartre 34, p. 65).

V-= A IRRUPÇÃO DA EXISTÊNCIA Entrementes, a experiência da náusea ganhará contornos cada vez mais definidos; a perda do passado rompe com a “forma melódica” que Roquentin arrastava atrás de si: a necessidade não mais se inscreve

nesse passado cujo paradigma foi a arte. Mas nãoé só no passado que ela não existe: a não-necessidade se estende a toda a série de acontecimentos. A conseqiiência mais drástica dessa descoberta é que.oexistente mesmo aparecerácomo não-temporal: a não-necessidade na série

dos acontecimentos implica a não-necessidade da própria série, isto é, do tempo. A temporalidade é exterioràs.coisas, uma cobertura que não as atinge na suarealidade última; como uma casca, o tempose solta, e

o existente aparece como não-temporal. Daí por queo “tudo pode acontecer” não tem um sentido humiano; não se trata de, não havendo cone-

xão necessária, uma outra segiiência tornar-se pensável; é antes a própria idéia de segiiência que está em jogo: ela encobre um existente sovado de si mesmo num presente eterno. O “tudo pode acontecer” con-

tinua assim se referindo às metamorfoses dos objetos que agora perde-

ram mais umacasca. A experiência da “perda do passado” tem um análoso na descrição objetiva de condutas humanas, ocorrida na primeira partóde Osereo

nada: há ali um momento em que, tomada a conduta no curso de um

processo temporal, Sartre passará a descrevê-la na unidade de uma

mesma consciência, que é o momento em que passa a descreveras con-

dutas de má-fé: visa, a partir daí, à consciência isolada no instante (idem 37, p. 83). E o que também ocorre com a “perda do passado”: no seu

segundo momento, não apenas as coisas, mas a própria consciência

será comprimida nainstantaneidade. A diferença é queem O sereo nada o instante atende apenas a uma exigência metodológica, enquanto em À náusea a consciência aparece de fato comoinstantânea. Eela aparece no momento em que Roquentin perde a sua “razão deser”, o

MO NITINIGIENCIA

th :

último elo que justificava sua existência: o marquês. “Eu já não ame - apercebia de que existia, já não existia em mim, mas nele; era pararelo

que comia, para ele querespirava, cada um de meus movimentos tina seu sentido fora de mim, ali, bem em frente de mim, nele” (Sartre dl, p. 148). Entretanto, um existente, contingente, não podejamais justili car um outro existente. É então que Roquentin, ele próprio sem rela ção, sem ponto de apoio, percebe-se a si mesmo comoexistente: Oque

se descortina é uma consciência pura, instantânea”, Mas,paraalém.datemporalidade,..há..aindauma-cascadeue 4 consciênciadeveperderparaqueapareçade.fato.como.existênciafui aEu. Com efeito, Roquentin ainda diz, a essa altura: “Existo

sou eu

que a alimento [à consciência]. Eu. (...) Sou eu, sou eu que me extrato do nada a que aspiro” (id., ibid., pp. 150-151). E o Eu, sabemos pelo

Ensaio sobre a transcendência do ego, sempre psíquico, implica uma

substancialização da consciência; dizer “sou eu que meextraio do nada”,

“sou eu que alimento a consciência”, é ainda concebera espontaneidade à maneira de um “jorro de uma fonte, de umchafariz” (idem 36, p. 62): a consciência ainda aparece passiva. Essa última casca desabará coma

linguagem, para que então reste apenas a “existência que se sente existia”

(idem 34, p. 247). Ao final de seu périplo, quandoperder a última das defesas contra

a “existência”, Roquentin dirá: “Gostaria tanto de me abandonar, dé

deixar de ter consciência de minha existência (...) Mas não posso” (id, ibid., p. 187). náusea,sabemos,é.o desvelamento.imotivado.da.exis

tência; dessa vez o desvelamento imotivadoda existência do próprio Roquentin. Ela, de fato, apareceu sem motivo, involuntariamente, mas,

mais que isso, dessa vez Roquentin nada pode contra ela; por razões que veremos a seguir, nesse momento mesmo a arte nada pode contra ela. Ora, mas contra o que nada se pode aqui senão contra a conscién

cia?, a consciência de sua existência? Não é por outra razão que, logo a seguir, Roquentin afirma: “A Náusea sou eu” (id., ibid,), Já náusea

aqui coincide com uma consciência involuntária, espontânea, conscién cia não produzida por um Eu autônomo, mas que irrompe por si mes ma, consciência pura sem Eu; na verdade, já se trata aqui apenasda

26. A questão do tempo, da passagem de uma consciência instantânca a uma cons

ciência temporalizante, veremos no próximo capítulo



LUIZ DAMON SANTOS MOI FHNHO

quela “existênciaque se sente existir”. Certamente, no moment o anterior, a espontaneidadejá se reve lara, mas tratava-se ali de uma pse udoespontane

idade, já que era produzida pelo Eu. Dessa vez, contudo, essa Já não aparece. O movimento aqu i é análogo ao que ocorreu com as coisas, que perderam sua última cros ta, o nome: tal comoessas, a consciência também perde o nome, tornando-se pura consciência despersonalizada. As coisas e a consciência são agora amb as inomináveis, existências nua s?) Por isso Roquentin dirá mais tard e: “Agora, quando digo “eu”, isso me parece oco. (...) Tudo o que rest a de real em mim é a existência que se sente existir. (...) Lúcida, imóvel, deserta, a consciênc ia se encontra entre as paredes; perpetua-se. Já nin guém a habita. Ainda agora alguém dizia eu, dizia minha consci ência. Quem? Exteriorment e, havia ruas falantes, com cores e odores con hecidos. Restam paredes anônim as, uma consciência anônima. Eis o que há: paredes, e entre as parede s, uma pequena transparência viva e impessoal (...) E eis aqui o sen tido de suaexistência: é que ela é con sciência de ser demais (...) nunca se esquec

AS UNTINGIENCLA

poderia ver um de seuscolhos enquanto o olho visto nigéria190 ora sobre o mundo, Mas lú-que se observar que, ainda nosso co co outro com relação a meu olho: eu o apreendo como rg a Cn

tituído no mundo de tal é tal maneira, mas não posto qêdo vom ah

isto é, apreendê-lo enquanto ele me revela um aspe

consciência não é outra que aquela do Ensaio sobre a transcendência do ego, que, Por outros caminhos, tam bém se rev

elou espontaneidade impessoal. A diferença é que dessa vez ela aparece como “consciência

de ser demais”, isto é, ela se apreende imediatamente como contingência?

A razão disso é que o corpo, ao con trário da démarche cartesiana, é aqui realidade absoluta; o corpo não aparece comoligado à alma, pensamento puro, não se trata sequer de realidade substancialmente dive rsa, já que não estamos falando aqui do corpo no meio do mundo, o corpo tal como é para-outrem. Trata-se antes do corpo enquan to serpara-si: “É verdade que eu vejo, toco meus joelhos e minhas mão s. E nada impede conceber um dispositivo sensível tal, que um ser vivo

27. Evidentemente, trata-se apen as de uma analogia, aquela entr e o nome da coisa e a própria coisa, de um lado, eo Eue a consciência, de outro, na medida em que, tomo vimos no capítulo anterior , o Eu é uma projeção transcen dent e feita pela própria consciência a partir do vivi do. 28. Demais, segundo Sartre, é um “termo antropomórfico” para desi gnar a contingência absoluta (Sartre 37, p. 34).

do maus uam

bem ele é coisa entre as coisas, ou bem ele é o pelo q n o amo

descobrem a mim” (Sartre 37, p. 366). E essa última dimensão qu

acompanhaa consciência mesmo quando ela é exclusivamente ons mm o ia de si. E é por conta dela que a consciência se apreenc eo hoj mai » Não é trata mais do corpo como ser do mundo, aquele ue

Roquentin feriu, mas do corpo tal como ele é vivido. VI- O CORPO PARA-SI

A

e de si mesma; é consciênc ia de ser uma consciência que se esquece de si mes

ma. Seu destino é esse” (Sartre 34, p. 247). Essa

t/

O corpo comopara-si é tratado em O ser e o nadas a, a de

rent .

A náusea, Sartre parte da noção ser-no-munc o 1 r

7

dessanoi ão, o “mundo” não sofre um processo de anulação para pos Cerior reconstrução abstrata e geometrização; di apareça “em face da consciência como uma multip ieic ce em Dois

de relações recíprocas que ela [a consciência) tobravos U em e Na o pectiva e contemplaria sem ponto de vista” (id., Fole| d uma de nosh isto dos total implicaria um “desvanecimento

distinção primitiva”, isto é, num desvanecimento om OF o rio mn do. Não há portanto aqui o “mundodeserto”, mun o so ' os bom da ciência clássica (id., ibid., p. 369). O espaço rea | do o ooo

Sartre servindo-se de um termode Kurt Lewin, é o espaçoNO o ol (id., ibid., p. 370), “sulcadode caminhos e de rotas (idfoice P pes

Daí por que é por necessidade que “ser para a rc a nha? etc " (id. ibid, aí, isto é, “aí nesta cadeira”, “aí no alto dessa montan a etc. pao o p 371) [Não há mundo sem pontode vista, sem perspaci ai $ mam oxientação unívoca por relação a mim” (id., ibid., p. 369). Assi , 7 ' do)

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nada trataremos mais detidamente no capítulo

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6h

LUIZ DAMON SANTOS MOUTINHO

NE CHILE ICIA

de que há mundo, é por necessidade, não porlimitação minha, que o pé da mesa dissimulaos arabescos do tapete, que o livro aparece à esquer-

da do copo, que essa parede está atrás da escrivanin ha etc.: “Um tapete que não seria nem dissimulado pela mesa, nem estaria sob ela nem abaixo dela, nemaolado dela, não teria mais nenhuma relação de nenhum tipo comela e não pertenceria mais ao “mundo” em que há a

mesa” (Sartre 37, p. 369).

Sendo assim, a partir de uma contingência primitiva, da consciência pura e da existência nua, descortinamos, não posteriormente mas na unidade de um mesmo ato, uma necessidad e, segundo Sartre, “ontológica” (id., ibid., p. 371); ora, ocorre que, para além dessa necessida-

de (a de ser-aí), uma outra contingência se revela : se é necessário que

O livro me apareça à esquerda ou à direita, é conti ngente que ele me apareça precisamente à esquerda ouà direita (id., ibid., p. 380). “De um lado, se é necessário que eu seja sob forma de ser-aí, é completa-

mente contingente que eu seja (...) de outro lado, se é necessário que eu

seja engajado em tal ou tal ponto de vista, é conti ngente que seja preci-

samente neste, com a exclusão de todo outro ” (id., ibid., p. 371) Há

portanto uma necessidade encravada entre duas contingências: é conlingente ser, é necessário, desde que há mund o, ser-aí (e ser para a

realidade humana é precisamente ser-no-mundo), e é novamente con-

tingente ser-aí, precisamenteaí. Ora, não é senão o corpo que aparece

“o mesmo tempo como condição necessária da exist ência contingente de um mundoe como realização contingente dessa condição (id., ibid., p. o Mas por que o corpo? E a qual dimensão do corpo Sartre se

refere?

esa)

-

B

=

Para explicá-lo, Sartre, depois de fazer uma gênes e do conceito de

sensação, onde pretende mostrar que a sensação é “um sonho de psicólogo”, procura redefinir o que são os “sentidos” . Em nenhum lugar se

experimenta a sensação do verde, diz ele, ou mesmo do “quase-verde”

que, para Sartre, é a matéria hylética resultante da redução tenomenológica (“resíduos impressionais”) (id., ibid., p. 378); o que

existe é antes o verde desse caderno, dessa folhagem, a voz da cantora,

e não asensação de voz etc. Ora, se a sensa ção é umafalácia, nem por isso deixa deser verdadeiro que “eu vejo o verde , eu toco esse mármore polido efrio” etc, (id., ibid, p. 379): o cader no sobre a mesa meé

qu

dado pela vista, sua presença &!'presença visível”, Entretanto, se vis ta é conhecimento doicademo, ela, por sua vez, se furta a todo conlreci mento; a reflexão pode incidir sobre a consciência do cadernoynho so

bre uma atividade sensorial: “Não posso ver o olho vendo, ao posso tocar a mão enquanto ela toca” (Sartre 37, p. 379), Se toco a minha mão enquanto ela toca, tomo em relação a ela o ponto devista do outra

o que então se revela a mim são “puros objetos do mundo nom

atividade desvelante ou construtora” (id., ibid.). A reflexão dnbontm uma consciência de alguma coisa-no-mundo, não meu sentido visual outátil. Dá-se o mesmo no caso da ação: “Não apreendo minha mão No ato de escrever, mas somente a pena que escreve; isto significa-quio utilizo a pena para traçar letras, mas não minha mão para sépurar à

pena” (id., ibid., p. 387). O motivoé simples: é que, neste caso, tita mão não é objeto do mundo; ao contrário, “eu sou minha mao (ul,

ibid.). Ao menos enquanto age, a minha mão é para mim inapreenstvel Osistema de objetos aparece pois como um “campo perceptivo” que implica um “centro de referência”; esse centro, “como estrutura dó camipo perceptivo considerado, não o vemos: nós o somos” (id., ibid, p. 381) Ele é igualmente aqui inapreensível. Há contudo possibilidade de

apreendê-lo, como tambémposso apreender minha mão enquanto apo, sem que tome sobre eles o ponto de vista de outrem (id,, ibid, p. 388) Isso decorre necessariamente da própria “estrutura do mundo” (id., ibid, p. 381). A minha mãoé utilização da pena; nessesentido, ela é inapro

ensível e inutilizável; mas ela é ainda o termo último que indica a sério

“livro a escrever — caracteres atraçar no papel

pena”: a mão é aqui à

chave, o centro por relação a que os instrumentos se ordenam, Da rés

ma maneira, no caso da visão, o olho é o ponto para o qual todas 44 linhas convergem; assim, esse centro se encontra “situado no campo

mesmo que se orienta emtorno dele” (id., ibid.). É a ordem mesma do mundo que implica que não podemos ver sem sermos visíveis, tal como não podemos agir sem sermos “agidos” (id., ibid., p. 388). O universo é uma remissão de instrumento a instrumento, todo instrumento só sendoutilizável por meio de outro instrumento, o que significa que a própria “estrutura do mundo implica que não podemos nos inserir no campo deutensilidade senão sendo nós mesmosutensi lios” (id., ibid.), ou ainda, no caso da visão, é “o mundo visto [que]

define perpetuamente um objeto visível ao qual remetem [os objetos do mundo] suas perspectivas e disposições” (id,, ibid,, p. 381), Assiin, há duas maneiras de apreender o corpo, excluída ainda “a reconstrução

et

0

LUIZ DAMON SANTOS MOUTINHO

analógica de meu corpo segundo o corpo de Outre m”: através do pen-

samento racionalizante, reconstituo o instrumento que eu sou a partir dos utensílios que utilizo; nesse caso, o corpo é conhe cido objetiva-

mente a partir do mundo, mas no vazio. De outro lado, o corpo não é conhecido, mas vivido, é dado concretamente como a disposição mes-

ma das coisas, O instrumento que não posso utilizar, pois queeno sou, So que eu sou, “porprincípio, não.pode.ser objeto.par a mim enquanto . im o sou” (Sartre 37, p. 3819)

C [ Assim, nãose começou por dotar-nos de um corpo para então mos-

trar como as coisas se nos desvelam, mas é na base mesma de nossa

relação ao mundoque o corpo aparece; /daí por que o corpo não é aqui “uma tela entre as coisas e nós”, nemaparece como um órgão fisiológi-

co, constituição anatômica e espacial; ao contr ário, ele “manifesta ape-

nas a individualidade e a contingência de nossa relação original com as coisas utensílios” (id., ibid., p. 390)./O mundo, vimos, exige necessariamente umponto de vista, uma perspectiva; a realização dessa condi-

ção necessária é contudo contingente, e não é outra coisa senão o corpo para mim.|Mas o mundo não exige apenas um ponto de vista, trata-se

antes de um ponto de vista encarnado: é o mund o visto que exige um objeto visível ao qual os objetos remetem suas perspectivas, de onde não podemos ver sem sermos visíveis, o centr o de referência sendo pois situado; é ainda a necessidade, para nos inserirmos no campo de

utensilidade, de que sejamos nós próprios utensílios-e tc. Noutras palavras, falar aqui em perspectiva não é falar de uma consciência feita alma pura; tampouco o corpo é um acréscimo conti ngente à consciênCla; € por necessidade que o para-si é todo inteiro COPO »todo inteiro consciência (1d., ibid., p. 368),0 corpo é condição de possibilidade de

minha consciência do mundo/(id., ibid., p. 392).|

Deve-se observar portanto que, a partir do fato de o mundo exigir necessariamente um ponto de vista, não se está falan do aqui de uma

AS CRTIHBIGIENCLA

HI

olhos, duas mãos, isto 6 o Corpo que temos, Trata-se mesmo dé minha estrutura fisiológica, mas apenas “enquanto os instrumentos a imipli cam pela maneira mesma pela qual eles se revelam resistentesto do ceis” (Sartre 37, p. 393; grifos nossos). A diferença está no fato de que a descrição se opera no plano do para-si, razão pela qual o coipo mo aparece nunca como estrutura anatômica; a “estrutura fisiolópieu" o aqui indicada a partir do mundo, mas indicada, como vimos, Hóvecto,

comoimpossível objeto. Daí por que os sentidos, na dimensão do pira si, nãosão dados antes ou depois dos objetos; ao contrário são contem porâneos deles, “são mesmo as coisas empessoa, tal como elas Se des

velam a nós em perspectiva” (id. ibid., p. 382). Assim, a realização contingente refere-se antes ao fato de que, tendo o livro que me apuro

cer à direita ou à esquerda, apareça precisamente numa dessas perspel

tivas, perspectiva que eu sou e que me é indicada pelo mundo apenas

no vazio.

D Ora, esses dois modos de ser são “complementares” (id. ibid, p. 405), o corpo indicado no vazio pelo mundo e aquele outro que apómn tamos acima, o corpo nãoenquanto conhecido, mas enquanto vivido, O instrumento que não posso utilizar, pois que eu o sou, a mão que não

posso tocar, o olho que não posso ver, pois que eu os sou; assim, O corpo “não pertence aos objetos do mundo, (...) a esses objetos que conheço e utilizo” (id., ibid., p. 390). Ele nãoé para mimtranscenden te e conhecido, a “consciênciairrefletida nãoé consciência do corpo” (id., ibid., p. 394). Na medida em que o sou, “precisaria antes dizer,

servindo-se como de um transitivo do verboexistir, que ela [a conso!

ência] existe seu corpo” (id., ibid.). Existe seu corpo, existe sua contin

gência: a maneira pela qual isso ocorre define “a textura mesma da

consciência” (id., ibid., p. 396). Ora, isso significa que a consciência

consciência e que, só depois de o fato da reali zação dessa condição ser

existe seu corpo comoconsciência; porisso, de vez que nãohá. conscién cia do corpo, este deve. pertencer. às.estruturas.da consciência nãostética (de)si. Mas, nesse caso, estruturas que não podem ser postas

contrário, o ponto de vista que o mundo exige é já encarnado. Por

(id., ibid., p. 395).

te, não se deve entender por isso o fato conti ngente de termos dois

mesma, deverá contudo haver uma maneira deela revelar-se, ainda na dimensão do ser-para-si, Por “revelar-se” não se entenda “trazé-la à

contingente, falar-se-ia então do corpo. Isso implicaria o dualismo almacorpo, mesmo que se supusesse tudo na unidade de um mesmo ato. Ao

outro lado, se se fala que a realização desse ponto de vista é contingen-

teticamente, pela reflexão. Elas estão lá, mas passadas “sob silêncio” Entretanto, se a consciência (do) corpo não é apreensível por ai



LUIZ DAMON SANTOS MOUTINHO

AM PRI NCLA

consciência, teticamente”; vimos queisso é impossível. Na medida em

que a questão se refere aqui à “textura” da consciência, à maneira pela

qual a consciênciaexiste seu corpo, a revelação pode se dar nas manei-

ras pelas quais a consciência (do) corpo é afetada (Sartre 37, p.395): a

consciência (do) corpo é lateral e retrospectiva. É que o corpo por revelar-se como “inapreensível contingência” (id., ibid.), como a carne da consciência que escapa perpetuamente, como o inefável, só pode ser apreendido lateralmente, através de experiências; Sartre o compara à

consciência do signo: o signo, tal como o corpo, é o negligenciado em

proveito dasignificação; “Não é jamais apreendido por si mesmo [é] o

além do qual o olharse dirige” (id., ibid.). Assim, será necessário re-

que nos mostra mais claramente a maneira pela qual a consciência (do) corpo é afetada, ou a maneira pela qual a consciência existe seu corpo 6a experiência da dor física. Sua descrição obedece a esse objetivo: “Apreender a maneira pela qual a consciência existe sua dor” (id., ibid

P. 397). A dor funciona aqui como a qualificação da contingência, como se tornasse mais sensível a indicação desta, como se, de significação ' mais sensível, tornasse o signo mais facilmente apreensível.

Entretanto, nãoé necessário uma contingência “qualificada”(a dor no caso) para que haja essa apreensão lateral; na sua ausência a

atetividade se apreende como “contingência sem cor”, “existência de

fato”, |Noutras palavras, a qualificação torna apenas mais sensível a

apreensão, mas é perpetuamente que o corpo, a carne, a textura são

revelados à consciência, e é a essa apreensão que Sartre dá o nome de

náusea: PEssa apreensão perpétua por meu para-si de um gosto insípi-

do e sem distância que me acompanha até em meus esforços para dele

me livrar e que é meu gosto é o que descrevemos alhures

com o nome

de náusea. Umanáusea discreta e insuperável revela dem nome meu corpo à minha consciência” (id., ibid., p. 404) 1A náusea éà experencia permanente, contínua, que me revela meu corpo; na verdade, a náusea se revela a si mesma e apenaslateralmente o meu corpo, já que

esse é inapreensível contingência. A náusea é o significado permanente a indicar permanentemente o meu corpo: desenvolvida ela própria, é u contingência pura, não qualificada, que deverá aparecer.|

VII

O PROJETO DE SER

Ora, não foi outro o percurso apresentado pelo romance: a nausoa desenvolvendo suas teias até o momento em que é apreendida, lateral mente, a contingência pura. Desenvolvimento esse que implicou gomns tante desnudamento dos objetos e da consciência. Conforme Jeansón, “a Náusea, (...) é a experiência de uma consciência que não chega mais a transcender os objetos do mundoe suaprópria facticidade(,,,) Assim os objetos perdem suafunção, seu papel, seu nome ese poem à exist neles mesmos; deixam de ser trampolins, utensílios ou obstáculósgeles

estão aí, sem rima nem solução” (Jeanson 16, pp. 124 125).186, de um lado, o desnudamento dos objetos levou a existências sovadas do!

mesmas, de outro, o desnudamento da consciência levou ao corpo enquanto ser-para-si, à pura facticidade; Roquentin se dá conta assim; conforme terminologia de O ser e o nada, de que ele “existe seu co pol, A náusea está sempre presente, pois o corpo para-si, inapi censivol,

só se revela sobre o seu fundo. Nãoé portanto casual a experiência de

Roquentin em ferir seu próprio corpo, em se ferir: na medida em que à

dorfísica é uma qualificaçãoda contingência, ela torna mais sensívelia

apreensão lateral dessa. É comose, ferindo-se, experimentando a dor,

tornando qualificada a contingência, Roquentin pudesse enfim apreende la nela mesma! Apreenderia assim o inefável! Mas é inútil; a dor. igualmente existida pela consciência, manifestando poraí sua conti gência. Roquentin não só não a apreende como tampouco poe fim

náusea; as duas coisas estão ligadas. A náusea é insuperável porque a contingência é inapreensível: “Pode acontecer que busquemos 0 agra dável ou a dorfísica para dela [da náusea] nos livrar, mas desde que a dor ou o agradável são existidos pela consciência, eles manifestam poi seu lado sua facticidade e sua contingência, e é sobre o fundo de náu

sea que eles se revelam” (Sartre 37, p. 404).

Daí por que, desde o momento em que a sua própria facticidade” vemàluz, nada, nem mesmoa arte, pode salvar Roquentin, É que ago

30. Sem dúvida, a experiência de Roquentin é a da contingência; o termo fact idado

vai além apenas na medida em queele implica situação, Por esse motivo, depois de

no ter falado no ser como contingência, no ser-aí como necessidade, e novamente

ser-aí como contingência, Sartre afirma; “E essa dupla contingência, encerrando uma necessidade, que chamamos a facticidade do para-si” (Sartre 37, p 71)

14

4 DAMON SANTOS MOUTINHO LUIZ

ra ele sabe que tudo é existido porele: “Pensar que há imbecis que tiram consolo das belas-artes. (...) Imaginam que os sons captados correm neles, suaves e nutrientes, e que seus sofrimentos se transformam em música, comoos do jovem Werther; pensam que a beleza é compas-

siva para com eles. (...) Naturalmente eu gostaria muito de sofrer dessa

maneira, em compasso (...) Mas é culpa minhase a cerveja está morna

no fundo de meu copo, (...) se sou demais, se o mais sincero de meus

solrimentos, o mais seco se arrasta e se entorpece, com excesso de

AC ata pita ado DA

u (.. Jele es comportado muito tempo como um imbecil, compreende a morna” “(Sartre tava numbistrô, exatamente diante de um copo de cervej

que é ape 34, p. 254) |Roquentin se enganou de mundo: compreende ces. roman de nas um existente, quando desejaria ser um personagem

VIII — O PRIMADO DA EXISTÊNCIA

ego € à [Entre a consciência do Ensaio sobre a transcendência do

carne (..)?” (Sartre 34, pp. 252-253). Sem funçãoterapêutica, a arte, por escapar à contingência, revelase agora comoo absolutamente outro do mundo, como inatingível , fora

um acréscimo que surge em A náusea não há diferença alguma, senão a que é mera no romance: a dimensão da contingência. A consciênci

quebrasse em dois, ela não seria atingida por mim. Ela está para além —

se sente exis mos no capítulo anterior, é a mesma mera “existência que ce no hóri tir”;jo que ocorre é que, no romance, essa consciência apare ência sobreà zonte segundo o qual se busca mostrar O primadoda exist que à cons essência, daí a experiência da náusea”, e é por conta disso

4 do mundo das existências.:Aartenãoexiste, ela é: “Ela não existe (..) se melevantasse, se arrancasse esse disco do prato que o sustenta co

sempre para além de alguma coisa, de uma voz, de uma nota de violi-

no. (...) Ela não existe, posto que nela nada é demais: é todo o resto que

é muito em relação a ela. Ela é” (id., ibid., p. 254). Entretanto ainda

que tenha perdido sua função terapêutica, a música (a arte) permanece-

rá como o paradigma fundamental da existência, na medida mesma em que o seu domínio é o da necessidade, do ser: “E também eu quis ser Aliás, sóquis isso; eis a chave de minha vida: no fundo de todas essas tentativas que parecem desvinculadas, encontro o mesmo desejo: expulsar a existência para fora de mim” (id., ibid.). e ] esejo de ser, projeto de ser: será ainda esse, em O ser e o nada, o projeto fundamental da realidade humana?!. O queleva à afirmação de Roquentin: “Isso poderia até constituir um apólogo: êra uma vez um

pobre sujeito que se enganou de mundo. Existia, com as outras pes-

posição, tal como Vi posição de transcendência e consciência (dessa)

cendência do ego, ciência, tal como desvelada no Ensaio sobre a trans ontológica do erro “O : aparece como espontaneidade não-substancial

define pelo racionalismo cartesiano é nãoter visto que, se o absolutose iaser concebido primado da existência sobre à essência, ele não poder ancial, é uma subst de como uma substância. A consciência nada tem medida em que pura “aparência” no sentido de que ela existe apenas na O dado novo se aparece”(idem 37, p. 23). É esse primado da existência pura, uma ência do romance, e é por conta dele que, em nível da exist sem tempo, pura consciência, sem quaisquer conteúdos, sem nome, ao ponto limite, a conseién deve ser desvelada. Recuado ao mero existir, cia é um vazio total.

soas, no mundodos jardins públicos, (...) e queria se persuadir de ue vivia alhures, atrás da tela dos quadros, (...) atrás das páginas dosli

vros, com Fabrice del Dongoe Julien Sorel (...) E depois, após ter se

H1. “O homem é fundamentalmente desejo de ser, e a existência desse desejo nã deve ser estabelecida por uma indução empírica; ela resulta de uma descrição à

priori do ser do para-si” (Sartre 37, p. 652). Entretanto, não será mais arte O

paradigma tundamental, o ser desejado pelo para-si; por razões ue ver ds aso. gur (apfiulo 4 ), esseser será Deus, enquanto hipóstase: “O que tornamais bem roleta da prai ciDAS US realidade humana é que o homem é o ser que elo

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, “é a apreensão exis 32. A náusea, dirá Sartre em Diário de uma guerra estranha

com a “angústia”, tencial de nossa facticidade”, e que não deve ser confundida “apreensão existencial de nossa liberdade” (Sartre 39, p. 168; grifos nossos),

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|- O DOMÍNIO DA PSICOLOGIA

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ENQUANTOescrevia A náusea, concluído em 1936, Sartre éconvis dado pelo seu antigo orientador, de quando obtivera o diploma daBse

"cola Normal, a redigir um texto sobre o mesmo tema da agrógarionçA

imagem. Isso ocorreu em 1935. O professor H. Delacroix dirigiaon, tão, para as edições Alcan, a coleção Nova Enciclopédia Filosófi (Contat e Rybalka5, p. 55). O assunto, segundo Simone de Beauvoir,

interessava a Sartre; ele aceitou o convite e temporariamente “abandos

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nou Roquentin e voltou à psicologia” (Beauvoir |, p. 203).

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O texto foi composto em duas partes, uma “crítica” e outra “cientis

fica”, esta última “muito mais original” (id., ibid., p. 209), e que lhe

“interessava muito mais” (id., ibid., p. 213). Entretanto, só a primeira.

parte será aceita pela Alcan, publicada em 1936 sob o título À imaginas ção. A segundaparte será lançada apenas quatro anos depois, em plena guerra, com título de O imaginário. Um trecho contudo vem à luz nesse intervalo na Revue de Métaphysique et de Morale, intitulado “Structure Intentionnelle de V Image”; este trecho corresponde aquele que, em O imaginário, leva o título “Le Certain”, Interessa-nos aqui, por ora, principalmente a primeira parte, o estus

do crítico. Nele, Sartre passa “em revista as diferentes teorias da ima ginação que se sucederam desdea doutrina cartesiana” (Contate Rybalha 5, p. 55), submetendo-as à crítica, Na verdade, são discutidas as teorias

na

[Ás

LUIZ DAMON SANTOS MOUTINHO

PENGOMINNO E SONIVICADO

de Descartes, Leibniz e Hume, de início, e, logo depois, as de alguns psicólogos, de Taine à Spaier; estes últimos, à luz dos clássicos. Eles segundo Sartre, herdam e conservam a noçã o de imagem daqueles três “Brandes metafísicos dos séculos XVII e XVIII(Sartre 33, p. 37) tendendo ora para uma, ora para outra conc epção. O mote central da

critica será a observação de queas diferentes doutr inas, desde Descar-

tes, têm todas uma única concepção acerc a da imagem: todas elas tomam esta como coisa. Sartre a chama a “meta física ingênua da imagem (id, ibid., p. 36): “Essa metafísica consi ste em fazer da imagem

uma cópia da coisa, existindo ela mesma como umacoisa. Eis, pois, a tolha de papel em imagem” provida das mesm as qualidades que a fo-

lha 'em pessoa”. É inerte, não existe mais some nte para a consciência: existe em si” (id., ibid.). A imagem torna -se então uma “coisa inferi-

or”, uma “coisa menor” com existência própr ia. Não é difícil perceber que o combate à imagem-c oisa se imporá da mesma forma que, no Ensaio sobre a transcendênc ia do ego, combate-

ram-se os conteúdos de consciência. Dess a vez, contudo, a crítica se

desdobra em outro plano: não se trata apenas de purificar o campo trans-

cendental da presença de conteúdos, mas ainda de se discutir a nature-

za mesma do psíquico, repropondo assim uma nova psicologia. Esse

duplo movimentoestava ausente no Ensaio: ali se purificou a consciên-

cia de toda presença egológica e se mostrou a constituição do Ego en-

quanto objeto transcendente, mas nenhuman ova psicologia se propôs. Talvez é o que procuraremosver — Sartre ainda não tivesse no Ensaio

uma concepção fenomenológica do psíquico. A mera transcendência talvezfosse insuficiente. Já em À imaginação e no Esbôço de umateo-

ria das emoções é um novo conceito de psíquico que aparece e, com ele, também umanova psicologia. 5 Assim, não bastará combater a imagem-coisa ; dessa vez, combater8e-Á ainda a psicologia de coisas. E esse combate exige que, para além

da cr ítica da “metafísica ingênua da imagem”, se procure redefinir o domínio mesmo da psicologia. Esse domínio foi diferentemente concebido pelos clássicos — para além do fato de comungarem todos daquela mesma “metafísica ingênua”. Em Desca rtes, por exemplo, há um abismo entre o plano ideativo e o plano imagi nativo, isto é entre

entendimento e imaginação. Descartes é o único daqueles três pensa-

dores a afirmara especificidade do pensamento. Por contadessa especificidade, dois campos distintos se colocam: o do entendimento —

assegurado pela afirmação da existência de um pensamento puro

4

Ho

objeto de um estudo lógico e epistemológico, e o da imaginação e das sensações, pertencentes ao domínio do corporal e objetos da psicologia Já em Hume, as coisas se passam de outro modo, segundo Sartre, Desaparecerão as “superestruturas cartesianas”, o mundo das esstm cias, isto é, o plano do pensamento puro. A ambição humiana de crimi “uma ciência positiva da natureza humana” (Sartre 33, p, 43) emulada das ciências da natureza, ou, se se quiser, a intromissão do “método

experimental em assuntos de moral”, leva Hume ao abandono daquelas

essências. Trata-se aqui de um Hume saídodiretamente do primeiro

tomo das Investigações lógicas, uma versão clássica daquele psicologismo que se procurou ali combater, Com Hume, “a lópiva tos na-se uma parte da psicologia”: as “significações”, o objeto da lógica, deverão agora aparecer comosaídas dos fatos. “Será preciso que reco

nheçamos as leis do pensamento comosaídas, elas também, dos fatos; isto é, das segiiências psíquicas” (id., ibid.).

A imagem cartesiana, que em Humetorna-se a idéia, é o elemento, o fato individual, com dupla face: é o ponto de partida do sábio eta elemento que, combinado comoutros, produz o pensamento, o confum

to das significações lógicas. “Seria preciso falar aqui do pam psicologismo de Hume” (id., ibid.). Nesse caso, só existiria, cartesiana mente falando, o mundo mecânicodas imagens, ligadas entre si apenas por relações externas (semelhança, contigiidade, causalidade), rela ções essas que agem como“forças dadas”; no limite, a consciência é pensada simplesmente como o mundodas coisas (id., ibid., p. 88). “Nada

existe, em suma,a não ser coisas: essas coisas entram em relação umas com as outras e constituem, assim, umacerta coleção que se chama consciência” (id., ibid., p. 43). Para Sartre, estamos diante de uma “re

dução” do cartesianismo: “Descartes colocava ao mesmo tempo a ima gem e o pensamento sem imagem; Hume guarda apenas a imagem sem o pensamento” (id., ibid.). Reduçãoessa que implicou, por contraste,

um alargamento do domínio da psicologia. Imagem e pensamento, na unidade de um mesmo ato, uma espécie

de solução intermediária, é posta por Leibniz, O entendimento, nesse caso, ao contrário do que ocorre em Descartes, nunca é puro, mas se

faz sempre acompanhar de imagens, que, entretanto, têm “o papel de um simples auxiliar do pensamento de um signo” (id., ibid, p, 40). À imagem é “expressão confusa” do objeto, necessariamente confusa, pois “envolve em si a infinidade dos movimentos do universo”; por conta disso, envolve igualmente uma infinidade de idéias claras, “que

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é DAMON SANTOS MOI FHNHO LUIZ

ERROR DOS

corresponderiama cada pormenor”. O objetivo aqui é vincular imagem * pensamento, vencer a dicotomia cartesiana : o resultado, diz Sartre é

que a imagem enquanto tal se desvanec e (Sartre 33, p. 41). A antig a separação entre essência necessária e fato empírico é superada, já de o fato (é) já algo assim como uma expr essão da lei, um signo da leis

ou antes, o fato é a próprialei” (id., ibid., p. 43). Então por trás de toda Mmagem se encontra o pensamento “que ela implica de direito” (id ibid, Pp. 44). Um “panlogismo” que tem apen as uma “existência de diPeito (... se superpõe a um empirismo de fato” (id., ibid.). Com isso o

doimero n a aO psic LoBiiaa se s desc 3 aracterilza, confundindo-se se com aquele

Assim, sãotrês soluçõesdiferentes para o prob lema do domínio da psicologia, todas elas comungando de uma única noção de imag

e esta é sempre concebidaa partir de uma “bas e sensível” “Se uindo o desenvol vimento contínuo da teoria da imagem atra vés do século XIX talvez verifiquemos que essas três solu ções são as únicas ossívei

desde que se aceite o postulado de quea imagem nada mais é do que uma coisa e que todas elas são igualmente possíveis e igualmente defeil uosas” (id., ibid.). É a partir daqui quese fará a crítica da psicologia desenvol

vida desde o século XIX. Essa psicolog ia não só reitera an ção de imagem-coisa como delimitará o seu domínio dentro dos 1 des oferecidos pelos clássicos. Assim, por exemplo, o modelo de air . é lido à luz do modelo humiano, o de Berg son aparece como leibniziano co dos pensadores da Escola de Wiir zburg, cartesiano, como se o = senvolvimentoda psicologia,lido à luz da história da filosofia produZ158€ Uma espécie de inversão cronológ ica. O télos, contudo não é Des-

cartes, mas ocartesiano Husserl, que ofer ece um modelo verdadeiramente novo de psicologia. Inscrevendo-se a si mesmo hn aleria do psicólog os e reivindicando à influência huss erliana, Sartre

ocurará mostrar que uma psicologia inteiramente nova está por fazer a partir das Idéias, segundo um modelo desconhecido pelos clássicos. A partir daí, um novo conceito de psíquico deve surgi r, desconhecido pelo Ensato sobre a transce scen dênc naê nciia do ego, e, com ele, també

consciência. »

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SMORNIFICADO

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O MODELO biuUMIANOS A

Da mesma maneira que em Hume, o modelo prévio das ciências da

natureza, na medida em que condiciona metodologicamente o prójéto

taíniano, condiciona tambémoseu objeto, o fato psíquico: a opção previu

pela análise implicará uma deturpaçãodopsíquico. À ambição aqui o à cientificidade da psicologia, razão pela qual as ciências naturais apare cem como modelo, condicionando metodologicamentea psicologia pos

tivista: “Em vez deir diretamente à coisa e de formar o método sobre o objeto, define-se primeiramente o método(...) e, em seguida, aphou se

esse método ao objeto, sem perceber que, ao se dar o método, fórjot-se ao mesmo tempo o objeto” (Sartre 33, p. 70). Nesse caso, o principio do recurso à experiência segue junto, paradoxalmente, com “uma teoria metafísica, estabelecida a priori, sobre a natureza eos fins da experivii cia” (id., ibid., p. 46). Assim, quempretendeu dar voz à experiência, dá

voz a um fantasma; para Sartre, não há em Taine “uma consideração

citada pela observação dos fatos: tudo (nele) é construído” (id, ibid, )

Quese tornará o psíquico vistona ótica da análise, ou, por outra, como

aparece esse fantasmapositivista? A análise decompõeo fato psíquico em

elementos, partes simples; mas para que isso seja possível é necessário,

antes de mais nada, objetivar o psíquico, o que significa torná-lo coisa,

Esse é o primeiro passo, e é o que faz Hume: “Hume não se limita à

descrever os conteúdos sensíveis da percepção: quer compor o mundo da consciência por meio somente desses conteúdos; isto é, duplica a Of dem da percepção com uma ordem das imagens, constituída pelos mes mos conteúdos sensíveis com um grau menorde intensidade. (..,) A eo amarela desse cinzeiro, quando renasce a título de impressão entfraque cida, conserva seu caráterde dado(...) Antes detudo, e precisamente pos ser passividade pura, permanece umelemento inerte” (id., ibid. p. 87) Umavez posto o psíquico comocoisa, isto é, operada a identifica

ção do modode serdos fatos psíquicos e do modo de ser das coisas, segue-se a reduçãodopsíquicoa elementos simples. “Quem diz mecani

cismo diz espírito de análise: o mecanicismo procura reduzir um state ma a seus elementos e aceita implicitamente o postulado de que estes

permanecem rigorosamente idênticos” (id, ibid,, p. 45). Dizer que O psíquico é inerte significa dizer que ele não é mais “capaz de encontrai

Ho

;

; LUIZ DAMON SANTOS MOU TINHO

em si, na intimidade de seu ser, a razão de sua aparição. Porsi (mesmo ) não seria capaz de renascer ou desa parecer” (Sartre 33, p. 87). o, E então que a “exterioridade recíproca” e, consegiientemente, as relações de exterioridade” entr e os elementos se impõem. Na ausê ncia de uma “espontaneidade sist ematizadora”, algo deve cumprir o papel de fazer o psíq

uico aparecer e desaparecer, e esse algo

diantede uma constel ação de elementosinerte s, não é senão outro elemento iner te: À posição de conteúdos sensívei s transporta-nos para um mundo de exterioridade pura, isto é, para um mundo em que con

teúdos inertes são determinados no seu modo de aparição por outros conteúdos igua l-

mente mertes, um mundo onde toda s as mudanças, todas as impulsões vêm do exterior e permanecem profun damente exteriores ao conteúdo que animam” (id., ibid., pp. 87-88). Não é de outra forma que Sartre vê as famosas leis de associação: “O que é a lei de semelhança, senão a posição de ligações de exterioridade entre os conteúdos psíq

uicos? (..) Que é, principalmente, a lei de contigiidade, senão a trad ução puraé

simples do princípio de inércia em ter mos psicológicos? Segundo essa última lei, o único princípio de liga ção entre dois conteúdos é o encontro, O contato. (...) a consciência nad a mais é do que uma coleção desses obje tos encarados do ponto de vista de um certo tipo de relações (as

leis de associação)” (id., ibid. , p. 88).

Esses passos fazem parte da démarche analítica, ainda que implicitamente. Taine todavia separa-se de Hum e quando, na regressão em busca do elemento simples, “opera ing enuamente, e sem suspeitar, um salto do plano psicológico para o pla no fisiológico, que em si mesmo não

é outra coisa senão o terreno do mecanismo puro” (id., ibid. p. 46) Assim, Taine

começa colocando os fatos psíquico s como iguais em natureza, ainda que diversos em aspe cto, torna-os todos redutíveis à *ensação, que por sua vez “se red uz a um grupo de vimentos molecu

lares” (id., ibid., Pp. 47). Hume, contudo, “mais hábil” não opera passagemao fisiológico. “Su as leis de associação são postas pelo menos na apar

ência, no terreno da psicologia pura :

são laços entre os fenômenos tais comoeles aparec em ao espírito”(id., ibid.; grif os nos-

505). Sem dúvida há aqui uma van tagem: é que pelo menos se procur a estudar a cons ciência em termos de consciên cia. Mas

essa é uma vantagem que logo se revela magra, pois, ainda que Hume julgue part ir dos dados imediatosda consciência, esses ainda con

servamainérciae passividade da coisa. O problemac entral está portanto aí: na identifi cação do modo deser do fato psíq uico e do modo deserda coisa.

FENÔMENO E GNHICADO

da

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Ora, posta dessa maneira a crítica de Sartre nada tem de original Também Husserl, lá em A filosofia como ciência rigorosa, do entican.o que ele chama de “naturalismo” termo ausente em Sartre , Lalanida imitação do método das ciências da natureza e da consequente coisificação da consciência. “Seguir o modelo da ciência da matireza quer dizer quase inevitavelmente: fazer da consciência uma corsa” (Husserl 12, p. 81). É verdade que na apresentação genérica doensa mento de Hume, Sartre parece pensarna crítica das Investigações Lowi cas: o humianismo é caracterizado como “pampsicologismo!.dis.Jeis lógicas sendoinferidas, indutivamente, dos fatos psíquicos, aJúpica tornando-se assim “parte da psicologia”, a recusa humiana da conscien cia do geral etc. Contudo, é natrilha de A filosofia como ciência vivo rosa e Filosofia primeira que encontraremos a exposição crítica, tal

como fez Sartre, daquela démarcheque imita a ciência da natureza, e

de que Hume é umadas figuras ilustres; em Filosofia primeiraçem particular, a apresentaçãocrítica da démarche humiana, como fol.ela borada por Husserl, permite-nos visualizar, em situação privilegiada, a orientação do pensamentode Sartre em relação àquele de queele nes

mo reivindica influência, noutras palavras, permite-nos visualizar cm

que o pensamento de Husserl se transformou nas mãos de Sartre. O psicólogonaturalista é aquele cego para o psíquico, Ele vê “ape

nas natureza, e natureza física antes de tudo”, Assim, “tudo o que é, é

ou físico, e pertence comotal à totalidade unificada da natureza Lísica, ou psíquico, e então é apenas umasimples variável dependente do fist

co” (id., ibid., p. 58). Nessa condição de “simples variável dependente do físico”, o psíquicoterá sempre “um sentido físico que não deixa de acompanhá-lo” (id., ibid., p. 64). E deverá ser assim porque da mesma,

forma queaciência da natureza “faz sobressairas coisas objetivas com suas características objetivas exatas” assim também procurará fazer o psicólogo naturalista: ele procurará levar o ser psicofísico (Já que o psíquico puroele ignora) “a uma determinação objetivamente válida” (id., ibid., p. 80), procurará determiná-lo “segundo leis rígidas” (id, ibid., p. 58). Isso decorre de uma exigência de método; “O método de todas as ciências da experiência, considerado em uma universalidade deprincípio, é essencialmente o mesmo, e portanto o mesmo na psico logia que na ciência da natureza física” (id., ibid., p, 80).

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LUIZ DAMON SANTi 15 MOUTINHO

PEROMIENOD SIGNIPICADO

Antes de mostrarmos em que medida, segundo Hus serl, a imitação do método das ciências nat urais se constitui numa ind ebita appropriaHo, vale a pena ver

mos como Husserl apresenta a démarche naturalista seconst ituindo em Hume. Ele começa observando que em Hume à consciência é de início objeti vada: “Minha consciência (...) deve ser considerada com uma objetivid ade “independente de toda teoria” (...) deve valer como puro campo obj etivo.

Assim, a diferença entre impressão e idéia é considerada como uma pura diferença objeti va” (Hu sserl 14 p. 233), por exemplo, dif erença de intensidade. A con sciência assim objetivada é uma compos ição desses elementos — átomos de consciêncla que não têm “nenhu m laço com um eu”. Quem não vê aqui, diz Husserl, uma clara analogia com a concepção atomistamecanista da natureza? “A natureza fís ica é concebida como um conjunto espaçotemporal de átomos existe nte em si (...) O naturalis mo da consciência decompõe a subjetividad e de maneira semelhante em átomos de consciencia, em elementos mat eriais irredutíveis submet idos às leis puramente objetivas da coexis tência e da sucessão. (... ) às leis da natureza exterior correspondem aqu i as leis internas da associ ação e do hábito e algumas outras leis de tip o análogo” (id, ibid., p. 228 ). Aparentemente, trata-se da mesma interpretação de Sar tre: objetivação, decomposição, relaçõ es de exterioridade entre os elementos, tal “omo ocorre com natureza física. E para ambos a grande ausência na teoria humiana parece ser uma e a mesma: a subjet ividade. Segundo Sartre, o elemento coisifica

do não encontra mais “em si, na intimidade de seu ser, a razão de sua apa rição”; ele aparece ou desapa rece devido à ação de outro elemento. Igu almente para Husserl: à impres são enquanto colsa, distinta por“caracteres objetivos”, omite aquilo que é “dado antes de todas as hipóteses e de todos os fatos objetivos, (... ) o-ato de representar a coisa como isto ou aquilo, (...) o ato enquanto tal, numa palavra, 4 consciência”, que é precis amente aquilo que “faz da sub jet ividade uma subjetividade, da

todo conhecimento autêntico em geral, uma meditação que elabora é

justifica o método necessário enquanto tal” (Husse rl 14, p. 229% Ds

reflexão radical está ausente em Hume, na medida em que, por ese

plo, os vividos aparecem como dados evidentes, evidência aceita sem mais: “Como umapercepção de vermelho relativamente muito pálido

fugitivo seria mais e outra coisa que justamente uma percepção dever melho pálido e fugitivo? (...) Comose faz que se chame uma idasypor cepções impressão de alguma coisa, e que olhando mais de pertwlé

consciência de um vermelho presente em pessoa, e que a outra peroep

ção se chame idéia (...) Quanta absurdidade dizer que a impressão ue na percepção re-presenta a coisa como presente em carne e osso stil) plesmente uma impressãoforte, viva, (...) e quea idéia, esse feixercoin diferençastão profundas como à lembrança, a ficção , e de maneira pá ral as representações de gêneros tão diversos, nada mais é queruina

impressão pálida etc. !”3,

Por conta de uma descrição objetiva, omite-se que, antes do fato objetivo, é dado o ato de representar, que no fato objetivo não setii contram “diferenças entre a visada e o visado, nem da representação:iú vazio ou da apreensão da coisa mesma” (id., ibid., p. 235), Omite-sã; nessa descrição objetiva, pretensamente radical e livre de “toda tea

ria”, que a todo momento, a cada passo, se é conduzido a “análises

intencionais”, análises que deverão nos mostrar que a psicologia, “il

força de se prender aos detalhes psicológicos, perdedevis ta a essência

do psíquico”. Impõe-se, então, se se quer de fato fundar uma teoria

do conhecimento, interrogar a consciência “enquanto consciência”

“Basta proceder assim para que (...) surja uma psicologia cujo método

é determinado inteiramente por esse único grandetema, (...): a consciên

cia, a intencionalidade” (id., ibid., p. 237).

vid

a subjetiva uma vida sub jetiva” (id., ibid., p. 234). Entretanto, vista mais de Per to, a crítica husserliana não parece reclamar uma

“espontaneidade”, à man eira de Sartre. Husserl critica em Hume a ausência de verdad eiros fundamentos em sua teoria do conhecimento, a ausência de uma meditação acerca do fundamento último, como o teria procurado Descartes, de onde um pse udo-radicalismo humiano; a reflexão sobreo s fundamentos da filoso fia , diz ele, “entende ser a med

itação fundamental que exa mina o método de uma justif caçdo que abarca sistemati i cament e todo conhecimento cientí fico

como

33. Curiosoque exatamente Sartre, nem um pouco preoc upado com “análises inter

cionais”, toma a idéia humiana simplesmente como imagem: “Hume distingue as impressões e as idéias (...) Essas idéias não são outras que aquilo que chamamos imagens”! (Sartre 38, p. 18; Husserl 14, pp. 235-23 6). Análopo aqui ao que ocorreti no Ensaio sobrea transcendência do ego, ondeo objeto aparece simplesmente como

“unidadereal”, sem queisso implique “enigma”, Evidentemente, tomamos “análi

se intencional” aqui no sentido husserliano, tal como aparecerá adiante 34, Sobre a essência do psíquico, falaremos adiante, à luz da exposição contida em A filosof ia como ciôncia rigorosa (Musserl Id, p,

236)



LUIZ DAMON SANTOS MOUTINHO

PESO Bio OG NIPICADO

O recuoà subjetividade pura é exigência de uma verda deira teoria do conhecimento. Marcada por essa exigência, a subjetividade que se apreende é aquela que “em seus vividos de consc iência puros é a fonte originária de todas as doações de sentido, o lugar originário onde todo ser objetivo que deve poder significar alguma coisa e valer como existente para o eu cognoscente recebe sua significaç ão, sua validade”

(Husserl 14, p. 240). É no “viver subjetivo” , na vida da consciência

quesurge “toda espécie de objetidade enquanto conteúdo de sentido da

consciência”. Voltar-se para a vida da consciênci

aestá pois nos antípodas

de uma ciência “positiva”, de toda ciênc ia da natureza, no sentido lar-

go: ela ignora que o quelhe é dado, o seu domí nio objetivo, “seja em um sentido constituído de maneira imanente nas formas de consciência

da subjetividade pura” (id., ibid., p. 242). Para a ciência objetiva, o

objeto é um dado, razão pela qual Husserl a quali fica de “ingênua”: “A natureza que ela quer estudar está simplesmente aí. Vai de si que as

coisas são; (...) Nós as percebemos, nós as desc revemos em juízos simples tirados da experiência” (idem 12, p. 64). A inflexão que se impõe

Já que não me volto mais para o transcendente enqua nto “dado”, é voltar-1me paraa “produção intencional” da consciênci a: “O problema (para a ciência da subjetividade pura) é o como dessa produção, sua gênese

puramente subjetiva em tais ou tais modos de consc iência” (idem 14 Pp. 242). Assim, o factum posto fora de jogo deve ceder lugar ao como da produção intencional. C

o

o ntretanto, apesar de não praticar umareflexão radical comoa de

escartes, isto é, apesar de desconhecer 0 ego cogito,

é

nã Descartes, que é tido como pré-fenomenólogo, é E tado o não as Meditações, “o primeiro esboço de uma fenomeno logia pura” (id. ibid Pp. 225), Isso ocorre porque é com Hume que o “pro blema” do conheci. mento torna-se um problema relativo “à unid ade sintética”: “Como

chegamos cada vez a ver um tal complexo (de dados) apesar da mudança de seus elementos, como a mesma coisa ora alterada ora inalterada?

(...) Por que a mesaaqui diante de mim é identifica da por mim como uma

só e mesma mesa, mesmo se no entretempo eu deixo a peça, pois o complexo de sensações rememorado e o complexo de sensações novo que aparece agora (...) são bemdistintos um dooutro? (...) Essa unida-

de da coisa idêntica

eis o que designa um dos principais problemas de

H/

Hume” (Husserl 14,7, 250): Esse problema é radicalmente novo, Ea sua inteligibilidade plena nos levará a concluir por uma noção desub jetividade também radicalmente nova e inteiramente diversa da sata; O problema do conhecimento, posto como o problema da umidade

sintética, inflexiona a questão da teoria do conhecimento para aimpom

tro lado: “Nãose trata mais de saber comoa subjetividade podeconhe cer um exterior, mas sim como umamultiplicidade podesera apresenta ção de algo idêntico” (Moura 25, p. 224). A teoria do conhecimento

tradicional punha a questão em termos de sujeito-objeto, no sentido de uma oposição interior-exterior, no sentido de umasubjetividade “mind na” e “antropológica” e de uma transcendência dada. Mas abandona

a “atitude natural” — que é onde a transcendência aparece desdesenmpre como “Já dada” —, a consciência que está em questão é aquela quiecons titui a unidadesintética: “É nessas formações (formações essenennisda

consciência) que a objetidade (...) em geral se constitui enquanto tum

dade sintética” (Husserl 14, p. 252). Será essa constituição de umidade que permitirá mesmo falar-se de consciência de objeto, Na medida cin que a objetidade “de algumacoisaestá em suaidentidade, sem conseron

cia de identidade nenhum objeto pode ser pensável ou cognoseivol” (Moura 25, p. 225). O que significa que a “expressão “relação aolje

tidade”” não tem sentido “a partir de uma suposta passagem ou corres

pondência de um “interior” a um “exterior”, mas se compreende à pai tir da consciência de identidade constituída em uma multiplicidade de fenômenos; noutras palavras, a relação a uma objetidadeé “a capacida de, fundada na essência dos vividos objetivantes, de fundar uma cóns

ciência de identidade” (id., ibid., pp. 224-225). O problema portanto está na busca daquilo que está na origem da consciência de um objeto idêntico (id., ibid., p. 225), ou, por outra, está na explicitação do se? objeto, que é o ponto a partir do qual se poderá falar em objeto, Explicitar a origem do ser-objeto nãosignifica “explicitara origem

do ser”. A tarefa da fenomenologia “será explicitar como, para cada região, temos consciência de algo idêntico através e apesar de uma multiplicidade de fenômenos. Parautilizar uma expressão das Medita ções cartesianas, ela não será responsável pela origem do objeto, mas pela origem da “forma objeto” (id., ibid., p. 242). De onde se pode

deduzir que a fenomenologia transcendental “não vai dar conta da cons tituição da natureza fáctica, e tudo isso, seguramente, porque ela não vai dar conta do conteúdo material da experiência” (id., ibid., p. 241) Seu projeto permanece meramente formal

na

LUIZ DAMON SANTOS MOUTINHO

PENOMPROD MONIPICADO

Na busca da “forma objeto”, os conceitos tradicionais de imanência

Hu

uma imanênciareal por oposição a uma transcendência real. O conceito

vore percebida “enquanto tal” não pode queimar” (Husserl, citado em Moura 25, p. 242), Contudo, se a consciência de objeto só existe n partir da atividadesintética, é verdadeainda que “essa atividade se exéi ce sobre um conteúdo material semprejá dado, que exprimirá o lado

de transcendência, circunscrito à sua esfera, deve também aparecer. O

dental herda do eu mundano” (id., ibid., p. 255). Antes dessa atividade,

supunha, o fato de que são imanentes, mas sim o fato de “serem absolutamente dados” (Moura 25, p. 185), o que significa que a ima-

um nada; é um “campo sensível” (id., ibid., p. 242). De onde dim “identidade material” entre o transcendental e o mundano: “Orolipeto

é transcendência devem desaparecer. A subjetividade de que aqui se trata não é aquela que representa o interior por oposição a um exterior, de imanência deverá ser alargado e, em função disso, um novo conceito

não constituído da experiência, aquilo que a subjetividade transóen

que torna os conteúdos imanentes indubitáveis não é, como Descart es

o que encontramos não é um campode objetidade, “mas também fio é

nência cartesiana é apenas um “exemplo de um caso em que a aplicação de um certo critério de evidência é bem-sucedido” (id., ibid.). Se

intencional do ato é o próprio objeto material, o ato perceptivo e dirigi

do à árvore que está ali no jardim, e não a qualquer outra coisa” (ul,

encontro outros conteúdos igualmente evidentes, a imanência cartesia na

perde direitos de exclusividade, e terei que alargar o conceito de imanência, Tais exemplos “não faltam: o passado retido me é evidentemente dado, sem que ele seja imanente ao “agora”; às essências

ibid., p. 250). Filosofia de “dupla atitude”, segundo Moura, a fetratne nologia teria sempre procurado manter essa “tensão” entre transccr dental e mundano: uma identidade e diferença sempre mantida, sem “desenlace parcial”.

já que nenhuma análise as mostra como partes do fluxo dos vividos”

D

me são absolutamente dadas, sem serem conteúdos realmente imanentes

(id., ibid.).

Na medida em que o discurso da “constituição” só se coloca uma

Assim, conteúdos não contidos nos atos de consciência podem ser

vez operada a redução, é a subjetividade transcendental que deve apa

conteúdos imanentes. Nesse sentido, também as unidades constitu ídas

recer, é a partir dela que se pode pensar o problema da identidade o

se revelarão comopertencentes à esfera dessa imanência alargada: também o pólo de identidade goza da mesma evidência — a doação em

explicitar a origem da forma objeto. E aqui podemos voltar a Sartre 6 à sua crítica a Hume, de onde também umconceitode subjetividade deve aparecer. Certamente Sartre não aborda Hume preocupado em fundar

pessoa — que a cogitatio. Mas o cogitatum de que aqui se fala, enquanto circunscrito à esfera da evidência, da “imanência autêntica”, não é senão a unidade sintética. Ele é transcendência na medida em que per-

uma teoria do conhecimento, razão pela qual o “problema humiano” está inteiramente fora de cogitação. O problema é antes todo ele direcionado para a construção de umapsicologia. Tal como para Husserl,

manece o mesmo apesar da multiplicidade das percepções; na medida

em quese dá como idêntico em um processo temporal, ele é transcen -

dência. Mas enquanto pólo de identidade, ele é também imanente, já

Sartre também vê na teoria humiana umaobjetivação, decomposição

do psíquico e posterior estabelecimento de relações de exterioridade entre os elementos decompostos. Mas enquanto a crítica husserliana apontou aí a ausência de uma subjetividade que, desdobrada, redundou na subjetividade transcendental, a crítica sartriana reclama antes uma

que não é separado e exterior à consciência. Transcendência imanent e

o objeto intencional não é um exterior contido na a tem

antes “a transcendência de um ser contido no sentido “irreal”. Se o objeto é transcendente “realmente” à consciência, ele o será “idealme nte”

ou irrealmente””: o objeto idêntico é aqui um puro irreal relativamente à síntese imanente dos vividos (id., ibid., p. 188).

“espontaneidade sistematizadora”.

Pensar a consciência em termos de elementos, como o “mundo das

coisas”, será caracterizado em O imaginário como “ilusão de imanén

Sendo assim, a subjetividade constitutiva, transcendental, não pode

cia”, que consiste, grosso modo, em pensar a consciência como “um

ser tomada como o factum sujeito, como a subjetividade mundana, tal

lugar povoadode pequenos simulacros” (Sartre 38, p. 17). Essa ilusão, segundo Sartre, tem como origem “nosso hábito de pensar no espaço,

como o objeto intencional não é o mesmo que o objeto natural: “De

uma árvore pura e simples pode-se dizer que ela queima, mas umaár-

bo.

em termos de espaço”

e Hume não é senão a “expressão mais clara do

SO

LUIZ DAMON SANTOS MOUTINHO

tal ilusão” (Sartre 38, p. 17)%. Ora, espacializar a consciência, pensá-la

como um lugar, significa trazer para o “interior” dela a inércia, a passividade, a receptividade próprias do ser espacial.

O ser espacial não é pensado aqui, tal como Husserl o pensou, como

o “único capaz de ser experimentado como individualmente idêntico

em uma multiplicidade de experiências diretas” (Husserl 12, p. 81).

Em Husserl, é essa identidade que permite às ciências da natureza a eliminação dofenomenal em proveito de uma natureza queatravés dele se apresenta, e a partir daí a construção do mundo da natureza enquan-

to correlato daciência. Em função desse mesmocritério, Husserl, quan-

do se voltapara a experiência interna, encontra algo bem diferente. O

psíquico, na medida mesma em que “não é por princípio uma unidade queseria capaz de ser experimentada em muitas percepções diferentes como individualmente idêntica” (id. ibid., p. 83), é puro fenômeno:

para ele, ser e aparecêr são um e o mesmo. O psíquico “não tem nenhuma “propriedade real”, não conhece nenhuma parte real, nenhumaalte-

ração real, e nenhuma causalidade”, de onde a impossibilidade de atri-

buir uma natureza aos fenômenos(id. ibid., p. 84), de analisá-los, separá-

los em componentes, determiná-los objetivamente, como o fez Hume. Resulta disso que a naturalização da consciência,através da “análise objetiva”, implica uma deturpação do psíquico, ou ainda, conforme Husserl, numa “absurdidade pura”.

PENOMERNO TSH CAÁDO

ui

Ora, mas que significa dizer que a consciência é fenômeno, é não natureza? Na verdade, a oposição natureza-fenômeno não é aqui sendo a contraface daquele que apareceu como o “problema do conhecimen to”: a origem da consciência de identidade a partir de uma multiplios dade de fenômenos. O que Husserl critica em Hume é de fato à objetivaçãoe coisificação do psíquico, mas isso não por causa de uma introdução do inerte na consciência, mas antes por causa de uma igno

rância da intencionalidade da consciência; e por isto se entenda: a dp

norância de que é na esfera da subjetividade, no “viver subjetivo”, que

todo ser objetivo recebe sua significação. Nofato objetivo, tout court, nem sequer há a diferença entre uma representaçãono vazio e a apreen

são da coisa mesma. Recusar a objetivação do psíquico significa neu

portanto voltar à consciência enquanto doadora de sentido, signiren

voltar ao como da produção intencional. Se Hume teve o mérito do

recusar o factum, a transcendência sempre já dada, resta que a ester

da imanência é nele corrompida pelo “sensualismo”: trata-se de uma esfera composta de coisas, o que é empecilhoàintencionalidade, não à espontaneidade, como em Sartre. Daí por que, embora tenha chegado ao “problema do conhecimento”, Hume não pôde alcançar a solução,

isto é, resolver o problema da constituição da unidade sintética,

Já em Sartre a questão é bem outra. A coisificação da consciência implica de início pensá-la como inerte, passiva, e é nessa medida que se podefalar aqui de coisificação. Posto isso, é a espontaneidade mes ma com queo psíquico aparece e desaparece que se torna impensável:

uma vez inerte, a analogia com o mundo das coisas é absoluta, Será agora por ação de outro glemento igualmente inerte que o psíquico apa

45. Sartre cita o seguinte trecho do Tratado, na tradução dê Maxime David: “(...) Formar a idéia de um objeto e formar simplesmente uma idéia é a mesmacoisa, pois a referência de uma idéia a um objeto é uma denominação extrínseca de que ela mesma não leva nenhum sinal ou característica. Mas, como é impossível formar a idéia de um objeto dotado de quantidade e qualidade que não as possua um grau determinado, segue-se que é igualmente impossível formar uma idéia que não seja limitada e restrita nesses dois aspectos”. E, interpretando, diz Sartre: “Assim, minha idéia atual de cadeira não se relaciona senão de fora a uma cadeira existente. Não é a cadeira do mundo exterior, a cadeira que eu percebi há pouco; não é esta

cadeira de palha e madeira que permitirá distinguir minha idéia das idéias de mesa

ou de tinteiro. Entretanto, minhaidéia atual é bem uma idéia de cadeira. Que isso

quer dizer senão que, para Hume, a idéia de cadeirae a cadeira em idéia são uma só e mesma coisa? Ter uma idéia de cadeira é ter uma cadeira na consciência. O que o prova bastante é que o que vale para o objeto vale paraa idéia. Se o objeto deve ter

uma quantidade e uma qualidade determinadas, a idéia deve possuir também essas determinações” (Sartre 38, pp. 18-19).

recerá e desaparecerá — ação que implica exterioridade recíproca, con

forme o modelo de causalidade humiana. Ora, a objeção principal a esse modelo é, evidentemente, também a ausência da subjetividade,

mas subjetividade entendida aqui comoatividade: não háatividadeso bre um inerte sem queo atuante não sejaele próprio passivo; coisificada a consciência, o princípio de ação e reaçãose lhe aplica, exatamentetal

comoàs coisas, nem mais, nem menos. Paraafastartoda espacialização

e pensar uma atividade pura, que não envolva emsi nenhuma passivi dade, é necessário pôr a espontaneidade conforme desenvolvida no

Ensaio sobrea transcendência do ego: não umaespontaneidade à ma neira do jorro de umafonte, de um chafariz, mas uma queseja criação ex nihilo, existente porsi.

“a

LUIZ DAMON SANTOS MOUTINHO

Entretanto, não é apenasa inércia do ser espacial que é trazida para o “interior” da consciência quando ela é coisificada, é ainda a opacidade. E, se “opacidade e receptividade são as duas faces de uma mesma realidade” (Sartre 33, p. 87), é porque a opacidade implica ainda espacia -

lização: tratar-se-ia, na ocorrência, da opacidade de um conteú do da consciência, de uma coisa interna a ela. De onde se segue que uma

pura atividade implica ainda “translucidez”. O termo talvez não seja

PERSON Die So PATI AD)

a

impõe-se contudo a necessidade de eircunscrever os limites dessa cien cia. Isso será discutido na abordagem da outra “atitude” em face da imagem, a “atitude cartesiana” da Escola de Wiuúrzburp.

Hi - O MODELO CARTESIANO Coma Escola de Wiirzburg, Sartre felicita a volta do cogito enrte

bom, já que ele sugere a transparência de alguma coisa, enquanto tratai se-la aqui de consciência que não é coisa, lugar etc., mas pura e simplesmente ato. Um ato puro implica portanto ser não apenasp orsi mas ser também parasi (id., ibid., p. 90). Entenda-se: o que é para di

siano: “Tal é pois a grande novidade das teorias de Wirzburg: O pensa mento aparece a si mesmo sem nenhum intermediário” (Sartre 35, p 66), leia-se, sem imagem. Certamente a imagem ainda aparecerá como

interesse de Sartre pela imagem: não a concebemos comumente como picture na mente”, não encarna ela, com perfeição, a idéia de conteú do

rar uma esfera que escapa à psicologia, transformando assim “a pro pria concepção dos dados da intuição” (id., ibid.). Trata-se da “estera

seu conceito de consciência que reformulando o conceito de imagem . Esta

traz consigo uma nova concepção: a de queessas significações “nas

não são os conteúdos, inexistentes, mas tão-somente o ato. Daítalvez o

mental? Assim, não haveria terreno melhor onde Sartre pudess e exercitar

é não um conteúdo, mas uma consciência, uma maneir a de a consciência

dar se o objeto, e a crítica aos clássicos, a despeito de certas diferenças insistirá sobre o mesmo ponto: a necessidade de se renunciar à base sensi-

vel daimagem, concebida portodoseles, a partir dessa base, como coisa. Vê-se portanto que apesar da crítica sartriana formular-se, em parte, de maneira idêntica à de Husserl, são dois projetos distint os que

estão em jogo. Em ambos os casos, foi apontada a ausência da subjeti-

vidade na teoria humiana; entretanto, enquanto em Husserl trata-se de uma subjetividade transcendental que, vista de perto, sequer é sujeito

em Sartre trata-se de uma espontaneidade factual. Segundo Gérard I ebrun, “que 0ego se denoimine, sempre, o lugar de umaleitura eidétic a e1s O quediferencia a fenomenologia de toda antropologia mal disfarç ada que parte do Factum “sujeito” (Lebrun 19, p. 51). Entre.os dois conceitos de subjetividade, a distância é a mesma que há, para-Hu sserl entre o “mundano” e o “transcendental”. Se de um lado temos uma “subjetividade” a serviço de uma crítica da razão, de outro, temos um

sujeito factual a partir do qual pode-se fundar uma psicologia. E é nes-

se horizonte que se inscreve a crítica sartriana, não naquele de uma teoria do conhecimento. Daí por que a objeção à imagem de Hume tem

uma outra face: não apenas repor uma espontaneidade onde antes se

tinha um mundo decoisas, mas ainda delimitar, a partir dessa espontaneidade, o domínio de uma psicologia possível; se, cartesi anamente, a espontaneidade representa aqui o domínio que escapa à psicologia,

coisa, mas ao menos tiveram o cuidado, na esteira de Husserl, de sépa

transcendente designificações”. A crítica husserliana do psicologismo

poderiam, de maneira alguma, se deixar constituir por conteúdos” (ld,

ibid., p. 67). Com isso, é o “pampsicologismo” humiano que Sg

inviabiliza, a idéia de que através da imagem, elemento primeiro ou

representação singular, se produz, por indução, as significações lógi cas ou representações gerais: “A significação e a consciência de ipi

ficação escapam à psicologia”, passando a pertencer, respectivamente,

à lógica e à fenomenologia (id., ibid.). Para comprovar a tese de Hussei I, os psicólogos de Wiirzburg deveriam encontrar, experimentalmente, “estados especiais na corrente de consciência que seriam, precisamen te, consciências de significação” (id., ibid.).

O problema que então se põe é: se o domínio da psicologia encon

tra-se diminuído em relação a Hume, a que ele deverá selimitar? Ain

da: se tais estados se comprovam, apsicologia não deve também se transformar? “Quandoos psicólogos de Wiirzburg descobriram pensa

mentos puros, pensaram, pois, ter provado a existência do lógico puro,

e a sua concepção a priori do pensamento lhes ditava sua atitude em face da imagem. Esta permanece o psíquico puro em face do lógico puro, o conteúdo inerte em face do pensamento” (id., ibid.). Cavando um “abismo” entre imageme pensamento, os psicólogos de Wiirzburg reeditam Descartes, emborase trate de um “cartesianismo decaído, tom

bado ao plano do naturalismo” (id., ibid., p. 68). Em Descartes, o domínio da psicologia se encontra bem delimita

do: é que entendimento e imaginação são separados, tanto quanto O

ts

I

y LUIZ DAMON SANTOS MOUTINHO

FUNOMBBO TD GMIDICADO

pensamentoe a imagem. O entendimento , dada a existência de um “pen-

o da imagem. Na verdade,é à imagem que se distingue

O determinismo fistológico implica leis mecânicas e objetivas nã

sucessão das imagens. Nesse caso, não será o pensamento de uma-se melhança que fará surgir, “por ocasião de uma percepção, uma imagem

reaax

samento puro”, é objeto de um estudo lógi co e epistemológico (Sartre 33, p. 42), distinto da imaginação quase tant o quanto a alma do corpo; certamente, a imaginação é uma faculdade da alma, mas “a imagem é uma coisa corporal, é.o produto da ação dos corpos exteriores sobre nosso próprio corpo por intermédio dos sent idos e dos nervos” (id ibid., p. 39). A imagem é uma impressão no cérebro; quando o entendimento se aplica a essa impressão, temos a imag inação, isto é, o conheciment

vo

que se assemelhea essa percepção” (Sartre 33, p. 86).Ao contrário, é à

lei mecânica que o faz, “e é somente então que o pensamento: pode

constatar a semelhança” (id., ibid.). Com isso, é o “temadiretor” que desaparece, isto é, aquilo que, meramente psíquico, rege o escoamento

dos fatos psíquicos. O pensamento, que já aqui nãoserve mais détemim

do pensamento tanto quanto o corpo da alma; e é prec isamente por serem corporais que a sucessão das imagens é de tipo puramente mecânico: “(...) a ordem de

falar em “pensamento autônomo”, se é obrigadocontudo a reduzisló no

ciência” (id., ibid., p. 86). Ora, é para esse domínio — das imagens e também

esquizofrenia que consiste na coexistência de um sujeito autônomo:e

aparição das imagens na consciência depe nderá dos circuitos

associativos e do trajeto do influxo nervoso. Em outras palavras, um determinismo fisiológico é que regerá a suce ssão das imagens na cons-

das sensações — que a psicologia é lanç ada (id., ibid. p. 42). Diferentemente do que ocorre em Hume , onde, por ser conservada apenas a imagem, pode-se falar em “pampsic ologismo”, dessa vez o domínioda psicologia é singularmente estre itado, pois há, além da imaBem, o pensamento sem imagem. Estreita mento sem dúvida, mas é uma psicologia diferente que se propõe?

Não, certamente não, embo

ra em Descartes o problema se agrave ja que se trata de um determinismo de ordem fisiológica. Vimos que Hum

e procurou ao menos se manter no terreno do psicológico puro desc

rever os fenômenos “tais como eles aparecem ao espírito” (id ibid., p. 47). Já em Descartes parece que “reencontramoso associacionismo de Taine” (id., ibid., p. 86), de tipo fisiológico. A objeção queentão se faz

é a mesma: trata-se de mostrar que a ima gem não é sensível Dessa vez, contudo, é preciso colocar a ques tão ainda-em outro plano: * que, se contra o pampsicologismo de Hume bastourecuçar a imagem-coisa, a base desse pampsicologismo, agora, porque se delimitou domínios diferentes para a psicologia e a epistemologia, porque se diferenciou pensamento e imagem, será nece ssário mostrar ainda a impossibilidade dessa dualidade na medi da em que um domínio aparece como “espírito” e outro como “matéria ”, um como “pensamento” e outro como “mecanismo”. Trata-se de mostrar que, tal como os domí-

nos são pensados, eles não podem coexi stir, isto é, não podem constitur um único sujeito.

diretor, apenas apreende “relações entre duas espécies de objetossos

objetos-coisas e os objetos-imagens” (id., ibid.). Ora, se se pode ainda

“Juízo imediato”, à apercepção de relações entre percepções e imagens cujo aparecimento dele não depende. Daí termos aqui implícito um sujeito duplo, uma espécie de

de um sujeito cujo ordenamento psíquico é mecânico e objetivo nó limite, como em Hume, um não-sujeito. “Comose conservou a itá gem a título de elemento inerte, será limitado o domínio das sínteses

puras e veremos coexistir dois tipos de existência psíquica: o conteúdo inerte com suas leis associativas e a espontaneidade pura do espírito: Nesse caso, haverá entre o pensamento imaginativo e o pensamento sem imagens não somente diferença de natureza, mas, (...) diferença de

sujeito” (id., ibid., pp. 70-71). É a própria questão da “identidade do sujeito” — assim Sartre o entende — que se coloca: “Seria preciso uma forma sintética especial para unir o eu que pensa a cera e o eu que à imagina em uma mesma consciência” (id., ibid., p. 42). A solução é espinosana: é preciso cortar laços entre os domínios psíquico efisioló gico; “um pensamento deverá ser explicado por um pensamento e um movimento por outro movimento. (...) é preciso estudar o domínio da

consciência em termos de consciência e o domínio do fisiológico em

termos fisiológicos” (id., ibid., p. 87). Dessa mesma duplicidade são vítimas aqueles que, sob influência

direta de Husserl, estabeleceram a esfera das significações, mas deram

à imagem um caráter sensível; a questão é saber “se os psicólogos de Wiirzburg compreenderam bem Husserl, se não havia uma psicologia

inteiramente nova a constituir a partir das Investigaçõeslógicas” (id., ibid., p. 67). Talvez o erro maiordesses psicólogos tenha sido verificar o antipsicologismo de Husserl “no terreno da introspecção experimen

tal” (id,, ibid.)ora, a crítica ao empirismo não tinha como um de seus



LUIZ DAMON SANTOS MOUTINHO

pilares a recusa do processo indutivo que aquele método implica ? E

não vimos aqui como esse procedimento já trazia consigo uma

objetivação coisificante?

Ao mesmo tempo, a imagem, que tem aparecido como uma coisa, revela ter sido constituída a priori, por uma “metafísica ingênua” habituada a “constituir todos os modos de existência segundo o tipo de

existência física” (Sartre 33, p. 36), isto é, habituada a pensar em termos de espaço: é necessário portanto voltar à experiência! Mas qual

experiência, se aquela para a qual se tem apelado é umafraude? É para resolveresse problema de método que Husserl é então chamado: é pre-

ciso um tipo de experiência que não nos ponha diante do fato; expe-

riência reflexiva, sem dúvida, mas não do tipo da introspecção, que é

aquela “que procura apreender e fixar os fatos empíricos” (id., ibid., p. 97). Sartre então se pergunta: se é verdade que o erro se introdu z

quando se procuraestabelecer a lei à partir dofato, ele talvez não esteja necessariamente na reflexão; talvez haja uma “psicologia de experiê n-

cia que nãoseja indutiva. “Existirá um tipo de experiência privilegia; da que nos coloque imediatamente em contato com a lei? Um grande filósofo contemporâneo assim acreditou e é a ele que vamospedir, agora, para guiar nossos primeiros passos nessa ciência difícil” (id., ibid.,

p. 95; grifos nossos). Evidentemente, a lei é aqui um outro nome para essência, e não é senão umapsicologia eidética que Sartre reclama .

IV —- A PSICOLOGIA EIDÉTICA

PENOMBRO DMONITICADO

br

qui, se impõe a perguntar se não há mecanismo regendo a vida da cons ciência, se essa é unidade autónoma, que psicologia deve ocupar un gar da psicofísica cartesiana? Qual o domínio e quais os limites

nova psicologia?

No Ensaio sobre a transcendência do ego, O recorte da separação

dos campos, quando se procurou redefinir a consciência engquántordi

mensão pré-egológica, “purificada de todaestrutura egológica”" (Sartre 36, p. 74), significou também orecorte dos domínios das duasstren cias, fenomenologia e psicologia: “Assim, podemos distinguir; fráçus

à nossa concepção do Eu, uma esfera acessível à psicologia, (.. Jetta

esfera transcendental pura acessível unicamente à fenomenologia" (il, ibid., p. 77). De um lado, uma esfera de “espontaneidades puras” acês sível por meio de uma “redução fenomenológica” (id., tbid,, p, Hajpde

outro, a esfera do psíquico, que nada mais é que “o objeto transcendem te da consciência reflexiva” (id., ibid., p. 54).

Afirmar que o psíquico é objeto nãosignifica porém que as críticas levantadas em A imaginação à imagem-coisa ouà duplicidade de sujeito valham também para o Sartre do Ensaio sobre a transcendência do ego. De fato, apesar de ser objeto, o psíquico nãoé coisa na consciêneia; ele não é habitante da consciência, mas transcendentea ela”, Entretanto,

se a crítica de À imaginação nãovale para umapretensacoisificação da

consciência, ela vale contudo para o método proposto no Ensaio, De

fato, a transcendência do psíquicoali afirmada torna-se sempre objeto de evidência inadequada: “Se Pedro e Paulo falam ambos do amor de Pedro, por exemplo, não é verdade que umfala às cegas e por analogia

A dualidade do sujeito cartesiano se deve à coexistência de pensamento autônomo e mecanismo. Romper com essa dualidade signifi ca afirmar que toda a vida da consciência é regida por “temas diretor es”, que não há nenhuma espécie de mecanismo, fisiológicoou psicológ i. co, na origem do fato psíquico. Contra o dualismo, a autonomia da

do que o outro apreende plenamente. (...) o sentimento de Pedro (,,.) pertence para um e para outro à categoria de objetos que se pode pói

recusa análoga, se recuperou a subjetividade simplesmente ausente em Hume. São dois movimentos distintos: a afirmação da subjetividade e a afirmação da unidade daquela mesma subjetividade. Ora, assim como as objeções à imagem humiana foram ao mesmo tempo uma recusa do pampsicologismo, também agora as objeções à “diferença de sujeito”

lado, o psíquico é transcendente (observação externa), de outro, ele é íntimo (introspecção). Nesse caso, se quero conhecer-me a mim mesmo,

consciência se afirma pela recusa de todo mecanismo, assim como, por

implicam a recusa da separação daqueles domínios da epistem ologia e da psicologia, ou, melhor ainda, na recusa da psicofísica. A partir da-

em dúvida” (id., ibid., p. 76). Daí por que, ao propugnar métodos para

a psicologia, Sartre fale apenasde observação externa e de introspecção,

que, segundo ele, “têm os mesmos direitos e podem se prestar uma ajuda mútua” (id., ibid., p. 77), e mesmos direitos porque se, de um

posso bem “colecionar os fatos que me concernem etentarinterpretá-los tão objetivamente quantosesetratasse de umoutro” (id., ibid,, p. 68);

36. Ver capítulo |

a

LUIZ DAMON GANTOS MOUTINHO

PERNOMPNOS SICGNIPICADO

a introspecção será assim “um esforço para reconstituir com peças destacadas, com fragmentos isolados, o que é dado originalmente de uma vez” (Sartre 36, p. 69).

Ora, quefalta aqui senãoprecisamente aquela “experiência privile-

giada” que À imaginação quer buscar em Husserl?, aquela que nos põe

diante da “lei”, isto é, da essência, evitando por isso mesmo uma psico-

logia indutiva? De fato, o eídos é o grande ausente do Ensaio sobre a

transcendência do ego. Entre o vivido de repulsão e o “estado” ódio, não há meio-termo, não há passagem. O salto é brusco; de um lado, a

po

logia fenomenológica “começaria por fixar em uma reflexão cidéticaa essência do fato psicotógico queela interroga” (Sartre 35, p. 65). Em O imaginário, há de início a descrição da essência da imagem (idem 38!

p. 16) e, na Conclusão, a afirmação de que a “redução fenomenológica!

nos coloca “em presença da consciência transcendental”, permitindo

nos “fixar por conceitos o resultado de nossa intuição cidética daes sência “consciência” (id., ibid., p. 343). Em ambos os casos, tratasse do eidos, mas em cadacasooeidos de um domínio particular aleançá

vel por meio de reduções diferentes: de um lado, a redinção

imanência, “esfera de evidências adequadas”; de outro, o sentido trans-

fenomenológica e a consciência transcendental; de outro, a redução

tinção entre ser e aparecer (id., ibid. p. 46): não há lugar no Ensaio

de Wiirzburg deveria constituir e não o fez. Para além disso, contudo, à que interessa saber é: o que muda na noçãode psíquico com o apareei mento desse novo personagem, o eidos? Ainda, e principalmente;há

cendente, o estado ódio, que não se reduz a esse vivido de repulsão, afirmando porisso mesmo “sua permanência” e rompendo coma indis-

para uma psicologia eidética. Talvez por isso, logo que abre o capítulo

sobre Husserl, em A imaginação, Sartre já começa afirmando que as Idéias estavam destinadas a revolucionar a psicologia, “tanto quanto a

filosofia” (idem 33, p. 97). Dessa vez, procurar-se-á estabelecer um elo entre fenomenologia e psicologia, ainda desconhecido pelo Ensaio: “As principais aquisições da fenomenologia continuarão válidas para o psi-

cólogo, mutatis mutandis. Além disso, o método mesmo da fenomeno-

logia pode servir de modelo aos psicólogos”(id., ibid., p. 95). Modelo esse que deve redundar na psicologia eidética ou fenomenológica. Tal como o fenomenólogo, que, reflexivamente, “começa por se

colocar, logo de início, no terreno do universal” (id., ibid.), do mesmo modo o fará o psicólogo: a diferença é que a psicologia será ainda “uma

ciência da atitude natural”; entretanto, da mesma maneira, procurará “apreender as essências” e proceder a uma “descrição eidética” (id., ibid,, p. 105). Não certamente que a psicologia eidética deva substituir a experimental; ao contrário, deve antes precedê-la: -Não queremos

negar, certamente, o papel essencial que a experimentação ea

indução

devem desempenhar, sob todas as suas formas, na constituição da psi-

cologia. Mas antes de experimentar, não convém saber tão exatamente quanto possível sobre o que vamos experimentar?” (id., ibid., p.98). E isso só saberemos por meio de uma descrição de essência.

Esse mesmo modelo será mantido nas obras seguintes, O imaginá rio e o Esboço de umateoria das emoções. De um lado, uma redução

fenomenológica, de outro, umareduçãoeidética: “A consciênciatranscendental e constitutiva nós alcançamos pela “redução fenomenológica” ou “colocação do mundo entre parênteses” (idem35, p. 13); já a psico:

eidética e o psíquico.

A psicologia eidética era portanto a “nova psicologia” que a Escola

uma mudança no conceito de subjetividade? a consciência pré-egolópica do Ensaio sobre a transcendência do ego ganhará novas determinações? V-O PSÍQUICO ENQUANTO FENÔMENO No Esboço de uma teoria das emoções, escrito cerca de três anos

depois de A imaginação, Sartre repropõe a psicologia eidética, O mo vimento lembra aquele que já vimos, embora dessa vez haja defato um desenvolvimento da noção de psíquicoapartir do conceito de essência,

Defato, Sartre começa fazendo umacrítica metodológica à “psicologia

contemporânea” que apenas lembra aquela feita a Hume: trata-se da objetivação do fato psíquico. Dessa vez, contudo, acrítica se orienta já para as insuficiências da indução e a noçãode psíquico, e menos para à omissão da “espontaneidade sistematizadora”, comose a introdução do eídos operasse uma economia conceitual que nos levasse direto ao ponto em que deixamos A imaginação. Mas a razão não é apenas essa; é também porque naquele primeiro momento — quando se enfrentou

Hume — o embate se dava no terreno do transcendental, da consciência: agora se trata do homem emsituação, objeto da psicologia (idem 35, p. 17), que foi o ponto em que deixamos 4 imaginação. Assim, a experiência objetivante do psicólogo aquela que parte do fato aparece agora como insuficiente para reconstituir a essência do homem(id., ibid,, p. 8), não mais, como antes, porqueela recusa à

por

HOU

LUIZ DAMON BANTOS MOUTINHO

espontaneidade. Há portanto aqui uma mudançade plano. Se dessavez

o empirismo da psicologia só pode fornecer “uma soma de fatos heteróclitos dos quais a maior parte não tem nenhum laço uns com os outros” (Sartre 35, p. 9), é porque a idéia de homem queaí se alcança não é senão uma“conjectura quevisa a estabelecer conexões entre materiais disparatados” (id., ibid.). O psicólogo aparece aqui como um mero “colecionador” de fatos — precisamente o papel que lhe reservava o Ensaio sobrea transcendência do ego. Utilizando a mesma terminolo-

gia dessa obra, mas impondo-lhe limites, numa espécie de autocrítica,

Sartrediz: a “introspecção” e a “experimentação “objetiva”” fornecem apenas fatos, e “esperar o fato(...) é lançar, por princípio, o essencial para o futuro” (id., ibid. ). Um ajuntamento defatos não nos dará nuncaa lei, isto

é, a essência: é como pretender “alcançar a unidade acrescentando algarismos à direita de 0,99”. O quese reclama aqui portanto não é outra coisa

que aquela “experiência privilegiada”, reclamada por A imaginação. E o que impõe essa “experiência”? Tal é a grande novidade: ela impõe a abordagem do psíquico, não nele mesmo, não ele objetivado, mas O psíquico enquanto fenômeno de consciência. Essa é à primeira

mudança implicada pelo eídos: em vez de o psíquico ser estudado apenas objetivamente, reconstruído com “peças destacadas”, “fragmentos isolados”, comopropunha o Ensaio sobre a transcendência do ego, ele deve aparecer agora também como fenômeno. Também passa a valer para ele - na perspectiva da psicologia eidética — a equação segundo a qual “a realidade é precisamente a aparência” (id., ibid., p. 15). No Ensaio sobre a transcendência do ego, isso só valia para a consciência transcendental, razão pela qual ela aparecia como não-substancial. Já para o psíquico valia precisamente a equação oposta, isto é, ele apare-

cia como ser cuja realidade não se esgotava no vivido (o ódio não se reduza esse vivido de repulsão). Não queo psíquico seja agora mero fenômeno”. Sartre insiste em que uma interrogaçã fenomenológica

do psíquico deve apenas preceder, e não substituir, uma psicologia ex-

perimental (assim, por exemplo, a primeira e a segunda parte de O ima-

ginário). Mas é enquanto fenômeno que podemos alcançar a essência

do psíquico e por aí fornecer bases sólidas para as “seneralizações do

DoBuani aa Sd ADO

psicólogo”; té “E precise-neconhecer que só as essências permitem clas sificar e inspecionar os fatos” (Sartre 35, p, 12), Ou ainda, quando reclama uma eidética da imagem: “Não será possível (,..) perpunti primeiramente e antes de qualquer recurso às experiências (quer senil te de introspecção experimental ou de qualquer outro procedimento)» que é uma imagem?(...) Haverá afirmações inconciliáveis com aestmu

tura essencial da imagem?etc, ete.” (idem 33, p. 98),

Mas para além do fato de que o eidos fornece princípios parava psicologia experimental e permite organizar os dados da experiencia,

há ainda outra mudança fundamental implicada na idéia do psíquico fenomênico. Trata-se do conceitode significado". O fato psíquico! diz

Sartre, objetivado comocoisa, nadasignifica: eleé; 0 psicólogo o consta

ta, o isola, separa reações corporais, busca estabelecê-las com precisio

etc., mas para ele esse fato nadasignifica, é como um evento da nature za. É evidente aqui a ausência da subjetividade, mas agora não se trata apenas de restabelecer o ato subjetivo diante de uma coisa que aparées como que inanimada, trata-se antes de lembrar quea subjetividade conte re um sentido aofato psíquico: “Para o psicólogo a emoção nada signhfi

ca porque ele a estuda comofato, isto é, separa-a de todo o resto, Ela

será pois desde a origemnão-significante” (idem 35, p. 16). A conse

quência de separar a emoção, de isolá-la, é precisamente roubar-lhe à significação. Assim, tomar o psíquico como fenômeno de consciência já não significará apenas buscar“sua essência, suas estruturas particula res, suas leis de aparição”, mas também considerá-lo como significante ele é o que aparece, mas também “énaestrita medida em que significa”

(id., ibid.). Em vez defato puro, o evento psíquico deve pois serinterro

gado na medida em que é significação, e ele só significa na medida em

que é subjetivo, não um eventopuro esimples. Seo significado impli ca a subjetividade é pelasimples razãode queele não é “uma qualidade posta de fora” sobre o psíquico, mas ao contrário ele só existe na medi

da em que é ““assumido” pela realidade-humana” (id., ibid., p. 18), Vê-se portanto a que nos obrigaa psicologia fenomenológica: es tudaro psíquico como fenômeno e, por conseqiiência, como significante “Se queremosfazer da emoção, à maneira dos fenomenólogos, um vei dadeiro fenômeno de consciência, precisaremos considerá-la deinício

47. O psíquico ainda é objeto. Trata-se antes de descrevê-lo enquanto vivido, na perspectiva de sua produção,

toi

38. À seguir, veremos por que o psíquico fenomênico implica significação

tus

LIMA DBAMON SANTOS MOUTINHO

como significante” (Sartre 35, p. 16). Na pequenacrítica de molde parecido ao de À imaginação, onde passa rapidamente emrevista as teo-

rias clássicas sobre a emoção de W. James, P. Janet e da Gestalttheorie?,

fica claro comoa equação fenômenosignificante-consciência é interdependente. O critério de juízo, dessa vez, é o conceito de significação; é

poressa razão que James é já de início descartado. Na medida em que para ele “o estado de consciência dito “alegria, cólera, etc.” não é mais

que a consciência das manifestações fisiológicas, sua projeção na cons-

ciência” (id., ibid., p. 22), ele é não-significante: “A emoção não existe enquanto fenômeno corporal, pois o corpo não podeestar emocionado, na falta de poder conferir um sentido a suas próprias manifestações” (id., ibid., p. 18). O que significa que, se objetivamente percebida a emoção se dá “como desordem fisiológica, enquanto fato de consciên-

cia ela não é desordem nem caos, ela tem um sentido, ela significa alguma coisa” (id., ibid., p. 22). Avançando um pouco, Janet deverá conceder uma parte ao psíqui-

co, Dessa vez, a emoção aparecerá como uma “conduta menos bem

adaptada”, uma “conduta de fracasso” que se substitui a outra “por derivação”: “Quandoa tarefa é muito difícil e nós não podemos adotar

a conduta superior que a ela se adaptaria, a energia psíquica liberada se espalha por um outro caminho: adota-se uma conduta inferior, que necessita de uma tensão psicológica menor” (id., ibid., p. 23). Entretanto, é preciso saber: a substituição de uma conduta por outra é “automáti-

ca”? Nesse caso, em que se diferenciaria de James? De fato, se temos

uma substituição automática, nem sequer podemos falar de fracasso, ele “nadaé, não existe”: “Para que a emoção tenha significação psíquica de fracasso, é preciso que a consciência intervenha e lhe confira essa significação” (id., ibid., p. 25). Entretanto, segundo Sartre, nalguns

momentos Janet deixa entrever que “o doente se lança na conduta inferior para não ter a conduta superior”: ele “proclama seu fracasso”. Não é porque não pode descrever suas obsessões ao médico que a paciente chora, ela chora precisamente para nada dizer. Entre as duaslinterpretações há uma diferença fundamental: de um lado, o mecanismo, de outro, o fina-

lismo; apenas nesse último caso, diz Sartre, temos uma verdadeira teoria

psicológica: “Se nós reintroduzimosaqui a finalidade podemos conceber

PERO M PROTO NIVICADO

to!

que a conduta emoctonálsado& de maneira nenhuma uma desordem um sistema organizado de metas que visam a um fim” (Sartre 35, qu 27) Por outro lado, não adianta dizer que “nós mesmos nos coloenmos em estado de total inferioridade, já que nesse nível nossas exigêniins são menores” (id., ibid., p. 30), como o faz a Gestalt, se a conduto

descrita apenas como a “ruptura de uma forma e a reconstrução dei outra” (id., ibid., p. 32): nesse caso, afinalidade é posta de infelospuni serretirada logodepois. É necessário “pôr a consciência”, daraela tim papel constitutivo, pois, na medida mesma em que a finalidade supos “organização sintética”, “só (a consciência) podedar conta da final

de da emoção” (id., ibid.). Resumindo esse processo crítico, vê-se facilmente a querelenimos levou: à finalidade como estrutura essencial da emoção, à emoçió canto

dotada de significação finalista (id., ibid., p. 33). Certamente; não se

trata no Esboço de uma teoria das emoções, mesmo na pequena desorn ção que o próprio Sartre fará a seguir, de buscaro significado enquanto tal, mas apenas de descrever o “fenômeno enquanto ele significa “(tus ibid., p. 18), isto é, de mostrar a estrutura significante do fenômendash vimos queele apenas significa se concedermos à consciência um papi

constitutivo, de onde se pode começar a vislumbrar que à introdúqio do psíquico fenomênico deve provocar uma mudança não apenasvno psíquico, mas também naconsciência pré-cgológica do Ensaio sobre transcendência do ego. Se apenas a consciência, por sua “atividade sintética”, pode dar conta dafinalidade da emoção, pode-se ao menos suspeitar de que a consciência ganhou aqui novas determinações, VI — O TEMA DA TEMPORALIDADE Lembremos o Ensaio sobrea transcendência do ego: o trabalho de liberação do campotranscendental deixou-nos diante de uma consciência sem Ego, sem conteúdos, sem objetos; “vazio puro”, a consciência se

mostrou como espontaneidade não-pessoal. A constituição do psíquico se mostrou como uma “passagem ao infinito”; o ódio é unidade transcendente de umainfinidade de consciências coléricas; e quando nos voltávamos exclusivamente para a imanência (por uma reflexão

que, conforme vimos, Sartre chamou de “pura”), o que encontrávamos 39, Há ainda a psicanálise, mas, ao nosso tema aqui, a sua discussão nadaacrescenta.

ali era uma consciência instantânea de repulsão. A reflexão pura, “simplesmente descritiva, desarma a consciência irrefletida restituindo

LOM

LUIZ DAMON SANTOS MOUTINHO

PENOMPNO SI TICA DIO

lhesuainstantaneidade” (Sartre 36, p. 48). Também em A náusea vimos

isboço de uma teoria das emoções, já aparece a consciência temporal zante, Dessa vez, Sartre o diz explicitamente: “Quando jogo tênispveço meu adversário bater na bola com sua raquete e corro para a redes lh portanto uma antecipação, pois eu prevejo a trajetória da bola Mas

que no processo regressivo a temporalidade foi mais uma casca que cedeu lugar, de modo que ao final encontramos uma consciência nãotemporal, Ora, não é difícil perceber que uma consciência instantânea é incompatível com as novas funções quea introdução do psíquico fenomênico provoca. E, de fato, desde A imaginação era uma consciência

temporalizante que estava subjacente, quando se dizia, por exemplo, “que o escoamento dos fatos psíquicos é regido por temas diretores” (idem 33, p. 89). O temadiretor unifica minhas consciências, “preside

a uma série de sínteses de unificações”(idem 37, p. 20); como poderia

fazê-lo se unificasse consciências estanques? Não se compreenderia mais comofalar em “autonomia” da consciência ou mesmo em “tema

diretor”.

Mas nãose trata apenas do tema diretor. É ainda o fato mesmo de se poderfalar no psíquico como “fenômeno de consciência”. A “refle-

xão eidética” deve nos dar a essência do fato psíquico; paratal, o psíquico não podeser objetivado, isto é, não pode ser “separado de todo o

resto”: ele deve ser visado como “parte” de um “todo”; mas se “a rea-

lidade-humana não é uma soma de fatos”, e sim uma “totalidade sinté-

tica” (idem 35, p. 17), então trata-se aqui de uma síntese pura em que

não há partes independentes. Assim, a emoção não é “parte” do todo

consciência, mas é uma forma de realização desse todo. A emoção é a “realidade-humana mesmase realizando sob a forma 'emoção”” (id.

ibid.)”. Se o psíquico não pode ser aqui objetivado, separado, é exatamente porque ele é um todo.

Ora, sendo assim, se opsíquico enquanto fenômeno de consciência

revela-se temporalizante, deve-se dizer o mesmo da consciência. E de

fato: a descrição da “forma” emoção mostrou que ela, enquanto fenômeno, é de tipofinalista, o que significa que ela implica, necessariamente, temporalidade. Também em O imaginário texto anterior ao N

o

A

40, Emoção, imaginação, percepção etc. não são particularidades de um todo, a consciência, mas formas que esse todo pode tomar. Que se leia, por exemplo, a primeira página de O imaginário: “Usaremos o termo “consciência” não para designar a mônada e o conjunto de suas estruturas psíquicas, mas para nomear cada uma dessas estruturas em sua particularidade concreta. Falaremos portanto de consciênciade imagem, de consciência perceptiva etc., inspirando-nos em um dos sentidos alemães da palavra Bewussisein” (Sartre 38, p. 13).

tos

essa antecipação não põepara si mesma a passagem da bola em talon tal ponto. Na verdade, o futuro é aqui o desenvolvimento real dói

forma estimulada pelo gesto de meu adversário, e o gesto real desse adversário comunica suarealidade a toda a forma, Se se prefereça tor

ma real com suas zonas de real-passado e real-futurose realiza antera através de seu gesto” (Sartre 38, pp. 349-350). Assim, adquire um outro sentido dizer que a consecidmnen é “fenômeno”. No Ensaio sobre a transcendência do ego isso era pensado exclusivamente em função da ausência de qualquer conteúdo no campo

transcendental, tratava-se de uma consciência consciente de st (idem

36, p. 25); “fenômeno” significavaali translucidez. Porisso o psíquico

não era fenômeno: o ódio “opera(...) umadistinção entreser e aparecer, (...) ultrapassa a instantaneidade da consciência e não se prende a lei absoluta da consciência segundo a qual não hádistinção possível entro a aparência e o ser. O ódio é pois um objeto transcendente” (id. ibid, p. 46), isto é, opaco. Dessa vez, contudo, o fenômeno é pensado no horizonte do tempo: não comotranslucidez instantânea, mas como es coamento regido por tema diretor. Assim, se agora devemos fazer do psíquico “um verdadeiro fenômenode consciência” (idem 35, p. L6), não é sem dúvida porque o psíquico deixa de ser objeto: é porque a

consciência é temporalidade. Apenas na perspectiva de uma consciência temporalizante temosapossibilidade de tomaro psíquico como fenómie

no, isto é, como escoamento, não como uma meraprojeção objetivi,

Contudo, a essa altura do pensamento de Sartre, é necessário cautela

quando se fala em “consciência temporalizante”, personagem que, de fato, só aparecerá em O ser e o nada. Vejá-se, por exemplo, o diário de

guerra, escrito depois das obras que temos abordado: “Tenho uma

espécie de vergonha em abordar o exame da temporalidade. O tempo sempre me pareceu um quebra-cabeçafilosófico, e eu fiz sem perceber umafilosofia doinstante (o que Koyré me reprova uma noite de junho de 39) nafalta de compreendera duração. (...) estava muito embaraçado e vexado de me verlançado, único instantaneísta, em meio das filosofias

contemporâneas quesão todas filosofias do tempo, (...) Eeis que agora vejo uma teoria do tempo. Sinto-meintimidado antes de expó-la, sinto me um garoto” (idem 39 p, 257). O tom é de quem aborda o tema pela

106

LUIZ DAMON SANTOS MOUTINHO

PERNONIDHO TV SO NTRICADIO

| jrimeiraa vez, vez, mas mas de fato não ão éé assim: im: “Tenteii em A psique j extrair Í

aí pressuposta, de qualquer forma que a pensasse. Em A imagináçueo nada é dito acerca dela; em O imaginário, já confessa que o instantes

dialeticamente o tempo da liberdade. Para mim, era uma audácia . Mas

ainda não estava maduro” (Sartre 39, p. 257). Talvez por isso esse trecho faça parte daquele que Sartre decidiu não publicar. De qualqu er

uma “idéia limite”, inabordável (Sartre 38, p. 157); na Conclusiaçes

crita algum tempo depois, quando a nadificação heideggeriana fazesia entrada inaugural no pensamento de Sartre, uma temporalidade ex plicitamente afirmada, embora novamentenão seja tematizadas porta to, o únicolugar em queela é discutida parece ser mesmo em A psique, naquele trechosubtraído ao público. Assim, limitamo-nos apenas di

forma, deve-se notar que, mesmo nessa nova teoria, a consciência ainda

não é temporalizante, o tempo ainda “não é da natureza do para-si ”:

Nós somos tempo, mas não nos temporalizamos” (id., ibid., p. 258).

Daí por que o futuro, ao contrário do que ocorre em O sere o nada

não é para-si: “O passado é o para-si retomado pelo em-si, e o futuro é o mundo enquanto falta ao para-si” (id., ibid, p. 285), mundo que

mar que o temaestava obviamente posto para O próprio Sartre dinda

que não tenhamos acesso àsua discussão, e estava na medida mesma em que o psíquico aparece agora como fenômeno, como regido poi

segundo Sartre, não deve ser confundido estritamente “com o emcsi. O

mundo é o em-si para o para-si” (id., ibid., p. 263). Entretanto, não sendo O futuro para-si, é preciso comprimir a consciência “entre um em-si que não é mais (não é preciso dizer que o passado não é mais,

“tema diretor”, como de tipofinalista.

mas que nós não somos mais o passado no modo do para-si) e um em-

VII - RELAÇÕES INTERNAS E RACIONALISMO

si que não é ainda (mesma observação para o futuro)” (id., ibid

Enquanto fenômeno, o psíquico deve aparecer ainda Como significante; apenas enquanto fenômeno, ele significa, ele exprime A

p. 264). Assim, vista retrospectivamente, a partir de O ser e o nada, essa teoria é como um meio caminho: diferente de A náusea, onde a instantancidade era posta sem mais — já agora o tempo é pensad o a partir da “nadificação”, de umaatividade da consciência, posta no seu

realidade-humana integral, o “todo da consciência”, ou antes, elo o di realidade-humana mesmase realizando sob dada forma, Se isso tmpli

ca, de um lado, umaconsciência temporalizante, implica ainda, de ou

horizonte, não mais como uma ilusão —, mas ainda não inteira mente

temporalizante, já que o tempo aparece aqui como “o limite opaco da

tro lado, que entre fenômenos encontremos um modo tal de relação euio

possamos falar da consciência não como “soma defatos, mas como “totalidadesintética”. Ora, mas que são os fatos senão um conjunto do

consciência” (id., ibid., p. 257), nessa medida como não coincid indo

integralmente com ela.

coisas, reciprocamente exteriores? Se agora devemos abrir mão do

Sendoassim, como afirmar que a temporalidade já devia estar pre-

associacionismo humianoé, porque no curso do tempo os fenómenos

sente desde A imaginação, como fizemos anteriormente? De fato se tomamos “consciência temporalizante” no sentido acima, esse concei-

dão-se de outra forma que no modo da exterioridade, razão pela qual pode-se falar da consciência comototalidade, como síntese. Lrata-s6 aqui, seguramente, de uma “referência interior” (Moura 24, p, 43) Por oposição ao mundodaexterioridadepura, o psíquico fenomenos se nos apresenta como “interiormente relacionado”. Segundo Moura, por oposição ao mundonatural humiano, “onde um acontecimento pode ser associado por mim a um outro, mas onde nunca se pode ler em um

to só aparecerá mesmo em O ser e o nada, a consci ência como tridimensional no tempo (idem 37, p. 183). Entretanto, os novos con-

ceitos que aparecem depois do Ensaio sobre a transcendência do ego e

A náusea obrigam Sartre a colocar a questão. A temporalidade estava N

NY

41. Interessante observar que Sartre fale aqui em “extrair” o tempo da liberdade Merleau Ponty verá como umafalha na temporalidade, já agora de O ser e o nada precisamente o fato deela ser deduzida, no caso da espontaneidade (Merlea u-Ponty 21

489)

42. No capítulo 4, voltaremos a abordar a questão da temporalidade; procuraremos mostrar que o desenvolvimento desse conceito se dá de par com o desenvo lvimento

de outro conceito, introduzido a partir de Heidegger: a nadificação.

toy

evento a expressão de um outro — assim como a causa humiana era

associada, do exterior, ao seu efeito, sem comunicar-se interiormente

|

com ele” —, por oposição a esse mundo, Husserl apresenta um outro, O “mundo fenomenal”, mundo “tecido porrelações internas (...) [onde cada parte remete a outra, cada parte remete ao todo e se revela sempre

como parstotalis”, Também segundo Lebrun: por oposição à “ontolo

1OB

LUIZ DAMON SANTOS MOUTINHO

gia da descontinuidade integral” (Lebrun 19, p. 50), onde A indica B

PINÔNRO D GaNIMICADO

ns

senão a “Inerência intencional”, a “referência interior”, que constitui o

terminou: tudo é essencial e mão há nenhum gesto no qual não se ague o todo da existência humana, Nada é acidental, Sendo assimypapesm dos louvores àliberdade, é preciso convir em que não seé existemenalista, e herdeiro de Husserl, sem ser também, ao mesmo tempo, -o-últino ultra-racionalista de plantão” (Moura 24, pp. 45-46). Sartre ultra-racionalista? Defato, o psíquico fenomênico exprime totalidade, e se o faz é porque, no plano fenomênico, temos tino tn relação de exterioridade, mas de “referência interior”, Entretanto pura

nio dasignificação aderente, da expressividade total.

da em Sartre o papel constitutivo da consciência. Não é senão porcon

sem que hajaaí “uma relação de conexão evidente (einsichtig), objeti-

vamente necessária entre A e B” (id., ibid., p. 49)º, temos com Husserl

o domínio em que o significado pertence por essência a um signo, ou

por outra, conforme Moura, temos com Husserl o domín io da

expressividade universal, que, na opinião deste último, é aquilo de que

Sartre lança mão no momento em que analisa as emoções. Não é pois

mundo fenomenal como “totalidade sintética” e também como o domí-

Procurando saber “em que a fenomenologia de Husserl (...) pôde contribuir para a constituição” do “existencialismo”, Moura entende ser esta a grande herança: o surgimento do domínio da expres são. É porisso que, para Sartre, encontramos, em cadaatitude, o todo da realidade-humana: “Se o “plano existencial” nos ensina isso, é porque ele

nos mostra — garante Sartre — que “a realidade-humana não é um somatório de fatos”. Compreendamos: ela não é natureza no sentid o queHusserl dava à palavra” (Moura 24, p. 45). Agora lemos em um fenômeno a expressão de um outro: eles são “interiormente relacionados”, E então que o velho Lógosreaparece, reaclimatado ao mundo dos

fenômenos: no domínio da expressividade total, tudo exprim e tudo e nada mais é fortuito. Moura lamenta: “Os velhos naturalistas — que eram felizes — podiam mapear o mundo com as categorias de essênc ia

e acidente. No plano dos fenômenos foi essa chance, exatamente, que

além dessa inerênciaintencional, seria preciso lembrar aqui quehi

ta desse papel que a emoção apareceu aele como detipo finalista sea “finalidade supõe uma organização sintética das condutas” (Sarthe do, p. 33), o caráter organizado com que elas se dão supõe um "turma organizador” (id., ibid., pp. 33-34), que não é outra coisa que o tema

diretor” de A imaginação. Daí por que, no momento em que objetano

inconsciente freudiano, Sartre observa que, se o sentido vem detona

consciência não é consciente dasignificaçãoqueela constimui (tdpila, p. 36; grifos nossos). Certamente, o escoamento dos fenômenos imp ca referência interior, mas, se é assim, é porque esse escoamento ee

gido pelo tema diretor, pelasignificação constituída pela consciénera Enquanto assim organizada, a emoção tem essências, Mas isso nos au

toriza a afirmar que, no plano dos fenômenos, “tudo é essencial”?

Não, parece-nos que não. No Esboço de umateoria das emoções, como já no Ensaio sobre a transcendência do ego, Sartre entende que cabe à fenomenologia a esfera da imanência. Cabe a ela mostrar, pót

exemplo, que “a emoção é umarealização de essência da realidade

43. Falando da “essência do empirismo”, diz Lebrun: “No iliterior de uma ontologi

que dá validade apenas à “Anzeichen”, o empirista não pode reconhe cer à existência de significações que teriam sido concedidas não arbitrariament e e por toda a eter nidade a seus significantes. Ele não pode reconhecer que um significado pertença por essência a um signo: há apenassignos instituídos; só imDejl ados pode conferir a um signo um sentido determinado. Assim, nada mais estrânho ao empirismo que o conceito merleau-pontyano de uma “parole originaire” à qual a significação

seria aderente, (0) Analisai quanto quiserdes a impressão ou a idéia presente: ja. mais encontrareis, para estabelecer sua conexão com um outro conteúdo alguma “ota que por natureza se anteciparia ou se projetaria nela. Nada, por essência se

anuncia em uma percepção” (Lebrun 19, p. 50). De fato, trata-se aqui de outro universo, se compararmos àquele em que um toque do meu adversár io na bola me faz correr para a rede, ou daquele em que “todaexistência real se dá com suas estrutu-

ras presentes, passadas e futuras, pois o passado e O futuro enquanto estruturas essenciais do real são igualmente reais” (Sartre 38, p. 350). o

humana enquantoesta é afecção” (id., ibid., p. 66), assim como a Con clusão de O imaginário pretendeu mostrar que é por essência que à

consciência imagina. Entretanto, diz Sartre, será impossível à Leno menologia “mostrar que arealidade-humanadeva se manifestar neces sariamente em tais emoções” (id., ibid.). Denominando a fenomenolo gia de progressiva e a psicologia de regressiva, Sartre dirá que o én

contro entre elas é impossível; a fenomenologia pura, progressivamen

44. “A imaginação, longe de aparecer como uma característica de fato da consciên cia, se desvelou como uma condição essencial e transcendental da consciência, | tão absurdo conceber uma consciência que não imaginasse quanto conceber ma consciência que não pudesse efetuar o coglto” (Sartre 38, p, 361)

Ho

LUIZ DBAMON SANTOS MOUTINHO

te, deve mostrar a emoção como realização de essência, enquanto a

psicologia fenomenológica, regressivamente, dever á encontrar essências no desdobrar do vivido. Mas em nenhum caso é possível mostrar que a emoção deva ser tal ou tal: “Que haja tal e tal emoção e essas somente, Isso manifesta sem nenhuma dúvida a factic idade da existência humana” (Sartre 35, p. 66). Da mesma forma que a consciência é

contingência radical, mas para a qual são encontrada s essências, da

mesma forma a emoção: embora dotada de essências, de modos de aparição, ela é originalmente contingência. E é precisamen te por isso que “a regressão psicológica e a progressão fenomenoló gica não se tocam jamais” (id. ibid., p. 67): entre elas, cavou-se o abism o da contingên-

cia pura.

Sem dúvida está aqui aquele modelo que O sere o nada mostrava, no plano ontológico, a propósito do ser-aí (idem 37, p. 371), como vimos atrás": a partir de uma contingência primitiva — a consciência —

encontrávamos uma necessidade — a de ser-no-mun do —, e depois novamente outra contingência, a de ser-aí, preci samente aí. Modelo que

se repete aqui: a partir de uma contingência pura, temos uma necessi-

dade

a de se emocionar ou de imaginar — e depois uma nova contin-

gência: que seja precisamente esta emoção ou image m. Seguramente novas essências são encontradas para a emoção ou imagem que se rea-

liza!*, mas, naraiz delas, está à contingência, de onde a impossibilida-

de de se dizer que estamosno reino onde tudo é essenc ial.

PRRGRN OL

SIGNIFICADO

111

Seria necessário relembrar aqui aquele desgastado e célebre refrão sartriano: a existência precede a essência, isto é, há um primado da existência sobre a essência, Se esse primado se revela no primero

momento

a existência pura buscada por À náusea e, depois, à conseten

cia enquanto totalidadesintética, temporalidade, com suas formações

essenciais etc. —, esse mesmo primado serevela novamente no.segum do momento — que seja a emoção tal outale, depois, a “emoçãosfimnal dade”, a emoçãodotadade significação. Nãohá assim um mero desdo brar de essências. No primeiro caso, porque temos deinício uma don tingência original, no segundo — não nos esqueçamos de que essa seja

ração é meramente abstrata, pois, in concreto, como pretendemos tor mostrado no capítulo anterior, tudo se dá na unidade de um mesmo ato

—, no segundo momento, enfim, porque temos o papel constitutivo da consciência: o tema organizador é postoporela, livremente; é só entao que temos um desdobrar de essências. O domínio da fenomenologia

pura, progressiva, são as essências do primeiro momento, e o da psioo logia fenomenológica, regressiva, as essências do segundo momento, Se as duas “não se tocam jamais”, é porque entre elas a contingunoia do segundo momento o impede; noutras palavras, se a razão não pódo fechar o círculo sobre si mesmano “mundofenomenal”, é porque-mima

fenda incontornável a rasgou de lado a lado. Sendo assim, como falas de “ultra-racionalismo” em Sartre? E defato: ondeo ultra-racionalismo num autor que nunca se cansou de repetir que o ser é irredutível ao

saber?

45. Cf. capítulo 2.

46. Aqui não é o lugar de se falar num dos grandes temas de Sartre — a liberdade

consequência direta da contingência. Mas — para continuarmos a comparação

com o modelo de O ser e o nada — podemos adiantar que a realização de umatal ou tal emoção manifesta a liberdade; em O sere o nada, no momento de descrever os sentidos (na dimensão do para-si), utilizando-se do modelo da Gestalt Sartre diz:

“O objeto aparece sobre fundo de mundo e se manifesta em relação de exterioridade com outros “isto” que aparecem. Assim, seu desvelamento implica a constituição complementar de um fundoindiferenciado que é o campo perceptivo total ou mundo. A estrutura formal dessarelação da forma ao fundoé portanto necessária; (...) É necessário que o livro me apareça à direita ou à esquerda da mesa. Mas é contingente que ele me apareça precisamente à esquerda e, enfim, eu soulivre de olhar o livro nobre a mesa ou a mesa suportando o livro. É essa contingência, entre a necessidade e a liberdade de minha escolha, que chamamos o sentido” (Sartre 37, p. 380). Tal

como o sentido, da mesma forma a emoção ou imagem: se é necessário que a cons

ciência se emocione ou imagine, é contingente que seja tal ou tal emoção ou ima gem, e a realização de tal ou tal é manifestação da liberdade, manifestação de úma escolha. Note-se aqui a contingência na raiz da liberdade, ou, se se quiser, à hboi

dade como consequência direta da contingência. JEprecisamente devido à contin gência que aquilo que vem depois dela é escolha

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PASSAGEM ÁÃ FENOMENOLOGIA (ii *

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1-A "CIÊNCIA FUNDANTE”

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APÓS os primeiros ensaios de psicologia, escritos durante os-anos

30, Sartre, já em 1943, aparece com um “ensaio de ontologia fenomes

nológica”, obra que, apenas por esse subtítulo, muda o tom em relação

às anteriores. Isso resulta, para Spiegelberg por exemplo, numa sequêns cia surpreendente cuja conexão não parececlara; Sartre, diz ele, “ólie=

rece poucos indícios explícitos para a conexão em sua obra na sua sumo

preendente segiiência” (Spiegelberg 42, p. 471).

Para que compreendamos essa passagem, talvez valha a pena 66

meçarmos lembrandoa distinção entre psíquico e transcendental, esta belecida desde o Ensaio sobre a transcendência do ego. Essa distinção

sofreu algumas mudanças, conforme vimos no capítulo anterior”, h medida que novos conceitos surgiam; mas ela mesma, enquanto tal, permaneceu, reafirmando sempre, de um lado, o psíquico, objeto da psicologia, e de outro, o transcendental, objeto da fenomenologia, Não cabe aqui retomar as transformações que essa distinção sofreu, mas apenas lembrar o papelfundante que, para Sartre, a fenomenologia sem-

pre teve: “De uma maneira geral o que lhe interessa (à psicologia) é o

homem em situação. Enquantotal, ela é (...) subordinada à fenomeno» v.

47. Cf. cap 3, 1V e V,



14

LUIZ DAMON SANTOS MOL JTINHO

logia, pois um estudo verdadeiramente positivo do homem em situação deveria elucidar de início as noções de homem, mundo, ser-no-mundo e situação” (Sartre 35, p. 17). A psic ologia não pode “ser um come o” pela simples razão de que os fatos psíq uicos também não o são: «les

são, em sua estrutura essencial, reações do homem cont

ra o mundo: su poem Portanto o homem e o mundo e não podem tomar seu sentido verdadeiro a não ser que se tenham dein ício eluci ções” (id., ibid., p. 13). Essa elucidação, por sua VD caboToaDO logia: “Se queremos fundar uma Psicolog ia, precisaremos ir além do psíquico, além

da situação do homem no mundo, até a fonte do ho-

mem, do mundoe do psíquico: a consciên cia transcendental e constitutiva que alcançamos pela “redução feno menológica”” (id. ibid.) “Con

tudo, embora conceda à fenomeno logia esse papel de | rima philosophia,

nosso filósofo não sai do terreno da psicologia Aíi elos anos 30 desenvolve apenas, como bom discípulo de Husserl ama si-

cologia fenomenológica da imaginaç ão” e um “esboço de uma ieoria fenomenológica das emoções”. Assi m, por exemplo, em A imagina-

ção, após mostrar as insuficiências da psicologia introspectiva.e reclamar uma psicologia eidética, ele diz: “É a ele (Husserl) que vamos pedir, agora, para guiar nossos primeiro s passos nesta ciência difícil” (idem 33, p. 95). Reclamandoa influê ncia husserliana, nosso filósofo dedica-se port anto aquela área do saber cujo sent ido depende de outra

desenvolvida por Husserl. Essa imagem de “bom discípulo” deve contudo ser nuançada. Afinal, já no Ensaio sobre a transcendênc ia do ego, Sartre pretende fazer reparos ao Eu transcendental de Idéias, ainda que para estabelecer a consciência não-egol ógica das Investigações lógicas; em

À imaginação, tem dificuldade em aceitar o nóe ma irreal, por não ver como distingui-lo da imagem. Entretanto, essas objeções não repr

esentam ainda uma dificuldade a ponto de se tornar nece ssário reescrever a “ciência da consciência puratranscendental” (id., ibid., p. 97) que é como lhe aparece a fenomenologia. É verdade que na Conclusãode O imagináro Sartre passa ao plano do transcen dental, quando se coloca a questão de saber se imaginar é uma especifi cação contingente ou essencial da consciência; mas trata-se aí de reso lver um problema

não devidamente enfrentado por Husserl. Ora, o que vai ocorrer mais tarde, e causarespécie a Spiegelberg, é que em O ser e o nada é precisamente toda

a fenomenologia que está em questão, é toda ela que é reescrita Sartre se coloca de vez no plano da feno menologia pura, desenvolvendo ele

PARAPAN TI MOMENOLOGIA

mesmo aquela “ciência day conscrência pura transcendental”! Ede data no Esboço de uma teoria das emoções, citamos acima, aparece como tarefa da fenomenologia a elucidação das “noções de homem; mundo, ser-no-mundo e situação”, exatamente a elucidação de que:O geme nada procura se desincumbir: “Qual é a relação sintética que chama mos o ser-no-mundo? (,..) Que devem ser o homem e o mundo puma

que a relação seja possível entre eles?” (Sartre 37, p. 38). Assim, temos, de um lado, as primeiras obras como exercferos ido

psicologia fenomenológica; aí, apesar de algumas observações: Leno

menologia de Husserl, esta parece contudo fornecer os inatrúmentos básicos ao desenvolvimento da psicologia. Ela é já aquela “ciência di

consciência pura transcendental”. Assim ela aparece em A imagina ção... De outro lado, temos O ser e o nada se propondo a respomdos

precisamente àquelas questões fundantes da psicologia e que sámalje

to mesmo da “ciência da consciência”, Ora, o que aconteceu nesse

percurso? O que se passou com a fenomenologia de Husserl (esctnta mente também a de Heidegger) que se tornounecessário reesereve sn? Por que, além disso, tomou ela a forma de uma ontologia?

HH - O PROBLEMA DA HYLE Em 4 imaginação, a fenomenologia de Husserl parece fornecer 04 instrumentos necessários para a elaboração e desenvolvimento das cien cias positivas. Entretanto, apenas parece, Porque não é sem

considerandos que Sartre apresenta esse “grande acontecimento da fi

losofia” (idem 33, p. 97); já aí, ele detecta alguns problemas que dizéin respeito, afinal de contas, à noção de objeto intencional,

Num primeiro momento, ele procura estabelecer a posição fundanite

da fenomenologia, e estabelecê-la em condições diversas daquelas do

Ensaio sobre a transcendência do ego, de modo quese torne possível a

constituição de uma psicologiafenomenológica", Com Husserl, temos

48. Certamente, ser-no-mundo é um conceito heideggeriano, ainda desconhecido por À imaginação. Entretanto, referido no Esboço de uma teoria das emoções, eli ainda exige que se vá até a “consciência transcendental e constitutiva”, alcançável pela “redução fenomenológica” (Sartre 35, p. 13). Além do mais, a fenomenologia ainda aparece, seja a de Husserl, seja a de Heldegper, como a ciência fundante

49, Abordamos esse problema no capítulo anterior, Cf, cap, 3, ll e IV

LUIZ DAMON SANTOS MOUTINHO

“imediatamente em contato com a lei” (Sartre 33, p. 95), isto é, a es-

sência, base daquela psicologia. Entretanto, “Husserl não se contenta

em nos fornecer um método” (id., ibid., p. 99); ele lança ainda as “bases para uma nova psicologia. Essas “bases” são, de início, o conceito

de intencionalidade e sua consegiiência mais óbvia para Sartre: a recusa do conceito de “representação”. “O psicologismo, partindo da fór-

rr

Enero

Í inalmente um método — uma “experiência privilegiada” — que nos põe

PASSAGEM A PEPOMPENOLOCIA

Ei, cessf isiesagão

116

favor do objeto, a intenção se dirige para fora, para a árvore “fora de nós”, exterior, espaço-témporal, Ora, esse mesmo esquema vale também para a imagem, Como eim uma percepção, distinguir-se-á “uma intenção imaginante e uma-hyhe que a intenção vem “animar'” (Sartre 33, p. 100). Quanto à imagem,

sões coloridas, tácteis, térmicas etc., que são “representações” (id.

ela “deixa de ser um conteúdo psíquico; ela não se acha na consciémeia a título de elemento constituinte” (id., ibid.). O objeto, destacado-da hyle, situa-se “fora da consciência” também aqui. Conformecitação de Idéias, “o centauro em si mesmo não é, naturalmente, nada de psfqui co, ele não existe na alma nem na consciência, nem em parte álguin,

do Espírito-Aranhae sua baba branca reduzindoascoisas à sua própria substância (idem 40, p. 29). Husserl, entretanto, estabelecendo “uma

isso, a imagem deixa de ser “conteúdo inerte” e torna-se ato: “Conseión cia una e sintética em relação com um objetotranscendente”, A tina

mula ambígua “o mundoé nossa representação”, faz com que se desvaneça a árvore que percebo em uma miríade de sensações, de impres-

ibid., p. 99). Que se lembre aquida “filosofia alimentar”, “digestiva” e

distinção radical entre a consciência e aquilo de que se tem consciên-

cia”, “começapor colocar a árvore fora de nós” (idem 33, p. 99).

A essa altura, a hyle não oferece problemas: ela é sem dúvida “conteúdo de consciência”, mas não “o objeto da consciência”. “Certamen-

te, ele (Husserl) não nega a existência de dados visuais ou táteis, que

fazem parte da consciência como elementos subjetivos imanentes. Mas

eles não são o objeto: a consciência não se dirige para eles; através

deles visa à coisa exterior” (id., ibid.). Aqui, um pequeno parêntese:

trata-se exatamente de coisa exterior; mesmo quando, e isso desde o Ensaio sobre a transcendência do ego, o objeto intencional aparece

como “unidade ideal” de uma “infinidade de aspectos”, esse objeto,

paradoxalmente, não é senãoa coisa exterior (idem 36, p.33),0 objeto espaço-temporal”! Assim, a hjle convive aqui com a coisa em “carne e osso”; espécie de “quase vermelho”, sobre ela “se aplica a intenção

que setranscende e procura atingir o vermelho queestá fora dela”(idem 13, p. 100). De todo modo, o mérito da intencionalidade é assegurado, uma vez quea hyle não representa o inerte de que falamos nacrítica ao

f ssociacionismo humiano: ainda que “impressão subjetiva ela não é uma “impressão enfraquecida” (id., ibid., p. 87): ahyle nãoguarda tra-

ço de opacidade porque ela não é representação, porque não“duplica”.

ela é apenas uma “matéria subjetiva” que “perfila” a cor, a superfície etc.: ainda que “conteúdo de consciência”, ela é o ultrapassado em

50, Voltaremos a esse assunto mais adiante.

não existe absolutamente, é em seu todo invenção” (id., ibid.) Com gem de Pedro não é mais um “Pedro em formato reduzido”, mas uia

“forma organizada de consciência que se relaciona, à sua manetta, Pedro” (id., ibid.). Forma organizada de mesmotipo daquelas quie se

dirigem a “quadros, desenhos, fotos”, ditas imagens “externas”: “Sea imagem torna-se uma certa maneira de animar um conteúdo hilético;

poder-se-á muito bem assimilar a apreensão de um quadro como ima gem à apreensão intencional de um conteúdo“psíquico"” (id, ibid 101), como é o caso da imagem que formo de meu amigo Pedro di certamente: a imagem sendoato, forma de consciência, em nada impe de essa aproximação, para além da diversidade das “matérias” (idem

38, p. 42). A “família da imagem” se alarga, se diversifica, como “es

pécies de um mesmo gênero” (id., ibid., p. 45). É assim quea apreen

são de uma água-forte de Diirer é também imagem; na verdade, posso

apreender essa água-forte de duas maneiras diferentes: pela percepção

normal, onde o correlato é a coisa gravura, ou pela contemplação esté tica, onde nos dirigimos “para as realidades representadas “em ima

gem”, mais exatamente, para as realidades '“imagificadas”, o cavaleiro

de carne e osso etc.” (idem 33, p. 101)”. Nesse caso, a hyle é “indubi

tavelmente a mesma”, na aparição estética e na pura e simples percep

ção. A diferença se acha antes na “estrutura intencional”: a “tese” rece beu, na aparição estética, uma “modificaçãode neutralidade”. De onde

51. Citado de Idéias, edição original alemã, p, 43,

82. Citado de Idéias, edição original alemã, p, 226,

118

LUIZ DAMON SANTOS MOUTINHO

PASSAGIN A TIENOMIPNOLOGIA

a conclusãode que a matéria,isto é, a hyle, é insuficiente para distinguir imagem e percepção; é preciso pensar antes no “modo de anima-

pro

humianismo nos acostumou a acreditar, nem é precis o mais elaborar

um cheio, “como a percepção”, Se isso é admitido, o problema seara vará ainda mais depois de operada a redução fenomenológica: com eli; surgirão dificuldades que tornarão a distinção entre imagem mental'e percepção ainda mais difícil, A dificuldade se coloca na medida em que o nóemaaparececono

já sabe, comoa “teoria dos redutores” de Taine?.

que, já antes, sabia do centauro imaginado, também irreal: “Agr

ção da matéria” (Sartre 33, p. 101). Assim, já não se trata mais, entre imagem e percepção, de uma diferença de intensidade, como o

complicadateoria para distinguir o que a consciência, desde a origem, Essa distinção, contudo, diz respeito à percepção e às imagens externas; é necessário abordar ainda a imagem mental, e abordá-la perguntando evidentemente porsua hyle. Será esta a mesma que a da per-

cepção? Quando formo a imagem de Pedro, a hyle é a mesma de quando o percebo? Parece que dessa vez apenas a “estrutura intencional”

será insuficiente, pois se fossem as matérias idênti cas seria preciso

convir que a imagem mental apareceria aqui como sensação renasc ente, de base sensível, numa palavra, coisificada. Segundo Sartre , há motivos para desconfiar de que é assim para Husserl; por exemplo, quando ele tomaa rememoração como implicando a reiteração, “ainda

que em uma consciência modificada, de todos os atos percep tivos ori-

Blnais : a imagem-lembrança aparece portanto como uma “consc iência

perceptiva modificada,isto é, afetada por um coeficiente de passado”; desse modo, a lembrança de um teatro iluminado outror a percebido

implica a “reprodução da percepção do teatro iluminado” (id., ibid.,

p. 102; grifos nossos). Ou, ainda, quando concede à imagem a função

de “preencher” saberes vazios: “Se penso em uma cotovia, posso fazêlo no vazio, isto é, produzir apenas uma intenção significante fixada sobre a palavra “cotovia”. Mas, para preencher essa consciência vazia é

transformá-la em consciência intuitiva, é indiferente que eu forme uma imagem de cotovia ou olhe uma cotovia de carne e osso” (id., ibid.). A

imagem aqui parece possuir uma “matéria impressional concre ta”, ser =

x

'

55, “A imagem ordinária não é, pois, um fato simples , mas duplo. É uma sensação espontânea e consecutiva, que, pelo contraste de uma outra sensação não espontãnea e primitiva, sofre uma diminuição, uma restrição e umacorreção. Ela compreende

dois momentos: o primeiro em que aparece situada e exterior , o segundo em que onsa exterioridade e essa situação lhe são retiradas. É produto de umaluta, sua tendência a parecer exterior é combatida e vencida pela tendênc ia contraditória e

mais forte que o nervo abalado suscitou no mesmo instan te” (Sartre 33, p. 77; citado de Taine, De Dintellipence, 1, p. 99)

irreal. Sartre faz igualar esseirreal, no plano fenomenológico, Convo coisa árvore foi posta entre parênteses, não a conhecemos-maisssenmo como o nóema de nossa percepção atual; e, como tal, este nóema en

irreal, assim como o centauro” (Sartre 33, p. 103; grifos nossos) Centan ro que “também não é nada”, que “tambémnãoexiste em lugar nen” (id., ibid.)*. Ora, ocorre que, antes da redução, “encontrávamos mess

nada mesmo um meio para distinguir a ficção da percepção” (il, iba!)

a árvore em flor estava aí, coisa espaço-temporal; já o centauro “no estava em parte alguma, nem em mim, nemfora de mim” (td. ibid!)

Claro que o problema se coloca tendo por pressuposto que a “ambiva

Iência hilética”, antes observada, se repete aqui (antes, ela significava

o fato de que gravuras, fotos etc. podem ser percebidas como coisas ou

contempladas esteticamente). Supondo agora que a imagem mental é

sensação renascente, e que portanto sua hyle é a mesma da percepção, nosso problema se agrava com a redução fenomenológica na medida em que ambos, árvore e centauro, aparecem como irreais; já não tenios a árvore em flor que podíamosestreitar, tocar etc. E Sartre entende que assim parece ser para Husserl, quandoeste fala, por exemplo, chi

aparição ora caracterizada como“realidade emcarnee osso”, ora como

ficção, no interior do plano fenomenológico: é como se se tratasse de

intenções diferentes animando uma mesma matéria, isto é, comó se

bastasse a intenção para diferir “carne e osso” de “ficção”.

Ora, já vimos no capítulo anterior” as objeções levantadas contra à “sensação renascente”, ilusão de que os clássicos se mostraram viti mas. Dessa vez, contudo, trata-se do próprio Husserl, que, pelo menos no primeiro momento, parecia ter-se afastado dessa concepção; afinal,

ele distinguiu imagem externa e percepçãopelas intenções e não pelas

54. Evidentemente, Sartre é vítima aqui da tradicional confusão entre irreal no sen

tido natural e irreal no sentido fenomenológico, 55. CÍ. cap. 3,1,

] 120

, LUIZ DAMOÓN SANTOS MOUTINHO

PASSAGEM A PE HOMENOLCHLA

matérias, estabelecendo assim uma distinção “intrínseca” que nadati-

em O imaginário, sendo traduzido sempre por “matéria”

nha que ver com a intensidade humiana ou a teoria dos redutores de

mo” (Sarte 38, p. 42): a foto e a caricatura, Essa hyle, quando “anima da” por umaintenção imaginante, torna-se um análogon,; assim, en me sirvo de umacerta matéria que age como análogon, como um equiva

em que repete essa mesma concepção para o caso da imagem mental: parece que agora a distinção não pode estar apenas na “estrutura intencional”, ou, por outra, parece que agora a identificação das matéria s não pode ser feita, a menos que eu acredite poder animar uma hyle

lente da percepção” (id., ibid.); ela não deve ser qualquer, mais “deve

apresentar alguma analogia com o objeto em questão” (id; ibid, p. 45). O análogon é portanto a'matéria mesma, mas animadáe, nessa

como percepção ou imagem a meu bel-prazer”: “Desde que se trate de

uma imagem mental, cada qual pode verificar que é impossível animar sua hyle para fazer dela a matéria de uma percepção” (Sartre 33 p. 104). Será necessário afirmar, portanto, para além da diferença das

medida, representante do objeto. Ora, todo o capítulo “A família da imagem” não é senão wma des crição reflexiva desse análogon para o caso daquelas imagens extoi

Intenções, a diferença das matérias, e isso aparentemente contra Husserl

nas; a descrição, que começa com o retrato € termina com aimapem

Se no capítulo anterior mostramos apenas as conseqiiências de se to-

hipnagógica*, segueo critério em que o análogoné progressivamente diminuído nas suas qualidades representativas, fazendo crescer com

mar à imagem como sensação renascente, dessa vez será preciso apon-

é

HH = A HYLE DA IMAGEM MENTAL A hyle da imagem mental será caracterizada em O imaginário. É Z

para essa obra que a conclusão de A imaginação remete, e, já um pouco antes, ao terminar o capítulo sobre Husserl, e enumerando os problemas

que deverão ser tratados na obra seguinte, Sartre destaca entre eles o

pi oblema da hjle: “Enfim, e principalmente, será preciso estudar a hyjle

própria da imagem mental” (id., ibid., p. 105). Já sabemos que a “famíli a da imagem” envolve desde a psíquica até as imagens externas, tais como retratos, caricaturas, imitações, desenhos esquemáticos, mancha s em

! nuros etc. Em qualquer dos casos, a consciência imaginante será sempre

consciência de um objeto em imagem, e não consciência de uma ima-

gem” (idem 38, pp. 171-172). Se quero me voltar para o ato image m

preciso refletir: “A imagem como imagem não é descritível senão por um ato de segundo grau pelo qual o olhar se volta doobjeto para se

é, nos dois

últimos casos, um objeto físico, que “pode ser percebido por st mes

Laine, Husserl, contudo, se mostrará vítima daquela ilusão na medida

tar posilivamente qual a sua matéria.

[ol

isso o trabalho da consciência, via movimento, sabereafetividade: " À medida que a matéria da consciência imaginante se afasta da materia da percepção, à medida que ela é penetradade saber, sua semelhiniiçã

com o objeto da imagem se atenua. Um fenômeno novo aparecer O fenômeno de equivalência. (...) O movimentoserá hipostasiado Coina equivalente da forma, a luminosidade como equivalente da cor" (ul,

ibid., p. 107). Com o “empobrecimento” da matéria, o saber cresoe em importância, e “a intenção ganha emespontaneidade” (id., ibid. p. VOB) Assim, num crescendo, quando se chegar à imagem mental, por sta matéria não ter exterioridade, ela deverá aparecer como espontaneida de plena. Mas isso implicará tambémque, quandose chegar à image mental, a própria reflexão não possa mais ser operada dada a tão exterioridade da matéria. E de fato: naqueles primeiros casos, “quando a consciência propriamente imaginante se esvanecia, restava um fes duo sensível que se podia descrever: eraatela pintada ou a mancha do muro” (id., ibid., p. 111). Dessa vez, contudo, areflexão aniquila, junto

à consciência imaginante, a matéria que lhe servia de análogon: “Não

dirigir à maneira pela qual esse objeto é dado” (id., ibid., p. 15). Essa

reflexão não é outra que a reflexão eidética, no plano da psicologia

Assim, é preciso, de início, colocar-se de acordo quanto a isso: uma

representação mental, umafotografia e uma caricatura que têm por

objeto meu amigo Pedro são maneiras diferentes de visar ao mesmo objeto, que não é “nem a representação, nemafoto, nema caricatura: é meu amigo Pedro” (id., ibid., p. 41). A hyle = termo que não aparece

56. Por exemplo, uma mancha em um muro: o saber, através dessa mancha, é ninda

os movimentos, que se tornam simbólicos, criam a imagem. Mas a mancha não é posta como provida de propriedades representativas, e portanto o objeto da imagem não é posto como existente. Se essa Lesé neutralizada é substituída “por uma tono positiva”, se é conferido à mancha “um poder de representação”, eis que estamos “em presença da imagem hipnagógica” (Sartre 38, pp. 78-79)

a

LUIZ DAMONSANTOS MOUTINHO

permanece resíduo quese possa descrever, encontra mo-nos em face de uma outra consciência sintética que nada tem em comum com a primei-

ra

(Sarte 38, p. 112). Em função disso, será preci so “abandonar o ter-

reno seguroda descrição fenomenológica e volta r à psicologia experi-

mental” (id., ibid.), ou, se se quiser, será preci so abandonar o terre

do “certo” e passar ao do “provável”. o Ora, comisso nosso problema parece se complicar, pois afinal, conformesabemos, a hyle da percepção aparece sempre acessível à reflexão: C ada Erlebnis” é feita de tal forma que exist e uma possibilidade, em princípio, de dirigir o olhar para ela e para os seus componentes

reais ou, numa direção oposta, para onóema”, diz Sartre citando Husserl

(Idem 33, p. 103)7. Já a hyle da imagem mental, ao contrário por ser pura mente psíquica, não resiste à reflexão. Perde mos, assim qual

uer pá ssibi lidade de uma resposta positiva acerca de uma possível“ambiva lência hilética” entre percepção e imagem menta l. Mas será de fato assim? Pela razão mesma dessa impossível com-

paração não encontramos uma resposta bastante que ateste a inexistên-

cia daquela ambivalência hilética? Parece que sim, e para isso basta que nos leinbremos de que, se a hyle da imag em mental é “conteúdo psíquico”, é verdade também queela é trans cendente. e isso é assegurado ainda noterreno do “certo”; essa trans cendência é afirmada dada

a necessidade para a matéria da imagem ment al de ser já constituída

em objeto para a consciência” (idem 38, p. 110). Ora, é precisamente

essa transcendência que inexiste na hyle da perce pção. Trata-se, nesse caso, de elementos subjetivos imanentes: são “dad os visuais ou tácteis que fazem parte da consciência como elemento s subjetivos imanentes” mas que "não são o objeto” (idem 33, p. 99). Essa imanência da maté-

ria da percepção, por seu lado, é o avesso do caráterpassivo da percep-

ção, por oposição ao caráter espontâneo da imag em mental, na qual a matéria é inteiramente constituída, produto de noss espontaneidade: ! Ima consciência perceptiva se aparece como passi vidade. Ao contrário,

uma consciência imaginante se dá a si mesma como consciência imaginante, isto é, como uma espontaneida de que produz e conserva o objeto em imagem” (idem 38, p. 35). A espontaneidade vai aqui a

ponto de constituir uma matéria psíquica trans cendente que funciona

PASSADIUM APEHOMPNOLOUIA

aa

como análogon. Ora, isso não. é razão bastante para se afirmar uma

dessemelhança entre às duas matérias? Não, de fato não, Basta que consideremos o caso anterior, à grávu ra de Diirer, A hyle da percepção é imanente, e isso atesta bastantera passividade da percepção, Entretanto, se tomamos essa mesma pravima

como imagem, na qual a hyle se mantém, já não podemos mais falar do

imanência. De fato, a espontaneidade mesma da imagem, na pedida

em que anula a passividade da percepção, anula igualmente a hylo em quanto imanência: toda matéria de toda imagem é transcendência: Kan zão por que, quando serefere à reflexão a propósito da imagetyextor

na, Sartre fala não de “resíduos impressionais”, mas de um “residia sensível” que não é senão a própria tela pintada ou mancha do muro também aqui o conteúdotranscendente se aniquila com a reflexão como

ocorre no caso da imagem mental; daí por que precisamos “refazer der

tos movimentos”, deixar novamente “agir sobre nós as linhas e as 00

res” (Sarte 38, p. 111), numa palavra, “reconstituir” o análogon?;A

partir daqui é forçoso concluir que imanência num caso etranscenden cia no outro não são garantia de dessemelhança entre as matérias: De qualquer forma,aindaque a naturezada hyle da imagem méntal seja mera hipótese, pode-se assegurar comcerteza não ser ela de base sensível. Em O imaginário é a vez de objetar a Husserl, que apaíeos agora como vítima de fato, não apenas suspeito, como em A imagitá

ção, da “ilusão de imanência”. Sartre cita novamenteas Investigações

e retoma a tese do “preenchimento” (Erfiillung): “Se penso “andor

nha”, por exemplo, posso ter de início apenas umapalavra e uma sig ficação vazia no espírito. Se a imagemaparece, faz-se uma nova sinto

se, e a significação vazia torna-se consciência plena de andorinha” (id,

ibid., p. 118). Essa tese, segundoSartre, é “chocante”. À objeção a ela é feita pela lembrança de que a imagemé ela mesma uma consciência; em vez de preenchimento de significação, trata-se antes de “significa

ção degradada, descida ao planodaintuição” (id., ibid., p. 04). Assim,

na imitação, por exemplo, se os elementos propriamente intuitivos são

pobres, eles serão substituídos pelaafetividade, de modo quese realiza

o objeto em imagem (id., ibid., p. 63): há aqui “mudança de natureza”,

não preenchimento(id., ibid., p. 64). Considerando, entretanto, o caso

exclusivo da imagem mental, Sartre apontará como análogon as im pressões cinestésicas, mais amplamente os movimentos, o objeto afeti

57. Citado de Idéias, edição original alemã , p. 206.

vo (id., ibid, p. 161), a palavra (id. ibid., p. 169) ete,, nunca “dados

visuais ou tácteis”, Assim, por exemplo, quando fecho os olhos e traço

134

LUTA DAMONSANTOS MOUTINHO

um “8” com o indicador; uma formaserá visualizada irrealmentesob re a impressão cinestésica real (Sarte 38, p. 158). Ora, a que nos levou tudo isso? Sem dúvida, levou-nos além daquela “aparência de resposta” (idem 33, p. 104) que A imaginação le-

vantou, e que consistia apenas em apontar umasíntese passiva para a

percepção e umasíntese ativa para a imagem, explicação husserl iana que, deresto, Sartre subscrevia “inteiramente”. E continuou a fazê-lo em O imaginário; apenas dessa vez procurou mostrar em que consist e defato a matéria da imagem mental. Entretanto, é lícito perguntar: isso responde integralmente aos problemas levantados em A imagina ção”? Basta simplesmente mostrar a Ayle desprovida de caráter sensíve l para que aqueles problemas tenham sido resolvidos? Aparentemente, sim. Havia de início a observação de que Husserl

parecia supor uma “ambivalência hilética” entre percepção e image m

mental; em função dessa ambivalência, colocava-se a dificuldade adi-

cional em se distinguir uma coisa da outra no plano fenomenológico.

Assim, desde que se mostre a dessemelhança das matérias, tudo de fato parece resolvido. Entretanto, devemos nos lembrar de que, se a

ambivalência hilética apareceu como um problema — ela supõe ser a imagem mental uma sensação renascente -, esse problema se agravou com a redução fenomenológica, e se agravou porque um elemento novo foi introduzido: o nóema irreal. Afinal, “antes da redução ”, sabíamos,

malgrado aquela ambivalência, distinguir uma coisa da outra: agora, “uma vez feita a redução”, já não sei “distinguir o centauro que imagino da árvore em flor que percebo” (id., ibid., p. 103). Esse elemen to novo parece constituir-se aqui num problema a mais, pois agora a pró-

PASSAGEM A PRPNONTERNOI CHUTA

IV

O TEMA DA REDUÇÃO FENOMENOLOCICA

 No Ensaio sobre a transcendência do ego, à redução só pode soi entendida à luz da distinção prévia estabelecida entre dois tipós de re flexão, distinção que, com matizes diversos, será retomada em User é

o nada: a reflexão pura e a reflexão impura. Já abordamos osso aaa no capítulo 1%. Lembremos apenas que a reflexão impura é a

constitui o Ego, enquanto aoutra nãoultrapassa os dados da conse fe

cia. A redução fenomenológica aparecerá como um “ato rel lexivo Pago

que entrega a consciência a si mesma “como espontaneidade nas PR

soal” (Sartre 36, p. 73). Na medida em que deve ser apreensão 4a ú

dadeira espontaneidade, isto é, da consciência pura sem Ego, a rt dus jo fenomenológica exige “ser realizada sem nenhuma motivação antonio i

(id., ibid.). É a motivação psicológica, por exemplo, na origem E LM todo cartesiano (“empresa de um Eu”) queo faz encontrar “um Eu cin A seu horizonte” (id., ibid.). O cogito é aqui impuro, H conta a de apesar porque, possível será lado, A redução, por seu

cia constituir o Ego “como umafalsa representação de si mesma (ie

36, p. 82) e com o objetivo “de mascarar à consciência sua pre espontaneidade” (id., ibid., p. 81), esse esforço não será “jamais corri p tamente recompensado”: “Basta umato simples de ref lexão para qui h

espontaneidade consciente se arranque bruscamente do Eu e se o 6 in independente” (id., ibid., p. 84). Evidentemente, trata-se de uma réi 4

pria árvore, coisa do mundo, aparece comoirreal: eis aqui a outra face

xão não motivada, razão pela qual a epokhé aparece não como “ut

no interior do plano fenomenológico, tornado irreal como o centaur o que imagino. Evidentemente, esse problema se coloca “uma vez feita à redução”. Talvez consigamos uma boa pista para aclarar a nossa questão se seguirmos atrilha da redução, a maneira pela qual ela aparece na

evitar”, “um evento puro de origem transcendental e um acidente nem

do problema. Se a distinção das matérias resolve a questão da hyle da imagem mental, ela deixa intacto o problema do nóema da percepção

obra de Sartre.

milagre”, não como “um métodointelectual, um procedimento sábio”, mas antes como “uma angústia que se impõe a nós e que não podemos pre possível em nossa vida quotidiana” (id., ibid.). Assim, ao cont tt 9 do que acontece em Husserl, não operamos a redução, ela nos a ont ce, ela se impõe a nós, tal comoa náusea. Já não é mais um método, um procedimento, mas um acidente na nossa vida: é a espontaneidade que, por acidente, livrando-se das amarras do Eu, se nos impõe decisivamente

58. Cf. cap. 1 e Sartre 37, pp. 201 e ss

[ab

LUIZ DAMON SANTOS MOUTINHO

PASSAGEM A FENOMPROLÓOGIA

Mas não durará muito essavisada do Ensa io sobrea transcendência do ego. Já na obra seguinte, em A imag inação, desaparece por completo esse caráter acidental da redução. Ela é agora um “método”, um

v al

“inspiração”, Já os “últimos capítulos” representam um afastamento so Husserl, não ainda, é certo, a ruptura mais profunda acontecida em ( sere o nada”, mas um afastamento, Parece-nos que “os últimos capítulos”, não indicados porSartre, são na verdade a quarta parte cu Conclusão da obra, o que representa cerca de um terço dé O imaginário: Nãoporque apenas aí apareça o nomede Heidegger", mas porque só ai é introduzido o conceito ser-no-mundo, e Que implica esse conceito? Lembremos que 0 problema da ( on o

“procedimento” que permite uma “intuição de essências” (Sartre 33, p. 97). Da mesmaforma em O imaginário. A redu ção fenomeno

lógica aparecerá como “método” e adequado apenas ao campo da fenomeno-

logia, por oposiçãoà redução eidética, aplicada no terreno da psicologia. Ede fato: naprimeira parte da obra, quandoo assunto era psicolo-

gia, foi operada a redução eidética. Já na Conc lusão, quando pela primeira vez Sartre passa ao plano da fenomeno logia, quando se volta para a consciência transcendental, a questão do método já não aparece

sãoé saber se “a função de imaginar é uma especificação contingentes

metafísica da essência “consciência” ou (se) ao contráriodeve ela Sei descrita como umaestrutura constitutiva dessa essência

(Sartre dis

tão simples. Começa reafirmando que a redução fenomenológica nos coloca “em presença da consciência transcendental”, permitindo-nos

p. 344). Problemaquedeveria ser abordado pela redução cnomeno gica, mas que não o será devido à ignorância francesa dos méço a

mento! Porque, logo a seguir, ele afirma: “Essa questão (a de saber se a funç

des do “método regressivo” da análise crítica: “Quedeveser uma sem ciência para poder imaginar?” (id., ibid., p. 345). Os resultadosaí a

“fixarpor conceitos o resultado de nossa intui ção eidética da essência consciência” (idem 38, p. 343)º. Mas isso apenas no primeiro mo-

fenomenológicos”. Assim, a questão deve tomar outra forma, nos rol

ão de imaginaré essencial ou contingente) deveria poder se regular pela simples inspeção reflexiva da essê ncia “consciência” e é assim que tentaríamos regulá-la de fato, se não nos dirigíssemos a um público ainda pouco acostumado aos méto dos fenomenológicos. Mas, como a idéia de intuição eidética repugnaai nda a muitosleitores fran-

dos serão “comparados” àqueles que nos dá a “intuição car toslana , lizada pelo cogito” (id., ibid.). Esse é o “viés” pelo qual escapamop( : redução, redução cuja possibilidade, tenhamos isso presente, convivi aqui com o conceito ser-no-mundo. = ad Para introduzir a regressão, Sartre estabelece de início o carága

ceses, usaremos de um viés, isto é, de um método um pouco mais complex

específico da imagem, pelo qual ela se distingue da Lembrança og

o” (id., ibid., pp. 344-345). Observe leitor que esse é o primeiro momento em que Sartre é posto diante da necessidade de operar a redução fenomenológica — e simplesmente não a opera.

e

ser visado no vazio (pelas intenções vazias — por exemplo, os at abe 504

do tapete escondidos pela cadeira). E entre todas as caracter Ísticas o tabelecidas no primeiro capítulo da primeira parte”, válidas para aimé

gem externa ou mental, Sartre retoma a terceira delas: A conscié rá A imaginante põe seu objeto como um nada”, Conforme já dista minha imagem de Pedro “é umacerta maneira de não tocá lo, de não

B Conforme escreve Sartre em seus diári os, os “últimos capítulos” de O imaginário não foram escritos sob “ins piração” de Husserl. Segundo ele, na verdade toda a obraé escrita “con tra” Husserl, “mas tanto quanto um discípulo pode escrever contra seu mestre” (i 39, p. 226).

vê-lo, uma maneira que ele tem de não estar a tal distância (...) Nai sentido, pode-se dizer que a imagem envolve um certo nada, Cem ma

viva, tão tocante, tão forte que seja uma imagem, ela dá seu objeto

Parece-nos que o “contra” se deve aqui à recusa do caráter sensível da hyle da ima

como não sendo” (id., ibid., pp. 34-35)..

gem mental, ou, por outra, à recusa da tese do preenchimento. De qualquer modo, mesmo que “con tra” Husserl, ainda sob sua

e

60. De que falaremos adiante,

59, Já o mostramos com mais detal hes no cap, 3, IV,

Santo 36.0. 58)

61, Ele já é citado no Ensato sobre a transcendência do ego (Sartr , p. ssa aa “influência”a” de de Heidegp Heidegper 62. “Quan Quando Sartre, presumidamente, ainda não sofrera

[H8

É

LUIZ; DAMONSANTOS MOUTINHO

PASSAGEM A DNOME ROL COLA

cãoAssi beim m, , reto retomada mad: no processo 3 regressiv i o, essa será à primeira condioa À que uma consciência possa imaginar: é prec

iso queela tenha ar ? sibili lade de pôr umatese de irre alidade” (Sartre 38, p. 351), ou Seja y da, é Iprec reciisso queela tenha a possibil ibilidad idad e de pôr o nada. Po Pois aome

pres mr ent:A o é a apreendo nad ST a (rie j n), isto é, eu ponho o nada (emny)) (i

(1d. do ibid. p. . 349). . Dessa f.orma, Epode-s e afir i mar que

a questãâ o Pa re aqui um novo escopo: regr essão a propósito da imagem, de eos ato;masmas éapenas enquanto é por ela | que a consciên iênccia i põe pô o nada, ou o ue no é por ela que ato negativo se realizaS, E aqui, tal

comoem Pr enri i poBergs gsm o Nada éé sempre relativo j ; supondo um “há prévio” un

adoJ d r. º » Pp. 58), o Nada-de-alguma-coi isa é posterior logicamente ssa vez, ele aparece relativo à “totalid ade do real”: “Pôr uma imagjem a onsttitu ituii r um obje é cons j to àà margem datotalida i de do real, é ter o real 159) eta, dele se libertar, em uma palavra, negá -lo” (Sartre 38 p

: : 2). Assim, CarlosVIII, objetoirreal , deve aparecer

sempre “fora de alcance em relação à realidade” (id., ibid.) N Or Ora, aqui qui mesmo outra condiç içãão se reve ve la: para que o ato negativo “Ze, será necessária a apreensão da “totalidade do real” ou antes

| á nece 3Cces ssár sári io que a consciên 1ê cia ia * “possa pôr o mun do em sua totalidadesi esntética”. . Entretanto » essa cond ição içã ultrapassa d e longeam csd diçãoodaa imaim: gem, Pois j apreendera totalida i de ado real é consàtituí-lo loccom omo o tdo, O que, repetindo Heidegger, Sart re chama “nadificação”: “PA Ser

o mundono o como mundo d ou “nad 'nadific ificá. á-lo” é uma só “ee mes mesma ma eoi coisa” ç (id po” as Id., Ip.$ ). E essa apreensão ã do real como mundo, por

sua vez, só é ssivvel el se a cons Onsciên c cia estáà situ si ada, se ela é-no -no-mundo, termo últi último da regressã ssãoo:: é preciso i que a consciência esteja j a “em “ situ açã Í ão n mun : do” de e ela “sej “seja-no-mundo”, para que haja “con stituiçãoé o é nad nadi. ticação c ne

o mundo (id., ibid., p. 357). Assi m,a regressão partindo d ima| gem, , chegou ao ser-No-mundo como sua conndiç diç ã o nada | ão; : post Po Posto, exig e aar ge cas apreensão d a tota Í E

2

.

.

.

.

lidade do real, , isto isto é,é do mund doocom como , njuntosintético, ou ainda: o Nad a exige a apreenis ão do Todo, e esse , | or sua vez (que , sse dá no ato de nadifica ificaçã ção), exig e x i e a situação . ã D ao mui ido e3 daí daí ao « ser-no-mundo: eis i as fases da regressãana o anal lít íticica a

o)

Mas o método, conforme vimos, não pára por aí; ele exige ainda a “comparação” com o que nos oferece o cogito”, Vejamos o que aceroa disso nos diz Sartre: “Essa consciência livre, com efeito, cuja natureza é ser consciência de alguma coisa, mas que, por isso mesmo, se const tui a si mesma em face do real e que o ultrapassa a cada instante porque ela só pode ser “sendo-no-mundo”, isto é, vivendo sua relação como real comosituação, que é senão simplesmente a consciência tal tamo se revela a si mesma no cogito?” (Sartre 38, p. 357). De um único golpe, o cogitolegitimao ser-no-mundo e seuconceito correlato, o dê nadificação; o cogito reclama aqui o mundo, E de fato: “A condição mesma do cogito não é de início a dúvida, isto é, ao mesmo tempo a constituição do real como mundoe sua nadificação (..)” (id,, ibid)

Exigência um tanto singular: não será ela mesma “a consciência sa pode ser “sendo-no-mundo”” — a razão mais profunda, para além da ignorância francesa, da dificuldade com a redução, redução que preoi samente põe o mundo “forade jogo”, “entre parênteses”? Por ora, dei xemos essa questão em suspenso; lembremos apenas quea nadificação

implica ainda “ultrapassamento”: a “consciência (...) se constitui à si

mesma em face do real e (...) o ultrapassa a cadainstante porque ela só pode ser 'sendo-no-mundo”, isto é, vivendo suarelação ao real como situação” (id., ibid.). Ou, poroutra: “Todoexistente, desde que é posta, é por isso mesmo ultrapassado” (id., ibid., p. 359); na verdade, nadificai o mundo é constituí-lo por ultrapassagem. Ora, mas para ondeé ultra

passado o existente?

Segundointerpretaçãosartriana de Heidegger, do texto ao qual re mete essa discussão, Que é metafísica?, o para-onde em Heideggeré 6 nada, tido por Sartre como“extramundano” (idem 37, p. 55)º, Essa € à interpretação presente em O ser e o nada, mas temos razões para crer que é já aquela de O imaginário. Nãoserá por outro motivo que o para

64. Trata-se da garantia de verdade. Sartreutiliza esse mesmo procedimento em sere onada: após a regressão, a reflexão.

65. “(...) de queserve afirmar que o Nada funda a negação seé para fazer em segui da umateoria do não-ser que separa, por hipótese, o Nada de toda negação concre

63.“ À primeir: cambéis parte er e o nada também 4 prira . pa te dede O ser contém uma regressão analítica é a propósito de uma conduta que envolve o negativo E dea O “4 +.

ta? Se eu emerjo no nada para além do mundo, como esse nada extramundano pode

fundaresses pequenos lagos de não-ser que encontramos a cada instante no seio do

ser? (,.) É preciso verdadeiramente ultrapassar o mundo para o nada e voltar om seguida até o ser para fundar esses juízos quotidianos?” (Sartre 37, p. 55)

130

LUIZ DAMON SANTOS MOUTINHO

onde em Sartre aparecerá emnítida oposição a Heidegger. Essa oposição se constituirá numa clivagem importante no pensamento de Sartre.

Pouco importa aqui a justeza da interpretação; importa-nos saber por que o Nada ultramundano deve ser recusado. E para compreendê-lo

talvez devamos recorrer à crítica bergsoni ana à idéia de Nada; essa crítica nos ajudará a compreender a objeção de Sartre a Heidegger e o papel do negativo no seu pensamento.

V- OBJEÇÕES AO NADA HEIDEGGERIANO A

A crítica à idéia do Nada em Bergson procurará exat amente mostrar como essa idéia “não corresponde nem a uma experiência pura, nem está implicada em qualquer experiência possí vel” (Prado Jr. 31,

p. 50). Entretanto, ainda que não haja exper iência do Nada, “é incontestável que se fala do Nada” (id., ibid.). E esse falar “postula o Nada como horizonte do Ser”. O problema, contudo, diz respeito não ao que

é dito, mas ao que é “efetivamente pensado”, de onde a necessidade, apesarde tudo, de se procurar saber “se o vocab ulário do negativo nasce de umaexperiência do próprio negativo” (id., ibid.). Mas, de fato, a

experiência do Nada se revelará impossível ; a imaginação, que, por

sucessão de eliminações, pretendeu chegar a ele, se verá “aprisionada no interior da Presença” (id., ibid., p. 51). Essa impossibilidade, no entanto, relaciona-se ao Nada absoluto, pois, por meio do exame da experiência da imaginação, um “Nada parcial” (id., ibid.) apareceu: “A imagem propriamente dita de uma supressão

de tudo não é jamais formu

lada pelo pensamento. O esforço pelo qual tende mosa criar essa imagem consegue simplesmente nos fazer oscilar entre a visão de uma re-

alidade exterior e a de umarealidade inter na. Nessevaivém de nosso espírito entre o forae o dentro, há um ponto , situado a igual distância dos dois, em que nos parece que já não perc ebemos um e que ainda não

percebemos o outro: é aí que se forma a imagem do nada” (Bergson2,

p. 731). Aqui, pois, o Nada como “realidade derivada”, nada relativo:

“Nada-de-mundo ou Nada-de-consciência” (Prado Jr. 31, p. 52), “não

os dois ao mesmo tempo” (Bergson 2, p. 731).

[41

PASSAGEM A DE BOMIPNOLDGLA

Não é todavia apenas um nada relativo que aqui se revela: 6 poda aa posterioridade do nada, Ocorre o mesmo no queserefere À e va at uma por mas Nada quando constituída não pela imaginação, conceitual, pois se se pode conceder que não imaginamos O Idéia se ainda pretender que o concebemos, como ocorre com 0 quis polígono de mil lados. O resultado é o mesmo, pois para que aja a

“abolição” de todo objeto da experiência -0 Nada não sendo prt abolição integral —, “E necessário que a reiteraçãoda opei a So ir ve o seu passado” (Prado Jr. 31, p. 58), passagem justamen o ç dia

tória, pois, na verdade, a supressão de qualquer coisa corre ao posição de um outro existente” (id., ibid., D- 54): é quenã : B ue

“jamais a ausência do que quer que seja” (Bergson 2, p. : du ausência só sendo possível “para um ser capazde lembrança e espera” (id., ibid.). O Nadasignifica pois um “não mais | ou um ni

da-não”, resultado de negação “essencialmente local , razão pe , o a negação continua aqui “relativa”. Se a conservação de ne gaçt ou a

sadas visando ao Nada absoluto é contraditória, é porque a nem Ri implica sempre afirmação do outro. Assim, 0 Nada absoluto maça em que ver com o quiliógono, este sim concebível ele é ante! impensável, como o “círculo quadrado” (Prado Jr. 3 | , P a). nes Tampouco a mera representação donegativo, que “ N f am ne

tência total pura e simplesmente, sem o recursoda a olição,| : eva ao Nada. Na verdade, uma representação tomada como Ine xis enn A

mesma se tomada como existente, já que, conforme

à argume , Açu

kantiana contra a prova ontológica”, a existência não é um pre dica ” Assim, um objeto pensado como inexistente implica de Infe ope e como objeto, portanto existente, e depois pensai que uma 0 ae dade, com a qual ele é incompatível, O suplanta

(Bergeon, ci N o

id., ibid., p. 57). Daí por que “há mais, não menosna idéia de u oojoto concebido como “não existente” do que na idéia desse mesmo o º concebido como “existente” (Bergson, citado em ido, ico P. o n negação é assim dependente de uma dupla afirmação: a al a am terior do objeto mesmo em questão e a afirmação da realic f (o tor |

que suplanta esse objeto. Também aqui, novamente, e r ' tao

posterioridade do negativo, a necessidade do Ser prévio sobre

ele se aplica.

qui

1ã2

LUIZ DAMON SANTOS MOUTINHO

B

Ura, que temisso a ver com a recusa sartriana do nada além-mundo de Heidegger? Sabe-se que para Heidegger o Nada não se revela como objeto ou comoente, ele se revela, ao contrário, “juntamente com o

ente em sua totalidade” (Heidegger 10, p. 238), se revela com ele de uma única vez. Como em Bergson, não se trata de uma “destruição do

ente”, de umanegação a partir da qual se atingiria então o Nada; ocorre antes o contrário: o Nada vem a nós, ele “nos visita” na angústia. Se, conforme observa Bento Prado Jr., Heidegger, em Que é metafísica?, “teproduz o itinerário de Bergson” (Prado Jr. 31, p.37,n. 20), é verda-

de também que aqui ele se separa: o Nada será não uma “ilusão”, não uma “miragem”, mas a rejeição que remete “ao ente em suatotalidade

que desaparece” (Heidegger 10, p. 238). A essa remissão que rejeita, Heidegger denomina “nadificação” (Nichtung), e, enquantotal, enquan to

remissão que rejeita, o ente aparece “como o absolutamente outro — em

face do nada” (id., ibid., p. 239). Sim, o Nada não é resultado de destruição, de abolição, ou mesmo resultado de uma negação, mas se é

assim € porque “opróprio nada nadifica”, de onde, na interpretação de

Sartre”, o nada como “vazio indiferenciado ou como alteridade que

não se (põe) como alteridade” (Sartre 37, p. 54). Para Sartre, o nada

aparece aqui como “cingindoo ser por toda parte e, por isso mesmo , expulso do ser” (id., ibid.). É o Nada aqui desempenhando “função transcendental”, razão mesma da “impossibilidade” em ser pensado

como objeto (Prado Jr. 31, p. 37, n. 20): ele aparece como “possib ilitação da revelação do ente enquanto tal para o ser-aí humano” (Heide gger IO, p. 239).

PAGSAGUM ATI NOMBNOLOGIA

154

ce estar nas análises de Bergson, que, para Sartre, “permanecem váli das: um ensaio para conceber diretamente a morte ou o nada de ser está votado por natureza ao fracasso” (Sartre 38, p. 359), Poraqui se vêque o Nada absoluto, quea crítica bergsoniana revelouser “miragem”, pa rece ser aqui identificado ao Nada de Heidegger, que Sartre entendo como “extramundano”, já que o pensa no movimento de ultrapas samento”. Daí por que esse ultrapassamento se faz para o imaginário (nada do mundo), não para esse “vazio indiferenciado”, e para compreendê-lo basta fazer o movimentoinverso de O imaginário;nho mais regressivo, mas progressivo. C O ser-no-mundo apareceu-nos comoa condição última revelada pela regressão analítica. O ser-no-mundo, sempresituado, implica uma pe! manente “nadificação” do mundo, isto é, uma permanente ultrapassa

gem do mundo. Ora, essaultrapassagem, que implica uma posição da totalidade do real (que se revela mundo), só podeserfeita se do lado de lá “algo” se põe por relação a essa totalidade; é precisamente o que ocorre com a imagem, que só se constitui por relação à totalidade do

real: “Para que meu amigo Pedro me seja dado como ausente, é preciso que eu tenha sido levado a apreender o mundo como um conjunto tal que Pedro não poderiaaí estar atualmentee para mim presente” (id,,

ibid., p. 355). Mas para que isso ocorra é preciso ainda que esse “algo” seja um nada — já que se põe porrelaçãoàtotalidade do real, Eé essa

igualmente, conforme vimos, acaracterística da imagem: ao me repre

E à esse nada por meio do qual “o mundo recebe seus contornos de mundo” (Sartre 37, p. 54), “alteridade que não se põe como alterida-

sentar Pedro “eu apreendo nada” (id., ibid., p. 349). Assim, temos aqui o nadapara o qual há oultrapassamento, o nada do outro lado do mundo, mas que, conforme acrítica bergsoniana, “não

para-onde se dá o movimento deultrapassamento. E éexatamente aqui

pode se dar senão comoinfra-estrutura de. alguma coisa” (id., ibid,, p. 350). Isto é, um nadade algumacoisa, que se define enquanto tal pot

de”, que Sartre não dá o seu assentimento. O nada entendido como o que surge a referência a Bergson; segundo Sartre, o ultrabassame nto se

taz sempre, necessariamente, “para alguma coisa”, e não»para nada. Ou melhor, se faz sempre para o nadade algumacoisa. E a razão pare-

fere): , que + se cp trata front: da 21 Ppretaçã 66. Verdade interpretação de O ser e o nada, mas que, a nosso ver, em já ade O imaginário, conforme dissemos acima.

relação a alguma coisa — no caso, porrelação àtotalidadedo real =, que

se coloca por oposição a essa totalidade. Assim, “o resvalamento do

67. Certamente, o Nada absoluto criticado por Bergson, o da metafísica clássica, não é o de Heidegger: o Nada extramundano não é o “abismo original”, não é ante rior ao ser. 68. Não há em Bergson, certamente, a totalidade, o avesso apenas do nada absoluto

134

LUIZ DAMON SANTOS MOUTINHO

PASSACINMA DIMOMPENOLOGIA

mundo no seiodonada e a emergência da realidade-humana ness e mes-

|)

mo nada”, diz Sartre à maneira de Heidegger, mas opondo -se-lhe, não

se dão no nadapuro, total, mas “pela posição de alguma coisa que é

145

nada em relação ao mundo e em relação a que o mundo é nada” (Sartre

Para além dessas observações, há contudo uma distinção ainda mais funda, entre Sartre e Heidegger, no que se refere à nadificação, Para Heidegger, o termo mesmo = nadificação só se coloca uma vez Jem

tro lado doexistente. Ora, mas isso não implica que “toda percepção do real deva se in-

umanegação; ao contrário, é na medida em que se compreende que sua “essência” é a “remissão que rejeita o ente em totalidade”, é nessa me

38, p. 359). Eis precisamente como se dá “a constituição do imaginário”. E portanto pelo ato mesmo de imaginar que passamos para o ou-

verter em imaginário”, ou que a imagem seja permanentemente posta, tal como em Heidegger a angústia, que revela o nada, não nos acossa

permanentemente. Entretanto, “mesmo se nenhuma image m é produzi-

da nesse instante, toda apreensão do real como mundo tende por si mesma a se acabar pela produção de objetos irreais”(id., ibid., p.356). E se isso não ocorre é simplesmente porque a produção da imagem exige uma “intenção particular”: o mundo leva em si “sua possib ilida-

de de negação, a cada instante e de cada ponto de vista, por uma imagem, ainda que a imagem deva ser constituída por uma intenção par-

brado que o nada não aparece como resultadode uma destruição ou de

dida que se pode falar em “nadificação”: o nada não como resultado de uma negação, mas para alémde toda negação. É precisamenteo signi ficado de “o próprio nada nadifica” (Heidegger 10, p. 238), como se

quiséssemos dizer: “O nada se alimenta de si mesmo”, se isso, nho

tornasse o nada um ente, rompendo precisamente com o que ocotie na revelação do nada, ou seja, o emudecimento “de qualquer dieção do “é” (id., ibid.). Não há portanto um algo sobre o qual se aplica à

“dissimulação” do nada, que se deve ao fato “de nos perdermos, de

nadificação; há, sim, uma “relaçãonadificadora”, um “comportamento nadificador”, como a negação, a frustração, a privação, todas fundadas no “nadificar do nada” (id., ibid., p. 240). Elas testemunham a “cana tante (...) revelação do nada”, mas revelação “obscurecida”, “que so

mos enquanto tal, e tanto mais nos afastamos do nada” (Heidegger 10

que nadifica”, mas a consciência, umavez que não se trata mais de um

ticular da consciência” (id., ibid.). Em Heidegger, trata-se antes de uma

determinada maneira, absolutamente junto ao ente. Quanto mais nos voltamos para o ente em nossas ocupações, tanto menos nós o deixa-

P. 239). Por essa razão mesma, a angústia é “rara”. Entret anto, num

caso e noutro, a nadificação é “ininterrupta” (id., ibid.).

Não se trata portanto, se pensamos em Sartre, de que apenas na

constituição da imagem o mundo apareça como conjun to sintético; tra-

ta-se antes de que “há sempre e a cada instante para (a consci ência)

uma possibilidade concreta de produzir o irreal” (Sartr e 38, p. 358).

Inversamente, será apenas pela produção do irreal que a nadifi cação se descobrirá, tal como em Heidegger, o nada se revelando apenas na angustia: “Quando o imaginário não é posto de fato, o ul rapassamento e

a nadificaçãodoexistente estão colados ao existente, o ultrapassamento

e a liberdade estão aí, mas não se descobrem, o home m está esmagado

no mundo” (id., ibid., p. 359).

mente a angústia originariamente desvela” (id., ibid,), Já em Sartre, as coisas se passam de outro modo, Já não é o “nada

nada ultramundano, “expulso do ser” (Sartre 37, p. 54). Trata-se antes

de um nada de ser, que se coloca em relação à totalidade do real; trata

se de um nada que, ao contrário do que ocorre em Heidegger, é alteri dade que se põe como alteridade; a imagemé o outro lado do mundo, O para-onde é ultrapassadoo existente, é o nada, mas nada em relação ao mundo. Por isso ele já não exerce “função transcendental” (Prado Ji

31, p. 37, n. 20), como o fazia em Heidegger, já não é mais “possibili tação de revelação do ente enquanto tal para o ser-aí humano” (Heidegger 10, p. 239); nempoderia exerceresta função, pois se trata

de um nada cuja posterioridade é bemdefinida: nada do mundo, Não que Heidegger afirme aanterioridade do nada, tal como o faz a metafi sica clássica criticada por Bergson, mas, ao tomá-lo como “meio infi

69. Em O sere o nada, diz Sartre: o Nada que “tira de sia força necessária para “so nadificar'” (Sartre 37, p, 58)

Lã6

LUIZ DAMON SAB TOS MOUTINHO

nito” (Sartre 37, p. 58), ignora que o nada só pode dar-se, e Bergson o teria mostrado, “como umainfra-estrutura de alguma coisa” (idem38,

p. 58). A nadificação torna-se assim não o indicador de uma espécie de subsistência do Nada, mas o modo mesmo pelo qual a consciência apreende o real constituindo-o como mundo. É a consciência, não o nada, que nadifica.

PASSAGEM A FENOMENOLOGIA

14)

do uma síntese, mas sendo ela própria a negação; por exemplo, “a cona ciência não é extensa”, Não há aqui “terceiro homem para constnids

que duas substâncias inertes, a consciência e a extensão, não ten reli

ção de pertencimento (rapport d'appartenance)" (Sartre 39, p. 21H); É a própria consciência que deve ser como não sendo a extensão. éla

mesma “é seu próprio nada de extensão” (id., ibid. ). Segundo Sartre: já

não se trata aqui de uma negação que é como uma “categoria” fu, ibid., p. 217), “ligação categorial e ideal” (idem 37, p, 223), comu no

VI - O SER-NO-MUNDO

caso precedente, mas de uma negação em queo não torna-se “cara te

A Seé pelas mãos de Heidegger que o conceito ser-no-mundo aparece na obra sartriana, esse conceito surge porém marcado por objeçõe s,

conforme umaleitura toda própria de Sartre. Leitura essa que deverá se modificar em vários aspectos já na obra seguinte, O ser e o nada, ou melhor, já em Diário de uma guerra estranha, obra póstuma escrita

rística existencial” (idem 39, p. 218)”, Ou, se se quiser, o não júrulio

mais no nível dojuízo, mas como modo deser.

Para que isso seja possível, para que a consciência seja negação da

extensão, “é preciso que ela encubra no mais profundo de seu set titia relação unitária com essa extensão queela não é” (id., ibid. pi 219) Trata-se aqui de uma “ligação tão íntima quanto possível”, “unidade

sintética” suposta pela negação. Sartre dá um exemplo servindoda idéia de contato. Se mantenho umadistância, porinfinitesimal que'seja,. entre dois objetos, não possodizer que eles se tocam. Mas tampótico

cerca de um anodepois da Conclusão de O imaginário. Já aí o conceito ser-no-mundo aparece com novo sentido. E para mostrá-lo é necessá-

posso fundir um ao outro, pois, ainda que “relação íntima”, o colitato

guerra estranhaa tese de O imaginário: a posterioridade do nada. Há uma prioridade do Ser sobre o Nada (idem 39, p. 169)”, diz ele, ou do

de assegurar, ao mesmo tempo que a ausência dedistância, uma sepa ração que, contudo, não pode ser infinitesimal, nem sequer pequena

consciência aparece como nada. E, também aqui, a questão do nada se

“quando duas curvas são tangentes uma a outra” (idem 37, p. 227) Retomando o mesmo exemplo de Diário de uma guerra estranha,

ro falar aqui, novamente, do nada. Sartre retoma em Diário de uma

real sobre o possível (id., ibid., p. 53). Dessa vez, contudo, o nada já não aparece nafigura da imagem, mas, pela primeira vez, a própria

esclarece pela análise da negação. Há dois tipos de negação: umaé aquela que reclama o concurso da

consciência (“a mesa não é o tinteiro”, “o papel não é poroso”); esse concurso se reclama na medida em que “não está no ser do papel não

ser poroso” (id., ibid., p. 217). Outra”, que altera os dados do problema, é aquela em que a própria consciência, “a consciência que nós somos” (id., ibid., p. 218), está envolvida diretamente, não mais operan-

70, Afinal, o título da obra seguinte é O sere 0 nada, não o oposto.

71. Em O sere o nada, Sartre denominou, respectivamente, negação externa e interna (Sartre 37, pp. 233 e ss). Ver-se-á adiante que a negaçãoi nterna é precisamente o que Sartre chama nadificação.

não é fusão: é necessário garantir a separação entre os objetos, Trata-se

aqui, nada deve separar os objetos (id., ibid., p. 222). É o que ocorre

Sartre dirá: se se permite ver apenas a extensão em queas curvas são

tangentes, “seria impossível distingui-las” (id., ibid.), pois nada as se

para. Mostradas, entretanto, em sua inteireza, “nós as apreendemos

novamente como sendo duas sobre toda sua extensão”. Isso não ocorre porque realizamos uma “brusca separação”, mas porque “os dois mo vimentos pelos quais traçamosas duas curvas para percebê-las envol

72. Existencial aqui no sentido definido por Heidegger em Ser e tempo: “Todas as

explicitações que resultam da analítica do ser-aí são obtidas à luz de sua estrutura de existência. E é porqueeles se determinam a partir da existencialidade que cha maremos existenciais Os caracteres do ser-aí”, Existenciais que, por sua voz, pó opoem às categorias, que são “determinações de ser (,..) características do ente aque não é um ser-af” (Heidegger 9, 4L 44)

138

LUIZ DAMONGAÁNTOS MOUTINHO

vem cada um umanegação como ato constituinte” (Sartre 37, p. 227). Assim, “umapura negatividade” separa as duas curva s ali mesmo onde

elas tangenciam, negatividade que é a “contrapartida de umasíntese

constituinte” (id., ibid.).

Ora, é segundo essa forma sintética que Sartre pensa aquel a “rela-

ção unitária” entre consciência e extensão, relação suposta pela nega-

ção: só na base dessa“relação original”, a consciência, “sem interven-

ção contemplativade um terceiro homem”, pode “não ser a extensão”

(idem 39, p. 219). E preciso um tipo de presença da exten são à consciên-

cia

que em Diário de uma guerra estranha Sartre chama investissement

(id., ibid., p. 220) — de modo que apenas não sendo a extensão a consciência possa lhe escapar. Essa relação primeira — se tomad a à consciên-

ciae a “totalidade do em-si” —, pensada com a negaç ão: eis o que Sartre

agora denomina “ser-no-mundo”; ela implica “uma aderê ncia imediata

e sem distância do mundo ao para-si” (id., ibid., p. 221), e assim constit ui aquilo que mais tarde será denominado “identidad e negada” (idem 37, p. 227). Trata-se aqui de uma relação de conta to do mundo com a consciência (idem 39, p. 224), unidade ou síntese que tem uma negatividade como contrapartida, ou, se se quiser , a nadificação.

B

Ora, já aqui se pode visualizar a distância entre essa idéia de serno-mundo e aquela de O imaginário. Se antes a nadif icação era entendida como um“ato” duplo, que envolvia ao mesmo temp o “o ato de pôr

o mundo comototalidade sintética e o ato de “recuar” com relação ao mundo” (idem 38, p. 354), dessa vez é precisamen te o recuo que se

torna impensável, e isso porquese constituiu agora uma “unidade sin-

tél ica” (idem 39, p. 219) entre consciência e mund o: “O movimento de nadificação do para-si não é um recuo. Se à nadif icação se acompa-

nhasse de recuo, elaseria nadificação de nada recai ria no em-si. (...) Ão contrário, a nadificação implica uma aderência ime jata e sem dis-

tância do mundoao para-si”(id., ibid., p. 221), de onde precisamente a idéia de que“a consciência está em contato com o mundo” (id., ibid. Pp. 223). Em vez de recuo, trata-se antes de um “desabamento

(elfondrement), uma descompressão” (id., ibid., p. 263).

Mas não se trata apenas de umasíntese que aparece. É aindao fato

mesmo, até então ausente na obra de Sartre, de a consciência aparecer como o negativo, o que implica novo sentido para o conceito de

PASSAGEM À FEBNOMIENOLOGIA

LAO

nadificação, Se em O imaginário era recusada a idéia heideggeriana segundo a qual “o próprio nada nadifica”, dessa vez, como que se cof rigindo e voltando a Heidegger, novamente o nada nadífica, mas com uma diferença que a passagem por Bergson não eliminou; de fata, O nada em relação ao mundo que era a imagem torna-se aqui a própria consciência: nessa medida, o nada, ou a consciência, nadífica. Mia

ainda: o nada recobra a “função transcendental” que havia perdido cm O imaginário; ele aparecerá novamente como condição de possibilida

de da experiência, comoo que torna possível a existência de um olijeto

para a consciência. Ou, mais precisamente, já não o nada, pois ele

posterior, não ultramundano, pois ele é ainda nada de alguma Coisa,

mas a relação de que ele é membro”, Porora, entretanto, deixemos vim suspenso essa questão e voltemos ao problema da redução, Parece nos que já reunimos aqui alguns elementos que permitem responder à ques tão que formulávamos atrás. C

Dizíamos que a redução não era praticada na Conclusão de O ima

ginário sob alegação de uma ignorância francesa dos métodos

fenomenológicos. Mas será de fato assim, seali já aparecia o conceito

ser-no-mundo? Nãoserá a idéia mesma de que a consciência está sem pre situada, de que ela só pode ser “sendo-no-mundo”, a razão mais profunda pela qual a redução não pôdeser praticada? Redução, era O

que lembrávamos, que pretende exatamente pôr o mundo “fora de jogo”,

“entre parênteses”? Sartre de fato faz coexistir no mesmo texto o conceito ser-no-mundo e a possibilidade da redução, coexistência cuja impossibilidade é apontada por O ser e o nada: “O concreto é o homem no mundo com esta união específica do homemao mundoque Heidegger, por exemplo,

73. Poder-se-ia indagar: para não ser tal ser não é necessário um conhecimento prévio desse ser? Só posso saber se não sou um japonês ou um inglês se tenho

conhecimento prévio desses seres. Mas a negação de que falamos, diz Sartre, nho « a distinção empírica; trata-se antes de uma “relação ontológica que deve tormmar toda experiência possível e que visa a estabelecer como um objeto em geral pode extatir para a consciência” (Sartre 37, p.

constituí-lo como tal, CL, id, ibid

224).

Não tenho experiência do objeto antes de

tão

LUIZ DAMON SANTOS MOUTINHO

PASSAGEM A PEHOMEBNOLOCGIA

chama “ser-no-mundo”. Interrogar a “experiência”, como Kant, sobre suas condições de possibilidade, efetuar uma redução fenomenológica, como Husserl, que reduzirá o mundo aoestado de correlativo noemático da consciência, é começar deliberadamente pelo abstrato. Mas não se

chegará jamais a restituir o concreto pela soma ou a organização dos elementos que foram abstraídos” (Sartre 37, p. 38). Ora, o que há de

VIE

lá1

O SER TRANSFENOMENAL!

à Sartre fala dessa ruptura em Diário de uma guerra estranha, quan

específico em O imaginário, que a redução não aparece ali como abstração, mas como possibilidade (verdade que não efetivada, dada a ignorância francesa...)? Parece-nos que isso podeser compreendido se

dotrata dainfluência que Heidegger exerceusobreele, Segundo Sartre, para que essa influência ocorresse de fato foi preciso que, antes, elo tivesse “esgotado Husserl” (Sartre 39, p. 226). Fala, por exemplo, de

sentido que terá logo depois, já em Diário de uma guerra estranha e

1934, respectivamente, e do fracasso que foram essas leituras; dá ulti

lembrarmos que o conceito ser-no-mundoaí referido não tem o mesmo

sua primeira leitura de Que é metafísica? e de Ser e tempo, em 19400

mesmo em O sere o nada. E de fato: esse conceito exprime agora uma unidade sintética” entre consciência e mundo desconhecida por O. imaginário; trata-se de um “investissement” do mundo, uma “ausên cia

ma obra, por exemplo, não ultrapassou cinquenta páginas, Sentimentio uma “repugnância” por essa “filosofia bárbara e tão pouco sábia apos à

de distância” (idem 39, p. 223) que tornam impossível o recuo antes

admitido.

|

Assim, em O imaginário, “o ato de pôr o mundo comototalidade

sintética e o atode “recuar” com relação ao mundo são um só e mesmo ato. Se podemos usar de uma comparação, é precisamente colocandose à distância conveniente com relação a seu quadro que o pintor

impressionista distinguirá (dégagera) o conjunto “floresta” ou “ninféias” da multidão de pequenos toques que ele aplicou sobre a tela” (idem 38,

P. 354). Já agora, tornando-se totalidadesintética, é à redução mesma

que o ser-no-mundo põe abaixo: precisamente por separar uma totali-

dade queela agora será acusada de “abstração” (idem 37, p. 38).

Desse modo, parece que o problemaadicional surgido em À imagi-

genial síntese universitária de Husserl”, para ele “mais acessível”, dada

a sua “aparência de cartesianismo”. Ao Sartre “husserliano”, a filosofia de Heidegger parecia então

“novamente caída na infância”; passaria quatro longos anos vendo “tudo através das perspectivas” de Husserl, até esgotá-lo: “Para mim, esgotar um filósofo é refletir em suas perspectivas, fazer idéias pessoais à sua custa até que eu caia em um beco-sem-saída” (id, ibid, p. 226)", À última obra escrita sob a influência de Husserl é À psique; depois dela,

diz Sartre, “pouco a pouco, semque eu me desse conta, dificuldades se acumulavam, um fosso cada vez mais profundo meseparou de Husserl”, As dificuldades deveriam aqui conduzi-lo ao beco-sem-saída, aponta do pelo próprio Sartre: “Suafilosofia evoluía no fundo para o idealis mo, o que eu não podia admitir e sobretudo, como todo idealismo ou

nação também se encontra resolvido. Lembremo-nos de que a reduçã o

como toda doutrina simpatizante, suafilosofia tinha sua matéria passt

consigo um nóemairreal: era “uma vez feita a redução” que eu não

intencionalidade)” (id., ibid.)”. Eis aqui o ponto-chavederuptura com Husserl: a evolução de suafilosofia para o idealismo consubstanciada no nóema irreal. É nessa medida que na Introdução de O ser e o nada

implicava ali uma dificuldade à parte, pelo fato mesmo de ela trazer

tinha mais como“distinguir o centauro que imagino da árvore em flor

que percebo” (idem 33, p. 103). E esse problema parece

resolver na

va, sua “Hyle”, que uma forma vem modelar (categorias kantianas ou

medida mesma emque a própria redução aparece como umeerro. Essa solução contudo não nos satisfaz: ela deixa em suspenso a questã o da natureza do nóema, ou, emtermos sartrianos, a questã o da natureza do

ser, Não é poroutra razão, senão para resolver esse problema, que, já na Introdução de O ser e o nada, Sartre, qual um proustiano, parte “em

busca do ser” perdido, e perdido por Husserl ao torná-lo um irreal, Essa busca consumaráa definitiva ruptura com o antigo mestre.

74. Quatro anos que vão do Ensaio sobre a transcendência do ego a À psique (ou à Esboço de uma teoria das emoções). Exclui-se aqui a Conclusão de O imaginário, escrita depois e, muito provavelmente, a Introdução do Esboço de uma teoria das emoções. Voltaremos a esse assunto adiante.

75. Desanti se equivoca quando aponta, entre os três culs-de-sac que Sartre encon

trou na fenomenologia de Husserl, o Ego, pois ele o recusou no momento em que ainda era (e permaneceu) “husserlano”, Em seu lugar, precisaria falar da hyle

l42

PASSAGIUNDAPECA E ORA Dea DA

aparecerá o ataque à hyle, já que é a partir dela que se podeconstituir o nóema irreal, conforme interpretação de Sartre.

mas não ao ser (Sartre 37, p. 27), Com efeito, a passividade só pode referir-se a uma “maneira de ser”, não ao próprio ser: “Sou passivo

B À busca do ser começa pela observação de que “o pensamento

moderno realizou progresso considerável reduzindo o existente à série

po

LUIZ DAMON SANTOS MOUTINHO

144

quando recebo uma modificação de que não sou a origem (..,) Assim,

meu ser suporta uma maneira de ser de que não é a fonte, Somento, para suportar, é ainda preciso que eu exista, e assim minha existencia

se situa sempre além da passividade” (id., ibid., p. 25). Sea passivida

de aparições que o manifestam” (Sartre 37, p. 11). Com isso, vêm abaixo todos os dualismos que turvavam filosofia. Na verdade, nem to-

de atingisse tambémo ser, já não haveria distinção entre criador é era tura: “Se o ser criado é sustentado até em suas mais ínfimas partes, So

estará na origem doerro husserliano: o dualismo do finito e do infinito. Deinício, o existente não se reduz a uma série finita de manifestações na medida mesma em que “cada uma delas é uma relação a um sujeito em perpétua mudança” (id., ibid., p. 13). Além disso, se a série

distingue de nenhuma maneiradeseu criador, ela se absorve nele fids; ibid. )'. Já não teríamos senão uma“falsa transcendência”, um nadas à passividade é portanto “relação de um ser a umser, e não de um, sem a um nada” (id., ibid.).

dos os dualismos. Há ainda um outro, de que Husserl é vítima, e que

tossefinita, as primeiras aparições não teriam “a possibilidade de rea-

parecer” ou, pior ainda, elas poderiam ser “dadas todas ao mesmo tem-

po” (id., ibid.). Dois absurdos que exigem a série infinita. A própria aparição, se “reduzida a si mesma sem recurso à série de que faz par-

te”, nada seria senão “plenitude intuitiva e subjetiva”. É assim que o

objeto, se deve ser transcendente, e não plenitude subjetiva, exige que a apar ição se faça “sempre transcender”: o objeto mesmo “põe por princípio a série de suas aparições comoinfinitas” (id, ibid.). Eis aí, segundo Sartre, o novo fenômeno husserliano. Aqui, a realidade da coisa é substituída pela objetividade do fenômeno, e essa objetividade é fun-

dada por sua vez “em um recurso aoinfinito” (id., ibid.).

Ora, aondeisso nos levará? Sem dúvida, direto ao não-ser, aonóema

irreal! Sartre abordaessa questão nas seções IV e V da Introdução. De início, na seção IV, começa porrecusara tese husserliana de que esse (ser) € percipi (ser percebido), tese que em Husserl se efetiva na medi-

da em queo ser mesmo do percipi aparece como constituído, verdade que não por um sujeito “no sentido kantiano do termo”, mas por uma subjetividade entendida como “imanência de si a si” (idibid., p. 24).

Para mostrar que “o ser do percipi não pode se reduzir àquele do

perciptens isto é, à consciência” (id., ibid.) —, Sartre começa por “um examedas exigências ontológicas do “percipi” (id., ibid.). “ss€ exame mostra de início que “o mododo percipi é o passivo” (id »ibid., p. 25); Sartre fala aqui do modo; que se atente bempara isso,

pois não setrata do ser do percipi, pois o que o exame deverá mostrar

é que precisamente a passividade podedizerrespeito à maneira deser,

não tem nenhuma independência própria, (...) então a criatura tino -se

Certamente, assegurar aqui a verdadeira transcendência (ou séso

quiser, a “transfenomenalidade”) é mais um round na luta contra Husserl, pois, na interpretação de Sartre, a consciência husserliana pretende

constituir, fundar o ser do percipi, justamente torná-lo passivo no sou ser mesmo. Isso, porém, não é tudo. É preciso lembrar ainda que, na

medida em que “a passividade do paciente reclama uma passividade

igual no agente”, conforme o princípio de ação e reação (id, ibid);

nessa medida mesma Husserl será obrigadoaintroduzir a passividade na nóese, noutras palavras, a criar a hyle: ela representa a passividade

do lado de cá, já que para constituir ser é também necessária a passivi dade no constituinte. Dessa vez, contudo, ao contrário do que ocorria

em A imaginação, a hjle aparecerá como“ininteligível”. Verdade que só agora ela aparece ligada ao temada constituição, e é sob esse prisma que ela apareceinaceitável: a hyle agora implicapassividadee, portan

to, opacidade. Dessa vez, pouco importa se ela não é “conteúdo de consciência”, como A imaginação lembroudiversas vezes: isso já não

surte efeito. Agora, a hyle já não pode ser da consciência, porque ela “se esvaneceria em translucidez e não poderia oferecer esta base

impressional e resistente que deve ser ultrapassada para o objeto” (id,,

ibid., p. 26). Ser “híbrido”, meio consciência, meio coisa, a hyle é uma

76. A contingência sartriana não é pois da mesma ordem que a contingência crista, se se entende por esta que uma dada ordem natural dependa, em seu ser mesmo, de uma Providência, na qual o próprio existir dependa da vontade do Criador

l44

LUIZ DAMON SANTOS MOUTINHO

ficção cujo sentido é permitir a constituição do ser, “a passagem de uma a outro” (Sartre 37, p. 26).

O mesmo exame se repete para a pretensã o de que o ser do percipi seja relativo ao percipiens: “Que pode significar a relatividade de ser,

para um existente, senão que este exist ente tem seu ser em outra cois

a que nele mesmo, isto é, em um existente que ele não é?” (id., ibid.). Mesmo concebido como irrea

l, é preciso que esse ser exista. Assi m, a consciência não pode constituir, “fundar o ser transfenomenal do fenômeno

” (id., ibid., p. 27), e não pode precisamente porque ele é transfe-

nomenal, isto é, transcendente.

Ora, mas como se dá a constituição em Huss erl? Para mostrá-lo, Sartre retoma oque dissera antes contra à passi vidade, o que significa agora que“se se quer a todo preço que o ser do fenômeno dependa da consciência, é preciso que o objeto se distinga da consciência não por

“ua presença, mas por sua ausência, não por sua Plenitude, mas por seu nada” (id., ibid.). Assim, se o objeto não é a consciência,

é verdade porém queele apenas não o é na medida em que “é um não-ser”, não na medida em que é outro ser. Ora, precisamente assim aparece o nóema

husserliano, e a raiz disso, a fonte do erro de Husserl, reside na sua

interpretação equívoca do “fenômeno”: Huss erl se mostrará vítima do dualismo finito/infinito mostrado acima.

C

O dualismo se consagra em Husserl na medida em que, de início, o ser do objetoé por ele reduzido “à sucessão de suas maneiras de ser”

(id., ibid.), razão pela qual Husserl é tido como “fenomenista” (id, ibid., p. 115): “Tendo reduzido, com razão , o objeto à série ligada de suas aparições, eles (os fenomenistas) acre ditaram ter reduzido seu ser

à sucessão de suas maneiras de ser” (id, ibid., p. 27). Essa redução funda precisamente aquele “recurso ao infin ito”; não épor outra razão

que para Husserl as intenções que pode m ser preenchidas num dado

núcleo hilético não bastam para nos “fazer sair da subjetividade” (id.,

ibid. p. 28); para além

delas, são necessárias ainda as intençõe s vazias, us “verdadeiramente objetivantes”, “aquelas que visam para além da aparição presente e subjetiva à totalidade infinita dasérie de aparições”

(td., ibid.; grifos nossos).

Isso ocorre na medida em que essas intençõe s “não podem jamais ser dadas todas ao mesmo tempo”, razão pela qual temos, de um lado,

PASSAGEM À FENOMENOLOGIA

tás

a “impossibilidade de princípio” de que os termosda série, em núinicio infinito, existam de uma só vez“diante da consciência": de outro lado, e simultaneamente, temos “a ausência real de todos esses termos, salvo um”: essa impossibilidade e essa ausência de única exceção conti tuem-se justamenteno “fundamento da objetividade” (Sartre 37: pi os) Aqui, a ausência das impressões correspondentes a essas apariçoes ii o ser objetivo, pois, presentes, elas “desabariam no subjetivo “Ab;

sim, o ser do objeto é um puro não-ser, Elese define como uma fatal:

o que se furta, o que, por princípio, não será jamais dado, 6 apoio

entrega por perfis fugitivos e sucessivos” (id., ibid.) À realidule dh

objeto aparece aqui portanto inteiramentefundada na “plenitude sul tiva impressional” (esse é percipi), e a objetividade, por sua vez; hi dada “no não-ser” (esseé irreal).

É o fenômeno assim interpretado a raiz do erro: nele, a pretensa redução do ser do objeto “à sucessão de suas maneiras de ser”, Eu redução conduz direto ao não-ser exatamenteporque ela força a buscin o ser no infinito! Mas, além disso, o próprio ser aparece como cons tituído, e aparece porque seu fundamento foi posto em suas aparições

(“maneiras de ser”). Assim, arealidade, de um lado, se funda na nóvso. ea objetividade, por outro lado, se funda no infinito, objetividade pasta

para além do núcleo hilético dado, arrancada, por assim dizer, hs tm

tenções vazias, que justamente visam àsérieinfinita, Realidade reduzida à nóese e objetividade arrancada ao infinito são dois lados de uma mesma

moeda que traduzem sempre uma má compreensão do fenômeno. Contra

o ser constituídoe integralmente passivo (portanto não verdadeiramente

transcendente) que aparece, será necessário colocaro ser transcendente

do percipi, ser transfenomenal, real e irredutível à aparição. Transfenomenalidade já assegurada na seção II da Introdução de O ser e o nada, onde se procurou mostrar-que o “fenômeno de ser”, à aparição de ser, desse ser “que pode serfixado em conceitos” (id., ibid,, p. 16), exige um “ser dos fenômenos”. A razão é simples: o que me aparece, o ser que se desvela a mim, não é da mesma natureza que o ser dos existentes que me aparecem. Posso ultrapassar o fenômeno para à sua essência: trata-se aqui de “passagem do homogêneo ao homopgê

neo” (id. ibid., p. 15), de onde a possibilidade de uma “redução

eidética”. Mas, seultrapasso o existente para o fenômeno de ser, esta rei de fato ultrapassando-o “para seu ser?” (id, ibid), Ão falar que a “realidade humana” é Ôntico ontológica, “isto é, que ela pode sempre ultrapassar o fênomeno para seu ser” (id, ibid, ),

LULA DAMON SANTOS MOUTINHO

Heidegger teria alcançado o ser? Mas “o ser não é nem uma qualidade do objeto apreensível entre outras, nem um sentido do objeto” (Sartre 34, p. 15). Tudo o quese pode dizeré que o objeto é, não que ele possui

O ser, Assim, o ser torna-se aqui “simplesmente a condição de todo desvelamento: eleéser-para-desvelar e não ser desvelado” (id., ibid.),

de onde a impossibilidade da redução fenomenológica. Daí por que ao por a questão do ser-mesa oudo ser-cadeira, Heidegger não ultrapassou o fenômeno para oseuser: se “eu volto meus olhos da mesa-fenô-

meno para fixar o ser-fenômeno, que não é mais a condição de todo

desvelamento - mas que é ele mesmo um desvelado, uma aparição”,

esse ser mesmo “tem porsua vez necessidade de um ser sobre o funda-

mento do qual ele possase desvelar” (id., ibid.). Parece que a crítica à concepção errônea do fenômeno vale não apenas para Husserl, mas

também para Heidegger. E comefeito, ao expor a idéia de fenômeno, Sartre afirma tratar-se daidéia “tal como se pode encontrá-la, por exemplo, na “fenomenologia” de Husserl ou de Heidegger” (id., ibid., p. 12).

Depois de ter dito isso, vem a crítica a essa idéia de fenômeno: ela

contém o dualismo finito/infinito etc. A diferença estaria em Heidegger ter omitido o cogito e ter ido direto à analítica existencial (id., ibid.,

Pp. 115): ele não opera a redução fenomenológica, e com isso evita cair no nóemairreal, mas nem por isso escaparia ao erro, que seria aqui julgar ter atingido o plano do ser, quando atingiu — é o que se pode

atingir

o plano do fenômeno do ser, do sentido do ser (id., ibid,,

P. 30), Assim, o fenômeno de ser aparece como “ontológico”, no senti-

do “em que se chamaontológica a prova de Santo Anselmo é Descar-

tes. Ele é um apelo de ser; ele exige, enquanto fenômeno, um funda-

mento que seja transfenomenal” (id., ibid., p. 16). D

A “prova ontológica”, realizadana seção V contraser constituído

i

L46

PAGGAGEM 4 PENOMPNOLOGIA

17

ser, não se aguenta depé: ele é a expressão do idealismo husserliano; é a intencionalidadetorna-se aqui mera “caricatura” (Sartre 37, py 155) Já o segundo sentido, aquele que assegura a transfenomenalidado, é o que respeita a transcendência como “estrutura constitutiva da cons ciência”, Assim, se “cada aparição remete a outras aparições”, é ver de também que “cada umadelas é já por si só um ser transcendente, não uma matéria impressional subjetiva, uma plenitude de ser, ni una falta, uma presença, não uma ausência” (id., ibid., p. 28), A realulimdo não se funda aqui na nóese, nem a objetividadeé arrancada ao tulio; e pela razão simples de que se assegura a verdadeira transcendeno ra Sartre tem cuidado emafastar dessa prova ontológica a “refutação kati

tiana do idealismo problemático”, pois não setrata de mostrar “awesis tência de fenômenos objetivos e espaciais”, mas de mostrar “que w cons ciência implica em seu ser umser não consciente e transfenomenal” (id., ibid., p. 29): eis o que mostra a verdadeira intencionalidade, eis à

“prova ontológica”. Por isso a lembrança de Descartes, pois “estao

aqui no plano do ser, não no do conhecimento”, E defato: a provirónto

lógica reclamaser; e, tal como na Quinta meditação, a essência reelima

existência, também aqui “a aparência reclama ser” (id,, ibid, ), Vê-se pois que se encontra aqui reproduzido movimento análogo aquele estabelecido pela nova “regra cartesiana”, segundo à qual'o movimento deve ser do quid ao quod, da essência à existência (Guéroull 8, pp. 129-130). É verdade, contudo, que esse movimento não dizres peito a Deus, de onde talvez se devesse pensar mais na Segunda e Sex ta meditação do que na Quinta; entretanto, é a prova aplicada à essén cia de Deus queestá aqui em questão, e para falar do “ser desta mesa, deste pacote de tabaco, da lâmpada, mais geralmente(do) ser do mun

do que é implicado pela consciência” (Sartre 37, p. 29), Eis o ser en

contrado, que Husserl perdera; ele é transcendente, transfenomenal, não-passivo, irredutível “às maneiras de ser”,

de Husserl, diz respeito portanto ao ser transfenomenal, aquele irredutivel à aparição, “à sucessão das maneiras de ser”. E é porconta dessas

duas concepções de ser que Sartre fala de duas concepções distintas de intencionalidade: “Ou entendemos que a consciência é constitutiva do

ser de seu objeto, ou (...) que a consciência em suanatureza mais profunda é relação a um ser transcendente” (id., ibid., p. 27). Evidentemente, o primeiro sentido, por desconhecera transfenomenalidade do

VIH — A CONSCIÊNCIA Mas esse ser assim encontrado, transfenomenal e irredutível, indi zível (pois mesmo a elucidação contida na seção VI refere-se apenas ao sentido do ser, esse sentidotendo ele mesmo um ser “sobre o funda mento do qual ele se manifesta”; td,, ibid,, p. 30), esse ser encontrado, enfim, não é o único que aparece na Introdução. Há ainda a conscién

pa

148

LAHZ DAMON SANTOS MOUTINHO

PABSA GT MAM E HOMINOLOCIA

cia, tratada exclusivamente na seção III, a mais longa de todas. No movimento dotexto, essa seção se explica uma vez mostr adaa exigência de um ser transfenomenal, exigência posta pelo fenôm enode ser. O

conhecido por sua vez” (Sartre 37, p. 19): nesse caso, ou se cairia na “regressão ao infinito”, ou a parada em um ponto qualquer da. sério mergulharia o fenômeno “no desconhecido”, A consciência (de) si;nho

texto indaga então se esse transfenomenal não seria o ser do sujeito, a consciência - dizendo de outra maneira, remet eria o percipi ão

perciptens? O idealismo responde afirmativamente a essa questão; en-

tretanto, enquanto para o idealismo clássico (Berk eley, Kant) o ser do percipi “é medido pelo conhecimento” (Sartre 37, p. 24), no idealismo husserliano encontramos não o conhecimento, mas “um ser que escapa ao conhecimentoe que o funda” (id., ibid.). Se o perci pi remete aqui ao percipiens, trata-se contudo da consciência, “da subjetividade mesma a imanência de si a si”: o percipi remeteria ao perci piens, O conhecido ao conhecimentoe este ao ser cognoscente “enqu anto é, não enquanto

é conhecido, isto é, à consciência. É o que compreende u Husserl” (id

ibid., p. 17). Eis-nos “no terreno da fenomenologia husserliana” (id. ibid., p. 2497. :

Como se pode deduzir do que já foi dito, na seção III não há resposta para o problema proposto; ela será dada nas seçõe s IV e V. Tratase aqui apenas de operar uma descrição dessa outra dimensão de ser. ( ertamente, podemos observar que há uma necessidad e de se mostrar

a consciência enquanto consciente (de) si, de modo não-tético, ou antes, à necessidade de se mostrar o cogito pré-reflex ivo enquanto “condição do cogito cartesiano” (id, ibid., p. 20), essa necessidade se im-

pondo exatamente porque a prova ontológica se tira “não do cogito

reflexivo, mas doser pré-reflexivo do percipiens ” (id., ibid., p. 27). Mas gostaríamos antes de limitar nossa discussão à relação entre esse tema e aquele da contingência.

O cogito pré-reflexivo nos ensina que “o único mododeexi stência possível para uma consciência de algumacoisa” (id., ibid, p.20)éo

modo da consciência (de) si, isto é, consciência não-tética de si mesma.

Não se trata de conhecimento, pois introduziríamosa d

lidade sujeito-

148

é uma relação “cogitiva de si a si”, mas “relação imediata” (id, 4bid.)

Relação que é a condição mesma do “tema unificador” de que 4n

lamos no último capítulo?!; com efeito, se conto os cigarros na camera é porque a adição, enquanto tema, preside “a toda uma série de sinitosos de unificações e recognições” que, por sua vez, só é possível se usse tema é “presente a si mesmo” (id., ibid., p. 20), Ora, um tal migo lo

ser implica de imediato a recusa dapassividade”, pois, se se concebe à

consciência como efeito, é preciso concebê-la também comia tuo

consciente (de) si. Assim, não há uma causa exterior (“uma pertunha ção orgânica, um impulso inconsciente, um outro “Erlebnis") quo

determine um evento psíquico e só depois esse evento se produza coma consciente (de) si, pois a consciência (de) si não é uma “qualidade” da consciência posicional, não é um “acréscimo” a essa consciências “iso

ria (...) fazer do evento psíquico umacoisa e qualificá-lo de consermn te, como posso qualificar, por exemplo, esse caderno de tosa (id., ibid., p. 21). Desse modo, se a consciência não é passiva, é precisa mente porque ela é consciente (de) si. Nessa medida, é preciso dizes “É impossível determinar a uma consciência uma outra motivação que ela mesma” (id., ibid., p. 22). Ela é um “absoluto”, isto é, “existe por st

A consciência, assim entendida, não “vem” do inconsciente ou do fisiológico: seria torná-la passiva, não consciente (de) si, E, segundo

Sartre, não é a existência por si, a “determinação desi por si”, que é de

difícil compreensão; ao contrário, “o que é verdadeiramente impensável é a existência passiva” (id., ibid., pp. 22-23). E isso se entende se pon

sarmos na prova “a contingentia mundi”: o ser contingente deve im plicar por contrapartida umaindependência total, Aqui, vale a fórmula

de Boutroux: contingência absoluta implicaliberdade absoluta", Enesse

objeto, exigindo umterceiro termo “para que o conhecimento se tornasse

78. Cf. cap. 3, VI.

77. Aliás, o movimento aqui é análogo àquele da abertura do Ensaio, onde Sartre começa por colocar-se num terreno em que a subjetividade é fato, não direito, é

concreta, e não um conjunto de condições de possib ilidade da experiência. Ali tratava-se de recusar Kant em proveito de Husserl mas ainda não se interpretava Husserl como idealista (Sartre 36, pp. 15ess. , ecap. 1). o

79. Mas nemporisso implica o oposto, isto é, a atividade. 80. Segundo Boutroux, “um consequente psicológico não encontra jamais no ante

cedente sua causa completa e sua razão suficiente”, CL, Boutroux 4, p. 123, Os fenômenos psicológicos são, segundo ele, onde melhor se “manifesta a contingon

cla” (id, ibid,, p, 125), Mais que os outros seres, o homem tem uma existónicia própria, é para st mesmo “seu mundo"; “Mais que os outros seres, [o homem] pode

150

BLZ BAMON SANTOS MOUTINHO

PASSAGINTA [IBN MOLOCIA

sentido que se pode falar aqui de existência que precede a essência:

com efeito, a consciência consciente (de) si “não é produzida como exemplar singular de uma possibilidade abstrata” (Sartre 37, p. 21), mas, ao contrário, enquanto contingência plena, “é sua existên cia que

implica sua essência”: conforme Sartre, “para que haja uma essênci a

do prazer é preciso que haja deinício o fato de uma consciência (de) prazer” (id., ibid., p. 22). Aqui, portanto, já não temos uma “prova on-

tológica”, na qual a essência reclama existência, mas, ao inverso , a

partir da prova “a contingentia mundi”, isto é, a partir da contingência plena, temos uma existência que reclama essência*!: “O tipo de ser da consciência é ao inverso daquele que nos revela a prova ontológica:

como a consciência não é possível antes de ser, mas que seu ser é a

fonte detoda possibilidade, é sua existência que implica sua essência”

(id., ibid., pp. 21-22).

Eis aqui o “absoluto”, não de conhecimento, mas de existência, pois

ele releva nãodo cogito cartesiano, reflexivo, mas do cogito pré-ref le-

xivo. E se ele não é substancial — afinal a consciência não é uma mônada

que receberia a posteriori determinadas afecções — é porque há aqui

um primado daexistência: a consciência não é produzida a partir de um

“conjunto articulado”, de uma essência. Conforme Sartre, que vê em

Descartes o primado da existência, do quod, “o erro ontológico do

racionalismo cartesiano foi não ter visto que, se o absoluto se define pelo primadodaexistência sobre a essência, ele não poderia ser conce-

bido como umasubstância” (id., ibid., p. 23).

151

IX = A NADIFICAÇÃO É O PROJETO DE SER

 Assim, temos agora duas regiões deser: o ser do cogito pré-rellexi

voe ser do fenômeno. É precisamente pela questãodas relações entre

ambos — entre outras — se encerra a Introduçãode Osere o nada (Sutro

37, p. 34). Pode-se compreendê-lo facilmente: é que o movimento do texto implicou também, até aqui, recusar tanto a solução materialista quanto a solução idealista. De início, ao afirmara transfenomenialidade

do ser, sua não-passividade, vimos que ele não podia ser constituído, é

tampouco podíamos introduzir passividade (a hyle) na consciência para torná-la passível de constituir ser: eis a recusa do idealismo, €, fio vaso,

do idealismo husserliano. E, depois, vimos a não-passividade da pro pria consciência enquanto consciente (de) si, e a impossibilidade poi

tanto de o ser do fenômeno agir sobre a consciência: eis a recusa do materialismo. Feitas essas objeções, o autor se coloca então à neces sidade de “mostrar que o problema comporta uma outra solução, para

além do realismo e idealismo” (id., ibid., p. 31). Já sabemos qual a solução de Sartre, e quejá foi aquela de Diário de uma guerra estranha: a consciência é nadificação de ser, a relação entre consciência e ser é negativa, no modo da “negação interna”, Tóda

a primeira parte da obra, “O problemadonada”, procurará mostrá-lo E isso se fará através de um método que é exclusivo dessa primeira parte: a descrição objetiva de condutas humanas (id,, ibid, p. 38), Cof

formejá vimos, o ser-no-mundoé agora uma“totalidadesintética” cuja

separação implicaria “abstração” — o ser apareceria como irreal e cons tituído, o que já foi mostrado". Aqui, melhor que em qualquer outro lugar, podem-se assinalar os limites da influência de Heidegger: para

N

recusar a redução não basta afirmar a consciência como ser-no-mundo,

N

agir sem ser forçado a fazer entrar seus atos em umsistema que o ultrapassa”

(Boutroux 4, p. 130). Se se admitisse que as leis de sucessão que se manifes tam no

mundo são “absolutamente necessárias”, a liberdade seria “uma idéia sem objeto” (td, ibid., p. 146). 81, Não é o que ocorre na Segunda meditação: pensare existir coincidem, quid e quod. Cf, Guéroult 8, p. 126.

82. Vimos, no capítulo 1, o desejo de Sartre, já antigo, de escapar ao materialismo q ao idealismo. Naquele momento, a fenomenologia de Husserl lhe possibilitava Iso 83. Pode-se indagar por queafinal a Introdução fixou certas características do nei

em-si: se a totalidade sintética é o homem-no-mundo, consciência-ser, a descrição do ser parece implicar também “abstração”. Mas de fato não; a consciência, os fe nômenos “e mesmo o fenômeno de ser” sho abstratos; entretanto, & 'o ser dos fenô menos, como eme-st que é o que é, não poderia ser considerado como uma abatih

152

PASSAGEM A TIENOMENODOGIA

LUIZ DAMON SANTOS MOUTINHO

mas é preciso enfrentara tese da constituição e recusar a hyle, pois, se setrata de ser-no-mundo, é verdade também que não se trata do Dasein heideggeriano, mas da consciência. Por isso a solução do problemade A imaginação exigiu um recuo a Husserl (não é à toa que Sartre não fale uma vez sequerde ser-no-mundo ou nadificação na Introdução da obra): é que não abandonamos, em nenhum momento, o terreno da cons-

ciência. Mas é verdade também, por contrapartida, que não se trata da

consciência husserliana: a transfenomenalidade do ser e a impossibilidade da hyle o mostraram bastante. Será antes uma consciência que é pura negatividade, do ser e de si.

A descrição objetiva de condutas humanas aparece portanto como

alternativa à redução, pois, na medida em que a conduta é o concreto homem-no-mundo, a sua descrição não “abstrai”, respeita a relação sin-

tética. Essa descrição deve nos mostrar precisamente a natureza da relação homem-mundo. Segundo Sartre, “cada uma das condutas humanas, sendo conduta do homem no mundo, pode nos entregar ao mes-

mo tempo o homem, o mundo e a relação que os une” (Sartre 37, p. 38). Mas isso, frise-se bem, por meio de uma descrição objetiva,

uma vez que a reflexão se tornou aqui impossível. Conheceremos essa

relação, diz Sartre, se encararmos essas condutas “como realidades obje-

tivamente apreensíveis, e não como afecções subjetivas que se descobri-

riam apenas ao olhar da reflexão” (id., ibid.). Estamos aqui — homemno-mundo — em pleno terreno heideggeriano, o plano “existencial”; esse

plano, contudo, não é senão um prólogo ao plano maior, aquele em que se voltará à descrição da consciência (de) si, isto é, à descrição do co-

gito pré-reflexivo (não do cogito cartesiano). A descrição objetiva de-

154

B

A descrição da conduta interrogativa mostra de início um compor tamento voltado para o não-ser, comportamento que sobressai na fe dida em que essa conduta admite, “por princípio, a possibilidade do

uma resposta negativa” (Sartre 37, p. 39). Como que dando, raznd q Bergson, Sartre mostra o não-ser condicionadopela espera, impliondo na previsão: “É evidente que o não-ser aparece sempre nos limites ale uma previsão humana” (id., ibid., p. 41). Mas é bem antes com

Heidegger que é preciso pensar, pois, para além de umacrítica do me

gativo, trata-se bem ao contrário de saber se o nadaé estrutura do meat; ou, por outra, trata-se aqui de recolocar a “interrogação metafisiea”

“que é nossa interrogação” (id., ibid., p. 40) = elaborada em Quid

metafísica?: “A negação como estrutura da proposição judicativaçestá na origem do nada — ou, ao contrário, é o nada, comoestrutura do seal,

a origem e o fundamento da negação?” (id., ibid., p. 41), Nesse senti do, Sartre procurará ampliar o alcance da conduta escolhida: não se trata meramente de um “juízo interrogativo”, mas de uma “conduta prejudicativa”, pois é aí que aparece o nada. “Numerosas condutas não prejudicativas apresentam em sua pureza original esta compreensão

imediata do não-ser sobre fundo de ser” (id., ibid., p. 42). A descrição

de uma dessas condutas é suficiente para mostrar o aparecimento do

não-ser e esse aparecimento na origem da negação. Servindo-se do modelo da Gestalt, Sartre mostra como o juízo “Pedro não está aí” assenta-se numa intuição do nada. Quando, por exemplo, procuro Pedro no café, “faz-se uma organização sintética de

verá portanto ceder lugar à reflexão, mas reflexão que, dessa vez, não

deverá mais implicar abstração. Como isso será possível?

N

85. Conforme Bergson, “um ser que não fosse dotado de memória ou previsão jh mais pronunciaria as palavras “vazio” ou “nada”; exprimiria simplesmente o.que 60 o que percebe; ora, o que é e o que percebe é a presença de uma coisa ou de uma outra, jamais a ausência do que quer que seja” (Bergson, citado em Prado Jr, 31, p. 54). Sob esse aspecto, Sartre escolheu uma conduta estratégica, que envolve do

ção” (Sartre 37, p. 219), pois, para ser, “ele não tem necessidade senão de si mesmo, ele não se remete senãoasi” (id., ibid.). Lembremo-nos: há uma anterioridade do ser, a consciência é negação deser. 84. Deverá se repetir o que ocorreu na Conclusão de O imaginário: uma descrição

objetiva que é também aqui regressiva (Sartre 37, p. 83), pois procura “por condições de possibilidade de certas condutas” (id., ibid., p. 116) seguida da operação do cogito,

maneira óbvia uma espera, uma previsão. “A questão é uma variedade da espera eu espero uma resposta do ser interrogado” (Sartre 37, p. 39). 86. Em Heidegger: “Representa o “não”, a negatividade e comisto a negação, à determinação suprema a que se subordina o nada como umaespécie particular de negado? “Existe” o nada apenas porque existe o “não”, isto é, a negação? Ou na

acontece o contrário? Existe a negação e o 'não" apenas porque existe” o nada)” (Heidegger 9, p,

245)

ae

LHIZDAMON SANTOS MOUTINHO todos os objetos do café e m

fundo sobre o qual Pedro éA dado como

devendo aparecer. E essa organização do café em fundo é uma primeira

nadi ficação” (Sartre 37, P. 44). MasPedronãoaparece, ele não está no café; nesse caso, Pedro está ausente não deste ou daquele lugar, mas de

todo 0café, que persiste como fundo. Persistência de um fundo, no qual a forma “é precisamente um evanescimento perpétuo, é Pedro se elevando (s 'enlevant) como nada sobre fundo de nadificação do café”

(id. ibid. p. 45). Assim, o que se dá à intuição “é um tremulamento (papillotement) de nada, é o nada do fundo (...) e é a forma — nada que resvala como um nada(rien) na superfície do fundo” (id., ibid.). Eis o

não-ser no mundo: a ausência de Pedro é um “evento real”, é uma “re-

lação sintética de Pedro à peça na qual eu o procuro: Pedro ausente

freqiienta O café e é a condição de sua organização nadificante emfun-

do” (id., ibid.). A regressão que deverá sé seguir se dá, também aqui, a propósito do negativo, mas não, como em À imaginação, a partir do ato

de imaginar; o negativo aparece agora implica do na percepção mesma,

e, como se poderá deduzir, em toda conduta humana.

PASSAGEM A FENOMENOLOGIA

155

cada uma das condutas da “realidade humana!" (Sartre 17, pesdjpo; igualmente, há “numerosas atitudes da “realidade humana” que ampli

cam uma “compreensão” do nada”; id, ibid., p. 53); depois, porqueso nada não conserva traços de ser, ainda que abstrato: de-fato: pat Heidegger, “o Nadanão é, ele se nadifica” (id,, ibid.) Evisso porque

ele é “expulso do ser”: na medida em queé porele que “o mundonece be seus contornos de mundo” (id., ibid., p. 54), o nada aparevestsino

dooutro lado do mundo, como ultramundano e, enquanto taly/'sulienti

dopela transcendência” (id., ibid., p. 53). Entretanto, esse vaziá thdile renciado”, essa “alteridade que nãose põe como alteridade", pode fu dar a negação? Para isso, diz Sartre, é preciso que onadase dê como nada doaúbúdo;

que ele se constitua como “recusa do mundo”: é preciso que inida seja ele próprio negação, como ser, Nessa medida, enquanto oiii e

ele próprio negação, apenas nessa medida é possível o juízo negativo,

o não: o juízo “Pedro nãoestá aí” se funda numa negação orpinal)

dada nonível prejudicativo. Não foi o que aconteceu naquela nadificação primeira, segundoaqual todoo café foi constituído em fundo e, depor a forma mesma aparecendo como nadaresvalando para esse fundo niA

C Mas como o não-ser pôde vir ao mundo, como ele pode “freqii en-

tar” o ser? Essa questão envolve dois aspectos: as relações do ser com

o não-ser € à origem do não-ser. Ser e não-ser não são “duas abstra-

ções, de que apenas a reunião estaria na base das realidades concretas”

(id., ibid., p. 47), como pensa Hegel. É que ser e nada não são logica-

negação está aqui num plano anterior ao da categoria, ela não é ama

constatação de fato, comooé ojuízo, mas está antes no nívelda intuição e é quem permite o juízo. Na verdade, o modelo mesmo da Gestali exige essa negaçãoprejudicativa; por exemplo, a distância entre 08 pon tos A e B não se reduz “ao simples resultado de uma medida", Maix que isso, os dois pontos e o segmento entre eles constituem uma “uni

mente contemporâneos: o nada não é o contrário do ser, mas o seu

dade indissolúvel” — a Gestalt = de que “a negação é o cimento” ques

o ser, pois ele é 0 Ser posto de início e depois negado” (id., ibid., p. 50).

ser, nem antes do ser, mas, ao contrário, ele deve ser dado “no seio

contraditório, O que “implica uma posterioridade lógica do nada sobre

se Hegel “faz Passar” o ser no nada é porque “ele introduziu implicitamente a negação em sua definição mesmado ser” (id., ibid.). Já o nada, por seu lado, exige O ser para negá-lo, o que significa-que não apenas

ser € nada não estão no mesmo plano, mas que inda ão devemos

“colocar jamais o nada como um abismo original de onde o ser sairia” (id., ibid., p. 51). Essa posterioridade do nada se precisa ainda mais na objeção feita

a Heidegger. A recusa, conforme já vimos, é ao “nada ultram undano”,

“vazio indiferenciado”. Entretanto, Heidegger leva vantagem sobre Hegel, primeiro porque ser e nadanão são para ele “abstr ações vazias” (“Há uma compreensão pré-ontológi

ca” do ser, que é envolvida em

realiza. Assim o nada aparece no mundo: ele não podeserdado forado

mesmo do ser, em seu coração, como um verme” (id., ibid., p. 57). D

O nadaé pois posterior ao sere intramundano, e seu ser mesmo é negação: o nada “é negação como ser” (id., ibid., p. 54). De onde poi

tanto vem o nada, se ele não pode ser concebido a partir do ser nem

fora dele? Qual o ser é negação como ser?: eis a questão que nos pro põea crítica conjunta a Hegel e Heidegger, Já sabemos a resposta: O sei por quem o nada vem ao mundo é o homem; é por meio dele que pode haver as distâncias, a ausência, a destruição, a limitação ete., tudo en

156

LAZ DAMON BANTOS MOU TINHO

PASSAGEM A PENOMPNOL OTA

tim quetraz o nada ao mundo. A pergunta fundamental, entretanto, é outra: “Que deve ser o homem em seu ser para que por ele o nada

ser-para-não-ser"", pois na má-fé não existe a dualidade enganador-en

venha ao ser?”(Sartre 37, p. 60).

Será necessário, em primeiro lugar, que a realidade humanaesteja

como que “fora” do ser, não no sentido de além-mundo, mas no sentido

de queela “escapa” ao ser, de que está por relaçãoa ele “fora de alcance” (id., ibid., p. 61), pois as séries causais que constituem o ser produzem apenas o ser: “O ser não poderia engendrar senão o ser” (id., ibid., p. 60). Mas ela só poderá escapar ao ser se, por natureza, escapaa si, isto é, se ela pode negar o ser é porque ela é negação de si mesma: “Enquanto uso continuamente as negatidades para isolar e determinar os existentes, istoé, para pensá-los, a sucessão de minhas “consciências”

é um perpétuo desprendimento do efeito em relação à causa, pois todo processo nadificante exige tirar sua fonte apenas de si mesmo” (id., ibid., p. 64; grifos nossos). A idéia mesma de negação exige a recusa do determinismo, e isso vale nos dois momentos: enquanto é negação

do ser, não pode haver ação do ser sobre a consciência, mas, ao contrário, essa deve lhe escapar, e, para ser essa negação, é preciso que a consciência seja negação da consciência passada, pois, caso contrário, não haveria “fissura por onde se introduziria a negação” (id., ibid.). Entretanto, essa negação mesma exige uma outra mais fundamental, aquela exercida no seio da imanência. E defato: na primeira fase da regressão analítica, Sartre investiga as condições da negação no curso

de um processo temporal, daí o corte entre o passado psíquico imediato

e o presente. Já agora, na segunda fase,trata-se de investigar uma cons-

ciência, isolada na instantaneidade, que é o momento em que Sartre passa às condutas de má-fé: “É preciso encontrar o fundamento detoda negação em uma nadificação que seria exercidano seio mesmo da imanência (...) na subjetividade pura do cogito instantâneo” (id., ibid., p. 83)”. E essa negação fundamental, no interior de uma consciência

Has

ganado própria à mentira, Aquele a quem se mente e aquele que meúte

são uma é mesma pessoa, o que significa que na má-fé devo conliéeena verdadepara escondê-la de mim mesmo; assim, é “por essência” que a má-fé implica “a unidade de uma consciência” (Sartre 97, puff

nessa consciência encontramos aquela “imponderável diferença que se para o ser do não-ser” (id,, ibid, p. 107): a má-fé deve revelir Como sua condição de possibilidade uma negação exercida nó seio di ima nência, no interior de uma consciência, ou, se se quiser, Wma COnscien

cia com uma“íntima desagregação” (id., ibid., p. 111), Assim, o processo regressivo começoupela descrição da conduta interrogativa que, por sua vez, mostrou um comportametito voltúdo para

o não-ser; a crítica a Hegel e Heidegger assegurou a posteriomidáde do não-ser e o caráter nãoabstratodo ser e do não-ser, Voltando itiféiro gação, esta mostrará o não-ser — que é posteriore intramundanó vim do ao mundo pelo homem. Ora, para que isso seja possível será neces sário que a consciência escape ao ser, que esteja, por relação pelo!

como queisolada (id., ibid., p. 61). Já aqui a consciência aparece Vomo

negaçãodo ser: “Paraque atotalidade do ser se ordene em toirio demos em utensílios, (...) é preciso que a negação surja, não como unia Coisa entre outras coisas, mas como uma rubrica categorial presidindo no ordenamento e à repartição de grandes massas de ser em coisas. ibid., p. 60). Foi então que se pôs a pergunta acerca da natureza da

consciência na medida em que ela deve ser negação de ser, Tambiéhh por relação a si — de início no processo temporal =, ela deve séi

nadificação, rompimento; depois, no seio mesmo da imanência, deve

aparecer a nadificação fundamental, pois, caso contrário, a consciência

se congelaria enquanto negação, tornar-se-ia em-si: a consciência déve ser sua própria nadificação.

isolada, aparecerá de modo evidente nas condutas demá-fé, na medida em que encontramos nestas condutas a unidade do ser exdo não-ser, o

87, Não se pense, contudo, que existe para Sartre consciência instantânea, como o supõe Miiller. Cf, Miiller 26. A consciência é antes tridimensional no tempo (cf. Sartre 37, pp. 182 e ss.). O cogito instantâneo que aparece na primeira parte da obra responde apenas a umaexigência do método de descrição objetiva.

88. “(...) fujo para ignorar, mas não posso ignorar que fujo e a fuga da angústia não é senão um modo de tomar consciência da angústia (.,.) Fugir da angústia ou ser à

angústia não poderia ser completamente a mesma coisa; se sou minha angústia pára fugir-lhe, isto supõe que posso me descentrar por relação ao que sou, que possa sei

a angústia sob a forma de 'não só-la', que posso dispor de um poder nadificanie no seio da angústia mesma” (Sartre 37, pp, 182 6 18,)

15H

EUOZ AMON SANTOS MOU TINHO

Aqui se esgota a regressão, a descrição objetiva da conduta humana. À partir daqui, pode-se retomar o cogito pré-reflexivo, isto é, operar a reflexão. Mas o que há na consciência assim descoberta — nadificação do ser e de si — que permite agora a reflexão, antes acusada

de “abstração”? Por que agora podemosisolar-nos num dos termos da relaçãosintética homem-mundo sem com isso falsearmos esse termo?

Lembremos que a relação entre para-si e em-si só será descrita no capítulo final da segunda parte, chamado “A Transcendência”; no início dessa segunda parte, logo após a regressão, Sartre trata de descrever a consciência não-tética (de) si, omitindo, por ora, que, para ser tal, a consciência deve ser consciência tética de alguma coisa. Já falamos dessa última quando abordamos a negação dita “interna” (“A consciência não é a extensão”), a propósito do conceito ser-no-mundo tal como aparece em Diário de uma guerra estranha. Mas omitimos propo-

sitadamente aquela outra dimensão referida acima, a nadificação desi, também já presente em Diário de uma guerra estranha. Essa dimensão

já estava presente na medida mesma em que “não ser a extensão” exi-

gia ali não apenas uma relação unitária entre a consciência e a extensão

queela nãoé, mas exigia ainda que a consciência não fosse nada: “Nada de positivo vem compensar o não-ser-extensão. É porque é seu próprio

nada que a consciência não é extensão” (Sartre 39, pp. 219-220). A consciência não pode ser o que não é a extensão, pois seria em-si, mas, ao contrário, é necessária uma negação ainda para essa negação da extensão, Só assim a consciência é inextensa: “Se a consciência fosse o

que é, isto é, existisse no modo do em-si, ela seria extensa. Mas é na

medida em que se escapa a si mesma, não sendo o que é, que ela não é

a extensão mas consciência da extensão” (id., ibid., p. 220). Noutras palavras, O para-si só é inextenso se ele não é nada, “mas esse nada

mesmo ele nãoo é, não se encontrará nele mesmo essa consistência de ser nada” (id., ibid., p. 263). Ora, o processo regressivoda primeira parte de O ser e o nada não fez senão procurar essa nadificação de si

que, segundoSartre, se evidencia nas condutas de má-fé. E é ela agora que nos importa, pois, se é verdade que a nadificação do ser impede a

PASSAGENA DENOMPENOLOCIA

paty

“Já falamos do ser transfenomenal do fenômeno; ele aparecia como transfenomenal precisamente porque não se reduzia às “maneiras.de ser”, de onde se assegurava a transcendência do eme-si, Mas. podesse falar também de umatranscendência da consciência, isto é, deumser transfenomenal da consciência: é mesmo essa, segundo a interpretáçiio

de Sartre, a novidade da subjetividade husserliana, a “imnanência de sun

si” que já não se reduz a um mero “conhecimento”, mas que, ofunda;

trata-se pois de um ser “que escapa às leis de aparição” (Sarre V7,

p. 17), sem que setrate contudode substância, Ora, é essa transcendem cia, diferentemente daquela do em-si, que será entendida comoultra passamento. Se do lado do em-si temos uma transcendência que sé traduz como mera transfenomenalidade, do lado do para-si temos nn

transcendência quese traduz como um transcender, Basta que nosdemi

bremos de que o em-si, enquanto é o que é, “não tem necessidade, pá

ser, senão de si mesmo, ele não remete senão a si” (id,, ibid, pos AO)o

que significa que a negaçãointernaé constitutiva não do em-si, mas do para-si; é o para-si que “se produz originalmente sobre o fundamento

de uma relação ao em-si” (id., ibid., p. 220). E elese produzexatamen

te enquanto é nadificação, dosere de si; na verdade, é, mais precisame te, a partir da nadificação de si (embora essa não possa ser entendida sem aquela) que se poderá falar naquele ultrapassamento, ou, melhor ainda, no para-si como se dispersando em múltiplas dimensões: poi oposição ao em-si, que tem apenas uma dimensão de ser, O parassi, enquanto nadificação, aparece como“diaspórico"", como “um esboço de dissociação no seio da unidade” (id., ibid., p. 181). E isso se entende na medida em que o para-si não tema solidez nem mesmo de um nada, mas é ao contrário nadificação permanente. Não é por outra razão que a consciência transcende, isto é, que ela é “quase-múltipla”, ou ainda

“fuga perpétua” (idem39, p. 284). A reflexão não implicará abstração

(e por isso será pura) precisamente quando ela for consciência dessa

quase-multiplicidade, do para-si integral disperso em suas dimensões

redução, é verdade também que a nadificação de si, ao menos em O ser

eo nada, tornará possível um outro tipo de reflexão, que Sartre chama-

rá de “pura”, e é essa reflexão que não “abstrai”. Vejamos como.

89. No sentido mesmo aplicado ao povo judeu: “Designou-se no mundo antigo à

coesão profunda e a dispersão do povo judeu com o nome de diáspora”, Essa pala vra nos servirá para designar o mado de ser do Para-si” (Sartre 37, p, 182)

pr

LOU

LANZ DAMON SANTOS MOUTINHO

E para onde transcende a consciência, para onde ela foge? Aqui

reaparece o tema da contingência, pois não se trata de mero transcen-

der; a partir da nadificação, que é na verdade o modo da consciência

entendida comocontingência, da consciência que é portanto “determinação desi porsi”, que é “existência porsi”, a partir da nadificação, enfim, a transcendência se revelará como projeto de ser, aquele mesmo velho projeto de Roquentin: desejo de ser um ser queé causa sui, um

ser que supere precisamente a contingência”. E de fato: “O para-si”,

diz Sartre em Diário de uma guerra estranha, “pode tudo projetar diante dele, salvo que será ainda (...) um para-si” (Sartre 39, p. 264). Projetar-se sentando numa cadeira cs“é se projetar nessa cadeira como o existente que se determinoua si mesmo a existir como sentado em uma cadeira e que existirá como sentado com a plenitude do em-si” (id., ibid.). Mas não um em-si que é pura contingência, um existente; ao contrário, trata-se de projetar uma “síntese impossível de em-si e para-

si” (id, ibid., p. 263), ou, se se quiser, um ser que é “causa desi”, que

se determinaa si mesmo a existir mas com a solidez do em-si.

Isso, dissemos, a partir da nadificação. Mas a nadificação não é

para Sartre mera negação, senão aquilo que ele chamou “negação interna”, Comoa negação interna pode representar um projeto de ser, um

ultrapassamentopara o ens causa sui? Quando setratou da relação cons-

eiência-mundo, vimoso que a negação implicou: uma “aderência imedi-

ata e sem distância do mundo ao para-si” (id., ibid, p. 221), umarelação de contato do mundo com a consciência. Dessa vez, contudo, se

PASSAGIUM A TINOMPNOLOCIA

f61

esse não ser é também negado, na medida em que a conseienciavé tambémnegaçãode si, ela é falta deser, pois a negação desi lhe mona precisamentetoda consistência de ser, mesmo aquela de seriadas. porque é negação desi, a consciência se produz como quasesmiúltipli o ser que lhe falta nada mais é que uma das dimensões resultantesidessa negaçãode si, o futuro; falta-lhe o ser que, em síntese com ela, ator causade si. A cadeira que me “estendeos braços”, e na qual ewprojeto me sentar (Sartre 39, p, 264), “enquanto ela se dá como o sobreso que eu me sentarei (...) está no futuro” (id., ibid., p. 285). Defato; o mundo mesmo está para o para-si “no futuro”, mas apenas na medida-sem aque lhefalta, pois enquanto em-si investindo (investissant) meu parassifcie é presente, ele é uma presença” (id., ibid.), É enquanto falta ao paras que o mundoaparece nofuturo, enquanto aquele que, em sintesecónio para-si, tornaria este causa de si, Não é portanto o emesi que faltacão

para-si, mas o mundoenquanto é o em-si para o para-si, o mundo en quanto é humano, ou o futuro (id., ibid., p. 263). Se se quiser, o que

falta ao para-si “está aí, diante dele” (id., ibid., p. 284), E é absorvendo

o que lhefalta que o para-si tornar-se-ia causa de si, aquela impossível síntese que é para onde se dá o ultrapassamento do em-si constituído

em mundo. A consciência é fuga perpétua para o ens causa sul, ela quer ser o ser que é fundamentode si e que é como o eme-si”, Certamente, pode-se colocar a questão de saber como um ser que 4

.

“existe por si” é aindafalta de ser, podeainda projetar ser. Para que o

trata de uma negação de si: ela implica, por certo, uma dispersão do para-si em múltiplas dimensões, mas, exatamente porque se trata tam-

bém de negação interna, e acerca desi, O para-si deverá aparecer ainda como falta de ser. Certamente, não se trata de uma falta como aquela

de quando se diz “à cadeira falta um pé”, pois essa falta “deixa a cadei-

ra totalmente intacta com seus três pés” (id., ibid.,p. 282); há aqui a remissão a umterceiro, que constata, tratando-se portai o de negação

externa, Mas a consciência que se determina a si mesmaa existir deve ser “sua própria falta” (id., ibid., p. 283), já que nada lhe vem de fora. Não sepodedizer que à consciência falte, por exemplo, a extensão:

a consciência simplesmente não é a extensão. Mas na medida em que

91. É o que, segundo Sartre, nos permite compreender o desejo: “Para que haja

desejo é preciso que o objeto desejado esteja presente concretamente= ele e não um outro — na intimidade profunda do para-si, mas presente como um nada que o afeta ou, mais precisamente, como uma falta” (Sartre 39, p, 281), Se entendido cómia

estado, não se vê comoele pode sair de si pára ter necessidade de um objeto

transcendente.

,

92. Essa mesmavisada será mantida em O ser e o nada, com a diferença de que o futuro aparecerá dessa vez comopara-si, não como em-si: “Se digo que a lua não é

cheia e que lhe falta um quarto, emito esse juízo sobre uma intuição plena de um crescente de lua” (Sartre 37, p. 129), Para que seja apreendido como crescente, “é preciso que umarealidade humana ultrapasse o dado para o projeto da totalidade

realizada

o disco da lua cheia

e volte em seguida para o dado para constituí-lo

como crescente de lua” (id,, ibid.)..O que falta, o “faltante”, é transcendente é com

90, CF. cap. 2, VII,

plementar, e determinado por um retorno ao existente a partir da totalidade à lua cheia, Nesse sentido, o faltante, o que falta para constituir a totalidade aintétion, deve ser “da mesma natureza que o exiatento” (id, ibid. ), into é, também para-si; Tá

164

LUIZ DAMON SANTOS MOUTINHO

compreendamos, basta que nos lembremos da prova cosmológica dis-

cutida na Introdução de O ser e o nada: a consciência era posta ali

como “determinaçãode si por si” precisamente porque era contingên-

cia absoluta; a existência por si não aparecia portanto como signo de necessidade, de perfeição, mas, sabemo-lo agora, como signo de ca-

CONCLUSÃO

rência, tão radical quanto o é a própria contingência, pois essa determinação por si não é senão uma busca permanente do ser que resolva finalmente a busca. E já sabemos do que foge o para-si: de sua contingência, ou, por outra, do passado que, feito rabo de sereia, existe por trás dele no mododo em-si. O para-si é pois “fuga perpétua”, transcendência, fuga do em-si que “permanece simplesmente no para-si como uma lembrança de ser, como sua injustificável presença no mundo”

(Sartre 37, p. 127), e é fuga para o ser que já não seja mais determinação de si porsi, pois deverá ser causa de si, do seu próprio ser.

CONFORMEdissemos naIntrodução destetrabalho, nosso objetivo

foi acompanhar o pensamento de Sartre desdea sua primeira olrminto

O ser e o nada, períodoque vai de 1934 a 1943, Mas não simplesmente

acompanhar as sucessivas fases desse pensamento; de fato procuramos fazê-lo, mas, dirigindo nosso olhar para o ponto mais preciso ques a leiturasartriana da fenomenologia, procuramos centrar aí o nosso foca Desde o primeiro momento, é patente a referência de Sartre à tono

menologia. Mais que isso, desde o começo, ele reivindica influência.

Foi assim no Ensaio sobre a transcendência do ego e será asstm-nas obras seguintes e mesmo, de certa forma, ainda em O ser e o mitila Masa leitura que Sartre faz de Husserl, e mais tarde de Heidegger, tom

ela própria também um foco especial; e o que nos parece calibrar à

NS

não temos mais o modelo de uma consciência entre um em-si que não é mais (o

passado) e um em-si que não é ainda (Sartre 39, p. 264). Quanto ao “faltado”, à totalidade, permanece como o termo da transcendência, embora dessa vez como

“UMA relação do para-si a si mesmo sobre o modo da identidade”, ou, se se quiser, o sl-mesmo como em-si” (idem 37, p. 132).

olhar sartriano, o que nos aparece ajustando o seu foco, é o conceito já antigo, que remontaà fase pré-fenomenológica, de contingência. vi dentemente — procuramos mostrá-lo no capítulo 1

=, a fenomenologia

lhe fornece, já no seu primeiro momento, os meios de pôr fim à idéia

de representaçãoe constituir assim uma nova psicologia, o que ele pro uma psicologia da imagem, da curará fazer nos anos subsequentes ise existencial” etc, A entase “psicanál uma emoção, mesmomais tarde de Sartre nessa empreitada, a partir dos instrumentos da fenomenolo gia, é tal, que poderíamos apontaraí o seu projeto maior, Mas não po demos fazer desse objetivo mais largo aquilo que calibra o olhar sartrano seria como indagar pela precedência do ovo ou da galinha, E tampouco

e

164

BUIZDAMON EANTOS MOUTINHO

pretendemos aqui reivindicara anterioridadeda idéia de contingência

para fazerdelaoajuste da lente sartriana, até porque dessa anterioridade temos apenas referência, mas nenhum texto filosófico. Trata-se simplesmente de mostrar que, nas sucessivas fases de seu pensamento, Sartre sempre procurou apontar o modo novo de pensar a contingência da consciência, modo novo sempre calibrado pelos novos conceitos que vão surgindo na sua leitura permanente de Husserl, até 1938, e, depois, de Heidegger. Assim, por exemplo, a querela com o realismoe o idealismo. Con-

forme memórias de Beauvoir (capítulo 2), a possibilidade de superar a

ambos foi o que o atraiu de imediato na fenomenologia e o levou a

Husserl, À fenomenologia lhe permitia afirmar a um tempo a soberania da consciência e a transcendência absoluta do mundo, o mundo não marcado por fatores subjetivos. A intencionalidade foi aí a chave cen-

tral, Ora, mas a que conduziu essa solução? Ela levou a pôr umacons-

ciência vazia, isto é, sem “conteúdos”: o fim da representação deixa

em seu lugar umaconsciência que é nada, mera posição de transcendência e consciência não-tética (dessa) posição. Simultaneamente a essa solução, Sartre escrevia A náusea; lá, vemos novamente aparecer essa

consciência anônima, despersonalizada, e dessa vez ela aparece com o signo da contingência, pois a consciência que é nadaé espontaneidade

pura, criação ex nihilo; ora, é precisamente essa a marca da contingênela: à consciência que se cria a si mesma, “soberana”, não é produto exemplar de umaessência e, enquanto tal, sua existência é contingente,

precede a essência. É a consciência que cria possibilidade, não o oposto, À experiência de Roquentin nada mais é que a experiência dessa contingência, Será ainda assim em O ser e o nada. Novamente ressurge a querela

com o idealismo e o realismo. Dessa vez, contudo, não se trata mais de

CONCLUSÃO

ER)

de introduzir uma matéria (a-hyle) a partir da qual o próprio sérido

mundo é constituído, Na perspectiva de O ser e o nada, Husserl repõs

na consciência aqueles conteúdos cuja recusa havia sido o seu girando mérito, ainda, é verdade, que o seu conceito de subjetividade-ultripis se de longe a perspectiva epistemológica dos neokantianos fraiiveços (cf. capítulo 4, VIII). É reafirmada novamente a soberania diy/ctnia ciência e a transcendência absoluta do mundo, a essa altura denomina dos seres “transfenomenais”; por aí se retomatambém o tema dircon tingência. A consciência ex nihilo do Ensaio sobre a transcendonia do ego reaparece: é a existência que é “determinação de si porsily)a

existência por si”. Igualmente a contingência do emesi, na mediu eti que aparece como “incriado” (Sartre 37, p. 34). E aqui é reaproprinda a crítica de Bergson ao Nadaabsoluto da metafísica, à “miragem da au

sência”: o ser não vem de um “abismooriginal”, não deriva dopóssi

vel; tampouco é necessário (“A necessidade concerne à ligaigiádns proposições ideais, mas nãoà dos existentes”; id., ibid.); é antes com tingência plena; ele não deriva de umoutro existente, Mostroú-se quer tica à noção de passividade e relatividade do ser(cf, capítulod, Vil; B); ou, por outra, a verdadeira transcendênciado seré também amarei de sua contingência. À diferença com o Ensaio sobre a transcendência do ego é que-já “não basta afirmar a consciência e o mundo como transcendênciasO

encontro com Heidegger municiou-o com o conceito de nadificaçãos conceito que — é o que queremos observar — aparecerá pensado exata mente na medida em quese reafirmaporele a contingência da conseiên cia. Afinal, não será lembrado que “todo processo nadificante exigiu

tirar sua fonte apenas de si mesmo” (id., ibid., p. 64)? A consciência que era nada no Ensaio sobre a transcendência do ego não era ainda nadificação; por outro lado, já não o seria em certa medida, naquela

enfrentar o representacionismo clássico, o quejá teria sido feito nas obras anteriores, o Ensaio sobre a transcendência do egi A imaginação, mas o idealismo do próprio Husserl. É que o pensamento desse

mesma em que aparece comocriação ex nihilo? Evidentemente, há uma distância longa que deve ser superada; no Ensaio sobre a transcendên

se trata simplesmente de colocar um Eu habitante da consciência, mas

coisas, ser temporal, tridimensional no tempo. Mas a contingência é,

último introduziu na consciência uma matéria, tornou-a cheia. Já não

43, No Ensaio sobre a transcendência do ego, Husserl é também enfrentado; tratase aqui, contudo, de repor a consciência sem Ego das Investiga ções.

cia do ego, trata-se de umaconsciência instantânea; em O ser e o nada,

a nadificação implica “dispersão de si”, o quesignifica, entre outras

num caso e noutro, reafirmada, Igualmente a busca da “síntese impos sível de em-si e para-si”, a fuga para o ens causa sui que poria fim à “fuga perpétua” da contingência.

166

LUIZ DAMON SANTOS MOUTINHO

Em A náusea, o desejo do ens causa sui (desejo de ser, posto no plano ontológico, não desejo empírico) era posto através da arte; Roquentin deseja que sua vida seja como a matéria da melodia, marcada pela necessidade. Desejo, diz ele, que é a chave de tudo o mais: “E tambémeu quis ser. Aliás, só quis isso; eis a chave de minha vida. No

fundo de todas essastentativas que parecem desvinculadas, encontro o mesmo desejo: expulsar a existência para fora de mim”(Sartre 34,p. 254). Já em O ser e o nada, o desejo de ser é pensado através do conceito de nadificação: na medida em que se dispersa, uma das dimensões daí resultantes — o futuro (pensado a partir da temporalidade) ou o possível (pensado apartir das “estruturas imediatas do para-si”) — é o quefalta

ao para-si para ser si, causa de si (cf. capítulo 4, IX). Trata-se, de todo

modo, em ambos os casos, do desejo de superar a contingência. Mas nãose trata apenas da contingência. Trata-se ainda da possibilidade de constituir uma psicologia, o que Sartre procurará fazer du-

rante os anos 30 e mesmo depois, em O ser e o nada. Não apenas

procura fornecer instrumentos para umapsicologia, mas procura realizála ele próprio. A perspectiva central do Ensaio sobre a transcendência do ego, por exemplo, não é apenas reafirmar uma consciência vazia, mas, na medida em que é vazia, na medida em que o Ego está fora dela, trata-se ainda de mostrar a constituição desse Ego, do psíquico, é assim refundar uma psicologia em novas bases. Sartre se serve do conceito deintencionalidade não apenas para colocar uma consciência espontânea, mas para pensar também o psíquico. Assim, no Ensaio sobre

a transcendência do ego procura mostrar a constituição do Ego; mais

tarde, fará umapsicologia da imagem assentada no conceito de consciên-

cia vazia (a imagem não é “sensação renascente”). A proximidade com

Husserl o leva a rever o conceito de psíquico, firmado no Ensaio sobre a transcendência do ego: o psíquico é também fenomênico, de modo que, para além da psicologia experimental, única conhecida pelo Ensaio sobre à transcendência do ego, é necessário propor a psicologia eidética. E é ela que Sartre fará, acerca da imagem e da moção. A criação de umapsicologia torna-se, após os primeiros contatos com Husserl, o objetivo maior de Sartre (lembre-se de que o texto de maior

fôlego desse período, contendo cerca de 400 páginas, mas de que se

publicou apenas um trecho, tem exatamente por título A psique). As-

sim, trata-se de criar uma psicologia a partir da fenomenologia; de início como “discípulo”, mas não depois, e não precisamente quando

aquela consciência constituinte do psíquico estiver ameaçada. Quando

CONCLUSÃO

[67

aquela consciência vazia, criação ex níhilo, “determinação de si poi si”, estiver ameaçada, quando estiver ameaçada enfim a contingência.

neste caso será necessário abandonaro terreno da psicologia e coloúni se de vez no planoda fenomenologia, procurando recuperar aquela cons ciência: é a crítica ao idealismo para que pendeu o pensamento de

Husserl, contida na Introdução de O ser e o nada. Desse modo nos

apareceu a passagem da psicologia à fenomenologia,

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CRONOLOGIA

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mo trotieda

1905

1933

141

nasce Jean-Paul Sartre a 21 de junho, em Paris.

Hitler instaura o nazismo ta ALemanáve

1906 morre seu pai, Jean-Baptiste Sartre.

estuda o pensamento de Husserbipiih Berlim, como bolsista, EscreveEnsaio.

1916 sua mãe se casa novamente, com um en-

genheiro da Marinha.

1924

passa no concurso para entrada na Escola Normal Superior em companhia de Paul “Nizan e Raymond Aron. 1924-1929 segue os cursos de filosofia e psicologia. 1929 conhece Simone de Beauvoir.

1931 nomeado professor de filosofia no Havre, cidade litorânea,

o da

1933-1934. mm

sobre a transcendênciado ego, vil, tpedk

1936 44 publica A imaginação, ComeçaGuerra dolo Civil Espanhola, )

veda

1936-1937

hM

professor em Lyon, .

º

EE

1937 nomeado professor em Paris, no Lioeu

Pasteur,

o

1938

publica A náusea; termina tratado de pai» cologia de 400 páginas, do qual só publi-

cará um fragmento, o Esboço de uma tea. ria das emoções, va) bro

170

LUIZ DAMON SANTOS MOUTINHO

1939

começaa redaçãode O ser e o nada; eclode

a Segunda Guerra Mundial; é convocado.

1940

publica O imaginário; morre Paul Nizan,

em combate. Sartre é feito prisioneiro dos alemães e enviado a um campo de con-

centração.

1941 fazendo-sepassarpor civil, é liberado. Fun-

da, com Maurice Merleau-Ponty, o grupo de resistência Socialismo e Liberdade.

1943 publica As moscas e O ser e o nada.

1945 publica A idade da razão, Sursis e Huis elos. Reportagens para Combat como correspondente nos Estados Unidos. Fim da Segunda Guerra. Início da grande voga do existencialismo e da notoriedade de Sartre. Aparece oprimeiro número de Les temps Modernes., 1950 início da Guerra da Coréia, que suscita divergências entre Sartre e Merleau-Ponty.

1960 Crítica da razão dialética. Viaja para Cuba e manifesta apoio à Revolução. Viagem ao Brasil, onde permanece por qua-

1962 sofre atentado por suas manifestações incisivas contra a Guerra da Argélia, país que busca tornar-se independente da

França.

1964 recusa o Prêmio Nobel de Literatura.

1968 toma posição favorável ao movimento estudantil; debate com os estudantes na

Sorbonne ocupada. Condenaintervenção soviética na Tchecoslováquia. 1969 morre a mãe de Sartre. Protesta, com Michel Foucault e outros, contra a

expulsão de estudantes da Universidade de Paris. Toma posição contra a reforma universitária.

1970 assume a direção simbólica do jornal maoísta La Cause du Peuple (A causa do

1954

povo).

1956

1973 colabora na fundação cojotmal Libération. Agrava-se seu problema dê visão.

primeira viagem à União Soviética.

condena intervenção soviética na Hungria. 1957

militância contra a Guerra da Argélia.

1958 Ossegliestrados de Altona, Escreve rotei-

ro sobre Freud para o cineasta John Huston.

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1980 morre em abril Jean-Paul Sartre.

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15. . Recherches logiques (V). Trad. H, Élie, Paris, PUF, 1962, 16. Jeanson, F. Sartre par lui-même. Paris, Éditions du Seuil, 1959 17, Lachitze-Rey, P, L'idéalisme kantien, Paris, J. Vrin, 1950, 18. Launay, J. “Sartre lecteur de Heidegger ou [être etle non”. In: Les Temps Modernos, nº 531-533, Paris, 1990,

1985 morre Simone de Beauvoir.

19, Lebrun, G. “David Hume dans album de famille husserken”, In: Manuscrito, vol V, nº 2, Campinas, abril/1982

20, Merleau-Ponty, M, 21

Les sciences de Chomne et la phénoménologie. Paris, CDU, n/d Paris, Gallimard, 1967

Phonoménolaoste de la perception,

Us

ENTZDAMON SANTOS MOUTINHO

12, Mishari, R, “Pour une phénoménologie existentielle intégrale: question à Vocuvre de Sartre”, In; Les Temps Modernes, nº 531-533, 1990, 23, Moura, C.A.R, de. “Husserl nos limites da fenomenologia”, In: Manuscrito, vol. VI, nº 1, outubro/1982. 24, - “Husserl: significação e existência”. In: Um passado revisitado: 80 anos do curso de filosofia da PUC-SP. Muchail, S.T. (org.), São Paulo, Educ, 1992. 25, « Crítica da razão na fenomenologia. São Paulo, Edusp/Nova Stella, 1989. 26, Miller, M. “A má-fé e a teoria da negação em Sartre”. In: Manuscrito, vol. V, nº 2, Campinas, abril/1982. | 2! Natanson, M. A critique of J.-P Sartre's ontology. The University of Nebraska Studies, 1951, 28, Nuno, J, Sartre. Caracas, Universidad de Venezuela, 1971. “d. Politzer, G, Critique des fondements de la psychologie. Paris, PUF, 1967.

ÍNDICE ONOMÁSTICO

30,)Prado Jr., B. “A imaginação: fenomenologia filosofia analítica”. In: Manuscrito, vol, VI, nº 1, Campinas, outubro/1982: MH, - Presença e campo transcendental: consciência e negatividade na filosoia de Bergson. São Paulo, Edusp, 1989. - Presas, M. “De Heidegger a Husserl”. In: Manuscrito, vol. V, nº 2, Campinas, “abril/ 1982. 13, Sartre, J.-P. À imaginação. Trad. Luiz R. Salinas Fortes, col. Os Pensadores, São

4, 15,

16, 17 'B,

19,

Paulo, Nova Cultural, 1990.

. À náusea. Trad. Rita Braga, Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1983.

- Esquisse d'une théorie des émotions. Paris, Hermann, 1966.

- Essai sur la transcendance de Vego. Paris, J. Vrin, 1988. « L'être et le néant. Paris, Gallimard, 1969. « L'imaginaire. Coll. Folio/Essais, Paris, Gallimard, 1986.

« Les carnets de la drôle de guerre. Paris, Gallimard, 1983.

40, - Situations I. Paris, Gallimard, 1973. 41, Simont, J, “Nécessité de ma contingence”. In: Les Temps Modernes, nº 539, Paris, 1991, 42, Spiegelberg, H. The phenomenological movement. Boston, Martinus Nijhoff, 1984. 43, Varet, G. L'ontologie de Sartre. Paris, PUF, 1948. 44, Védrine, H, “Fondement et totalisation chez Sartre”. In: Les Temps Modernes, nº 531533, Paris, 1990.

Alain 52

Jeanson, F. 73

Aron, R. 23, 45-46

Kant, 1. 25, 31, 140, 148 Beauvoir, S. de

164 Bergson, H. 165 Berkeley, G. Bornheim, G. Boutroux, É.

23-24, 45-50, 58, 61-2, 77,

128, 130-3, 135-136, 139, 148 60 25, 149-150

Koyré, A.

105

La Rochefoucauld 37 Lachitze-Rey, P. 26 Lalande, A. 24 Lebrun, 6. 92, 1078 Leibniz, 6. 78-9

Brunschvicg, L. 24

Lewin, K. 67

Contat, M. 23, 46-7, 49-50, 57, 77

Merleau-Ponty, M, 106 Meyerson, É 24 Moura, CAR, de 87:9,107-9

Descartes, R. 56, 59-60, 78-80, 84, 86, 88, 934, 146-7, 150 Diirer, A. 117, 123 Hegel, G. 154-5, 157

Heidegger, M. 43, 46, 67, 106, 115, 127-130, 132-7, 139, 141, 146, 151, 153-5, 157, 163-5 Hume, D. 78-9, 81-7, 89-96, 99 Husserl, E. 23, 25-31, 38, 45, 80, 83-7, 89-93, 95-6, 98, 107, 111, 14-16, 118-20, 122 7, 140-4, 146-8, 151-2, 163-7 James, W. 102 Janet, P. 102 Jaspers, K, 45-6

Miiller, M.

156

Natorp, P. 30 Nizan, P. 45 Nuno, J, 61 Platão 47 Prado Jr, B,

128, 130-2, 135, 154

Rybalka, M.

23, 46-7, 49-50, 57,77

Spaler 78 Spiegelberg, H, Taine, H,

1134

78, 8052, 94, 11H, 120

ER PRECE

e

ÍNDICE REMISSIVO

Hs ve nene absoluto 25-26, 35, 48, 58-59, 75, 130-131, 133, 149-150, 165 análogon 63, 121, 123 causa sui 160-161

“cogito 30, 35, 56, 60, 86, 93, 109, 1, 127, 129,

146, 148, 150-152, 156, 158 conhecimento 26, 60, 69, 84-87, 89, 91-92, 94, 139, 147-148, 150, 159 consciência 23-29, 31-43, 45, 48, 54-57, 60, 6373,75,78-107, 109-111, 114-118, 120-123, 125-130, 134-140, 142-152, 156-162, 164167

contingência 45-48, 58-63, 66, 68, 70-75, 110111, 143, 148-150, 160, 162-167

corpo 56-57, 63, 66-73, 94, 102

“e

essência 31, 18, 80, 85, 87, 96, 98-101; 104 108

HI, 116, 126-127, 138,145, 1471509157, 164

nágeraida

eu empírico 26

eu formal 27, 31-32 eu material 31, 32, 35-36

Patti

“o

ondas

- eu transcendental 27-29,31:32, 35, 40, Hd

existência 25-27, 32, 36, 42, 5455H, 60,06,

68, 72, 74-75,TB, RO, 93-96, LONLL,ALO,. 131, 137, 139, 143, 147-150, 160, 168, 164» 166

facticidade 73, 75, 110 Jactum 46-49, 86, 88, 91-92

RR

doados

falta de ser 160-161.

fenômeno 32, 77, 90-91, 99.108, 107-108; at,

142, 144-146, 148148, 151, 159 srta

dualismo 70, 96, 142, 144, 146

fenomenologia 23, 27, 29, 31-32, 49, 42/4546,

ego 23, 25-27, 36, 38-43, 78, 86/92, 103, 125, 141, 164, 166

fundamentação 24

eidos 98-101 emoção 23, 101-104, 109-111, 163, 166 empírico 25-26, 80, 166

empirismo 80, 95, 100, 108 epistemologia 26, 94, 96 epokhé 125 erlebnis 34 espontaneidade 40-43, 56, 60, 65-66, 75, o, Bá, 89, 91-92, 95, 99-100, 103, 106, 121-123, 125, 164

“86-87, 89, 92-93, 97-98, 108-109, 14, 444

45, 126, 141, 148, 151, 163-164, 1066-167

gestalt 103, 110, 153, 155

hyle H6-124, 126, 141-143, 1591-152, 105 idealismo 23, 26, 45-46, 141, 147-148, 151, 164,

167

imagem 24, 28, 63, 77-80, 5, 92-97, 90, 404, “104, MO, L4, 1147-124, 126-128, 100,13

136, 1349, 163, 166

'

7

sabitrie SECHO DE LLC

AQUISICX Do a a ana no Dra can Renenaid no

DATA DEETOMBODzZ7 imaginação 63, 77-19,93-94, 104, 109, 114, 130-

131

imanência 24-26, 31, 34-35, 38, 40, 42, 88-89, 91, 98, 103, 109, 122-123, 142, 148, 156-

157, 159 indução 74, 93, 98-99 intencionalidade 23-24, 27-28, 37, 85, 91, 116, 141, 146-147, 164, 166

linguagem 49, 57, 65 mecanicismo 81

metafísica 30, 46, 78, 80, 81,96, 127, 129, 132133, 135, 141, 153, 165

mundano 89, 92

nada 25, 29, 31, 36, 40-41, 46, 48, 53-56, 58-59, 62, 65-66, 73-75, 79-83, 85, 89, 97, 101102, 107-109, 117, 119-120, 122, 127-139,

142-144, 153-156, 158-161, 164-165

nadificação 43, 106-107, 128-129, 132-136, 138-

139, 151-152, 154-160, 165-166 náusea 49-50, 54-55, 57, 60, 63-65, 72-73, 75, 125

negação 40, 43, 129, 131-132, 134- 139, 148, 151-

161 neokantismo 25

nóema 28, 14, 119, 122, 124, 140-142, 144, 146

nóese 143, 145, 147

ontologia 107-108, 113, 115 pampsicologismo 83, 93-94, 96 percepção 30, 81,85, 95, 104, 108, 117-124, 134, 154

prova ontológica 131, 146-148, 150 psicofísica 96-97 psicofísico 31, 83 Psicologia 23-25, 30, 37-38, 42, 45-48, 77-73, 85, 89,92-101, 109-111, 113-116, 120, 122, 126, 163, 166-167 psíquico 24-25, 27, 32, 35, 39, 42, 48, 65, 78, 80-83, 85, 89-91, 93, 95-97, 99, 100-105, 107, 109, 113-114, 117, 122, 149, 156, 166 realismo 23, 151, 164 redução 30-31, 42, 60, 68, 79, 81, 89, 97-99, 114115, 119,124-127, 129, 139, 140, 144-146, 151-152, 158 reflexão 26, 30, 32-40, 42, 56, 60, 69, 71, 84-86, 96, 99, 103-104, 120-123, 125, 129, 152, 158-159

ser-no-mundo 110, 114-115, 127-129, 133, 136, 138-140, 151-152, 158 significado 26, 57, 72, 77, 101, 103, 108, 135 sujeito 26, 28, 30-31, 43, 51, 74, 87-88, 92, 9497, 142, 148

temporalidade 53-54,64-65, 103-107, 111, 166

transcendência 24, 28, 31535-36, 38-39, 42, 55,

75, 78, 87-88, 91, 97, 122-123, 143, 147, 155, 158-160, 162, 164-165 transcendental 25-29, 31-32, 35-36, 38, 40, 4243, 78, 87-89, 92, 97-100, 103, 105, 109, 13-115, 125-126, 132, 135, 139 transfenomenal 141, 144-148, 159

vivido 30-32, 35, 39, 61-62, 66-77, 70-71, 98, 100, 110

Sobre o Autor

Nascido a 18 de novembro de

neoon

1964, na Bahia, Luiz Damon Santos

Moutinho fez graduação em filosofia na Universidade de São Paulo. Depois de um mestrado sobre Sartre, do qual re sultou esse livro, faz atualmente o dou

torado sobre filosofia contemporânea,