Processo de trabalho e estrategias de classe

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Publicações da Conferência de Economistas Socialistas

PROCESSO DE TRABALHO E ESTRATÉGIAS DE CLASSE Colaboradores

Mario Tronti Raniero Panzieri Sergio Bologna Alfred Sohn-Rethel Christian Palloix

�, Aprese.ntação da edição brasjieira FABIO STEFANO ERBER·:

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Tradução: WALTENSIR DuTRA

Revisão de texto: SÉRGIO TADEU DE NrnMAYER LAMARÃo mestrando da COPPE-UFRJ e pesquisador do Centro de Pesquisa e Documentação, FGV

Revisão Técnica: GEORGES E. KORNIS mestre em economia pela UNICAMP e pesquisador econômico do JsGE

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BIBLIOTECA DE CI!NCIAS SOCIAIS Economia

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PROCESSO DE TRABALHO E ESTRATÉGIAS DE CLASSE r

Colaboradores:

Mario Tronti Raniero Panzieri Sergio Bologna Alfred Sohn-Rethel Christian Palloix

Apresentação da edição brasileira FABIO STEFANO ERBER \.

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ZAHAR EDITORES Rio de Janeiro

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Título original: The Labour Process & Class Strate,gies Traduzido da primeira edição inglesa, de 1976, publicada e distribuída para a Conferência de Economistas Socíalistas por Stage 1, Londres, Inglaterra. Copyright © 1976 by The Conference of Socialist Economists Ali rights reserved

Di;reitos reservados. Ai reprodução não autorizada desta publicação, no todo ou em parte, constitui violação do copyright (Lei 5.988) Cana: ÉR1co 335.4 P962

DEDALUS - Acervo - FFLCH-FIL

Processo de trabalho e estrategias de classe.

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Direitos para a língua portuguesa adquiridos por ZAHAR EDITORES S. A. C. P. 207 (ZC-00) Rio de Janeiro que se reservam a propriedade desta versão Impresso no Brasil

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A Importância do Estudo do Processo de Trabalho - Uma Introdução* FABIO STEFANO ERBER

Doutor em Economia pela Universidade de Sussex, Inglaterra Pesquisador e Professor do Instituto de Economia da UFRJ

Os ensaios apresentados neste livro têm nas obras de Marx sua principal fonte de inspiração. Embora um leitor de Marx não possa deixar de ter sua atenção despertada pela minúcia com que trata de detalhes técnicos, notadamente aqueles pertinentes à or­ ganização do trabalho, das relações que se estabelecem entre os trabalhadores, destes com as máquinas e com os patrões, a impor­ tância desses aspectos para o esquema analítico de Marx passou freqüentemente desapercebida até que o recente renascimento dos estudos sobre o processo de trabalho viesse a colocá-los novamente, em foco. O descaso pela tecnologia e pelo processo de trabalho não pero, Paris, 1971.

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APRESENTAÇÃO

elevação da renda real dos trabalhadores e uma estratégia sin­ dical orientada primordialmente para aumentos salariais e a trans­ ferência para a periferia de muitos dos piores processos de tra­ balho, como a montagem de produtos eletrônicos. Assim, para algu ns autores dos países centrais, a combinação do "welfare state" com a "soulfull corporation" prefigu rava uma sociedad trabalho capacitada em operações mecânicas é substituída pela força de trabalho ocupa­ da em programação e controle, qualificada em eletrônica. Distinguindo máquinas-ferramentas convencionais, máquinas transfer e mecanismos de controle numérico, é possível resumir as qualificações funcionais exigidas nas operações do processo de trabalho da seguinte maneira: 14 máquinas­ ferramentas: operações:

máquinas­ ferramentas convencionais

máquihas

(produção em série)

abastecimento

qualificado/não­ qualificado

automação + não-qualificado

regulagem

hiperqualifica­ do/qualificado

hiperqualifica­ do/ qualificado

preparo da

produção

supervisão/con­ trole

máquinas de controle numé­ rico (pequena e média produção)

transfer

1

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não-qualificado computador + não-qualificado

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qualificado/ não­ 1 não-qualificado qualificado 1 qualificado

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hiperqualifica­ do/qualificadol5

H A notação nesse diagrama baseia-se numa tradução muito aproximada da classificação francesa: TAQ - Trabalhador altamente qualificado (ouvrier hautement quafifié).

TQ - Trabalhador qualificado (ouvrier professivnel). TNQ - Trabalhador não-qualificado (ouvrler specialisé). E.�sa última categoria inclui todos os que trabalham diretamente na linha de montagem, inclusive trabalhadores semiqualificados. A categoria TQ inclui os que dispõem de certo grau de treinamento ou qualificação técnica, administrativa ou em engenharia. Ui O alto grau de preparo exigido para essas operações de supervisão

Q PROCESSO DE TRABALHO

As máquinas-ferramentas já asseguraram o crescimento do tra­ balhador não-qualificado e semi-qualificado, isto é, produziram a "desqualificação" dos trabalhadores: a automação, usando máqui­ nas transfer e em seguida máquinas de controle numérico, faz do trabalhador não-qualificado a norma; 16 essas máquinas generalizam a: desintegração da atividade operacional e a fragmentação das ta­ refas. Por caráter descontínuo da produção entendemos, de um lado, a produção automática de grande série de componentes, e, do outro, o ajustamento e montagem desses componentes. A utilização capitalista do princípio da automação na coorde­ nação das operações de ajustamento e montagem { o que é prova­ velmente possível no futuro em itermos tecnológicos) por meio de linhas de montagem agrupadas e integradas umas nas outras por transportadores automáticos, possibilitaria a realização de processos contínuos de transformação mecânica. No momento, porém, fábricas totalmente automat.izadas só existem na produção de bens inter­ mediários, na qual as transformações materiais são de nature-� físico-química. b) Contínua: A aplicação do princípio de automação aos processos contínuos só foi desenvolvida na produção de bens intermediários ( aço,17 petroquímicos, cimento, energia), em que o processo de transformação predominante é o físico-químico, e não o mecânico. A tendência é no sentido de a unidade de produção ser simples­ mente um sistema integrado e automatizado, no qual as funções dos trabalhadores estejam essencialmente limitadas às de manuten­ ção e controle geral. A fábrica automatizada ( a fábrica onde apenas se apertam bo­ tões) tem suas atividades produtivas articuladas para a produção em massa. Nesse caso, a desqualificação dos trabalhadores é extree controle pemutiu que se argumentasse, um tanto teologicamente: "as. perspectivas da produção em pequena série, nos próximos dez anos, são surpreendentes: o trabalhador da pequena oficina se tomará muito mais raro do que o operador da máquina-ferramenta, ou o técnico de manu· tenção" (Ronald Indédale, Les Liens avec l'usine de demain, CECIMO Comité Européen de Cooperation des Industries de la Machine-Outil, 1975, p. 4). 16 Cf. Usine Nouvelle, junho de 1975, p. 135. "Para a produção em pequena série, o controle numérico também nos oferece urna solução para o problema da mão-de-obra altamente treinada, cada vez mais difícil de recrutar na indústria de engenharia. Pode-se, de fato obter o grau de precisão necessário usando operadores com um nível de preparo inferior ao que seria necessário para as máquinas-ferramentas convencionais." 17 De fato, os processos descontínuos ainda são usados na produção do­ aço.

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ma, chegando mesmo ao ponto do desaparecimento total de etapas do processo nas quais se faz necessária a intervenção do trabalha­ dor. 2.

As Fonnas Complexas d:i Organização dos Processos de Trabalho no Capitalismo Contemporâneo

De um lado, há um processo de trabalho dirigido para a produção em massa, isto é, para a produção de excedente intensivo ( mais­ valia relativa) através da redução do valor de troca da força de trabalho. Paralelamente, há um processo de trabalho dirigido para a reprodução da hegemonia das camadas dominantes, uma hegemo­ nia que se baseia no controle das relações de mercadoria ( controle da inovação e "design" [concepção], da realização das mercadorias, da organização da produção, da administração da força de traba­ lho etc.) 2. 1 Processo de Trabalho e Produção em Massa

Devemos ter sempre em mente que os métodos "técnicos" envol­ vidos nos diferentes processos de trabalho - ou métodos de ma­ nufatura - foram progressiva e historicamente formados pelas condições nas quais o capital se realizou ( pela mise-en-valeur do capital), e também pelos processos pelos quais o capital foi acumu­ lado. Eles foram, e continuam sendo, as forças motoras na evolu­ ção do processo de trabalho a esse nível, e podem, por si mesmos, explicar as modificações ocorridas, nesse processo, nos diferentes ramos e departamentos da produção social. Conseqüentemente, na­ da se pode dizer sobre a evolução dos processos de trab(tlho sem formular várias hipóteses ( talvez implícitas) sobre as moJifi­ cações ocorridas nos processos de valorização e acumulação do ca­ pital. Portanto, devemos resumir rapidamente as tendências gerais relacionadas com a valorização e a acumulação do capital ( que po­ dem ser identificadas com base em um século de prática capita­ lista) - tendências que também afetaram a evolução do processo de trabalho. Em seguida, podemos formular certas hipóteses sobre os fatores que podem agir sobre essas tendências gerais, modifi­ cando-as. a) Nos últimos cem anos os principais elementos que caracte­ rizaram as condições da valorização do capital relacionaram-se com as condições da produção-reprodução de um mercado de trabalho dual com: - de um lado, uma força de trabalho relativamente qualifi­ cada, capaz de negociar altos níveis salariais, mas representando uma fração decrescente da força de trabalho agregada;

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o PROCESSO DE

TRABALHO

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- do outw, uma força de trabalho não-qualificada ( recru­ tada inicialmente em modos de produção pré-capitalistas), que pode ser obtida por salários baixos e até mesmo muito baixos. Esse duplo mercado de trabalho, encontrado a princípio em forma­ ções sociais capitalistas avançadas { relacionado com as condições de valorização e acumulação), tende, cada vez mais, a ser formado apenas em nível internacion,il. Por exemplo, nos Estados Unidos em fins do século XIX, os trabalhadores qualificados, aqueles que tinham um treinamento ar­ tesanal ou de ofício, juntamente com os imigrantes que tinham experiência de sindicatos e atividades políticas, empenharam-se nu­ ma luta política que foi suficientemente generalizada para consti­ tuir um obstáculo à valorização e acumulação do capital. Ao mesmo tempo, chegava da Europa uma massa de imigrantes camponeses que não podiam ser incorporados, nas condições em que se encon­ travam, ao processo de produção. Os processos de trabalho tive­ ram, portanto. de ser modificados. De um lado, tiveram de ser adaptados a fim de possibilitar a desqualificação dos trabalhadores "artesanais", e, do outro, tiveram de ser adaptados a fim de per­ mitir o emprego de trabalhadores não-qualíficados, ou que podiam ser facilmente transformados em não-qualificados. O taylorismo e o fordismo constituíram uma solução: apresentaram um tipo par­ ticular de processo de trabalho adequado ao e mprego de tipos defi­ nidos de força de trabalho. A reconstituição desse duplo mercado de trabalho, que ocor­ reu necessariamente em conjunto com dois processos de trabalho em interação constante, é uma necessidade para o sistema capita­ lista, necessidade que se expressa, em relação à classe operária, num duplo movimento do capital: - tendência à equalização - tendência à diferenciação. Ai condições para a reprodução desse duplo mercado de tra· balho, historicamente ligado às formas pré-capitalistas internas de produção nos países avançados, estabeleceram-se rapidamente a rú­ vel internacional, e isso teve um efeito sobre o processo de interna­ cionalização e a divisão internacional do trabalho, isto é, teve um efeito sobre as diferenças que se estabeleceram em todo o mundo, em relação às eondíções de produção e reprodução da classe ope· rária. 18 18 Cf. R. Barnett e Ronald E. Mul!er, Global Reach, ihe Power of Mul­ tinational Corporations, Nova York, Simon & Schuster, 1974.

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b) O duplo mercado de trabalho, juntamente com as novas formas de valorização do capital, com o emprego na produção de novos conhecimentos científicos (energia nuclear, cibernética, au­ tomação etc.), com o uso em grande escala de novos materiais (80% produzidos na " periferia", 80% consumidos no "centro"), tudo isso, em conjunto, deu origem a um modo de valorização do capital baseado na produção em massa ( ou, em outras palavras, na "produção de mais-valia em grande escala", onde esta é obtida através de produtos manufaturados em grande número). Essa pro­ dução em massa depende da dominação do capital. Este já não en­ frenta lírrútes técnicos no âmbito e grau de sua dominação; os úni­ cos limites são os sociais. c} No contexto desse duplo mercado de trabalho, os dois prin­ cipais tipos de processo de trabalho tomam as seguintes formas: - processos descontínuos: organização taylorista e fordista do trabalho ( trabalho de linha de montagem); trabalho repetitivo e fra,gmentado, envolvendo um grande número de trabalhadores não-qualificados fornecidos pela imigração ou pelas transferências internas de mão-de-obra (camponeses, mulheres,. camadas margina­ lizadas da população); a indústria automobilística, eletrônica, arti­ gos eletrodomésticos, têxteis tradicionais etc; - processos descontínuos: organh:ação taylorista e fordista volvendo um investimento muito grande de capital constante ( e fixo), e poucos, muito poucos trabalhadores, alguns dos quais rela­ tivamente qualificados ( petroquímica, quírrúca, têxteis sintéticos), nas esferas de regulagem e controle, e outros totalmente não-quali­ ficados. d) E possívd fazer certas observações relacionadas à localiza­ ção desses diferentes processos de trabalho. No que se refere aos processos organizados nas linhas de mon­ tagem taylorista e fordista, houve historicamente duas tendências sucessivas: - num período inicial, enquanto continuou a expropriação rural nos países imperialistas centrais, a reprodução do duplo mer­ cado de trabalho foi assegurada ( embora fosse suplementada, na medida das necessidades, pela importação dos trabalhadores da pe­ riferia); nesse período, os países imperialistas conservaram a ma­ nufatura e a transformação de produtos dentro de suas próprias fronteiras, permitindo aos países subdesenvolvidos apenas o traba­ lho de extração de produtos naturais ( matérias-primas, energia, cer-

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tos produtos agrícolas); essa divisão internacional do trabalho che­ gou ao auge na década de 1970; - num segundo período, as precondições políticas e sociais para a reprodução do mercado de trabalho, em relação com o sis­ tema produtivo, já não eram asseguradas nos centros imperialistas; a periferia começa a modificar seu caráter, em conseqüência de um certo deslocamento do processo de trabalho e do processo de pro­ dução. Certos tipos de manufatura são transferidos, passando a se localizar em formações sociais subdesenvolvidas, com os centros im­ perialistas reservando para si os procesios que exigem um certo know-how, um certo conhecimento tecnológico, e uma força de tra­ balho qualificada Por cons�uinte, podemos observar, nos centros imperialistas, um crescimento das indústrias que exigiam elevado nível de conhe­ cimentos ( engenharia da produção, pesquisa e desenvolvimento), enquanto os países periféricos adquirem rapidamente um -novo ca­ ráter específico com o aparecimento de indústrias de produção em massa ( carros, aparelhos eletrodomésticos, rádios transistores, câ­ meras, têxteis). Quanto à produção autom,ática em massa, ela continua, em grande parte e em geral, localizada nos países imperialistas centrais, ou em certos países intermediários, embora essa tendência geral se complique por certos fatores: pela necessidade de financiamento ( hbje em dia, os petro-dólares estão envolvidos), problemas de poluição ( petroq u í.mica, aço), inexistência de mão-de:obra qualifi" cada· em número suficiente { que ameaça impedir o processo de re­ distribuição na escaJa prevista em certos países, como, por exemplo, na França). e) Devemos ressaltar que o fordismo, que ainda caracteriza o ptpcesso de trabalho de hoje, não é a mesma coisa que o tayloris­ mo·: é uma inovação real. Como observa B. Coriat, 19 Ford usou aigons aspectos essenciais do taylorismo ( separação entre projeto e inovação e execução, divisão e subdivisão das tarefas, permitindo a cada movimento um tempo específico), mas também foi além, inti,-oduzindo dois outros princípíos: - um novo método de controle da força de trabalho; - a introdução do princípio da linha de fluxo ( correias transportadoras) na forma concreta da linha de montagem. 10 Alguns desses pontos foram extraídos de um trabalho mimeografado de B. Coriat, "Un dévelopment Créateur du Taylorisme: le Fordisme", janeiro de 1975, p. 21.

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Quanto à linha de montagem, as inovações Jo fordismo podem ser resumidas da seguinte maneira: O fluxo das partes é, na medida do possível, realizado por máquinas ( transmissores, transportadores, estruturas móveis de montagem) e está sempre separado do trabalho de monta­ gem propriamente dito. Os trabalhadores da montagem não têm, assim, n�cessidade de se movimentar pela fábrica, e es­ tão fixos em suas posições de trabalho; uma conseqüência disso é o fato de que a velocidade de movimento do produto não-acabado ( e, portanto, o ritmo de trabalho) é controlado mecanicamente, e não pelos próprios trabalhadores, aos quais é imposto. Os princípios do fordismo deram origem a