Psicoterapia Breve de Orientação Psicanalítica
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Psicoterapia Breve de Orientação Psicanalítica Eduardo

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Eduardo Alberto Braier PSICOTERAPIA BREVE DE ORIENTAÇÃO PSICANALÍTICA

Tradução: IPEPLAN

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’r £.«fa ofo-fl /oi publicada originalmente em espanhol com o título PSICOTERAPIA BREVE DE OR1ENTACIÓN PSICOANALÍTICA por Ediciones Nueva Vision, Buenos Aires, em 1984. Copyright © Ediciones Nueva Vision SAiC, Buenos Aires, 1984. Copyright © Livraria M artins Fontes Editora Lida., São Paulo. 1986, para a presente edição. I a edição novembro de 1986

3®edição março de 1997

2a tiragem março de 2000

Coordenação da tradução Maria Risolera de Oliveira Marcondes

Revisão da tradução Maria Esteia H ei der Cavalheiro

Revisão gráfica Eloisa da Silva Aragão Ivete Batista dos Santos

Produção gráfica Geraldo Alves

Paginação/Fotolitos Studio 3 Desenvolvimento Editorial

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Braier. Eduardo Alberto Psicoterapia breve de orientação psicanalítica / Eduardo Alberto Braier : tradução IPEPLAN. - 3a ed. - São Paulo : Martins Fontes, 1997. - (Psicologia e Pedagogia) Título original: Psicoterapia breve de orientación psicoanalítica. Bibliografia. ISBN 85-336-0598-6 1. Psicanálise 2. Psicoterapia breve 1. Título. II. Série. CDD-616.8914 97-1058________________ ____________________ NLM-W M 420

Índices para catálogo sistemático: I. Psicoterapia breve : Psicanálise : Medicina 616.8914

Todos os direitos para a língua portuguesa reservados à

Livraria Martins Fontes Editora Ltda. Rua Conselheiro Ramalho, 330/340 01325-000 São Paulo SP Brasil Tei. (11) 239-3677 Fax (11) 3105-6867 e-mail: [email protected] http.il Mww. martinsfontes.com

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índice

Prefácio à edição brasileira por Maurício Knobel Prefácio 1 1. Introdução 3 Referências bibliográficas

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2. Resenha histórico-bibliográfica 9 A psicoterapia breve na Argentina 12 Referências bibliográficas 13 3. Fundamentos teóricos 15 Introdução 15 Pelos caminhos da psicanálise 16 A psicoterapia individual breve de orientação psicanalítica Osfins terapêuticos 18 A temporalidade 21 A técnica 21 Resultados e mecanismos terapêuticos 49 Referências bibliográficas 56

TÉCNICA 4. Entrevistas preliminares 63 Introdução 63 O estabelecimento da relação terapêutica 63 A história clínica 65 Avaliação diagnostica eprognostica 65 Avaliação diagnostica 65 Papel do psicodiagnóstico 69 Avaliação prognostica 70 A devolução diagnóstico-prognóstica 71 Contrato sobre as metas terapêuticas e a duração do tratamento 73 Explicitação do método de trabalho. Fixação das demais normas contratuais 76 Referências bibliográficas 77 5. Planejamento do tratamento 79 Referências bibliográficas 81 6. O tratamento 83 Introdução 83 A relação paciente-terapeuta no tratamento breve 84 Uma regra básica de funcionamento em psicoterapia breve de orientação psicanalítica 89 0 emprego constante do método da associação livre ( “regrafundamental" da psicanálise) nos tratamentos breves 90 Adoção de uma regra básica de funcionamento para psicoterapias breves 93 Uso operativo do método da associação livre nos tratamentos breves 93 Conformação definitiva de uma regra de funcionamento para psicoterapias breves 95 Digressões sobre afocalização e a atenção do terapeuta 95 Elementos psicoterapêuticos verbais 99 Generalidades 99

As interpretações na psicoterapia breve de orientação psicanalítica 100 Outras intervenções verbais 117 Sobre as sessões 118 Outros recursos terapêuticos 119 O emprego de psicofármacos 120 A participação de familiares e/ou pessoas próximas do paciente no tratamento 121 Referências bibliográficas 125 7. Uma sessão de psicoterapia breve A sessão 136 Comentários sobre a sessão 141 Referências bibliográficas 148

129

8. Dificuldades do terapeuta para a formação, prática e investigação em psicoterapias breves 149 Introdução 149 A dificuldade de adaptação ao enquadramento da psicoterapia breve 151 "Psicoterapia breve 'versus'psicanálise” 151 Na intimidade da relação terapeuta paciente 152 Dificuldades ante o término do tratamento psicoterapêutico breve 159 Dificuldades na avaliação dos resultados obtidos em psicoterapia breve 159 Desprestígio da psicoterapia breve enquanto indicação terapêutica 160 Outras dificuldades do terapeuta ante as terapias breves Conclusões 162 Referências bibliográficas 163 9. A respeito do término do tratamento em psicoterapia breve 165 Introdução 165 Reações causadas no paciente pela separação 166 Reações causadas no terapeuta pela separação 170 Aspectos técnicos 171

161

Conclusões 174 Referências bibliográficas

175

10. Alguns problemas técnicos característicos e riscos em psicoterapia breve 177 Referências bibliográficas 182 11. A avaliação dos resultados terapêuticos em psicoterapia breve 185 Introdução 185 Um método de avaliação 186 A avaliação imediata 187 Alternativas do paciente ao terminar o tratamento 194 A avaliação mediata 196 Problemas na avaliação dos resultados terapêuticos 200 Referências bibliográficas 204 12. Indicações da psicoterapia breve Referências bibliográficas 211

207

13. Dos tratamentos breves 213 Exemplificação do método psicoterapêutico de objetivos limitados 213 Dados biográficos de interesse (resumo) 214 Avaliação diagnostica 215 A hipótesepsicodinâmica inicial 216 A s metas terapêuticas 219 Prognóstico 220 Planificação do tratamento 220 Evolução durante o tratamento 223 Avaliação dos resultados terapêuticos 225 Considerações finais 228 O caso da jovem que vomitava às segundas-feiras. Aprofundamento no foco 229 Motivos da consulta 230 Dados biográficos de interesse 231 Avaliação diagnostica 232

Hipótese psicodinâmica inicial. Conflitivafocal Metas terapêuticas 233 Prognóstico 233 Planificação do tratamento 234 Evolução durante o tratamento 235 Avaliação dos resultados terapêuticos 241 Considerações finais 245 Referências bibliográficas 249

232

14. Formação de terapeutas em psicoterapia breve 251 Introdução 251 Aprendizagem teórica 252 Treinamento psicoterapêutico 253 Supervisão clínica 254 Algumas condições necessárias para um terapeuta em psicoterapias breves 254 Referências bibliográficas 263 Notas

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Para Susana, Natacha e Florencia. Para meus pais.

“Defrontamo-nos então com o trabalho de adaptar nossa técnica às novas condições.” Sigmund Freud, Os caminhos da terapia psicanalítica (1919).

Prefácio à edição brasileira

Apresentar ao leitor a edição brasileira do livro de Braier é uma honra e um prazer. É também sentir que estamos contribuin­ do para o esforço atual para tornar a psicoterapia acessível a uma ampla camada da população que necessita desta modalidade de atendimento. Eduardo A. Braier é um psicanalista argentino, que recebeu a formação rigorosa do Instituto de Psicanálise da Associação Psi­ canalítica Argentina. São poucos, infelizmente, os que conseguem associar o rigor da prática psicanalítica a uma consciência social e comunitária. E isso não apenas no devaneio intelectual, mas na confrontação do dia-a-dia com o paciente que procura ajuda nos hospitais e centros de saúde. Braier procurou oferecer uma contribuição concreta para aqueles que buscam ajuda para os problemas emocionais, sem te­ rem acesso a uma técnica complexa, demorada e elitista. Conhece e reconhece a Psicoterapia Breve e resolve elaborar, através do próprio exercício clínico, uma teoria da técnica para a sua prática. Como participante das investigações sobre psicoterapias bre­ ves do Colégio Acta, de 1967, posso constatar o amadurecimento das idéias, a precisão dos conceitos, a elaboração cuidadosa das técnicas ao longo desses anos bem como a organização e clareza com que são agora apresentados.

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Os fundamentos teóricos de Braier têm origem na psicanáli­ se. Como bom discípulo de Freud, aceita o desafio do mestre e procura “adaptar nossa técnica às nossas condições”. De aluno fiel converte-se em mestre generoso e nos oferece esta contribui­ ção, esta modalidade de terapia que resulta de uma cuidadosa ava­ liação da técnica psicanalítica. Estuda minuciosa e cuidadosamente os princípios clássicos e a prática da psicanálise e compara-os com a sua própria experiên­ cia neste campo relativamente novo da psicoterapia. Braier é o psicanalista cauteloso unido ao terapeuta audacioso, com os pés no chão e voltado para o futuro. A linguagem é, por momentos, rigidamente psicanalítica, mas reflete sempre uma compreensão dinâmica do processo terapêutico, veículo de uma proposta con­ creta e acessível. Aceita a possível utilização de recursos terapêuticos múlti­ plos e afirma que ninguém é dono da verdade, privilegiando di­ versas e diferentes hipóteses, principalmente dentro da área psica­ nalítica. A sua técnica criteriosamente elaborada é apresentada com metodologia, depois de uma revisão minuciosa dos conceitos de Malan e da terapia focal. Inicia com o estudo das entrevistas preli­ minares e, a meu ver, merece especial destaque a afirmação de que é necessária uma ampla e minuciosa avaliação diagnostica, sem a qual será difícil iniciar um processo psicoterapéutico. O capítulo cinco, sobre “Planejamento do tratamento”, é extremamente rico pelos conceitos que traz. No estudo sobre “O Tratamento”, o autor parece não ter esquecido nenhum daqueles detalhes que respondem às muitas perguntas que constantemente nos fazem os alunos e os estudiosos da técnica. O livro traz muitas respostas e sua contribuição didática é inquestionável. A apresentação detalhada de um caso clínico é uma ilustra­ ção de grande valor didático e um estímulo para o aprendizado e a compreensão da proposta do autor. Não disfarça as dificuldades que existem para a formação de quem pretende se iniciar na práti­ ca desta modalidade psicoterapêutica e reconhece seus problemas técnicos e riscos. Os difíceis temas da avaliação e das indicações são aborda­ dos em capítulos separados e de grande valor para a pesquisa.

Prefácio à edição brasileira

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Os exemplos clínicos ajudam o leitor a entender e a familiari­ zar-se com esta técnica tão concisa, aqui apresentada de modo abrangente. O modelo de “ficha clínica para psicoterapias breves” que encerra o livro é um guia útil para quem procura sistematizar estes estudos. O país e os leitores de língua portuguesa vão se beneficiar com esta obra, que, além de seu valor didático, teórico, prático e de pesquisa, é um importante auxiliar clínico. Considero necessário parabenizar a empresa editora pela seleção desta obra. Não se trata de um “transplante artificial”, só válido na sua microcultura de origem, e sim de uma ampla e imparcial obra teórico-técnica, perfeitamente aplicável em nossa cultura, em nossa sociedade. Braier consegue aqui abrir nossos olhos a uma realidade, ofe­ recer a teoria de uma técnica compreensível dentro do campo psicanalítico e mostrar que a psicoterapia não é necessariamente o privilégio de uma classe social, mas deve ser uma possibilidade aberta para muitos; mostra também que este mundo conflitante necessita cada vez mais de especialistas com conhecimentos sérios e profunda sensibilidade social. A polêmica sobre “investigação” da personalidade ou seu “tratamento” é estéril, academicista e, do ponto de vista psicanalítico, uma atitude resistencial. Não existe pesquisa em psicanálise sem assistência a quem procura este contato único e absolutamen­ te singular. Este trabalho é uma mostra do quanto se pode fazer quando existe compreensão humana do ser humano e não uma escondida fobia ao contato interpessoal criativo e enriquecedor da alma. Campinas, junho de 1986. PROF. DR. MAURÍCIO KNOBEL Professor Titular de Psiquiatria Clínica da FCM da UNICAMP Professor Titular de Processos Psicoterápicos do Dept° de Pós-Graduação em Psicologia Clínica da PUC Campinas.

Prefácio

Meu interesse pela psicoterapia breve nasceu em meus anos de residente em Psiquiatria (1968-71), primeiro no Serviço de Psicopatologia do Hospital Pinero e, depois, no serviço de mesmo nome no Hospital Ramos Mejía. No trabalho hospitalar, defrontei-me com o problema ocasionado pela necessidade de propor­ cionar assistência psiquiátrica a grandes massas da população. Isso motivou minha apresentação a concurso para obter uma bolsa municipal que era oferecida pela Secretaria de Saúde Pública de Buenos Aires, que me proporcionou uma experiência clínica de um ano na investigação de terapias breves, no segundo dos servi­ ços citados (1971-72). Desde então, e concomitantemente à mi­ nha dedicação a terapias prolongadas, não abandonaria mais o .estudo e a investigação das técnicas de objetivos e tempos limita­ dos, sempre partindo do corpo teórico-psicanalítico. Minha práti­ ca em tais técnicas, além da exercida em consultório particular, inclui uma passagem de aproximadamente 2 anos pelo CEMEP (Centro de Psicologia Médica), como terapeuta da instituição (1972-73). A isto se somou o poderoso estímulo que significou o intercâmbio científico com colegas, o trabalho docente que venho exercendo sobre o assunto em hospitais, instituições e em nível privado e, mais recentemente, o enorme enriquecimento que me proporcionou a formação na Associação Psicanalítica Argentina. Todos esses fatos me animaram, finalmente, a empreender a ár­ dua tarefa de escrever este livro. Minha intenção é de nele expor

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com clareza principalmente as experiências e idéias pessoais que venho acumulando até o momento, complementadas por uma revisão crítica, que de nenhum modo pretende ser completa, da bibliografia existente sobre o tema. Como sempre ocorre, certos pontos despertaram em mim um interesse maior que outros, motivando alguns desenvolvimentos. Entre eles se encontram: os fundamentos teóricos, a regra de fun­ cionamento do paciente, os tipos de atenção do terapeuta, as difi­ culdades do terapeuta para a formação, a prática e a investigação em psicoterapias breves, o termino do tratamento, alguns incon­ venientes técnicos e riscos a eles relacionados e os problemas concernentes à avaliação dos resultados terapêuticos. Quero expressar meus mais sinceros agradecimentos a todos aqueles que de uma maneira ou de outra me ajudaram nesse em­ preendimento, especialmente: Ao Dr. Luiz Allegro, que realizou um leitura crítica dos ori­ ginais e, além disso, me incentivou constantemente, assim como ao Dr. Marcos Guites, que leu o capítulo 13. Ao Dr. Héctor J. Fiorini, pelo generoso estímulo e pelas su­ gestões que pessoalmente me ofereceu durante anos de frutíferas discussões sobre as psicoterapias. Boa parte de meu entusiasmo pelo tema deve-se à leitura de seus excelentes trabalhos. Ao Sr. Ifim Kantor, a quem coube a enorme tarefa, realizada com carinho e esmero, de transcrever meus ilegíveis manuscritos. A Dra. Blanca R. Montevecchio, que supervisionou os trata­ mentos breves que efetuei durante minha investigação no Serviço de Psicopatologia do Hospital Municipal J. M. Ramos Mejía. Ao Dr. Moisés Kijak e a Elisabeth G. De Garma, que foram meus analistas. Aos colegas membros dos diferentes grupos de estudo por mim coordenados, principalmente os seguintes: doutores Víctor Feder, Alejandro Puente, Alba Brengio, Delia Saffoires, Mónica Noseda, Isaías Finkelstein, Ricardo Frigerio; licenciados Jorge A. Brener, Aída Núnez, Claudia H. De Zanoto, Silvia S. De Fin­ kelstein e Suzana Boz. A meus pacientes. Buenos Aires, agosto de 1980. EDUARDO A. BRAIER

1. Introdução

As chamadas psicoterapias breves surgiram essencialmente como uma resposta ao problema assistencial colocado pela massa cada vez maior de população consultante. Em nosso meio, os inci­ pientes serviços de psicopatologia hospitalar, os centros de saúde mental, as instituições privadas e os hospitais psiquiátricos tive­ ram, em determinado momento, e de forma similar a outros paí­ ses, de implementar técnicas breves. Da mesma maneira, a seu tempo, tinham incorporado, com idêntica finalidade, o uso de modernos psicofármacos e da psicoterapia grupai, já que os tera­ peutas, em quantidade insuficiente, não conseguiam cobrir a demanda de pacientes. As terapias de curto prazo, individuais e grupais, permitiram ampliar a assistência psiquiátrica, propósito este que, por outro lado, não era compatível com o emprego de tratamentos longos. As limitações econômicas de muitos que acorrem em busca de ajuda terapêutica foram e são, sem dúvida, um fator que vem exercendo uma influência decisiva no desenvol­ vimento e na difusão das terapias breves, naturalmente mais aces­ síveis às pessoas de poucos recursos. Os objetivos terapêuticos deveríam, então, centrar-se na superação de sintomas e incidentes agudos ou situações perturbadoras atuais, que se apresentam como prioritárias por sua urgência e/ou importância. Esses procedimentos terapêuticos vão alcançando, de um modo gradual, novos traços distintivos, o que nos conduz, de ime­ diato, ao problema de sua denominação. Os diversos nomes que

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recebem revelam as tentativas de tomar precisas algumas daquelas que se consideram suas principais características (embora indu­ zam, em definitivo, a aumentar a confusão reinante), as quais, é conveniente citar para poder, desde já, deixar claro a que situações e métodos psicoterápicos vou referir-me ao longo desta obra. Em primeiro lugar cabe examinar a denominação psicotera­ pia breve, que por ser, sem dúvida, a mais difundida e imposta pelo uso, empregamos aqui com muita freqüência1. Apesar disso, há que se admitir que não é a mais adequada: em princípio porque essas terapias são breves do ponto de vista do terapeuta, e quando sua duração é comparada com a do tratamento psicanalítico, em geral mais prolongado (1), mas podem não parecer breves por exemplo para o paciente. Acima de tudo, tal denominação é dis­ cutível, já que uma psicoterapia pode ser de duração certamente prolongada - um ano ou mais - mas ter as metas limitadas e as características técnicas próprias e essenciais desses procedimen­ tos (focalização, planejamento, etc.), que as distinguem da psica­ nálise corrente e de outras psicoterapias. As terapias a que fazemos referência também são conhecidas como psicoterapias de tempo limitado, denominação essa que novamente alude à sua temporalidade, mas que denota não só bre­ vidade, como também a fixação de um limite de tempo para o tra­ tamento, em virtude do qual este passa a ter, geralmente c de ante­ mão, uma data de finalização preestabelecida. Tampouco este é um fato necessariamente constante nesses tratamentos. Outra denominação a que se costuma recorrer, a de psicote­ rapias de objetivos limitados, é, a meu ver, muito apropriada, já que se refere a um elemento importante e que, diferentemente de outros elementos, sempre se faz presente em tais terapias, que por conseguinte poderão ser concomitantemente de tempo limitado ou não. Pode-se também empregar a denominação psicoterapia bre­ ve de orientação psicanalítica, que dá título a este livro, e que cscolhi porque me interessa explicitar que se trata de uma terapia originada nas teorias de psicanálise e, assim, estabelecer uma di­ ferença com respeito aos tratamentos breves alicerçados em ou­ tras orientações terapêuticas (terapias comportamentais, análise transacional, etc.).

Introdução

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Alguns autores preferem designá-las com nomes que servem para destacar algumas de suas peculiaridades técnicas e que suge­ rem diferenças com relação às da psicanálise clássica: terapias planejadas (3) ou focais (4), por exemplo. Entre nós Szpilka e Knobel propuseram denominá-las psico­ terapias não-regressivas, para acentuar outro aspecto importante delas (5). A chamada psicoterapia de emergência concerne, no meu entender, à forma de psicoterapia rápida ou breve que partilha apenas algumas das características e dos métodos de que nos ocu­ pamos. Refere-se, particularmente, a uma terapia de urgência em “situações especiais de crise e exigência” (2), tais como episódios de natureza psicótica (tentativas de suicídio, delírios agudos, etc.). Em tais situações, com ffeqüência prevalece a necessidade de estancar a crise, obtendo-se um alívio sintomático, de modo que na maioria dos casos deve-se postergar a busca.de insight no paciente até um segundo momento terapêutico, já que de imediato suas condições egóicas não costumam permiti-lo. Nesta obra referir-me-ei, sobretudo, a uma psicoterapia de objetivos limitados, basicamente interpretativa ou de insight, que deve ser empregada em indivíduos com capacidade egóica sufi­ ciente para serem tratados por meio dela, É necessário afastar a absurda antinomia que alguns preten­ dem criar entre a psicanálise e a P.B.. Ambos os métodos constam de objetivos terapêuticos, indicações clínicas e técnicas diferen­ tes. É perigoso incorrer no erro de pensar que a psicanálise é o único tratamento válido realizável, como também no de supervalorizar os alcances da P.B., atribuindo-lhes resultados espetacula­ res. (De minha parte, longe de querer apresentar o tratamento breve como uma panacéia, tratarei aqui não só de suas possibili­ dades, mas também, e com certo detalhe, de suas limitações e ris­ cos.) É melhor dizer que é possível instrumentar uma terapêutica breve baseada no esquema conceituai da psicanálise, o que signi­ ficará uma proveitosa aplicação de suas teorias em situações nas quais não é possível utilizar a técnica psicanalítica corrente, como por exemplo, no ambiente hospitalar. Além disso, considero que não devemos deixar de atender aos numerosos pacientes que, tanto no meio hospitalar como no consultório particular, não

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podem, por motivos diversos (econômicos, mas também de resis­ tência, ou por sua idade avançada, etc.) ser abordados através de um tratamento psicanalítico, exigindo que adaptemos nossos recursos técnicos às possibilidades e necessidades do paciente, sem esperar que sejam eles quem devam amoldar-se a um único método terapêutico. Caso isso ocorresse, correriamos o risco de tomar por intratáveis indivíduos que simplesmente - e frequente­ mente só em caráter transitório - não estão em condições de ser analisados. Cabe acrescentar que em muitas ocasiões uma terapia de objetivos e tempo limitados pode ser o passo inicial em direção a um posterior tratamento analítico, convertcndo-se, num primei­ ro momento, na mais conveniente, ou ainda, na única abordagem terapêutica viável, que poderá trazer, como resultado, uma mudança nas condições do paciente que o torne apto para efetuar, em seguida, uma psicoterapia prolongada. A superação das diversas dificuldades dos profissionais para encarar aformação, a prática e a investigação em P.B. surge clara­ mente como premissa. De um tempo para cá, já são muitos os que falam na importância do emprego deste método terapêutico, mas são poucos os que preconizam e aplicam procedimentos técnicos apropriados ao contexto em que tal método cabe. Também chama a atenção a escassa participação dos analistas de maior experiência na investigação dessas terapias. Pessoalmente, interessei-me em obter uma compreensão profunda de algumas das motivações inconscientes do terapeuta que subjazem a suas dificuldades para ajustar-se ao enquadramento requerido pela P.B. Constitui uma necessidade premente contar com uma teo­ ria da técnica da P.B. estruturada com mais solidez, que possibi­ lite um ensino adequado de seus princípios básicos (sem que tal afirmação desmereça o reconhecimento da existência de contri­ buições de decisiva importância sobre o tema, que enriqueceram profundamente nossa visão dele). Oriento meu trabalho em direção a essa meta, tentando conceituar uma modalidade terapêutica que reconhece suas fontes no corpo teórico da psicanálise, mas que, segundo creio, se diferencia nitidamente de sua técnica. Acima de tudo, procurei sistematizar os sucessivos passos do processo terapêutico e ensaiei um critério de avaliação dos re­ sultados.

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Introdução

Também serão bem-vindas a realização e a transmissão de novas experiências clínicas organizadas em P.B., que possibilitem validar ou questionar as concepções teóricas sustentadas atual­ mente. Por último, desejo esclarecer que nesta obra irei ocupar-me especialmente do que tange à psicoterapia individual breve em pacientes adultos e adolescentes, ainda que muitos dos conceitos apresentados sejam extensivos ao tratamento de crianças e aos procedimentos grupais (psicoterapia breve de casal, grupo fami­ liar, etc.).

Referências bibliográficas 1. Alexander F., “Eficacia dei contacto breve”, em Alexander, F e French, T., Terapêutica psicoanalítica, Paidós, Buenos Aires, 1965, cap. IX. 2. Bellar, L. e Swall, L., Psicoterapia breve y de emergencia, PaxMéxico, México, 1969. 3. French, T., “Planificación de la psicoterapia”, em Alexander, F. e French, T., ob. cit., em 1, cap. VII. 4. Malan, D. H., A Study of Brief Psychotherapy, Tavistock, Londres; Charles Thomas, Springfield, Illinois, 1963. (Versão castelhana: La psicoterapia breve, Centro Editor de América Latina, Buenos Aires, 1974.) 5. Szpilka, J. e Knobel, M., “Acerca de la psicoterapia breve”, Coloquio Acta 1967: Psicoterapia breve, Acta psiq. psicol. Amér, Lat., vol. XIV, n°2, Buenos Aires, junho de 1968.

2. Resenha histórico-bibliográfica

Passaremos em revista os principais acontecimentos e obras que marcaram a evolução da terapêutica breve de orientação psi­ canalítica. Devo começar tal revisão assinalando que os primeiros tra­ tamentos efetuados pelo próprio Freud na etapa pré-analítica e no começo da analítica eram, de certo modo, terapias breves, pois duravam só alguns meses. O fundador da psicanálise se achava empenhado, inícialmente, em buscar curas rápidas, a princípio dirigidas para a solução de determinados conflitos e sintomas1. Freud atendeu a Gustav Mahler, com resultados satisfatórios, durante algo mais de... quatro horas, a maior parte das quais trans­ correram enquanto ambos passeavam por Leyden (9). Outro trata­ mento célebre, o do Homem dos ratos, que conseguiu bons resul­ tados, e cujo histórico clínico foi publicado em 1909 (5), durou tão-somente 11 meses. Gradualmente e com os progressos da psicanálise, o trata­ mento foi-se tornando mais prolongado. Incidem fatores como a resistência, a sobredeterminação dos sintomas, a necessidade de elaboração, os fenômenos transferenciais, etc. (12). O desenvolvimento dos acontecimentos mais relevantes pode ser resumido como se segue: 1914: no histórico clinico do Homem dos lobos, redigido em 1914 e editado em 1918 (7j, Freud disse que fixou pela primeira

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vez uma data para o término da análise, numa tentativa de acelerar o desenvolvimento do processo terapêutico2. 1916: Ferenczi menciona, pela primeira vez, a necessidade de uma psicoterapia breve, sendo repreendido por Freud (13 )3. 1918: em uma conferência pronunciada em Budapeste e edi­ tada no ano seguinte (“Os caminhos da terapia psicanalítica” [8]), Freud propõe uma psicoterapia de base psicanalítica para respon­ der à necessidade assistencial da população, e sugere que se com­ binem os recursos terapêuticos da análise com outros métodos. Tal proposta é de importância decisiva para fundamentar, poste­ riormente, a configuração de uma terapia breve de orientação psi­ canalítica. 1920-1925: S. Ferenczi e O. Rank realizam tentativas para abreviar a cura psicanalítica. Escrevem conjuntamente um livro, no qual abordam o tema (3), recebendo duras críticas de Freud. Ferenczi propõe o chamado “método ativo”, que logo aban­ donará. Rank, por sua vez, defende a possibilidade de um trata­ mento analítico breve baseado na tentativa de superar, em poucos meses de análise, o trauma do nascimento, que considera o nódulo da neurose. 1937: em “Análise terminável e interminável”, Freud assina­ la que as tentativas de abreviar a duração da análise que consome muito tempo não requerem justificação “e se baseiam em impera­ tivas considerações de razão e de conveniência” . Em várias passa­ gens desse artigo sublinhará que o encurtamento da duração da análise é um fato desejável. Mas também fustigará as tentativas que Rank efetuara nessa direção desde 1924, baseadas em sua concepção a respeito do trauma de nascimento. O mesmo fará em relação a Ferenczi. Neste, um de seus últimos trabalhos, Freud recorda que, para acelerar o tratamento analítico no caso do Homem dos lobos, re­ correu ao expediente de fixar-lhe um limite de tempo. Acrescenta que posteriormente também tomou essa medida em outros casos, dizendo a respeito dela: “(...) é eficaz, contanto que se faça no momento oportuno. Mas não se pode garantir o cumprimento total da tarefa. Pelo contrário, podemos ter certeza de que, enquanto parte do material se tornará acessível sob a pressão dessa amea­ ça, outra parte ficará guardada e enterrada como estava antes, e

Resenha histórico-bibliográfica

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perdida para nossos esforços terapêuticos. Porque, uma vez que o analista tenha fixado o limite de tempo, não pode prolongá-lo; de outro modo, o paciente perdería a fé que nele deposita” (6). 1941: o Instituto de Psicanálise de Chicago organiza um con­ gresso nacional sobre psicoterapia breve. Aumenta o interesse pelo tema nos Estados Unidos. 1946: aparece Psychoanalytic Therapy (Ronald Press, Nova York), de F. Alexander e T. French e colaboradores do Instituto de Psicanálise de Chicago, obra que inicia uma nova e decisiva etapa no campo das técnicas breves. Os autores recolocam a necessida­ de de abreviar o tratamento analítico e de efetuar terapias breves com uma compreensão psicanalítica. Incluem conceitos sobre planejamento da psicoterapia, flexibilidade do terapeuta, manejo da relação transferenciai e do ambiente, utilidade de ressaltar a realidade externa e eficácia do contato breve. Tomam como ponto de partida uma experiência clínica na qual intervém um número importante de terapeutas experientes. O livro descreve numerosos históricos clínicos (1). 1963: publica-se A Study o f Brief Psychotherapy, de D. H. Malan (Tavistock Publications Limited, Londres). A obra descreve uma experiência clínica de investigação baseada em tratamentos de curto prazo, realizada por terapeutas da Clínica Tavistock, de orientação kleiniana. Nela se detalha a técnica focal. O autor acen­ tua a conveniência de interpretar a transferência de maneira exaus­ tiva dentro da terapia breve (em acentuada dissidência com muitos outros), assim como a necessidade de trabalhar a separação entre paciente e terapeuta, causada pelo término do tratamento. Além disso desenvolve, brilhantemente, um método psicodinâmico para avaliar os resultados terapêuticos. O livro oferece uma detalhada apresentação de 19 casos tratados com psicoterapia individual bre­ ve, que inclui os acompanhamentos efetuados. A supervisão dos tratamentos esteve a cargo de M. Balint (12). 1965: aparece Short-Term Psychotherapy, obra compilada por L. Wolberg (Grune and Stratton, Inc., Nova York), que contém trabalhos de Avnet, Masserman, Hoch, Rado, Alexander, L. Wol­ berg, Kalinowsky, Wolf, Harrower e A. Wolberg. Sobressai o de L. Wolberg, a respeito da técnica da psicoterapia breve (16).

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Psicoterapia breve de orientação psicanalítica

Também nesse ano L. Bellak e L. Swall publicam Emergency Psychotherapy and Brief Psychotherapy (Grune and Stratton, No­ va York). Os autores incluem diversos temas, entre os quais se destacam: o enfoque do tratamento à luz da psicologia psicanalíti­ ca do ego, a aplicação da teoria da aprendizagem, o insight e a ela­ boração (2). 1971: em TheBriefer Psychotherapies (Brunner Mazel, Inc., Nova York), Small realiza uma extensa compilação das idéias de numerosos autores sobre o tema (14).

A psicoterapia breve na Argentina 1967: tem lugar o Colóquio Acta 1967: Investigações sobre psicoterapia breve, que apresenta valiosas contribuições. Partici­ pam, entre outros, R. J. Usandivaras, J. 1. Szpilka, M. Knobel, A. E. Fontana, G. S. de Dellarossa, H. Ferrari, A. G. Marticorena e A. Dellarossa (15). Esse colóquio é um testemunho do crescente interesse que começa a se manifestar, em nosso meio, pelo proble­ ma das psicoterapias (individuais ou grupais) em serviços psi­ quiátricos - dc recente criação - de hospitais gerais, hospitais psiquiátricos e instituições privadas, que oferecem tratamentos a honorários reduzidos em razão da demanda cada vez maior de assistência psicológica por parte da população. Empregam-se tra­ tamentos de duração limitada com base psicanalítica, mas a ativi­ dade é desorganizada e confusa e não se apresentam, ainda, maio­ res perspectivas de instrumentalizar técnicas suficientemente sis­ tematizadas e coerentes. 1970: aparece o primeiro livro de autor argentino, exclusiva­ mente consagrado ao tema: Psicoterapia breve, de H. Kesselman, com prólogo de J. Bleger. O autor, utilizando o esquema referen­ cial de Pichon-Rivière aborda, entre outros aspectos, o planeja­ mento e as técnicas de mobilização, e assinala algumas caracterís­ ticas essenciais das interpretações a serem utilizadas no trabalho terapêutico (10). 1973: publica-se Teoria y técnica de psicoterapias, de H. J. Fiorini, amplo e valioso estudo sobre o tema, no qual se destacam especialmente o capítulo referente à primeira entrevista em psico-

Resenha histórico-bibliogràfica

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terapia breve e o que oferece um modelo teórico do foco terapêu­ tico (4). 1975: Psicoanálisisypsicoterapia breve en la adolescência*, de J. C. Kusnetzoff, aborda, em sua segunda parte, o tema da psico­ terapia individual e grupai breve do adolescente. É de especial interesse o capítulo destinado à teoria da comunicação e à psicote­ rapia breve, assim como a inclusão da família no tratamento (11). 1980: em nosso meio atualmente é indiscutível a necessidade de se recorrer a psicoterapias menos custosas que a análise, tanto em tempo como em dinheiro, a fim de responder à demanda de um número cada vez maior de indivíduos. A aplicação das chama­ das psicoterapias breves se difunde ostensivamente, mas ainda não se lhes reconhece um status teórico, que, no entanto, começa a se delinear, sendo relativamente escassas as investigações que têm suscitado.

Referências bibliográficas 1. Alexander, F. e French, T., Terapêutica psicoanalítica, Paidós, Bue­ nos Aires, 1965. 2. Bellak, L. e Small, L., Psicoterapia brevey de emergencia, Pax- Mé­ xico, México, 1969. 3. Ferenczi, S. e Rank, O., The Development of Psychoanalysis, Zurich International Press, Leipzig e Viena, 1924. 4. Fiorini, H. J., Teoriay técnica de psicoterapias, Nueva Vision, Bue­ nos Aires, 1973. 5. Freud, S., “Análisis de un caso de neurosis obsesiva”, em O.C., Bi­ blioteca Nueva, Madri, 1948, t. II. 6 . __“Análisis terminable y interminable”, em O.C., Biblioteca Nue­ va, Madri, 1968, t. III. 7 . __ “Historia de uma neurosis infantil”, em O. C., ob. cit. em 5, t. II. 8 . __“Los caminos de la terapia psicoanalítica”, em O. C., ob. cit., em 5, t. II. 9. Jones, E., “Vida y obra de Sigmund Freud”, Nova, Buenos Aires, 1960, t. II. * Traduzido para o português sob o título Psicanálise e psicoterapias breves na adolescência, tradução de Patrícia M. E. Cenacchi, edição brasileira adaptada e revis­ ta pelo autor, Rio de Janeiro, Zahar, 1980. (N. do T.)

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10. Kesselman, H., Psicoterapia breve, Kargieman, Buenos Aires, 1970. 11. KusnetzofF, J. C., Psicoanálisis y psicoterapia breve en la adoles­ cência, Kargieman, Buenos Aires, 1975. 12. Malan, D. H., A Study of Brief Psychotherapy, Tavistock, Londres, Charles Thomas, Springfield, Illinois, 1963 (Versão castelhana: La psicoterapia breve, Centro Editor de América Latina, Buenos Aires, 1974). 13. Rey Ardid, R., Prólogo al tomo III de S. Freud, O.C., ob. cit. em 6, 1968. 14. Small, L., Psicoterapias breves, Granica, Buenos Aires, 1972. 15. Usandivaras, R. J. e outros, Coloquio Acta 1967: Psicoterapia bre­ ve, Actapsiq. psicol. Amér. Lat., vol. XIV, n° 2, Buenos Aires, junho de 1968. 16. Wolberg, L. e col., Psicoterapia breve, Gredos, Madri, 1968.

3. Fundamentos teóricos'

Introdução Os problemas de teoria em terapias breves são numerosos e comprometem o seu reconhecimento dentro do panorama psicoterapêutico. Atualmente creio que podemos encontrar contribuições mui­ to valiosas ao tema, mas, se há pontos de coincidência entre os diversos autores no que concerne a uma teoria do processo, tam­ bém é certo que paralelamente ainda reina muita confusão entre os leitores, talvez provocada por uma verdadeira miscelânea de conceitos teóricos que nem sempre podem articular-se entre si. Como assinala Fiorini, falta uma estrutura unitária que suste esses procedimentos (13). E para sua obtenção que devemos diri­ gir nossos esforços. Gostaria de assinalar uma carência particularmente notória, que é a de uma concepção mais ou menos definida e aceita quanto aos mecanismos terapêuticos atuantes nessas terapias. Neste capítulo me proponho a discorrer sobre alguns temas cuja recolocação considero de importância decisiva dentro da ten­ tativa de configurar um marco conceituai para as psicoterapias de objetivos e tempo limitados. Além disso, procurarei, ao longo desta obra, expor o marco conceituai que venho adotando pes­ soalmente, e ao qual pretendo dotar da necessária coerência, atri­ buto - disso tenho consciência - nada fácil de alcançar. Meu pon-

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to de partida, como o de muitos investigadores, são as teorias psicanalíticas. Na verdade, não encontro motivos para prescindir de teorias tão valiosas como a do inconsciente, do conflito psíquico, da sobredeterminação, dos mecanismos defensivos, da gênese dos sonhos, das séries complementares, da estrutura do aparelho psí­ quico, da transferência, das resistências e de tantas outras que nos permitem compreender a problemática do paciente e do processo terapêutico2. Porém, o que realmente terá de ser modificado é a técnica, que por múltiplas razões não poderá continuar sendo a mesma que a empregada em psicanálise, devendo ajustar-se ao contexto próprio desses procedimentos. Incluo-me assim entre aqueles que propõem uma psicoterapia breve de orientação psica­ nalítica, mas entendendo que deve ser algo tecnicamente muito diferente de uma “psicanálise breve”.

Pelos caminhos da psicanálise Minha concepção da terapêutica breve é fiel aos princípios básicos formulados por Freud num trabalho que adquire signifi­ cação especial dentro do tema que nos ocupa e que talvez não tenha sido suficientemente valorizado. Refiro-me à conferência pronunciada em Budapeste em 1918, e publicada um ano depois sob o título de “Os caminhos da terapia psicanalítica” (26). Já naquela época, Freud adiantou-se a fatos que sobreviriam poste­ riormente, entre os quais hoje podemos incluir o aparecimento dos tratamentos breves como uma tentativa de possibilitar a assis­ tência psicológica a um número maior de pessoas. Muitos dos pensamentos expressos naquela ocasião vigoram ainda hoje. Na parte final do trabalho, Freud assinala a necessidade de no futuro os psicanalistas adotarem medidas para estender o tratamento psicoterapêutico a grandes massas da população. Reconhece que se tropeça em inconvenientes para consegui-lo, derivados de carac­ terísticas próprias do método psicanalítico, que limita a atenção a poucos indivíduos, e de fatores de ordem econômica. Dirigindose a seus colegas psicanalistas, Freud disse textualmente: “Qui­ sera examinar com os senhores uma situação que pertence ao futuro e que talvez lhes pareça fantástica. Mas, a meu ver, merece

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que acostumemos a ela nosso pensamento. Sabem muito bem que nossa ação terapêutica é bastante restrita. Somos poucos, e cada um de nós não pode tratar mais do que um número limitado de doentes por ano, por maior que seja nossa capacidade de trabalho. Diante da magnitude da miséria neurótica de que padece o mundo e de que quiçá pudesse não padecer, nosso rendimento terapêutico é quantitativamente insignificante. Além disso, nossas condições de existência humana limitam nossa ação às classes abastadas da sociedade.” Mais adiante antecipa a criação de estabelecimentos assistenciais estatais, nos quais os psicanalistas tratem gratuita­ mente dos pacientes por meio da psicoterapia: “Por outro lado, é possível prever que algum dia chegará a vez de despertar a cons­ ciência da sociedade, e adverti-la de que os pobres têm tanto direito ao auxílio do psicoterapeuta como ao do cirurgião, e de que as neuroses ameaçam tão gravemente a saúde do povo como a tuberculose, não podendo ser seu tratamento tampouco abandona­ do à iniciativa individual. Criar-se-ão, então, instituições módicas para as quais serão designados analistas encarregados de conser­ var a resistência e o rendimento de homens que, abandonados a si mesmos, se entregariam à bebida, de mulheres prestes a sucumbir sob o peso das privações e de crianças cujo único porvir é a delin­ quência ou a neurose. O tratamento seria, naturalmente, gratuito.” Assinala logo a seguir a necessidade de se modificar, nessas cir­ cunstâncias, a técnica psicanalítica, o que me parece da maior importância, pois hoje em dia muitos analistas resistem a fazê-lo, mostrando-se “mais realistas que o rei” . “Caberá a nós, então, o trabalho de adaptar nossa técnica às novas condições” (o grifo é meu). Em seguida expõe, ao contrário do que alguns poderíam supor, seu ponto de vista a respeito do uso de diferentes recursos terapêuticos em tais casos, em lugar de preconizar, de modo ex­ clusivo, o método psicanalítico (o que endossaria o critério que hoje sustenta a multiplicidade de elementos terapêuticos nas tera­ pias breves, especialmente nas que ocorrem em instituições assis­ tenciais): “Na aplicação popular de nossos métodos talvez tenha­ mos de misturar ao ouro puro da análise o cobre da sugestão dire­ ta; também a influência hipnótica poderia aqui voltar a ter lugar como no tratamento das neuroses de guerra” 3 ainda que, de ime­ diato, sublinhe que os componentes básicos de tais tratamentos

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deverão provir da psicanálise (isso, como tudo o que disse ante­ riormente, também se converteu em realidade, já que atualmente se conta com a P.B. de orientação psicanalítica): “Mas, quaisquer que sejam a estrutura e a composição dessa psicoterapia para o povo, seus elementos mais importantes e eficazes continuarão sendo, desde já, os tomados da psicanálise propriamente dita, ri­ gorosa e livre de toda tendenciosidade” (o grifo é meu). A psicoterapia individual breve de orientação psicanalítica Ante a perspectiva de se adotar uma técnica breve de base psicanalítica, faz-se necessário, para definir melhor seus elemen­ tos principais, estabelecer uma comparação com nosso modelo original, o tratamento psicanalítico. Desse modo, tentarei clarifi­ car os pontos de contato entre os dois métodos terapêuticos e, muito especialmente, suas diferenças4. Dentro dos procedimentos breves, referir-me-ei, fundamentalmente, à técnica dirigida ao insight, sobre a qual podem apresentar-se mais dúvidas a respeito de suas relações com a técnica analítica, contrariamente ao que acontece com uma terapia essencialmente de apoio, cuja caracte­ rização é mais simples e mais conhecida. Juntando-me à iniciativa de alguns setores, como Bellak (6), Small (6), (48) e Malan (40) e com um propósito principalmente didático, considerarei três aspectos essenciais: 1) os fins terapêu­ ticos, 2) a temporalidade, 3) a técnica. Os fins terapêuticos A psicanálise reconhece como meta fundamental o tornar consciente o inconsciente. Mas a experiência clínica nos permite comprovar que essa finalidade traz, além disso, a perspectiva simultânea de uma reconstrução da estrutura da personalidade do analisando como resultado terapêutico talvez mais transcen­ dente. Essa reconstrução envolve a resolução de conflitos básicos e de seus derivados através da elaboração e do conseqüente ga­ nho de um maior bem-estar, com o qual se pretende eliminar ou aliviar os sintomas de modo franco e duradouro.

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Na terapia de objetivos limitados, como o próprio nome indi­ ca, as metas são reduzidas e mais modestas que as do tratamento psicanalítico. A limitação dos objetivos terapêuticos é caracterís­ tica do procedimento de que nos ocupamos, e aparece em função das necessidades mais ou menos imediatas do indivíduo. Os obje­ tivos podem colocar-se em termos da superação dos sintomas e problemas atuais da realidade do paciente, o que implica, antes de tudo, o propósito de que este possa enfrentar mais adequadamente determinadas situações conflitivas e recuperar sua capacidade de autodesenvolvimento, de modo que na prática se ache em condi­ ções de adotar certas determinações quando isso se revele neces­ sário. Exemplo: uma jovem professora, com francas alterações de caráter, apresentava recentemente sintomas de depressão e dc conversão histérica (paralisia dos membros inferiores e des­ maios), ligados a situações conflitivas surgidas em sua relação com a diretoria de sua escola, tudo isso lhe ocasionando sérias dificuldades adaptativas no plano profissional. Fixaram-se os seguintes objetivos para uma terapia de curta duração: conseguir que a jovem obtivesse um alívio de seus sintomas e sobretudo que pudesse compreender e manejar melhor os conflitos subjacentes a seu problema atual a fim de poder reintegrar-se no trabalho e de­ senvolver-se mais saudavelmente em seu meio profissional. De preferência, e na medida do possível, a solução dos pro­ blemas imediatos e o alívio sintomático deverão, em um sentido psicodinâmico, corresponder à obtenção de um princípio de insight do paciente a respeito dos conflitos subjacentes (o que supõe que cm certa medida também nos propomos a tornar conscientes aspectos inconscientes, ainda que a meta central, em si, não seja a exploração do inconsciente como ocorre na psicanálise). Além disso, o trabalho pode ser encarado a partir do lugar do terapeuta e com uma visão dinâmica, como tendo o propósito de clarificar e resolver, ainda que de modo parcial, parte da patologia do pacien­ te. Malan fala precisamcntc em “elaborar brevemente um dado aspecto da psicopatologia” (40). No exemplo há pouco citado, isto consistia esscncialmente em conseguir que a paciente se conscientizasse parcialmente de aspectos do conflito básico rela­ cionado com a figura da mãe, diante da qual mantinha uma atitu­ de infantil de extrema submissão, que se alternava com tentativas

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de rebelião, do que derivavam dificuldades em sua relação com representantes da autoridade materna, como sucedia com a direto­ ra. Segundo Malan, sua proposta oferecería a vantagem de nos permitir incluir expectativas de resultados terapêuticos maiores do que se concebéssemos as metas meramente circunscritas à re­ missão de um determinado sintoma ou à resolução de uma situa­ ção crítica (40). Assim, no tratamento da professora, por detrás do intento de resolver aspectos do conflito primário com a figura materna, poder-se-ia aspirar não só a obter a remissão ou a dimi­ nuição da intensidade dos sintomas atuais, além de conseguir que a jovem pudesse solucionar seus problemas de relação com a dire­ tora, mas também a conseguir mudanças favoráveis em suas rela­ ções patológicas com outras mulheres que representassem sua mãe (uma companheira mais velha, a dona da pensão, etc.), uma maior iniciativa e a superação de inibições, não só na área profis­ sional como também em outras (sexual, social, etc.). Considero então que toda formulação, nos termos correntes, de objetivos terapêuticos limitados, deve pressupor, no terapeuta, uma refor­ mulação de tais objetivos num sentido psicodinâmico que os abar­ que e que quase sempre haverá de transcendê-los em alguma me­ dida. Explica-se, assim, a aparição posterior de certas mudanças no paciente no que concerne a problemas em outras áreas de sua vida que, inclusive, não chegam a ser mais tratados de maneira explícita ou direta durante a terapia, mas que se acham ligados, de certo modo, às perturbações que tenham sido objeto de nossa abordagem terapêutica. Numa ordem de importância geralmente secundária, figu­ ram diversas formas de oferecer ajuda ao paciente no que se refere às situações perturbadoras, seja procurando aliviar sua ansiedade através de meios como por exemplo os psicofármacos, seja inter­ vindo diretamente nessas situações de sua realidade, como no caso da assistência social, etc. Ao aprofundar mais o tema dos objetivos terapêuticos, ve­ mos que estes, na realidade, não são tão limitados em uma terapia breve de predomínio interpretativo. Tal impressão aumenta assim que admitamos que tal terapia inclui a presença de outras metas, valiosas, implícitas e constantes, vinculadas às enunciadas até aqui e que podem ser concebidas em termos da recuperação da

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auto-estima (6) e da aquisição de consciência da enfermidade. (Tratarei mais detidamente desses aspectos no capítulo 11.)

A temporalidade Enquanto que num tratamento psicanalítico a duração não é determinada de antemão, prolongando-se durante anos, nas cha­ madas terapias breves é comum que a fixemos previamente, e que seja mais curta, em geral, de uns meses. Essas peculiaridades, das quais derivam as denominações talvez mais difundidas desses procedimentos (psicoterapias breves, psicoterapias de tempo li­ mitado, etc.), configuram um traço diferenciado muito destacado dos mesmos, ainda que, como já assinalei, não esteja presente necessariamente em todos os casos. Stekel, entre outros, apontou a incidência favorável que, no processo terapêutico, poderia ter a limitação temporal estabelecida de antemão, a qual estimularia o progresso da terapia (50)5. De ime­ diato, cabe assinalar que quando se fixa um prazo de encerramento, este cria invariavelmente uma situação bastante diferente na situa­ ção psicanalítica, influenciando de modo decisivo os diferentes aspectos do vínculo terapêutico, em especial a finalização do trata­ mento, tema que mais adiante analiso detidamente (ver os capítulos 8 e 9). Mas, acima de tudo, deve-se levar em conta que a limitação temporal confere à terapia uma estrutura mais definida em termos de “princípio, meio e fim” (43), introduzindo definitivamente na relação terapêutica um novo e necessário elemento de realidade, que esmorece no paciente a produção de fantasias regressivas oni­ potentes de união permanente com o terapeuta. Tais fantasias se desenvolvem e se manejam com mais facilidade no contexto do tra­ tamento psicanalítico do que no da terapia da qual nos ocupamos.

A técnica O método breve pode ser tecnicamente diferenciado da psi­ canálise corrente. Pouco a pouco foi-se configurando uma teoria do tratamento que compreende uma atitude particular diante de

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distintos fenômenos psicoterapêuticos - transferência, regressão, resistências, etc. -, enquanto se confirmam alguns princípios dinâmicos operativos, cuja validade é corroborada pela experiên­ cia clínica. Desenvolverei aqui os seguintes aspectos: - O trabalho com os conflitos. - Regressão. Dependência. Transferência. Neurose de trans­ ferência. - O problema da resistência. - Insight e elaboração. - Fortalecimento e ativação das funções egóicas. - Focalização. - Multiplicidade de recursos terapêuticos. - Planejamento. - Quadro comparativo entre algumas características teóricotécnicas da psicanálise e da psicoterapia breve de orienta­ ção psicanalítica. -O utros conceitos de especial aplicação em psicoterapia breve (situação-problema, foco, ponto de urgência e hipó­ tese psicodinâmica inicial).

O trabalho com os conflitos6 Podem-se estabelecer claras diferenças entre uma psicotera­ pia de objetivos limitados e um tratamento psicanalítico no que diz respeito à abordagem dos conflitos psíquicos do paciente. Recordemos, primeiramente, como se tratam os conflitos em psicanálise. A investigação psicanalítica demonstra-nos que as si­ tuações conflitivas atuais do indivíduo estão relacionadas a con­ flitos infantis, dos quais, em realidade, decorrem. São exemplos de conflitos derivados os que a professora antes mencionada apre­ sentava na sua relação com a diretora da escola, relação caracteri­ zada por uma marcada submissão a ela. ou os de uma mulher que obstinadamente rivaliza com sua sogra. Ambas as situações reme­ tem a um conflito infantil com a figura materna, transferida para as relações atuais.

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Os conflitos infantis genéticos se produzem, como sabemos, em relação com os objetos primários do sujeito, sendo sua nature­ za edípica ou pré-edípica. Durante o tratamento analítico, o pa­ ciente revive tais conflitos (sobretudo no seio da relação transfe­ renciai com o terapeuta), que são analisados profundamente a fim de se conseguir sua resolução (e a de seus derivados) por meio do trabalho elaborativo (elaboração dos conflitos). Na P.B. orientada em direção ao insight há, como primeiro fator distintivo digno de nota, uma eleição dos conflitos (deriva­ dos) a serem tratados, que recairá nos que prevalecem por sua urgência e/ou, por sua importância, quer dizer, que subjazem ao problema atual, motivo do tratamento (ver “Focalização”, p. 37, e “O foco”, pp. 40 ss.)7. É habitual, além disso, que o trabalho tera­ pêutico se circunscreva, a priori, a encarar exclusivamente esses derivados do conflito primitivo infantil, sem se aprofundar mais nele, por princípios elementares de prudência, evitando-se que se produza uma excessiva mobilização afetiva e, sobretudo, que se favoreça no paciente a regressão. O terapeuta deverá centrar-se, de preferência, nos atuais fatores determinantes desses conflitos subjacentes focais; freqüentemente isso bastará para se obterem bons resultados terapêuticos e, principalmente, para serem alcan­ çados os objetivos propostos8. Mas também considero que em alguns tratamentos breves é necessário e possível confrontar o paciente com o conflito origi­ nal. Isso ocorre quando, seja no começo seja mais freqüentemente no transcurso do tratamento, tem-se a impressão de que de outro modo não se obterão maiores progressos no transcorrer deste, e/ou quando aspectos desse conflito básico se acham muito próxi­ mos à superfície psíquica do paciente. Em algumas ocasiões é o próprio paciente, se tem capacidade de insight, quem menciona o conflito infantil, relacionando-o com sua situação conflitiva. Em todas essas circunstâncias, o terapeuta pode empreender um tra­ balho interpretativo cauteloso de certos componentes do conflito básico, em especial dos que estejam imediatamente vinculados à problemática focal e que adquiram relevância para a finalidade de se alcançar a clarificação e a superação de tal problemática. Não se deverão abordar outros aspectos do conflito, já que não tem sentido abrir feridas de maneira indiscriminada na estrutura defen-

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siva do paciente, pondo a descoberto conteúdos que, sem dúvida, não se terá oportunidade de analisar suficiente e convenientemen­ te nessa terapia. Freqüentemente colocar-se-á, para nós, o problema de saber até onde poderemos nos aprofundar, mediante interpretações, com vistas a nos aproximarmos das metas terapêuticas propostas, o que terá de ser avaliado em cada caso particular (ver pp. 101, 102 e 111 ss.). Trata-se de um ponto que requer tato e experiência por parte do terapeuta. Quando se trata de uma psicoterapia de breve duração, o terapeuta pode sentir-se pressionado pelo tempo, devendo evitar sobretudo cair em interpretações prematuras sobre os conflitos infantis. Já sabemos com quanta insistência Freud preveniu a respeito dos riscos de tal procedimento no tratamento psicanalí­ tico (24). Como se pode perceber a esta altura de minha exposição, em P.B., diferentemente do que ocorre na psicanálise, realiza-se uma tarefa interpretativa parcial dos conflitos do paciente, circunscrita àqueles que tenham sido escolhidos, os quais, por sua vez, são abordados de um modo também parcial, lncursione-se ou não na interpretação das raízes infantis da conflitiva focal, sempre se faz uma tentativa de solucionar interpretativamente os conflitos deri­ vados, ainda que esta não seja idêntica à que se possa obter atra­ vés da psicanálise. Trata-se de uma resolução parcial ou incom­ pleta ( 1 ), que consiste na produção de certas mudanças dinâmicas nos conflitos, muitas vezes suficientes para se obterem benefícios terapêuticos nada desdenháveis. (Quanto às prováveis modifica­ ções no estado dos conflitos, ver p. 53.)

Regressão. Dependência. Transferência. Neurose de transferência Os fenômenos regressivos, de dependência, transferenciais e neurótico-transferenciais acham-se intimamente relacionados no tratamento psicanalítico. Denominações tais como dependência regressiva ou neurose transferenciai regressiva refletem, em algu­ ma medida, essa correlação. Por isso farei referência a esses con-

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ceitos de maneira conjunta, dentro de um mesmo subtítulo deste capítulo, numa tentativa de esclarecer as diferenças que nesses as­ pectos apresenta o tratamento breve de insight com relação à psi­ canálise. A regressão pode ser entendida como o processo pelo qual readquirem vigência estados ou modos de funcionamento psíqui­ co pertencentes a etapas anteriores do desenvolvimento do indiví­ duo. Na realidade, Freud ocupou-se do conceito de regressão em diferentes contextos a enfermidade mental, a transferência com o analista, os sonhos e a classificou em três tipos: tópica, tempo­ ral e formal (18) (25). Aqui vou referir-me em especial à regres­ são temporal na transferência com o terapeuta. No processo analítico trata-se de favorecer, por diferentes meios (posição deitada do paciente, associação livre, silêncio do analista, freqüência às sessões, etc.), uma regressão vivencial útil, a qual representa um meio essencial para se alcançar o objetivo terapêutico. A regressão é necessária para a revivescência dos conflitos originais infantis do analisando em sua relação com o analista (neurose de transferência) e sua conseqüente elaboração. Isso implica, além disso, que a regressão produzida gere um in­ cremento da dependência do analisando em relação ao analista, que costuma representar basicamente figuras parentais. Esperase, é claro, que o processo regressivo se reverta ao longo do cami­ nho terapêutico, dando lugar a um crescimento psicológico paula­ tino, que tornará possível que o paciente assuma realmente uma conduta mais adulta na vida. Para compreender as diferentes peculiaridades ao vínculo terapêutico em terapias breves de insight, é preciso além disso levar em conta os conceitos de transferência e de neurose de transferência9. Laplanche e Pontalis descrevem a transferência como “o pro­ cesso em virtude do qual os desejos inconscientes se atualizam sobre certos objetos, dentro de um determinado tipo de relação estabelecida com eles, e, de um modo especial, dentro da relação analítica”. Acrescentam: “Trata-se de uma repetição de protótipos infantis, vivida com um marcado sentimento de atualidade” (38) (P- 459).

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Quanto à neurose transferenciai, diremos que é a reprodução da neurose infantil na relação com o analista. Pressupõe a reedi­ ção seletiva de determinadas situações e mecanismos infantis na relação terapêutica, ou seja, citando novamente Laplanche e Pontalis (38), a neurose transferenciai consiste em uma “neurose arti­ ficial em que tendem a se organizar as manifestações de transfe­ rência” (p. 258). Esses autores estabelecem, com base nos escritos de Freud, a diferença entre as reações de transferência propria­ mente dita. Em relação a esta última expressam-se: “de um lado, coordena as relações de transferência a princípio difusas (‘trans­ ferência flutuante’, segundo Glover) e, de outro, permite ao con­ junto de sintomas e condutas patológicas do paciente adotar uma nova função ao referir-se à situação analítica” (p. 259). Mesmo assim, Freud faz referência à neurose transferenciai como a uma “massa de pautas culturais neuróticas estereotipadas, expostas na situação analítica” (15). (Os grifos são meus.) A transferência, inicialmente considerada por Freud como um obstáculo no tratamento psicanalítico, logo passou a ocupar, tanto para ele como para a maior parte dos psicanalistas, um papel de decisiva importância na cura (22), até converter-se sua análise na tarefa central. Deste fato se depreende que é conveniente per­ mitir - e inclusive promover - durante a terapia psicanalitica, o desenvolvimento da neurose transferenciai, cuja resolução, por meio da elaboração, será fundamental se aspira à cura do anali­ sando. E oportuno recordar aqui a definição que dá Rangel! da psicanálise como método terapêutico: “A psicanálise é um méto­ do de terapia pelo qual se estabelecem condições favoráveis para o desenvolvimento de uma neurose transferenciai, na qual o pas­ sado se restaura no presente com o propósito de, mediante um ata­ que interpretativo sistemático às resistências que se opõem a isso, obter uma resolução dessa neurose (transferenciai e infantil), com o fim de provocar mudanças estruturais no aparelho mental do paciente para que este seja capaz de uma adaptação ótima à vida” (grifos do autor). Rangell acrescenta que tais condições indispen­ sáveis distinguem qualitativamente a psicanálise de seus diversos derivados (46). Na psicoterapia breve de insight, em troca, não é conveniente favorecer o desenvolvimento da regressão nem de uma neurose

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transferenciai. Os mecanismos terapêuticos não se sustentam, em geral, no desenvolvimento, na análise e na resolução da neurose transferenciai, dado que as condições do paciente e/ou do enqua­ dramento não são apropriadas para tais fins; por outro lado, como as metas terapêuticas não estão dirigidas para a reestruturação da personalidade nem para resolver conflitos básicos do indivíduo, mas sim para mitigar alguns sofrimentos atuais, não seria coeren­ te que o insight de aspectos da relação transferenciai neurótica, regressivo-dependente, continuasse sendo o recurso terapêutico fundamental nesse novo contexto; o que adquire importância agora é a busca de insight do paciente a respeito de situações conflitivas atuais de sua vida cotidiana (que são as que habitualmente dão origem à consulta), razão pela qual o trabalho interpretativo recai mais em suas relações com os objetos de sua realidade exter­ na do que na relação com o terapeuta. Segundo Szpilka e Knobel, nesses procedimentos é preciso precaver-se de estimular tanto a regressão como a neurose de transferência (51) (37). Bellak e Small (6), do mesmo modo que Wolberg (54), entre outros, também aconselham que sc evite, den­ tro do possível, o desenvolvimento da neurose transferenciai. Seu desencadeamento, junto ao de uma regressão vivencial, pode considerar-se uma complicação (às vezes inevitável) nas psicoterapias breves, já que, ao deixar truncada sua elaboração, tendo em vista as limitações inerentes a esses tratamentos, deixaria - iatrogenicamente - o paciente em um estado regressivo-dependente, expondo-o a diversas reações transferenciais nocivas em virtude da mobilização afetiva produzida e, em particular, a dificuldades para aceitar sua separação com relação ao terapeuta, ante a pers­ pectiva de terminar sua terapia10. Por meio de diferentes recursos, aos quais mais adiante me referirei em detalhes (ver capítulo ò), deve-se procurar que o paciente não concentre muita libido na relação com o terapeuta. Se bem que os fenômenos transferenciais também ocorram, às vezes inexoravelmente, na psicoterapia breve, podemos esperar que a adoção de algumas medidas técnicas impeça que a transfe­ rência alcance demasiada intensidade e chegue a cobrir e a domi­ nar a situação terapêutica, configurando uma neurose de transfe-

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rência11. A terapia deve sustentar-se no predomínio de uma trans­ ferência sublimada (6). A regressão só deveria ser permitida em pequeno grau, não indo além dos níveis requeridos para possibilitar a exploração e experiências iniciais de insight de situações conflitivas atuais. O tratamento, em lugar de fomentar a dependência do paciente, deve inclinar-se para a estimulação e o reforçamento de sua iniciativa pessoal, ou seja, de suas capacidades autônomas. Os critérios apresentados até aqui definem as características que terá de assumir a relação terapêutica em P.B. (ver capítulo 6, especialmente “A relação paciente-terapeuta no tratamento bre­ ve”, pp. 84 ss.). O problema da resistência12 No tratamento psicanalítico, chamamos resistência aos diversos obstáculos que o analisando opõe ao acesso ao seu pró­ prio inconsciente, isto é, ao trabalho terapêutico e à cura. Em 1925, Freud distinguiu e sistematizou cinco formas de resistência de um ponto dc vista estrutural, em seu trabalho “Ini­ bição, sintoma e angústia” (21). Três delas procedem do ego e são: as resistências da repressão, as da transferência e as do ganho secundário da doença. As outras são as resistências do id, também chamadas por Freud de resistências do inconsciente, e as resistên­ cias do superego13. A análise exaustiva das resistências constitui uma parte im­ prescindível de todo tratamento psicanalítico. O prolongamento deste deve-se, em grande parte, à necessidade de elaboração daquelas (27). Na terapia breve interpretativa, também surgem resistências no paciente, que podem ser consideradas, por acréscimo, como obstáculos que este interpõe ao avanço do processo psicoterapêutico especificamente do insight. Habitualmente, a análise das resistências em P.B. não apre­ senta, como se poderia supor, o mesmo caráter intensivo que em psicanálise. A limitação temporal, quando existe, é um dos moti­ vos para que isso ocorra, ainda que não o único; basicamente, a pró­ pria índole do procedimento não contempla fins tão ambiciosos.

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O tratamento das resistências que dependem dos mecanis­ mos defensivos do ego, em P.B., pode apresentar as seguintes características: a) algumas defesas são combatidas, quer dizer, analisadas; b) outras, em troca, são respeitadas ou ainda reforça­ das pelo trabalho terapêutico, de acordo com o que pareça indica­ do em cada caso, com base nas condições do paciente e do enqua­ dramento. Como exemplo do mencionado no item a, podemos citar a necessidade de trabalhar as defesas maníacas (negação, onipotência, etc.), perigosamente incrementadas, ou, o que é mais comum, ter de atacar parcialmente as barreiras repressivas de conteúdos inerentes ao sofrimento atual, além dos mecanismos de isolamento, intelectualização, projeção, etc. Pelo contrário, e a propósito do expresso no item b, com frequência optamos por não perturbar certos mecanismos defensivos caracterológicos, permi­ tindo ao paciente que os conserve, seja porque queremos evitar uma mobilização afetiva excessiva e difícil de manejar no trata­ mento, seja por tratar-se de defesas relativamente úteis, as quais ainda que só ocasionalmente - poderia ser conveniente reforçar. O tema da resistência da transferência em P.B. também mere­ ce alguns comentários. Ao menos nas terapias desse tipo, tal resis­ tência não costuma ser muito intensa. Isso se deve ao seguinte: sabemos que esse tipo de resistência obedece em parte ao ressen­ timento despertado no paciente, por sentir-se frustrado em sua relação transferenciai com o terapeuta, razão pela qual Menninger propõe chamá-la de resistência de frustração ou de vingança (41). Na medida em que, em P.B., a relação terapêutica é menos frustrante para o paciente, já que existe um vínculo mais “real” e uma maior proximidade afetiva da parte do terapeuta, conseqüentemente a hostilidade que desperta naquele pode ser menor do que a que o tratamento psicanalítico desperta; portanto, as resistências transferenciais também serão menores (35). Mas o terapeuta de­ verá lutar sempre para que se obtenha esse resultado, procurando fazer com que predomine uma transferência positiva. Quando es­ sas resistências se exacerbam, achamo-nos ante um dos motivos fundamentais, para cuja dissolução, a meu ver, se justifica o em­ prego de interpretações transferenciais no tratamento breve (ver capítulo 6, pp. 107 ss,).

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“Insight ” e elaboração14 Entre os problemas ainda não resolvidos no terreno da psico­ terapia breve de base psicanalítica, acham-se os que concernem ao papel do insight e da elaboração e sua relação com as mudan­ ças que se obtêm nos pacientes. Começaremos por lembrar sucintamente os significados es­ senciais de ambos os termos. Com o insight queremos dizer, como L. Grinberg, “a aquisi­ ção do conhecimento da própria realidade psíquica” (31). Tal conhecimento pressupõe uma participação afetiva: não se trata simplesmente de compreender no sentido intelectual, mas tam­ bém de poder experimentar emocionalmente o contato com os aspectos inconscientes do mesmo. A elaboração ou trabalho elaborativo (working through) é um conceito de significado complexo e não suficientemente defi­ nido na bibliografia psicanalítica. Uma definição simples a des­ creve como “o processo pelo qual um paciente em análise desco­ bre, gradualmente, através de um lapso de tempo prolongado, as conotações totais de alguma interpretação ou insighf’ (47). (“Elaboração”, p. 49, grifos do autor.) E conhecida a importância do insight e da elaboração no tra­ tamento analítico. A finalidade das interpretações do analista, que são, por excelência, seu instrumento terapêutico, é promover o insight dos conflitos no paciente. E oportuno citar aqui Rycroft: “O objetivo do tratamento psicanalítico é definido, algumas ve­ zes, em termos da aquisição de insight, ainda que mesmo Freud nunca tenha utilizado essa formulação, preferindo a idéia de que seu objetivo é fazer consciente o inconsciente” (47). (“Insighf’, p. 68, grifos do autor.) Com relação a esse ponto, Grinberg diz: “Freud havia assinalado que o objetivo básico do analista é conhecer; por conseguinte, não deve estar preocupado com o objetivo terapêutico. Esse objetivo de conhecer, em realidade, não se contradiz com o objetivo terapêutico, sendo o insight o fator central, e a pré-condição de toda mudança duradoura na personalidade” (31). A elaboração, como trabalho de aprofundamento do pacien­ te, implicará que este assimile as interpretações corretas do ana-

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lista, condição essencial para o êxito terapêutico (39). A respeito do princípio da elaboração, cabe lembrar: a) Requer dois fatores elementares: tempo (é por isso que a necessidade de elaboração constitui uma causa importante do prolongamento do tratamento psicanalítico) e trabalho (o labor analítico) (27). Do último se depreende que tem lugar no paciente fundamentalmente na presença do analista e com a participação deste. b) Em seu desenvolvimento intervém a regressão do anali­ sando (31). c) Inclui a tarefa de superar as resistências e a análise exaus­ tiva dos conflitos, na qual tem especial importância o que trans­ corre dentro dos limites da neurose transferenciai (27). Na terapia breve de orientação psicanalítica, a concepção da existência de insight e de elaboração apresenta numerosos pontos obscuros. Sendo assim, é válido falar-se em insight nesses tratamen­ tos? Creio que sim, ainda que com certas ressalvas, como vere­ mos em seguida. Propiciar ao paciente a aquisição de insight por meio de in­ terpretações - especialmente dos psicodinamismos relacionados com o transtorno atual, motivo do tratamento deve constituir, a meu ver, nosso principal propósito na terapia dinâmica breve, sempre que as condições psíquicas do paciente o permitirem. Es­ sa atitude terapêutica nos permitirá abrigar maiores esperanças de conseguir um progresso mais sólido e estável no paciente, ao aumentar sua capacidade egóica para enfrentar e resolver as situa­ ções conflitivas. A busca de insight no tratamento breve é preco­ nizada por numerosos autores, entre eles, Bellak e Small, os quais assinalam, clara e repetidamente, seu valor, em diferentes passa­ gens de sua obra (6). Mas a técnica breve requer restrições pecu­ liares para o insight do paciente, que é necessário consignar: - Com respeito à sua extensão entendo que em geral dadas as limitações do enquadramento - e sobretudo quando se trata de uma terapia de curta duração - só nos resta a alternativa de pro­ porcionar o que poderiamos considerar como experiências ini­ ciais de “insight”, um autoconhecimento limitado às dificuldades habitualmente contidas no foco terapêutico (mas que tampouco

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Psicoterapia breve de orientaçãopsicanalítica

pode dar conta de todos os aspectos do conflito subjacente ao pro­ blema vital focal, mas, unicamente, dos mais próximos e aces­ síveis à compreensão psicológica do paciente dentro desse enqua­ dramento). Isso poderá servir, ser suficiente - ou não - para os pa­ cientes, para obter mudanças dinâmicas favoráveis, pôr em mar­ cha um processo progressivo que continue ainda depois de finali­ zado o tratamento e estimular sua auto-observação e motivação para as experiências psicoterapêuticas de índole interpretativa. Em suma, numa terapia de objetivos - e, eventualmente, de tempo - limitados, também o insight estará naturalmente limitado em sua extensão, diferentemente daquele mais amplo, decorrente de um tratamento intensivo e prolongado como o psicanalítico; tratase de uma verdade óbvia, mas que é necessário ter presente para estudar tudo aquilo que se relacione com mecanismos terapêuti­ cos e grau de eficácia dos procedimentos breves. - Quanto ao tipo e profundidade, cabe assinalar que enquanto o insight psicanalítico tem lugar em meio a uma atmosfera regres­ siva que o favorece, dependendo principalmente da atividade inter­ pretativa a respeito das diversas reações próprias da neurose de transferência, em P.B. a busca de insight está dirigida, com mais freqüência, para as relações do sujeito com os objetos externos de sua vida cotidiana e presente, ainda que não despreze os fenôme­ nos transferenciais mais notórios, que trabalham como obstáculo (resistências transferenciais), e/ou ilustram a problemática do paciente, como se verá mais adiante (pp. 106 s.). Mais abrangente, o insight psicanalítico também o é na medida em que oferece maiores possibilidades de alcance de situações infantis reprimidas que serão revividas na situação transferenciai, permitindo, em sín­ tese, uma conexão mais completa do que sucede no mundo externo extra-analítico e na relação transferenciai analítica do paciente com sua vida passada. São tipos e graus de profundidade diferen­ tes de insight, mas nem por isso devem ser-lhes negadas totalmen­ te a validade e a eficácia que se obtêm no tratamento breve. (“Não se pode sustentar, com tanta ênfase, que o insight através da trans­ ferência seja o único tipo de insight que sirva para a organização e reintegração do ego”, afirma Karno [36].) Todavia, é possível estabelecer outra diferença com o insight do tratamento psicanalítico, que remete à natureza mesma do

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fenômeno de compreensão psicológica no paciente, e também obedece à necessidade de controlar a intensidade dos fenômenos regressivos e transferenciais: Szpilka e Knobel sugerem que em terapias breves o insight possua uma “maior participação cogniti­ va que afetiva” (51), levando o paciente, como medida prudente e mediante um determinado estilo interpretativo (ver pp. 110 ss.) na relação transferenciai, antes à compreensão que à revivescência das situações infantis determinantes de seu problema atual (51). Expressa dessa maneira, essa proposição corre o risco de ser dis­ torcida. Entendo que não implica, como alguns poderíam supor, um mero insight intelectual (que configuraria uma nova forma de resistência), pois não deixa de ter certa ressonância afetiva. Mas a diferença entre o insight psicanalítico, que é mais pleno e vivido, em suma, dotado de uma maior e às vezes diferente repercussão emocional, e o insight do tratamento breve tem de ser, nesse senti­ do, um fenômeno na medida do possível mais controlado pela ati­ vidade terapêutica, em especial se explora circunstancialmente aspectos da transferência com o terapeuta correspondentes ao infantil-genético. (Será menos necessário controlá-lo se atender aos componentes mais atuais da transferência com o terapeuta ou com outros objetos da realidade externa do paciente.) Examinemos agora o problema da elaboração na terapia dinâmica breve, cuja bibliografia, como se podería supor, é suma­ mente escassa. Bellak e Small citam, como princípios gerais da “psicoterapia rápida”, a comunicação, o insight (do terapeuta e do paciente) e a elaboração (6). Como não se estimula o desenvolvimento da regressão nem o da neurose transferenciai, e não se realiza uma análise intensiva desta nem das resistências, considero que em P.B. não podemos falar em elaboração no mesmo sentido que em psicanálise. Em todo caso, o trabalho de elaboração real será escasso, principalmente se existe limitação de tempo. Este, como vimos, é um fator fundamental para que a elaboração tenha lugar15. Estaríamos, então, diante de um dos pontos mais discutíveis no que diz respei­ to à validade terapêutica desses procedimentos. Sem dúvida, é possível conceber um processo qualitativamente distinto do pro­ cesso de elaboração analítica, sem a profunda reestruturação meta psicológica que ela implica e basicamente circunscrito à conflitiva

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focal. Um processo imperfeito e incompleto, mas enfim de mu­ dança, que em circunstâncias em que o tratamento esteja limitado em sua duração, também o estará, mas que em alguns pacientes, com capacidades egóicas suficientes, poderá talvez ainda conti­ nuar, depois de concluído o tratamento breve. Nesse último caso seria uma espécie de “auto-elaboração”, a qual se teria iniciado, a princípio, com o trabalho terapêutico, para seguir um caminho pro­ gressivo até a consolidação dos resultados16. Os mecanismos ínti­ mos desse fenômeno, que apresentaria, talvez, grande importância terapêutica em alguns casos, ficam difíceis de precisar no momen­ to17. Talvez as modificações significativas que às vezes se eviden­ ciam, inclusive na estrutura de personalidade de pacientes tratados com o procedimento breve, em testes projetivos efetuados anos depois de finalizado o tratamento (32), se relacionem a mecanis­ mos desse tipo. Mais adiante, considerando os resultados e meca­ nismos terapêuticos, retornaremos à discussão desses fatos. Finalmente, cabe acrescentar que numa terapia de objetivos e tempo limitados talvez seja necessário concluir que o insight e a elaboração terão de ser em boa parte estimulados, quer dizer, faci­ litados e agilizados mediante o papel ativo do terapeuta, dadas as condições de focalização e de curta duração do tratamento.

Fortalecimento e ativação das funções egóicas Considero que a aquisição de insight por parte do paciente, através de interpretações do terapeuta, seja a forma mais aprecia­ da de se conseguir o fortalecimento de seu ego. No entanto, de­ vem ser levadas em conta outras formas, cuja significação tera­ pêutica não é muito menor, em meio às terapias breves, e que não são, necessariamente, incompatíveis com a busca de insight. Muitas vezes, as diversas medidas terapêuticas destinadas ao reasseguramento e à ativação de funções egóicas são englobadas sob a denominação genérica de psicoterapia de apoio. O emprego de tal denominação encerra o risco de que os terapeutas, sem con­ siderar mais cuidadosamente tais medidas, desprezem-na, já que nos círculos psicanalíticos o termo apoio, como se sabe, está carre-

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gado em alguns casos de um sentimento francamente pejorativo, porquanto costuma implicar basicamente o fomento e a utilização de uma relação regressivo-dependente não analisada, e por isso mesmo não-progressiva, e sem que se intente colocar o paciente em contato com as motivações profundas de seu sofrimento. Por conse­ guinte, ante a possibilidade de que surjam mal-entendidos, é con­ veniente estabelecer algumas distinções sobre o tema. Começaremos por reconhecer, também em P.B., a necessida­ de de apelar, às vezes exclusivamente, quando não há uma alter­ nativa melhor, para técnicas de apoio emocional; é o caso de pacientes que por debilidades egóicas não conseguem tolerar uma terapia interpretativa, e para os quais o único resultado que se pro­ cura obter é uma supressão de sintomas. Mas devemos discrimi­ nar com clareza esta posição terapêutica de outra, que se caracte­ riza pelo emprego de certo tipo de intervenção verbal que busca conseguir reforçamento e ativação do ego, de distinta e mesmo oposta natureza, e que pode ser alternada, coerentemente, com as interpretações. “Todos os nossos pacientes, em graus variáveis, duvidam de seu discernimento, de suas percepções e de seu valor. Se só inter­ pretamos ou só analisamos, deixamos sem querer a impressão de que suas reações são meras repetições de seu passado infantil, e que sua conduta é imatura, errônea ou insana. Se parte de nossa meta terapêutica consiste em aumentar as funções egóicas sãs do paciente e sua capacidade para as relações objetais, é importante confirmar aqueles aspectos de sua conduta que indicam um fun­ cionamento sadio.” Esta frase pertence a um artigo de Grecnson e Wexler (30) e se refere ao tratamento analítico, mas pode resultar extremamente significativa e útil se, com ligeiras alterações, a aplicarmos também à técnica breve. Mais adiante, os autores con­ tinuam: “(...) muitos de nossos pacientes necessitam ter a experiên­ cia de sentir que estão no caminho certo. Necessitam da expe­ riência de que se reconheçam e se respeitem suas funções egóicas e suas relações objetais adequadas”. Há motivos para atribuir fun­ damental importância a esses conceitos no campo das terapias breves, dos quais, precisamente, o paciente deve emergir reconfortado e reafirmado em suas capacidades egóicas e recuperando sua facilidade resolutiva nas situações de conflito.

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Psicoterapia breve de orientação psicanalitica

Dessa maneira observamos que na psicoterapia de apoio pro­ priamente dita ou “pura” as medidas de apoio promovem a depen­ dência regressiva no paciente, e ao mesmo tempo se valem desta para exercer seu efeito, na medida em que o terapeuta assume um papel protetor-autoritário (empregando, por exemplo, interven­ ções diretivas), que costuma fomentar a idealização de sua figura. Nesta outra forma de reasseguramento egóico, pelo contrário, a atividade do terapeuta orienta-se, em troca, em direção à estimu­ lação das capacidades autônomas do paciente, assinalando seus rendimentos egóicos adequados, em lugar de incentivar uma rela­ ção dependente. Quer dizer, se partimos dos recursos que o pa­ ciente verdadeiramente possui, e ao assinalar-lhe esse fato, pro­ movemos nele um sentimento de reafirmação ou reasseguramen­ to que pode funcionar, não só para fortalecer, mas também para ativar diversos funcionamentos egóicos18. Assim mesmo, esta ati­ tude terapêutica não impede, como se depreende do que assina­ lam Greerson e Wexler, a análise de aspectos inconscientes do pa­ ciente, incluindo os mecanismos de defesa neuróticos do ego. As psicoterapias dinâmicas, incluindo as de objetivos e tem­ po limitados, são, em sua maioria, o resultado de uma reunião de elementos próprios de uma técnica de insight com estes outros elementos reforçadores e estimuladores de determinadas funções do ego19. Mas é mister que tais psicoterapias se traduzam numa combinação antes de tudo coerente de intervenções, que deverá fundar-se numa compreensão psicodinâmica adequada do proces­ so terapêutico20. Diremos então, que as terapias breves são, em seu enfoque e na prática, com muito mais freqüência, “mistas”, em vez de serem puramente interpretativas, ou reforçadoras do ego não-interpretativas, ou ainda exclusivamente de apoio no sentido antes descrito, sendo essa natureza “mista” uma característica relevante de tais terapias (podemos, sim, falar de tratamentos breves em que pre­ domina o insight e de tratamentos breves em que predomina o reforçamento ou o apoio egóico, segundo o lado para o qual se incli­ ne a balança em cada caso21. Fiorini proporciona alguns bons exemplos das diversas inter­ venções capazes de sustentar e ativar o funcionamento egóico (12). Para este autor, o protótipo da atividade terapêutica nesses trata-

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mentos está representado por uma tarefa em “frente dupla”, na qual se têm sempre presentes “as partes sãs” do paciente, e portanto não só são feitas menções a seus aspectos infantis, regressivos e patoló­ gicos, mas também a seus aspectos adultos, progressivos e sadios, mantendo certo equilíbrio nas referências a uns e outros (12) (13)22.

Focalização O trabalho terapêutico em P.B. está “enfocado” para determi­ nada problemática do paciente, que adquire prioridade, dada a sua urgência e/ou importância, enquanto se deixam de lado as demais dificuldades. Trata-se de outra característica substancial desse tipo de terapia, por isso também chamada ds focal (40), que per­ mite distingui-la da técnica psicanalítica corrente a qual não opera com um módulo conceituai de foco (ver “O foco”, pp. 40 ss.).

Multiplicidade de recursos terapêuticos Eis aqui outro aspecto distintivo da P.B. (14) (48) (55). Estes procedimentos admitem - e com frequência requerem - a associa­ ção de diversos elementos terapêuticos, o que os afasta ainda mais do enquadramento e dos cânones psicanalíticos. Todo recurso que tenha demonstrado ser útil no campo da terapêutica psiquiátrica poderá eventualmente ser incorporado ao tratamento, em virtude da necessidade de se alcançarem os objeti­ vos terapêuticos; assim, além dos distintos tipos de intervenção verbal não-interpretativa (assinalamentos, sugestões, fornecimen­ to dc informações, intervenções de reasseguramento, etc.), poderse-ão anexar à psicoterapia individual outros elementos, tais como psicodrogas, técnicas grupais, comunitárias, etc., cujas perspecti­ vas de inclusão correm em paralelo com os progressos que, no tra­ balho científico, se registram no emprego de distintos recursos psicoterapêuticos. E sumamente valiosa a participação de outros profissionais da saúde mental (psicólogos, psicopedagogos, assis­ tentes sociais, terapeutas ocupacionais, etc.) nos tratamentos, nu­ ma tarefa efetuada em equipe2'.

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Os diferentes instrumentos psicoterapêuticos devem ser im­ plementados coerentemente, sempre com adequada compreensão e fundamentação psicodinâmica. A inclusão de tais instrumentos depende, além disso, da maior ou menor flexibilidade do terapeu­ ta e de sua capacidade para tentar criativamente combinações te­ rapêuticas harmônicas e eficazes.

Planejamento E outro traço da P.B., que a distingue nitidamente da psicaná­ lise. Junto às metas e à duração do tratamento fixam-se os pontos fundamentais do processo terapêutico, que compreende um plano de tratamento prévio ao desenvolvimento do mesmo, e que chega a cobrir até a etapa final de avaliação de resultados (ver capítulo 5).

Quadro comparativo de algumas características teórico-técnicas da psicanálise e da psicoterapia breve de orientação psicanalítica Em forma de síntese e considerando-se as limitações que supõe todo esquema, será útil a esta altura expor em um quadro as caracte­ rísticas de um e de outro procedimento, a fim de se obter uma visão que nos facilite a discriminação entre ambos (ver página seguinte).

Outros conceitos de especial aplicação em psicoterapia breve (situação-problema, foco, ponto de urgência e hipótese psicodinâmica inicial) Uma prova a mais da confusão reinante no terreno teórico da PB. é a imprecisão com que os profissionais empregam corrente­ mente alguns termos, tais como foco ou ponto de urgência. Estes, que fazem parte de um jargão característico das terapias breves, nem sempre podem distinguir-se com facilidade uns dos outros. Diante de necessidade de alcançar uma conceitualização teórica su­ ficientemente clara, tentarei, na forma de proposta, precisar seu sig­ nificado, tendo em vista a obtenção de um maior discernimento.

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Descreverei sucessivamente: a) a situação-problema; b) o foco', c) o ponto de urgência e d) a hipótese psicodinâmica ini­ cial. Explicitarei, sobretudo, o que quero dizer pessoalmente com cada um desses termos, e estabelecerei tanto as diferenças funda­ mentais como as relações que existem entre eles.

Psicanálise

Fins terapêuticos

T É C N IC A

Duração

Psicoterapia breve de orientação psicanalitica

A exploração do incons­ Limitados. Superação de sin­ ciente. Resolução de con­ tomas e problemas atuais flitos básicos e seus deri­ vados. Reestruturação da personalidade Prolongada Indeterminada

Limita, babitualmente a con­ flitos derivados

Trabalho com os conflitos

Refere-se especialmente a Limita-se habitualmente a conflitos derivados conflitos básicos

Regressão. Dependência

São favorecidas

Não são favorecidas

Desenvolvimento e análise da neurose de transferência

Sim

Não

Análise de resistência

Intensiva

Limitada

Insight

Sim

Sim. Limitado. Referido so­ bretudo ao “dc fora”. Mais cognitivo que afetivo

Elaboração

Sim

Não. Processos geradores de mudanças

Fortalecimento e ativação das funções egóicas

Não (ou muito pouco)

Sim

Focalização

Não

Sim

Multiplicidade dos recursos terapêuticos

Não

Sim

Planejamento

Não

Sim

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Psicoterapia breve de orientaçãopsicanalítica a) A situação-problema

Com essa denominação tento indicar que se trata de uma situa­ ção que se torna presente na vida do indivíduo, diante da qual e por motivo de cuja ação descompensadora surgem ou podem surgir nele dificuldades de índole psíquica que operam como obstáculo para alcançar um desenvolvimento adequado. A situação-proble­ ma - ou situação crítica, situação-obstáculo, situação desencadeante, etc. - pode ser provocada por ocorrências tais como um exame, uma viagem ou uma intervenção cirúrgica próximas, a perda de um ser querido, um acidente, uma crise evolutiva como a da adolescência, uma gravidez, o nascimento de um filho, uma mu­ dança de trabalho, etc. Implica, então, referência a fatos que são manifestos e objetiváveis. Com relação a eles, e como conseqüência de uma falta de resolução favorável, aparecem no sujeito inibições e sintomas diversos (ansiedade, medo, depressão, distúrbios corpo­ rais, etc.), que costumam constituir o motivo (manifesto) da consul­ ta c que poderão ou não ser ligados pelo paciente - e pelo terapeuta às situações-problema que na realidade os provocam24. A existência de uma ou mais situações atuais dessa natureza pode ser detectada com freqüência em grande parte dos pacientes que solicitam assistência psiquiátrica, e que são passíveis de se­ rem tratados por meio da técnica breve. b) Ofoco

Constitui talvez um dos elementos mais característicos e dis­ tintivos da atual P.B. Muitos autores, entre os quais se destacam Stekel (50), F. Deutsch (8), Alexander (5), French (5), Wolberg (55), Bellak (6), Small (6) e Malan (40), assinalaram a conveniên­ cia de focalizar, quer dizer, de concentrar a tarefa terapêutica em determinado sintoma, problemática ou setor da psicopatologia do paciente. Mas foi sobretudo Malan, junto com Balint, quem se ocupou mais exaustivamente do foco terapêutico e promoveu a denominação terapia “focal” (40). Entre nós cabe citar muito especialmente Fiorini, a quem devemos o desenvolvimento de um modelo conceituai de foco (11). Ao propiciar uma centralização da tarefa, a focalização con­ tribui para tornar mais efetiva a atividade terapêutica em função

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das metas selecionadas e em uma terapia de duração limitada; mas não só uma limitação temporal a justifica: a técnica focal também é adequada àqueles pacientes que podem realizar psicoterapias sem prazo fixo de duração, e inclusive prolongadas, nas quais, por diversos motivos (idade avançada, por exemplo), o tra­ tamento psicanalítico é contra-indicado. O terapeuta pode, então, circunscrever-se a certos problemas do paciente, realizando uma abordagem interpretativa setorial e respeitar o resto de sua organi­ zação patológica e das áreas de sua vida. Trabalhar com uma técnica de “enfoque” implica, entre outras coisas (40): a) manter a coerência e a operatividade a res­ peito da fixação de objetivos terapêuticos prioritários, b) planejar o tratamento, c) combater a passividade e o perfeccionismo do terapeuta, d) contrapor-se ao desenvolvimento da neurose de transferência (há uma orientação constante em direção à realida­ de e ao atual do paciente). Contudo, a noção de foco ainda é, como assinala Fiorini (11) (13), sumamente ambígua e se confunde com a situação de crise (situação-problema), com os sintomas que motivam a consulta, com os pontos de urgência, com as metas do tratamento, etc. É evidente que não resultou fácil achar e adotar majoritariamente uma definição que expresse de modo pleno a natureza e o signifi­ cado do foco. A que formulou Malan, no sentido de ser “a inter­ pretação essencial, sobre a qual se funda toda a terapia” (40), tam­ pouco é, no meu entender, totalmente esclarecedora, já que, ao se revestir de um caráter técnico, não explica em que consiste ou como está constituído o foco. Comenta Fiorini: “A diversidade de significados que possam ser atribuídos à noção de foco ilustra o estado atual da teoria.” E acrescenta: “Sem um esforço de preci­ são e delimitação rigoroso de seus conceitos básicos não é possí­ vel construir uma teoria com certo grau de verificabilidade” (13). O que devemos entender realmente por foco? Como surge, como se configura e como se delimita, na prática psicoterapêutica? Procurarei encontrar minhas próprias respostas a essas perguntas. O foco deve ser concebido, primordial e essencialmente, a partir de uma perspectiva psicopatológica. Nesse sentido será definido como uma estrutura integrada pelos distintos fatores intervenientes na gênese da que foi escolhida como a problemáti-

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ca central do tratamento (uma determinada situação-problema e as manifestações sintomatológicas a ela ligadas), constituindo, ao mesmo tempo, uma hipótese ou um conjunto de hipóteses do terapeuta a respeito dos mecanismos operantes dentro de tal pro­ blemática, ou seja, da complexa interação existente entre os fato­ res. Podemos considerar que atua como um artifício teórico-técnico, especialmente válido para esses procedimentos, por meio do qual se tenta basicamente delimitar zonas da problemática geral do paciente e/ou dos episódios de sua vida, dirigindo preferentemente para aí, a partir desse momento, a exploração terapêutica, enquanto esta corresponde a uma finalidade também limitada e preestabelecida. O modelo teórico de foco que Fiorini desenvolveu é de gran­ de utilidade prática. Sucintamente recordaremos a estrutura do foco proposta por este autor: na prática terapêutica, todo foco tem um eixo central, que geralmente é definido pelo motivo da con­ sulta (sintomas, situações de crise). Subjacente e ligado ao motivo da consulta, existe um conflito nuclear exacerbado, o qual se inse­ re em uma situação grupai específica. Motivo da consulta, confli­ to nuclear subjacente e situação grupai são aspectos “de uma situação que condensa um conjunto de determinações”, e na qual um exame analitico nos permite distinguir zonas com diversos componentes: aspectos caracterológicos do paciente, aspectos histórico-genéticos individuais e grupais reativados, além de uma zona relativa ao momento evolutivo individual e grupai e outra de determinantes do contexto social mais amplo, à qual também se vinculam todos os componentes citados. Esses diver­ sos componentes se encontram atualizados e totalizados pela situação (11). Vejamos um exemplo a partir do caso da professo­ ra, citado anteriormente. Essa mulher, de 31 anos, solteira, professora rural de uma escola primária localizada no sul da Argentina, que se encontrava de passagem em Buenos Aires, consultou um serviço psiquiátrico hospitalar por ter apresentado episódios de paresia de ambos os membros inferiores, seguidos em certa ocasião de desmaio. Como o exame médico não revelasse nenhuma alteração orgâni­ ca, o diagnóstico se orientou na direção de uma afecção essencial­ mente psíquica. Paralelamente, cia se achava deprimida. Por outro

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lado, manifestou que tinha problemas de adaptação ao trabalho, ocasionados pela má relação que mantinha com a diretora da escola, a qual estava passando por um período de extrema tensão e a fazia sentir-se muito exigida e mesmo perseguida. Os sintomas, claramente vinculados a tal situação, tinham aparecido após áspe­ ras discussões com a diretora. A mãe desta última, por outro lado, havia sofrido de uma enfermidade crônica, com paralisia dos membros inferiores, tendo falecido há um ano. Descobriu-se que os sintomas e a situação desencadeante que constituíam o motivo da consulta correspondiam a um conflito da paciente com figuras femininas de autoridade, evidenciável através de diferentes experiências de sua vida. Esse é o conflito nuclear. A paciente residia em um lugar muito distante de seu meio familiar. Tempos atrás havia-se afastado de sua mãe - com quem vivia no norte do pais, e a quem descreveu como uma mulher sumamente autoritária e depreciativa para com ela - e radicou-se no sul, onde assumiu o trabalho docente. Seus irmãos (três mulhe­ res e dois homens) moravam por sua vez em diferentes locais do país. Seu pai, alcoólatra crônico, tinha-se ausentado do lar quatro anos atrás e se ignorava seu destino. Tratava-se, então, de uma família que correspondia ao tipo esquizóide (7), com seus mem­ bros distantes e dispersos ou ainda desaparecidos, como no caso do pai. Tudo isso faz parte da situação grupai Se procurarmos precisar os componentes dessa situação, veremos que: a) Entre os aspectos caracterológicos em jogo destacavase o conflito suscitado por uma instância superegóica muito severa, junto a uma busca oral regressiva de afeto através de conversões (identificação com a mãe da diretora - carinhosa­ mente cuidada por esta última até a morte - movida pelo desejo de ser tratada de modo semelhante; obtenção de benefícios secun­ dários de seus sintomas, ao ser assistida pelos demais professores, representantes dos irmãos, os quais também eram professores)25. Os principais mecanismos defensivos empregados nessas cir­ cunstâncias foram a repressão, a regressão, a projeção e a conver­ são. Apresentava traços histéricos de caráter, sobre uma estrutura que parecia basicamente melancólica. As funções egóicas esta­ vam em geral debilitadas, ainda que conservasse certa eficiência

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em seu trabalho e revelasse suficiente tolerância à dor para enfrentar uma psicoterapia de insight. Sua auto-estima se achava muito diminuída. b) Dentro do momento evolutivo individual e grupai cabe des­ tacar que sua migração, realizada com o objetivo de conseguir um desprendimento em relação à mãe e libertar-se de sua opressão, acarretou de imediato o incremento de suas carências afetivas e de seu sentimento de solidão e insegurança no novo meio, no qual custava a fazer amigos justamente quando se achava mais necessi­ tada para reafirmar-se em sua tentativa de emancipação. Aos 31 anos, sua falta de parceiro e seus fracassos amorosos anteriores pesavam, aumentando especialmente sua angústia e favorecendo o desenvolvimento de mecanismos regressivos, numa busca neuróti­ ca de afeto. A desconexão existente entre quase todos os membros do grupo familiar e sobretudo o desaparecimento do pai contri­ buíam para fazer deste um momento muito difícil para a paciente. c) Suas precárias condições econômicas eram outro fator pre­ mente que a obrigavam a um rápido restabelecimento para poder reintegrar-se ao trabalho (achava-se em gozo de licença), o qual era seu único meio de vida, ao mesmo tempo em que era fundamental para manter sua auto-estima (o magistério era altamente valorizado em seu meio social). Por outro lado experimentava um sentimento de inferioridade diante dos demais professores, já que se sentia víti­ ma dos preconceitos existentes contra os denominados cabecitas negras*. Estes são os determinantes do contexto social. De minha parte, e tentando uma síntese, entendo basicamen­ te que o foco, organizado sempre em tomo de uma situação-problema e dos sintomas provenientes desta, compreende em sua conformação uma conflitiva subjacente mais ou menos ampla e complexa, que podemos chamar conflitiva focal, com um conflito infantil e primário, edípico ou pré-edípico, ao qual se remete em última instância tal conflitiva, e que vem a constituir o nó da estrutura focal (ver O trabalho com os conflitos, pp. 22 a 24. No exemplo antes citado, a conflitiva focal é representada fundamen* Expressão pejorativa semelhante à nossa “cabeça chata”, utilizada nas cida­ des para se referir àqueles que têm origem rural e sangue indígena, apresentando tez escura e cabelos negros e lisos. (N. do T.)

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talmente por conflitos derivados, que encontram sua expressão no ambiente de trabalho, no qual a paciente repete aspectos de suas relações familiares (em especial com a diretora), e que se origina­ ram a partir de um conflito primário com a figura materna, enrai­ zado em fixações edípicas e pré-edípicas a ela. A escolha por parte do terapeuta, de uma situação-problema e do conseqüente foco para sua abordagem preferencial num tra­ tamento breve depende, entre vários fatores, de seus critérios pes­ soais e de sua experiência prévia. Esses gravitarão em torno de suas impressões quanto à patologia do paciente, sobretudo no que diz respeito à determinação das perturbações que privilegiará, e que poderão ser tratadas com possibilidades de êxito terapêutico nas condições de que disponha para levar adiante o tratamento. Eventualmente, diante de um mesmo caso e num mesmo momen­ to, dois ou mais terapeutas poderão chegar a diferir na escolha26. Ao começar uma terapia focal, dever-se-á contar pelo menos com um esboço inicial de foco terapêutico, configurado a partir das descobertas obtidas nas entrevistas clínicas e no psicodiagnóstico. Numa terapia breve, quanto mais precoce e mais claramente demarcável for o foco, melhor será o prognós­ tico do tratamento, pois permitirá um trabalho mais efetivo. No começo, muitas vezes, os limites focais são imprecisos27. Durante o processo terapêutico costuma-se assistir a uma “evolução” desse mesmo foco, através da qual, em virtude da técnica de “enfoque” empregada, tal foco não só vai-se deli­ mitando melhor, quer dizer, se cristalizando, mas também o terapeuta obtém um aprofundamento na compreensão de seus psicodinamismos28. Um critério psicanalítico para a investiga­ ção do foco deverá privilegiar o reconhecimento das raízes in­ fantis da conflitiva focal, ainda que nem por isso tenha de de­ sembocar forçosamente na tentativa de proporcionar insight ao paciente acerca dos mesmos, o qual dependerá, como já vimos em parte (p. 23), de diversos fatores. A evolução habitual do foco com o trabalho terapêutico pode ser observada no esquema desta página. Às vezes teremos de mudar o foco e as metas terapêuticas em pleno tratamento. Isso pode ocorrer: a) surgindo situações novas, imprevistas e traumáticas na vida do paciente, que obriguem uma recolocação e o adiamento da tarefa programada inicialmente;

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Psicoterapia breve de orientação psieanalítica P rocesso terapêutico

D iagnóstico

1. L im ites confusos no com eço

2 e 3. O foco vai-se delim itando m ais claram ente na superfície (pode ser relativam ente isolado de outras conflitivas) e crescendo em profundidade

b) ante revelações do paciente, durante a terapia, de certos fatos ou sofrimentos de importância, que omitiu deliberada ou involu­ ntariamente no começo, que tornam aconselhável modificar tanto o foco como os objetivos29; c) como circunstância habitual nos estágios finais dos tratamentos, diante da iminente separação paciente-tcrapeuta. Em torno do término se vai perfilando um novo foco - diante da significação singular que este possa alcançar em cada paciente, dadas sua história e características pessoais - que se superpõe primeiro ao anterior no processo terapêutico, poden­ do, depois, ocupar exclusivamente o primeiro plano. c) O ponto de urgência

Esse conceito, já conhecido dentro da técnica psieanalítica, também se reveste de grande importância prática na P.B.. No meu entender, o ponto de urgência corresponde à situação psí­ quica inconsciente de conflito que, pela ação de fatores atuais, predomina no sujeito num dado momento, sendo motivo de de­ terminadas ansiedades e defesas. Por exemplo, temor inconscien­ te de ser abandonado pelo terapeuta, que gera um incremento da angústia e uma reação defensiva de desprezo e hostilidade em relação a ele30.

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Freqüentemente a detecção do ponto de urgência conduz, co­ mo a própria denominação sugere, ao trabalho terapêutico imedia­ to do mesmo; daí seu valor clínico. Sua busca parte de uma inter­ rogação que o terapeuta se formula: a que obedece a ansiedade do paciente neste momento? Pressupõe, então, a indagação a respeito de um ponto crítico, que adquire de imediato prioridade no traba­ lho terapêutico, pois mobiliza ansiedades e produz descompensa­ ção no paciente. Para esse ponto deverão orientar-se, em conseqüência, as distintas medidas terapêuticas. Interessam sobretudo as interpretações: o fato de que estas obtenham uma repercussão emocional efetiva no paciente dependerá fundamentalmente de que estejam ou não dirigidas para o ponto de urgência. O ponto de urgência pode ser inerente ao foco (focal) - subjazindo diretamente à situação-problema ou ligando-se a fatos que correspondem de algum modo à conflitiva focal - ou ser rela­ tivamente estranho a ele (extrafocal). Este último acontece com freqüência, sendo, por exemplo, o caso de situações de emergên­ cia inesperadas (a morte de um ser querido, um roubo, etc.) que costumam apresentar-se durante o tratamento, afetando o pacien­ te, e que “saem do foco”. Também nessas ocasiões é imprescindí­ vel atender ao ponto de urgência, auxiliando o paciente; pretender continuar nesse momento o trabalho com a conflitiva focal, for­ çando o paciente, apesar e por cima da ansiedade que essa situa­ ção imprevista nele provoca, é uma obstinação que, além de reve­ lar falta de senso comum, resulta ineficaz. Precisamente para po­ dermos voltar a nos ocupar produtivamente da problemática prin­ cipal do tratamento, precisaremos antes desembaraçar o campo dos estímulos traumáticos que impedem circunstancialmente que o paciente concentre seu interesse naquela problemática, pertur­ bando assim a focalização do trabalho terapêutico. Somente quan­ do a calma tiver sido restabelecida, o paciente poderá recuperar a capacidade de concentração focal necessária. Enquanto um tratamento breve costuma se desenvolver sobre a base de uma estrutura focal (11) apenas ou no máximo de dois focos (toda vez que se leve em conta o que se relaciona à sepa­ ração definida, pela conclusão da terapia), o ponto de urgência é, pelo contrário, variável. Na verdade deveriamos empregar o plu­ ral e dizer os pontos de urgência, pois são vários os que se suce­

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dem, desde as entrevistas iniciais51 até as etapas finais do trata­ mento. Tais pontos são diferentes entre si, ainda que em sua maior parte se incluam numa mesma conflitiva focal52. Tal variabilidade se deve à influência de diversos estímulos procedentes dos mundos interno e externo do paciente. Entre estes últimos distinguimos: a) os que são próprios de sua vida cotidiana e b) os que provêm da atividade terapêutica. Com relação aos estímulos citados em b é desejável, em certa medida, que o ponto de urgência vá-se modi­ ficando, já que isso pode ser indício de uma mobilização afetiva útil, produzida pela atividade terapêutica. d) A hipótesepsicodinâmica inicial

Também é chamada de hipótese psicodinâmica mínima (40), formulação psicodinâmica (55), formulação psicodinâmica pre­ coce (17), etc. Em meu conceito, a hipótese psicodinâmica inicial pode ser entendida como um esboço reconstrutivo da história dinâmica do paciente, uma tentativa de compreensão global de sua psicopatologia que tende a incluir todas as perturbações do paciente que nos sejam conhecidas (40) (entre as quais se destacam as corres­ pondentes ao foco), e que se constitui a partir dos dados que aflo­ ram nas primeiras entrevistas e no psicodiagnóstico. A concepção dessa hipótese psicodinâmica inicial está regi­ da pelas teorias psicanalíticas (determinismo psíquico, sobredeterminação, séries complementares, etc.). Tem caráter provisório, pois é susceptível de ser confirmada, ampliada ou retificada, com base nas descobertas obtidas durante o tratamento. Enquanto a estrutura do foco se organiza, única e exclusiva­ mente em torno de uma determinada situação-problema da vida atual do paciente, envolvendo apenas certos setores de sua psicopatologia, a hipótese psicodinâmica inicial, tal como a concebo, é mais abrangente, englobando inclusive a hipótese focal". Pode­ riamos dizer que enquanto o foco aponta mais especificamente para o campo das situações que deverão ser trabalhadas terapeuticamente, tentando modificações e resoluções, a hipótese psico­ dinâmica inicial alude, além disso, aos conflitos restantes - extrafocais - do paciente, ou seja, a tudo o que dinamicamente pode­

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mos compreender e inferir acerca deste, e que não necessariamen­ te tentaremos modificar. A elaboração de uma hipótese psicodinâmica inicial por parte do terapeuta ou da equipe terapêutica permitirá: a) extrair elementos suficientes para uma devolução diagnostica (D.D.) ao paciente (ver capítulo 4, p. 67), que por sua vez aciona a busca de acordo com o paciente sobre as metas terapêuticas (M.T.), b) desenvolver um plano (P) de tratamento (ver capítulo 5), coerente com a hipótese formulada e com os objetivos selecionados. Tentarei esquematizar resumidamente as seqüências que ocor­ rem na prática psicoterapêutica, nas quais se integram as várias noções expostas até aqui34.

Resultados e mecanismos terapêuticos A experiência clínica tem demonstrado que com o método breve é possível obter efeitos terapêuticos altamente benéficos e duradouros, que podem ser verificados por meio de acompanha­ mentos. Malan sustenta que podem ser alcançados bons resulta­ dos em uma ampla variedade de casos, os quais não se reduzem aos pacientes cuja psicopatologia seja leve e de sintomas recen­ tes (40). Os resultados positivos, que abarcam desde o puro alívio ou a eliminação da ansiedade e de outros sintomas até modificações na estrutura da personalidade, devem ser investigados a partir de critérios dinâmicos. Diante de tais mudanças indagamo-nos acer­ ca de sua natureza íntima, seu alcance e sua estabilidade. Mas neste ponto desejo formular uma advertência: não devemos per­ der de vista que os resultados, em cada caso, devem ser avaliados, inicial e primordialmente, em relação ao que acontece com a situação-problema e seus sintomas; de outro modo, e com a fina­ lidade de investigar o grau de eficácia desses tratamentos, nossa atitude não seria coerente com suas finalidades terapêuticas, na medida em que buscássemos o que não corresponde diretamente a elas, erro no qual muitos incorrem. Num segundo momento poder-se-á, sim, concentrar o interesse na indagação das modifica­ ções que transcendam as metas terapêuticas fixadas.

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Entre os resultados favoráveis que se registram, podemos mencionar: 1. Alívio ou supressão dos sintomas. 2. Mudanças com relação a perturbações próprias da situação-problema (superação de inibições, desenvolvimento mais ade­ quado e eficaz, aquisição ou recuperação da capacidade de tomar decisões). 3. Aquisição de consciência da enfermidade psíquica. 4. Elevação, recuperação ou auto-regulação da auto-estima. 5. Outras modificações favoráveis (referentes a dificuldades em diversas áreas da vida do sujeito, tais como sexualidade, rela­ ções familiares, de amizade ou trabalho, estudo, etc., principal­ mente as que não foram abordadas de maneira direta durante a psicoterapia). 6. Consideração de projetos para o futuro (esboço de planos a respeito de diferentes atividades da experiência de vida do su­ jeito). 7. Modificações na estrutura da personalidade. A P.B. pode resultar também absolutamente ineficaz em al­ gumas situações, sobretudo quando se trata de pacientes cuja patologia é grave; não são raras as recaídas. (O tema dos resulta­ dos desfavoráveis e os riscos do tratamento breve se desenvolvem no capítulo 10.) Voltando aos resultados positivos da terapia breve, cabe per­ guntarmos: A que mecanismos respondem? É possível definir o processo de mudança existente? Eis aqui uma questão que ainda não está totalmente elucidada e que entra no terreno da investiga­ ção, estando estritamente ligada ao problema da estabilidade das mudanças, ou seja, ao tempo em que estas se mantêm, e ao alcan­ ce das mesmas, isto é, a maior ou menor extensão que registram em relação às áreas de conduta35e/ou da vida do paciente (sexuali­ dade, trabalho, estudo, etc.). E evidente a participação de diversos mecanismos terapêuti­ cos nesses procedimentos, em virtude dos distintos recursos e estratégias operantes (13) (14); sem dúvida resulta particularmen­ te difícil precisar, do ponto de vista metapsicológico, certos pro­ cessos geradores de mudança em relação ao tipo de atividade tera­ pêutica desenvolvida.

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Como não pretendo oferecer aqui um panorama amplo sobre o tema, centrar-me-ei em mecanismos que, além de importantes na gênese de modificações dinâmicas e duradouras, configuram atrativos pontos de investigação. São eles: o insight e a elabora­ ção, temas que já abordei antes (pp. 30 ss.), mas que é necessário voltar a considerar. Deixarei de lado o fortalecimento e a ativação das funções cgóicas, processos dignos de se considerar, mas que já foram muito bem descritos por Fiorini (10) (12). Direi unicamente que não só costumam conduzir à consolidação dos ganhos obtidos pelo paciente através da terapia, em particular das condutas adaptativas, mas também a outras modificações favoráveis, que costu­ mam ser traduzidas num desempenho eficaz em distintas áreas de sua vida, permitindo ampliar o alcance ou a extensão das mudan­ ças a partir de uma elevação da auto-estima, c num maior desen­ volvimento de sua iniciativa pessoal e das diferentes capacidades egóicas. O paciente agora ousa ensaiar outras atitudes e levar adiante ações que antes se via impedido de realizar por sentimen­ tos de insegurança e desvalorização. Tampouco me ocuparei aqui dos mecanismos somente volta­ dos para produzir alívio dos sintomas (catarse, sugestão, adminis­ tração de psicodrogas, etc.), nem da cura transferenciai (à qual Alexander e French conferem valor terapêutico [2] [4] [16]36) nem, por último, de certo tipo de falsa solução do conflito, assina­ lado por Malan (40), que logo citarei37. O insight em P.B. relaciona-se fundamentalmente eom os conflitos focais do paciente. A eficácia de tal insight seria discutí­ vel porque, como temos visto (pp. 31ss.), provém principalmente da análise das situações da realidade externa do paciente. A ques­ tão centra-se em saber se confiamos ou não no valor terapêutico de um insight que em geral não se baseia na análise exaustiva da neurose transferenciai. Para alguns autores, não tem validade por esse motivo; além do mais, ao conceber - equivocadamente, em minha opinião - que o insight em P.B. deva ser exclusivamente de natureza cognitiva, atribuem-lhe apenas efeitos superficiais adaptativos. Outros, entre os quais me incluo, reconhecem nele, apesar de suas restrições, uma maior efetividade. Penso que, por influên­ cia de um insight parcial do conflito derivado, o paciente com fre-

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qüência pode conseguir uma resolução, também parcial, prove­ niente da obtenção de certas modificações dinâmicas no conflito, pelo qual este costuma ao menos diminuir de intensidade, eviden­ ciando-se clinicamente uma melhora nas dificuldades concernen­ tes à situação conflitiva. A eficácia terapêutica resultante da ação destes procedimentos é satisfatória para um grande número de situações ou quadros clínicos, ainda se contarmos com a possibi­ lidade de ocorrerem recaídas em virtude da multideterminação dos sintomas; contudo, como diz Wolberg, “uma solução parcial é melhor do que nenhuma” (55)38. De todo modo, o insight é o mecanismo graças ao qual a melhora conseguida terá mais possibilidade de se manter. For­ nece, além disso, consciência da enfermidade, o que facilitará futuras consultas, caso sejam necessárias, ajudando a conceber projetos de vida com base no autoconhecimento obtido com o tra­ tamento, de possibilidades e limitações pessoais. Finalmente, a extensão e a aplicação do insight do conflito no paciente a dife­ rentes contextos (elaboração) explicaria a amplitude das mudan­ ças, refletidas em outras modificações favoráveis que às vezes se produzem. “Na prática (...), (a) elaboração das resistências pode consti­ tuir-se num penoso trabalho para o analisado e numa dura prova para a paciência do médico. Mas também constitui parte do traba­ lho que efetua as maiores mudanças no paciente e que distingue o tratamento analítico de qualquer tipo de tratamento por sugestão” (27). A frase de Freud (1914) seria lapidar para aqueles que pre­ tendessem conceber um processo terapêutico de tempo e objeti­ vos limitados, capaz de promover alguma mudança dinâmica na conduta ou na personalidade do paciente. Chega-se então às se­ guintes conclusões: não é possível conseguir modificações pro­ fundas, e toda psicoterapia que não cumpra a citada condição de elaboração das resistências é um trabalho só de sugestão. Que os analistas mantenham hoje taxativa e estritamente tais princípios é compreensível, mas acontece que alguns vão mais longe e rejei­ tam a opção da terapêutica breve por considerá-la totalmente ine­ ficaz. Com a mera interpretação do conteúdo, não acompanhada de uma análise intensiva e de uma elaboração das corresponden­ tes resistências - dizem - o paciente não conseguiría alcançar

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uma verdadeira ou suficiente conscientização (45)39. Apenas con­ seguiría um insight “intelectual”, insuficiente para que se produ­ zam nele modificações em um nível mais profundo. Isso parece acontecer com a P.B., do ponto de vista da teoria, mas talvez a prá­ tica da mesma nos demonstre outros fatos. Não creio que na tera­ pêutica breve as coisas devam ser situadas de modo inapelável num extremo: se considerarmos as resistências, vemos que de fato não podem ser interpretadas rigorosamente como na psicanálise, mas o terapeuta ocupa-se delas em certa medida a fim de reduzir sua intensidade, principalmente no que respeita à oposição do pa­ ciente ao insight da problemática focal40; e não pode ser outro o caminho para se conseguir que o paciente tome consciência real de suas tendências inconscientes. Já no terreno da experiência clínica, encontramos vários in­ vestigadores que reconhecem a existência de importantes mudan­ ças dinâmicas em pacientes que foram tratados com o método breve. Apesar de, ao empregarmos tal método, não nos propor­ mos a obter, por exemplo, modificações profundas na estrutura da personalidade, em certas ocasiões é possível observar, sobretudo pelas entrevistas de acompanhamento e no psicodiagnóstico (32), a presença de mudanças favoráveis, que chamam a atenção da personalidade, cujos mecanismos não têm sido explicados satisfa­ toriamente. Com respeito ao psicodiagnóstico, é significativo que os estudos efetuados pouco depois de finalizado o tratamento bre­ ve não registrem um progresso maior, o que pode acontecer quan­ do se realizam vários anos depois, e sem que haja mediado outro tratamento psicoterapêutieo (32). Isto nos remete a um processo ativo de mudança que ocorre no paciente durante esse período. Wolberg, um dos autores mais entusiastas das mudanças que se podem esperar nas terapias breves, talvez peque por um exces­ so de otimismo. Afirma este autor (55) que um tratamento curto adequadamente conduzido pode desencadear, a partir da solução de um aspecto do problema do paciente, um processo evolutivo, uma reação em série, que com o avançar dos anos promova uma mudança interior, e até prepare “alterações substanciais na perso­ nalidade que lhes abram (aos pacientes) o caminho para uma auto-realizaçào mais completa”41. “No final do tratamento - diz -

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não há por que deter o processo de transformação do paciente, que pode perdurar pelo resto de sua vida. Essa circunstância não é fortuita: é um acerto do psiquiatra, que com sua intervenção con­ segue liberar as forças construtivas latentes42 na pessoa do enfer­ mo Assinala, além disso: “Édifícil, retrospectivamente, de­ fin ir o ocorrido, e ainda mais difícil deduzir dessa experiência regras precisas aplicáveis a outros casos.” Pouco mais adiante continua: “As vezes se produz uma reação em cadeia, sem que intervenha, ao que parece, nenhuma deliberação consciente, e em virtude de forças que escapam ao nosso conhecimento. A obser­ vação pós-clínica pode revelar amplas mudanças que apenas se adivinhavam ao terminar o tratamento.” (Os grifos são meus.) Wolberg às vezes reitera essas opiniões e esses resultados de sua própria experiência. Também Alexander sustenta idéias simi­ lares a algumas das que propõe Wolberg: “O importante é que a cura nunca se realiza totalmente durante o tratamento. Neste co­ locamos o paciente sobre a pista, e então o ego assume a direção. As vezes basta eliminar um bloqueio emocional para que o ego comece a atuar (...), etc.”(2). Noutro lugar expressa Alexander: “Também na psicanálise confiamos nas faculdades regeneradoras do ego. Referimo-nos a elas de uma maneira bem mais vaga, como o desejo, a vontade do paciente de se curar, ou ainda, mais vagamente, como sua capacidade de cooperação” (4). (Os grifos são meus.) Logicamente, as possibilidades de progresso são variáveis em cada caso e dependem não só de suas próprias potencialida­ des, mas também de outros fatores, como por exemplo as condi­ ções de seu meio ambiente. Diz Alexander: “Até onde chegará o impulso do tratamento é sempre uma interrogação sem resposta ao finalizar uma análise41, pois o tratamento carece de qualquer medida exata para se verificar a mudança psíquica ou se preverem os acontecimentos futuros” (3). Ainda que aceitemos que mudanças profundas ocasional­ mente ocorram, inclusive na estrutura da personalidade, deve­ mos convir que não há respostas que revelem a natureza íntima do processo que gera essas mudanças, e do qual falam Wolberg e Alexander, mesmo que, convém esclarecer, não sejam levantadas hipóteses explicativas definidas tampouco se recorra, em nenhum

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momento, ao termo elaboração, quando se mencionam esses me­ canismos autônomos (2) (4) (55). De minha parte penso que tais mecanismos poderíam estar ligados ao menos parcialmente a uma espécie de processo “elaborativo”, que, ainda que só em pe­ quena escala, desenvolver-se-ia nos tratamentos breves, contan­ do com uma etapa pós-terapêutica provavelmente muito impor­ tante (ver pp. 32 ss.)44. No processo de investigação há ainda, nesse campo, muito trabalho pela frente.

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Fundamentos teóricos

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. “L a h iste ria . 2 ) H isto ria le s c lín ic o s : Isa b e l d e R .”, e m S. F re u d , ob. cit. e m 18, to m o I.

2 4 . __,“ L a in ic ia c ió n d e i tra ta m ie n to ”, e m S. F reu d , ob. cit. e m 18, to m o II. 2 5 . __, “ L a in te rp re ta c ió n d e lo s s u e n o s ” , em S. F re u d , o b . c it. em 18, to m o I. 2 6 . __, “ L o s c a m in o s d e la te ra p ia p s ic o a n a lític a ” , em S. F re u d , ob. cit. e m 18, to m o II. 2 7 . _., “R e c u e rd o , re p e tic ió n y e la b o ra c ió n ” , e m S. F reu d , ob. cit. em 18, to m o II. 28. G illm a n , R. D ., “ B r ie f p sy c h o th e ra p y : a p sy c h o a n a ly tic v ie w ” , Amer. J. Psychiat., 1965. 29. G re e n so n , R. R ., “ L a a lia n z a d e tra b a jo y la n e u ro s is tra n s fe re n c ia i” , A p o stila A so c. P sic o a . A rg T ra d u z id o d e The Psychoanalytic Quarterly, V , X X X IV , 1965. 30. G re e n so n , R. R. e W e x le r, M ., “ L a re la c ió n n o tra n sfe re n c ia i en la situ a c ió n a n a lític a ” , A p o s tila A soc. P sicoa. A rg. T ra d u z id o do International Journal ofPsycho-Analysis, vol. 5 0, p a rte I, 1969. 31. G rin b erg , L., “P sic o a n á lisis” , em G . V idal, H . B leich m ar e R. J. U sand ivaras, Enciclopédia de Psiquiatria, El A te n e o , B u e n o s A ires, 1977.

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Psicoterapia breve de orientação psicanalítica

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TÉCNICA

4. Entrevistas preliminares

Introdução É sabido que as entrevistas iniciais têm importância decisiva para o futuro do processo terapêutico a ser desenvolvido. No campo da P.B., as principais finalidades de tais entrevis­ tas são: • O estabelecimento da relação terapêutica. • A elaboração da história clínica. • A avaliação diagnostica e prognostica. • A devolução diagnóstico-prognóstica. • O contrato sobre metas terapêuticas e duração do tratamento. • A explicitação do método de trabalho e a fixação das demais normas contratuais. O número de entrevistas a se realizar, variável em cada caso, será o que se revele necessário para atingir os fins enunciados. Veremos a seguir cada um destes pontos.

O estabelecimento da relação terapêutica Neste aspecto, as entrevistas preliminares desempenham um papel fundamental. Dos primeiros contatos com o paciente de­ pende, em boa parte, o destino da relação deste com seu terapeuta

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Psicoterapia breve de orientação psicanalitica

(que poderá ser ou não aquele que o tenha entrevistado). Trata-se então de poder criar condições favoráveis para a instauração de um vínculo terapêutico, em relação ao qual importa muito a con­ duta que assuma o entrevistador, quer dizer, sua contribuição para o estabelecimento de uma relação de trabalho. Será benéfico que possa mostrar-se interessado pelos problemas do paciente, dis­ posto a oferecer-lhe sua ajuda e confiante em seu método terapêu­ tico, além de claro e explícito, desde o primeiro momento, em sua comunicação com o paciente. Para isso convém que lhe comuni­ que previamente a finalidade das primeiras entrevistas (conhece­ rem-se mutuamente, realizar um estudo o mais completo possível de seu caso para poder decidir a conduta terapêutica a ser seguida, etc. ) e que, no decorrer das mesmas, informe-o detalhadamente a respeito dos diferentes aspectos do tratamento que seguirá. A experiência clínica demonstra que tais atitudes ajudam bastante no estabelecimento de uma relação terapêutica. Tenta-se, desse modo, diminuir as resistências produzidas por preconceitos, mal­ entendidos ou temores a respeito do tratamento, tudo o que pode facilmente conduzir à deserção (4). Em essência, terá que comba­ ter a ambigüidade, fomentadora de condutas resistenciais e fenô­ menos regressivos. O entrevistador deverá, além disso, assumir um papel ativo, dirigindo os diversos momentos das entrevistas em função dos objetivos desta fase do procedimento, essencialmente diagnostica e contratual. Formulará perguntas, fornecerá informação, etc., e às vezes poderá recorrer a assinalamentos e interpretações. Considero que o emprego de interpretações nas entrevistas iniciais deva limitar-se principalmente aos seguintes fins: a) esclarecer e orientar a relação transferenciai quando sur­ jam obstáculos a ela que ameaçam inclusive provocar a deserção do paciente; b) efetuar uma devolução diagnóstico-prognóstica, na qual pode-se recorrer às chamadas interpretações panorâmicas (ver p. 72), c) detectar a capacidade do paciente para efetuar uma psico­ terapia de insight, empregando isolada e prudentemente interpre­ tações de ensaio (1)'.

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Entrevistas preliminares

A história clinica Em P.B. é necessário realizar uma indagação exaustiva dos dados do paciente. Uma história clínica em que se leva em conta esta indicação poderá oferecer-nos elementos valiosos para com­ preender melhor a natureza dos problemas atuais do paciente, em relação à sua história de vida, mediante a descoberta de situações traumáticas, modos patológicos e repetitivos de conduta, etc. A respeito da metodologia a ser empregada, cabe recomen­ dar a adoção de um modelo de anamnese como ponto de referên­ cia, embora isso não implique que se tenha de seguir uma ordem rígida para interrogar o paciente. Convém assinalar o interesse particular de que se reveste em P.B. a indagação do motivo da consulta. O habitual é que este se ache ligado à situação-problema que dará lugar ao tratamento. Será conveniente obter amplas informações sobre os antecedentes dessa situação-problema, os sintomas que a acompanham, os fatores desencadeantes, etc. Essas averiguações podem ser reali­ zadas deixando-se em primeiro lugar que o paciente exponha li­ vremente suas dificuldades atuais, ou seja, através dos momentos livres da entrevista, que logo poderá ser dirigida ou semidirigida quando for necessário obter determinados dados do paciente (antecedentes familiares e pessoais).

Avaliação diagnostica e prognostica

Avaliação diagnostica E preciso efetuar uma ampla e minuciosa avaliação diagnos­ tica do paciente, que não deve permanecer circunscrita ao diag­ nóstico clínico, insuficiente para efetuar a formulação prognosti­ ca e a indicação terapêutica (psicoterapia breve, psicoterapia em que predomine o insight ou de apoio, psicoterapia prolongada, de grupo, etc.), a escolha de objetivos e o planejamento do tratamen­ to2. Se se decide pela realização de uma terapia de duração limita­ da, esta demandará, com maior razão ainda, um conhecimento

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prévio do paciente o mais profundo possível (hipótese psicodinâmica inicial) para organizar o plano terapêutico correspondente. Os elementos necessários para os distintos diagnósticos devem ser obtidos basicamente por meio de entrevistas clínicas e de testes psicológicos, aos quais podem somar-se outros exames, que as circunstâncias requeiram (exame médico geral, neurológi­ co, eletroencefalográfico, etc.). Consideramos aqui: 1) O diagnóstico nosográfico-dinâmico, que inclui as condições egóicas; 2) A avaliação do grau de moti­ vação para o tratamento e de atitudes para o “insight 3) A deter­ minação do foco.

O diagnóstico nosográfico-dinâmico Implica o diagnóstico atual da enfermidade do paciente (neu­ rose, caracteropatia, psicopatia, psicose) e de personalidade. Exem­ plo: depressão reativa num neurótico obsessivo, cuja personalida­ de apresenta um predomínio de traços paranóide-obsessivos. Devem incluir-se também: O diagnóstico do tipo de grupo familiar de origem, sua inci­ dência na problemática atual, além da influência que possa exer­ cer o meio ambiente, compondo na realidade um diagnóstico psicossociopatológico. Uma avaliação das condições egóicas, para a qual se investi­ gam os recursos de que dispõe o ego do paciente, quer dizer, seus aspectos adultos ou sadios, que serão os aliados do terapeuta, e suas debilidades. Este último fato permitirá que se tomem os cui­ dados necessários diante das prováveis dificuldades que pode­ ríam sobrevir durante o tratamento, o qual, além disso, procurará contribuir, por meio do trabalho terapêutico, para que o paciente adquira ou recupere as capacidades egóicas que lhe faltam. Em psicoterapia breve interessa indagar principalmente: a) As funções egóicas básicas (percepção, atenção, memória, pensamento, etc.). E elementar que estas funções se apresentem em condições mínimas para tomar possível a psicoterapia. b) As relações objetais. Segundo Bellak e Small, elas serão examinadas, no que diz respeito à sua qualidade e intensidade e

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aspectos manifestos e latentes (2), a partir da conduta evidenciada pelo paciente durante as entrevistas clínicas, da história de suas relações interpessoais, de suas fantasias, sonhos, recordações, de nossa contratransferência e dos dados fornecidos pelos testes psi­ cológicos. Essas indagações são de grande valor para efetuar um prognóstico e uma estratégia terapêutica, porque nos permitem prever, em certa medida, as características da relação transferen­ ciai durante a terapia, a maior ou menor capacidade do paciente para estabelecer uma boa relação terapêutica, os inconvenientes que nesse sentido podem surgir durante o tratamento, e muito especialmente o momento do término da terapia e do desligamen­ to do terapeuta. c) O controle de impulsos. Pode ser excessivo ou, pelo con­ trário, estar diminuído. Em ambos os casos, será necessário tomar certas medidas terapêuticas (emprego de técnicas dramáticas em um, aumento do número de sessões em outro, etc.). d) A tolerância à ansiedade e à frustração. Trata-se de detec­ tar as condições do paciente para tolerar uma psicoterapia interpretativa, em virtude da mobilização afetiva que esta costuma produzir (para isso, pode-se apelar para diversos recursos, entre eles as interpretações de ensaio [1], nas primeiras entrevistas, para comprovar sua reação às mesmas), assim como sua capacida­ de para superar sem maiores conseqüências o luto causado por sua separação do terapeuta no fim da terapia (convirá averiguar a existência de lutos na história do paciente, e que repercussão tive­ ram nele). e) Os mecanismos defensivos. Será necessário precisar as principais defesas empregadas pelo paciente, determinação que é de grande importância para a indicação terapêutica, para o plane­ jamento e para o prognóstico. Exemplo: um repertório reduzido de defesas estereotipadas será um elemento prognóstico desfavo­ rável para uma psicoterapia de insight; em contrapartida, a varie­ dade de mecanismos defensivos tomará favoráveis as perspecti­ vas prognosticas. f) A regulação da auto-estima. Em geral, os que procuram terapia apresentam uma diminuição da auto-estima, devendo o trabalho terapêutico resultar numa elevação da mesma.

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Finalmente chegaremos à avaliação da potência e plasticida­ de do ego.

Avaliação do grau de motivação para o tratamento e das atitudes para o "insight" Diversos indicadores, provenientes das entrevistas diagnosti­ cas e da realização dos testes psicológicos, nos dão uma idéia acerca do grau de motivação do paciente para receber ajuda tera­ pêutica, isto é, para assistir às sessões de tratamento, e em espe­ cial sobre sua motivação e condições para o insight (8). Suas res­ postas às interpretações de ensaio (1) e assinalamentos nos darão a medida de sua capacidade de auto-observação, sua resistência ou sua permeabilidade ante as intervenções do terapeuta. Diretamente ligado à capacidade de insight do paciente achase seu grau de consciência da enfermidade, que também terá de ser detectado. A motivação para o trabalho terapêutico é susceptível de ser estimulada durante as primeiras entrevistas e no decorrer do trata­ mento. A esse respeito cabe assinalar o papel fundamental que de­ sempenha a forma pela qual o entrevistador faz a devolução diagnóstico-prognóstíca para o paciente no começo da relação.

Determinação do foco Trata-se da possibilidade de precisar e delimitar um foco, passo tecnicamente essencial para nosso trabalho terapêutico pos­ terior. Quando se trata de quadros agudos (neuroses traumáticas, depressões reativas), que devem resolver-se através do tratamen­ to, a escolha e a demarcação do foco são facilitadas, do mesmo modo que a definição dos objetivos terapêuticos. Outras vezes torna-se mais dificultosa, se o paciente apresenta transtornos ge­ neralizados em todas ou em quase todas as áreas de conduta, de tal forma que não conseguimos destacar um problema ou conflito como ponto de partida, sobretudo se não há uma situação definida

Entrevistas preliminares

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de urgência que predomine; em outras palavras, não encontramos “a ponta do novelo” para abordar o caso através de uma terapia setorial (trata-se de indivíduos com sérias alterações de personali­ dade, cuja enfermidade data de muitos anos, em geral caracteropatas, boderline ou neuróticos crônicos). A determinação do foco e o aprofundamento em sua conflitiva engloba o diagnóstico do ponto de urgência e acha-se por sua vez compreendida dentro da formulação psicodinâmica antecipa­ da, já que esta última não é outra coisa senão uma hipótese diag­ nostica integral, enquanto os diferentes diagnósticos e avaliações citados até aqui constituem as versões interpretativas parciais de tal formulação.

Papel do psicodiagnóstico Embora este não seja meu campo específico de atividade, desejo fazer algumas considerações a respeito5. A aplicação de testes psicológicos é muito útil para o diag­ nóstico, prognóstico e para as indicações e contra-indicações da terapia breve. Quando se recomenda esse tipo de tratamento, essa aplicação adquire suma importância no planejamento terapêutico. Tenho dito e o repito: em P.B. coloca-se a necessidade de se obter, de antemão, um conhecimento amplo e profundo acerca do paciente, que facilite a formulação da hipótese psicodinâmica ini­ cial e conseqüentemente nossa tarefa terapêutica, com a base num plano de trabalho determinado, pelo menos em seus traços princi­ pais. Sobretudo se a terapia é de duração limitada, não haverá tempo para esperar a emergência de certos conteúdos, como num tratamento analítico. Daí que a aplicação de testes deveria efetuarse de maneira sistemática em pacientes para os quais se prevê a realização de um tratamento breve e planejado, ou pelo menos nos casos em que se esbarre com dificuldades diagnosticas e/ou tera­ pêuticas4. Sou dos que pensam que o tempo investido no processo psicodiagnóstico, ainda que considerável, às vezes fica ampla­ mente compensado, quando se deve empreender uma psicoterapia de duração limitada5.

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Embora pareça contraditório destinar um número apreciável de horas à realização do psicodiagnóstico quando se trata de pou­ par tempo (como ocorre no caso das terapias hospitalares de curto prazo), não o é, na realidade, pois a riqueza dos dados que podem ser obtidos não só pode contribuir para a consecução de bons resultados, mas também para agilizar o processo terapêutico, cuja duração poderá eventualmente abreviar-se no alcance dos objeti­ vos propostos. A bateria de testes a ser empregada pode constar do Teste de Rorscharch (5) (7) (10), do Teste das Relações Objetais de Phillipson (5) (10) ou do Teste de Apercepçâo Temática de Murray (5), e completar-se com o de Bender, desenho livre, figura huma­ na, casal, desiderativo, etc. Quando as circunstâncias o aconse­ lhem, acrescentem-se os testes de inteligência. Os dados que se extraem são muitos e valiosos: diagnóstico da personalidade e do quadro psicopatológico; psicodinamismos; capacidade de insight, condições egóicas. Dentro destas últimas, o psicodiagnóstico descreve as características das relações objetais (por diversos indícios dos testes projetivos, como, por exemplo, o Phillipson ou o T.A.T. [5]), os mecanismos defensivos, a tolerância à ansiedade e à frustração, especialmente quanto à capacidade de suportar a separação do terapeuta6, a força do ego, etc. Também poderão efetuar-se recomendações terapêuticas, a partir dos dados obtidos (sobre o tipo de tratamento, sexo do tera­ peuta, etc.)7, e apreciações prognosticas.

Avaliação prognostica Em geral é possível realizar uma avaliação prognostica, so­ bretudo do momento ou quadro atual que motiva o tratamento. Os resultados deste dependerão de fatores provenientes do paciente, do terapeuta e do âmbito assistencial em que tenha lugar (hospi­ tal, clínica, consultório particular). Tais fatores devem ser consi­ derados sempre em conjunto, e não de maneira isolada. Com relação ao paciente, influirão especialmente as diversas condições diagnosticas a respeito dos aspectos já citados. São ele­ mentos para um prognóstico favorável:

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• Início recente e agudo do sofrimento ou problema atual a ser abordado ou, como assinala Courtenay (3), que se trate de um “momento propício” numa enfermidade relativamente crônica. • Leveza e limitação da patologia (3). • Condições favoráveis do meio familiar e social para o desenvolvimento da tarefa terapêutica e aceitação das mudanças do paciente. • Ego forte, com funções básicas em bom estado, capacidade de estabelecer boas relações objetais e de tolerar adequadamente a separação que sobrevirá ao finalizar-se a terapia (relação transferenciai com grau leve de ambivalência e dependência), plasticidade de defesas, etc. • Alto grau de motivação para o tratamento. Incide conside­ ravelmente na produção de bons resultados terapêuticos, mesmo nos casos que apresentem certa gravidade (8). • Capacidade de insight. • Possibilidade de determinar o foco antecipadamente (antes de iniciado o tratamento ou em suas primeiras sessões)8. Com relação ao terapeuta, as perspectivas prognosticas são favoráveis quando, além de este reunir as condições necessárias para o exercicio da P.B. (ver capítulo 14), existe uma contratransferência positiva que facilita a instauração de um bom vínculo com o paciente. Com relação ao contexto assistencial, interessam as possibi­ lidades terapêuticas que oferece em seus aspectos temporais, es­ paciais, equipe de profissionais, etc. É claro que o prognóstico terapêutico, além disso, deve ser feito em função das metas combinadas, segundo estas pareçam ou não alcançáveis dentro das condições gerais que regerão o traba­ lho terapêutico.

A devolução diagnóstico-prognóstica Além da devolução dos dados do psicodiagnóstico, a cargo do psicólogo que o efetuou - que por diversas razões, em nenhum caso deveria se omitir (12) - e mesmo que tenha sido outro o pro­ fissional que realizou as entrevistas clinicas, cabe uma nova devo­

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lução da parte deste último, a qual naturalmente será baseada nas conclusões a que chegou, não só depois das entrevistas, mas tam­ bém como conseqüência do emprego dos diferentes meios auxi­ liares de diagnóstico. Esta segunda devolução é resultante da tare­ fa desenvolvida em equipe e deve antes de tudo manter coerência com relação à devolução psicodiagnóstica. O entrevistador transmitirá oralmente ao paciente, numa lin­ guagem simples e clara, impressões gerais a respeito de sua pro­ blemática. Mencionarei, a seguir, alguns dos objetivos de tal con­ duta: a) Fazer o paciente sentir que se presta atenção nele e se pensa em suas dificuldades, procurando compreendê-las. Trata-se de uma nova contribuição em busca de uma aliança de trabalho. b) Fornecer-lhe certo esclarecimento preliminar a respeito de sua problemática. c) Reforçar sua motivação para entender e resolver suas difi­ culdades por meio da psicoterapia. d) Facilitar o passo seguinte, que será a escolha de metas te­ rapêuticas, ao lhe apresentar, e em parte sugerir, o conflito do qual julgamos poderiam surgir tais metas. (Em outras palavras, a devo­ lução será centrada naquilo que em nossa opinião deve converterse na problemática central do tratamento, com o que além disso se irá delineando o provável foco terapêutico.) Como foi dito, serão transmitidas ao paciente apenas algu­ mas apreciações acerca de sua problemática, sem se estender nem aprofundar em demasia, já que não é proveitoso fazê-lo nesta etapa. Para isso pode-se recorrer às interpretações denominadas panorâmicas (4), que permitem esboçar, de maneira global, psicodinamismos subjacentes à situação-problema. A devolução, além dos aspectos diagnósticos, deve abranger referências ao prognóstico capazes de tranqüilizar e reanimar o paciente. Isto lhe dará a idéia de que podemos oferecer-lhe nossa ajuda e de que tem possibilidade de resolver seus sofrimentos ou pelo menos de ali­ viá-los. Poderiamos reiterar o mesmo com relação às metas tera­ pêuticas, uma vez combinadas.

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Contrato sobre as metas terapêuticas e a duração do tratamento Depois de efetuada a devolução diagnostica, paciente e entrevistador trocarão opiniões acerca dos possíveis objetivos da terapia a ser realizada, até chegar a estabelecê-los claramente e de comum acordo. Devem-se em princípio conhecer e levar em conta os pontos de vista do paciente acerca das metas do tratamento, equivocados ou não segundo nosso julgamento. Com essa finalidade, já se terá formulado ao paciente perguntas, como: Que expectativas tem acerca do tratamento? Em que problemas você crê necessitar de ajuda? Em que supõe que tem de consistir essa ajuda?, etc. As respostas correspondentes nos darão além disso alguma idéia de suas fantasias a respeito de enfermidade e de cura, das quais pro­ vêm os objetivos que ele se coloca, assim como de sua motivação e capacidade de insight. Isso não exclui que por meio de devolu­ ção efetuada se tente chamar sua atenção sobre determinada “conflitiva” e acrescentar sua motivação para enfrentá-la. O terapeuta se referirá aos objetivos do modo mais claro e simples possível. Por exemplo, dirá ao paciente que entre ambos poderíam tratar de esclarecer por que ele sente tanto temor quan­ do lhe solicitam qualquer tarefa em seu emprego e de conseguir que enfrente essas situações de forma mais adequada. Também dirá que se procurará melhorar seu estado de ânimo e esclarecer também o que sucede com sua família, etc. Paralelamente, o tera­ peuta deve formular os fins terapêuticos de um ponto de vista psicodinâmico: em um caso pensará sobretudo em elevar a auto-estima; em outro, em atenuar as exigências superegóicas; num tercei­ ro, em revelar o significado inconsciente de tal conduta e atacar determinados mecanismos defensivos, etc. E preciso que os objetivos a que se proponham sejam presu­ mivelmente alcançáveis, isto é, que se ajustem às possibilidades que oferecem paciente e terapeuta e às condições gerais em que terá lugar a terapia. Poder-se-ão classificar como primordiais e secundários, segundo sua importância; em imediatos e mediatos, de acordo com a ordem cronológica em que se procure alcançálos, seguindo, se necessário, um escalonamento estratégico; e em explícitos e implícitos, se tiverem ou não sido verbalizados e com­

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binados com o paciente. (Toda terapia breve de insight pressupõe a existência de fins terapêuticos inerentes à natureza mesma do processo, por exemplo, que o paciente alcance maior consciência da enfermidade ou eleve sua auto-estima. Esses fins, quase cons­ tantemente presentes, também constituem por conseguinte objeti­ vos terapêuticos gerais, diferenciados dos particulares, que sur­ gem em cada caso.) Quando não se chega a um acordo real sobre as metas da te­ rapia (pode tratar-se, inclusive, de um pseudo-acordo por submis­ são do paciente às sugestões do terapeuta, que atuam naquele como ordens), cabem várias alternativas: a) aceitar o que propõe o paciente, caso em que o terapeuta deverá renunciar aos propósitos terapêuticos que tinha previa­ mente, ou postergá-los para uma segunda etapa, b) realizar uma tarefa de esclarecimento que tenda a motivar o paciente a em­ preender uma terapia com base nas metas que consideram conve­ nientes, c) se as dissidências forem muito grandes, não efetuar nenhum tratamento9. A duração de um tratamento breve varia segundo as circuns­ tâncias: • Pode estar predeterminada por modalidades institucionais, que estabelecem prazos para os tratamentos geralmente de modo convencional e que correspondem a necessidades organizacionais dentro do planejamento assistencial que tais instituições adotam (de 3, 6, 12 meses, etc.). • Em muitas oportunidades, situações próprias do paciente, que inclusive podem ter motivado o tratamento, colocam, por sua vez, uma limitação temporal espontânea ao mesmo: acontecimen­ tos como uma viagem, por exemplo, poderão determinar uma finalização obrigatória, por acaso também adequada. • Em outras ocasiões, que se apresentam especialmente no consultório particular, a duração do tratamento depende do que o terapeuta e o paciente resolvam. Assim, poderá contar ou não com um final prefixado. Não só os objetivos, mas também a duração do tratamento deveríam, dentro do possível, ser estabelecidos de comum acordo entre terapeuta e paciente, antes de seu início. A isso se tem referi­ do, entre nós, Ulloa (13). Em lugar de encarregar da duração do

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tratamento fatores alheios à situação mesma do paciente, ou que este tenha a impressão de que é imposta pelo terapeuta, seria pre­ ferível que se pudesse obter uma vez mais a opinião do paciente sobre essa questão, a fim de a elaborarem conjuntamente. O que é pouco - ou muito - tempo para um pode não ser para o outro. “A fixação do tempo - assinala Ulloa - faz-se com a participação explícita do paciente no nível em que ele esteja capacitado para tal elaboração” (13). Isso não implica que aceitaremos ingenuamente as idéias do paciente, mas que buscaremos soluções depois de uma revisão adequada da situação. Quando a duração do tratamento for determinada de antemão, o terapeuta deve procurar, como condição primordial, que a mesma guarde relação direta com os objetivos terapêuticos pro­ postos, quer dizer, com o tempo que empiricamente estime neces­ sário para cada paciente alcançar esses objetivos (sem que isso seja um impedimento para efetuar uma recontratação do tratamento, se, uma vez chegado o seu término, seus fins não se cumprirem)10. Fixar previamente uma data para o término da terapia supõe vantagens e desvantagens. Com freqüência, o melhor será não limitá-la, mas às vezes ocorre o contrário: para antepacientes que apresentem uma atitude receosa e de desconfiança (habitualmen­ te com marcados traços fóbicos ou paranóicos), pode ser conve­ niente determinar uma data exata - não muito longínqua - para a finalização, com o objetivo de evitar fantasias de ser preso numa armadilha pelo terapeuta; tranqüiliza-os saber, desde o começo, que existe uma data em que o tratamento será concluído. Dessa maneira aceitam com menos dificuldades serem tratados, do que quando se acham ante uma terapia de duração indeterminada. Esta situação se apresenta mais comumente em pacientes de es­ trato socioeconômico baixo, os quais em princípio não concebem que a psicoterapia deva estender-se demasiadamente no tempo para solucionar seus padecimentos. Se não apelarmos com flexi­ bilidade para este recurso estratégico, o mais comum é que a abandonem em algum momento ou que simplesmente não a ini­ ciem. Em contrapartida, se se fixa um prazo, seus receios diante do tratamento são menores, sendo até possível que depois dese­ jem prolongá-lo. Por último, outras vezes a limitação de tempo parece necessária para estimular e agilizar o trabalho terapêutico do paciente.

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Psicoterapia breve de orientação psicanalítica A lé m d is s o , é m is te r e x p lic a r a o p a c ie n te , q u e u m a v e z te r ­

m i n a d a a t e r a p i a , r e a l i z a r á , j u n t o c o m o te r a p e u t a , u m b a l a n ç o d o s r e s u l t a d o s o b t i d o s , p a r a o q u e a m b o s le v a r ã o e m c o n t a s e u e s t a d o n e s s e m o m e n to , e q u e a p a r tir d a í se re s o lv e rá a c o n d u ta m a is a d e ­ q u a d a a a s s u m ir (s e p a ra ç ã o fin a l, f ix a ç ã o d e e n tr e v is ta s d e c o n ­ t r o le , r e c o n t r a t o , i n d i c a ç ã o d e o u t r o tr a t a m e n t o , e tc .) .

Explicitação do método de trabalho. Fixação das demais normas contratuais E útil oferecer ao paciente uma idéia acerca das característi­ cas do tratamento que terá de seguir, ou seja, quais serão, respecti­ vamente, suas funções, as do terapeuta e eventualmente as da equipe terapêutica. O beneficio dessa tarefa informativa reside em que o paciente, em vez de resistir, à intolerância das ansieda­ des provocadas pelo desconhecido, poderá pelo contrário coope­ rar com o terapeuta, tomando conhecimento da técnica que orien­ tará o trabalho de ambos. No que diz respeito às funções do paciente, dever-se-á fazer empenho em explicar-lhe cuidadosa e detalhadamente o que será sua regra básica de funcionamento no decorrer da psicoterapia. (Da regra básica de funcionamento ocupo-me no capítulo 6, pp. 89 ss.) Convém que o paciente tenha uma noção prévia do papel do terapeuta. Quando se pensa em efetuar uma psicoterapia interpretativa, poder-se-á explicar-lhe que se trata fúndamentalmente de ajudá-lo a compreender melhor sua situação, tentando trazer-lhe um ponto de vista diferente, que vá mais além do que lhe permite seu senso comum; que será baseado sobretudo em revelar-lhe aspectos obscuros ou desconhecidos para ele, que podem estar provocando e/ou incrementando seus sofrimentos, e que isso será efetuado através de interpretações, das quais se dará alguma idéia elementar. Desse modo, procuraremos fazer com que se familiari­ ze o mais rápido possível com o tratamento e se abrevie a etapa de ansiedade, desconcerto ou estranheza, que em princípio costu­ mam provocar as interpretações, e que em P.B. considero que possa ser prejudicial. Com relação a isso costumo advertir ao pa­

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ciente que é possível que minhas intervenções, particularmente no início do tratamento, lhe pareçam apesar de tudo um pouco es­ tranhas, e que na realidade notará alguma diferença em relação às conversas que mantém habitualmente com as pessoas. A todos esses esclarecimentos podem agregar-se outros, não menos benéficos para o desenvolvimento do tratamento: cabe as­ sinalar ao paciente que nossa tentativa de fazê-lo entender suas dificuldades a partir de uma nova perspectiva, que lhe permita en­ frentá-las melhor, corresponde ao fato de que tais dificuldades superam suas possibilidades de solucioná-las por sua conta; mas, acrescento - ante uma sugestão de Montevechio (9) é de se esperar que ao protagonista de uma situação perturbadora resulte difícil compreender com clareza o que está acontecendo ao seu redor e que, para o terapeuta, do lado de fora, pode tornar-se pos­ sível entendê-lo e ajudá-lo, graças a seus conhecimentos e expe­ riência. Com isto tende-se a contrabalançar sua sensação de fra­ casso ao ter de ir à consulta, como também a fantasia de onipotên­ cia do terapeuta, sendo conveniente que se ajuste desde o primeiro momento a uma relação mais “real” com este (9). Também convém informar o paciente se se pretende empre­ gar outros recursos terapêuticos (psicofármacos, entrevistas com familiares, etc.), comunicando, ainda que minimamente, seu sen­ tido e alcance. Por último, devem fixar-se as diferentes condições do conta­ to terapêutico, em especial as correspondentes aos aspectos espaço-temporais do enquadramento: posição espacial do terapeuta e paciente (geralmente devem sentar-se frente a frente), horários, frequência e duração das sessões; eventualmente, datas do térmi­ no do tratamento, das entrevistas de avaliação e do novo psicodiagnóstico. Os demais detalhes não diferem do que já se conhece (férias do terapeuta, feriados, honorários, etc.).

Referências bibliográficas 1. A le x a n d e r, F ., “ In d ic a c io n e s p a ra la te ra p ia ”, e m F . A le x a n d e r e T. F re n c h , Terapêutica psicoanalítica, P a id ó s, B u e n o s A ire s , 1965, cap. V I.

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2. B e lla k , L. e S m a ll, L., Psicoterapia breve y de emergencia, P ax M é x íc o , M é x ic o , 1969. 3. C o u rte n a y , M ., Sexual Discord in Marriage, T a v isto c k , L o n d re s, 1968. C ita d o p o r L. S m a ll, Psicoterapias breves , G ra n ic a , B u e n o s A ire s, 1972. 4. F io rin i, H . J., “ L a p rim e ra e n tre v ista e m p s ic o te ra p ia b re v e ” , e m H. J. F io rin i, Teoria y técnica de psicoterapias, N u e v a V isio n , B u e n o s A ire s, 1973, cap . 4. 5. F ric d e n th a l, H ., “ L a re c o m e n d a c ió n d e p sic o te ra p ia a p a rtir d e i d ia g ­ n ó s tic o p sic o ló g ic o ” , Acta psiq. psicol. Amér. Lat., B u e n o s A ires, 1968, vol. X IV , n° 2. 6. G a rc ia A rz e n o , M . E ., C o m u n ic a c ió n p erso n al. 7. F larro w er, M ., “ C ó m o v e el tra ta in ie n to b re v e u n p s ic ó lo g o c lín ic o ” , em L. W o lb e rg , Psicoterapia breve, G re d o s, M a d rid , 1968. 8. M a la n , D . H ., A Studv oJ B rie f Psychotherapy, T a v isto c k , L o n d re s, C h a rle s T h o m a s, S p rin g fie ld , Illin o is, 1963. (V e rs ã o c a ste lh a n a : La psicoterapia breve, C e n tro E d ito r d e A m é ric a L a tin a , B u e n o s A ire s, 1974.) 9. M o n te v e c h io , B. R ., C o m u n ic a c ió n p e rso n a l. 10. O c a m p o , M . L. S. e G a rc ia A rz e n o , M . E. “ El proceso psicodiagnóstico”, em M. L. S. Ocampo e M. E. Garcia Arzeno, Las técnicas proyectivas y el proceso psicodiagnóstico, N u e v a V isio n , B u e n o s A ire s, 1.1, cap . I. 1 1 . __ , “ In d ic a d o re s p a ra la re c o m e n d a c ió n d e te ra p ia b re v e e x tra íd o s d e la e n tre v is ta d e v o lu tiv a ” , e m M . L. S. O c a m p o e M . E. G a rc ia A rz e n o , ob. cit. e m 10, t. 11, cap . X I. 1 2 . __ , “ L a e n tre v ista de d e v o lu c ió n de in fo rm a c ió n ” , e m M . L. S. O c a m p o e M . E. G a rc ia A rz e n o , o b. cit. em 10, t. 11, cap. IX . 13. U llo a , F. O ., “ C o m e n tá rio al a rtíc u lo de H é c to r Ju an F io rin i” , em W . R. G rim so n (c o m p .) e o u tro s, Nuevas perspectivas en salud mental. Instituciones yproblem as, N u e v a V isio n , B u e n o s A ire s, 1973.

5. Planejamento do tratamento

A elaboração de um plano terapêutico é uma das característi­ cas que distinguem as psicoterapias breves. Diversos autores têmse referido à necessidade de planejamento, entre eles French (3) e Alexander (1), que em algumas passagens da Terapêutica psicanalítica chamam ao tratamento breve terapia planejada (2) (3), o que demonstra a importância que tais autores outorgam ao plane­ jamento. Este consiste no projeto de uma estratégia terapêutica, efetuado com o fim de alcançar os objetivos propostos. Para conceber a estratégia, dever-se-ão ter presentes diversos elementos provenientes do paciente, do terapeuta e eventualmente da instituição. Com relação ao paciente, será essencial partir dos vários dados obtidos pela avaliação diagnóstico-prognóstica (ver capítulo 4), que terá culminado no desenvolvimento de uma for­ mulação psicodinâmica antecipada (3). Planejaremos nossa ação terapêutica com base numa estrutura de foco terapêutico inicial. Com relação ao terapeuta e à instituição, dever-se-ão considerar fatores como a experiência prévia daquele e sua habilidade no manejo dos distintos recursos (fatores que deverão ser levados em conta em relação a toda a equipe terapêutica), assim como as pos­ sibilidades que oferece a instituição. Com a revisão desses elementos, já estaremos em condições de estabelecer um planejamento estratégico adequado. Um programa terapêutico deve surgir, necessariamente, da recolocação das distintas questões técnicas que são suscitadas em

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cada caso particular. Inclui a determinação do tipo de psicoterapia a ser aplicada (em que predomine o insight, de fortalecimento cgóico ou de apoio), os conflitos que vamos abordar, aqueles que serão deixados de lado e a provável seqüência de tal abordagem; estabelecer-se-á muito especialmente a atitude terapêutica a ser assumida diante dos distintos mecanismos defensivos do paciente (incisiva ou pelo contrário de abstenção, ou inclusive de reforçamento desses); organizar-se-á tudo o que se refere às condições temporais (duração, número e periodicidade das sessões sema­ nais, duração total do tratamento, etc.) e espaciais do enquadra­ mento. Outros aspectos relevantes a serem considerados serão: as regras de funcionamento do paciente durante o tratamento (ver capítulo 6), a atitude geral do terapeuta ante o paciente (cálida, muito ativa, diretiva, cautelosa, etc.) que, logicamente, irá sendo regulada pelos indicadores que aparecerem no decorrer das ses­ sões, os diversos tipos de intervenção do terapeuta (interpretações em suas distintas variantes, assinalamentos, perguntas, informa­ ções, sugestões, etc.) c o uso de outros recursos terapêuticos (psicofármacos, inclusão de familiares e/ou pessoas que lhe são pró­ ximas, técnicas dramáticas, serviço social, etc.). Também é útil pensar em possíveis inconvenientes terapêuti­ cos que possam surgir durante o tratamento e na melhor forma de enfrentá-los (3), e ainda em tarefas a realizar se a evolução do paciente o permitir (a abordagem de determinado conflito subja­ cente, por exemplo). O planejamento deve, além disso, tender para a previsão dos possíveis rumos e das características que pode tomar o processo terapêutico em seus aspectos mais gerais. A experiência demons­ tra que é conveniente contar desde o começo com uma idéia ante­ cipada, ainda que elementar e provisória, do princípio do desen­ volvimento e do final da terapia. Recomendo sobretudo não omi­ tir tudo o que se refira à conclusão do tratamento, que em certa medida também deverá ser planejada: será necessário prestar atenção às situações que poderá reviver cada paciente na ocasião de enfrentar o luto pela separação do terapeuta e de acordo com isso ao tipo de relação objetai e ao grau de tolerância à frustração que apresenta. Projetar-se-á então alguma tarefa em relação a tal luto que até em sua mínima expressão inclua sempre o assinala-

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mento da situação de perda, envolvendo detalhes, tais como o nú­ mero de sessões semanais a se estabelecerem nas últimas etapas do tratamento (ver capítulo 9). Trata-se em suma que a terapia não fique entregue exclusiva­ mente à intuição e à improvisação sobre o seu andamento (2). Mas essas alternativas só podem ser previstas até certo ponto, por­ que de nenhum modo dever-se-á entender que todas essas medi­ das possuem um caráter rígido e inalterável, já que, pelo contrá­ rio, o terapeuta deverá ser dotado de uma flexibilidade tal que lhe permita modificar seus planos quando as circunstâncias o exijam, para poder enfrentar com eficácia as situações mutáveis e inespe­ radas que podem apresentar-se no decorrer do tratamento. Finalmente, recordemos que o planejamento costuma ser fa­ cilitado e enriquecido pela participação nele, ao lado do terapeuta, dos demais profissionais que evcntualmente intervenham no tra­ tamento. O intercâmbio de dados e idéias freqüentemente possibilita uma elaboração mais minuciosa, profunda e definitivamente mais adequada do projeto terapêutico, que além disso será comparti­ lhado precisamente por aqueles que devem colocá-lo em prática em seguida, o que resulta essencial para se obter eficácia terapêu­ tica. Por isso, em síntese, considero que quando numa terapia está envolvida uma equipe de especialistas (dois ou mais profissio­ nais), deve ser sempre esta, em conjunto, a encarregada de elabo­ rar o programa terapêutico.

Referências bibliográficas 1. A le x a n d e r, F., “ A lc a n c e d e la p s ic o te ra p ia ” , e m F . A le x a n d e r e T. F re n c h , Terapêutica psicoanalítica, P a id ó s, B u e n o s A ire s, 1965. 2. ___ , “ E fic a c ia d e i c o n ta c to b re v e ” , e m F. A le x a n d e r e T . F re n c h , ob. cit. em l ,c a p . IX . 3. F re n c h , T ., “ P la n ifíc a c ió n d e la p s ic o te ra p ia ” , e m F. A le x a n d e r e T. F re n c h , ob. cit. e m 1, cap . V II.

6. O tratamento

Introdução Uma vez cumpridas as etapas diagnostica e contratual, assim como a de planejamento, inicia-se o tratamento, que se apoiará dentro do possível em hipóteses psicopatológicas e terapêuticas consistentes e ao mesmo tempo em objetivos e enquadramento definidos. Com relaçào aos diferentes aspectos de técnica concernen­ tes ao tratamento propriamente dito, considerar-se-á em primeiro lugar a relação paciente terapeuta, cujo estudo é ponto de parti­ da obrigatório para a compreensão dos temas subseqüentes; em seguida referir-me-ei à regra de funcionamento para o paciente, que terá de ser adotada no decorrer da terapia, e ao papel que nesta última poderia caber ao método psicanalítico de associação livre; depois abordarei o problema da atenção do terapeuta em relação à tarefa de focalização; de imediato, examinarei os ele­ mentos psicoterapêuticos verbais, dedicando uma maior exten­ são às interpretações, instrumento fundamental na P.B. psicanaliticamente orientada; por último, figuram algumas reflexões acer­ ca das sessões e de outros recursos terapêuticos, entre os quais incluo aqueles em que minha própria experiência é maior (uso de psicodrogas e participação de familiares e/ou pessoas próximas do paciente).

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A relação paciente-terapeuta no tratamento breve Referir-me-ei à relação terapêutica na psicoterapia dinâmica breve e às diferenças existentes entre ela e sua correspondente no tratamento psicanalítico. Tomarei como base um resumo que in­ clui a opinião de alguns autores acerca do tema. Para compreender o porquê das particularidades do vínculo terapêutico em P.B., convém considerar primordialmente o que acontece em relação à transferência e à neurose transferenciai re­ gressiva1. Antes de passar a ver como podem ser manejadas em uma terapia breve de orientação psicanalitica, efetuaremos uma rápida revisão das características da relação terapêutica no trata­ mento psicanalítico, que servirá portanto para apontar diferenças significativas. Há, no contexto psicanalítico, condições que facilitam o esta­ belecimento, o desenvolvimento e a análise da neurose transferen­ ciai regressiva, a qual, como disse antes (ver capítulo 3, p. 26), é fundamental no processo terapêutico. Assim observamos que: O analista procura manter o anonimato - o que por sua vez contribui para criar um clima de ambiguidade - a fim de não en­ torpecer a produção dos fenômenos transferenciais; além disso, trata de adotar uma atitude neutra e relativamente distante, o que também implica promover no paciente uma situação de frustra­ ção-, o vínculo é marcadamente assimétrico, fato acentuado, entre outras coisas, pelo uso do divã. Também no aspecto temporal, o enquadramento favorece a dependência regressiva, constando de várias sessões semanais e de uma duração do tratamento, em princípio, não limitada. Com relação à situação espacial, a posição do paciente, dei­ tado no divã, encontra-se ligada a fenômenos regressivos, tais co­ mo o dormir e o meditar, e fomenta, além disso, o desenvolvimen­ to da neurose transferenciai, dado que, ao estar o paciente privado de ver o analista, o teste de realidade torna-se mais difícil. A regra fundamental psicanalitica, que consiste no emprego, por parte do paciente, da associação livre, determina neste, por si mesma, um funcionamento mental regressivo. Sob outro ponto de vista cabe acrescentar que, de acordo com Racker (37), ao impli­ car a abolição do rechaço às associações e à sua comunicação e a

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superação das resistências que por isso se vão produzindo, a regra fundamental incide na transferência na situação analítica, confe­ rindo-lhe uma intensidade particular, pois se produz, em conseqüência, a projeção dos objetos internos no analista, especialmen­ te do superego. O analista, por sua vez, emprega a atenção flutuante, tenden­ do assim a uma comunicação de inconsciente para inconsciente (17). Intervém verbalmente, partindo do material que o paciente traz de maneira espontânea, e sobretudo mediante a interpretação; ante os silêncios, costuma manter uma atitude de espera, permi­ tindo que se prolonguem. As interpretações transferenciais são muito valorizadas, cons­ tituindo, para a maioria dos analistas, o instrumento técnico es­ sencial, e para alguns inclusive o único com efeitos modificadores (4). Penso que tais interpretações encorajam o paciente à revi­ são minuciosa e profunda de suas fantasias transferenciais e pro­ movem a revivescência de situações infantis, favorecendo assim o desenvolvimento da neurose de transferência. Na psicoterapia breve, em troca, devem desencorajar-se tan­ to o desenvolvimento da regressão como o da neurose transferen­ ciai (ver capítulo 3, pp. 27 s.), e inclusive faz-se necessário con­ trolar dentro do possível a intensidade dos fenômenos regressivotransferenciais. Disso deriva uma série de medidas técnicas que conferem perfis próprios à terapêutica breve. O vínculo que se estabelece com o paciente é mais realista e definido, já que a ambigüidade aqui é inconveniente (11), pois promove situações persecutórias e por isso regressivas. Uma rela­ ção mais baseada na realidade contrabalança as tendências ao es­ tabelecimento de uma relação transferenciai neurótica. Fiorini qualificou o papel que o terapeuta deve assumir na psicoterapia de esclarecimento (em boa medida equiparávei, de acordo com a descrição deste autor, à terapia dinâmica breve) como papel real de docente experiente, sublinhando assim o que seria, a seu ver, um dos aspectos mais importantes (7). Por parte do terapeuta, e ao contrário do que ocorre no trata­ mento psicanalítico, existe uma maior proximidade afetiva, que se espera opere positivamente sobre o processo terapêutico. E que em princípio será preciso que se estabeleça rapidamente um bom

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rapport, sobretudo se se trata de uma terapia cujo tempo será limi­ tado; dever-se-á fomentar o rápido desenvolvimento de uma alian­ ça terapêutica, condição básica para aspirar ao êxito. O terapeuta deverá então, na medida do possível, mostrar-se moderadamente cálido, oferecer uma imagem confiável e demonstrar interesse pe­ los problemas do paciente. A relação terapêutica exige a manutenção de um delicado equilíbrio entre gratificações e privações do paciente. Deve-se per­ mitir-lhe certo grau de gratificação de necessidades emocionais (por exemplo, respondendo às perguntas formuladas por ele [42]); do contrário corre-se o perigo de despertar ou incrementar - por causa do ressentimento provocado pela frustração - a produção de reações hostis passíveis de determinar um aumento das resistên­ cias, às quais não teremos tempo suficiente para nos dedicar. Gra­ tificá-lo em demasia pressupõe, do mesmo modo, certos riscos, tais como dificultar a integração da agressividade e favorecer a dependência (33). Dever-se-á, em suma, tender à manutenção de uma relação transferenciai positiva sublimada ao longo de toda a terapia (2). Só assim poderemos esperar que o paciente assuma uma atitude de colaboração e possa aceitar e utilizar com proveito as interpre­ tações2. Sentimentos transferenciais de idealização muito intensos podem complicar e prolongar o tratamento; quando surgem, é preciso dissolvê-los prontamente mediante a tarefa interpretativa. Cabe dizer o mesmo a respeito da hostilidade e do erotismo trans­ ferenciais. Finalmente, a relação será menos assimétrica que no trata­ mento psicanalítico. O número reduzido de sessões semanais e a duração limitada e geralmente prefixada do tratamento breve desencorajam a re­ gressão. A posição frente a frente, que é habitual em terapias breves, diferentemente do que se adota em psicanálise (emprego do divã), atua contrapondo-se às tendências do paciente ao desenvolvimen­ to da regressão e da neurose de transferência. (A percepção visual ajuda a que se situe na realidade.) Tal posição aparece, além disso, como a mais adequada ao tipo de comunicação que tem lugar en­ tre paciente e terapeuta nessas terapias, posto que se traduz num

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intercâmbio verbal fluido, mais próximo de um diálogo corrente que o psicanalítico. Temos recordado que a regra fundamental da psicanálise é um dos fatores que explicam a intensidade particular que a transferên­ cia adquire no tratamento psicanalítico. Como em P.B. se trata de evitar um efeito dessa natureza, considero que tal regra não deve ser empregada do mesmo modo que no tratamento psicanalítico. Mais adiante abordarei exaustivamente esse ponto (pp. 89 ss.). Voltando ao tema da comunicação em P.B., é preciso assina­ lar a função ativa que o terapeuta tem de exercer, e que será deci­ siva para o alcance de bons resultados. Isto se deve em primeiro lugar à sua possível incidência no vínculo, coadjuvando na manu­ tenção de uma transferência positiva - em contraste com os efei­ tos que teria uma atitude menos participante, que pudesse gerar descontentamento ou hostilidade. Deve-se também ao fato de que um papel ativo tem importância para a gestão da focalização da tarefa terapêutica (14), dado que comumente é necessário alcan­ çar determinadas metas e se dispõe de tempo limitado para isso. A situação requer certa ativação egóica no paciente, que se consegue precisamente através desse funcionamento ativo, pois não pode­ mos esperar demasiado tempo para que vença, por si mesmo, suas dificuldades para se manter numa comunicação terapêutica pro­ dutiva e poder aprofundar-se no conflito em questão. O terapeuta simplesmente tenta agilizar o intercâmbio, procurando produzir um efeito catalisador no processo terapêutico. Ao mesmo tempo deve dedicar-se desde o começo e plenamente a ajudar o paciente a resolver situações perturbadoras de sua vida diária. Com tal fim, recorrerá com ffeqüência a intervenções não-interpretativas. For­ mulará perguntas, assinalamentos, efetuará sugestões, oferecerá informações. Às vezes terá de tomar a iniciativa na comunicação (12), propondo o tema a ser tratado. (Exemplo: “Vejamos aquilo que você mencionou de passagem na última sessão.” Ou por meio de perguntas: “Como passou este fim de semana? Aconteceu al­ guma coisa especial?”.) E quanto às interpretações, têm de estar dirigidas fundamentalmente ao esclarecimento da conflitiva fo­ cal3. Em suma, o papel do terapeuta é mais ativo e diretivo que na técnica psicanalítica no que concerne à atitude ante o material que o paciente traz. O terapeuta encaminha a exploração em uma de-

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terminada direção, escolhendo entre o material aquele relativo ao foco e descartando o extrafocal4. Em certas ocasiões, pode caber ao terapeuta uma participa­ ção decididamente ativa e direta nos problemas atuais do pacien­ te. Por meio de sugestões, poderá incidir em alguma medida sobre eles. Assim, por exemplo, ante uma situação fobígena talvez con­ sidere necessário, depois que o paciente alcançou certa com­ preensão psicológica do conflito, estimulá-lo a enfrentá-la (27) (49), atitude avalizada já desde 1918 por Freud, com suas reco­ mendações acerca do tratamento das fobias (21), e posteriormente adotada por muitos profissionais na terapia psicanalitica. A res­ peito disso, expressa Haley: “A psicanálise dos tempos de Freud não era somente mais breve, mas também mais ativa. Freud esco­ lhia o tema sobre o qual um paciente tinha de associar e quando este obtinha algum insight do problema sugeria-lhe que se mos­ trasse ativo em sua vida pessoal, agora que já dispunha de tal conhecimento” (26)\ (Os grifos são meus.) Em geral evita-se o prolongamento excessivo dos silêncios, não só porque incrementa a ansiedade e a conseqüente regressão (42), mas também porque se trata de utilizar operativamente o tempo disponível. Em particular, os silêncios prolongados do te­ rapeuta podem provocar hostilidade transferenciai devido à frus­ tração ocasionada. Ante a posição frente a frente entre terapeuta e paciente, tam­ bém adquirem significação as manifestações pré-verbais do pri­ meiro. E necessário levar em conta a repercussão dos seus gestos e de sua atitude corporal no paciente se se pretende propiciar a produção de uma aliança terapêutica. Wolberg recomenda que o terapeuta dê “livre expressão à sua mímica facial” (48). E claro então que essas contribuições ao processo de tratamento, que po­ deriamos chamar de expressões terapêuticas do terapeuta, como o olhar atento e os gestos que revelam interesse pelo relato do paciente, serão benéficas, desde que sejam espontâneas e não-estudadas. Por último, o tratamento efetuado no contexto institucional e o uso de diferentes recursos terapêuticos, com eventual participa­ ção de outros profissionais ligados ao campo da saúde mental, são fatores que contribuem para modificar as condições da relação

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terapêutica, já que introduzem diversas variantes no campo dos fenômenos transferenciais e eontratransferenciais, marcando no­ vas e substanciais diferenças com o que acontece na psicanálise individual (7) (14).

Uma regra básica de funcionam ento em psicoterapia breve de orientação psicanalítictt

Na técnica psicanalítica, Freud instituiu o método da associa­ ção livre, pelo qual o paciente deve comunicar ao analista o que lhe ocorrer, quer dizer, todos os pensamentos que assomem à sua mente, sem nenhuma restrição. A livre associação é, junto com os sonhos c os atos falhos, uma via facilitadora de acesso ao incons­ ciente, e ao reger de modo praticamente ininterrupto no decorrer do tratamento psicanalítico, configura o que Freud chamou de “regra fundamental”. No terreno das terapias de tempo e objetivos limitados sur­ gem várias interrogações relacionadas com este tema: 1) Qual deve ser a regra de funcionamento para o paciente? 2) Que papel há de lhe caber no procedimento da livre associação? Deve-se deixá-la completamente de lado ou, pelo contrário, é necessário empregá-la? Neste último caso, como, do mesmo modo que no tratamento psicanalítico ou diferentemente? Revisando as obras mais destacadas da bibliografia corres­ pondente à psicoterapia breve de orientação psicanalítica, desco­ brimos que, apesar de se tratar de um aspecto técnico de decisiva importância, ou se tem omitido toda a referência à regra da asso­ ciação livre (abundando em troca as considerações sobre outros temas, tais como o papel da transferência, o das interpretações, etc.) ou no máximo registram-se alguns pontos de vista em torno da mesma - em geral no sentido de não utilizá-la - na maioria das vezes formulados “de passagem” e com certo caráter dogmático. Vejamos alguns deles: “(...) é desacertada essa atitude passiva e abstencionista, como também o é a associação livre (...)”; “Em geral, a falta material de tempo não nos permite empregar os recursos tradicionais da associação livre, passividade e anonima­ to”. (L. Wolberg [48]. Os grifos são meus.) “Não acredito nesses

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tratamentos difusos, em que o paciente se senta para discutir a seu bel-prazer qualquer tema que se apresente e a falar praticamente de tudo o que aconteceu e vai acontecer, sem uma idéia diretriz, sobretudo em se tratando de uma psicoterapia breve” (Hoch [28]). “Na psicoterapia rápida, a associação livre, enquanto tal, não é um instrumento essencial” (Bellak e Small [2]). Também Malan, em sua obra sobre psicoterapia breve, sus­ tenta que a indicação que se dá ao paciente de “dizer o que lhe venha à mente” raramente parece ser necessária. Em outra parte do livro, fala em desencorajar a associação livre (34). No meu entender, não se explicitam claramente os funda­ mentos em que se sustentam esses critérios7. De minha parte, da­ rei minha opinião acerca dos problemas que aqui se colocam e que considero que requerem um estudo mais minucioso.

O emprego constante do método da associação livre (“regra fundamental” da psicanálise) nos tratamentos breves Começarei por examinar as vantagens e as desvantagens que acarretaria o uso constante (desde o começo do tratamento e de modo praticamente contínuo, durante o mesmo, tal como se faz no tratamento psicanalítico) da associação livre em terapias breves. Analisaremos primeiro as desvantagens. Já recordei os con­ ceitos de Racker (p. 84) no sentido de que a abolição do rechaço às associações e à sua comunicação por parte do paciente, pelo emprego da associação livre, determina uma maior intensidade de transferência no tratamento psicanalítico, ao dar lugar à ime­ diata projeção dos objetos internos no analista, em especial do superego (37). Esse fato é conveniente para o tratamento psicanalíti­ co, mas não para a P.B., já que no caso desta última nosso propósi­ to é o de proteger o paciente tanto da regressão como da neurose de transferência. A associação livre no processo psicanalítico favorece a re­ gressão e constitui em si mesma um funcionamento mental re­ gressivo, assemelhando-se a fenômenos como a meditação e o sonho. Produz efeitos regressivos, tais como: a) Incrementar as ansiedades paranóides (entre outros motivos, pela projeção do

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superego sobre o analista e o temor ao próprio e desconhecido que poderá emergir), situação que, imagino, além de certo nível pode perturbar consideravelmente um tratamento de duração breve, b) Gerar uma atmosfera de ambigüidade, inadequada a essas tera­ pias. c) Conduzir o paciente à dispersão, quer dizer, levado pelo curso de suas associações, ele se desvia excessivamente das situa­ ções conflitivas a serem tratadas (sem maior aproveitamento do tempo em função do problema central do tratamento). Desse mo­ do, também abre brechas no paciente, pois permite que aflore material vinculado a outros conflitos relativamente alheios ao foco, inclusive os inerentes a situações ou etapas arcaicas, que ficam então a descoberto. Finalmente isso leva a acentuar a dependên­ cia regressiva em relação ao terapeuta, a qual, em terapia breve, reitero, deverá ser desencorajada8. Em suma, o emprego constante do método da associação livre no tratamento intensificaria os fenômenos transferenciaisregressivos até um ponto indesejável, pelo que, a meu ver, na maioria dos casos não me parece recomendável. Mas cabe agora examinar as vantagens de se adotar a “regra fundamental”. Seriam definidas desde já, pela facilitação do aces­ so aos conteúdos inconscientes. Sua aplicação pode ser especial­ mente útil quando se trata de pacientes com excessiva tendência à intelectualização, pois nesse caso a defesa pode ser incrementada se têm de se referir a um tema determinado (à situaçâo-problema), fato que pode resultar propício no tratamento para ser utilizado como o “argumento” ou “libreto” conhecido de antemão. Talvez seja essa uma das poucas situações de exceção em que se poderia apelar para o uso da “regra fundamental”’. Em grupos de discussão, alguns colegas me assinalaram a possibilidade - e suposta conveniência de que em terapias bre­ ves todo paciente se ajustasse permanentemente à livre associa­ ção sempre que o terapeuta recorresse a intervenções focalizadas, mostrando-lhe a relação - ou, pelo contrário, a desconexão - do material com a problemática principal do tratamento, com o que se respeitaria a essência do procedimento em seu caráter de tera­ pêutica focal. Sem dúvida, embora não duvide de que antes de mais nada é preciso que seja o terapeuta quem não perca de vista os objetivos do tratamento, e por conseguinte o que corresponde à conflitiva focal - o motivo de preocupação não deve ser tanto que

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o paciente “saia do foco”, mas sim que o terapeuta se descuide de relocalizá-lo nele; acrescento a este requisito os benefícios que comumente oferece o fato de que também o paciente concentre sua atenção desde o princípio nos problemas a resolver, e não creio que as vantagens provenientes do uso da associação livre, por exemplo, a eventual conexão entre as associações espontâneas e os elementos focais, sejam argumento suficiente para seu em­ prego sistemático e constante, dados os inconvenientes que o mesmo pode acarretar e que já foram assinalados10. Por outro la­ do, até agora, ainda que seja possível que no caso de uma situação traumática de reconhecida eficácia patogênica as associações livres do paciente girem em sua grande maioria em torno dela, como o atesta a experiência clínica psicanalítica (com as denomi­ nadas neuroses traumáticas, por exemplo), o certo é que nem todos os casos tratáveis por meio da P.B. pressupõem a presença de tal situação claramente definida e de suficiente intensidade traumática, razão pela qual a utilização da “regra fundamental” psicanalítica podería dar lugar em alguns momentos ao aprofun­ damento na estrutura focal, como em outros - e insisto neste aspecto - ao afastamento dela, quer dizer, a “enveredar por outros caminhos”, com as conhecidas conseqüências. Assim sendo, o que pode ocorrer na prática das terapias bre­ ves? Que o papel ativo e focalizador desempenhado pelo terapeu­ ta, característica dominante dessas terapias, se interponha reduzin­ do ou até deixando sem efeito a associação livre espontânea do paciente, quer dizer, entrando em aberta contradição com esta como método dc trabalho. O terapeuta, com suas freqüentes inter­ venções, graças às quais promove a ativação egóica no paciente (não só através de assinalamentos e interpretações, mas também sugerindo temas ou fazendo perguntas, isto é, atuando de modo mais diretivo no que diz respeito à orientação que deverá imprimir ao pensamento do paciente em direção a uma problemática deter­ minada), estimulará, sim, neste, o que Fiorini chamou de “associa­ ções intencionalmente dirigidas”. (“Operativamente, a focalização conduz a trabalhar sobre associações intencionalmente dirigidas, mais do que sobre associações livres”, afirma este autor [8]".) Assim mesmo, e em boa medida, a posição frente a frente, que é a usual nessas terapias, costuma perturbar a associação livre,

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propiciando antes o estabelecimento de uma comunicação em que predomina o processo secundário e portanto mais aproximada do que seria um diálogo corrente.

Adoção de uma regra básica de funcionamento para psicoterapias breves F. Fromm Reichman (22) escreveu: “Muitos psicanalistas consideram que uma quantidade suficiente de material dissociado reconhecível chega à superfície e pode ter acesso à consciência no intercâmbio psicoterapêutico mais dirigido.” Isso significa que, por mais que a associação livre favoreça a exploração do incons­ ciente, isso não implica que sem sua ajuda esta não seja exeqüível. Além disso, o natural e lógico para o paciente é ter que falar ante o terapeuta fundamentalmente de seus sintomas e situações conflitivas. Se a norma de funcionamento se baseia nessa premis­ sa, a comunicação se verá em geral facilitada, gerando-se um menor montante de ansiedade paranóide. Podemos assim dedicarnos de maneira seletiva a seus sofrimentos atuais, os quais terão de se converter em tema primordial da terapia (focalização). Por esses motivos, costumo formular uma prescrição de trabalho para os pacientes antes de começar o tratamento breve que consiste no seguinte: esclareço-lhes que poderão falar do que desejem, mas que em princípio convirá que se refiram preferencialmente a tudo aquilo que suponham ter alguma relação com os problemas que combinamos abordar (poderá tratar-se tanto de relatos acerca de fatos atuais da vida deles, como de recordações, pensamentos variados, fantasias, vivências e sonhos).

Uso operativo do método da associação livre nos tratamentos breves Será necessário descartar quase por completo a utilização da associação livre em terapias breves? Penso que não. Do mesmo modo que com outros recursos da técnica psicanalítica, podere­ mos apelar para esses métodos em determinadas circunstâncias.

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Em minha experiência pessoal, venho ensaiando isso de maneira isolada nos tratamentos - tendo-me resultado de suma utilidade perante a emergência de certo material que impressionava como significativo e sobretudo podia supor-se - ou inclusive compro­ var-se - estar ligado à estrutura focal (podendo relacionar-se a um sonho, ao aparecimento de um determinado sintoma, sentimento, fantasia, ato falho, etc.)12. Nesse momento, convidava o paciente a me comunicar as associações que iam surgindo a partir desse material. Essa instrumentalização seletiva do método da associa­ ção livre permite seu aproveitamento, já que é possível exercer certo controle sobre os efeitos regressivos que seu emprego pode­ ría provocar, diferentemente do que resultaria se utilizado cons­ tantemente13. A flexibilidade de que o terapeuta deverá fazer uso há de pos­ sibilitar-lhe a opção de utilizar este recurso técnico quando o con­ sidere oportuno e ante pacientes capazes de responder positivamente ao mesmo14. A manobra em questão tem naturalmente a in­ tenção de aprofundar-se no material correspondente ao foco tera­ pêutico e ffeqüentemente permite ratificar, ampliar ou corrigir as hipóteses psicodinâmicas em jogo, com base no obtido. Dessa maneira, também seríamos consequentes a respeito desse ponto com o que Freud propunha em 1918, quer dizer, a aplicação nas psicoterapias de elementos tomados da psicanálise, mas mediando uma tarefa de “adaptar nossa técnica às novas con­ dições” (21). Em resumo e com respeito ao destino do método da associa­ ção livre como recurso técnico no campo das terapias breves, não considero adequado o emprego sistemático do mesmo - salvo es­ cassas exceções - e creio necessário alertar a respeito de tal emprego quando corresponde a uma simples transposição da téc­ nica psicanalitica corrente e carece de fundamentos válidos. Des­ taco, sim, os benefícios de um uso limitado e seletivo do procedi­ mento no tratamento breve, sugerindo-o com determinados pa­ cientes e em determinadas circunstâncias, definidas pelo surgi­ mento de algum elemento significativo, a partir do qual poderá ter lugar o processo associativo, a fim de se aprofundar na conflitiva focal.

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Conformação definitiva de uma regra de funcionamento para psicoterapias breves Finalmente, à norma ou prescrição de trabalho antes propos­ ta (p. 93), segundo a qual a principal contribuição do paciente será fornecer todo tipo de material que chegue a relacionar com seu sofrimento atual, poderia então agregar-se a explicitação do even­ tual emprego do método da associação livre em alguns momentos da terapia - ainda que, repito, só em caso de pacientes que reve­ lem atitudes egóicas suficientes para que tal emprego traga bene­ fícios . informando-se em detalhe em que consiste o mesmo antes de começar o tratamento. A citada norma de funcionamento se ajustaria às condições próprias da terapia breve. Considero que em grande medida, as­ sim como a “regra fundamental”, no dizer de Laplanche e Pontalis, “estrutura a situação analitica” (32) (“Regra fundamen­ tal”, p. 370), esta norma poderia selar as caracteristicas essenciais da relação terapêutica na terapia breve psicanaliticamente orienta­ da, definindo muito especialmente seu próprio focalizador.

Digressões sobre a focalização e a atenção do terapeuta

Tem-se dito que na terapia focal o terapeuta deve empregar uma atenção seletiva, em virtude da qual tende a conservar men­ talmente um foco (na descrição de Malan, a interpretação central em torno da qual deve girar todo o tratamento). Ao mesmo tempo, o terapeuta se concentra de preferência no material que aparece mais diretamente ligado à problemática focal, conduz o paciente ao foco através do trabalho interpretativo e descarta o material distanciado dele (34); tal estado de atenção seletiva parece certa­ mente o oposto da atenção flutuante recomendada por Freud, de acordo com o qual o analista deve escutar o analisando, evitando na medida do possível privilegiar algum aspecto do material, quer dizer, sem focalizar sua atenção, sendo sua finalidade poder des­ cobrir neste as conexões inconscientes (17). Sem dúvida, conside­ ro que o emprego de atenção seletiva em P.B. de nenhuma maneira deve implicar a ausência total de atenção flutuante por parte do

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terapeuta. Resulta bastante útil em muitos momentos recuperar justamente a atenção flutuante, que ao ver-se inevitavelmente dificultada de maneira parcial pela necessidade estratégica de focalização, de planejamento e de um papel ativo do terapeuta (antes de tudo, o estar cara a cara, o que torna muito mais difícil mantê-la, já que devemos controlar nossa mímica, às vezes não muito apropriada para a ocasião quando nos abandonamos à aten­ ção flutuante), não deve por isso ficar anulada no decorrer do pro­ cesso terapêutico toda vez que desejamos preservar em alguma medida um método mais depurado de exploração do inconsciente, o qual requer seu concurso. Sustento que é possível, pois, valer-se dela, justamente para facilitar o aprofundamento na mesma conflitiva focal, c ainda para a produção de interpretações focalizadas a partir da contribuição que oferecem as associações espontâneas do terapeuta diante do material focal do paciente. Não se empregando a atenção flutuante, o tratamento breve, no meu entender, corre o risco de se reduzir automática e exclusi­ vamente a uma terapia do pré-consáente, podendo estereotiparse consideravelmente o intercâmbio verbal terapeuta-paciente e empobrecer-se o procedimento em suas possibilidades terapêuti­ cas. Se se prescindir por completo da atenção flutuante, assim como da associação livre, a comunicação terapêutica não seria em momento algum - aceitemo-lo ou não a partir de um ponto de vista terapêutico, mas antes de mais nada coloquemo-lo clara­ mente - de inconsciente para inconsciente, como em troca se pro­ cura que seja no tratamento psicanalítico, o qual se sustenta, para isso, na associação livre do paciente e, em contrapartida, na aten­ ção flutuante do analista (17). Penso que nessas circunstâncias poder-se-ia questionar muito mais severamente que em outras - e com direito - a existência de algum grau de insight e de elabora­ ção do paciente nessas terapias, obstacularizados ou impedidos ambos pelo tipo de comunicação estabelecida. A atenção flutuante do terapeuta, flexivelmente utilizada em P.B., não traz, a meu ver, consequências desfavoráveis para o tra­ tamento, muito pelo contrário. Embora retomemos periodicamente, quando seja necessário, à atenção seletiva e implementemos os resultados da atenção flutuante para gerar intervenções focaliza­ das, nada arriscaremos. Tratarei em seguida de esclarecer um pouco mais esses conceitos.

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Sob essa perspectiva chegamos à proposta do que seria no terapeuta uma combinação sucessiva, operativa e flexível de mo­ mentos de atenção flutuante, seguidos de momentos de atenção mais seletiva, que se alternam de acordo com as vicissitudes da comunicação terapêutica, ainda que sempre se dê no final um retorno ao estado de atenção seletiva focal. Como norma elemen­ tar, poderiamos estabelecer que toda vez que se solicitem associa­ ções livres ao paciente, tem-se de escutá-lo em estado de atenção flutuante (qualquer outra atitude implicaria neste caso uma incoe­ rência técnica, pois se nos decidirmos a procurar que circunstan­ cialmente o paciente vença a censura existente entre seu conscien­ te e seu pré-consciente, não vamos incorrer no erro de substituíla, antepondo nossa própria censura às suas comunicações, efe­ tuando uma seleção à qual o paciente tenha renunciado [17]). No entanto, isso não significa que o emprego da atenção flutuante em P.B. tenha de reduzir-se somente a tais circunstâncias. Creio que de maneira geral o que poderia embasá-la como requisito básico seria o surgimento de material presumível ou - melhor ainda claramente relacionado (pelo terapeuta) com o focai, tenha sido tal material trazido de modo espontâneo pelo paciente, tenha apa­ recido como conseqüência de intervenções focalizadoras do tera­ peuta (perguntas, assinalamentos, interpretações, pedidos de as­ sociação livre a partir de um elemento, etc.). Uma possível seqüência ilustrativa da combinação dos tipos de atenção que pro­ ponho para o trabalho focalizador é a seguinte: em virtude de sua atenção seletiva, o terapeuta distingue um elemento focal signifi­ cativo no material do paciente (relativo a um sonho, por exemplo). Em seguida, solicita-lhe associações livres partindo de tal ele­ mento e se dispõe então a escutá-las com atenção flutuante. Em seguida se dá, por exemplo, o passo na direção da gestação de uma interpretação, como conseqüência da atividade pensante do terapeuta que tem lugar nesse momento (associações, conexões, sínteses, etc.), com retorno final à focalização (atenção seletiva focal) para a conseqüente seleção interna voluntária entre as linhas interpretativas (quando surge mais de uma) do que se rela­ ciona ao eixo terapêutico, de onde poderá sobrevir - ou não - a formulação de uma interpretação, que tem de ser focalizada. Esta poderá, por sua vez, ter como resposta: a) a emergência de mate-

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rial focal (associações dirigidas) (8), ante o que o terapeuta tem de abandonar-se igualmente à atenção flutuante e reiniciar o ciclo, ou, então, b) resistencialmente, o distanciamento do foco, o qual, ao transcorrer certo tempo e ser corroborado pelo tera­ peuta, que voltou a focalizar - automaticamente - sua atenção, o levará a reencaminhar o paciente ao foco, por exemplo, com um assínalamento. Em síntese, material do paciente —> focalização baseada na atenção seletiva do terapeuta —» pedido de associa­ ção livre ao paciente —» atenção flutuante do terapeuta —> gesta­ ção da interpretação: atividade pensante com trabalho final de seleção interna do terapeuta (atenção seletiva focal) —» interpre­ tação focalizada -> material focal atenção flutuante do tera­ peuta, etc. Mas não podemos extrair algo mais dessa exemplificação? De fato, ela mostra que a atenção seletiva serve basicamente para efetuar uma seleção do material do paciente (em razão de nosso interesse seletivo na problemática focal daquele), mas que na rea­ lidade a dita seleção segue uma recepção, em estado de atenção flutuante, por parte do terapeuta, do material focal que sobrevêm em continuação, e que é empregando essencialmente esta forma de atenção, a flutuante, que o terapeuta desenvolverá seu trabalho interpretativo. Desse modo, a noção de atenção seletiva na psico­ terapia focal também encerra no fundo a presença de estados de atenção flutuante do terapeuta (no conceito antes mencionado, de que a atenção seletiva pressupõe a concentração preferencial do terapeuta no material ligado à problemática focal, estaria implícito o emprego da atenção flutuante para a recepção de tal material). Esta é a forma pela qual pessoalmente concebo o que sucede - ou deveria suceder com a atenção do terapeuta na psicoterapia focal, e que me parece sumamente necessário explicitar, já que os diver­ sos autores que vêm se referindo a essa técnica se ocuparam pouco ou nada de aclarar esse tema - da mesma maneira que o relativo à associação livre apesar da sua indubitável importância. Os pacientes que têm certa capacidade para centrar-se na conflitiva focal nos eximem de maiores preocupações e esforços para orientá-los em direção a ela, facilitando-nos o exercício de nossa atenção flutuante (isto se apresenta do mesmo modo diante dos quadros de neuroses traumáticas, nos quais com freqüência a

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maior parte do material trazido está vinculada mais ou menos diretamente à situação traumática, inerente ao foco terapêutico). Em suma, a atenção flutuante em P.B. pode ser empregada em diferentes momentos terapeuticamente significativos de nosso trabalho15. A combinação que sugiro tem seu correlato no que foi pro­ posto para o paciente, quer dizer, colocação seletiva consciente de material focal e associações livres a partir de um elemento focal. A combinação atenção flutuante/atenção seletiva, que pare­ cería difícil de concretizar na prática, pode dar-se em grau satisfa­ tório e de modo quase espontâneo em terapeutas convenientemen­ te treinados. Há uma regulação, que com o tempo se torna auto­ mática, da atenção, segundo as formas em que se vão dando as seqüências. Vale a pena preservar nesses procedimentos certo grau de atenção flutuante, capitalizada, como vimos, para os fins de aprofundar a elucidação dos psicodinamismos focais e de dar lugar à produção de intervenções focalizadas, tudo isso possibili­ tando o progresso terapêutico.

Elem entos psicoterapêuticos verbais

Generalidades Em P.B., as intervenções verbais do terapeuta devem reunir três condições básicas: 1?) Manter certa coerência interna (7) (13). Isso quer dizer que de um ponto de vista dinâmico não é admissível que haja con­ tradições no emprego das diferentes intervenções do terapeuta, as quais devem responder a uma estratégia terapêutica elaborada de acordo com as necessidades de cada caso. E inaceitável, por exemplo, que às intervenções tendentes a desencorajar a regres­ são se sigam outras que, pelo contrário, a favoreçam. Quando se cometem tais erros tem-se a impressão de que a terapia breve se converte num expoente da improvisação e da imprudência. 2?) Constituir-se de uma proporção elevada de intervenções não-interpretativas. Os assinalamentos, perguntas e comentários

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que estimulam o intercâmbio verbal têm de ser empregados com uma freqüência maior do que na psicanálise tradicional, a fim de contrabalançar os efeitos da estimulação da dependência que um uso quase exclusivo de interpretações poderia trazer associado. Considera-se desse modo que se deva reafirmar uma relação tera­ peuta paciente em termos de realidade e de uma menor assime­ tria. Por outro lado, apelar com freqüência para intervenções nãointerpretativas constitui uma clara expressão do papel ativo e focal izador do psicoterapeuta nesse tipo de terapia. 3°) Estar focalizadas. As intervenções, interpretativas ou não, deverão estar de preferência focalizadas, quer dizer, dirigidas seletivamente à problemática focal16. Dessa maneira serão tam­ bém focalizadoras em seus efeitos, já que estimulam a colocação por parte do paciente de material relacionado com o foco. Tratase de uma premissa essencial dessas terapias, mediante a qual se procura centralizar o trabalho terapêutico nos problemas vitais e atuais do paciente e não abrir nele outras brechas, como acontece quando se segue uma direção definida e previamente incluída nu­ ma estratégia terapêutica determinada. Dentre as diferentes intervenções do terapeuta, me ocuparei detalhadamente das interpretações, mencionando sucintamente as restantes. As interpretações na psicoterapia breve de orientação psicanalitica Ainda é objeto de viva discussão tudo o que concerne às interpretações em P.B. Examinarei aqui as contribuições de di­ versos autores e exporei, além disso, meus pontos de vista a res­ peito. A apresentação do tema será feita na seguinte ordem: a) Introdução. b) Interpretações e transferências. c) Variantes qualitativas nas interpretações. Atenuação dos efeitos regressivos. d) Interpretação dos sonhos. e) O terapeuta diante do trabalho interpretativo.

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a) Introdução Em primeiro lugar pode-se colocar a que lugar, em ordem de importância, corresponde a interpretação como instrumento terapêutico na P.B. de orientação psicanalítica. A meu ver deve ser a ferramenta fundamental, pois o objetivo principal continua sen­ do a busca de insight no paciente (sem que por isso se desconheça a incidência de outros mecanismos terapêuticos, que em minha opinião têm um papel secundário). Não obstante, cabería insistir em algumas considerações a respeito. Se aceitamos, partindo das idéias de Rogers (40), que toda interpretação, seja ou não “trans­ ferenciai”, favorece o estabelecimento de uma relação acentuadamente dependente do paciente em relação ao terapeuta, parece conveniente que em P.B. as interpretações, sem deixar de ser, como na psicanálise, o elemento terapêutico essencial, se alter­ nem em maior medida com outros tipos de intervenção verbal (assinalamentos, perguntas, sugestões, etc.), capazes de relocalizar o paciente uma vez ou outra em sua condição de adulto e nu­ ma relação menos assimétrica com o terapeuta. Numa palavra, é desejável que o tratamento não se reduza a um emprego exclusi­ vamente sustentado ou baseado em interpretações, por serem es­ tas indutoras da dependência regressiva. Quanto à sua profundidade17, minha impressão é de que habitualmente é limitada pelas próprias características do enqua­ dramento. Existem, por exemplo, dificuldades para se exercer controle sobre as ansiedades que o paciente sofre por efeito das interpretações, dado o número relativamente reduzido de sessões semanais e, comumente, o curto prazo do tratamento. Além dis­ so, interpretações “profundas” podem, em certas ocasiões, indu­ zir a estados regressivos de certa consideração; será preciso tam­ bém contar com a possibilidade de que se produzam reações des­ favoráveis pelo incremento das resistências. Pois bem, em algu­ mas oportunidades, um tratamento coloca a necessidade de se atingirem certos niveis de profundidade para que os objetivos terapêuticos propostos possam ser alcançados. E conveniente então avaliar antes a capacidade do paciente para assimilar inter­ pretações desse teor, efetuando-se ocasional e prudentemente como experiência (48)18.

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O trabalho terapêutico na P.B. de insight é limitado em com­ paração com o que tem lugar na análise. Poderiamos dizer que o é tanto na superfície (ao ser focalizado) como em profundidade (não abarcando certos aspectos dos conflitos centrais do trata­ mento, sobretudo os que se acham ligados a conteúdos muito re­ primidos). Além disso, ignora a maior parte das manifestações inerentes à neurose de transferência, a qual, como sabemos, al­ cança pouco ou nenhum desenvolvimento no tratamento breve.

b) Interpretações e transferências Um dos aspectos mais importantes e polêmicos da teoria da técnica da P.B. diz respeito aos tipos de interpretação que devem ser utilizados no que se refere à transferência ou, melhor dizendo, às transferências19. Examinaremos, agora, os pormenores do uso das denomina­ das interpretações “transferenciais” e “extratransferenciais”20. Interpretações "extratransferenciais "

Em primeiro lugar, vamos analisar o papel das interpretações “extratransferenciais” na terapêutica breve, as que na técnica psicanalítica não costumam ser levadas muito em conta ou são dire­ tamente desestimuladas. A meu ver podem configurar sem dúvi­ da um recurso válido, usual e importante no trabalho interpretativo, e não carecem de valor para o tratamento psicanalítico. Isso obedece ao fato de que, em matéria de terapias breves, devemos nos dedicar à tarefa de resolver problemas atuais da realidade externa do paciente mediante a análise e a conseqüente busca de insight a respeito da natureza das situações conflitivas que apre­ sentam suas transferências, desenvolvidas em qualquer pessoa com quem se relaciona em sua vida diária (cônjuge, filhos, pais, chefes, etc.). Mas o emprego dessas interpretações parece requerer toda­ via fundamentos teóricos suficientemente sólidos. O que ocorre é que em psicanálise as interpretações “extratransferenciais” quase sempre têm sido, como disse antes, subestimadas, atribuindo-se-

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lhes um valor muito secundário na cura, em comparação com as “transferências”. Um claro exemplo disso é a posição adotada por Strachey (41). Entre nós, Guiter, partindo da revisão de pontos essenciais do pensamento freudiano, expõe conceitos que permi­ tem reivindicar as interpretações “extratransferenciais” em sua significação terapêutica dentro do tratamento psicanalítico (25). Esse autor resgata seus fundamentos teórico-técnicos, o que se reveste de singular importância, já que disso dependerão em gran­ de parte a validade e o alcance terapêutico que adjudiquemos à técnica breve que apele frcqüentemente para as interpretações mencionadas. Dos pensamentos de Guiter acerca das interpretações não relacionadas com o analista, tenho selecionado aqueles que me parecem mais eloqüentes e ilustrativos (25). Em que pese sua ex­ tensão, quero transcrevê-los, pois sua menção resulta mais que oportuna ao abordar este tema: “A análise é uma investigação do inconsciente. Não da trans­ ferência, nem das recordações, nem de nenhuma circunstância em particular.” Depois começa a expor seus pontos de vista em tomo das interpretações que operam “centrando o ponto de urgência fora da transferência ao psicanalista”, as que fazem alusão a “transferên­ cias” a outras pessoas em relação atual, passada ou futura com o paciente (ainda vou enfatizar - esclarece - as interpretações que se referem à vida atual do paciente, contemporâneas à situação analítica, por serem as mais descuidadas pela psicanálise em seu esquema teórico). Ao dizer isto - continua Guiter - vou afastarme da maneira tradicional de trabalhar (talvez melhor do que tra­ balhar, devesse dizer teorizar acerca de técnica, dado que as necessidades da prática psicoterapêutica obrigam o analista a sair e ampliar sua estreita margem conceituai) de muitos psicanalistas de nosso país, nesse momento (1973) em que trabalham partindo da hipótese de que tudo o que o paciente diz se refere ao analista, e que a meta da análise é a busca do objeto transferido para este em suas múltiplas variantes e em seu interjogo com o analisado. Não estou de acordo com essa maneira de trabalhar. Freud confe­ ria grande valor à transferência, mas, a meu ver, como elemento incluído dentro de uma totalidade englobada pela reconstrução,

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que inclui também o histórico próximo e distante da vida do paciente. O “aqui, agora e comigo” é, para mim, somente uma parte do processo analítico. “O paciente vem à sessão estimulado pela angústia ocasiona­ da por um determinado problema com raízes no passado e estimu­ lado a partir do presente. Esse presente pode estar constituído pelo próprio analista ou por qualquer estímulo do dia ou dias ante­ riores (equiparando-o a um sonho, o elemento estimulador pode ser comparado a um resíduo diurno).” “(...) De modo que, quando um paciente vem à sessão pode chegar estimulado por excitações que ultrapassam sua capacidade de elaboração (e que traz para elaborar na sessão), e essas excita­ ções podem então ter-se originado na relação com processos reais ou transferenciais, alheios ao analista. Penso então que a missão do analista é interpretar esses fatos sem incluir-se, pois o nível do conflito nesse momento não se relaciona com ele” (grifos do autor). Continuando, Guiter refuta as críticas que se formulam contra essa modalidade de trabalho (no que concerne ao favorecimento de “atuações”, ao grau de veracidade acerca do que o paciente nos relata ou à circunstância de que se trate de “um fato que já passou”, enquanto “na sessão, a situação é presente”). Por razões de espaço abstenho-me de transcrever a passagem correspondente. Mais adiante expressa: “A transferência pode acontecer em qualquer parte; não é forçoso que seja com o analista. Mais ainda, quanto mais se interprete o paciente em relação ao analista, tanto mais se pode tomar essa técnica como defesa, sem ver as transfe­ rências em outra parte.” (Assinala antes, que mesmo Freud “inter­ pretava transferências em outros contextos”.) Prossegue dizendo: “Outro problema que se coloca é este: se tudo o que o paciente diz se relaciona com seu analista, e quase tudo o que ocorre na sessão é transferência, reduz-se ao mínimo a relação adulta (ou sã) entre o paciente e o analista, fomentando, no primeiro, regressões patológicas. Dessa maneira, o paciente sempre é um menino de quem o analista é um pai, e se fomenta, iatrogenicamente, a regressão, mas não a regressão útil, de modo que, nesse nivel, o que se consegue é adoecer mais o paciente.

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Assim sendo, nós, os analistas, podemos ser paradoxalmente reforçadores de neuroses” (grifos do autor). A clareza expositiva de Guiter me exime de maiores comen­ tários e, na minha opinião, avaliza com acréscimos o emprego das interpretações “extratransferenciais”. Concordo com o critério de Guiter e entendo que nenhuma terapia interpretativa deva descuidar-se das diferentes transferên­ cias extraterapêuticas, muito menos reduzir a tarefa à analise da transferência ao terapeuta. Mas, no terreno de P.B., devemos reconhecer a existência de um inconveniente em nosso trabalho de análise das relações do paciente com os diferentes objetos transferenciais de sua realida­ de externa: o terapeuta conhece pouco o paciente em sua relação terapêutica, em virtude do limitado contato que proporciona o tra­ tamento. Disso poderíam derivar apreciações e interpretações errôneas da realidade externa do paciente (ainda quando a com­ preensão da transferência, já evidenciada com o terapeuta, seja de todo o modo um elemento valioso para diagnosticar as caracterís­ ticas das relações objetais do paciente, do mesmo modo que a compreensão da contratransferência, cabe recordar precisamente que, em psicanálise, o conhecimento que o analista adquire no decorrer do tempo sobre as características da transferência desen­ volvida pelo paciente para com ele, geralmente, lhe resulta de grande ajuda para inferir e interpretar as demais transferências do paciente. Em PB. devemo-nos desenvolver praticamente sem essa ajuda desde o começo). Mas considero que esse obstáculo pode ser - e é - vencido na maioria das vezes mediante um prévio estu­ do clínico e psicodiagnóstico o mais amplo possível do paciente, que se impõe em P.B. quase como imprescindível para oferecer sustentação adequada ao nosso trabalho terapêutico posterior. Por outro lado, em função do enquadramento da P.B. e como venho repetindo, os mecanismos terapêuticos não consistem do desenvolvimento e da elaboração da neurose transferenciai; o tra­ balho não tem por que concentrar-se então na análise exaustiva da relação terapêutica - que poderia propiciar o desenvolvimento da neurose de transferência - recorrendo-se, em troca, a interpreta­ ções que a desvelem e clarifiquem parcialmente só em determina-

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das circunstâncias que assim o aconselhem e que citarei em se­ guida. Com o propósito de evitar fenômenos transferenciais inten­ sos, Pumpian-Mindlin (36) sugere “desviar a transferência”, quer dizer, os problemas a tratar, em direção a uma figura importante para o paciente, em vez de concentrar a atividade na relação paciente-terapeuta. Eu não chamaria a isto “desviar a transferên­ cia” - em que desviar poderia ser entendido como desviar de maneira forçada, senão melhor, de acordo com o que quase sem­ pre ocorre na prática, hierarquizar outras transferências preexis­ tentes do paciente, em função, primeiramente, da real significa­ ção em sua vida (ou seja, de relações objetais dotadas de um importante montante de libido), e, em segundo lugar, do enqua­ dramento e das finalidades do procedimento terapêutico breve. Em conseqüência, como numa terapia breve costumam pre­ dominar as impropriamente chamadas interpretações “extratransferenciais” em relação às “transferenciais”, a tarefa interpretativa se diferencia claramente da do tratamento psicanalítico, no qual prevalecem as segundas ou pelo menos em que se manifesta uma maior proporção delas com relação às que geralmente averigua­ mos num tratamento breve (as diferenças se acentuam muito mais na análise kleiniana que na análise que mantém uma modalidade técnica freudiana). Interpretações "transferenciais "

Em P.B. existem critérios díspares quanto ao uso das inter­ pretações “transferenciais”. Malan assinala que parece haver acordo geral acerca da necessidade de não fomentar o desenvolvi­ mento da neurose de transferência21. A questão esbarra em como fazê-lo. Ali começam as divergências. Malan não vê nenhum inconveniente em empregar precoce e intensivamente interpreta­ ções “transferenciais”. Sustenta que os perigos que se corre (de aumentar a dependência, por exemplo) são escassos, que é preci­ samente através dessas interpretações que se pode resistir ao de­ senvolvimento de uma neurose transferenciai e lhes assinala um papel muito importante ao alcance de resultados favoráveis (34). Rogers, no outro extremo, alarmado porque induziram o paciente

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à dependência, propõe suprimi-las por completo (40). Mas talvez a maioria se incline a um uso prudente e limitado (2) (14) (48), pois considera que utilizadas de modo sistemático como em psi­ canálise podem fomentar a neurose de transferência (7) (14). Compartilho plenamente essa posição. Além disso, entendo que comumente o paciente tarda em aceitar como algo próprio os ele­ mentos da transferência para o terapeuta, e que não temos tempo suficiente para insistir demasiado neles (não é conveniente fazêlo em P.B. por múltiplas razões), e muito menos para incluir reve­ lações acerca das raízes genéticas infantis do conflito transferen­ ciai. A fim de resolver problemas vitais atuais que o afetam, o paciente se apresenta para tratar-se só uma ou duas vezes por semana; se apesar de tal situação instarmos para que se concentre em sua relação conosco, poderemos gerar consideráveis resistên­ cias à tarefa, que reduzirão nossas possibilidades, fundadas no insight, de alcançar o êxito terapêutico desejado” . Por isso creio que devemos nos conformar em prover o paciente de elementos para a conscientização de suas transferên­ cias para com pessoas significativas, geralmente envolvidas na situação conflitiva em questão, e incluir o vínculo com o terapeuta na maioria dos casos só como uma nova relação transferenciai - e não como o eixo do tratamento - na qual podem, isso sim, aflorar talvez mais seletivamente e apreciar-se com maior clareza as pau­ tas repetitivas e neuróticas de sua conduta. Assim, sem deixar de “seguir o fio” dos fenômenos transferenciais relacionados àquele a que sua compreensão se refere, o terapeuta geralmente tratará de não estimular com suas intervenções (refiro-me às de qualquer tipo, quer dizer, não só às interpretações, senão também aos assinalamentos, perguntas, etc.) o surgimento excessivo desse tipo de material. Mas, paralelamente, ocorre o fato incontestável de que se em certos momentos não se apela para a interpretação “transferen­ ciai” poderão aparecer ou acentuar-se diversas dificuldades. Quase sempre trata-se da interpretação da transferência negativa. Seguiriamos assim a regra freudiana de não interpretar a transfe­ rência positiva sublimada, que em troca deverá ser estimulada e utilizada para tornar possível o trabalho terapêutico (18) (19).

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Com este último concordam autores como Bellak e Small (2) e Malan (34). Vejamos então quais são as principais situações em que será necessário recorrer às interpretações “transferenciais”: a) Quando surgem resistências transferenciais. Tratar-se-á de vencer através da tarefa interpretativa os obstáculos resistenciais provenientes da transferência assim que aparecerem (28)23'. Ausências, atrasos e outras dificuldades do paciente essencial­ mente para trazer material focal (intervalos de silêncio reiterados, afastamento do foco) quase sempre podem ser interpretados ao menos em parte com relação a situações transferenciais. A título de ilustração, darei um exemplo simples; uma mu­ lher jovem, num momento do tratamento breve, se negava a falar durante as sessões, durante as quais manifestava uma expressão de nojo para comigo, sem que ela mesma encontrasse motivos ra­ zoáveis que pudessem justificar tal estado. Ao cabo de algumas sessões, pude apreciar com clareza que repetia em seu vínculo comigo o tipo de relação que mantinha com seu pai, a quem desde tempos atrás não dirigia a palavra. Revelei esta situação transfe­ renciai à paciente, o que permitiu remover o obstáculo e facilitar o curso posterior do tratamento, ao dissipar de imediato e em gran­ de parte a resistência surgida, o que se alcançou mediante uma mensagem interpretativa denunciadora do “falso vínculo”, mas que por sua vez desalentava a revivescência de situações infantis na relação com o terapeuta24. b) Quando podem constituir para o paciente um elemento demonstrativo de determinados aspectos de sua problemática focal. Em qualquer momento, a relação com o terapeuta poderá funcionar como um modelo experimental esclarecedor dos pro­ blemas do paciente com suas relações interpessoais. Mas será conveniente que a interpretação da transferência se realize em circunstâncias em que o fenômeno transferenciai possa ser cla­ ramente reconhecido pelo paciente. Desse modo, um fragmento de transferência converte-se prontamente em ponto de partida para propiciar insight no paciente acerca dos conflitos com outros seres de sua vida atual - e eventualmente do passado pois o propósito é basicamente estabelecer de imediato a cone­ xão com esses objetos de conflitos para alcançar uma adaptação à realidade.

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Recorrerei novamente a um exemplo clínico: Trata-se de uma paciente de 32 anos, de caráter histérico, com marcados tra­ ços fálicos. A situação conflitiva principal na terapia era a relação intensamente competitiva e sadomasoquista que havia estabeleci­ do com seu cônjuge: descobri que conseguia com ffeqüência irri­ tá-lo até colocá-lo fora de si, provocando nele reações violentas contra ela que chegavam ao ataque físico. A relação ia sofrendo uma progressiva deterioração, motivo principal de sua consulta25. Foi necessário mostrar-lhe através de uma revisão parcial do vin­ culo transferenciai como tratava insistentemente e de modo incons­ ciente de atacar-me e denegrir-me, sobretudo com comentários hostis acerca dos psiquiatras, provocando assim sentimentos de rejeição, raiva e frustração. (Resultava claro que queria despertar minha raiva até conseguir alterar-me, do mesmo modo que a seu marido. Desejava “triunfar” sobre mim e, procurando tomar-me “cego de raiva”, anular-me em minha capacidade terapêutica pen­ sante. No fundo, sua conduta correspondia uma vez mais a um intenso masoquismo, que a levava a buscar que a maltratassem e também a atentar contra a relação terapêutica.) Com esta inter­ venção busquei provocar um insight na paciente a respeito do que lhe ocorria com seu marido, partindo da comprovação da situação que experimentava repetitivamente comigo. Além disso, tratei de chamar sua atenção para o fato de que esses aspectos doentes de sua personalidade conspiravam também na terapia, colocando-a seriamente em perigo. (Poder-se-á notar, neste último exemplo, que na verdade a intenção de relacionar o fenômeno transferen­ ciai com algumas perturbações nas relações interpessoais da rea­ lidade atual da paciente era acompanhada pela tentativa de dissol­ ver obstáculos resistenciais, o que é frequente na prática psicoterapêutica. Também no exemplo anterior, ambos os aspectos coe­ xistiam em certa medida, mas predominava o objetivo de supera­ ção das resistências.) Todavia, cabe fazer referência ao uso das interpretações “transferenciais” segundo as fases que o tratamento está atraves­ sando. Nesse aspecto considero que tanto nas etapas iniciais como nas finais do processo terapêutico costuma produzir-se em geral maior necessidade de se recorrer a essas intervenções. Durante as primeiras sessões - porque é preciso despejar o panorama de

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resistências transferenciais dadas pelo natural surgimento de ansiedades paranóides, que se traduz em temores e desconfiança (se estão efetuando então os já conhecidos ajustes à relação de trabalho e fomentando os sentimentos transferenciais positivos) - e nos estágios finais - porque o término da terapia e a eventual separação requerem certo trabalho interpretativo, que contemple, em alguma medida, as situações peculiares de luto que se repro­ duzem em cada paciente no seio da relação transferenciai. Ainda que no melhor dos casos não seja possível aspirar a níveis muito elevados de elaboração, pelo menos a situação de final de trata­ mento e de separação deverá ser sempre assinalada para o paciente, com o intento de evitar ou atenuar as reações desfavorá­ veis que este pudesse apresentar diante de tal situação e de afian­ çar assim os êxitos terapêuticos obtidos. (Este tema é examinado no capítulo 9.)

c) Variantes qualitativas nas interpretações. Atenuação dos efeitos regressivos Já disse que, a meu ver, o emprego - sobretudo fundamenta­ do - de interpretações “transferenciais” é na psicanálise um fator favorável ao desenvolvimento da neurose transferenciai regressi­ va, pois leva o paciente a concentrar seu interesse no vínculo tera­ pêutico e o estimula a reviver nele mesmo situações passadas (ainda que em última instância, ao fazer consciente o inconscien­ te, mostrando-lhe assim a conexão equivocada, serão em grande medida no curso do processo psicanalítico, o instrumento funda­ mental, por antonomásia, precisamente para a resolução da neuro­ se de transferência). Partindo dessa postura poder-se-á compreen­ der a preocupação de alguns autores, e a minha própria, no terreno da P.B., por debilitar seu efeito indutor da regressão. A idéia é não deixar de utilizá-las quando devemos servir-nos delas, diminuin­ do, o quanto possível, seu potencial regressivo. Isso implica, além da óbvia restrição quantitativa ao emprego desse tipo de interpre­ tações, ter de realizar modificações técnicas em sua índole quali­ tativa. Pessoalmente penso que essas modificações devem referirse não só ao aspecto verbal, mas também ao para e ao pré-verbal

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da mensagem interpretativa, já que, como sabemos, o tom de voz, por exempio, assim como a expressão corporal do terapeuta, ao formular a interpretação, não são indiferentes em sua repercussão no paciente e no que se refere a suas tendências regressivas. Podemos afirmar que, muito pelo contrário, interferem considera­ velmente. Na realidade, ante qualquer interpretação, transferen­ ciai ou não, esta questão se colocará em maior ou menor medida na P.B.. Disse Weiss: “O uso adequado das interpretações (quanto à escolha, momento e form a de apresentá-las) é o meio mais efi­ caz de que dispõe o terapeuta para regular o tipo e a intensidade da relação” (45). (Os grifos são meus.) Trata-se de controlar na medida do possível a intensidade de regressão transferenciai. Para tanto é necessário que as interpreta­ ções possuam certas condições, sobretudo que estabeleçam uma ligação de maneira praticamente constante entre o que sucede ao paciente, em sua relação com o terapeuta, e nas relações daquele com os objetos transferenciais de “fora”. A intenção é incluir sempre a realidade que está mais além do consultório, em direção à qual se há de orientar continuamente o paciente, diminuindo dessa maneira a concentração excessiva de exploração psicológica no vínculo com o terapeuta. Descobrimos que Szpilka e Knobel (42) sugerem algo similar como uma maneira de usar a transfe­ rência sem os perigos de uma neurose transferenciai, isto é: “(...) acompanhar cada interpretação do que ocorre com o terapeuta de um assinalamento do que acontece, além disso com seus amigos, parentes ou demais objetos significativos de seu mundo externo” (grifos dos autores). Também a Knobel e Szpilka corresponde uma das observa­ ções mais interessantes e claras que tenho encontrado a propósito do problema que estamos considerando: “Uma boa utilização da transferência nas psicoterapias breves é aquela que permite a alu­ são ao terapeuta, mas para desfazer em seguida a confusão que surge dessa alusão. Desfazer significa dizer à parte adulta da per­ sonalidade do paciente que ele se porta com o terapeuta como se este fosse seu pai, sua mãe ou qualquer outro objeto significativo primário, mas que na realidade isto é fruto de sua percepção errô­ nea de realidade, já que na verdade, por tais e quais motivos obje­ tivos, o terapeuta não é nenhum desses objetos primários por ele

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trazidos e pelo terapeuta representados. Entre a emergência do bloco de transferência e sua resolução deve transcorrer por outro lado o menor tempo possível e quase diriamos tão logo venha à tona é necessário desfazê-la” (42). (Grifos dos autores.) Em um traba­ lho de Córdoba, Andrés Rascovsky e Wencelblat observa-se um nítido paralelismo com essas idéias (3). No meu entender estamos diante de um ponto-chave dentro do trabalho interpretativo. Con­ sidero que implica que a mensagem, ora manifesta, quer dizer, explicitada na interpretação, ora eventualmente implícita em seu conteúdo, deve ser tal que desalente o prosseguimento da revivescência de situações infantis no seio da relação transferenciai, o que significa renunciar a explorar a maior parte do “como se” metafórico da técnica psicanalítica26. A importância do conteúdo e da forma de interpretação dever-se-á agregar, reitero, a influên­ cia de outros fatores, como, por exemplo, o tom de voz emprega­ do. (O modo como se faz a interpretação, a acentuação que o tera­ peuta confere a certas palavras ou frases que a integram também podem “convidar” o paciente a estabelecer uma relação regressivo-dependente com o terapeuta ou, pelo contrário, desalentá-la.) Para controlar a regressão, e no que diz respeito às interpre­ tações em geral, registramos algumas coincidências relativas à conveniência de que as intervenções do terapeuta incluam sempre dois aspectos opostos e coexistentes do paciente e não apenas um. Por exemplo: o infantil acompanhado do adulto, o agressivo do construtivo (Szpilkae Knobel [42], Fiorini [ 13])27. Trata-se de não polarizar na direção que fomente a regressão, a dependência e a insegurança, e ao mesmo tempo de chamar a atenção do paciente para seus aspectos adultos ou mais bem integrados e para suas possibilidades evolutivas e autônomas. O outro recurso a ser considerado para se evitar que o pacien­ te estabeleça uma relação excessivamente regressivo-dependente é apresentar as interpretações sob a forma de perguntas ou suges­ tões (Gerard [23], Tarachow [43]), como hipóteses que são, numa atitude de certa humildade (Fiorini [16]), que tende a opor obstá­ culos à idealização da figura do terapeuta. Para isso também será útil mostrar ao paciente de quais elementos do material trazido por ele extraímos nossas interpretações. A atitude que deve assumir o terapeuta a respeito dos ele­ mentos histórico-genéticos do conflito atual e particularmente sua

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eventual inclusão nas interpretações que se formulam para o paciente é um ponto que em parte já foi tratado na “Introdução” (pp. 101 s.), a propósito da profundidade das interpretações em P.B., pelo que lhe cabem as considerações ali expostas28. Não obs­ tante, queria insistir em alguns aspectos fundamentais e particularizar outros a fim de aprofundar a visão do tema. Diante de tudo isso, não devemos deixar de reconhecer que colocar ênfase excessiva nos aspectos infantis do paciente pode promover a regressão. Por isso, uma posição extrema consistiría em evitar toda incursão por esses níveis do conflito. Não compar­ tilho desse critério, por mais que nos tratamentos breves pareça aconselhável abster-se de interpretar em primeira instância e de maneira sistemática tais aspectos, e partir em troca da referência aos fatores atuais em jogo. (Em P.B., por conseguinte, diferente­ mente do que ocorre no tratamento psicanalítico, não haveria uma intenção prioritária de se remeter às experiências prematuras da vida do paciente.) Mas o certo é que na prática apresentam-se situações em que se tem a impressão, a priori ou no curso de um tratamento breve, de que, enquanto não se incorporarem às inter­ pretações elementos do passado infantil - os quais certamente sempre se levam em conta para compreender o conflito - poderá produzir-se um estancamento no processo de conscientização e mudança do paciente. Em tais circunstâncias, o terapeuta poderá estimar que é necessário efetuar uma revisão e um trabalho interpretativo mais profundo das perturbações do paciente. Reconhecida a necessidade de que a tarefa interpretativa abarque conflitos genéricos infantis, estudaremos em cada caso a possibilidade de colocar isso em prática, com probabilidades de que seja terapeuticamente eficaz. Convirá tomar algumas precau­ ções (sobretudo se se trata de interpretar a transferência para com o terapeuta), as quais, reiterando o já assinalado em outras oportu­ nidades, serão as seguintes: 1. Que o paciente demonstre estar capacitado para receber e aproveitar essas interpretações sem experimentar reações desfa­ voráveis (isto significa em essência respeitar o timing). 2. Que as condições do enquadramento, principalmente as temporais (duração, freqüência e periodicidade das sessões, dura­ ção total do tratamento), sejam propícias.

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3. Que os componentes histórico-genéticos a incluir nas in­ terpretações sejam pertinentes à estrutura focal29. A isto terá de se agregar que: 4. Poder-se-á trabalhar um conflito infantil derivado (por exemplo, com relação a um(a) irmão(ã)30, mas o terapeuta não deve ter por aspiração principal eliminar a amnésia infantil (Devald [5]), ainda que, quando se considere necessário fazê-lo, tenha de fazer alusão de maneira direta a componentes do conflito original. Neste último caso, realizo um trabalho interpretativo sempre parcial, limitado ao que é imediatamente relacionado à situação-problema, ou seja, ao necessário para obter certa mobili­ zação e progresso no paciente, descartando outros aspectos do conflito, pois não é possível abarcá-lo em sua totalidade e propender para a sua elaboração, carecendo de sentido “abrir feridas” nas defesas. Assim, dificilmente uma terapia breve chega a con­ frontar o paciente com seu conflito edípico, mostrando-lhe direta­ mente, por exemplo, o significado incestuoso ou parricida de suas fantasias31. 5. O modo de formular as interpretações tenderá a facilitar que o paciente, mais do que tudo, compreenda os determinantes históricos do conflito atual, em vez de fazê-lo reviver emocional­ mente os conflitos infantis no seio da relação transferenciai. Este ponto corresponde ao critério sustentado por Szpilka e Knobel, no sentido de que o insight em P.B. tem de ter “maior participação cognitiva que afetiva” (42). A propósito deste aspecto da técnica, têm dito esses autores: “Devemos reconhecer que isto, para al­ guns indivíduos, pode servir perfeitamente para mobilizar situa­ ções internas, para as quais ainda não temos métodos de avaliação e que podem ser úteis para alcançar uma adaptação produtiva à realidade” (42). Como corolário da revisão das distintas modificações e agre­ gados realizáveis nas interpretações, podemos afirmar: de acordo com a conformação da interpretação e a modalidade que assume sua formulação, aquela poderá fornecer o desenvolvimento da regressão e o da neurose de transferência ou, pelo contrário, ten­ der a neutralizá-los.

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d) Interpretação dos sonhos Em P.B. não há tampouco uma unidade de critério com res­ peito a se devem ou não ser formuladas interpretações acerca do material onírico dos pacientes. A interpretação dos sonhos, praticada do mesmo modo que na psicanálise, conteria um risco básico, em função da possibili­ dade de estimular excessivamente a produção de fenômenos re­ gressivos no paciente. Apesar disso, creio que não convém rejei­ tar de imediato um material tão apropriado, já que a interpretação onírica é “a via régia para o conhecimento do inconsciente” (Freud [20]) e por conseguinte constitui uma ajuda valiosíssima para detectar o ponto de urgência. Mas uma vez mais certos cui­ dados terão de ser tomados para tratar de controlar a regressão que poderá ser gerada. Como responder a este problema técnico? Creio que diante dos sonhos o terapeuta deve assumir a mesma atitude que ante qualquer outro produto da atividade psíquica (atos falhos, fantasias, etc.), quer dizer, interpretar na medida em que o considere útil, ainda que tendo presente quando, o que e como interpretar. Mas vejamos a que me refiro com o que acabo de mencionar. Quando interpretar

A interpretação dos sonhos deverá reger-se pelos mesmos princípios gerais que presidem toda interpretação em P.B., ou seja, se considerará o material onírico interprctável sobretudo quando servir para clarificar a problemática focal. Há sonhos que, desde seu conteúdo manifesto e por sua relação com o contexto, sugerem a priori sua vinculação com o foco. (De qualquer manei­ ra, não vejo nenhum inconveniente cm tentar, no geral, certa aná­ lise dos sonhos trazidos pelo paciente. Do que surgir da análise se verá se a formulação de interpretações é indicada ou se pelo con­ trário o sonho em questão deverá ser deixado de lado nesse senti­ do; tudo isso dependerá esscncialmente, repito, de tratar-se ou não de material focal. Com isso quero expressar que não costumo “deixar passar” um sonho sem antes efetuar uma tarefa mínima de exploração de seu conteúdo. Em última instância, ainda que não

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derive na formulação de uma interpretação, a análise do sonho, embora limitada em seu alcance, constitui - assim como acontece por exemplo com os fenômenos transferenciais em geral - um recurso de apreciável utilidade para enriquecer nossa compreen­ são dinâmica do paciente.) O que interpretar

Desde logo será preciso hierarquizar aqueles aspectos do sonho inerentes ao focal-atual, o que implica conduzir uma vez mais o paciente ao contato com o conflito central do tratamento, e recolocá-lo assim na realidade de sua vida cotidiana, reduzindo ao mínimo a indução de fenômenos regressivos. Geralmente deve-se evitar referir as interpretações a desejos infantis inconscientes, remetendo-nos em troca só às idéias latentes pré-conscientes. Por outro lado, sempre dentro do que se refere ao conflito a resolver, devem-se interpretar-se mais que tudo aqueles conteúdos que parecem mais claros para o paciente, pois a limitação de tempo permite introduzi-lo só até certo ponto nos significados dos mecanismos oníricos (Hoch [28]). Como interpretar

Consideraremos duas questões: uma referente ao método de análise dos sonhos e outra ao conteúdo das interpretações formu­ ladas para o paciente. Os recursos para analisar os sonhos são em essência os da psicanálise, incluindo o auxílio oferecido pelas associações livres do paciente, a quem se podem pedir associações a partir dos dife­ rentes elementos, tal como se faz na técnica psicanalítica. A tarefa interpretativa se efetuará segundo as normas já assi­ naladas para a interpretação na PB. psicanaliticamente orientada, especialmente no que concerne à focalização e à transferência.

e) O terapeuta diante do trabalho interpretativo Em minha experiência de supervisão de tratamentos breves, venho observando com freqüência que os colegas cometem diver-

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sos erros gerados pela transposição de elementos técnicos da psi­ canálise sem nenhuma modificação à técnica breve. Entre eles encontramos muito correntemente o abuso da referência a situa­ ções transferenciais. Recordo com relação a isto um acertado comentário: “Ocorre-me que toda terapia breve apela para a mais primorosa sensibilidade do terapeuta, ao mesmo tempo em que significa justamente cavalgar permanentemente entre a transfe­ rência e extratransferência.” Fiorini apontou do mesmo modo a necessidade de que o terapeuta se autocontrole na utilização das interpretações “transferenciais” (14). Certas dificuldades próprias do terapeuta determinam que este, além de empregar reiterada e excessivamente interpretações da transferência, com os perigos decorrentes, não resista a seus efeitos regressivos. (Os motivos subjacentes a esta atitude do tera­ peuta serão considerados no capítulo 8.)

Outras intervenções verbais Além das interpretações, o terapeuta conta com diversos ins­ trumentos na psicologia verbal. Dentre os mais relevantes, pode­ mos citar: 1. Os assinalamentos, instrumento terapêutico necessário em toda terapia de insight para facilitar o trabalho interpretativo. 2. As perguntas. Cabem não só na etapa diagnostica, mas também durante o tratamento propriamente dito, a fim de se obte­ rem diversos e necessários dados acerca do paciente sobre o anda­ mento. Também nesse ponto pode-se apreciar o papel ativo que desempenha o terapeuta. Em outro contexto, as perguntas revelam um terapeuta não-onipotente e interessado no paciente (16). 3. O fornecimento de informações. Em certas ocasiões pode ser benéfico oferecer informações ao paciente acerca de certos temas, tais como os vinculados à sexualidade. 4. As sugestões. São de diversas tendências. Exemplo: desde Freud, leva-se em conta a possibilidade de estimular o paciente fóbico, num dado momento do processo terapêutico, a enfrentar as situações temidas (21).

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5. Os comentários. Realizam-se essencialmente com o pro­ pósito de fomentar o intercâmbio verbal. 6. As intervenções de reasseguramento ou de reforço. Já fiz alusão às mesmas ao referir-me ao tema “Fortalecimento e ativa­ ção das funções egóicas” no capítulo 3, pp. 34 ss. 7. As in d ica çõ e s. Exemplo: a prescrição de uma psicodroga. 8. Os conselhos. De uso muito esporádico, exceto quando se trata de apoio emocional.

Sobre as sessões Em primeiro lugar referir-me-ei à fr e q u ê n c ia das sessões. Em geral é conveniente adequar-se às necessidades de cada caso particular. Sem dúvida posso dizer que, na maioria dos casos, duas sessões semanais é um número apropriado para uma psicote­ rapia breve de insight, uma vez que possibilita uma tarefa de certo aprofundamento e restringe as perspectivas de regressão e depen­ dência que poderíam ser incrementadas com um maior número de sessões. Em certas ocasiões, pode bastar uma sessão por semana. Além disso, para facilitar a separação ao terminar o trata­ mento, às vezes pode ser útil ir reduzindo gradualmente a freqüência das sessões (sempre que o estado do paciente o permita). Uma maior freqüência pode ser conveniente, ao menos no começo, em casos tais, como: a) S itu a ç õ e s d e c r is e s muito intensas, que transcorrem com grande angústia, depressão, excitação psicomotriz, etc.; em de­ pressões intensas e agudas, por exemplo, com grande necessida­ de de provimentos narcísicos, dada a diminuição da auto-estima. Tentar-se-á assim alcançar um rápido alívio sintomático, que es­ timule por sua vez a confiança do paciente em suas possibilida­ des de melhoria (a p o s t e r io r i poder-se-á reduzir o número de ses­ sões). b) P a cien tes com m a rca d a s ten d ên cia s a o a ctin g out. Para prevenir e conter os a c tin g out, costuma ser recomendável uma freqüência de mais de duas sessões semanais, além de interpretar

O tratamento _

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as fantasias transferenciais que possam estar presentes (mais co­ mentários sobre esse ponto poderão ser achados no capítulo 10). Quanto à duração das sessões, supõe-se que também pode variar de acordo com as circunstâncias. Pessoalmente penso que uma duração de 40 minutos por sessão resulta adequada, já que geralmente basta para efetuar uma tarefa proveitosa. A medida que a sessão se estende por mais tempo, aumentam as possibili­ dades de fadiga do terapeuta (não esqueçamos que em P.B. se trabalha comumente frente a frente, exercendo o profissional um papel ativo e buscando obter determinados resultados em um prazo limitado, para o que deve agilizar o processo terapêutico, geralmente o que implica na realização de um esforço significa­ tivo).

Outros recursos terapêuticos

Em muitas ocasiões resulta benéfico agregar outros instru­ mentos terapêuticos à psicoterapia individual verbal e breve. É sobretudo no âmbito institucional que ocorrem as oportunidades mais promissoras para efetuar tratamentos combinando instru­ mentos terapêuticos que incluem eventualmente uma tarefa em equipe com outros profissionais da saúde mental, o que pode ser altamente positivo. Supostamente, quando se apela para outros elementos, o ponto de partida deve ser sempre uma fundamenta­ ção psicodinâmica acerca de sua incorporação ao tratamento e dos efeitos esperados com ela. Um dos tantos propósitos válidos e usuais na aplicação de diversos recursos em P.B. é o de procurar agilizar o processo tera­ pêutico. As alternativas com que contamos no momento são realmen‘te numerosas: psicodrogas, intervenção de familiares e/ou pes­ soas próximas do paciente, dramatização, psicoterapia grupai, terapia ocupacional, comunidade terapêutica, hipnose, serviço social, intervenção breve, etc. (9) (10) (14) (46) (47). Ocupar-me-ei de dois recursos que me são mais familiares por utilizá-los em minha experiência pessoal como terapeuta. São

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eles: o emprego de psicofármacos e a participação de familiares e/ou figuras próximas do paciente em tratamento.

O emprego de psicofármacos A combinação de psicoterapia com psicodrogas pode ser muito útil em diversas circunstâncias, sempre que se tenham pre­ sentes certas precauções. Não insistirei nas reconhecidas vanta­ gens provenientes dos efeitos da medicação (alívio sintomático; melhoria na comunicação, permitindo o acesso à psicoterapia de pacientes que de outro modo seriam muito difíceis de tratar; facilitação do insight, etc.). Em troca, especificarei alguns aspectos de sua aplicação, assim como certas dificuldades que podem sur­ gir se os psicofármacos não forem manejados adequadamente. Em primeiro lugar, opino que a medicação deve ser forneci­ da na medida do possível pelo mesmo terapeuta encarregado da psicoterapia (sempre e quando, é claro, se trate de um profissional capacitado para o manejo dos psicofármacos). Sem dúvida é ele quem, conhecendo o paciente melhor que seus colegas, parece o mais indicado para poder realizar uma escolha adequada do medi­ camento, graduar a dose, controlar seus efeitos e ir efetuando as modificações que julgar convenientes, sem que se necessite da participação de um terceiro. Em segundo lugar, e particularmente naquelas ocasiões em que se efetua uma terapia breve de insight, deverá evitar-se um emprego indiscriminado e rotineiro de medicações, já que isto pode conduzir o paciente a escamotear seus conflitos, anulando-o em suas possibilidades de esclarecê-los e de encontrar uma solu­ ção mais satisfatória para eles. Ministrar-se-á medicação só na­ quelas situações em que seu uso seja requerido como coadjuvante da psicoterapia e durante o tempo que se considere estritamente necessário. Aqui é pertinente recordar também que alguns já alertaram sobre os perigos que contém a idealização do medicamento, uma vez que pode gerar no paciente atitudes maníacas (30). Outros assinalaram a decisiva importância do fato de que desde o começo se explicite para o paciente o sentido da administração dos psico-

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fármacos (35), posição com a qual concordo e segundo a qual costumo explicar ao paciente, por exemplo, que a medicação é destinada a tornar possível (ou facilitar) sua comunicação comi­ go, no caso em que esta esteja muito difícil. Também é convenien­ te esclarecer os objetivos do uso das psicodrogas associadas à P.B. quando se tenha um alívio sintomático, explicando o caráter pa­ liativo de sua administração. Dever-se-á insistir junto ao paciente que ele deve aspirar a algo mais, isto é, à compreensão e à resolu­ ção do conflito por meio da psicoterapia. Com essas explicações tende-se a evitar a eventual interferência do efeito da medicação no processo psicoterapêutico (o alívio fácil, sem os esforços e a participação ativa que a psicoterapia supõe), ou seja, a procurar que a melhoria sintomática não seja acompanhada de uma desva­ lorização da psicoterapia ou, diretamente, da perda de interesse pela mesma. Para esclarecer a questão aos pacientes, costumo recorrer a exemplos simples: freqüentemente refiro-me ao que ocorre quan­ do a uma pessoa se ministra um analgésico (droga) para acalmar uma dor de dente (representante do sintoma psíquico). A dor pode ceder, mas passado o efeito da medicação, e se não se recorre novamente a ela, ela voltará, pois sua origem, por exemplo, é uma cárie (assimilável ao conflito psíquico), que é a que no fundo deve ser tratada. Em síntese, se não tentamos “curar” a infecção “pela raiz” por meio da psicoterapia, ela persistirá.

A participação de familiares e/ou pessoas próximas do paciente no tratamento Freqüentemente é necessário incluir no processo terapêutico breve pessoas vinculadas ao paciente, o que poderá acontecer ou na fase diagnóstico-prognóstica ou na busca de objetivos comuns, na terapêutica e/ou na avaliação de resultados. As metas que mais comumente se buscam com essa conduta são: 1. Obter informações. Resulta em geral sumamente benéfico ter a oportunidade de entrevistar familiares e/ou pessoas próxi­ mas do paciente e conhecer suas impressões sobre ele32. Procurase além disso chegar a um diagnóstico psicodinâmico do casal

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e/ou da família, determinar o papel que nela ocupa o paciente, so­ bretudo quando a problemática está principalmente relacionada com seu meio familiar, partindo da concepção de que aquele é, na realidade, o emergente de um grupo enfermo. 2. Informar sobre o estado do paciente para conseguir que seus familiares ou as pessoas próximas assumam a responsabili­ dade do tratamento nos casos em que isso seja necessário. 3. Atuar terapeuticamente sobre o meio que rodeia o enfer­ mo. Isto poderá realizar-se através de entrevistas de orientação e além disso, se for preciso, de uma psicoterapia a cargo do mesmo terapeuta que efetua o tratamento do paciente, ou de outro, com ou sem a inclusão do paciente no tratamento grupai, tudo isso de acordo com os critérios predominantes em cada caso. Em algu­ mas ocasiões, a indicação poderá ser uma psicoterapia breve ex­ clusivamente grupai (casal, família) desde o começo. Quisera efetuar agora algumas considerações acerca da RB. dc pacientes adolescentes no que diz respeito ao papel dos pais. Tem-se enfatizado, na PB. de adolescentes, a necessidade de incluir os pais no tratamento, já que se acham profündamente im­ plicados na crise do filho (31). E não poderia ser de outra maneira quando se trata de buscar modificações em um prazo geralmente limitado, para o que resulta até imperioso trabalhar sobre os progenitores e ter constantemente presente a unidade grupai de pato­ logia. Atualmente, o tratamento pode ser concebido, já não como uma psicoterapia do adolescente, senão do grupo familiar, fato que deverá configurar a regra e não a exceção na P.B. de adoles­ centes. A participação dos pais (ou tutores) do adolescente no pro­ cesso terapêutico deverá estender-se desde o início até o final do mesmo. Além dos fins anteriormente mencionados, pelos quais se dá espaço a familiares e/ou pessoas próximas do paciente no tratamento, apresenta-se especialmente aqui a necessidade de fazer intervirem os pais em função de outros fins que se acrescen­ tam em determinadas fases do procedimento. São elas: a) fase de devolução diagnóstico-prognóstica; b) fase de combinação das metas terapêuticas e dos distintos aspectos do contrato; c) fase de avaliação dos resultados terapêuticos.

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a) Os pais, por serem responsáveis pela terapia, e por ter sido requerida sua colaboração, necessitam ter uma noção real do esta­ do de saúde do filho e de suas perspectivas prognosticas. Quando não recebem informações, ficam mais facilmente sujeitos a suas próprias fantasias acerca da enfermidade de que o filho padece, o que pode produzir efeitos perturbadores de natureza diversa, seja considerando-a mais grave do que o é na realidade seja pelo con­ trário diminuindo sua importância. b) É imprescindível combinar, junto com o adolescente e seus pais, os objetivos terapêuticos e o contrato. No que concerne especificamente aos objetivos, a situação mais desejável para enfrentar nosso trabalho terapêutico consistirá em alcançar um acordo unânime acerca dos mesmos, quer dizer, entre paciente, pais e terapeuta. Mas com freqüência as coisas não são tão sim­ ples. Os pais costumam chegar à consulta com determinadas ex­ pectativas e intenções a respeito do tratamento do filho, que não coincidem com as do paciente e/ou as do terapeuta. Não c possí­ vel passar por alto desacordos ou mal-entendidos de início e dei­ xá-los à mercê, por exemplo, da ação retificadora que sobre os pais - no caso em que sejam eles os que interferem inicialmente em nossas finalidades terapêuticas - podería mais adiante exercer a psicoterapia do grupo familiar a ser efetuada, ainda admitindo que depende substancialmente desta que eles aceitem as modifi­ cações que possam produzir-se na dinâmica familiar. Uma míni­ ma concordância inicial acerca dos objetivos terapêuticos consti­ tui um requisito fundamental porque permite começar a tarefa em melhores condições, e que os pais, ante as possíveis mudanças que o filho experimente, não se sintam inteiramente tomados de surpresa ou “atraiçoados” com relação ao planejamento previsto no começo do tratamento a respeito dos fins deste. Trataremos então de que colaborem desde o princípio e de ir preparando-os para que aceitem essas mudanças, objetivo que será facilitado por meio da psicoterapia familiar que virá em continuação. Caso con­ trário, é muito mais fácil que sobrevenham inconvenientes deriva­ dos da incompreensão e que consistem em diversos tipos de rea­ ções negativas por parte dos pais, por exemplo, atitudes repressoras, culpogênicas e, definitivamente, desqualificadoras dos suces-

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sos do paciente ou, o que é muito comum, que retirem diretamen­ te o fiiho do tratamento. Por outro lado, é indubitável que os pais têm direito a um esclarecimento sobre o sentido e o alcance do tratamento que o filho venha a empreender. No caso de se apresentarem dificuldades para chegar a um acordo inicial sobre os objetivos, será de utilidade efetuar, logo após obtido um diagnóstico psicodinâmico do grupo familiar e da situação-problema, entrevistas operativas (44) especialmente destinadas a este fim, as quais poderíam ser conjuntas (29) com os pais e o adolescente ou realizar-se em separado. Essas entre­ vistas adquirem na realidade grande valor terapêutico, pois nelas devem-se encarar já alguns problemas cruciais da conflitiva fa­ miliar. A título de exemplo do exposto até aqui, descreverei uma si­ tuação muito freqüente na psicoterapia de adolescentes: a do jovem que tem uma atitude de rebeldia em relação aos pais. Antes de tudo, devemos fazer compreender a estes pais que nossa finali­ dade terapêutica não consiste simplesmente em converter o pa­ ciente, de repente, num filho submisso e obediente, mas em tratar de entender juntos a problemática familiar global que pode estar originando sua rebeldia e o significado profundo da mesma como expressão da crise adolescente e da consequente crise deles mes­ mos. Procurar-se-á que os pais cheguem a reconhecer que tam­ bém eles estão imersos no problema e que, para obterem certas mudanças em sua relação com o paciente, será preciso que se comprometam firmemente no esforço terapêutico, pois será ne­ cessário revisar o que acontece não só com o paciente, mas tam­ bém com eles. c) Tampouco, os pais devem ficar excluídos da avaliação dos resultados obtidos” . Apelando uma vez mais para entrevistas con­ juntas ou em separado, solicitar-se-á que tragam suas impressões sobre o estado atual do paciente, o deles mesmos (quando tenham sido tratados) e sobre o tratamento, sendo também eles objeto de uma devolução por parte do terapeuta, mediante a qual este comu­ nicará sua própria avaliação dos resultados terapêuticos.

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H. J. F io rin i, ob.

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9 . ___ , “ El p a p e l d e la a c c ió n en las p s ic o te ra p ia s ” , e m

H. J. F io rin i, ob.

cit. em 7, cap . 12. 1 0 . __ , “ E stra té g ia s y a rtic u la c ió n d e re c u rso s te ra p ê u tic o s ” , e m H . J. F io rin i, ob. cit. e m 7, c a p . 13. 1 1 . __ , “ L a p rim e ra e n tre v is ta en p s ic o te ra p ia b re v e ” , em

H. J.

F io rin i,

o b . cit. e m 7, cap . 4.

12.

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1 3 . __ , “ P ro b le m á tic a a c tu a l d e la s p s ic o te ra p ia s b re v e s” , em W . R. G rim so n , (c o m p il.), Nuevas perspectivas en salud mental, N u e v a V isio n , B u e n o s A ire s , 1973. 1 4 . __ , “ P sic o te ra p ia d in â m ic a b re v e . A p o rte s p a ra u n a te o ria d e la té c ­ n ic a ” , em H. J. F io rin i, ob. cit. e m 7, cap. 2. 1 5 . __ , “ P sic o te ra p ia s y p s ic o a n á lis is ” , em H. J. F io rin i, o b. cit. e m 7, cap. 14. 1 6 . __ , “T ip o s d e in te rv e n c ió n v erb al dei te ra p e u ta ” , e m ob. cit. e m 7, cap . 10.

H.

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7.

Uma sessão depsicoterapia breve

Apresentarei aqui o material de uma sessão de psicoterapia focal, que espero possa ser útil para ilustrar aspectos inerentes à relação paciente -terapeuta, às intervenções do terapeuta, à tarefa dc focalização e a outros temas de interesse. Antes de mais nada, e para permitir uma melhor compreensão do que aconteceu na ses­ são, exporei os dados principais da história clínica e um esboço da estrutura focal da maneira como foi concebida inicialmente'. A paciente, a quem chamarei Rita, é uma jovem que na época da consulta tinha 23 anos. Estava casada há 14 meses, trabalhava como empregada numa oficina e pertencia à classe média baixa. Tinha completado o curso secundário (efetuou algumas matérias no curso de psicologia, mas abandonou-o logo em seguida). Veio à consulta apresentando uma gravidez cujo diagnósti­ co foi confirmado - de aproximadamente 50 dias, e por não poder tomar uma decisão diante da mesma, isto é, prosseguir com a gra­ videz ou submeter-se a um aborto. A princípio queria ajuda para compreender melhor suas qualidades a esse respeito e em conseqüência tomar uma resolução. Consultou-me às escondidas de seu marido, de 27 anos, tam­ bém empregado, o qual, segundo a paciente, “não acreditava” na psicoterapia e nunca havia aceitado consultar um psiquiatra. O casal havia se conhecido três anos antes. Rita dizia que a rela­ ção com seu marido era “bastante boa e carinhosa”, ainda que não poucas vezes tivessem desentendimentos e discussões acaloradas.

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A gravidez não foi planejada conscientemente pelo casal. Haviam começado a manter relações sexuais antes do casa­ mento. As mesmas eram pouco satisfatórias, seja porque eram vividas por ambos com muita culpa (em Rita, chocavam-se com seu desejo dc chegar virgem ao casamento, simbolizado pelo “casar-se de branco”), seja porque eram constantemente acompa­ nhadas pelo medo de uma gravidez. Até esse momento não ha­ viam empregado nenhum método anticonceptivo, a não ser o coitus interruptus, assim mesmo cm poucas ocasiões. A paciente não encontrava explicações razoáveis para esse descuido, alegando apenas que assim “era mais cômodo”, que não tinha interesse em submeter-se aos procedimentos habituais de contracepção e que ultimamente, ao verificar que não ficava grávida, havia se desin­ teressado do assunto. Na realidade, há dois anos ficara grávida e de comum acordo com seu atual marido praticara um aborto. Para tanto, submeteu-se a uma anestesia geral c, segundo lhe contaram, enquanto voltava a si, chorara muito, gritando, de vez em quando, angustiadamente: “tiraram ele de mim!”. A partir do aborto foi sobretudo seu marido quem pareceu ficar preocupado. Temia que tivessem produzido lesões importan­ tes nos genitais da paciente, que ocasionassem sua esterilidade. Mas, uma vez passado o momento crítico, quase não voltaram a falar no assunto. Ainda que Rita insistisse na dúvida acerca do que queria com relação à gravidez, por momentos parecia inclinar-se ao aborto. Alegava, antes de mais nada, razões econômicas, mas dizia tam­ bém que se sentia insegura de si mesma e incapacitada para ter um filho. Seu marido adotava uma posição oposta, mostrando-se muito entusiasmado com a idéia de ser pai e confiava em que iriam poder superar os diversos inconvenientes que se apresentas­ sem. A jovem temia em conseqüência que um aborto afetasse a relação do casal, já que seu marido desejava um filho, enquanto, dizia ela, “deve ser feio tê-lo sem sentir muito desejo”. Um dia, antes de vir à primeira entrevista em meu consultório, havia esta­ do a ponto de visitar um médico residente para praticar o aborto, mas logo mudou de idéia c, aceitando o conselho de uma amiga, decidiu consultar antes um psicoterapeuta.

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Dos antecedentes familiares importa assinalar que a paciente era proveniente de uma família de educação e costumes tradicio­ nais, com os conhecidos tabus sexuais. A relação com seus pais era de marcada dependência. Vi­ sitava-os diariamente com seu marido “para bater papo e jantar”. A mãe, segundo ela, era uma pessoa muito severa e dominadora. Qualificou-a também de “muito nervosa”, com reações anormais de violência, que experimentava ocasionalmente. (“E como se ela não hesitasse em matar alguém nesse momento. Logo se arrepende, se domina...”) Teve dois abortos, um antes e outro depois do nascimento de Rita. Segundo a descrição da paciente, o pai impressionava por ser uma pessoa muito controlada em seus afetos: “Eu sempre digo que é muito diplomático. Nunca se pode saber o que está sentindo e nunca discute com ninguém.” Padecia de hipertensão arterial. Sua relação com ele - disse - era “cordial”. Tinha um irmão, cinco anos mais velho que ela, casado, com uma filha de 4 anos, que após ter vivido um tempo separado dos pais voltara à casa paterna acompanhado da esposa e filha. Segundo Rita, não podia “separar-se deles”2. Tudo o que foi mencionado, além de muitos outros indícios, fazia supor que o grupo familiar correspondia ao tipo dos denomi­ nados aglutinados (F. e L. Bleger [2]). Sobressaíam as característi­ cas matriarcais, ante as quais, todavia, a paciente se encontrava em plena luta para alcançar sua individualização. (“Não vivemos ali porque não dormimos. Mas é só o que falta”, dizia com ironia.) A família de Rita se opusera tenazmente a seu casamento, e só ultimamente parecia dar mostras de começar a aceitar ou tole­ rar seu marido. Diante da notícia da gravidez, o irmão reagiu com aparente indiferença; em troca, o pai adotou uma atitude de franco desagrado, que tratou de explicar à jovem com argumentos, como: “A mulher não deveria sofrer na gravidez, como sofreu sua mãe nas dela, por exemplo, com tantos vômitos e indisposições. Tive que lhe dar soro. Nem água podia beber.” A reação de sua mãe havia sido especialmente desconcertante para Rita e parecia assentar-se em uma intensa ambivalência para com sua gravidez. Segundo a paciente, vivia zombando do genro, dizendo-lhe que “não servia” (alusão ao fato de que não engravidava sua filha).

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Logo lhe levaram a notícia da confirmação da gravidez, à qual, a princípio, não deu crédito. Em seguida pareceu emocionar-se e começou a chorar. “Mas não sei até que ponto se alegrou - co­ mentou Rita - porque depois me disse que tomasse algo para tirálo. Não, você acha? respondi. ‘Olha que é muito cedo para você perder tempo com uma criança’, me disse ela”. Cabe dizer, também, que os pais do marido, que era filho único, se alegraram muitíssimo com a novidade. Dos antecedentes pessoais de Rita, assinalarei alguns dados significativos: ela acreditava ter sido produto de uma gravidez não desejada por seus pais (já em sua primeira gestação, a mãe havia sofrido diversas moléstias, o que supostamente levou o casal a não desejar outra gravidez). Por outro lado seu pai preferia um menino. Interessa em especial destacar que a mãe de Rita, estando grávida de três meses, teve de se submeter a uma inter­ venção cirúrgica de urgência, devido a um quadro de apendicite aguda. Essa intervenção foi realizada com anestesia local, corren­ do as duas, ao que parece, grande risco de vida. Além do mais, sua mãe, segundo lhe contou, havia tido outras moléstias durante essa gravidez (anemia profunda, flebite, e episódios diarréicos). O par­ to foi normal. Até se casar, Rita sempre dormiu na casa dos pais (a casa em que ainda vivem e que conta apenas com um quarto, sala, cozinha e banheiro). Até os seis anos, dormiu na mesma cama que seu ir­ mão, instalada ao lado da de seus pais (alegava, para justificar, dificuldades econômicas familiares), depois passou a dormir com sua mãe na cama de casal (enquanto o pai dormia em seu local de trabalho, e o irmão, na sala) até que, com seu casamento, foi viver com o marido em um apartamento alugado. Nesses momentos a preocupava o fato de ver-se obrigada a deixar o bebê aos cuidados da mãe, diariamente, para ir trabalhar. Dizia-me: “Essa casa é um desastre. Não tem lugar para nada.” (Não descartava a possibilidade de recorrer a uma creche, ainda que lhe parecesse que sua mãe cuidaria do filho com mais carinho.) Dois anos antes, num exame clínico motivado por transtor­ nos intestinais, um médico diagnosticara uma presumível apendi­ cite crônica3.

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Alguns diagnósticos considerados foram: personalidade hipomaníaca, com conflitos de natureza neurótica, não chegando a configurar um quadro característico de neurose; funcionamento egóico adequado, com atitudes para o insight, ainda que manifes­ tando resistências que poderíam acentuar-se4; foco definido, ba­ seado nos conflitos ante a maternidade. Assinalarei agora os componentes do foco inicial e alguns dos principais psicodinamismos em jogo. Pensei em questões que se vinculavam ao motivo da consulta, tais como: Quais foram os fatores determinantes da busca inconsciente da gravidez atual? O que ela representava para a paciente e para o seu mando? Que fatos motivavam sua ambivalência afetiva e seus temores ante a gestação? Por que se inclinava conscientemente ao aborto?, etc. Creio que podemos partir das dificuldades sexuais de Rita, e dali ir retrocedendo em sua história até chegar a considerar a pro­ vável incidência de fatos a elas concernentes, inclusive as primei­ ras etapas de sua vida. Suas relações sexuais pareciam despertar nela intensos sentimentos de culpa, que sem dúvida tinham muito a ver com suas experiências de coabitação e de partilha de cama, e as conseqüentes fantasias incestuosas. Em conseqüência do men­ cionado, seu aborto podia ser considerado, em parte, como um mecanismo de autocastigo por infringir a proibição, principalmen­ te por tratar-se de relações sexuais pré-conjugais. Mas o aborto também era gerador de culpa pela destruição do filho, diante da qual a paciente - e ao que parece, ainda que em grau menor, tam­ bém seu esposo - reagia com tipicas defesas maníacas, negando a dor e a perseguição provocadas por essa perda. A gravidez atual continha então um desejo inconsciente de reparar o dano produzi­ do, associado à necessidade de comprovar a preservação de seus genitais diante do temor de que tivessem sofrido danos. Mas Rita parecia sentir novamente e de modo imperativo a necessidade de pagar por suas “faltas” com um novo aborto. Além do mais, consi­ derando seus antecedentes pré-natais, podemos compreender melhor o porquê de suas elevadas ansiedades paranóides ante a sua gestação e suas intenções de abortos. Vamos aventar a hipótese de que suas fantasias de ataque ao ventre materno, alimentadas pelo risco cirúrgico que sofrerá sua mãe, a faziam temer agora por sua própria sorte. Diante de uma imagem fetal seguramente muito per-

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secutória, em função do luto patológico não-elaborado (aborto), também para ela a imagem materna continha características filieidas (5), em relação à qual teria lugar o conflito básico da proble­ mática. (Rita havia nascido entre dois abortos, de uma gravidez, ao que parece, não desejada e muito acidentada, e na qual correu peri­ go de ser abortada. Inclusive sua mãe a incentivava em certos momentos a abortar, e a jovem, temerosa, só acumulava dúvidas sobre o que desejava fazer. A conduta materna reproduzia, assim, a de um superego ambíguo, já que primeiro incentivava o casal à gravidez por meio de troças a seu genro, para em seguida dizer que abortasse.) Deduz-se que Rita não se sentia com direito de ser mãe, adquirindo a gravidez o caráter de algo pecaminoso, através da qual se via obrigada a abandonar seus desejos maternais5. Havia muito mais elementos em jogo, correspondentes à conflitiva focal. Os relativos à relação de casal da paciente não pareciam relevantes num primeiro momento. Mas sim, por outro lado, os provenientes do meio familiar; a rejeição ante o marido e à gravidez, no que, em uma observação mais profunda, podersc-ia descobrir a persistente resistência familiar à sua individualização c desprendimento. A família parecia exercer grande in­ fluência sobre a paciente, através de seu elevado montante de agressão, da severa educação religiosa, dos tabus sexuais e da crença quase mítica de que a gravidez era uma espécie de enfer­ midade, desgraça ou maldição, pela qual é preferível não passar. Essa crença era fundamentada nos problemas sofridos por sua mãe e sua cunhada, e expressa verbalmente pelo pai, como emer­ gente. Por sua vez, a paciente sem dúvida não havia conseguido, até esse momento, superar sua dependência patológica do gru­ po. Recordando o conceito de foco enunciado por Fiorini (3), interessava além do mais considerar o momento evolutivo que este caso estava atravessando: pudera começar a separar-se físi­ ca e gradualmente de seu grupo familiar ao contrair matrimônio cerca de um ano atrás. Nessa etapa de doloroso e difícil despren­ dimento, a perspectiva de ter um filho repercutia curiosamente na jovem, incrementando-se seus temores de experimentar um retrocesso nesse sentido: deixar o bebê aos cuidados de sua mãe consistiría em voltar a ligar-se e submeter-se intensamente à família, especialmente à mãe. Parecia temer que os familiares,

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em particular a mãe, a despojassem de seu filho, o qual, no caso de não abortar, teria de oferecer a ela, renunciando à sua condi­ ção de mãe. Estas seriam as regras do jogo que deveria cumprir para não perder o carinho dos seus, sobretudo o materno. Rita tomava como referência o que ocorria com sua pequena sobrinha, que se achava sob o domínio da avó e exposta a uma educação retrógrada. Mas seus temores se baseavam, antes de mais nada, em sua pró­ pria experiência, que se reativava ao identificar-se com o filho monopolizado em sua fantasia por sua mãe - no sentido de não poder liberar-se da ligação com a figura materna. Tratarei de reproduzir, com as limitações próprias de todo esquema, o desenvolvido até aqui:

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A paciente não se achava motivada para realizar um trata­ mento prolongado. Recorria à consulta por uma necessidade que era, para ela, perfeitamente localizada e circunscrita, motivo pelo qual lhe propus uma psicoterapia de objetivos limitados e de final “aberto”, dependendo da evolução do seu estado e das vicissitudes que poderíam acompanhar sua gravidez. As metas terapêuticas imediatas consistiam em ajudá-la a en­ tender melhor as causas determinantes de suas dúvidas a respeito de sua gravidez, assim como as fantasias subjacentes que haviam acompanhado a sua busca. Caso decidisse prosseguir com a gravi­ dez, o objetivo do tratamento seria a revisão das ansiedades por ela produzidas durante a gestação, assim como das dificuldades de diversos tipos que eventualmente pudessem aparecer. Caso se decidisse pelo aborto, a situação seria reestudada, levando-se em conta seu estado e motivação para o tratamento, ainda que nesse caso tenha-se adiantado que uma assistência psicológica seria tanto ou mais necessária'’. O tratamento foi planejado com base na técnica de insight, com duas sessões semanais de 40 minutos cada, considerando-se útil em algum momento a possibilidade de inclusão do esposo e de outros familiares da paciente no processo terapêutico, por meio de entrevistas de orientação.

A sessão A seguir é transcrita quase que literalmente a sétima sessão do tratamento de Rita, que estava próxima de completar o terceiro mês de gestação. Chega com 20 minutos de atraso. P 1: (Sorri, um pouco perturbada)-. Não me diga nada... T 1: (Respondo com um sorriso. Há um silêncio de alguns segun­ dos, que interrompo para dirigir-me a ela, em tom amável)’. O que você pensa a respeito de ter chegado tarde desta vez? P2: A verdade é que sentia frio e tive dificuldades para me le­ vantar da cama e vir. T2: Além disso, acredita que poderia haver outros motivos? P3: (Incisivamente): Não. ( pensa breve) Sobra-me apenas metade da sessão... (muda bruscamente o tom de voz, que revela agora certa preocupação).

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T3: Assim é. Então, metade da sessão não vem e a outra metade, sim. Creio que isso tem a ver com seus sentimentos ante a sua gravidez. Quer dizer, você parece se sentir como que dividida em duas partes: uma quer prosseguir a gravidez e ter o bebê, a que vem, e outra não, a que não vem na primei­ ra metade da sessão... Porque vir aqui adquiriu o significado de ocupar-se de você e de sua gravidez com a idéia de pre­ servá-la. Um dia, antes de me consultar pela primeira vez, você ia procurar um aborteiro, pelo que eu me converti em algo assim como a contrapartida dele. P4: (Adota uma expressão meditativa): Pode ser, não sei... (A seguir ocorre uma nova pausa, mais prolongada. Mas Rita começa a mostrar-se tensa. Volta a sorrir-me, com si­ nais visíveis de ansiedade. De novo interrompo o silêncio.) T4: Parece que lhe custa prosseguir, não? P5: (Com expressão de alívio): Sim. E não sei por onde co­ meçar... T5: Pelo que sente necessidade de trazer hoje e que lhe parece possa ser útil para entender seu problema. P6: Sim, estive pensando, recordando algumas coisas relaciona­ das com o que você me perguntou nas entrevistas, e que naquela ocasião eu não pude lembrar, sobre alguma coisa ruim de minha infância. Lembrei-me que quando tinha sete anos mataram meu cachorro... T6: (Acompanho seu relato, externando através de um olhar atento e movimentos de cabeça em sinal de aprovação, o in­ teresse que me desperta sua abordagem): Como foi isso? Conte-me por favor. P7: Você já notou os cachorros, quando estão no cio? Bem. Tí­ nhamos um cachorro que “andava” com uma cachorra que estava no cio. Como incomodavam e o cachorro estava mui­ to agitado, meu irmão bateu-lhe com uma cadeira que o “descadeirou”. No dia seguinte, celebrávamos minha pri­ meira comunhão. Lembro-me de que meus pais e meu irmão comentavam: “Não vamos deixar que as pessoas vejam um cachorro assim maltratado.” O cachorro desapareceu. Logo soube que meu pai e meu irmão o tinham atirado no rio, num saco. Sofri muito com isso... Depois, meu outro cachorro foi

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T7: P8: T8:

P9:

T9: PIO: TIO: PI 1: TI 1:

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atropelado por um caminhão, despedaçando a boca. Tudo isso eu não recordava, e ontem me perguntava se era por não serem coisas tão feias, ou se justamente por serem feias pre­ feri deixá-las de lado... Estive também me lembrando de outras coisas: de quando minha mãe, que sempre foi muito nervosa, brigava com meu pai e pegava uma faca, ameaçan­ do se matar... Ela tentou alguma vez? Não, pelo menos que eu saiba... Bem, tratemos de ver o que significaram para você esses fatos de sua vida e por que foram recordados agora. Com certeza, você poderia ter recordado outras coisas desagradá­ veis de sua infância, mas por algum motivo surgem essas recordações, o que não é casual. Parecem estar em parte re­ lacionadas com os problemas que tem agora. Sua gravidez é sua principal preocupação, e por isso surgem essas lembran­ ças. Vejamos um pouco por quê: você sofria pelo que acon­ tecia aos cachorros. Em sessões passadas e nas entrevistas, abaixar um pouco, vimos que para você os cachorros repre­ sentam os filhos7. Quer dizer, essas recordações, quem sabe, expressam uma grande preocupação que agora tem por sua gravidez, seu carinho maternal e seus desejos de proteção para com seu filho, dos quais não se dá conta, não reconhe­ cendo em você. Creio que no fundo teme muito perdê-lo, abortar outra vez, que o arranquem como o seu cachorro, que atiraram dentro do rio, num saco. Talvez, mas eu não me dou conta de que isso aconteça com minha gravidez. Não sinto isso tudo... (pausa um pouco pro­ longada). E no que diz respeito à gravidez de sua mãe, o que viria? Com o que poderia relacionar? Não sei, não sei se tenho medo por mim mesma... Quem sabe seja isso... Medo de que lhe suceda algo por estar grávida? Sim... Sua mãe com a faca, será seu medo ao bisturi, que lhe acon­ teça o mesmo que a ela? Que a tenham de operar de apendi­ cite?

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P12: (Aprova com um movimento de cabeça). T I2: Se bem que um médico lhe haja dito que tem apendicite crô­ nica, não fica claro o porquê desse temor. Quero dizer, se não haveria mais coisas nisso tudo. P13: Pode ser, na verdade não sei por que me atormenta tanto esse medo de que algo de ruim me aconteça... (pausa). Quero lhe dizer também que estive pensando sobre o que disse na últi­ ma sessão, de que nada me atraía. Na verdade antes de me casar havia muitas coisas de que eu gostava. Não só viajar, ser uma dama, mas também modelo, estudar. Podia tê-lo feito antes de me casar, mas não quis. T I3: Não quis ou não pôde? Porque talvez algo lhe acontecesse, já que vontade não lhe faltava. P14: Sim... (sorri, como se tivesse sido descoberta)’. Eu gostava de muitas coisas... T I4: É certo que, próximo do casamento, teria de pensar em con­ seguir um emprego com urgência para poder enfrentar todas as despesas que viriam... P15: (Interrompendo-me)... Sim, mas antes disso não existia esse problema, e no entanto não pude fazer coisas... T I5: Sim, parece que é assim. P I6: Com a psicologia, que eu gostava, minha família e meu marido, cheios de preconceitos, se opunham e me diziam: “Para essa faculdade é que você vai? E psicologia que você quer estudar? Ali são todas umas sem-vergonha, umas Tou­ cas’. Depois cheguei a pensar que me invejava por ele não ter podido seguir uma carreira nos estudos. Por fim, sentime cansada da faculdade e a deixei. T 16: O cansaço é, então, uma desculpa, como a de não ter querido fazer coisas que na realidade você gostava. São explicações que procuram esconder quanto você dependia da opinião dos outros e quanto estava submetida a eles. Assim acabou por se submeter a seu marido, abandonando os estudos quando estudar era algo muito desejado por você. Perguntome se tudo isso não está relacionado ainda com suas dificul­ dades em vir às sessões. E como se fosse algo relacionado aos seus estudos de psicologia, para os quais não teve apro­ vação deles, motivo pelo qual lhe custa vir aqui. Além do

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mais, Iembre-sc de que você não comentou com seu marido que está se tratando. Você o faz às escondidas. P I7: Tem razão. Creio que é como você diz. Enquanto você fala­ va, eu pensava: parece que sempre necessitei que alguém me desse um empurrãozinho, que me apóie para eu poder fazer coisas... TI 7: Talvez esteja buscando isso em mim. Hoje, você se permite falar aqui de seus interesses, mostra-se com mais iniciativa, quem sabe espera que a ajude, assinalando. Esse problema de suas dificuldades para empreender algumas atividades muito desejadas é muito importante, e creio que é parecido com o que acontece com suas dificuldades ante sua gravi­ dez. Tem desejos muito encobertos de ser mãe, deles dando mostras hoje, com o caso dos cachorros. Mas quem sabe, também nisso se sinta sem permissão para seguir adiante. Uma permissão que estava esperando sobretudo de sua mãe, mas também de mim. Queria sentir-se autorizada por mim a prosseguir com sua gravidez. Seria o empurrãozinho de que necessita para preservá-la, defendê-la. Pelo visto, se preocu­ pa muito com o que pensa sua família sobre sua gravidez, em especial sua mãe. Recorde como sua disposição sobre sua gravidez se modificou quando ela mudou de opinião e a aprovou. Recentemente então se sentiu com permissão, ainda que, como sente que ela não a aceita de todo, não se sinta muito tranqüila, segundo parece. P I8. E que eu sempre tive medo de minha mãe. Meu irmão a con­ testava, se rebelava e então “levava”. Eu me salvava por ficar caladinha. T18: Isso explica por que quando ela lhe disse “tire-o”, você ensaiou uma defesa muito tímida: “Não, você acha?”, disse você. Foi então, não só por suas próprias dúvidas, mas também por seus temores em contradizê-la. Seria desobedecer-lhe, rebe­ lar-se e expor-se a ser castigada por ela. Por isso tem medo de manter a gravidez, a qual teria, como castigo, a ocorrência de alguma coisa ruim, como por exemplo que a tenham de ope­ rar de apendicite. Em parte, por tudo isso sente que seria melhor “tirá-lo” e assim evitar o perigo. Isso significa que continua dependendo dos outros, esperando aprovação para levar suas coisas adiante e agora sua gravidez.

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P I9: (Protestando em tom amável): Bem, doutor, mas meus pais não aceitavam meu marido, opunham-se a que eu me casas­ se, e no entanto eu o fiz! T I9: Está certo, então se entende que é com muita razão que você se sinta tão inquieta. Além de se atrever a casar sem a apro­ vação de seus pais, agora quer ter um filho dele... (brincan­ do)'. É o fim! P20: Ah!... (surpresa). Não havia pensado nisso... Acho que é assim. T20: Então, acho que se coloca na posição do cachorrinho, te­ mendo ser duramente castigada por “esquentar” e ter rela­ ções sexuais. Seu sentimento de culpa por ter-se casado, apesar da oposição de seus pais, e por ter relações sexuais antes e depois do casamento, parece que não desapareceu, e agora é maior com a gravidez. Se bem que deva haver mui­ tas outras coisas para se ver com respeito aos problemas ante sua gravidez, creio que hoje vimos algumas que parecem ser muito importantes e que devem estar pesando muito em você. O que acha? P 21: Acho que sim, que tem razão. T 21: Temos que encerrar por hoje.

Comentários sobre a sessão A paciente chega tarde, coisa que já havia ocorrido em algu­ mas sessões anteriores. Em primeiro lugar, trato de concentrar sua atenção sobre este fato, já que ele interfere sensivelmente em nosso trabalho. Faço-o de modo a ser o menos persecutório possí­ vel, não permitindo que ocorra um silêncio prolongado, que cor­ rería o risco de ser vivenciado como muito inquisidor ou direta­ mente acusador (Intervenções T 1 e T2). Por mais que o fato de querer ficar na cama possa em parte ser explicado pela retração e excesso de sono que as mulheres costumam sentir durante as pri­ meiras semanas de gravidez, e cuja causa é a regressão que se pro­ duziría a partir da identificação com o feto (6), abordo suas resis­ tências através de um fator determinante, essencial às mesmas. Isto é, através de sua ambivalência ante a gravidez, mostrando-lhe

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também o pape! de defensor e protetor desta, no qual parece que­ rer me situar (T3). Além do mais, trata-se fundamentalmente de uma interpretação “transferencia!”, destinada a superar o obstácu­ lo resistencial, uma vez que já nos momentos iniciais da sessão uma intenção focalizadora se manifesta através desta intervenção. Em T4, volto a interromper seu silêncio com uma interven­ ção que tende a tranqüilizá-la, atenuando assim sua perseguição, visto que quero fazê-la sentir que compreendo - e tolero - suas dificuldades de trabalhar na sessão. Em T6, através da expressão corporal que manifesto, de­ monstro à paciente também verbalmente atenção e interesse diante do material que me traz, numa tentativa de propiciar boa relação terapêutica e particularmente de estimular sua atividade egóica (recordar, raciocinar, etc.), a serviço da tarefa terapêutica. Em P6 mencionou algo que lhe aconteceu com um cachorro. Corno em sessões anteriores havia ficado evidenciado que este animal sim­ bolizava para ela os filhos, deduzo então que se trata de material pertinente ao foco. Reforço, portanto, a canalização nessa direção, dispondo-me a escutá-la fazendo uso da atenção flutuante. No transcorrer do tratamento, a tarefa mterpretativa estimula o aparecimento de um rico material associativo, como o de P7. Rita relata ali recordações que impressionam pelo vínculo à repressão sexual e à violência de seu meio familiar. A esse respei­ to, esboça levemente uma atitude crítica, na verdade pouco desen­ volvida em conseqüência de sua submissão, quando admite a pos­ sibilidade de tratar-se de coisas “feias”. Estamos sem dúvida diante de um material focal que convém abordar. Parece estar do­ tado de uma grande carga emocional que me impressiona muito, dando-me a sensação, além do mais, por indícios que a seguir veremos, de estar diante de algo de decisiva importância para compreender a problemática da paciente. As recordações de Rita provocam em mim ocorrências que, segundo vislumbro, podem ajudar-me a detectar o ponto de urgên­ cia. Tudo isso acontece rapidamente. Trata-se agora de decidir o que interpretar e de eleger uma determinada linha interpretativa entre várias possíveis, situação essa que se apresenta com freqüência nessas terapias. Mencionarei alguns dos pensamentos que me passaram pela mente nesses momentos sobre o significado que

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poderiam ter essas recordações surgidas em tais circunstâncias, e prestarei especial atenção à primeira das ditas recordações. 1. Estariam relacionadas com sentimentos infantis de culpa e fantasias de castigo pela sexualidade incestuosa. (E sobretudo a recordação descrita pela paciente no primeiro momento que suge­ re tal conteúdo.) 2. Penso a seguir que poderiam estar encobrindo situações tanto anteriores quanto posteriores à época de que datam. A esse respeito me ocorre que a primeira comunhão poderia então repre­ sentar seu casamento (as meninas trajando longos vestidos bran­ cos se assemelham a pequenas noivas); as atividades sexuais dos animais na véspera dessa comunhão, suas próprias relações préconjugais; o cachorro machucado, sua genitalidade culposa e rejeitada que ela sente que a destrói, pois a faz perder sua pureza e que por isso, por tratar-se de um pecado, deve ocultar, casando-sc “de branco”. (“Não vamos mostrar um cachorro assim maltratado aos outros”.) Também o cachorro jogado ao rio dentro de um saco e o sofrimento experimentado encobririam outro fragmento de sua história: o aborto, a dor que lhe causa, a preocupação pelo feto perdido e seu destino, tudo isso que é necessário negar ou subesti­ mar e ao qual se soma o fato de que o aborto é por sua vez o casti­ go por haver realizado algo proibido. 3. A cadela no cio me faz pensar na atual gravidez de Rita, já que o cio é o período em que ocorre a fecundação. Este pensa­ mento é o ponto de partida para as duas suposições que figuram a seguir. 4. Poderia haver, além do mais, fantasias subjacentes referi­ das ao parto, nas quais prevalecería o temor de dar à luz um filho deficiente ou talvez monstruoso (cachorro “descadeirado”), que teria de ocultar ou eliminar, o que se relacionaria com sua culpa por desejos sexuais incestuosos e pelo aborto. 5. Expressariam sua atual preocupação e seus temores pelo que poderia acontecer a seu filho e em especial pela perspectiva de ser vítima de um violento ataque familiar à sua gravidez, ata­ que fantasiado como aborto, já que a família aparece condenando sua sexualidade e por fim seu matrimônio e gravidez. Ainda que todas essas hipóteses sejam concernentes à conflitiva focal c se encontrem intimamente relacionadas, decido for-

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mular uma interpretação que possa conectá-la com as prováveis fantasias subjacentes enunciadas no item 5. É que este último enfoque se ajusta melhor ao que tem sido evidenciado nas ses­ sões. Por outro lado, seu medo de abortar é próprio da etapa de gestação que está atravessando, na qual existe um risco de aborto espontâneo (6). Nessas circunstâncias poderia ser menos difícil que compreenda e aceite uma interpretação referente a esses temores, do que se a opção tivesse sido por outras interpretações. Isto porque parto de fatores já conhecidos de Rita, como o dos cachorros que para ela têm o significado de bebês, e a oposição familiar à sua gestação. Um objetivo importante aqui é que ela possa tomar consciência de seus sentimentos de proteção para com o filho, assim como o faz com os sentimentos de rejeição ante a gravidez. Também é necessário que reconheça que foram os sentimentos de proteção projetados no esposo e em mim que possibilitaram sua consulta8. Em T8 configura-se então uma abertura para uma linha interpretativa a ser seguida no transcorrer dessa sessão. Começo ali tra­ tando de comunicar à jovem que a aparição dessas recordações se deve ao determinismo psíquico. Mostro suas tendências maternais ocultas, o medo de perder o filho outra vez através de novo aborto, fantasiado como se fosse a família que lhe arrebata violentamente o filho e o destrói, como aconteceu com seu cachorro. (A evocação de um cachorro atropelado por um caminhão parece expressar também sua preocupação pelo destino do filho.) Em P9, a paciente aparentemente rejeita a interpretação, uti­ lizando-se essencialmente da negação. Em T9, procuro indagar - mediante uma pergunta o que significa o ressurgimento da recordação dos acessos de violência de sua mãe1. Pode-se observar aqui. além do mais, e no seguimen­ to da sessão, a assunção de um papel decididamente ativo por parte do terapeuta, que não se limita a esperar o material da pa­ ciente e interpretar a partir de sua apresentação, mas que participa intensamente e de diversas maneiras, incluindo a formulação ffeqüente de perguntas (T l, T2, T4, T6, T7, T9) e de explicações que recordam sinteticamente a ordem de trabalho (T5). Junto à ativa­ ção egóica da paciente, isso se vai traduzindo numa gradual de­ marcação e aprofundamento focais.

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A partir de PIO, vai-se confirmando a existência de uma imago materna muito persecutória, pela qual inconscientemente se sente ameaçada e condenada a abortar, o que configuraria o conflito básico. TIO e TI 1 são na realidade interpretações que es­ boçam e apontam para esse conflito (ainda que sem revelá-lo dire­ tamente no momento), formuladas como interrogações, quer dizer, como suposições, e também destinadas a comprovar sua resposta a elas a fim de verificar sua tolerância para enfrentar os referidos conflitos. Seu medo de ter de se submeter a uma inter­ venção cirúrgica de apendicite, como o fora sua mãe, está sem dúvida muito mais próximo da consciência que seu medo do aborto - daí sua rápida resposta de aceitação da interpretação em P 12, o que não ocorre em P9 - configurando o ponto de emergên­ cia, dado pelos temores particulares correspondentes à etapa de gestação que está atravessando10 e que o mito familiar acerca da gravidez fomenta sobremaneira11. Em T 12 trato de incrementar sua motivação para compreen­ der melhor as causas de seus temores, formulando uma nova interrogação. Em P I3, inicialmente não aborda de modo direto elementos de interesses como resposta. Logo sobrevêm uma pausa, através da qual parece querer fugir ao tema, quem sabe muito ansiógeno (o que sugere que devo ter cuidado em não for­ mular interpretações prematuras dentro do conflito em questão), ainda que aquilo a que faz referência guarde igualmente estreita relação com o evitado. Isso porque alude à sua submissão ao grupo familiar, assim como ao seu parceiro - como se pode com­ provar mais adiante na sessão -, que a levou a abandonar diversas atividades, censuradas essencialmente pelas conotações sexuais que teriam para eles. Em T I3, assinalo a negação maníaca da realidade, isto é, a submissão às normas grupais. (Nesta paciente toma-se necessário assinalar constantemente o empobrecimento a que conduz a exa­ cerbação de suas defesas maníacas, que se opõem fundamentalmente ao autoconhecimento.) Em P14 e P I 5, a paciente demonstra aceitar a realidade evi­ denciada. A negação parece ceder um pouco. Já em P 16 se anima a resgatar e evocar juízos críticos para com aqueles que se opu­ nham preconceituosamente a seus estudos.

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Psicoterapia breve de orientaçãopsicanalitica

Em T I6 aludo às suas racionalizações diante das dificulda­ des causadas pela submissão, às quais acrescento as que registra para vir às sessões por sua vinculação com o proibido (a psicolo­ gia). Insisto assim em deter-me nos obstáculos resistenciais. Por outro lado, observa-se também a extensão que nessa oportunidade como em outras, dentro dessa sessão, pode alcançar a formulação de uma interpretação ou de qualquer outra intervenção verbal nes­ ses tratamentos. Isso se harmoniza com o tipo de vínculo e por­ tanto de comunicação que se instala, cujas características são uma mútua participação ativa, numa atmosfera de ágil intercâmbio, na qual não preocupa muito que em certos momentos o terapeuta possa chegar a falar tanto ou mais que o paciente. Em P I7, pode-se dizer que Rita está próxima de um insight. O material que fornece se apresenta extremamente produtivo e revela, além do mais, um bom funcionamento egóico a serviço da tarefa. Em T I7 faz-se necessário interpretar a transferência. Por meio dessa interpretação espera-se que Rita compreenda um aspecto importantíssimo de sua problemática atual e o motivo latente da consulta, que seria a busca de uma figura parental sobretudo materna - permissiva e protetora para sua maternida­ de12. Incluo-me nessa interpretação, sem que isso no entanto implique concentrar todo o interesse da paciente na relação tera­ pêutica. Assim sendo, procuro de imediato orientar sua atenção para as figuras de sua realidade externa e cotidiana, característica fundamental dessas terapias. Para a paciente, a interpretação “transferenciai” cumpre aqui uma função claramente ilustrativa de seus problemas atuais (dependência patológica), sem no entan­ to ser utilizada como um instrumento para promover a dependên­ cia regressiva transferenciai, não constituindo necessariamente o tipo principal de interpretação e conectando o que sucede com outros objetos da realidade externa. Em T 17 pode-se observar também a intenção de recolocar a paciente na situação-problema, trazendo novamente para o pri­ meiro plano sua gestação, o que configura um aspecto do trabalho de focalização. Em P 18 surge o temor de Rita à sua genitora, em especial o castigo pela rebelião, o que, dentro de uma estrutura focal, já en-

Uma sessão depsicoterapia breve

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volve o conflito básico. Esse momento é resultado da lenta pene­ tração no foco durante a sessão e de que pouco a pouco foram cedendo as defesas maníacas, permitindo assim que venha à tona a situação persecutória subjacente. T18 é uma nova interpretação “extratransferencial”, por meio da qual se tenta promover um insight inicial de um aspecto decisivo de seus conflitos, dado por sua submissão à figura mater­ na e por extensão a outras figuras superegóicas. A perspectiva é conseguir, em sessões posteriores - até onde seja possível e indi­ cado e com base nessa revelação - , um maior aprofundamento, que contemple entre outras coisas o problema da culpa, num sen­ tido mais amplo, pelo fato de crescer e desprender-se do grupo familiar. Em P 19, a paciente traz elementos para que em T 19 se con­ firme e complemente o expresso em T I8, favorecendo assim que se clarifique ainda mais sua visão do problema atual à luz de seus sentimentos de culpa por ter-se “rebelado”. A intervenção em T I9, em tom de brincadeira - sempre com base numa atitude cordial para com a paciente responde ao mo­ do expressivo assumido por Rita em P I9 e encerra um momento de insight obtido, como parece atestar sua reação em P20, demonstrativa do efeito emocional produzido pelas descobertas. (Este momento da sessão é por sua vez um dos que melhor exem­ plificam a afabilidade e a fluidez de diálogo que a comunicação pode assumir.) Em T20, por fim, creio ser possível e oportuno confrontar a paciente, contando com certas perspectivas de que consiga um insight, com conteúdos reprimidos que possam emergir das recor­ dações do cachorro maltratado, de tal modo que quase toda a ses­ são pode ser considerada sob esse ponto de vista como um traba­ lho preparatório para a receptividade de interpretações similares, de importância crucial no processo terapêutico, posto que abor­ dam, ainda que parcialmente, o conflito básico dentro do foco, o que nem sempre é possível. Também tento, em T20, reafirmar o já formulado em interpretações imediatamente anteriores. Por últi­ mo e como forma de encerrar, incluo apreciações acerca das des­ cobertas obtidas na sessão, que espero sirvam para estimular a participação de Rita na tarefa, e ao mesmo tempo procuro manter

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Psicoterapia breve de orientação psicanalítica

sua curiosidade e suas expectativas a respeito desta (“...deve haver muitas outras coisas para serem vistas...”, etc.) e propiciar nela uma atitude reflexiva, de introspecção, dificultando eventuais ten­ dências ao acting out (na forma de uma “pseudo-independência”, por exemplo). P21 é uma nova resposta afirmativa de aceitação às minhas intervenções. Respostas como esta vão-se fazendo mais freqüentes no decorrer da sessão (o que se confirma a partir de PI 1 e especialmente em P I7 e P20) e me sugerem, pelo clima afetivo que impera, tratar-se de uma atenuação dos mecanismos manía­ cos e de um ascendente predomínio da transferência positiva, em vez de respostas vazias ou de submissão ao terapeuta. Rita decidiu prosseguir com sua gravidez. Nos estágios fi­ nais da mesma, padeceu de uma afecção renal, motivo pelo qual teve de guardar repouso na cama por aproximadamente um mês e meio, tendo-se recuperado por completo. Deu à luz uma robusta menina, em parto normal. Pouco tempo depois, demos por encer­ rado o tratamento.

R e fe r ê n c ia s b ib lio g r á fic a s 1. A lle g ro , L ., C o m u n ic a c ió n p e rso n a l. 2. B le g e r, L. e J., “ G ru p o fa m ilia r. P sic o lo g ia y p sy c o p a to lo g ía ” , e m L. G rin b e rg , M . L a n g e r e E. R o d rig u é , E l grupo psicológico, N o v a , B u e ­ n o s A ire s, 1959. 3. F io rin i, H . J., “ E l c o n c e p to de fo c o ” , em H . J. F io rin i, Teoriay técnica depsicoterapias, N u e v a V isio n , B u e n o s A ire s, 1973, cap. 6. 4. G a rm a , A . e E. G . D e, “ R e a c c io n e s m a n ía c a s: a le g ria m a s o q u is ta dei y o p o r el triu n fo , m e d ia n te e n g a n o s, dei su p e ry ó ” , e m A . R a sc o v sk y e D. L ib e rm a n , Psicoanálisis de la mania y la psicopatia, P a id ó s, B u e ­ n o s A ire s, 1966. 5. R a sc o v sk y , A ., “ L a m a ta n z a d e lo s h ijo s ” , em A . R a sc o v sk y , La matanza de los hijosy otros ensayos, K a rg ie m a n , B u e n o s A ire s , 1970. 6. S o ife r, R ., “ A n sie d a d e s e sp e c ífic a s d e i e m b a ra z o ” , e m R. S o ife r, Psi­ cologia dei embarazo, parto y puerperio, K a rg ie m a n , B u e n o s A ires, 1971, cap. 1.

8. Dificuldades do terapeuta para a formação, prática e investigação em psicoterapias breves1

Introdução

Vou rcferir-me a alguns dos problemas que em nosso meio apresentam-sc aos terapeutas ante a psicoterapia individual breve de orientação psicanalítica. Poderiamos considerar a questão como uma conscqüência das dificuldades dos terapeutas para se ajustarem ao seu enquadramento e finalidade, o que por sua vez se traduz inevitavelmente em dificuldades no exercício desse método terapêutico, na avaliação dos resultados obtidos e, o que é ainda mais grave, ameaça desacreditá-lo cada vez mais. Antes de tudo, não devemos nos enganar: por mais que desde alguns anos se fale bastante em terapias breves, de cuja utilidade para avaliar o problema que a assistência psiquiátrica maciça da população suscita muito poucos duvidam, mesmo assim observa­ mos uma considerável resistência por parte dos profissionais para o seu emprego ou, no caso de praticá-las, para adequar-se ao en­ quadramento que as mesmas exigem e que as diferencia de outras técnicas psicoterapêuticas. Assim sendo, na prática assistência!, seja nos serviços psi­ quiátricos hospitalares ou nos centros de saúde mental, seja nos hospitais psiquiátricos ou nas instituições privadas, à medida que os anos passam, ainda permanece a impressão de que os terapeu­ tas que se dedicam às psicoterapias breves “fazem o que podem” e enfrentam, à sua maneira, as vicissitudes e dúvidas que lhes im-

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_Psicoterapia breve de orientação psicanalítica

põem a tarefa. Não podemos deixar de supor que tal situação diminui a eficácia terapêutica do procedimento e que é necessá­ rio portanto vencer os empecilhos que existem para instrumentar com êxito os diferentes recursos que podem fazer parte da terapia breve. Esses fatos têm-me chamado muito a atenção e também tenho me formulado as perguntas obrigatórias: Por que isso ocorre? Que motivos existem para que o processo de aprendiza­ gem dos terapeutas do emprego das terapias breves se atrase e se veja freqüentemente entorpecido? Diversos investigadores já assinalaram algumas das causas. Pela importância que têm a re­ lação com o que colocarei em seguida, vou citá-las aqui. De mi­ nha parte quero referir-me à incidência que em minha opinião certos fenômenos próprios da relação paciente- terapeuta, em sua maior parte inconscientes têm sobre esses fatos, e que, jus­ tamente por essa condição, influem sobremaneira na mesma, sendo mais difíceis de controlar. Convém esclarecer que essas opiniões são basicamente resultado de minhas reflexões a res­ peito das próprias vivências experimentadas ao longo de minha tarefa em psicoterapia de tempo limitado e do conhecimento das idéias de H. Searlcs (15) (16) (17) sobre a inter-relação pa­ ciente-terapeuta, que me despertaram um profundo interesse, esclarecendo-me aspectos de decisiva importância no processo terapêutico. Ao longo deste capítulo, abordarei os seguintes pontos: • A dificuldade de adaptação ao enquadramento da psicote­ rapia breve. • Dificuldades diante do término do tratamento psicoterapêutico breve. • Dificuldades na avaliação dos resultados obtidos em psico­ terapia breve. • Desprestígio da psicoterapia breve enquanto indicação tera­ pêutica. • Outras dificuldades do terapeuta diante das terapias breves. • Conclusões.

Dificuldades do terapeuta

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A dificuldade de adaptação ao enquadram ento da psicoterapia breve

“Psicoterapia breve ‘versus’ psicanálise” A P.B. de orientação psicanalítica constitui, como se de­ preende desta denominação, um procedimento terapêutico basea­ do em certos elementos fundamentais da teoria psicanalítica. Já em 1918 Freud antecipou que os novos métodos que seriam utili­ zados com o correr do tempo para efetuar tratamentos psicoterapêuticos em grandes massas da população deveriam, em sua opi­ nião, partir da psicanálise; mas acrescentava que esta teria de sofrer um processo de adaptação às novas condições (11). Não obstante, na prática, para muitos é difícil aceitar a coexistência da psicanálise e da psicoterapia breve e reconhecer que se trata de métodos que têm utilidade, alcance e indicações determinados. E habitual a tendência a desvalorizar a P.B. e a difundir a idéia de que só um tratamento psicanalítico tem reais propriedades curativas, capazes de produzir autênticas mudanças nos pacientes. Muitas vezes tal idéia se relaciona com a necessidade que os tera­ peutas jovens sentem de idealizar a psicanálise, o que por sua vez se acha ligado a seus desejos de se converterem em psicanalistas (20). Como é de se supor, têm de maneira geral extremo interesse em exercitar-se na técnica psicanalítica. Que acontece então quando as circunstâncias impedem de se efetuar um tratamento psicanalítico? Cai-se freqüentemente na realização de uma psicanálise “curta”, portanto interrompida, pouco eficaz e, como logo veremos, até perturbadora para o pa­ ciente. Comumente é nos estabelecimentos assistenciais, onde se deve oferecer atenção psicológica a um número elevado de pacientes, que se faz sentir com mais intensidade a necessidade de empregar a P.B.. Nesses estabelecimentos, os terapeutas princi­ piantes são maioria e, em definitivo, têm a seu cargo de maneira geral a realização dos tratamentos breves. Esses terapeutas são objeto das influências já citadas, ao que se soma uma tendência defensiva natural em aplicar aos pacientes aquilo que melhor

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Psicoterapia breve de orientação psicanalítica

conhecem (o novo é menos seguro e gera ansiedades paranóides), quer dizer, a técnica psicanalítica. Além disso, as modificações técnicas que necessitam introduzir são sentidas com frequência como uma “heresia” ante o modelo psicanalítico, originando-se situações persecutórias, que se costuma chamar de “superego ana­ lítico”, que podem intensificar-se diante de supervisores aferrados em demasia à técnica da psicanálise ortodoxa e que não aceitam facilmente essas modificações. Toda essa situação torna difícil a aplicação dos novos métodos, pois é vivida como uma falta de garantia interna e externa para o trabalho a ser desenvolvido. Também como conseqüência dessas pressões, as terapias breves podem traduzir-se na prática em uma psicanálise “breve” (19), a qual, como bem disse Usandivaras, leva a uma “desvalori­ zação da nova técnica” (20). Apesar do relativo interesse que a P.B. tem despertado, esses problemas lamentavelmente ainda existem, e para muitos a P.B. continua sendo um parente pobre da psicanálise, como assinalam Szpilka e Knobel, os quais sublinham o estado de desprestígio e de confusão que se observa em torno dela. Concordo com ambos os autores quando atribuem tal situação ao fato de que se trans­ põem uas vivências, os conhecimentos e as técnicas psicanaliticas para essa psicoterapia” (19). (O grifo é meu.)

Na intimidade da relação terapeuta-paciente Pessoalmente perguntei-me o porquê de tal transposição. Creio que sua persistência obedece não só aos motivos até aqui enunciados, nem somente à carência de possibilidades de infor­ mação a respeito da teoria e da técnica da P.B., quanto à qual, na atualidade, felizmente contamos com um valioso, embora não abundante, material bibliográfico; tampouco considero que sejam as discrepâncias entre os diversos autores que provoquem confu­ são, já que, no final das contas, tais discrepâncias não são tão grandes nem tão abundantes. Essa pergunta se impôs a mim com maior intensidade quando me dediquei à realização de uma expe­ riência hospitalar sistemática em P.B. durante um ano, e ao com­ provar que, se bem que eu tivesse suficientemente clara, de início,

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a maneira segundo a qual me havia proposto a trabalhar, diferen­ ciando com certa precisão a técnica a ser empregada da técnica analítica, comecei a notar em mim uma forte e às vezes irresistí­ vel tendência de criar ou favorecer o estabelecimento da “atmos­ fera” psicanalítica nas sessões, sobretudo através de insistentes interpretações transferenciais (afortunadamente reduziram-se, em geral, a ocorrências que não foram postas em prática e que pode­ ríam facilitar o desenvolvimento da neurose de transferência e estimular a conseqüente regressão e dependência do paciente). Corria-se o risco de que isso sucedesse a contragosto, contraria­ mente à minha ideologia terapêutica em matéria de terapias de tempo limitado e respondendo a uma tendência que não conse­ guia controlar e que nem poderia explicar unicamente através das razões aqui expostas (preconceitos com relação a qualquer técni­ ca que não fosse a do tratamento psicanalitico, etc.). Cheguei a pensar então que uma força interior me conduzia insensivelmente a tal atitude, a respeito do que me indicava a realidade (objetivos limitados, poucos meses de tratamento, inconveniência do estabe­ lecimento de uma neurose transferenciai e de estimular a regres­ são, etc.). Mas tampouco tinha eu dúvidas de que, em vários de meus pacientes, manifestava-se uma notória inclinação para cons­ tituir comigo um vínculo emocionalmente intenso e regressivo. Foi o conceito proposto por H. Searles sobre a simbiose terapêuti­ ca (15) (16) (17) que me permitiu entender o fenômeno e formu­ lar minha hipótese sobre o que acontece no tratamento breve. Sus­ tenta Searles que o vínculo terapeuta paciente atravessa um mo­ mento de simbiose e que tanto o paciente como o terapeuta contri­ buem para que ele seja assim. Esse vínculo simbiótico tem suas raízes na relação mãe filho e tende a se estabelecer e consolidar cedo ou tarde durante o tratamento psicanalitico, devendo final­ mente se atingir sua resolução. Com base num insight progressivo em seus pacientes e nele próprio, Searles desenvolveu suas impressões referentes ao papel fundamental da simbiose terapêutica, oferecendo uma maior “compreensão do significado emocional do paciente para o tera­ peuta e vice-versa” (16) e ressaltando, além disso, “o efeito dos processos inconscientes do terapeuta sobre o paciente” (16) no vínculo simbiótico2.

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Para Searles, a simbiose terapêutica se apresenta tanto em pacientes psicóticos quanto em neuróticos. E ainda que inicial­ mente a tenha detectado e descrito na psicoterapia de esquizofrê­ nicos crônicos (15), logo teve que reconhecê-la na evolução trans­ ferenciai de pacientes neuróticos. Searles descreveu, além disso, como a inter-relação simbiótica atravessa distintas “fases”, na psicoterapia de esquizofrênicos crônicos, até chegar finalmente à de individualização do paciente. Em tais fases, a simbiose terapêutica experimenta mudanças de significado qualitativas e quantitativas. Assim, em determinado momento, durante meses ou anos, constitui fonte de intensa grati­ ficação para paciente e terapeuta, com freqüência negada por este último, mas profundamente valorizada (15). Diz esse autor: “(...) atualmente tenho me dado conta - mesmo quando isso me provoca muita ansiedade - dos profundos, embora inconscientes, processos gratificantes da relação simbiótica que tanto o paciente quanto o terapeuta se mostram renitentes em abandonar” (16). Sustenta também que a relação de transferência simbiótica “(...) apesar de seus tormentos (...) constitui uma fase necessária na psi­ canálise ou psicoterapia tanto de pacientes neuróticos como de psicóticos''' e que “tanto o paciente quanto o terapeuta (...) se vêem submersos e arrastados em direção à corrente, ao processo de tra­ tamento (...). Não só o paciente, mas também ele está agarrado a um processo, o processo terapêutico, o qual, por sua força, é com­ parável ao processo de maturação na criança (...), o qual (...) tam­ bém é poderoso tanto para o paciente quanto para ele mesmo, demasiadamente poderoso para serem capazes de desviá-lo com facilidade (...) para fora do canal confluente, o qual tende a formar-se por si mesmo” ( 16). (Os grifos são meus.)

a) A relação terapeuta-paciente no tratamento psicanalitico A análise das emoções transferenciais e contratransferenciais mostra freqüentemente que estas alcançam grande intensida­ de e muitas delas são altamente gratificantes para o analista. Isso é particularmente notório na psicanálise de esquizofrênicos crôni­ cos, quando estes despertam sentimentos maternais no terapeuta,

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permitindo uma tarefa reparatória, e nesses momentos o próprio paciente vive o terapeuta transferencialmente como uma mãe (ou pai) ideal, o que estimula no terapeuta o sentimento de onipotên­ cia3. Essas emoções aparecem em parte como conseqücncia da situação regressiva do paciente, que o leva a situar o analista no lugar de uma figura parental. Vai-se configurando uma estreita relação, na qual o analista, ao fomentar por sua vez a regressão do paciente, sente-se cada vez mais objeto de todos os sentimentos deste e protagonista decisivo em sua vida, o que é altamente gratificante. Pode “converter-se” então na muito amada (ou inclusive muito odiada) mãe, nesse “mundo dos dois”, do paciente e do analista, que se prolongará por anos e no qual o “como se” da rela­ ção não o impede de experimentar intensos e prazerosos senti­ mentos'1. Esclareçamos desde já que tudo isso também ocorre em me­ nor magnitude na psicanálise de neuróticos, especialmente nas etapas de maior regressão dos pacientes; sabemos além disso que o tratamento costuma centrar-se na elaboração da relação transfe­ renciai. Em resumo: o estabelecimento do vínculo simbiótico na re­ lação paciente-terapeuta parece ser um fenômeno que tende a se produzir espontaneamente. No tratamento psicanalítico, essa interrelação simbiótica pode ser fomentada em beneficio do processo terapêutico.

b) A relação terapeuta-paciente na psicoterapia breve Qual é a situação que se apresenta em P.B.? Que acontece com o fenômeno que acabamos de descrever e que se anuncia desde que começam a interatuar paciente e terapeuta? Penso que o enquadramento que requer a P.B. resulta frustrante nesse aspecto, pois oferece um campo menos propício para as citadas gratifica­ ções do terapeuta. Sabemos que temos que nos propor objetivos limitados, que carecemos do tempo necessário para trabalhar a neurose de transferência e a regressão conseqüente até conseguir que sejam elaboradas, e que é preciso controlar, na medida do possível, a regressão do paciente. As condições do enquadramen­ to da P.B. são dirigidas para evitar a instauração de um vínculo

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pacientc-terapeuta demasiado intenso emocionalmente; mas não ignoramos que em certas circunstâncias os sentimentos transfe­ renciais e contratransferenciais são muito fortes, e que além disso encontramos pacientes que de um modo quase espontâneo desen­ volvem uma intensa regressão desde o início do tratamento. Con­ sidero que, numa terapia breve, esse fato geralmente constitui uma complicação (ver capítulo 10, pp. 178 ss.). Na opinião de numerosos autores, (1) (3) (8) (10) (19) (22), nos quais me incluo, em P.B. convém em termos gerais recorrer à interpretação da transferência somente em determinadas circuns­ tâncias, quer dizer, que não se deve empregá-la com a assiduidade e com a finalidade com que se utiliza em psicanálise5, já que se deverá evitar a regressão transferenciai. Parece conveniente, pelo contrário, recorrer às interpretações denominadas “extratransferenciais”, que na realidade tendem a tornar conscientes outras transferências do paciente, aquelas que estabelece com as pessoas com as quais se relaciona em sua vida cotidiana, já que desde um primeiro momento procura-se que concentre seu interesse nela, em lugar de fazê-lo na relação com o terapeuta. Isso naturalmente é coerente com o propósito de conseguir a resolução de seus con­ flitos atuais. É de supor então que a P.B. não se presta a que o tera­ peuta satisfaça suficientemente certas expectativas latentes na relação com o paciente, diferentemente do que acontece na práti­ ca da psicanálise. A experiência do terapeuta que realiza uma terapia breve pode diferir bastante da que vivência com um paciente em tratamento psicanalítico. Neste último caso pode “atrair” o paciente para uma intensa neurose de transferência, na qual o terapeuta se sentirá um protagonista importante. Mas numa terapia breve, devendo ater-se ao “de fora”, e levar o paciente a se interessar pela revisão de seus vínculos com seu verdadeiro pai, mãe, cônjuge, chefe, etc., o terapeuta pode experimentar um sen­ timento de exclusão. Quer dizer, já não será um terapeuta-mãe e deverá, em troca, conformar-se com sua condição real de docente experimentado (8) no tratamento, procurando manter uma trans­ ferência positiva moderada. Sentir-se-á, então, fora do universo do paciente. As conseqüências dessa vivência contratransferencial de frustração que, como se deduz, pode repetir-se com assi­ duidade numa terapia breve, dependerão de suas possibilidades

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de resolução do conflito. Se este alcança certa intensidade e não é controlado adequadamente, pode dificultar em alto grau a tarefa do terapeuta, que chegará a adquirir ou não consciência da situa­ ção. E possível, por exemplo, que reaja com intervenções agressi­ vas, que poderão por sua vez ser racionalizadas. Se os motivos estiverem reprimidos, pode erroneamente atribuir essa sensação de insatisfação e desilusão a uma suposta ineficácia ou fracasso do método psicoterapêutico breve, tendendo além disso a conven­ cer-se de que só a análise exaustiva e sistemática da transferência pode ajudar o paciente, e que de outro modo a terapia é “superfi­ cial”. Em suma sustentará que é preciso insistir em interpretar o “aqui e agora comigo”6, na busca inconsciente de gratificação através do fomento da neurose transferenciai.

c) Quando a psicoterapia breve converte-se em “psicanálise breve ” Dessa maneira pode pôr-se em marcha o que há de ser uma espécie de “psicanálise breve” (19), induzindo o paciente, cons­ ciente ou inconscientemente, a estabelecer um vínculo simbiótico, caracterizado por uma regressão a um tipo de dependência infantil com relação ao terapeuta. Creio ser por isso que lhe resul­ ta difícil renunciar a tal tipo de relação para aceitar o outro, mais ajustado às condições da realidade - e portanto mais frustrante que a PB. exige, e que é por esta razão que a transposição da téc­ nica psicanalítica para as terapias breves se produz com tanta frequência. Com o paciente como criança-filho, o terapeuta pode­ rá ter acesso em certa medida às gratificações comumente nega­ das, mas profundamente valorizadas, que uma tal relação promete proporcionar-lhe. Para estimular a regressão, o terapeuta pode apelar para o uso reiterado e até sistemático de interpretações transferenciais, au­ mentar a frequência e a periodicidade das sessões7, renunciar ao papel ativo na tarefa, usar o divã, etc. Isso nos explica por que diferentes autores falam, em P.B., da “tentação” que o terapeuta pode experimentar de analisar a trans-

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Psicoterapia breve de orientação psicanalitica

ferència. A esse respeito assinalam vários terapeutas; “Não se fomentou a regressão, respeitando-se a lógica e adequada pro­ gressão dada pela mesma relação terapêutica. Frequentemente houve necessidade de firmar-se nessa postura ante o material que trazia o paciente, que se apresentava como sedutor para a análise da transferência (...); a análise sistemática da transferência é uma tentação permanente para o terapeuta” (5). (Os grifos são meus.) Eu acrescentaria que se trata de uma tentação que não só corresponde ao desejo de investigação do terapeuta e de extrapo­ lar o sistema psicanalítico, pelas diversas razões assinaladas no começo deste capítulo, mas também e muito especialmente à busca das gratificações que lhe daria uma relação mais profunda com o paciente. Outros autores fazem referência a uma necessidade de auto­ controle do terapeuta para regular as interpretações transferen­ ciais e com isso a regressão do paciente (1) (10). Diz acertadamente Fiorini: “Flaveria além disso uma contra­ dição entre um enquadramento de tempo limitado e um processo no qual as intervenções do terapeuta ‘propusessem’ a regressão e a concentração de afetos do paciente nessa relação bipessoal (a situação se expressaria nesta proposição: ‘a relação que o senhor mantém comigo é muito importante para entender e tratar sua enfermidade; volte para ela todas as suas emoções e expectativas. Mas prepare-se para cortá-la de repente’)” (8). Mensagem e ação resultariam aqui do tipo estímulo-frustraçào, o que costuma per­ turbar o paciente. Também tenta interpretar conflitos alheios ao foco terapêuti­ co, ainda que saibamos que em P.B. não é aconselhável abrir demasiadas feridas no paciente. Além do mais, não desconhece­ mos, pelo exercício da psicanálise, que isso conduz a um incre­ mento da regressão. Pessoalmente, e em especial em minhas pri­ meiras experiências em P.B., demandou-me um grande esforço “deixar passar” sem interpretar o material não relacionado com o foco. Assim mesmo podemos compreender a resistência que às vezes experimenta o terapeuta para buscar e encontrar objetivos limitados em cada caso, pois isso o obrigaria a centrar-se mais na problemática atual do paciente para ajudá-lo a resolver questões

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muito concretas e imediatas com um critério prospectivo, procu­ rando estimular nele a confiança em si próprio, assim como seu de­ senvolvimento independente, e conseguir desse modo que possa obter alta.

Dificuldades ante o término do tratamento psicoterapêutico breve Em geral a tendência para fomentar a dependência no paciente complica a separação ao terminar o tratamento. Mas desse ponto me ocupo em mais detalhes no capítulo seguinte. Só acrescentarei a respeito que, como consequência da dificul­ dade do paciente e do terapeuta para aceitarem a separação, chegam a ajustar recontratos que permitem prolongar a relação.

Dificuldades na avaliação dos resultados obtidos em psicoterapia breve Em função da frustração que podem experimentar os tera­ peutas ao comprovar que o enquadramento da P.B. não lhes faci­ lita o acesso às negadas, ainda que muito desejadas, gratificações próprias de uma relação mais estreita e emocionalmente mais intensa com os pacientes, não é difícil supor que isso interfere na possibilidade do terapeuta de efetuar uma avaliação realista e justa dos resultados obtidos com o método, os quais por sua vez podem ser certamente pouco alentadores, se é que se insistiu em fomentar nos pacientes a dependência regressiva em lugar do autodesenvolvimento. Por isso, as mudanças de atitude que estes puderam apresentar em sua vida real são com muita freqüência rapidamente subestimadas e qualificadas como atuações, “fuga em direção à saúde”, etc. (Com isso não quero desconhecer a presença, nada rara por certo, de tais eventualidades nas terapias breves8.) O terapeuta pode então resistir a reconhecer os progressos do paciente e até parecer muito decepcionado pelos resultados do tratamento, já que, em seu afã inconsciente de perpetuar sua

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Psicoíerapia breve de orientação psicanalítica

dependência, não deseja que se produza a separação (a alta defini­ tiva significaria a ruptura do vínculo e a perda absoluta das possi­ bilidades de gratificação ligadas a ela). Atua como aquelas mães que, como não podem aceitar o crescimento e desprendimento de seus filhos, continuam a tratá-los como crianças. Searles assinala que o terapeuta, na fase de resolução da sim­ biose^ pode experimentar os sentimentos de desvalorização e perda, por tudo aquilo que para ele o paciente significa, com o qual mantém “uma relação muito mais profunda do que a que crê capaz de perceber em si mesmo” (15). Tende-se assim a desvalorizar a terapia breve, ante a necessi­ dade inconsciente de manter o uso excludente do método psicanalítico como fonte de gratificação a partir do estabelecimento de um vínculo simbiótico com o paciente (neurose ou psicose trans­ ferenciai). A passividade que ainda observamos para resistir a este “movimento” faz-me pensar em uma espécie de acordo tácito entre os terapeutas, numa cumplicidade inconscientemente con­ solidada, cujos motivos subjacentes mantêm-se ocultos.

Desprestígio da psicoíerapia breve enquanto indicação terapêutica Pode-se deduzir que os motivos expostos, ainda que de modo geral não reconhecidos, diminuem o entusiasmo dos terapeutas para optar pela indicação e utilização da P.B. em determinadas situações em que a mesma poderia ser um recurso terapêutico nada depreciável. Desanima-os principalmente a perspectiva de estabelecer uma relação fugaz, com um objeto que logo perderão. O luto pela separação predeterminada desempenha um importan­ te papel em P.B. tanto para o paciente como para o terapeuta e, com freqüência, parece repercutir mais no terapeuta que no paciente (6). O tratamento psicanalítico, pelo contrário, oferece a possibilidade de um vínculo mais duradouro e portanto menos frustrante.

Dificuldades do terapeuta

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Outras dificuldades do terapeuta ante as terapias breves

Recapitulando até aqui, consideramos que os terapeutas, especíalmente os novatos, tropeçam, para o estudo e emprego eficaz da P.B., em obstáculos que remetem: a) à idealização da psicanálise, junto ao desejo de desempe­ nhar o papel de psicanalistas nos tratamentos que empreendem e ao temor de utilizar outros procedimentos que são desvalorizados, apresentando-se como muito duvidosas suas possibilidades de eficácia. As terapias breves aparecem como o novo e incerto diante de técnicas mais conhecidas e seguras; b) às dificuldades para adaptar-se ao enquadramento que exi­ ge a P.B., por tratar-se de uma relação terapeuta -paciente que ofe­ rece menos gratificações que a psicanalítica; c) às resistências do ambiente profissional circundante. Os supervisores adquirem aqui especial importância. A fim de oferecer uma visão mais completa do problema, acrescentaremos os seguintes fatores: d) uma experiência prévia insuficiente em tratamentos pro­ longados, como o psicanalítico, experiência que, ainda que não seja imprescindível, é muito conveniente para a formação psicoterapêutica em terapias breves; e) necessidades econômicas do terapeuta (em parte em virtu­ de dos gastos que lhe demanda sua formação profissional), que o levam a preferir os tratamentos prolongados, já que geralmente lhe possibilitam uma remuneração mais estável. Por último quero mencionar a influência de outros fatos dc particular importância que me foram apontados: f) em P.B., a ênfase recai na melhoria clínica do paciente e em grau muito menor na investigação exaustiva de sua psicopatologia ou de qualquer outro aspecto, como o permite a psicanálise, circunstância que também contribui para a perda de interesse por essa terapêutica (13); g) freqüentemente a P.B. impõe ao terapeuta um ritmo fatigante “[...] pode fazer com que para este a experiência resulte embrutecedora e compulsiva” (2). A isto junta-se o esforço que no meio hospitalar, por exemplo, requer a abordagem de um novo caso tão logo termine o tratamento breve de um paciente anterior.

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Psicoterapia breve de orientação psicanalitica

Em comparação com a prática da psicoterapia prolongada, ocorre agora que deve atender mais pacientes num mesmo espaço de tempo, com certa exigência de conseguir mudanças a curto prazo, o que em termos de economia psíquica significa “um mau negó­ cio” (uma nova responsabilidade e em suma um maior stress) (7). Nesse sentido, é significativo o que se costuma observar nos ser­ viços psiquiátricos: freqüentemente os terapeutas parecem tender inconscientemente a prolongar os tratamentos, postergando o mo­ mento da alta e com isso a troca de paciente; h) Fiorini destaca também a incidência que tem nos terapeu­ tas o desconhecimento de uma teoria da mudança em P.B.. Como não têm interiorizados os dinamismos da mudança e só conhecem e aceitam os fenômenos inerentes às modificações que se produ­ zem nos tratamentos prolongados, não chegam a ter a necessária convicção de que os pacientes tratados com psicoterapias breves podem experimentar mudanças favoráveis. Tal situação além disso se acresce de suas dúvidas a respeito da decisão a tomar quanto à alta do paciente (7). Todas essas dificuldades se esclare­ ceríam em parte se houvessem incorporado a seus conhecimentos uma teoria da mudança. Nesse sentido contamos hoje com impor­ tantes descobertas no campo da P.B., que somam a noção de insight e estão fundamentadas essencialmente na concepção da existência de partes autônomas do ego, quer dizer, de forças “cons­ trutivas latentes” (21), que permitiríam, a partir de uma experiên. cia terapêutica corretiva, e uma vez finalizado o tratamento do paciente, a continuação ininterrupta do progresso nas mudanças. Desse modo, o processo de transformação, ainda que lento, pros­ seguiría com uma reação em cadeia e seria verificável nos acom­ panhamentos ao longo de anos em pacientes tratados com tal método (9) (14) (18) (21).

Conclusões

Quis assinalar diversas dificuldades do psicoterapeuta no que se refere à P.B., com a intenção de contribuir para aplainá-las, enfatizando especialmente a importância que tem o reconheci­ mento dos fenômenos próprios da relação terapeuta -paciente e de

Dificuldades do terapeuta

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sua influência no processo terapêutico. Tal reconhecimento pode­ ría favorecer um exercício bem-sucedido da P.B., através de uma mais ajustada e eficaz adaptação do terapeuta ao seu enquadra­ mento, e aumentar o interesse pela investigação sobre esse méto­ do. A ninguém escapa que em nosso meio só uma pequena mino­ ria de psicanalistas se ocupa da investigação em P.B. A maioria, em troca, interessa-se por outras técnicas, como por exemplo as psicoterapias grupais prolongadas (possivelmente mais gratificantes no sentido considerado neste trabalho). As experiências clínicas em P.B. adequadamente supervisio­ nadas são, no momento atual, muito necessárias para afastar pre­ conceitos e permitir a comprovação direta da real utilidade desse recurso terapêutico. Se tudo isso se concretizasse, provavelmente se conseguiria também uma valorização mais objetiva e favorável das terapias breves dentro do panorama da terapêutica psiquiátrica. Creio que é necessário um estudo mais exaustivo do proble­ ma. Aspiro a que estas minhas impressões funcionem como um estímulo e que finalmente consigamos obter descobertas que lan­ cem mais luz sobre o controvertido campo das terapias breves.

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9. 4 respeito do término do tratamento em psicoterapia breve

Introdução Proponho-me neste capítulo a analisar algumas das vicissitudes que se apresentam nas terapias breves psicanaliticamente orientadas, em razão do término do tratamento, partindo do reconhecimento de que tanto o paciente quanto o terapeuta de­ vem enfrentar o luto ocasionado pela finalização do vínculo tera­ pêutico. Quero expor de que maneira e até onde os resultados do tra­ tamento estarão de forma indefectível relacionados com as possi­ bilidades de ambos tolerarem suficientemente a separação. No que concerne ao terapeuta, sua capacidade de enfrentar o luto ade­ quadamente será uma condição fundamental para o manejo eficaz da situação. Com a finalidade de poder mostrar com mais clareza o que sucede com o binômio paciente- terapeuta ante a finalização de uma terapia de tempo limitado, dividirei minha apresentação nos seguintes pontos: • Reações causadas no paciente pela separação. • Reações causadas no terapeuta pela separação. Ocupar-me-ei primeiro dos aspectos técnicos, para em segui­ da expor sinteticamente as conclusões.

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Reações causadas no paciente pela separação

A separação de seu terapeuta afetará o paciente com uma intensidade variável em cada caso, o que estará em parte relacio­ nado com uma estrutura psíquica correspondente. Certos pacientes, que possuem um ego relativamente forte, aceitam a separação melhor do que outros, e podem chegar a vivêla como uma oportunidade de comprovar e pôr em prática o aprendido até então durante o tratamento. Outros pacientes se conformam com o alívio sintomático, e uma vez conseguido este, desejam de bom grado o término do tra­ tamento. Em geral preferem, seguindo o modelo da clínica médi­ ca, que a terapia seja o mais curta possível. Diante da perda, em muitas ocasiões aparecem em troca an­ siedades intensas, e chegam a mobilizar-se inclusive o temor à morte e à loucura. Supõe-se que o fato repercuta mais em quem tem tendência a estabelecer espontaneamente vínculos de caracte­ rísticas simbióticas, regressivas e altamente dependentes, assim como naqueles cuja dependência regressiva tenha sido fomentada pelo terapeuta ao longo do tratamento. A repercussão da perda no paciente pode traduzir-se em manifestações diretas de pesar e/ou preocupação, ou evidenciarse de maneira mais velada, por exemplo, no material onírico. Este último foi o que aconteceu no caso de um paciente a quem atendi numa terapia breve. Perto da finalização da mesma, rela­ tou-me numa sessão vários sonhos, os quais mostravam, como denominador comum, suas ansiedades e hostilidade diante da separação, vivida inconscientemente como um abandono de minha parte1. Os sonhos eram semelhantes entre si (sobretudo os três primeiros a que me referirei), sendo talvez o primeiro deles o mais demonstrativo. Primeiro sonho: O paciente aparece num depósito em que tempos atrás “tinha havido um ‘barulho’ ” - segundo sua expressão - porque continha mercadorias, e que agora está muito limpo e em ordem, ainda que se tenha “a impressão de vazio”. Acrescenta que se trata de uma “velha construção em reforma” que ficou interrompida, e que o teto do depósi-

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to é negro. Por último, disse que no sonho lhe deviam di­ nheiro, o qual tinha de reclamar. Associou o depósito com aquele que, na realidade, havia tido um ano atrás em sociedade com um amigo. O depósito representava ele mesmo, particularmente sua cabeça, na qual havia ocorrido um “barulho” (confusão) quando chegou ao tratamento. Sentia agora que tinha as coisas (idéias) mais claras, sua mente mais “limpa” e seus pensamentos (no so­ nho, mercadorias), mais ordenados; mas ao mesmo tempo con­ densava no depósito sua sensação de abandono, de vazio pela separação. Disse-lhe que a menção a seu amigo parecia referir-se à minha pessoa; a sociedade cra uma referência ao nosso contrato terapêutico, através do qual nos ocupávamos de sua cabeça-depósito. Ele sentia, além disso, que ficava “separado no meio” como o depósito, c que cu interrompia sua reconstrução; seu acanhado protesto e reprovação contra mim, ao sentir-se abandonado, apa­ reciam no sonho como o dinheiro que lhe deviam e que tinha que reclamar. Também o teto simbolizava sua cabeça. A cor negra do mes­ mo foi associada pelo paciente como “mau augúrio, mau destino”; e era uma referência a seus temores pelos perigos aos quais se sen­ tia exposto por causa da separação. Este detalhe do sonho cra, pois, especificamente, uma representação de seu medo à loucura2. Segundo sonho: Um amigo seu trabalha como ajudante num teatro. Por sete horas de jornadas, pagam-lhe uma escassa so­ ma em dinheiro. Sente uma grande indignação. O amigo era por certo cie mesmo, que se encontrava muito enraivecido contra mim porque sentia que eu lhe dava pouco e que estava cm dívida para com cie, abandonando-o, tal como aparecia no sonho anterior. Terceiro sonho: Trabalha no interior de um grande edifício, no qual há muita gente. Tem um aposento só para ele e utiliza ferramentas de cor negra. O edifício grande no qual havia muita gente representava o hospital onde o atendi. Outra vez se evidencia seu sentimento de

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abandono, sob a aparente satisfação de ter um aposento só para ele. Tinha que conservá-la (trabalhar) sozinho e não confiava em seus próprios recursos (as ferramentas negras. De novo figurava a cor negra como símbolo de mau augúrio). Quarto sonho: Vê um menino descer por um tobogã em grande velocidade. Ao associar, expressou em tom risonho que o menino deveria ser ele, com muito medo de escorregar “ladeira abaixo”. Aparecer como menino tinha a ver além disso com a relação de dependência infantil que em parte havia estabelecido comigo. Depois, na mesma sessão, contou-me que em matéria de traba­ lho ele sentia que precisava de alguém que o guiasse e que não podia fazer nada por conta própria. Sua esposa lhe assegurava que isso não era certo e que devia animar-se a “navegar sozinho”. Novamente aludia a seus temores pela finalização do vínculo tera­ pêutico. Nesses pacientes, que por diferentes motivos não toleram suficientemente a separação, interessa ver qual é o destino da transferência, sobretudo em circunstâncias nas quais o terapeuta pode perder o controle da situação. É possível que se produzam no paciente diferentes reações, que vão desde o afloramento de novos conflitos, ao aproximar-se o final do tratamento, até a rea­ ção terapêutica negativa’, passando por retrocessos e pioras por simples manifestações de hostilidade transferenciai e pelo acting out. Essas reações, como é óbvio supor, acham-se intimamente vinculadas entre si (são diferenciáveis só até certo ponto), supe­ rando-se ou apresentando-se em forma sucessiva, frequentemen­ te acompanhadas de defesas maníacas (negação da perda, des­ prezo pelo terapeuta, etc.). Por outro lado, pode resultar conve­ niente que o paciente tenha ocasião de desenvolver essas reações enquanto se encontra sob tratamento para permitir que sejam mais bem-examinadas, compreendidas e resolvidas no seio da relação terapêutica. a) A referência a novos conflitos nas partes finais do trata­ mento, através dc colocação espontânea por parte do paciente de material alheio ao foco, é uma circunstância que tenho podido observar em minha prática. Tal situação costuma estar motivada

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inconscientemente por um desejo de permanecer ligado ao tera­ peuta, tratando de despertar neste interesse por outros padecimentos (numa tentativa de sedução por meio do material), ou ainda preocupação e - eventualmente - culpa por deixá-lo nessas condi­ ções, quer dizer, exposto aos perigos de conflito não resolvidos para conseguir deste modo que o tratamento seja prolongado. Deve-se procurar que o paciente tome consciência das motivações de sua atitude. b) Os retrocessos e pioras no estado do paciente são algumas das reações que se observam com maior assiduidade nas etapas terminais do tratamento psicoterapêutico breve, tal como em ou­ tras formas de psicoterapia, e freqüentemente constituem uma tentativa de evitar que lhe seja dada alta, e com isso a dolorosa separação do terapeuta (ganhos secundários). O paciente, que até esse momento vinha inclusive evidenciando claros progressos e uma apreciável melhora sintomática, pode apresentar uma reaparição de sua sintomatologia inicial, acusar um incremento de an­ siedade, de depressão, dos diversos transtornos somáticos, etc. Será conveniente assinalar ao paciente sua intenção incons­ ciente de obter ganhos secundários através de suas recaídas nos últimos períodos do tratamento, tal como sugere Bellak (2). c) As manifestações de hostilidade transferenciai podem co­ locar em sério perigo os resultados do tratamento. Quando tal hostilidade alcança certa intensidade, torna-se necessário inter­ pretá-la, como destaca Malan (6). Tal situação de separação, ao ser vivida consciente ou inconscientemente pelo paciente como um abandono, pode trazer como conseqüência algumas das de­ mais complicações que mencionei, ou sua raiva pode jogar por terra o obtido durante a terapia, posto que a manutenção da me­ lhora certamente dependerá em grande parte de suas possibilida­ des de introjectar e conservar uma boa imagem do terapeuta (2). Isso só será possível se prevalecer uma transferência positiva ao terminar o tratamento. d) Outra opção está dada pela tendência de alguns pacientes ao acting out, diante do incremento da ansiedade, o que se acha claramente vinculado à perda ocasionada pela finalização da rela­ ção terapêutica (conforme o caso, o acting out costuma expressar fantasias agressivas para com o terapeuta ou objetivar substituí-lo

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por outro objeto, etc.). Quando o terapeuta detecta essa tendência, deve inclinar-se à compreensão psicológica do conflito no pacien­ te, sobretudo por meio de interpretações “transferenciais”, evitan­ do assim as atuações. e) A reação terapêutica negativa se manifesta com ffeqüência através da interrupção brusca do tratamento por parte do paciente. Tal interrupção significa principalmente que o paciente quer abandonar - ativamente - o terapeuta para não sofrer de maneira passiva o que vivência como um abandono por parte deste.

Reações causadas no terapeuta pela separação

Com freqüência, a separação repercute mais no terapeuta que no paciente. Ferrari e Marticorena comentam acerca da experiên­ cia cm psicoterapia breve: “O mais notável (...) foi observar as dificuldades de desprendimento dos próprios terapeutas (...). Comumente, as dificuldades para separar-se apareceram mais do lado do médico que do paciente” (3). Já me ocupei em parte no capítulo anterior dos problemas do terapeuta para aceitar a separação do paciente ao chegar ao fim o vínculo terapêutico. O terapeuta pode apresentar resistência em reconhecer os eventuais progressos do paciente e atuar fomentan­ do neste, durante o tratamento, a neurose transferenciai e a regres­ são, em seu afã inconsciente de perpetuar sua dependência, evi­ tando a ruptura de um vínculo que lhe oferece profundas gratifi­ cações, comumente negadas. A separação significa, para ele, ver­ se privado de gratificações simbióticas; o luto provoca sentimen­ tos de desvalorização e perda (7)4. Um mecanismo defensivo do terapeuta ante as ansiedades pela separação é a negação do conflito e sua projeção maciça no paciente, o que às vezes adquire características de inoculação no­ civa, mesmo naqueles pacientes que inicialmente não se veriam demasiadamente afetados pela separação. O terapeuta “atua” nes­ sas circunstâncias através de suas intervenções (interpretações), indutoras de dependência regressiva. Desejo então que fique clara minha impressão de que na prá­ tica o término do vínculo terapêutico é, não em poucas ocasiões,

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mais um problema do terapeuta que do paciente. Este, com efeito, não tem que vivê-la necessariamente como algo penoso e angus­ tiante, sobretudo no caso de sentir-se seguro de sua própria capa­ cidade para enfrentar seus problemas, daí para a frente, por sua própria conta, com base no que adquiriu durante o tratamento. Adverte-se o terapeuta de que, ao fomentar a natural tendên­ cia regressiva do paciente com base numa extrapolação da técnica psicanalítica (uso reiterado ou sistemático de interpretações trans­ ferenciais, interpretação de material alheio ao foco, aumento da freqüência e/ou periodicidade das sessões, uso do divã, atuação pouco ativa do terapeuta, etc.), o processo se complicará ainda mais (nenhum dos dois componentes do par aceitará facilmente a separação) desembocando com freqüência na já mencionada recontratação, como expressão de uma necessidade mútua de pro­ longar a relação.

Aspectos técnicos Tenho mencionado até aqui a conduta que deve assumir o terapeuta diante da insinuação ou franca aparição das diferentes reações do paciente, conduta que em síntese consiste em abordar o problema ocasionado pela iminente separação. Para isso será preciso interpretar a transferência; deixá-la de lado significaria correr o risco de expor o paciente a algumas das conseqüências às quais já fiz referência. Mas agora desejo examinar mais detida­ mente o problema da repercussão, perturbadora, do final do vín­ culo terapêutico sobre o paciente. Compreender melhor por que chega a produzir-se ou a incrementar-se, em certas ocasiões, e particularizar a conduta que, a meu ver, resultará mais convenien­ te em P.B., para tentar preveni-la, enfrentá-la e atenuá-la. 1. Considero que devemos nos remontar aos primeiros conta­ tos com o paciente, já que o problema se coloca, de certo modo, desde o momento em que se efetua uma indicação de P.B. Como disse antes, haverá pacientes que superam melhor que outros a separação. Na bibliografia sobre P.B. descobrimos que alguns autores levam em conta esse aspecto, que está naturalmente rela­ cionado com a capacidade egóica para tolerar frustração. Bellak

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(2) sublinha a importância de se efetuar previamente uma avalia­ ção das funções do ego, que servirá para o diagnóstico, prognósti­ co e tratamento, e que poderá ser realizada por meio de dados clí­ nicos e de testes psicológicos. Mas é sobretudo Malan (6) quem assinala especificamente a utilidade de detectar, antes do trata­ mento propriamente dito, a capacidade do paciente para suportar suficientemente o luto pela separação do terapeuta. Os testes pro­ jetivos poderíam oferecer-nos regularmente elementos para essa apreciação. Se, além de existir essa condição de tolerância diante da separação, trata-se de um paciente que atravessa um problema atual e se encontra motivado para efetuar uma psicoterapia, esta­ remos diante da situação menos discutível para indicar uma tera­ pia breve. Poderemos, pelo contrário, considerar que pode ser tec­ nicamente objetável indicá-la para um paciente que revele pouca capacidade para suportar e elaborar lutos e uma modalidade simbiótica, muito regressiva e dependente em suas relações de objeto, portanto mais propenso a reações como as já assinaladas e com menores probabilidades de êxito terapêutico5. Creio que em al­ guns casos as complicações que logo aparecem no tratamento breve, principalmente por ocasião da separação definitiva entre paciente e terapeuta, são em parte conseqüência dessa atitude ini­ cial, mas o que acontece é que em nossa prática assistencial com freqüência não temos outro remédio senão efetuar um tratamento de tempo limitado em muitos dos pacientes que apresentam essas características. Realizaremos uma eleição dos casos na medida do possível, pois sem dúvida será o mais conveniente; mas quando, por diferentes motivos, essa seleção não puder ser feita, não pode­ remos fazer outra coisa senão embarcar com o paciente num pro­ cesso que terá muito de uma difícil aventura e que requererá ao máximo nossa perícia terapêutica para poder atingir um bom final. 2. O passo seguinte será a contratação que temos de realizar, em especial com aqueles pacientes que apresentam uma franca tendência a desenvolver espontaneamente intensa regressão no vínculo terapêutico. Trataremos, como condição fundamental em P.B., de não facilitá-la ou incrementá-la, e para isso será preciso, na medida do possível, delimitar claramente os objetivos do trata-

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mento; quanto às sessões, ter-se-á especial cuidado em evitar que a freqüência das mesmas possa chegar a favorecer a tendência regressiva'. Um aspecto que merece especial atenção dentro da contrata­ ção é a duração que fixaremos para o tratamento. Em algumas destas situações será preferível outorgar um tempo suficiente, de modo a permitir que uma parte do mesmo se destine à análise do luto pela separação7, sem que isto nos prive do tempo necessário para abordar a situação crítica em si, verdadeiro objetivo do trata­ mento8. 3. Se seguirmos adiante no processo terapêutico, defrontaremo-nos com as complicações às quais aludimos, que poderão ser evitadas ou ao menos - freqüentemente - bastante atenuadas, se o terapeuta se desempenhar adequadamente ao longo da terapia, conseguindo ajustar-se ao enquadramento da P.B. Vale dizer, se estimular no paciente sua iniciativa pessoal com um critério prospectivo, em lugar de fomentar a neurose transferenciai e a depen­ dência regressiva. Como procurei demonstrar no capítulo ante­ rior, isso dependerá de vários fatores: de sua familiaridade com a técnica da P.B., de que haja vencido os preconceitos contra todo procedimento que não seja o psicanalítico, além da tendência de extrapolar esse modelo técnico para a terapia breve por crer que só assim poderá obter bons resultados, mas também e fundamen­ talmente de que possa renunciar às gratificações que oferece o tipo de relação analista-paciente e aceitar as condições, nesse sentido mais frustrantes, que a P.B. impõe. Em síntese, requer-se que o terapeuta tenha um insight dessa problemática e um auto­ controle de suas tendências naturais a estabelecer uma modalida­ de simbiótica de relação com o paciente que, segundo minha hipótese, é o que com freqüência costuma conduzi-lo - incons­ cientemente - a realizar consideráveis e decisivas modificações no enquadramento, favorecedoras da simbiose terapêutica. Considero que o manejo da relação transferenciai, por parte do terapeuta, juntamente com sua capacidade para superar os pró­ prios conflitos que puderem derivar da perda do paciente como objeto gratificante, terão uma influência decisiva no aspecto que adquire o término do tratamento e a posterior separação para ambos os protagonistas. Quando o terapeuta não pode controlar

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essa situação e não toma as precauções correspondentes, costuma-se chegar a uma fase final do tratamento em que a separação se torna mais difícil para ele e para seu paciente, mais perturbado­ ra e mais frustrante: este se encontra no final numa atitude regres­ siva e dependente, e aquele, privado de seu objeto gratificante, com uma sensação de desilusão por haver efetuado um tratamento curto e pouco eficaz. Já me referi à conveniência de abordar, geralmente na fase final do tratamento, o problema da separação. 4. Beliak e Small (2) também assinalaram a importância de manter algum contato com o paciente logo após haver-se encerra­ do o tratamento, a fim de que este não se sinta abandonado e de conservar uma transferência positiva. Para isso sugerem que se solicite ao paciente que informe o terapeuta de seu estado me­ diante cartas ou chamadas telefônicas. Considero que esse propó­ sito pode ser cumprido tanto ou mais satisfatoriamente por meio de entrevistas de acompanhamento.

Conclusões As maiores possibilidades de êxito, e por sua vez de se evita­ rem certas complicações ao longo de uma terapia breve em geral e, em razão do término do tratamento em particular, estão relacio­ nadas: 1. À capacidade do paciente de tolerar suficientemente o luto pela separação. Será conveniente tratar de detectar o grau de tal capacidade a partir dos primeiros contatos. 2. As condições do contrato terapêutico: procurar-se-á dimi­ nuir a intensidade das regressões; em pacientes com tendência a estabelecer relações simbióticas terá que se oferecer um tempo suficiente de tratamento, que inclua a possibilidade de analisar o luto pela separação. 3. A capacidade do terapeuta para ajustar-se ao enquadra­ mento que a P.B. exige, evitando a extrapolação da técnica psicanalítica, favorecedora da dependência regressiva. Dever-se-á abor­ dar, sobretudo nos estágios finais do tratamento, o problema que coloca para o paciente a finalização e a separação, diante do risco da aparição neste de reações (retrocessos e pioras, hostilidade

A respeito do término do tratamento em psicoterapia breve

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transferenciai, acting out, reação terapêutica negativa), recorren­ do-se especialmente a interpretações transferenciais. Em essência dever-se-á ao menos assinalar a situação de luto, já que não conta­ mos com melhores possibilidades para a sua elaboração. 4. A manutenção de uma transferência positiva a posteriori da realização do tratamento, para o que poderão contribuir as en­ trevistas periódicas de seguimento. Em P.B. deve-se tratar de chegar à finalização do tratamento de modo tal que a alta coloque o paciente em condições de viver uma experiência estimulante e reasseguradora a partir da compro­ vação de que seu autodesenvolvimento agora é possível. No que se refere ao terapeuta, é de se esperar que encontre gratificações nos resultados terapêuticos, quer dizer, na obtenção de uma atitu­ de relativamente independente e nos demais progressos do pa­ ciente, e portanto que encontre no método psicoterapêutico breve um recurso útil, sem precisar em troca fomentar a gratificante simbiose terapêutica, radicalmente oposta aos propósitos ineren­ tes a esse procedimento.

Referências bibliográficas 1. A lle g ro , L ., Comunicaciónpersonal. 2. B e lla k , L. e S m a ll, L ., Psicoterapia brevey de emergencia, P a x -M é x ico, M é x ic o , 1969. 3. F e rra ri, H ., e M a rtic o re n a , A ., “ U n a e x p e rie n c ia en p s ic o te ra p ia de tie m p o lim ita d o ” , e m Coloquio Acta 1967: Psicoterapia Breve, Acta psiq. psicol. Amér. Lat., ju n h o 1968, v o l. X IV , nP 2 , B u e n o s A ires. 4. F io rin i, Fl. J., “ P sic o te ra p ia d in â m ic a b re v e . A p o rte s p a ra u n a te o ria d e la té c n ic a ” , e m Coloquio Acta 1967: Psicoterapia Breve, Acta Psiq.psic. Amér. Lat., ju n h o 1968, v o l. X IV , nP 2, B u e n o s A ires. 5. L a p la n c h e , J. e P o n ta lis, J. B ., “ R e a c c ió n te ra p ê u tic a n e g a tiv a ” , em Diccionario de psicoanálisis, L a b o r, B a rc e lo n a , 1971. 6. M a la n , D . H ., A Study o f B rie f Psychotherapy , T a v isto c k , L o n d re s, C h a rle s T h o m a s, S p rin g fie ld , Illin o is, 1963. (V e rsã o c a ste lh a n a : La psicoterapia breve, C e n tro E d ito r d e A m é ric a L a tin a , B u e n o s A ire s, 1974.) 7. S e a rle s, H ., “ F a se s d e la in te ra c c ió n p a c ie n te -te ra p e u ta en la p s ic o te ­ ra p ia d e la e s q u iz o fre n ia c rô n ic a ” , Brit. Journal Med. Psychol. (1 9 8 1 ), im p re sso na G rã -B re ta n h a . A p o s tila in é d ita .

10. Alguns problemas técnicos característicos e riscos em psicoterapia breve

Mencionarei aqui alguns inconvenientes técnicos de que so­ fre o exercício das terapias de tempo e objetivos limitados, assim como certos perigos que com elas se corre. Tanto os inconvenien­ tes como os riscos, acham-se relacionados com as peculiaridades desses tratamentos e com os eventuais erros dos terapeutas, e se apresentam com mais facilidade diante de pacientes que por de­ terminada patologia não resultam suficientemente aptos para obter maiores benefícios terapêuticos com o emprego desses pro­ cedimentos. 1. Os pacientes que recorrem excessivamente à intelectualização podem criar sérias dificuldades, que aumentam nos casos em que o terapeuta compreende a psicoterapia focal como um processo individual, reduzido a “explicar” ao paciente o significa­ do de suas manifestações patológicas, esperando que mediante a compreensão intelectual possa conseguír-se a cura. Ainda que nessas terapias se aspire a conseguir um insight que possa ser mais cognitivo que afetivo (Szpílka e Knobel [7]), este deve diferenciar-se do pseudo-insight com reforçamento da intelectualização que, como vemos, é um risco que devemos ter em conta, entendendo além do mais que nessas terapias se realiza uma análise apenas parcial das resistências, que às vezes não é suficiente para que o paciente “apreenda” as interpretações e reconheça assim seus conteúdos inconscientes como algo que lhe é próprio. De fato, estamos consignando uma limitação da psico-

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terapia verbal de tempo e objetivos limitados, segundo o método que descreví até aqui, já que diante de certos pacientes poderemos nos ver na necessidade de nos voltar - e reduzir a um intenso trabalho interpretativo de suas resistências ao insight, de modo que tenhamos que dedicar boa parte do tratamento ou inclusive todo o tempo que dure o mesmo a tal trabalho, sem que nos seja possível pretender outra coisa. Se bem que fazer ver ao paciente suas defesas patológicas possa ser importante, tais alterações caracteropáticas atuam como um freio que chega às vezes a difi­ cultar em grau máximo o trabalho relativo a seus problemas atuais, obrigando a uma recolocação estratégica1dos objetivos ou diretamente do tipo de tratamento recomendável. 2. Outro problema, originado no terapeuta e em estreita rela­ ção com o descrito em 1, que pode se apresentar com bastante facilidade é o de não exercer aquele um autocontrole adequado diante de certas vivências que possivelmente experimente na prá­ tica dessas terapias. Quando a duração estabelecida para as mes­ mas foi limitada, é habitual que se sinta um tanto pressionado em seu afã por obter determinados resultados, sensação que se incre­ menta ante a proximidade da finalização do tratamento. Se a impaciência o domina, corre o perigo de depreciar o timing e de “bombardear” o paciente com interpretações prematuras em seu desejo de oferecer-lhe muito mais do que este, nesse momento pelo menos, está em condições de assimilar, o que pode trazer paralelamente um aumento de suas resistências e de sua angústia ou ainda ocasionar sua deserção. Vinculadas com essa questão se acham as advertências formu­ ladas por T. French a respeito das “complicações resultantes das tentativas de forçar o conhecimento” (4). Esse autor assinala parti­ cularmente o efeito perturbador de certas interpretações em psico­ terapia breve, em razão do número relativamente reduzido de ses­ sões semanais com que se costuma trabalhar nela: “Devemos destacar aqui a grande diferença no uso da interpretação quando se vê o paciente todos os dias ou quase todos os dias, e quando se o vê uma ou duas vezes por semana ou ainda com intervalos mais prolonga­ dos. No procedimento psicanalítico ortodoxo, o terapeuta poderia arriscar uma interpretação desagradável, pois pode apreciar seu efeito no dia seguinte e proteger o paciente contra um aumento de

Alguns problemas técnicos característicos

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angústia. Formulada essa mesma interpretação numa psicoterapia mais breve, a angústia podería acumular-se em tal medida que o paciente cairia em pânico (...). Requer-se portanto maior atenção e inclusive maior agilidade por parte do terapeuta” (3). 3. A partir da necessária circunscrição que a abordagem de uma terapêutica setorial requer, em que se deve atender preferen­ cialmente àquilo que concerne à conflitiva focal do paciente, exis­ te a possibilidade de que a dinâmica do tratamento sofra uma limi­ tação esquemútica, com o conseqüente estancamento. Mas todo terapeuta disposto a manter-se suficientemente receptivo às comu­ nicações do paciente e a extrair sempre novos significados poderá contribuir na obtenção de um processo terapêutico rico, possibili­ tando reajustes e descobertas que o conduzam a readcquar-se à estratégia, evitando assim ficar reduzido a um plano rígido que, em virtude de o ser, limite seus alcances. 4. O manejo técnico deficiente por parte do terapeuta - por transposição da técnica psicanalítica - pode fomentar iatrogenicamente a regressão vivencial e a neurose de transferência no pa­ ciente e acarretar diversas complicações, dada a fugacidade da relação paciente terapeuta e, diante da separação, levar às com­ plicações que já mencionei nos capítulos 8 e 9, assim como as me­ didas preventivas e terapêuticas a serem tomadas. 5. Mas a regressão, indesejada, alcança inevitavelmente e de modo espontâneo grande intensidade em algumas ocasiões. Em nosso meio se observou a ocorrência desse fato especialmente em tratamentos de pacientes de baixo nível sociocultural, que recorrem a estabelecimentos assistenciais por contar com uma oportunidade única de confiar seus problemas a um profissional, quer dizer, uma pessoa qualificada que possa escutá-los sem julgá-los (5). 6. O trabalho do terapeuta pode ver-se dificultado, compro­ metendo-se, com isso, a eficácia do procedimento toda vez que não seja possível delimitar com facilidade o foco e, em conseqüência, tampouco os objetivos do tratamento, diferentemente do que acontece quando uns e outros surgem de maneira clara e pre­ cisa, como por exemplo nos quadros reativos. Não contando com um foco mais ou menos definido, o trabalho se complica, vendose perturbado nosso propósito de centralizar a ação terapêutica de um modo operativo e com fins de aprofundamento.

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7. Diante de pacientes com sentimentos de perda patológicos e/ou recentes de importância, submetidos a tratamentos cuja dura­ ção, limitada, resulta curta, isto é, insuficiente para abordar com possibilidades de benefícios terapêuticos apreciáveis a dita proble­ mática, existe a alternativa de que sofram uma reativação traumáti­ ca desses sentimentos, precisamente em função da limitação tem­ poral e da separação com respeito ao terapeuta, que reaviva a per­ da, com os perigos conseqüentes (acentuação da angústia e da dor, depressão, acting out, etc ). Portanto e antes de mais nada, há de se rever nesses casos na medida do possível - a indicação terapêuti­ ca, em particular o que corresponde à duração do tratamento, pro­ curando dotar o processo terapêutico do tempo necessário para evitar esses efeitos indesejáveis. (Pode ser adequado instituir uma técnica de enfoque com final “aberto”, por exemplo.) 8. E sabido que em P.B. o terapeuta deve de modo geral dedi­ car o trabalho terapêutico à resolução de problemas da realidade externa atual do paciente (comumente representados por conflitos em determinadas relações interpessoais), apelando freqüentemente para isso para as interpretações, chamadas “extratransferenciais”. Devemos então reconhecer uma limitação própria des­ sas terapias, que às vezes adquire grande importância, à qual já me referi no capítulo 6 (ver “Interpretações extratransfereneiais”, p. 102) e que aqui menciono novamente. Trata-se do fato de o terapeuta não contar com conhecimento suficiente do paciente em particular de suas relações de objeto - além de ter pouco tempo para adquiri-lo durante o tratamento, em função da curta duração deste e de serem as sessões relativamente pouco freqüentes. Assim sendo, encontra dificultado seu acesso a uma adequa­ da compreensão em interpretação dos sucessos do mundo externo do paciente, o que pode acarretar diversas consequências negati­ vas se não trabalha com cautela suficiente. Esse inconveniente pode acentuar-se no caso de pacientes que, por deficiências egóicas, registrem uma marcante distorção em sua captação da realidade, razão pela qual, ao termos de nos remeter em boa medida ao material que nos trazem, será escassa a confiança nesse sentido que possam nos inspirar. Em tais circuns­ tâncias, isso pressupõe uma maior margem de erro por parte do

Alguns problemas técnicos característicos

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terapeuta na apreciação da natureza dos conflitos da realidade ex­ terna do paciente. Na terapêutica breve, a limitação mencionada deve compen­ sar-se com um estudo prévio exaustivo e o mais profundo possível do paciente no começo do tratamento (uma razão poderosa para realizar várias entrevistas diagnosticas quando o caso o requer, confeccionar uma história clínica minuciosa, e muito especial­ mente detectar as principais características das relações objetais do paciente, sobretudo através de testes projetivos). Esse estudo prévio deverá então prover-nos de elementos diagnósticos nos quais possamos apoiar nossas hipóteses explicativas e nossas in­ tervenções terapêuticas. 9. Os pacientes que evidenciam tendências ao acting out in­ troduzem um novo problema técnico. Uma medida poderá ser contratar um número necessário - talvez maior que o habitual nessas terapias de sessões semanais - três, por exemplo - para garantir uma tarefa interpretativa mínima da transferência desen­ volvida que permita diminuir as possibilidades de apresentação da conduta de acting out. Se bem que elevar a freqüência das ses­ sões traz consigo por sua vez outro risco, o de favorecer a depen­ dência regressiva do paciente; é o preço que se há de pagar para evitar uma complicação maior, e às vezes sumamente perigosa - a do acting out. 10. Por outro lado, o risco do acting out aumenta quando o caminho se vê possibilitado ou facilitado porque o terapeuta, leva­ do pelo critério de orientar o paciente na direção dos problemas atuais de sua realidade externa, prescinde em demasia da análise da transferência. Fantasias transferenciais negligenciadas podem então ser atuadas por parte do paciente. Em seu afã de conseguir “resultados práticos” em pouco tempo, o terapeuta pode induzir a atuação2. 11. Entre outros resultados que se podem produzir em rela­ ção ao assinalado em último lugar no item 10, figuram as meras condutas adaptativas, promovidas pelo fervor terapêutico, que implicam modificações só em nível superficial. Também se des­ crevem mecanismos tais como a fuga à saúde e à cura transferen­ ciai, que ainda que não sejam raros tampouco considero que sejam habituais em PB. Quero aqui formular uma advertência: alguns

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detratores dessas terapias não vacilam em rotular pejorativamente como fuga à saúde ou cura transferenciai todo sucesso do paciente obtido através das mesmas3. As recaídas, ainda que se produzam na ausência dos fatos que acabo de citar, conjuntamente ou em continuação a eles, con­ figuram em troca uma eventualidade mais ou menos freqüente nessas terapias. Teremos de contar com essa possibilidade, pois são a expressão de uma reativação dos conflitos que tinham sido objeto de uma resolução em essência incompleta, o que é regra nessas terapias, ou correspondem diretamente a uma resolução falsa-1 Nessas ocasiões costumamos detectar a persistência dos conflitos transferenciais subjacentes, incrementados pela separa­ ção devida ao término da terapia, a qual pode ser vivida como um abandono e condicionar diversas reações prejudiciais ao paciente, durante e depois do tratamento (ver capítulo 9). Os agravamentos constituem uma complicação que por sua vez também pode estar relacionada com a separação, em função do final do tratamento (ver capítulo 9, pp. 168 s.). Em todos esses casos, o acompanhamento prolongado possi­ bilitará a comprovação desses resultados e a adoção das medidas terapêuticas mais indicadas.

Referências bibliográficas 1. A le x a n d e r, F ., “C o n trib u c io n e s p sic o a n a lític a s a la p s ic o te ra p ia b re ­ v e ” , em L. W o lb e rg e c o l., Psicoterapia breve, G re d o s, M a d rid , 1968, cap . V. 2 . __ , “ P sic o a n á lisis y p s ic o te ra p ia ” , em F. A le x a n d e r, P sico an álisisy psicoterapia, P siq u e , B u e n o s A ire s, 1960, cap. V III. 3. F re n c h , T., “L a d in â m ic a dei p ro c e s o te ra p ê u tic o ” , e m F. A le x a n d e r e T. F re n c h , Terapêutica psicoanalítica, P a id ó s, B u e n o s A ire s, 1965, cap. V III. 4 . __ , “ P la n ifíc a c ió n de la p s ic o te ra p ia ” , em F. A le x a n d e r e T. F ren ch , ob. cit. e m 3, cap. V II. 5. K a p la n , C ., S ín te sis y d e b a te . C u rso p a ra g ra d u a d o s d e T é c n ic a s en P sic o te ra p ia B rev e. O rg a n iz a d o p e la Soc. A rg. D e P sic o lo g ia M éd ica, P sic o a n á lisis y M edie. P sic o so m á tic a (A so c . M éd. A rg .) B u e n o s A ire s, 16 de ju n h o d e 1972.

Alguns problemas técnicos característicos_____________________ lfS i 6. R a c k e r, H ., “ T é c n ic a a n a lític a y la m a n ia in c o n s c ie n te d e i a n a lis ta ” , em H . R a c k e r, Estúdios sobre técnica psicoanalítica, P a id ó s, B u e n o s A ire s, 1969 (E stú d io V III). 7. S z p ilk a , J. e K n o b e l, M ., “ A c e rc a d e la p sic o te ra p ia b re v e ” , Coloquio Acta 1967: Psicoterapia Breve, Acta psiq. psicol. Amér. Lat., ju n h o 1968, vol. X IV , n° 2, B u e n o s A ires.

11. A avaliação dos resultados terapêuticos em psicoterapia breve

Introdução A avaliação dos resultados terapêuticos nas terapias breves tem por finalidade primordial verificar se estão sendo cumpridos os objetivos fixados. Paralelamente se poderá indagar outros as­ pectos que resultem de interesses, como logo veremos. Com base na avaliação dos resultados obtidos, será possível recolocar a situação do paciente e determinar os passos a serem seguidos a partir desse momento. Quero destacar a conveniência de que a tarefa avaliatória não fique exclusivamente a cargo do terapeuta, mas que haja partici­ pação ativa do paciente. Considero que isso permitirá que a apre­ ciação dos resultados seja enriquecida e possa na maioria das vezes aproximar-se mais da realidade, o que não costuma aconte­ cer quando é efetuada de forma isolada por ambos os protagonis­ tas do processo terapêutico. Desse modo, a avaliação conjunta deixa no paciente a impressão de que se levou a caso uma tarefa em comum, a qual tem assim um encerramento cuidadoso, plane­ jado, no qual se aprecia sua opinião, requerida num intercâmbio cordial e franco com o terapeuta. Este último passo do processo adquire então um alcance terapêutico, que eventualmente inclui a confirmação, por parte do paciente, de suas impressões a respeito dos progressos obtidos, sendo estas ratificadas pelo julgamento do terapeuta, criando-lhe uma sensação de reasseguramento.

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No que se refere ao terapeuta, o emprego de um procedimen­ to metódico de avaliação dos resultados terapêuticos, de base psicodinâmica, costuma estimulá-lo a efetuar um estudo mais exaus­ tivo dos mesmos, permitindo um registro que facilite a elaboração estatística e ulteriores investigações quanto aos alcances e limita­ ções do procedimento que nos ocupa1.

Um método de avaliação

A partir das considerações expostas por Usandivaras em nos­ so meio, recordarei uma questão básica. Nada melhor do que transcrever suas próprias palavras: “Para que uma avaliação de terapia seja realmente válida deve ser não apenas imediata, ao tér­ mino da cura, mas também mediata. É necessário o follow-up ou acompanhamento do paciente em alta para poder saber se os resultados alcançados se mantêm e durante quanto tempo”(6). (Grifos do autor.) A avaliação é, dentro do possível, anunciada e ajustada de antemão com o paciente ao efetuar-se o contrato terapêutico; explica-se quais são seus motivos, como se fará e quais serão as datas de realização das entrevistas de avaliação imediata, já que as de avaliação mediata costumam ser combinadas a partir da finali­ zação do tratamento, variando sua periodicidade em função de diversos fatores, em parte relacionados com as necessidades e possibilidades de cada caso (entrevistas a cada seis meses, um ano, etc.). O procedimento que descreverei é o que adotei pessoalmen­ te2. Como qualquer outro, é suscetível de ser objetado e/ou aper­ feiçoado a fim de se conseguir uma maior precisão. Não obstante, sem chegar a constituir um rigoroso instrumento de medição, con­ sidero que possui um valor prático, na medida em que provém de uma técnica suficientemente fundamentada. Para levar a cabo a avaliação tanto imediata como mediata, recorro a dois recursos fundamentais: a) entrevistas com o pacien­ te (eventualmente estendidas a familiares e/ou figuras próximas dele, como por exemplo quando se trata de adolescentes) e b) psicodiagnóstico.

A avaliação dos resultados terapêuticos

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A avaliação imediata Efetuam-se duas entrevistas. A primeira, de uns 40 minutos de duração e que se realiza pouco depois de finalizada a terapia, está destinada a recolher as apreciações e informações que o paciente fornece (auto-avaliação). Na segunda, um pouco mais breve, tem lugar uma devolução por parte do terapeuta, que inclui a avaliação dele. A técnica que utilizo na primeira entrevista de avaliação ime­ diata é a seguinte: para começar, indico ao paciente que poderá expressar amplamente suas opiniões acerca do tratamento que acaba de concluir e de seus resultados e que em seguida lhe for­ mularei algumas perguntas a respeito. Na primeira parte da entre­ vista, o paciente opina sobre distintos pontos: as mudanças nota­ das, como havia imaginado que seria seu tratamento, que críticas sugere, as vivências que teve, de que forma foi ajudado, etc., im­ pressões que haverão de ser úteis para o terapeuta. A seguir efetua-se uma indagação sistemática da auto-avalia­ ção do paciente, a propósito dos pontos que exponho mais abaixo, com base em perguntas, se possível claras e simples. Na segunda entrevista, geralmente realizada poucos dias depois da primeira, comunico ao paciente minha própria avalia­ ção - estudo prévio de todo o material recolhido na primeira entrevista - que confronto com minhas observações. Depois de haver revisado a evolução do caso, já estou em condições de trans­ mitir-lhe minhas impressões sobre cada um dos pontos considera­ dos, tratando ao final de precisar fundamentalmente: 1) o que se aclamou e se resolveu e o que ficou pendente; 2) minha opinião a respeito dos próximos passos a serem seguidos. Para avaliar cada caso levo em conta os seguintes pontos: Insight da problemática focal (I.P.F.) Resolução da problemática focal (R.P.F.) Melhoria sintomática (M.S.) Consciência da enfermidade Auto-estima Outras modificações favoráveis (vida sexual, relações de casal, outras relações interpessoais, estudo, trabalho e lazer) Projetos para o futuro

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"In sig h t" da problem ática fo c a l (I.P.F.)

Incluo esse ponto, pois me parece de decisiva importância. As expectativas do terapeuta no sentido de que se produzam modificações significativas e medianamente perduráveis no pa­ ciente devem assentar-se principalmente no insight que este possa adquirir a respeito dos dinamismos psíquicos subjacentes à situação-problema. Para o paciente, trata-se de saber concretamente se chegou a compreender seus problemas de um modo diferente e mais profundo. Na realidade, a avaliação, neste ponto, mais do que em qualquer outro, depende do terapeuta, a quem diferentes indicadores clínicos, ao seu alcance ao longo do próprio tratamen­ to, já lhe terão dado indicações sobre o grau de insight obtido (quando a uma interpretação se segue um silêncio reflexivo do paciente, ou a associação por parte deste com situações análogas à que foi objeto de interpretação, ou uma mudança do clima emo­ cional da sessão, com uma sensação contratransferencial de desa­ parecimento das resistências, ou uma exclamação do paciente que revela surpresa diante de uma descoberta, etc.).

Resolução da problemática focal (R.P.F.) Além de excluir conclusões acerca da existência ou não de insight sobre a problemática focal de cada caso, levo em conside­ ração este item, que se refere à resolução propriamente dita dessa mesma problemática e sobre cuja denominação cabem alguns esclarecimentos. Veremos o que implica o termo resolução tanto dinâmica quanto clinicamente. Em relação ao primeiro, significa que as mudanças produzidas mediante o tratamento deverão basear-se essencialmente no insight para que se possa considerar tal resolução como real, ou seja, que, neste caso, o item preceden­ te, I.P.F., registre invariavelmente um resultado positivo, quer dizer, a existência de insight’. Mas aqui me refiro apenas a expe­ riências iniciais de insight, que é na realidade o que costuma pro­ porcionar um tratamento focal, ou seja, do ponto de vista dinâmi­ co esta resolução não implica - seria absurdo pretendê-lo - uma superação (elaboração) substancial dos conflitos subjacentes,

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como poderia esperar-se - ainda com certas reservas - num trata­ mento psicanaiítico. Trata-se então, como já foi assinalado ante­ riormente (ver capítulo 3, p. 24) de uma resolução dinamicamente incompleta ou parcial, o que explica que possam produzir-se recaídas circunstanciais. Em suma, podemos esperar na melhor das hipóteses que o conflito se torne inativo, deixando assim de ter um caráter perturbador por um período cuja duração é impre­ visível. Clinicamente, a resolução pode traduzir-se com freqüência na superação de um episódio (com aquisição de certo grau de insight e retomo ao equilíbrio psicológico). De um modo mais preciso, e seguindo Malan, o termo resolução é uma forma sinté­ tica de fazer referência à substituição de uma reação imprópria por outra, apropriada (4). Malan acrescenta que isso não confunde necessariamente a resolução do processo patológico subjacente, fato que por outro lado não seria possível distinguir. Aclarado o significado do termo do ponto de vista clínico, veremos que neste sentido, sempre baseando-nos em Malan, a resolução poderá ser total ou parcial. A primeira corresponde à definição do termo já assinalada e se apresenta quando um paciente, depois do trata­ mento e ante situações ligadas à conflitiva focal, não só deixa de registrar as dificuldades e sintomas do início, mas em troca enfrenta tais situações de uma forma mais adequada. O mesmo autor dá um exemplo muito claro, referindo-se ao caso de um homem que tinha uma relação conflitiva com seu patrão, cuja resolução clinicamente total seria dada pela desaparição de seu medo do patrão e de seus temores obsessivos de cometer erros em seu trabalho, ao qual devia somar-se o fato de que começara a ter confiança em seu próprio desempenho e que se estabelecera uma relação satisfatória com seu patrão, sem excessiva submissão ou hostilidade. Por outro lado, a resolução clínica parcial consistirá no desaparecimento de uma reação inadequada (por exemplo, irritabilidade, ansiedade, etc.), que não venha acompanhada da reação apropriada (4). Além da resolução real, clinicamente completa ou incomple­ ta, Malan menciona as falsas soluções, entre as quais se incluem fenômenos tais como a “cura transferenciai” e a “fuga para a saúde”, assim como o desaparecimento de sintomas alcançados a

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expensas da evitação das situações conflitivas. Denomina de falsa situação valiosa àquela na qual as mudanças se vinculam com alguma determinação do paciente ou com algum outro fato signi­ ficativo gerado a partir do tratamento, que serve para romper um círculo vicioso e instalar em seu lugar um ganho benigno e modi­ ficações vitais (4)\ Bem, Malan assinala que na prática se colo­ cam interrogações decisivas: Como reconhecer a melhoria “bási­ ca” ou “específica”? Como diferenciar uma “resolução” - real de várias categorias de “soluções falsas”? (4). Sem dúvida, efe­ tuar tais distinções pode ser às vezes uma tarefa difícil, cuja reali­ zação costuma ser facilitada mediante um estudo realizado ao longo do acompanhamento, em realidade imprescindível se se pretende valorizar adequadamente o item R.P.F., ao qual deverão agregar-se os elementos fornecidos pelo psicodiagnóstico. As apreciações contudo continuarão tendo caráter empírico. Não obstante, é possível mencionar, com fins de orientação, algumas das distintas possibilidades que podem ocorrer em maté­ ria de resultados terapêuticos, partindo-se da idéia de aceitar como real toda resolução da problemática central do tratamento que, assentando-se no insight, perdure sem que se produzam re­ caídas ao longo de um determinado período, que podemos fixar arbitrariamente, por exemplo, em 24 meses a partir da finalização da terapia, desde que o paciente não se submeta a outro tratamen­ to psicoterápico nesse intervalo. Desse modo podem apresentarse alternativas como as seguintes: 1. Resolução (clinicamente) total da problemática focal [R.P.F.: Sim (total)]. 2. Resolução (clinicamente) parcial da problemática focal [R.P.F.: Sim (parcial)]. 3. Resultado duvidoso [R.P.F.: ?] 4. Sem modificações na problemática focal [R.P.F.: Não]. 5. Aparente resolução da problemática focal, total ou parcial (clinicamente), instável, com recaída [R.P.F.: Não]. 6. Falsa solução valiosa [R.P.F.: Não]. 7. Falsa solução da problemática focal, com ou sem recaída (cura transferenciai, fuga para a saúde, evitação, etc.) [R.P.F.: Não]. 8. Agravamento5da problemática focal [R.P.F.: Não].

A avaliação dos resultados terapêuticos .

/y/

A avaliação deste ponto (R.P.F.) também é patrimônio do terapeuta, embora este deva conhecer, como sempre, as impres­ sões do paciente sobre o caso, ou seja, se, na opinião deste, se solucionaram ou não seus problemas através do tratamento.

Melhoria sintomática (M.S.) A observação da evolução dos sintomas adquire particular importância nessas terapias. A melhoria sintomática pode che­ gar a ser o principal objetivo terapêutico, como no caso de pacientes que apresentam uma grande debilidade egóica, per­ manente ou transitória (esta última é típica de episódios agu­ dos), nos quais se procura às vezes - ao menos inicialmente uma remissão sintomática. Além disso, é de se desejar, quando possível, que o alívio ou o desaparecimento dos sintomas seja o corolário de mudanças internas (melhoria pelo insight), que por sua vez resultem de havermos penetrado com o paciente na psicogênese de seus sintomas. Cabe advertir quanto à falsa solução por evitação (4), em função da qual o paciente, “assintomático”, encontra-se na reali­ dade pior que no começo.

Consciência da enfermidade Compreende a indagação sobre se houve ou não uma tomada de consciência por parte do paciente a respeito da existência de uma enfermidade “de base”, tomada de consciência que, portan­ to, deve transcender o mero reconhecimento da natureza patológi­ ca do transtorno atual. Para isto poder-se-á inquirir, por exemplo, se considera que persistem nele outras dificuldades que requei­ ram resolução. Penso que a aquisição de consciência da enfermidade deve ser uma meta implícita em toda terapia breve de insight, pois daí pode obter-se a motivação do paciente para continuar recebendo assistência psiquiátrica ou voltar a se consultar em outra ocasião, quando isso for necessário.

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Auto-estima Como acontece com o item anterior, também a elevação da auto-estima e as possibilidades de uma auto-regulação adequada dela, configuram uma finalidade que convém ter presente. A maior parte das pessoas que procuram uma consulta psiquiátrica registram uma diminuição de sua auto-estima. Seu incremento (conseqüência natural de um tratamento caloroso por parte do terapeuta e também do efeito particular de determinadas interven­ ções do mesmo) constitui um ganho terapêutico nada desdenhável, não só porque por si só significa para o paciente maior bemestar, mas também por sua influência direta no funcionamento egóico, através da qual pode promover modificações positivas6. O estado atual da auto-estima detecta-se por meio de diver­ sos dados, recolhidos tanto nas entrevistas como no psicodiagnóstico. Pode servir de simples exemplo, sem entrar aqui em con­ siderações profundas, o fato dc se notar num indivíduo, que no começo do tratamento impressionava pelo descuido consigo mesmo, uma maior preocupação com seu aspecto pessoal, per­ mitindo-se expandir-se, etc.

Outras modificações favoráveis Já que se trata de um procedimento terapêutico orientado para a realidade cotidiana do paciente, interessa averiguar se se têm eventualmente produzido mudanças em aspectos como sua vida sexual, suas relações de casal, outras relações interpessoais, especialmente as familiares - com pais, irmãos, etc. - mas tam­ bém as de amizade, profissionais, etc.; nos estudos, no trabalho e na recreação, atendendo ao uso que faz de seu tempo livre (o que permitirá explorar sua capacidade de gozo, sua iniciativa pessoal, sua criatividade, etc ).

Projetos para o futuro Trata-se de comprovar se, em conseqüência do insight alcan­ çado, o paciente emerge do tratamento com: 1) Alguma orienta­

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ção no que se refere a realizações futuras em aspectos tais como estudos, trabalho, possíveis migrações, etc. 2) A partir daí, contase com a possibilidade de adotar certas determinações. Tudo isso implica por sua vez certo autoconhccimento e a aceitação de algu­ mas perspectivas e limitações. Quando as metas terapêuticas não guardam maior vinculação com o que concerne aos planos pessoais do paciente, esta questão configura por si um objetivo à parte, pois nem sempre é possível abordá-la num tratamento breve. Em geral, a exploração dos distintos pontos citados pode ser vista como uma reavaliação do estado das funções egóicas do paciente depois de efetuado o tratamento.

Psicodiagnóstico É conveniente efetuar o reteste não antes de que tenham trans­ corrido pelo menos seis meses desde a realização do psicodiag­ nóstico inicial, já que do contrário é menos provável que possam registrar-se mudanças significativas no material. O novo psico­ diagnóstico, comparado com o anterior, permite ampliar a obser­ vação das modificações obtidas. Harrower, que realizou uma investigação com numerosos pacientes tratados com o método terapêutico breve, refere que na maioria dos casos os testes exploratórios não revelavam diferen­ ças destacáveis quando se efetuavam imediatamente depois de finalizado o tratamento. Mas as provas realizadas ao cabo de vários anos com estes mesmos pacientes, sem que no ínterim mediasse qualquer tratamento psicológico, registravam uma notá­ vel melhora, o que parece indicar também que a posteriori desses tratamentos se desenvolve um processo ativo e gerador de mudan­ ças (2). Comprova-se freqüentemente, entre outras descobertas, a instrumentação de mecanismos menos primitivos e mais adaptativos que os presentes no começo. É conveniente que o mesmo psicólogo que realizou o psico­ diagnóstico inicial seja quem, utilizando procedimentos idênticos aos daquela ocasião, efetue o reteste e a devolução corresponden­

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Psicoterapia breve de orientação psicanalítica

te ao paciente. Só desse modo, evitando que haja variáveis, a com­ paração dos resultados de um e de outro estudo terá validade.

Alternativas do paciente ao terminar o tratamento Este tema já foi considerado por outros autores. Comentarei aqui apenas algumas questões que me parecem de interesse. As distintas possibilidades que devem ser levadas em conta ao concluir o prazo terapêutico são: 1. A separação de paciente e terapeuta, sem programação de futuros encontros. 2. A combinação de entrevistas periódicas de acompanha­ mento. 3. O estabelecimento de um recontrato. 4. A indicação de outro tipo de tratamento. 1. A separação de paciente e terapeuta será decidida sempre e quando aquele estiver em condições de enfrentá-la. Ser-lhe-á comunicado, como é natural, que poderá consultar-se novamente toda vez que sinta necessidade de fazê-lo. 2. Do acompanhamento me ocupo em “A avaliação mediata”, pp. 196 ss. 3. O estabelecimento de um recontrato pode realizar-se em várias circunstâncias: a) se não se cumprirem os objetivos; b) havendo sido cumpridos, se se colocam novos objetivos limita­ dos. No primeiro caso trata-se de um prolongamento necessário do tratamento, em que o prazo inicial pode ter sido insuficiente para alcançar as metas estabelecidas. Quando, durante o tratamento, o terapeuta considera neces­ sário prolongá-lo (recontrato), convém que proponha isso ao paciente sem esperar que se cumpra o prazo inicialmente fixado, quer dizer, no momento da avaliação. Atuar de modo contrário suporia expor o paciente a uma falsa situação de separação ime­ diata, com conhecimento do terapeuta, que se veria, além disso, compelido a trabalhá-la, o que, como é óbvio, carece de sentido. 4. A indicação de outro tipo de tratamento, distinto em seus fins e técnicas, pode surgir em diversas situações, cumpridas ou não as metas terapêuticas. É freqüente, por exemplo, que a conti­

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nuação de uma terapia de tempo e objetivos limitados desperte no paciente o interesse de efetuar uma psicoterapia prolongada. Há, além disso, terapeutas que sugerem completar a experiência cor­ retiva de terapia individual com um tratamento grupai posterior. Quero destacar que a passagem de um paciente de um trata­ mento breve que está por finalizar para um tratamento prolongado (por exemplo, psicanálise), quer se realize de imediato quer depois de haver transcorrido algum tempo entre um e outro, não constitui por si só nenhum indício de fracasso ou êxito do trata­ mento efetuado, questão sobre a qual outros se têm pronunciado de maneira similar. Na realidade, tanto pode responder ao primei­ ro como ao segundo. Ocorre no caso em que se decida realizar um tratamento prolongado ao ficar comprovado que a técnica focal resultou ineficaz e que na oportunidade se requer outro enquadra­ mento. Pode tratar-se também de um paciente que o tratamento breve haja motivado para uma exploração mais profunda, ampla e prolongada de seus conflitos, com vistas a modificar aspectos de seu caráter, modelos repetitivos de conduta, etc., quer dizer, com outros e mais ambiciosos objetivos, e que tenha adquirido além disso maior consciência da enfermidade e maior confiança na psi­ coterapia, ao confirmar que a melhoria é possível, tudo o que o torna agora mais apto para realizar um tratamento dessa natureza. Na prática o tratamento poderá ser solicitado pelo próprio pacien­ te ou ser recomendado pelo terapeuta. Aqui o passo para a psico­ terapia prolongada é uma conquista importante da terapia breve. Se o novo tratamento deve ou não ser feito pelo mesmo tera­ peuta pode constituir um tema polêmico que merece alguns co­ mentários. As opiniões a respeito parecem bastante divididas. De minha parte, creio que não se pode generalizar afirmando que tal ou qual posição será mais adequada em todos os casos. Penso que tanto uma alternativa como outra oferecem vantagens e desvanta­ gens. Se se considera a possibilidade de que seja o mesmo tera­ peuta quem efetue o novo tratamento, pode-se contar a seu favor com a existência de uma aliança terapêutica já instaurada e com a confiança do paciente nas perspectivas que oferece o tratamento, baseada nas melhorias obtidas inicialmente. Além disso, o tera­ peuta já conhece, em alguma medida, a patologia do paciente. Fi­ nalmente, continuando a encarregar-se do tratamento, evita-lhe o

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luto da separação, que fica reduzido ao ocasionado pela eventual mudança do tipo de relação paciente terapeuta7. Mas é precisa­ mente no que concerne a tal mudança que residem as desvanta­ gens. O paciente pode experimentar dificuldades para aceitar as modificações da relação com seu terapeuta devido às característi­ cas do novo enquadramento. Paralelamente, essa situação pode trazer complicações transferenciais, provocadas pela hostilidade gerada ao passar - de um modo contraditório para ele, tal como se vê a transformação de seu vínculo com o terapeuta - de uma rela­ ção mais definida e calorosa do diálogo fluido e mantido “frente a frente” para outra, mais ambígua, na qual o terapeuta estabelece maior distância afetiva, e que propõe outra disposição espacial, sendo em suma mais frustrante. Toda essa situação pode confun­ dir e desconcertar o paciente. Por isso, às vezes, diante de um novo tratamento, o mais conveniente pode ser recorrer a um novo terapeuta. Em cada situação, haverá de se pesar cuidadosamente distintos fatores, correspondentes não só ao paciente mas também ao terapeuta. Talvez algo que possa ser feito, diante de um paciente sub­ metido a um tratamento breve, seja considerar firmemente a pos­ sibilidade de aceitar a continuação de tal tratamento, uma psica­ nálise, com o mesmo terapeuta, e que este, sem chegar à atitude de ambigüidade psicanalitica, seja menos demonstrativo com o paciente, desempenhe um papel um pouco menos ativo que o habitual nas psicoterapias focais e regule mais determinado tipo de intervenção que possa contrastar com as da técnica psicanalítica que depois terá de adotar, para que a passagem à nova forma de relação terapêutica seja mais gradual e que a situação criada possa ser manejada sem que se produzam reações transferenciais inde­ sejáveis, preservando-se ao mesmo tempo o setting necessário.

A avaliação mediata E praticada por meio de follow-up ou acompanhamento, que basicamente servirá para comprovar se as mudanças alcançadas mantêm-se ou não. No terreno da investigação, a avaliação mediata nos permite indagar acerca do grau de eficácia desses

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procedimentos e formular hipóteses sobre os prováveis mecanis­ mos terapêuticos atuantes. E nessas circunstâncias que são postos à prova os ganhos obtidos, já que com o passar do tempo estes podem consolidar-se ou seguramente descaracterizar-se, dando lugar também a recaídas. Pode ser efetuado, então, um estudo mais preciso que na avaliação imediata e por conseguinte uma avaliação mais correta das mudanças produzidas. As vezes o acompanhamento torna possível distinguir melhor, por exemplo, uma cura transferenciai de efeitos fugazes, ou melhor, uma “fuga para a saúde”, de autênticas melhorias causadas pelo insight. Além disso teremos oportunidade de comprovar se depois da remoção do obstáculo continuam ou não evidenciando-se novos progressos, quer dizer, certas mudanças prospectivas ligadas ao tratamento, verificáveis tanto clinicamente como por meio de psicodiagnóstico. Às vezes, as mudanças esperadas só se manifestam no acom­ panhamento, ou seja, depois de transcorrido um certo período, desde a finalização do tratamento, que pode ser prolongado. Também podem ser explorados em detalhes determinados aspectos do processo terapêutico, tais como a conduta do paciente diante do terapeuta no acompanhamento, isto é, a evolução da rela­ ção transferenciai e sua conseqüente vinculação com o estado do paciente (como o realizou o grupo de Malan [4], que estudou esses fatos com relação ao grau de interpretações da transferência exis­ tente ao longo dos tratamentos efetuados). Conhecemos sobejamente, por exemplo, os perigos que derivam de certos aspectos transferenciais não-resolvidos, que poderão então ser pesquisados através de entrevistas periódicas de controle. Assim, nos encontra­ remos tanto com pacientes que vêm entusiasmados, mostrando-se colaboradores e agradecidos, como com outros que se apresentam queixosos ou ainda não compareçam, evitando o encontro. Mas os alcances do acompanhamento não se reduzem a uma só face, a investigação, mas este representa por sua vez um recur­ so preventivo-terapêutico. Pode evitar - ou ao menos atenuar — possíveis recaídas relacionadas com fantasias de abandono por causa do término do tratamento, temática que foi considerada no capítulo 9. Partindo-se de experiências em estabelecimentos assistenciais, tem-se assinalado, em nosso meio, que chega a con-

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figurar uma continuação espaçada do tratamento, no qual a insti­ tuição é um continente para o paciente, que desenvolve assim certa pertinência à mesma (3). Além disso, mantendo-se contato com o paciente, este tem uma possibilidade de reasseguramento e tranqüilização, já que pode objetivar a permanência das melhorias alcançadas. Por último, quando existe um controle periódico da avaliação do caso, é factível detectar novas manifestações sintomatológicas ou a reaparição das já conhecidas e com isso a indi­ cação psicoprofilática ou psicoterapêutica necessária, antes que o processo patológico alcance maior desenvolvimento. A técnica das entrevistas, em essência similar à descrita a propósito da avaliação imediata, leva em conta os mesmos itens, aos quais se deverá agregar a indagação acerca de possíveis novos ganhos e/ou problemas que possa apresentar o paciente. Além disso haverá uma “devolução” do terapeuta, que transmitirá suas impressões, assim como suas sugestões para o futuro. Tudo isso deverá efetuar-se em uma ou mais entrevistas, de acordo com as necessidades. O reteste será realizado conforme as condições enunciadas anteriormente (ver p. 194). Também já fiz menção de que é nessas circunstâncias que o psicodiagnóstico pode registrar as mudanças significativas produzidas por essas terapias. Aprofundando-nos no que podemos explorar por meio do controle periódico do paciente, assinalarei alguns pontos de ma­ neira sucinta. Se considerarmos concretamente as mudanças e melhorias sintomáticas, é mister indagar ao menos, já que nem sempre tere­ mos respostas concludentes a essas interrogações, a que mecanis­ mos respondem e qual é o alcance e a estabilidade de tais mudan­ ças, temas aos quais me referi em parte no capítulo 3 (ver pp. 49 ss ). A respeito dos mecanismos das mudanças e melhorias sinto­ máticas, recordemos que esses resultados podem ser produto do insight, assim como também de outros meios de fortalecimento egóico, como o incremento da auto-estima (quero dizer, quando este é alcançado por mecanismos distintos do insight), que pode influir favoravelmente no funcionamento do ego e avaliar sofri­ mentos, tais como a depressão. Também poderemos pesquisar a existência de uma cura transferenciai, que deriva em mudanças só

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aparentes e superficiais (reações adaptativas), de duvidosa per­ manência, podendo tratar-se de uma “fuga à saúde”, uma “falsa solução valiosa”, etc. A resolução real (ou seja, alcançada através de insight) da problemática focal poderá expressar-se na manutenção das mu­ danças registradas ao concluir-se o tratamento. Mas também é possível que constitua descoberta evidenciada durante o acompa­ nhamento. Isso acontece quando as mudanças e melhorias sinto­ máticas sobrevêm só depois de um certo periodo de tempo. O paciente teria adquirido certo insight, fato registrado na avaliação imediata, mas este não se faria acompanhar de modificações visí­ veis. Nesse caso parece resultar necessário que transcorra algum tempo, ao longo do qual teria lugar um processo “elaborativo” pós-terapêutico, que o paciente realizaria espontaneamente, cata­ lisado pelas suas experiências vitais. O aprendido na terapia é confrontado e interatua com tais experiências, as quais costumam realimentar o processo, permitindo às vezes a remoção de obstá­ culos e a consecução de ganhos. Já vimos que tudo isto pode refletir-se nos resultados do psicodiagnóstico realizado nesta etapa. O alcance ou a extensão das modificações clínicas favorá­ veis pode referir-se às distintas áreas de conduta em que se regis­ tram8 c/ou simplesmente aos diferentes aspectos da vida do paciente, tais como sexualidade, trabalho, estudo, lazer, etc. Mo­ dificações internas de distinta natureza, reveladas nos psicodiagnósticos, podem dar lugar, por exemplo, a mudanças prospectivas em uma ou mais áreas ou atividades. Interessará, ainda, se as mudanças registradas se mantêm ou não e, em caso afirmativo, durante quanto tempo, ou seja, seu grau de estabilidade. Este é um índice muito válido para avaliar a eficácia desses procedimen­ tos, ainda que a durabilidade das mudanças, como sabemos, não dependa só do tratamento realizado, mas também, entre outros fatores, da maior ou menor influência de situações traumáticas que possam afetar o paciente e promover uma nova descompensa­ ção. No que corresponde ao processo terapêutico, a estabilidade das mudanças estará relacionada com a natureza dos mesmos, quer dizer, com os mecanismos que as geraram e seu correspon­ dente nível de profundidade.

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As recaídas, traduzidas na reaparição dos sintomas ou na presença de novas manifestações sintomatológicas, podem deverse à reativação do conflito subjacente pela ação de fatores traumá­ ticos. Esses fatos também podem ser investigados, por meio do acompanhamento9, da mesma forma que a presença de novas si­ tuações conflitivas, diante das quais o terapeuta estará em condi­ ções de prevenir ou auxiliar o paciente. Por último, é possível encontrar novos ganhos e mudanças, de certo modo alheios às metas terapêuticas propostas, e diante dos quais cabe indagar também acerca de seus mecanismos, alcance e estabilidade. Essas mudanças podem ser inerentes não só às con­ dições de vida, mas também à estrutura da personalidade, fato mais bem detectado através do psicodiagnóstico.

Problemas na avaliação dos resultados terapêuticos

As dificuldades para avaliar os resultados terapêuticos dos distintos procedimentos utilizados em psicoterapia são sobejamente conhecidas. A avaliação constitui uma tarefa complexa, sobretudo porque não contamos até o momento com a possibili­ dade de realizar medições mais objetivas. Em parte devemos con­ fiar em informações e apreciações subjetivas do paciente ou de seus familiares, que por diversos motivos podem distorcer os fatos. Geralmente, ainda que em grau menor, também as impres­ sões do terapeuta estão sujeitas às mesmas vicissitudes. Contudo, este deverá tentar sempre uma avaliação. Disse Dewald: “Em que pesem as dificuldades, imprecisões e limitações, o desenvolvi­ mento fundamental do terapeuta requer que seja feita uma avalia­ ção sincera, um auto-exame e uma autocrítica de seus resultados terapêuticos em cada paciente. Isso deveria incluir não só o julga­ mento, grosso modo, a respeito de como se produziu o êxito ou o fracasso, mas também acerca de seus possiveis fatores e ra­ zões (1)”. A avaliação dos resultados terapêuticos em psiquiatria breve constitui um terreno aberto à investigação, no que é possível que o psicodiagnóstico possa transformar-se num valioso instrumento, por fornecer uma grande riqueza de dados com possibilidade de

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sistematização metodológica, e mais do que tudo fundamentar um procedimento de medição bastante preciso. Levantam-se muitas polêmicas em torno dos critérios de me­ lhoria que deveríam imperar quanto às terapias breves: Que deve­ mos entender por “melhoria” ou por “resultado favorável” nessas terapias? Darei minha opinião a respeito: em psicoterapia breve de insight, a melhoria do paciente pode ser definida, no meu entender, pelo alcance de uma maior compreensão psicológica (insight), e, em algum momento, um enfrentamento mais adequa­ do de alguns dos obstáculos correspondentes à sua situação-prohlema, ainda que persistam certos sintomas ou dificuldades meno­ res. Bastará isto para considerar um resultado como favorável. Mas isso não significa desdenhar a melhoria ou cura sintomática, muito menos nesse tipo de tratamento, embora, como vimos, por si só não nos sirva de parâmetro, já que pode ser o produto de fal­ sas soluções (4), pelo que não é sinônimo de êxito terapêutico. Difundem-se numerosos e diferentes esquemas para a avalia­ ção dos resultados terapêuticos em psicoterapia breve, o que tal­ vez contribua para criar maior desconcordância nesse campo. Na realidade é uma tarefa difícil, ainda se está longe de poder unifi­ car critérios e adotar um sistema único. Mas na prática e sobretu­ do com fins estatísticos, surge a necessidade de apelar para um código que sirva para qualificar os resultados terapêuticos “fi­ nais” de cada tratamento, fornecendo assim, sinteticamente, uma idéia global dos mesmos. Por esse motivo exporei a seguir o esquema que idealizei e que utilizo, o qual, como é lógico supor, parte dos itens aos quais anteriormente fiz referência. O que im­ porta no final das contas é o julgamento que o terapeuta desenvol­ ve com respeito aos resultados obtidos no que concerne a cada um desses itens, ainda quando diferir do julgamento do paciente. Quando se trata de uma terapia breve em que predomina o insight, levaremos fundamentalmente em conta, na sua avaliação, os três primeiros pontos da lista já conhecida, a saber: insight da problemática focal (I.P.F.), resolução da problemática focal (R.P.F.) e melhoria sintomática (M.S.). Os pontos restantes têm importân­ cia secundária. Esse procedimento terá maior validade se for apli­ cado com base nos dados recolhidos em acompanhamentos efe­ tuados depois de haver transcorrido um certo lapso de tempo des-

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de o término da terapia, que de um modo convencional podemos fixar em no mínimo dois anos. Em conseqüência, só se considera­ rão resultados positivos em R.P.F., M.S. e nos demais itens se as mudanças e melhorias se mantiverem ao longo de pelo menos 24 meses, sem que se tenham registrado recaídas nem sido efetuados outros tratamentos psicoterapêuticos durante tal período. Cumpridas as condições descritas, qualificaremos os resulta­ dos alcançados do seguinte modo: a) Naqueles casos em que se registre um resultado positivo em I.P.F., acompanhado de uma resolução clinicamente completa ou total da problemática focal e do desaparecimento ou demarca­ da atenuação da sintomatologia, o resultado final será considera­ do muito favorável. Paralelamente poderão existir ou não modifi­ cações favoráveis em outros itens e eventualmente na estrutura da personalidade. b) Quando, diferentemente do descrito em a, a R.P.F. é clinicamcnte incompleta ou parcial, ou apenas dois dos três itens prin­ cipais acusam resultados positivos (I.P.F. e R.P.F., clinicamente parcial, ainda com persistência ou intensificação de certos sinto­ mas, ou ainda por último I.P.F. e M.S.)10, o resultado final será considerado favorável. O registrado nos restantes pontos, uma vez mais, não modificará a qualificação. c) Quando, dos três pontos, só I.P.F. é avaliado como positivo e enquanto não se tenham exacerbado mais intensamente as mani­ festações sintomatológicas, a essa situação corresponderá um re­ sultado discreto, independentemente dos resultados concernentes aos demais pontos. d) A categoria de regular significará que só se alcançaram alguns benefícios no concernente a M.S., por meio de distintos mecanismos não-baseados no insight, como a sugestão, a catarse, o efeito psicofarmacológico, etc. (excetuando-se o de evitar as si­ tuações conflitivas), e/ou mudanças favoráveis nos outros itens de importância secundária. e) Quando não se registra nenhuma variação favorável ou desfavorável nos diferentes pontos, o resultado será nulo. f) Se assistimos a uma franca piora ou agravamento na sinto­ matologia, ou à atenuação ou supressão sintomática por evitação (falsa solução) sem se ter alcançado I.P.F. e portanto tampouco

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R.P.F., além do observado nos demais pontos, o resultado final será rotulado como desfavorável. Definitivamente, o significado de cada uma das categorias mencionadas pode ser resumido esquematicamente assim:

PSICOTERAPIA BREVE EM QUE PREDOMINA O “INSIGHT” Resultado final Muito favorável: Favorável:

Discreto: Regular: Nulo: Desfavorável:

I.P.F.©" R.P.F. (total)© + M.S. © l.P.F. © + R.P.F. (parcial) © + M.S. © ou l.P.F. © + R.P.F. (parcial) © ou l.P.F. © + M .S.® l.P.F. © M.S. © e/ou resultados positivos em outros itens de importância secundária Sem variações Piora sintomatológica ou falsa solução por evitação, sem variações em l.P.F. e R.P.F.

Seria interessante estudar uma forma de incorporação siste­ mática do psicodiagnóstico ao procedimento descrito. No caso de uma psicoterapia breve baseada numa técnica de apoio, a M.S. terá importância, enquanto que l.P.F. e R.P.F. não serão levados diretamente em conta. Os itens restantes desempe­ nharão uma vez mais um papel menor na determinação do resul­ tado final. Como requisitos para considerar válidas a melhoria sintomática e as mudanças, também deverão manter-se pelo menos por dois anos a partir da data de conclusão do tratamento, sem que o paciente haja realizado durante esse tempo novos trata­ mentos psicológicos12. Os resultados finais na terapia breve de apoio poderão ser qua­ lificados com as mesmas denominações aplicadas à de insight. Nesse caso, as significações serão as seguintes:

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Psicoterapia breve de orientação psicanalítica

a) Muito favorável: Um resultado será muito favorável quan­ do se produza a cura sintomática, acompanhada de modificações benéficas em um ou mais aspectos restantes considerados. b) Favorável: Difere do resultado muito favorável em que existe uma atenuação dos sintomas em vez de seu desaparecimen­ to. Também pode ser definido unicamente pela cura sintomática, não acompanhada de outras variações nos demais itens. c) Discreto: Só há atenuação dos sintomas. d) Regular: Registram-se somente alguns benefícios em pon­ tos de importância secundária. e) Nulo: Sem variações. f) Desfavorável: Piora sintomática, qualquer que seja o resultado nos outros pontos. Um último esclarecimento, válido para a avaliação em ambas as formas de psicoterapia breve: quando um resultado é duvidoso em um item (exemplo: R.P.F.: Resultado: ?) considerar-se-á - a fim de estabelecer um resultado final - que não se obteve uma resposta positiva no que diz respeito ao mesmo.

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12. Indicações da psicoterapia breve1

Por mais grave que seja sua enfermidade, praticamente quase todas as pessoas poderão receber certa ajuda terapêutica com o tra­ tamento focal, mesmo de duração limitada, desde que se recorra, com critério e segundo cada caso, à técnica interpretativa e à de fortalecimento do ego. Essa posição, compartilhada por muitos, justifica sua aplicação generalizada quando dificuldades econômi­ cas, distância ou falta de tempo não possibilitem um tratamento mais intensivo e prolongado. A terapia de objetivos e tempo limita­ dos satisfaz assim uma necessidade assistencial, ainda que esteja longe de ser em muitos casos a indicação mais adequada. É evidente que se pode determinar em que circunstâncias e com que tipo de pacientes se poderão esperar os melhores resulta­ dos, inclusive quando o método breve apresenta suas indicações clinicas, tanto no meio institucional como no consultório privado. Estabelecerei a seguir alguns critérios de seleção de pacien­ tes para o tratamento focal em que predomina o insight, que é, nesse sentido, o que costuma originar maiores dúvidas. A indica­ ção ou contra-indicação clínica dessa terapia decorre da avaliação diagnostica e prognostica do paciente, dentro da qual são elemen­ tos indicadores para sua recomendação: a) Sofrer transtornos de início recente e agudo que motivem o tratamento (ou. como diz Courtenay [2], atravessar um ‘‘mo­ mento propício" numa enfermidade relativamente crônica). Nes­ sas características incluem-se as situações críticas nas quais o

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Psicoterapia breve de orientaçãopsicanalítica

indivíduo esteja afetado por problemas que digam respeito à sua realidade atual (acidente de trabalho, ruptura de casamento, etc.), dando lugar a um quadro psicopatológico agudo (neurose traumá­ tica, depressão reativa, ataque histérico, etc.), ou não necessaria­ mente patológico como pode ser o caso de uma crise vital (ingres­ so na universidade, casamento, etc.). Essas situações costumam pelo menos transitoriamente impedir a realização de um trata­ mento analítico. Disse Freud a respeito: “(...) o trabalho dc análise progride melhor se as experiências patológicas do paciente per­ tencem ao passado, de modo que seu ego possa sítuar-sc a uma certa distância delas. Nos estados de crise aguda, a psicanálise não pode ser utilizada de nenhum modo. Todo o interesse do ego está absorvido pela penosa realidade e se retira da análise - cujo propósito é o dc penetrar por debaixo da superfície e descobrir as influências do passado” (4). Mas, ao mesmo tempo, essas situa­ ções distintas demandam muitas vezes ajuda psicológica urgente, razão pela qual, como terapeutas, não devemos desentender-nos a respeito disso2. A terapêutica breve pode converter-se num auxílio eficaz, que permita ao paciente superar melhor a situação sem graves conseqüências, ou até mesmo sair garbosamente dela, exercendo ao mesmo tempo uma função preventiva. Também podem incluir-se aqui os casos em que o indivíduo deve preparar-se para passar por tensões, tais como uma interven­ ção cirúrgica, um parto, uma migração, etc., que representam importantes campos de aplicação das técnicas breves (a psicoprofilaxia cirúrgica [5] ou a assistência psicológica durante a gravi­ dez, para a elaboração das ansiedades surgidas ao longo dela [8]), às quais podem adequar-se facilmente, dada a lógica limitação de tempo e os objetivos terapêuticos que a natureza idêntica das situações coloca, adquirindo além do mais um caráter essencial­ mente preventivo. b) Patologia de caráter leve (exemplo: neurose). Afirma Main: “Os problemas principais devem situar-se predominante­ mente no nível genital, de pessoa total, e deve haver uma ausência relativa de expectativas primitivas, de necessidades de dependên­ cia e de privações precoces sérias” (6). Courtenay, por sua vez, se pronuncia de modo similar. Menciona também a leveza da patolo­ gia como um fator para um prognóstico favorável, assinalando

Indicações da psicoterapia breve

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que é preferível um indivíduo com necessidades edipicas, isto é, de três pessoas, a outro com problemas orais de dois, ou depressi­ vos sérios (2). c) Força e plasticidade do ego, com funções em bom estado. d) Alto grau de motivação para o tratamento. e) Capacidade de insight. f) Determinação e boa delimitação focal desde o inicio (7). Considerar isoladamente o diagnóstico nosológico (neurose obsessiva, histérica, caracteropatia esquizóide, etc.) - ou qual­ quer outro fator - é em suma insuficiente para indicar ou contraindicar uma terapia breve, devendo-se atender em cada caso ao todo da situação apresentada pelo paciente, quando devem ser considerados também fatores como idade, condições socioeconômicas, suas resistências a tratamentos intensivos e prolonga­ dos, etc. Szpilka e Knobel advertem sobre o erro de guiar-se quase que exclusivamente por um diagnóstico nosológico para a indicação terapêutica, e de que esta recaia sobre o tratamento psicanalítico quando não são fornecidas ao paciente determinadas condições elementares. Diante desses fatos, dizem: “Entendemos que não se está prescrevendo a terapia de escolha para cada caso, como se faz em geral em medicina, mas sim que se pretende esta­ belecer uma generalização que não considera realmente o diag­ nóstico nem leva em conta a realidade atual e circunstancial de cada paciente, mas que idealiza o método terapêutico, o qual é sempre prejudicial para qualquer paciente, tanto em psiquiatria como em medicina geral.” Sintetizam essa posição dizendo: “A psicoterapia breve pode então aplicar-se não como uma terapia substitutiva da psicanálise, mas como uma indicação precisa, surgida do diagnóstico, não de um quadro nosológico, mas de uma personalidade enferma num determinado quadro socioeconômico e cultural.” O tratamento breve pode erigir-se como a única experiência terapêutica possível para numerosos pacientes refratários à psica­ nálise, que não estão dispostos a passar por uma terapia intensiva e prolongada, que implique uma sacrificada revisão de sua vida e de sua personalidade (mas que por outro lado chegam a manifes­ tar um certo interesse em aliviar alguns de seus sintomas ou uma situação conflitiva atual através de uma psicoterapia). Essas limi-

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Psicoterapia breve de orientação psicanalítica

tações por vezes têm que ser respeitadas, sem forçá-los a um trata­ mento analítico, pois a tentativa estará geralmente condenada ao fracasso, com grandes possibilidades de terminar em deserção. Trata-se então de adaptar sempre nossa técnica psicoterapêutica ao paciente, e não o contrário, antes de rotulá-lo como intratável. Pode ser tratável, mas com método, enfoque e objetivos terapêuti­ cos determinados, que ele possa tolerar. Outras vezes a P.B. é indicada como primeiro - e preparató­ rio - passo para a realização de um tratamento psicanaliüco'. Esta técnica pode cumprir idêntica finalidade no que diz respeito a outros tratamentos, como a psicoterapia de grupo prolongada. Uma nova circunstância que cabe citar é a da aplicação póspsicanalítica da P.B. Está destinada a pacientes que puderam inclusive obter alta de uma análise com êxito e que consultam pela aparição - ou reaparição de uma situação conflitiva ou de um sintoma, não se justificando que se submetam a uma reanálise. Um tratamento focal pode ser suficiente para solucionar o pro­ blema atual surgido, bastando às vezes umas poucas entrevistas com seu próprio analista4. Em pessoas de idade avançada, para as quais se acha contraindicado o tratamento psicanalítico, a terapia focal pode encontrar uma aplicação muito adequada, porque permite trabalhar setorial­ mente, inclusive através de uma técnica interpretativa, respeitar a estrutura caracterológica do paciente, a par de seus conflitos difi­ cilmente modificáveis, e evitar desse modo mobilizações afetivas desnecessárias, excessivas e também arriscadas. Abarca assim outra área importante da assistência psiquiátrica. A P.B. de insight é menos eficaz: em casos crônicos de psico­ se, enfermidade psicossomática, psicopatias, perversões, toxicomanias, estados fronteiriços e caracteropatias graves (sobretudo se o que se pretende é tratar estas patologias e não um conflito cir­ cunscrito); em geral quando existem grandes debilidades egóicas, com relações objetais muito ambivalentes, dependentes ou sim­ bólicas, tendências marcadas ao acting out ou escassa tolerância à ansiedade e à frustração (ver os capítulos 4, 8, 9 e 10); quando há pouca motivação para o tratamento; quando resulta dificultoso determinar e delimitar um foco, circunstâncias nas quais a indica­ ção técnica mais adequada pode ser outro tipo de terapia, geral-

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mente intensiva e prolongada (nesses casos é comum existirem transtornos graves de personalidade, os conflitos estarem pouco circunscritos e afetarem quase todos os aspectos da vida do sujei­ to) (ver os capítulos 4, p. 68, e 10, p. 179). Por outro lado, consideramos o problema que para a indica­ ção de uma terapia de tempo limitado estabelecem os pacientes que registram lutos patológicos e/ou recentes de importância, como, por exemplo, os produzidos por falecimentos de pessoas queridas (ver capítulo 10, p. 179), apesar de que quando tais lutos são os que motivam a consulta, situamo-nos diante de uma condi­ ção aparentemente favorável para a indicação do tratamento bre­ ve, isto é, de um transtorno atual de começo recente e agudo. Acontece que nos encontramos ante um ego momentanea­ mente debilitado, com uma diminuição de sua capacidade para suportar a dor e a frustração e poder enfrentar o novo luto gerado pela separação do terapeuta ao terminar a terapia, o que pode rea­ vivar traumaticamente a perda anterior. Um trágico exemplo des­ sas situações poderia ser o prescrever descuidadamente a alguém, com antecedentes de um aborto recente, uma terapia de três meses de duração (período que se fixa, amiúde, para esses tratamentos), o que pode provocar uma reativação iatrogênica da perda. Deverse-á cuidar então ao máximo para que nesses casos a duração da psicoterapia não predisponha a estas reações, sendo em princípio conveniente que o prazo não fique estabelecido de antemão.

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loquio Acta 1967: Psicoterapia Breve, Acta psic. psicol. Amér Lat., B u e n o s A ires, ju n h o 1968, v o l. X IV , n? 2.

13. Dos tratamentos breves

Apresentarei aqui dois casos que foram tratados por meio de psicoterapia de objetivos e tempo limitados. Ambos os tratamen­ tos foram efetuados por mim, no Serviço de Psicopatologia do Hospital Municipal “J. M. Ramos Mejía”, no ano de 1972, e fa­ zem parte de uma investigação que ali realizei durante 12 meses. O caso descrito em primeiro lugar ilustra com certo detalhe dis­ tintos aspectos e momentos do procedimento focal. O segundo constitui, essencialmente, um exemplo do trabalho de aprofunda­ mento no foco'.

Exemplificação do método psicoterapêutico de objetivos limitados

A., um homem de 28 anos, argentino, casado, eletricista, com instrução primária completa, pertencente à classe média baixa, consultou o Serviço por experimentar um incremento na ansiedade e depressão de que sofria há muitos anos, de um modo quase constante. Na realidade o recrudescimento de sua sintomatologia coin­ cidia com o nascimento de seu primeiro filho, de dois meses de idade, fatos cuja conexão permanecia ignorada por A. ao efetuar a consulta.

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Ocasionalmente havia pensado que não valia a pena conti­ nuar vivendo, ainda que, com relação à idéia de suicídio, acredi­ tasse que nunca chegaria a “cometer uma loucura”. Mostrou-se além disso preocupado pelas dificuldades que tinha em seu trabalho. Ganhava uma soma de dinheiro insuficien­ te para enfrentar os gastos correspondentes aos cuidados do bebê e tinha uma má relação com seu patrão, com quem protagonizava freqüentes discussões. Seu desejo era conseguir outro emprego. Por último, manifestou-se muito frustrado intelectualmente. Grandes temores e inibições ao cursar os estudos primários pare­ ciam havê-lo impedido de continuar estudando. Sentia um “medo pavoroso” de uma professora, a quem atribuiu um papel impor­ tante nessa questão. Tinha desejado ser um “grande intelectual, capaz de analisar problemas sociais, políticos ou psicológicos. Enfim, uma pessoa com muitos conhecimentos”. Autodefiniu-se como inseguro e indeciso.

Dados biográficos de interesse (resumo) Único filho de um matrimônio com grandes desavenças. Seus pais dormiam no mesmo quarto, mas em camas separadas, enquanto A. dormia junto com a mãe no mesmo leito desde muito pequeno até os 11 anos, época em que esta morreu, vítima de uma enfermidade infecciosa. Havia sido um menino tímido e um pouco triste. Vivia muito apegado à mãe e não se recorda de ter tido amigos. Seu pai, empregado bancário, voltou a se casar um ano depois de ter enviu­ vado e não teve filhos do segundo matrimônio. Logo A. se sentiría muito prejudicado por sua madrasta, a princípio aparentemente bondosa para com ele, mas logo, segundo afirmou, mostrando-se abertamente hostil, em contraste com a recordação que tinha de sua mãe, carinhosa e solícita. A relação com seu pai foi descrita como sumamente conflitiva. Definiu-o como muito dominador, áspero e pouco afetuoso. Criticava nele que, além de não tê-lo estimulado a prosseguir os estudos, opusera-se a tudo aquilo o que para ele (o paciente) pudesse significar “um passo adiante” na vida. Nos últimos anos,

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seu pai havia contraído uma grave enfermidade, ainda que seu estado geral fosse bom. Visitavam-se muito esporadicamente. Quando A. contava 18 anos, decidiu afastar-se da casa pater­ na, indo viver numa pensão. Ali permaneceu até os 25 anos, quan­ do se casou com uma jovem que havia conhecido um ano antes e que descreveu como “muito sensível e inteligente”, levando com ela, no seu parecer, uma vida sexual medianamente satisfatória (embora logo admita que sobretudo no começo tivesse tido gran­ des dificuldades, que consistiram em episódios de impotência e de ereções dificultosas e mais adiante em fantasias uxoricidas em pleno coito, as quais haviam reaparecido ultimamente). A atividade social do casal era intensa e gratificante. Voltando à sua adolescência, cabe assinalar nela sua grande adesão à religião católica. Nesses anos, tudo o que se referia a sexo adquiria para ele caráter pecaminoso. Assim sendo havia sérias dificuldades para vincular-se com mulheres, e foi sua espo­ sa a única com a qual conseguiu fazê-lo. Suas primeiras relações sexuais datam de seu matrimônio. Nos últimos tempos, em duas ocasiões, tinha seguido trata­ mentos psicoterapêuticos, aparentemente de orientação dinâmica, com terapeutas homens e que abandonou alegando inconvenien­ tes econômicos. Considerava que os tratamentos tinham tido um saldo positivo. No abandono do segundo deles, admitiu a influên­ cia do tipo de relação que chegou a ter com seu terapeuta: “notava grande afinidade com o médico. Sentia-me respaldado. Isso me fez temer mais a dependência em relação a ele e decidi deixar”. Revelava assim evidentes problemas, não só no referente a situa­ ções de dependência, mas também ante a existência de profundos temores a uma aproximação afetiva.

Avaliação diagnóstica O diagnóstico psiquiátrico-dinâmico foi o de uma neurose obsessiva medianamente grave, com componentes melancólicos e paranóides, num caráter essencialmente anal. O paciente atra­ vessava uma crise com exacerbação de seus sintomas, que confi­ gurava clinicamente uma depressão ansiosa reativa.

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Quanto às suas condições egóicas, puderam ser apreciadas: deficiências marcadas no teste de realidade, isto é, uma distorção da realidade produzida por intensas projeções, fato confirmado pelo psicodiagnóstico (Rorschach, Bender, casal)2. Essa perturba­ ção gerava nele dificuldades nas diferentes relações interpes­ soais, em especial com pessoas de autoridade, relações que eram muito ambivalentes e oscilavam entre a tendência à submissão extrema e a rebelião patológica. Assim mesmo, o diagnóstico re­ velou com clareza uma grande disposição a estabelecer vínculos de natureza simbiótica. Também apresentava alterações no controle de seus impulsos, que se evidenciavam tanto num exagerado controle da agressão atra­ vés de formação reativa (psicodiagnóstico), como em ocasionais, ainda que violentas, descargas de raiva; a regulação de sua autoestima resultava inadequada, achando-se esta última francamente diminuída. Por último, cabe mencionar que as funções básicas (per­ cepção, atenção, memória, etc.) estavam menos alteradas. Não obstante todo o mencionado, pensou-se que o paciente possuía um ego suficientemente forte para suportar os sentimen­ tos dolorosos provocados pela revelação de seus aspectos incons­ cientes, ainda que se duvidasse do grau de tolerância que teria à frustração que poderia ocasionar-lhe sua separação do terapeuta ao finalizar a terapia. O grau de motivação para a psicoterapia e suas capacidades para o insight foram considerados elevados. Tinha consciência da enfermidade, e seu nível de inteligência poderia ser considerado médio. O foco pôde ser delimitado desde o começo, optando-se por centrar o trabalho terapêutico na situação crítica criada em tomo do nascimento do filho. (Os detalhes sobre a estrutura do foco serão descritos mais adiante.)

A hipótese psicodinâmica inicial Três entrevistas e a bateria de testes ministrada permitiram formular o seguinte: a mãe, superprotetora e sedutora, considerou A. como o substituto libidinal de seu marido, tornando-o, em con-

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sequência, vítima de uma prematura e intensa estimulação sexual. É particularmente importante o antecedente da partilha do leito. Os efeitos deletérios dessa situação, pela qual foram responsáveis ambos os progenitores, traduziram-se ao que parece no caráter assustadiço do menino, muito apegado à mãe, e de escasso e difi­ cultoso contato social, constituindo um sério impedimento para uma resolução adequada do complexo edípico ao incrementar os desejos incestuosos e parricidas e a angústia da castração conseqüente. Os mecanismos de repressão e sublimação sofreram mui­ ta interferência (os graves conflitos escolares, com terror à figura da professora, pareceram atestá-lo). Apelou então regressivamen­ te para defesas mais primitivas, próprias da etapa sádico-anal (isolamento, anulação, deslocamento, formação reativa), que foram plasmando sua estrutura de personalidade. Por sua vez car­ regou consigo desejos insatisfeitos de dependência oral, que au­ mentaram com a morte da mãe. A rivalidade edípica, muito intensificada em sua adolescên­ cia, tomava cada vez mais tensa a relação com o pai, o que o levou a abandonar o lar paterno. É a etapa em que surge sua religiosida­ de, que em parte pode ser concebida como uma defesa ante a ameaça de castração por meio da submissão ao superego paterno, representado pela figura de Deus; além disso, constituiría uma forma de controle de seus impulsos sexuais e agressivos, vividos como proibidos e perigosos por seu significado incestuoso e par­ ricida. Por último, a religião lhe permitia satisfazer desejos infan­ tis de dependência e proteção e a necessidade de castigo por seus intensos sentimentos de culpa. Acompanhava-o um sentimento de inferioridade, provenien­ te do fato de perceber-se pouco potente sexual3, intelectual e eco­ nomicamente. O psicodiagnóstico refletiu isto através da presen­ ça da fantasia de haver sido castrado. Como Édipo, sentir-se-ia culpado pelos grandes delitos de humanidade consumados em sua fantasia4, em nome dos quais deveria sofrer severos castigos, que simbolicamente representavam a castração: renunciar ao prazer sexual, resignar-se a ver restringidas suas inquietações intelec­ tuais e profissionais. Essa situação foi expressa numa frase muito significativa do paciente: “angustia-me ter muitas coisas boas e não poder desfrutá-las, como seria o caso de uma pessoa que gos-

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ta muito dc ler e consegue todos os livros do mundo, mas é ce­ ga...”. (Recorde-se a cegueira de Édipo.) Com base no exposto, resulta clara a influência em sua pro­ blemática do conflito com a imago paterna; a intensa situação persecutória intervinha na gênese de sua angústia, depressão e insô­ nia, e de suas distintas limitações vitais, dadas as dificuldades na relação com seu pai real e com representantes paternos, como seu patrão e mais recentemente com o próprio filho. A enfermidade de seu pai e o nascimento do filho provocaram um incremento pa­ ranóico em seus desejos parricidas mal reprimidos5e em suas fan­ tasias de haver consumado o incesto, burlando a proibição superegóica6. Formularam-se as seguintes hipóteses prognosticas a respei­ to das vicissitudes transferenciais durante o tratamento: buscava no terapeuta um pai bom, mas era possível esperar a repetição de uma relação fortemente ambivalente. Existia além disso o risco de que seu temor inconsciente a uma aproximação afetiva - muito necessitada por ele - com o terapeuta, através do qual também procuraria satisfazer seus desejos de dependência, poderia condu­ zi-lo a repetir a conduta de deserção do tratamento7. Tal conduta tinha do mesmo modo antecedentes no abandono do lar paterno quando contava 18 anos. O foco terapêutico inicial ficava configurado em torno dos sintomas que apareciam como o motivo manifesto da consulta'. ansiedade, depressão e insônia exacerbados. Isso se ligava com o que fora considerado como o principal motivo latente, isto é: o nascimento de seu filho (que diga-se de passagem antecipou-se aos planos do casal), a busca de uma contenção que o pusesse a salvo de suas tendências hetero e auto-agressivas. Aprofundando-se na compreensão do momento crítico que A. atravessava, deduziuse, também, que as ansiedades provocadas por essa crise vital estavam vinculadas essencialmente à sua vivência dolorosa de exclusão8, seu temor de que o filho lhe “roubasse” a esposa-mãe, assim como havia feito em sua fantasia com seu próprio pai. Ligavam-se também aos impulsos filicidas, provocados por sua intensa inveja oral (um sonho seu desses dias revelava esses fatos claramente) e por sua rivalidade edípica, com o conseqüente

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temor à retaliação. Tudo isso constituía os pontos de urgência a serem levados em conta no início do tratamento. Vemos então que essa conflitiva focal também podia remeter parcialmente ao con­ flito com a imago paterna (conflito básico), a qual, transferida agora para o filho, gerava uma situação persecutória, que se agre­ gava a tudo o já mencionado a respeito da significação incons­ ciente da enfermidade do pai e de outras conseqüências a que dera lugar o nascimento do descendente. Por último, caberia conside­ rar sua constrangedora posição econômica, que era um novo fator de incremento de sua angústia e que o defrontava mais drastica­ mente com a realidade dolorosa das limitações produzidas por sua neurose. Era, também, o fato de ser consciente disso que o subme­ tia a uma grande depressão1'. É de se destacar a influência favorável que tinha sua esposa, que o incentivava a tratar-se. Sentimentos de inveja com relação à sua mulher, pela mater­ nidade, também foram detectados, ainda que considerados de menor relevância dentro do conjunto de problemas.

As metas terapêuticas Cheguei a um contrato mínimo com o paciente sobre os obje­ tivos do tratamento depois de haver-lhe exposto meu parecer sobre a natureza de seus transtornos (devolução diagnóstico-prognóstica). Tais objetivos foram: 1. Conseguir uma maior compreensão dos conflitos reativa­ dos com o nascimento de seu filho, ajudando-o a adequar-se melhor à nova situação, em especial para assumir melhor sua paternidade. 2. Obter também um alívio sintomático. 3. Em seguida, tratar de alcançar esclarecimento e alguma solução para seus problemas de trabalho. 4. Como objetivo menos prioritário, oferecer-lhe ajuda no que concerne a seus estudos, levando em conta seu projeto de continuá-los em futuro próximo.

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Prognóstico De todos os fatos considerados, o que permitiu arriscar um bom prognóstico para o tratamento foi talvez o alto grau de moti­ vação do paciente para a psicoterapia (disposição para o esforço da tarefa), unido à sua capacidade de auto-observação, sua idade, o fato de tratar-se de um “momento propício” para a abordagem psicoterapêutica numa enfermidade crônica (2), a imediata deter­ minação focal, o contar com uma esposa cooperativa, uma contratransferência positiva (interesse em ajudá-lo, curiosidade ante sua conflitiva) e suficiente e relativamente fácil compreensão dos psicodinamismos básicos de sua problemática. Entre os elementos prognósticos desfavoráveis se assinala­ vam; a gravidade da patologia, que afetava quase todas as áreas de sua vida, e muito especialmente o tipo de relações objetais que apresentava, o qual fazia temer a aparição de complicações duran­ te a terapia (em particular a respeito da finalização desta), que poderíam comprometer os resultados terapêuticos.

Planificação do tratamento Decidiu-se utilizar uma técnica em que predomina o insight. As chamadas interpretações “extralransferenciais ”, que es­ tariam dirigidas de preferência para suas relações com represen­ tantes paternos (filho, patrão) e com o próprio pai, seriam um ins­ trumento importante na terapia. De particular utilidade poderíam ser aquelas interpretações destinadas a mostrar as vicissitudes intrapsíquicas do conflito a fim de que tomasse consciência da vigência de uma imago paterna superegóica muito severa, partindo da percepção, que ele já tinha, de uma luta interna que o angustiava e agoniava (“como se estives­ se sempre lutando, discutindo com alguém dentro de mim, que me diz que não vou ser capaz disto ou daquilo”, havia dito A.). Se fosse possível e conveniente, as interpretações chegariam a incluir parte das raízes infantis do conflito, devido a um certo training de A. e ao critério predominante neste caso acerca da necessi­ dade de proceder desse modo para alcançar as metas propostas.

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As chamadas interpretações “transferenciais ” teriam de ser empregadas com mais assiduidade do que o habitual em P.B., cumprindo um papel decisivo para a demonstração emocional de certos problemas com a figura paterna (em razão da qual se torna­ va oportuno que fosse tratado por um terapeuta homem), mas procurar-se-ia não fomentar com isso a neurose transferenciai. Também eram previstas ante a possível aparição de fenômenos transferen­ ciais que chegassem a obstaculizar abertamente o processo tera­ pêutico (tais fenômenos, com efeito, apresentaram-se durante o tratamento). Por último, se incluiríam durante a etapa final dele, na tarefa de ajudar o paciente a aceitar a separação, diante da qual se esperava que pudessem além disso aflorar aspectos da transfe­ rência materna, em virtude da reativação do luto pela perda de sua progenitora. Apelar-se-ia para o uso flexível e seletivo da regra de asso­ ciação livre. Em princípio, não se administrariam psicofármacos. Fixou-se uma duração de quatro meses para a terapia, com duas sessões semanais de 30 minutos cada uma; e quando o esta­ do do paciente o permitisse, seriam reduzidas para uma por sema­ na durante o último mês, como meio de ir facilitando a separação. Estabeleceram-se também as datas para as entrevistas de avalia­ ção imediata e para a realização do reteste. Com referência à estratégia terapêutica, dispôs-se a encarar inicialmente a situação-problema criada por sua paternidade, atendendo aos pontos de urgência detectados. Efetivar-se-ia um trabalho interpretativo com as devidas precauções, considerando a todo momento a receptividade do paciente, utilizando no início interpretações “de ensaio” (1) e observando sua resposta a elas. Se A. demonstrasse ter um timing rápido, seria possível aprofun­ dar progressivamente a situação genética da conflitiva focal. As interpretações tenderíam a fazê-lo tomar consciência de seus sen­ timentos de exclusão, inveja, ciúmes e rivalidade com respeito ao filho, em parte como reedição dos conflitos com seu pai, em rela­ ção ao carinho materno, mas sem conduzi-lo necessariamente salvo se os indícios de seu grau de insight e a tolerância da dor o permitissem - a enfrentar suas fantasias infantis de consumar a relação incestuosa, fantasias essas que, como era evidente, não

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tinham sido conscientizadas nos tratamentos anteriores. Procurar-se-ia então revelar parcialmente o complexo edípico para o paciente, sem desenvolver todos os seus componentes, conside­ rando-se que o fato de que se tratava de uma revelação incompleta não despojaria a tarefa da qualidade de ser operativa em grau su­ ficiente para alcançar os fins terapêuticos propostos. Não resultava possível indicar outra opção, dadas as condições do enqua­ dramento e em se tratando de algo que poderia ser demasiado ansiógeno e despertar resistências insolúveis no curto lapso que duraria o tratamento, de modo que a possibilidade de uma elabo­ ração mais profunda, e efetivamente mais completa, ficaria re­ servada para outra ocasião, se fosse exeqüível um tratamento pro­ longado. Uma vez alcançado certo insight e alívio a respeito da situa­ ção crítica derivada do nascimento do filho, a tarefa se centraria nas dificuldades encontradas em seu trabalho, a qual continuaria tratando dos problemas que se apresentassem em suas relações interpessoais, nesse caso com seu patrão, como derivados do con­ flito com a imago paterna. Ou seja, pensou-se em mostrar-lhe esse conflito básico, que se evidenciava ante representantes paternos (incluindo o terapeuta), e que o fazia sentir-se desvalorizado e ameaçado por eles, surgindo assim a “interpretação central sobre a qual teria de se basear todo o tratamento”, como diria Malan (8), que é característica da técnica de “enfoque”, e que mostra ao pa­ ciente a repetição, em diferentes contextos, de uma situação conflitiva nuclear. Considerou-se que se ante suas necessidades econômicas conseguisse melhorar seus rendimentos, além do natural alívio poderia elevar sua auto-estima, já que se sentiría menos débil e mais capaz de exercer um papel de pai protetor. Dessa forma diminuiría seu sentimento de culpa provocado por sua hostilidade em relação ao filho. A conseqüência final seria o alívio de sua de­ pressão. Por último, se possível, seriam considerados seus problemas na área intelectual. As condições do vínculo terapêutico deveríam tender a au­ mentar constantemente sua auto-estima e a estimular sua iniciati­ va pessoal a fim de conseguir o estabelecimento de um processo

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prospectivo que o paciente pudesse continuar por sua conta de­ pois de terminado o tratamento. Prestar-se-ia particular atenção, dedicando-lhe pelo menos um terço da duração total da terapia, à abordagem do problema da separação consecutiva à finalização do tratamento, dadas as caracte­ rísticas e a história do paciente, e além disso levando-se em conta o incremento dos vínculos regressivos de dependência ante o nas­ cimento de seu filho. Por força deveria ficar intocada a perda patológica pela mor­ te de sua mãe, em razão da qual, de maneira deliberada, evitar-seia interpretar o material relacionado com tal luto, ainda que se es­ perasse que em certa medida a situação-problema implicasse que A. revivesse inconscientemente a perda de sua progenitora, repre­ sentada agora por sua esposa. (Se bem que o considerasse em con­ dições de enfrentar certos aspectos do complexo edtpico, como seus desejos parricidas e por extensão a hostilidade em relação a seu filho. Tudo isto se achava mais próximo da superfície cons­ ciente e parecia possível de ser manejado com êxito num enqua­ dramento dc terapia breve. Não ocorria o mesmo com o que se referia ao mencionado luto, diante do qual se percebia o paciente mais defendido, apesar de sua importância decisiva na psicopatologia do paciente; sua abordagem profunda não parecia impres­ cindível para os fins imediatos do tratamento e teria resultado talvez imprudente. Mas isso tampouco significava que teria de ser deixada totalmente de lado.)

Evolução durante o tratamento Ao menos nessa ocasião, a terapia transcorreu em grande parte de acordo com o plano terapêutico concebido. O paciente comparecia a todas as sessões quase sempre pon­ tualmente. Sua motivação para a tarefa foi aumentando. À medida que se aprofundava na conflitiva focal, ia conseguindo um insight progressivo. Utilizaram-se com proveito associações livres, sobretudo a partir do material onírico trazido.

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A focalização do trabalho terapêutico na crise registrou o surgimento de fantasias filicidas conscientes, acompanhadas de intensos sentimentos de culpa. Pôde compreender que seu filho era vivido por ele como se se tratasse do pai rival. O reatamento das relações sexuais com sua mulher pareceu haver atenuado sua hostilidade, ainda que só transitoriamente, já que em pouco tempo começou a discutir com ela por amenidades. Apresentou logo típicas dúvidas obsessivas acerca de seu amor por ela. Em relação a toda a problemática mencionada, surgiram em A. fantasias suicidas que o angustiariam muito. Tampouco dessa vez se recorreu às psicodrogas, e em poucos dias o momento críti­ co pôde ser relativamente superado por meio de um intenso traba­ lho interpretativo. Ao fim do segundo mês de tratamento, foi conseguido por fim certo alívio sintomático, o qual por sua vez ajudava a colocar seu ego em melhores condições de rendimento. Planejava agora continuar seus estudos e conseguir um novo emprego. As relações com sua mulher melhoraram. Mostrava-se agradecido para comi­ go e mais otimista. Durante o terceiro mês foi possível trabalhar sobre o proble­ ma profissional. A. pôde dar-se conta de que reproduzia com o patrão a relação com seu pai. Necessitava rebelar-se contra sua autoridade, ainda que também esperasse dele inconsciente e neuroticamente carinho paternal. A relação, muito conflitiva, parecia pouco menos que insustentável, mas A. temia buscar outro traba­ lho, pois imaginava que o ludibriariam e, segundo sua “voz inte­ rior”, o despediríam “a patadas” . Surgiram obstáculos transferenciais na tarefa, por colocar em mim, com hostilidade, a imago paterna, os quais foram con­ templados com interpretações “transferenciais”, progredindo a terapia em bom ritmo. Não obstante, foi inevitável certo grau de desenvolvimento da neurose de transferência. As maiores dificuldades se apresentaram na etapa final razão pela qual o número de sessões semanais não pôde ser redu­ zido. Originaram-se precisamente na separação iminente, vivida por A. como um abandono, o que incrementou sua hostilidade transferenciai (em sua maior parte não consciente), que cresceu

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até limites perigosos para o futuro do tratamento, demandando uma árdua tarefa interpretativa sobre o novo foco10. Isso permitiu evitar outras reações desfavoráveis (recaídas, acting out, etc.). Apesar deste trabalho, que pretendeu ajudar o paciente a aceitar a separação, aspectos transferenciais não resolvidos, de caráter hos­ til, parecem ter influído em certa medida nos resultados terapêuti­ cos e na auto-avaliação dos mesmos, a julgar por algumas impres­ sões de A. ao efetuar-se esta, como logo veremos. Sobre o tema cabe acrescentar que é provável que não se tenha insistido o sufi­ ciente em assinalar sua rivalidade e inveja com relação ao tera­ peuta, principalmente no aspecto intelectual e científico. Nas últimas sessões começou a manifestar inesperadamente preocupações que provocavam nele certos pensamentos sujos relacionados com fantasias homossexuais. Não se tentou apro­ fundar no material, considerando-se impróprio fazê-lo nessa tera­ pia, principalmente no final, nem se referiu às fantasias homos­ sexuais em relação ao terapeuta, as quais foram em troca inter­ pretadas como uma resistência a aceitar o desprendimento, que obedecia a diversos motivos, entre os quais se achavam grandes ansiedades fóbicas ante ele, razão pela qual, num intento de con­ seguir que se adiasse o término do tratamento, mostrava agora um novo e interessante problema para conseguir de mim que con­ tinuasse tratando dele.

Avaliação dos resultados terapêuticos Alguns comentários de A. sobre o tratamento, logo depois de finalizado, foram: “Às vezes me sinto um pouco desiludido... ner­ voso... Descobri que isso se deve a que o tratamento terminou... Mas estou conformado com ele, vi um montão de coisas. Serviume e pode continuar me servindo... Vi sobretudo esse pai temível que tenho dentro de mim, que me freia em tudo, e a quem, na rea­ lidade, dirijo minha bronca quando ataco os demais. Isso é funda­ mental, isso eu tenho presente...” Segundo meu critério, que coincidiu bastante com a autoavaliação do paciente, este alcançou certo insight da problemática focal do tratamento e um melhor manejo da situação, que foi ava-

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liado como resolução clinicamente parcial de tal problemática, com caráter temporário, já que deveria verificar-se novamente numa avaliação mediata. Concretamente: cessaram as disputas com sua mulher e conseguiu aceitar melhor o filho, o que lhe permitiu desfrutar melhor sua relação com ele. Mas com respeito a seu trabalho A. não apresentou nenhuma mudança a partir do trata­ mento. Sem dúvida, em que pese não se haverem produzido mo­ dificações substanciais em sua situação, considerei que tinha po­ dido compreender melhor seus problemas com o patrão; sua maior autovalorização atual, por outro lado, o ajudaria a encontrar outro emprego, o que parecia sem dúvida o mais indicado, dada a deterioração que havia alcançado sua relação com o patrão - esse era um objetivo importante do ponto de vista prático, não sendo tomado como a busca de uma falsa solução (8) do problema, pelas razões expostas11. A melhoria sintomática foi muito acentuada. Sua auto-estima, como já disse, se havia elevado. Adquiriu, ainda, maior consciência da enfermidade, o que significou um importante estímulo para que efetuasse, quando pudesse, uma psicoterapia prolongada, indicada diante de seu crescente interesse por achar uma solução para suas perturbações caracterológicas. No concernente a seus estudos, interessou-se pela idéia de reatá-los, o que implicava por sua vez contar com certo projeto pessoal. Sua atividade sexual resultava bastante adequada e satisfató­ ria no dizer do paciente. Em suas relações com as demais pessoas, esperava-se que o fortalecimento de seu ego pelo insight - trouxesse paralelamen­ te mudanças no teste de realidade, já que ele havia notado sua ten­ dência dominante, isto é, a projeção de aspectos superegóicos (sobretudo nas pessoas com autoridade), em parte responsável por estas dificuldades. Por último, desfrutava melhor de seu tempo livre em compa­ nhia da mulher; pelo ressentimento para com ela, antes havia optado por iludi-la. O reteste imediato à finalização do tratamento não revelou modificações de importância.

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Ao fim de uns três anos, voltamos a nos ver para uma entre­ vista de acompanhamento. Meses depois de haver terminado o tratamento hospitalar, o paciente havia começado a psicanalisarse com uma mulher, a qual lhe havia permitido, segundo afirmou, ver como e quanto o havia afetado a morte da mãe. Tratou-se du­ rante dois anos e abandonou o tratamento, alegando novamente dificuldades econômicas. A existência deste último tratamento invalidou, como é de se supor, toda tentativa de avaliação imedia­ ta dos resultados da terapia hospitalar. Por isso, a seguir só tenho de consignar alguns fatos e comentários do paciente que, para os fins dessa apresentação, podem resultar de interesse. 1. Exceto alguns progressos em suas relações com sua mu­ lher, seu pequeno filho e seu pai, assim como em seus estudos e no estado de sua auto-estima (aos quais carece de sentido referirme aqui, pois diante da indubitável influência do tratamento psicanalítico, de nenhum modo pude atribuí-los ao tratamento hospi­ talar), revelou-me que, semanas depois de haver terminado o tra­ tamento comigo, pôde conseguir outro emprego, com melhor re­ muneração do que o anterior. Esse sucesso poderia, eventualmen­ te, vincular-se à psicoterapia hospitalar. 2. Freqüentemente assaltavam-no certas dúvidas, que teve de me confessar: até que ponto o alcançado se devia ao fato de se ter tratado? Com o correr do tempo, não teria alcançado, de todo modo, tais sucessos, sem mediar tratamento algum? Em suma: os tratamentos são realmente eficazes? (Em outros momentos de entrevista, em troca, abundaram expressões de agradecimento para comigo, pelo que eu o havia ajudado.) Em minha opinião, tudo fazia supor que ambos os tratamen­ tos haviam resultado benéficos e que, graças a eles, A. pôde supe­ rar em parte certas perturbações neuróticas crônicas e ativar um processo prospectivo que lhe permitiu desenvolver suas potencia­ lidades. Inclinava-me então a considerar essas dúvidas como ob­ sessivas, produto de sua ambivalência afetiva e que ao menos em sua relação comigo remetiam a aspectos hostis da transferência não-resolvidos, aos quais já me referi anteriormente (sua atitude depreciativa constituía além disso uma defesa ante a perda do terapeuta, baseada na negação da dor e da dependência do objeto).

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3. Havia também claras indicações da persistência de mani­ festações neuróticas e de seus transtornos de caráter. “Continuo com certa tensão nervosa - comentou. Caramba, se tudo vai bem... Sei que devem ser coisas profundas.” Recentemente apre­ sentava, segundo expressou, “alguma dificuldade” para conseguir orgasmo, a qual era previsível, tendo em conta que havia sofrido vários episódios de impotência, naturaimente, eu não podia espe­ cificar se seu transtorno era “alguma dificuldade”, como ele dizia, ou algo mais do que isso. Por último havia comparecido à entrevista com uma longa lista de temas escritos por ele, argu­ mentando que temia se esquecer de muitas das coisas que queria me dizer.

Considerações finais Este caso ilustra particularmente os seguintes pontos: 1. A importância da indagação exaustiva dos dados biográ­ ficos e do psicodiagnóstico em psicoterapia breve, a fim dc se ela­ borar uma ampla hipótese psicodinâmica inicial, que fundamenta­ rá o planejamento terapêutico. Neste caso, foram de especial inte­ resse as averiguações concernentes à constelação familiar, que permitiram prever certas peculiaridades das transferências pater­ na e materna durante a terapia. Levou-se em conta o antecedente de partilha de leito existente ao longo de toda a infância do paciente. O psicodiagnóstico trouxe elementos de grande utilida­ de para o manejo terapêutico. 2. A possibilidade de trabalhar com boas perspectivas prog­ nosticas em terapias breves, ainda com pacientes que apresentam marcantes transtornos de personalidade e que são portadores de sintomas neuróticos crônicos. As razões fundamentais se apoiam na existência de um suficiente grau de motivação para o tratamen­ to, na existência de aspectos egóicos capazes de concretizar uma aliança terapêutica e sobretudo no fato de fixar objetivos terapêu­ ticos limitados e alcançáveis. A finalidade então não é a reorgani­ zação da estrutura da personalidade nem a cura da neurose, metas que são patrimônio de outras terapias, como a psicanálise. Por isso, o prognóstico do tratamento, em função dos objetivos, pode

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ser bom ainda nesses casos. Se a isso acrescentarmos que a tera­ pia contribui para aumentar a consciência da enfermidade e a motivação no paciente, o que o motivou para um novo tratamento prolongado, ao qual acorreu depois, devemos concluir que o beneficio não foi pequeno, em que pese a possibilidade de que por momentos a tarefa terapêutica tenha sucumbido às defesas (intelectualização, etc.) do paciente, dando lugar em parte a um pseudo-insight. 3. A oportunidade e o sentido da utilização de interpretações “transferenciais ” em terapias breves, isto é, para diluir obstácu­ los transferenciais e também como mostra vivida de aspectos da problemática principal do tratamento, sem centrar com isso o tra­ balho na análise da relação paciente-terapeuta. 4. A necessidade - em certas ocasiões - de abordar conflitos básicos para obter os resultados terapêuticos esperados - ainda que a abordagem se realize de um modo incompleto, deixando de lado determinados aspectos e níveis desses conflitos - a partir de uma avaliação cuidadosa não só do que convirá, mas também do que não convirá trazer à consciência do paciente, por não poder ser suficientemente retomado e elaborado no tratamento. 5. A necessidade de trabalhar o problema da separação que se coloca ante o término do tratamento, problema que chega, por si só, a configurar um novo foco terapêutico. 6. A eventual aparição, nos estágios finais de terapia focal, de material alheio ao foco, concernente a outros sintomas ou con­ flitos do paciente e trazidos por este com a intenção, geralmente inconsciente, de obter o prolongamento do tratamento e de con­ servar assim o terapeuta.

O caso da jovem que vomitava às segundas-feirasl!. Aprofundam ento no foco

J., do sexo feminino, 21 anos, argentina, solteira, empregada numa butique, com estudos secundários completos e pertencente à classe média baixa.

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Motivos da consulta Trata-se de uma bonita jovem, que consultou o Serviço acom­ panhada de sua mãe, tendo sido encaminhada por um médico clí­ nico do hospital em razão de apresentar vômitos todas as segun­ das-feiras de manhã, tendo sido descartado previamente - por meio de exaustivos estudos - que tivesse alguma afecção orgâni­ ca. Em certas ocasiões se irritava e chegava a apresentar “crises de nervos”. Na realidade padecia de náuseas e vômitos desde os 12 anos, idade em que teve a primeira menstruação. Nos últimos tempos se produziam especialmente nas segundas-feiras pela manhã. Demonstrava certo interesse em conhecer o porquê da exis­ tência desses sintomas, mas não parecia muito preocupada em melhorar. Uma averiguação cuidadosa permitiu comprovar que a paciente obtinha claros ganhos secundários por meio de seu sofri­ mento: às segundas-feiras, por causa de seu mal-estar, não com­ parecia ao emprego, sendo sua ausência justificada; nesses dias recebia cuidados e atenção, em especial de sua mãe, assumindo por sua vez uma conduta francamente regressiva. Uns meses atrás, os vômitos haviam sido muito abundantes. Por causa deles, desidratou-se e foi necessário administrar-lhe soro. Cabe destacar que esses sintomas apareciam também ao ver­ se diante de jovens que pudessem exercer certa atração sexual sobre ela. Em mais de uma ocasião vomitou na presença deles e inclusive sobre eles. “Vomito em cima deles... É como se tivesse medo deles”, expressou. J. tinha então a impressão de que isso lhe sucedia “por ser covarde, por temor a levar alguma coisa adiante com eles e sobretudo por temor ao sexo...”, revelando a respeito certa preocupação, dadas suas dificuldades para estabelecer uma relação de casal. Um antecedente recente e importante era a ruptura de uma relação de casal (situação-problema). Esse fato derivou numa exacerbação de suas náuseas e vômitos e lhe causou certo grau de depressão. Havia mantido relações sexuais com o rapaz.

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Dados biográficos de interesse Com referência aos antecedentes familiares, mencione-se que J. provinha de uma família modesta, integrada por seu pai, de 61 anos, que ela descrevia como sereno, e por sua mãe, de 55; viviam os três juntos, unidos por um grande carinho. Quanto à mãe, oriunda de um país europeu, estava casada em segundas núpcias com seu pai. De seu primeiro matrimônio, no qual enviu­ vara, havia tido uma filha, que residia em Buenos Aires e era casada, e um filho que morrera tragicamente na Segunda Guerra Mundial. De seu segundo matrimônio nasceram na Argentina J. e um filho varão, o qual também falecera com a idade de 15 anos, quando a paciente contava 8 anos. Segundo o relato desta, em parte proveniente de certas versões que recolhera, o rapaz havia ido numa sexta-feira a um balneário com um casal de ado­ lescentes. Ali morreu afogado. J. assinalou que seu irmão havia lançado gritos desesperados pedindo auxílio, mas que o jovem e a rapariga que o acompanhavam não quiseram socorrê-lo, pois estavam entretidos em jogos sexuais. Neste aspecto resultava difícil verificar o que havia sucedido realmente, pois dava a im­ pressão de que J., além de não ter presenciado o trágico aconteci­ mento, podia estar distorcendo bastante os fatos com suas pró­ prias fantasias. Com base nesses antecedentes podia-se compreender como a conduta regressiva da paciente, “carente de afeto”, se via favo­ recida pela atitude da mãe, que havia sofrido três grandes perdas e que em conseqüência disso tornara-se ansiosa e superprotetora13. Dos antecedentes pessoais interessa consignar aqui alguns outros, referentes à sua sexualidade. J. nunca havia experimenta­ do orgasmos e durante o coito se sentia envergonhada e culpada. (“Sentia que o que fazia era uma porcaria, algo sujo”, comentou.) Temia não poder ter filhos, o que a inquietava sobremaneira. Em certa oportunidade teve uma falsa gravidez, com ausência de menstruação por três meses e aumento de volume do abdômen e dos seios.

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Avaliação diagnostica Através dos dados obtidos nas entrevistas e dos testes psico­ lógicos, chegou-se ao diagnóstico de histeria de conversão, numa personalidade que mostrava os traços típicos do caráter corres­ pondente (necessidade de ser o centro das atenções, sedução, ten­ dência à teatralização, fantasias, etc.). O psicodiagnóstico mostrou principalmente elementos da série histérica. Além disso, revelou transtornos na identidade sexual e marcadas tendências homossexuais latentes. Outros dados diagnósticos se mencionam ao fazer referência ao prognóstico do tratamento.

Hipótese psicodinâmica inicial. Conflitiva focal As descobertas recolhidas permitiram esboçar uma formula­ ção psicodinâmica prematura, que seria ratificada e ampliada durante o tratamento e que incluía uma hipótese acerca da confli­ tiva focal, à qual me remeterei em seguida. Sem dúvida, a ruptura de sua relação de casal - por decisão de seu companheiro - havia operado em J. como um fator traumá­ tico, que incrementou sua sintomatologia como expressão da rea­ tivação de antigos conflitos. Os vômitos podiam estar vinculados a seus frustrantes desejos de engravidar se levarmos em conta: a) que são comuns nas gestantes; b) seu obsessivo temor de ser esté­ ril e sua gravidez psicogênica. Por sua vez, relacionar-se-iam com desejos orais reprimidos, sobretudo de fellatio, a julgar por seus comentários acerca dessas práticas sexuais por parte de amigas suas que lhe contavam suas experiências, com as quais estava energicamente - reativamente - em desacordo, e por seus pró­ prios sonhos, nos quais aparecia ela mesma sendo objeto de cunnilinguae-, os vômitos poderíam significar basicamente rejeição da incorporação do pênis. O fato de que se manifestavam preferentemente às segundas-feiras explicar-se-ia pela intensificação de suas fantasias sexuais durante os fins de semana e/ou imediata­ mente depois, por serem os dias mais propícios para os encontros com finalidades sexuais.

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Era muito ostensiva uma fixação oral da libido (existia, além disso, o antecedente de haver sido amamentada com mamadeira até os 6 anos). Considerando a repercussão dos vômitos sobre seu ambien­ te, resultava claro que os mesmos se associavam a uma acentuada tendência regressiva. Mantinha com a mãe um vínculo simbiótico. Isso se revelava na presença constante de sua progenitora, que a acompanhava desde as primeiras entrevistas. A paciente negava seus vínculos regressivos e sustentava que era sua mãe quem se empenhava em não deixá-la só, temerosa do que lhe pudesse su­ ceder. Os vômitos lhe permitiam além disso faltar ao trabalho, esquivando-se da responsabilidade e refugiando-se na fantasia re­ gressiva. Por outro lado, detectaram-se fantasias homossexuais rela­ cionadas à figura materna. Em síntese: a perda de seu companheiro havia exacerbado ainda mais seus desejos insatisfeitos e com isso seus vômitos; ante a frustração, a paciente buscou consolo e refúgio em sua mãe através de uma regressão oral.

Metas terapêuticas Por ordem de prioridade, e de comum acordo com a paciente, estabeleceram-se os seguintes objetivos terapêuticos: 1. Obter o alívio ou a cura sintomática. 2. Clarificar o conflito atual (significação da ruptura da rela­ ção de casal e dos sintomas a ela relacionados). 3. Conseguir uma melhoria em seus vínculos interpessoais (considerando especialmente seus desejos de formar um par).

Prognóstico Considerou-se que a paciente estava apta para obter benefí­ cios de uma psicoterapia interpretativa de tempo e objetivos limi­ tados, já que apresentava um ego relativamente forte, com fun-

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ções em grande parte conservadas. A isso se acrescentava que nos encontrávamos ante uma pessoa jovem, medianamente inteligen­ te, motivada, graças ao “momento propício” que atravessava (2), para realizar uma psicoterapia, com certa capacidade de autoobservação14. Por último, a possibilidade de determinar um foco e objetivos claros foi outro elemento que permitiu formular um bom prognóstico.

Planificação do tratamento Considerou-se conveniente apelar para assinalamentos e interpretações - sobretudo “extratransferenciais” - ao operar sobre a conflitiva central do tratamento. De início efetuar-se-iam interpretações “de ensaio” (1), para ver em que grau a paciente as aceitaria. Logo, se possível, realizar-se-ia um trabalho de inter­ pretação ativa, embora cautelosa, do conflito. Levou-se em conta a possibilidade de apelar para a utilização seletiva do método da associação livre. A duração do tratamento foi fixada em três meses, à razão de duas sessões semanais de 30 minutos cada uma. Quanto à estratégia terapêutica, pensou-se que um primeiro avanço dar-se-ia ao se conseguir que J. pudesse reconhecer a conexão entre seus sintomas conversivos e sua vida emocionai. Posteriormente talvez fosse possível aprofundar-se mais nos psicodinamismos subjacentes aos sintomas, quer dizer, aprofúndar-se no foco. Considerou-se que não era conveniente intentar a aborda­ gem e a interpretação de suas fantasias homossexuais latentes numa psicoterapia de tempo limitado. A tarefa terapêutica centrar-se-ia em investigar a relação entre os sintomas mencionados e suas inibições sexuais (dificul­ dades para formar um par; frigidez). A parte final do tratamento deveria incluir, como sempre, um trabalho relacionado com as ansiedades provocadas pela se­ paração.

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Evolução durante o tratamento Logo nas primeiras sessões, nas quais evidenciou uma inten­ sa resistência, J. se tomou mais receptiva e começou a mostrar certa capacidade de insight. Revelou-se decisiva influência da morte do irmão em seu so­ frimento. Freqüentemente tinha pesadelos cujo conteúdo se vin­ culava ao acontecimento no qual aquele havia perdido a vida (eram freqüentes sonhos sobre inundações). Cabia inferir, em es­ pecial da análise de seus sonhos, que a repulsa de sua sexualidade correspondia em parte à identificação com a jovem que, segundo ela, não havia auxiliado seu irmão, entregando-se em troca a jogos sexuais. A união sexual ficava assim muito intensamente ligada, em seu inconsciente, à morte de um terceiro - como evidenciou com clareza outro sonho seu - adquirindo, para a paciente, uma significação agressiva intensa e em conseqüência muito persecutória, razão pela qual se via obrigada a rejeitar seus impulsos sexuais, e por isso seus eventuais pares, sobretudo mediante vômitos. Na realidade, a cena da morte de seu irmão encobria o complexo edípico, com predomínio do negativo, isto é, seus dese­ jos homossexuais e simultaneamente seus desejos parricidas. O terceiro, seu irmão, representava por sua vez seu pai. Mas além disso, para seu amor homossexual possessivo pela mãe, a morte de seu irmão vinha somar-se ao relato feito por esta de que haviam falecido seu primeiro marido e seu primeiro filho, o qual reforça­ va as fantasias onipotentes de J. de aniquilar todo homem rival. A respeito, J. recordou algo muito importante que relatou como se segue: “Eu estava no cinema com mamãe, desfrutávamos15juntas a sessão, quando nos vieram avisar que meu irmão havia morrido.” Compreendí que essa situação revelada por J., eroticamente carre­ gada, havia facilitado além disso a já mencionada identificação, de características sádicas, com aquela jovem. Pensou-se que tal­ vez não fosse necessário nem prudente - chegar a confrontar a paciente com estes aspectos de seu problema edípico para alcançar os objetivos propostos. J. sofria de intensos sentimentos de culpa ante a perda de seu irmão: fazia-se censuras, todavia, por seus desejos ocultos de livrar-se dele, como se o houvesse abandonado ao ocorrer a tragé-

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dia; mortificava-se pensando que devia ter feito algo para salválo. Na realidade tinha tido uma relação muito ambivalente com ele, dada sua rivalidade por conquistar a preferência de seus pais, em especial de sua progenitora. Agora tinha-a quase que só para si. Esses aspectos de seu conflito foram mostrados à paciente. Existia uma intensa idealização da figura do irmão, com o intuito de aplacar o perseguidor, no qual havia projetado seu pró­ prio sadismo. Dizia, por exemplo: “Ele era melhor como pessoa e como filho e podia ter dado mais satisfações que eu.” Durante o tratamento pôde manifestar que os desejos de ter um filho se relacionavam com um desejo reparatório inconsciente em direção a seu irmão. Comentava, entre outras coisas, que só desejava ter um varâozinho e que não podia explicar por quê. Essa descoberta significou um novo aprofundamento na compreensão focal. A perda de seu par, supervalorizada, implicava ao mesmo tempo a perda de suas possibilidades de reparação, ao ver-se impedida de procriar. A esta altura, em síntese, pôde-se precisar e interpretar-se que seus vômitos se relacionavam principalmente com: a) Fantasias inconscientes de gravidez, nas quais ao desejo de possuir um menino como substituto do pênis se agregava um intento reparador em relação à morte de seu irmão. Seu filho constituiría, além disso, uma oferenda a sua mãe, como se com ela quisesse expressar-lhe: “Aqui tens um varão em troca daquele que eu matei...” A aparição dos vômitos coincidentes com a primeira menstruação poderia ser explicada provavelmente pela influência desta última como estímulo, ao significar a possibilidade biológi­ ca de procriar. b) Fortes desejos oral-sádicos (fantasias de fellatio) reprimi­ dos. Os vômitos significavam, por sua vez, a repulsa desses dese­ jos e o castigo por eles16. c) A busca da satisfação de desejos ligados a outras pulsões parciais. A paciente havia conseguido que toda vez que tivesse vômitos lhe aplicassem injeções de um tranqüilizante nas náde­ gas. Os vômitos cediam quase instantaneamente ao receber a injeção (sugestão), situação vinculada ao desejo de ter um coito anal, vivendo inconscientemente essa situação como uma violentação.

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A esse respeito existia o antecedente de ter sofrido uma ope­ ração cirúrgica, anos atrás, por causa de uma suposta apendicite, que não houve, já que os cirurgiões, durante a operação, não en­ contraram nenhuma alteração no apêndice e em nenhum outro lu­ gar. Havia assim satisfeito seu masoquismo erógeno. d) A obtenção de evidentes ganhos secundários, o que refor­ çava ainda mais seus sintomas. e) A necessidade de provocar repulsa em seus pretendentes, enquanto experimentava seus próprios desejos sexuais como proi­ bidos e perigosos. J. relatou fantasias e sonhos durante o tratamento, o que re­ sultou muito útil para a compreensão de sua problemática, da qual foi conseguindo um insight progressivo. Começou tomando consciência da relação entre seus vômi­ tos e suas fantasias, aceitando que estas influíam na produção dos sintomas (havia dito que com freqüência vivia em parte como reais suas próprias fantasias diurnas: “Quando minto, eu mesma creio em minhas mentiras. Por exemplo, imagino que saio com um rapaz e o conto como certo... Tenho muita imaginação”). Re­ conheceu então seus desejos de gravidez (havia além disso outra prova suficiente para demonstrar a J. o poder de suas fantasias: a gravidez psicogênica). Dali vimos que deveria refugiar-se na fan­ tasia onipotente de gravidez ante a perda de sua relação de casai e das ilusões a ela ligadas. Também nessa fase da terapia assinala­ ram-se suas tendências opostas de dependência e independência com respeito à figura materna. Às vezes, um tanto intempestivamente, J. se tornava resisten­ te e até hostil. Para vencer essas resistências foi necessário utilizar interpretações “transferenciais”, a fim de que pudesse reconhecer a existência de uma situação persecutória na relação terapêutica. A transferência hostil estava ligada a seus sentimentos de inveja fálica, tal como o atestavam os testes projetivos, sentimentos in­ crementados pela existência de uma imagem supervalorizada de seu irmão no seio familiar; também era importante, como fator gerador de resistências, seu ressentimento por ter de me revelar os segredos de sua sexualidade, o que foi interpretado. A evolução de seus sintomas foi muito favorável. A intensi­ dade das náuseas e dos vômitos diminuiu com rapidez pouco

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depois de iniciado o tratamento e praticamente ao completar-se o primeiro mês. Esses sintomas, diante do assombro da paciente, cederam, o que me fez pensar que pudesse ser um efeito da suges­ tão (cura transferenciai). Não foi necessário recorrer a nenhuma medicação. No segundo mês de tratamento, o fato mais notável foi o desaparecimento das náuseas e dos vômitos histéricos, presumidamente substituídos pela aparição - numa segunda-feira de um terçol17, Ao lhe pedir associações sobre este, respondeu-me que devia ser conseqüência de ter introduzido “os dedos sujos ou uma lapiseira no olho”. Acrescentou que lhe parecia muito estranho que em troca de seus vômitos tivesse que sofrer nessa segundafeira de um doloroso terçol. Pudemos ver que a significação in­ consciente desses pensamentos era a seguinte: o terçol se achava associado a fantasias de coito, sobretudo anais, de caráter proibi­ do para a paciente (alusão do sexual como algo “sujo”, particular­ mente à analidade, através de sua referência a dedos sujos; os dedos e a lapiseira eram símbolos fálicos e penetravam em um orifício representado pelo orifício orbital; o olho tinha aqui, es­ sencialmente, um significado anal inconsciente). O terçol apare­ cia, então, por deslocamento e como sintoma substitutivo de suas náuseas e vômitos, com significado idêntico ao desses sintomas, isto é, como uma nova expressão na área do corpo de suas fanta­ sias de gravidez. Isto é, a fantasia da paciente da gênese do terçol representava a união sexual, e o terçol, proeminente, a própria gravidez, conseqüência do anterior. Na sessão, J. associou a subs­ tituição das náuseas e dos vômitos por um terçol com as manifes­ tações de uma gravidez (o terçol como volume, comprovando assim sua tendência a expressar suas fantasias através de transtor­ nos corporais18). Só em duas ocasiões - ambas em segundas-feiras - reapare­ ceu, durante o tratamento, sua sintomatologia habitual, ainda que muito atenuada, pois se reduziu a um estado de náusea. Isso suce­ deu: I o) quando no dia anterior (sempre lhe perguntava, exercen­ do um papel ativo, o que havia acontecido durante o fim de sema­ na) visitou-a em sua casa um ex-noivo seu, agora na qualidade de amigo, com sua esposa e filho, um bebê de poucos meses, e 2 o) no dia seguinte a um domingo em que foi ao cinema, diga-se de pas-

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sagem com sua mãe; esse fato ficava associado à morte de seu irmão pelo já visto anteriormente. Contou-me depois a forte impressão que lhe haviam produzido certas cenas do filme. Neste, “Los perros de paja”, tal o título em castelhano - um filme que inclui cenas de muita violência - uma jovem, de traços histéricos, provoca sexualmente um grupo de homens, que finalmente a fazem objeto de um brutal estupro por via anal. Já durante a proje­ ção do filme J. havia começado a sofrer de um estado de náusea. Esses fatos foram muito úteis para mostrar-lhe novamente como suas náuseas e vômitos se relacionavam com seus desejos sexuais reprimidos, estimulados, nessas circunstâncias. Pôde aceitar que seus sintomas expressavam seu sentimento reativo de repugnân­ cia por tais desejos e ao mesmo tempo a busca inconsciente de sua satisfação (injeções). Desde a metade do segundo mês até o final do tratamento abordaram-se especialmente: 1. A relação entre seus desejos de gravidez e a dor patológi­ ca pela morte de seu irmão, ao longo de sessões que tiveram nela e em mim profunda repercussão emocional. Em seus pesadelos frequentemente aparecia sua irmã afogando-se. Ela presenciava a cena sem poder evitá-la. Na realida­ de, a irmã representava ela mesma, temerosa de sofrer retaliação, o castigo pelos desejos de morte em relação ao irmão19. A delicada e difícil tarefa de encarar esse problema da pa­ ciente se efetuou, tratando de assinalar, no breve tempo disponí­ vel, não só seus impulsos agressivos e sua inveja fálica para com seu irmão, mas também de modo paralelo e constante a existência de sentimentos carinhosos e de autênticos desejos reparatórios. Convencido de que a elaboração de luto permanecería inconcluída, procurei atenuar as ansiedades persecutórias e a regressão conseqüente, derivadas da mobilização afetiva ocasionada, cui­ dando de mencionar sempre o componente do amor, seguindo nisto Szpilka e Knobel quando sugerem que as intervenções em psicoterapia breve não se dirigem a mostrar “um só dos agentes de personalidade, senão os vários aspectos em jogo” (10). Este é um dos meios de manejar a regressão. 2. Suas dificuldades nas relações interpessoais. Começou a encontrar-se com jovens sem ter vômitos e evidenciando de modo

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geral progressos no trato com eles. Mostrava-se muito grata a mim, pois seus vômitos a haviam feito sofrer durante muitos anos. A esta altura fez-se ainda mais notória a incidência do luto pela perda do irmão em sua problemática sexual: trazia sonhos cujo denominador comum era o desejo de dar à luz um varão. Por outro lado, em certa oportunidade mencionou que sua mãe lhe havia con­ fiado que desde a trágica morte de seu irmão apresentava uma mar­ cada inibição de sua atividade sexual. “Não sei - disse-me a pacien­ te se foi ela quem ‘me passou’ ou não alguns traumas...”. Existia ao que parece certo grau de identificação melancólica com sua progenitora, o que co-determinava suas próprias inibições sexuais. J. trazia com menos temor seus problemas sexuais. Isso era conseqüência de uma confiança na relação comigo, com uma diminuição de suas ansiedades paranóicas. Mostrei-lhe como os ganhos secundários de seus sintomas podiam interferir na sua cura (cabe mencionar aqui que a partir do segundo mês de tratamento a paciente já comparecia sozinha às sessões). Realizei certo trabalho interpretativo em tomo da separação, ao qual não se associaram maiores dificuldades (penso que isso foi possível porque desde o primeiro momento tratei de estimular em J. sua iniciativa pessoal, com critério prospectivo), salvo que J. registrou suas únicas ausências nas duas sessões finais do trata­ mento, racionalizadas com argumentos pouco consistentes e cujo provável significado seria o de tentar inverter os papéis e aparecer como ela abandonando o tratamento antes de se sentir abandona­ da. Depois compareceu às entrevistas de avaliação. Em suma, chegou-se a obter uma certa clarificação de sua problemática e do significado de seus sintomas com relação ao luto pela morte de seu irmão. As interpretações foram centrandose nesse ponto (a rivalidade com seu irmão, seus sentimentos de culpa e seus desejos de reparação, o sexual como algo detestável, etc.) e assim foi-se aprofundando o foco. Não se encarou a fundo o complexo de Edipo positivo e negativo, o que parecia mais com­ plicado ainda neste tratamento de tempo limitado (se bem que o luto patológico não ficasse atrás em extremo nesse sentido; por isso foi necessário “deixar passar” material que era tentador inter­ pretar).

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Avaliação dos resultados terapêuticos Avaliação imediata Nas entrevistas de avaliação imediata, a paciente opinou acerca do tratamento: “Foi bastante positivo. Superei muitas coi­ sas, os vômitos das segundas-feiras... certamente podem ficar muitas coisas que eu mesma posso superar pouco a pouco, já sa­ bendo quais são meus problemas. Claro que voltarei a consultar-me se necessário.” Concordamos que havia alcançado em boa medida com­ preensão insight - dos motivos determinantes de seus proble­ mas atuais e que dia após dia podia manejá-los melhor. A melhora sintomática era muito ostensiva no que se referia aos sintomas positivos de sua neurose. As náuseas e os vômitos haviam desaparecido, da mesma maneira que a depressão. No to­ cante a suas inibições, a melhora foi menos notável. Ainda que tenham desaparecido reações impróprias (os vômitos), persistiam dificuldades em suas relações com os homens, que no entanto pareciam já estar a caminho de serem superadas. Nesse sentido, J. manifestou confiança em poder formar um novo par e gozar se­ xualmente. Havia-se elevado sua auto-estima. A terapia produziu além disso outras modificações favoráveis em suas relações interpes­ soais. Via-se menos ligada à mãe e com desejos de aproveitar seu tempo livre integrando-se a grupos de ambos os sexos. Outras modificações geradas pela terapia em torno de questões tais como o trabalho foram de importância secundária ou não ocorre­ ram, como no concernente a uma eventual elaboração de projetos pessoais. O reteste também evidenciou uma evolução favorável: repa­ ração da figura masculina e tentativas de sublimação de seus de­ sejos orais. Transcorrida a etapa avaliativa, J. se despediu de nós sem que combinássemos novos encontros para o futuro, mostrando-se muito agradecida pelo que havíamos feito por ela.

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Avaliação mediata Cerca de três anos depois e após grandes esforços para locali­ zá-la, pois se havia mudado com seus pais, consegui encontrá-la. Desloquei-me até seu domicílio, já que J. não tinha telefone. Recebeu-me sua mãe (J. não se encontrava ali no momento), que se alegrou de me ver. Pedi-lhe que dissesse a J. que tratasse de se comunicar comigo e aproveitei a ocasião, além disso, para obter sua impressão sobre o estado da jovem. Contou-me que a seu ver havia mudado notoriamente a partir do tratamento efetuado; mos­ trava-se otimista e ativa de modo estável, havia conseguido um novo emprego, mais bem remunerado, e um companheiro, e nunca mais havia apresentado episódio de vômitos. Para ela - prosseguiu comentando - “o problema” de J. fora sempre o de seu irmão fale­ cido. Finalmente acrescentou que desde algumas semanas J. pen­ sava em falar comigo para que atendesse uma amiga sua. A paciente me ligou quando recebeu meu recado e pudemos marcar uma entrevista de acompanhamento. A maior parte das declarações de J. e das conclusões que se podem extrair de tal en­ trevista são dignas de serem expostas com certo detalhe, pois con­ sidero que ilustram adequadamente a eficácia e o alcance que o procedimento terapêutico aplicado parece ter atingido. Encontrei J. sorridente e de excelente aspecto. Seus gestos me pareceram mais sóbrios, menos teatrais. Não havia recebido nenhum outro tratamento psicológico após ter terminado o efetuado comigo. Com grande satisfação, expressou: “Desapareceu uma série de problemas que eu tinha. Não tive mais problemas de vômitos e tive uma mudança radical em tudo: estou noiva, vou muito bem com ele, mudei de trabalho, me sinto bem. O tratamento foi difí­ cil para mim. Recordo que, às vezes, rejeitava muito você. Até tinha bronca de você. Agora entendo que era pelas coisas que me fazia ver.” J. me falou de seu parceiro, com quem se relacionava há dois anos. “É muito centrado, tem 28 anos (J. tinha 23 na época da entrevista), é engenheiro, estamos próximos do casamento, talvez dentro de uns meses, no fim do ano... Nos completamos em ques­ tão de temperamento. Meu temperamento está mudado, estou

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mais alegre, brinco, gosto não só da companhia do meu noivo, mas também de sair em grupo. Antes tratava de ficar só, não tinha desejos de sair e nem de me arrumar.” No que se refere à atividade sexual, J. assegurou que tinha relações sexuais satisfatórias com seu parceiro e que quase sempre conseguia o orgasmo. “Antes continuou - não era feliz sexualmente, sentia-me usada, o sexo era algo asqueroso para mim... Não rejeitei meu noivo em nenhum momento. E não comentei nada de minha outra relação (alude a seu parceiro anterior). Não acho necessário.”20Mais adiante conti­ nuou se referindo à sua sexualidade: “Creio que tenho mudado muito minhas idéias sobre sexo... Com ele temos bastante liberda­ de sexual, conseguida pouco a pouco... Eu antes não tinha podido mostrar-me desnuda diante de um homem, com a luz acesa. Ago­ ra, pelo contrário, considero normal.” Torna-se indubitável que ao longo do tempo depois do trata­ mento, J. havia vencido em grande parte suas inibições sexuais, havendo formado um par, com o qual aparentemente se achava muito ajustada, e superado sua frigidez. Foi, isso sim, necessário que passasse certo tempo para que pudessem cumprir-se esse objetivos terapêuticos e comprovar-se assim os frutos do trabalho desenvolvido, segundo o relato da paciente e o de sua mãe. Manifestou desejos de casar-se logo para poder ter filhos. Enquanto isso recorria a anticonceptivos orais. “Apesar de meus desejos de ter filhos, não me esqueço de tomá-los”, comentou sorrindo. J. queria sem dúvida fazer-me notar que tinha presente aquilo que havíamos explorado durante sua terapia e que além disso estava muito atenta no que se referia a tomar as precauções devidas, a partir da profunda convicção - obtida mediante o trata­ mento - que tinha a respeito da força de seus desejos inconscien­ tes. Não havia tido abortos. Quanto às relações com seus familiares, contou-me que se sentia muito bem com seus pais, e ao mesmo tempo muito mais independente. Como havia comparecido à entrevista com sua mãe, importou-lhe esclarecer-me que esta havia insistido tanto em acompanhá-la que lhe parecera absurdo negá-lo, mas que na ver­ dade sentia que isso não era necessário em nada, diferentemente do que sucedia antes, quando ela mesma requeria a companhia e os

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cuidados de sua progenitora, chamando de algum modo a atenção para isso. “A relação com minha mamãe - continuou a me contar J. - mudou muito, ao menos de minha parte. Agora compro sozinha minha roupa... Antes, tenho certeza, não teria podido casar e viver longe dela. Agora tenho propostas para viver com meu futuro marido na província e não vejo inconvenientes.” A paciente atri­ buiu ao tratamento efetuado uma decisiva influência nas modifica­ ções que a relação com sua mãe apresentava21. Do mesmo modo, J. havia sido antes muito dependente em relação à irmã, com a qual agora - segundo ela - se vinculava mais, “de igual para igual”, sem ajustar-se incondicionalmente às opiniões dela, aceitando-as como tais, mas desenvolvendo pontos de vista. Havia interrompido seus estudos de modelo publicitário, devido ao fato de que os encarregados de dar-lhe trabalho tacitamente lhe impunham como condição que mantivesse relações se­ xuais com eles. Isso se repetiu em duas ou três oportunidades, razão pela qual decidiu abandonar definitivamente esse campo. Referiu-me que sempre se sentira atraída pela arte cênica, mas que no momento não pensava em estudar teatro, já que o que lhe interessava era concretizar com brevidade seus planos de contrair matrimônio e nesse sentido voltava-se com afinco para seu traba­ lho numa empresa distribuidora de peças para automóveis, onde obtinha um salário superior ao de seu emprego anterior e ainda tinha possibilidade de melhorar seus ganhos muito mais. Espontaneamente comentou que, cm função de uma bron­ quite que contraíra, deixara de fumar. Pôde consegui-lo contro­ lando a ansiedade derivada de tal abstinência, fato que a seu ver era um efeito da terapia, ainda que não pudesse precisar melhor de que maneira esta a havia ajudado nesse problema. Depois referiu-se a seus estados depressivos, que já haviam deixado de acontecer. De imediato aludiu à recordação de seu ir­ mão falecido: “Não penso tanto nele. Inclusive, antes desejava ter um varão ruivo como meu irmão. Agora não. Quero que se pareça com meu noivo e comigo... Quando nos mudarmos, não quero mais pendurar fotografias de familiares mortos, como meu irmão, meus tios...” Isso podia indicar certa atenuação da culpa pela morte do irmão, o que lhe permitia um maior desprendimento do objeto per­ dido, podendo dedicar-se mais a seus próprios desejos pessoais.

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Queria enviar-me uma companheira de trabalho, para que tratasse dela, o que constituía uma manifestação a mais de sua confiança em mim. Quase no final da entrevista, após haver-lhe transmitido minhas impressões ao longo da mesma, expressei-lhe minha sa­ tisfação de encontrá-la bem e com tão gratas novidades, reiteran­ do que contasse comigo para qualquer necessidade, depois do que nos despedimos, não sem que J. tivesse palavras de emocionado agradecimento para comigo. Desde esse momento não voltei a ter notícias dela. Finalmente, ao se registrarem nessa oportunidade resultados positivos em I.P.F. (insight da problemática focal), R.P.F. (resolu­ ção clínica - total da problemática focal, por substituição das reações impróprias pelas apropriadas, em suas relações heterosse­ xuais) e M.S. (melhoria sintomática), o resultado final, de acordo com o sistema de avaliação proposto no capítulo 11, considera-se muito favorável.

Considerações finais Este caso convida à reflexão em torno de vários pontos. Sem dúvida é polêmico e penso que constitui uma mostra fiel das múl­ tiplas interrogações que se apresentam na prática dessas terapias a respeito da teoria da técnica. Tais questões devem servir de estí­ mulo para discutirmos e investigarmos propostas que resultem úteis e que conduzam a linhas de trabalho fundamentadas dinami­ camente. Também é interessante o problema que levanta com relação aos resultados terapêuticos. 1. O uso flexível e seletivo do método da associação livre rende seu frutos ao aplicar-se em quem conta com possibilidades reais de responder de um modo favorável (aqui põde-se utilizá-lo com êxito, por exemplo, a propósito dos sonhos da paciente e da aparição do terçol). 2. Podemos observar neste caso a evolução do foco durante o tratamento, quando a compreensão dos dinamismos da conflitiva focal vai-se enriquecendo e se aclarando como conseqüência de descobertas progressivas. É possível uma maior definição do jogo

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de inter-relações entre os diversos fatores. O aprofundamento no foco revela a sobredeterminação dos sintomas e é facilitado pelas condições da paciente para se remeter ao material focal e obter insight desses conflitos22. 3. Se bem que aqui tenha-me aventurado de novo num traba­ lho interpretativo de certo modo profundo, com incursão em aspectos históricos infantis - já que penetrar na relação que a paciente mantinha com o irmão e no luto patológico que sobre­ vêm a essa perda, ocorrida em plena infância dela, não supõe ou­ tra coisa - não me afastei da conflitiva focal. As interpretações que incluíam aspectos históricos infantis eram, repito, sempre focalizadas, possibilitando assim o aprofundamento do foco. Se tivessem estado “fora de foco”, isso teria implicado o risco de “abrir feridas” desnecessárias, provocando uma maior mobiliza­ ção na paciente, relacionada com conflitos que não poderiamos abarcar o suficiente durante o tratamento. 4. No que se refere aos problemas suscitados pela presença de lutos patológicos de importância em tratamentos de curto pra­ zo, cabem aqui as considerações efetuadas em capítulos anterio­ res (ver os capítulos 10 e 12). Mas quero formular uma interroga­ ção que surge em seguida: se é conveniente, ou ainda necessário, incluir um luto dessa natureza, entre os aspectos a serem tratados com o paciente, no programa terapêutico de uma terapia de dura­ ção limitada (o qual coincide, nessa oportunidade, com o proble­ ma da atitude a ser assumida ante o histórico infantil). Neste caso particular, minha resposta é afirmativa. Incluir o luto era de certo modo algo inevitável, como fui compreendendo ao longo do pro­ cesso terapêutico, pois a meu ver constituía um problema de importância fundamental, que estava no próprio núcleo do sinto­ ma como conflito subjacente e que requeria abordagem, ainda que só pudesse ser efetuada de modo parcial. Cabe perguntar se o fato de não haver trabalhado desse modo teria produzido resultados similares aos obtidos quanto à remissão da sintomatologia, baseda em certo grau de insight a respeito do conflito centra! do trata­ mento, resultados esses que ficam corroborados no meu enten­ d e r- pelo acompanhamento efetuado anos depois. Uma vez convencidos de que devemos nos ocupar direta­ mente do luto, surge a necessidade de recolocar nossa modalida-

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de técnica ante esses problemas, adaptando-a ao enquadramento existente nesse tipo de terapia para evitar que elas se convertam numa psicanálise incompleta, com conseqüências previsíveis. Ao descrever este histórico expus a posição que adoto, partindo das propostas de Szpilka e Knobel (10). Esta inquietude leva não só a ajudar o paciente ao máximo, dentro das possibilidades institucio­ nais, mas também a não prejudicá-lo com técnicas inadequadas. Até aqui refiro-me somente às necessidades e vantagens de incursionar na problemática do luto, mas desde já com a ressalva de que tal atitude contém os riscos próprios de uma tarefa terapêu­ tica escabrosa, que em termos ideais deveria ser tão prolongada quanto intensiva, e que em virtude da limitação temporal ficará forçosamente incompleta. A elaboração insuficiente do luto po­ derá acarretar o reaparecimento dos sintomas ou novas manifes­ tações do conflito (fato não comprovado nesta paciente após transcorridos cerca de três anos do término do tratamento). Mas trata-se de um risco previsto, calculado. Para isso existem os acompanhamentos, que oferecerão oportunidade de detectar re­ caídas e de assinalar, quando a situação o requeira, a necessidade de retomo à psicoterapia. Em nossa paciente, penso que os resultados obtidos com re­ lação à abordagem do luto enquistado não devem ser subestima­ dos. Creio que, na prática, ainda em terapias de objetivos limitados, nos problematizamos e equivocamos - em demasia, quando, com nosso furor curandis, pretendemos conseguir uma elabora­ ção de conflitos fundamentais ou solucionar perturbações caracteropáticas que costumam levar muito mais tempo, habitualmente anos de trabalho esforçado. Nesta oportunidade poder-se-ia questionar - e creio que com certa razão - a abordagem de um conflito ocasionado por um luto patológico num tratamento de três meses apenas. Colocando-nos sempre a alternativa de ter de fornecer uma terapia de tempo limi­ tado, como ocorre no contexto hospitalar, o que corresponde ao caso de que nos ocupamos (paciente de escassos recursos econô­ micos, em primeira experiência psicoterápica, que se consulta ao ser encaminhada e não por iniciativa própria, talvez necessitada de adquirir maior consciência da enfermidade e de aumentar sua motivação para considerar futuramente a opção de um tratamento

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prolongado), penso agora que o que talvez pudesse ter sido feito e resultasse conveniente seria fixar, desde o começo, um tempo maior para a terapia23. 5. Que essas terapias sejam indefectivelmente “superficiais” constitui por certo um preconceito, já que, diante de pacientes muito cooperativos e capacitados para o insight, o grau possível de aprofundamento interpretativo e de “insight ” alcançado con­ comitantemente pode - em certas ocasiões - ser significativo. E isso o que ocorreu com esta inteligente e flexível paciente (apesar de apresentar por momentos intensas manifestações resistenciais), razão pela qual foi possível interpretar, por exemplo, fanta­ sias pré-genitais inconscientes (em especial as de caráter oral e anal), numa magnitude a princípio inusual em minha experiência em psicoterapias de tempo limitado24. Naturalmente faço referên­ cia a uma profundidade que se alcança somente em aspectos par­ ciais da conflitiva, permanecendo diversos conflitos sem serem desenvolvidos, como se pôde apreciar ao longo deste histórico. Por último, algo mais sobre os resultados obtidos. Também em matéria de resultados terapêuticos das terapias breves existe um preconceito muito arraigado, que consiste cm crer que as mudanças produzidas são sempre “superficiais” e/ou transitórias. A natureza da melhoria, sua estabilidade e os novos progressos ao longo de quase três anos de evolução, nos dão neste caso a medida de que isso não é exato. Vemos que em nossa paciente, apesar de ter-se efetuado um tratamento apenas de três meses, os resultados ultrapassaram a mera cura ou alívio de um, é bom recordar, incô­ modo e antigo sintoma. O acompanhamento permitiu descartar as temidas recaídas, e pareceu haver-se chegado a uma resolução dinamicamente parcial, ainda que bastante firme do conflito, e que é de se destacar haver-se instaurado um ciclo prospectivo e uma adaptação produtiva à realidade, concretizados nos êxitos obtidos pela paciente nos anos que se seguiram ao tratamento. As mudanças impressionam como tendo tido um alcance que em alguns aspectos transcende os objetivos terapêuticos propostos. (Lamentavelmente não se pôde contar com um novo reteste, após três anos de finalizado o tratamento, que permitisse um estudo mais exaustivo - e mais bem documentado - sobre o caso.)

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A experiência de investigadores como Dewald também pare­ ce demonstrar que é possível obter resultados terapêuticos muito bons. Assinala este autor que “em alguns enfermos, bem ‘prepa­ rados’ sensível e psicologicamente, pode desenvolver-se um insight importante dos conflitos num contato terapêutico relativamente curto e que exerça um efeito terapêutico duradouro” (3). Apesar de esses resultados não serem habituais em psicoterapias breves, podem bem produzir-se, como vimos nesta ocasião, a propósito do tratamento de J.

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Coloquio Acta 1967: Psicoterapia Breve. Acta psiq. psicol. Amér. L ar., ju n h o 1968, vol. X IV , n ° 2, B u e n o s A ire s.

14. Formação de terapeutas em psicoterapia breve*

Introdução

Está fora de qualquer dúvida que uma preparação psicanalítica prévia adquire importância decisiva na formação em P.B. Wolberg (5), entre outros, reafirma isso de maneira concludente. E que, entre outras coisas, é necessária uma rápida captação da problemática do paciente e o conhecimento e manejo dos fenô­ menos transferenciais e contratransferenciais que abranjam as variações que no campo criam fatos tais como a conduta ativa do terapeuta ou a combinação dos diferentes recursos terapêuticos. Por esse motivo, será de grande utilidade contar com suficiente experiência de análise pessoal. Conhecimentos teóricos e prática psicanalíticos. No que diz respeito às emoções contratransferenciais, cabe assinalar a necessidade de que o terapeuta exerça um controle adequado sobre elas, especialmente em circunstâncias que para ele reproduzam a situação triangular, nas quais pode chegar a colocar-se como o excluído, o que, como vimos, acontece com freqüência num tratamento breve (ver capítulo 8, pp. 155 s.). De­ verá dominar tanto o sentimento de exclusão que possa experi­ mentar como os componentes de ciúme, rivalidade, etc., que o * Tradução de Rosa Maria Salmen Scaramuzzi.

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acompanhem, pois do contrário corre o risco de atuar nocivamen­ te, o que também já foi assinalado (capítulo 8, pp. 155 ss.). A partir daí deduz-se que são os psicanalistas experientes que estão em melhores condições de exercer a P.B., já que podem contar, dentre as muitas vantagens em comparação com um tera­ peuta principiante, com uma boa elaboração de seus próprios con­ flitos básicos. Mas sabemos que na prática a realização dos trata­ mentos breves se assenta em boa parte em terapeutas novatos, e que o treinamento deles em tais tratamentos não costuma ser pre­ cedido de uma sólida formação psicanalítica, o que seria ideal, mas que no máximo coincide com o desenvolvimento dela. De qualquer forma, cumprida previamente ou não a etapa psicanalítica, a formação do terapeuta em P.B. consistirá na apren­ dizagem da teoria de sua técnica e no treinamento psicoterapêutico adequadamente supervisionado. A seguir me ocuparei desses aspectos, para em seguida descrever alguns dos requisitos ou con­ dições que me parecem importantes para ser um bom terapeuta em P.B. Finalmente, exporei um modelo de registro clínico que acredito pode servir de guia na prática e favorecer uma sistematização operativa da tarefa.

Aprendizagem teórica

Ainda aceitando que na verdade seja difícil “fazer e aprender simultaneamente psicoterapia e psicanálise” (Joseph [2]) e em virtude de apresentar-se na maioria das vezes essa necessidade nas fases iniciais do caminho a ser percorrido por todo terapeuta iniciante, considero que será melhor, como primeira medida, que este se fixe no objetivo de conhecer com clareza as características principais que distinguem uma terapêutica da outra, para não se abandonar a uma situação que o condene a transformar o trata­ mento breve numa “psicanálise breve”. Para isso será mister estu­ dar conscienciosamente certos princípios essenciais da P.B., pois os erros mais comuns na sua prática correspondem precisamente à extrapolação da técnica psicanalítica. É claro que tal pretensão exige a existência de fundamentos teóricos definidos em P.B. Fiorini assinalou a influência negativa que a carência de uma

Formação de terapeutas em psicoterapia breve

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identidade teórica por parte da P.B. (1) exerce na formação dos terapeutas. É possível que assim seja, e que em grande parte essa carência, a meu ver, constitua mais que tudo o produto da falta de coerência nas contribuições - à qual também se refere acertadamente Fiorini (1) que com frequência colocam hipóteses incon­ ciliáveis entre si e que também freqüentemente se fundamentam em esquemas referenciais diferentes. Alguns requisitos a se levar especialmente em conta no ensino da P.B. seriam então: partir de embasamentos teóricos sólidos (por exemplo e fundamentalmen­ te os fornecidos pela psicanálise) e expor um método que apresen­ te coerência suficiente, propósitos cuja concretização encerra uma árdua tarefa que ainda não terminou de se cristalizar, e que é a que pode fornecer a orientação e o respaldo necessário para evitar que os jovens profissionais caiam no desânimo e na descrença. Além disso, ao longo de meu trabalho como docente em P.B., tenho experimentado quase sempre a necessidade de incluir ini­ cialmente nos grupos um trabalho que chamaria de “abrandamen­ to” dos colegas, no sentido de conseguir deles uma boa disposição para a aprendizagem do tema, já que sobre o mesmo abundam preconceitos de todo tipo, que convém, então, rever de início, so­ bretudo porque se continua insistindo equivocadamente em de­ frontar a P.B. com a psicanálise, como se se tratasse de dois proce­ dimentos antagônicos.

Treinamento psicoterapêutico

As necessidades atuais de recorrer a esses procedimentos pa­ ra oferecer atenção psiquiátrica à numerosa população que recorra aos diversos estabelecimentos assistenciais (serviços psiquiátricos hospitalares, centros de saúde mental, instituições privadas), assim como o reconhecimento da terapia focal como técnica, cuja aplica­ ção é factível e/ou recomendável em não poucos casos que se apre­ sentam nos consultórios privados, são fatos que provocam exigên­ cias nos profissionais, posto que ainda significa para muitos o debut como psicoterapeutas. Mas não é menos certo que também estimulam e oferecem por sua vez, com certa facilidade, oportuni­ dades para o exercício desse método terapêutico.

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Psicoterapia breve de orientação psicanalítica

Supervisão clínica

Preferencialmente, deverá estar a cargo de profissionais ex­ perientes tanto em terapias prolongadas como em terapias focais. Todavia comprovam-se comumente dificuldades dos superviso­ res nos tratamentos hospitalares que, por carecerem de experiên­ cia de campo e partirem exclusivamente da experiência obtida no âmbito de seus consultórios particulares, mostram-se rigidamente vinculados à técnica analítica ortodoxa. Costumam apresentar problemas de adequação ao contexto institucional e reforçam, nos supervisionados, a tendência à extrapolação da técnica psicanalítica, com deficiências tais como não corrigir - e ainda fomentar o emprego exagerado de interpretações transferenciais, atitudes “passivas” do terapeuta, etc. Quer dizer, uma função elementar do supervisor, além das que correntemente se lhe apresentam, será a de assinalar, para os terapeutas, as contradições técnicas em que possam incorrer. Por outro lado, a supervisão deverá enfatizar a elaboração de uma história clínica minuciosa, a delimitação de um foco, o estabe­ lecimento de objetivos terapêuticos e o planejamento. Do mesmo modo deverá ajudar a detectar o ponto de urgência nas sessões e estimular a assunção de um papel ativo por parte do terapeuta; pres­ tará especial atenção aos problemas imediatos da realidade externa do paciente e aos que poderão derivar da dissolução do vínculo terapêutico, incluindo-os como tema que é necessário tratar. Fi­ nalmente deverá propor a realização sistemática de avaliações.

A lgum as condições necessárias para um terapeuta em psicoterapias breves

Mencionarei apenas aquelas que me parecem fundamentais (supõe-se que tanto uma boa análise pessoal como o conhecimen­ to e o treinamento em psicanálise poderão, em maior ou menor medida, contribuir para a obtenção dessas condições): 1. Capacidade para estabelecer prontamente um bom rapport com o paciente (Knobel [3]).

Formação de terapeutas em psicoterapia breve

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2. Capacidade para compreender a natureza dos problemas centrais do tratamento em breve espaço de tempo. 3. Capacidade para desempenhar um papel ativo no processo terapêutico. 4. Flexibilidade livre de preconceitos, e criatividade para exa­ minar e combinar os diferentes recursos terapêuticos que domine e dos quais disponha quando as circunstâncias o requeiram. No que diz respeito a seus conflitos pessoais: 5. Certa elaboração da conflitiva edípica que lhe permita um manejo das situações triangulares, nas quais possa sentir-se en­ volvido durante o tratamento. 6. Suficiente tolerância à frustração para: a) Conformar-se com o ganho de objetivos terapêuticos li­ mitados. b) Renunciar às gratificações especiais proporcionadas pela relação analista-paciente (ver capítulo 8). c) Resignar-se a não alcançar graus profundos de investi­ gação dos psicodinamismos de cada paciente. d) Suportar sem excessivas dificuldades a separação dos pacientes.

FICHA CLÍNICA PARA PSICOTERAPIAS BREVES Local (serviço, centro de saúde mental, instituição ou consultório privado):........................................................................................... Data de admissão:........................................................................... Nome e sobrenome: ....................................... Sexo: .................... Idade:...................... Residência: .................................................. Telefone:........................... Nacionalidade:................................. Estado civil:........................... Ocupação:.................................. Escolaridade:..................................................................................

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História clinica (resumo): Motivo da consulta (inclui descrição da situação-problema e dos fatores desencadeantes):..................................................................

Dados biográficos de interesse (inclui antecedentes familiares e pessoais):..........................................................................................

Avaliação diagnostica: Diagnóstico nosográfico-dinâmico: a) Do episódio. b) Da enfermidade. c) Da personalidade. Inclui ainda: - Grupo familiar: Diagnóstico e incidência - incluindo a que exerce o meio social do paciente na problemática. - Avaliação das condições egóicas. Interessam especialmente: a) Funções egóicas básicas (percepção, atenção, memória, pensamento, etc.). b) Relações objetais. c) Controle de impulsos. d) Tolerância à ansiedade e à frustração. e) Mecanismos de defesa. f) Regulação da auto-estima.

Formação de terapeutas em psicoterapia breve

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Isso nos conduzirá a uma avaliação da potência e plasticidade do ego................................................................................................ Grau de motivação para o tratamento e atitudes para o insight:....

Determinação do fo c o :....................................................................

Hipótese psicodinâmica inicial:

Foco terapêutico. Sua estrutura. Descrição:

Pontos de urgência ao começar o tratamento:

Informações psicológicas (Testes: Bcnder, Casal, Rorscharch, Phillipson, T.A.T., etc.). Elementos mais importantes:..................

Metas terapêuticas: a) Primordiais:......... b) Secundárias:........ Duração do tratamento: Prognóstico:...................

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Psicoterapia breve de orientação psicanalítica

Planifícação do tratamento: Psicoterapia: a) De insight (predominantemente). b) De reforçamento egóico (predominantemente). Tipo de relação

í terapeuta (ativo, diretivo, etc.)

paciente terapeuta:

j posição (frente a frente, etc.)

Recursos terapêuticos: A ssin a la m e n to s ‘‘T ra n s fe re n c ia is ” “ E x tra tra n s fe re n In te rp re ta ç õ e s

c ia is ” D a s ra íz e s in fa n tis

In te rv e n ç õ e s .

do c o n flito P e rg u n ta s In fo rm a ç õ e s In s in u a ç õ e s

P sic o te ra p ia

C o m e n tá rio s

in d iv id u a l

In te rv e n ç õ e s d e re a s se g u ra m e n to

v e rb a l

In d ic a ç õ e s C o n se lh o s U so - o p ta tiv o - d o m é to d o d a a ss o c ia ç ã o liv re P sic o fá rm a c o s In c lu sã o d e fa m ilia re s e /o u fig u ra s p ró x im a s

O u tro s

T é c n ic a s d ra m á tic a s T e ra p ia g ru p a i, o c u p a c io n a l, etc. A ssistê n c ia so c ia l, etc.

Formação de terapeutas em psicoterapia breve

259

Sessões: duração, freqüência e periodicidade:

Duração total do tratamento:

Estratégia terapêutica Conflitos a abordar e possível seqüência de tal abordagem; con­ signar a utilização dos diferentes recursos terapêuticos; assinalar o tipo de material que deverá ser descartado; funções egóicas a serem reforçadas; eventuais modificações na freqüência das ses­ sões; a tarefa em torno da separação ante o final do tratamento:....

Contrato: Detalhes do contrato sobre metas terapêuticas, duração do tratamen­ to, duração, freqüência e periodicidade das sessões; data do término do tratamento, das entrevistas de avaliação e do reteste (se houver):..

Evolução durante o tratamento: Evolução do foco, da motivação ou da resistência ao insighf, pos­ sibilidades do paciente de centrar-se no focal; principais pontos de urgência; linhas interpretativas e tipo de interpretação, evolu-

260

Psicoterapia breve de orientação psicanalitica

ção do estado do paciente, evolução da relação terapêutica (a transferência e a contratransferência); menção ao uso e aos efeitos de outros recursos terapêuticos; o término:.....................................

Avaliação dos resultados terapêuticos: I) Avaliação imediata Impressões gerais do paciente acerca do tratamento Insight da problemática focal (I.P.F.)

Resolução da problemática focal (R.P.F.) Melhoria sintomática (M.S.)

Consciência da enfermidade Auto-estima Modificações favoráveis em: Vida sexual Relações de casal Outras relações interpessoais (familiares, de amizade, de traba­ lho, etc.) Estudos Trabalho Recreação

Formação de terapeutas em psicoterapia breve

Projetos para o futuro1

Reteste. Resultados

Considerações finais Separação paciente - terapeuta Ajustamento do acompanhamento. Datas de entrevistas de avalia­ ção e do reteste. Recontrato (com objetivos limitados). Objetivos Passagem a outros tratamentos: a) Com o mesmo terapeuta b) Com outro terapeuta

Especificar o tipo de tratamento (psicanálise, psicoterapia de gru­ po, etc.) ..............................................................................................

2) Avaliação mediata (acompanhamento) Insight da problemática focal (l.P.F.)........

Resolução da problemática focal (R.P.F.) Real

262

Psicoterapia breve de orientação psicanalítica

Duvidosa Sem modificações Recaídas2 Falsa solução valiosa (4) Falsa solução (4), cura transferenciai, fuga para a saúde, evitação com ou sem recaída Agravamento

(

Mecanismos Alcance Estabilidade

Consciência da enfermidade:

Auto-estima:

Modificações favoráveis em: Vida sexual Relações de casal Outras relações interpessoais (familiares, de amizade, de traba­ lho, etc.) Estudos Trabalho Recreação

Projetos para o futuro:

Formação de terapeutas em psicoterapia breve

263

Novas situações conflitivas:

{ Mecanismos Alcance Estabilidade

Outros tratamentos realizados:.......

Reteste. Resultados:

Resultado Final3 Muito favorável Favorável Discreto Regular Nulo Desfavorável Considerações finais:

Referências bibliográficas 1. F io rin i, H . J., “ P ro b le m á tic a a c tu a l d e las p sic o te ra p ia s b re v e s” em W . R. G rim so n (c o m p .), Nuevas perspectivas en salud mental. Instituciones yproblem as, N u e v a V isio n , B u e n o s A ire s , 1973. 2. J o s e p h e o u tro s, “ M e s a re d o n d a so b re p s ic o a n á lisis y p s ic o te ra p ia ” , Revista de Psicoanálisis, to m o X X V III, n ° 1, B u e n o s A ire s, 1971.

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Psicoterapia breve de orientação psicanalitica

3. K n o b e l, M ., “ P sic o te ra p ia b re v e e n la in fa n c ia ” , e m Psicoanálisis v psicoterapia breve en ninos y adolescentes. G u a rd e m o s d e la S A P P IA K a rg ie m a n . B u e n o s A ires, 1971. 4. M a la n , D . H . A Study o f B rief Psychotherapy, T a v is to c k , L o n d res; C h a rle s T h o m a s, S p rin g fie ld , Illin o is, 1963. (V e rs ã o c a ste lh a n a ; La psicoterapia breve, C e n tro E d ito r d e A m é ric a L a tin a , B u e n o s A ires, 1974.) 5. W o lb e rg , L ., “ La té c n ic a d e la p sic o te ra p ia b re v e ” , e m L . W o lb e rg e c o la b ., Psicoterapia breve, G re d o s, M a d ri, 1968, cap . V I.

Notas

Capitulo 1 A pelarei para ela e para outras sim ilares (tratam ento ou técnica breve, etc.) convencionalm ente para fazer m enção a este tipo de tratam ento ao longo dos sucessivos capítulos. U tilizarei, assim , a abreviatura P.B.

Capítulo 2 1. T am bém cabe acrescentar que a focalização do trabalho terapêutico na direção de um aspecto da problem ática ou sintom atologia do paciente é característica das atuais técnicas breves. 2. U m acréscim o de 1923 deixa im plícito que, para F reud, tal m edida foi, neste caso, equivocada. Ali descreve que deu alta ao paciente, crendo-o com pletam ente curado, m as que depois da guerra este o visitou em V iena, ocasião em que Freud pôde com provar que haviam perm anecido sem resol­ ver aspectos da transferência, o que exigiu m ais alguns m eses de tratam ento, d epois dos quais o paciente - disse Freud - “ se sentiu norm al e se conduziu im pecavelm ente” . 3. N ão obstante, o criad o r da psicanálise ju stificará, 20 anos d epois, em “ A nálise term inável e interm inável” , a busca de novas técnicas, m ais breves, de p sico tera p ia(1 3 ).

Capítulo 3 1. L ido parcialm ente na A ssociação P sicanalítica A rgentina, com o título de “P sicoterapia breve de o rientación psicoanalítica. El problem a de los b asam en to s teóricos” (B uenos A ires, 22 de agosto d e 1979).

266

Psicoterapia breve de orientação psicanalítica 2. M eu esquem a referencial é fundam entalm ente freudiano, m as não

hesito em recorrer a conceitos próprios de escolas com o a inglesa ou a am eri­ cana quando isso me parece necessário, já que m e incluo entre os que pensam que, dentro de certos lim ites, é válido recorrer a distintos m odelos teóricos que p ossam ser úteis para com preender diferentes fenôm enos ou pacientes. 3. A respeito da hipnose em particular, cabe m encionar que L. W olberg propiciou seu em prego, com binado com outras técnicas, no m étodo terap êu ­ tico breve (54). 4. E sse critério com parativo será utilizado quase perm anentem ente ao longo desta obra. 5. A nteriorm ente, o próprio Freud j á havia fixado um lim ite de tem po para o tratam ento psicanalítico, ao atender o H om em dos lobos (20), com o consignei no capítulo 2. 6. Incluído no trabalho “ El labor con los conflictos y la resistência en psicoterapia b rev e” , que apresentei no Prim eiro E ncontro A rgentino de Psicologia P rofunda (B uenos A ires, agosto de 1978). 7. E sses conflitos, com o logo verem os, são próprios da estrutura do foco terapêutico, razão pela qual, de agora em diante, denom iná-los-ei con­ flitos focais ou conflito focal. O utras denom inações às quais se recorre com um ente são conflito atual e conflito central o u principal, as quais, ainda que apropriadas, têm a desvantagem de prestar-se a confusões, pelo que requerem alguns esclarecim entos. A ntes de m ais nada, nem todo conflito atual terá de se r focal e, portanto, objeto da abordagem terapêutica; por outro lado, atual não significa, forçosam ente, de aparecim ento recente e/ou de com eço sintom atológico agudo, j á que tam bém p o d e tratar-se de um conflito que se m antenha vigente, sendo suas m anifestações bastante antigas e/ou de instalação gradual. P or últim o, quando se fala em conflito central ou prin ci­ pal, deve-se en ten d e r que o m esm o o é e m relação ao tratam ento, já que c o n ­ centrarem os nele nossa atenção e nossos esforços, m as isso não im plica necessariam ente que esse conflito seja sem pre o central dentro da patologia do paciente. 8. N ão obstante, cabe assin alar que M aian e sua equipe de terapeutas se dedicaram , em especial, a interpretar os problemas edípicos, dos quais d eri­ vam as diversas dificuldades dos pacientes (40). 9 . 0 estudo deve com pletar-se com o conjunto dos aspectos concernen­ tes à contratransferência em psicoterapias breves, à qual m e refiro, m uito especialm ente, no capítulo 8 (ver tam bém os capítulos 9 e 14). 10. Sem dúvida, em seu livro Terapêutica psicoanalítica , A lexander, F rench e colaboradores (5) sugerem propiciar - ainda que só em certas o ca­ siões - o desenvolvim ento e a análise de determinados componentes da neu­ rose de transferência, em terapias de curto prazo. E sses autores supõem que é possível controlar a relação transferenciai, perm itindo o d esdobram ento de alguns fenôm enos tran sferenciais, especialm ente os que sejam im portantes

Notas

267

para com preender, e por conseguinte solucionar, o conflito central d o p a ­ ciente. E ssa m anobra técnica parece-m e interessante, ainda que d e certa m an eira arriscada, com base nas dificuldades que o terapeuta deverá en fren ­ tar para m anejar a relação, j á que n ão co n ta co m as possibilidades que o en quadram ento p sicanaiitico oferece (considero que tal m anobra poderia ser m ais e ficaz quando não se tenha fixado previam ente u m a data para o térm ino d o tratam ento ou, n o caso de tê-la fixado, se a d uração prevista para ele não seja dem asiado curta, isto é, se o p razo m ínim o para a finalização do m esm o seja, por exem plo, d e u m ano). E m últim a instância pen so que essa atitude d ev eria ser a exceção à regra, j á que, realm ente, exige do terapeuta m uita destreza e, d o paciente, a capacidade, por um lado, de d esenvolver certos aspectos da neurose de transferência e, p o r outro, de m an ter sim ultaneam en­ te um a relação “real” com o terap eu ta e um a aliança de trabalho (29) (30), que garantam o bom andam ento do tratam ento, evitando d erivações indese­ jáv eis. 11. Isso não im plica que se d eva d escu id ar d o fenôm eno da tran sferên ­ cia. Pelo contrário, deve-se tê-lo em conta constantem ente, com o um m eio de com preender o paciente (9) (51), e em d eterm inadas circunstâncias (ver capítulo 6, pp. 106 ss.) será necessária sua interpretação. 12. Incluído no trabalho “El labor con los conflictos y la resistência en p sicoterapia breve” , que apresentei no Prim eiro E ncontro A rgentino de P sicologia P rofunda (B uenos A ires, agosto de 1978). 13. Freud aborda novam ente o tem a dos distintos tipos de resistência em “ A nálise term inável e interm inável” , onde se refere aos m ecanism os de defe­ sa do ego em geral, e não só à repressão com o resistência contra a cura (19). 14. A presentado no P rim eiro E ncontro A rgentino de Psicologia Profunda (B uenos A ires, agosto de 1978) sob o título de: “ Insight y elaboració n en psicoterapia breve” . 15. A incidência do fator tem po na elaboração é assinalada tam bém p or B ellak e Sm all: “ N a psicoterapia rápida não há m uito tem po para o processo de elaboração” (6). 16. P o der-se-ia fazer referência a esta últim a fase do processo com qu alq u er outra denom inação, por exem plo, a de processo progressivo pós-

terapêutico. D evem os con signar aqui que, no que concerne à elaboração psicanalítica, esta, ao m enos para N ovey, tam bém continuaria - e é necessário que assim seja, diz, para se alcançar um a m udança terapêutica - fora da sessão analítica, “ inclusive quando o paciente dorm e” . N ovey ainda se refere expressam ente à continuação do processo de elaboração uma vez que se tenha concluído, com êxito, o tratamento analítico. “O p eríodo pós-analítico não só im plica repetir e experim entar situações da vida com m aio r facilidade e liberdade, m as tam bém continuar elaborando os conflitos em novos c o n ­ textos e situ açõ es” (42).

268

Psicoterapia breve de orientação psicanalítica

17. T ais m ecanism os poderiam estar ligados ao seguinte: an te diferen­ tes experiências de vida, ocorrería um a ap licação d o s núcleos d e insight adquiridos durante o tratam ento b reve, co n com itante ao reasseguram ento e am pliação progressivos dos m esm os. B ellak e Sm all incluem a elaboração cm P.B. dentro dos lim ites da teo­ ria da aprendizagem . D essa m aneira, concebem -na com o o reforço da apren­ dizagem de um a conduta nova e a extinção de m odos neuróticos de adapta­ ção. O s autores expressam que, neste terreno, a teoria da aprendizagem pode­ ría ter aplicações especiais: “ (••■) antes de tudo, o que nos diz respeito é o pro­ blem a de fazer perm anente a aprendizagem que se p roduz n a situação psicoterapêutica. C linicam ente, falam os em im pedir as recaídas” . Em seguida, esse conceito é ligado pelos autores à problem ática da falta de tem po para levar a cabo o processo de elaboração. Seguem com entários que corroboram a idéia de um processo “elaborativo” , não só durante o tratam ento, m as tam bém , a m eu ver, posterior ao m esm o. A ssinalam que o paciente deve “aplicar o aprendizado a situações da vida real, ou dar-se conta de que tem outros pro­ blem as. Essas experiências - prosseguem podem ter o efeito de convencer o paciente de que aprendeu adequadam ente um novo m odo de conduta, ou de que sua aprendizagem foi inadequada. Em am bos os casos, o resultado é que a aprendizagem psicoterapêutica m elhorou pela experiência de v ida real” (6). 18. C om preende-se que o fortalecim ento das funções egóicas durante o tratam ento é dado, na realidade, não só pelas intervenções verbais do te ra ­ peuta, m as tam bém , com o expressa F io n n i, pela criação de todo u m contexto de verificação e estimulação dessas funções (12). 19. D evem os ativ ar m uito especialm ente as funções egóicas do paciente essenciais para o trabalho terapêutico, tais com o a percepção, a atenção, a m em ória, etc., ativação que adquire m uita im portância porque acelera e facili­ ta o cam inho em direção ao insight. O terapeuta que exerce um a participação ativa e não se lim ita a apelar para recursos verbais (sua expressão corporal, por exem plo, desem penha um papel fundam ental na interação com o pacien­ te) pode conseguir tais efeitos, um a vez que reforça a aliança terapêutica. 20. U m planejam ento estratégico coerente d eve p restar atenção à atitu ­ de a ser assum ida an te as d efesas d o paciente. A quelas que, em um dado m om ento, são “atac ad as” interpretativam ente não devem passar, em segui­ d a, a ser respeitadas ou ainda reforçadas pelo terapeuta, ou vice-versa. É necessário, a lém disso, não incorrer em contradições, tais com o alternar intervenções que tendam a estim ular o autodesenvolvim ento com o utras que favoreçam a dependência regressiva. N esse aspecto cabe advertir que as m esm as intervenções em pregadas com um a intenção confirm atória e reasseguradora, para estim ular no paciente a autonom ia e a progressão, podem paradoxalm ente fom entar a dependência se se convertem , por exem plo, em lisonja desnecessária ou n ão refletem a real eficácia dos rendim entos egóicos e os sucessos do paciente, exagerando-os.

21. A com binação de recursos de base psicanalitica com outros, de o ri­ gem distinta, na realidade j á foi, com o vim os anteriorm ente, concebida por F reud, em 1918. R efcrindo-se à com posição de um a “ psicoterapia para o povo” , propunha m isturar “ o ouro p uro da análise” com “ o cobre da sugestão direta” (26). 22. A esta altu ra é necessário assin alar que a m oderna psicologia do ego fornece elem entos sum am ente úteis para a teo ria e a prática das terapias breves. Insuficientem ente arraigado em nosso país, onde não conta ainda com um a verdadeira tradição investigatória, o enfoque egóico se em prega, contudo, am plam ente entre os am ericanos, dos quais provêm seus principais progressos. O cupar-nos aqui da psicologia do ego excede os lim ites desta apresentação. O leitor interessado poderá recorrer à s p rin cip ais fontes, as obras de H artm ann, S. F reud, K ris, L oew enstein, R appaport, W hite, etc. A qui só direm os que B ellak e Sm all lhe atribuem grande valor na psicoterapia breve e de em ergência: “A presentar o ego com o um a entidade só - dizem nega a m ter-relação entre o ego e as outras psicodinâm icas. A pesar desses inconvenientes, a esquem atização das funções do ego e de suas perturbações tem um v a lo r prático p orque oferece um m arco de referência para o d iagnós­ tico e p ara o tratam ento” (6). Em nosso m eio e no terreno das psicoterapias, Fiorini cham ou nossa atenção sobre esse enfoque (10) (12) (13) (14), baseando-se sobretudo nos im portantes desenvolvim entos de H artm ann (33) (34) e os m ais recentes de W hite (53). A utilidade de um a avaliação das funções egóicas em P.B. vai sendo reconhecida em nossa prática assistencial, tanto com fins de diagnóstico, indicação e prognóstico, com o para o p lanejam ento estratégico e a condução do processo terapêutico. Pode, além disso, co n trib u ir consideravelm ente para o desenvolvim ento e a sistem atização de m étodos de avaliação dos re­ sultados terapêuticos. E stes tem as serão objeto de revisão nos capítulos que se seguem . M as é especialm ente no que diz respeito às h ipóteses sobre o s m ecanis­ m os terapêuticos de m udança operantes nas técnicas breves, em que a p sico ­ logia do ego talvez possa prestar um novo e valioso auxílio (12) (13). N esse sentido, as perspectivas atuais são m uito prom issoras. 23. T odas essas possibilidades ocorrem m ais facilm ente em institui­ ções assistenciais e serviços hospitalares, em que, p o r diversos m otivos, nem sem pre são devidam ente aproveitadas. O trabalho realizado por um a equipe de profissionais abre perspectivas auspiciosas, p o r m ais que - convém assi­ nalar - sejam m ais com plexas no que se refere à co n ceitu ação dos m eca n is­ m os terapêuticos operantes. 24. O caso de um a jo v e m que se co n su lto u p o r ca u sa da angústia e das vacilações que lhe despertava um a gravidez recen te ilustra acerca da relação que se estabelece autom aticam ente entre o s sintom as e a situação q ue lhes dá

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Psicoterapia breve de orientação psicanalítica

origem (ver capítulo 7). O utra paciente notou que seus antigos vôm itos se exacerbaram desde que ocorreu a ruptura de seu nam oro (caso d e J., capítulo 13). Um hom em buscou consulta ao ex p erim en tar um increm ento de sua an ­ gústia, sem ch eg ar a vincular, conscientem ente, tal estado com o n ascim ento de seu p rim eiro filho, acontecido poucas sem anas antes e que resultou se r o fator desencadeante principal (caso d e A., capítulo 13). 25. T alvez a paciente, através de sua paresia, ex p ressasse tam bém que assim n ão p o d ia continuar, nem d a r “um p asso a m ais, à m aneira d e Isabel de R ., a paciente de Freud (23). 26. C reio que tão m ais fácil e freqüente d o que este é o fato de que, em psicanálise, os analistas não coincidam diante de um m esm o caso, e optem por d iferentes linhas interpretativas, o que se pode co m p ro v ar nas supervi­ sões coletivas. 27. N um sentido estrito, sem pre o são. A co n flitiv a focal tem , na reali­ dade, m últiplas conexões, evidentes ou não, com os co n flito s “ex trafo cais” , não existindo n u nca com o fenôm eno isolado e independente d o contexto. 28. A técnica focal, com as seqüências na interação paciente terapeuta que possibilitam a evolução do foco, foi exposta com clareza p o r M alan (40). N ão insistirei, portanto, nesse ponto. U m exem plo de trabalho sobre o foco na sessão psicoterapêutica poderá ser encontrado no capítulo 7 O caso de J. (capítulo 13) ilustra o aprofundam ento no foco à m edida que evolui o trata­ m ento. P o r últim o, no capítulo 6 (pp. 95 ss.) exam ina-se o trabalho de focalização em relação aos tipos de atenção em pregados pelo terapeuta para tal fim. 29. C abe a d v ertir que em certas ocasiões o paciente tam bém se refere a problem as “extrafocais” com a intenção de e lid ir o problem a central, o que pode se r assinalado p elo terapeuta com o u m a resistência. 30. O conceito de ponto de urgência foi m uito em pregado pela escola inglesa. P or isso, ao ad o tar aqui essa denom inação, cabe esclarecer que se utiliza num sentido que não envolve um trabalho interpretativo que rem ete necessariam ente às fantasias p recoces infantis descritas por M. Klein. 3 1. O s prim eiros pontos de urgência d etectados por o casião dos co n ta­ to s iniciais com o p aciente correspondem aos motivos latentes da consulta. 32. Basta p en sar num a terapia focal centrada nas ansiedades relativas à gravidez e n a sucessão de distintos pontos de u rg ên cia “ intrafocais” que a p a­ recem p aralelam ente à evolução d aquela, tais com o: os q ue provêm do tem or da perda do filho por aborto espontâneo nos p rim eiros m eses; o tem o r ao filho com o se r desconhecido, que se reaviva com a p ercepção dos m o v im en ­ tos fetais, os quais, além disso, m obilizam m ecanism os defensivos, prin ci­ p alm ente m aníacos; o tem or, frequentem ente inconsciente, de m o rrer du ran ­ te o parto, que aparece nos dias anteriores a este, etc. (49). 33. N a realidade, o foco com preende basicam ente to d o s os aspectos da existência do paciente (histórico-genéticos, caracterológicos, etc.), m as só no q ue diz respeito à situação-problem a correspondente.

Notas

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34. O caso de A. (capítulo 13) perm ite além disso apreciar, a partir de m aterial clínico, a hipótese psicodinâm ica inicial, além dos dem ais conceitos assinalados. 35. Á rea 1 da m ente, 2 do corpo e 3 do m undo externo, baseadas no esq u em a de P ichon-R ivièrc (44). 36. V er capítulo 10. 37. V er capítulo 11. 38. E xistem diversas im pressões favoráveis sobre as v icissitu d es que, na psicoterapia dinâm ica, os conflitos derivados sofrem ; porém , carecem os de explicações m etapsicológicas suficientes a respeito. P or ocasião de um a m esa redonda sobre psicanálise e psicoterapia, W allerstein form ulou a seguinte questão: “ E possível resolver substancialm en­ te os conflitos derivados ou qualquer outro conflito, por outro m eio que não seja a psicanálise?” (52). Pelas respostas, pôde-se advertir que quase todos os presentes adm itiram que através de um a psicoterapia de orientação psicanalítica conseguem -se m odificações nos conflitos e certas m udanças dinâm icas benéficas, ainda que não se provoque um a reestruturação profunda. S egundo O rem land, por exem plo, na psicoterapia assistim os a um a resolução parcial ou incompleta , que ele atribui a u m a modificação do confli­ to. D efine a verdadeira resolução d o conflito com o “um a com preensão m etapsicológica plena e elaboração das forças in teratu an tes” , e acrescenta que só é possível co n seg u i-la m ediante a p sican álise, sobretudo pela reexperiència e pela com preensão g en ética (1). Joseph considera que, ain d a que se obtenham m odificações, não sabe­ m os o que sucede em term os das co n ex õ es ou do fo rtalecim en to d a função integradora ou sintética, e das m udanças nos vínculos e n erg ético s ou cargas. Para este autor, “os conflitos se reso lv em no sentido d e que se tornam inati­ vos , em função de se haverem m odificado algum as das forças internas que levam a m udanças energéticas e catéticas, m o dificações e equilíbrios” (1). G illm an por sua v ez sustenta que, ainda que não se alcance nessas tera­ pias um a resolução dos conflitos, sua força relativa pode dim in u ir (28). M as tam bém é n ecessário advertir que, ao não se o b ter um a resolução substancial dos conflitos derivados, j á que o conflito básico não se resolve, em certo m om ento e por o casião de fatores traum áticos tais conflitos podem ser reativados, dando lugar a recaídas. N aturalm ente, n ada nem sequer um tratam ento psicanalítico co m êxito - garante que tais recaídas possam ser evitadas; por conseguinte, sua aparição não deve surpreender, ainda que não haja p o r que a cred itar que devam fatalm ente produzir-se. 39. Q u er dizer, reconhecer com o próprio o que se interpreta acerca do conteúdo. 40. Já vim os, além disso, que M allan faz referência às m etas terapêuti­ cas em P.B . em term os de “ elaborar b revem ente um dado aspecto da psicop atologia do pacie n te” (40) (o grifo é m eu). D iversas p assag en s de sua obra

272

Psicoterapia breve de orientação psicanalítica

m ostram claram ente que essa “ elaboração” que o a u to r m enciona tam bém abrange certa análise d as resistências. 4 1. E m prega tam bém outros qualificativos sim ilares, tais co m o “ trans­ form ação profunda da perso n alid a d e” , “reajustes profundos n a estrutura intrapsíquica”, que não deixam m argem a d úvidas acerca d a p osição do autor. 42. Em outro lugar, as cham a de “recursos e elem entos sa d io s” . 43. Sob essa denom inação o a u to r se refere aqui a um a terap ia psicana­ lítica breve. 44. N a realidade, as m o dificações na estrutura d a p ersonalidade p o d e­ ríam ser explicadas em parte tam bém por certos fatos - talvez m enos m iste­ riosos - do trabalho terapêutico. Um deles, m uito elem entar, m as não d ecisi­ vo, tem sido assinalado precisam ente por W olberg: na P.B., a necessidade de abordar o s sintom as interpretati vam ente conduz nossa atenção, de m odo in e­ vitável, até a estrutura da personalidade (55). A ssim , um a d ep ressão não será igual, nem terá o m esm o significado num caráter o bsessivo e n um c a rá ­ ter histérico. Portanto, em certa m edida e a partir do sintom a ou da situaçãoproblem a, o terapeuta deve incursionar nas p erturbações do caráter, com assinalam entos e interpretações que estejam dirigidas às m esm as. C om o resu l­ tado dessa ação e da m obilização terapêutica conseqüente, às vezes são gera­ d a s a lg u m a s m u d a n ç a s n o s d in a m is m o s in tra p síq u ic o s , h a b itu a lm e n te incom pletas e insuficientes, sem a solidez das obtidas no tratam en to psicanalítico, e que só circunstancialm ente adquirem um a grande m agnitude. C o n ­ tudo, definitivam ente, o paciente já não é o m esm o; não só os sintom as se atenuam ou o conflito focal se resolve p arcialm ente; tam bém algo nele m uda profundam ente depois do tratam ento. T alvez um elem ento terapêutico de particu lar interesse em P.B., por sua provável influência nas m o dificações da estrutura de personalidade, constitua o em prego de interpretações do intrapsíquico, ou seja, as que se re­ ferem à relação com objetos internos, o q ue deveria ser m otivo de um a inves­ tigação m ais profunda, com o a que a equipe da T avistock C linic levou a cabo para estu d ar a relação existente entre a ap licação de interpretações “ tran sfe­ renciais”, e o s resultados terapêuticos obtidos (40).

Capítulo 4 1. O tem a da relação p a c ie n te -te ra p e u ta em P.B. é retom ado no c a p í­ tulo 6. 2. O tem a do planejam ento terapêutico é desenvolvido em outro lugar, do m esm o m odo que as indicações da P.B. (ver capítulos 5 e 12, respectiva­ m ente). 3. Poder-se-á encontrar m aior inform ação sobre o tem a na obra de M aria L. S. de O cam po e M aria E. G arcia A rzeno (10).

Notas

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4. O s testes psicológicos tam bém são u tilizados em P.B. para avaliar os resultados do tratam ento, com parando-se os dados obtidos através da aplica­ ção pós-terapêutica com os do p sicodiagnóstico inicial (v e r capítulo 11). 5. T ive a satisfação de com provar que G arcia A rzen o (6) com partilha dessa opinião. 6. A este respeito refere-se M alan. quando propõe, caso se o pte por um tratam ento breve, que se investigue a capacidade do paciente para enfrentar o luto, capacidade essa, sem pre segundo esse autor, que pode ser avaliada por m eio de testes projetivos (8). 7. O cam po e G arcia A rzeno descrevem um a série de indicadores, no p rocesso p sicodiagnóstico, particularm ente para a recom endação ou contraindicação de u m a terapia breve (11). 8. “ F ocalidade” , segundo a denom inação em pregada por M alan (8). 9. P or últim o pode ser necessário revisar os objetivos em pleno trata­ m ento, com o tem assinalado anteriorm ente (ver capítulo 3, pp 46 s.). N esse caso, são várias as atitudes a assum ir (m udanças de objetivos, do tipo de te r a -. pia, etc.), não sendo possível estabelecer regras fixas a respeito. 10. O perigo é de que aconteça o contrário, quer dizer, que tenham de se e leg e r m etas terapêuticas de acordo com o tem po lim itado de que se d is­ põe para efetuar um tratam ento.

Capítulo 6 1. Sobre os aspectos da contratransferência em P.B ., podem ser consul­ tados os capítulos 8 ,9 e 14. 2. C oncom ítantem ente, será conveniente que exista um a contratransfe­ rência positiva, isto é, que o terapeuta não tenha de esforçar-se dem asiado em v en cer dificuldades para ocupar-se do paciente, sobretudo se se trata dc um tratam ento de curto prazo, em cujo caso se exigirá desde o início um a boa disposição de sua parte. 3. U m ponto de im portância decisiva na evolução e m anejo da relação terapêutica constitui a técnica interpretativa particular exigida pela índole dessas terapias, o que m erece um a especial revisão (v er pp. 100 ss.). 4. A técnica focal supõe certas vicissitudes da atenção do terapeuta, que logo exam inarem os detidam ente (pp. 95 ss.), e que, som adas às m odifi­ cações no em prego da associação livre, determ inam um tipo de com unicação n itidam ente diferenciável do psicanalítico. 5. Esta observação de H aley im plica curiosam ente o estabelecim ento de certo paralelism o in teressante entre a técnica psicanalítica de cunho freu ­ diano e a técnica “ ativa” , que define a atual terapêutica breve. 6. T rabalho lido no Sim pósio sobre P sicoterapia B reve o rganizado pelo C E M E P (20, 21 e 22 de outubro de 1977) sob o título “U na regia basica de funcionam ento en p sicoterapia b reve” .

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Psicoterapia breve de orientação psicanalítica 1. C abe perguntar a razão pela qual os autores não se tenham estendido

sobre esta questão, fato p o r dem ais sugestivo. Se a consideram algo óbvio, não se poderá pensar que ex iste em certa m edida um a evitação d o tem a, ante a p ersistência de um a d ificuldade para encará-la a fundo, talvez acom panha­ da da sensação de estar “atacando” p recisam ente a regra básica da técnica p sicanalítica? P orque se trata n ada m enos d aquilo q ue o criad o r da p sican áli­ se tam bém denom inou “ regra de ouro” . O corre-m e que esse qualificativo continua p esando no ânim o d os investigadores, fazendo co m q ue o tem a seja d eixado de lado ou apenas m encionado. 8. E certo que tais co n flito s preexistem e q ue a livre associação não faz m ais do que colocá-los em evidência, m as tam bém é verdade que até esse m om ento podem ter estado reprim idos, dissociados, negados, etc., e, por m ais desconsideração que pareça, o m elhor será que o paciente siga se ajus­ tando, por sua conta e com o possa, a eles sem que provoquem os sua m obili­ zação; em troca, com nossa concentração seletiva só darem os prioridade a determ inados problem as, àqueles que co lo ca m um a necessidade de resolu­ ção m ais o u m enos im ediata, já que se pretendéssem os intervir em todos, pouco seria o que poderiam os fazer pelo paciente dentro do enquadram ento que corresponde a essas terapias (especialm ente se existe um a grande lim ita­ ção tem poral). 9. N a prática terem os de considerar, além disso, outros fatores, tais com o a duração total do tratamento e o número de sessões semanais. N ão é o m esm o num tratam ento de objetivos lim itados com , por exem plo, um a a duas sessões sem anais e dois ou três m eses de duração, e outro que conste de duas a três sessões por sem ana e se estenda durante um ou m ais anos. N esta últim a situação, ao c o n tar com um enquadram ento tem poral m enos lim itado, o em prego da “ regra fundam ental” p oderá, em todo caso, ser m ais levado em conta, se outros m otivos o tom arem aconselhável. 10. U m a q uestão in teressante e p o lê m ic a que pode surgir, por sua vez, vinculada ao tem a que estam os tratando, é a relação existente entre a sso c ia ­ ções livres (cadeias asso ciativ as) e foco terapêutico, ou seja, o problem a de saber quais são os limites do foco. R ecordem os que a estrutura focal c o rre s­ ponde, com o hipótese do terapeuta, apenas a u m con ju n to de idéias que este tem presente (ainda que para sua organização tenha de b asear-se em cadeias associativas do pacie n te), que não operam , é b o m reconhecê-lo, senão com o um artificio técnico, p e lo que de n enhum m odo seus lim ites podem co n sid e ­ rar-se n ítid o s e nem sequer precisáveis num sentido estrito. N a realidade, co m o d isse anterio rm en te (v er cap itu lo 3, pp. 45 s.), as ligações associativas de seus co m p o n en tes co m o parte do m aterial que ch am am os - e c o n sid e ra ­ m os p a ra fins práticos - “ex tra fo c a l” , são m últiplas e com plexas, em bora no exercício da terap ia breve não tenham os de nos ap ro fu n d ar m ais na ex p lo ra ­ ção de tais ligações.

Notas

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11. F. D eutsch, em 1949, ao fazer referência a um a “terapia setorial", havia proposto já c en trar a tarefa n os sintom as, estim ulando a produção asso­ ciativa sobre eles através das interpretações (4). 12. N o capitulo 9 podem ser encontrados exem plos do uso de asso cia­ ções na terapia breve a p artir de m aterial onírico, e no capítulo 13, de a sso ­ ciações surgidas em to m o do ap arecim ento de sintom as (caso de J.). 13. Na realidade, o em prego d o m étodo da associação livre em técnica psicanalítica se efetua “a partir de um elem ento d ado (palavra, núm ero, im a­ gem de um sonho, um a representação qualquer), de form a espontânea” (32), (“ A ssociação livre” , p. 37). N a prática da terapia dinâm ica breve proponho um a aplicação ocasional e reduzida na m aioria dos casos - à form a com o foi expressa em prim eiro lugar (assim a utilizou F reud, na auto-análise de seus sonhos. P o r outro lado, seus antecedentes devem rastrear-se nas expe­ riências deste com pacientes da época pré-analítica). Q uando se usa, de aco r­ do com o m encionado em segundo lugar, constitui, co m o sabem os, a regra b ásica da psicanálise, em troca da qual será n ecessário, conform e o que já foi desenvolvido, adotar no cam po da psicoterapia breve um a regra b ásica pró­ pria, havendo exposto um a possível nas páginas anteriores. E ncontrei algum as referências b ibliográficas acerca da aplicação, res­ tringida, do proced im ento da associação livre nos tratam entos breves: em suas tentativas de abreviar a psicanálise, F erenczi, em seu m étodo ativo, j á em pregava o recurso de pedir ao paciente que trouxesse fantasias acerca de certos tem as selecionados ("fan tasias forçadas”) (6). B ellak e Sm ail falam , em relação à P.B ., de lim itar o aproveitam ento d a associação livre aos “casos nos quais possa su rg ir com o resposta a um determ inado estím ulo do terapeu­ ta, co m o por exem plo a fim de obter algum m aterial pertinente e inform ati­ v o ” (2). Por sua parte, F iorini tam bém considera factível e benéfica a utiliza­ ção de asso ciaçõ es livres em psicoterapias, ainda que não entre d em asiada­ m ente em detalhes a respeito. E m certa parte de sua o bra, propõe: “(...) com ­ b in ar flexivelm ente os dois estilos de associação livre e dirigida” (8), e em outra m enciona a necessidade do “ em prego discrim inado” em psicoterapias d e “(...) certos recursos técnicos próprios da psicanálise (o silêncio atento do terapeuta, o emprego de associações livres , o assinalam ento o u a interpreta­ ção tran sferen ciai)” (15). (O s grifos são m eus.) Por últim o, G illm an faz m en ­ ção, entre o s procedim entos básicos d a terapia breve, a um “(...) em prego saudável da associação livre” (24). 14. N a prática p oderem os en co n trar p essoas de grande capacidade para associar e transm itir suas associações, m as tam bém outras que tenham um tal grau de inibição que só obterem os um bloqueio co m o resposta, e diante das quais carecerá d e sentido p retender tirar algum partid o da ap licação do m étodo. 15. N a realidade, ainda que a continuidade d a atenção flutuante seja m uito m aior no tratam ento psicanalítico, tam pouco n ele é possível m antê-la,

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Psicoterapia breve de orientação psicanalitica

com o sabem os, de m odo absolutam ente constante. Portanto, devem os co n si­ derá-la com o um a regra ideal ([32], p. 40). 16. À s vezes, contudo, produz-se durante o tratam ento algum fato trau­ m ático inesperado, algum a situação que perturba o pacie n te e q u e se acha “fora d o foco” e que a terapia deve exam inar. Em tais casos, certam ente não cabe assum ir um a rígida conduta diretiva, com a qual se pretenda realizar um a focalização forçada do trabalho terapêutico. 17. N este contexto en tenderem os p o r interpretações “ pro fu n d as” as que fazem referência a elem entos intensam ente reprim idos, constituindo ou não parte d o passado rem oto infantil do paciente. 18. A nte p acientes com boa capacidade de insight, rápido timing e su fi­ ciente tolerância à d o r p ro v o cad a pela revelação do inconsciente, às vezes é possível, m esm o num a terapia breve, trab alh ar com apreciável profundidade (v er o caso d e J. no capítulo 13). 19. Sem dúvida, um ponto pouco discutido, m as de to d o m odo interes­ sante. é o papel das interpretações dirigidas ao intrapsíquico, q u e r dizer, o to m a r o paciente consciente de aspectos acerca de sua relação co m objetos internos. C reio que em certa m edida tais interpretações cabem na técnica breve e poderíam te r incidência n a produção de m o dificações d inâm icas sig­ nificativas de personalidade, que às vezes se observam em alguns pacientes que foram subm etidos a tratam ento breve (ver tam bém capítulo 3, p. 56) M as não recom endo recorrer sistem aticam ente a seu uso, pois, repito um a vez m ais, tal procedim ento traz im plícitos os sabidos riscos de m obilização em ocional e indução regressiva. R ecorro a esse tipo de intervenção só quan­ do percebo que é possível aprofundar e prom over no paciente um m aior insight a respeito de seu vínculo com objetos internos; esse insight deve ser pertinente à tarefa de focalização e/ou estar vinculado a obstáculos resistenciais e, ainda quando se tratar de um a abordagem incom pleta de conflito, tal abordagem deve afigurar-se francam ente benéfica para o paciente. O trata­ m ento de A. (v er capítulo 13), um paciente com boa capacidade de autoobservação, a quem se lhe interpretou sua subm issão ao objeto superegóico constituído pela figura paterna (pai interno), ilustra eloquentem ente a aplica­ ção d essas interpretações. 20. Se m enciono essas características entre aspas é porque na realidade as interpretações nom eadas em segundo lugar tam bém são transferenciais no sentido m ais am plo do term o, pois as transferências se desenvolvem não só com a figura do terapeuta, m as com qualquer outra pessoa. U tilizarei aqui essas denom inações principalm ente com a finalidade de abreviar, devendo em conseqüência entender-se por “transferenciais” as interpretações que fazem referência a aspectos inconscientes da relação com o terapeuta, e por “extratransferenciais” as que concernem aos aspectos inconscientes da relação do paciente com as dem ais pessoas (na técnica psicanalitica, G uiter prefere cha­ m ar a estas últim as de “interpretações não relacionadas com o analista” [35],

Notas

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enquanto W eiss, j á no terren o d a terapêutica breve analítica, fala em inter­

pretações transferenciais extra-analíticas [45]). (O s grifos são m eus.) 21. C itei antes um a exceção a este requisito: a centralização, p reconiza­ da p o r A lex an d er e French, de alguns tratamentos de curto prazo n a relação transferenciai (v er capítulo 3, pp. 27 s.), pela qual se perm ite o desenvolvi­ m ento d e certos aspectos da neurose de transferência (aqueles inerentes ao conflito central d e terapia), e se recorre, freqüentem ente, ao em prego de interpretações transferenciais (1). 22. N esse sentido, não deixam de me cham ar fortem ente a atenção algu­ m as interpretações “transferenciais” form uladas por terapeutas da equipe que M alan integrou n a experiência clínica que ilustra seu livro, que m e im pressio­ nam com o prem aturas (34). P or exem plo, em um dos casos (o biólogo), trans­ correndo a oitava sessão d o tratam ento, já haviam sido efetuadas para o paciente várias interpretações relativas a seus desejos de m anter um a relação hom ossexual passiva com o terapeuta, o que produz surpresa, ainda tendo presente que isto ocorreu em L ondres, onde existe um a m aior tolerância à hom ossexualidade. É sabido que interpretações deste calibre, por se referirem a tendências, com freqüência, intensam ente reprim idas, cuja revelação ao paciente resulta extrem am ente angustiante, e, por seu caráter transferenciai, exigem no m ínim o um certo período durante o qual exista a consolidação de um a relação transferenciai positiva sublim ada com o terapeuta e o avanço do paciente na com preensão profunda lhe perm itam aceitá-las, sem pre respeitan­ do seu timing. Do contrário, com o é óbvio, costum am produzir-se diversas respostas negativas no paciente. P erm anece-m e a dúvida se em poucas ses­ sões, com o no exem plo citado, se cum priram realm ente esses requisitos ele­ m entares. (É claro que nas histórias clínicas que integram a obra de M alan se registram justam en te fortes reações resistenciais, sobretudo de caráter hostil.) 23. De qualquer m aneira, as m anifestações resistenciais costum am ser, com o dissem os (ver capítulo 3, p. 29), de m enor m agnitude que no tratam en­ to psicanalítico, no qual, tam bém cabe repeti-lo, o analista pode e deve dedi­ car m uitos esforços à interpretação daquelas. N a P.B ., dado o tipo de relação terapêutica existente, costum a gerar-se m enor m ontante de hostilidade trans­ ferenciai no paciente, razão p e la qual certas resistências de transferência se desenvolveríam m enos (28). Q uando já a priori do tratam ento ou no d ecorrer do m esm o estas se apresentam m uito m arcadas, as perspectivas prognosticas se ensom brecem num a terap ia de curto prazo, p o is o enquadram ento dela não perm itirá trabalhá-las suficientem ente para m elhorar as condições tera­ pêuticas, que devem contar com um a transferência positiva real e m ais ou m enos estável e não só “superfícialm ente” positiva. N esses casos de pacien­ tes que no fundo têm grandes resistências, é quando os resultados aparente­ m ente bons que se alcançam se fundam em curas transferenciais. O paciente se sente forçado a “ m udar” , e essas “m udanças” não provêm de um insight genuíno.

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Psicoterapia breve de orientação psicanalítica

24. O risco de cair em acting out o u as m anifestações concretas de tal conduta tam bém configuram um difícil e m uito perturbador obstáculo resistencial (dadas suas conseqiiências para o p aciente e em particular para o fu tu ­ ro do tratam ento), que, com o tal, exige o em prego de interpretações “tran sfe­ renciais” , da m esm a form a que o erotism o transferenciai. 25. Seu m arido se m ostrava resistente à psicoterapia, pelo que n ão foi possível efetu ar um tratam ento de casal. 26. Q ue M alan tenha realizado e recom ende o uso energético das in ter­ pretações transferenciais nos tratam en to s breves, afirm ando que não co n tri­ buem para fom entar a dependência, m as para resolvê-la m elhor (34), en con­ traria explicação no estilo interpretativo em pregado, que talvez pudesse p a r­ ticipar em certa m edida das características que m enciono, ainda que caiba esclarecer q ue estas não são reveladas nas exem plificações incluídas na obra do autor, e que pessoalm ente ignoro se o estilo tem algum a relação com o aqui proposto. 27. Percebo que essa iniciativa guarda em parte relação com o que coloca R acker quando se refere às interpretações que ele cham a de parciais e de integrais. N as prim eiras “ (...) os aspectos positivos do analisado não são adequadam ente considerados” (frustra-se ao paciente “ m ais do que seria indicado para a m anutenção da transferência positiva” ). N as segundas in ­ cluem -se os aspectos positivos. A ssim por exem plo, ju n to à agressão, m ostrase ao p aciente o am or que tam bém existe em relação ao o bjeto (38). 28. V er tam bém o capítulo 3 (p. 24). 29. R ecordem os que F iorini, em seu m odelo teórico de foco, considera “os aspectos histórico-genéticos individuais e grupais reativ ad o s” dentro do p roblem a atual do paciente (8). 30. V er o caso de J. (capítulo 13). 31. N a experiência descrita por M alan (34), pelo contrário, os terap eu ­ tas costum am adotar um a atitude radical ao explorar e interpretar prem atura e energicam ente conflitos prim ários do paciente (problem as “ edípicos” ) em m uitos dos casos apresentados. M alan afirm a que não houve provas de que os pacientes houvessem sofrido algum dano nem tido n ecessidade de prolon­ g ar o tratam ento. 32. D isse S. Rado: “A o falar com o cônjuge de u m paciente sei bem que vai m e pin tar um quadro parcial, m as m e inteiro de m uitas coisas sobre m eu p aciente que posso utilizar com proveito em m eu tratam ento. O pino que o não aproveitar este recurso é vio lar um a responsabilidade m édica elem en ­ tar” (39). 33. Incluir-se-iam , eventualm ente, outros m em bros do grupo fam iliar, quando intervém no tratam ento ( irm ãos do paciente, avós, etc.).

Notas

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Capítulo 7 1. O tratam ento a que se refere esta sessão se realizou em 1974. 2. F az-se necessário destacar que sua cunhada havia sofrido vários abortos espontâneos, posteriores ao n ascim ento de sua única filha. 3. C om o se sabe, é d iscutida na m ed icin a a existência de apendicite crônica com o entidade nosológica. 4. L am entavelm ente, n ão foi possível efetu ar um psicodiagnóstico nessa o portunidade. 5. C onvém esclarecer que boa parte das interferências até aqui propos­ tas foram consideradas apenas p ara um a m elhor com preensão psicopatológica, p o is esse tip o de terapia não pretende p rioritariam ente alcançar um a gran ­ de profundidade in terpretativa com base em tais hipóteses, já que esta últim a po d eria induzir estados regressivos m uito acentuados ou gerar o utras respos­ tas c o ntraproducentes no paciente (v er cap ítu lo 10, p. 178, ponto 2). 6. A paciente acred itav a que u m aborto poderia liberá-la da situação persecutória e ignorava que o m ais provável era que contribuísse para acentuá-la, reforçando um círculo vicioso patológico. 7. E xistem num erosos indícios a respeito. M encionarei aqui som ente alguns deles, por serem m uito eloqiientes. R ecorda que, quando criança, cu i­ dou de várias crias de cachorro e sobretudo alim entou-os com m am adeira “ com o b eb ês” , segundo sua com paração, em razão de a m ãe do cachorro estar enferm a. A lém do m ais, havia relatado um sonho recente, quando já se achava grávida, no qual tinha um filho que era na realidade um filhote de cachorro, p o r quem experim entava m uita rejeição. (É com um a representa­ ção da gravidez em sonhos através de pequenos anim ais, crianças, objetos continentes, etc. [6].) 8. Em um a sessão anterior tive a oportunidade de m ostrar-lhe que fatos com o sua criação de cachorros, suas exclam ações - "tiraram ele de m im ” d epois do aborto, lam entando e protestando o ocorrido, e sua negativa em ab o rtar diante da im posição de sua m ãe, eram um a evidência inequívoca de sua d isposição m aternal. Q uanto à sua hostilidade para com o filho, ela foi objeto de trabalho te ­ rapêutico em sessões posteriores. 9. A fantasia de um grupo fam iliar com grande carga de agressão, que am eaça com m orte ou aborto parece com pletar-se aqui com um a im agem da m ãe descontrolada e arm ada com um a faca. N um nível m ais profundo, o su r­ gim ento dessa im agem poderia estar vinculado à operação de apendicite de sua progenitora, fantasiada com o se fora esta, quem , com o bisturi - faca - , am eaçasse atacá-la. N a verdade, há indícios de que sua m ãe sofrerá aquela intervenção cirúrgica com o um a indução ou provocação, em parte desejada, do aborto (durante a operação, segundo contou a filha, sentiu que lhe “arran ­ cavam o filho do ventre” ). Podia por sua vez con d en sar a figura do aborteiro

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Psicoterapia breve de orientação psicanalítica

esgrim indo a cureta (com o rep resentante d a im ago m aterna filictda) com sua própria figura, a ponto de aten tar contra a g ravidez (aborto). O surgim ento de hipóteses a cerca de profundas situações persecutórias não deve culm inar necessariam ente, insisto, na interpretação im ediata ou não das m esm as. A propósito, considero que tais elem entos devem ser rnstrum entados com m u ito cu idado nu m a psicoterapia breve. Se bem que desta vez, na tarefa interpretativa, foi-se aprofundando progressivam ente o trata­ m ento, preferiu-se não abordar certos níveis, com o os concernentes ao con­ flito edípico (as fantasias incestuosas, p o r exem plo), atentando sobretudo para o estado de gravidez da paciente e evitando, assim , um a g rande m obili­ zação em ocional com eventuais reações que pudessem ser p erturbadoras e difíceis de controlar. 10 R ecorde-se tam bém que foi aproxim adam ente ao térm ino do tercei­ ro m ês de gravidez que sua m ãe precisou ser subm etida à intervenção cirú r­ gica. 1 1. T ran sferencialm ente, o ponto de urgência dessa sessão com preende o tem o r de ser abortada - expulsa - por m im , o que fica claram ente eviden­ ciado sobretudo no início (A llegro [1]). 12. P odem -se notar aqui, além do m ais, fantasias transferenciais eró ti­ cas que não foram interpretadas, ainda que detectadas (aparecem em PI 7, no fato de fazer o tratam ento às escondidas do m arido).

Capitulo 8 1. E ste capítulo tem com o base um trabalho que apresentei no Prim eiro C ongresso P anam ericano de M edicina Psicossom ática, realizado em B uenos A ires, em 1972, sob o título “ D ificuldades dei terapeuta para la práctica de la psicoterapia breve” . C onsidero que, apesar do tem po transcorrido, as d ificu l­ dades a que m e refiro neste capítulo p ersistem no m om ento atual sem m aio ­ res m odificações. 2. E m nosso m eio, J. B leger, entre outros, considerou que a relação analítica é um a relação sim biótica e realizou im portantes contribuições para o tem a (4). 3. D iz S earles que o analista chega a sentir por m om entos q u e é o único terapeuta no m undo que pode curar esse paciente, sentindo-se um a m ãe o n i­ potente, “ o D eus criador na situação terapêutica” . A ssinala tam bém “(j..) depois de tudo, esse sentim ento não é outra coisa senão o que sente a m ãe com respeito à sua divina indispensabilidade para com seu infante, plen o de necessidades” (15). 4. O surgim ento dessas em oções no terapeuta é parte fundam ental da contratransferência e de nenhum a m aneira im plica necessariam ente que nele exista um a situação patológica. M as disto se depreende a im portância de sua

Notas

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análise pessoal, pois seus próprios conflitos poderíam ligá-lo em demasia ao paciente com o objeto gratificante, e a relação co m ele p oderia tender a adotar um a m odalidade sim biótica tal, que dificultaria a ind ividualizaçâo d o p a­ ciente no processo terapêutico. Seria um exem plo claro o caso do terapeuta que carece de descendência e que vê em seu paciente um filho. É de supor com o e quanto essas circunstâncias podem com p licar um a psicoterapia, especialm ente se é breve, e até fazê-la fracassar. 5. M alan é u m a exceção, pois m antém um a posição o posta acerca deste problem a decisivo. P ropõe que se interprete a transferência desde o com eço e co m freqüência (12). 6. Isso se m anifesta d e um a m aneira m ais acentuada quando o terapeuta possui u m a orientação predom inantem ente kleiniana. 7. D isse A lexander: “ N ão se deve esquecer que as sessões diárias e x e r­ cem um a influência sedutora sobre a tendência regressiva (...) do paciente ”( 1). (O grifo é m e u .) 8. T am bém acontece freqüentem ente que o terapeuta d iv tija a respeito da m elhoria produzida nos problem as atuais do paciente, se com prova que não vem acom panhada do ganho d e m udanças profundas na personalidade, o que revela que não pode renunciar aos desejos terapêuticos próprios de sua form ação psicanalítica. O perfeccionism o terapêutico (furor curandis) pode co n stitu ir um sério inconveniente, sobretudo quando se trata de um a terapia breve, em que devem os nos co n fo rm ar com o bjetivos lim itados.

Capitulo 9 1. R efiro-m e ao caso de A. (ver capítulo 13, p. 195), que durante a ava­ liação m ostrou-se francam ente hostil. T ratava-se de um paciente com m arca­ dos com ponentes obsessivos e um núcleo m elancólico, com relações de objeto m uito am bivalentes. O psicodiagnóstico inicial havia revelado, além disso, um a grande d isposição para estabelecer vínculos de características regressivas e sim bióticas, m as, tratando-se de um a psicoterapia hospitalar, não havia possibilidade de se efetu ar outro tratam ento que n ão fosse o de tem po lim itado. 2. P rovavelm ente a c o r negra representava além disso o luto diante do luto ocasionado pela separação, que por sua vez reativava o da perda de sua m ãe, acontecida quando ainda era m enino (1). 3. U tilizo a den o m in ação reação terapêutica negativa nu m sentido am plo, ou seja, não lim itado ao que assinala Freud em su as obras com rela­ ção ao m asoquism o (5). 4. S earles d iz, referindo-se à fase de resolução d a sim biose terapêutica: “A lguns terapeutas negam q u e na realidade a terapia vai bem , que o paciente significa m uito p ara ele; negam quão profundam ente querem essas g ratifica-

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ções que obtêm ou obtiveram , e quão profunda é a sensação de perda que tra­ rão consigo as m udanças” (7). 5. A situação costum a com plicar-se ainda m ais quando se deve efetuar u m a terapia de tem po lim itado em p acientes que já vêm suportando lutos sig­ n ificativos, especialm ente se forem recentes e/ou patológicos, com o é o caso do paciente a quem pertencem o s sonhos que figuram neste capítulo. ó. Em certas ocasiões, tal com o as m encionadas no capítulo 6, pp. 117 s., pode ser conveniente ir reduzindo progressivam ente o núm ero de sessões sem anais, sem pre que exista, p o r sua vez, um a evolução favorável no p acie n ­ te. E ssa conduta pode facilitar, no paciente, a separação consecutiva ao té r­ m ino da terapia através de um desprendim ento gradual, condicionado pelo espaçam ento dos encontros. 7. M alan (6) diz que um terço da duração da terapia d eve ser destinado, em todos o s casos, ao trabalho interpretativo em to m o da term inação. 8. C oncordo com Fiorini quando por sua vez assinala que em psicotera­ pia breve “poder-se-ia questionar a validade de um a linha interpretativa foca­ lizada nas vivências transferenciais diante do luto determ inado p ela alta” (4).

Capítulo 10 1. A s técnicas dram áticas podem constituir um recurso útil para co n se­ guir a m obilização do paciente e com bater a intelectualização, sobretudo se se dispõe de relativam ente pouco tem po de tratam ento. O utra possibilidade seria dada p o r um eventual em prego do m étodo da associação livre (ver c a p í­ tulo 6, p. 93). 2. E sse perigo pode ser m aio r se o terapeuta tem tendências maníacas inconscientes (6). O bstinado em alcançar o autodesenvolvim ento do pacien­ te, poderia fom entar saídas m aníacas pseudo-independentes. 3. C abe acrescentar além disso que apesar de fenôm enos com o as curas transferenciais constituírem um a falsa solução do conflito, segundo A lexander e F rench existem algum as bastante duradouras e até perm anentes, pelo que esses autores não deixaram de v alo rizar seus efeitos terapêuticos (1) (2) (3). De qualquer m aneira, nossas expectativas deverão continuar centradas na obtenção do insight. 4. U m risco particularm ente tem ível dentro da perspectiva da reaparição de m anifestações sintom atológicas constitui o fato de que as m esm as tenham lugar em nível somático. Em alguns casos cabe pensar se o terapeuta, em seu entusiasm o, operando m ais por sugestão e com o um superego severo e exi­ gente, não funciona às vezes no tratam ento breve efetuando um a “proibição” do sintom a, com o que pode provocar - em seu a tã por conseguir “ m udanças” - a supressão sintom ática na área do m undo externo, m as com a agravante de condenar o paciente a exteriorizar a posteriori o conflito (que obviam ente

Notas

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perm anece ativo) no terreno corporal, por exem plo, através de um novo sinto­ m a e com os perigos que isso acarreta, o que além do m ais equivale a supor que só conseguiu m udar a área de expressão do m encionado conflito.

Capítulo 1 1 1. Em m atéria de avaliação dos resultados terapêuticos em psicoterapia breve é obrigatório citar M alan. Seu livro (4) contém um excelente estudo, m inucioso e dotado de sólidos fundam entos psicodinâm icos. 2. Tal procedim ento é p roduto de um a elaboração pessoal que incorpo­ ra elem entos de um m odelo fornecido pela lic. L. W o lf (8 ) (a quem agradeço os valiosos ensinam entos que sobre este tem a m e conferiu há alguns anos), assim com o algum as idéias de M alan (4). 3. A inda que não po ssam o s então adm itir com o real a resolução que não seja acom panhada de um a conscientização da problem ática co rresp o n ­ dente, cabe esclarecer que o inverso é p ossível, isto é, que se ten h a consegui­ do certo insight d aq u ela e q u e sem dúvida não derive, ao m enos de im ediato, um a m udança favorável e esperada, existindo às vezes um a desproporção entre o insight que parece haver-se obtido e as m odificações com prováveis, m odificações que poderão apresentar-se o u n ão tem p o s depois. E ssas situa­ ções obedecem à ex istên cia de outros d eterm inantes da problem ática não elucidados durante o tratam ento, à n ecessidade de desenvolvim ento de p ro ­ cessos elaborativos pós-terapêuticos que dem andarão m ais tem po para dar seus frutos, ou por últim o a q ue tal d esenvolvim ento poderia ver-se restringi­ do ou exaurido sem produzir n enhum efeito favorável. E que, ainda que fosse vencida, p o r exem plo, certa resistência da repressão, podem p ersistir outras form as de resistência q u e obstaculizam todo progresso (resistências de g anho secundário da enferm idade, do superego, etc.). 4. E spero que a d escrição dos conceitos incluídos n este item haja alca n ­ çado suficiente clareza expositiva, j á que p o r razões de espaço não posso estcnder-m e m ais a respeito. P ara um a inform ação m ais detalhada, sugiro que se consulte a obra de M alan (4). 5. O agravam ento apresenta-se habitualm ente com a piora da sintom a­ tologia concom itante. 6. R ecentem ente, R. W hite distinguiu a influência recíproca existente entre au to-estim a e e xperiências de eficácia (7). 7. R efiro-m e aqui p rincipalm ente à p assagem para um tratam ento psicanalítico. 8. Á rea 1 da m ente, 2 do corpo e 3 do m undo externo, de acordo com o esquem a de P ichon-R ivière (5). 9. Sem pre será conveniente alertar o paciente sobre a possibilidade de reincidência dos sintom as e recom endar-lhe que o consulte se isto acontecer,

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m as acrescentando que, reaparecendo, estará m ais bem preparado para en­ frentá-los e que terão provavelm ente m enor intensidade. 10. A com binação im possível é a de resultados positivos em R .P.F. e em M .S .. com resultado negativo em I.P.F., posto que não adm itirem os com o real, de acordo com o d ito anteriorm ente, um a resolução - clinicam en­ te total ou parcial - da problem ática central da terapia que não seja baseada no insight e em que as m udanças n ão sejam , em consequência, com preensí­ veis dinam icam ente. 1 1. O sinal © indica resultado positivo. 12. G eralm ente a possibilidade d e recid iv a da sintom atologia é m aior nessas terapias do que naquelas em q u e o insight não predom ina.

Capítulo 12 1. Este trabalho foi apresentado no Prim eiro E ncontro de Psicologia Profunda (B uenos A ires, agosto de 1978). 2. Há pessoas que som ente em m om entos de crise se decidem a reco rrerá consulta (1). Em lugar de rechaçá-las e condená-las a que se ajustem com o possam às dificuldades atuais para que retom em som ente quando estejam em condições de efetuar um a análise, cabe oferecer-lhes assistência psiquiátrica. Paradoxalm ente, considerarem os propícia a ocasião para que tenham acesso à psicoterapia. Fenichel sustenta: “(•■■) as dificuldades agudas da vida consti­ tuem o prim eiro e principal cam po para a prescrição da psicoterapia breve” (3). 3. E o caso de p essoas que, enfrentando situações críticas, não estão nesse m om ento em condições de enfrentar um processo de análise. T am bém é o caso de p acientes com resistên cia à análise, que com o continuação do tra ­ tam ento breve, um a vez acrescentada sua m otivação para o insight, sua con­ fiança n a psicoterapia e tendo conseguido a d q u irir co nsciência da enferm i­ dade, podem aquiescer ao tratam ento analítico. A P.B . tem co m b atid o com eficácia as resistências. M as quero a d v ertir aqui sobre a possib ilid ad e de ser utilizada p elo paciente com o resistên cia ao tratam ento analítico. A tualm ente, a população está cada vez m ais in fo rm ad a d a existência da P.B., interessando-se p o r ela, talv ez m ais interessada porque a denom inação p o p u lar d o procedim çnto faz alusão a um a curta duração do tratam ento. D esse m odo, o interesse do p aciente pela terap ia breve pode sim plesm ente en co b rir as resis­ tências à an álise e estar a serviço delas. Foi isso o q ue sucedeu co m um a série de casos, que a título de ex em p lo passarei a relatar. T rata-se de pacientes que, em princípio em penhados em realizar um a terapia de curto p razo, pude­ ram , m ediante o tratam ento p révio de esclarecim entos dos m otivos particula­ res que originavam seu rechaço pelo tratam ento analítico - e sendo esta a indicação m ais ad equada em am bas as ocasiões - , m odificar sua atitude e aceitar fazê-lo.

Notas

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- U m a jo v em , de aspecto agradável, foi-m e enviada expressam ente por seu interesse em efetu ar um tratam ento de breve duração. C ham ava a aten ­ ção a insistência com que desd e o com eço propunha-m e que a tratasse d u ra n ­ te um ano, no m áxim o. O m o tiv o da consulta eram suas dificuldades para co n stitu ir um p a r estável. A conteceu que o s pares que havia conseguido for­ m a r não conseguiam se m an ter m ais de... u m ano. Sua m ãe havia se casado d uas v ezes, e havia-se separado de seus m aridos antes d e com pletarem 12 m eses de casam ento. O conflito que a paciente trazia para o tratam ento a im pedia de form ar um p a r terapêutico com perspectivas de durar: esse era o m otivo inconsciente de sua insistência na lim itação tem poral da terapia. O obstáculo resistencial pôde ser v encido p o r m eio de assinalam entos e inter­ pretações d urante as entrevistas clínicas, e a p aciente aceitou finalm ente sub­ m eter-se a u m tratam ento analítico, o qual lhe criava grandes tem ores e por outro lado parecia-m e o m ais indicado, p o r diversos m otivos, não havendo razões válidas para lim itar a d uração da psicoterapia. (Próxim a de cum prir o prim eiro ano de análise, te v e um a reação de “ fuga à saúde” , que pude logo elaborar e controlar.) - U m paciente, vinculado ao m eio p sicanalítico, procurou m eu co n su l­ tório solicitando um a terapia d e tem po lim itado. A averiguação d e seus an te­ cedentes revelou que tinha um irm ão esquizofrênico, que, segundo o p acien­ te, havia se psicotizado durante tratam ento psicanalítico. N a realidade, ele não havia ligado esse fato ao seu pedido de realizar exclusivam ente um a terapia de breve duração, o que era racionalizado por m eio de diversos argu­ m entos. A o to m ar consciência de que rejeitava a análise porque tem ia ter a m esm a sorte do irm ão, com quem m antinha um a relação m uito am bivalente e ficar convencido de que necessitava de um tratam ento analítico, pôde ini­ ciá-lo p ouco depois. 4. U m a jo v e m de 21 anos, analisada d os 12 aos 18 anos (quando lhe foi dada alta) por um prestigioso colega que havia-se radicado no exterior há um ano, consultou-m e por haver sofrido um a reação fóbica ante um exam e que devia fazer em sua faculdade. D epois de estu d ar cuidadosam ente o caso, não achei necessário que voltasse à análise (o que parecia te r lançado, a ju lg a r por outros indícios, resultados sum am ente satisfatórios). T am pouco pare­ ceu-m e oportuno, do ponto de vista evolutivo, que reto m asse nesse m om en­ to à situação de dependência analítica. P or sua vez, a paciente se sentia sufi­ cientem ente m otivada para isso, ao não apresentar outras dificuldades, e x c e ­ to as já enunciadas. Pensei que a jo v em , possuidora de um ego forte, aptidão e training para o insight, e ao m esm o tem po d e um grande autoconhecim ento, obtido com a experiência analítica, podería superar sem dem asiado esfor­ ço o problem a atual com um a terapia interpretativa de objetivos lim itados, que provavelm ente não h av eria de se esten d er durante m uito tem po e que, dada a ausência d e seu analista, teria que em p reen d er com outro terapeuta.

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Capitulo 13 1. A licenciada Flora M . de F ry m er teve a seu cargo os psieodiagnósticos correspondentes. 2. E m todo caso, den o tav a c o n tar com um ego observador, capaz de chegar a se conscientizar de “ um a falsa ligação” . 3. A té antes de casar-se im aginava que seria im potente e pensava que seu pênis era extrem am ente pequeno. 4. O sentim ento de culpabilidade se exteriorizava n o psicodiagnóstico através d a sensação de e star “su jo ”. 5. A. m ostrou-se angustiado nas entrevistas pelos sentim entos que lhe inspirava seu pai: “ Se solto em cim a dele tudo o que tenho para censurá-lo, acabo m atando-o... tenho m edo d e ter um ataque d e raiva e d izer-lhe tudo...” A isso se som ava a conduta de seu progenitor, inoculadora de culpa, através de repetidas frases, com o a seguinte, freqüentem ente recordadas pelo paciente: “ C om o você é m au... você m e m ata desse je ito ...” 6. Seu pai tinha ido co n h ecer o bebê várias semanas depois de seu nas­ cim ento (o que m otivou fortes reprovações d e A . a seu progenitor). Esse fato havia sido vivido pelo paciente com o um a ex p ressão d e desaprovação de sua paternidade por parte daquele. 7. O psicodiagnóstico refo rçav a essas pressuposições, ao colocar em evidência dificuldades para vincular-se c o m pessoas, p o r tem o r ao surgim en­ to de certas fantasias, especialm ente d e caráter hom ossexual. F inalm ente, pensou-se que tais dificuldades poderíam tam bém relacionar-se com o o c o r­ rido com sua m ãe, pelo que, ao ligar-se estreitam ente a alguém , via-se per­ turbado pelo tem o r de se ex p o r a um a nova frustração, com o a que havia sig­ nificado a perda de sua m ãe. 8. N o psicodiagnóstico ap resentavam -se fantasias d e adultério de sua m ulher, que foram atribuídas a esta situação. 9. N ão o b stante, o n ascim en to d o bebê pode ser visto ao m esm o tem po com o um fato m o b ilizad o r e e stim u lan te, que p odería levá-lo a resgatar e desen v o lv er p o ten cialid ad es egóicas, a p artir p recisam en te do qu al o p a ­ ciente, necessita n d o m elh o rar sua situ ação eco n ô m ica, so lic ito u ajuda te ra ­ pêutica. 10. A esse respeito, vários sonhos e referências trazidos pelo paciente nesta etap a ilustram acerca da situação, os quais figuram no capitulo 9 (pp. 165 e 168). S eus relatos de ab u n d an te m aterial onírico quando se aproxim a­ va o final d o tratam ento encerravam , d o m esm o m odo, um a intenção de seduzir-m e a fim de que o retivesse, ao trazer-m e um m aterial que ele su p u ­ nha h avería de satisfazer-m e e interessar-m e m uito. 11. O s fatos m e dariam pouco d ep o is razão; A. conseguiu, p o r iniciati­ va pessoal, um novo em prego sem anas depois de term inada sua terapia, no qual, já há quase três anos deste fato (entrevista de acom panham ento) co n ti­

Notas

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nuava trabalhando, sem ter tido g randes problem as em suas relações inter­ pessoais, e com m elhor retribuição econôm ica. 12. O ptei por d en o m in ar o caso desse m odo, d estacando assim seu principal sintom a. R esultou n aquele m om ento um dos casos m ais ilustrati­ vos e polêm icos de m inha experiên cia h o sp italar e talv ez o que registrou os m elhores resultados terapêuticos. 13. R ecom endam os à m ãe de J. que efetuasse um a psicoterapia, m as esta colocou m uitos o b stácu lo s à sua realização. 14. D em onstraria logo um a g rande facilidade para tra z e r m aterial focal e adequado para a exploração profunda. 15. Pode co n siderar-se esta palavra c o m o palavra-sintoma, que expres­ sava um duplo jo g o de sentim entos da paciente: não só se tratava de prazer que sentia por estar ju n to com sua m ãe com o tam bém provavelm ente do gozo sádico por hav er se livrado definitivam ente de um rival de to d a a sua vida (6). 16. D e acordo com o psicodiagnóstico, isto se relacionava com fanta­ sias de introjeção am bivalente d o objeto perdido (irm ão), especialm ente de seu pênis, e se achava ligado igualm ente com um a ten tativ a reparatória m a­ níaca diante da perda, querendo ela aparecer ante sua m ãe com o se fora seu irm ão através de um a identificação com ele. R esultou ju stam en te digno de nota que J. com eçasse a se vestir com um a ostentação m asculina, seguindo um a m oda não dem asiadam ente difundida. A ssim vestida, com pareceu a vá­ rias sessões. A interpretação ativa desses conteúdos não foi seguida de um a reposta confirm atória im ediata dela. T anto os desejos d t fellatio da paciente, com o os de gravidez, rem e­ tiam a seu complexo de castração (no qual não se aprofundou dem asiado durante a terapia). E in teressante recordar aqui um dos sentidos que E. Jones atribui à inveja do pênis. Para ela m esm a, pode traduzir-se “no desejo de adquirir um pênis, habitualm ente engolindo-o e rem etendo-o dentro do corpo, freqüentem ente transform ando-o num m enino” (7), o que nos sugere um a conexão direta entre os desejos d e fellatio e a gravidez de J. P or outro lado, não cheguei a elu cid ar e interpretar os conflitos corres­ pondentes aos aspectos libidinosos da relação com seu irm ão. N esse sentido, a perda de seu com panheiro reativava a perda daquele. A lém disso, subja­ cente aos vôm itos, e devido tam bém a um intenso d esejo de recuperar o obje­ to perdido (pênis incestuoso), existiam ao que parece fantasias de coitos fra­ ternos (e m ais profúndam ente paternos), com os q uais intentava satisfazer tal desejo, nas quais a boca substituía por deslocam ento a vagina. M as devido a seu caráter incestuoso, e com o autocastigo, term inava expulsando-o, dando assim lugar ao sintom a. 17. Fosse ou não esse padecim ento substituição do anterior, houve de todo m odo m obilização de um sintom a crônico, o q ual é em geral um indício favorável no curso de um tratam ento.

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A lém disso, sem dúvida, os transtornos e prejuízos que lhe acarretou esse novo padecim ento eram em troca m u ito m enores que o s que lhe ocasio­ naram seus vôm itos. Isso sugeria tam bém que J. era cap az de ev id en c iar p ro­ gressos e não n ecessariam ente que o esforço terapêutico fosse infrutífero (9). 18. C abe acrescentar que no d ia anterior (dom ingo), J. tinha saído a passeio com um casal de noivos, o que havia agido com o estím ulo. A o que parecia, J. tam bém ligava inconscientem ente o terçol com d esejo s escatofílicos e seu caráter d olo ro so com o castig o diante de tais desejos, o que não foi interpretado. Isto não surpreendeu m ais, já que nela estava m uito acentuado o p a r v o y eurism o exibicionism o (seg u ia estudos de m odelo publicitário). 19. U m a interessante condensação se deu num pesadelo em que via sua irm ã, g rávida, afogando-se no m ar. 20. P ensei se isso não significaria, além do m ais, que ev itav a contar-m e algo que pudesse nos colocar em desacordo. 21. Isso m e pareceu um a racionalização de u m p roblem a não to talm en ­ te resolvido, dado p o r sua relação de dependência infantil co m a mãe. Inclusive acreditei notar, novam ente, nessa observação da p aciente, que não só queria, em seu extenso relato, contar-m e tudo o que h avia o btido de p o siti­ vo da terapia, m as tam bém pretendia ocultar-m e co n flito s não-resolvidos com seus sentim entos de gratidão. 22. E xiste um a certa analogia entre a abordagem do foco terap êu tico e o que praticava Freud com o sintoma em seus p rim eiro s tratam en to s (Isabel de R. e dem ais históricos incluidos em “E studos sobre a h isteria” [5], a qual pode-se co n sid erar um an tecedente técnico da terapia focal). A diferença reside em que atualm ente contam os com a vantagem de possuir novos conhecim entos que am pliam nossa com preensão profunda, que o próprio criador da psicanálise se encarregou de nos trazer (a sexualidade infantil, por exem plo, especialm ente o co m p lex o de É dipo que nessa época naturalm ente ainda não havia descoberto). 23. N a verdade, isso não se fez basicam ente porque no princípio se ignorava que existisse um a v inculaçâo tão direta entre os sofrim entos atuais da paciente e o luto, a qual constituiu um a descoberta registrada em pleno processo terapêutico. Eu tam bém não havia refletido até esse m om ento a res­ peito da necessidade de se levar em conta a situação especial que se coloca, na aplicação de terapias de cu rto prazo, pela existência de lutos patológicos de grande envergadura, com o podem se r os desencadeados p o r m otivo de perda de seres queridos. Justam ente, a experiência que significou assistir a essa paciente contribuiu p a ra que se prestasse atenção ao problem a. A tudo isso contudo se som ou o fato de se co n sid erar o caso de J co m o um dos de patologia m enos severa dentre os tratados, pelo que se lhe fixou um a duração de três m eses apenas. P or últim o, os resultados favoráveis obtidos no m om ento da avaliação, associados às lim itações tem porais próprias d a e x p e ­ riência clín ica realizada, fizeram rejeitar a alternativa de um recontrato. Fe-

Notas

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lizm ente não houve conseqüências negativas a lam entar, pelo contrário, os benefícios foram apreciáveis, dando a im pressão de que o tem po com binado para a terapia havia sido suficiente para o sucesso daqueles. Sabem os que cada paciente necessita de seu próprio tem po. J. tinha pelo visto um rápido timing, com considerável capacidade de insight, que a fez responder satisfa­ toriam ente a um a terapia intensiva de curta duração. 24. Por sua vez tais interpretações não devem causar m aior surpresa, se recordam os que Freud, já em 1900, no tratam ento de D ora e num período de três m eses apenas, que foi o que durou essa análise, chegou a interpretar as fantasias d e fèllatio que subjaziam à tosse nervosa da paciente (4).

Capitulo 1 4 1. Em caso de se tratar de um a psicoterapía em que predom ina o reforçam ento egóico, excluem -se dessa lista I.P.F. e R.P.F., tanto p ara a avaliação im ediata com o m ediata. 2. Q uer as recaídas se traduzam indistintam ente na reaparição dos sin­ tom as quer na aparição de novas m anifestações sintom atológicas. 3. De acordo com as siglas utilizadas no capítulo 11 (pp. 202 ss.). N. do T. - V er tabela que consta na pág. 203.