Passado, presente e futuro da gastroenterologia 9786588475010

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Passado, presente e futuro da gastroenterologia
 9786588475010

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PASSADO, PRESENTE E FUTURO DA

IRA DE GAST ILE RO AS

FEDERAÇÃO

OLOGIA TER EN

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GASTROENTEROLOGIA

1949

Federação Brasileira de Gastroenterologia – FBG Editores Schlioma Zaterka Francisco Sérgio Rangel de Paula Pessoa Décio Chinzon

IRA DE GAST ILE RO AS

FEDERAÇÃO

OLOGIA TER EN

BR

Passado, presente e futuro da Gastroenterologia

1949

Temas de atualização do Curso FAPEGE da XIX Semana Brasileira do Aparelho Digestivo - SBAD Digital 2020 2

 Copyright©2020 Federação Brasileira de Gastroenterologia – FBG ISBN: 978-65-88475-01-0. Todos os direitos reservados à FBG Av. Brigadeiro Faria Lima, 2391 – 10º andar CEP 01452-000 - São Paulo - SP [email protected] Tel.: (11) 3813-1610 - Fax: (11) 3032-1460 Coordenação editorial e gráfica Fátima Lombardi Apoio Institucional Takeda Edição e produção Editora Mazzoni Ltda. • Rua Sapucaí, 74, Sala 12 CEP 06710-050 - Cotia - SP • Tel.: (11) 97042-7953 [email protected] Proibida a reprodução total ou parcial deste livro, por qualquer meio ou sistema, sem prévia autorização da FBG. A responsabilidade do conteúdo dos artigos é exclusivamente dos autores.

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Zaterka, Schlioma Passado, presente e futuro da gastroenterologia / Schlioma Zaterka, Francisco Sérgio Rangel de Paula Pessoa, Décio Chinzon. -- 1. ed. -- São Paulo : Editora Mazzoni, 2020. ISBN 978-65-88475-01-0 1. Aparelho digestivo 2. Gastroenterologia 3. Medicina 4. Saúde pública I. Pessoa, Francisco Sérgio Rangel de Paula. II. Chinzon, Décio. III. Título.

20-49601

CDD-616.3 NLM-WI-100 Índices para catálogo sistemático:

1. Gastroenterologia : Medicina 616.3 Aline Graziele Benitez - Bibliotecária - CRB-1/3129

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DIRETORIA 2019 - 2020 Presidente Schlioma Zaterka (SP)

Vice-Presidente Áureo de Almeida Delgado (MG)

Secretário Geral Décio Chinzon (SP)

Diretor Financeiro Celso Mirra de Paula e Silva (MG)

1ª Secretária Eponina Maria O. Lemme (RI)

1º Tesoureiro Luís Alberto Sobral Sousa (PE)

FAPEGE Sergio Pessoa (CE)

Presidente Eleito Gestão (2021-2022) Décio Chinzon (SP)

COMISSÕES PERMANENTES Comissão FAPEGE Sergio Pessoa (CE) – Coordenador Angelo Alves de Mattos (RS) Dulce Reis Guarita (SP) João Galizzi Filho (MG) Laercio Tenório Ribeiro (AL) Lorete Maria da Silva Kotze (PR)

Comissão Ensino e Treinamento Américo de Oliveira Silvério (GO) Coordenador André Castro Lyra (BA)

Hoiti Okamoto (SC) Júlio Carlos Pereira Lima (RS) Liliana Sampaio Costa Mendes (DF) Luciana Teixeira de Campos (DF)

Comissão Estatuto e Eleitoral Pedro Ferreira de Sousa Filho (PB) Coordenador Fernando Antonio Barreiros de Araújo (AL) Irigracin Lima Diniz Basilio (PB) James Ramalho Marinho (AL) José Carlos Ferreira Couto (MG) José de Laurentys Medeiros Junior (MG)

Comissão de Ética Médica e Defesa Profissional Mario Benedito Costa Magalhães (MG) Coordenador Francisco Machado da Silva (DF) José Alves de Freitas (SP) José Nonato Fernandes Spinelli (PB) Luiz João Abrahão Jr. (RJ) Nestor Barbosa Andrade (MG)

Comissão Jovem Gastro Adelia Carmen Silva de Jesus (DF) Coordenadora Humberto Oliva Galizzi (MG) José do Carmo Junior (MG) Lysandro Alsina Nader (RS) Marina Pamponet Motta (BA) Odery Ramos Junior (PR)

Comissão Título de Especialista Jorge Carvalho Guedes (BA) - Coordenador Ângelo Zambam de Mattos (RS) Edson Pedro da Silva (SC) Heraldo Arcela de C. Rocha (PB) Joffre Rezende Filho (GO) Octavio Augusto B. Gomes de Souza Junior (PA)

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COMISSÕES TEMPORÁRIAS Diretor Departamento de Eventos Ismael Maguilnik (RS) - Coordenador Aloisio Antonio Costa Leite Carvalhaes (SP) Fabio Segal (RS) Frederico Passos Marinho (MG) Joaquim Prado P. de Moraes-Filho (SP)

Comissão de Apoio e Atenção às Federadas James Ramalho Marinho (Al) - Coordenador Fernando Henrique Porto Barbosa Ramos (GO) Jardel Soares Caetano (BA) Ricardo Correa Barbuti (SP) Robério Motta (CE)

Comissão de Assuntos Digitais Eduardo Nobuyuki Usuy Jr. (SC) Coordenador Joffre Rezende Neto (GO) Lincoln Antinossi Cordeiro da Mata (MG) Marta Mitiko Deguti (SP) Osvaldo Flavio de Melo Couto (MG) Mônica Souza de Miranda Henriques (PB)

Comissão de Relações Internacionais Mauro Bafutto (GO) - Coordenador Antonio Marcio de Faria Andrade (MG) Eduardo G. Hourneaux de Moura (SP) Flavio Steinwurz (SP) Moisés Copelman (RJ) Lincoln Lopes Ferreira (MG)

Comissão de Relações Governamentais Júlio César de Soares Veloso (DF) Coordenador Fábio Ramalho Tavares Marinho (SP) José Mauro Messias Franco (MG) Liliana Andrade Chebli (MG) Laura Vilar Guedes (SP)

Comissão de Acervo Histórico Jorge Luiz Jorge (SC) - Coordenador Ana Tereza Ramos Parpaiola de Mendonça (ES) Farid Butros Iunan Nader (RS) Laercio Tenório Ribeiro (AL) Luiz João Abrahão (RJ) Magnus de Oliveira Andrade (MG)

Comissão de Gastropediatria Vera Lucia Sdepanian (SP) - Coordenadora Karina Cristiane Takahashi (SP)

Comissão das Ligas Acadêmicas Maria da Penha Zago Gomes (ES) Coordenadora Abadia Gilda Buso Matoso (MG) Ana Luiza Vilar Guedes (SP) Angela Cerqueira Alvariz (RJ) Gardenia Costa do Carmo (CE) Manoel Carlos de Brito Cardoso (SC)

Comissão de Pesquisa Luiz Gonzaga Vaz Coelho (MG) Coordenador Beatriz Nunes Biccas (RJ) Lúcia Libanez Bessa Campelo Braga (CE) Marcellus H. L. Ponte de Souza (CE) Osvaldo Malafaia (PR) Tomás Navarro Rodriguez (SP)

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Comissão de Representação na ANVISA Magnus de Oliveira Andrade (MG) Coordenador Áureo Augusto de Almeida Delgado (SP) Juliana Delgado Campos Mello (SP) Lorena Pithon Lins (BA) Wellington Monteiro Machado (SP) Ziad Wadie Bishara Badra (RS)

Comissão de Editores da FBG na Revista da AMB Carlos Eneas Soares Ricca (CE) Coordenador Antonio Carlos da Silva Moraes (RJ) Andrea Vieira (SP)

Comissão de Representação na AMB Diretoria da FBG: Presidente/Vice/ Secretário

Representante no CFM de Cirurgia Bariátrica e Síndrome Metabólica Alexandre Buzaid Neto (SP) - Coordenador

Representante na Comissão Nacional de Acreditação Matheus Freitas Cardoso de Azevedo (SP) Coordenador

Editores da GED (Gastroenterologia e Endoscopia Digestiva) Maria do Carmo Friche Passos (MG) Coordenadora

Editor da Revista Arquivos de Gastroenterologia Maria do Carmo Friche Passos (MG) Coordenadora

Editor da Revista FBG

José Galvão Alves (RJ) - SBP / Sociedade Brasileira do Pâncreas Ricardo Guilherme Viebig (SP) - SBMDN / Sociedade Brasileira de Motilidade Digestiva e Neurogastroenterologia Sergio Pessoa (CE) - FAPEGE / Fundo Aperfeiçoamento e Pesquisa em Gastroenterologia

Comissão de Credenciamento de Cursos Eliza Maria de Brito (MG) - Coordenadora

REGIÃO SUL Gabriela Perdomo Coral (RS) Coordenadora Antônio Cardoso Sparvoli (RS) Eduardo Nobuyuki Usuy Jr. (SC) Glenio Dias Fernandez (RS) Helenice Pankowski Breyer (RS) Hoiti Okamoto (SC) Júlio César Pisani (PR)

REGIÃO NORTE / NORDESTE

Gardenia Costa do Carmo (CE) Coordenadora Alan Dave Furtado de Souza (SE) Fabio Gomes Teixeira (MA) Comissão Administrativa de Assessoria Joceli Oliveira dos Santos (PI) Leonardo Soares da Silva (AM) à SBAD Miraldo Nascimento da Silva Filho (SE) 2019 – Cidade Sede – Fortaleza – Sergio Simone Deda Lima Barreto (SE) Pessoa (CE) Joaquim Prado P. de Moraes-Filho (SP) Coordenador

2020 – Cidade Sede – Florianópolis – Viriato João Leal da Cunha (SC)

Comissão Científica de Assessoria à SBAD Associações Filiadas: Rogério Saad-Hossne (SP) - GEDIIB / Grupo de Estudos da Doença Inflamatória Intestinal do Brasil Maria do Carmo Friche Passos (MG) NBEHPM / Núcleo Brasileiro para Estudo de Helicobacter Pylori e Microbiota

REGIÃO CENTRO-OESTE Jonio Arruda Luz (TO) - Coordenador Cacilda Pedrosa de Oliveira (GO) Fernando Henrique Porto Barbosa Ramos (GO) Liliana Sampaio Costa Mendes (DF) Luciana Araujo Bento (MS) Luciana Teixeira de Campos (DF)

REGIÃO SUDESTE Luciana Lofêgo Gonçalves (ES) -

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Coordenadora Eliza Maria de Brito (MG) Guilherme Eduardo Gonçalves Felga (SP) Guilherme Marques Andrade (SP) Liliana Andrade Chebli (MG) Nayle Villela Leite (RJ)

SOCIEDADE AMAZONENSE DE GASTROENTEROLOGIA

COMISSÃO PROJETO DIRETRIZES FBG/AMB

Bruno Cesar da Silva

Aderson Omar Mourão Cintra Damião (SP) Coordenador Luciana Dias Moretzsohn (MG) Edna Strauss (SP) Gerson Ricardo de Souza Domingues (RJ) Júlio Maria Fonseca Chebli (MG) Raquel Canzi Almada de Souza (PR)

COMISSÃO FBG MULHER Jozelda Lemos Duarte (PI) - Coordenadora Ana Flávia Passos Ramos (MG) Betânia da Costa Cavalcante (PA) Claudia Pinto Marques S. Oliveira (SP) Elaine Moreira Ferreira (MT) Mônica Souza de Miranda Henriques (PB)

COMISSÃO GASTRO-ARTE Luiz Eduardo da Silva Goes (BA) Coordenador

CONSELHO FISCAL Titulares Uyapuran Torres Medeiros (PE) Justiniano Barbosa Vavas (AC) Fernando Cordeiro (SP) Suplentes Nelma Pereira de Santana (BA) Roberto Oliveira Dantas (SP) Columbano Junqueira Neto (DF)

SOCIEDADES FEDERADAS

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Everton Ricardo de Abreu Netto

SOCIEDADE DE GASTROENTEROLOGIA DA BAHIA

SOCIEDADE DE GASTROENTROLOGIA DE BRASÍLIA Zuleica Barrio Bortoli

SOCIEDADE CEARENSE DE GASTROENTEROLOGIA Rodrigo Vieira Costa Lima

SOCIEDADE DE GASTROENTEROLOGIA DO ESPÍRITO SANTO Hélio Renato Carvalho Fischer

SOCIEDADE GOIANA DE GASTROENTEROLOGIA Luiz Henrique de Sousa Filho

SOCIEDADE MARANHENSE DE GASTROENTEROLOGIA Livia Ronise Garcia Arraes

SOCIEDADE MATO-GROSSENSE DE GASTROENTEROLOGIA E NUTRIÇÃO Elza Maria Moreira Gil

SOCIEDADE SUL-MATO-GROSSENSE DE GASTROENTEROLOGIA Heitor Soares de Souza

SOCIEDADE ALAGOANA DE GASTROENTEROLOGIA

SOCIEDADE DE GASTROENTEROLOGIA E NUTRIÇÃO DE MINAS GERAIS

Fernando Antonio Barreiros de Araújo

Eduardo Garcia Vilela

SOCIEDADE DE GASTROENTEROLOGIA E NUTRIÇÃO DA PARAÍBA Irigracin Lima Diniz Basilio

SOCIEDADE PARAENSE DE GASTROENTEROLOGIA Roger Barata Ataide

SOCIEDADE PARANAENSE DE GASTROENTEROLOGIA E NUTRIÇÃO

SOCIEDADE DE GASTROENTEROLOGIA DE SÃO PAULO Alexandre Buzaid Neto

SOCIEDADE DE GASTROENTEROLOGIA DE SERGIPE Fernando Every Belo Xavier

SOCIEDADE DE GASTROENTEROLOGIA DO TOCANTINS Jonio Arruda Luz

Raquel Canzi Almada de Souza

SOCIEDADE PERNAMBUCANA DE GASTROENTEROLOGIA Ana Botler Wilhem

SOCIEDADE DE GASTROENTEROLOGIA DO PIAUÍ Conceição de Maria de Sousa Coelho

SOCIEDADE DE GASTROENTEROLOGIA DO RIO DE JANEIRO Antonio Carlos da Silva Moraes

SOCIEDADE DE GASTROENTEROLOGIA DO RIO GRANDE DO NORTE Silvio José de Lucena Dantas

SOCIEDADE GAÚCHA DE GASTROENTEROLOGIA Eduardo Emerim

SOCIEDADE CATARINENSE DE GASTROENTEROLOGIA Odemari Miranda Ferrari

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AUTORES Andrea Benevides Leite Mestre em Hepatologia pela Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA). Docente da Faculdade de Medicina da Universidade de Fortaleza (UNIFOR). Preceptora da Residência Médica em Gastroenterologia do Hospital Geral de Fortaleza (ESP-CE). CRM-CE 7919.

Angelo Alves de Mattos Professor Titular da Disciplina de Gastroenterologia e do Curso de Pós-Graduação em Hepatologia da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA). CRM-RS 7.089.

Ângelo Zambam de Mattos Professor Adjunto de Gastroenterologia e do Curso de Pós-Graduação em Hepatologia da UFCSPA. Mestre e Doutor em Hepatologia. CRM-RS 30.106.

Carlos Brito Professor Adjunto de Medicina Clínica da Universidade Federal de Pernambuco – UFPE. Coordenador Científico do Instituto Autoimune de Pesquisa. Mestre em Medicina Interna da Universidade Federal de Pernambuco. Doutor em Ciências pelo Instituto Aggeu Magalhães - FIOCRUZ-PE. Membro Titular do Grupo de Estudo da Doença Inflamatória Intestinal do Brasil - GEDIIB, da Federação Brasileira de Gastroenterologia - FBG e da Sociedade Brasileira de Endoscopia Digestiva - SOBED. CRM-PE 10.107.

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Celso Mirra de Paula e Silva Membro Titular da Federação Brasileira de Gastroenterologia – FBG. Ex-Presidente da Associação Mineira de Gastroenterologia. Membro do American College of Gastroenterology. Administração em Saúde pela Fundação Ezequiel Dias. Membro da Diretoria da Federação Brasileira de Gastroenterologia – FBG, Biênio 2019-2020. CRM-MG 5.457.

Décio Chinzon Doutor em Medicina pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo – FMUSP. Médico Assistente Doutor do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo – HCFMUSP. CRM-SP 49.552.

Francisco Sérgio Rangel de Paula Pessoa Chefe do Serviço de Gastroenterologia do Hospital Geral de Fortaleza. Preceptor da Residência Médica em Gastroenterologia do Hospital Geral de Fortaleza (ESP-CE). Coordenador da FAPEGE da Federação Brasileira de Gastroenterologia. Vice-Presidente eleito da Federação Brasileira de Gastroenterologia. CRM-CE 4.848.

Glauber Lima da Cunha Junior Acadêmico da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Cariri - UFCa.

Luiz Gonzaga Vaz Coelho Professor Titular do Departamento de Clínica Médica da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG. Coordenador Médico do Instituto Alfa de Gastroenterologia do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Ferais - UFMG. CRM-MG 6.666.

Maria Clara de Freitas Coelho

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Professora da Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais - CMMG. Mestre em Ciências Aplicadas à Saúde do Adulto pela Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG. Gastroenterologista pela Federação Brasileira de Gastroenterologia – FBG. CRM-MG 49.015.

Maria do Carmo Friche Passos Professora Associada da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG. Pós-Doutora em Gastroenterologia pela Universidade de Harvard, Estados Unidos. Presidente do Núcleo Brasileiro para Estudo do H. pylori e Microbiota. Ex-Presidente da Federação Brasileira de Gastroenterologia - FBG. CRM-MG 18.599.

Miriam Chinzon Médica Residente do Departamento de Clínica Médica da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ. CRM-RJ 52.116382-5.

Raquel Canzi Almada de Souza Professora Adjunta do Departamento de Clínica Médica, na Disciplina de Clínica Médica Ambulatorial e Médica, da Universidade Federal do Paraná - UFPR. Serviço de Endoscopia Digestiva da Universidade Federal do Paraná - UFPR. Médica do Centro de Videoendoscopia Avançada - Curitiba, PR. CRM-PR 11.228.

Rebeca Mont’Alverne Barreto de Paula Pessoa Acadêmica da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Cariri - UFCa.

Schlioma Zaterka Presidente da Federação Brasileira de Gastroenterologia – FBG. CRM-SP 8.533.

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PREFÁCIO

Apesar de toda dificuldade decorrente da pandemia pelo COVID-19, a nossa Federação Brasileira de Gastroenterologia (FBG) conseguiu atingir praticamente todas as metas almejadas. Isto somente foi possível graças ao esforço de todas as nossas Federadas, Comissões e Diretoria. Nessa nova experiência, em que tudo se tornou virtual, precisávamos nos adaptar a outra realidade. Nosso curso da FAPEGE também foi virtual, entretanto, a tradicional expressão impressa do curso está aqui, agora, nesse momento, para todos vocês, graças ao patrocínio da Takeda, a quem muito agradecemos. Um agradecimento especial a Comissão da FAPEGE, coordenada de modo exemplar pelo nosso incansável, Sérgio Pessoa. Uma ótima leitura a todos!

Schlioma Zaterka Presidente da Federação Brasileira de Gastroenterologia (FBG) Biênio 2020-2021.

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SUMÁRIO Capítulo 1

Hemorragia digestiva alta varicosa............................................................................... 17 Angelo Alves de Mattos Ângelo Zambam de Mattos Capítulo 2

Microbiota e NASH............................................................................................................. 27 Andrea Benevides Leite Francisco Sérgio Rangel de Paula Pessoa Glauber Lima da Cunha Junior Rebeca Mont’Alverne Barreto de Paula Pessoa Capítulo 3

Pancreatite aguda grave.................................................................................................... 35 Raquel Canzi Almada de Souza Capítulo 4

Doença celíaca: o presente e o futuro........................................................................... 51 Celso Mirra de Paula e Silva Capítulo 5

Colites microscópicas e microbiota intestinal........................................................... 61 Maria do Carmo Friche Passos Capítulo 6

Novas opções terapêuticas na doença inflamatória intestinal............................. 75 Carlos Brito Capítulo 7

Inibidores da bomba de prótons na doença do refluxo gastroesofágico: como e quando suspender..............................................................103 Décio Chinzon Miriam Chinzon

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Capítulo 8

Helicobacter pylori e lesões pré-neoplásicas do estômago.....................................109 Luiz Gonzava Vaz Coelho Maria Clara de Freitas Coelho Capítulo 9

Manifestações extradigestivas da infecção pelo Helicobacter pylori.................129 Schlioma Zaterka

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FEDERAÇÃO

BR

CAPÍTULO 1

OLOGIA TER EN

DOI: 10.222288/978658847501000001

IRA DE GAST ILE RO AS

1949

Hemorragia digestiva alta varicosa Angelo Alves de Mattos Ângelo Zambam de Mattos

Quando avaliado o burden da doença hepática crônica,1 é projetado um acometimento de 1,5 bilhão de pacientes no mundo, sendo as causas mais frequentes a doença hepática gordurosa não alcoólica (60%); os vírus das hepatites B (29%) e C (9%) e a doença hepática alcoólica (2%). É estimado que as hepatopatias crônicas sejam responsáveis por 2.000.000 mortes ao ano, número este provavelmente subestimado. No Brasil, a doença hepática é considerada a oitava causa de óbito, sendo a cirrose a principal causa entre as doenças hepáticas.2 Atualmente, quando avaliamos a última classificação da cirrose, podemos considerar 6 estágios clínicos.3 No estágio 0 observamos doença compensada sem hipertensão porta clinicamente significativa (HPCS - GPVH > 5 mmHg e < 10 mmHg) e com boa resposta ao tratamento etiológico; no estágio 1, a doença permanece compensada e sem a presença de varizes; no entanto, com HPCS e logo com alto risco de desenvolver varizes, carcinoma hepatocelular e de descompensação, e quando no estágio 2 podemos observar o surgimento de varizes gastroesofágicas VGE (mortalidade em 5 anos de 10% se não houver descompensação). No estágio 3 já é constatado sangramento por ruptura de varizes, sendo a mortalidade em 5 anos de 20% se não houver descompensação da hepatopatia; no estágio 4 observamos o 1º episódio de descompensação, propriamente dita (sem considerar sangramento, mais frequentemente com o surgimento de ascite), com uma mortalidade em 5 anos de 55%-80% e no estágio 17

5 temos episódios futuros de descompensação, com uma mortalidade que pode alcançar 90% em 5 anos. Finalmente, no estágio 6 temos um paciente com cirrose descompensada de forma avançada (ascite refratária, infecção, encefalopatia hepática persistente, icterícia e disfunção renal). Como podemos observar, o prognóstico da doença começa a comprometer a sobrevida do paciente de forma mais significativa a partir do estágio 3, quando do sangramento por ruptura de VGE. Em linhas gerais, é relevante o conhecimento de que as varizes estão presentes em até 40% dos pacientes com cirrose compensada (Child A) e em até 85% quando a doença descompensa (Child C).4 Em estudo realizado por nós, avaliando uma coorte de pacientes com doença hepática crônica em nível ambulatorial, o sangramento digestivo foi a segunda complicação mais frequente na apresentação desses doentes, principalmente quando a etiologia da doença hepática esteve relacionada ao álcool.5 Ressaltamos que a recorrência do sangramento em um ano pode ser de até 60% e que a mortalidade atual de cada sangramento varia de 15%-20%.4 Os avanços no tratamento da hemorragia digestiva por ruptura de VGE podem ser constatados através da redução da mortalidade no decorrer dos anos. Quando da primeira reunião de Baveno, no início da década de 1990, a mortalidade girava entre 30%-40%, e quando da última reunião em 2015 (Baveno VI), entre 7%-12%. As cifras retratam, então, o progresso observado no manejo do sangramento.6 Por ser o mais frequente, neste capítulo abordaremos o sangramento decorrente da ruptura de varizes de esôfago (VE). Interessante lembrar o estudo de Ardevol et al.,7 onde é demonstrado que o sangramento por outras causas, como por exemplo aquele decorrente de úlcera péptica, em nada diminui a gravidade do processo, já que a maior parte dos óbitos está na decorrência da falência hepática ou de comorbidades presentes e não do sangramento propriamente dito. 18

O tratamento do sangramento por ruptura de VE deve ser oferecido prioritariamente em Unidade de Terapia Intensiva, proporcionando ao doente todas as medidas adequadas de controle hemodinâmico. A transfusão de hemoderivados deve ser a mais restrita possível. A princípio só realizamos transfusão em pacientes com hemoglobina (Hb) inferior a 7 g/dL. A sobrevida cumulativa é maior nos pacientes que receberam transfusão restritiva, sendo que os pacientes que mais se beneficiaram desta conduta são aqueles com cirrose Child-Pugh A e B. O ressangramento também é menor no grupo com tratamento restritivo. Por outro lado, tendo em vista o risco de hipervolemia, acredita-se ser adequada uma reposição volêmica que proporcione índices de Hb entre 7-8 g/dL e um hematócrito de 21-24.8 Lembrar que a transfusão sempre deve ser individualizada, tendo em vista outros fatores que podem ser de relevância, como idade, presença de doença cardiovascular, sangramento ativo e status hemodinâmico. Quando necessária, pode ser realizada nestes enfermos aspiração gástrica e/ou intubação endotraqueal. Não há consenso na proposição de medidas profiláticas para a encefalopatia hepática. A despeito da utilização da lactulose/ rifaximina ser uma opção a ser pensada, a American Association for the Study of Liver Diseases (AASLD)9 e a European Association for the Study of the Liver (EASL)10 deixam o tema em aberto, sem um posicionamento definido. No entanto, a profilaxia das infecções é fundamental. Uma revisão sistemática com meta-análise, avaliando 1.241 pacientes, com ou sem a utilização de antibióticos, demonstrou que a profilaxia com antibiótico está associada com redução de infecção bacteriana; de ressangramento; do tempo de hospitalização e da mortalidade.11 O antibiótico a ser utilizado é o norfloxacino (400 mg 2x/d), sendo que nos pacientes com cirrose avançada é preferível a uti19

lização da ceftriaxona (1 g/d), pois é mais efetiva no controle da infecção.12 Atualmente a ceftriaxona parece ser a droga de primeira escolha nos pacientes com cirrose descompensada, nos que já realizavam profilaxia com norfloxacino e nos hospitais em que há alta prevalência de resistência bacteriana às quinolonas.10 Nos pacientes com sangramento, a endoscopia pode ser realizada em até 12 horas, contando o momento da chegada do paciente ao hospital, desde que o doente esteja estável.13 Parece ser de utilidade, quando não houver contraindicação (prolongamento do intervalo QT), a utilização de eritromicina (250 mg e.v.), 30–120 minutos antes da endoscopia, uma vez que esta prática proporciona uma maior incidência de estômago “vazio”; uma menor necessidade de uma segunda endoscopia; de transfusão e um menor tempo de hospitalização.14 A terapia específica para os pacientes que sangram por ruptura de VE deve ser a combinação da ligadura endoscópica das varizes (LEVE) e a utilização precoce de fármacos vasoativos. As drogas vasoativas a serem oferecidas a esta população de pacientes são a terlipressina, a somatostatina e o octreotide. A eficácia das mesmas tem sido discutida, embora uma meta-análise e um importante estudo prospectivo, controlado e randomizado, a despeito de eventuais críticas metodológicas, não terem demonstrado diferença na eficácia dos fármacos citados.15,16 Em regra, o tratamento farmacológico é utilizado por até cinco dias. Uma vez que a hemostasia endoscópica seja atingida, regimes de tempo de menor duração com estes fármacos têm sido sugeridos, embora não exista uma recomendação clara a este respeito.17 Caberia uma rápida consideração em relação aos inibidores de bomba protônica. Estes medicamentos não apresentam efeito no sangramento por varizes, mas parece razoável seu uso endovenoso enquanto aguardamos a endoscopia, devendo ser des20

continuado quando da confirmação do sangramento por varizes. Seu breve uso para evitar úlceras decorrentes da LEVE, embora com tímida evidência em relação a eficácia, quando realizado, deve ser interrompido por ocasião da alta hospitalar.18 Outro ponto que gostaríamos de chamar a atenção é aquele referente à alimentação enteral, quando necessária, com sonda nasogátrica ou nasoentérica após a LEVE, pelo receio de que seja precipitado sangramento. Embora a presença de varizes não seja considerada uma contraindicação, a maioria dos gastroenterologistas prefere observar 24-48 horas após o tratamento endoscópico, ressalvado o fato da limitação de dados nestas circunstâncias.18 A descompensação da hepatopatia, quando do sangramento, principalmente pela presença de ascite, traz um pior prognóstico nesta população de pacientes, traduzido em uma maior mortalidade em 1 ano, quando comparados com os que não desenvolveram esta complicação, independentemente do escore de Child-Pugh ou do MELD.4 Dez a 20% dos pacientes com sangramento maciço não respondem ao tratamento convencional. Nesta população de doentes, tem sido sugerida a utilização de próteses autoexpansivas. Em recente meta-análise,19 o tamponamento com balão de Sengstaken-Blakemore mostrou uma pior performance quando comparado aos stents esofágicos, a despeito da média de mortalidade ter sido semelhante. Embora só um trial compare os tratamentos, as evidências suportam o fato de que os stents são a terapia-ponte mais eficaz e segura nos paciente com sangramento agudo refratário. Esta prática, no entanto, ainda não está consagrada em nosso meio. Uma outra proposta terapêutica a ser considerada nos pacientes com sangramento é a utilização de transjugular intrahepatic portosystemic shunt (TIPS). Em regra, esta opção terapêutica era oferecida a pacientes que falhavam ao tratamento endoscó21

pico (sangramento persistente ou ressangramento nos primeiros cinco dias) ou, de forma mais precoce, aos pacientes com um gradiente de pressão venosa hepática (GPVH) maior do que 20 mmHg, uma vez que estes pacientes sangram com maior intensidade e apresentam uma maior falha à terapia endoscópica.20 É de se salientar que o TIPS recoberto (com politetrafluoretileno), a despeito do elevado custo, mostrou-se superior ao TIPS convencional, apresentando melhora significativa da patência; redução da encefalopatia hepática e uma menor mortalidade.21 Em 2010, García-Pagán et al.22 publicaram um estudo onde o TIPS era indicado de forma precoce/preemptiva (nas primeiras 72 horas) em pacientes com Child-Pugh C (escore < 14) ou Child-Pugh B com sangramento na endoscopia. Esta conduta favoreceu a um menor ressangramento ou falha de controle e a uma maior probabilidade de o paciente permanecer sem sangramento em um ano, com um baixo índice de encefalopatia hepática. O mais importante é que este estudo demonstrou uma maior sobrevida atuarial em um ano. Posteriormente um estudo chinês, utilizando TIPS recoberto, também controlado e prospectivo, confirmou estes achados.23 Os excelentes resultados com o TIPS preemptivo foram confirmados por cinco estudos observacionais;20 no entanto, ainda há controvérsia no que tange à população que mais se beneficiaria com esta prática. Recentemente, estudo multicêntrico internacional, com mais de 650 pacientes considerados de alto risco, demonstrou ser a população de pacientes Child-Pugh C a que mais se beneficiaria desta proposta, uma vez que foi a que apresentou menor mortalidade.24 Desta forma, aguarda-se resultado de meta-análise de pacientes Child-Pugh B com sangramento, para ver até que ponto esta população de pacientes só obtém benefícios em eventuais complicações (desenvolve menos ascite) ou se também apresenta ganho de sobrevida.20 A despeito de necessitar de confirmação, é interessante o es22

tudo que demonstrou que a presença de acute-on-chronic liver failure (ACLF) é preditora de mortalidade em pacientes com sangramento varicoso e que estes pacientes também seriam beneficiados com a utilização de TIPS preemptivo.25 Ressaltamos que o uso do TIPS preemptivo ainda não foi incorporado na prática clínica em nosso país e em diversos países do mundo. A este respeito chamamos atenção de recente estudo, que ao avaliar mais de 5.500 TIPS colocados nos EUA, relaciona a importância da experiência dos centros com a mortalidade observada. Concluem os autores que uma menor mortalidade é verificada naqueles centros que têm uma experiência em colocar no mínimo 20 TIPS ao ano.26 A mortalidade nos pacientes Child-Pugh C (com pontuação 14-15) é muito elevada durante um episódio de sangramento e os dados atuais sugerem a futilidade em usar TIPS nesta população de pacientes, quando não seguida de transplante de fígado. Outro dado importante em relação ao TIPS é a necessidade de haver uma cuidadosa seleção dos pacientes quando de sua indicação. Assim, pacientes com mais de 75 anos, com creatinina maior do que 3 mg/dl, carcinoma hepatocelular fora dos critérios de Milão ou com trombose total da veia porta devem ser excluídos.4 A este respeito é importante lembrar que a descompensação cardíaca é observada em até 20% quando considerado um período de 1 ano após a colocação da prótese. Parece que a determinação dos níveis do peptídeo natriurético cerebral –BNP (< 40 pg/mL) ou do pró-peptídeo natriurético cerebral N-terminal -NT-proBNP (< 125 pg/mL) e a realização de um ecocardiograma (disfunção diastólica) podem ser de auxílio quando da seleção dos pacientes.27 É importante lembrar, com o intuito de diminuir complicações (encefalopatia hepática), que o diâmetro máximo do TIPS a ser utilizado é de 8 mm (e não de 10 mm como nos trabalhos menos recentes).20 23

Tendo em vista a melhoria da sobrevida dos pacientes com a utilização do TIPS preemptivo e da melhora das complicações que estes pacientes com frequência apresentam (ascite), são necessários esforços para conscientizar a coletividade médica da importância de seu uso em população selecionada, uma vez que esta recomendação já era feita quando da reunião de Baveno VI.28 Um rápido comentário poderia ser feito em relação à aplicação precoce de Hemospray no manejo do sangramento das VE. Assim, estudo prospectivo, controlado e randomizado sugere que esta estratégia, ao levar a uma hemostasia temporária, poderia ser utilizada em centros com pouca expertise no atendimento de urgência destes pacientes. Assim, se proporcionaria um “segundo tempo” no atendimento destes doentes, para uma terapia mais definitiva, traduzindo grande benefício. Por óbvio, esta prática necessita de mais estudos antes de sua implementação.29 Do que foi aqui exposto, creio ser importante levar o leitor a revisitar as considerações atualizadas da Sociedade Brasileira de Hepatologia30 no que tange à hemorragia digestiva por ruptura de VE, uma vez que traduzem a realidade do que está sendo feito ou do que pode ser feito em nosso país.

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DOI: 10.222288/978658847501000002

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Microbiota e NASH Andrea Benevides Leite Francisco Sérgio Rangel de Paula Pessoa Glauber Lima da Cunha Junior Rebeca Mont’Alverne Barreto de Paula Pessoa

O aumento na incidência da doença hepática gordurosa não alcoólica (DHGNA) e sua forma mais severa, a NASH (nonalcoholic steatohepatitis), coincide com a epidemia mundial de obesidade observada nos últimos anos, inclusive no Brasil.1 A DHGNA é considerada o “braço hepático” da síndrome metabólica e, portanto, o tratamento atual se baseia na perda de peso, através de dieta e exercício físico, e no controle dos demais fatores de risco, ou seja, da hipertensão, da dislipidemia e da resistência insulínica/diabetes mellitus. Ainda não há meios de se tratar exclusivamente o fígado gorduroso; é preciso abordar o doente integralmente,1 o que engloba mudanças no estilo de vida e a associação de drogas direcionadas à patologia em si, quando indicadas. O tratamento é de difícil aderência, multifacetado e por toda a vida. O desenvolvimento e a progressão da DHGNA envolvem processos fisiopatológicos complexos,2 que são influenciados por fatores como polimorfismos genéticos, dieta e, mais recentemente estudado, alterações quantitativas e qualitativas da composição da microbiota intestinal (MI), denominadas disbiose.3,4 O alto conteúdo calórico da dieta ocidental é um dos principais determinantes do aumento de peso na população, associa27

do à mudança de composição da MI. Esta tem a capacidade de potencializar a transferência de monossacarídeos consumidos na dieta hipercalórica para a circulação portal, promovendo assim um aumento na lipogênese no tecido hepático e no tecido gorduroso periférico.1 Além desses aspectos no desenvolvimento da DHGNA, devem ser consideradas modificações moleculares, como o aumento da permeabilidade intestinal em indivíduos que possuem a proteína de adesão celular JAM1 ou MUC2, que aumenta o risco de inflamação hepática em seres que estão submetidos a uma dieta rica em gordura. Modificações no metabolismo de aminoácidos e do carbono também estão presentes em indivíduos com DHGNA.2 A MI é considerada um “órgão invisível”, que possui distribuição heterogênea, sendo o cólon o local com maior densidade, devido às condições favoráveis de proliferação de micro-organismos, tais como peristaltismo lento, ausência de secreções intestinais e presença de suprimento nutricional. A colonização bacteriana corporal ocorre antes mesmo do nascimento e se perpetua por toda a vida. Acredita-se que existam cerca de 36.000 espécies diferentes de bactérias que colonizam o intestino,5 variando quantitativa e qualitativamente entre os indivíduos.6 Essas bactérias pertencem aos filos Firmicutes (64%), Bacteroidetes (23%), Proteobacteria (8%) e Actinobacteria (3%).7 As principais funções da MI incluem atividades imunológicas e metabólicas. A função metabólica mais proeminente da MI é a fermentação de componentes não digeríveis da dieta. Os produtos dessa complexa atividade metabólica constituem um espectro de ácidos orgânicos, que são uma importante fonte de energia para o hospedeiro. Além disso, as células epiteliais do intestino participam de processos imunológicos. As vias de sinalização dessas células são altamente reguladas para evitar respostas inflamatórias não controladas.8 Outra importante função é a proteção contra micro-organismos exógenos, inibindo o crescimento de micro-organismos patogênicos através da 28

síntese de substâncias antimicrobianas ou competindo por nutrientes e reduzindo a fixação e a penetração de patógenos nas células epiteliais.9 Estudos demonstram haver uma relação entre disbiose e DHGNA. Acredita-se que alguns fatores como dieta, estresse e uso de antibióticos, por exemplo, modulem a MI de tal maneira que uma composição transitória prevaleça sobre a composição habitual. Em última análise, a disbiose promoveria crescimento bacteriano excessivo, produção de toxinas e aumento da permeabilidade intestinal, resultando em modificações imunológicas e efeitos hormonais, predispondo a desordens gastrointestinais.9

Estratégias terapêuticas Pesquisadores têm estudado cada vez mais a modulação da MI como um novo alvo terapêutico da DHGNA, desenvolvendo modalidades terapêuticas que incluem antibióticos, probióticos, prebióticos, simbióticos e transplante de microbiota fecal,10 por exemplo.

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Figura 1. Terapias voltadas à microbiota contra a doença hepática gordurosa não alcoólica Antibióticos Probióticos

Prebióticos Simbióticos

Componentes e derivados metabólitos da microbiota intestinal

TMF*

Fígado gorduroso

Epitélio intestinal prejudicado

Disbiose

Fígado saudável

Epitélio intestinal normal

Microbiota intestinal normal

Imagem reproduzida de: Chen HT et al. Microbiota-targeted therapies against NAFLD.10 A disbiose da microbiota intestinal e a barreira intestinal prejudicada foram elucidadas como fatores patogênicos na doença hepática gordurosa não alcoólica. Antibióticos, probióticos, prebióticos, simbióticos, transplante de microbiota fecal e componentes e metabólitos derivados da microbiota intestinal são tratamentos importantes direcionados à microbiota intestinal. * TMF: Transplante de microbiota fecal.

A utilização de probióticos no tratamento da DHGNA surge como uma opção terapêutica promissora, tendo em vista o seu baixo custo e a ausência de efeitos colaterais severos. Os probióticos supostamente são capazes de retardar a progressão da doença e de prevenir complicações através da modulação da flo30

ra intestinal, da permeabilidade intestinal e da resposta inflamatória, além de diminuir a deposição de gordura no fígado e diminuir a inflamação hepática, sendo observada em alguns estudos a melhora dos níveis das transaminases (AST e ALT) durante o uso de probióticos. Acredita-se que ao suplementar um paciente com probióticos, permite-se a restauração da MI e consequentemente reduz-se a inflamação hepática, considerando a relação anatômica e funcional do eixo intestino-fígado.11 Apesar das evidências científicas apontarem que há uma associação entre disbiose intestinal e DHGNA, ainda é preciso que mais estudos sejam elaborados para estabelecer sua eficácia.10 A utilização de prebióticos é outra opção de terapia adjuvante para doenças hepáticas, que causa melhora sintomática através da restauração da MI.12 Prebióticos são substratos quebrados em metabólitos pela própria microbiota, promovendo, assim, o crescimento de bactérias benéficas.13 Essas drogas estimulam, por exemplo, o crescimento de bifidobactéria e normalizam os níveis plasmáticos de endotoxinas,14 resultando na restauração da MI e consequentemente na redução da lipogênese, perda de peso e de gordura, melhora dos níveis glicêmicos e diminuição da inflamação.15 Já os simbióticos consistem na combinação de probióticos e prebióticos. Estudos evidenciaram que pacientes tratados com Bifidobacterium e fruto-oligossacarídeos (FOS) por seis meses evoluíram com diminuição significativa dos níveis séricos de ALT e AST comparados ao grupo que recebeu apenas placebo.16 Outros estudos mostraram a importância de aliar a mudança no estilo de vida com o uso de simbióticos e probióticos, pois assim havia melhores resultados no controle da inflamação hepática e da deposição de gorduras no fígado quando comparados aos pacientes que foram submetidos apenas a mudanças alimentares e de atividade física. Há evidências crescentes quanto a eficácia do uso criterioso 31

de antibióticos em variadas doenças hepáticas, considerando que essas drogas podem reduzir os componentes da microbiota que teriam ação deletéria sobre a saúde do hospedeiro.17 A neomicina, desde os anos 1950, e mais recentemente metronidazol e rifaximina, vêm sendo usados extensivamente no tratamento de cirrose e encefalopatia hepática.18 No entanto, é preciso cautela quanto ao uso dessas drogas. Enquanto o uso curto dessas drogas parece ter um efeito terapêutico, o uso prolongado pode levar a resistência bacteriana, limitando a eficácia e aumentando o risco de infecções secundárias.19 O transplante de fezes, adequadamente chamado transplante de microbiota fecal, consiste em uma estratégia terapêutica em que há a transferência do microbioma de indivíduos saudáveis para o trato gastrointestinal de pacientes que apresentam disbiose.20 Pode ser realizado através de cápsulas ingeridas, tubos nasogástricos, nasoenterais, endoscopia digestiva alta e colonoscopia. Entre os efeitos positivos observados, estão o aumento da sensibilidade à insulina, diminuição da esteatose hepática e da inflamação intra-hepática.10 Apesar de promissor, a estabilidade da microbiota transplantada parece ser limitada, o que poderia resultar a longo prazo em redução dos efeitos terapêuticos. Assim, é necessário que mais estudos clínicos sejam realizados para confirmar o benefício dessa estratégia.

Conclusões - As alterações da MI associam-se a várias doenças hepáticas, metabólicas e sistêmicas. - O fígado é constantemente exposto a produtos e metabólitos bacterianos oriundos do intestino. - Modelos animais e estudos clínicos iniciais evidenciam relações claras entre a MI e a DHGNA e NASH. - Dieta pobre em gorduras e rica em frutas e vegetais, ativida32

de física regular e o uso criterioso de antibióticos são formas de corrigir/reduzir a disbiose em portadores de DHGNA e NASH. - A manipulação da MI através do uso de probióticos, prebióticos, simbióticos e transplante de microbiota parece ser uma estratégia promissora, associada ao tratamento padrão, na abordagem da DHGNA e NASH.

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DOI: 10.222288/978658847501000003

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Pancreatite aguda grave Raquel Canzi Almada de Souza

A pancreatite aguda (PA) é uma condição inflamatória do pâncreas, geralmente causada por litíase biliar ou consumo excessivo de álcool. Na maioria das vezes essa inflamação tem uma evolução favorável. Porém, a forma grave, que compreende cerca de 20% a 30% dos pacientes, tem taxa de mortalidade em cerca de 15% e requer manejo especializado. A identificação precoce dos quadros que evoluirão para a forma grave, apesar de muitas vezes desafiadora, é fundamental, pois pode contribuir para reduzir essa taxa de mortalidade. A PA é considerada grave nos casos de falência orgânica persistente (mais de 48 horas) ou presença de complicações locais ou sistêmicas1,2 e o objetivo deste capítulo é revisar aspectos importantes dessa situação para o gastroenterologista.

Diagnóstico precoce O tempo ideal para o diagnóstico da PA é dentro das primeiras 48 horas de admissão hospitalar; portanto, esse diagnóstico deve sempre ser suspeitado em paciente com dor abdominal sugestiva e persistente, seguido da dosagem de enzimas séricas (amilase e lipase). Na dúvida diagnóstica, realizar tomografia abdominal com contraste, pois informará se há edema, borramento da gordura peripancreática e inflamação na glândula pancreática.3-6 35

Adequada reposição de volume Imediatamente após o diagnóstico da PA é fundamental iniciar infusão intravenosa adequada de fluidos.3-5 Essa medida, nos estágios iniciais da PA (dentro das 24 horas), tem sido associada à redução da mortalidade e morbidade. Individualizar a quantidade de fluidos a ser infundida de acordo com a função cardiopulmonar e renal e reavaliar os alvos clínicos a cada seis ou oito horas. Nas primeiras 48 horas, a necessidade de fluidos deve ser reavaliada frequentemente. A quantidade será ajustada com bases clínicas, hematócrito, ureia e diurese. Após 48 horas pode não ser mais adequado fazer infusão volumosa de fluidos, pois parece estar associada a risco aumentado de necessidade de intubação orotraqueal e desenvolvimento de síndrome compartimental abdominal. A reposição adequada de fluidos pode ser confirmada pela melhora dos dados vitais (FC < 120 batimentos/minuto, pressão arterial média entre 65 a 85 mmHg), diurese (> 0,5 a 1 ml/kg/ hora), redução do hematócrito (alvo de 35 a 44%) e da ureia nas 24 horas, principalmente se estavam aumentados no início do quadro. Cinco a dez mL/kg de solução cristaloide isotônica (SII ou solução de Ringer Lactato), exceto se comorbidades cardiovasculares, renais contraindiquem. Na depleção volêmica grave, reposição rápida com 20 mL/kg EV em 30 minutos, seguidos por 3 mL/kg/hora por 8 a 12 horas. Nas raras situações de PA devido a hipercalcemia, Ringer Lactato é contraindicado. Embora a reposição/infusão de fluidos possa ser feita com soluções salinas isotônicas ou coloides, a recomendação de vários trabalhos é infusão de Ringer Lactato, que parece estar associada a diminuição de inflamação em pacientes com PA.7,8 Esse efeito está ligado à ação inibitória do lactato nas células inflamatórias. Porém, pela revisão não há evidências convincentes da superioridade de um tipo de fluido, volume e duração da administração na redução de mortalidade e falência de órgãos. 36

Monitoramento As primeiras 48 horas de acompanhamento do paciente ajudarão na graduação da PA e com isso na escolha da estratégia de tratamento. O constante monitoramento é fundamental, pois os casos inicialmente leves ou moderados podem progredir rapidamente para quadros graves. Os principais parâmetros que devem ser acompanhados com rigor são os sinais vitais, o débito urinário, o nível de ureia sérica e o hematócrito.5-8 Embora amilase e lipase sejam úteis no diagnóstico da pancreatite, não são marcadores de gravidade, nem de prognóstico ou mesmo determinantes do manejo clínico. Controle rigoroso da saturação arterial de oxigênio e suplementação de oxigênio, para manter o PaO2 superior a 95%, deve ser instituído. Além da oximetria de pulso, a coleta de gasometria deve ser realizada se a saturação estiver abaixo de 90%. A causa da hipoxemia persistente deve ser investigada, lembrando que pode ser secundária a atelectasias, derrames pleurais, shunts intrapulmonares ou síndrome da angústia respiratória aguda. Monitoramento da ureia é importante na admissão, pois sua elevação durante as primeiras 24 horas é preditora de mortalidade. Acompanhamento rigoroso da diurese deve ser mantido (> 0,5 a 1 ml/kg/hora). É importante notar que uma diurese baixa pode refletir necrose tubular aguda e não depleção volêmica persistente. Nessa situação, infusão agressiva de fluidos pode levar a edema periférico e pulmonar, sem melhora da diurese. Eletrólitos devem ser monitorados frequentemente, especialmente com ressuscitação fluida agressiva. Atenção especial para hipocalcemia, que deve ser corrigida se cálcio baixo ou se houver sinais de irritabilidade neuromuscular, tetania (sinal de Chvostek ou Trousseau). Magnésio baixo também pode causar hipocalcemia e deve ser corrigido. Glicemia sérica deve ser monitorizada, com atenção cuidadosa se hiperglicemia (níveis maiores que 180 mg/dl), pois pode favorecer o risco de infecção pancreática secundária.5,6 37

Definição de PA grave O sistema de classificação mais comumente usado para PA é a da revisão de 2012 de Atlanta1,2 (tabela 1). A gravidade é classificada como leve, moderada (moderadamente grave) ou grave. A forma leve (pancreatite edematosa intersticial) não apresenta falência de órgãos, complicações locais ou sistêmicas e geralmente reverte na primeira semana. Se houver insuficiência orgânica transitória (menos de 48 horas), complicações locais ou exacerbação de comorbidades prévias, ela é classificada como moderada ou moderadamente grave. Pacientes com falência orgânica persistente (mais de 48 horas) ou com complicações locais ou sistêmicas persistentes apresentam a forma grave da doença. Tabela 1. Classificação de gravidade de pancreatite aguda

Critérios de Atlanta 1992

Revisão de Atlanta 2012

Pancreatite Aguda Leve

Pancreatite Aguda Leve

Ausência de falência de órgão

Ausência de falência de órgão

Ausência de complicações locais

Ausência de complicações locais

Pancreatite Aguda Grave

Pancreatite Moderadamente Grave

Complicações locais e/ou Falência de órgão

Complicações locais e/ou Falência transitória de órgão < 48 horas

Hemorragia digestiva

Pancreatite Aguda Grave

Choque PAS ≤ 90 mmHg

Falência persistente de órgão > 48 horas*

PAO2 ≤ 60%

Complicações locais

Creatinina ≥ 2 mg/dl *Escore Modificado Marshal

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Na determinação de gravidade devem ser avaliados a falência orgânica (comprometimento cardiovascular, respiratório, renal ou outros) e escores que quantifiquem a síndrome de resposta inflamatória sistêmica. Outros parâmetros podem ser utilizados, como a impressão clínica de gravidade e fatores indicadores de gravidade, como obesidade, Apache II > 8 nas primeiras 24 horas de admissão e 72 horas, proteína C-reativa >150 mg/l, Glasgow ≥ 3, persistência de falência orgânica após 48 horas de admissão (apesar de infusão fluida), BISAP (ureia > 25 mg/dL, estado mental alterado, presença da síndrome da resposta inflamatória sistêmica - SIRS, idade > 60, presença de derrame pleural).5-7 A tabela 2 resume vários parâmetros de gravidade na PA. Além disso, pela classificação de Atlanta, a PA pode ser dividida em duas categorias: Intersticial, edematosa, que é caracterizada pela inflamação do parênquima ou peripancreática, sem necrose tecidual detectável e geralmente evoluem de forma leve. Necrotizante, que, como o nome diz, apresenta inflamação associada à necrose do parênquima ou peripancreática. Em geral, os pacientes com PA grave precisam ser manejados em centros de terapia intensiva, com suporte respiratório, renal, circulatório e hepatobiliar, o que pode minimizar sequelas sistêmicas.4-6

39

Tabela 2. Preditores de gravidade da pancreatite aguda

Preditores Clínicos

Preditores Laboratoriais

Idade > 60 anos

Hemoconcentração (VG > 44%)

Obesidade

Ureia elevada > 20 mg/dL na admissão e elevação nas 24 horas

Etiologia alcoólica

Glicemia elevada, cálcio na admissão e no seguimento > 15 mg/dl

Falência orgânica - persistente (≥ 48 horas)

Creatinina sérica elevada dentro das 48 horas de admissão > 1,8 mg/dl

Comorbidades - doença pulmonar, doença cardiológica, doença renal

Proteína C-reativa > 150 mg/L nas 48 horas da admissão

Hipotensão persistente - PAS < 80 mmHg ou PAM < 60 mmHg ou PAD > 120 mmHg

RX tórax com derrame pleural e/ou infiltrado pulmonar nas primeiras 24 horas da admissão

Taquicardia persistente

TC ou RM com necrose pancreática ou peripancreática*

Hipoxemia persistente

Procalcitonina elevada

Oligúria ou anúria

Peptídio de ativação do tripsinogênio na urina elevado**

Rebaixamento do nível de consciência

Tripsinogênio aniônico urinário**

Dispneia persistente

Procarboxipeptidase-B; peptídio de ativação da carboxipeptidase-B; tripsinogenio-2 sérico; fosfolipase A-2

*TC = tomografia computadorizada, RM = ressonância magnética, indicadas após 72 horas da admissão para avaliar gravidade ** com pouca disponibilidade

Etiologia da PA Os fatores etiológicos na PA devem ser identificados com rapidez e precisão sempre que possível, pois, juntamente com a 40

avaliação da gravidade, têm um impacto importante no tratamento. Definir o fator etiológico em ao menos 80% dos casos é o ideal.7 Sintomas ou episódios prévios, história ou diagnóstico de cálculos biliares, consumo de álcool, hipertrigliceridemia ou hipercalcemia devem ser levantados, entre outros.

Controle da dor abdominal É o sintoma predominante e deve ser tratado adequadamente, pois dor abdominal persistente pode contribuir para instabilidade hemodinâmica. Em geral, analgésicos potentes, como os de opioides por via endovenosa, são seguros e efetivos, inclusive por meio de bombas de infusão controladas pelos pacientes. Fentanil (em bolus de 20 a 50 microgramas com intervalos de 10 minutos) e hidromorfona podem ser usados. Meperidina é preferível à morfina, esta última pode aumentar a pressão do esfíncter de Oddi. Também, a infusão adequada de fluidos por si só irá contribuir na melhora da dor abdominal, já que hipovolemia e hemoconcentração podem causar ou agravar a dor por isquemia pancreática e acidose lática.5-7

Nutrição Na pancreatite grave, um suporte nutricional sempre será necessário, visto que em muitos pacientes não será possível retorno da alimentação oral em cinco a sete dias. Alimentação por sonda nasogástrica ou enteral (usando fórmula elemental ou semielemental) é preferível que nutrição parenteral total (NPT).9 O tempo de reiniciar alimentação oral depende da reversão da gravidade da PA, da ausência de “íleo paralítico” ou náuseas e vômitos. Na ausência desses sintomas, alimentação oral deve ser tentada precocemente, de acordo com a tolerância dos pacientes, principalmente se a dor abdominal diminuiu e se houver melhora dos marcadores inflamatórios. Inicia-se com dieta líquida, pobre em resíduos, hipogordurosa, progredindo a con41

sistência para sólidos conforme tolerância, mesmo sem total resolução da dor abdominal e normalização das enzimas pancreáticas. Por outro lado, alguns pacientes podem não tolerar a dieta sólida oral, apresentando dor pós-prandial, náuseas ou vômitos, sintomas relacionados à inflamação gastroduodenal e/ ou compressão extrínseca por coleções fluidas, levando à obstrução gastroduodenal. Esses pacientes vão necessitar de nutrição enteral. Com a melhora das complicações, novamente dieta oral deve ser estimulada. A nutrição enteral irá ajudar a manter a barreira intestinal e prevenir translocação bacteriana intestinal associada a infecções. Lembrando que a persistência de enzimas pancreáticas ou presença de coleções fluidas pancreáticas não são necessariamente contraindicações da alimentação enteral. A nutrição parenteral será indicada em poucos casos que não tolerem nutrição enteral ou em que não se consegue adequada nutrição dentro das primeiras semanas.5,6

Antibióticos A maioria das diretrizes não recomenda profilaxia de infecção com antibióticos, mesmo na pancreatite grave, aguardando-se a confirmação de infecção para introdução de antibióticos. No caso de necrose infectada, fica óbvio o uso de antibióticos, mas nem sempre é evidente a confirmação ou não da presença de infecção, pois o processo inflamatório intenso e a própria necrose podem confundir esse diagnóstico. A procalcitonina apresenta elevada sensibilidade e especificidade para distinguir SIRS (Síndrome da Resposta Inflamatória Sistêmica) de sepse, podendo ajudar a diferenciar necrose pancreática infectada da não infectada. Deve-se optar por antibióticos que penetrem áreas de necrose pancreática (quinolonas e metronidazol, ou carbapenemes).5,6

42

Antifúngicos A administração de antifúngicos de forma profilática também não é recomendada. Aproximadamente 9% dos pacientes com pancreatite necrotizante apresentarão infecção fúngica na área de necrose.6

Inibidores da protease e outros medicamentos Ainda é incerta a importância de inibidores de protease nos quadros de PA, não sendo recomendados, aguardando-se maiores comprovações em estudos clínicos. Alguns estudos estão em andamento avaliando inibidores da tripsina, como o anticoagulante dabigatrana em fases iniciais da PA. Também o uso de biológicos inibidores do Fator de Necrose Tumoral (TNF-α), que está relacionado com a patogênese da PA, como o infliximabe, está em estudo.6

Tomografia A TC de abdome não é recomendada rotineiramente na apresentação inicial da PA, pois não mostrará áreas necróticas ou isquêmicas e não modificará o manejo clínico durante a primeira semana da doença. No entanto, quando o diagnóstico é incerto, e o ultrassom de abdome não conseguiu ajudar, a TC deve ser considerada, especialmente para descartar peritonite por perfuração secundária ou isquemia mesentérica. A extensão da necrose pancreática ou peripancreática pode se tornar evidente somente após 72 horas do início do quadro.5,10 Pacientes com PA grave, com sinais de sepse ou piora clínica 72 horas após o início do quadro devem realizar TC com contraste para avaliar presença de necrose pancreática ou extrapancreática ou complicações locais, áreas com hemorragia ativa ou trombose associada à pancreatite.

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Escores de gravidade Muitos escores de gravidade têm sido relatados no intuito de ajudar a indicar manejos mais rigorosos e precoces, mas nenhum é considerado perfeito. A recomendação é, se possível, associar critérios de gravidade na avaliação do paciente com PA, não se baseando somente em um deles.11 A tabela 3 mostra diversos escores de gravidade. A falência de órgãos é central para a definição de PA grave. O paciente corre alto risco de morte (um em cada três) se esse quadro persistir por mais de 48 horas. Além disso, um período de doença com uma resposta inflamatória acentuada (SIRS) precede a falência de órgão. Alguns escores levam 48 horas para trazer a informação da gravidade da PA e só podem ser utilizados uma vez, no início do quadro, não tendo alto grau de sensibilidade e especificidade (os tradicionais critérios Ranson e Glasgow). Outros, apesar de maior complexidade, permitem contínua avaliação, como o escore Apache Tabela 3. Exemplos de escores de gravidade na pancreatite aguda

Escores de Gravidade Ranson Glasgow Apache II Apache III Escore da Síndrome da Resposta Inflamatória Sistêmica BISAP Balthazar - índice de gravidade tomográfica Escores baseados em falência de órgãos (Marshall, Goris, Bernard, SOFA sequential organ failure assessment)

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II - The Acute Physiology and Chronic Health Examination II, que avalia parâmetros fisiológicos, presença de comorbidades e já é usado rotineiramente em centros de terapia intensiva. Algumas variáveis foram adicionadas para melhorar a acurácia, criando o Apache III. Ambos os escores foram inicialmente desenvolvidos para avaliar pacientes gravemente enfermos e não são específicos para PA, mas contribuem para distinguir quadro leve do grave da PA. O escore da síndrome da resposta inflamatória aguda ou sistêmica (SRIS), que usa como parâmetro temperatura < 36°C ou > 38°C; frequência respiratória > 20/min ou PaCO2 < 32 mmHg; frequência cardíaca > 90/min; leucócitos < 4.000/mm ou >12.000/mm ou mais que 10% bastonetes - desvio nuclear à esquerda, pode ser feito diariamente, sendo de fácil aplicação e baixo custo. Outro escore utilizado é o BISAP - Bedside index of severity in acute pancreatitis, que usa como parâmetros a ureia sérica, a presença de derrame pleural, idade acima de 60 anos e o escore da SRIS e o estado mental., sendo que este escore é semelhante ao Apache II para avaliar prognóstico, onde uma pontuação de 5 ou mais está associada a mortalidade de 22%. Alguns escores avaliam a gravidade baseados na falência de órgãos, na persistência da falência e se é múltipla, trazendo boa acurácia à avaliação, como exemplo o SOFA (sequential organ failure assessment). O índice de Balthazar, um escore baseado nos resultados tomográficos, graduando pela presença e extensão de inflamação e necrose pancreática e presença de coleções fluidas, sendo importante na indicação terapêutica de intervenções.10-12

Complicações locais Incluem coleções fluidas peripancreáticas, pseudocistos, coleções necróticas e necrose delimitada ou encapsulada (WON-walled-off necrosis) e complicações vasculares. Tanto o pseudocisto como a necrose emparedada desenvolvem-se frequentemente após mais de quatro semanas do início da PA. 45

Coleções fluidas peripancreáticas Ocorrem usualmente na fase aguda da PA, sendo coleções fluidas sem uma parede bem desenvolvida, a maioria resolvendo-se espontaneamente, sem necessidade de drenagem. Caso contrário, persistindo por mais de quatro semanas, desenvolvem cápsula e passam a ser chamados como pseudocistos.

Pseudocistos pancreáticos Coleção fluida encapsulada, geralmente peripancreática e com mínima ou nenhuma necrose, se desenvolvem após quatro semanas do início da PA intersticial. Aqueles que forem volumosos e causarem sintomas pela compressão deverão ser drenados.

Coleções necróticas Áreas de necrose podem resultar em coleções necróticas agudas, mal delimitadas, que eventualmente com o passar do tempo, em geral mais de quatro semanas, podem se organizar, tornando-se encapsuladas por uma parede inflamatória bem delimitada (walled-off necrosis -WON). Tanto a coleção necrótica quando a WON são inicialmente estéreis, podendo se tornar infectadas. A maioria dos pacientes com necrose estéril pode ser tratada de maneira conservadora. A infecção da necrose pancreática e peripancreática ocorre em cerca de 20%-40% dos pacientes com PA grave e está associada ao agravamento das disfunções orgânicas, determinando acentuada morbimortalidade. Deve ser suspeitada nos pacientes que pioram o quadro clínico, com sepses, instabilidade clínica, febre, aumento da leucocitose, ou falha em melhorar após sete ou dez dias de hospitalização. Sinais clínicos de infecção abdominal e presença de gás dentro da área de necrose são sugestivos de infecção, sendo mandatório início de antibioticoterapia. Nessas situações, os pacientes geralmente necessitam de uma intervenção de drenagem, embora 46

o procedimento deva ser postergado até o paciente ultrapassar quatro semanas do início do quadro, quando a necrose estará “madura” e a drenagem é mais satisfatória. Deve ser indicada a drenagem menos invasiva, que pode ser percutânea, endoscópica (necrosectomia guiada por ecoendoscopia) de acordo com a disponibilidade.13 A maioria das infecções é causada por patógeno do trato gastrointestinal (Escherichia coli, Pseudomonas, Klebsiella e Enterococcus). Portanto, devem ser usados antibióticos que penetram na necrose pancreática, e atuem contra micro-organismos Gram-negativos e Gram-positivos aeróbios e anaeróbios, como carbapeném isolado, ou quinolona, ceftazidima ou cefepima, combinados com agentes contra bactérias anaeróbias como metronidazol. Não há uma correlação entre a extensão da necrose e o risco da infecção, que ocorre na maioria das vezes tardiamente, após dez dias. Também em coleções necróticas não encapsuladas, mas infectadas, eventual drenagem percutânea ou ecoendoscópica pode ser necessária. Necrosectomia cirúrgica só deve ser indicada se os procedimentos minimamente invasivos (endoscópico ou percutâneo) não forem possíveis ou falharem.5-7 A necrose estéril muitas vezes não vai requerer tratamento de drenagem, porém estará indicado se houver obstrução biliar ou gastrointestinal por compressão da coleção, persistência da dor abdominal e vômitos, ou perda de peso e anorexia após oito semanas do início da PA. Síndrome do ducto desconectado (transecção completa do ducto pancreático principal), com coleções sintomáticas persistentes após oito semanas do início da PA, também pode requerem intervenção.4-6

Complicações vasculares peripancreáticas Trombose venosa Trombose venosa esplâncnica (esplênica, portal ou das veias mesentéricas) pode ser encontrada incidentalmente em 1% a 14% dos pacientes com PA. O tratamento deve ser primeiramen47

te voltado para a PA, pois pode levar a resolução espontânea da trombose. Anticoagulação deve ser iniciada se houver extensão do coágulo para veia portal ou mesentérica superior que possa comprometer a perfusão intestinal ou levar a descompensação hepática.

Pseudoaneurisma Apesar de raro, deve ser suspeitado em pacientes com PA com hemorragia digestiva ou queda do hematócrito inexplicáveis ou súbito aumento de coleções fluidas pancreáticas. Muitos desses casos serão manejados pela radiologia intervencionista com embolização do pseudoaneurisma.

Síndrome abdominal compartimental Essa síndrome é definida como um aumento persistente da pressão intra-abdominal > 20 mmHg associado à falência de órgão. Pode ocorrer nos pacientes com PA grave pelo edema tecidual após infusão agressiva de fluidos, pela inflamação peripancreática, por ascite ou por “íleo paralítico”. Pode ser monitorada e diagnosticada pela pressão intravesical.

Conclusão A PA grave está associada à insuficiência orgânica persistente (principalmente cardiovascular, respiratória e/ou renal) e alta mortalidade. Diagnóstico precoce com definição da gravidade, adequada reposição de volume intravenoso, monitoramento rigoroso dos sinais vitais, alívio da dor abdominal, alimentação oral ou enteral precoce, evitar uso de antibióticos profiláticos, evitar cirurgia em pacientes com necrose estéril, abordagem minimamente invasiva e tardia (após quatro semanas ao menos) na necrose infectada, são primordiais no manejo dessa situação. No momento, nenhum teste laboratorial é consistentemente preciso para prever a gravidade na PA, embora numerosos biomar48

cadores estejam sendo estudados. Usar variados e simultâneos escores de gravidade ainda é o preferível.

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50

BR FEDERAÇÃO

OLOGIA TER EN

DOI: 10.222288/978658847501000004

IRA DE GAST ILE RO AS

CAPÍTULO 4

1949

Doença celíaca: o presente e o futuro Celso Mirra de Paula e Silva

A doença celíaca é uma enteropatia crônica do intestino delgado imunomediada, iniciada pelo contato alimentar com o glúten em pessoas geneticamente predispostas, caracterizada por autoanticorpos específicos contra transglutaminase tissular, endomísio e/ou peptídeo deaminado da gliadina.1 Cerca de 40% da população é portadora do genótipo HLA-DQ2 ou HLA-DQ8, que é necessário para o desenvolvimento da doença celíaca; contudo, somente 2% a 3% deles desenvolvem a doença.2 A doença celíaca afeta mais as crianças, mas pode se desenvolver em qualquer idade. A sua prevalência na população geral é em torno de 1%, mas essa incidência varia muito de acordo com as regiões do mundo. Os grupos de risco para a doença celíaca são os pacientes portadores de diabetes tipo 1, tireoidite autoimune, hepatopatia autoimune, síndrome de Down e síndrome de Turner em indivíduos geneticamente predispostos.3

Apresentação clínica A apresentação clássica da doença celíaca é a má absorção, que se manifesta por diarreia e déficit somático na infância, anorexia, flatulência, vômitos, dor abdominal e manifestações extraintestinais, como anemia, ansiedade, artralgias, artrite, ata51

xia, retardo na puberdade, dermatite herpetiforme, fadiga de causa não explicada, infertilidade, aftas recorrentes, mialgias, baixa estatura e outros. Quadro 1. Prática clínica atual na suspeita de doença celíaca Sorologia Anticorpo Antigliadina IgA Anticorpo Antiendomísio IgA Anticorpo Antitransglutaminase Tecidual IgA Histologia Biópsia de duodeno 1ª e 2ª porção Aumento de linfócitos intraepiteliais (≥ 25 por 100 enterócitos) Hiperplasia de criptas Atrofia de vilosidades

Situações especiais Pesquisa de HLA-DQ2 e HLA-DQ8

Diagnóstico atual Atualmente o diagnóstico é baseado, além da suspeita clínica, em três pilares: exames sorológicos, exame histopatológico e teste genético. A sorologia utiliza anticorpo antigliadina e antigliadina deaminado, anticorpo antiendomísio e anticorpo antitransglutaminase tecidual IgA ou IgG em caso de deficiência de IgA. A histologia de fragmentos de biópsias de bulbo, primeira e segunda porções de duodeno mostra aumento de linfócitos intraepiteliais (25 ou mais por 100 enterócitos), hiperplasia de criptas e atrofia de vilosidades. Em situações especiais usamos estudo genético utilizando o HLA-DQ2 e HLA-DQ8. 52

Perspectivas futuras no diagnóstico da doença celíaca, em estudo, poderão auxiliar tanto no diagnóstico não invasivo da doença quanto na avaliação do acompanhamento da aderência à dieta isenta de glúten.

Perspectivas futuras no diagnóstico Teste salivar para TG2 Biossensores (imunoeletrossensores) Concentração plasmática da sinvastatina Genes 1-α regeneradores Peptídeos imunogênicos do glúten

Teste salivar para TG24 Ensaio imunoeletroquímico realizado na saliva, teste de baixo custo e execução rápida, útil em screening. Capaz de detectar anti-tTG IgA com especificidade de 89% e sensibilidade de 90%.

Biossensores Imunoeletrossensores capazes de detectar peptídeos do glúten na urina, sendo úteis para acompanhamento clínico de pacientes celíacos e monitorização não invasiva de aderência à dieta isenta de glúten.

Concentração plasmática da sinvastatina5 A sinvastatina é metabolizada pelo citocromo P450 situado nas vilosidades do intestino delgado. Após administração da sinvastatina catalisada ao paciente, a detecção de altas concentrações da droga indica déficit de metabolização, que ocorre por causa de baixos níveis do citocromo P450 em decorrência da atrofia das vilosidades, que em condições normais são ricas desse citocromo. 53

Dosagem da citrulina plasmática6 A citrulina é um aminoácido sintetizado pelo enterócito. Déficit nos níveis da citrulina plasmática indica síntese prejudicada por causa da atrofia das vilosidades intestinais. A dosagem de citrulina é uma opção na detecção não invasiva de atrofia vilositária, sem necessidade da biópsia duodenal. Valor da citrulina menor que 30 é compatível com atrofia Marsh II ou mais.

Genes 1-α regeneradores6 Genes 1-α regeneradores Reg-1α são expressos no intestino e são considerados reguladores do crescimento celular, necessários para gerar e manter a estrutura das vilosidades intestinais. Altos níveis de Reg-1α representam esforço do intestino delgado tentando compensar a lesão dos enterócitos. Em pacientes com doença celíaca, em que há excessiva apoptose de enterócitos, há uma alta expressão de genes Reg-1α nas criptas intestinais. O nível dessa expressão de genes Reg-1α diminui acentuadamente com a instituição da dieta isenta de glúten, indicando regeneração de enterócitos e vilosidades.

Peptídeos imunogênicos do glúten7 Os peptídeos imunogênicos do glúten são fragmentos do glúten que são resistentes à digestão e são eliminados na urina e nas fezes. Sua pesquisa é útil para avaliar a aderência à dieta isenta de glúten, sendo detectados mesmo com mínima transgressão alimentar em relação à dieta proposta.

Tratamento atual da doença celíaca O tratamento atual da doença celíaca tem como pilar principal a dieta livre de glúten, devendo ser rigorosamente observada.

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Quadro 2. Tratamento atual da doença celíaca

Tratamento atual Além da exclusão do glúten • • • O único tratamento atual para doença celíaca é a dieta estritamente livre de glúten, por toda a vida.



Orientações nutricionais Avaliar deficiência de ferro, folato, B12. Avaliar osteopenia, repor cálcio, vitamina D Screening sorológico de parentes de 1º e 2º graus.

Além da adoção de rigorosa dieta isenta de glúten, é importante que o paciente tenha orientações nutricionais. Devemos verificar níveis sanguíneos de ferro, folato e vitamina B12, corrigindo-os se necessário. Cuidados especiais com a ocorrência de osteopenia e osteoporose, repondo cálcio e vitamina D sempre que estiverem em níveis baixos. É também importante fazer o screening sorológico de parentes de primeiro e segundo graus de forma a detectar precocemente outros casos na família. Alternativas à dieta isenta de glúten são motivos de pesquisas devido à dificuldade de uma adesão rigorosa ao tratamento. A dieta apresenta restrições financeiras e sociais. Fica mais difícil alimentar-se em festas e restaurantes e em viagens, o que leva a frequentes transgressões.

55

Figura 1. Perspectivas futuras no tratamento da doença celíaca Substitua o trigo por 1. Outros cereais ou GFD 2. Trigo GM

Tratamento térmico de micro-ondas de grãos de trigo hidratados

Predigestão de farinha de trigo utilizando: 1. Glutenase ou 2. Transglutaminase microbiana

Sequestro de gliadina Ex: 1 ligantes poliméricos. 2. Oral AGY. 3. Variável de fragmento de cadeia única recombinante

Endosperma Farelo Germe

Colheita de trigo

Glúten Farinha de trigo

Grão de trigo

Gliadina após digestão

slgA Lúmen intestinal

inibidor de sLgA-CD 71

CCR3

Antagonista de zonulina Antagonista CCR3 zonulina

Apoptose Atrofia

HLA-E

CD94

CD 71

Linfócito intraepitelial

NKG2D

Junção apertada Terapia anti IL-15 IL-15

Perforins

IL-15 MIC A / B

Peptídeo gliadina desamidado

Desamidado por tíssue transglutaminase

Inibidor da catepsina

HLA-DQ

Célula de apresentação de antígeno

Anticorpos celíacos

Inibidor da transglutaminase tecidual

Catepsina

Lâmina própria

Vazamento de gliadina paracelular através da junção firme relaxada

Célula T auxiliar CD4 +

Receptor de células T Supressão de células T

IFN-y TNF-a

Terapia anti-citocina

Célula B

Supressão de células B

Bloqueadores HLA-DQ

Adaptado de Frontiers in Pediatrics 2019,7: 193

Perspectivas futuras de tratamento da doença celíaca Diminuir epítopos imunogênicos no glúten Sequestração intraluminal dos epítopos imunogênicos do glúten Prevenção da captação de epítopos da gliadina Inibição da tTG2 tissular na mucosa intestinal Prevenção da ativação imune após exposição ao glúten Probióticos

Diminuir epítopos imunogênicos no glúten - Trigo geneticamente modificado através da manipulação dos genes que codificam os componentes imunotóxicos do glúten, atenuando assim imunotoxicidade.8 A meta é remover os genes tóxicos da fração gliadina sem alterar as propriedades gastronômicas ou agronômicas do glúten. 56

- Digestão intraluminal do glúten usando glutenase oral. Para os oligômeros derivados da gliadina entrarem na lâmina própria e não induzirem reação imune, eles devem conter nove aminoácidos ou menos. As glutenases, enzimas que digerem a gliadina em peptídeos com nove ou menos aminoácidos têm sido exploradas como opção terapêutica na doença celíaca.9 Inúmeros estudos têm sido desenvolvidos usando variadas glutenases, mas o problema persiste em ter segurança de que estas enzimas eliminam completamente todos os epítopos imunogênicos e previnam qualquer possibilidade de imunoativação pelo glúten. - O trigo termicamente modificado por efeito de várias sessões de micro-ondas tem como proposta atenuar a imunotoxicidade do glúten (“pão de glúten amigável”), mas os estudos são ainda inconclusivos, parece não abolir os epítopos implicados na doença celíaca.10

Sequestração intraluminal dos epítopos imunogênicos do glúten - Ligadores poliméricos ligam-se ao glúten no intestino, com avidez pela gliadina e previnem sua quebra e absorção. Podem ser úteis para tratar exposição mínima ou inadvertida ao glúten, como medida suportiva em adição à dieta isenta de glúten. - Anticorpo antiglúten obtido da gema de ovo de galinha quando as aves são superimunizadas contra gliadina.11 Esses anticorpos podem ser encapsulados com manitol e usados junto às refeições com resultados iniciais encorajadores. A contraindicação a ser observada é a alergia à proteína do ovo.

Prevenção na captação de epítopos da gliadina A opção é uma droga que interfira nas “tight junctions”, que regulam a passagem de moléculas por via paracelular, facilitadas pela ação da zonulina, que é um regulador da permeabilidade epitelial. Essa droga é o larazotide,12 que tem como alvo a zonuli57

na, promovendo integridade das junções celulares.

Inibição da transglutaminase-2 tissular na mucosa intestinal O único inibidor tTG2 comercialmente disponível é a mercaptilina.13 Atua de forma competitiva pelo tTG2, tornando a enzima ativa incapaz de transamidar a gliadina.

Prevenção da ativação imune após exposição ao glúten - Bloqueadores HLA, bloqueiam a gliadina de se ligar à HLA-DQ2, usando peptídeos estruturalmente similares à gliadina, competindo com ela e prevenindo uma cascata imunotóxica. - Vacinas e terapias tolerogênicas.14 Nexvax é uma vacina que tem como alvo o HLA-DQ2 epitopo-TCR, que liga a célula apresentadora de antígeno às células CD4. É composta de 3 peptídeos da gliadina: NPL001, NPL002 e NPL003, cada um com 15 a 16 aminoácidos. Os estudos estão em fase 2 e têm mostrado segurança, tolerabilidade e bioatividade.

Probióticos Nova terapia promissora em estudo na doença celíaca é o uso de probióticos.15 A microbiota intestinal participa e media a inflamação ligada ao glúten e pode ajudar a melhorar sintomas clínicos. Os probióticos são uma fonte de endopeptidases que atuam digerindo epítopos do glúten. Na doença celíaca observa-se abundância de Bacteroides spp e diminuição de Bifidobacterium spp. O microbioma é vital para o desenvolvimento e função normal das células imunes. A disbiose, na doença celíaca, pode levar a modificação da barreira mucosa nos enterócitos. Pesquisas futuras vão se concentrar em detectar os probióticos mais efetivos na digestão completa do glúten, anulando sua toxicidade. 58

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BR FEDERAÇÃO

OLOGIA TER EN

DOI: 10.222288/978658847501000005

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CAPÍTULO 5

1949

Colites microscópicas e microbiota intestinal Maria do Carmo Friche Passos

A colite microscópica (CM) é definida como uma inflamação crônica do cólon, atualmente considerada uma causa frequente de diarreia crônica, sobretudo em indivíduos com mais de 60 anos.1 A mucosa do cólon não apresenta alterações radiológicas ou endoscópicas, por isso o diagnóstico definitivo baseia-se em achados histológicos típicos de biópsias da mucosa do cólon, que permite a distinção nos dois subtipos principais: a colite colagenosa (CC) e a colite linfocítica (CL).2,3 Para alguns autores, ainda não está claro se essas duas condições são distintas ou se fazem parte do mesmo espectro patológico.4 A CM é mais comum em mulheres (alguns estudos não encontram diferença entre gêneros na CL) e tem uma incidência estimada de 3,4 a 8/100.000 pessoas/ano.5,6 A prevalência varia de 48 a 219 casos por 100.000 indivíduos, aumentando consideravelmente em indivíduos idosos, podendo alcançar taxas de prevalência muito maiores nesta faixa etária.6,7 O sexo feminino, a idade avançada, doenças autoimunes concomitantes, tabagismo e diagnóstico prévio ou atual de neoplasia são considerados fatores de risco para o desenvolvimento das colites microscópicas.1-3 Apesar do seu curso benigno, a CM ativa determina uma diminuição significativa da qualidade de vida dos pacientes. A fisiopatologia ainda é desconhecida, consistindo essencialmente em uma resposta específica da mucosa luminal a di61

versos agentes nocivos em um hospedeiro suscetível.1,8 A CM é considerada uma doença multifatorial e entre os mecanismos etiopatogênicos mais estudados destacam-se predisposição genética, alterações autoimunes, infecções prévias, má absorção de ácidos biliares, disfunção da barreira epitelial e alteração da microbiota intestinal.7-9 A teoria mais aceita defende que ocorre uma resposta imune descontrolada devido à exposição da mucosa a uma variedade de agentes luminais e consequente disbiose, em indivíduos predispostos (figura 1). Figura 1. Esquema ilustrativo dos vários elementos envolvidos na patogênese da CM Drogas

Diminuição da barreira epitelial (?)

Antígenos bacterianos

Disbiose Aumento da motilidade e da secreção intestinal Aumento de citotoxicidade

Aumento da deposição de colágeno

IL-6

TGF-β Treg

Tc17

TGF

-β +

IL-2

3

IL-6

I IL L-2 -1 1 7A

IL-12

TGF-β

Apresentação alterada do antígeno

Th17 Tc1

Legenda Célula apresentadora de antígeno

IL-1

2

Colágeno Droga

Célula T Bactéria Célula epitelial Fibroblasto/miofibroblasto

Adaptada de Pisani L, et al.9

62

Receptor de célula T MHC II

Th1

-y

IFN

Alguns estudos observaram maior prevalência de CM em países nórdicos, mais frios, especulando-se que a vitamina D possa ter um papel preponderante na patogênese da doença, embora estes dados sejam bastante controversos na literatura.9 Outros autores consideram bastante provável uma associação entre a patogênese da CM e as reações de alergia alimentar, tendo em conta as características histológicas, clínica e a resposta favorável aos corticoides, observada nesses pacientes.10 Todas estas anormalidades também estão diretamente correlacionadas a alterações da microbiota intestinal. Pesquisas recentes apontam para uma associação com o antígeno leucocitário humano (HLA), sobretudo nos pacientes com CL, especificamente HLA-DQ1-DQ3 e HLA-DQ2, presentes também na doença celíaca.8,9 Questiona-se, dessa forma, a possibilidade de existir semelhanças na patogênese dessas duas doenças. Tanto a CC como a CL estão relacionadas com o alótipo HLA-DR3-DQ2 e com o fator de necrose tumoral (TNF).8 Infecções prévias por inúmeros micro-organismos, como Campylobacter jejuni, Yersinia e Clostridium difficile, têm sido descritas (colites pós-infecciosas), sobretudo em pacientes com CC.1,13 Além disso, estudos em animais de experimentação demonstraram que alguns medicamentos são capazes de desencadear um processo inflamatório crônico do cólon e, consequentemente, as alterações típicas da CM.1,3 Dentre os fármacos destacam-se os anti-inflamatórios não esteroides, os inibidores da bomba de prótons e os inibidores seletivos da recaptação de serotonina. Foi evidenciado que os sintomas e as alterações histológicas desaparecem com a interrupção do fármaco e reapareceram com a sua reintrodução.12 O mecanismo pelo qual estes medicamentos induzem a CM ainda é pouco esclarecido; estuda-se uma possível reação idiossincrática que poderia ocorrer diretamente pela atividade farmacológica da droga ou, indiretamente, ao provocar uma alteração no padrão da microbiota intestinal nativa do paciente.12 63

Clinicamente, a CM caracteriza-se por diarreia aquosa crônica ou intermitente, sem sangue, pus ou esteatorreia, várias evacuações ao dia, sendo frequentes os episódios noturnos.1-3 O início pode ser súbito em até 25% dos casos e, por esta razão, é muitas vezes confundida com um quadro de infecção intestinal.5 Além da diarreia, os pacientes podem apresentar dor e/ou distensão abdominal, flatulência, tenesmo e incontinência fecal.1,9 Cerca de 30% dos pacientes podem apresentar manifestações sistêmicas, como febre baixa, astenia, emagrecimento e artralgia.1 Embora raros, casos de CM sem diarreia (predominando dor abdominal) ou até mesmo com constipação intestinal já foram descritos na literatura.9 Nos últimos anos, o diagnóstico das microcolites tem sido um pouco mais precoce, dado o crescente reconhecimento da CM no diagnóstico diferencial das diarreias crônicas e com a realização de biópsias durante a colonoscopia, mesmo nos casos em que a mucosa intestinal é normal. Na maioria dos pacientes, os exames laboratoriais são normais, à exceção das provas inflamatórias (VHS, PCR calprotectina fecal), que podem estar discretamente aumentadas e do hemograma, que pode revelar uma leve anemia.3,9 Testes para doença celíaca devem ser sempre solicitados quando houver suspeita de colite microscópica.1 A colonoscopia com biópsias seriadas do cólon e íleo está indicada em todos os casos suspeitos de CM e para os pacientes em propedêutica de diarreia crônica de etiologia desconhecida.1,2 O exame histológico é essencial para o diagnóstico e para diferenciar a CC da CL. Algumas características histológicas são comuns às duas formas de CM, tais como o aumento de linfócitos intraepiteliais, lesões no epitélio de superfície e infiltrado mononuclear no córion. Nos casos de CC observa-se também colágeno na mucosa (>10μm), que leva a um espessamento significativo e não contínuo da camada basal subepitelial.13 Por outro lado, a CL se caracteriza por um aumento das células inflamatórias mononucleadas, monócitos e linfócitos, que se distribuem pelo cólon e, sobretudo, pelo epitélio superficial. O aumento de linfócitos deve ser superior a 64

20/100 células epiteliais, ou seja 3 a 4 vezes mais do que no cólon normal.14 É preciso ressaltar que as alterações observadas na CM são inespecíficas e que histologia semelhante pode ser encontrada em outras condições clínicas. A distinção entre a CC e CL algumas vezes é complexa, pois as alterações mais típicas nem sempre são observadas. Por esta razão, é bastante comum o emprego de termos menos específicos pelo patologista como, por exemplo, colite incompleta, colite inespecífica e CL paucicelular.14 O diagnóstico diferencial da CM inclui todas as causas de diarreia crônica, especialmente doença celíaca, síndrome do intestino irritável (SII), diarreia funcional e supercrescimento bacteriano.8,9 É frequente o diagnóstico incorreto de SII, devido à sobreposição clínica e à ausência de alterações na colonoscopia. Têm sido descritos alguns casos de colite microscópica, que posteriormente evoluem com lesões sugestivas da doença inflamatória intestinal (doença de Crohn ou retocolite ulcerativa).2,8 Parcela dos pacientes com diagnóstico de SII ou diarreia funcional apresenta alterações compatíveis com CM. Neste caso, a diarreia noturna é muito mais frequente e deve ser sempre pesquisada. São também descritos casos de sobreposição de CM e SII, visto que estas doenças podem apresentar fisiopatologias similares, como infecção intestinal prévia e disbiose.15 Assim sendo, em pacientes com diarreia crônica e suspeita de doença funcional intestinal que realizam colonoscopia, as biópsias intestinais devem ser solicitadas rotineiramente. O tratamento da CM vai depender da gravidade e duração dos sintomas. O primeiro passo nestes casos é investigar os fatores que exacerbam o quadro clínico. É preciso avaliar se algum alimento piora a diarreia e ajustes dietéticos, realizados de forma individualizada, estão indicados. É fundamental investigar o uso de medicamentos ou de suplementos dietéticos que possam agravar os sintomas.2,12 65

Nos casos mais leves, o tratamento deve ser sintomático, com o emprego de antidiarreicos, como a loperamida e de antiespasmódicos para alívio da dor.1 Para os pacientes com quadro clínico mais intenso (moderado a grave), o tratamento medicamentoso está indicado e as opções terapêuticas são os corticosteroides mesalazina, colestiramina e salicilato de bismuto.8 O tratamento de primeira linha para os pacientes com CM é a budesonida oral.1,2,8,9 Uma meta-análise de seis estudos clínicos randomizados mostrou claramente o benefício da budesonida na indução da remissão clínica e em cinco deles observou-se também a resolução histológica.16 Dois destes estudos mostraram melhora evidente da qualidade de vida dos pacientes com CM em atividade após o tratamento com o corticosteroide.17 De acordo com o guideline da AGA (American Gastroenterology Association), a budesonida está indicada para os pacientes com CM ativa na dose de 9 mg/dia durante 6 a 8 semanas.16 Nos casos de recidiva após a sua suspensão, a budesonida pode ser mantida por períodos mais prolongados. Os probióticos representam opções terapêuticas recentes com resultados promissores, como abordaremos no próximo tópico deste capítulo.7,16

Papel da microbiota intestinal no desencadeamento da colite microscópica Acredita-se que a infecção intestinal possa desencadear uma alteração do padrão da microbiota (disbiose) e, consequentemente, alterações inflamatórias na mucosa intestinal.8,9 As infecções por espécies de Yersinia, Clostridioides  difficile, Campylobacter jejuni e Aeromonas hydrophyla foram alguns dos casos estudados, especialmente em pacientes com CC.18,19 Como os sintomas podem surgir de forma súbita em até 25% dos casos e, por vezes, os pacientes respondem à terapêutica antibiótica, colocou-se a hipótese de que estas infeções, prévias ao diagnóstico, pudessem servir de estímulo para o desenvolvimento da CM.18,21 66

Além disso, existem pesquisas que comprovam uma alteração na dinâmica das citocinas durante este processo, com restabelecimento da função de barreira da mucosa e da sua permeabilidade.21 Estudos recentes demonstraram uma diminuição da bactéria Akkermansia spp em pacientes com CM comparativamente a indivíduos saudáveis, e esta alteração é ainda mais evidente nos pacientes tabagistas.11 Esta bactéria está comumente presente no cólon, tendo um papel protetor ao epitélio contra o material fecal possivelmente tóxico.9 Existem evidências de que a exposição a micro-organismos não patogênicos, incluindo helmintos, transmitidos pelos alimentos e por via orofecal, exerce um impacto homeostático provavelmente por indução de mecanismos de tolerância mediados por células T reguladoras.8,20,21 Doenças de desregulação imunológica, como as doenças inflamatórias intestinais, alergias, esclerose múltipla, diabetes tipo I, são caracterizadas por defeitos na atividade das células T reguladoras.21 Várias pesquisas demonstraram claramente que a microbiota intestinal e o sistema imune estabelecem uma constante interação de mutualismo com o hospedeiro, na qual ambos se beneficiam. Desta inter-relação resultam várias respostas imunológicas, como a secreção de imunoglobulina A e liberação de peptídeos antimicrobianos, que possibilitam a manutenção de um equilíbrio dinâmico com os micro-organismos comensais.21 A indução da tolerância imunológica do intestino é fundamental para que não ocorram respostas inflamatórias indesejáveis contra proteínas alimentares ou mesmo contra a microbiota intestinal. As células T podem gerar subpopulações cuja resposta imunológica pode ser anti ou pró-inflamatória. Tem sido observado ainda que alterações dietéticas e ambientais são capazes de determinar mudanças qualitativas e quantitativas na microbiota intestinal e na resposta imune, propondo-se que por esta via possa ocorrer um aumento da incidência de doenças com componente inflamatório significativo.21 Diversos estudos sugerem 67

que a população microbiana de pacientes com CM tem características anômalas em sua composição: grupos bacterianos incomuns, baixa diversidade e alta instabilidade do ecossistema.22 Assim sendo, a suscetibilidade genética e os defeitos do ecossistema microbiano intestinal seriam os fatores condicionantes para o desenvolvimento do processo de inflamação crônica do cólon, como mostra a figura 2. Figura 2. Fatores condicionantes para o desenvolvimento do processo de inflamação crônica do cólon

Suscetibilidade genética

Desregulação imunológica

Alteração da microbiota intestinal (Disbiose)

Resposta imune exagerada frente a comensais não patógenos

Inflamação crônica de cólon

A reatividade anormal do sistema imunológico contra bactérias do cólon pode ser explicada pela confluência da suscetibilidade genética com fatores ambientais. Estes fatores podem ser causa de defeitos na regulação do sistema imune e na colonização intestinal que condicionariam uma resposta imune inadequada frente a elementos não nocivos da microbiota e consequente inflamação (micro ou macroscópica) da mucosa colônica.22

68

Existem inúmeras evidências de que a microbiota intestinal encontra-se alterada em um subgrupo de pacientes com uma microinflamação da mucosa, caracterizada por infiltração celular, alteração no número de mastócitos e linfócitos T, anormalidades do RNAm da interleucina 1 (IL-1), redução da relação entre IL-10 e IL-12, aumento na circulação de IL-6, IL-8 e do fator alfa de necrose tumoral.8,22 Alguns autores acreditam que a SII pós-infecção (SII-PI) se acompanha frequentemente de supercrescimento de bactérias no intestino delgado (SCBID) e MC.23 Existe, na verdade, uma grande sobreposição de sintomas nestas síndromes – diarreia, dor abdominal, flatulência e distensão abdominal – e por isso tem sido questionada a possibilidade dos pacientes com SII-PI apresentarem CM subjacente.8,21,23 Todos estes achados, oriundos de pesquisas em animais de experimentação e em pacientes portadores de uma dessas condições, sugerem que a Figura 3. Papel da microbiota intestinal e da barreira intestinal nas doenças funcionais DFGI-PI

Alteração da microbiota Disfunção da barreira intestinal

DII

Inflamação

CM

DFGI: Doenças Funcionais Gastrointestinais pós-infecção DII: Doença Inflamatória Intestinal CM: Colite Microscópica Esquema simplificado ilustrando o papel da microbiota intestinal e da barreira intestinal nas doenças funcionais (SII pós-infecção), doenças inflamatórias intestinais (doença de Crohn e retocolite ulcerativa) e colite microscópica, sendo frequente a sobreposição entre estas três condições. Adaptado de Van Hemert S, et al.22

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microbiota intestinal possa desempenhar um importante papel na etiopatogenia dessas doença22 (figura 3). Com a participação inquestionável das alterações da microbiota intestinal na fisiopatologia da CM, o tratamento visando à modulação da microbiota com prebióticos, probióticos e mesmo antibióticos tem sido proposto por vários pesquisadores.1,20 O mecanismo de ação dos probióticos parece ser mais amplo do que especificamente modular a microbiota intestinal. É possível que eles atuem também inibindo a colonização e aderência de bactérias patogênicas aos enterócitos, aumentando a secreção de defensinas e diminuindo a síntese de citocinas próinflamatórias como IL-10 e IL-12 em pacientes com quadro de microinflamação crônica da mucosa colônica.8,24 Algumas pesquisas foram conduzidas com probióticos em pacientes com CM. Um primeiro ensaio clínico aberto foi realizado na Alemanha em 14 pacientes com CC com a cepa probiótica Escherichia coli Nissle 1917.25 Os autores observaram redução da frequência evacuatória e melhora da consistência das fezes. Um estudo duplo-cego controlado por placebo foi realizado na Dinamarca com 29 pacientes com CC com uma combinação das cepas bacterianas Lactobacillus acidophilus LA-5 e Bifidobacterium animalis BB/12.26 Nenhuma resposta clínica significativa à intervenção probiótica foi encontrada, mas uma tendência para a melhora da consistência das fezes foi observada. Isso foi apoiado por uma análise post hoc mostrando mudanças significativas no grupo de probióticos com relação à frequência evacuatória e consistência fecal. Em um estudo aberto realizado na Índia, 30 pacientes portadores de CM foram tratados com a mistura de probióticos VSL#3, sendo observada uma resposta clínica de curto prazo e melhora dos sintomas intestinais, porém sem nenhuma alteração histológica.27 É importante ter em mente que as propriedades das bactérias probióticas podem ser altamente variáveis ​​entre as cepas, portanto uma boa seleção de cepas é necessária.24 70

Colites microscópicas e microbiota intestinal: conclusões CM é causa frequente de diarreia crônica, ocorrendo em cerca de 10% dos casos. É mais prevalente nas mulheres e em pacientes com mais de 60 anos. O diagnóstico diferencial com doenças funcionais como a SII é por vezes muito difícil e somente a colonoscopia com biópsias seriadas do intestino pode definir o diagnóstico. A fisiopatologia das colites microscópicas é multifatorial. Alterações no padrão da microbiota intestinal com consequente disbiose parecem fundamentais no desencadeamento da microinflamação. Alguns medicamentos têm se mostrado eficazes, sendo a budesonida a droga de primeira escolha. A modulação da microbiota intestinal é uma opção terapêutica atraente para pacientes com CM. Acredita-se que o uso de probióticos ou de outros agentes capazes de modular a microbiota intestinal e a barreira intestinal possa beneficiar pacientes com CM, contudo a evidência atual é ainda limitada e novas pesquisas nesta área se fazem necessárias. O futuro nos parece bastante promissor neste sentido.

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DOI: 10.222288/978658847501000006

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Novas opções terapêuticas na DII Carlos Brito

Introdução Desde as primeiras moléculas utilizadas no tratamento da doença inflamatória já se passaram quase 70 anos. Durante cinco décadas, a terapia foi baseada no uso de derivados de 5-ASA (ácido 5-aminossalicílico), azatioprina e corticoterapia. Apenas em 2002 é publicado o primeiro estudo de fase III com infliximabe, iniciando uma nova era da terapia biológica e de alvos terapêuticos anticitocinas, com um crescimento exponencial no número de estudos para o desenvolvimento de novas moléculas e novas estratégias terapêuticas nos anos seguintes. As novas opções terapêuticas incluem estratégias como os novos biológicos, pequenas moléculas e transplante de células-tronco hematopoiéticas. Outros estudos começam a ser desenhados objetivando identificar a melhor terapia para cada paciente, a chamada “terapia personalizada”, baseada na avaliação do padrão de resposta imune de cada pessoa, selecionando a terapêutica capaz de obter as melhores respostas, com isso reduzindo falhas primárias e secundárias, aumentando as janelas de oportunidade para evitar complicações da atividade de doença, reduzindo eventos adversos a drogas e seus custos.

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Nesta revisão iremos abordar os principais estudos clínicos em desenvolvimento, os mecanismos de ação dessas drogas e perspectivas futuras no tratamento da Doença Inflamatória Intestinal.

Passado e presente Durante muitas décadas, a terapia da DII foi baseada no uso de medicações tradicionais, como aminossalicilatos, corticosteroides e imunossupressores (azatioprina, metotrexato, ciclosporina, tacrolimo, etc.), que apesar de representarem as primeiras terapias desenvolvidas, até o presente fazem parte do arsenal terapêutico, sendo efetivas em muitas situações clínicas. Em 2002 surgiram os primeiros estudos de fase III demonstrando a efetividade de infliximabe na DII, ao agir no fator de necrose tumoral (TNF-α), iniciando uma nova era das terapias dos anticorpos monoclonais, voltado para o bloqueio de citocinas, com aprovação nos anos seguintes de outros anticorpos anti-TNF-α (adalimumabe, certolizumabe, golimumabe). Dois anos depois surgiu uma droga com diferente mecanismo, capaz de bloquear a migração e recrutamento de linfócitos, o vedolizumabe, um anticorpo monoclonal que bloqueia a integrina α4β7, que por sua vez interage com ligantes endoteliais necessários para o recrutamento de leucócitos para o intestino. Em 2017, o arsenal terapêutico contra citocinas é ampliado para além do bloqueio do TNF, com aprovação do ustequinumabe, um anticorpo monoclonal direcionado à subunidade p40 da interleucina-12 e interleucina-23. Recentemente, em 2018 um novo eixo de abordagem terapêutica surge com a aprovação do tofacitinibe para RCUI, do grupo denominado de pequenas moléculas, que agem inibindo a via de sinalização JAK/STAT, envolvida na regulação de genes que expressam diferentes citocinas. 76

São várias as diferenças entre as pequenas moléculas e os biológicos, que incluem o peso molecular, via de administração, meia-vida, toxicidade, etc. (Tabela 1).4 Tabela 1. Diferenças entre biológicos e pequenas moléculas Pequenas moléculas

Biológicos

Peso molecular (Da)

> 1000

Estrutura química

Compostos orgânicos pequenos

Proteínas

Localização do alvo

Intracelular

Extracelular

Via de administração Oral

Parenteral

Distribuição

Variável

Limitado a plasma e fluidos extracelulares

Degradação

Metabolismo

Proteólise

Meia vida sérica

Curto

Longo

Antigenicidade

Não antigênico

Potencialmente antigênico

Interações medicamentosas

Possível

Pouco frequente

Toxicidade

Toxicidade específica devido ao composto original ou metabólitos. Possíveis efeitos "fora do alvo"

Toxicidade mediada por receptor

Produção

Síntese química

Produção biológica

Custo de produção

Variável

Alto

Genéricos

Idêntico

Biossimilar

Futuro: novas moléculas O melhor entendimento da complexa fisiopatogênese da DII, e as diferenças entre RCUI e doença de Crohn, tem permitido o desenvolvimento de uma grande variedade de drogas, agindo em diferentes alvos terapêuticos.1 77

Iremos abordar de forma resumida os principias grupos de drogas em desenvolvimento, em diferentes fases, consideradas promissoras para o tratamento da DII, destacando principalmente os mecanismos de ações das mesmas (Figura 1).

,I L4

Figura 1. Alvos terapêuticos na Doença Inflamatória Intestinal baseados na imunopatogênese da doença

IL -2

IL-1 2, IGN IL-18 -Y CELL NATIVE

o

noic

Reti

THO CD4+

β



F-

IL-4, TGF-β AC Re tino ico TG F-β

IL-

1,

IL-

6T

TG

GF

AC

Drogas e seus alvos terapêuticos em diferentes vias da imunopatogênese da RCUI e doença de Crohn. MAdCAM-1, molécula de adesão celular de adressina da mucosa; IL, interleucina; TNF-α, fator de necrose tumoral alfa; TGF- β, fator de crescimento transformador beta; NKT, natural killer T; DC, célula dendrítica; Th, T helper; GATA3, proteína de ligação a GATA 3; IRF4, fator regulador de interferon 4; PU.1, proteína de ligação à PU-box rica em purina; FOXP3, Proteína de transcrição responsável pela função e diferenciação da célula Treg; TLR; Treg, células T reguladoras Toll-like receptores; NF-kβ, fator nuclear Kβ; RORγt, fator de transcrição nuclear das células Th17. Adaptada de: Olivera P e cols. 2017; Sabino J e cols. 2019; Yeshi K e cols. 2020; Shivaji UM e cols. 2020.

78

Para um melhor entendimento das perspectivas dos estudos em andamento, é importante nos familiarizarmos com algumas características das diferentes fases de uma pesquisa. Os ensaios clínicos no desenvolvimento de um novo medicamento envolvem várias etapas, e possuem diferentes objetivos, número de participantes e tempo para a execução das mesmas (Tabela 2). Tabela 2. O processo de desenvolvimento de novos medicamentos Descoberta/ Testes pré-clínicos

Fase I

Fase II

Fase III

Fase IV

Tempo em anos

6,5

1,5

2

3,5

Pesquisa pós-comercialização

População testada

Estudos in vitro e em animais

20 a 100 "100 a 500 1000 a voluntários pacientes 5000 sadios voluntários" pacientes voluntários

Objetivo

"Acessar segurança, atividade biológica e formulação"

Determinar Avaliar efisegurança cácia, invese dosagem tigar efeitos colaterais

Taxa de sucesso

5000 compostos avaliados

5 entram em testes

Confirmar eficácia, monitorar reações adversas 1 entra no mercado

Retirado de Quental C, et al. Rev Bras Epidemiol 2006;9(4):408-24.

Inúmeras terapias estão sendo testadas em estudos de fase 2 e 3 e em breve muitas destas novas moléculas podem estar disponíveis para uso de DII, porém cabe ressaltar que muitas delas podem ao final dos estudos não mostrarem eficácia ou apresentar efeitos adversos que impossibilitam o seu uso na prática clínica. Um exemplo recente foi o uso de tofacitinibe, que se mostrou efetivo na RCUI, mas a eficácia não diferiu do placebo em estudos de fase 2 para a doença de Crohn e o seu desenvolvimento clínico foi descontinuado para essa indicação. 79

Uma outra droga, o natalizumabe, que bloqueia a integrina α4, se mostrou eficaz na indução da remissão clínica em alguns pacientes com doença de Crohn ativa moderada a grave, porém devido ao surgimento de leucoencefalopatia multifocal progressiva (LMP) associada a essa droga e à disponibilidade de agentes alternativos que não estão associados a complicação, essa terapêutica foi excluída do arsenal terapêutico e atualmente é utilizada apenas na neurologia para esclerose múltipla. Recentemente, o PF-04236921 um anticorpo monoclonal totalmente humano anti-IL-6 administrado por via subcutânea, foi testado para DC em dois estudos, um de fase II e um outro de extensão para avaliação de segurança. Apesar do aparente benefício do mecanismo da droga, o desenvolvimento de PF04236921 foi interrompido após relatos de perfurações gastrointestinais intestinais em diferentes populações de pacientes estudadas com essa droga.

Anticorpos anti-IL-23 Apesar da existência de biológico como o ustequinumabe, que age na subunidade p40 das interleucinas-12 e 23, estudos buscam terapias que possam agir em um único alvo. Embora a subunidade p40 da interleucina-12 no intestino tenha papel patogênico, estudos em modelos experimentais de colite sugerem que IL-23 em vez de IL-12 pode ser o principal fator de inflamação intestinal.2,3 Objetivando reduzir a inflamação pelo bloqueio seletivo de IL-23, estão sendo testadas drogas que bloqueiam a subunidade p19 da IL-23, como o miriquizumabe, risanquizumabe, brazicumabe e guselcumabe, em estudos de fase II e III para DC e RCUI (Figura 1, Tabela 3). O risanquizumabe (Skyrizi®) já é utilizado no Brasil para o tratamento da psoríase e o guselcumabe (Tremfya®) na psoríase e artrite psoriásica.2,4 80

Tabela 3. Estudos em desenvolvimento com anticorpos monoclonais anti-23 Droga Brazikumabe (MEDI 2070)

Fase do estudo -

Aprovação para

Nome comercial

Doença

uso

(Brasil)

Fase II/III - DC; Fase II -RCUI

Fase II/III- DC e Risankimumabe RCUI

Psoríase

Skyrizi®

(BI 655066)

Mirikizumabe

Fase III - DC e RCUI

-

(LY 3074828)

Guselkumabe

Fase II/III - DC; Fase II -RCUI

Psoríase e artrite psoriásica

Tremfya®

-

Psoríase

-

Tildrakizumabe

Bloqueadores de via de sinalização JAK/STAT Essas moléculas são bloqueadoras intracelulares de proteínas denominadas quinases associadas a Janus (JAKs). Essas proteínas são ativadas por um ligante, que incluem as citocinas. Ao serem ativadas, as JAKs atraem e ativam (por fosforilação) um outro grupo de proteínas, denominadas STAT (transdutores de sinal e ativadores de transcrição). Uma vez fosforilados, os STATs dimerizam e translocam para o núcleo para alterar a transcrição do gene e ampliam a expressão de citocinas (Figura 2).5-7

81

Figura 2. Via de sinalização JAK-STAT e inibidores de JAKs

JAK, quinases associadas a Janus; STAT, transdutores de sinal e ativadores de transcrição; TYK2, tirosina quinase 2. Adaptada de: Salas A e cols. 2020; Olivera P e cols. 2017; Shivaji UM e cols. 2020.

A análise transcricional de amostras inteiras de biópsia intestinal revelou uma regulação aumentada de Janus quinase (JAK) na colite ulcerativa ativa. O aumento da transcrição desses genes foi associado à presença de inflamação, e a transcrição foi marcadamente reduzida na mucosa de pacientes com colite ulcerativa e doença de Crohn em remissão.6

82

Quatro JAKs foram identificadas: JAK1, JAK2, JAK3 e TYK2 (tirosina quinase 2). Existe uma seletividade e cada proteína JAK tem especificidade para um conjunto diferente de receptores de citocinas. JAKs são ativadas em pares, e diferentes combinações de JAKs estão associadas a diferentes receptores de citocinas. A inibição pode potencialmente bloquear várias citocinas e vias inflamatórias ao mesmo tempo, diferindo dos produtos. Há diferentes drogas que bloqueiam as JAKs, porém diferem na seletividade (Tabela 4, Figura 2).

Tabela 4. Inibidores da JAK na Doença Inflamatória Intestinal Droga Classificação quanto a seletividade

Seletividade Fase do da JAK estudo Doença

Aprovação para uso

Tofacitinibe Não-seletiva ou Pan-seletiva

JAK1, JAK2, JAK3

Fase II suspen- RCUI; Artrite so - inefetivo reumatóide; em DC Artrite psoriásica

Filgotinibe Seletiva

JAK1

Fase III - DC; Fase IIb RCUI

Artrite reumatóide

Upadacitinibe (ABT-494) Seletiva

JAK1

Fase III - DC e RCUI

Artrite reumatóide

Peficitinibe (JNJ-54781532, ASP015K) Não-seletiva

JAK1, JAK2(?), JAK3, TYK2

Sem dados - DC; Fase II -RCUI

-

TD-1473 Não-seletiva

JAK1, JAK2, JAK3

Fase II - DC; Fase IIb/III RCUI

-

PF-06651600 Seletiva

JAK3

Fase IIa - DC; Fase II - RCUI

-

PF-06700841 Seletiva

JAK1, TYK2

Fase IIa - DC; Fase II - RCUI

-

Nome comercial (Brasil) Xeljanz®

Rinvoq®

Apesar do aparente benefício do bloqueio de várias citocinas na redução da inflamação intestinal, a via de sinalização JAK/ STAT também está envolvida em importantes processos biológicos, como eritropoiese, resposta imunológica e tolerância e proteção contra tumores, sendo a seletividade importante e uma vigilância rigorosa para avaliar os efeitos colaterais em virtude desse amplo bloqueio. 83

Estudos com tofacitinibe têm mostrado um maior risco de infecção com essas drogas, especialmente para herpes-zóster. Outros efeitos incluem aumento dos níveis de colesterol LDL, enzimas musculares, creatinina sérica e em estudos do uso da droga em pacientes com artrite reumatoide se observou um maior risco de trombose venosa profunda e embolia pulmonar, especialmente em pacientes de risco e na presença de comorbidades.

Moduladores do receptor de esfinosina-1-fosfato. Os moduladores do receptor de esfingosina-1-fosfato (S1PR) regulam o tráfego de células T e B dos nódulos linfáticos e timo para a corrente sanguínea e, eventualmente, para o local da inflamação. Os moduladores (S1PR) permitem a inativação funcional dos linfócitos, mantendo-os nos órgãos linfoides.4,7-9 A ativação dos linfócitos T naive ocorre em órgãos linfoides secundários, como o baço, nódulos linfáticos e placas de Peyer. A esfingosina 1-fosfato (S1P) é um mediador lipídico derivado do metabolismo dos esfingolipídeos da membrana celular, gerado dentro da célula e translocado para a área extracelular, onde exerce funções biológicas. A egressão dos linfócitos dos nódulos linfáticos é mediada pela expressão do receptor 1 de esfingosina-1-fosfato (S1P1) em linfócitos efetores e pela presença de um gradiente de concentração de S1P, que determina a saída das células imunológicas para a circulação em direção às áreas de inflamação. (Figura 3. Mecanismo de ação dos moduladores de SIPR.) Os moduladores do receptor S1P ligam-se a S1P1 e induzem sua internalização e subsequente degradação, inibindo assim a saída de linfócitos dos tecidos linfoides (Figura 3).

84

Figura 3. Mecanismos de ação dos moduladores do receptor de esfingosina-1-fosfato Droga moduladora de S1PR

Funções dos receptores de S1P

od im an Oz

1 PR

e

S1 S1

PR

Fi

ng

ol

3

4

S1PR

im

od

e

de

limo

Fingo

e od e im ol od g m n ni Fi za O

P S1

R5

2

S1P R

Adaptada de: Sabino J e cols, 2019.

Existem cinco isoformas diferentes do receptor S1P (S1P1-5), que modulam as várias ações de S1P. S1PR1 medeia a saída de células T de órgãos linfoides secundários para o vaso linfático, circulação sistêmica e tecidos inflamados. Os moduladores do receptor S1PR1 mantêm as células T aprisionadas e sequestradas dentro dos órgãos linfoides. S1PR4 e 5 estão envolvidos em diferentes vias pró e anti-inflamatórias. Em contraste, S1PR2 e 3 medeiam vasoconstrição e fibrose e são provavelmente responsáveis ​​por efeitos colaterais cardíacos, como bradicardia, hipertensão e lesão renal. Os S1PR1-4 estão envolvidos em mecanismos cancerígenos e anticancerígenos. Esses diferentes efeitos tornam a inibição seletiva de S1PR desejável. Ozanimode é um agonista oral S1P1 e S1P5 e etrasimode é um modulador S1P1, S1P4 e S1P5. A tabela 5 faz um resumo destas moléculas em estudo na DII. 85

Tabela 5. Moduladores do receptor de esfingosina-1-fosfato na Doença Inflamatória Intestinal Droga

Seletividade do S1PR

Fase do estudo - Doença

Fingolimode

S1PR1, 3, 4, E5

Nenhum dado

Esclerose múltipla

Ozanimode

S1PR1 E 5

Fase III - DC e RCUI

Esclerose múltipla

Etrasimode

S1PR1, 4, E 5 Fase II - DC; Fase III - RCUI

-

Amiselimode

S1PR1 E 5

-

Fase II - DC; Fase III - RCUI

Aprovação para uso

Nome comercial (Brasil) Gilenya®

Inibidores da fosfodiesterase PDE4 O AMPc tem efeito na regulação da resposta inflamatória, ao ativar proteínas quinases A, interferindo na diferenciação de células T e na quimiotaxia e adesão de neutrófilos. As fosfodiesterases são enzimas expressas em células imunes e que degradam o AMPc (monofosfato de adenosina cíclico) em AMP inativo, reduzindo os níveis de AMPc produzindo um efeito pró-inflamatório (Figura 1). Os inibidores de fosfodiesterase como o apremilaste eleva os níveis de AMPc e reduzem os níveis os níveis teciduais das citocinas pró-inflamatórias TNFα, IFN-γ, IL-2, IL-4 e IL-5 e aumentam a expressão de citocinas anti-inflamatórias, como IL-10. Esta droga agora testada em estudo de fase II para RCUI já é utilizada em artrite psoriásica e psoríase em placas moderada a grave, com nome comercial no Brasil de Otezla®.8,10 86

Regulação positiva de micro RNA-124 O ABX464 é um novo candidato a medicamento com efeito anti-inflamatório oral, que regula positivamente o miR-124 de maneira específica. O miR-124 é um modulador crítico de imunidade e inflamação. A droga reduz a expressão de quimiocinas/ citocinas pró-inflamatórias MCP1, CXCL1, IL-1β, TNFα, IL-17, IL-6, G-CSF e as vias JAK-STAT.10 A droga mostrou induzir remissão e cicatrização e RCUI e um estudo de fase II de manutenção evidenciou que 69% dos pacientes estavam em remissão clínica e 94% se beneficiaram de uma resposta clínica após o segundo ano de tratamento continuado. A droga também está sendo testada em pacientes com artrite reumatoide e em pacientes com infecção aguda por COVID-19.

Drogas que regulam a atividade de TGF-β1 Entre as funções do TGF-β1 (O fator de transformação do crescimento beta 1) está a inibição de células T e células apresentadoras de antígeno. O TGF-β1 exerce seus efeitos através de um receptor transmembrana que ativa (por fosforilação) um grupo de proteínas denominadas SMAT (SMAT2, SMAT3, SMAT4), permitindo a translocação deste complexo de SMATs para núcleo, que exercem um efeito regulatório na transcrição do gene e inibe a síntese de citocinas como TNFα, IL-8, IL-2, IL-6, IL-17 e IFN-γ (Figura 4).

87

Figura 4. Mecanismo de ação de drogas que regulam a atividade de TGF-β1

SMAD7 Super Expressa na DII

Mongersene

Deixa de inibir a expressão de citocinas inflamatórias

Transcrição do Gene

Transcrição do Gene Inibe a síntese de citocinas pró-inflamatórias

O TGF-β1 exerce seus efeitos através de um receptor transmembrana que ativa (por fosforilação) um grupo de proteínas denominadas SMAT (SMAT2, SMAT3, SMAT4), permitindo a translocação deste complexo de SMATs para núcleo, que exercem um efeito regulatório na transcrição do gene e inibe a síntese de citocinas como TNFα, IL-8, IL-2, IL-6, IL-17 e IFN-γ. A super expressão de SMAD7 é observada em pacientes com DII, o que impede a supressão de genes inflamatórios mediada por TGF- β1 e, portanto, regula positivamente várias citocinas inflamatórias. O monogersene hibridiza com o mRNA SMAD7 e induz a degradação desta proteína, evitando a dimerização e entrada no núcleo. Assim, inibe a produção de SMAD7 e restaura a atividade de TGF- β1. Fonte (adaptada): Olivera P e cols. (2017).7

Nos pacientes com DII há uma baixa atividade do TGF-β1, o que justificaria uma menor supressão da síntese destas citocinas inflamatórias. Um dos mecanismos prováveis é uma superexpressão nos pacientes com DII de uma outra proteína chamada SMAT7. Essa proteína bloqueia a fosforilação (ativação) das SMAT2 e 3, evitando a sua translocação para o núcleo e desta forma deixando de inibir a expressão das referidas citocinas. O monogersene, administrado por via oral é um oligonucleotídeo sintético de fita simples de 21 bases que hibridiza com o mRNA SMAD7 e induz a degradação desta proteína. Ao inibir a produção de SMAD7, ela restaura a atividade de TGF-β1. 88

O monogersene vem sendo testado para doença de Crohn em estudos de fase II e III. Em virtude do efeito pró-fibrogênico do TGF-β1, um potencial efeito adverso que precisa ser avaliado é a indução de fibrose e estreitamento da estenose, podendo limitar o uso de monogersene para tratamentos de exacerbações agudas de DC.8

Anti-integrinas e Antiadesinas A migração dos leucócitos do sangue periférico para o local de inflamação depende de moléculas de adesão como a MAdCAM-1 (molécula de adesão celular de adressina da mucosa). A interação entre MAdCAM-1 e seu ligante integrina, α4ß7, resulta no recrutamento de linfócitos para o intestino ou tecido linfoide associado ao intestino. Carotegraste (AJM300), uma pequena molécula oral que antagoniza a subunidade da integrina α4, foi avaliada em estudo de fase II e mostrou resposta clínica, remissão clínica e cicatrização superior ao placebo na semana 8. Além de alvos terapêuticos voltados para anti-integrinas, moléculas vêm sendo desenvolvidas para bloquear a proteína MAdCAM-1. Várias moléculas (biológicos e pequenas moléculas) vêm sendo estudadas com o objetivo de bloquear o tráfico de células inflamatórias para o intestino (Tabela 6).

89

Tabela 6. Anti-integrinas e antiadesina na Doença Inflamatória Intestinal Droga (via administração)

Classificação

Mecanismo de ação

Fase do estudo Doença

Abrilumabe (Subcutâneo)

Anticorpo monoclonal totalmente humanizado

α4β7

Carotregaste/AJM300 (oral)

Pequena molécula

subunidade α4 Falha em DC (Fase II); Fase III - RCUI

Etrolizumabe (Subcutâneo)

Anticorpo monoclonal humanizado

subunidade β7 Fase III - DC e RCUI

SHP647/PF00547659 (Subcutâneo)

Anticorpo monoclonal totalmente humanizado

MAdCAM-1

Fase III - DC e RCUI

PTG-100

Pequena molécula

α4β7

Sem dados - DC; Fase II - RCUI

Fase II - DC e RCUI

Terapia combinada Em virtude da complexa rede de inflamação presente na DII, induzida por diferentes vias e proteínas, estratégias buscando bloquear diferentes mecanismos combinando biológicos e pequenas moléculas passaram a ser descritas. Yang e cols. analisaram 22 pacientes que combinavam diferentes biológicos, utilizando associação de drogas com diferentes mecanismos de ação, que incluíram infliximabe, adalimumabe, vedolizumabe, ustequinumabe, certolizumabe e golimumabe. A melhora endoscópica ocorreu em 43% e 26% alcançaram remissão endoscópica; 50% tiveram resposta clínica e 41% alcançaram remissão clínica e redução de fístula reduziu em 18% dos 90

casos, com poucos eventos adversos. Os autores consideram a possibilidade de associação para pacientes que haviam falhado a múltiplos biológicos. Um outro estudo retrospectivo, conduzido por Glassner K e cols., analisou 50 pacientes tratados com terapia combinada de biológicos e pequenas moléculas, com um significativo aumento de resposta no acompanhamento em comparação com a linha de base, tanto para remissão clínica (50% vs 14%, p = 0,0018) quanto endoscópica (34% vs 6%, p = 0,0039). Ocorreram oito eventos adversos graves e nenhuma morte. Estas terapias passaram a ser utilizadas em pacientes com doença de difícil controle, com a falha às diferentes terapias, porém o risco de eventos adversos precisa ser determinado.

Futuro: outras abordagens terapêuticas Transplante de células-tronco hematopoiéticas (TCTH) Transplante de células-tronco hematopoiéticas (TCTH) é uma modalidade de tratamento baseada na infusão de células-tronco hematopoiéticas (CTH) do próprio paciente (autólogo) ou de doador da mesma espécie (alogênico), aparentado ou não aparentado. O objetivo é restaurar a tolerância imunológica que ocorre em doenças autoimunes, como ocorre na DC, através da eliminação da memória imunológica e reconfiguração do sistema imunológico. Em revisão sobre o tema, Ruiz MA e colaboradores destacam que o TCTH alogênico geralmente não é recomendado para DC devido aos riscos inerentes à toxicidade do procedimento, sendo indicado o TCTH autólogo, porém realizado para casos graves, doenças progressivas e refratárias às terapias padrões. Os autores descrevem os seguintes critérios para indicação de TCTH para DC: pacientes refratários a imunossupressores e 91

biológicos; persistência da atividade da doença comprovada por endoscopia, colonoscopia ou enterorressonância; e doença extensa para a qual um procedimento cirúrgico iminente expõe o paciente ao risco de síndrome do intestino curto ou doença do cólon refratária. Os autores consideram ainda a indicação na presença de uma lesão perianal persistente onde a coloproctectomia com um implante de estoma definitivo não é aceita pelo paciente.11 Esses mesmos autores demonstraram que a redução de doses de ciclofosfamida tanto na mobilização quanto no condicionamento em 14 pacientes submetidos a TCTH autólogo reduziu os eventos adversos do procedimento e ainda resultou em redução acentuada na atividade clínica da doença, com 13 pacientes atingindo a remissão da doença (CDAI < 150) em 30 dias. Em um outro estudo envolvendo 29 pacientes com DC, Lopez-Garcia e cols. descreveram que após TCTH autólogo foi observada remissão clínica e endoscópica livre de drogas (CDAI < 150, SES-CD < 7) em 61% em 1 ano, 52% em 2 anos, 47% em 3 anos, 39% em 4 anos e 15% em 5 anos. No entanto, 80% dos pacientes que tiveram recidiva responderam à reintrodução da terapia anti-TNF. Seis dos 29 foram operados após o auto-TCTH e 1 paciente morreu de infecção por CMV. Serão necessários novos estudos para ampliar o número de casos submetidos a essa terapia, definindo riscos e benefícios.

Células-tronco mesenquimais em fístula Uma outra forma de terapia celular que vem sendo testada é a aplicação de células-tronco mesenquimais diretamente na fístula. Em um estudo de fase III, de Panes J e cols., os autores relataram uma resposta superior na remissão da fístula comparada ao placebo com o uso desta terapia na semana 24 (50% vs. 34%, p = 0,024). Em uma meta-análise envolvendo três estudos clínicos com grupo de comparação, as células-tronco mesenqui92

mais foram associadas à melhora de cicatrização das fistulas em comparação com os indivíduos controle nas semanas 6 a 24 (OR = 3,06; p = 0,04) e com 24 a 52 semanas (OR = 2,37; p = 0,08). Não foram observados efeitos adversos significativos. Apesar do pequeno número de estudos, essa terapia pode ser promissora para alguns tipos de fístula de difícil controle em combinação com outras terapias sistêmicas.12

Transplante de microbiota fecal Baseado no fato de que a disbiose é um importante fator envolvido na fisiopatogênese da DII, o transplante de microbiota fecal passou a ser uma possiblidade terapêutica, porém o número de estudos ainda é limitado, heterogêneo e com curtos períodos de seguimento. Os primeiros ensaios randomizados controlados mostram benefício na remissão da DII em TMF fecal superior ao placebo. Em recente estudo, Costello P e cols. relataram uma remissão livre de corticoide superior em TMF comparando ao controle, com remissão em 12 dos 38 participantes (32%) recebendo FMT de doador superior em comparação aos 3 dos 35 (9%) recebendo FMT autólogo (diferença, 23% razão de chances, p = 0,03) na semana 8, porém a resposta diminuiu ao longo dos 12 meses.13 Recentes consensos, como o australiano, sobre regulação do TMF para prática clínica de 2020 e as diretrizes em DII da Sociedade Britânica de Gastroenterologia de 2019, recomendam no momento que a utilização deve se limitar apenas a ensaios clínicos, fazendo parte de terapias futuras que necessitam de validação.

Futuro: terapia personalizada Apesar dos ganhos no controle clínico da doença com as novas terapias e com as perspectivas de inúmeras moléculas a serem liberadas para uso nos próximos anos, muitos desafios fazem 93

parte da abordagem terapêutica na prática médica do gastroenterologista. A complexidade da imunopatogênese na DII e a variabilidade de padrões de resposta imune entre os pacientes acometidos pela doença justificam muitos desses desafios e limitações dos tratamentos. Cerca de 30% a 40% dos pacientes têm falha primária às novas terapias biológicas, além de uma perda de resposta (secundária), que ocorre de 10% a 20% por ano, com necessidades de aumentos de doses e trocas de terapias ao longo da vida dos pacientes com DII, retardando em muitos casos o controle efetivo da inflamação e suas complicações. De uma maneira geral, as terapias são padronizadas e aplicadas de forma universal a portadores de DII. Apesar de reconhecermos alguns grupos de fenótipos para escolha de algumas terapias, como por exemplo o uso de infliximabe em fístulas complexas, ou utilizarmos marcadores de inflamação ou dosagem sérica de drogas para orientar as estratégias, não há no momento uma terapia individualizada. Os esforços são para que no futuro tenhamos a escolha da terapia individualizada, com base na avaliação do padrão de resposta imune de cada indivíduo, selecionando a terapêutica capaz de obter as melhores respostas, com isso reduzindo falhas primárias e secundárias, aumentando as janelas de oportunidade, para evitar complicações da atividade de doença, reduzindo eventos adversos a drogas, diminuindo custos, levando à redução de morbimortalidade relacionada à doença. Diferentes técnicas têm sido desenvolvidas para identificação destes marcadores de padrões e de resposta terapêutica a drogas, que incluem: genômica, transcriptômica, proteômica, microbiômica (Figura 5).14-16

94

Figura 5. Técnicas para identificação de marcadores Amostra

Análise

Resultados Genômica

Escore de risco poligênico

Transcriptômica

Proteômica

Microbiômica

Tratamento

Genômica Transcriptômica Anti-integrina + inibidor JAK/STAT

José

Proteômica

Microbiôma

Genes agressividade (aumentada expressão): PAR2, MDR1, CDx1, RPS6KA2, mIR-29a, mIR-29b

Genes expressos TNFRSF11B, STC1, PTGS2, IL-13RA2 = remissão endoscópica em uso de infliximabe

Níveis elevados IL-22 e IL-23 = melhores respostas a MEDI2070 anti-IL-23

Abundância de Roseburia inulinivorans e de Burkholderiales maior remissão ao vedolizumabe

ABX-464 ou moduladores de S1PR

Luiza

Presença do alelo HLA-DQA1*05 associado com aumento de anticorpos anti-TNF

Genes expressos ..............

Níveis de citocinas ..............

Espécies ..............

Anti-IL-9 + anti-TNF ou anti-TLR7/8.

Marcos

Variante rs11209026 do gene IL23R risco de lesões psoriasiformes com uso de anti-TNF

Genes expressos ..............

Níveis de citocinas ..............

Espécies ..............

Genômica A genômica tem contribuído na identificação de genes associados não apenas a um maior risco de desenvolver DII e o entendimento da patogênese, mas tem contribuído para o desenvolvimento de alvos terapêuticos, avaliar a resposta terapêutica a drogas e riscos de eventos adversos. Diferentes genes já foram identificados como associados à patogênese de DII em diferentes vias da resposta imune: a) Na resposta imune inata da mucosa, os genes CARD 9 para DII, NOD2 na DC e SLC11A1 na RCUI; b) na via IL-23/Th17 os genes IL-23R, JAK2, TYK2 nas DII, STAT3 na DC e IL-21 na RCUI, entre outros.15 Apesar da correlação, as chances de análise de um único gene são limitadas, com alguns genes tendo um efeito divergente entre DC e RCUI e com uma grande maioria dos portadores da variante nunca desenvolvendo a doença e indivíduos sem a variante podendo desenvolver a doença. Como os fatores de risco 95

genéticos individuais não são úteis na triagem e previsão, dada a natureza poligênica da doença, foi sugerido que um escore de risco poligênico (PRS), que calcula a carga genética combinando os alelos de risco, pode ser mais útil, porém seu uso na prática clínica está para ser estabelecido. A identificação de genes associados a uma doença ou a um padrão clinico pode isoladamente não representar o desenvolvimento de doença, podendo não serem expressos ao longo da vida. Além disso, outros fatores ambientais, como alimentação, tabagismo ou infecções podem modificar a estrutura desses genes (Ex.: metilação do DNA ou RNA não codificantes), aumentando a atividade de transcrição e nível de expressão de genes contribuindo para o surgimento da doença (Epigenética). Porém, objetivando apoiar a decisão terapêutica, vários estudos tentam demonstrar padrões genéticos que influenciam na resposta terapêutica às drogas e os riscos de eventos adversos, constituindo a chamada farmacogenômica. Jurgens M e cols. encontraram que a presença de autoanticorpo citoplasmático antineutrófilo negativo (ANCA) (P = 0,01) era um preditor positivo independente para resposta ao IFX; por outro lado, os portadores homozigotos de variantes de IL-23R para DII de alto risco eram mais propensos a responder ao IFX do que portadores homozigotos de variantes de IL-23R de risco diminuído de IBD (74,1 vs. 34,6%; P = 0,001). Em uma coorte de 1.240 pacientes naive de tratamento biológico com doença de Crohn, Sazonovs e cols. identificaram que o alelo HLA-DQA1*05 foi associado com o aumento da formação de anticorpos contra infliximabe e adalimumabe. Outros estudos demonstram em pacientes com defeitos epiteliais em genes como EPCAM152,153 e TTC7A154–156 resultados piores após transplante de células-tronco hematopoiéticas (HSCT).14 Um outro alvo da farmogenética é identificar indivíduos com 96

risco de desenvolver eventos adversos às drogas, que muitas vezes limitam o uso da droga ou podem levar a complicações graves. Estudos demonstram que variante homozigótica NUDT15 ou haplótipo NUDT15-TPMT (TPMT-tiopurina metiltransferase) foram associados ao risco de mielossupressão e que o haplótipo HLA-DQA1*02: 01 HLA-DRB1*07:01 pode aumentar o risco de pancreatite em até 17%.15 Tillack C e cols. descreveram que pessoas portadoras da variante GG do rs11209026 do gene IL-23R podem desenvolver lesões psoriasiformes na pele durante o tratamento com anti-TNF e podem se beneficiar do uso de ustequinumabe. No futuro, a utilização de painéis de genes poderá definir para cada paciente qual a droga com maior chance de efetividade e com menor risco de eventos adversos na primeira escolha, reduzindo falhas e riscos.

Transcriptômica Apenas uma pequena proporção do código genético, estimada em 5%, é transcrita em RNA. No transcriptoma, a análise vai além de detecção do gene e avalia se de fato um gene foi transcrito, utilizando sequenciamento do RNA e detectando todo RNA transcrito ou identificação de RNAm (RNA mensageiro) predefinidos com a utilização de sondas (microarray), permitindo identificar quais vias imunológicas de fato são ativadas ou reprimidas em um paciente individual. Desregulação de RNAm tem sido associada a diferentes mecanismos patogênicos em diferentes doenças autoimunes. Em estudos transcriptômicos de DII, muitos dos mRNAs aberrantes foram encontrados envolvidos em funções moleculares associadas com a resposta imune, inflamação da mucosa, absorção de nutrientes, dano epitelial, oncogênese e proliferação celular. Transcriptoma para predizer resposta a droga tem sido estudado. Em uma análise de mucosa colônica de pacientes que par97

ticiparam de estudos de intervenção para o uso de infliximabe, Arijs I e cols. encontraram 212 transcrições que foram expressas diferencialmente em amostras de biópsia antes da implementação da droga, comparando pacientes que responderiam ao infliximabe com amostras de biópsia daqueles não respondedores. Cinco genes expressos (TNFRSF11B, STC1, PTGS2, IL-13RA2 e IL-11) eram capazes de prever remissão endoscópica em resposta ao infliximabe com 95% de sensibilidade e 85% de especificidade.17 Os estudos de perfil de expressão do transcriptoma ajudarão a entender a patogênese da DII. As informações poderão ser utilizadas como alvos no desenvolvimento de biomarcadores diagnósticos ou agentes terapêuticos em tratamentos de DII.

Perfil imunológico (Preoteômica) Após finalizado o mapeamento genético humano com suas relevantes descobertas, identificou-se que era preciso avaliar não só a presença do gene, mas a expressão do mesmo e a síntese de proteínas que poderiam estar relacionadas com os mecanismos patogênicos das doenças. A detecção destas substâncias passou a ser medida no sangue e em material de biópsia intestinal, possibilitando mais recentemente ter como objetivo terapêutico predizer resposta às diferentes abordagens terapêuticas baseadas no perfil sérico destas substâncias nos portadores de DII. Recentemente, West et al. (2017) compararam a expressão de citocinas em biópsias da mucosa intestinal de pacientes com DII e descobriram que a oncostatina M (OSM) era a mais expressa quando comparada a controles. A OSM aumenta a secreção de várias moléculas pró-inflamatórias (por exemplo, IL-6), bem como quimiocinas, que atraem neutrófilos, monócitos e células T. A deleção genética ou bloqueio farmacológico de OSM atenua significativamente a colite em um modelo animal de colite resistente a anti-TNF. A identificação na mucosa de expressão 98

elevada desta citocina nos pacientes poderá orientar a terapêutica a ser instituída e o desenvolvimento de novos alvos terapêuticos. Em um estudo de fase 2 utilizando o MEDI2070, um bloqueador de IL-23, Sands B e cols. dosaram níveis de IL-22 (uma outra citocina induzida pela via IL-23) antes de iniciar a terapia e observaram que os melhores índices de respostas estavam relacionados com os maiores níveis de IL-22 pré-tratamento. No futuro, a identificação dos perfis de citocinas, detectadas em soro ou em mucosa, para os diferentes padrões de doenças ou para um paciente individual irá contribuir para definir a terapia com maior probabilidade de resposta.

Análise do microbioma intestinal (Microbiômica) A disbiose sabidamente é um dos mecanismos envolvidos na imunopatogênese da DII e estratégias têm sido voltadas para identificar padrões de microbioma intestinal que ajudem a restaurar o equilíbrio e reduzam a inflamação, seja por uso de probióticos, prebióticos ou via transplante fecal. Surge a possibilidade de no futuro podermos determinar através desta análise os pacientes com melhor resposta à terapia instituída. Um estudo de Ananthakrishnan A e cols. avaliando a influência da microbiota na resposta terapêutica ao uso de anti-integrina, detectou que específicas diversidades da microbiota, além de abundância de espécies de Roseburia inulinivorans e de Burkholderiales estavam associadas a maior remissão da doença na semana 14 após uso do vedolizumabe, sugerindo que estudos do microbioma podem predizer resposta ao tratamento da DII para drogas específicas.

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Multiômica A multiômica diz respeito à análise simultânea das diferentes técnicas, que geram diferentes informações, para um melhor entendimento da imunopatogênese do paciente com DII e que poderá ser aplicada para cada indivíduo.16 Um exemplo da aplicação da multiômica foi publicado por Liang J e cols., onde o autor, utilizando técnicas de transcriptômica e proteômica sugere padrões de respostas imunes para DC e RCUI. Em DC, detectou um aumento da diferenciação de células T auxiliares e elevação do receptor Toll-like e de sinalização JAK/STAT. Na RCUI, uma análise da rede de coexpressão gênica ponderada sugeriu um possível papel da regulação epigenética na UC.18 No futuro, a aplicação das diferentes técnicas em um indivíduo particular poderá não apenas entender o padrão de alterações da resposta imune e vias envolvidas, mas principalmente dirigir a terapêutica de forma personalizada, contribuindo para uma escolha, precisa e a mais segura, da primeira terapêutica a ser instituída, reduzindo morbidade, complicações e mortalidade dos pacientes portadores de DII.

Agradecimento Agradecemos a Luiza Coelho Moraes de Brito que elaborou a arte digital das figuras adaptadas.

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Inibidores da bomba de prótons na doença do refluxo gastroesofágico: como e quando suspender Décio Chinzon Miriam Chinzon

Os inibidores da bomba de prótons (IBPs) são a base do tratamento das doenças ácido-relacionadas, como a doença do refluxo gastroesofágico (DRGE), úlcera péptica (DUP) e dispepsia (relacionada ao ácido), como parte da erradicação do Helicobacter pylori (H. pylori) alem de condições hipersecretoras (por exemplo, síndrome de Zollinger-Ellison).1 Também são usados tanto na profilaxia de pacientes com história de úlcera péptica, como em pacientes na Unidade de Terapia Intensiva e em indivíduos que fazem uso de anti-inflamatórios não esteroidais (AINEs).1 Embora os IBPs sejam eficazes e tenham um bom perfil de segurança, ainda há dúvidas em relação à segurança da terapia com IBP em longo prazo. Na última década observamos algumas mudanças importantes no panorama do uso dos IBP, em razão de estudos que relataram a ocorrencia de eventos adversos devido ao uso dos IBPs em longo prazo. Embora existam críticas a esses estudos, principalmente relacionadas a metodologia utilizada, tipo de população avaliada, a presença de fatores de confusão e casualidade, a patogênese dessas associações não é clara, pois são derivadas de estudos observacionais (baixa qualidade de evidência) e os relatos que suportam essas observações são objeto de discussão em razão 103

dos “fatores de confusão”, além de estabelecerem somente uma associação e não uma relação causal (R.R < 1.5  fraca associação).

Desprescrevendo o IBP Envolve o processo de redução e/ou interrupção da terapia com IBP após consideração da indicação terapêutica, benefícios e riscos. O objetivo da desprescrição de IBPs na maioria dos casos é reduzir a carga de medicamentos e os efeitos adversos potenciais, mantendo a qualidade de vida.2 Algoritmos de desprescrição de IBP foram propostos e publicados no Canadá e na Austrália.3 Ambos recomendam a desprescrição de IBP em adultos sem sintomas, após um mínimo de terapia com IBP de quatro semanas para DRGE ou sintomas gastrointestinais superiores. No entanto, a desprescrição pode ser difícil e não existe um método consensual, baseado em evidências, para interromper ou reduzir o uso dos IBPs (Figura 1). Figura 1. Etapas na prescrição de inibidores da bomba de prótons

Passo 1 Avaliação da indicação e eficácia Passo 2 Equilíbrio entre benefício e danos Passo 3 Valores e preferências do paciente Passo 4 Continuar, reduzir ou descontinuar Passo 5 Remover e monitorizar

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O aumento da secreção de ácido gástrico para níveis acima do pré-tratamento ou da linha de base após a retirada dos IBPs, constitui a base do problema da desprescrição e foi bem documentado em vários estudos fisiológicos.4,5 A elevação da gastrina é a responsável pelo rebote ácido encontrado nos pacientes após a suspensão abrupta do IBP, sendo mais proeminente nos primeiros meses e até 1–2 anos de tratamento de longo prazo.6 Portanto, parece imperativo minimizar a duração do tratamento, pois isso poderia reduzir substancialmente o risco de rebote ácido. A redução gradual também é considerada por alguns pesquisadores como uma abordagem mais bem-sucedida para diminuir os efeitos da a elevação da gastrina antes da descontinuação.7 Estudos relataram uma resposta de gastrina dependente, dose induzida, na terapia com IBP, onde níveis mais altos foram observados em pacientes que utlilizaram doses mais altas e mais frequentes de IBP (diariamente vs. dias alternados). Além disso, foi observada uma associação positiva entre a dose de IBP expressa em dose por peso (mg/kg) e os níveis de gastrina.8 Não há evidências concretas para determinar as abordagens ideais de desprescrição (por exemplo, descontinuação abrupta, redução gradual para a menor dose efetiva ou uso de terapia alternativa para superar os sintomas de rebote em potencial). Devido à pouca quantidade de estudos publicados, a evidência atual é geralmente de baixa qualidade metodológica e fornece evidência de certeza relativamente baixa. No entanto, uma revisão sistemática para a Colaboração Cochrane de ensaios clínicos randomizados publicados entre 2003 e 2016 foi realizada e incluiu seis estudos, cinco deles sob demanda entre pacientes com doença de refluxo não erosiva ou forma mais leve de esofagite erosiva (EE) (graus A e B de Los Angeles (LA)).9 Os dados agrupados desses estudos mostraram que aproximadamente 84% toleraram a intervenção sob demanda, embora 105

a taxa de recidiva tenha sido maior em comparação com o grupo de manutenção (16% vs. 9%, p < 0,0001). A redução gradual do tratamento com IBP, em vez de interromper abruptamente sua administração, foi sugerida como a melhor estratégia para minimizar os sintomas do rebote ácido, particularmente em pacientes que foram tratados por mais tempo e aqueles que experimentaram recorrência dos sintomas após a suspensão do IBP. Em um estudo sueco, a redução gradual foi conduzida durante um período de três semanas antes da descontinuação e comparada com a descontinuação abrupta.9 A redução gradual se mostrou superior comparada à descontinuação bem-sucedida da terapia com IBP. Em resumo, não há dados suficientes disponíveis sobre a abordagem de desprescrição ideal, por exemplo, se os pacientes diminuem a dose por algum tempo antes de parar. Embora a evidência de que a redução do IBP antes da descontinuação seja melhor do que a descontinuação abrupta, tenha uma subsídio robusto nos trabaçhos avaliaods,10 acredita-se que a redução gradual seja mais eficaz7 e esta estratégia para a descontinuação é recomendada no algoritmo australiano.11

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DOI: 10.222288/978658847501000008

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Helicobacter pylori e lesões pré-neoplásicas do estômago Luiz Gonzaga Vaz Coelho Maria Clara de Freitas Coelho

Introdução A identificação do Helicobacter pylori (H. pylori) alterou drasticamente o conhecimento acerca das afecções do trato digestivo superior, sendo hoje reconhecido como o principal fator etiológico da gastrite crônica e classificado como carcinógeno do tipo 1 para a ocorrência do adenocarcinoma gástrico. Atualmente, o diagnóstico acurado dessas afecções gástricas requer a realização de endoscopia digestiva alta (EDA), com coleta de biópsias. Esse método, realizado em diferentes topografias do estômago, permite, na maioria dos casos, correta diferenciação fenotípica das gastrites como, por exemplo, superficial ou atrófica, ou se está localizada no antro, no corpo gástrico ou em ambas as regiões. Tais informações foram bem definidas pelo Sistema Sydney de Classificação das Gastrites, atualizado em 1996, e geralmente permitem a uniformização e adequada avaliação etiopatogênica das gastrites crônicas.1 A sequência infecção pelo H. pylori → gastrite crônica → atrofia glandular → metaplasia intestinal → displasia → adenocarcinoma do tipo intestinal constitui uma sequência de alterações histopatológicas conhecidas como cascata de 109

Pelayo Correa. Um grande estudo multicêntrico japonês, envolvendo 2.455 pacientes, relatou a presença de gastrite atrófica em 89,2% dos indivíduos infectados e em apenas 9,8% dos não infectados. Da mesma forma, metaplasia intestinal foi detectada em 43,1% dos indivíduos H. pylori positivos, enquanto somente 6,2% dos não infectados apresentavam tal anormalidade.2 Estudos mostram que o risco de adenocarcinoma gástrico é quatro a cinco vezes maior em pacientes portadores de atrofia acentuada do corpo comparados a pacientes saudáveis. Entre os pacientes com atrofia acentuada do antro existe risco 18 vezes maior para o desenvolvimento de câncer gástrico, chegando a 90 vezes naqueles com atrofia intensa do corpo e do antro (pangastrite), quando comparáveis a pessoas saudáveis. Dessa forma, tanto pela extensão como pela localização da metaplasia no estômago é possível identificar os pacientes de maior risco para o desenvolvimento de adenocarcinoma gástrico. A displasia gástrica, caracterizada pela atipia celular e desorganização da arquitetura glandular constitui a lesão pré-neoplásica menos frequentemente observada e de identificação mais difícil. Estudos mostram que até 32% dos portadores de displasia de alto grau desenvolveram adenocarcinoma gástrico após seguimento por até 10 anos.3

Diagnóstico A atrofia glandular da mucosa gástrica, quando discreta, pode trazer dificuldades diagnósticas, principalmente na mucosa antral, que normalmente apresenta o conjuntivo da lâmina própria mais desenvolvido que na mucosa do corpo gástrico; por isso, o reconhecimento histopatológico de atrofia glandular, discreta ou moderada, da mucosa do corpo guarda menor grau de subjetividade que aquela do antro. A presença de infiltrado inflamatório denso de permeio às glândulas gástricas pode levar à con110

clusão errônea de atrofia e, em consequência, à interpretação equivocada de regressão da atrofia após erradicação do H. pylori e resolução do infiltrado inflamatório. Por sua vez, graus mais avançados de atrofia da mucosa gástrica são histologicamente mais acurados. Como já é conhecido, pacientes com gastrite crônica de antro e corpo (pangastrite crônica) costumam evoluir com atrofia glandular da mucosa gástrica e desenvolvem carcinoma gástrico com frequência significativamente maior. Metaplasia intestinal no estômago se refere à reposição progressiva e de distribuição focal do epitélio gástrico por epitélio tipo intestinal. O epitélio neoformado apresenta características bioquímicas e morfológicas (tanto à microscopia óptica quanto eletrônica) do epitélio intestinal, seja do tipo do intestino delgado (tipo I ou metaplasia completa) ou do epitélio do cólon, com secreção de sulfomucinas (tipo II ou metaplasia incompleta). Assim sendo, o epitélio metaplásico pode ser constituído por diferentes linhagens de células próprias da mucosa intestinal, como células caliciformes, células absortivas, células de Paneth e, inclusive, com a presença de variável número de células endócrinas. O diagnóstico histológico de metaplasia intestinal na mucosa gástrica é relativamente simples e poucas vezes oferece dificuldades. Na metaplasia tipo I, ou completa, o epitélio intestinal metaplásico reproduz muito de perto, morfológica e bioquimicamente, o epitélio do intestino delgado, inclusive com o desenvolvimento de vilosidades e criptas nos estágios mais avançados. A presença das células de Paneth, de vilosidades características da bordadura em escova (brush border) e de muitas outras características de epitélio intestinal absortivo, motivou sua denominação de completa; muitos desses aspectos faltam aos outros tipos de metaplasia com células intestinais. Na metaplasia completa (tipo I), a sialomucina constitui o tipo predominante de glicoproteína, podendo ocorrer somente pequenas quantidades de mucinas neutras e mesmo sulfomucinas, estas últimas características da mucosa do cólon.

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Na metaplasia tipo II, ou incompleta, as células absortivas, com borda em escova, estão ausentes, persistindo células mucosas com aspecto semelhante àquelas das fovéolas gástricas. Nessa metaplasia, há predomínio secretório de mucinas neutras ou de sulfomucinas. Dependendo desse comportamento funcional, essas células mucossecretoras podem ser identificadas histoquimicamente com facilidade e, com base nesta característica tintorial, a metaplasia incompleta costuma ser subdividida em tipos IIA (predomínio de mucinas neutras) e tipo IIB ou III (predomínio de sulfomucinas). A presença de glândulas ou de epitélio tipo intestinal na mucosa gástrica pode ser facilmente reconhecida, na maioria das vezes, através do exame histopatológico rotineiro, corado pela hematoxilina e eosina. Entretanto, a estrutura morfológica das células metaplásicas não mostra diferenças detectáveis entre um tipo e outro e, como enfatizado anteriormente, são necessários métodos especiais de coloração para evidenciar, com bom grau de especificidade, os diferentes tipos de metaplasia intestinal. A abordagem inicial consiste na utilização da coloração pelo Alcian blue em pH 2,5 e da reação do ácido periódico (reagente de Schiff; PAS), abreviadamente designados PAS/Alcian blue. Como o muco tipo intestinal é constituído predominantemente por mucinas ácidas (inclusive as sulfomucinas, que são fortemente acídicas), em pH 2,5, a coloração pelo PAS/Alcian blue vai fornecer boa individualização entre o muco ali presente: na presença de muco intestinal (predominantemente ácido) a coloração Alcian blue será positiva (= azul), enquanto na presença de muco do estômago (neutro), a coloração por PAS será positiva (= vermelho). Outros métodos são necessários para diferenciar os tipos II e III, mas pouco usados na prática médica. Para o diagnóstico da displasia gástrica, também denominada neoplasia intraepitelial, existem várias classificações. Segundo a Organização Mundial da Saúde, a displasia é classificada como de baixo e alto grau e como sua confirmação histológica muitas 112

vezes é difícil e apresenta baixa concordância interobservador, é recomendado que o diagnóstico de displasia, especialmente aquela de alto grau, deva ser confirmado por dois patologistas. Embora a endoscopia digestiva convencional seja considerada uma ferramenta inadequada para o correto diagnóstico da presença de atrofia e metaplasia intestinal, estudos recentes empregando endoscópios modernos, dotados de alta resolução e cromoscopia digital, têm demonstrado incremento crescente de sua acurácia diagnóstica e boa reprodutibilidade com os achados observados no exame histopatológico de lesões pré-neoplásicas. O uso de endoscópios modernos é hoje bem estabelecido pelos mais recentes guidelines da área4,5 para rastreio de lesões gástricas pré-neoplásicas.

Prevalência Os dados epidemiológicos acerca da prevalência e incidência das lesões pré-neoplásicas em diferentes regiões do mundo são difíceis de comparar devido às diferenças metodológicas entre os estudos e as características das populações estudadas. Revisão sistemática recente sobre a prevalência de lesões pré-neoplásicas estimou que, em todo o mundo, um terço e um quarto dos indivíduos podem apresentar gastrite crônica atrófica e metaplasia intestinal, respectivamente. A presença de lesões pré-neoplásicas gástricas tipo gastrite atrófica e metaplasia intestinal, em populações de países de incidência baixa ou moderada de câncer gástrico na população, como o Brasil, foi estimada em 22,8% (IC 95% 18,0-27,6) para a gastrite atrófica e 21,7% (IC 95% 16,1-27,4) para a metaplasia intestinal. Foi ainda observado que a prevalência de lesões pré-neoplásicas é três vezes maior em indivíduos acima de 40 anos quando comparada com os menores de 40 anos.6

113

Estudos populacionais A detecção e seguimento de pacientes portadores de lesões gástricas pré-malignas (gastrite atrófica, metaplasia intestinal e displasia) poderia, potencialmente, favorecer o diagnóstico precoce e, assim, o tratamento mais adequado do câncer gástrico. Estudos populacionais têm sido realizados para quantificar o risco dessa neoplasia em pacientes portadores de lesões gástricas pré-malignas no mundo ocidental. Em 2008, uma coorte realizada na Holanda com 92.250 portadores de lesões pré-malignas estimou os seguintes riscos para desenvolvimento de câncer gástrico, dentro de um período de dez anos após o diagnóstico inicial: 0,8% para portadores de gastrite atrófica; 1,8% para portadores de metaplasia intestinal; 3,9% para portadores de displasia leve a moderada e 32,7% para aqueles portadores de displasia de alto grau.3 Em 2015, uma coorte realizada na Suécia analisou 405.172 indivíduos que foram submetidos à biópsia gástrica por indicações não malignas no período de 1979 a 2011. Os achados obtidos permitiram predizer, no período de análise, que 1/256 pacientes com mucosa gástrica normal, 1/85 com gastrite crônica, 1/50 com gastrite atrófica, 1/39 com metaplasia intestinal e 1/19 com displasia desenvolverão câncer gástrico dentro de 20 anos após a identificação dessas lesões.7 Tais achados sugerem que a implantação de seguimento endoscópico em pacientes com lesões pré-malignas acentuadas poderia reduzir a mortalidade por câncer gástrico se a análise de custo-benefício se mostrar favorável para determinada população.

Sistemas histológicos para estadiamento das gastrites Com o objetivo de proporcionar informações prognósticas/ terapêuticas úteis na condução de pacientes portadores de lesões gástricas pré-neoplásicas têm sido desenvolvidos sistemas 114

histológicos para estadiamento das gastrites nessa situação. Em 2007, foi desenvolvido o sistema OLGA (Operative Link for Gastritis Assessment) baseado na presença, extensão e topografia (antro e/ou corpo gástrico) das alterações atróficas8 (Tabela 1 e Figura 1). Pacientes classificados como estágio III ou IV são considerados de alto risco para desenvolvimento de câncer gástrico. Tabela 1. Sistema OLGA (Operative Link for Gastritis Assessment)

Corpo

Antro

Escore de Atrofia

Ausência de Atrofia atrofia leve (Escore 0) (Escore 1)

Atrofia moderada (Escore 2)

Atrofia intensa (Escore 3)

Sem atrofia (Escore 0)

Estágio 0

Estágio I

Estágio II

Estágio II

Atrofia leve (Escore 1)

Estágio I

Estágio II

Estágio II

Estágio III

Atrofia moderada (Escore 2)

Estágio II

Estágio II

Estágio III

Estágio IV

Estágio III

Estágio IV

Estágio IV

Atrofia intensa Estágio III (Escore 3)

Atrofia: perda de glândulas próprias (com ou sem metaplasia). Atrofia é graduada em dois diferentes compartimentos gástricos: mucosa antral e mucosa oxíntica (corpo e fundo gástrico), em escala 0 a IV, de acordo com a escala visual analógica do Sistema Sydney de Classificação das Gastrites, atualizado em Houston.3 O estadiamento resulta da combinação de alterações atróficas encontradas em ambos os compartimentos. (Adaptado de ref. 8) 115

Figura 1. Fotomicrografias (10x, hematoxicilina-eosina) de diferentes estágios do sistema OLGA

a) Mucosa gástrica do corpo apresentando fovéolas e glândulas íntegras. Ausência de infiltrado inflamatório (OLGA 0); b) Mucosa gástrica do corpo apresentando atrofia glandular discreta. Presença de infiltrado inflamatório predominantemente mononuclear (OLGA I); c) Mucosa gástrica antral apresentando atrofia glandular discreta/moderada, presença de discreto infiltrado inflamatório mononuclear (OLGA II); d) Mucosa gástrica antral apresentansdo atrofia glandular moderada/intensa, presença de discreto infiltrado inflamatório mononuclear (OLGA III); e) Mucosa gástrica antral apresentando atrofia glandular intensa (OLGA IV).

O sistema OLGIM (Operative link for Gastric Intestinal Metaplasia Assessment) é também baseado no mesmo conceito, mas considera apenas a presença, extensão e a topografia da metaplasia intestinal na mucosa examinada.9 (Tabela 2 e Figura 2).

116

Tabela 2. Sistema OLGIM (Operative Link for Intestinal Metaplasia)

Corpo

Antro

Escore de metaplasia intestinal

Ausência de metaplasia intestinal (Escore 0)

Metaplasia intestinal leve (Escore 1)

Metaplasia intestinal moderada (Escore 2)

Metaplasia intestinal intensa (Escore 3)

Ausência de metaplasia intestinal (Escore 0)

Estágio 0

Estágio I

Estágio II

Estágio II

Metaplasia intestinal leve (Escore 1)

Estágio I

Estágio II

Estágio II

Estágio III

Metaplasia intestinal moderada (Escore 2)

Estágio II

Estágio II

Estágio III

Estágio IV

Metaplasia intestinal intensa (Escore 3)

Estágio III

Estágio III

Estágio IV

Estágio IV

Metaplasia intestinal é graduada em dois diferentes compartimentos gástricos: mucosa antral e mucosa oxíntica (corpo e fundo gástrico), em escala 0 a IV, de acordo com a escala visual analógica do Sistema Sydney de Classificação das Gastrites, atualizado em Houston.3 O estadiamento resulta da combinação de alterações metaplásicas encontradas em ambos os compartimentos (Adaptado de ref. 9).

117

Figura 2. Fotomicrografias (10x, Hematoxicilina-eosina) de diferentes estádios do sistema OLGIM

f) Mucosa gástrica do corpo apresentando atrofia moderada e ausência de metaplasia intestinal. Presença de infiltrado inflamatório mononuclear discreto na lâmina própria (OLGIM 0); g) Mucosa gástrica do corpo apresentando atrofia glandular moderada e focos de metaplasia intestinal. Presença de infiltrado inflamatório mononuclear discreto na lâmina própria (OLGIM I); h) Mucosa gástrica antral apresentando áreas ocupadas por glândulas com metaplasia intestinal. Presença de infiltrado inflamatório mononuclear discreto na lâmina própria (OLGIM II); i) Mucosa gástrica antral apresentando extensas áreas de metaplasia intestinal. Presença do infiltrado inflamatório mononuclear discreto na lâmina própria (OLGIM III); j) Mucosa gástrica quase totalmente ocupada por metaplasia intestinal. Presença do infiltrado inflamatório mononuclear discreto na lâmina própria (OLGIM IV).

Sistemas OLGA e OLGIM: análises de desempenho A análise do desempenho dos sistemas OLGA e/ou OLGIM como protocolo histopatológico capaz de aumentar o rendimento de detecção de lesões pré-neoplásicas tem mostrado resultados promissores. Em 2018, Yue H et al.10 realizaram revisão sistemática e meta-análise avaliando a associação entre sistemas OLGA e OLGIM e o risco de câncer gástrico, bem como a força dessa associação. Foram analisados 2.700 pacientes in118

cluídos em seis estudos caso-controle (sistema OLGA usado em todos e sistema OLGIM em três) e duas coortes (uma incluindo sistema OLGA e outra sistema OLGIM). Em relação ao sistema OLGA, a análise dos estudos de coorte revelaram que indivíduos estadiados como de alto risco apresentaram risco 27,7 vezes maior de desenvolver câncer gástrico em comparação com suas contrapartes. A análise da única coorte analisando o sistema OLGIM demonstrou que pacientes classificados como OLGIM de alto risco apresentaram RR 16,67 (IC 95% 0,80-327,53) para o desenvolvimento de câncer gástrico ou displasia gástrica. Em relação aos estudos caso-controle, ao analisar o sistema OLGA foi observado que, apesar de mostrar heterogeneidade significativa, havia uma relação positiva entre pacientes classificados como OLGA de alto risco e câncer gástrico (OR 2,64; IC 95% 1,84-3,79; p < 0,00001). A análise dos estudos caso-controle pelo sistema OLGIM também mostrou risco de câncer gástrico significativamente maior nos indivíduos classificados como OLGIM de alto risco (OR 3,99; IC 95% 3,05-5.21; p < 0,00001) e sem heterogeneidade significativa. Os autores concluem que o acompanhamento próximo e frequente de pacientes classificados como OLGA ou OLGIM de alto risco é necessário para possibilitar o diagnóstico precoce do câncer gástrico. Duas coortes recentes têm, também, analisado o papel dos sistemas OLGA e OLGIM no paralelismo entre a intensidade das lesões pré-neoplásicas e o risco de desenvolvimento de câncer gástrico. Rugge M et al.,10 em 2018, na Itália, acompanharam 7.436 pacientes submetidos à endoscopia digestiva alta devido a queixas dispépticas. Foi feita avaliação histológica segundo o sistema OLGA (OLGA 0: 80%, OLGA I: 12,6%, OLGA II: 4,3%, OLGA III: 2,0% e OLGA IV: 0,3%) e os pacientes foram seguidos por um período mediano de 6,6 anos. 28/7.436 pacientes incluídos no estudo desenvolveram lesões neoplásicas: 17 pacientes com displasia de baixo grau, quatro com displasia alto grau e sete com 119

câncer gástrico. De acordo com o estadiamento OLGA quando da inclusão no estudo, 1/28 casos de neoplasia gástrica estava classificado OLGA 0, 2/28 pacientes como OLGA I, 3/28 pacientes como OLGA II, 17/28 pacientes como OLGA III e 5/28 como OLGA IV. Análise multivariada do estudo incluindo sexo, idade, presença de H. pylori e sistema OLGA determinados quando da admissão no estudo revelou, dentre estas variáveis, apenas o sistema OLGA como preditor de progressão neoplásica: OLGA III: HR: 712,4 (IC 95% 92,543-5484,5) e OLGA IV: HR 1450,7 (IC 95% 166,7-12626,0). Em 2019, Den Hollander WJ et al.12 analisaram, prospectivamente, 279 pacientes holandeses e noruegueses incluídos no estudo por apresentarem, à endoscopia digestiva alta, evidências histológicas de gastrite atrófica, metaplasia intestinal e/ou displasia da mucosa gástrica e estadiados segundo o sistema OLGIM. Após um período de seguimento médio de 57 meses, 4/279 (1,4%) pacientes desenvolveram adenoma/displasia de alto grau ou câncer gástrico, sendo um paciente excluído por apresentar neoplasia já no primeiro exame de seguimento. Os autores concluem que, mesmo em regiões de baixa incidência de câncer gástrico, programas de seguimento são capazes de detectar câncer gástrico em estágios potencialmente curáveis, com risco de progressão neoplásica de 0,3% ao ano.

Sistema OLGA ou OLGIM? Estudos comparativos entre os sistemas OLGA e OLGIM no estadiamento das lesões pré-neoplásicas gástricas e sua progressão para o câncer gástrico têm sido avaliados. Ambos foram desenvolvidos a partir do Sistema Sydney para classificação e graduação das gastrites que é dependente dos achados histopatológicos provenientes de biópsias endoscópicas. Uma das limitações atribuídas ao sistema OLGA está relacionada ao fato de que seu principal parâmetro é a intensidade e extensão da gastrite atrófica, com estudos de patologistas norte-americanos e 120

europeus mostrando que a concordância interobservador é baixa, mesmo com a utilização de escala visual analógica. Por outro lado, o sistema OLGIM, ao propor o emprego da metaplasia intestinal, o passo seguinte da cascata de Pelayo Correa para o desenvolvimento do câncer gástrico,13 oferece um marcador mais facilmente identificável na mucosa gástrica e, consequentemente, com maior concordância interobservador. Isajevs S et al.,14 em 2014, compararam a concordância interobservador entre patologistas gerais e patologistas especializados em doenças gastrointestinais no estadiamento das gastrites pelos sistemas OLGA e OLGIM em 835 pacientes. O sistema OLGIM proporcionou a maior concordância interobservador, porém foi observado que uma proporção substancial de indivíduos de alto risco não seria detectada se apenas o sistema OLGIM fosse adotado. Em 2018, Mera RM et al.,15 em estudo de seguimento por até 16 anos de 795 pacientes portadores de lesões pré-neoplásicas gástricas, confirmaram que a probabilidade de progressão para câncer gástrico era significativamente maior para os pacientes com lesões avançadas (III ou IV) por ambos sistemas, porém naqueles estadiados como OLGIM de alto risco o risco de progressão foi duas vezes maior que aquele observado nos pacientes estadiados como de alto risco pelo sistema OLGA. Estudo recente, realizado por nosso grupo, em Belo Horizonte,16 mostrou concordância de 85,4% e discordância de 14,6% entre as classificações de baixo e alto risco, pelos sistemas OLGA e OLGIM em pacientes portadores de gastrite crônica. O emprego simultâneo de ambos os sistemas de classificação histológica permitiu a identificação adicional de pacientes no grupo de alto risco. Tais achados coincidem com aqueles observados em meta-análise recente10 e estudo europeu12 sugerindo que, embora o sistema OLGIM proporcione uma identificação mais fácil da metaplasia intestinal e uma melhor reprodutibilidade in121

terobservador, ele deixa de identificar um número apreciável de pacientes de alto risco. Assim sendo, é sugerido por esses estudos que, para uma predição acurada do risco de câncer gástrico, ambos os sistemas devam ser empregados, simultaneamente, na prática patológica diária.

Recomendações de seguimento Várias diretrizes de vigilância endoscópica têm sido elaboradas para orientar a melhor forma de seguimento de pacientes portadores de infecção por H. pylori e lesões pré-neoplásicas gástricas, sendo a erradicação da bactéria a providência inicial. Em 2018, o IV Consenso Brasileiro sobre a infecção por H. pylori17 sugere que o estadiamento das lesões pré-neoplásicas deve ser baseado, no mínimo, em 4 fragmentos de biópsias endoscópicas (duas no antro e duas no corpo) para o estadiamento histológicos das gastrites. Pacientes estadiados como OLGA/ OLGIM III ou IV deverão ser submetidos a seguimento endoscópico a cada 2 anos. Mais recentemente, os guidelines promovidos pelas sociedades europeia4 e norte-americana18 recomendaram o emprego dos sistemas de estadiamento das gastrites, com algumas peculiaridades. Em 2019, o guideline para o manuseio de condições e lesões pré-neoplásicas no estômago promovido pelas sociedades europeias de endoscopia gastrointestinal, Helicobacter pylori e patologia4 (Figura 3) recomenda que pacientes com atrofia discreta ou moderada restrita ao antro (OLGA I ou II) não necessitam seguimento endoscópico. Pacientes com metaplasia intestinal mesmo restrita a uma única localização (antro ou corpo), porém com antecedentes de história de câncer gástrico em familiares de primeiro grau, diagnóstico histológico de metaplasia intestina do tipo incompleta é sugerido o seguimento endoscópico a cada 3 anos. Aqueles estadiados como OLGA e/ou OLGIM III ou IV deverão fazer seguimento a cada 1-2 ou 3 anos, na dependência da presença ou não de história familiar e/ou metaplasia 122

intestinal incompleta. Para os pacientes que apresentem displasia gástrica sem lesão endoscopicamente visível é recomendada realização de endoscopia de alta resolução com cromoendoscopia e, na dependência da classificação histológica da displasia, seguimento a cada 6 ou 12 meses. Nas displasias gástricas com lesão visível à endoscopia procede-se ao estadiamento e ressecção com seguimento anual. Em relação à subtipagem da metaplasia intestinal, em completa e incompleta, o consenso europeu ainda não a considera rotineiramente recomendada devido a dificuldades técnicas e/ou operacionais. Entretanto, caso tenha sido descrita, deve ser considerada na definição do seguimento, como fator de risco mais importante de progressão ao câncer que aquele observado com a metaplasia do tipo completa. Por fim, é salientada a grande importância do exame endoscópico de alta definição com o emprego de novas tecnologias, como a cromoendoscopia, para não apenas aumentar a acurácia diagnóstica do exame endoscópico para as lesões pré-neoplásicas, como também para possibilitar a realização de biópsias dirigidas para regiões suspeitas da presença de gastrite atrófica e/ou metaplasia intestinal e/ou displasia gástrica.

123

Figura 3. Como fazer o seguimento dos pacientes e até quando? Exame endoscópico preferencialmente com aparelho de alta resolução com cromoscopia e biopsias dirigidas OU no mínimo duas biopsias de antro e corpo, pequena e grande curvatura

Erradicação H. pylori sempre que presente

Pacientes com gastrite atrófica ou metaplasia intestinal (MI)

Atrofia leve ou moderada apenas no antro

MI apenas ou MI apenas no corpo

Pacientes com displasia

Atrofia ou MI tanto no antro como no corpo

Reavaliação endoscópica em centro de referência com aparelho de alta resolução com cromoscopia

Lesão visível?

História de câncer gástrico em familiar 1º grau, MI incompleta, gastrite autoimune ou infecção persistente HP

Não

Sim

História de câncer gástrico em familiar 1º grau

Não

Sim

Não

Endoscopia de alta resolução com cromoscopia em 6 meses para displasia de alto grau e em 12 meses para displasia de baixo grau

Sim

Estadiar e ressecar

Na ausência de lesão visível re-estadiar a gastrite e adequar o seguimento

Sem Seguimento

Seguimento preferencialmente com endoscópicos de alta resolução com cromoscopia e biopsias dirigidas A cada 3 anos

A cada 1-2 anos

A cada ano

Adaptado de Pimentel-Nunes et al, 2019.4

Em 2020, a Sociedade Americana de Gastroenterologia (AGA) publicou seu guideline sobre o manuseio de pacientes portadores de lesões pré-neoplásicas18 que vem sendo motivo de várias 124

controvérsias e críticas. Em decorrência da inexistência de ensaios clínicos randomizados demonstrando que a vigilância endoscópica das lesões pré-neoplásicas reduz o risco de desenvolvimento do câncer gástrico, o guideline da AGA não recomenda o seguimento endoscópico de rotina em pacientes com metaplasia intestinal e sugere que a decisão seja compartilhada com o paciente. Tal recomendação contrasta com outros guidelines que se baseiam em vários estudos observacionais como acima discutidos indicando que o estadiamento e seguimento de portadores de lesões pré-neoplásicas reduzem o risco de desenvolvimento de câncer gástrico avançado, uma vez que proporcionam diagnóstico e intervenção precoce de lesões malignas. Outro aspecto importante também divergente de outros consensos é que, ao invés de recomendar a vigilância endoscópica a todos pacientes com atrofia gástrica avançada, o guideline norte-americano considera seguimento apenas para aqueles portadores de metaplasia intestinal e, ainda assim, em decisão compartilhada entre o médico e o paciente. Tais diferenças têm sido interpretadas como consequentes aos critérios metodológicos adotados, às peculiaridades do sistema de saúde americano e os potenciais encargos econômicos. Novos estudos são necessários, mormente vistos os estudos recentes sugerindo aumento da incidência de câncer gástrico em países de baixa incidência, inclusive adultos jovens nos EUA e Europa.19

Lesões pré-neoplásicas e biópsia sorológica Como alternativa para avaliação não invasiva da presença de lesões pré-neoplásicas gástricas tem sido avaliado a performance de painel sorológico composto dos biomarcadores Pepsinogênio I (PGI), Pepsinogênio II (PGII), Gastrina-17 (G17) e sorologia qualitativa (IgG) para H. pylori, acrescido da análise da razão PGI/ PGII obtida por essas determinações. Os resultados encontrados têm mostrado resultados variáveis. Em estudo de meta-análise realizado, em 2017, Zagari RM et 125

al.20 analisaram 20 estudos incluindo 4.241 pacientes e observaram sensibilidade de 74,7% (IC 95% 62-84,3) e especificidade de 95,6% (IC 95% 92,6-97,4) do painel sorológico para identificação de pacientes portadores de gastrite crônica atrófica. Estudo de revisão semelhante para análise de acurácia do painel sorológico, realizado em 2016, incluindo 27 artigos, identificou sensibilidade de 53,8% (IC 95% 49,9-59,5%) e especificidade de 84,1% (IC 95% 71,3-91,9) do método para identificação de gastrite crônica atrófica.21 Uma terceira meta-análise, de 2015, avaliou 31 estudos visando identificar a acurácia do teste de pepsinogênios em pacientes portadores de gastrite crônica atrófica e câncer gástrico encontrou sensibilidade de 69% (IC 95% 55-88) e especificadade de 88% (IC 95% 77-94) do teste de pepsinogenicos na identificação de pacientes portadores de gastrite crônica atrófica.22 Estudo nacional recente16 avaliando 41 pacientes portadores de lesões pré-neoplásicas associadas à infecção por H. pylori, encontrou 24 classificados histologicamente como OLGA e OLGIM de baixo risco e 17 como OLGA e/ou OLGIM de alto risco. Os biomarcadores PGI, relação PGI/PGII e G17, analisados isoladamente ou em conjunto, apresentaram acurácia inferior a 60% para o diagnóstico de lesões pré-neoplásicas na população estudada. Assim, novos estudos são ainda necessários para validação de seu uso na prática clínica no Brasil.

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BR FEDERAÇÃO

OLOGIA TER EN

DOI: 10.222288/978658847501000009

IRA DE GAST ILE RO AS

CAPÍTULO 9

1949

Manifestações extradigestivas da infecção pelo Helicobacter pylori Schlioma Zaterka

Introdução A infecção pelo Helicobacter pylori (H. pylori) é bastante frequente, ocorrendo em cerca da metade da população mundial, sendo mais frequente nos países subdesenvolvidos, particularmente nas populações de baixo nível socioeconômico. A gastrite crônica superficial consequente à infecção pela bactéria se restringe inicialmente ao antro, o seu nicho ecológico; nesta situação, 10% a 15% dos infectados correm o risco de desenvolver úlcera gastroduodenal. Com a migração da bactéria para o corpo gástrico e a inflamação resultante de sua presença, estabelece-se uma pangastrite e risco de adenocarcinoma do estômago em 1% a 2% dos infectados. A úlcera gastroduodenal e o adenocarcinoma são considerados como as principais afecções decorrentes da infecção pelo H. pylori. No entanto, não são somente o estômago e o duodeno os alvos da infecção pelo Helicobacter, tema que abordaremos a seguir. O primeiro relato da associação entre o Helicobacter pylori e afecções extragástricas foi feito por Mendall e col. em 1994.1 Desde então, várias observações na literatura têm se referido a manifestações extradigestivas potencialmente associadas ao Helicobacter. 129

Vamos nos reportar às seguintes: • Neurológicas • Dermatológicas • Hematológicas • Oculares • Cardiovasculares • Metabólicas • Alérgicas • Hepatobiliares

Doenças neurológicas Várias doenças neurológicas podem estar relacionadas com a infecção pelo Helicobacter, como acidente vascular isquêmico (AVC), Parkinson, Alzheimer, Esclerose Múltipla, ainda que os dados da literatura sejam conflitantes. Um estudo de coorte prospectivo, realizado em 2013, incluindo 9.885 indivíduos que tiveram AVC, mostrou não só que não havia qualquer relação entre a infecção pelo H. pylori e a ocorrência de AVC, mas que a mortalidade nos infectados era menor que na população em geral.2 Contrariamente, Wang e col. mostraram uma relação positiva entre a ocorrência de AVC e infecção crônica pelo H. pylori CagA+.3 Um estudo realizado em Israel, por Schindler-Itskovitch,4 utilizando dados da segunda maior instituição de seguro de saúde de Israel, analisou uma possível ligação entre a infecção pelo H. pylori, úlcera gastroduodenal e AVC. De 147.936 indivíduos que realizaram o teste respiratório para verificar a presença do H. pylori entre 2002 e 2016, 76.965 (52,0%) mostraram ser positivos para a presença da bactéria, 60,7% eram mulheres. Durante o período de estudo ocorreram 1.397 casos de AVC 130

(0,9%). Após ajustar os dados para todos os possíveis fatores de risco para AVC (sexo, idade, país de nascimento, obesidade, hipertensão, fibrilação auricular, diabetes mellitus, dislipidemia e estado socioeconômico), a infecção pelo H. pylori mostrou estar significativamente relacionada com a ocorrência de AVC (OR 1,16: IC 95% 1,04-1,20). Desconhecemos o exato mecanismo pelo qual o H. pylori aumenta o risco de AVC. Aumento expressivo dos mediadores inflamatórios envolvidos na cascata que resulta na coagulação com ativação das plaquetas é um dos mecanismos sugeridos.5 Várias observações na literatura mostram uma relação entre o H. pylori e a doença de Alzheimer (DA). Huang e col.6 relataram que pacientes infectados pelo H. pylori têm um risco seis vezes maior de desenvolver Alzheimer. Kontouras e col.,7 em publicação de 2016, mostraram que pacientes com DA infectados pelo H. pylori têm um aumento expressivo no polimorfismo da apolipoproteína E4 (Apo 4), o mais importante marcador genético para o risco de DA. Observação anterior do mesmo autor (2009)8 mostrou altos níveis de anticorpos anti-IgG H. pylori no líquido cérebro-espinhal e no soro de pacientes com DA quando comparados com indivíduos normais. Uma das possíveis explicações para esta associação seria o acesso ao cérebro pelo H. pylori via rota oronaso-olfatória, com consequente neurodegeneração. O sentido do olfato pode estar reduzido em até 90% em pacientes com DA, observando-se uma significativa atrofia do bulbo olfatório nesses pacientes. Chang e col. observaram que a erradicação do H. pylori retarda a progressão da doença.9 Apesar de todas essas observações favorecendo uma relação entre a DA e a infecção pelo H. pylori, estudo japonês não confirmou essa associação.10 Enquanto a relação entre Esclerose Múltipla e a infecção pelo H. pylori é controversa,11 tudo indica que a doença de Parkinson (DP) tem íntima relação com a infecção pelo Helicobacter. 131

A DP é consequência da degeneração dos neurônios dopaminérgicos da substância nigra pars compacta do sistema ganglionar basal. Dois estudos recentes confirmam a relação entre a infecção pelo H. pylori e a DP, a meta-análise de Shen e col. (2017)12 avaliando 8 estudos, incluindo 33.125 participantes, e o estudo populacional de Huang e col.13 realizado na Tailândia. Esta última observação mostrou a relação da infecção pelo H. pylori e DP em indivíduos > 60 anos. Além de aumentar o risco de DP, a infecção pelo H. pylori interfere também na absorção da L-dopa utilizada no tratamento da DP.14 Outra possível afecção relacionada com o Helicobacter seria a síndrome de Guillain-Barré, uma neuropatia autoimune caracterizada pela paralisia progressiva dos membros, sendo os inferiores inicialmente comprometidos. Esta afecção pode comprometer os músculos respiratórios, com risco de vida. No entanto, os pequenos números de casos nos estudos limitam demonstrar uma real relação com a infecção pelo H. pylori.11

Doenças dermatológicas A rosácea, a psoríase, a urticária crônica e a alopecia areata são as afecções dermatológicas mais frequentes associadas à infecção pelo H. pylori.

Rosácea É uma dermatite facial crônica que se manifesta por eritema e lesões cutâneas, caracterizadas pela dilatação dos capilares superficiais. A infecção pelo H. pylori foi observada em 48,9% dos pacientes contra 26,7% do grupo controle por Gravina e col., com regressão parcial ou completa após a erradicação da bactéria em 96,9%.11 A manifestação papular responde melhor ao tratamento de erradicação que a forma erimatosa.15 Segundo Gravina e col.,11 todos os pacientes com rosácea devem ser submetidos a pesquisa do H. pylori, que quando presente deve ser erradicado. 132

Psoríase É uma doença inflamatória crônica de natureza autoimune, não contagiosa. Sua relação com a infecção pelo H. pylori é controversa.

Urticária crônica Alguns investigadores relatam uma prevalência maior de H. pylori em pacientes com urticária crônica. Campanati e col.,16 ainda que não tenham confirmado uma maior prevalência da infecção pelo H. pylori em pacientes com urticária crônica, constataram uma melhora significativa das lesões cutâneas após a erradicação da bactéria.

Alopecia areata É uma afecção autoimune que resulta na queda de cabelos, podendo se apresentar de forma variável nos diferentes indivíduos. São poucos e discordantes os dados referentes à associação da alopecia areata com a infecção pelo Helicobacter. Um estudo iraniano relativamente recente encontrou relação significativa entre a infecção pelo H. pylori e alopecia areata (OR = 2,26; IC 95% 1,199-4,27).17

Doenças hematológicas As principais doenças hematológicas relacionada com a infecção pelo Helicobacter são: a anemia ferropriva de causa desconhecida, a trombocitopenia imune primária e a deficiência de vitamina B12.

Anemia ferropriva de causa desconhecida Quando afastamos todas as possíveis causas de anemia ferropriva em um paciente infectado pelo Helicobacter pylori, todos os consensos sobre a bactéria, como o Brasileiro,18 indicam a erradicação da bactéria. A primeira publicação sugerindo uma re133

lação entre o Helicobacter e a anemia ferropriva foi a de Becker e col. em 1991; o autor descreve um caso de gastrite hemorrágica relacionada à infecção pela bactéria, sugerindo esta relação. Posteriormente, cinco meta-análises concluíram que existia uma relação significativa entre a anemia ferropriva e a infecção pelo H. pylori.11 Hershko e col.19 demonstraram que 64%-75% dos pacientes com anemia ferropriva infectados pelo H. pylori se recuperam totalmente após a erradicação da bactéria.

Trombocitopenia imune primária A trombocitopenia imune primária, anteriormente denominada púrpura trombocitopênica idiopática (ITP), é uma doença autoimune caracterizada por plaquetopenia isolada, na ausência de outras causas. O primeiro caso foi descrito por Garcia Perez e col.20 na Espanha em 1999. Estudos realizados na Itália mostram um significativo aumento do número de plaquetas, de 32% a 100% após a erradicação da bactéria.11 O mecanismo envolvido na plaquetopenia induzida pelo Helicobacter é multifatorial.11

Deficiência de vitamina B12 A vitamina B12 é uma coenzima envolvida em várias reações importantes no corpo humano, que resulta na síntese do DNA. Uma revisão sistemática realizada por Lahner e col.,21 incluindo 17 estudos, num total de 2.454 pacientes, mostrou uma clara correlação entre a infecção pelo H. pylori e níveis séricos baixos de vitamina B12. O mecanismo pelo qual o Helicobacter interfere nos níveis de vitamina B12 é desconhecido.

Doenças oculares Três afecções oculares têm sido associadas à infecção pelo H. pylori: glaucoma, coriorretinite central e blefarite.11 Os dados referentes à associação com glaucoma são discordantes; no entanto, meta-análise de Zeng e col.,22 avaliando 10 estudos, sugere uma associação entre glaucoma e infecção pelo H. pylori. A favor 134

desta real associação, Testerman e Morris23 mostraram significativa redução da pressão intraocular nos pacientes que foram erradicados quando comparados aos que não foram tratados. A coriorretinite central causa uma redução da visão central, acometendo em geral um único olho. Duas observações, a de Liu e col.24 em 2016 e a de Cotticelli e col.25 confirmam essa associação. As observações sobre a associação com blefarite são discordantes na literatura.11

Doenças cardiovasculares Os principais fatores de risco para as doenças vasculares isquêmicas são diabetes, obesidade, tabagismo., hipertensão arterial, hipercolesterolemia com aumento do LDL e diminuição do HDL e hiperlipemia. Processos infecciosos podem ocasionar uma alteração do endotélio vascular, com a formação de placas ateroscleróticas. As placas ricas em lípides são consideradas ¨moles¨, com o risco de se desprender, e no seu trânsito produzir a obstrução de pequenos vasos, com isquemia resultante levando ao infarto agudo isquêmico. As observações na literatura são discordantes em relação à associação de isquemia aguda, seja miocárdica ou cerebral e a infecção pelo H. pylori. A primeira observação chamando a atenção para o risco de infarto miocárdico em pacientes infectados pelo H. pylori foi publicada em 1994 por Mendall e col.27 Estudando 111 pacientes, ele observou uma relação altamente significativa na associação (OR-2,28). Observação bastante interessante foi de Budzinsky. Este investigador demonstrou que pacientes com angina miocárdica recorrente passaram a necessitar de um número significativamente menor de internações após a erradicação do Helicobacter.28 Algumas observações não encontraram relação entre o risco de infarto do miocárdio e a infecção pelo H. pylori, como a de Ikeda e col. no Japão.29 135

Os dois principais mecanismos sugeridos para a participação do H. pylori no risco de isquemia miocárdica são contribuir na formação da placa aterosclerótica e no espessamento da íntima das coronárias. As investigações sobre a participação do Helicobacter no AVC também apresentam resultados conflitantes. Meta-análise de Yu e col.,30 reunindo 10 estudos prospectivos observacionais, não encontrou qualquer relação (OR = 0,96), enquanto um estudo populacional de Huang e col., comparando 17.332 pacientes H. pylori + e 6.928 controles incluídos em 1o de dezembro de 2000 e acompanhados até 31 de dezembro de 2010 mostrou risco significativo de AVC nos infectados (14,8 vs. 8,45/1.000 pessoas ano).

Doenças metabólicas A infecção pelo Helicobacter tem sido associada a alterações no metabolismo da glicose e dos lipídeos. Algumas observações na literatura relacionam a infecção pelo H. pylori com aumento do colesterol e de triglicérides. Esta relação foi observada na população finlandesa.11 Associação entre diabetes e infecção pelo Helicobacter foi relatada na população chinesa em pacientes com > 65 anos. A erradicação do Helicobacter favorece uma melhor resposta à insulina nos pacientes a ela resistentes. Gravina e col., em sua excelente revisão, chamam a atenção para o fato dos dados na literatura não serem conclusivos quanto a uma possível relação entre a infecção pelo H. pylori e diabetes.11

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Doenças alérgicas Observa-se uma relação inversa entre a infecção pelo H. pylori e doenças alérgicas. Várias observações na literatura e metaanálises confirmam uma relação inversa entre a infecção pelo H. pylori e asma.11 Blaser e col.32 mostraram uma relação inversa não somente com a asma, mas também com outras doenças alérgicas em crianças e adolescentes; esta associação tem sido confirmada particularmente com as cepas CagA+. O Helicobacter, na maioria dos casos, protege contra as afecções respiratórias, mas a proteção depende dos linfócitos regulatórios T, proteção essa totalmente abolida pela erradicação do Helicobacter.33 Associação inversa é observada entre o Helicobacter e rinoconjuntivite, rinite alérgica, dermatite tópica, urticária.34

Doenças hepáticas A associação do Helicobacter com diferentes doenças hepáticas, como esteatose hepática não alcoólica (NAFLD - Non Alcoholic Fatty Liver Disease), hepatite viral e hepatocarcinoma vem sendo discutida há muitos anos. Os genes do H. pylori têm sido identificados com frequência em amostras de hepatocarcinomas ressectados, mas até o momento não há evidência direta de que o H. pylori promova o hepatocarcinoma.35 A NAFLD é uma afecção que vem sendo diagnosticada com frequência crescente, inclusive nos países asiáticos. O espectro da doença vai desde uma simples esteatose até a esteato-hepatite, que em geral é progressiva, podendo evoluir para a cirrose. A patogênese da NAFLD é desconhecida. Uma das hipóteses sugere que citocinas inflamatórias oriundas de diferentes tecidos, como o adiposo do aparelho digestivo, desempenhariam papel central na cascata inflamatória. A associação do H. pylori com NAFLD tem sido muito discutida na literatura, com resultados contraditórios. Observação de Fan e col.,36 em 21.456 indivíduos que realizaram check-up, não constatou relação entre a infecção pelo H. pylori e NAFLD. No entanto, diferentes investigações11 137

mostram associação entre a infecção pelo H. pylori e NAFLD. Um estudo populacional realizado na China, incluindo 20.389 indivíduos, dos quais 7.848 eram Helicobacter + (teste respiratório com C13), mostrou que a prevalência do Helicobacter foi significativamente maior nos pacientes com NAFLD (41,25% vs 36,85%, p < 0,001).37 Chen e col. mostraram que a infecção pelo H. pylori agrava a intensidade da NAFLD.38

Conclusões Evidências na literatura suportam uma associação do Helicobacter pylori com anemia ferropriva de etiologia desconhecida, trombocitopenia imune primária e deficiência de vitamina B12. Nessas situações, a erradicação da bactéria está indicada. Embora contraditória, a associação do Helicobacter pylori com doenças isquêmicas cardiovasculares e cerebral, dermatológicas, neuro degenerativas e hepáticas, alguns estudos recomendam a erradicação da bactéria por diminuir o risco ou os sintomas decorrentes da afecção. Ainda que contraditória a necessidade da erradicação nessas situações, ponderem, o tratamento de erradicação é eficaz e barato e pode contribuir beneficamente ao paciente.

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