Santa Maria de Oliveira: Um Domínio Monástico do Entre-Douro-e-Minho em Finais da Idade Média 9729152403

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Santa Maria de Oliveira: Um Domínio Monástico do Entre-Douro-e-Minho em Finais da Idade Média
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MARIA ROSÁRIO DA COSTA BASTOS

SANTA MARIA DE OLIVEIRA UM DOMÍNIO MONÁSTICO DO ENTRE-DOURO-E-MINHO EM FINAIS DA IDADE MÉDIA

Bastos, Maria Rosário da Costa (1996) - Santa Maria de Oliveira: um domínio monástico do Entre-Douro-e-Minho em finais da Idade Média. Dissertação de Mestrado em História Medieval apresentada à Faculdade de Letras da Universidade do Porto, 180p., Porto, Portugal. [Edição da Câmara Municipal de Vila Nova de Famalicão, ISBN: 972-9152-40-3]

Autor: Maria Rosário da Costa Bastos Propriedade: Câmara Municipal de Vila Nova de Famalicão Organização: Departamento de Cultura e Educação Capa: José Almeida Execução Gráfica: PORTOFÓLIO R. Arq. Nicolau Nazoni, 6-2º Esq. - Tr. 4050 Porto Telefs. : (02) 4806606/7-4800953 - Fax: (02) 4800122 Tiragem: 1.000 exemplares Depósito Legal: 102336/96 l.S.B.N. 972-9152-40-3

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Di ssertação de Mestrado e m H istória Medieval apresentada à Faculdade de Letras da Universidade do Porto

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PREFÁCIO

A instituição dos cursos de Mestrado em História nas universidades portuguesas foi um dos factores que nas duas últimas décadas mais contribuíram para a renovação de história local, nos seus múltiplos aspectos, não só mercê das muitas dezenas de dissertações já eleboradas sobre localidades, instituições, personagens e outros temas de interesse local ou mesmo regional, mas também pelas novas metodologias utilizadas. A obra de Maria Rosário da Costa Bastos, que agora se publica, surge também neste contexto e representa um notável contributo para a história da antiga terra de Vermoim, maioritariamente incluída no actual concelho de Vila Nova de Famalicão. Na verdade, o estudo Santa Maria de Oliveira: um domínio monástico do Entre-Douro-e-Minho, em finais da Idade Média responde, em boa parte, à conhecida escassez de fontes documentais conhecidas e acessíveis ao grande público sobre este região e algumas das suas instituições mais representativas da Idade Média. Tal falta, embora lamentável, é compreensível, dado o reduzido número de instituições monásticas, então, existentes, dentro dos limites da terra de Vermoim, e atendendo ao facto de D. João I ter extinto o antigo concelho de Vila Nova, incorporando-o, na mesma altura, no Condado de Barcelos. Neste contexto, esta obra, recheada de novidades que Autora exumou, essencialmente do Arquivo Nacional da Torre do Tombo, aparece como um agradável oásis no meio do deserto. Embora não seja este o local apropriado para uma apresentação exaustiva desta obra, é indispensável traçar as suas linhas gerais, respeitando a ordem lógica que a Autora lhe imprimiu. Assim, na primeira parte, após ter procedido à análise dos primórdios deste mosteiro e do seu enqua-

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dramento no contexto da Ordem de Santo Agostinho, na Arquidiocese de Braga, uma das novas observâncias monásticas, que contribuíram para a substituição do decadente monacato de tradição frutuosiana, estuda o problema do couto deste mosteiro, com relevo para o tipo de jurisdição aí praticada e respectivas vicissitudes, merecendo-lhe especial atenção a estrutura interna desta comunidade, na vigência dos priores-mores regulares, que biografou, e dos três priores-comendatários, que usufruíram das suas rendas durante o século XVI. Na segunda parte, integralmente consagrada à análise do património desta comunidade agostinha, além de questões tão importantes como o processo da sua constituição, estrutura e dispersão, dentro e fora da Terra de Vermoim, ficamos a conhecer as formas de gestão, os montantes dos seus ingressos num determinado momento, sem esquecer o importante contributo para a definição do revestimento florestal desta zona, nos princípios do século XVI. Este simples enunciado dos aspectos emergentes no decurso de um primeiro contacto com esta obra, por mais perfunctório que ele seja, obriga a anotar também o facto de o conteúdo de muitos dos temas desenvolvidos ser ilustrado por uma adequada cartografia, que muito valoriza o presente estudo. Face à sumária apresentação desta obra sobre o mosteiro de Santa Maria de Oliveira, cujo património se distribuía pela terra de Vermoim e para lá dos seus limites, de Barcelos, Maia e Vila Verde até às terras Vieira do Minho e Barroso, bem se pode afirma r o seu interesse local e regional. Acresce, ainda que a Autora, não tendo, originariamente, quaisquer vínculos com Santa Maria de Oliveira ou mesmo com Famalicão, pela forte relação de empatia que foi criando o tema , à medida que o ia desenvolvendo, pelo excelente serviço que prestou à história e à cultura da antiga terra de Vermoim e actual concelho de Famalicão, e pelo que esta obra continuará a representar na sua vida , ficará , efectivamente, ligada a Famalicão. A Exma. Câmara Municipal, pelo seu Presidente e pelo Pelouro da Cultura, apreendeu, desde o primeiro momento em que lhe foi apresentado, a importância científica e cultural deste estudo, bem como o espaço que ele viria preencher, nesta hora em que a história local desempenha um papel insubstituível na conservação da nossa identidade, sobretudo, quando convenientemente integrada na história pátria, e decidiu publicá-lo. Como orientador científico desta obra, que também sugeri, cumpre-me agradecer e louvar a exemplar sensibilidade e abertura da Câmara Municipal de Famalicão para a promoção dos valores culturais, sendo-me grato também afirmar que a publicação desta obra constitui um merecido prémio para o entusiasmo com que a Autora se devotou à sua elaboração.

José Marques

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Ao meu marido A meus pais

O-PRÓLOGO A nossa opção pelo estudo do mosteiro de Santa Maria de Oliveira nos finais da Idade Média teve em vista o apuramento do estado económico da instituição , numa conjuntura de crise. Tal intuito afigurou-se-nos tanto mais viável quando deparámos com um cadastro da propriedade , datado de 1504', que vinha acompanhado por uma relação das rendas a arrecadar pelo mosteiro, nesse mesmo ano 2 • Pareceu-nos, assim, que mediante o cruzamento destes dois tipos de informação conseguiríamos estabelecer um "corte sincrónico" de molde a termos uma visão relativamente completa do pulsar económico-social desta instituição na viragem da Centúria de Quatrocentos. Contudo, não contentes com a relativa aridez dos dados recolhidos (característica comum a todas as fontes do género, isto é, aos chamados tombos) e movidas por uma imensa curiosidade relativamente às raízes e desenvolvimento da instituição que nos propomos estudar, decidimos alargar o âmbito da nossa base documental. Para o efeito, compulsámos toda a documentação medieval pertencente ao antigo cartório do mosteiro de Santa Maria de Oliveira, guardada no Arquivo Nacional da Torre do Tombo, bem como outra que, embora inserta em tombos modernos, remetiam para a época medieva. Consultámos, igualmente, todos os Livros de Chancelaria até D. Manuel 1, assim como os Livros de Além-Douro da Leitura Nova. Sabendo que o mosteiro de Oliveira foi integrado na Congregação de Santa Cruz de Coimbra, em 1599 e, em 1612, unido «in perpetuum» a S. Vicente 'A.N.T.T., C.R. , Santa Maria de Oliveira, B- 49-18. ' A.N.T.T. , C.R. , Santa Maria de Oliveira, B- 49-18. Como se pode constatar o inventário das rendas de Oliveira é conservado no Arquivo Nacional da Torre do Tombo com a mesma cota do Tombo da Propriedade. Por esse facto, a partir deste momento, sempre que nos referirmos ao Tombo das Rendas designá-lo-emos por Tombo Velho, nomenclatura pela qual ficOu conhecido.

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de Fora, procurámos indagar nos fundos destes dois mosteiros informações concernentes a Santa Maria de Oliveira. Desta forma, encontrámos nas Miscelâneas Manuscritas uma preciosa «Relação e notícias do antigo mosteiro de S. Maria de Oliveira unido in perpetuum ao de S. Vicente de Fora por Bulias Appostolicas» 3 que, embora anónima e sem data, se veio a revelar bastante profícua para a elaboração do presente trabalho. Tendo em consideração que o mosteiro de Oliveira pertencia à Arquidiocese de Braga, decidimos percorrer o Arquivo Distrital desta cidade. Aqui, a documentação com interesse para o nosso estudo encontrava-se dispersa por vários fundos como sejam a Gaveta das Notícias Várias, a Gaveta das Religiões, Mosteiros, Ordens, Colegiadas e Seminários, a Colecção Cronológica, o Livro das Cadeias ou, ainda, os Livros das Confirmações de O. Fernando da Guerra e O. Jorge da Costa. Seguidamente, completámos os dados recolhidos em arquivos com outros provenientes de fontes impressas. Nesta linha de conduta, foi-se-nos recortando, paulatinamente, o historial de Santa Maria de Oliveira. De 1033, data da mais remota referência a este mosteiro, a 1504, ano que constituirá a base cronológica do estudo económico patenteado neste trabalho (correspondendo ao período em que o prior comendatário Sixto da Cunha mandou arrolar as propriedades e rendas da sua comenda), julgamos ter detectado um fio condutor que nos permitiu compreender as vicissitudes por que passou esta instituição. Com maiores ou menores lacunas conhecemos quais os homens que dirigiram o mosteiro, que memória deixaram, o tipo de conflitos em que se viram envolvidos, as relações que mantinham entre si e com outras comunidades laicas e eclesiásticas, enfim, como se viveu em Oliveira ao longo da Idade Média. Desta forma, a presente dissertação está dividida em duas grandes partes, nomeadamente: - uma integrada pelo primeiro capítulo, onde se focam as origens e a história da instituição, que ambienta o estudo económico propriamente dito; - e a segunda, constituída pelos dois capítulos seguintes nos quais analisaremos a vitalidade económica do mosteiro numa época de transição da Idade Média para a Moderna e que se assumem como o cerne do trabalho. No entanto, desejamos acentuar que sem o primeiro capítulo, este estudo apresentar-se-ia necessariamente truncado já que, em nosso entender, a economia é a faceta mais imediatamente apreensível • de um conjunto de «actos humanos nascidos de necessidades colectivas e que só uma determinada estrutura social tornou possível» 5 • Sendo a História feita de Homens, por Homens e para Homens, que sentido teria mensurar as faça' A.N.T.T., Miscelâneas Manuscritas, nº 1103. ' Parece-nos razoável supôr que os tombos, que começam a afluir a partir do séc. XIV, são aquele tipo de fontes histôricas que melhor e mais imediatamente permitem conhecer o estado económico de uma instituição , à data em que foram elaborados. ' BLOCH , Marc - Introdução à História, 4 •edição, Colecção Saber, Publicaçôes Europa América, s. d., p. 27 ,

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nhas financeiras dos seus protagonistas sem realmente conhecer os "actores" e os seus antepassados que, eventualmente, as teriam moldado e condicionado ao nível das suas atitudes e comportamentos? Não tendo a pretensão de elaborar qualquer estudo psicológico dos indivíduos que estiveram à frente dos destinos do mosteiro, estamos conscientes de que o passado deste cenóbio foi também aquilo que estes indivíduos dele fizeram, pois se esta casa condicionou centenas de histórias individuais, foi da acumulação destas vivências específicas que se fez a história de Santa Maria de Oliveira. Não poderíamos terminar esta nota de apresentação sem expressar os nossos agradecimentos a todos aqueles que, por motivos vários, contribuíram para levarmos a termo esta dissertação. A todos os docentes do Curso de Mestrado em História Medieval, especialmente para o seu director, Sr. Professor Doutor Baquero Moreno, vão os nossos públicos e sinceros agradecimentos. Ao Sr. Professor Doutor José Marques, que com aturada mestria e paciência se prestou a orientar o presente trabalho, queremos expressar vivamente a nossa profunda gratidão. Ao extinto Instituto Nacional de Investigação Científica ficamos a dever uma Bolsa de Mestrado que nos possibilitou uma disponibilidade de tempo e recursos preciosa para a efectivação deste estudo . É, igualmente, com enorme estima e reconhecido apreço que agradecemos ao Dr. Luís Carlos Amaral todo o capital científico e pedagógico com que nos vem presenteando desde a época em que éramos tão somente licenceanda. Temos consciência que a etapa que agora encerramos foi, em muito, obra do seu incentivo e generosa amizade. Queremos, ainda, relevar a inestimável dedicação e amizade com que a Drª. Alcina Manuela Martins nos veio acompanhando, fornecendo-nos alento quando fraquejavamos e connosco debatendo pacientemente questões pontuais que, na altura, nos assoberbavam o pensamento. Para o Doutor João Carlos Garcia vai o nosso reconhecimento pela constante disponibilidade e incontestável profissionalismo com que se dignou a elucidar-nos acerca da concepção dos mapas, cuja elaboração esteve a cargo do Dr. Rui Pimenta, a que estendemos a nossa gratidão. Queremos expressar a nossa profunda estima por todos os colegas de mestrado e, também, pelos ex-docentes de licenciatura, que sempre se mostraram prontos para o debate de temáticas científicas. Finalmente não podemos deixar de agradecer à Câmara Municipal de Famalicão, particularmente na pessoa do Dr. Artur Sá da Costa, Director do Departamento de Cultura, por tornar possível esta edição. A todos nos sentimos devedoras.

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SIGLAS E ABREVIATURAS

A. D. B. - Arquivo Distrital de Braga A. N. T. T. - Arquivo Nacional da Torre do Tombo alm. - almário cap. - capítulo cf. - confrontar, conferir C. R. - Corporações Religiosas D. H. P. - Dicionário de História de Portugal doe (s) - documento (s) fl (s) - fólio (s) liv. - livro nº - número O. e. - Obra citada p. - página P. M. H. - Portugaliae Monumenta Historica pp. - páginas s. d. - sem data s. n. - sem número vº - verso vol(s). - volume(s)

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FONTES E BIBLIOGRAFIA

FONTES MANUSCRITAS

1. Arquivo Nacional da Torre do Tombo

1 - Corporações Religiosas 1.1 -

Santa Maria Santa Maria Santa Maria Santa Maria

de de de de

Oliveira, Oliveira, Oliveira, Oliveira,

caixa 94, does. 1 - 32 B - 49 - 18 "Tombo Velho", B - 49 - 18 B - 49 -13

1.2 - Santa Cruz de Coimbra, Maço VI, Livro 1, alm. 60, Maço 14,docs. 1, 2, 3, 4, 5 e 6

2 - Chancelarias 2.1 - O. Fernando, Livro 1, tis. 46 vº e 82 3 - Leitura Nova

3.1 - Além - Douro, Livro 2, tis. 187 - 188 3.2 - Místicos, Livro 2, tis. 205 -207

4 - Legitimações 4.1 - Livro 2, tis. 62 vº e 64 vº

4.2 - Livro 3, tis. 21 O vº - 211

5 - Miscelâneas Manuscritas, nº1103

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li. Arquivo Distrital de Braga

1 - Colecção Cronológica, caixa 17

2- Gavetas

2.1 - Gav. das religiões, mosteiros, ordens, colegiadas e seminário, nº 47. 2.2 - Gav. 1ª das igrejas, nº114

3 - Livro das cadeias, nº 20

4 - Registo geral

4.1 - Livro das confirmações de D. Fernando da Guerra, 1423 - 1468, nº 331, fls. 58 vº, 63 e 198 4.2 - Livro do registo das confirmações do Senhor Arcebispo D. Jorge, da Costa, nº 331 . fls. 179 - 179 vº e 187 - 187 vº

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FONTES IMPRESSAS E OBRAS DE CONSULTA*

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• Nesta lista optámos por referir apenas as obras que se encontram assinaladas em nota de rodapé.

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CAPÍTULO 1

BREVE HISTORIAL DE SANTA MARIA DE OLIVEIRA

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1 - ORIGEM DO MOSTEIRO

O antigo mosteiro de Oliveira suscita controvérsia quer em relação à sua localização geográfica inicial, quer no que respeita ao nome(s) do(s) seu(s) fundador(es). Tratando-se de um domínio monástico de tradição visigótica 1 , torna-se extremamente difícil apurar a sua origem e desenvolvimento em épocas remotas. O mosteiro conheceu uma vida própria em tempos bastante recuados , da qual, todavia, nada nos foi possível apurar. Os dados mais antigos que possuímos reportam-se a 1033 e, por isso, fica desde já explícito que sempre que nos referirmos à "fundação" ou aos "fundadores" do mosteiro, o sentido destes vocábulos deverá ser encarado com reticências, uma vez que não corresponde, em rigor, ao significado que usualmente se lhes atribui. Feita esta advertência, passemos à exposição das diferentes teses concernentes à origem do mosteiro, procedendo, igualmente, a um crítica preliminar das mesmas.

1.1 - A localização do mosteiro: hipótese de uma primeira fundação

Se é possível encontrar consonâncias quanto à localização deste cenóbio, estas limitam-se à sua incontestável instalação no julgado de Vermoim , termo da vila de Barcelos, circunscrição arquidiocesana de Braga. Já no que respeita à determinação exacta do local da sua implantação a realidade é mais complexa, pelo menos para os seus tempos mais longínquos. Segundo alguma tradição «parece foy edificado no sítio donde ao presente existe huã Capela de Nossa Senhora de Perrellos chamada Santa Maria de Perrellos, e ' MARQU ES, José - A Arquidiocese de Braga no séc. X V, Lisboa, Imprensa Nacional - Casa da Moeda, 1988, PP- 718-72 1.

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por rezão dei/a ainda hoje em dia o dito Mosteiro paga a mitra primaz de Braga 24 alqueires de centeio da colheita cada ano e por respeito dei/a e por cabeça deste Mosteiro dá ao Arcebispo os Santos Oleos 2 de que usam o Mosteiro e sua freguesia. O mesmo Mosteiro paramenta a tal Capela e ouve sempre as ablações, ou ofertas que a e/la hião, e vão, e hoje pouco ou nada rende, está distante do Mosteiro meya legua, e cita na freguesia de Delains e o Parrocho dei/a nada tem na tal Capella » 3 • Segundo este relato o mosteiro de Oliveira teria funcionado , inicialmente, na capela de Santa Maria de Perrelos, situada na freguesia de Delães. Por esse facto ficou o mosteiro obrigado a dar de tributo à Mitra bracarense, anualmente, vinte e quatro alqueires de centeio, acrescidos dos "Santos Óleos" •. Não possuíndo suporte documental que nos permita atestar a efectiva implantação desta instituição monástica em Perrelos, sabemos , contudo, que ainda em 1504 o mosteiro de Oliveira pagava ao arcebispo de Braga, pela ermida de Perrelos, os tais vinte e quatro alqueires 5 , sendo que agora não eram de centeio mas sim de pão meado 6 • Todavia, nada podemos avançar acerca da contribuição para os Santos Óleos ou, ainda , da capacidade que o mosteiro tinha de paramentar a tal capela e dela receber as ablações e ofertas aí efectuadas. Mais, por este depoimento ficamos sem saber qual o nome ou nomes do(s) seu(s) fundador(es), bem como a data em que tal facto teria ocorrido. Apenas fica o registo de que a capela de Perrelos distava meia légua, ou seja, aproximadamente 2,25 km 7 , de Santa Maria de Oliveira que, segundo este relato , seria já uma segunda fundação da casa, résultante da transferência desta comunidade religiosa de Perrelos para aqui. Em concordância com esta asserção surge-nos o depoimento de O. Fr. Timóteo dos Mártires, segundo o qual o mosteiro de Oliveira funcionara inicialmente em Perrelos ª. Pese embora tal facto , as consonâncias entre este autor e o das Miscelâneas Manuscritas ficam-se por aqui, uma vez que o cronista de Santa Cruz afirma que a ermida de Nossa Senhora de Perrelos pertence à freguesia de S. Mateus e dista um quarto de légua do local onde actualmente está implantado o mosteiro de Oliveira 9 •

' Julgamos que esta expressão deverá ser entendida como o fornecimento de azeite em ordem à obtenção dos Óleos Sacros . ' A.N.T.T., Miscelâneas Manuscritas, nº 11 03. li. 11 9. ' Cf. nota 2. " A.N .T.T., C. R., Santa Maria de Oliveira, B-49-1 8, fl. 17 vº; cf. com MARQUES , José - O. e. , p. 749. ' O pão meado consistia , aqui, numa mi stura de milho e centeio {A.N.T.T., C.R., Santa Maria de Oliveira, B - 49 - 18, li. 7 vº e A.N.T.T., C. R., Santa Maria de Oliveira, caixa 94 , maço 1, doe. 39). ' Para proceder a este cá lculo baseámo-nos no artigo de MARQUES , A. H. de Oliveira - Pesos e medidas, in Dicionário de História de Portugal, dirigido por Joel Serrão , vol. V, Porto, Livraria Fig ueirinhas, 1961, p. 68. A partir deste momento, sempre que citarmos esta obra usaremos a abreviatura D. H. P .. ' MÁRTIRES , D. Frei Timóteo dos - Crónica de Santa Cruz. tomo Ili, Coimbra, Ediçã o da Biblioteca Municipal, 1960, pp .142-1 43. ' MÁRTIRES, D. Frei Timóteo dos - O. e., tomo Il i, p. 143.

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Não obstante, Avelino Jesus da Costa alude a Santa Maria de Perrelos como sendo uma antiga freguesia que corresponde ao lugar e capela de S. João de Perrelos 10 , situada em Delães 11 • Debrucemo-nos, agora, na análise das diferentes teses relativamente à "fundação" do mosteiro que se implantou em Oliveira.

1.2 - Os "fundadores" de Santa Maria de Oliveira A) Arias de Brito

O. Frei Timóteo dos Mártires descreve O. Arias de Brito como um rico homem que terá fundado o mosteiro em Perrelos, em data desconhecida 12 • Contudo, este autor não apresenta qualquer documento que fundamente a sua afirmação. Por seu turno, D. Nicolau de Santa Maria, na Crónica da Ordem de Santo Agostinho aponta Arias de Brito como tendo fundado o mosteiro em 1033, acrescentando que, à data, já aí existiam clérigos "que viviam em comum com seu Prior O. Antão, a quem o Fundador tez huã larga doação de todas as herdades que tinha na vil/a de Oliveira, em Carrazeda, em Subilhaes, o que diz faz à honra da Virgem Santa Maria e pera que os clérigos que a servirem e louvarem tenham sustentação necessaria sem a ir buscar a outra parte e isto em quanto perseverarem em vida Santa segundo dispoem os Santos Canones» 13 • Assim sendo, Arias de Brito teria agraciado O. Antão com vastas doações destinadas à condigna subsistência da comunidade religiosa que este último já dirigia. Tal formulação poderia dar consistência à teoria de que o mosteiro havia funcionado anteriormente noutro local, designadamente na capela de Santa Maria de Perrelos, tendo-se deslocado para Oliveira, onde já se encontrava em plena actividade quando, em 1033, D. Arias decide contemplar o seu prelado principal com um amplo número de benesses. Mesmo que os factos se tenham desenrolado desta forma - o que não nos parece ter acontecido, como adiante tentaremos demonstrar - O. Arias de Brito não deverá ser encarado como fundador do mosteiro mas antes como um pródigo doador do mesmo, pois, como o próprio cronista deixa subentender, a instituição era já activa quando foi objecto das suas preferências.

"'COSTA, Padre Avelino de Jesus da - O bispo O. Pedro e a organização da Diocese de Braga, vol. li, Coimbra, 1959, p. 51 e, especialmente, p. 505. "Cf. o mapa li, inserto no capitulo li, p. 89. "MÁRTIRES, D. Frei Timóteo dos - O. e., tomo Ili, p. 142. "SANTA MARIA, Dom Nicolau de - Chronica da Ordem dos Conegos Regrantes do Patriarcha S. Agostinho, Lisboa, 1668, p. 317.

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Não obstante, a versão de D. Nicolau de Santa Maria tem vindo a fazer escola em muitos daqueles que se debruçaram sobre a história deste mosteiro 14 •

B) D. "Sesnando Hueriz"

O conde D. Pedro, no seu Nobiliário, assinala que foi D. Sesnando Hueriz, filho de O. Soeiro de Brito, quem fundou o mosteiro de Oliveira 15 • Neste sentido aponta, igualmente, D. Fr. Timóteo dos Mártires porquanto afirma que "Dom Sesnando Sueris, filho de Dom Sueiro de Brito, e consequentemente neto do fundador deste mosteiro (D. Arias de Brito), o mudou do lugar de Perrellos, pera este sítio de Oliveira a onde de novo o restaurou a fundamentis e lhe fes doação de todas as sua rendas, e senhorios, a o mesmo Abbade Dom Antam, pera a fabrica, é sustentação dos seus conegos, em os, 22, de Abril da Era, M. lxxj. que he Anno de, 1033" 16 • Divergente desta é a opinião de D. Nicolau de Santa Maria ao afirmar que D. Sesnando Hueriz não foi "senão restaurador e Benfeitor, porque alem de acrescentar a Igreja, confirmou aos Conegos as doaçoens feitas por Arias de Brito, e de novo lhe fez doação das pesqueiras do rio Ave" 17 • Servimo-nos das palavras do cronista da Ordem para refutar a tese anterior, tanto mais que, no que resta do cartório do mosteiro , não conseguimos encontrar nenhum documento que comprove que D. Sesnando Hueriz fundara esta instituição e, muito menos, datado de 1033 , como pretende D. Fr. Timóteo dos Mártires. Coincidente com este ano, apenas possuímos uma carta de doação, em que efectivamente os doadores entregam um vasto património ao mosteiro superintendido, à época, pelo prelado D. Antão, sendo o nome dos seus outorgantes Marcos e Adosinda 1 ª e não D. Sesnando Sueris como pretendia D. Fr. Timóteo dos Mártires. Pinho Leal no Portugal Antigo e Moderno afirma que um tal Soeiro de Brito , segundo o autor neto e não filho de Arias de Brito, «reedificou e ampliou a egreja e o edifício do mosteiro, e lhe augmentou as rendas, entre

"A título de exemplo refiram-se os casos de LEAL , Pinho - Portugal Antigo e Moderno, vol. VI , Lisboa. Edito ra Tavares Cardoso e Irmão, 1875, p. 254; COSTA, Padre António Carvalho da - Corografia Portuguesa, 2• edição , Braga, 1968, p. 291 ou . mais recentemente, ABREU, Manuel Bernardino Araújo - Subsídios para a História da Fundação e Vida do Mosteiro de Santa Maria de Oliveira, que foi do termo de Barcelos, in "Revista de Guimarães", Jan. - Dez .. vol. XCIX, 1989, pp. 97 e 102,106. " Portugaliae Monumenta Historica a seculo octavo post Christum usque ad quintundecimum, iussu Academiae Scientarum Olisiponensis edita, Nova Série, vol. li, Livro de Linhagens do Conde O. Pedro (edição critica por José Mattoso), Lisboa. Publicações do li Centenário da Academia das Ciências , 1980, p. 137. " MÁRTIRES, D. Frei Timóteo dos - O. e.. tomo Ili, p. 143. "SANTA MARIA, O. e.. p. 317. " A.N.T.T .. C.R .. Santa Maria de Oliveira, caixa 94 , maço 3, doe. 23 (traslado em pública forma datado de 1608) e Portugaliae Monumenta Historica a seculo octavo post Christum usque ad quintundecimum, JUSsu Academiae Scientarum Olisiponensis edita , Diplomata et chartae, n° 278. A partir deste momento, sempre que nos referirmos aos Portugaliae Monumenta Historica utilizaremos somente a abreviatura P. M. H ..

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e/las, a das pesqueiras do rio Ave, pelos anos de 1200» 19 • No entanto, Manuel Bernardino Araújo, contesta a possibilidade de O. Soeiro de Brito ser neto de Arias de Brito pois, segundo as palavras deste autor, tal "não parece ser possível a não ser que uma das datas de 1033 e 1200 esteja errada, até mesmo se aceitarmos que nesse tempo tão recuado «as vidas erão mais acrescidas e algumas de 120 anos» como escreveu o P. Jácome da Costa" 20 • Pode-se levantar a hipótese da palavra neto não ser aqui utilizada no sentido de "filho de um filho", mas sim e apenas, de descendente do ramo familiar. Todavia, tudo nos leva a pensa que este Soeiro de Brito coincide com O. Sesnando Hueriz, o benfeitor a que alude O. Nicolau de Santa Maria 21 •

C) Marcos e Adosinda

Das três versões apontadas para a "fundação" de Santa Maria de Oliveira, a que seguidamente iremos analisar é a única que possui um suporte documental efectivo 22 • Assim, sabemos que a 20 de Fevereiro de 1033 foi lavrado um documento pelo qual Marcos e Adosinda, sua esposa, doaram ao mosteiro de Santa Maria imensos bens, entre os quais aqueles que receberam de seu pai Arias na vila de Oliveira, que referem como sua "tertia integra" 23 e à qual acrescentam as duas partes de seus irmãos 24 • Tal como fora exigido pelo cânon V do li Concílio de Braga 25, os doadores de Santa Maria de Oliveira contemplaram esta instituição com um alargado património, destinado a custear as despesas adscritas não só à liturgia como, também, à sustentação dos clérigos o que, aliás, constituía condição sine qua non para a sagração ou benção de uma igreja 26 • É assim que se deve encarar o extenso rol de lugares que Marcos e Adosinda entregaram ao mosteiro. Na verdade, para além do património que receberam de Arias em Oliveira, doaram "Vil/as et hereditates, quas ganavimus in Carrazeda, et in Subilhanes per nostras firmitates et hereditates, quas ganavimus de O. Baltares, et de Conjuge ejus Animia super ipsam vil/a O/ivaria; et in Vil/a Brichiquanes, que est subtus rivu/o Pe/ Hereditates de Mendo Gondero, et de sua Germana Cida, et de Sancto Jacobo de Gaste/anos cum attestamentis, LEAL, Pinho - O.e., p. 254. ABREU, Manuel Bernardino Araújo - O. e., p. 104. "SANTA MARIA, Dorn Nicolau de - O. e., p. 317. " A.N.T.T., C.R., Santa Maria de Oliveira, caixa 94, maço 3, doe. 23 (traslado em pública forma datado de 1608) e P. M. H., Diplomata et chartae, nº 278. "Ibidem. 2 ·' A "tertia integra" pode corresponder à quota sucessória que Marcos herda de seu pai ou à quota de livre disposição ou terça, normalmente utilizada em doações "pro anima" efectuadas a instituições religiosas, como foi a do presente caso. A este respeito cf. CRUZ, Guilherme Braga da - O direito de tranca/idade e o regime jurídico do património familiar, tomo 1, Braga, Livraria Cruz, 1941, passim e, ainda, MERÊA, Paulo - Estudos de Direito Hispânico Medieval, tomo li, Coimbra, 1953, pp. 55-70. 25 VIVES, José - Concílios Visigóticos e Hispano-Romanos, Barcelona-Madrid, 1963, p. 83. "COSTA, Padre Avelino de Jesus da - O. e., vol. 1, p. 100. rn

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et adinventionibus suis, ipsam Ecclesiam ob integrum, et vil/a que fuit de Pe//agio Tentani, et Dona Elvira, in ipsa vil/a O/ivaria, et ilia, que fuit de Drimas Astrufes in vil/a Unhares, et vil/a Paretes cum suas piscarias in Rivulo Ave et inter Rivulo Cavado, et homen Ecclesiam de Sancto Martino de Vabo, quod nobis consentit Fortes Lupelis per il/os testamentos, quod vobis dedit, ei vil/a Belmil, quod caduit in partitione de Germano nastro Te/lo Arias pro remedia anime sue, et vil/a Signi, quod ganavimus de Comediça Dona Orraca per nostras tirmitates, Ecclesia Sancti Cosmati, que est fundata inter vil/a Podomen, et vil/a Unhares, omnes vil/as hereditates et Ecclesias, quod in testamento resonent, concedimus, et contestamus eas (. ..) et addicimus ibidem medietatem de ipsa Ecclesia Sancti Martini de Linhares" 21 (ver mapa 1, na página seguinte). Todo este património seria destinado "pro vestimentum, vel tegumentum servorum, vel ancil/arum, que in isto vita sancta persisterint, sub manus patrocínio vel Abati vestro Atani " 2 ª. Perdoe-se-nos esta extensa citação que, todavia, julgamos bastante esclarecedora relativamente a diversos pontos, como sejam:

1. O facto de estarmos em presença de doadores que, embora de condição social ignorada, eram grandes terratenentes, o que já fora apontado por Avelino Jesus da Costa 29 • 2. A menção da forma como foi adquirido o património, apontando o nome do antigo proprietário e o processo pelo qual alienou os bens a Marcos e Adosinda, o que, muito provavelmente, teria como função legitimar a posse e usufruto do referido património agora doado e, concomitantemente, a capacidade dos seus proprietários dele disporem como lhes bem aprouvesse.

" P. M. H. Diplomata et Chartae, nº 278. '" Ibidem. '" COSTA, Padre Avelino de Jesus da - O. e., vol. 1, p. 100.

32

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3. A probabilidade deste mosteiro ter sido inicialmente dúplice, o que depreendemos da fórmula "servorum vel anci/larum" 30 . Não obstante, convém não esquecer que este tipo de expressões veio a integrar o formulário da época e, portanto, não constitui, sem mais, uma prova inequívoca da coexistência numa mesma comunidade de religiosos de ambos os sexos 31 • Com segurança, apenas podemos afirmar que em 1266 - data do mais antigo documento que se conserva do mosteiro - o cenóbio era composto exclusivamente por monges 32 • 4. A referência a O. Antão como prelado principal do mosteiro. Este clérigo é designado como abade e não como prior 33 , tal como refere D. Nicolau de Santa Maria 34 • Contudo este pormenor não nos parece relevante, já que seria perfeitamente possível que o cronista, imbuído do espírito da Ordem, onde fora suprimida a figura do abade e substituída pela do prior, não tivesse qualquer relutância em designar como tal a primeira figura de um mosteiro que, posteriormente, se tornara agostinho. Mais grave nos parece o ter assumido Arias de Brito como fundador da instituição, ignorando os nomes de Marcos e Adosinda, o que, em nosso entender, decorre de uma leitura incorreta da doação de 1033.

1.3 - Confrontação da tese de D. Nicolau de Santa Maria com a doação de 1033

Estamos em crer que a fonte utilizada pelo cronista para o seu relato respeitante à fundação de Santa Maria de Oliveira foi exactamente a doação de Marcos e Adosinda, do ano de 1033. São demasiado notórios os pontos de contacto existentes entre o documento de doação e a Crónica. Atentemos no quadro nQ 1:

"" P. M. H. . Diplomata et cnanae, nº 278; cf. com MARQUES, José • O. e., p. 625. " MATTOSO, José· Le Monachisme /bérique et Cluny. Les monastéres du Diocese de Porto de/' an mil/e à 1200, Lova ina, 1968, pp. 216 ·221. '" A.N.T.T .. C.R .. Santa Maria de Oliveira, caixa 94, maço 1, doe 1. Este é o mais antigo diploma que se conhece para o mosteiro de Oliveira, uma vez que da doação de 1033 somente possuímos um traslado em pública forma datado de 1608. Neste documento de 1266 refere-se , a propósito da divisão das rendas entre o prior, convento e arcebispo de Braga, que o Casal de Sapos e a Vinha das Regadas forneciam azeite e incenso para a igreja, prior, frades, dormitório e hóspedes. Note-se que a menção apenas a frades e não a religiosas, como elementos do convento , indica que, à data, este já só era constituído por elementos do sexo masculino. " P. M. H. . Diplomata et chartae. nº 278. "' SANTA MARIA, Dom Nicolau de· O. e., p. 317.

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Quadro nº 1

SEMELHANÇAS ENTRE OS DADOS DA CRÓNICA E OS DA DOAÇÃO DE 1033 CRÓNICA"

Elementos a comparar

DOAÇÃO DE 1033"'

DATA

1033 (Era de MLXXI)

1033 (Era septuagessima prima)

NOME DO PRELADO

D. Antão

"Abati vestro Atani"

TERRAS DOADAS

Oliveira, Carrazeda e Subilhães

"Olyvaria ( ... ) Carrazeda et in Subilhanes" (entre outras)

DEDICAÇÃO

Virgem Santa Maria

"Sancte Marie semper Virginis"

OBJECTIVO DA

Sustentação dos clérigos enquanto perseverarem em vida santa

"( ... ) pro vestimentum, vel tegumentum servorum, vel ancillarum, que isto loco in vila sancta persisterint"

DOAÇÃO

Desta forma, a principal divergência entre estes dois textos diz respeito ao nome do doador. Enquanto D. Nicolau aponta Arias de Brito, a doação de 1033 indica Marcos - filho de Arias - e Adosinda a assumirem este papel. Admitindo que este Arias é o mesmo que a Crónica apresenta como sendo o fundador do mosteiro, afigura-se-nos improvável que pai e filho tenham feito na mesma data, a doação das mesmas terras, a um mesmo mosteiro e, uma vez que no próprio documento de doação se assinala " adissimus ibidem de ipsa vil/a O/yvaria de commodo eam obtinuit pater nastro Arias (. ..)» 37 , resta-nos concluir que o cronista interpretou de forma incorrecta o documento, tendo transformado Arias de Brito em fundador do mosteiro. A confirmar que a doação de Marcos e Adosinda seria se não a mais antiga, pelo menos a mais importante que se fizera à instituição monástica em análise, está o pedido do seu traslado executado em 1608 38 , quando o mosteiro já se encontrava integrado na Congregação de Santa Cruz de Coimbra 39 • Lamentavelmente, O. Nicolau de Santa Maria não deu largas ao seu ímpeto de apresentar o «treslado desta doação(.. .) por ser em Latim barbara e demasiadamente comprida»•º, o que, a ter sido realizado, viria certamente corroborar a nossa opinião.

" Ibidem. "" P. M. H.. Diplomata et chartae, nº 278. " Ibidem. " A.N.T.T., C. R., Santa Maria de Oliveira, caixa 94, maço 3, doe. 23. " SANTA MARIA, Dom Nicolau de - O. c., pp. 384 - 386 e A.N.T.T., Miscelâneas Manuscritas, nº 1103, fls. 123 vº e 124. Muito embora D. Nicolau de Santa Maria, O. c., refira a páginas 385 que pelas Constituições confirmadas pelo Papa Paulo V, em 1612, a antiguidade dos mosteiros se aferisse pelo ano em que se refor-

maram e uniram à Congregação de Santa Cruz de Coimbra e não pelo ano da sua fundação, parece-nos que Santa Cruz de Coimbra pediu este traslado com o intuito de garantir a organização do cartório de Oliveira ab inicio e, com isto, se precaver contra eventuais demandas que lhe fossem postas, por exemplo, por parte dos dependentes e anexos ao mosteiro de Oliveira, que agora vislumbravam uma oportunidade para reivindicarem a sua autonomia. "SANTA MARIA, Dom Nicolau de - O. c., p. 317.

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1.4 - O estado do mosteiro na primeira metade do século XI É-nos difícil encarar Marcos e Adosinda como fundadores do mosteiro de Oliveira, na verdadeira acepção da palavra e isto porque hoje é sabido, graças ao estudo de José Marques, que esta era uma instituição de tradição visigótica 41 • Assim, quando em 1033 o mosteiro foi alvo da prodigalidade de Marcos e Adosinda, tal deve ser assumido como um acto beneficiador de uma comunidade já existente que, provalvelmente, se encontrava bastante debilitada em resultado das incursões muçulmanas. Daí não devermos falar de uma fundação propriamente dita, mas sim de renovação ou, se quisermos, de "relançamento" de Santa Maria de Oliveira. Esta situação não é, aliás, inédita, encontrando fortes paralelismos com o ocorrido nos mosteiros beneditinos de Arouca 42 e Santo Antonino de Barbudo 43 , ou na comunidade agostinha de Grijó 44 • A magnanimidade verificada relativamente a pequenos mosteiros, na época autênticos baluartes da cristandade - mormente numa fase em que ainda não se tinha efectivado a restauração das dioceses - justifica-se pela almejada tentativa de angariação de poder e prestígio, levada a curso pela emergente nobreza infancional 45 • Maria Helena da Cruz Coelho infere, de forma pertinente, que através destes apoios a nova aristocracia se por um lado delapidava o seu património, por outro compensava esta perda material pela aquisição de "poder senhorial e simbólico" 46 •

1.5 - A Regra de Santa Maria de Oliveira No documento de 1033, faz-se uma alusão à observância do mosteiro: "sicut doctrina patrum regula disterminat " 47 • José Mattoso indica que uma das frases vagas , mas frequentes , que definem a observância dos mosteiros protegidos por S. Rosendo é a de pautarem a sua vida monástica «segundo as normas dos Padres » 4 8 • É opinião do mesmo autor que S. Rosendo contribuiu para a preservação de algumas instituições frutuosianas 49 • Assim , a referência documental à Patrum Regula, a que atrás aludi" MARQUES, José - O. e., pp . 719 e 721. ·" COELHO, Maria Helena da Cruz - O mosteiro de Arouca do século X ao século XIII, 2• edição, Arouca, edição da Câmara Municipal de Arouca e da Real Irmandade da Rainha Santa Mafalda. 1988. pp. 23 - 25. " COELHO, Maria Helena da Cruz - Homens, Espaços e Poderes, séculos XI - XVI, vol. li - Domínio Senhorial, Lisboa, Livros Horizonte, 1990, pp. 10 -11 e 17. " DURAND, Robert - Le Cartulaire Baio-Ferrado du Monastére de Grijó (XI - XIII siécles), Paris , Fundação Calouste Gulbenkian, 1971, pp. XXIV - XXV " COELHO , Maria Helena da Cruz - Homens , Espaços e Poderes, séculos XI - XVI, vol. li - Domínio Senhorial. .. , p. 8. " Ibidem. " P. M. H., Diplomata et chartae, nº 278. '" MATTOSO, José - S. Rosendo e as correntes monásticas da sua época, in Religião e Cultura na Idade Média Portuguesa, Lisboa, Imprensa Nacional - Casa da Moeda, 1982, p. 46. " No entanto S. Rosendo tentou introduzir no monaquismo frutuosiano dois elementos novos, designadamente a substituição dos mosteiros rud es e pobres por mosteiros ricos e a solenização da liturgia, cf. MATIOSO, José - O. c., p. 49.

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mos , deve ser assumida como um indício da adesão de Santa Maria de Oliveira às tendências do monaquismo de inspiração frutuosiana , enquadrado pela Regula Communis. Todavia, em Oliveira, dos cinco princípios característicos desta regra - o pacto, o espírito federativo, o papel atribuído ao bispo de Dume, a admissão no mosteiro de traditi femininos e masculinos e a rejeição de mosteiros familiares - apenas podemos, eventualmente, apontar a permanência de religiosos de ambos os sexos 50 • J. Orlandis mostrou que, segundo a Regula Communis, os homens e mulheres admitidos num mesmo mosteiro devem ser encarados como traditi, ou seja familiares de ambos os sexos vinculados a uma comunidade por laços de carácter religioso, mais do que como monjes ; porém , acrescenta, que durante a desorganização que se seguiu às invasões muçulmanas é natural que estes mosteiros se tenham tornado efectivas comunidades de ambos os sexos «sobretudo quando eram procurados por "devotae ", submetidas a uma profissão e a preceitos religiosos mais estritos do que os outros "traditi" 5 ' . Assim, se efectivamente em Oliveira existiram religiosos masculinos e femininos 52 , o mosteiro foi um dos que acolheu o monaquismo frutuosiano, embora o fizesse de uma forma difusa pois, como adverte J. Mattoso , a evolução social e cultural dos sécs. IX e X levou a que a Regula servisse mais como ponto de referência do que propriamente como normativa rígida da vida religiosa das casas que, mais tarde, adaptaram os modelos trans-pirenaicos 53 • De facto, Santa Maria de Oliveira viria a ser uma das instituições que aderiu à Regra de Santo Agostinho e, embora não possamos precisar rigorosamente a data em que tal facto se verificou , estamos certas que se situou entre 1131 - ano da fundação de Santa Cruz de Coimbra 54 que, como é sabido , foi a instituição a partir da qual irradiou a Regra Agostinha em Portugal - e 1266 que, como atrás ficou dito, é a data do mais antigo documento da institu ição por nós analisada, onde já aparece explícita a adesão a esta observância 55 . Até finais do séc. XII existiam, na arquidiocese de Braga, oitenta mosteiros. Daqueles que viriam a tornar-se crúzios, Santa Maria de Oliveira foi o que apresentou a referência mais antiga, uma vez que apenas onze patenteiam datas anteriores a 1033 e nenhum viria a seguir Santa Cruz: três foram ben e ditinos (S. Romão de Neiva , Sant o Andr é de Telões e S. Martinho de Vila Nova de Sande) e os restantes oito eram de observância desconhecida 56 , como se pode ver pelo quadro nº 2. ~' P. M. H., Diplomata et chartae, nº 278. ,;, MATTOSO, José - Sobrevivência do monaquismo frutuosiano em Portugal durante a Reconquista. in Religião e Cultura na Idade Média Portuguesa, Lisboa, Imprensa Nacional - Casa da Moeda, 1982, p. 22. "" A este propósito veja-se o que deixámos escrito no ponto 3 da pág . 34. " MATIOSO, José - o. c., pp. 26 e 27. ,_,CRUZ. António - Santa Cruz de Coimbra na Cultura Portuguesa da Idade Média, Porto, 1964, p. 15. "A.N.T.T. , C.R., Santa Maria de Oliveira, caixa 94 , maço 1, doe. 1. " MARQUES, José - O. c., pp . 613 - 620.

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Quadro nº 2

MOSTEIROS DA DIOCESE DE BRAGA ANTERIORES AO DE SANTA MARIA DE OLIVEIRA* MOSTEIRO

FONTE

DATA

OBSERVÂNCIA

1. S. Miguel de Negrelos

870

o. e.,

2. S. João de Ponte

957

O. C., n2 420 e 445

Desconhecida

3. Mosteiro de Guimarães

957

O. C., nº 71

Desconhecida

4. Moreira dos Cónegos (Stª Tecla e S. Paio)

968

o. e., nº 96

Desconhecida

5. Santiago de Landim (Areias)

991

o. e., nº 176

Desconhecida

6. S. Martinho de Vila Nova de Sande

994

V. M. H., doe. 9

Beneditina

7. S. João Baptista do Mosteiro (Vieira)

séc . X

Scriptores, p. 52

Desconhecida

8. Santa Maria de Martim

1018

Liber Fidei. nº 68

Desconhecida

9. Santo André de Telões

1020

Censual do Cabido do Porto, p. 4

Beneditina

1 O. S. Romão de Neiva

1022

o. e., nº 680

Beneditina

11. S. Miguel de Gualtar

1032 - 1043

Liber Fidei, nº 182

Desconhecida

nº 5

Desconhecida

* Este quadro foi elaborado com base em dados recolhidos em MARQUES, José - A Arquidiocese de Braga no séc. XV, Lisboa, Imprensa Nacional - Casa da Moeda, 1988, pp. 613 - 620.

Já pela antiguidade da instituição em estudo, valeria a pena tentar conhecer um pouco melhor o seu passado . É exactamente nesse sentido que prosseguiremos o nosso labor. 38

2 - O COUTO DE OLIVEIRA E A SUA JURISDIÇÃO

Na amálgama de situações que envolve a jurisdição das terras do reino , ressaltam aquelas que pela aquisição da imunidade se libertaram da estrita dependência régia. Na verdade , tornar um território imune significava, antes de mais, proibir que aí entrassem oficiais do rei no exercício das suas funções. Esta realidade traduziu-se, de direito e de facto, na transferência de grande parte dos poderes jurisdicionais do monarca para a alçada dos senhores das respectivas terras, podendo estes delegar tais competências em dependentes seus. Daqui se depreende que a propriedade imune era sempre território de privilegiados, fossem eles nobres ou nobilitados (e, então, ao menos a nível teórico, a qualidade dos privilégios adscritos à terra estava inerente ao nascimento ou à nova condição dos seus possuidores) ou eclesiásticos, tanto regulares como seculares (sendo que aqui a imunidade da terra já não era, obviamente, resultado da génese do seu detentor, mas sim determinada pela vontade expressa do monarca que a eleva à categoria de coutada). Ao nível jurídico existiram, basicamente, três mecanismos de acesso à imunidade: 1) A concessão régia da carta de couto, na qual normalmente se indicava a delimitação da propriedade imune explicitando-se o âmbito jurisdicional de transferência dos poderes magestáticos 57 (o que podia assumir uma expressão clara e inequívoca ou omissa, quando apenas alude ao formulário usual na outorga das referidas cartas 5ª); assim se constituíam os coutos. 2) A aquisição imediata da imunidade resultante não de uma mercê régia mas sim da qualidade nobre do proprietário da terra 59 ; daquí advinham as honras.

3) A escolha por parte dos moradores de determinado lugar de um nobre para seu senhor ao qual se encomendavam através de uma carta de incomuniação, o que conferia à terra o estatuto de honrada. Note-se que os sucessores destes vassalos conservavam o direito de escolherem o seu senhor 6 º; desta maneira se formavam as behetrias (processo pouco frequente no nosso país).

" HESPANHA, António Manuel - História das Instituições. Épocas Medieval e Moderna, Coimbra, Livraria Almedina, 1982, pp. 133 e 134. "' MARQUES, José - O. Afonso IV e as Jurisdições Senhoriais, Separata das li Jornadas Luso - Espanholas de História Medieval, Porto , 1990, pp. 8 - 9. " ' HESPANHA, António Manuel - O. e., p. 134. "" Ibidem.

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A imunidade de uma terra impendia não só sobre o seu possuidor mas, igualmente , sobre todos os que nela habitavam. Com efeito, para além de se proibir a entrada de funcionários régios nestes domínios escusavam-se , em geral , os seus moradores de cumprirem serviço militar nas hostes do rei, solverem tributos pecuniários ou braçais ao monarca e de pagarem multas aplicadas ao fisco ou a outra qualquer situação, sendo certo que a extensão destes privilégios variava de couto para couto ª'. Assim, no tempo de D. Dinis definia-se o acto de coutar uma terra como «escusar os seus moradores da hoste do fossado, do toro e de toda a peita» ª2 • Era o senhor que se substituía ao monarca na reivindicação destes direitos bem como na administração jurisdicional do couto, podendo as suas atribuições abarcar os feitos cíveis e crimes - dizendo-se, então, que detinha o mero e misto império ou apenas os primeiros 63 • Em qualquer uma destas situações, sabemos que ao rei cabia julgar em última instância nos casos de apelação e correição, bem como punir os crimes mais graves 64 • Na verdade, os monarcas portugueses, muito embora não hesitassem em contemplar os seus vassalos com a concessão de terras, privilégios e jurisdições que acoplaram às doações do imóvel, reservaram-se sempre o direito de emitir a deliberação defininiva em questões processuais; daí que à pulverização do poder político e administrativo (verificada mormente na fase da Reconquista onde o rei necessitava do apoio militar da nobreza, que recompensava generosamente) não correspondesse a uma alienação pura e simples dos poderes magestáticos. Este é, aliás, um dos argumentos apontados pelos especialistas para caracterizar o regime senhorial português por contraposição ao feudalismo transpirenaico. Segundo António Manuel Hespanha «se a combinação de "patronato" e "benefício" deu origem ao "feudo" e ao regime feudal (do ponto de vista jurídico-político) típico, o desenvolvimento da "imunidade" deu origem ao "senhorio", regime mais mitigado enquanto: a) nele não existe uma defegação expressa dos direitos do rei nos vassalos mas apenas uma abstenção do seu exercício em certas áreas territoriais e b) os vassalos não estão obrigados ao serviço do senhor (nomeadamente ao serviço militar) que, portanto, quando prestado lhe deve ser especialmente pago» 65 •

" MARQUES, A. H. de Oliveira - Couto, in O. H. P., vol. li, Porto, Livraria Figueirinhas , 1982, p. 22 5. " Apud HESPANHA, António Manuel - O. c., p. 141 . ,;, Por mero e misto império entendia-se a capacidade que o senhor tinha de impôr penas de morte. mutilação e desterro. O misto império, somente, limitava-se à faculdade de estabelecer penas menores, normalmente pecuniárias, que visavam dirimir pleitos cíveis ; in MARQUES, A. H. de Oliveira - Portugal na crise dos sécs. XIV e XV, Lisboa, Editorial Presença, 1987, p. 238. " HESPANHA, António Manuel · O. c. , p. 141 . " HESPANHA, António Manuel - O. e., p. 85.

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2.1 - O couto do mosteiro

Segundo Paulo Merêa, são sinónimos do vocábulo couto os conceitos de ordenação , multa, citação , apreensão de bens , protecção, limite e marco 66 • Tomando como ponto de referência esta última acepção da palavra, sabemos que o couto de Santa Maria de Oliveira era, à semelhança de muitos outros, delimitado por marcos 67 , situação que, provavelmente, fora herdada de tempos remotos . Através de uma descrição de 1504 conseguimos conhecer precisamente a área coutada: "Este couto he mitado (sic) per marcos e começa o primeiro marco em Chusende nas Bouças de Faldrem e vai se meter no rio d'A ve acima da Ponte de Cervas huum tiro de besta e das Bouças de Faldrem vay pello monte acima teer na Bouça do Condado e da Bouça do Condado vay enfestar per redor do Monte de Crasto na Cortinha do Couto onde esta outro marco e dahy vay per Palay que he do Casal do Monte que he do convento vay teer no marco que se chama do couto que esta antre a Freguesia do Mosteiro e de Castellãos e dahy vay teer a Soelhaees e de Soelhaees ao marco que esta nas Vinha[s] de Unhares e dahi vay [a] Aboboreira na borda do rio atee a veea d' aguoa e per e/la acima atee o primeiro marco da Ponte das Cervas e esta metade de rio pode coutar o prior querendo " 68 • Mau grado não possuírmos a carta de couto do mosteiro de Oliveira 6 9 , que nos permitiria conhecer a área inicialmente imune bem como o nível de jurisdição a ela consignada (assim como os eventuais abusos perpetrados num e noutro domínio, detectáveis através da confrontação com relatos posteriores), sabemos que já nas Inquirições Gerais de D. Afonso li se documentava que o monarca não possuía aqui qualquer direito a foros ou serviços 70 • Concluiu-se então que os moradores do couto de Oliveira eram abrangidos pelas principais características da imunidade, ou seja, estavam dispensados da hoste e do fossado, do foro e de toda a peita 71 • É possível que o mosteiro tivesse obtido a sua carta de couto que, contudo, não perdorou até aos nossos dias . Porém, se a outorga da mesma nunca se chegou a verificar, tal não retira legitimidade aos privilégios decorrentes da imunidade uma vez que , quando os marcos eram colocados por ordem régia, a imunidade tinha garantido o seu valor legal, mesmo que não se fizesse acompanhar pelo diploma oficial 72 • " MERÊA, Paulo - Em tôrno da palavra "couto". Considerações filológico - históricas, Coimbra, 1922, p. 5. " A.N.T.T., Além-Douro, Livro 2, tis. 187. ·~ A.N.T.T., C.R. , Santa Maria de Oliveira, B-49-18 (Livro d'aforamentos dos casaes searas e herdades do mosteiro .. .), tis. 2 vº e 3. " MÁRTIRES, D. Frei Timóteo dos - O. e., tomo Ili , a páginas 143 alude ao facto do mosteiro ter re cebido o seu couto "por merce do grande Rey Dom Affonso Henriques". Contudo o autor não baseia a sua afirmação em qualquer refe rência documental. '" P. M. H., . lnquisitiones, p. 68: "De Monasterio de Ulveira (. ..) dixerunt quod Rex nullum habet ibi forum. lnterrogati si dederunt coflectam Regi aliquo tempore dixerunt: non; nisi quod dederunt ei servicium". " Igual à nota 62. " MERÊA, Paulo - Organização social e administração pública, in Histó ria de Portugal, vol. li , 3• parte, Barcelos, Portucalense Editora, p. 505.

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Esboçados os aspectos materiais da jurisdição patenteada no couto de Oliveira, passemos à análise dos vectores legais desta mesma realidade.

2.2 - A jurisdição praticada Convém desde logo precisar que não encontrámos qualquer referência documental que nos permitisse inferir que, alguma vez, o mosteiro de Oliveira reteve e administrou a jurisdição crime no seu couto; já no que respeita à jurisdição cível a situação é diferente. D. Afonso IV, na senda do espírito governativo de cariz centralizador encetado por seu avô e desenvolvido por seu pai, decidiu terminar com os abusos perpetrados contra os direitos régios, fossem eles patrimoniais, jurisdicionais, fiscais, ou de outra ordem. Neste sentido, o monarca ordenou a prossecução das Inquirições e Confirmações Gerais de que as sentenças sobre jurisdições acabaram por ser a manifestação mais sólida 73 • Em todo este processo sobressaem os nomes de João Eanes de Melo e Domingos Pais de Braga, ouvidores dos feitos do Rei, que ascenderam à dignidade de ouvidores da portaria 74 , tomando a cargo deliberar acerca da legitimidade, ou falta desta, na detenção e usufruto dos direitos magestáticos em terras imunes. Uma inquirição com este propósito afectou necessariamente as casas monásticas que, assim, se viram obrigadas a comprovarem a posse legal das prerrogativas que detinham e que, muitas vezes, se haviam acostumado a encarar como consuetudinárias. No Além-Douro, muitos foram os mosteiros confrontados com esta situação 75 e Santa Maria de Oliveira não fugiu à regra . Se é certo que este cenóbio praticamente não foi afectado pelas medidas de centralização jurídica levadas a efeito por D. Afonso IV, o mesmo não aconteceu com outros congéneres. Muitas foram as comunidades monásticas que se viram privadas do exercício da jurisdição cível - a título de exemplo refiram-se S. Simão da Junqueira, Águas Santas e o ex-mosteiro de Antime 76 - ou cível e crime - Bouro, Pombeiro, Várzea e S. Pedro das Águias 77 • Analisar as sentenças pelas quais o monarca deliberou acerca da manutenção ou supressão das jurisdições praticadas pelos mosteiros nos seus coutos torna-se extremamente profícuo, não só pelo que nos é revelado relativamente à casuística processual mas, sobretudo, porque nos " HOMEM, Armando Luís de Carvalho - O Desembargo Régio (7320 - 1433). Porto, Instituto Nacional de Investigação Cientifica - Centro de História da Universidade do Porto , 1990, pp. 89 • 90. " MARQUES, José - o. Afonso IV e as Jurisdições Senhoriais .. ., p. 1o. "Idem, µassim. " MARQUES, José - O Afonso IV e as jurisdições senhoriais .. ., p. 28. " Ibidem. O autor refere ainda os casos do ex-mosteiro de S. Pedro do Calvelo, onde o titular viu a sua jurisdição cível parcialmente restringida, e o do abade de Sta. Cruz de Riba Douro que perdeu a faculdade de insti· tuir chegador nos seus domínios, bem como a totalidade dos direitos materiais que até então recebia.

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esclarece quanto à organização e prática da justiça "intra-coutos'', bem como aos oficiais que a ela providenciaram. Esta visão é-nos fornecida basicamente pelas partes inquiridas, ou seja, pelos mosteiros aquando da apresentação dos artigos da sua defesa. Atentemos no caso da instituição em estudo. Quando, em 1336, o prior e convento de Santa Maria de Oliveira foram citados para comparecerem perante os ouvidores de D. Afonso IV a fim de comprovarem a posse das jurisdições que traziam no couto do seu mosteiro, Vicente Luís, cónego de Landim e procurador de Oliveira disse que: 1. os moradores do couto elegiam entre si um homem para juiz que, posteriormente era confirmado pelo prior 1 ª; 2. este juiz apenas ouvia os feitos cíveis dos moradores do couto e dava sentença da qual, se alguma das partes queria apelar o fazia para o prior e, em última instância, para o rei 19 ; 3. o mosteiro designava um mordomo que fazia as chegas, penhoras e entregas por mandado do prior e do juiz e levava as vozes e as coimas do couto para o mosteiro ªº; 4. o mosteiro metia jurados no couto que faziam "sarrar os pãaes e os vinhos e os outros lavores" 81 e prendiam os malfeitores que se encontravam no couto, entregando-os ao juiz de Vermoim se fossem acusados de um feito criminal 82 • Em resposta, os ouvidores do rei consideraram que o mosteiro apresentava provas concludentes em relação à generalidade dos poderes que possuía, excepção feita: a) à arrecadação das vozes e coimas, rousos ou homizios, ao que diziam o mosteiro não ter direito 83 ; b) ao usufruto das penas resultantes do não cumprimento da entrega aos jurados de uma parte da produção agrícola, nomeadamente, "os pãaes e os vinhos e os outros lavores" ª4 ; c) à pratica dos jurados prenderem os malfeitores 85 " " •• " " " "' "

A.N.T.T., Além Douro, Livro 2, li. 187. Ibidem. Ibidem. Ibidem. Ibidem. Como já se referiu o feito fosse civel era dirimido, em primeira instância, pelos próprios juízes do couro. Ibidem. Ibidem. Ibidem.

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Mais se acrescentava que o meirinho de Vermoim podia entrar no couto 86 de Oliveira para prender os malfeitores acusados perante o juiz do julgado . Esta ressalva é tanto mais compreensível se atentarmos que um dos privilégios das terras imunes era exactamente o de impedir a entrada de oficiais régios nas suas circunscrições. Não obstante, os monges de Oliveira viam-se obrigados a recorrerem à justiça laica para dirimir delitos de natureza criminal, porquanto não detinham jurisdição nesta alçada. Do que ficou dito importa, sobretudo, reter que o couto de Oliveira possuía um conjunto específico de magistrados , nomeadamente um juiz, um mordomo e jurados. O juiz era eleito "per huum dia certo do anno" 87 - que não sabemos exactamente qual era 00 - e a ele cabia administrar a justiça em primeira instância 89 • Ao mordomo estava incumbida a tarefa de tratar dos assuntos fiscais 90 • Pelo que depreendemos do texto, quer-nos parecer que aos jurados competia salvaguardarem a observância das directrizes avançadas pelos outros dois oficiais. Eram eles que faziam "sarrar os pãaes e os vinhos e os outros lavores e que poyam pena per esta em aquel/es que o nom faziam (. ..) e que estes jurados prendiam os mal/feitores que achavam no dito couto" 9 1, pelo menos até D. Afonso IV os ter inibido de o fazer, tal como já deixamos escrito (pontos b e c da página anterior). Muito embora sejam conhecidas para alguns coutos casas de concelho, cadeias e lançamento de armas 92 , a documentação referente a Oliveira não nos permite averiguar da sua existência para este mosteiro. Contudo, é possível que também aí existissem estes "baluartes" da vida autocrática pois, embora de forma rudimentar, o couto deste mosteiro reflecte, à semelhança dos seus similares , uma organização interna "para-concelhia" , em tudo análoga à dos municípios subordinados ao poder central 93 ; distinguem-se destes, todavia, pela origem e atribuição do poder, ou seja, pela forma como os oficiais ascendem aos cargos , designadamente e citando José Marques, por "via hierárquica descendente" no caso dos coutos, ou por "via electiva" no que concerne aos municípios 94 •

" Ibidem. "' A.N .T.T., Além Douro, Livro 2, fl. 187. "" 1ria Gonça lves esclarece-nos qu e, nos coutos de Alcobaça, a el eição dos ofi ciais se fazia por pelouros , realizando -se a mais das veze s pelo S. Miguel e menos no dia primeiro de Maio; cf. GONÇALVES, Iria · O Património do Mosteiro de Alcobaça nos Séculos XI V e XV, Lis boa, Faculd ade de Ciências Soci ais e Humanas. 1989, p. 420. "' Acerca da defini ção de "Juiz" cf . o Glossário inserto em MARQUES, José - Os forais da Póvoa de Varzim e de Rates (Edição fac-similada. com introdução, transcrição e notas), Póvoa de Varzim, Edição da Câmara Municipal, 1991 , p. 43 . '' Acerca da defini ção de "Mordomo" cf. ibidem. '" A. N. T.T .. Além Douro, Livro 2, li. 187. " MARQUES, José - Os forais da Póvoa de Varzim e de Rates .. ., p. 18. O autor esclarece que por lança mento de armas se deve entender a designação das armas de cada vizin ho, de acordo com a sua capacidade económica, de molde a participar em empresas bélicas, incluindo aquelas onde era requisitado pelo rei (Ibidem). " MARQUES, José - Os forais da Póvoa de Varzim e de Rates .. . , p. 17 . '"MARQUES , José - Os forais da Póvoa de Varzim e de Rates .. . , p. 18.

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2.3 - Ameaças aos privilégios jurisdicionais de Oliveira a) Intimidações efectivadas pelo poder central Os ímpetos de centralização levados a efeito mormente por D. Dinis e por seu filho, D. Afonso IV, não encontraram , nos tempos que se seguiram , força para avançarem , ao menos a um ritmo constante. Com efeito, as sucessivas crises que , nos séculos XIV e XV, afectaram a Europa e concretamente Portugal , criaram uma "instabilidade política que não era consentânea com a prossecução de um ideário coerente de fortalecimento da soberania régia " 95 • Embora em termos modelares se perseguisse o fito da cent ralização, na prática, sucessivas conjunturas foram ditando a efectiva conduta dos monarcas que, quando não cediam às exigências dos privilegiados, ao menos tentavam não os hostilizar. Desta forma, encontramo-nos em presença de um binário no qual o soberano, para fazer face aos conflitos armados em que se via envolvido, requisitava o apoio bélico da nobreza e esta, consciente da sua importância no momento, fazia valer as suas exigências no sentido de reter o mais possível os privilégios que vinha usufruíndo . No conjunto destes privilégios encontravam-se, obviamente, os direitos jurisdicionais. Estes foram adquirindo uma importância crescente à medida que as crises frumentárias e financeiras se iam implantando , já que a detenção e exercício da justiça privada era uma das formas de coacção que os senhores possuíam para obrigarem os seus dependentes ao pagamento dos tributos 96 . No que respeita ao mosteiro de Oliveira, as fontes relativas à jurisdição do seu couto apresentam um hiato compreendido entre 1336 (data da já citada sentença de D. Afonso IV 97 ) e 1449 (quando D. Afonso V lhe outorga uma mera carta de confirmação de privilégios 98 ) . Pese embora tal facto , sabemos que foi a 1 de Dezembro de 1449 que D. Afonso V confirmou ao mosteiro "todo/los privillegeos liberdades graças e mercees que lhe foram dadas e outorgadas e confirmadas" 99 pelos reis seus antecessores . Dever-se-ia tratar de uma trivial confirmação de privilégios homologada no início do reinado deste monarca, acrescida, provavelmente , de uma certa necessidade imediata de fazer valer a sua autoridade já que acabara de sair de uma guerra com seu tio D. Pedro, governante com um ideário político consideravelmente díspar do seu 100 •

"' COELHO. Maria Helena da Cruz · O Baixo Mondego nos Finais da Idade Média , vol. 1, Lisboa. Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1989 , pp. 439·440. "' GONÇALVES, Iria - O. e., p. 435. " A.N.T.T., Além Douro. Livro 2, fl. 187·188. "' A.N.T.T., C. R., Santa Cruz de Coimbra, Maço VI, Livro 1, maço 14, n2 5. " Ibidem "" MORENO, Humberto Baque ro - A Batalha de Alfarrobeira. Antecedentes e Significado Histórico, 2• ed ., vol. 1, Coimbra, 1979, cf., especialmente, os capitulas IX e X.

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Novamente em 1507, D. Manuel 1 reclamou para a coroa a jurisdição cível do couto de Oliveira. Regista-se uma contenda na qual o autor foi João de Braga, ouvidor dos feitos do rei, sendo o réu Sixto da Cunha, à data comendatário de Santa Maria de Oliveira'º'. Este último apresentou a sentença outorgada por D. Afonso IV 102 e conseguiu que lhe fosse desembargada a jurisdição cível do couto, nos parâmetros contidos no documento afonsino. Porém, parece que D. João Ili conseguiu, finalmente, o que os seus antecessores tanto almejaram, chamando a si a jurisdição cível do couto de Santa Maria de Oliveira 103 •

b) Intimidações exercidas por um "vizinho poderoso" Pelo que ficou escrito verifica-se a forte ameaça a que estavam sujeitos os privilégios do mosteiro. Será que estas "ameaças" provinham apenas do poder central? Quer-nos parecer que não, pelo que passamos à justificação do nosso raciocínio, começando por recordar o facto do mosteiro de Oliveira se ter implantado na terra de Vermoim, a qual constituía, simultaneamente, um julgado 104 . Em carta de 20 de Setembro de 1369, D. Fernando 1 deu Vermoim por termo à vila de Guimarães 105 • Mais tarde, a 19 de Janeiro de 1377, este monarca doou a Gonçalo Teles, conde de Neiva, o julgado de Vermoim, "com todos seu[s] dirreitos e perteenças e rendas e foros (. ..)com toda sua jurdição alta e baixa mero e misto imperio resalvando pera nos a correyçam moor em os fectos criminaaees" 106 • Contudo, D. João 1 confiscou a D. Gonçalo a terra e julgado de Vermoim, que entregou a seu filho D. Afonso, conde de Barcelos, por carta de 8 de Novembro de 1401 'º7 . Em 16 de Novembro de 1433, D. Duarte confirmou os privilégios e liberdades concedidos por seu pai ao conde de

"" A.N.T.T., C. R., Santa Cruz de Coimbra, Maços de livros , maço VI , Livro 1, maço 14, nº 6. '"'Ibidem. '"'MÁRTIRES , O. Frei Timóteo dos - O. e., tomo Ili, p. 143. '"'Já na carta de sentença de Afonso IV. a que anteriormente se aludiu, o monarca referia "Outrossy acharam que eu provava que o meu meirinho do juloado de Vermuv entrava a prender no dito couto(. . .)", in A.N.T.T. , Além-Douro, Livro 2. fl. 187. Segundo VITERBO, Fr. Joaquim de santa Rosa de - Elucidário das Palavras, Termos e Frases que em Portugal antigamente se usaram e que hoje regularmente se ignoram: obra indispensável para entender sem erro os documentos mais raros e preciosos que entre nós se conservam, edição critica baseada nos manuscritos e originais de Viterbo , por Mário Fil.iza , vol. li , Porto-Lisboa , Livraria Civilização, 1984, p. 340, por Julgado ou iudicatum deve entender-se um concelho , terra ou termo , que tinha juiz ou alvazil com jurisdição mais ou menos ampla, sendo que esta palavra surge já nas Inquirições reais de O. Afonso li . '"· A.N.T.T., Chancelaria de O. Fernando 1, Livro 1, fl. 46 v•'. Juntamente com Vermoim foram entregues por termo de Guimarães as terras de Felgueiras e de Freitas. "" A.N.T.T., Chancelaria de o. Fernando 1, Livro 1, fl. 82. "'' Esta referência encontra-se inserta numa carta de confirmação de O. Manuel 1, in A.N.T.T., Místicos, Livro 2 fls. 205-207. Note-se que juntamente com Vermoim foram confiscadas a D. Gonçalo e entregues ao conde de Barcelos as terras e julgados de Neiva. Arques, Rates., Penafiel "e outros ·

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Barcelos 10 ª. Finalmente, a 20 de Junho de 1496, D. Manuel 1 voltou a confirmar a seu sobrinho, D. Jaime, duque de Bragança e de Guimarães, a doação da terra e julgado de Vermoim 109 • Este conjunto de referências demonstra que, desde 1401, a terra e julgado de Vermoim passaram a fazer parte do património do conde de Barcelos. Ora o conde constituía uma figura de relevo político nacional e, por isso, afigurar-se-ia como uma constante ameaça aos privilégios do mosteiro de Oliveira que, como sabemos, se situava em Vermoim. Talvez tenha sido exactamente por essa razão que, em 1414, D. Frei Gonçalo Eanes, prior de Oliveira, requereu ao juiz ordinário de Barcelos que lhe mandasse dar o traslado em pública forma de um alvará - datado de 7 de Outubro de 1412 - outorgado por Martim Gomes, ouvidor do conde de Barcelos, pelo qual o dito ouvidor lhe desembargou a jurisdição que o mosteiro tinha no seu couto 11 º. Muito embora o pretexto para a concessão do tratado aludisse ao facto do original ser "em papel e se temia de romper e comprar " 111 , estamos convencidos que o principal mote deste pedido se relacionou com a percepção que o mosteiro vinha adquirindo da força de D. Afonso, conde de Barcelos e filho do rei, tentando assim proteger os seus direitos jurisdicionais da possível cobiça deste senhor. Desta forma, parece-nos razoável supôr que a diplomacia praticada pelos religiosos de Oliveira, com vista à manutenção das suas prerrogativas institucionais, se dirigiu não somente ao poder central como, também, às entidades locais, tanto mais que a este nível o seu eventual adversário constituía por si só um potentado. Nesta linha de conjectura poder-se-á avançar a hipótese de que, em face da posse periclitante dos seus privilégios, o cenóbio procurou criar um ambiente legalista que funcionasse como um antídotp face a eventuais cobiças ou violações, procedessem elas de onde quer que fosse.

3 - ASPECTOS INTERNOS DO MOSTEIRO A caracterização da vida interna de Santa Maria de Oliveira revela-se-nos oportuna, senão imprescindível, no momento presente do nosso trabalho, porquanto o objectivo deste primeiro capítulo é o de traçar, numa prespectivação diacrónica, um breve historial da instituição em estudo. Atrás, abordámos o mosteiro na sua vertente formal, aludindo aos aspectos da sua génese e observância, bem como ao tipo de jurisdição praticada no couto.

"" A.N.T.T., Místicos, Livro 2, tis. 205-207. "" Ibidem. '" A.N.T.T., C.R., Santa Cruz de Coimbra, Maços de livros, maço VI, Livro 1, maço 14, nº 3. '"Ibidem.

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Julgamos chegado o momento de uma análise interna, entendida como o estudo de alguns dos aspectos observados no mosteiro e que, seguramente pela sua importância, ficaram registados no seu cartório. Se é sabido que "um dos problemas de mais difícil solução no estudo de uma instituição monástica medieval prende-se exactamente com a sua caracterização interna " 11 2 , também é certo que a abordagem desta problemática se revela extremamente importante para uma apreensão minimamente completa da instituição. Desafortunadamente, a parcimónia das fontes disponíveis, aliada à sua enorme dispersão temática e aos hiatos cronológicos verificados, não nos possibilitou a criação de blocos de estudo com o mínimo de coerência e homogeneidade como sejam, por exemplo, a formação do património do mosteiro ou a análise do seu contencioso. Desta forma, optámos por uma metolologia norteada pela apresentação dos sucessivos priorados (e, posteriormente, das comendas) destacando dentro de cada um os aspectos mais relevantes, a saber as contendas verificadas entre o prior e o convento, as relações com a arquidiocese de Braga, as questiúnculas relacionadas com as igrejas anexas ao mosteiro e, evidentemente, alguns dos triviais conflitos da instituição com os seus enfiteutas.

3.1 - Os priores-mores de Oliveira: dados biográficos e directrizes administrativas Como facilmente se deprende da leitura do quadro da página seguinte, não nos foi possível estabelecer balizas cronológicas para a maioria dos priorados. Não obstante, julgamos pertinente a apresentação sinóptica dos dados disponíveis porquanto esta fornece uma visão dos religiosos que, na diacronia, governaram o mosteiro.

'" AMAR AL, Lu ís Carlos - S. Salvador de Grijó na segunda metade do séc. XIV. Estudo de Gestão Agrária. Lisboa . Edições Cosmos 1994 , p. 148.

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Quadro

nº 3

PRIORES-MORES DO MOSTEIRO DE OLIVEIRA NÚMERO DE ORDEM

1

NOMES

D. Antão

DATAS '"

1033

2

D. Mendo

1168

3

Domingos Pires

1266

4

Fernando Pires Coelho

1299

5

Martim Domingues

1311

6

Estevão Pires

1315 - 1330

7

Lourenço Viegas

1350 - 1356

8

Francisco Miguel

1356

9

João Esteves

1381

10

Gonçalo Eanes

1409

11

Gonçalo Vasques

1433 - 1435

12

João Afonso

1435 (Jan.) - 1435 (Set.)

13

Rodrigo Esteves

1435 - 1442

14

Vasco Afonso

1442 - 1457

15

Diogo Gil

1457 - 1474 (?)

16

Pedro Gonçalves

1474 (?) - 1492 (?)

17

Afonso Ribeiro

1500

Apresentada esta enumeração sumária, passemos à análise dos principais eventos ocorridos sob os auspícios destes priores.

3.1 .1 - D. Antão

Dos prelados principais de Santa Maria de Oliveira este é o que apresenta a referência mais remota, surgindo o seu nome na doação que Marcos e sua mulher Adosinda fizeram ao mosteiro, no ano de 1033 11• . Em rigor, não podemos considerar D. Antão como o primeiro prior de Oliveira uma vez que no referido documento de doação o título que lhe foi consignado fora o de abade 115 , o que se torna compreensível se atentarmos no facto de terem sido os religiosos agostinhos quem substituiu a figura do abade pela do prior-mor. Ora, em Portugal, a primeira casa a aderir à regra de Santo Agostinho foi a de Santa Cruz de Coimbra, no ano de 1131 116 • Relativamente à nomen"' Abstivemo-nos de apresentar aqui as respectivas referências documentais, uma vez que elas serão paulatinamente fornecidas à medida tratarmos de cada um dos priores mencionados. '" P. M. H., Diplomata et chartae, nº 278. ' " Ibidem. '" Veja-se por todos , CRUZ, António - O. e., p. 15.

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clatura assumida pelo principal de Santa Cruz, díz-nos o cronista desta instituição: "Os priores perpetuas deste Real mosteiro de Sancta Crus, se chamavam sempre == Priores Mores == por auer no mesmo tempo no Convento, outro Prior menor, que se intitulava = Prior da Claustra, ou Prior Crasteiro, pera o comum governo das Couzas ordinarias do Convento " 117 • O próprio D. Teotónio, que foi o primeiro prior-mor de Santa Cruz "nunca quis consentir o nomeassem == abbade " 11 ª. Tendo em conta que o documento em que D. Antão surge como abade data de 1033 e que só a partir de 1131 se deu a difusão dos agostinhos em Portugal, rapidamente se infere que este prelado não foi designado como prior-mor pura e simplesmente porque o mosteiro de Oliveira ainda não aderira à "regra" agostinha, a qual firmou esta titulatura para os responsáveis das suas casas.

3.1.2. D. Mendo

D. Fr. Timóteo dos Mártires assinalou um D. Mendo como prior-mor de Oliveira pelo ano de 1168 119 • Por seu turno , nas Miscelâneas Manuscritas diz-se que D. Mendo governava o mosteiro na era de 1206, ano de Cristo de 1160 12º. Obviamente, uma destas datas está errada, pois à era de 1206 corresponde o ano de 1168. Se assumirmos que o autor se equivocou ao fazer a reconversão do ano da era para o ano de Cristo, temos uma total coincidência entre os dois relatos, que colocam D. Mendo como prior de Oliveira em 1168. Parece que foi sob a governação deste prelado que D. João Peculiar, arcebispo de Braga entre 1138 e 1175 12 1, sagrou a igreja de Oliveira 122 , a 26 de Novembro de 1168 123 . Com efeito, João de Barros na sua . Geografia de Entre-Douro-e-Minho e Trás-os-Montes transcreve um letreiro que, ao tempo, se encontrava na porta principal do mosteiro, onde se lia: "IN DEDICATIONE ECLESIAE BEATAE MARIAE VIRGINIS ARC. IOANES PRIOR DONUS MENENDVS. E. M. CC. VI. - VI KLS. DECEMBRIS - GUTIERE NOTAVIT" 124 • Nas Miscelâneas Manuscritas chega-se mesmo a aventar a hipótese deste D. Mendo ter sido o primeiro bispo de Lamego, uma vez restaurada

" 'M ÁRTIR ES, D. Fr. Timóteo dos - O. c., tomo 1, p. 35. ""MÁ RTIRES, D. Fr. Timóteo dos - O. c. , tomo 1, p. 37. '"M ÁRTI RE S, D. Fr. Ti móteo dos - O. c., tomo 111 , p. 144. '"' A. N. T. T., Miscelâneas Manuscritas, nº 11 03, l i. 126. "' OLIVEIR A, P. Mig uel de - História Eclesiástica de Portugal, 3ª edição, Lisboa, União Gráfica, 1958, p. 434. ''" A. N. T. T., Miscelâneas Ma nuscritas, nº 11 03, fl. 126 e MÁRTIRES, D. Fr. Timóteo dos - O. e., tomo Ili, p. 144. '"' BARROS, João de - Geografia de Entre-Douro-e-Minho e Trás-os -Montes, Porto. 1919, p. 53. '"Ibidem.

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esta diocese 125 • Para sustentar esta asserção apela-se para a ancestralidade das relações de amizade estabelecidas entre O. João Peculiar e o. Mendo que se consubstanciaram na viagem que ambos fizeram a Roma. Efectivamente, é sabido que O. João Peculiar, após a sua eleição para a mitra bracarense, se deslocou à Santa Sé a fim de receber o pálio do Papa Inocêncio 11 126 • É igualmente certo que, nesta viagem, seguiram com ele o. Mendo e O. Pedro, seus antigos confrades no mosteiro de Santa Cruz de Coimbra, os quais aproveitaram a jornada para requererem ao Sumo Pontífice a confirmação dos privilégios concedidos por O. Afonso Henriques à instituição conimbricense 127 • O que já não podemos confirmar é o facto deste D. Mendo ser o mesmo que assumiu o priorado de Oliveira porquanto, pessoalmente, desconhecemos qualquer documento que aponte nesse sentido. Não obstante, deixamos aqui expressa a hipótese aventada nas Miscelâneas quando se diz: "como este e outros mosteiros estavão antigamente sugeitos aos arcebispos de Braga que confirmavão seus priores era verosímil que o arcebispo O. João Peculiar fizesse que O. Mendo seo intimo amigo fosse prior deste mosteiro e lho confirmace nesta acepção fazendo lhe juntamente o favor de lhe sagrar a igreja do seu mosteiro como fez" 12 ª. Um diploma pertencente ao cartório do mosteiro, datado de 11 de Maio de 1266 refere um "Dom Meendo Eriz prior que foe d' Ulveira" 129 • Trata-se de uma alusão bastante vaga que não nos permite situar este Meendo Eriz no tempo. Admitimos, contudo, tratar-se do O. Mendo atrás mencionado já que não nos surgiu qualquer outro prior de Oliveira com este nome. É certo que entre 1168 - ano apontado para o priorado de O. Mendo - e 1266 - data em que O. Meendo Eriz aparece citado - existe aproximadamente um século de permeio. Todavia, o teor do documento de 1266, pelo qual se faz a repartição das rendas do mosteiro entre o prior, convento e arcebispo de Braga 130 , leva-nos a concluir que os religiosos de Oliveira apelaram para realidades bastante remotas, no intuito de fundamentarem a ancestralidade da posse de

''" A. N. T. T., Miscelâneas Manuscritas, nº 1103, li. 126. Quanto à restauração da diocese de Lamego cf. ERDMANN, Carl - O Papado e Portugal no Primeiro Século da História Portuguesa (versão portuguesa por J. A. da Providência Costa), separata do Boletim do Instituto Alemão, vol. V, Coimbra, Pulicações do Instituto Alemão da Universidade de Coimbra, 1935, p. 52. Aqui o autor relaciona a tomada de Santarém e de Lisboa com a organização eclesiástica do território, referindo que a conquista de Santarém assegurou o bispado de Coimbra que, desta maneira, deixava de ter pretensões à administração das dioceses de Viseu e Lamego. Assim, D. Afonso Henriques procedeu de imediato à restituição de ambos aqueles bispados, o que ocorreu nesse mesmo ano de 1147 (Ibidem, nota 2). ALMEIDA, Fortunato de - História da Igreja em Portugal, nova edição preparada e dirigida por Damião Peres, vol. 1, Porto, Portucalense Editora, 1967, p. 92, refere que em 1148 Lamego já possuía o seu bispo dado que D. Mendo, nessa qualidade, assistiu a um concílio provincial celebrado em Braga. "'CUNHA, Dom Rodrigo da - História Eclesiástica dos Arcebispos de Braga (edição fac-similada com nota de apresentação de José Marques), Braga, 1989, p. 63. "'Ibidem. ""A. N. T. T., Miscelâneas Manuscritas, nº 1103, li. 126. "" A. N. T. T., C. R., Santa Maria de Oliveira, caixa 94, maço 1, doe. 1. 130

Ibidem.

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determinados bens por parte das três entidades em foco . Assim, conjuntamente com outros bens, que adiante explicitaremos, são assinalados: - A vila de Barrosas, entregue para a vestiaria do convento afora o serviço do prior e a petição do arcebispo, ficando os direitos destes dois senhores iguais aos que se pagavam no tempo de D. Mendo Eriz, que fora prior de Oliveira. - A vinha do abade com o seu campo que " vem aos curraaes e torna ao cerco do bacelo de D. Mendo" 13 1 , a que o convento tinha direito. Por tudo isto atrevemo-nos a identificar D. Mendo Eriz com o D. Mendo que os relatos posteriores descrevem. Se aceitarmos esta hipótese , parece-nos legítimo que o cenóbio de Oliveira, ao tratar de uma matéria tão importante como era a da repartição dos réditos da instituição, apelasse para a memória de um homem cujo priorado deve ter sido marcante, quanto mais não fosse porque data deste período a consagração da igreja do mosteiro.

3.1 .3 Domingos Pires

Data de 11 de Maio de 1266 132 o único testemunho que possuímos concernente ao priorado de Domingos Pires. Neste, apresenta-se a repartição das rendas do mosteiro pelo prior-mor de Oliveira, convento e arcebispo de Braga, à época D. Martinho Geraldes ' 3 3 e, apesar do original se achar bastante truncado, o que impossibilitou a leitura de determinadas passagens importantes, conseguimos conhecer a maior parte das rendas de que dispunha o mosteiro de Oliveira para fazer face às suas despesas correntes. Assim, o convento usufruía dos seguintes réditos: 1) Para a vestiaria: - A vila de Barrosas, afora o serviço do prior e a petição do senhor arcebispo, ficando o montante destes direitos equiparado ao que se pagava no tempo de O. Mendo Eriz ' 34 ;

" ' A. N. T. T., C. R. , Santa Mana de Oliveira. cai xa 94, maço 1, doe . 1. '" Ibidem. Efectivam ente a data proposta no documento é 5 dos Idos de Maio da era de 1266. Contudo, pensamos que, neste caso especifico, não podemos deduzir os 38 anos qu e nos permitem reconve rter o ano da era em ano de Cristo, porqu e: a) Se fa z mençã o que na época era arce bis po de Braga D. Martinho. Ora, como não se tratava de D. Ma rtinho Pires, prelado da mitra bracarense entre 11 89 e 1209, alude-se, seguramente, a D. Martinho Geraldes, arcebispo de Braga entre 1256 e 1271 (cf. OLIVEIRA, P. Miguel de - O. e., p. 434 ). b) Muito embora nada no documento nos diga explicitamente que se trata de uma cópia posterior, o tipo de letra bem como o form ulári o patentes leva m-nos a concl ui r que assi m é. É possível que o copista , já familia rizado com o calendário actual , tenha actualizado a data esq uecendo-se, contudo de substituir a palavra "e ra" pela expressão "a no do nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo" ou, somente, "a no de Cri sto" "" Ve r a nota anterior. ,,, cr. o ponto 3.1.2. deste capitulo.

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11) Para o celeiro: - Quarenta bragais que se retiravam da vestiaria; - O casal da Sapataria, situado na freguesia de Brito; 111) Para a enfermaria: - O casal em que mora Martim Lucas, com excepção do bragal que os enfiteutas pagam no Domingo de Ramos, do carro de esterco e da petição do arcebispo; - A dízima do casal da vila de "Casa/germos "; - O casal de Cabanelas, não contando com os dois morabitinos que se dão pelo aniversário de D. Estevão Soares. O "conduito" seria utilizado na compra do pescado que se comia no Advento e na Quaresma. Refere-se que, noutros tempos, se este rendimento não chegasse para fazer face às despesas do pescado consumido durante estas épocas, acresciam-lhe as dízimas de S. Martinho de Pousada, uma vez retiradas as direituras do arcebispo bracarense 135 ; - O casal em que mora Domingos de Carreia; - O casal de Cabanelas, com excepção de dois morabitinos 136 pagos, respectivamente, um pelo aniversário de Urraca Pires e o outro pelo aniversário de Sancha Martins;

IV) Ficavam ainda para o convento: - Todo o trigo que houvesse no celeiro; - Os pagamentos da totalidade dos aniversários existentes e a existir, com excepção das missas de Santa Maria (celebrada todos os Sábados), do convento, de nove licções, da vigília de Natal "e d'outros santos" 137 e missas da Quaresma. Por este facto recebia o convento do prior: - A vinha do abade e seu campo que "vem aos curraaes e torna ao ' cerco do bacelo de O. Mendo" 13ª; - duas vinhas com seus foros; - uma vinha; - um bacelo; - O bacelo que Domingos de Santo (sic) tem emprazado; - A vinha que jaz em Soutelo; - A vinha do Cu/velo (sic) e a vinha da Vessada, para que "per e/las aja o convento toalhas scudel/as vasos e cozedeiras e pichees e com estas cousas todas se servira da porta da crasta pera dentro segundo lhes for neces-

'" Em virtude do mau estado em que se encontra o documento nesta passagem, apresentamos esta leitura como uma das hipóteses possíveis. '" Não conseguimos ler na integra a palavra "morabitinos'', uma vez que o documento se encontra truncado. Detecta-se, apenas, o esse final da palavra, pelo que somos levadas a concluir tratar-se de morabitinos, tanto mais que pelo aniversário de D. Estevão Soares também se pagava em morabitinos, concretamente dois. "'A. N. T. T., C. R., Santa Maria de Oliveira, caixa 94, maço 1, doe. 1. '"'Ibidem.

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sario" ' 39 , o que equivale a dizer que todos estes artefactos seriam para exclusivo uso interno.

V) Para o tesouro: - O casal de Outeiro de Sapos e a vinha das Regadas, situada em Vila Pouca, "que per isto a igreja e o prior e frades e o dormitaria e os hospedes que forem desa porta da crasta adentro ajam cena azeite e encensso" ' 4 º.

À semelhança do que se verificaria em Grijó um século mais tarde , "estes organismos assumiam um papel destacado e minimamente autónomo dentro do mosteiro " 1• 1 e, por isso, tinham "na sua dependência directa, tal como o priorado, várias propriedades' 1• 2 • No caso de Santa Maria de Oliveira detectamos, já em meados do séc. XIII, três entidades diferentes a pugnarem pelas suas pertenças, dentro de um senhorio que se consubstanciava no património fundiário do mosteiro; são eles o prior-mor, que supervisionava a governação do mosteiro, o convento que actuava internamente através das suas avenças e o próprio arcebispo de Braga que, apesar de não interferir directamente na administração das propriedades de Oliveira, acabava por usufruir dos seus réditos quando arrecadava as direituras que lhe competiam.

3.1.4 - Fernando Pires Coelho

Este prior de Oliveira ficou na História com fama de Santo . A sua ascendência não é conhecida e relativamente ao parentesco apenas sabemos que foi irmão de Pedro Eanes Coelho 143 • Efectivamente , subsiste no acervo documental de Oliveira uma carta de doação, datada de 1O de Abril' de 1299, pela qual Pedro Eanes Coelho e sua mulher, Margarida 144 , doaram ao mosteiro 3 casais que possuíam na Terra de Vieira, nomeadamente, o casal de Vilar Chão, o casal do Souto e o casal da Pedra 145 , o que dizem fazer "por estar com O. Fernam Pirez priol e convento de Oliveira" 146 • É possível que os laços de parentesco que uniam o prior-mor de Oliveira aos doadores tenham potenciado a prodigalidade destes últimos. Não obstante, tal'" Ibidem. ''°Ibidem. '"AMARAL, Luís Carlos O. ,,,, fbidem.

e., p. 149.

"" SANTA MARIA, Dom Nicolau de - O. e;., p. 317; A. N. T. T., Miscelâneas Manuscritas, nº 1103, fl. 126 vº; COSTA, P. António Carvalho da - O. e., p. 291. "'Dom Nicolau de Santa Maria denomina-a Margarida Pais (SANTA MARIA, Dom Nicolau de - O. e., p. 317), enquanto o P. António Carvalho da Costa a intitula Margarida Esteves (COSTA, P. António Carvalho da - O. e., p. 291). Todavia, o documento original refere-a somente como Margarida: "nos Pero Anes Coelho e eu Dona Margarida sa molher... " (A. N. T. T., C. R., Santa Maria de Oliveira, caixa 94, maço 1, doe. 3). '" A. N. T. T., C. R., Santa Maria de Oliveira, caixa 94, maço 1, doe. 3. "' Ibidem.

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vez tentando conciliar a solidariedade familiar com a almejada salvação eterna, Pedro Eanes Coelho e a sua mulher não se esqueceram de advertir os religiosos do mosteiro do facto de, por esta doação, ficarem obrigados a cantar "cada dia huã missa de sobre altar pera todo o sempre per nossas almas en o dieta moesteiro em guisa que cada huum anno huum anal de missas seja comprido" 147 • Acresciam a esta dádiva a doação de urna quebrada que possuíam junto ao seu paço, com a condição dos frades manterem dia e noite uma lâmpada acesa na igreja do mosteiro 1•ª. Quanto ao irmão do doador, D. Fernando Pires Coelho, sabemos que governava o mosteiro em 1299149 • Jorge Cardoso refere que este prelado esteve à frente dos destinos de Oliveira durante trinta e três anos, após 0 que renunciou ao priorado "pera mais liuremente se entregar ao spiritu, & vacar à contemplação" 150 ou, se optármos pela expressão de D. Nicolau de Santa Maria, "pera se dar de todo à oração, & contemplação das cousas do Ceo" 15 1 , o que redunda no mesmo. Ora, fazendo fé nestes relatos admitimos que o prior tenha renunciado ao cargo, todavia não é possível que tenha dirigido o cenóbio por um período de trintra e três anos uma vez que, feitas as contas, a sua renúncia recaíria sobre o ano de 1332, data manifestamente inverosímil pois sabemos que entretanto outros clér igos assumem o comando de Oliveira 152 • Por isso, quer-nos parecer que o número de anos invocado para a administração deste prelado deverá assumir-se como simbólico, em consonância com a própria "aura sagrada" que gira em torno da figura em questão. D. Fernando Pires Coelho faleceu no mosteiro de Oliveira em 18 de Janeiro de 1340 153 recebendo honrosa sepultura no claustro, junto à parede da igreja onde se lia o seguinte epitáfio: "XV. Kal. Feb. obiit O. Ferd. P. Prior: Era M. CCC. LXXVIII" 154 • Pela fama de santo que granjeara, consta que muita gente acorria ao seu túmulo em veneração , especialmente na data de' aniversário da morte deste prior 155 • O seu sepulcro foi desmantelado por volta de 1556 quando, sob os auspícios do comendatário D. Pedro da Costa e a estipêndio do prior crasteiro Afonso Rodrigues, se reedificou o claustro de Santa Maria de Oliveira 156 • Segundo a Crónica, o comendatário mandando abrir a sepultura encontrou o corpo incorrupto pelo que, maravilhado, mandou que se fechasse novamente o sepulcro, não sem antes retirar o bar'" Ibidem. '"Ibidem. '"'' Ibidem. "" CARDOSO, Jorge - Agiologio Lusitano dos Sane/os Varoens /Ilustres em Virtude do Reino de Portugal e suas Conquistas. tomo Ili, Lisboa , 1657, p. 734 . "·'SANTA MARIA, Dom Nicolau de - O. e., p. 317. ,., Cf. quadro nº 3. "' SANTA MARIA, Dom Nicolau de - O. e. , p. 317; MÁRTIRES, D. Fr. Timóteo dos· O. e.. tomo Ili, p. 144; CARDOSO, Jorge - O. e., p. 734 e A. N. T. T., Miscelâneas Manuscritas, nº 1103, fl. 126 vQ. ""A. N. T. T., Miscefâneas Manuscritas, nº 1103, fl. 126 vº; SANTA MARIA, Dom Nicolau de - O. e.. p. 317 e MÁRTIRES, D. Fr. Timóteo dos - O. e., tomo Ili, p. 144. '" CARDOSO, Jorge - O. e., p. 734. '" SANTA MARIA, Dom Nicolau de O. e. , p. 317 ; MÁRTIRES, D. Fr. Timóteo dos - 0. e.. tomo Ili , p. 144;

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rete de Fernando Pires Coelho, que era redondo e de pano preto 157 • Atribuíu-se a este barrete capacidades taumatúrgicas pois parece que curou das enxaquecas aqueles que o colocaram sobre as suas cabeças. D. Nicolau de Santa Maria apresenta o prior crastreiro Afonso Rodrigues como um dos enfermos que foi agraciado por este milagre 158 • Por seu turno, Jorge Cardoso relata que fora o próprio comendatário D. Pedro da Costa quem encontrou remédio para as suas maleitas no barrete de D. Fernando Pires Coelho 159 , tendo o mesmo sucedido ao arcebispo de Braga D. Frei Bartolomeu dos Mártires 16º aquando da sua visitação ao mosteiro 161 • O primaz de Braga mandara abrir a sepultura e, achando o corpo inteiro, "lhe beijou a mão, com o peito por terra, melhorando neste comenos de alguns achaques antigos, que padecia" 162 •

3.1.5 - Martim Domingues

Durante o priorado de Martim Domingues temos notícia do primeiro conflito interno explícito de que há memória no mosteiro de Oliveira. Através de um documento datado de 13 de Dezembro de 1311 163 , sabemos da existência de um litígio verificado entre o prior-mor e o convento, decorrente do facto de Martim Domingues ter sonegado aos frades o seu selo próprio, que utilizava para fazer procurações, emprazamentos e cartas, contra as suas vontades. Por este facto, os monges recorreram à justiça arquidiocesana de Braga, requerendo que os documentos outorgados pelo prior-mor, nestas condições, não tivessem validade, porquanto tinham sido feitos à sua revelia 164 • Pediam, igualmente, que o prior fosse compelido a entregar-lhes o

""SANTA MARIA, Dom Nicolau de - O. c., p. 317. '" Ibidem. "'' CARDOSO, Jorge - O. c., p. 735 '"' Ibidem. ,,;, Nas Miscelãneas Manuscritas refere-se que esta visitação data de 1560 (A. N. T. T., Miscelâneas Manuscritas, nº 1103, fl. 127). Quer-nos parecer, porém, tratar-se da visitação que O. Frei Bartolomeu dos Mártires fez ao mosteiro de Oliveira a 29 de Agosto de 1568, através da qual ficamos a saber que existe "huâ claustra que se fez nova ha pouco tempo ", cit. in FERREIRA Paulo Ferro, Adérito Gomes - Inquérito à vida nos mosteiros na arquidiocese de Braga sob O. Frei Bartolomeu dos Mártires, in Actas do li Encontro sobre História Dominicana, tomo Ili, 1987, p. 176. '"CARDOSO, Jorge - O. c., p. 735. "~A. N. T. T., C. R., Santa Maria de Oliveira, caixa 94, maço 1, doe. 4. Embora o documento se encontre um pouco manchado na linha em que se refere a data, sabemos que esta corresponde ao ano de Cristo e não à era hispânica porque: a) O arcebispo de Braga, à época, era um tal "Domini M.", que só poderá ser D. Martinho Pires de Oliveira. arcebispo de Braga entre 1295 e 1313, como se.pode ver em OLIVEIRA, P. Miguel de - O. c., p. 434. b) O tabelião que elaborou este documento foi "lohanes Pelagi", ou seja, João Pais, para quem Maria Cristina Cunha estabelece o início de funções em 1283 (CUNHA, Maria Cristina Almeida - Tabeliâes bracarenses no séc. XIII, separata das Actas do Congresso Internacional do IX Centenário da Dedicação da Sé de Braga , Braga , 1990, p. 252). O sinal tabeliónico deste indivíduo, que a citada autora designa por João Pais li, aparece reproduzido na página 261 do estudo. ""A. N. T. T. , C. R. , Santa Maria de Oliveira, caixa 94 , maço 1, doe. 4.

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seu selo 165 • Gonçalo Eanes, deão bracarense, acabou por determinar que Martim Domingues entregasse o selo do convento ao prior claustral 166 • Não conhecemos o número exacto dos membros do convento de Oliveira, em 1311, mas dele faziam parte, seguramente , Vicente Domingues , Martinho Domingues, Pedro Martins, Lourenço Esteves , Estevão Martins e Domingues Pires do Portal, todos cónegos regrantes do mosteiro. Mencionados como testemunhas presentes no documento em análise 167 , é de admitir que estes seis monges completassem todo o conjunto dos frades de Oliveira porquanto, ao comparecerem maciçamente ao acto, reiteravam o seu desagrado em relação à atitude do prior-mor que, ao retirar-lhes o selo, não só pôs em questão a autonomia e independência do convento como , certamente, desviou rendimentos destinados à mesa conventual. Assim , ter-se-ia verificado um abuso de autoridade por parte de Martim Domingues , ao qual o convento de Oliveira terá reagido em bloco, acabando por conseguir que o seu selo fosse devolvido ao prior crasteiro.

3.1.6 - Estevão Pires

O primeiro quartel do séc. XIV foi bastante atribulado ao nível das relações institucionais entre o prior-mor e o convento de Oliveira. Dirimido o con flito de 1311, respeitante à indevida apropriação do selo conventual por parte de Martim Domingues, surge-nos, logo em 1318, nova contenda que opõe a comunidade conventual de Oliveira ao responsável do mosteiro. Desta feita , estavam em causa as rações ministradas por Estevão Pires aos seus cónegos. Por uma sentença outorgada no próprio mosteiro, a 24 de Julho de 1318, sabemos que o convento se sentia agravado face ao prior-mor, acusando-o de lhes comprometer as ementas que, usualmente , recebiam em determinados dias do ano 168 • Por este facto, os monges de Oliveira instituíram como juízes do feito Domingos Martins , abade da igreja de Santiago de Castelões, e Fernando Eanes, abade da igreja de Pedome 169 • Estes tinham por missão apurar a veracidade dos factos, recorrendo, para o efeito, aos testemunhos de Geraldo Domingos de Entre-Ambas-as-Aves e de Miguel Domingues, abade de Vermoim, já que ambos tinham sido chaveiros do mosteiro por longo tempo 170 e, por isso, conheciam bem a avença da conduitaria de que disfrutavam os monges de Oliveira. Recolhidos estes dois depoimentos , os juízes da demanda determinaram que:

"" Ibidem. "" Ibidem. '" Ibidem. "'A. N. T. T., C. R., Santa Ma ria de Oliveira, caixa 94, maço 1, doe. 8. "" Ibidem. '" Ibidem.

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1. O convento devia dar ao prior, da sua ovença, uma ementa diária composta por duas rações de pão e duas pitanças de vinho (quando o convento o tivesse), acrescidas de duas postas de carne ou de pescado, sempre que o avençal assim o determinasse 11 1 • 2. O prior, por sua vez, ficava obrigado a dar ao convento boroa, vinho e conduito durante todo o ano, bem como a fornecer uma ração ao mancebo de Portela e outra ao mancebo do mosteiro 112 • Igualmente, o cozinheiro era sustentado à custa do celeiro do prior 173 . Estes eram os encargos gerais adstritos ao prior-mor. Contudo, a sentença era bastante minunciosa quanto à qualidade e quantidade de víveres que o prior devia fornecer ao convento em determinados dias festivos , designadamente: a) aos Domingos - iguarias, ou carneiro e vaca, ou porco e vaca, ou, ainda , cabrito cozido e vaca. Desta ementa exceptuam-se o Advento, a Páscoa, e os dias de jejum geral que se acrescem, assim como as Oitavas de Natal e de Páscoa, o Espírito Santo (Segunda-Feira , Terça-Feira e Quarta-Feira) - espaço de tempo em que os monges se abstinham de comer carne - e as Festas dos Quatro e dos Dois Cantores - para as quais se determinavam refeições específicas 174 ; b) nas festas dos Dois Cantores 175 vinho, duas iguarias e um assado 176 ;

-

uma pitança de boroa e outra de

c) nas festas dos Quatro Cantores 111 - uma pitança de boroa e outra de vinho, um caldo e um assado que poderia ser de cabrito e porco ou coelhos, ou de galinhas e porco, tudo acrescido de uma iguaria de porco e vaca ou de carneiro e vaca 11 ª;

"'Ibidem. "' Ibidem. '" Ibidem. 17 ·' Ibidem. 175 Por analogia com o que se verificou em 1365 no mosteiro de S. Salvador de Grijó, também ele de observância agostinha, ficamos a saber que as festas dos Dois Cantores se celebravam no dia da Circuncisão do Senhor, na Aparição do Senhor, no dia de S. Vicente, nos dias de Santa Maria de Fevereiro e de Março, no dia da Ascenção, três dias depois da Pascoa e do Pentecostes, no dia de S. João Baptista, no dia de S. Pedro, no dia de Santa Maria Madalena, no dia de Santiago, no dia de S. Lourenço, no dia de Santa Maria, no dia de Natal, no dia de S. Martinho, no dia de Santo André, no dia de S. Nicolau, no dia de Santa Maria "dante Natal " e três dias depois do Natal, que "som por todas estas festas de dous cantores vynte e sete " (A.N.T.T., C. R., Mosteiro de S. Salvador de Grijó, incorporação de 1912, nº 3, tis. 4 v2 - 5). Por seu turno, as festas dos Quatro Cantores correspondiam ao dia de Natal, dia da Sagração, dia de Pascoa, dia de Pentecostes, dia de Santa Maria de Agosto, dia de Santo Agostinho, dia de Todos os Santos, dia da Trindade e dia do Corpo de Deus, constituindo "por todas IX festas de /Ili • cantores" (A.N.TT., C. R., Mosteiro de S. Salvador de Grijó, incorporação de 1912, nº 3, fl. 4). Esta documentação foi-nos gentilmente cedida pelo Dr. Luís Carlos Amaral, a quem expressamos veementemente os nossos sinceros agradecimentos. 17 " A. N. T. T., C. R., Santa Maria de Oliveira, caixa 94 , maço 1, doe. B. '" Cf. o que deixamos já escrito acerca da periodicidade destas festas. 178 A. N. T. T., C. R., Santa Maria de Oliveira, caixa 94, maço 1, doe. 8.

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d) nas primeiras Segundas-Feiras de Agosto - "quando comem o vodo" o prior dava a alimentação do convento 179 ; e) no dia de Lava-pés - pão, vinho, pescado e adubo 18º; f) na Sexta-feira Santa - era distribuído pão branco num total de quatro moios de trigo "pela medida nova " 181 . A novidade desta contenda não impende propriamente no objecto de litígio, a saber, o regime alimentar ministrado aos frades, mas antes na precocidade que regista. De facto, são conhecidos problemas deste tipo em mosteiros da região, designadamente, em S. Miguel de Vilarinho (1364} 182 , Pombeiro (1378) 183 , S. Miguel de Refojos de Basto (1382) 184 , Paço de Sousa (1411, 1414 e 1466) 185 e Santo Tirso (1437) 186 . Todavia, todos estes casos se inserem na conjuntura de crise verificada, grosso modo, a partir de meados do séc. XIV. Como explicita José Marques para o caso de S. Miguel de Vilarinho - aquele que apresenta conflito mais remoto - "o ambiente era de carestia e isso deve ter pesado como circunstância agravante na comunidade conventual" 181 • Não obstante, não devia ser este o clima vivido em Oliveira pelos anos de 1318. Poder-se-ia objectar que os rendimentos do mosteiro teriam sido abalados por uma crise conjuntural com incidências na região e por isso o prior-mor se empenhara numa governação mais racional dos recursos de que dispunha. Porém, esta hipótese perde alguma consistência quando deparamos, exactamente sob o priorado de Estevão Pires , com o enriquecimento do património de Santa Maria de Oliveira decorrente de uma doação datada 19 de Março de 1330 188 , o que nos leva a suspeitar de um eventual desafogo económico verificado em Oliveira , na primeira metade do século XIV. Por isso, parece-nos razoável admitir que os problemas inerentes à alimentação dos monges de Oliveira tiveram por fulcro a parcimónia de Estevão Pires, o qual teria tentado aumentar o seu pecúlio à custa das privações dos seus pares . Aliás, estamos em crer que este prior não media esforços para chamar a si todo e qualquer rendimento que lhe fosse devido. Assim , em 1320 189 ,

"' Ibidem. · ~· Ibidem.

'" Ibidem. "' MARQUES, José - A Arquidiocese de Braga no séc. XV... , pp. 767-768 . '" MARQUES, José - Aspectos da vida interna do mosteiro de Santo Tirso, segundo a visitação de 1437. sepa rata das Actas do Colóquio de História Local e Regional, Santo Tirso, 1979 , p. 2 18. " ' Ibidem. '" Ibidem. '"' Idem, pp. 214-218. " ' MARQUES, José - A Arquidiocese de Braga no séc. X V... , pp. 767. '" A. N. T. T., C. R., Santa Ma ria de Oliveira, caixa 94, maço 1, doe. 10. '" A. N. T. T., C. R. , Santa Maria de Oliveira, cai xa 94, maço 1, doe. 9.

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Estevão Pires envolveu-se judicialmente com Rui Garcia, abade da igreja de Santa Lucrécia, anexa ao mosteiro de Oliveira, acusando-o de não cumprir com o compromisso da prestação de uma colheita anual que teria de entregar a Santa Maria de Oliveira ' 00 • A sentença de 16 de Maio de 1320, outorgada em primeira instância por João Silvestre, ouvidor na cúria bracarense, acabou por condenar o abade de Santa Lucrécia 191 • Contudo, Rui Garcia, não contente com a decisão judicial, apelou da mesma a 4 de Junho de 1328 192 • Não conhecemos o resultado desta apelação, o que muito lamentamos porquanto este nos poderia, eventualmente , comprovar uma nova investida de Estevão Pires pautada, uma vez mais, pela sua cupidez, tal como a pretendemos demonstrar aquando das queixas apresentadas pelo convento em virtude da alimentação que este prior-mor lhes ministrava. Uma coisa é certa: o priorado de Estevão Pires não foi pacífico.

3.1.7 - Lourenço Viegas Este prior parece ter aprendido com a contenda que envolveu o seu antecessor a salvaguardar a sua posição no relacionamento estabelecido com a igreja de Santa Lucrécia. No intuito de se comportar acima de qualquer suspeita legalista, Lourenço Viegas, em 25 de Junho de 1350, pediu a Vasco Fernandes, tabelião de Braga, que lhe desse os trasladas em pública forma de dois documentos alusivos à instituição do reitor da referida igreja, que era da apresentação do mosteiro de Oliveira 193 • O teor destas cópias é o seguinte: a primeira (1313, Abr., 19, Braga), patenteia a carta pela qual Martinho Eanes, cónego de Braga, confirmou a apresentação de "Rodericum Garcia de Crastum" 194 para reitor de Santa Lucrécia 195 ; a segunda (1334, Jan.,6, Braga), reporta-se à carta em que D. Gonçalo Pereira, arcebispo de Braga, ordenava a Estevão Pais, vigário da sua sé, que instituísse o reitor de Santa Lucrécia quando esta vagasse por morte do dito "Rodericum Garcia" 196 • No cumprimento desta normativa, Gil Vicente Latrão foi instituído reitor de Santa Luc récia 197 • Esta última carta foi apresentada e publicada pelo prior-mor de Oliveira 19 ª facto que, em nosso entender, faz jus à intenção "º Ibidem. '" Ibidem. '"Ibidem. '"' A. N. T. T .. C. R. , Santa Maria de Oliveira. caixa 94, maço 1, doe. 5. '"' Ibidem. Apesar do documento se referir a "Rodericum Garcia de Crastum ", sabemos que se trata de Rui Garcia, o mesmo que, em 1328, apelou da sentença que em 1320 o condenara a entregar a Estevão Pires uma colheita anual pela igreja de Santa Lucrécia (A. N. T. T., C. R., Santa Maria de Oliveira, caixa 94, maço 1, doe. 9.). Sabendo nós, através dos traslades pedidos por Lourenço Viegas (A. N. T. T., C. R., Santa Maria de Oliveira, caixa 94 , maço 1, doe. 5), que Rodericum Garcia assumiu as funções de reitor da dita igreja entre 131 3 e 1334 , fácil se torna demonstrar que este religioso e Rui Garcia são uma e a mesma pessoa. "" A. N. T. T., C. R. , Santa Maria de Oliveira, caixa 94, maço 1, doe. 5. "" Ibidem. Acerca do nome deste prelado leia-se o que acima ficou exp resso. "' Ibidem. "" Ibidem.

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de Lourenço Viegas em comportar-se dentro da mais estrita legalidade e transparência, ao menos no que respeitava às suas relações com esta igreja anexa a Oliveira.

3.1.8 - Francisco Miguel

Em 15 de Setembro de 1356 O. Guilherme, arcebispo de Braga, instituiu e investiu Francisco Miguel no priorado de Santa Maria de Oliveira 199 , o qual vagara por morte de Lourenço Viegas 20º. o novo prior-mor do mosteiro já possuía experiência no cargo, visto que desempenhara as mesmas funções no mosteiro de Landim 201, o qual, à semelhança de Oliveira, abraçara a observância agostinha. Esta é, todavia, a única referência documental respeitante a Francisco Miguel.

3.1.9 - João Esteves É sob a égide deste cónego regrante que deparamos com a única contenda que apresentou como partes litigantes o arcebispo de Braga e um prior-mor de Oliveira. Através de um pedido de traslado, com data de 23 de Novembro de 1381 202 , ficamos a conhecer os pormenores de uma complexa acção judicial que, numa imbrincada sequência de outorga de sentenças e apelação das mesmas , acabou por envolver nas suas malhas o arcebispo O. Lourenço Vicente, João Esteves, prior de Oliveira, Vasco Gonçalves, juiz de Vermoim, Pedro Eanes, ouvidor de Lopo Gomes de Lira na correição de Entre-Douro-e-Minho e o próprio Lopo Gomes de Lira, meirinho-mor do Rei , nesta mesma correição . Sinteticamente, podemos descrever todo o processo da seguinte forma:

1. O arcebispo de Braga entrou em contenda com prior de Oliveira, acusando-o de negligência no cumprimento das suas obrigações pastorais, bem como de desobediência e desrespeito em relação às suas determinações. Por este motivo, suspendeu-lhe a arrecadação das fintas, rendas e bens do mosteiro que, dizia, seriam convertidas em fabrica da instituição. Para garantir o cumprimento da sua sentença recorreu à ajuda do "braço sag!al", na pessoa de Vasco Gonçalves, juiz de Vermoim.

'" A. D.B., Colecção Cronológica, cai xa 17 e FERREIRA, José Augusto - Fastos Episcopaes da Igreja Primacial de Braga. tomo 11, Edição da Mitra Bracarense, 193 1, p. 164 . '"" A. D.B. , Colecção Cronológica, caixa 17. '"' Ibidem. "" A.D.B., Gaveta das Religiões, Mosteiros, Ordens. Colegiadas e Seminário, nº 47

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2. Não obstante a carta que o monarca outorgou ao primaz bracarense, garantindo-lhe a ajuda da justiça laica no cumprimento das suas sentenças, o juiz de Vermoim absolveu o prior de Oliveira determinando que este se deveria manter em posse do mosteiro e suas fintas. 3. O arcebispo apelou desta sentença para D. Leonor, que revogou a decisão de Vasco Gonçalves. 4. Então foi a vez do prior de Oliveira interpôr apelação, em face do que Lopo Gomes de Lira mandou a Estevão Rodrigues, meirinho-mor de Entre-Douro-e-Minho, que restituísse a João Esteves a posse do seu mosteiro e respectivas fintas. 5. D. Lourenço Vicente, sentindo-se agravado, apelou várias vezes para o rei deste mandado de execução mas, em virtude da ausência de Lopo Gomes de Lira que se encontrava em Salvaterra de Magos, em serviço d'el Rei, foi o seu ouvidor Pedro Eanes quem tomou em mãos esta aposição. 6. O. Lourenço Vicente pediu um traslado do documento que continha todo o processo a fim de salvaguardar os seus direitos. 7. O ouvidor pediu igualmente um traslado desta cédula com o objectivo de dar conhecimento do feito ao meirinho ausente, comprometendo-se a conceder uma resposta nos oito dias subsequentes. 8. O arcebispo disse que "nom consentia no que o dito ouvidor dizia nem em asinaçom de termho que per el fosse feita" 203 • No que nos diz respeito , o interesse de todo este poliédrico processo litigioso prende-se com o motivo pelo qual o arcebispo retirou ao prior de Oliveira os privilégios usufruídos pelo desempenho das suas funções . Assim, D. Lourenço Vicente acusa João Esteves de ter feito "letra morta" de uma das prescrições patentes nas Constituições Sinodais de 1374, efectuadas sob os auspícios da sua jurisdição arquiepiscopal 20 •. Nela se estipulava claramente que todos os abades e reitores, em virtude da obediência e sob pena de excomunhão, ficavam obrigados a rezar missa no Natal, na festa da Circuncisão do Senhor, na festa da Aparição do Senhor, na Quinta-Feira de Cinzas, no Domingo da Paixão, no Domingo de Ramos, no dia de Páscoa, no dia da Ascenção do Senhor, no Espírito Santo , no dia de S. João Baptista, nas festividades de todos os Apóstolos, em todas as festas de Nossa Senhora, na festa de Todos os Santos, nas festas dos padroeiras das '"'' Ibidem. "" Synodicom Hispanum. li. Portugal. (dirigido por Antonio Garcia y Garcia, Avelino de Jesus da Costa e lsaias da Rosa Perei ra), Biblioteca de Autores Cristianos. Madrid, 1982, pp . 56-57

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_

igrejas e em todas as festas principais 2º5 • Mais se acrescenta que todos aqueles que se recusassem a cumprir estas determinações, salvo por motivos de doença ou impossibilidade ("infirmitas uel inpotencia"), seriam privados dos seus rendimentos eclesiásticos pelo período de um ano 206 . Foi exactamente com base nesta determinação sinodal que D. Lourenço Vicente notificou o prior de Oliveira num processo apresentado ao juiz de Vermoim, pelo qual o arcebispo acusava João Esteves de não ter dito "as missas no dieta moesteiro em nos dias das festas contheudas na dieta costituiçom e outrossy porque encorrera em muitas sentenças de scomunhom per nos em ele postas porque nom cumpriu as coussas que lhe per nos fora mandado em bissitações" 207 • O prior de Oliveira ao prevaricar nestes compromissos pastorais despertou o zelo do primaz bracarense que, implacável , lhe aplicou o ónus correspondente. Convém salientar que, muito embora formalmente o alvo ·a atingir fosse apenas o principal prelado do mosteiro, de facto toda a comunidade se viu punida pois, suspensos os rendimentos do prior-mor, estava coarctado o ingresso de uma grossa fatia de receitas que contribuíam sobremaneira para o bem-estar económico da instituição.

3.1.1 O - Gonçalo Eanes

A documentação compulsada sugere-nos que de agora em diante, a administração dos priores de Santa Maria de Oliveira se centrou, de modo particular, na gestão do património fundiário da instituição. Apesar da exiguidade numérica das fontes disponíveis, acreditamos que não andaremos longe da verdade ao afirmar que a política rentista, praticada na exploração do património imóvel do mosteiro, se apresentou desde logo como o fulcro da orientação administrativa dos priores-mores da comunidade em estudo. Esta determinação materializar-se-ia num crescente registo de aforamentos e emprazamentos por oposição às doações pontualmente detectadas para épocas mais remotas e que correspondiam, sem dúvida, à formação do património desta casa religiosa. É compreensível que, uma vez estabilizado o contigente fundiário de Oliveira, fosse altura de envidar esforços no sentido da sua correcta gestão. Não obstante, não podemos deixar de assinalar que os prenúncios da crise Quatrocentista eram já sentidos na própria orientação governativa dos responsáveis desta comunidade agostinha. Anote-se, entretanto, que não foi nosso intuito aprofundar esta questão no momento, dado o insuficiente número de contratos disponíveis e a circunstância de o estudo económico deste mosteiro estar reservado para outros dois capítulos desta

"" Ibidem. "" Ibidem. "'' A.D.B., Gaveta das Religiões. Mosteiros. Ordens, Colegiadas e Seminário, nº 47

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dissertação (abrangendo a situação verificada no dealbar do séc. XVI, tal como nos é apresentada pelos cadernos de 1504 2ºª). Assim, para a governação de Gonçalo Eanes, podemos assinalar o emprazamento (1409, Dez., 27, Valmelhorado) feito a Gonçalo Vasques e Domingas Esteves, sua mulher, da cortinha de Reparade, sita na freguesia de Santiago de Castelões, pelo pagamento anual de 1/3 de todos os géneros cultivados, acrescido do serviço das geiras nos dias de seus vodos 209 • À laia de complemento, refira-se que neste priorado D. Fernando da Guerra confirmou Álvaro Afonso para abade de Santa Lucrécia que era da apresentação do mosteiro de Oliveira, em alternância com o Conde de Barcelos 210 • Seis anos volvidos, Álvaro Afonso renunciou à conezia de Braga e ao priorado da igreja de Santa Lucrécia em virtude da permuta feita com Vasco Martins, até então abade de S. Salvador de Miranda, do arcebispado de Coimbra 211 •

3.1.11 - Gonçalo Vasques

Gonçalo Vasques teria prosseguido com a orientação administrativa do seu antecessor. Deste modo, Gil Afonso, cónego de Oliveira, na qualidade de procurador do mosteiro, emprazou em três vidas a João de Sá, abade de S. Mateus, o casal do Carvalho, situado na freguesia do mosteiro, pelo foro anual de seis, seis e meio e sete morabitinos da moeda antiga (correspondendo respectivamente aos pagamentos efectuados pela primeira, segunda e terceira vidas do prazo), a pagar nas terças do ano: Natal, Páscoa e S. João Baptista 212 • A este foro aduzia-se a entrega de dois capões e a pres- ' tação de oito rogos bem como o serviço de quatro homens para a monda. A lutuosa importaria noutro tanto igual ao da renda 213 • Sublinhe-se que Gil Afonso havia sido empossado procurador do mosteiro de Oliveira em 2 de Abril de 1433, conjuntamente com João de Sá, clérigo e criado do prior-mor, e Luís Afonso, advogado e procurador nas audiências de Braga 214 • E foram exactamente Gil Afonso e João de Sá, como procuradores do mosteiro, que emprazaram em três vidas a Álvaro Eanes, sapateiro, e a Margarida Gonçalves, sua mulher, moradores em Guimarães, na Rua Nova do Muro, umas casas situadas nesta mesma rua, metade das "'' A.N.T.T., C.R., Santa Maria de Oliveira, B- 49 -18 e A.N.T.T., C.R., Santa Maria de Oliveira, ''Tombo Velho", B-49-18. " " A.N.T.T. , C.R. , Sanra Maria de Oliveira, caixa 94, maço 1, doe. 12. " " A.D.B., Documentos da Gaveta Primeira das Igrejas, n• 114. '" A.N.T.T., C.R., Santa Maria de Oliveira. caixa 94, maço 1, doe. 13. Este pergaminho contém, ainda, a transcrição do documento pelo qual D. Fernando da Guerra concede autorização para a permuta (1428, Dez., 30, mosteiro de Pombeiro) , bem como o traslado da carta de autorização de D. Afonso, Conde de Barcelos, uma vez que a igreja de Santa Lucrécia era do seu padroado (1429, Fev., 2, Guimarães). "'A.N.T.T., C.R., Santa Maria de Oliveira , caixa 94, maço 1, doe. 14. "'Ibidem. ''"Ibidem.

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quais pertenciam ao convento de Oliveira e a outra metade à igreja de Pedome, pela renda anual de quatro morabitinos velhos, a repartir de igual modo pelos dois proprietários das casas 215 • Todavia, porque estes prédios se encontravam bastante degradados, os foreiros ficaram quites da renda por um período de dez anos, a fim de procederem às reparações e benfeitorias de que os imóveis careciam 216 •

3.1.12 - João Afonso No que respeita a João Afonso apenas podemos avançar a informação de que fora cónego de Mancelos, tornando-se, em 20 de Janeiro de 1435, o novo prior-mor de Santa Maria de Oliveira, quando foi investido no cargo pelo arcebispo D. Fernando da Guerra 217 • Não obstante, foi breve a sua permanência à frente dos destinos desta casa porquanto, logo em Setembro desse ano de 1435, temos notícia de que renunciou às funções para as quais oito meses antes fora nomeado 21 ª.

3.1.13 - Rodrigo Esteves Rodrigo Esteves assume o priorado de Oliveira a 29 de Setembro de 1435, mercê da renúncia ao cargo praticada por Gonçalo Vasques 210 • Sabemos que este clérigo possuía curriculum no que concerne ao desempenho destas funções, tendo em conta que fora transferido do mosteiro de Vila Nova de Muía 220 • O que não podemos atestar é o motivo pelo qual o cónego fora deslocado do seu anterior mosteiro. José Marques avança a hipótese desta "importação" de priores em relação a outras comunidades se dever mais à falta de religiosos em Oliveira do que propriamente à fama das suas virtudes 221 • Somos levadas a concordar com esta opinião, tanto mais que, no caso de Rodrigo Esteves , temos notícia de que, a dada altura, este prior manteve relações concubinárias com Catarina Pires, mulher solteira, de que resultou o nascimento de pelo menos dois filhos, nomeadamente Diogo de Oliveira e Gonçalo Rodrigues, legitimados, em 1450, por outorga de D. Afonso V 222 ,

'" A.N.T.T., C.R., Santa Maria de Oliveira, caixa 94, maço 1, doe. 15 b. Optámos por designar este documento por 15 b em virtude da existência, no cartório do mosteiro do Arquivo Nacional da Torre do Tombo, de outro documento nº 15, cujo teor também é exactamente igual ao patenteado pelo documento 14, desta mesma caixa 94, no maço 1. '" Ibidem. "' A.D.B .. Livro das Confirmações do arcebispo O. Fernando da Guerra. Registo Geral n• 329, li. 58 vº "' A.D.B .. Livro das Confirmações do arcebispo O. Fernando da Guerra, Registo Geral n• 329, fl. 63. '" Ibidem. "" Ibidem. " ' MARQUES, José - A Arquidiocese de Braga no séc XV. .. p. 744. 222 A.N.T.T., Livro de Legitimações, n2 2, fls. 62 vº e 64 vº .

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sendo-nos impossível precisar a época em que Rodrigo Esteves cometeu tais desmandos. Contudo, se pensarmos que as legitimações foram pedidas por volta da data em que os jovens atingiram a maioridade, ou seja aos 14 anos de idade, podemos depreender que terão nascido pelos anos de 1430/31 , o que corresponde ao período terminal do priorado de Rodrigo Esteves no mosteiro de Muía (donde seria transferido em 1435, como ficou dito). Como facto adicional que corrobora a falta de monges em Oliveira refi ra-se que, em 1441, o mosteiro contava com uma reduzidíssima comunidade monástica composta por quatro religiosos, de seus nomes António Geraldes, Vicente Eanes , Gil Afonso e, logicamente, Rodrigo Esteves , seu prior-mor 223 • Todavia, quanto à transferência de Rodrigo Esteves , poder-se-á admitir que ela ocorreu mais devido à sua escassa probidade em Vila Nova de Muía , do que à míngua de monges em Oliveira , tanto mais que o mosteiro de Muía também não se caracterizava propriamente pelo seu "superavit" populacional , antes pelo contrário 224 •

1.3.14 - Vasco Afonso Pelos anos de 1442, parece estar dirimido o problema da carência de religiosos em Santa Maria de Oliveira 225 • Tal facto é-nos sugerido pela eleição do novo prior-mor da comunidade que, desta vez, recaíu em Vasco Afonso, cónego do mosteiro 220 , contrariando a prática verificada em 1435, pela qual , para priores de Oliveira, foram escolhidos dois religiosos proveni-, entes de outras tantas comunidades agostinhas 227 • Muito embora o priorado deste Vasco Afonso tivesse durado quinze anos, dele apenas conhecemos a doação que Afonso Pimenta fez ao mosteiro da igreja de S. Mateus , conjuntamente com o prazo que trazia da igreja de Santiago de Castelões (1453, Ago, 21, Braga) 22 ª.

3.1.15 - Diogo Gil Em 1457, D. Fernando da Guerra comissionou o chantre do cabido de Braga para confirmar o filho de Gil Afonso, cónego de Oliveira, como prior do mosteiro, no caso de Vasco Afonso renunciar a esta dignidade da qual ainda era titular 229 • "" A. N.T.T .. C. R., Santa Maria de Oliveira, caixa 94, maço 1, doe. 16. "'MAR QUES, José - A Arquidiocese de Braga no séc XV..., p. 742 . '" Esta mesma ideia encontra-se expressa em MARQUES, José - A Arquidiocese de Braga no séc. X V. p. 744. '"' A N.T.T., C. R., Santa Maria de Oliveira, cai xa 94, maço 1, doe. 18. "' Cf. os po ntos 1.3.12 e 1. 3. 13 deste capitulo. "" A.N .T.T. , C.R ., San ta Maria de Oliveira, caixa 94, maço 1, doe. 19. '~' A. D.B., Livro das Confirmações do arcebispo O. Fernando da Guerra , Registo Gera l nº 329, fl. 198.

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Efectivamente, estamos em crer que o cónego Gil Afonso gozava, ao tempo, de uma posição destacável na comunidade a que pertencia. A situação de procurador do mosteiro de Oliveira 230 conferiria-lhe-ia simultaneamente prestígio e poder, tendo em conta que iriam passar pelas suas mãos a maioria dos negócios da instituição. Assim, é possível que o estatuto deste monge tenha estado subjacente à escolha do futuro prior do mosteiro, explicitada nas determinações que o arcebispo de Braga enviou ao chantre do cabido primacial. Por um documento datado de 13 de Setembro de 1477, onde se refere o nome do anterior titular do priorado de Oliveira, conseguimos depreender o nome do filho de Gil Afonso, a saber, Diogo Gil. Do período correspondente à administração de Diogo Gil conhecemos a outorga de uma avença e amigável composição (1457, Maio, 17), estabelecida entre o prior e convento de Oliveira e os foreiros das herdades da Várzea (freguesia de Mogege) 231, bem como a de um emprazamento, em três vidas, de vários imóveis que o mosteiro possuía em Santiago de Castelões (1463, Jan., 3) 23 2 _

3.1.16 - Pedro Gonçalves

A administração deste prior pautou-se pela continuidade verificada ao nível da orientação da política de gestão patrimonial. Na verdade, dispomos de onze documentos para o priorado de Pedro Gonçalves, os quais se distribuem da seguinte maneira: - 8 emprazamentos 233 ; - 1 aforamento 234 ; - 1 acordo e amigável composição (estabelecido, em 1477, entre o prior e dois cónegos, em virtude das rendas das Igrejas de S. Paio de Figueiredo e Santa Maria de Vermoim) 235 ; - 1 sentença apostólica (datada de 1492, pela qual se condenam Lopo Fernandes e Catarina Brás, sua mulher, a entregarem ao mosteiro os frutos , dízimas e primícias que , apesar de serem leigos, colhiam na igreja de S. Miguel de Vila Cova) 236 •

'" A.N.T.T., C.R., Santa Maria de Oliveira, caixa 94, maço 1, doe. 14. '" A.N.T.T., C.R., Santa Maria de Oliveira, caixa 94, maço 1, doe. 20. '" A.N.T .T .. C.R., Santa Maria de Oliveira, caixa 94, maço 1, doe. 20. "' A.N .T.T., C. R., Santa Maria de Oliveira. caixa 94, maço 1, documentos 22, 24 .. 26, 28, 29, 30, 31 e 25, correspondendo este último a uma declaração de posse de um emprazamento a qual, logicamente, inserimos neste grupo. "" A.N.T.T., e. R., Santa Maria de Oliveira, caixa 94 , maço 1, doe. 27. '" A.N.T.T., C R., Santa Maria de Oliveira, caixa 94, maço 1, doe. 23 . '" A.N.T.T., C. R., Santa Maria de Oliveira, caixa 94, maço 1, doe. 32.

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Daqui se infere que, embora nove dos respectivos documentos - contratos de emprazamento e aforamento - estejam directamente ligados à gestão da propriedade, os restantes dois diplomas acabam por estar indirectamente ligados a esta temática, uma vez que respeitam a questões decorrentes da posse patrimonial e usufruto das respectivas rendas.

3.1.1 7 - Afonso Ribeiro

Deste prior nada sabemos a não ser que a 4 de Dezembro de 1500 tomou voz por Diogo Pinheiro que dizia ser a igreja de Cabanões anexa "in perpetuum" à de Santa Lucrécia, contrariamente a Diogo Gomes de Barros que reclamava a anexação da dita igreja à de Santiago de Outiz, da qual era vigário 237 •

Queremos advertir para o facto de esta ser a enunciação possível dos priores-mores de Oliveira, determinada pela informação que, dispersamente, fomos recolhendo. Uma vez apresentadas as mais relevantes vicissitudes da sua administração passemos ao estudo dos homens que governaram Santa Maria de Oliveira como comendatários.

3.2 - Os priores comendatários de Santa Maria de Oliveira: referências pessoais e orientações de gestão As comendas temporárias, sendo já conhecidas desde os tempos de Gregório Magno, só foram admitidas como perpétuas pela jurisprudência canónica a partir do século XIII e sempre visando o beneficiário (comendatário) e não o objecto encomendado (no presente caso, os mosteiros) 238 • No que concerne ao território português, os comendatários tidos como tal só surgem no séc. XV 239 , sendo a sua implantação nas instituições monásticas encarada como um autêntico flagelo que desembocou na ruína económica e espiritual das comunidades . A propagação desta teoria tem por base os relatos dos Cronistas das diferentes Ordens, que viam nos comendatários indivíduos de caráter duvidoso, cuja actuação era sistematicamente nociva às casas que administravam. Quer-nos parecer, todavia, que a generalização desta conduta poder-se-á apresentar como abusiva pois, situações há, em que a governação de comendatários se reveste do maior zelo, como são os

'" A.D.B., Confirmações do arcebispo D. Jorge da Costa, Registo Geral n2 331 , tis. 178 vº-179. " ' MATTOSO, José - Comendatários (Abades), in Enciclopédia Luso-Brasileira de Cultura , vol. 5, Lisboa, Editorial Verbo, pp. 1064-1065. ' "' Ibidem.

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casos de Mestre André Dias de Escobar, que assumiu esta titufatura no mosteiro de Rendufe 240 , ou de Frei João Álvares, comendatário de Paço de Sousa 241 • Convém, por isso, recorrer à análise pontual de cada procedimento, no intuito de, através da compilação de diversas monografias, se obter uma visão de conjunto relativa à administração dos comendatários nas variadíssimas casas religiosas em que se implantaram. Nesse sentido se orientou esta nossa contribuição, nomeadamente no que respeita à gestão económica dos comendatários que assumiram cenóbios agostinhos. Esta tarefa ficou facilitada, a priori, pela existência de um inventário das propriedades e respectivas rendas de Santa Maria de Oliveira, datado de 1504 242 , ano que corresponderá sensivelmente ao início da implantação da comenda neste mosteiro. É sobre esta análise que versarão os dois capítulos seguintes deste trabalho. Por ora, importar-nos-á, sobretudo, a caracterização geral dos priores comendatários que assumiram funções em Oliveira pelos finais da Idade Média e inícios da Idade Moderna. Neste sentido, e segundo a definição de Armindo de Sousa, por comendatário deve entender-se "aquele, que, independentemente de outras possíveis irregularidades, acedeu ao cargo com o fim prioritário de usufruir os respectivos benefícios materiais e sociais" 243 • Esta situação assume uma relevância particular quando se trata de encomendas eclesiásticas cujos usufrutuários, como adverte José Luis Santos Diez, "tenían gravada especialmente su consciencia por razón de su carácter sagrado" 2•• . Com base neste pressuposto, vejamos, então, quem e como foram os comendatários de Oliveira. Quadro nº 4 PRIORES-COMENDATÁRIOS DO MOSTEIRO DE OLIVEIRA NÚMERO DE ORDEM

NOMES

DATAS DO EXERCÍCIO DA COMENDA

1

Sixto da Cunha

1503? - 1552?

2

Pedro da Costa

1552? - 1563

3

Cristóvão da Costa Brandão

1563 - 1599

''° COSTA, António Domingues de Sousa - Mestre André Dias de Escobar, figura ecuménica do século XV, Braga, 1969, pp. 35 - 46. '"" Ibidem. '" A.N.T.T. , C. R., Santa Maria de Oliveira, B- 49-1 8. "' SOUSA, Armindo de - O mosteiro de Santo Tirso no século XV, in "Estudos Medievais", nº 1, Porto, 1981, p. 127. '" DIEZ, Jose Lu is Santos - La encomienda de monasterios en la corona de Castilla. Siglas X - XV, "Cuadernos dei Instituto Juridico Espaflol'', n2 14, Roma-Madrid, 1961, p.96.

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3.2.1 - Sixto da Cunha

Paralelamente à implantação das comendas em Santa Maria de O li veira, o mosteiro conheceu uma clara situação de nepotismo. Efectivamente, os seus três comendatários estavam ligados entre si por laços de parentesco, a saber, Sixto da Cunha era sobrinho-neto do Cardeal A/pedrinha 245 , que por sua vez era tio de Pedro da Costa 246 , o qual era familiar de Cristovão da Costa Brandão247 , que também esteve ligado por consanguinidade a Sixto da Cunha 248 • Nesta imbrincada teia, D. Jorge da Costa, o famoso cardeal A/pedrinha, apresenta-se como o grande ponto de referência. Fortunato de Almeida, ao descrever os benefícios e dignidades de que este cardeal esteve em posse incluiu o priorado de Oliveira 249 . Pese embora tal referência, no conjunto da documentação compulsada nada nos permite reiterar o usufruto desta titulatura por parte do referido cardeal, o que, a ser verdade, o tornaria no primeiro comendatário do mosteiro. Já no que respeita a Sixto da Cunha, não restam dúvidas acerca do efectivo exercício do cargo que deteve, seguramente, desde 1503 250 • Como há pouco mencionámos, são conhecidos os laços familiares que o uniam a D. Jorge da Costa, sendo que era neto de uma irmã do cardeal Alpedrinha 25 ', facto que não temos qualquer dificuldade em assumir como relevante, quiçá determinante, no processo pelo qual Sixto da Cunha fora nomeado para a comenda de Santa Maria de Oliveira. Efectivamente, é por demais conhecido o prestígio e influência angariados pelo cardeal Alpedrinha, quer a nível interno, quer externo (designadamente na Cúria Romana). Bispo de Évora, Faro, Ceuta e do Porto, a que acrescem os arcebispados de Lisboa e de Braga, foram apenas alguns dos benefícios e dignidades que este prelado teve. A estas adicionou, no território nacional, as comendas de sete abadias beneditinas, seis cistercienses, dez priorados de cónegos regrantes e sete deados; além-fronteiras, obteve o deado e chantrado de Burgos, uma abadia ,.,, GAYO, Manuel José da Costa Felgueiras - Nobiliário de Famílias de Portugal, tomo X, Braga, 1938, p. 168. "' ALMEIDA, Fortunato de - História da Igreja em Portugal (nova edição preparada e dirigida por Damião Peres), vol. 1, Porto, Portucalense Editora, 1930, p. 487. ' "' Cristovão da Costa Brandão era parente de Pedro da Costa "ex parte matris'', tal como é explicitado em ANTT, C. R , Santa Cruz de Coimbra, Maço VI , Livro 1, alm. 60, maço 14, nº 5 (não tem assinalado o respectivo fólio nem a data, apenas se sabendo que o livro em que está inserto remonta ao séc. XVI). '" Cristovão da Costa Brandão era filho de uma irmã de Sixto da Cunha (AHTT, Miscelâneas Manuscritas. n°1103, fl. 128 vº). ''" ALMEIDA, Fortunato de - O c., p. 486. "º Nas Miscelâneas Manuscritas a que nos temos referido (ANTT., Miscelâneas Manuscritas, nº 1103), a fólios 128 v•, refere-se que Sixto da Cunha assumira funções de comendatário pelos anos de 1448. Porém, tal informação parece-nos incorrecta na medida em que, ainda em 1500, Afonso Ribeiro surgia como " Dom prior de Ulfveira" (AD.B., Confirmações do arcebispo O. Jorge da Costa, Registo Geral nº 331 , fl. 179 v 0 ). No entanto, em 1503, D. Jorge da Costa confirmou a Sixto da Cunha a paróquia e igreja de S. Pedro de Gens com sua anexa de Sanlo Tirso (AD.B., Confirmações do arcebispo D. Jorge da Costa , Registo Geral n• 331, !Is. 187-187 v "). ''"' GAYO, Manuel José da Costa Felgueiras - O. e., p. 168. Sixto da Cunha era filho de Inês da Cunha e de Nuno Gonçalves, cuja mãe era irmã de D. Jorge da Costa. O autor apresenta, ainda , uma outra filiação para Sixto da Cunha a que alguns fazem menção, pela qual este seria filho bastardo de D. Simão da Cunha e de Catarina de Sequeira; Felgueiras Gayo adverte, no entanto, para a improbabilidade desta teoria, ao referir uma justificação de nobreza pela qual se confirma a sua tese.

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em Navarra e outra em Veneza, bem como diversos títulos cardinalícios adquiridos em Roma 252 • A acumulação destas titulaturas e respectivas rendas revelam, simultaneamente, o poderio do seu detentor, mas também a cupidez que lhe esteve subjacente. Cônscio da sua "mais valia" O. Jorge da Costa ter-se-á tornado numa figura arrogante e, ao contrário do que acontecera com D. Afonso V, D. João li não tinha grande afecto pelo cardeal. Isto mesmo é visível numa frase que o monarca lhe dirige, quando atravessavam uma ponte situada perto de Almeirim, em virtude de um passeio que ambos estavam dando: "a hum Cardeal tão mal ensinado, desagradecido e de má condiçam, mandá-lo tomar por quatro moços desporas e afoga/o em hum rio e dizer que cahiu e se afogou por desastre" 253 • Esta passagem expressa bem os sentimentos que o rei nutria em relação ao prelado. Todavia, o prestigio obtido por D. Jorge da Costa levou a que D. João li lhe pedisse perdão por escrito à hora da sua morte 254 . Todos estes factos nos levam a apreender o efectivo poder do cardeal Alpedrinha e, assim sendo, não temos qualquer prurido em pensar que a nomeação de Sixto da Cunha como primeiro comendatário de Oliveira terá resultado do" tráfico de influências" levado a curso pelo seu tio-avô. De qualquer maneira, esta situação é de somenos importância quando comparada com outras pelas quais D. Jorge da Costa elevou familiares seus aos mais destacados cargos eclesiásticos de Portugal 255 • Resta saber quais as repercursões desta realidade ao nível canónico e disciplinar, bem como do ponto de vista económico.

a) A gestão espiritual do cenóbio levada a curso por Sixto da' Cunha

Sixto da Cunha era natural de Alpedrinha. Tomou ordens menores em Braga, no ano de 1502, tendo sido abade de S. Pedro de Gens 256 • Consta que, num retrato que se mandou pintar para o retábulo da igreja de Oliveira, surgiu ornamentado com paramentos de clérigo 257 • Estamos, portanto, em presença de um indivíduo perfeitamente inserido na hierarquia eclesiástica secular mas, hipoteticamente, pouco sensibilizado para a ambiência claus-

"'' MAURÍCIO, Domingos - A/pedrinha (Cardeal de), in Enciclopédia Luso-Brasileira de Cultura, vol. 1, Lisboa, Editorial Verbo, 1963, pp. 1433·1436. "' Apud MENDONÇA, Manuela - O. João li. Um percurso humano e político nas origens da modernidade em Portugal, Lisboa, Editorial Estampa, 1991, p. 176. "" MAURÍCIO, Domingos - O. c., p. 1434. "' A titulo de exemplo citem-se os casos de D. Martinho da Costa e D. Jorge da Costa (homónimo do cardeal) , irmãos de D. Jorge da Costa, que ocuparam, respectivamente, as mitras de Lisboa e Braga, assim como Diogo da Costa e Pedro da Costa (este último, igualmente, comendatário do mosteiro de Oliveira). irmãos, sobrinhos do cardeal Alpedrinha , que assumiram o bispado do Porto (AIMEIDA, Fortunato de - O. c.. p. 487). "~ GAYO, Manuel José da Costa Felgueiras - O. c .. p. 168 e A.D.B., Confirmações do arcebispo O. Jorge da Costa, Registo Geral nº 331, fls. 187 e 187 vº . '" A.N.T.T., C. R., Santa Maria de Oliveira. B- 49 - 13, fl. 41 vº.

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trai. Provavelmente, este facto favoreceu um certo relaxamento na prática espiritual e litúrgica patenteada no cenóbio que dirigia. Através de uma visitação de 1528, percebemos que no mosteiro de Oliveira se chegou ao ponto de não ser rezado o ofício divino, às horas para isso determinadas, ao que acresce o incumprimento na celebração das procissões que percorriam o claustro todos os Domingos, Segundas-Feiras e dias de festas solenes 258 • A frouxidão dos costumes leva mesmo a que os frades de Oliveira sejam incluídos na casta de monges "vagabundos", designação que impendia sobre os religiosos que se ausentavam dos respectivos mosteiros como e quando queriam, sem requisitarem para isso a anuência dos seus superiores 259 • Parece-nos, todavia, que mais grave que todas estas foi a acusação segundo a qual havia um total desconhecimento da Regra por parte dos religiosos da casa 260 • Estes dados, "per se" permitem-nos imediatamente inferir da falta de gestão espiritual do comendatário de Oliveira o que, à partida, nos proporciona uma ideia base do perfil psicológico de Sixto da Cunha. A confirmação da sua precária formação moral surge-nos na relação ilícita entabulada com Maria de Araújo, relação da qual nasceu uma considerável prole, a que adiante faremos referência. Quem foi Maria de Araújo? Felgueiras Gayo aponta-a como filha de Francisco ou Fernão Rodrigues de Araújo, o qual fora cónego de Braga, depois de enviuvar de uma senhora galega 261 • Maria de Araújo foi casada com Rodrigo Neto de quem enviuvou sem descendência 262 • Ligou-se a Sixto da Cunha, de quem teve dez filhos conhecidos, a saber: David da Cunha, Calisto da Cunha, Pascoal da Cunha, Genebra da Cunha, Helena da Cunha, Joana da Cunha, Maior da Cunha 263 , Estevão da Cunha, Duarte da Cunha e Luís Álvares da Cunha 264 • Os sete primeiros foram legitimados por D. Manuel 1, a 1 de Abril de 1516 265 , aí sendo designados como filhos de "Sisto da Cunha comendatario do moeste iro d' Oliveira (. ..) e de Maria d' Arraujo molher solteira ao tempo de sua nacença" 266 • Esta citação prova-nos logo que: 1. fora efectivamente na condição de prior-comendatário de Oliveira que Sixto da Cunha criou a sua descendência; 2. Maria de Araújo, à data, já tinha enviuvado de Rodrigo Neto uma vez que é mencionada como mulher solteira.

"" SOARES, António Franklin Neiva - Os mosteiros da comarca do Entre -Douro -e-Lima em 1528, in "Bracara Augusta". vai. XLI. números 91-92 , Braga , 1988-1989, pp. 114-115. '~" SOARES, António Franklin Neiva - O. c., p. 11 6. "" SOARES, António Franklin Neiva - O. c., p. 115. "'GAIO, Manuel Jos é da Costa Felgueiras - O. c.; p. 168. '"Ibidem. '~' Todos estes nomes estão assinalados em A.N.T.T. , Livro de Legitimações, nº 3, fl s. 210-2 11 . "'" A referência a estes últimos três nomes surge-nos em GAYO, Manuel José da Costa Felgueiras O. e., p. 168. " '' A.N.T.T., Livro de Legitimações, n° 3, fls. 210-211. ''" Ibidem.

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Servem estas duas conclusões para apresentar um outro relato acerca da união de Sixto da Cunha e Maria de Araújo, relato este que poderá assumir aspectos complentares relativamente aos já descritos. Assim, temos notícia que "Sixto da Cunha furtou huã freira que seus pais levavam do mosteiro pera convaleser em Braga passando pella Ponte das Cervas junto do mosteiro de Oliveira e dei/a teve muitos filhos e filhas entre os quaes foi Estevão da Cunha. E sempre steve esta manceba fechada de pedra e cal por baixo e servia se por dentro do mosteiro. E sendo buscada a não acha vão per justiça e per ordem d'el Rei porque a metia na logea per huã taboa que levantava em sima da qual par he huã arca grande. E inda na logea tinha um covil onde se escondia e ai esteve ate que morreo e e/la fiqou nella e se foi pera a igreja de Negre/los que seu filho conta individualmente" 261 . Sugeríamos, atrás, ser esta narração complementar às informações ministradas por Felgueiras Gayo, o que toma sentido se considerarmos que Maria de Araújo , uma vez viúva e sem filhos, terá professado num qualquer cenóbio situado a sul de Oliveira (uma vez que atravessou a Ponte das Cervas para se dirigir a Braga 268 ), de onde se retirou rumo à cidade dos arcebispos a fim de, junto a seus pais, convalescer de uma qualquer enfermidade, quando foi raptada pelo comendatário. Queremos, no entanto, sublinhar que esta é apenas uma conjectura possível e só assim deverá ser encarada. Como quer que fosse, um aspecto ficou claro, especialmente com este segundo depoimento: Sixto da Cunha era um homem voluntarioso e de formação moral, no mínimo, duvidosa. Em que medida os seus traços de carácter se repercutiram na gestão patrimonial de Santa Maria de Oliveira é o que intentamos apreender no final deste trabalho. Contudo, não resistimos a avançar com alguns dados que nos permitem obter uma visão sumária do comportamento deste comendatário no que concerne às decisões económicas que envolveram os direitos do mosteiro.

"' A.N.T.T., C. R. , Santa Cruz de Coimbra, Maço VI , Livro 1, Alm. 60, Maço 14, nº 5 (este relato encontra-se no verso de um fólio que não tem assinalado o respectivq número nem a data, apenas se sabendo que o livro em que esta inserto remonta ao séc. XVI). " ' Note-se que ainda hoje existe esta Ponte das Cervas que fica situada a norte do mosteiro de Oliveira, ligeiramente acima de Gondar.

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b) Aspectos preliminares da gestão económica de Sixto da Cunha

Já em 1528 se queixavam os cónegos de Oliveira de o comendatário os não deixar administrar os bens do convento, chegando ao ponto de lhes sonegar as entradas e lutuosas dos casais, tributações que lhes eram devidas 269 . A cupidez de Sixto da Cunha volta a assumir expressão documental quando, ainda em posse da comenda de Oliveira, concedeu ao seu filh o, Estevão da Cunha, uma pensão vitalícia de vinte mil reai s, subtraídos aos "fructos e rendas do dito mosteiro" 21º. Posteriormente, sendo já comendatário Pedro da Costa, Sixto da Cunha, na qualidade de procurador do então titular da comenda, voltou à temática ao requerer ao bispo 211 que transformasse a referida pensão num emprazamento em três vidas, recaíndo a primeira em Estevão da Cunha 272 . Argumentou, para o efeito , que o mosteiro se encontrava muito onerado com o encargo destes vinte mil reais, pelo que foi pedida a aprovação do Papa Paulo 111 , que nomeou juízes apostólicos incumbidos de averiguarem as circunstâncias do contrato de forma a que a instituição monástica não tosse prejudicada 273 • Apurados os factos , o empraza mento acabou por tomar forma legal em 1552 274 • Contudo , parece que os interesses do cenóbio agostinho não foram devidamente salvaguardados , pois o convento pediu a anulação deste prazo alegando, entre outras causas : - ter-se omitido , na súplica papal, a condição de ilegítimo de Estevão da Cunha, o que o tornava "incapaz de bens eclesiasticos" 275 ; - o prejuízo que constituía para as finanças de Oliveira a reconversão de uma pensão vitalícia num prazo em três vidas e de nomeações 276 o que , obviamente, alargava o leque temporal do contrato que, na prática, de uma vida (contemplada na pensão vitalícia) passou para três 277 ; - o facto de o mosteiro ter ficado "muito mais carreguado e agravado por lhe levarem muito mais do que importava a pensam "21ª;

'"' SOARES , António Franklin Neiva - O. e., p. 111. "" A.N. T.T., C. R.. Santa Maria de Oliveira, B- 49 - 13, fl. 1 "'Apesa r do docum ento (cf. a nota seguinte) não especifica r quem era este prelado, julgamos tratar-se do pri maz de Braga, uma vez qu e era sob a alçada da su a arquidi ocese qu e se encontrava inserido o mosteiro de Oliveira. '" A.N.T.T., C. R., Santa Cruz de Coimbra, Maço VI, Livro 1, Alm. 60 , Maço 14, nº 5 (o documento não tem assin alado os resp ectivo s fólios e data, apenas se sabendo que o livro em qu e está inserto remonta ao séc. XVI) . "' Ibidem. ' " A.N.T.T., C. R., Santa Maria de Oliveira, B- 49 - 13, fl.1.7 215 A.N.T.T., C. R., Santa Maria de Oliveira, B- 49 - 13, 11. 1 v2 e A. N.T.T., C. R., Santa Cruz de Coimbra , Maço VI, Livro 1, Alm. 60, Maço 14, nº 5 (veja-se o que, sobre este docu mento, deixámos escrito na nota 279). "';Ibide m. 2 " Disto se queixavam os monges ao referir que o prazo não foi feito "em evidente proveito do mosteiro antes em muito danno e perjuizo porque a pensam dos vinte mil reais era em vida de Estevão da Cunha soomente e o prazo ser feito em tres vidas e de nomeações" (A.N.T.T., C. R., Santa Cruz de Coimbra, Maço VI , Livro 1 Alm. 60, Maço 14, nº 5. Recordamos que este documento não tem assinalados os respectivos fólios). " ' Ibidem.

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- Sixto da Cunha ao propôr a troca da pensão pelo emprazamento teve em conta, sobretudo, os interesses do seu filho, arrecadados à custa da delapidação financeira da instituição monástica que regera 21• ; - por último, acusava-se Estevão da Cunha de ter manipulado os depoimentos dados pelas testemunhas aos pregoeiros do prazo, que diziam "tudo quanto faziam era contra sua conséiencia" 200 • Por tudo o que ficou expresso pode-se concluir que Sixto da Cunha, como aliás era apanágio da maioria dos comendatários coevos, procurou extorquir deste benefício o máximo de compensações materiais, para si e para os seus descendentes, como se comprovou com Estevão da Cunha mas, também, com Calisto da Cunha, como passaremos a demonstrar.

3.2.2 - Pedro da Costa Este clérigo foi o segundo prior-comendatário do mosteiro de Oliveira, cargo que assumiu pela renúncia que nele fez Sixto da Cunha 281 • Era intenção deste último que D. Pedro da Costa abdicasse da comenda em favor de Calisto da Cunha. Como é óbvio Sixto da Cunha socorreu-se deste processo para garantir a sucessão de seu filho no priorado de Oliveira, uma vez que a transmissão do benefício não seria possível porquanto a condição de bastardo adscrita a Calisto da Cunha o impediria de poder herdar a comenda de seu pai . D. Pedro da Costa pactuou nesta trama que, porém , viria a gorar-se com a morte de Calisto da Cunha, verificada aquando da viagem que fez a Roma com a intenção de "impetrar o mosteiro em cavaleirato" 282 • Em face disto e dada a ausência de D. Pedro da Costa, na altura em Castela, foi novamente Sixto da Cunha quem assumiu o governo do mosteiro, agora como seu procurador e feitor 283 • Daqui ressalta o absentismo de D. Pedro da Costa, o que coincide com outra das características dos comendatários da época. Pese embora tal facto, este prelado encontrou ensejo bastante para proceder a melhorias no edifício , patenteadas, como já deixámos escrito, na reconst rução do claustro, datada de 1556 284 •

"' Ibidem. '"' Ibidem. ''" Ibidem D. Pedro da Costa deve ter assumido a comenda de Oliveira po r volta de 1552, ou seja, imediata· mente antes de Sixto da Cunha ter conseguido o prazo em favor do seu filho Estevão da Cunha, o que fez na qualidade de procurador do segundo comendatário de Oliveira , ausente no seu bispado de Castela (ibidem). "' Ibidem. " ' Ibidem. " ' Ibidem.

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3.2.3 - Cristovão da Costa Brandão Foi o terceiro e último prior-comendatário de Oliveira. Por morte de O. Pedro da Costa (1563 285 ) assumiu o priorado do mosteiro 2 ª6 , dignidade

que desempenhou até à morte (1599), após o que a instituição, à luz da política reformadora da Ordem, passou a integrar a Congregação de Santa Cruz de Coimbra 287 • Mais tarde, em 1612, o mosteiro de Santa Maria de Oliveira foi "unido in perpetuum' ao de s. Vicente de Fora por Bula do Papa Paulo V 288 • ***

No seu cômputo global, são parcos os dados alusivos aos homens que estiveram à frente dos destinos do cenóbio. Pese embora tal facto, não gostariamos de terminar este primeiro capítulo sem tecer algumas considerações gerais acerca da sua vigência no mosteiro, encarada agora sob uma prespectivação global. Assim , reunidos os quadros nQ 3 e 4 e excluídas as referências a O. Antão e O. Mendo uma vez que se apresentam cronologicamente isoladas 289 , elaborámos uma representação gráfica dos governantes de Oliveira, tivessem eles assumido funções na qualidade de priores-mores ou de comendatários (cf. o gráfico nQ 1 da página seguinte).

' "°CUNHA, Dom Rodrigo da - Catálogo dos bispos do Pano, Porto, 1742, p. 198. " " A.N.T.T., Santa Cruz de Coimbra, Maço VI, Livro 1, Alm . 60, Maço 14, n• 5 (sem indicação de fólio). "' A.N.T.T. , Miscelâneas Manuscritas, nº1103, tis. 123 vº- 124 e 128 vº; SANTA MARIA, Dom Nicolau de - O. e., pp. 318 e 385 e MÁRTIRES, Frei Timóteo dos - O. e., tomo Ili, p. 145. Na realidade, Santa Maria de Oliveira integrou a lista dos dez mosteiros que, em 1594, o Papa Clemente VIII consentiu foss em unidos a Santa Cruz para serem reformados (Mártires , Frei Timóteo dos - O. e., tomo 1, pp . 97-99 e SANTA MARIA. Dom Nicolau de O. c., pp. 383-384). Não obstante, esta instituição monástica só integrou a Congregação de Santa Cruz de Coimbra em 1599,ou seja, depois da morte de Cristovão da Costa Brandão. ' "" A.N.T.T., Misce/âneas Manuscritas, n2 1103, li. 124. '" D. Antão é assinalado em 1033 e D. Mendo em 1168, sendo que só voltamos a ter referência de outro prior-mor em Oliveira no ano de 1266, data a partir da qual nos é passivei pistar uma lista minimamente contínua dos prelados principais do mosteiro. Por isso mesmo, decidimos ignorar os dois primeiros nomes na elaboração do gráfico n• 1, uma vez que eles nos surgem como referências pontuais sem qualquer expressão numa análise temporal dilatada que se pretenda minimamente sistemática.

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Gráfico 1 RESPONSÁVEIS PELO MOSTEIRO DE OLIVEIRA ( 1250-1600 )

Cristovão da Costa Brandão Pedro da Costa

• 1450• _ _ _ _...,João Afonso Gonçalo Vasques

~;--...._

1-----~

Gonçalo Eanes

1400• 1 - - - - - - - 1 João Esteves

~-- Francisco Miguel 1350 •lHiimmiiimlF=~ Lourenço Viegas

Estevão Pires 1 - - - - - - - - 1 Martim Domingues

1300 •

Fernando Pires Coelho

1--------< Domingos Pires

~ Cronologia da comenda

li

Cronologia do priorado Assinalado no ano

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Admitindo que a estabilidade governativa desta instituição esteve directamente relacionada com a conjuntura socio-económica, tendo esta eco no número de responsáveis pelo mosteiro atestados para períodos de cinquenta anos - leque temporal adoptado para análises de índole conjuntural - verificamos os seguintes resultados: a) 1250 - 1299 = 2 (priores) b) 1300 - 1349 = 2 (priores) c) 1350 - 1399 = 3 (priores) d) 1400 - 1449 =5 (priores)* e) 1450 - 1499 = 3 (priores)* f) 1500 - 1549 = 2 (um prior e um comendatário) g) 1550 - 1600 = 2 (comendatários) * Em ambos os quinquénios contamos o nome de Vasco Afonso que governou o cenóbio de 1442 a 1457. Assim se vê claramente que, no que concerne à administração do mosteiro, a fase mais buliçosa se verificou na primeira metade do século -XV, fazendo-se contudo anunciar no período precedente e repercutindo-se ainda na segunda metade de Quatrocentos. A estabilidade verificada entre 1250 e 1349 só voltou a ser alcançada no século XVI, ou seja, quando o priorado passou a comenda. Todavia, não nos parece que esta fosse a única causa explicativa para o facto, pois se era mais complicado afastar um comendatário da administração do mosteiro, dado que este dificilmente abriria mão dos seus benefícios, a verdade é que quando se instalaram as comendas em Oliveira estavam já debelados os anos fulcrais da crise que, um pouco por toda a parte, se fez sentir nos séculos XIV e XV. A paulatina recuperação economico-demográfica aliada à implantação do regime de comendas proporcionou a Oliveira recobrar o equilíbrio, acarretando um facto sem precedentes documentáveis, a saber, a governação do mosteiro levada a efeito por um mesmo homem durante um período de cerca de cinquenta anos . Este homem foi Sixto da Cunha e é sob os seus auspícios governativos que, nos capítulos subsequentes, iremos analisar o estado económico da instituição.

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CAPÍTULO li

UM PATRIMÓNIO AGOSTINHO NO DEALBAR DO SÉCULO XVI

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1 - ASPECTOS RELEVANTES DA FONTE UTILIZADA

"Os historiadores apresentam-nos, do passado, sistemas excessivamente completos, séries de causas e efeitos exactos e claros de mais para terem sido alguma vez inteiramente verdadeiros ". (Marguerite Yourcenar - Memórias de Adriano)

Sensibilizaram-nos, sobremaneira, as palavras que M. Yourcenar colocou na boca do imperador Adriano, tanto mais que julgamos incontestável a sua aplicabilidade ao tipo de análise que, a partir de agora, nos propomos elaborar. Sendo nossa intenção captar o estado económico do mosteiro de Oliveira em finais do século XV, inícios do XVI, estamos cientes de que, por mais rigoroso e verosímil que seja o nosso estudo, ele apresenter-se-á sempre e necessariamente como uma aproximação à realidade. Para tanto, muito contribuiu o tipo de fonte a que lançamos mão, a saber, a compilação do cadastro da propriedade e respectivas rendas de Santa Maria de Oliveira, organizadas em dois tombos, ambos datados do ano de 1504 1 • Não invo-

'A.N.T.T., C.R., Santa Maria de Oliveira, B- 49-18. Como já haviamos dito, no início deste trabalho, ambos os tombos apresentam a mesma cota embora um se reporte ao arrolamento das propriedades do mosteiro e o outro aluda às rendas pagas pelas mesmas (este último é o chamado Tombo Velho). Cf. nota 2 do 1° cap.

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cando já a própria perspectiva unilateral inerente à fonte, uma vez que esta apenas nos transmite a visão do pleno detentor da propriedade e nunca a do titular do domínio útil - o que não julgamos significativo porquanto é comum a todas os registos do género - salientamos, contudo, o carácter sintético das informações veiculadas, alusivas a um momento histórico preciso. Isto equivale a dizer que a documentação nos fornece uma espécie de "fotografia" relativa a determinada realidade centrada na data em que foi elaborada possibilitando, sobretudo, uma obseNação meramente sincrónica da conjuntura. Esta é uma verdade válida para a generalidade dos inventários patrimoniais. Não obstante, no presente caso, apesar dos testemunhos datarem dos alvores de Quinhentos, aí se alude a fenómenos francamente conotáveis com a ambiência medieval do mosteiro, o que se depreende da forma e teor dos registos. Note-se que a elaboração sistemática deste tipo de inventário, semelhante à de um caderno de contabilidade onde apenas toma forma a coluna dos créditos sem a correspondente menção dos débitos, se generalizou na segunda metade do século XV e na centúria subsequente 2 • Segundo Oliveira Marques "a própria crise obrigou a uma fiscalização aturada de bens e rendimentos" 3 que se materializou na feitura dos chamados tombos, onde se vislumbram "formas mais claras e rigorosas de apresentação, permitindo apuramentos rápidos e fáceis' 4 • Daqui se depreende o carácter eminentemente prático que presidiu à elaboração destes róis, cujo intuito determina a sua própria apresentação. Trata-se, assim, de uma compilação de pequenos assentos que resumem, no essencial, o teor dos contratos agrários (aforamentos, emprazamentos ou arrendamentos 5 ) que, muitas vezes, teriam por sustentáculo tão somente um compromisso verbal. Esta prática de arrolamento, pela sua funcionalidade e eficiência, manteve-se muito para além da

'MARQUES, A. H. de Oliveira - Portugal na crise dos séculos XIV e XV.. ., pp. 71-74. A comprovar esta preocupação dos senhores no sentido de registarem os seus haveres surge-nos o depoimento de Maria Helena da Cruz Coelho concernente as propriedades régias e eclesiásticas do Baixo Mondego (COELHO, Maria Helena da Cruz - O Baixo Mondego nos finais da Idade Média .. ., vol. 1, pp. 93-98) 0 Marques, A. H. de Oliveira - Portugal na crise dos séculos XIV e XV.... p. 72. 'Ibidem. '' Mário Júlio Brito de Almeida Costa, com base na terminologia patente nas Ordenações Afonsinas, designadamente no Livro IV, titulo li, parágrafo 13; titulo XII, parágrafo 1; título LXXX e Livro V, titulo li , parágrafo 32 , assume como sinónimos os termos emprazamento, aforamento, enfiteuse e foro ou prazo (COSTA, Mário Júlio Brito de Almeida - Origem da Enfiteuse no Direito Português. Coimbra, Coimbra Editora. 1957, p. 177). O autor, nessa mesma obra, a páginas 199-200, chega a afirmar categoricamente "Sob o ponto de vista da duração o aforamento pode ser perpétuo ou temporário; e este, por período certo de dez anos ou mais, ou de vidas, sem que a lei fixe, no ultimo caso, limite algum para o numero de pessoas". Por seu turno, Maria Helena da Cruz Coelho sistematiza o aforamento como o tipo de contrato estabelecido a titulo perpétuo, o emprazamento aquele que tem uma duração em vidas (mormente em núm ero de três para a região do Entre-Douro-e-Minho), sendo finalmente o arrendamento válido apenas por alguns anos (COELHO, Maria Helena da Cruz - O Baixo Mondego nos finais da Idade Média .. ., vol. 1, p. 295, nota 2). Em abono desta definiçao conceptual surge-nos o depoimento de Rui Cunha Martins que, tendo igualmente estudado a região do Baixo Mondego, constata na documentação monástica de Semide uma terminologia que vem corroborar o tipo de periodicidade dos contratos agrários de locação estabelecido pela autora atrás mencionada (cf. MARTINS, Rui Cunha - Património, parentesco e poder. O mosteiro de Semide do século XII ao século XV, Lisboa , Escher, 1992, p. 173).

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época de crise reportável aos séculos XIV e XV e julgamos terem sido precisamente estas características que levaram Sixto da Cunha a providenciar 0 inventário do património e rendas de Santa Maria de Oliveira. Não podemos esquecer que este prelado dirigia o mosteiro na qualidade de prior-comendatário e, como tal, tinha todo o interesse em conhecer de forma precisa não só as suas propriedades como, sobretudo, o montante das rendas que essas lhe poderiam proporcionar. Talvez seja essa a razão pela qual no tombo da propriedade se distingue claramente o que pertencia à mesa do prior e o que integrava a mesa conventual ; talvez fosse igualmente por isso que hoje temos a sorte de possuír, para um mesmo período e referente aos mesmos títulos de propriedade, os quantitativos das respectivas rendas. Debrucemo-nos , de momento, apenas sobre os títulos de propriedade, tendo em conta que no Capítulo Ili procuraremos estudar o mecanismo das rendas e sua relação com os bens a que estavam associadas. Comecemos por aludir à forma como foi descrito o património. Em primeiro lugar, surge-nos o "assento do mosteiro" 6 que corresponde ao domínio de exploração directa de Santa Maria de Oliveira, conforme descreveremos adiante (no ponto 3.A). Seguidamente, é-nos listado todo o património cuja exploração foi entregue a outrém, através dos seguintes itens: 1) Freguesia em que está inserido; 2) Designação do título de propriedade; 3) Descrição das parcelas que constituem cada um dos títulos de propriedade. Na enumeração destas parcelas há um facto que convém mencionar: não existe uma correspondência absoluta entre o número de parcelas e a quantidade de elementos nela integrados. Assim, por exemplo, no casal de S. Cristovão à "parcela 1" correspondem uma cozinha, uma adega, um lagar e um quinteiro de gado " tudo colmaço" 1 , à "parcela 2" a "auguoa de guarida"ª , à "parcela 3" as " latas" 9 e à "parcela 4" uma "eira com um campo" 10 . Cada parcela é individualizada das demais pela introdução de um parágrafo que começa sempre com um "Item". Por opção metodológica decidimos manter esta estrutura descritiva pois parece-nos que, deste modo, diminuímos as probabilidades de desvirtuar a fonte e, concomitantemente, assumimos como própria a lógica interna subjacente à elaboração do tombo.

"A.N.T.T., C. R., Santa Maria de Oliveira, B· 49 ·18, ti 2-3. ' A.N. T.T., C. R. , Santa Maria de Oliveira, B· 49 -18, fl 3. " Ibidem. ' Ibidem. " Ibidem.

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Falamos de lógica interna porque julgamos que, efectivamente, ela é inerente à individualização das parcelas, se não vejamos e socorrendo-nos novamente do exemplo apontado: na "parcela 1" engloba-se o conjunto da casaria, que constitui um bloco diferente do da "parcela 2" correspondente ao direito das águas, o qual é díspar do núcleo que integra a "parcela 3" ocupada por !atadas e da "parcela 4" composta pela eira que tinha associado um pedaço de campo, entrando-se assim na zona de cultivo agrícola. Ficamos, desta forma, com uma descrição que se faz do centro para a periferia, em que os componentes de cada parcela estão agrupados pela sua qualidade e funcionalidade, tendo sempre como ponto de referência o centro da propriedade que, as mais das vezes, corresponde à cabeça do casa/ 11 • Para cada uma das parcelas é-nos indicado, em regra, o seguinte: a) Um conjunto de especificidades destacando-se a quantidade de "carros de esterco" necessários para a sua fertilização, a existência de videiras e a sua produtividade média, bem como dos terrenos aproveitados' para o cultivo da vinha, a quantidade de árvores de fruto existentes e, mais raramente, o montante de alqueires de semeadura necessários à produção. Estamos em crer que esta última referência é mais rara porque, pela quantidade de semeadura, se pretendeu avaliar mais a dimensão da parcela do que, propriamente, a capacidade produtiva da mesma. Ora como o mesmo raciocínio se pode aplicar à menção do número de "carros de esterco" frequentemente indicados para cada courela, tornar-se-ia redundante a enumeração destes dois "índices" 12 • b) A confrontação minuciosa de cada uma das parcelas. Desde já queremos advertir que, no cômputo global, negligenciamos este tipo de informação porque, dada a forma detalhada com que esta nos é oferecida - aludindo à mais imbrincada microtoponímia - a sua análise aturada em muito ultrapassaria o âmbito deste estudo. Contudo, é de referir que temos notícia de confrontações patrimoniais decorrentes da partilha de propriedades efectivada entre o mosteiro de Oliveira e entidades que, de um modo informal, poderíamos designar por "vizinhança de renome". Assim, por exemplo, o cenóbio em questão possuía metade de uma bouça no casal do Outeiro, sendo a outra metade pertença do mosteiro de Santo Tirso 13 ; partilhava, igualmente pela metade, com este mosteiro uma horta de macieiras 14 ; o mesmo aconte-

" A propósito cf. GONÇALVES, Irra· Da esrrurura do casal nos fins da Idade Média, in "História e Critica", nº 7, Março, Lisboa, 1981, pp. 64 - 70. "Igual lógica preside à indicação, menos frequente, do número de "homens de cava" necessários ao amanho de determinadas parcelas. Esta menção, nos assentos em que aparece, nunca é acompanhada pela referência ao montante de "carros de esterco" ou "alqueires de semeadura" "A.N.T.T., C.R ., Santa Maria de Oliveira, B- 49-18, fl. 33 v0 . "A.N.T.T., C.R., Santa Maria de Oliveira, B· 49-18, fl 70 v2

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eia relativamente a um cortelho dividido com o mosteiro de Santiago de Antas 1 5, que era proprietário do campo de Sub-Guimarães onde o mosteiro de Oliveira detinha uma leira 16 ; repartia com a colegiada de Guimarães a junqueira da Lameira, que "nom he senam pera bois" 11 ; detinha um talho de vinha com um pedaço de devesa num casal do mosteiro de Tibães 1ª; no casal de Oliveira o mosteiro usufruía de dois terços das "alquevadas" 19 sendo o outro terço do domínio do mosteiro de Leça 2 º; nos Talhos de Unhares, que eram de Roriz, o mosteiro de Oliveira possuia um cortelho 2 1 ; quanto ao casal do Sobrado ele era repartido em partes iguais pelo convento de Oliveira e pelo mosteiro de Refojos 22 • Bastam os exemplos citados para comprovar os casos de confrontações enquadrados pela partilha de património, numa lista que, a ser exaustiva, se tornaria bastante longa. Mas estes são somente aqueles senhores com quem Oliveira dividia inequivocamente terras e poderes. Muitas mais são as entidades explícitas 23 ou anónimas com cujos terrenos lindavam as pertenças do mosteiro . Estamos, como seria de esperar, perante uma situação de minifúndio levado ao extremo, se bem que , na prática, a convivência deve ter sido geralmente pacífica pois não encontrámos , no âmbito do contencioso de Oliveira, qualquer prova em contrário. Desta forma, desistimos do estudo específico da confrontação patrimonial de Oliveira, excepção feita ao caso da circunscrição que englovava a reserva do mosteiro que apresentaremos ainda neste capítulo (quadro nº 5). c) Finalmente, aponte-se a frequente referência à forma como se fez a delimitação da propriedade , materializada em três grandes padrões: "valada" , "cerrada sobre sy"e "marcada por marcos". A maneira como se cercavam as parcelas variava entre a utilização de elementos naturais (uveiras, sebes, árvores, etc.) e a construção de barreiras artificiais (como sejam as

'' A.N.T.T., C.R., Santa Maria de Oliveira, B· 49-18,, fl. 34. "A.N.T.T. , C.R., Santa Maria de Oliveira, B- 49-18 ,, fl. 35. " A.N.T.T., C.R., Santa Maria de Oliveira, B- 49-18 ,, fls. 42 e 42 v0 . " A.N.T.T., C.R., Santa Maria de Oliveira, B- 49-18 ,, fl. 47. " A.N.T.T. , C.R., Santa Maria de Oliveira, B- 49-18, li. 65. O termo alquevarequivale ao de alqueivarque significa deixar uma terra sem semear mas não sem lavrar, lavra esta que tem por intuito conservar a força produtiva do solo (cf. SILVA, António de Morais - Grande Dicionário da Língua Portuguesa, 10' edição, vai. 1, Lisboa , Editorial Confluência, 1949, pp. 675 e 676 e, também , MARQUES, A. H. de Oliveira - Introdução à História da Agricultura em Portugal.. ., pp. 92-93). '" A.N.T.T .. C.R., Santa Maria de Oliveira, B- 49-18 , li. 65. " A.N.T.T. , C.R., Santa Maria de Oliveira, B- 49-18 , fl. 71. " A.N.T.T. , C.R., Santa Maria de Oliveira, B- 49-18 , fl. 94. " A título exemplificativo refira-se a leira da quinta de Valmelhorado que lindava com uma leira do casal do Ribeiro, sendo este pertença do mosteiro de Requião (A.N.T.T., C.R., Santa Maria de Oliveira, B- 49-18. fl. 20) ou, ainda, o casal de Oliveira, situado na aldeia de Formoselos, concelho de Ribeira de Pena , cujas parcelas confinavam ora com propriedades do mosteiro de Arouca ora com terras do Conde de Cantanhede (A.N.T.T., C.R., Santa Maria de Oliveira, B- 49-18, fls. 60 e 60 vº). Paradigmática é, todavia, a situação dos casais de Vilar-Chão, cujas courelas entestavam com terras de Santo Tirso , Roriz, S. Simão da Junqueira e Vairão (A.N.T.T.. C.R., Santa Maria de Oliveira, B- 49-18. fls. 70 v"-72 v").

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paredes e muros). Estas fórmulas podem ser utilizadas individualmente ou coincidirem numa mesma courela 24 • Pelo exposto , rapidamente se depreende que o Tombo das propriedades de Santa Maria de Oliveira, embora apresente uma informação variada, nos deixa sem resposta face a questões tão fulcrais como a de saber qual o nível de ocupação humana das diferentes propriedades 25 , assim como a superfície que efectivamente ocupavam 26 • Não obstante, são muitas as realidades que a fonte deixa vislumbrar e é na mira do seu esclarecimento que damos continuidade ao nosso labor.

2 - A DISPERSÃO DO PATRIMÓNIO A ocupação de um determinado meio físico constitui , no dizer de Garcia de Cortázar, o primeiro passo em ordem à "transformação de um espaço geológico em espaço geográfico, com uma estrutura defenida de habitat e de paisagem agrária" 21 • Com efeito, a paisagem agrária medieva foi profundamente condicionada pelos caracteres geomorfológicos do espaço aproveitado , porquanto o escasso desenvolvimento tecnológico em nada contribuía para a rentabilização plena dos solos e, concomitantemente, para o desenvolvimento das potencialidades económicas inerentes aos mesmos 2ª. Assim,

" Como exemplo refira-se que no casal do Souto, situado na freguesia de Santo Estevão de Cantelães, existia um campo denominado campo redondo o qual era "todo sobre sy cerrado per parede e vai/o e sebe" (A.N.T.T., C.R., Santa Maria de Oliveira, B- 49-18, fl. 61 vº). "' Efectivamente, apenas 12 dos 115.5 títulos de propriedade onerados referem o nome do enfiteuta (A.N.T.T. , C.R ., Santa Maria de Oliveira, B· 49-18, fls. 23 vº, 26, 44 v2 , 45 v0 , 54, 60 vº, 67, 69 v0 , 81, 81 vº, 83 e 88). No entanto, em dois destes casos nem sequer podemos determinar se os foreiros vivem no casal, ou apenas o amanham e residem noutro local. Assim. alude-se ao "casal de Vasco Abril que ora traz Joham de Gastei/aos" (A.N.T.T., C.R ., Santa Maria de Oliveira. B- 49-18, li 23 vº). Nesta situação julgamos que uma de duas realidades está presente: ou Vasco Abril deteve efectivamente o domínio utíl do casal que subcontratou a João de Castelões, ou o próprio título de propriedade assumiu a designação de um antigo enfiteuta ficando assim conhecido pelo "casal de Vasco Abril". O segundo registo a destacar é aquele em que se menciona o casal do Outeiro "em que~ Joham Romãa "(A.N.T.T., C.R. , Santa Maria de Oliveira, B- 49-18, li. 45 vº). Na verdade não sabemos se João Romão apenas habitava no casal ou se, paralelamente, o trabalhava. Já Luís Carlos Amaral adve rtia para a imensa difilculdade em comprovar o significado concreto de expressões como "o casal que traz" e "o casal em que mora" (AMARAL, Luís Carlos • O. c., pp. 42-43) . Certo é o absentismo praticado pelo bispo do Porto que trazia o casal de Oliveira, sito na freguesia de S. Romão do Coronado , concelho de Santo Tirso (A.N.T.T., C.R., Santa Maria de Oliveira, B· 49-1 8, fl. 67). Servem estes três exemplos para nos esclarecerem no que respeita às ilações passíveis de serem retiradas de registos deste teor. ,. Em nenhum dos casos nos é fornecida uma dimensão global de cada propriedade. Situações há em que para algumas das parcelas · nunca para a totalidade das mesmas - nos é referido o número de carros de esterco ou de alqueires de semeadura necessários mas, como já tivemos oportunidade de referir, não consideramos estes "índices" seguros para a avaliação da área das propriedades, uma vez que eles poderão reflectir tão somente a capacidade produtiva do solo. Mesmo assim , a descontinuidade espacial verificada nas parcelas constitutivas de um casal poderia influir na rentabilidade agrícola do mesmo, requerendo-se uma diferente quantidade de sementes e fertilizantes consoante a qualidade dos terrenos, o que falseia qualquer cálculo de superfície feito com base nestes dois "índices". " CORT ÁZAR, José Angel Garcia de · História Rural Medieval, Lisboa, Editorial Estampa, 1983, p. 59. " Ibidem.

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o Homem desta época estabelecia com a natureza uma estranha relação através da qual era simultaneamente dominador e dominado. Partindo desta premissa observemos o exemplo de Santa Maria de Oliveira, procurando perceber até que ponto a sua dispersão patrimonial foi maioritariamente influenciada pelo meio físico ou, pelo contrário, tem por sustentáculo factores de cariz meramente humano (como sejam as condicionantes históricas patenteadas na área de influência do mosteiro) ou, ainda, se Natureza e História teceram entre si uma imbricada teia que poderá estar na base da configuração assumida por este domínio agostinho. Antes de mais convém recordar que o mosteiro de Oliveira se implantou num território que, segundo a nomenclatura de Orlando Ribeiro, se insere no norte atlântico 29 , onde os Verões são moderados e amenos e os Invernos suaves e pluviosos 30 . Do ponto de vista geológico os solos apresentam uma componente fortemente rochosa, destacando-se a prevalência do granito nas suas mais diversas texturas e variedades 31 • A combinação das condições climáticas com o comportamento erosivo das rochas determina os acidentes de relevo minhotos atestados, por exemplo, na profundidade dos vales largos por oposição às vertentes onde a espessura dos solos é directamente proporcional à sua inclinação 32 • Contudo, a paisagem não resulta apenas de condicionantes físicas. Ela é também produto da implantação e trabalho de sucessivas gerações de povoadores e, se de povoamento falamos, temos no norte-litoral português dados que demonstram à saciedade até que ponto a componente histórica pode modelar o aproveitamento do espaço. P. George refere que "cuanto más antiga es la ocupación dei sue/o, más carregado de herencias está e/ espacio. Aparece este como creación humana y como dato natural a partes iguales" 33 . Tecidas estas considerações gerais debruçemo-nos sobre a realidade concreta da instituição monástica em estudo. Instalada na margem direita do rio Ave, expandiu o seu domínio fundiário por uma área circundante da qual se destacam dois grandes núcleos (cf. mapa li pág. 89): 1º

- uma faixa

que se estende no sentido Norte/Sul, concentrada nas imediações da "casa-mãe", apresentando por limite setentrional a freguesia "' RIBEIRO, Orlando - Portugal, o Mediterrâneo e o Atlântico, 3ª edição, Lisboa, Livraria Sá da Costa, 1967, passim. '"RIBEIRO, Orlando - Portugal, o Mediterrâneo e o Atlântico ... , pp. 101 e 145. Acerca das características geoclimáticas do Entre-Douro-e-Minho ver, também, MATTOSO, José - Identificação de um País. Ensaio sobre as origens de Portugal 1096-1325, vol. 1 - Oposição, Lisboa, Editorial Estampa, 1985, pp. 92 - 93. ·" ALMEIDA, Canos Alberto Ferreira de - Arquitectura Românica de Entre-Douro-e-Minho, vol. 1, Porto, 1978, (Dissertação de Doutoramento em História da Arte apresentada à Faculdade de Letras da Universidade do Porto, policop.), p. 9. " BRITO, Raquel Soeiro de - Introdução Geográfica (Portugal Continental), in História de Portugal (Direcção de José Mattoso), vol. 1, Edição do Círculo de Leitores, 1992, p. 26. "·' Apud GALDO, Maria Xose Rodriguez - Serlores y Campesinos en Galicia Siglas XIV - XVI, Santiago de Compostela, Editorial Pio Sacro, 1976, p. 19.

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de Portela de Leitões e por limite meridional a freguesia de S. Miguel de Entre-Ambas-as Aves, actual Vila das Aves; 2 9 - um conjunto de propriedades que, ao abarcarem as Terras de Vieira e da Maia, assim como os concelhos de Barcelos e Ribeira de Pena, formavam um círculo descontínuo, mas quase perfeito, em torno do próprio mosteiro. Deste aro imaginário não fazia parte o pequeníssimo património que o mosteiro detinha em Leiria, composto por uma vinha, um olival e uma almuinha 34 e onerado com a renda anual de 60 reais 35 • Em virtude do seu afastamento face às demais terras de Oliveira e pela sua insignificância económica decidimos não incluír este reduto patrimonial na representação cartográfica (e apenas nesta). Aqui fica, no entanto, a referência.

'" A.N.T.T., C. R., Santa Mana oe 011ve1ra, 8- 49 -18 , fl. 70 v•. "· Embora não seja nossa intenção avançar desde já com os dados relativos às rendas, julgamos que, pelo seu carácter pontual, se torna pertinente a menção do caso de Leiria . Assim , o Tombo Velho refere que Belchior Lamim era o foreiro das propriedades de Leiria, pelas quais pagava 60 reai s se bem que nas outras vidas do prazo este montante devesse ascender a 100 reais (A.N .T.T., C. R. , Santa Maria Oe Oliveira, Tombo Velho. B- 49 -18, fl. 15 v•). Note-se que este registo alude a uma almuinha como parte integrante dos haveres de Leiria , apesar desta não aparecer mencionada no Tombo da Propriedade (cf. nota anterior).

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MAPA li: Freguesias com propriedades do mosteiro (1504)

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LEGENDA: 1 - Santa Maria de Oliveira; 2 - Delães; 3 - S. Mateus de Oliveira; 4 - Pousada; 5 - Joane; 6 - Vermoim; 7 - Castelões; 8 - Ruivães; 9 - Mogege; 10 - Brito; 11-Vermil; 12 - Fralães; 13 - Riba de Ave; 14 - Pedome; 15 - Riba de Vizela; 16 - Cantelães; 17 - Vilar Chão; 18- Parada ; 19- Coronado (S. Romão) ; 20 - Avioso; 21 - Portela de Leilões; 22 - Vila das Aves; 23 - Ronfe ; 24 - Bairro; 25 - Barrosas (Santo Estevão); 26 - Barrosas (Santa Maria); 27 - Folgosa; 28 - Santiago da Cruz; 29 - Coronado (S. Mamede); 30 - Cerva ; 31 - Paredes; 32 - Valbom; 33 - S. Cosme; 34 - Figueiredo.

Face à sua representatividade centremos a nossa atenção sobre o núcleo aglomerado em redor do mosteiro. A priori ressalta o facto de estas propriedades apresentarem como fronteira oriental o rio Ave. Ora se é verdade que, nesta época, "os rios não dividem' 36 até porque as bacias fluviais "raras vezes deixam de apresentar caracteres comuns a ambas as margens" 37 , a realidade demostra que, no presente caso, o Ave funcionou como barreira natural face à expansão fundiária de Santa Maria de Oliveira. Como explicar tal constatação? Em primeiro lugar temos que tomar em conta a localização dos terrenos. Implantados na vertente Sudeste do interflúvio dos rios Este e Ave, estes solos usufruíam de uma maior exposição ao sol, o que trazia vantagens evidentes para as culturas aí praticadas. Porém, não podemos igualmente esquecer que estamos em preser;iça de um território cuja ocupação do espaço ficara defenida há largo tempo. É a zona dos senhorios, sobretudo dos eclesiásticos, que tecem à sua volta - e não só - uma apertada malha onde se torna muito difícil penetrar. Assim, o mosteiro de Oliveira encontrava-se "encravado" numa enorme mancha de instituições monásticas que pululavam entre os rios Cávado e Ave, e a Sul deste último 38 . Das casas religiosas que confrontavam com as propriedades de Oliveira destacam-se pela sua proeminência: - a Norte, a Sé de Braga bem como a própria Colegiada de Barcelos 39 ; - a Poente, os mosteiros de Requião e Landim; - a Sul, os mosteiros de Santo Tirso, Roriz e Vilarinho; - a Nascente, a Colegiada de Guimarães. Se atentarmos no mapa li, facilmente depreendemos que os mosteiros situados a Sudoeste e Sul de Oliveira praticamente acompanham os limites fundiários do núcleo principal desta instituição monástica. Paralelamente, se traçarmos uma linha recta que una Braga a Guimarães verificamos que esta quase linda com as freguesias de Portela de Leitões e Brito, ou seja, com a fronteira Norte das terras de Oliveira. Todavia, Guimarães assume a sua maior relevência no papel de "zona tampão" que veio a desempenhar a Oriente. Já em 1223 a colegiada vimaranense se encontrava implantada na margem esquerda do Ave •0 , situação que se confirma para meados do

"ALMEIDA. Carlos Alberto Ferreira de - O. c., p. 7. " RIBEIRO, Orlando - O. c., p. 144. '" Para melhor se visualizar o que acabamos de expôr e!. os mapas da autoria de ALMEIDA, Carlos Alberto Ferreira de - O. c., p. 182 e MARQUES, José - A Arquidiocese de Braga no séc. XV.. ., p. 620. "Cf. o mapa da autoria de MARQUES, José -A Arquidiocese de Braga no séc. XV.. ., p. 515. "' RAMOS, Cláudia Maria Novais Toriz da Silva - O mosteiro e a colegiada de Guimarães (ca. 950 - 1250), vai. 1, Porto, 199 1, {Dissertação de Mestrado em História Medieval apresentada à Faculdade de Letras da Universidade do Porto, policop.), Mapa nº 7.

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séc. XV 41 • O exemplo da Colegiada reafirma o pressuposto da importância de factores históricos na explicação da repartição do espaço. o mosteiro de Oliveira não se expandiu para a margem esquerda do Ave antes de mais porque não podia. As suas únicas incursões nesta área registaram-se em Riba de Ave e Vila das Aves. Pensamos que estas últimas estão directamente relacionadas com o facto dessa zona específica ter estado sob a influência do mosteiro de Moreira dos Cónegos, o qual, uma vez extinto no séc. XII 42, deixou em aberto um terreno onde Oliveira, de alguma maneira, conseguiu penetrar. A configuração do património verificada em 1504 só vem confirmar uma realidade ancestral porquanto a doação de 1033 se circunscrevia a um núcleo situado nas imediações do mosteiro {cf. mapa 1, do capítulo 1pág. 33). Exíguo em dimensão e, por consequência, em poder, Santa Mari? de Oliveira ficou confinada ao espaço possível e não ao desejável. Não se pense, todavia, que esta extrema concentração do património em torno do mosteiro não trazia vantagens, pois a proximidade era garante de eficácia administrativa, sobretudo no que ao controlo do pagamento das rendas diz respeito. Estrategicamente bem colocado em relação aos principais centros urbanos da região e usufruíndo de uma boa situação relativamente às redes viárias existentes 43 , o mosteiro arrecadava pelo excedente das rendas (fossem elas em géneros ou em numerário) uma "mais valia" que lhe facultaria a participação activa no comércio local. É de prevêr que as feiras e mercados circunvizinhos 44 , com destaque para Famalicão, Barcelos, Braga e Guimarães, tivessem sido os principais polos aglutinadores da mercancia dos frades. Como quer que fosse, uma coisa fica clara: o mosteiro de Oliveira foi acantonado ao seu perímetro imediato pelas instituições eclesiásticas vizinhas (e, ao nível da ocupação do solo, rivais), conseguindo, no entanto, usufruír de boas condicionantes geo-climáticas decorrentes do posicionamento das suas terras entre as bacias dos rios Este e Ave. Este facto, aliado à " MARQUES, José - A Arquidiocese de Braga no séc. XV.. ., pp. 541 e 55u. "'ALMEIDA, Carlos Alberto Ferreira de - O. c., p. 182. "' No corpo da Câmara de Carneiro (freguesia de Castelões) existiam uns campos que lindavam com "a estrada que vay pera o Porto e Vil/a do Conde" (A.N.T.T., C. R., Santa Maria de Oliveira, B- 49 -18, fl. 19); por seu turno, no Casal de Safariz (freguesia de Castelões) temos noticia de um campo que "contra o Poente e contra o Nascente enfesta no caminho do Porto" (A.N.T.T., C. R., Santa Maria de Oliveira, B- 49 -18, fl. 29); também na Quebrada de Joana Martins da Covilhã (Freguesia de S. Mamede de Vermil) deparamos com a menção de uma grande vinha situada "contra a estrada que vay pera Braguaa pera a Ponte das Cervas" (A.N.T.T., C. R., Santa Maria de Oliveira, B- 49 -18, fl. 47); finalmente, num dos três Casais da Aldeia que andavam misturados (freguesia de Pedome) estava uma vinha que, do Nascente lindava com "a estrada que vai pera Guimaraees" (A.N.T.T., C. R., Santa Maria de Oliveira, B- 49 -18, tis. 50 vº- 51). Através destas referências se pode concluir que o núcleo central do património do mosteiro se encontrava bem colocado face à rede viária da época. Esta mesma acessibilidade pode facilmente comprovar se atentarmos no mapa de ALMEIDA, Carlos Alberto Ferreira de - O. c., p. 159 e, do mesmo autor, Vias Medievais. I Entre-Douro-e-Minho, 1 vol., Porto, 1968 (Dissertação de Licenciatura apresentada à Faculdade de Letras da Universidade do Porto, policop.): pp. 171-173 (Porto-Guimarães), pp. 193-194 (Guimarães-Braga), pp. 194-195 (Guimarães-Famalicão-Vila do Conde), p. 195 (Famalicão-Barcelos) e, finalmente, o mapa intitulado "Esboço para um mapa dos caminhos medievais no Entre-Douro-e-Minho" (s. p.), inserto imediatamente antes da p. 217. "Cf. ALMEIDA, Carlos Alberto Ferreira de - Arquitectura Românica de Entre-Douro-e-Minho .. , vol. 1, p. 157 e MARQUES, A. H. de Oliveira - Portugal na crise dos séculos XIV e XV.. ., p. 145.

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franca proximidade dos rendeiros e, consequentemente dos tributos, poderá ter impelido os monges para a actividade mercantil - tão ao gosto dos possidentes desta época -, tanto mais que se tornava fácil o transporte e colocação dos produtos uma vez que nas imediações não faltavam quer as estradas e caminhos, quer as feiras e mercados. Vislumbrada a área de implantação do domínio analisemos agora as formas de exploração do mesmo.

3- O DOMÍNIO A) Propriedade em regime de exploração directa

Passível de ser detectada no século XIII, o recúo da exploração directa acentua-se nas duas Centúrias subsequentes mercê das cond icionantes socio-económicas decorrentes da virulenta crise que, à semelhança do resto da Europa, afectou o território nacional. O clima geral de instabilidade foi decisivamente acentuado pela Peste Negra que grassou no país entre 1348 e 1349. A esta epidemia seguiram-se outras que, embora menos catastróficas, não permitiriam a reposição dos níveis demográficos até finais do século XV 45 • A forte mortalidade reflectiu-se na diminuição do contingente de mão-de-obra disponível , a que se somou um enorme êxodo rural. Numa época de fomes e guerras, o campesinato procurou na cidade uma protecção mais eficaz face às frequentes convulsões bélicas, assim como a obtenção de salários mais elevados 46 • Estes factores combinados conduziram, necessariamente , a uma inflação dos salários nominais. Paralelamente, a diminuição da curva de preços do cereal e a cons tante desvalorização monetária verificadas, respectivamente, entre 1370/80· 1470 e 1430-1470 47 , apenas serviram para agudizar o depauperamento dos senhorios que, cada vez mais seduzidos pelo comércio, necessitavam aumentar a sua massa monetária disponível 'ª. Em face desta conjuntura era imperativo a criação de mecanismos de resposta ou, mais concretamente, de novas políticas de gestão agrária que permitissem aos grandes proprietários enfrentar os novos tempos sem o abandono da qualidade de vida a que estavam habituados. Para tanto, optaram basicamente por dois tipos de solução - que tiveram por denominador

·"· Veja-se em MARQU ES, A. H. de Üllve1ra - Ponugai na crise dos séculos XIV e XV... , p. 21 o rol das sucessivas pestes que se ve rificaram entre 1356 e 1483-1487. "' DUBY, Georges - Economia Rural e Vida no Campo no Ocidente Medieval (trad ução de Carlos Aboim de Brito), vol. li . Lisboa, Edições 70, 1988, p. 179. "M ARQUES, A. H. de Oliveira - Portugal na crise dos séculos XIV e XV... , p. 218. "GONÇALVES, Iria - O património do mosteiro de Alcobaça nos séculos XIV e X V.... p. 134.

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comum uma mudança introduzida ao nível do regime de cultivo do domínio directo - consubstanciados: - no arrendamento da reserva a intermediários, o que diminuía os riscos provenientes das flutuações sazonais de preços; - na divisão desta área em diferentes lotes cuja exploração era entregue a lavradores, concentrando-se o senhor tão só nas parcelas mais produtivas e mais próximas da sua casa 49 • Não nos importa aqui considerar as atitudes psicológicas implicadas neste comportamento 50 , mas sim reiterar o seu carácter eminentemente pragmático. As directrizes patenteadas nesta nova dinâmica de gestão agrária reflectem, sobretudo, uma tentativa de readaptação às realidades socio-económicas decorrentes da crise 5 ' e não a falência do próprio sistema senhorial, como pretendem os historiadores marxistas 52 • Convém lembrar que, muitas vezes, a passagem do domínio de exploração directa para um sistema contratual afigurou-se como uma solução meramente transitória abandonada sempre que não era possível encontrar um locatário, ou quando este desrespeitava os compromissos assumidos 53 • Por isso, Guy Fourquin advoga: "É preciso evitar encarar o arrendamento como uma solução desesperada, um abandono sem grande controlo nem opção de domínios em bom e em mau estado", acrescentando, adiante, que "a difusão do arrendamento e também do sistema de meias, não se pode incluir entre as causas ou as consequências do enfraquecimento do senhorio rural, enfraquecimento cujo carácter limitado, e mesmo provisório, é preciso frisai'' 54 • É com base neste enquadramento geral que passaremos a analisar o domínio de exploração directa do mosteiro de Oliveira. Antes de mais, convém apresentar a sua composição, assim como os traços específicos '" A propósito destes dois mecanismos de reacção senhorial cf. COELHO, Maria Helena da Cruz - O Baixo Mondego nos finais da Idade Média ... , vol. 1, p. 274 e, especialmente, DUBY , Georges - O c., pp. 193-194. "' DUBY, Georges - O c., vol.11, pp. 191-193, opina que os senhores permaneciam afectivamente ligados à terra o que acarretava um certo entrave mental no sentido de procederem à locação das suas res ervas. Por sua vez, Albert d' Haenens é de opinião que o crescendo da exploração indirecta levou os grandes proprietários a mais facilmente se aperceberem do valor dos seus dominios porquanto este lhes era expresso no montante de dinheiro ou de cereal que rendiam (Apud GONÇALVES, Iria - O Património do Mosteiro de Alcobaça nos Séculos XIV e XV.. ., p. 135, nota 13). " Em abono desta tese cf. COELHO, Maria Helena da Cruz - O Baixo Mondego nos finais da Idade Média ... , vol. 1, pp. 290-291 , destacando-se as posições assumidas por prestigiados historiadores face à reconversão da economia senhorial e das quais a autora apresenta um breve apanhado em nota de rodapé (Idem, p. 290, nota 1). " FOURQUIN, Guy - História Económica do Ocidente Medieval (tradução portuguesa de Fernanda Brandão), Lisboa, Edições 70, 1986, p. 347. " Veja-se o exemplo da granja alcobacense da Ola estudado por GONÇALVES, Iria - Custos de montagem de uma exploração agrícola medieval, in Estudos de História de Portugal. Homenagem a A H. de Oliveira Marques, vol. 1 - sécs . X-XV, Lisboa , Editorial Estampa, 1982 , pp. 255 - 270. Esta granja, emprazada em três vidas ao Doutor Vasco Fernandes de Lucena , no ano de 1436, regressou à exploração directa do mosteiro, em 1438, pelo facto do locatário ter incorrido em comisso. '"' FOURQUIN, Guy - História Económica do Ocidente Medieval..., p. 347

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das suas parcelas e, para tanto, remetemos o leitor para a observação do quadro 5. Quadro nº 5 O DOMÍNIO DE EXPLORAÇÃO DIRECTA DO MOSTEIRO DE OLIVEIRA 55 PARCELA

LOCALIZAÇÃO

MESA A QUE PERTENCE

Uma cozinha terreira

Junto ao refeitório

Conventual

Uma horta

Junto à enfermaria

Do Prior

O campo da seara da tulha

Acima da horta

Uma devesa grande com carvalhos, castanheiros e enxertos

Arriba do mosteiro

Dois bacelas

Dentro da devesa grande

O campo da Touticeira

A Norte: entesta na fonte do mosteiro Nos retantes lados: parte com o mosteiro

A seara da Arca

A Norte: entesta no campo da Touticeira; A Nascente: parte com o ribeiro que vem do mosteiro; A Poente: entesta com a devesa do mosteiro

Uma Seara

A Norte: entesta na eira do mosteiro; Esta seara fica "logo alem do dieta ribeiro que vem do mosfeiro"

O campo do abade

Do Prior

Conventual

As parcelas acima descritas são aquelas que no Tombo da Propriedade vêm designadas por "assento do mosteiro" 56 . A leitura do quadro permite-nos desde logo perceber que, como seria de esperar, o domínio de exploração directa do mosteiro se concentrava no perímetro imediato do próprio edifício monástico.

'~ Os

dados deste quadro encontram-se resumidos e simplificados face ao total de informações patentes na fonte (A.N .T.T. , C. R., Santa Maria de Oliveira, B- 49 -18, fl. 2 - 2 v2 ) . ~; A.N.T.T., C. R .. Santa Maria de Oliveira, B- 49 -18, fl. 2.

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Numa época de plena contracção das reservas verificamos que Santa Maria de Oliveira não apresenta qualquer desvio face à tendência geral. Com efeito, das nove parcelas assinaladas apenas uma (o campo do abade) não apresenta a sua localização, sendo que as restantes ou confinavam com a casaria do mosteiro ou lindavam entre si. Esta pequena área encerrava courelas adscritas à mesa do prior e à mesa conventual e, embora diminuta (quer em termos de número de courelas quer na sua circunscrição geográfica) indicia uma certa polivalência ao nível do aproveitamento do solo porquanto aí encontramos (para além da cozinha terreira) uma horta, três campos, duas searas , uma devesa e dois bacelas. Daí que nos pareça legítimo equiparar este espaço, em termos de aproveitamento agrário, ao do casal, muito embora divergisse deste pela concentração das parcelas e, obviamente , pelo regime de exploração vigente, a saber, a exploração directa. Não obstante, teremos de matizar este último ponto pois sabemos que a exploração dos dois bacelas foi entregue ao cónego Brás Pires, mediante uma qualquer forma de contrato jurídico que desconhecemos. Pelo amanho de um destes bacelas pagava o frade um determinado quantitativo em numerário e do outro, pelo facto de o ter feito , estava isento de qualquer tipo de encargos 57 • Contudo, é de sublinhar o facto desta courela ter sido entregue a um elemento do cenóbio e não a outro enfiteuta qualquer; talvez movidos pela necessidade de reaproveitamento do solo, os frades tenham preferido deixar esta parcela da sua reseNa ao cuidado de um dos seus o que, hipoteticamente, lhes preservaria o pleno sentimento de posse da terra 58 • Finalmente, resta assinalar que para a exploração deste domínio era requisitada mão-de-obra dos moradores do couto, sem embargo de estes poderem ser caseiros de outro senhorio. Esta informação é-nos fornecida pelo tombo quando se refere: "Item a este mosteiro paguam os fregueses de Sam Joham de Gundar cada huum seu dia de serviço que se chama d' abrotea 59 pello montado que seu guado monta no couto" 60 ou , ainda, "Item cada caseiro do mosteiro que vive dentro no couto pagua cada anno oito roguos que sam dias de sen{ent] ia no sacho malhada podada e outros serviços e os caseiros doutro senhorio que vivem dentro no couto pagam cada cinquo roguos" 6 1 • Resta saber se estes dias de seNiço supriam todas as necessidades de amanho da reserva ou se, por insuficientes, tinham de ser complementados com o recurso pontual a trabalho assalariado e isto porque, ao invés do que se verificava nas comunidades cistercienses, os agostinhos

.., O texto refere : "Item dentro nesta devesa jazem dous bacelas que sam do prior os quaees ora Iras Bras Pirez coneguo e de huum delles pagua cabedal e do outro nam porque elle o fez... ·· (A.N.T.T .. C. R.. Santa Maria de Oliveira. B· 49 -18. l i. 2). '" Cf. a opinião de Georg es Duby exp ressa na nota 50. deste mesmo capítulo. " " Abrótea. s. f. planta monocotiledónea . da fam. das lilaceas. espontânea e vu lgar em Portugal nos terrenos secos. nos pinha is. etc .• também denominada gamão (in Dicionario da Língua Portuguesa. por J . Almeida Costa e A. Sampaio e Melo. 6ª Edição, Porto Editora. 1989. p. 19. "' A.N.T.T., C. R.. Santa Maria de Oliveira, B- 49 -18, ti. 2 vº " Ibidem.

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não tinham estipulado que o cultivo das terras tosse efectuado pelos próprios monges 62 • Não obstante , importa salientar o facto de as jeiras, que entretanto se vinham tornando francamente impopulares e tendiam a cair em desuso 63 , vigorarem ainda em Santa Maria de Oliveira em 15046 4. Tal facto comprova, sem dúvida, que estes senhores, embora empenhados numa nova política de gestão agrícola, não conseguiram abrir mão, de forma imediata, das práticas e privilégios herdados dos seus antepassados e que vinham assumindo como eficazes e incontestáveis de há longo tempo.

8) As igrejas anexas

As igrejas anexas a Santa Maria de Oliveira não constituíam parte integrante do património de Oliveira na plena acepção da palavra, muito embora contribuíssem directamente para aumentar o contingente de recursos financeiros do mosteiro 65 • Por isso, do ponto de vista económico, as igrejas anexas comportavam-se "como quaisquer outras propriedades e se colocavam sob a administração directa do senhor' 66 • Neste sentido, parece-nos oportuno proceder aqui e agora à sua apresentação, a saber, imediatamente antes de entrar na análise da propriedade em regime de exploração indirecta, uma vez que do ponto de vista económico e administrativo (e apenas assim) estas igrejas se equiparavam ao restante património fundiário, até porque, à semelhança do que acontecera com outras instituições eclesiásticas 67 , Oliveira cedeu a outrém o usufruto dos direitos paroquiais das suas anexas mediante o pagamento de determinado tributo. Já no que respeita à ausência ou exercío do direito de padroado por parte do mosteiro face a estas anexas , a fonte utilizada é absolutamente omissa . Por esse facto , deixemos em aberto a questão e centremo-nos sobre a gestão económica destes templos. Comecemos por constatar quantas eram as igrejas anexas ao mosteiro de Oliveira em 1504 e quais os títulos de propriedade que lhes estavam associados.

" Acerca da imposição da Regra Cisterciense que determinava serem os monges per si a cultivarem as suas propriedades cl., por todos , GONÇALVES, Iria - O património do mosteiro de Alcobaça nos séculos XIV e XV.... p. 133, com especial enfoque para a nota 1. "' GONÇALVES, Iria - O património do mosteiro de Alcobaça nos séculos XIV e XV ... p. 134. "' Armando de Castro assinalou claramente o anacronismo das jeiras quinhentistas e seiscentistas ao referir: "Posto que a intensidade desta renda em tempo de trabalho directo tivesse decaído fortemente até ao século XVI (faceta da perda de importância da " curtis indominicata " ) nâo desapareceu totalmente; é mesmo de admitir que teria persistido mais largamente nos domínios da Igreja" (CASTRO, Armando de - História Económica de Portugal, vol. 11, Lisboa, Editorial Caminho, 1981, p. 187). " Esta ideia está patente em MARQUES, José - A Arquidiocese de Braga no Séc. XV... , p. 538. uu GONÇALVES, Iria - O património do mosteiro de Alcobaça nos séculos XIV e XV.. ., p. 166. " Ver por exemplo o que se passava com o mosteiro de S. Salvador de Grijó na segunda metade do séc. XIV (AMARAL, Luís Carlos - O. c. , pp . 51-56), ou com a Colegiada de Guimarães em 1442 (MARQUES , José - A Arquidiocese de Braga no Séc. XV... , pp. 539-540).

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Quadro nº 6

IGREJAS ANEXAS AO MOSTEIRO DE OLIVEIRA E RESPECTIVAS PROPRIEDADES DEPENDENTES FONTE LOCALIZAÇÃO

PROPRIEDADE(S) DEPENDENTES

S. Miguel de Vila Cova

Freguesia de Portela de Leilões, concelho de Guimarães

1 título de propriedade sem designação específica

fls. 73 vº-74 vº

S. Martinho de Leilões

Freguesia de S. Martinho de Leilões, concelho de Guimarães

1 título de propriedade sem designação específica

fls. 74 vº-75 vº

S. Paio

Freguesia de Figueiredo, concelho de Guimarães

1) 1 título de propriedade sem designação específica 2) Casal da Bouça

1) fls. 76-77

IGREJA

ENFITEUTA(S)

(A.N.T.T., C.R .. Santa Maria de Oliveira, B-49-18)

2) fls. 77-77 Vº

S. Mateus

Freguesia de S. Mateus de Oliveira, concelho de Famalicão

1 título de propriedade sem designação específica

fls. 77 vº-79

S. Tiago de Castelões

Freguesia de Castelões, concelho de Famalicão

1 título de propriedade sem designação específica

fls. 79-80

Santa Maria de Vermoim

Freguesia de Vermoim, concelho de Famalicão

1) Herdades 2) Casal do casal 3) Herdades 4) Novo assento de igreja 5) Casal do olival

1) Gil Afonso da Agro Maior 2) João do Casal e João Luís 3) João do Casal

5) "em que vive" Gonçalo Esquerdo

1)fls.81-81 Vº 2) fls. 81 vº-83 3) fls. 83-84 Vº 4) fls. 84 vº-85 5) fls. 85-86 vº

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Eram seis as igrejas anexas a Santa Maria de Oliveira que, acompanhando a tendência geral de aglomeração das propriedades em torno do mosteiro, se distribuíam pela sua área periférica (cf. mapa 11 6 ª, atrás apresentado). Esta grande proximidade dos templos face ao cenóbio trazia vantagens evidentes para este último uma vez que proporcionava "ao prior e cónegos um fortalecimento do seu prestígio e de toda a administração" 69 • Os laços que uniam as igrejas anexas ao mosteiro eram não só de carácter pastoral como, consequentemente, económicos, pois permitiam aos agostinhos perceber os direitos beneficiais. Se para os primeiros não podemos avançar qualquer dado, algo mais conseguimos adiantar em relação ao seu papel nas finanças de Oliveira. Como se pode verificar pelo quadro nº 6, todas as anexas traziam adscritos títulos de propriedade que pertenciam ao mosteiro, muito embora Santa Maria de Vermoim assuma especial destaque. Analisando esta realidade segundo um crescendo hierárquico, Santa Maria de Vermoim, ao apresentar cinco propriedades dependentes, seria, ao menos ao nível numérico, a mais importante das igrejas anexas de Oliveira. Aliás, este facto poderá ter estado na base do arrendamento das receitas de Santa Maria de Vermoim feito pelo comendatário Sixto da Cunha à sua irmã e respectivo marido (Rui Gomes) 10 •

C) Propriedade em regime de exploração indirecta

A propriedade cuja exploração foi entregue a outrém era na sua esmagadora maioria constituída por casais, tal como o prova à saciedade o quadro nº 7, apresentado nas páginas seguintes. Efectivamente, dos 115.5 títulos de propriedade apurados, 74.5 eram casais, o que equivale a dizer que 64.5% do património era constituído por "esta unidade basilar de exploração agro-pecuária chamada «Casal,," 1 1 • Assim se denota que, mais uma vez, Oliveira não fugiu à regra geral quando optou pelo agrupamento das glebas em casais, que viriam a formar, um pouco por toda a parte, o mais importante núcleo organizativo e fiscal da economia agrária12 •

'" Julgamos que, pela sua fraca representatividade numérica, não se justifica a elaboração de um mapa autónomo que represente cartograficamente as igrejas anexas de Oliveira. Daí que tenhamos optado por remeter o leitor para o mapa li , onde facilmente identificará os topónimos mencionados no Quadro nº 6. "' AMARAL, Luís Carlos - O. c., p. 78. "' A. N. T. T., C. R., Santa Maria de Oliveira, "Tombo Velho" B - 49 - 18, li. 18. " CASTRO, Arman do de - O. c., p. 183. " Acerca desta questão poder-se-iam assinalar inúmeras referencias bibliográficas. Para nos reportarmos tão somente a alguns dos mais relevantes estudos que versaram esta matéria veja-se GONÇALVES, Iria - Da estrutura do Casal nos fins da Idade Média .. ., pp. 60 - 72; da mesma autora O património do mosteiro de Alcobaça nos séculos XIV e XV.. ., pp. 168 - 183; MARQUES, A. H. de Oliveira - Portugal na crise dos séculos XIV e XV.. ., pp. 79 - 80; COELHO, Maria Helena da Cruz - O Baixo Mondego nos finais da Idade Média .. ., vol. 1, pp. 98 - 108; AMARAL, Luís Carlos - O. c., pp. 37 - 39; CASTRO, Armando de - O. C., pp. 183 - 184 e, finalmente , GOMES, António Saúl - O mosteiro de Santa Maria da Vitória no século XV, Coimbra, Instituto de História da Arte da Faculdade de Letras de Coimbra, Série - Subsídios para a História da Arte Portuguesa , nº XXXIII , 1990, pp. 197-199.

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Quadro nº 7

PATRIMÓNIO FUNDIÁRIO EM REGIME DE EXPLORAÇÃO INDIRECTA LOCALIZAÇÃO (a)

TÍTULOS DE PROPRIEDADE

Quintas e Quebradas

Casais (b)

Campos (e)

1

11

1

13

Delães

1

1

2

S. Mateus de Oliveira

2

Pousada

3

Freguesias

Santa Maria de Oliveira

Olivais

Outros (e)

3

Totais

5 3

1

Joan e

2

3

Vermoim

1

3

5

9

Castelões

3

6

3

12

1

Ruivães Mogege

2

4

1

1

7

5

Brito

5

S. Mamede de Vermil

2

2

S. Pedro do Monte de Fralães

1

1

S. Pedro de Riba de Ave Pedome