Primavera [1, 1 ed.]

Este livro é dedicado aos Simões que conosco carregam a nossa cruz. Este livro é dedicado aos inocentes que, tal qual Je

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Primavera [1, 1 ed.]

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Primavera

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Foto de Cassiano K. Wehr na Unsplash

Ecce Homo. Autor desconhecido, 1570 2

Este não é um livro de ficção. Esta obra não possui direitos autorais. Ela pode e deve ser reproduzida no todo ou em parte, além de ser liberada a sua distribuição por qualquer pessoa, movimento ou organização, desde que nada por ela seja cobrada e preservando seu conteúdo e o nome do autor. Copyright © 2023 de todos e todas! Contato

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Dedicatória “Enquanto o levavam, tomaram certo Simão de Cirene, que vinha do campo, e impuseram-lhe a cruz para levá-la atrás de Jesus. Grande multidão do povo o seguia, como também mulheres que batiam no peito e se lamentavam por causa dele. Jesus, porém, voltou-se para elas e disse: “Filhas de Jerusalém, não choreis por mim; chorai, antes, por vós mesmas e por vossos filhos! Pois, eis que virão dias em que se dirá: Felizes as estéreis, as entranhas que não conceberam e os seios que não amamentaram! Então começaram a dizer às montanhas: cai sobre nós! e às colinas: Cobri-nos! Porque se fazem assim com o lenho verde, o que acontecerá com o seco?” Lucas 23: 26-31 4

Este livro é dedicado aos simões que conosco carregam a nossa cruz. Este livro é dedicado aos inocentes que, tal qual Jesus, são perseguidos, torturados e crucificados por uma igreja que há muito deixou de ser Templo de Iahweh. Este livro é dedicado aos depressivos, ansiosos, esquizofrênicos; a todos aqueles que sofrem de “enfermidades espirituais”, num mundo onde ser saudável é naturalizar a barbárie. Este livro é dedicado a tudo aquilo que não é; aos que nada são; a escória que o mundo tenta eliminar para que seus ideais de harmonia sejam realizados. Este livro é dedicado àqueles que na dor encontram a dor do Cristo crucificado!

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Introdução Sempre tive uma relação ambígua com as palavras - se em muitas madrugadas elas salvaram a minha vida, em outras noites foi por conta delas que um profundo sentimento de agonia me deteve. Não vou me atrever a falar sobre filosofia; eu, admirador dos anti-filósofos. Mas lembro que Schelling certa vez falou que a linguagem tortura o homem na existência ao mesmo tempo que ela o redime de suas raízes existenciais. Não recordo se a frase foi redigida originalmente assim, também não tenho condições de saber se, na verdade, o que eu disse foi o sentido oposto do que ele pretendeu comunicar. Em todo caso, não tem relevância! O fato é que foi neste sentido preciso que a frase me tocou. O que importa, no fim das contas, é que foi 6

imerso na agonia, o lugar onde descobri nas letras uma amiga, uma companheira que apesar de não enxugar as minhas lágrimas, chorou junto comigo, expressou a minha dor e se esforçou para levar minhas angústias para cada pedaço de papel. Caso não fossem os versos escritos aqui, não me restam dúvidas de que eu, em alguma madrugada insone, teria colocado um termo a minha vida. Apresentada estas referências primeiras, sinto que tenho o dever de alertar o leitor sobre algo que possa lhe soar bastante inconveniente - não considero estes escritos como um livro de poesias. O autor que vos escreve não possui o domínio básico da gramática; na verdade, a deficiência vocabular deve gritar a cada linha desta obra. O Eu-lírico, caso prefiram chamá-lo assim, não faz a mínima ideia do que é uma poesia. Também não sei se realmente existe algum valor no poetar, nem como ou porque é preciso escrever 7

poesia. A fria realidade é que esse livro sequer deveria ter se tornado um livro. Os versos que nele se encontram foram apenas um meio encontrado, por mim, de sobreviver aos surtos depressivos e ansiosos que eclodem nas madrugadas; pelo menos assim foi que a maioria foi escrita. As que foram concebidas de outro modo, só o foram por amor ou tédio - modos mais sutis de surtos psicóticos. E Se utilizei várias vezes o termo poesia em alguns dos escritos, isto se deve tão somente a força do hábito ou por confusão lexical. Não há, portanto, um sentido lógico no modo em que as estrofes foram organizadas ou que os versos foram colocados; quer dizer, se há, não sou eu que estou em condições de lhes oferecer tais razões. Tudo está sistematizado da forma como está apenas porque não vi motivos para sistematizá-los de outro modo. Não tentarei, para além do que já foi dito, estabelecer um panorama mais definitivo de 8

cada escrito em particular. A linguagem, morando no universal, diz várias coisas dos modos mais diversos. Pior ainda: ela pode dizer dizer justamente o contrário do que o autor pretendia. Aqui está a comédia e a tragédia de quando decidimos pôr em símbolos o que nos atormenta subjetivamente. Só o que posso falar é que cada anotação feita levou consigo uma dor. Então cabe a cada um extrair dessa universalidade a singularidade do que foi dito sem que eu tenha percebido.

Bandini Silva, 19/09/2023

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Primavera estou farto de ouvir-lhes cantar sobre o desabrochar das flores na primavera sons leves e bonitos versos mais eficazes que qualquer superdosagem de clonazepam poesias receitadas por beija-flores que prescrevem serenidade pelo simples prazer de assobiar numa manhã de sol um receituário da quietude a demanda por uma cura obtida sem que nenhum pedaço do 10

mundo seja arrancado então não me fale da primavera pois aqui não percebo flores pois aqui não escuto canções pois aqui os leitos não estão vazios aqui as estações do ano se resumem apenas aos destroços trazidos pelas enchentes do inverno ou aos gritos de fome causados pelas secas do verão Inverno e verão eles não são meras estações que se alternam entre as épocas inverno e verão são a 11

totalidade dos instantes que não cansam de surgir durante 365 dias da devastação daquilo que vocês decidiram chamar de realidade primavera! este é somente o nome de uma doença criada nos laboratórios de letras uma palavra escrita em tarja preta embalada comprimida e sem dosagem mínima exigida pela bula então ela segue por aí 12

sendo recitada em saraus fúnebres onde flores adubadas com sangue escondem com seu perfume um solo regado com lágrimas.

64 À meio tom - Salmo dum silva

A fumaça embarga minha voz No pulmão a noite se eterniza Muitos Simões carregam minha cruz E eu vos arrasto comigo para um calvário que é só meu A glória da cruz é inglória Viver entre os hinos da harpa e as canções da psiquiatria Cada qual com uma receita-resposta da cura 13

Num calvário onde os únicos saudáveis carregam em suas mãos um chicote Não peço Tua voz mais que Teu silêncio Pois tanto podes estar no leão, como no rato Ou nas baratas, nos insetos e nos esgotos Quem sabe em mim, misto de psicose e depressão A minha cruz é pesada demais pra carregar Não divida o peso do meu madeiro com ninguém Só me ajude a suportar a dor No conforto agonizante de Tua solidão A mesma terra que louva a Tua glória É a mesma terra que geme a Tua dor O mesmo solo onde fazes brotar o milagre da vida É o mesmo solo que escorre o sangue do inocente Queria ter uma voz pra te falar 14

Mas só tenho palavras pra te dizer Então permita que eu implore outra e outra vez: Não me deixes ser esmagado pela cruz! Me conceda, ao menos, forças para chegar até ao Gólgota Para que meu grito seja o Teu E que dos açoites jorre o sangue E que meu sangue se transforme em vapor E que do vapor Tu possas regar todas as planta do campo trazendo vida para todas as ervas da terra!

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Guerrilha do cotidiano de assalto e sem sobreaviso BOOM - minha cabeça explodindo como uma granada jogada no fogo cruzado onde as patologias da alma e os desequilíbrios químicos do coração disputam as mentes e corpos de pessoas sem sobrenomes minha consciência em chamas como o quadro das camponesas vietnamitas que foram pinceladas no amarelo-sol do napalm e no vermelho-sangue da democracia divina sinto meus membros dilacerados embora meus olhos os vejam inteiros escuto meus gritos e não consigo encontrar em tamanha devastação 16

os restos mortais do que pode ter sobrado de mim as farmácias não atendem e a receita do psiquiatra expirou porque o cheque especial não deu conta de pagar o preço da minha loucura é duro admitir que temo pela vida ainda pior é admitir que a cada granada não tenho como saber que vida me restou ou se restou vida ou se restou apenas as sobras do que um dia eu vivi se é que eu vivi

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na sala de aula eu preciso dizer que o projeto de vida é ser alguém mas hoje agora nesse instante o único projeto de vida é não ser mais uma baixa dessa guerra travada ironicamente num setembro bastante ensolarado.

sem quetiapina os olhos tentam a todo custo mas as pálpebras não obedecem o corpo deseja mas a mente não para e o coração 18

palpitando ininterruptamente diz NÃO as lágrimas descem e se misturam ao soluço de um rosto trêmulo que já não consegue RESPIRAR a força já entregue uma esperança que se rendeu e o cérebro… E O CÉREBRO RESISTE apesar de não existir mais uma faísca de vida nessa extensão corpórea que até poucas horas tinha o nome de alguém um alguém que agora se tornou um vegetal que se tornou apenas a consciência de que se tornou um VEGETAL 19

64 horas sem dormir.

Nas insônias Camus tem razão do que me importa a inspiração se só quero acordar amanhã? quatro da madrugada não quero saber da relevância dialética de Hegel que levem diretamente ao sétimo inferno 20

a contribuição estética de Nietzsche meu pensar é uma recusa ao pensamento que pensa recusar o pensamento pelo pensar a madrugada jogou minha consciência numa jaula onde leões rasgam minha carne mas se recusam a me matar sou particular e portanto sou mundo singular? há pensamento mas já 21

não existe lógica alguma nem sei mais do que estou falando só que estou falando preciso dormir.

Plasticidade meu vocabulário é pobre minha alma é vazia e meu desejo de ser desejado há muito desapareceu não se trata de autodepreciação muito menos de um pessimismo exasperado

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apenas decidi me encarar frente ao espelho vendido gratuitamente no mercado das formas e terminei pagando com o resto de felicidade e auto estima que eu pensei que poderia ter [tido] um dia então sigo em frente trazendo comigo apenas um isqueiro sem gás e um cigarro que não consegue ser aceso.

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Devocional (I) É um mundo de merda. Uma realidade composta de bosta e sangue. Existe, Senhor, outros termos em que a verdade da situação encontre a sua expressão mais adequada? Não é dever de todo cristão falar a verdade em sua palavra correspondente? Ou é isto ou nos tornamos mentirosos! sem rodeios, floreios, culpa ou amarras.

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Dizer que a realidade é ruim, pecaminosa, transgressora, insuficiente, maligna, hahahahaha. Isto não chega nem perto de atingir, na linguagem, a dimensão do excesso de dor e sofrimento que é estar lançado no mundo. Não peço a Deus que Ele mude esta realidade, pois tenho esperança que o céu sobre a terra virá e cada perversão será julgada com justiça. Mas peço que Ele me ajude a encontrar um caminho para sobreviver a este maldito lugar de morte. O suicídio sempre está a porta. A morte quer me vencer todas as noites. Não quero o “céu” - ficção ideológica que escraviza a mente de pessoas de bom coração. 25

Só o que resta é a ressurreição, um outro mundo, uma vida mundana em que toda maldade tenha sido derrotada. É um mundo de merda e se os homens não o tivessem feito assim, eles não seriam homens. Mas eu sei que Cristo encarnou num corpo miserável em Nazaré, Ele escolheu, desejou, quis vir e viver nesta bosta de mundo. E se Deus, em sua aflição, suportou não apenas estar nessa bosta, mas ser naquele que fez essa merda, então tenho o dever de, pelo menos, tentar. (II) É um mundo de merda.

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Às quatro da manhã as pessoas estão amontoadas feito porcos num chiqueiro ônibus, trens, alternativos… estes porcos são livres para decidir como irão ao abatedouro. Preocupados em educar os filhos, manter um lar. “usar camisinha é pecado”? a grande questão existencial de suas vidas. No domingo vão à igreja chorar pelos pecados e agradecer por um outro mundo em que este sofrimento terá fim. Pastores mentirosos, igrejas de abutres, teólogos covardes. Este é o mundo de merda no qual vocês têm tesão! Tenho fé e peço que Deus julgue - com a Sua parcialidade de pai amoroso e justo - todos estes vermes que enganam o bom coração de pessoas humildes.

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Vermes que justificam alimentam o sofrimento!

a

opressão,

Impostores, hipócritas, malditos! Por favor, meu Pai, não esqueça da dor e da miséria dos seus filhos. Não Si esqueça daqueles que fazem do teu evangelho um chicote, não se esqueça de quem naturaliza a servidão dos que te amam. Preciso de força, voz e fôlego para dizer, para falar a Tua verdade. Sou um rato, arrogante, pessimista, me falta inteligência, conhecimento, palavras, verbos. Eu quero a tua companhia. Me ajuda na minha raiva, sede paciente, não se enfureça comigo. Preciso da paz. Mas não da paz deste mundo, uma paz que vem da quietude e aceitação.

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Quero a tua paz. A paz presente na dor, na aflição. A paz de sofrer pelo que deva ser sofrido. A paz de odiar o que tu odeia. A paz de que minha fúria seja Tua. E se não for, me mostra o erro. Me corrige também com Tua fúria! (III) A verdade é que eu não entendo porque eu. As vezes gostaria de fazer qualquer outra coisa – viver tudo que eu acredito no conforto do meu quarto. Mas Tu faz as palavras surgirem no papel, de modo que minha oração se torna escrita. Eu não pedi por isto. Dói viver assim. 29

Gostaria de ser normal, de entender a Verdade e guardá-la para mim, em minha imaginação, em minha mente. Frases que desapareceriam ao longo dos dias. Mas quando meu coração palpita, venho aqui falar contigo. Quando não aguento mais é no papel que eu Te encontro. Mas se é assim que Tu me queres, se é assim que Tu me tocas, então é assim que precisa ser. Há conforto e amor no teu toque. Eu sinto amor quando Ti Falo.

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Escrever Teu nome me faz ferver em Teu carinho. Quem sou eu para pedir o Teu julgamento? Sou o pior de todos. Não sei o que se passa no coração dos vermes, nem sei por qual motivo os teólogos são mentirosos e covardes. Mas como não sentir ódio ao ver a Tua santa Igreja transformada num circo? Teu corpo ordem?

se tornando instituição da

A opressão sendo pregada como aquilo que é? Se os mentirosos mentem, por que não expor suas mentiras e chamá-los de mentirosos? Se a igreja é um circo, por que não chamar o pastor de palhaço? E se o compromisso Contigo é, antes de mais 31

nada, um comprometimento com a verdade, por que não falar nestes termos?

(IV) Tenho dúvidas. Fica comigo. Não quero certezas, pois não existe nenhum valor nelas. Acredito na esperança, Tu me fala na dúvida, e do vendaval incerto trazes a fé. Foi ninguém além de Ti que me ensinou que a fé não é um saber, um conhecimento, uma certeza, mas esperança. Uma esperança que persiste apesar de tudo dizer não! Porque minha esperança está em Ti, Senhor da Vida, Senhor da minha vida, Messias do 32

mundo que venceu a morte, ressuscitou e nos prometeu também ressuscitar. Sou teu, faz de minha vida aquilo que Tu bem entender. Mas se eu puder Te pedir, então peço que me faças como Tu. Que minha Vida seja Vida em Ti. E que o meu corpo seja também o Teu corpo. Te agradeço, Jesus, pelo dia de hoje. Não porque ele foi bom, mas porque eu tenho a esperança de que no meu sofrimento Tu estavas sofrendo comigo.

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tic-tac três da madrugada o tempo quebrado intermináveis interlúdios entre um piscar de olho e o próximo consciência de… ah, sei lá... de consciência estar agonizando no nada estar sendo esmagado por nada açoitado por… açoitado

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tic-tac tic-tac tic-tac o barulho de um relógio que não vejo em lugar algum tic-tac tic-tac tic-tac a agitação de um sono que não se quer ouvir tic-tac tic-tac tic-tac a tormenta de um tempo que se movimenta em repouso tic-tac tic-tac 35

tic-tac o tédio enjaulado num pedaço de papel.

Despertador a ideia da morte não deveria nos atormentar tanto quanto o absurdo da vida tudo é cansativo até para ser ninguém é é preciso antes ser alguém que nega a si mesmo não querer o que se é mas não poder ser qualquer outra coisa que não ti seja

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O FERRO APONTOU PRO TEU PEITO E A IMPOTÊNCIA DISPAROU UMA RAJADA DE TIROS POW POW POW POW POW POW [...] nada se ouve ninguém ti escuta tantas balas já foram disparadas que não há quem se importe com os assassinos culpados pelo corpo desovado neste quarto só mais uma vítima dos afetos que insiste acordar toda manhã levantar 37

tomar café pegar o bus trabalhar voltar pegar o bus deitar dormir pesadelo não é sonhar com a morte pesadelo é ver as ruas asfaltadas com sangue enquanto nelas se caminha até a integração correr no asfalto para não se atrasar!

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Vale ponto pra prova, tio? o pior choro é aquele que não cabe no peito mas não transborda nos olhos uma dor tão forte que nem as lágrimas dão conta de chorar a garganta se enlaça os lábios tremem o corpo permanecendo firme em seu lugar apesar do terremoto na 39

alma.

Adorno se não é possível escrever poesia depois de Auschwitz então como é possível escrever o que quer que seja depois do noticiário da manhã?

Ecce Homo ecce homo - eis o homem gloriando-se na miséria de sua coroa de espinhos - um presente dado pelo seu Deus em todo quinto dia útil do mês mãos atadas, chicotes, orgarsmos esposa, filhos e vivendo oito horas por dia 40

ecce homo - o modelo, o ideal eis o homem - o rei dos reis sobre a terra que mora de aluguel num apartamento de 50 m quadrados abençoado seja ele, o homem o mais bem-aventurado dos animais que nunca se rebelando conseguiu seguir fielmente a sua linhagem mística do orangotango. o homem, pastor de suas ovelhas fazendo por merecer cada pedaço de lã regozijando-se a cada sacrifício na maré no altar que sua assembleia fez à Baal ou a mamon, depende da reforma ecce homo - eis o homem sujeito do apocalipse, objeto da salvação instrumento do Outro em cada temp[l]o. eis o homem! 41

YESHUA os cachorros latem mas já não sei se há cachorros ou se apenas existe uma mente perturbada não deve ser normal questionar suas próprias palavras ou pensar que elas sejam realmente suas ou ainda pensar que há um mundo provido de uma vida que não seja miserável bem do que se sabe eu só sei que um homem miserável 42

latia na Palestina a sarna o matou e os latidos foram presos na madrugada onde não há nada além da dor que nunca amanhece nos devorando com a força de vira-latas famintos.

Élix certos momentos despertam sentimentos ambíguos segunda, tarde, calor, centro de JP 43

de repente, um irmão de tantos anos na minha frente a saudade nos uniu num abraço apertado!! perguntas da vida um do outro - coisas sem importância - e uma rápida despedida não podíamos ficar ali tínhamos PRESSA coisas pra fazer cuidar da vida agora, a noite, já não sei se estou feliz em tê-lo visto ou se estou triste por já nem saber quem ele se tornou

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é difícil admitir mas talvez ele seja apenas a memória de um grande amigo que se tornou um desconhecido não sei sequer se o amo pois como amar o que sequer sabemos o que é? no entanto naquele abraço depois anos sem vê-lo as dúvidas e questionamentos não vieram à tona naquele abraço ele era um irmão que eu havia reencontrado depois de tanto tempo

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um refúgio que o amor encontrou na memória a lembrança materializada no instante do encontro dúvidas inexistentes no abraço!

Isto é uma punheta? entre uma punheta e outra o amor o cigarro o trabalho a existência entre uma punheta e outra a poesia 46

o ódio a melodia o salário entre uma punheta e outra o velório a igreja a fome a arte entre uma punheta e outra o sorriso o vazio a loucura o acaso entre uma punheta e outra o desejo o whisky 47

a família a culpa entre uma punheta e outra a velhice o tédio a farmácia o descanso entre uma punheta e outra.

Métrica a pessoalidade em ser o que se é faz com que a pessoa se arrependa de um dia ter sido o que não se foi

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e traz o desespero de se transformar necessariamente no que não será um futuro do pretérito conjugado no presente uma gramática da decisão mas o verbo não tem relevância na ação de uma verdade impalavriada olhe o chão certezas, cigarros e eus se apagam a cada minuto

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não existe nenhum lugar onde qualquer princípio ainda seja fundamento primeiro o critério se foi as estrofes vivem por si já não tenho nenhum controle sobre as letras que versam em mim.

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Uma caminhada na praça Era tardezinha quando decidi caminhar pela praça. O som dos pássaros correndo à procura de seus ninhos me faz pensar que ainda há beleza no mundo! ainda há beleza no mundo, que pensamento esquisito. Muito esquisito… que beleza é esta que, no fim da tarde, se deixa ofuscar pelos quadros surrealistas de trabalhadores tristes de pé em ônibus lotados? Acabara de passar um ônibus. 51

Era tardezinha e estava caminhando pela praça. No quiosque da esquina eu vi um casal bobo tomando sorvete e eles estavam tremendamente ansiosos para tocar as mãos. Os sorrisos de lado, o olhar que deixava o desejo evidente, a proximidade de seus corpos que mesmo pulsando não se enconstavam. Faltava coragem. Apesar deles estarem explodindo!! É isso, pensei - a timidez deixa as coisas mais bonitas. Fico imaginando em que momento eles conseguiram sentir a pele um do outro, penso no coração acelerado na hora do 52

beijo… dos olhos sorridentes sem saber para onde olhar após os lábios se conhecerem… Fui embora. Não quis ver o que aconteceria depois. A timidez deixa as coisas mais bonitas. Mas a beleza, a beleza mesmo, continua teimando em se esconder.

Uma vela quando a casa está vazia e a música emudece a letra se acende.

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Os gemidos da criação o idioma precede a dor ou é a letra a sua progenitora? aquelas conversas que por medo decidimos não ter as palavras que escolhemos pronunciar antes que o arrependimento nos tome a mágoa trazida pelo que foi dito e a melancolia manifestada pelo que deixamos de 54

dizer agora eu já nem sei se esses versos carregados de dor são mais brandos do que a letra que me foi privada como se as palavras fossem a superfície de mares agitados que escondem em sua fúria uma agonia ainda mais abissal do que não foi possível falar e olhando por esse lado talvez os meus poemas sejam mais felizes e amargos do que parecem.

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Fiel companheira chorar não é difícil difícil é enxergar um significado nas lágrimas que molham o rosto difícil é entender onde irá desaguar as correntezas que arrastam as mãos até os olhos difícil é sentar na porra dessa cadeira e escrever em lágrimas implorando que as letras chorem comigo isso é difícil estar se afogando e ter apenas as palavras nadando contigo 56

as únicas que enxergam o teu mar de solidão.

Não existe relação sexual uma sala lotada de traumas para receber as visitas uma vida que transborda dor para entregar alianças vida, dor, visitas, alianças e traumas a existência se desenha num pentagrama demoníaco o mundo é mal e eu sou mundo a vida é tédio 57

e eu existo resisto ao pessimismo de suplicar à bênção do Outro permaneço firme na agonia inominável do verbo pois prefiro uma dor que seja verdade do que um sorriso que disfarce a face do perverso sexo, sexo, sexo, gozar é bom por um instante logo é preciso foder de novo e de novo e de novo gozar é bom talvez seja bom por fundar o vazio trazer movimento impulsionar ao porvir que irrompe no nada

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continuar, continuar harmonizar no corpo o que na carne é falta nunca será pelo prazer muito menos pelo sorriso o mesmo gemido que expressa gozo também suplica dor uma inseparabilidade do/de que há porvir no êxtase de hoje está presente o êxtase do amanhã o gozo é uma intervenção da eternidade no tempo um trauma. 59

Outono (I) Já era tardezinha quando me peguei olhando as fotos daquele verão que passamos na praia. E as vendo hoje fico triste por ter saído com um semblante tão insípido, como se eu fosse um forasteiro descobrindo uma terra estranha. O sentimento não é um povo, uma aldeia, um país. O sentimento é uma ilha isolada no meio de lugar nenhum, onde, de vez em quando, por pura sorte e acaso, algum estranho se arrisca a tropeçar.

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É triste admitir, mas a era das navegações parece ter acabado, e as ilhas se tornaram nações tão grandes que eu nem sei mais se ainda são ilhas. Pode até te soar antiquado, cafona ou obsoleto, mas hipocondríaco que sou, nunca tive coragem de sair desse pequeno pedaço de terra, dessa minúscula fração de lar, invisível à luneta dos viajantes. (II) É por isso que me recordo tão bem daquela terça, dia 27. você também se lembra? Caminhávamos juntos na costa, desviando das pedras e fugindo das ondas, tão atentos aos nossos passos que parece difícil explicar aquele momento em que tropeçaste em mim. 61

Sorte, acaso, desatenção. Não importa. Minha ilha já não era só minha. E é esse fenômeno tão traumático em sua jouissance que me faz ver com tamanha ambiguidade as fotos daquele verão. É tão bonito ver em cada fotografia o teu olhar mirando um horizonte vasto de sentido... e ao mesmo tempo, é tão triste ver o meu olhar mirando... bem, na verdade nem eu sei o que ele mirava. Espero que você não tenha me julgado mal, mas eu tive que admitir o quanto era complicado sorrir em dias quentes para quem sempre preferiu o frio do inverno.

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(III) Os dias são estranhos o tempo segue uma lógica parecida. As folhas que vimos no caminho, tão verdes por conta da chuva, hoje estão queimadas num solo que já não é fértil. A imensidão do mar, que outrora nos trazia otimismo, agora nos causa medo, pois hoje ela nos lembra que um pequeno gesto, como o simples entrelaçar dos nossos dedos, tão frágeis e lacônicos perto da fúria dos oceanos, pode desencadear um frenesi em nossos corpos com tamanha ferocidade que faria a pior das tempestades parecer calmaria. Desculpa se soei hiperbólico, é que existe uma certa extravagância quando olhamos para o passado de um lugar distante. 63

Olhando para aquele verão, sinto que conseguiria atravessar o mar inteiro só com a segurança dos teus faróis, uma cor tão verde, misto de hard-core e delicadeza. Aquele céu azul tão longe e que mesmo assim podíamos tocá-lo com a palma de nossa mão. Ainda me recordo do que tu, sem dizer uma palavra, me falaste naquela tarde.

(IV) Quando o véu noturno passeava por nossa barraca, com a lua incapaz de clarear os

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detalhes de nossos toques, a imaginação ditava, delirante, as suas intenções. E foi assim que descobrimos que, no verão, nem as noites são frias, e nem o vento delicado. Mas o verão é estação, um sopro no tempo, um momento efêmero que se despede antes mesmo de adentrar a sala. E eu estava lá! Não pense que não vi o seu olhar relutante ao ver o céu se transformando em cinza. O seu medo ao não achar a lua entre as nuvens. O desespero que tu sentiste quando a chuva desabou em seus olhos.

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O inverno majestade.

é

terrível

em toda a sua

Mas mesmo sentindo o peso dessa totalidade frívola que não existe, mas nos esmaga, nossos pés ainda se tocaram. Não posso ser injusto contigo! Nunca lhe escondi que sempre preferi o vinho a cerveja, o whisky a cachaça, o som da chuva no telhado no lugar do canto dos pássaros pela manhã.

(V) Sinto um enorme aconchego com o tom melancólico das tardes frias onde o cobertor dita os passos lentos do relógio até o vazio da madrugada. Nada acontece. 66

Nesses dias, a alma se transforma num abismo que nem o mais talentoso dos poetas é capaz de preencher. Ali, sozinhos, somos nós contra nós mesmos. Uma batalha travada no interior do sujeito, sem que nenhum eu saia vencedor. O inverno é inescapável. E mesmo que aquela ilha fosse nossa, era necessário que cada um enfrentasse o frio ao seu modo. E foi apenas ali que eu entendi – o amor é desfrutar de nossa nossa solidão abrigados na falta um do outro. Só que o inverno também passa. E como nós dois, tu, sendo verão, eu, sendo inverno, encontramos terreno firme 67

independente da passagem das estações, só podemos concluir que, em nossa ilha, sempre será outono.

Amor correlato desejo olhar o que não se vê para depois esquecer o toque atualizando a lembrança de um segredo que ainda não se mostrou segredos a vista de uma vista antes secreta uma geografia do desejo que deseja cartografar as paisagens infinitas do corpo voz cheiro gosto

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os mesmos caminhos são sempre outros caminhos os mapas de ontem a noite se tornaram obsoletos hoje de manhã pois um novo mesmo lugar foi descoberto e o idioma de agora já não pode pronunciar o recém dialeto que a língua implora que a boca aprenda tudo de novo tudo, de novo um eterno esquecer de lembrar que sempre lembra de esquecer uma lembrança do inexplorado.

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Estação ferroviária de João Pessoa pare, olhe, escute só há ninguém ali um mundo dividido entre hemisférios de opressão e continentes de luta nele existem esgotos e ruas e seus habitantes ribeirinhos de uma terra estranha que já não procuram por casa ali se esconde um lar afogado no sangue do subúrbio um rio de lágrimas do cotidiano 70

memórias, afetos e dores que não permitem que sepultem sua história nos cemitérios de mentiras da prefeitura um rio de lágrimas do cotidiano a falta como trilha sonora de uma realidade que não permite cantar mesmo assim ainda consigo ouvir a música pessoas que teimam sorrir mesmo que faltem motivos para tal distantes do todo invisíveis à cidade

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não são nada ninguém apenas o resto o resto que (sobre)vive apesar da vida que lhes foi negada pare, olhe, escute só há ninguém ali um rio de lágrimas do cotidiano um mundo inteiro.

102 Chamado ao louvor Clamor por restauração

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Shema Yisrael, Adhonai Elohenu, Adhonai Echad! Escute, ó Israel: o Senhor, nosso Deus, o Senhor é um! Aleluia! Toda glória é Sua! Os céus e mares são Seus! "Hoje cultuamos a Deus" - diz o insensato "O encontraremos no seu Santo Templo" grita o assassino Mas Adhonai condenou essa geração, pois ela sente prazer na perversidade E Ele jamais tocaria os Seus santos pés em púlpitos construídos com o sangue mais barato do mercado Livra, óh Senhor, os oprimidos daqueles que nem com a boca Ti proclamam Escuta o sofrimento de cada filho que a Igreja demoníaca deixou órfão

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Faz justiça ao perseguido, como fizeste a Davi O protege daqueles que fazem da Bíblia um fuzil para os pobres matar Tua graça também é justiça E Tu És Deus que sente a dor de cada pedra que apedreja os teus santos Escuta, eu te IMPLORO, escuta o clamor dos miseráveis! Faz justiça, Iahweh! Nos traz força, Jesus! Mostra-nos o Ágape, Espírito Santo! Transforma a dor do perseguido em alegria Mostra dos céus o Teu Juízo àqueles que no Outro perseguem a Ti Pois a terra inteira e todos os povos proclamam - "O Senhor é Deus justo e misericordioso, que abraça o pobre e fere com Sua santa espada os perseguidores!”

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planner se o objetivo da minha vida é viver então a meta diária é não dar um tiro na boca esfriar o sangue que hoje arde como um inferno nessas veias uma dor que parece arder pra sempre uma antecipação no presente do inferno futuro mas eu não posso porque eu quero suportar mesmo que o aperto em meu peito implore o contrário 75

mesmo que o vazio da alma seja pesado demais para carregar mesmo que o meu corpo diga “ei, chega, aqui é o final dessa estrada longa e sem sentido, chegou a hora de descansar.” eu ainda não posso ainda é preciso resistir ao outro dia ainda é preciso suportar toda essa dor mais uma vez… e de novo e de novo escrevo essas linhas numa madrugada de 25 de dezembro 76

e assim como eu não se esqueça de traçar sua meta diária para os próximos 365 dias do ano que vem anote tudo em seu planner.

não há páginas virgens procuro uma folha em branco para escrever um novo rascunho um lugar vazio que possa ser transformado num lar 77

uma mentira de verdade que me faça acreditar um espelho em que o passado não reflita meus demônios do presente um caderno que não tenha sido manchado por memórias de noites que nem lembro um eu que realmente seja meu um sonho que não tranforme meus dias em realidades.

78

À Emma Goldman escrever poesia uma batalha travada contra as palavras a interminável busca pelo termo adequado o tormento para dizer o que se quer falar sem que a expressão dite o seu oposto quanto esforço em vão quantas reflexões desperdiçadas como se 79

os versos fossem falar no lugar de chorar a sua impotência como se a operação lógica da junção não passasse de uma simples efemeridade pois só no erro de dizer o oposto do que se quis dizer pode haver poesia errar falando absolutamente nada e acabar dizendo absurdamente tudo esta é a mais linda das ilusões pensar que o verso ecoará na eternidade 80

de um universo sem vocabulário.

Nada quando o sentido se esvai e as pílulas não funcionam só nos resta o nada mas antes de qualquer vazio existe a dor que lhe antecede e não há nada no mundo capaz de curar uma dor mais terrível do que aquela que antecede o tormento do próprio vazio.

81

Gênesis (I) descrição simples da Bíblia - um livro escrito com letras que lhes permitem o relato de um encontro impossível. De um lado, o Criador eterno e perfeito. Do outro, a criatura finita e falha. caminhos separados. - como poderia o eterno se relacionar com a finitude? a perfeição ser amiga da imperfeição? Os gregos não haviam nos ensinado que uma coisa nunca pode assumir a forma do seu contrário? Nem todos, é verdade! 82

Mas o criador, encarnando na própria contradição lógica que impedia o homem de vir à Deus, manifestou o inimaginável na história, fazendo da finitude e da imperfeição o Seu corpo. desde então a história desse encontro é escrita; é escrita, no presente, pois ela não é nova a cada dia, mas sempre nova, continuamente; Um livro aberto na história cujas páginas em branco nos é permitido rabiscar. numa perspectiva verdadeiramente cristã, ocorre uma inversão do que compreendemos no interior do processo da construção de uma obra. a folha vazia, para o escritor que nela deseja escrever, se manifesta como condição da 83

escrita, como o lugar que possibilita o registro de suas anotações. a página em branco é, para aquele que escreve, anterior à efetivação da grafia. no cristianismo, a página em branco não deve ser compreendida como precedente à palavra, mas sim, como “resultado” - a folha vazia é a vida no Espírito Santo de Deus; pois a lei, a ordem, a situação, o ser, as instituições santificadas juridicamente, estão sepultada na ressurreição de Jesus. em seu lugar, o princípio da fé nos permite escrever, descobrir, criar e ressignificar a nossa relação com Deus e com o mundo, produzindo, ao mesmo tempo, uma nova criatura e, consequentemente, uma nova realidade para aquele que crer… na vida 84

uma nova vida, de acordo com a graça, na medida da fé, produzida pela perfeição que se faz imperfeita. (II) No sexto dia da criação, Deus, do pó da terra, criou o homem e, da costela de sua criatura, criou a mulher - os criou em simplicidade… ou nem tanta simplicidade assim! O criador também cultivou um jardim com a pureza do vazio pré-simbólico e na multiplicidade do não conceituado. Neste jardim, a afetação é experiência singular, pois não existe, ainda, uma organização dos fenômenos [heterogêneos] numa unidade que lhes conferisse sentido. Entretanto, Deus, ao criar o homem, o dispondo no jardim pré-simbólico do Éden, 85

também fundou um outro espaço, a região do proibido, onde Ele guardou um segredo cujo mistério foi desautorizado, ao homem, descobrir. Ao estabelecer a região do proibido, o lugar do interdito, Deus inscreveu, em sua criatura, o impulso erótico, uma vez que o segredo divino provocou o desejo humano que, excitado pela proibição, se deixou seduzir pelo secreto. Quando acontece a consumação do desejo, quer dizer, quando o homem penetra no mistério e conhece o seu segredo, o mundo se substancializa enquanto mundo, consolidando, assim, o pecado original. O pecado original é o mundo!! Como resultado, o homem foi privado de sua experiência originária, pois o jardim do

86

puro nada agora emerge como realidade do Um. O homem, excitado pelo interdito divino, transgride a sua proibição, sendo, portanto, banido da simplicidade imediata e sentenciado a viver na linguagem, uma pena, o Senhor lhe deu o pior dos castigos: Deus sentenciou o homem a ser sujeito.

(III) E assim nosso mundo se tornou prosa e deixou de ser poesia.

Existir! Ser sujeito em nossos dias é se encontrar aprisionado no crivo moderno que, primando pelo status epistemológico

87

corrompeu a verdade a tornando sinônimo de conhecimento.

Este é o horror que se arraiga

até as

entranhas de nosso ser contemporâneo. Adão, o teólogo!

Atrelado a esta lógica hedionda surgiu a ideia

de

progresso

da

humanidade…

progresso, apenas mais uma palavra cuja função é esconder a feiura em que subsiste a vida atual.

Ninguém jamais irá conseguir me convencer de que existe mais verdade na explicação epistemológica,

por

exemplo,

duma

tempestade, do que no discurso tupinambá que percebe nas fortes chuvas e no tremor 88

dos céus em trovões, Tupã correndo de um lado ao outro no céu entre as nuvens.

Somente

uma

desinteressante,

prosa como

fria, o

do

feia, teólogo

epistemólogo, pode assumir a verdade científica

como

um

progresso

em

detrimento da verdade mítica “primitiva”.

Uma verdade estética, artística, que preze pela beleza e pela vida, no entanto, olharia, sem pestanejar, a poesia delineada pelos rápidos movimentos de Tupã nos céus do Rio de Janeiro.

E na serpente andando e ludibriando com suas

frases

a

mulher!

Um

mundo

maravilhoso! 89

Solicitação - isenção Prezados/as Deuses

Eu,

Mendigo

Paraíba

da

Silva,

CPF:

000.000.000-00, estudante concluinte do curso de Filosofia pela Universidade Federal do Norte, ops, quer dizer, Nordeste, que pra vocês são a mesma bosta, venho por meio da presente Carta de Intenção implorar de joelhos, tal como faço à Iahweh, a isenção da taxa de inscrição no Processo Seletivo do Mestrado

Acadêmico,

estabelecido

pelo

Edital PPGFIL/USP nº 2/3084, por me enquadrar num dos grupos isentos (o de pessoas miseráveis, quer dizer, de baixa renda), conforme definido pelo Art. 4º da 90

Resolução

da

Câmara

Pós-Graduação



de

Pesquisa

06/3065

e

que

regulamenta a cobrança e isenção para taxas de inscrição em processo seletivo para ingresso em Programa de Pós-Graduação stricto sensu.

Nesse sentido, destaco, mais uma vez, a necessidade de isenção em razão da minha situação de fome, merda, opa, desculpa de novo, vulnerabilidade social, pois:

1.

Me

encontro

desempregado

e

sem

qualquer renda fixa, já que, sendo pobre, não consigo participar mais de projetos além do projeto do telemarketing.

91

2. Minha família se encontra cadastrada no Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal, possuindo uma Faixa de Renda familiar total de até um salário mínimo,

(somos

4

pessoas

kkkkkkk)

informação que pode ser certificada no comprovante em anexo e que se enquadra dentro dos parâmetros estabelecidos pela supracitada Resolução Nº 02/2020 que utiliza o critério de baixa renda definido pela Lei nº 12.711/2012, isto é, contemplando as/os candidatos oriundos de famílias com renda igual ou inferior a 1,5 salário-mínimo (um salário-mínimo e meio).

Certo da bondade de vossas divindades, aguardo a avaliação, orando e em jejum, da comissão do certame. 92

Louvados sejam os Senhores!

Ecos dum lugar estranho e distante P > cumprir promessas Pq? F > só se cumprirmos podemos perseguir projetos P1 > que é insensível aos fatos Os fatos são as justificativas que são dadas para defender P Ctc Gretier

93

crença verdadeira justificada Argumento: 1 sempre há explicação de pq F embasa P (P seria auto evidente). 2 tal explicação invoca um princípio último que sobreviveria à negação de F 3 regresso para independentes de fatos

em

princípios

escutem: estes são ruídos dos habitantes de uma galáxia fora de órbita.

Antes do trabalho as manhãs são um misto de expectativa e 94

frustração frustração por acordar expectativa pelo sono que a noite trará mas a frustração sempre triunfa antes do café escovando os dentes lá está você olhando seu rosto cariado neste espelho de segunda mão e não existe nada que se possa fazer a não ser si mesmo e ser si-mesmo machuca

95

dói o pior inimigo de um homem é ele mesmo e o seu próximo e não há nada pior do que tudo que está ao redor.

Lápis e papel cartas de amor são pedidos de socorro que escrevemos à solidão e o que impulsiona cada eu te amo dito é o medo de nunca encontrar a si mesmo 96

não podemos ser sozinhos sequer em nós mesmos é impossível viver sem o espelho que nos mostra nos devaneios do Outro parece um sonho e um pesadelo mas é só o vazio da realidade nós somos estranhos em nosso próprio lar porque não existe um lugar onde um lar seja possível não há aconchego uma casa para se chamar de eu e dos escombros erguemos o beijo, o olhar, as palavras, os sorrisos… nós dois

97

vivendo nossa falta de lar construímos um não-lar para ser só nosso pois apesar de tudo é preciso entender: somos apenas forasteiros num espaço inominável ficcionado de mundo pois não há lugar algum que nos comporte nesse lugar.

Um clichê verdadeiro existir não é viver existir é ser impostor de si mesmo 98

ditar o que foi dito plagiar sem ser notado dançar uma canção cuja melodia já foi entoada pelos grandes vencedores existir é fácil porque ser uma mentira num mundo de ilusões te faz se perceber como um homem por inteiro um homem com brio que compartilha o orgulho de pertencer a uma raça de enganadores erguendo ideais de 99

existência num mundo onde a vida se encontra esfacelada.

Falta sorri(r) em qual sorriso tua dor se escondeu? ela estava nas gargalhadas da mesa do bar ou nos teus louvores do culto das sete? ela se mascarou na arrebatadora paixão que vingou ou se dissimulou naquele “eu te amo” que foi trucidado pelo calendário do amor?

100

e você se lembra do show da tua vida? seus míseros anos de trabalho comprou! HAHAHAHA em lá estava você sorrindo em cada foto e lá também estava ela em cada foto a tua dor chorando em teus sorrisos. em qual sorriso a tua dor se escondeu?

101

(“seu orgulho, sua alma, sua vida”) a cada experiência uma parte de nós é arrancada para sempre e não existe alternativa a não ser continuar mas jamais esquecemos as pílulas ajudam apenas a suportar enquanto os demônios fazem do presente uma reprise de um filme que não terminou 102

tudo está lá pois estar vivo é lembrar de cada membro que nos foi arrancado uma vez que viver é uma doença crônica do passado.

Parusia o caos brande em harmonia e a paz parece não ter uma espada que nos separe e liberte utopia do múltiplo

103

inalcançável como as estrelas o sangue urge e os mortos choram as tumbas gritam pois os mortos existem os mortos desejam os mortos não merecem viver uma vida desenhada no todo os mortos clamam pela paz enquanto isto os artistas da barbárie expõem suas obras na conciliação do sublime quanta vida no progresso 104

quanta existência no existir e a estúpida questão permanece do que adianta existir sem nunca vou ter morrido? “necessário é nascer de novo” latia um cão em Nazaré que só nasceu de novo quando teve sua morte como destino não há vida enquanto a vida dos mortos são negadas mas apesar de toda essa bosta eu acredito que 105

um dia nossos mortos ressuscitarão para dançarem uma melodia que lhes foi arrancada pela harmonia duma totalidade sangrenta.

Sacrifícios nos lugares altos Chovia naquela sexta-feira à noite. Chovia e todas as noites de chuva eram tempestades carregadas de lembranças. Dois anos fora de casa. Dois anos que o trabalho em outra cidade forçou a mão de obra ao abandono do lar.

106

Sentir saudade era difícil; as horas remuneradas e não remuneradas ocupavam muito espaço para que outra coisa dispusesse dum lugar. Mas chovia naquela sexta-feira à noite! E era impossível não notar que embora um temporal se precipitasse sobre o teto, não se escutava nenhum som estridente da chuva se chocando com o telhado, como sempre ouvira na casa de seus pais. O lugar alto estava gessificado. Foi nesse instante que a memória dos antigos respingos de água caindo sob o rosto, dos baldes de água debaixo das goteiras ecoando um som insuportável das gotas de água se amontoando até derramarem no chão,

107

da mãe lamentando as roupas que havia esquecido estendidas no varal. Uma memória feliz. Quer dizer, uma memória triste de ocasiões alegres que já não existiam mais. Terminou o cigarro, deitou-se no colchão da firma e chorou. Gotas de água que em soluços substituíram o barulho do telhado!

Demônios e legiões minha trajetória não é das melhores tenho certeza que a minha história não é 108

a mais bonita das estórias mas eu tento juro que eu tento simplesmente ser alguém aceitável um nome que desperte sorrisos uma memória de um momento bom daquelas que re-presentam ao menos um instante de felicidade mas não tem sido uma tarefa fácil estou numa guerra travada por mim contra mim mesmo e de nada adianta vencer ou perder porque sempre 109

serei eu a ganhar ou perder quem sabe um dia eu consiga me tornar outra coisa que não seja a memória de uma infelicidade alguém enviado como uma punição dos deuses mas enquanto não consigo sigo tentando juro que tento mesmo pensando que todo esse trabalho não esteja logrando êxito algum.

110

Por que os garimpeiros comem as vaginas das mulheres Yanomami? “Escute só, isto é muito sério. Anda, escuta que isso é sério! O mundo está tremendamente esquisito. (Matilde Campilho em, Fevereiro). (I) Fevereiro, de Matilde Campilho, é uma das poesias mais lindas que tive o prazer de ouvir - quantas madrugadas me esforcei

111

tentando corromper em significados o vazio dos seus versos! e em todo amanhecer, eu me perguntava sempre o mesmo: como é possível que, mesmo conhecendo estas letras há tanto tempo, elas ainda me falam, a cada instante do seu dizer, uma multiplicidade de sentidos que eclode a natureza fixa da simbologia poética? “Um poeta não sabe o que escreve”, um amigo poeta me disse. Bem, acho que ele tinha razão. A beleza da poesia está em sua força significativa que rompe com a imobilidade da coisa revelada - poesia é movimento, criação, abertura. Em seus versos, ela nos apresenta a possibilidade dum mundo que é vida em sua própria atividade de viver. 112

Por isto, ela sempre apresenta o excesso, o exagero, a utopia. Ela nos impele a resistir, nos confrontando com a realidade de nossa existência, nos dizendo que podemos ser mais do que hoje nós somos. A poesia não é letra… é negação da estabilidade do signo; ao mesmo tempo, é positividade que alça voo em direção ao que não foi escrito. Poesia é uma expressão da vida, não do mundo. (II) Mundo - palavra esquisita. E Aqui eu só posso falar do meu mundo. E meu mundo se divide entre a prosa e a poesia, entre o ser e o não-ser, entre existir e ter vida. Cabe a cada um examinar se vivemos cada um no mundo um do outro. 113

Não tenho pretensões universais, a verdade não está nesse todo que tudo explica sem nada dizer de concreto. A verdade existe, mas a falsificaram em uma totalidade que a tudo harmoniza; não, a verdade é uma falha que se revelou por uma lacuna, como “uma luz que entrou torta por nós a dentro (CAMPILHO)”. O mundo que eu percebo não é um objeto eu o vejo quando, ao pegar o ônibus, várias pessoas entram pedindo ajuda por não ter o que comer. Há fome no mundo, portanto. Toco a realidade ao andar nas ruas do centro de João Pessoa e uma multidão de pessoas estão deitadas em caixas de papelões, vivendo sem ter onde dormir. “O mundo, lugar tão grande, mas sem espaço para que todos tenham um lar”, eu penso.

114

Também escutei o mundo nas madrugadas que passei lendo e ouvia tiros na esquina; mais um que morreu - há morte e violência no mundo. (III) Estas palavras não são cruéis, assustadoras, sombrias e possuídas de violência - é o mundo que assim é. Caso este não seja o seu mundo, bem, então você poderia tentar tocá-lo mais de perto e enxergá-lo de mais longe. “Por que os garimpeiros comem as vaginas das mulheres Yanomami?” Esta pergunta me deixou marcas. Ela foi feita por uma mulher duma aldeia indígena que fica entre os Estados de Roraima e do Amazonas, perto da fronteira com a Venezuela. 115

O mundo daquela mulher não é diferente do inferno. O mundo ao qual ela foi jogada é mal, maligno, fonte de tristeza, agonia e morte. Agonia talvez seja o melhor termo, pois agonia é a tortura dos instantes de dor que antecedem a morte. E o mundo desta mulher Yanomami se transformou nisto - agonia.

(IV) “A MULHER YANOMAMI SENTA NO BANCO DE MADEIRA, ESPANTA COM AS MÃOS OS PERNILONGOS QUE TEIMAM EM SE APROXIMAR. O longo colar de miçangas amarelas cruza seus seios descobertos e 116

contorna sua barriga de grávida. O filho, de 4 anos, se aninha a ela, que lamenta sua magreza. “A malária comeu ele”, explica. Na floresta invadida e controlada pelo garimpo, crianças como ele morrem da doença depois de dias ou semanas de febre alta e vômitos ininterruptos. A desnutrição é uma realidade há vários anos e tem se agravado em várias aldeias. Nos territórios controlados pela mineração ilegal, pequenos Yanomami vomitam vermes. Os medicamentos demoram a chegar ou não chegam. Então a mulher começa a nos contar sobre o que teme ainda mais do que a fome e a malária, ainda mais do que crianças vomitando vermes. Ela conta sobre o que fazem com suas vaginas.” (V) Estupros coletivos em troca de alimentos básicos, ou a troco de nada também, estuprar só pelo prazer de estuprar. 117

Vomitar vermes por não ter nada no estômago; ou quando o povo Yanomami consegue pescar, os peixes estão envenenados com o mercúrio do garimpo ilegal, que os adoece e mata. Ver seus parentes mortos simplesmente porque eles estão nas terras de seus antepassados, ou seja, em suas terras. Como explicar para ela? Como responder por que os garimpeiros comem as vaginas das mulheres Yanomami? Tem dor nesta pergunta. Ela não quer uma explicação histórica, pois ela tem plena consciência do massacre que os indígenas sofreram e sofrem por parte do homem branco.

118

Não, a mulher Yanomami não quer que leiamos um tratado de sociologia para contextualizá-la sobre a sua própria situação. A sua questão é íntima, é movida por um abismo de dor que não consegue enxergar um sentido nesta agonia que ela e o seu povo estão passando. A sua pergunta soa “como pode existir um mundo em que os garimpeiros comem as vaginas das mulheres Yanomami?” Como é possível? Que mundo é este? Em que realidade cruel um acontecimento tão monstruoso pode acontecer? Tenho certeza que, do ponto de vista do povo Yanomami, o inferno do qual fala o 119

cristão, talvez seja um retrato demasiado otimista. Não existe mulher.

poesia

no mundo daquela

(VI) E se não existe poesia para o povo Yanomami por que deveria existir para nós? Se o mundo deles é prosa, então por qual motivo escreveríamos versos? Se o som que os seus ouvidos escutam vem dos gritos de mulheres estupradas e dos vermes que caem na terra enquanto suas crianças vomitam, qual a nossa justificativa para entoar canções?

120

Francisco disse que “quem passou pelas celas e pelas salas de tortura da OBAN e do DOPS, pensa no mundo diferente”. A dor muda o mundo que nós percebemos. Há dor na fome, no estupro, na tortura, no assassinato, na agressão, na miséria, na pobreza. Não é preciso muitos exemplos para enxergarmos que o mundo subjaz no maligno, basta olharmos à nossa volta; basta ouvirmos o que dizem aqueles que sofrem, no lugar de escutar os que fazem sofrer. Você deseja ser cidadão do mundo? Você Deseja ser cidadão dum mundo que torna possível que os garimpeiros comam as vaginas das mulheres Yanomami?

121

uma igreja sem paredes cinzas uma parede verde casinha com piso grosso e taipas apodrecidas uma manjedoura para os vira-latas do reino um teto com goteiras lá estava Maria Madalena em seu prostíbulo santo dando os seus farelos aos rejeitados sacramentos escritos sacramentos lidos sacramentos re-lidos e as mesmas palavras eram sempre outras palavras e o seu significado permanecia apesar do seu movimento conceitual 122

goteiras no teto corpo devorado sem sangue uma parede que não se deixava mortificar-se no cinza um corpo doente que entoava doenças a cura era só um lugar a doença era questão de ser viver era motivo de cantar orar era certeza de ouvir uma igreja cujo corpo era igreja uma unidade do múltiplo uma multiplicidade rompendo com o Uno um abrigo de animais abandonados uma maravilhosa autofagia do 123

corpo de Cristo a felicidade como união da falta.

A língua do P existe o orgarsmo e existe GOZO e deste último é impossível que a língua do “P” possa algum dia descrevê-lo para esta língua o que resta é a incapacidade de traduzi-lo toda poesia erótica que esteja inscrita no P não passa de charlatanismo para vender um idioma por um preço acima do valor de mercado considerando o centimetros quadrados que 124

o “P” possui foi Haya que me ensinou que o GOZO se escreve apenas nos gemidos da sedução e nos terremotos da fenda frases escritas num idioma da estrangeira que contam em suspiros tudo o que está sendo ferido gozar é dizer que uma navalha acabou de rasgar fora a sua língua SANGUE versos no idioma da forasteira a poesia do corpo que 125

nenhum lápis pode escrever então aqui usando vogais mudas deixo o meu silêncio para dizer que GOZAR É ABRAÇAR A MORTE QUE NOS DÁ VIDA!

circular das 11 da noite as melhores lembranças são as vazias

126

memórias não tão boas memórias não tão ruins sem profundidade ou sentido coisas triviais imagens que chegam por acidente e que somem assim que o próximo instante desponta ou quando o ônibus chega ao seu destino.

127

Vovô Jorge meu verso de amor é uma folha em branco escrito em linhas que não desenhei com memórias de encontros que nunca tive meu verso de amor não teve fôlego sua eternidade chegou ao fim entre os lençóis frios de uma cama sem vida… onde seus olhos azuis se fecharam antes que eu pudesse 128

esboçar um adeus e hoje mesmo que as letras gritem por mim elas apenas ecoarão sua mudez num leito vazio.

Açougue o signo do trauma é a carne - possibilidade do toque pele costurada com linhas de morte um depósito de sangue que se decidiu chamar corpo

a carne é olho - função de ver o trauma no que é visto 129

ver, verbo, ação no infinitivo pois no princípio era o verbo e o verbo se fez carne e a carne se fez olho e o trauma se fez ver olhos que tudo enxergam não vêem nada além das feridas tudo que é visto se traumatiza trauma - condição do que se vê mãos cravejadas com pregos, toque tua carne, carne eu traumas fincando no corpo o que as palavras não podem clamar nas letras um final feliz é possível nas frases um para-além se insinua e em cada talho santo a carne morta é exposta como prêmio nos sacrifícios dos impostores

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o sangue cai de gota em gota até simplesmente acabar como uma torneira ligada quando cortam a água porque não houve pagamento. a carne é o que a letra evita os toques são os que os versos não trazem o trauma é o que cada palavra esconde poesia da vida - falar aquilo que a língua proíbe.

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