Pessoas extraordinárias: resistência, rebelião e jazz [1 ed.] 9788521903197

Através da redescoberta da realidade concreta do passado, Hobsbawm procura expor a emergência de uma classe que se desco

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Pessoas extraordinárias: resistência, rebelião e jazz [1 ed.]
 9788521903197

Table of contents :
PREFÁCIO......Page 9
1. THOMAS PAINE......Page 11
2. OS DESTRUIDORES DE MÁQUINAS......Page 17
3. SAPATEIROS POLITIZADOS (em co-autoria com Joan W. Scott)......Page 37
4. TRADIÇÕES OPERÁRIAS......Page 77
5. O FAZER-SE DA CLASSE OPERÁRIA 1870 - 1914......Page 93
6. VALORES VITORIANOS......Page 117
7. HOMEM E MULHER: IMAGENS DA ESQUERDA......Page 145
8. O NASCIMENTO DE UM FERIADO: O PRIMEIRO DE MAIO......Page 171
9. O SOCIALISMO E A VANGUARDA, 1880-1914......Page 193
10. O MEGAFONE DA ESQUERDA......Page 209
11. OS CAMPONESES E A POLÍTICA......Page 217
12. OCUPAÇÕES DE TERRA POR CAMPONESES......Page 243
13. O BANDIDO GIULIANO......Page 279
14. O VIETNÃ E A DINÂMICA DA GUERRA DE GUERRILHAS......Page 291
15. MAIO DE 1968......Page 307
16. AS REGRAS DA VIOLÊNCIA......Page 319
17. REVOLUÇÃO E SEXO......Page 327
18. EPITÁFIO PARA UM VILÃO: ROY COHN......Page 333
19. O CARUSO DO JAZZ......Page 337
20. COUNT BASIE......Page 349
21. O DUKE......Page 359
22. O JAZZ VAI À EUROPA......Page 371
23. O SWING POPULAR......Page 381
24. O JAZZ A PARTIR DE 1960......Page 389
25. BILLIE HOLIDAY......Page 403
26. O VELHO MUNDO E O NOVO: QUINHENTOS ANOS DE COLOMBO......Page 407
ÍNDICE REMISSIVO......Page 417

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m livro sobre pessoas cujos nomes. IE: geralmente conhecidos apenas. pelos parentes e vizinhos, É assim mesmo, de forma aparentemente pouco convidativa, que Hobsbawm define Pasoas extraordinárias. Afinal, quem estaria inte. ressado na história do sapateiro John Adams, figura muito popular em Kent nos idos de 1830, ou, ainda, em Ned Luda, operário cuja especialidade era destruir máquinas industriais no século XVIII? Certamente, eles eram tão conhecidos quanto Herbert Smith, cuja maior proeza foi chegar à prefeito de Barnsley-sem nunca ter tirado seu boné de mineiro da cabeça, ou quanto Marie Deschamps, camponesa inilitante da Comuna de Paris que só ficaria. mais famosa por ser retratada na Liberdade de Delacroix. Seria este, então, mais um daqueles livros sobre as famosas “histórias humanas

de gente simples”? Não exatamente. Tais personagens estão aqui compondo um novo parâmetro para a história do proletariado e de sua formação, Pois através da redescoberta da realidade concreta do passado, Hobsbawm expõe a emergência de uma classe que se descobre portadora de uma identidade singular. Chamando a coisa pelo nome, trata-se de narraro aparecimento da Famosa consciência de clave através da recuperação das revoltas cotídianas das chamadas “pessoas comuns”. Mas, aqui, entra a ressalva: “comuns” como indivíduos mas “extraordinárias” como agentes de uma ação coletiva. Se, por um lado, seus nomes designam pessoas concretas, por outro indicam personificações de impasses, contradições e esperanças de “momentos históricos cruciais. Mas o livro não é só sobre proletários anônimos. Bandidos, músicos, estudantes, cantoras de jazz e até mesmo um “pai

PESSOAS EXTRAORDINÁRIAS Resistência, Rebelião e Jazz

Eric Hobsbawm

PESSOAS EXTRAORDINÁRIAS Resistência, Rebelião e Jazz Tradução de Irene Hirsch

Lólio Lourenço de Oliveira

D

PAZE TERRA

OE.) Hobsbawm “Traduzido do original: Uncommon people CIP-Brasil. Catalogação Na-Fonte (Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ, Brasil) Hobsbawm. E. J. (Eric ].), 1917-

Pessoas extraordinárias: resistência, rebeliãoe jars/ Eric Hobsbavem; tradução de Irene Hirsch, Lólio Lourenço de Oliveira. - São Paulo: Paz e Terra, 1998. ISBN 85-219-0319-7 H599p 98-1827

1. História. 2, Movimentos sociais, 3, Personalidades. 1 Tírulo.

CDD.909 CDU

Trechos extraídos de: Os Trabalhadores— ad. Marina Íeão Teixeira V. de Medeiros

“Micndos do Trabalho — Trad. Waldea Barcellos e Sandra Bedran Os Revolucionárias — Trad, João cartas Vitor Garcia « Adelângela Saggioro Garcia História do Marxismo — Trad. Leandro Konder e Carlos Nelson Coutinho

História Social do faze— Trad. Angela Notanha EDITORA PAZE TERRA SA Rua do 'lriunfo, 177 01212010 — São Paulo-SP Jel.: (011) 223-6522

Rua Dias Ferreira n.º 417 — Loja Parte 22431-050 — Rio de Janeiro-RJ Tel: (021) 259-6946 1998 Impresso no Brasil! Printed in Brasil

SUMÁRIO

PREFÁCIO. A TRADIÇÃO RADI!

1. THOMAS PAINE

o

.

2.08 DESIRULDORES DE MÁQUINAS.

11.1.

3. SAPALEIROS POLITIZADOS (em cosantoria com Juan W Score), , 4.TRADIÇÕES OPERÁRIAS

ess

O FAZER-SE DA CLASSE OPERÁRIA 1870 - 1914.

...iccsocooo

6. VALORES VITORIANOS. ..... ce... HOMEM E MULHER: IMAGENS DA ESQUERDA.

ns .

143

8, O NASCIMENTO DE UM FERIADO: O PRIMEIRO DE MAIO.

169

9.0 SOCIALISMO E À VANGUARDA, 1880-1914

191

10. O MEGAFONE DA ESQUERDA

207

CAMPONESES 11.05 CAMPONESES E A POLÍTICA. 12, OCUPAÇÕES DE TERRA POR CAMPONESES 13,0 BANDIDO GIULIANO

als 241 27

6

ERIC HOBSBAWM

HISTÓRIA CONTEMPORÂNEA 14.0 VIETNÃ E A DINÂMICA DA GUERRA DE GUERRILHAS

289

15. MATO DE 1968

305

16. AS REGRAS DA VIOLÊNG

17. REVOLUÇÃO E SEXO

325

18. EPPLÁFIO PARA UM VILÃO: ROY COHN. .

FEM

JAZ 19. O CARUSO DO JAZZ 20. COUNT BASIE 21.0 DUKE 22.O JAZZ VAI À EUROPA 23.0 SWING POPULAR 24.0 JAZZ A PARTIR DE 1960 25. BILLIE HOLIDAY 26.0 VELHO MUNDO E O NOVO: QUINTHENTOS ANOS DE COLOMBO ÍNDICE REMISSIVO

PREFÁCIO Este livro é quase inteiramente sobre a espécie de pessoas cujos nomes são usualmente desconhecidos de todos excero de sua família, seus vizinhos

e, nos Estados modernos, as repartições que registram nascimentos, casa-

mentos é mortes. Ocasionalmente essas pessoas são conhecidas tunbém pela polícia e por jornalistas em busca de uma “história humana”. Em alguns casos, seus nomes são inteiramente desconhecidos e impossíveis de conhe-

cer, como os dos homens e mulheres que mudaram o mundo com o cultivo

de safras no recém-descoberto Novo Mundo, importadas arravés da Europa

« África. Alguns desempenharam um papel em pequenas, ou regionais, ce-

nas públicas: a rua, a aldeia, à capela, a seção do sindicato, o conselho municipal. Na cra dos modernos media, a música e o esporte conferiram notoriedade pessoal a uns poucos deles que. em épocas anteriores, teriam permanecido anônimos, Essas pessoas constituem a maioria da raça humana. As discussões en-

tre os historiadores sobre o quão importante são na história os indivíduos e suas decisões não dizem

respeito a clas. Os escritos sobre tais indivíduos

ausentes na história deixaram traços pouco significativos na narrativa

histórica,

macro-

A questão de mcu livro não é exatamente se essas pessoas devem ser

retiradas do esquecimento ou daquilo que E. P Thompson chamou, em sua frase memorável, “a enorme condescendência da posteridade”.

Naturalmente

que devem, e espero que alguns capítulos — por exemplo, “Sapateiros politizados” e “Ocupações de terra por camponeses” — tenham ajudado a fazê-lo. Do

mesmo

modo

o velho Joseph Mitchell, do New

Yorker, escreveu em

protesto contra aqueles que se referiam, embora de modo simpático, à “arraiamiúda”. “Eles são tão grandes quanto você e eu.” Suas vidas têm tanto interesse quanto a sua ou à minha, mesmo que ninguém tenha escrito sobre

clas. Minha questão diz respeito, antes, à que, coletivamente, se não como

indivíduos, esses homens é mulheres são os principais atores da história. O

que realizam e pensam faz a diferença. Pode mudar, e mudou, à cultura c o

ERIC HORSBAWM

8

perfil da história, é mais do que nunca no século Xx, Essa é a razão por que dei o título a um livro sobre essas pessoas, tradicionalmente conhecidas

como “pessoas comuns”, de Pessoas extemordinárias. Elas não são “desprovidas de personalidade e banais”, como os crimes

com os quais Sherlock Holmes encontra uma inusual dificuldade cm lidar.

Como são moldadas por seu passado « presente, qual a racionalidade de suas crenças e ações, como, por sua vez, modelam suas sociedades c história: esses são os interesses centrais de meu livro. E espero que lhe dêem uma unidade temática básica.

rés das seções do livro tratam de grupos sociais parsiculares ou milicus:

“A tradição radical” (capítulos 1-10), com a classe operária e as ideologias

associadas a esse movimento; “Camponeses” (capítulos 11-13), com a tra-

dicional classe agrária: c o “Jaz=” (capítulos 19-25), como um dos poucos

desdobramentos no âmbito das artes maiores totalmente originado no co-

tidiano das pessoas pobres. Uma quarta seção, “História contemporânea” (capítulos 14-18), é relevante para meu tema visto que trata principalmente

de situações nas quais as intenções humanas conscientes c decisões têm forte peso, posto que são convencionalmente discutidas nesses termos. Entretanto, não posso negar que me deu prazer reimprimir por fim um bem-

sucedido exercício de análise contemporânca. Tampouco resisti a incluir uma

breve coda sobre o injustamente esquecido vilão dos Estados Unidos na estranha cra da Guerra Fria, publicada na série “Heróis c vilãos” do jovem

jormal Badependen. Ela é, naturalmente, baseada no inatacável Cidadão Colm: a

vida e à época de Roy Cobn (Nova York, 1988), de Nicholas von Hoffmann. De uma mancira ou de outra, como o demonstram os presentes en-

saios, essas questões têm-me preocupado ao longo de toda minha carreira como historiador. Elas seguem as linhas de pesquisa perseguidas em meus primeiros estudos sobre os trabalhadores e em meus primeiros livros, publi-

cados quase quarenta anos atrás, Rebeldes primitivos « História social do jazz.

Pessoas extraordinárias reúne um número de estudos realizados entre o começo da década de 50 « meados da década de 90. Onze dos 26 ensaios

apareceram previamente em livros anteriores; Os imabalhadores, Revolucionários e Mundosdo trabalho; os demais não foram previamente publicados em livro sob meu nome, ao menos não na Grá-Bretanha. Detalhes adicionais são fornecidos ao início de cada capítulo.

Londres, 1998 Eric Hobsbarom

Capítulo 1

THOMAS

PAINE

Este capítulo foi publicado oniginariamente como resenha de uma biografia de Tom Paine, em 1961, no New Statesman. Após essa data, outras biografias de Puine foram escritas, algumas melhores, como a de Jolm Keane (Londres, 1995), mas que inspéram as mesmas refleãos Uma revolução moderada é uma contradição em termos, embora um

“putsch, golpe ou pronunciamento moderados não o sejam. Por mais lim tados que sejam os objetivos de uma revolução, à luz da Nova Jerusalém. deve brilhar através das rachaduras de alvenaria do Estabelecimento cterno

que ela abre, Quando a Bastilha caí, os critérios normais do que é possível sobre a terra são suspensos, « homens é mulheres naturalmente dançam nas ruas antecipando a utopia. Os revolucionários, em consequência, são cercados por um halo milenar, por mais tcimosas ou por mais modestas que possam ser suas verdadeiras propostas. Tom Paine refleriu esta luz de arco-íris de uma era “na qual tudo pode ser procurado”, Ele viu diante de si “uma cena tão nova € transcendental-

mente inigualada por qualquer coisa no mundo europeu, que o nome de revolução é diminutivo do seu caráter, e ergue-se numa regeneração do ho-

men”. “A era atual”, sustentava cle, “mereccrá doravante scr chamada a Era da Razão, e a geração arual aparecerá ao futuro como o Adão do novo mundo”, A América havia se tornado independente, a Bastilha havia caído, e ele era a voz destes dois acontecimentos maravilhosos. “ Participar em duas revoluções”. escreveu ele para Washington, “é viver para algum propósito”.

E apesar disso, as verdadeiras propostas políticas deste homem pro-

funda é instintivamente revolucionário foram quase ridiculamente mode-

radas, Seu objetivo, “a paz universal, a civilização e o comércio”, era o da

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ERIC HOBSBAWM

maioria dos livre-cambistas vitorianos. Ele negou deliberadamente qualquer intenção de “mera reforma teórica” em assuntos econômicos, A iniciativa privada era suficientemente boa para ele e “o processo mais eficiente é o de melhorar as condições do homem através de seus interesses”. Sua análise dos males da sociedade, nomeadamente de que à guerra c os impostos altos estavam do fundo de todos eles, ainda é doutrina bem fundada no cinturão dos executivos do Sussex, exceto nas ocasiões em que os lucros dos armamentos e o medo do comunismo superem o horror dos altos gastos do governo. À incursão mais radical de Paine no processo econômico foi um imposto de herança de dez por cento, proposto para financiar as pensões dos idosos. Quando veio para à França, cle — como outros “jacobinos” ingleses — juntou-se à Gironda, e foi um moderado mesmo nesse grupo. Que ele tenha sido, não obstante, um revolucionário, não é surpreendente, Houve, afinal das contas, uma ocasião em que os industriais cstabelecidos estavam preparados para levantar barricadas (ou mais precisamente, para apoiar o seu levantamento) contra as forças da iniqiidade que impediam “a felicidade geral da qual à civilização é capaz”, preferindo reis e duques à homens de negócio. O que surpreende é o sucesso extraordinário de Paine, e provavelmente sem paralelo, como porta-voz da revolta. Isto é que o transforma num problema histórico. Outros panfletários têm algumas vezes conseguido dar o golpe que justifica a vida do agitador e que O transforma por um momento na voz do homem comum. Paine fez isso trés vezes, Em 1776, Common Sense cristalizou as aspirações semiformuladas pela independência americana. Em 1791, sua defesa da Revolução Francesa, 7he Rights of Man, disse quase tudo O que os radicais ingleses gostariam de alguma vez ter dito sobre esse assunto, Diz-se que vendeu 200 mil exemplares em alguns meses, numa ocasião em que toda a população da Inglaterra, inclusive crianças e outros analfabetos, era menor do que a da Grande Londres de hoje, Em 1794, Age of Reason tornou-se o primeiro livro à dizer positivamente, em linguagem compreensível às pessoas comuns, que à Bíblia não era a palavra de Deus. Isso permaneceu como a afirmação clássica do racionalismo da classe operária desde então. Evidentemente um triunfo triplo como esse não é devido a acidente. É devido em parte ao fato de que Paine era O povo para quem es-

creveu, os homens gue se fizeram por si mesmos, auto-educados, autoconfiantes, ainda não inteiramente divididos em patrões e assalariados. O homem que foi sucessivamente aprendiz de fabricante de cabos, professor, suboficial,

PESSOAS EXTRAORDINÁRIAS

negociante de fumo, jornalista e

n

“uma pessoa engenhosa, esperando intro-

dluzir suas invenções mecânicas na Inglaterra”, podia falar por todos eles. De modo

incidental, ele tinha a mesma

afinidade misteriosa com

o público

“como inventor é como jornalista. A mais popular estrurura isolada da revol são industrial, à julgar por suas inumeráveis reproduções nos jarros, é a ponte

de ferro sobre o Wear, construída segundo o projeto pioneiro de Paine, embora — caracteristicamente — sem lucros para cle. A descoberta da revolução como um fato deu-lhe, como à seus leitores, à enorme confiança num futuro que cra o deles. Na verdade, a descoberta o fez. A não ser pela luta na América, em 1776, ele podia ter se tornado uma figura literária de segunda ordem, ou

mais provavelmente um inventor € industrial fracassado, porque à ciência aplicada permancecu a sua primeira e última paixão. Scus amigos — mas poucos outros — teriam-no admirado como um espirituoso e encantador astro da socicdade de uma cidade pequena, um esportista e um bom par-

ceiro no xadrez ou no piguer*. Teriam deplorado com condescendência seu

gosto pelo conhaque, e casualmente poderiam; comentar a ausência de vida sexual em alguém aparentemente tão sensível aos encantos da beleza. Se cle não tivesse emigrado para a América com uma recomendação do astuto Franklin, scria esquecido. Se não tivesse renascido na Revolução, seria lem-

brado apenas numa rara tese de PhD. Mas ele é inesquecível é, bastante tipicamente, não no mundo do liberalismo ortodoxo, mas no universo sectário da rebelião política e teológica;

e isto apesar do seu homogêneo fracasso político, exceto como jornalista, « da sua falta de extremismo. (Ele foi o único membro da Convenção Francesa à lutar abertamente contra a sentença de morte de Luís xvI, embora tenha sido o primeiro a clamar pela república) A maior parte de suas biografias são de esquerdistas; um comunista publicou suas obras completas,

Por quê? Porque para a maioria dos leitores de Painc a salvação pela iniciativa privada não era a resposta, o que quer que cle ou eles possam ter pensado, À oposição ostensiva dele e deles era contra o “privilégio” que impedia o caminho da “liberdade”; mas na verdade eca também contra as novas é não-reconhecidas forças que impeliam homens tais como eles mesmos para a pobreza. Eram bastante independentes — como artesãos hábeis, NT —Jogo de 2 a é pessoas cum 32 cartas.

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ERIC HORSBAWM

pequenos negociantes ou fazendeiros — para verem à si mesmos como o futuro, não porque o próprio grau de sua opressão (como o proletariado marxista) os destinasse à revolução, mas porque era ridículo e irracional que homens independentes não devessem triunfar. Por outros 25 anos os ar-

tesãos racionalistas do tipo de Paine não procuraram sua salvação por meio da “união geral” e de uma comunidade cooperativa. Mas a pobreza para eles já era um fato coletivo, a scr solucionado e não simplesmente evitado.

Por estes e para estes pobres aucoconfiantes Painc falou. Sua análise porta menos do que sua dedicação inabalável é arrogante a eles, expressa

com aquela “razão e energia profundas” que Condorcet tanto admirou. Quan-

do falava da felicidade humana, era o fim da pobreza c da desigualdade que tinha em mente. A grande questão da Revolução, apesar de sua devoção aos impostos baixos « à livre iniciativa, foi “se o homem deve herdar seus dirci-

tos e ter lugar a civilização universal. Se os frutos do seu trabalho devem ser

gozados por ele mesmo ... Se o roubo deve ser banido dos tribunais e à miséria dos paísts”. Isso porque “nos paíscs que chamamos de civilizados vemos à velhice indo para os asilos é a mocidade para a forca”. Isso porque a aristocracia dominava “aquela classe de pessoas pobres é miscráveis que estão tão numerosamente dispersas por toda à Inglaterra, que devem ser avisadas por uma proclamação de que são felizes”.

Mas Paine não só disse aos seus leitores que a pobreza era incompatível com a felicidade e a civilização. Disse-lhes que à luz da razão havia raiado em homens como cles para terminar com à pobreza, e que a Revolução mostrou como a razão deve triunfar. Ele foi o menos romântico dos rebeldes. O senso comum auto-evidente e prático do artesão transformaria o mundo. Mas a simples descoberta de que a razão pode cortar como um machado através da vegeração rasteira do costume que mantinha os homens escravizados e ignorantes — isso foi uma revelação. Em todas as páginas de Age 0f Reason, como através de gerações de grupos de discussão da classe operária, fulge a exaltação da descoberta de

como isso é fácil, uma vez que se tenha resolvido a ver claramente, a desco-

brir que aquilo que os padres dizem sobre a Bíblia, ou os ticos sobre à sociedade, está errado. Por todo The Rights of Man, brilha a evidência da

grande verdade. Para Burke esta razão revolucionária significava que “toda roupagem decente da vida deve ser arrancada violentamente” para deixar “nossa natureza nua, trémula” revelada em todos os seus defeitos. Painc não

SSOAS EXTRAORDINÁRIAS

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tinha medo de uma nudez que revelasse 0 homem, feito por si mesmo, na

glória de suas infinitas possibilidades. Sua humanidade permanecia nua, como Os atletas gregos, porque estava em posição para à luta e o triunfo. Mesmo agora, quando lemos essas frases simples e claras nas quais o senso comum eleva-se a heroísmo, « uma ponte de ferro fundido cobre à distância entre “Therford e a Nova Jerusalém, ficamos eufóricos « comovidos. E se acreditamos no homem, mesmo agora, como podemos deixar de animá-lo?

Capítulo 2

OS DESTRUIDORES DE MÁQUINAS

O propósico desto artigo está claramente expresso em sua primeira página: defender 0s movimentos apenários britânicos comera o que E. P Thompson posteriormente chamaria de “a enorme condescendência da posteridade” — « também, pode-se acrescentas, contra as idcalisas le nossa época. Koi publicado pela primeira vez em 1952, no primeiro número da revista histórica Past &e

Present, que havia sido recóm-fiundada pelo autor é sem grupo de amigos, a

qual ainda prospera,

“talvez scja hora de reconsiderar o problema da quebra de máquinas no começo da história industrial da Inglaterra e de outros países. Muitos, mesmo historiadores especializados, ainda sustentam inúmeros equívocos acerca dessa forma de luta da classe operária em seus princípios. Assim, um excelente trabalho publicado em 1950, póde ainda descrever o luddismo” simplesmente como uma “Jaquerie** industrial sem propósitos « frenética”, e uma eminente autoridade, que contribuiu mais do que à maioria para o nosso conhecimento acerca disso, passa sobre os tumultos endêmicos do século XVIII considerando que estes cram o transbordamento da excitação e dos ânimos cxaltados.! Tais equívocos são, acho cu, devido à persistência das opiniões sobre a introdução de maquinaria claborada no começo do século xx, é às opiniões quanto ao operariado e à história do sindicalismo formuladas no tim do século XIX, principalmente por Webbs « seus seguidores Fabianos. Talvez devamos distinguir as opiniões « as presunções, Em grande parte das * NT — Adjaivo derivado de Ned udd, sugerido em 1779, quando este operário semi-idiota do Leicestershire quebrou máquinas que econumizavam mão-de-obra ** NT— Revolta camponesa na França em 1358.

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ERIC HOBSBAWM

discussões sobre a quebra de máquinas ainda sc pode detectar a presunção

dos apologistas económicos da classe média do século x1x, de que se devia ensinar aos operários a não baterem com a cabeça contra a verdade eco-

nômica, por mais intragável que fosse: dos Fabianos e liberais, de que métodos com emprego de força na ação trabalhista são menos eficazes do que negociações pacíficas: de ambos, de que nos primeiros tempos o movimento operário não sabia o que estava fazendo, mas simplesmente reagia, cegamente € às apalpadelas, à pressão da miséria, como os animais no labo-

ratório reagem às correntes elétricas. As opiniões conscientes da maioria dos

estudiosos podem ser resumidas como sc segue: o triunfo da mecanização cra inevitável; podemos compreender e simpatizar com a longa ação de retaguarda que todos, exceruando uma minoria de trabalhadores favorcci dos, empreenderam contra o novo Sistema; mas devemos accitar sua falta de propósitos e sua inevitável derrota As presunções tácitas são inteiramente discuríveis. Nas opiniões conscientes há evidentemente uma boa dose de verdade. Ambas, contudo, obscurecem uma boa parte da história. Assim, tornam impossível qualquer estudo verdadeiro dos métodos de lura da classe operária no período pré-industrial.

Um olhar apressado sobre o movimento trabalhista do século XVTI e começo do XIX mostra como é perigoso projetar longe demais no passado o quadro da revolta desesperada e retirada, tão familiar, de 1815 a 1848, Dentro dos seus limites — que cram, em termos intelectuais e organizacionais, muito estreitos —, os movimentos do longo surto econômico que terminou com as guerras napoleônicas não foram nem desprezíveis nem completamente malsucedidos. Grande parte deste sucesso foi obscurecido pelas derrotas subseqientes: a forte organização da indústria de lá do Oeste da Ingglarerra decaiu

completamente, para só reviver na ascensão dos sindicatos gerais durante à

Primeira Grande Guerra; as corporações de ofícios dos trabalhadores belgas de lã, suficientemente fortes para vencer virtuais acordos coletivos na década

de 1760, decaíram após 1790 c, em sermos práticos, até os primeiros anos de 1900 o sindicalismo esteve morto.?

Contudo não há realmente nenhuma desculpa para ignorar a força destes primeiros movimentos, pelo menos na Inglaterra; e à não scr que perce-

bamos que a base da força residia na quebra das máquinas, nas arruaças e na destruição das propriedades em geral (ou, em termos modernos, na sabotagem e na ação direta), não veremos sentido nelas.

Para muitos não-especialisras, os termas “destruidor de máquinas” e “Juddita” são intercambiáveis. Isto é natural apenas porque as insurreições de 1811-1813, é de alguns anos após Waterloo neste período, atraíram mais a atenção pública de que quaisquer outras, e acreditava-se que exigiam mais força militar para a sua supressão. Os 12. mil soldados empregados contra os ludditas excederam grandemente em número o exército que Wellington levou para à Península em 1808.º Contudo, a preocupação natural que se tem com os ludditas tende a atrapalhar a discussão da quebra de máquinas em geral, à qual começa como um fenômeno sério (se se pode dizer propriamente ter tido um começo) em algum momento do século XvTT é continua até mais ou menos 1830, De faro, à série de revoltas dos trabalhadores rurais que os Hammond barizaram de “última insurreição de trabalhadores”, em 1830, foi essencialmente uma das principais ofensivas contra a maquinaria agrícola, embora também destruísse acidentalmente uma quantidade razoável de equipamento industrial Em primeiro lugar, o luddismo, tra tado como um fenômeno isolado para fins administrativos, abrangia vários tipos diferentes de quebra de máquinas, que na maior parte existiram independentemente uns dos outros, exceto antes e depois. Em segundo lugar, à rápida derrota do luddismo levou a uma crença gencralizada de que a quebra de máquinas nunca era bem-sucedida. Vamos considerar o primeiro ponto. Há pelo menos dois tipos de quebra de máquinas, bastante diferentes da quebra acidental em distúrbios comuns contra os altos preços ou outras causas de descontentamento — por exemplo, parte da destruição de Lancashire em 1811, e de Wiltshire em

1826 O primeiro tipo não implica nenhuma hostilidade especial contra as máquinas como tal, mas é, sob certas condições, um meio normal de fazer pressão contra os empregadores ou os trabalhadores extra. Como se notou corretamente, os ludditas de Nottinghamshirc, Leicestershire e Derbyshire “usaram Os ataques contra à maquinaria, nova ou velha, como meio de forçar seus empregadores a fazer-lhes concessões com relação a salários e outras questões” * Este tipo de destruição fazia parte, tradicional e rotineiramente, do conflito industrial no período do sistema doméstico de fabricação, e nas primeiras fases das fábricas e das minas, Não era dirigido apenas contra as máquinas, mas também contra as matérias-primas, produtos acabados, ou mesmo a propriedade privada dos empregadores, dependendo do tipo de danos à que estes cram mais sensíveis, Assim, em três meses de agitação no ano de 1802, os tosquiadores de Wiltshire queimaram montes

as

ERIC HORSBAWM

de feno, celeiros é tendas de impopulares negociantes de tecidos, abateram suas árvores é destruíram carregamentos de pano, além de atacar é destruir suas manufaruras.? A prevalência desta “negociação coletiva através da arruaça” é bem de-

monstrada. Assim — para tomar somente os ofícios têxteis do Oeste da Inglaterra — os negociantes de tecidos queixaram-se ao Parlamento em 1718 e

1724 de que os tecelócs “ameaçaram demolir suas casas e queimar seu trabalho, a menos que concordassem com suas condições”. As disputas de 1726-7 foram travadas tanto em Somerset, Wiltshire e Gloucestershire como em Devon, por tecelões “invadindo as casas (dos patrões e furadores de greve), estragando a lã e cortando c destruindo as peças nos teares e os utensílios do ofício” Terminaram com algo parecido a um contrato coletivo. O grande tumulto dos trabalhadores têxteis em Melksham em 1738

começou com os trabalhadores “cortando todas as correntes dos teares pertencentes ao sr. Coulthurst . por ele ter baixado os preços”;!“ e, três anos mais tarde, empregadores ansiosos da mesma área escreviam para Londres pedindo proteção contra as exigências dos homens de que nenhum estranho ao local fosse empregado, sob pena de destruição da lá." E assim por diante, durante todo o século. Novamente, quando os mineiros de carvão chegaram ao ponto de dirigir suas exigências contra os empregadores de mão-de-obra, usaram a té

nica da destruição. (Na maior parte, é claro, as insurrcições dos mineiros

aínda eram dirigidas contra os altos preços dos alimentos, e os exploradores acreditavam ser responsabilidade deles.) Assim, no campo de carvão de North-

umberland,

des tumultos

incêndio da maquinaria na boca do poço foi parte dos granda década

de

1740, que deu aos

homens

um

aumento

de

salários bastante significarivo.!? Uma vez mais, as máquinas foram despe-

daçadas e o carvão incendiado nos tumultos de 1765, o que deu aos minciros a

liberdade de escolherem seus empregadores no fim do contrato anual.* Durante a última parte do século, leis do Parlamento foram baixadas à intervalos contra O incêndio de poços.!* Contudo, ainda em 1831, os grevistas em Bedlington (Durham) destruíam mecanismos de içamento.!s

A história da destruição de fórmas no ofício de malharia em East Mid-

lands é por demais conhecida para ser contada de novo.! Certamente, à destruição das máquinas foi a arma mais importante usada nos famosos tumultos de 1778 (os ancestrais do luddismo), os quais foram parte essen-

cial de um movimento para resistir às reduções de salários.

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Em nenhum destes casos — e outros podem ser mencionados — a questão era de hostilidade às máquinas como tais. A destruição era simplesmente uma técnica sindicalista no período anterior e durante as primeiras fases da revolução industrial, (O fato de dificilmente existirem sindicatos organizados nos ofícios envolvidos não afeta grandemente O argumento. Nem tampouco o faro de, com a chegada da revolução industrial, a destruição adquirir novas funções.) Era mais útil em casos em que era necessária uma pressão intermitente sobre os patrões, do que quando tinha de ser mantida pressão constante; quando os salários e as condições mudavam subitamente, como entre os trabalhadores têxteis, ou quando os contratos anuais vinham para renoxação simultânea, como entre os mineiros e marinheiros, mais do que quando, digamos, a entrada no mercado tinha de ser firmemente cestringida. Póde ser usada por todos os tipos de pessoas, desde os pequenos produtores independentes, por meio das formas intermediárias tão típicas do sistema de produção doméstica, até os assalariados mais ou menos plenamente capacitados. Contudo dizia respeito mais às disputas que surgiam do típico relacionamento social da produção capitalista, do que entre empresários empregadores « homens que dependiam, direta ou indiretamente, da venda da sua força de trabalho aos mesmos; embora, é cerro, este relacionamento existisse ainda em formas primitivas € estivesse confundido com as relações da pequena produção independente. Vale à pena notar que os distúrbios e destruições deste tipo parecem mais fregiientes na Inglaterra do século xvitt, com a sua revolução “burguesa” por trás, do que na França do século XVII!” (Com certeza, os movimentos dos tecelões « minciros ingleses apenas superficialmente se assemelham às atividades dos sindicatos das associações de assalariados em árcas continentais muito mais conscrvadoras,*) O valor desta técnica era evidente, tanto como meio de fazer pressão nos empregadores, como de garantir a solidariedade essencial dos trabalhadores. O primeiro ponto é admiravelmente apresentado numa carta do secretário da câmara municipal de Nottingham em 1814,ºº Os fabricantes de malha, comunicava ele, estavam agora em greve contra a firma de J. e George Ray. Uma vez que esta firma empregava principalmente homens que possuíam seus próprios teares, eram vulneráveis a uma simples suspensão das encomendas. A maior parte das firmas, contudo, alugavam os teares aos fabricantes de malha “e através deles adquiriam controle total dos trabalhadores. Talvez a maneira mais cficaz pela qual a combinação pudesse coagi-los fosse o seu meio anterior de levar a guerra destruindo scus bastidores”,

2”

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Num sistema doméstico de indústria, onde pequenos grupos de homens ou homens isolados trabalham espalhados em numerosas aldeias é pequenas casas de campo, não é fícil de qualquer mancira conceber um outro método que possa garantir uma parada cficaz. Além do mais, contra empregadores locais comparativamente pequenos, a destruição de propricdades — ou a ameaça constante de destruição — seria bastante cficaz. Onde, como na

indústria de

roupas, tanto a matéria-prima como o artigo acabado são caros, a destruição de lã ou da roupa pode ser preferível à dos tearcs:2? mas mas indústrias semi-rurais, o incêndio das medas, celeiros e casas dos empregadores pode afetar scriamente sua conta de lucros e perdas. Mas a técnica tinha outra vantagem. O hábito da solidariedade, que é O fundamento do sindicalismo eficaz, leva tempo para ser aprendido — mesmo onde, como nas minas de carvão, cle é sugerido naturalmente. Leva mais tempo ainda para ser integrado ao código de ética inconteste da classe

operária. O fato de os fabricantes de malhas espalhados no East Midlands poderem organizar greves eficazes contra as firmas empregadoras, por exemplo, atesta um alto nívcl de “moral sindical”; mais alto do que normalmente se poderia esperar nesse período da industrialização. Além disso, entre ho-

mens e mulheres mal pagos, sem fundos de greve, o perigo de furadores de

greves é sempre agudo. A quebra de máquinas foi um dos métodos de contra-atacar estas fraquezas. Desde que o equipamento de içamento de um poço de mina de Northumberland fosse quebrado, ou o alto-forno de uma

fundição galesa fosse posto fora de serviço, havia uma garantia temporária de que afábrica não iria funcionar?! Este era apenas um dos métodos c não aplicável em toda parte, Mas o conjunto de atividades a que os administra-

dores do século XVII! « começos do XIX chamavam de “tumulto” visavam ao mesmo propósito. Todos estão familiarizados com os bandos de militantes ou grevistas de uma fábrica

ou localidade, percorrendo toda a região, convo-

cando aldeias, oficinas c fábricas por uma mistura de apelos e força (embora poucos trabalhadores precisassem de muita persuasão nas primeiras fases da lura).?

Mesmo muito mais tarde, as demonstrações e reuniões de massa cons-

titufam uma parte essencial das disputas trabalhistas — não só para intimi

dar os empregadores, como para manter os homens juntos c animados. Os

tumultos periódicos dos marinheiros do Nordeste, no tempo em que os contratos de trabalho eram fixos, são um bom exemplo:** as greves dos mo-

dernos porniários, outro. Evidentemente a técnica Iuddista estava bem adaptada para esta fase da guerra industrial. Se os tecelões ingleses do século xvitt

PESSOAS EXTRAORDINÁRIAS

2

(ou os madeireiros americanos do século XX) foram um grupo de homens.

proverbialmente desordeiros, havia sólidas razões técnicas para serem o que

eram.

Quanto à esse ponto tumbém temos alguma confirmação de um mo-

derno líder sindical que, quando criança, viveu a rransição de uma indústria de li doméstica para o sistema de fábrica. “É necessário lembrar” escreve Rinaldo Rigola (um conservador extremo entre os líderes sindicais)º “que naquela época pré-socialista a classe trabalhadora era uma turba, não um exército. Às greves esclarecidas, ordeiras e burocráticas eram impossíveis Os

trabalhadores só podiam lutar por mcio de demonstrações, gritaria, inci-

tação e vaias, intimidação « violência. O luddismo « a sabotagem, embora não elevados à categoria de doutrinas, tinham apesar de tudo de fazer parte dos métodos de luta.” Devemos agora nos voltar para o segundo método de destruição, que é geralmente considerado como à expressão da hostilidade da classe operária às novas máquinas da revolução industrial, especialmente as que economizavam mão-de-obra, Naturalmente, não pode haver nenhuma dúvida do grande

sentimento de oposição às novas máquinas; um sencimento bem fundado, na opinião de nada menos que uma autoridade como o grande Ricardo? Contudo, três observações devem ser feitas. Primeiro, esta hostilidade não era nem tão indiscriminada nem tão específica como se tem presumido muitas vezes. Segundo, com exceções locais ou regionais, cla foi surpreen-

dentemente fraca na prática, Finalmente, de mancira alguma ela se restringiu

aos operários, mas foi partilhada pela grande massa da opinião pública,

inclusive muitos proprietários de mamufituras, 1. O primeiro ponto ficará claro se considerarmos o problema tal como se apresentava ao próprio trabalhador. Ele estava preocupado não com

O progresso técnico abstratamente, mas com o duplo problema prático de impedir o desemprego e manter o padrão de vida habitual, o que incluía

fatores não-monetários como a liberdade « a dignidade, bem como os sa-

lários. Assim, não era às máquinas como tal que ele visava, mas qualquer amcaça àqueles =- acima de tudo à mudança total nas relações sociais da produção que o ameaçavam. Se esta ameaça vinha da máquina, ou de alguma outra parte, dependia das circunstâncias. Os tecelões de Spitalficids

insurgiram-sc em 1675 contra as máquinas pelas quais “um homem pode produzir tanto ... como quase vinte sem clas*; em 1719, contra os usuários

de chita estampada; em

1736, contra os imigrantes que trabalhavam abaixo

2

ERIC HOBSEAVM

do preço: e, na década de 1760, destruíram teares contra o corte de salários:” mas o objetivo estratégico desses movimentos era o mesmo. Por volta de 1800 os tecelões do Oeste e os tosquiadores entraram simultaneamente em ação; os primeiros se organizaram contra à inundação do me cado de trabalho por trabalhadores extras, os últimos contra as máquinas.** Contudo,

o objetivo deles —

o controle do mercado de trabalho —

cra o

mesmo. Inversamente, quando à mudança não trazia desvantagem aos trabalhadores, não encontramos qualquer hostilidade especial contra as máquinas. En-

tre os tipógrafos, a adoção de prensas movidas a motor após 1815 parece haver causado pouca perturbação. Foi a revolução posterior na composição

de tipos, ameaçando um rebaixamento por atacado, o que provocou a luta.”

Entre 0 começo do século xvi!l e a metade do XIX, a mecanização e os

novos implementos aumentaram grandemente à produtividade do minciro

de carvão: como a introdução, por exemplo, das explosões de dinamite, Porém, como deixavam a posição do cortador intocada, não ouvimos falar de nenhum movimento importante para resistir às mudanças técnicas, embora os mineiros fossem proverbialmente ultraconservadores e arruaceiros, A restrição da produção praticada pelos trabalhadores sob a iniciativa privada é uma questão totalmente diferente. Pode ocorrer é ocorre em indústrias com-

pleramente não-mecanizadas — por exemplo, na indústria de construção; e não depende de movimentos ostensivos, organizações ou insurreições. Em alguns casos, na verdade, a resistência à máquina foi com bastante

consciência uma resistência à máquina nas mãos do capitalista. Os destruidores de máquinas de 1778-90 em Lancashire distinguiram claramente entre máquinas de fiar de 24 fusos ou menos, as quais eles pouparam, c as grandes,

adequadas apenas para uso em fábricas, as quais destruíram.*º Sem dúvida, na Inglaterra, que estava mais familiarizada com as relações sociais de produção que anteciparam as do capitalismo industrial, este tipo de comportamento é menos inesperado do que cm outros lugares. Nem podemos ler muito à respeito. Os homens de 1760 estavam longe de compreender a natureza do sistema econômico que em breve enfrentariam. Apesar de tado, é evidente que a luta deles não foi uma simples luta contra o progresso técnico como tal,

Nem há, na maior parte, qualquer diferença fundamental na atitude dos operários em relação às máquinas, tomada como um problema isolado, nas primeiras c nas últimas fases da industrialização. É verdade que em

muitas indústrias o objetivo de impedir à introdução de máquinas indesejáveis havia cedido lugar, com o advento da mecanização completa, ao plano

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de “capturá-las” para os trabalhadores que gozavam de padrões « condições sindicais, enquanto tomavam todas

as medidas praticáveis para minimizar o

desemprego tecnológico. Esta política parece ter sido adotada improvisadamente após a década de 1840"! e durante a Grande Depressão, mais genericamente após meados da década de 1890.ºº Entretanto, há muitos exemplos de oposição direta às máquinas que ameaçam criar o desemprego ou rebaixar o trabalhador, mesmo hoje em dia.*º No funcionamento normal da economia da iniciativa privada, os motivos que levaram os trabalhadores a não confiar nas novas máquinas na década de 1810 continuam convincentes na década de 1960 2. O argumento até agora pode ajudar à explicar por que, afinal de contas, a resistência às máquinas foi tão pequena. O fato não é geralmente reconhecido porque a mitologia da era pioncira do industrialismo, que homens como Baines é Samuel Smiles refletiram, exageraram os tumultos que de fato ocorreram. Os homens de Manchester gostam de pensar em si mesmos não só como monumentos da iniciativa é da sabedoria econômica,

como também — uma tarcfa mais difícil — como heróis. Wadsworth e Mana reduziram os tumultos de Lancashire no século XVI à proporções mais modestas.'t Na verdade, temos registro apenas de alguns movimentos de destruição realmente generalizados: os dos trabalhadores rurais, que provavelmente destruíram a maioria das debulhadoras nas áreas afetadas;

as com-

panhias especializadas de pequenos grupos de tosquiadores, na Inglaterra e em

outros lugares:'* e talvez os tumultos contra os teares movidos a motor em 1826, As destruições de Lancashire de 1778-80 e de 1971 restringiram-se a áreas limitadas e limitado número de manufatura, (Os grandes movimentos de 1811-12 em East Midlands não foram, como vimos, absolutamente dirigidos contra a nova maquinaria.) Isto não se deve apenas ao fito de que um pouco de mecanização era considerada inofensiva. Como foi acentuado?*

à tendência à introduzir a maior parte das máquinas ocorria em ocasiões de

prosperidade crescente, quando 0 nível de empregos estava melhorando c à

oposição, não totalmente mobilizada, podia ser dissipada por algum tempo.

Quando as dificuldades voltavam, o momento estratégico para se opor aos novos implementos havia passado. Novos trabalhadores para operá-los já

haviam sido recrutados, os operários antigos ficavam de fora, capazes ape-

nas de destruições ao sabor da vontade de seus competidores, incapazes de

se impor sobre a máquina. (A menos, naturalmente, que tivessem bastante

sorte de possuir um mercado especializado que não fosse afetado pela pro-

x

ERIC HORSRAWM

dução à máquina, como o dos fabricantes de sapatos à mão e o dos alfiates, nas décadas de 1870 e 80.) Um motivo pclo qual à destruição pelos tosquiadores era muito mais persistente e séria do que a de outros foi que estes

homens-chaves altamente especializados e organizados mantiveram controle

sobre o mercado de trabalho, mesmo após a mecanização parcial.” 3. A mitologia dos industriais pionciros obscureccu também a avas-

saladora solidariedade para com os destruidores de máquinas em todos os segmentos da população. Em Nottinghamshire não foi denunciado um úni«o Iuddita, embora muitos dos pequenos patrões devessem conhecer perfeitamente bem quem quebrou seus bastidores.” Em Wiltshire — onde os intermediários que terminavam as roupas € Os pequenos patrões cram conhecidos por simpatizar com os tosquiadores?! — os verdadeiros terroristas de 1802 não puderam ser descobertos. Foram os próprios negociantes e fabricantes de lá de Rossendale os que baixaram resoluções contra teares movidos à motor, alguns anos antes de os homens destruí-los.*? Durante a insurreição dos trabalhadores de 1830, o cscrivão dos magistrados de Hin-

don, no Wiltshire, relatou que “onde a turba não destruiu a maquinaria, os fazendeiros a expuseram a fim de ser destruída”, e lorde Melbourne teve que enviar uma circular em termos incisivos aos magistrados que haviam

“em muitos casos recomendado a paralisação do emprego de máquinas, usadas para debulhar milho e outros fins”.

“As máquinas,” alegou ele. “têm

tanto direito à proteção da Li como qualquer outro tipo de propriedade” Nem isto é de surpreender, Os empresários capitalistas plenamente desenvolvidos formavam uma pequena minoria, mesmo entre aqueles cuja posição era tecnicamente a de auferidores de lucros. O pequeno lojista ou o

patrão local não queria uma economia de expansão ilimitada, acumulação é

revolução técnica, a selvagem briga de foice que condenava os fracos à falência e ao status de assalariado.

Scu ideal era o sonho secular de todos os

“pequenos homens”, que encontrou expressão periódica em Leveller, no

radicalismo jeffersoniano ou jacobino, uma sociedade em pequena escala de

proprietários modestos e de assalariados em condições confortáveis, sem grandes distinções de riqueza ou poder; embora, sem dúvida, em sua maneira discreta, ficando mais ricos c mais confortáveis o tempo todo. Esse cra

um ideal irrealizável, c mais ainda na evolução cada vez mais rápida das

sociedades. Lembremo-nos, contudo. de que aqueles a quem isso se referia

na Europa do começo do século xIX constituíam a maioria da população e,

fora de indústrias como a do algodão, da classe empregadora* Mas inclu-

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»

sive o empresário capitalista genuíno podia pensar de duas maneiras quanto às máquinas, À crença de que ele devia favorecer inevitavelmente o progresso técnico como uma questão de interesse próprio não tem fundamento,

mesmo considerando que a experiência do capitalismo francês e do capitalismo inglés posteriores não estivessem presentes. Bastante longe da alternativa de ganhar mais dinheiro sem máquinas do que com elas (em mercados

protegidos erc.), só raramente as novas máquinas eram propostas lucrativas mediatas e óbvias Há, na história de qualquer implemento técnico, um “limiar de lucro” que é ultrapassado bastante tarde — quanto maior o capital a ser enterrado numa máquina, mais tarde. Daí, talvez, à proverbial falta de sucesso comercial dos inventores, que enterram o seu próprio dinheiro, « o de outras pessoas, em projetos, enquanto cles ainda são inevitavelmente imperfeitos e sem nenhuma evidência de que serão superiores aos seus rivais não-mecanizados7 A

economia de livre iniciativa, é claro, pode superar estes obstáculos. O que foi descrito como o “vasto surto do século” de 1775 a 1875 criou situações, aqui « ali, que forneceram aos empresários de algumas indústrias — a do algodão por exemplo — o ímpeto para saltar além do “limiar” * O próprio mecanismo de acumulação do capital numa sociedade passando por uma

revolução forneceu outros. Desde que houvesse concorrência, os progressos técnicos da seção pioneira cspalhavam-se sobre um campo bastante largo. Contudo, não devemos esquecer de que os pioneiros cram minoria. A maior parte dos capitalistas tomaram a nova máquina, no primeiro caso, não como

uma arma ofensiva para obter maiores lucros, mas como uma arma defensiva para se proteger contra a filência que ameaçava o competidor retardatário, Não ficamos surpresos ao ver E. C. Tufnell em 1834 acusando “muitos patrões do comércio de algodão . do comportamento vergonhoso de incitar os trabalhadores a se revoltarem contra os donos de manufaruras que

primeiro expandiram suas máquinas de fiar”*º Os pequenos produtores e os empresários médios estavam numa posição ambígua, mas sem força inciependente para mudé-la. Podiam antipatizar com a necessidade de novas máquinas, quer por altcrarem sua maneira de viver, quer porque, sob qualquer consideração racional, não cram realmente um bom negócio no momento.

De qualquer maneira, viam-nas como reforçando a posição do grande em-

presário modernizado, o principal rival. As revoltas da classe operária contra as máquinas deram a esses homens sua oportunidade; muitas vezes eles a aproveitaram. Pode-se concordar razoavelmente com o estudante de quebra

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de máquinas na França, quando observa que “algumas vezes o estudo detalhado de um incidente local revela o movimento luddita menos como uma agitação do trabalhador, do que como um aspecto da competição entre o

proprictário lojista atrasado e O Se o empresário inovador como conseguiu se impor? Por o fato de que na Inglaterra a

progressista”? tinha o grosso da opinião pública contra ele, meio do Estado. Tem sido bem comentado Revolução de 1640-60 marca o momento

decisivo na atitude do Estado em relação à maquinaria. Após 1660, a hostilidade tradicional aos equipamentos que tomam o pão da boca dos homens honestos deu lugar ao encorajamento da iniciativa em busca de lucros, qualquer que fosse o custo social.*: Este é um dos fatos que justifica considerarmos à revolução do século xvIt! como o verdadeiro começo político do

moderno capitalismo inglês, Durante todo o período subsegiente, a tendência do aparelho central do Estado foi estar, se não adiante da opinião pública em questões econômicas, pelo menos mais disposta a considerar as reivindicações do empresário totalmente capitalista — excero, é claro, quan-

do se chocavam com interesses mais antigos « maiores. Os proprietários rurais do Oeste. em alguns condados, podiam ainda brindar a sombra de uma hierarquia feudal desaparecida numa sociedade imutável: de qualquer maneira

não havia traço significativo de política feudal nos governos Whigs, após 1688. A solidaricdade de Londres iria provar ser de incstimável valor para os novos industriais, quando sua ascensão meteórica começou, no último terço do século. Em questões de política agrária, comercial ou financeira,

Lancashire podia estar em conflito com Londres, mas não na supremacia fundamental do empregador em busca de lucros. Foi o Parlamento não reformado no seu período mais ferozmente conservador que introduziu o Iaisses-faire pleno nas relações entre empregador e trabalhador. A economia da livre iniciativa clássica dominava os debates. Londres tampouco hesitava em bater nos representantes locais mais antiquados e sentimentais, se eles deixavam “de manter e apoiar os direitos da propriedade de qualquer tipo. contra a violência e a agressão”2

No entanto, até os últimos anos do século xvim, o apoio do Estado ao

empresário inovador não cra irrestrito. O sistema político da Inglaterra de

1660 até 1832 era destinado a servir aos fabricantes apenas na medida em que abrissem caminho para dentro do círculo dos interesses adquiridos de um tipo mais antigo — proprictários com mentalidade comercial, comerciantes, financistas, ricaços etc. Na melhor das hipóteses, eles podiam es-

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perar uma porção do barril de carne de porco, proporcional à pressão que fizessem, « no começo do século XVII os donos de manufiruras “modernos” eram somente grupos ocasionais de provincianos. Daí, em certas ocasiões, uma certa neutralidade do Estado nas questões trabalhistas, em todo o caso até a metade do século xvi11.3 Os fabricantes de roupas do Oeste se queixavam amargamente de que a maioria dos juízes de Paz locais estavam predispostos contra eles.* A atirude do governo nacional nos tumultos dos tecelões de 1726:7 contrasta surpreendentemente com à da Home Office da década de 1790 em diante. Londres lamentou que os fabricantes locais de roupas hostilizassem sem necessidade os homens, prendendo os arruaceiros; ridicularizava as sugestões de que cles eram sediciosos; sugeriu que ambas as partes, se reunissem amigavelmente, de forma que uma petição apropriada pudesse ser redigida e o Parlamento pudesse agir Quando isso foi feito, o Parlamento sancionou um acordo coletivo que deu aos homens grande parte do que desejavam, a título de uma perfunctória “desculpa pelos tumultos passalos”5 Novamente, à frequência da legislação ad ho: no século XVITI” tende a mostrar que nenhuma tentativa sistemática, consistente e geral foi feita para obrigar o seu cumprimento, À medida que o século avançava, a voz do

industrial se tornou cada vez mais à voz do governo nestes assuntos; mas, anteriormente, ainda cra possível aos homens lutar ocasionalmente com grupos de patrões em termos mais ou menos justos, Chegamos agora ao último e mais complexo problema: qual a eficácia da destruição de máquinas? Penso que é justo afirmar que à negociação coletiva mediante o tumulto foi pelo menos tão eficiente como qualquer outro meio de exercer pressão sindical, c provavelmente mais eficiente do que qualquer outro meio disponível antes da era dos sindicatos nacionais, para grupos como os de tecclões, marinheiros e mineiros. Tsso não é afirmar muito. Os homens que não gozavam da proteção natural dos pequenos números e escassas habilidades de aprendiz — a qual podia ser salvaguardada pela entrada restrita no mercado e monopólios de contratação das firmas — estavam normalmente obrigados a ficar na defensiva. O sucesso deles, portanto, devia ser medido pela capacidade de manter as condições estáveis — por exemplo, níveis de salários estáveis — contra o descjo per pétuo « bem anunciado dos patrões de reduzi-los ao nível da fome. Isso exigiu uma luta incessante e eficiente. Pode-se alegar que a estabilidade no papel era minada constantemente pela lenta inflação do sévulo Xv, que frau-

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dava com firmeza o jogo contra os assalariados,” mas seria pedir demais

das atividades do século XVII enfrentar isso, Dentro dos seus limites, dificilmente se pode negar que os tumultos dos tecelões de seda de Spitalfields lhes trouxeram bencfícios.e As disputas dos barqueiros, marinheiros e mi-

neiros no Nordeste, das quais temos registros, não raro terminaram com a

vitória, ou com um compromisso aceitável. Além disso, o que quer que acontecesse nos confrontos individuais, o tumulto c a destruição de máquinas proporcionavam aos operários reservas valiosas em todas as ocasiões, Permanentemente, o patrão do século XVII estava consciente de que uma exigência intolerável produziria, não uma perda de lucros temporários, mas a destruição de equipamento capital. Em 1829, a Comissão dos Lordes perguntou a um preeminente gerente de minas de carvão se à redução dos salários nas minas de Tyne é de Wearside podia “ser eferuada sem perigo para à tranquilidade do distrito, ou risco de destruição de todas as minas, com toda a maquinaria e o valioso capital nelas investido”. Ele achou que não.*! Inevitavelmente, o empregador que se defrontava com esses riscos fazia uma pausa antes de provocá-los, com medo de que, em consequência, “sua propriedade e talvez sua vida (pudessem) correr perigo”? Com injustificada surpresa, sir John Clapham notou que “muito mais patrões do que se podia esperar* apoiaram a manutenção das Leis dos Tecelóes de Sede de Spitalficids, porque em sua vigência, alegavam cles, “o distrito viveu num estado de quictude e repouso” Podem o tumulto e à quebra de máquinas, contudo, deter 0 avanço do progresso técnico? É patente que não se pode deter o triunfo do capitalismo

industrial como um todo. Numa escala menor, no entanto, eles não são de mancira alguma à arma desesperadamente ineficiente que se tem feito parecer, Assim, supõe-se que o medo dos tecelóes de Norwich impediu ali à introdução de máquinas.* O luddismo dos tosquiadores do Wiltshire em 1802 certamente adiou que a mecanização se generalizasse; uma petição de 1816 nota que no tempo da guerra não havia nenhuma percha* nem bastidores em Trowbridge, mas é lamentável relatar que agora estão aumentando à cada dia”. Por paradoxal que pareça, a destruição feita pelos indefesos trabalhadores rurais em 1830 parece que foi a mais eficiente de todas: ape-

— Máquina compostade vários tambores gusrnecidos de corda para tornar paralelo o

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sar de as concessões salariais terem sido logo perdidas, as máquinas de debulhar jamais voltaram na velha escala.* Quanto desse sucesso foi devido aos homens, quando ao luddismo Iarente ou passivo dos próprios empregadores, não podemos, contudo, determinar. Entretanto, qualquer que seja a verdade na questão, a iniciativa vem dos homens, é nisso cles podem reivindicar uma parcela importante, em todos esses sucessos. Notas

1.) H. Phumb, England in she Pigbscento Consury, Harmondsworth, 1950, p. 150; E S. Ashton, The Indussrial Revoluzion, Londres, 1948, p. 154 2.1 Dechesne, LiAvêmement dis Régime Sydical à Verviers, Pacis, 1908, p. 51-64 passim 3E O Dara, pular Disturbance an Public Order in Regency England. Londres, 1934,p.1 A, Por exemplo, máquinas de fabricar lã e seda em Wiltshire, máquinas de fabricar papel em Buckinghamshire, máquinas de fabricar ferro em Berlshire (Public Record OFfice, Home Office Papers, HO 13/57, p. 68-9, 107, 177; sessões 25/21 pass); JL < B. Hammond, The Village Labourer (várias edições) é o relato mais acessivel; ver também duas teses não publicadas: N. Gas. The Rural Unres im England im 1830 (Oxtord Examination Schools) e Alice Colson. The Revolr 0f he Hempubire AgriculZura! Labourers (Biblioteca da Universidade de Londres). Para à discussão dos tumultos pela alta de preços, ver TS. Ashton e J. Syles, The Coal Industry of the Eigbtcensh Cemzumry, Manchester, 1929, cap. 8; e A P Wadswonhe deL Mann, The Cotton Irado and Indussrial Lancashire, Manchester, 1931,p. 355 cs. 6 Darvall, Popular Disturbance, cap. 8 pass. 7. Bonner e Middleton's rito Journal, 31/7/1802. Alguns destes deveram-se a disputas trabalhistas comuns, alguns à oposição às novas máquinas. Ver, L, é B. Hammond The Sie Labeurer; para um relato do movimento, há alguns documentos em 4. “Aspinall fed), Lhe Earky Ens Trade Unions, Londres, 1949, p. 41-69. 8. House of Commons Journals, XT, p. US (1718): p. 268 (1724) 9. House 0f Commons Journals, XX, pp. 598-9 (1726): Salisbury Assize Records pergunta no Wrilthire Times de 25/1/1919 (Wiltshire Notes & Queries) 10. Genzieman's Magazine (1738), p. 658. 11, Public Record Office, State Papers Domestic Geo. 2 (1741), pp. 56, 82-3. 12. E. Welboume, The Minor's Unions of Norsiumberiand and Durham, Cambridge. 1923,p. 21. 13, Ashtone Sykes, Coal Industry, pp. 89-91

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Geo. 2,c. 32, 17 Geu. 2,40, 24 Gen. 2, 57, 31 Geo. 2,€. 42; ver ER. Turner, “Lhe English Coal Industry in the Seventeenth and Eigheeenth Centuries”, “American Historical Revue 27, p. 14. Turner parece haver negligenciado 13 Geo. 2, c 21,9 Gen, 3, €. 29, 39 e 40 Geo, 3, € 7, 56 Geo, 3, c. 125 que são também dirigidos contra a destruição das minas. Ver Arm Justice of the Pence (ed, Chico 1837), vol. 3, pp. 6435 15. Welbourne, Minersº Unions,p. 31 16, À principal autoridadeé W Felkin, A Flizory of eh Macine-rouaht Husery anil Late Mamufctures, Londres, 1867. 17. Para as minas francesas cf. M. Row; Les mínes de charbom en Erance as xy sele, Paes, 1922. 18. E. M. Saint-Léon, Le Compagmonnage, Paris, 1901, vol. 1, cap. 5 19. Aspinall. Eariy Emplid Trade Unions, p. 175, 20. Os homens de Bolton foram acusados em 1826 de haver plancjado à destruição de todos os fios de algodão embalados para exportação, bem como das máquinas (Pubiic Record Office, Home Office Papers HO 40/19, Fletcher para Hobhouse, 20/4/1826] 21. E A discussão destes problemas em E. Ponger, Le Saborage, Paris. s. plõess 22. Por exemplo, os metalúngicos galeses em 1816 (The Times, 26/10/1816), à greve geral de 1842 (E Peel, be Risings of she Ladies, Chartistes ama Pludraners, Flock mondwike, 1888, pp. 341-7), e os mineiros alemães em 1889 (T' Grebe, “Bismarck Sturz ud. Bergarbiterseik vom Mai 1889”, Histoiche Zeitschriê 157, p. 91) 28. Aspinal, Early Engl, Trade Unions, p. 196: “Não posso deixar de pensar que às reuniões matinaise as listas de chamada são atualmente o faço de união.” 24H. Smithe V. Nash, The Story of she Deckers'Siribe, Londres, 1889, pasim. 25.R. Rigula, Itinaldo Rógoia e il Movimento Operaio nel Bilkse, Bari, 1930. p. 19. Rigola não relata nenhuma destruição verdadeira pelos vozelões, apenas pelos chapeleios 26. Ver o capítulo sobre “Maquinaria” em seus Principls. Sobre este, inserido apenas na terceira edição, ver P Sraffa e M. H.. Dobb, Inks and Comespondence of David RF. savdo, Cambridge, 1951, vol. p.tste1x 27.M, D. George, London Life in the Fipitcenth Compury, Londees, 1925, pp. 180, 1878. 28, Pal, Enpers LUZ, Relatório da Comissão sobre a Petição dos Fabricantes de Roupas de Lã, p. 247, 249, 254-5. Rules and Articles of. . The Wiolen-Clrh Weaver Scisy 1802, British Mus. 906,k, 14 (1) 29.E. Howe c H. Waite, The London Compositor, Londres, 1948, pp. 226-33 30, Waidsworl e Mann, The Corsom Trade, pp: 499.500. 31.8 e B Webb, Indusmial Democracy, Londres, 1898, cap. 8: “New Processes and Machinery 32. Para à mudança política dos compositores de tipos cf. Howe c Waite, Tie Lendo Compositor: engenheiros, J. B. Jefierys, The History of the Engineers, Londres, 1945,

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PP. 142:3, 156-7; trabalhadores em chapas de estanho.7. HL. Jones, The Tnplate Indusery, Londres, 1914. pp. 183.4, cap. 9. Para a longa luta dos tipógrafos americanos contra à revolução técnica nã década de 1940, ver |, Lofis, The Printing Trades, Nena lorque. 1942, Wadsweorth e Mann, The Cotum Trade, p. 412. Ver também a análise detalhada da sorte de Hargreaves, pp. 476e se Secr Comte om Agriculture, 1833, 64 estimativas -- sem dúvida com algum exagero — de que apenas 1 cm 100 das máquinas de debulhar que existiam antes de 1830 estão agora em uso em Wiltshire e Berkstire Sobre a agitação dos tosquiadores estrangeiros, ver E R: Manuel, “Lhe Luddire Movement in Fran”, Journai of Maderm History, 1938, pp. 180 e ss; idem, “E introductiom des machines en Erance ct les ouveiers”, Revue dbHiguire Maderne, 18, pp. 2425. O verdadeiro Inddismo na França parece ter sido virtualmente limitado aos tosquiadores, com menos sucesso do que na Inglaterra, embora intenções Inddicas fossem algumas vezes expressas por outros. Ver 0s documentos em G. e H. Bourgin, Te Itégime de Pinduserie ou Eranc de 1830à 1840, Paris, 1912-4], 3 vols 3 Hammond. Skiled Laiourer. p. 127. 38 Manuel, *[he Luddite Movement in France”, p. 187: Davall, assim. Ver também a nota em E, €. 'lifnell, Character, Objects and Leis of Trade Unims (1834), po 17, sobre a relutância dos homens que operavam realmente às máquinas cm aderir à greve contra eles. Mas Tufnell admite que aderiram. ameaçados ou persuadidos por seus colegas desempregadas 39, Os tosquiadores (tosadores) crpueram à felpa do tecido acabado é rasparam-na com pesadas tosquiadeiras de ferro. Eles tinham que scr não só muito fonis como muito hábeis Darvall. Popular Diurbante, p. 207. Aspinall, Darty Engl trade Unions p. 578, “Lhomas Heller, executado ccnmo tal em 1803, é geralmente considerado inocente, G. FL Iupling, Fomomic Einory nf Rosendale, Manchester 1927, p. 214 MS. Correspondência de M. Cobb, empregado dos Juízes ce Salisbury na Bibioteca de Witshire Archacol. & Nat, Hist. Soc., Devizes: 26/11,830. Circular Impressa de 8/12/1830. Esta é mencionada em Hammond, Vilage abourer

[Guild Books ed vol 2, pp-71:2,

burguês democrata” no discurso de Marx ao Cunselho Central da Liga Comunista, in K. Marx e F Engels, Collcred Méris, vol. 10, pp: 160-1 47 À expressão “miar do lucro” é de G. Gilfillan, “Invention as a Factor in Economic History”, Supp. to Joual of Economi Hist, dez. 1945 Ver à brilhante análise do “pequen

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48, Eles fora ajudados pelo baixo preço das novas máquinas, Um fabricante ocidental de roupas instalou máquinas de far com 70-90 fusos, por 9 libras cada, em 1804. Daí à possibilidade da mecanização peça a peça 49, Tune, Trade Uni, p. 18 50, Manuel, “Ludite Movement”, p, 186. 51. E. Lipson, Economic Hinory of England, 4 ed. vol. 2, pp. Cxmxvt e vol. &, pp. 300-13, 324-8. Sir Jubm Clapham. Concis. Economic History of Arituim, p: 301, nota corretamente a “trago extra de dureza que parece ter feio parte da vida pública na Era da Restauração” Ver nota 45 Para à “mudança revolucionária” neste periodo ver S. e B, Webb, History af Trade Umioniom (1894), p. 44 e ss. Mas as atas parlamentares podem dara impressão er rada, O curso noemal dos acontecimentos foi que o lussez-fáire progrediu calmamente, com a legislação contrária caindo cm obsolescência. a menos que ocorresse uma campanha ativa e eficiente dos trabalhadores. CF. a recisão das cláusulas de salário no Estatuto dos Arrífices de 1813 em W Smart, Economic Ana: of she Nineseenti Century, 1801-20, p. 368. 54 Philalethes, e Case as ár nono scams Descon the Claisiers, Weavers and arher Manigeares si read o he date Rios, im she Counry of Vis, Londres, 1739 (Cambridge Unie Lib, Acton d. 25.1005), p. 7: De qualquer mancira até 17 Geo, 3, c. 55 us chapeleiros obriveram uma lei proibindo qualquer parrão de sentar no banco numa disputa que lhes dissesse respeito — o que é mais du que os trabalhadores agrícolas puderam conseguir. 55, Public Recon! Office, State Papers Domestic Geo T, 63, pp. 72, 82, 93-& 64, pp. 1-6,9-10, especialmente, p, 2-4 56. House of Commons Jornal X%, p. 747. 57. Bion Justice of he Peace, 6 ct, vol. 3, pp. 64355; vol. 5, pp. 485 55.552 ss, dá um quadro revoltante dessa massa de legislação intermitente não coordenada 58. Ver WE Sombart, Der Moderno Kapizalimus, vol 1, 1, p. 803 para uma bibliografia, acerca disso; K. Marx, Capital, vol. 1 (1938 ed.), pp. 259-63. Philalethes, 1he Case as de nov stands... pp. 29, 41, dá argumentos típicos. 59.E. J. Hamilton, “The Prof Inflation and the Industrial Revolution, 1751-1800, Quariey Journal of Beonomics, 56 (1942), pp. 256 60, Hammond, Shslled Labourer, A obscevação de M. D. George (p. 190) de que a clevação dos preços dos tecidos pelas lis não cra comparável ao de outros oficios duramre o periodo pode ser verdadeira. Mais importanse é o culapsa drástico dus preços após a recisão das leis (ibid, p. 374) 6). Hammond, Slilitd Laboure, p. 26.

62. William Stark sobre os motivus por que a maquinaria não fui adotada no comércio. de Li perecada de Norwich e as reduções de salários foram comibatidas e as reduções

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de salários foram combaridas (Handlootm Wesveis/Comnission, 1838 Ass, Commrs Repor TT) 63.) H Clapham. “The Spi ds Acts, 1773 I8ZAS, Hicomemaie Joermal, 26. pp. 4634 64 Hammond. Skild Labourer,p. 142. 7. E. Claphans, “The Tansiceeace of the Worsicd Industry drum Norfolk to the West Ridingº, Ftonomis Jornal, 20, discure à questão com grande detalhe.

65. Hammond, Stiled Labowrer, p. 188, 66. Clutterbuck. The Agriculvure of Beishire, Londios e Oxiotd, 1861, pp.41-2.

Capítulo 3

SAPATEIROS POLITIZADOS* (em co-autoria com Joan W. Scott)

Os membros de algumas ocupações e professões são rradicionalmense vistos como tendo cavacteréricas comuns, mas, do observar esse faro, os historiadores mavas vezes se ocuparam do motivo. Esta é uma tentariva de explicar o proverbial radicalismo dos sapateiros. Os dois assores descobriram som interesse commom pelo assunto nas maravilhosas mesas-redondas internacionais em Flistória Social, organizadas por Clemens Heller da Maison des Sciences de PHomme, nas anos de 1970. Tal esforço de cooperação foi publicado em 1980 na Past & Present, n.º 89, é é reimpressa aqui com a permissão de Joan Waliaci Score Ele se aprofundara no arminianismo e na política mais do que qualquer um de seus colegas. Seu irmão enviava-lhe semanalmente o Merodisz

Magazine e o Weekly Disparch, Como sapateiro, sempre teve muito ser-

viço e era mais independente do que os lavradores ou camponeses. Costumava fazer observações irreverentes sobre os proprietários de terras € sobre a Câmara dos Lordes, a Câmara dos Comuns, à nova li dos pobres, bispos, párocos, leis do cereal, a igecja e a legislação da classe. É muito curioso que para cada tipo de ofício surja, nos artífices que o

exercem, um caráter específico, um temperamento especial. O açougueito geralmente é sério e cônscio de sua própria importância, o pintor de paredes é descuidado e devasso, o alfaiate é sensual, O quitandeiro, curto de inteligência, o porteiro, curioso e tagarcla, o sapateiro e O remendão, finalmente, são alegres, por vezes até mesmo animados, sempre com

uma canção nos lábios . . Apesar da simplicidade de suas preferências, os que fazem ou consertam sapatos novos ou velhos sempre se distinguem * Gostriamos de agradecer a William Sewell Je, E, P Thompson é Alfted Young por seus valiosos comentários

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pelo espírito irequicto, por vezes agressivo, « por uma enorme tendéncia à loguacidade, Ocorre uma revolta? Surge da multidão um orador? Sem dúvida é um sapateiro que veio proferir um discurso ao povo.?

O radicalismo político dos sapateiros do século XIX é conhecido. Historiadores sociais das mais diversas convicções ideológicas descreverem o fenômeno e consideraram que ele não precisava de explicação. Um historiador da revolução alemã de 1848, por exemplo, concluiu que não foi “por acaso”

que os sapateiros “desempenharam um papel predominante nas atividades do

povo”. Historiadores das revoltas de Swing na Inglaterra fizeram referência

ao “notório radicalismo” dos sapateiros, e Jacques Rougerie explicou o des-

taque dos sapateiros no Comuna

de Paris referindo-se a sua “tradicional

militância”. Mesmo um escritor tão heterodoxo quanto Theodore Zeldin aceita a opinião geral sobre este ponto O presente ensaio tenta explicar à notável reputação dos sapateiros como políticos radicais. Afirmar que os sapateiros ou os integrantes de qualquer outro

ofício têm

uma reputação ligada ao radicalismo pode, naturalmente, ter um significado ou mais, entre trés diferentes: uma reputação ligada à ação militante em movimentos de protesto social, confinada ou não ao ofício pertinente; uma

reputação ligada aos movimentos políticos de esquerda, seja por simpatia, associação ou parricipação ariva neles: e uma reputação com o que se poderia chamar de ideólogos do povo. Embora esses significados possam facil

mente estar associados, não são a mesma coisa. Os aprendizes e os artífices

remuncrados solteiros nos oficios tradicionais organizados podiam ser mobilizados com facilidade, sem qualquer ligação necessária com o que na época fosses considerado radicalismo político. Os professores universitários francescs, pelo menos desde o período de Dreyfus, tiveram uma reputação de posicionamento mais à esquerda do que a de seus alunos. Isto não implicou necessariamente, embora também não excluísse, uma ação coletiva militante Geralmente não se considera que os tosquiadores da Austrália são muito interessados em ideologia,” apesar de com frequência serem milicantes asso-

O já falecido prof: Tam Turner da Auseralian National Univers; Canberra, citou o caso de “am grande número destes homens, os quais foram deridos após à Revolução de Oumubr por realizarem suma assembisia em apoio à insurreição e aos sovietes. Uma cuidadosa busca

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ciados à esquerda; pelo contrário, pensa-se geralmente que os professores da aldeia o são. No século XIX, os sapareiros, como ofício, tinham uma reputação de radicalismo em todos os três sentidos. Eram militantes tanto nos assuntos que diziam respeito a seu ofício, quanto em movimentos mais amplos de protesto social. Embora os sindicatos de sapatciros se limitassem a dererminados setores e localidades dentro de um universo muito extenso, é embora fossem eficazes somente de forma intermitente, bem cedo se organizaram em cscala nacional tanto na França quanto na Suíça; isto para não mencionar à Inglaterra, onde O sindicaro londrino, fundado em 1792, teria porte nacional já em 1804, Os sapateiros e carpinteiros foram os primeiros integrantes da Federação de Trabalhadores da Região da Argentina (1890 que constituiu à primeira tentativa de formação de um sindicaro nacional naquele país Eles ocasionalmente entraram em greve em grande escala e, durante a Monarquia de Julho na França, estavam entre os ofícios mais propensos à greve. Também sobressaiam nas multidões revolucionárias. Enfim, seu papel como ativistas políticos pode ser amplamente documentado. Dos integrantes ativos do movimento cartista cujas ocupações são conhecidas, os sapateiros foram o maior grupo isolado a seguir aos tecelões e aos trabalhadores” de ocupação não-especializada: mais do que o dobro do número de trabalhadores na construção civil, c mais de 10% de todos os militantes de ocupação conhecida. Na Tomada da Bastilha, ou pelo menos em meio aos detidos por esta razão, a representação dos sapareiros, em número de 28, somente foi superada pela dos marceneiros e serralheiros; já nas revoltas. do Campo de Marte e em agosto de 1792, sua representação não foi superada por nenhum outro ofício.* Entre os detidos em Paris por se oporem ao coup d'état de 1851, os sapateiros eram o contingente mais numeroso.* Em 1871, entre os trabalhadores que se envolveram na Comuna de Paris, os que foram atingidos com a maior percentagem de deportações após a derrota, como Jacques Rougerie observa, “foram nararalmente os sapateiros, como sempre”.* Quando eclodiu à rebelião na cidade alemã de Konstanz em abril de 1848, os sapateiros constiruíam de longe o maior grupo homoem sa liceracara subversiva não descobriu nenhum po de material impresso, exceto um folheto que alguns levavam no bolso, e que dizia: “Se a áipua estraga suas botas, o que não fará em seu estômago?”

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gêneo de rebeldes, quase cquivalendo ao total da soma dos alfaiates c marceneiros, os dois ofícios mais rebeldes que sc seguiam.” Do outro lado do mundo, o primeiro anarquista de que se tem notícia foi registrado em 1897, numa cidade provinciana no estado do Rio Grande do Sul. Brasil: cra um sapateiro italiano; do mesmo modo, o único sindicato do qual se sabe ter participado do primeiro Congresso dos Trabalhadores de Curitiba (Brasil), de inspiração anarquista, foi a Associação dos Sapateiros* Entretanto, não é apenas a militância « o ativismo de esquerda que distinguem os sapateiros enquanto grupo de alguns outros arrífices, os quais foram em determinadas épocas pelo menos tão destacados como eles sob esses aspectos. Enere as vítimas da revolução de março de 1848 em Berlim, os marcenciros representavam o dobro do número de sapateiros, e os alfaiares eram nitidamente mais numerosos do que estes, embora os ofícios fossem comparáveis em dimensão.” Durante a Monarquia de Julho, os carpinteiros. e os alfaiates foram tão “propensos à greve” quanto os saparciros. As multidões revolucionárias francesas tinham proporcionalmente mais tipógratos, marceneiros, serralheiros « operários de construção civil do que havia na população parisiense. Se o maior grupo dentre os 43 anarquistas presos em Lyon em 1892 era constituído de onze sapateiros, o grupo de operários da construção civil não ficava muito atrás.!? Os alfaiates c os sapateiros são associados como ativistas típicos na Revolução de 1848 na Alemanha e, mesmo que os dois grupos se sobressaíssem entre os artífices ambulantes alemães que formavam o maior grupo dentro da Liga Comunista (“o clube dos trabalhadores é pequeno e consiste apenas em sapatciros € alfaiates”, escrevia Weydemeyer para Marx em 1850), parece claro que os alfaiares cram mais importantes. Na verdade, o número aparentemente grande de ativistas sapareiros pode por vezes apenas refletir o tamanho de seu ofici que, na Alemanha e na Grã-Bretanha, consistia no maior grupo ocupacional de artífices.'? As ações coletivas do grupo, portanto, não explicam a reputação dos sapateiros como radicais. 'o entanto, não existe a menor dúvida de que, enquanto intelcctuaisoperários e ideólogos, os sapareiros eram excepcionais, Mais uma vez, obviamente, não eram os únicos, embora, como veremos, nas aldeias rurais e nas pequenas cidades mercantis houvesse menor concorrência de outros artífices estabelecidos. O certo é que seu papel como porta-vozes e organizadores do povo na Inglarerra do século XIX é evidente em qualquer estudo das revoltas de Swing, de 1830, ou do radicalismo político rural. Hobsbawm

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e Rudé relatam que em 1830 os distritos rebeldes em média possuíam sapatciros cm número de duas a quatro vezes superior ao dos distritos trangilos.!s Citando Cobberr,'* o sapateiro local — John Adams em Kent, Wiliam Winkwordth em Hampshire — é uma figura familiar. Era notório o caráter “político explosivo” desse ofício, No centro de sapatarias de Northampton, os dias de cleição eram celebrados como “festas tradicionais”, da mesma forma que as corridas de cavalo da primavera e do outono. Em todo o caso, extraordinária é à conexão com a política e a clogiência: quem diz sapateiro, com uma fregiência surpreendente está dizendo jornalista e versejador, pregador e conferencista, escritor e cditor. Esta impressão não é fácil de ser quantificada, embora os sapateiros formem O maior grupo — três — numa amostragem de dezenove “poetas-trabalhadores” franceses do período anterior a 1850, todos de opinião radical:'é Sylvain Lapointe de Yonne, que se candidatou à eleição de 1848; Hippolyte Tampucci, ediror de Le Grapilleur; « Gonalle de Rheims, editor de Le Rápublicain.!” Seria Fácil alongar a lista — ocorre-nos o nome de Faustin Bonnefoi, editor do jornal fourierista na Marselha do período de Luis Telipe,* o de “Eftahem”, autodidara que escrevia panfletos promovendo “uma associação dos trabalhadores de todos os corps dérar?? e o do cidadão Villy, um fabricante de boras que discursou no primeiro Banquete Comunista em 1840 e que publicou um panfleto sobre a abolição da pobreza” Naturalmente, ninguém irá alegar que todos, ou mesmo a maioria, entre os sapateiros ativistas fossem artesãos intelectuais. Na realidade, temos exemplos de sapateiros militantes que visivelmente não eram grandes leitores, pelo menos em seu tempo de ativistas, como George Hewes, o último sobrevivente do Boston Tea Party: Embora, como um todo, os sapateiros pareçam ter sido mais alfabetizados do que a média, uma percentagem razoável de maus leitores não seria de estranhar num ofício tão numeroso e que continha tantos homens proverbialmente pobres.” O sapateiro menos Ietrado pode aré ter se tornado mais comum à medida que o ofício se expandia durante o século XIX. E no entanto a existência extraordinária, talvez, única, de um grande número de intelectuais sapateiros não pode ser negada, mesmo supondo que estas pessoas atraíram atenção especial por si mesmas em uma sociedade cuja maioria cra não-lerrada. Quando a ideologia assumiu uma forma fundamentalmente religiosa, eles examinaram as Escrituras, chegando por vezes a conclusões não-ortodoxas: foram eles que trouxeram o cakvinismo para a região de Cévennes,* que profetizaram, pregaram (e

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escreveram) o messianismo, o misticismo e a heresia. ** No período secular, a maior parte dos conspiradores de Cato Strcer (cm grande parte comunistas seguidores de Spencer) eram sapateiros, e sua atração pelo anarquismo tornou-se famosa. O Le Pire Peinard, de Emile Pouger, trazia simbolicamente na Capa a imagem de um sapateiro em sua oficina. Em geral, tanto quanto temos conhecimento é pelo menos em inglês, existe uma literatura substan-

cial sobre a outro vfício biografias é neste campo realização.

biografia coletiva do sapateiro na século XTX como nenhum apresenta.” A grande maioria dos homens que inspiraram estas clogiada por suas realizações no plano intelectual. Seu sucesso pode explicar o surgimento destes compéndios na era da auto-

É possível inclusive argumentar que provérbios como Shoemaker stick to vomr last (“Sapateiro, não se meta onde não for chamado”), encontrados em muitos países desde a Antigúidade até a Revolução Industrial, indiquem exatamente esta tendência dos sapateiros a expressar opiniões sobre assuntos que deveriam ser discuridos pelos reconhecidamente eruditos: “Que o sapateiro cuide do seu oficio e que os eruditos escrevam os livros”; “Sapateiros que pregam sermões fazem maus sapatos”, são outros do gênero. Sem dú-

vida, provérbios semelhantes são decididamente menos frequentes com relação à outros ofícios.” Mesmo se ignorarmos estas provas indiretas, o número de sapateiros inrelectuais é impressionante. Eles não cram necessariamente radicais, embora seus panegiristas dos séculos XVII e XTX preferissem acentuar suas realizações nos campos que impressionassem os leitores de nível social superior — a instrução, a literatura c a religião —, embora sem omitir sua reputação como políticos populares. Contudo, os historiadores não deixarão de observar que a religião na qual os sapateiros sobressaíam, quando não associados ao anticlericalismo e ao ateísmo.” era com fregiência hererodoxa « radical para os critérios da época. Lembramo-nos de Jakob Boehme, o místico, perseguido pela igreja luterana de sua cidade, e de George Fox, o quacre Observa-se também a combinação de radicalismo com atividades literárias, como no caso de Thomas Holerofr, o dramaturgo e jacobino inglês que havia sido sapateiro, ou de Pricdrich Sander, o fundador do Sindicato dos Trabalhadores de Viena cm 1848, que também escrevia poemas,* e do anarquista Jean Grave, sapateiro que se tornou tipógrafo é editor de revistas com fortes tendências artísrico-lirerárias

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Não podemos, é claro, atribuir aos sapateiros um monopólio das acividades intelectuais plebéias. Samuel Smiles, à eterno apóstolo do espírito de iniciativa, num ensaio sobre “Astrônomos e estudantes de vida humilde: um novo capítulo na Busca do conhecimento sob condições dificeis”, também reaciona exemplos de outros ofícios.*! Entretanto, o fato de que, “no interior, é muito corriqueiro que a função de sacristão seja exercida por um sapateiro”, sugere um grau incomum de preparo? De qualquer modo, o intelectualismo dos sapatciros como grupo impressionou mais de um observador e não pode ser prontamente explicado. Tanto W. E. Winks como as Crisgim Anecdotes admitiam sua perplexidade frente a este fato, embora concordando “que um maior número de pensadores pudesse scr encontrado entre os sapateiros, como corporação, do que na maioria das outras profissões”.3º Em sua autobiografia, o sapateiro radical John Brown comenta que: “As pessoas que gozam das vantagens de uma educação intelectual mais refinada dificilmente imaginariam o volume de conhecimento e de cultura livresca que pode scr encontrado enrre os membros de meu vencrável oficio”, Na França, dicia-se que os sapateiros cram “pensadores (que) pensam sobre o que viram ou ouviram . . aprofundam-se mais do que à maioria nos assuntos que dizem respeito aos trabalhadores” Na Inglaterra, uma trova do século XVTIT registrava que: A cobbler once in days of vore Sar musing at his corcage door. Te liked to rcad old books, he said.

And then to ponder, what he'd read *++

Na Rússia, um personagem de Máximo Górki é descrito como “parecido a tantos outros sapateiros, logo fascinado por um livro”.*” A reputação do sapateiro como filósofo popular e político é anterior à época do capitalismo industrial e se estende bastante além dos países típicos da economia capitalista. Na verdade tem-se a impressão de que os sapateiros radicais do século XIX estavam cumprindo um papel há muito associado aos membros de scu ofício. Os santos padrociros do ofício, Crispim e Crispiniano, foram martirizados porque pregavam a hererodoxia a seus fregueses na oficina de Soissons — crata-se do cristianismo no tempo do imperador paUm cemmendão nos dias de outrora / sentado pensando à porta de sua cabana / dizia que gostava de ler livros ancigos / e então meditar sabre o que havia lido.

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gão Dioclcciano.** No Aro | do Julius Caesar de Shakespeare, um sapateiro lidera um grupo que protesta pelas ruas. Em Shoemaker Holiday, de Dekker fum exercício elisaberano de relações públicas em nome do “nobre ofício” de Londres), os artífices aparecem caracteristicamente como militantes: amcagam abandonar o patrão sc este não der emprego a um artífice itincrante. Quase contemporânea a estas alusões literárias, encontramos a seguinte referência ao sapateiro Robert Hvde e a uma certa Loja de Sherborne: E ele acrescenta que pouco antes do Natal um certo Robert TIvde, sa-

pateiro de Sherborme, ao ver este depoente passar por sua casa, chamouo € pediu para ter uma conversa com ele e, após algumas palavras, iniciou um discurso, “Sr. Scarler, o senhor pregou para nós que existe um Deus, um céu, um inferno e uma ressurreição após esta vida, « que nós teremos de prestar contas de nossas obras, e que à alma é imortal:

mas agora há um grupo de pessoas nesta cidade e eles dizem que o

inferno não é senão a pobreza c a penúria neste mundo; é que o paraíso não é senão ser rico, e gozar Os prazeres; « que nós morremos com

animais, e que depois que nós formos não há mais lembranças de nós ex”, e assim por diante. Mas este inquiridor nem perguntou quem cs eram; sem deu quaisquer informações sobre si mesmo. E cle acrescentou que éde conhecimento geral de quase todos cm Sherborme que o mencionado Alken € seu empregado já citado são ateus. E ele também dir: que há uma Loja de sapateiros em Sherhome considerada areísra *º

Sob a forma do que o poeta Gray chamou de “Llampden de aldeia”, o sapateiro é celebrado numa gravura de Timothy Bennett (falecido cm 1756) de Hampton Wick, Middlesex. Ele desafiou a decisão real de fechamento de uma passagem pública através do Bushy Park, ameaçando instaurar um processo — e teve sucesso. A gravura representa-o com “aspecto firme e com-

placente, sentado, em posição de conversa ..” com lorde Halifax, o encarregado do parque real, simbolizando uma confrontação democrática com o privilégio, e a vitória sobre este.”? Uma outra fonte descreve um sapateiro caminhando “de uma aldeia para outra com suas ferramentas na cesta às costas. Ao conseguir um serviço, ele se instalava no degrau da porta e, durante O trabalho, ele c scu freguês entoavam uma canção, ou falavam de política”.+! A notoriedade dos sapateiros como líderes levou sir Robert Pecl a perguntar, a alguns que à ele tinham recorrido para reforçar as exigências de sua associação pré-sindical: “Como pode ser . que vocês sejam os pri-

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meiros em todos os movimentos? . . Sempre que há uma conspiração ou

um movimento político, eu encontro um de vocês envolvido”.*? E. P Thompson cita à descrição de um “político de aldeia” feira em 1849 por um sasírico de Yorkshire: É, em geral, um sapateiro, um velho € o sábio de sua aldeia industrial: =Ele tem uma biblioteca da qual se orgulha bastante. É uma coleção estranha ... Possui Eear! of Greas Price e Cobbete tivopenmy Trash... The Wins of Labor é The Regis of Mat, The History of she Prenclo Revolution e Holy Wir, de Bunyan . Seu velho coração se aquece como um litro de cerveja quente quando ele ouve falar de uma revolução bem-sucedida — um trono derrubado, teis pelos arcs, € príncipes espalhados pelos sete ventos".

E mais, OS ingleses acreditavam que os sapaeiros franceses apresentavam os mesmos traços. Mais de um relato da Revolução Francesa descreveu “Sapateiros ... perorando sob as cúpulas esplêndidas dos Capetos « dos Valois” e depois encabeçando as multidões para torturar « assassinar 0 rei. Na França como na Inglaterra, O sapateiro cra conhecido por seu amor à liberdade e seu papel como político de aldeia. Os sapateiros cram admirados pela “independência de suas opiniões” e “a liberdade do povo”, disse um escritor, “é expressa através de suas atitudes”. + A revolta dos Maillotins, em 1380, teria sido detonada por um sapateiro cujo discurso apaixonado inflamou a multidão. E a queda do estadista italiano Concini, em 1617, teria sido assegurada por um certo Picard, sapateiro e orador popular que insultou o almirante em vida e o profanou após a morte, ao assar € comer

seu coração.” A antropofagia não é uma característica normalmente associada ãos sapateiros, ao contrário da preferência por bebidas fortes, mas a reputação de radicalismo dos sapateiros fui merecida« não limitada à França. H

Até que ponto o sapateiro era, enquanto filósofo e político, um produro de Seu ofício? Parece haver dois aspectos nesta pergunta: um ligado à instrução, outro ligado à independência. É difícil explicar à questão da instrução c da notória preferência dos sapateiros por livros e pela leitura, visto que não há nada na natureza do

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ERICHORSBAWM

ofício que possa sugerir uma ligação ocupacional com a palavra impressa — como entre os tipógrafos. As suposições extremas de que sua habilidade com o couro s levasse a ser chamados para encadermar ou conservar livros, e de que ocasionalmente suas bancas fossem adjacentes às dos vendedores de livros, não parece ter qualquer base de comprovação real.** Além disso, tanto quanto pudemos observar, não existe nada nos costumes « tradições nos artesãos do ofício que acentac ou mesmo que implique um interesse cspecial pela leitura; e, embora Hans Sachs de Nuremberg fosse o mais famoso dos Meistersinger, como sabem todos os amantes de ópera, não há nenhuma evidência de que os sapateiros estivessem desproporcionalmente representados entre estes poéticos artesãos. O laço entre os sapateiros e os livros não podia ter sido estabelecido antes da invenção c da popularização da imprensa, visto que até então os pobres praticamente não tinham acesso direto à palavra escrita. Mas O caráter geral dos costumes dos artífices sapareiros sugere que estes costumes já se encontravam formados nesta época. *º Pode-se argumentar naturalmente que, com a disponibilidade de livros, estes vieram a atrair uma profissão cujos membros eram inclinados à especulação e à discussão. Contudo, a questão permanece em aberto. É possível que a divisão de trabalho relativamente primitiva na confecção de calçados tenha permitido ou impelido grandes contingentes de sapateiros a trabalhar em completo isolamento. Sem dúvida Mayhew conjerarou que “o isolamento do trabalho deles, desenvolvendo seus recursos interiores”, explicava o fato de os sapateiros constiruírem “uma raça austera, intransigente « ponderada”*? Remendões de calçados itinerantes cram, obviamente, trabalhadores isolados: mas, mesmo cm sua oficina, era comum o sapateiro solitário. Na Alemanha, em 1882, dois terços deles não empregavam nenhum tipo de auxiliar. Entretanto, mesmo o remendão de calçados solitário não estava isolado culturalmente. Ele podia ser treinado em um pequeno estabelecimento. O mestre, uns poucos artífices assalariados, é um ou dois aprendizes, bem como a esposa do mestre, parecem ter constituído o estabelecimento típico ideal do ofício. Nas regiões mais tradicionais da Alemanha do século XIX. havia cm média apenas 2.4 ou 2.6 artesãos assalariados por aprendiz”! A rápida rotatividade dos artífices, contudo. viria a ampliar os horizontes tanto dos mestres como dos aprendizes, e os artífices assalariados eram famosos por suas viagens prolongadas, Um sapateiro rural da Suábia descreve à impressão que os arrífices assalariados lhe causaram quando aprendiz: “entre

PESSOAS EXTRAORDINÁRIAS

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os artífices assalariados havia muitos inteligentes e viajados. E assim eu ouvi e aprendi muito”. E ele, por sua vez, trabalhou em 17 estabelecimentos em quinze locais diferentes durante O período compreendido entre o final de sua aprendizagem e seu estabelecimento como pequeno mestre e ativista social-democrata? Se, como era o caso em Jena, Os artífices permanecessem em média apenas seis mcses numa oficina, o aprendiz típico, no decorrer de trás anos, teria contato próximo com talvez quinze homens viajados, e o artífice itinerante típico com muito mais. Os artífices se encontrariam não só nas oficinas, mas na estrada e nas estalagens que funcionavam como casas de convívio, onde os empregos e à assistência eram solicitados e recebidos de forma altamente ritualizada.** Não faltava ocasião para discutir os problemas do ofício, as notícias do dia e a difusão de informação em geral. Em cidades maiores, os saparciros, como à maioria dos outros homens de ofício, podiam viver c crabalhar em ruas ou carreiras de casas exclusivamente de sapateiros. Em mercados de vendas de sapatos, urbanos ou rurais, não faltava companheiros de ofício e, como o serviço ocupava pouco espaço, muitos dos que exccuravam serviços para tcreciros e os mestres autônomos podiam dividir um oficina entre si. Mesmo O sapateiro mais isolado teria provavelmente se socializado na cultura do “nobre ofício” em alguma época da vida. Essa “cultura de sapateiro”, que Peter Burke recentemente descreveu como mais forte do que a cultura de qualquer outro ofício, com exceção dos tecelões,º* cra extraordinariamente marcada e persistente. Na Escócia, por exemplo, seu santo padrociro sobreviveu à reforma calvinista sob a forma de “Rei Crispim”, Na Inglaterra. até bem avançado o século XTx, o dia de São Crispim cra celebrado como um feriado dos sapateiros, fregiientemente com procissões dos membros do ofício; também foi revitalizado pelos artífices com objetivos políticos, como em Norwich em 1813, e, no final do século, aínda cra uma tradição viva e lembrada em áreas estritamente rurais. O declínio prematuro das guildas e corporações organizadas na Inglaterra torna mais impressionante esta permanência. Contudo, nada nas tradições formais ou informais no ofício parece ligar os sapateiros especificamente ao intelectualismo, ou mesmo ao radicalismo. Estas tradições enfatizavam o orgulho pelo ofício, bascado em grande parte em seu caráter indispensável para ricos e pobres, jovens e velhos, Este é o tema mais comum das canções dos sapateiros artesãos.º* Elas acentuavam a independência, especialmente à independência do arífice assalariado,

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comprovada pelo controle por parte do sapateiro sobre seu tempo de trabalho e de lazer —- sua possibilidade de destrutar o Saint Monday é outros feriados como lhe aprouvesse 5” Uma vez que lazer social « bebida eram inseparáveis, as canções também ressaltavam O ato de beber (atividade pela qual os sapateiros se celebrizaram), c aquele outro subproduto da cultura de bar: resolver as dispuras na briga. “A melhor cerveja encontra-se onde os carroceiros e os sapateiros bebem”, diz um peovérbio polonés. A comédia de Johann Nestory, Lumpasipagabunduis (1836), que acompanha as peripécias de três artífices típicos ideais, apresenta seu sapateiro como um astrônomo amador (cujo interesse por comeras pode ter sido inspirado pela leitura de almanaques) e bébado escandaloso e brigão. Mas estas não são associações particularmente intelectuais. Talvez à explicação mais plausível do intelectualismo do oficio derive do fito de o serviço de sapateiro ser sedentário « pouco exigente do ponto de vista físico. Talvez fosse o trabalho masculino que menos sobrecarregasse fisicamente o homem na zona rural, Conscgiientemente, rapazes pequenos, fracos ou com alguma deficiência física eram habitualmente destinados a cste ofício. Foi o caso de Jakob Boehme, à místico; de Robert Bloomficld, autor de The Earmer's Boy;*º de William Gifford, futuro editor do Quarterty Review, que foi “posto a trabalhar com o arado”, mas “logo se descobriu que era fraco demais para trabalho tão pesado”; de John Pounds, pioneiro das Ragged Schools,"" que se tornou sapateiro após um acidente que o mu tilou e o excluiu do seu ofício original como mestre de estalciro;*? de John Lobb, fundador de uma firma famosa em St, James, que ainda existe, e de um grande número de outros, quase com certeza. Em Loitz, na Pomerânia, “praticamente as únicas pessoas que se dedicam à este ofício são aleijadas, ou inadequadas para o trabalho agricola ou industrial”. Daí à tendência dos sapareiros de aldeia, impossibilitados de mantersse com os ganhos de seu ofício, a assumir (como na cidade de Heide, Schleswig) empregos secundários como vigias-noturnos, porteiros de escolas, mensageiros, garqons, arautos da cidade, assistentes de pastor ou de carteiros « varredores de rua? A regulamentação para o recrutamento naval norte-americano em 1813 insistia no recrutamento “somente de homens fortes, saudáveis e capaze = O costume de não trabalhar nas segundas-feiras. (NR) ** Insútuições de caridade pública para inscrução, abrigo « auxílio aos pobres e aos órfius. ST)

PESSOAS EXTRAORDINÁRIAS

a?

Os homens de terra podem se inscrever como marujos comuns .. mas sob

nenhum pretexto podem ser accitos alfaiates, sapateiros ou negros (sic), pois

estes, devido a suas ocupações costumeiras, raramente possuem força física”.'º A quantidade de sapateiros e alfaiares deformados (“curvados, corcundas, mancos”) nos cortejos profissionais destes ofícios foi observada por Ramazzini na Itália St Ao contrário dos alfáiates, entretanto, os sapateiros não cram notoriamente associados à fragilidade física, uma observação que pode ser corroborada pelas estatísticas do século XIX sobre a mortalidade britânica segundo a ocupação. Por sua vez, o sapateiro manco já aparece registrado pelo dramaturgo latino Plauto. Talvez fosse relevante aqui saber a fregitência de sapareiros rurais que combinavam seu ofício com atividades agrícolas No entanto, pelo menos até certo ponto, o ofício era escolhido por moços incapazes de competir com outros trabalhadores agrícolas de sua idade nas atividades físicas convencionalmente valorizadas. Este faro pode ter incentivado a aquisição de outras formas de prestígio €, neste ponto, a natureza semi-rorineira de grande parte de seu trabalho, o qual podia facilmente coexistir com a meditação, à observação é a conversa, pode ter sugerido alrernativas intelectuais. Ao trabalharem reunidos em oficinas maiores, os sapateiros estavam entre os artesãos (como os alfaiates e os charuteiros) que desenvolveram a instituição do “leitor” — um deles, por rodízio, lia jornais ou livros em voz alta, ou um velho soldado cra contratado para ler, ou o aprendiz mais jovem tinha à obrigação de ir buscar o jornal e ler as notícias. George Bloomficld, um poeta-sapatciro menor, sugeriu, c não sem razão, que “aqueles que dizem que “os sapateiros são políticos” poderiam encontrar aqui a solução para seu espanto”. Nas cidades existiam outras ocupações trangúilas e pouco exigentes, mas nas aldeias é difícil pensar em outras — com certeza, não a dos ferreiros nem à dos fabricantes de rodas.” O trabalho de sapateiro, portanto, permitia pensar e discutir durante sua execução; seu freguente isolamento durante as horas de trabalho faziamno recorrer a seus próprios recursos intelectuais; cle cra recrutado seleeivamente dentre os rapazes como um provável incentivo para compensar suas deficiências fisicas; o treinamento de aprendizes e os artífices itinerantes espunham-no à cultura do ofício e à cultura e à política de um universo mais amplo. Podemos talvez acrescentar que a leveza de sua caixa de ferramentas tornasse mais fácil do que no caso de outros ofícios que ele carregasse livros consigo — fato para o qual também existe alguma comprovação. Se tudo

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isto fornece uma explicação adequada, ou ao menos uma explicação veri-

ficável, não podemos ter certeza. Entretanto, três fatos estão claros.

Primeiro, os sapareiros de ofício mais letrados, como examinaremos em breve, distinguiam-se pelo fato de se distribuírem por ambientes predominantemente incultos, em áreas rurais cm pequenas cidades, onde podiam se tomar religiosos extra-oficiais, ou intelectuais dos trabalhadores; à concorrência era pouca. Em segundo lugar, uma vez que à imagem popular do sapateiro como intelecrual e radical existia (inegavelmente), ela deve ter afetado a realidade de diversas formas. Cada vez que um sapateiro se ajustasse ao papel, ele confirmava a expectativa popular. Conscquientemente, o comportamento dos sapareiros neste papel era provavelmente obscrvado, registrado e comentado com maior frequência. A imagem popular pode ter atraído jovens com preferências literárias ou filosóficas e interesses políticos; ou inversamente, os rapazes, tendo entrado em contato com sapateiros filósofos « radicais, podiam adquirir interesse por estes assuntos. Finalmente, a cultura do ofício podia desenvolver alguns desses traços entre os profissionais que o exerciam, não só porque as condições materiais o propicias-

sem, mas porque os costumes do ofício não os impediam. Em muitas ocupações, um “homem que lia” acabaria perdendo este gosto devido à chacotas ou a críticas; entre os sapateiros, cle seria aceito com maior facilidade. como uma versão de comportamento compatível com as normas do grupo. A independência do sapateiro estava claramente ligada às condições materiais do seu ofício, é dela originou-se sua capacidade de tormar-se um político de aldeia. Além disso, à condição social humilde do ofício e a relativa pobreza de seus integrantes, pelo menos no século XIX, ajudam a explicar seu radicalismo. As duas características estão entrelaçadas. O ofício bascava-se essencialmente no couro, cuja preparação (esfolar, limpar, cartir etc.) é barulhenta e suja, e, portanto, muitas vezes restrito a pessoas de baixa condição social ou párias (como na Índia e no Japão). Em suas origens, os sapatciros e os

curtidores estavam intimamente ligados, pois os sapateiros com frequência curtiam seu próprio couro, como ainda o faziam até meados do século XTX na comunidade de Loitz, na Pomerânia.” Em Leipag, os curtidores e os sapáteiros originariamente pertenciam à mesma guilda.” O baixo status dos sapateiros e o desprezo que lhes era dirigido na Antigiidade — ao menos pelos escritores”? — pode ser devido em parre à associação com à “sujeira” ou a lembrança dela. Além disso, não é absurdo supor que o ofício, enfiri-

PUSSOAS EXTRAORDINARIAS

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zando sua indispensabilidade e sua nobreza, se inclinasse ao radicalismo por

ressentimento. Sem dúvida um elemento do baixo status parece ter persis-

tido, possivelmente tunbém influenciado dos sapateiros, cujo baixo status por sua para esta reputação. Ainda no final do sobre O ofício em sua forma tradicional sapateiros comuns não eram nem limpos,

pela reputação de desleixo físico vez era possivelmente uma razão século 1x, um autor pôde escrever (pré-fabril): “Como classe . . os e nem arrumados quanto a suas

pessoas e seus hábitos, e esta vocação cra desprezada como sendo de um

baixo nível social: um emprego adequado para colocar como aprendizes jovens internos de casas de trabalho”,” Acrescente-se que, como os custos de aprendizado eram mínimos, as famílias que não podiam sustentar à ins-

trução de seus filhos em um ofício mais próspero e mais exclusivo (e mais caro) podiam dar um jeito de arrumar à quantia necessária para que ele

aprendesse o ofício de sapateiro. De tato, a associação do ofício com a pobreza também era proverbial.” “Todos os sapateiros andam descalços”, diz

um provérbio iídiche. “O sapateiro sempre usa sapatos furados” Na região de

Hamburgo, uma miscura de sobras de comida era conhecida como “torta de sapateiro” >

À coexistência de independência e pobreza no ofício é devida em paree à sua peculiar onipresença. Ele se organizou bastante cedo, tanto na cidade

quanto no campo, pelo menos nas zonas temperadas, onde de longa data se

reconheceu que “não há nada como o couro” para fazer calçados resistentes ao trabalho ao ar livre, Os sapateiros, cles próprios frequentemente de origem humilde, serviam à uma clientela que incluía grande quantidade de pessoas humildes. À fabricação e o conserto de calçados de couro exige especialistas de algum tipo, ao contrário de tantas outras atividades de fabri-

cação e conserto. No final do século xIx, ainda havia sapateiros que se especializavam em percorrer as fazendas dos Alpes austríacos (Stórchbuster) para

fazer e consertar os calçados do ano inteiro usando as peles e couros formecidos pelos fizendeiros.”* Os sapareiros que faziam sapatos bem como os remendões eram, portanto, não somente um ofício organizado já em data extraordinariamente remota (estão entre as primeiras guildas de ofício documentados

tanto na Inglaterra quanto na Alemanha),* mas também um dos ofícios

mais numerosos e mais amplamente distribuídos no campo e na cidade. Na

Sevilha do século XVII como na Valparaíso do século XIX, eles excediam em,

número à todos os outros ofícios:”* isto também ocorria na Prússia em 1800 (seguidos pelos alfaiates « ferreiros). Na Baviera, em 1771, eles so-

so

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mente eram ultrapassados em quantidade pelos tecelões, mas nas aldcias mercantis eram os primeiros, seguidos dos cervejeiros « dos tecelões.” Na Frísia rural, em 1749, havia 5,79 sapateiros por mil habitantes, cm comparação com 4,53 tecelões, 4.48 carpinteiros, 3,70 padeiros, 2.08 ferreiros, 1,76 religiosos, 1,51 estalajadeiros « 1,45 alfaiates; dentre todos os estabelecimentos comerciais, 54% cram de Sapateiros, 52% de carpinteiros, 40% de terreiros, e 32% de estalajadeirosº Parece claro que as pessoas encontravam maior dificuldade em se arranjar sem sapateiros especializados à distância conveniente do que sem outros tipos de artífices ou serviços especializados. O ofício de sapateiro, embora se estendesse a várias habilidades técnicas e de especialização, manteve-se suficientemente primitivo quanto à tecnologia e à divisão do trabalho, é com um produto suficientemente homogêneo para continuar em essência como um ofício único. Não é possível traçar nenhum paralelo entre ele e a fragmentação crescente do setor metalúrgico em ofícios especializados isolados, como a que se encontra tão fregixentemente na economia medicval de guildas. Gencralizando, assim que o ofício se separou dos curtidores, vendedores de couro é outros produtores e fornecedores de matéria-prima, suas principais fissuras incernas foram comerciais — entre sapateiros e vendedores de sapatos (estes podendo ou não também fabricar sapatos). Havia também uma divisão, definida nos termos, entre Os que faziam sapatos (cordimainers) e os que simplesmente os conscr-

tavam (cobblers) — savaticrs, Elickshuster, cinbarrino —, embora deva ser observado que os comerciantes se desenvolveram essencialmente a partir dos. fabricantes, A separação entre os fabricantes e os remendos foi por vezes instirucionalizada em guildas separadas, embora as guildas dos remendões tivessem dificuldade para se emancipar completamente do controle dos fabricantes, ou mesmo subsistir O conserto cra nitidamente o ramo inferior do ofício, e o termo cobblina em inglés é usado para designar qualquer serviço de baixa qualidade. Entretanto, a linha divisória entre os dois ramos era imprecisa, e tinha de o ser, especialmente em épocas ou regiões (como na Alemanha no século xvm) em que a procura razoavelmente estática defrontou-se com à oferta crescente nas cidades.” Viver somente de fizer calçados cra praticamente impossível para a maioria; na verdade, subentendia-se que os fabricantes fizessem consertos. Desta forma, para atingir uma renda “decente” (91 florins por ano), alegava-se, sem dúvida retoricamente, que um mestre “teria de produzir um par de sapatos novos ou trés pares de solas ou consertos por dia, e além disso

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confiar em que Os fregueses pagassem”, Não é portanto surpreendente que

nos séculos XVIII e XIX os termos pareçam ter-se tornado intercambiáveis em inglês,“ enquanto em francês a palavra cordonnier veio a significar tanto

o fabricante quanto o remendão, como Schuster em alemão popular, apesar

da tendência do termo mais elitista Schslymacher ganhar terreno à custa do

termo mais popular! E, na realidade, fora das cidades firmemente con-

troladas por guildas, as quais estavam se tornando mais fracas, como cra possível manter à fabricação e o conscrro estritamente separados? A procura muito difundida por sapateiros especializados (fabricantes

remendões) impossibilitou o monopólio do ofício nas cidades organizadas.

O conserto de sapatos na aldeia dificilmente poderia ser proibido e, embora

esse tipo de conserto rural fosse

(sem dúvida inevitavelmente) isento dos

controles e qualificações das guildas, quase sempre tinha de ser aprendido de algum sapateiro. Não havia maneira de evitar que o remendão do lugarejo

também suprisse à demanda local de sapatos, especialmente os do tipo gros-

seiro, até a ascensão da produção e distribuição em grande escala. Assim,

artífices com poucas chances de se tornarem mestres no ofício controlado

na cidade podiam preferir instalar-se indcpendentemente em alguma aldeia ou cidadezinha no campo. Esta foi a tendência crescente observada na Alemanha ainda no século x1x. Quando, em 1840, aboliu-se finalmente no

interior da Saxônia a proibição a sapateiros rurais (em oposição aos re-

mendões), sendo permitido daí em diante um único mestre por aldeia (sem

aprendizes), um número considerável de sapareiros rurais imediatamente surgiu.ºº É bastante razoável imaginar que muitos deles simplesmente muda-

ram sua denominação oficial. Por outro lado, se não havia nenhuma linha nítida distinguindo o sa-

pateiro melhor e mais especializado do remendão mais modesto, as enormes

dimensões do ofício sugerem que geralmente cle incluía uma porção imensa

de figuras marginais, que não podiam viver somente de seu ofício; especialmente porque O conserto de sapatos — atividade na qual os remendões de aldeia na Alemanha podiam talvez obter metade de sua renda — era noto-

riamente mal pago, É difícil encontrar dados anteriores à era industrial, mas. o cálculo de uma aldeia na Suábia no século XTX sugere que, devido à procura insuficiente, um saparciro ali, em média, não poderia ter feito mais do

que sete pares de calçados em um ano;º* desta forma, para a maior parte

deles o ofício não passava de uma fonte de ganhos suplementares, possivel” mente já adotado por essa razão. A reputação de pobreza do ofício tinha,

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portanto, uma base sólida, embora as razões para sua superlotação não estejam totalmente claras. Talvez isso se deva em parte ao baixo custo do equi pamento básico e à possibilidade de exercer à atividade em casas talvez também à possibilidade de recrutamento externo, fora das fileiras dos artífices profissionais é de suas famílias. Os tipógrafos e os vidraceiros restringiam o acesso ao ofício a seus filhos, parentes e uns poucos privilegiados de fora: os sapateiros raramente podiam fazero mesmo.” Em consequência, os sapareiros não controlavam nem o acesso nem o número de integrantes do seu ofício, e daí à superlotação. O oficio era, portanto, muiro ponco homogêneo. Contudo, na medida em que permanecia um ofício de caráter essencialmente manual — c até à década de 1850 nem mesmo a máquina de costurar doméstica havia sido incorporada —, suas divisões internas eram vagas € instáveis, Por esta razão, embora existissem “aristocratas” ou setores favorecidos cntré os sapateiros, como havia entre os alfiiates (por exemplo, na elite das encomendas sob medida nas cidades), nenhum dos dois ofícios como um todo tinha posição alta na hierarquia social, como observou o artesão comunista Wilhelm Weitling + Pois ambos, em particular os sapareiros, eram cxtraordinariamente numerosos € continham, portanto, uma proporção muitíssimo alta de clementos menos favorecidos e marginalizados, Dentre as centenas de artífices assalariados que se dirigiam em bloco para Viena (em processo de induscrialização, na década de 1840). € solicitaram permissão para aí permanecer. nada menos que 14,7% (17% destes provenientes da Boémia) eram sapateiros, seguidos à alguma distância pelos alfxiares, 10% (14,6% dos quais eram boêmios) « pelos marceneiros, 8,3% (9,1% de boêmios). O sapateiro de aldeia era autónomo. Sua atividade exigia pouco capital, o equipamento era barato, leve e portátil, e ele necessitava apenas de um telhado sobre à cabeça para trabalhar « viver, no pior dos casos no mesmo cômodo. Embora este fato lhe proporcionasse uma mobilidade incomum, não o distinguia de uma série de outros ofícios. O que realmente o distinguia era seu contato com um grande número de pessoas humildes e sua independência com relação aos proterores, clientes abastados e empregados, Os lavradores dependiam dos senhores de terra; os fabricantes de rodas c os construtores contavam com à encomenda dos lavradores e de pessoas de * Temos conhecimento, no emtamo, de que a continuidade hereditária entre os sapareiros londeinos era extraordinariamente alta

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serviam aos ricos, pois os pobres faziam suas próprias roupas. O sapateiro também servia aos ricos, porque precisavam dele, mas sta freguesia principal, na maior parte dos casos, devia estar entre os pobres, pois estes também não podiam passar sem cle, Este fato é inegável, mesmo que saibamos menos do que poderíamos à respeito do verdadeiro uso de caçados de couro entre os pobres, o qual naturalmente devia ser mais restrito do que em nossa próspera época. Na rtalidade, existe evidência de que, à medida que os aldcões mais ricos do final do século xx passaram a comprar sapatos fabricados em outros lugares, vendidos em lojas (quando não passavam a comprar sapatos sob medida de primeira qualidade). o sapateiro da aldeia ficou cada vez mais dependente das compras daqueles que precisavam de calçados fortes para o trabalho ao ar livre. Ele podia, portanto, expressar suas opiniões sem correr o risco de per-

der seu emprego ou seus fregueses — se fosse realmente bom, nem mesmo

perderia seus clientes respeitávcis.s E mais, ele estava intimamente ligado à seus clientes por laços de confiança. Em parte porque é provável que tivessem algum débito pendente com cle, pois os empregados rurais, é talvez

os camponeses, apenas podiam quitar seus débitos após longos intervalos, quando recebiam quantias significativas: por exemplo, após à colheita — o dia de pagamento na Pomerânia era o dia de São Crispim, 25 de ourubro** — ou entre à Páscoa « Pentecostes, quando cram renovados os contratos de trabalhos anuais. Ele tinha de confiar em seus clientes, mas eles não tinham razão para desconfiar dele. Ao contrário de tantos outros que tinham contato com os pobres — o moleiro, o padeiro, ou mesmo o taberneiro, que podiam roubar no peso e na medida —, O sapateiro produzia sapatos novos

ou consertados que podiam ser facilmente julgados no ato da entrega, e as variações na qualidade provavelmente refletiriam não o descjo de enganar, e sim variações na habilidade técnica.” O sapateiro tinha, por conseguinte, liberdade de exprimir suas opiniões, das quais não havia razões para desconfiar. Não deveria causar surpresa que estas opiniões fossem hercrodoxas e

democráticas. A vida do sapateiro de aldeia tinha afinidade com a vida dos pobres e não com a dos ricos e poderosos. Ele via pouca utilidade na hicrar-

* É necessário maior pesquisa especialmente sobre a difusto da prática de andar descalço muito comum entre mulheres e crianças) e sobre 1 uso de calçados alternativos — tamancos, botas e saputos de feltro ou fibra vegetal e similares ** EEistirá uma conexão crer esse rismo agricola e 0 dia de São Crispim (25 de outubro?

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guia e na organização formal. O pouco que havia cm scu ofício já era suficiente, e em muitos casos cle encontrava serviços fora de regulamento da guilda ou do ofício, e apesar deles. Conhecia o valor da independência e tinha ampla oportunidade de comparar sua relativa autonomia com a de seus clientes, Por ser difícil ou impossível compilar uma amostragem representativa dos radicais no ofício, não se pode determinar até que ponto esta capacidade de expressar pontos de vista independentes estava confinada à minoria de artífices relativamente bem-sucedidos, não disseminada entre a maioria (presumível) de sapareiros remendões marginais, de trabalho avulso. A pergunta permanece sem resposta. Entretanto, no contexto específico do final do século XVII e início do século xix, é natural encontrar sapaeiros radicais lendo Cobbert, que clamava contra a climinação de todos os pequenos artífices « denunciava um sistema que substituía “senhores e homens cada um em seu lugar c todos livres” por “senhores e escravos”. Nem é surpreendente encontrá-los nas fileiras dos sans-culorres e mais tarde nas dos anarquistas. Em todas as circunstâncias, a insistência sobre os meios modestos, o trabalho duro e a independência como soluções para os problemas da injustiça é da pobreza estava dentro da experiência dos sapareiros de aldeia Grande parte dessa argumentação poderia também aplicar-se a outros artífices de aldeia. Mas enquanto a oficina do ferreiro, por exemplo, cra barulhenta, e seu trabalho dificultava à possibilidade de conversa, O sapateiro estava estrategicamente bem instalado para fazer passar as idéias da cidade c para mobilizar a ação, Sua oficina de aldcia fornecia um cenário ideal para esta finalidade; e homens bem-articulados, que trabalhavam sós à maior parte do tempo, quando tinham com quem conversar podiam sc tornar extremamente falantes, mesmo durante o trabalho. O sapateiro rural estava sempre presente, de olhos ma rua, e sabia o que estava acontecendo na comunidade. mesmo se não tinha também a função de sacristão da paróquia, ou alguma outra posição municipal ou comunitária. Além diss sas tranqilas oficinas nas aldeias e nas pequenas cidades eram centros sociais, perdendo apenas para a taberna, mas abertos e preparados para o convívio durante todo o dia. Não surpreende que no interior da França em 1793-1794, Os sapateiros, juntamente com os taberneiros, “pareciam ter uma verdadeira vocação para a revolução”. Richard Cobb ressalta que O papel dos sapateiros, aqueles revolucionários de aldeia que se instalaram como prefeitos após o surro revolucionário do verão de 1793, ou

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que presidiam os comitês de vigilância, cncabeçaram as minorias de sasculettes contra les gras . Nas listas do “terroristas a serem desarmados elaboradas para a zona rural nó ano 1tt, eles foram a maioria. Temos aí um inegável fenômeno social º

Naturalmente à oficina do sapateiro e a taberna, enquanto locais de reunião, diferiam cm um aspecto importante. Para beber, os homens se reuniam em grupos, mas nas oficinas de sapatciros chegavam individualmente ou àos pares. Às tabernas eram domínio exclusivo dos homens adultos, mas o intelectual da aldeia tinha contato com as mulheres, ou, mais provavel: mente, com as crianças. Em que quantidade de aldeias c pequenas cidades o sapateiro não exerceu o papel de educador! Ássim, o Every-Day Book de Hone relembra “um velho honesto que remendava meus sapatos é minha mente, quando cu cra menino ... meu amigo e sapateiro, que, embora não fosse nenhum metafísico, gostava de ruminar sobre a cansaço”. Ele emprestava ao garoto livros “que guardava na gaveta de seu banco, junto ... aos instrumentos do seu nobre oficio” E ainda na década de 1940, um futuro ilustre historiador do movimento operário de formação marxista foi apresentado à política em suas conversas de menino numa oficina de sapateiro de uma pequena cidade na sua Roménia natal! O sapateiro era, portanto, uma figura-chave na vida intelectual e política da zona rutal: instruído, eloquente, relativamente bem informado, independente do ponto de vista intelectual e, por vezes, econômico, pelo menos dentro de sua comunidade aldeã. Ele estava constantemente presente nos locais em que era de se esperar que ocorresse mobilização popular: nas ruas da aldeia, nos mercados, feiras e festividades, Não está claro sc esta é uma explicação suficiente para seu papel fregiicntemente reconhecido como líder de massas. Sob tais condições, entreranto, mal ficamos surpresos em encontrá-lo às vezes cumprindo este papel HI

Ensre Os historiadores sociais, a reputação dos sapateiros como radicais está associada principalmente ao final do século XVII é início do século x1x, período de transição para o industrialismo. Não nos é possível medir sc honve ou não um aumento no número de sapateiros militantes, mas nos parece provável que dois desdobramentos estimularam a intensificação do

se

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radicalismo. O primeiro originou-se do lento declinio do ofício de sapateiro como ocupação essencialmente artesanal e de um consegiente período de tensão exacerbada interna à profissão. Os problemas específicos variavam de um local pará outro (as relações entre mestres é artífices assalariados eram diferentes em Northampton « em Londres), mas é inegável que o ofício como um todo era politizado, Assim, um jovem artífice tinha experiências de greves e participava em discussões sobre sistemas econômicos e políticos alternativos, à medida que adquiria conhecimento técnico. Aqueles que acabavam se instalando em oficinas de alácias pequenas sabiam o que era jacobinismo « veiculavam as idéias radicais das grandes cidades para as pequenas, O segundo desdobramento ligava-se ao descontentamento crescente das populações aldcãs à medida que enfrentavam as consequências do cre cimento do capitalismo agrícola. Os aldedes tornavam-se cada vez mais receptivos a formulações ideológicas para suas queixas, formulações estas que Os sapateiros estavam em condições de fornecer. A combinação das circunsâncias da aldeia com as do ofítio facilmente transformou o filósofo de aldeia em político de aldeia, como sem a menor dúvida ocorreu durante as revoltas de Swing.

Que mudanças afetaram o ofício do sapateiro durante o período que se estende, aproximadamente, de 1770 à 1880? O primeiro ponto a lembrar é simplesmente a quantidade de integrantes do ofício que, até a transformação provocada pela mecanização e pela produção fabril, crescia acompanhando a urbanização e a população. O múmero de trabalhadores no ofício de sapateiro em Viena (onde o número de tábricas era mínimo) mais do que triplicou entre 1855 e 1890, sendo que à maior parte deste incremento ocorreu antes dos primeiros anos da década de 1870. Na Grá-Bretanha, o número de homens adultos no ofício aumentou de 133 mil para 243 mil entre 1841 e 1851, quando houve mais sapareiros do que mineiros no país.” Durante os anos de 1835 e 1850, entraram por ano entre 250 a 400 sapateiros em Leipzig e, como a cidade estava em crescimento, uma quantidade pouco menor saiu dela anualmente. Durante este período de quinze anos, houve no mínimo 3.750 chegadas e 3 mil partidas + O segundo ponto a observar é à disseminação da fabricação para o mercado em oposição à fabricação para clientes individuais € o onipresente serviço de conserto. O “sapateiro do mercado”, produzindo calçados grosseiros para venda nos mercados locais e regionais, podia em muitos lugares

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ainda manter uma relação tão próxima a seus clientes quanto a do sapateiro que trabalhava com encomendas sob medida, já que ele podia ser regularmente encontrado em sua banca nos dias de feira por homens « mulheres que 0 conheciam bem e à quem ele conhecia Sua relação com os clientes era provavelmente mais próxima do que a do seu rival cada vez mais ameacador, o sapateiro ambulante, que ia de casa em casa” No entanto, estas duas formas de organização se prestavam a diversos sistemas de subcontraro — daí o desenvolvimento de comunidades de sapateiros, tanto rurais quanto urbanas. Estas podiam abranger desde aglomerações de oficinas tradicionais com ménima divisão de trabalho, até centros maiores que consistiam na realidade em fábricas não-mecanizadas, funcionando com operários confinados à processos especiais, e que eram complementados com trabalhadores de fora, da cidade ou da aldeia, com sua própria subdivisão do trabalho.” Aqui se produzia em larga escala para o exército e à marinha ou para a exportação. É possível que muitos desses trabalhadores manuais semi-

especializados chegassem ao ofício sem o treinamento é sem a socialização típicos, particularmente quando provinham da agricultura” Neste período, & recrutamento de aprendizes pode bem ter ocorrido sobretudo entre os pobres do meio rural. Na Europa, entretanto, o múcleo de sapateiros formados por aprendizagem, em torno do qual esta força de trabalho semiespecializada se desenvolveu, era significativo. Isto é sugerido até para operários fabris, no manual de fabricação de calçados de ]. B. Leno (um radical); e com certeza em Erfurt, um dos principais centros alemães de produção fabeil mecanizada, um terço de uma amostragem de 193 trabalhadores tinha aprendido o ofício, é a metade desses consistia em filhos de sapateiros.” Isto não é surpreendente, uma vez que, exccruando-se os Estados Unidos, e a Grã-Bretanha um pouco mais tarde, nenhuma inovação récnica significativa, além da pequena máquina de costura (que se disseminou entre meados da década de 1850 e início da de 1870), ocorreu até o final do século x1x:” O terceiro ponto é que a pressão dos números € a proliferação da mánufarura subcontrolada (à qual os artífices respeitáveis se referiam como trabalho “vil” ou “lixo”) solapavam a independência do ofício e também xavam os preços, Uma investigação sobre o emprego em Marselha na década de 1840 revelou que os sapateiros eram o maior grupo ocupacional, mas também o mais mal pago. Eles ganhavam por dia em média apenas três francos, e na média anual seiscentos francos, O que os situava quanto a

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salários em posição inferior a muitos trabalhadores não-qualificados.'º O poeta-trabalhador Charles Poncy protestou em 1850 a São Crispim:

A fome nos atrela a sua negra carroça: pois nossos ganhos são tão reduzidos. Em troca de pão efarrapos trabalhamos até altas horas da noite.

Os meus filhos, amontoados a esmo em lençóis gastíssimos, exauriram o seio esquelético de sua mãe, Comemos à semente do cereal que deveria produzir o alimento para os mais novos. 0

O sapateiro inglês John Brant atribuía sua participação na conspiração de Cato Street aos baixos salários e à consegiente perda de independência. Sua declaração sugere que cle tentou atingir de volta os que estavam no poder, afirmando sua capacidade de pensar e agir com independência: Por seu esforço, cle tinha sido capaz de ganhar por volta de 3 ou 4 libras por semana, e, enquanto esses ganhos foram possíveis, ele nunca se envolveu com a política; mas quando percebeu que sua renda mensal estava reduzida a 10 shilings, começou a olhar em volta ... E o que cle viu? Ora, homens no poder, que se reuniam para deliberar como poderiam esfaimar e saquear o pais ... Ele sc uniu à conspiração pelo bem público. 1º?

A disseminação da manufatura para um mercado longínquo em vez de

para chentes conhecidos afetou o ofício de formas diferentes. Num extremo,

isso poderia, pelo menos temporariamente, conduzir a uma reafirmação dos valores e reivindicações do ofício como tal, compartilhada por mestres e artífices assalariados, contra o trabalho desleixado ou “vil” em nível local ou

em centros manufatureiros de grande escala, como Northampton. No outro

extremo, os artífices assalariados ou os pequenos mestres prolecarizados, percebendo que tinham se transformado em assalariados permanentes, pode-

riam procurar o caminho da sindicalização e o conflito com os empregadores, afiando o gume do radicalismo dos sapateiros. Assim, o sapateiro parisiense “Etrahem” falou do dia em que “tendo sido dado o sinal, todos os trabalhadores

abandonarão simultaneamente

suas vficinas e deixarão o

trabalho, com o propósito de obter um aumento nas listas de preços que

exigirão de scus patrões”. 103

Como foi observado, os sapateiros rapidamente aderiram à formação de sindicatos militantes e, pelo menos na Gri-Bretanha, as raízes do movi-

PESSOAS EXTRAORDINÁIAS

so

mento sindical eram profundas. James Hawker — que ocupa um modesto lugar na história como aldeão radical e notável caçador em áreas proibidas no Leicestershire por consciência política —, era filho de um alfaiate pobre, que foi aprendiz de sapateiro em Northampton. Exceruando o período em que se alistou é depois desertou do exército, circulou por todos os empregos que havia na região leste dos condados centrais. No entanto, afiliava-se a um sindicato, onde quer que existisse um; “Eu corria para casa o mais rápído que podia « buscava meu passaporte. Pois nesta época eu era um sindicalista — quase antes de saber o que isto significava .. Não foss eu sindicalizado, poderia ter sido forçado a mendigar ou a roubar”. A linha divisória entre o trabalho como ofício e o trabalho assalariado, entre a militância econômica e a política, cra até então vaga o suficiente para desencorajar um excesso de classificação. Somente após 1874 os sapateiros tradicionais e os operários fabris divergiram o bastante para que os últimos formassem um dissidência separada da Associação Unida dos MestresSapateiros, dando origem ao Sindicato Nacional dos Montadores é Arrematadores de Botas é Sapatos — o futuro Sindicato Nacional dos Artífices de Botas e Sapatos. O sindicato de 1820 contribuiu para a causa dos réus na conspiração de Cato Street, E os sindicatos nos centros manufitureiros e nos de subcontratação valiam-se da antiga tradição do ofício em seus protestos. Em Nantwich, Cheshire, por exemplo, um desses fortes sindicatos celebrou o dia de São Crispim em 1833 com: um grande cortejo — o Rei Crispim montado a cavalo em paramentos teais .. acompanhado de pajens que seguravam à borda de seu manto, trajados caracteristicamente. Os membros do oficio portavam vestimentas adequadas à seu nível é Carregavam à Licença, a Bíblia, um grande par de globos « também belos exemplares de sapatos e botas de luxo Seguiam a procissão cerca de quinhentos sapareiros, cada um usando um avental branco caprichosamente decorado. O cortejo era encerrado por um companheiro de nficina vestido à maneira de arrífice itinerante. com seu estojo de ferramentas às costas e cajado na mão. 105

O estandarte do sindicato, “emblema de nosso ofício, com o lema Que as confecções dos filhos de Crispime sejam pisada em todo o mando . ” foi muito admirado !9 Um cortejo de guilda não teria sido muito diferente. Entretanto, os caminhos que levaram aos nossos radicais de aldeia no final do século XIX têm sua origem mais fregiiente em contextos como Lon-

E

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res, onde mestres e artífices remunerados compartilhavam posições jacobinas, Por exemplo, aquelas compartilhadas pela Sociedade Londrina de Correspondéência e pelos membros da conspiração de Cato Street; ou Paris, onde os sapateiros estavam entre os seguidores mais numerosos de Etienne Caber, O sapateiro de aldeia participava, em conjunto com os respeitáveis sapateiros urbanos, da causa do pequeno artífice independente, Na defesa desta causa cles lançaram à economia e ao governo uma crítica que podia realçar os problemas de outros trabalhadores « impeli-los à ação. O apelo à ação baseava-se na hipótese de que homens como eles mesmos eram capazes de agir; na verdade este apelo supunha que pequenos grupos de “cidadãos” inteligentes podiam agir no sentido de corrigir a injustiça de forma independente — isto é, sem a liderança de homens mais instruídos ou sem o apoio de organizações formais centralizadas Não obstante, se mudanças no próprio ofício intensificavam a conscientização de seus membros quanto às injustiças da sociedade, não podemos simplesmente afirmar que « radicalismo dos sapateiros surgiu no final do século XVTTT como resposta ao início do capitalismo industrial. Como tentamos demonstrar, o sapateiro enquanto intelectual do homem teabalhador e filósofo hererodoxo, enquanto porta-voz do povo, e enquanto militante do seu ofício, é muito anterior à Revolução Industrial — pelo menos se a argumentação deste ensaio for aceita. O que os primeiros estágios da industrialização ou da pré-industrialização fizeram foi ampliar a base de radicalismo dos sapateiros pelo aumento de quantidades de sapateiros e remendôes e pela criação de um grande grupo de trabalhadores subcontratados semiproletários e, pelo menos intermitentemente, pauperizados. Muitos arrífices remunerados foram forçados a deixar a tradicional estrutura de arividades é expectativas da corporação do ofício, passando para uma militância sindical de trabalhadores especializados Mas, principalmente, o que este período proporcionou foi uma enorime expansão das ferramentas do radicalismo político é de scu repertório de idéias, reivindicações e programas. deologias de crítica social e política — demoerático-seculares, jacobinas, republicanas, anticlericais, cooperativistas, socialistas, comunistas é anarquistas — proliferaram e complementaram ou substituíram as ideologias de religião heterodoxa que anteriormente tinham sido o principal vocabulário do pensamento popular, Algumas eram mais atraentes do que outras, mas certos aspectos de todas elas diziam respeito às experiências dos sapateiros, novos ou velhos. Os meios para a agitação po-

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e

pular € o debare também se multiplicaram: jornais panfletos que ofereciam maior campo para a produção escrita de trabalhadores intelectuais podiam ser lidos e discutidos na oficina do sapateiro. E à medida que o sapateiro

filósofo ou herético se transformava num sapateiro politicamente radical, a emergência de movimentos de protestos e de liberação social, de um mundo

virado pelo avesso por grandes revoluções tentadas, realizadas e antecipadas, tudo isso lhe trazia um público extremamente mais disposto a ouvi-lo, e talvez a segui-lo, na cidade e na aldeia. Não é de surpreender que o século que se iniciou com a revolução norte-americana tenha sido a idade de ouro do radicalismo dos sapateiro

Há uma última pergunta à ser examinada. Afinal, O que acontecco com o radicalismo do nobre ofício? "Temos nos preocupado predominantemente com o período anterior à transformação da fabricação de calçados numa indústria fabril totalmente mecanizada, e anterior à ascensão dos movimentos modernos da classe trabalhadora de tendências socialista c comumista. Durante este extenso período, os sapareiros estiveram associados à praticamente todo e qualquer movimento de protesto social. Podemos encontrá-los em situação destacada entre os pregadores c os sectários religiosos, nos movimentos republicanos, radicais, jacobinos « sans-culottes, nos grupos socialistas, comunistas c de cooperativas de artífices, entre os anticlericais ateus, e, não menos, entre os anarquistas. Na nova cra, será que cl foram igualmente destacados entre os movimentos socialistas? A resposta é não. Na Alemanha, cles estavam sem dúvida entre os grupos de trabalhos qualificados que forneceram no mínimo dois terços dos candidaros trabalhadores social-demoeratas para as eleições do Reichstag até 1914: juntamente com os madeireiros, os metalúrgicos, os tipógrafos, os charuteiros, e, mais tarde, os trabalhadores da construção civil. Entretanto, já em 1912, eles se situavam em posição bastante inferior a todos eles (com exceção dos da construção civil) quanto ao número de candidatos eleitos. Quanto à apresentação de candidatos, estavam muito atrás dos metalúrgicas, dos trabalhadores da construção civil e madeireiros, embora nivelados com os tipógrafos, cujos números eram muito menores, c à frente dos fabricantes de charutos, que também apresentavam menor quantidade de mem-

e

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bros, (Ver quadro.) O sindicato dos sapateiros, apesar de como sempre ter iniciado sua organização muito cedo, foi declinando na classificação segun-

do o tamanho, de oitavo em 1892, para nono em 1899 « décimo-segundo no período de 1905-1912. No Partido Comunista Alemão, sua represen-

tação após 1918 era desprezível, pois, entre 504 dirigentes, somente sete eram sapateiros formados por aprendizagem, Entre os 107 ofícios especiali-

zados (com à omissão dos ofícios metalúrgicos, que predominavam de longe), estavam muito atrás dos tipógrafos (17) e dos madeireiros (29), emhora no mesmo nível que os alfaiates (7), os pedreiros (7) e os encanadores (8). Com exceção de Willi Múnzenberg, O grande propagandista, trabalhador não-qualificado e sem aprendizagem numa fábrica de sapatos, o Partido Comunista Alemão não tinha nenhum sapateiro eminente1º”

Eleição de 1912 para o Reichstag: grupos profissionais com percentagem de candidatos c de deputados” |Grupo profissional o Metalúrgicos E Trabalhadores de madei E rabalhadores de construção ipógratos Sapateiros E Tumageiros A Alfaiates Trabalhadores céxceis

Candidatos |

128 68

27

os

Deputados as E 36 z3 + 4 +

1

* Nora fônce; W H. Sehróder, Die Soialsrukrur der sozialdemokracischen Reichsagskandidaten, 1898-1912”, in Herkunft und Mandar: Heicrige cur Eubrungsproblemacik im der Arbeierbemegnen, Erankfr Colônia, 1976, pp. 72:96. Ladosos valores são percentuais, Na França, Os sapateiros eram visivelmente super-representados no Par-

tido Operário Francês na década de 1890, em comparação com sua participação na população ativa (3,6%), com 5,3% dos membros do partido e 7,7% dos candidatos (de 1894 a 1897), mas dados locais não demonstram que eles tivessem predomínio desmedido a não ser em umas poucas locali-

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os

dades. 1º Ninguém os teria escolhido, como parecia razoável aos anarquistas, para simbolizar a militância do movimento socialista. De fato, os sapateiros de esquerda mais importantes foram naturalmente Jean Grave, O anarquista, e Victor Griffuelhes, o sindicalista revolucionário, ambos dotados pelo ofício para escrever sobre política. Não existe muita dúvida sobre o faro de que o papel desempenhado pelo sapateiro foi se reduzindo à medida que o centro de gravidade do movimento transferiu-se para as indústrias de grande escala € o emprego no setor público. Embora entre os comunistas mais importantes em 1945 houvesse dois antigos marceneiros e um antigo pasteleiro, os sapateiros estavam ausentes da lista, cujo centro de gravidade se encontrava agora na indústria metalúrgica e nas ferrovias. Dentre os 51 ex-artífices cleitos para a câmara francesa em 1951, somente um cra sapateiro (socialista).1” Se houve alguma ocupação típica dos arivistas do Partido Socialista austríaco, esta foi a dos serralheiros-mecânicos e a dos tipógrafos."º É difícil

encontrar sapateiros de importância neste partido. E, embora o Partido Soialista espanhol tivesse um sapateiro, Francisco Mora, que foi seu secretário por algum tempo e que acabou (caracteristicamente) sendo seu historiador, a ocupação que predominava naquele grupo de trabalhadores cra o de tipógrafo. Podemos sem dúvida descobrir alguns sapateiros preeminentes cm partidos socialistas menos importantes, como no húngaro, onde dois deles, como cra de se esperar, tornaram-se diretores de seus jornais; c também na SocialDemocracia (marxista) do Reino da Polônia e da Lituânia, onde os sapateiros “mantiveram-se, por toda sua história, como o principal baluarte de sua sustentação”!!! Mas as únicas variedades de comunismo e socialismo modemo em que O sapateiro radical parece ter tido importância genuína foram aquelas que evidentemente falharam em se tornar partido de massa, ou mesmo partidos típicos da classe operária industrial. O secretário-geral do diminuto Partido Comunista Austríaco « seu candidato presidencial (simbólico) foram ambos ex-artífices sapateiros da província de Carínria e Boémia, respectivamente. E o mais eminente sapateiro radical do século xx é sem dúvida o presidente Ceausescu da Roménia. cujo partido, na época em que se filiou, provavelmente continha somente um punhado de indivíduos etmicamente romenos. Na Grá-Bretanha industrializada, os sapateiros — tão destacados durante O período compreendido entre o tempo da Sociedade Londrina de Correspondência « a eleição do radical ateu Charles Bradlaugh pelo distrito eleitoral de Northampton em 1880 — não desempenharam nenhum papel

o

ERICHORSBAWM

marcante na era do Partido Trabalhista, a não ser em seu próprio sindicato. Quase não tiveram representação entre os parlamentares do Partido Traba-

Ihista, nem foram. por outros modos, especialmente visíveis. O único homem com alguma experiência no oficio de sapateiro (não-especializado) — e no início de sua oscilante carreira — que de alguma forma se destacou foi o líder dos trabalhadores do transporte, Bill Tillerr.”2 Não parece haver quase nenhuma dúvida de que, no rodo, o papel do sapateiro radical deixara de ser importante na época dos movimentos operários de massa, de tendência socialista. Com certeza, isto se deve parcialmente à transformação da fabricação de calçados de um ofício artesanal ou

semi-artesanal, numericamente grande, numa indústria numericamente muito menor, distribuindo seus produros por lojas. Já não havia aquela quantidade de membros do mais característico “daqueles oficios sedentários que permitem que a pessoa filisofe enquanto executa tarefas familiares”, entre os quais os anarquistas encontraram tantos de seus parridários."!3 Cada vez mais, a maior parte dos homens e mulheres que produzem calçados sc transformou numa subespécie do operariado fabril, ou um subcontratado do industrialis-

mo desenvolvido; e a maior parte dos que vendem sapatos não tem nenhuma ligação com sua produção. O sapateiro radical como um tipo pertence a uma cra anterior Seu período de glória sima-se entre a revolução norte-americana e a ascensão dos partidos socialistas de massa da classe trabalhadora, qualquer que fosse o país em que esta ascensão ocorresse (caso ocorresse). Durante

esse período, sua inclinação para o pensamento, a discussão e à pregação

democrática e autoconfiante, aré então expressa principalmente através do

radicalismo e da heterodoxia religiosa, encontrou formulações tcóricas em ideologias revolucionárias seculares e igualitárias, e sua militância prática nos movimentos de massa de protesto social e esperança. À associação com

tais ideologias especificamente políticas do radicalismo transformou 0 tradicional “sapateiro-filósofo” no “sapateiro-radica”” —

o pobre intelecrual de

aldeia no sans-culotte de aldeia, republicano ou anarquista. A combinação da ubigiidade com grandes concentrações ocasionais de artífices semiproletarizados permitiu ao sapateiro seu papel universal e mar-

cante como líder, porta-voz « advogado do pobre. Como indivíduo, raramente ele era visto na linha de frente de movimentos nacionais: mesmo

entre os trabalhadores manuais que ganharam a reputação de teóricos e

idedlogos, mais do que qualquer sapateiro provavelmente serão lembrados

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os

homens como Tom Painc, o fabricante de estais: Weitling, o alfaiate; Proudhon « Bray, os tipógrafos: Bebel, o marceneiro: Dictrgen, o curtidor de couros erc, Sua força repousava nas raízes. Para cada Thomas Hardy ou Mora ou Griffuelhes, houve centenas de outros, que mesmo o especialista na história dos movimentos operários é radicais tem dificuldade em resgatar do anonimato do militante localizado, pois pouco se sabe à respeito deles exceto que

falaram é lutaram em nível local por outros homens pobres: John Adams, o sapateiro de Maidstone nas revoltas dos trabalhadores agrícolas de 1830; Thomas Dunning, cuja determinação c engenho salvaram ao sapateiros de Nantwich do que bem poderia ter sido o destino dos trabalhadores de Dorchester; O solitário sapateiro anarquista italiano que trouxe suas idéias para uma

cidadezinha de interior no Brasil.

Seu meio era o da política face-a-

face, da Gemeinschafe (comunidade) em lugar da Gesellschafi (sociedade). Ele pertence historicamente à era da oficina, da pequena cidade, da vizinhança, e sobretudo da aldeia, em lugar da fábrica c da metrópole. Ele não desaparcecu por completo. Um dos autores deste ensaio ainda recorda que, quando estudante, assistiu a aulas sobre o marxistno dadas por um membro desta espécie, um admirável escocês, e o que primeiro atraiu sua atenção foi o problema do radicalismo do sapateiro numa oficina de um remendão calabrés nos anos de 1950. Ainda existem, sem dúvida, lugares onde ele sobrevive, inspirando jovens a seguir 0s ideais da liberdade, igualdade c fraternidade, como o tio de Lloyd George, um sapateiro, que ensimou a seu sobrinho os elementos da política radical numa aldeia galesa na década de 1880, Mesmo que não seja mais um fenômeno significativo na política do povo, o sapateiro o serviu bem. E, do ponto de vista coletivo « por meio de uma quantidade surpreendente de indivíduos, deixou sua marca na história.

Notas

1.).€. Buckmaster (org),A Village IMlisician:The Lif- to Of Job Buckley, Londres, 1897, p. 41 2. M. Sensfelder, Histoire dk la condommerie, Pais, 1856, apud Juscpih Barberct, Le trail em Erance: monograpbis profesomalis, 7 vols. Pais, 1886-1890, val. 5, pp. 63-4 3. Rudolf Stadelmmann, *“Soziale Ursachen der Revolution von 18487, in Hans- Ulrich Weber (org), Maderme deutscho Secialgeschichte, Reslim, 1970, p. 140;E. . Lobsbawm

ERIC HORSBAWM

e George Rudé, Captain Swing, Londres, 1969,p. 181. (Trad. port., Capisão Swing, Rio de Janeiro, Francisco Alves, 1982]; Jacques Rougerie, “Composition d'une popuiation insurgée: Pevemple de la Comunne”, Le Moaement Social, n.º 48, 1964, p. 42: Theodore Zeldin, France, 1848-1945, 2 vos, Oxford, 1973, vol. 1, p. 214. 4. Jean-Pierre Ager, Les Greer sn la one de Jul, 1830-1847, Genebra, 1954: David Pinkney, “The Crowd in the French Revolution of 18307, American Historical Review. n.º 70, 1968, pp. 117; David Jones, Chartim and the Charrits, Londres, 1975, pp. 30:2; D. J. Goodway; Londom Chartim 1838-1848, Cambridge, 1982, em que O autor demonstra que a participação proporcional dos sapateiros no cartismo londrino foi maior do que a de qualquer outra ocupação de porte (com mais de três mil membros), excetuando os pedreiros; e George Rudé, The Cri in te French Revulution, Oxford, 1959. Apêndice4. 5. Georges Duveaa, La Vi onriêrr em France ss le Sezond Empire. 7 ed, 1946, p. 75. 6. Jacques Rougerie, Bar libr, Pats, 1971,p. 263. 7. Reinhold Reith. Zur biggrapisichen Dimension vom “Hocivemar und Aufrubr: Versuch imer hitomischen Protentamalyse am eipil des Aprilauszanas L$48 im Konstane” p. 33 € 58. p. dtess, (Tese de mestrado, Universidade de Konstana, 1981) 8. Edgard Rodrigues, Sacilimo e sindicalismo no Bnusil, 1675-1913, Rio de Janeiro, 1969. pp: 73,208 9.R, Hoppe é J. Kuczynski, “Eine Berufs-bzw, auch Klassen-und Schichrenanalyse der Maregetallenen 1848 in Berlin”, Jabrbuch fr Wirtschaftgese, 1964/TV, pp. 20-76. 10. Yves Lequin, Les Ouniers de la régio Ivommais, 1848-1014, 2 vols., Ton, 1977, vol 2,p.281 11. Karl Obeemann, Zur Geschichre des Bundes der Kommuniten, Berlim Oriental, 1955, ps. 12. Paul Voige, “Das devsche Handiwcre nach den Beruiizihlungen von 1882 und 1895”, in Untermchnongen úber dic Lage des Hanabverks in Deutschland, vol. 9 (Schriften des Vereins fit Socialpolitk, n.º 70, Leipcig. 1897); ]. H. Clapham, Economic History of “Modera Britain, 3 vols, Cambridge. 1952, vol. 2,p. 43, 13, Hobsbawm Rude, Capraim Siving. pp. 181-2 14. Thid,, pp. 218, 246 15, Keith Brooker, “Lhe Northampton Shoemakers” Reaction to Industriaisarion: Some Thoughss”, Noribamptonshire Past and Present, n.º 6, 1980, p. 155, 16. Amostragem realizada na Librairie A. Faure, 15 rue du Val du Grace, catálogo 5, Livros antigos € modernos. items 262-224; verificada com Jean Maitron (org), 1 Hair Wma plbigue die moncemenz emeier fremímis Pr. À, 1789-1864; 3 vols, Pari 1964-1966, 17. David M. Gordon, Merchants and Capitalóm: Indusrrializarion and Provêncial Iobirs at Reims and Ss. Etienne under the Seconã Republic and Second Empire (resc de doutorado, Universidade de Brown, 1978), p. 67.

PESSOAS EXTRAORDINÁRIAS

7

18; Wiliam Sewel Jc, The Seructur of she Working Class of Marseille in she Middle of she Nineteenths Century (tese de doutorado, Universidade da Califórnia, Berkeley 1971), p-299, 19. “De Passociation des ourriêres de tuas kes corps détar”, reimpresso em Alain Faure e Jacques Ranciêre (orgs.), La Itarole onoizre, 1830-1851, Paris, 1976, pp. 159-68, 20. Gian Maria Bravo, Les Socinhises avant Mar, 2 vols, Paris, 1970, vol. 2, p. 221 21. Alfred E Young, “George Rober livelves Hewes, 1742-1840: À Boston Shoemaker and the Memory of the American Revotucion”, Wiliam and Mary Quarteriy. 22. Maurice Garden, Lyom er des Iyomnais au xxrê sto, Paris, 1970. pp, 244 € 86, Um indice de alfabetização acima da média é observado entre os sapatciros rurais em David Cressy; Literacy ami the Social Onder: Rendo and Wing in Tador and Sruave England, Cambridge, 1981, pp. 130-6; porém, indices médios ou abaixo da média classificam os “sapateiros” como inferiores tanto em Londres quanto no campo. Por várias razões, os indicadores londrino de Cressy sã mais problemáticus que os uris

28, immanuel Le Roy Ladurie, Les Payeans di Languedoc, 2 vols. Paris, 1966, vol 1, pp. 349.51 24, Peter Burke, Pipular Culrure im Earfy Mader Esopo, Londres, 1978, pp. 38-9, 25, Jean Maitron, Le Monenemens anarchiste em Erance, 2 vols. Paris, 19) ol 1, p; 137

26. Por exemplo, Anónimo, Cri Ameidotes: Compriina Interesting Notices of Shwemakess mo have been Distinguished for Genius, Envecpeise or Ecoenrriciy, ShefTicid e Londres, 1827; John Prince. Wivath jor Sr. Crispin: Being Shecls of Eminent Sboemakers, Boston, Mass, 1848; Anônimo, Cripin: The Deliglfid, Princely anel Ensevcainin Hisory af the Genele Craft, Londres. 1750 Willian Edvard Winks. Lives of Ilustrious Shoemakers, Londres, 1883; Thomas Wright. The Romance of she Shoe, Londres, 19225 Anônimo, Lives 9º Disxingusied Shoemakers, Portland, Maine, 1849: Joseph Sparkes Hall The Book of the Eee, Nova York, 1847. 27. “Ne leistem, drãt und pech dor Schumacher sol bicibem und die jeleirten leut lssen die búicher schreiben”, “predigender Schuster macht schelechre Schuhe”: Deutiches Spmelmôrter-] exicom. 5 vols. Aakem, 1963, vol. 4, cols. 398.9. À injustiça de tais pronérbios indignou a nal pomio us compiladores desta enciclopédia do século 1x, que acrescentaram uma nota de pe de página citando dois sapareiros altamente intelectualizados que também manufaruravam excelentes sapatos (col, 399) 28; Charles Bradiaugi, O pionciro do ateísmo, foi eleito para o Parlamento britânico por Northampoon, um eleitorado de sapteiros. Para v “Schasterkomplore” dos sapareiros. de Viena acusados de ateísmo em 1794, ver E. Wanigermann, “Jasepihinismus und Katholischer Glaube”, in E. Kovaes (org. 1. Kasbolsche cufklamng so Josepbinimus Viena, 1979, pp. 339-40. Um dos acusados, inspirado pelos serinões de um pregador pela refurma católica, numa tipica atitude da sapateiro, “comprou uma Bíblia velha, Jeura para mim. comparou às ... passagens citadas nos sermões de Wiser ... com o próprio texto da Bíblia, e daí eu comecei a duvidar de minha religião”.

es

ERIC HOBSBAWM Die Revolution von 1848 in Wiener Neustads, Viena, 1978, p. 181 2” Karl Flanner, 30, Eugenia W Herbert, The Artis and Social Reform: France amd Belgium, 1885-1898,

New Haven, Conn., 1961, pp. 14 € 5%; para à vingança do sapateiro contra Apekes, que foi o primeiro a sugerir 40 sapateiro que se limitasse à seu ofício e se abstivesse de fazer crítica de arte, cf. a enorme influência (por Grave) do anarquismo nos pintores pós-impressionistas: ibid. pp: 184 es al Samuel Smiles, Mem ofImvention ana Industry, Londres, 1884. cap. 12, 32 Ver Anônimo. Cripin Anecdote, p. 144; cf. também Hobsbawm e Rudé, Caprain Soing, pp. 63-70.

Crispin Amectads, p, 43; Winks, Lives of Tussratios Shoemakers p 232, John Brown, Sig Tears? Glemnings fom Lifºs Harem: A Genuine Aurobiograpão, Cambridge, 1858, p. 239, apud Nicholas Mansfield. “Joba Brown: A Shoemaker Place in London”, Himory Mbrksbop, nº 8, 1979, p, 135 Rarberer, Le Tremailen France, vols, pp. 62:3, Wright, Romance of Shoe. p. 219. Ibid,, p. 307

Paul Lacroix, Alphonse Duchesne e Ferdinand Seré, Histose des condomniers es des artisams domla profisiom se vattncheà la cordonmenie, Paris, 1852, pp. 116-7,

Shakespeare, Julius Caesar, L à; Dekker, bt Shoemaker; Holiday, vol. 4. 48-76 A do Abade Cerne de 1594 (Brit. Tib. Harician ms. 6849, citação pertence à Inquirição fol. 183.90), em G. B. Harrison (org), Wilobi His Avisa, Londres, 1926, apêndice 3. p. 264. Somos gratos a Michacl Hunter por este tão antigo exemplo de sapateiros. radicais ingleses. Crispim Ameztades, p, 150, Weight, Romance of the Shoe, p. 109, Toid.,po 4 E E Thompson, Tr Making of the English Working Class, Londres, 1963, pp. 183-4. [Trad. pore,A firmação da clase operária inglesa, Rio de Janeiro, Paz € Terra, 1987.) Crispim Amecdore, p. 126, [aeroix, Diuchesne e Ser, Elioire des Condonnios, pp. 206-7. Ibid..p; 188. Barteret, Le sravail em Trance, vol. 5, pp. 645, Wighe, Romance of he Shoe, p. 46: Hall. Bos of the Fer, pp: 196-7. Apesar da suposição destes autores, não ficou estabelecida nenhuma associação entre o oficio de sapateiro ca de encadernador. Em Londres, filhos de sapateiros podem estar sub-representados no oficio no período entre 1600 c 1815. Embora à encadernação fosse não raras vezes combinada à alguma outra ocupação — como a do alfiate-comerciante, comerciame de tecidos, byrbeiro, pedreiro, vidraceiro, tecelão, tintureiro, agulheteiro « fas

PESSOAS EXTRAORDINÁRIAS

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bricante de rodas — em nenhum caso apareceu combinada ao oficio do sapateiro. Cálculo com base em Elie Howe,A Lisr of London Bookbindors, 1648-1815, Londres, 1950 “ CE o papel desempenhado por um cerco Far von Sagan nas tradições dos saparciros alemães: cle conquistou a boa vontade do imperador « obteve para su ofício o direito de incluir a águia imperial em seu brásão, pela intervenção que os sapareiros. tiveram auma batalha do século Xv. A relativa escassez de costumes formalizados neste aficio foi observada em Rudolf Wisscll, Der alten Handiverts Recbr und Gerobnheit, organizado por Konrad Hahm, 2 vols. Berlim, 1929. vol. 2, p. 91: Andreas Griessinger, Dar spmboliche Kapisal der bre: Sireitebrmegungen und kolletives Bewustcin deuscber Handimenksgeselen im 18. Jabrisendert, Erankéiare, Berlim « Vicua, 1987 Agradecemos sinceramente a Andreas Griessinger, da Universidade de Konstan, por ter colaborado pondoà nossa disposição seu manuscrito ane de se publicado. Eileen Yeo€ E. P Thompson (ong), The Unknown Maybew, Londres, 1971, p. 279. Ver também “Mental Character of thx Cobblers”, citado em he Mar, n.º 9, abril de 1834, Nova York, p. 168: “Iodo o dia sentado num banco baixo. pressionando à fôrma ou o couro renitenes . ou martelando saltos e biqueiras com muita monotonia — a mente do sapateiro, independentemente do provérbio, vagueia por regiões. metafiicas, políticas e teológicas; « dos homens deste ofício brotaram muitos fundadores de seitas, reformadores religiosos, políticas melancólicos: “poetas, sofistas, estadistas e outras “figuras rrequietas”, incluindo um sem-aúmero de hipocondríacos, O aspecto sombrio + pensativo dos sapateires é em geral de tácil observação. Contudo, não é mais du que fazer-lhes justiça afiemar que sua aquisição de conhecimento e scus hábitos de selexão chegam frequentemente a ponto de despertar admiração”. Richard Warreroth, “Die Frfuner Schuuharbeiterschaft”, im Aus und Ampassang der Anbeiterselafim dor Schuindustrie son eimem oberschleisichon Walemente, Munique e Leipzig, 1915, p. 6. (cul, Schriften des Vercins tir Soxialpolicik, nº 153.) Calculado com base em Joscph Bell, Die Rot Betápus snrerm Saciahisengisets, Bonn, 1978, pp. 54-94, cuja referência agradecemos à Rainer Wirtz. Julius Pierstorf.“Drei Tenaer Handwwerke”, in Untersuclmngen úber die Lage des Hanabverks in Deutschland, nº 9, Leipaig, 1897. p. 36 (col, Schriften des Vereins far Sozialpoliik n.º 52) observa que os artífices itinerantes permaneciam na mesma oficina no máximo seis meses. Griessinger. Das sonholiche Kapital der Ebre, pp. 1027, descreve com perfeição esses. rituais na Alemanha do século xvu Burke, Popular Culture in Early Modern Europe, pp 38-9, Rober Chambers, The Book of Das, 2 vols, Lndres e Edinburgh, 1862-1864. vol Do po 4924: Ro Wrighe, Dri Calendar Csostoms: England, T E. Lones (ed.) 3 vols, Lundies é Glasgow, 1936-1940, vol. 3. pp. 102-4 (col. Fulk-Lore Soc, 97, 102, 106). Na Inglaterra (porém não na Escócia), a sobrevivência do costume pode ter sido auiiada pela associação do dia de São Crispim com o nacionalismo, pois esta

ERIC HOBSBAW

era à data da batalha de Aggincuure contra os franceses, como os leitores do Henry Fº de Shakespeare recordarão. 56. Como examinado em Gricssinger, Das sombyolische Kagital der Flre, pp. 1303 57. Brooker, “The Northampton Shoemakers" Reaction to Industrialisation”. passos, sobre conflicos surgidos desta relação durante a induscrilização. Ver também Mansfcid, “John Brown: A Shoemaker's Place in London”, pasim, 58. Aligemeine Deutsche Bingraphie, vol. 3, verbete Jakob Bóhme” 59. Dictionary f National Biography, vol. 5 60. Winks, Lives of Museus Shoemakers, pp. 81, 180. 61. Brian Dobbs, The Lasr Shall Be Eira: The Colourjil Story of Jobn Lobi he S%, James Bostmaker, Londres, 1972, pp. 27-8. 62. B. Acberr, “Die Schuhumachesci in Loitr”, in Unsermuebyonger iber dic Lage des Hand. xeris im Deutichland, vol. 1 (col. Schrifien des Vercins fir Sozialpolitk, nº 62), Leipaig, 1895, pp. 39, 49; Siegfried Heckscher, “Uber dic Lage des Schumachergewerbes in Altona, Elmshorn, Heide, Prectz und Barmstedt”. in ibid.,p- 2 68. TIS National Archives RG 217, Fourh Auditor Accounes, Numecical Series, 1141 “Devemos esta referência à Cristopher McKee 64. Bernardino Ramaz2ini, Healeh Preserne, im Tiro Treat, 2. cd, Londres, 1750, p. 215 65. Jobm Thhomas Arlidge, The Hygiene, Discases amd. Mortaliry of Occupasions, Londres, 1892, p. 216, citando dados de William Parr de 1875 — mortalidade abaixo da média em todas as faixas etárias exceto entre os 20 e 25 anos, em comparação com o índice de mortalidade muito mais alto entre 0s alfsiates — Rarclife, analista de mortalidade dos membros das associações de sulidariedade, cuja “vitalidade” ele considerava inferior comente à dos lavradores e carpimciros 66. Crispin Anecdoos, p. 126. 67. “Observou-se fregitentemente à ocorrência do talento literário entre os sapateiros Sua ocupação, por ser sedentária« comparativamente silenciosa, pode ser considerada mais favorável à meditação do que outras; mas talvez sua capacidade de produção Jirerária cenha surgido da circustância de ser um oficio de trabalho Jeve, e, portanto, procurado com preferência sobre a maioria dos outros vícios por aquelas pessoas de vida humilde que têm consciência de possuírem um talento mental superior à sua força fisica”; Hall, Rook ofthe Feet, p. 4. Apesar de cr uso do martelo por vezes excluir o oficio do sapateiro de certus locais, sob a alegação de ser um “uticio ruidoso iarmendes Hand, — E W] Shródes, Arteitegaeciicive und Arteilerbenemong: Indicoricarôeir amá Organiasiomoerialtonin 19, send 20, Jabinendors, Vrankfire € Nova Yoék, 1978, p. 91 — o ruído É raramente mencionado na Eteramara sobre as intelexauai sapuriros 68. Achere, “Die Schubmacherci in Loic,p. 38 69. Nicolaus Geissenberger, “Die Schubimacherei in Leipzig und Umgegend”, m Unrer suchnungen uber dic Lago des Handmenksim Devasbland, vol. 2, Leiprig, 1895, p. 169 (col, Schriften des Vercins fár Socialpoliik, n.º 63)

PESSO!

n

70. PaulyAVissowa, Real-enoyelopadie der clssischen Altorbumisenschafe, 2º série, iv (1), cols. 989:994, no verbere “suror, O baixo staras da otica fica também demonstrado do ponto de vista lingiístico: na França savatior era um termo de cscírmio; na Inglaterra, um cobbler (Sapateiro) também siguificava fotcher (remendão) uu indicava um trabalhador não-cspecializado, Ver Lacroix, Duchesne e Será, Histoire des cordon er po 179. 71. Artidge, Higiene, Discases and Morality of Occupation, p. 216. 72.W H. Schrintes, Arbeitergesbicite, p, 98. 73. Quanto à tas referênciasa sapateiros, vez Crispin Amecrades, p. 102: Desemebes Sprchmórter Lexikom, vol. 4, cols. 398-401; English Dialecr Dictimary, vol. 1, no verbete “cobbler: Clobber's dinner: breadl amd bread 19 it (“jantar de sapateiro: pão « mais pão”). A impressão popular desde a América colonial até a Europa era que o saPateiro, U que quer que fosse, raramente cra próspero, A pobreza e à inclinação à filosofar não eram nem um pouco contraditórias; na verdade, podem ajudar a explicar à duradoura reputação dos sapateiros como radicais. Seres pensantes entre os. pobres tinham grande probabilidade de se tornarem radicais políticos ou ideológicos. A recordação de John Brown dos “grandes oradores do uficio” descrevia “homens em roupas csfarrapadas e de aparência esquálida” que “derramam scus apelos em lingagem tocante e cloquente”: Mansticid, SJohm Brown: A Shoemaker's Place in Lon don”, p.131 74. Max von Tayenthal, “Die Sehuhwarenindustrie Osterreich”. Sacinle Rounalchase n.º 2 pe. 1 (1901),p. 764 (Acbeirsstatistisches Ame im kuk. Handelminiterium). 75. George Unwin, The Gilês and Companies of London, Londres, 1908, p. 82; Geissemberger, “Die Schuhmacherei in Leipeig und Umpegend”, p. 169; Warreroth, “Die Erfçer Schuharbeiterschafe”, p. 15 76. Nas províncias de Santiago € de Valparaiso, em 1854, havia 5.865 deles, em com paração «um 3.720 carpinteiros, 1615 alfxiates, 1,287 pedreiros e assentadores de tjolos e 1.088 ferreiros e ferradores: T. A. Romero, La Socicdad de la Igualdad: los areesanos de Santiago de Chiley sus primeras experiencias políticas, 1820-1851, Buenos Aires, 1978, p. 14. Ver tunbém A. Bernal, A. Collances-de “eram e A, Garcia Baquero, “Sevila: de los gremios a la industialización”, Estudios de Historia Social, Madrid, n.º 5-6, 1978, pp.7-310, especialmente Quadro 8, 77. Geiessinges, Das onbulische Kapiral der Eve, pp. 87-90. 78.). A. Faber, Drie Leven Ericiand, 2 vois., Wageningen, 1972, vol. 2, tabelas 111.8 LL, pp. 4447 (col4. A.G. Bijdragen, nº 17) 79. Griessinges, Das sprbolische Kapial der Eve, pp. 90-5 BO. Assim, Winks discute o problema da distinção intelectual dos sapareiros sob o título “Uma constelação de sapateiros célebres”: Winks, Léves of Hlussrizus Shoemabers, pp. 229 ess. Quanto à permurabilidade, ver também Scerrish National Dicrionary, vecbere

ERIC HOBSBAWM at CS, Tr de la Lamggue Française, Paris, 1978, verbete “ordene: Grimm Wórerua

sa

86. 87. ss so 90 9

5:

bue, verbete Schuster Geissenherger, “Dic Schubmacherei in Leipzig und Umgegend”, p. 175. Na Alemanha de 1882, 46,3% de todos os sapateirus independemes viviam em aldeias de menos 2 mil habitantes (dis tergos dos quais possuiam alguma outra ocupação pa ralela), Dois terços de todos os sapateiors independentes encontravam-se em centros. com menos de 5 mil habitantes (Srasisik des Deutschen Reiches NE B$4. 1-2, p. 1.194 ENFRA Ip 104e ss) Ut Jaeggle, Kiebingon: Eine Heimatgesichte, Libingen, 1977, p. 249, Praticamente “nenhum dos sapateiros locais pertencia à camada social superior da aldeia, e à maioria nem mesmo à camada média. “Mesmo hoje os sapateiros são o mesmo que nada na aldeia”: ibid. Agradecemos a Rainer Wizz por esta ref ncia. Wilhelm Woiling, Gamanicn der Harmonie und Ereibeis, Berlim, 1995, p- 289. Flanner, Die Revolution von 1848 é Wiener Nescsade, pp, 26-7. Como à cidade especiaizon-se nas indúserias meralisgicas é nas têxici, os metalúrgicos (embora menos mumerosos do que os saparciros) estão omitidos possivelmente por terem tido um extesso de representação. CE o sapateiro calabrés citado em E J, Hobsbawm, Primitive Rebels, Manchestes, 1959 [trad. port, Rebeldes primitivos, Rio de Janeiro. Zahar, 1978], apêndice 1%, que. se orgullava de trabalhar até mesmo para ds carabinicri Devemos esta observação ao de. Mikulás “ich, que cita um provérbio da Checosováquia, seu país natal: “Onde houver o que cortar, o que pesar e o que servir, haverá dinheiro à ser ganho”. Raymond Wiliams. Culsure and Socey, ava York, 1960, p: 16, citando o Pufiical Registe, de 14 de abril de 1821 Richard Cobb, Les Armés resolutionmaires, 2 vols., Paris é The Hague, 1961-1963, vol 2, pp-4867, Crispim Anecdotes, pp. 154-5 Dale Tomich e Anson G: Rabinbach, “Georges Laupt, 1928-1978”, German Crisigue n.º 14, 1978, p. 3. Richard Schiller, “Die Selhulimacherei in Wien”, im Undersuckungen áer diz Lage des Handoverks in Omereich, Leiprig, 1896, pp. 49-50 (cul. Schifien des Vereins tar Soiialpolitik, nº 71 J:H. Clapham, Economie History of Mader Britain, 2. e. Cambridge, 1930, p. 169. Geissenberger, “Die Schubmacherei ia Leipzig und Umgegend”, p. 190. Tayenthal, “Die Schuhwazenindustrie Osterreichs” pp, 974: Hectscher, "Uler die Lage des Sehuhmachergewerbes in Altona, Elmshom, Heide, Preetz und Rarmsicdl”, pp-4,6

PESSOAS EXTRAORDINÁRIAS

B

96. P It. Mounicld, “Lhe Eoonwcar Industry of the Fast Midlands”, East Midlande Geourapher, a 22, 1965, pp. 293-306. 97. Para à simiação em Lima, Massachusetts, ver Alan Davele: Clas ama Communin The Industrial Revolution im Lym, Cambridge, Mass., 1976.

98, James Devtio, Tie Guide to Trade: The Shoemaker, 2 vols. Londres, 1839, é a melhor manual sobre as técnicas de fabricação de sapatos antes da mecanização. O autor, um radical ativista efigura literária sem importância (contribuiu para o Lomalom Journalde Leigh Hume), era0 melhor artífice de seu oficio em Londres: Goodwas: London Chartim, p. 282. Para o final de século XIX, ver John Bedford Leno, The Art af Boo: ant Shoe-makim vit à Description of the Mou Approven Machinery Emploved, Landes, 1885. Leno, embora fosse tipógrafo por ofício é poetastro-declamador como pas. satempe, esteve durante um lungo período associado ao ofício por ser propriciário do periódico SF. Grim; ver seu The Afiermarh: With Autobiograpio of the Aushor, Londres, 1892. Para um enfoque mais recente, ver R, A. Church, “Labour Supply and Innovation, 1800-1860: The Boer and Shoe Industry”, Business Fito, n.º 12, 1970. Para Erfun, ver Warteroch, “Die Erturtor Schuharbeiterschaft”, especialmente ppiI3s, 99. Barber, Le Thai on Erancr, vol. 5, pp- 71, 85, 116, 163; mile Levassens, Histoire de classes oseoiêres orde Pindustre om France de 1789 à 1870, 2 vol, Paris, 1940, vol. 2, p. 567; Cristopher Jobuson. “Comnunism and the Working Class befre Marx: “The Iarian Experience”. American Histoncal Review, n.º 76, 1971, p. 66: David Landes, The Unhonend Promenhcus, Londres, 1969, pp. 294-6; Direetiun du cravail, Les Asociatioms professionelies osoriêres, 4 vol, Paris, 1894-1904, vol. 2, pp. 11-87; Yeo and Thompson (org), The Unknoen Mabe, pp. 28-79, 100, Sewel, he Shoomaters of Manile, p. 217. 101. Charles Pony “Ta Chanson du cordonnier”, in La Clans de chaque métier, Paris, 1850, pp: S0102, Lhompson, Zhr Making of ab English Wirkina Class, p. 704 [Trad port. A formação da clase operária inglesa, Rã de Janeiro, Paz é Terra, 1987. 103. Citado em Faure e Ranciére,La Parole otemiêre. 1830-1851, p. 161 104. Garth Christian (org), James Hawber' Journal: A Victorian Poacher, Ontord. 1978, pp: 15.6. Ver também Mansfield, “Toha Rrawn: À Shoemaker's Place is London”, que cita as palavras de John Browa em 1811: Assim que me estabeleci num local regular de trabalho, foi necessário que eu me associasse ao sindicato ou à assembléia de oficina. que é um acurdo para à manutençãode pregos”. pp. 130-1 105. “The Reminiscences of Thomas Dunning (1813-1894) and the Nanrwich Shocma Ker's Case of 1834", in WE HE. Chalomem (org) fhauns. Lanes. and Cheshire Anrig Soc, nº'59, 1947, p. 98, 106. Ibid.

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ERIC HORSBAWM

107. Com base nos dados biográficos de Hermann Weber, Die Handlung des deutschen Komemunims, 2 vois., Frankfurt, 1969, vol. 2, 108. Claude Willard, Le Momement socialize em France, 1893-1905: les Guesdises, Paris, 1965, especialmenae pp. 385-7. Ver também “Lony Jud, Soiadims im Limence, 1871-1914, Cambridge, 1979. pp. 73, 112. 109, Parei Communiste Hrançais, Des Français em qui la France peu avoir confiance, 2. cá, Paris, 1945; Maurice Diuvenger (org; Paris polciguas es classes sociales em France, Paris, 1955, pp 3024. 110. Com base nos dados de Jean Maitron e Georges Haupe (org |, Dicrionmaire bggrapbgue de moserement oscrierinvermational: 'Autrche. Paris, 1971 111. Tnformação pesscalde colegas húngaros. Ver M. K. Driewanowski, “Social Democrats Versus “Social Patriots”; “The Origins of he Splic in the Marxist Movement in Poland”, Americam Slavi ana East European Revic, n.º 10, 1951,p. 18. 112. Com base em Joyce M. Bellamy e John Saville (orgs 1, Dicrionary uf Labour Biograpiy, 9 vols, Londres, 1994

113. Maitron, Le Moncemont amarei

em Eramie, vo 1, p 131.

Capítulo 4 TRADIÇÕES OPERÁRIAS

Este arvigo invesriga a contribuição de histórias sunciomais específicas às cnpaosenricas dos movimentos operários. Embora só tenba sido publicado em 1964, baseia-se em uma palestra de sem curso sobre “Comparação entre as movímentos openários britânico e francês”, em Cambridge, 1951. Os chamados fellowes como eu era então) tinham a direito de ofevecor cursos com palestras, mesma quando lhes vecusavam trabalho (como aconteceu comigo) nas faculdades de Economia e Hlissória da universidade.

Qual à parte que o costume, a tradição € a experiência histórica cspecífica de um país desempenham em seus movimentos políticos? Até agora, no que diz respeito ao movimento operário, o problema tem sido discutido mais frequentemente pelos políticos (Mars versus Wesley) do que pelos historiadores, Proponho-me neste ensaio a ilustrá-lo com uma comparação da experiência da França e da Inglaterra, países cuja história de movimentos operários é a mais longa. O movimento operário, quer política quer industrialmente considerado é, evidentemente, um fenômeno novo na história. Haja ou não continuidade entre as associações de artesãos assalariados e os primeiros sindicatos, constitui simples arqueologia pensar no movimento da década de 1870 ou mesmo na de 1830 em termos, digamos, das primeiras sociedades de artesãos chapeleiros ou surradores de couro. No entanto, historicamente falando, o processo de organizar novas instituições, novas idéias, novas teorias « táticas raramente começa como uma tarefa deliberada de engenharia social Os homens vivem cercados por uma vasta acumulação de mecanismos passados, e é natural recolher os mais adequados e adaptá-los para os seus próprios (ou novos) fins. O historiador que registra estes processos, é claro,

76

IC HOBSRAWM

não deve se esquecer da função específica que as novas instituições esperam

preencher; nem deve o analista funcional se esquecer de que o cenário histórico específico deve colori-las (c talvez ajudá-las, embaraçá-las ou desviá-las).

“Tomemos alguns exemplos extremos. Em 1855 os pedreiros de ardósia

de Trelazé, descontentes com suas condições econômicas, resolveram entrar

em ação: marcharam sobre Angers e proclamaram uma Comuna insurrecta,!

presumivelmente tendo a Comuna de 1792 em suas mentes. Nove anos

mais tarde, os mineiros de carvão de Ebbw Vale igualmente se agitaram. As

cabanas das aldeias do vale marcharam para as montanhas, puxadas por ban-

dos, Discursou-se, a cabana de Ebbsw Vale forneceu chá a 6 pence por cabeça, e a reunião terminou com o canto da Doxologia.” Tanto os pedreiros

galeses como os mineiros bretões estavam engajados em agitações econômi-

cas bastante semelhantes, Evidentemente diferiam, porque as histórias dos seus respectivos países diferiam. A acumulação da experiência passada, na qual se inspiraram quando aprenderam como se organizar, para qué se organi-

zat, onde recolher o seu quadro de líderes, e a ideologia que esses líderes pcrsonificavam, pelo menos em parte eram clementos específicos franceses e ing]

ses: falando de uma maneira geral, podemos dizer que, no primeiro caso, cram.

as tradições revolucionárias e, no último, as radicais não-conformistas.

Uma vez. mais, as ilustrações concretas podem ser úteis. Os tecelóes subempreiteiros de Lyon, desejando organizar um sindicato em 1828, organizaram naturalmente sua sociedade de “murualistas” pelo modelo revo-

Incionário. Assim, designaram o ano de sua fundação como o “Ano Um da

Regeneração”, um eco óbvio de jacobinismo,

se organizaram cm peque-

nos grupos conspiratórios, que parecem dever alguma coisa aos mecanismos babouvistas,** embora talvez também aos velhos Compangnonages.* e à necessidade prática de evitar a Lei Chapelier. Outra vez, sob o Segundo

Império, o programa operário foi de forma patente retirado da doutrina clássica jacobina radical; os esquerdistas simplesmente recorreram à Robe-

spierre « Saint-Just, se não a Hébert € Jacques Roux para inspiração, en-

quanto os liberais procuraram a sua na direita. No fim da década de 1890, Emile Pouger, o anarquista e mais tarde líder da CG (Confédération Générale du Travail), modelou o seu jornal Le Pêre Peinard, em título e em estilo, no Pêre Duchéne de Hébert. Além do mais, foi a ideologia revolucionária que se

* François- Emile Babeuf, demagoga francês que conspirou contra à Diretório e foi condenado à more. Sua doutrina, que é uma espécie de comunismo, chama-se Bndovémo. (N.

PESSOAS EXTRAORDINÁRIAS

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recomendou por si mesma automaticamente aos operários e intelectuais progressistas que formaram o núcleo da liderança do movimento. Os fazedores de porcelana de Limoges eram republicanos, e facilmente mudaram os métodos sindicalistas por políticos; daí que quando o sindicato deles foi suspenso, prontamente organizaram uma comuna insurrecta A ala esquerda do departamento de Nievre opôs-se ao coup &'étas de Luís Napoleão, « se organizou numa sociedade secrera conhecida como à “Jcune Montagne”.* Na Inglaterra a situação é mais complexa, porque a original tradição radical-democrata havia desenvolvido duas alas, sendo a linha entre elas, de modo geral (estou supersimplificando), aquela entre os artesãos « artífices. sindicalistas das cidades mais antigas, € os novos centros fabris e de mineração: radicais-secularistas de um lado, dissidentes-metodistas do outro. Em Londres, por exemplo, a tradição não-conformista nunca criou raiz, de fato, como sendo uma de esquerda; o que pode explicar a influência relativamente maior do marxismo aqui cm épocas posteriores. Mesmo um operário naturalmente religioso como George Lansbury esteve na Federação Social Democrática Marxista no princípio da sua carreira política e nunca foi atraído para os templos dissidentes, mas para a Igrcja da Inglaterra — um estado de coisas muito fora do comum. Nas províncias, o caminho levava muito mais naturalmente para o Partido Trabalhista Independente, ou o púlpito-lcigo metodista. Temos, na verdade, duas linhas de descenso intelectual, Uma vai de homens como Tom Paine, através de homens como os radicais ateus do período de Owen-Carlile, até os secularistas de meados da cra vitoriana como Holyoake e Bradlaugh e, depois de 1880, os marxistas. Desta tradição o movimento operário inglês retirou alguns dos scus mecanismos organizacionais mais importantes: a “Sociedade de Correspondência” da década de 1790, o panfleto, o jornal da classe operária, à petição ao parlamento, a reunião e o debate públicos etc. e também, é claro, o seu pouco interesse pela teoria Num certo sentido, esta primcira tradição remonta àquela filial dos dissidentes do século XVII que, no XVIII, evoluíram no sentido do deísmo e, mais tarde, do agnosticismo. Parte da outra tradição — em particular na Escócia calvinista — remonta diretamente à revolução do século XvT!, que ainda se travava em termos de ideologia religiosa. Mesmo na Inglaterra, o secrário independente persistiu como um tipo puro — por exemplo, no Zechariah Coleman de Mark Rutherford.” Em sua essência, contudo, a tradição operária do dissidente deriva do renascimento metodista: mais especificamente, da série de desvios de rumo após 1810, dos quais o Metodista

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ERIC HOBSBAWM

Primitivo é o mais conhecido, Foi nesta escola que os novos proletários fabris, trabalhadores rurais, minciros e outros do tipo aprenderam como dirigir um sindicato, tomando como modelo para si mesmos templo e circuito. Basta que se leia o relatório distrital de um sindicato de trabalhadores agricolas de East-Anglia* para ver o quanto eles deviam à isso. Como o dr, Wiearmouth mostrou, também dos-metodistas vicram mecanismos importantes de agitação de massas e propaganda: a reunião no campo, a reunião de classe € outros. Acima de tudo, no entanto, a dissidência forneceu o terreno ideológico de reunião para à liderança do movimento, especialmente nas áreas de mineração. Quando lorde Londonderry expulsou os líderes da agitação dos minciros de Durham em 1843, dois terços do circuito Me todista Primitivo local se viram vitimizados,? e quando, na década de 1870, um sindicato de trabalhadores agrícolas do Lincolnshire encontrou-se em dificuldades, considerou a possibilidade de se fundir com os Metodistas P mútivos. Claramente, esta seita cra para os mineiros de Durham na década de 1840, bem como para os operários de Lincolnshire em 1870, o que 0 Partido Comunista foi para os operários franceses por cinquenta anos: o quadro de liderança. Esse fenómeno religioso não é desconhecido na França. Em certas partes do Sul à minoria huguenore sempre foi, por razões óbvias, inclinada ao anticonservadorismo, « forneceu portanto um número desproporcional de líderes de esquerda, Mas de um modo geral isto não é de grande importância para o movimento operário francês. É fácil explicar os diferentes graus

de radicalismo político na Inglaterra e na França por essa diferença de tradição. Mas a explicação é verdadeira? Uma tradição revolucionária pode ser politicamente moderada; uma religiosa não precisa ser. Quando os partidários mais importantes da Comuna de Paris voltaram do exílio em 1880 se viram na maior parte”? na extrema direita de um movimento que estava caindo rapidamente sob a influência socialista, Uma disposição de erguer barricadas não indica necessariamente um programa extremista. Durante a maior parte do século xIx à tradição revolucionária francesa foi simplesmente um aspecto do radicalismo-liberal francês, cujos partidários estavam ideologicamente em igualdade com respeitáveis republicanos secularistas ingleses, como George Odger. É

significativo que a forma moderna de revolucionarismo, o Partido Comu nista, constitui de certo modo um rompimento tão grande com as tradições francesas como com as inglesas, embora de outro cle continue ambas.

SOAS EXTRAORDINÁRIAS

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O destino daquela que é ostensivamente uma das tendências mais vio-

lentas do operariado francés, a anarquista, ilustra a questão. Em geral, os

pequenos artífices e artesãos que constituíam o principal sustentáculo do anarquismo francês eram

extremamente

militantes.

(Contudo,

Proudhon,

seu pai espiritual, era notadamente pacífico.) Eles lutaram, muitas vezes, sem nenhum ponto de apoio — como fizeram seus equivalentes nos pequenos ofícios metalúrgicos de Sheffield — é atraíram facilmente inteleccuais radicais. Mas, da mesma forma como os terroristas de Sheffield eram extremamente moderados em suas políticas,!! também os anarquistas fran«ceses estavam essencialmente na ala moderada

do seu movimento.

ardor e colaborou com Pétain — Dumoulin,

Belin e outros —

triunfo deles, a CGT, passou social-democracia cuidadosa, da Primeira Guerra Mundial. cês, que mais tarde foi a que

O maior

do ultra-revolucionarismo aparente para uma com uma velocidade notável após o irrupção Além do mais, essa seção do socialismo fransustentou a política de pacificação com mais

retirou sua

força em grande parte da ala anarquista do movimento pré-1914. No todo,

o sistema político francês aprendera há muito tempo a enfrentar estas for-

mas de revolucionarismo mais antigas e, muitas vezes, intrinsecamente moderadas.

Quando o Partido Comunista Francês se formou, em

1920, grande

número de figuras respeitáveis da classe média se juntaram imediatamente a cle, porque “a tradição de que o filho de família começa a sua carreira na extrema-esquerda,

sob o olhar indulgente do clá, para terminá-la na mais

respeitável das posições”!? estava bem estabelccida. Com efeito, um grupo

de ferroviários revolucionários que iria fornecer vários líderes do novo par-

tido (Sémard, Monmousscau, Midol) à princípio recusou se juntar a ele por este motivo. Até alguns anos mais tarde, o partido não era “bolchevique”.*

Uma tradição religiosa, por outro lado, pode ser muito radical, É ver-

dade que certas formas de religião servem para aliviar a dor de tensões sociais

intoleráveis « fornecer uma alternativa à revolta. Algumas, como o wesleyanis-

mo, podem fazer isso deliberadamente.

Contudo, na medida em que a religião

é a língua c a estrutura de toda a ação geral nas sociedades subdesenvolvidas — é também, em grande medida, entre as pessoas comuns da Inglaterra pré-industrial — as ideologias da revolta também serão religiosas. Dois fatores ajudaram a manter a religião como uma força potencialmente radical na Inglaterra do século XIX. Primeiro, o acontecimento po-

lítico decisivo da nossa história, a revolução do século XVII, fora travada

numa ocasião em que a língua secular moderna da política ainda não havia

so

ERIC HOBSBAWM

sido adotada pelas pessoas comuns: foi uma revolução puritana. Ao contrário da França, portanto, a religião não estava identificada principalmente com o status quo. Além do mais, os hábitos custam a morrer, Na década de 1890, encontramos um exemplo quase puro do enfoque medieval ou puritano as Igrejas Operárias. John Trevor, que as fundon, cra um desajustado surgido de uma daquelas seitas pequenas e superpicdosas da classe operária “ou dos puritanos rancorosos da classe média inferior, que estavam sempre se separando para organizar comunidades mais devotas. Como outros movimentos intelecruais de meados da era vitoriana, a dissidência estava rachando lentamente sob o impacto das mudanças políticas « sociais após 1870, e, durante à Grande Depressão, Trevor foi atraído para o movimento operário, após várias crises de consciência e uma carreira espiritual um tanto cheia de vicissitudes. Incapaz de conceber um novo movimento político que não

tivesse também sua expressão religiosa, cle transformou o movimento ope rário numa religião. Ele não cra um socialista cristão; acreditava que o movimento operário fosse Deus e constituiu o seu aparelho de igrejas, escolas dominicais, hinos ctc. em torno disso. É claro que os sombrios artesãos

dissidentes de Yorkshire e Lancashire não seguiram a sua teologia peculiar,

que pode ser melhor descrita como um verdadeiro unitarismo etéreo. Contudo, eles tinham sido criados num ambiente no qual o templo cra o centro da sua vida social « espiritual, A Grande Depressão (e coisas tais como a tarifa McKinley de 1891) tornara-os cada vez. mais conscientes da divisão dos interesses

dentro dos templos entre irmãos patrões c operários; e nada

cra mais natural do que supor que a divisão política devesse tomar a forma de uma secessão no templo, da mesma forma como antes a divisão entre wesleyanos e metodistas primitivos havia sido entre grupos politicamente radicais e conservadores. Assim, as Igrejas Operárias, com sua parafernália familiar de hinos, escolas dominicais, bandas e coros do templo, clubes dorcas* exe, surgiram no Norte, Na verdade, cles estavam a meio caminho entre o liberal-radicalismo político ortodoxo e o Partido Trabalhista Independente, com o qual as igrejas logo se fundiram.!* É evidente que cste fenômeno teria sido impossível num país em que tradições pré-seculares da política não houvessem criado raízes particularmente profundas. * De Porca. mulher que passava à vida fazendo roupas para os pobres Ldros das Apóstolos 1x, 40); sociedade de mulheres que se reúnem com o mesmo objetivo. N.E

PESSOAS EXTRAORDINÁRIAS

sm

O segundo fator foi a extraordinária tensão psicológica do começo do industrialismo no país industrial pionciro— a rápida transformação de uma sociedade tradicional, bascada no costume, o horror, o arrancamento súbito de raízes, Incvitavelmente, as massas dos desarraigados e a nova classe operária procuraram uma expressão emocional dos seus desajustes, alguma coisa para substituir a velha estrutura de vida. Da mesma forma como hoje os mineiros de cobre da Rodésia do Norte se congregam nas Testemunhas de Jeová, e entre os Basutos o caraclismo da mudança social encontra expressão num renascimento de cultos de magia e feitiçaria, assim também por toda à Europa 0 começo do século XIX foi uma cra de atmosfera religiosa carregada, intensa c muitas vezes apocalíprica, que se expressava em campanhas evangelizadoras em áreas de mineração, assembléias gigantes no campo, conversões cc. Agora, onde quer que estivesse à religião organizada, que de modo geral é uma força extremamente conservadora — como era a Igreja Católica Romana —, o movimento operário ativo se desenvolvia necessariamente distante dela, Na França, além disso, a grande experiência emocional da Revolução havia gerado, do combustível puramente secular, seu próprio fogo emocional para aquecer a vida fria dos operários. Lembremo-nos do ancião da década de 1840, morrendo com as palavras: “Oh sol de 1793, quando o verei erguer-se novamentez"A grande imagem da república jacobina acenava, e era em torno da república personificada que as emoções dos homens e mulheres luradores se reuniam com maior facilidade, da mesma forma como mais tarde, na Alemanha e na Áustria, reuniam-se em torno da

personificação de suas próprias lutas, os partidos marxistas e seus líderes. Na Inglaterra não havia nenhuma experiência viva dessas; mas houve os conventículos c seitas dissidentes, independentes do Estado, comparativamente democrático e vivo. Daí aquela experiência, que é tão típica do movimento operário inglês, do jovem trabalhador “vendo à luz”, muitas vezes como um metodista primitivo, e traduzindo seus objetivos políticos em termos da Nova Jerusalém.iº Isto não O torna necessariamente menos consciente da classe ou militante. Evidências da natureza fortemente militante dos metodistas primitivos abundam em algumas regiões; c, ocasionalmente — como no longinquo Dorset — até os wesleyanos conservadores puderam estar no ponto de encontro dos líderes operários locais. Tampouco esta tradição impediu os homens de fazerem mais tarde progressos políticos. Em nossa própria época,

s

ERIC HORSRAWM

Arthur Horner (uma rapaz evangelista) e William Gallacher (cuja primeira experiência política foi naquele subproduto da dissidência, o movimento dos abstêmios) tornaram-se ambos comunistas. Devemos então considerar as nossas duas tradições como tantas massas informes de material plástico, a serem modeladas para se adaptarem à fôrma de seus movimentos de alma e situação prática? Nenhuma teoria pode ser menos adequada à conversão numa doutrina da “inevitabilidade do gradualismo” do que a de Marx; apesar disso, entre o fim da Grande Depressão e a Primeira Guerra Mundial, isto foi feito num certo número de paíscs, tacitamente ou por atos surpreendentes de acrobacia exegética. À Igreja Católica Romana tem insistido em umas poucas máximas de política social, mais firmemente do que na ausência de desejo de organizar distintamente patrões e empregados, Contudo, sem exceções importantes, as organizações conjuntas que cla tem patrocinado nos países industriais foram impelidas para fora do movimento operário ou — após algumas lutas transformaram-se em sindicatos comuns.* As idéias, na verdade, são mais clásticas do que os fatos. No entanto, uma tradição política ou ideológica, especialmente se cla resume padrões genuínos de atividade prática no passado, ou se é incorporada em instituições estáveis, tem vida e força independente, e deve influir no comportamento dos movimentos políticos. A teoria do material plástico é evidentemente uma supersimplificação. Quando, contudo, tentamos estimar O papel real que estas instituições desempenham, enfrentamos uma das tarefas mais difíceis do historiador Alguns pontos, no entanto, podem ser sugeridos legitimamente. Assim, cm primeiro lugar, à tradição da dissidência, sendo politicamente bastante imprecisa, cra muito mais maleável do que à revolucionária. Por trás dela não havia nenhuma experiência histórica específica, como a Revolução Francesa, “com os seus programas, lições, táticas e palavras de ordem políticas, embora inadequadas. Foi extremamente dificil afastar-se do fato de que à tradição revolucionária glorificava a revolta armada “do povo” contra “os ricos”: ou dos métodos consagrados dessa revolta — comunas insurrectas, ditaduras revolucionárias etc. Se cla fosse transformada no seu oposto, uma teoria de gradualismo e colaboração social, por exemplo, isto só poderia ser feito de modo indireto: por exemplo, usando os seus aspecros radicais-liberais contra Os comunistas, como a €GT do entre-gucrras e a Igreja Católica pós-1945 tentaram fazer idealizando suas tradições proudhonianas em contraposição às babouvistas e blanquistas; ou — como fez Gambetta!” — acentuando o

PESSOAS EXTRAORDIN:

ss

interesse comum de todas as classes “do povo” contra algum inimigo comum externo, como a “Reação” ou o “Clericalismo”, Mas o próprio pro-

cesso de aparar suas arestas só podia scr conseguido na prática glorificando a Revolução em teoria, O conservador genuíno tinha, mais cedo ou mais

tarde, que romper completamente com ele. Mas a tradição de dissidência, uma vez que cra religiosa, não estava ligada a qualquer programa ou regis-

tro especial, embora associada há muito tempo a exigências políticas par-

ticulares. A falácia da afirmação moderna de que o “socialismo inglés deriva

de Wesley « não de Mart” está precisamente nisto. Desde que o socialismo (ou, quanto à isso, O liberalismo radical) fosse uma crítica específica à um

sistema económico particular, e um conjunto de propostas de mudança, cle provinha das mesmas fontes seculares que 6 marxismo. E desde que fosse simplesmente uma maneira apaixonada de apresentar os fatos da pobreza, não tinha nenhuma ligação intrínseca com qualquer doutrina política particular. Em qualquer caso, cra necessária apenas uma pequena mudança de ênfase reológica para transformar o dissidente ativamente revolucionário num.

quietista (tanto os anabatistas como os quacres tinham feito isso no passado), ou permitir que o esquerdista militante se transformasse num mode-

rado, A diferença entre à elasticidade das duas tradições pode ser ilustrada pelos casos individuais: a mudança de John Burns de agitador revolucionário para ministro liberal significa inevitavelmente um rompimento com as suas

crenças marxistas anteriores. Por outro lado, o sr. Love, dono da mina de

Brancepeth, um homem de sindicato em sua juventude, que destruiu a Asso-

cação de Mineiros de Durham em 1863-4, póde terminar sua vida como tinha

começado, isto é, como um metodista primitivo ativo« picdoso.!s

Um segundo ponto segue-se ao primeiro. Uma tradição revolucionária é, por sua própria existência, um constante chamado para a ação, ou de

simpatia para com a ação. O Levante de Newport de 1839 foi, numcricamente falando, um caso muito mais sério do que o Levante da Páscoa de Dublin

de 1916, embora dirigido de maneira

muito pior: contudo o seu

efeito nos dez anos seguintes foi muito menor do que o da aventura irlandesa, é o seu impacto na tradição popular inglesa, ou mesmo galesa, incomparavelmente menor. Um ajustou-se num quadro no qual o orgulho do lugar tinha sido reservado há muito tempo para “o rebelde”, o outro não. Portanto, um transformou-se facilmente em inspiração ou mito, o ou-

tro simplesmente em um obscuro incidente histórico. A diferença é de importância considerável, porque não é a disposição de usar a violência, mas



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um certo modo político de usar ou amcaçar com violência, que torna os movimentos revolucionários. Nenhum outro país europeu tem uma tradi-

ção de tumulto tão forte como a Inglaterra, à qual persistiu ainda bem depois da metade do século xIx. O mmulto como parte normal da negociação coletiva estava bem estabelecido no século XVTIT.!S A coação c a in-

timidação foram vitais nas primeiras fases do sindicalismo. quando a imoralidade de furar as greves ainda não tinha se tornado parte do código de ética

do movimento operário organizado. Seria tolice afirmar que, se a Inglaterra

possuísse uma tradição revolucionária, teria tido consegiientemente uma revolução: Contudo, é razoável afirmar que episódios como os levantes do Derbyshire e de Newport bem podiam ter ocorrido com mais fregiiência, e

que situações extremamente tensas, como a de Glasgow em 1919, não teriam sido resolvidas com tanta facilidade >!

É bem verdade que no trabalho diário normal do movimento operário, a

presença ou ausência de uma tradição revolucionária não é de importância imediata. Do ponto de vista da obtenção de salários mais altos e melhores condições, à disposição dos pedreiros de Trelazé de num piscar de olhos proclamarem a república social não era mais nem menos do que uma forma de demonstração de massa especialmente militante, Pode até nem scr a ma-

ncira mais eficiente de alcançar suas exigências econômicas imediaras, Ou então, pode ser simplesmente útil, porque ao organizar operários fracos e desorganizados contra uma oposição furre, as táticas agressivas c brilhantes são sempre as mais cficazes. (Daí os revolucionários políticos sempre terem

constituído uma parte desproporcionalmente grande dessa organização, quer nos movimento ingleses “neo-sindicalistas” de 1889 e 1911, os enlatadores de sardinha de Douarnenez, a maquinaria leve inglesa da década de 1930, quer até mesmo os sindicatos americanos e canadenses da mesma década.) Em épocas de mudança política rápida e grande tensão, contudo, sua pre-

sença ou ausência pode bem ser um sério fator independente: por exemplo, na Alemanha após 1918. A tradição revolucionária, então, era por sua própria natureza política: a tradição de dissidência muito menos diretamente. O quanto esse fato contribuiu para o caráter muito mais político do movimento operário francês não é fácil dizer. Os movimentos sindicais fracos geralmente tendem a tirar

força adicional das campanhas políticas, ao passo que os fortes tendem a não se preocupar com isso; e os sindicatos franceses durante todo o século

XIX e XX foram muito mais fracos do que os ingleses. Apesar de tudo, isto

PESSOAS EXTRAORDINÁRIAS

ss

não explica totalmente dois fenômenos surpreendentes: a velocidade muito imaior com que a opinião da classe operária francesase tornou socialista, e o intercâmbio também muito maior entre a agitação política e industrial Assim, na França, O movimento operário é socialista começou a ganhar as municipalidades cerca de vinte anos antes do que na Inglaterra. O primeiro distrito inglês a ter uma maioria irlandesa radical-operíria foi West Ham em 1898. Contudo desde 1881 0 Parti Ouvrier Français ganhou sua primeira maioria em Commentry Em 1892, quando os conselheiros socialistas (muitas vezes não eleitos como tais) ainda cram excessivamente raros na Inglaterra, só os marxistas revolucionários — sem contar os possibilistas, alemanistas e os vários outros corpos que exibiam o rótulo socialista — dominaram mais de doze municipalidades, entre clas lugares como Marselha, Toulon e Roubaix. A disparidade ainda é mais marcante nas eleições parlamentares. Uma vez mais, as atividades políticas dos sindicatos ingleses sempre foram extremamente limitadas, embora isto tenha sido obscurecido pelo fato de que aqueles que tomaram parte nelas fossem também muitas vezes sindicalistas. Eles financiam o Partido Trabalhista, embora esteja longe de ser claro (exceto em certos casos bastante especiais) se os sindicalistas votam no movimento operário porgue os seus sindicatos apóiam o partido, ou se eles são tanto sindicalistas como votantes do movimento operário porque são “pessoas da classe operária”. Com certeza, candidatos sindicais puros raramente foram bem-sucedidos. Na Londres das décadas de 1870 e 1880, os candidatos apresentados pelo Conselho de Ofícios de Londres tiveram votação notadamente piores do que os apresentados pelas organizações políticas como a Sociedade Nacional Secular?! c, na década de 1950, 0 convocador dos empregados de lojas (comunista) eleito numa grande fúbrica de motores podia ter uma votação ridícula numa zona cheia de homens que, em suas fábricas, votaram nele é — o que é ainda mais importante — o seguiram. A agudeza da distinção é especialmente clara no caso de um individuo como Arthur Horner, que foi tanto uma figura política como um sindicalista — uma combinação muito rara. (Ancurin Bevan, por exemplo, foi uma figura política de grande importância, mas nunca desempenhou um papcl de qualquer grande consequência no sindicato dos mineiros.) A carrcira de Horner recai cm dois segmentos distintos: o período inicial, quando era principalmente um líder político com uma poderosa base local em Macrdy, é o final — após sua expulsão das posições de liderança do Partido Comunista — quando se concentrou em seu trabalho sindical. Mas o H



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ner que se tornou o líder mais capaz que os mineiros ingleses jamais ti veram, embora fosse um ornamento do seu partido, não era em qualquer

sentido significativo um líder dele =? Da mesma forma, é difícil pensar em qualquer política bem-sucedida ou sequer seriamente tentada na Inglaterra, embora sejam Comuns às greves

de apoio e solidariedade (que entram nos termos mais estreitos de referên-

cia do sindicalismo). A Greve Geral de 1926 pertence a esta classe, É difícil

conceber um equivalente inglês para as greves gerais a favor da reforma

eleitoral que os movimentos dirigidos pelos marxistas lideraram no conti-

mente, entre

1890

e 1914,

muitas

vezes com

bastante sucesso, como

na

Bélgica e na Suécia. As greves políticas não são inconcebíveis na Inglaterra, especialmente em épocas de excitação intensa e quase revolucionária, como em 1920, quando se tentou uma contra à intervenção inglesa na guerra russo-

polonesa. Contudo, à existência de uma tradição política quase certamente as favorece mais, apesar de o objetivo delas (excero durante épocas de revolução)

ser sempre mais limitado do que seus defensores têm suposto muitas vezes. Terceiro, e mais importante, uma tradição revolucionária tem por definição a transferência do poder. Ela pode fizer isso com tanta ineficiência, como entre os anarquistas, que não precisa ser levada a sério. Mas sua possibilidade é sempre explícita. O historiador do cartismo, por exemplo, mal

pode deixar de ficar triste pela tibieza extraordinária deste que é o maior de

tados os movimentos de massa do operariado inglés; e, o que é mais, pela

equanimidade com que a classe dominante inglesa o considerou, sempre

que não estava assustada pela revolução estrangeira. Esta cquanimidade era

justificada. Os cartistas não tinham a menor idéia do que fazer se a cam-

panha deles de recolher assinaturas para uma petição não conseguisse convencer o Parlamento, como inevitavelmente não o conseguiria. Porque até à

proposta de uma greve geral (“més sagrado”), como seus adversários apontaram, foi simplesmente uma outra maneira de expressar a incapacidade de pensar em alguma coisa a fazer: “Será que vamos soltar centenas de milhares de homens desesperados e esfomeados sobre a sociedade sem ter qualquer objetivo específico em vista ou qualquer plano de ação estabelecido, mas confiando num capítulo de acidentes quanto a quais serão as consegiiências? Oponho-me a fixar um dia para O feriado até que tenhamos melhor

evidência, primeiro quanto à praticabilidade da coisa, ou à probabilidade dela scr levada a efeito; e em seguida quanto à mancira pcla qual cla irá ser

empregada”. *

Além do mais, quando algo como uma greve geral espontânea ocorreu no verão de 1842, Os cartistas foram incapazes de fazer qualquer uso dela, a qual foi menos efetiva do que o tumulto espontâneo dos trabalhadores agricolas em 1830, que, de fato, em seu objetivo limitado de deter o progresso de mecanização nas fazendas, foi em grande parte bem-sucedido. E o motivo para à ineficácia do cartismo, pelo menos em parte, foi devido à pouca familiaridade dos ingleses com à própria idéia da insurreição, da organização necessária para à insurreição e da transferência do poder. Inversamente, o movimento francês de Resistência durante à Segunda Guerra Mundial não foi deliberadamente uma tentativa de tomar o poder, em todo O caso por parte dos comunistas que, como de hábito, constiruíram de longe o seu contingente mais importante « ativo. O argumento de que assim cra, apresentado como uma desculpa para fins de propaganda após 1945 é durante a guerra fria, é uma mentira jornalística e tem sido conclusivamente refutado.? Nunca houve qualquer plausibilidade ou cvidência de apoiá-lo, exceto concebivelmente as atividades independentes de alguns grupos locais que ou foram contra a política central, ou não tinham consciência dela, Contudo, à questão é que nas condições do movimento francês era necessário um esforço especial para impedir à Resistência de fazer o que poderia ter parecido ser a forma lógica (embora não necessariamente à mais aconselhável) de um lance para tomar o poder; estes grupos de Resistência, deixados aos seus próprios mecanismos, bem podiam ter seguido scus narizes nas tentativas locais de assumir o poder2º É extremamente improvável que qualquer movimento inglês, embora militante e radical, fizesse isso espontaneamente Até que ponto essas diferenças de tradição são importantes na prática, isso deve permanecer umã especulação. Evidentemente elas não são decisivas. Afetam mais 0esto das atividades de um movimento do que a natureza delas ou dele, Apesar disso, o estilo pode ser de interesse mais do que superficial, e pode bem haver ocasiões em que cle é o homem; ou melhor, o movimento. Obviamente raras vezes isto será assim quando — por exemplo — os movimentos se conformam com padrões rigidamente determinados de organização, ideologia e comportamento, como entre os partidos comunistas. No entanto, todos aqueles com conhecimento dos movimentos comunistas sabem que à extrema uniformidade internacional que lhes foi imposta desde meados da década de 1920 em diante (“bolchevização”) não impediu as diferenças surpreendentes na atmosfera e estilo nacional dos co-

ss

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munistas, tanto quanto à uniformidade do sacerdócio católico não torna a igreja irlandesa idêntica à italiana ou holandesa, Quando as forças conscientes que modelam o movimento são menos fortes, os efeitos estilíticos da tradição podem até ser mais óbvios. Um exemplo instrutivo é o do “movimento pela paz”, que sempre foi anormalmente forte na Inglaterra, € relativamente fraco na França. (Não deve ser confundido com o movimento antimilicarista, que algumas vezes corre paralelamente a ele.) Desde os jacobinos, um patriotismo agressivo e algumas vezes militante foi profundamente entranhado na extrema-esquerda francesa, é na verdade dominou-a exceto em certos períodos históricos (por exemplo, de cerca de 1880 até 1934) quando outras mãos seguraram à bandeira tricolor. Pode-se inclusive propor que os períodos de unidade e poder máximo do movimento operário francês foram aqueles em que pôde cstigmatizar as classes dominantes não simplesmente como exploradoras, mas também como traidoras: como durante a Comuna de Paris, durante o período da Frente Popular, c especialmente durante à Resistência. (Num certo sentido, isso é simplesmente outra expressão da aspiração interna ao poder numa tradição revolucionária: os jacobinos e seus herdeiros sempre se consideraram porencialmente ou verdadeiramente como uma força de governo, ou que carregava o Estado”) Por outro lado, uma aversão moral pela agressão e pela guerra como tal sempre esteve profundamente entranhada no movimento operário inglés, e este é claramente um dos elementos mais importantes da sua herança radical-liberal — e muitas vezes, especificamente, da sua herança dissidente. Não foi por acidente que em 1914 o Partido Trabalhista Independente foi o único partido socialista não revolucionário num país beligerante — c na verdade quase o único partido socialista em qualquer país — que como um corpo se recusou a apoiar a guerra: mas então a Inglaterra era o único país beligerante no qual dois ministros — ambos liberais — renunciaram ao gabinere pelo mesmo motivo. Vezes sem conta a oposição à agressão c à guerra tem sido o método mais eferivo de unificar ou dinamizar a esquerda inglesa: no fim da década de 1870, por ocasião da Guerra dos Boers, durante a década de 1930, e novamente no fim da década de 1950. O contraste entre os movimentos pacifistas da França c da Inglaterra após 1945 é particularmente esclarecedor, porque é difícil encontrar quaisquer fatores outros além daqueles da tradição para explicá-lo. A França não teve nenhum movimento de massa pacifista espontâneo, mas apenas uma

PESSOAS EXTRAORDINÁRIAS

so

fase em que o Partido Comunista pôs suas energias por trás de um apelo antinuclear, é portanto recolheu um grande número de assinaturas. Os ingleses não tiveram nenhuma organização política importante disposta ou capaz de mobilizar à opinião pública contra a guerra nuclear. (A ligação intima entre o “Movimento pela Paz Mundial” e os comunistas provavelmente adiou à emergência de um movimento pacifista de massa de base ampla na Inglaterra até o fim da pior histeria da guerra fria.) Por outro lado, um grupo não oficial de pessoas póde improvisar a implicitamente pacifista Campanha pelo Desarmamento Nuclcar, que se tornou não somente o movimento antinuclear mais maciço do mundo, com a possível exceção daquele dos japoneses, e um modelo (menos bem-sucedido) para os imitadores estrangeiros, como uma força importante na política inglesa fora dos seus termos estreitos de referência. Porque foi em grande parte visando à “paz” que a esquerda dentro do movimento operário sé reuniu para derrubar 0 longo domínio de uma liderança de direita do partido. Notas G. Duveau, La Fio uoribre vm Eranco seus e Second Empire, Paris, 1946, po 5 Ness Edwards, 1be History ofthe Sons Wales Mincrs, Londres, 1926, p. 3º. 3. E. Labrousse, Le Mouvemens omvrior et des idécs sociales em Eranco de 18] da fi de cr sibee, Les Cones de la Sorbonne, 1949, fasc. TIT, pp R-4 4 WE Lexis, Gemerkoereine u. Unserneimererimende in Erankreich, cipeig; 1879, pp. 123.4, Ibid, pp. 183-4.

6 Diiveau, La Vie outro, pp. 89-91 Mark Rucherfbrd, The Revolution à Timer Lú. Londres, 1887. 8 Reeditado em E. ]. Hobsbasem (ed). Labegr Timing Poins 1880-1900, Londres 1948,p. 89. 9.R. E Wearmouth, Some Winking-lass Movements of be Ninetcenah Century, Londres, 1948,p, 305 10.4 Zévaês. De PInrducrio du marsismeem Frames, Paris, 1947, pp. 116 € ss

11. Para à combinação da ação direta e da moderação extrema em Sheficld, 8, Poliard, A Hisony of Labowr im Sheffield, Liverpool, 1959, 2. A. Rossi, Pliolugie di parsi compnise franvais, Paris, 1948, p. 317,

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13. Sobre a crise no Partido Comunista francês, cf. L. Trotsky The Firsr Five Yeavs of che Comiterm, Nova York, 1953, vol. 2, quase passe, mas especialmente pp. 153.5, 2812,321 1 CE K S Inglis, “The Labour Church Movement”, International Revic of Social History 3 (195 15. Para esta € às passagens seguintes, ver 0 capírulo sobre as “Seitas Operárias” em meu Primitive Rebels, Manchester, 1959. 16. CE R. Goer-Girey, La Ponséesrndicalefrançaie, Paris, 1948, pp. 96 ess 17. CE especialmente o “Discours prononcé le 12 aodr 1881 à la réunion électorale du XXême arrondissement”, im Discos... de Léon Gambrira, ed. J. Reinach, Paris, 1895. 18.E. Walbourne, The Miner” Unims Of Novshumberiand and Durham, Cambridge, 1923, p: 115 19. Halév E, History of The English Prople im The Ninescenths Century, Londres, 1961, vol. 1, pp. 148 s , Para a negociação coletiva pelo tumulto, ver acima, capítulo 2. 20. W Gallacher, Revolr um the Chle, Londres, 1936, cap. VO, para um relato autoerítico por um dos “lideres da greve, nada mais; esquecemo-nos de que éramos lideres revolucionários”. 21, Sesi nas eltições de 1882 da Junta Escolar de Londres, os candidatos sindicalistas fexcexo quanto à um membro que já participava, tiveram um péssimo desempenho: enquanto Helem Iavlor é Aveling, cujas ligações cram principalmente políticas ou ideológicas, forum eleitos 22. Inversimente, na França, Pierre Semard, um puro sindicalista de origem, foi por algum tempo secretário geral do Partido Comunista, é T.ton Mauvais (secretário da tart em 1983) tornou-se secretário organizador do Tartido Comunista em 1947. Chasles “illon, também com antecedentes principalmente sindicalistas na Grá-Bretanha — mas combinado com a política municipal — toemonr-se à principal organizador militar da Resistência comunista « ministro no gavemo de De Gaulle; como fez Lucien Midol. Àlista pode ser prolongada. 23. CE EC. Mares. Publ Order in the Ape of rt Chareiss, Manchester, 1960. 24 William Carpenter em 1%e Carter, 21 jul. 1839.

25.4 ) Ricber Stalin and the French Communiso Paroy, 1941 > Nova York e Londres, 1962, pp. 142.55, discute a questão extensivamente. 26. Tdem, pp. 150-1 27. O exemplo aparente mais Óbvio do contrário, o caso Dreyfus, prova a questão. Seu feito dentro do movimento operário foi dividir e não unir; porque contra a “reunião dos políticos sucialisras em torno da causa da República ameaçada e um rapprechement entre à maioria dos grupos socialistas” deve ser estabelecido o reforço de um sindicalismo antipolítico (ver G. D. H. Cole, History of Socialist Theugit, Londres, 1956, vol. 3, p. 3431, para não mencionar a divisão causada pela aceitação de cargo no gabinete por Millerand

Capítulo 5

O FAZER-SE DA CLASSE OPERÁRIA 1870 — 1914

Este artigo foi originariamente uma palestra feita para a Universidade de Oxford, em 1981, e publicon-se pela primeira vez em 1984. É uma investi-

“ação sobre as relarivamente recentes origens históricas do modo de vida cha-

mado “tradicional” da classe trabalhadora britânica, da primeira metade do

século XX

Sc intitulei este capítulo de “O fazer-se da classe operária”*não é porque pretenda sugerir que a formação desta ou de qualquer outra classe seja um processo com início, meio e fim, como à construção de uma casa. As classes nunca estão prontas no sentido de estarem concluídas, ou de terem adquirido sua feição definitiva. Elas continuam a mudar, Entretanto, como a classe operária toricamente uma classe nova — não reconhecida como um coletivo social ou institucional, interna ou externamente, até um momento específico —, fiz sentido delincar sua emergência enquanto grupo social durante um certo período. Foi isso que E. P Thompson pretendeu fazer num livro que imediata e justificadamente se tornou um clássico! Por outro lado, a classe operária das décadas de 1820 e 1830 — supondo-se que já fosse possível aplicar-Jhe este nome — cra obviamente muito diferente da chamada classe trabalhadora “tradicional”, sobre a qual observadores culturais, alguns de origem proletária como Richard Hoggart, começaram a escrever elegias agridoces na década de 1950. Os famosos jalecos de fustão do cartismo ainda estavam muito distantes de “Andy Capp” (Zé do Boné), O autor refere-se à obra de E. E Thompson, The Mubing of the Eng Working Class, traduzida para o português como A formação da classe operária inglsa, Nesta tradução, manteve o sentido original de mating como “fazer-se”, (N. R.

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A emergência da classe operária de “Andy Capp” é o tema deste estudo: o proletariado britânico tornou-se identificável não só pelo que usava na cabeça (sobre o que terci algo a dizer), mas tunbém pelo ambiente físico no qual vivia, por um cstilo de vida e de lazer, por uma certa consciência de classe que cada vez mais se expressou numa tendência secular a afiliar-se à sindicatos « à identificar-se com um partido da classe, o Trabalhista. Esta é à classe operária das decisões de campeonato, das lanchonetes de peixe c fritas, dos palais-de-danse « do Trabalhismo com “T maiúsculo. Desde a década de 1950 esta classe não só contraiu-se como sofreu mudanças, embora os teóricos desta década, ao falar da “ausência de sentido de classe” e do

Por outro lado, não podemos deixar de nos surpreender com o surgimento de grandes concentrações industriais onde antes não havia nenhuma. Antes da década de 1850, não há nada que se possa comparar com a região ao longo do “ye na época vitoriana, onde, já na década de 1860, se encontravam talvez uns doze estaleiros, cada um empregando um mínimo de 1500 homens. O Armstrongs já empregava de 6 a 7 mil nas suas instalações de Elswick; mas, em 1914, este número chegaria a 20 mil, ou seja, aproximadamente o triplo. O mesmo aconteceria com a Great Western Railway, cm Swindon, que triplicou sua força de trabalho de 1875, atingindo, em 1914, 14 mil. Há uma diferença qualitativa entre a Barrow-in-Furness em

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1871-1872, quando era o maior estaleiro da cidade e suas oficinas de construção de máquinas empregavam cada umá 600 homens, é à Barrow da Primeira Guerra Mundial, em que Vickers empregava 27 mil mecânicos especializados e 6 mil operários de construção naval. Em segundo lugar, a composição ocupacional das classes operárias mudou substancialmente, como testemunham o aumento do número de ferroviários (de menos de 100 mil em 1871, para 400 mil em 1911) é de minciros (os quais passaram de meio milhão para 1 milhão « 200 mil no mesmo período), enquanto a população masculina da Inglaterra, Escócia e País de Gales juntos crescia a uma taxa de apenas 60%. E, da mesma forma, mudou sua composição etária e por sexo, com a diminuição do emprego de crianças em idade escolar de 30% do total de crianças em 1851, para 14% em 19147 e com a penetração modesta, porém inovadora, das mulheres em indústrias fabris além do ramo têxtil. As alterações nas habilidades manuais dos trabalhadores são menos óbvias, e ainda são assunto de muito debate. Contudo, é inegável que, em 1875, os maiores sindicatos eram, de longe, o dos Mecânicos Especializados Unidos e o dos Arrífices Pedreiros, seguidos, nesta ordem, pelo dos Caldeireiros, pela Sociedade de Carpinteiros c Marceneiros, pelos Alfaiates Unidos pelos Fiadores de Algodão, Após 1895, o Congresso de Sindicatos de Irabalhadores, foi visivelmente dominado pelos grandes contingentes do carvão — agora organizados em âmbito nacional — e do algodão, é em 1914 pela Tríplice Aliança do Carvão, Transporte é Ferrovias. E mais, mesmo os poderosos grupos de aristocratas do trabalho passaram a confiar crescentemente, e por necessidade, não mais em que especialidades manuais insubstimuíveis fossem indispensáveis, mas sim que monopólios de emprego, garantidos pela força das organizações, pudess em exclmr outros que facilmente executariam o mesmo trabalho. Por isto, a questão crucial para o operariado durante à Primeira Guerra Mundial foi a “diluição”. Em terceiro lugar, a integração nacional e a concentração cada vez maior da economia nacional é de seus setores, bem como o crescente papel do Estado em ambos os casos, transformaram as condições do conflito indusrrial. Basta lembrar que a disputa industrial com O caráter de greve ou Jock-out nacionais praticamente não existia antes da década de 1890; na verdade, Cronin demonstrou que à própria greve somente afirmou seu potencial depois de 1870. Assim, o acordo coletivo negociado para rodo à nação não apareceu até 1890, exceto cm partes da indústria do algodão, na qual a “nação” limitava-se a setores do Lancashire. Por volta de 1910, como Clegg,



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Eox e "Thompson demonstraram, já havia tais acordos nas áreas de engenharia mecânica, construção naval, tipografia, ferro « aço, « calçados, bem como mecanismos equivalentes em outras áreas. Além disso, o interesse direto e urgente do governo nas relações industriais demonstra-se não só pela criação do Departamento do Trabalho da Junta Comercial (1893) e pelo âmbito crescente de suas atividades, mas pela intervenção direta de políticos de renome em disputas trabalhistas, sendo a incursão de Rosebery no Joek-ont do carvão de 1893 0 primeiro exemplo importante. ! Em quarto lugar — e aqui saímos da economia e passamos à política —, houve a ampliação do direito de voto e da política de massas. Daí em diante, o que os cleitores proletários podiam pensar € descjar passou a ser uma preocupação central dos políticos, é, por outro lado, tudo o que o governo central fizesse concernia de um modo muito mais prático aos operários, embora cles tenham levado algum tempo para dar-se conta disso. Quando os políticos — citando 6 Churchill da era eduardiana — pensavam que o principal problema era impedir que a política partidária se transformasse em política de classes, os operários também se impre ionavam mais. facilmente com o potencial da política nacional de classes. Pertencer ao “Trabalhismo”, isto é, ao trabalho manual, ganhou uma dimensão política inexistente desde o tempo do carrismo. Estes desenvolvimentos são importantes, porque sem eles é difícil entender como aquele agregado de microcosmos que formava o mundo do trabalho britânico, aquela coleção de pequenos mundos tantas vezes estritamente autônomos, póde se transformar em um fenômeno nacional. Vejamos um exemplo recente e bastante extremo, o de W P Richardson (1873-1930) Ele nasceu e viveu todo a sua vida em Usworth, condado de Durham, trabalhou por trinta anos na mina de carvão de Usworth, casou-se com uma filha de mineiro, presidiu o conselho da paróquia de Usworth, dirigiu o coro da Capela Metodista Primitiva da Mina de Carvão de Usworch c cscreveu uma coluna sobre avicultura pará O jornal local. Pode-se dizer com segurança que, se Manchester tivesse sido arrasada por um terremoto, isso ão faria nenhuma diferença prática para ele, Entretanto, este homem, enraizado em sua aldeia como qualquer pastora de Herefordshire, ajudou a fundar a filial local do Partido Trabalhista Independente, tomou parte na direção do Daily Herald, tez campanha pela nacionalização das minas, e vária tornar-se o tesoureiro nacional da Federação dos Mineiros. Este desenvolvimento não é de forma alguma tão natural quanto pode parecer, se for

PESSOAS EXTRAORDINÁRIAS

visto em retrospectiva, Tara os minciros da geração de Richardson, tornouse mais fácil, e, sob muitos aspectos, essencial, considerar Usworth não soménte como parte da jazida de carvão de Durham, mas sim de uma indústria nacional do carvão: é considerar que ser mineiro implicava ser membro de uma classe operária nacional, cujas aspirações políticas e sociais especifcas eram expressas num partido operário independente, com scus próprios jornais e programas específicos. Uma figura mais velha como Henry Rust 11831-1902), nunca se conformou com o faro de os mineiros de West Bromwich é Darlaston terem algo à ganhar associando-se com o restante dos mineiros dos condados cenrrais, para não falar de uma Federação dos Mineiros, com âmbito nacional." Levando tudo isto em consideração. deveríamos esperar que a própria classe operária se transformasse. Mas de que forma e quando? Vejamos o caso simples é aparentemente frívolo do “Andy Capp”. Quando foi este tipo de chapéu específico — o boné chato -- tormou-se característico do prolerário britânico? Sem dúvida não o era ainda na década de 1870 em Londres, pois Jules Vallês, o refugiado partidário da Comuna de Paris, reclamou especificamente da falta de consciência de classe dos trabalhadores locais, uma vez que estes, ao contrário dos artífices parisienses, não usavam “la blouse et la casquerte” nas horas de lazer? As iluscrações e fotografias das décadas de 1870 e 1880 mostram uma mistura de chapéus e de bonés — e, por sinal, nem mesmo os bonés estavam padronizados, como o demonstra o chapéu de caça de Keir Hardie. Contudo, em 1914, qualquer imagem das massas operárias britânicas, em qualquer lugar, dentro ou fora do trabalho, revela o já familiar occano de bonés com pala. A cronologia detalhada desta transformação aguarda uma pesquisa do rico material iconográfico. Mas é evidente que dentro de um par de décadas, os operários britânicos adotaram o uso de um sinal que imediaramente Os identificava como membros de uma classe. Mais do que isso, sabiam desta função. A hipótese do presente estudo é que a chamada classe operária “tradicional”, com seus padrões de vida e visão de mundo específicos, só emergiu perto da década de 1880, adquirindo suas feições na duas décadas seguintes. Deveria talvez acrescentar que

este foi cemos, da era siment, mento,

também o período de surgimento da “classe média” como a conhea qual é muito diferente de suas predecessoras do início e do meio vitoriana, e muito diferente também da alta burguesia do establiO surgimento repentino do boné ocorreu paralelamente ao surgiigualmente rápido, da gravata com as cores da escola?:, e do ainda

ou

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mais repentino clube de golfe: entre 1890 e 1895 havia 29 campos de golfe no Yorkshire, mas antes de 1890 havia somente dois.'* No entanto, embora a restruturação de cada uma das duas camadas sociais mais importantes da Grã-Bretanha não possa ser separada uma da outra, este não é meu tema aqui. UI

A década de 1880 é conhecida por todos os historiadores do movimento operário como a década do chamado renascimento do socialismo na Grá-Bretanha. Mas os fenômenos que aqui estudamos são estaticamente mais significativos do que as mudanças ideológicas de umas poucas centenas de pessoas que, na década de 1880, constituíam as Organizações socialistas britânicas e seus simpatizantes. São mais maciços até mesmo do que os primórdios da transformação do movimento sindical nesta década, conhecido como “novo” sindicalismo. Escolhi a década de 1880 porque a transformação substancial das condições materiais de vida da classe operária, e do que poderia ser chamado de norreamento social e institucional da classe operária, de um lado a outro do território da vida nacional, eram praticamente invisíveis até então. Não estou afirmando que não estivessem presentes. É fácil adotar o conhecido jogo do historiador de empurrar as ori-

gens para trás, sobretudo para um período curiosamente tão carente de um perfil definido da classe operária quanto o foram as décadas que se seguiram ao cartismo — um período em que, com frequência, é dificil precisar se à expressão time of" significava o fim da semana, isto é, a famosa semana inglesa com à qual o resto da Europa sonhava, ou O tradicional Saint Monday. Assim, usemos um conhecido ponto de referência no mapa da classe operária “tradicional”. À lanchonete de peixe e fritas se originou provavelmente em Oldham, nos anos de 1860, e uma firma local começou a fabricar fogões exclusivamente para frituras de peixes na primeira metade da década de 1870; em 1876 este negócio ainda era considerado de pequeno porte, mas em 1914 já havia em torno de 25 mil fritadoras de peixe,1º Outras inovações dos anos de 1880 podem ser detectadas desde a década de 1870: o futebol já possuía uma modesta vida subrerrânca como esporte para O espectador proletário nos últimos anos da década de 1870.º” Agentes profissionais é reservas nacionais de artistas do »usiê-hall parecem ter-se desen-

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99

volvido nesta década, a qual também assistiu ao nascimento de um ramo da imprensa profissional dirigido aos assuntos da música popular? Não é minha intenção reclamar direitos de patente com basc na prioridade de-qualquer década, mas simplesmente chamar à atenção para O fato de que, qualquer que tenha sido a situação na década de 1870, 0 novo padrão surgiu no cenário nacional nos anos de 1880 e não póde mais ser ignorado— embora tanto observadores contemporâncos da classe média como historiadores posteriores tenham conseguido ignorar este fato. Três fatores afetaram as condições materiais de vida dos trabalhadores após 1870: a queda dramática do custo de vida durante a chamada Grande Depressão de 1873-1896: a descoberta do massivo mercado interno (incluindo os trabalhadores bem pagos em seus empregos, ou pelo menos pagos com regularidade) para as mercadorias produzidas ou processadas indusrialmente; &, após 1875, a chamada Dylan Dovcing, habitação regulamentada sob a seção 157 da Lei da Saúde Pública, que, com certeza, produziu muito do aspecto da vida da classe operária: as filas de casas geminadas no perímetro dos antigos centros das cidades. Os três fatores implicavam ou se baseavam. no aperfeiçoamento modesto, irregular, porém claramente inegável, do padrão de vida de grande parte dos operários britânicos, o que não é questionado nem mesmo entre historiadores. O fator crucial desse aperftiçoamento não é o simples aumento de ganho rcal é das despesas dos consumidores, mas sim, as alterações estruturais que os mediaram. Estes são mais esperaculares no comércio, isto é, na dimimuição relativa dos mercados de varejo é pequenas lojas, € no surgimento, por um lado, das Co-97s, cooperativas cuja associação cresceu de cerca de meio milhão ao final da década de 1870, para perto de 1 milhão em 1890, e 3 milhões em 1914, é, por outró lado, das cadeias de lojas que proporcionaram às ruas centrais britânicas sua aparência característica entre as décadas de 1890 é o aparecimento do supermercado moderno a partir dos anos de 1950.:º Nem deveríamos esquecer a criação à institucionalização do sistema de compras à prazo, Que tomou possivel a transformação interna da classe operária, Sua história foi negligenciada, embora o trabalho sobre ela esteja em andamento; mas aqui também as décadas de 1880 é 1890 parecem ter sido cruciais. As datas dos casos exemplares, qui esclarecem as confusões legais e financeiras subjacentes à esta prática crescnte, são 1893 € 1895. Contudo, o comércio e a indústria não podem ser separados. A produção em massa do chá em pacotes padronizados data de 18842! as novas geléias e conservas, que transformaram a dicta da classe

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operária, eram manufaturadas em fábricas que são conhecidas dos historiadores do movimento operário principalmente por terem sido o cenário das primeiras lutas das mulheres operárias. Quanto à habitação, a evolução mais importante foi não somente a de “qué casas um pouco maiores é melhores eram agora construídas, mas a de que houve um incremento de ruas e distritos segregados de operários. Na verdade, com 6 surgimento do transporte público de massa preço a baixo na década de 1880, criou-se especialmente alguns subúrbios segregados para a classe opeárias — subúrbios em sua maior parte dentro do perímetro urbano. Adiante direi algo mais sobre o efeito dessa crescente segregação residencial. Quanto à suburbanização da classe operária, também vale ressaltar que ela tendia a desgastar ou romper uma das ligações mais fortes da comunidade trabalhadora, a que existia entre o local onde as pessoas viviam e trabalhavam, mas provavelmente isto só ocorreu em Londres. Em 1905 0 TCC estimava que 820 mil indivíduos faziam longas viagens diariamente para trabalhar em Londres A transformação mais esperacular foi sem dúvida a do padrão de lazer é de férias da classe operária. Talvez nem fosse necessário lembrar hoje à ascensão do futebol como esporte para espectadores e, cada vez mais, para proletários, em âmbito nacional; nem o surgimento de uma cultura masculina do futebol, que atingiu sua consagração com à presença do rei no jogo final do campeonato à partir de 1913; nem que o furchol se cmancipou do patrocínio — ou melhor, contra O patrocínio — das classes média c alta na década de 1880, com à vitória do Blackburn contra os Old Etonians; nem que a clara profissionalização do jogo ocorreu em 1885, e que a Liga foi formada em 1888, por sinal baseada no modelo dosistema estabelecido anteriormente nos Estados Unidos para o beisebol profissional? A década de 1880 foi clara é igualmente crucial para o desenvolvimento das férias da classe operá a. O primeiro volume do Heraparl': Railway Journal relaciona em seu índice um “tráfego de férias”, já em 1884, e seus comentários merecem ser citados: A cada ano que passa, 6 volume de tráfego nos feriados da Páscoa,

Pentecostes e nas férias de agosto vem crescendo em importância. Suas dimensões ainda não adquiritam proporções tais a ponto de afetar seriamente os dividendos, mas é fácil imaginar que chegará uma hora cm que isso irá acontecer ... É possível que nunca cheguemos atransformar

a Páscoa num carnaval, mas nossas massas trabalhadoras parecem deter-

minadas a transformá-la mum verdadeiro feriado. *

PESSOAS EXTRAORDINÁRIAS

nor

O aumento das ligações entre as cidades industriais e Blackpool pode ser traçado através de Bradshaw. Em 1865, havia somente dois trens diários com vagões de terceira classe ligando Bolton e Blackpool; em 1870, quatro; em 1875, doze; em 1880, treze; em 1885, catorze, e em 1890, vinte e três. Mas há pelo menos uma forma mais geral e menos trabalhosa de estimar o crescimento da indústria de férias, pois um relatório anual da Junta Comercial num acr de 1861, permite-nos medir O volume de investimento proposto em obras de pires e cais, muitos dos quais podem ser identificados como píeres para lazer ou passcio, estruturas características das férias inglesas à beira-mar?! O Quadro 1 distribui o investimento proposto no que scria destinado a balneários primordialmeme de classe média e de classe operária, omitindo casos duvidosos.” Este indicador, necessariamente impreciso, demonstra à ascensão dos balneários de classe operária a partir do tinal da década de 1870, mas sobretudo o enorme salto no investimento proposto na década de 1890, que, pela primeira vez, elevou os planos de investimentos nos balncários de classe operária maciçamente acima dos destinados aos balneários de classe média. Quadro 1 Investimento projetado em píeres para lazer, 1863-1899 A]

Classe média

total

em mil liras 1863-65

médiaamial

em mil liras.

7”

Classe operária

tonal

em milliras 30

1

30

6

a

1866 70

187175

1876-80

8

1881-85

o

584

média must

em mil liras

U

168 14

1886-90 1891

172

HA

583

1896-99

158

as

48

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Podemos ilustrar o exposto com o clássico exemplo de Blackpoo!, onde os primeiros sinais reais de atividade surgiram na década de 1860, com à construção do Pier Norte (que custou pouco mais da metade do que foi gasto com 6 de Ventnor, na ilha de Wight), do segundo pfer e do primeiro teatro. Durante a década de 1870, estamos nitidamente entrando em negócios substanciais: por exemplo, em 1878 iniciou-se a construção do Jardim de Inverno, que viria a custar 107 mil liras. Mas a Blackpoo! que conhecemos melhor é a da década de 1890: com sua Torre, à Roda-gigante, o Pier de Vitória na Costa Sul, a expansão do passeio público, o Teatro de Ópera (1889), o novo mercado, à biblioteca pública, a prefeirara e, para completar, um tribunal especial de magistrados c um brasão. Todos sabem que, ao contrário da classe média inglesa, que desenvolveu um alto nível de padronização durante este período — especialmente em sua fala —, os operários britânicos não perderam sua identidade regional ou mesmo local, suas peculiaridades, gostos é orgulhos locais. E, no entanto, é igualmente claro que o novo padrão de vida foi mais homogêneo em termos naciona

s do que em qualquer outro anterior

lavra do car-

vão, os trabalhadores podiam até insiscir cm continuar usando as roupas de trabalho ditadas pelo costume regional; ainda na Segunda Guerra Mundial, a tentativa da Janta Comercial de substituí-las por uniformes-padrão causou uma comoção considerável dos sindicatos. Entretanto, fora do trabalho. o mineiro, como a maioria da população masculina, usava as mesmas roupas,

de Blyth até Midsomer Norton. O operário sc identificava com o seu time

local contra o resto do mundo — na verdade, em cidades suficientemente grandes, eles se identificavam com uma das metades, City ou United, Forese ou County: que entre si definiam o cidadão de Manchester, Nottingham ou outro lugar qualquer. O modelo da cultura do futebol, entretanto, era o mesmo em todos os lugares — com um pouco mais ou um pouco menos de emoção —, e era um modelo nacional, ou, para ser mais preciso, um modelo da nação proletária, visto que o mapa da Federação do Futebol era praticamente idêntico ao mapa da Inglaterra industrial. Ele era nacional até na conquista anual simbólica do espaço público da capital nacional pelos dois exércitos proletários provincianos que invadiam Londres para o jogo de decisão do campeonato. Desde O final da década de 1860, ocorreram rituais coletivos regionais da mesma natureza, em particular as demonstrações anuais dos mincirós, das quais sobreviveu a Festa dos Mineiros de Durham — talvez justamente porque, em contraste com as outras, esta possuia a própria

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103

característica de ocupação simbólica de uma capital provinciana pelos mineiros, embora não ainda em nível nacional.

Um modelo nacional único, claramente padronizado da vida da classe

operária: e, ao mesmo tempo, cada vez mais específico a ela, É esta segre-

gação do universo do trabalhador manual britânico que é ão surpreendente **

Em primeiro lugar houve uma crescente segregação residencial, devido, por

um lado, ao éxodo das camadas de classe média c de baixa classe média de áreas anteriormente mistas — este processo foi detectado na região de East End de londres — e, por outro, à construção de novos bairros e subúrbios

exclusivamente destinados à uma classe, Alguns desses novos bairros, edificios ou propriedades foram projetados para a classe operária: como o Queen's Park Estate cm Paddington, em maior parte para os novos “suburbanos elegantes”, que se identificavam (bastante adequadamente) com a nova baixa classe média de burocratas: e a Villa Tory: espécie de gente que, segundo suposição do Corubill Magazine de 1901, preferiria naturalmente morar, se pudesse, em algum dos “subúrbios de funcionários” de Londres, como Clapham, Forest Gate,

Wandsworth,

Walthamstow

ou

Kilburn.”

Outras

áreas não teriam

sido especificamente projetadas para uma camada social ou para o estilo de

vida de uma classe, mas acabariam por se transformar nisso, pelo fato de os

aluguéis excluírem inquilinos mais pobres ou, mais provavelmente, pelo fato de o estilo de vida dos trabalhadores manuais e o dos empregados de paletó é gravata, mesmo que com rendas semelhantes, divergirem cada vez mais. No início de 1900, a segregação residencial entre os operários de melhor

salário (os “artífices?) «e à nova baixa classe média ainda não cra de modo algum universal. Há registro de que os melhores tipos de habitação popular — casas com cinco ou seis dependências — ainda cram habitadas indiscinta-

mente por “artífices, empregados de escritórios ou comércio, agentes de

seguros” e similares em Birkenhead, Bolton, Chester, Crewe, Crovdon, Darlingron, Derby; Hull, Newcastle, Oldham, Portsmouth, Preston, Sheffield, South Shields é Wigan; mas, numa série de lugares, observa-se espec

camente à ausência de operários neste tipo de habitação: ou descreve-se sua

ocupação “mais fregiientemente por parte de empregados de escritório, do comércio « similares do que por pessoas geralmente incluídas no termo “classes trabalhadoras”? Estas encontravam-se em Birmingham, Bradford,

Bristol, Burton-onslrent, Gasteshead, Grimsby, Halifax, Ilantey, Hudders-

ficld, Kidderminster, Liverpool (ou pelo menos Bootle), Manchester, Mid-

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FRICHOBSSAWM

dlesbrough, Northampton, Nonvik, Nottingham, Plymouth, Reading, Southampton, Stoke on Trent, Walsall, Wolverhampton e a maior parre da periferia de Londres, Como as melhores habitações eram, em geral, as mais recentes, podemos supor com razão que a segregação estava aumentando. Da mesma forma, é claro, € pela mesma razão, aumentava à segregação entre os artífices mais bem pagos e os menos bem pagos, muito embora ainda se possa observar em diversas cidades ambas as camadas habitando o mesmo setor — por exemplo: em Norwich, Nottingham, Preston e Stockpor. Isto ocorria apesar de haver concentração das classes operárias dentro do perímetro urbano e de sua relurância em mudar-se para longe do local de trabalho -- o que é observado em diversas cidades, significando que os cinturões da classe operária tormavam um bairro cocrente, embora residencialmente estratificado. O conjunto de edifícios de Shaftesbury em Barrersca, que era uma fortaleza de artífices (e do socialismo em Barrcrsea), fazia parte, afinal, daquela área entre Lavender Hill e 0 rio, na qual “o grosso da classe operária . reside”. * Em segundo lugar, Os Operários eram segregados por suas expectativas: Como disse Robere Roberts, antes de 1914 “os trabalhadores especiali zados não lutavam por alcançar uma camada superior”: mas, na verdade, mesmo a oportunidade de ascensão dentro de sua camada, isto é, abaixo da classe média reconhecida. «ra diminuída por dois fatores: o crescente uso da educação formal como um critério de classe (para não dizer, um mio de sair da classe trabalhadora manual) e o declínio do caminho alternativo para o orgulho é o amor-próprio; O treinamento e à experiência do artífice bemformado. Os operários eram cada vez mais definidos como aqueles que não tinham instrução, ou que não percebiam nenhuma vantagem em tê-la: e o contraste entre aqueles. que abandonavam à escola c os que permaneciam nela, ou entre aqueles que conseguiam empregos com base em sua instrução e aqueles para quem a instrução não fazia diferença — um contraste ocasional entre pais e filhos, embora nem tanto entre mães é filhos (ve D. H. Lawrence) —, este contraste intensificou as diferenças observadas entre os trabalhadores

manuais

e os não-manuais.

Por outro lado, a di-

minuição bastante ampla do papel da qualificação, que ocorreu durante os

trinta anos anteriores a 1914, gerou uma frustração que Askwith, o principal mediador do governo na indústria daquela época, considerou extremamente importante. O jovem operário, diz cle,

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não gosta de admitir para si mesmo que não extá sendo treinado para

ser um mecânico, ou um construtor de navios ou um construtor de Casas, mas para ser um operador de máquinas. Porém, logo chega à desilusão para à maioria; e, uma vez que 6 homem se torna desiludido, uma consequência muito natural é o rancor e o antagonismo ao sistema,

que cle considera a causa de tudo:

Os horizontes do trabalhador qualificado cram desta forma cada vez mais limitados pelo universo do trabalho manual, e os dos trabalhadores menos qualificados ainda mais. Apesar de suas diferenças, eles foram empurrados para uma classe única mediante sua exclusão do resto da sociedade. Em terceiro lugar, os operários eram segregados pela divergência de estilos de vida, “o que os operários fazem” c aquilo que as outras classes fazem. Desta forma, parece claro que à medida que o futebol ganhou o apoio das massas, rormou-se cada vez mais uma atividade proletária, tanto para jogadores como para torcedores. Sem dúvida, foi primordialmente uma atividade dos trabalhadores mais especializados ou mais respeitáveis, mas na medida em que torcer para um time unia todos os que viviam em Blackburn, ou Bolton, ou Sunderland, e na medida em que o futebol tornou-se o tópico principal da conversa social no bar? uma espécie de língua tranca das relações sociais entre os homens, ele se tornou parte do universo de sodos Os Operários. Mais uma vez, o sistema de apostas peculiar à classe operária, que aumentou nitidamente em enormes proporções a partir da decada de 1880, cra de natureza visivelmente proletária, Foi, conforme sugere MeKibbin, “a forma mais bem-sucedida de independência da classe operária. na era moderna”? uma rede ilegal, mas quase totalmente honesta, de transações financeiras, que penctrava em cada rua da classe proletária e em cada oficina, O mesmo tipo de distinção de classe separava, cada vez mais, o jornal de domingo (dos quais o The News of the World cormou-se o tipo ideal, até o futuro surgimento do jornal prolerário diário), tanto na imprensa de qualidade, quanto na imprensa dirigida à nova baixa classe média, liderada vortheliffe. E, como foi mencionado, ainda havia o boné, Finalmente, à classe operária não foi tanto segregada, como, na verdade, alienada da classe dominante, por dois desdobramentos que, juntamente com a queda real dos salários, Askwvith considerou responsáveis pela agitação operária de 1910-1914. Ele declarou confidencialmente ao Ministério que estes eram: 2 ostentação do luso por parte dos ricos, especialmente demonstrada pelo uso do automóvel, e o crescimento dos meios de

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comunicação de massa, que proporcionavam uma melhor coordenação nacional das notícias — e da atividade.* Estou citando Askwith não como prova de que a plutocracia — termo pertencente ao vocabulário da era cduardiana — ostentasse mais na belle épogue do que sob a rainha Vitória, embora isto fosse possível; cito-o como confirmação da opinião de que a forruna dos ricos era agora mais visível e portanto causava mais ressentimento. A soma de tudo isso é a percepção crescente de uma classe operária única, aglutinada através de um destino comum, sem levar em consideração suas. diferenças internas, Uma classe no sentido social « não meramente no sentido classificatório: um organismo dentro do qual já seria absurdo falar da “classe dos minciros” em contraste com a “classe dos trabalhadores de cotonifícios”, como Keir Hardi fizera ainda no início da década de 1880. E isto realmente explica de que forma um período que forneceu um bom número de razões para O seccionalismo crescente é para a luta interna entre grupos de operários - - cm relação à indústria de construção naval — póde também ser o período em que os trabalhadores cada vez mais se perecbiam é agiam como o Irabalhismo, com T maiúsculo. A história de como esse T se tornou maitisculo ainda está por ser escrita, da mesma forma que a história de como a classe trabalhadora passou de substantivo plural para sing lar, mas resta pouca dúvida de que esta transformação se tornou observável no quarto de século anterior a 1914. É, na verdade, mesmo em termos puramente econômicos, a parrir de 1900, e até mais, a partir de 1911, podemos observar uma convergência em vez de uma divergência entre os nísalariais locais, regionais, qualificados e não-qualificados. Como Hunt demonstrou, até 1890 os sindicatos e o ambiente geral das relações industriais na Grã-Bretanha contribuíram para sustentar as diferenças: entre 1890 e 1910 não foi exercida influência nítida em nenhuma das duas direções, mas, em 191, eles já eram uma força que contribuia para a redução das diferenças. Os políticos estavam cientes dessa consciência de classe — do que Chamberlain, em 1906, chamou de “a convicção. surgida pela primeira vez entre as classes operárias, de que sua salvação social está em suas próprias mãos” 2 Se a política partidária não devia ser identificada com o conflito de classes, agora deveria render homenagem à supremacia de classe ao apelar para os. operários em prol do partido, À região de Rhondda — como proclamavam seu parlamentar. o liberal-trabalhista Mabon € o jornal local — era “Trabalhista em todas as suas aspirações”, mas 0 foco principal dessa observação

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cra com certeza contrapor que ela não cra somente Trabalhista: “Como os homens não conseguem viver somente da pão, os eleitores mineiros da re-

gião de Rhondda

são nacionalistas, são

não-conformistas” etc.

A retórica

política da era eduardiana “tinha de usar uma linguagem, e em especial à palavra “Irabalhismo” para unir scus partidários dentro do padrão cstabelecido da política”.*” do qual cles ameaçavam escapar. Nas regiões onde o apelo à religião e à nacionalidade era suficiente, como na Irlanda do Norte é

na Liverpol de Salvidge, o conceito de classe não teve grande repercussão — ou não obteve resultados significativos — na linguagem da política local.

Paradoxalmente, o conceito de classe entrou na política rrabalhista pela

porta dos fundos, Na medida em que se considerasse um homem como

“representante de uma classe”, cle seria, na verdade, encarado como “de fora da arena da “política partidária”, mesmo se como indivíduo cle pudesse ser

do Partido Liberal, Tóri, ou, mais raramente,

Socialista.” Isto significava

que socialistas e não-socialistas podiam muito bem colaborar no novo Partido Trabalhista, ou que os mineiros, fortemente inseridos no Partido Libe-

tal, podiam se transferir para o “Irabalhista sem mudar seus pontos de vista

Também significava que trabalhadores ligados ao Partido Tóri, que não votariam em candidatos do Partido Liberal, podiam votar em candidatos trabalhistas. Isto foi comentado quando Will Crooks venceu a eleição em Wool-

wich em 1903, uma eleição tão desesperançosa que os liberais nem tinham

apresentado candidato para cla em 1900: € ela foi significativa no Tan shire, onde os operários estavam politicamente divididos, muito embora, a

“política fabril* de Jovee já estivesse em rápido declínio na década de 1890

Foi à jazida de carvão do Lancashire que teve sua grande maioria afiliada ao Partido Trabalhista

c, em 1913, às sindicatos do algodão, declaradamente

não-radicais, votaram em ampla maioria a favor da coleta de uma tura política, em todas as sedes com exceção do baluarte tóri da classe operária de Oldham.* Entretanto, é necessário perguntar se isto teria acontecido caso os interes-

ses comuns dos operários como classe já não parecessem, mesmo na política,

“mais importantes, ou pelo menos de maior relevância imediata, do que outras lealdade. Isto só não ocorreu em Liverpool e Belfast. Muito em breve, uma opção pelo Parrido Trabalhista iria se tornar uma opção contra os outros partidos, é não uma forma de desvio da política partidária. Pode até ser que a estagnação do voto trabalhista após 1906 tenha refletido a dificuldade de dar

este passo seguinte: a guerra de 1914 climinou essa dificuldade

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Pois este passo pressupunha a visão socialista de um partido trabalhista independente, O que cra essencialmente diferente das primeiras lutas por uma representação trabalhista independente no Parlamento. Esta fora basicamente uma exigência de que houvesse alguns operários no Parlamento, que pudessem falar diretamente em favor dos interesses específicos do trabalho manual, da mesma forma que diretores de ferrovias falavam pelo interesse ferroviário, ou proprietários de navios pelos interesses do transporte marítimo.

O problema com o Partido Liberal não era o faro de ele se opor a

esta representação, como partido nacional — pelo contrário —, mas o Partido Liberal não conseguia aceitar que o novo conceito de “Trabalhismo inde-

pendente implicasse mais do que um punhado de trabalhadores com autoridade, ou ex-trabalhadores, como congressistas: um Joseph Arch, um Burt,

e até — por que não? — um John Burns, que falava pelo Trabalhismo como

Cobden e Bright haviam falado pelos manufaturciros de Lancashire. Isto implicava que os operários somente deveriam votar em representantes da

classe, Como Ramsay MacDonald explanou em 1903, “assim que houver um movimento trabalhista em política, o próprio significado da represen-

tação trabalhista deve mudar”, pois “a política trabalhista era a expressão das necessidades da classe operária”; mas, acrescentou de maneira característica, “não como uma classe, e sim como o principal elemento constitutivo da nação”? Contudo, à luta de classes não podia ser eliminada tão facilmente da política da classe operária, muito menos numa época em que

era conduzida com animosidade crescente por ambos os lados. E isto me leva ao último tópico:

a consciência de classe, Deliberada-

mente evitei identificar os sentimentos « opiniões das massas operárias, até

onde temos conhecimentos deles, com os da vanguarda de ativistas e mifitantes, porque evidentemente uns e outros não eram os mesmos. Os ativistas estavam imbuídos do espírito de inconformismo, numa época em que à dissensão estava em declínio, Desprezavam energicamente uma boa parte do modo de vida da nova classe operária — especialmente a cultura do futebol. Seria possível se compilar uma grande antologia com Os escritos dos socialistas contemporâneos expressando horror, desprezo pela estupidez e indolência das massas proletárias. Quaisquer que fossem as implicações da

consciência de classe para os militantes. as massas não estavam à altura das suas expectativas. E, no entanto, é igualmente incorreto encarar à classe operária simplesmente como um submundo estóico apolítico, um gueto abrangendo a maior parre da nação, ou, na melhor das hipóteses, uma força que

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209

podia ser mobilizada na defesa de seus estreitos interesses econômicos, enquanto sindicalizados potenciais ou reais. Eles também adquiriram uma consciência de classe, Não quero dar ênfase indevida à conversão de uma pequena minoria de operários ao socialismo, embora ela não tenha sido sem importância; nem mesmo ao sucesso surpreendente desta minoria e de suas organizações, ao sc tornarem aceitas como quadro de líderes políticos e inteleccuais a partir da década de 1890. Os movimentos operários precisam de líderes, « os lideres necessitam ser treinados, Desce o ressurgimento do socialismo, às organizações da esquerda socialista forneceram mecanismos consideravelmente mais cficazes tanto para reunir a elite auto-selecionada de trabalhadores aptos, inteligentes, dinâmicos e inovadores — principalmente juvens operários — como para lhes promover a melhor instrução. Em nosso período, estas pessoas começaram suas carreiras como participantes da Social Democracia, do Partido Trabalhista Independente ou do Movimento Sindicalista Revolucionário, da mesma forma que no período entre-guerras os futuros líderes do movimento sindical nacional se iniciavain no Partido Comunista. Eles eram aceitos como líderes por pessoas que não compartiIhavam de seus pontos de vista porque eram os melhores € apresentavam idéias pertinentes, bem como algumas aparentemente não-pertinentes. Mas é claro que há mais na transformação política do crabalhismo do que esses fatos. O que ainda temos de explicar é a transformação dos minciros, de um corpo notoriamente imune ao apelo dos socialistas, ao que já foi chamado de “a guarda pretoriana de um Partido Trabalhista explicitamente socialista O que temos de explicar é não somente por que isto aconteceu em áreas de luta exacerbada de classes, como no sul de Gales, mas também em áreas desprovidas de militância industrial digna de nota, como no Yorkshire; não somente nas jazidas de carvão onde os minciros viviam em condições péssimas, como nó Lancashire, mas também cm algumas onde destrutavam de boas condições. Ao contrário do progresso movimento sindical em nosso período, que dobrou em múmero e, mais tarde, após uma par de décadas, dobrou novamente, até alcançar mais de 4 milhões em 1914, é praticamente impossível mapear O progresso da consciência de classe. A ascensão do que, até para nossos padrões, é considerado sindicalização em massa — é, em 19101914, militância em massa —, sem duvida indica alguma transformação, mas sta natureza exara não está esclarecida. Os indicadores eleitorais são falhos, em parte porque outros trabalhadores não são tão facilmente identi-

no

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ficáveis como eleitores como os mineiros o são, mas especialmente porque as estatísticas eleitorais do voto trabalhista independente são obscuras até 1906, « não significativas daí até 1914, É somente de 1918 em diante,

quando o Parrido Trabalhista repentinamente aparece com 24% do total de votos, atingindo 37,5% em 1929, que o fato de votar no 'Irabalhismo pode ser usado com razão como um Índice de conscientização política da classe A esta altura, torna-se possível declarar que amplas massas, € cada vez maiores, de operários britânicos consideram o voto Trabalhista como consegiiência automática de serem trabalhadores. Até 1914, isso ainda não acontecia Ainda em 1913, 43% dos minciros votaram contra O pagamento ao Partido “Trabalhista de uma contribuição política ao sindicato, * Entretanto, mesmo que o fazer-se da consciência da classe operária não possa ser medido quantitativamente até 1914, ainda assim ela está ali. Em 1915. Beatrice Webb póde dizer que “o poder do movimento reside na obstinação maciça das bases, cada dia mais representativas da classe operária. Sempre que este sentimento maciço puder ser dirigido contra ou em prol de alguma medida em particular, cle se torna quase irresistível. Nossa classe governante inglesa não ousaria desatiá-lo abertamente” Em 1880, ninguém poderia ou teria feito tal declaração a sério. As duas nações de Disracli não eram mais os ricos e os pobres, mas sim a classe média c a classe operária; uma classe operária que em seu ambiente físico, suas práticas e costumes é reconhecível, pelo menos nas áreas industriais, « semclhante à descrição que Richard Loggart fez dela em seu livro Uses 0f Literacy, pela experiência do período entre-guerras. Na medida em que a classe operária deixava de ser respeitosa, apolítica e apática, sua prática política não estava mais implícita muma crença geral nos direitos do homem, onde os operários representavam meramente um amplo setor do conceito abrangente de “povo”. A política do cartismo, fosse como um movimento independente de massa ou como parte do radicalismo liberal, começa a desaparecer. O último movimento desse tipo foi fundado quase ao mesmo tempo que a Comissão de Representação “trabalhista. Ele unia a esquerda de meados da era vitoriana do Remolds News, que O inspirou, poderosas figuras liberais-trabalhistas como Howell, Fenwick « Sam Woods, com os novos indicalistas da esquerda socialista: Tom Mann e Bob Smillie; a abençoar o movimento, John Burns. Entretanto, esta Liga Nacional Democrática desapareceu antes de 1906, após uns poucos anos de influência considerável. Duvido que alguma história geral da Grá-Bretanha desse período sequer

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ue

mencione scu nome. Mesmo historiadores do movimento operário não lhe concedem pouco mais do que uma nota de rodapé. O futuro estava nas mãos da Comissão de Representação Trabalhista é a essência de seu programa, qualquer que fosse, consistia especificamente em servir às exigências e aspirações da classe operária. Queria concluir com mais um mineiro. Escolhi Lerbert Smith (18621938) porque ele não foi nem ativista religioso nem homem que sc pudesse associar a alguma ideologia ou, apesar de seu entusiasmo pela instrução, à muita leirara. Ele era provavelmente tão semelhante ao minciro médio quanto qualquer outro líder conseguiu ser, mesmo entre mineiros, mesmo na região sul de Yorkshire: um homem baixo, duro, confiável, mais entusiasmado com o criquere e com o Barnsley Foorball Club, à cujos jogos assistia religiosamente, do que com idéias; um homem que tendia mais à pedir aos oponentes que saíssem da frente do que à discutir. Lerbert Smith progrediu regularmente de controlador de pesagem até à presidência dos mineiros de Yokshire e, finalmente, na década de 1920, a da Federação dos Minciros, Em 1897, com a idade de 35 anos, decidiu apoiar o Partido Trabalhista Independente. É a idade avançada desta decisão que torna sua conversão

significativa. Daí em diante, continuou a ser um socialista e, embora na década de 1920 fosse duro com os comunistas, pelos padrões da cra eduardiana, era um membro da esquerda do Partido “Irabalhista Independente. Evidentemente, não cra a ideologia que 0 atraía. Era a experiência da luta dos mineiros, e o fato de os socialistas reivindicarem o que cle pensava da necessidade dos minciros: uma jornada legal de oito horas, um salário mínimo garantido e melhor segurança física. Mas sua escolha também expressava uma consciência de classe visceral, militante é profunda, que encontrava expressão visual em sua maneira de ir. Uma de suas biografias recebeu o título de The Man in the Cap Ele usava O boné como uma bandeira. Há uma fotografia sua em idade avansada, como prefeito de Barnsley. com o lorde Lascelles na elegância alongada de sua classe, de chapéu-coco « guarda-chuva fechado, e com o chefe da polícia num uniforme com alamares. Herbert Smith, um velho atarracado, gordo, usava a corrente é as insígnias de prefeito, mas acima delas portava o seu boné. Seria possível dizer muito sobre sua carreira, nem tudo seria clogioso, embora cu desafie qualquer um a negar compleramente admiração por um homem que, em 1926, sentava-se à mesa de negociações com o boné na cabeça, sem a dentadura, que cle colocava sobre à mesa para

n2

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sentir-se mais confortável, « que, como representante dos minciros, dizia “não” aos donos das minas, ao governo é ao mundo. Tudo o que desejo transmitir aqui é que o líder operário Herbert Smith e sua carreira teriam sido impensáveis em qualquer outro periodo anterior da história do movimento operário — « talvez também em qualquer período posterior. Ele se fez juntamente com a nova classe operária que ele ajudou a se fazer, « cuja emergência nas décadas anteriores a 1914 eu tentei esboçar. Dentre os milhões de homens de boné ele foi sem dúvida excepcional: mas somente foi cxccpcional como uma árvore especialmente majestosa o é numa grande floresta. Houve uma série incontável de outros, menos proeminentes, menos politizados, menos ativos, que se reconheceram em sua imagem, e nós deveríamos reconhecê-los também. Notas

1.E. P Thompson, Lhe Making of the Esulido Wirking Class, Lendres, 1963. TA formação da ease operciri ingles. Rão de Janeiro, Paz e Tesra, 1987.] Marein Jacques e Francis Mulherm (orgs:), Hhe Homvard March of Labor Eialsed?, Tondees, 1982. 3. J 11 Clapham, The Economir Lligory of Modern fritain.2. ed, Cambridge, 1930. vol. 2,p.24 a Phvilis Deane e Alan Cole, Briidy Fconomis Cirilo, 1688-1959, Cambridge, 1967, po t423 5.H.S, Jevuns, Th Bririss Coal Irado, Londres, 1915: cor base em dados das pp. 65 € 217; Earning and Hlouos Enquiry 1: Têxtil Trndes (Parl. Papers. Lxxx1 de 1909, p. 273: 3H. Clapham, The Economie History, pp.15-7, 6, Jonh Marshall, The Indiievial Revolution im Eurmess, Barrow, 1958, p. 356: James Hincon, The Hist Shop Serwants" Movement, Lundres, 1973. p. 28: M, €. Reed (ong), Rails o the Vistoriam Economy: Srudis in Finance amd! Ecomomie Grow, Newton Abbore, 1969,p. 1 FE D , 1une, Briih Labowor History, 1815-1974, 198],p. 7. 8. James E. Cronin, “Strikes 1870-1914, in , |. Weigley (org), A History 0f British Relations 1875-1914. Brigehon, 1982, cap. 4 9H. A Clegg Alan Foxe A. T Thompson, A Hisory of Briis Irde Umionssénco 1889, Oxford, 1964, p. 471 10, Chris WWrigley, “The Government and Industrial Relations” e Roger Davidson. “Government Administraion”, in C. 7. Weigley torg 1, op. ci, caps. 7 € 8

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na

11. A informação solre Richardson e Rus foi olxida em Jovee Bellamy e John Savile orgs. ), Dictionary of Labor Biagrapby. 9 vols , Londres, 1994, vol. 2. pp. 320, 326, 12. Pau Martiez, The Erencio Communari Refigecs in Brivain 1871-1880 (rese ce dou torádo, Universidade de Sussex, 1981), p. 341 13.C£ E], Hobsbawm e E Ranger (orgs), The Jimentim of Tradizins, Cambridge, 1983. p. 295. [Tead. por. À invenção das imadiçies, Rio de Janeiro, Paz é Terra, 1984] 1 Victoria Conniy History of Norkulire, Londres, 1914, vol. 2. pp: 543 ess.

15:E.H. Hunt, Labour Hist. pp. 77; D. À. Reid, =The Decline of Saint Monday 1766-1876, sr and Preene, n.º 71, 1976. pp. 76-10) 16.7.C. Barker, JC MeKenzie e J. Yudkin (orgs.), Osor Chmmina Pare: Tso sondred Tears of ris EauHabit, Londres, 1966, p. LO: “Chatchup” (WE Toftas). The Fish der ama Hi Irado: Or Elim to Eseabliso amd Cano om a Upeto-dato Eis Ervina Bus nes, Londres, s/d. pp. 15, 23-4 Das dez firmas fabricantes de fogões para friruras mencionadas ou anunciadas neste manual, com exceção de duas codas estão em Lansashire e Yorkshire 17: Tomy Mason, Aseiacion Football and Engl Society, 1R63-1915, Brigitom, 1980. 18.C.D, Stuart & A, 7. Park, he Tier Stage, Londres, 1895; G. 7 Mellor, Zhe North er Muse Hall, Newcastle, 1970. 19.7. B, Jeflerys, Rerail Iiading in Brain, 1850 1950, Cambridge, 1954: W Hamish Eraser, The Coming of che Mass Marke, 1850-1914, Lunáres, 1982. 20. Cyril Ehuich, fe Piano: A History, Londres, 1976, pp: 102-3. 21-Joho Burner. Plenty amd Manto A Social Hisory 0f Dis in England from 1815 to she Presens, Londres, 1966, po LUI 22, Geofitey Grecn, The Hisory ofthe Football Asuciatiom, Londres, 1953, p. 125. 23. Herapauho Raúlvay Josrmal, 19 abr. 1884. p. 441. 24, Issa ocorreu de acordo com O General Prer and Harbous Act 0º 1867. Retarórios em Pai. Papes, Lx, 1863; 1X, 1868: 1, 1865: LN, 1866; LX, 1874; LINA, 1875; INV, 1876: Li, 1877; ENVIA, 1878: NM. 1878-9; 1xv7, 1880: Lesour, TA8T; ti 1882; tun, 1883; LAN, 1884: 1x, 18845; Ls, 1886; Luv, 1887: NC, 1888 LUIS, 1889; 1391, 1890: 107%, 1890-1: 139, 1892, [34X, 1893-4; 1997, 1894; Laxavil, 1895, Lav, 1896; 1XNNU, 1898; EXTNVIL 1899, Ver cambém: Retiers fiom the Auchoviis of Faris. Civiny desci ofmun exccnced wish she fas rm pe, Aliminguishina pis dock. cuca. Papers 11 de 1883) 25, Os balneários à beira-mar foram classificados segundo seu “mari social” (para usar à expressão adequadamente vituriána de HT. J. Perkin), de acordo com o conhecimento geral (por exemplos Torquav ou Skegmess) « com as conclusões de inúmeros pesquisadores, começando com E. W. Gilber, “The Growth of Inland and Seaside Health Resores in England”, Scott Gepgrapisical Magazine, nº 53, 1939, Para uma bibliografia, ver J. Wialvin. Leisure and Sociciy, 1430-/950, Londres, 1978; cf. também 1)

ns

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Perkin, “The “Social Tone ot Victorian Seaside Resords in the Northwest”, em seu The Structured Crowd Esays im Engl Social History: J, Lowerson e T. Myerscongh., Timeso Spas im Victorian England, Brigiton, 1977, pp. 30-44. Neste último período, o investimento da classe média está provavelmente supervalorizado, em parte porque. diversos grandes projetos de empresários foram recusados, em parte porque, com o tempo, mesmo os bancários de classe média vieram a reconhecer. por vezes com. relutância, O potencial financeiry do mercado de massa. 26. Para uma visão de um “gueto” da classe operária, ver €. E G. Mastermun, (he Hearr of the Empire, Londres, 1901, pp. 123. 27.6. 5, Layard, “Family Budgers II”, Comil! Magazine ns 10, 1901, pp, 656 55

28. Board of Irade, Report om Cas af Living (Bart. Papers, CX. 1908), passim O trecho citado está na p. 655 29, Ibid., po 406 30, R. Roberts, The Clasie Slem. Mnachester, 1971, p. 13. 31, G Askovith. Indusrial Problems and Disputes, Londres, 1920.p. 10. 32.8. 5 Rowneree, Pierry and Progress À Second Social Survey af Tork, Londres, 1941, pp. 359-60 33, Ross MeKibbin “Working-Class Gambling in Britain, L880-1939º, Past and Preso n.º 82, 1979,p. 172, 34, Citado em IL. Peling, Popular Potts amd Soiesy im Late Victirian Brisaim, Londres, 1968,p. 147. 35. Frod Reid, “Keir Iantie's Conversion to Socialism”, in Asa Briggs e Jonh Savio (orgs), Esses és Labor History 1886-1923, Londres, 1971, p. 28.

36, Julian Amen in Janes L. Garvin (orgs, 1h L4f of oephr Chmberiain, Londres, 1932-1969. vol. 6,p. 791, 37.

Stcud, “Lhe Language of Fdiwardiam Policies”, in D. Smith (org. 1, A People and a Proletarino, Londres, 1980, p. 150. 38.P ]. Wallr, Democracy and Sestarianion: A Thltical amd Social Hissory of Livergoot 1868-1920, Liverpool, 1981, caps. 7, 13-15. 39. H. Poling e E Bealey. Lobour and Pois, 1900-1906, Londres, 1958,p. 158. 40, Ray Gregor the Miners and British Polis, 1906-1914, Londres, 1968,p. 185 “SL, Joseph L. Whie, The amis of Lie Union Milzanoy, Wesipem-Londres, 1978, pp. 1525. 42. Citado em David Marquand, Kanisty MacDomala. Londres, 1977, p. B4 43, Gregory; Miner, p. 175. As. Tbid., p. 188. 45. Beatrice Webb, Diaries 1912-1924, Londres, 1952, p. 45 46, Jack Lawsoo, The Ma óm the Ca: The Life of Herbere Smith, Londres, 1941

Capítulo 6 VALORES VITORIANOS

Enero outras coisas, este eapúluo é soma od fiânebve no openário animal qualificado. Faé apresentado omipinariamente como uma Conferência Tawnoy na

Sociedade de História Económica, em 1983, Ece 0 mutivo de, no final, conter

a referência a R. TIL Tiwncy (1880-1962), figura de importância fiundamental na história econômica brizânica, no socialismo é na luta — para

mencionar o sérulo de dois de seus livres — em fimo da “Igualdade” e contra a “Socicddade da ganância”.

Este capítulo é essencialmente uma discussão à respeito dos destinos e transformações do operário manual qualificado « assalariado na primeira nação industrial. Suas características, valores, interesses e mecanismos de proteção têm suas raízes no longinquo passado pré-induscrial dos “ofícios”. Os quais forneceram o modelo até mesmo para as ocupações qualificadas que não podiam ter existido antes da revolução industrial, tais como os Artíficos de Máquinas a Vapor. A trabalho qualificado continuou carregando as. marcas desse passado até anos bem avançados do século X ; sob alguns aspectos, sobreviveu firmemente até a Segunda Grande Guerra, Hoje admite-se de mancira geral que, em seus primórdios, a economia industrial britânica bascou-se extensamente, c muitas vezes fundamentalmente, na mãode-obra manual qualificada, com ou sem à ajuda de máquinas equipadas de motor, Isso se dava por motivos de tecnologia (na medida em que a habilidade manual ainda não podia ser totalmente dispensada): por motivos de organização da produção (porque a mão-de-obra qualificada suplementava é, em parte, substiruía o projeto, o conhecimento tecnológico e a administração); e, de modo mais fundamental, por motivos de racionalidade empresarial. Na medida em que esta mão-de-obra não constituía tropeço para

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à realização de lucros satisfatórios, os altos custos para substituí-la, ou que acompanhavam sua substituição, não pareciam se justificar pelas perspectivas de lucros obtida sem ela, Isto não se aplicava apenas a casos especiais como Fleet Street. Sir Andrew Noble de Armstrong's argumentava, sem vida corretamente, que se podia ganhar mais dinheiro com a construção de um só barco fluvial do que com a produção de 6 mil automóveis.! Diferentemente do que ocorria nos Estados Unidos, não havia escassez de mãode-obra manual qualificada. E o maior incentivo para sua substituição, ou seja. a produção em massa de bens padronizados, era extraordinariamente fraca ou irregular no mercado interno britânico até as últimas décadas do século; ao mesmo tempo, à posição de domínio das mercadorias britânicas no mercado mundial ou, mais precisamente, nos mercados do que hoje chamaríamos de terceiro mundo e de império branco, mantinha a viabilidade dos antigos métodos de produção. Além disso, pode-se aventar que. em termos de salários cm dinheiro, o trabalho qualificado britânico provavelmente não era caro. Talvez tivesse custado menos do que os negócios suportavam O operário qualificado britânico ocupava, pois, uma posição fundamental de considerável força e, quanto mais a ocupasse e dela se aproveitasse, mais problemático e custoso seria desalojá-lo. De fato, a qualificação podia ter sido destruída. Os trabalhadores qualificados foram derrotados em batalhas campais aparentemente decisivas entre o começo da década de 1830 e o da de 50 — até mesmo os poderosos mecânicos. Contudo, o que veio à seguir, nas décadas de 1850 e de 1860, na maioria das indústrias, foi um sistema tácito de arranjos e acomodações entre os mestres e a mão-de-obra qualificada, que sarisfez a ambas as partes. A posição dos trabalhadores qualificados forraleceu-se a tal ponto que a tentativa posterior, muito mais sistemática, de substituí-los por uma mecanização nova e mais sofisticada e pela “administração científica” foi também em grande medida um fracasso. O areesão do século XIX estava de fato condenado. A não ser em alguns pe quenos setores, ainda que fundamentais, da economia industrial, e na incipiente economia informal, ele — pois até mesmo em nossos dias raramente é uma ela — já não vale para muita coisa. Mas então a indústria britânica também não. A história do artesão é, pois, um drama em cinco atos: o primeiro coloca-o em sua herança pré-industrial, o segundo trata de suas lutas no início do período industrial, o terceiro, de suas glórias em miados da era

PESSOAS EXTRAORDINÁRIAS

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vitoriana, o quarto, de sua resistência bem-sucedida a ataques prolongados. O último vé sua decadência « ruína, gradativa mas de nenhum modo suave a parrir do final da expansão do pós-Primeira Grande Guerra. Começarei com uma observação simples, Na maior parte das línguas curopéias, a palavra artesão, ou seu equivalente, usada sem uma ressalva, é automaticamente entendida como significando algo como um arrifice independente ou um pequeno mestre, ou alguém que pretende vir a sé-lo. Na Grã-Bretanha do século XIX, considera-se automaticamente que também se

efere a um operário assalariado qualificado ou, algumas vezes, no início (como em Avtisas ana Machinery, de Gaskell), à qualquer operário assalariado: Em suma, as tradições e os valores do artesão se proletarizaram neste país como em nenhum outro lugar. O próprio termo artesão talvez seja

enganoso. Pertence em grande medida ao mundo do discurso social é politico do século XIX, passando provavelmente a integrar o vocabulário público

no decorrer das malfadadas campanhas, praticamente os derradeiros esforços coletivos entre mestres de oficio e artífices — estes já amplamente predominantes — para repor as coisas de acordo com o código clizaberano do trabalho, ao final das guerras napoleônicas, O termo parece ter sido em-

pregue raras vezes, no século XVIII, para descrição ou classificação social. Hoje, a palavra que é empregada de maneira quase universal nos círculos da classe operária é “comerciante”. Enquanto, no uso feito pela classe média do século XIX, cla passou a significar, quase sem exceção, um pequeno varejista em geral (um homem que estava “no comércio”), no seu uso pela classe operária cla conservou, e talvez entre os mais velhos ainda conserve, o uso do antigo ofício do homem que “tem um oficio”: neste caso, caminham juntas à língua e a diferenciação da posição dos artífices entre aqueles que fazem é aqueles que vendem. Observemos de passagem que enquanto “estar no comércio” provoca conotações de desprezo ou de respeito, “ter um oficio”, pelo menos para os que o possuem, ou sc comparam aos que o possuem, conserva suas conotações de satisfação própria e orgulho. Do mesmo modo que à palavra mestre apresenta um desenvolvimento semelhante, tornando-se, como cra usada no século XTX, Sinônimo de “empregador”, assim também, inversamente, “artífice” torna-se sinônimo de trabalhador de ofício assalariado. De fato, no princípio da industrialização, é por vezes usado com referência a qualquer operário assalariado. As socie-

dades de ofício e os sindicatos de ofício em que sobrevive o nome do antigo artesanato não são hoje apenas corporações de ofícios tradicionais, tais co-

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FRIC HOBSRAWM

mo chapeleiros ou fabricantes de escovas, mas de outros antes não existentes, tais como artífices de máquinas a vapor € caldeireiros. Enquanto os sindicatos foram gradativamente eliminando de seus títulos o termo “artifice”, a palavra como tal continuou a ser uma descrição do homem qualificado, já não em contraposição aos “mestres” de seu ofício, mas em contraposição aos aprendizes, cujo número buscava controlar €, especialmente, em contraposição aos “trabalhadores braçais” ou “ajudantes gerais”, contra Os quais defendiam o monopólio de seu cargo. Assim, a diferenciação e a estratificação de classes no século XIX está profundamente enraizada no vocabulário, « portanto nas memórias congeladas, do mundo pré-industrial dos ofícios.

Mais ainda: O termo ofício passou a estar essencialmente identificado com os trabalhadores qualificados que o praticam. “Os homens de cada oficio referem-se ao próprio ofício como o oficio”? “Relativamente às ques-

tões de trabalho”, diz um dicionário do trabalho do começo do século xx, “esse termo denota ou 1) um ofício ou ocupação específica no campo do

emprego manual, ou 2) 0 corpo coletivo de operários ocupados mum só ofício ou ocupação específica”.

sinônimo de “sindicato”.

De fato, anualmente, “o ofício” pode ser

Assim, ainda na época da Segunda Grande Guer-

ra, encontramos um aprendiz de tanoeiro — chocado por ver um trabalha-

dor braçal fazer um trabalho qualificado — obrer êxito na ameaça que faz à

seu chefe de levar o assunto ao conhecimento “do ofício”, caso não o mandasse parar com aquilo*

Não desejo insistir sobre a questão lingúística, embora ela seja impor-

tante é compensasse uma pesquisa sistemática. Em todo o caso, está claro

que não só o vocabulário e as instituições da organização pré-industrial dos ofícios se transferiram para a classe operária quase en blvc, mas também que

à distinção classificatória básica da era vitoriana no interior das classes trabalhadoras provém da tradição

dos ofícios. É de conhecimento comum que à

divisão vitoriana dos operários em “artesãos” (ou algum cermo semelhante.

tal como mecânicos”) e trabalhadores braçais era irrealista c sempre fora descritivamente inadequada. Contudo, foi aceita de maneira muito ampla, e não só pelos operários qualificados, como representativa de uma dicotomia autêntica; isso não ocasionou nenhum problema classificatório de importân-

cia até que se expandissem os grupos que não podiam, de mancira realista, nem ser enquadrados num dos compartimentos, nem ser desprezados. Daí

que, a partir da década de 1890, passaram a ser conhecidos vagamente co-

PESSOAS EXIRAORDINÁRIAS

un

mo “semiqualificados”* Do ponto de vista do patrão, isso representava a diferença entre a mão-de-obra qualificada, isto é, “toda aquela que exige longo período de serviço, quer mediante um contrato ou acordo definido, e numa única firma, quer sem esse tipo de acordo, deslocando-se o aprendiz de uma firma para outra”, e toda a restante mão-de-obra. Essa era também, essencialmente, à definição dada pelos trabalhadores.” Do ponto de vista destes, isso representava a superioridade qualirariva do ofício assim aprendido — o profissionalismo do artesão — e simultaneamente de seu stazus c remunerações. O artífice que passou por aprendizado cra o tipo ideal do aristocrata da mão-de-obra, não só porque seu trabalho exigia habilidade c discernimento, mas também porque um “o cio” proporcionava uma linha de demarcação formal, idealmente insticucionalizada, separando os privilegiados dos desprivilegiados, Não importava muito que O aprendizado formal quase certamente não fosse a porta de entrada mais importante para muitos ofícios. George Lowell estimou, em 1877, que menos de 10% dos membros do sindicato haviam passado por um aprendizado propriamente dito? Entre estes, encontrava-se Robert Applegarth, secretário da Sociedade Unida dos Carpinteiros e Marceneiros c um. firme esteio dos ofícios. O fundamental era que bons monradores —- mesmo bons carpinteiros c pedreiros, que cram muito mais vulncráveis a intromissões — não se faziam num dia ou num més. Na medida em que à verdadeira qualificação cra indispensável, os artesãos dessa espécie estavam menos inseguros do que por vezes se tem sugerido: havendo trabalho disponível, jamais estariam sem trabalho. Eles tinham de se proteger não tanto contra trabalhadores braçais ou mesmo ajudantes gerais, que podiam imediatamenre assumir seus postos, como contra uma super-oferta a longo prazo de oficiais treinados — e, naturalmente contra a insegurança do ciclo do ofício e do ciclo da vida. Em muitos ofícios, por exemplo na mecânica, era pequeno o risco de geração descontrolada de um exército de reserva, embora fosse significativo em alguns dos ofícios da construção civil. devido à grande afluência de trabalhadores do campo treinados. São esses, pois, os artesãos de que estamos tratando. De passagem. assinalo que eles não devem ser confundidos com o chamado “artesão inteligente” dos debates da era vitoriana sobre a reforma parlamentar, ou de Thomas Wrighr, aquele “herói das mil notas de rodapé”, para citar Alastair Reid. Os artesãos eram, de fato, suscetíveis de ser mais bem instruídos do que a maioria dos não-artesãos e, como demonstra à história da maioria dos movimentos

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operários, muito mais suscetíveis do que os demais para ocupar postos de responsabilidade e liderança. Até mesmo na década de 1950, os operários qualificados proporcionavam a mesma proporção de dirigentes sindicais em tempo integral — cerca de 95% — nos antigos sindicatos de ofício com forte acréscimo dos semiqualificados, que nos sindicatos ainda descritos como sindicatos de qualificados.” Contudo, como Thomas Wright observou corretamente, os artesãos letrados com interesses intelectuais —— pelo menos na Inglaterra — constituíam minoria entre seus pares, cujos gostos não cram notavelmente diferentes dos do resto do proletariado. !! A análise de uma amostra do que se poderia considerar por definição “artesãos inteligentes” confirma isso. Nos ingressos na Instiruição de Mecânicos de Londres durante Os primeiros trés anos, grupos como, digamos, chapeleiros, tanoeiros € carpinteiros navais estavam veementemente sub-representados, embora di ficilmente se considerassem menos qualificados ou inferiores na hicrarquia social do artesanato, do que, digamos, os ofícios ligados aos trabalhos com madeira, algo super-representados.”! A verdade, confirmada pelas estatísticas posteriores de fregitência a escolas noturnas,” é que alguns oficios achavam profissionalmente mais útil fazer cálculos escritos e usar ou produzir projetos do que outros e, por isso, tendiam a ser mais estudiosos. Podemos, pois, com segurança, deixar o “artesão inteligente” de lado. Que extracm cles da herança pré-industrial de seu ofício? Os acadêmicos não devem ter dificuldade em captar os pressupostos existentes por trás do pensamento e da ação dos ofícios corporativos, uma vez que nós mesmos continuamos, em grande medida, a atuar a partir daqueles pressupostos, Um ofício consistia de todos os que houvessem adquirido as qualificações. próprias de um trabalho mais ou menos difícil, mediante um processo específico de educação, completado por testes e avaliações que assegurassem o adequado conhecimento e desempenho do trabalho. Em troca, essas pessoas contavam com o direito de dirigir seu ofício e ter 0 que considerassem um modo de vida decente, correspondente a seu valor para a sociedade e a seu status social, É muito fácil traduzir esta última exigência em termos de cco-

nomia de mercado é, de fato, grande parte do que os ofícios faziam servia para limitar à entrada no ofício, para eliminar à competição por estranhos (que tivessem ou não seus próprios ofícios) e para restringir a produção e o suprimento de trabalho. de maneira que mantivesse a renda média no nível exigido. Atualmente, a economia de mercado de fato tomou conta, mas os pressupostos básicos dos ofícios possuem somente uma relação periférica

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com o discurso das escolas de administração. Estas se utilizam da antiga linguagem de uma ordem social adequadamente estruturada ou, nas palavras de E. P Thompson, de uma “economia moral”

A intenção óbvia de nossos ancestrais ao promulgar o Estamto [dos Artífices) «. foi produzir um múmero adeguado e uma eterna sucessão de mestres c artífices, de experiência prática, para promover, assegurar e tornar permanente a prosperidade das artes e manufituras nacionais, honestamente trabalhadas por sua capacidade e ralencos |grifos meus], incultados por uma educação mecânica.

Isto, por sua vez, significava que eles possuíam “um direito indiscutível . ao desfrute calmo e exclusivo de suas diversas e respectivas artes e ofícios, que à lei já lhes outorgou como uma propriedade”. !* Aquele trabalho cra “propriedade” do trabalhador e, ser tratado como tal, cra naturalmente um lugar comum do debate político radical da época. Inversamente, o dever de trabalhar de modo correto era assumido é aceito; os membros da Sociedade dos “Irabalhadores em Estanho de Londres que abandonasse o emprego eram obrigados a voltar para completar todo trabalho inacabado, ou pagar para que fosse completado, sob pena de multa aplicada por sua sociedade.!* Em suma, o ofício não era tanto um mio de ganhar dinheiro; antes, o rendimento que cle proporcionava representava O reconhecimento, pela sociedade e por suas autoridades constiruídas, do valor de um trabalho decente exccurado decentemente por corporações de homens respeitáveis, adequadamente qualificados para as tarefas de que a sociedade necessitava. A situação ideal e, de fato, esperada cra uma situação em que as autoridades legavam ou outorgavam esses direitos à corporação de ofício, mas na qual o ofício assegurava coletivamente a melhor maneira pela qual eles erum conduzidos « defendidos. Nos ofícios corporativos clássicos ou, se se preferir, típico-ideais, do pecíodo pre-industrial, tais regulamentação c salvaguarda estavam essencialmente nas mãos dos mestres de ofício, cujas empresas constituíam as unidades básicas da coletividade, bem como de seu sistema educacional € rcprodutivo. Claro que os interesses dos artesãos representados essencialmente pelos operários contratados deviam ser formulados de maneira bastante diversa. Menos cvidente é que um “ofício” identificado como tal não fosse à mesma coisa que um estrato auto-suficiente de artífices dentro de uma cconomia de ofícios, mesmo quando organizada em guildas, fraternidades ou

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outras associações de artífices específicos. A diferença entre este último tipo de organização e a “sociedade de ofícios” britânica, que se desenvolveu dire tamente como sindicato de ofícios, merece mais análise do que tem recebido, ainda que alguns trabalhos recentes tenham desenvolvido significari vamente o assunto. Tem-se sugerido que essas formas de ação coletiva de arrífices tendiam a enfatizar a “honra” e o prestígio social do artífice para os de fora, € muitas vezes à custa de scus interesses econômicos, frequente mente por meio de uma espécie de hipertrofia de práticas simbólicas, tais como os conhecidos rituais, lutas e tumultos dos artífices. O que precisamos assinalar aqui é somente que esse caminho do desenvolvimento do artífice — que não possui um símile britânico, que eu saiba — não podia facilmente levar em via direra ao sindicalismo. É evidente que os interesses econômicos dos operários assalariados eram

fundamentais nas organizações de ofício de artífices, antes mesmo da revolução industrial. O que quer dizer que se destinavam a salvaguardá-los contra os principais riscos de vida dos operários manuais, ou seja, os acidentes, a doença e a velhice, perda de tempo, subemprego, desemprego periódico e competição de parte de um excedente de trabalhadores. "* Enquanto o núcleo da coletividade dos arífices na Alemanha ou na França seria encontrado fora da oficina de trabalho -— no período instimcionalizado de viagem, a hospedaria ou albergue em que ocorriam os riruais de iniciação — 0 locus fundamental da socialização do aprendiz britânico nos modos de ser do artífice era obviamente o local de trabalho. Ali cle era “ensinado, tanto pelos preceitos quanto pelo exemplo de seus pares, à respeitar o ofício é suas leis escritas « não-escritas e que, em qualquer assunto relativo ao ofício, deve sacrificar 0 interesse pessoal, ou a opinião privada, àquilo que o ofício, correta ou erroncamente, regulamentou em favor do bem comum”. !” Assim, não havia uma distinção clara entre o “costume do ofício” como tradição ou prática ritualizada, e a base racional da ação coletiva dos operários em serviço ou a sanção de concessões por ele conquistadas, Assim, póde-se permitir atrofiar alguns rituais formalizados, sem diminuir a força do “costume do ofício”, As instituições básicas de artífices, como mostra Artisan Políics, de Prothero, eram às sociedades bencficentes de ajuda mútua, à casa de convívio, o sistema ambulante — que dava aos artesãos uma dimensão nacional -— e a aprendizagem, As pesquisas têm insistido com razão que, a estas,

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deve ser acrescentado o grupo de trabalho na oficina ou no local de trabalho, não-organizado mas de modo algum totalmente informal !5 Elas protegiam os interesses dos empregados contratados — ainda que não se deva nunca esquecer que isso era visto como “o ofício”, composto essencialmente de empregados contratados, o que quer dizer um corpo éspecífico de homens respeitáveis « honrados que defêndiam seu “oficio”, isto cu dircito à independência, do respeito e a um meio de vida decente que a sociedade lhes devia em troca da execução adequada de tarefas socialmente essenciais, que exigiam sua instrução qualificada € experiência. O “direito à um ofício” na constituição original da Sociedade Unida dos Mecânicos era comparado ao direito que tem o detentor de um diploma de médicoº A qualificação para o trabalho cra idêntica ao direito de exercé-lo. O senso de independência do artesão baseava-se, naturalmente, em algo mais do que um imperativo moral. Baseava-se na crença justificada de que sua habilidade era indispensável para a produção; na verdade, na crença de que ela era o único fator de produção indispensável. Daí a oposição do artesão ao capitalismo, o qual, no início do século XIX, negava cada vez mais a economia moral que dá aos ofícios seu lugar modesto mas respeitado: não tanto aos patrões trabalhadores, que cles conheciam há muito tempo. nem à maquinaria como tal, que podia ser vista como uma extensão das ferramentas manuais, imas ao capitalista, considerado um homem médio improdutivo e parasita. Os patrões que perrenciam às “classes úteis”, na medida em que — para citar Hodgskin — “são trabalhadores tanto quanto seus art fices”, e na medida em que eram necessários “para dirigir e supervisionar o trabalho e para distribuir sua produção”, eram bons: somente que, por infelicidade, “são também” — novamente Hodgskin — “capitalistas ou agentes dos capitalistas e, sob esse aspecto, seu interesse é decididamente oposto aos interesses de seus trabalhadores”. Os pequenos parrões não criavam problema algum e, de faro, podiam muitas vezes ser, ou continuar sendo, membros de sindicatos. Os fundamentos teóricos do socialismo em seu início, equivocadamente chamado de “utópico”, devem ser buscados nessa aritude. Essencialmente, ele visava à eliminação da competição e do capitalista, por meio da produção cooperativa por artesãos. Prothero mostrou de que modo os artesãos que começaram simplesmente tentando defender ou restabelecer à antiga “economia moral” foram levados, sob pressão das transformações econômicas do início do século XIX, a considerar um modo novo é revolucionário de restabelecer a ordem social moral como a viam e, ao fazê-lo,

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tornar-se inovadores sociais e revolucionários. E Prothero, acertadamente, também chamou àatenção para o fato de que, sob esse aspecto, a evolução do operário artífice britânico caminha paralelamente à do operário artesão continental, ou melhor, francês.” Ambos rendem a se tornar politicamente ativos como artesãos e, ao fazé-lo, a transformar-se nas “classes operárias”, ou em setores essenciais delas. Contudo, há uma diferença fundamental. O socialismo utópico ou, antes, o murualismo c a cooperação de produrores, passou a ser e continuou sendo por muito tempo o núcleo do socialismo francês, Na Grã-Bretanha, porém, à despeito de surtos ocasionais de popularidade e de uma atração por quadros de artífices, o socialismo cooperativo foi sempre um fenômeno periférico, em vias de ser esquecido mesmo quando o país foi empolgado plo cartismo — o primeiro movimento de massa da classe operária no qual participaram os artesãos, sob pressão econômica como todos os demais, O socialismo decaiu na Grã-Bretanha da década de 1840, ao mesmo tempo que ascendia no continente. Sejam quais forem as razões para essa diferença — e clas continuam não inteiramente explicadas — provavelmente deverão ser procuradas em parte nas condições políticas do país, mas principalmente no próprio avanço da economia capitalista britânica sobre os demais países, a qual já então fazia com que uma economia de pequenos produtores de bens, individuais ou coletivos, fosse algo implansível ou economicamente marginal, Os artífices eram operários. Viviam num mundo de empregadores. É característico que a única forma de cooperação que demonstrou ter um apelo autêntico, desde o início, foi a que procurou substituir um setor econômico de pequenos independentes, ou seja a loja da cooperariva. Assim, os homens de ofício não tinham dificuldade em entrar em acordo com uma economia de capitalismo industrial, desde que ssa economia decidisse admitir seus modestos reclamos de qualificação, respeito e relativo privilégio, e oferecesse claramente oportunidades crescentes c bencfício material. E foi isso claramente o que ocorreu nas décadas de 1850 « 1860, A posição deles pode ser simbolizada no jantar de aniversário da filial de Cardiff da Sociedade Unida dos Carpinteiros « Marceneiros em 1867, na Masons Arms, “lindamente decorada com ramos de sempre-verdes etc. e acima da cadeira do presidente havia um desenho representando à amizade existente entre o empregador e o trabalhador, pelo cordial aperto de má davam” 2 Esse tema iconográfico aparece muitas vezes na época. do, representava-se o comércio entre todas as nações e no canto havia bus-

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tos de antigos filósofos crc. Esse desenho trazia a seguinte inscrição: “Êxito

à louvável competição” e “a prosperidade é a riqueza das nações devem-se à ciência, à indústria e ao justo equilíbrio de todos os interesses?” Seria um erro supor que tais sentimentos fossem incompatíveis com entrar em greve. Vale a pena assinalar, como nos lembra Richard Price, que se 0 artesão certamente precisava de organização coletiva, sua força coletiva não deve ainda ser medida por sua participação em sindicatos. O pressuposto geral, de Mayhew « outros, era de que “homens de sociedade” representavam talvez 10% de todos os ofícios, salvo os excepcionais. As corporações poderosas, como a dos pedreiros, tinham talvez 15% do ofício organizado em 1871, carpinteiros e marceneiros talvez entre 11% € 12%, os estucadores menos de 10%.* A Sociedade Unida dos Mecânicos, com talvez 40% em

1861, cra bastante excepcional. Se, ou quando, os “homens de sociedade” em ofícios não-organizados atuaram como reguladores do progresso económico é hoje uma questão novamente em aberto. Em todo o caso, nos moimentos por salário e horas de trabalho não havia uma distinção nítida entre Os organizados é os não-organizados, visto que ambos tinham o mesmo interesse na restrição contra os trabalhados alheios ao ofício. Assim,

entre os pedreiros da mal organizada Portsmouth, onde não havia aprendizes contratados e 70% dos trabalhadores haviam acabado de “pegar” o ofício, não havia no entanto trabalho por tarefa, e o progresso dos trabalhadores braçais, outrora frequente, rornara-se raro. Em Glasgow, onde os Webbs encontraram relações insatisfatórias com os empregadores, nenhuma regra de trabalho, nenhum limite de aprendizes « grande afastamento dos sindicatos dominantes, não havia trabalho por tarefa e os trabalhadores braçais não “se metiam”2” A verdade é que o artesanato não cra só o critério de identidade e auto-estima de alguém, mas a garantia de sua renda. Os melhores trabalhadores, disse um esmidante do desemprego no ramo da construção civil de Londres, sempre conseguem trabalho. Na Sociedade Unida dos Carpinteiros e Marceneiros tinha-se como líquido que *o éxito da sociedade depende de que seus membros sejam invariavelmente trabalhadores comperentes*:2? c cles eram recrutados de acordo com isso e, de fito, mantinham-se à altura. “Se um homem não vale 36 shillings por semana”, disse com orgulho o Monthly Records da Sociedade Unida dos Mecânicos (sendo em 1911, talvez já não com toda à sinceridade), “o sindicato tem regras para lidar com a incompetência”? Do mesmo modo observou James Iopkinson na década de 1830: “Nossa oficina cra uma oficina de operários

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sindicalizados e ali trabalhavam os melhores operários da cidade”! O pequeno poder de fogo com que os artesãos enfrentavam os canhões dos empregadores extrafa sua eficiência da barricada de qualificação que os protegia, bem como da solidariedade dos hábeis atiradores. A qualificação c a independência do artesão eram simbolizadas pela posse de ferramentas pessoais.*? esses pequenos mas vitais meios de produção, que lhe possibilicavam exercer seu ofício em qualquer lugar. Broadhursr, O líder sindical e membro liberal-trabalhisra do parlamento, manteve suas ferramentas de pedreiro embrulhadas « preparadas durante todo o tempo de sua carreira política: representavam seu seguro? Muitos anos mais tarde, em 1939, quando o caldeireiro Harry Pollir foi deposto de scu cargo no Partido Comunisra, sua mãe escreveu, orgulhosa: “Suas ferramentas de marcar estão aqui, eu as conservei em vaselina, prontas para serem usadas à qualquer momento”: Em um nível mais modesto, quando Jess Oakrovd, do God Companions de J, B. Priestex, perdeu o emprego e tornou-se um ambu ante, a coisa mais importante que trazia consigo cra seu saco de ferramentas. Não necessariamente à qualificação mais clevada exigia um conjunto de ferramentas mais caro ou sofisticado, embora os homens de ofício orguihosos — notadamente os que trabalhavam com madeira — gastavam muito com ferramentas é com recipientes luxuosos para elas como símbolos de sintus. Em 1886, à Socicdade Unida dos Carpinteiros e Marceneiros resttingiu o benefício pela perda de uma caixa de ferramentas, com o fundamento de que “se um membro traz pára o trabalho uma caixa de mais valor [do que o necessário] deve tazé-lo correndo à próprio risco”. O seguro das ferramentas pelo sindicato era comum entre carpinteiros e marceneiros, embora o fosse menos entre metalúrgicos, presumivelmente porque suas ferramentas pessoais eram subsidiárias do equipamento da fábrica. O “auxílioferramenta” da Sociedade Unida dos Carpinteiros e Marcenciros cra entendido claramente como um ponto crítico de grande demanda pelo sindicato — ele segurava contra roubo e não só contra fogo € perda — e sua importância é sugerida pela fregiiência das resoluções do departamento e das notícias sobre 0 assunto.” De fato, em seus primeiros trinta anos, à valor do auxílioferramenta pago por membro foi mais ou menos comparável ao auxílioacidente, e representava cerca de 55% do auxílio-funeral* Contudo, o valor das ferramentas era secundário em comparação com sua importância simbólica. As dos carpinteiros navais de Londres, que poucos podiam superar em qualificação, possuíam talvez o valor de 50 shillimgs

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em 1849, segundo Mayhew,” é, na década de 1880, o sindicaro pagava 50% de custos de reposição até um máximo de 5 libras.!? Mayhew estimou

o valor das ferramentas dos ebanistas entre 30 e 40 hibras, das dos marceneiros em até 30 libras e das dos tanoeiros em 12 libras. Essas cifras, exceto

para os carpinteiros e marceneiros, são bastante mais altas do que as citadas.

na Comissão Real sobre o Trabalho ou das que se podem extrair das listas

de ferramentas roubadas nos relatórios de carpinteiros; e, conforme tanto

Mayhew como a probabilidade, as ferramentas eram compradas aos poucos

durante os últimos anos de aprendizagem do trabalhador e, no início, co-

mumente de segunda mão.” Mas simbolizavam a independência. Daí as disputas à respeito do “tempo de afiar*. Como o oficial trazia para a fábrica sua habilidade e suas ferramentas, ambas deviam estar absolutamente pre-

paradas para a ação, Ele, e somente ele, devia afiá-las — o que implicava um

gasto semanal não desprezível *º Logicamente, o momento de tazer isso era após terminar o último serviço e ainda na jornada do empregador, que, esperava-se, o dispusesse para isso (ou dinheiro em seu lugar) 3 Mesmo atual-

mente, como mostra Beynon em relação à Ford, as ferramentas ainda impli-

cam certa independência para o homem de oficio em comparação com os

operários da produção *

Porém, se as ferramentas pessoais simbolizavam independência para os areesãos, inversamente O controle das ferramentas simbolizava à superio-

ridade da gerência, Sabemos que a gerência estava disposta a transformar

a

organização de sua fábrica, retirando os rebolos de esmeril da oficina de produção e não mais autorizando os operários a afiar as ferramentas a seu modo c de acordo com suas próprias especificações: deviam fazê-lo por ângulos determinados por outros é num recinto especial para as ferramentas, a ferramentania.** Caracteristicamente, a ferramentaria iria se manter como o último reduto do artífice nas indústrias mecânicas de produção em

série semiqualificadas do século XX. Mesmo na indústria mecânica não sindicalizada do período entre-gucrras, à gerência teria de tomar cuidado com

as susceribilidades da ferramentaria e fechar os olhos ao sindicalismo dos

ferramenteiros, No século XIX, esse tipo de controle era mais visível nas enormes companhias ferroviárias, empresas que empregavam e treinavam numerosos artesãos; e, ainda que elas reconhecessem que seus capatazes provinham fundamentalmente de entre eles, c, portanto, era provável que tivessem o mesmo ponto de vista do artesão, não viam necessidade de

ma simbiose com o trabalhador parcialmente autônomo. Assim, a Great

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Western e a Great Eastern transformavam o orgulho do artífice em obri-

gação, obrigando os operários, no Regulamento de Trabalho imposto unilateralmente, a comprar pór no seguro suas ferramentas pessoais. Os ca-

patazes cm Startfvrd deviam examinar as malas de ferramentas dos operários.

antes que eles se retirassem da fábrica e, em Derby, elas precisavam de licença especial para sair” As políticas de pessoal das companhias ferroviárias, que merecem ser mais estudadas do que têm sido na Grã-Bretanha, às

vezes parecem ter sido especificamente destinadas a substituir a autonomia e o controle exclusivo dos ofícios pelo controle gerencial da admissão, treinamento, promoção a graus mais altos de qualificação e operações da fibrica.

Pois as ferramentas não simbolizavam apenas a relativa independência

do artesão em relação à gerência mas, ainda mais claramente, seu mono-

pólio do trabalho qualificado. As expressões padrão para aquilo que se deve impedir a todo custo que Os operários não-qualificados ou não especifi-

camente treinados façam, isto é, “meter-se” ou “exercer o ofício”, são algu-

mas variantes da frase “pegar na ferramenta”, ou “manejar as ferramentas

do oficial”, ou “conseguir pegar as ferramentas para si”. Os ajudantes de pedreiro, em mais de uma coletânea de regras de trabalho, são especifi-

camente proibidos de “usar a colher de pedreiro” Os ajudantes de tanoeiro

tinham permissão para visar apenas algumas ferramentas de tanociro espe-

cíficas, tais como martelos.“ Inversamente, Os artesãos reconheciam 0 starus

uns dos outros mediante o empréstimo de ferramentas entre si! Em suma, eles podem ser definidos essencialmente como animais que usam ferramen-

tas é que monopolizam ferramentas.

O direito a um ofício não era somente um direito do oficial devida-

mente qualificado, mas também uma herança familiar? Os filhos e parentes de homens de ofício não se tornavam oficiais somente porque, como entre as classes médias profissionais, suas chances de fazê-lo eram notadamente superiores às dos demais, mas também porque os pais não queriam nada melhor para seus filhos e insistiam em lhes conseguir um acesso privilegiado, O aprendizado graruito para pelo menos um dos filhos era uma disposição de muitas das coletâneas de Regras de Trabalho dos Operários da Construção Civil** A importante Sociedade dos Mecânicos de Caldeiras

a Vapor recrutava em grande medida entre filhos e parentes, e na Londres

eduardiana a sucessão hereditária era considerada comum entre caldeireiros

e mecânicos e em alguns ofícios gráficos; entre os operários da construção

civil, porém, só o era para aqueles pedreiros e estucadores e, talvez. enca-

PESSOAS EXTRAORDINÁRIAS

no

nadores favorecidos. Tem-se assinalado também, quanto a isto, que era pequena a atração exercida pelas funções de escritório sobre os filhos de oficaais.º Isto se confirma pela análise de umas duzentas biografias do Dictionary af Labour Biagrapln** (principalmente dos nascidos entre 1850 é 1900), o qual mostra que 9 número de filhos de homens de ofício que se dirigiam à funções de escritório ou semelhantes era não muito maior do que a metade do número dos filhos de não-oficiais — embora o número de filhos de não-oficiais não passasse de cerca de 75% do de oficiais. Em suma, o que contava para o artesão vitoriano cra a aprendizagem na oficina mais do que na escola, e um ofício era pelo menos tão desejável ou melhor do que qualquer oura coisa efetivamente em oferta. De fato, o maior grupo isolado na amostra do Dictionary (do qual excluí os mineiros, cuja auto-reprodução é avassaladora) consistia de cerca de 70 filhos de oficiais que ingressaram em ofícios, a merade dos quais no mesmo ofício paterno. E sabemos que em Kentish London (1873-5) de Crossick, 43% dos oficiais mecânicos eram filhos de trabalhadores nesses oficios, « 64% provinham de pais qualificados em geral: 64% e 76% dos oficiais carpinteiros navais provinham, respecrivamente, de famílias de carpinteiros navais, ou de famílias de oficiais qualificados; o mesmo acontecia com 46% « 69%. respectivamente, dos oficiais na constração civil. Deixo em aberto à questão, como sugere Crossick, de se os vínculos que ligam os artesãos entre si e os separam dos não-qualificados realmente se estreiraram durante o período vitoriano.*” Isso não significa que o ingresso nos ofícios fosse fechado. Dificilmente poderia ser, considerando a taxa de crescimento da força de trabalho, para não falar nas poderosas empresas, como as ferrovias, que deliberada mente se encarregavam do treinamento € promoção do trabalho não-qualificado, oferecendo um importante caminho para sua ascensão; este fato pode ser bem observado na amostra do Dictimary. O que isso indica é a relativa vantagem que O estraro dos oficiais tinha em se reproduzir, a importância, no interior da força de trabalho qualificada, desse bloco de artesãos que se auro-reproduziam; e, ainda, sua capacidade de assimilar ós não-artesãos que se juntavam a suas fileiras, uma vez que o starus de artesão significava uma longa e especializada formação de habilidades, cferuada essencialmente por artesãos na oficina de trabalho. E, em 1906, segundo uma estimativa, cerca de 18% dos homens com ocupação tendo por idade emtre 15 é 19 anos ainda estavam classificados como aprendizes e alunos. Nas indústrias e regiões dominadas pelos artesãos — a costa nordeste logo vem à mente —

E

ERIC HOBSBAWM

sua capacidade de assimilar novos ingressantes era evidentemente enorme, Pode-se recordar que mesmo em 1914, apesar de esforços consideráveis, 60% da força de trabalho da Federação dos Empregadores de Mecânicos ainda eram classificados como qualificados:** em tais circunstâncias, os artesãos, ou o grosso deles, eram privilegiados e estavam relativamente seguros. O ponto crucial de sua posição apoiava-se na dependência da economia relativamente às habilidades manuais, isto é, habilidades exercidas por trabalhadores da indústria. A verdadeira crise para o artesão instalou-se assim que os homens de ofício passaram à ser substituíveis por operadores de máquina semigualificados, ou por alguma outra divisão do trabalho em tarefas especializadas e rapidamente aprendidas — falando de maneira geral, nas duas últimas décadas do século x1x. Essa fase da história do artesão tem sido muito intensamente investigada, pelo menos em relação à determinados ramos da indústria.ºº e foi neste ponto que se concentrou o principal ataque ao conceito de uma “aristocracia da mão-de-obra”. Sem contar com o fato de que era uma minoria cada vez menor, a posição do oficial há muito tempo já não cra protegida pela extensão do treinamento e da prática, pela qualificação e pela tolerância voluntária dos empregadores. Era protegida sobretudo pelo monopólio dos cargos garantido pelos sindicatos e pelo controle da oficina de trabalho. Contudo, os cargos então monopolizados e protegidos já não eram cargos qualificados no sentido antigo, embora os mais capazes em protegê-los fossem cm geral de ofícios antigamente qualificados, como compositores c caldeireiros, que insistiam em que scus membros monopolizassem os novos cargos. agora desqualificados. Mas mesmo isso minava à posição especial do artesão. Pois, como todos sabemos hoje a partir do ofício de impressor da Fleet Street, quando a qualificação e o privilégio ou os altos salários não se correlacionam mais, os artesãos são apenas um conjunto de trabalhadores entre muitos outros que podem, dadas as devidas circunstâncias — geralmente a ocupação de um gargalo estratégico —, estabelecer esse tipo de forte posição de barganha. Falando de modo geral, no final do século XIX, os ofícios se viram, pela primeira vez desde as décadas de 1830 é 1840, ameaçados pelo capitalismo industrial como tal, mas sem esperança de escapar dele, Sua existência como estrato privilegiado estava em risco, Além disso, O principal ataque dos empregadores era contra scus privilégios de ofício. Daí porque, pela primeira vez, seus principais setores voltaram-se contra o capitalismo. Deste modo, diferentemente de alguns dos ofícios tradicionais, os novos ofícios

PES OAS EXTRAORDINÁRIAS

18

mecânicos da economia industrial não foram geradores de ativistas politicos. Antes da década de 1890, há poucos (se é que existe algum) maquinistas é mecânicos da construção naval entre os políticos liberal-trabalhistas destacados em âmbito nacional. Contudo, quase desde o começo, os mecânicos destacam-se entre os socialistas. Na Reunião dos Delegados da Sociedade Unida dos Mecânicos, em 1912, mais da metade dos delegados presentes parecem ter sido defensores do “coletivismo” a ser conquistado pela guerra de classes.º! As pequenas e controvertidas seitas marxistas como o Partido Trabalhista Socialista estavam cheias deles. Os representantes sindicais dos mecânicos e o radicalismo revolucionário na Primeira Grande Guerra caminharam juntos como goiabada « queijo, e os metalúrgicos — geralmente operários altamente qualificados -— vieram mais tarde, proverbialmente, a dominar a componente proletária do Partido Comunista, seguidos a grande distância pelos operários da construção civil « pelos mineiros. A esquerda foi-lhes atraente por duas razões. Em primeiro lugar, uma análise da luta de classes fazia sentido para operários envolvidos numa batalha com empregadores organizados, à respeito do que parecia ser o setor crucial do fronte de batalha do conflito entre as classes: e, nó mesmo sentido, simplesmente não era mais sustentável a crença de que o capitalismo queria “um justo equilíbrio de todos os interesses”. Em segundo lugar, à esquerda radical nos sindicatos, já desde a década de 1880, especializou-se em montar estratégias c táricas destinadas a encontrar exaramente aquelas situações nas quais os métodos dos ofícios tradicionais pareciam insuficientes. Não descjo subestimar essa virada à esquerda, que hoje dá ao movimento trabalhista britânico uma perspectiva política fundamentalmente diferente da da democracia cartista, a qual ainda prevalecia entre os sóbrios pedidos do radicalismo liberal - perspectiva política nova que, afirmarão alguns, era de ficto mais radical do que muitos movimentos socialistas do continente. Ao mesmo tempo, cssa virada não deve ser identificada com os diversos tipos de ideologia socialista que então surgiram e, naturalmente, atraíram jovens artesãos conscientes de sua nova categoria: na década de 1880, homens de entre 25 a 30 anos; na era eduandiana, talvez homens com pouco menos de 20 anos. Para à maior parte dos que desempenhavam algum ofício, a virada para o anticapitalismo começou simplesmente como uma extensão de sua experiência como oficial. Isso significava fazer o que sempre haviam feito: defender seus direitos, scus salários e suas condições de trabalho agora ameaçadas; impedir a gerência de dizer aos moços como

182

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fazer o scu trabalho; confiar ma democracia dos operários do local de trabalho, c alinhar contra o mundo o qual, se necessário fosse, incluía seus próprios líderes sindicais. A diferença é que agora tinham de combater à gerência O tempo todo, porque ela estava permanentemente ameaçando reduzi-los a “trabalhadores braçais”, e agora dispunha dos recursos técnicos para fazé-o, tavam longe de ser revolucionários, mas em que esse confronto constance diferia da luta de classes que os revolucionários pregavam? Se os patrões já não reconheciam os interesses dos operários qualificados, por que os operários deveriam reconhecer os dos patrões? Não creio que muitos oficiais fossem até então afetados pela drástica renúncia dos pressupostos do antigo ofício sugeridos por alguns da ultra-esquerda, os quais recomendavam que se lutasse contra O capitalismo com seus próprios princípios de mercado, trabalhando o menos e o pior possível em troca de tanto dinheiro quanto os negócios suportassem. Essas idéias foram apresentadas no período sindicalista. Contudo. nessa etapa, não há qualquer sinal de que os homens de ofício — ainda muito desconfiados do pagamento por produção, embora cada vez mais empurrados para ele — pensassem cm termos ais, como assinalaram os Webbs, os quais minavam seu princípio básico de orgulho no trabalho, recompensado por um salário que reconhecesse sua posição.

Contudo, o período de 1889 a 1914 apresenta-nos uma situação do artesão que é semelhante à da economia britânica como um todo, pois é um dos aspectos dela. Assim como havia empresários que reconheciam a nec: sidade de uma modernização fundamental do sistema produrivo britânico mas não conseguiam mobilizar O apoio suficiente para alcançá-a, assim também ocorria no campo do trabalho. A esquerda, inclusive a esquerda artesã, sabia que o sindicalismo de ofícios do tipo da alta era vitoriana estava condenado. Era alvo de todas às críticas. O grosso das propostas de reforma dos sindicatos entre 1889 e 1927 — que ia desde a tederação e a fusão até uma remodelação do movimento sindical segundo os ramos industriais — dlirigiam-se todas contra uma posição que era escassamente defendida em termos teóricos. mesmo entre os líderes dos sindicatos de ofício à moda antiga. Contudo, nenhuma reforma sindical geral e sistemática foi realizada, embora os sindicatos de ofícios reconhecessem certa necessidade de expandir, federar « aglurinar, c também accitassem que a organização de clire devia daí por diante ser parte da sindicalização maciça de todos os crabalha-

PESSOAS EXTRAORDINÁRIAS

133

dores, e que nessa sindicalização em massa as sociedades de ofícios seriam inevitavelmente menos predominantes, quer numérica, quer estrategicamente. Contudo, as tentativas de reforma geral fracassaram de modo tão claro que, após 1926, foram abandonadas de facto. As ferrovias e a mecânica são exemplos óbvios desse fracasso, O novo Sindicato Nacional dos Ferroviários, projetado como modelo de um sindicato industrial abrangente, jamais conseguiu integrar à maioria dos maquinistas e foguistas qualificados, e us mecânicos sequer o tentaram, embora sua liderança de esquerda reiteradamente os incumbisse de ampliar seu recrutamento: em 1892, em 1901 « novamente em 1926. Todavia, ainda em 1931, o Sindicato dos Mecânicos Unidos disse ao dos Trabalhadores Gerais e dos Transportes: Com respeito às atividades de organização do Sindicato dos Mecânicos. Unidos, embora soja verdade que os estatutos do sindicaro tenham sido emendados para permitir que todos os níveis de operários se organizassem dentro do sindicato, isso não havia produzido efeitos, tendo o Sindicato dos Mecânicos Unidos limitado suas atividades de organização àqueles setores dá indústria que sempre organizou, Não

sindicato afastar-se dessa política”

era intenção do

Pois, assim como a economia industrial britânica parecia desfrutar de

sua tranquilidade

eduardiana,

assim também

faziam os artesãos.

Tinham

eles necessidade de se reformar para garantir à própria existência? A pura stência à colaboração dentro da fábrica inverteu a vitória total da Fede-

ração dos Empregadores Mecânicos no lock-our de 1897-8, o que a pro-

pósito, levou o secretário-geral socialista do sindicato, George Barnes, ào ostracismo. Até então, isso havia fortalecido a posição de que pagar para livrar-se dos oficiais se tornara a tarefa mais importante da economia de guerra de 1914, A posição deles realmente se fortalecera, porque o sistema de pagamento por produção. que os empregadores preferiam às estratégias tavloristas e fordistas, davam

motivo

a infindáveis

conflitos na fábrica e,

consequentemente, ao poder do representante sindical. Além disso, durante

a guerra, à indústria foi inundada, não por operadores de máquinas semi-

qualificados passíveis de promoção, mas por 650 mil mulheres, praticamente

todas tendo desaparecido do mercado de trabalho depois de 1919, O sindicato seria derrotado ainda uma vez na batalha frontal de 1922. Depois dis-

so, os sindicatos foram praticamente expulsos dos novos setores da indústria

134

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tais como o de motores e de utensílios elétricos, ainda que novamente os empregadores em geral considerassem muito alto o custo da racionalização

sistemática da fábrica e os lucros previsíveis insuficientemente atraentes para justificar desembolsos tão pesados. Assim, uma vez mais Os artesãos tiveram sua chance ma década de 1930, já que à recuperação, o rearmamento e à guerra tomaram os tempos

imais propícios à organização sindical. Este foi o último triunfo dos ofícios

vitorianos. Os homens que traziam as águas do sindicalismo de volta ao

deserto das fábricas sem sindicato eram em grande parte — talvez preponderantemente — homens de ofício, tais como os ferramenteiros e os ope-

rários que fizeram a indústria acronáutica nas décadas de 1930 e 1940 e

cujo papel no crescimento do sindicalismo metalúrgico de massa fo essencial. Foram o primeiro núcleo do movimento renovado dos representantes

sindicais. Esses homens eram oficiais ou, pelo menos, mesmo quando envolvidos no que era de fato trabalho semiqualificado, oficiais por formação

e treinamento. Agora, eram também em grande parte comunistas, ou assim se tornaram. **

Contudo, quisessem ou não, davam início à sua própria extinção en-

quanto estrato especial da classe operária. Isto em grande parte porque as

indústrias mecânicas mecanizadas que tinham organizado não se apoiavam

mais sobre a habilidade do artesão, embora ainda precisassem dela. Mas cm

parte também porque a esquerda já não tinha uma política sindical coerente. Dado o fracasso da reforma sindical geral, faltava um “novo modelo” viável

de organização sindical. Ela se bencficiou de uma política do governo, par-

ticularmente a partir de 1940, quando Ernest Bevin assumiu o Ministério

do Trabalho, o que favoreceu o sindicalismo; mas não o controlou, muitas

vezes não O compreendeu, e cm geral não o aprovou. Sua maior arma (deixando de lado o sindicalismo dos comunistas orientado para a produção, de 1941 a 1945) cra exatamente a mesma de 1889-1921:

simples defesa inter-

mitente, austcra e obstinada do “costume do ofício” nas fábricas. É irrelevante se parte da esquerda pode ter, de certo modo, identificado isso com o

caminho para a revolução ou, pelo menos, para a radicalização política. De facto, à esquerda não tinha qualquer estratégia sindical específica, prosse-

guindo com as antigas táticas de modo inteligente, dinâmico e eficiente, mas numa situação completamente diferente da de 1889-1921, O que conseguiu foi a generalização dos antigos métodos de monopólio dos ofícios para todos os setores do movimento sindical, e nas indústrias

PESSOAS EXTRAORDINÁRIAS

185

em que os oficiais constituíam cada vez. mais uma minoria em meio à massa dos operadores semiqualificados, E ao fazê-lo Os artesãos se tornaram meramente um conjunto de operários entre muitos outros que estavam em situação de aplicar esse tipo de método, c não necessariamente os que poderiam realizar as melhores barganhas.

Na Fleet Strect da década de 1970,

não só haviam desaparecido as diferenças qualitativas entre compositores e “ajudantes de impressores”, mas também a associação dos tipógrafos da Associação Nacional dos Gráficos não sc constituía necessariamente como uma negociadora mais poderosa do que a SOGAI'82. Já não havia nada de especial em ser um homem de ofício. Alguns estavam evidentemente quase no fim da carreira, como os maquinistas de trem do antigo sindicato de ofício ASLEt. Alguns sobreviviam, porém num mundo que quase não compreendiam mais; que funcionava pela quantidade de dinheiro que cra possível ganhar, c nada mais.” Esta é uma ruptura fundamental da tradição dos ofícios, que, como tem sido atirimado, visavam a uma renda correspondente ao stars dos oficiais como grupo, como ainda fazem os professores. Daí a persistente desconfiança histórica do pagamento por peça: Um mecânico comunista, entrevistado por um

pesquisador, relembra seu espanto ao descobrir, durante à guerra em Coventry, que os operários não apenas podiam elevar seus ganhos a níveis que pareciam estratosféricos, como também que sc esperava que fizessem isso. E, de fato, o famoso Acordo da Ferramentaria de Coventry refletiu esse curioso,

entrelaçamento de princípios antigos e novos, até sua derrocada na década

de 1970. Enquanto, no passado, os ganhos dos ferramenteiros haviam proporcionado o gabarito de seu “diferencial” acima dos grupos menos favore-

cidos, esse diferencial cra dali em diante fixado em comparação com o nível inteiramente indeterminado daquilo que os não-ferramenteiros que traba-

lhavam por tarefa podiam ganhar. O artesanato, O bom trabalho, já não era à base essencial para se ganhar bem. Quando muito, constituía agora uma responsabilidade, uma vez que ficava no caminho dos altíssimos salários que

podiam ser ganhos por aqueles operários que, deliberada e conscientemente, colocavam a rapidez e o serviço “matado” à frente do trabalho perfeito.

Financeiramente, O comboy — este termo é de origem incerta, mas parece ter

surgido na construção civil durante O auge da mão-de-obra contratada por jornada diária na década de 1960 — conseguia sair-se melhor do que o bom oficial.

136

ERIC HORSBAWM

Finalmente, a possibilidade de treinamento como oficial diminuiu. Em 1966, o número de aprendizes era somente de cerca de três quartos do que

fora sessenta anos antes, ou até 1925, e em

1973 havia caído para 25% da

cifra de 1966.º Do mesmo modo decaiu à incentivo para alguém seguir o pai num ofício respeitável. A educação pelos livros e não mais a qualificação é o caminho para o status e, com exceções cada vez cm menor número, até mesmo a qualificação se deslocou para o mundo dos diplomas. E cerra-

mente à estrada para aquele mundo se alargou. Houve época em que os

mineiros podiam querer a todo custo ver os próprios filhos fora das galerias das minas, mas os mecânicos estavam satisfeitos por oferecer a seus filhos uma versão presumivelmente melhorada de suas próprias perspectivas. Hoje, quantos dos filhos de ferramenreiros se satisfizem em se tornar ferramenteiros? Os artesãos não mais se reproduzem ou à sua espécie. A geração de homens que, nas décadas de 1930 « 1940, ficaram adultos com experiência

de artesãos e valores de artesãos ainda está viva, mas está envelhecida. Quando

os últimos homens que dirigiram e cuidaram de locomotivas à vapor se aposentarem — o que agora não está longe — é quando houver pouca diferença, e às vezes bastante supériluas, entre maquinistas é motoreiros de

bonde, o que irá acontecer? Como será nossa socicdade sem aquele grande

conjunto de homens que, de um modo ou outro, tinham um senso da

dignidade « do orgulho do trabalho manual dificil, bom e socialmente úsil, que é também um senso de uma sociedade não governada pelos preços de

mercado é pelo dinheiro: uma sociedade diversa da nossa e potencialmente melhor? Como será um país sem o caminho que o amor-próprio da habi

dade com as mãos, os olhos e o cérebro proporcionam ao homem — e à mulher, pode-se acrescentar - -, gente que talvez aconteça de não ser boa

para ser aprovada em exames? Tawncy teria feito essas perguntas eu nada de melhor posso fazer do que concluir deixando-as para vocês, Notas

1.), Zeitin, “he Labor Strategies of British Engineering Ermpiovers, 1890-1922”, in H.€. Gospel « C. Lirter (orgs), Management Strategy and Indusmrial Relatos: An Hisurical and Comparasive Survey (1983). Minha referência é à p- 20 da comunicação ociginal à ssa Conference om Business and Labour History em 23 de março de 1981 2. Anônimo, Horking Men and Wômen bra Mónking Man, Londres, 1879, p. 102.

PESSOAS EXTRAORDINAIRIAS

tg

3. Maldo R. Browne, HWhar's HWhar dy she Labor Mivemento a Dictionary of Labor Afjúios ana Labor Terminology. Nova York, 1921, p. 497. 4 Bob Gilding, The Joumeymem Compess of Fast London, Oxford, 1971, pp. 56-7, 5.N.B. Dear, Industrial Trnininge Wich Special Refêvenco so the Condizions Pre London, Londres, 1914, pp. 31-2. é Tia,poa 7. Royal Comnision om Labent, Parl, Tapers, 1892 36/1 Grupei A, Q, 16064, Teste smunho de T. Cronia, secretário da Trabalhadores de; Moinho Associados da Escócia 8. George How, “Trade Union, Appeen nricus and Techavcal Education”, Contempos

ray Revie 30, 1877, p. 854 9H. A. Clegg, À | Kilick é Res Adanis, Trade Union Ofces, Oxford, 1961,p. 30. 10.CE Alsscair Reid. “Ineoligont Arcisans ánd Arisooeraes Of Tabont: The Essavs of Lhomas Weight”, dn Jay Winter (ong, The Hôriking Class im Mader Eri Hiro desen in Homen (f Hevay Being, Cambridge, 183, pp. 175-6 11/05 registros dá instituição estão preservados no Birbeck College, Universidade de Londres, do qual agradeço O acesso que me foi permitido. 12. Dearie, Industrial Training. pp. 566-7. 13 “Report of the Commiteee on the Pedition of che Wacchmakers, 18177, citado in À, É Blade PA, Broa é RLL Eneney (orgs). Engl Ecomamic Hinor Seleer Doca meses, Londres, 1914, pp. 588.90, 14. A. Kidd, Hist of he Vin Plate Winbiss únl Shoet Mosal Wivkeis and Brasiers Soieres. Londres, 1949, p. 28. 15, Para uma extensa discussão a respeito, cf. Andreas Griessinger, Das sombnlicho Kapital der Eres Sercikbewegungem und holekrives Bewusseseim desscher Frandverypeieto im 18. Jabonhundess, Berlin, 1981 16, lorwerth Prothero, cirtans and Plíico im Eariy Nonereençh Censury London: Job Gasr

amá hs Times, Folkestone, 1979, pp. 27:8, 17. Thiuinias Weight, Some 1Inbits of cho Minking Cinstes. 1867, p. 102. Ver também o relato de FW Galton in S- é 8. Webb History vP Irado Unionimo, 1894, pp. 431-2.€, com relação à importância dos rituais ligadas 2a local de trabalho, Jobm Dimiop, Artificial anel Company Drinting Usages ofsbe United Kingdom, 7. cd, 1844: psi 18, Ver R, Péice, Masters, Uomions amd Men: Dirk Control àn Breldina amd the Iso of Tabor, Cambridge, 1980, cap. 2, pára referências

19. É, pois, ntsso dever exercer 6 mesmo cunirole sobre aquilo em que remos investi édico que deréim seu diploma. ou o autor que é protegido pelos direi autorais”, Prefácio do Regulamento da Sociedade (vida dom Mecânicos (dom gama Society af Eine, daqui por diante 451), 1851, citado em]. B. Jeters (org 1, Labentr' Formaive Jeni. Londres, 1948, p. 30

20, Citado em G, Stedman Jones, Languagesaf

Cambridge, 1983, pp. 1367.

ias

ERIC HOBSBAWM a. Prothero, Artisans, pp. 337-8. Relato esclarecedor encontra-se em William H Seweil

16, Mori and Revolurion in France: The Language of Laboner from the Ola! Regime vo 1848, Cambridge, 1980, p. 283. ” Sociedade Unida dos Carpinteiros e Marceneiros (Amalgamated Society of Carpenters ad Joiner, daqui em diante. 4961), Monthly Repor, jan. 1868,p. 25

23 Vera descrição de bandeiras em WA. Moses, Lhe Banner Book, Gateshcad, 1974. 2» Price, Masters, Unione and Men, p.62. 3 M. é |. B, Jeftérys, “The Wagés. Hours and Trade Customs of the Skilled Engineer in

1861”, Economic History Revico 17. 1947, pp. 29-30; porém à inclusão de membros de outros sindicatos de qualificados aumentaria essa percentagem. 25E Library Webb Collection, Coll. EA 31, pp. 245-9. 27. Thid., pp. 311-22.

NB, Dearde, Problems of Unempioomensin she London Building Trade, Londres, 1908,

pos

. SCI, Monty Reporr, fev. 1868, p. 63. Asi, Momabiy Recon, jun: 1911, citado in M. Holbrook-Jones, Supremacy and Suborlimation of Labonr, Londres. 1982, p. 78, 1: B. Goodman (org). Victorian Cabinct Maker: Lhe Memoios of James Hophinsom, 1819.1894, Londies, 1968, p. 24, “Que sé à Associação Central de Empregadores cumprie sua ameaça de uma greve dos parrões .. é dever dos operários .. começar a fabricar para o público ... Que como muitos de mossos membros possuem tornos e outras ferramentas em seu poder . é dese esperar que eles .. comunicação sua intenção de emprestar essas ferramentas cm favor daquelas pessoas que podem ser postas fora do emprego pela greve dos patrões”. Proclamação do Conselho da asE em The Operarive. 23 dez. 1851 33, Henry Broadhurst, The Story of bis LZf from Stome-mason'; Bene zo she Treasury Bench Londres, 1901. p. 2 3 Harry Polit, Serving my Tie, Londres, cd de 1941, p. 14 asc7, Monehfy Repor, jul. 1886, pp 1378 36, Parece que os caldeireiros não tiveram dada: DC. Cummings, Elst af he United Saciery of Noilermakos amd Iron “o Steel Ship Buúilders, Newcastle, 1905, pp. 26-7, 52. Os Relatórios Anuais da 155 registram gastos com “perda de ferramentas pelo foge um ixem das contas que cobrem doações variadas, do que se pode inferir sua relaciva nificância. 37 Em consequência da pressão do departamento, relações de ferramentas roubadas de membros foram publicadas no Monsiiy Report de outubro de 1868 em diante Aula total por membro da sem 1860-89 inclusive: funeral, 3 libras 15 sislingr e 8 pence; acidente, | libra 15 sbilimas 1O,5 pone; ferramentas. 1 libra 14 shilings 6,5 pence, cf. G. Howell Lhe Confio; of Capizal and Labour bisoricaly ana conomicaliy

PESSOAS EXIRAORDINALAS

139

considered, being a bistory and vendeu of the trade senions Of Great Hritain te, 2. vd, 1890, p. 519. 39, Henry Mavhewe, The Morninig Chronície Survey of Labonr anid thê Poor: The Metripli tam Disricos, Horsham, 1982, vol. 3, p. 225. 40, David Dougan, The Shigmeigias: The Hlisory of she Shipeonstrucsos and Shiprorigbis Assiciatim, 1882-1963, 1968, pp. 19, 30, Ver também Reyal Commission om Labuur, Dl, Papers, L892-4, 34 1Grupo 4), Q. 20413, 21.398 41. Mayhew, Super OfLabuur, vel 5, py 198, Dados sobre 0 custo de ferramentas eseraido de Regal Comnision om Labor (Grapo A), ver Par. Papers, 1892 36/2, Q 16.848, 19.466, 19:812-13, 20.367-9. 42. Mayhicos Sure of Labony, estima o custo semanal em entre 6 pemce e 2 ships; cl. pp: 94,96, 15. 167, 214 43.8. e B. Web, Dnduorvial Democraiy (ed. de 19134, p. 313. rt ow Vora, Harmandowoah, 1973, p. 145: “Na linha de mou tagem cada homem é tão bom quamo 6 seguinte ... Numa situaç de trabalho qualificado as coisas são ligeiramente diferentes .. pelo fato de que [os homens]

controlam às ferramentas, ou o conhecimento, vitais para o desempenho da função O contramestre tem que perguntar à le” AS. Zita, “Labor Seraregies”, pp: 21, 26 46.+0s contramestres serão os homens qualiicados para o trabalho por suas respectivas. uficinas, Provavelmente como operários demonstraram capacidade « habilidade especiais, que levaram à sua promoção a partir dos quadros inferiores”: James Clayton. “The Organization af ie Locemotive Deprsneat”, in Jobar Macanley (ong), Moderm Railmay Minting: A Pracrica Trcaie by Empincoring Eprt, [9IZ-19L4, vol, 2, p. 7 47. Kenneth Hudson, Hórking do Rude: Railway Workshop Rodes A Study o Industrial Discdpline, Bach, 1970. 48. Anónimo, Horting Men and Wmen, p. 66; ast, Quarter Repurs, dez, 1893. pp 48 59); Dearie, Indusorial Tenining. p. 25.

49. CE a coletânea de “regras de trabalho” dus operários na construção civil na Webb Collection (tSE Library, Coll EB Destas e Coil EC iavat: por exemplo, Bridgnorth 1863, Loughborough 1892, Worcester 1891 (Coll EB xxx), Shrewsbuns (Col EC vm. 50. Gilding, Jowrnigimen Cooper, p. 56 51. Thomas Weight, The Grear Unmasied, 1968, p. 282: 05 colegas de trabalhe empres tarão “suas melhores ferramentas” a um artesão ambulante. Charity Organization Society, Special Committee om Uuillod Labymor; Repors and Minutes of Evidence, June 1908,p. 98: “No caso de mecânicos que estiveram desempregados por algum tempo, em que medida carecem de ferramentas . ... Lá muita camaradagem entre cles, c emprestam ferramentas uns aos outros. Se você olhar dentro de suas cestas, descobrirá que 109% deles têm insuficiência de ferramentas”. Assinale-se que a testemunha,

140

ERIC HOBSBAM

um mestre da construção civil, afirma estar simplesmente conjeturando. Ele não olha identro des cestos dos artesãos, A respeito da penalidade pela perda de terramnetas ou seja decair para o trabalho não-qualiicado, ver Mayhew, Survey 0f Laboner, va, 5 p 180 52. ].B. Jeflecss, Lie Stosy af ihe Enpinces, Londres, 1945, p. 58, sobe os filhos segundo e terceiro, filhos de pais de tura do vicio, entrando para 0 ócio. Coll ER xexty Hull, Redeitch, Walkeicid: Coll EC vil; Bristol, Dudley; Goal, Kidderminstes, Leicester, Rocherham, Stourbridge, Wigan 54. Keith Mel elland e Alastair Reid, “The Shipbuilding Workers, 1840-19147 náo-puiblicado!, p 18,

55. Dear, Industrial Timining, p. 241 Joyce M. Bellamy e Jolm Saville torgs-1, Dictionary of Labor Biograpipe 9 vols.. Lom dees, 1994, vols. 1:6. 57. Geafirey Crossick, Am «teriam Elite im Victorian Societi: Kentish Loordom, 1840-1880, Londres, 1978,p. 116

58. Chiarês Moe, St anil rhe English Wôrkina Class. Londres, 1980, p. 103, bei 5.13 59: MT Vútes, Tg and Cabos: Condiionsim Briish Emgincoving, Lemes, 1937.p, 31, nba 6 60. Por exemplo, A. Reid The Division US Labor in the Rabi Shipiiainar Diduseos, 1880-1920 (sexe de doutorado inédica, Cambridge Universia 1980): ]. Zeta, Craf Regulaom anal he Divisim of Lado Engineers and Compositor Bisa, 1890-1914 ftese de doutorado inééita, Warwick Universiny 1981 61.8. CM. Weckes, The Amalaamared Sociey of Engíneess, ISMLIIA A Study df trade Union Gorerument, Boi amil Industrial Ei (tese de doutorado inédita, Warwick Universisy. 1970, pp- 318-20, 3221. Já em 1895, quatro membros da a5F foram candidatos ao partamento pelo Partido Trabalhisca Independente: David Howel, Dr ih Wôrkens nd che Independent Labor Party 1888-1006, Manchester 1983, p. 88, 62. Kennech Newvtom, The Sociology of Briids Comnsunim, Londres, 1969, apêndices ue m. 68. CE a Resolução da Hull TUC, 1934, in WE Milnc-Bailee (org, Trade Uinico Doc mente, Londres, 1929. p. 129, relacicamente au abanduno da reforma sistemática, ibid.. pp. 133-4 64.]. Zoitiin, “The Emesgence of Shop Steward Organisation and Job Control im the Eres Car Instr”, Hi Hónksbop Jovemal 10, 1980, p. 129. 65, ]. Zeisia, “Labour Strategies”, pp. 30-2.

66, lim relação à está parte do artigo, estou em dívida particularmente con o isto de Nina Estao, “he frito Comtini: Dave am sie Trade Unims 1933-1985, Aldershoe, 1995. Ver também R. Croucher, Engineers as Hã, 1939-1945, Londres, 1982,

PESSOAS EXTRAORDINÁRIAS

ui

especialmente pp. 168:74, « James Hincon, “Coventey Communism: A Study of Factory oligos im the Second Wiorid War”, Elisory Hórishop Joumia! VO. 1980, 67, Beynom, Nrrking for Fon, p. 145 68. “Talver q ponto mais interessante sobre os poderes de controle do trabalha cos operários de estaleiros fusse que eles não o utilizavam para mavimizar seus ganhos ou para criar diferenciais. Os operários de estaleiros estavam dispostos a aceitar salários avão relacionados com O esforço ou à qualificação dos indivíduos, os quais cendiam pata vma tasa única”; David Wilton, 4 Social Flistory 0 Momkers dm 11, M, Dechyari during the Induserial Revulucion, Parsiculariy 1793-1815 (1ese de doutocada inédica Warwick University, 1975, p. 188%. Com relação à insistência dos operários qualifcados da construção civil sobre taxá igual para produção igual, ver Charity Organiza tiom Sociery: Repors on Unstiled Labour. Q 251-272, pp. 1045, Os Webbs atirmaram, assinalando cum aprovação o paralelo com o corporativismo profissional da classe média, que “a progressiva ascensão da Regra Comum [Common Rute] promovendo constantemenie a “Seleção dos Mass Apros”. causa uma especialização crescente de função, criando um grupo distinto, que possui um Padrão de Vida e cradições corporativas próprias com as quais cada recruta fica bastate alegre de concordar” ( dustral Democracy, p, 719) 69. Em números absolutos —— 1906; 343.200 More, Ski, p. 103); 1966: 271.650 (Mi mist of Labor Gacorees jan 1967), 1974: 66 ml (Minis of Labor Gazeree, 1974, A idade regulamentar para completar à escolaridade foi aumentada para dezesseis anos a partir de setembro de 1972. As cifras referem-se apenas a0 sexo masculino. dada à insignificância da aprendizagem feminina.

Capítulo 7

HOMEM E MULHER: IMAGENS DA ESQUERDA A importância da iconografia para o Estulo do movimiento operário foi des. coberta na década de 1970. À presente investigação foi possivel em grande parte pela ajuda de amigos historiadores da arze e pelo magnífico património da biblioteca do Warburg Inscítuze. Foi publicada pela primeira vez no History Workshop Journal em 1978. Na época, foi criricada por algumas feminisias é, pensando de modo menos apaixonado, possivelmente devido a bases iconográficas euivocadas. Há aqui duas questões, mma mais leve é a onira mais séria. Como é que ao longo de sem século dla história ds trabalndores a figura feminina esteja. onda vez mais vestida, enquanto o homem apareça cada ves mais de torso mu? O que podem as sestemuns das imagens, de modo realista om simbólico, nos dizer sobre us verdadeiras relações enre homens é mulheres nos movimentos operários?

As mulheres fregientemente salientaram que os historiadores do sexo masculino no passado, inclusive marxistas, ignoracam grosseiramente à me-

tade feminina da raça humana. À crítica é justa: este escritor aceita que se

aplique à sua própria obra. Entretanto, se esta deficiência deve ser corrigida, não poderá ser simplesmente pelo desenvolvimento de um ramo especializado da história que trate exclusivamente das mulheres, porque na sociedade humana os dois sexos são inseparáveis. ! O que também precisamos estudar são as formas em mudança das relações entre os sexos, tanto na realidade

social, quanto na imagem que cada sexo tem do outro. O presente trabalho é uma tentativa preliminar de fazer isso relativamente aos movimentos revolucionários e socialistas do século XIX e do início do século Xx, por meio da ideologia expressa nas imagens c emblemas associados a esses movimen-

tos. Visto que estes eram em proporção esmagadora desenhados por ho-

14

ERIC HOBSBAWM

mens, é naturalmente impossível supor que os papéis sexuais que eles representam expressem a visão da maioria das mulheres. Contudo, é possível comparar essas imagens de papéis « relacionamentos com as realidades sociais do período e com as ideologias dos movimentos revolucionários « socialistas mais especificamente formuladas. A possibilidade de tal comparação é à suposição que fundamenta este estudo, Não se propõe que as imagens aqui analisadas reflicam diretamente realidades sociais, a não ser onde clas foram especificamente plancjadas para fazé-lo, como nas gravuras que presendiam cer valor documental, e mesmo assim é certo que clas claramente reflctiam não só a realidade. Minha suposição é apenas a de que nas imagens plancjadas para serem vistas e terem um impacto sobre um público amplo, por exemplo, de operários, a expcriência que o público rem da realidade coloca limites no grau em que as imagens possam divergir daquela experiência. Se o capitalista, nas caricaturas socialistas da belle époque, não fosse habitualmente apresentado como um homem gordo usando uma cartola e fumando um charuto, mas como uma mulher gorda, esses limites permissíveis teriam sido superados e as caricaturas teriam sido menos eficazes: porque a maior parte dos patrões não apenas era imaginada como masculina, como era composta de homens Disso não se infere que todos os capitalistas fossem gordos com cartolas e charutos, embora estes atributos fossem, de imediato, entendidos como ir dicativos de riqueza na sociedade burguesa e tivessem de ser compreendidos como específicos de uma forma particular de riqueza e privilégio, em oposição a outras, por exemplo, a dos nobres. “al correspondência com a reali dade cra evidentemente menos necessária em imagens puramente simbólicas é alegóricas c, entretanto, mesmo aqui elas não estavam completamente ausentes: se a divindade da guerra fosse apresentada como uma mulher, teria sido com a intenção de chocar, Interpretar a iconografia desta maneira, naturalmente, não é fazer uma análise séria da imagem e do símbolo. Meu objetivo é mais modesto. Comecemos com aquela que talvez seja a mais famosa das pinturas revolucionárias, embora não tenha sido criada por um revolucionário, Liberté quidame le peuple, de Delacroix, datada de 1830, Este quadro será familiar a muitos: uma jovem com os seios nus, com um barrete frígio c com uma bandeira, pisando sobre pessoas caídas, seguida por homens armados, em roupas características. As fontes da pintura têm sido muito pesquisadas?

PESSÕAS EXTRAORDINÁRIAS

145

Quaisquer que sejam, sua interpretação na época não está em questão. Considerou-se a Liberdade não como uma figura alegórica, mas como uma mulher real (inspirada sem dúvida na heróica Marie Deschamps, a cujas proezas o quadro alude), Ela foi vista como uma mulher do povo, pertencendo ao povo, à vontade no meio do povo: Cost une forre fernme aux puissantos mamelles,

à la voix rauque, aux durs appas qui Agile et marchant à grands pas Se plait aux cris du pesple, ( (Barbicr, La Curée

Ela tra, para Balzac, de linhagem camponesa: — “pele morena e ardente,

a verdadeira imagem do povo”. Era orgulhosa, até mesmo insolente (palavras de Balzac) e, assim, O próprio oposto da imagem pública das mulheres na socicdade burguesa. E, como os contemporâneos enfatizam, era sexualmente emancipada. Barbier, cujo La Cure é certamente uma das fontes de Delacroix, invenca-lhe uma histócia complera de emancipação é iniciativa sexual qui ne prend ses amours que dans la populace, que ne prére son large flanc quá des gens forts comme elle* *

Esta enfanr de la Bastille (“fruto da Bastilha”), depois de ter espalhado uma universal excitação sexual à sua volta, cansou-se de seus primeiros amantes é seguiu às bandeiras de Napoleão e um capitaine de vingr ans (capitão de vinte anos”). Agora, ela voltava, toujours belle erzme

avec Pécharpe aux trois coulewrs, "+

para vencer as “Trois Gilorieuses” (a Revolução de Julho) para seu povo Uma mulher forte, seios fartus/ Com voz rouca c encanto bruto/ Que anda com passos + largos confiantes: Regozijandu-se com o clamor do povo,(.

+ Que escolhe seus amantes somente entre as massas, Que dá seu corpo forte somente a

Bomens ão fortes como ea *** Ainda bela e nua com à (aa tricolor [grifo meu

ERIC HORSRAWM



Heine, comentando o próprio quadro, estende ainda mais a imagem em direção à outro estereótipo ambíguo da mulher independente e sexualmente emancipada, a cortesã: “uma estranha mistura de Eriné, peixeira e

deusa da liberdade”.* O tema é reconhecível: Flaubert em Education sentimentale retorna a ele no contexto de 1848, com sua imagem da Liberdade

como uma prostituta comum nas Tulherias saqueadas (cmbora operando a transição burguesa habitual da equação liberdade = boa, para aquela de licenciosidade = má): “Na antecâmara, muito ereta, sobre uma pilha de roupas, estava de pé uma mulher das ruas posando como uma estárua da liberdade”. A mesma conotação é insinuada pelo reacionário Télicien Rops,

que tinha realmente representado “a Comuna personificada por uma mulher nua, com um casquete de soldado na cabeça « uma espada ao lado” — uma imagem que não ocorreu apenas a cle.

Seu poderoso Peuple é uma

jovem nua, na postura de uma prostitura, usando apenas mcias

uma touca

de dormir, possivelmente insinuando o barrete frígio, as pernas abertas com o sexo à mostra.”

A novidade da Liberré de Delacroix, portanto, reside na identificação

da figura feminina nua com uma mulher real do povo, uma mulher emancipada e desempenhando um papel amante — de fato, de liderança — no movimento dos homens. A quão longe sé pode recuar esta imagem revolu-

cionária é uma pergunta que deve ser deixada para os historiadores da arte responderem. Aqui podemos observar apenas duas coisas. Primeiro, sua realidade concreta a exclui do papel alegórico costumeiro das mulheres, em-

bora ela conserve a nudez de tais figuras, e sua nudez seja, de fato, enfatizada pelo pintor « observadores. Ela não inspira ou representa: cla age. Segundo, cla parece claramente diferente da imagem iconográfica tradicional da mulher como lutadora atuante pela liberdade, em especial Judite. que, com Davi, tão fregiientemente representa a luta bem-sucedida do fraco

contra o forte. Em oposição a Davi c Judite, a Liberté de Delacroix não está sozinha, nem representa à fraqueza. Ao contrário, representa a força concentrada do povo invencível. Já que “o povo” consiste em um conjunto de

classes e profissões diferentes, apresentado como tal, é desejável um símbolo geral não identificado a qualquer uma delas. Por razões iconográficas tradicionais, este símbolo seria provavelmente feminino, Mas a mulher escolhida representa “o povo”,

A Revolução de 1830 parece representar o ponto culminante desta imagem da Liberdade como uma jovem atuante é emancipada, aceita como

PESSOAS EXTRAORDINÁRIAS

147

líder pelos homens. Todavia, o tema continua a ser popular em 1848, sem chívida por causa da influência de Delacroix sobre outros pintores, Ela permancce nua, de barrete frígio na République de Miller, mas seu contexto

agora é vago. Ela permanece uma figura de líder no esboço de Daumier de The Uprising (“O levante”), porém, mais uma vez, seu contexto é vago. Por

outro lado, embora não haja muitas representações da Comuna e da Liberdade em 1871, à tendência é representá-as nuas (como no desenho de Rops mencionado antes) ou com os seios nus.” Talvez O papel notoriamente atuante desempenhado pelas mulheres na Comuna colabore também para a simbolização desta revolução por uma mulher não-alegórica (isto é, vestida) e ob-

viamente militante, em pelo menos uma ilustração estranggcira.!º

O conceito revolucionário de república ou liberdade, assim, continua-

va a ser uma mulher nua ou, mais frequentemente, com os scios nus. A célebre estátua da République, de Dalou, partidário da Comuna de Paris, na Place de la Nation, ainda tem um dos seios mt, Somente uma pesquisa poderia mostrar desde quando o seio descoberto guarda esta associação re» belde ou, pelo menos, polémica, como talvez na caricatura do período de Dreyfus (janciro de 1898), na qual uma Marianne jovem e virginal, com

um seio exposto, é protegida contra um monstro por uma Justiça matrona e armada com a frase: “Justiça: Não tenha medo do monstro! Estou aqui”.” Por outro lado, a República institacionalizada, representada por Marianne, apesar de suas origens revolucionárias, está agora vestida em trajes normais, embora tnues. O reino da decéncia se restabeleceu. Talvez também o reino das mentiras, já que é característico da figura feminina alegórica da Verdade

— que ainda aparece com frequência, notadamente nas caricaturas do período de Dreyfus — aparecer nua."?

E, de fato, ela permanece nua mesmo

na iconografia respeitável do movimento operário britânico da Inglaterra vitoriana, como no emblema da Sociedade Unida dos Carpinteiros e Marceneiros, em 1860,!º até que a moralidade do final da cra vitoriana prevaleça.

Em geral, o papel da figura feminina, nua ou vestida, diminui nitidamente com a transição das revoluções democráticas plebéias do século xTx para os movimentos proletários e socialistas do século XX. Em certo sentido,

o problema principal deste estudo consiste nesta masculinização das imagens do movimento operário e socialista. Por razões óbvias, a trabalhadora proletária não é muito representada pelos artistas, exceto nos poucos ramos industriais onde à presença feminina era predominante. Isto, certamente, não se deve ao preconceito. Constantin.

148

ERIC HOBSBAWM

Meunier, o pioneiro belga na idealização típica do trabalhador do sexo masculino, pintou — e em menor escala esculpiu — mulheres assalariadas tanto

quanto homens. Algumas vezes,

como no Le Réour des mines, de 1905,

mostrou-as trabalhando junto com homens — como as mulheres ainda o faziam nas minas belgas * Entreranto, é provável que a imagem da mulher como trabalhadora assalariada e participante ativa junto com os homens na

atividade política! se deva em grande parte à influência socialista. Na Grã-

Bretanha não se torna visível na iconografia sindical até que se sinta esta influência! Nos emblemas dos sindicatos britânicos pré-socialistas, não influenciados por intelectuais, mulheres reais aparecem principalmente naque-

les pequenos cartões através dos quais os sindicatos anunciavam sua ajuda fraterna aos associados em desgraça: benefício de doença, acidente ou fanerário. Elas aparecem postadas à cabeceira do marido doente, enquantoos colegas dele vém visitá-lo, segurando a faixa de seu sindicato; cercadas pelos

filhos, elas apertam as mãos do representante do sindicato. que lhes entrega

dinheiro depois da morte do arrimo de família. Naturalmente, as mulheres ainda estão presentes sob a forma de sim-

bolo e de alegoria, embora na Grã-Bretanha perto do final do século XIX, nos emblemas dos sindicatos, não se encontrem quaisquer figuras femini-

nas, especialmente em indústrias totalmente masculinas como mineração de

carvão, fundição de aço « similares.!” Contudo, as alegorias do espírito de iniciativa liberal continuam a ser em grande parte femininas, porque assim sempre o foram. Prudência, Indústria (= Diligência), Coragem, Temperan-

ça, Verdade e Justiça presidiam à Associação de Solidariedade dos Pedreiros em 1868; Arte, Industria, Verdade « Justiça presidiam a dos Carpinteiros e Marceneiros. Dos anos 1880 em diante, tem-se a impressão de que somente Justiça é Verdade, possivelmente complementadas por Fé e Esperança, sobre-

viveram entre estas figuras tradicionais.

No entanto, à medida que o socialis-

mo avança, outras figuras femininas entram na iconografia da esquerda, embora, em nenhum sentido. pretendam representar mulheres reais: são deusas ou musas. Assim, na bandeira da ala esquerda do Sindicato dos Trabalhadores, entre

1898

e

1929,

uma

jovem

terna cm

drapeados

brancos

c sandálias

aponta para um sol rajando com a legenda; “Uma vida melhor”, em prol de uma quantidade de trabalhadores pintados rcalisticamente em roupa de trabalho. Ela é à Fé, como o texto abaixo do quadro deixa claro. Uma figura

militante, também em drapcados brancos c sandálias, mas com uma espada

PESSOAS EXTRAORDINÁRIAS

ua

é um escudo gravado com “Justiça & Igualdade”, nenhum fo de cabelo fora do lugar em seu cuidadoso penteado, está de pé diante de um trabalhador musculoso com a camisa aberta, O qual evidentemente acabou de derrotar uma besta com a legenda “Capitalismo” que jaz morta no chão à sua frente, A bandeira intitula-se “O Triunfo do Operariado”e representaa filial Southend-on-Sca da Sindicato Geral Nacional de Trabalhadores, um outro sindicato socialista. A filial de Tottenham do mesmo sindicato tem a mesma jovem, desta vez com o cabelo esvoaçante e no vestido à legenda “Luz, Educação, Organização Industrial, Ação Política c Internacional Verdadeira”, apontando a terra prometida na forma de um pário de recreio de crianças para o costumeiro grupo de trabalhadores. A terra prometida traz 0 lema “Conquiste a Comunidade Cooperativa” c a bandeira inteira ilustra o slogan “Produtores da Riqueza da Nação, Uni-vos! E assegurem scu quinhão no mundo”.'* Estas imagens são tanto mais significativas porque estão obviamente ligadas ao novo movimento socialista, que desenvolve sua própria iconografia, c porque (em oposição ao antigo vocabulário alegórico) esta nova iconografia inspira-se parcialmente na tradição das imagens revolucionárias francesas, das quais à Liberté de Delacroix também se origina. Estilisticamente, na Grã-Bretanha pelo menos, esta nova iconografia pertence ao movimento progressista Ava-anderfis (artes-e-vtícios) e sua ramificação av nonvent, que forneceu ao socialismo britânico seus principais artistas e ilustradores, William Morris « Walter Crane, Entretanto, à imagem amplamente popular de Walter Crane da humanidade avançando para o socialismo — um casal com roupas de verão soltas, O homem carregando uma criança em seus ombros —, como tantos de seus desenhos, ainda reflete a influência de 1789 na presença do barrete frígio.'? Os primeiros emblemas do 1º de Maio dos social-democratas austríacos torna à conexão ainda mais óbvia; apresentam uma figura feminina com o lema: “Paternidade, Igualdade, Liberdade e Jornada de Oito Horas"2º Contudo, qual o papel das mulheres nesta nova iconografia socialista? Elas a inspiram. O emblema do Labour Annual?: publicado a partir de 1895, é “Luze Vida” de T. A, West. Uma senhora em vestes delicadas, meio visível atrás de um escudo, sopra uma trombeta ritual para um belo rapaz com à camisa aberta no peito e as mangas arregaçadas até o cotovelo, carregando uma cesta da qual retira a semente, presume-se, da propaganda socialista; raios, estrelas é ondas formam o pano de fundo do desenho. Apare-

150

FRIC HOBSBAWM

cendo mulheres humanas nessa iconografia, elas são parte de um casal idea-

lizado, com ou sem filhos; caso o homem ou a mulher esteja simbolicamente identificado com alguma atividade, é o homem que representa o trabalho industrial.

No casal de Crane, o homem

tem a seu lado uma pi-

careta e uma pá. enquanto a mulher, carregando uma cesta de cereais c com um ancinho a seu lado, representa a natureza, ou quando muito à agricultura

Curiosamente, à mesma divisão ocorre na famosa escultura de Mukhina do

trabalhador (homem) e da kolkhos (mulher) camponesa no Pavilhão Soviético da Exposição Internacional de Paris de 1937: cle é o martelo, cla é a foice.

É verdade que mulheres reais das classes operárias também aparecem na nova “socialista, e incorporam um significado simbólico, pelo menos por implicação. Contudo, são bastante diferentes das moças militantes da Comuna de Paris: são figuras de sofrimento c persistência.

Meunier, o grande

pioneiro da arte proletária e do realismo socialista — tanto como realismo.

quanto como idealização — antecipa-as, como de costume. Sua Femme du peuple, de 1893, é velha, magra, scu cabelo firmemente puxado para trás,

sugerindo pouco mais do que uma caveira, seu peito seco e murcho insinuado pela própria (arípica) nudez, dos ombros.*? Scu mais conhecido Le Grisou tem a figura feminina envolta em xale, carpindo sobre o corpo do mineiro morto, Estas são as mães proletárias sofredoras, mais conhecidas pelo romance de Górki ou pelos desenhos trágicos de Kaethe Kollwitz.2 E

talvez seja significativo que seus corpos se tornem invisíveis sob xales e

lenços de cabeça. A imagem típica da mulher proletária dessexualizou-se é esconde-se atrás das roupas da pobreza. Ela é espírito, não corpo. (Na vida real, esta imagem da esposa ou mãe sofredora que se transforma em militante talvez seja excmplificada pela eloqiiência da roupa negra de 1. Pasionaria, na Guerra Civil espanhola.) Não obstante, enquanto o corpo feminino na iconografia socialista está cada vez mais vestido, senão escondido, algo curioso acontece com o corpo do homem. Este assume cada vez mais um sentido simbólico, A imagem que cada vez mais simboliza a classe operária é a contrapartida exata da Liberté de Delacroix, isto é, um jovem com o torso nu: a figura poderosa de um trabalhador, brandindo o martelo ou a picareta, c nu da cintura para

cima.?* Esta imagem é não-realista em dois aspectos. Em primeiro lugar, não era nada fácil encontrar muitos trabalhadores do século XIX, nos países com movimentos operários sólidos, trabalhando com o torso nu. Esta, co-

PESSOAS EXTRAORDINÁRIAS

351

mo Van Gogh reconhecia, era uma das dificuldades de uma época de realis-

mo artístico. Ele gostaria de pintar os corpos nus dos camponeses, mas na vida real eles não andavam mus.” As numerosas gravuras representando o trabalho industrial, mesmo sob condições em que hoje pareceria racional tirar-se à camisa, como no calor « incandescência das fundições ou das fábricas de gás, quase que universalmente os mostram vestidos, embora com roupas leves. Isto abrange não apenas o que poderia ser chamado amplas

«vocações do mundo do operariado — tais como Hork, de Madox Brow

ou Le travail, de Alfred Roll (1881), representando uma cena ao ar livre de

trabalho em construção —, mas também pinturas realistas ou reportagens gráficas. 2 Naruralmente, trabalhadores de torso nu podiam ser vistos —

por exemplo, entre os minciros de carvão britânicos —, mas somente em alguns casos. Nestes, os trabalhadores poderiam realisticamente scr vistos seminus, como em Roboteuss de parquer, de G. Caillebotte”? ou na figura de um cortador de carvão no emblema do Sindicato dos Fundidores (1857).

Na vida real, contudo, todos estes eram casos especiais. Em segundo lugar, a imagem da nudez é não-realista porque certamente escluía o vasto grupo de trabalhadores

especializados e de trabalhadores

de fábricas, que nunca

sonhariam em trabalhar sem suas camisas por um momento sequer e que,

por sinal, formavam à maior parte do movimento operário organizado.

Não se sabe 20 certo quando o trabalhador de torso nu aparece na arte

pela primeira vez. Sem dúvida, naquela que deve ser uma das primeiras esculturas de proletários, o trabalhador de ardósia de Westmacorr, no monumento de Penrhyn (Bangor), de 1821,º está vestido, enquanto à jovem

mponesa perto dele, talvez semi-alegoricamente, está com uma roupa bas-

tante decotada. Pelo menos desde os anos 1880 em diante, tal representação esteve presente na escultura, na obra do belga Constantin Meunier, talvez o primeiro artista a se dedicar totalmente à representação do trabalhador bracal; possivelmente, também na de Dalou, partidário da Comuna de Paris, cujo monumento inacabado ao operariado contém motivos similates, Obviamente, o nu era muito mais encontrado na escultura, que tinha por longa tradição uma tendência muito mais forte a apresentar a figura humana nua

do que a pintura. De fato, nos desenhos é pinturas de Meunier, as figuras

humanas estão, com uma fregiência muito maior, realisticamente vestidas; e, como foi demonstrado quanto a um de seus temas, pclo menos, o dos

estivadores descarregando um navio, os homens estavam despidos apenas no projeto em três dimensões que fez para um monumento ao opcrariado.*?

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Talvez esta seja uma das razões por que à figura seminua soja menos pre: dominante no período da Segunda Internacional. quando o movimento socialista ainda não estava em posição de encomendar muitos monumentos públicos, e só adquira projeção depois de 1917, na Rússia Soviética, onde já havia tal condição. Entretanto, embora uma comparação direta entre as imagens pintadas e esculpidas seja, portanto, enganadora, o torso masculino nu pode ser encontrado aqui c ali em emblemas de duas dimensões, bandeiras é outras gravuras do movimento operário, mesmo no século XIX. De todo o modo. ele triunfou na escultura após 1917 na Rússia Soviética, sob títulos. ais como: Trabalhador. As armas do proletariado, Memorial do domingo sanagrento de 1905 cec3: O tema ainda não se cxauriu, já que uma estátua chamada Amizade dos pois, dos anos 1970, ainda apresenta o familiar Hércules de torso nu brandindo um martelo. A pintura € as artes gráficas ainda achavam difícil romper os laços com o realismo, Não é fácil encontrar quaisquer trabalhadores de torso nu na idade heróica do cartaz revolucionário russo. Mesmo à pintura simbólica Tiud apresenta um desenho de um jovem idealizado em roupas de iubulho, cercado de ferramentas de artífice especializado,* em vez do titã musculoso « basicamente não-especializado, muito mais comum. O poderoso trabalhador brandindo o martelo, ocupado em quebrar as correntes que aprisionam à globo (que simbolizou a Internacional Comunista nas capas de seu periódico, a partir de 1920), trazia roupas cm seu torso, embora elas fossem. apenas esboçadas. A decoração simbólica desta revista em seus primeiros. números não era a figura humana: cram estrelas de cinco pontas, raios, martelos, foices, espigas de cereais, colméias, cormucópias, rosas, espinhos, tochas cruzadas e correntes. Ainda quando as imagens eram mais modemas, tais como a estilização art-nouveau das chaminés das fábricas com fumaça* e driving bands e corrcias de transmissão, não havia trabalhadores de peito nu. Fotografias de propaganda desses homens não foram comuns, se é que cxistiram, antes do primeiro Plano Qiiingicnal** Não obstante, embora 0 avanço do torso nu cm duas dimensões tenha sido mais vagaroso do que se poderia pensar, a imagem era familiar: assim é o símbolo que decora à capa da edição francesa do Compre rendu analytique do Quinto Congresso da Internacional Comunista (Paris, 1924). + Na Rússia este motivo já aparece entre 1905 « 1907.

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Por que o corpo nu? A questão só pode ser discutida em breves linhas, mas nos leva de volta tanto à linguagem da representação idealizada e simbólica, quanto à necessidade de desenvolver tal linguagem para o movimento revolucionário socialista. Não há dúvida de que a teoria estética do éculo XVTT ligava O corpo nu à idealização do ser humano, com muita consciência geralmente, como em Winckelmanm, Uma pessoa idealizada (em oposição a uma figura alegórica) não poderia portar trajes da vida real e — como às estátuas nuas de Napoleão — deveria, se possível, ser apresentada sem vestes. O realismo não tinha lugar nessa representação. Quando Stendhal criticou o pintor David, porque seria um verdadeiro suicídio para seus guerreiros da Antigiidade travarem uma baralha nus, armados somente com capacere, espada e escudo, estava simplesmente chamando à atenção, no su habitual papel de provocador, para à incompatibilidade na arte entre à proposição simbólica e a realista. Mas o movimento socialista, apesar de sua profunda ligação em princípio ao realismo na arte — uma ligação que remonta aos seguidores de Saint-Simon —, exigia uma linguagem simbólica com que afirmasse scus ideais. Como vimos, os emblemas « bandeiras dos sindicatos britânicos — correramente descritos por Klingender como “a verdadeira arte folelórica da Grã-Bretanha do século x1x"** — são uma combinação de realismo, alegoria c simbolo. São, provavelmente, a última forma de florescimento da linguagem alegórica e simbólica, além da esculeura monumental pública. Uma representação idealizada do tema do. movimento, ou seja, a própria luta da classe trabalhadora, precisaria mais cedo ou mais tarde abranger 0 uso do nu — como na bandeira da Filial de Exportação do Sindicato dos Portuários, nos anos 1890, em que um homem musculoso nu, com um pancjamento leve sobre o sexo, ajoelha-se sobre uma rocha lutando com uma grande serpente verde, cercada dos lemas correspondenres. lim suma, embora à tensão entre reslismo « simbolismo permanecesse, era difícil inventar um vocabulário simbólico e ideal completo sem o nu. Por outro lado, pode-se sugerir que o nu total era mais aceitável, Não se pode facilmente ignorar o absurdo do Grugo: Outubro, de 1927. que consiste em trés homens musculosos ntis, exceto pelo boné do Exército Vermelho usado por um deles, com martelos e outros acessórios semelhantes. Conjeturemos que a imagem do torso nu expressasse um compromisso entre o simbolismo e o realismo. Havia afinal trabalhadores rais que podiam ser apresentados dessa forma.

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ERICHORSBANM Resta-nos uma pergunta final, mas crucial. Por que se simboliza a clas-

se operária em luta exclusivamente por um torso masculino? Aqui podemos apenas especular, e sugiro duas linhas de especulação, A primeira diz respeito às mudanças na verdadeira divisão sexual do

trabalho no período capitalista, tanto produtiva, quanto política, É um pa-

radoxo da industrialização do século XIX que ela tendesse a aumentar € aguçar

a divisão sexual do trabalho entre o trabalho doméstico (não-remunerado) e o

trabalho externo (remuncrado), na medida em que privava o produtor de con-

trolar os meios de produção. Na economia pré-industrial ou proto-industrial (lavoura campesina, produção artesanal, pequenos comerciantes, indústrias domésticas, trabalho subcontratado etc.), O trabalho doméstico e à produção cram geralmente uma unidade singular ou combinada. Isto significava que, embora a maior parte das mulheres trabalhasse excessivamente — já que faz-

iam quase todo o trabalho doméstico e participavam do resto do trabalho não estavam confinadas a um só tipo de trabalho. De fato, na grande expansão do “proto-industrialismo” (indústria doméstica), que recentemente foi estudada, os processos producivos reais atenuavam ou mesmo aboliam as diferenças no trabalho entre homens e mulheres, com efeitos de longo alcance nos papéis sociais e sexuais e nas convenções dos sexos ** Por sua vez, a situação cada vez mais comum do operário que trabalhav:

para um empregador, em um local de trabalho pertencente à este empre-

gador, separou o lar e o trabalho. Em geral era o homem que tinha de

deixar a casa todos os dias para trabalhar por salários, não à mulher Em geral, a mulher trabalhava fora (quando, por alguma razão, o faziam) somente antes do casamento c, depois de casada, somente caso enviuvasse ou

se separasse, ou quando o marido não ganhasse o suficiente para manté-la e à família; neste caso, provavelmente cla só trabalharia enquanto tal situação

perdurasse, Ao contrário, uma profissão em que um homem adulto não

fosse capaz de ganhar um salário que sustentasse a família cra — compreensivelmente — considerada mal-remunerada. Daí o movimento operário, logicamente, desenvolver a tendência a calcular 0 salário mínimo descjável em

termos de ganhos de um único artimo de família (isto é, na prática, o homem)

e a considerar a esposa trabalhadora assalariada como sintoma de

uma situação econômica indesejável. De fato, a situação era fregientemente indesejável, e um número expressivo de mulheres casadas eram forçadas a trabalhar por salário ou algo que lhe equivalesse, embora, em grande pro-

porção, o fizessem em casa — isto é, fora do efetivo alcance dos movimen-

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tos operários.” Além disso, mesmo nas indústrias em que o trabalho de mulheres casadas estivesse tradicionalmente enraizado — como na região téxtil de Lancashire — sua expressividade pode ter sido exagerada: 38% das. mulheres casadas « viúvas empregavam-se por salários em Blackburn, em 1938, mas, em Bolton, somente 15%.º Em suma, convencionalmente, as mulheres tinham como objetivo parar de trabalhar por salários fora de casa quando se casassem. A Gri-Bretanha talvez fosse um caso extremo: em 1911, somente 11% das trabalhadoras assalariadas tinham maridos, e somente 10% das mulheres casadas trabalhavam; mas mesmo na Alemanha, em 1907, onde 30% das trabalhaoras assalariadas tinham maridos, a diferença de sexo cra surpreendente. Para cada esposa em trabalho assalariado na faixa etária de 25 a 40 anos, havia quatro maridos trabalhadores assalariados.”! Até então, a situação da mulher casada nãosc alterou sigaificativamente pela tendência — bastante acentuada depois de 1900 — de ingresso em grandes contigentes de mulheres na indústria, e pelo desenvolvimento de várias profissões c atividades de lazer abertas a moças solteiras.” “A tendência a um número maior de muIheres casadas ter uma profissão específica não se cstabelecera com firmeza na virada do século” É válido enfatizar este ponto, já que algumas historiadoras feministas, por razões dificeis de serem compreendidas, tentaram negé-lo, À industrialização do século XIX (em oposição à industrialização do século Xx) tendia a fazer do casamento « da família a carreira principal da mulher da classe trabalhadora, desde que não fosse forçada pela total pobreza a assumir outra atividade.** Na medida em que trabalhava por salário somente antes do casamento, ela considerava o trabalho assalariado uma fase temporária, embora sem dúvida desejável; uma vez casada, porém, pertencia ao proletariado não como trabalhadora, mas sim como esposa, mác € dona-de-casa de trabalhadores. Politicamente, à luta pré-industrial dos pobres não só produziu amplo espaço para as mulheres participarem ao lado dos homens — nenhum dos sexos tinha direitos políticos como o direito de voto —-, mas em alguns aspectos lhes reservou um papel específico « de liderança. A forma mais comum de luta era aquela que rcivindicava a justiça social, isto é, a manutenção do que E. P Thompson chamou “a economia moral da multidão”! através da ação direta no controle dos preços. Na forma de ação, que politicamente poderia ser decisiva — lembremo-nos da marcha das mulheres sobre Versalhes em 1789 —-, as mulheres não só tomavam a liderança,

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mas era convenção se esperar que clas o fizessem. Como Luísa Accati corre-

tamente afirma: “em um grande número de casos (eu diria, em praticamente todos os casos) as mulheres têm um papel decisivo, seja porque tomam a iniciativa, seja porque formam uma parte muito grande na multidão”.4é Nem precisamos considerar aqui a prática pré-industrial bem conhecida em que homens rebeldes entram em ação distarçados de mulheres, como nos

chamados “tumultos de Rebecca” do País de Gales, de 1843.

Além disso, a revolução urbana característica do período pré-industrial

não era proletária e sim plebéia. Entre o “povo miúdo” — uma coalizão socialmente heterogênca de indivíduos, unidos pela “pequenez” e pobreza comuns, e não por critérios ocupacionais ou de classe —, as mulheres po-

diam desempenhar um papel político, nem que fosse só porque saiam às ruas. Elas podiam ajudar a construir as barricadas, e de fato o fizeram, Podiam ajudar os que lutavam atrás delas. Podiam até mesmo lutar ou portar armas.

Mesmo à imagem da “revolução popular” moderna em uma grande metrópole não-industrializada as inclui, como pode comprovar qualquer pessoa que se lembre das cenas de rua de Havana depois da vitória de Fidel Castro,

Por sua vez, a forma específica de lura do proletariado, o sindicato e à

greve, exclui em grande parte as mulheres, ou reduziu amplamente seu pa-

pel visível como participantes ativas, exceto nas poucas indústrias em que clas se concentravam em peso. Assim, em 1896, o número total de mulhe-

res nos sindicatos britânicos (excluindo as professoras) era 142 mil ou algo

como 8%; mas 60% destas trabalhavam na indústria de algodão, que cra extrema « fortemente sindicalizada.

Por volta de 1910 era acima de 10%,

mas, embora houvesse um certo crescimento na sindicalização entre funcionários de escritórios e comerciários, a maior parte da expansão ma in-

dústria ainda foi no ramo têxtil.” Em outros setores seu papel foi de fato

crucial, mas distinto, mesmo nos pequenos centros industriais e de mineração, onde o lugar, o trabalho c a comunidade ram inseparáveis. Contudo, se nesses ambientes seu papel nas greves cra público, visível e essencial, não era, entretanto, o de grevistas em si. Além

disso, onde o trabalho dos homens

e o trabalho das mulheres

não fossem tão separados e distintos que impedissem uma confusão entre

ambos, à atitude normal dos sindicalistas do sexo masculino em relação às

mulheres que procurassem ingressar em sua profissão era, nas palavras de S. e B. Webb, de “indignação e repulsa”.* A razão era simples: como os sa-

lários das mulheres eram muito mais baixos, representavam uma ameaça aos

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salários e condições dos homens. Como classe — citando novamente os Webbs --, “elas eram os inimigos mais perigosos do padrão de vida dos artesãos”, além de a atitude dos homens ser também -- apesar da crescente influência da esquerda — fortemente influenciada pelo que hoje chamaríamos de “sexismo”:*? “o artífice respeitável tem um desagrado instintivo pela mistura promfscua de homens e mulheres no convívio diário, seja na oficina, seja em um clube social”.*? Consegiientemente, a política de todos os sindicatos capazes disso cra excluir as mulheres de seu trabalho; aqueles que cram incapazes de o fazer (por exemplo, o dos tecelões) tinham por política separar os sexos, ou, pelo menos, evitar que mulheres c meninas crabalhassem “em conjunto com homens, especialmente se afastadas da constante associação com outras trabalhadoras”. Assim, tanto o medo da concorrência econômica das trabalhadoras, quanto a manutenção da “moralidade” se combinaram para conservar as mulheres fora ou à margem do movimento operário — exceto no papel convencionalde membros da família. O paradoxo do movimento operário estava em que apoiava uma ideologia de igualdade e emancipação sexual, enquanto, na prática, desencorajava a real participação conjunta de homens e mulheres no processo do trabalho enquanto trabalhadores. Para à minoria de mulheres emancipadas de todas as classes, inclusive as operárias, o movimento operário forneceu as melhores oportunidades para que se desenvolvessem como seres humanos, inclusive como líderes e figuras públicas; provavelmente, foi o único ambiente no século XIx que lhes deu tais oportunidades. Nem deveríamos subestimar o efeito nas mulheres comuns, mesmo nas casadas da classe trabalhadora, de um movimento veementemente comprometido com a emancipação do sexo feminino. Ao contrário do movimento “progressista” pequeno-burgués que, como entre os radical-socialistas franceses, chegava quase à ostentar 0 seu chanvinismo machista, o movimento operário socialista tentava vencer, no interior do proletariado e em outros setores, as tendências para manter as desigualdades entre os sexos, mesmo que não tenha realizado o quanto desejava.2 Não é à toa que a principal obra do carismático líder dos socialistas alemães, August Bebel, fosse seu Himan and Socialism — de longe, a obra mais popular de propaganda socialista na Alemanha daquele período.** Contudo, ao mesmo tempo, o movimento operário inconscientemente apertou os Iaços que mantinham a maioria das mulheres casadas (não-ascalariadas) da classe trabalhadora em seu papel social definido é subordinado. Quanto mais poderoso ele se tomava como movimento de massa, mais cficazes se tornavam

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estes frcios à sua própria teoria « prática emancipatória: isto ocorreu pelo menos até que as transformações econômicas destruissem a fase industrial

da divisão sexual do trabalho do século XIX.

Em certo sentido, a iconografia

do movimento reflexe esta consolidação inconsciente da divisão sexual do trabalho. Apesar de, e contra, as intenções conscientes do movimento, sua ima-

gem expressava a masculinidade essencial da Jura do proletariado em sua forma elementar anterior a 1914, a luta sindical.

Poderia estar clara agora a razão pela qual, paradoxalmente, a mudança

histórica de uma era de movimentos plebeus e democráticos para uma era de

movimentos proletários e socialistas acarretou, iconograficamente, o declínio do papel da mulher. Entretanto, outro fator pode ter reforçado esta masculinização do movimento: o declínio de milenarismo pré-industrial clássico. Esta questão é ainda mais especulativa e abordo-a com cautela c hesitação. Como já me referi, na iconografia da esquerda, a figura feminina se manteve mais como uma imagem de utopia: à deusa da liberdade, o símbolo da vitória, a figura que apontava para a sociedade perfeita do futuro.

E, de fato, as imagens da uropia socialista cram essencialmente da natureza, da fertilidade « do crescimento, do Aorescimento, às quais a metáfora feminina se aplicava naruralmente:

Les générations écloses

Verront fluecir leurs bébés roses Comme églantiers en Floréal Ce sera la saison des roses. Voilã Pavenir social.” (E. Porter

Eugêne Pottier, o autor da Internacional, seguidor de Fourier, está

pleto de tais imagens de feminilidade, mesmo em seu sentido literal do seio

materno:

pour tes enfants longremps sevrés

reprends le róle du mamelle (DAge EOrye*

= As gerações em botão Verão seus bebés rúsados Noresceremy Como rosas amarelas na primaveca: Será a estação das rosas.../ Esse é o futuro social *s para teus filhos, embora desalcirados há muito, dá uma vez: mais 0 seio (A Idade de Ouro)

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Ah, chassons-la. Dans hor des blés Mêre apparais, les seins gonflées. à nos phalanges collectives La fille du Thermidor)*

Du sein de la nourice, il coule ce beau jour Une inondation «existence er amour Tout este fécundité, toue pultale cr foisomne (Abondancey**

Nature — toi qui gontles ron sela Pour ta fámile entiêre (La Cremailliveyee+

Assim também, de um modo menos explicitamente físico, é Walter Crane que, como já vimos, foi em grande parte responsável pelos temas das imagens socialistas na Grã-Bretanha a partir dos anos 1880. Era um imaginário de primavera e de flores, de colheita (como no bem-conhecido The

Trinmplo of Labour desenhado para a manifestação do 1º de Maio de 1891) e

de jovens com leves vestidos ondulantes € barretes frígios** Ceres era à deusa do comunismo. Não é de admirar que o período de ideologia socialista mais profundamente imbuído de feminismo « mais inclinado a atribuir um papel crucial, algumas vezes até dominante, à mulher tenha sido a cra romântico-utópica anterior a 1848. É claro que neste período mal podemos falar de um “movimento” socialista, mas somente de grupos pequenos « atípicos. Além disso, O número real « a expressividade das mulheres em posições de liderança nesses grupos era bem menor do que nos anos não-tópicos da Segunda Internacional. Na Grã-Bretanha do owenismo e do cartismo, não há nada que se compare com o papel das mulheres como escritoras, oradoras e lfderes nos anos 1880 c 90; e isto não apenas no âmbito da classe média da

sociedade Fabiana, mas também na atmosfera muito mais operária do Par-

Ah, procuremo-lat/ Nos prados duuzados venta a nós, Mãe ; Os scios cheios para nossas hostes coletivas (Fala de Termidor + Neste belo dia escorre, do seio da nuiria/ Uma enchente de vida e amor Tudo é fertil dade, tudo pulula em abundância (Abundância == Natureza — tu, cujo seio se encheu/ Para alimentar toda tua família (Celebração)

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tido Trabalhista Independente, para não mencionar figuras tais como Eleanor Marx no movimento sindical. Além disso, as mulheres que então se destacaram, como Beatrice Webb ou Rosa Luxemburgo, não fizeram reputação por serem mulheres, mas porque se projetaram independentemente do sexo. Contudo, o papel da emancipação das mulheres na ideologia socialista nunca foi mais evidente « central do que no período do “socialismo utópico”.

Isto se deveu, em parte, ao papel crucial atribuído à destruição da família tradicional no socialismo daquele período:*” um papel que está bem claro em O Manifesto Comunista. A família cra considerada como a prisão domiciliar não apenas das mulheres (que em geral não cram muito parricipantes na política, nem, como massa, muito entusiastas com a abolição do casamento), mas também dos jovens, que se sentiam muito mais atraídos por ideologias revolucionárias. Além disso, como ]. F.C. Iarrison corretamente salientou, mesmo que por motivos empíricos, os novos proletários podiam bem concluir que “a influência dos seus toscos cascbres era restrita é circunscrita e que em comunidade encontrariam meios de escapar dessa situação: “podemos viver em palácios tão bem quanto os ticos ... bastando adotarmos o princípio da associação, o princípio patriarcal das grandes famílias, como aquele de Abraão”.”S8 Foi a socicdade de consumo, associada — paradoxalmente — à substituição da ajuda mútua pela previdência social de Estado, que enfraqueceu este argumento contra O núcleo familiar privado. Não obstante. o socialismo utópico também atribuiu outro papel à mulher, que era basicamente semelhante ao papel feminino nos movimentos religiosos milenaristas com os quais os utopistas tinham muito em comum. “Aqui as mulheres cram não apenas — talvez nem mesmo — iguais, mas superiores. Seu papel específico era o dos profetas, como Joanna Southeorr, fundadora de um influente movimento milenário na Inglaterra do início do século XIX, ou à femme-mêre-messie (mulher-mãe-messias) da religião dos seguidores de Saint-Simon,” Este papel acabava por fornecer, em um mundo masculino, oportunidades de uma carreira pública para um pequeno número de mulheres. Lembremo-nos das fundadoras da Ciência Cristã e da Teosofia. Contudo, a tendência dos movimentos sociais e trabalhistas à se afastatem do milenarismo em direção à teoria e organização racionalistas (“socialismo científico”) tornou este papel social das mulheres no movimento cada vez mais marginal. Mulheres capazes, cujos talentos preenchiam esses papéis, eram expulsas do centro do movimento para religiões periféri-

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cas que lhes proporcionavam mais campo de ação. Foi assim que atuou Annie Besant, uma secularista e socialista, e seu papel político principal, depois de 1890, foi como alta sacerdotisa da 'Ieosofia « — através da Teosofia — uma inspiradora do movimento de libertação nacional indiano. Tudo 6 que restou do papel utópico-messiámico das mulheres no socialismo foi à imagem da mulher como inspiração « simbolo de um mundo melhor. Mas, paradoxalmente, esta imagem por si mesma mal se distinguia dia das exi areiblicho sácir sms inn (o exerno feminino nos eleva aos céus”), de Goethe. Na realidade, aquilo que era de um modo na teoria da idea o burguesa masculina da mulher, dificilmente poderia ser diferente daquilo que era tão compatível com sua inferioridade na prática. Quando muito, à imagem da mulher como inspiradora se tornou a imagem de uma Joana «Arc, facilmente reconhecível nos desenhos de Walter Crane. Joana d'Arc foi, de fato, um icone de militância da mulher, mas não representava nem emancipação política, nem emancipação pessoal, ou mesmo ativismo, em qualquer sentido que pudesse se transformar em modelo para as mulheres. reais. Mesmo sc esquecermos que à imagem de Joana «Arc exclua a maioria das mulheres que não eram mais virgens - - isto é, mulheres como seres. sexuais — em qualquer época, por definição histórica, há no mundo espaço para apenas umas poucas Joanas d'Arc. E, por sinal, como demonstra à adoção cada vez mais entusiasta de Joana d'Arc pela dircita francesa, sua imagem era ideológica « politicamente indeterminada. la poderia ou não representar à Liberdade, Poderia estar nas barricadas, mas, ao contrário da jovem de Delacroix, não pertencia necessariamente àquele lugar. Infelizmente, é impossível continuar a análise iconográfica do movimento socialista além de um ponto da história que já é razoavelmente r moto, Não se fala nem se entende mais à linguagem tradicional do símbolo é da alegoria €, com seu declínio, mulheres como deusas e musas, como personificações da virtude e ideais, mesmo como Joanas E'Arc, perderam seu lugar específico no imaginário político. Mesmo o famoso símbolo internacional da paz nos anos 1950 não era mais uma mulher, como quase certamente teria sido no século XIX, mas a pomba de Picasso. Em relação às imagens masculinas, provavelmente isso também é verdadeiro, embora o Prometeu brandindo o martclo tenha sobrevivido mais tempo como personificação do movimento c da luta. Desde à Segunda Guerra Mundial à iconografia do movimento é, por assim dizer, não-tradicional. Atualmente não temos instrumentos analíticos para interprerá-la, isto é, fazer leituras

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simbólicas do principal meio iconográfico moderno, à fotografia ou o cineima, que são ostensivamente naturalistas. À iconografia do presente. portanto, não pode esclarecer as relações entré homens e mulheres no movimento socialista na merade do século xx da mesma maneira que para 0 século XIX. Contudo, pode trazer uma sugestão final quanto à imagem masculina. Esta, como já insinuamos, é em alguns aspectos paradoxal, visto que caracteriza não tanto o trabalhador, quanto o mero esforço muscular: não a inteligência, a habilidade e a experiência, mas a força bruta: exatamente como no famoso O forjador de ferra, de Meunier, onde o esforço físico virualmente exclui e exaure a mente, Pode-se ver razões artísticas para isto: como Brandt assinala, em Meunier “o prolerário é transtormado em um atleta grego”, e para esta forma de idealização a expressão da inteligência não é relevante. Pode-se ver também razões históricas: o período 1870-1914 foi, sobrerudo, à período em que a indústria confiava em um influxo maciço de trabalhadores inexperientes, mas fisicamente fortes, para realizar cm grande proporção tarefas relativamente não-especializadas que exigiam muita mão-de-obra; período em que um ambiente dramático de escuridão, chama « fumaça caracterizou a revolução na capacidade do homem em produzir mediante a induístria movida a vapor. Até agora, como sabemos, a grande maioria dos militantes do operariado organizado neste período, se deixarmos de lado o contingente reconhecidamente importante de minciros, consistia essencialmente em trabalhadores especializados. Como será que uma imagem que omite todas as. características dessa espécie de trabalho se estabeleceu como expressão da classe operária? Pode-se sugerir três explicações. A primeira, e talvez a mais conviacente psicologicamente, é que para a maioria dos trabalhadores, qualquer que fosse a sua especialização, o critério de pertencer a sua classe cra precisamente a execução de trabalho físico braçal. O instinto dos movimentos operários genuínos era omprisriste (obreirista): uma desconfiança perante aqueles. que não sujavam suas mãos. Isto, é certo, a imagem representava. A scgunda é que 6 movimento descjava enfatizar precisamente seu caráter abrangente: abrangia todos os proletários, não somente tipógrafo. mecânicos especializados e similares. A terceira, que provavelmente prevaleceu no período da Terceira Internacional, era que, em certo sentido, o trabalhador relativamente não-especializado, puramente braçal, o mineiro ou o estivador, era considerado mais revolucionário, já que não pertencia à aristocracia do ope-

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rariado com seu pendor para o reformismo e a social-democracia. Ele repre-

sentava “as massas”, para as quais os revolucionários se dirigiam, mais do

que para os social-democratas. A imagem cra uma realidade, na medida em que representava a diferença fundamental entre o trabalho braçal o trabalho não-braçal; uma inspiração, na medida em que implicava um programa ou uma estratégia. Quão realista era, no segundo aspecto, é uma pergunta que não cabe no presente estudo. Contudo, não deixa de ser significativo que, como imagem, omitisse muito do que foi o mais característico da classe operária « de seu movimento Notas 1, Esie ensaio originou-se de um colóquio com Pecer Hának do Instituto de História da Academia Húngara de Ciências, a respeito de um ensaio de Etim Etkind (de Leningrado, na época, atualmente de Nanterre) sobre “O ano de 1830 na possia cumpéia”, Sob o aspecto da história da arte, recebi ajuda essencial de Georg Eisker, Praneis e Laisa Haskell c Nick Penny Em certo sendo, este é portanto um trabalho de cooperação, embora as interpretações e os eres sejim todos meus, 2.CE, para uma discussão € bibliogrifia completas, o catálogo da exposição La Libené aidans le peuple de Delacroix, composto e redigido por Iélene Tonssaint, estudo do Laboratório de Pesquisa dos Museus da França por Lola Faillant-Dumas c Jean-Paul Riou (Paris, 1982). À cste acrescentaria HS. Tiidecke, Liggéne Delacroi sna die Pariser Juliresoliiom (Berlim, 1965), « Efim Erkind, “1830 im der curopaischen Dichrung”. dn R, Urbach (org), Wien sind Europe eivischen den Revolusionen- 1789-1448 (VienaMunique, 1978), 3.) Clark, The Aisolate Boungcvis, Londres, 1973, p, 19. 4 Edkind, “18307, pp. 150-1 Heinrich Heine, Gesammeite Ménte, Berlim, 1956-537, vol. 4, p 19. 6 1. Ramiro, Páliciem logs, Pais, 1905, pp. 80-1 7. Eduard Fuchs, Die Eras in der Karibarr, Munique, 1906, p. 484. Fuchs descreveu Penple de forma não implausível como “Megáre Volk” vu "O povo como uma vi rago” (Ramiro, Feicien Rops, p. 188), Uma versão menos explicita desta mesma ia: tem, por omitir à mexade inferior do corpo da mulher esti numa ilustração em Franz Bei, Faúicien tops (Berlim, 1921), sem número de página. 8.M. Agulhou, “Esquisse pour une archéulogie de la République: Tallégorie civique feminine”, Annals, nº 28, 1973, pp. 5-34. Uma heroína não-rexolucionáriaé apre. sentada quáse simultaneamente de maneira oposta à de Delacroix no Defense of Saragoss, 1828, de David Wilkie (Wilkie Exhibition, Royal Academy, 1958). A ver

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dadeira heroína espanhola é representada completamente vestida mas em pose alegótica, enquanto um guerrilheiro está agachado à seu lado, com 6 tórso mu (Devo esta referência ao de. N. Nennci Byrun, que discure extensamente « de forma admirável o papel das mulheres espanholas na luta pela liberdade, bem como à Virgem de Saragoça, acemtua-he o hervismo aparentemente não feminino: “Her lover sinks — she sheds no ilktimed tear; / Her chiet is slain — she fil his fal post: / Her fellow fe — she check their base career; / The toe retáres — sh has the sallving host”. Mas Byron também ressalta que ela permanece dentro dos limites do que à superioridade masculina considera desejável nas mulheres: “Jet are Spain's maids no race oÉ Amazonas, / Bur formed for all the witehing arts of love” Na verdade, a ferocidade delas, em contraste com a da Libendade, é “a ferocidade da pomba” (he ercenes ofrhe dive); ver Chitde Harald, voL 1, pp. Sc ss 9. Veja-se Jean Duche. 1700-1960: deus ses A bisoire de France par a caricature. Pais, 1961, pp. 142-3, 145 10.7. Brubas, Jean Dany e lilo Tecsen, La Conimunie de 187], Paris, 197], p. 190 — uma imagem inglesa 11, Jean Grand-Cartere, LAfire Dreyfiset Pimage, Paris, 1898, p. 150. 12. 1bid, Mustrações 61, 67, 106 € 251 13. A. Teeson, United TE Stand Am Tlusmnted Acemonr of Trade Union Emblems, Londies, 1971, p. 26 14, Lucien Christophe, Constantin Meunier, Ancuérpia, 1947, ilustrações6-9 c 21 15. Frans Mascreel, Die Send, Munique, 1925. 16. Joha Gorman, Hatiner Brinbt: Am Tlustratel History of she Bannens afrhe Brito Trade Union Moremens, Londres, 1973, p. 126 17 Lécson, United We Scand, pp. 60-70, 18: Gorman, Banner Hrigbr, pp. 1223. 1. WE Crane, Cartoons fo the Cause: À Seven of she Internarional Sacialir Wbrhos and Trade Uyiom Congrés, 1886-1896, Londres, 1896 20. Da coleção do dr. Hecbert Siciner, de Vin Para a sobrevivência do tríplice lema da Revotução Erancesa, ver Udo Achei (org), Zum Licire Empor: Mai-Ferzettungen der Susinldemobranie, 4891-1914, Berlim-Bonn, 1980, pp 124: é DD. Fricke, Kleine Gesebicine des Este Mai, Frankfurt, 1980, p. 61 21. Joseph Edwards (org:1, Labour Anual 1495, Manchester 22. Cheistophe, Constantin Menor, iuseração 12 23. VerE e M, Dixmies, Edite au besrre, Paris, 1974, ilusiação 24, A substituição da alegoria feminina pelo mu masculino, na iconografia socialista alemã por xoitá de 1900, foi observada independentememe por Detlev Hoffman e Unuls Schmidt insenhof, Unsenr Walt tros alem, Frankfurt, 1978, p. 373,

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25: “Desenhar Uma imagem de camponês cm ação, repito, esta é à essência da imagem mudema, o próprio múclea da arte moderna, que nem os gregos, nem o Reiascimento, hem os antigos holandeses fizeram ... Pessoas como Daumier — devemos respeitá-las pois estão entre 05 pioneiros. À figura intciramente nua, mas moderna, como a recriarum Hennore Lettvre, tem alt valor... Camponeses e trabalhadores, porém, não andam nus afinal de contas. e não É necessário imagini-os em nuder. Quanto mais ox pintures passarem à pintar trabalhadores e camponeses, mais eu vou gostar”, Vincent Van Gogh, Lhe Complete Letrors of Vincent Vim Gogi, Londres, 1958, vol. 2 pp: 400, 402, (Devo esta referência à Francis Haskell) 26, ED Klingender, Ar ad the Industrial Revulnsion, Londres, 1947, ilustrações 10, 47, 57, 90, 92 € 103; Paul Brand, Schafênde Ariuir und bidende Kignsr, Leipuig, 192728, vol. 2.pp. 240c 8. 27. Brandk, Scbaifênde Avbei, p. 243, useração 314 28. Locson. Unirea WE Stand,p. 23 29, Nicolas Penny, Churelr Momuments in Romanti- England, New Haven e Londres. 1977, ilustração 138. 30. Brandi, Schagende Avis, p. 370. 32.1 E. Grabar, VN. Lazareve Li 8, Kumenoy, Imoria Russlugo Iisbusrioa. Moscou, 1957. vol. MI, pp. 33, 83, 359, 381 e 431 32. Tigal, Burganow Svetlov e Chêmow (orgs, Sonietkara Skuiprura, nº 74, Moscou. 1976, p.52. 33, Grabaretal, Itonyia, p. 150. 34, Num trabalho comemorativa do 15” aniversário da Revolução de Outubro, no ano de 1982, surgiu pela primeira vez. uma fotografia deste tipo (50 homem socialista e seat entusiasmo são o motor da construção”. Finfêeb Liseme Sebmifie: Ein Hu der Tatsacien ams der Semjetumiom, Berlim, 1932. 35, Klingender Ars mma The Industrial Revolution. Mustração Xv. 36. “Ofender a um é ofender à todos”, “Lutaremose poderemos vir a morrer, mas não nos renderemos”, “Esta é uma guerra santa / € ão esmureceremos / até que a misera. a prestituição e a exploração / sejam eliminadas”, Gorman, Bauer firi. p. 130. 37. Grabar ex al, Imara, ilstração“1, p 481. 38, Peter Kriedte, Hans Modick e Júrgea Sehltmbolm, Inaistriisicrana sor der Tutu. rialisereng. Gireingen, 1977, capírulos 2 c 3

39, Pomanto, em 1906, nã França, 56% das mulheres que estavam empregadas ma in sera trabalhavam no rama do vestuázio: o mesmo empregava cambém 50% day mmúlheres ma indústria Dela (1890), 25% das mulheres ma indústria alemã (1907) e 36% na indústria britânica (1891). Ver Perer N, Stearns, Lives of babosa Mirk in m Maruring Induarial Soiery, Londres, 1975, apêndice TT, p. 365

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40. D.C. Marsh the Chimmgina Social Structure of England and Más, 1871-1961 (edição revisada), Londres, 1965, p. 129. 4. W Woyeinsky, Die Matei Zablem, Rertim, 1926, vol 2, p. 76: Gertraud Wolf, Der Eranenereri é dem Houpotulrunstanten, Munique, 1916, p. 251 42, Pecer N. Stearns, in Martha J. Vic org), Sufer na Ro St Wbmen im he Victviam Agr, Bloomingron-Londres, 1972, p. 118 43. Marsh, Chiang Social Siructure, p. 129. 44.0 problema aqui sugerido foi ademirivelmente apresentado por Louise À. Tilye Joan W. Score em Women, Wirk and emily (Nova York, 1978), especialmente no capítulo $ e pp. 228-9. Sua excelente discussão confirma esta análise, situando em particular a ascensão daquela fase da economia na qual a nova organização da indústria manufavureira exigia basicamente uma força de trabalho masculina e adulta” e na qual “durante a maior parte de sua vida de casada, a mulher servia como especialista na educaçãode crianças c em atividades de consumo para suá Familia”, exatamente na época em que o movimento operário de massa emergia nos países industrialmente avançados 45.E, E Thompson, “Lhe Moral Economy of the English Crowd im the Elgheecnth Century”, Pas amd Presene, nº 80, 1971 46.1, Levi Accat, “Vive le roi sans tale er sas gabelles une discussione sulle rivolte contadine”, Quadermi Suomi, ser-dez. 1972, p. 1078; O comentário de Heine sobre Delacroix ilustra o papel da feirante (“peneira”), 47 1LA Clegg, Alan Foxe À E Thompson. A History of rizis Trade Unioms ínce 1889, Oxford. 1964, vol. 1, pp. 469:70. 48,8 e IB Webb, Hdusial Democraey, Londres, 1897, p. 496. 49. Tbid.,po 497. 50, Ibiá, p. 496-7. 51 Ibid, p 497. 52. Ver Jean Touchard, La Gauche en France depuis 1900, Paris, 1977,p. TI3, 53, O feminismo de Bebel pode estar ligado a seu entusiasmo por Fourier, sobre quem também escrevess um livro. Deve-se mencionar também o influeme livro de Friedrich Engels, Orixem da família 54, Eugênie Portier, Oeiras omplêts, por Pierre Brochon (org), Paris, 1966 55. Gorman, Banner Briabe, p. 126. 56. A imagem da utopia gradualmente mudou de uma urópia bascada na fertilidade natural para uma bascada na produtividade tecnológica e científica. As duas estavam nitidamente presentes no socialismo utópico — veja-se o poema supracitado 1º Age Or, de Poreier: “Oh nations, plus de torpeur. / Mile réscamm vous ont nouées. / Lectricité, la vapeur / sont vos servants dévoués” etc. (“Ó nações, despertai! Estais ligadas à milhares de redes. A eletricidade e o vapor são vossos servos fis”) Entre-

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tanto, do ponte de vista icunográfico, natureza fertilidade predominou subre tecnologia, indubitavelmente aré 1917. 57.]. FC. Harrison. Robert Ouven amd she Oorenives in rita ama Americas The Quest for she New Mural Winid, Londres, 1969, pp. 58-62. 58. Ibid.,

pp. 60-1

59. Thid, pp. 98, 102, 121, para a fregiiência de “messias” femininos neste período. 60. Brandi, Selifênde Arbrir, p. 269.

Capítulo 8 O NASCIMENTO DE UM FERIADO: O PRIMEIRO DE MAIO

Es arrigo foi apresentado ariginariamense em 1990, para assinalar o cen. zenário do Primeiro de Maio socialista, no Queen Mary e Westfield College da Universidade de Londres, como à primeira conferência S. 1º Bindof; em memória de eminente membro do departamento de História daquela faculdade. Foi publicado em separata pela faculdade e, mais tarde, modificado, como colaboração no livro de Chris Wigley e Jobm Shepherd (orgs), On the Move: Essays in Labour and Transport I istory Presented to Philip Bag well (Londres e Rio Granito, 1904)

Em 1990, Michael Ignaticff, escrevendo no Olserer! sobre a Páscoa, observou que “as sociedades seculares jamais tiveram êxito na oferta de alternativas aos rituais religiosos”. E assinalou que a Revolução Francesa “po-

de cer transformado súditos em cidadãos, pode ter estampado liberté, ápalizé é fraternité na fachada de cada escola e acabado com os mosteiros, porém, a não ser pelo 14 de Julho, nunca conseguiu conquistar um lugar no velho calendário ceistão”. Meu tema de hoje é talvez a única conquista indiscurível realizada por um movimento secular sobre o calendário cristão ou qualquer outro calendário, um feriado estabelecido, não apenas cm um ou dois paises, mas oficialmente, no ano de 1990,

em

107 países, Mais ainda, é uma

data que foi estabelecida, não pelo poder de governos ou de conquistadores, mas por um movimento totalmente não-oficial de homens é mulheres pobres, Refiro-me ao Primeito de Maio, a festa internacional do movimento

da classe operária, cujo centenário devia ser comemorado em 1990, pois foi

instituída em 1890.

“Devia ser” é a expressão correta, pois. com exceção dos historiadores,

poucos foram os que demonstraram muito interesse nessa ocasião, inclusive

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naqueles partidos socialistas que são os descendentes diretos dos que, nos congressos imaugurais do que veio a ser a Segunda Internacional, em 1889, convocaram uma manifestação operária internacional simultânca em favor de uma lei que limitasse o dia de trabalho a oito horas, à ser realizada no 1º de maio de 1890. Tsso é verdade até mesmo a respeito dos partidos realmente representados nos congressos de 1890 « que continuam a existir Desses partidos da Segunda Internacional, ou de seus descendentes atuais, saem os governos ou as principais oposições ou os governos alternativos por quase toda a Europa, a oeste daquilo que, até recentemente, constiruía a região que se descrevia a si própria como a do “socialismo realmente existente”. Seria de esperar que mostrasse maior orgulho ou, pelo menos, maior interesse por scu passado. Na Grá-Bretanha. a reação política mais forte ao centenário do Primeiro de Maio veio de sir John Hackerr, antigo general e, sinto dizê-lo, antigo diretor de uma faculdade da Universidade de Londres, que pregou a abolição do Primeiro de Maio, parecendo encará-lo como algum tipo de invenção soviérica, Essa data, achava cle, não deveria sobreviver à queda do comunismo internacional. Contudo, à origem do feriado de Primeiro de Maio na primavera da Comunidade Européia opõe-se ao bolchevique ou, até mesmo, ao social-democrata. Remonta aos políticos anti-socialistas que, reconhecendo o quão profundas eram as raízes do Primeiro de Maio no solo das classes operárias ocidentais, prerenderam contrapor-se ao apelo dos movimentos operários e socialistas mediante a cooptação de sua festa e sua transformação em outra coisa. Ciro a proposta de um parlamentar francês, em abril de 1920, apoiado por 41 deputados aos quais nada mais unia senão o fato de não serem socialistas:

Esse feriado não deve conter elemento algum de inveja ou de ódio [expressão código para luta de classes). Todas as classes, se ainda se pode dizer que existam classes, e todas as forças produtivas da nação devem se confraternizar, inspiradas pela mesma idéia e pelo mesmo ideal. 2

Aqueles que, antes da Comunidade Européia, foram mais longe na coopração do Primeiro de Maio estavam na extrema-direita, não na esquerda. O governo de Hitler foi o primeiro, depois da URSS, a oficializar o Pri meiro de Maio como um Dia Nacional do Trabalho. O governo de Vichy do marechal Pétain declarou o Primeiro de Maio uma Festa do Trabalho e da Concórdia e diz-se que a inspiração para fazê-lo veio do Primeiro de

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Maio falangista da Espanha de Franco, onde o marechal fora um devotado embaixador* De fito, a Comunidade Econômica Européia que fez do Primeiro de Maio um feriado público constitaia um conjunto composto não de governos socialistas. mas predominantemente anti-socialistas — em que pesem as opiniões da senhora Thatcher sobre o assunto. Os Primeiros de Maio oficiais no Ocidente foram o reconhecimento da necessidade de chegar a um acordo com a tradição dos Primeiros de Maio não-oficiais, e de separá-los dos movimentos operários, da consciência de classe c da lura de

classes, Porém, como veio a ocorrer que essa tradição fosse tão foree que até mesmo seus inimigos julgaram necessário apoderar-se dela, mesmo quando, como Hitler, Franco e Pétain, destruíram 0 movimento operário socialista? O que é extraordinário a respeito da evolução dessa instituição é que «la não foi intencional nem planejada, Não foi tanto uma “tradição inventada” quanto uma tradição que surgiu repentinamente. Não sc discute a origem imediata do Primeiro de Maio: foi uma resolução aprovada em Paris, em julho de 1889, ano do centenário da Revolução Francesa, pelo congresso marxista — um dos dois congressos rivais fundadores da Internacional. Essa resolução convocava uma manifestação internacional dos operários em um mesmo dia, quando apresentaram à exigência da “jornada legal de oito horas” a suas respectivas autoridades públicas é outras. E, uma vez que a Vederação Norte-Americana do Trabalho já havia decidido realizar manifestação desse tipo em 1º de maio de 1890, essa data acabou sendo escolhida para a manifestação internacional. Ironicamente, nos próprios Estados Unidos, o Primeiro de Maio jamais se estabeleceu como em outros lugares. quando menos por já existir um feriado público do trabalho, cada vez mais oficial; o Dia do Trabalho, na primeira segunda-feira de setembro. Naturalmente, os estudiosos tém investigado as origens dessa resolução e de que modo cla se relaciona com a história anterior da luta pela “jornada legal de oito horas”, nos Estados Unidos e alhures; mas essas questões não nos dizem respeito neste momento. O importante para a atual discussão é de que modo aquilo a que visava a resolução diferia do que de faro veio a acontecer. Observemos trés fatos à respeito da proposta original Primeiro, a convocação era simplesmente para uma única manifestação internacional. Não há indicação alguma de que devesse repesir-se, muito menos tornar-se um evento anual regular. Em segundo lugar, aão havia indicação alguma de que devesse ser uma ocasião particularmente festiva ou rirual, muito embora os movimentos operários de todos os países estives-

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sem autorizados à “realizar «ssa manifestação da maneira que fosse nec: sária segundo a situação nos respectivos países”. Certamente esta cra uma saída de emergência, deixada para salvaguardar o Partido Social-Democrata Alemão que, à época, ainda era ilegal, conforme a lei anti-socialista de Bi marck. Em terceiro lugar, não há indícios de que essa resolução tivesse sido considerada especialmente importante naquele momento. Ao contrário, os noticiários da imprensa da época mal o mencionam e, quando o fazem, com uma única exceção (muito curiosamente, um jornal burguês), deixam de indicar a data proposta,” Até mesmo o relatório oficial do Congresso, publicado pelo Partido Social-NJemocraca Alemão, simplesmente menciona os proponentes da resolução « estampa seu texto, sem fazer qualquer comentário nem, ao que parece, demonstrar que considerava uma questão importante Em suma, como recordou alguns anos depois lidouard Vaillant, um dos mais eminentes e politicamente sensíveis delegados ao Congresso: “Quem. podia ter previsto ... o rápido crescimento do Primeiro de Maio?” Seus rápidos crescimento e insrirucionalização deveram-se certamente ao êxito extraordinário das manifestações do Primeiro de Maio de 1890, pelo menos na Europa à oeste do império russo « dos Báleis,” Os socialistas haviam escolhido o momento certo para fundar ou, se se preferir, reconsti tuir uma Internacional. O primeiro Primeiro de Maio coincidiu com um avanço triunfante da força e da confiança operária em inúmeros países. Para citar apenas dois exemplos bem conhecidos: a explosão do Novo Sindicalismo na Grã-Bretanha, que se seguiu à Greve das Docas de 1889, c a vitória socialista na Alemanha, onde o Reichstag, em janeiro de 1890, recusou-se a dar continuidade à lei anti-socialista de Bismarck, do que resultou que, um mês depois, o Partido Social-Democrata duplicasse sua votação na eleição geral e surgisse com pouco menos de 20% do total de votos. Num momento como csse, não era dificil transformar em Cxito manifestações de massa, pois tanto os ativistas quanto os militantes dedicavam-se a clas intensamente, enquanto as massas de operários juntavam-se a cles para comemorar um sentimento de vitória, poder, reconhecimento e esperança. Mesmo assim, a amplitude em que os operários participaram dessas reuniões espantaram os que os haviam convocado a fazê-lo, notadamente as 300 mil pessoas que lotaram o Hyde Park cm Londres, que assim, pela primeira e última vez, proporcionou a maior demonstração dessa data. Pois, embora naturalmente todos os partidos e organizações socialistas tenham organizado reuniões, foram poucos os que reconheceram o pleno potencial

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da ocasião e dedicaram todo o empenho a ela desde o início. O Partido Social-Democrata Austríaco foi excepcional em sua percepção imediata do clima da massa, com tal resultado que, como observou Frederick Engels algumas semanas depois, “no continente foi a Áustria, e na Áustria, Viena,

que comemorou essa festa da maneira mais adequada c csplêndida”.* De fato, em diversos países, longe de lançar-se de todo o coração na

preparação do Primeiro de Maio, os partidos e os movimentos locais estavam, como é comum na política da esquerda, cm situação desvantajosa devido às discussões e divisões ideológicas a respeito da forma ou formas

legítimas desse tipo de manifestações — voltaremos a elas adiante — ou por simples cautela. Diante da reação extremamente nervosa, às vezes até his-

térica, pela perspectiva da data por parte dos governos, da opinião da classe

média e dos empregadores, os quais amcaçavam com a repressão policial, muitas vezes os líderes socialistas responsáveis preferiram evitar formas excessivamente provocativas de confrontação. Foi esse em particular 0 caso da Alemanha, onde o banimento do partido acabara de ser revogado após onze

anos de ilegalidade. “Temos tódas as rázões para manter as massas sob controle na manifestação do Primeiro de Maio”, escreveu à Engels o líder par-

tidário August Bebel:

“Devemos evitar conflitos”.

Engels concordou.”

A questão fundamental em pauta era se os operários deviam ser convo-

cados a manifestar-se em dia de trabalho, ou seja, fazer greve, pois em 1890

o Primeiro de Maio caía numa quinta-fcira. Basicamente, os partidos cautelosos e os sindicatos fortemente constituídos — a menos que descjassem

estar ou estivessem envolvidos na ação industrial, como era o plano da Tede-

ração Norte-Americana do Trabalho — não viam por que haviam de arris-

car o próprio pescoço ou os de seus membros em nome de um gesto simbólico. Por isso, tenderam a optar por uma manifestação no primeiro domingo

de maio e não no primciró dia do mês, Foi essa, « continuou sendo, a opção

britânica, razão por que o primeiro grande Primeiro de Maio teve lugar em + de maio. Contudo. essa foi também a preferência do partido alemão.

embora lá, diferentemente da Grã-Bretanha, o que prevaleceu na prática foi

o Primeiro de Maio. Na verdade, à questão iria ser discutida formalmente no Congresso da Internacional

britânicos

Socialista de Bruxelas, em

1891, onde

os

os alemães se opuseram aos franceses € austríacos a esse res-

peito, sendo derrotados na votação.” Uma vez mais essa questão, como tantos

outros aspectos do Primeiro de Maio, foi o subproduro acidental da escolha

internacional da data. A resolução original não fazia qualquer referência à

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suspensão do trabalho. O problema surgiu simplesmente porque o primeiro Primeiro de Maio caiu num dia de semana, como todos às que planejaram à manifestação necessariamente o descobriram, de imediato. A cantela determinava outra coisa. Mas o que de fato fiz o Primeiro de Maio foi precisamente a escolha do símbolo acima da razão prática. Foi o ato de suspender simbolicamente o trabalho que transformou o Primeiro de Maio em algo mais do que uma simples manifestação, ou de qualquer outra ocasião comemorativa. Onde o Primeiro de Maio se tornou verdadeiramente peça central da vida da classe operária « da identidade dos trabalhadores — como nurica ocorreu na Grã-Bretanha, apesar de seu brilhante começo — foi nos países ou cidades em que os partidos, aínda que contra sindicatos vacilantes, insistiram na greve simbólica. Pois abster-se de trabalhar num dia útil era tanto uma afirmação do poder da classe operária — na verdade, a mais alta afirmação desse poder — quanto a essência da liberdade, ou seja, não ser obrigada ao trabalho com o suor de seu rosto, mas escolhendo o que fazer na companhia da família e dos amigos. Era, pois, tanto um gesto de afirmação de classe e de luta de classe quanto um feriado: uma espécie de railer da boa vida que viria após a emancipação do opcrariado. E, é claro. nas circunstâncias de 1890, cra também uma comemoração de vitória, uma volta olímpica em torno do estádio, Visto desse ângulo, o Primeiro de Maio trazia consigo uma carga muito forte de emoção e de esperança, Foi o que realizou Victor Adler quando, contra o conselho do Partido Social-Democrata Alemão, insistiu em que O partido austríaco deveria provocar exatamente aquilo que Bebel queria evitar. Do mesmo modo que Bebel, cle reconhecia & clima de cuforia, de conversão da massa, quase de expectativa messiânica que empolgavá tantas classes operárias naquele momento. “As eleições transformaram a cabeça das massas politicamente menos educadas [gescbdr). Elas acreditavam que bastava quererem algo para que tudo pudesse ser conseguido”, como disse Bebel.!! Diferentemente de Bebel, Adler ainda precisava mobilizar esses sentimentos para construir um partido de massa a partir de uma combinação de ativistas € de uma crescente simpatia clãs massas, Além disso, diferentemente dos alemães, os operários austríacos. ainda não tinham o direito de voto: Até então, portanto, a força do movimento não podia demonstrar-se clcitoralmente. Uma vez mais, os escandinavos compreenderam o potencial mobilizador da ação direta quando, após o primeiro Primeiro de Maio, votaram a favor de uma repetição da mánifestação em 1891, “especialmente se combinada com uma suspensão do

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trabalho, « não apenas com simples expressão de opinião”? À própria Internacional assumiu a mesma posição quando, cm 1891, votou (contra os delegados britânicos c alemães, como já vimos manter a manifestação no

dia primeiro de maio « “suspender o trabalho onde quer que não seja impossível fazê-lo”.!* Isso não quer dizer que o movimento internacional convocou uma greve geral como tal, pois, com todas as expectativas ilimitadas do mo-

mento, na prática os operários organizados tinham consciência tanto de sua força quanto de sua fraqueza, Se as pessoas deviam fazer greve no Primeiro de Maio, ou se delas se esperava que cedessem o pagamento correspondente

a um dia de trabalho em favor da comemoração, essas eram questões amplamente discuridas nos bares da Hamburgo proletária — segundo os policiais

à paisana enviados pelo Senado para escutar as conversas dos operários na-

quela cidade maciçamente “vermelha”. !! Sabia-se que muitos operários não teriam condições de sair do trabalho, mesmo que quisessem. Assim, os ferroviários enviaram um telegrama ao primeiro Primeiro de Maio de Co-

penhague, que foi lido e aplaudido: “Uma vez que não podemos estar pre-

sentes à reunião devido à pressão exercida pelos que estão no poder, fazemos questão de apoiar totalmente a reivindicação em favor da jornada de trabalho de oito horas”. Contudo, onde os empregadores sabiam que os operários cram fortes é intensamente comprometidos, iriam muitas vezes concordar tacitamente que o dia fosse tirado como folga. Foi o que aconteceu muitas vezes na Áustria. Assim, apesar da instrução clara do Ministério do

Interior de que cram proibidas as passeatas e que não se deveria permitir que os trabalhadores tirassem folga, « apesar da decisão formal dos empre-

gadores de não considerar o Primeiro de Maio feriado — c às vezes aré de, em substituição, dar o dia anterior ao Primeiro de Maio como feriado — a Fábrica Estatal de Armamentos em Stevr, na Alta Áustria, fechou as portas

no Primeiro de Maio de 1890 c em todos os anos à partir de então.!* Em todo 9 caso, número suliciente de operários saiu, em múmero suficiente de países, para tornar plausível o movimento de suspensão do trabalho. No fim das contas, em Copenhague, cerca de 40% dos operários da cidade estiveram de corpo presente à manifestação de 1890.7 Em

vista do éxito notável e muitas vezes inesperado do primeiro

Pri-

meiro de Maio, era natural que se exigisse à reperição da proeza. Como

vimos, os movimentos escandinavos unidos exigiram-no no verão de 1890,

como também os espanhóis. No final do ano, o grosso dos partidos eu-

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ropeus havia seguido o exemplo. Que a ocasião deveria tornar-se um evento anual regular pode ou não ter sido sugerido pela primeira vez pelos militantes de “Toulouse que aprovaram uma resolução sobre isso em 1890. mas não foi surpresa para ninguém que o Congresso da Internacional cm Bruxelas, em 1891, obrigasse o movimento a um Primeiro de Maio anual regular. Contudo, o Congresso também fez outras duas coisas, ao mesmo tempo em que insistia, como já vimos, em que o Primeiro de Maio devia ser comemorado por uma única demonstração no primeiro dia do més, qualquer que fosse o dia da semana, para acentuar “seu verdadeiro caráter de reivir dicação econômica em favor da jornada de trabalho de oito horas e como uma afirmação da luta de classes”.º Acrescentou pelo menos mais duas outras reivindicações à da jornada de trabalho de oito horas: legislação do trabalho é luta contra à guerra. Embora, à partir daí, O lema da paz fizesse parte oficialmente do Primeiro de Maio, não se integrou de fato como tal na tradição popular do Primeiro de Maio, a não ser como alguma coisa que forralecia o caráter internacional da ocasião. Contudo, além de ampliar o conteúdo programático da manifestação, a resolução continha outra inovação, Falava de “comemorar” o Primeiro de Maio. O movimento passara à reconhecê-lo oficialmente não só como uma atividade política, mas como uma festa. Uma vez mais, isso não fázia parn: do plano original. Ao contrário, a ala militante do movimento e, não será preciso dizê-lo, os anarquistas opunham-se violentamente à idéia de festividades, com base em argumentos ideológicos. O Primeiro de Maio era um dia de luta. Os anarquistas teriam preferido que cle se ampliasse de um único dia de lazer arrancado aos capitalistas para uma grande greve geral que subvertesse todo o sistema. Como tantas vezes, os revolucionários mais militantes tinham uma visão sombria da luta de classes, como confirma frequentemente a iconografia de massas negras e cinzentas apenas iluminadas pela ocasional bandeira vermelha?” Os anarquistas preferiam encarar o Primeiro de Maio como uma comemoração de mártires — os mártires de 1886 em Chicago, “um dia de luto e não de comemoração"2! —— e, nos lugares em que tinham influência, como na Espanha, América do Sul e Itália, o aspecto martirológico do Primeiro de Maio passou realmente a fazer parre da ocasião. O divertimento não fazia

parte do plano do jogo revolucionário. Na verdade, como revela estudo recente sobre o Primeiro de Maio anarquista em Barcelona, uma de suas. principais características, antes da República, consistia em recusar-se a tratá-

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la como, e sequer a chamá-la de “Festa del Traball”, festa do trabalho,? Ao inferno com as ações simbólicas: ou a revolução mundial, ou nada. Alguns anarquistas recusavam-se até mesmo a incitar a greve do Primeiro de Maio, com o argumento de que nada do que não desse realmente início à revolução não passaria de mais um diversionismo reformista. A confederação sindicalista revolucionária francesa, Confédérarion Générale du Travail (CGL), não cedeu às festividades do Primeiro de Maio até depois da Primeira Grande Guerra

Os líderes da Segunda Internacional podem bem ter fomentado a transformação do Primeiro de Maio numa festa, uma vez que certamente desejavam evitar à tática de confronto dos anarquistas €, é claro, também eram favoráveis a uma base o mais ampla possível para as comemorações. Mas à idéia de um feriado de classe, ao mesmo tempo lura e diversão, não estava em definitivo originalmente em suas mentes. De onde terá surgido? No início, é quase certo que a escolha da data teve papel fundamental No hemisfério norte temperado, os feriados da primavera têm profundas raizes no ciclo ritual do ano «, de fato, O próprio mês de maio representa a renovação da natureza. Na Suécia, por exemplo, o Primeiro de Maio já cra, por antiga tradição quase um feriado público.” (A propósito, esse foi um dos problemas com a comemoração dos Primeiros de Maio invernais na Austrália, militante sob outros vários aspectos.) Com base na abundante iconografia e no material literário a que temos acesso, O qual passou a estar disponível nos últimos anos,” é bastante evidente que a narureza, as plantas é, mais do que tudo, as flores foram, automaticamente é de maneira universal, utilizadas para simbolizar a ocasião. A mais simples das reuniões rurais, como o encontro de 1890 numa aldeia da Estíria, não mostra bandeiras, mas Sim cartazes com slogans enfeitados de flores, bem como músicas” Uma atraente fotografia feita mais tarde, num Primeiro de Maio de provincia, também na Áustria, mostra os operários ciclistas social-democratas, homens é mulheres, desfilando com as rodas é os guidons engalanados com festões de flores, e uma criança enfeitada de fores numa espécie de cadeirinha presa entre duas bicicletas.” As flores surgem sem nenhum constrangimento em volta dos retratos formais dos sete delegados austríacos ao Congresso Internacional de 1889, distribuídos no primeiro Primeiro de Maio de Viena. Chega-se até a introcuzir flores nos mitos militantes. Na França, a fisillade de Fomrmies, de 1891, com seus dez mortos, é simbolizada na nova tradição por Maria Blondeau, de

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dezoito anos, que dançou à frente de 200 jovens de ambos os sexos, agi-

tando um ramo florido de pilriteiro que lhe fora dado por seu noivo, até

que os soldados lançassem fogo sobre ela, matando-a. Duas tradições de maio se fundem claramente nessa imagem, Que flores? Inicialmente, como insinua 6 ramo de pilrieiro, cores que antes sugerem primavera do que

política, ainda que o movimento logo passe a escolher flores da cor que lhe

é própria: rosas, papoulas estilos nacionais. Apesar símbolos do desabrochar rança, à saber, as jovens universais para a ocasião,

e sobretudo cravos vermelhos, variando porém os disso, sempre são essenciais as flores e os demais das plantas, da juventude, da renovação e da espemulheres. Não é por acaso que os ícones mais reproduzidos imámeras vezes nas mais variadas lin-

guagens, provém de Walter Crane — especialmente a famosa jovem de gorro

frígio adorado de flores. O movimento socialista britânico era pequeno c de pouca importância e seus Primeiros de Maio, em pouco tempo depois

dos primeiros, foram insignificantes. Contudo, através de William Morris,

de Crane e do movimento artes-c-ofícios, inspiradores da mais influente

“arte nova” ou ar nowveau do período, encontrou a expressão exata para o espítito do tempo. A influência iconográfica britânica não é a menor cvidência da internacionalização do Primeiro de Maio.

Na verdade, a idéia de uma festa ou feriado público dos trabalhadores surgiu também espontânea quase imediatamente — sem dúvida ajudada pelo fato de, em alemão, à palavra feier poder significar tanto “não trabalhar” quanto “comemorar formalmente”. (O emprego do termo “jogar” [plaving|

como sinônimo de “fazer greve” [sriking], comum na Inglaterra na primeira parte do século, já não parece ser comum em seu final.) Em todo o caso, pareceria lógico que, num dia em que as pessoas estavam fora do trabalho, os encontros e passeatas políticos da manh fossem suplementados, mais tarde, por sociabilidade é diversão, ainda mais sendo tão importante para O movimento o papel das estalagens e dos restaurantes como locais de reunião, Em mais de um país, os taberneiros os cabareriers constituíam uma porção significativa dos ativistas socialistas.

Deve-se mencionar desde já uma das mais importantes consegiiências disso. Diferentemente da política que. naquela época. era “coisa de homem”, os feriados incluíam as mulheres e as crianças. Tanto as fontes visuais quanto as literárias demonstram a presença € a participação das mulheres no Primeiro de Maio, desde seu princípio.” O que-o tornava uma autêntica

demonstração de classe — e, a propósito, como na Espanha, atraindo cada

SOAS EXTRAORDINÁRIAS

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vez mais operários que não estavam politicamente com os socialistas era justamente o fato de não estar restrito aos homens, mas pertencer às famílias, Por sua vez, através do Primeiro de Maio, as mulheres que não estavam diretamente no mercado de trabalho como assalariadas, vale dizer, o grosso das mulheres casadas da classe operária em inúmeros países, identificavam-se em público com o movimento € com a classe, Se a vida de trabalho de assalariado pertencia sobretudo aos homens, à recusa a trabalhar por um dia unia idades é sexos na classe operária. Praticamente todos os feriados regulares antes daquela época haviam sido ftriados religiosos — pelo menos em toda a Europa, exceto na GráBretanha onde, tipicamente. o Primeiro de Maio da Comunidade Européia foi assimilado a um feriado bancário. O Primeiro de Maio partilhava com os feriados cristãos a aspiração à universalidade ou, em termos do movimento operário, ao internacionalismo. Essa universalidade impressionava profundamente os participantes « tomava maior o atrativo da data. Isso sempre foi enfatizado pelos inúmeros volantes relativos ao Primeiro de Maio, os quais muitas vezes eram de produção local € são tão valiosos como fonte para à iconografia e a história cultural da época — somente da Trália pré-fascista foram preservados 308 números diversos desse tipo de publicação cfêmera. O primeiro jornal do Primeiro de Maio de Bolonha, em 1891, contém nada menos do que quatro itens tratando especificamente sobre a universalidade da data.º! E, é evidente, a analogia com a Páscoa ou o Pentecostes parecia tão óbvia quanto aquela com as comemorações da primavera do costume popular. Os socialistas italianos — agudamente conscientes do apelo espontáneo da nova festa del lavoro pata uma população cm grande medida católica e analfabeta — usaram a expressão “a Páscoa dos trabalhadores” pelo menos desde 1892, c essas analogias tornaram-se corrente em âmbito internacional na segunda metade da década de 1890? Pode-se perceber imediaramente a razão. Era patente a semelhança entre O novo movimento socialista é os morimentos religiosos, « até mesmo, nos primeiros estonteantes anos do Primeiro de Maio, à um movimento de renascençaç religiosa, , com expectarip vas messiânicas. Assim era também, de cerro modo, a semelhança do conjunto dos primeiros líderes, ativistas € propagandistas com um clero, ou pelo menos com um corpo de pregadores leigos. “Temos um folheto extraordinário de 1898, de Charleroi na Bélgica, que reproduz o que só se pode descrever como um sermão do Primeiro de Maio: nenhuma palavra faria

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melhor, Dez deputados e senadores do Partido Operário Belga, sem alguma todos eles areus, sem exceção, o assinaram ou o redigiram nome, sob as epigrafes conjuntas: “Operários de todos os países, (Karl Mars” e “Amai-vos uns aos outros (Jesus)”, Alguns trechos tirão perceber 0 seu tom:

dúvida em seu uni-vos permi-

Esta [ele começa] é'a hora da primavera é da festividade quando à perpérua Evolução da narureza resplandece em sua glória. Como a nam Tera, encham-se vocês de esperança e preparem-se para A Nova Vida.

Depois de algumas passagens de instrução moral (“Demonstrem amor próprio: evitem as bebidas que os embriagam e as paixões degradantes”, e assim por diante) e da incitação ao socialismo, concluía com uma passagem de esperança milenarista: Em breve desaparecerão as fronteiras! Em breve terão fim as guerras € os Exércitos

ada vez que vocês praticarem as virtudes socialistas da

Solidariedade é do Amor, trarão esse futuro para mais perto. E, então,

na paz e na alegria, passará a existir um mundo em que o Socialismo

triunfará, assim que o dever social de todos seja corretamente entendido como aquilo que traz 6 desenvolvimento total de cada um.

Contudo, o que chama à atenção à respeito do novo movimento ope-

tário não é que fosse uma Fé, ou que muitas vezes imitasse o tom e o cstilo do discurso religioso, mas sim que softesse rão pouca influência do modelo religioso, mesmo nos países em que as massas eram profundamente religiosas é impregnadas dos modos de ser das igrejas * Além disso, era pequena à convergência entre-a velha e à nova Fé, a não ser algumas vezes mas não sempre)

em que 6 protestantismo assumiu a forma de seitas não-

oficiais e implicitamente oposicionistas, ao invés de Igrejas, como na Inglaterra, O movimento operário socialista era um movimento militantemente secular, anti-religioso, que convertiaex masse as populações piedosas, ou que haviam sido picdosas, Podemos compreender também porque isso se dava. O socialismo e o movimento operário eram atrativo para homens c mulheres para quem. como uma nova classe consciente de si mesma, não havia um lugar adequado na comunidade de que as Tgrejas estabelecidas, notadamente a Igreja Católica, constituíam a expressão tradicional. Houve de faro colônias de

PESSOAS EXTRAORD!

as

“gente de fora”, pela ocupação exercida, como em aldeias minciras, protoindustriais ou fabris: pela origem, como os albaneses daquela que sc tornou à aldeia mais puramente “vermelha” de Piana dei Greci, na Sicília (agora Piana degli Albancsi): ou unidos por algum outro critério que os isolava coletivamente da sociedade mais ampla, Nesses casos, “o movimento” podia funcionar como a comunidade e, ao fazé-lo, assumir muitas das antigas práticas de aldeia até então monopolizadas pela religião. Contudo, isso cra raro, Na verdade, à razão mais importante do éxito maciço do Primeiro de Maio é que ele foi considerado como o tíico feriado associado exclusivamente à classe operária como tal, não compartilhado com ninguém mais €, além disso, um feriado que fora conseguido à força pela ação dos próprios operários, Mais do que isso: era um dia em que os que comumente eram invisíveis estavam expostos publicamente c. pelo menos por um dia, tomavam conta do espaço oficial dos governantes e dá socicdade.s Desse ponto de vista, as festividades dos mineiros britânicos, das quais a dos mineiros de Durham é a que sobrevive por mais tempo, anteciparam-se ao Primeiro de Maio, com base, porém, em apcnas uma indústria, e não na classe operária como um todos Neste sentido, a única relação entre 0 Primeiro de Maio c à religião tradicional foi a reivindicação de direitos iguais. “Os padres têm suas. festas”, anunciou o volante relativo ao Primeiro de Maio de 189] cm Voghera, no vale do Pó, “os Moderados tém suas festas, Assim também os Democratas O Primeiro de Maio é a Festa dos operários de todo o mundo” Mas havia outra coisa que distanciava o movimento da religião. Sua palavra chave era “novo”, como em Die Neue Zeii (Os novos tempos”) título da revista teórica marxista de Kautsky e, como na canção operária austriaca, ainda associada ao Primeiro de Maio, cujo refrão reza: Mir ans aieht die neue Zeit (Os novos tempos chegam conosco”). Como demonstram as experiências escandinavaé austríaca, muitas vezes o socialismo chega ao campo e às cidades do interior literalmente pelas estradas de ferro, com os que as constroem e nclas trabalham, e com as novas idéias e novos tempos que trazem consigo" Ao contrário de outros feriados públicos, entre os quais a maioria das ocasiões rituais do movimento operário até então, o Primeiro de Maio não comemorava coisa alguma — pelo menos fora do âmbito da influência anarquista que, como já vimos. pretendia vinculá-lo aos anarquistas de Chicago de 1886. Não cra sobre nada a não ser sobre o futuro, o qual, diferentemente de um passado que nada tinha a dar ao proletariado, excero más lembranças (“Du passé faisons table rase”, canta à Inter-

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nacional, não por acaso), oferecia a emancipação. Ao contrário da religião

tradicional, “o movimento” não oferecia recompensas para depois da morte, mas à nova Jerusalém nesta terra. A iconografia do Primeiro de Maio, que muito rapidamente desenvolveu seu conjunto de imagens e seu simbolismo próprios, é toda orien-

tada para o fururo.*” De modo algum era claro o que o futuro traria, apenas. que seria bom e que era incvitável que viesse, Felizmente, para o éxito do Primeiro de Maio, pelo menos um caminho em direção ao futuro transformou a ocasião em algo mais do que uma manifestação ou uma festa. Em

1890, à democracia eleitoral ainda era extremamente rara na Europa e à reivindicação de sufrágio universal foi de imediato acrescentada à da jornada de oito horas e aos outros slogans do Primeiro de Maio. É muito curioso

que, embora se tornasse parte integrante do Primeiro de Maio na Áustria, Bélgica, Escandinávia,

Itália e em outros lugares, a reivindicação do direito

de votar, até que fosse atendida, jamais fez parte internacional ex: officio de

seu conteúdo político, como a jornada de oito horas e, mais tarde, a paz.

Não obstante, onde era aplicável, tornou-se parte integrante da data e aumentou em muito sua importância. Na verdade, a prática de organizar ou ameaçar greves gerais em favor do sufrágio universal, que se desenvolveu com algum exito na Bélgica, Sué-

cia e Áustria e ajudou a manter unidos partido e sindicatos, originou-se das

interrupções de trabalho do Primeiro de Maio. A primeira dessas greves foi iniciada pelos mineiros belgas em 1º de maio de 1891.º! Por outro lado, os

sindicatos estavam muito mais preocupados com 0 slagan do Primeiro de Maio sueco de “menos horas e salários maiores” do que com qualquer ou-

tro aspecto do grande dia! Houve momentos, como na Itália, em que se concentraram nisso c deixaram até mesmo a democracia para outros. Os grandes progressos do movimento, inclusive sua defesa efetiva da democra-

cia, não se bascava num egoísmo econômico estreito, Claro que a democracia era essencial para os movimentos operários socialistas. Não só era fundamental para seu progresso, como também inseparável dele,

O primeiro Primeiro

de Maio na Alemanha foi comemorado

com uma placa que mostrava Karl Marx dum lado e a Estátua da Liberdade do outro?

Um

impresso austríaco do Primeiro de Maio de 1891

mostra

Marx segurando Das Knpiral, apontando através do mar para uma daquelas

ilhas românticas muito conhecidas de seus contemporâneos por quadros de caráter mediterrâneo, por trás da qual se erguia o sol do Primeiro de Maio,

TESSOAS EXTRAORDINÁRIAS

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que iria se tomar o simbolo mais duradouro é mais poderoso de futuro. Sobre scus raios, os lemas da Revolução Francesa: Liberdade, Igualdade, Fraternidade, que são encontrados em muitos dos distintivos ou lembranças

dos primeiros Primeiros de Maio* Marx está rodeado de operários, presumivelmente preparado para tripular à frota de navios prontos para navegar

até a ilha, fosse ela qual fosse, tendo inscrito em suas velas: Sufrágio Universal e Direto, Jornada de Oito Horas, e Proteção aos Operários. Essa foi à tradição original do Primeiro de Maio. Essa tradição cresceu de maneira estraordinariamente rápida — em dois ou trés anos — mediante curiosa simbiose entre os slogans dos líderes socialistas « sua interpretação muitas vezes espontânea pelos militantes e pela massa dos operários. “Tomou forma naqueles maravilhosos poucos anos do súbito Morescimento dos movimentos « partidos operários de mas-

sa, quando cada dia trazia um visível crescimento, quando a existência mes ma de tais movimentos, à simples atirmação da classe, pareciam garantir o triunto futuro. Mais do que isso: parecia o sinal de iminente triunfo, quando os portões do novo mundo se escancarariam para a classe operária. Contudo,

o milénio não chegou c o Primeiro

de Maio, como

tanta

coisa mais no movimento operário, teve que ser regularizado c institucionalizado, ainda que alguma coisa do antigo forescer de esperança e de triunto

voltassem a cle em anos posteriores, após grandes luras e vitórias. Podemos ver

isso nos Primeiros de Maio loucamente futuristas do começo da Revolução

Russa, c quase por toda parte na Europa, em 1919-20, quando a reivindi-

cação original do Primeiro de Maio foi realmente atendida em muitos países

Podemos vé-lo nos Primeiros de Maio da antiga Frente Popular da França,

em 1935 e 1936, e nos países do continente, libertados da ocupação após a derrota do fascismo. Ainda assim, na maioria dos países de movimentos operários socialistas de massa, o Primeiro de Maio foi rotinizado um pouco

antes de 1914. Curiosamente, foi durante esse período de rotinização que cle adquiriu seu lado ritualista. Como disse um historiador italiano, quando deixou de ser encarado como a antecâmara imediata da grande transformação, tornouse “um rito coletivo que requer suas próprias liturgias € divindades”, sendo as divindades comumente identificáveis como aquelas jovens de suaves cabelos e vestes esvoaçantes que indicam o caminho tumo ao sol nascente para multidões ou procissões de homens e mulheres, cada vez mais imprecisas, Seria cla a Liberdade, ou a Primavera, ou a Juventude, ou à Esperan-

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ça, ou a Aurora de rosados dedos, ou um pouquinho de cada uma delas? Quem poderá dizer? Iconograficamente, não possui nenhuma característica universal a não ser a juventude, pois mesmo o gorro frígio, extremamente comum, ou os atributos tradicionais da Liberdade, nem sempre são encontrados. Podemos buscar a origem dessa ritualização da data nas flores que, como vimos, estão presentes desde o início, mas se tornam como que ofi cializadas por volta do tim do século. Assim, o cravo vermelho adquiriu status oficial em terras dos Habsburgos e na Itália, a partir de cerca de 1900, quando seu simbolismo foi especialmente esclarecido no vívido e talentoso volante de Florença que leva scu nome. (I! Garofimo Rosso foi publicado nos Primeiros de Maio até à Primeira Grande Guerra.) A rosa vermelha tornouse oficial na Suécia em 1911-12.ºº E, para mágoa dos revolucionários incorruptíveis, os lírios-do-vale, totalmente apolíticos, começaram a se intiltrar no Primeiro de Maio dos operários franceses no início dos anos de 1900, até se tornar um dos símbolos regulares da data” Não obstante, a grande era dos Primeiros de Maio não terminou enquanto continuaram a ser, ao mesmo tempo, legais — isto é, capazes de levar às ruas grandes massas — e não-oficiais. Uma vez que se tornaram um feriado concedido ou, pior ainda, imposto de cima para baixo, seu caráter necessariamente se modificou. E, uma vez que a mobilização pública da massa lhes cra essencial, não conseguiram resistir à ilegalidade — muito embora os socialistas (depois comunistas) de Piana degli Albanesi, mesmo nos dias negros do fascismo, se orgulhassem de, a todo Primeiro de Maio. não deixar de mandar alguns camaradas até o desfiladeiro da montanha onde, do alto da que ainda hoje é conhecida como à rocha do De, Barbato, o apóstolo local do socialismo se havia dirigido a cles, em 1893. oi nesse mesmo local que o bandido Giuliano massacrou a manifestação comunitária do Primeiro de Maio e o piquenique das famílias. que tinham revivido depois do tim do fascismo, em 1947.4º A partir de 1914, € especialmente depois de 1945, o Primeiro de Maio cada vez mais ou se tornou ilegal, ou, na maior parte dos casos, oficial, Somente nos raros lugares do terceiro mundo, em que movimentos operários socialistas de massa e não-oficiais se desenvolveram em condições que permitiram o florescimento do Primeiro de Maio, é que existe uma verdadeira continuidade com a antiga tradição. É claro que o Primeiro de Maio não perdeu em toda parte suas velhas

características. Não obstante, mesmo onde não está associado à queda de velhos regimes, que outrora foram novos, como na URSS e na Europa oriental.

PESSOAS EXTRAORDINÁRIAS

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não scrá demais afirmar que a expressão Primeiro de Maio evoca mais o passado do que o presente. A sociedade que deu origem ao Primeiro de Maio mudou. Qual a importância, hoje em dia, daquelas pequenas comunidades aldeis proletárias de que velhos italianos sc recordam? “A gente caminhava por toda a aldeia. Depois, havia uma refeição pública, Todos os membros do partido estavam lá e mais todo o mundo que quisesse vir". O que aconteceu no mundo industrializado aqueles que, na década de 1890, ainda conseguiam reconhecer-se no verso da Internacional: “De pé, ó vítimas da fome!"? Como disse uma velha senhora italiana em 1980, lembrando-se do Primeiro de Maio de 1920, quando carregou à bandeira como operária têxtil aos doze anos de idade. mal começara a trabalhar na fábrica: “Hoje em dia, os que vão trabalhar são todos senhoras « cavalheiros, conseguem tudo o que querem”! O que aconteceu ao espírito daqueles sermõcs de Primeiro de Maio de confiança no futuro, de fé na marcha da razão é do progresso? “liduquem-se! Escolas cursos, livros e jornais são instrumentos de liberdade! Rebam na fonte da Ciência « da Arte: então vocês ficarão fortes o bastante para fazer com que haja justiça.'3! O que aconteceu ao sonho coletivo de construir Jerusalém em nossa terra verde é prazerosa? Contudo, se o Primeiro de Maio passou a ser nada mais do que um mero feriado, um dia — cito um anúncio trancês — em que não é necessário tomar determinado tranguilizante, porque não se precisa ir trabalhar, ainda assim continua a ser um feriado de tipo especial. Já não pode não ser. como diz a frase precensiosa, “um feriado fora dos calendários”, ” pois na Europa entrou em todos os calendários. Na verdade, é considerado um dia sem trabalho de maneira mais universal do que qualquer outro, com exceção do 25 de dezembro « do 1º de janeiro, tendo deixado muito para trás todos os demais rivais religiosos. Mas ele veio de baixo. Foi moldado por pessoas trabalhadoras anônimas que, por meio dele, reconheceram-se, por sobre as fronteiras de ocupação, língua, até mesmo de nacionalidade, como uma só classe, ao decidir, uma vez por ano, deliberadamente não trabalhar: zombar da compulsão moral, política « económica para o trabalho. Como disse Vicror Adler em 1893: “Este é o sentido do firiado de maio. do descanso do trabalho, que nossos adversários temem. É isto que eles sentem que é revolucionário”. O historiador interessa-se por este centenário por inúmeras razões. Sob certo aspecto, é importante porque ajuda a explicar por que Marx passou à ser tanta influência sobre os movimentos operários compostos de homens « de mulheres que antes não tinham ouvido falar dele, mas reconheceram sua

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convocação para que se tornassem conscientes de si próprios como classe e como tal se organizassem. Sob outro aspecto, é importante porque demonstra O poder histórico do pensamento e do sentimento que vêm de baixo, € esclarece a maneira pela qual homens e mulheres — que como indivíduos são desarticulados, impotentes « não contam para nada — podem não 6 tante deixar sua marca na história. Mas, acima de tudo, para muitos de nós, historiadores ou não, este é um centenário profundamente comovente, porque representa aquilo que o filósofo alemão Ernst Bloch chamou (e dele tratou longamente em dois maciços volumes) de O princípio da esperança: à esperança de um futuro melhor num mundo melhor. Se ninguém mais se lembrou dele em 1990, coube aos historiadores que o fizessem. Notas

soa +

Uma bibliografia completa encontra-se em À. Panactione, “1 100 ani del 1º maggio nella storiografia", in À. Tanaccione (org, Ega e à set del 1º maggio, Veneza, 1990, 1. Michael Igmatic, “Faster Has Become Chocolate Sunday”, Olsemer, 15 abr. 1990. 2. Maurice Doiumanges, Himire du Premier Mat, Paris, 1953, pp. 350:1. O livro de Dommanger, um dos poucos a tratar da assunto antes do final da década de 1970. continua à ser importante. mas carece da forte orientação iconográfica da lreratua recente. 3. CÊ Helmu Iarmwig, República, Madri, 1987, da mesma aumtura, que constitui o mais completo tratamento do tema relativamente áquele pais 22, Rivas Lara. “El Primer de Maig”, pass. Ver também Lucia Rivas Lara, “Ricualización socialista del 1º de mayo. Fiesta, huclga, manifestación?”, istoria concem. poránea, Revista del Departamento de Elistoria Contemporânea de la Universidad dei Pais Vasco nº 3, 1990. Devo esta referência a Paulo Preston. 23. Para uma tentava anarquista (fracassada) de transformar à manifestação em sevo.

jução, ver David Balleser e Manuel Vicente, “EL Primer de Maig à Barcelona. Vult

Hores de treball, &instrucció i de descans”, Lº Avenç, maio 1990, pp, 12-17, que constitui um estudo do Primeiro de Maio de 1890 naquela cidade. Quantu à car francesa, ver Maxime Leroy; La Cinitume ouorire, Paris, 1913, vol 1, p. 246, o qual observa que, assim que a CG, após 1904, tomou a data aos socialistas, “plus de fére dntravail”, Dommanget, Histoire du Premier Mai, p. 334.

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24, O mais interessante reláto sobre (Ly à transferência (a0 tempo de Pedro, à Grande) do festival ocidental da primavera para à Rússia, via subúrbio alemão de Mascou, e (2) à fusão dessa matrka com às minúsculas manifestações de operários social democratas da década de 1890, para à qual clas davam cobermua, encontra-se em Vrjaceslav Kolomiez, “Dalla ssoria del 1º maggio à Mosca tra la fine del axtncento e gi inizi del nevecento: é lunghi delke manifestacion?, in Panaccione, 1 fuogbi e à sogett del 1º maggio, pp. 105-22, nb. pp. L10-11 relativamente ao uso da alegoria da primavera num contexto política, 25. Nesta literatura, os seguinces títulos merecem atenção: André Rossel. Premier mai: 90 ans de lute populaire dans ie monde, Paris, 1977; Udo Achren, Hastricrte Gesisicie des Ersten Mai. Obserhausen, 1979, e Zum Lichne Lmpor Maifstecizungem der Sozialdemolmri, 1491-1914, Berlina e Bonn, 1980; Sven Rodin e Carl-Adam Nycop, Hórstr Mai, 1890-1980, Listocolmo, 1980; c Lip til kamp: Social demokmains ferra majmarken, 1894-1986, Estocolmo, 1986; U. Ackwen, M. Reicheicc R. Schulez (orgs). Mein TirerJamal ir intermational. Imermationale illustrierre Gescbchte des ersten Mai vom 1886 bis ese, Oberhansen, 1986; Fondazione Giangiacomo Eeltrinel, (2gná mn ut maggio mono: il centenario del Prémo Maggio, Milão, 1988; Comune de Milano, Eondazione Giagiacomo Brodolini, Zer é centiammi dela fia del lavoro, Milão, 1988: Maurizio Anranioli e Giovanna Ginex, 1º Magia. Repertorio de mumeri smici dal 1890 al 1924, Milão, 1988: e, sobrermdo, Panátcione. Ti Memory. Ver também, em relação à Suiça, Bildarchiv und Dokumenraton zur Geschiche der Arbeiterbewegung. Zurich, 1 Maior mai: Mappe zur Gsechre des 1. Mai in der Seineeiz, Zurique, 1989. 26. Panaccione, Lhe Memory. pp. 856-7. 27. Greussing, Die Roten am Land, p. 168. 28. Claude Willard, Les (ouesdistes, Patis, 1964, p. 237 1.4 W 1. Guesman, The German Social Demratiz Pare, 1875-1933, Londres, 1981,p. 160, 29. CE Renata Ameruso é Gabriela Spigarel, * 1º maggio ee done, in Pamaceione, Tibagi é à sogpent del 1º maggio,pp. 9-104 30, Rivas Lara, “EI Primer de Maig”, pp.7-R 31, Aneonioli e Ginex, Reporri, pp: 45. Balesteré Vicente, “E Primer de Maig”. p, 13. relativamente ao sendo iepicamente intenso de inernacionalidade da manifestação de 1890 em Barcelona. E Giewanol, em Die Muifiabemegima. Ibme mirechafllichen id sociolagischem Uprionge úoial Wivisimgen (Rastsrulie, 1925. pp. 90-11, entátiza a inesperada força desse semimento intermacional revelado pelas primeiras manifeseações 32, 0 porta anarquista Pietro Guri criou seu famoso hino ao Primeiro de Maio (“Doce Páscoa dus Operários”, para ser cantado com a música do coro de Nabuco, de Verdi, em 1896, como parte de uma peça de um ato sore o Primeiro de Maio. E. Andreucei e 1 Det tons.) 7 morimento opera italiono. Diziomario biggrafico, Roma, 1976, vol. 2. p. 526. Ver E]. Hobsbawm, Moriá of Laiyn. Londres, 1984, p. 77 jrrad. port Mundos do erabalho, São Paulo, Paz e Terra, 1987]

PESSOAS EXTRAORDINÁRIAS

ns

33, Jules Destrée e Emile Vandervelde, Le Sociiione em Belgique Paris, 1903, pp. 417:8, Giovanoli, Die Maifierbemegama, pp. 1143, observa o clemento religioso na linguagem. 84. Ver Holbsbasem, Tb if Labor, cap. 3., “Meligion and the Rise 0é Socialism”, 35. O sentido do Primeiro de Maio como à único feriado associado exclusivamente aus operários e seu consegjienre efeito na formação da consciência de classe foi observado desde 0 início, “Este dia é deles. Somente deles”: ]. Diner: Denes, “Der crste Mar, Der Kampf, Viena, 1º maio 1908. Diner-Denes observa também à conquista do és paço público pelos operários nessa dasa 36. Hobsbawm, Ti of Labows, p. 75 é, de mancira mais geral, cap. “Lhe Transfor. mation of Labour Ritual. 87. Antoniohi e Ginex, Rapervoio, p. 23. 38, Greuscing, Die Roten und Land, pp. 18-21 39, 4 análise mais interessante do simbolismo do Primeiro de Maio é o escrito de Giovanna Gánes, “L imagine del Primo Maggio in Ttalia (1890-1945)", in Commune di Milano, Ter à contam, pp: 37-41, e, da mestma autmrá, “Images om May Day

Single Issue Newspapers (1891-1924): Lheir Funcriun and Meanings”. im 4. Panaecione som, May Day Colebratim, Veneza, 1988, pp. 13-25,

40, O papel do Primeiro de Maio no avanço e na catálise da idéia da greve geral — não só do sufrágio universal — já fo posto em releve por Gioremuli Die Masfjertemeguna,

41 Upp rilhamp,p 12 42, Panaccione, The Menu p. 223 43 Ibid.,p. 363

44 ET Hobsbawm,