Questões de Método na Construção da Pesquisa em Educação [2 ed.]
 8524913959, 9788524913952

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D O C Ê N C IA X ^ F O R M A Ç A O

WÊÈÊÊÊÊa pnie-essos .m vcsri^arivos que teimam p o ssív eis c U(.I1UIk

Q uestões de m étodo

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u i iis i sdiis Ki oni l

Refletir sobre essas ejuestões

Mi,mli>. i u i o m i i o p ui s i i i K iro sobre o m od o de operai do conbecim enro. L im portante twumin.í-las a m edida cjue o m étodo constitui um pretexto para l c p u i s ||

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D O C Ê N C IA ^ ' FORMAÇÃO

• Educação Escolar: políticas, estrutura e organização • Estágio e Docência • Questões de método na construção da pesq

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Tombo:

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EDITORR

2- edição

Série: Educação Infantil • Educação Infantil: fundamentos e métodos Z ilm tt Ritm os de O liveira

• Educação Infantil e registro de práticas A m anda C ristina Teagno Lopes

• Eormação de professores na Educação Infantil M arineide de O liveira Gomes

Série: Ensino Fundam ental D O C Ê N C IA

• Ensino de Ciências: fundamentos e métodos D em étrio D elizoicov — José A n d ré A ngotti M a rta M aria Pernam buco

• Ensino de História: fundamentos e métodos Circe M aria Fernandes B ittencourt

• Ensino Religioso no Ensino Fundamental L ilian B lanck de O liveira Sérgio Rogério A zevedo Junqueira L u iz A lberto Sousa Alves — Ernesto Jacob K eim

Coordenação: Antônio Joaquim Severino Selma Garrido Pimenta

• Filosofia: fundamentos e métodos M arcos A n to n io Lorieri

• Para ensinar e aprender Geografia N td ia N acib P ontuscbka — Tonioko Iyda Paganelli N iiria H anglei Cacete

Série: Ensino M édio • Ensino de Biologia: histórias e práticas em diferentes espaços educativos M artha M arandino — Sandra Escovedo Selles M areia Serra Ferreira

• Ensino de Filosofia no Ensino Médio E vandro G hedin

EDITOBA AFILIADA

© 2008 by Evandro Ghedin - Maria Amélia Santoro Franco

© Direitos de publicação

Evandro G hedin M aria A mélia Santoro F ranco

CO RTEZ EDITORA Rua Monte Alegre, 1074 - Perdizes 05014-000 - São Paulo - SP Tel.: (11) 3864-0111 Fax: (11) 3864-4290 [email protected] www.cortezeditora.com.br

Direção José Xavier Cortez

Editor A m ir Piedade

I A?

Preparação Alexandre Soares Santana

Revisão

3

Alexandre Ricardo da Cunha Fábio Justino de Souza

Edição de Arte Mauricio Rindeika Seolin

Assistente de Arte Carolina Regonha Suster

Papéis da capa Atelier Luiz Fernando Machado D a d o s Internacionais de Catalogação na Publicação (C IP) (Câm ara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Ghedin, Evandro Questões de método na construção da pesquisa em educação / Evandro Ghedin, Maria Amélia Santoro Franco - 2. ed. - São Paulo: Cortez, 2011. - (Coleção docência em formação. Série saberes pedagógicos / coordenação Antônio Joaquim Severino, Selma Garrido Pimenta) Bibliografia ISBN 978-85-249-1395-2 1. Pedagogia 2. Pesquisa educacional - Metodologia 3. Professores - Formação Profissional I. Franco, Maria Amélia Santoro. II. Severino, Antônio Joaquim. III. Pimenta, Selma Garrido. IV. Título. V. Série. 08-03246

Questões de método na construção da pesquisa em educação 2a edição 2011

CDD-370.7201

Indices para catálogo sistemático: 1. Pesquisa em educação: Metodologia 370.7201 Impresso no Brasil - março de 2011

€DITORP

S

u m á r io .............................................................. 9

AOS PROFESSORES A pr esen ta ç ã o

d a c o l e ç ã o .............................................................................11

In t r o d u ç ã o

C a p ít u l o

I

...................................................................... 21

N ovos

s e n t i d o s para a c i ê n c i a ........................... 35

1. A especificidade da educação ........................40 2. Elementos para uma epistemologia da ciência contemporânea............................. 46 3. D a necessidade de ressignificação do sentido de validade científica....................51 4. Novos sentidos para a compreensão do fenômeno educativo: caminhos de transição ....................................................55 C a p ít u l o

II

A ^

c o n s t r u ç ã o d o o l h a r d o p e s q u is a d o r

.... 69

1. Educar o olhar para ler o mundo em suas múltiplas representações................................ 73 2. Do olhar que vê ao pensamento que explica e compreende por meio da interpretação ............................................... 82

C a p ít u l o

III

A

reflexã o c o m o f u n d a m e n t o d o p r o c e sso

INVESTIGATWO ....................................................... 101

1. Metodologias de pesquisa em educação ... 106 2. Algumas considerações sobre a questão da coerência epistemológica .......................122

2. O trabalho de campo como especificidade C a p ít u l o

IV

Pr e ssu po st o s

e p is t e m o l ó g ic o s e

da pesquisa etnográfica.............................. 193

METODOLÓGICOS DA PESQUISA EM EDUCAÇÃO NUMA PERSPECTIVA HERMENÊUTICA..... ......

127

da pesquisa etnográfica............................ 194

1. As relações entre política e metodologia da pesquisa em educação ..............

2.1. A observação participante como estratégia de apreensão do objeto

130

3. A abordagem etnográfica e seu uso na pesquisa em educação............................. 201

2. O ato de conhecer e seu sentido pedagógico............................... 141

A PEDAGOGIA DA PESQUISA-AÇÃO.........................209

3. O conhecimento e a construção 148

1. D e que pesquisa se está falando ao referir-se à pesquisa-ação?...................... 212

epistemológico de pesquisa......................... 133

2. De que ação se está falando ao referir-se à pesquisa-ação?...................... 224

do o b jeto ...................................... 4. A reflexão hermenêutica como paradigma 4.1. A problemática do discurso no interior da língua como

forma de sign ificar............................ 153 4.2. A construção do discurso como potencial de sentido significativo para a compreensão no processo investigativo..................158 4.3. Uma compreensão da hermenêutica e o desvelamento interpretativo ... 163 4.4. A hermenêutica como processo de investigação nas ciências humanas e na educação ................... 171

C a p ít u l o

V

A

e t n o g r a f ia c o m o p a r a d ig m a d e

CONSTRUÇÃO DO PROCESSO DE CONHECIMENTO EM EDUCAÇÃO ....................................................... 177

1. A abordagem etnográfica e seus pressupostos.......................................... 182

3. Com o pesquisa e ação se integram na pesquisa-ação? ........................................ 235 4. Estruturação de um processo pedagógico para a pesquisa-ação............... 238 4.1. Construção da dinâmica do coletivo.. 239 4.2. Ressignificação das espirais cíclicas . 241 4.3. Produção de conhecimento e socialização dos saberes.....................243 4.4. Análise/redireção e avaliação das práticas......................................... 245 4.5. Conscientização sobre as novas dinâmicas compreensivas................... 246 C o n sid e r a ç õ e s

f i n a i s ........................................ 249

B ib l io g r a f ia .......................................................... 255

AOS PROFESSORES A Cortez Editora tem a satisfação de trazer ao pú­ blico brasileiro, particularmente aos estudantes e pro­ fissionais da área educacional, a Coleção Docência em Formação, destinada a subsidiar a form ação inicial de professores e a form ação contínua daqueles que se encontram no exercício da docência. Resultado de reflexões, pesquisas e experiências de vários professores especialistas de todo o Brasil, a coleção propõe um a integração entre a produção aca­ dêmica e o trabalho nas escolas. Configura um proje­ to inédito no mercado editorial brasileiro por abarcar a formação de professores para todos os níveis de escolaridade: educação básica (incluindo a educação infantil, o ensino fundam ental e o ensino médio) e a educação superior; a educação de jovens e adultos e a educação profissional. C om pleta essa form ação com as problem áticas transversais e com os saberes pedagógicos. Com m ais de 3 0 anos de experiência e reconheci­ mento, a C ortez é um a referência no Brasil, nos demais países latino-americanos e em Portugal pela coerência de sua linha editorial e atualidade dos temas que publica, especialmente na área da educação, entre outras. É com orgulho e satisfação que lançamos esta coleção, pois estam os convencidos de que representa novo e valioso im pulso e colaboração ao pensam ento pedagógico e à valorização do trabalho dos professo­ res na direção de um a melhoria da qualidade social da escolaridade.

José Xavier Cortez Diretor

A p r esen ta ç ã o

da c o leç ã o

A C oleção D ocên cia em Form ação tem por obje­ tivo oferecer aos professores em processo de formação, e aos que já atu am com o profissionais da educação, subsídios formativos que levem em conta as novas dire­ trizes curriculares, buscando atender, de modo criativo e crítico, às transform ações introduzidas no sistem a nacional de ensino pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1996. Sem desconhecer a importân­ cia desse documento como referência legal, a proposta desta coleção identifica seus avanços e seus recuos e assu­ me como com prom isso maior buscar um a efetiva interferência na realidade educacional por meio do pro­ cesso de ensino e de aprendizagem, núcleo básico do trabalho docente social. Seu propósito é, pois, forne­ cer aos docentes e alunos das diversas m odalidades dos cursos de form ação de professores e aos docentes em exercício textos de referência para sua preparação científica, técnica e pedagógica. Esses textos contêm subsídios form ativos relacionados ao cam po dos sabe­ res pedagógicos, bem como ao dos saberes ligados aos conhecimentos especializados das áreas de formação profissional. A proposta da coleção parte de um a concepção orgânica e intencionada da educação e da form ação de seus profissionais, tendo bem claro que professores se pretendem formar para atuar no contexto da socie­ dade brasileira contemporânea, marcada por determi­ nações históricas específicas. C om o bem o m ostram estudos e pesquisas recentes na área, os professores são profissionais essenciais nos processos de mudança das sociedades. Se forem deixa­ dos à margem, as decisões pedagógicas e curriculares alheias, por m ais interessantes que possam parecer, não

Trata-se da Lei n° 9.394, de 20 de dezembro de 1996, Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB). Essa íei aplica ao campo da educação os dispositivos constitucionais, constituindo, assim, a referência fundamental da organização do sistema educacional do país.

O s professores exercem papel imprescindível e insubstituível no processo de mudança social.

11

A presentação d a c o le ç ã o

As escolas precisam passar por profundas transformações em suas práticas e culturas para enfrentar os desafios do mundo contemporâneo.

N a complexa tarefa de aprimoramento da qualidade do trabalho escolar, os professores contribuem com seus saberes, seus valores e suas experiências.

A formação docente é um processo permanente e envolve a valorização identitária e profissional dos professores.

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se efetivam, não geram efeitos sobre a sociedade. Por isso é preciso investir na formação e no desenvolvimento profissional dos professores. N a sociedade contemporânea, as rápidas trans­ formações no mundo do trabalho, o avanço tecnológico configurando a sociedade virtual e os m eios de infor­ m ação e comunicação incidem fortem ente na escola, aum entando os desafios para torná-la um a conquista dem ocrática efetiva. Transform ar práticas e culturas tradicionais e burocráticas das escolas que, por meio da retenção e da evasão, acentuam a exclusão social não é tarefa simples nem para poucos. O desafio é educar as crianças e os jovens, propiciando-lhes um desen­ volvimento humano, cultural, científico e tecnológico, de m odo que adquiram condições para enfrentar as exigências do mundo contemporâneo. Tal objetivo exi­ ge esforço constante de diretores, professores, funcio­ nários e pais de alunos e de sindicatos, governantes e outros grupos sociais organizados. N ão ignoram os que esse desafio precisa ser priori­ tariam ente enfrentado pelas políticas de governo. Todavia, os professores são profissionais essenciais na construção dessa nova escola. N os anos 1980-90, diferentes países realizaram grandes investim entos na área da form ação e desenvolvimento profissional de professores para essa finalidade. O s professores contribuem com seus saberes, seus valores, suas experiências nessa complexa tarefa de melhorar a qualidade social da escolarização. Entendendo que a democratização do ensino passa pelos professores, por sua formação, por sua valorização profissional e por suas condições de trabalho, pesqui­ sadores têm defendido a importância do investim en­ to no seu desenvolvimento profissional. Esse processo de valorização envolve form ação inicial e continuada,

A presentação d a c o le ç ã o

articulada, identitária e profissional. Essa formação iden­ titária é epistemológica, ou seja, reconhece a docência como um campo de conhecimentos específicos confi­ gurados em quatro grandes conjuntos, a saber: 1) con­ teúdos das diversas áreas do saber e do ensino, ou seja, das ciências hum anas e naturais, da cultura e das artes; 2) conteúdos didático-pedagógicos, diretamente relacio­ nados ao campo da prática profissional; 3) conteúdos liga­ dos a saberes pedagógicos mais amplos do campo teórico da prática educacional; 4) conteúdos ligados à expli­ citação do sentido da existência h um ana individual, com sensibilidade pessoal e social. E essa form ação identitária é tam bém profissional, ou seja, a docên­ cia constitui um cam po específico de intervenção pro­ fissional na prática social. O desenvolvimento profissional dos professores é objetivo de propostas educacionais que valorizam a sua form ação não m ais baseada na racionalidade técnica, que os considera m eros executores de decisões alheias, m as em um a perspectiva que reconhece sua capacida­ de de decidir. Ao confrontar suas ações cotidianas com as produções teóricas, é necessário rever as práticas e as teorias que as inform am , pesquisar a prática e pro­ duzir novos conhecimentos para a teoria e a prática de ensinar. Assim, as transformações das práticas docentes só se efetivarão se o professor ampliar sua consciência sobre a própria prática, a de sala de aula e a da escola como um todo, o que pressupõe os conhecimentos teóricos e críticos sobre a realidade. Tais propostas enfatizam que os professores colaboram para transformar a gestão, os currículos, a organização, os projetos educacionais e as formas de trabalho pedagógico das escolas. Assim , reform as produzidas n as instituições sem tom ar os

A identidade do professor é simultaneamente epistemológica e profissional, realizando-se no campo teórico do conhecimento e no âmbito da prática social.

A transformação da prática do professor decorre da ampliação de sua consciência crítica sobre essa mesma prática.

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A presentação d a c o le ç ã o

Têm-se cobrado dos professores responsabilidades que ultrapassam suas atribuições no plano individual. Cabe-lhes, sim, apontar coletivamente caminhos institucionais para enfrentar essas novas demandas.

Para enfrentar os desafios das situações de ensino, o profissional da educação precisa da competência do conhecimento, de sensibilidade ética e de consciência política.

14

professores como parceiros/autores não transformam a qualidade social da escola. Em consequência, valorizar o trabalho docente significa dar aos professores con­ dições para analisar e compreender os contextos histó­ rico, social, cultural e organizacional que fazem parte de sua atividade docente. N a sociedade brasileira contemporânea novas exigências são acrescentadas ao trabalho dos professores. Com o colapso das velhas certezas morais, cobra-se deles que cum pram funções da família e de outras instân­ cias sociais; que respondam à necessidade de afeto dos alunos; que resolvam os problemas da violência, da dro­ ga e da indisciplina; que preparem melhor os alunos para as áreas de m atem ática, de ciências e tecnologia para colocá-los em melhores condições de enfrentar a com petitividade; que restaurem a importância dos conhecimentos e a perda da credibilidade das certezas científicas; que sejam os regeneradores das culturas/identidades perdidas com as desigualdades/diferen­ ças culturais; que gerenciem as escolas com parcimônia; que trabalhem coletivamente em escolas com horários cada vez m ais reduzidos. Em que pese a importância dessas dem andas, não se pode exigir que os professo­ res individualmente as atendam . Espera-se, pois, que, coletivamente, apontem caminhos para o enfrentam ento dessas exigências. E nesse contexto com plexo que se faz necessário ressignificar a identidade do professor. O ensino, ativida­ de característica dele, é um a prática social comple­ xa, carregada de conflitos de valor e que exige posturas éticas e políticas. Ser professor requer saberes e conhe­ cimentos científicos, pedagógicos, educacionais, sensi­ bilidade, indagação teórica e criatividade para encarar as

A presen ta ç ã o d a c o itç Ã o

situações ambíguas, incertas, conflituosas e, por vezes, violentas, presentes nos contextos escolares e não esco­ lares. É da natureza da atividade docente proceder à m ediação reflexiva e crítica entre as transform ações sociais concretas e a form ação hum ana dos alunos, questionando os m odos de pensar, sentir, agir e de produzir e distribuir conhecim entos. Problematizando e analisando as situações da prá­ tica social de ensinar, o professor utiliza o conheci­ m ento elaborado d as ciências, das artes, da filosofia, da pedagogia e d as ciências da educação com o ferra­ m enta para a com preensão e a proposição do real.

Valorizar o trabalho docente implica dar aos professores condições para análise critica do contexto em que se realiza sua prática educativa.

Esta coleção investe na valorização da capacidade de decisão dos professores. Assim, discutir os temas que permeiam o cotidiano das atividades escolares como projeto pedagógico, autonom ia, identidade e profis­ sionalismo dos professores, violência, cultura, religiosida­ de, im portância do conhecimento e da inform ação na sociedade contemporânea, a ação coletiva e interdisciplinar, as questões de género, o papel do sindicato na form ação, entre ou tros, articulados aos co n texto s

O caminho proposto por esta coleção é o da discussão dos temas do cotidiano escolar, ligados aos contextos institucionais e às políticas públicas e confrontados com as teorias e a experiência.

institucionais, às políticas públicas e confrontados com experiências de outros contextos escolares e com teorias é o caminho que esta coleção propõe. Os livros que a compõem apresentam um tratamento teórico-metodológico relacionado a três premissas: 1. Há estreita vinculação entre os conteúdos científicos e peda­ gógicos. 2. Produz-se conhecimento de forma construti­ va. 3. Existe estrita ligação entre teoria e prática. Assim, de um lado, é preciso considerar que a ativi­ dade profissional de todo professor possui uma natureza pedagógica, isto é, vincula-se a objetivos educativos 15

A presentação d a c o le ç ã o

A presentação d a c o le ç ã o

de form ação hum ana e a processos m etodológicos e organizacionais de tran sm issão e apropriação de saberes e m odos de ação. O trabalho docente está im pregnado de intencionalidade, pois visa à form a­ ção hum ana por meio de conteúdos e habilidades, de pensam ento e ação, o que im plica escolhas, valores, com prom issos éticos. Isso significa introduzir objeti­ vos de natureza conceituai, procedimental e.valorativa, em relação aos conteúdos da matéria que ensina; transform ar o saber científico ou tecnológico em con­ teúdos form ativos; selecionar e organizar conteúdos de acordo com critérios lógicos e psicológicos, em fun ­ ção das características dos alunos e das finalidades do ensino; utilizar m étodos e procedim entos de ensino específicos, inserindo-os em um a estrutura organizacional em que participe de decisões e ações coletivas. Por isso, para ensinar, o professor necessi­ ta de conhecim entos e práticas que ultrapassem o cam po de sua especialidade. De outro lado, é preciso levar em conta que todo con­ teúdo de saber é resultado de um processo de construção de conhecimento. Por isso, dominar conhecimentos não quer dizer apenas apropriação de dados objetivos pré-elaborados, produtos prontos do saber acumulado. Mais do que dominar os produtos, interessa aos alunos com­ preender que estes são resultantes de um processo de inves­ tigação humana. Assim trabalhar o conhecimento no processo formativo dos alunos significa proceder à me­ diação entre os significados do saber no mundo atual e aqueles dos contextos nos quais foram produzidos. Sig­ nifica explicitar os nexos entre a atividade de pesquisa e seus resultados; portanto, instrumentalizar os alunos no próprio processo de pesquisar.

N a form ação de professores, os currículos devem considerar a pesqu isa com o princípio cognitivo, ; in vestigan do com os alun os a realidade escolar, desenvolvendo neles essa atitude investigativa em suas atividades profissionais e assim tornando a pesqui­ sa tam bém princípio form ativo na docência. Além disso, é no âm bito do processo educativo que m ais íntim a se afirm a a relação entre a teoria e a prá­ tica. Essencialmente, a educação é uma prática, m as um a prática intencionada pela teoria. Disso decorre atri­ buirmos importância ao estágio no processo de formação do professor. Entendendo que ele faz parte de todas as disciplinas, percorrendo o processo form ativo desde o

A construção do conhecimento se dá através da prática da pesquisa. Ensinar e apreender só ocorrem significativamente quando decorrem de uma postura investigativa de trabalho.

No processo educativo, teoria e prática se associam e a educação é sempre prática intencionalizada pela teoria.

início, os livros desta coleção sugerem várias m odali­ dades de articulação direta com as escolas e demais ins­ tâncias, nas quais os professores atuarão, apresentando form as de estudo, análise e problem atização dos sabe­ res nelas praticados. O estágio tam bém pode servir de espaço de projetos interdisciplinares, am pliando a compreensão e o conhecimento da realidade profissio­ nal de ensinar. As experiências docentes dos alunos que já atuam no m agistério, como tam bém daqueles que participam da form ação continuada, devem ser valo­ rizadas como referências im portantes para serem dis­ cutidas e refletidas nas aulas. Considerando que a relação entre as instituições for­ madoras e as escolas pode representar a continuidade da ' formação para os professores das escolas, assim como para os formadores, os livros sugerem a realização de proje­ tos conjuntos. Essa relação poderá propiciar ao aluno em

O estágio e as experiências docentes acumuladas assumem papel relevante na formação do professor.

Formar o profissional da educação exige um investimento competente e crítico nas esferas do conhecimento, da ética e da política.

formação oportunidade para rever e aprimorar sua esco­ lha pelo magistério. 17

A presentação d a c o le ç ã o

A presentação d a c o le ç ã o

Para subsidiar a form ação inicial e continuada dos professores onde quer que se realize, nas faculdades iso­ ladas, nos centros universitários e no ensino médio, esta coleção está assim estruturada:

Educação Infantil profissionais de creche e pré-escola

Ensino Fundamental professores do I s ao 5S ano e do 6S ao 92,ano

Ensino M édio professores do ensino médio

Ensino Superior professores do ensino superior

Educação Profissional

• Investir em sólida form ação teórica nos cam pos que constituem os saberes da docência. • Considerar a form ação voltada para o profissionalism o docente e para a construção da identidade de professor. • Tomar a pesquisa com o componente essencial da/na formação. • Considerar a prática social concreta da educação com o objeto de reflexão/form ação ao longo do pro­ cesso form ativo.

Investir em uma concepção orgânica de formação de professores mediante um tratamento metodológico que vincula os campos dos saberes da docência: o propósito dos livros desta coleção.

• Assum ir a visão de totalidade do processo escolar/edu­ cacional em sua inserção no contexto sociocultural. • Valorizar a docência como atividade intelectual, crí­ tica e reflexiva. • Considerar a ética como fundam ental à form ação e à atuação docente.

professores do ensino profissional

Educação de Jovens e Adultos professores de jovens e adultos em cursos especiais

.

Antônio Joaquim Severino Selma Garrido Pimenta coordenadores

Saberes Pedagógicos e Formação de Professores Problemáticas Transversais e Formação de Professores Em síntese, a elaboração dos livros desta coleção baseia-se nos seguintes pontos: • Investir no conceito de desenvolvimento profissio­ nal, superando a visão dicotôm ica de form ação inicial e de form ação continuada. 18

19 ü

Introdução

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(

Introdução A destruição do sujeito pelo pensamento pós-moderno resultou na impossibilidade de pensar uma saída política p ara a crise vigente. A redução dele à sua linguagem condicionou-o ontologicamente ao significado, comprimindo-o no não sentido. Tal movimento não começou na Filosofia contemporânea. Longo processo histórico tem reproduzido essa redução ou tem-na feito migrar ora p ara a realidade, ora p ara o sujeito, ora p ara sua linguagem. O essencialismo platônico predominou até o Renascimento, fundando uma leitura metafísica do mundo, rompida com o advento do pensamento heideggeriano. O reducionism o, acima aludido, subtraiu do sujeito a possibilidade de emancipação pelo conhe­ cimento. Em Platão, Aristóteles e Tom ás de Aquino há a construção de um saber essencialista centrado no objeto, como se cada coisa tivesse um a essência que deveria ser “descoberta” . A modernidade desloca esse essencialismo para o sujeito e deixa de buscar a causa primeira das coisas a fim de concentrar o pro­ cesso do conhecimento naquele que conhece os fatos. A ciência m oderna, com uma pretensão à exatidão, embasa-se numa perspectiva matemática, muitas vezes submetendo todo o processo ao método. O evento da reflexão filosófica centrada na lingua­ gem desloca o processo de conhecimento para seu

In t r o d u ç ã o

resultado, isto é, o conceito. A partir daí a epistemologia, tão celebrada na modernidade, perde espaço, porque, ao deslocar-se o centro da reflexão do sujeito para o conceito, se retira daquele o primado da verda­ de. O que importa conhecer já não é nem o objeto nem o sujeito como essência, mas o método que torna possível o conhecimento pela evidência da lin­ guagem expressa no conceito. Semelhante deslocamento funda o movimento refle­ xivo que vai ser nomeado de “pós-modernidade” por romper com a centralidade do conhecimento baseado numa essencialidade. Sobre esse deslocamento convém estar, em linhas gerais, de acordo, ao se conceber o conhecimento como um processo de múltiplas relações que não se concentra em um de seus elementos. O pensamento pós-moderno reduziu a possibilidade do conhecimento a um de seus polos, o conceito. Nesse sentido, apesar de opor-se às leituras metafísicas, gera um a versão sua fundam entada na linguagem. Desloca a “essência” do sujeito para o conceito e não muda a interpretação dela, apenas desvia seu funda­ mento. Ao fixar-se na expressão sob forma de conceito, e não nas relações em processo, a pós-modernidade reproduz a mesma lógica do pensamento metafísico. As filosofias pós-modernas, ao efetuarem o desloca­ mento do sujeito para sua expressão na linguagem — mais do que um deslocamento para o conceito — , eli­ minam a historicidade e nela o papel político que o sujeito cumpria como agente portador da emancipação coletiva pretendida pelo Iluminismo. Esse parece ser o grande problema exposto na contemporaneidade que tais filosofias não permitem superar de imediato. A lacuna aberta na filosofia linguístico-pragmática afastou o humano de sua história e retirou-lhe o 24

chão político como espaço de emancipação e das lutas coletivas por meio do conhecimento. A redução do sujeito ao conceito desenvolveu-se mediante a desconsideração das complexas relações estabelecidas entre os componentes das possibilida­ des do conhecer. Foi ocasionada pelo esquecimento, na dinâm ica de construção do saber, de que o conhecimento só é possível quando há permanen­ tes e integradas relações entre seus elementos: o sujeito, o objeto, o m étodo e o conceito. Neste tra­ balho de pesquisa e reflexão, as questões de método surgem como condição de retomada dos processos investigativos que tornam possíveis e cientificamente válidos os conhecimentos produzidos na área educa­ cional. Refletir sobre essas questões significa retomar o pensamento sobre o modo de operar do conhecimento. E importante examiná-las à medida que o método constitui um pretexto para repensar as teorias educa­ cionais que orientam o processo metodológico do conhecimento em educação. O método é aquilo que possibilita a interpretação, mediante algum instrumento, do objeto que possui mais de um significado. Parte-se aqui dessa ideia geral de método por entender que cada objeto investigado está carregado de sentidos, passíveis de estruturação e organização. O pesquisador organiza esses sentidos do objeto por meio do discurso, que o interpreta e expressa o que ele é. O discurso é que possibilita a constituição da ciência. Por um lado, o método tem uma dimensão mais filosófica, de caráter epistemológico (como Filosofia da Ciência e Teoria do Conhecimento), na qual está situada a reflexão sistemática sobre o conhecimento e tomam corpo as correntes filosóficas e científicas que

In tro d u ção

In t r o d u ç ã o

se debruçam sobre o problema metodológico. Por outro lado, ele conta com um a dimensão operativa, instituída pelas práticas e ações que permitem o aces­ so da pesquisa e do pesquisador ao objeto de estudo. E justamente nesse contexto que se situam as abor­ dagens de pesquisa. Delas decorre uma parte mais operacional, que consiste no uso de técnicas que facultam a execução da atividade de pesquisa. Entre essas técnicas se incluem, por exemplo, as entrevis­ tas, com o forma de abordar o objeto estudado ou de ter-lhe acesso. Pode-se dizer que o método, em sua perspectiva filosófico-epistemológica, propõe os fundamentos para o exercício de um a investigação. Aquilo que se convencionou chamar de correntes de pensamento ou formas de expressar o método — ou ainda, aquilo que se chama mais propriamente de método — é nada menos que a dimensão filosófica do processo de cons­ trução do saber. N a maioria das vezes, não há clareza suficiente para distinguir o método das abordagens e estas das técnicas. E preciso ter clara essa distinção para lograr aprofundar o processo investigativo e a compreensão a respeito dele. Antes de mais nada, cabe dizer que a palavra método é um conceito de origem grega cujo significado é “caminho que se faz caminhando enquanto se caminha”. Portanto, o método, conforme seu significado original, é algo que só pode ser visto plenamente quando se chega ao fim do processo. Nesse sentido, quando alguém propõe um projeto de pesquisa, apenas antecipa a direção do caminho. O caminho percorrido só poderá ser descrito ao fim da trajetória. O método, embora seja uma exigência de antecipação, só pode ser descrito plenamente após 26 L

a realização da trajetória investigativa. O método de um projeto de pesquisa indica a direção por onde ela caminhará, mas é somente depois do trajeto que se pode ter uma descrição mais rica e detalhada do pro­ cesso de investigação. O método é sempre uma perspectiva de onde se parte que permite pressentir a chegada a algum lugar. Ele propicia o vislumbre de um percurso antes de chegar aos detalhamentos do caminho. Enseja a caminhada em determinada rota. Portanto, embora não possa ser exclusivamente definido antes do cami­ nho, ele aponta sua direção. E isso que torna a pes­ quisa e o conhecimento científico possíveis. Nesse sentido, o método constitui o fundamento de toda e qualquer teoria. Esta resulta de um método que tor­ nou sua elaboração possível. E certo considerar que a mudança de perspectiva metodológica interfere no processo e no resultado da investigação. Questões de método trabalha em um recorte filosó­ fico e surge como um a reflexão a respeito do conhe­ cimento e de seus modos de produção. A sistemática da reflexão sobre o'm étodo e sua influência na inves­ tigação dos objetos possibilitaram , ao longo da his­ tória, a construção de várias perspectivas epistem ológicas, tais como a dialética, a fenom enologia e o positivism o. Essas correntes de pensam ento influenciam o m odo pelo qual se com preende o conhecim ento. Pode-se dizer que elas constituem teorias orientado­ ras dos procedimentos metodológicos, à medida que se vão disseminando pelas mais diversas ciências, favorecendo a criação de novas teorias interpretativas e possibilitando a invenção de novas abordagens de pesquisa, ao m esm o tem po que perm item ao

N ão se vai entrar aqui na discussão dessas correntes filosóficas sobre o método. Mais à frente, elas serão tratadas brevemente. Para uma análise mais apurada, é interessante a abordagem deTrivinos (1987).

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conhecimento avançar em cada área e, com isso, dar origem a novos saberes e novas ciências. As correntes epistemológicas são sempre reflexões sobre o método. Mas qual o sentido do método? E possibilitar um conhecimento verdadeiro, ou seja, em que haja coincidência com o próprio objeto em suas relações, à proporção que seja possível afirmar e manter a verdade. N o conhecimento científico, a verdade não está nem pronta nem acabada, mas consiste sempre num processo de desconstrução, construção e reconstrução — porque os problemas, ao passo que são resolvidos, trazem novas problemáticas e novas possibilidades de aprofundam ento. Portanto, uma dimensão do método é essa de caráter epistemológico-filosófico. N o prisma da edu­ cação, porém, ele não é visto simplesmente à luz da reflexão filosófica, mas também de sua contribuição à pesquisa educacional. Os trabalhos desta natureza vão ter sempre um cunho teórico-prático e menos abstrativo que a reflexão filosófica. O método, na qua­ lidade de caminho que possibilita o conhecimento na área educacional, é compreendido como abordagem dos objetos e da realidade. Nesse caso, na educação, essa reflexão teórico-metodológica de orientação filo­ sófica inclui-se mais naquilo que comumente se chama de abordagens de pesquisa. Um a abordagem não constitui, de pronto, o méto­ do. C om o diz o termo, consiste na ação de atingir a borda, a extremidade, e não propriamente o objeto em si. Abordar é um olhar que se detém na borda para, a partir dela, atingir o centro do objeto como um todo. E uma forma de, desde a borda, olhar aqui­ lo que compõe o objeto em sua totalidade. Quando se fala em abordagem de pesquisa, está-se fazendo 28

uma reflexão sobre como se deve conduzir o olhar na direção de determinados objetos. As abordagens — fundamentalmente duas: quantitativas e qualitativas — não são estanques em si mesmas, mas devem ser conjugadas num a abordagem “quantiqualitativa” para que os objetos de estudo na área educacional sejam mais bem conhecidos. A título de exemplo, pode-se mencionar a etnogra­ fia, a pesquisa-ação, a história de vida e a pesquisa documental como formas de expressão das abordagens qualitativas. Todavia, como se verá ao longo deste tra­ balho, essas formas conjugam elementos quantitativos e qualitativos. C ada abordagem de pesquisa exige fundam entalm ente determ inadas técnicas (por exemplo, a etnografia im plica técnicas de entrevis­ tas, de observação participante e de “estudo de caso” — form a de apresentação de um a com unica­ ção científica de caráter etnográfico). As técnicas de cada abordagem exigem determinadas estratégias (que se dão pelas ações do sujeito/objeto de pesquisa), as quais, em decorrência, envolvem procedimentos táticos (as ações do pesquisador no processo) como forma de acesso ao objeto de investigação. As técnicas, as estra­ tégias e os procedimentos constituem a base dos dados essenciais para a análise do objeto. A análise é preferencialmente realizada com base em categorias de análise, que emergem da teoria que orienta a pesquisa, da opção metodológica e do pró­ prio campo da investigação. As categorias de análise ensejam a construção de um esquema de trabalho que possibilitará o registro da pesquisa com base na elabo­ ração conceituai, retornando à dimensão filosófica do método. E esse ciclo de produção do conhecimento que permite ao pesquisador avançar na análise e na 29

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compreensão da realidade. U m a pesquisa é realmen­ te significativa quando consegue fechar o ciclo do processo investigativo. A análise dos dados ocorre, normalmente, em um momento posterior à realização da coleta de dados da pesquisa, mas pode ocorrer simultaneamente a ela, dependendo da abordagem escolhida. N a pesquisa-ação, por exemplo, a análise inicia-se simultaneamen­ te à própria atividade investigativa, havendo, ao final, uma metanálise, ou seja, uma reflexão sobre a reflexão em torno da ação pesquisada. O presente livro, parte integrante da Coleção Docência em Formação, que oferece subsídios para a formação inicial e contínua dos professores desde a educação infantil até o ensino superior, compõe a Série Saberes Pedagógicos e Formação Docente. Ele nasce da necessidade de estabelecer uma reflexão siste­ mática acerca das questões de método que envolvem o processo de pesquisa em educação. O que moveu as escolhas das temáticas propostas foi justamente a conveniência de repensar epistemologicamente os problemas da investigação nessa área. Busca-se aqui a reflexão sobre as teorias que embasam e fundamentam os processos educativos e suas perspectivas à luz do entendimento de que a epistemologia e a metodologia decorrem de uma ontologia. Assim se justificam as escolhas por determinadas abordagens investigativas — por exemplo, pela pesquisa-ação e pela etnografia, considerando que esta tem seu foco na compreensão da cultura do grupo e aquela, nas transformações da realidade grupai. É nesse ponto que se fundem ontologia, epistemologia e metodologia, como a apreensão de um processo totalizante do ser, do fazer e do compreender as 30

dinâmicas de elaboração do conhecimento, fundamental para a construção ética do ser humano. Com base na noção de que docência e pesquisa se desenvolvem como processos mutuamente engajados, este livro propõe-se redimensionar os pressupostos da pesquisa científica à luz da especificidade do ato peda­ gógico. N ão é sua intenção oferecer aos docentes um pacote de informações sobre métodos e técnicas de pes­ quisa em educação; pretende, ao contrário, refletir sobre a inerência e a necessidade dos processos de pesquisa como construtores do conhecimento, de sorte que sejam percebidos e requeridos como condição para o exercício crítico e reflexivo da profissão.

A obra está dividida em seis capítulos. O primeiro, “Novos sentidos para a ciência”, pro­ cura desmistificar o sentido de ciência tradicional e, à luz dos novos contextos em que a sociedade contem­ porânea está mergulhada, apresentar o ato educativo como um a de suas demandas mais complexas, a qual requer um a concepção ampliada do sentido de ciên­ cia. Propõe aos docentes e futuros docentes uma refle­ xão sobre a especificidade do ato educativo, que requer novas condições para a investigação educacional. O segundo capítulo busca fazer uma análise sobre a construção do olhar do pesquisador como forma de ler o mundo em suas múltiplas representações. O lei­ tor é convidado a verificar que nenhum olhar é neutro; os olhares constroem-se pela significação do mundo. Assim, revela-se necessário aprender a olhar o mundo como condição para pensá-lo num contexto explica­ tivo, compreensivo e interpretative. O terceiro capítulo considera a reflexão como fu n ­ damento do processo investigativo e busca, com foco na 31

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metodologia da pesquisa em educação, algumas luzes sobre a questão. Faz uma análise sobre a objetividade e a subjetividade das pesquisas educacionais, avalian­ do os modelos objetivista, subjetivista e dialético, ao mesmo tempo que indica alguns cuidados necessários ao pesquisador no exercício de sua atividade. Esse capítulo realça a importância da reflexão como subs­ trato para a ação docente. O quarto capítulo analisa os pressupostos epistemológicos e metodológicos da pesquisa em educação numa perspectiva hermenêutica. Aborda a qúestão da relação entre conhecimento e política, procurando com­ preender em que medida essa relação interfere nas metodologias da pesquisa em educação. Analisa o ato de conhecer e seu sentido pedagógico na construção do conhecimento e do objeto de investigação, ao mesmo tempo que propõe a reflexão hermenêutica como para­ digma epistemológico de pesquisa. O quinto capítulo trata da etnografia como p ara­ digm a de construção do processo de conhecimento em educação. Procura compreender a abordagem etno­ gráfica e seus pressupostos. Analisa e propõe o tra­ balho de campo como especificidade da pesquisa etnográfica. Apresenta a observação participante como estratégia de apreensão do objeto da pesquisa etnográfica e estabelece as relações entre a abordagem etnográfica e seu uso na pesquisa em educação. O sexto capítulo discorre sobre a pedagogia da pesquisa-ação. Busca um a definição de direção da pesquisa-ação e reflete seriamente sobre os conceitos centrais dessa modalidade de investigação. Realça a importância de pesquisadores e sujeitos que compõem o grupo pesquisado construírem, em colaboração, pro­ cessos de transformação das condições de suas práticas. 32

Encerra a reflexão com a estruturação de um proces­ so pedagógico para a pesquisa-ação, evidenciando a construção da dinâmica coletiva, a ressignificação das espirais cíclicas, a produção dos conhecimentos, a socialização dos saberes e a conscientização sobre as novas dinâmicas compreensivas. As questões de método trazidas à reflexão estão preocupadas com um a epistemologia que conjuga elementos da dialética, da fenomenologia e da her­ menêutica. Tal movimento reflexivo tem sua razão de ser na convicção de que essas perspectivas complemen­ tam um modo especial de compreensão e permitem o avanço no conhecimento em educação. O livro propugna por uma mudança de atitude com relação a esse conhecimento e exige novas formas de interpretação dos objetos de pesquisa em educação. Destina-se à formação docente nos cursos de Pedagogia e nas demais licenciaturas, aos cursos de formação vinculados aos programas de pós-gradua­ ção lato e stricto sensu e à preparação pedagógica de professores em exercício nas universidades, centros universitários e faculdades isoladas. Desejamos um a boa leitura e um mergulho nas Questões de método na construção da pesquisa em educação como possibilidade de refletir juntos sobre o sentido da produção do conhecimento na esfera educativa.

Os autores

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Capítulo

N O V O S SENTIDOS PARA A CIÊNCIA

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Novos sentidos para a ciência A construção da ciência talvez tenha sido a maior aventura do homem no que diz respeito à sua realidade existencial. O conhecimento científico foi, aos poucos, permitindo-lhe descobrir as estruturas e o funcionamento do universo em suas diferentes manifestações de vida, propiciando enormes progressos nas form as de medir, avaliar e controlar a existência humana. E sabido que a ciência, ao mesmo tempo que proporcionou ao homem esclarecimento, libertação de antigos mitos, alargamento dos saberes e domínio sobre o ambiente, produziu condições de aniquilamento e de opressão da humanidade. A aventura científica esteve sempre permeada de contradições e de ambiguidades. Se, de um lado, caminhou muito na quantificação do mundo, origi­ nando verdades com auras de infalibilidade, de outro, caminhou pouco na dimensão reflexiva de seu saber; se, de um lado, muito caminhou nas ciências denominadas “duras”, de outro, caminhou bem menos nas ciências humanas. Quando este livro põe em questão a cientificidade da pesquisa em educação, pretende adentrar nos senti­ dos da prática científica construídos historicamente, que não consideraram as especificidades das práticas sociais de educação. Dessa forma, estas foram tratadas e

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analisadas segundo os aportes da ciência clássica, os quais nem sempre deram conta de produzir saberes atinentes ao objeto de estudo dela. A ciência moderna sempre pretendeu arvorar-se em portadora da verdade, aspirando a ser a guardiã do caminho da salvação humana, a redentora do homem como senhor do universo. As ciências huma­ nas, por sua vez, estiveram sempre impregnadas da racionalidade que serviu de base aos fundadores da ciência moderna, os quais, apoiados em métodos e lógicas decorrentes das ciências da natureza, avaliza­ ram epistemologias que pressupõem a crença na rea­ lidade exterior, separada do olhar e sentir humanos, acessível pelo bom uso da razão, pela neutralidade científica, pela objetividade, pelos cálculos e análises quantitativos, na busca de postulados verificáveis, de relações causais previsíveis. Assim, a ciência teria o poder de, com maior ou menor rigor, dotar o homem da possibilidade de descobrir a verdade do mundo. Por conseguinte, foi-se estabelecendo a noção de que apenas aquilo comprovado cientificamente, testado empiricamente, é verdadeiro, atitude epistemológica ^_________decorrente da herança histórica da tradição positivista. A irailiç.ui povilivi.sia v aqui vista, umlormc Scverim» ( l l>lWj, anno unia doutrina .iiitivalvnic: ás formulações de (,'oinre. Neverino earaeteriza-.i eomo postura básica de só admitir rumo nítido o roubei iwrnlo do< fenômenos obtido a trai'tf do método experimenta! — matemático - - da acuda. b.ssa postura tmplha a rejctç.io radicai dc todo conhecimento de nature*»! metafisica e a afirmarão de um sujeito raciona! capar apenas dc configurar a fenomcnaUdade do objeto. sendo-lhe vedada qualquer pretensão de chegar a um eventual núcleo F.ss.1 tradição ex press,i-se soh dileienies per.speclisa.x epislemolóeieas. dependendo do» "diferentes modos de intervenção da nuão na construção tio tdqcro" i, l l>9‘). p. S-t j . Kla vai as.sumindo diíerenres feições, denominada» pelo autor de neopositivismo, positivismo lógico ou empirismo lógiVo. euj.i estruturação se d.t a partir elos trabalhos desenvolvido» pelo Círculo de Viena, desde l ‘>22. e iem por objeto último "dar um golpe final na |

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I

U ãJv d id : dando contitiutdade aos empreendimentos eptstemológteoi de Hume e Kant

■ O uua' direção, mais eontem poranca deeorrenie das transformações t o positivismo íbdoxo:, eonstituindo, aliás, quase que um m ovim ento antipositivista, «? denom inada pelo ror "dié iránsposirivisino. tá que earaereri/.a essa rendeneia r o fato de nao caiu a r a

nblemátiea da detida apenas às questões lógico-episiemológicas. julgando ncce.mirio mimai mbém questões de ordem hhtnnca e de ordem ética e polttica. A eieiieta nao e vnta so sob a rspectiva do logos, mas também sob aqucL, dt praxis" P. Hl». Lsxa sorrem e enaltece

a ariva partiJpas ão do sujeito na construção do objeto invesiigadtc

O interesse fundamental desta obra na discussão das possibilidades científicas de investigação educacional pressupõe interrogar-se sobre “as aptidões de seu discur­ so p ara dar conta de seu objeto ’ (Japiassu, 1997, p. 40). Este autor argumenta que, mais do que a questão da cientificidade, a preocupação da ciência que investiga a educação deverá ser o seguinte problema: em que con­ dições as produções de seus pesquisadores são capazes de inventar um mundo, de tornar-se parceiras da humanidade e de pensar não somente o que é verda­ deiro, mas o que é justo e desejável? As afirm ações do autor ressaltam a questão da am biguidade cienjífica, em que os critérios de ver­ dade, historicam ente construídos, nem sem pre se fizeram acom panhar dos sentidos de construção de justiça, de solidariedade e de transform ação da sociedade na direção de mais hum anidade entre os seres hum anos. N ão se pode, pois, deixar de concordar com Morin (1982, p. 13), ao dizer que, apesar de todo o avanço tecnológico obtido pela revolução científica, esta não produziu avanços no progresso humano e pode mais consolidar os poderes do que favorecer as emancipa­ ções. Semelhante direção da ciência é incompatível com os princípios fundadores da ciência da educação. 39

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Percebe-se, portanto, que o paradigma tradicional positivista não oferece suporte para a absorção das espe­ cificidades deste complexo objeto de estudo, a saber, a educação e, especialmente, as práticas educativas.

1. A especificidade da educação

Mialaret (1998), Chariot (1995), Pimenta (1996, 1997, 1999), Hess (1997), Pérez-Gómez (1998), Libâneo (1996, 1998), Estrela (1980), Estrela e Falcão (1990), Schimied-Kowarzik

A educação, segundo muitos autores, possui certa especificidade que lhe outorga o caráter de atividade complexa, caráter esse que precisa ser contemplado nas investigações científicas sobre o objeto em questão. Assim, numa visão ampliada, é possível tentar organizar uma série de constatações, quase consen­*• suais, a respeito do fenômeno educativo, a saber:

(1983), entre outros.

C onforme Franco (2001b).

• A educação é uma prática social humana; é um processo histórico, inconcluso, que emerge da dia­ lética entre homem, mundo, história e circunstân­ cias. Sendo um processo histórico, não poderá ser apreendida por meio de estudos metodológicos que congelam alguns momentos dessa prática. Deverá o método dar conta de apreendê-la em sua natureza dialética, captando não apenas as objetivações de uma prática real concreta, mas também a potencia­ lidade latente de seu processo de transformação. • A educação, como prática social histórica, transforma-se pela ação humana e produz transformações nos que dela participa. Dessa forma, cabe à ciência da educação reconhecer que, ao lado das característi­ cas observáveis do fenômeno, existe um processo de transformação subjetivo, que não apenas modifica as representações dos envolvidos, mas também engen­ dra uma ressignificação na interpretação do fenômeno

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vivido, o que ocasionará uma reorientaçao nas ações futuras. Será fundamental que o método abra espaço para que os sujeitos envolvidos tomem consciência do significado das transformações. • A educação é um objeto de estudo que se m odifi­ ca parcialmente quando se tenta conhecê-la, assim como, à m edida que é apreendida, provoca alterações naquele que dela se apropriou. Aqui se realça a necessidade do caráter dialético dessa ciência, no sentido de considerar com o prioritá­ ria a incorporação da subjetividade na construção da realidade da educação na perspectiva da inter­ pretação coletiva. Será fundamental que o método dessa ciência permita a captação dos significados que os sujeitos vão construindo em processo. • A educação perm ite sempre um a polissem ia em sua função sem iótica, ou seja, nunca existe um a relação direta entre o significante observável e o significado. Assim , a ciência da educação deve considerar necessário adentrar o suposto concre­ to, caminhar na exploração de sua representação abstrata e buscar o novo concreto, expressão mais fiel da “síntese de m últiplas determinações” . • A educação carrega sempre a esfera da intencionali­ dade, o que ressalta sua complexidade axiológica. Esta requer um a atitude de multirreferencialidade (Ardoino) e exige que o método dessa ciência tenha a possibilidade de adentrar na esfera de valores e que seus dados, quer quantitativos, quer qualita­ tivos, sejam analisados à luz dos valores im plíci­ tos, dos valores declarados e dos valores não explícitos, mas presentes nas concepções sociais, ideológicas e culturais. 41

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• As situações educativas estão sempre sujeitas a circunstâncias im previstas, não planejadas, e dessa form a os imprevistos acabam redirecionan­ do o processo e m uitas vezes provocam um a reconfiguração da situação. Portanto, um método científico, ao estudar a educação, precisa reservar espa­ ço de ação e de análise ao não planejado, ao imprevis­ to, à desordem aparente, e isso deve pressupor a ação — coletiva, dialógica e comprometida com a emanci­ pação — empreendida pelos sujeitos da prática, entre os quais se inclui também o pesquisador. • A educação, tendo por finalidade a humanização do homem, integra sempre um sentido de emancipação às suas ações. Por conseguinte, o método científico que a estudará deverá ter com o pressuposto a pos­ sibilidade de oferecer aos sujeitos do grupo pes­ quisado condições formadoras e incentivadoras dessa emancipação, o que poderá facilitar a trans­ formação democrática das condições de vida e existência dos sujeitos.• • Toda ação educativa carrega um a carga de intencio­ nalidade que integra e organiza sua práxis, fazendo confluir para a esfera do fazer as características do contexto sociocultural, as necessidades e possibilida­ des do momento, as concepções teóricas e a consciên­ cia das ações cotidianas, num amálgama provisório que não permite uma parte ser analisada sem refe­ rência ao todo nem este ser analisado sem ser visto como síntese transitória das circunstâncias parciais do momento. Assim, para ser estudada cientificamente, a educação requer procedimentos que facultem ao pesquisador adentrar na dinâmica e no significado da práxis, de sorte que possa compreender as teorias implícitas que permeiam as ações do coletivo. 42

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Percebe-se na educação um objeto complexo que, ao ser apreendido cientificamente, não pode sofrer reduções nem fragmentações, que produziríam sua descaracterização. Percebe-se também que os critérios de cientificidade da ciência tradicional não podem dar conta — como não deram — de estudar a edu­ cação. Esta, como objeto de estudo, sofreu prejuízos em sua interpretação no decurso da história e hoje requer procedimentos e ações conformes a uma racionalidade que lhe sirva de pressuposto. Essa nova racionalidade deverá dar conta de absorver toda a especificidade do fenômeno educativo, delinean­ do os aspectos atribuidores de novo significado à noção de ciência. Para tanto, será necessário empenhar-se na reconstrução e ressignificação dos pressupostos que fun­ damentam a ciência clássica, especialmente: • na superação do princípio da exterioridade da rea­ lidade, incorporando a subjetividade construtora do real; • na transformação da visão de uma realidade com­ posta de fatos ilhados, atômicos, caminhando para um a concepção que incorpore a complexidade e a dialética da realidade social; • na recomposição do pressuposto de que a razão cien­ tífica deve pautar-se pela busca de relações causais entre os fatos e na assunção da necessária considera­ ção da multirreferendalidade das configurações que organizam o fenômeno humano; • na superação da busca da neutralidade científica — que, além de isolar o sujeito do objeto, se abstém de envolvimentos e compromissos com o social e o cole­ tivo — , tendo em vista a assunção da subjetividade como fato inerente à composição da realidade social; 43

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• na incorporação do não quantificável — incluindo aspectos qualitativos e variáveis não observáveis, mas presentes em todo ser humano, tais como von­ tade, desejo, impulsos, emoções, valores — , de sorte que seja suplantada a desnecessária associação entre verdade e comprovação empírica; • no abandono da noção de que tanto os fenômenos da natureza quanto os sociais são regidos por leis invariá­ veis, a fim de assumir como componente da realidade social o aleatório, o imprevisível, o desconhecido; • na superação da crença de que os fatos sociais só poderão ser conhecidos se forem diluídos em variá­ veis, as quais poderão ser observadas, classificadas e medidas depois de operacionalizadas, assim como na adequação de pressupostos que consideram a realida­ de social à luz da totalidade e da contradição; • na revisão da alegação de que há apenas duas for­ mas de conhecimento consideradas válidas: o conhecimento empírico e o lógico; • na revisão do conceito de rigor científico e da compreensão de que o rigor se dá somente pelo controle das medições e que conhecer significa apenas quantificar, assim como em reflexões sobre novas formas de conceber a prática como critério de cientificidade;• • na revisão da concepção de que o todo se compõe da somatória de partes e que basta dividi-lo para entender a totalidade, a fim de abrir-se à relação dialética e complexa entre totalidade e partes; • na reconsideração do privilégio dedicado ao funcio­ namento das coisas em detrimento de sua finalidade, com base no juízo de que a “determinação da causa 44

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form al obtém-se com a expulsão da intenção” (Santos, 1996, p. 16), incorporando, ao contrário, a intencio­ nalidade como fator fundamental para a compreen­ são do fenômeno educativo; • no reconhecimento e esclarecimento da dimensão ética da ciência; • na compreensão de que a ciência pode assumir um domínio ideológico da sociedade por meio de sua transformação em técnica. N a realidade, trata-se de um suposto paradoxo, pois o À medida que os conhecimentos das diversas áreas espanto só surge quando do saber se foram desenvolvendo de acordo com o se assume um “raciocínio positivista”. A lei da rigor científico peculiar aos pressupostos da ciência dinâmica da vida e do clássica, foram surgindo verdades até então insuspei­ mundo, a dialética dos processos sociais tas, que vieram a demonstrar a fragilidade dos funda­ demonstram que o mentos iniciais. exercício racionai facilita Parece ser grande paradoxo o fato de que o exercício o aparecimento de uma razão que, a princípio vista científico, com base em uma racionalidade de cunho como discrepante, funciona como complementar positivista, coopere para o surgimento de produções na configuração de que serão as raízes da destruição dos pressupostos que a novas totalidades. geraram. N o entanto, é um paradoxo que se encon­ tra frequentemente , presente na história das ideias; ________________ O sentido de “acontecimento”, para Morin, conforme M orin (1982, p. 96): “É no momento que relaciona-se a um dos um a tese atinge a província mais afastada do ponto de pressupostos de sua teoria da complexidade, a saber, o partida, é neste momento que se opera um a revolução, caráter singular e fenomenal da precisamente no ponto de partida, que invalida a tese” realidade — o qual não pode ser visto isoladamente, mas O u, ainda, como afirma o autor mais adiante: “É no convive em constante diálogo com o caráter singular e momento em que as ciências humanas se moldam segun­ repetitivo da realidade. “A do um esquema mecanicista, estatístico e causalista, pro­ natureza singular e evolutiva do mundo é inseparável de veniente da física, é neste momento que a própria fisica sua natureza acidental e acontecimental.” se transforma radicalmente e põe o problema da história e do acontecimento.” _____________________________ E certo que, para funcionarem os pressupostos da ciência clássica, era necessária a ideia da imutabilidade

Acontecimento significa, enfim, o que é improvável, o aleatório, o singular, o histórico...

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do mundo, da rejeição do imprevisto, do aleatório, reduzindo o real à esfera do aparente, do superficial, do previsível. M as o acaso, a necessidade, a relatividade vão-se impondo à estatística, à microfísica, à biologia e passam a ser reconhecidos como uma possibilidade na constituição da realidade, gerando novas formas de conhecimento e permitindo um salto qualitativo na compreensão do mundo. Assim, gradativamente, os princípios de imponderabilidade, singularidade, im probabilidade e desordem vão sendo incorpora­ dos na prática das pesquisas científicas. Primeiro nas ciências biofísico-matemáticas e só tardiamente nas ciências sociais e humanas. O utro paradoxo!

2. Elementos para uma epistemologia da ciência contemporânea Cf. Franco (2001b).

Importa por certo que a ciência hoje incorpore em seu fazer, que valide em seu exercício político, os princípios da teoria da complexidade proposta por Morin (1982, 1999); a existencialidade do conheci­ mento propugnada por Vieira Pinto (1985) e Morin (1999); os estudos de Habermas (1988, 1990) sobre a autorreflexividade da ciência; a questão do paradig­ ma emergente estudada por Santos (1989); a valida­ de da ciência proposta por M ialaret (1998), entre outros, sem desconhecer que o conhecimento cientí­ fico, metódico, será sempre o único caminho na busca da validade do saber: “N ão eliminando o pressu­ posto fundam ental de que a ciência mantém sua hege­ monia epistêmica, única detentora do saber realmente válido ’ (Severino, 1999, p. 54). 46

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À luz dos princípios decorrentes das teorias supracitadas, podem -se fazer algumas observações sobre a epistem ologia da ciência contemporânea. a) Ela deverá levar em conta a relação dialética entre sujeito e objeto, que faz o homem ser, de forma cada vez mais ampla, o criador das condições que o criam, indicando a necessidade de considerar sempre o objeto associado a seu ambiente, num processo contínuo de “autoeco-organização” . Tanto Mialaret (1996a) quanto Santos (1996) e Morin (1982) afirmam que o abandono da física clássica, da mecânica newtoniana, e a incorporação dos conhecimentos decorrentes da mecânica quânti­ ca, da biologia molecular, da astrofísica, entre outros, impõem novo ponto de vista sobre a realidade: esta, com o hoje se sabe, sofre interferências estruturais do sujeito, em sua relação com o objeto observado; comprova-se que a totalidade do real não se com ­ põe da soma das partes, e, sendo assim, a relação sujeito-objeto é considerada complexa, integrativa, holística, já não comportando a fragilidade da dico­ tomia que separa, para medir, sujeito de objeto, pen­ samento de ação, teoria de prática — procedimento, aliás, tão essencial à ciência moderna. As palavras de Santos (1996, p. 28) sobre essa incompatibilidade entre os pressupostos da ciência clás­ sica e as novas descobertas e compreensões do mundo contemporâneo são contundentes: “Em vez da eternida­ de, a história; em vez do determinismo, a imprevisibilidade; em vez do mecanicismo, a interpenetração, a espontaneida­ de, a auto-organização; em vez da reversibilidade, a irreversibilidade e a evolução; em vez da ordem, a desordem; em vez da necessidade, a criatividade e o acidente 47

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b) Decorre do exposto que o todo é sempre mais e menos que a soma de suas partes, que a dinâmica da integração parte-todo é sempre emergencial, circuns­ tancial, e que agir pela complexidade significa enfrentar as contradições, as incertezas, superar o conhecimento sim plificador e encontrar caminhos para compreender as relações entre contínuo e des­ contínuo, entre ordem-desordem e organização. Será preciso que a ciência — mantendõ, como diz Morin, a coerência — estabeleça npvas formas de convívio com a contradição, sem deixar de enfrentá-la, um a vez que “o real é enorme, fora das normas... E no diálogo com o inconcebível e o indizível, no jogo entre claro e escuro que há pensamento: o pensamento, como a vida, só pode viver à temperatura da própria destruição” (Morin, 1982, p. 239). c) Para absorver a contradição, inerente ao processo de conhecimento, será necessário admitir a lógica dialé­ tica como elemento constitutivo do método científico, de sorte que se permita a apreensão de toda manifestação da realidade, e então não apenas acolher a contradição, mas criar meios de dialogar com ela, utilizando-a, com­ preendendo-a e aplicando-a. Vieira Pinto (1985, p. 45) afirma que “a lógica dialética é o sistema de pensamento racional que refle­ te fidedignam ente o movimento real das transforma­ ções que se passam no mundo exterior, físico e sociaT. Ademais, apenas mediante a dialética será possível superar o histórico fosso que se foi constituindo entre teoria e prática, uma vez que ela parte do pres­ suposto de que o pensamento teórico não existe des­ ligado do plano objetivo, da prática, ou sem ter um a 48 . n_

utilidade para esta, “assim como não há trabalho nem ação prática sobre o mundo que não dê em resultado um a representação teórica e não determine o apareci­ mento de novas ideias ou a descoberta de relações iné­ ditas entre estas”. d) Essa ciência precisa assumir a incumbência de integração e disponibilização dos saberes produzidos, promovendo a situação comunicativa proposta por Habermas, de sorte que seu papel social englobe um caráter de emancipação. Habermas (1988), sempre interessado nos proces­ sos de emancipação, pretende conferir à ciência um caráter de autorreflexão, que inclui a crítica por prin­ cípio e a intersubjetividade como pontos de partida na compreensão da subjetividade, com a finalidade de emancipar o sujeito da opressão da racionalidade. Santos (1989), ao comentar a configuração de um novo paradigma para as ciências, denominado por ele de paradigma emergente, realça seu caráter social, construindo um conhecimento prudente p ara uma vida decente. Prudente será, para o autor, o conhecimento que emerge da precariedade de sentido da existência humana e busca novos significados para ela. Uma vida decente deverá ser buscada em nova compreen­ são de mundo, que parte do valor do humano e incorpora os conceitos de historicidade, processo, liberdade e consciência, de acordo com nova lógica existencial que promova a situação comunicativa pro­ posta por Habermas. O sentido social e reflexivo deverá ser assumido pela ciência, e com essa compreensão Mialaret (1996b) sustenta que a pesquisa científica deverá exa­ minar o saber e produzir conhecimentos novos que 49

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fomentem melhores condições de vida, mas sejam suscetíveis de discussão, crítica e aceitação, ao menos provisoriamente, por parte do conjunto da comuni­ dade científica de uma época. Diante desses posicionamentos, há que pensar em outras formas de estabelecimento de critérios de vali­ dade da ciência: não mais a experimentação empírica nem apenas o raciocínio lógico; é preciso caminhar para formas mais coerentes, ampliadas, adequadas à epistemologia da ciência contemporânea. Com o se sabe, o sentido de validade é epistemologicamente inerente ao sentido de ciência. Tanto que, em uma clássica definição de dicionário, um termo é definido pelo outro: Abbagnano (1998) conceitualiza ciência como o “conhecimento que inclua, em qualquer form a ou medida, uma garantia da própria validade” . A noção de qualquer forma ou medida vem, no entanto, relativizar e recompor a de verdade absoluta que por muitos séculos esteve associada à ideia de ciên­ cia. Incorpora, por certo, as conquistas epistemològicas da ciência moderna e as perspectivas já aludidas nos pressupostos da ciência pós-moderna. Apesar de toda a evolução, o caráter de validade pre­ cisa estar presente, oferecendo suporte de certeza máxi­ ma do conhecimento, de acordo com as condições dadas, e garantindo sua universalidade subjetiva. Nesse sentido, ainda conforme Abbagnano, é válido o conhe­ cimento reconhecido por todos como verdadeiro, bom, belo, justo... Parece uma afirmação óbvia, simples, clara. N o entanto, surgem imediatamente dificuldades: • Quem são todos? • Em tem po de tam anha diversidade cultural, em um m undo de amplas divergências de valores, de 50

interesses conflitantes, como reconhecer o verda­ deiro, o justo? Analisar essas e outras questões revela-se uma tare­ fa importante para a pesquisa em educação. A ela caberá constituir um estatuto científico pautado em pressupostos éticos, que deverão impregnar toda e qualquer atividade científica: não apenas as atinentes à esfera da educação, mas também as relacionadas a todas as áreas do saber.

3. Da necessidade de ressignificação do sentido de validade científica Discutir a cientificidade de um objeto de estudo significa buscar um modo especial de legitimar o conhecimento. Gellner (1974) afirma que todo conhecimento é uma crença apoiada em alguma forma de legitimação e considera duas atitudes inte­ lectuais na busca da justificação de um sistema de crença: a primeira, ^denomina-a de teorias de endosso, que visam à legitimação apoiada no sistema de cren­ ças existentes no sistema estabelecido; a segunda, denomina-a de teorias de seleção, em que a legitima­ ção se dá com base em critérios de validade indepen­ dentes do conjunto de crenças locais, dotados de

Apud Rocha (1990)-

autoridade exterior a esse conjunto. Dessa forma, a discussão da cientificidade remete-se à discussão da racionalidade que preside o conheci­ mento científico. Para especificar o sentido de ciência com base em critérios de validade do conhecimento, pode-se acompanhar o enriquecedor estudo de um professor 51

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da Universidade de Lyon, Develay (1998), que enfa­ tiza que todo conhecimento científico, para ser con­ siderado válido, deve carregar forte interesse social. N o entanto, que interesse social é esse? Para o autor, ape­ nas a reflexão coletiva pode dar conta de determinar essa questão. Assim , sugere a criação de um Parlamento de Educação, um a espécie de conselho de atores sociais envolvidos na situação em estudo, que seria responsável pela produção coletiva da subjetivi­ dade, chamada por alguns de conhecimento (1998, p. 78). Develay explica que essa ideia foi original­ mente criada por Bruno Latour como Parlement de chose, ao pensar em constituir um lugar capaz de reconciliar a política, a ciência, o bem e a verdade. Sua finalidade seria propiciar que o logos (razão, ver­ dade) não seja subordinado ao éthos (o bem), nem que o bem seja subordinado à verdade (Develay, 1998, p. 76). Tal parlamento agregaria os responsáveis científicos (pesquisadores), os representantes da sociedade política, representantes das famílias, professores, talvez alunos, e poderia compor, não a utopia da intersubjetividade, mas aquilo que Félix Guattari denominou de produção coletiva da subjetividade. Por certo, a ideia desse conselho, desse parlamento, precisa ser aprofundada, no entanto deve-se realçar essa importante atitude epistemológica, que agrega ao ato de pesquisar os direta e indiretamente envolvidos, res­ gatando o caráter eminentemente político e emancipatório da pesquisa. O autor considera ainda que os novos paradigmas de pesquisa que incorporam em seu fazer a inevitabilidade da subjetividade acabam devendo aos epistemólogos 52

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positivistas respostas sobre a questão da prova, da certi­ ficação de que aquilo que se produziu realmente ofere­ ceu resultados relevantes. Dessa forma, com o parlamento pode-se conferir de modo mais palpável a extensão dos resultados da pes­ quisa, mediante a análise da subjetividade coletiva, o que facilitaria a construção do estatuto científico da educação, além de propiciar o certificado social de sua validade. Tal situação confere à pesquisa o fundamen­ to científico de emancipação ou, como diz Develay, favorece que a verdade seja emancipatória. Essa posição aproxima-se muito dos estudos de Habermas, que propõe uma teoria consensual da ver­ dade, segundo a qual um a comunidade examina, em um a discussão racional, as pretensões de validade de um conhecimento, na busca de um consenso verda­ deiro mediante a comunicação intersubjetiva, em que os argumentos sejam racionalmente imperativos. A legitimidade tem seu sentido relacionado ao compor­ tamento coletivo. Rocha (1990) afirma que a questão da cientificidade, de acordo com uma epistemologia consensualista, requer a discussão acerca dos critérios efetivamente utilizados na prática cotidiana da pesquisa para aceitar os argumentos cogentes, de modo que o consenso formado em conse­ quência dessa argumentação se aproxime do consenso verdadeiro. Revela-se pertinente a asserção de Vieira Pinto (1985) de que o critério de validade da ciência será expresso pela prática social intencionada, fruto do engajamento do homem em seu processo produtivo, como ação coletiva para a coletividade. Assim, a pes­ quisa científica só se faz válida à medida que se realiza

Para o autor, cogentes são argumentos substanciais que se revelem eficazes (Rocha, 1990).

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para produzir bens indispensáveis à existência e adqui­ rir instrumentos de transformação do mundo em pro­ veito humano. Nesse sentido, fica realçado o caráter essencial­ mente ideológico de toda produção científica e o fun­ damento social que deve prefigurá-la. Com base nessa reflexão, considera-se que, se o produto da ciência não puder ser apropriado pelo homem, a tare­ fa cientifica passa a ser alienada e alienante e com isso perde as condições de sua validade. Enfim , uma ciência que passa a Incorporar, em sua epistemologia, a complexidade, a reflexividade, a intercomunicação de significados, a humanidade, há de necessitar de uma maneira complexa, interativa, etica, humana e comunicativa de agir. E, como a ciência só pode ser vista num processo histórico, evo­ lutivo, coletivo e consciente, deve buscar alternativas que respeitem as novas conquistas científicas e a necessidade de emancipação do homem por meio da obtenção de condições mais dignas de sobrevivência, realizando a articulação crítica entre ética, política e ciência e ressignificando os sentidos de progresso e desenvolvimento científico. A ciência no mundo é outra, e, como afirma Mialaret (1996b), a pesquisa científica em educação ja não pode contentar-se em estudar a dupla professor/aluno nem os grupos apenas, muito menos separar teoria e pratica. Sera preciso que a metodologia em educação incorpore as condições de vida, a complexi­ dade das variaveis que compõem um meio ambiente, sempre em constante evolução e em interdependência com os sujeitos. Para a discussão dos procedimentos científicos que deem conta do novo universo epistemológico, criando

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alternativas de novas e significativas compreensões do real que organiza o fènomeno educativo, revela-se funda­ mental a consideração da ciência como um instrumento político, como uma ação intencionada, no sentido da construção de mais humanidade entre os seres humanos, e exercida na perspectiva de organizar instrumentos e construir conhecimentos que sejam elementos de trans­ formação do mundo e das pessoas, na direção do bem coletivo e da justiça entre os povos.

4. Novos sentidos para a compreensão do fenômeno educativo: caminhos de transição A ciência, como fenômeno social e político, carrega em seu bojo as marcas de um tempo histórico, reflete os valores sociais de uma época e incorpora em seu fazer as representações e concepções da cultura coleti­ va do momento. A evolução da compreensão dos fenômenos edu­ cacionais bem coipo as configurações complexas e variadas que o próprio processo educativo vai assu­ mindo para atender às novas demandas socioculturais vão exigindo que novas formas de pesquisa sejam incorporadas ao fazer cientifico. Assim a prática educativa, vista como um a síntese provisória da intencionalidade educacional de uma época, num contexto específico, vai tomando suces­ sivamente diferentes contornos. Foi grande o impacto das metodologias qualitati­ vas sobre a compreensão do fenômeno educacional. Elas perm itiram vislum brar novas perspectivas, recompondo o corpo de conhecimentos em educaçao 55

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Martins (1984 e 1989), Lüdke (1984), Lüdke e André (1986), André (1978) , Sánchez Gamboa (1989), Fazenda (1989), Demo (1984), Cunha (1989) e Espósito (1996), entre outros.

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e organizando nova textura, que acabou favorecendo novas compreensões do fenômeno e exigindo novas ati­ tudes metodológicas que decerto ampliarão uma vez mais as dimensões do objeto de estudo em questão. A seguir, será apresentada breve análise dessa traje­ tória da pesquisa educacional, que, passando a incor­ porar os procedimentos qualitativos, configurou uma mudança não só na concepção epistemológica da educação, como também no potencial transformador do método na consideração da realidade investigada. Longe de aprofundar todas as nuanças desse processo histórico, o objetivo é apenas especificar uma proposta metodológica para a ciência da educação, na pressupo­ sição de que o método indicado a essa ciência deverá ser integrador de diversas abordagens qualitativas, o que lhe conferirá um caráter formativo-emancipatório. Em relação à pesquisa educacional no Brasil, as duas últimas décadas viram a preocupação com as abordagens qualitativas, compreensivas, dialéticas, emergir e caminhar paralelamente às abordagens de cunho positivista, quantitativo, analítico. Sánchez Gam boa (1989) constata que 66% das pesquisas em educação realizadas nos cursos de pós-graduação do Estado de São Paulo, no período de 1971 a 1984, foram empírico-analíticas e as pesquisas qualitativas (fenomenológico-hermenêuticas e crítico-dialéticas) passaram de 28% , entre 1971 e 1976, para 32% na década seguinte. Estrela (1999, p. 220) demonstra que, numa consulta às edições do Handbook o f research on teaching publicadas em 1973 e 1986, se pode notar nítida diferença entre os enfoques meto­ dológicos: a primeira reflete uma investigação feita sob o signo da objetividade e da medida quantitativa; já a segunda traz diversas contribuições, realizadas

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sob diversas inspirações e diferentes metodologias, de acordo com a abordagem qualitativa. Certamente a porcentagem de pesquisas qualitati­ vas em educação, na última década, deve já ser bem superior à constatada nas épocas aqui referidas. Em um estudo ainda preliminar com base nas disserta­ ções de mestrado e teses de doutoramento produzidas nos últimos cinco anos cujo tema central seja a práti­ ca docente, observa-se que a quase totalidade delas já emprega pesquisas de abordagem qualitativa, fazendo uso de um a diversidade de técnicas pouco ortodoxas, múltiplas, de acordo com uma mesma intencionali­ dade metodológica. Acima de tudo, demonstram forte preocupação em procurar a participação dos sujeitos pesquisados na análise dos processos e dos resultados

Franco (2003).

da pesquisa. A emergência da abordagem qualitativa em educa­ ção indica que novas necessidades e outras percepções se impuseram aos pesquisadores. Lüdke e André (1986), bem como Fazenda (1989 e 1991), claramente ressaltam que, à medida que se compreendeu a educação como fenômeno integral e complexo, ela foi requisitando nova forma de pesqui­ sa que já não pretendesse estudar o fenômeno educa­ tivo de maneira descontextualizada, decompondo seu todo em variáveis observáveis e descaracterizando a própria essência do processo. Sustentam as autoras que, aos poucos, se percebeu que a tão requerida neu­ tralidade do pesquisador, exigência do paradigma positivista, consistia em um a exigência não só impos­ sível, como também deturpadora da essência do obje­ to educativo. Conform e Lüdke e André (1986, p. 4), “'os fatos, os dados, não se revelam deform a gratuita aos olhos do pesquisador'. E preciso lembrar, com Santos 57

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(1996, p. 26), “a ideia de que não conhecemos do real senão o que nele introduzimos”, reafirmando que a sub­ jetividade é fator inerente à pesquisa em educação. Os novos entendimentos sobre a realidade social, que deixa de ser vista como mecânica, linear, previsível para ser considerada dinâmica, histórica e complexa, fazem que se supere a concepção de causalidade, de pre­ visibilidade, em direção a uma atitude que percebe a realidade como um todo dinâmico, com. múltiplas e variadas configurações. Neste ponto, será importante realçar a interdepen­ dência entre a mudança de percepção da realidade e a própria, que, percebida de modo diferente, muda a per­ cepção dos sujeitos, num jogo contínuo da realidade existencial. E, ainda, propor como reflexão a afirmação de Evangelista (1990, p. 216), segundo a qual “no hori­ zonte do conflito entre positivismo e não positivismo [...] é que a conflituosidade se radicaliza e se toma condição de novasfiguras de cientificidade”. O importante, de todo modo, é considerar que a ciência se constrói gradativamente por meio da desco­ berta de novas e provisórias verdades, num processo contínuo de retificações constantes tal como descrito por Bachelard (1996), e que esse fato lhe confere a pere­ ne missão de refletir sobre si mesma, de adequar-se aos novos movimentos do real, apreendendo e elaborando as críticas, que, quanto mais consensuais e coletivas, maiores possibilidades oferecerão à própria ciência. A pesquisa qualitativa surge, por volta da década de 70 do século passado, acom panhando o interes­ se crescente, em muitos países da América Latina, na discussão da necessária qualidade dos processos educacionais para o enfrentamento e superação das condições de subdesenvolvimento. Em termos de 58

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pressupostos teóricos, a abordagem qualitativa car­ rega em suas raízes os estudos das correntes filosó­ ficas da fenom enologia e do marxismo, pautadas no desafio de trazer para o plano do conhecimento, da ciência, a dialética da realidade. A pesquisa qua­ litativa tam bém se fez com base nos estudos antro­ pológicos, decorrentes especialmente dos estudos etnográficos iniciados por Malinowski, com fortes vínculos estruturais funcionalistas. A pesquisa qualitativa emerge, inicialmente, no âmbito de uma visão dicotômica entre quantidade e qualidade, ainda hoje presente na concepção de mui­ tos pesquisadores. Já se reconhece atualmente que quantidade e qualidade são propriedades interdepen­ dentes de um fenômeno. H á uma dificuldade muito grande na delimitação da conceituação de pesquisa qualitativa e na determi­ nação de percursos investigativos característicos dessa abordagem. D e modo geral, costuma-se enfocar dois tipos de pesquisas qualitativas: a pesquisa subjetivista-compreensiva e a crítico-participativa, utilizando a denominação deTfivinos (1987), ou a pesquisa fenomenológico-hermenêutica e a crítico-dialética, fazen­ do uso da nomenclatura proposta por Sánchez Gamboa (1989). Franco (2003) tem utilizado a pro­ posta de Sánchez G am boa, incluindo, no entanto, um a terceira perspectiva, que denom ina de pesqui­ sa formativo-emancipatória. Segundo Vieira Pinto (1983), há apenas duas con­ cepções possíveis sobre o mundo, sobre a realidade: um a é a metafísica, outra é a dialética. Assim, ambos os enfoques da pesquisa qualitativa assumem uma concepção dialética da realidade, opondo-se, portan­ to, aos métodos decorrentes da posição metafísica, 59

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A limitação metodológica decorre da coerência do método com os pressupostos epistemológicos que subsidiam a pesquisa empírica.

estruturados de forma linear, aistórica, mecanicista, pressupondo a neutralidade científica, buscando a objetividade e dela partindo, perseguindo relações de causalidade, separando sujeito de objeto, fatos de valores, ideologia de ciência. O importante a considerar é que, se a pesquisa empí­ rica limitou a possibilidade de percepção de toda a amplitude do fenômeno educativo, este — extrapolan­ do o foco limitado por essa metodologia —- deixa-se apreender, em um grau ampliado de complexidade, pela pesquisa qualitativa. Essa retificação, gíadativamente, permitiu à ciência da educação a utilização de novos refe­ renciais para a pesquisa e fez emergir outros focos de per­ cepção na compreensão do fenômeno educativo. O apontamento de algumas dessas constatações aqui realizado visa suscitar reflexões sobre as possibi­ lidades de que novos estudos e pesquisas científicas venham a referendar novas e frutíferas formas de pes­ quisa em educação. Após alguns anos de prática da pesquisa qualitati­ va, estudos nela baseados demonstram, de modo nem consensual nem exclusivo, que novas compreensões vão sendo incorporadas ao conhecimento educacio­ nal. Dentre elas, ressaltem-se as seguintes: • O professor vem à cena. Sua pessoa, sua fala, sua inter­ pretação do vivido, suas representações, seu olhar, a dimensão de suas necessidades e expectativas trazem novo panoram a: o professor como pessoa, como profissional, como construtor de inteligibilidade, como ser reflexivo, como alguém que pensa, deci­ de, se angustia. Antes da utilização de referenciais qualitativos na pesquisa educacional, o professor nunca estava visível.

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Nas pesquisas empíricas, era retratado, muitas vezes, com um perfil médio; era tratado como um replicador de procedimentos, e podia também ser visto como um aplicador de normas disciplinares ou mesmo como um organizador do ambiente de ensino. Era igualmente bastante comum ser compreendido como um dos polos da interação social ou ainda como o transmissor de informações. O professor vai passando gradativamente, na evolu­ ção das pesquisas, de objeto a sujeito, pois a pesquisa qualitativa centrará seu foco na descoberta desse sujei­ to, em sua compreensão; vai buscar sua colaboração, fazer-se parceira dele, preocupar-se com sua formação, com suas histórias. E, além do professor como sujeito, surgem também os alunos, os pais, a comunidade e rea­ firma-se a questão essencial do sujeito. Estando presente esse sujeito, no caso o profes­ sor, a pesquisa passa a incorporá-lo. N essa nova dim ensão, é possível olhar a realidade na perspec­ tiva do professor, e não apenas a realidade sobre ele; ao conceber a subjetividade como um fator inevitável na pesquisa entre seres hum anos em ação, passa a ser possível estabelecer contatos mais profundos, adentrar nas esferas do desejo, das emoções, das frustrações do sujeito, de suas repre­ sentações, dos questionam entos de sua identidade. • O cotidiano entra em destaque. A pesquisa qualitativa vai permitir a compreensão do cotidiano como possi­ bilidade de vivências únicas, impregnadas de sentido, realçando a esfera do intersubjetivo, da interação, da comunicação e proclamando-o como o espaço onde as mudanças podem ser pressentidas e anunciadas. Antes da emergência das pesquisas qualitativas em educação, o cotidiano das práticas educacionais era 61

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descrito como contingência, roteiro de atividades diárias, conjunto de variáveis ambientais, sucessão de eventos que deveriam ocorrer de forma linear, previ­ sível, programada. O imprevisto, o acidental, aquilo que fugia da rotina era, normalmente, um dado a ser incluído em observações. Enfim, o cotidiano passa a ser percebido como o espaço significativo, cultural, em que os seres humanos constroem sua existência e se fazem transformadores das circunstâncias. O homem, em sua cõtidianidade, passa a ser visto, conforme Lukács, corho homem intei­ ro, em sua inteira individualidade. À medida que a pesquisa qualitativa favorece que a cõtidianidade seja percebida, valorizada, mostre-se como gestadora e germinadora dos valores e papéis sociais, vai possibilitando aos pesquisadores a apro­ priação das relações entre particularidade e totalida­ de, entre o indivíduo e o ser humano genérico, entre cultura e história. O olhar sério, comprometido, constante dos pesquisadores sobre o cotidiano das práticas educacionais permitiu-lhes, por certo, liberar seu pensamento de muitos raciocínios supostos e defrontar-se com realidades jam ais suspeitadas, embora sempre presentes. Com efeito, não existe pes­ quisador que, ao adentrar a cõtidianidade de qualquer prática educacional, não tenha realizado descobertas fascinantes e, à primeira vista, não imaginadas. A des­ coberta do cotidiano veio referendar a não linearidade, a não objetividade, a não previsibilidade dos fenôme­ nos que compõem a realidade social. D os estudos baseados no sujeito inserido em um cotidiano significativo vão surgindo novas catego­ rias de conhecimento que passam a ser investigadas e facultam novas e am pliadas compreensões do

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fenômeno educativo. A participação de novos atores na cena investigada gera neles próprios um efeito transformador. Assim, um professor, ao ter lugar em um a pesquisa de cunho participativo, passa a receber novas informações sobre sua própria prática, passa a refletir com maior profundidade sobre algum aspec­ to da pesquisa, mesmo que de interesse do pesquisa­ dor. Ele vai sendo compelido a acompanhar o olhar do pesquisador... Despontam, em consequência, novas reflexões sobre o retorno dos produtos dessas pesquisas na for­ mação dos sujeitos da prática. Em tal processo, o cotidiano descoberto propiciou novas compreensões ao pesquisador. N o entanto, ainda parece ser preciso que surjam novas compreensões nos sujeitos pesqui­ sados, não com o concessões circunstanciais, num momento formal de comunicação de resultados, mas num processo genuinamente pedagógico de envolvi­ mento processual desses sujeitos. • A realidade social passa a ser dotada de sentido. O exercício de práticas qualitativas de pesquisa em educação possibilitou perceber a realidade social de modo diferente: ela passou a ser compreendida como algo composto de múltiplas significações, de representações que carregam o sentido da intencio­ nalidade. Em decorrência, ampliaram-se os estudos sobre as representações sociais, sobre o discurso e a fala dos sujeitos. Esses discursos e falas precisam ser examinados com base na simbologia, nas metáfo­ ras, nas entrelinhas e requerem uma busca de sen­ tido, análises de conteúdo, análise do discurso. Assim, novas formas de análise da coleta de dados são requeridas e novas atitudes vão sendo incorporadas a esse fazer científico. A medida que se necessita de uma análise do discurso 63

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ou de conteúdo, percebe-se a distância entre o mundo de quem proferiu o discurso e o daquele que o analisa. Se houvesse sido construído um universo cultural partilha­ do, a inteligibilidade do discurso seria mais palpável, cabendo uma hermenêutica coletiva como continuidade das práticas cotidianas. • Surgem, questões relativas à identidade, à emancipa­ ção, à autonomia. À medida que as personagens falam, se expressam, exprimem sentimentos, olham para si e querem perceber-se, vão surgindo ao pes­ quisador as questões de papéis sociais, de identida­ de, da busca do espaço existencial, bem como as do querer ser, da emancipação, da autonomia. A pro­ blemática dos estudos identitários só pode emergir como objeto de pesquisa quando se reconhece no sujeito, construtor de sua existência, alguém deter­ minado, mas não condicionado, como gostava de expressar-se Paulo Freire, fragmentado pelos papéis sociais, apertado afetivamente em condições opres­ soras e alienantes de trabalho, desfigurado pelas condições pouco humanizadoras impostas pelo capitalismo moderno, um sujeito sem rosto que precisa e quer conhecer-se.• • O processo impoe-se ao produto. Focando o olhar no cotidiano, pode o pesquisador afeito a práticas qua­ litativas perceber o fluxo dos fatos em movimento. As pessoas falam, às vezes se percebem, se reco­ nhecem, os grupos emergem, as identidades são descobertas, encontrando-se às vezes deterioradas, m utiladas, outras vezes em processo de construção, de desconstrução. Os processos precisam ser percebidos, estudados, precisam visar à emancipação. Os produtos são relativos, 64

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provisórios; para serem mudados, é necessário focar o olhar no coletivo que constrói o processo. Com o estudar as identidades? Com o mediar a identidade coletiva com identidades individuais? C om o apreender as identidades construindo-se, metamorfoseando-se, lutando pela integração nos papéis sociais? Surgem várias adaptações da metodolo­ gia da história de vida, das “egonarrativas”, dos estudos biográficos, do resgate da História na confluência de histórias individuais, grupais, coletivas, que procuram dar conta do novo espaço existencial que passa a ser incorporado às preocupações dos cientistas. • A s técnicas de pesquisa enriquecem-se. Quem traba­ lha com pesquisa qualitativa sabe que, na busca dos conteúdos implícitos, dos valores encobertos que pautam os sentidos do cotidiano, há necessidade de profundas descrições, de interpretações; os discur­ sos precisam ser decodificados, as falas, organizadas em unidades de significados, pesquisador e pesqui­ sados fundem-se e criam proximidade que pode promover a intersubjetividade, os papéis alternam-se, as personagens dialogam , novas percepções agregam-se a sentidos antigos, cada fato novo pre­ cisa de muitos olhares... O que sempre foi já não é sentido como tal, as certezas já não são tão certas, os dados precisam de novas formas de coleta e orga­ nização, problemas éticos impõem-se, toca-se em sentimentos profundos. O sujeito está emergindo da opressão histórica imposta pela racionalidade. Com o tratar esse sujeito que emerge? C om o pes­ quisar as práxis educativas? O professor entra em cena, o cotidiano de suas vivências emerge como cenário interpretativo, os sig­ nificados e sentidos elaborados roteirizam as ações e 65

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redirecionam a história, novos atores juntam-se ao palco, diálogos cada vez mais fortes substituem os sussurros de outrora. Novas cores e olhares tomam conta do palco; o roteiro transforma-se, novos panos abrem-se, revelando histórias encobertas, sentidos latentes, novas possibilidades... Surge a consciência da complexidade da prática docente; a certeza de que a ciência educacional empí­ rica não tem sido capaz de revelar a dimensão dessa prática; a convicção de que “os pressupostos tácitos racionais distanciaram os professores de seus corpos, induzindo-os a tratarem a si mesmos e a seus alunos como transmissores e recebedores de informação — como androides” (Kincheloe, 1997, p. 218). Chega-se à consideração de que o s problemas de ensinar são raramente consistentes e não

possuem métodos reconhecíveis de solução. Tais problemas demandam uma form a de pensamento do praticante na ação na qual alterações pon tuais dos planos são necessárias. [...] A diferença entre esta fo rm a de pensa­ mento do praticante e a s mais tradicionais variedades cientificas cartesianas-newtonianas é profunda porque estes estilos de pensamento tecnicista aplicam construções rígidas p ara situações cambiantes em que elas são inapropriadas (K in ch elo e, 1 9 9 7 , p . 2 2 0 ).

Constata-se então a inadequação entre os funda­ mentos da metodologia de base cartesiana e os fun­ damentos da ação necessária a uma prática docente afinada com um a concepção dialética da realidade. Mas há que ressaltar que a emergência do novo cenário, desvelado por metodologias de cunho qualitativo, porá em evidência o professor que deve e pode ser reflexivo; ademais, saliente-se que não há saídas prescritivas à prá­ tica docente, mas soluções formativas, decorrentes de uma teoria pedagógica emancipatória. 6 6

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À medida que novos sentidos sobre a prática docente foram desvelados e os conhecimentos sobre ela puderam ser problematizados de forma crítica, antigos pressupostos, antigas crenças, antigos saberes passaram a ser reconfigurados, num processo em que emerge a figura necessária da consciência docente, importante elemento da formação do professor reflexivo. O processo formativo desse professor vai requerer novo enfoque sobre as metodologias investigativas no campo educacional, que terão de dar conta não só de apreender a reflexividade, mas também de construí-la. Será preciso que as novas metodologias se invistam de um caráter formativo-emancipatório, incluindo igual­ mente os assim chamados “práticos” — os sujeitos que compõem o grupo pesquisado — no processo. A busca de novos sentidos para a cientificidade da pesquisa em educação não apenas sinalizará a nova fase dos estudos sobre a prática docente, como tam­ bém poderá dar conta de fundamentar a validade da pesquisa científica da educação, trazendo respostas tanto às questões concernentes à ressignificação da ciência que tratam da possibilidade de delimitar, em cada momento, o certo, o justo, o belo e o bom quanto ao critério ético de conhecimento para todos. Será preciso esquadrinhar a relação dialética entre objeto e método, a fim de tornar evidente o fato de que o principal critério da cientificidade do método de pesquisa é a capacidade dele de alimentar e fecun­ dar seu objeto de estudo, apontando caminhos de desvelamento e autoconhecimento oxigenadores do processo de transformação desse objeto, que deve cada vez mais adequar-se aos desafios constantes da mutabilidade da realidade social. 67

Novos

S E N T ID O S PARA A C IÊ N C IA

Assim se delineará a relevância social como critério fundador da ciência. Ou, como diz Brecht: “A única finalidade da ciência é aliviar a miséria da existência humana” — e sabe-se que a grande mestra dessa misé­ ria é a ignorância e o desprezo pela análise profunda das circunstâncias existenciais que nos cercam.

Capítulo

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CONSTRUÇÃO DO OLHAR DO PESQUISADOR

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A construção do olhar do pesquisador O processo de pesquisa resulta d efin a e apurada percepção do mundo, sistematizado por meio de uma atitude metódica que efetua, no texto produzido, uma comunicação do olhar posto com atenção sobre determinado objeto investigativo. Assim, tanto o processo de construção da pesquisa quanto o processo de investigação do objeto fazem parte de um mesmo exercício interpretativo que busca penetrar nas relações socialmente construídas p ara compreendê-las, explicá-las e interferir em sua constituição. Neste capítulo será proposta uma reflexão, em dois momentos distintos e complementares, sobre um m odo particular de ver e de pensar a produção do conhecimento na perspectiva da pesquisa-ação. O primeiro movimento reflexivo procura pensar a construção do olhar do pesquisador com base na edu­ cação do modo pelo qual se olha e percebe o mundo. Nesse movimento, propõe-se que o olhar, a percep­ ção e a interpretação do objeto compõem complexo processo de leitura das múltiplas representações feitas do mundo. Isso quer dizer que o olhar quer ver sem­ pre mais do que aquilo que lhe é dado ver. Olhar, nesse caso, significa pensar, e pensar é muito mais do que olhar e aceitar passivamente as coisas. Esse olhar

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pensante exige uma mudança de atitude diante do mundo e do modo pelo qual os fatos são configurados pela cultura. Então, olhar é interpretar e perceber para poder compreender como são as coisas e os objetos investigados. O segundo movimento visa partir do olhar que pensa para atingir a percepção que compreende por meio da interpretação. Nesse momento, procura-se examinar a explicação e a compreensão como dois espaços distintos e complementares do processo de construção do conhecimento. Tais conceitos reme­ tem ao confronto epistêmico e metodológico entre as ciências humanas e as ciências da natureza, o que deixa claro que a pesquisa em educação possui uma particularidade incomparável com as outras ciên­ cias, especialmente porque os objetos das ciências da educação e seus m étodos im plicam processos diferenciados de acesso ao real. Para proceder a esse exame, foram usados alguns conceitos nascidos na perspectiva hermenêutica, com o entendimento de que o processo de investigação implica um a inter­ pretação do objeto, que não fala por si, mas pela comunicação estabelecida entre o sujeito, o objeto e os conceitos que possibilitam sua comunicação como realidade cognoscível. O terceiro movimento quer indicar que ao olhar interpretative, num viés hermenêutico, se junta uma dialética que implica reconstrução do processo de pesquisa, uma vez que exige a tom ada do conheci­ mento e de sua construção como processo em aberto. A ideia defendida nesse ponto é que a pesquisa-ação deve evitar os riscos de propor-se como técnica mera­ mente investigativa, pois tal posição a tornaria facil­ mente um instrumento ideológico. 72

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1. Educar o olhar para ler o mundo em su as múltiplas representações Educar o olhar significa aprender a pensar siste­ m ática e metodicamente sobre as coisas vistas. Portanto, exige muito mais do que “ver” as coisas; implica perceber o que elas são e por que estão sendo do modo como se apresentam. Com efeito, a educa­ ção do olhar cobra a percepção das múltiplas represen­ tações do mundo e da cultura socialmente construídas. Para que isso seja possível, mais que tudo, é preciso aprender a “penetrar” no real para compreendê-lo em sua radicalidade ontológica, epistêmica e metodológica. Portanto, “o olhar deseja sempre mais do que o que lhe é dado a ver ’ (Novaes, 1997, p. 9), e essa almejada passa­ gem da percepção do objeto para seu conhecimento im­ plica interpretação, para que possa haver compreensão.

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Para Merleau-Ponty (1999), todo saber instala-se nos horizontes abertos pela percepção. Segundo Chauí (1997, p. 40), “percepção vem de percipio que se origina em capio —agarrar, prender, tomar com ou nas mãos, empreender, receber, suportar. Parece, assim, enraizar-se no tacto e no movimento, não sendo causal que as teorias do conhecimento sempre a considerassem uma ação paixão por contato: os sentidos precisam ser tocados (pela luz, pelo som, pelo odor, pelo sabor) para sentir”. Segundo Ostrower (1997, p. 167), “os processos de percepção se interligam com os próprios processos de criação. O ser humano é:por natureza um ser criativo:. N o ato de perceber, ele tenta interpretar e, nesse interpretar, já começa a criar, não existe um momento de compreensão que não seja ao mesmo tempo criação”. Para Maciel Júnior (2003), a percepção

dá-se sempre em função dos interesses ativos que o sujeito possui. O ser humano é por natureza interesseiro, precisa tirar partido do mundo que o cerca pelo fato de a própria vida tê-lo disposto como ser ativo. Percebe tudo aquilo que o interessa do ponto de vista da sua ação, deixando-se atravessar por tudo que não lhe for interessante. A percepção é a imagem em movimento que reflete a ação possível que este pode exercer sobre ela. O cérebro aparece aqui como o órgão receptor de estímulos e selecionador de movimentos. As excitações oriundas da periferia do corpo são conduzidas pelo sistema nervoso até o cérebro. Este se comportaria como um órgão seletor, para, após ter decodificado e integrado tais estímulos, selecionar, entre as ações possíveis, a mais eficaz.

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O olhar atiça o desejo de ler o implícito, busca o que não é aparente. E justamente aquilo que o jogo de sombras e luzes revela e esconde que o olhar quer ver. O u melhor, ele busca muito mais o que as sombras escondem por trás dos vazios luminosos do que aquilo revelado de pronto pela visão. Com base no visível, o olhar quer ver o invisível. Com base no objeto visto, quer ver o que não pode ser visto imediatamente. De passagem, poder-se-ia dizer que é esse desejo de ver o invisível, perpassado pelo questionamento e pela reflexão, que desperta o pensa­ mento. Vê-se com os olhos, mas só se sabe o que as coi­ sas são por meio do pensamento. Ver não é apenas perceber o objeto, mas funda­ mentalmente interpretá-lo. O universo da percepção é um feixe de interpretação. Essa dialética entre per­ ceber e interpretar é que potencializa o pensamento, a linguagem, a criatividade e a inteligência humana, lançando a pessoa na direção do conhecimento e facultando-lhe a permanência no conhecido como forma de iluminação daquilo que não podia ser visto. O que se conhece é somente aquilo que se traz à luz, e só o que se pode trazer à luz possibilita criar e recriar o mundo, a natureza e a si próprio. Nesse sen­ tido, apesar de todo o avanço do conhecimento humano, ainda há um universo a ser trazido à luz do olhar para que possa ser compreendido. O movimento da percepção à compreensão exige o movimento do objeto ao pensamento, levando em conta que o objeto atinge o pensamento à mesma medida que este condiciona a leitura daquele. Enquanto o objeto pode ser tido como a coisa mesma, o pensamento sobre ele virtualiza-o na ideia, podendo multiplicá-lo no conceito que se faz dele pela interpre­ tação. Essa virtualização do objeto cria uma distância metódica entre a realidade e o pensamento. Assim, 74

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“pensar épôr à distância [...], pensar não é experimentar, mas construir conceitos” (Novaes, 1997, p. 11). O movimento da percepção do objeto à sua com­ preensão é mediado pelo conceito, representante da imagem do que é visto e do que as coisas são em si mesmas e no sujeito. D e certo modo, objeto e sujei­ to são partes constitutivas de um mesmo mundo, onde um lê, pelo olhar, aquilo que o outro é de acor­ do com seu modo de compreender, à medida que compreende a si mesmo. Quando o sujeito procura ler o objeto por meio do olhar, está desabitando o mundo para poder aprofundar o conhecimento de sua forma e do seu modo de habitar as coisas. Assim, o sujeito tanto habita o mundo quanto este o habita, o impulsiona e o condiciona a determinado modo de ser. Pensamento e mundo, nessa perspectiva, não são coisas próximas, mas a mesma realidade. “ O pensa­ mento fa la com a linguagem do olhar” (Chauí, 1997, p. 40). O que se vê é o mundo que se é, e o que se cria faz parte daquilo que se está sendo no mundo. O olhar é condicionado pelo mundo à mesma medida que, ao olhar esse mundo atentamente, o sujeito con­ diciona o próprio rppdo de ser. Sendo assim, “o olhar é, ao mesmo tempo, sair de si e trazer o mundo para dentro de si” (Chauí, 1997, p. 33); “a visão depende das coisas e nasce lã fora, no grande tea­ tro do mundo' (p. 34); “ver é olhar para tomar conheci­ mento e para ter conhecimento” (p. 35). Essa relação entre o ver e o conhecer, envolvendo um olhar que se tornou cognoscitivo e não apenas espectador desa­ tento, é o que designa ver, observar, examinar, fazer ver, instruir, instruir-se, informar, informar-se, conhecer, saber. O olhar que quer ver também quer saber e pensar, até porque tem sua atenção concentrada no objeto de sua reflexão. A necessidade de ver constitui um desejo 75

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que vai formando o que o sujeito é. Esse desejo de conhecer impulsiona seu ser. N o dizer de Aristóteles (1979, p. 21-25): Por natureza, todos os homens desejam conhecer. Prova disso é o prazer causado pelas sensações, pois mesmo fo ra de toda utilidade, nos agradam por si mesmas e, acima de todas, as sensações visuais. Com efeito, não só p ara agir, m as ainda quando não nos propomos a nenhuma ação, preferimos a vista a todo o resto. A causa disto é que a vista é, de todos os nossos sentidos, aquele que nos fa z adquirir mais conhecimentos e o que nos fa z descobrir m ais diferenças.

Pelo olhar é que se observa o mundo, suas expres­ sões, particularidades, diferenças, consistência, e se identificam os objetos, ao mesmo tempo que se cria uma espécie de “aptidão” para ver e discernir as coi­ sas. Segundo Chauí (1997, p. 38), a aptidão da vista p ara o discernimento [...] a coloca como o primeiro sentido de que nos valemos para o conheci­ mento e como o mais poderoso porque alcança a s coisas celestes e terrestres, distingue movimentos, ações e figu ras das coisas, e o fa z com m aior rapidez do que qualquer dos outros sentidos. É ela que imprime m ais fortemente na im aginação e na memória a s coisas percebidas, permitin­ do evocá-las com maior fidelidade e facilidade.

Pode-se dizer que a transformação ocorre quando se passa da experiência do olhar à explicação racional dessa experiência — isto é, ao pensamento acerca do ver — e quando se passa do pensamento ao juízo. Nesse momento se estabelece uma cisão entre o olhar e a palavra, ao mesmo tempo que se exige um a fusão entre esses dois componentes do conhecimento ra­ cional. N a fusão do olhar com a linguagem, como escrita, é que se pode passar da imagem ao pensa­ mento; nessa relação é que o olhar lança o sujeito 76

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para fora de si mesmo. A passagem da imagem cap­ tada pela visão para o pensamento e para a explicação conta com a mediação da palavra, que, pela expe­ riência, possibilita o desenvolvimento da memória e da inteligência. A visão passa e permanece graças à memória expressa pela palavra escrita que registra o pensamento. Por outro lado, a palavra não pode reduzir o olhar à linguagem, pois isso bloqueia o pen­ samento. A palavra é a potencializadora do olhar, que se explica e se compreende pela linguagem. Nesse caso, tanto o olhar quanto a linguagem são mediações para explicar e compreender o mundo e a si mesmo. A linguagem, que faz a mediação entre a experiência do olhar e a do pensamento, possibilita a reflexão, ampliada à medida que o olhar se detém no objeto e vai percebendo as minúcias que se intercalam e se relacio­ nam pela percepção, também ampliada na reflexão. Assim, esta é possível porque mundo e ser humano são feitos do mesmo estofo. Pela linguagem, a visão e o pensamento podem ampliar-se. O olhar torna-se mais atento e o pensamen­ to refinado. Isso talvez indique que o olhar sistemático sobre o mundo amplia a capacidade cognoscitiva do sujeito, possibilitando outras leituras e interpretações de objetos comuns. À guisa de exemplo, de acordo com Merleau-Ponty (1964, p. 35), a imagem da pintura, articu­ lando o olhar que procura pensá-la, amplia o universo do sujeito. Destarte, a tarefa do pintor é desvelar os meios visíveis pelos quais a pintura se torna acessível aos olhos do espectador. Deve mostrar como luz, ilu­ minação, cor, sombra e reflexo só têm existência visual. Seu olhar inspirado interroga o visível para “ compor o talism ã do mundo, p ara nos fazer ver o visíveF, ensinando por que há o visível. 77

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Pesquisar e produzir conhecimento criativo é como pintar um quadro. A pintura, expressa no recorte do artista, expõe o visível que não se vê, e é preciso aprender a ver não só o visível, mas também aquilo que ele esconde por trás de si. A pintura é “ruminação do olhar” e “inspiração, expira­ ção, respiração no ser”. Essas expressões /.../ não são m etáforas e sim descrições rigorosas da pintura como filo­ sofia figu rada da visão [.../. A pintura é transubstanciação do sensível, passagem da carne do mundo na carne do pin­ tor p a ra que dela se fa ç a presente um,-novo visível, o qua­ dro, visível do visível. /.../ se a pintura é filosofia figu rada da visão é porque nos ensina algo que compartilhamos com o pintor, o simples olhar quando nossos olhos veem [...] (C h auí, 1 9 9 7 , p . 6 0).

O pesquisador reatualiza o mundo no objeto que investiga. A investigação é uma forma de ação que pro­ cura tornar visível o invisível, fazendo perceber o que não se percebe e ver o que normalmente não se vê. Esse exercício de desvelamento do mundo é o que permite o avanço no processo de humanização por meio do conhecimento sistemático e assistemático. Para Merleau-Ponty (1964, p. 81), “a visão não é um certo modo do pensamento ou da presença a si: é o meio que me é dado de estar ausente de mim mesmo, de assistir de dentro a fissão do ser, ao término da qual, e só então, me fecho sobre mim” . Portanto, vês e vendo e transforma-se a visão em novo visível que nasce para o mundo. Pode-se dizer que a Filosofia, em sua investigação da visão, ensina que: ver não é pensar e pensar não é ver, mas sem a visão não se pode pensar; o pensa­ mento nasce da sublimação do sensível no corpo glo­ rioso da palavra que configura campos de sentido aos quais se dá o nome de ideias; o pensamento não são 78

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enunciados, juízos, proposições, mas afastamentos determinados no interior do ser; outrossim, não é contato invisível de si consigo, interioridade transpa­ rente e presença a si, mas excentricidade perante o sujeito e a partir dele; o conceito não é representação completamente determinada, mas “generalidade de horizonte”, e a ideia não é essência, significação com­ pleta sem data e sem lugar, mas o “eixo de equivalên­ cia” , constelação provisória e aberta do sentido. A Filosofia revela que, assim como o visível é adaptado pelo forro do invisível, também o pensamento é habi­ tado pelo impensado. O olhar ensina um pensar generoso que sai de si pelo pensamento de outro que o apanha e o prossegue. O olhar, identidade do sair e do entrar em si, é a definição do espírito e a constru­ ção mais plena do ser no mundo. A filosofia do olhar instiga a ação do pensamento, que abstrai do real sua imagem sintetizada em pensa­ mento e a transforma em conhecimento. Bornheim (1997, p. 89) explica que [na GréciaJ com o início do teatro e da filosofia [...] a ação de ver encontra-se a si própria, na ação de olhar em si mes­ m a; assim, de mergmente exterior, ela p assa a educar-se nas dimensões de seu próprio exercício. Aliás, o verbo “the­ o re m ” deriva de um nome, "theoros", ser espectador. Sem dúvida, a teoria é apenas isso: um ver concentrado e repetido, um ver que sabe ver, que inventa meios p a ra ver cada vez melhor. E é nessa educação do olhar, a partir dela, que se institui toda a filosofia e as ciências do Ocidente [...].

À medida que se vê, traz-se para dentro tudo o que está fora. O olhar possibilita a passagem da objetivi­ dade para a subjetividade, criando inúmeras formas de ver os mesmos objetos. Possibilita a criação do ser, ao mesmo tempo que permite a recriação do mundo segundo as formas de que se dispõe para interpretá-lo. 79

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Essa direção do olhar é um a direção do ser, um hori­ zonte em que se constrói e se reconstrói o modo de existir e de fazer existir o mundo nele próprio e em si. Diante desse processo criativo, é imprescindível educar o olhar para que, por meio dele, se possa aprender a pensar melhor e não se deixar enganar pela imagem construída para iludir o pensamento e alienar o espíri­ to humano, lembrando que olhar atentamente as coisas e os objetos de investigação é penetrar no rríundo. N as palavras de Rouanet (1997, p. 131): É preciso olhar corretamente o que'se quer ver. Para ver tudo [...] tem que ter dois atributos principais: a lucidez e a reflexidade. Para ser lúcido, o olhar tem que se libertar dos obstáculos que cerceiam a vista; p ara ser reflexo, ele tem que admitir a reversibilidade, de modo que o olhar que vê possa por sua vez ser visto. Se essas características não estivessem presentes, não seria possível ver tudo, e com isso não ficaria atendido o objetivo máximo da visualida­ de esclarecida. Um olhar incompetente não daria acesso a todos os objetos; um olhar sem reversibilidade criaria uma distinção entre os que veem e os demais, fazendo com que alguns indivíduos não fossem vistos, o que [...] contraria­ ria a meta da universalidade.

Ver tudo é um a pretensão do Iluminismo, confor­ me a compreensão de que, vendo o universal, se pode revolucionar o modo pelo qual o ser humano se cons­ trói no mundo. O olhar há que ser crítico, e a crítica surge com a dúvida, que questiona o modo pelo qual as coisas se apresentam. Por isso, deve-se educar o olhar, pois, sem esse olhar crítico, há o risco de repro­ duzir apenas as representações do mundo, suas ilusões, e não o mundo em sua concretude, transformado pela arte de fazê-lo humano. Para instaurar um processo de transformação, convém educar o olhar noutras direções. 80

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É essencial ensinar a olhar, pois “o homem que aprendeu a olhar desconfia da percepção, quase sempre ilusória, e a relativiza, comparando-a a outras formas de percepção, que dão dos mesmos objetos uma visão diferente” (Rouanet, 1997, p. 133). Deve-se formar uma pers­ pectiva que ultrapasse as falsificações, para que se possa aprender a “ousar ver e ousar saber” (Rouanet, 1997, p. 147) e não se deixar enganar pela falsifica­ ção do olhar e pela manipulação das representações. É preciso, enfim, aprender a olhar na direção da transformação da sociedade, olhar corretamente, o que significa “ usar a vista com astúcia e com inocência. Com astúcia porque sem ela seríamos iludidos, e com inocência p ara não sermos corrompidos pela miragem de um a visibilidade estéril, sem fin s transformadores, e posta unicamente a serviço do prazer do olhar” (Rouanet, 1997, p. 135). O olhar é sempre interpretativo, ou seja, resulta de um processo de percepção e de pensamento, portan­ to, de um processo reflexivo. O conhecimento cons­ titui-se de acordo com uma percepção que olha e manifesta o que vê na realidade, procurando expres­ sá-lo por meio de um processo comunicativo. Tal processo muitas vezes potencializa ou limita a expressão do próprio objeto e a compreensão que o pesquisador tem dele (Ghedin, 2004). O objeto é uma construção do olhar do pesquisa­ dor? Pode-se afirmar que não, mas por certo a inter­ pretação do objeto depende, radicalmente, do modo pelo qual o pesquisador olha a realidade. Nesse sentido, o olhar da pesquisa é sempre interpretativo. N a elabo­ ração de um processo metódico e sistemático de conhe­ cimento, estabelece-se uma maneira específica de olhar a realidade do objeto investigado, maneira essa que condiciona a descrição dele, fruto da observação e do 81

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pensamento. É justamente nesse ponto que o méto­ do de investigação se mostra dependente do objeto que se pretende investigar, numa relação cuja dinâ­ mica será aprofundada a seguir.

2. Do olhar que vê ao pensamento que explica e compreende por meio da interpretação Os fatos humanos sao significativos por causa da riqueza de significados atribuídos às coisas; o que importa nos fatos humanos não é a causa, mas sua significação, objetivos e valor. O sentido só é possível nessa perspectiva, ou seja, so existe quando algo é sig­ nificativo a ponto de se lhe atribuir sentido e signifi­ cado. O ser humano procura compreender e explicar o mundo. A compreensão é resultado de uma expli­ cação dada as coisas humanas e não humanas. Isso indica que a explicação, antes da própria compreensão, é a tradução da realidade num significado que tenha sentido e se processe por determinada linguagem ou por signos linguísticos propiciadores de uma comu­ nicação compreensiva do real. O mundo humano é significante quando o sujei­ to se torna hábil em explicá-lo; nessa explicação é que se fundamenta a possibilidade de compreensão do que se é ou do que se projeta para si mesmo, em meio a variedade de significações e de sentidos atribuídos ao ser no mundo. O sentido, porém, não se esgota em si mesmo; reveste-se da complexidade da realida­ de, ou seja, desdobra-se em outros sentidos e multi­ plica sua riqueza significante. Por conseguinte, só é possível interpretar o que possui mais de um sentido. 82

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É a variedade deles que possibilita uma interpretação e uma significação das atribuições de sentido as coisas. O sentido e sua interpretação remetem o sujeito para a compreensão e a explicação. Estas não podem ser concebidas como processos separados, mas como dois polos dialeticamente complementares. Compreender significa explicar o sentido das significações atribuídas à realidade das coisas e do mundo. Seja qual for o méto­ do ou a maneira utilizada, é próprio do ser humano conferir significado à complexa realidade que o envolve e, por meio da interpretação, compreendê-la. Para compreender o sentido dos atos humanos, e preciso passar pela explicação. A compreensão é resultado, ina­ cabado, de um processo de explicação. A compreensão e a interpretação subjazem a todo trabalho; ou seja, a realização ou o resultado de um trabalho de pesquisa na área das ciências humanas são a consequência de um processo de explicação, compreensão e interpretação da realidade. Esses aspectos do trabalho não são, porem, estanques em si mesmos nem se excluem, mas constituem modos interdependentes de olhar a realidade. O real manifesta-se por meio desses modos, usados para saber o porquê das coisas, do mundo e da existência huma­ na. Mediante a compreensão e a interpretação é que se buscam métodos explicativos, que são também compreensivos, ao demonstrarem determinada inter­ pretação de outra interpretação. A distinção entre compreender e explicar, entre ciên­ cias humanas e ciências naturais, é o resultado de um processo de construção do conhecimento e das formas e metodologias cognitivas, oriundas de um processo posi­ tivista de construção das ciências. Caminha-se para o entendimento de que ambas as ciências se constituem na 83

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relação dialética entre compreender e explicar. Distinguir a dinâmica explicativa da dinâmica compreensiva é con­ tinuar dicotomizando a realidade e os modos de signifi­ cá-la e entendê-la. A realidade é explicada porque se quer saber, e a compreensão não é um estágio final desse processo, mas meio para que o sujeito saiba o que são as coisas e o mundo e o que ele próprio é. Dissociar compreensão de explicação é sacramentar um processo de separação entre o ser humano e a natu­ reza, enquanto ambos são constitutivos de uma mesma realidade e encontram-se inseridos e iniersos no mesmo mundo. A busca presente é de uma conjugação, de um caminho que possa mostrar as encruzilhadas e permitir, ainda, o caminhar em determinada direção. O saber partilhado significa a partilha do mundo, de sua expli­ cação e da compreensão de seu significado. Do ponto de vista das ciências humanas, a interpre­ tação representa um enriquecimento da compreensão imediata de sentido por meio da explicação da distor­ ção semântica. Compreensão e explicação articulam-se dialeticamente para possibilitarem a interpretação dos fatos humanos. O m odo humano de ser no mundo é condiciona­ do pela ciência; ou seja, fundamentalmente marcado pela forma como a Filosofia, a ciência e a educação percebem o mundo. A ciência e a tecnologia têm tri­ butado autoritariamente a existência humana, o que significa dizer que sua visão de mundo e da realidade tem tido a primazia, impondo-se sobre todas as maneiras de compreender e conhecer as coisas. Essa conjuntura tem marcado o mundo humano com um a visão mecânica, pragmática e empirista de si mesmo. Nessa perspectiva, o modelo de ser humano tornou-se aquele capaz de manusear os conhecimen­ tos traduzidos em técnicas. Esse é o primeiro passo, 84

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no plano ideológico, para um processo de alienação engendrado pelo capitalismo em seu próprio interior. Todavia, a ciência é um a atividade social e o conhecimento produzido por ela destina-se a toda a sociedade, e não a um a elite ou grupo de “especialis­ tas” . Destarte, a ciência só se justifica enquanto está a serviço dessa sociedade e com ela discute as implica­ ções de suas proposições, compreensões, explicações e interpretações. Trata-se de um caminho possível, mas não é a única visão ao alcance dos seres humanos para se compreenderem como entes no mundo. A via racional (empírico-tecnológica) não pode constituir, para os sujeitos, a única visão válida na interpretação de seu ser no mundo, um a vez que a ciência, mediante seu modo de conhecer, fragmenta a realidade de tal modo, que oculta, na parte, o todo. Em seu nome também ocorrem a separação do ser humano da natureza, de seu mundo natural, a nega­ ção da relação mundana para impor um “mundo de mercado” , a troca das relações de harmonia por outras mercantis. Em bora se trate de um a proprieda­ de do campo político, essa dinâmica expressa-se de alguma forma também nas ciências. Santos (1989) explica que o impacto do desenvol­ vimento científico-tecnológico faz que o mundo humano, na atualidade, seja cientificamente consti­ tuído. O conhecimento científico da sociedade per­ mite compreender o sentido da explicação do mundo “natural” que as ciências naturais produzem. Em outras palavras, as ciências humanas proporcionam a compreensão que dá sentido e justificação à explica­ ção das ciências naturais. Sem tal compreensão não há verdadeira explicação e, por isso, as ciências huma­ nas são epistemologicamente prioritárias em relação às ciências naturais. 85

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O movimento da modernidade foi na direção das ciências naturais; na “pós-m odernidade”, faz-se necessário um movimento rumo às ciências sociais, filosóficas e humanas. H á que ressituar o ser humano no centro, não de sorte que fique distanciado de si e dos outros, dissociado da natureza, mas a fim de que retorne à sua originalidade, à sua hominização, ao encontro com o mundo natural. A modernidade negou a natureza do ser humano para poder dominar a natureza das coisas; ao fazê-lo, negou a si mesma a relação originária existente entre homem e natureza. Aqui se insere a polêmica sobre a busca de novo paradigma para as ciências, na tentativa de superação de um modo de fazer ciência que já não corresponde às necessidades atuais e não permite problematizar, com liberdade, o mundo circundante. Nas ciências humanas, não é lícito tomar distância do objeto, como exige o método das ciências naturais. A objetividade, a neutralidade e o distanciamento do sujeito em relação a seu objeto — pretensão das ciên­ cias naturais — tornam-se alienação se aplicados no estudo dos fenômenos humanos. O distanciamento não facultaria o conhecimento do objeto em toda a sua riqueza, em seu contexto histórico. A razão é que o cientista dos fatos culturais — uma vez que tanto ele como o objeto estudado pertencem a determinada tra­ dição — só terá acesso adequado ao objeto se dele não se afastar, se permanecer dentro desse universo em estudo. Caso o pesquisador, neste trabalho, tomasse uma atitude de distanciamento, estaria falsificando seu estudo. Para Gadamer (1997), tratar-se-ia de um dis­ tanciamento alienante, pois haveria um rompimento da relação primordial de pertença, sem a qual não se respeitaria a relação do histórico enquanto tal. 8 6

A exigência de objetividade e de neutralidade isola as variáveis estudadas de seu contexto histórico, pro­ vocando um a atitude de distanciamento do sujeito com relação ao objeto estudado. N o estudo das ciên­ cias humanas, é muito difícil separar o sujeito do objeto, por ser-lhe intrínseca essa ligação. Ricoeur (1990, p. 54), referindo-se à pesquisa com textos — numa perspectiva metodológica de cunho hermenêutico — , afirma que “o distanciamento não é o produto da metodologia [...] ele é constitutivo do fenôme­ no do texto como escrita; ao mesmo tempo é a condição p ara que possa haver interpretação” . Neste ponto se faz necessária uma distinção: uma coisa é a realidade a ser pesquisada enquanto objeto de interesse do pesquisa­ dor, que demonstra todas as suas relações, o contexto por onde transita o sujeito que pretende conhecer; outra é o pesquisador sentar-se diante do computador ou de uma folha em branco e procurar empreender uma leitura e uma releitura da realidade por meio das impressões e das informações obtidas em “campo” . O u seja, uma situação é a realidade em seu âmbito contex­ tuai; outra é o contexto do autor que produz um texto sobre as observações feitas acerca da própria realidade da qual faz parte. H á um a imbricação entre todos esses elementos. Poder-se-ia dizer que há uma cumplicidade entre a realidade, o autor e o texto produzido como resultado de um processo de investigação da realidade pelo autor. O que resulta de um trabalho de pesquisa é uma form a de ver e de perceber a realidade com um olhar particular, sem deixar de revelar e demonstrar um contexto bem mais amplo que permite à realidade evidenciar-se por intermédio do pesquisador. Assim: A hermenêutica (...]permanece a arte de discernir o discurso na obra. M as esse discurso não se d á alhures: ele se verifica 87

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nas estruturas da obra e por elas. Consequentemente, a interpretação é a réplica desse distanciamento fiindamental constituído pela objetivação do homem em suas obras de dis­ curso, comparáveis à sua objetivação nos produtos de seu trabalho e de sua arte (Ricoeur, 1 9 9 0 , p . 52).

Todo discurso tem a pretensão de atingir a reali­ dade e exprimir o mundo; refere-se a algo, a um mundo sobre o qual está falando. A fala do discurso é a expressividade da realidade que se pretende conhecer. O discurso produzido constitui produto de determinado contexto que fala ppr intermédio do pesquisador. N ão só o discurso pretende atingir a realidade, como também a própria realidade atin­ ge a pessoa pelo discurso. Isso quer dizer que a reali­ dade toca diretamente a pessoa quando esta procura tocá-la. Essa relação de cumplicidade e imbricação possibilita o conhecimento das coisas ao redor e o reconhecimento de que, simultaneamente, se está ao redor delas. Os discursos se referem sempre a dada realidade, podem ser falseados, mas nunca são uma espécie de ficção proposta como se fosse realidade. Interpretar é explicar o tipo de ser-no-mundo manifestado diante do texto. Esse mundo do texto não é aquele da linguagem cotidiana, que fala das coisas dadas, mas o mundo poético que propõe pos­ sibilidades novas do existir. N o entanto, só se podem propor possibilidades quando o discurso permite uma interpretação do próprio ser-no-mundo; ou seja, só é possível ao indivíduo captar a realidade em seu contexto na proporção em que este o lança na dire­ ção de si mesmo, na compreensão do que é e do sen­ tido do ser. Sem tal busca, todo e qualquer discurso torna-se vazio e desnecessário. N ão se pode realmente conhecer o que se é sem levar em conta aquilo que se faz. As críticas de Marx, 88

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Freud e Nietzsche mostraram as ilusões do sujeito (Rouanet, 1990). Para compreender a si mesmo, é preciso orientar-se pelo que se deposita nas formas simbólicas, nas obras ou textos. Entra-se assim num campo tortuoso e polêmico, o das ideologias, fruto de interesse não só pela abordagem que propicia, mas tam­ bém pela necessidade de sua crítica (Franco, 1995). Segundo Ricoeur (1990, p. 59), “a crítica das ideo­ logias é o atalho que a compreensão de si deve necessa­ riamente tomar,; caso esta deixe-se form ar pela coisa do texto, e não pelos preconceitos do l e i t o r O que deve estar no centro de toda compreensão não é o sujeito intérprete, mas o próprio texto e a realidade que gera a possibilidade de sua explicação, compreensão e interpretação. Só haverá interpretação verdadeira quando for criado certo distanciamento da cultura em que se está inserido. Para compreender o que se é, deve-se intro­ duzir sempre uma atitude de suspeita que produz não só uma separação entre o sujeito e o texto, mas também uma cisão dentro do próprio sujeito. O distanciam en­ to não é somenteí alienante nas circunstâncias acim a apontadas, mas constitui também a condição de possibilidade de toda e qualquer compreensão e interpretação autênticas. Em sua proposta m etodológica, Paul Ricoeur principia do lugar do sujeito existente, da revolução epistemológica kantiana que põe o acento no sujeito e recusa qualquer estreiteza objetivista como única possibilidade de conhecimento das coisas. Todavia, isso não significa dizer que a objetividade não seja uma necessidade, mas, sim, que, livre dos enganos do objetivismo, há a possibilidade de chegar à objetividade das coisas por meio das subjetividades dos sujeitos. 89

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Em Ricoeur, a síntese é continuamente adiada, aparece apenas como horizonte, como ideia-limite. A realidade constitui sempre um horizonte em aberto, do mesmo modo que o conhecimento e seu processo são possibilidades de vislumbrar a potencialidade infinita das coisas. Ignorar essa conjuntura é o mesmo que negar a realidade como movimento. C om todos os partidários da fenomenologia, sus­ tenta ser possível sair da estreiteza objetivista. O olhar do sujeito, sua intenção, determina a realidade a investigar. O que Ricoeur (1991) busca, sem voltar a um objetivismo fenomenológico, é a crítica do que pensa ser uma ilusão subjetiva, em que o ego se pren­ de a certa relação circular consigo mesmo. O ego pre­ cisa reconhecer os polos objetivos e inspirar-se neles para poder sair de si próprio. Tal saída, porém, é ilu­ sória, pois apenas se objetiva a própria subjetividade. Para Ricoeur, o símbolo provoca o pensamento, ou seja, o mistério estimula a vida e a filosofia. Isso só pode ser afirmado pelo fato de a simbolização se processar nos modos de compreensão situados na subjetividade humana. Já Habermas (1987) acentua a importância do papel da razão e dos conceitos de suspeita e interesse pela emancipação. Sua hermenêutica é chamada de crítica exatamente por caracterizar-se pela descon­ fiança quanto ao que sucede na linguagem e por uma proposta de saída da alienação em direção à maior emancipação das pessoas. Para Habermas (1982; 1987; 1990), ao contrário de Gadamer (1997; 2001), a comunicação do dia a dia dá-se numa linguagem que sistematicamente distorce os fatos comunicados. Ele vai buscar um método capaz de dar conta tanto dessas distorções instaladas na lingua­ gem cotidiana quanto do processo de emancipação 90

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das pessoas. Seu método dialético-crítico está ligado à filosofia de Marx. O que há de novo é a associação do método da psicanálise para estudar os fenôm e­ nos sociais. Segundo Ricoeur (1990, p. 125-129), Habermas recorre constantemente ao paralelismo entre psicaná­ lise e a teoria das ideologias. Esse paralelismo repou­ sa sobre os seguintes critérios: • N a esteira da tradição marxista, considera que a distorção é constantemente vinculada à ação de uma autoridade, geradora da violência. A “censura” constitui o conceito-chave, de origem política. Em Habermas, o fenômeno da dominação produz-se na esfera da ação comunicativa; é nela que a lin­ guagem é distorcida em suas condições de exercí­ cio, no plano da competência comunicativa. Entretanto, uma hermenêutica restrita à dimensão da linguagem encontra nela seu limite e não compreen­ de a relação entre trabalho, poder e linguagem. • As distorções da linguagem não provêm de seu uso, mas da relação de poder que ela implica. O envol­ vimento entre linguagem e poder nem sempre é percebido pelos membros da comunidade. Esse desconhecimento é específico do fenômeno da ideologia. N a esfera das ciências sociais críticas, Habermas fala de “pseudocomunicação” ou de “compreensão sistematicamente distorcida” , por oposição à simples não compreensão. • Se o desconhecimento é insuperável pela via dialo­ gai direta, a dissolução das ideologias deve ser bus­ cada mediante procedimentos explicativos, e já não simplesmente compreensivos. A crítica é a teoria da competência comunicativa que engloba a arte de compreender, as técnicas para 91

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vencer a não compreensão e a ciência explicativa das distorções. A crítica das ideologias implica ter como ideia reguladora o que a hermenêutica das tradições concebe existir na origem da compreensão. Aqui entra em jogo o interesse pela emancipação. É ele que anima as ciências sociais críticas. A autorreflexão cons­ titui o conceito correlato do interesse pela emancipação. Convém situar toda crítica das ideologias sob o signo de um a ideia reguladora: a de uma comunica­ ção sem limite e sem coação. A ideia reguladora é mais dever-ser do que ser; mais antecipação do que reminiscência. E ela que confere sentido a toda críti­ ca, porque só há dessimbolização para um projeto de ressimbolização, e tal projeto só se justifica na pers­ pectiva revolucionária do fim da violência. Uma escatologia da não violência constitui o horizonte filosófico último de uma crítica das ideologias. Para Stein (1996), os aspectos positivos que Habermas atribui à hermenêutica residem em sua capacidade de descrever as estruturas da reconstitui­ ção da comunicação perturbada e no fato de ela se vincular necessariamente à práxis, destrói a autossufi­ ciência das ciências do espírito — como em geral elas se apresentam — e assegura sua importância para as ciências sociais, ao demonstrar que seu domínio obje­ tivo está pré-estruturado pela tradição e que elas mes­ mas, bem como o sujeito que compreende, têm seu lugar histórico determinado. Ademais, a consciência hermenêutica atinge e fere a autossuficiência das ciências naturais e revela seus limites; da mesma forma, um a esfera de interpretação que alcançou atualidade social exige a consciência hermenêutica, a saber, a tradução de informações científicas relevan­ tes para a linguagem da vida social. 92

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Por outro lado, os limites da hermenêutica estão em seus modos de compreensão, que se movem no domínio da linguagem ordinária. Portanto, ela perde sua competência nas esferas em que as proposições divergem dessa linguagem. Também não se revela competente nas situações em que se encontra pertur­ bada não apenas a comunicação, mas a própria lin­ guagem — em cujo contexto as perturbações de comunicação deveriam ser trabalhadas. A hermenêutica filosófica constitui um m étodo, um quadro ou um paradigm a que se pretende uni­ versal; ou seja, visa apresentar-se como um a filoso­ fia com uma proposta de compreensão totalizante, que possa entrar em discussão com outros paradig­ mas e apresentar algumas respostas às questões por eles levantadas. O importante na hermenêutica é que ela tenha um a pretensão de universalidade, seja um paradigma de discussão já assumido por diversos campos nas ciências humanas e constitua, com base nisso, um método de investigação. A despeito de ser mais do que justificado o estabe­ lecimento de certcM distanciamento entre o sujeito que pesquisa e seu objeto de estudo, parece não menos importante frisar, mais uma vez, a impossibi­ lidade, no campo da Filosofia e das ciências humanas, de separação total entre sujeito e objeto, um a vez que sempre se está mergulhado, histórica e culturalmen­ te, nos fenômenos estudados. Entre o fenômeno humano e o sujeito não pode haver esse afastamento quase total, como preconizam as ciências naturais. N a Filosofia e nas ciências humanas, tanto o sujeito como o objeto estão vinculados à totalidade. O conhe­ cimento sempre se dá de forma circular, e essa circula­ ridade pretende referir-se ao todo. Compreendendo e 93

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interpretando os fenômenos humanos, vinculados ao sistema global das relações, compreende-se e interpreta-se a si mesmo dentro desse mesmo conjunto; e, ao compreender e interpretar a si mesmo, produz-se um saber, um entendimento sobre os fenômenos em estu­ do. Por isso, Stein (1996, p. 61) diz que compreender é algo que se constitui como totalidade, porque sig­ nifica um a compreensão do mundo não como um continente de conteúdos, mas como a própria trans­ cendência. Este mundo, ao mesmo tempo, é o sujeito e o projeto do sujeito, sobretudo o que deve dar-se. Assim, vai formar-se a chamada estrutura da circula­ ridade, à medida que já sempre se está no mundo e, ao mesmo tempo, se projeta o mundo. O sujeito está envolvido com os objetos do mundo e descreve o mundo no qual se dão os objetos. À luz dessa compreensão, Heidegger (1988) vai dizer que o indivíduo nunca é transparência pura, pois desde sempre está no mundo, foi jogado nele, chega sempre tarde, depois do começo do jogo: só então começa a compreender. Quando se projeta o que se quer ser, o projeto tem sempre por base deter­ minada situação concreta e é continuamente refeito, em função de tudo o que sobrevém ao sujeito. N a Filosofia, nas ciências humanas e na educação, o modo da interrogação é determinado exatamente por aquilo que se quer saber e não pelos recursos técnico-operacionais que se possa p ô r em prática. 0 fundamento do método fenomenológico está dado, sobretudo, por aquilo que se busca compreender /.../. Querer saber o que é e como é algo são os dois elementos que estão na base de uma investigação, e podem ser traduzidos num só, a saber: a pergunta pelo ser de algo, do que está em questão. 0 ser de algo é sempre composto pelo o que algo é e como ele é (Stein, 1996, p. 46). 94

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Por essa razão, os instrumentos do método podem revelar-se importantes, mas serão sempre secundários em tais investigações. O acesso às coisas do mundo verifica-se sempre como totalidade. Segundo Stein (1996), o compreender não existiria se não se compreendesse o contexto. Esta é a grande questão: pensar as condições de possibilidade de uma relação entre sujeito e objeto em que um e outro não se separam inteiramente. C om efeito, na relação sujeito-objeto que aparece na frase, percebe-se o que está ali, mas só se entende porque antes já sempre se compreendeu o que significa pronunciar um a frase — ou seja, “o sentido sempre se dá, se estate­ la e se recompõe em relação ao todo. Por isso, se tanto nas ciências humanas como na Filosofia (nas ciências her­ menêuticas) há método, o sentido desse termo não é uní­ voco, mas análogo” (Basso, 1998, p. 44). O discurso sempre fala de alguma coisa fora dele; portanto, obriga o sujeito a olhar para fora do siste­ ma linguístico, para esse algo de que fala. N a quali­ dade de evento, ele sempre tem um sujeito que atualiza as estruturâs virtuais do código linguístico: aquele que o profere. A dimensão sincrônica, recortada e estática no tempo, própria das ciências empírico-matemáticas, faz que a leitura, por exemplo, de um texto da Física e da Química da Idade M édia não traga nada de novo para o prosseguimento dessas ciências no futuro: são elementos museológicos. Stein (1996, p. 88-89) sustenta que os textos das ciências humanas, assim como os da Filosofia, nunca têm um caráter museológico. Ao contrário, não valem nada se não forem lidos em diversas épocas e, em alguma medida, superados pela interpretação e 95

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por outras obras que se refiram a eles e pretendam apresentar sua verdade de maneira nova. Tanto é que, se se pudesse imaginar um texto de ciências hum a­ nas acabado, um texto de Filosofia perfeito, esse seria um texto morto — um a vez que se trataria de um texto modelar cuja leitura já não seria necessá­ ria, um texto que nunca mais apresentaria nada de novo nem produziria outros textos pela interpreta­ ção, por conta de sua perfeição. Os textos hermenêuticos nunca tomam forma definitiva. O sentido é continuamentéf desconstruído, criado e reconstituído em novas estruturas. “Portanto existe um processo que comanda o sentido ou que está envolvido com o processo do sentido na história, sociologia ou em outras áreas de humanas” (Stein, 1996, p. 89). Nas ciências humanas, sempre existe um resto que, se escapa em certo momento, em outro poderá mostrar-se, pois é preciso considerar também o sujei­ to que estuda os objetos das ciências humanas. Sua articulação com esse resto que escapa constitui parte da singularidade do texto. Esta significa, em primei­ ro lugar, o fato de o texto ter um autor determinado, ser redigido numa língua específica, aparecer numa época definida. Esses elementos da singularidade fazem que um texto de H istória, Sociologia ou Psicanálise tenha sua marca e esta esconda em si um a particularidade ou um a singularidade que represente um limite para a sistematicidade, a uni­ versalidade e a necessidade. A questão do sujeito/objeto nas ciências humanas tem que ver com a da singularidade/universalidade dos textos ou da particularidade/sistematicidade. A inter­ pretação substitui, aqui, uma análise lógica e semântica 96

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justamente pelo fato de pretender perceber melhor a diferença entre particularidade e sistematicidade. Este movimento é muito importante: perceber que a sin­ gularidade incorpora a particularidade na própria interpretação, mas de tal maneira que a singularida­ de não seja isolada e separada da sistematicidade e ambas resultem num tipo de totalidade. A imbricação sempre existente entre sujeito e objeto no confronto de um texto a ser interpretado constitui exatamente a imbricação da singularidade com a sistematicidade, que não é só do texto, mas tam bém do leitor. A universalidade redime-se no texto pela interpretação. Ela será redimida pelo m éto­ do. Nesse ponto é que está a questão. C om o o m étodo com que se trabalha nas ciências humanas é capaz de dar conta da universalidade contida no texto (Stein, 1996, p. 90)? Nas ciências humanas, o sujeito não pode ser com­ pletamente distanciado de seu objeto porque nelas, ao contrário das ciências naturais, que só se interessam pelo universal, é preciso perceber tanto a sistematicidade quanto a singularidade. A relação sujeito-objeto é flui­ da e, muitas vezes, a pessoa modifica-se pelas descober­ tas que faz e modifica a percepção do mundo exterior. O distanciamento não é produto das metodolo­ gias nem algo acrescentado e parasitário. E constitu­ tivo do fenômeno do texto como escrita; ao mesmo tempo, também é a condição da interpretação. Revela-se viável descobrir, entre objetivação e inter­ pretação, um a relação muito menos dicotômica e muito mais complementar do que a instituída pela tradição romântica. Somente o discurso visa às coisas, aplica-se à rea­ lidade, exprime o m undo. O “aqui” e o “agora” , 97

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determinados pela situação em que ele se expressa, é que conferem a diferença última a todo discurso. N ão há discurso de tal forma fictício, que não vá ao encontro da realidade. Nessa perspectiva, interpretar significa explicitar o tipo de ser-no-mundo manifes­ tado diante do texto. A teoria da “compreensão” já não se vincula à compreensão de outrem, mas torna-se um a estrutura do ser-no-m undo. O momento do compreender responde dialeticamente ao ser em situação, sendo a projeção das possibilida­ des mais adequadas ao cerne das situações em que o sujeito se encontra. O que deve ser interpretado é um a proposição de m undo, de um m undo tal como se pode habitá-lo para nele projetar as pers­ pectivas e os horizontes mais próprios da constitui­ ção do ser-no-mundo (Stein, 2001). Hermenêutica e crítica das ideologias não são rea­ lidades opostas. A crítica das ideologias é o atalho que a compreensão de si deve necessariamente tomar, caso esta se deixe formar pelo texto, e não pelos pre­ conceitos do leitor. Em todos os níveis de análise, o distanciamento é a condição da compreensão. Ainda não existe até hoje, na área das ciências humanas, um modo de desenvolver a informação, a interpretação, a pesquisa que, de uma ou de outra maneira, dispense a remissão a textos (Stein, 1996). A hermenêutica não deixa de ser crítica em relação às suas análises. Ao contrário, fornece instrumentos importantes que o método puramente analítico e o método dialético nem previam nem pressupunham. Resumido à ideia de totalidade, existe um elemento novo na maneira atual de pensar a questão do método. Este não é um a explicação exterior, não se trata simplesmente de um instrumento, não constitui apenas procedimento de tipo técnico, não consiste

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tão somente num caminho mecânico passível de ser tri­ lhado mediante o emprego de algumas regras. N o conceito de método, a hermenêutica amplia-se muito, justamente como consequência da ideia de totalidade. Talvez por isso se possa falar de certo caráter especulativo da hermenêutica, que possibi­ litaria três procedim entos na investigação: • Em primeiro lugar, pode-se falar do m étodo her­ menêutico no sentido restrito, sob o aspecto de história das ideias — um a espécie de história conceituai. E preciso reconhecer que o conheci­ mento hodierno da história das ideias é deveras limitado. Existe essa possibilidade (ou limite), e a necessidade desse cuidado conceituai, desse cuida­ do com a pesquisa das ideias, com a história dos conceitos é muito importante, porque significa um exercício em função daquilo que se vai falar. Assimilar um discurso, um código mais ou menos determinado para dizer as coisas numa área de humanas, da Filosofia ou da educação, revela-se imperioso para que se possa compreender melhor o objeto sobre o qual; se quer debruçar. • Um segundo aspecto do método é o da tradição epistemológica. Trata-se do que se poderia chamar do contexto da descoberta e do contexto da justificação. Fixam-se determinados objetos de investigação e de reflexão, surge a possibilidade de descrever historica­ mente e de analisar o sentido ligado à atualidade da situação. Descreve-se o contexto de como as coisas vão mostrando-se, sem dedicar atenção a uma ativi­ dade de justificação lógica daquilo que se observa. Só num segundo momento se olha então para o contex­ to da justificação, procurando uma fórmula lógica para aquilo que se foi observar no contexto da desco-

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berta. Esses dois elementos vão-se completando naquilo que se chama, propriamente, o elemento epistemológico, aplicado nas ciências humanas em geral sem ser relacionado ao outro contexto da histó­ ria dos conceitos. Por fim, há o caminho da especulação, a qual con­ duziu grande parte das ciências em direção a objeti­ vos inteiramente novos. Ela mostrou-se importante na investigação de objetos e foi a produtora de uma riqueza enorme do ponto de vista das descobertas científicas. Certamente a especulação é o outro aspec­ to do método. Essa direção tripartite do caminho da investigação — que poderia confluir para a unidade do ponto de vista metodológico — trata-se da relação com certa capacidade de percepção e de desenvolvimento pela reconstrução e interpretação, de uma espécie de espes­ sura no discurso. A linguagem deve estabelecer uma articulação, uma imbricação de conceitos, de tal manei­ ra que possa surgir uma organização do texto, na qual se manifestem as peculiaridades dos procedimentos empregados pelo sujeito para apreender o objeto. O movimento especulativo é característica essencial da maneira pela qual a hermenêutica trabalha com o método. Esse movimento certamente se distingue de todas as pretensões lógico-analíticas. Com relação à questão da especulação, existem traços importantes projetados até na própria elaboração do texto. Tal fato significa que, muitas vezes, os textos das ciências huma­ nas são muito mais ensaios do que propriamente teses. Método e não método misturam-se criativamente nes­ ses tipos de textos. Isso é feito para poder expressar a complexidade dos fatos sociais, dos acontecimentos históricos, dos casos psicanalíticos. 100

Capítulo

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III

REFLEXÃO COMO

FUNDAMENTO DO PRO CESSO INVESTIGATIVO

A reflexão como fundamento do processo investigativo

A pesquisa e a produção de conhecimento em educação é um processo ao mesmo tempo objetivo e subjetivo. É objetivo porque está relacionado a um dado objeto de investigação. É subjetivo porque envolve um sujeito. Nessa relação, a objetividade do objeto envolve-se na subjetividade do sujeito p ara possibilitar a conceituação da realidade. Tal envolvimento, essência do ato investigativo em educação, implica o reconhecimento do caráter dialé­ tico e dialógico da construção da realidade educativa, o que impõe a necessária superação da concepção dualista que historicamente pretendeu separar objeto e sujeito do conhecimento. Importa realçar que não se trata de uma concepção subjetivista, mas do entendimento de que o sujeito, ao produzir conhecimento, transforma e é transformado — processo em que elabora e organiza sentidos, com­ preende e interpreta com base em matrizes conceituais preestabelecidas — e que essa ação de produzir senti­ dos, de objetivar o objeto para interpretá-lo, também constitui a realidade a ser compreendida. Compreender a realidade e produzir conhecimen­ tos com base nessa noção requer dos pesquisadores o grande desafio de considerar a complexidade como inerente ao fenômeno educativo e, mais que isso,

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levar em conta a possibilidade de assumir atitudes metodológicas que adentrem e busquem sentido nas tramas do complexo, do caótico, do imprevisto. A pesquisa em educação, em virtude de suas diver­ sas peculiaridades, enfrenta constante desafio na busca de procedimentos e concepções que auxiliem o pesquisador a interagir com a realidade que pretende conhecer, compreender e até transformar. O aspecto sócio-histórico das práticas educativas imprime a cada situação educativa um caráter singu­ lar, irrepetível, com imensas variações no tempo, no espaço, nas formas organizativas de sua dinâmica e na natureza de sua intencionalidade. Isso implica que o objeto com o qual o pesquisador educacional traba­ lha é multidimensional, mutante, complexo e, para ser significado, precisa estabelecer mediações com um sujeito que carrega toda a complexidade das con­ figurações da existência humana. Fica difícil imaginar a utilização de procedimen­ tos experimentais na pesquisa educacional, uma vez que não é factível tentar controlar variáveis ou mesmo estabelecer relações causais, pretendendo pre­ ver resultados. Pode-se e deve-se tentar compreender a dinâmica da realidade educativa, interpretar seus caminhos, talvez explicar alguns fenômenos. A pesquisa em educação tem-se confrontado com a necessária tarefa de superação dos conceitos de linearidade, de previsibilidade, de controle — dos quais o sentido da concepção de ciência esteve histo­ ricamente impregnado — , sem que, no entanto, esse propósito venha a realizar-se em detrimento do rigor científico, de sua consistência e plausibilidade. Sabe-se que o fenômeno educativo não é facilmente apreendido, quer pela expansão, flexibilidade, variabili­ dade, porosidade de seu acontecer existencial, quer pela 104

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incapacidade dos métodos e técnicas da ciência dita tra­ dicional em captar toda dimensão e potencialidade desse objeto tão mutante, tão metamórfico, carregado de valo­ res, de intencionalidades e de projetos implícitos. Tais características inerentes aos fenômenos educativos, carregados de finalidades e de subjetividades, trans­ cendem o plano da objetividade, dos critérios de rigor científico que permearam a representação tradi­ cional de ciência. N o entanto — e este desafio é grande na inves­ tigação educativa — , há que caminhar sempre na direção do rigor científico, organizado em outras bases, compatíveis com os pressupostos que mar­ cam os limites do conhecimento científico e com as especificidades da pesquisa em educação e perti­ nentes a esses fatores. M uitas dificuldades surgem no processo de pes­ quisa sobre a educação, atinentes tanto à questão da peculiaridade do objeto de estudo quanto aos m étodos inerentes ao estudo de tal objeto. Todavia, as dificuldades não im plicam im possibilidade de pesquisa nem justificam procedimentos superficiais que podem banalizar a ação investigativa e com ­ prometer a validade científica. U m a das questões consideradas na superação do referido desafio deverá ser a da intercom unica­ ção entre objeto e m étodo de pesquisa, pois, para a garantia da cientificidade, objeto e m étodo devem confluir, interdepender; com o afirm a Severino (1 9 9 6 , p. 6 7 ), “fa la r do conhecimento é fa la r da construção do objeto que se conhece e essa construção se d á através da pesquisa ’ . D iante da com plexa configuração da dinâm ica do fenôm eno educativo, os pesquisadores em educação veem-se confrontados por um a m uJti105

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plicidade de problem as que requerem decisões em diferentes perspectivas: • a afirmação e o esclarecimento da intencionalidade da pesquisa à luz do confronto e da escolha entre diferentes concepções de mundo e de homem e entre diferentes posições epistemológicas; • a busca de diferentes caminhos metodológicos, vista não apenas como escolha a priori, mas construção em processo de formas e meios de percorrê-los; • reflexão sobre a focalização do ponto de relevância do problema a ser pesquisado, buscando as media­ ções necessárias entre o particular e o universal, entre o local e o contextual, entre o subjetivismo e a intersubjetividade. Essas três perspectivas, analisadas como opções necessárias ao pesquisador em educação, são extrema­ mente interligadas e denotam, a princípio, que fazer pesquisa científica em educação implica estabelecer recortes, assumir valores, selecionar prioridades, atitu­ des que inevitavelmente conferem à ação investigativa um caráter implicitamente político e aos produtos da pesquisa um conhecimento datado, situado, histórico e provisório. Nesse sentido, Gatti (2002, p. 10) afirma que “o conhecimento obtido pela pesquisa é um conheci­ mento vinculado a critérios de escolha e interpretações de dados, qualquer que seja a natureza destes dados”.

1. Metodologias de pesquisa em educação D e m odo geral, percebe-se muita angústia nos alu­ nos que se iniciam na pesquisa educativa ao procurarem 106

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estabelecer a metodologia que conduzirá seus traba­ lhos científicos. Pode-se afirmar que tal desconforto se deve, em parte, a representações inadequadas cons­ truídas sobre esse conceito, bem como ao papel con­ ferido à metodologia no exercício da pesquisa. M uitos pesquisadores iniciantes apegam-se à representação de metodologia apenas como instru­ mento de coleta de dados. Dessa forma, consideram que o papel da metodologia deverá ser, simplesmen­ te, organizar procedimentos para captação dos dados empíricos. N esse caso, o percurso do m étodo será feito a partir dos fatos até a pressuposta apreensão da realidade. Assim , o método torna-se um acessó­ rio à pesquisa e deixa de ser seu elemento fundador e o organizador das reflexões construtoras do conhecimento pretendido. Esse procedimento equi­ vocado foi denominado por Franco (2003) de con­ cepção instrumental da metodologia. Contrariamente a tal perspectiva, a m etodologia deve ser concebida como um processo que organiza cientificamente todo o movimento reflexivo, do sujeito ao empírico e deste ao concreto, até a orga­ nização de novos Conhecimentos, que permitam nova leitura/compreensão/interpretação do empíri­ co inicial. Essa concepção de m etodologia pode ser denom inada de reflexiva (Franco, 20 0 3 ), reafir­ m ando, conform e V ieira Pinto (1983), as necessá­ rias articulações entre ciência e existência, um a vez que o pensamento teórico não existe desligado do plano objetivo, da prática, ou sem ter utilidade para ela, e não há trabalho nem ação prática sobre o m undo que não resultem em um a representação teórica e não determinem o aparecimento de novas ideias ou a descoberta de relações inéditas entre elas. A metodologia deve constantemente proporcionar as 107

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bases científicas das relações estabelecidas entre o ato de pesquisar e as novas compreensões que vão surgindo do diálogo do pesquisador com o mundo. A metodologia da pesquisa, na abordagem reflexiva, caracteriza-se fundamentalmente por ser a atitude críti­ ca que organiza a dialética do processo investigativo; que orienta os recortes e as escolhas feitas pelo pesqui­ sador; que direciona o foco e ilumina o cenário da rea­ lidade a ser estudada; que dá sentido às abordagens do pesquisador e as redireciona; que, enfim, organiza a sín­ tese das intencionalidades da pesquisa.1' Assim a metodologia da pesquisa não consiste em um rol de procedimentos a seguir, não será um manual de ações do pesquisador nem mesmo um caminho engessador de sua necessária criatividade. A metodologia organiza-se em torno de um quadro de referências, decorrente de atitudes, crenças e valores que se configuram como concepções de mundo, de vida, de conhecimento. A metodologia é também a organização do pensa­ mento reflexivo-investigativo durante todo o processo da pesquisa. Deve institucionalizar os questionamentos em todas as fases do pesquisar: estabelecê-los e refletir sobre eles a luz do quadro de referências imanentes a si própria. Deve ser o exercício contínuo da dúvida metódica para chegar a verdade. Para Descartes, em seu Discurso do método, a dúvida torna-se método de investigação da verdade e só se encerra diante da reflexão, ou seja, diante do próprio ser que duvida. Se duvidamos, pensamos; se pensamos, existimos. É com base nessa assertiva (indubitável) que se constrói o pensamento. Desse modo, pode-se afirmar que o processo de conhecimento da realidade se inicia com um pensar capaz de duvidar das certezas estabeleci­ das, duvida que se revela condição sine qua non para 108

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fazer avançar o conhecimento. Obviamente essa epistemologia privilegia o sujeito em detrimento do objeto de investigação, mas constitui o primeiro fundamento do processo de construção do conhecimento humano. É esse m odo de portar-se diante dos objetos que possibilita a ampliação de um a compreensão crítica das coisas. _______________ ______________________ Gatti (2002, p. 52) é bem incisiva nesse ponto, ao observar que ainda há carência de massa critica de bons pesquisadores: “H á que se debruçar sobre as ques­ tões de base, há que se manter a capacidade de questio­ namento viva e atuante, ha que se ter solidez teórica e dúvida metódica, há que se temer dogmas e verdades fáceis e antecipadas.” Considerar dessa forma o papel da metodologia não significa o abandono de critérios de rigor; ao contrário, significa, sim, a consciência de que a opção por determinada metodologia implica atitudes, posi­ ções e procedimentos coerentemente escolhidos e exaustivamente consistentes com as convicções esta­ belecidas. O exercício crítico sobre a linha de coerência lógica e de consistênpia teórica no que diz respeito às possíveis articulações entre intencionalidades da pes­ quisa e ação investigativa e entre perspectiva declarada para a pesquisa e possibilidade de ações nessa direção deve garantir o rigor, evitando discrepâncias entre teo­ ria e método. Esse exercício crítico é que poderá fornecer ao pes­ quisador o caminho para além do já sabido, do senso comum, da coleta de dados, da descrição de fatos evi­ dentes. O u, como bem expressa Franco (1999): “Portanto, p ara a verdadeira apreensão do real épreciso que o pensamento trabalhe o observável e va alem dele, concretizando-o por meio da consciência que e ativa,

“ O fato que leva Descartes a __ duvidar de tudo se relaciona com a necessidade que tem de estabelecer a firm eza do conhecimento científico, por isso afirm a que precisava começar tudo novamente desde os fundamentos, se quisesse estabelecer algo de firm e e de constante nas ciências. Por causa disto é que ele se esforça para colocar-se em dúvida sobre tudo, pois tem consciência de que a possibilidade de fundar uma ciência distinta da teologia depende enormemente de se estabelecer osfundamentos de tal form a de conhecimento” (Ghedin, 2003, p. 272). Pode-se, portanto, dizer que a dúvida é fator sem o qual não é possível construir a ciência e toda possibilidade de conhecimento científico está limitada à capacidade de duvidar de um conteúdo e de um processo estabelecido de conhecimento. É somente dessa forma que se instauram novas epistemologias e novos paradigmas para o saber humano.

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não por um dom sobrenatural, mas porque abstrai e apreende o movimento existente na totalidade Assumir uma posição sobre o papel da metodolo­ gia no ato de pesquisa e um a compreensão desse papel é mais que uma escolha a priori; trata-se, antes, de reafirmar uma concepção da relação do sujeito-pesquisador com o objeto de conhecimento. Ter a metodologia na conta de coletora de dados, concebê-la como responsável pelas bases científicas dos movimentos reflexivos do sujeito na praxis investigativa ou mesmo desconsiderar a'r necessidade da metodologia são posições decorrentes de concepções epistemológicas diversificadas. Com o já mencionado anteriormente, Severino (1996) sustenta que falar de conhecimento é falar da construção deste objeto. Essa construção desenvolvese na inter-relação do sujeito que conhece com o objeto do conhecimento. E mais ou menos consensual afirmar que a rela­ ção sujeito-objeto pode ser interpretada segundo a configuração de, pelo menos, três diferentes modelos teóricos. Tais modelos são bem explicitados em Franco (1999) e podem ser assim sucintamente descritos:

a) Modelo objetivista

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• pressuposição de que a razão científica deva pautar-se na busca de relações causais entre os fatos; • a busca da neutralidade científica, que, além de iso­ lar o sujeito do objeto, se abstém de envolvimentos e compromissos com o social, com o coletivo; • rejeição a todo conhecimento metafísico; • a associação entre verdade e comprovação empírica; • o pressuposto de que tanto os fenômenos da nature­ za quanto os sociais são regidos por leis invariáveis; • a crença de que os fatos sociais só poderão ser conhecidos se forem diluídos em variáveis que, depois de operacionalizadas, poderão ser observa­ das, classificadas, medidas; • a clara divisão entre fato e valor e a exclusão dos valores como passíveis de consideração científica; • apenas duas formas de conhecimento são conside­ radas válidas: conhecimento empírico e lógico; • o rigor científico é aferido pelo rigor das medições, pois conhecer significa quantificar; • a busca da redução da complexidade, na crença de que o todo se compõe da somatória de partes e que basta dividi-lo para entender a totalidade;

Neste modelo, a relação estabelece-se a partir do objeto, pressupondo um sujeito passivo, registrador dos estímulos advindos do ambiente. Alguns princí­ pios fundamentam a epistemologia dessa relação, entre os quais vale salientar:

• a primazia da busca do funcionamento das coisas em detrimento de sua finalidade e a compreensão de que a “determinação da causa form al obtém-se com a expul­ são da intenção” (Santos, 1996, p. 16);

• princípio da exterioridade da realidade;

• a pressuposição de uma ideia de ordem e estabilidade no mundo;

• a visão de uma realidade composta de fatos ilhados, atômicos;

• os fatos sociais são vistos como desprovidos de histo­ ricidade, movimento e contradição. 111

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Decorrem desses princípios consequências impor­ tantes à pesquisa em educação, que historicamente, na busca da objetividade científica, separou, como se pos­ sível fosse, o sujeito do conhecimento, de seu objeto. Para funcionarem tais pressupostos, foi necessária a organização da pesquisa educacional em torno da ideia da imutabilidade do mundo, da rejeição do imprevisto, do aleatório, reduzindo o real à esfera do aparente, do superficial, do previsível. Essa situação marcou profundamente as produções científicas da educação até a década de 70 do século passado. Em relação à questão metodológica, há que pressu­ por que, com base em tais princípios epistemológicos, a metodologia deva funcionar como um instrumento que apenas retire da suposta realidade o que ali se encontra presente. E presente significa o observável, o aparente, o empírico. A metodologia deve ser o espe­ lho por meio do qual a realidade se mostra- e assim deve ser fotografada, jam ais interpretada. Para que esse espelho funcione adequadamente, são necessá­ rias muitas técnicas, manuais, procedimentos, de forma que a imagem a ser fotografada seja a mais fiel possível, seja irretocável, sem filtros, luzes ou cores próprias. Por conseguinte, nessa perspectiva, a meto­ dologia é meramente instrumental, servindo de ins­ trumento de registro do empírico, do aparente, do supostamente visível.

b) Modelo subjetivista Neste modelo, há uma inversão da epistemologia objetivista. Parte-se da supremacia do sujeito sobre o objeto de conhecimento. A realidade é, pois, percebida como criação do sujeito. O objeto de conhecimento é simplesmente a elaboração cognitiva realizada pelo sujeito, sendo desprezada sua dimensão material. 112

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C o m o princípios fundadores desse m odelo, pode-se destacar: • a supremacia do sujeito como objeto do conhecimento; • a valorização da subjetividade do pesquisador; • o objeto de conhecimento é aquilo que é significa­ tivo ao sujeito; • o sujeito é criador da realidade (penso, logo existo); • o descaso com a importância do objeto de conhe­ cimento; • a preocupação com processos e condições existenciais; • o desinteresse pela recuperação histórica dos fenô­ menos sociais estudados; • a compreensão dos fenômenos é feita com base na intencionalidade da consciência, na busca de supostas essências que venham a fundamentar o fenômeno; • pressupõe-se que as pessoas ajam com base em suas crenças, percepções e valores e que todo comporta­ mento tenha um sentido que, para ser compreen­ dido, precisa ser desvelado; • a categoria epistémológica é a interpretação ou a descrição interpretativa; • parte-se de uma concepção existencialista de ser humano, visto como ser de relações, que elabora sua existência e recebe dela sentido. Em termos de decorrências significativas para a pes­ quisa em educação, há que valorizar o rompimento com a questão da objetividade e com a necessidade de neutralidade do pesquisador. Esse modelo trouxe à tona a questão da ênfase nos processos em desenvolvimento, dos significados e sentidos que organizam a vida coti­ diana coletiva. Realçou-se a questão do não aparente, 113

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do não observável, do pressentido, do aspecto oculto das representações objetivas. O principal elemento metodológico é o próprio pesquisador, que deve entrar em contato contínuo e prolongado com seu objeto de conhecimento. Desse procedimento decorre a ênfase na busca de dados qualitativos que venham a denotar significados, ele­ mentos importantes na compreensão do fenômeno. Quanto à questão metodológica, houve uma preo­ cupação fundamental em exorcizar o emprego de procedimentos quantificáveis. Nessâ transição da maciça utilização de pesquisas de cunho quantitativo para a nova abordagem qualitativa, surge um espaço de descompasso entre o saber fazer historicamente construído e o novo saber fazer a ser estruturado no processo histórico. Nesse processo de reorganização do conhecimen­ to, verificaram-se muitos equívocos sobre as formas e meios de pesquisar em educação, alguns dos quais comentados mais adiante. Os pesquisadores inician­ tes, na ânsia de não serem positivistas e na falta de uma cultura de pesquisa nos moldes da abordagem qualitativa, não raro se equivocaram, subestimando o necessário rigor científico. Com efeito, a subjetividade foi, muitas vezes, interpretada como subjetivismo, indicando que qual­ quer avaliação do pesquisador era satisfatória. Outras vezes, a identificação excessiva do pesquisador com o próprio ambiente de trabalho, transformado em ambiente de pesquisa, impediu a percepção e cons­ trução da intersubjetividade. Frequentemente o excesso de escrúpulos em manter a originalidade da fala dos pesquisados produziu um trabalho sobre o ponto de vista de um sujeito sem haver as confronta­ ções necessárias com um suporte teórico já existente. 114

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Assim, foram-se confundindo relatos pessoais com interpretações significativas da cultura do contexto de um fenômeno. Novamente convém reportar-se à fala contundente de Gatti (2002, p. 50): Nessa mudança não parece ter havido um processo de transformação, mas, sim, um movimento de adesão, novamente acrítica, sem que as novas perspectivas tenham sido realmente dominadas, apropriadas com integração compreensiva e abrangente dos seus princí­ pios básicos, estes muito complexos pela natureza mes­ ma das metodologias não quantitativas e dos elementos novos com que se está trabalhando. Analisando algum as propostas de pesquisa desen­ volvidas à luz dessa abordagem, pode-se refletir: ainda se faz pesquisa ou a norma é contentar-se com narrativas pessoais, relatórios de atividades, relatos de experiências? Onde, afinal, fica a linha divisória entre fazer pes­ quisa e relatar dados apreendidos na esfera do senso comum? Q ual o papel da metodologia em pesquisas com tal pressuposto epistemológico? Deve-se ponderar que, quando falta o devido aprofundamento epistemológico, se enfraquece a metodologia. A ausência de um estabelece o fracasso da outra. Será, portanto, necessária a garantia de que a organização do conhecimento se faça pelo uso con­ tínuo da reflexão crítico-investigativa com critérios que assegurem o rigor científico. Com o já se indicou acima, vale o alerta de que é preciso manter sempre a capacidade de questionamento, recorrendo ao exercí­ cio da dúvida metódica com solidez e consistência. O questionamento é fundamental para que se evite produzir, com a suposta pesquisa, conhecimentos já conhecidos antes de seu início; ou seja, para que a pre­ tendida pesquisa não se torne um estudo que apenas referende aquilo que o pesquisador já sabia. 115

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N o que concerne à epistemologia da metodologia de pesquisa, é interessante notar que muitos pesquisadores iniciantes, ao se reportarem ao modelo subjetivista como suporte teórico de suas pesquisas, muitas vezes em explícita oposição ao modelo objetivista, utilizam-se da metodologia ainda em seu caráter instrumental. O u seja, empregam-na como mera coletora e regis­ tradora de dados, sem proceder à análise das articula­ ções entre sujeito e objeto, entre fato e valor, entre a particularidade e a totalidade. Seguem de perto os mesmos princípios do modelo objetivista, com os pressupostos da epistemologia positivista. Apenas substituem dados quantificáveis por dados qualitati­ vos, geralmente sem criar alterações nos instrumentos de pesquisa ou nos procedimentos de análise, condu­ zindo o trabalho à enorme discrepância entre teoria e método e cometendo assim um “pecado mortal” , um a vez que tal discrepância inviabiliza a possibilida­ de de construção científica do conhecimento. Nesses casos, o que ocorre é que, embora se mude o modelo teórico, fundado em outros pressupostos epistemológicos, e se alterem algumas técnicas de coleta de dados, o germe do processo metodológico não se modifica, redundando a suposta pesquisa numa coleção de fatos historiados que, na realidade, não caminham no sentido de transformar conheci­ mentos, mas de mantê-los. Realce-se que o que garante a cientificidade é o reforço ou o peso da teoria como análise do real. E sempre bom frisar que não há análise sem teoria, do mesmo m odo que não há síntese sem metodologia. O que se percebe é que, nos casos m encionados, a pesquisa não é conduzida por um a práxis investigativa, que possa produzir os avanços no campo do conhecimento, mas, ao contrário, cam inha na 116

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direção do exercício, quase m ecânico, de extrair da realidade os dados de que o pesquisador precisa para reafirmar suas convicções iniciais. Outra consequência do uso acrítico e superficial desse modelo teórico é o fato de, por priorizar o estu­ do do cotidiano na busca de significados que a cultu­ ra local atribui aos fenômenos, a pesquisa acaba pecando por irrelevância, pois os pesquisadores ini­ ciantes deixam de contextualizar o problema da investigação em um cenário histórico-teórico mais amplo, impossibilitando que os estudos daí decorrentes possam ser utilizados em qualquer outra situação; nes­ ses casos, “a impressão que se tem é a de que o conheci­ mento sobre o problema começou e terminou com aquela pesquisa (Alves-Mazzotti e Gewandsznajder, 2001). Convém lembrar que o conhecimento não surge ao acaso, mas insere-se numa tradição, num processo histórico, e é essa tradição que, evidenciando seu compromisso epistemológico e metodológico, permi­ te o avanço da ciência. Assim, há que considerar que, a partir da emergên­ cia dessa nova forma de pesquisar, com muitos acertos e alguns equívocos, Tem sido possível caminhar para uma ampliação na compreensão do fenômeno educati­ vo, em toda sua dimensionalidade histórica. A emer­ gência da abordagem qualitativa em educação vem denotar que novas necessidades e outras percepções se apresentaram aos pesquisadores. A educação foi sendo compreendida como fenômeno integral, com­ plexo, e, portanto, foi-se requisitando nova forma de pesquisa, que já não pretendesse estudar o fenômeno educativo de maneira descontextualizada, decompondo seu todo em variáveis observáveis e descaracterizando assim a própria essência do processo. Igualmente, foi-se percebendo aos poucos que a tão requerida 117

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neutralidade do pesquisador, exigência do paradig­ m a positivista, se foi m ostrando um a exigência não só impossível, com o tam bém deturpadora da essên­ cia do objeto educativo. c) M odelo dialético Este modelo advém da superação da dicotomização estabelecida pelas duas abordagens anteriores. Fundamentalmente, incorpora-se o caráter sócio-his­ tórico e dialético da realidade social, compreendendo o ser humano como transformador e criador de seus contextos. O s princípios básicos dessa concepção são a historicidade como condição para a compreensão do conhecimento e a realidade como um processo histórico constituído, a cada momento, por múltiplas determinações, fruto das forças contraditórias exis­ tentes no interior de si própria. Portanto, sujeito e objeto estão em contínua e dia­ lética formação, evoluem por contradição interna, não de m odo determinista, mas como resultado da intervenção humana mediante a prática. O s princípios epistem ológicos desse m odelo podem ser sucintamente especificados: • privilegia-se a dialética da realidade social, a histo­ ricidade dos fenômenos, a práxis, as contradições, as relações com a totalidade, a ação dos sujeitos sobre suas circunstâncias; • o homem é um ser social e histórico, determinado por seus contextos, criador da realidade social e transformador de suas condições; • a práxis é concebida como mediação básica na construção do conhecimento e vincula teoria e práti­ ca, pensar e agir; 118

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• a prática social é o critério básico de verdade; • a realidade empírica é ponto de partida na constru­ ção do conhecimento e não ponto de chegada; • não há como separar sujeito que conhece do obje­ to a ser conhecido; • o processo de conhecimento constrói-se do empíri­ co ao concreto e deste ao empírico; • o conhecimento não se restringe à mera descrição, mas busca a explicação; parte do observável e vai além, por meio dos movimentos dialéticos do pen­ samento e da ação; • a interpretação dos dados só pode realizar-se em contexto; • o saber produzido é necessariamente transformador dos sujeitos e das circunstâncias (práxis). Considerando as consequências desse modelo para a pesquisa educacional, cabe observar que ele abre grandes perspectivas para o estudo dos fenômenos educativos em toda sua complexidade, embora apre­ sente aos pesquisadores o desafio de saber realizar pesquisas de cunho dialético. Tais pesquisas requerem ao pesquisador que adentre na dialética da realidade social, compreenda e acompa­ nhe o movimento da práxis do sujeito construtor de sua realidade, esteja atento ao saber produzido na prática social dos homens, bem como, consequentemente, às transformações que tal dinâmica vai produzindo nos sujeitos e nas circunstâncias e àquelas pressentidas e gestadas na práxis, seja atuante e participante, tomando consciência de que seu papel não é o de ativista políti­ co, mas de pesquisador em processo. Ele deverá estar 119

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atento para realizar as interpretações em contexto, para perceber as mediações entre o particular e a totalidade, para distinguir a dinâmica das contradições inerentes ao movimento histórico e para saber respeitar as sínte­ ses provisórias de conhecimento que se vão constituin­ do. Deverá saber trabalhar para além do observável, saber construir os referenciais teóricos que podem mos­ trar-se adequados à busca da complexidade do concreto e saber, com recurso à teoria, retornar ao empírico para melhor compreendê-lo. Apenas trabalhando dessa forma pode a pesquisa em educação superar a histórica dicotomia entre teo­ ria e prática, pois na práxis se encontra a concretiza­ ção da teoria e a teorização da prática. N o entanto, vem a pergunta: como realizar uma pesquisa assim? C om o adentrar a práxis? Com o perceber os movimentos contraditórios que funda­ mentarão a construção de sínteses provisórias? Com o reconhecer a construção do concreto para além do empírico? Com o caminhar do todo às partes e destas ao todo? C om o interpretar em contexto? Com o to­ mar partido, assumir compromissos políticos com o grupo pesquisado e continuar sendo pesquisador, e não apenas militante? A ausência de enfrentamento desses importantes dilemas, principalmente na atuação de pesquisadores iniciantes, tem produzido também novos equívocos no fazer pesquisa em educação. Kosik (1976, p. 45), auxiliando na proposição de pistas para tal enfrenta­ mento, argumenta que o conhecimento da realidade histórica é um processo de apropriação teórica, ou seja, “de crítica, de interpretação e de avaliação dos dados — processo em que a atividade do homem, do cientista, é condição necessária ao conhecimento objeti­ vo dos fatos” . Mostra-se de igual ajuda a afirmação de Marx (1983, p. 20) de que “a pesquisa tem que captar 120

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detalhadamente a matéria, analisar suas váriasform as de evolução e rastrear sua conexão íntima . Frigotto (1989, p. 87) oferece um a série de orien­ tações que devem nortear a pesquisa qualitativa em educação, as quais, recriadas e sintetizadas, se confi­ guram como segue: • N a delimitação da problem ática em que o pro­ blem a de pesquisa vai situar-se, é fundam ental deixar clara a posição teórico-epistemológica do pesquisador, na qual se evidenciam as rupturas, as contraposições da concepção do pesquisador com o estabelecido. E importante que esta etapa da pesquisa esclareça as opções pelo recorte esco­ lhido: o que se acolhe na pesquisa, o que se deixa de lado? O que será ou não priorizado e por quê? Q uais os sujeitos reais com os quais se vai traba­ lhar e de que totalidade fazem parte? • A seguir há que esmerar-se no resgate crítico da produção teórica referente à problemática em ques­ tão. Resgate crítico é m ais que elencar estudos anteriores: é estabelecer as diferentes perspectivas de análise, com entar as contradições que histori­ camente se organizaram em torno do assunto e com o foram sendô' superadas, identificar as rup­ turas que demarcaram novas perspectivas para a tem ática e, fundam entalm ente, esclarecer as pre­ missas do avanço que se pretende propiciar com a pesquisa atual. A condução da pesquisa será feita pelo investigador, por sua posição teórica, e não pelos dados que tem pela frente. Esse alerta é importante para evitar o equívoco de fazer da pes­ quisa apenas um instrumento de resolução de pro­ blemas que o pesquisador encontra em sua prática. • Frigotto considera que a definição do método de organização para análise e exposição, esclarecendo os conceitos e categorias de análise, será feita com 121

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base no levantamento de material. N o entanto, deve-se levar em conta que é mais prudente tal definição já estar presente quando da reflexão empreendida para esclarecimento da problemática, dos recortes elaborados e do próprio trabalho de organização do campo teórico; • N a análise dos dados, será fundamental esclarecer e identificar as conexões, as contradições, as mediações dos fatos na problemática em questão. NesSe intenso trabalho de reflexão, em que se procurará caminhar para a superação do empírico, do senso comum, do observável, é que se poderá caminhar para dar um passo à frente na compreensão do fenômeno. • A síntese do trabalho deverá indicar as múltiplas determinações que interagem com o fenômeno estudado, os avanços obtidos com a pesquisa e tam ­ bém as questões pendentes, para a necessária rede­ finição das categorias. E preciso deixar claro que, embora tais etapas da pes­ quisa dialética possam ser vivenciadas de forma dife­ rente, o questionamento metódico deve estar presente em todos os momentos do pesquisar. Advirta-se ainda que o diálogo do pesquisador com a realidade será feito por meio do movimento dialético do pensamento e essa dialética funcionará como o motor da produção cientí­ fica do conhecimento.

2. Algumas considerações sobre a ques­ tão da coerência epistemológica A questão do rigor científico nas pesquisas em educação não se resolve com a estruturação e o orde­ namento de regras de procedimentos, fases ou etapas,

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como pressupõe a concepção tradicional de ciência, mas, fundamental e quase que basicamente, deve-se à consciência e preservação da coerência epistemológica. É comum verificar as imensas dificuldades que o pesquisador iniciante tem na vivência dessa necessá­ ria coerência. A análise dos modelos explicativos das relações do sujeito que conhece com o objeto de conhecimento foi apresentada na seção anterior com a intenção de ajudar o pesquisador iniciante a refletir sobre suas concepções a respeito da compreensão do processo de produção do conhecimento, ressignificá-las e integrá-las a seu modo de organizar a pesquisa. Muitas vezes, a m etodologia engessa o pesquisador e a pesquisa perde sentido: aquele, na ânsia do rigor metodológico, deixa de perceber-se refletido nas in­ tencionalidades da pesquisa; esta, por sua vez, cami­ nha na direção do método, e não da construção do sentido. Quando o pesquisador deixa transparecer as pró­ prias convicções, assume com liberdade e coragem suas perspectivas epistemológicas e delas não abre mão, a metodologia surge como auxílio na construção do conhecimento, e não como caminho burocrático da organização da pesquisa. O rigor almejado em uma investigação deve advir da convicção dos pressupostos da pesquisa e dos compromissos daquele que a realiza com a questão epistemológica. A pesquisa tem de ser a continuidade da vida do pesquisador — segundo o princípio já exposto de que todo conhecimento é fusão de sujeito e objeto. E esse sujeito datado, situado historicamente, com suas crenças e convicções, que constrói conhecimento por meio da pesquisa; e a metodologia emana desse sujeito de crenças, que se move em meio ao desejo e acredita nas possibilidades de novo conhecimento, suplantador ou anunciador de superação da problemá­ tica geradora da pesquisa. 123

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Alguns pesquisadores têm realizado estudos que evidenciam certos cuidados que o pesquisador ini­ ciante deve tomar, de sorte que garanta maior consis­ tência a suas pesquisas qualitativas: Pode-se aprofundar o conhecimento dos itens expostos a seguir nos trabalhos de Gatti (2002), Fonseca (1999) e Miranda (2001).

• A realidade pesquisada não pode ser reduzida aos discursos que os sujeitos pesquisados emitem a res­ peito dela, o que denotaria um subjetivismo inade­ quado. E fundamental que a pesquisa qualitativa considere o ponto de vista do sujeito pesquisado, mas não basta a coleta de falas e discursos dos pes­ quisados; deve haver depuração crítica, contextualização, identificação e diferenciação dos diversos aspectos dos discursos: a fala que esconde, a que denota, a que veio atender à expectativa do pesqui­ sador, entre outras dificuldades. • O percurso investigativo não pode organizar-se apenas com base no senso comum, o que denotaria um objetivismo mecanicista. Com o se sabe, o co­ nhecimento produzido em educação deve trans­ cender aquele estruturado sob forma de senso comum, e, para ocorrer essa transcendência, é necessário um trabalho articulado que organize a reflexão e sistematize as mediações. Conforme afir­ ma M iranda (2001, p. 137): “ O conhecimento siste­ matizado se contrapõe ao senso comum por este se constituir como um conjunto de saberes que, p o r não serem sistematicamente mediados pela reflexão, são aparentes, precários, imediatos, fragmentados, caóticos e parciais” . A reflexão mediadora manifesta-se em toda a duração da pesquisa: desde os recortes ini­ ciais, passando pelo processo de coleta de dados e, fundamentalmente, pela análise deles. Todas essas etapas vão, aos poucos, permitindo uma compreen­ são mais profunda da realidade. Advirta-se que as

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fases de um a pesquisa são contínuas, impregnando-se mutuamente. É comum pesquisadores iniciantes fazerem esta separação: coletam dados e mais dados para só depois, ao fim da coleta, longe dos sujeitos pes­ quisados, efetuar as interpretações. • Revela-se essencial, num processo reflexivo de pes­ quisa, a objetivação das subjetividades. Para tanto, deve o pesquisador evitar permanecer no nível ape­ nas descritivo. E sempre importante um espaço de distanciamento cognitivo que produza certo estra­ nhamento. Dessa forma, há que tomar muito cuida­ do ao pesquisar no próprio ambiente de trabalho, pois o distanciamento, o estranhamento ao familiar, passa a ser muito difícil. Esse fato, bastante relevante, requer um esforço investigativo que permita ao pes­ quisador desfazer-se de conclusões já elaboradas, de mitos e preconceitos já construídos. E preciso que ele encontre espaços, técnicas, meios de estranhar um ambiente tão impregnado em seu ser e em seu fazer profissional. • Evitar análises distanciadas da totalidade, do contex­ to; a pesquisa qualitativa impõe a busca do sentido expresso na cultura} (etnografia). Fonseca (1999) alerta muito para o uso superficial da etnografia, referindo-se a um “ método etnográfico truncado, que sefecha em técnicas e orientações teóricas, que realçam o indivíduo à custa da análise social’ . • D urante todo o processo, o investigador precisa m anter seu papel e, por m ais em patia que tenha construído com os sujeitos da pesquisa, deve evitar im iscuir-se e/ou desaparecer sob o peso do ponto de vista dos sujeitos pesquisados (fusão de subjetividades). • N u m a pesquisa qualitativa, não basta reproduzir o real; é necessário tentar reconstruí-lo com base 125

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REFLEXÃO C O M O F U N D A M E N T O D O PR O C E SSO IN V E ST IC A T IV O

nos pressupostos da m etodologia (aproximações sucessivas). Assim, por exemplo, o pesquisador que trabalha com a metodologia de história de vida não pode restringir-se a ser um relator de histórias. A própria história, em processo de relato, precisa ir-se organizando dialeticamente, de forma que sujeito e história se vão compondo historicamente, evitando confundir momentos idealizados pelo sujeito com momentos superados e ressintetizados após ruptu­ ras, os quais devem ser evidenciados; • Trabalho de campo tem sentido quando conduz a novas descobertas, e não apenas quando referenda pressupostos já existentes. Deve-se buscar o novo, avançar na sistematização teórica. Esse objetivo vai sendo atingido à medida que os dados são percebi­ dos, captados e construídos na perspectiva do intersubjetivo, do coletivo, mediado pela teoria, transcendendo o puramente familiar, o observável, o visível e a opinião de sujeitos únicos. Assim deve o pesquisador evitar fazer de sua pesquisa apenas uma descrição criteriosa e ordenada de fatos e deve lembrar-se de que a construção da subjetividade vai além da integração de falas e depoimentos a eles, mas exige todo um trabalho crítico, analítico, her­ menêutico e dialético. • Deve o pesquisador buscar a construção de tuna metametodologia para elaborar a passagem da coleta de dados para a produção científica de conhecimen­ tos por meio da pesquisa. Com efeito, se não houver o exercício contínuo da reflexão acompanhando cada momento da construção do conhecimento, se não houver rigoroso processo crítico no desenrolar da própria pesquisa, esta não se realizará, no sentido estrito do termo. 126

Capítulo

IV

P ressü po sto s EPISTEMOLÓGICOS E METODOLÓGICOS DA PESQUISA EM EDUCAÇÃO NUMA PERSPECTIVA HERMENÊUTICA

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Pressupostos epistemológicos e metodológicos da pesquisa em educação numa perspectiva hermenêutica A reflexão aqui apresentada tem por objetivo estabelecer uma linha de pensamento preocupada com a pesquisa hermenêutica, especialmente utilizada no campo fibsófico, mas com um grande potencial na pesquisa em educação, especialmente nos estudos que lançam mão da pesquisa documental, bibliográfica e de análise de conteúdo. Não se quer dizer com isso

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que o texto apresenta estratégias para estes procedimentos, mas se propõe oferecer subsídios epistemológicos e metodológicos para a fundamentação daquelas abordagens qualitativas que necessitam da hermenêutica como suportefundante de uma pesquisa de natureza reflexiva. Especialmente porque a perspectiva hermenêutica nos permite compreender e considerar integradamente as questões ideológicas, políticas e científicas, possibilitando-nos saber mais plenamente sua interdependência e influências mútuas desse complexo processo de construção do conhecimento científico em educação.

P r e s s u p o s t o s e p is t e m o l ó g ic o s e m e t o d o l ó g ic o s

1. As relações entre política e metodologia da pesquisa em educação Quais as relações existentes entre a metodologia da pesquisa numa área do conhecimento humano e as políticas para a produção e financiamento da investi­ gação científica? Pensar essa questão revela-se impres­ cindível, pois decorrem dela os processos de autonomia na produção da ciência. Conform e argumentação desenvolvida na Intro­ dução desta obra, a filosofia pós-moderna, ao reduzir o sujeito ao conceito, limitou a reflexão à prática e retirou do cenário filosófico a possibilidade da crítica à sociedade, à política, à cultura, à economia e à Filo­ sofia. Em face dessa dinâmica, a crítica já não se dá no contexto histórico e com base nele, mas se res­ tringe apenas ao conceito, ao qual todo universo hu­ mano se circunscreve. Semelhante conjuntura elimina a política como campo de luta e de disputa pela organização e distri­ buição do poder na sociedade humana. A redução da reflexão à prática — esta sempre compreendida como resultado da reflexividade — eliminou a crítica como espaço de construção teórica e prática expressa na práxis transformadora. Esse modo de pensar operacionalizou uma forma de violência simbólica, crian­ do um impasse na possibilidade de construção de um sentido para o fazer humano. Tanto a ciência quanto a Filosofia e, por acrésci­ mo, a educação perdem seu espaço público e — tam­ bém elas — tornam-se reféns da desmobilização e da despolitização, a ponto de não só negligenciarem, mas negarem sua função política na sociedade contempo­ rânea. Seus intelectuais fecham-se nos respectivos 130

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“laboratórios” e o espaço do debate público é transfe­ rido para o público dos meios de comunicação. A reflexão confina-se ao espaço privado e a crítica é reduzida à ação individual, técnica e pragmática. As palavras de Bourdieu surgem como necessário contraponto a esse estado de coisas: 0 que defendo acima de tudo é a possibilidade e a neces­ sidade do intelectual crítico, e principalmente crítico da doxa intelectual que os doxósofos difundem. Não há ver­ dadeira democracia sem verdadeiro contrapoder crítico. 0 intelectual é um contrapoder, e de primeira grandeza. É por isso que considero o trabalho de demolição do intelec­ tual crítico /.../ tão perigoso quanto a demolição da coisa pública e inscrevendo-se no mesmo empreendimento glo­ bal de restauração (1 9 9 8 , p . 17-18).

Recuperar o papel da crítica e do intelectual como seu agente é necessidade imperiosa para criar espaços de contestação ao sistema vigente. Entretanto, não é qualquer crítica ou qualquer trabalho intelectual que abrem caminhos de superação. Esta só pode ser efeti­ vada por um trabalho de crítica fundamentada em pro­ cessos científicos e coletivamente discutido e proposto. Trata-se de defender não um a volta ao cientificismo, mas a necessidade de fundamentação do conhe­ cimento em m étodo rigoroso, e não na inform ação, sua versão barateada. Esse conhecimento fundamen­ tado exige um trabalho coletivo e colaborativo não só em sua produção, mas tam bém em sua divulga­ ção. O conhecimento produzido e divulgado cole­ tivamente, além da abordagem significativa do objeto, torna possível a discussão de sua própria rigorosidade. Ademais, é possível dar-lhe um peso crítico mais vultoso na discussão pública, configu­ rando uma existência estendida no tempo histórico e disseminada no espaço geográfico universal. 131

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Essa perspectiva do conhecimento coletivo indica que a mobilização da vontade não implica uma falsi­ ficação ideológica, como o faz a ideologia da globali­ zação, mas uma identidade intelectual criadora não só de espaços, mas também de ideias contestatórias às formas de apropriação e de expropriação da cons­ ciência humana expressas na exploração econômica instituída como fator de desumanização do ser hu­ mano na história. Compreendendo os intelectuais — particular­ mente os críticos, ainda não cooptados pelos braços invisíveis do mercado — como representantes da mão esquerda” do Estado, abre-se um espaço de organização, em seu interior, que poderia ser base estruturante para o início da instauração de espaços de resistência política organizados coletivamente. A saída que a sociedade tem encontrado para me­ lhorar as condições de vida é a migração do público para o privado. Mas não é novidade para ninguém que as empresas privadas de educação reservam pou­ co espaço para o trabalho coletivo e menos ainda para o debate público. Aqueles que atuam nesse meio não raro se veem escandalizados com as circunstâncias e as imposições a que são submetidas as ideias e a pos­ sibilidade de sua crítica. Um espaço que podería ser descentralizado em relação ao controle do Estado assume o controle do sistema, impedindo a crítica como forma de criação alternativa de contestação. Visto que o controle se dá mais facilmente em escalas mais altas na estrutura do Estado, na “mão direita , aqueles que estão do lado oposto poderão estar tendo uma brecha não aproveitada o suficiente como instrumento de luta política. Se a pressão esta­ tal sobre a “mão esquerda” é menor, gera-se uma possi­ bilidade criativa de organização da crítica intelectual ao 132

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sistema. Se, em vez da migração do público para o privado, houvesse a assunção da responsabilidade his­ tórica na organização de um trabalho intelectual, científico e crítico de modo coletivo e colaborativo, estar-se-ia marcando o início não de um a luta moral, mas da possibilidade de um espaço político de rom­ pimento das condições de controle social exercido sobre a criatividade. Esse trabalho de organização coletiva de produção do conhecimento, colaborativamente instituído, é um processo lento e exigente. Lento porque há que formar um a consciência coletiva em face de uma consciência individualizada e individualista na forma de conceber a dinâmica de construção do saber. Exigente porque não se pode abrir mão do rigor metodológico nem substituir o conteúdo do saber pela informação nem as estratégias das aprendizagens pelas competências — pretensões do discurso e das políticas dominantes. É nesse sentido que Bourdieu (1998, p. 35) afirma ser infinitamente mais fácil tomar posição a favor ou contra uma ideia, um valor, uma pessoa, uma insti­ tuição ou uma situação do que analisar o que pos­ suem de verdade em toda a sua complexidade. Por isso, a análise rigorosa das situações e das instituições constitui, sem dúvida, o melhor antídoto contra as visões parciais e contra todos os maniqueísmos, fre­ quentemente carregados de consequências mortífe­ ras. A necessidade do intelectual crítico configura-se, pois, uma questão central no processo de organização de espaços de resistência política em face do imperia­ lismo econômico. N a mesma linha, o trabalho de formação docente deve ter como horizonte de partida e de chegada a intelectualidade crítica e a reflexibilidade política 133

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m e t o d o l ó g ic o s

como meio de disseminar uma leitura e uma prática contestatória das situações vigentes. N ão se trata da adoção de “técnicas de reflexão”, o que é inconcebível do ponto de vista da própria atividade reflexiva, mas de um trabalho laborioso de pesquisa e de investigação das formas de organização e de interpretação do mundo, justamente com o intuito de proporcionar outra ma­ neira de compreendê-lo e suas expressões. A contestação e a reconquista da democracia con­ tra a tecnocracia podem revelar-se bastante produti­ vas. Por isso, ' é preciso acabar com a tirania dos “especialistas”, estilo Banco Mundial ou FMI, que impõem sem discussão os vere­ dictos do novo Leviatã, “os mercados financeiros”, e que não querem negociar, m as “explicar”; é preciso romper com a nova f é na inevitabilidade histórica que professam os teóricos do liberalismo; é preciso inventar a s novas fo r­ m as de um trabalho coletivo (B o u rd ie u , 1 9 9 8 , p . 4 1 ).

Esse trabalho deve ser capaz de levar em conta necessidades econômicas para combatê-las e neutrali­ zá-las. O trabalho coletivo de pesquisa e de produção do conhecimento é um a form a de fundamentar cientificamente a contestação. Por conseguinte, só se pode combater eficazmente a tecnocracia, nacional e internacional, enfrentando-a em seu terreno privilegiado, o da ciência, e opon­ do ao conhecimento abstrato e mutilado de que ela se vale outro que respeite mais os homens e as reali­ dades com as quais eles se veem confrontados. Ao abstracionismo da ciência econômica, funda­ mentado na teoria matemática e assumido como modo de justificação cientificista do mercado, deve-se opor um conhecimento concreto, que parta da concretude do m undo e das relações. Elaborado teoricamente 134

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como meio de interpretação e de compreensão do sen­ tido praxiológico da investigação e tendo como ponto de partida e de chegada o concreto real, ele pode esta­ belecer uma oposição ao abstracionismo economicista no qual o mercado vai lançar as bases de sua construção pretensamente universalista. Contra o universalismo mercadológico, há que opor o conhecimento etnoló­ gico como forma de resistência local, sem transfor­ mar-se num etnocentrismo. Contra a mundialização, preocupada apenas em universalizar o lucro e limitar as conquistas sociais, cabe o delineamento de outra lógica política e científica: a lógica das relações públicas na luta pela democracia participativa como forma de fortalecimento do Estado em seu papel de defensor dos direitos da cidadania, e não em sua face de instrumento de exploração via conhecimento traduzido como técnica. Trata-se de ta­ refa um tanto difícil, mas não tão complexa quanto se pensa. A dificuldade está no grau de organização que ela exige dos intelectuais críticos como meio de oposição ao sistema. Sua complexidade não é aquela em que se é levado a pensar num primeiro momen­ to, pois “o neoliberalismo fa z voltar, sob as aparências de uma mensagem muito chique e muito moderna, as ideias m ais arcaicas do patronato m ais arcaico” (Bourdieu, 1998, p. 49). A pretensa complexidade atribuída ao neoliberalis­ mo é apenas um verniz revestido de cientificidade, ou seja, a forma mais arcaica de patronato escravocrata revestida com o véu da ciência por ela cooptada. Justamente nesse terreno é que pesquisadores e cien­ tistas têm mais e melhores condições de combatê-los. Esse progressismo não passa de uma forma de arcaís­ mo facilmente demonstrável historicamente. 135

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A globalização não é uma homogeneização, mas a extensão do domínio de pequeno número de nações sobre o conjunto das praças financeiras nacionais. O mercado do capital internacional tende a reduzir a autonomia dos mercados nacionais e proibir a mani­ pulação das taxas de câmbio e das taxas de juro, determinadas por um poder concentrado nas mãos de pequeno número de países. Este é seu, único poder: o de domínio econômico da realidade políti­ ca. Opor-se a essa lógica significa criar condições para inverter as relações econômicas. N ão é ©'mercado dos países periféricos que depende do dinheiro das gran­ des potências, mas o dinheiro dos grandes capitalistas é que depende dos mercados periféricos para produ­ zir o lucro. Desenvolvendo por outro ângulo o raciocínio, tratar-se-ia de criar instituições capazes de controlar as forças do mercado financeiro, de introduzir uma proibição de regressão das conquistas sociais, sem render-se a seu con­ trole desmedido (Bourdieu, 1998). Ao darwinismo social há que opor-se uma ciência que não se renda ao discurso da competência. Já se sabe que a ideologia da competência convém muito bem para justificar um a oposição algo assemelhada àquela existente entre senhores e escravos. Por isso, o intelectual engajado é uma exigência como forma de luta e de resistência a essa lógica. Convém voltar a afirmar, juntamente com Bourdieu, que é no campo da ciência que essa teoria deve ser combatida, desmitificada, desideologizada e destruída em suas bases. Ao pragmatismo linguístico tomado como funda­ mento para a elaboração das bases teóricas do discurso neoliberal nas ciências humanas deve-se opor uma cul­ tura da pesquisa e de produção do conhecimento cole­ tivo que faça frente à supervalorização do indivíduo. 136

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O conhecimento humano é resultado dos limites e das possibilidades sociais que o dificultam ou o favo­ recem. Por conseguinte, nenhuma forma de conquis­ ta é totalmente individual, mas resulta desse esforço coletivo pertencente ao todo da sociedade. Reduzir o conhecimento ao indivíduo e premiá-lo individual­ mente constitui estratégia ideológica de dominação e cooptação do conteúdo do conhecido e do sujeito que o produz na ilusão da individualidade. Tal conjuntura precisa ser invertida com a institu­ cionalização de redes de pesquisa, de pesquisadores e de instituições que usem a lógica da ciência para enfraquecer as bases teóricas onde o economicismo é mais forte como forma de dominação ideológica, política e cultural. Diante do discurso envernizado da utopia neoli­ beral a respeito da ciência, o que podemos fazer é criar não um contraprograma, mas

um dispositivo de pesquisa coletivo, interdisciplinar e inter­ nacional, associando pesquisadores, militantes, represen­ tantes de militantes etc., tendo os pesquisadores um papel bem definido: eles podem participar de maneira particular­ mente eficaz, pois é sua profissão, de grupos de trabalho e de reflexão, em associação com pessoas que estão em movi­ mento (B ourdieu, 1 9 9 8 , p. 76).

E preciso, pois, inventar novas formas de comuni­ cação entre os pesquisadores, nova divisão do traba­ lho entre eles. U m a das missões que os pesquisadores podem cumprir, talvez melhor do que ninguém, é a luta contra o “martelamento” da mídia. Pode-se enfrentá-lo criticando-lhe as palavras e ajudando os não profissionais a munir-se de armas de resistência específicas para com bater os efeitos de autoridade e o domínio da televisão, que desempenha um papel absolutamente capital (Bourdieu, 1998, p. 77). 137

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O utra estratégia, complem entar a essa, é a apro­ xim ação entre os pesquisadores e os sindicatos para a organização de programas de formação para os trabalhadores, de sorte que estes encontrem no conhecimento suas armas de luta e de resistência política em face da ilusão neoliberal. Nesse sentido, conquistar espaços de luta significa criá-los como formas de mudança. Criar espaços para a produção e a disseminação do conhecimento significa promover condições con­ cretas para a reflexão. Por isso é necessário reinventar o m odo de perguntar e de responder, projetando nova form a de organização do trabalho de contes­ tação e de organização da contestação, e descobrir novos meios de expressão, que permitam com uni­ car aos militantes as conquistas mais avançadas da pesquisa. Essa tarefa supõe, por parte dos pesquisa­ dores e pesquisadoras, um a m udança de linguagem e de estado de espírito. Implica, ainda, conceber formas de pensamento teórico e de ação prática capazes de situar-se no nível em que se deve dar o combate ideológico e político. Mirando a criação de estratégias de organização das formas de resistência com os instrumentos dispo­ níveis, é preciso potencializar ao máximo o uso das redes eletrônicas e a participação de pesquisadores nos meios de comunicação de massa, não só para com­ bater certa visão de mundo, mas para propor outra. A televisão propõe e impõe uma visão de mundo cada vez mais despolitizada, asséptica e incolor, envol­ vendo sempre mais os telejornais nessa inclinação para a demagogia e para a submissão aos constrangi­ mentos comerciais. 138

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O sistema de educação surge, nesse contexto, como instrumento de ampliação das consciências, a fim de que sejam capazes de resistir ou de apoderar-se das armas fornecidas pelos produtores culturais, escritores, artistas e acadêmicos ainda aptos a opor-se às forças comerciais e dispostos a gerar obras não ditadas pelas exigências do mercado. Essa resistência cultural mostra-se sempre precária, mas a precariedade concerne a todas as relações sociais. Começa-se, porém, a suspeitar de que a precariedade seja produto de uma vontade política, e não constitua uma fatalidade econômica, identificada com a famosa “mundialização” . Constata-se que a pretensão é submeter um regi­ me político ao regime econômico, que, por sua vez, só pode instaurar-se com a cumplicidade ativa ou passiva dos poderes propriamente políticos. Contra esse regime político, a luta política revela-se possível. Ela pode ter como fim o encorajamento das vítimas da exploração para atuarem contra os efeitos destrui­ dores da precariedade e para mobilizarem-se a fim de combater tal política e neutralizar a concorrência que ela visa instaurar. v Bourdieu (1998, p. 135) pergunta: e se o neoliberalismo for apenas a prática de uma utopia, converti­ da em program a político, mas uma utopia que, com a ajuda da teoria econômica a que ela se filia, consegue pensar-se como a descrição científica do real? Em tal conjuntura, essa teoria tutelar revela-se pura ficção matemática, fundada numa abstração, que consiste em pôr entre parênteses as condições econômicas e sociais, isolando-as das disposições racionais e das estruturas econômicas e sociais. Em nome de um program a científico de conhe­ cimento convertido em program a político de ação, 139

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cumpre-se imenso trabalho político que visa criar as condições de realização e de funcionamento da “teoria” — um program a de destruição m etódica dos coletivos. O movimento em direção à utopia neoliberal de um mercado puro e perfeito realiza-se por meio da ação transformadora e destruidora de todas as medi­ das políticas, pondo em risco quaisquer estruturas coletivas capazes de resistir à lógica do mercado puro, tais como a nação, os grupos de trabalho, as associa­ ções coletivas de defesa dos direitos doá trabalhadores e a família. O programa neoliberal tende a favorecer a ruptura entre a economia e as realidades sociais, construindo um sistema econômico ajustado à descrição teórica. A ordem profissional e toda ordem social parecem fundadas numa ordem das “competências”. Mais do que as manipulações tecnocráticas das relações de traba­ lho e as estratégias delineadas a fim de obter a submissão e a obediência, mais do que o enorme investimento em pessoal, tempo, pesquisa e trabalho, é a crença na hierar­ quia das competências, escolarmente garantidas, que estabelece a ordem e a disciplina na empresa privada e também na função pública. Sem compartilhar necessariamente os interesses econômicos e sociais dos verdadeiros crentes, um bom número de economistas têm suficientes interesses específicos no campo da ciência econômica para da­ rem uma contribuição decisiva à produção e à repro­ dução da crença na utopia neoliberal. Muitos deles, separados do mundo econômico e social por toda a sua existência e, sobretudo, por sua formação inte­ lectual livresca e teorística, são particularmente incli­ nados a confundir as coisas da lógica com a lógica das coisas. 140

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Pergunta Bourdieu (1998, p. 145): pode-se esperar que a massa extraordinária de sofrimento produzida por tal regime político-econômico venha um dia a lastrear um movimento capaz de deter a marcha para o abismo? A transição para o “liberalismo” faz-se de maneira insensível, logo imperceptível, ocultando seus efeitos mais terríveis a longo prazo. O 11 de setembro e o 11 de março são exemplos cabais dessa forma de perver­ sidade oculta gerada no interior de um sistema polí­ tico-econômico. Pode-se ter alguma esperança razoável porque exis­ tem, nas instituições estatais e nas disposições dos agentes, forças que devem, de fato, trabalhar para inventar e construir uma ordem social que não tenha como única lei a busca do interesse egoísta e a paixão individual do lucro, mas dê lugar a demandas coleti­ vas orientadas para a busca racional de fins coletiva­ mente elaborados e aprovados.

2. O ato de conhecer e seu sentido pedagógico O conhecimento, como resultado de um a reflexão sistemática, rigorosa e de conjunto acerca da própria prática, de sua construção, atinge o sujeito, direta­ mente, no mais íntimo de seu ser. Pelo conhecimento ele se deixa envolver, distancia-se da realidade justa­ mente para poder compreendê-la em sua significação mais profunda, pois ela o toca em todos os níveis. O real, quando objeto sistemático de estudo, atinge a intimidade e questiona radicalmente os preconceitos oriundos de um fazer-ser sobre o qual não se refletiu. 141

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Todos os sentim entos e em oções envolvem-se no processo de construção do conhecim ento, o qual não se encerra senão no fim da vida e im plica um a vontade íntim a de entender-se nas coisas que se vai procurando compreender. O horizonte balizador da razão constitui instru­ mento fundamental da compreensão como resultado de uma reflexão sistemática sobre a realidade circun­ dante. Conhecer significa ser capaz de enfrentar o conflito entre velhas convicções diante de novos e instigantes conceitos que interferem' no modo de pensar o mundo. É, portanto, antes de tudo, cons­ truir o mundo que se vai fazendo permanentemente nas construções próprias do sujeito. Cada gesto, pala­ vra, ação são um modo de ele dar sentido ao mundo onde se faz num processo incessante de autoconstrução. O sujeito corre atrás de saber por que é pelo mundo que ele se faz quem é e se torna aquilo que busca. As coisas não se realizam passivamente, mas são sempre contradições que ele procura conciliar na relação da construção de um sentido para si e para o mundo em que atua. O processo do conhecer inter­ fere radicalmente em sua maneira de ser. Modifica-o por inteiro. O sujeito é transformado à medida que mergulha num universo em construção. O conhecimento significa não só uma construção social, como também uma possibilidade de constru­ ção da dignidade humana no interior da cultura em que se está inserido. O ideal que se apresenta diante da vontade de poder ser torna possível um processo de humanização por meio do conhecimento que deseja, acima de tudo, afirmar a própria vida cotidia­ na num horizonte de compreensão de seu sentido. Alimentar as possibilidades infinitas das habilida­ des cognoscitivas dos sujeitos deve ser tarefa essencial 142

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de todo o processo educativo, pois apenas diante da necessidade de um vir-a-ser é que se revela possível a construção de um cidadão politicamente comprome­ tido com as transformações radicais da sociedade. N ão há o que possa explicar melhor o sentido das práticas pedagógicas educativas do que os limites e as possibilidades para estabelecer em si um processo sis­ temático de reflexão sobre elas. O que é feito não se explica pelo como se faz, mas possui sentido diante dos significados atribuídos pelo sujeito. Esses signifi­ cados não são latentes, mas emanam, de fato, dos sentidos construídos. O fazer prático só tem sentido em face do horizonte de significações que se pode conferir ao “por que fazer” . O horizonte dos signifi­ cados possibilita um descortinar dos sentidos da pró­ pria prática em relação às outras práticas sociais. Um fazer sobre o qual o sujeito não refletiu sistematica­ mente impede-lhe o horizonte do sentido e dificulta o próprio processo de aprendizagem. Conhecer envolve desvendar, na intimidade do real, a intimidade do próprio ser, que cresce justa­ mente porque a ignorância se vai dissipando diante das perguntas e respostas construídas por si próprio, na qualidade de sujeito entregue ao conhecimento, o qual se mostra inerente à compreensão do próprio ser no mundo. Se há um sentido no ato de conhecer, é justamente este: ao construir o conhecer de dado objeto, não é somente este que se torna conhecido, mas, essencialmente, o próprio sujeito; ou seja, o conhecimento de algo implica também, simultanea­ mente, um autoconhecimento. Essa dinâmica, imbricada no processo de construção e autoconstrução do conhecimento do real e, nele, do próprio sujeito cognoscitivo, constitui o fundamento 143

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de todo ato de conhecer. Se é possível sistematizar algo do significado real das coisas, isso se dá porque toda a vida do sujeito está envolvida nesse feixe de significa­ ções que possibilita a compreensão. Compreender o fazer humano não é tarefa fácil numa sociedade radi­ calmente marcada por um pragmatismo tecnicista, onde tudo se explica por sua utilidade. Por isso mesmo, a compreensão supõe um a reflexão analítica e crítico-criativa que possa, com base no fazer-ser pedagógico, superar os enganos cognitivos que difi­ cultam o conhecimento das próprias práticas. A atividade pedagógica está, também, radicalmen­ te marcada por um fazer político, do mesmo modo que a ação política implica um fazer pedagógico. Os caminhos (métodos) do conhecimento não se articu­ lam por si mesmos. Eles são o resultado de uma expe­ riência que se soma qualitativamente, à medida que se faz deles objeto da própria reflexão. O ato reflexivo é, de fato, uma atividade que implica uma mudança ativa (política) no interior da sociedade. Se não for assim, trata-se de mero exercício intelectual marcadamente alienante, e não da construção filosófica do mundo. Aliás, a reflexão que não se torna ação política, trans­ formadora da própria prática, não tem sentido no hori­ zonte educativo. O olhar destinado à percepção do concreto explica­ t e pela habilidade de abstração, que adquire sentido quando, dialeticamente, pode voltar-se para a própria concretude das coisas a fim de torná-las conhecidas com toda a evidência. O ato de conhecer torna-se uma habilidade de captar as coisas e os seres, em seu pro­ cesso dinâmico de manifestação radical, no horizon­ te cotidiano em que se dá a experiência da vida. As confirmações buscadas nas outras reflexões (teorias e 144

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pensamentos), por mais ecléticas que pareçam, são um a tentativa de não isolamento na autoafirmação da opinião pessoal. Ainda que uma mescla de infin­ das definições se afigure exagerada, vai adquirir sen­ tido pelo significado abrangente do próprio objeto sobre o qual o sujeito se debruça. Pode-se dizer que conhecer significa tornar-se hábil em descortinar os horizontes escondidos por trás das aparências. E na superação dos próprios limi­ tes que o conhecimento adquirido e produzido se cumula de sentido no sujeito, que assim é tocado pelas coisas ao mesmo tempo em que as toca, num exercício permanente de busca. O resultado possível de uma pesquisa é a evidência de um limite superado, apesar de todas as angústias ao longo do processo. N a dinâmica de construção do conhecimento, o sujeito amadurece não só com o próprio sofrimento, mas também com as alegrias das descobertas que vai fazendo de si mesmo, do mundo e dos outros. Uma tarefa realizada não pode, de modo algum, gerar aco­ modação. Ao contrário, deve gerar desinstalação, um choque no real, capaz de impulsionar o sujeito para além de onde chegóu. O conhecimento que acomo­ da não o é no sentido filosófico, mas alienação e ideo­ logia. Se o conhecimento não desinstalar o sujeito da poltrona confortável da acomodação irrefletida, não é digno desse nome. O sentido último do conhecimen­ to que dignifica o sujeito como tal é justamente a desinstalação e o espanto, que lançam cada ser huma­ no, em particular, na direção de outros significados transformadores de seu modo de ser no mundo. O conhecimento toca, pois, o sujeito no mais ínti­ mo de seu ser, apesar de ser algo que não depende dessa intimidade pessoal, mas da relação intrínseca com as coisas. O sujeito é modificado pelos próprios 145

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sonhos quando se revela capaz de redimensioná-los diante de novas situações. As feridas abrem-se na ausência dos sonhos, na ausência da utopia; as cica­ trizes são as marcas dessa ausência. N ada substitui o sonho, exceto a capacidade de sonhar, e nada elimina essa capacidade revolucionária, salvo a desistência própria. N um a época de crise como a atual, o caminho da busca de um tempo possível que não está presente constitui necessidade im pulsionadora da afirmação de si como parte da hum anidade em construção. O conhecimento é real porque toca a possibilidade de uma proximidade daquilo que está distante. O s limites do conhecimento são limites das próprias habilidades criativas, não da infinidade da realidade. Por isso, ele implica busca permanente que possibilita, ao longo de toda trajetória, o descortino do próprio ser no horizonte do mundo. Tão surpreendente se mostra a descoberta de si no próprio objeto, que, muitas vezes, o próprio sujeito se torna “objeto” de investigação e de construção de conhecimento. E o horizonte da descoberta o descortinador da lógica da pesquisa; ou seja, o caminho sobre o qual se refletiu sistemática e criticamente é que demonstra a possibilidade de uma construção metódica do próprio processo. Todas as construções possíveis configuram-se como possibilidades de reali­ zação do ser que se é. O que o sujeito “revela” no objeto conhecido constitui parte de si, à mesma medida que ele é integrante do mundo. Ser sujeito interagente no mundo consiste em um sentimento de pertença demonstrado pelos apegos emotivos que representam a vontade permanente de ser mais. A realidade que fala no próprio sujeito e por meio de seu ser é o descortinar de um processo dinâmico na tarefa cotidiana de dissipar a ignorância das coisas, 146

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que tanto conduz ao sofrimento. O apego ao saber representa a descoberta de uma possibilidade de supe­ ração dos limites impostos pela sociedade de classes. N ão há conhecimento pronto e acabado, do mesmo modo que não há vida absoluta. Tudo é pro­ cesso contínuo de construção e de autoconstrução. Olhar o que se está fazendo, refletir sobre os sentidos e os significados do fazer pedagógico constitui, antes de tudo, profundo e rigoroso exercício de compreen­ são do próprio ser. Marcar o ato cognitivo unicamen­ te pelo resultado de um processo ou fundamentar um conhecimento apenas no método ou no objeto implica empobrecer as dimensões de uma atividade totalizante impulsionada, também, por causas subjetivas e, às vezes, inconscientes. O atrativo na construção de dado objeto é justamente a identidade do sujeito com um a realidade que é concebida à mesma proporção que constitui um exercício de identificação subjetiva­ da objetivamente no cotidiano, em que a vida explo­ de na busca constante de explicação. A objetividade do subjetivo demonstra-se pelo objeto-sujeito emanado de longo percurso de reflexão crítica, que vai às causas de todas as coisas, para iden­ tificar-se no horizonte da compreensão interpretativa, possibilitando o entendimento num momento determinado do próprio fazer. A construção do obje­ to-sujeito é, antes, um a autoconstrução. E por isso que o real toca tão diretamente o mais íntimo do pró­ prio ser. Isso, em certo momento, gera enorme con­ flito que, por vezes, o sujeito se sente incapaz de transpor. A causa desse sentimento encontra-se na falta de clareza de que todo processo de construção do conhecimento envolve uma cisão radical em si mesmo para a qual nem sempre se está preparado. 147

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A clareza do processo só chega ao fim da travessia do caminho, justamente porque então se pode perceber a construção da qual se faz parte. A proposta aqui é um a racionalização reflexiva do processo da construção sistemática do conhecimento, em que se encontra implicada toda a existência. O conhecimento adquire sentido à medida que toca existencialmente o sujeito, e conhecer implica, por conta do próprio processo, um a ação política calcada no compromisso ético-político para com a sociedade. O conhecimento constitui, em essência, a dinâmica de uma atividade política que deve conduzir o sujei­ to que o produz a um compromisso de transforma­ ção radical da sociedade, a um a ação comprometida eticamente com as classes excluídas para que possam lançar m ão desse referencial como exigência de mudança, emancipação e cidadania.

3. O conhecimento e a construção do objeto O real é uma “revelação”, um a descoberta, um a interrogação, uma “criação”, nunca um dado; ou seja, a realidade mostra-se ao sujeito à mesma proporção que ele cria a habilidade de interrogá-la em seu senti­ do e em seu significado. Nisto consiste a árdua tarefa do conhecimento: destrinchar a complexidade do real no singular sem perder de vista e sem deixar de ter como horizonte a totalidade daquilo que aparece como particular. Essa relação estabelece-se à medida que estudar-pesquisar se torna um compromisso político que leva o sujeito a assumir eticamente os destinos da sociedade. 148

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Portanto, conhecer é o esforço contínuo de querer e buscar compreender o mundo em que se está inserido. A leitura do m undo mostra-se significativa quando o sujeito se compreende como parte dele. Ao longo da história do conhecimento, tem-se isolado o objeto do pesquisador que o investiga. Isso tem causado uma espécie de esquizofrenia na compreensão das coisas e na leitura do mundo. A busca pelo conhecimento constitui, no fundo, uma tentativa de compreender quem se é e como se é neste mundo. As tradições epistemológicas que propõem meto­ dologias para a construção do conhecimento mais têm ocultado que revelado a apreensão e a construção do real. Assim, os diversos princípios de conheci­ mento, quando apresentam a realidade como um dado, ocultam aquilo que é vital conhecer. Por isso é que há cada vez maior convicção “de que a relação ciên­ cia-ideologia-política, quando não é visível, continua a ser tratada de modo indigente, através da absorção de dois de seus termos num deles, tomado dominantes” (Morin, 1977, p. 13). A realidade é um todo, um a totalidade articulada, e não apenas a expressão de sua particula­ ridade manifesta pelo “olhar empírico” de quem a investiga. O real é um todo que se mostra nas partes, do mesmo m odo que as partes se mostram no todo, mais do que nos limites do conhecer. N a verdade, o conhecimento nunca capta o todo, mas sua manifes­ tação expressa na singularidade das coisas. Destarte, o conceito remete não apenas para o objeto conhecido, mas também para o sujeito que concebe (Morin, 1977). Sujeito e objeto não são só relação, mas condição sine qua non da produção do conhecimento. Este deve, pois, cada vez mais, buscar uma compreensão total da realidade, e não somente suas particularidades objetivas ou subjetivas. N ão se 149

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está negando aqui a importância do ser que conhece; apenas se afirma que ele, sozinho, não é suficiente para a compreensão do ser no mundo e do mundo. Todo saber deve caminhar para a totalidade, a fim de que se aproxime de sua verdade. Essa busca sempre quer, de um a maneira ou de outra, dizer ou respon­ der o que é o ser humano, o mundo, e o ser humano no mundo. A ciência, por si só, não tem como responder ou acenar respostas definitivas nessa direção. Por outro lado, o saber dissociado gera a dissociabilidade do saber e dissocia o próprio ser. O proble­ ma não é a dissociabilidade ou a fragmentação do saber, mas, nele, a fragmentação do SER. Fragmentar o ser do humano em nome de um saber fragmentado e incapaz de conjugar-se novamente na totalidade é o mesmo que mutilar a humanidade; ou seja, ao m uti­ lar o conhecimento em seu processo, mutila-se o humano, a humanidade e o mundo. O conhecimento, como saber sistematizado, há que ser aquele já não fragmentado, porém circular, um conhecer que reflete sobre si mesmo. Assim, segundo Morin (1977), conceber a circularidade é possibilitar a existência de um método que se tornaria produtor de um conhecimento complexo continente de sua própria reflexividade. Esses “círculos reflexivos”, nos quais se processam os saberes, são geradores de um pensamento complexo. Busca-se, portanto, na complexidade da rea­ lidade, aquilo que ela própria revela em sua totalidade. As relações presentes são expressões de toda a comple­ xidade da sociedade. Tal conhecimento não linear, mas circular, revela-se determinante para novo m odo de fazer científico. Os fragmentos não constituem mais que pedaços do real. A ciência tem-se detido nesses pedaços e totalizado — tem investigado o particular e generalizado, como se 150

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o particular fosse capaz de dar conta da totalidade — , sem considerar que as partes são integrantes de um todo. O problema não é tanto o conhecimento da “parte”, mas sua absolutização. Do mesmo modo, o problema não é a circularidade, mas quando ela se fecha sobre si mesma, impedindo o processo de compreensão da totalidade das coisas, na espiral do avanço e do cresci­ mento da consciência e do conhecimento. Para dar origem a novos conceitos que permitam recriar o mundo e seu conhecimento, “o nosso pensa­ mento deve investir o impensado que o comanda e o con­ trola. Servimo-nos da nossa estrutura de pensamento p ara pensar. Temos ainda de servir-nos do nosso pensa­ mento p ara repensar a nossa estrutura de pensamento. O nosso pensamento deve regressar às origens, num anel interrogativo e crítico” (Morin, 1977, p. 24). Neste momento da história humana e da ciência, mais que saber, é necessário aprender a aprender, ou seja, reor­ ganizar o sistema mental para reaprender a aprender. Essa construção em curso é que constitui a possi­ bilidade de novo método de investigação, ressituando a Filosofia numa posição privilegiada no processo de aprendizagem e de interpretação do mundo. Nesse sentido, a reflexão filosófica, compreendida em seus limites históricos, torna-se imprescindível para a vida humana, de modo geral, e para a educação, em par­ ticular. Compreender o todo pela parte é o que se busca como tentativa de olhar não só dada realidade particular, mas como ela se revela e se mostra em sua complexidade (Japiassu, 1997). Em tal investida não há certeza alguma, nem mesmo a de que se pode levar essa exigência até o fim. O fato é que se revela necessário quebrar — e aqui essa quebra se dá pela Filosofia — os padrões que impedem de 151

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desvelar, em meio aos sistemas, a verdade oculta por detrás do aparente e de seus enganos. Trata-se de uma busca para impedir que “os ruídos do mundo, das armas, dos conflitos, das libertações eflmeras e perturbadoras, das opressões duras e duradouras, atravessem as paredes e atin­ jam -nos o coração ’ (Morin, 1977, p. 26). O sujeito está o tempo inteiro diante de si mesmo, procurando-se fora, quando o que mais busca se encontra dentro de si. A totalidade mostra-se onde ele próprio se esconde perante o medo de ir além de onde se conflitam os horizontes de compreensão construídos na história humana. Este mundo é um mundo humano, e nele o sujeito se faz e o faz num modo específico de interpretá-lo. É nesse ponto que o ensino da Filosofia adquire importância, especial­ mente quando põe o sujeito diante de uma realidade construída pelo ser. O ser humano é, radicalmente, autoconstrução. E o único que tem o poder de fazer-se no mundo e, ao mesmo tempo, fazer seu mundo. Todavia, por conta do sistema político-econômico-social, tal dinâmica é permanentemente negada à humanidade, uma vez que essa negação, simultanea­ mente, cala no ser humano a potencialidade de cons­ truir outra realidade, diferente da vivida no dia a dia. Vive-se num mundo que naturaliza tudo, banali­ zando e desvirtuando todas as relações humanas. A transformação do ser-sujeito em ser-objeto é própria do positivismo e da ideologia, uma tentativa de impe­ dir que seres humanos reivindiquem sua liberdade, negada a cada instante. A naturalização do ser huma­ no constitui um processo ideológico que impõe uma visão de mundo impeditiva da possibilidade de um sis­ tema democrático. Com efeito, numa realidade social de alienação e de domínio ideológico, a possibilidade 152

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de ser-sujeito converte-se em ser-objeto. A desontização” do ser-sujeito, transmudado em ser-objeto, opera-se no interior do sistema capitalista, que faz essa objetificação do sujeito ser concebida de forma natural, ou seja, reproduzir-se naturalmente no inte­ rior da sociedade, como se houvesse um a força da natureza que determinasse as ações humanas. É jus­ tamente tal mistificação e naturalização do mundo que se quer combater e negar neste trabalho. Por isso, faz-se necessário aprofundar seu método.

4. A reflexão hermenêutica como paradigma epistemológico de pesquisa 4.1. A problemática do discurso no interior da língua como forma de significar Bakhtin (1992, p. 399) afirma que “todas as esferas da atividade humana estão sempre relacionadas com a uti­ lização da língua, qttè efetua-se em form a de enunciados, concretos e únicos. O enunciado reflete as condições especí­ ficas e asfinalidades de cada uma dessas esferas, não sópelo seu conteúdo, mas por sua construção composicionat'. O u seja, a construção do texto, na relação com o contexto, produz uma forma de dizer o m undo, uma linguagem que busca interpretar e significar as coisas, o que se funde indissoluvelmente no todo do enun­ ciado. O enunciado, as condições específicas e as finalidades são partes componentes de um todo, de uma totalidade que compõe a realidade do enuncia­ do, o qual, no texto, processa uma comunicação lin­ guística que traduz um a interpretação da realidade. 153

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A significação é perpassada por determinada visão de mundo e por um modo de compreender os signi­ ficados percebidos ou não nas diversas relações. Isso, portanto, condiciona a forma pela qual se estabele­ cem as relações comunicativas específicas nas áreas de conhecimento. Os m últiplos olhares sobre um mesmo objeto ou sujeito (no caso das ciências huma­ nas) demonstram e evidenciam as manifestações individuais expressas nos gêneros do discurso; ou seja, a fala constitui um elemento fundador do pro­ cesso de construção do conhecimento porque revela, em seu interior, como o sujeito exprime, por si, uma explicação e uma compreensão de sua expressão única e irrepetível na história humana. Essa historicidade revela e salienta a singularidade da experiência existencial do humano. Cada enuncia­ do é extremamente significativo porque torna explícito, na particularidade, algo que é, simultaneamente, indi­ vidual e universal. Tal conformação possibilita uma caminhada de investigação que poderia demonstrar ser, em seu desenvolvimento, um método constituinte de uma forma particular e significativa de conhecer o mundo e de falar dele, de expressar o conhecer, sua transmissão e sua produção no continuum do humano. Essa é a significativa “instrumentalização” do processo de conhecer expresso nos gêneros do discurso, enquan­ to expressão legítima do ser e do conhecer do humano em seu processo de autoconstrução e autocompreensão. Por conseguinte, é importante levar em consideração a diferença entre o gênero de discurso primário (simples) e o gênero de discurso secundário (complexo). Os gêneros secundários aparecem em circunstância de uma comunicação cultural, mais complexa

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e relativamente mais evoluída, principalmente escrita. Os gêneros primários, transformam-se dentro destes e adquirem uma característica particular: perdem sua relação imediata com a realidade existente e com a realidade dos enunciados alheios (Bakhtin, 1 9 9 2 , p. 402).

Os discursos da fala, em geral, são formas primá­ rias de manifestação de sentido, porque toda expres­ são simultânea do pensamento e da fala raramente permite, no momento mesmo da ação, a realização de uma reflexão sobre o que se está falando. Trata-se de discursos situados no nível elementar de significa­ ção da vida que não exigem maiores elaborações, mas o sentido próprio do cotidiano. O discurso secundário, por sua vez, é de outra ordem, pois se estabelece, fundamentalmente, como um processo de pensamento sobre a fala; sendo assim, poder-se-ia dizer que esse modo de explicitar os sentidos implica duplo movimento de pensamen­ to; ou seja, pensa-se e repensa-se o próprio objeto pensado. Esse duplo movimento não é possível na fala, uma vez que,‘ mesmo que se pense o que se está dizendo e sobre o que se diz, não há um a parada sis­ temática em tal dinâmica. Portanto, se essa constatação vale como realidade fenomênica da realidade do discurso, por questão de método, numa entrevista, deve haver a percepção e a consciência de que se está analisando um discurso simples. N ão se pode, pois, exigir que os entrevista­ dos enunciem um discurso de segunda ordem, nem analisá-lo como complexo, nem, ainda, querer tirar conclusões de segunda ordem sobre um discurso de primeira. Cabe, sim, compreender que o pesquisador 155

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faz um discurso de segunda ordem sobre um discur­ so elaborado em primeira. A língua penetra na vida por meio dos enunciados concretos que a realizam, e é também por meio deles que a vida penetra na língua. O enunciado situa-se no cruzamento excepcionalmente importante de uma problemática. Ele, como esfera significativa e significante da vida, não requer maiores elaborações, por­ que é o reflexo simultâneo de um movimento de explicação das coisas que não exige uma compreensão significante; ou seja, a concretude dcf cotidiano não necessita de nenhuma elaboração de segunda ordem, mas apenas de primeira. Língua e vida são um a coisa só especificamente no caso humano; em outros casos (nos animais) há lin­ guagem, mas não há língua. A língua é expressão da vida em sua máxima condição de comunicação do ser. Nesse estar sendo cotidiano, a forma de significar coincide com a forma de viver, e por isso as coisas são feitas do modo que são. Isso, porém, não é suficien­ te. E preciso passar da explicação para a compreensão. E, para compreender, necessita-se de um discurso de segunda ordem, pois é aí que, além do sentido, se pen­ sam os significados e seus processos construtivos. Quando a fala se manifesta, carrega as coisas de significados que as explicam. Quando se pensa sobre o que se fala e se escreve, carrega-se a si próprio de sentido e significado que ajudam a compreender o porquê de todos os sentidos atribuídos às coisas. Sendo assim, pode-se dizer que essa estrutura consti­ tui a arquitetura do processo de construção do conheci­ mento nas ciências humanas. E justamente nesse ponto que a fala dos professo­ res adquire importância, porque, por meio dela, se 156

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revelam os sentidos e os significados do entendimen­ to que eles têm do processo. A explicação das ações e a compreensão das relações estabelecidas no processo de ensino-aprendizagem situam uma problemática de sentido e de significado nessa relação. Por outro lado, aquilo que o professor expressa pela fala “reve­ la” a unidade de pensamento que se faz linguagem como forma de ler o mundo em suas relações com o modo de ser nele. Possibilita, ainda, “olhar” o discur­ so elaborado dos sujeitos que interpretam o mundo em sua complexidade. D e fato, a palavra nunca se refere a um objeto isolado, mas a todo um grupo ou classe de objetos. Por tal razão, as palavras têm uma tendência latente para generalizar; em termos psico­ lógicos, toda palavra constitui, antes de tudo, uma generalização. Por esse seu ato verbal, o pensamento reflete a rea­ lidade na consciência de modo qualitativamente diverso do que o fazem a sensação e a percepção ime­ diatas. Pelo visto, existem todos os fundamentos para admitir que essa diferença qualitativa da unidade resulta, em essência, de um reflexo generalizado da realidade. Então se pode concluir que o significado da palavra tem, em sua generalização, um ato de pen­ samento na verdadeira acepção do termo. O signifi­ cado é parte inalienável da palavra como tal, pertence ao reino da linguagem tanto quanto ao reino do pensa­ mento (Vygotsky, 2000). O significado não é somente parte inalienável da palavra, mas a faz estar carregada de vida e possibili­ ta a troca dialogai entre os humanos. A tarefa de construir significados e fazer que a própria fala tenha significado é componente fundamental do processo de compreensão dos seres humanos, sem o qual eles 157

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não saberiam o que são nem teriam o poder de pro­ jetar seu vir-a-ser sobre si mesmos. “Por isso, o significado pode ser visto igualmente comofienômeno da linguagem por sua natureza e como fenômeno do campo do pensamento. Não podemosfalar de significado da palavra tomado sepa­ radamente’ (Vygotsky, 2000, p. 10). O u seja, palavra e pensamento estão tão imbrica­ dos, que formam a condição do ser e do agir do humano. O significado que se dá pela palavra é sem­ pre carregado de sentido, o qual é o modo próprio de o sujeito manifestar aos outros sua forrfia de agir e de produzir a cultura que também o produz nessa imbri­ cação contínua e permanente. Por isso, a língua escrita é marcada pelos gêneros do discurso, e não só pelos secundários, mas também pelos primários. A ampliação da língua escrita, que incorpora diversas camadas da língua popular, acarreta em todos os gêneros a aplicação de novo procedimento na organização e na conclusão do todo verbal e uma modificação do lugar reservado ao ouvinte, o que leva a maior ou menor reestruturação e renovação dos gêne­ ros do discurso (Bakhtin, 1992, p. 410). Tanto os esti­ los individuais como os pertencentes à língua tendem para os gêneros do discurso. Um estudo mais ou menos profundo e extenso desses gêneros é absoluta­ mente indispensável para uma elaboração produtiva de todos os problemas da estilística.

4.2. A construção do discurso como potencial de sentido significativo para a compreensão no processo investigativo A articulação da compreensão em atos distintos traduz-se na compreensão afetiva, real e concreta, atos que se fundem em processo único: a percepção 158

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psicofisiológica do signo físico. O u seja, todo signo imprime uma marca, uma forma visível de ser, e é nessa dimensão que é percebido, pois só assim é que pode ser compreendido. Seu reconhecimento, a compreensão de sua significação é reproduzível na língua, pois é na con­ jugação do significado que se constrói o discurso que pretende expressar e compreender o mundo em seu modo de ser. A compreensão da significação dá-se no contexto; com efeito, todo discurso que quer expressar e expressa algum objeto em particular ou o real em seu todo está sempre situado num contexto determinado e condicionado historicamente. Por conta disso, a com­ preensão é dialógica e ativa à medida que é uma forma de expressão e conhecimento dessa realidade historicamente situada. Toda forma de discurso cons­ titui um modo de inserção num contexto específico. A relação estabelecida entre o sujeito que busca conhecer e o modo como conhece enseja a construção de um conceito que possibilita expressar a realidade por meio do que se chama de discurso. Este institui uma relação dialógica com o contexto, que sempre expressa uma forma situada de manifestação do real por meio do discurso interpretative de seus modos de ser. A passagem da imagem para o símbolo revela-lhe a profundidade e a perspectiva de sentido. A percep­ ção da palavra ou do m undo que a expressa só pode ser compreendida se puder revestir-se de sentido; ou seja, a imagem deve ser compreendida pelo que é e pelo que significa, por aquilo que se mostra na per­ cepção e por aquilo que é em sua significação mais profunda. O conteúdo do símbolo autêntico aparece por meio do encadeamento mediador de um sentido correlacionado com a ideia da totalidade universal. Portanto, o conteúdo do texto faz sentido à medi­ da que é um a forma de mediação com o todo, por 159

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mais que se expresse como uma leitura particulariza­ da. O discurso, efetivamente, está sempre perpassado pelo singular, ou melhor, consiste numa forma parti­ cular de evidenciar as relações plurais. Então, o que é o sentido? Pode-se afirm ar que é o ato de com preensão concebido com o descober­ ta do que existe, m ediante a visão, e com o adju n ­ ção, m ediante a elaboração criadora a que ele é subm etido (Bakhtin, 1992). O sentido é uma forma de criação do mundo. Quando se cria, cons­ trói-se o significado, e é nessa relação significativa que se constitui o mundo como leitura humana; ou seja, o discurso é uma forma de compreensão que expressa um a explicação do mundo num conjunto de significados que o explicitam em seu ser. Esse ser é que constitui o sujeito como comunicabilidade com os outros, consigo mesmo e com o mundo. Significação e sentido são constituídos no preen­ chimento da rememoração e na presunção do possível, levando em conta os acontecimentos que se sucede­ ram no contexto de um passado inacabado. Todo passado é inacabado, pois foi um presente do qual não se interpretaram todos os sentidos. O tempo pre­ sente é o tempo da vida cotidiana, nem sempre inter­ pretado em sua inteireza, e por isso se mostra sempre carente e se imbui de sentido à medida que, nele mesmo, se buscam os sentidos em seu todo e não na manifestação particular de um modo de expressar o conjunto de sentidos. Por conseguinte, interpretar é um exercício de preenchimento dos sentidos ausentes no momento da ação e, ao mesmo tempo, um a construção, no aspecto de presum ir ou de ver aquilo que não esta­ va evidente na ação. Talvez se possa afirmar que o discurso constituído com o ciência é um a form a de 160

construir os sentidos nem sempre presentes no ato da fala e da ação. Em bora um a interpretação dos sentidos não possa ser de ordem científica, conser­ va mesmo assim seu valor profundam ente cogniti­ vo. Pode servir diretamente à prática que concerne às coisas. A obra ou a pesquisa, em sua form a de discurso, constitui um conjunto que, em sua particularidade, se conjuga num a totalidade, à m edida que vai evi­ denciando aspectos específicos de um todo. E nessa perspectiva que o autor está presente som ente no todo da obra (que deve ser interpretada em sua totalidade, pois é o conjunto que dem onstra seu sentido m ais p len o). O sentido não será encontrado em nenhum elemento separado do todo e menos ainda no conteúdo da obra. O autor encontra-se no momento inseparável em que conteúdo e forma se fundem, e sua presença é percebida acima de tudo na form a. E nessa fusão entre form a e conteúdo que está explícito o m étodo ou a m etodologia que ins­ pira e, ao m esm o tempo, põe a nu os sentidos e os significados da obra expressa no discurso do autor. E por isso que o ééxto só vive em contato com outro texto (contexto). Somente nesse ponto de contato é que surge a luz que aclara, fazendo-o participar de um diá­ logo. Saliente-se que se trata do contato dialógico entre os textos, e não do contato mecânico “opositivo” , pos­ sível apenas dentro das fronteiras do texto, entre seus elementos abstratos, e indispensável somente para uma primeira etapa da compreensão. Por trás do contato dialógico há o contato de pessoas, e não de coisas. N o caso da pesquisa em ciências hum anas e, sobretudo, em educação, mas não exclusivamente, esse diálogo entre o texto, o contexto e as pessoas faz que a realidade seja sempre carregada de muitos

Compreende-se aqui que toda apresentação de um trabalho de pesquisa é a construção de um discurso articulador de conceitos que evidenciam aspectos particulares do real abordados na forma de problema e apresentados como conhecimento de certo objeto investigado.

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sentidos e significados. O que significa um a pes­ quisa traduz-se na tríplice relação estabelecida entre o texto, o contexto e as pessoas. E essa relação que permite ultrapassar a barreira do tempo e o muro dos próprios limites como pesquisador. Portanto, pode-se dizer com Bakhtin (1992) que o aclaramento do texto se dá pela realidade das coisas extratextuais, e não pela exclusividade do texto em sua apresentação final. Assim, os fenômenos verbais tais como a ordem, a injunção, a prédica, a proibição, a promessa (a jura), a ameaça, o elogio, a invectiva, a injúria, a maldição, a bênção, etc. constituem uma porção importante da realidade extracontextual e são parte integrante do próprio texto, no sentido de que o que conta é o tom, determinador e condicionador da complexa tonalida­ de da consciência, que serve de contexto emocional dos valores para o ato de compreensão do texto lido e para o ato de criação do próprio texto. Por isso, trata-se de descobrir a palavra e o tom potencial, de transformá-lo num contexto de sentido para a pessoa. A coisa que continua sendo coisa influi somente sobre as coisas. Para influir sobre a pessoa, ela deve revelar seu potencial de sentido, tornar-se palavra, ou seja, participar de um contexto virtual do sentido, passar da coisa em si para a virtualidade do pensamento, da representação do objeto. N o caso da pesquisa, essa representação do objeto em forma de discurso articulado de sentido torna-se o grande nó do trabalho dos pesquisadores, o que, às vezes, os faz parecer estar “inventando” o objeto de pesquisa. N a verdade, sucede-lhes estar tão intima­ mente imbricados com a tarefa de representar aquilo que estão conhecendo, que o objeto da pesquisa 162

I

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começa a fazer parte deles do mesmo m odo que pas­ sam a integrá-lo. É essa intimidade que cria e faz cres­ cer o conhecimento. Por isso, depois de um trabalho sério de pesquisa, o pesquisador já não é o mesmo. Por outro lado, o sentido não pode modificar os fenômenos físicos, materiais; não pode operar como força material. Ele é mais forte do que qualquer força, modifica o sentido global do acontecimento e da realidade sem modificar o mais íntimo de seus componentes reais. A palavra de um texto transfigu­ ra-se num contexto novo. Cria novos contextos da tríplice relação mencionada acima. Consequentemente, pode-se afirmar, com Bakhtin (1992), que não há um a palavra que seja a primeira ou a última e não há limites para o contexto dialógico: os sentidos passados nunca estão estabilizados, mas sempre se modificarão no desenrolar do diálogo subsequente, futuro. Em cada um dos pontos do diá­ logo que se desenrola, existe uma multiplicidade inu­ merável, ilimitada, de sentidos esquecidos que, em determinado ponto do desenvolvimento do diálogo, ao sabor de sua evolução, serão rememorados e renas­ cerão numa forma renovada. N ão há nada morto de maneira absoluta. Todo sentido festejará um dia seu renascimento. O pesquisador é como a fênix: faz renascer das cinzas esquecidas do tempo os sentidos que o fogo aquecido da História queimou em seu calor cotidiano.

4.3. Uma compreensão da hermenêutica e o desvelamento interpretativo A hermenêutica pretende recolher o sentido do discurso. Até que ponto isso é possível, ou por meio de que se pode fazê-lo? A hermenêutica situa-se na 163

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existência da linguagem, na qual e pela qual se pro­ cessam os significados. A linguagem, porém, não é o único instrumento de manifestação da existência; ou seja, o discurso é uma forma de manifestação da rea­ lidade, e não a única. O discurso processado por meio da linguagem está carregado da própria realida­ de que o gera, e, nesse caso, o ser da linguagem e o ser como linguagem já é, em si mesmo, um sentido dado pelo discurso. Seria a hermenêutica um discurso do discurso? Um metadiscurso? Ou, por outrodado, seria uma metodologia eficaz para captar o sentido e o signifi­ cado do ser-no-mundo? Longe de pretender respon­ der a essas indagações, procurar-se-á aqui apresentar algumas ideias segundo as quais a hermenêutica se situa como instrumento que permite o aclaramento dos horizontes de significados impostos pela força do próprio questionamento da realidade. Mais do que tudo, a hermenêutica constitui o esforço do ser humano para compreender a própria maneira pela qual compreende as coisas. Ela se pro­ cessa na direção do sentido, que significa a própria existência humana no mundo. Esse horizonte não é imaginário, mas constitui a busca de compreensão de como o ser humano atribui sentido a si próprio e à realidade que se apresenta diante dele. O pensar da hermenêutica envolve um a busca da razão das signi­ ficações do ser. O ser humano transformou a natureza em cultura, a cultura em conhecimento e agora projeta, pelo conhecimento, os significados da natureza impressos no ser. Trata-se não de um círculo que se fecha, mas de um horizonte que se abre diante dos olhos que captam a imagem e, por meio dela, atribuem sentido àquilo que veem. O discurso representa um m odo de 164

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traduzir a imagem do real, mas essa imagem traduzi­ da não constitui a própria realidade, mas a fala sobre ela. É aí que a hermenêutica se torna interessante e necessária, pois é somente por ela que se pode com­ preender como o ser humano, estando no mundo finito e desesperado, se arrisca na direção do infinito e da esperança. O m odo de ser no mundo constitui um a maneira de interpretá-lo, e essa interpretação revela-se uma tentativa do sujeito de dar-lhe significado que o faça compreender-se como parte dele. A negação dessa potencialidade da interpretação consiste, no fundo, numa negação do próprio ser, e é nela que se funda­ menta a exploração humana. O s interesses interpretativos divergem pelo fato de que não há apenas uma visão do m undo e de mundo. N ão há justamente porque os interesses são muitos e eles forjam inter­ pretações favoráveis naquilo que lhes é interessante. O mundo não passa de enfadonha interpretação escondida por detrás do medo de existir e de arriscar a própria existência na direção do nada e do infinito. Dizendo de outro modo, trata-se de uma interpretação mentirosa escondida num sistema humano que funcio­ na como explorador dos medos e dos traumas de toda a humanidade. Criam-se deuses por ter-se deixado de acreditar no ser humano — esse é o verdadeiro “peca­ do original” . A questão não é “pecar contra Deus”, mas trair a própria humanidade e deixar de lado o que se é verdadeiramente: mundano e humano. A negação da mundanidade é uma forma de nega­ ção da própria hominização. Trata-se de situação conveniente para sistemas sociopolíticos, econômi­ cos, religiosos e culturais, pois é nesse “engano origi­ nário” que consomem, como vítimas em sacrifício, toda a humanidade.

Termo que designa e expressa a noção de que o ser humano se produz a si mesmo produzindo cultura e sendo por ela produzido. N ão pode ser confundido com “humanização”, conceito ético que indica o processo de criação de condições de vida mais dignas para as pessoas como um todo (Cortella, 1998).

165

P r e s s u p o s t o s e p is t e m o l ó c ic o s e m e t o d o l ó g ic o s

A falsificação do real por meio da interpretação não passa de um a forma de exploração político-ideo­ lógica. As muitas interpretações são as múltiplas faces originárias da exploração. Nenhum sistema subsiste sem um a falsificação. As interpretações dos fatos são formas de falsificar o real e apresentá-lo como “ver­ dadeiro” . E nesse ponto que se encontra, no sub­ terrâneo do ser egocêntrico, a origem de todos os males hum anos. D e certo m odo, tal conjuntura reproduz-se no conhecim ento, na ciência, na téc­ nica, na política e no dom ínio descarado que se processa nas form as de poder. Nietzsche (1974) nega a existência do “fato” em oposição à interpretação. A seu ver, o fato é já uma interpretação do evento. O primeiro é a forma pela qual se interpreta o segundo. O evento é ontológico, o fato é sua interpretação barateada. É nessa direção que se processa a alienação por meio do discurso ideológico. Toda ideologia é falsificadora da realida­ de, pois oculta e revela aspectos do real que lhe são mais interessantes. A ideologia, por meio do discurso, tem o poder de falsificar a realidade, de dominá-la, de domesticá-la, juntamente com toda a humanidade. O sentido do mundo que emerge no âmago do ato de interpretar é o resultado da vontade de domínio. O instinto cognitivo é o instinto da propedêutica e da assimilação: ele produz os valores, ou seja, aquilo que satisfaz as necessidades, os desejos e os interesses dos centros de interpretação. Conhecer significa ava­ liar quais configurações são necessárias e quais são prejudiciais. N um mundo concebido como devir, a realidade é sempre e só um a simplificação com fins práticos que deforma e falsifica o eterno fluxo do 166

P rfis S U P O S T O S e p i s t e m o l ó c i c o s e m e t o d o l ó g i c o s

caos, relacionando as diferenças existentes à identida­ de, à semelhança e à analogia que permitem o cálcu­ lo, a previsão e a tolerância do devir. O devir é uma “pré-visão” interpretativa da vonta­ de de domínio. Constitui um a antecipação, para que, quando a realidade aconteça, já esteja previamente interpretada. Esse juízo e essa interpretação antecipa­ da permitem a forja do significado segundo os inte­ resses em jogo e a transfiguração do próprio fato ao qual ele é atribuído, antes mesmo de seu evento. Talvez se possa dizer que o “mundo” económico-político seja especialista nessa antecipação do significado do even­ to que ainda não se fez fato. N essa perspectiva, tudo é um “pré-juízo” , um “pré-julgamento” , um a com­ preensão antecipada na interpretação do devir. A interpretação político-econômica é falsificadora da realidade. Trata-se de uma forma de simplificação cujo fim é impor dada interpretação de mundo que justifique as ações do próprio sistema. Por meio dela é que se processa toda a dominação e o poder de domínio. N ada mais cômodo para alguém do que fazer valer sua visão de mundo diante do próprio mundo. A falsificação aí detectada consiste em fazer do m undo o resultado do poder de conferir-lhe sig­ nificado de um a maneira bem determinada. Esse poder de atribuir significados pelos meios do próprio sistema impõe a hegemonia interpretativa da realida­ de. A voz do sistema é a voz da falsificação do real, é a “visão de mundo” estruturada de tal forma, que se tornou senso comum. A “comunilidade” da inter­ pretação, especialmente esta do sistema, é um engano intencional reproduzido pelo poder da imagem. E claro que esta é uma maneira de interpretar a interpretação, mas com significativa diferença: a in­ terpretação aqui sustentada nega a anterior, não para

Termo que quer fazer referência a uma visão tornada senso comum em determinado grupo, beirando o dogmatismo radical na interpretação das ideias, dos fenômenos, dos fatos, da ciência e da sociedade como um todo.

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P r e s s u p o s t o s e p is t e m o l ó c ic o s e m e t o d o l ó g ic o s

tornar-se hegemônica em outra vontade de poder, mas a fim de repudiar o poder de domínio e de exploração da hegemonia do campo econômico inserida na inter­ pretação do sistema. A luta, em meio a tal estado de coisas, não é um recurso desesperado, mas a dnica esperança de supe­ ração da primazia da vontade sobre todas as vontades, da liberdade de alguns sobre a de todos os outros. N a verdade, nessa conjuntura, não há como ser livre, pois só é possível a liberdade de poucos, e uma liber­ dade sufocada pelo poder significa, antes, escravidão. O caminho da liberdade passa pela negação da atual forma de ser do mundo. H á que negar a corrente visão de mundo com outras formas de vida, com outras interpretações que lancem os indivíduos na direção do ser humano, e não na direção do ter humano ou do ter o humano. O caminho da libertação é o caminho da negação. N ão há como construir um mundo novo com base nas velhas estruturas interpretativas. A busca da liber­ dade só se sedimenta na negação da opressão. Se está claro que o mundo é um a interpretação humana, somente outra interpretação terá o poder de concebêlo diferentemente. O mundo humano é filho da con­ cepção interpretativa. Ele se mostra uma construção arquitetada na consciência humana. E o que os seres humanos têm sido: a imagem de si mesmos projeta­ da num espelho analisado — com o conhecimento, a ciência, a técnica — como se fosse a própria realida­ de. O real não é a imagem refletida no espelho, mas o próprio espelho e o sujeito que se vê como imagem de si. Olha-se a imagem como se fosse o que se é e esquece-se de que ela constitui apenas o reflexo do ser. O mundo de aparências em que o ser humano vive impede-o de ver a si mesmo e à sua própria vida.

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Por isso seu medo de sair deste “mundo da caverna” é grande — pois estaria, secamente, diante do que ele próprio é. O ser humano revela-se incapaz de enca­ rar-se em sua animalidade. O mundo interpretado com a única voz do sistema político-econômico con­ siste tão somente numa forma “racionalizada” de ani­ malidade que devora suas vítimas mediante a fome do ter e do consumo. O processo econômico mundial contemporâneo representa basicamente uma hegemonia da possibilida­ de de construção generalizada da proposta de consumo para aqueles que não podem consumir. Tal é a miopia do sistema político-econômico: pretende o consumo, mas ignora não ser possível consumir nessa propor­ ção, pois isso significaria consumir-se no esgotamen­ to ecológico do planeta. O mundo humano, como capacidade interpretati­ va, é infinito, mas a realidade ecológica do planeta onde se constrói essa humanidade mostra-se extre­ mamente limitada e finita, tanto quanto a vida do indivíduo. N ão há como fugir dessa verdade. Pela criatividade, o ser humano superou a animalidade e produziu a cultura. 'Pela linguagem, em sua falsifica­ ção interpretativa, destruiu a criatividade e retroce­ deu à animalidade. A volta à criatividade é o caminho da liberdade, mas como romper com o obscureci­ mento da visão? A transgressão é a única possibili­ dade de instaurar nova interpretação do m undo e outra significação da existência que perm ita a supe­ ração da anim alidade do sistema escravocrata em que se está mergulhado. A causa de ser escravo da animalidade do sistema repousa em olhar somente as imagens refletidas no espelho. M as, se se olha apenas a imagem nele refle­ tida, é o caso de perguntar: o que é o espelho? O que

168 . ti

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se esconde por trás dele? É necessário quebrá-lo para ver o que se esconde para além da aparência. Se o espelho for o sistema político-econômico, domina­ dor e escravista, quebre-se o sistema para ver o que há por trás da imagem refletida. Deve-se romper com a imagem para superar sua aparência e assim poder ver a concretude do próprio ser, seus limites e possibilidades. H á, no interior do espelho, um mundo que se multiplica a si mesmo. E essa multiplicação que impede o sujeito de ver o real. Para vê-lo, revela-se essencial romper com o espelho, quebrá-lo, esmigalhá-lo, para que seja apenas real e nao o reprodutor imagético das aparências de um a visão de mundo falsificadora. A verdade falsificada na interpretação do sistema constitui a verdade velada da falibilidade do próprio sistema. Por isto é tão importante quebrar os padrões: neles a exploração se reproduz. Essa reprodução aconteceu e acontece até nas formas mais “revolucio­ nárias” produzidas historicamente. O sistema trans­ forma-se para adaptar-se e adapta-se para continuar ocultando um processo animalesco de exploração. Todos são vítimas queimadas em sacrifício no caldei­ rão do sistema. A religião do ter exige o sacrifício do ser, o que significa a aniquilação da humanidade ou sua redução animalesca à esquizofrenia e à patologia própria a essa religião. Nesse sentido, tudo é adaptá­ vel, pois tudo é interpretável. Convém lembrar que o mundo humano consiste num caminho só de ida, mas as curvas do caminhar permitem que se ocultem e se revelem outros hori­ zontes, outras interpretações, outros mundos. O pro­ blema não é ter uma visão de mundo, mas, sim, haver apenas um sistema político-econômico que exerce sua 170

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hegemonia sobre todos, do qual as mais variadas interpretações existentes são somente variações. Romper com essa situação constitui a árdua tarefa da Filosofia e da educação contemporâneas que se con­ figuram como reflexão hermenêutica.

4.4. A hermenêutica como processo de investigação nas ciências humanas e na educação Com o, com base na teoria hermenêutica, cons­ truir uma metodologia e um discurso interpretativo da realidade e do contexto em que se dá a pesquisa? O sujeito está, o tempo todo, diante do texto (na qualidade de fala e discurso do outro) e do contexto (na qualidade de realidade circundante), ao mesmo tempo em que se faz e é tocado pela dinâmica da rea­ lidade que se esforça por compreender. N a verdade, ele é parte dela tanto quanto ela passa a fazer parte de sua existência. E tocado pela realidade pesquisada do mesmo m odo que pretende tocar nela para saber o que é. O u ainda, §e isso for possível, busca “tocar” com as mãos uma realidade prenhe de significados que não se revelam imediatamente diante de seu olhar, por mais atento que esteja. Encontrando-se sempre diante de um a realidade problemática e complexa, precisa “objetivar” para poder “captar” o real. Mas a realidade não se mostra; por vezes se oculta em imagens inatingíveis. D e certo modo, conhecer, para o sujeito, é entregar-se à reali­ dade de forma que ela o atinja e o envolva a ponto de tornar-se parte dela. Assim, ele procura compreender as coisas que lhe são incompreensíveis à primeira vista. O limite de sua busca não está nas interpretações teóricas 171

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que encaminham muito bem a “objetivação” do real, mas no caminho — na metodologia — mais adequado para captar os significados instituídos não por obje­ tos, mas por outros sujeitos que significam e ressignificam o mundo e sua realidade a cada instante. Com base numa abordagem hermenêutica, poder-se-ia dizer que o texto é a mensagem, a fala, o discurso dos sujeitos; o contexto do texto passa a ser o contexto sociopolítico-econômico-cultural-vital dos sujeitos que fazem a experiência do processo educativo como for­ mação crítica ou como alienação. Conquanto o uni­ verso das significações se dê num contexto concreto, revela-se lícito perguntar, como captar o discurso (enquanto modo de dizer e interpretar o mundo) do ser humano? De certo modo, o pesquisador é o intérprete da realidade exposta diante dele. Ele está cheio de reali­ dades, teorias e experiências que se defrontam com outras realidades, teorias e experiências constitutivas de determinada visão de mundo envolvida no pro­ cesso de investigação. Assim, poder-se-ia dizer que o pesquisador possui um a pré-compreensão do real, mas só a relação estabelecida entre os sujeitos possi­ bilita outra compreensão. E essa pré-compreensão que possibilita a racionalização de determinado tema de pesquisa. O pesquisador é atraído pela realidade em virtude de uma espécie de empatia que se instaura entre seu ser e o real, despertando-lhe o interesse e tornando possível a realização daquilo que estabelece como estudo e seu posterior entendimento. Ele assume o papel de intérprete da realidade ou do contexto que está diante dele, expresso na alteridade dos sujeitos e nas diferenças existentes entre os diversos contextos. 172

P r e s s u p o s t o s e p is t e m o l ó g ic o s e m e t o d o l ó g ic o s

A realidade educativa constitui um conjunto de relações estabelecidas entre sujeitos que vivenciam o cotidiano. As trocas simbólicas constroem-se numa constante intersubjetividade que está, o tempo todo, circunscrevendo relações de poder. Nesse jogo de ex­ periências cotidianas (des) constroem-se as vidas dos educandos e decide-se o destino da sociedade futura. O poder é desmistificado pela análise e pela crítica radical de suas raízes. O pesquisador tem de dirigir o olhar para as profundezas das relações a fim de ler o que está escondido por trás das aparências, e não ficar apenas no reflexo da superficialidade. A linguagem configura-se como instrumento pode­ rosíssimo que possibilita a intercomunicação, mas, acima de tudo, pode, no ambiente escolar, constituir — pelo pensamento — fator não só de dominação, mas de resistência cultural e política. Trata-se de poder capaz de alienar ou de revelar-se um instrumento de libertação do processo de alienação em curso. Olhar para o real com os óculos de pesquisador é investigar como essas coisas estão inseridas e estabeleci­ das no cotidiano dá escola. O processo interpretativo reúne um conjunto de instrumentos que potencializa e amplia enormemente a percepção do real. O pesquisador procura compreender determinado contexto recortado do real e vê sua margem de erro ampliar-se, um a vez que o real não pode ser captado infinitam ente com um a possibilidade finita de conhecer. Ademais, as pressuposições que não encon­ tram confirmação aumentam ainda mais essa mar­ gem de erro. A compreensão de tudo o que existe para compreender depende da elaboração de um pro­ jeto preliminar que é e será revisto continuamente com base no resultado da “penetração” anterior no real. 173

PBFBSI i p o s t o s e p i s t e m o l ó g i c o s e m e t o d o l ó g i c o s

P r e s s u p o s t o s e p is t e m o l ó g ic o s e m e t o d o l ó g ic o s

Desse m odo o contexto emerge progressivamente em sua alteridade. O pesquisador descobre o que o con­ texto diz e a diversidade de sua própria mentalidade, ou a distância de sua própria cultura, somente com aquelas “atribuições de sentidos” que realiza com base em sua pré-compreensão do real investigado, bem como em seu desvelamento e desvendamento. A compreensão do real é dificultada pelo fato de que ele constitui um todo complexo de relações que só podem ser compreendidas na forma de “redução”, em seu recorte, no isolamento, mediánte a percepção de que a realidade possibilita sua investigação justa­ mente no conjunto de sua complexidade relacional. O mérito do trabalho investigativo é poder expressar, pela parte reduzida do enfoque, a totalidade de rela­ ções expostas e, muitas vezes, ocultas no cotidiano. Tal limitação exige, cada vez mais, uma busca que se volte para o todo, mesmo que isso implique, ainda, determinado recorte. N ão é o recorte que reduz o real, mas o limite metodológico “imposto” como possibilidade de “recortar” para conhecer. O recorte representa sempre um risco, que consiste justamente em querer tornar evidente o todo por meio da parte que o compõe. Destarte, o processo de conhecimento exige meto­ dologias que favoreçam, mesmo no recorte, uma abrangência maior no modo de captar a realidade que se apresenta diante dos sentidos e da reflexão. Quem quer compreender a educação tem de estar preparado para pôr-se à sua escuta. Um a consciência que interpreta deve ser sensível à alteridade não só dos sujeitos, mas dos contextos. Essa sensibilidade não pressupõe “naturalidade” objetiva nem esqueci­ mento de si mesmo, mas implica precisa tomada de 174

consciência das próprias pressuposições e dos pró­ prios prejuízos. E preciso ter consciência de que o contexto, apesar de estar inter-relacionado com outros, se apresenta, sempre, em suas diferenças e deve ter a possibilidade de fazer valer seu conteúdo de verdade em relação às pressuposições do intérprete. As pressuposições e os prejuízos do pesquisador não devem amordaçar a realidade, o contexto em que se insere. Ele não deve silenciar o real, mas possibili­ tar-lhe falar por intermédio de si e da própria pes­ quisa. Deve ser sensível à alteridade do contexto em que busca inserir-se. O pesquisador não fala só, mas utiliza um a linguagem pela qual fala a própria reali­ dade. Ele deve falar para escutar o contexto, ou seja, propor um sentido melhor e mais adequado do que outro, para que o real se manifeste sempre mais em sua alteridade, com o que realmente é. Desse modo, um compreender realizado com consciência metodo­ lógica não deve tender simplesmente a levar a termo as próprias antecipações, mas também a torná-las conscientes para poder verificá-las (ou questioná-las) e assim alicerçar a çpmpreensão sobre o próprio obje­ to a interpretar. Para tanto, o tema da pesquisa precisa ser assegu­ rado com base no próprio objeto. Trata-se de manter longe tudo o que pode impedir a escuta da realidade de modo adequado. São os prejuízos de que o pes­ quisador não tem consciência que o tornam surdo para a voz do contexto. O contexto constitui um elemento ocasional e não é produto do autor. Ele tem efeitos sobre a história posterior, os quais os sujeitos não preveem nem ima­ ginaram para suas ações. E ocasional no sentido de consistir numa ocasião especial em que o pesquisador 175

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procura olhar o real esperando que a própria realida­ de lhe “fale” . A fala do real processa-se num contexto de relações que se produzem e se multiplicam infini­ tamente. Cada sujeito, em seu contexto, estabelece um número ilimitado de relações que não é possível prever num primeiro olhar. Devidamente investiga­ das, elas tornam-se significativas para o pesquisador e configuram-se como a matéria-prima propiciadora de uma interlocução com as significações dadas às coisas com base nas relações constituintes da visão de mundo do sujeito que se quer conhecer. Nem o sujeito que pesquisa nem o sujeito a ser pes­ quisado são o resultado mecânico de um contexto. Antes, revelam uma série de relações que lhes possibili­ tam compreender o mundo e a si mesmos desta ou daquela forma. Essas compreensões é que se tornam significativas para a pesquisa. Nesse ponto, a herme­ nêutica pode constituir significativa metodologia capaz de permitir uma leitura que contemple, de forma mais totalizante, a realidade. O u melhor, utili­ zando a hermenêutica com o m étodo, é possível buscar um a compreensão que possa partir de dada particularidade e chegar à sua universalidade com base nas relações instauradas pelos sujeitos da reali­ dade a investigar.

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Capítulo

A

V

ETNOGRAFIA COMO

PARADIGMA DE CONSTRUÇÃO DO PROCESSO DE CONHECIMENTO EM EDUCAÇÃO

A etnografia como paradigma de construção do processo de conhecimento em educação A questão epistemológica da etnografia apresenta-a como possibilidade de elaboração de um conhecimento que possa captar o modo de pensar, agir e organizar o mundo dos sujeitos investigados e, mais do que isso, exige que o pesquisador veja o mundo do ponto de vista deles. Trata-se de trabalho extremamente dificil, pois requer deixar de lado os preconceitos e pôr-se no lugar daqueles que se está procurando conhecer. A questão central, segundo Geertz (1978; 1989) relaciona-se com os papéis desempenhados na relação investigativa. No fundo, o trabalho da etnografia constitui um registro sistemático das informações e ações dos sujeitos pesquisados que implica, imediatamente após, a interpretação do modo pelo qual eles agem.

Esta parte do texto contou com a colaboração da professora Ludnete Gadelha da Costa.

Nesses termos há uma identidade epistemológica entre etnografia e hermenêutica. O trabalho etnográ­ fico constitui uma forma sistemática de registro do modo de vida de outro sujeito, conforme a visão de mundo e o m odo de pensar de sua cultura. Dir-se-ia que o registro das ações do outro, sem um processo interpretative, configura-se mera descrição dos dados, e 179

A

E T N O G R AFIA C O M O P A R A D IG M A D E C O N S T R U Ç Ã O D O P R O C ESSO DE C O N H E C IM E N T O E M E D U C A Ç Ã O

não uma análise significativa das informações catalo­ gadas no “caderno de campo” . O trabalho etnográfico está ligado a um modo de perceber o mundo do outro ou de “treinar” o olhar para aprender a perceber como o outro vê a si mesmo como alguém que se percebe diferente, com uma identidade que é sua e dos outros ao mesmo tempo. A pesquisa baseada nessa abordagem aproxima o investigador das experiências alheias, de sorte que faça a experiencia do que é o outro na compreensão que este tem de si mesmo. Portanto, o' esforço da pes­ quisa não é expressar a própria experiência no processo de construção do conhecimento de certo objeto, mas mostrar como foi possível captar, pela explicação e compreensão, o modo pelo qual o outro faz a própria experiência existencial. Pode-se dizer que o trabalho sempre se dá na bifurcação formada pelas relações estabelecidas entre os membros de determinado grupo e pela possibili­ dade de fazer a experiência (próxima ou distante) do modo de ser dos sujeitos — embora se saiba que quem faz a experiência de fato são estes e não o pes­ quisador, o qual procura compreender o modo pelo qual as relações instauram laços significativos para a construção da realidade e da identidade de cada membro no grupo. A proximidade com a experiência alheia não facul­ ta ao pesquisador conhecer o que significa aquela experiencia que o outro faz de si mesmo em sua iden­ tidade construída no coletivo da cultura introjetada no universo de cada indivíduo. O pesquisador aproxima-se dela para poder descrevê-la e, ao analisá-la, compreender seus significados, não em sua própria ótica, mas na dinâmica da cultura experimentada por todos e cada um dos sujeitos em relação no grupo. 180

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ET N O G R A F IA C O M O P A R A D IG M A DE C O N S T R U Ç Ã O D O PR O C ESSO D E C O N H E C IM E N T O EM E D U C A Ç Ã O

N o dizer de Geertz (1978, p. 105), esse processo V um bordejar dialético contínuo, entre o menor deta­ lhe nos locais menores e a mais global das estruturas glo­ bais, de tal form a que ambos possam ser observados simultaneamente” . Pode-se, com base nisso, afirmar que a abordagem etnográfica busca um a narrativa construída num permanente movimento que vai das relações bem particulares dos sujeitos ao todo da cul­ tura em que se inserem como protagonistas de seu modo de ser. A etnografia constitui, por conseguinte, um pro­ cesso interpretative que salta continuamente de uma visão de totalidade — por meio das várias partes que a compõem — para uma visão das partes — por meio da totalidade, causa de sua existência — , como um a forma de moção intelectual perpétua, procuran­ do fazer uma ser explicação para a outra. Obviamente essa trajetória está ligada ao “círculo hermenêutico” de Dilthey (1979), essencial tanto para interpretações etnográficas como para interpre­ tações educacionais. O trabalho etnográfico e marca­ do pela tentativa de compreender a maneira de viver e os veículos por meio dos quais essa maneira de viver se manifesta. A possibilidade de compreender o outro passa pela capacidade dele de abrir-se para manifestar a própria experiência de estar sendo. Seja qual for a compreen­ são daquilo que os sujeitos realmente são, ela não depende de que o pesquisador tenha, pessoalmente, a experiência ou a sensação de estar sendo. A com­ preensão depende de um a habilidade para analisar seus modos de expressão, e ser aceito contribui para o desenvolvimento dessa habilidade. Entender a forma e a força da vida interior dos sujeitos parece-se 181

A E T N O G R A F IA C O M O P A R A D IG M A D E C O N S T R U Ç Ã O D O PR O C E SSO D E C O N H E C IM E N T O E M E D U C A Ç Ã O

mais com compreender o sentido de um provérbio, captar uma alusão, entender um a piada, do que con­ seguir uma comunhão de espíritos. O processo da abordagem etnográfica move-se entre uma compreensão do que é o outro em seu pró­ prio espaço e a possibilidade de interferir ou de agir em seu universo experiencial e conceituai. Portanto, a pesquisa, mais do que descrever o mundo do outro, precisa explicá-lo para poder com­ preender os significados contidos em cada gesto e ação realizados por um sujeito particular ou por ações coletivas. E importante frisar que a descrição (e a des­ crição densa) constitui precondição da explicação e da compreensão da pesquisa, efetuadas após um pro­ cesso metódico de análise das descrições. Estas, na comunicação do trabalho, são expressas por categorias que poderão evoluir para conceitos, permitindo ao pes­ quisador atribuir sentido ao mundo dos sujeitos.

1. A abordagem etnográfica e seus pressupostos Segundo Ezpeleta e Rockwell (1985; 1986), a etnografia refere-se tanto a um a forma de proceder na pesquisa de campo como ao produto final da pesqui­ sa. Costuma-se, também, identificá-la como método, porém insiste-se muito mais em que ela seja um enfo­ que, um a abordagem ou um a perspectiva; algo que articula o método com a teoria, mas não esgota os problemas nem de um nem de outro. Com efeito, os problemas metodológicos e teóricos fazem parte de um mesmo universo investigativo que compõe a estrutura epistemológica do conhecimento sobre as dimensões da cultura de um grupo étnico, de um a 182

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sociedade em particular ou, então, de determinado grupo de sujeitos no interior de um Estado-nação. Segundo Geertz (1989, p. 4), a etnografia é um a prática. Praticar a etnografia é estabelecer relações, selecionar informantes, transcrever textos, levantar genealogias, m apear campos, manter um diário [...]. M as não são essas coisas, as técnicas e os processos determinados, que definem o empreendimento. 0 que define é o tipo de esforço intelectual que ele representa: um risco elaborado para uma "descrição densa".

Pode-se dizer que a pesquisa etnográfica é uma ati­ vidade observadora e interpretativa realizada pela análise de algo que é público. A análise fixa-se, por­ tanto, nas estruturas de significação a fim de deter­ minar sua base social e sua importância. Desse modo, a etnografia é um a descrição densa. 0 que o etnógrafo enfrenta de fa to [...] é uma multiplicidade de estruturas con­ ceituais complexas, muitas delas sobrepostas ou am arradas umas às outras, que são simultaneamente estranhas, irre­ gulares e inexplícitas, e que ele tem que, de algum a form a, primeiro aprender e depois apresentar. E isso é verdade em todos os níveis de atividade do seu trabalho de campo, mesmo o mais rotineiro: entrevistar informantes, observar rituais, deduzir os termos de parentesco, traçar a s linhas de propriedade, fa z e r o censo doméstico... escrever seu diá­ rio. Fazer etnografia é como tentar ler [...] um manuscrito estranho, desbotado, cheio de elipses, incoerências, emendas suspeitas e comentários tendenciosos, escrito não com os sinais convencionais do som, m as com exemplos transitórios de comportamento modelado (G eertz, 1 9 8 9 , p . 7).

O trabalho etnográfico está ligado a um processo de compreensão da totalidade da cultura, embora se dê com base numa realidade bem particular e específi­ ca. Para apreender a abordagem etnográfica, é preciso 183

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partir de uma compreensão de cultura, na qual essa perspectiva tem origem. Nesse sentido, assume-se aqui a posição de Geertz (1978, p. 15), que diz: “ O conceito de cultura que eu defendo é essencialmente semiótico. Acreditando que o homem é um anim al am ar­ rado a teias de significados que ele mesmo teceu, assumo a cultura como sendo essas teias e a sua análise; não como uma ciência experimental em busca de leis, mas como uma ciência interpretativa, àprocura do significado.” Nessa mesma linha, “a cultura épública porque o significado o ê ' (Geertz, 1978, p. 22). O trabalho de pesquisa de cunho etnográfico torna-se importante e significativo justamente porque somente ele permite a compreensão do todo da cultura em sua dinâmica e nas relações particulares que a compõem. Com o sistema entrelaçado de signos interpretá­ veis, a cultura não é um poder, algo ao qual podem ser atribuídos casualmente os acontecimentos sociais, os comportamentos, as instituições ou os processos; constitui, antes, um contexto, algo dentro do qual eles podem ser descritos de forma inteligível, ou seja, com densidade, evidenciando os elementos mais sutis como fundamentais para perceber os significados latentes nas relações culturais. A cultura é tratada puramente como sistema sim­ bólico pelo isolamento de seus elementos, especifi­ cando as relações internas entre eles e passando então a caracterizar todo o sistema de uma forma geral. A etnografia busca justam ente a compreensão com ­ pleta de um sistema sim bólico, analisando suas par­ ticulares nuanças. A análise cultural é uma espécie de adivinhação dos significados, uma avaliação das conjecturas, um 184

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delineamento de conclusões explanatórias com base nas melhores hipóteses, e não a descoberta do conti­ nente do significado e o mapeamento de sua paisa­ gem incorpórea. O ponto global da abordagem semiótica da cul­ tura é auxiliar o pesquisador na obtenção do acesso ao mundo conceptual em que vivem os sujeitos investigados, de sorte que possa, por m eio do diálo­ go, compreender o que eles são e como constroem os sentidos para suas relações. N o processo de pesquisa, a dupla tarefa é descobrir as estruturas conceituais que informam os atos dos sujeitos, o “dito” no discurso social, e construir um sistema de análise nos termos do que é genérico a essas estruturas, do que pertence a elas porque são o que são e se destacam em relação a outros determi­ nantes do comportamento humano. Olhar as dimensões simbólicas da ação social não significa afastar-se dos dilemas existenciais da vida em favor de algum domínio empírico de formas que não envolvam emoção; significa, antes, mergulhar no meio delas, penetrar em sua profundidade, para cap­ tar o sentido de ser no significado público e manifes­ to da cultura, pois somente nisso o pesquisador pode “tocar” para construir a visão da cultura que são os sujeitos e ele próprio. Captar o sentido implica perceber a coerência das relações estabelecidas com base nas informações for­ necidas ao pesquisador. A força da interpretação não repousa na rigidez com que essas relações se mantêm ou na segurança com que são sustentadas numa argu­ mentação, mas na leitura do que acontece, sem divorciá-las do que acontece. U m a boa interpretação de qualquer coisa exige descobrir o que significa toda a trama de significados. 185

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D o ponto de vista metodológico, a etnografia pode ser entendida à luz de três princípios procedimentais: 1. O conhecimento constitui um modo de estar no mundo, uma forma de vida e as variedades da expe­ riência intelectual. O uso de dados convergentes, tais como descrições, medidas, observações e fatos coleta­ dos, tem a capacidade de elucidar a vida dos indivíduos descritos no processo investigativo. Para Geertz (1997, p. 234), “o foco em comunidades naturais, grupos de pes­ soas que estão ligadas entre si de múltiplas maneiras, pos­ sibilita a transformação daquilo que'parece ser apenas uma coleção de material heterogêneo em uma rede de entendimentos sociais que se reforçam mutuamentè\ 2. O interesse em categorias linguísticas tem a tendência de concentrar-se em palavras-chave (ou, com o se diz em projetos de pesquisas educacionais, em categorias de análise) que, quando têm seu sig­ nificado decifrado, iluminam toda um a form a de viver no mundo. 3. A concentração da atenção nos ritos de passagem, nas definições de papéis relativos à idade ou ao gênero, nos elos entre gerações sempre foi elemento importan­ te na análise etnográfica porque, ao demarcarem posi­ ções ou relacionamentos que a maioria das pessoas vivenciam, eles parecem fornecer ao menos alguns pon­ tos razoavelmente estáveis no redemoinho do material com que se trabalha na investigação etnográfica. D e m odo geral, a etnografia é concebida como “ciência da descrição cultural” e tem como pressu­ posto a ideia de que o pesquisador deve compreender o significado latente dos comportamentos dos sujei­ tos. Nesse sentido, o pesquisador deve exercer o papel subjetivo de participante e o papel objetivo de observa­ dor, pondo-se numa posição ímpar para compreender 186

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e explicar o com portam ento hum ano (Lüdke e A n­ dré, 1986). Engers (1994) sustenta que a perspectiva desse paradigma é a penetração no mundo pessoal dos sujeitos, buscando a compreensão, o significado par­ ticular da ação das pessoas. Dessa forma, ele utiliza como critério a evidência do acordo intersubjetivo no contexto educacional. Pretende, ainda, desenvolver um conhecimento ideológico, assumindo que a des­ crição pode mostrar um a realidade dinâmica, múlti­ pla e holística. Para Borges (1994), há alguns pressupostos a ser con­ siderados no processo de construção de conhecimento que tenha como referência a abordagem etnográfica: • Existem realidades múltiplas, holísticas, socialmen­ te construídas. Cada realidade forma um todo que não pode ser compreendido se isolado do contexto. • H á intenção entre conhecimento e conhecedor, inse­ paráveis em virtude de suas influências recíprocas. • O objetivo da pesquisa é desenvolver um corpo de conhecimentos dm forma de hipóteses de trabalho que descrevam um caso individual. N ão se podem generalizar os resultados da pesquisa válidos apenas em tempo e contexto determinados. • Tudo se encontra em estado de influência mútua e simultânea, sendo impossível distinguir causas e efei­ tos em uma relação direta, como no caso das ciências que usam métodos experimentais. • A pesquisa depende de valores. E influenciada pelos valores do pesquisador, manifestos na deli­ mitação do problema, assim como pelo paradigma que guia a investigação, pelas teorias que em basam 187

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a coleta, a análise e a interpretação dos dados e pelos valores inerentes ao contexto. Nesse modelo de pesquisa, em vez de buscar cau­ sas e efeitos, é preciso considerar a sincronicidade dos fenômenos e suas diversas possibilidades de realiza­ ção. Em determinado contexto, cada elemento inte­ gra-se com todos os outros. “M as a interação não tem direcionamento, nem precisa produzir um efeito determi­ nado [...] que simplesmente ‘acontece’ como um produto da interação” (Lincoln e Guba, 1985, p. 151). N o contexto da investigação, déve-se levar em conta a interação entre o pesquisador e sua pesquisa, que se influenciam reciprocamente. O simples ato de observar provoca modificações tanto no observador como no observado, principalmente porque, no caso da pesquisa em educação, ambos são seres humanos e participam de culturas que se diferenciam — e, quan­ do não se diferenciam, é necessário que o pesquisador construa um olhar distanciado e de estranhamento sobre o modo pelo qual as relações se produzem no espaço e na cultura estudada. A realidade poderá ser transformada quando se deixa de limitá-la e mutilá-la com preconceitos e racionalizações, assumindo um a razão aberta às emo­ ções e ao desconhecido. Tal posição, assumida pela fenomenologia da existência, faz ver o mundo como paradoxo. Segundo Lincoln e G uba (1985), o mundo parece paradoxal apenas quando se tenta des­ crevê-lo, e não enquanto se está vivenciando toda sua dinâmica e complexidade. Para esses autores, o essen­ cial da pesquisa — portanto, dos objetos a investigar — é a ação dos sujeitos em dado contexto, sempre significativo e carregado de sentidos. N ão raro se constata a tendência de ser “realista”, excluindo do real o que não se enquadra na própria 188

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visão estreita de um modo fechado, sem lugar para o sonho e a utopia. Esquece-se que o sonho e o devaneio fazem parte da realidade interna, impulsionando trans­ formações e crescimento pessoal (Borges, 1994). A educação constitui um fenômeno extremamen­ te complexo, o qual não se pode compreender sem levar em conta todas as dimensões do ser humano. Portanto, a pesquisa educacional constrói teorias que emergem das situações vividas, experimentadas no contexto da ação cotidiana, pois é lá que a vida acon­ tece em toda sua riqueza existencial. A realidade é sempre a mesma em suas mais diver­ sas facetas; há, porém, algumas concepções sobre sua natureza que favorecem a reflexão sobre essa proble­ mática: • realidade objetiva: concepção denominada de rea­ lismo ingênuo, afirma a existência de um mundo tangível fora dos sujeitos. O conhecimento sobre o mundo é uma aproximação do real. • realidade percebida: é a concepção que considera a existência do real, mas não a possibilidade de conhecê-lo de forrha completa. Ele pode ser conhe­ cido parcialmente por meio de percepções, que constituem visões incompletas do mundo. • realidade construída: segundo tal concepção, a natureza é um a construção realizada pelos indiví­ duos. Considera-se o mundo tangível como passí­ vel de muitas interpretações. • realidade criada: essa concepção afirm a não exis­ tir um a realidade pronta, acabada. O real confi­ gura-se um a criação do próprio ser hum ano, não como algo definido, mas como probabilidade de vir a ser (Castro, 1994, p. 53-54). 189

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N o paradigma etnográfico, desaparece a separação entre o domínio da descoberta e o da verificação; o primeiro não é incorporado ao processo de investiga­ ção, mas apresenta-se como um precursor dela. A dicotom ia entre coleta e análise dos dados transfor­ ma-se. O s dois movimentos são realizados simulta­ neamente, promovendo a autodefinição da própria dinâmica da pesquisa. À medida que se vai efetuando a coleta, vai sendo construída a interpretação, até ser alcançado um nível de redundância das informações indicativo de que o pesquisador conseguiu o máximo de variação possível sobre dado contexto. O relato, sob a forma de estudo de caso, configura-se uma experiência vicária que propicia ao leitor reconstruir o contexto estudado por meio de descrições densas, possibilitando-lhe atingir novas compreensões críti­ cas com base na leitura feita da pesquisa. A posição epistemológica que permite essa interpretação é aquela segundo a qual existem múltiplas realidades construídas pelo sujeito cognoscitivo. Tal situação exige um processo reflexivo, o qual faculta ao pesqui­ sador o alcance de um nível mais alto de lucidez e integração em sua prática. De acordo com Castro (1994), nesse paradigma, os insights, emoções, intuições, tudo é reconhecido e incorporado de forma sistemática no processo de pes­ quisa, pois o pesquisador se encontra inteiro nela e se modifica em seu decurso. O pesquisador faz parte essencial do processo, e suas habilidades pessoais é que vão, de certa forma, orientar, enriquecer ou limitar a produção do conhecimento. O papel instrumental do qual ele se investe nessa ativida­ de fundamenta-se na posição epistemológica assumida 190

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e na própria experiência vivida da pesquisa, que revela “ mudanças que refletem experiências passadas e futuras antecipações” (Castro, 1994, p. 59). O pesquisador usará suas habilidades de olhar, escutar, ler. Assim, tenderá a usar entrevistas e obser­ vações, estudar em arquivos e documentos, observar comportamentos não verbais e interpretar medidas não obstrutivas. A seleção dos sujeitos da pesquisa seguirá a amos­ tra intencional. Esta é definida à luz dos objetivos do estudo, que se vão esclarecendo no próprio processo de sua realização. A am ostra do estudo não é estabe­ lecida de antemão, mas desenvolvida de form a inten­ cional com base na própria teoria que emerge dos dados e que é verificada com novas coletas inten­ cionais de inform ação (Castro, 1994). A análise indutiva de dados proposta pelo para­ digma etnográfico pode ser concebida como o pro­ cesso de dar significado aos dados coletados em campo. Ela parte das entrevistas, das observações e envolve o estabelecimento de unidades e o processo de categorização, vbastante semelhante à análise de conteúdo (Lincoln e Guba, 1985). Relacionada com a amostra intencional e com a análise indutiva de dados, encontra-se, nesse paradig­ ma, a ideia de grounded theory, que se desenvolve com base na análise dos dados coletados, e não numa teo­ ria que os antecede. O pesquisador parte de um foco inicial e, à medida que vai coletando e analisando os dados, vai definindo a amostra intencional e o foco da investigação. O resultado desse processo de cons­ trução e interpretação deverá ser negociado com os informantes e com outros grupos interessados. Resul­ tados negociados devem ser buscados por todos os 191

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pesquisadores naturalistas, pois a interpretação cons­ truída pelo investigador deve passar pelo crivo dos informantes e de outros envolvidos. Os informantes possuem o direito de participar e discutir a interpreta­ ção desenvolvida pelo pesquisador (Castro, 1994). A forma proposta de apresentação do resultado da pesquisa é o estudo de caso, que reúne as condições para conter as descrições densas e pode ser um retra­ to da situação investigada de maneira holística. Também oferece a possibilidade de dar a conhecer as múltiplas concepções que emergefn do estudo reali­ zado. O estudo de caso é considerado a forma ideal de relatório de pesquisa para o paradigma etnográfi­ co. Sua apresentação é problematizada, tendo em vista a audiência para a qual se dirige e as inúmeras possibilidades de comunicação do mesmo conteúdo (Guba e Lincoln, 1981). As descrições densas devem ser fonte para o julga­ mento do contexto estudado e das possibilidades de transferência. O limite do estudo é determinado pelo foco estabelecido na definição do problema na rela­ ção com os objetivos da investigação. A pesquisa começa com um foco inicial que se vai definindo e se realizando no processo de construção do conheci­ mento. O foco do estudo determina seus limites, fixando o que vai ser pesquisado e servindo como cri­ tério para inclusão-exclusão de novas informações. Apesar dessa especificidade do trabalho, é importan­ te lembrar que o registro deve atingir um universo sempre maior do que o enfoque determinado pelo pesquisador para seu objeto. Segundo Castro (1994), nesse paradigma, os crité­ rios para a validação de uma pesquisa são credibilidade, “transferibilidade”, “dependibilidade” e verificabilidade.

2. O trabalho de campo como especificidade da pesquisa etnográfica O trabalho de campo constitui um conjunto de ações orientadoras dos procedimentos de pesquisa a ser realizada em determinado contexto com o objeti­ vo de compreender um objeto de investigação. A expressão “trabalho de campo” surgiu das experiências práticas dos etnógrafos que procuraram e procuram validar o conhecimento das culturas ou dos grupos étnicos estudados com base nas ciências sociais ou, mais especificamente, na Antropologia. Trata-se de um a form a de caracterizar uma perspectiva de pesquisa não desenvolvida nos espaços da experimentação, o que evidencia ser o conhecimento oriundo de dado contexto vivido por um conjunto de sujeitos que constroem suas relações à medida que são significati­ vas para o constructo de suas existências. Geralm ente o trabalho de cam po é apresentado com base nas técnicas da “observação participante” , no intuito de certificar que a pesquisa etnográfica im plica, antes de tudo, participação efetiva na vida dos sujeitos investigados. Com preendendo essa íntim a relação, convém examinar’ s descrever o processo de pesqui­ sa por meio d a observação participante. Segundo M atta (1976, p. 20), o trabalho de campo [...] tem como uma de suas característi­ cas um profundo envolvimento do pesquisador com o seu obje­ to de estudo que /.../ não é um documento distante ou umafria frequência estatística, m as um conjunto de pessoas, identi­ dades e relações caoticamente percebidas pelo investigador nos seus prim eiros momentos de trabalho. É a p artir deste conjunto nebuloso que /o pesquisador] procura inventar um a fo rm a e com ela ilum inar su as hipóteses de teorias.

O trabalho de campo é a forma utilizada pela maioria dos investigadores qualitativos para recolher 193

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seus dados de pesquisa. Com o já foi dito, ele envolve estar dentro do mundo do sujeito: não como uma pessoa que sabe tudo, mas como alguém que quer aprender; não como um a pessoa que quer ser como o sujeito, mas como alguém que procura saber o que é ser como ele. Nessa estratégia busca-se ganhar a acei­ tação do sujeito não como um fim em si, mas porque isso abre a possibilidade de atingir os objetivos da investigação (Geertz, 1978). 2.1. A observação participante cqmo estratégia de apreensão do objeto da pesquisa etnográfica Schwartz e Schwartz (1955, p. 345) definem do seguinte modo a observação participante: um processo pelo qual mantém-se a presença do obser­ vador numa situação social, com a fin alidade de realizar um a investigação cientifica. 0 observador está em relação fa c e a fa ce com os observados e, ao particip ar da vida deles, no seu cenário cultural, colhe dados. Assim o obser­ vador é p arte do contexto sob observação, ao mesmo tem­ p o m odificando e sendo m odificado por este contexto.

É no seio da Antropologia que se inicia a reflexão sobre a estratégia de observação como forma de cap­ tação da realidade empírica. O texto clássico sobre trabalho de campo nessa área é o de Malinowski (1975), fundamentado na necessidade: • de bagagem científica do estudioso; • dos valores da observação participante; • das técnicas de coleta, ordenação e apresentação do que denomina “evidências”. Chama a atenção para a importância de o pesquisador distinguir entre os resul­ tados da observação direta relativa aos depoimentos

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dos sujeitos e às suas interpretações dos fatos e as interpretações e influências do pesquisador no pro­ cesso de pesquisa. Para Malinowski (1975, p. 40), “toda estrutura de uma sociedade encontra-se incorporada no mais evasivo de todos os materiais: o ser humano” . Justamente nele e nas relações estabelecidas entre ele e as coisas que faz e pensa é que se concentra a observação como forma de percepção da realidade. O material da observação participante, no enten­ der de Malinowski (1975, p. 40-44), é o conjunto de regras formuladas ou implícitas nas atividades dos componentes de um grupo social; depois, constitui a forma pela qual essas regras são obedecidas ou trans­ gredidas, os sentimentos de amizade, de antipatia ou simpatia que permeiam os membros do grupo. O u seja, é preciso observar o aspecto legal e o aspecto ínti­ mo das relações sociais, ao lado das tradições e costumes, o tom e a importância que lhes são atribuídos, as ideias, os motivos e os sentimentos do grupo na compreensão da totalidade de sua vida, verbalizados por si próprios mediante suas categorias de pensamento. U m a atitude de observador científico consiste em assumir o ponto de vista do grupo pesquisado com respeito, em patia e a m aior inserção possível. Significa abertura para o grupo, sensibilidade para sua lógica e sua cultura, lembrando-se de que a inte­ ração social faz parte da condição e da situação de pesquisa. “M as o etnógrafo não tem só que estender suas redes no lugar correto e esperar pelo que nela cairá. Deve ser um caçador ativo e dirigir p ara elas a sua presa e segui-las até as suas tocas mais inacessíveis” (Malinowski, 1975, p. 45). 195

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O preparo teórico não é apenas necessário, mas imprescindível. Com efeito, se, por um lado, as ideias preconcebidas são perniciosas em qualquer tarefa científica, a antevisão dos problemas, por outro, constitui a principal qualidade de um pensador cien­ tífico, e esses problemas são revelados pela primeira vez ao observador por seus estudos teóricos. D om i­ nar a literatura representa, pois, um a precondição para ter sucesso na realização de uma pesquisa de cunho etnográfico. Outra questão a ser levada em coíita nessa prática é que o pesquisador deve ter a disposição de integrar-se no contexto de pesquisa como condição prelimi­ nar de boa investigação. Todo processo investigativo dessa natureza implica, de fato, disposição em sair do próprio universo cultural para mergulhar na cultura do outro, pois somente com a construção de uma identidade comum, por mais superficial que possa parecer, é que se está em condições de mergulhar nos sentidos que cada grupo constrói para suas ações. Tal atitude investigativa estabelece uma condição relacio­ nal que se dá entre sujeitos no processo de constru­ ção do conhecimento. O trabalho de pesquisa envolve aprofundamento da relação estabelecida entre pesquisador e pesquisa­ do dentro do universo intersubjetivo e favorece os encontros de subjetividades que, na fricção identitária de cada sujeito, permitem e possibilitam a cons­ trução das trocas e das relações simbólicas. O campo de observação do pesquisador tem um significado específico e uma estrutura de relevância para os seres humanos que vivem, agem e pensam em meio à rea­ lidade tornada objeto de investigação. Schütz (1979, p. 1-38) propõe algumas atitudes no trabalho de campo que servem de condição prévia 196

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para orientar o pesquisador no contexto da pesquisa. Ele sugere que o observador deve: • inserir-se no m undo de seus entrevistados, buscan­ do entender os princípios gerais que as pessoas seguem em sua vida cotidiana para organizar sua experiência, particularmente as de seu mundo so­ cial. Desvendar essa lógica é condição preliminar da pesquisa; • manter uma perspectiva dinâmica que, ao mesmo tempo, leve em conta as relevâncias de sua aborda­ gem teórica, o que lhe permite interagir ativamen­ te com o campo; • abandonar, na convivência, um a atitude externa de “cientista” , a fim de entrar na cena social dos entre­ vistados como uma pessoa comum que partilha do cotidiano. O u seja, sua estrutura de relevância teó­ rica fica implícita e sua linguagem no campo é a mesma do senso comum dos atores sociais. Seguindo essa linha, Cicourel (1977, p. 110) insiste na construção de um “modelo do ator” pelo pesquisa­ dor. Ele explica: o observador científico necessita de um a teoria que forn eça um modelo de ator, o qual está orientado p ara a g ir num meio de objetos com características atribuídas ao senso comum. 0 observador precisa distinguir a s racionalidades científicas que usa p ara ordenar sua teoria e seus resultados, d as racionalidades do senso comum que atribui aos atores estudados. Os dois contextos — cientifico e do senso comum — são construçõesfe ita s pelo cientista. Para esse autor, “o valor crucial, no que diz respei­ to aos resultados da pesquisa, reside mais na auto-orientação do participante total do que no seu papel 197

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superficial quando inicia estudo” (Cicourel, 1977, p. 91-92). Isso significa que a condição da observação depende da autonomia do pesquisador na compreen­ são dos métodos e das teorias que o ajudam a ler e interpretar a realidade investigada. Seu domínio dos mais variados instrumentos é condição fundamental para o conhecimento etnográfico — especialmente porque, no contexto da pesquisa, seja quem for que a realize, ele se encontra sozinho e não pode contar senão com seu próprio entendimento como recurso de observação e investigação. N o contexto da investigação, cabe considerar a observação participante como processo construído duplamente pelo pesquisador e pelos autores sociais envolvidos. Esse processo possui momentos cruciais que devem ser encarados operativa e teoricamente (Minayo, 1994, p. 143). Benjamin (1933, p. 432) afirma que, em parte, o pesquisador de campo define seu próprio papel e, em parte, este é definido pela situação e pelas perspecti­ vas dos sujeitos (ou grupos) investigados. Sua estraté­ gia é a de quem participa de um jogo. Ele não pode predizer as jogadas precisas que o outro vai fazer, m as pode antecipá-las da melhor maneira possível e fazer suas jogadas de acordo com os interesses da própria pesquisa. A figura do pesquisador é construída num processo que ele pode controlar apenas parcialmente, por ser marcado pelas próprias referências do grupo e interpre­ tado segundo os padrões culturais específicos. D a mesma forma, a visão sobre o grupo é construída processualmente pelo pesquisador na interação com os sujeitos que o compõem e com as relações que consegue captar. Trata-se de uma visão entre muitas 19 8

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possíveis e também depende do arcabouço teórico que dá suporte ao trabalho do observador participante. Essa construção mútua do pesquisador e do pes­ quisado é examinada por Berreman (1975). Tal autor afirma que pesquisador e pesquisado são ambos ato­ res representando papéis, um diante do outro. Assim como no teatro há os bastidores, “região interior” , e o palco, “região exterior”, as pessoas tendem a comuni­ car-se, na interação, apenas por meio do palco, ou seja, das regras oficiais legitimadas. A relação pesqui­ sador—pesquisado dá-se num jogo de cenas, em que ambos tendem a preservar a “região interior” de sua identidade como pessoa e grupo. C om relação à compreensão da realidade, Barreman enfatiza que o conhecimento tanto das regiões interiores (os segre­ dos de bastidores) da vida de um grupo como da encenação exterior é componente essencial para o processo de pesquisa e deve ser buscado pelo sujei­ to pesquisador. Além dessa inserção no campo de pesquisa, o observador deve formar determinado arcabouço capaz de fazê-lo compreender a realidade. Para Malinowski (1975,q>. 60-61), o objetivo da observa­ ção e do registro é apreender o ponto de vista do nati­ vo, sua relação com a vida e sua visão de mundo. Para Minayo (1994), o pesquisador envolvido no trabalho de campo que inclui observação participan­ te está mais livre de prejuízos, uma vez que não é pri­ sioneiro de um instrumento rígido de coleta de dados ou de hipóteses testadas antes de o processo de pes­ quisa efetivar-se. Ao mesmo tempo, a fluidez própria da observação participante concede ao pesquisador a possibilidade de usufruir de dados quantitativos pro­ porcionais aos de outra abordagem não estruturada. À medida que convive com o grupo, o observador 199

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pode retirar de seu roteiro questões que percebe como irrelevantes; consegue compreender aspectos que se explicitam aos poucos e que continuariam des­ conhecidos por outro que trabalhasse apenas com questionários. A observação participante ajuda a vin­ cular os fatos às suas representações e às contradições entre as leis e sua prática por meio das próprias con­ tradições vivenciadas no cotidiano do grupo. Cicourel (1980) atesta que, quanto maior é a par­ ticipação do observador, maior a possibilidade de penetração na chamada “região interior” do grupo. Postula o controle da objetividade dos dados obtidos com a observação participante mediante a revisão críti­ ca do trabalho de campo e a explicitação dos procedi­ mentos adotados e dos diferentes papéis representados pelos sujeitos da pesquisa e pelo próprio pesquisador. Critica os dados puramente descritivos ou a vali­ dade dos relatos “pós-facto”. Recomenda que o pes­ quisador formule o mais claramente possível o que busca conhecer, ou seja, defina se quer explorar algu­ ma proposição teórica, testar hipóteses específicas ou fazer um a investigação exploratória sobre determina­ do tema ainda nebuloso. Chama a atenção para a necessidade de tornar explí­ citas as fontes de informações sobre o problema a ser pesquisado, sobre o campo em que a pesquisa se deu e sobre a situação em que a pesquisa foi desenvolvida tanto do ponto de vista institucional, da relação entre os pesquisadores, quanto da especificidade dos infor­ mantes, considerando tudo isso dados da própria pes­ quisa. São informações sobre o processo do trabalho, necessárias para sua compreensão como um todo. Segundo Bourdieu (1972, p. 160), esse processo conduz a uma teoria da prática correlativa ao fato de omitir as condições sociais na produção da teoria. O 2 00

A ET N O G R A F IA r n u o P A R A D I G M A D E C O N S T R U Ç Ã O D O PR O C ESSO DE C O N H E C IM E N T O E M E D U C A Ç Ã O

sociólogo francês insiste que o pesquisador tem de romper com o senso comum do grupo pesquisado e põe sempre em questão os pressupostos inerentes à sua qualidade de observador, ou seja, “de estrangeiro que, preocupado em interpretar as práticas de outro grupo, tende a importar para o objeto os princípios de suas relações com esse objeto, incluindo-se aqui suas rele­ vâncias” . Schütz (1979) define o trabalho do pesquisador como a reconstrução, com base no senso comum dos atores sociais, de uma tipificação de sua realidade capaz de ser compreendida, interpretada e compara­ da. Para ele, os conceitos formados pelos cientistas sociais são constructos dos constructos científicos formados num segundo nível, de acordo com as regras de procedimento válidas para todas as ciências empíricas. O s dois tipos de constructos (o do cientis­ ta e o do senso comum) devem ser levados em consi­ deração no processo de construção do conhecimento.

3. A abordagem etnográfica e seu uso na p esqu isa'em educação D e acordo com Lüdke e André (1986, p. 13), até pouco tempo atrás as técnicas etnográficas eram uti­ lizadas quase exclusivamente por antropólogos e sociólogos. N o início dos anos 70, surgiu, por parte dos pesquisadores da área educacional, o interesse pelo uso dessas técnicas, o que, de certa forma, deu origem a nova linha de pesquisa denominada de “antropológica” ou “etnográfica” . Na década de oitenta a abordagem etnográfica ganhou m uita popularidade, tornando-se quase um m odism o na 201

A E T N O G R AFIA C O M O P A R A D IG M A D E C O N S T R U Ç Ã O D O PR O C E SSO DE C O N H E C IM E N T O E M E D U C A Ç Ã O

área educacional. Nos program as de pós-graduação no B rasil surgiram m uitas dissertações, teses e pesquisas dos docentes que se voltavam p ara a descrição d as atividades de sala de aula, p ara as relações construídas no dia a dia da experiência escolar e p a ra o estudo d as representações dos atores escolares (A n dré, 1 9 9 5 , p . 102).

Anteriormente, as pesquisas sobre a sala de aula eram realizadas com base em instrumentos de obser­ vação que tinham como objetivo o registro e a análi­ se do comportamento de professores e alunos numa situação de interação (André, 1995, p. 99). Esses instrumentos focalizavam estritamente o que podia ser observado e utilizavam unidades de obser­ vação derivadas de categorias preestabelecidas que, por sua vez, orientavam a análise, criando certa cir­ cularidade na interpretação. Pode-se dizer que, nesse tipo de estudo, há um a supervalorização da meto­ dologia em detrimento da teoria (Delam ont e Hamilton, 1976). Convém chamar a atenção para o fato de o uso da etnografia em educação dever envolver uma preocu­ pação em pensar o ensino e a aprendizagem em um contexto cultural mais amplo que o espaço restrito da sala de aula. Wolcott (1988) apresenta alguns critérios para a uti­ lização da abordagem etnográfica nas pesquisas que foca­ lizam a escola. Esses critérios são os seguintes: • O problema é redescoberto no campo e nunca exclusivamente antes da realização da pesquisa. • O pesquisador deve realizar a maior parte do trabalho de campo pessoalmente, na relação que estabelece com os sujeitos por meio da observação participante. 2 0 2

A E T N O G R A F IA G O M O PARADIGMA DE C O N S T R U Ç Ã O D O PR O C E SSO D E C O N H E C IM E N T O EM E D U C A Ç Ã O

• O trabalho de campo deve durar ao menos um ano escolar, podendo, para alguns objetos e abordagens, com uma intensificação do tempo, ser realizado durante um semestre. • O pesquisador deve ter tido uma experiência com outros povos de outras culturas, embora isso não seja uma exigência exclusiva, pois é possível estabelecer, metodologicamente, uma atitude de estranhamento para com o contexto da pesquisa. • A abordagem etnográfica combina várias técnicas de coleta de dados e de sistematização de informa­ ções que permitem “atingir” o objeto por ângulos diferentes. • O relatório de pesquisa de cunho etnográfico apresenta grande quantidade de dados primários e elabora um a narrativa que permite reconstruir o objeto em questão, bem como a realidade cultu­ ral dos sujeitos pesquisados. O trabalho de pesquisa orientado por um a prática centrada na etnografia busca descrever, compreender e interpretar os fenômenos educativos presentes no contexto escolar. O enfoque da pesquisa centra-se no contexto de cada escola, vista como uma comunida­ de cultural que elabora sentido e significado para suas ações ao mesmo tempo que condiciona e estabelece um conjunto de relações e práticas mediante os sujei­ tos que vivenciam sua realidade. A pesquisa etnográ­ fica procura compreender como se dão essas relações em seu contexto e em que sentido revelam uma cul­ tura construída com base na escola. Ezpeleta e Rockwell (1986, p. 29) sustentam que “a reconstrução de processos que ocorrem na vida diária 203

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da escola permite integrar os numerosos momentos des­ concertantes da observação e interpretar, a p artir de uma perspectiva mais histórica, sua realidade cotidia­ na”. Portanto, a pesquisa etnográfica permite situar determinada escola no contexto histórico da educa­ ção e da sociedade, possibilitando uma interpretação que vai além da própria pesquisa em si. Cabe esclare­ cer que a abordagem etnográfica nunca tem a preten­ são de generalização, mas aquilo por ela revelado — também no âmbito educacional — vai sempre além do próprio objeto investigado, pois pode dar condi­ ções para ler outras escolas num mesmo contexto social e político. Para André (1995), a pesquisa etnográfica permite a superação do argumento da falta de objetividade das pesquisas em educação, pois valoriza as interações que se verificam sempre num contexto permeado por uma multiplicidade de significados, os quais, por sua vez, fazem parte de um universo cultural a ser estu­ dado pelo pesquisador. Este, para entender e descre­ ver tal universo, deve usar a observação participante, que envolve registros de campo, entrevistas, análises de documentos, fotografias. Segundo Engers (1994), além desses instrumentos de coleta de informações, podem ser utilizadas grava­ ções de áudios e vídeos sobre o cotidiano, a fim de verificar ações e interações e eventos sociais do grupo. As metas e objetivos do etnógrafo influenciam a sele­ ção dos instrumentos à luz da teoria e da natureza do processo de pesquisa. Este utiliza a cultura como orientação conceituai e a base teórica como abordagem do estudo do cotidiano do grupo e estabelece limites que servem para a formulação das questões, para o pla­ nejamento de métodos e para as técnicas de coleta e análise de dados. 204

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A intensidade do envolvimento varia de acordo com as necessidades do trabalho e com as opções fei­ tas. O pesquisador atua como observador, entrevista­ dor e analista, fazendo sempre uma ponte entre teoria e empiria. A experiência e a teoria fundamentadoras do trabalho de pesquisa compõem a simbiose que per­ mite a superação de um a visão reducionista do obje­ to investigado. Nas palavras de Peixoto (2003), a superação da dicotomia entre sujeito e objeto, cons­ ciência e mundo, subjetividade e objetividade. A pesquisa, nessa abordagem metodológica, exige do pesquisador certa flexibilidade no trato com as pes­ soas e atenção para perceber detalhes que poderão ser fundamentais para a compreensão do fenômeno refle­ xivo, pois a crítica reflexiva constitui o ir-e-vir entre teoria e prática e faz-se necessária para compreender certos pressupostos pedagógicos que envolvem a rela­ ção professor—aluno e comunidade escolar. Todas as informações obtidas em campo são dados considerados sempre inacabados. O observador não pretende comprovar teorias nem fazer generalizações estatísticas. O quejm sca é compreender e descrever a situação, revelar seus múltiplos significados, deixan­ do ao leitor a tarefa de decidir se as interpretações podem ou não ser generalizáveis com base em sua sustentação teórica. Ezpeleta e Rockwell (1986, p. 17) ressaltam que “um trabalho permanente de análise de registros, de ida e vinda entre os dados de campo e o esforço compreensi­ vo, [é que] sustenta o avanço progressivo na superação dos sentidos 'evidentes' das situações ’ . O que importa como objeto de análise passível de interpretação são as situações concretas e/ou abstratas que constituem explicações significativas para a realidade vista pelos 205

A í tnocrafia c o m o

p a r a d ig m a d e

C O N S T R U Ç Ã O d o P R O C ESSO d e c o n h e c i m e n t o e m e d u c a ç ã o

sujeitos. Ao pesquisador cabe explorar as situações no cotidiano em que elas ocorrem. Conforme André (1995, p. 102), os estudiosos das questões educacionais recorreram à abor­ dagem etnográfica como um a form a de retratar o que se p assa no dia a dia das escolas, isto é, buscavam revelar a complexidade da rede de interações que constitui a expe­ riência escolar diária, m ostrar como se estrutura o processo de produção de conhecimento em sala de aula e as inter-relações entre as dimensões cultural, institucional e instrucional da prática pedagógica. 0 objetivo principal destes trabalhos era a compreensão da realidade escolar para, numa etapa posterior, agir sobre ela, modificando-a.

N o entender de Ezpeleta e Rockwell (1986, p. 73), “a escola é construção social, acumula uma história social que lhe dá existência cotidiana”, e por isso é de fundamental importância o estudo do cotidiano para a compreensão do papel socializador desempenhado pela escola. A instituição escolar, em sua dinâmica, reflete no dia a dia as contradições sociais. Nela, o jo g o das hierarquias e interações entre estes processos (reprodução, construção e transform ação, controle e apro­ priação, resistência e luta), em sua dimensão cotidiana, implica uma releitura das categorias analíticas gram scianas de sociedade civil e sociedade política, interpretadas como form as de relação historicamente construídas e am bas pre­ sentes na escola (E zp e le ta e Rockw ell, 1 9 8 6 , p . 75).

André (1995, p. 103) evidencia as contribuições da pesquisa etnográfica. Afirma que ela, “ao conside­ rar a multiplicidade de significados presentes numa dada situação, fez com que a investigação da prática pedagógica deixasse de lado o enfoque nas variáveis iso­ ladas p ara considerá-las em seu conjunto e em sua rela­ ção dinâmica. Destacou, assim, o foco de atenção das 206

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partes p ara o todo e dos elementos isolados p ara a sua inter-relação” . Essa perspectiva trouxe às pesquisas com foco na escola um enriquecimento m uito grande do ponto de vista tanto m etodológico, pela disponibilidade de ajustes durante o processo, quanto teórico, pela identificação de elementos não previstos no plane­ jam ento inicial, mas essenciais para a análise e a compreensão da prática pedagógica. O trabalho de campo sistemático e prolongado inerente à abordagem etnográfica, ao ser adotado pelos pesquisadores da educação, revelou aspectos fundamentais do dia a dia das escolas, da rotina de sala de aula, das relações e tensões constituintes da experiência escolar. Desvelou o cotidiano da prática pedagógica, inaugurando uma linha de estudos que se tornou conhecida como “pesquisa do cotidiano escolar” . Desse modo, a referência teórica a princípio orientou a observação para episódios cotidianos aparentemente sem consequência para a realidade não documentada. Ao mesmo tempo, a explicitação e a reconstrução das relações peculiares e imprevistas dessa realidade pos­ sibilitaram a elaboração de categorias e conceitos necessários a uma apreciação alternativa da escola (Ezpeleta e Rockwell, 1986, p. 15). N o trabalho com a abordagem etnográfica, é funda­ mental considerar que a pesquisa de campo, indispen­ sável à coleta de dados, não deve ocorrer desvinculada de uma teoria que a embase. A teoria funciona como princípio orientador da pesquisa. O desconhecimento dos princípios leva muitos estudos a enorme fragili­ dade teórica. Seus autores parecem acreditar que a mera coleta de dados de campo seja suficiente para caracterizar um estudo etnográfico. Esquecem-se de que não basta reproduzir o real, mas é preciso tentar 207

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reconstruí-lo, o que só se mostra possível quando há uma orientação, uma proposta teórico-metodológica a ser seguida. Por outro lado, o divórcio entre o referencial teó­ rico enunciado e definido no princípio e o processo de coleta e análise dos dados põe em risco todo o tra­ balho, pois a questão central da pesquisa etnográfica é a imbricação entre teoria e empiria como orienta­ doras do processo investigativo. D o ponto de vista prático, o pesquisador deve diferenciar dados obtidos em campõ de opiniões ou interpretações, revelando, da forma mais clara pos­ sível, a fonte dos dados e as circunstâncias de sua obtenção, além de mostrar o processo de construção do relatório e tornar evidentes as justificativas das escolhas (teóricas e metodológicas) feitas em cada momento da pesquisa e para cada finalidade que atri­ bui a seu trabalho.

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Capítulo

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PEDAGOGIA DA

PESQÜISA-AÇÃO

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A pedagogia da pesquisa-ação Este capítulo foi anteriormente publicado em

A pesquisa-ação tem sido utilizada, nas últimas décadas, de diferentes maneiras e segundo diversas intencionalidades, passando a compor vasto mosaico de abordagens teórico-metodológicas, o que instiga a reflexão sobre sua essencialidade epistemológica e sobre suas possibilidades como práxis investigativa.

FRA N C O , Maria Amélia Santoro. A pedagogia da pesquisa-ação. Educação e Pesquisa - Revista da Faculdade de Educação da USP, São Paulo, v. 31, n. 3, p. 483-502, dez. 2 0 0 5 .0 presente texto apresenta uma série de modificações em relação ao original que não

É praticamente consensual a atribuição de suas origens aos trabalhos de Kurt Lewin em 1946, num contexto de pós-guerra, acompanhando uma aborda­ gem de pesquisa experimental, de campo. Ele a desenvolveu quando atuava junto ao governo norte-americano, e a princípio suas pesquisas tinham por finalidade a mudança de hábitos alimentares da po­ pulação e também das atitudes dos americanos em face dos grupos étnicos minoritários. Caminhando paralelamente a estudos sobre a dinâmica e o funcio­ namento dos grupos, pautavam-se por um conjunto de valores como a construção de relações democráti­ cas, a participação dos sujeitos, o reconhecimento de direitos individuais, culturais e étnicos das minorias, a tolerância a opiniões divergentes e ainda a conside­ ração de que os sujeitos mudam mais facilmente quando impelidos por decisões grupais. A forma de Kurt Lewin trabalhar a pesquisa-ação veio a ter gran­ de desenvolvimento nas empresas, em atividades liga­ das ao desenvolvimento organizacional. H -r-

li.1

alteram substancialmente a reflexão ali desenvolvida.

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Essa concepção inicial dentro de um a abordagem experimental, de campo, adquiriu muitas feições frag­ mentadas durante a década de 50 e modificou-se estruturalmente a partir da década de 80, quando incluiu entre seus pressupostos a perspectiva dialéti­ ca, com base na incorporação dos fundamentos da teoria crítica de Habermas, e assumiu como finalida­ de a melhoria da prática educativa docente. São essenciais para tal enfoque os trabalhos de Elliot e Adelman, do Centro de Pesquisa Aplicada em Edu­ cação da Grã-Bretanha, junto ao Ford Teaching Project (1973-1976). Após os trabalhos de Lewin e as diferentes incorpo­ rações teóricas ao conceito e à prática da pesquisa-ação, muitas interpretações têm sido realizadas em nome dela. Com o resultado, constata-se a existência de um mosaico de abordagens metodológicas que muitas vezes são operacionalizadas na práxis investigativa sem a necessária explicitação de seus fundamentos teóricos, gerando inconsistências entre teoria e método e com­ prometimentos à validade científica dos estudos.

1. De que pesquisa se está falando ao referir-se à pesquisa-ação? Quando alguém opta por trabalhar com pesquisa-ação, decerto se investe da convicção de que pesquisa e ação podem e devem caminhar juntas, tendo em vista a transformação da prática. N o entanto, a direção, o sentido e a intencionalidade dessa transformação serão o eixo caracterizador de tal abordagem. Podem-se observar, em recentes trabalhos de pesqui­ sa-ação no Brasil, ao menos três conceituações diferentes: 212

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a) quando a busca de transformação é solicitada pelo grupo de referência da equipe de pesquisadores, a pesquisa tem sido conceituada como pesquisa-ação colaborativa. Nela, a função do pesquisador é integrar-se e conferir um enfoque científico a um processo de mudança anteriormente desencadeado pelos sujeitos do grupo; b) se se percebe a necessidade dessa transformação mediante os trabalhos iniciais do pesquisador com o grupo, como decorrência de um processo que valoriza a construção cognitiva da experiência, sustentada por reflexão crítica coletiva, tendo em vista a emancipação dos sujeitos e das condições que o coletivo considera opressivas, a pesquisa vai-se caracterizando pela criticidade e, então, tem-se utilizado a conceituação de pes­ quisa-ação crítica; c) se, ao contrário, a transformação for previamente planejada sem a participação dos sujeitos e apenas o pesquisador acompanhar os efeitos e avaliar os resul­ tados de sua aplicação, a pesquisa pode ser mais bem denominada de pesquisa-ação estratégica. Kincheloe (1997) afirma que a pesquisa-ação crí­ tica rejeita as noções positivistas de racionalidade, objetividade e verdáde e deve pressupor a explicitação dos valores pessoais e práticos dos envolvidos no pro­ cesso investigativo. Isso se deve em parte porque a pesquisa-ação crítica não pretende apenas com ­ preender ou descrever o m undo da prática, mas sobretudo transformá-lo. A condição para essa modalidade de pesquisa é o mergulho na práxis do grupo social em estudo, do qual se extraem as perspectivas latentes, o oculto, o não familiar que sustentam as práticas, e nela as mudanças serão negociadas e geridas no coletivo. Nesse sentido, as pesquisas-ação colaborativas, na maioria das vezes, assumem também um caráter crítico. 213

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N o entanto, ainda se podem encontrar pesquisa­ dores iniciantes fazendo uso da pesquisa-ação para implementar projetos ou propostas concebidos ape­ nas por eles próprios ou mesmo, não raro, aplicando uma proposta de mudança idealizada por um supe­ rior hierárquico. Nesse caso, a dimensão crítica e dia­ lética da pesquisa está sendo negada. A pesquisa-ação crítica deve gerar um processo de reflexão — ação cole­ tiva, em que há uma imprevisibilidade nas estratégias a ser utilizadas. Uma pesquisa-ação desenvolvida segun­ do os pressupostos positivistas revela-se extremamente contraditória com a pesquisa-ação crítica. Esta leva em conta a voz do sujeito, sua perspecti­ va, seu sentido, mas não apenas para registro e poste­ rior interpretação do pesquisador, um a vez que a voz do sujeito fará parte da tessitura da m etodologia da investigação. Nesse caso, a m etodologia não se configura por meio das etapas de um m étodo, mas organiza-se pelas situações relevantes que emergem do processo. D aí decorre a ênfase no caráter forma­ tivo dessa modalidade de pesquisa, pois o sujeito deve tomar consciência das transformações que vão ocor­ rendo em si próprio e no processo. É também por isso que tal metodologia assume um caráter emancipatório, pois, mediante a participação consciente, os sujeitos da pesquisa passam a ter oportunidade de libertar-se de mitos e preconceitos que organizam suas defesas contra a mudança e reorganizam sua autoconcepção de sujeitos históricos. Com base neste início de reflexão, cabe perguntar: a pesquisa-ação deve ter como intenção essencial a transformação da realidade em que se insere? Deve ser uma pesquisa fundamentalmente participativa, em que sujeitos e pesquisadores interagem na produção de novos conhecimentos? Deve assumir um caráter for214

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mativo-emancipatório? Respostas a essas questões não são ainda consensuais. M as é possível tentar uma aproximação, de form a que se encontrem pistas para a questão: de que pesquisa sefa la ao referir-se à pesqui­ sa-ação? Segundo os comentários de Mailhiot (1970, p. 46), que foi aluno de Kurt Lewin e trabalhou com ele, a pesquisa-ação deve partir de uma situação social concreta a modificar e, mais que isso, inspirar-se constantemente nas transformações e nos elementos novos surgidos durante o processo e sob a influência da pesquisa. M ailhiot afirma, por outro lado, que Lewin, baseado na concepção hegeliana do devir social impregnada em seu pensamento, propõe a hipótese de que “os fenômenos sociais não podem ser observados do exterior, do mesmo modo que não podem ser observados em laboratório, de modo estático” . Para Lewin, os fenômenos de grupo não revelam as leis internas de sua dinâmica, “senão aos pesquisadores dis­ postos a se engajar pessoalmente a fundo, neste dinam is­ mo em marcha, a respeitar-lhe os processos de evolução nos sentidos definidos que a H istória lhe im prim e e, assim , favorecer-lhe, ao máximo, que se ultrapasse” . Realça ainda M ailhiot (1970, p. 47), continuando a expor o pensamento de seu mestre, que o pesquisa­ dor só deve tentar modificar a dinâmica de um grupo após o consentimento explícito de seus membros. Dessa forma, ele deve assumir constantemente os dois papéis complementares: de pesquisador e de par­ ticipante do grupo. Outro alerta importante de Lewin, considerado por Mailhiot, é que, para manter o ritmo de participação dos membros do grupo, mostra-se fun­ damental que os grupos e subgrupos tomem consciên­ cia da dinâmica inerente à situação social em evolução.

Côte-Thibault (1991, p. 167) assim se refere: “La recherche-action était à ce moment un essai, pour Lewin, d ’incorporer systématiquement la conscientisation de groupe dans un processus de recherche

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Apud Côte-Thibault (1991, p. 169).

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Em resumo, as origens da pesquisa-ação com Lewin apontam para uma investigação cuja meta é a transfor­ mação de determinada realidade, implicando diretamen­ te a participação dos sujeitos envolvidos no processo, atribuindo ao pesquisador os papéis de pesquisador e de participante e ainda sinalizando para a necessária emer­ gência dialógica da consciência dos sujeitos, na direção da mudança de percepção e de comportamento. Portanto, de acordo com a proposta inicial, falar de pesquisa-ação envolveria pressupor uma pesquisa de transformação, participativa, caminhando para processos formativos. __M as, segundo Kem m is (1984), a pesquisa-ação foi sendo objeto de interpretações e mudanças que modificaram a concepção original de Lewin: dois artigos de Lippit e Radke, datados de 1946, e outro artigo de Chein, C ook e Harding, de 1948, apresen­ tam-na em termos positivistas e assim obstruem seu potencial de desenvolvimento na direção que Lewin preconizava. Esses autores distinguem quatro varie­ dades de pesquisa-ação: a diagnóstica, a participante, a empírica e a experimental. Convém notar que tais dimensões já existiam na ideia inicial de forma integrada e essa subdivisão aos poucos acarretou o esfacelamento dos processos integrativos presentes na proposta lewiniana, produzindo, de um lado, as m últiplas abordagens dessa form a de pesquisa e, de outro, a descaracterização de suas raízes epistemológicas. Começava talvez, a partir daqui, a dificulda­ de em responder à questão que intitula esta seção. A pesquisa-ação iria, nas décadas seguintes, forta­ lecer-se no espaço educacional; no entanto, seguia um modelo simplificado em relação à proposta de Lewin e enquadrava-se num a perspectiva positivista. Dois artigos marcaram esse período: um de Stephen

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Corey, de 1949, e outro de Taba e Noel, de 1957, ambos buscando formas de melhorar a prática docen­ te e os resultados educativos. Metodologicamente fa­ lando, esses trabalhos pautavam-se mais em um a ação pesquisada, na qual partiam da identificação de pro­ blemas na escola, buscavam os fatores causais deles, formulavam uma hipótese de intervenção, aplica­ vam-na com os docentes e avaliavam coletivamente as ações empreendidas. Percebe-se que, nesse caso, o pesquisador tinha um papel de investigador, mas os docentes não eram, na realidade, alçados à mesma condição, conquanto mudassem suas ações e refletis­ sem sobre os resultados. O ciclo em espiral, bastante importante para Lewin, que permitia readequações e alterações de rumo no processo, deixou de existir. Em bora perma­ necesse a ideia de transformação da realidade, ela se manifestava de form a circunstancial, em algum aspecto do real julgado relevante. O foco deslocava-se para o produto da mudança, e já não mirava o proces­ so. N ão há como negar que por certo os docentes envolvidos poderiam beneficiar-se ao analisarem os resultados de forma coletiva ou mesmo participarem das mudanças planejadas. N o entanto, perdia-se a perspectiva de um processo de pesquisa que desenca­ deasse nos práticos novas formas de perceber e lidar com a situação, as quais passariam a ser objeto de pes­ quisa; perdia-se a imbricação entre pesquisa e ação. Stanford, ao comentar o declínio das pesquisas-ação em educação no fim dos anos 50, especula que isso pode ter ocorrido pela dissociação gradativa entre pes­ quisa e ação. Essa dissociação parece típica do aporte positivista, que, como apontado por Kincheloe, anteriormente citado, é incompatível com a inten­ cionalidade da pesquisa-ação.

H á várias maneiras de considerar a “espiral cíclica”, vista como retomada em processo das ações, análises, reflexões, numa dinâmica sempre evolutiva. Kurt Lewin (1946) considerava a pesquisa-ação um processo de espiral que envolve três fases: 1) planejamento, que implica reconhecimento da situação, 2) tomada de decisão e 3) encontro de fatos {fact-finding) sobre os resultados da ação. Esse fact-finding deve ser incorporado como fato novo na fase seguinte de retomada do planejamento e assim sucessivamente.

Apud C ôte-Thibault 7 l9 9 l7 p . 172). Ã referência a Stanford (1970) feita pela autora em nota de rodapé é KEM M IS, S.; M c TAGGART, R. (Eds.). The action research reader. 3d ed. Victoria: Deakin University Press, 1988. p. 47-56.

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Stenhouse, pesquisador inglês, criou, com alguns colegas, o Centre for Applied Research in Education na Universidade de East Anglia, na cidade britânica de Norwich. O objetivo do centro era compreender os problemas da prática docente sem perder de vista a ideia do professor como pesquisador. Em 1975 escreveu An introduction to curriculum research and development, sua obra mais conhecida. Morreu sete anos mais tarde.

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Nesse sentido, Barbier (2002) diz com bastante ênfase que a natureza da pesquisa-ação se mostra essencialmente diferente da maneira usual de pesqui­ sa em ciências sociais e cita Blum, utilizando-se da fala de Dubost (1987, p. 136): “a pesquisa-ação é a revolta contra a separação dos fatos e dos valores (...) é um protesto contra a separação de pensamento e da ação, que é uma herança do ‘laissez-faire’ do século 1ST. Portanto, ao falar de pesquisa-ação, fala-se de uma pesquisa que não se sustenta na epistemologia positivis­ ta e pressupõe a integração dialética entre o sujeito e sua existência, entre fatos e valores, entre pensamento e ação, entre pesquisador e pesquisado. Mas a pesquisa-ação vai, historicamente, retornar ao palco das pesquisas em educação, agora incorporando a dialética da realidade social e os fundamentos de uma racionalidade crítica pautada em Habermas. Conforme já citado, Kemmis (1984) atribui o res­ surgimento da pesquisa-ação aos trabalhos conduzi­ dos por Elliot e Adelman, do Centro de Pesquisas Aplicadas à Educação da Universidade de East Anglia, Grã-Bretanha, no projeto denominado Ford Teaching Project (1973-1976). Essas pesquisas baseavam-se em Lewin e Stenhouse e caracterizavam-se por uma proposta de resolução de problemas segundo uma abordagem pedagógica realizada metodologicamente por indução e descoberta. Para responder à pergunta: de que pesquisa se fala, ao referir-se à pesquisa-ação?, será importante conside­ rar que, segundo Carr e Kemmis (1986), essa mudança empreendida na década de 70 é muito dife­ rente daquela empreendida no fim dos anos 40, pelas seguintes razões: • a grande preocupação dos pesquisadores em educação em ajudar os professores a resolver seus problemas;

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• o grande desenvolvimento das abordagens qualitativo-interpretativas nas pesquisas em educação; • o aprofundamento de estudo sobre formas e mode­ los colaborativos no desenvolvimento de progra­ mas escolares e de avaliação do ensino; • o com prom isso ideológico e político nas formas de abordagem dos problemas sociais e políticos da educação. Com base em tais considerações, pode-se perceber que a proposta de pesquisa-ação iniciada por Lewin, continuada por Stenhouse e concretizada por Elliot e Adelman teve seu estatuto epistemológico referenda­ do pela questão da transformação social. Ela agora aparece abalizada por compromissos éticos e políti­ cos, tendo em vista a emancipação dos sujeitos e das condições que obstruem este processo, além de estar configurada por abordagens interpretativas de análise e estruturada sob a forma de participação crítica. O processo de pesquisa, por sua vez, deverá permitir reconstruções e reestruturação de significados e cami­ nhos em todo sect desenrolar, enquadrando-se num procedimento essencialmente pedagógico e, por assim ser, político. Considerando que “o objetivo da Pedagogia como ciência da educação será o esclarecimento reflexivo e transformador da práxis” (Franco, 2003, p. 83), o campo de conhecimentos pedagógicos deverá, para tanto, ser construído na intersecção entre “ os saberes interrogantes das práticas, os saberes dialogantes das intencionalidades da práxis e os saberes que respondem às indagações reflexivas form uladas por essas práxis ’ (Franco, 2003, p. 85). Para a operacionalização dessa especificidade da ciência da educação, faz-se necessária 219

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uma metodologia, de caráter formativo-emancipatório, que atenda a determinados princípios fundadores, se­ gundo os quais a investigação sobre a práxis educativa, para realizar-se, deverá contemplar: • a ação conjunta entre pesquisador e pesquisados; • a realização da pesquisa em ambientes em que se dão as próprias práticas; • a organização de condições de autoformação e eman­ cipação para os sujeitos da ação; • a criação de compromissos com a formação e o desenvolvimento de procedimentos crítico-reflexi­ vos para com a realidade; • o desenvolvimento de um a dinâmica coletiva que permita o estabelecimento de referências contínuas e evolutivas com o coletivo, no sentido de apreen­ são dos significados construídos e em construção; • reflexões que atuem na perspectiva de superação das condições de opressão, alienação e rotina massacrante; • ressignificações coletivas das compreensões do grupo, articuladas com as condições sócio-históricas; • o desenvolvimento cultural dos sujeitos da ação. Com efeito, a pesquisa-ação, estruturada de acor­ do com seus princípios geradores, é eminentemente pedagógica à medida que o exercício pedagógico se configure como uma ação que confira caráter cientí­ fico à prática educativa com base em princípios éticos que visualizem a contínua formação e emancipação de todos os sujeitos da prática. Em sintonia com essa concepção caminha a reflexão de Barbier (2002, p. 59) quando afirma: “A pesquisa-ação toma-se a ciência da 2 2 0

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práxis exercida pelos técnicos no âmago de seu local de investimento. O objeto da pesquisa é a elaboração da dia­ lética da ação num processo pessoal e único de reconstrução racionalpelo ator social. Com base nas reflexões até aqui desenvolvidas, podem-se distinguir algumas aproximações de res­ postas à pergunta que tem norteado a presente seção deste capítulo. As pistas encontradas manifestam-se em três dimensões:____________________ __________ • dimensão ontológica: referente à natureza do obje­ to a ser conhecido;

Essas três dimensões são inspiradas em Guba (1990), ao analisar as

• dimensão epistemológica: referente à relação sujei­ to-conhecimento; • dimensão metodológica: referente a processos de conhecimento utilizados pelo pesquisador.

diferentes especificidades contidas no rótulo genérico de “paradigma qualitativo”. O contato com esse seu estudo deu-se por meio de Alves-Mazzotti e

A dimensão ontológica da pesquisa-ação tem que ver com a seguinte questão: o que se pretende conhe­ cer quando se utiliza a pesquisa-ação segundo os pressupostos atuais? D e m odo bem abrangente, poder-se-ia dizer que se pretende conhecer a realida­ de social, foco da pesquisa, de sorte que se possa transformá-la. N o entanto, essa abrangência revela-se prejudicial e perigosa, pois, aceitando-a, poder-se-ia conceber o uso da pesquisa-ação meramente para fins de manipulação. Em bora o conhecimento da realida­ de social seja um imperativo, talvez se possa afirmar que o conhecimento pretendido será, antes, o da pedagogia de mudança da práxis. Este é aqui com ­ preendido como um a ação pedagógica que deve implicar “atitudes problem atizadoras e contextualizadoras das circunstâncias da p rática; dentro de um a

Gewandsznajder (2001).

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perspectiva crítica sobre as ideologias presentes na p rá ­ tica, tendo p o r objetivos a emancipação e a form ação dos sujeitos da prática ’ (Franco, 2003, p. 88). Esse conhecimento norteador deve possibilitar, em decorrência, a produção de conhecimentos que: • permitam melhor compreensão dos condicionantes da práxis; • facultem aos sujeitos o estabelecimento de mudanças em suas práticas profissionais; • propiciem, após adquirirem um caráter científico, a m elhoria das práticas para fins coletivamente desejados; • favoreçam a reestruturação de processos formativos. A dimensão epistemológica da pesquisa-ação impli­ ca perguntar: como se estabelecem as relações entre sujeito e conhecimento? Diante do que já foi expos­ to, pode-se consentir que a pesquisa-ação se mostra totalmente incompatível com procedimentos decor­ rentes de uma abordagem positivista, uma vez que seu exercício requer um mergulho na intersubjetividade da dialética do coletivo. Caminhando na direção de uma perspectiva dialé­ tica, os pressupostos epistemológicos considerados fun­ damentais são os seguintes:• • priorização da dialética da realidade social, da his­ toricidade dos fenômenos, da práxis, das contradi­ ções, das relações com a totalidade, da ação dos sujeitos sobre suas circunstâncias; • a práxis deve ser concebida como mediação básica na construção do conhecimento, pois, por meio dela, 2 2 2

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se vinculam teoria e prática, pensar e agir, pesqui­ sar e formar; • não há como separar sujeito que conhece do obje­ to a ser conhecido; • o conhecimento não se restringe à mera descrição, mas busca o explicativo; parte do observável e vai além, mediante os movimentos dialéticos do pen­ samento e da ação; • a interpretação dos dados só se pode realizar em contexto; • o saber produzido é necessariamente transformador dos sujeitos e das circunstâncias (práxis). N a dimensão metodológica, passa-se fundamental­ mente à exigência de procedimentos articuladores da ontologia com a epistemologia da pesquisa-ação. Independentemente das técnicas a ser utilizadas, há que caminhar para um a metodologia que instaure no grupo uma dinâmica de princípios e práticas dialógicas, participativas e transformadoras. É interessante aqui mencionar a advertência de Thiollent (2003, p. 20) de que “um grande desafio metodológico consiste em fiindam entar a inserção da pesquisa-ação dentro de uma perspectiva de investigação científica, concebida de modo aberto e na qual ciência não seja sinônimo de positivismo, funcionalismo e de outros rótulos” . Podem-se relacionar alguns princípios para funda­ mentar a epistemologia da metodologia: • deve-se, na escolha metodológica, rejeitar noções positivistas de racionalidade, objetividade e verda­ de (Carr e Kemmis); 223

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• a praxis social é ponto de partida e de chegada na construção/ressignificação do conhecimento; • o processo de conhecimento desenvolve-se nas múltiplas articulações com a intersubjetividade em dinâmica construção; • a pesquisa-açao deve ser realizada no ambiente natural da realidade a ser pesquisada; • a flexibilidade de procedimentos é fundamental e a metodologia deve permitir ajustes e caminhar de acordo com as sínteses provisórias que se vão esta­ belecendo no grupo; • o método deve contemplar o exercício contínuo de espirais cíclicas: planejamento —> ação —» reflexão —» pesquisa —» ressignificação —» replanejamento —> ações cada vez mais ajustadas às necessidades coletivas —» reflexões etc. etc.

2. De que ação se está falando ao referir-se à pesquisa-ação? Quando se pretende investigar a dimensão da ação na pesquisa-ação, tem-se também por finalidade refletir sobre seu sentido, suas configurações, bem como sobre seu arraigamento no processo investigativo. Há, assim, a preocupação de identificar as ações necessárias à construção/compreensão do objeto de estudo em questão, bem como aquelas fundamentais para transformar tais compreensões em produção de conhecimento. Portanto, o grande interesse é permi­ tir conhecer as ações necessárias à compreensão dos processos que estruturam a pedagogia da mudança da práxis na situação em investigação. 224

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C onsiderando a pesquisa-ação um processo em inentemente interativo, a análise da qualidade da ação entre os sujeitos que dela participam reve­ la-se fundam ental para definir sua pertinência epistem ológica e seu potencial praxiológico. Para essa discussão, convém reportar-se a Habermas, apoiando-se, num primeiro momento, na fala de Boufleur (1997, p. 26): 0 que determina a racionalidade de uma fa la ou de uma ação? A primeira im pressão é a de que a racionalidade está na dependência da confiabilidade do tipo de saber que a fa la expressa ou que a ação encarna. De fa to há uma estreita relação entre racionalidade e saber, m as H aberm as argu­ menta que a racionalidade diz respeito nem tanto ao saber em si ou à sua aquisição, e sim à form a como os sujeitos capazes de linguagem e de ação fazem uso desse saber.

Com o pode o ser humano fazer uso de seu saber por meio da ação? Considera-se que ele, ao realizar suas ações, estabelece, mediante a mobilização de seus saberes, duas relações fundamentais: • homem x natureza: pautada em uma relação de conhecimento çj dom ínio e caracterizada por Habermas, quando de seu uso na esfera social, como uma ação estratégica; • homem x outros homens: relação de interação simbo­ licamente mediada, utilizada na esfera da compreensão do outro e assim considerada uma ação comunicativa. Acompanhando o raciocínio do autor, há duas direções que podem ser tomadas: • ao considerar as relações humanas como relações do tipo homem-natureza, em que há a utilização de um saber não comunicativo, estar-se-á optando por um conceito de racionalidade cognitivo-instrumental; 225

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• ao ter as relações humanas na conta de realidades tecidas por meio de saberes intersubjetivamente partilhados, estar-se-á, pelo contrário, optando por um conceito de racionalidade comunicativa. Os dois modos de racionalidade ocorrem no dia a dia da existência. Entretanto, o exercício da pesquisaaçáo como investigação formativo-emancipatória, requer essencialmente o modelo do agir comunicativo. Quais os pressupostos desse modelo? Segundo Rojo (1997, p. 32-33), a ação comunica­ tiva constitui uma ação eminentemente interativa, nascida do coletivo, da equipe. Ela não pretende garantir a eficiência a qualquer custo, não é indivi­ dualista, não persegue o êxito; ao contrário, mostra-se uma ação dialógica, vitalista, que emerge do mundo vivido. Essa ação nasce da situação e oferece-lhe saí­ das. E comunitária, busca o entendimento, persegue a negociação, o acordo; busca o consenso. É axiológica, porque acredita na validade das normas discutidas. “M ansa na escuta e forte na tomada de decisões.” Os acordos decorrentes da negociação, com base na racionalidade comunicativa, são intersubjetivos, negociados dialógica e criticamente, ao contrário daqueles derivados da racionalidade estratégica — frios, impostos, induzidos mediante gratificações, ameaças e sugestões, cuja meta é o êxito do propo­ nente da ação. N o agir comunicativo, os participantes podem chegar a um saber compartilhado que vai tecendo um a estrutura interativa de confiança e comprometi­ mento. J á no agir estratégico, pautado por ações de influências recíprocas, o acordo subjetivo não é pos­ sível, passando a funcionar o mecanismo de indução 226

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de valores e convicções, o que mina a interação e não permite a criação de um clima de cumplicidade e ver­ dadeira participação. Portanto, a ação necessária para o exercício do tipo de pesquisa que ora se discute aqui será aquela decor­ rente do agir comunicativo. Mas como empreender uma ação fundamentada nesse agir? Imagine-se por um instante um pesquisador, ou uma equipe de pesquisadores, adentrando numa es­ cola para a realização de uma pesquisa-ação. Com o se situar numa cultura com códigos, significados, repre­ sentações, resistências, expectativas certamente varia­ das e dissonantes? Com o tornar familiar um ambiente tão novo, do qual, a princípio, o pesquisador não é um componente? Com o adentrar e lidar com as con­ tradições iniciais, como percebê-las? Com o fazer dos grupos ali presentes um grupo de trabalho? Com o começar um trabalho de equalizar resistências e preconceitos? Com o chegar ao clima de confiança e cumplicidade? Parece pertinente a preocupação de Mizukami et al (2002, p. 122), ao analisarem as dificuldades ine­ rentes à pesquisa na/com a prática: “comoprofessores e administradores lidam com relações assimétricas de po­ der que podem distorcer os dados ou colocar em risco os participantes?’ E as autoras fazem um alerta sobre as questões éticas que emergem de relações desiguais de poder. Portanto, a grande questão que se apresenta é a da necessária interpenetração de papéis: como passar de pesquisador a participante, continuando a ser prio­ ritariamente pesquisador; ou como passar de profes­ sor sujeito de pesquisa a pesquisador de seu fazer, mantendo-se prioritariamente no papel de professor? 227

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Decorre daí outra desigualdade, quase que identitária: o pesquisador estará, por certo, prioritariamente envolvido na pesquisa e nos resultados desta; o pro­ fessor, por certo, estará prioritariamente envolvido na ação, aguardando melhorias em sua prática. Com o conciliar, mediar, articular essas diferenças ancoradas no âmago do fazer profissional de cada um? Percebe-se que a pesquisa-ação dificilmente pode ser empreendida por pesquisadores iniciantes, pois há a possibilidade da ingenuidade metodológica: pu seja, de que essas dissonâncias passem' despercebidas, sejam tratadas superficialmente, caindo-se no risco do agir estratégico, o que dificultaria à pesquisa o caminhar na direção de sua intencionalidade. Diante disso, a postura colaborativa, vagarosa, silen­ ciosa, “mansa na escuta e forte na tomada de decisões', afigura-se um caminho importante, bastante trilhado por Elliot em seus trabalhos com professores, tendo em vista a mudança curricular: “a colaboração e a negocia­ ção entre especialistas e práticos (professores) caracterizam a form a inicial do que se tomou, mais tarde, conhecido como pesquisa-ação” (Elliot, 1998, p. 138). Garrido et al (1998) também obtiveram resultados importantes na pesquisa-ação empreendida numa escola pública paulista. Foram chamados pela insti­ tuição escolar como cooperadores de um processo que clamava por mudanças, puseram-se como cola­ boradores do grupo, sem abrirem mão do papel de pesquisadores, adentraram, silenciosa e vagarosamente, na cultura escolar, ao mesmo tempo em que disponi­ bilizaram para o grupo—escola a cultura da universi­ dade, sempre na perspectiva de contribuírem para as mudanças pretendidas pelo grupo e sem perderem a dimensão do caráter formativo do processo. 228

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Desde Lewin até Elliot, afirma-se que importante característica da pesquisa-ação é seu processo inte­ grador de pesquisa, reflexão e ação, retomado con­ tinuam ente sob form a de espirais cíclicas, de sorte que haja tempo e espaço para que a integração pes­ quisador-grupo se aprofunde e a prática desse pro­ cesso vá, aos poucos, tornando-se mais familiar, haja tempo para que o conhecimento interpessoal se amplie e, ainda, haja tempo e espaço para a apreen­ são cognitivo-emocional das novas situações vividas por todo o grupo, de práticos e de pesquisadores. Levando em conta a essencialidade das espirais cíclicas, que funcionam quer como instrumento de reflexão/avaliação das etapas do processo, quer como instrumento de autoformação e formação coletiva e, mais ainda, como um a “incubadora” que amadurece e potencializa as apreensões individuais e coletivas, especialmente no aspecto afetivo-emocional, há que convir que uma pesquisa-ação não se realiza em curto espaço temporal. É preciso tempo para estabelecer a intimidade; para construir um universo cognitivo mais próximo; para barreiras e resistências serem transformadas; para a apreensão de novos fatos e valores que emergem de constantes situações de exer­ cício do novo; para reconsiderações dos papéis pro­ fissionais; para a elaboração das rupturas emergentes; para o imprevisto; para o recomeço... D isso decorre outra necessária consideração: a pesquisa-ação precisa contar com longo tem po para sua realização plena. N ão é possível desenvolvê-la com o um processo aligeirado, superficial, com du­ ração predefinida. A im previsibilidade constitui um com ponente fundam ental à prática da pesqui­ sa-ação. Considerá-la (a imprevisibilidade) significa 229

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estar aberto para reconstruções em processo, para retomadas de princípio, para reposicionamento de prioridades, sempre no coletivo, por meio de acor­ dos consensuais, amplamente negociados. A pressa é um pressuposto que não funciona na pesquisa-ação e, se estiver presente, conduz, quase sempre, a atro­ pelamentos no trato com o coletivo, pois com ela se passa a priorizar o produto e fica mais fácil a utiliza­ ção de procedimentos estratégicos que vão descarac­ terizar a pesquisa. De tudo o que foi comentado até aqíii com o intui­ to de responder à questão: de que ação sefa la ao referirs e à pesquisa-ação?, destacam-se as seguintes noções sobre as ações relativas a esse tipo de pesquisa: • devem estar vinculadas a procedimentos decorren­ tes de um agir comunicativo; • devem emergir do coletivo e caminhar para ele; • devem ser em inentem ente interativas, dialógicas, vitalistas; • devem conduzir ao entendimento, à negociação, a acordos; • devem reproduzir-se para a geração de um saber com partilhado; • devem procurar aprofundar a interfecundação de papéis: de participante a pesquisador e de pesqui­ sador a participante, cum prindo assim sua fun­ ção formativa; • devem procurar conviver e superar as relações assi­ métricas de poder e de papéis;• • devem ser readequadas e renovadas por meio das espirais cíclicas; 230

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• devem integrar processos de reflexao/pesquisa e form ação; • devem autoproduzir-se na sensibilidade a diferen­ tes tempos e espaços, emergentes das necessidades vitais do processo. Para analisar a configuração dessas ações nos papéis sociais dos participantes da pesquisa-ação, cabe realçar o trabalho de Lavoie, Marquis e Laurin (1996, p. 147-156), que, utilizando-se de diferentes referências conceituais, procuram sintetizar os papéis prioritários do pesquisador e dos atores num proces­ so dessa natureza. D e tal síntese derivou-se aqui outra, que possa propiciar melhor adequação ao foco do presente trabalho. São ações prioritárias (papéis sociais) do pesquisador: • ultrapassar o saber puramente fenomenológico, essencialmente subjetivo, e caminhar rumo à cons­ trução de um saber da prática, que se situa entre o polo subjetivo e o polo objetivo;

Lavoie e Laurin são da_____ Universidade de Quebec em Trois-Rivière e Marquis da Universidade de Lavai. Os autores basearam seus estudos, neste aspecto, em Morin (1986 e 1992) — trata-se de André Morin, da Universidade de Montreal.

• estabelecer uma comunicação de igual para igual com os atores, reconhecendo-lhes a capacidade de dar sen­ tido aos acontecimentos, de organizar e planificar; • ser um facilitador: só intervir quando houver necessidade; • ser capaz de descobrir que suas ações têm signifi­ cados diferentes para cada ator social. N o entan­ to, deve procurar conhecer esses significados e ajustar-se a eles; • conhecer os vieses de comunicação e de sentido e tra­ balhar com eles. Para tanto, deve permitir integrações decorrentes dos mecanismos da abordagem dialética que fundamenta os trabalhos de pesquisa-ação; 231

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• aceitar que as coisas podem mudar, que elas podem ser reconstruídas; • ter a capacidade de viver na incerteza e saber reco­ nhecer a característica única de cada situação; • ser capaz de fazer-se disponível aos atores, a fim de permitir-lhes observar e compreender a lógica das ações;

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• participar ativamente da elaboração da problemáti­ ca da ação, da pesquisa, da busca de soluções, enfim, de todas as etapas; • colaborar nas tomadas de decisão tanto nas ques­ tões de pesquisa quanto nas questões da ação; • ser cautelosos no trato da difusão oficial de resulta­ dos e prudentes nas generalizações;

• manter o rigor científico do trabalho e zelar por uma interpretação justa dos fatos e das práticas;

• agir profissionalmente e usar seus conhecimentos e experiências para questionamentos ao pesquisador;

• estar sempre a serviço de um objetivo e não de um cliente, a fim de tornar-se militante de uma causa, e não serviçal de um projeto imposto;

• estar dispostos a participar tanto da pesquisa quan­

• participar de cada etapa da evolução do projeto juntamente com os outros sujeitos. Com o se pode perceber, as ações acima relaciona­ das pressupõem o que já se reafirmou, ou seja, que as ações do pesquisador devem caminhar de acordo com um paradigma de ação comunicativa, com foco na garantia tanto de espaço de expressão e participa­ ção aos práticos quanto da intencionalidade de um a pesquisa-ação. A seguir, a síntese de expectativas de ação em rela­ ção aos participantes, conforme as mesmas autoras: • participar da elaboração dos instrumentos e assim apreender seu significado; • comprometer-se, de acordo com seus talentos, capacidades, experiências e relações particulares, com a situação investigada; 232

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to das ações decorrentes; • aceitar viver na incerteza e na instabilidade ineren­ tes a toda situação dinâmica, em que é impossível a previsão de tudo; • viver intimamente a experiência e tentar objetivar e partilhar seus significados com todo o grupo. São esperadas, como se vê, atitudes voltadas à dis­ ponibilidade, à cooperação, ao envolvimento. N o entanto, sabe-se que tais disposições nem sempre estão, de pronto, presentes no grupo. É preciso que o pesquisador saiba tecer e construir esse sentimento de parceria e colaboração, instaurando um clima grupai que permita a emergência qualitativa dessas ações em todos os participantes. Tal situação pode ser mais bem vivenciada quando o grupo solicita o trabalho dos pesquisadores, com o no caso já citado do traba­ lho de Garrido et al (1998). Nele, o clima de coopera­ ção mostra-se mais evidente desde o início, mas há outros problemas decorrentes, até porque nem sempre 233

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Este Morin é André Morin, da Universidade de Montreal.

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a solicitação feita pelo grupo expressa a vontade da maioria: muitas vezes se trata da vontade de um pequeno grupo dentro de um maior, de diversos inte­ resses nem sempre convergentes. Reafirma-se, nesse sentido, a preocupação de Lewin (1946) quando aliava ao estudo da pesquisa-ação o aprofundamento das investigações sobre a dinâmica e a gênese dos grupos, sobre os mecanismos de bloqueio às mudanças grupais, ou mesmo o estu­ do sobre a evolução de percepções coletivas de grupo. Lewin preconizava que somente um bom conheci­ mento sobre o funcionamento e dinâmica de deter­ minado grupo permite ao pesquisador adentrar em seu clima, entender sua lógica. Discorrendo sobre tal compreensão de Lewin, escreve Mailhiot (1970, p. 61): “ O objetivo a atingir, inicialmente, é tornar grupos e subgrupos conscientes e lúcidos da dinâm ica inerente à situação social em evolução. N ão é senão a p artir deste momento que subgrupos e grupos aceitarão alterações e complementos às suas percepções de grupo” . Outro alerta importante a pesquisadores iniciantes é sobre a necessidade de conhecer a dinâmica dos grupos — a dialética da formação e dos mecanismos de reprodução do grupo — e por ela interessar-se, a fim de poder bem trabalhar com pesquisa-ação. Morin (1986, p. 304) lembra que as ações do pes­ quisador devem ser permeadas por um discurso acessí­ vel, “sem aparelhagem cientifica complexa ’, espontâneo, enriquecido pelas experiências vividas por meio do diálogo, e, acima de tudo, aberto às transformações. Além disso, em virtude de ser a pesquisa-ação um procedimento passível de revisões e reestruturações constantes, esse discurso deve ter um caráter eminen­ temente exploratório.

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3. Como pesquisa e ação se integram na pesquisa-ação? Faz-se necessária a reflexão sobre a qualidade da relação estabelecida entre a pesquisa e a ação, num processo investigativo de pesquisa-ação, pois podem surgir muitos equívocos decorrentes do não aprofun­ damento dessa questão. Falar de pesquisa-ação significa referir-se à: • pesquisa na ação; • pesquisa para a ação; • pesquisa com ação; • ação com pesquisa; • ação para a pesquisa; • ação na pesquisa. H á diferenças nessas variações tão sutis? Decorrem alterações, no exercício investigativo, quando se tro­ cam as preposições ou os posicionamentos dos dois componentes da expressão? As diferenças parecem realmente existir e tornam-se mais evidentes quando se distancia a intencionalidade metodológica de seus procedimentos. Segundo as reflexões desenvolvidas anteriormente e sintetizadas por Lavoie, Marquis e Laurin (1996, p. 41), a pesquisa-ação: • pode ser considerada uma abordagem de pesquisa com característica social que se associa a uma estraté­ gia de intervenção e evolui num contexto dinâmico; • é uma pesquisa que parte do pressuposto de que pesquisa e ação podem estar reunidas; • pode ter como objetivos a mudança, a compreen­ 235

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são das práticas, a resolução dos problemas, a pro­ dução de conhecimentos e/ou a melhoria de uma situação dada, na direção proposta pelo coletivo; • deve originar-se de necessidades sociais reais, estar vinculada ao meio natural de vida e contar com a participação de todos os participantes, em todas suas etapas; • metodologicamente deve ter procedimentos flexíveis, ajustar-se progressivamente aos acontecimentos, esta­ belecer uma comunicação sistemática éntre seus par­ ticipantes e autoavaliar-se durante todo o processo; • tem característica empírica; estabelece relações dinâ­ micas com o vivido e enriquece-se com categorias interpretativas de análise; • deve possuir um design inovador e uma forma de ges­ tão coletiva, na qual o pesquisador é também partici­ pante e os participantes também são pesquisadores. Diante do exposto, fica mais evidente que, para a pesquisa-ação realizar-se, deve haver a associação da pesquisa a uma estratégia ou proposta coletiva de intervenção, indicando a posição de pesquisa inicial­ mente como ação de intervenção, ação essa que ime­ diatamente passa a ser objeto de pesquisa. Assume-se também que pesquisa e ação podem estar reunidas num mesmo processo, reafirmando a questão àa. pes­ quisa com ação, que vai aos poucos sendo igualmente ação com pesquisa. No desenvolvimento da pesquisa-ação, há ênfase na flexibilidade, nos ajustes progressi­ vos aos acontecimentos, fortalecendo a questão da pesquisa com ação. Quando se considera a pesquisa-ação como uma 236

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pesquisa na/sobre a ação, podem-se cometer pelo me­ nos dois equívocos: • transformar a pesquisa-ação em uma pesquisa de avaliação de um procedimento adotado, de uma transformação empreendida ou mesmo de um pro­ cesso em implementação. Neste caso, a pesquisa, embora relevante, não pode ser considerada pes­ quisa-ação, pois perdeu sua característica dinâmica de transmudar-se pelas transformações. Portanto, perde-se sua possibilidade de ajuste progressivo, fator fundamental à pesquisa da/na práxis; • outro equívoco, bastante comum em pesquisadores iniciantes, é o pesquisador investigar seu próprio local e função de trabalho. Um diretor de escola, um coordenador pedagógico ou mesmo um professor realizam a pesquisa no âmbito de sua ação profissio­ nal. Apesar da relevância desse procedimento, a pes­ quisa decorrente dificilmente pode ser caracterizada como pesquisa-ação, em razão principalmente da hierarquia de papéis profissionais, dos poderes implí­ citos, a qual passa a exigir ações estratégicas e dificil­ mente ações comunicativas. O que importa deixar estabelecido é que a pesqui­ sa-ação sugere sempre a concomitância entre pesquisa e ação e ação e pesquisa, a ponto de o conceito admitir a possibilidade de ser talvez mais bem expresso por uma dupla flecha em vez de hífen: pesquisa ação, a fim de caracterizar a concomitância, a intercomunicação e a interfecundidade. Convém deixar bem clara a existência de outros tipos de pesquisas, muito relevantes e necessários, que trabalham a relação ação-pesquisa de forma diferente. A posição aqui apresentada não sugere, em hipótese alguma, críticas a outras formas de considerar 23 7

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e discutir essa concomitância. Deve-se apenas realçar que a concomitância, a intercomunicação e a interfecundidade entre a pesquisa e a ação —^ de acordo com os pressupostos teóricos da pesquisa-ação sinte­ ticamente expressos acima — revelam-se inerentes à proposta. Decorrem daí as dificuldades operacionais/existenciais de empreender uma pesquisa-ação, uma vez que trabalhar cientificamente na concomi­ tância de papéis, na contradição de expectativas, na incerteza dos acontecimentos que darão rumo e novas direções ao processo requer muita convicção, ousadia e persistência.

vezes “agir na urgência e decidir na incerteza , conforme se refere Perrenoud (2001) em relação ao fazer docente. Dessa forma, cabe enfatizar alguns momentos que devem ser priorizados num processo de pesquisa-ação, a fim de garantir a articulação de seus pressu­ postos ontológicos, epistemológicos e metodológicos, numa dinâmica pedagógica que deve suscitar nos sujeitos envolvimento, participação, comprometi­ mento e produção de saberes, além de conhecimen­ tos novos a ser incorporados no campo científico. Esses momentos a ser priorizados na pesquisaação, aqui denominados de processos pedagógicos inter­ mediários, podem ser sintetizados como:

4. Estruturação de um processo pedagógico para a pesquisa-ação

• construção da dinâmica do coletivo;

E comum aos iniciantes em pesquisa solicitar um esquema prático, algo como “fases do método”, para realizarem um a pesquisa-ação. H á autores que res­ pondem a essa demanda com muita propriedade, por exemplo os já citados Lavoie, Marquis e Laurin (1996). N o entanto, quer-se aqui realçar a flexibili­ dade metodológica da pesquisa-ação como um de seus componentes essenciais, o que implica, como todo trabalho sobre a práxis, um rigor científico vin­ culado mais à coerência epistemológica em processo do que ao cumprimento de um ritual de ações suces­ sivas. Por isso ganha realce a questão em torno de uma pedagogia da pesquisa-ação, que envolve considerar a complexidade, a imprevisibilidade, a oportunidade gerada por alguns acontecimentos inesperados, a fecun­ didade potencial de alguns momentos que emergem da práxis, indicando que o pesquisador precisa muitas 238

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• ressignificação das espirais cíclicas; • produção de conhecimento e socialização dos saberes; • análise/redireção e avaliação das práticas; • conscientização das novas dinâmicas compreensivas.

4.1. Construção da dinâmica do coletivo É preciso que o pesquisador determinado a realizar uma pesquisa-ação perceba que estará lidando com um grupo de alguma forma estruturado e possuidor de uma dinâmica própria do qual ele, pesquisador, de iní­ cio não faz parte. Nesse grupo o pesquisador preten­ de, junto ao coletivo, empreender mudanças. Com o chegar e imediatamente começar a pesquisar? H á que haver um “aquecimento coletivo” anterior ao trabalho de pesquisa propriamente dito. Todos os manuais a respeito das fases/etapas da pesquisa-ação sugerem que o trabalho se inicie com 239

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um diagnóstico da situação para posterior planifica­ ção da ação a ser empreendida. No entanto, revela-se impossível o trabalho formal de diagnóstico e/ou planejamento de ação quando pesquisador e grupo ainda não se situam como um “nós” que estamos jun ­ tos para elaborar uma tarefa coletiva. N ão cabem aqui considerações sobre os estudos que evidenciam que mudar as atitudes coletivas ou produzir mudanças sociais em um grupo requer uma reestruturação em sua estrutura de poder e de re­ presentação e nas dinâmicas que organizam suas prá­ ticas sociais. N o entanto, emprestando um conceito empregado por Thurler (2001, p. 59), deve-se pensar que o trabalho com pesquisa-ação requer a instalação de um clima de “cooperação profissional” . Segundo essa autora, “a cooperação profissional não corresponde ao funcionamento da maior parte dos professores... o individualismo permanece no âmago da identidade profiissionaF. Por isso, a construção dessa cultura de cooperação deve ser tarefa com um a todos os que pretendem trabalhar no coletivo da escola. A construção da dinâmica do coletivo tem como meta sensibilizar o grupo de práticos para a cultura da cooperação. N ão se trata de uma tarefa fácil. Segundo Thurler (2001, p. 75), toda cooperação pro­ fissional fundamenta-se em algumas atitudes que devem ser perseguidas cotidianamente: “wm certo hábito de ajuda mútua e de apoio mútuo; um capital de confiança e de franqueza mútua; participação de cada um na tomada de decisões coletivas; um clima caloroso, de humor, de camaradagem e o hábito de expressar seu reconhecimento”. Cabe, entretanto, perguntar: como construir o clima de camaradagem? O humor partilhado? A fran­ queza mútua? Ou, como diz Schõn (1997), como 240

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superar o jogo do silêncio e o apego às atitudes defen­ sivas, o embaraço, a vergonha, a timidez? Mostra-se, portanto, pertinente a proposta de que a pesquisa-ação tenha uma fase preliminar constituí­ da pelo trabalho de inserção do pesquisador no grupo e de autoconhecimento do grupo em relação às suas expectativas, possibilidades e bloqueios. Essa fase pre­ liminar é também fundamental para o estabelecimento de um contrato de ação coletiva, em que se podem esclarecer questões referentes à ética da pesquisa, aos compromissos com a ação coletiva, às finalidades do trabalho a ser desenvolvido. M orin (1992) argum en­ ta que esse contrato deve ser aberto e constante­ mente questionado. Cabe ainda esclarecer que este processo pedagógi­ co intermediário, como os demais que se seguem, deve ocorrer durante a atividade de pesquisa-ação. Além disso, é necessário trabalhar com a perspectiva de que os processos intermediários devem ser apro­ priados pelo grupo de participantes, transcender o momento da pesquisa e funcionar como princípios e operadores de fortnação continuada. O u seja, a cons­ trução da dinâm ica do coletivo tem um a ênfase grande no início da pesquisa, mas deve continuar em processo de melhoria e aprofundam ento até depois de seu término.

4.2. Ressignificaçao das espirais cíclicas Diz Barbier (2002, p. 117) que o verdadeiro espí­ rito da pesquisa-ação consiste em sua “abordagem em espiraF. Para ele, “ todo avanço em pesquisa-ação impli­ ca o efeito recursivo em função de uma reflexão perm a­ nente sobre a ação” . 241

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Tal reflexão permanente sobre a ação é a essência do caráter pedagógico desse trabalho investigativo. Nesse processo — eminentemente coletivo — de reflexão contínua sobre a ação, abre-se espaço para a formação de sujeitos pesquisadores. Já foi dito acima que as espirais cíclicas exercem funções fundamentais na pesquisa-ação, sendo: • instrum ento de reflexão/avaliação das etapas do processo; • instrumento de autoformação e forínação coletiva dos sujeitos; • instrumento de amadurecimento e potencialização das apreensões individuais e coletivas; • instrum ento de articulação entre pesquisa/ação/ reflexão e formação. A questão das espirais cíclicas envolve-se diretamen­ te com os estudos desta última década sobre a formação do professor crítico-reflexivo. Entre eles mencione-se o de Libâneo (2002, p. 69) sobre a reflexividade herme­ nêutica, compartilhada, solidária, comunitária. Trata-se, conforme o autor, de “ retomar apreocupação com as coisas e com as pessoas, nas práticas sociais cotidianas, em um mundo compartilhado, constituindo-se uma comuni­ dade reflexiva de compartilhamento de significados”. Vale ainda refletir com Monteiro (2002, p. 118), quando expõe sua compreensão de que as ações do­ centes tendem a tornar-se habituais e são os hábitos que dão sustentação às ações, afirmando em seguida: “a (re)visão de nossas ações perm ite a transformação delas” . A seu ver, a revisão constitui “ a m operação teórica, reflexiva sobre as ações efetuadas ou a serem efetuadas; é o estabelecimento de uma nova prática... 242

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por um novo olhar sobre e la’. Revela-se importante a abordagem do novo olhar, uma vez que, quando se está mergulhado na práxis, no exercício coletivo, o olhar é o que muda primeiro e é ele que não aceita mais confrontar-se com o já superado. Esse novo olhar, advindo de um sujeito consciente das transfor­ mações existenciais e pessoais, questiona a necessida­ de de novos cenários. As espirais cíclicas têm a inten­ ção de objetivá-lo, para que dele surjam novas neces­ sidades que implicam novas práticas. Assim, o método da pesquisa-ação deve contemplar o exercício contínuo de suas diversas etapas por meio das espirais cíclicas: planejamento —» ação —» reflexão —> pesquisa —» ressignificação —» replanejamento —» ações cada vez mais ajustadas às necessidades coletivas —» reflexões —» aprofundamento da pesquisa —» ressig­ nificação —» replanejamento —» novas ações etc. etc. As espirais permitem o retorno ao vivido, a reinterpretação do compreendido, revisões do já realiza­ do, acerto de perspectivas e possibilidades, além de garantir uma avaliação formativa do processo e a objetivação das conquistas do grupo. E um processo eminentemente pedagógico, coletivo e compartilhado.

4.3. Produção de conhecimento e socialização dos saberes Conforme enfatiza Pimenta (1999, p. 21), conheci­ mento não se reduz à informação, e semelhante noção é fundamental quando se pretende a produção de conhecimento. Uma pesquisa deve produzir conheci­ mentos com base na coleta de dados que vai realizando. Conhecimento implica, conforme a autora, o trabalho com as informações, classificando-as, analisando-as e contextualizando-as. Mas ainda há mais para caminhar 243

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na direção da utilização e do sentido do conhecimento. H á que caminhar para “a arte de vincular conheci­ mento de maneira útil e pertinente, isto é, de se produzir novas form as de progresso e desenvolvimento” . Para tanto, será necessária a articulação do conhecimento com a inteligência, com a consciência, com a sabedo­ ria. “ Consciência e sabedoria envolvem reflexão, isto é, capacidade de produzir novas form as de existência, de humanização” (Pimenta, 1999, p. 22). Esse conheci­ mento articulado em ações pertinentes e emancipa­ te rias, tendo em vista a transformação das condições de existência, passa a ser considerado um saber — um conhecimento engajado, circunstanciado, trans­ formador, integrado às estruturas cognitivo-emocio­ nais do sujeito. A produção de conhecimento e a socialização de saberes, foco deste processo pedagógico intermediário, são tarefas complementares e associadas, principalmen­ te no caso da pesquisa-ação, em que se pretende o tra­ balho coletivo, compartilhado. A pesquisa requer o registro rigoroso e metódico dos dados, atividade que precisa ser constantemente realizada. H á autores, entre os quais Lavoie, Marquis e Laurin (1996) e mesmo M orin (1986), que chegam a falar da necessidade de um “diário de bordo” como instrumento necessário para consignar os dados reco­ lhidos durante todo o processo de pesquisa. Importa que seja um registro diário e cotidiano, de sorte que objetive o vivido e o compreendido. Esses registros de dados e fatos incluem, entre outras coisas:

• descrição de atividades e práticas do grupo;

• referências aos acordos estabelecidos para o funcio­ namento do grupo;

processo de pesquisa, mas das ações empreendidas

• dados relativos a compreensões, interpretações, sín­ teses das leituras de fundamentação teórica;

um trabalho de pesquisa-ação, os sujeitos participantes tenham apreendido comportamentos e atitudes a fim

• sínteses das reflexões e decisões grupais; • caracterização das mudanças institucionais e admi­ nistrativas em curso; • descrição da participação dos elementos do grupo. Tais dados são discutidos, examinados, apropria­ dos e ressignificados pelo grupo, principalmente por meio das espirais cíclicas, transformando-se gradati­ vamente em conhecimentos do processo de pesquisa. Essas compreensões, interpretações, análises e revi­ sões precisam ser processadas sob a forma de registros críticos. Todo grupo deve participar, até porque essas discussões e registros são importantes instrumentos formativos do pesquisador. Nesse processo reflexivo de coletar dados, registrá-los coletivamente, discuti-los e contextualizá-los, já se está caminhando para a construção de saberes e para seu compartilhamento num processo único, dialético, trans­ formador dos participantes e das condições existenciais.

4.4. Análise/redireçao e avaliação das práticas Este movimento já está, na realidade, contempla­ do no processo das espirais cíclicas. Será tratado à parte para realçar a importância da avaliação, não do pelos sujeitos. Com efeito, é fundamental que, após

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de incorporarem a reflexão cotidiana como atividade inerente ao exercício de suas práticas. D e acordo com Smyth (1989), citado por Amaral, Moreira e Ribeiro (1996, p. 102), a reflexão sobre a prática deve transcender os aspectos de sala de aula e conteúdo e mirar os princípios éticos e políticos da sociedade. Segundo esse autor, para conceder poder emancipatório ao professor, “é necessário questionar a validade ética de certas práticas e crenças, como meio de restituir ao professor seu papel de intelectuar. Para a análise e a avaliação das práticas, será ne­ cessário um trabalho contínuo, de sorte que os par­ ticipantes se envolvam na auto-observação e na observação de outros, refletindo sobre as transfor­ mações na realidade produzidas pelas ações práti­ cas, reconstruindo suas percepções, construindo novas teorias sobre as práticas, trocando e analisan­ do intersubjetivamente suas compreensões.

4.5. Conscientização sobre as novas dinâmicas compreensivas Conform e Ghedin (2002, p. 141), “o que fazemos não se explica pelo como fazem os; possui sentido diante dos significados que lhe são atribuídos. Estes significados não são latentes, mas emanam, de fato, dos sentidos que construímos”. Falar em processo de pesquisa-ação é falar de uma atividade que deve produzir transforma­ ções de sentido, ressignificações do que se faz ou se pensa. A transformação de sentido implica a recons­ trução do próprio sujeito, pois, quando se constrói o conhecer de dado objeto, não é somente este que se torna conhecido, mas também o sujeito, uma vez que “o conhecimento de algo é também, simultaneamente, um autoconhecimento”. 246

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Será importante, portanto, que, durante um a pesquisa-ação, haja tempo e espaço para que cada sujeito se vá apropriando das m udanças operadas em suas significações de mundo, as quais envolvem, essencialmente, m udanças em sua própria configu­ ração de sujeito. Os professores, ao adentrar em um processo con­ tínuo de revisões da própria prática, acabam incorpo­ rando atitudes a fim de tornarem-se investigadores no contexto da prática (Franco, 2000a). N a condição de investigadores, aprenderão e desenvolverão habili­ dades tais como: • elaborar novas hipóteses para realizar novas práticas; • conviver criativamente na divergência; • encontrar novas respostas para desafios que se passa a perceber; • reconhecer e utilizar as teorias implícitas da própria prática, renová-las e adequá-las; • reinterpretar as hipóteses iniciais; • buscar articulações entre fins e meios educacionais; • perceber-se capaz de retirar do coletivo as fontes de aperfeiçoamento pessoal; • aprender a compreender a relação dialética entre sujeito e objeto, entre teoria e prática; • perseguir atitudes contextualizadoras e problematizadoras e estabelecer articulações entre o fato e a totalidade; • reafirmar que a transformação é o princípio do desenvolvimento, adquirindo a capacidade de criar

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novas visões, de entender os problemas de outras formas, para além de seu repertório atual; • descobrir o significado concreto nas situações con­ flituosas e complexas, permitindo ver que a prática é um processo investigativo de experimentar em meio às situações a fim de buscar novas e mais ade­ quadas compreensões. Reafirma-se, pois, que a pesquisa-ação pode e deve funcionar como uma metodologia de pesquisa, peda­ gogicamente estruturada, possibilitando a produção de conhecimentos novos para a área da educação e formando sujeitos pesquisadores, críticos e reflexivos.

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Considerações finais Este livro fo i composto com base em diálogos, reflexões, pontos e contrapontos que ganharam corpo pela parceria de um filósofo com uma pedagoga. No entanto, o que estava em realce era um olhar pedagógico sobre a epistemologia do conhecimento e um olharfibsófico sobre a práxis investigativa. Seu ponto de partida é a certeza de que o conhe­ cimento científico se constrói por meio de sínteses provisórias, que se organizam no complexo movi­ mento de articulação dialética entre o sujeito, o objeto e os conceitos, mediados pela m etodologia do processo investigativo. Diferentes questões apresentam-se quando se assu­ me que qualquer objeto de estudo é, filosoficamente falando, prenhe de sentidos e que estes, sendo múlti­ plos e multiformes, podem ser organizados de diferen­ tes maneiras por meio do discurso que os interpreta e os expressa numa dimensão pedagogicamente possível. Se o método possui uma dimensão fundamental­ mente filosófica, de caráter epistemológico, possui tam­ bém uma dimensão operativa, articulada por processos pedagógicos de práticas e ações que permitem ao pes­ quisador organizar a possibilidade de acesso ao objeto da pesquisa, garantindo sua inteligibilidade em determina­ do contexto de significados. Ouvem-se constantemente de alunos, mestrandos e doutorandos argumentações que sustentam ser o méto­ do o caminho a seguir. Essa noção vem repleta de sig­ nificados voltados ao engessamento e à reificação da situação de projeto inicial. Revela-se necessário consi­ derar que os caminhos nem sempre são lineares, previ­ síveis, completos. H á aqueles que são trilhas, que são

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curvos, que são interrompidos; há ainda os que são becos de difícil saída. N o entanto, mais que tudo isso, há um sujeito nesse caminho. Um sujeito histórico que se transforma com as pedras e os encantos do caminho e, assim, renova o caminho inicial com as pedras e encantos que encontrou. O caminho, enfim, só estará completo ao fim da caminhada. Esse processo, esse necessário percurso metodológico é que constitui o objeto de discussão deste livro. O método não pode existir pronto antes do fim da pesquisa. O que existe, de início, é uma intencionalidade metodológica, que ofere­ ce os primeiros passos e o instrumental inicial. Não obs­ tante, essa intencionalidade é que deverá acompanhar o pesquisador em seu processo de investigação; ela será a caixa de diálogo que acompanhará todo o processo investigativo, a qual, por sua vez, será a potencializadora da dúvida metódica e o espaço necessário para a cons­ trução de um conhecimento científico. Se o método fica pronto antes de a pesquisa iniciar, ele deixa de cumprir seu papel de interlocutor do pro­ cesso investigativo. O processo do método é que vai per­ mitir ao pesquisador encontrar espaços de reflexão que possibilitem a reatualização do sentido do objeto investigado. Reatualizando os sentidos, o pesquisador vai, aos poucos, tornando visível aquilo que, à pri­ meira vista, era invisível; vai trazendo à luz dos senti­ dos o apenas pressentido, familiarizando-se com o inesperado e estranhando o que parecia tão familiar. O diálogo com o método propicia-lhe a atenção necessária para realizar as interpretações em contexto, perceber as mediações entre o particular e a totalidade e distinguir a dinâmica das contradições inerentes ao movimento histórico, permitindo-lhe apreender e res­ peitar as sínteses provisórias de saber que se vão cons­ tituindo. Esse processo do m étodo vai facultar ao pesquisador trabalhar para além do observável, dialogar com os referenciais teóricos que podem mostrar-se ade­ 252

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quados à busca da complexidade do concreto e ainda, com recurso à teoria, retornar ao empírico com um olhar mais profundo para melhor compreendê-lo. O conhecimento, como saber sistematizado, há que ser um conhecer que reflete sobre si mesmo. Os “círculos reflexivos” que têm lugar no processo do método e nos quais se processam os saberes são gera­ dores de um pensamento complexo. O conhecimen­ to assim elaborado de forma não linear, mas circular, é determinante para novo modo de fazer científico. Já se disse, desde a Introdução, que o método, em sua perspectiva filosófico-epistemológica, propõe os fundamentos para o exercício de uma investigação. No entanto, esse exercício é realizado reflexivamente por um sujeito e suas circunstâncias na práxis investigativa, pressupondo, portanto, uma pedagogia da ação investi­ gativa. O movimento do pesquisador em direção à construção do conhecimento constitui um movimento de construção de si mesmo e de suas circunstâncias na perspectiva da práxis. A práxis investigativa permite a elaboração de sentidos, a recriação de possibilidades, o estar em processo de construção. Como observa Imbert (2003, p. 19), referindo-se a certos posicionamentos de Hegel, o saber que até então “não se mexia do lugar com todos os seus discursos” abre-se, enfim, à possibilidade de saberes novos. A categoria da possibilidade constitui a prova dos noves de uma práxis. Nessa direção, ressaltou-se na presente obra que um método só existe à medida da existência de um sujeito interrogante, que reflete, pensa e organiza seu pensa­ mento sobre seu objeto de estudo. A ação recíproca entre o sujeito e seu objeto e as mútuas transformações decorrentes dessa dialética implicam a vivência de uma práxis, contextualizada por determinadas abordagens teóricas. Por meio do exercício dessa práxis investigati­ va é que se tornará possível a concessão de nova lógica ao processo de investigação educacional. Considerar as questões de método na perspectiva de uma práxis 253

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Recorre-se aqui a comentários de Imbert (2003), p. 16, sobre escritos de Castoriadis.

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investigativa é admitir, conforme Castoriadis (1999, p. 123), que “a prãxis parte do reconhecimento explícito da abertura de seu objeto, que não existe senão enquanto a reconhecê\ Mostra-se fundamental à construção do conhecimento científico a consideração das múltiplas possibilidades de sentido de um objeto, as quais indu­ zem sua apreensão parcial, circunstancial, passível de revisão. De acordo com Imbert (2003), as práticas diver­ gem das praxis, uma vez que aquelas provêm da técnica e do cálculo e buscam relações ótimas entre meios e fins. A práxis significa uma tensão, um projeto que abre o campo de um processo indeterminado, úáo dedutível. Por tudo isso, sustentou-se, nestas páginas, que cabe refletir sobre as questões de método aqui apresentadas à luz da concepção de que as ações investigativas em edu­ cação devem ser realizadas como práxis, ou seja, como’ uma prática social intencionada, planejada e organiza­ da em torno de um projeto político emancipatório, afirmando, como previa o projeto do Iluminismo, o sujeito e o conhecimento como portadores das possibi­ lidades de emancipação coletiva. Com o todo trabalho de criação e pesquisa, este também finda apontando novos caminhos. Foram rea­ lizados alguns recortes e construídos alguns possíveis sentidos. N o entanto, fica a sensação de que se trouxe à tona apenas um olhar entre tantos, diante da necessária consideração de que há muitas questões de método a ser enfrentadas e rediscutidas na busca de novas possibilida­ des de construção de conhecimento em educação. Para caminhar no enfrentamento dessas questões e na direção de novas possibilidades operativas, convém que os métodos de investigação educacional sejam ressignificados à luz da compreensão de que a ciência da educação precisa constantemente ser alimentada pela perspectiva do novo, do pressentido, da transgressão, de sorte que não fique aprisionada a modelos que enges­ sam e limitam seu necessário poder de profetizar mudanças e organizar ações transformadoras.

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Maria Amélia do Rosário Santoro Franco é natural de Campinas - SP, cidade onde se graduou em Pedagogia, na PUC-CAMP, em 1968. E mestre em Psicologia da Educação pela PUC-SP e doutora em Educação pela Universidade de São Paulo. Atualmente coordena o Mestrado em Educação da Uni­ versidade Católica de Santos; é pesquisadora 2 do CNPq e pes­ quisadora do Gepefe - USP (Grupo de estudos e pesquisas sobre formação do educador). Faz parte do GT de Didática da Anped e é membro do Conselho Científico dessa entidade. Coordena a série Saberes Pedagógicos da Cortez Editora. Possui várias publicações sobre a questão da epistemologia da Pedagogia e sobre a epistemologia da pesquisa em educação, com foco nos estudos sobre a pedagogia da pesquisa-ação. Foi diretora de escola pública; diretora da Faculdade de Educação da Universidade Mackenzie; coordenou diversos cursos de Pedagogia e atua como docente de ensino supe­ rior há mais de trinta anos em instituições particulares de ensino em São Paulo. É parecerista de diversas instituições e publicações científicas da área educacional. Evandro Ghedin é licenciado e pós-graduado em Filosofia pela Universidade Católica de Brasília (UCB), especialista em Antropologia na Amazônia e mestre em Educação pela Uni­ versidade Federal do Amazonas (Ufam). Doutorou-se em Filosofia da Educação, sob orientação do Prof. Dr. Antônio Joaquim Severino, na Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP). É professor na Universidade do Estado do Amazonas (UEA), onde coordena o Programa de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação e Ensino de Ciências na Amazônia. É professor no curso de Licenciatura em Filosofia na Faculdade Salesiana Dom Bosco (FSDB). Tem pesquisado nos últimos dez anos sobre o ensino de Filosofia. Destas pesquisas produziu: A Filosofia no ensino - a formação do pensamento reflexivo-crítico (Dissertação de Mestrado) e Ofilosofar como práxis - pres­ supostos epistemológicos e implicações metodológicas para seu ensino na Escola Média (Tese de Doutorado). Possui experiência em coordenação pedagógica na formação de professores. Lidera o Grupo Integrado de Estudos e Pesquisas em Formação de Professores para o Ensino de Ciências (CNPq); lidera o Grupo de Neurodidática e for­ mação de professores para o Ensino de Ciências (CNPq/UEA/Fapeam) e é membro do Gmpo de Pesquisa em Formação do Educador (Gepefe-Feusp-CNPq). É autor de Professor Reflexivo no Brasil, gênese e crítica de um conceito (em parceria com Selma Garrido Pimenta e outros) pela Cortez Editora; A Filosofia e o Filosofar pela Editora Uniletras; Pesquisa em Educação: Alternativas investigativas com objetos complexos (em parceria com Selma Garrido Pimenta e Maria Amélia Santoro Franco e outros) pela Editora Loyola; possui 14 obras organizadas, vários capítulos de livros e artigos publicados. 264

Série: Ensino Supciioi • Docência no I iisino Supiiim Selma Garrida Pimenta Léa das Gradas ('am argos. 1mtstasiou

Série: Problemáticas Transversais e Formação de Professores • Educação ambiental: a formação do sujeito ecológico Isabel C ristina de M oura C arvalho • Indisciplina e disciplina escolar: fundam entos para o trabalho docente

Celso dos Santos \d»concel/o.s

Série: Saberes Pedagógicos • Educação kscolar: políticas, estrutura e organi/ação José Carlos I.ibâneo João Ferreira d e O liveira M irzit Seabra Toschi

• Estágio e Docência Selma G arrido P im enta M a ria Socorro Lticcna Lim a

• Questões de método na construção da pesquisa em educação E vandro G hedin M a ria A m élia Santoro Franco

Série: Educação Profissional • Educação Profissional no Brasil Silvia M a ria M anfredi