Os últimos anos da escravatura no Brasil - 1850-1888

Citation preview

q



=

d

Doado : |

q

|

E

[

A %

ma

J5

4

|

(OS

o

bd

mm

a

DA.

A

EP

ai

am

1m

LA

AM.

d

perravatr| ira

Ho |

A, Ed a

"ds

Os

Fa

a Mmoo

,



A

A

MA

o

ni

.

FF

Ad " |

fl

- "

|

|

=,

»

Lene

]

A

LU

a

(A

NJ

Para que a paginação ficasse correta, índice e demais informações foram colocadas ao final do arquivo. O índice está na página 409

Parte

Um

1850-1879

“A resolução tardia dos Quakers da Pensilvânia de libertar todos seus escravos negros poderá confirmar-nos que seu número não deve ser muito elevado.”

A

ADAM SMITH Riqueza das Nações

O Negro não só é o trabalhador dos campos, mas também o mecânico; não só racha a lenha e vai buscar a água, mas também com a habilidade de suas mãos contribui para fabricar os luxos da vida civilizada. O brasileiro usa-o em todas as ocasiões e de todos os modos possíveis: — desde cumprir a função de mordomo e cozinheiro até servir os propósitos do cavalo; desde fabricar vistosos berloques e fazer a roupa com que se

vestir e adornar sua pessoa até executar o mais vil dos deveres servis.

THOMAS NELSON KRemarks on the Slavery and Slave Trade of the Brazils (Londres, 1846)

1 AS

FUNDAÇÕES

A ESCRAVATURA

DA

INTRODUÇÃO: ESCRAVATURA BRASILEIRA

E A ECONOMIA

BRASILEIRA

Nos anos que se seguiram às Revoluções Francesa e Americana, a escravatura sofreu uma forte pressão em áreas do mundo que estavam sob a influência direta da opinião européia ocidental e, depois da queda de Napoleão; o liberalismo europeu, apoiado pelo poder da Grã-Bretanha, condenou tanto a escravatura quanto o comércio de escravos da África. A capacidade de uma determinada

3

sociedade de escravos no Novo Mundo para resistir a este ataque à escravatura estava em proporção aproximada para com a importância da instituição para a sua economia. Como as condições geográficas favoreciam a produção de safras ou de minérios com bons

mercados, como já havia uma vasta população

escrava disponível e

não se dispunha de uma força trabalhadora alternativa, então, a escravatura persistiu até um período adiantado do século dezenove ou até ganhou uma nova importância em resposta a novas circuns-

tâncias e oportunidades. 1 Em tais sociedades, a escravatura era considerada essencial e a filosofia antiescravatura foi rejeitada. Em certos países — especialmente a Cuba e o Brasil — onde os escravos não conseguiam manter seus números através da reprodução natural, o comércio de escravos africanos permaneceu crossanto quanto

a própria escravatura. 2

De todos os países da América Latina,

quase tão sa-

o Brasil era aquele em

que as condições econômicas, geográficas e sociais favoreciam mais uma rejeição da cruzada antiescravatura, pois nem mesmo a Cuba possuiu a mesma inflexível fidelidade para com a escravatura até

o século xIx. Rico em minérios e quase inteiramente tropical, o Brasil podia produzir pedras preciosas e metais, açúcar, café, algodão, fumo e outras matérias-primas valiosas e, no começo da era colonial, sua economia fora orientada para a produção de tais exportações. O sistema de plantação em grande escala estabelecido ao longo da costa brasileira nos séculos xvi e xvm requerera trabalhadores dóceis e que não fossem dispendiosos, pouco tendo sido feito no sentido de contratar camponeses europeus para trabalharem sob as condições que existiam nas plantações. De início, foram encontrados e usados índios e, depois, africanos, com estes sendo mais caros, mas, supostamente, também mais resistentes. Ao contrário dos europeus, estes povos escuros, com suas religiões e costumes

“bárbaros” podiam ser escravizados sem afetar proibitivamente a moralidade e a tradição européias e, além disso, sua escravidão podia ser justificada pela oportunidade que havia no ambiente do Novo Mundo para a conversão ao Cristianismo e a um modo de vida mais t

Um

exemplo

óbvio na

América

Latina,

além

das

regiões

produtoras

de

café do Brasil, é Cuba, onde a escravatura foi estimulada durante o século XIX Ver Frandevido ao desenvolvimento das indústrias do açúcar e do fumo. klin W. Knight, Slave Society in Cuba (Madison, Wisconsin, 1970), pápe ginas 3-46.

2 Para as causas do declínio da população escrava brasileira, ver Rollie E. Poppino, Brazil, The Land and People (Nova York, 1968), p. 168.

4

civilizado. * Os índios do sertão brasileiro podiam ser arrebanhados por meio de Incursões ou, então, eram atraídos para um estado

servil, 4 e, por outro lado, na costa da África, à distância de apenas uma pequena viagem, havia um fornecimento aparentemente inesgotável de seres humanos negros. Foi esta força trabalhadora que

tropicais e minerais

das exportações

a maioria

produziu

durante cerca de trezentos anos.

o período colonial se aproximou

Quando

tura

da

característica

mais

a instituição

era

do Brasil

do seu fim, a escravabrasileira

sociedade

e,

à medida que a independência se aproximava, a emergência do cultivo do café ia fortalecendo o domínio da escravatura sobre a economia. º Plantado no Maranhão, no norte do Brasil, durante a primeira metade do século xvriI, o café foi levado para o Rio de Janeiro na década de 1770 e, nos anos que se seguiram ao estabelecimento do governo real português no Rio (1808), o café tornou-se na mais importante safra do interior montanhoso vizinho. De 1817 a 1820. a exportação do café brasileiro alcançou uma média de 5.500 toneladas por ano e, de 1826 a 1829, a exportação anual média atingiu quase 25 mil toneladas, um aumento de quase quatrocentos por cento. º Durante os vinte anos seguintes, a produção de café conti nuou aumentando e a safra veio a ser um baluarte do sistema da

escravatura, proporcionando os meios para importar escravos apesar

da ilegalidade do tráfico de escravos depois de 1831. Uma vez que o tráfico africano foi, finalmente, suprimido em meados do século, a produção

de café continuou

absorvendo

a maior parte da popula-

ção escrava, tirando escravos de regiões menos prósperas do país e levando-os para as regiões produtoras de café. Assim, os plantadores de café desenvolveram o maior interesse pessoal na sobrevivên-

cia do sistema de escravos, um interesse que durou, em certas áreas,

até os últimos dias da escravatura. *

Ibid.,

p.

Richard

M.

*

162.

Morse,

páginas

57-60, 78-83.

páginas

267-278:

ô

“Do escambo

Ver Alexander Marchant,

Caio Prado

The

Bandeirantes

Jr., Formação Celso

Furtado,

São Paulo, 1963), páginas colônia (São Paulo, 1966),

à escravidão”

(Nova

York,

1965);

do Brasil Contemporâneo Formação

136-137; Emilia p. 19 ff.

(São Paulo, 1943);

econômica

Viotti da

do

(São

Poppino,

Brazil,

Paulo,

1942),

Brasil

Costa,

Da

(5.º

edição.

Senzala

à

6 Sebastião Ferreira Soares, Notas estatísticas sobre a producção agricola e carestia dos generos alimenticios no Imperio do Brazil (Rio de Janeiro, 1860), p. 209. No que se refere à quantidade e valor da produção do café brasileiro de 1850 a 1890, ver Tabela 26 no Apêndice I. Para dados mais

completos

sobre

a produção

do café, ver

Affonso

de

E.

Taunay,

Pequena

história do café no Brasil, 1727-1937 (Rio de Janeiro, 1945), páginas 547-549.

5

Mesmo sem o café, contudo, a escravatura teria sobrevivido por mais tempo no Brasil do que no resto da América Latina, já que

era de extraordinária importância econômica e social até mesmo em áreas onde não havia café. Uma das características importantes da escravatura brasileira durante grande parte do século xIix foi

sua onipresença. Na década de 1870, todos os 643 municípios do Império dos quais havia estatísticas ainda continham escravos, desde 48.939

no Município

Neutro

(o distrito

da capital)

até três escra-

vos registrados no município baiano de Vila Verde. 7 Os escravos não só eram um elemento quase universal na população, mas tam-

bém eram usados em quase todos os tipos de trabalho (ver Tabela 19, no Apêndice 1). Além dos principais produtos, os escravos tam-

bém

produziam

uma

vasta variedade

de exportações

menores

em

quase todas as regiões do país. Um escritor brasileiro defendeu a continuação do comércio de escravos africanos em 1826 com a apresentação de uma lista das exportações médias anuais do Brasil para os anos entre 1815 e 1821. Estas incluíam importantes quantidades de açúcar, café, algodão, fumo, peles de boi, pau-brasil, arroz, cacau, salsaparrilha, canela, óleo de copaíba (um estimulante indígena), cúrcuma (uma raiz amarela corante), baunilha, anil, ouro, diamantes e vários corantes extraídos de madeiras, além da construção e da produção de móveis — tudo isso, alegadamente, sendo produzido pela mão-de-obra

escrava.

As estatísticas sobre a população, no que se refere ao início do século xix, são de uma exatidão duvidosa, mas qualquer uma das existentes poderá ser usada para mostrar que os escravos do Brasil representavam um imenso investimento. As estatísticas sobre a população livre e de escravos que Perdigão Malheiro deu para os anos de 1798, 1817-18 e 1864 (Ver Tabela 1) talvez sejam tão dignas de confiança quanto quaisquer existentes antes do censo de 1872. Estas estatísticas mostram que, nos primeiros tempos, mais de metade dos habitantes do Brasil (excluindo índios, que se encontravam em grande parte à margem da vida nacional) eram escravos e que apenas 7

Directoria

Geral

da

Estatistica,

Recenseamento

da população

do Brazil a que se procedeu no dia 1.º de Agosto de 1872 de Janeiro, 1873-1876), III, 508-511; XXI, 58-59. 8 José Eloy Pessoa da Silva, Memoria sobre a escravatura

colonisação Janeiro,

dos europeus,

1826),

p.

15.

e pretos

Para

outra

da

Africa

lista

de

no

(21

e

no Imperio vols.;

projecto

Imperio do Brasil

produtos

brasileiros

(Rio

Rio

de

de

preparada

alguns anos antes, ver John Mawe, Travels in the Interior of Brazil (Londres, 1812), páginas 467-471. Ver também Luis Amaral, História geral da agricultura brasileira (2 vols.; São Paulo, 1958), I, 291-407; II, 3-354.

6

uma pequena percentagem de pessoas de cor foi libertada após quase

três séculos de escravatura no Brasil. º Em 1864, os escravos já eram menos de um quinto da população brasileira, devido a um rápido

crescimento

cravos.

da população

Todavia,

o número

livre que

não

teve

paralelo entre

de escravos pouco diminuíra

os es-

desde

os

primeiros tempos e eles ainda constituíam um enorme investimento de capital. 1º Em certas partes do país, os escravos eram quase sempre mais numerosos do que as pessoas livres. 1! Um mapa militar de 182] colocou as populações escrava e livre da província do Rio de Ja-

neiro respectivamente em 173.775 e 159.271, com proporcionalmen-

te percentagens mais amplas de escravos nas áreas rurais e, em 1840, a população total da mesma província, onde a indústria do café, então, se concentrava principalmente, já aumentara para 400 mil pessoas, incluindo 225 mil escravos. !2 Na década de 1870, a população livre do Rio de Janeiro já excedia em 200 mil a população escrava, mas os escravos de quatro municípios produtores de café (São Fidélis, Vassouras, Valença e Piraí) ainda excediam a população livre por mais de 10 mil (71.954 escravos e 61.205 pessoas Iivres). Na província de São Paulo, o município de Campinas, produtor de café, contava com 13.685 escravos e apenas 6.887 pessoas livres cerca de 1872, enquanto, no vizinho Bananal, viviam 8.281 escravos entre 7.325 pessoas livres. 18 Os escravos também abundavam nas principais cidades, particularmente durante a primeira metade do século xrx, quando o tráfico africano ainda mantinha seu preço relativamente baixo. Em 1849, pouco antes da importação dos africanos ter terminado, a população do Município Neutro, em grande parte urbano, a cidade do Rio de Janeiro e arredores, incluía cerca de 156 mil pessoas º Poppino, Brazil, p. 170. Para a significação deste último fato, em relação com a suposta brandura da escravatura brasileira, ver Marvin Harris, Patterns

of Race in the Americas (Nova York, 1964), páginas 85-86. 10 Para outras estatísticas da população, ver Stanley J. Stein, Vassouras: 4 Brazilian Coffee County, 1850-1910 (Nova York, 1970), páginas 294295,

e Tabelas de 2 a 6, no Apêndice I. |

11 Stanley J. Stein e Barbara H. Stein colocam a população escrava brasileira de 1820 em cerca de 2 milhões ou dois terços da população total.

Ver

12

The

Mappa

Colonial

Heritage

of Latin

America

dos fogos, pessoas livres e escravos

(Nova

York,

1970),

p.

148.

comprehendidos nas freguezias

da cidade e provincia do Rio de Janeiro, AN, I G 1-428: presidente da provincia do Rio de Janeiro... para o anno de ú (2.º edição: Niterói, 1851). 13 Recenseamento da população, KV, 325-354, XIX, 427-430.

Relatorio do 1840 a 1841]

livres e 110 mil escravos; vinte e três anos mais tarde, os 48.939 escravos do mesmo município ainda representavam quase dezoito por cento da população. !* Em 1872, um em cada dez escravos (153.815 pessoas) residia nos municípios que continham a cidade de Rio de Janeiro e as vinte capitais provinciais. 15 Até o final do comércio de escravos e mesmo depois em

certas

partes do Brasil, os escravos, em vez de animais, eram usados para

transportar os fardos mais pesados e até pessoas pelas ruas das cidades mais importantes. “Os negros que são empregados como carre-

gadores contratados para transportar fardos,” escreveu o Tenente Chamberlain no começo do século, “podem ser encontrados sempre

na Rua Direita, perto da Casa da Alfândega,

com

longos paus e

fortes cordas ou, então, com carroças baixas, fabricadas muito rudimentarmente, para arrastar a mercadoria de um lugar para outro.” 16 Os primeiros escravos que o pastor britânico, Robert Walsh, viu no Rio em 1828 eram carregadores esfarrapados, alguns “atrelados a carroças rasas”, outros transportando fardos, mas “acorrentados pelo

pescoço e as pernas...” 1 Trinta e dois anos mais tarde, os carregadores escravos da Bahia, que eram alugados por seus donos com a finalidade de transportarem mercadorias para as altas colinas, através dos bairros altos da cidade, foram descritos da mesma forma, vestidos com farrapos em varas equilibradas

e curvados sob enormes cargas transportadas sobre suas costas, trabalho a que estes “ani-

mais pretos” eram sujeitos enquanto tinham forças para isso. 18 Um baiano, escrevendo em 1887, revelou que, antes de 1850, as carroças e os carros puxados por cavalos quase nunca eram usados nessa cidade para

o transporte

de carga.

Os

fardos

eram

carregados

as cabeças dos escravos ou “por meio do instrumento

sobre

mais bárbaro

e antieconômico que se pode imaginar — o pau e a corda”, com o que, por vezes, oito ou até doze casos, para carregar um só fardo.

homens eram usados, em muitos As pessoas ricas eram carregadas,

nas cidades brasileiras ou até mesmo no campo, em cadeirinhas, palanquins ou redes com um uso pródigo semelhante de pessoal, dois homens como carregadores, com, por vezes, um ou dois pares de l4 da 15

16

Correio Mercantil, Rio de população, XXI, 58-59. Ihid.

Sir

Henry

Chamberlain,

Rio de Janeiro em

1819-1820

Janeiro,

Vistas

e

7 de janeiro

Costumes

(Rio de Janeiro,

da

sem

de

1851;

Cidade

Recenseamento

e arredores

data), p. 199,

do

7 Robert Walsh, Notices of Brazil in 1828 and 1829 (2 vols.; Londres, 1830), I, 134-135. 18 Maximiliano I, Recollections of My Life (3 vols.; Londres, 1868), III, 163-164.

ê

substitutos e uma ou duas mucamas ou servas que tinham por função manter as cortinas do palanquim discretamente fechadas se se

tratasse de uma passageira. Contudo, estas cenas típicas de escravos, com seu uso ostensivo de mão-de-obra, foram ficando mais raras nas cidades do Brasil durante as últimas décadas da escravatura, à

medida que os trabalhadores cativos, já em menor número, iam sendo transferidos para as áreas rurais a fim de realizarem o trabalho produtivo prático para o qual haviam sido destinados na sua origem. Em 1887, a cadeirinha já quase desaparecera das ruas da Bahia, homens livres estavam realizando a maior parte dos serviços mecânicos da cidade e os escravos, na sua maioria, eram usados como servos

nas casas. 1º Uma grande percentagem das pessoas consideradas como tendo ocupações eram escravas. De cerca de 46 mil pessoas creditadas com ocupações num relatório do Maranhão em 1799, quase 40 mil eram cativos. 2º Aproximadamente no mesmo período, os escravos da cidade de Curitiba, no sul brasileiro, constituíam metade da população ativa, embora fossem apenas dezesseis por cento da população total. 2 No censo de 1872, quase quatro quintos da população escrava, incluindo as crianças, foram classificados como tendo ocupações. Mais de 800 mil eram trabalhadores agrícolas, 270 mil trabalhavam como servos ou trabalhadores ao dia e outros 20 mil tinham ocupações nas indústrias e nos comércios ou, então, como pescadores, mineiros e marinheiros. Quase 54 mil, na sua maioria mulheres, eram costureiras e trabalhadoras têxteis (Ver Tabela 19). Podemos ter uma boa idéia do valor dos escravos em comparação com outros bens da plantação nas quantias do capital investido na indústria agrícola em vários períodos e lugares durante o século xx. Em 1833, os 48.240 escravos de 603 plantações de açúcar da

Bahia

foram

comparação

avaliados

com

17.823

em

14.472

contos,

contos

computados

(14.472:000$00) 2

como

edifícios, cavalos, bois, florestas, motores a vapor, 19 LT. Anselmo da Fonseca, 4 escravidão, o clero e o 1887), páginas 182-184. As instituições dos escravos foram duradouras. Algumas cadeirinhas continuaram da Bahia mesmo depois da abolição da escravatura.

Rodrigues,

20 21

BNSM, Octavio

Os africanos no

Brasil

I-17, 12, 4, N.º 22. Ianni, 4s metamorfoses

(São Paulo, do

1935),

escravo

(São

em

o valor da terra,

sistemas de irri-

abolicionismo (Bahia, na Bahia, entretanto, sendo vistas nas ruas Ver Raimundo Nina

p.

173.

Paulo,

1962),

p.

90.

22 As unidades da moeda brasileira usadas no século XIX eram o conto, mil-reis e o real (no plural: reis). Mil mil-reis eram um conto, que se escrevia

1:000800. em 1850

Em 1825, e $55 em

um conto valia $1,05 (dólar 1875. Ver Stein, Vassouras,

dos Estados p. 293.

Unidos),

$58

gação e todos os outros bens das plantações, uma quantia não muito maior do que a do valor dos escravos. 23 O valor dos trabalhadores cativos em relação com outros bens diminuiu, sem dúvida, nas déO ngm? d é Ss

,

| ada

net”

,

»

e

eo Vea?

0,

'

l

)

/

a

as

a

eo

Pes

ESCRAVOS USAD

NA AGRICULTURA

EN

pseat qNe

NO

'omea

A ass 1

ao

“-



E SUL

boleen( Ê

rs

4 otatason os oço arena 0 oRçosa dn soaads “2.º Dota tas "ota t 0 0 Tn fa R esa SaS

nos

a

afEvca

Re I +

TN

E JORNALEIROS - — 100000 "100090 1.

=

aosoda

3

é

o

/

=

a staçaso

í

CRIADOS DOMÉSTICOS

Figura

CENTRO

cd SUL | pense Pen Aetiientmtca

:

Pa

iso

1 deita tecer matas Propecia] t

;

;



OESTE (:

ti! NORDESTE a : Pos do AA Í' +

?

*

(

RA

Escravos, serventes e diaristas empregados 1872 — por Região

na Agricultura,

cadas seguintes, na Bahia, mas, em outras regiões de produção de café, essa elevada proporção do valor dos escravos para os outros 23

Amaral,

cravos

para

84-105. 10

Agricultura

também

a história

era

do

brasileira,

elevado

açúcar

em

I,

341.

relação

(3 vols.; Rio

com

No

século

outros

de Janeiro,

XVI, bens.

1954,

o valor Ver

1956,

dos

es-

Documentos

1963),

III

1 mm

valores das plantações persistiu até a década de 1880. Em 1882, 230 escravos de uma plantação de café da província do Rio de Janeiro foram avaliados em 280 contos, em comparação com um valor de 354 contos no que se refere a todos os outros bens da propriedade,

incluindo as árvores de café e a terra. No decorrer de um período de trinta anos, depois de meados do século, os escravos representavam mais do que a metade dos bens das plantações do município

produtor de café de Vassouras e, em 1857/58, o valor dos escravos constituía 73 por cento da riqueza das fazendas dessa comunidade. * Quase todas as ameaças ao sistema de escravos ou à importação de africanos, da qual o sistema dependia, eram uma ocasião para repreensões por parte de pessoas que afirmavam a importância dos escravos para a economia. Existem inúmeros documentos que confirmam isto. Quando, no início do século x1x, João VI impôs uma quarentena de oito dias para todos os africanos que chegavam ao Rio, uma petição por quarenta e dois negociantes de escravos dessa cidade dizia que a medida era insensata e prejudicial para o comércio, argumentando que os escravos eram quase os únicos trabalhadores usados ou usáveis na agricultura. Se sua importação fosse mesmo

reduzida,

se por apenas um

terço,

eles,

advertiram

o resul-

tado seria um prejuízo incalculável, tanto para a agricultura quanto para as finanças públicas, já que a receita anual do tesouro, em

im-

postos sobre a importação de trinta a quarenta mil escravos, era de dois milhões de cruzados. * Quando os navios da Marinha Britânica começaram capturando os navios negreiros portugueses ao largo da costa da África, cerca de 1812, houve muitos protestos. Uma petição dos comerciantes da Bahia a João VI, que estabelecera recentemente seu governo no Rio de Janeiro, advertiu que o prejuízo causado pela captura dos negreiros era “comum

à totalidade da nação,

nência no Brasil, derivava,

em

cuja prosperidade

grande parte, dos recursos

e perma-

que este

tráfico produzia, no cultivo do produto do país e no seu consumo e

24

The

20 de

era possível

Não

exportação.”

South American

julho

de

1882;

“que

Journal and

Stein,

Vassouras,

a ordem

geral

das

Brazil and River Plate páginas

225-226.

As

coisas,

que

Mail, Londres,

nove

plantações

de café do Visconde de Nova Friburgo, na província do Rio de Janeiro, foram avaliadas, em 1883, numa quantia de 2.570 contos. O valor total da

terra, edifícios, maquinaria e animais foi calculado em 943 contos: os 1.627 escravos foram avaliados em 1.627 contos. Ver C.F. van Delden Laêrne,

Brazil ginas

25

and

Java.

332-333,

Report

339-342.

Representação

on Coffee Culture

dos negociantes

de escravos,

(Londres

e Haia,

1885),

BNSM,

II, 34, 27,

15.

pá-

IH

recebera a sanção dos anos, fosse modificada ou alterada sem que se corresse o risco de uma grande inconveniência.” Essa captura de navios pelos britânicos na costa da África já havia resultado na perda de fortunas, numa paralisia do comércio africano, num declíinio da navegação e numa decadência da agricultura devido à falta de trabalhadores, bem como, ainda, numa diminuição das receitas reais. 26 Em 13818, um funcionário superior português salientou a importância do comércio de escravos numa mensagem de assessoria ao Rei João VI. “Uma quantidade muito grande de operários” era necessária para trabalhar nas minas, escreveu ele, e muitos mais, ainda, para proporcionar o sustento dos mineiros. Os engenhos de açúcar precisavam de trabalhadores (braços) para a colheita, o plantio “e mais trabalhos de uma grande fábrica”. Esse funcionário comparou uma plantação de açúcar brasileira a uma cidade ou aldeia em que havia a necessidade de um capelão, um médico, uma enfermaria, oficinas de carpintaria e de ferreiro, manadas de animais, jardins, um moinho de farinha e outro equipamento. O cultivo do fumo

fora sempre o “lavrador, fabricante de açúcar e de aguardente, animal de transporte, máquina de britagem e de pulverização, cozinheiro,

pajem, palafreneiro, sapateiro, alfaiate, correio e carregador”. O escravo

do

homem

livre.

recentemente

evitava

todo

era a única propriedade

Sem

sua

ajuda,

o

homem livre podia considerar-se pobre, mesmo com uma abundância de dinheiro. Sem os escravos, a mineração e a agricultura deixariam de existir. O escravo produzia o sustento de seu dono, o qual, de outro modo, teria de emigrar ou viver na miséria. A pessoa que tivesse sido 26

libertada

Representation

of

the

Brazilian Merchants

Against

o trabalho

the Insults

e todos Offered

to the Portuguese Flag, and Against the Violent and Oppressive Capture of Several of Their Vessels by Some Officers Belonging to the English Navy (Londres, 1813), páginas 4-7.

27 Sobre a questão da escravatura (Por Thomaz Antonio de Villanova Portugal) BNSM, 1-32, 14, 22.

12

ge e

planta, numa colheita muito vagaroza e no preparo muito cuidadoso e de muitos dias”. O serviço doméstico e as obras públicas urbanas precisavam de escravos “porque não ha um homem de trabalho como na Europa, nem homens brancos que queiram ser criados e mossos da soldada.” 27 Um engenheiro de minas alemão usou argumentos semelhantes para justificar a escravatura e o tráfico de escravos. O escravo, escreveu Wilhelm von Eschwege, que conhecia perfeitamente o Brasil,

e

exigia muitos trabalhadores “occupados em uma cultura continua da

os patrões, trabalhando apenas para

circunstâncias,

acreditava

Eschwege,

evitar morrer de fome. Nestas os fazendeiros

brasileiros não

tinham outra solução, a não ser alugar ou comprar escravos. 2º A propriedade de escravos, entretanto, não se limitava a uma

pequena classe dominante. Apesar dos ricos fazendeiros terem sido sempre os donos da maioria dos escravos brasileiros, particularmente nos últimos anos, havia muitas pessoas pobres que viviam do trabalho de um ou mais cativos. Para muitas pessoas, os escravos eram a única fonte de renda. O brasileiro livre, escreveu Eschwge, possuia normalmente um só escravo que lhe proporcionava seu sustento. Até mesmo quando pobre, “não move uma palha, pois até na vadiagem encontra com que viver.” 2? Um viajante inglês, Jonh Mawe, notou

que os africanos encontravam-se entre os primeiros bens adquiridos por pessoas que faziam fortunas novas. ºº Outro inglês observou, em 1828, que uma grande parte da riqueza do Rio estava “investida nesta propriedade e os escravos formam a receita e o sustento de um

vasto número de indivíduos, que os alugam da mesma forma como, na Europa, se alugam cavalos e mulas.” A escravatura impediu a adoção de maquinaria que economizasse a mão-de-obra, “já que tantas pessoas têm interesse em que o trabalho seja realizado apenas por escravos.” Isto é um fato no que se refere à alfândega do Rio de Janeiro, onde um guindaste inglês capaz de permitir que dois escravos fizessem o trabalho de vinte foi introduzido, “mas isto foi recebido com oposição violenta e uma resistência efetiva, pois cada pessoa no estabelecimento possuía um número de negros, até mesmo

os funcionários mais baixos. que cujo trabalho eram pagos.” 31

tinham

pretextos, mas sem outra intenção e viver preguiçosamente com seus

do que a de alugar seus negros salários ou com o que eles po-

cinco

ou seis cada,

por

Da mesma forma, os escravos pertencentes a funcionários das minas de diamantes em Minas Gerais tinham seu emprego garantido nas minas nos contratos de seus donos. O aluguel de negros para as minas de diamantes na cidade de Tejuco era “a ocupação preferida de todas as classes... ricas e pobres... Muitas pessoas,” escreveu Mawe, “são induzidas, assim, a residir em Tejuco sob vários diam esconder ou encontrar.” $ Algo de muito

semelhante

28 W. L. von Eschwege, Pluto Brasiliensis 445-447. 29 TIbid. 80 Mawe, Travels, p. 362. 81 Walsh, Notices, II, 361-362. 82 Mawe, Travels, páginas 358-359.

São

(2

vols.;

Paulo,

se pode

1944),

TI,

13

dizer a respeito do proprietário típico de escravos na cidade mineira de Ouro

Preto:

Seus negros constituem sua principal propriedade (escreveu Mawe) e ele organiza-os tão mal que os ganhos de seu trabalho mal cobrem os gastos de seu sustento... todas as profissões são ocupadas por mulatos ou negros, com ambas as classes parecendo superiores, em intelecto, a seus donos, pois fazem um melhor uso de seu trabalho. 33

Na Bahia, no início do século xIx, os escravos que trabalhavam como carregadores ou em outras profissões eram o único sustento de famílias inteiras, que nada faziam. *! O trabalho, na realidade era considerado, pelas pessoas livres, algo de desonroso e digno apenas de servos. A escravatura estava tão enraizada nos costumes do Brasil que chegou a reduzir a importância da raça como um critério de estado de escravo ou livre. Legal e habitualmente, a condição da criança recém-nascida era determinada, antes de 1871, não pela cor de sua pele, mas sim pelo status de sua mãe. “O princípio regulador”, escreveu o advogado e estudioso da escravatura, Perdigão Malheiro, nos anos da década de 1860, “é que — partus sequitur ventrem — como dispunha o direito romano.” O filho da mulher escrava vinha ao mundo numa escravidão legal, “pouco importando que seu pai fosse escravo ou livre.” 35 A observância deste princípio legal resultou na existência de escravos brancos no Brasil, conforme confirmado em 1827 por um membro da Câmara de Deputados da Nação. %º “Trata-se de uma módoa no sangue,” como Walsh o explicou, com um toque de incre-dulidade anglo-saxônica, “que nenhum período de tempo, nenhuma mudança

na

relação,

nenhuma

alteração

de

cor

pode

apagar.”

Os

escravos podiam ter qualquer cor, segundo este mesmo escritor afir-

mou, “desde preto retinto até branco puro,” enquanto Henry Koster observou que “nenhuma linha é traçada na qual a aproximação da cor e do sangue dos brancos dê à criança, cuja mãe seja escrava, o 33 84

Ibid., páginas 251-252. Ofício do Conde da Ponte

ao Visconde d'Anandia, IHGB, Cópias extraídas do Archivo do Conselho Ultramarino, XX, 304. 85 Agostinho Marques Perdigão Malheiro, 4 escravidão no Brasil (2 vols.; 2º edição: São Paulo, 1944), I, 50. Senhores Deputados dos Brasileiro, Câmara Parlamento 86 Annaes do (aqui chamados, mais adiante, Annaes da Camara) (1827), III, 41.

14

direito à liberdade.” 3? Um dos poucos oponentes brasileiros da abolição da importação de escravos africanos deu a seguinte explicação: Em muitas combinações de sangues diversos, a origem africana tem desaparecido e os escravos virão a ser da mesma especie que seus senhores... Hum senhor d'escravos quasi nunca liberta os filhos que teve de suas escravas e exige delles todos os trabalhos e a submissão que requer dos outros; vende-os, troca-os ou os transmite a seus herdeiros. Se hum de seus filhos legitimos os recebe por sucessão, não faz nenhuma distincção entre elles e irmão pode tornar-se proprietário de os seus outros escravos: assim, hum seus irmãos e irmãs; sobre elles exerce a mesma tirania e sacia os mesmos desejos.

Em setembro de 1886, a Princesa Isabel, herdeira do trono do Brasil, oficiou na libertação de dois jovens brancos “bem vestidos” numa cerimônia realizada no Rio de Janeiro. é Se, por um lado, brancos ou quase brancos eram conservados, por vezes, num estado de escravatura, certos mulatos ou mesmo negros (por vezes, também escravos) eram donos de seus próprios escravos. 3? Numa propriedade dos ricos monges beneditinos, o viajante inglês Henry Koster conheceu um mulato que dirigia a pro-

priedade e era dono de dois escravos, mas “ele próprio era obrigado

a cuidar do negócio das plantações e a fazer com que o trabalho de seus senhores fosse executado adequadamente.” *º No Brasil, a escravatura era muito mais do que uma instituição econômica, já que a propriedade de escravos não só era lucrativa, como também elevava o status do proprietário aos olhos dos outros. Havia uma espécie de satisfação pessoal inerente à propriedade de escravos, que foi descrita muito francamente, cerca de 1855, pelo herdeiro de uma família de fazendeiros ricos da província do Rio de Janeiro:

O escravo não é só um agente de trabalho e de produção. É preciso desconhecer o coração humano para assim pensar; o escravo é um objeto de luxo, um meio de satisfazer certas vaidades e certos vicios da natureza do Assim como a propriedade territorial tem certos atrativos, assim homem. 87 Walsh, Notices, II, 352; Henry Koster, Travels in Brazil (2 vols.; 2.º edição; Londres, 1817), II, 190-191. 38 Frederico L. C. Burlamaque, Analytica acerca do commercio d'escravos e acerca dos malles da escravidão domestica (Rio de Janeiro, 1837), p. 31; South American Journal, 16 de outubro de 1886. 39 Eschwege, Pluto Brasiliensis, II, 445-447. 40 Koster, Travels, II. 221.

15

também o escravo É oferece ao senhor um certo gozo de domínio que está no coração humano, não sabemos se bem ou mal, 4

Anos

mais

tarde,

outro brasileiro

revelou

o prazer

e império,

que

os pro-

prietários de escravos e suas mulheres tinham de reunir em sua volta uma classe de escravas conhecidas pelo nome de mucamas, “visto

ser idéia dominante entre nós, especialmente em nossas fazendas, que é sinal de nobreza e riqueza ter-se sempre recolhidas, às ordens de suas senhoras, grande número dessas escravas geralmente ocupadas em milhares de futilidades.” *2 Em 1858, um brasileiro confessou que os fazendeiros estavam habituados a serem servidos por escravos € a governar sobre eles com poder absoluto. O relacionamento entre os senhores e seus escravos era tão “cômodo” que os senhores

não abandonavam esse relacionamento a não ser que fossem forçados a fazê-lo. “3 Até mesmo os próprios ingleses possuíam escravos no Brasil,

apesar da oposição oficial britânica e da Lei Broughman de 1843, que proibia a compra ou a venda de escravos por súditos britânicos em países estrangeiros. * A maior organização britânica individual no Brasil talvez fosse a Mining Company de Minas Gerais, de São João d'El Rey, a qual, em meados do século, empregava cerca de 600 de seus próprios escravos e alugava mais mil, ainda possuindo cerca de duzentos em 1879. 4 Afastando-se da habitual oposição britânica à escravidão, um relatório da Companhia, em 1842, recomendou bondade e boa vontade para com seus escravos em Minas Gerais, “em virtude da convicção de que, embora

a cor de sua pele

seja diferente, eles são criaturas do Criador Todo-Poderoso e têm direito à máxima indulgência nas nossas mãos devido à posição inferior em que a Providência lhes permitiu serem colocados.” 48 “1

Luiz

Peixoto

de

Lacerda

Werneck,

Ideas

sobre

colonisação

de uma succinta exposição dos principios geraes que regem (Rio de Janeiro, 1855), p. 47. e 42 Veloso de Albuquerque Lins, Ensaio sobre a emancipação servil. AMIP. 148-7179.

48 44

Viotti da Costa, Da Senzala à colônia, p. 120. Richard F. Burton, Explorations of the Highlands

a

do

precedidas população

elemento

of the Brazil (2 vols.:

Londres, 1869), I, 272. Em 1882, a Lei Brougham era “praticamente... letra morta.” South American Journal, 16 de março de 1882. 45 Daniel P. Kidder e J. C. Fletcher, Brazil and the Brazilians (Filadélfia,

1857),

p.

137;

The

Rio

News,

Rio

de

Janeiro,

15 de

outubro

de

1879:

AÂnnaes da Câmara (1879), V, 256-257. 48 Bernard Hollowood, The Story of Morro Velho (Londres, 1955), p. 35. O autor está grato ao Professor Robert W. Randall pela oferta deste estudo da companhia mineira britânica. Para uma descrição pormenorizada das



Até mesmo um diplomata britânico podia sucumbir à realidade do ambiente brasileiro. Robert Hesketh, Consul britânico no Rio de Janeiro e havia já muito tempo um crítico da escravatura brasileira, *” reconheceu a seu governo, em 1840, que empregava três escravos como criados domésticos, embora prometendo despedi-los com a reserva “de que, neste país de trabalho escravo, não é possível obter

provisões,

fazer roupas,

efetuar

consertos,

alugar

transporte

ou

car-

regadores, sem usar escravos.” 48 A escravatura penetrava a vida brasileira, encontrando seu caminho até na imprensa de um modo cotidiano na forma de anúncios classificados para a venda e aluguel de escravos ou para a captura de fugitivos. O escravo era o servidor na casa e na rua, a ama de leite dos filhos legítimos do dono e, em muitos casos, a mãe de seus filhos ilegítimos. O sistema criou profissões: o negociante de escravos, Oo importador, o avaliador, o capitão-de-mato, o “capanga” local que capturava os fugitivos. *º Todas as classes e tipos de pessoas

podiam ser donas legais de escravos:

padres e frades, o Imperador

e sua família, os ricos e os pobres, os negros e os brancos, o estrangeiro e o nacional. O próprio governo brasileiro contava com eles e usava seu trabalho. Cento e setenta “escravos da nação” foram

empregados

em

1845 no Arsenal

da Marinha

no Rio

de Janeiro.

Duzentos e quarenta e quatro escravos trabalhavam regularmente em

vários palácios e propriedades rurais da Família Imperial em 1831. 5º O escravo no Brasil, afirmou um escritor em 1870, ocupa um lugar muito importante em todas as condições da existência do paiz; ele representa o trabalho, origem de toda a riqueza, representa o capital, pelo seu valor e pelos seus productos; representa a pequena industria, porque alem do tra-

condições no Morro

rations,

47

1, 236-278.

Ver Robert

Velho

Hesketh,

no final

da

década

de

1860, ver Burton,

Explo

“A British Consular Report on Slavery in Northern.

Brazil” in Lewis Hanke (ed.), History of Latin American Civilization (Boston, 1967), II, 174-180. 48 Carta de Hesketh a Palmerston, Rio de Janeiro, 12 de dezembro de 1840, Class B. Correspondence with Spain, Portugal, Brazil, the Netherlands and Sweden Relative to the Slave Trade. From May Il to December 31, 1840, inclusive (Londres, 1841), p. 731. (De ora em diante Class A4 ou Class B, com datas.) 49 Para documentos relacionados com estas profissões, ver Avaliadores de escravos, 1777-1819, DPHAG, 6-1-10; Capitão de mato, Freguesia de N. Sra. da Guia de Pacopaiba, 1823, DPHAG, 40-3-74. 50 Relatorio do Ministerio da Marinha de 1845, Mapa N. 6; Relação das. despesas com os escravos das quintas da Bôa Vista e Cajú, até Julho de 183,

BNSM,

1-35,

32,

20.

17

balho

agricola,

emprega-se

uma parte integrante

atravessado

o longo

RESISTÊNCIA

da

espaço

DOS

em

as artes

todas

liberaes,

sociedade brasileira, cuja de mais

de

ESCRAVOS:

organização

três seculos. b1

REBELDES

enfim

o

escravo

tem

é

assim

E FUGITIVOS

INFELIZMENTE, OS escravos do Brasil, na sua maioria, eram analfabetos e, assim, com raras exceções, não deixaram um registro escrito de suas experiências e reações a sua condição. Como resultado disto, a maior parte daquilo que podemos conhecer sobre suas vidas

tem forçosamente de vir de relatos e impressões deixadas por pessoas que não eram escravas. Todavia, até mesmo destes documentos, que revelam, em muitos casos, uma forte tendência pró-escravatura, torna-se fácil concluir que as vítimas da escravidão não eram dóceis, tendo resistido fortemente a seus opressores. É difícil determinar até que ponto o espírito rebelde dos escravos contribuiu para a abo-

lição, mas esse espírito foi crucial, certamente, durante a última fase do movimento antiescravatura. Na realidade, José Honório Rodrigues chegou à conclusão, confirmada pelo presente estudo, de que a abolição da escravatura brasileira não foi “uma dádiva dos senhores”, mas sim “uma conquista de escravos ajudados por aqueles cuja consciência iluminada os fêz servir desinteressadamente à História.” 52 Como veremos mais adiante, a insubordinação e a rebeldia que acompanharam a abolição foram invulgarmente decisivas e generalizadas, mas a verdade é que a rejeição da servidão por suas vítimas durante os meses finais da escravatura não era inteiramente sem precedentes. Citando de novo Rodrigues: “O capítulo das relações de senhores e escravos não é, como se tem escrito, na historiografia oficial, isento de luta e sangue, ou apenas rompido, vez por outra, por movimentos de resistência e rebeldia... Como reação ao sistema escravocrata, a rebeldia negra, insurreição racial, foi um pro51 Peixoto de Brito, Considerações geraes sobre a emancipação dos escravos no Imperio do Brazil e indicação dos meios para realisal-a (Lisboa, 1870), ág. 3. Toe José Honório Rodrigues, “A rebeldia negra e a abolição”, em História e historiografia (Petrópolis, 1970), p. 67. Ver também Robert Brent Toplin, “Upheaval, Violence, and the Abolition of Slavery in Brazil: The Case of São Paulo”, HAHR, vol. XLIX (1969), páginas 639-655.



cesso contínuo,

permanente

e não

esporádico...

A fuga

e a forma-

ção dos quilombos começam em 1559 e vêm até à Abolição.” 73 Na esperança de tornarem suas vidas um pouco mais fáceis, muitos escravos tinham, obviamente, o hábito de trabalhar, obedecer e satisfazer os desejos de seus senhores. Inúmeros outros, entretanto, particularmente aqueles que eram mente, que eram mal alimentados

vam

a submissão

obrigados a trabalhar excessivaou tratados cruelmente, recusa-

permanente. º* Os registros da

polícia,

relatórios

provinciais e as declarações de viajantes indicam que muitos escravos procuraram a libertação do cativeiro pelo suicídio, que outros se vingavam violentamente em seus capatazes ou senhores e que mui-

tos outros, ainda, recorriam à revolta. 5º As rebeliões dos escravos tornavam-se particularmente prováveis durante guerras internacionais ou quando membros da classe dominante se envolviam em disputas entre si, como nos casos do movimento pela independência, dos levantes regionais que se seguiram à separação de Portugal ou da luta abolicionista. *%º Além disso, onde havia grandes concentrações de escravos, os senhores temiam sempre a revolta. Certas rebeliões localizadas podiam ocorrer e ocorreram com certa fregiência nas grandes cidades, como a Bahia, ou, ainda mais frequentemente, em 53 Rodrigues, “A rebeldia negra”, p. 67. Para idéias semelhantes sobre a rebeldia dos escravos, ver José Alípio Goulart, Da fuga ao suicídio (Rio de Janeiro, 1972), páginas 15-23; Luiz Luna, O negro na luta contra a escravidão (Rio de Janeiro, 1968). A crença de que os escravos negros no Brasil resistiram fortemente à escravatura começa a prevalecer entre historiadores, mas a opinião oposta foi mantida durante muito tempo. Emília Viotti da Costa escreveu o seguinte: “A idealização da escravidão, a idéia romântica da suavidade da escravidão no Brasil, o retrato do escravo fiel e do senhor benevolente e amigo do escravo, que acabaram por prevalecer na literatura e na história, foram alguns dos mitos forjados pela sociedade escravista na defesa do sistema de que não julgava possível prescindir.” Da senzala à colônia, p. 280. 54 Ver F. A. Brandão, Jr., 4 escravatura no Brasil (Bruxelas, 1865), páginas 77-89, 55 Ver Goulart, Da fuga ao suicídio, páginas 122-147; Mary Catherine Karasch, “Slave Life in Rio de Janeiro, 1808-1850” (tese de formatura em filosofia, Universidade de Wisconsin, 1972), páginas 383-387; Robert Conrad, “The Struggle for the Abolition of the Brazilian Slave Trade, 1808-1853”

(tese

de

formatura

em

filosofia,

Universidade

da

Colúmbia,

1967),

pászi-

nas 63-69. Para legislação tendo por intenção reduzir assaltos a senhores, capatazes e suas famílias, ver Colecção das leis do Império (1829), II, 263-264:; ibid. (1835), 1, 5. 56 Perdigão Malheiro, 4 escravidão, I, 43-44; Vicente Salles, O negro no Pará (Rio de Janeiro, 1971), páginas 203-271; Goulart, Da fuga ao suicídio,

páginas

mento

149-278;

de

Luna,

independência

O negro na luta, nos

escravos

do

passim.

Para os

Maranhão

efeitos do movi-

e para

a

revolta

em

19

brancos

se encontravam

cercados por centenas de escravos hostis e rebeldes. 57 Mais comum do que as revoltas, de organizar e de sucesso improvável,

por

vezes

que eram perigosas, difíceis era a simples alternativa de

fugir da presença do senhor. Enquanto a escravatura durou, o pro-

blema dos fugitivos impôs um desgaste permanente das energias e bens da classe proprietária de escravos. A perda do trabalho de um escravo durante semanas, meses ou até permanentemente era apenas o primeiro e mais óbvio prejuízo sofrido pelo dono em virtude de sua fuga. Os anúncios e as recompensas pela sua captura e devolução, os salários dos policiais, dos caçadores de escravos e dos juízes pagos pelos fundos públicos, os honorários pelo castigo e a cura ou o alojamento na prisão local, os gastos com armas, a perda de animais e de outros bens nos assaltos por bandos de fugitivos e um imenso tributo em insegurança e vidas humanas eram um constante sorvedouro de bens, paciência e conforto da classe proprietária de escravos. Poucos eram os proprietários ricos que não tinham fugitivos assinalados no rol de seus escravos e até mesmo os escravos do Estado e da Família Imperial, presumivelmente em melhor situação do que a maioria, procuravam a salvação na fuga. 58 Milhares de ofertas de recompensa a quem capturasse e devolvesse fugitivos que apareceram em centenas de jornais brasileiros durante um período de seis décadas são prova convincente de que a fuga era a solução mais comum dos escravos para seu predicamento. No seu estudo sobre a escravidão no Rio de Janeiro, Mary Karasch escreveu o seguinte: “O jornal O Diário do Rio de Janeiro, cujas páginas estavam repletas quase exclusivamente de anúncios referentes a escravos, dá alguma indicação da grandeza do problema dos fugitivos.” 59 As prisões do Império eram pontos de reunião dos fugitivos recapturados, bem como lugares de castigo e de detenção de criminosos. Em 1826, apenas, 922 escravos fugitivos foram levados para massa de escravos nessa mesma província chefiada pelo rebelde negro Cosme Bento, ver João Dunshee de Abranches, O captiveiro, memórias (Rio de Janeiro, 1941), páginas 67-69, 89-96.

67

Para revoltas

na Bahia,

ver Nina

Rodrigues,

Os

africanos

no Brasil

(2.º edição, São Paulo, 1935), p. 67 ff. 68 De quarenta e sete escravos, incluindo crianças, inscritos nos róis Plantação Imperial de Santa Cruz e na Fundição de Ferro Imperial são

João

de

Ipanema,

em

1844,

doze

cinco por cento, já haviam desertado. imperial, 1801-1868, AN, 572.

da de Ou, seja, um pouco mais de vinte e Ver Ofícios e outros papéis da casa

99 Ver Gilberto Freyre, O escravo nos anúncios de jornais século XIX (Recife, 1963); Karasch, “Slave Life”, p. 362.

20

brasileiros

do

a

poucos

gg

isoladas onde

E

plantações

a prisão do Rio de Janeiro de distritos vizinhos, para aí serem conservados até seus donos os irem buscar, com alguns deles sendo

capturados em grupos nas florestas, outros sozinhos e alguns, ainda, afirmando serem livres. ºº Esta era uma situação permanente, não limitada a um lugar específico ou a um determinado período. Um relatório do chefe da polícia da província do Rio de Janeiro, para 1863, por exemplo, indicou o número de fugitivos existentes na casa de detenção de Niterói como sendo de 147 durante os primeiros seis

meses desse ano. % Os escravos abandonavam

seus senhores em

troca

de uma

rida

precária e difícil em selvas distantes ou em regiões pouco populc.as,

perto de aldeias, cidades e plantações, onde pudessem obter seu sus-

tento através de compra, troca, roubo ou pilhagem armada. No sé-

culo x1x, algumas das principais cidades brasileiras eram infestadas por tais grupos de refugiados, que importunavam, por necessidade absoluta, as plantações e os viajantes. Um documento de 1822, por exemplo, narra constantes roubos e crimes de morte a todas as horas do dia e da noite entre o Rio de Janeiro e as povoações vizinhas de Irajá e Penha cometidos por ciganos, vagabundos, desertores e bandos de escravos fugitivos. Tendo-se já então tornado invulgarmente arrojados, esses bandos de fugitivos começaram invadindo casas, atacando plantações e sítios, roubando animais e libertando escravos. Em 1823, um membro da Assembléia Constituinte queixou-se a essa Assembléia de um clamor geral na cidade do Rio de Janeiro devido à presença de incontáveis escravos fugitivos, alguns já muito perto, até mesmo nos arredores do Catumbi, na orla da cidade. Que ele

soubesse, afirmou o mesmo deputado, não havia uma única casa entre as de seus amigos de que não tivessem fugido escravos e, além disso, também havia, na região, quilombos que, segundo se acreditava, continham até mil fugitivos. No mesmo debate, o Marquês de Baependy confirmou o desaparecimento diário de escravos, acrescentando que alguns chegavam mesmo a serem levados contra sua própria vontade. Em resposta a estes protestos, a Assembléia Constituinte depressa aprovou uma resolução pedindo que o governo usasse medidas fortes para destruir o quilombo 60

Suprimentos

de

escravos,

Livro

I,

1826,

do Catumbi.

AN,

242.

objetos,

VII.

A res-

61 “Relatorio do chefe de polícia da provincia do Rio de Janeiro,” Relatorio do presidente da provincia do Rio de Janeiro (1863). 62 Memoria sobre a segurança das estradas, 1822, AN, Colecção de memórias

c3

Rio

e

Annaes

outros do

de Janeiro,

documentos

Parlamento

1876-1884),

sobre

vários

Brasileiro,

V,

178.

Assemblea

Constituinte,

1823

(6 vols.,

21

posta do Ministro da Justiça, dada uma semana mais tarde, salientou as dificuldades envolvidas na eliminação de quilombos nas montanhas e florestas perto do Rio, onde os fugitivos se podiam espalhar

por pistas desconhecidas ao primeiro alarme de espiões e sentinelas, 64 As montanhas perto do Rio eram, de fato, um refúgio natural e conveniente. Segundo Robert Walsh, os escravos fugitivos da cidade iam, normalmente, para o Corcovado ou outras colinas próximas e aí, armados com lanças, atacavam os viajantes e viviam da pilhagem. A estrada sinuosa que corria ao longo do aqueduto estava infestada de fugitivos, muitos dos quais viviam em condições de grandes dificuldades e privações. Quando capturados e levados para a cidade, eram vergastados. Mais tarde, um grande colar de ferro era “firmemente rebitado nos seus pescoços, com uma longa barra projetando-se em ângulos quase retos e terminando, na outra extremidade, por uma cruz ou um anel largo, de maneira a assemelhar-se a um flor de lis.” (Ver ilustração 4.) A finalidade deste dispositivo, disse Walsh, era estigmatizar esses escravos como desertores e, “também, impedi-los na sua fuga, já que, quando a barra de ferro se emaranhasse nos arbustos, isso depressa faria com que o colar os estrangulasse, se tentassem forçar a passagem pelo mato.” A grande

quantidade de escravos “vistos, assim, com os pescoços presos, nas ruas das cidades” foi uma prova, para Walsh, tanto do grande número de escravos que procuravam fugir quanto da intolerabilidade de sua existência. % Bandos semelhantes de escravos fugitivos existiam em volta da Bahia e de outras cidades. 88 Segundo o relato de um velho escravo, dentro dos confins da pequena

ilha que continha

a cidade de São Luís “houve quilombos que longos annos existiram, sem ser descobertos. Os que eram, porem, capturados,” disse a mesma testemunha, “soffriam taes surras que não raras ocasiões pereciam. A malvadez chegava a tal ponto que nem mesmo mandavam sepultal-os; jogavam-nos ao mar com uma pouta amarrada ao pescoço.” 87

Conforme esse relato sugere, as autoridades os princípios estabelecidos, desencadearam uma contra os fugitivos, a qual foi tão persistente dos próprios fugitivos. Fregiientemente descritos 64 65 86

JTIbid., páginas 190, 238. Walsh, Notices, II, 343-344. Goulart, Da fuga ao suicídio,

Ponte selho

67

22

ao Visconde Ultramarino,

Dunshee

de

d'Anandia,” IHGB, XX, 290-291.

Abranches,

O

páginas

Cópias

captiveiro,

p.

259-261;

extraídas

41.

brasileiras, seguindo campanha de terror quanto os esforços nos relatórios pro-

Ofício do

do

Archivo

Conde do

da

Con-

vinciais anuais, as batidas aos quilombos tinham por objetivo libertar a vizinhança de marginais que perturbavam a ordem e, também,

voltar a usar os fugitivos (e, por vezes, seus descendentes) no sistema de trabalho das plantações. Um relatório da província de Rio de Janeiro, por exemplo, narra a fuga em massa para as montanhas

dos escravos de um tal Capitão Major Manoel Francisco Xavier, do

distrito de Paty do Alferes, a sua perseguição, captura e, mais tarde, castigo. *º Relatórios de Sergipe registram uma longa e persistente campanha para destruir as muitas concentrações de fugitivos da província. Os ataques aos quilombos continuaram, em Sergipe, desde 1867 até pelo menos 1876, quando o presidente provincial informou de sua destruição e da captura de um tal João Mulungu, o mais arro-

jado e temido líder fugitivo da região. A descrição de Mulungu que se seguiu foi como um epitáfio. O líder rebelde, segundo o presidente provincial, tinha cerca de vinte e cinco anos de idade, sendo um crioulo de estatura média, “um pouco astuto e insinuante, já resig-

nado,

agora,

a seu destino e preferindo,

contudo,

ser enforcado

na

praça pública a ter de regressar para a casa de seu dono.” 8º Os relatórios provinciais de outras províncias oferecem crônicas semelhantes da luta entre fugitivos e seus perseguidores. Em 1858, o presidente do Pará revelou que até mesmo trabalhadores que não eram escravos, tentando evitar o programa de trabalho forçado do governo, haviam procurado refúgio no sertão, em quilombos fora do alcance da autoridade. Além disso, o exemplo dado pelos quilombo-

las e a certa segurança que se acreditava existir nas povoações estabelecidas pelos fugitivos contra quaisquer esforços realizados para

reescravizar seus habitantes haviam tornado a disciplina impossível

nas plantações. Segundo se sabia, havia um quilombo particularmente

grande

em

Amapá,

a vasta região entre o Amazonas

e a Caiena

francesa. Outro estava localizado no Rio Trombetas, no município 68 Relatório pág. 1.

da

provincia

do

Rio

de

Janeiro,

para

o anno

de

1839

a 1849,

69 Para relatórios sobre quilombos em Sergipe, ver Relatorio com que foi aberta no dia 21 de Janeiro de 1867 a segunda sessão da decima sexta legislatura da Assemblea Provincial da provincia de Sergipe (Aracaju, 1867),

páginas 7-8; Relatorio com

que o Illm. e Exmo.

Snr. Dr.

José

Pereira

da

Silva Moraes entregou a administração da provincia de Sergipe ao Illm. e Exm. Snr. Dr. Antonio de Araujo Aragão Bulcão (Aracaju, 1867), p. 5; Relatorio com que o Illm. e Exm. Snr. Dr. Evaristo Ferreira da Veiga passou a adminis-

tração da provincia de Sergipe ao Illm. e Exm. Sr. Barão de Propriá no dia 17 de junho de 1869 (Aracaju, 1869), p. 16; Relatorio da presidencia

da provincia de Sergipe em 1$/2 (Aracaju, 1872), páginas presidencia de Sergipe em 1876 (Aracaju, 1876), páginas

5-10: Relatorio 12-13.

da

23

de Óbidos, bem mais acima do sistema do Amazonas e outro, ainda,

fora estabelecido na ilha de Marajó. Havia outros fugitivos que se haviam instalado nas margens do Rio Tabatinga, não muito longe de Belém e outros nas margens do Rio Guamá. Os últimos quatro

quilombos, no conjunto, segundo se calculou, continham cerca de

dois mil escravos, eram vulneráveis a um ataque, conforme o presidente acreditava, mas a temporada das chuvas dificultara e adiara as expedições enviadas para destruí-los. *º Em 1883, apenas cinco anos antes da abolição da escravatura, a luta

bem

entre

como

escravos

e homens

livres ainda

em outras partes do Império. Uma

continuava

investigação

no

Pará,

empre-

endida após um ataque a uma plantação no distrito de Igarapé-Miri,

perto de Belém, revelou a existência de cinco quilombos em volta de um lago, cada um deles com seu governo separado, mas todos eles prestando fidelidade a um líder escravo chamado Sebastião. Um

informante afirmou que sua população total era de quinhentas pessoas, que estavam habituadas a comunicar-se com casas comerciais em Belém, onde faziam compras e vendas. 71 Ocasionalmente, os quilombos eram bem descritos pelos responsáveis por sua destruição. Em 1876, na província do Rio de Janeiro, uma força policial chefiada por um negro chamado Tibúrcio conseguiu penetrar por trilhas infestadas de armadilhas e defesas para alcançar o local das povoações de escravos de Quilombo Grande e Quilombo do Gabriel, onde capturaram vinte e três dos trinta e três habitantes. Estes quilombos, que se afirmava serem muito antigos, consistiam numa área “insignificante” de cana-de-açúcar, um pequeno cemitério com três sepulturas e oito cabanas com paredes de paus amarrados e telhados feitos com palha de árvores de cacau, uma delas estando vazia e servindo como túmulo de um antigo chefe

chamado Joaquim Bunga. Estes quilombos, segundo o relatório, estavam localizados num vasto pântano de mangues com uma saída para o mar, facilitando a comunicação com o Rio de Janeiro e um mercado dessa cidade para lenha de mangue, que ali crescia em

abundância. As florestas, as defesas, o sertão quase deserto e os interesses dos comerciantes de lenha há muito asseguravam aos habi-

tantes destes quilombos uma segurança relativa e um abastecimento

7 Discurso de abertura da sessão extraordinaria da assemblea legislativa provincial do Pará. Em 7 de abril de 1858 pelo presidente Dr. João da Silva Carrão (Pará, 1858), páginas 34-39. 71 Falla com que o Exm. Sr. General Visconde de Maracajú... pretendia abrir a sessão da respectiva assemblea no dia 7 de janeiro de 1884 (Pará,

1884), p. 37.

24

de alimentos e cachaça. Num dos quilombos, a polícia encontrou cinco armas de fogo, duas espadas, dois machados e duas foices. No segundo, foram encontrados um mosquete de caça carregado, uma canoa, machados, foices, enxadas, uma rede de pesca, algumas ferramentas de carpinteiro e sessenta e quatro embalagens de lenha, com tudo isso tendo sido confiscado. Como medida final, antes de abandonarem

o local, queimaram

as cabanas e destruíram

os

totalmente

quilombos, com o chefe da polícia tendo recebido elogios oficiais pelo bom término desta missão. ** Apesar das fugas para quilombos, apesar da interminável luta

entre escravos e autoridades públicas, os senhores de escravos pude-

ram aproveitar-se da posse de negros até os últimos dias da escravatura, absorvendo as constantes perdas financeiras que resultavam do

problema das fugas até que esse problema se tornou tão generalizado em 1887 e 1888 que os donos dos escravos foram forçados a renderem-se

às exigências

viam desenvolvido num

abolicionistas,

as quais,

crescendo nacional.

A ESCRAVATURA

já se ha-

então,

E A SOCIEDADE

BRASILEIRA

A RELUTÂNCIA brasileira para abandonar o sistema de escravos e ial soc ia ânc ort imp nde gra da a nci iiê seg con uma nas não foi ape econômica da instituição. A conservação da escravatura também estava intimamente relacionada com a sobrevivência de atitudes tra-

inse es tum cos dos a ori mai a iam teg pro e ham tin man que ais ion dic tituições que o Brasil herdara do passado colonial. Não só a escravaulo séc do ços ter dois ros mei pri os e ant dur sa oro vig u ece man per tura xIx, como

também

a maior parte das outras

características

da era

alie ca pou nte lme ave not com ram ive rev sob uês tug por do domínio

s ade cid as com al, rur te men pal nci pri era da ain ção ula pop A ão. raç sendo, por conseguinte, pequenas € dependentes. A agricultura e o

comércio dominavam

a economia à custa da indústria

(praticamen-

uatin con las íco agr hos bal tra os mas 0), 185 de es ant te não existente tro con ros gei ran est os com s, ivo mit pri € os mic onô iec ant do vam sen

lando ainda grande parte do comércio lucrativo dos produtos que eram exportados. O transporte no interior era difícil, dispendioso e 72

Relatori o

apresentadoE

a

1876),

Pp. 26.

Assemb fi lea

tiva Legisla ri

Provincial

do

Rio

de

ura no dia 22 de oua legislat sessão j da vigesima primeir E : Janeiro na primeira Xavier Pinto Lima Francisco Conselheiro tubro de 1876 pelo Presidente

(Rio de Janeiro,

25

perigoso, enquanto o movimento entre as pr ovíncias limitava-se principalmente à navegação costeira, incluindo o traslado de grandes números de escravos de região para região. As classes sociais eram estratificadas, tal como já o haviam sido sob o domínio português, e as origens de classe dos indivíduos dete rminavam quase sempre o lugar que eles ocupavam na sociedade. A ed ucação era elitista, não científica, pouco prática e reservada a poucos. A maioria dos brasileiros, portanto, continuavam sendo analfabe tos, embora uma pequena minoria adquirisse uma educação que concedia prestígio e poder ao indivíduo e a uma classe governante, ma s que proporcionava poucos resultados à maioria. Em 1872, só ha via ainda um quinto de todos os brasileiros livres considerados alfabe tizados num recenseamento nacional e nem mesmo um escr avo em mil sabia ler e

escrever (ver Tabela 17).73 O governo revelava certa grandeza no aparelho de uma monarquia constitucional, incluindo um pre stigioso Imperador e uma legislatura de duas câmaras, mas grande parte do verdadeiro poder nas províncias estava nas mãos da classe dos senhores de escravos. 74 Nos anos que se seguiram a 1850, os lentos passos da evolução brasileira foram apressados um pouco, mas os estilos de vida foram alterados principalmente nas cidades e entre a elite, enquanto o brasileiro médio na terra e nas cidades isoladas do interior pouco testemunhava que fosse novo. As mudanças, além disso, eram mais culturais do que sociais e econômicas, com muitos dos melhoramento s estruturais tendo por objetivo promover setores econômicos tradicionais. Apesar da introdução de equipamento e métodos modernos na segunda metade do século xrx, o Brasil continuava sendo “um país essencialmente agrícola”, como os políticos e os proprietários 73 Recenseamento da população, XIX, 1-2. Em contraste, nos Estados Unidos, onde o valor da alfabetização fora compreendido melhor, com a palavra impressa sendo mais divulgada, uma percentagem muito maior de escravos aprendeu a ler e a escrever apesar de proibições legais. Ver Richard

C.

Wade,

Slavery

in

the

Cities:

The

South

1820-1860

(Nova

York,

1964), páginas 90-91. 173-176. Quanto à ansiedade com que os antigos escravos procuravam a educação depois da Guerra Civil, ver Gilbert Osofsky, Puttin'" on Ole Massa (Nova York, 1969), páginas 42-43, 74 Richard Graham, Britain and the Onset of Modernization in Brazil, 1850-1914 (Cambridge, Inglaterra, 1968), páginas 10-22; Stanley J. Stein, The Brazilian Cotton Manufacture (Cambridge, Massachusetts, 1957), páeinas 2-7; Gilberto Freyre, Sobrados e mocambos, 3.º edição (Rio de Janeiro, 1962) passim; T. Lynn Smith, Brazil, People and Institutions (Baton Rouge, Louisiana, 1963), páginas 323-329; André Rebouças, Agricultura Nacional (Rio de Janeiro, 1883).

26

em defesa

de terras afirmavam

As cidades

da escravatura.

foram

re-

novadas depois de 1850, linhas de bondes foram construídas e lampiões de gás instalados. Foram construídas, também, estradas de ferro para ligar os distritos ricos das plantações aos portos costeiros

a industrialização foi iniciada e um público crescentemente informado, influenciado por idéias e filosofias estrangeiras, começou questionando a validez de alguns conceitos tradicionais. Todavia, todos estes sintomas de progresso foram tolhidos e comprometidos pela sobrevivência de instituições, condições e valores econômicos, sociais e culturais profundamente enraizados: a escravatura, a monocultu-

ra, os grandes latifúndios agrícolas mal e apenas parcialmente trabalhados, a economia orientada para a exportação, um mercado interno

muito limitado, as relações tradicionais entre os patrões e os empregados mesmo entre as pessoas livres, o preconceito contra o trabalho braçal, as barreiras raciais e de classe que impediam oportunidades de desenvolvimento e as antiquadas atitudes aristocráticas para com a educação. º Conforme Richard Graham salientou, as mudanças que se verificaram no Brasil nas décadas seguintes a 1850 nem sempre eram facilmente identificáveis e só em 1914 é que o Brasil começou verdadeiramente a modernizar-se. *8

O CONSENSO

PRO-ESCRAVATURA

NESTAS circunstâncias, as atitudes antiescravatura que já se ha-

e

e Boston, bem como no México

viam tornado comuns em Londres

no Chile, durante a primeira metade do século xrx refletiram-se sem grande lustro no Império do Brasil. Confrontados pela necessidade de reagir a idéias adequadas às necessidades econômicas da Europa Ocidental e da Grã-Bretanha, mas que não se adaptavam às instituições brasileiras, os líderes e os governos do Portugal e do Brasil pareciam, por vezes, simpatizar com as opiniões estrangeiras sobre a questão da escravatura, mas eram obrigados pela estrutura econômica e política de sua sociedade e pelas exigências de seus mais importantes cidadãos a seguirem políticas que assegurassem a conti7%

O

madas

Brasil não

sobre

Borah, Charles

as

era

o

único

sobrevivências

Gibson

e Robert

país

nessa

coloniais A.

na

Potash,

situação.

América

Para

“Colonial

declarações

Latina,

infor-

ver Woodrow

Institutions

and

temporary Latin America” em Lewis Hanke (ed.), Readings in Latin rican History (2 vols.; Nova York, 1966), II, 18-37. 76 Graham, Britain and the Onset, páginas xi, 23, 47-48.

Con-

Ame-

27

nuação da importação de centenas de milhares de negros € negras .

Dada a natureza do sistema de escravos, a determinada oposição dos ingleses e o prestígio e influência das idéias estrangeiras, alguma

oposição brasileira ao comércio de escravos e até à própria escravatura era inevitável, embora os que se opunham à escravatura conti nuassem constituindo uma pequena minoria até a década de 1880. Em 1823, sob pressão da Grã-Bretanha no sentido de acabar com o comércio de escravos em troca do reconhecimento diplomático, uma minoria liberal entre os membros da Assembléia Constituinte brasileira procurou iniciar um processo que conduzisse ao estabelecimento de um sistema de trabalho livre, com liberais preeminentes continuando sua oposição ao comércio de escravos sempre que tiveram oportunidades para fazê-lo nos vinte e cinco anos seguintes. 77 AIguns livros ou panfletos escritos por brasileiros durante a primeira metade do século xix continham mensagens antiescravatura 78 e; durante um breve período, iniciado em 1848, certos órgãos da imprensa brasileira, alguns deles subvencionados pelo governo britânico, realizaram uma campanha contra o comércio de escravos. 7º Na Assembléia Geral brasileira, além disso, também se escutaram algumas declarações antiescravatura de tempos a tempos antes de 1865, 8º embora a maioria dos membros ficasse calada sobre o assunto ou, então, 7% Ver Conrad, “The Struggle”, páginas 151-152; Annaes do Parlamento Brasileiro. Assembléia Constituinte, V, 12-24; Walsh, Notices, I, 234-235. 18 Ver, por exemplo, Americus, Cartas politicas extrahidas do Padre Amaro (2 vols.; Londres, 1825-1826); José Bonifácio de Andrada e Silva, Memoir «Addressed to the General Constituent and Legislative Assembly of Brazil un sSlavery (Londres, 1826); Burlamaque, Analytica; Henrique Jorge Rebello, “Memoria e considerações sobre a população do Brazil”, RIHGB, Vol. XXX (1867), páginas 5-42. “9 Os principais jornais que atacaram o comércio de escravos no Rio foram O Monarchista, O Grito Nacional (ambos fundados em 1848) e O Philantropo,

publicado pela primeira vez em abril de 1849. Em 1850, o Ministro Britânico no Rio, James Hudson, insinuou que a Grã-Bretanha concedera auxílio financeiro à imprensa antitráfico de escravos do Brasil já em 1848. Ver carta de Hudson para Palmerston, Rio de Janeiro, 27 de julho de 1850, Class B., De 1 de Abril de 1650 a 31 de Março de 1851, p. 228. Para mais evidência, ver Leslie Bethell, The Abolition of the Brazilian Slave Trade (Cambridge, Inglaterra, 1970), p. 313; Pierre Verger, Flux et reflux de la traite des nêgres entre le golfe de Bénin et Bahia de Todos os Santos (Paris, 1968),

Ferreira França na Câmara 855. Y, 84; ibid. (1830), 1,

169; II, 211; e as de Pedro Pereira da Silva Guimarães, reimpressas em “Pedro Pereira da Silva Guimarães (Documentos históricos)”, Revista Trimensal do Instituto do Ceará (Vol. XX). Ver também Raimundo Girão, A Abolição no Ceará (Fortaleza, 1956), páginas 17-27,

26

im

80 Ver as declarações e propostas de Antonio dos Deputados, Annaes da Camara (1827), 1,

:

ie

páginas 385-386.

se apressasse estrangeiro. se opunham econômicas,

nem mesmo

a defender a escravatura quando esta era atacada do Houve quase sempre algumas pessoas, entretanto, que à escravatura por razões morais, religiosas ou mesmo mas essa oposição pouco efeito tinha e, muitas vezes.

se fazia escutar. Até

1880, por exemplo,

o agora famoso

apelo antiescravatura de José Bonifácio de Andrada e Silva, prímeiro-ministro do Brasil, que foi publicado em Londres, em 1826, era, ao tempo, quase desconhecido no Brasil. 8! Os textos antiescravatura eram tão pouco comuns no Brasil, antes de 1865, que os historiadores e os oponentes mais tardios da escravatura afirmavam, por vezes, encontrar oposição onde ela mal existia. Estes mal-entendidos talvez fossem o resultado do hábito brasileiro, muito comum, de prefaciar argumentos pró-escravatura com breves denúncias de uma instituição que até mesmo no Brasil era condenada em princípio, mesmo que não o fosse na prática. 2

81 Ver A. C. Tavares Bastos, Cartas do Solitário (3.º edição; São Paulo, 1938), p. 456; Miguel Lemos, O Pozitivismo e a escravidão moderna (2.º edição; Rio de Janeiro, 1934), p. 10. Para uma edição moderna do notável apelo de José Bonifácio dirigido à Assembléia Constitucional brasileira, ver “Representação à Assembléia Geral Constituinte e Legislativa do Império do Brasil sobre a Escravatura”, em Octavio Tarquinio de Sousa, O pensamento vivo de José Bonifácio (São Paulo, 1944), páginas 39-66. 82 Em 4 escravidão no Brasil (Rio de Janeiro, 1939), p. 142, João Dornas Filho incluiu escritores entre os precursores do abolicionismo brasileiro cujos sentimentos referentes à escravatura eram menos do que liberais. Estes incluíam o Padre M. Ribeiro da Rocha, “o patriarca dos abolicionistas do Brasil,” autor de Ethiope resgatado, empenhado, sustentado, corrigido, instruido e libertado (Lisboa, 1758); João Severiano Maciel da Costa, autor de Memória sobre a necessidade de abolir a introdução dos escravos africanos no Brasil (Coimbra, 1821); Domingo Alves Branco Moniz Barreto, cuja Memoria sobre a abolição do commercio da escravatura (Rio de Janeiro, - 1837), se opunha fortemente à abolição do comércio de escravos; e José Eloy Pessoa da Silva, cuja Memoria sobre a escravatura e projecto de colonisação

dos europeus, e pretos da Africa no Imperio do Brasil defendia a substituição de um tráfico “colonista” negro pelo comércio de escravos. Para algumas de suas propostas,

ver Perdigão

Malheiro,

4

escravidão, II, 235-399.

29

No um

processo do Brasil milhão de testemunhas

levantar-se

contra

nós,

dos

hão

sertões

de

do fundo do oceano, dos barracões dos cemitérios das fazendas,

e esse depoimento mudo há mil vezes mais valioso para a história do que todos os protestos de generosidade e nobreza d'alma da nação inteira.

JOAQUIM O

da

da

África, praia,

de ser

NABUCO

Abolicionismo

Z

A ABOLIÇÃO DO COMÉRCIO DE ESCRAVOS AFRICANOS E O INÍCIO DO DECLÍNIO A SUPRESSÃO

DO

COMÉRCIO

DE

ESCRAVOS

AFRICANOS

Tos anos do século x1x, a Grã-Bretanha já estava determinada quanto a seu dever de interferir nos assuntos de Portugal, do Brasil

e de praticamente todas as outras nações se, ao agir assim, pudesse

esperar a eliminação do tráfico internacional de escravos e este es30

ba

ENTRINCHEIRADA como estava, a escravatura recebeu seu primeiro golpe sério quando sua fonte de abastecimento foi cortada em 1851 e 1852 pela supressão do tráfico africano. Esta primeira medida, contudo, não foi tomada pelos abolicionistas brasileiros, tendo sido, principalmente, o resultado de pressão estrangeira. Nos primei-

forço britânico, finalmente, veio a representar um papel predominante na abolição do tráfico de es cravos no Brasil. 1 Durante a sua cruzada de quarenta anos contra o comércio de escravos no Brasil, a Grã-Bretanha ne gociou uma série de tratados com os governos do Brasil e de Port ugal entre 1810 e 1826, tendo sido todos eles recebidos com grande re lutância por parte dos governantes brasileiros, que sempre tive ram consciência da amarga oposição da maioria de seus cidadãos ma is poderosos a quaisquer concessões na questão dos escravos. Em 18 10, com o governo português no Rio de Janeiro virtualmente sob a proteção britânica, o Príncipe Regente João concordou, num tr atado de aliança, cooperar com o monarca britânico na abolição gradua l do comércio de escravos e tornar imediatamente ilegal o tráfico em territórios não portugueses da África. Esse tratado deu ao gove rno britânico uma débil Justificativa para a sua primeira campanha na val contra os navios negreiros portugueses, despertando a ira dos im portadores e fazendeiros portugueses e brasileiros. Em 1815, de novo sob coerção, o governo de João VI concordou com proibir o tráfico ao norte do equado

r e, em 1817, o mesmo rei cometeu seu regime a medidas que tinham por objetivo fazer vigorar a proi bição parcial do comércio de escravos. Estas concessões legalizara m, finalmente, a abordagem britânica de navios mercantes portugue ses suspeitos de transportarem escravos comprados ilegalmente e criaram tribunais internacionais ou comissões mistas no Rio de Jane iro e em Sierra Leone, para onde os navios deviam ser enviados para julgamento. O mesmo

acordo entre britânicos e portugueses também estipulava que os navios condenados pelas comissões mistas fossem vendidos para benefício das duas nações e que os escravos en contrados a bordo fossem libertados e colocados sob a proteção do governo português ou, então, do britânico. 2 O resultado destes acor dos não foi uma redu-

ção ou limitação do tráfico de escravos, mas sim um súbito surto no seu volume,

bem como o aparecimento de um contraba ndo cravos que se desenvolveu até atingir proporçõ es enormes. 3

de es-

! Para descrições do papel da Grã-Bretan ha na supressão do comércio de escravos no Brasil, ver Bethell, The Ab olition; Conrad, “The Struggle”: Verger, Flux et reflux, páginas 287-319, 373-397; e Alan K., Manchester, British Preêminence in Brazil (Chapel Hill, Carolina do Norte, 1933). 2 Bethell, The Abolition, páginas 8-19: A Co mplete Collection of the Treaties and Conventions and Re

ciprocal Regulations, at Present Subsisti ng between Great Britain & Foreign Powers... so far as they relate to Commerce and Navigation, to the Repression and Abolit ion of the Slave Trade... (3 vols.; Londres, 1827), II, 73-107. 3 Conrad, “The Struggle”, páginas 122-126, 189-206.

DBIBIÇTENÃA

1 E “E Di r

E

'

:

IATA PRA

Derrama A

mis

a

o

e

=

a

RCTINIÇCCRATY Ê

=*

E

Fr

»

TF,

WAS

ak

a

31 '

AI,

Em 1826, a Grã-Bretanha conseguiu obter mais um compromisso do governo no Rio de Janeiro depois de quatro anos de negociações difíceis em Londres e no Rio, após a independência brasileira.

Este tratado, praticamente imposto

ao novo

nou a participação brasileira no comércio

governo brasileiro,

tor-

internacional de escravos

inteiramente ilegal três anos depois da data da ratificação do tratado, com tal tráfico em escravos “considerado e tratado de Pirataria.”* Como resultado deste acordo, que incorporava as provisões contidas nos tratados de 1815 e 1817 entre britânicos e portugueses, o comércio de escravos legal terminava, para os cidadãos brasileiros, em 13 de março de 1830 e, em 7 de novembro do ano

seguinte, um novo governo liberal no Rio confirmou esta decisão com legislação que declarava a liberdade de todos os escravos que entrassem no Brasil a partir dessa data. 8

Apesar da ameaça de pesados castigos tanto para os importadores quanto para os compradores de escravos contrabandeados, o tráfico continuou. Entre 1831 e 1837 e, de novo, em 1840 e 1848, os governos liberais brasileiros tomaram algumas medidas para fa-

zer vigorar a proibição

rante mais duas décadas,

desse comércio, depois de

1831,

mas a verdade

é que,

du-

o tráfico africano prosse-

guiu com liberdade quase completa e o conhecimento e aprovação

total da maioria dos regimes brasileiros. 7 O próprio governo brasileiro era um “governo que negociava com escravos, contra suas próprias leis e tratados”, escreveu o Ministro dos Estados Unidos no Rio, em 1846. “Os Ministros & Conselheiros de Estado & Senadores e Delegados nas Câmaras estão, sem dúvida, envolvidos neste tráfico tão ousado quanto horroroso. ..”8 As estimativas britânicas 4 A Complete Collection of the Treaties and Conventions, III, 33-35 * Leslie Bethell, “The Independence of Brazil and the Abolition of the Brazilian Slave Trade: Anglo-Brazilian Relations, 1822-1826”, Journal of Latin American

Studies, Vol. I, Parte 2 (Novembro de 1969), páginas 115-147: Bethell, The Abolition, páginas 27-61; Conrad, “The Struggle”, páginas 133-170. 6 Para a intensa oposição que lhe foi feita, ver Conrad, “The Struggle”, páginas 170-185; Bethell, The Abolition, páginas 62-66. 6 Colecção das leis do Imperio (1832), páginas 100-101; Bethell, The Abolition, páginas 69-70; Conrad, “The Struggle”, páginas 218-221, 228-229. * Robert Conrad, “The Contraband Slave Trade to Brazil, 1831-1845”, HAHR, Vol. XLIX (1969), páginas 618-638; Conrad, “The Struggle”, páginas 224-303; Bethell, The Abolition, passim. 8 Carta de Henry A. Wise a James Buchanan, Rio de Janeiro, 9 de dezembro de 1846, em William R. Manning (ed.), Diplomatic Correspondence of the United States. Inter-American Affairs, 1831-1860 (Washington, 1932), I, 370; o mesmo para o mesmo, Rio de Janeiro, 12 de abril de 1847, ibid., II, 380.

32

ng?

colocam, de um modo moderado, o número de escravos ilegalmente importados pelo Império durante esses anos em quase meio milhão. ? Legalmente, todos eles eram livres, conforme a lei brasileira de

1831 o declarava claramente no seu artigo primeiro, mas poucos deles conseguiram, de fato, obter sua libertação e até mesmo seus descendentes foram mantidos ilegalmente na escravidão. A proibição do tráfico foi eficaz, contudo, nas províncias do extremo sul e ao longo da costa norte entre o Cabo de São Roque e o Amazonas,

mas esta cessação parcial do tráfico

de escravos não

foi o resultado de funcionários conscienciosos ou de uma população respeitadora da lei. Ocorreu, sim, em virtude do aumento do preço dos escravos causado pelos esforços britânicos de policiamento. Conforme um nordestino escreveu na década de 1850 em referência apenas com a província de Maranhão, o comércio de escravos terminara “porque a baixa no preço do algodão tinha empobrecido e quebrantado o ânimo dos nossos lavradores, a ponto de não poderem pagar os negros importados ilegalmente, de mais em mais encarecidos pela perseguição dos cruzeiros ingleses.” 1º Os plantadores de algodão e de açúcar do norte não podiam competir, na compra de escravos, com os fazendeiros do café, no sul, e, assim, os plantadores ao norte da Bahia cessaram na sua grande maioria de procurar trabalhadores no mercado internacional de escravos. A indústria do café na província do Rio de Janeiro e áreas vizinhas de Minas Gerais e São Paulo, por outro lado, estava expandindo-se e prosperando nos anos do maior envolvimento britânico contra o comércio de escravos, com a elevada receita dos plantadores de café permitindo-lhes pagar pelos escravos de que precisavam, apesar dos navios de guerra britânicos, do alto custo do suborno e de outras despesas causadas pela natureza ilegal do tráfico. Assim, nessa parte do

Brasil, o tráfico mantinha sua vitalidade e os negociantes de escra-

vos continuaram seu negócio com desprezo quase completo pela lei. Em 1849 e 1850, contudo, o governo britânico tomou uma ati-

tude drástica contra os traficantes de escravos nas águas territoriais

brasileiras

com

o mais

completo

desrespeito

pela

soberania

brasi-

9 Bethell, The Abolition, p. 390; Poppino, Brazil, p. 171. 10 Fabio Alexandrino de Carvalho Reis, Breves considerações sobre a nossa lavoura (São Luiz de Maranhão, 1856), p. 3. Em The Atlantic Slave Trade, 1969), páginas 240-241, Philip D. Curtin a Census (Madison, Wisconsin, revela que cerca de oitenta por cento dos escravos africanos que entraram no Brasil entre 1817 e 1843 desembarcaram nas províncias do café e que outros treze por cento desembarcaram nas províncias do nordeste, principalmente a Bahia.

33

leira, com a intenção de obter um compromisso do governo brasileiro no sentido de que este promulgasse lei eficaz contra o comércio de escravos e fizesse com que ela fosse cumprida. 1! Comple tamente

humilhado pelas incursões britânicas nos portos do Império e a captura e destruição de navios negreiros brasileiros até mesmo em águas ter ritoriais

brasileiras,

enfrentando

Império, com conflitos militares

brasileiros, o governo do ceder ante as exigências der os ataques navais. 12 To mostrou-se relutante mais uma ameaça, feita

ameaças

e mesmo

à navegação

um

bloqueio

legal

do

de portos

Império foi obrigado, em julho de 1850, a britânicas em troca da promessa de suspenMesmo então, contudo, o governo brasileiem agir contra o comércio de escravos e em janeiro de 1851, de enviar navios de

guerra britânicos para os portos brasileiros foi necessária para ativar a já há muito adiada supressão do tráfico de afr icanos. Uma vez iniciada, contudo, a campanha brasileira antitráfico foi eficaz e séria. 1

“UMA POPULAÇÃO DE ESCRAVOS DIMINUINDO NATURALMENTE” Com o tráfico já quase terminado em 1852, a pressão britânica foi aliviada. Todavia, um golpe decisivo fora desfechado na escravatura brasileira, já que a população de escravos dessa nação, segundo as palavras do historiador norte-americano Philip D. Curtin, HH Bethell, The Abolition, páginas 327-363; Conrad, “The Struggle ”, páginas 304-349. I2 Ver “Annexo B. Relações entre o Brasil e a Grã-Bretanha. Questão

do

trafico”,

Relatorio

da

repartição

dos

negocios

estrangeiros

apresentado

á

Assemblea Geral Legislativa na terceira sessão da oitava legislatura pelo respectivo Ministro e Secretario de Estado Paulino José Soares de Souza (Rio de Janeiro, 1851), páginas 23-24; “Memorandum of an Interview between Senhor Paulino de Souza and Mr. Hudson, on the 13th. of July, 1850”, Class B., From April 1, 1850, to March 31, 1851, páginas 233-235. 18 Os estudos mais recentes questionam a afirmação do Mini stro da Justiça brasileiro, Eusébio de Queiroz, de que o comércio de escravos terminou devido a uma decisão brasileira independente. Para esta vers ão, ver Perdigão Malheiro, 4 escravidão, II, 262-287. Em Formação hist órica do Brasil (7.º edição, São Paulo, 1967), páginas 200-201, João Pandiá Calógeras afirma que as medidas adotadas no Brasil para acabar com o tráfico nada deviam à Grã-Bretanha, mas Leslie Bethell escreveu, com mais exatidão, o seguinte: “No mínimo, pode ser dito que a ação naval britânica acelerou grandemente, se é que não precipitou só por si, os próprios esforços brasileiros, bem sucedidos no final, para suprimir o comércio de escravos.” Ver The Abolition, páginas 327-363.

34

era “uma população de escravos diminuindo naturalmente”, 14 dependendo do tráfico africano para sua existência permanente. Uma variedade de condições e políticas contribuíram para um excesso de mortes sobre os nascimentos entre os escravos do Brasil e sua

consequente

incapacidade

para manterem

seus números

através da

reprodução natural. Essas condições incluíam uma proporção baixa

de mulheres em relação para os homens, escassez de casamentos e de vida familiar (ver Tabela 18, para estatísticas de casamentos

entre

os escravos),

escravos,

o uso

a

desatenção

frequente

tante tanto para mulheres

habitual para com

de severo

castigo

físico,

quanto para homens,

a prole dos

trabalho

esgo-

roupas inadequa-

das, alimentação e habitação deficientes e pouco higiênicas, juntamente com cuidados médicos pouco eficientes, epidemias e (para os africanos importados recentemente) um novo ambiente pouco saudável. 15 Todas estas condições e o resultante excesso de mortes sobre nascimentos entre os escravos foram confirmados, muitas vezes, durante o século x1x. Em 1823, José Bonifácio de Andrada e Silva afirmou que 40 mil escravos haviam entrado no país durante os cin-

co ou seis anos anteriores sem causarem aumento significante na população de escravos, com a maioria deles morrendo “ou de mi-

séria ou de desesperação. ..” 18 Um cirurgião britânico que vivia no

Rio na década de 1840 afirmou

que

a população escrava

brasileira

estava “diminuindo e seria reduzida à insignificância, exceto pelos carregamentos de africanos que eram trazidos anualmente da costa oposta par substituir os mortos.” Os brasileiros, segundo ele pensava,

não estavam dispostos “a submeterem-se a todas as despesas e ris-

cos inerentes à infância

e à adolescência,

quando...

podem

ir à

14 The Atlantic Slave Trade, página 29. 15 Vários autores, incluindo Gilberto Freyre, Frank Tannenbaum, Stanley Elkins e Herbert S. Klein (ver bibliografia), popularizaram a crença de que a escravidão latino-americana era relativamente humana, mas declarações recentes sobre a escravatura brasileira parecem incompatíveis com esta opinião. Ver, por exemplo, Stein, Vassouras, páginas 132-195; Roger Bastide e Florestan Fernandes, Brancos e negros em São Paulo (2.º edição; São Paulo, 1959), páginas 1-68; Ianni, As metamorfoses do escravo, páginas 131-183:; Fernando Henrique Cardoso, Capitalismo e escravidão no Brasil meridional (São Paulo, 1962), páginas 133-167; €. R. Boxer, The Golden Age of Brazil, 1695-1759

(Berkeley e Los Angeles, 1964), páginas 170-178; Harris, Patterns of Race, páginas 65-78; Viotti da Costa, Da senzala à colônia, páginas 227-299: Carl N.

Degler, Neither Black Nor White (Nova York, 1971), páginas 3-93. 16 Andrada e Silva, “Representação”, páginas 48-49. Segundo Roberto Simonsen, a duração média de vida dos escravos no Brasil era de sete anos. Ver “Aspectos da história econômica do café”, Anais do Terceiro Congresso da História Nacional (Rio de Janeiro, 1941), IV, 262.

35

rua ao lado e obterem qualquer idade

ou sexo

O Senador Cristiano Otoni disse à Câmara

de que precisem” 17

Superior

brasileira em

——

trabalhando um anno, alem de plantar e col her para o sustento, dava

=

escravos haviam sido “indiferentes à duração da vida dos seus escravos”. Os senhores de escravos acredita vam “que o escravo

4

1883 que, enquanto o comércio de escravos durara, os pr oprietários de

produto liquido que cobria, pelo menos, o seu valor; do 2.º ano em diante tudo era lucro. Portanto, para que se preocuparem muito com tlles, quando era tão fácil obter novos por preço baixo?” 18 Em 1849, um cidadão britânico, testemunhand o ante uma comissão da Câmara dos Lordes, declarou: “No Brasil, os escravos estão sendo trazidos continuamente para o país e morrem. O índice de mortalidade nos primeiros dois ou três anos depois da importação, por uma ou outra razão, é enorme.” Aqueles que entr am no Brasil “pouco mais fazem do que ocupar o lugar de gerações qu e morrem.” 19 Apesar da melhoria das condições depois de me ados do século, 2º os escravos do Brasil foram incapazes, até mesm o durante as últimas décadas de escravidão, de manter seus núme ros através de meios naturais. Em 1868, Richard Burton, explorador britân ico, orientalista e cônsul no porto de Santos, ainda afirmava que o excesso de mortes sobre os nascimentos entre os escravos brasileiros

seria o mais importante fator na

extinção da escravatura brasilei-

ra.“ Em 1870, numa era em que o tratamento dos escravos melhorara definitivamente e suas vidas estavam ficando mais longas, o futuro abolicionista, Joaquim Nabuco escreveu o seguinte: “a população

negra,

nós

o confessamos,

não

se

reproduz

como

a branca:

uma

serie longa de causas deprimem-na, aviltão-na, suffocão-na, demasiado para que ella tenha o poder de crescer em sua posteridade.” 22

ai Citado

1846),

no

Remarks

páginas 29-32.

on

ns do Senado

the Slavery and Slave Trade

of the Brazils

(1884), II, 30.

19 Report from the Select Committee of the House of Lords. A ppointed to Consider the Best Means which Great Britain can adopt for the final Extinction of the African Slave Trade, Session 1849 (Londres, 1849), páginas 22-23. 20 Ver Joaquim Floriano de Godoy, O elemento servil e as camaras municipaes da provincia de São Paulo (Rio de Janeiro, 1887), p. 500; Perdigão Malheiro, 4 escravidão, II, 65; Antonio Joaquim Macedo Soares, Campanha juridica

pela

libertação

dos

escravos

(1867-1888)

(Rio

de

Janeiro,

1938),

páginas 40-41. 21 “The Extinction of Slavery in Brazil, From a Practical Point of View”, The Anthropological Review (Londres, 1868), VI, 56; Burton, Explorations 1, 277. gs 22 Joaquim Nabuco, “A escravidão”, RIHGB, Vol. 204 Gulho-setembro, 1949), p. 105.

36



ndres,

Nelson,

e

Thomas

E

17

a

E, em 1871, um deputado nacional da Bahia afirmou

tiva de cinco por cento de

que a estima-

diminuição anual da população de es-

cravos no Brasil era uma condição anormal, com suas raízes nas precárias condições sociais e higiênicas da população escrava. Observando que a população negra livre se estava expandindo através de meios naturais, esse deputado negou que o declínio da população escrava fosse uma consegiiência da raça, atribuindo-o de preferéncia à própria escravatura. 23 As estatísticas existentes sobre a escravidão no Brasil confirmam os numerosos relatórios contemporâneos sobre a incapacidade dos escravos brasileiros aumentarem seus números através de meios

naturais durante o século x1x. O número de escravos no Brasil em 1798, segundo afirmado, era de 1.582.000 (ver Tabela 1). Entre 1800 e 1850, foram importados, provavelmente, 1.600.000 escravos pelo Brasil. “ Se, por conseguinte, a população tivesse sido mantida pela reprodução natural (o que era difícil, é claro, devido ao baixo número de mulheres em relação com o número de homens), os escravos do Brasil deveriam ter sido aproximadamente 3 milhões em 1871, o ano da Lei Rio Branco, que libertou todas as crianças nascidas desde esse momento em diante. Contudo, só havia 1.540.829 escravos registrados ao abrigo das provisões dessa legislação (ver Tabela 2). Em contraste, a população escrava dos Estados Unidos, também

sofrendo um

elevado índice de mortalidade,

embora

menos

chocan-

te, cresceu de cerca de 700 mil para quase 4 milhões entre 1790 e 1860, enquanto a população negra livre dos Estados Unidos também se expandiu durante o mesmo período de 60 mil para quase meio

milhão. 25 Estas estatísticas são ainda mais reveladoras se comparar-

mos as importações totais de escravos para os dois países. A importação total de escravos pela América do Norte britânica foi calculada em 399 mil (entre 1701 e 1870), enquanto o número que, segundo tem sido afirmado, foi transportado para o Brasil é de 3.646.800. 28

Por outras palavras,

o Brasil recebeu talvez dez vezes mais escravos

do que a América do Norte britânica durante um período de tempo 23 Discussão da reforma do estado servil na Camara Senado (2 vols.; Rio de Janeiro, 1871), II, 193-194.

24 Perdigão Malheiro, 4 escravidão, “Subsídios para a historia do trafico Paulista

1.145.400

(São

Paulo,

entre 1811

1941),

e 1860.

X,

305.

Ver

The

dos

Deputados

e no

II, 26; Affonso d'Escragnolle Taunay, africano no Brasil”, Anais do Museu Curtin

calculou

Atlantic

25 Joseph C. G. Kennedy, Preliminary Report (Washington, 1862), P. 7a 26 Curtin, The Atlantic Slave Trade, p. 268.

Slave

on

the

uma

Trade,

Eight

importação

p. 234.

Census,

de

1860

muito mais longo e, apesar disso, durante a totalidad e de sua história, o Brasil nunca teve tantos escravos em qualqu er dado momento

quantos

os que

os

Estados

Unidos

tinham

em

1860.

Apresentando as coisas de outra forma, o número mais elevado de escravos jamais existente no Brasil em qualquer dado mome nto não era talvez mais do que metade do total importado ao lo ngo de três séculos. Em contraste

, os quatro milhões

de escravos existentes nos Estados Uni-

dos em 1860 constituíam talvez dez vezes o número importado. Nos Estados Unidos, a população negra, tant o escrava quanto livre, aumentou quase tão rapidamente quanto a branca antes da Guerra Civil, mesmo sem grande influxo do ex terior, 2 enquanto, no Brasil, a população escrava mal podia manter os níveis existentes, até mesmo com uma vasta importação, e só a po pulação negra livre crescia num índice comparável ao da população branca (ver Tabela 1). Apesar da natureza da escravidão brasileira não ser uma questão discutida neste estudo, vale a pena notar que Philip D. Curtin, Carl N. Degler e David Brion Davis, conhecidos historiadores norte-americanos, reconhec

eram todos a significação de tais fatos na medida em que eles estão relacionados com a atual controvérsia sobr e o caráter da escravidão nos países americanos. Curtin argumentou qu e “uma medida do bem-estar é a capacidade para sobreviver e repr oduzir.” Para Degler, a incapacidade dos escravos no que se referia a so breviverem só pela reprodução é prova convincente de “uma escr avidão dura”. Para David Brion Davis, “parece provável que os plantado res no Brasil. .., que dependiam totalmente de novos fornecimen tos de mão-de-obra da África, eram menos sensíveis do que os norteamericanos quanto

ao valor da vida humana.” 28

A ESCRAVATURA

CONSERVA

SUA

IMPORTÂNCIA

O TÉRMINO do tráfico de escravos para o Brasil teve, de todos os modos, mais efeito na economia brasileira e no sistema escravocrata do Brasil do que o tivera o término virtual do tráfico nas ins21

Alfred

Ante-Bellum

H.

Conrad

South?,

The Reinterpretation páginas 353-354,

e John R.

em

of

Robert

American

Meyer,

William

“The

Fogel

Economic

Economics

e

History

28 Curtin, The Atlantic Slave Trade, p. 92; Degl er, White, páginas 67-69; Davis, The Problem of Slavery (Ith aca,

36

Nova

York,

1966),

páginas

232-233.

of Slavery in the

Stanley

(Nova

L.

Engerman,

York,

1971),

Neither Black Nor in Western Culture

tituições norte-americanas quase meio século antes. Nos Est ados Unidos, a escravatura podia expandir-se mesmo depois do tráfico ter sido eliminado, mas a população escrava brasileira diminuiu rapida -

mente depois de 1850

(ver Tabelas

3, 10,

11). Contudo,

com

talvez

dois milhões de escravos em existência, durante mais quinze anos, a escravatura ainda conseguiu manter seu lugar dominante na vida

econômica

e social

do

Império

quase

totalmente

sem

obstáculos.

Quando o tráfico africano terminou, uma sociedade complacente ajustou-se à nova realidade com um vasto e espontâneo aumento no movimento interno dos escravos, consegiiência da procura constante de mais escravos na região do café e de atitudes imutáveis no

que se refere à própria instituição da escravatura. 2º

Depois da dissolução voluntária, em 1852, da Sociedade contra o Tráfico de Africanos e Promotora da Colonização dos Indígenas, que tinha dois anos de idade, e da extinção simultânea de seu órgão de propaganda de tão curta vida, O Philantropo, não houve qualquer organização antiescravista de qualquer porte ou popularidade no Brasil até a década de 1860 e não existiu, também, qualquer jornal brasileiro que defendesse a abolição da escravatura. Os brasileiros estavam convencidos, escreveu um observador britânico em Pernam-

buco, em 1852, da necessidade de manter a escravatura. Alguns opunham-se ao tráfico de escravos africanos, agora que esse tráfico já fora suprimido eficazmente, mas “nenhum” era contra a escravatura. Os brasileiros defendiam seu sistema de trabalho, escreveu o mesmo observador, “não por razões políticas, mas... por razões de religião e moralidade.” Tanto nos Estados Unidos quanto no Bra-

sil, segundo a previsão desse observador, a escravatura seria destruí-

da, um dia, mas somente, em ambos os países, pela força das armas. 3º

Em meados do século, o sistema de escravos no Brasil já não se encontrava em qualquer perigo imediato, embora estivesse destinado à extinção final devido à perda de sua principal fonte de reno-

vação. Para o período de vida de mais uma geração, sua importância

parecia assegurada. Foram investidas fortunas em escravos e os va29 Conforme Alvin Martin escreveu: “Os mesmos homens que mais vociferaram contra as injustiças do tráfico em escravos nada encontravam de repreensível no fato de manter milhões de africanos na escravidão.” Ver “Slavery and Abolition in Brazil”, HAHR, Vol. XIII (1933), p. 162.

So

Carta do Cônsul

Britânico ao Conde

de Malmesbury,

Pernambuco,

6 de

maio de 1852, Class B., From April 1, 1852, to March 31, 1853, p. 280. Para opiniões semelhantes, ver Class B. From April 1, 1857, to March 37 1858, páginas 126-128; British and Foreign State Papers (de ora em diante BFSP) (1853-1854), XLIV, 1243-1244.

39

lores, assim, aumentaram. As complexas disposições soc iais e econômicas continuavam baseando-se no sistema e à legitimidade da escravatura nos Estados Unidos e o desejo, nesse país, de conservar a instituição onde ela ainda existia proporcionou um baluarte detrás

do qual os brasileiros senhores de escravos podiam repousar, seguros

e virtuosos. No início da década de 1840, na verdade, quando a GrãBretanha ameaçou a escravatura tanto no Texas quanto no Brasil, chegou a pensar-se que havia uma “aliança informal” entre os Estados Unidos e o Império sul-americano, sendo esta comunidade de interesses prolongada, provavelmente, até as vésperas da Guerra Civil norte-americana. $! O costume, a conveniência, uma persistente esCassez de mão-de-obra e até mesmo a necessidade, juntamente com o apoio tácito de um poderoso vizinho ao norte — tudo isso ditava

que fosse mantida a instituição no Brasil.

Em maio de 1862, apenas semanas antes da Batalha de Shiloh na Guerra entre os Estados, o Ministro britânico no Rio ainda não podia encontrar quaisquer indícios no Brasil de uma “disposição para preparar a abolição da escravatura ou para mitigar seus males.” Os brasileiros educados estavam satisfeitos pelo fato do tráfico de escravos africanos ter terminado, mas havia má vontade geral para considerar o problema da própria escravatura, devido a receios da escassez de mão-de-obra e à preocupação com a inviolabilidade da propriedade privada. 2 Todavia, estavam ocorrendo importantes mudanças que viriam a enfraquecer decisivamente o domínio da escravatura sobre a nação. A população de escravos estava diminuindo e os escravos sobreviventes estavam sendo concentrados em regiões

limitadas da nação como areia numa ampulheta. Estes fatos, juntamente com a inaceitabilidade de uma escravatura permanente, reconhecida teoricamente até mesmo no Brasil, fomentou uma lenta rejeição do sistema escravocrata tradicional nos trinta anos que se se-

E De nondence,

TI,

ecretário de Estado Upshur ao Ministro dos Estados Unidos 1 de agosto de 1843, Manning, Diplomatic CorresE tom, para 125; carta do Ministro dos Estados Unidos no Brasil

de 1842, ibid., II, 251. Rio de Janeiro, 8 de tonovembro lmente Webster, eiro l danie , 1844, de que em oficia tomou conhecimen governo brasil O .era política norte-americana resistir à interferência de qualquer

outra nação

nos assuntos do Brasil, “especialmente com referência a importante relaçãoe entre as raças europea e negra tal como essa relação existe no Brasil

no sul de nossa união.? Carta do Ministro dos Estados Unidos no Brasil ao Ministro dos Assuntos Exteriores do Brasil, Rio de Janeir| o, 24 de setembro de 1844, ibid., II, 256-257. 32 Carta de William Christie ao Conde Russell, Rio de Janeiro, 3 de maio (1862-1863), LII, 1311-1312. de 1862, BFSP

«0

guiram a 1850, enquanto muitas inst ituições complementares herdadas da era do domínio português, inst ituições essas menos vulneráveis à crítica estrangeira, continuaram sobrevivendo quase completamente sem obstáculos e sem mudanças.

41

me mm

Sempre ouvi dizer e aprendi, que nos lucros de qualquer industria influe principalmente a taxa dos salarios;

os

fazem parte dos gastos de producção, e quanto menores forem estes maiores serão os 1 ucros; seja pois o salario barato e vereis augmentando o lucro; e pelos mesmos principios, quando o salario for caro, vereis esse lucro diminuir até desapparecer, e acarretar a ruina dos industriosos.

salarios

Deputado JOÃO MAURICIO WANDERLEY (mais tarde, Barão de Cotegipe) na Câmara dos Deputados, 1854.

Se conversarmos com os grandes plantadores, teremos de supor que eles apóiam a imigração no interesse exclusivo das safras do café e da cana de que só querem colonos para trabalhar sua terra em lugar dos escravos. Não querem colonos, mas sim trabalhadores — instrumentos de trabalho — para o benefício de suas empresas.

açúcar,

C.F. VAN DELDEN LAÉRNE Brazil and Java (Londres, 1885).

o

A

CRISE

A ESCASSEZ

DA DA

MÃO-DE-OBRA MÃO-DE-OBRA

Os ANOS que se seguiram ao término do tráfico africa no não constituíram um período de prosperidade ilimitada para a classe dos 42

fazendeiros brasileiros. A preocupação constante do governo pelos produtores agrícolas era causada, em parte, pelos graves problemas que a agricultura enfrentava. Um dos mais sérios era a escassez permanente de mão-de-obra. Esta escassez de trabalhadores foi uma

característica geral

da sociedade brasileira enquanto a escravatura

existiu, já que o trabalho escravo repelia o trabalho livre, tanto nacional quanto estrangeiro, criando exigências quase constantes dos fazendeiros de auxílio por parte do governo na aquisição de novos e pouco dispendiosos trabalhadores. Os proprietários das plantações das ricas regiões do café, que haviam comprado africanos quando eles ainda abundavam, não sentiram esta escassez, provavelmente, tão depressa quanto os plantadores do norte. Seus estabelecimentos rurais encontravam-se entre os que dispunham de mais “braços” e o comércio interno de escravos ajudava a satisfazer suas incessantes necessidades. Os fazendeiros que contavam com abundância de escravos viram seus investimentos aumentarem de valor com o aumento do preço dos escravos causado pela supressão do tráfico africano. Juntamente com o aumento no valor de sua propriedade, houve uma grata expansão da capacidade dos plantadores de café para obter crédito. 1 Para outros fazendeiros, entretanto, particularmente os das províncias do norte, o término do comércio de escravos piorou ainda mais a escassez de mão-de-obra, pois esta aumentou os preços e iniciou um movimento para o sul de escravos sobre os quais pouco controle eles tinham. Contudo, em quase todas as regiões agrícolas importantes do Brasil, incluindo o Vale do Paraíba, muito rico em café, a escassez de trabalhadores rurais era uma queixa constante depois de 1850. 2

A medida que o problema do trabalho se ia Intensificando, os brasileiros começaram considerando várias soluções, incluindo a “reprodução” sistemática dos escravos. Enquanto os fazendeiros haviam tido assegurado um fornecimento regular de africanos, pouco interesse houvera na reprodução natural. º Cerca de dois terços ou mesmo mais dos escravos transportados para o Brasil eram homens e assim, estes continuaram excedendo em muito o número de mulhe1

2

Stein,

Vassouras,

Ibid., p. 47.

Até

p.

29.

mesmo

no pequeno

setor industrial da economia

brasi

leira, que se desenvolveu depois de 1850, houve escassez de mão-de-obra nas décadas de 1870 e 1880, provavelmente devido aos salários “relativamente” baixos pagos aos trabalhadores brasileiros, às deficientes condições

de trabalho e à aversão que havia pelo trabalho regular, gerada

escravocrata. Ver Stein, S Perdigão Malheiro, 4

The Brazilian Cotton escravidão, II, 65.

Manufacture,

pelo sistema

páginas

55-56.

43

res nas Aprovíncias do café , DO Sul e no norte, particularmente nos municípios que mais café produziam, até o final da escravatura. “ udo, os brasileiros olharam esperançosamente para a bem sucedida “reprodução” de escravos nos Estados Unidos e pensaram que o Brasil poderia seguir seu exempl o. O Deputado Silveira da Mota, de São Paulo, afirmou, em 1854, que a “indústria de reprodução de escravos” nos Estados Unidos ainda nã o se desenvolvera no Brasil. ? No ano seguinte, um fazendeiro da prov íncia do Rio de Janeiro observou que a facilidade que houvera em adquirir escravos da África “constituiu um embaraço à propagação da raça escrava entre nós”. Todavia, o sucesso da “reprodução” dos escravos norte-americanos oferecia a esperança de que o Brasil também pudesse aumentar sua população escrava existente, se os fazendeiros prestassem “mais solicitude pela gravidez, mais zelo e cuidado para com os recém-nascidos e as crianças.” Os plantadores, pensava ele, deveriam promover o aumento dos escravos por todos os meios compatíveis com a moralidade e a religião. Roupas melhores, habitação e alimentação mais convenientes, mais cuidados com os doentes “e outros alvitres que são em geral desprezados entre nós” resultariam

na sobrevivência de muitos escravos “que hoje se sacrificarão pelo desleixo e incuria...”8 Um deputado do Maranhão, cujo breve tratado sobre a agricultura

de sua província natal foi publicado

em

1856,

que o Maranhão pudesse ser bem sucedido, seguindo da Virgínia, um papel que se esperava dessa província:

duvidava

de

o exemplo

Como outr'ora se esperava tudo da liberdade do trafico pelo descoroçoamento da Inglaterra, espera-se hoje pelas maravilhas da reproducção das nossas escravas, e não falta quem allegue o edificante exemplo das coudelarias humanas dos Estados Unidos da América.

Depois

de descrever as “fazendas

este autor questionou mesmos resultados:

a

capacidade

de reprodução”

dos

brasileiros

da Virgínia,

para

obter

os

Poderemos porem esperal-o? Será licita, honesta e util a nossa provincia, a propagação de tais ideas, a imitação de tal exemplo? Estarão mesmo os 4 Ver Tabelas 4, 16, escravos nas fazendas

Janeiro

eram

do

18. Durante a década de 1820, 77 por cento dos de um município de café da província do Rio de

sexo masculino;

no

final

da década

de

apenas 56 por cento do total. Ver Stein, Vassouras, páginas 5 AnnãEs da Camara (1854), IV, 246. 6 Lacerda Werneck, Ideas sobre colonisação, páginas 22.97. 44

1880,

76-77.



eram

nossos lavradores dispostos a empregar todo esse desvelo, todo esse cuidado crianças, e communicação entre os dois sexos? Não o cremos, nem devemos que alli dá a alimentação, vestuario e habitação dos negros, tratamento das ambicional-o. *

O pessimismo desse autor era justificado, pois não há qualquer prova de que a reprodução de escravos, sistemática e eficiente, fosse comum nas províncias exportadoras ou mesmo de que os senhores de escravos dessem, geralmente, cuidados especiais às crianças que lhes eram concedidas pela Providência. O que aconteceu foi o uso espontâneo de escravos disponíveis, incluindo filhos não planejados. Ao contrário das eficientes regiões exportadoras de escravos dos Es-

tados Unidos, as províncias exportadoras do Brasil, não conseguindo organizar uma indústria potencialmente lucrativa, aumentaram as populações de escravos das províncias mais importantes apenas marginalmente, com São Paulo sendo a única e notável exceção, e fracassaram, assim, no que se refere a reabastecer suas próprias forças de mão-de-obra cativa (ver Tabela 3).º Se, por um lado, os brasileiros senhores de escravos só raramente eram reprodutores “conscientes” de escravos, a verdade é que

as estatísticas sobre o casamento sugerem que, como uma questão prática, eles antecipavam com fregiiência as vendas de escravos adiantadamente. Num país em que quase todos os casamentos eram religiosos e que os casamentos entre escravos eram teoricamente tão sagrados quanto os das pessoas livres, os proprietários prevendo vendas futuras poderão ter desencorajado as uniões permanentes, parti-

cularmente depois de 1869, quando a separação de escravos casados,

pela venda, foi declarada

ilegal. Na realidade,

cadas pelo Ministério da Agricultura

as estatísticas publi-

(ver Tabela 18) mostram

que

os casamentos entre escravos eram infreqientes em algumas das províncias do norte, do nordeste e do sul e até mesmo na cidade do Rio de Janeiro. embora sendo relativamente comuns em São Paulo e Minas Gerais, onde os proprietários que adquiriam escravos para

posse de longo prazo se inclinavam menos para desencorajar as uniões permanentes. Esta hipótese poderá ser apoiada pelo fato de

7 8

que

Carvalho Reis, Breves considerações, p. 6. Num brilhante ensaio, Alfred H. Conrad

uma

“operação

dos Estados

escravas

nos

especializada

Unidos era importante estados

tanto

de

reprodução”

para

exportadores

aumentar as populações de escravos nos anual de 18 por cento de 1790 a 1850. in the

Ante-Bellum

South,”

páginas

Grifo no original. e John R. Meyer

o

nos

desenvolvimento

quanto

das

importadores,

estados do Ver “The

351-355.

estados

Golfo por Economics

mostraram

da fronteira

populações

ajudando

a

uma média of Slavery

45

que, embora os homens fossem em número consideravelmente mais elevado do que as mulheres, em São Paulo e Minas Gerais, os casamentos eram mais comuns nessas províncias do que em outras, onde a proporçã

o entre os sexos era mais natural. º Uma solução possível para o problema da mão-de -obra, que recebeu mais atenção do que a reprodução planejad a, foi a promoção da imigração chinesa, européia e africana. Os trabal hadores chineses jamais foram levados para o Brasil em grande nú mero, mas sua introdução foi proposta muitas vezes e chegou, de vez em quando, a ser tentada. Em 1807, um economista baiano Já sugerira que os brasileiros importassem trabalhadores chineses e das Índias Orientais; *º pouco depois disso, o Ministro dos Assuntos Ext eriores de Portugal, no Rio, considerou a importação de dois milhões de chineses para o Brasil. 11 Todavia, nenhum esforço sério foi realizado para embarcar trabalhadores chineses para o Brasil enquanto a tradicional fonte de “braços” para os campos persistia; mas. depois de meados do século, verificou-se um novo interesse pela importação de trabalhadores chineses. 12 9 Outras das prováveis causas da infrequência dos casamentos entre escravos foi o elevado custo da cerimônia. Depois da abolição, muitos dos antigos escravos foram impedidos de casar na igreja devido às tarifas existentes, alegadamente iguais a dezesseis xelins por casal, mesmo nos casos de vários casamentos serem realizados numa só cerimônia. No final de 1888, um senador brasileiro queixou-se de que os antigos escravos que tentavam casar-se tinham de pagar até cinco libras esterlinas e mesmo mais nos distritos rurais, onde as tarifas eram mais elevadas devido às distâncias que os padres tinham de viajar. Ver Foreign Office, Diplomatic and Consular Reports on Trade and Commerce. Brazil. Report for the Years 1887-1888 on the Finances, Commerce, and Agriculture of the Empire of Brazil (Londres, 1889), p. 40. 10 João Rodrigues de Brito, Cartas economico-politicas sobre a agricultura e commercio da Bahia (Bahia, 1924), p. 58. 11 FEschwege, Pluto Brasiliensis, II, 452.

12

YViotti da

Costa, Da senzala

à colônia, p. 140;

José Honório

Rodrigues,

“Brasil e Extremo Oriente”, Política Externa Independente, Ano 1, N.º 2 (Agosto de 1965), páginas 65-69: Memoria sobre a emigração chineza, 1855, AN, Cod. 807, Vol. 16, páginas 565-592; Carvalho Reis, Breves considerações, p. 22; Lacerda Werneck, Ideas sobre colonisação, páginas 75-80. Werneck, tal como outros oponentes mais recentes da imigração chine sa, aceitara a doutrina racial do tempo. Os chineses “pertencem, como todas as nações asiaticas, a essas raças que estão condenadas a desaparecer da superficie germanicas

sação

da

terra, como

e neo-latinas.”

duvidosa,

chineses são “uma

são

46

lama...

pó...

inerte

a lia da civilisação, ao

no

A

raça

chinesa

progresso...”

especie de monstros, nada.”

era

Nem

mero

contacto

“estacionaria,

mesmo

quer no corpo,

são

de

das

nações

uma civili-

humanos;

quer no

espirito...

os

Apesar de pouco ter sido realizado nas décadas de 1850 e 1860,

a importação de trabalhadores chineses voltou a ser debatida seriamente com o declínio da população escrava e a ameaça da abolição nas décadas de 1870 e 1880. “Achar novos braços que substituam o do escravo,” escreveu Salvador de Mendonça no seu ensaio Trabalhadores asiáticos, em 1879, “tão baratos como o deste, porem mais

peritos e intelligentes, de modo que beneficiem o nosso café para concorrer no mundo inteiro como producto similar de outras procedências, é o unico meio de conjurar a crise por que passamos... É

um fato reconhecido em todo o Brasil que a primeira necessidade é trabalho barato.” 1º Com os europeus ainda não parecendo dispostos a entrarem no Brasil em grandes números, acreditava-se que os chineses apresentavam várias vantagens. Eram, segundo se sabia, mais baratos e mais fáceis de dirigir do que os europeus. Os imigrantes da China não ofereciam as perigosas pretensões políticas dos europeus. Ansiando sempre por voltar a sua terra natal, argumentavam os promotores do plano, os chineses não se prenderiam permanentemente ao solo brasileiro para “mestiçar” a população. O “coolie” viria e partiria, “um agente produtor temporário”, deixando atrás dele os produtos de seu forte braço — o barato e dócil insde trabalho,

trumento

semelhante

ao dos

escravos,

a

ajudaria

que

transpor o abismo entre a escravidão e a liberdade, revivendo a eco-

nomia brasileira que estava em declínio e preparando o terreno para o europeu, que seria o verdadeiro povoador do solo brasileiro. 1* Os vários esforços para encontrar uma solução chinesa para o problema 13 Salvador de Mendonça, Trabalhadores asiáticos (Nova York, 1879), páinas 17-19. Bocayuva, estas, ver ibid., páginas 9-26; Quintino Para idéias como já A crise da lavoura (Rio de Janeiro, 1868); Congresso Agricola, Colecção de das conveniências e (Rio de Janeiro, 1878); Demonstração documentos vantagens a lavoura no Brasil pela introducção dos trabalhadores asiaticos (Da China) (Rio de Janeiro, 1877); o debate de 1879, na Câmara, sobre

a

questão

dos

chineses,

especialmente

o

discurso

de

Martim

Francisco

Ribeiro de Andrada, Annaes da Camara (1879), V, 32. Em 1870, o governo brasileiro deu uma concessão para a importação de trabalhadores chineses, mas os concessionários, em 1875, já não tinham esperanças de sucesso sem

um tratado comercial brasileiro-chinês. Ver Colecção das leis do Império (1870), II, 382-386; The British and American Mail, Rio de Janeiro, 9 de março

de

1878.

estabelecer um

O

governo

brasileiro

tentou

tráfico regular de asiáticos,

mas

de

novo,

em

1879

e 1880,

advertências dos Positivistas

e abolicionistas brasileiros, bem como da Sociedade Anti-Escravatura Britãnica e Estrangeira, sobre sua provável escravização, de fato, esmoreceu o interesse chinês. Ver Annaes da Camara (1879), III, 295-299; Rio News, 24 de setembro de 1879; 25 de janeiro de 1880; Miguel Lemos, Immigração Chineza

(Rio

de

Janeiro,

1881),

páginas

5-15.

47

do trabalho também foram frustrados, contudo, em parte pelos determinados argumentos racistas dos oponentes da imigração chinesa. A imigração européia, conforme Emília Viotti da Costa demonstrou, estava intimamente relacionada com a questão da emancipação e do problema da mão-de-obra. Desde o momento em que o comércio de escravos africanos pareceu ameaçado pela ofensiva diplomática britânica, depois das Guerras Napoleônicas, os brasileiros recorreram aos trabalhadores europeus para substituir os escravos negros e, à medida que o problema do trabalho se tornava mais severo, depois de 1850, o interesse pela imigração européia foi aumentando. Os plantadores do Brasil, em especial os de São Paulo, desejavam estimular a imigração da Europa, principalmente como um meio de adquirir camponeses europeus para substituir os ocupantes das suas senzalas. O Governo Imperial, por outro lado, propôs periodicamente uma política tendo por objetivo criar núcleos de colonos europeus, “centros de atracção”, através de concessões ou vendas de pequenos lotes de terra em regiões ricas e saudáveis com acesso a transportes. 1º O principal objetivo desta política era o enriquecimento e a civilização do Império através da criação de comunidades independentes com acesso a terras e mercados, mas a organização social e econômica do Brasil, especialmente o sistema dos latifúndios, excluía

o desenvolvimento

robusto

até pouco antes da abolição da jamais conseguiu desenvolver-se seja a instalar muitos lavradores necessidades de mão-de-obra das

de tais núcleos. 168 Na

realidade,

escravatura, a imigração européia suficientemente, no que se refere na terra ou, então, a satisfazer as plantações. 1” Até mesmo durante

a última década da escravatura, quando o movimento abolicionista e o declínio da população escrava já causavam uma ansiedade invul15 Viotti da Costa, Da senzala à colônia, páginas 65, 69: Memorandum em que são expostas as vistas do Governo Imperial a respeito da colonisação e immigração para o Brasil, AN, Cod. 817, Vol. 19, páginas 1-4.

16 Fernando Henrique Cardoso revelou os dois objetivos conflituosos da imigração no seu estudo do Rio Grande do Sul. Os pró-imigracionistas nessa província desejavam um influxo de estrangeiros independentes para estabelecerem “novas formas de propriedade e novos tipos de relação de produção...” Os fazendeiros, quando defendiam a imigração, tendiam para preferir trabalhadores para suas propriedades, obrigados ao trabalho por meio de contratos. Ver Capitalismo e escravidão, páginas 214-218. Para causas da demora na imigração, ver Smith, Brazil, páginas 119-120, 398-408. 17 No que se refere ao fracasso dos esquemas da imigração paulista, ver

Paula

Beiguelman,

políticos

munity

(São

Paulo,

4

to Metropolis

formação

1968),

46

páginas

(Gainesville,

140; Smith, Brazil, páginas

do

povo

77-89;

Florida,

120-122.

no

complexo

Richard

1958)

M,

páginas

cafeeiro:

Morse,

71

From

aspectos

114-115,

Com-

139-

gar com referência às necessidades de mão-de-obra, os fazendeiros. de São Paulo foram os únicos capazes de organizar um movimento

maciço de europeus para suas fazendas. Contudo, isto também não: ocorreu antes do sistema de escravos já se ter desmoronado quase

completamente nessa província. 18 Os europeus, de um modo geral, não consideravam o Brasil um lugar muito atraente para se instalarem. Desapontados pelo contraste entre a realidade brasileira e as promessas dos agentes brasileiros, esses imigrantes europeus depressa descobriram que, no Brasil, não podiam competir com o trabalho: escravo ou adquirir terras perto de transportes e mercados. 1º Algumas colônias foram criadas por ação do governo, particularmente nas províncias do extremo sul, mas, fora algumas exceções, mesmo: essas não serviram como centros irresistíveis de atração para os europeus. A imigração, além disso, também não constituiu uma solu-ção para o problema da mão-de-obra até que a crise do final da década de 1880 forçou os fazendeiros a tomarem medidas de emer-

gência para aumentar toras de café. A importação de frequentemente, tanto escravos africanos. Em

o fluxo de europeus para as fazendas produ-

“colonos” africanos também foi recomendada. antes quanto depois da abolição do tráfico de 1826, o ano em que o governo brasileiro concordou acabar com o tráfico, já fora apresentada uma proposta para estabelecer uma companhia monopolística para negociar em “colonos negros”, proposta essa que foi bem recebida pela Câmara dos

Deputados, mas qualquer ação nesse projeto

foi desencorajada pelo:

governo britânico e, depois, pelo advento do tráfico ilegal. 20 Quando, porém, a ameaça britânica ao tráfico africano se tor-

nou

mais

séria,

houve

novas

propostas

para

importar

“colonos”

africanos. 2! No auge da crise de 1850, quando oficiais e marinheiros

18 Alfredo Ellis, Jr., 4 evolução da economia paulista e suas causas (São Paulo, 1937), páginas 180-181. 19 Viotti da Costa, Da senzala à colônia, páginas 66-67. Ver o AngloBrazilian Times, 1.º de outubro de 1881, para uma declaração sobre o fracassoda imigração, “repelida parcialmente pela existência da escravatura, pelas. deficiências do sistema de terras e pelos perigos sanitários de nossas cidades. marítimas...” 20 Pessoa da Silva, Memoria, páginas 20-23; Annaes dae Camara (1826), IV, 139; carta de Heatherly a Bidwell, Rio de Janeiro, 26 de janeiro de1829, Class B., 1829, p. 81; carta de Aston a Aberdeen, Rio de Janeiro, 27 de março de 1830, Class B., 1830, p. 39. 21 O Monarchista, 29 de setembro e 10 de outubro de 1848: Recordações da vida parlamentar do advogado Antonio Pereira Rebouças (2 vols.: Rio: de Janeiro, 1870), II, 237-238.

49

britânicos eram atacados na capital brasileira em represálias aos ataques navais a portos brasileiros e à navegação, um tal Antônio Pedro de Carvalho preparava uma proposta para legalizar a importação de “colonos” africanos pelo Brasil. O projeto de Carvalho, que talvez tenha chegado às mãos do próprio Imperador, era uma medida de emergência que tinha por objetivo fornecer mão-de-obra suficiente para o trabalho de construção e para as tarefas agrícolas mais pesadas, realizadas a pelo menos três léguas ou mais de distância de povoações importantes e de cidades. Segundo ele, o governo brasileiro deveria negociar tratados com as nações interessadas na abolição do tráfico de escravos (presume-se, a Grã-Bretanha) para permitir que os navios brasileiros fossem autorizados a transportar todos os “colonos” africanos necessários. 22 Em 1855, um jornal brasileiro apresentou os seguintes comentários e sugestões sob o título de “Agricultura e Escassez de Trabalhadores”: Desde que

as

violencias

dos cruzeiros ingleses obrigaram

o nosso

governo

a

tomar medidas de repressão do tráfico de africanos, o pensamento dominante dos administradores do paiz devia ser o de procurar os meios para substituir os braços que á lavoura iriam faltar em consequencia dessa repressão. Assim como a Inglaterra tem colonos d'Africa e os sujeita a um codigo especial, a um regimen de escravos, conservando-lhes o titulo de livres, o Brasil tambem podia receber como trabalhadores livres para o cultivo de suas lavouras os africanos que venham a suas costas como objecto de compra e venda. Que os negros são os melhores colonos para a lavoura do Brasil e que ao menos por muitos annos os nossos agricultores não os podem dispensar nos seus trabalhos agricolas, é isto uma verdade que não sofre contestação.

Os comandantes de navios antes envolvidos no comércio de escravos, acreditava o mesmo autor, poderiam regressar à importação “desses generos de primeira necessidade...” 23 Num trabalho enviado ao Imperador em 1858, outro autor destacava a importância dos megros “para a lavoura e outros trabalhos grosseiros do nosso Paiz, a que só elles podem resistir”, aconselhando sua admissão como colonos livres. O Império brasileiro, afirmava ele, requeria um grande influxo de colonos, “seja quaes forem suas condições — pretos, ama-

relos ou brancos...” 24

22 23 24

Antônio a

Pedro 113 de .56Carv 4, alho,

0

de lei p para reeu l r gula

O Popular, Porto das Caixas, 17 de março de 1855. F. L. da €C. Pimentel, Estatutos da Companhia Libertadora

«dora dos direitos da humanidade de

Projeto

1860,

muitos

fazendeiros

(Rio de Janeiro, 1858), p. vii.

e mesmo

alguns

estadistas

ainda

escravid idãão

a

ou

Na

Repara-

década

acreditavam

É

em

Uma série de leis referentes à locação de serviços, promulgadas 1830, 1837 e 1879, pouco contribuíram, provavelmente, para solu-

cionar o problema da mão-de-obra, mas revelam, contudo, os desejos constantes dos fazendeiros brasileiros de manter o controle de sua força trabalhista mais pela obrigação legal do que pela concessão de incentivos.

À

primeira

dessas leis, aprovada

pela Assembléia

Geral

poucos meses depois do tráfico de escravos se tornar ilegal, autori-

zava os fazendeiros a contratar estrangeiros para trabalho agrícola por períodos de tempo não especificados. Os trabalhadores assim empregados só poderiam romper seus contratos se pagassem salários não ganhos e indenizassem seu patrão em metade da receita que eles teriam ganho se completassem seus contratos. Os empregados que não cumprissem seus contratos estavam sujeitos à prisão ou até a trabalhos forçados até que suas dívidas fossem pagas. A contratação de “africanos barbaros” sob estes termos era ilegal, “á exceção daquelles que actualmente existem no Brazil.” 2 Sete anos mais tarde, uma segunda lei de locação de servicos foi aprovada. Esta lei, que permitia que indivíduos ou sociedades

de colonização concluíssem contratos com trabalhadores brasileiros ou estrangeiros, dava uma vantagem decisiva aos usuários da mãode-obra. Os empregadores podiam despedir os trabalhadores por vários motivos, mas os empregados despedidos ainda eram obrigados

a pagar as dívidas que haviam contraído no processo de seu empre-

go e embarque para o Brasil. As pessoas contratadas que não priam com suas obrigações podiam ser condenadas a trabalhos cados. Os trabalhadores que abandonavam seus patrões sem causa antes de terminarem seus contratos podiam ser detidos e rem presos até pagarem a seus patrões o dobro da quantia de

cumforjusta ficasuas

dívidas ou até terem trabalhado duas vezes a duração de seus contratos. As pessoas que ajudavam

os colonos a fugir também

estavam

sujeitas à prisão ou ao pagamento de duas vezes as dívidas dos fugitivos. Os trabalhadores que terminavam seus contratos recebiam

certidões de liberação e a falta de um tal documento seria a prova 28 ado. contrat homem um de o contrat de violação da legal Em

1879, nas vésperas da luta abolicionista, uma

terceira lei de

locação de serviços foi promulgada para proporcionar um sistema de meeiros ao abrigo de contratos de longa duração. Segundo esta que a prosperidade brasileira dependia da importação Ver

25 26

Ferreira

Soares,

Notas

Colecção das leis do Ibid. (1837), 1, 99.

estatisticas,

Imperio

p.

(1830),

6.

I, 32-33.

de escravos

da África.

lei, os trabalhadores que não cumprissem com suas obrigações estavam sujeitos à prisão e eram obrigados a regressar a seu trabalho depois de suas sentenças serem cumpridas. 2? A aplicação de tais leis era difícil, provavelmente, mas tiveram o efeito de piorar ainda mais a reputação do Brasil entre possíveis imigrantes. Em 1884, Alfredo d'Escragnolle Taunay, conhecido autor e abolicionista, disse à Câ-

mara dos Deputados que a acusação, tantas vezes ouvida na Europa, de que o Brasil estava tentando transformar europeus em servos, se. não escravos, tinha por base, principalmente, essas leis de locação de serviços de 1830, 1837 e 1879, todas elas contendo artigos penais que

a liberdade humana. 28

afetavam

gravemente

PÁRIAS

BRASILEIROS

CONSIDERANDO a intensidade do clamor por trabalhadores e da severidade da escassez de mão-de-obra, é notável que tão pouco interesse se tenha revelado pelas centenas de milhares de brasileiros indigentes que subsistiam à margem da economia ou que conseguiam viver à custa de esmolas, do vício ou do crime. Em parte, a escravatura também foi responsável por este grande problema social, já que, enquanto havia mão-de-obra escrava disponível, os fazendeiros pouco se inclinavam para contratar homens e mulheres livres — e os brasileiros pobres, muitos deles antigos escravos, tinham certa relutância, por seu lado, em aceitarem as dificuldades e até a degradação que a vida na fazenda implicava. Em

grande

giões onde

Brasil,

parte do

mais

os escravos eram

na verdade,

abundantes,

especialmente

nas

os fazendeiros

re-

hesi-

tavam em empregar brasileiros pobres, já que a experiência mostrara que, muitas vezes, eles não estavam dispostos a curvar-se ante os

rigores da vida na fazenda em troca das recompensas duvidosas que os fazendeiros

podiam

queriam

ou

pagar.

Não

havia

escassez

de

trabalhadores no solo brasileiro, mas, para os fazendeiros ávidos de trabalho, colocar os brasileiros nativos numa base permanente de trabalho sob as condições prevalecentes na época parecia apresentar 27 Ibid. (1879), Parte I, Vol. XXVI, páginas 11-18. 28 Annaes da Camara (1884), II, 210-211. Referindo-se a estas mesmas leis, um jornal abolicionista do Rio, a Gazeta da Tarde, declarou, em 8 d

julho de 1884, o seguinte: fossem

52

baratos,

tão baratos,

“A

que

lavoura

queria

parecessem

de

braços,

muitos braços

graça...”

e

ars

E

maiores obstáculos do que os envolvidos em adquirir novos escravos de outras partes do Brasil ou até trabalhadores chineses, que tinham a reputação de serem mais ambiciosos do que os brasileiros marginais. 2º Havia milhões de brasileiros que nada faziam, afirmou uma delegação de fazendeiros ao Congresso Agricola de 1878, num período em que o declínio da escravatura despertara um novo interesse pelos brasileiros indigentes e desempregados. Havia milhões que viviam num barbarismo parcial ou completo, raramente trabalhando, devido a estarem habituados às privações e à miséria. *º “Seis mi--

lhões de pessoas”, escreveu um francês inquisitivo, defensor da escravatura brasileira, cerca de 1881, “nascem, vegetam e morrem sem terem servido seu paiz.”º%1 A gente do interior era completamente desempregada, disse outro estrangeiro, em 1883, falando com um toque de desdém, “além de possuir 'ponchos” com linhas vermelhas e armas para massacrar pequenos passaros”. O lar dessa gente do interior era “um simples telhado de arbustos, com um pequeno espaço debaixo dele e com as paredes feitas de paus e ripas, sendo tudo amarrado junto por meio de trepadeiras secas...” º A população do Brasil, testemunhou um escritor em 1878, “é pobre de sangue, não se alimenta, não sabe o que é higiene, não sabe o que é civilização.” 33 Numa sociedade em que o trabalho era servil, mal pago € identificado com a escravidão, o pária brasileiro preferia, em muitos casos, sua precária existência campo estava infestado

preguiçosos,

mas

rural ao emprego regular nas fazendas. O com vagabundos — inúteis, não por serem

porque,

conforme

disse Joaquim

Nabuco,

“não

tinham em torno de si o incentivo que desperta no homem pobre avista do bem-estar adquirido por meio do trabalho...” 3 As principais causas deste dilema, como Nabuco e outros abolicionistas vie2? 80 81

82 88

Beiguelman, 4 formação do povo, páginas 122-124. Congresso Agricola. Colecção de documentos, p. 58. Louis Couty, L'esclavage au Brésil (Paris, 1881), p.

Rio News, 15 de abril de 1883. Colecção de Congresso Agricola.

87.

documentos, p. 189. Para uma discussão sobre o imenso “elemento indefinido socialmente” do Brasil, conforme existia no final do século XVIII, ver Prado, Formação do Brasil, páSR ginas 279-283. (Londres, 1883), páginas 165-166. 34 Joaquim Nabuco, O Abolicionismo

Convencido

de que a escassez da mão-de-obra era um mito,

o abolicionista

mulato, André Rebouças, argumentou que aquilo que faltava ao Brasil não era gente, mas sim a moralidade, a caridade, a educação, a indústria e as comunicações necessárias para melhorar o bem-estar da população com que já contava. Ver Agricultura nacional, páginas 50, 383.

53

ram a afirmar durante os últimos anos da escravatura, eram a própria escravatura e o sistema das fazendas. Os fazendeiros, com suas grandes propriedades, acreditavam eles, monopolizavam a vida econômica da nação, impedindo o desenvolvimento de mercados e de pequenas propriedades. Sem receberem pagamento por seu trabalho, os trabalhadores desapareciam. %5 O fato de a escravatura ser uma causa importante desse desem-

prego dos brasileiros livres foi tornando-se mais óbvio à medida que

, a escravatura declinava e que mais gente indigente do interior e até antigos escravos eram atraídos pela agricultura, como assalariados, meeiros ou rendeiros. Tais soluções foram particularmente comuns no nordeste, onde a escravatura declinou mais rapidamente do que nas províncias do café durante as três décadas que se seguiram a 1850. Até mesmo na região centro-sul, contudo, os fazendeiros que haviam duvidado de sua capacidade para atraírem trabalhadores Jivres, brasileiros ou estrangeiros, começaram descobrindo em 1887 e 1888, com o colapso da escravatura, que havia toda espécie de trabalhadores disponíveis para os fazendeiros dispostos a lhes pagarem, embora em São Paulo, pelo menos, os trabalhadores brasileiros continuassem sendo considerados a classe menos desejável de trabalhadores. $º Contudo, até serem realmente necessários para o sistema de fazendas, os brasileiros livres pobres apenas representaram um papel marginal na economia dominante, com os plantadores de café continuando a duvidar de que eles pudessem proporcionar um substituto satisfatório para os escravos até as vésperas da abolição. 37

O INFELIZ NA

NEGRO

DÉCADA de

1850,

na verdade,

cionais, tolerantes,

eram

forçados

a “solução”

para

o problema

do trabalho continuava sendo o escravo em quase todas as regiões do país. Para mantê-lo sob a sujeição de seu senhor, os regimes na-

a deixar de lado ou a ignorar

as inconveniências legais. Nessa década, na realidade, os proprietários de escravos tinham razões para acreditar que estavam sendo paréº

Joaquim

Nabuco, Conferência

a 22 de Junho

de

1884 no

Teatro

Poly-

theama (Rio de Janeiro, 1884), p. 21; Nabuco, O Abolicionism o, pági 165166; Manifesto da Confederação Abolicionista do Rio de Janeiro nas (Rio de Janeiro, 1883), p. 18. 36 Beiguelman, 4 formação do povo, páginas 121-132, ST Godoy, O elemento servil, páginas 76, 100, 117.

54

ticularmente favorecidos pelo estado. Poucas ou nenhumas provas existiam para sugerir, por exemplo, que o Governo Imperial ou qualquer ministério viesse jamais a tomar medidas para libertar as centenas de milhares de africanos (e sua prole) transportados para o Brasil depois de 7 de novembro de 1831, todos eles legalmente livres segundo o artigo primeiro da lei antitráfico dessa data. O governo brasileiro, na verdade, jamais tomou quaisquer medidas para devolver a liberdade a esses africanos escravizados legalmente. O número de pessoas mantidas ilegalmente como escravas era de quase meio milhão, segundo calculou o Ministro britânico no Brasil em 1862, mas ele advertiu seu governo de que o regime brasileiro “DOT

razões semelhantes âquelas que os impedem de procurar lidar com a questão geral da escravidão, receberiam provavelmente qualquer representação do Governo de Sua Majestade com forte repugnância e oposição.” 38 Antes de 1872, no Brasil, não havia qualquer necessidade de registrar os escravos e os proprietários não tinham recibos para os escravos importados ilegalmente. Contudo, a posse de tais escravos raramente era questionada, até mesmo quando suas idades e origens africanas eram prova convincente de seu direito à liberdade. $º O sistema escravocrata brasileiro baseou-se nessa legalidade dúbia durante quase meio século de sua existência. Todavia, durante a maior parte desse tempo, os governos, os tribunais, o Imperador e a maioria da imprensa do Brasil ignoraram o destino dessas centenas de milhares de pessoas. A lei de 1831 jamais foi revogada ou rejeitada pelos tribunais e, na realidade, sua validez foi afirmada pelo Conselho de Estado em 1856. 4º Nas décadas de 1870 e 1880. alguns advogados abolicionistas, nomeadamente Luiz Gama e Antônio Joaquim Macedo Soares, libertaram muitos escravos com base nesta velha lei, “supostamente revogada pelo... desuso.”4 No entanto, a maioria dos juízes e tribunais ignoravam essa inconveniência legal e apenas uma pequena minoria dos africanos importados

ilegalmente ou seus descendentes puderam beneficiar-se de suas prin38 Carta de Christie ao Conde Russell, Rio de Janeiro, BFSP (1862-1863), LIII, 1312. 89 Em 1862, foi calculado que, se todos os senhores

obrigados

a provar

quartos dos escravos

a propriedade legal brasileiros

seriam

2 de maio de

de

escravos

1862, fossem

das pessoas que escravizavam, três

considerados

livres.

Carta

do Cônsul

Britânico a Christie, Bahia, 14 de julho de 1862, Class B., 1862, p. 122. | 40 Macedo Soares, Campanha juridica, p. 83.

41 “A lei de 7 de Novembro de 1831 está em vigor”, em ibid., páginas 72: Evaristo de Moraes, 4 campanha abolicionista (1879-1888) (Rio de neiro, 1924), páginas 176-186; Gazeta da Tarde, 15 de dezembro de e 15 de março de 1884; Rio News, 24 de abril de 1883.

29Ja1880 |

55

cipais

provisões. Em

1883, um

tribunal brasileiro

ainda

chegou

a

inverter a decisão de um juiz de libertar africanos presumivelmente importados depois de 1831, não com base no fato de a lei não estar em vigor, mas sim porque o tribunal “não estava satisfeito com a evidência produzida no que se refere a provas de idade e de nacionalidade”.42 O fracasso em aplicar a lei tinha uma causa muito simples: fazê-lo teria significado a libertação de uma grande parte da população escravizada, quase o equivalente prático da abolição, o que, até os meses finais da escravatura, dificilmente poderia ter sido realizado com a tolerância da elite brasileira, proprietária de terras. O melhor indicador da fé dos fazendeiros na boa vontade das autoridades para com. eles eram os anúncios que os senhores de escravos colocavam nos jornais para a devolução de africanos fugitivos demasiado jovens para terem entrado no Brasil antes de 1831 e, por conseguinte, manifestamente livres se a lei fosse respeitada. Os governos do Brasil foram descuidados, de um modo geral, quanto ao direito à liberdade desses negros. Exemplo particularmente escandaloso de negligência

envolveu

uma

categoria de africanos

co-

nhecidos como os “emancipados”, os quais, durante a primeira metade do século xIx, haviam sido retirados dos navios negreiros, libertados pela comissão mista britânico-brasileira no Rio de Janeiro e colocados sob a custódia do Governo Imperial. Nos tratados de 1817 e 1826 com a Grã-Bretanha, o Brasil comprometera-se a assegurar a liberdade desses africanos livres com eles trabalhando como criados e trabalhadores livres, mas a verdade é que, durante quase meio século, os funcionários e os governos brasileiros desdenharam aflitivamente essas obrigações. “*

Em 1826, juízes britânicos no Rio de Janeiro informaram que os registros dos emancipados já estavam num tal estado de confusão e negligência que “aqueles cuja liberdade havia sido garantida pelo governo tinham sido perdidos de vista.” 4 Em 1832, o Ministro da Justiça do Brasil, o Padre Feijó, revelou a situação precária da liber-

dade dos emancipados. 42

South

43

ToJss

Para

refere

American

Journal,

tais anúncios,

Gazeta de Noticias, a

protestos

Os proprietários

ver

contra

16 de agosto

de

Rio

prática,

Gazeta

Janeiro, ver

de 1882; Rio News, 24 de dezembro de 1882. 44 Ver cp

Bethell, páginas

The 168-169;

1883.

O Cruzeiro,

Rio e a

dos navios negreiros, disse

de Janeiro,

14 de abril da

56

de

Tard

1826, Class

A.,

1827,

p. 153.

Fio

1880.

9:46

Ed

ition, páginas 380-383; Graham: Conrad, “The Strugele”, páginas

45 Carta dos Delegados de Sua Majestade a Cam

de novembro

de

13 de

No

Britai 120-122,

:

OD

rd

abril

de

que se

d the 199.200,

ro.

somado,

9

2

| +!

ele à Assembléia

Geral, conseguiam,

em

muitos casos,

recuperar

seus escravos através da emissão de certidões de óbito falsas durante o período em que seus navios aguardavam a sent ença do tribunal da comissão mista. O tratamento dos negros livres, alugad os a pessoas físicas, disse Feijó, “impondo-lhes talvez um trabalho excessivo ou negando-lhes o sustento estritamente necessário para a cons ervação da vida, podia encurtar excessivamente suas existências e tornar suas condições mais precárias e desesperadas do que as dos pr óprios escravos.” 4% Segundo Perdigão Malheiro, os africanos livres eram tratados pior do que os escravos. Destacados para o serviço de agentes particulares ou para estabelecimentos do governo, eles eram maltratados, sendo-lhes negadas a educação moral e religiosa e a proteção que a lei lhes garantia. º Vários escritores afirmaram que eram colocados grandes obstáculos no caminho da verdadeira emancipação dos “africanos livres”. O Ministro Britânico no Rio, James Hudson,

descreveu

os libertos

colocados

na

custódia

do

governo

brasileiro

como “muito infelizes... maltratados, mal alimentados, espancados sem misericórdia e sem razão, vendidos, com certidões falsas afirmando sua morte e, em resumo, as mãos de todos os homens parecem levantar-se contra eles; não têm a menor possibilidade de uma autêntica liberdade no Brasil.” 4 Um informante disse a William Christie, em 1861, que as dificuldades encontradas pelos africanos livres na obtenção de suas certidões definitivas de emancipação eram “tão grandes que eles não podem, de modo algum, somente através de seus próprios esforços, obter esses documentos.” 4º O autor brasileiro Tavares Bastos descreveu vinte obstáculos burocráticos colocados no caminho dos africanos livres que requereram sua emanci-

pação

final,

tendo

concluído

serviços de um liberto “não emancipação...” 50

que

cahem

aqueles

na

que

asneira

se

beneficiam

de facilitar-lhes

dos

a

A pressão diplomática britânica foi decisiva, aparentemente, nas

várias ocasiões em que os governos brasileiros agiram para libertar “emancipados”. A disputa entre os ingleses e os brasileiros sobre o estado dos africanos livres ferveu durante décadas,

contribuindo,

fi-

nalmente, para uma crise importante nas relações entre os dois paí46

47

48

Relatório do Exmo.

Perdigão

Carta

Malheiro,

de Hudson

a

4

Ministro da Justiça escravidão,

Palmerston,

II,

Rio

(Rio

70-72.

de

de Janeiro,

Janeiro,

11

p.

3.

de novembro

de

1850, Class B., From April 1, 1850, to March 31, 1851, p. 319.

49

bo

Class B.,

Tavares

1861, p.

Bastos,

46;

Cartas

Class

do

B.,

1862,

Solitário,

p.

páginas

1832),

94.

461-462.

57

ses, o Caso Christie. 9! William Christie levantou pela primeira vez a questão dos libertos africanos em maio de 1867 e, alguns meses mais tarde, recebeu uma mensagem de Lo ndres ordenando-lhe vir. tualmente que exigisse a libertação de tod os os africanos livres ainda mantidos ao serviço tanto do governo brasileiro quanto de pessoas particulares. *”

Em

março de 1863,

Christie ainda estava repreen-

dendo o governo brasileiro com referência aos africanos livres e até mesmo à libertação de todos os escravos importados depois de 1830 quando o Brasil cortou as relações com a Grã-Bretanha como um re

sultado das “represálias” britânicas contra a navegação brasileira e um bloqueio naval de seis dias do Rio de Ja

neiro. 53 Em Notes on Brazilian Questions, Christie observou que um dos efeitos da suspensão das relações em 1863, pelo que seus próprios processos não muito diplomáticos haviam sido evidentemente responsáveis, foi a aceleração da emancipa ção dos africanos livres. Christie afirmou que o governo brasileiro seguira políticas de demora quando lidando com a questão dos afri canos Ii vres que podiam ser comparadas com as antigas políticas usadas em toda a questão do comércio de escravos. “Só por si”, o gove rno brasileiro “nada fez”. Ignorou durante muito tempo as notas britân icas sobre o assunto. “Quando obrigado a responder, protestava que sua dignidade não lhe permitia agir sob pressão por um Governo estran geiro...” Os regimes brasileiros ressentiam-se da interferência estrangeira e exigiam terem liberdade na execução das leis brasileiras. “Finalment e”, concluiu Christie, “depois da força ter sido usada e que se compre-

endeu

que o governo britânico estava sendo sério, parecendo nada

mais haver a fazer, (o governo brasileiro) fez o que já deveria ter feito há muito tempo; e afirma, agora, que isso foi feito espontaneamente e que as críticas foram injustas”, 54 Enquanto as relações estiveram cortadas, o governo brasileiro. finalmente, concedeu de fato a libertação de todos os africanos 61

Segundo

Richard

Graham,

as

questões

envolvidas

na

crise

foram

a

situação dos africanos importados depois de 7 de novembro de 1831, os libertos e a própria escravatura brasileira. Ver Britain and the Onset , p. 169. 62 Carta de Christie ao Conde Russel, Rio de Janeir o, 3 de maio de 1862,

BFSP

(1862-1863), LIII,

Office, 8 de 58 Graham,

páginas

1312;

Carta

novembro de 1862, ibid., p. 1319. Britain and the Onset, páginas 16 7-171:

382-383;

Mary

Wilhelmine

(Chapel Hill, Carolina do Norte), d* William Dougal Christie, Notes

páginas

58

do Conde Russell a Christie,

xxxiv-xxxv.

Williams,

Dom

Bethell,

Pedro

páginas 104-107. on Brazilian Questions

the

The

Foreign

Abolition,

Magnanimous

(Londres,

1865),

livres por um decreto de 24 de setembro de 1864, mas a verdade é que, em março de 1865, um funcionário britân ico ainda descobriu emancipados “usados nos Departamentos Publicos deba ixo dos olhos das Autoridades Supremas do Estado”, que ainda se encont ravam em escravidão. “Parece evidente que”, acrescentou o mesm o funcionário, “se não houver mais alguma pressão exercida sobre os funcionários encarregados da execução do Decreto, a maioria des ses Emancipados e de seus descendentes morrerão na escravidão” 56 Os africanos “emancipados” não eram as únicas pessoas cuj o direito à liberdade não era inteiramente respeitado. A es cravidão dos índios fora declarada ilegal em 1831, mas os relatório s sobre Sel Uso como escravos não foram incomuns em anos pos teriores. 57 Na província amazonense do Pará, muitos índios, mestiç os e negros foram alistados no corpo de trabalhos forçados provincial em 1835. com base na sua “minoridade intellectual e perpetua .” Em 1858, o presidente dessa província informou que muitos dos ha bitantes dos quilombos da província eram homens livres que tinham fugido para as florestas para evitar o trabalho forçado. 58 No Cea rá, as autoridades governamentais forçaram pessoas livres a trabal harem de gra-

ça nas plantações

de algodão

e de açúcar.

Em

certas províncias,

as

assembléias legislativas, procurando aliviar o problema da mão-deobra, começaram “prescrevendo regras mais ou menos rigorosas” com o objetivo de forçar a população ociosa a trabalhar. 59 Pouco depois

da abolição

do

tráfico

de escravos

africanos,

bandos

de

brasileiros

da província do Rio Grande do Sul cruzavam muit as vezes a fronteira com o Uruguai para raptar pessoas de cor e as entregar aos mercados de escravos brasileiros. Famílias uruguaias int eiras, segundo

Para

estado

96 FO

como

uma

servil e

Carta de 84/1244,

cópia

do

respectiva

decreto,

libertação

ver

Luiz

(Rio

de

Francisco Janeiro,

da

Veiga,

1876),

Livro

páginas

do

15-16.

Hunt ao Conde Russell, Rio de Janeiro, 10 de março de 1865, PRO. Para documentação sobre um emancipado que serviu

aprendiz durante 26 anos, ver Documentos sobre a repressão ao tráfico africanos no litoral fluminense, SECRJ, documentos soltos datados de de julho de 1838 e 12 de dezembro de 1264.

de 26 97 Daniel P. Kidder, Sketches of Residence and Travels in Brazil (2 vols.: Filadélfia, 1845), II, 267-268; Thomas Ewbank, Life in Brazil (Nova York, 1856), páginas 278-279 e 323; Rio News, 15 de novembro de 1880; Charles Wagley, Amazon Town (Nova York, 1953), p. 129.

58 do

Discurso de abertura da sessão extraordinário da Pará. Em 7 de Abril de 1858 pelo Presidente Dr.

59

Falla

(Belém,

Pará,

1858), páginas

dirigida

à

em o 1º de Março (1866), II, 41.

32-34,

Assembleia

de

1855

Legislativa

(Recife,

da

1855),

p.

Assembleia Provincial João da Silva Carrão

provincia

55;

das

Annaes

Alagõas...

da

Camara

59

concluir um

tratado com

a Confederação

Argentina

para a devolu-

ção de escravos fugitivos que encontram refúgio no país vizinho. 8º Durante os anos em que a escassez de mão-de-obra se tornou

mais severa, a mera posse de uma pele negra, acompanhada por um estado civil incerto, podia ser uma base para a suposição da situa-

ção de escravo. Um decreto imperial de 1859 regulamentou o uso de

uma classe de “propriedade” não reclamada, conhecida como bens do evento, bens esses definidos como “escravos, gado ou bestas, achados sem se saber do senhor ou dono a quem pertenção.” Tais homens e animais, dizia o decreto, deviam ser avaliados e leiloados se seus “donos” não respondessem a editais públicos. Este decreto, ao contrário de regulamentos semelhantes para os bens do evento em Pernambuco, dava à variedade humana o privilégio de comprar sua própria liberdade se oferecessem uma quantia de dinheiro igual a suas avaliações oficiais, mesmo que outros candidatos oferecessem mais dinheiro, mas nada dizia sobre seu direito a provar que eram homens livres. 61 Tal como estes fatos sugerem, as leiros para com as pessoas escravizadas

atitudes de governos brasie escravizáveis nem sempre

foram favoráveis à liberdade durante os primeiros doze a quinze anos depois da supressão do tráfico de escravos africanos. Pertencentes, como geralmente o eram, à classe dos fazendeiros, os políticos e estadistas brasileiros eram pouco motivados para com a reforma ou a aplicação de leis que tinham por objetivo proteger a população escrava ou assegurar a liberdade daqueles que eram escravizados ilegalmente. Alguns homens ocupando cargos eletivos durante

esses anos falaram em defesa dos escravos ou chegaram mesmo a advogar a abolição, mas suas propostas foram sempre mal recebidas. Em 1850, Pedro Pereira da Silva Guimarães, do Ceará, propôs a li-

bertação dos filhos recém-nascidos de escravas, a libertação obrigaco

30

Carta do Cônsul

de junho

de

Britânico

1855,

Class

ao

B.,

Conde de

From

April

Clarendon, 1,

1855,

Rio Grande

to

March

31,

do Sul, 1856:

BFSP (1858-1859), XLIX, 1337-1339. 61 Colecção das leis do Imperio (1859), páginas 452-453: Pernambuco. Leis, decretos, etc. (Pernambuco, 1855); Perdigão Malheiro, 4 escravidão. 1 di 73-74.

60

mm

sil com uma facilidade que só podia ser prova da ineficiência da lei brasileira, como protetora da liberdade pessoal. Em contraste, menos de três anos mais tarde, o governo brasileiro deu provas de suas preocupações quanto à propriedade de senhores de escravos, ao

me

Bra-

TT

e vendidas no

e

separadas

AT

raptadas,

=

eram

do o Consul Britânico,

tória de escravos que oferecessem seu preço e uma proibição à separação de casais casados, mas suas medidas foram consideradas inadequadas para debate. Em 1853, quando o mesmo deputado propôs uma lei semelhante, quatro colegas do norte mostraram-se dispostos a debater o projeto, mas a maioria discordou, com alguns dos membros, indignados, gritando e fazendo interrupções. *º Durante a década que se seguiu à abolição do tráfico africano, houve outras medidas, propostas ocasionalmente, para melhorar as difíceis condições dos escravos ou para transferi-los de zonas urbanas para zonas rurais, a fim de diminuir a escassez de mão-de-obra, mas os legisladores e a nação ainda não estavam dispostos a alterar o status quo. & Enquanto a Assembléia Geral nada fazia, o ramo executivo do governo, por seu lado, tomava decisões consistentemente adversas à mudança. Em 1852, o governo opôs-se fortemente à alteração do status dos africanos importados depois de 7 de novembro de 1831, embora sua situação de escravos fosse ilegal. No mesmo ano, o Conselho de Estado, o corpo assessor do Imperador, opôs-se à legislaçã

para

permitir

que

um

escravo

abusado

uma

oferta de seu valor, já que a Constituição

exigisse

sua

venda

a

Imperial garantia

o

outro dono. Era preferível, pensavam os membros desse corpo, evitar o debate na Assembléia Geral de qualquer medida referente à população escrava, “quando já se tinha feito quanto se podia e convinha fazer na efetiva repressão do tráfico.” Da mesma forma, em 1855, o Conselho do Estado decidiu que um escravo não poderia compelir legalmente seu dono a libertá-lo da escravidão através de direito de propriedade e nenhuma exceção fora feita no caso do escravo que oferecera seu valor em troca de sua liberdade. Em 1857, em resposta a uma sugestão britânica, o mesmo corpo opôs-se a realizar um recenseamento dos escravos com base em que uma tal contagem de cabeças não serviria qualquer propósito útil e apenas encorajaria mais exigências por parte dos ingleses. A classe dos fazendeiros, protegidos pela falta de interesse do governo pelo bem-estar de seus escravos, esperava e recebia, na rea-

lidade, ajuda direta das autoridades. Os governos, por exemplo, ese2 “Pedro Pereira da Silva Guimarães (Documentos históricos),” Revista Trimensal do Instituto do Ceará, Vol. XX; Girão, A abolição no Ceará,

páginas 6s

17-27.

Osorio

Duque-Estrada,

4

1918), páginas 42-43; Dornas e Graham, Britain and the

4

abolição

Filho, Onset,

A p.

(esboço

histórico)

(Rio

de

Janeiro,

escravidão, páginas 143-144. 168; Joaquim Nabuco, Um estadista

do Império (4 vols.; São Paulo, 1949), T, 249-250; Nabuco, O Abolicionismo, p. 129; Colecção das leis do Imperio (1855), páginas 454-455.

6J

tavam muito interessados nos esforços para fomentar a imigração européia, para patrocinar a construção de linhas telegráficas e estradas de ferro para facilitar a exportação do café e de outros produtos, para estabilizar a moeda nacional, para reformar o sistema bancário, para proporcionar um ambiente favorável à agricultura e ao comércio, “essas duas fontes perenes da riqueza nacional”. & Os regimes brasileiros da década de 1850 mostraram-se pouco dispostos, entretanto, a agirem em defesa dos escravos ou a salvarem as centenas de milhares de pessoas que eram escravizadas ilegalmente. O Brasil era um país agrícola governado por uma classe de senhores de escravos cujos interesses não podiam, nesse tempo, ser promovidos por uma mudança da política vigente na questão da escravatura. À abolição do tráfico africano foi seguida, por conseguinte, por mais de uma década de quase silêncio sobre o problema dos escravos. O Brasil aprendeu a viver sem o tráfico de escravos da África, mas a escravatura, já há muito extinta na maioria dos países latino-americanos, tendo terminado na Venezuela e na Colômbia, e prestes a causar um desastre sem paralelos nos Estados Unidos, ainda era uma poderosa instituição no Brasil. Poucas foram as pessoas que pensaram seriamente na sua abolição até que tais pensamentos lhes foram impostos por condições diferentes surgidas tanto no Brasil quanto no exterior.

65

Para

breves

sumários

dos Programas ministeriais do períod nizações e programas minist o, ver Orgaeriais (2.º edição; Rio de Janeiro, 1962) páginas 111-139. Ver também Stein, The Brazilian Cotton Manufacture p 7

62

nem

Os escravos, senhores, não têm o estimulo da recompensa, segurança em seu estado, e o temor do castigo não pode supprir a estas faltas. BERNARDO

PEREIRA DE VASCONCELOS na Câmara dos Deputados, 1827

O Brasil é o café, e o café é o Negro.

SILVEIRA

fios

Aforismo atribuído ao SENADOR MARTINS, do Rio Grande do Sul

Add

4

O COMERCIO DE ESCRAVOS INTERPROVINCIAL O TRÁFICO

INTERNO

AGRAVANDO ainda mais o problema do trabalho em algumas regiões do Brasil e aliviando-o em outras, havia um fluxo de escravos

para os pontos em que o produto do seu trabalho era mais valioso. O tráfico interno de escravos no Brasil foi, na realidade, surpreendentemente semelhante ao que se desenvolveu nos Estados Unidos sob circunstâncias comparáveis. A expansão da indústria do algodão no Alabama, no Mississippi, na Louisiana e no Texas aumentou a procura de escravos, elevou seus preços e transformou os estados menos prósperos, desde a Virgínia até à Carolina do Sul em expor-

63

tadores e até em reprodutores de escravos. 1 No Brasil, a safra que iniciou estes processos foi a do café, mas os desenvolvimentos foram muito parecidos com os que se verificaram no sul dos Estados Unidos. 2 Os preços dos escravos aumentaram devido à procura e aos lucros.

Os escravos eram

obrigados a migrar e, por vezes, seus

donos vendiam tudo o que tinham e partiam com todos os seus trabalhadores para regiões mais promissoras. Novas áreas foram abertas c o cultivo de novos

tando

o compromisso

e ricos solos

para com

expandiram

a escravatura.

a produção,

A

aumen-

declaração

atri-

buída ao Senador Silveira Martins — “O Brasil é O café, e o café é o Negro” — caracterizou uma realidade brasileira que se assemelhava à relação que se desenvolvera entre o algodão e os escravos no sul dos Estados Unidos. Se, por um lado, o algodão era “rei” numa grande parte dos Estados Unidos, foi a bebida est imulante dessa mesma nação que, por outro lado, determinou grandemente o curso dos acontecimentos no Brasil. A migração forçada dos escravos brasileiros, que se seguiu à supressão do tráfico africano, começou nas plantações, fazendas e cidades das regiões do norte, do oeste e do extremo sul do país e terminou com sua chegada às plantações de café do Rio de Janeiro, Minas Gerais e São Paulo. O movimento continuou em grande escala durante trinta anos — desde 1851 até sua virt ual abolição pelas legislaturas provinciais das províncias importadoras em 1881. O novo tráfico não era sem precedentes. Durante cen tenas de anos, os escravos, no Brasil, haviam sido movidos para as regiões do país onde eram mais necessários e onde alcançavam mel hores preços. Durante o século xvr, os cativos índios e negr os haviam sido concentrados nas grandes plantações de açúcar de Pernambuco e da Bah ia.

Durante

o século XvIr, os lendários

bandeirantes

lo percorreram grandes áreas do interior su l-americano índios, tanto pagãos quanto cristãos, levandoos para

de São

pe

Pau-

em busca de os mercados

States

A.

Taylor,

from

1830

“The

to

1850”,

ginas 367-374. 2 Para uma análise da William Fogel e Stanley

Fogel e Engerman, The páginas 311-341. 5 Para o aumento dos Vassouras, p. 229.

64

Movement

Journal

of N egroes of Negro

from the East History, Vol. 8

situação no sul dos Estados Unidos, L. Engerman, “The Economics Reinterpretation ,

to the Gulf (1923), “pá-

ver

E

A.



1

E

em

e

costeiros a fim de embarcá-los para as prósperas ca pitanias do açúcar no Nordeste. No século xvr, apesar de restriçõe s impostas ao

movimento

de

escravos

para

as

regiões

mineiras,

muitos

escravos.

negros foram enviados para as lavagens de ouro em Minas Gerais , Goiás e Mato Grosso, causando escassez de mão-de-obra nas plantações de açúcar do Nordeste. * Com o declínio da mineração em Minas Gerais, no final do século xym, e o subsegiente desenvolvimento da indústria do café, parte da população do centro-sul do Brasil, escravos e pessoas livres, mudou-se para as novas regiões do calé. *

Até mesmo antes do tráfico africano ter terminado, pequenos números de escravos do nordeste brasileiro já estavam entrando nos mercados de escravos do Rio de Janeiro para irem ao encontro da

procura criada pelo cultivo do café. Em

1842, o movimento

de es-

cravos entre as províncias já era suficientemente amplo para precisar de regulamentos e, em 1847, uma grande seca, na província do Ceará e em sua volta, já aumentara grandemente o fluxo espontãneo dos escravos do norte para o sul. Nesse ano, os negociantes do Rio com ligações comerciais no norte do Brasil já recebiam “casualmente” escravos em consignação para satisfazer as necessidades financeiras dos proprietários em áreas atacadas pela seca. Da mesma forma, a seca no Ceará também estimulou um tráfico em índios, que eram forçados pela fome a venderem seus filhos. & Com a abrupta supressão do tráfico africano, o fluxo de escravos do norte para o sul transformou-se numa autêntica torrente e começou sendo considerado vital para os interesses dos fazendeiros da região do café. Os preços dos escravos no Rio aumentaram desmedidamente nos meses que se seguiram à supressão do tráfico africano, fazendo com que os fazendeiros do sul procurassem fora dos

mercados locais, para

satisfazer suas necessidades de mão-de-obra,

chegando mesmo a irem comprar escravos na província do Rio Gran-

de do Sul, no extremo sul do país. 7 Quase no início desse movimen4

Boxer, The

Golden

Age, páginas 42-47;

Bastide

e Fernandes,

Brancos e

negros, p. 8. ] é Viotti da Costa, Da senzala à colônia, páginas 60-62. S Carta de Howard ao Conde de Clarendon, Rio de Janeiro, 24 de janeiro de 1885, BFSP (1854-1855), XLV, 1058-1059; Requerimento dos negociantes desta praça..., BNSM, II, 34, 36, 26; Ewbank, Life in Brazil, p. 323. T Stein, Vassouras, páginas 228-229. Na década de 1850, verificou-se um êxodo de escravos do Rio Grande do Sul, mas com a expansão da indústria do charque, entre 1859 e 1863, a província voltou a ser uma importadora

de escravos. Durante a década de 1870, isto foi de novo invertido. Ver Tabelas 3 e 9, bem como Cardoso, Capitalismo e escravidão, páginas 69-70,

208.

65

to, o governo

e os membros

da Assembléia

Geral

consideraram

tráfico de escravos entre as províncias algo de vital e inatacável. 8 Em

a palavra

maio

de 1852, um

“fabuloso”

para

relatório do Ministério

descrever

o

da Justiça usou

a alta nos preços

dos

escravos

no Rio. O custo dos escravos dobrara em pouco tempo, de maneira que até mesmo os que tinham “vícios” e “defeitos”, antes indesejáveis, encontraram compradores. º? Não só os preços eram altos, mas o volume de escravos entrando no Rio de Janeiro, vindos das províncias do norte e do extremo sul, também aumentava rapidamente. Num dos artigos de uma série protestando contra o crescente tráfico interno de escravos, em abril de 1852, o jornal antitráfico

de escravos, O Philantropo, afirmou que o novo comércio era tão escandaloso quanto aquele que viera substituir. 1º Nesse mês, pelo menos 345 escravos entraram no mercado do Rio: 245 dos portos do norte, 48 do Rio Grande do Sul e os restantes 52 de portos vizinhos. De um total de 1.660 escravos registrados como tendo chegado ao porto do Rio, vindos de outras partes do Brasil durante os

primeiros quatro meses de 1852, 1.376 eram oriundos de portos do norte (691 somente do porto da Bahia, onde havia grande quantidade de africanos) e 114 das províncias do extremo sul. 11

Em abril, O Globo, jornal da província do Maranhão, referiu-se a uma grande exportação de escravos para o Rio de Janeiro, reali-

zada apesar de um novo imposto de exportação de 500 mil-reis que os exportadores tinham de pagar por cada escravo embarcado. 12 A crescente procura de escravos aumentou o seu roubo nas cidades; um carregamento ilícito chegou mesmo a ser desembarcado numa praia da província do Rio de Janeiro em 1851 e, sob a proteção da polícia. nem mesmo assim foi imune aos ladrões de escravos. 13 A situação estava despertando o sentido do negócio de muitas pessoas nas novas regiões do café de São Paulo. No início de 1853, o presidente provincial foi informado por um juiz local, em Campinas, um crescente centro de produção de café, de que “comboios” de escra-

vos haviam 8 9

chegado recentemente para serem vendidos

Annaes da Camara (1851), Relatório apresentado... na

II, 319-320. quarta sessão

“por preço

da oitava legislatura da Justiça, p. 9.

pelo Ministro e Secretario d'Estado dos Negocios 10 O PhNantropo, 16 de abril de 1852. 11 Ibid., 16 e 30 de abril e 14 de maio de 1852. 12 Citado por ibid., 30 de abril de 1852. 18 Ver Freyre, Sobrados e mocambos, I, 49-50; carta d Quiçamã ao Delegado de Polícia de Macaé, 17 de irao ei Doc ume D. 342. ntos para a repressão 20 tráfico, N.º 33; Conrad, , “The S trugele”,se

66

muito exagerado”.

Um

negociante de escravos chegara havia pouco

tempo com um grupo “composto por 23 escravos de ambos os SEXOS

e de diversas idades, todos crioulos e ladinos”, tendo sido dito que

outro tarina zia o ainda

negociante de escravos estava prestes a regressar de Santa Cacom quinze escravos, todos eles ladinos. “Presentemente”, dimesmo relatório, “faz conta ir comprar escravos em lugares longinguos, para revendel-os neste municipio — por causa dos

preços exagerados, a que têm elles aqui chegado, e é o que ultimamente têm feito diversas pessoas indo compra-los até em Goyaz.” O primeiro grupo de escravos a que o juiz se referira era composto “em quasi sua totalidade de crioulos da Bahia, Alagõas, e Sergipe, c forão por elle escolhidos e comprados no Rio de Janeiro.” 14 As regiões do norte e do extremo sul do Império e até do interior mais longinquo, conforme O Globo relatara em referência com o Mara-

nhão, tinham-se transformado na “costa da África” no que se referia ao Rio de Janeiro. 1º O novo tráfico era legal, embora o governo brasileiro tivesse examinado, durante algum tempo, os carregamentos interprovinciais para impedir uma renovação do tráfico africano sob outro disfarce. 16 O tráfico interno de escravos nunca foi descrito com fregiiência, mas as raras descrições existentes sugerem que ele conservava muitas das características práticas e brutais do tráfico africano. /” Os jovens e os mais fortes tinham uma procura maior; os homens eram numeTOsos nos carregamentos, mas as mulheres jovens também eram procuradas se fisicamente atraentes ou se fossem úteis como amas-deleite. 18 As relações familiares não eram garantia contra a separação; os maridos, suas mulheres e crianças eram separados, embora as crianças menores viajassem muitas vezes com suas mães e fossem vendidas com elas. Em 1880, um jornal do Ceará referiu-se a uma lá

Carta de um



Citado por O Philantropo,

7 de fevereiro I6

Relatorio

juiz de Campinas

de 1853, AESP,

apresentado...

na

ao Presidente

Caixa-Tráfico

de

de São

negros.

30 de abril de 1852. primeira

sessão

da

nona

Paulo,

Campinas,

legislatura

pelo

Ministro e Secretario de Estado dos Negocios da J ustiça (Rio de Janeiro, 1853), páginas 6-7: Termos de exames e averiguações feitas nos escravos vindos de várias localidades, AN, Cod. 397. I7 Annaes da Camara (1854), IV, 349. I8 A Gazeta da Tarde, 5 de janeiro de 1881, denunciou negociantes que

enviaram carregamentos de mulheres das províncias empobrecidas do norte para as alugarem, como amas-de-leite, ou para venderem para a prostituição.

A 50 mil-reis por mês, calculou, uma ama-de-leite comprada no 400 a 600 mil-reis dava a ganhar 900 em 18 meses e, depois, vendida

a

1.500

mil-reis.

norte podia

por ser

67

escrava local chamada Raymunda que, com cingiienta e seis anos, já tivera vinte filhos. Oito destes tinham sido “libertados” pela mor-

te, e os doze irmãos e irmãs sobreviventes haviam sido enviados para o sul. *º O tráfico interno de escravos criou novas companhias

de negociação de escravos e uma nova profissão: a de comprador de escravos viajante, que percorria as províncias, convencendo os fazendei-

ros mais pobres ou os residentes das cidades a venderem um ou dois escravos por metal sonante. Os compradores de escravos iam de sítio em sítio, de porta em porta, disse um membro baiano da Câmara de Deputados em 1854, oferecendo aos proprietários mais pobres setecentos ou oitocentos mil-reis por um escravo que talvez estivesse produzindo para seu dono uma renda anual de trinta a quarenta mil-reis. 2º “De repente, um negociante de escravos, vindo do Rio de Janeiro, chega

ao mercado,”

escreveu

um

funcionário

inglês

na

Bahia, no mesmo ano, “compra de proprietários necessitados ou ávi-

dos todos os escravos que pode obter e, na maioria dos casos, é a causa da separação de um pai de sua mulher e filhos...” 21 Em 1852, o Consul Britânico em Pernambuco, um Sr. Cowper,

relatou que o tráfico interno “era realizado com todos os horrores de seu protótipo...” Cenas muito dolorosas eram testemunhadas no Recife com a partida de cada navio. 22 O tráfico entre as províncias do norte

e o Rio

de Janeiro,

escreveu

ele quatro

anos

mais

tarde,

envolvia milhares de pessoas anualmente. Os negociantes faziam visitas periódicas ao porto de Pernambuco, regressando ao Rio com suas “vítimas que não ofereciam resistência”. Muitas das escravas jovens eram compradas por esses bandidos para o propósito exclusivo da prostituição pública na capital... Uma mulher que dera à luz treze crianças e que, assim, aumentara consideravelmente os meios de seu dono, está ameaçada, agora, com a separação eterna deles...; e um jovem mulato foi vendido recentemente por seu próprio pai, um português... Não poderia a lei

proibir a separação de homem

fronteiras

da

província

onde

e mulher, pai e filho, pelo

residem?

Isto

não

seria

menos

apenas

um

além

ato

das

humanidade, mas sim, também, de política; secaria as lágrimas de milhares... 19

20

Gazeta

Annaes

do Norte, da

Camera

Fortaleza, (1854),

Ceará,

IV,

349,

27

de

julho

de

1880.

21 Carta de Howard a Limpo de Abreu, Rio de Jane; 1854, Class B., From April 1, 1854, to March 31, 1855 ua Z de

66

Carta de Cowper ao Conde de Malmesb ury, 1852, Class B., From April 1, 1852, to March

de

ge

Pinto 6

Ea ra

E :

e

não

deteria se

o

deixará

esvaziamento de

ser

da

sentido

mão-de-obra dentro

das províncias

do norte,

em breve, 23

o

que

Alguns meses mais tarde, Cowper afirmou que o tráfico interno de escravos era tão cruel “nos seus pormenores” quanto o antigo tráfico africano. “Os negociantes do litoral têm seus estabelecimentos nos portos € compram seus escravos de homens da classe mais baixa,

geralmente comerciantes de cavalos, que os trazem do interior: essa

é a verdadeira fonte de onde deriva o tráfico costeiro.” 24 Há fontes brasileiras que dizem aproximadamente o mesmo. Em 1856, um deputado do Maranhão denunciou a separação de mães de seus filhos e de maridos de suas mulheres. Os escravos, disse ele à Câmara, eram transportados “em montes nas cobertas dos navios”, expostos ao sol e à chuva. Os oficiais de bordo, por vezes, providenciavam lonas para os proteger do tempo e convidavam os

doentes para suas cabinas, mas

havia um número

Jornal do Commercio

descreveu as condições de cerca de

excessivo

sendo

enviado para o sul para que fosse possível proteger a todos e as mulheres e as crianças eram as que mais sofriam. % Em 1857, o do Recife

noventa escravos, incluindo duas dúzias de crianças, indo, em idade, de 1 mês a dois anos, que haviam chegado ao Recife a bordo de um vapor vindo do Maranhão: “A coberta do vapor parecia-se com a dos navios que costumavam vir da costa da África, carregados com

carne humana:

vimos uma infeliz criança combatendo

contra a mor-

te e as outras miseravelmente nuas.” 26 Talvez com o objetivo de fugir aos impostos sobre os escravos gue eram determinados e avaliados nos portos provinciais de saída, os escravos, em muitos casos, também tinham de viajar por terra, caminhando, pelo interior da Bahia e Minas Gerais até às regiões do café, no sul. A melhor descrição deste tráfico por terra talvez tenha sido a do Deputado Marcolino de Moura, da Bahia, contida

num

discurso feito na

Câmara

de Deputados

em

1880.

Tendo

sido

uma testemunha ocular daquilo a que chamou “essas ambulancias da morte cheias de innocentes suppliciados”, descreveu o tráfico por

terra 23

da seguinte maneira:

Carta

ao Conde

Class B., From

de

Clarendon,

April 1, 1856, to March

24 Carta do mesmo para ibid., páginas 260-261. 20 Ibid., p. 143. 26

Class

B.,

Pernambuco,

From

April

o

1,

mesmo,

1857,

31, 1857,

17

p. 246.

Pernambuco,

to March

31,

de

24

1656,

outubro

de

1856,

de janeiro de

1857,

Grifo acrescentado.

páginas

115-116.

69

ES =

Não



desertas

muito

da

atravessava

minha

provincia;

eu, ao calor do o

sol

abrazava:

meio de

dia,

uma

repente,

dessas

ouvi

um

regiões clamor

confuso de vozes que se approximavam, era uma immensa caravana escravos com destino aos campos de São Paulo. Entre alguns homens

de de

gargalheira ao pescoço, caminhavam outras tantas mulheres, levando sobre os hombros seus filhos, entre os quais se viam crianças de todas as idades, sendo toda essa marcha a pé, ensanguentando a areia quente dos caminhos.



Desejando fugir “a esse aspecto doloroso”, esta testemunha foi detida pelo grito de uma mãe que “cahira esbaforida pelo sol abraao longo

da estrada”.

De

noite,

disse a mesma

testemunha:

rd

zador,

Em torno de uma grande fogueira jazem estendidos os miseros escravos sem distincção de sexo nem de idade, e entre o tinir dos ferros, os lamentos das mulheres e das crianças, ouvem-se os gritos dos guardas que experimentam as correntes, impondo silêncio áquelles que ousam queixar-se. (Sensação.) Mas, alem na penumbra, tripudia o vicio o mais infrenne. E si acontece que durante a noite alguma dessas miseras escravas torna-se mãe, no dia seguinte a marcha da caravana não se interrompe, e o fructo querido de suas

entranhas

é condemnado

a morrer

no

primeiro

ou

nada si antes não é lançado em algum canto, ignorado dono.. É o tráfico na sua mais horrenda forma...

segundo

a expirar

dia

da

jor-

pelo aban-

Em: meados da década de 1850, os barracões e os depósitos de escravos já haviam desaparecido das praias brasileiras, mas os comboios de escravos, melhor tratados do que seus antecessores africanos, ainda eram vistos atravessando as ruas das cidades e ainda havia firmas especializadas que os ofereciam para venda. Os escravos crioulos tomaram o lugar dos africanos boçais nos galpões e nas quadras de leilão nas ruas principais do centro comercial da capital, em especial na Rua do Ouvidor e na Rua Direita. 28 Thomas Ewbank descreveu um grupo de escravos crioulos que, juntamente com “móveis novos

e em

segunda

mão,

velhos

quadros,

queijos holandeses

e

relógios americanos”, estavam entre os “items” leiloados numa loja na esquina das ruas Ourives e Ouvidor. Dos 89 escravos inscritos no catálogo da loja, 53 eram homens e 36 mulheres. Ao contrário dos africanos vistos um quarto de século antes por viaiantes ingleses na Rua do Valongo, muitos dos escravos que Ewbank viu haviam 27 Annaes da Cemara (1880), V, 38. lhante de uma caravana de escravos

Taylor, sistema

Uma descrição contemporânea semenos Estados Unidos, foi citada em

“The Movement of Negroes”, p. 375. Uma notável diferença no americano era o uso de carruagens e vagões para o transporte dos brancos (presumivelmente também migrantes) e de quaisquer negros pazes de acompanhar a marcha. E SE 28 Perdigão Malheiro, 4 escravidão, II, 119.

70

sido treinados num

ofício ou numa profissão. 2? Entre os homens ,

que, geralmente, tinham

entre dezoito e trinta anos de idade, havia

marceneiros, carpinteiros, ferreiros e trabalhadores agrícolas... um marinheiro, um calafate e um barqueiro... dois alfaiates, um cocheiro, um seleiro, um serrador, um preparador de madeira... um sapateiro, cozinheiros, um carregador de café e um médico de crianças, que, como a maioria dos de sua profissão, era um músico...

Quanto às mulheres: a mais velha tinha vinte e seis anos e a mais jovem entre sete e oito — lavadeiras, costureiras, cozinheiras, duas modistas. Outras faziam camisas, penteavam os cabelos de suas patroas, etc. Duas eram amas de leite, com muito leite bom e cada uma delas com uma vitela ou um potro e, portanto: “N.º 61, 1 Rapariga, com muito bom leite, com cria.”

Tal

como

seus

antecessores

africanos

na

Rua

Valongo,

os

es-

cravos que Ewbank viu eram “expostos e examinados... A cabeça, os olhos, a boca, os dentes, os braços, as mãos, o tronco, as pernas, os pés — cada membro e ligamento são examinados, enquanto, para verificar se não havia rupturas, os seios e outras partes eram tocadas.” Ao contrário dos africanos, é claro, a “mercadoria” crioula era “de todos os tons, desde o intenso preto Angola até o branco ou o quase branco,

como

uma

jovem

perto de mim

parecia ser.” 3º

Um anúncio típico de um leilão, como aquele a que Ewbank compareceu, foi publicado num jornal do Rio a 1 de julho de 1854: LEILÃO

DE

ESCRAVOS

Hoje, sabbado 1.º de julho, na rua do Ouvidor N.º 90, ás 10%4 horas. J. Bouis fará leilão na sua casa de diversos escravos de ambos os sexos e differentes idades, sendo pretos de officios, ditos da roça, pretas mucamas, ditas de todo serviço, ditas com filhos, moleques, negrinhas, etc., etc. Os Srs. compradores os poderão examinar antes do leilão, os que forem desconhecidos darão um signal de 1008000 no acto de arrematarem o primeiro escravo. Todos os escravos são afiançados de boa saude. 31

29

II,

Para descrições do velho mercado de escravos do Rio, ver Walsh,

322-328:

There

Maria

(Londres,

Graham,

Journal

of a

1824), p. 229; Chamberlain,

Voyage

to

Brazil

and

Notices,

Residence:

Vistas e costumes, páginas

198-

199: J. B. Debret, Voyage pittoresque et historique au Brésil (3 vols.: Paris, 1834-1839), II, 78-79; Briefe úber Brasilien (Frankfurt am Main, 1857),

p. 4. Ver também 30 81

Conrad,

“The Struggle”,

Ewbank, Life in Brazil, páginas 282-284. Diario do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro,

páginas 1

33-38.

de julho

de

1854.

/7T

“Nas províncias do norte, agentes ou companhias colocavam regularmente anúncios na imprensa diária oferecendo para comprar escravos para embarque para o sul. Os anúncios mais típicos foram aqueles que apareceram em vários números do jornal 4 Ordem do Ceará, em que a firma Olympio & Irmãos afirmava que “pagam melhor do que outros quaisquer” por escravos entre doze e vinte anos de idade para embarque para São Paulo. O Bazaar Primeiro de Dezembro, de São Luiz do Maranhão, preparando um carregamento para o Rio no final de 1879, anunciou em vários números de O Paiz que estava comprando

escravos.

Em

1880,

um

agente

esta-

belecido no Hotel da Europa, em São Luiz, ofereceu-se para comprar escravos de ambos os sexos e de qualquer cor, incluindo filhos ingênuos (filhos livres de mulheres escravas) e, mais tarde, no mesmo ano, O Paiz publicou anúncios afirmando que estavam sendo pagos bons preços no Hotel Porto por escravos de ambos os SEXOS, entre doze e vinte anos de idade; e que a firma Melchor & Cia. com-

praria cativos sem

especializações e até cinquenta

anos de idade. 3?

CAUSAS E REPERCUSSÕES ECONÔMICAS DO TRÁFICO INTERPROVINCIAL

O Novo tráfico interno foi o dade dos plantadores de café para brasileiros, por uma “mercadoria” o Ministro da Marinha do Brasil forma: todo

o mundo

sabe

que

a lavoura

resultado natural da maior capacipagar, em concorrência com outros que era escassa. Em julho de 1852, explicou o novo tráfico da seguinte do

café

occupa

muitos

braços,

e

com

a crescente necessidade e alto valor dos escravos que se empreguem nesse serviço, explica-se muito bem o grande numero dos que vêm da Bahia!

Os escravos também estavam indo do Maranhão e do Pará para O

Rio

por

de Janeiro, prosseguiu ele; uma

lei economica,

em

virtude

da qual o objecto que

tem

em

um

s2 25

A Ordem, Baturité, Ceará, 14 de setembro de 1879: O Paiz, de outubro e 27 de novembro de 1879; 14 de fevereiro e

lugar

os obstaculos

passa-se

julho de 1880. 38 Annaes da

12

que

lhe

Camara

para

outro,

opponhão. 33

(1852),

II,

onde o preço

211.

é maior,

sejão

menos

valor

quaes

forem

Sã :a

: e

O sr. Webb, da Legação dos Estados Unidos no Rio , chegou à mesma conclusão em 1862: O em do vez

valor rapidamente crescente todas as províncias do sul café, juntamente com o fato de aumentando, tal como

do negro na província do Rio de Janeiro e do Império e o aumento regular do preço de a população escrava estar diminuindo em conosco... está despovoando rapidamente as

províncias do norte do Império. Cada navio costeiro leva de dez a trinta escravos para venda no Rio, para abastecimento de mão-de-obra nessa região

e nas plantações de café; e escutam-se as queixas das províncias do Pará, Maranhão, Piauí, Paraíba, Pernambuco e até da Bahia de que estão sendo despovoadas para o benefício das províncias do sul, pela inevitável lei da procura e da oferta. 34

Os brasileiros com mente o tráfico interno rios que o movimento regionais para com a

um interesse econômico em de escravos consideraram os de população teria sobre os escravatura e advertiram das

reduzir rapidaefeitos divisócompromissos consegiiências

de uma retirada contínua de trabalhadores cativos de regiões menos prósperas. Na década de 1850, os plantadores de café precisavam de

escravos, contudo, e os perigos do tráfico interno de escravos eram remotos. Uma vez iniciado, portanto, o tráfico continuou quase sem

restrições. Ao longo de um período de trinta anos, combinou-se com os efeitos do envelhecimento e da morte para alterar a quantidade e a “qualidade” dos escravos, com mais destaque nas regiões menos

prósperas do país — especialmente nas províncias secas do norte, mas também nas províncias do oeste, Goiás e Mato Grosso, e as antigas regiões mineiras de Minas Gerais, as províncias do sul do Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul e até mesmo as zonas costeiras menos produtivas do Rio de Janeiro e de São Paulo.

Tal como em outros aspectos da escravatura brasileira, o tráfico interno era afetado diretamente por tendências econômicas temporárias e, também, a longo prazo. Qualquer mudança séria no tem-

po ou uma guerra em outro continente eram causas suficientes para desenraizar novos milhares ou para reduzir o volume da migração forçada. Em 1856, o Ministro dos Negócios Estrangeiros do Brasil

atribuiu a partida dos escravos do norte para o sul ao fracasso dos fazendeiros brasileiros em competir com sucesso nos mercados mun84

Carta

de Webb

para

of the President of the

Seward, Petrópolis, 20 de maio

United

Commencement of the Third ington, 1862), É, 704.

States

Session

to the Two Houses

of the

Thirty-Seventh

de 1862,

of Congress

Congress

Message at

the

(Wash-

/3

diais do açúcar. 3º Quatro anos mais tarde, William Christie atribuiu o tráfico à irregularidade das estações do ano no norte e à resultante pobreza dos fazendeiros locais, juntamente com uma crise financeira nacional e os preços elevados dos escravos no Rio de Janeiro. $º Quando os mercados para os produtos do nordeste brasileiro melhoraram diminuindo.

no

Segundo

exterior,

o movimento

dados coletados em

de escravos

1862, 34.668

começou

escravos che-

garam ao porto do Rio das províncias do norte e do extremo sul entre janeiro de 1852 e julho de 1862 — entre três e quatro mil anualmente (ver Tabela 8).37 Durante 1862, contudo, quando a Guerra Civil norte-americana ofereceu perspectivas favoráveis para o algodão brasileiro nos mercados mundiais e reduziu o mercado norte-americano

de café

vou-se de novo

e. com

(ver Tabela 26), a exportação

de escravos

do norte para as províncias do café diminuiu drasticamente. Depois da Guerra Civil dos Estados Unidos, a média anual eleum

novo

período de seca no nordeste

bra-

sileiro em 1877, o tráfico interprovincial expandiu-se de novo tão rapidamente que chegou a pôr em perigo o equilíbrio do próprio sistema de escravos. 88 Os preços caíram drasticamente no norte, em especial na empobrecida província do Ceará, e os proprietários

de escravos, incapazes de alimentar seus escravos ou talvez mesmo a si próprios, aceitavam tudo o que lhes fosse oferecido. %º Uma

SS Carta de Scarlett ao Conde de Clarendon. Rio de Janeiro, 13 de Outubro de 1856, Class B., From April 1, 1856. to March 31, 1857, p. 170. 86 Class B., From April 1, 1860, to December 31, 1860, p. 45. 87 As estatísticas da Tabela 8 não incluem os escravos que vialaram com seus senhores, aue foram enviados por terra ou transportados ilegalmente para fugir aos impostos. Também não incluem o movimento de escravos dentro das províncias, das regiões mineiras de Minas Gerais. por exemplo, para a zona do café da mesma província. O aumento, em si, da população escravizada de São Paulo, entre 1864 e 1874 (ver Tabela 3) parece provar que o movimento real de escravos era muito maior do que o número registrado. Para estatísticas essencialmente de acordo com as dadas na Tabela 8. ver Tavares Bastos, Cartas do Solitário, n. 460: Bastide e Fernandes, Brancos e negros, p. 36. Ferreira Soares calculou uma importação anual de 5.500 escravos para o Rio de Janeiro, de 1852 a 1859, Ver Stein, Vassouras, páginas 65-66.

88 da

Relatorio apresentado á Assemblea Ge ral Legislativa na primeira sessão decima sexta legislatura pelo Ministro e Secretario de Estado dos Negocios da Agricultura, Commercio e Obras Public

as Thomaz José Coelho de Almeida (Rio de Janeiro, 1877 ), páginas 15-16. De ora em dia nte, os Relatóri os do Mi ni st ér io da Ag ri cultura serão mencionados nestas notas É como tal, simplesmente, com data da sua apresentação. S9 Jorge Freire, Notas à margem da abolição, Mossoró (Rio G

Norte, 1955), p. 6.

74

rande do

indicação

da amplitude

da exportação de escravos do Ceará duran-

te a seca dos últimos anos da década de 1870 é-nos dada pelo invul-

garmente elevado tributo que o governo provincial recolh eu em 1879 dos impostos cobrados pelos escravos que eram embarcados no porto de exportação. Nesse ano, a receita da província, no que se

refere a este item, foi de quase três vezes o que

fora quatro anos

antes. Em 1880, contudo, a receita desta fonte foi reduzida quase a metade e, em 1881, com a emergência do movimento abolic ionista radical nessa província, o item deixou de ser registrado. 4º O domínio econômico do centro-sul do Brasil, que inflacionou

os preços dos escravos na capital do Império, não foi um fenômeno temporário. O valor do café exportado do Brasil de 1840 a 1862 alcançou 925.000 contos, enquanto o valor do açúcar, a principal receita das províncias do norte, foi de apenas 372.000 contos durante os mesmos vinte e três anos. Produzindo metade do café do mundo em 1868, o Brasil já há muito perdera a supremacia na produção de açúcar. Nesse ano, as exportações do café brasileiro valiam mais nos mercados do mundo do que todas as suas outras exportações combinadas, enquanto o valor do açúcar era apenas cerca de um sexto do valor total das exportações brasileiras, “ Mesmo nos anos em que a Guerra Civil norte-americana estava estimu lando a produção do algodão brasileiro, o valor das exportaçõe s do café permaneceu sempre mais elevado do que o valor conjun to das exportações do açúcar e do algodão. * Com o término da Guerra Civil, é claro, a parte do Brasil no mercado mundial do alg odão diminuiu e o abismo entre o valor das exportações do nor te e do sul

voltou

a aumentar.

O café produzido no Brasil no ano fiscal de

1872/73 foi avaliado em mais de 115.000 contos; o valor conjunto das safras de açúcar e do algodão foi menos de 49.000 contos. Em O Em 1873, a receita recolhida com estes impostos foi de 44:970$000. Em 1879, produziu 125:880$000 e, em 1880, 66:500$000. A tarifa base de 60 mil-reis por escravo, isto indica que mais de dois mil escravos foram exportados legalmente do Ceará em 1879, cerca de um em cada quinze escravos existentes nessa província. Ver Annexos a Falla no dia 2 de Julho de 1877 (Fortaleza, 1877), páginas 4-5; “Anexos B.”, Relatorio com que o Exmo. Sr. Commendador Dr. Sancho de Barros Pimentel passou a administração da provincia do Ceará ao 2.º Vice Presidente.. no dia 31 de Out ubro

de 1882 (Fortaleza, 1882). dl William Scully, Brazil; Its Provinces

páginas

é O

Ver

O

19-24.

;

valor do café produzido

valor

do açúcar

em

e do algodão

Perdigão Malheiro,

and

1864-1865

foi de um

4 escravidão,

II, 68.

Chief Cities foi

de

pouco

(Londres,

:

1868),

mais de 66.000 contos.

mais

de

48.000 contos.

75

1873, o valor total da produção nacional das mesmas três safras foi de quase 170.000 contos, dos quais mais de dois terços foram produzidos nas quatro províncias do centro-sul. 4º O crescimento ou o declínio da população escrava nas várias regiões do Brasil dependiam de seu sucesso econômico relativo. No sul,

uma

grande

indústria,

a produção

do

café,

desenvolvia-se

e

prosperava, sendo de extraordinária importância econômica para a nação como um todo. Se, por um lado, as atitudes tradicionais fortaleciam a escravatura em todas as províncias, a verdade é que, na região do café, a importância da escravatura ainda era mais reforçada por sólidas considerações econômicas. Conforme as páginas seguintes demonstrarão, esta importante indústria, requerendo os mais

produtivos elementos da mão-de-obra disponível e financeiramente capaz de adquiri-los, preferia os homens às mulheres e os jovens aos idosos. Como uma consegiiência da desproporcionadamente grande par te da riqueza nacional produzida no Rio de J aneiro, quase um qui nto de todos os escravos registrados no Império, num recenseament o nacional realizado na década de 1870, estava localizado nessa peq uena província: 301.352 de um total de 1.540.829 escravos registrad os (ver Tabela 2). Com a produção de café da província de São Pau lo tendo aumentado depois de meados do século e prosperado muito nas décadas de 1860 e 1870, sua população de escravos tam bém aumentou,

embora,

já então,

a população

nacional

de escravos

es-

tivesse um rápido declínio. (Ver Figuras 2 e 3.) Em 1874, os esc ravos de São Paulo, em número superior a 174 mil, uma população que

aumentara fenomenalmente desde 1864, só eram excedidos pelo nú-

mero de escravos que havia no Rio de Janeiro e em Minas Ger ais, apesar de São Paulo, cerca de vinte anos antes, ter estado atrás de outras oito províncias, no que se refere a sua população escrav a. 4º

Os perdedores de escravos foram a maioria das províncias do Nordeste, Goiás, Paraná e o Município Neutro, com as importantes províncias nordestinas de Pernambuco e Bahia tendo perdido uma proporção espetacular (ver Tabela 3). Durante os dez anos seguin tes, com a população escrava do Império diminuindo quase vinte por

cento, o número de escravos de São Paulo e de Minas Gerais quase

não se alterou, visto que os mortos eram substituídos pelos migran48

44

Rebouças,

Dr.

Agricultura

Domingo

São Paulo.

José Nogueira

Discurso pronunciado

(São Paulo, 1882), p. 6.

76

nacional,

páginas

Jaguaribe

17,

45-46,

Filho,

149,

Assemblei

na sessão ordinaria de

22

204,

Gois

eia Provincial

de

e 2+ de Março de 1882

tes forçados,

necessários para abrir

novas áreas do cultivo do café.

Em contraste, durante esses mesmos anos, a população escrava da província do Rio de Janeiro, economicamente em declínio, diminuiu quase tão rapidamente quanto a média nacional. Em 1874, mais

de metade de todos os escravos do Brasil estavam localizados nas quatro principais províncias da produção do café e apenas cerca de um terço dos escravos estavam vivendo nas onze províncias do norte. Dez anos mais tarde, quase dois terços dos escravos já se encontravam nas quatro províncias do centro-sul e a porção da população escrava nas onze províncias do norte fora reduzida para cerca de um quarto do total. População

1.800

(milhares)

' População

(milhares)

Hi

1,600]|e

NACIONAL

300

1,4004-

-

1,2C0]-

fada

000/—

sool-

PRE

DO CAFÉ

a ao

Li;

a

ça

ear

Figura

2.

qo

1870

ceara

Populações

e

ope

|

|880

escravas:

regionais

a

pe

!

4

a rp

200

150L

|

ir

N

200-1860



:N

DU PROVINCIAS DO NORDESTE

Olaria

-

|—

|

=

MUNICIPIO NEUTRO ais ES US a mo

ei

60º oe

400/-

=



330

Ri nO

1890 nacional

100

S isco Figura

ten

fas

3.

e

O

anta CR

1970 Populações

AR

Ara

Seo OR escravas da

eso Bahia,

Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais, 1864-1887

Tal como estas estatísticas insinuam, o tráfico de escravos inter-

provincial apressou a transformação,

nas províncias do norte, para

um sistema de trabalho livre, mas, nas regiões do café, retardou esse desenvolvimento. O uso de trabalhadores livres no norte foi o

resultado inevitável de uma

rápida queda

no volume

da população

escrava, acompanhada por um aumento impressionante do número de habitantes livres. Em algumas províncias do norte, na realidade,

a proporção de escravos para homens livres baixou tão incisivamente

nas décadas

que

se

seguiram

a meados

do

século

que

os escravos

77

de Paraíba apenas sete

1874, por exemplo, a população escrava da província diminuiu de um pouco mais de treze por cento para

por cento da população. Nesses mesmos anos, a população escrava de Pernambuco caiu de um pouco mais de 20 por cento da população total (693.450 pessoas livres e 145.000 escravos) para pouco mais de doze por cento. “& (Para proporções entre escravos e popula ções livres nas províncias, em 1874, ver Tabela 2) Em comparação com o que estava aconte cendo nessas províncias do norte, a mudança na proporção de escrav os para as populações livres na província do Rio de Janeiro não er a tão surpreendente. Entre 1840 e 1874, a população livre do Rio de Janeiro cresceu rapidamente de 183.200 para 456.850 pessoas, mas a verdade é que, durante esses mesmos anos, a população escrava dessa província de caté também se expandiu consideravel mente, de 224.012 para 301.352. * Conforme a Tabela 2 indica, em 1874, a população escrava em muitas das províncias do norte e algumas do extremo sul constituía uma percentagem relativamente insignificante da população total, enquanto, nas províncias produt oras de café, era um fator muito mais importante. A relativa disposição das províncias do norte para aceitarem a emancipação (que começou sendo mani festada na década de 1860 e ainda mais na década de 1880) resu ltou não só de uma redução no número de escravos nessas províncias , mas também de um declínio na “qualidade” relativa dos escravos do norte. As mulheres, os doentes, os não especializados e os idosos tinham menos procura no sul e, assim, ficaram nas suas regiões de origem, enquanto os mais produtivos eram exportados. As mães vi am muitas vezes seus filhos partirem, ficando com seus antigos dono s. Um relatório britânico sobre os escravos exportados de Pe rnambuco em 1856 não oferecia qualquer informação sobre a saúde ou as especializações dos escra-

vos envolvidos, mas sugeria que a proporção de mulheres para homens no tráfico interprovincial era mais ou menos O mesmo do que O fora no tráfico africano, aproximadame nte dois homens para uma *

A população

escrava

da Paraíba

caiu

de

em 1874. Nesse mesmo período, sua popu laçã para 341.643. Exposição feita pelo Doutor Francisc o Xavier Paes na qualidade de presidente da ovincia da Parahyba do Nort de Abril de 1855 (Paraíba, 1855pr e. ), p. 18: Tabela 6. *6 Cl

Em

16

ass B., From April 1, 1855, to March 31, 1856, p. 239. é Relatorio do Presidente da Provin ci de 1840 a 1841 (2.º edição: Niterói, 1 a do Rio de Janeiro, 851). Relatorio d ni ge oiibpe ; cultura, 30 de abril de 1885, p. 37 O Ministério da Á gri&

78

a

passaram a ser um elemento quase insignifican te na população total. Entre 1855 e

mulher. Além disso, a mesma estatística sugeria que os idosos e os

muito jovens tinham menos procura do que os escravos de uma idade mais produtiva, *º com isto sendo confirmado pelo número, invul-

garmente grande, de escravos de idade mais produtiva que havia nas províncias do café durante a década de 1870. (Ver Mapa 4.) Segundo o recenseamento de 1872, os escravos que havia em Minas Gerais com idades entre onze e vinte anos excediam por mais de 30 mil os que tinham menos de onze anos, embora, num plano nacional, o grupo mais jovem excedesse o mais idoso por mais de | 45 mil. *º A preferência pelos homens jovens e altamente produtivos nas províncias do café é refletida claramente pela maioria de homens

nessa região durante um período (1851-1871) em que a reprodução natural e o tráfico interno de escravos estavam criando uma proporção mais normal entre homens e mulheres nas outras províncias. O recenseamento de 1872 mostrou perfeitamente que a maior parte do excesso de 100 mil homens sobre as mulheres estava concentrada nas quatro províncias do café, com os homens excedendo em 81 mil as mulheres nessas quatro províncias. 5º Em certos distritos dentro da área do café, os homens excediam as mulheres em proporções invulgarmente elevadas. Em São Paulo, como a Tabela 16 mostra, este predomínio de homens era característico tanto nas mais antigas áreas de café no Vale do Paraíba e na zona central da província de São Paulo quanto nos novos municípios de café, mais a norte, onde o duro trabalho de abater florestas virgens e de estabelecer novas fazendas já havia resultado numa margem particularmente grande de predomínio de homens durante a década de 1870. Em 1884, os escravos do sexo masculino nas quatro províncias centrais produtoras de café (ver Tabela 4) representavam cerca de 55 por cento de sua população escrava total, ainda excedendo as mulheres em 70 mil. Nesse ano, por outro lado, as escravas já excediam os homens em mais de 12 por cento nas onze províncias do norte, embora, no Império, como um todo, as mulheres ainda fossem meros de 48 por cento da população

cativa.

(Ver Figura

5.)

48 Os números exatos eram 410 homens e 196 mulheres. Destes, 86 eram de idades entre cinco e dez anos, 345 tinham de onze a vinte anos, 130 iam de

vinte

49

Recenseamento

50

Recenseamento da população, V, 78; IX, 1084; XV, 358; XIX,

trinta

e

e um

um

a trinta

e quarenta

da

anos

anos.

de

idade,

Class B.

população, IX,

com

os

restantes

1856-1857, p.

1084, passim.

264.

Nos

45

tendo

entre

Estados Unidos,

o fluxo de escravos dos estados fronteiriços para o sudoeste teve um efeito semelhante nos grupos de idade. Ver Conrad e Meyer, “The Economics of Slavery in the Ante-Bellum South”, p. 355.

433.

79

L



e—KA

O

oy

=

-E

=

or

o

SVO

AR

o

LL

> Uj

=:

-

0&

3

a

Õ

8

|

Ó

o]

pm

6)



o

|

9

AN

oO

O

O

O

O

Sa | qe

Cu:

O

67

Ps

z

=)

S

8

Se

a

=u

o

a.

o

BA =

Do

Q

Êo

goo

a

S

&

O)

Os

OGe

População

(milhares)

(O q

Ê

u SÊ

ES O pá

Ú O2-|9

o Ly D.

a

U)

E

sexos,

1884

PPS

Evidentemente,

concentrados

os

escravos

mais

produtivos

nas províncias do centro-sul.

também

estavam

O Brasil era “um

país

essencialmente agrícola”, afirmavam repetidamente os defensores da escravatura, mas a verdade é que, na década de 1870, isso já não era um

argumento

muito

convincente

para

conservar

a escravatura

rio (Paraná, Alagoas, Rio Grande do Norte, Pia uí, o Município Neutro, Amazonas e Ceará) os criados e os diaris tas eram em maior número do que os trabalhadores agrícolas (ver Tabela 20). Em contraste, quase 62 por cento da população escrava total das quatro províncias do café, incluindo os velhos, as mulheres e os muito jovens, eram classificados como trabalhadores agrícolas, enquanto apenas I4 por cento dos escravos nessas províncias eram criados ou diaristas. Quando contrastamos os aproximadamente 170 mil escravos das províncias nordestinas que eram trabalhadores agríco las com as 3.750.000 pessoas registradas como residentes nessas mesmas províncias, a pequena importância da escravatura para a agricultu ra da maioria do Nordeste torna-se aparente. Por outro lado, os 52 1.879 trabalhadores agrícolas nas províncias do café (excluindo o Muni cípio Neutro) eram um fator mais formidável quando comparados com as 2.839.519 pessoas livres das mesmas províncias. Apresentando estes fatos de outro modo, a província de Minas Gerais só por si (ver Tabela 20 e Mapa 1) continha quase tantos trabalhadores agrícolas (278.767) quanto as dezesseis províncias fora da região do “café, conjuntamente (284.757). Além disso, se recordarmos que os escravos nas províncias do café estavam concentrados, na sua maio r

parto, num número relativamente pequeno de municípios nessas pro víncias, torna-se

aparente

que, nas décadas de

1870 e 1880,

o valor

«dos escravos não estava disperso por todo o país, mas que se con-centrava em poucos áreas. A propriedade, é claro, também estava grandemente concentrada. Em 1883, por exemplo, cerca de um em cada 762 escravos do Brasil era de propriedade do Conde de No va Friburgo, um rico plantador de café da província do Rio de Janeiro. 51 A conclusão a extrair desta abundância de fat os e estatísticas é que a elite agrícola de certas províncias, particul armente do norte e do oeste, tinha menos razões do que os fazendeiros de Minas Geais, Rio de Janeiro e São Paulo ou até me smo do Espírito Santo S1 Van de vida

mento

Delden Laérne, Brazil and Java, páginas extraordinariamente luxuoso do Conde, ver

servil



a abolição”,

de Janeiro, 1941),

52

Terceiro

IV, 124-125,

Congresso

de

339.3 aa

Rabo

História

N

o modo

dê ce j acio nal E (Rio

Oe ——

em grandes áreas do país. Em sete das maiores divisõ es políticas do Impé

O desafio, na realidade, veio em parte das regiões que ti nham per-

dido grande parte de seus trabalhadores para o sul e haviam sido obrigadas, como resultado disso, a efetuarem uma transi ção prematura para um sistema de trabalho livre. REAÇÕES

POLÍTICAS

A AMEAÇA ao sistema escravocrata inerente no tráfic o interno de escravos foi reconhecida quase no mesmo momento em que esse comércio começou. Todavia, os interesses imediatos prevaleceram sobre os perigos problemáticos. Os escravos eram necessári os à indústria do café e, portanto, as débeis tentativas para det er o tráfico em benefício dos fazendeiros do norte não tiveram gran de efeito. Enfrentando o aumento dos preços dos escravos e uma população de escravos sempre decrescente e incapazes de det er a exportação de seus trabalhadores através de uma proibição dir eta, os nordestinos depressa conceberam o dispositivo de cobrar pe sados Impostos sobre os escravos transportados para outras província s. Tendo origem em Pernambuco como resposta imediata ao súbito movimento de escravos para sul, esta medida não tardou a ser imitad a pelas assembléias legislativas de outras províncias, 52 mas não conseguiu estabilizar o fornecimento do trabalho-escravo nas várias regiões do país pelo fato de muitos senhores de escravos terem sid o atraídos pelos ganhos econômicos imediatos. A proibição do tráfico interno de escravos era desejada em todo o norte do país, se gundo disse João Mauricio Wanderley

na Câmara,

em

1854, mas

os pesados

im-

postos sobre a exportação de escravos aplicados por “todas as províncias” não haviam conseguido deter o tráfico. 53 A mais séria tentativa para acabar com o embarque de escra-

vos do norte para o sul tomou a forma de um projeto leg islativo apresentado na Câmara dos Deputados em 11 de agosto de 1854 62

Relatorio

Ministro...

da

apresentado...

Justiça (Rio

na

quarta

sessão

de Janeiro, 1852),

da

oitava

p. 9;

(1854), IV, 246; Relatorio apresentado á Assemblea

legislatura

Annaes

Legislativa

da

pelo

Camara

Provincial do

Ceará no dia 1.º de Outubro de 1862, p. 32; Falla dirigida á Ásse mblea Legislativa da Provincia das Alagõas em o 1.º de Março de 1855, páginas 53-54; Classe B., From April 1, 1654, to March 31, 1855, p. 277; O Philantropo, 30 de abril de 1852.

58

Annaes da

Camara

(1854),

IV, 350.

63

pelo mesmo deputado baiano, João Mauricio Wanderley, o futuro Barão de Cotegipe. Tendo a intenção de proibir o comércio inter-

provincial de escravos por infração da lei antitráfico de escravos de 4 de setembro de 1850, este projeto levantou um debate na Câmara

que revelou que um conflito de interesses já se desenvolvera, em 1854, entre os fazendeiros do norte e os do sul. 54 O projeto de lei de Wanderley foi defendido por deputados de Paraíba, Pernambuco, Alagoas e Bahia, todas elas províncias que estavam perdendo escravos para o sul, mas foi oposto fortemente por José Inácio Silveira da Mota, de São Paulo, uma província importadora. Os principais argumentos de Silveira da Mota foram de or-

dem econômica. O valor dos escravos variava de província para província, disse ele, pelo fato de os escravos usados na produção de café ganharem mais para seus senhores do que os escravos empregados no cultivo da cana-de-açúcar. Negar o direito de um proprietário a mover seus escravos em resposta a este fato econômico seria negar seu direito a esta diferença de valor — uma violação dos direitos de propriedade. Silveira da Mota advertiu de que a proibição do tráfico interno criaria um novo tráfico ilegal de escravos, simplesmente porque os escravos continuariam a ser mais valiosos nas regiões onde o café era produzido. 55 O projeto de lei de Wanderley foi recebido calorosamente pelo Deputado Araújo Lima, da província de Alagoas, cujas declarações revelaram claramente seu propósito. Este deputado falou amargamente sobre o despovoamento e a deterioração econômica do norte, insinuando que os compradores do sul tinham elevado os preços dos escravos de modo a estes ficarem fora do alcance dos plantadores de cana-de-açúcar e advertiu de que a região que ele representava estava “ameaçada de ruína, de perfeita decadência”. O despovoamento e o declínio de uma parte do Império, afirmou ele, criaria “graves males” para toda a nação, incluindo o próspero sul. Não seria a pros-

peridade da região do café comprometida lá se concentrassem?

se a maioria dos escravos

“Ficai certos,” disse o deputado, “de que fereis

interesses oppostos, províncias de escravos, provincias sem escravos, tereis o antagonismo, 64

Ibid.,

projeto

de

IV,

124.

Ao

as lutas que se dão por este motivo mesmo

lei para libertar

tempo,

os escravos

Wanderley

que

pediam

apresentou

na Ame-

um

segundo

e para obrigar os proprietários a alimentarem os escravos velhos, esmola 8 doentes ou incur l a não ser que eles próprios (os seus proprietários) áveis, não tivessem Àmeios ; Nenhum dos dois: projetos obteve qualquer progresso signific

55

64

Ibid., IV, 243-247.

entticante na Câmara.

ca

rica do Norte, que têm posto em tão imminente perigo a União Americana.” 96 Em defesa de seu próprio projeto, Wanderley argumentou que

os fazendeiros do norte não podiam competir com os das províncias do sul na aquisição de trabalhadores. Quase nenhum dos plantadores dó norte se desfizera ainda de seus escravos, “porque perderião os capitais fixos empregados na cultura”. Contudo, uma pesada mor-

talidade anual de pelo menos cinco por cento forçaria os plantadores do norte a comprarem escravos urbanos ou os de fazendas menores, cujo trabalho poderia ser realizado por homens livres. Se, porém, essas fontes de escravos fossem perdidas para os compradores do sul, o norte depressa seria “reduzido a criadores de bois”! Tal como seu colega de Alagoas, Wanderley advertiu sobre uma desastrosa divisão regional de interesses: 4 consegiiência de uma mudança radical nas condições do trabalho das províncias será o antagonismo político entre as províncias do sul e as províncias do norte, porque estas, logo que não tiverem escravos, se empenharão para que os não haja no sul (apoiados); as províncias do sul quererão o contrário, e veríamos saltar deste choque de interesses entre nós os mesmos perigos que têm ameaçado a União dos Estados Unidos da América...” 57

A

Câmara dos Deputados rejeitou a proposta de Wanderley, mas, na década de 1860, com os Estados Unidos envolvidos em guerra civil, vários brasileiros preeminentes, até mesmo nas províncias do café, começaram, finalmente, reconhecendo a ameaça ao seu sistema, inerente no aumento de diferenças regionais causadas pelo tráfico interprovincial de escravos. “Não foi exactamente, Senhores,” perguntou Silveira da Mota num importante discurso no Senado em 1862, “depois que, ha muitos annos, na União Americana, o Norte aboliu sua escravatura e ficou a escravatura do Sul, que se foi creando em todos os interesses industriais do Sul um interesse antipoda dos interesses do Norte? Depois de creada e vigorada essa antithese de interesses, não foi que appareceu a explosão que ainda não acabou?” Se o norte brasileiro continuasse perdendo seus escravos, previu este deputado na sua inversão de opinião, os interesses das províncias do norte e do sul viriam a ser antagonísticos. 58 O crescente perigo para o sistema escravocrata implicado

pela guerra na América do Norte e as queixas causadas pelo senti56 57 658

Ibid., IV, 275-276. JIbid., IV, 346-348. Annaes do Senado

(1862),

IV,

97.

ó5

no

Brasil

tinham

alertado

este antigo depu-

tado de São Paulo, já então representando Goiás no Senado, para Os perigos inerentes a um conflito de interesses regionais.

No começo da década de 1860, já era demasiado tarde para deter o processo. Às provas de mudanças econômicas import antes e irreve

rsíveis no norte já eram evidentes, sendo confirmada s pelo recenseamento nacional de 1872. Pouco depois da Guer ra Civil dos Estados Unidos ter sido desencadeada, um deputado da provín cia nordestin a de Alagoas, Aureliano Cândido Tavares Bastos, come çou pu-

blicando

artigos no jornal liberal do

Rio,

Correio Mercantil,

||

|



antiescravatura

E

ménto

| |

sob o

pseudônimo de Solitário. Estas Cartas do Solitário incluíam vários estudos da escravatura brasileira que refletiam uma pr eocupação sincera no que se referia à terrível situação dos escrav os e uma com-

preensão esclarecida dos interesses de seus constituintes do nor te. O

|

tráfico interprovincial de escravos era prejudicial aos in teresses agrícolas do norte, afirmou Tavares Bastos, mas seria reco nhecido, em última análise, como benéfico para essa região e prejudic ial para o sul. Suas consegiiências morais e a revolução econômica que pro-

vocara já eram evidentes. Em Pernambuco,

na Paraíba

e no Rio

Grande do Norte, já havia homens livres encontrando emprego munerado

nas

plantações

de

cana-de-açúcar,

já se verificava uma transformação

enquanto,

no

semelhante na sua nova

re-

Ceará,

indús-

tria do café. Nas províncias do norte, o trabalho livre já fora con -

siderado mais produtivo do que o realizado pelos escravos. Apesar das epidemias de cólera e da perda de trabalhadores para o sul, a agricultura nordestina fora melhorada, com arados e motores a va por sendo introduzidos,

e, em certas regiões,

o senhor

de engenho já se

transformara num mero processador das safras de açúcar, plan tadas por rendeiros livres. 5º Em 1863, este político e economista nordestino, um dos primeiros abolicionistas, estava convencido de que a escravatura já não era indispensável, pelo menos em certas partes do Império. Para

apressar seu fim e aliviar a escassez

da mão-de-obra

rural, propôs uma série de reformas que incluíam a emancipação de todos os escravos em certas províncias selecionadas com base nas suas peque6º

O aumento

da produção

agrícola do Ceará

durante a Guerra Civil dos Estados Unidos foi o resultado, em parte, de um ado mais amplo para seu algodão. Todavia, homens tão capazes quantomerc Perdigão Malheiro e O historiador Homem de Melo, presidente do Ceará em 1868, estavam convencidos de que a melhoria da situação econômica nessa província era o resultado do aumento do trabalho livre Perdigão Malheiro, 4 escravidão, II, 161. e do declínio da escravatura. V 4

66

|

nas populações cativas. Estas eram províncias do norte, especi ficamente o Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Alagoas e Pe rnam-

buco, cuja população escrava fora reduzida, em grande parte devido

ao tráfico interprovincial de

escravos. %º Conforme as próprias opi-

niões de Tavares Bastos sugeriram,

o norte, já menos

compromissa-

do com a escravatura, viria a ser visivelmente mais receptivo a medidas cujo resultado desejado era uma eliminação gradual do siste-

ma

de escravos,

o

que, pouco depois,

pelo próprio Imperador.

seria recomendado

à nação

60 Tavares Bastos, Cartas do Solitário, páginas 459-460; Aureliano Cândido Tavares Bastos, 4 provincia (2.º edição; São Paulo, 1937), páginas 241-262.

67

A última guerra dos Estados Unidos... repercutiu no Império como um imenso e medonho era a voz de Deus, falando pela boca dos canhões, que nos avisava de que era chegado o derradeiro dia dessa bárbara e fatal instituição...

PERDIGÃO

MALHEIRO,

trovão;

1867

o A ORIGEM DO EMANCIPACIONISMO EMANCIPACIONISMO DuranNTE a emancipacionista

IMPERIAL

década de significante

1860, desenvolveu-se um movimento no Brasil, culminando em 1871 com

a aprovação da legislação que libertava os filhos recém-nascidos de escravas. Esta mudança da política de nada fazer dos anos da década de 1850 foi o resultado do reconhecimento por muitos brasileiros, incluindo

algumas das mais elevadas autoridades,

tura era uma instituição desacreditada no mundo não

poderia

continuar

existindo

sem

sofrer

de que a escrava-

ocidental e de que

algumas

restrições im-

portantes. A abolição, acreditava-se, era impossível nas circunstâncias brasileiras, mas seria igualmente impossível manter o silêncio sobre uma questão que preocupava grandemente o mundo fora do Império. Uma série de acontecimentos no exterior ajudou a estimular as atitudes madre) reformistas A da década de 1860. A lib ertação dos escravos nos impérios português, 1 francês e dinamarquês, a dos servos russos em 1861 e a Guerra Civil nos Estados Unidos de ram à questão da

88

escravatura do Brasil uma urgência que não se verificara desde o final da luta, em 1851, para acabar com o tráfico africano de escravos. Dois acontecimentos, a Proclamação da Emancipação nos Es-

tados

um

Unidos

e o chamado

corte de relações entre

“Caso

Christie”,

que

causara

o Brasil e a Grã-Bretanha,

em

1863

ajudaram,

sem dúvida, a moderar as atitudes brasileiras para com a questão da escravatura mesmo antes da conclusão da Guerra Civil norteamericana em 1865. 1 Todavia, foi o resultado do conflito militar na América do Norte que enfraqueceu grandemente a escravatura brasileira e despertou a oposição ao sistema, já que a sobrevivência da escravatura nos Estados Unidos, até então, proporcionara sempre aos defensores da instituição brasileira um de seus mais fortes argumentos. A ratificação da Décima Terceira Emenda à Constituição dos Estados Unidos foi um ato de grande importância, não só nos Estados Unidos, mas também para Cuba, Porto Rico e Brasil, pois condenava a escravatura nesses países quase tão decisivamente quanto na América do Norte. Com a vitória dos estados do Norte, o Brasil enfrentava mais do que nunca a necessidade de tomar algumas medidas para acabar com a escravatura e iniciar um sistema

de trabalho livre. Em 1865, apenas a Espanha, com suas colônias de Cuba e de Porto Rico, acompanhava o Brasil como uma importante nação escravocrata e o Brasil era o último dos países independentes das Américas a carregar o “estigma colonial” da escravatura. Se quisesse conservar sua reputação, construída durante anos de paz e desenvolvimento sob a liderança de um soberano moderado, o Brasil teria de tomar medidas importantes para sua eliminação. A emergência causada por novas condições mundiais foi sentida mais imediatamente, é claro, pelo Imperador e seus conselheiros,

bem como pelos membros dos ministérios governamentais, que se empenhavam na proteção não só dos interesses internos, como tam-

bém

do bom

nome

e da reputação

do Brasil na

comunidade

mun-

dial. Depois do restabelecimento das relações entre ingleses e brasi-

leiros, em 1865, o Ministro Britânico no Rio, Sir Edward Thornton,

informou sobre “um sentimento rapidamente crescente entre os ele-

mentos de liderança da necessidade da abolição da escravatura.” Os brasileiros “começavam a sentir-se envergonhados pela existência de 1 Na Véspera do Ano Novo, em 1862, uma força naval britânica iniciou um breve, mas humilhante bloqueio do porto do Rio, o que foi um resultado imediato de incidentes menores, mas uma consegiiência, na realidade, da longa disputa entre ingleses e brasileiros sobre os “emancipados” e a própria

Ver Graham, Britain escravatura. The Abolition, páginas 382-383.

and

the

Onset,

páginas

167-171;

Bethell,

69

uma tal instituição no seu país e o partido liberal, agora

no poder.

confessou que ela era incompatível com seus princípios políticos.” Os acontecimentos nos Estados Unidos tinham “inspirado no Brasil

de ser o últi-

um sentimento de isolamento e de vergonha pelo fato

mo país no continente a limpar uma tal mancha das suas instituições e estão produzindo uma pressão moral a que seu Governo terá dificuldade em resistir.” 2 O Brasil, escreveu Perdigão Malheiro não

muito depois na sua obra monumental sobre a escravidão, não po-

deria resistir à corrente da opinião mundial sobre a questão da escra-

vatura. A resistência era impossível e seria até do maior perigo.3 O próprio Imperador, talvez depois de prolongada meditação sobre as dificuldades e os riscos envolvidos, tomou a decisão de agir contra a escravatura — e Dom Pedro constituiu de longe a mais importante influência singular na aprovação da lei da reforma da escravatura de 1871. Seu poder para responder à opinião mundial, entretanto, não era ilimitado, pois a classe dos fazendeiros, que eram aqueles que mais se beneficiavam da escravatura, encontrava-se na base do sistema político brasileiro e só com o apoio dessa classe ou com o consentimento passivo de alguns de seus setores é que qualquer reforma poderia ser adotada e realizada. Desafiar a escravatura era um terrível empreendimento,

até mes-

mo para um Imperador, numa sociedade ainda dominada por potentados rurais. O que era preciso era uma mudança no sistema da escravidão

trangeiros

suficientemente importante

e nacionais

sem

para

excessiva

satisfazer

ofensa

imediata

os críticos es-

ou prejuízo

para os poderosos da nação. Como resultado disto, a solução que o cauteloso e estudioso Dom Pedro e seus conselheiros adotaram e, depois de anos de esforços e hesitações, conseguiram forçar na Assem-

bléia Geral,

foi moderada,

mas muito importante:

a libertação

das

2 Carta de Thornton ao Conde de Clarendon, Rio de Janeiro, 6 de dezembro de 1865, PRO, Foreign Office, 84/1244. Um ambiente semelhante, quase de pânico, desenvolveu-se em Cuba e na Espanha logo depois da Guerra

Civil norte-americana. a questão da nessas Cortes

um



muito tempo quase “tabu”

nas Cortes

Espanholas,

emancipação dos escravos de Cuba foi subitamente levantada em 1865. “A guerra nos Estados Unidos terminou,” disse

legislador espanhol,

“e, tendo

terminado, a escravatura na

continente americano pode ser considerada acabada.”

totalidade

do

Ver Arthur F. Corwin,

Spain and the Abolition of Slavery in Cuba, 1817-1886 (Austin, Texas, 1967), p. 162. Numa declaração pioneira sobre a abolição, Richard Graham reduziu a importância dos Estados Unidos como um fator induzindo a reforma brasileira,

tendo

the Abolition Vol. XLVI 8 Perdigão

90

enfatizado

of Negro

a significação

Slavery

da pressão

in Brazil:

(maio de 1966) p. 131. Malheiro, 4 escravidão, II,

156.

britânica.

Ver

“Causes

An Interpretive Essay”,

À

for

HAHR

,

crianças recém-nascidas de escravas. Este “método muito justo e mais

gradual”, conforme um liberal preeminente, José Antônio Saraiva, o caracterizou

para

o Ministro

Britânico

em

1865,

“conteria

um

grau de consideração para com os direitos de propriedade e encon-

traria um mínimo de oposição por parte dos atuais proprietários de escravos.” £ Contudo, até mesmo esta solução moderada, que Lincoln havia proposto para Delaware em 1861 e que fora rejeitada pela legislatura desse estado no mesmo ano, dificilmente teria sido imposta no Brasil se não fosse a cooperação das províncias do norte e de seus representantes na Assembléia Geral, os quais, como veremos, aprovaram a reforma contra a vontade conjunta das províncias produ-

toras de café. A verdade é que, na década de 1860, ainda não havia qualquer onda irrepressível de sentimento emancipacionista entre a elite agrícola em qualquer parte do Brasil ou mesmo entre a população em geral. Havia, no entanto, uma disposição maior em quase todas as províncias fora da região do café (que se aproximava do entusiasmo entre alguns fazendeiros e políticos de Pernambuco) para ceder ante a vontade do Imperador e a opinião mundial no sentido de aceitar uma legislação cuidadosamente planejada para preparar para o inevitável, embora prejudicando o menos possível os interesses estabelecidos. Conforme um erudito brasileiro afirmou recentemente, a resistência à reforma concentrava-se nas províncias do

centro-sul, “enquanto para o Norte-Nordeste, progressivamente exportador (de escravos), um programa que afetava apenas remotamente o volume da força de trabalho, parecerá menos crucial.” 5 Sendo um homem de reputação liberal fora de seu Império,

Dom Pedro II identificara-se cuidadosamente com a emancipação desde a década de 1850 e, assim, quando pessoas em altos cargos começaram falando em favor da emancipação no auge da Guerra Civil norte-americana, poucos foram os brasileiros informados que não pensaram que o Imperador estava envolvido nesse movimento. € 4

Carta de Thornton ao Conde de Clarendon, Rio de Janeiro, 6 de dezembro

de 1865, 5 Paula 1967), I, 6 dat

PRO, Foreign Office 84/1244. | Beiguelman, Formação política do Brasil 26. Pedro concordara, em 1856, com ser protetor

(2

vols;

do novo

São

Paulo,

clube

cívico,

a Sociedade Ipiranga, dedicada a libertar escravos no Dia da Independência e, em 7 de setembro desse ano, ele e a Imperatriz assistiram à primeira cerimônia de libertação dessa organização na Igreja Carmelita do Rio. Carta

de

Scarlett

para

da

reforma

do

o Conde

de

Clarendon,

Rio

de 1856, Class B., From April 1, 1856, to March estado

servil,

II,

142.

Na

sua

de

Janeiro,

31, 1857,

biografia

13

de

outubro

p. 171: Discussão de

Dom

Pedro,

91

Em

setembro de 1863, quando Dom

Pedro já tivera quase

nove

meses para ponderar o significado do Caso Christie e a Proclamação da Emancipação, um advogado preeminente com relações íntimas com a Coroa propôs publicamente a solução para a questão da escravatura que não tardaria a ser adotada pelo governo. “A eman-

elo, mas essa mesma lei poderia ser modificada ou até extinta, em obediência “nisto, à lei mais poderosa do Autor da Natureza”. Dificilmente uma voz mais autorizada poderia ser escutada sobre uma questão legal no Brasil e os brasileiros informados devem ter suspeitado de que Perdigão Malheiro fizera esta franca declaração a pedido do Imperador ou, pelo menos, com a aprovação tácita de Dom Pedro. ? Nesse mesmo ano, além do mais, Perdigão Malheiro começou escrevendo seu admirável estudo sobre a escravatura no Brasil, a ser publicado em três volumes em 1866 e 1867 pela Imprensa Nacional. Mary Wilhelmine Williams afirmou que, em 1840, os escravos incluídos na sua herança e que, em

o Imperador libertou 1864, libertou os que

«estavam incluídos no dote da Princesa Isabel. Ver Dom Pedro the Magna-mimous, p. 265. Todavia, em 1866, o Imperador ainda “libertou 190 escravos «de sua propriedade particular” para serviço na Guerra do Paraguai e ainda

estava fazendo uso de milhares de escravos de propriedade do governo. Nesse tempo, ainda havia cerca de 2.500 “escravos da nação” resid indo na propriedade do Imperador em Santa Cruz, cuidando dos campos e do gado ou alugados a fazendas vizinhas. Os escravos de Santa Cruz eram privilegiados, recebendo pagamento diário e educação. Os filhos dos escravos de Santa Cruz tinham formado uma banda e sabiam tocar os hinos dos Estados Unidos, da Inglaterra e da França, para satisfação de convidados estrangeiros. Ver John Codman, Ten Months in Brazil (Boston, 1867), páginas 103-106; Benedicto Pires de Almeida, “Tietê, os escra vos Revista do Arquivo Municipal, Vol. XCV (São Paulo, 1944) e a abolição”, , p. 53. *

Agostinho Marques Perdigão Malheiro, Ilegitimidade

da pro

priedade constituida sobre o esc; escravo (Rio de Janeiro, 1863) páginas 17-24, Além de sua íntima associação legal e na Cor te com o Imperador, Perdigão Malhei ro também era presidente do Instituto Brasileiro dos Advogados filho do presidente do Supremo Tribunal de Justiça e cunhado do líder do Partido Com servador, Eusébio de Queiroz. Ver obituária de Perdigão Malheir G da Tarde, 3 de junho de 1881; Augusto Victor: t Babo es

nario Bibliographico Brasileiro

92

(7 vols.; Rio de Janeiro

1833 1902) TB

TOO TTT——————

de Estado e pajem da Casa Imperial, era a melhor solução para o problema da escravatura. A nova geração seria livre, afirmou ele numa reunião do prestigioso Instituto dos Advogados, enquanto os escravos existentes continuariam servindo seus senhores “até que pela morte e pelas manumissões regulares se extinguisse esse cancro da sociedade brasileira.” O escravo era uma forma especial de propriedade, “tolerada pela lei civil por motivos especiais”, acrescentou

O

do Conselho

TST

advogado

E

cipação do ventre”, disse Perdigão Malheiro,

|

Apenas

três meses depois de seu representante ter proposto a

libertação dos recém-nascidos, Dom Pedro reco mendou

lução num

memorando

selho de Ministros,

a mesma

so-

enviado ao novo Presidente liberal do Con-

Zacarias de Góis.

Os acontecimentos

nos Esta-

dos Unidos, disse Dom Pedro a seu Primeiro Minist ro, compeliam o governo brasileiro a considerar o futuro da escravatura “p ara que

não nos suceda o mesmo que a respeito do tráfico de afri canos. as A solução mais prática, sugeriu ele, era a libertação dos recémnascidos. * Apesar dos acontecimentos nos Estados Unidos tornarem essa ação ainda mais imperativa, um trágico envolvimento brasileiro nos assuntos de certos países vizinhos fez com que o governo brasileiro demorasse o início da reforma proposta. Em outubro de 1864, o exército brasileiro interveio numa disputa interna no Uruguai, fazendo com que o Presidente do Paraguai, Francisco Solano López, atacasse o Brasil, levando o Império a um conflito que viria a durar até a morte de López em 1870. º Com seu Império em guerra e ainda incerto quanto à questão da escravatura, o Imperador, em julho de 1865, viajou até à zona de guerra no Rio Grande do Sul. Tendo conferenciado nessa província, em setembro, com o novo Ministro Britânico, Sir Edward Thornton, cuja tarefa era restabelecer relações normais com o Brasil, Dom Pedro regressou ao Rio no início de novembro, convencido da necessidade de adotar uma reforma da escravatura. 1º O próprio Thornton foi informado de que o governo brasileiro estava “muito ansioso por apresentar alguma forma à legislatura para a abolição da escravatura, mas... isso não poderá ser feito imediatamente, não até que a guerra com o Paraguai esteja terminada...” A demora

era necessária, segundo Thornton foi informado,

para “que não hou-

vesse causa de agitação ou divisão no país..., para não haver qualquer pretexto que impedisse todos os partidos de apoiarem e ajudarem o governo de corpo e alma na continuação da guerra”, 11 Em contraste com os anos anteriores, a posição britânica quanto à escravatura brasileira foi cautelosa e discreta em 1865 e, assim, 8 Heitor Lyra, História de Dom Pedro II (3 vols.; São Paulo, 1938-1940), IH, 235-236. ? Para um resumo destes acontecimentos, ver Calógeras, Formação histórica, 214-232. ági 10

11

bro,

Williams.

Dom

Pedro

the

Magnanimous,

p.

121.

Carta de Thornton ao Conde de Clarendon, Rio de Janeiro, 6 de dezem 1865, PRO,

Foreign

Office,

84/1244.

93

não representou um papel dominante em fazer com que Dom Pedro decidisse agir. Com as relações sendo restabelecidas, o Foreign O ffice

ordenou

a Thornton

que averiguasse sobre um possível refloresci-

mento do tráfico de escravos, sobre o estado dos escravos e dos eman-

cipados e, ainda, sobre quaisquer tentativas para adqu irir novos traba lhadores

através da imigração, mas esse Ministro

também

foi in-

formado de que “não era desejo do Governo de Sua Majestade que entrasse no reatamento de Relações Diplomáticas com o Brasil, em quaisque r assuntos da antiga controvérsia relacionados com a questão”. Thornton, por sua vez, aconselhou se u governo em Dezembro de 18 65:

Tenho verificado que existe, entre todas classes de brasileiros, uma sensitividade extrema quanto a qualquer pressã o sobre a questão da abolição por parte da Europa e, particularmente, da Inglaterra e... eu desaconselharia sinceramente toda e qualquer pressão pos itiva por parte do Governo de Sua Majestade além de uma assessoria oOficiosa e amigável; pois acredito que essa pressão retardaria mais do que apressaria o final que tão desejável é. 12

Apesar da ausência de pressão britânica e do envolvim ento nos preparativos para a continuação da guerra contra o Paraguai, logo depois do término do conflito norte-americano, o Imperador ainda encontrou tempo para tomar medidas preliminares para a reforma da escravatura. Cerca do final de 1865, pediu a um assessor que lhe era muito chegado, José Antônio Pimenta Bueno, que preparasse um projeto de reforma da escravatura e, em janeiro, Pimenta Bueno (mais tarde, o Marquês de São Vicente) já preparar a um programa moderado de cinco pontos que previa o nascimento livre, o estabelecimento de conselhos provinciais de emancipação, registro dos escravos e a libertação dos escravos de propriedade do estado em cinco anos e os dos conventos em sete, 13 Óposto, contudo, por um Conservador da velha guarda, o Visconde de Olinda, então Presidente do Consel ho, este projeto foi arquivado e passaram-s e mais alguns meses antes de Dom Pedro se dispor a tentar de novo. A disposição do Imperador refletia-se, contudo, numa série de decisões executivas tendendo para reduzir o sistema da escravatura. I2 Carta do Foreign Office a Th ornton, 5 de setembro de 1865, PRO Foreign Office 84/1244; o mesm o ao mesmo, 25 de novem r carta de Thornton ao Foreign r Office, bi, o 6 de dezembro de 1865br Õ, ibid18 65,5 ibid 18 Williams, Dom Pedro the Magnanimous, páginas :

de Dom Pedro II, IL, 238; Nabuco, Um estadista 121, 266; Lyra, História | O Império, ério, 1 II, pági-: nas 26-31. 94

Tendo

cipados,

decretado, em decidiu

1864, a libertação há muito devida dos eman-

também,

em

junho

do

ano

seguinte,

acabar

com

o uso do chicote nos escravos condenados a trabalhos forçados, como

sendo uma violação do Artigo 179 da Constituição, que proibia o chicote e todos os castigos cruéis e, no início de 1866, o governo

baniu o emprego de escravos

nesse mesmo

ano, Dom

em obras governamentais.

Mais tarde,

Pedro revelou de novo sua simpatia pela

emancipação ao conceder ao prior do mosteiro de São Bento uma caixa de rapé de diamantes como seu apreço pela decisão do monge de libertar todas as crianças de escravas da propriedade do mosteiro. Os beneditinos, donos de cerca de 2 mil escravos, eram muito influentes e esperava-se que seu exemplo fosse seguido por outras ordens religiosas e até mesmo por particulares. 14 Pouco depois, a nação recebeu provas ainda mais chocantes da determinação de Dom Pedro em agir. Em julho de 1866, uma prestigiosa sociedade abolicionista de Paris (o Comité pour I' Abolition de VEsclavage) pediu ao Imperador que usasse seu poder e prestígio para abolir a escravatura brasileira. Sem dúvida para surpresa e desilusão dos proprietários de escravos, a resposta oficial do governo insinuava que o novo gabinete de Zacarias de Góis estava forte-

mente interessado em acabar com a escravatura, embora a libertação dos escravos não pudesse ser obtida de uma só vez. A emancipação no Brasil, escreveu o Ministro dos Assuntos Estrangeiros em nome do Imperador, “não passa de uma questão de forma e de opportunidade.” Quando as circunstâncias o permitissem, o governo consideraria a abolição como um assunto da maior importância. 1: Desta declaração, depreendia-se que o obstáculo à emancipação era a guerra com o Paraguai e que o governo estava determinado a agir depois da conclusão dessa luta. Tanto o esforço de guerra quanto a emancipação dos escravos foram alvo de um benefício por um decreto de novembro de 1866 concedendo a liberdade aos escravos de propriedade do governo

que quisessem servir no exército. Os proprietários particulares e as ordens religiosas, especialmente as carmelitas e os beneditinos, que

se calculava possuírem, em conjunto e em diversas províncias, um total de cerca de quatro mil escravos, foram fortemente pressiona14

Colecção

das leis do Imperio

(1865),

p.

278;

carta

de

Thornton

ao

Conde Russell, Rio de Janeiro, 2 de novembro de 1865, Class B., 1865, páginas 12-13; o mesmo ao mesmo, de fevereiro de 1866, BFSP (1866-1867). LVII, 1270; o mesmo ao mesmo, 29 de maio de 1866, BFSP, LVII, 1271:

o mesmo ao mesmo, 27 de junho de 1366, BFSP, 15 Dornas Filho, 4 escravidão, páginas 151-152.

LVII,

1272.

95

dos para seguirem o exemplo do governo e o próprio Imperador Nbers. tou 190 de seus escravos para serviço no Paraguai. 1º Durante essa longa guerra, na realidade, cerca de vinte mil pessoas (incluin do as

mulheres dos soldados libertados)

encontraram seu caminho

tituição de seus donos na Guarda

Nacional;

para a

liberdade como um resultado de alistamento voluntário ou pela subs-

o governo chegou mes-

mo a conceder títulos de nobreza a proprietários que forn eciam escravos para serviço no exército. Ainda não satisfeito com o volume do recrutamento, Dom Pedro ofereceu, em 1867, 100 contos (ao tempo, cerca de 10 mil libras) de sua própria fortuna para comprar a

liberdade de escravos que fossem lutar na guerra contra o Para guai.” Apesar do sangrento conflito, por certo,

o preocupasse mais do

que a questão dos escravos, Dom Pedro continuou associ ando-se com o emancipacionismo. Em fevereiro de 1867, talvez por sua instigação, Zacarias de Góis apresentou o projeto de reforma do governo, preparado no ano anterior pelo Visconde de São Vicent e, e vá-

rias outras reformas relacionadas com a escravatura ao Cons elho de Estado, para sua consideração. Estas propostas incluíam, agora, além das medidas originais esbocadas pelo Visconde, a completa aboliç ão da escravatura com compensação total para os proprietários no último dia do século xrx, uma proposta que, inevitavelmente, causaria receio e hostilidade. As perguntas formuladas ao Conselho de Estado eram corajosas e muito diretas: “Seria desejável abolir diretamente a escravatura e, se assim fosse, quando e com que salvaguardas?” 18

O Conselho de Estado, reunindo-se com o Imperador no início

de

abril

de

1867,

refletiu

o

alarme

dos

fazendeiros.

Pressionados

pelo monarca, os conselheiros, na sua maioria, concederam a necessidade de uma reforma, mas manifestaram-se contra qualquer precipitação, advertindo do perigo de desordens públicas, guerras rape.

16



Colecção

das

leis

do Imperio

(1866),

Volume

XXVI,

Parte

I, p.

Ofícios e outros papéis da casa imperial, 1801-1868, Cod. 572, Documento carta de Thor nton a Lord Stanley,

Rio

Class B, 1867, p. 31; Pires de Almeida,

de Janeiro,

7 de dezembro

“Tietê”, p. 53.

313:

6:

de 1866,

HW Ver Nabuco, O Abolicionismo, p. 61; Poppino, Brazil, p. 172. Carta de Thornton a Lord Stanley, Rio de Janeiro, 6 de março de 1867, BFSP (1867-1868), LVIII, 945. Os homens livres podiam ser substituídos por escravos durante a guerra e, assim, desenvolveu-se escravos fisicamente aptos no serviço militar. Do um negócio do uso de mesmo ao mesmo, Rio de Janeiro, 3 de novembro rocurando

escravos

SDEnAiE do Ceará, 18 Nabuco, Um

96

aptos

de 1866, Class at Roo, páginas 47-48, Anúncios para o serviço militar apareceram publi

em 1868. Ver Girão, 4 abolição estadista do Império, III, 32,

Ho

Cear

Publicados á, p. 28.

em

ciais, a escassez de mão-de-obra e grandes prejuízos para a economia. A abolição imediata, disse Nabuco de Araújo, pai do futuro abolicionista Joaquim Nabuco, “precipitaria o Brazil em um abysmo profundo e infinito.” Pelo menos meio milhão de pessoas seriam perdidas para o força do trabalho nacional. Alguns escravos libertados

trabalhariam por salários, mas muitos outros tornar-se-iam vagabundos ou iriam para as cidades, com suas mulheres passando a dedi-

car-se a tarefas domésticas. - A maioria dos membros do Conselho aceitou o conceito de nascimento livre como um passo para a emancipação, mas houve muitos que o fizeram com relutância. O Visconde de Abaeté, por exemplo, estava disposto a aceitar a reforma, mas não antes da Espanha. O Visconde de Rio Branco — líder parlamentar do movimento emancipacionista apenas quatro anos mais tarde — vaticinou que a libertação dos recém-nascidos causaria perturbação nas fazendas, uma escassez de crédito e uma diminuição da produção, mas manifestou a opinião da maioria do Conselho, contudo, devido à pressão direta

do Imperador. O governo, pensava ele, devia preparar sua reforma de maneira a ela poder entrar em vigor depois da guerra com o Paraguai, quando houvesse forças militares disponíveis para enfrentar a inevitável ameaça à ordem pública. 1º

Não houve qualquer divisão regional definida no Conselho de Estado quanto ao tópico debatido, mas os três membros mais claramente emancipacionistas tinham ligações com províncias do norte. O liberal Francisco de Montezuma (Visconde de Jequitinhonha), da Bahia, favorecia fortemente a libertação imediata dos recém-nascidos. 2º Souza Franco, do Pará, era “francamente emancipador”, de-

sejando estabelecer uma data para a eliminação da escravatura. 2! E, finalmente, foi José Tomás Nabuco de Araújo, representando a Bahia, que apresentou os argumentos e imaginou as propostas que vieram a receber aceitação geral em 1871.

19

José Antônio Pimenta Bueno, Marquês de São Vicente, Trabalho sobre

a extincção da escravatura no Brasil (Rio de Janeiro, Um

Nabuco,

20

Nabuco,

em

1837.

estadista

Um

do Império,

estadista

do

HI,

Império,

38.

II,

34.

1868), páginas 58-72;

Nascido

Bahia,

como

em

1865,

da palavra.”

Ibid.,

na

Francisco Gomes Brandão, o Visconde de Jequitinhonha teve uma longa carreira liberal sob o nome adotado de Montezuma. Como Ministro da Justiça, propôs

ele foi

a

tentara aplicar abolição

quinze anos

“o primeiro dos abolicionistas

HI, 24. =

para

a proibição do tráfico de escravos e,

Ibid.,

NI,

32.

mais

tarde.

no sentido

Para

amplo

Joaquim

Nabuco,

Este estadista, aliado por casamento a famí lias de destaque de Pernambuco, via a situação brasileira como sendo m ais gr ave do que as dos países que já haviam abolido a escrav atura, pois o problema encontrava-se dentro das fronteiras do Brasil e n do em qualquer colônia distante. Todavia, para impedir que a qu estão da escravatura se tornasse “presa dos demagogo s”, o governo viu-se obrigado a tomar a iniciativa. Deter a torrente era im possível. Dirigi-la seria a política mais oportuna, Nabuco propôs vári as medidas, algumas delas já incluídas no projeto de São Vicent e e outras novas. Essas medidas favoreciam o nascimento livre, um fundo de emancipação para manumissões anuais e leis para melhorar as condições de vida dos escravos. Para solucionar a escassez de mão-de-obra que resultaria, pensava-se, dessas medidas, também pr opôs que os libertos fossem obrigados a trabalhar para seus antigos donos ou pessoas de sua escolha, sob pena de serem declarados vadi os. 22 Pediu, ainda, uma revisão das leis de Locação de serviços “para adaptá-las às necessidades da colonização e às consequências da emancipação”. Finalmente, este senador da Bahia recomendou medi das para retirar Os escravos das cidades e enviá-los para as zonas rurais , tanto para dar mais oportunidades aos imigrantes nas cidades quanto para proporcionar mais “braços” para a agricultura. 22 Conforme seu filho, Joaquim Nabuco,

escreveu

anos

mais tarde, as sugestões de Nabuco

de Araújo foram a base da complicada legislação que, finalm ente, foi aprovada em 28 de setembro de 1871. 24 Pouco depois da reunião com o Conselho de Estado, o Imperador nomeou uma comissão chefiada por Nabuco de Araújo para preparar um projeto de lei e, apenas um mês mais tarde, no seu Discurso anual do Trono, pediu à Assembléia Geral que se ocupasse da questão da escravatura num momento oportuno. Apesar de atenuado

com

termos moderados,

este discurso,

segundo

escreveu

o jo-

vem Nabuco dezesseis anos mais tarde, foi “como um raio, cahindo de um céo sem nuvens.” 25 O Imperador, preocupado com assuntos 2“ Segundo o plano de Nabuco, tais pessoas não seriam castigadas com a prisão, que era o que desejavam, mas seriam condenadas a tra balhos forgados em estabelecimentos penais ou colônias disciplinares. 2º 24

Pimenta Nabuco,

neiro,

9 de

Bueno, Trabalho, páginas Um estadista do Império,

abril de

1867.

Oito

dos

63-67.

membros

do

Con

início da legislação depois da guerra. Jequitinhonha de uma lei de “ventre livre”. Dois conselheiros queria uma ação imediata , Olinda e Muritiba, opuseram-se a qualquer reforma. leiras (Rio de Janeiro, 1946), 2º Pimenta Bueno, Trabalho,

96

Ver Barão de Rio Branco, Efemér ides “brasipáginas 45-46. p. 110; Nabuco, O Abolicionismo, p. 63.

do estado e problemas estrangeiros, ousara fazer valer sua autoridade em desafio aos interesses da classe dos fazendeiros, mas também tivera a precaução de explicar seus objetivos e de tranqúilizar os proprietários de escravos no sentido de que não tinha a intenção de impor soluções demasiado rápidas. Pouco depois desta mensagem

histórica, a imprensa do governo publicava o terceiro volume de A escravidão no Brasil, de Perdigão Malheiro, contendo recomenda-

ções para a reforma da escravatura quase idênticas às propostas por

São do. seu não

Vicente e Nabuco de Araújo e debatidas no Conselho de EstaO Brasil teria a emancipação, escreveu Perdigão Malheiro no capítulo final, mas ela não seria brusca e imprudente. O tesouro teria o fardo da indenização devida por uma emancipação ime-

diata. A imigração seria promovida. O Brasil deveria preparar-se para um futuro digno do século e do respeito do mundo, mas deveria, também, progredir com moderação e com consideração pela ordem estabelecida. 26 Apesar

da

atitude

cautelosa

do governo

para

com

a reforma,

os proprietários de escravos ficaram alarmados. Os jornais e os políticos conservaram-se quase silenciosos, mas os fazendeiros não tardaram a dar a conhecer sua amargura e oposição a seus associados de negócios nas cidades a fim de consolidar a oposição rural-urbana. 27 A crescente reação contra as políticas do governo revelou-se em dois artigos publicados no Correio Mercantil pouco depois da Fala do Trono do Imperador. Na segunda destas “Cartas de um Cego”, um autor anônimo

criticava O regime por sua resposta à sociedade

abo-

licionista francesa, advertia contra a interferência governamental na questão da escravatura e atacava o Imperador por sua intervenção pessoal. A resposta do governo à sociedade francesa fora “temerária, porque despertou esperanças exageradas sem definir as promessas...” Os valores referentes à propriedade haviam caído e os escravos começavam tendo pensamentos aventurosos. ?º A escravidão era um erro, uma limitação contra a natureza, disse este irado autor, mas 26 Perdigão Malheiro, 4 escravidão, II, 191-231. 27 José Maria dos Santos, Os republicanos paulistas e a abolição (Rio de Janeiro, 1942), páginas 53-54. a violência 28 Em 1866, Thornton relatou um alarme crescente causado pel os ri óp pr os re ent do in rg su ava est to que en im nt se m “u por e os rav dos esc

escravos” de que seriam libertados. Carta de Thornton ao Conde de Cla43. 42s na gi pá 6, 186 B., ss Cla 6, 186 de o ir ne ja de 5 o, eir Jan de o Ri , on rend vapre to en im nt se “o que 7, 186 em , ou rm O Consul britânico no Pará info tem lecente de que a emancipação dos escravos... não está muito distantecavita l er qu al qu em qu lo s co re do ra mp co os que r di pe im tido o efeito de importante num

investimento tão

inseguro...”

Class B.,

1867,

p.

38.

99

era “um erro, uma violência, sanccionados, tolerados e legalizados”. “O governo”, advertiu ele, “não conhece o perigo que corre, pondo-

apostolo.” 2º

se à frente da ideia, como

Apesar de tais críticas, Dom

Pedro

continuou

seguindo seu cur-

so emancipacionista durante mais um ano, tentando cautelosamente acomodar as irreconciliáveis aspirações de um crescente movimento emancipacionista e da opinião estrangeira com as exigências da agricultura brasileira. Na questão da escravatura, Dom Pedro foi, de fato, uma figura central, por vezes recomendando medidas progressi-

vas, mas evitando qualquer ação demasiado mo,

ocasionalmente,

a abandonar

favor de outras considerações.

sua

posição

rápida, chegando mesemancipacionista

A 3 de maio de 1868,

em

por exemplo,

em ouíra Fala Co Trono, informou à nação de que a questão da escravatura fora objeto de um “assíduo estudo” e de que uma proposta seria submetida à Assembléia, para sua consideração, “oportunamente”. *º Pouco depois, contudo, a guerra com o Paraguai, que já justificara o adiamento da reforma da escravatura por mais de dois anos, motivou Dom Pedro para ações que implicavam um quase abandono de sua política de emancipação. Enfrentando uma disputa sem solução entre seu Primeiro Ministro, o liberal Zacarias de Góis, e o comandante das forças armadas no Paraguai, o Duque de Caxias, Dom Pedro decidiu, em julho, aceitar a demissão de Zacarias e pedir a um conservador que formasse um gabinete. 3! Esta decisão arbitrária, mas legal, enraiveceu os liberais, que detinham a maioria na Câmara,

e foi tomada como

uma

ofensa ao crescente

número de pessoas que simpatizavam com o emancipacionismo. Enquanto Zacarias estava comprometido com as propostas do governo, o novo gabinete, por seu lado, identificava-se com a oposição à reforma

da

escravatura.

Com

um

tal governo

no

poder,

não

era

provável que um projeto de lei emancipacionista alcançasse a Câmara dos Deputados. A Câmara liberal, na realidade, foi dissolvida em 20 de julho e, em eleições subsegiientes, foi substituída por uma Câmara composta quase unanimente por membros do Partido Conservador.

2

“Cartas de

80 Nabuco, Um paulistas, p. 48.

Sd

Em sua

guerra, Um

100

de

estadista

um Cego”, estadista

própria defesa,

fato, do

que

Correio

do

Império,

o Imperador

determinara

Império,

Mercantil,

WI,

104.

esta

III,

25 e

55-71:

29 de

Santos,

maio

de

1867.

Os

republicanos

mais ta rde, importante decisã

que fora a Ver Nabuco,

afirmou,

o.

EMANCIPACIONISMO Um pos resultados

POPULAR

desta súbita inversão da política imperial foi

um fortalecimento e uma radicalização do movimento emancipacio-

nista, que os atos anteriores do Imperador haviam ajudado a estimu-

lar, e que,

em 1868, já se tinha transformado numa força signifi-

cante por seu próprio direito. Dom Pedro, é claro, não fora o único

brasileiro que

reagira a acontecimentos

no exterior ou

a mudanças

internas. A Guerra Civil nos Estados Unidos e a lenta evolução econômica e demográfica dentro do Brasil haviam começado a gerar um espírito emancipacionista em várias partes do Império entre 1862 ce 1865, com o movimento tendo sido ainda mais estimulado pela

mensagem do Imperador à sociedade abolicionista francesa e, também, devido a suas outras declarações públicas sobre a questão da escravatura. Em 1862, o Cônsul Britânico na Bahia já informara seu governo de que, como resultado do grande esvaziamento dos recursos de mão-de-obra nas províncias do norte, a escravatura se concentrara grandemente na província do Rio de Janeiro. A guerra nos Estados Unidos, informara ele, e “os princípios que parecem governar essa poderosa luta” estavam sendo “olhados adequadamente” por pessoas influentes da Bahia. Um senador dessa província declarara recentemente que os acontecimentos nos Estados Unidos viriam, mais cedo ou mais tarde, a refletir-se com uma força irresistível no Brasil. Dependendo dos plantadores do Rio de Janeiro no que se referia a seu apoio, a escravatura passaria a ser um fardo logo que o abastecimento de escravos do norte se esgotasse e, então, sua eliminação seria uma vantagem para a totalidade da nação. *º Pouco depois, um viajante ex-confederado, sem dúvida sensitivo a diferenças regionais, relatou que um “partido” antiescravatura aparecera no norte brasileiro, desde o Amazonas até Pernambuco, e que “pressionava constantemente suas opiniões sobre o governo”. Tendo-se libertado da escravatura através da venda de seus escravos

para o sul, indicou esse antigo confederado com um toque de desdém, os brasileiros do norte manifestavam uma verdadeira indignação ante os pecados daqueles que lhes haviam pago tão generosa32

o

a Christie, Bahia, 14 de junho de 1862, Class ato neo Vea anesmo ao Conde Russell, Bahia, 24 de setembro *

do ia E ormou

194,

Da mesma

Londres

tando para

de “que

ri os do

forma, O Cônsul Britânico no Rio

Grande

mesmo os próprios brasileiros estão trabalho DS escravo...” Carta de Collan ao até

B., 1862, de

1862,

do Sul

desper-

Conde

ide do Sul, 31 de janeiro de 1864, ibid., páginas 83-84,

I0T

mente pela compra de seus escravos. Em contrapartida, os distritos do sul da Bahia e as províncias do Rio de Janeiro e de São Paulo estavam mantendo a instituição “com uma teimosia típica da Carolina do Sul.” 33 O inexperiente movimento emancipacionista da década de 1860, que viria a surgir de novo,

já mais sólido, na década

de 1880,

pro-

duziu uma série de textos polêmicos na forma de projetos, artigos e livros, alguns deles aparentemente instigados pela Coroa, mas outros refletindo as opiniões de reformadores independentes. Tais publicações incluíam frequentemente propostas para reforma ou mesmo para a eventual eliminação da escravatura; Tavares Bastos resumiu essas propostas em 1865 numa carta à Sociedade Anti-Escravatura da Grã-Bretanha. As propostas mais comuns apresentadas subitamente ao país, após muitos anos de apatia, não pediam a abolição da escravatura, mas recomendavam a proibição da venda pública de escravos ou a separação das famílias escravas, a libertação de cativos de propriedade do governo, do clero ou de estrangeiros, além da abolição do tráfico interprovincial de escravos. Estas medidas e outras semelhantes tinham a intenção, talvez, de tornar a escravatura menos ofensiva no que se referia aos estrangeiros, de deter a perda de escravos pelas províncias do norte e de concentrar as populações escravas nas plantações, onde ela era mais necessária. Outras propostas, apresentadas à nação mesmo antes de o Imperador e seus conselheiros terem revelado seu próprio plano de reforma, tinham por objetivo acabar com a escravatura ainda durante a vida de gerações existentes, fosse pela libertação dos recém-nascidos ou, então. pelo estabelecimento de uma

quenta anos no futuro). 34

data final

(geralmente,

de trinta a cin-

Algumas das sugestões eram mais radicais. Apenas uma semana

depois da rendição de Lee em Appomattox, por exemplo, o já idoso Francisco de Montezuma, da Bahia, propôs ao Senado a abolição total da escravatura dentro dos próximos quinze anos e, pouco de-

pois disso, este membro do Conselho de Estado do Imperador pu-

blicou uma série de artigos propondo a emancipação sem indenização. *%º Em contraste, um autor do Maranhão, consciente de que a 88

Codman,

Ten

Months

in Brazil,

84

Perdigão Malheiro, 4 escravidão,

Sb

Evaristo de Moraes,

páginas

154-155,

II, 356-361.

184.

Tavares Bastos

acrescentou a essas propostas a abolição gradual por província s, começando pelas que tivessem fronteiras com territórios estran Selros e aqueles onde o trabalho livre já fora adotado em grande escala » repetindo, assim, as propostas que apresentara em Cartas do Solitário.

p. 8;

102

Perdigão Malheiro,

4

4

lei

do

Ventre Liv

escravidão,

II,

101. nu

i

Janeiro,

1917),

guerra nos Estados Unidos desfechara um golpe fatal na escravatura brasileira, defendeu abertamente uma nova forma de servidão que tinha a importante vantagem de impedir a venda dos trabalhad ores

do Maranhão

aos plantadores de café do sul A escravatura já aca-

bara, acreditava ele, mas os escravos não tinham instrução e a von-

tade de trabalhar, exceto quando levados pelo medo do chicote. Sua solução para este dilema seria uma lei declarando que os escravos brasileiros eram servos do solo (escravos da gleba), com sua venda sendo proibida. Assim, os descendentes “livres” dos escravos brasileiros ficariam sujeitos a seus antigos donos como colonos que lhes pagassem tributo, “pela sua incapacidade de dirigirem-se por si mesmos.” 36 Um apoio generalizado à reforma da escravatura, inspirado nos brasileiros em parte pela liderança do Imperador, tornou inaceitável sua inversão de política em 1868. É provável que, desde 1848, nenhuma crise política tivesse levantado tantas críticas contra o monarca e o sistema imperial, vindas, agora, de uma nova força na sociedade brasileira: um liberalismo renovado e identificado com refor-

mas democráticas, incluindo a libertação dos escravos. A destituição do gabinete liberal e a nomeação de um ministério conservador pelo

Imperador despertou fortes sentimentos reformistas entre estudantes, escritores, políticos liberais e uma parte da população urbana informada. Foi Nabuco de Araújo quem, em

oposição ao ministério conservador,

1868, se colocou à cabeça da

defendendo

a causa

cipacionismo. Num discurso no Senado, feito no dia golpe imperial, Nabuco denunciou a escolha pelo Visconde de Itaboraí, um idoso líder conservador, novo gabinete. Tal como a escravatura, reconheceu

do eman-

seguinte ao do Imperador do para chefiar o ele, o ministé-

rio era legal. O Imperador possuía o direito para nomear e demitir ministros do estado. Todavia, também como a escravatura, a legitimidade do ato do Imperador estava aberta a debate. A escravatura, disse Nabuco de Araújo, era “um fato autorizado por lei”, mas era “yum fato condenado pela lei divina... pela civilização... pelo mun-

do inteiro.” 37 O discurso de Nabuco foi um arrojado ataque aos poderes constitucionais do Imperador e à instituição da escravatura por um dos mais respeitados estadistas brasileiros.

8

F. A. Brandão,

Para outros textos

Minha

.

A

escravatura no Brasil

€ propostas sobre

(Bruxelas,

a escravatura

. 5 Um estadista do 99-Imp103éri o, III, 108. ravidão,

II,

do

1865), páginas 52-56.

período,

ver

Perdigão

103

F

Em outubro, sob a liderança de Nabuco de Araújo, o recentemente estabelecido Centro Liberal, composto por senadores liberais e independentes, endossou o programa emancipacionista tão “arduamente formulado no Conselho de Estado e, durante o mês de março seguinte, o Centro emitiu um manifesto exigindo a reforma eleitoral, a abolição da Guarda Nacional e do recrutamento e a emancipação dos escravos. Um dos propósitos básicos deste programa radical ou, pelo menos, o Centro assim o afirmou para assustar o governo e os fazendeiros, para que fizessem concessões, era evitar o levante social, com um novo órgão de propaganda liberal, 4 Reforma, depressa tendo afirmado essa posição. 8

O primeiro número de 4 Reforma,

que apareceu

no Rio

em

maio de 1869, apresentou o projeto de reforma da escravatura então

proposto pelo Centro Liberal, que incluía a emancipação dos filhos

-de escravas, seguida pela “alforria gradual dos escravos existentes pelo modo que opportunamente será declarado.” Ao mesmo tempo, Tavares Bastos manifestava impaciência com o regime conservador no que se referia à questão da escravatura e apontava que o Imperador não mencionara o assunto na sua última Fala do Trono. *? Mais emancipacionistas do que abolicionistas, os editores de 4 Reforma,

o primeiro

jornal

antiescravista

desde

O

Philantropo,

esta-

beleceram um precedente jornalístico que, em 1880, viria a servir os editores de O Abolicionista, órgão da Sociedade Anti-Escravista

«do Brasil. Houve,

além do mais, uma

continuidade de direção edi-

torial entre os dois jornais reformistas. Joaquim Nabuco, filho de Nabuco de Araújo, esteve intimamente ligado a ambos, tal como também sucedeu com Joaquim Serra, um jornalista do Maranhão «que se juntou ao pessoal de 4 Reforma em 1868 e se manteve compromissado com a causa de libertação até a escravatura ser abolida, vinte anos mais tarde. “0 A adoção pelo Imperador de uma política emancipacionista e seu aparente abandono dessa mesma política em 1868 ajudou a foimentar atividades reformistas em instituições do ensino superior, 38

89

Ibid.,

III, 129-133.

A Reforma, Rio de Janeiro, 12 de maio de 1869.

Os números seguintes de

A Reforma foram mais conciliatórios na questão da escravatura (ver número de 30 de maio de 1869) e, em julho, sua “moderação” já enc oratara -os proprietários de escravos a anunciarem nas suas páginas, pedindo a devolução

levados

de fugitivos, alguns

para

julho de 1860.

-40

Fernando

deles africanos

o Brasil antes

Segismundo,

de

Imprensa

“Paulo, 1962), páginas 193-202. J04

7 de

demasiado

jovens

novembro

de

brasileira,

Vul

»

183

para

terem

sido

bi 20 de 1. Ver ibid.,

Yuitos e problemas

é

(São

particularmente nas Faculdades de Direito de Recife e São Paulo. Em 1865, um estudante de dezoito anos, da Faculdade de Direito do Recife, Antônio de Castro Alves, já celebrava em verso a libertação dos escravos na América do Norte, insistindo para que os brasileiros seguissem o seu exemplo. Pouco depois, o jovem nordestino começou descrevendo o sofrimento e os infortúnios pessoais de escravos romantizados, lamentando o destino de uma jovem vendida

para província distante ou o de uma escrava com saudades da Áfri-

ca. 4 Depressa se tornando famoso, o jovem poeta juntou-se a uma sociedade emancipacionista do Recife, que incluía entre seus membros o estudante de direito Rui Barbosa. Em Recife, Castro Alves escreveu um drama antiescravatura, Gonzaga, * que foi recebido com um entusiasmo público que já anunciava as “meetings” abolicionistas que, alguns anos mais tarde, seriam realizadas regularmente no Rio e em outras cidades brasileiras. Em 1868, Castro Alves inscreveu-se na Faculdade de Direito de São Paulo, onde se juntou com Rui Barbosa, Joaquim Nabuco e outros estudantes que já haviam manifestado suas opiniões anftiescravatura. Os jovens liberais, cada um deles um líder por si próprio, eram conduzidos e inspirados pelo poeta e professor José Bonifácio de Andrada e Silva, neto e homônimo do líder da independência. ** Todavia, o abolicionismo da Academia de São Paulo, que atraía estudantes de todo o país e até do estrangeiro, não refletia as atitudes dos principais cidadãos, políticos e proprietários de São Paulo. Um “corpo estranho” no coração de uma comunidade de plantadores em que a defesa da escravatura crescia em importância no final da década de 1860, a Faculdade. de Direito era um centro

de fermento intelectual “sempre pronto (segundo Richard M. Morse) a perturbar os estreitos padrões da vida provincial”;

a introduzir

“idéias e paixões políticas que transcendiam as questões locais...” “£ Foi neste ambiente acadêmico, cercado por uma população reprovadora, que Castro Alves escreveu e recitou seu poema O Navio Negreiro, “sonho dantesco” de um navio negreiro carregado de homens e mulheres dançando ao estalar ameaçador do chicote.

A queda do gabinete liberal em 16 de julho de 1868 radicalizou os jovens liberais da Faculdade de Direito de São Paulo, já compro41

Ver sua obra

Os escravos.

age

42 Raymond S. Sayers, The Negro in Brazilian Literature (Nova York, 1956), p. 143. ; 48 Antônio Gontijo de Carvalho, “Prefácio”, Obras Completas de Rui Barbosa, Vol. I, Tomo I, p. xvi. 44 Morse, From Community to Metropolis, páginas 55-56, 95-96.

J05

missados, como estavam, com o emancipacionismo. Juntando forças com oponentes mais idosos da escravatura, criaram o Clube Radical e uma voz jornalística, O Radical Paulistano, com um time editorial

que incluía Rui Barbosa e o poeta, advogado e antigo escravo Luiz Gama. ** Apoiando todo o programa do Centro Liberal, O Radical

Paulistano era um equivalente acadêmico do jornal 4 Rejorma de Nabuco de Araújo. Num ensaio publicado no seu primeiro número, os editores deste novo jornal afirmavam que seriam essenciais reformas decisivas para que a catástrofe fosse evitada. “Só uma política radical, verdadeiramente definida, que tenha em sua bandeira as urgentes reformas, pelas quais o país já não pode esperar, conseguirá nos salvar, abortando o grande cataclisma, que para nós caminh a a passos precipitados,” afirmava o novo jornal no mesmo estilo alar mista usado antes pelo 4 Reforma. 4º Nesse jornal radical e em con ferências públicas, os membros da recentement e formada loja “Amé Tica” * dirigiram sua ira contra o sistema imperial, culpan do-o pela perigosa condição da nação e pela deserção do governo no que se referia ao programa emancipacionista. Que estava o gov erno fazendo, perguntava o entusiástico e ainda juvenil Rui Barbos a num artigo publicado em 1869, face a uma revolução social iminente? O governo desertara a causa da emancipação, afirmava ele, enq uanto as províncias erguiam a bandeira da liberdade. Só um sistem a federativo, só a iniciativa provincial e a emancipação poderiam reabilitar a nação. A abolição da escravatura estava próxima, con cluía, fosse esse ou não o desejo do governo. * Pela primeira vez na história do Brasil, na realidade, surgira um verdadeiro movimento ant iescravatura e, em 1870, já havia muitos indícios de ativid ade sem precedentes: a proliferação de clubes emancipacionistas, o início do jornalismo antiescravista e fregiientes reuniões antiescra vagistas. 48 A situação desenvolvera-se a um ponto, na verdade, em que a necessidade para deter o crescente radicalismo veio a ser um importante argumento para a reforma em

1870 e 1871.

“> Carvalho, “Prefácio”, p. xxiv. 46 Obras Completas de Rui Barbosa, Vol. I, Tomo TI, p. 34. 47 Ibid., páginas 108-111. Nu m discu rso proferido quarenta anos mais tarde, Rui Barbosa insinuou a existência de um abismo intransponível entre as opiniões dos estudantes e as dos ha bitantes provinciais permanentes. Em São Paulo, nesse tempo, disse ele, “Era a primeira vez, se me não engano, que na tribuna dos comícios, entre nós » Se ventil ava tão teme

e, para

o tratar, por

aquelles tempos,

em

São

Paulo, estudante com as suas provas sob Juizo, nessass travessuras do radicalis mo li beral,” 48 Discussão da reforma do estado servil, II, Appendi um

s

e sujeito

ce, p.

106

rario assumpto:

46,

de

E

pouco

A

ANTES mesmo

VESPERA

DA

do final da Guerra do Paraguai,

REFORMA

medidas preli-

minares já haviam sido tomadas para tranguilizar o público no sentido de que o governo tencionava regressar a suas políticas emancipacionistas. De maio a julho de 1869, muitos foram os projetos para liberalizar a escravatura apresentados na Câmara dos Deputados. *º A maioria nem mesmo foi debatida, mas um projeto para eliminar

os mais sensacionais aspectos da escravatura recebeu o apoio do ministério e foi transformado em lei. Oito anos antes, um projeto de

lei para proibir o leilão público de escravos e a separação de casais casados e seus filhos com menos de quinze anos de idade fora aprovado pelo Senado e, em junho de 1869, este projeto foi enviado, finalmente, para a Câmara dos Deputados, onde foi transformado em lei no dia 25 de agosto. Sendo a primeira restrição legislativa significante ao sistema escravocrata desde 1850, proibia os leilões públicos e comerciais de escravos sob pena de uma multa que ia de 100 a 300 mil-reis.

As vendas particulares,

contudo,

eram

permitidas

e, assim,

a nova lei não teve qualquer efeito importante sobre o tráfico inter-

provincial de escravos, que continuou em grande escala por mais dez anos. As “praças judiciais” de escravos também eram permitidas, devendo ser supervisionadas por autoridades locais, para o pagamento de dívidas ou a divisão de bens entre herdeiros, com tais leilões tendo de ser anunciados um mês antes para permitir ofertas.

Em todas as vendas de escravos, particulares ou judiciais, a separação de marido e mulher ou de uma criança e sua mãe seria proibida, exceto quando o filho tivesse mais de quinze anos. Finalmente, a lei ditava que, se os escravos inventariados pudessem oferecer uma

quantia em

dinheiro igual a suas avaliações

vesse qualquer *D

direito por parte

Esses projetos propunham,

judiciais e se não hou-

de herdeiros

entre outras reformas,

ou credores,

o juiz

substituir a prisão por

trabalhos forçados para escravos condenados por crimes, castigar compradores de escravas para a prostituição, criar uma loteria de emancipação, estabelecer um registro nacional dos escravos, libertar os recém-nascidos, abolir o castigo corporal, permitir que os escravos comprassem sua liberdade, libertar os

escravos de propriedade do governo e os que haviam sido dados para usufruto

da Família

O

uso de

Imperial,

escravos

nas

LI, 135; ibid. (1870), 442, 453.

libertar

cidades.

as

escravas

Annaes

da

com

idade

Camara

de

procriar

(1869),

e

proibir

I, 124-125,

143;

I, 59-60; V, 47: Godoy, O elemento servil, páginas 437,

107

encarregado

do

caso

poderia

conceder-lhes

certidões

de

emanci-

pação. º0 Com o fim de Guerra do Paraguai à vista, em 12 de setembro, o Governo

Imperial

deu

mais

provas

de

seus

objetivos

emancipa-

cionistas. No seu quartel-general em Asunción, o Conde d'Eu, genro

do Imperador e comandante das forças armadas brasileiras no Paraguai, incitou o governo provisório do Paraguai a abolir a escravatura nesse país, uma tarefa fácil que foi realizada quase imediatamente. O jovem comandante tinha a consciência, obviamente, de que a libertação de uns poucos escravos paraguaios, se é que havia ainda alguns escravos depois de cinco anos de guerra e de uma extraordinária perda de população, não seria o mais importante resultado de sua ação. Não só tinha por intenção apaziguar os movimentos brasileiro e internacional antiescravatura, como também obrigaria o governo brasileiro a tomar uma medida semelhante no território nacional. 51 Em março de 1870, com a morte do presidente paraguaio, Francisco Solano López, a guerra terminou e, com sua conclusão, os pensamentos dos brasileiros voltaram-se para a promessa do governo

no sentido de se dedicar à causa da emancipação. Na abertura da nova sessão legislativa, em maio, vários membros da Assembléia recordaram ao governo esse seu compromisso. Um dos resultados da guerra, contudo, fora a implantação de um ministério conservador que se opunha fortemente à reforma da escravatura e esse governo recusou-se a emprestar sua autoridade à causa antiescravista. Em Tesposta aos pedidos de uma legislação emancipacionista por parte da Câmara dos Deputados, o Visconde de Itaboraí lembrou aos Jegisladores a existência de grandes interesses econômicos

e nacionais

associados com a escravatura, a necessidade de progredir lenta e cautelosamente para evitar ofender os proprietários rurais e os interesses legítimos associados com eles. Nada poderia ser feito sem reilexão e preparação, disse o Presidente do Conselho, particularmente pelo fato de o Império muito destrutiva. 52

Pouco

depois, contudo,

ter acabado

uma

importante

de sair de uma

reforma

guerra

dos regimes

escravocratas de Cuba e de Porto Rico fort aleceram a voz do Ss eman50 51

Colecção das leis do Império (1869), O Abolicionista, Rio de Janeiro, 1

Tomo XXIX, Parte T, de dezembro de 1880;

129-130. Nabuco,

O o rua ntao, D. 65; Discussão da reforma do est ado servil, II, A ppendice, p. 50. 62 Annaes da Camara (1870), 1, 12, 25-26: Nabuco, Um estadista do Império, III, 148; Godoy, O elemento servil, p. 433.

106

cipacionistas brasileiros e sublinharam a necessidade de mudanças semelhantes no Brasil. No verão de 1870, com a Cuba num estado

de rebelião e sob a crescente ameaça da intervenção de forças norteamericanas do lado dos rebeldes, a legislatura da Espanha aprovou uma lei concedendo a liberdade tanto aos recém-nascidos quanto aos escravos idosos de Cuba e de Porto Rico, 53 Influenciada pelo exemplo espanhol, em meados de agosto de

1870, uma comissão especial da Câmara dos Deputados pediu que se

ativasse um

projeto de reforma como

selho de Estado

em

o que fora elaborado no Con-

1867 e 1868, recomendando também

a introdu-

ção de trabalhadores livres “que possam substituir gradualmente

o

actual instrumento de producção agricola...” Um dos membros da comissão, Rodrigo Silva, de São Paulo, opôs-se, contudo, à opinião da maioria, usando o pretexto habitual da necessidade econômica da escravatura. O Brasil, afirmou ele, estava nas mesmas circunstâncias que sua província, onde a escravatura era essencial. “Os interesses da agricultura são os interesses da nossa sociedade; ella não pode ter outros mais importantes porque toda a sua vitalidade ahi está.” O menor choque, a menor perturbação desses interesses poderia fazer desmoronar este “bello edifício” e transformá-lo em ruínas. 5* O Visconde de Itaboraí, obviamente, tinha as mesmas opiniões desse deputado de São Paulo e, assim, nada poderia ser feito até que seu ministério fosse substituído por outro que estivesse mais disposto a conduzir o projeto de reforma pela Assembléia. O fato disto ter de ocorrer brevemente foi, na realidade, antecipado no Rio de Janeiro, onde, no final de agosto, houve rumores de que Dom Pedro estava “determinado a que a questão da escravatura fosse levantada nesta sessão” e que substituiria o ministério governante se este não quisesse agir. A questão mais grave que o Imperador enfrentava, no entanto, era se nomear um regime liberal para defender a legislação reformista ou, então, se evitar a crise po-

lítica, que ocorreria pela certa como resultado de outra súbita mudança

da liderança nacional, indicando um

conservador mais coope-

rativo para guiar o projeto através dos canais da Assembléia.

Foi Nabuco de Araújo quem ajudou a solucionar o problema, quem, na realidade, foi identificado publicamente com a queda do 68

Corwin,

55

Ver

54

Spain

and

Godoy, O elemento

1877),

William

p. 74.

the

Abolition

of Slavery

servil, páginas 419-430.

Hadfield,

Brazil

and

the

River

in

Cuba, Plate,

páginas 1870-76

246-251. (Londres,

109

Visconde de Itaboraí e a nomeação

de um

ministério conservador

mais conciliatório. Consciente dos sentimentos emancipacionistas de muitos dos membros do Partido Conservador na Assembléia e opondo-se por princípio à ascensão do Partido Liberal ao poder através de outro golpe de estado imperial, Nabuco mostrou-se disposto a

permitir que a ala mais compreensiva do Partido Conservador apresentasse a legislação antiescravista. Mais do que o poder, dissera Nabuco num importante discurso em julho, o Partido Liberal desejava as reformas que, então, somente a liderança de um setor do Partido Conservador poderia realizar. >6 A

causa imediata da demissão do gabinete do Visconde de Ttaboraí foi a proposta de Nabuco para aplicar 1.000 contos do esperado excedente do orçamento na libertação de escravos. Assinada por nove senadores, esta emenda foi defendida na Assembléia por seu autor. O Partido Liberal aguardara pacientemente uma solução governamental, disse ele, mas nada fora feito. O Partido Liberal, por conseguinte, não poderia presenciar o término da sessão da Assembléia “sem um protesto contra o procedimento do governo a respeito de assunto tão importante.” Agora, que a Espanha decretara a emancipação gradual dos escravos em Cuba, o Brasil passara a ser a única nação americana, a única nação cristã, a manter o status quo

da era colonial. Somente o ministério do Visconde de Itaboraí impedia a reforma, afirmou Nabuco de Araújo, enquanto a Câmara dos Deputados, as assembléias provinciais, o Conselho de Estado, o povo e até mesmo os proprietários de escravos estavam prontos para uma legislação que fosse prudente. 57 Já perto do final de setembro, com o Conselho de Ministros dividido sobre a questão dos escravos. o ministério do Visconde de Itaboraí demitiu-se, sendo substituído por um governo do Partido Conservador chefiado pelo Visconde de

São

Vicente, um

senador intimamente ligado ao emancipacionismo

desde que preparara o projeto de reforma

de 1866.

Convocado pelo Imperador para dirigir a legislação através da Assembléia, compromissado com seu próprio programa de uma “solução prudente”, o Visconde de São Vicente não estava muito seguTo, entretanto, sobre sua capacidade para oferecer a liderança necessária para realizar uma obra tão importante. 58 Contra à vont ade do Imperador, demitiu-se cinco meses mais tarde em favo r do Vis-

conde do Rio Branco. 56 ST

68

TIO

Senador conservador

da Bahia, membro

Nabuco, Um estadista do Império, III, 148-153. Ibid., WI, 153-157. Ibid.,

III,

171-181;

Organizações

e

programas

ministeriais

p.

157

do

Conselho de Estado, editor e diplomata, o Visconde do Rio Branco regressara recentemente de uma missão especial ao Uruguai e à Argentina, onde, segundo foi alegado, se convenceu de que a refor-

ma no Brasil já não podia ser adiada por mais tempo.

Apesar de pouco se ter conseguido de concreto para a reforma

da escravatura

durante

os

cinco anos

que

se seguiram

à Guerra

Civil dos Estados Unidos, a verdade é que se verificara uma importante mudança nas atitudes nacionais. Um liberalismo sincero englobando no seu programa o projeto de reforma do governo fizera-se sentir. Entretanto, muitos escravos também haviam sido libertos para combater no Paraguai, alguns para lá morrer, mas outros para

regressar para a liberdade, com sua contribuição para o esforço de guerra tendo talvez alterado sutilmente as opiniões de seus companheiros nas forças armadas. ºº Os líderes nacionais, como o Visconde do Rio Branco, que ainda poucos anos antes não viam justificativa para mudanças, haviam sido influenciados pelo Imperador, por suas experiências no exterior e por crescentes exigências internas. Qual-

quer reforma, contudo, mesmo uma que tivesse por intenção dar ao sistema escravocrata mais algumas décadas de vida sem perturbações, teria a oposição, por certo, de alguns políticos, particularmente daqueles que representavam regiões da nação onde os escravos se haviam concentrado grandemente até 1871.

59

Ianni, As metamorfoses do escravo, p. 217.

Para efeitos da guerra sobre

a escravatura, ver também Charles J. Kolinski, Independence or Death, The Story of the Paraguayan War (Gainsville, Flórida, 1965), páginas 195196.

III

Eu

sei, por

quantias

desta

vezes

mim... a

permanencia

instituição

odiosa no

nos vexava e nos humilhava ante o estrangeiro.

VISCONDE

Antes

de

DO

o

RIO

escravo

JOAQUIM NABUCO,

Brasil

BRANCO,

nascer,

EM

EM

soffre

1871

na mãe.

1870

6 A EMANCIPAÇÃO RECEM-NASCIDOS

DOS

A LEI RIO BRANCO

Em 1871, a emancipação das crianças recém-nascidas de mulheres escravas já parecia uma solução viável para o problema brasileiro. Tendo sido recomendado pela primeira vez no século xvm 1 em forma impressa e, ocasionalmente, depois disso, já legislado no

2

Ver

Para

Ribeiro

um

da Rocha,

estudo

valioso

Ethiope

resgatado.

da abolição da

Abolition Decline and 1971). The Connecticut, V. Lomb(Westport, ardi John , 1820-1854

112

escravatura na Ve r negue la, of Negro Sl gro Slavery in Venezuela,

+ h.

1

F—=

Chile em 1811, na Colômbia em 1821, em Portugal em 1856, na Espanha para suas colônias do Caribe em 1870 e até recomendado por Abraham Lincoln para Delaware em 1861, o “ventre livre” foi sancionado por precedentes. 2

O projeto apresentado na Câmara dos Deputados em 12 de maio de 1871 e transformado em lei, quase sem modificações, em 28 de setembro do mesmo ano, continha muito mais, contudo, do que uma mera provisão de nascimento livre. A lei era complexa, já que se esperava dela que alterasse o status quo de um modo satisfatório

para os críticos da escravatura, embora defendendo, ao mesmo tempo, os direitos dos donos de escravos. Sua intenção era estabelecer um

estágio de

evolução para um sistema de trabalho livre sem cau-

sar grande mudança imediata na agricultura ou nos interesses econômicos. Esperava-se, assim, que remendasse uma instituição em declínio, enquanto eliminava sua última fonte de renovação; que protegesse os interesses da geração viva dos senhores, enquanto resgatava a geração seguinte de escravos. Anunciada como uma grande reforma, essa lei era, realmente, um compromisso intrincado. Todavia, contribuiu significantemente para o colapso da escravatura, dezessete anos mais tarde. Aprovada sob a administração conservadora de Rio Branco, a legislação libertava as crianças recém-nascidas das mulheres escra-

vas, obrigando seus senhores a cuidar delas até a idade de oito anos. Em troca de qualquer gasto ou inconveniente envolvido em tais responsabilidades, os donos dos escravos puderam escolher entre receberem do Estado uma indenização de 600 mil-reis em títulos de trinta anos a 6 por cento ou usarem o trabalho dos menores (ingênuos) até eles alcançarem a idade de vinte e um anos. A lei criou um fundo de emancipação para ser usado na manumissão de escravos em todas as províncias. Pela primeira vez na história do ImpéTio, O escravo teve concedido o direito legal de guardar as economias (pecúlio) que tivesse reunido através de presentes e heranças e, além disso, com o consentimento do seu dono, do produto de seu próprio trabalho. Com suas economias assim garantidas, o escravo

viu-se assegurado o privilégio de comprar sua própria liberdade quando tivesse uma quantia em dinheiro igual a seu “valor”.

A lei também libertou os escravos de propriedade do Estado, incluindo aqueles mantidos em usufruto pela Família Imperial. Libertava, ainda, pessoas incluídas em heranças não reclamadas ou aban-

donadas por seus donos. Colocava os escravos libertados sob a supervisão governamental durante cinco anos, com a obrigação de contratar seus serviços ou, se vivessem como vagabundos, de fazê-los trabalhar em estabelecimentos públicos. Finalmente, a nova lei ordenava um registro nacional de todos os escravos, incluindo seus nomes, idades, estado civil, aptidão para trabalho e ascendência, se

ETs

conhecida. Os escravos cujos senhores não os

registrassem dentro

do prazo de um ano seriam considerados livres. 3 CONTRA

REGIÃO

=

REGIAO

APESAR disso raramente ter sido reconhecido na oratória tempo, o debate sobre a Lei Rio Branco lançou região cont ra

do re-

gião. As províncias produtoras de café, como um todo, não estavam

preparadas,

em

1871,

nem

mesmo

para

mudanças

moderadas

no

sistema de trabalho e os plantadores do sul, portanto, desencadearam aquilo a que Joaquim contra o Governo

Nabuco

chamou

e o Imperador...” * Em

de “guerra organizada

contraste,

os líderes po-

líticos na maioria das outras províncias mostraram-se acessíveis a uma reforma moderada. Alguns nordestinos, dentro e fora da Assembléia Geral, defenderam firmemente o status quo e, por outro lado, as regiões do café, especialmente as cidades de Rio de Janeiro e de São Paulo, também produziram seus ávidos reformistas. Todavia, o debate no Senado e na Câmara dos Deputados e os votos verificados na câmara baixa sobre a legislação (ver Tabela 21) revelaram que o âmago da resistência se localizava nas províncias do café, um resultado lógico da concentração de escravos nessa área. Na realidade, as estatísticas da população de escravos referentes a esse período correspondem de um modo muito lógico ao comportamento da votação pelos delegados provinciais na Assembléia Geral (ver Tabelas 2, 3 e 21).º O longo debate sobre a lei também revelou essa mesma situação. Dos vinte e cinco senadores e deputados que pro-

feriram discursos de destaque em oposição ao projeto, dezenove representavam províncias do café ou, então, o Município Neutro. º Ocasionalmente, o caráter regional da disputa era salientado. Perdigão Malheiro, que propusera o nascimento livre, em 1863, mas

que

se

opusera

a essa

reforma

em

1871,

como

deputado

por

º Essas eram as provisões mais importantes. Para o texto completo, ver Apêndice TI. 4 Nabuco, O Abolicionismo, páginas 60-61. 6 Poderá ser depreendido que esses votos foram mais um reflexo dos desejos do Imperador do que o do eleitorado regional, mas no que se referia à escravatura e outras importantes questões econômicas, os políticos exerci am

a independência do partido e do monarca,

sendo

muito

fiéis

aos

tários locais. Para uma opinião semelhante, ver P. N. Evanson, “The Party and Reform in Brazil, 1860-1889”, tese de filosofia, Universi

Virgínia, 6

JIg

1969), p. 55.

Discussão

da reforma

do

estado

servil,

II,

»

Apêndice,

proprie-

Liberal

Universidade da

páginas

143-149.

Minas Gerais, declarou

neiro, Minas

francamente na Câmara

Gerais e São Paulo,

com

que o Rio de Ja-

seus oitocentos ou

novecen-

tos mil escravos, eram as províncias com melhores razões para se oporem à lei. A legislação que poderia ser aplicada na Amazônia ou no Ceará, advertiu ele, não poderia ser aplicada aquelas províncias ou à Bahia e Pernambuco, com suas centenas de milhares de escravos. * Segundo Rio Branco, alguns dos plantadores do norte concordavam de tal maneira com a lei que já estavam cumprindo com suas provisões. º Um senador de São Paulo afirmou que se estava dando demasiada importância aos representantes do Norte que favoreciam a reforma e que as vozes do Sul que se lhes opunham mereciam mais influência devido à maior contribuição de suas re-

giões para a riqueza nacional. Acusados de aventurismo, os nordestinos responderam apresentando-se como os cautelosos reformistas que eram. ? O debate de 1871 foi caracterizado por disputas dentro dos partidos.

O

Partido

Conservador

controlava

a Câmara,

mas

o

minis-

tério governante não poderia depender apenas dessa vantagem para fazer aprovar a lei na câmara baixa, devido aos interesses regionais de muitos de seus membros tomarem a preferência sobre a lealdade para com o partido. A divisão do Partido Conservador na Câmara foi tão completa, na realidade, que a facção minoritária rejeitou a liderança de Rio Branco em debate aberto, ameaçando até formar um novo partido. 1º Na votação final do projeto de lei, quarenta e cinco deputados (dois terços das províncias do café) opuseram-se à lei. Em contraste, conforme a Tabela 21 mostra, o ministério conservador teve a possibilidade de confiar na maioria dos deputados T Annaes da Camara (1871), Il, 115, 122. Perdigão Malheiro respondeu à acusação de sua inconsistência sobre a questão da escravatura com a explicação de que suas obras sobre a escravatura eram “trabalho de gabinete... livros de estudo e de doutrina; e quem não sabe a distância que vai de um livro de estudo e de doutrina para um trabalho de legislador?” AÂnnaes da Camara (1871), II, 118.

8

Discussão da reforma do estado servil, II, 75.

Em

1869, o deputado liberal

Pedro de Araújo Beltrão anunciou na Assembléia Provincial de Pernambuco que ele próprio e seus parentes mais chegados libertariam todas as crianças

desde

então,

Discussão

da

que,

nascessem

de suas

escravas.

O mesmo

plantador

apoiou

o programa do Centro Liberal de Nabuco de Araújo e convidou “todos os verdadeiros liberais” a apoiarem o princípio do nascimento livre. Ver “Abolition of Slavery in Brazil”, South American Journal, 14 de julho de 1888. Para outras decisões dos plantadores nordestinos no sentido de “libertar o ventre”, ver Rebouças, Agricultura nacional, páginas 176-178.

9

10

TIbid.,

II,

125,

reforma

212-213.

do

estado

servil, II, 98, 314.

Hs

das províncias a norte e a oeste de Minas Gerais, de modo

a obter

a aprovação da lei do nascimento livre contra a oposição da maioria de seus colegas da região do café. Entre as províncias do oeste e do extremo sul, Rio Grande do Sul foi a única a votar contra a reforma, mas essa região, também, como se poderá ver na Tabela 2 apresentava uma grande e valiosa concentração de escravos, representando mais do que vinte e um por cento da população total da província. Araújo, juntou-se à maioria dos conservadores de todas as províncias para que o projeto de lei do governo fosse aprovado. Todavia, cinco dos sete senadores que votaram contra o projeto representavam províncias de café e um dos dois nordestinos que também o fizeram foi o liberal Zacarias de Góis, da Bahia, antigo Presidente do Conselho, que rejeitou a lei por razões partidárias. Zacarias não se

|

NACIONAL

A LEI da reforma da escravatura de 1871

te nacional quase sem precedentes.

desencadeou

Provavelmente,

um

nenhuma

deba-

outra

questão despertara tanto interesse popular desde a abolição do comércio de escravos ou da implantação da independência. Os oponentes e os defensores da reforma usaram de todos os meios razoáveis para fazerem prevalecer suas opiniões. Os amigos da reforma defen-

deram sua causa nas câmaras legislativas, na imprensa e em reuniões públicas nos teatros do Rio de Janeiro e de outras cidades, com os oradores atraindo, por vezes, públicos calculados em milhares de pessoas. '2 Enquanto a nação, despertada. aguardava

a reforma com

impaciência, muitos autores publicavam suas opiniões e propostas. 18 11 TIbid., II, 260. I2 André Rebouças, Diário e notas autobiográficas (Rio de Janeiro, 1938 p. 287; Carlos Bernardino de Moura, Considerações feitas pelo Ri Carlos Bernardino de Moura na conferencia no dia 2 de Julho corrente no Theatro de S. Pedro (Rio de Janeiro, 1871). I3 Ver, por exemplo, Elzeario Pinto, Reformas: em 'Daçcã . Araripe, O elemento servil . Ar-

(Salvador da Bahia, 1870); T. de Alencar

116

acipação dos escravos

="

EE

O DEBATE

e mom o

em

opunha à própria lei, afirmou Rio Branco, mas ressentia-se da iniciativa do Partido Conservador e do seu apoio a uma medida que, por direito, pertencia a ele e ao Partido Liberal. 11

E ps

No Senado, menos preocupado com considerações locais, o pequeno contingente de senadores liberais, liderados por Nabuco de

Os jornais do Rio de Janeiro e das províncias voltavam crescente-

mente sua atenção para a controvérsia à medida que o debate legislativo prosseguia,

semana

após semana.

O governo, para apoiar sua

causa, subsidiou a imprensa, incluindo sólidos jornais comerciais, como o Jornal do Commercio, e até distribuiu panfletos de propaganda nas províncias. !* Os principais jornais diários da maioria das

regiões defendiam a causa do governo e alguns jornais radicais, como O Abolicionista e a Imprensa Academica de São Paulo, pediam muito mais do que essa moderada lei. Segundo um tal “Spartacus”, um defensor do projeto, só dois jornais de menor importância e um importante, o Diário do Rio de Janeiro, se opunham à reforma do governo. Cinquenta e sete jornais, importantes ou não, representando a maioria das províncias desde o Pará ao Rio Grande do Sul, foram registrados como defensores da Lei Rio Branco, enquanto outros, especialmente os de Espírito Santo e os do interior do Rio de Janeiro, se conservaram silenciosos quando o silêncio sobre a questão da escravatura era equivalente à oposição. 1º As provas da resistência ao projeto são, talvez, tão abundantes quanto os documentos favorecendo sua aprovação. Entre maio e meados de setembro de 1871, várias organizações agrícolas e comerciais do Rio de Janeiro, Minas Gerais e São Paulo enviaram, pelo menos, vinte e duas petições às duas câmaras da Assembléia em defesa do status quo, todas elas publicadas nos anais legislativos. 1º No Rio, membros do Partido Conservador, hostis ao ministério governante, criaram o influente Clube da Lavoura e do Commercio, em

julho, para que este defendesse a escravatura contra a facção do seu

próprio partido que apoiava a reforma. 3º A revitalização do republicanismo, que estava inativo desde a década de 1840, foi, em parte, pelo menos, uma reação dos plantadores de café aos sentimentos emancipacionistas do Imperador e aos programas dos ministérios liberal e conservador. Os proprietários de escravos receberam, indubitavelmente, as declarações de sobre

figos

a

e commentario:

emancipação

(Paraíba

da proposta

sobre o elemento servil por um

Joaqui

escravos. Duo

Rio

de

1871);

ás camaras

Analyse

legislativas (Rio de Janeiro, 1871). Em 1870,

; Governo Imperial

magistrado

Janeiro,

sua então apenas com vinte e um anoss dede idade, escreveu propriedade

idão, escra vi

(1871), III, 167, 236, 25a 1. do da reform

15 16 17

Sul,

negava a legitimidade da qual na da páginas 4-106. | Ver “A Escravidão”, Camara da aes Ann ; 302 34, II, il, serv ado est do da reforma

ae qu prieo mei anális ra in

de 14

do

do

es

tado servil, II, 39-40.

Discussão a Ibid., II, 337, 368-369. páginas , ão id av cr es de ia ór st Hi a, ei uv Go

219-221.

17

D. Pedro de 1867 a 1868, bem como os programas emancipacionistas dos gabinetes liberais, com bastante desilusão. Mas o acesso ao poder, através da interferência do Imperador, de um gabinete do Partido Conservador, abertamente comprometido com a reforma da escravatura, abalou de modo bem aparente a confiança de muitos no próprio sistema imperial. Havia um lado prático na ideologia republicana que não escapou à atenção dos líderes e membros dos partidos tanto em São Paulo quanto nas províncias vizinhas. O republicanismo implicava federalismo — um governo central fraco e legislaturas provinciais com o poder para determinar a política da escravatura de uma forma consistente com as condições locais sem a intervenção de um executivo poderoso ou de uma legislatura nacional. Assim, um movimento republicano já começara tomando forma, no final da década de 1860, nas províncias do café, tendo adquirido mais força em reação ao programa emancipacionista de Zacarias de Góis e florescendo num partido organizado em 1870. 18 O Manifesto Republicano do dia 3 de dezembro desse ano, publicado cerca de dois meses depois do gabinete de São Vicente ter revelado seu programa de reforma da escravatura, evitou referências à questão da escravatura, mas denunciou o poder que o Imperador tinha de esco-

lher gabinetes à sua vontade e exigiu francamente uma descentralização desse poder. 1º A medida que a ameaça à escravatura aumentava durante os anos de 1870 e 1871, o republicanismo também se ia

fortalecendo e, quando a Lei Rio Branco foi aprovada pela Assem-

bléia, contra os desejos das províncias do café, levou um novo contingente de plantadores para os movimentos republicanos provinciais da zona do café. ?º Joaquim Nabuco declarou na Câmara, mais tarde, com um certo exagero, que, em 1871, a única oposição à Lei Rio Branco fora a dos plantadores e a do Partido Republicano. 21 18 I9

Santos,

Brazilian

Os republicanos Republican

paulistas, páginas

Address

(Rio

de

12-13.

Janeiro.

1871),

páginas

9-11.

Significantemente, cada um dos autores do Manifesto Republica no, Quintino Bocaiúva e Salvador de Mendonça, tam bém

escreveram

livros

nos

quais

advogavam a importação de trabalhadores chineses pouco dispendiosos para trabalharem nas plantações de café. Ver Bocayuva, A cris e da lavoura; Mendonça, Trabalhadores asiáticos. | i 20 Santos, Os republicanos paulistas, páginas 118-119; Annaes d

1889.

22

Ibid.,

6.

1,

-

o

Fara

um

canos paulistas, forte quanto

Ê

esboço

do

à autonomia

programa

partidário

provincial e à

a Camara

do Co fontes de mão-de-obra, mas hesitantet no que se refere à acento E: & é escra vatura, ver Morse, From Community to Metropolis, E Pe

118

; j

A OPOSIÇÃO Os ARGUMENTOS usados contra o projeto do governo foram muitos e complexos. Estendendo-se desde os inteligentes aos mais falsos, revelam-nos muito sobre a sociedade escravocrata brasileira. A maio-

ria dos oponentes do projeto de lei reconhecia que a escravidão era condenada pela religião e a opinião geral da humanidade,

mas a ver-

dade é que também apresentavam questões difíceis de responder com referência às consegiiências de uma medida emancipacionista.

Perdigão Malheiro reconhecia a necessidade de acabar com a escravidão, pedindo apenas que isso fosse conseguido pelo mais seguro e mais conveniente método. Ninguém, afirmou ele, desejava resolver

o problema

“pelo princípio do justo em

absoluto.22 ”

Esses oponentes, contudo, atacavam, na sua maioria, o âmago do projeto: a libertação dos filhos das mulheres escravas. 3 As leis brasileiras, disse um senador de Minas Gerais durante o longo debate, “tinham reconhecido e reconhecem ainda, não só o dominio da escrava, mas ainda a do filho que ella possa ter.” O direito de propriedade da criança era “uma extensão do direito de propriedade da escrava e da mesma natureza que elle.” A indenização do

pequeno valor da criança parecia de diminuto significado financeiro para o Diretor Geral da Receita Pública, mas

quências de abrir “uma grande dos direitos de propriedade. 24 22 23

24

brecha nas muralhas da fortaleza”

Annaes da Camara (1871), II, 51-52; III, Discussão da reforma do estado servil, II,

Annaes da

Camara

ladores

pró-escravatura

Alguns

dos

(1871), V, incluía

ele receava as conse-

139-140.

argumentos

115. 302.

O arsenal

legais

defensivo

abstrusos,

dos legis-

resultado

da

experiência legal possuída por, pelo menos, quinze dos vinte e cinco membros da Assembléia que proferiram discursos importantes contra o projeto de lei.

vam-se numa exemplo,

argumentos

de

ordem

legal

eram

apreensão incompleta dos fatos.

distinguiu

eruditamente

entre

Lei

O

especiosos

ou,

então,

basea-

Positiva,

argu-

Visconde de Itaboraí,

Natural

e “Lei

por

mentando que um parlamento, quando revogava legislação contrária à razão e à Lei Natural, era obrigado a indenizar as perdas de pessoas físicas,

pois tais pessoas não eram legalmente responsáveis pelo que poderia acontecer. A violência da escravidão não fora cometida pelo Plantador brasileiro, mas Os brasileiros poderiam ter proibido a compra sim pelo chefe africano.

e a lei de 1831 ele, esquecendo reconheceu e a venda de africanos, duas décadas de comércio ilegal de escravos, mas tais transações haviam permitidas e os compradores de africanos, portanto, não podiam ser sido

culpados por agora,

Annaes

isso.

do

Annaes

Senado)

do Parlamento (1871).

V,

140.

Brasileiro.

Senado

(a partir

de

UI9

Servindo-se de uma certa exatidão legal, os oponentes do projeto de lei compararam, por vezes, o escravo a outros bens vivos, particularmente plantas e animais capazes de reprodução ou de darem fruto. Barros Cobra, de Minas Gerais, afirmou que o direito adqui-

rido que o proprietário tinha do fruto do ventre da escrava era tão

completo quanto o direito ao fruto da árvore ou à cria de qualquer animal de sua propriedade. Entre estas duas formas de propriedade,

havia uma

“perfeita identidade

de

condições”.

O

escravo nascido

de um escravo era capital e, também, um instrumento de trabalho. % Libertar os filhos dos escravos por meio de legislação, disse um velho defensor dos negociantes de escravos, J. M. Pereira da Silva, representando o Rio de Janeiro na Câmara, era “offender o direito de

propriedade garantido em toda a sua plenitude pela Constituição do Império e respeitado por todas as leis existentes”. Rejeitando o conceito de que a propriedade de escravos era diferente de outras formas de propriedade, conforme afirmara o Ministro da Agricultura, Pereira da Silva perguntou onde é que a Constituição e as leis distinguiam esta nova espécie de propriedade. Não seriam o fruto da ár-

vore, o produto da terra e a safra da semeadura propriedade daqueles a quem pertenciam a árvore, a terra e a semente? 26 Os oponentes da lei apresentaram muitas objeções não legais à emancipação dos recém-nascidos. A indenização que o governo se propunha pagar aos proprietários que preferissem entregar as crianças quando estas alcançassem a idade de oito anos parecia inadequada para alguns, embora os senhores tivessem a alternativa de usar o trabalho dessas crianças por mais treze anos. As estatísticas mais favoráveis mostravam, disse o Barão da Villa da Barra, da Bahia, que nem metade das crianças nascidas de escravos alcançavam a idade de oito anos e que, por conseguinte, a indenização real para

a criação dos ingênuos (nome dado às crianças nascidas livres) era de apenas 300 mil-reis e não de 600, conforme declarado no projeto. Barros

Cobra

calculou

que

o juro simples

de seis por

cento

em trinta anos seria apenas de 1.080 mil-reis, uma quantia que um escravo poderia ganhar para seu senhor em apenas dois ou três anos. A indenização por meio do trabalho dos ingênuos parecia-lhe ilusória, já que os proprietários não poderiam ser reembolsados com ser-

viços que já lhes eram garantidos ao abrigo da lei. O deputado Ca25

26

Annaes

“Discurso

Discursos

do

da

páginas 89-137.

120

Camara

sobre

a

Deputado

|

(1871), III, 258-259.

proposta

J.

ada Ter;

M.

do

governo

Pereira

acerca

da Silva

do

(Rio

eleme nto de Jan eiro,

servil,” 1872),

panema, de Minas Gerais, recordou que, na capital do Império, os proprietários de escravos enviavam os filhos de suas escravas para a casa dos

expostos

e, depois,

alugavam

suas mães

como

amas

de

leite, ganhando de quinhentos a seiscentos mil-reis apenas num ano. Nestas circunstâncias, os títulos do governo eram patentemente pouco atraentes. 2” Um número surpreendente dos defensores da escravidão argumentou que a libertação dos recém-nascidos era equivalente a um assassinato, aplicando ao projeto de lei o epíteto de “lei de Herodes” e prevendo o abandono e morte de milhares de crianças indesejadas. *º O autor de um panfleto chegou mesmo a afirmar que a lei não concederia uma vida de liberdade aos filhos das escravas, já que, como resultado de suas medidas, a maioria dessas crianças morreria. Os proprietários desiludidos, tendo calculado a perda de trabalho durante a gravidez e o custo de criar crianças inúteis, não lhes proporcionariam cuidados suficientes. 2º Capanema pensava que a lei criaria uma situação como a que existira antes da abolição do co-

mércio de escravos, quando os escravos eram baratos e noventa e cinco por cento das crianças, abandonadas e indesejadas, morriam antes de alcançarem a idade de oito anos. As crianças, assim, segundo ele afirmou, seriam sacrificadas de novo, devido a serem indesejadas. A lei seria resistida ou ignorada, afirmou, por sua vez, Perdigão Malheiro, e o resultado seria “uma verdadeira hecatombe de innocentes!” Se o interesse material ou pecuniário dos proprietários de crianças nascidas escravas já era inadequado para impedir uma “prodigiosa mortalidade”, raciocinou Barros Cobra, o ainda mais reduzido incentivo ao proprietário causado pela lei viria a aumentar grandemente o índice de mortalidade. Os senhores não teriam qualquer interesse em criar e educar crianças que fossem livres e seu abandono ocorreria na maior escala imaginável. 3º O índice de mortalidade entre os filhos de escravas, disse Pereira da Silva, “por mais bondosos e caritativos que forem os proprietários”, foi calculado em setenta por cento. Se apenas trinta de cada cem crianças alcançavam, então, a idade de oito anos, quantas crianças, pelas quais os

proprietários não teriam “nenhum interesse” e “nenhuma affeição”, 27 28

29

Annaes da Camara (1871), HI, 95, 173-174, 259. Discussão da reforma do estado servil, II, 313.

Reflexões

Amo

30

a

Annaes

da

a

sobre a emancipação

em relação á lavoura patria

(Bahia, 1871), página 27. O mesmo

ollnde

Camara

na caridade, disse

do proprietário

(1871),

HI,

autor, contudo,

de escravos brasileiros.

123,

173, 258.

Barros Cobra, quando se legislava

e sobre

Não

para

se

podia

a

pro-

confiar

a humanidade.

121

vez de philantropia,” concluiu ele, “não “Em er? eviv sobr riam pode encontrareis morticidio?” 81 O exato status

que os ingênuos

passariam

a ter também

preo-

cupava os oponentes da lei. Alguns deles receavam as consegiiências de educar num ambiente de escravidão crianças destinadas à liberdade e aos direitos de cidadania ou, então,

preocupavam-se

com

a

dúvida de os ingênuos estarem ou não sujeitos aos mesmos castigos do que os escravos. *2 Barros Cobra desenvolveu um sinuoso argumento legalístico com referência ao perigoso e inconstitucional status

que a lei do nascimento livre concederia aos filhos de escravas através de sua designação de ingênuos. A Constituição adotara o precedente romano segundo o qual um ingênuo era uma pessoa nascida de um ventre livre e um liberto era um escravo de um ventre escravo que, mais tarde, ganhava sua liberdade. Segundo esta definição, a criança nascida de uma escrava não poderia ser considerada um ingênuo pelo fato de a lei libertar o fruto de um ventre e não o próprio ventre. A pessoa libertada pela legislação, depreendia-se,

seria um liberto na melhor das hipóteses. inqualificado para gozar de todos os direitos políticos que a Constituição concedia a pessoas nascidas no Brasil de mães livres. 33

Os oponentes também advertiram de que a libertação de alguns escravos fomentaria uma revolta geral dos escravos. José de Alencar falou de “dias lugubres, com todo seu corteio de crimes, horrores e scenas escandalosas...” A idéia de emancipar as crianças, disse Capanema, “vai quebrar inteiramente os laços de subordinação, vai dividir em duas classes a população servil dos estabelecimentos agricolas, creando a impossibilidade de marcharem debaixo do svstema de obediencia passiva, que é o unico possível enquanto existirem escravos em nosso paiz...” Os escravos não eram tão embrutecidos. acrescentou ele, a ponto de não saberem que os pais deveriam ter o mesmo direito à liberdade do que seus filhos. 34 Os oponentes da lei também deploravam as consegiiências econômicas que previam em relação com a lei. Em maio, falando em resposta à Fala do Trono do Imperador, Paulino de Souza. do Rio

de Janeiro, já culpava o projeto de lei por uma perda de confiança que se verificava entre os proprietários rurais. Nesse mesmo debate, 81 2

“Discurso Discussão

$3

Annaes

HI, 96-97;

e a Proposta do da reforma do estado

Annaes da

do

Camara

Senado

(1871),

governo”, páginas servil, II, 304: À

(1871), V, III,

258-259.

84 e Moraes, 4 campanha abolicionista, 51-52; III, 171-173; Annaes do Senado

122

137.

ISA

89-137

ae

87, V. 19 pa

ia Camira Camara

CANTO,

(1871),

II,

|

que a receita pública

Pereira da Silva recordou derivava

e particular ainda

das grandes propriedades, que depen-

quase exclusivamente

diam, no que se referia à mão-de-obra, quase somente dos escravos. Andrade Figueira advertiu de que o governo não podia perturbar

a ordem estabelecida sem que houvesse uma reação por parte dos interesses consagrados. Foi afirmado que a mera introdução do projeto de lei na Câmara já causara grandes prejuízos à agricultura.

O valor das propriedades tornava difícil de obter. 4º

incisivamente

baixara

e o crédito já se

Para outros deputados, a reforma parecia ameaçar a existência nacional. A lei agitaria os mais perigosos elementos da população e sacrificaria os interesses mais importantes. O Brasil, foi dito. não poderia libertar seus escravos, tal como a Grã-Bretanha não poderia destruir suas máquinas. O maior perigo, diziam muitos dos oponentes da lei, não era a perda do escravo, mas sim a perda do trabalhador; não a perda de propriedade, mas sim do capital que ela representava. O projeto de reforma chegou mesmo a ser comparado a um imenso rochedo em equilíbrio precário sobre uma montanha, ameaçando rolar para o vale e esmagar as pessoas inocentes que viviam debaixo dele. O ministério que se dedicava a fazer tombar esse rochedo, advertiu um deputado, era cego ou, então, esquecera-se de olhar para o vale. 38

Finalmente, o Imperador era acusado com fregiiência. O projeto de lei, foi dito, repousava na sombra de “Cesarismo”. Apoiá-lo

era equivalente a um ato de subserviência à vontade imperial. D. Pedro impusera suas idéias ao ministério e tanto ele quanto o Conselho de Estado haviam ultrapassado seus poderes constitucionais ao iniciarem um projeto legislativo. O Imperador, disse um deputado de Minas Gerais, não tinha o direito de manifestar opiniões em assuntos do Estado. José de Alencar acusou D. Pedro de ter aban-

donado

a posição

neutra

que

lhe

era

atribuída

pela

Constituição.

“Torna-se parte; perde o caráter de juiz e toma o de ditador.” Desde

1866, disse Capanema, quando o Imperador prometeu libertar os es-

cravos,

muitas

coisas

haviam

ção aos princípios monárquicos.

mudado,

incluindo

sua

própria

devo-

Desde então, os “simples mortaes”

tinham perdido sua capacidade para agir e pensar em conformidade com as necessidades e as circunstâncias, enquanto ele, que via as 35 86

Annaes da Camara (1871), I, 102, 116; Ibid., III, 175; V, 72; Reflexões sobre

Discussão

da reforma

do

estado

servil,

III, 113-114; V, 26. a emancipação, páginas

II, 13,

48, 563-564.

23-26;

123

coisas de “alturas inaccessiveis” só podia marchar para a frente, para o seu alto lugar no panteão dos heróis. 37 Por vezes, os oponentes mostravam desejo de chegarem a um compromisso. Alguns deles favoreciam medidas indiretas que conduzissem à liberdade total no fim do século. O deputado Calmon estava disposto a aceitar a emancipação dos escravos que alcanças-

sem os sessenta e cinco anos de idade e a manumissão gradual, indenizada, de mulheres e crianças selecionadas. Estas medidas, raciocinava ele, eram melhores do que a de nascimento livre pelo fato de respeitarem os direitos de propriedade, honrarem a vontade dos senhores, concederem uma indenização razoável e, também, por diminuírem, até, a última fonte de novos escravos através da libertação de mulheres em idade de terem filhos. 38 Os argumentos da oposição foram variados, complexos e manifestados muito virtuosamente, mas não convenceram o ministério

ou a maioria dos legisladores, que viam o projeto como sendo um compromisso razoável e necessário. Esta lei, afirmou Rio Branco, era melhor do que mais incerteza econômica e social ou do que a continuação da radicalização do país. OS DEFENSORES Numa

série

DA de

LEI

discursos

proferidos

entre

o começo

de

maio

e o final de setembro, o Visconde do Rio Branco revelou os principais objetivos da legislação. Esta oferecia, afirmou ele, a mais ra-zoável e moderada solução possível nas difíceis circunstâncias que .a nação enfrentava. Fora planejada para reestabilizar a vida econômica e social do país, para corrigir os estragos que a disputa sobre :a escravatura infligira na agricultura, para restaurar a confiança

dos plantadores e para revitalizar o crédito agrícola. Qualquer nova resistência à mudança teria o efeito de despertar o descontentamento

público a um nível em que uma medida moderada já não seria suficiente. A situação nacional tornara-se tão perigosa que as medidas indiretas do tipo aceitável pelos oponentes da le; apenas des-

pertariam as paixões e criariam perigos que a Assembléia evitar.

O projeto

tinha grandes

virtudes,

favorecendo

tentava

os interesses

87 Ibid., II, 42-46, 58, 583-584; Gouveia, História da es cravidão, página Annaes da Camara (1871), III, 170, 241. 388 Ibid., 1, 117; III, 99-100, 241.

124

191;

Co

dos proprietários. Representava a “solução completa”, condenando a escravatura a uma extinção lenta, embora preservando a força trabalhista. *º

Alguns dos membros do ministério de Rio Branco também explicaram claramente a posição do governo à Assembléia. Sayão Lobato, Ministro da Justiça e senador do Rio de Janeiro, argumentou

que o projeto tinha por objetivo

manter o trabalho organizado que cultiva as terras, garantir a propriedade existente em escravos, que jamais será retirada do senhor, do lavrador, senão com justa indemnização; mas ao mesmo tempo declarar que a geração futura

das escravas, ora destinada ao captiveiro, o

numero

de

escravos

existentes...

nascerá

livre, não mais engrossará

A mais importante medida da lei — a provisão do nascimento livre — garantia o status quo por oito anos, disse o Ministro da Justiça, e até por vinte e um anos se os lavradores assim decidissem. A criança educada na fazenda pelo senhor de sua mãe adquiriria uma atitude respeitosa e habituar-se-ia desde seu nascimento a uma “sujeição máxima”. “º O plano do governo não sacrificava os interesses dos proprietários, disse o Ministro da Agricultura, tendo procurado conciliar esses interesses o máximo possível com o princípio da igualdade. A lei “respeitou o passado, só corrigiu o futuro”. Ao promover a legislação, o ministério não seguia rigorosamente o princípio da igualdade humana, mas sacrificou ligeiramente esse princípio na sua busca de uma solução. Ao confiar os ingênuos aos cuidados dos donos de suas mães, disse outro defensor do projeto, o governo tinha na mente seu futuro uso como trabalhadores rurais. Conservados nas propriedades agrícolas, segundo a lei, habituar-se-

tam ao estreito mundo da plantação onde haviam nascido e ao qual

todos

os

seus

sentimentos estariam ligados.

Aprenderiam

a servir

e a produzir aquilo de que o Brasil mais precisava: a riqueza do

solo. “1

Tal como seus oponentes, os defensores do projeto usaram argu-

mentos que revelavam a dureza da escravidão. O deputado Junqueira disse estar convencido de que “as precarias condições hygienicas” em que os escravos brasileiros eram forçados a viver eram responsáveis pelo enorme índice de mortalidade entre as crianças e os adultos, bem como a conseqiiente perda de mão-de-obra para a na39 “0 “1

Discussão da reforma Ibid., II, 345-349. Jbid., II, 208, 570.

do estado

servil,

II,

22-23, 29, 47-50, 74, 274.

125

ção. Um sistema de trabalho livre, disse o Visconde de São Vicente,

induzia uma distribuição de riqueza mais justa, enquanto a escravatura retardava o crescimento da população e o desenvolvimento da cultura. “Basta comparar,” disse ele, “o quadro da mortalidade dos escravos com o da população livre, para deduzir as devidas conse-

quências”.

A escravidão,

acusou ele, era “a

desigualdade

moral e

legal levada ao extremo”. “2 Os defensores do projeto afirmaram que o trabalho livre era mais produtivo do que o trabalho escravo. Os homens livres contribuíam mais do que os escravos para o bem-estar público. Os homens

livres proporcionavam seu capital e inteligência, além de seu trabalho, enquanto os escravos, motivados apenas pelo medo, contribuíam somente com seu trabalho. Os trabalhadores livres criavam uma fonte de mão-de-obra útil em tempo de guerra, enquanto os trabalhadores escravizados constituíam uma ameaça nacional permanente. As estatísticas mostravam que a produção aumentava em proporção ao declínio da proporção escrava. Como prova da superioridade do trabalho livre, um deputado de Pernambuco citou abundantes estatísticas referentes ao desenvolvimento econômico dos Estados livres e escravos da América do Norte. Alencar Araripe recordou o fato de os europeus não emigrarem para o Brasil, apesar de esforços repetidos dos governos brasileiros para atraí-los através do estabelecimento de colônias e da distribuição de terras férteis e acessíveis.

“A razão é que o europeu...

teme o contágio da escravidão.” 43

Os defensores do projeto também explicaram as ramificações políticas e internacionais da lei. Promulgando a reforma, o Brasil poderia evitar uma guerra civil do tipo que os Estados Unidos e Cuba haviam sofrido. 4 O Brasil estava quase sozinho no mundo no que se referia a manter a escravatura. A opinião das nações civilizadas e cristãs obrigava à reforma. “Eu sei por mim,” disse o Visconde de Rio Branco num discurso em que recordou experiências diplomáticas no Uruguai, na Argentina e no Paraguai, “quantas vezes a permanencia desta instituição odiosa e nos humilhava ante o estrangeiro.” 45

no

Brasil

nos

vexava

Os proponentes da lei não esqueceram os argumentos morais e religiosos. A propriedade baseada numa infração dos direitos huma42 Ibid., 43 Ibid., 44 Ibid., primeira dez anos. 49 JIbid.,

126

II, 193-194, 329-331. II, 168-188, 329-331, Apêndice, páginas 28, 39. Apêndice, páginas 9-11. No caso de Cuba, a referência era à guerra da independência, que começara em 1868 iri a a durar é viri II, Apêndice, páginas 18, 26.

nos, disse Alencar Araripe, não poderia ser permanente. A geração viva, disse Junqueira, era obrigada a libertar as gerações futuras do

pesadelo

da escravidão.

“Poderá

o Brasil,” perguntou

Fernandes

da

Cunha, “nação catholica... e, sobretudo, nesta America livre, fazer excepção triste e odiosa entre todas as suas irmãs? Depois que a Europa resolveu a questão; depois que as republicas americanas a resolveram e, sobretudo, os Estados Unidos... era chegada a vez, a

opportunidade de debellar o monstro.” 48 Mais de um defensor da lei diferenciou entre o direito do pro-

prietário a possuir uma coisa e seu direito a possuir uma pessoa. A segunda forma de propriedade, foi dito, era legal, mas não legítima. As coisas eram definidas como entidades sem direitos ou responsa-

bilidades, que podiam ser adquiridas e usadas sem restrições, enquanto as pessoas eram entes moraes, que têm direitos e obrigações proprias, que lhes foram dadas pelo Creador.” O direito natural a possuir coisas teve sua origem na ordem moral da criação e era legítimo. Tal propriedade podia ser “usada e abusada”, jamais estava sujeita a modificação pelo legislador e não ofendia a quem quer que fosse. O direito de propriedade no que se referia a escravos, contu-

do, estava sujeito a restrições legais e podia ser revisto ou revogado em consequência das necessidades públicas. 7 O mais brilhante e inflexível discurso proferido durante o debate talvez tenha sido o do Senador Francisco Sales Torres-Homem, um veterano da política radical que, em 1871, representava o Rio Grande do Norte. Sales Torres-Homem, ele próprio, provavelmente, descendente de escravos, colocou a captura e sujeição de um preto

na África no mesmo pé de injustiça do que a escravidão de um infante brasileiro. Neste último caso, o senhor aguardava sua nova

propriedade na porta da própria vida. Isto era “pirataria exercida à

roda dos berços”. Refutou os principais argumentos dos oponentes.

A, propriedade de seres humanos tural,

é, pelo

contrário,

humanos

não

ças ainda

por nascer

podiam

“longe de fundar-se no direito na-

a sua violação

ser comparados

mais

“ao

monstruosa”.

potro

e ao

Os

novilho,

seres

ao

fructo das arvores e aos objectos animados da natureza, submettidos à dominação do homem”. Desafiou o direito de propriedade às criandas escravas com

uma

advertência

dramática

de que a poeira de que seus corpos seriam compostos ainda estava espalhada sobre a terra, de que as almas já exigidas por seus senhoTes para o inferno da escravidão ainda repousavam “no seio do poder “6 4

Ibid., II, 557, Apêndice, páginas 18, 26. Ibid,,

IH,

316-320.

127

creador...” Aqueles que falavam

tão alto sobre os direitos

de

pro-

priedade, acusou ele, já se tinham esquecido de que a mai oria dos escravos que trabalhavam suas terras eram os descendentes de pessoas “que um trafico deshumano introduziu criminosament e neste paiz com affronta das leis ou dos tratados!” 48

O debate nem sempre era ordenado e disciplinado. Os oponentes interrompiam muitas vezes os defensores da lei, À medi da que

o projeto progredia pela Câmara, exigiam votos nominais em artigo s sem a menor importância. Andrade Figueira (Rio de Janeiro), Antônio Prado (São Paulo), Perdigão Malheiro (Minas Gerais) e outros obstruíam os trabalhos ou recorriam a interpelações para atrasar o andamento. Tendo por fim demorar o debate, a facção da minoria recusava-se regularmente a entrar na Câmara até que a maioria do governo chegasse, só por si, a formar um quorum, forcando cada defensor da lei a estar presente em cada sessão.º No último mês do debate na câmara baixa, o governo só contava com

sem

exemplo

em nossos annaes

— D—

——

a

sessenta e dois defensores, o número exato para abrir uma sessão e assegurar a passagem da legislação. Por vezes, o decoro da Câmara era perturbado por trocas de acusações, nomeadamente no dia 2 de agosto, depois da passagem do artigo que dava aos escravos o direito a suas economias e sua liberdade quando pudessem pagar o seu preço. Acusando-se uns aos outros, os deputados abandonaram seus lugares para invadir todo o recinto, enquanto o público ficava de pé, observando em silêncio. “Nem mesmo nos dias agitados da maioridade (1840) foi o recinto da camara theatro de scenas semelhantes e o projecto do governo só conseguiu passar depois de uma luta parlamentares.” 50

aA

A sessão do Senado de 27 de setembro de 1871 foi solene. As galerias estavam apinhadas com o público que aguardava a votação final, atrasada grandemente pelo discurso de um senador da Bahia.

Finalmente, o Presidente do Senado anunciou que o projeto fora aprovado, motivando um prolongado aplauso e cascatas de flores das galerias. Fora do Senado, nas ruas, demonstrações em honra do Visconde do Rio Branco,

e outros legisladores

de Araújo, Sales

Torres-Homem

iniciaram vários dias de ruidosas celebrações

50 51

126

Discussão Ibid., II,

da reforma 583-586.

a

48 Ibid., II, 282-297. 49 Ibid., II, 11, 18-19, A abolição, página 66.

aa sig

ins

E

públicas. 51

Nabuco

59-60, do

62, estado

64,

81-82,

servil,

II,

112, 5-15,

,

229: 255.

Duqu que

Estrada,

;

Apesar do sentido de triunfo, os efeitos imediatos da vitória foram pequenos. À lei era complexa, mas não trouxe qualquer mu -

dança imediata nas vidas da maioria dos escravos e nem mesm o as crianças cuja liberdade fora garantida podiam obter qualquer benefí-

cio prático de seu status até alcançarem sua maioridade legal. Quando esse dia chegasse, conforme os defensores da lei tinham argumentado, criados e treinados num ambiente de escravidão, os ingênuos seriam autênticos escravos por disposição, mesmo se não pela lei, encontrando-se mal preparados e pouco motivados para muito mais

do que uma vida de trabalho e de servidão nas lavouras dos donos de suas mães. º2 Certos comentários portentosos sobre os efeitos da lei haviam assinalado os últimos dias do debate. Nabuco de Araújo lamentou o

corte de uma

provisão para acabar

com a escravidão no final do

século. O fundo de emancipação, previu ele, distribuído magramente pelo país, não seria suficiente, embora concentrações de seu ativo em províncias como o Ceará e o Rio Grande do Norte tivessem po-

dido criar áreas livres das quais as províncias ocupadas pela escra-

vidão poderiam ser reduzidas gradualmente. Nabuco também previu violações da lei. As crianças nascidas depois da promulgação da lei seriam escravizadas pela substituição de outras, nascidas antes, e pes-

soas livres seriam registradas como escravas. Nabuco foi acompanhado pelo historiador do Maranhão, Cândido Mendes de Almeida, ao deplorar o fracasso em proporcionar oportunidades educacionais às crianças que a lei libertaria. 53 Este fracasso, é claro, foi deliberado. A questão da educação não havia sido debatida, mas a história brasileira revelara pouca inclinação por parte da classe dominante para conceder oportunidades de educação

aos trabalhadores agrícolas ou para preparar seus ex-escravos para

a cidadania.

Relizar isso em

1871 teria sido realizar uma

reforma

muito mais radical do que qualquer coisa que existia na Lei Rio Branco, já que uma educação eficaz teria transformado o sistema social

e econômico

escravatura.

da

Tal como

Lei

Rio

conforme

do Brasil

ainda

mais

do que

a abolição

da

as coisas se passaram, um dos resultados importantes

Branco

foi

o adiamento

o governo do Visconde do

do

verdadeiro

abolicionismo,

Rio Branco esperara. Neste

62 Com referência a esta “deficiência” da lei, ver Ianni, As metamorfoses do escravo, páginas 215-216. , 53 Diseuesho: de reforma do estado servil, II, 498-531. Para uma avaliação

mais tardia da Lei Rio Branco pelo filho de Nabuco de Araújo, ver Nabuco, O abolicionismo, páginas 72-87.

129

sentido, a legislação constituiu um sucesso mode rado, mas apenas moderado, pois o debate e a nova condição dos filhos das escravas também tiveram, indubitavelmente, efeitos libera lizantes na opinião pública brasileira. 5! A campanha realizada pela impren sa em favor da lei, 'que levou a mensagem do governo a todas as pa rtes do país, identificou o objetivo da emancipação com patr iotismo e o futuro da nação, minando, sem dúvida, a autoridade dos proprietários ds escravos e o compromisso nacional para com o si stema escravocrata. E difícil, naturalmente, determinar até que ponto os escravos estavam conscientes do debate Rio Branco e de seus resultados, mas um aumento na rebelião, no suicídio e no crime, depois de 1871, sugere que muitos estavam, de fato, informados sobre o que estava acontecendo. *% Em

1884,

o Senador

Cristiano

Otoni

atribuiu

uma

alegada epidemia de ilegalidade e de violência entre senhores e escravos a promessas não cumpridas e ao sistema, desapontador, emancipação gradual que fora estabelecido pela Lei Rio Branco.

de

Por cinco annos, de 1866 a 1871 (disse Otoni ao Senado) irradiou do throno do Brazil para todos os cantos do Imperio a promessa da libertação dos miseros escravos. Todos lembrão-se das viagens que neste periodo fez o Chefe do Estado pelo nosso interior; se era dia desoccupado a escravatura bordava as estradas em duas alas, de joelhos, abençoando o Redemptor. Findarão-se os cinco annos destas esperanças douradas, chegou a hora da sua realização pela lei de 28 de setembro, e a decepção dos miseros foi triste e completa. A lei disse que libertava os que dalli em diante nascessem: nem isso fez, que os deixou captivos de facto até 21 annos, mas ao menos garantio-lhes a liberdade para a maioridade. Entretanto, o que fez em favor da geração existente? Fallou de sua emancipação gradual em termos do que se costuma dizer — para inglez ver. 66

Apesar de muitos oponentes livres da escravatura terem tido uma sensação imediata de realização, os próprios escravos ficaram menos satisfeitos do que eles com o resultado do longo debate. Em 1872, um surto de inquietação entre os escravos em Sergipe já fora atribuído

a sua crença

de que

a Lei Rio Branco

libertara

todos

os

escravos e de que, portanto, eles continuavam: cativos injustamente, 57 e, nos anos seguintes, cativos em outros pontos do país tornaram seu desapontamento conhecido através de um aumento de violência e de 54

Tanni,

4s

metamorfoses do escravo, páginas

65

Rodrigues,

4

67

Relatorio

da

56

Annaes

1872),

130

Rebeldia

do Senado

negra,

(1884), II, 30-33.

presidencia

páginas 5-10.

páginas

da

provincia

216-217,

67, 75-76,

Grifo no original. de

Sergipe

em

1872

(Aracaju



ú

=

insubordinação. 8

Além

disso, ainda

nessa década,

até mesmo

ho-

mens livres começariam a denunciar as limitações da lei, iniciando a fase final e mais dinâmica da luta antiescravatura.

68

Rodrigues,

4

rebeldia negra,

Ex 1 da q bu

ta q

+

a a

4

nm

página

75.

J31

Em

nossa

terra,

onde ha tanta negligencia, tanta facilidade de indulgencia só uma medida rigorosa... pode ser efficaz.

NABUCO DE no Senado, 26

ARAUJO de setembro

e

de

protecção,

1871

- o mundo (continua) a acreditar que a escravidão está acabando no Brasil, sem reflectir que isso se dá porque os escravos estão morrendo.

JOAQUIM

O

NABUCO

Abolicionismo

1 A LEI

RIO

O GOVERNO

BRANCO

APLICA

A LEI

APESAR de ter sido posta em vigor mais eficientemente do que a legislação de 7 de novembro de 1831, a Lei Rio Branco pouco mais teve do que um apoio passivo por parte da classe dos plantadores, cuja cooperação fora considerada essencial. 1! Nestas circunstâncias, o governo, central não dispunha do poder suficie nte para impor o seu cumprimento. O resultado disto, nas palavras de EJoaquim 1

132

Annaes

da

Camara

(1871),

IN,

123.

Nabuco, foi “outra epocha de indifferença pela sorte do escravo, durante a qual o governo poude mesmo esquecer-se de cumprir a lei

que havia feito passar.”2 Nas semanas que se seguiram ao debate, o governo adotou certas medidas para fazer vigorar a lei. Todavia, houve indícios, logo desde o início, que ela não seria aplicada consistentemente. O Artigo 6 da

Lei Rio Branco prometia a liberdade de todos os escravos de propriedade do governo. Um decreto interpretando este artigo, promul-

gado pelo Visconde do Rio Branco em 11 de novembro, estabeleceu

a política a ser seguida na libertação desses escravos pertencentes

ao governo, incluindo os que eram usados pelo Imperador e sua família. Os escravos da nação que estavam sendo usados em obras

públicas

ou em

lavouras de propriedade do Estado

teriam autoriza-

ção para procurarem outros empregos e aqueles que preferiam permanecer ao serviço do governo receberiam salários, sendo supervis:onados e protegidos pelos presidentes provinciais. Outra diretriz, contudo, emitida e assinada por Rio Branco apenas dez dias mais tarde, Tecordava a esses mesmos presidentes que, ao estabelecerem salários, deveriam ter presente a necessidade do governo de obter um lucro suficiente das suas propriedades rurais. Os antigos escravos só teriam o direito de procurar emprego em outros lugares se isto não privasse os Estados de trabalhadores que fossem necessários. 2 Certos outros atos do governo pareceram providenciar uma política de aplicação estrita da lei, embora revelando dúvidas de que os funcionários do governo e os proprietários de escravos cumpris-

sem com suas obrigações legais. O Artigo 8 ordenava um registro

nacional de todos os escravos e ingênuos. Um decreto de 1 de dezembro de 1871 estabeleceu regras para estes registros. Os cobrado-

res de impostos locais ou os funcionários fiscais deveriam divulgar a obrigação dos proprietários de registrar seus escravos e ingênuos num recenseamento geral a ser iniciado em 1 de abril de 1872 e termi-

nando no último dia de setembro do mesmo ano. Cópias destes avi Sos seriam enviadas para todos os padres paroquiais, que passariam a informação a suas congregações. Os locais de registro estariam abertos todos os dias úteis das 9 horas da manhã até as 4 da tarde durante esse período. Os livros de registro seriam fechados e conferidos no dia 30 de setembro de 1872, mas os proprietários seriam

autorizados a registrar escravos por mais um ano, a partir dessa data,

sem

incorrerem

em

multas

ou perda

de escravos não

registrados.

2 Nabuco, O Abolicionismo, p. 3. 8 Veiga, Livro do estado servil, páginas 205-211.

133

| Depois deste período,

qualquer

era responsável pela

infração

escravo

não registrado seria consi-

da lei. Os funcionários

que fossem

destacados para realizar os registros deveriam compilar relatórios sobre os escravos e ingênuos registrados, especificando seu Sexo, idade, estado civil, profissão e lugares de residência, com quaisquer modificações devendo ser registradas de tempos a tempos para manter as estatísticas atualizadas. O

mesmo decreto ameaçava multas para quem não cumprisse estas disposições. Os proprietários que não registrassem escravos ou

ingênuos ou, ainda, que não informassem sobre modificações no seu status soireriam multas que iam até 200 mil-reis. Os funcioná-

rios encarregados de registrarem os escravos seriam multados em um quarto dessa quantia se não cumprissem com seu dever. Os padres que não informassem suas congregações sobre os regulamentos

estavam sujeitos a multas de 10 mil-reis por cada domingo e dia santo em que fossem remissos. Os funcionários que não impusessem estas multas seriam, por sua vez, pesadamente multados pelos presidentes provinciais. £ O Artigo 3 previa o estabelecimento de um fundo de emancipação para ser criado por meio de impostos sobre os escravos, lote-

rias nacionais,

multas e contribuições. Mais de um ano após a pro-

mulgação da Lei Rio Branco, em 13 de novembro de 1872, o Ministro da Agricultura decretou os regulamentos para o uso do fundo de emancipação. As famílias teriam preferência, no que se referia à libertação,

sobre

pessoas individuais,

particularmente

membros

da

família que fossem de propriedade de senhores diferentes, com a preferência, além do mais, sendo dada aos pais de ingênuos, de crianças livres e de crianças escravas, nessa ordem. Na seleção de pessoas individuais para manumissão, as mães e os pais com filhos livres e escravos entre as idades de doze e quinze anos seriam preferidos, começando com as mulheres mais jovens e os homens mais idosos. 5 Isto libertaria as mulheres em idade de ter filhos, enquanto manteria os homens mais produtivos no trabalho. O mesmo decreto ordenava a criação de juntas de classificação em cada município. que deveriam ser compostas, se possível, pelo pre4 5

20

Ibid., páginas 33-44. Para facilitar as classificações, de

setembroj

de

[87 1876.

Para

ficação que ainda existia em páginas

134

224-225.

um

um

sistema mais simples foj decret ado esboço do complexo s

1886, ver

Ianni,

As

istema de

metamorfoses do

aa

em

-

GF em. e—

derado livre, a não ser que seu proprietário pudesse provar que não

sidente da câmara municipal, pelo promotor público e o coletor de impostos. Estas juntas teriam de se reunir todos os anos, em todo o território nacional, no primeiro domingo de julho, para classificarem e escolherem escravos para libertação, com a primeira dessas reuniões tendo lugar em 1 de abril de 1873. Aqui, também seriam aplicadas multas se a lei não fosse aplicada. Um membro da junta

que não comparecesse a uma reunião sem justa causa teria de pagar

de 10 a 50 mil-reis e os proprietários negligentes seriam castigados com dez a vinte dias de prisão. Os valores dos escravos a serem

libertados seriam estabelecidos por arbitragem e as pessoas libertadas receberiam certidões de emancipação. 8 Assim, um sistema de registro e classificação foi estabelecido no papel, mas o governo pouco fez para assegurar que o trabalho fosse realmente realizado nas centenas de municípios desde o Rio Grande do Sul até a Amazonia. Em vez de conceder salários, por exemplo, ou outros incentivos aos funcionários locais encarregados da tarefa, o governo, prevendo alguma resistência ao dever, ame>çou os funcionários com castigos que dificilmente teria o poder para impor nas distantes regiões do país. O registro e a classificação progrediram. por conseguinte. com uma surpreendente lentidão, apesar dos castigos ameaçados. Quase

sete meses depois da data em que o registro deveria ter sido concluído, o Ministro da Agricultura anunciou que só recebera relatórios de municípios de onze províncias, registrando apenas 198.814

escravos, menos de um sétimo daqueles que viriam a ser incluídos na contagem final. A lei fora cumprida, disse ele. tão rapidamente quanto as circunstâncias o permitiam. No mês de setembro seguinte, menos de duas semanas antes do segundo prazo, o último, para o

registro, o Ministro da Agricultura informou o Visconde de Rio Branco de sua decisão de permitir que os portadores de hipotecas Tegistrassem em seu nome os escravos de devedores que recusassem cumprir com a lei e, dois meses depois do final desse último prazo para registro. ainda estava procurando obter informação dos presidentes provinciais sobre os resultados dos registros e classificações. 7

O relatório do Ministério da Agricultura de 1874 foi pessimista. Tanto o registro quanto as classificações haviam encontrado obstáculos. As juntas de classificação não se haviam reunido nas datas

previstas. Um novo prazo fora dado e já vencera há muito tempo, 6

7

i

RA

de 1874,

;

a

páginas 5-7.

stado

93:

servil, páginas

Relatorio

51-72.

do Ministério

da

Agricultura,

14 de

maio

[35

mas só um pouco mais de um milhão de escravos tinha sido regis-

trado. º Em

maio

de

1875,

a situação



melhorara

um

pouco.

A

mais recente informação reunida pelo Ministério da Agricultura ness e mês colocava o total de escravos registrados em 1.431.300 e O re-

censeamento

ainda não terminara.

A primeira distribuição provin-

cial do fundo de emancipação era esperada para breve, emb ora, até então, só tivessem sido classificados menos de 200 mil escravos. As juntas de classificação de muitos distritos não haviam enviad o s eus relatórios, apesar de repetidos pedidos e de amea ças de castigo. O fracasso, pensava o Ministro da Agricultura, result ava da falta de salários para os funcionários que tinham essa respon sabilidade e das grandes distâncias que os proprie tários eram forçados a viajar para alcançarem os locais de registro. ? Essas razões eram exatas, embora a apatia e o desdém geral pelos regulamentos também contribuíssem em muit o para a inatividade. Há muitas explicaçõ es da falta de progresso (provavelmente, características da nação como um todo) contidas em cartas de juntas de classificação de S ergipe para o presidente da província. Uma das juntas informou o executivo de que sua reuniã o fora atrasada por três meses devido à falta de livros de registro. Outra anunciou a suspensão de seus t rabalhos devido à falta de um promotor e outra, ainda, informou que a recusa de um tabelião de participar atrasara o trabalho. Uma junta de classificação, também de Sergipe, realizara sessões regulares, mas

fora incapaz de estabelecer qualquer

valor para os 524 escravos de seu município devido a uma total relutância dos proprietários locais no que se referia a comparecerem às reuniões. Alguns dos municípios de Sergipe apresentaram seus relatórios em 1875, mas outros continuaram encontrando pretex tos, no ano

seguinte, para

o não cumprimento

da lei.

Em

agosto

de

1876,

uma junta atribuiu sua impossibilidade de funcionar à falta de um secretário, uma posição que não contava com qualquer form a de salário. Não era prático, explicou um funcionário local, * su ppor que qualquer cidadão se preste a seme lhante serviço, fugindo de suas occupações diarias para entregar-se a trabalhos que privamnos de obter seus meios de subsistencia.” Um rel atório do mesmo período enviado do município de Divina Pastora anunciou que a junta desse município não se reunira no pri meiro domingo de julho, segundo instruções, “em consequencia de m'achar doente, em estado de não poder levantar-me...” Uma junta de Itabaiana S

Relatório

do Ministerio da Agricultura,

9 Ibid., 2 de maio de 1875, páginas 7-8. 136

14 de maio de 1874,

pápi

» Páginas 5-71

informou que não se reunira pelo fato de o promotor estar ocupado no município de Simão Dias e o tabelião estar ocupado “com assumpto não menos importante.”1º O tom do relatório do Ministro da Agricultura de maio de 1876

sugere que os problemas encontrados em Sergipe eram semelhantes aos que se verificavam em outros pontos do país. A classificação dos escravos era “um trabalho difficilimo e até inexequivel...” No decorrer de cinco anos, não fora completado a tempo em lugar algum. !! O registro especial continuara além do prazo legal e, na

realidade, esse prazo fora ampliado oficialmente em novembro de 1875 por uma decisão do Imperador em consulta com o Conselho de Estado. D. Pedro e seus conselheiros concluíram que os escravos ainda não registrados em 30 de setembro de 1873 não seriam libertados de acordo com o decreto de dezembro de 1871, já que o seu registro não fora efetuado em muitos distritos devido à escassez de funcionários ou a uma falta de livros de registro, “que, embora remettidos a tempo, não chegaram ás referidas localidades dentro do prazo legal...” 12 O trabalho de registro fora completado e encerra-

do pouco depois, mas a decisão do governo no sentido de ampliar

o prazo resultou, provavelmente, no registro de muitos escravos que já estariam legalmente livres se a Lei Rio Branco tivesse sido interpretada estritamente e aplicada de modo rígido.

DO FUNDO

O FRACASSO

DE EMANCIPAÇÃO

A LENTIDÃO do registro e da classificação retardou a aplicação do fundo de emancipação. Em maio de 1874, mais de 3 mil contos já tinham sido acumulados no fundo, o suficiente para libertar quase

6.500 escravos a um preço médio de 500 mil-reis cada. Todavia, essa quantia não podia ser distribuída pelas províncias, disse o Ministro da Agricultura, já que a distribuição dependia da conclusão do registro, sendo 10

Escravos,

semelhante

ao

APS.

das

dificultada em

O

fracasso

juntas

de

das

certos lugares,

juntas

manumisión,

de

também,

classificação

estabelecidas

no

pela au-

Brasil

anteriormente

foi na

Venezuela para o mesmo objetivo. Ver Lombardi: The Decline and Abolition of Negro Slavery in Venezuela, páginas 61-72. 11 Relatório do Ministério da Agricultura, 15 de janeiro de 1877, página 13. I2 Veiga, Livro do estado servil, página 195.

137

sência de repartições fiscais pessoal. 1º Em maio de 1876, quase

e, em

outros,

por uma

escassez

cinco anos depois da Lei Rio

de

Branco

ter sido passada, o governo anunciou, por fim, que os primeiros 1.503 escravos, cerca de 1 em cada mil registrados, haviam sido lIibertados pelo fundo, esperando-se que mais 2.500 fossem libertados

brevemente. !* Em meados de 1877, apenas mais 755 tinham sido libertados pelo fundo, perfazendo um total de apenas 2.258 escravos durante um período de quase seis anos. Mais de 6 mil contos haviam sido reunidos no fundo durante cinco anos fiscais, mas menos de 1.295 contos tinham sido aplicados diretamente na libertação de escravos. A explicação para esses magros resultados ainda era a mesma: a relutância dos funcionários do governo em aceitarem um acréscimo de trabalho sem um acréscimo de remuneração. 15 Cerca do final de 1878, outras 1.800 pessoas já haviam sido libertadas, com o preço médio indo de 5628630 até 3438343. Apesar deste elevado custo, apenas uma pequena parte do fundo estava realmente sendo aplicada na libertação de escravos. Apesar da escassez de livros de registro e de pessoal persistirem, quase um quinto do dinheiro fora gasto, até 1878, em livros de registro, “gratificações” e outras despesas não especificadas do que fora aplicado diretamente na manumissão de escravos. Mais de metade do ativo total do fundo ainda não fora usada, fosse nas províncias ou na capital (ver Tabela 22). 16

Assim, enquanto a burocracia continuava inativa, milhares que poderiam ter sido libertados continuavam escravizados. Nos quatro

meses

e meio

que

se antecederam

a

maio

de

libertados uns meros 245 escravos, a um preço Um saldo de mais de 4.182 contos acumulara-se data, mas o Ministro da Agricultura opôs-se a tribuição de fundos pelas províncias com base

mudanças

na população

1879

apenas

foram

médio de 7428778. no fundo até essa uma segunda disno fato de muitas

escrava que não tinham

sido registradas

terem tornado inexatas as estatísticas do governo. !” Durante todo o ano seguinte, somente 201 escravos foram libertados pelo fundo,

não sendo realizada qualquer nova distribuição I$ 14 Iô 16 l7 18

138

de seu ativo. 18

Relatório do Ministério da Agricultura, 14 de maio de 1874, Ibid., 15 de janeiro de 1877, página 14, Ibid., 1 de junho de 1877, páginas 6-8. Ibid., 27 de dezembro de 1878, páginas 12-15, Ibid., 1879, páginas 11, 27. Ibid., 14 de maio de 1880, página 22.

páginas 5-7.

Com o novo despertar do sentimento abolicionista em 1880, o e ant Dur o. fund do o caçã apli sua a ssou apre nte, tame subi no, over as

a

período

de dezesseis

meses,

em

e 1881,

1880

realizad

foram

s , i s a o o m d t e n 0 n , o 5 a s c 7 z e . i õ l 6 ç a i t u o b i t r a t r s i i e d a segunda e a terc

aert lib o sid ham tin já 5, 188 Em 1º s. ado ert lib am for os 5 413 escrav , tos con 520 14. de l tota to cus um a do, fun o pel s soa pes mil das 23 os rav esc os pri pró s pelo dos buí tri con tos con 600 de ca cer uir incl sem ara sua própria liberdade. 2º O preço médio de cerca de 663 mil-reis (ver Tabela 23), embora não particularmente elevado para um es-

cravo ativo do sexo masculino, era mais elevado do que o preço pago normalmente no mercado aberto por mulheres e crianças, que

formavam a grande maioria das pessoas libertadas. 2! Os escravos com mais de setenta anos foram libertados, segundo uma fonte abolicionista, a preços suficientemente altos para comprar meia dúzia de escravos jovens. 22 Os preços nas províncias do café eram os mais elevados, refletindo a maior capacidade produtiva dos escravos dessas regiões, enquanto os preços no Nordeste eram muito inferiores, particularmente no Ceará. Na província do Rio de Janeiro, um €scravo foi libertado ao preço jamais antes imaginado de 2.900 milreis. 23 O fundo

foi abusado de outras formas, além do óbvio recurso aos preços elevados. Maurilio de Gouveia salientou que o direito dos proprietários a escolherem as pessoas que seriam libertadas lhes dava a oportunidade para se desembaraçarem dos escravos doentes, cegos, inúteis e perturbadores. 2* Para fazerem com que seus escravos menos valiosos fossem elegíveis para venda através do fundo, 19 20

Ibid., 19 de janeiro de 1882, página 13. Ibid., 30 de abril de 1885, página 375; Jornal

Janeiro,

3 de

julho

de

1885.

Os

regulamentos

obrigavam os escravos a contribuírem com

de

do Commercio,

13 de novembro

donativos,

quaisquer

Rio

de

legados

de

1872

ou

Aqueles que não heranças que recebessem para este propósito específico. estivessem dispostos a fazê-lo perderiam seus lugares na classificação e ficariam para trás. Ver Veiga, Livro do estado servil, página 57. 1.567 pessoas libertadas pelo fundo no Município Neutro, 854 1 Das tinham menos de vinte e um anos e 585 eram mulheres com mais de vinte e um anos. Dos 121 homens adultos incluídos, 78 tinham mais de quarenta Junta Escravos. anos. As idades de sete pessoas não foram reveladas.

qualificadora para

22 no

E

libertação,

1873-1886, DPHAG,

O Christianismo, a civilisação Brasil (Bahia, 1885), página

South American

* Gouveia,

6-1-39.

e a sciencia protestando contra 104.

Journal, 29 de setembro de 1881.

História da escravidão, página 227.

Este direito

o captiveiro

dos

proprie-

tários de escolherem os escravos a serem libertados era parte do Ártigo XXVII do decreto de 13 de novembro de 1872.:-Ver

páginas 52-53,

avo

ERÊ

à

Veiga,

Livro do estado

servi,

a

139

os seus donos, em idosos e os muito

certos casos, jovens, entre

organizavam casamentos entre os escravos inúteis ou incorrigíveis e

pessoas livres, que eram induzidas a tal por dinheiro. 2º As mortes de escravos não eram registradas, frequentemente, para que eles fossem “libertados”

pelo fundo. 2º O fundo

de emancipação

também

serviu,

conforme foi alegado, como fonte de dinheiro para campanhas eleitorais e, em algumas comunidades isoladas, as distribuições anuais de fundos iam regularmente para cinco ou seis pessoas influentes. 27 Em regiões onde havia grande procura de escravos, os proprietários mostravam-se relutantes em trocá-los, até mesmo por preços elevados. A parte que competia a São Paulo na terceira distribuição, lá recebida em setembro de 1881, só alcançou os municípios quase um ano depois. No município de Campinas, na zona central do café da província de São Paulo, os escravos tinham uma tal procura que três distribuições de fundos deixaram de ser usadas até que os plantadores, forçados a cumprirem com a lei, libertaram trinta e um escravos a uma média exorbitante de 1.566 mil-reis. 28 Muito mais escravos foram libertados gratuita ou condicionalmente depois de 1871 do que aqueles que haviam sido libertados pelo fundo. A emancipação particular foi estimulada, provavelmente, pelo exemplo dos monges das ordens beneditina e carmelita, que libertaram seus vários milhares de escravos pouco depois da passagem da Lei Rio Branco. ?? Em maio de 1880, quando o novo movimento de libertação começava dando indícios de vitalidade, um pouco mais de 35 mil escravos já haviam sido libertados por seus proprietários, independentemente do fundo, desde a aprovação da Lei Rio Branco, a maioria dos quais gratuitamente. 3%º Em 1885, com a popularização da manumissão em províncias como o Ceará e Rio Grande do Sul, o número total de libertados já subira a 131.794, dos quais, segundo foi afirmado, 87.221 haviam sido libertados sem compensação para seus senhores. O número de escravos mortos desde o início do registro especial foi calculado em 214.860. 31 2º Annaes do Senado (1885), I, 11; O Christianismo, a civilisação e a sciencia protestando, páginas 94, 104. 26 Annaes do Senado (1885), I, 11-12. 27 Gazeta da Tarde, 14 de dezembro de 1883. 28 Rio News, 15 de julho de 1883. 22 Henrique de Beaurepaire Rohan, O futuro da grande lavoura e da grande propriedade no Brasil (Rio de Janeiro, 1878), páginas 13-15; Homens livres reduzidos à escravidão, AHI, 235-7-19; Veiga, Livro do estado servil, páginas 31, 295.

30

Relatório do Ministerio da Agricultura, 14 de maio de 1880 deita an: S1 Ibid., 30 de abril de 181885, página 372. Para estatís ticas algo diors diferentes, mas análogas na sua: essência, ver Nabuco, O Abolicion ismo, página 86.

140

|

O fundo de emancipação não conseguiu alcançar resultados noráveis devido, pelo menos, a duas razões importantes. Em primeiro lugar, O governo não proporcionou os incentivos necessários para

que a tarefa fosse realizada nas províncias. A idéia de libertar os escravos por este meio não era genuinamente popular, na década

de 1870, e a participação, por conseguinte, era muito lenta onde as distâncias eram muito grandes, as condições eram primitivas, os pro-

prietários eram poderosos senhores locais e os funcionários públicos precisavam de algo mais do que a responsabilidade legal e as ameaoficiais para

ças

que

Em

agissem.

segundo

lugar,

nunca

o fundo

chegou a ser suficientemente importante para libertar um grande número de escravos, em especial com os preços elevados que eram decididos localmente através de arbitragem. O dinheiro para este

fim, segundo a Lei Rio Branco, viria de impostos, loterias, multas e contribuições, mas estas fontes de receita jamais foram suficientes para libertar mais do que uma pequena porção da população escrava. O fundo de emancipação não tinha a intenção de ser muito mais

do que ou uma para os úteis a

um gesto humanitário, um instrumento de libertação menor prova de boa vontade. Na pior das hipóteses, foi um meio proprietários se desembaraçarem dos seus escravos menos preços muito satisfatórios.

OS RECEM-NASCIDOS À MAIS grave crítica apresentada contra a Lei Rio Branco talvez tenha sido no que se refere a seu fracasso em conceder ao ingênuo

médio uma vida muito diferente

do Conselho

de Estado

da do escravo médio.

do Imperador

1884, que os filhos livres de mulheres

afirmou

Um

membro

publicamente,

escravas, que também

em

eram

chamados, na gíria do tempo, riobrancos, tinham sido mantidos “em quasi

sua

totalidade,

na: mesma

condição

servil

como

os

demais

escravos, faltando-se-lhes com a indispensavel e devida instrucção e desamparados da protecção tutelar da autoridade publica.” 32 O Artigo 18 dos regulamentos de 13 de novembro de 1872 implicava o direito do proprietário de infligir castigo corporal a um ingênuo se esse castigo não

eram 2

transferíveis

fosse

“excessivo”.

normalmente,

Os

segundo

serviços

outro

dos ingênuos

artigo

não

da lei, mas

Acta da conferencia das secções reunidas dos negocios da fazenda, justiça

e imperio do Conselho do Estado

(Rio de Janeiro, 1884), página 17,

141

podiam ser confiados a outro proprietário se a mãe da criança fosse

vendida ou a transferência fosse concordada na presença de um mandatário ad hoc e aprovada pelo juiz de órfãos. Os serviços dos

ingênuos,

além

disso,

podiam

ser “alugados”

legalmente

a outra

pessoa. 38 Na atmosiera brasileira das décadas de 1870 e 1880, o resultado

de tais ambigiidades

legais era a compra

e venda

aberta dos “servi-

ços” presentes e futuros de crianças livres e seu anúncio na imprensa pública. Africanos demasiado jovens para terem sido importados

antes de 1831 e crianças demasiado jovens para terem nascido escravas eram colocados à venda abertamente, lado a lado, na província do Rio de Janeiro e anunciados na imprensa do Rio. O Jornal do Commercio publicou editais de vendas de escravos reguladas pelo governo na cidade de Valença, no interior, anunciando africanos cujas idades certificadas por tabeliães públicos provavam sua importação ilegal e a ilegalidade da sua condição de escravo de facto. Tais anúncios continham os nomes, idades e “avaliações” de ingênuos, também certificados por tabeliães públicos. Uma dessas listas, publicada em 1881, incluía dez ingênuos cujos preços iam de 400 milreis para um rapaz de nove anos até 10 mil-reis por uma criança do sexo masculino de dois anos; outra lista, mais tarde, incluía um riobranco chamado Luiz, que esperavam vender por uns meros 5 milreis. %* Apesar de repetidos protestos da imprensa e do próprio governo, a “venda” de ingênuos continuou até 1884. Em maio desse ano,

Andrew

Jackson

Lamoureux,

o

editor

The Rio News, chamou a atenção para um

americano

anúncio

do

jornal

no Jornal do

Commercio para a venda de 14 ingênuos em Valença. Nesse tempo, a questão da legalidade de tal prática já estava diante do Conselho de Estado havia dezoito meses, uma legislação para proibir a venda de ingênuos estava sendo considerada na Câmara de Deputados e o Ministro da Agricultura acabara de assegurar à nação que não seriam permitidas mais vendas desse tipo. 35 As estatísticas que o Ministério da Agricultura reuniu com base

nos nascimentos e nas mortes de ingênuos não indicavam uma mortalidade infantil invulgarmente elevada ou o abandono generalizado de ingênuos, conforme fora previsto pelos oponentes da Lei Rio 3º S

Veiga, Livro do estado servil, páginas 50, 69. Rio News, 15 de fevereiro e 5 de maio de 1881; 24 de dezembro de 1882; Gazeta da Tarde, 23 de fevereiro de 1883. ; Ver também Nabuco, O Abolicionismo, página 121; Joaquim Nabuco, Cartas q amig os (2 volumes: São Paulo, 1949), I, 76-78. 6 Rio News, 24 de maio de 1884; Annaes da Camara (1884), I, 35.

142

Branco

em

1871.º%º Todavia,

as estatísticas também

não

deixavam

de provar as previsões pessimistas. O que revelaram foi que os filhos de mulheres escravas registrados como ingênuos eram muito menos do que o número de crianças que essas mulheres poderiam, natural-

mente, ter dado à luz. No final do sétimo ano após a passagem da

lei, apenas

278.519

crianças

renta anos,

isto é, cerca

tinham

sido

registradas,

das

quais

218.418 estavam registradas como vivas. O recenseamento de 1872, contudo, registrara 439.027 escravas entre as idades de onze e quade duas

mulheres

em

idade

de ter filhos

para cada ingênuo que nascera, que fora registrado e que sobrevivera

entre 1871 e 1879. 3” Da mesma forma, em 1883, havia 835 escravas nas nove lavouras de café do Conde de Nova Friburgo, mas apenas 337 ingênuos. 38 Essas estatísticas indicam um índice de mortalidade muito elevado entre os filhos das escravas, o que, por certo, seria de esperar, ou, então, um índice baixo de natalidade — ou ambos — com estas inferências sendo confirmadas pelo pequeno número de crianças escravas de dez anos de idade ou menos registradas no recenseamento de 1872 — apenas cerca de 365 mil numa população escrava total

de mais de um milhão e meio, que incluía mais de 375 mil mulheres entre os 15 e 40 anos de idade. *º? Indubitavelmente, algumas crianças nascidas como escravas e também muitos ingênuos, particularmente aqueles cuja vida foi breve, nunca chegaram a ser registrados. Muitos, talvez, foram abndonados, conforme alguns membros da Assembléia Geral haviam advertido que seriam, e outros confiados às casas de caridade da Igreja ou, o que é menos provável, até 6 Para

as impressões pessimistas

registro de ingênuos, (Nova York, 1887),

Recenseamento

de um

ver C. C. Andrews, páginas 312-313.

da população,

XIX,

estrangeiro

Brazil,

no que se refere

Its Condition

ao

and Prospects

4; Relatorio do Ministerio da Agri-

cultura, 14 de maio de 1880, páginas 12-13. Em contraste, segundo o recenseamento brasileiro de 1950, 60,1 por cento das mulheres brasileiras acima

de 15 anos de idade

Vivos por

mulher

eram prolíficas e o número

prolífica

era 5,2.

Para

médio de nascimentos

mulheres “pardas”

ou pretas,

o

numero médio de filhos nascidos era de 5,5 e 5,3, respectivamente. Ver Francisco M. Salzano e Newton Freire-Maia, Problems in Human Biology, À Study of Brazilian Populations (Detroit, Michigan, 1970), página 63.

88

Van

Delden

Laérmne, Brazil and Java, página

341.

Em

contraste,

nos

seus cálculos de aproveitamento da escravidão nos Estados Unidos, Conrad e Meyer assumiram que cada “escrava de primeira” poderia produzir de cinco a dez crianças negociáveis no decorrer de sua vida e que as gravidezes bem sucedidas se verificavam em espaços de dois anos. Ver “The Economics

of Slavery in the Ante-Bellum South”, página 349. 8º Recenseamento da população, XIX, 4.

143

enviados “para morrer de fome em casas que, a baixo preço, se encarregam de infanticídios sem vestígio...”, uma acusação feita pelos abolicionistas em 1883.4º Evidentemente, também, muitas crianças tiveram negada sua condição de ingênuo através de registros falsos, já que, de novo, segundo os oponentes da escravidão, “aparentemente, nenhumas crianças nasceram de mães escravas imediatamente após o 28 de setembro de 1871, enquanto, por outro lado, mostram (os registros das fazendas) um aumento, até então nunca verificado, de nascimentos em 1870.” “4 Seja qual tenha sido seu destino, é provável que o meio milhão de ingênuos que se pensava estar

vivo quando a escravatura foi abolida em 1888 incluísse uma pequena percentagem daqueles nascidos de escravas durante os dezessete

anos anteriores. *º Apesar das provisões da lei que tinham por inte nção criar estatísticas exatas sobre esta classe de crianças, apesar das pesadas multas decretadas para o seu não cumprimento, seu dest ino nem mesmo podia, ao tempo, ser conhecido. 43

A maioria dos ingênuos que sobreviveram permaneceu

nas fa-

zendas sob a supervisão dos donos de suas mães. Tendo o direito de escolher entre usar o trabalho das crianças depois do seu oitavo aniversário ou trocá-las por títulos do governo, a grande maioria dos proprietários escolheu usar seu trabalho, em parte pelo fato desta opção não requerer deles qualquer ação. Dos 400 mil ou mais ingênuos registrados até 1885, apenas 118 haviam sido confiados ao

governo em troca dos ornados certificados que o regime imprimira para esse ingênuos novembro tal como 40 41

Manifesto da Confederação Abolicionista, p. 16. Carta de Trail para Frelinghuysen, Rio de Janeiro, 21

Papers 1885),

42

fim (ver ilustração n.º 25) e, no ano seguinte, apenas dois foram trocados dessa forma. Segundo o decreto de 13 de de 1872, os poucos ingênuos que o governo recebeu eram, sucedera com os “africanos livres” alguns anos antes, con-

Este

related

to

the Foreign

página

29.

no

Brasil.

número

de 500

Relations of

mil

the

de

maio

de

1884,

United States (Washington,

foi usado

pelo Barão de Cotegipe no Senado em maio de 1888. Ver Extincção da es cravidão no Brasil, Lei n.º 3353 de 13 de maio de 1888. Discussão na Camara dos Deputados e no Senado (Rio de Janeiro, 1889), página 69. Em 1886, havia 439. 831 ingênuos registrados

de 43

Relatorio

1886, página 36. Até mesmo recentemente,

do

Ministerio

da

Agricultura,

14

de

maio

as estatísticas da população têm sido mantidas muito deficientemente em certas partes do Brasil, mas sabe-se que os índices de mortalidade, particularmente entre pretos, crianç as e a população rural (categorias a que os ingênuos pertenciam de um modo geral) são tragicamente elevados. Ver Smith, Brazil, páginas 107117; Salzano e Freirek a ; j

Maia, Problems

in Human

Biology,

I44 ,

o: Rê

páginas 66-76.

fiados a pessoas físicas, que também tinham o direito de usar seus serviços ou de alugá-los a terceiros. Em 1885, mais de 9 mil ingênuos já tinham passado para uma condição de liberdade sem obstáculos, juntamente com suas mães, mas a grande maioria das criancas sobreviventes continuava sem dúvida, em conformidade com a lei, num estado de escravidão de facto até elas serem libertadas, ao 44 1888. de maio de 13 em , avos escr os que do mesmo tempo O SIGNIFICADO

MAIS

AMPLO

DA

LEI

UMa década depois da passagem da Lei Rio Branco, seu fracasso em produzir resultados imediatos importantes já era reconhecido amplamente. Até mesmo representantes pró-escravatura admitiram

que a lei não fora posta em vigor com energia, que suas provisões já não correspondiam com as aspirações nacionais e que seus resultados eram insignificantes se comparados com os efeitos da iniciativa privada é os elevados custos da administração. *&

Todavia, a lei teve importantes efeitos sobre atitudes. Suas deficiências foram deploradas e, também, exploradas pelos abolicionis-

tas. Joaquim Nabuco caracterizou-a como uma grande decepção para os escravos, que esperavam mais. 8 “A verdade,” escreveu Lamoureux no jornal The Rio News com um certo exagero, “é que jamais houve uma impostura maior posta em vigor por uma legislatura nacional...” * Os autores do

Manifesto da Confederação Abolicionista do Rio de Janeiro, José do Patrocínio e André Rebouças, condenaram os proprietários de escravos por sua má-fé

e falta

de patriotismo.

Esses proprietários,

acusaram eles, eram culpados de crimes terríveis, apesar dos extraordinários privilégios que a Lei Rio Branco lhes concedera. *

A reação dos plantadores

ela de um mais tarde,

de café à lei foi mista. Opondo-se a

modo geral antes de sua aprovação, consideraram-na, a última palavra na questão da escravatura e, por con-

44 Relatório do Ministério da Agricultura, 30 de abril de 1885, página 376; ibid. 14 de maio de 1886, página 36. Para uma opinião semelhante, ver Ianni, 4s metamorfoses do escravo, páginas 215-216. Annaes da Camara (1884), III, 172; Diário do Brasil, Rio de Janeiro,

29 de setembro *6

Nabuco,

48

Manifesto

7

Rio

O

News,

de

1882.

Abolicionismo,

p. 70.

5 de fevereiro de

da

Confederação

1881.

Abolicionista,

páginas

15-16.

I45

seguinte, um instrumento de proteção. Ao abrigo da sombra de suas provisões, continuaram aumentando o número de seus escravos até meados da década de 1880 com um desrespeito quase tradicional, que só foi temperado pelo reconhecimento de que a solução imediata a suas necessidades de mão-de-obra já não seria permanente. Face à onda abolicionista da década de 1880, além do mais, a Lei Rio Branco serviu como um novo e forte argumento; condenara a escravatura à extinção e nenhuma outra medida seria necessária

para assegurar seu desaparecimento dentro

do período de vida das

gerações existentes. O que era preciso, argumentavam os proprietários de escravos, eram soluções legislativas para os problemas econômicos causados pelo rápido envelhecimento e a morte dos indis-

pensáveis trabalhadores agrícolas — não mais limitações dos direitos

dos proprietários. Enquanto, assim, a procura de novas fontes de mão-de-obra barata estava tornando-se mais insistente, uma nova oposição ao trabalho servil, fosse qual fosse sua forma, também se estava desenvolvendo, inclinando-se para rejeitar todos os argumentos que os proprietários pudessem apresentar. Este foi talvez o efeito mais positivo da Lei Rio Branco. Minou sutilmente a escravatura, identificando a emancipação com os melhores interesses da nação. O debate sobre a lei acentuara claramente a injustiça da escravidão, de modo a todos a compreenderem. De grande importância prática também foi a libertação de meio milhão de crianças, muitas das quais, na década de

1880, estavam

entrando na idade produtiva e, como

escravos, te-

riam representado um forte incentivo para prolongamento do sistema tradicional de trabalho.

146

rf

Parte

Dois

1879-1856

executar Infelizmente, o espírito revolucionário teve que prezada des o sid ia hav e qu fa re ta a um os an os uc em po durante um século. Joaquim

Minha

NABUCO

formação

A esta America cofossal... veio a raça negra e deu ao Norte o algodão e ao Sul o café: chegou ás nossas praias barbara, pagã, escrava, e foi o primeiro instrumento da riqueza dos Estados Unidos e do Brazil. Em troca ensinamos-lhe a agricultura e o uso das roupas; instruimo-la nas artes, nas letras, nas sciencias; demos-lhe o nosso Deus e

lhe estamos

agora,

os

nossos

dando

templos;

a liberdade.

SALVADOR DE MENDONÇA Trabalhadores asiaticos (Nova York, 1879).

No

Rio,

Brazil:



uma

constante procura de trabalhadores...

HERBERT H. SMITH the Amazons and the Coast (Nova York, 1879).

S

VESPERA

AS PROVÍNCIAS NA DO ABOLICIONISMO

Em 1879, na véspera de um abolicionismo sem compromissos, o

desequilíbrio que resultara do comércio de escravos interprovincial já estava causando reações que não tardariam a ajudar a destruir a escravatura. Os principais fatores decisivos foram a quantidade ea

“qualidade” dos escravos existentes nas várias províncias € distritos, bem como o grau de conversão para um sistema de trabalho

livre que já se verificara. Nos pontos onde os escravos eram mitos,

= To

valiosos e trabalhando na terra, a escravatura foi defendida com muitos argumentos, mas onde havia poucos e “valendo” muito pouco ou onde eram encontrados tanto nas cozinhas quanto nos campos, as

a escravatura ou começa-

populações tornaram-se indiferentes ante

ram

mesmo

dos como

a opor-se-lhe.

uma

alternativa

Os trabalhadores livres foram

aceitável para

onde os cativos eram poucos e grandes lheres livres já estavam trabalhando na nos lugares onde os escravos ainda eram não tinham oportunidades para observar

os escravos

reconheci-

em

lugares

números de homens e muagricultura. Em contraste, abundantes, os fazendeiros homens livres no trabalho

da terra e sua experiência parecia-lhes reforçar a velha teoria de que

os brasileiros livres não poderiam proporcionar uma força de trabalho regular e de confiança. Na realidade, quando o abolicionismo começou aparecendo e desenvolvendo-se na década de 1880, esta suposta incapacidade dos trabalhadores livres veio a ser um importante argumento pró-escravatura.

O NORTE AS DIFERENÇAS regionais mais importantes eram, naturalmente, as existentes entre os produtores de açúcar e de algodão, ao norte, e os plantadores de café, ao sul. Para os fazendeiros do norte, a abolição significaria, de um modo geral, alguma perda de privilégios e de bens, mas o processo, para eles, já começara há muito. Durante o meio século decorrente entre a abolição do tráfico legal de escravos africanos, em 1831, e o advento do abolicionismo sem compromissos, muitos dos fazendeiros do norte já haviam feito os necessáTios ajustes psicológicos e práticos — incluindo o emprego de trabalhadores livres — que lhes permitiriam aceitar a abolição da escra-

Ea”

vatura com uma paciência filosófica. Conforme já explicamos num capítulo anterior, a escravatura já não era muito importante em várias partes do Brasil quando o recenseamento de 1872 foi realizado, mas igualmente importante como causa do sentimento emancipacionista foi o subsegiiente declínio drástico da população escrava nessas mesmas regiões. Entre 1874 e 1884, segundo estatísticas oficiais, a população escrava nacional diminuiu de um pouco menos de 20 por cento (ver Tabela 10), mas -o índice de declínio, em oito províncias do Nordeste, foi de quase --31-por cento durante o mesmo período e até um pou co mais eleva| ã -do'mo extremo norte e nas províncias do oeste e do extremo sul. am

| ]

Em

contraste,

as populações

escravas

das províncias

do

centro-sul,

incluindo até a cidade do Rio de Janeiro, onde a diminuição foi rápida, declinaram apenas de 9 por cento, com São Paulo e Minas Gerais tendo uma redução que se fixou entre 3 e 4 por cento. De todas as províncias, logicamente, São Paulo, um dos principais centros de importação de escravos antes de 1881, foi a província que melhor conseguiu evitar uma rápida queda da população cativa entre 1874 e 1887 (ver Tabelas 10 e 11, bem como Fig. 3). As estatís-

ticas reunidas pelo governo brasileiro revelam, na realidade, que,

em São Paulo, a população escrava mentar de mais de 8 mil entre 1874 outras províncias, se verificava um ção escrava masculina durante esses

do sexo masculino chegou a aue 1884, enquanto, em todas as declínio substancial da populamesmos anos. (Ver Fig. 6.)

Para chegar a conclusões que os colocariam entre os liberais e

os progressistas, os fazendeiros do norte só teriam de fazer alguns cálculos simples em 1879, o ano em que os membros do norte na Assembléia Geral renovaram o debate parlamentar sobre a escravatura. Muitos dos melhores escravos já haviam sido enviados para o sul e aqueles que tinham ficado estavam envelhecendo e morrendo. O mero fato de inspecionar os habitantes das cabanas dos escravos era reconhecer que no norte a escravatura já quase terminara. Ás crianças de oito anos de idade já eram livres ou viriam a sê-lo dentro

de um prazo que ia de treze a vinte e um

anos, com seus

maiores,

então, estando já muito além de sua plenitude. Uma parte significante do enorme capital investido em escravos já se “desvalorizara”

ou fora convertido em dinheiro ou outras formas de propriedade. Fundos que, antigamente, teriam sido gastos na compra ou manu-

e

tenção de escravos já estavam sendo usados para pagar salários ordenados.

Tanto no norte quanto no sul já se verificava uma séria escassez de mão-de-obra que apressaria o progresso da emancipação, embora

a solução para o problema também fosse diferente de região para região. Enquanto os produtores de café conservavam teimosamente

seus escravos, continuavam comprando os do norte até 1881 e procuravam desesperadamente na Europa e na Ásia uma nova solução

para seu problema de trabalho, os plantadores do norte, menos dotados, atraíam centenas de milhares de brasileiros livres, mas ociosos, para suas fazendas. Incapaz de competir no mercado de escravos local com os ricos fazendeiros do sul, não dispondo de capital e, teoricamente, não contando com um clima atraente para os euro-

peus, já com relativamente poucos escravos ocupados na agricultura,

o fazendeiro do norte, em 1879, podia olhar com esperança razoável

BIBLICTECA

PÚBLICA

RIUNICIPAL

5!

para duas futuras fontes de mão-de-obra agrícola: os ingênuos, quando atingissem a maioridade, já que a maioria deles permanecera, provavelmente, nas suas fazendas de origem como resultado da Lei Rio Branco,

e as centenas de milhares de homens

livres, indigentes

População (milhares) 200

MINAS

GERA IS

ISO

100

SÃO PAULO —



e.

mo em

A

a

SO

O

a

1870

1880

Fíiçura 6. Populações escravas do sexo masculino da Bahia, Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais, 1874, 1884, 1887

é desempregados,

1899

que subsistiam à margem da dominante

de exportação. Esses trabalhadores,

conforme

economia

os fazendeiros

tinham

reconhecido, poderiam ser atraídos para suas plantações, já que, em

+

vs]

"o/a

f:

]

grande parte do litoral nordestino, os homens

livres tinham pouco

acesso a boa terra agrícola na faixa costeira fértil. O fluxo de gente pobre e de antigos escravos poderia ser dirigido para as fazendas e os salários poderiam ser mantidos baixos. 1 Os homens livres pode-

riam ser contratados apenas para a temporada da safra e, depois, no resto do ano, deixados a seu próprio destino. Os salários desses

trabalhadores livres, além do mais, não estariam sujeitos à influên-

cia do mercado de trabalho

do sul, como

o estavam

os preços dos

escravos, mais móveis e negociáveis. Os homens livres não poderiam ser obrigados a viajar para o sul e, assim, eram uma fonte de trabalho potencialmente mais digna de confiança. A libertação dos escravos, na realidade, poderia ser praticamente equivalente a sua estabilização dentro de suas províncias, acabando com a perda em

grande escala de trabalhadores úteis, perda essa que o Nordeste vinha sofrendo há quase trinta anos, embora esta vantagem, para alguns, ainda fosse compensada pela oportunidade que outros tinham de obter bons preços no sul. A atitude de, pelo menos, alguns fazendeiros do norte foi revelada numa petição publicada, em 1877, de lavradores de Sergipe ao governo central. Esta mensagem culpava a Lei Rio Branco e o comércio interprovincial de escravos pela crescente escassez de mão-de-

obra e chamava

a atenção para o fato de que,

num

importante mu-

nicípio produtor de açúcar de Sergipe, a perda de escravos capazes, devido a várias causas, fora de trinta por cento do total de escravos em menos de cinco anos. Com os trabalhadores cativos destina-

dos obviamente a uma rápida extinção, os requerentes manifestavam

sua oposição

à escravatura e sugeriam reformas para que pudessem

atrair a população ociosa. Os homens livres dispostos a trabalhar por

salários ou sob contrato poderiam, por exemplo, ser isentos do serviço militar. “Concessões particulares liberalisadas” poderiam ser oferecidas para atrair trabalhadores, incluindo a concessão de alojamentos confortáveis, um cultivo maior de cereais e de outras safras alimentícias e o estabelecimento de aulas noturnas onde os traba-

lhadores agrícolas pudessem aprender a ler e escrever. “Movidos por

essas vantagens e pela idéia de jornal certo, os proletários

procura-

rão incorporar-se às propriedades rurais e abandonarão os povoados,

ora convertidos em viveiros de ociosidade e de vícios...”2 A men-

sagem de Sergipe foi particularmente significante pelo fato de a es1

Furtado,

do Brasil,Il, p páginas 163-164 ã econômica | Formação

2 Representação da lavoura de Janeiro, 1877).

de Sergipe

aos altos

poderes

do

estado

(Rio

153

cravatura, nessa província, ainda ser forte e vital

com a instituição nas províncias vizinhas.

em comparação

Assim, havia, já então, de um modo geral, um maior desejo do norte do Brasil de ver a escravatura terminar, mas a verdade é que,

dentro dessas vastas regiões, o compromisso também variava. Na província do Maranhão, os escravos eram relativamente numerosos era quase o dobro da branca, * os cidadãos

para com a escravatura no extremo norte, onde e a população de cor influentes mostravam-se

menos inclinados a soltar as rédeas dos sentimentos abolicionistas. Apesar de menos recalcitrantes do que as províncias do centro-sul, Maranhão e até mesmo a província vizinha do Pará jamais representaram um papel importante no esforço abolicionista, com ambas permanecendo grandes regiões de escravos até às vésperas da abolição. Em contraste, as províncias localizadas na corcunda do nordeste brasileiro (nomeadamente o Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba. Pernambuco e até mesmo partes da Bahia) eram exporta do-

ras de um grande número de escravos (ver Tabela 9) e esta vasta e importante parte do país talvez fosse a menos disposta a defender a escravatura. * No norte do Brasil, o abolicionismo encontrou um solo particularmente fértil em duas províncias. O Amazonas, rico em borracha e com poucos escravos pretos, viria a solucionar rapidamente o problema, em 1884, com grande entusiasmo público, já que, nessa província,

obra índia vatura dos grande. A muito era

onde

a maior parte do trabalho era realizada por mão-de-

e cabocla, pouco havia a fazer para acabar com a escrapretos e, por conseguinte, o ímpeto para fazê-lo era província do Ceará, muito pobre devido às secas, já há uma fonte importante de escravos para o mercado do

sul, com este comércio tendo aumentado durante a década de 1870 em consegiiência da seca. Assim, em 1879, o Ceará já estava pronto para ser um centro de agitação, que, durante os pró ximos cinco

anos, viria a inspirar os abolicionistas do país inteiro. Dentro das províncias do norte, é claro, até mesmo no Ceará, havia cer tos fazendeiros e políticos que se opunham tanto à abo lição quanto seus *

a

equivalentes do sul. Falando de um modo geral, contudo, a vontade de resistir, nesta região, era mais fraca e o desejo de ver a escravaé 4

Recenseamento da população, XIX, 1. Algumas das províncias do sul e do oes te,

Paraná e Santa Catarina, encontravam-se numa situ incluindo talvez Goiás ação muito Grande do Sul tinha muitos escravos, mas, du rante suas exportações de escravos excederam até as do Ceará. O abolicionismo tornou-se poderoso, nesse : estado, mas, confor me veremos no Ca ítu | estabeleceu um compromisso com a escravidão. Pítulo 13,

154

tura varrida do Brasil foi notavelmente bem manifestado, apesar do

caráter atrasado das cidades regionais do setor agrícola de suas economias.

e de sua óbvia

dependência

oito anos depois da aprovação da Lei Rio Branco,

Apenas

à

evolução para um sistema de trabalho livre, que fora particularmente rápida em grande parte do norte, criara indícios, nessa região, de um novo sentimento abolicionista. Tanto na Assembléia Geral] quanto na própria região, havia indicações de que muitas pessoas preeminentes e influentes já não estavam satisfeitas com o sistema gradual de libertação estabelecido pela legislação de 1871. No oitavo aniversário da Lei Rio Branco, no meio de uma seca trágica, um pequeno grupo de cidadãos da classe média de Fortaleza, a capital e porto do Ceará, criou uma sociedade emancipacionista, a qual, em pouco mais de um ano, se transformou em poderosa organização

abolicionista. Segundo um viajante americano cujo livro foi publicado em 1879, um forte movimento emancipacionista, apoiado por

cidadãos preeminentes, também surgira em Pernambuco nessa data, um resultado da perda de escravos para as províncias do sul. As lavouras de café da província do Rio de Janeiro, relatou o mesmo autor, eram trabalhadas freqiientemente por trezentos ou quatrocentos escravos, enquanto as plantações de açúcar de Pernambuco e do Pará, por seu lado, só raramente possuíam um quinto desse número. “Agora, notem o resultado”, escreveu ele, como conclusão: No Rio, há uma constante procura de trabalhadores; os escravos não são suficientes; contudo, os trabalhadores livres não podem competir com os forçados; os fazendeiros fazem trabalhar seus pretos como nunca fariam trabalhar suas mulas, mas queixam-se, mesmo assim, de que não têm lucros. Nas províncias do norte, há mão-de-obra livre, suficiente e até demais; os

com

pobres

possibilidade

uma

os bons resultados que

brada se

têm

muito

encontra

melhor

no

e o

neste

seu dinheiro

nível do

mundo;

os

ricos

estão

lhes traz; a sociedade

caráter pessoal

está

muito

satisfeitos

está equili-

acima

do que

sul, 5

Até mesmo um ardente abolicionista poderia encontrar palavras

generosas para o proprietário

de escravos do norte. Em

1880, José

do Patrocínio chamou a atenção para o desequilíbrio que havia entre as províncias do norte e do sul no que se referia à questão da escravatura. O norte, disse ele a um público abolicionista, “muito mais benevolo para o escravo, desfez-se da hedionda mercadoria quanto

poude; os escravos que lhe restam vivem com os senhores em rela6

Herbert

1879),

H.

páginas

Smith,

469-470.

Brazil:

The

Amazons

and

the

Coast

(Nova

York,

155

ções de amizade verdadeiramente patriarchaes”. O sul, por outro lado, “ambicioso, obstinado, aristocratico, barbaro e cruel para o

escravo, embriagado pelo jogo do doria a todo o custo”. O norte enquanto o sul, endividado junto café, não conhecia outro modo vatura. é

AS PROVÍNCIAS

DO

café, foi comprando a fatal mercaera abolicionista, disse Patrocínio, aos bancos e aos comerciantes de de vida que não fosse o da escra-

CAFÉ

Topavia, até mesmo nas regiões do café se encontravam diferentes graus de compromisso para com a escravatura. No Império, como um todo, o movimento antiescravatura era mais forte nas áreas urbanas do que nas rurais, mas, na região do cultivo do café, o choque entre as cidades relativamente sofisticadas e O interior, marcantemente pró-escravatura, foi particularmente amargo. Isto verificou-se, em especial, depois de 1886, quando importantes cidades como São Paulo, o vizinho porto de Santos, Campos na parte leste da província do Rio de Janeiro e a própria capital do Império serviram como centros de agitação, como refúgios para escravos fugitivos e até mesmo como quartéis-generais para os assaltos à escravatura nas áreas rurais vizinhas. A população escrava da cidade do Rio de Janeiro e dos distritos vizinhos era vasta e valiosa, de modo que os defensores do status quo depressa se organizaram quando um S$

Gazeta

da

Tarde,

27

de

dezembro

de

1880.

Pelas

mesmas

os brasileiros das províncias do norte viriam a representar

um

razões

que

papel impor-

tante no movimento abolicionista do seu país, os porto-riquenhos tornaram-se “uma força impulsionadora essencial na abolição espanhola”. A escravatura

jamais criara raízes tão fundas em Porto Rico quanto criara em Cuba. O comércio de escravos para aquela ilha menor terminara em 1835, devido

à impossibilidade dos porto-riquenhos competirem com Cuba no contrabando de escravos, com um comércio de escravos interilhas tendo-se, por conseguinte, desenvolvido. Em 1860, a proporção de escravos para pessoas livres,

em Porto Rico, já era de apenas um para treze, enquanto , em Cuba, era de um para quatro. Tal como os membros do norte das legislaturas brasileiras tendiam mais do que os do Rio de Janeiro para votarem pela emancipação, a maioria dos porto-riquenhos, nas Cortes Espanholas de 18711872, era constituída por emancipacionistas. A legislatura espanhola considerou expediente abolir a escravatura em Porto Rico no ano de 1873 embora

tivesse

sobrevivido

em

Cuba

até

1886.

Ver Corwin, Spain and the Abolition oj Slavery in Cuba, páginas 154-157, 282.2 91; Knight, Slave Society in Cuba, páginas 141, 171, 184-186, 190-192.

É

156

gta

"aca Ta ToR.S

"

movimento abolicionista surgiu na capital em 1880. Apesar de uma forte oposição, contudo, a capital imperial foi o centro do movi-

mento nacional antiescravatura durante oito anos de luta, pois era no Rio de Janeiro que se reuniam os políticos de todas as regiões, que os órgãos

livros e outras

do governo estavam estabelecidos, que os jornais, os

obras de propaganda

dos abolicionistas podiam

ser

publicados mais facilmente e que um amplo e sofisticado público podia manifestar melhor suas opiniões aos detentores da autoridade.

No Brasil, como um todo, conforme Joaquim Nabuco escreveu em 1883, a escravatura era mais forte nos distritos do café das pro-

víncias do centro-sul, ? mas também havia, nessas províncias, vastas áreas em que não existia essa lucrativa safra e onde, por conseguinte, a escravatura já não tinha raízes tão profundas quanto nos distritos do café. Isto era particularmente verdadeiro no que se referia à ampla e populosa província de Minas Gerais, que continha uma pequena zona de café, pró-escravatura, tendo fronteiras com áreas semelhantes das províncias do Rio de Janeiro e de São Paulo, zona essa onde se concentrava uma grande parte da população escrava de Minas Gerais. º Mais para o interior da província, contudo, havia regiões mais pobres, de mineração e de gado, que, tal como o Nordeste, perdera escravos para as regiões do café e continuava a perdê-los durante os últimos anos da escravatura (ver Tabela 12).º

Dentro das fronteiras de Minas Gerais, portanto, o interesse pelo sistema servil variava tanto quanto no Império como um todo — distritos do café defendendo o sistema de trabalho escravo, áreas mais vastas, mas também mais pobres, sem café, demonstrando menos preocupação quanto a sua sobrevivência ou até ansiosas por ver

seu

fim.

Joaquim

Nabuco

tinha plena

consciência das diferentes

atitudes para com a escravatura nas várias regiões da província quan-

do escreveu a respeito da decadência das velhas cidades de mineração e descreveu os distritos do café como “a parte opulenta de Mi-

nas Geraes.” 10 A mesmo

situação também

7

páginas

existia muito nas pro-

víncias de São Paulo e do Rio de Janeiro, onde os municípios do café continuavam atraindo escravos à custa dos municípios onde não

$

Nabuco,

O

Abolicionismo,

218-219.

Para as populações escravas dos municípios de Minas

s

Gerais, ver Recen-

Seamento da população. IX (2), 1074-1078. 9 YViotti da Costa, Da senzala à colônia, páginas 60-62. No final da década de 1860, Richard Burton escreveu que a maioria dos escravos de São João dEl-Rei, Minas Gerais, tinham sido “vendidos para os distritos agrícolas do

go de Janeiro, que ainda precisam de mais”. » 115. IO Nabuco, O Abolicionismo, página 154.

Ver

seu livro

Explorations,

157

havia café, bem como das regiões fora dessas províncias! (ver Tabelas 13, 14 e 15). Até mesmo nos distritos do café, conforme certos historiadores indicaram recentemente, havia atitudes diferentes para com a escravatura, diferenças essas causadas por diferentes níveis de desenvolvimento e prosperidade. A economia do café da província do Rio de Janeiro já estava declinando em 1879. Seus fazendeiros ainda possuíam muitos e valiosos escravos jovens e três quartos dos cativos da província dedicavam-se ao trabalho agrícola. 12 Todavia, as terras da província já não podiam produzir a riqueza dos anos anteriores. Profundamente endividada, ameaçada com a ruína pela nova onda de abolicionismo, com cenas de agitação a apenas alguns quilômetros de distância, na capital imperial, sua resistência viria a ser do tipo mais amargo. A economia do café da província de São Paulo, por outro lado, expandia-se para novas áreas e a província, como um todo, beneficiava-se de uma alta econômica. Para os fazendeiros de São Paulo, a abolição poderia significar prejuízos financeiros, mas, no final, os paulistas — particularmente os das zonas do norte da província que ainda se estavam desenvolvendo — mostraram-se mais flexíveis pelo fato de estarem navegando numa onda de prosperidade e por disporem dos meios para solucionar seus problemas. Ricos e otimistas, estavam melhor preparados para se defenderem da pressão abolicionista, para tomarem medidas bem sucedidas na solução do problema da mão-de-obra e, depois, quando dominados pelo inesperado sucesso dos métodos abolicionistas extralegais, em 1887, para se voltarem e se moverem em harmonia com o movimento de libertação, apesar da existência de muitos escravos nas suas fazendas. Tanto antes quanto depois de meados de 1887, quando o sistema escravocrata se desmoronou subitamente em São Paulo, com a fuga em massa dos escravos, os fazendeiros paulistas agiram para proteger seus

interesses econômicos.

Antes

dessa data,

seu apoio

determinado

à

escravatura baseava-se em grandes róis de escravos, em elevados lucros de investimentos em escravos e o receio de uma escassez de tra-

balhadores agrícolas para limpar

e semear

novas terras e, depois,

l Samuel Harman Lowrie, “O elemento negro na população de São Paulo”, Revista do Arquivo Municipal, Vol. XLVIII (São Paulo, 1938), páginas 11-15. 12 Dos 276.195 escravos registrados na província do Rio de Janeiro em junho de 1881, 117.251 tinham de dez a vinte e um anos de idade, 149.099 tinham de vinte e um a sessenta anos e 9.845 foram registrados como tendo mais de sessenta anos. Do total, 203.037 dedicavam-se ao trabalho agrícola. South American Journal, 16 de março de 1882.

158

para a colheita das safras. Depois dessa data, como se tornará rente,

os escravocratas

paulistas

voltaram-se

temerariamente

apa-

para

o

emancipacionismo, tendo o objetivo manifesto de proteger seus interesses econômicos em perigo e de restaurar a estabilidade de sua

sociedade. Quando a década

abolicionista teve seu início, contudo, os fa-

zendeiros paulistas e os seus vizinhos das províncias do Rio de Ja-

neiro e de Minas Gerais estavam particularmente determinados a manter a escravatura por ainda muitos anos, talvez mesmo por mais

trinta anos. Seus trabalhadores cativos eram, em parte, gente de pri-

meira escolha, do norte, cuja importação durante a década de 1870,

segundo as palavras de um observador britânico, “correspondera com a gradual extensão de novas lavouras de café e com o aumento das exportações do café.” Como classe, os escravos das províncias do

café eram “robustos e saudáveis”, afirmou o mesmo autor, acrescentando algumas explicações: Os escravos trazidos da África eram jovens, de um modo geral. A maioria dos africanos que vemos foram trazidos quando eram jovens de 12 a I8 anos de idade. Os bandos de escravos trazidos das províncias do norte para o sul também eram jovens. Os negociantes só compravam aqueles que pudessem vender pelo melhor preço aos fazendeiros de São Paulo e do Rio de Janeiro. O comprador tinha de calcular na sua própria mente quantos anos de trabalho obteria do preto antes de se decidir a comprá-lo. Olhando para

um grupo de com a grande

escravos trabalhando numa lavoura de café, ficamos surpresos proporção de jovens e de pessoas de aspecto forte que vemos

entre eles. Se me perguntassem qual seria o número médio de anos de trabalho que se poderia obter dos grupos que vi trabalhando nas fazendas de café... eu não me enganaria se calculasse trinta anos como o tempo médio

de

trabalho. 18

Havia vários níveis de sucesso econômico

entre os plantadores

das províncias do café que, de certo modo, justificavam reações diferentes, de distrito para distrito, ao desafio do abolicionismo. No seu importante estudo da capital da província de São Paulo, Richard M. Morse declarou que, à medida que o cultivo do café se espalhava

por novas áreas da província de São Paulo depois de meados do século, os novos fazendeiros — ao contrário dos do Vale do Paraíba — lam-se inclinando cada vez mais para rejeitar a escravatura e para preferirem a imigração como a melhor solução para suas necessida-

des de mão-de-obra. O fim do tráfico de escravos africanos, explicou ele, teria tornado “ilusório” o sistema tradicional, embora tenha 13 A, Scott Blacklaw, “Slavery in Brazil”, de julho de 1882.

South

American

Journal,

6 e 20

159

afirmado, mais tarde, que as primeiras experiências imigracionistas fracassaram no que se refere a proporcionarem uma força de trabalho alternativa e que “à medida que o centro de gravidade econômica do Brasil se desviava para o sul, na direção das zonas paulistas do café, milhares de escravos iam sendo transferidos, a preços exor-

bitantes, de Minas Gerais e do norte do país”, dobrando a população escrava provincial de 80 mil entre 1866 e 1873, 14 Richard Graham

também atribuiu aos novos “empresários

agTi-

colas” de São Paulo uma tendência para rejeitarem o passado senhorial, juntamente com a escravatura. Os novos fazendeiros, escreveu Graham, “demonstraram seu espírito inovador, adotando uma nova

safra, usando novas técnicas para processá-la, exigindo uma fonte de mão-de-obra mais abundante e flexível do que poderia ser proporcionada por escravos e acolhendo entusiasticamente as estradas de ferro, as quais, em muitos casos, eles próprios construfam.” Juntamente com os modernos urbanistas e industriais, os novos fazendeiros paulistas, afirmou esse autor, foram um importante fator na eliminação

do sistema escravocrata. Tanto Morse quanto

Graham

atri-

buíram o alegado progressismo dos novos fazendeiros paulistas a tendências burguesas adquiridas como um resultado de suas origens e de sua chegada tardia à cena econômica, defendendo esta explicação com o argumento de que os novos fazendeiros compreendiam que a escravatura constituía um obstáculo à imigração de europeus em grande escala, imigração essa que era necessária para substituir uma população escrava já inadequada. 15 Existem inúmeras provas que revelam, contudo, que os novos fazendeiros de São Paulo, muitos dos quais eram, de fato, ricos migrantes das mais antigas regiões de cultivo do café das províncias de Rio de Janeiro, de Minas Gerais e até mesmo do Nordeste, adotaram predominantemente a escravatura como solução imediata para

suas necessidades de mão-de-obra, em vez de se voltarem imediatamente para o trabalho livre, não havendo razão para acreditar que o fizeram relutante ou involuntariamente ou, ainda, com muita es1

15

Morse,

Graham,

From

Community

Britain

and

the

to Metropolis, Onset,

páginas

páginas 31,

114-115,

161-162.

146.

Para

E

opiniões

semelhantes, ver Viotti da Costa, Da senzala à Colônia, passim; Warren Dean, The Industrialization of São Paulo, 1880-1945 (Austin, Texas, 1969), páginas 35-36, 41; Beiguelman, 4 formação do povo, páginas 52-53: Eugene D. Genovese, The World the Slaveholders Made (Nova York, 1969), pági-

nas 81-88; Robert Brent Toplin, “The Movement for the Abolition of Slavery im Brazil” (disse páginas

160

26-30,

rtação para 100.

a tese de filosofia, Universidade

Rutgers,

1968),

perança de que houvesse, de fato, qualquer outra solução. !º O fluxo de escravos para a província de São Paulo continuou até bem depois

de ser iniciado o período em que o cultivo do café se estendeu para as novas áreas do norte e do oeste da província e, na realidade, foi

exatamente nessas zonas que o aumento da população escrava sc tornou particularmente notável durante as últimas décadas da escravatura, face a um rápido declínio nacional da população escrava. *” especial as estatísticas

14 e 15, em

(Ver Tabelas

referentes à Casa

Branca, Descalvado, São Carlos, Pirassinunga e Amparo.) No novo e ainda pouco explorado norte e oeste paulista, escreveu Samuel

Lowrie, “operavam

resses econômicos

no sentido da manutenção

inte-

mais poderosos que os de qualquer outra região”.

da escravatura para as várias partes da pro-

importância

A relativa

da escravatura,

víncia, acrescentou ele, era o resultado de condições econômicas regionais durante o último quarto do século xrx: “...decadência no

litoral: relativa estabilidade no Norte e no Centro; e desenvolvimento

rápido na zona Mogiana-Paulista. Sob a influência destas condições econômicas, foram os escravos transferidos das zonas menos progressistas para as mais prósperas.” 18

Os fazendeiros e seus representantes explicaram este acúmulo tardio de escravos, que afetou todas as principais zonas de café da província, em detrimento das regiões costeiras, mais pobres, afirmando que a rentabilidade da escravatura na produção do café ainda continuava. Mesmo se a escravatura legal fosse limitada a três anos, disse um membro da Câmara dos Deputados em 1880, “ainda compraremos escravos a dois contos de reis”, já que um escravo produtor de café pagava seu preço de compra em apenas dois anos. *?

Afirmando que metade ou até mais dos escravos nas províncias de Minas Gerais e 1871, Prudente a receita anual em 300 mil-reis 16

Dean,

de São Paulo haviam sido comprados do norte desde de Morais, futuro Presidente da República, colocou do trabalho de um escravo nas províncias do café em 1885. 2º A situação dos municípios paulistas do

Industrialization,

The

página

39.

Segundo

um

observador

ameri-

as do cano, o elevado preço do café, “tentou muitos fazendeiros das provínci norte a venderem ou levarem seus escravos para a região produtora de

café...” Carta de Partridge

a Fish, Rio de Janeiro, 21

Papers Related to the Foreign Relations de 1876, páginas 26-27.

of the United

17

Lowrie, O elemento negro, páginas 13-15.

19 20

Gazeta da Tarde, 11 de setembro de 1880. Annaes da Câmara (1885), I, 254-255. Na mesma

18

Ibid., página

presidente,

haviam sido

de maio de 1876,

States,

1 de dezembro

15.

Campos

Sales,

concordou em

que “com

importados das províncias do norte.

ocasião, outro futuro

certeza,

mais

de

metade”

161

norte na véspera da abolição é ilustrada pelo exemplo de Mogimirim.

No final de 1886,

esse município continha setenta e quatro planta-

ções produzindo 55 mil sacas de café. O trabalho nas fazendas era quase todo realizado por 3 mil escravos, não havendo mais de 800

trabalhadores livres no município. 2! “Havendo o recurso do escravo”, como Martinho Prado Jr. disse em 1884, os plantadores de café de São Paulo mostraram pouco interesse em usar trablhadores na-

cionais livres. ?º Em

1886, os fazendeiros do

município paulista de

Limeira ainda foram vistos oferecer a enorme quantia de 1.600 mil-

reis (então, o equivalente de 160 libras esterlinas) por um só escravo. 28 A hora era tardia para a escravatura, mas uma tal especulação não surpreenderia os negociantes de café de Santos ou do Rio de Janeiro, que sabiam que os fazendeiros, com sua pouca confiança nos trabalhadores livres, podiam antecipar razoavelmente uma rica compensação de escravos usados no cultivo do café, uma receita que, de outro modo, se poderia perder inteiramente. Ironicamente, como a escravatura já estava moribunda na década de 1880 devido à ameaça abolicionista, os escravos, como um investimento a curto prazo, poderão ter constituído uma atração fora do comum para os fazendeiros, já que o tumulto antiescravista reduzira os preços dos escravos sem reduzir sua capacidade produtiva. 2* Se é verdade, conforme afirmou o historiador econômico brasileiro, Roberto sen, que um “bom escravo masculino” podia produzir vinte sacas de café por ano, % e sendo também verdade, como Afonso de E. Taunay, que o preço médio de uma saca de 1886/87 era de 308770 (ver Tabela 26), o escravo comprado

Simone cinco afirmou café em em São

21 South American Journal, 27 de novembro de 1886. 22 Martinho Prado, Jr., Circular de Prado J unior, candidato republicano á Assembleia Geral pelo 9.º districto da Provincia de S. Paulo (São Paulo, 1884), página 14. South American Journal, 1 de maio de 1886. Em 1882, a vasta quantia

de 500 mil-reis foi oferecida por um fazendeiro de Tietê, São Paulo, para o regresso de um fugitivo do sexo masculino. Ver Pires de Almeida, “Tietê”, página 50. 2º A situação oposta existira nos Estados Unidos antes da Guerra Civil assim, a rentabilidade a curto prazo dos escravos era, evidentemente, muitoe,

menos elevada.

Os preços dos escravos nos Estados Unidos eram determinados,

25

“Aspectos

é claro, com base na receita imediata que eles produziam, mas também pelas perspectivas a longo prazo, incluindo o potencial repro dutor das mulheres. Ver Fogel e Engerman, “The Economics of Slave ry”, página 328; Conrad e Meyer, “The Economics of Slavery in the Ante-Bellum South, páginas 342-361.

162

Simonsen,

da

história

econômica

do café”,

página

267.

que é caf ir duz pro a eri pod 000 00$ 1:6 por 6 188 de cio Paulo no iní valesse 7698250 no primeiro ano e, provavelmente, teria ganho para raesc a tem sis do es ant l cia ini to cus seu do te par nde seu senhor gra

7. 188 de dos mea em e r-s ona mor des a r ça me co ta lis pau vocrata contudo,

a escravatura

tivesse

sobrevivido

mais

treze anos,

Se,

confor-

ter a eri pod ano se nes ido uir adq o rav esc um 6, 188 em ra era me se esp mCo o. açã ert lib sua de es ant es vez ias vár l cia ini to cus seu ido duz pro prar um escravo, no Brasil, em 1886, era reconhecidamente um ato imprudente, mas não era, por certo, inteiramente desrazoável. A distinção entre a antiga e a nova agricultura de São Paulo é válida, mas a verdade é que nem a situação especial dos novos fazendeiros, nem sua alegada tendência para rejeitar o passado foram

s -lo edi imp a ou es coc pre as ist ion lic abo em los têver con a de mol de

de comprarem mais escravos. 2º Conforme veremos mais adiante, circunstâncias muito diferentes — especificamente, a falta de constra a ram vie — os rav esc os pri pró s seu de de ida til hos a e ão raç ope formá-los em emancipacionistas. Tal como seus antecessores nas Tesiões agrícolas brasileiras mais antigas, trabalhavam suas fazendas sibra air atr de e dad ili sib pos sua de m va da vi du , tos pre os rav esc com leiros e europeus livres e, como os proprietários em qualquer lugar, defendiam seus investimentos quando estes eram atacados. Para compreendermos o papel de São Paulo na década abolicionista, teremos de distinguir, como fez Nabuco, entre a capacidade dos fazendeiros e sua disposição para tal, no que se referia a adotar um

novo

sistema de mão-de-obra. 27 Para medirmos

sua posição re-

lativa na questão da escravatura, as atitudes dos fazendeiros paulistas nas diversas partes da província têm de ser comparadas não só com as de outros produtores de café, mas também com as de brasileiros representativos da totalidade da nação. A conversão paulista ao emancipacionismo veio tarde e foi motivada não por seu desejo de libertar os pretos ou de abrir caminho para europeus, mas sim,

paradoxalmente, 28 27

que

para poderem

manter

seus escravos no trabalho

pd 146. ina pág s, oli róp Met to y it un mm Co m Fro se, Mor Ver uação sit a num se amrav ont enc lo Pau São de Os fazendeiros da província Paraíba, mais flexíveis do que os do Vale do lhes

permitia

serem

to uma gas ham tin tas lis pau os eir end faz es Ess 3. escreveu Nabuco em 188 sua província e te nor do os rav esc de pra com grande parte de seu capital na ltura, conforme icu agr sua o, tud Con . ata ocr rav esc era o baluarte do sistema cravatura

Nabuco

indicou com

notável perspicácia, não dependia

tanto da

es

das fazendas da vi di en o it mu as to an qu cia vên no que se referia a sua sol Paulo, além do São ; ais Ger s na Mi de e o eir Jan de Rio das províncias do pagar trabaa par l ita cap o e us ope eur air atr a par mais, possuía o clima 154-155. s na gi pá o, sm ni io ic ol Ab O r Ve . res liv lhadores

163

numa situação de emergência, mesmo se num status alterado. A imigração européia, além do mais, foi menos uma causa de sua sú-

bita mudança para o emancipacionismo em 1887 do que uma

feliz

e tardia solução para seu problema de mão-de-obra. Apesar de vários esquemas de imigração terem sido, finalmente, iniciados vigorosamente em 1885 e 1886, tendo começado a fornecer grandes con-

tingentes de trabalhadores

agrícolas

europeus

em

1887,

antes dessa

data os esforços em favor da imigração haviam sido débeis e quase

inteiramente mal sucedidos. Com início na década de 1830, muitas tentativas haviam sido realizadas para atrair europeus e alguns, na realidade, já tinham vindo para o Brasil. Todavia, o recenseamento de 1872 colocou a população de São Paulo nascida no estrange iro em apenas 29.622, dos quais 15.227 eram africanos (mais de 13 mil ainda escravizados) e 1.132 eram italianos. 2º Em 1884, o número de colonizadores usados nas fazendas do café da província de São Paulo ainda eram calculados em apenas mil famílias. 2º Como resultado de muitos fracassos anteriores, os fazendeiros de São Paulo, até bem depois de iniciada a década abolicionista, tinham pouca fé nos europeus ou em brasileiros livres como substitutos para seus escravos. Em 1879, Antônio Moreira de Barros, de São Paulo, num apelo por trabalhadores chineses, negou que os europeus pudessem ser convencidos a trabalharem ao lado de escravos nas fazenda s do café. 3º O Senador Joaquim de Godoy, de São Paulo, enviou um questionário, referente ao futuro da mão-de-obra, aos municípios

paulistas em 1884. As respostas indicaram que as atitudes para com a escravatura e a imigração pouco divergiam nas várias partes da província. A maioria das câmaras municipais que responderam reJeitou a libertação sem indenização de escravos com mais de sessenta anos de idade (o que se encontrava, então, sob consideração pela legislatura brasileira) e favoreciam leis, na. sua maioria, para forçar Os antigos escravos e os brasileiros livres desempregados a trabalharem nas plantações de café. Não tes

europeus,

embora

uma

se verificaram pedidos de imigran-

câmara

municipal,

pelo

menos,

tivesse

pedido trabalhadores chineses. Sem ele próprio ter feito qualquer referência aos europeus, o Senador Godoy afirmou na sua mensa-

gem aos municípios que a única solução imediata para o problema

do trabalho na província de São Paulo era o trabalhador brasileiro, que ainda não se conseguira acomodar “ante o estado mental dos 28

29 30

164

Recenseamento

da

população,

XIX,

Van Delden Laéme, Brazil and Ja 430, 434, va. página 139. Ibid., páginas 141; Evanson, “The Liberal Party”, página

163.

razendeiros que entendem ser só Oo serviço escravo o unico productivo.” *! Assim, na véspera da luta abolicionista final, as elites das províncias de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais tinham um interesse maior na sobrevivência da escravatura do que a maioria dos outros fazendeiros brasileiros no resto da nação. “No cultivo do café”, escreveu um correspondente do jornal The London Times em Jundiaí, São Paulo, em 1883, “estão empregados cerca de 500 mil escravos, que, neste trabalho, valem pelo menos 120 libras esterlinas

por cabeça, isto é, um total de 60 milhões de libras...” * Em

con-

traste, grande parte do resto do Brasil já avançara muito no sentido de uma transformação completa de um, sistema de escravos para um sistema de trabalhadores livres, com a motivação econômica para manter a escravatura já tendo sido, portanto, grandemente afastada. Um certo ressentimento acumulara-se, por certo, nas províncias do norte, além do mais, devido à perda de escravos para o sul

e esta migração pode perfeitamente ter ajudado a motivar as perturbações antiescravatura de 1879. Nas zonas do café, por outro lado, os escravos ainda eram a principal fonte de trabalho nas fazendas e o capital ainda fluía para investimentos em escravos. A imigração — tanto chinesa quanto

européia —

fora

mal sucedida em proporcionar uma força traba-

lhista alternativa e os brasileiros marginais e vagabundos ainda eram

considerados impossíveis de usar. Confiando nas garantias contidas na Lei Rio Branco e continuando a agir na forma tradicional e aceita, os plantadores de café pouco tinham feito para mudar para um sistema de trabalho livre; a maioria, por conseguinte,

encontra-

va-se inteiramente despreparada para aceitar as importações do novo

movimento de reforma da década de 1880.

81

82

Godoy, O elemento servil, páginas 57-198. South

American Journal,

16 de agosto

de

1883.

1óS

Não há nada mais difícil do que avaliar a importância relativa dos diversos fatores de um movimento se torna nacional. O último dos apóstolos pode vir a ser o primeiro, como São Paulo, Tudo em serviços e proselitismo. na abolição prende-se, não se pode escrever-lhe a história suprimindo qualquer dos seus elos.

que

JOAQUIM NABUCO Minha formação

9

O MOVIMENTO ABOLICIONISTA: PRIMEIRA FASE, ABOLICIONISMO

DO

OS INÍCIOS

Não É de estranhar que tenha sido um representante de uma província do Nordeste que renovou o debate abolicionista na Assembléia Geral

em

1879

e que a primeira

reação negativa tenha

vindo

de um deputado representando São Paulo. Tanto os historiadores quanto os participantes contemporâneos na campanha abolicionista estão de acordo em afirmar que um discurso pelo deputado Jerony-

mo Sodré, preparado antecipadamente na Bahia e proferido em 5 de março de 1879 na Câmara dos Deputados, foi a faísca que infla-

a isca. 1 Para surpresa de seus colegas legisladores, Sodré

mou

Nabuco,

1

Joaquim

A

escravidão,

seca,

166

4

escravidão,

Minha formação

o clero e

página

169.

o

(São

Paulo,

abolicionismo,

1947),

páginas

página

18-19:

,

de-

170: Fon-

Dornas Filho

,

nunciou a Lei Rio Branco como

sendo uma reforma vergonhosa e

mutilada. A sociedade brasileira, declarou ele, encontrava-se sobre um vulcão. Os liberais brasileiros eram obrigados a ir além do trabalho dos conservadores, a declarar à nação que todos os brasileiros eram cidadãos, que todos eram livres. Depois de uma explosão não parlamentar de comentários e comoção, Sodré concluiu seu discurso histórico com um apelo para a extinção total e rápida da escravatura. 2 Na sua apressada resposta a Sodré, Martim Francisco Ribeiro de Andrada, de São Paulo, não só defendeu a escravatura, mas também insinuou que os interesses do café preferiram desmembrar o Império a ver o sistema de trabalho destruído por uma

legislatura dominada pelos deputados de outras regiões. “Nós, os representantes das províncias do sul do Império, disse este paúlista,

neto do líder da Independência, José Bonifácio de Andrada e Silva, apreciamos a integridade deste vasto paiz, mas não tanto que, para conserval-a, queiramos tolerar a liquidação geral das fortunas e a destruição violenta da propriedade escrava, para que tanto têm concorrido as grandes remessas, que nos têm feito as províncias do norte, de escravos, que nos vendem por avultada somma.”8 Joaquim Nabuco, eleito para a Câmara em 1878, por Pernambuco, depressa revelou uma inclinação para seguir o exemplo de Sodré. ! Em agosto e setembro, em dois discursos, Nabuco acusou a empresa britânica São João d'El-Rei Mining Company, de Minas Gerais, de manter duzentas pessoas em escravidão ilegal havia já vinte anos. º Num brilhante discurso proferido em outubro, Nabuco juntou-se

a Sodré,

exigindo

2 àAnnaes da Camara (1879), de 1850, Sodré fora membro da fundada na Bahia em 1852 por libertar escravos. Ver Fonseca,

páginas 245-246. 8 Citado por Evanson,

uma

nova

legislação

para

substituir

III, 194-195. Quando estudante, na década “Sociedade 2 de Julho”, emancipacionista, estudantes da Faculdade de Medicina para 4 escravidão, o clero e o abolicionismo,

“The Liberal Party”, página 228; Evanson interpretou

razoavelmente as palavras de Martim Francisco como constituindo primeiros exemplos do moderno separatismo paulista.” ao

4

Carta de Nabuco

a

“um

dos

ao Barão de Penedo, Palmeiras, 22 de janeiro de 1879;

O mesmo para o mesmo, Rio de Janeiro, 8 de maio de 1879, in Nabuco, Cartas a amigos, I, 30-31. 6 Rio News, 15 de outubro de 1879; Annaes da Camara (1879), V, 256-257.

Em

outubro,

um juiz

de Rio

das

Velhas, Minas Gerais,

pessoas mantidas como escravos pela companhia

decidiu

que as

britânica eram legalmente

livres desde 1860 e tinham direito a salários, mas os últimos 28 escravos da companhia só foram libertados em junho de 1882. Rio News, 5 de novembro

de

1879;

South American

Journal,

3

de

agosto

de

1882.

167

lei que seu pai defendera tão fortemente apenas uma década antes 2 ta . + e lei essa que, na opinião do jovem Nabuco, já não correspondia às aspirações da nação. Dentro da própria Câmara, afirmou ele, uma nova força abolicionista crescia, principalmente entre membros do Partido Liberal. 8 Em contraste com as idéias de Nabuco e de alguns de seus colegas do norte, ? Martim Francisco defendeu uma vez mais o status

quo. A escravatura, disse ele numa resposta ao discurso de Nabuco, era um fato constituído e não poderia ser abolido rapidamente. Rotulando as opiniões do jovem Nabuco de “exageradamente radi-

caes”, pediu-lhe que evitasse colocar seus “belos dotes oratórios de que goza ao serviço de uma causa que pode prejudicar e muito a nossa pátria.” 8 Sendo ambos descendentes de notáveis estadistas brasileiros que haviam lutado antes pela reforma da escravatura, ambos filhos de famílias liberais tradicionais, Martim Francisco e Joaquim Nabuco pareciam resumir, nesse momento, as diferenças regionais sobre a questão da escravatura que haviam, de novo, emergido abertamente.

A sessão legislativa de 1879 pouco mais produziu, na escravatura, do que meras escaramuças, mas a sessão

da

questão do ano

seguinte coincidiu com uma onda de abolicionismo popular. Em abril, o público já fora informado de que Nabuco tencionava propor legislação para acabar com a escravatura no final dessa mesma década. * O projeto que ele apresentaria não seria transformado imediatamente em lei, foi sua previsão numa carta à Sociedade Britânica e Estrangeira Anti-Escravista, mas seria proposta em cada sessão legislativa “numa câmara liberal por mim próprio e alguns de meus amigos e, numa câmara conservadora, por algum abolicionista con6

Annaes

da

Camara

7 Carolina Nabuco, 1958) páginas 82-83.

(1879),

V,

311.

4 Vida de Joaquim Nabuco (4.º edição, São Paulo, Dornas Filho e Carolina Nabuco apontaram um total

de onze deputados na Câmara, em escravatura:

um

zonas e Bahia; era o único da

cada do Maranhão,

1879-1881, Sergipe

que apoiavam a reforma da

e Paraíba; dois cada

do Ama-

três de Pernambuco. Correia Rabello, de Minas Gerais, lista que representava uma província do café. Ver ibid,

página 92, e Dornas Filho, 4 8 Annaes da Câmara (1879),

escravidão, página V, 312-313.

169.

? Nabuco poderá ter sido motivado pela passagem de uma lei para acabar com a escravatura em Cuba. Em vez de indenização, esta lei espanhola obrigava os antigos escravos a viverem oito anos de patronato sob seus antigos donos, mas até mesmo esta extensão do trabalho forçado foi abolida por

um

Abolition

decreto

real

of Slavery

em

Cuba, páginas 177-178. 168

in

7

de outubro

Cuba,

páginas

de

1886.

301-305;

Ver

Corwin,

Knight,

Spain

Slave

and

Society

the

in

servador preeminente, como o Sr. Gusmão Lobo” de Pernambuco na Assembléia Conservadora de

mais votos todos por passar. *º

os anos,

Nesse mesmo

mês

afirmou

Nabuco,

— um deputado 1878. Ganhando

a legislação

acabaria

(abril de 1880), um antigo farmacêutico que

se fizera jornalista elogiou Nabuco numa num jornal do Rio, a Gazeta de Noticias. darte do abolicionismo, escreveu José do carreira política no seu sucesso e propusera

que a Assembléia, contudo,

série de artigos semanais Nabuco erguera o estanPatrocínio, apostara sua uma reforma moderada,

recebera com indiferença. 11

Pouco depois disso, cidadãos que eram antiescravatura começaram organizando clubes para agirem contra a instituição e tornarem seus sentimentos conhecidos. No final de maio, uma sociedade para a libertação de escravos foi inaugurada na Escola Militar do Rio. 12 Em 25 de julho, a Escola Normal patrocinou uma “conferência abolicionista”, a primeira de uma série de reuniões semanais aos domingos. Esta primeira reunião foi abrilhantada por um discurso proferido por um Vicente de Souza e os participantes contribuíram com um total de 160 mil-reis para o pecúlio (o fundo pessoal de libertação) de um escravo crioulo chamado José. Na segunda reunião, na semana seguinte, a pedido do compositor Carlos Gomes, foi marcada outra coleta para benefício de sua escrava, Margarida, que servira como ama de leite do filho do compositor na Bahia. A terceira conferência, organizada no Teatro São Luiz, atraiu alegadamente quase 700 pessoas, mas produziu contribuições que somavam apenas um pouco mais de 84 mil reis. Estas reuniões continuaram regularmente e, na reunião de 5 de setembro, entretenimento musical foi acrescentado ao programa como uma característica permanente. Antes do final de agosto, a Associação Central Emancipadora, que depressa viria a ser dominada pelo vigoroso e atraente jornalis-

ta José do Patrocínio, já fora organizada, no Rio de Janeiro, para sistematizar o movimento abolicionista na totalidade do país. 18 Com um movimento antiescravatura desenvolvendo-se, assim, de um modo quase espontâneo na capital, devido, aparentemente, às iniciativas de Sodré e Nabuco, este deputado levou de novo a questão à Assembléia Geral, embora a sessão de 1880 já estivesse

10

Rio

News,

24

de

abril

de

1880.

Gazeta de Noticias, 26 de abril de 1880. Rio News, 5 de junho de 1850. Boletim 18 Assueiinião Central Emancipadora. 0. 1880: Gazeta da Tarde, 21 de agosto de 188 11 12

N.º

2,

28

de

outubro

de

169

próxima

de seu final. Em

24

de agosto,

Nabuco

pediu

à Câmara

corrente.

Trinta

que concedesse urgência a um projeto emancipacionista de sua criação a fim de possibilitar

ação

durante

a sessão

e

oito membros da Câmara aceitaram permitir discussão imediata, mas, sob pressão de representantes dissidentes, o Presidente do Con-

selho ameaçou demitir-se se o projeto fosse discutido e as sessões da Câmara, assim, foram suspensas por vários dias. 14 Esse projeto, que tanto perturbou os processos normais da Càmara, constituía um forte ataque à escravatura, tendo por objetivo

escravos, em todas as cidades e vilas, com os proprietários sendo obrigados a enviar todos seus escravos e ingênuos para as escolas a fim de que adquirissem um conhecimento da leitura, da escrita e dos “principios de moralidade”. Entre as várias provisões do projeto de Nabuco

havia

uma

que

proibia

o uso

de

ferros

e correntes,

bem

qualquer forma de castigo corporal. 2º Irritado pela demora da legislatura e a Óbvia decisão do gabinete liberal de deixar as coisas como estavam, Nabuco pediu ao ministério, em 30 de agosto, que manifestasse uma opinião sobre o suposto aparecimento de um movimento separatista nas províncias do sul, provocado pelo abolicionismo do norte. Causando uma reação ruidosa entre o público e os deputados, Nabuco declarou, então, sua independência política, tendo previsto o triunfo de sua causa:

como

14

18

170

Annaes

O

da

Camara

Abolicionista,

(1880), ar

IV,

1 de janeiro

366:

“Slavery i Il”, e 1 de fevereiro de 188 fa es Blacklaw,

e

os

RE

para

RES

período de dois anos. O ensino primário seria estabelecido,

>>

escravos de uma província para outra seriam castigadas ao abrigo da lei antitráfico de escravos de 7 de novembro de 1831 (ver Capítulo 2). As associações organizadas para emancipar cativos receberiam terras, segundo o projeto de Nabuco, para o estabelecimento de colônias para o benefício dos libertos. As mães deixariam de ser separadas de seus filhos com o fim de serem alugadas como amasde-leite, como criadas ou para qualquer outro propósito. Muitos escravos teriam sido libertados imediatamente, segundo esse projeto, incluindo os velhos, os cegos, os doentes incuráveis e todos aqueles nascidos na África, fosse qual fosse a data de sua importação. Os irmãos mais velhos dos ingênuos seriam libertados dentro de um

————

abolir a instituição até o final da década de 1880, com indenização total para os donos dos escravos ainda existentes. A compra e venda de cativos teria cessado imediatamente, acabando, desse modo, com o comércio entre as províncias. Os mercados de escravos de todos os tipos teriam sido fechados e as pessoas encontradas transportando

Na

questão

da

emancipação...

na

convicção

de

que

é preciso

caminhar

te, não só ne bi ga do só o nã a ri ra pa se me eu além da lei de 28 de setembro, do paiz, l ra ge o çã ra pi ns co da e a ic bl pu o iã do partido liberal, não só da opin dos. to de e do tu de mas

— m ué ng ni is po , ele eu et om pr , Faria uma aliança com o futuro poderia

nem mesmo o Presidente do

evitar a abolição. Até mesmo

Conselho, nem o gabinete —

ra de en re mp co já r do ra pe Im o ri óp pr O

io me e ão lh mi um a e ad rd be li a er ed que era chegada a hora de conc

de escravos. !º o h n i t r a M de z, ve a st de , io ve o c u A resposta ao discurso de Nab e qu e, nt me ca an fr o it mu , ou ar cl de Campos, de Minas Gerais, que acl de eu is Po (“ a” at cr vo ra sc “e de aceitava para si mesmo O rótulo an em r se r de po de a un rt fo a o nh te o nã ro muito intencionalmente, io nas

ár ss ce ne a er o av cr es ho al ab tr O e qu cipador”). Afirmando Na de s ta os op pr as u io nc nu de os fazendas do café, Martinho Camp de o, tã en o, ad it je re foi ia nc gê ur de do di buco como inviáveis e o pe des do ze or at Qu s. do ta pu de e set e a nt te se r um modo esmagador po ín ov pr de am er co bu Na de do di pe O zoito deputados que apoiaram cias do norte, sete deles de Pernambuco. o tian s go ti ar r ta en sc re ac ou nt te co bu Na e, rd ta is Cinco dias ma ir ol ab ra pa s da di me o nd ui cl in o, nt me ça or do o escravistas ao projet s ai on gi re os nd fu r ia cr ra pa e os av cr es de l ia nc vi ro rp o comércio inte . os av cr es ar rt be li de o it ós op pr o ra pa e) ad ed pi de caridade (caixas de de ô av so mo fa o o, ci fá ni Bo sé To de me no o es lh rda Propôs também

cin , que co bu Na de tas lis pau s te en on op es um dos mais recalcitrant e dad pie de xas cai de o açã cri à tra pus pro es, ant s ano quenta e sete 1º . nte tui sti Con ia lé mb se As à so cur dis m nu s te semelhan , nte fre em so pas ro out deu o sm ni io ic ol ab o de, Três dias mais tar

nepe ind da io sár ver ani 58.º No . nça era lid na o nov de co bu Na com Tena -se niu reu ta vis cra ies ant po gru o uen peq um a, dência brasileir

ieSoc a zar ani org a par go, men Fla do ia Pra na , uco Nab de ia sidênc con ção cri des a um o und Seg o. idã rav Esc a tra con a dade Brasileir ondas as sa; tuo pes tem foi ro emb set de 7 de te noi a a, temporâne à cais os dad api dil e hos vel nos nte ame dos rui am da baía embati

beira d'água. A voz de Nabuco dentro

da casa, acompanhada

por

IV, 437-440. cias do café, vín pro das dos uta dep três nas ape 17 A medida foi apoiada por voto favorecendo imo ult O . ais Ger s na Mi de : dois do Rio de Janeiro e um da Annaes Sul. do Grande Rio do o deputad um a urgência foi dado por Camara (1880), IV, 437-448. 18 Ibid., V, 36.

16

Annaes

da Camara

(1880),

171

tiros de canhão que comemoravam a independência, soava acima da salva e parecia negar, no espírito romântico de quem fez a descrição, a mensagem dos canhões. Nabuco parecia estar dizendo nesse dramático momento: “Não há liberdade nem independência em uma

terra de um milhão e quinhentos mil escravos!” 1º Três semanas mais tarde, uma segunda reunião foi realizada na casa de Nabuco, com a Sociedade Brasileira contra a Escravidão sendo, então, inaugurada oficialmente. Os membros da nova organização resolveram publicar um

jornal

e comunicarem-se

com

outras

organizações

antiescrava-

tura na Europa e América. 2º A Sociedade Brasileira contra a Escravidão, segundo Carolina Nabuco, foi criada para combater a escravatura através da propaganda e esta depressa surgiu. 2! O Manifesto da sociedade, escrito por Nabuco, foi publicado em panfletos e jornais, em inglês, francês e português. Apesar de seu propósito ter sido convencer os brasileiros de que a escravatura já não era necessária, também denunciou “as crueldades infinitas” da instituição. Procurando associar o aboliícionismo com o patriotismo, identificou sua causa com as idéias dos revolucionários pernambucanos de 1817, com José Bonifácio e com uma tradição emancipacionista no Parlamento refletindo “a mais nobre e mais esclarecida parte da consciência brasileira...” O Ma-

nifesto elogiava a Lei Rio Branco, mas denunciava seu respeito “supersticioso” pelos interesses dos fazendeiros e sua implicada aceitação da escravatura por mais três quartos de século. Acusando a Assembléia

Geral

e o ministério liberal de ignorarem

o sofrimento

dos escravos, apelando para o brio nacional, para o Imperador e para todas as classes, o Manifesto terminava com a afirmação de

que “o Brasil seria o ultimo dos paizes do mundo, se, tendo a escravidão, não tivesse um partido abolicionista...” 22 Em

1 de novembro

de

1880,

o primeiro número

de O Abolicio-

nista, o órgão da Sociedade Brasileira contra a Escravidão, apareceu

no Rio

de Janeiro,

afirmando

que sua própria existência

provava

até que ponto o público fora no que se referia a adquirir sentimentos

abolicionistas. Com mensário

novas denúncias do governo e da Câmara, esse

iniciou sua campanha

de propaganda

legalidade da própria escravatura, minada como

com

um

ataque

à

estava pela colossal

19 Gazeta da Tarde, 16 de setembro de 1880, 20 O Abolicionista, 1 de novembro de 1880. Em novembro Sociedade Anti-Escravatura Britânica e Estrangeira ofereceu Aga mesade sua cooperação. Ibid., 1 de janeiro de 1881. pági 21 Nabuco, 4 Vida de Joaquim Nabuco, 22

172

Citado

por Rio

News,

15

de outubro

de a

A

e contínua violação da lei de 7 de novembro de 1831. O jornal atacou as instituições econômicas da nação, a escravidão, “a causa única do atraso industrial e econômico” do Brasil, a disseminação do latifúndio por todo o país, com suas centenas de escravos enriquecendo seus proprietários, sem religião, moralidade ou vida de famí-

lia. O

público estava enojado,

com

O Abolicionista,

afirmou

o “es-

pectaculo de uma riqueza criminosamente accumulada sobre a miseria geral pela exploração

de um

milhão

e meio

de homens.”

Nas

cidades do Brasil, acusava o jornal, “somos um objecto de estudo para os estrangeiros”, intrigados pelos “annuncios para a compra e venda de creaturas humanas, para a prisão de escravos fugidos, ver-

dadeiros lupanares, ao mesmo tempo que mercados de gente...” Foram estes e outros abusos que O Abolicionista se comprometeu a denunciar

cruzada

numa

constante. 2º

O INCIDENTE

HILLIARD

PROCURANDO amigos em todos os lugares em que os pudesse encontrar, Nabuco escreveu, em 19 de outubro, ao Ministro dos Estados Unidos no Rio, Henry Washington Hillard, um sulista e antigo Confederado, enviando-lhe vários exemplares do Manifesto da Sociedade

contra

a

Escravidão.

Na

sua

carta,

Nabuco

pedia

a

opinião do americano quanto aos efeitos da abolição nos estados do sul dos Estados Unidos, indicando acontecimentos que auxiliassem a causa abolicionista e traçassem os planos de combate. Hilliard respondeu-lhe, da legação norte-americana, no Rio, dando um breve sumário da história da escravatura nos Estados Unidos, da crise que conduzira à Guerra Civil e dos problemas da Reconstrução, com tudo isso sendo publicado, juntamente com a carta de Nabuco, no Jornal do Commercio. 2º

Os pensamentos de Hiliard sobre a escravidão e o trabalho livre

foram particularmente interessantes para o público brasileiro. Anti-

go proprietário de escravos e congressista de um vasto e opulento distrito de plantações do Sul, onde os escravos tinham sido usados “exclusivamente” nos anos anteriores à Guerra Civil, Hilliard afir-

23

O Abolicionista,

1 de novembro de 1880.

24 Para a correspondência Nabuco-Hillard e outros documentos referentes ao incidente, ver Henry W. Hilliard, Politics and Pen Pictures at Home and Abroad (Nova York, 1892), páginas 411-435.

neva que a abolição da escravatura trouxera grandes benefícios ao

Sul, incluindo melhores relações entre as raças e (em 1880) também a maior safra de algodão de que havia memória. Ao contrário das previsões pessimistas antes da guerra, disse ele a Nabuco, a abolição da escravatura não trouxera a ruína econômica, a perda da mão-de-obra das plantações ou a destruição do sistema agrícola. Os negros do Sul estavam trabalhando bem, “com paciência e fidelidade”. Para o Brasil, Hilliard recomendou aquilo a que chamou um programa cauteloso de emancipação com indenização total aos proprietários, para acabar com a liquidação completa da escravatura brasileira em sete anos. 26 Correspondendo a seu encorajamento, os abolicionistas prepararam um banquete em honra do americano no então muito em voga Hotel dos Estrangeiros, no bairro do Catete, decorando sua sala dos espelhos (ironicamente, para um antigo soldado confederado) com um grande retrato de Abraham Lincoln no ato de ler a Proclamação da Emancipação aos membros do seu gabinete. Nesse mesmo

dia, André Rebouças anunciou na Gazeta da Tarde que, pela primeira

vez,

a família

abolicionista

brasileira

se

estava

reunindo

para

“distribuir o sagrado pão da Eucharistia em favor dos que soffrem nos ferros do captiveiro...” Cinquenta abolicionistas deviam comparecer

ao

banquete,

1.500.000

mas

irmãos á espera

“em

torno

delles,

estarão,

em

espírito.

do deliciosissimo pão da liberdade.”

O

menu, nesta ocasião, que despertou a fúria dos escravocratas, incluía Bouchées de Dame à la Monroe, Jambon d'York à la Garrison, Pois-

son Fin à la Washington e Pudding diplomate à la Hilliard. De um modo muito pouco diplomático, Hilliard fez um incitador discurso em favor da emancipação e aceitou a qualidade de membro honorário da Sociedade Brasileira contra a Escravidão. 27 Pouco diplomáticas, pelo menos, foi como os inimigos do abo!i-

cionismo

consideraram

a carta

de Hilliard

e sua

comparência

ao

25 Na questão da escravatura dos Estados Unidos, Hilliard fora, alegadamente, um líder dos sulistas moderados, mas opusera-se fortemente aos abolicionistas nos Estados Unidos antes da Guerra Civil, estivera envolvido em convencer o Tennessee a separar-se da União e comandara uma unidade confederada na guerra. Ver Toccoa Cozart, “Henry W. Hilliard”, Transactions o; the Alabama Historical Society (Montgomery, Alabama, 1899-1903), IV

277-299. 26 27

Jornal do Commercio, 31 de outubro de 1880. Sociedade Brasileira contra a Escravidão. Banquete

offerecido ao Exm. a 20 de Novembro de

Sr. ministro americano Henry Washington Hilliard, 1880 (Rio de Janeiro, 1880); Moraes, 4 campanha abolicionista, O Abolicionista, pelo

174

"a

: próprio

de 1880. Es 1 de dezembro Se Hilliard, ver Politics and Pen

Para a Pictures,

nágin

DA anos dos o pdescricã

22:

a,

banquete abolicionista. No número de janeiro de O Abolicionista, Nabuco escreveu que nada, além da carta de Hilliard, produzira “tanta celeuma no campo escravista como o banquete que offerecemos àquele eminente homem de estado americano.” 28 A celeuma,

de fato,

foi

imediata.

Dois

dias

depois

da

reunião

no

Hotel

dos

Estrangeiros, Moreira de Barros, de São Paulo, aludiu, na Câmara, a uma “clara e manifesta intervenção de um representante de uma

nação

estrangeira em uma questão nossa inteiramente doméstica”,

tendo sugerido, também, que Hilliard agira segundo ordens do seu governo, que procurava vingar-se da amizade brasileira pela Confederação. **

Foi sabido, no Rio, no dia 24 de novembro, que o governo, no dia seguinte, seria interpelado na Câmara sobre o incidente Hilliard e, nessa tarde, as galerias da Câmara encheram-se totalmente.

O interrogador, Belfort Duarte, do Maranhão, estava cumprindo, disse ele, o dever de um representante de uma província “onde a

riqueza é o escravo”. Referindo-se ao abolicionismo como uma “idéia

sinistra”, exigiu saber se o governo aprovava a propaganda emancipacionista exibida nas reuniões públicas e em banquetes políticos, especificamente o “manifesto” de um diplomata estrangeiro. A estas e outras perguntas relacionadas com ela, Saraiva, Presidente do Conselho, respondeu que a carta de Hilliard era uma expressão de opiniões pessoais. Todos os membros de seu gabinete, disse ele, acredi-

tavam que a Lei Rio Branco proporcionava a completa e segura solução para o problema da escravatura, embora o ministério também devesse respeitar todas as opiniões contrárias manifestadas legalmente. 30 O incidente na Câmara foi inconclusivo, mas revelou um crescente interesse público pelo abolicionismo, a determinação dos escravocratas para resistir e uma total indisposição do governo liberal de

José Antônio Saraiva para se mover na direção de outros atos contra a escravatura.

28

O Abolicionista,

29

A

1 de janeiro de

1881.

geira refletiu a reprovação do envolvimento Journal, 6 de janeiro de 1881.

80

Tbid ia

j

Prado

1880), eat

VI,

da

Até mesmo

de Hilliard.

309-310.

Tarde,

24 de

a imprensa estran-

Ver South

novembro

American

de 1880.

175

COMPROMISSOS VARIADOS O ABOLICIONISMO TAL

como

a reação

ao

PARA

incidente

COM

Hilliard

sugerira,

o abolicio-

nismo estava, realmente, crescendo e disseminando-se. Todavia, seus líderes dificilmente se poderiam contentar com a resp osta pública a seus esiorços. Enfatizando o irrefutável argumento de que a escravatura, conforme estava os abolicionistas assustaram

constituída no Brasil, era quase ilegal, os proprietários de escravos durante os

primeiros meses. Contudo, sua força parecia vir mais da inteligência, da determinação e da validez de seus argumentos do que do número de seguidores que eles atraíam. Apenas uma pequena minoria da população se envolveu, durante os primeiros três anos da luta, exceto na província do Cea rá, onde o movimento depressa triunfara e parecia contar com o apoio de quase toda a população. Gradualmente, clubes e sociedades anti escravatura apareceram até mesmo nas menores cidades brasileiras e, já perto do final da luta, o movimento invadiu até o interior e as próprias fazendas; contudo, no início, o abolicionismo envolveu apenas algumas pessoas e foi, essencialmente, um fenômeno das cidades.º1 De início, houve certa relutância em envolver-se, até mesmo nas principais cidades, um resultado tanto dos valores tradicionais enraizados quanto da dependência em que os residentes das cidades estavam do governo ou da elite proprietária de terras no que se uma

dominante

e

sobrepujante força para os habitantes até das maiores cidades como o Rio de Janeiro, Salvador e São Paulo. Como resultado disto, o movimento não conseguiu, no começo, atrair grandes números de antigos escravos, pretos e trabalhadores. 32 O próprio trabalhador livre

São

186; Viotti Britain and

82

176

da the

Paulo,

Costa, Onset,

Viotti da Costa,

4

1965),

Da

integração

I, 44-45;

Da senzala páginas 161

senzala

à

à ff.

do

negro

Beiguelman,

colônia,

colônia,

na

socieda

ota

páginas

página 438,

sa

(2 vols.,

Fernandes,

- politica E

428-433:

i

Graham,

oi

Florestan

É

e

81

e

mm

era um “homem pró-escravatura”, segundo um observador estrangeiTo, já que acreditava que a emancipação reduziria seu salário. “O trabalhador livre (escreveu o mesmo autor) desdenha o escravo e ? não anseia pelo momento em que ambos estarão no mesmo pé de igualdade... O trablhador livre, de vez em quando , recebe uma boa

—! —

1880,

E

de

O

da década

mm

início

ET

era, no



ainda

-

cravos

O fazendeiro proprietário de es-



referia a seu sustento e segurança.

quantia por capturar escravos fugitivos” e, além disso, “receia perturbar o preto, indicando-lhe os benefícios da liberdade. Sabe que o castigo seria a morte, se fosse encontrado fazendo Intrigas.” 23

Em 1884, Joaquim Nabuco lamentou a indiferença dos pretos e dos trabalhadores rurais quanto ao abolicionismo, afirmando que o mo-

vimento

estava

trabalhando

para

torná-los lavradores

e fazendeiros

independentes *%* e, depois da sua derrota eleitoral de 1886, na qual

muitos negros livres votaram

por seu oponente, Nabuco

seguinte a um amigo:

este

desinteresse

dos negros

livres

no Brasil

pela

questão

da

escreveu

Abolição

logo

que deixam de ser escravos e pulam para a dignidade de cidadãos e eleitores é outro indício de como a humilhação da escravidão penetrou tão profunda-

mente a mente e o coração dos escravos e dar-lhe-á alguma idéia da dificuldade que o movimento abolicionista tem de enfrentar no Brasil. Em vez de uma sólida votação negra, como nos Estados Unidos, pelo partido que elevou o grito de Abolição, nós vemos aqui muitos negros seguirem o estandarte do partido de seus antigos senhores com um autêntico espírito servil, 35

Em, 1887, um autor do norte ainda procurava explicar o sentimento antiabolicionista da gente de cor da Bahia pela sua crença de “que odiando a raça africana, ajudando a persegui-la,” pareceria, por seu lado, não ter quaisquer ligações com a África. %8 Como um grupo, nem mesmo a própria classe média urbana se comprometeu rapidamente com o abolicionismo, pois “dependia demasiado dos ricos produtores de café para se mostrarem abertamente

pela

abolição.” 37 Por

cada

comerciante,

médico,

burocrata

ou advogado que participaram nos primeiros anos, havia muitos que o fizeram.

não

Os resultados de uma

eleição que houve

no Rio no

final de 1881 revelaram que a maioria dos eleitores da capital (funcionários do governo, comerciantes, proprietários e profissionais) ainda não se encontravam dispostos a se comprometerem com a causa da libertação. Até mesmo o dinâmico e atraente Nabuco, candi-

datando-se contra um advogado conservador pró-escravatura, só conseguiu obter noventa votos de um total de 1.911 votos no primeiro Sº Sá

Blacklaw, “Slavery in Brazil.” Ver Campanha abolicionista no Recife (Eleições de 1884).

nua

Joaquim

35 36

37

a,

Nabuco

4 c n Citado pelo

Fonseca,

Blacklaw,

4

páginas

(Rio

de

1885),

página

10; Viotti

433-434. Jour nal, 20 EGde fevereiro : de 1886. American

South escravidão,

“Slavery

Janeiro,

Discursos de da Costa, Da sen-

o clero

in Brazil”

e o abolicionismo, página

143.

17

o

distrito eleitoral da cidade. A eleição de 1881 foi, de fato, um cho. cante desapontamento para os abolicionistas, já que os vencedores

na totalidade do país, foram defensores da escravatura ou, então. candidatos sem qualquer compromisso. 38 No que se refere à aboli.

iá pouca razão para acreditar, além do mais, que os industriais e os capitalistas simpatizavam com o abolicionismo. Apesar de os comerciantes e dos proprietários de indústrias poderem lucrar com o fim da escravatura, a verdade é que, como um grupo de interesses, eles não apoiaram o movimento. Na sua infância, durante a década de 1880, a indústria, na realidade, estava melhor estabelecida nas regiões do Brasil onde a resistência ao abolicionismo era mais tenaz e não é de estranhar que grupos comerciais e industriais se aliassem intimamente aos proprietários de terras e aos fazendeiros em organizações pró-escravatura como a Associação Commercial e o Club

da Lavoura e do Commercio, com sucursais nas comunidades rurais das províncias de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais. 4º A maioria dos membros da classe empresarial brasileira, escreveu o historiador americano, Warren Dean, referindo-se principalmente a São Paulo, vinha da elite dos proprietários “ e não havia razão para supor que sua atitude para com a escravatura diferisse muito da de seus compadres e clientes. Defendendo a hipótese de os industriais terem representado um papel

importante

no

abolicionismo,

Richard

Graham

apontou

o re-

formista compromissado, André Rebouças, como representativo dos homens associados com a indústria que se juntaram ao movimento. Apesar

de Rebouças,

como

veremos

mais

adiante,

acreditar

na

in-

dustrialização, isso não o tornava, representativo dos industriais. Não

se opunha à escravatura, segundo Graham conjeturou,

pelo fato de

88 Nabuco, 4 Vida de Joaquim Nabuco, páginas 128-131; Rio News, novembro de 1881. Dos 5.928 eleitores do Município Neutro, 2.211

funcionários ciantes, 516

médicos,

públicos, 1.076 eram comerciantes ou funcionários de comereram proprietários e à maioria do resto era constituída por

advogados

e outros profissionais.

Nabuco,

O

Abolicionismo. gina 179. 89 Blacklaw, “Slavery in Brazil”. 40 Viotti da Costa, Da Senzala à colônia, página 433. 41 Dean, The Industrialization of São Paulo, páginas 36-38, 46 176

15 de eram

pá-

nn ie

ção, escreveu A. Scott Blacklaw, numa tentativa de explicação , “há uma grande falta de apoio moral entre os homens públicos do Brasil. As pessoas influentes da nação parecem ignorá-la. Quas e todos os brasileiros que têm meios possuem escravos: quando não os possuem, seus familiares e amigos têm-nos.” 3º

estar associado com interesses industriais, mas sim por ser “um moralista puritano”, conforme o próprio Graham o afirmou num ar-

tigo recente. *2 Engenheiro e professor, um intelectual sensitivo, que,

em 1874, abandonara seus esforços para organizar companhias de construção, depois de ter encontrado uma frustrante resistência por

parte

de interesses

Rebouças

estabelecidos,

comprometera-se

forte-

mente, em vez disso, com uma reorganização radical da sociedade brasileira, incluindo uma reforma do sistema de terras. * Sua antipatia pela grande propriedade agrícola, um tema central de suas obras, não pode ser explicada por uma aliança com industriais e capitalistas, muitos dos quais eram proprietários de grandes fazendas, investidores em estradas de ferro e fábricas de têxteis. “* É verdade, conforme escreveu Graham em defesa de sua teoria de que os industriais representaram um papel importante na abolição, que os estu-

dantes e professores

onde

da escola de engenharia,

Rebouças

lecio-

nava, formaram uma sociedade abolicionista própria, “ mas deve ser indicado, para que não se exagere o significado deste fato, que sociedades como essa também foram formadas nas escolas superiores de medicina e de direito e, ainda, na escola militar, bem como, à medida que o abolicionismo ganhava forças, em outras instituições de ensino em todo o território nacional. Além disso, se os industriais, como um grupo de interesses, apoiaram o abolicionismo, isso não se verificou através de amplas e fregientes contribuições, embora o próprio Rebouças desse parte dos limitados fundos de que dispunha. “Falta ao partido abolicionista, infelizmente,” escreveu Nabuco, de Londres, em 1882, “uma só coisa, mas essa é o nervo da propaganda pela imprensa: dinheiro. Talento, coração, coragem, abnegação, independência, temos; o que não temos é dinheiro.” ée 42

Richard Graham, “Landowners

Brazilian

Review,

VII, 2 (Dezembro

Verissimo, André Rebouças 1939), página 162.

43

através

Verissimo, André Rebouças,

of the Empire”, Luso-

and the Overthrow 1970),

de

sua

de

páginas

49.

Ver também

autobiografia

73, 112-114,

(Rio

Ignacio José de

Janeiro,

E

131; Rebouças, Agri-

cultura nacional, páginas 1-7, 111-112, 120, 367-368. representante mais autêntico da classe industrial brasileira talvez Um 4 tenha sido Felício dos Santos, um político de Minas Gerais com interesses na indústria têxtil e em indústrias de papel, que defendia a proteção de tarifas através da agência da Associação Industrial e era um ardente oponente Ver Nícia Vilela Luz, 4 luta pela industrialização do do abolicionismo. sa i Brasil (São Paulo, 1961), página 61.

16145 Para os argumentos de Graham, ver Britain and the Onset, páginas 162. 44 Em 1882, Nabuco não conseguiu reunir suficiente dinheiro para esta-

belecer

um

jornal

no

Rio

e, em

1880

e

1881.

sua

campanha

na

imprensa

19

Havia, sem dúvida, muitos fatores contribuindo para uma decisão pessoal de aderir ao movimento abolicionista — fatores de temperamento, coragem, interesse pessoal, conhecimentos casuais ou experiências intelectuais — mas dificilmente poderia ser negado que, para a população da cidade, o grau de compromisso para com a

vizinha área rural era frequentemente um fator importante e até do- | minante. Por razões que já explicamos, era mais aceitável, em muitas partes do Nordeste, que líderes e políticos com ligações com fazendas e os interesses de proprietários de escravos se associassem com o emancipacionismo do que seus equivalentes nas zonas do café, como provam os registros das votações regionais e o elevado índice de personalidades do norte na liderança nacional. Representantes de todas as classes e profissões

vieram,

eventualmente,

a envolverem-se

no abolicionismo — escravos e donos de escravos, trabalhadores e proprietários de terras, atores, músicos, animadores. capitalistas e trabalhadores das estradas de ferro, comerciantes, advogados, professores, militares e estudantes. Os setores médio e superior da sociedade, bem como talentosos jovens como José do Patrocínio, proporcionaram a maior parte da liderança, não por defenderem particularmente os interesses de suas classes sociais, mas sim por serem qualificados para enfrentarem os detentores do poder ao seu próprio nível. A maior parte da imprensa do Brasil estava ligada direta ou indiretamente aos interesses agrícolas e comerciais; assim, os abolicionistas receberam pouco apoio de jornais sólidos e “responsáveis” durante a primeira fase da luta. “ Apesar de haver e xceções notáveis, a tendência dos editores, tanto monárquicos qua nto republica-

nos, era 1gnorar O movimento enquanto isso lhes fosse possível e, depois, atacá-lo

ou

até impugnar

os motivos

ou

o caráter

moral

dos

jornais, de um modo geral, permaneceram indiferentes, rejeitando a emancipa ção rápida por ra zões econômicas ou, ent ão, defendendo a posição pró-escravatura. O primeiro dos grandes jornais abolicio-

nc

limitou-se praticamente à publicação do mensário O Abolizinni da Carta Abolicionista. Nabuco a : Domingos Jaguaribe, Lon dres, 16 de novembro de 1882; mesmo o Serra,

47 48 O

180

Londres,

Rio News, 5 de agosto de Ver A Provincia 7 Atirador Franco,

17

de novembro

1881.

de

1882,

Cartas

a

amigos,

nistas do período foi a Gazeta de Noticias de Ferreira de Araújo, o qual, juntamente com O Abolicionista, despertou o interesse público em 1880, mas este jornal pioneiro depressa foi ultrapassado

por um jornal mais radical, Gazeta da Tarde, sob o breve controle

de José Ferreira de Menezes. iornal abolicionista em 1887 por de, de propriedade de José do de meados de 1881, foi a única fiança

na

capital

para

um

gresso da libertação. Se a imprensa nacional

Até ser substituído como principal 4 Cidade do Rio, a Gazeta da TarPatrocínio e editado por ele depois fonte de informação digna de con-

público

ávido

se mostrou

de notícias

indecisa

o pro-

sobre

e vagarosa

nos

primeiros anos, dois editores estrangeiros do Rio de Janeiro, peio

menos, ofereceram encorajamento imediato aos abolicionistas e concederam consistentemente ao movimento a aura de prestígio e de autoridade que a opinião estrangeira transmitia. A Revista Ilustrada, um semanário ao estilo do Punch, iniciada em 1876 por um talentoso caricaturista italiano, Angelo Agostini, colocou suas estimulantes caricaturas e comentários ao serviço do abolicionismo desde o começo da luta, despertando a ira dos escravistas que lhe chamaram “A Revista Vermelha”. 4 Quase tão eficaz, apesar da barreira da linguagem, foi o jornal The Rio News, francamente abolicionista desde o momento em que substituiu The British and American Mail no Rio, em 1879. Editado por um brilhante americano, liberal, An-

drew Jackson Lamoureux, The Rio News apoiou Nabuco em 1879 e

1880, tendo sido, desde então, o constante denunciador antiescravatura, encontrando índios escravizados nos lugares mais distantes do Amazonas ou nas selvas da Colômbia, expondo a venda ilegal de ingênuos ou de “africanos livres” nas cidades provinciais de Rio de Janeiro ou de Minas Gerais, dissecando os sofismas dos políticos

escravistas, censurando práticas tradicionais como a dependência parasítica de muitas pessoas que viviam de alugar escravos ou condenando

um

linchamento

paulista chefiado

por exilados confederados

norte-americanos, não recuperados. As reuniões abolicionistas organizadas no Rio durante a segun-

da metade de 1880 eram encontros alegres e exuberantes, mas o comparecimento raramente era mencionado na imprensa ou mesmo nos boletins abolicionistas, com os relatórios sobre as contribuições indi-

cando reuniões pequenas e íntimas ou, então, alguma pobreza ou avareza entre aqueles que compareciam. As contribuições reunidas em

dezenove

49

Toplin,

conferências

The Movement,

semanais

página

totalizaram

apenas

um

pouco

127.

I81

mais de dois contos e meio, talvez o suficiente para comprar a liberdade de dois ou três escravos aos preç os do tempo. Em 1882,

por exemplo, um homem de vinte e oito anos, su a mulher e dois filhos foram postos à venda em Juiz de Fora, Minas Gerais, avaliados juntos em 2:6 008000, alguns mil-reis mais do que a quantia contribuições durante quatro meses de re uniões aboli-

total das cionistas. 50 Talento, falta de dinheiro, entusiasmo revolu ci onário e uma contrastante exuberância burguesa eram as qualid ades mais em evidênc

ia nessas reuniões semanais. Numa

conferência

organizada no

início de setembro no Teatro São Luiz, os orad ores foram aplaudidos

entusiasticamente quando pediram a “subdivisão do solo” ou demonstraram matematicamente que os proprietários de escravos no Brasil tinham contraído uma enorme dívida para com a na ção através de sua violação de lei de 1831 durante o meio século anterior. Todavia, a coleta feita nessa reunião somou pouco mais de ce m mil-reis. º! As conferências continuaram,

mesmo

assim, desenvolven-

do uma rotina atraente que as colocavam entre os espetáculos púbicos mais interessantes do Rio. Estas reuniões eram caracterizadas por um bem intencionado entusiasmo burguês. A oratória era precedida por intervenções literárias e números musicais, despertando o zelo dos participantes pouco a pouco. Ocasionalmente, um escravo recebia sua liberdade, o que dava ao público uma possibilidade de

ver e aplaudir as pessoas que se beneficiavam de suas doações. õ2 Depois destes preliminares, José do Patrocínio, Nicolão Moreira ou qualquer outro orador conhecido subia ao palco entre chuvas de

pétalas de rosa, com o público ansioso por aplaudir cada assalto desfechado

sobre

a escravatura.

Típica destas reuniões, talvez tenha sido a que foi organizada no Teatro São Luiz no começo de 1881, uma das últimas, descrita em pormenor na Gazeta da Tarde, durante esta primeira fase da campanha abolicionista. O espetáculo começou com uma apresentação da “esplêndida abertura do dramático Salvator Rosa de Carlos Gomes, executada por dois professores do Conservatório. Esta peça musical foi seguida pela execução a quatro mãos de uma valsa de

Gomes, 60

“Paulo

e Virginia”,

pelas lindas

Associação Central Emancipadora.

Tarde, 6 de abril de 1882. da Tarde, 6 de setembro de

52

da Tarde,

162

Boletim

Gazeta

n.º 2, 28 31

de

América

e Maria

Boletim n.º 4, 28 de Dezembro de 1880;

Gazeta da 61 Gazeta

padora.

irmãs

1880;

de outubro de 1880. janeiro de

1881.

Associação

Central

Emanci-

Clapp, um “juvenil esforço em favor dos que gemem nos ferros do captiveiro”, recebido com um “applauso delirante” e cascatas de pétalas de rosas. Os outros pontos altos do programa incluíam uma seleção musical interpretada pelo Trio

Clássico Mendelsohn,

pela Sr.º Angelina Accioli de “uma

uma

interpretação

difficil Phantasia da Aido” e,

entre bravos e explosões de aplausos, recitação dos poemas “Liberdade” e “Ave Cezar” por seus autores, Arthur Brazilio e Dr. Melo

Morais. 8º Os melhores

oradores, proferindo suas exortações depois

destes preliminares estimulantes, deixaram o palco do São Luiz por

entre uma barragem de flores lançadas da platéia e dos camarotes. Música e poesia eram escritas para apoiar o movimento: obras como

a “Ingenua Polka Brilhante”, composta para a Associação Central Emancipadora pelo estudante de música Horacio Fluminense, “A Escravidão e o Christo”, recitada para o público abolicionista por seu autor, Ernesto Sena, e “Essencialmente Agricola”, uma caricatura em estilo de polca de um muito comum argumento pró-escravatura, dedicada a José do Patrocínio por uma senhora abolicionista anônima e anunciada na Gazeta da Tarde. ** A atividade abolicionista, durante seus primeiros meses, não

se limitou à capital. O movimento já começara surgindo espontaneamente em cidades espalhadas por todas as regiões do país. O Club Abolicionista de Pelotas foi fundado no final de agosto na rica

região

de gado

Uruguai,

com

de Rio

Grande

essa área depressa

do Sul, perto da fronteira com

o

tendo seu próprio jornal aboliício-

nista. Ao mesmo tempo, uma Comissão Emancipacionista foi inaugurada em Natal, Rio Grande do Norte, com o objetivo de comprar a liberdade de escravos. Em setembro, membros da União Literária

e Republicana desfilaram pelas ruas de Diamantina, Minas Gerais, seguidos por uma banda e uma grande multidão, pedindo donativos para a libertação de uma escrava. Em novembro, a Sociedade Abolicionista Maranhense foi formada em São Luiz do Maranhão. No

dia 1 do mesmo mês, um jornal abolicionista da Bahia, também intitulado Gazeta da Tarde, empreendeu o patrocínio de uma curta série de reuniões antiescravatura. Enquanto estudantes em São Paulo estabeleciam a Sociedade Abolicionista Academica, outros, no

Rio, criavam a Associação Emancipadora da Escola Polytechnica. 53 58

54 55

Ibid.,

5

de novembro

de 1880.

JIbid. 15 de novembro e 8 de dezembro de 1880. J I Arnizaut Furtado, Estudos sobre a libertação dos escravos no Brasil

(Pelotas,

1882),

página 58;

O Abolicionista,

1 de novembro

de

1880

e 1 de

183

De

importância

especial para

a abolição,

foram,

também.

os

acontecimentos que se verificavam na província do Ceará, atacada pela seca e já então possuindo poucos escravos. À Gazeta do Nort e, um jornal liberal de Fortaleza, algo indiferente à questão da escravatura quando foi fundado, em junho, já se transformara no final

de novembro de 1880 (juntamente com a opinião pública nessa ca-

pital do norte) num jornal abolicionista. A mudança foi realizada a tempo de o jornal louvar a criação da Sociedade Cearense Liber-

tadora, o clube abolicionista do Ceará, que teve sua reunião de organização em 8 de dezembro e depressa iniciou uma campanha para libertar todos os escravos da província.

fevereiro

Cod.

Tarde,

622;

de

A

27 de

1881; Idea

Documentos

Nova,

novembro

Diamantina,

e

+

a

Aritof

à

8 de

13 de dezembro

184 Es

relativos

escravatura,

de

outubro

1880.

de

1815-1880,

1880;

Gazeta

AN,

da

. a meu ver a emancipação dos escravos e dos ingênuos é o começo apenas de nossa obra. JOAQUIM NABUCO O Abolicionismo São

Paulo

prefere

a republica à abolição; escolha o Imperador.

Deputado de São

COSTA PINTO Paulo, em 1880

10 AÇÃO

E REAÇÃO

OS ABOLICIONISTAS E

ima





” Os HOMENS é as mulheres que desencadearam esta fervente re-

volta nacional formavam um grupo diverso cujas qualidades comuns eram o talento, o entusiasmo e a dedicação. Três organizações ligadas entre si tinham-se formado rapidamente no Rio de Janeiro, em 1880, uma em volta de José do Patrocínio e Nicolão Moreira ea Associação Central Emancipadora, outra em redor de José Ferreira de Menezes e a Gazeta da Tarde e a terceira com base na figura de Joaquim Nabuco e na sua Sociedade Brasileira contra a Escravidão.

Apesar de publicar o mensário O Abolicionista, a ala de Nabuco

do movimento dirigia-se menos à população como um todo, organizava reuniões públicas com menos frequência devido à falta de fundos e jamais contou com um diário popular e poderoso como a Gazeta da Tarde. Dispondo de pouco dinheiro, mas possuindo grande

prestígio e magnetismo pessoal, Nabuco

dirigiu seus esforços para

a legislatura durante os períodos em que teve uma cadeira na Câàmara, para obter apoio nos centros intelectuais da Europa e até, 3

185

finalmente, para conseguir o auxíli o do Papa

e de uma

Igreja

vaga-

Tosa à causa abolicionista. 1 A mais impo rtante peça individual de propaganda de Nabuco, O Abolicionism o, escrito durante uma prolongada estada na Europa e publicado em 1883 » foi um “livro de argumentação tranquilla”, nas palavras da ma is demagógica Gazeta da

Tarde,

um livro para ser estudado como um

dever cívico. 2

Descendendo, pelo lado de seu pai, de uma família política que, | desde a década de 1820, fornecera constant emente representantes à | legislatura nacional e, pelo lado de sua mãe, de antigas e poderosas famílias de fazendeiros de Pernambuco, Nabuco possuía vantagens | muito úteis. Apesar de sua estirpe, este descende nte de proprietários de escravos não era menos revolucionário do que seus associados, descendentes de escravos: Ferreira de Menezes, An dré Rebouças, Luiz Gama e José do Patrocínio. Sob a influência de seu pai, Nabuco juntara-se à luta quando ainda era muito jovem, tr aduzindo artigos abolicionistas do inglês para o português, servindo co mo advogado de um jovem assassino negro numa batalha legal diri gida tanto contra a es cravidão quanto contra a pena de morte, é escrev endo um inspirado tratado abolicionista quando ainda estudante na Fa culdade de Direito do Recife, ajudando seu pai no jornal libera l 4 Reforma.

O brilho democrático de Joaquim Nabuco diminuiu depo is da vitória do abolicionismo, mas a verdade é que, enquanto a luta durou, ele advogou mais do que apenas a liberdade para os negr os. Tal como Rebouças, Patrocínio e outros abolicionistas, conf orme veremos, ele combateu por reformas mais amplas, destinadas a transformar o Brasil numa nação democrática. Brilhante, poss uindo dons oratórios fora do comum, socialmente bem situado, treinado na advocacia, “muito alto, bem proporcionado, a cabeça e o rosto de uma pureza de linhas esculptural, olhos magnificos, expres são a um tem-

po meiga e viril, nobre conjuncto de força e graça” — este era O herói de tanto destaque que despertava o receio d os senhores de escravos e dos proprietários de terras. 4 1 Para a descrição que o próprio Nabuco fez de Papa Leão XIII em 1888 e seus resultados mistos, páginas

sua

audiência

com

o

ver Minha formação, 191-205. Para a omissão da Igreja Católica em adotar uma atitude antiescravatura significante, ver Toplin, “The Mov ement”, páginas 89-92.

2Z 8

Gazeta da Tarde, 25 de “A Escravidão”, páginas

setembro de 1883. 40-42; Nabuco, 4

Vida

de Joaquim Nabuco, página 11 ff. 4 As palavras foram de Afonso Celso, Jr., citadas por Duque-Estrada, A abolição, página 281. O jornal El Dem ócrata, de Madri, disse a respeito de Nabuco, quando visitou essa capi tal, em 1881: “Sua eloquência é destacada por dons naturais. Uma figu ra imponente, uma expressão simpátic a,

186

Os antecedentes de José do Patrocínio eram muito diferentes, mas ele, tal como Nabuco, também foi influenciado por um pai talentoso. Filho de um padre e fazendeiro dono de escravos, o Padre João

Carlos

Monteiro, º? e de uma

preta, vendedora

de frutas,

Jus-

tina Maria do Espírito Santo, José do Patrocínio nasceu em 1853 na casa de seu pai, em Campos dos Goitacazes, na região das plantações de açúcar na parte leste da província do Rio de Janeiro. Educado no vicariato de Campos e numa fazenda das proximidades, deixou a casa de seus pais quando ainda rapaz, em 1868, para servir como aprendiz no Hospital da Misericórdia do Rio de Janeiro e, fi-

nalmente, entrou para a Faculdade de Medicina como estudante de farmácia. Tendo completado seu curso, mas não dispondo de dinheiro

para se estabelecer na sua profissão, Patrocínio foi salvo da destituição por uma oportunidade para lecionar aos filhos de um rico pro-

prietário de terras e edifícios, um

tal Capitão

Sena,

tendo

acabado

por se casar com uma das filhas desse capitão. & Patrocínio juntou-se ao pessoal de Ferreira de Araújo, na reda-

ção

da

Gazeta

de Noticias,

em

1877,

devido

principalmente

ao

seu

talento poético, estando associado a esse jornal durante o período em que ele foi a voz pioneira do abolicionismo. Já famoso com apenas vinte e oito anos de idade, deixou o jornal em 1881 em protesto contra suas opiniões crescentemente conservadoras, 7? mas depressa adquiriu um jornal para si próprio, como um presente de seu sogro, o Capitão Sena. Esse jornal era a Gazeta da Tarde, um diário do Rio que, sob a direção de Ferreira de Menezes, se transformara no mais independente e eficaz jornal abolicionista da cidade, praticamente o único jornal abolicionista quando da morte de seu editor

em

1881. Ninguém

era melhor qualificado do

que Patrocínio para

dirigir

a Gazeta da Tarde depois da morte de Ferreira de Menezes. Um in-

tenso e eficaz

orador nas reuniões

abolicionistas,

autor de milhares

uma boa voz e a frescura da juventude permitem-lhe imediatamente chamar a atenção de todos seus ouvintes quando descreve a condicão da escravidão com todo o entusiasmo de um filantropo e a serenidade de um estadista.”

Citado por Rio News, 5 de abril de 1881.

6

Para um

sy

esboço biográfico do pai de Patrocínio,

ver Moraes,

4

cam-

panha abolicionista, páginas 377-382. : E 6 Ver o papa ci Es próprio Patrocínio fez de sua vida , na Gazeta da Tard:e, e ogsi 29 ridede 361 mai-36 1884, reproduzido in Moraes, 4 campanha abolicioo 3.de Par si a uma descrição mais completa da vida de Patrocínio durante estes anos, ver Osvaldo Orico, O tigre da abolição (Rio de

páginas 21-73. Janeiro, 1956), ds Tarde: 25 de T Ver Se

agosto

de

1881.

I87

de palavras sobre a questão da escravatura, Patrocínio possuía a reputação de ser um reformista incondicional. Influenciado pelas obras de Pierre Proudhon, adotara o grito de guerra “A Escravidão é um roubo!”?, tendo continuado a agir até 1888 como se acreditasse verdadeiramente nesse aforismo. Com olhos salientes, barba e bigode esparsos, TOSto e corpo amplos, cabelo castanho desgrenhado e uma

pele que foi descrita como da cor de um charuto de Havana madu-

ro, Patrocínio, nas palavras de Nabuco, era “a expressão de sua época”. º Emotivo, tenso, teatral, romântico, ele alcançava seus públicos, tanto em pessoa quanto através da imprensa, com um humo: áspero e poderosos apelos emocionais. “Sua grande força era a emoção”, escreveu Carolina Nabuco. Era ela que lhe inspirava grandes efeitos, como o de se atirar aos pés da Princesa Imperial num ímpeto irresistível de gratidão e de lhe falar soluçando. Não pronunciava seus discursos. Representava-os com um poder dramatico extraordinario e havia nêles um ardor comunicativo, uma espontaneidade vibrante, que lhes encobria o lado cabotino.” ? José do Patrocínio e Ferreira de Menezes não foram os únicos descendentes de escravos que emergiram como líderes. Um dos mais admiráveis deles foi André Rebouças, um magro, escuro e sobria3

mente vestido engenheiro e professor de botânica, cálculo e geometria na Escola Politécnica, escritor e analista conhecedor dos problemas sociais e econômicos da nação. 1º Não contando com dons oratórios ou a vontade de falar em público, Rebouças era eficaz através da imprensa ou em conversas com os homens poderosos do seu tempo, com Nabuco, o Senador Dantas, Taunay, o romancista e imigracionista, Patrocínio e, particularmente, o Imperador e sua

filha, a Princesa Isabel. 1! Rebouças

era um

colaborador da Gazeta

Moraes, 4 campanha abolicionista, página 382; Nabuco, Minha formação, j -179. carolina Nabuco, 4 Vida de Joaquim Nabuco, página 145. Apesar de podia exibir atuar melhor ante um público, José do Patrocinio também um humor irônico nos seus artigos. Confrontado no auge de sua carreira

B

por uma carta anônima, não selada, endereçada agressivamente ao “capataz da fazenda dos Pobres-de-Espírito, o preto e jornaleiro (jornaleiro, em vez de jornalista) José do Patrocínio,” ele reconheceu na sua coluna, “Semana branco Politica”, o direito do correspondente anônimo a chamar-lhe preto,

coisa

que

lhe venha

ou

“qualquer

10 11

Veríssimo, André Rebouças, Ver seu Diário e notas.

à

cabeça.”

Patrocínio

queixou-se,

no

entanto, da extorsão financeira representada pelo custo dos selos, que ele tivera de pagar. “Sou um preto, mas já não escravo. Sou livre e, como tal, não sou obrigado a trabalhar para as fantasias desse cavalheiro anônimo.” Gazeta da Tarde, 27 de setembro de 1884.

188

página

82: Agricultura

nacional.

da Tarde, um co-fundador da Sociedade Brasileira contra a Escravidão e co-autor, com Patrocínio, do muito fortemente frasea do Manifesto da Confederação Abolicionista de 1883. Sendo um con stante participante na luta, um organizador de clubes e associações, um

contribuinte financeiro e um “propagandista por toda a parte,” 12 Rebouças não descansou depois de os escravos terem sido hbertados. Com essa realização já no passado, receava a ressurgência de uma

reação

e, assim,

serviu-se

de sua reputação

e influência

em

apoio

da Democracia Rural Brasileira, a continuação da revolução abolicionista para sua “conclusão lógica”. 13 “Rebouças

encarnava

melhor

do que qualquer um de nós,” escreveu Nabuco anos mais tarde, “o espirito anti-escravagista: o espirito inteiro, sistemático, absoluto...” 14 Havia pelo menos um dos principais abolicionistas que conhecera a experiência da escravidão ilegal. Este era Luiz Gama, um homem com um passado ainda mais estranho do que o de Patrocínio. O pai de Gama era um membro de rica família portuguesa da Bahia, amando os cavalos, a caça e a pesca. Sua mãe era uma africana livre e rebelde da Costa de Mina, a bonita “pagã” Luiza Mahen, uma vendedora de legumes e frutas, tal como a mãe de Patrocínio, que foi acusada de envolvimento num complô revolucionário na Bahia e exilada em 1837, supostamente para o Rio, embora seu verdadeiro destino talvez tenha sido a Africa ocidental. Gama nasceu livre em 1830, mas três anos depois do desapareci-

mento de sua mãe, seu pai vendeu-o como escravo, em resultado de

seu súbito tos, Gama

empobrecimento. Enviado para o Rio e, depois, para Sansubiu a íngreme Serra do Mar, descalço e faminto, acom-

panhado por outros cem como São

Paulo,

onde aprendeu

depressa fugiu sua escravidão Gama, depois 1854, estava de

ele. Foi empregado como servo

a ler com

a ajuda de um

estudante;

em

mas

da casa de seu senhor, consciente da ilegalidade de em virtude de ser filho de uma mulher livre. 1 Luiz de sua fuga, passou seis anos na milícia, mas, em novo na cidade de São Paulo, onde trabalhou como

secretário e, mais tarde, fez uma carreira como jornalista, poeta, sátiro, advogado e, também, como um dos primeiros abolicionistas,

juntamente

com

os dinâmicos

estudantes

da Academia

de Direito,

12 André Rebouças, “Abolição da Miséria”, Revista de Engenharia, Rio de Janeiro, 28 de Ore niÊrS de 1888; Veríssimo, André Rebouças, páginas 192193, 200-203.

18 Ibid.,

páginas 209-211.

14 Nabuce. Minha formação, páginas 172-173.

15

Ver a obituária de Luiz Gama na Gazeta da Tarde,

25 de agosto de

1882,

189

Rui Barbosa, Castro Alves e Joaquim Nabuco. !º Como advogado, a especialidade de Gama era a libertação de pessoas cativas, como

ele estivera, numa escravidão ilegal, particularmente africanos conservados como escravos em violação da lei de 7 de novembro de 1831. Em 1880, não muito antes de sua morte, o antigo escravo,

então já o líder não contestado do movimento antiescravatura São Paulo, já colaborara, segundo foi afirmado, na libertação mais de mil pessoas e ainda continuava usando seus talentos tribunais provinciais para estabelecer o princípio de que todos africanos com menos de sessenta e dois anos eram livres. !

« de nos os

Entre os outros abolicionistas que alcançaram fama nacional está incluído o paulista Antônio Bento, um rebelde bem nascido e homem de Deus que criou “uma ordem religiosa sob a invocação de Nossa Senhora dos Remédios e fez do culto um meio de propaganda abolicionista.” 18 Editor de 4 Redempção, um jornal abolicionista de São Paulo, produzido muito rudimentarmente, Bento era o líder dos “caiphazes” radicais, ativistas insatisfeitos com os resultados da propaganda e que, em 1886 e 1887, foram para as fazendas a fim de desenraizar a escravidão nas suas fortalezas e de desmoronar abruptamente o sistema. 1º Os abolicionistas incluíam os líderes do Positivismo religioso, Miguel Lemos e R. Teixeira Mendes, que defendiam a causa em panfletos e cartas, influenciando uns poucos escolhidos, mas poderosos. 20 Incluíam, também, Rui Barbosa, ativo como estudante em 1869 e emergindo de novo em 1884 como um dos mais dinâmicos e eficazes líderes na imprensa, na Assembléia Geral e ante o público. Sendo um homem pequeno e magro, com um bigode escuro e um queixo fraco — de aparência inofensiva — Rui Barbosa podia trans-

formar-se num dínamo numa conferência abolicionista, capaz levar o seu público a lágrimas ou a risos com uma só frase. Os líderes do movimento

na área do Rio incluíam

um descendente de norte-americanos —

João

de

Clapp,

comerciante e proprietário

18 Morse, From Community to Metropolis, páginas 146-147. 17 Gazeta da Tarde, 15 de dezembro de 1880; Antonio Manoel Bueno de São Paulo”, Revista do Arquivo Municipal, Andrada, “A abolição em (junho-julho de 1941), 262-265. LXXVII 18 Cidade do Rio, Rio de Janeiro, 17 de fevereiro de 1888. 19 Viotti da Costa, Da senzala à colônia, páginas 429-431. 20 Ver Lemos, O Pozitivismo e a escravidão moderna; Miguel Lemos e R. Teixeira Mendes, 4 liberdade espiritual e a organização do trabalho.

Considerações histórico-filosóficas sobre o movimento abolicionista (2.º edição; Rio de Janeiro, 1902). Ver também João Cruz Costa, Contribuição à história das idéias no Brasil (Rio de Janeiro, 1956), páginas 175-179.

190

Pis STA

|

de Clapp & Filhos, uma

loja de porcelanas na Rua dos Ourives, que

se especializava em objetos de porcelana, de vidro e serviços de chá. Um constante participante nas reuniõ es e co-fundador da Confederação Abolicionista em 1883, Clapp tamb ém era O diretor e um dos professores de uma escola noturna em Niterói mantida pelo Club

dos Libertos

centemente. “1

dessa cidade para

educação de escravos

libertados

re-

O número de abolicionistas no Parlam ento viria a aumentar ao longo dos anos, mas, em 1880, já havia pelo menos

de 4 Provincia,

um

uma

dúzia na

jornal antiescravatura estabelecido em Pernam-

buco em 1872, e principal líder do movime nto

em Recife na década

de 1880; Joaquim Serra, jornalista e es critor do Maranhão, que trabalhara com os Nabucos em 4 Refo rma em 1869 e que veio a ser um dos mais prolíficos escritores antiescr avatura. 22 Incluíam, ainda, Joaquim Saldanha Marinho do Amazon as, Grande Mestre da Loja Maçônica, um líder republicano já em 1870 e ativista político depois da queda do Império, 23 Marcolino de Moura, da Bahia, autor de incisivos discursos contra a escr avatura na Câmara, em 1880, e Jeronymo Sodré, da mesma província, o homem que iniciara, alegadamente, a década abolicionista com sua denúncia da Lei Rio Branco em março de 1879.

OS OBJETIVOS

Às METAS

DO

ABOLICIONISMO

dos principais líderes do movimento

eram mais am-

plas no seu alcance do que as adotadas gradualm ente, durante a década

de 1880, por uma grande parte do público brasileiro info rmado. O “abolicionismo” da maioria, particularmente daqueles que haviam

sido convertidos nos anos culminantes da lut a, limitava-se, de um modo geral, a uma aceitação da necessidade da libertação e a uma 2l

Para

um

anúncio

da mercadoria

dessa loja, ver Novidades,

neiro, 17 de março de 1887. Para as atividades ver Gazeta da Tarde, 17 de abril de 1883. 22 Nabuco, Minha ação, página 177. sm 23 Ver George C. A form Boeh

sem

data),

Mariá Ba 134.

página

172;

Rio

abolicionistas

rer, Da monarchia à republica Branco,

de

Clapp,

(Rio. de Janeiro,

Efemérides brasileiras, página

História da Republica, 1889-1954 (São Paulo,

Rio de Ja-

183;

José

1969), páginas 68,

191

esperança de que o fim da escravatura trouxesse alguns benefícios

além

de libertar centenas de milhares de pessoas de um cativeiro injusto, estimularia a imigração européia, promoveria a indústria e a agricultura e elevaria o caráter moral da nação, há tanto tempo corrompido pelas influências nocivas dos dependentes pretos servis. A escra-

vidão, segundo esta visão, frequentemente divulgada pela imprensa abolicionista, era irracional e maligna, uma sobrevivência do colonialismo português, não patriótica, um obstáculo ao auto-respeito nacional, rejeitada pela comunidade internacional, incompatível com a lei e os direitos naturais. A maioria dos brasileiros, contudo, até mesmo os idealistas sinceros cujas convicções antiescravatura eram afirmadas fortemente, pouco pensavam, provavelmente, no tipo de sociedade que haveria depois da escravidão ser derrotada. A necessidade de realizar novas reformas ou de preparar os antigos escravos para a cidadania talvez não fosse auto-evidente numa sociedade em que se esperava que os antigos cativos continuassem trabalhando nas terras de seus antigos

senhores, onde a educação sempre fora reservada a poucos e onde até a Constituição restringia a participação política a uma pequena minoria. Num tal ambiente, não seria razoável esperar uma adoção generalizada de objetivos com a intenção de criar um sistema igualitário. A abolição era, de fato, uma revolução “branca”, para usar o termo de Octavio Ianni, um movimento político que não tinha a intenção, no que se referia à maioria de seus seguidores, de transformar escravos em cidadãos, mas sim limitado à substituição da escravatura por um sistema de trabalho livre. 2º Todavia, para pelo menos alguns dos abolicionistas, a ideologia

do abolicionismo englobava muito mais do que a emancipação dos escravos. Os seus mais preeminentes líderes, na sua maioria, identificavam sua causa com uma ampla série de metas reformistas, as quais, juntas, eram puramente revolucionárias. A emancipação, só por si, argumentaram os abolicionistas em muitas ocasiões, não solucionaria os problemas da nação. 5 A abolição teria precedência so-

bre as outras reformas, conforme Nabuco afirmou, mas outras mudanças sociais teriam de ser tentadas uma vez que esse passo fundamental fosse dado. A escravidão significava mais do que a relação entre o senhor 24

Janni,

25

Ver Lemos,

Brancos

e

As

e a sua propriedade humana,

metamorfoses

negros,

páginas

do

escravo,

133-136.

O Pozitivismo

pági

página

escreveu

235;

e a escravidão moderna,

Bastide

página

Nabuco

em

Fernandes,

e

28

s

imediatos para a totalidade da nação. A abolição, pensava-se,

O Abolicionismo. “A escravidão” era “a somma do poderio, influencia, capital e clientela dos senhores todos; o feudalismo estabelecido

no interior; a dependencia em que o commercio, a religião, a po-

breza, a industria, o Parlamento, a Corôa, o Estado enfim, se acham

perante o poder aggregado da minoria aristocratica em cujas senza-

las centenas de milhares de entes humanos vivem embrutecidos e moralmente mutilados pelo proprio regimen a que estão sujeitos...” Os objetivos do abolicionismo não se limitavam à libertação dos escravos. O abolicionismo era mais uma luta constante contra o poder da classe dos proprietários e todos os efeitos prejudiciais, “a desmoralização, inercia, servilismo e irresponsabilidade”, de três séculos

de escravatura. “A empresa de annullar essas influencias é superior,

por certo,” escreveu Nabuco, “aos esforços de uma só geração, mas, em quanto essa obra não estiver concluida, o Abolicionismo terá sempre razão de ser... A lucta entre o Abolicionismo e a Escravidão

é de hontem, mas ha de prolongar-se muito...” 2 Nabuco esboçou os objetivos gerais do movimento no prefácio a essa sua obra. Escrito em 1883, durante uma prolongada residência em Londres, seu livro O Abolicionismo tencionava ser o primeiro de uma série de estudos para promover um grupo de causas correlatas: a abolição da escravatura, a descentralização administrativa, a igualdade

religiosa,

representação política mais

ampla,

imigração

européia, relações estrangeiras melhores e reformas econômicas e fi-

nanceiras. 27 Os abolicionistas radicais, como Nabuco, André Rebouças, José do Patrocínio, Antônio Bento, Rui Barbosa, Senador Dantas

e outros, esperavam que a extensão da educação a todas as classes, a

participação política em

ampliação

massa e uma

de oportunidades

econômicas para milhões de negros e mulatos e outros setores me-

nos privilegiados da sociedade brasileira viessem a permitir que estes ohom s mai ão naç a num ade ald igu de ar lug um m sse umi ass grupos

gênea e próspera. 28 O fato disto não ter ocorrido não foi culpa dos feCon a dar ban des à ram usa rec se que o, ism ion lic abo do res líde deração Abolicionista depois de seu principal objetivo ter sido alcan26

nismo, págininas O Abolicioaaa

Ibid.,

27

últimas

deputado :

NTE

página vii

dureiiEE

mas

de Sergipi e

a reforma :

Nabuco

pedira

vii, 7.

tencionava a

e presid i ente

Sancho

do

lidar ele próprio com essas duas de

Ceará,

Barros

que

Pimentel,

escrevesse uma

antigo

das obras

o se es ev cr es a os rb Ba i Ru e qu , ém mb ta , política; esperava uma de r to au o se fos as nt Da o lf do Ro e qu e e religiosa

liberdadeO. re VerE Nabuco, Cartas a amigos, I, 103-104. livro sobre a educa páginas

um

.

-

19, 204.

193

cado em

1888, tendo mantido a organização como

seguiram depois da seguintes, parte do

proprietários à abolição, da dispersão do queda do Império em 1889 de disposições tradicionais espírito e da organização do

um centro para a promoção de novas reformas. Foi o resultado, sim, de uma podeTosa reação dos antigos

de escravos nos meses que se movimento de reforma radical e da reconsolidação, nos anos e da conservação de grande antigo regi durante os anos de agitação, os aboli-

..

Muitas vezes, contudo, cionistas incitavam o progresso e a democrati zação de seu país e a educação, então, tinha um lugar de destaque no rol das necessidades . “Emancipar e instruir,” escreve u Tav ares Bastos em 1870, num apelo pela educação popular, “ são du as operações intimamente liga das.” 2º André Rebouças ansi ava pelo dia em que não houvesse uma só aldeia no Brasil sem esc ola. Era in dispensável, argumentou ele, “ensinar a ler e escrever e dar um officio a todos os cidadãos brasileiros.” 9º O primeiro projeto de le i contra a escravatura apresentado por Nabuco, em 1880, contin ha uma provisão para o estabelecimento de classes primárias em toda s as cidades e aldeias do Império para a educação de escravos. 31 Ru i Barbosa escreveu um estudo maciço sobre a educação primária br asileira, Reforma do ensino primário, publicado em 1883, que cond enava o baixo nível do ensino brasileiro, pedia a criação de um Mi nistério de Educação Pública, a frequência escolar obrigatória e um sistema de instrução pública independente da Igreja Ca tólica. 3 Até mesmo depois da abolição da escravatura, a ala reformista do Partido Liberal e o último gabinete do Império, ainda sob a in fluência do fervo r abolicionista, aspirava criar um sistema educaciona l melhor e livre, a ampliar o voto eleitoral, a estabelecer autono mia provincial e liberdade religiosa e até a promover legislação que facilitasse a aquisição de terras , -M programa que englobav mencionou

a a maioria das reformas que Nabuco

no prefácio de O Abolicionismo. 33

Além do fim da escravatura, a ca us a que os abolicionistas defendiam, provavelmente, de um modo mais entusiástico, particularmente depois de 13 de maio de 1888, foi “a democratização do solo”. plic Este lema impl ic ava o desmantel ament o de grandes propriedad es agrícolas e a criação de pequen as fazendas onde os imigrant es, os bra29 80

81 32 de

“8

Tavares Bastos, 4 Provincia, páginas Rebouças, Agricultura nacional, nac

256-261.

páginas 300, 375, O Abolicionista, 1 de Janeiro e 1 de £ evereiro d Ver Rui Barbosa, Reforma do ensin primário: S P 10 Janeiro, 1883); Barbosa, Obras CompleOtas, Vol. E a

194

Annaes

da

Camara

(1889), I,

142.

h

: o e projet

(Rioe

sileiros pobres e os escravos libertados pudessem encontrar alguma independência e prosperidade econômica e social. O fato desta idéia emergir no Brasil era inevitável, dada a realidade do sistema tradi-

cional de propriedade de terras, e, na realidade, os pedidos por uma 1880. *! Na sua notável “Representação à Assembléia e Silva já propusera

de Andrada

Bonifácio

José

da década de

sido escutados muito antes

reforma agrária já haviam

Geral”

todos

que

de 1823,

os ho-

mens livres de cor, sem meios para ganhar a vida, recebessem do estado “uma pequena sesmaria de terra para cultivarem”, bem como auxílio do governo para se estabelecerem nessas pequenas propriedades. 3% A grande propriedade, escreveu A. P. Figueiredo, de Pernambuco, em 1847, era uma barreira à prosperidade, à imigração, à emergência de uma classe média e ao funcionamento de um governo constitucional na sua província; assim, recomendava um imposto sobre o solo para encorajar sua distribuição por uma população empobrecida e em expansão. 8 Em 1861, Tavares Bastos publicou Os essa em

que ele

suas nos anos da década de 1880. % Em

1866, o

do futuro,

males do presente e as esperanças

série de

propôs toda uma

rais adotaram como

obra

reformas que os abolicionistas

e os libe-

mesmo deputado de Alagoas introduziu legislação na Câmara no sentido de libertar escravos pertencentes ao governo brasileiro e de conceder-lhes terras, equipamento e gado; depois, em 1870, pediu um imposto sobre as propriedades para promover a educação popular

e a venda e distribuição de terras que não estavam sendo usadas. “Só o imposto territorial e a prévia desapropriação de áreas incultas, à margem dos futuros caminhos de ferro,” escreveu ele, “podem resolver a enorme difficuldade que legou-nos a imprevidente politica das prodigalisadas doações de sesmarias.” *º 84

Brazil”,

(Nova

ver

85

Rios,

Artur

José

in

York,

Smith,

T.

Lynn

1967),

Brazil,

of Interest in Agrarian Reform im

“The Development

ao sistema

Quanto

95-99.

páginas

Reform

Agrarian

(ed.),

Smith

páginas 257-356.

:

Andrada e Silva, “Representação”,

páginas 53-54,

Latin

in

agrário no

58.

America

Brasil,

E

86 A. P. Figueiredo, “The Need for 67-7Agr2.arian Reform in Brazil (1847)”, Reform, páginas Agrarian

in Smith,

87

A.

C. Tavares Bastos,

1939), páginas

(São Paulo,

gração”

de 1867,

ibid.,

Os

males

25-53.

páginas

do presente

Ver também

55-127, na

qual

e as esperanças do

“8

Eis

“o

páginas 327-332.

A raaeio

servil, página

479;

sobre immias vantagens

sua “Memoria ele argumentou

da abolição, da descentralização política, de um sistema vias de comunicação mais eficazes, da igualdade religiosa da grande propriedade.”

futuro

legal melhor, de e da “subdivisão en

Tavares Bastos,

4

Provincia,

195

Durante

os anos abolicionistas, a reforma agrári a foi proposta

frequente e urgentemente. Até mesmo antes do abolicionismo, André Rebouças

escreveu uma série de artigos para apresentar a causa da “democracia rural”. Segundo o plano de Rebo uças, os grandes proprietários de terras venderiam ou alugari am lot es de terras de vinte hectares a libertos, imigrantes e lavradores, conser vando o centro de suas propriedades como a localização de um engenh o ou de uma usina de processamento. As tradicionai s safras de ex portação continuariam sendo cultivadas nas propriedades menores e, depois das colheitas, o produto seria entregue por um preço justo aos antigos proprietários, já então industriais rurais, cujos engenhos no campo preparariam as safras para consumo final. Antes da sua exportação, o café, o açúcar, o fumo e o cacau seriam processados em ext rato de café ou pó, açúcar refinado, têxteis, cigarros e chocolate, ass eguran-

do, assim, um lucro máximo para os fazendeiros e fabricantes brasi-

leiros. Cada engenho central, segundo este plano, teria sua própria escola, onde as crianças receberiam educação técnica e industria l. Cada propriedade independente seria suficientemente grande para permitir a rotatividade de safras e para proporcionar pastos e florestas. 3?

Semelhantes às modernas usinas, estabelecidas nas regiões pro-

dutoras de açúcar do Brasil, depois da abolição engenhos centrais de Rebouças teriam sido muito dernas plantações brasileiras tanto em propósito nização. Segundo seu plano, haveria uma divisão quenos lotes, em vez da consolidação de fazendas

da escravatura, os diferentes das moquanto em orgadas terras em pede açúcar de pro-

priedade familiar em gigantescas plantações controladas por corporações. Rebouças previa fazendeiros independentes e industriosos no

controle das terras, em vez de pessoal contratado, meeiros, trabalhadores migrantes, posseiros e rendeiros, agora empregados nas grandes propriedades ou subsistindo nelas. 4º O plano de Rebouças para uma “democracia rural” foi defendido, antes de 1880, pelo menos por outro autor. O Visconde Beaurepaire Rohan, um amigo e associado de Rebouças, escreveu, em 1878, num relatório apresentado ao Ministério da Agricultura, que “O

retalhamento

da

grande

propriedade

territorial

é

com

effeito

uma condição indispensavel ao desenvolvimento da nossa lavoura e muito mais quando estiver de todo extincta a escravidão.” A solução para os problemas da agricultura, escreveu ele, estava no esta8º

40

196

Rebouças, Smith,

Agricultura nacional, páginas

Brazil,

páginas

345-351,

1-7, 111-112

» 120,

É 2. 267-33

belecimento de “fábricas centrais” em terras conservadas pelos grandes proprietários depois da divisão da maior parte de suas terras em pequenas propriedades. A área central serviria como um centro de processamento e como um núcleo de população, com uma escola, uma igreja, lojas e “tudo o mais que pudesse tornar commoda a vida dos lavradores.” *

Com o início da era abolicionista, a reforma agrária foi pedida frequentemente na imprensa e até em reuniões públicas. 42 O projeto de reforma da escravidão de Nabuco,

apresentado em 1880, incluía

uma provisão para reservar terras para colônias de libertos e o primeiro número de seu mensário antiescravatura, O Abolicionista, de-

nunciou

o latifúndio. Em dezembro de 1880, a Gazeta da Tarde pu-

blicou uma série de artigos não assinados, escritos por André Rebouças, que denunciavam o “latifúndio, barões feudaes, landlords e Landocracia,” exigindo o estabelecimento de “democracia rural”, engenhos centrais e pequenas propriedades agrícolas. Os artigos de Rebouças exigiam também a libertação de um milhão e meio de “irmãos”, uma distribuição de terras pelos antigos escravos, um imposto territorial e leis para encorajar a venda e subdivisão das “enormes propriedades territoriais dos nefandos e fatalissimos landocraticos deste Império.” “ A medida que a década abolicionista progredia, a reforma do sistema agrário continuava sendo associada ao movimento de libertação. A sociedade abolicionista refundada na Escola Polytechnica no Rio, em 1883, onde André Rebouças trabalhava como professor, pediu um imposto sobre as terras incultas localizadas dentro de um raio de vinte quilômetros de linhas de comunicação, evidentemente

com o fim de apressar a venda e distribuição de grandes estados. O Projeto Dantas de 1884, um importante projeto de reforma para a libertação de escravos que completassem sessenta anos de idade, estipulava que os libertos viriam, eventualmente, a serem donos das

terras em que trabalhassem. % No mesmo ano, num apelo aos eleitores de Recife, Nabuco associou o estabelecimento da pequena pro-

priedade com 4

42

O futuro da grande lavoura, páginas

Beaurepaire Rohan, da

Gazeta

padora.

Boletim

Tarde,

N.º 2,

Abolicionista,

43

O

4

Rio

45

Obras

páginas 291-292; priedade,

6 de 28

1 de

setembro

de

novembro

de

de

Outubro

10-11.

fazenda

democrática”,

Associação

Central

Emanci-

1880;

Rebouças,

Diário

e notas,

de 1860.

Completas de

Rui

Para

ver O

disse

1880;

a

Gazeta da Tarde, 3, 4, 7, 8, 9, 10 e 11 de dezembro

News, 15 de agosto de 1887. da

Esse movimento,

os objetivos do abolicionismo.

Barbosa, Vol.

outro pedido da

Cruzeiro,

XI,

15

Tomo

de

de 1880.

“pequena

março

de

pro-

1883.

I, páginas 300-301.

197

Nabuco, assinalava “o começo da propriedade do lavrador”. Os abolicionistas, afirmou ele, estavam lutando para dar aos pobres rurais “uma independência honesta, algumas braças de terra, que eles possam cultivar como próprias, protegidos por leis executadas por uma legislatura independente e dentro das quais tenham um reduto tão inexpugnável para a honra das suas filhas e a dignidade do seu caráter como qualquer senhor de engenho.” Não havia “outra solução possivel para o mal chronico e profundo do povo,” disse ele ao

eleitorado do Recife,

“senão uma lei agraria

que estabeleça a pe-

quena propriedade.” A solução para a pobreza brasileira, acreditava ele, era “a democratização do solo.” 48 Essa mesma frase — democratização do solo — viria a ser ou-

vida de novo nos meses que se seguiram à abolição, quando os principais liberais e abolicionistas promoveram esta nova reforma como a “consequência lógica” da lei de 13 de maio de 1888. apenas após a abolição,

os abolicionistas de

Dois meses

o senador conservador Leão Veloso

manifestarem

repetidamente

a opinião

acusou

de que

era “necessário acabar com o feudalismo territorial para estabelecer a democracia agrícola” e, no mesmo debate, o Senador Dantas decla-

rou que as pequenas propriedades viriam “pela ordem natural das cousas.” * Dantas, na realidade, trabalhou ativamente pela reforma agrária nos meses seguintes à abolição, tanto como líder do Partido Liberal quanto como membro do Senado. “Numa reunião da Confederação Abolicionista em agosto de 1888, Dantas esboçou o programa do Partido Liberal para o futuro, o qual deveria incluir, entre outras reformas, a divisão das grandes propriedades. Apenas um mês mais tarde, o mesmo senador falou de novo na câmara superior sobre a necessidade de proporcionar terras para colonizadores, próximas de facilidades de transporte, e, outra vez, de

parcelar as grandes propriedades. Até mesmo o próprio Imperador, muito influenciado por Rebouças e outros membros da Confederação Abolicionista 4º e talvez pelos escritos de Tavares Bastos, favoreceu uma reforma do sistema agrário como um meio para atrair imigrantes europeus. 5º Aclamado Patriarca da Família Eman*6 da

Nabuco, Campanha abolicionista no Recife, Costa, Da senzala à colônia, página 433. Para

páginas 10, 48-49: Viotti outra das declarações de

Nabuco sobre a questão agrária, ver seu livro Henry do

47 48

49 50

1968

solo

(Rio

de

Janeiro.

1884),

páginas

5-10.

George,

Annaes do Senado IRS. III, 188-189. Rio News, 5 de setembro de 1888; Annaes do Senado

Rebouças, Diário e notas, páginas Annaes da Camara (1889), I, 16.

328-329.

(1

Nacionalização

(1888), V,

997.

226-227

cipacionista

em

celebrações realizadas em Petrópolis e no Rio,

primeiro aniversário da abolição da escravatura,

no

o Imperador pre-

feriu comprometer-se, a ele e a sua filha, Prince sa Isabel, com a continuação do movimento de reforma e, assim, pr ovavelmente, apressando sua queda do poder.

Os abolicionistas promoveram, então, reformas colatera is depois

do dia 13 de maio de 1888, mas seu principal objetivo, até essa data, foi acabar com a escravatura. No início e durante vários anos, tentaram alcançar seu principal objetivo por métodos legais e pacíficos — por meio de propaganda e ação legislativa — e continuara m usando esses métodos até sua causa ser vitoriosa. Todavia, em 1885, não tendo conseguido obter concessões satisfatórias apenas com esses métodos e desiludidos com as soluções que os fazendeiros e O Par lamento consideravam aceitáveis, também se voltaram para mét odos ilegais, “aparentemente tendo raciocinado que, se os proprietá rios não podiam ser convencidos a libertarem seus escravos, estes poderiam por certo, ser convencidos a abandonarem seus senhores. O abolicionismo ilegal — o incitamento para que os escravos abandonas sem as fazendas e partissem para lugares de refúgio previamente determinados — não foi tentado em grande escala, contudo, até dep ois da resistência ao abolicionismo legal ter criado suficiente ira e frustração para

conduzir os homens

a esses métodos

A REAÇÃO

mais perigosos.

PRÓ-ESCRAVATURA

A PRIMEIRA onda abolicionista que assaltou o Rio retrocedeu no início de 1881. Todavia, durante a primeira e breve fase do movimento, os proprietários de escravos e seus representantes no Parla-

mento e na imprensa reagiram fortemente em defesa dos interesses ameaçados. A reação, na realidade, pareceu contar com a lealdade

da maioria da população, um resultado, na opinião de Nabuco, da cumplicidade dos setores comerciais e do monopólio que os senhores dos escravos tinham do trabalho, das terras, do capital, das agências de aplicação da lei e das dependentes classes educadas. 52 ºl Rebouças, Diário e notas, página 335. Rebouças, que partiu com o Imperador den para o exílio depois da queda do Império, apelidou D. Pedro,

mais

tarde,

páginas

52

O

de “sublime

173-175.

Abolicionista,

1

Martir da Abolição”.

a E

de janeiro

Ver

Nabuco,

Minha

formação,

de 1881.

IS9

O ministério liberal do senador

baiano

José

Antônio

Saraiva,

comprometido com a reforma eleitoral e um orçamento equilibrado, liderou a defesa do status quo, brandindo o voto livre numa das na ou-

mãos, nas palavras de um crítico, e o chicote da escravidão

esse objetivo, devido a razões sociais e econômi-

cas, por meio da Lei Rio Branco: acção

da morte”.

Acelerados

o pecúlio, manumissões e “pela

rapidamente,

estes

processos

elimina-

Tiam a escravidão em vinte anos, pacificamente, seguramente, e sem a interferência do governo. Com o ministério assim decidido a uma inação permanente na questão da escravatura, parte da imprensa iniciou uma campanha de difamação dirigida contra os principais líderes do movimento abo-

licionista. 55 Manoel Peixoto de Lacerda Werneck, do Rio de Janeiro, que não tardaria a representar sua província na Câmara, respondeu ao projeto emancipacionista de Nabuco com uma série de artigos no Jornal do Commercio, acusando o “naturalmente ambicioso” jovem pernambucano de um desejo de se engrandecer “perante o juizo ephemero das multidões”. 58 Segundo O Corsário, do Rio de Janeiro, Joaquim Nabuco escolhera o abolicionismo como um

meio de ganhar fama em países estrangeiros depois de sofrer desapontamentos pessoais e políticos, incluindo seu fracasso em casar-se com uma como um e o tino presumia £loria,

mulher rica. %” O Paiz, do Maranhão, referiu-se a Nabuco homem “sem a autoridade do bom senso, sem a prudência do estadista, sem a consciência sã do patriota”. Nabuco, esse jornal, “declama contra a escravidão por ambição de

por vaidade

somente,

e mais

para

ser applaudido

do

estran-

geiro do que por verdadeiro amor á liberdade”. 58 Tal como o pró8 54 55 56 do

fatal

Gazeta da Tarde, 26 de agosto de 1880. JIbid., 16 de agosto de 1880. Ibid., 18 de setembro de 1880. Manoel Peixoto de Lacerda Werneck, Questão grave. Artigos a propósito annunciado projecto do Sr. Deputado Joaquim Nabuco, fixando prazo

á existencia

do elemento

servil, publicados

(Rio de Janeiro, 1880), página 5. 1 O Corsário, Rio de Janeiro, 2

ss

200

O Paiz, 28 de janeiro de 1881.

de

outubro

no Jornal

e 4

de

do Commercio

dezemb

o

d

de dos

O.

O

mas só promoveria

ver o fim da escravatura,

DS

todos os brasileiros, o governo desejava

a tal coisa. Como

E

va de ter escravos e só a necessidade os forçava

sa

tra. 53 Em agosto, o Ministro da Agricultura do governo de Saraiva já apresentara sua posição com argumentos que foram usados pelos defensores da escravatura nos anos seguintes. Os brasileiros eram todos emancipadores, segundo sua lógica. Nenhum brasileiro gosta-

prio Nabuco observou mais tarde, “a escravidão procurou por todos os meios

confundir-se

com

de muita gente

o paiz e na imaginação

o conseguiu. Atacar a bandeira negra é ultrajar a nacional. Denunciar o regimen das senzalas é infamar o Brasil todo”.5? Em dezembro de 1880, o diário republicano, 4 Provincia de São Paulo, denunciou a Gazeta da Tarde como a “folha que, felizmente, só apparece aqui, trazida da Côrte como curiosidade”, enquanto ridicularizava José do Patrocínio como “o orador de S. Luiz...

suppondo-se collocado em uma atmosphera superior, não attingivel por nenhum dos mortaes deste paiz, o preclaro reformador de tudo,

o omnisciente, o omnividente, o sabio, o celebre orador festejado pretende fazer curvar deante de seu genio todos os varões illustres desta nação”. 8º Um aparente ataque às origens raciais foi comentado numa carta de Luiz Gama publicada dois dias mais tarde na Gazeta da Tarde. “Em nós, até a côr é um defeito, um vicio imperdoavel de origem, o estigma de um crime,” comentou Luiz Gama. Mas os críticos esqueceram, disse ele, “que esta côr é a origem da riqueza de milhares de salteadores, que nos insultam; que esta côr convencional da escravidão, como suppõem os especuladores, á semelhança da terra, ao travez da escura superficie, encerra vulcões, onde arde o fogo sagrado da liberdade”. 8! Na Câmara dos Deputados, verificaram-se iradas reações contra os abolicionistas. Em agosto, Martinho Campos, de Minas Gerais,

um dos mais ardentes membros da retaguarda parlamentar, declarouse um escravocrata no interesse de seus escravos. ºº Em novembro,

aplaudido e cumprimentado por uma horde de colegas, Campos pediu respeito pela lei e a ordem, denunciou os “socialistas” e os “reformistas modernos” que estavam subvertendo o mundo e deplo-

rou

seus supostos exageros,

falsidades

e apelos abertos

“A esse grito de abolição,” sugeriu ele, “respondam

à rebelião.

os fazendeiros

59 Nabuco, O Abolicionismo, página 248. Nabuco foi acusado muitas vezes de falta de patriotismo e de ligações íntimas com interesses estrangeiros ou com o Imperador emancipacionista. Depois de ter regressado da Europa, em 1884, foi acusado de ter ganho reputação no estrangeiro à custa de seu país e de ser o enfant gaté (menino mimado) da política imperial. Ver Manual do subdito fiel ou cartas de um lavrador a sua magestade o imperador sobre a questão do elemento servil (Rio de Janeiro, 1884), página 51.

60

61 62

Provincia

de

São

Paulo,

1 de

dezembro

de

Gazeta da Tarde, 3 de dezembro de 1880. Ibid., 31 de agosto de 1880. A Gazeta da

1880.

Tarde

pensou

que

ele

teria

e ress inte no ata ocr rav esc um ado lar dec sse tive se se sto hone e o exat sido mais de seus credores.

201

de revolver em punho”. “Fallar em emancipação de escravos é não

ver um palmo adiante do nariz”, zombou o Deputado Moreira de Barros em outra ocasião. “Brincam com fogo os taes negrophilos”

advertiu o Barão de Cotegipe, um defensor da escravatura até os

últimos dias de sua longa vida. 8 Os abolicionistas foram objeto de críticas devastadoras e até mesmo de abuso físico. Os repórteres da Gazeta da Tarde viram-se

negados o direito, normal para os membros da imprensa, de presen-

ciarem

as sessões da legislatura e os

para O interior eram inexplicavelmente

números

da Gazeta

demorados

enviados

na viagem. St! A

medida que a crise aumentava nos anos seguintes e que o abolicionis-

mo se espalhava por uma centena de cidades e distritos, com as fazendas já nem mesmo a salvo de, sua influência, a violência e a hostilização iam-se tornando mais frequentes. Os alvos mais comuns dos ataques

antiabolicionistas

eram

as redações

dos jornais

reformistas.

com seu dispendioso e frágil equipamento. Tal como já sucedera em 1871, os políticos e os fazendeiros pró-escravatura institucionalizaram em 1880 sua resistência através da formação de associações agrícolas, tanto nas cidades quanto nas comunidades rurais. A mais importante destas foi o Centro da Lavoura e do Commercio, criado com o propósito anunciado de orientar a questão da escravatura para uma solução calma. % O Cruzeiro, do Rio, foi o órgão da imprensa escolhido do novo centro conservador, que se descrevia como “uma associação de lavradores, nego-

ciantes e representantes de outras classes solidarias, no intuito defender os legitimos interesses agricolas do Brasil e occorrer á forma da constituição actual do trabalho, sob o influxo da lei 28 de setembro de 1871, sem alteração da segurança publica e vada, decadencia da producção nacional e outras perturbações

de rede priso-

ciaes.” Os objetivos do centro, segundo sua constituição, seriam realizados nas províncias por clubes locais, enquanto, no Rio, o traba-

moção de propaganda pela imprensa, petições ao governo e contatos com clubes locais. $º Mais eficaz do que o Club da Lavoura de 1871, o e

ae

da Camara

(1880),

VI, 259; Gazeta

64 Gazeta da Tarde, 15 de novembro de 1880: 22 vembro de 1881: 22 de setembro de 1882: 4 je

68 Ra

202

Gazeta

+

É Se

da Tarde,

. OTEA A

de

de junho

5 de junho de 1883. 6º

da Tarde,

do

15 de novembro Centro

da

de 1880.

Lavoura

e do

25 de setembro

fe

I 1883; deDia

Commercio,”

7

de

no-

o Rio News,

ibid.,

10

de

O

lho seria delegado a uma comissão executiva permanente com a pro-

o Centro depressa contou com sucursais regionais em dúzias de comunidades nas três principais províncias do café e mais algumas no norte e, em 1884, já era suficientemente poderoso para convocar uma vasta reunião dos representantes provinciais na capital. ” Intimamente ligado à Associação Commercial do Rio de Janeiro por opi-

niões semelhantes e por grande número de membros comuns, o Centro agiu como um poderoso grupo de pressão dedicado a combater os

abolicionistas

e a impedir

mais

medidas

legislativas

em

favor

da

libertação dos escravos. Nem todas as organizações dos fazendeiros se opunham sem reservas à mudança, embora o Club da Lavoura e do Commercio paulista, de Campinas, com sua extraordinária concentração de escravos (ver Tabela 16), fosse considerado um bom exemplo da maioria que se opunha ao abolicionismo sem quaisquer reservas. Segundo os abolicionistas, havia uma segunda classe de clubes agrícolas constituídos por “fazendeiros cordatos e progressistas” que só pediam tempo e meios para efetuar uma transição para o trabalho livre. Um dos mais representativos desta classe mais progressista era o clube do município de Pindamonhangaba em São Paulo, localizado não no norte ou oeste da província, mas sim no Vale do Paraíba. Em 1880, o clube dos fazendeiros dessa comunidade anunciou sua intenção de estudar os meios práticos de levar trabalhadores livres para a região e de tomar outras medidas para a inevitável abolição da escravatura. 8? Os argumentos pró-escravatura de 1880 eram muito semelhantes aos de 1871, sendo alterados apenas por novas circunstâncias e uma nova devoção pela Lei Rio Branco. Teoricamente, ninguém esperava perpetuar a escravatura no Brasil, apenas prolongá-la. Ninguém defendia a escravidão em teoria, conforme Nabuco o disse em 1885, mas muitas pessoas defendiam-na na prática. 7º A lei de 1871, outrora combatida furiosamente, já se transformara, em 1880, na carta intocável da escravatura, usada até para justificar a continua-

ção do status de escravo dos africanos importados depois de 7 de novembro de 1831. 7! Os escravos não estavam preparados, por edu67 Moraes, 4 campanha abolicionista, páginas 61-62. 68 Ibid.; Associação Commercial do Rio de Janeiro. Elemento servil: 1.º representação da comissão especial nomeada, em assembléia geral extraordinaria de 2 de maio de 1884 (Rio de Janeiro, 1884), página 14. 69 Gazeta da Tarde, 20 de outubro de 1880; O Abolicionista, 1 de novembro de 1880. 7O Annaes da Camara (1885), TI, 212. 71 Ver a declaração do Senador Ribeiro da Luz, de Minas Gerais, Annaes do Senado (1883), III, 19.

203

cação e experiência, para uma rápida emancipação, argumentavam os defensores da escravatura. Precisavam, primeiramente, de serem educados, já que, embrutecidos como eram, não tinham “outra ambição que a de libertar-se de um trabalho que nada lhes produz senão a fadiga.” 72 A abolição significaria perda de receita para o estado, afirmavam os representantes da escravatura, como já o faziam há sessenta anos. A agricultura dependia do escravo e até que uma força de trabalho livre pudesse ser recrutada, quaisquer outras medidas em favor da emancipação seriam impensáveis. A abolição seria ilegal e até imoral se imposta aos fazendeiros sem indenização. A escravidão era vantajosa para o escravo, que ficaria indefeso se, de repente, se encontrasse livre. Se a abolição fosse decretada subitamente, os libertos não trabalhariam, não produziriam, seriam ape-

nas consumidores e um elemento de perturbação social. Tal como em 1871, houve de novo a previsão, em 1880, de que, uma vez livres, os antigos escravos se sublevariam em revolta.'* Os defensores da escravatura recorriam ocasionalmente a argumentos então quase tabus no Brasil — a um racismo que passou a estar mais em voga depois da queda do Império. Os libertos, segundo uma petição da Associação Commercial, eram “incompatíveis com um regimen qualquer de economia e de ordem, de trabalho e de moralidade.” “* No Brasil, disse o industrial Felicio dos Santos, na Câmara, em 1882, o negro era uma absoluta necessidade, apesar de sua inferior “conformação cerebral”. 7º Num artigo em defesa da escravatura publicado no jornal republicano 4 Provincia de São Paulo, o filósofo positivista Luís Pereira Barreto, autor de obras abstrusas sobre metafísica e teologia, teorizou que, para os brasileiros de descendência européia, cujo predomínio se fundava em “condições naturais”, a escravatura era um “mal necessário”, porque “nos achamos deslocados do nivel de evolução da parte mais adiantada

da humanidade.” Para “os infelizes filhos da bárbara Africa”, por outro lado, a escravidão era “incontestâvelmente um bem relativo,” já que seu transporte da África para e as de seus descendentes. 78

o Brasil

garantira

suas

vidas

72

Diário de Noticias, Rio de Janeiro » 4 de fevereiro de 1882; Nabuco, Conferênc rên ia a 22 dele Junho de 1884, pá gina 32. 7%3 Diário de Noticias, 5 de fevereiro de 1 882; Brasi o i de Janeiro, 12 de Rio rasil, 416 I, ), (1882 ra Cama da es Anna abril de 1885;

74

75 76

Citado por Nabuco,

Conferência a 22 de

e Junho Annaes da Camara (1882), I, 416. Beiguelman, Formação politica, I, 160-161.

minente

filósofo

com

inclinação

decidid a

Costa, Contribuição à história das idéias, Ra 204

Ju

de

1884,

páginas

:

Pereira Barreto da foi um

ota

Ra

ver

30-31.

pree-

Cruz

|

Alguns dos mais

teimosos defensores da escravatura chegavam

mesmo a mostrarem-se descontentes com a Lei Rio Branco. O Diário do Brazil não só condenava os abolicionistas como “homens in-

gratos” que elevavam suas vozes contra a mão beneficente que os alimentava; também pedia uma contrapropaganda eficaz e um programa de ação para impedir o processo da emancipação enquanto um sistema de trabalho livre não estivesse em funcionamento, para

pedir que a lei de 1871 não fosse executada de um modo desnecessariamente prejudicial para os donos de escravos, para repelir a agressão dirigida

contra

a agricultura

e para

“expor

a falsidade

das

calumnias sediças e nojentas adrede espalhadas a fim de ferir a hon-

ra dos

fazendeiros.” 77

Os defensores da escravatura no Parlamento e fora dele produ-

ziram um extraordinário número de aforismos citáveis que o pessoal da Gazeta da Tarde reuniu durante 1880 e publicou já perto do final da sessão legislativa :“O Brazil é o café,” disse Silveira Martins do Rio Grande do Sul, “e o café é o negro”. “A escravidão é conveniente,” afirmou o senador liberal Sinimbu, de Alagoas, “mesmo em bem do escravo”. “Amo mais a minha patria do que ao negro,” confessou Saraiva, Presidente do Conselho de Ministros. “O fazendeiro deve merecer mais cuidados dos poderes publicos do que os escravos,” pensava Martim Francisco Ribeiro de Andrada. “O que se fez a 28 de setembro,” disse Ferreira Vianna, do Rio de Janeiro, “Já é de mais: Regresso! Regresso!” “São Paulo prefere a republica á abolição,” foi a opinião do monárquico Costa Pinto, dessa provincia, “escolha o Imperador!” “O escravo é, entre nós, um verdadeiro fidalgo proletário,” comentou o velho escravocrata Andrade Figueira, do Rio de Janeiro. “Medidas de rigor,” advertiu Paulino de Souza, da mesma província, “e quanto antes para conter a insubordinação nas fazendas e fazer murchar perigosas impaciências.” 78 A reação pró-escravatura não se limitou a declarações de polí-

ticos. Revelou-se

também

nas eleições de novembro

de

1881,

em

que quase todos os candidatos do partido abolicionista foram derro-

tados. O novo gabinete estabelecido no início de 1882 era chefiado, na realidade, por Martinho Campos, o deputado de Minas Gerais que sugerira enfrentar os abolicionistas de revólver em punho.

Na-

buco, candidatando-se contra um conhecido escravocrata na capital, foi derrotado estrondosamente 77 78

e, assim,

partiu para

a Europa

para

Diario do Brazil, 10 de fevereiro de 1882. Gazeta da Tarde, 25 de setembro de 1880.

205

lá continuar sua luta. 7º “É claramente evidente por estes resultados,” comentou o jornal The Rio News, “que o país não deseja a emanci-

pação e que receia até mesmo a simples discussão do assunto.” Os

escravocratas acreditavam que a agitação antiescravatura havia sido esmagada pelo veredito das eleições. 90 Havia, então, uma poderosa reação ao abolicionismo, que se revelava na Assembléia, na imprensa e, talvez ainda mais convin-

centemente, nas eleições de 1881. Os abolicionistas, tendo revelado dramaticamente sua presença em 1880, abrandaram sua ação no ano seguinte, talvez surpreendidos pela ira de seus oponentes. As

reuniões antiescravatura, organizadas semanalmente em 1880, cessaram em 1881 e os clubes abolicionistas foram desbandados ou, então, continuaram agindo menos publicamente. Os defensores da escravatura, por outro lado, também haviam sido assustados pelas enérgicas atividades abolicionistas e a nova e inesperada ameaça fez, então, com que os legisladores provinciais nas províncias do café tomassem medidas para acabar com o comércio de escravos inter-

provincial a fim de fortalecer a escravatura nas províncias do norte. Ao fazê-lo, ajudaram inadvertidamente a desencadear o mais poderoso dos movimentos abolicionistas provinciais, o da pobre província nordestina do Ceará.

79

80

206

Rio

News,

3

de

dezembro

JIbid., 15 de novembro

de

de

1881.

1881.

No

não

se embarcam

O

POVO 27

porto

mais

do

Ceará

escravos!

DE FORTALEZA de janeiro de 1881

11

O MOVIMENTO O FIM DO COMÉRCIO

INTERPROVINCIAL

NO

CEARA

DE ESCRAVOS

Em acosto de 1880, a reação pró-escravatura nas províncias do café já começara tomando uma forma que, contrariamente a seu propósito, encurtou a vida da escravatura no Brasil. Havia várias décadas que os escravos estavam sendo levados para o sul, das províncias do norte, para os zonas do café, com pouca atenção sendo prestada a sua condição e, em setembro de 1880, os viajantes que embarcavam para o sul a bordo dos navios da Companhia Brasileira

de Vapores ainda podiam

ter quase a certeza de terem como com-

panheiros de viagem escravos destinados a serem vendidos no sul. ! Os deputados do norte já tinham tentado, em 1854, conforme dissemos no Capítulo 4, deter o tráfico para o sul através de legislação, mas os lavradores do café do sul não se tinham mostrado dispostos, então, a deixarem-se influenciar por previsões de uma possível de-

sunidade nacional devido à questão dos escravos e tinham-se oposto a acabar com o fluxo livre de escravos de região para região.

Em 1878, contudo, algumas personalidades do sul tiveram a consciência da ameaça para seus interesses inerente no comércio norte-sul e haviam tentado detê-lo. Nesse ano, Antônio Moreira de 1

Annaes

da

Camara

(1880),

V,

35.

207

Barros, um

ardente político pró-escravatura,

introduziu

um

projeto

de lei na Assembléia Provincial de São Paulo para impor um imposto proibitivo sobre todos os escravvooss que entrassem em Sã o

Paulo,

vindos de outra província. O objetivo da proposta de Mo reira de Barros não era limitar o influxo de escravos que iam para São Paulo. Seu propósito era, sim, fechar o mercado de escrav os de São Paulo para restringir o fluxo de escravos para fora de outras províncias, especificamente daquelas, no norte, que se estavam desembaraçando rapidamente de suas populações escravas. O motivo de Moreira de Barros não era humanitário, mas sim expediente, tal como o fora o de João Mauricio Wanderley, em 1854, quando os interesses da Bahia e das outras províncias do norte pareciam exigir

o fim do comércio interprovincial de escravos. Se Wanderley espe-

rara, em 1854, que a abolição do tráfico entre as províncias protegeria Os recursos em escravos da Bahia, Moreira de Barros, por seu lado, raciocinara, em 1878, que a abolição desse tráfico voltaria a fortalecer o compromisso das províncias do norte, exportadoras de escravos, com o sistema escravocrata e, assim, prolongaria a vida da escravatura. A legislação passou pela Assembléia Provincial, mas o presidente provincial, correspondendo aos protestos de fazendeiros que ainda estavam ansiosos por adquirir mais escravos do norte, recusou sancionar a medida. 2 A divisão nacional no que se refere à questão da escravatura, prevista em 1854 e, de novo, em 1878, já se tornara uma realidade, de fato, em agosto de 1880, quando o mesmo legislador paulista, Mo-

reira de Barros, já então representando sua província

na Câmara

nacional, introduziu um projeto de lei com o objetivo de proi bir o transporte de escravos de uma província do Império para outr a, com

as infrações da lei sendo castigadas ao abrigo de provisões penais da lei antitráfico de escravos de 1850, incluindo multas pesadas e penas de prisão. Paula Beiguelman, argumentando a teoria de que os fazendeiros paulistas se encontravam entre os primeiros abolicion istas, apresentou recentemente a hipótese de que São Paulo procurara acabar com o comércio de escravos interprovincial pelo fat o das mais novas regiões de café da provín cia já não estarem interessadas em manter

o sistema de escravos. 3 Todavia, esta teoria é contrariada pelo pró2

Prado

Jr.,

Circular,

página

11;

1880; Annaes da Camara (1880), 8 Ver Beiguelman, 4 formação

Provincia

IV, do

de São z 194.195 povo foi

Paulo, :

15

de

agosto

de

=

explicou a legislação paulista antico mércPoioio "a PáBinas 52-53. i Warre n De de es cr av os co mo um a tentativa para acabar rapidamente com a escravatura “nara encorajar o fluxo de

206

prio Moreira de Barros, que ambos seus projetos, de lei nacional de 1880, gem politica de sustar o

que declarou, em defesa de sua política, a legislação provincial de 1878 e o projeto tinham a intenção de promover “a vantaantagonismo que eu vejo com pezar desen-

volver-se entre as duas partes do Império, sobre

escravidão),

este assumpto

e collocar todas as províncias no mesmo

(da

pé de interes-

ses, para resolver, quando seja opportuno, a grande questão do elemento servil.”* A tentativa para acabar com o comércio interprovincial não foi realizada pelo fato de novos e mais progressistas fazendeiros da província de São Paulo terem decidido rejeitar a escravatura em favor do trabalho livre. Ao contrário, conforme o próprio

Moreira de Barros revelou, a legislação proposta tinha por intenção

deter esse tráfico para fortalecer o compromisso dos fazendeiros do norte, que estava sendo corroído tão rapidamente, para com o sistema escravocrata. Para o astuto A. Scott Blacklaw, um representante dos interesses do café de Ceilão, parecia “descaridoso” supor que o verdadeiro objetivo dos legisladores era prolongar a escravatura, mas havia “fortes provas circunstanciais de que assim era.” ? Esse projeto de lei, contudo, não obteve os propósitos desejados — que, nessa data, já não eram de todo possíveis de alcançar. A legislação, na verdade, foi detida na Câmara por uma coalizão de deputados que incluía um significante bloco de representantes do norte, que fez pressão sobre o governo no sentido deste arquivar o projeto. $ Revelando a fonte da oposição e advertindo o governo e os recalcitrantes deputados do norte, o órgão pró-escravatura do Republicanismo, 4 Provincia de São Paulo, comentou: “A desproporção, sempre crescente, entre o numero de escravos das provincias do

Sul e o das do Norte, cada vez mais determina a necessidade d'uma

medida prohibitiva, afim de conservar homogeneo o interesse de todomão-de-obra livre”. A escravatura, escreveu ele, citando mais percentagens do que números absolutos para provar seu ponto, diminuiu na província de São Paulo entre 1854 e 1873. Ver The Industrialization of São Paulo, página 41, de Dean, e seu “The Planter as Entrepreneur: The Case of São Paulo,” HAHR, XLVI (maio de 1966), 144. E verdade que a população livre de São Paulo cresceu muito mais rapidamente do que a população escrava esses

durante

dessa província 4

Annaes

cional

agosto 5

anos.

Blacklaw,

(1880),

Camara

de 1880.

representavam

“Slavery

como

aumentou

também

da

também

Todavia,

)

in

IV,

São

Brazil?.

de

1880.

números

significantemente. 194.

Paulo.

Para

Laêrne, Brazil and Java, página 85. 6 Gazeta da Tarde, 17 de setembro de

setembro

em

já vimos,

Os

dois

co-autores

Provincia

a mesma

de

opinião,

a população

reais,

São

do

ver

projeto

Paulo,

Van

15

na-

de

Delden

1880; Provincia de São Paulo, 11 de

209

provinciais das províncias do café eram as únicas a possuírem o poder legislativo para

erguer

uma

barreira ao movimento

de escravos para

o sul. Em meados de dezembro, a assembléia provincial do Rio de Janeiro, composta, segundo a Gazeta da Tarde afirmou, por “fazendeiros, senhores d'escravos e seus clientes,” já criara um imposto de 1:500$000 (aproximadamente o preço de um escravo caro) em cada cativo vindo de outras províncias. O objetivo da lei, explicou o Jornal do Commercio, era “impedir que se aggrave... a anomalia da desigualissima repartição da população escrava entre as diversas

secções do territorio nacional.” Prevendo que Minas Gerais e São Paulo não tardariam a promulgar uma legislação restritiva semelhante, o Jornal do Commercio concluiu que as três províncias mais interessadas na escravatura tinham o dever de organizar uma resistência legal à invasão de escravos do norte, já que, logo que tivessem despachado seu último escravo, as outras províncias tornar-se-iam :abolicionistas e, com seus votos unidos, eliminariam a escravatura em toda a nação. 8 Assim, os membros da assembléia de São Paulo, da Assembléia Geral e, pelo menos, dois importantes jornais da região do café, já tinham reconhecido que o comércio interprovincial de escravos estava destruindo o equilíbrio da escravatura e que ameaçava sua própria existência. As províncias de São Paulo e de Minas Gerais seguiram, portanto, a do Rio de Janeiro na aplicação das leis antitráfico de escravos. Minas Gerais agiu quase imediatamente, no final de dezembro, aplicando um imposto de dois contos a cada escravo que entrasse na província. ? A assembléia provincial de São Paulo, já então sob pressão da imprensa e dos fazendeiros, incluindo o Club da La? 8 9

Ibid. Grifo acrescentado. Jornal do Commercio, 21 de dezembro de 1881. Rio News, 24 de janeiro de 1881; Viotti da Costa, Da

página 209. A aprovação cravos por Rio de Janeiro

senzala

à colônia,

de leis contra o comércio interprovincial de ese Minas Gerais, províncias essas cujos fazendeiros

jamais foram suspeitados de ter opiniões progressistas ou abo licionistas, parece refutar conclusivamente a teoria de que a legislatura de São Paulo passara a sua lei anticomércio de escravos devido aos fazendeiros da província rejei-

mm

o paiz.” Se não houvesse um fim rápido desse tráfico, concluía o artigo, a população escrava das províncias do norte depressa ficaria tão reduzida “que os deputados do Norte, que formam a maioria da Câmara, poderão decretar a emancipação sem compromeiter nem mesmo affectar os interesses de suas respectivas provincias...”7 Com a medida barrada na Câmara, pelo norte, as assembléias

voura de Campinas —

as mesmas forças que se tinham oposto à lei

provincial dois anos antes — aprovou uma lei em janeiro de 1881, requerendo o registro de todos os escravos que entrassem na província e uma taxa de entrada de dois contos por cada, com penas pe-

sadas pela sua infração. Apresentado em 17 de janeiro, o projeto de lei foi aprovado e já fora sancionado no dia 25 desse mesmo mês, tendo havido pouco a seus objetivos. 1º Estes foram

debate quanto

ses mais tarde, contudo,

descritos alguns

me-

durante um debate sobre um projeto para

isentar um fazendeiro da taxa de registro em trinta escravos que

ele adquirira. “O que quizemos evitar,” disse o legislador Rodrigo Lobato, “foi que as províncias do norte, depois de lançarem na de São Paulo todos os seus escravos, fossem as primeiras a dar o grito de emancipação. Foi este principalmente o motivo da lei de 25 de janeiro deste anno.” 1! Com o abolicionismo desencadeando-se em sua volta, os legisladores do sul tinham-se convencido, finalmente, do perigo da constante retirada de escravos das províncias do norte e, assim, haviam legislado um fim virtual desse tráfico. 12 Trinta anos antes, quando esse comércio começava a desenvolver-se, esta legislação talvez tivesse contribuído mais para a estabilização da população escrava nas províncias do norte e prolongado a vida da escravatura em toda a nação. Legislada no final de 1880, contudo, e pelas províncias do sul, contra uma certa resistência do norte, teve o irônico efeito de fortalecer o abolicionismo do norte. Este foi o caso, pelo menos, no Ceará, onde o valor dos escra-

vos dependia quase totalmente da existência do mercado do sul. Os brasileiros que esperavam prolongar a escravatura através da conservação do equilíbrio entre o norte e o sul teriam razões para se preocuparem com os comentários do jornal The Rio News publicados na véspera da ratificação da lei de São Paulo. Se as províncias do café recusarem autorizar a compra de escravos de outras partes do Império,

afirmou

esse jornal

de língua

inglesa,

“o

valor dos

escravos

10 Provincia de São Paulo, 11 de setembro de 1880; Gazeta da Tarde, 14 de dezembro de 1880: Colecção de leis e posturas municipaes promulgadas pela Assemblea Legislativa Provincial de São Paulo no anno de I881 (São Paulo, 1881), página 3; Annaes da Assemblea Legislativa Provincial de São Paulo | (São Paulo, 1881), páginas 11-25. 11

12

Annaes

Antes

escravos

do

Assemblea

...

de

1881, já havia

“diminuira

grandemente”

de Janeiro

South American

cessara

Journal,

1881,

Paulo,

São

final de

pelo Rio

Pernambuco

postos.

da

e

informações de

como

que

um

18 de agosto

a

de

páginas

que

a

exportação

resultado

314-318.

importação

de

dos

escravos

pesados

e 29 de setembro de

de

de

im-

1881.

2117

nas provincias exportadoras depressa diminuirá e, então, essas provincias ficarão fortemente em favor da abolição, a fim de se libertarem de uma instituição não lucrativa e de abrirem caminho para a mão-de-obra livre...” Os fazendeiros tinham-se oposto a todas as medidas diretas para a abolição, disse o jornal americano , mas tinham “esquecido totalmente o simples fato de que est a repressão obterá, por certo, o mesmo resultado.” 13 O súbito aparecimento de um poderoso movimento abolicionista no Ceará em janeiro de 1881 depressa foi atribuído, de fato, tanto à quase exaustão da reserva de escravos dessa província quanto à implantação, no sul, da barreira ao tráfic o. Na Câmara dos Deputados, em 1882, João Penido, de Min as Gerais, acusou amargamente o Ceará de só se ter voltado par a o abolicionismo depois de ter vendido seus escravos. 1t Walter J. Hammond, um fregiiente correspondente do jornal The Rio News com fortes simpatias paulistas, observou cinicamente em 1883 que “até São Paulo ter fechado suas portas à recepção de escravos das províncias do norte, os homens

do

norte

realizavam

um

dinâmico

tráfico

em escravos com seus mais industriosos e empreendedores irmãos do sul.” 15 O IMposto provincial, afirmou um autor pró-es cravatura em 1888, “longe de mitigar, mais exacerbou as cóleras abol icionistas, e notavelmente na província do Ceará...” 16

A

SECA

E O EMANCIPACIONISMO

O surTO do abolicionismo do natureza quanto pelos legisladores 1880, a seca devastara a vida e q sofredor, na opinião do jornal The

NO

CEARÁ

norte fora precipitado tanto

pela das províncias do sul. De 1877 a propriedade do Nordeste. O pior British and American Mail, fora

13 Rio News, 24 de Janeiro de 1881. Grifo acrescentado. 14 Annaes da Camara (1882), IV, 441, 15 Carta de Walter J. Ha mmond, Jundiaí, São Paulo, datada de 28 de fevereiro de 1883, publicado no jornal The Rio News em 15 de março de 1883. “Deve... ser recordado,” escreveu outro simpatizante estrangeiro

a de

1886,

“quando

as

províncias

do

alguns anos centenas de milhares as do sul quanto à abolição, que durante de escravos foram exportados do e vendidos no sul.” norte Charles Hastings Dent , 4 Year in Brazil (Londres, 1886), página 288. 16 O abol nismo perante a historia de Janei ro, icio ] ogo das 1888) , página s6 aa as (RioE ou o dial tres provinci

212

o fazendeiro nordestino, que perdera seu gado, seu algodão e uté mesmo sua semente e que, possuindo apenas escravos, os estava vendendo para subsistir. 7” No norte, em 1880, os escravos já se haviam transformado, nas palavras de um sulista rico, “a única moe-

da em circulação.” 18 A seca, particularmente séria no Ceará, causara um aumento incisivo no fluxo de escravos para fora da província. 1º Entre 1871

mais de sete mil cativos, mais do que um quinto de toda a

e 1881,

população escrava, haviam sido exportados oficialmente da província empobrecida

galmente.

e, sem dúvida, muitos mais foram

Dos deportados registrados, quase

exportados ile-

três mil haviam em-

barcado no porto de Fortaleza, a capital provincial, só em 1877, alguns deles comprados no interior por apenas duas sacas de farinha. 2º A medida que o alimento ia escasseando, este ia ficando mais valioso do que as pessoas a quem devia alimentar. A solução era a venda a preços baixos. Durante a década anterior ao surto do movimento abolicionista no Ceará, esta província exportou uma percentagem maior de sua população escrava do que qualquer outra província. A província do Rio Grande do Sul foi a única a exportar um número maior. 21 Em 1880, os escravos já constituíam para alguns cearenses a única propriedade negociável que lhes restava. Em dezembro desse

ano — o mês das primeiras leis provinciais antitráfico de escravos —

os preços dos escravos ainda eram sustentados em Fortaleza pelu mercado do sul, embora há uma década ou mais, a maior parte do

trabalho agrícola do Ceará já fosse realizado por trabalhadores livres. 22 As recompensas oferecidas pela devolução de escravos fugitivos, em

1878 e 1879, indicam que os valores haviam permanecido

muito mais elevados do que as condições econômicas locais justificavam. Em abril de 1879, um anúncio oferecia 150 mil-reis pela devo-

lução

de um

fugitivo de vinte e cinco anos e, apenas uma

semana

17 British and American Mail, 9 de março de 1878. 18 Annaes da Assemblea de São Paulo, 1880, página 263. 19 A seca, segundo foi afirmado, custou à província quase metade da sua Trezentas mil pessoas morreram população e dois terços de suas fortunas. e 250 mil refugiados do interior apinharam-se na cidade de Fortaleza, ao lado de sua população normal de 25 mil. Ver Roberto Attila do Amaral

Vieira,

Um

herói

sem pedestal

(Fortaleza,

1958),

páginas

45,

55-56.

20 Girão, 4 abolição no Ceará, página 63; Relatorio do Ministerio da Agricultura, 19 de janeiro de 1882, página 5. 21 Relatorio do Ministerio da Agricultura, 7 de maio de 1884, página 187. Elemento servil, página 4; 22 Associação Commercial do Rio de Janeiro. Annaes da Camara (1869), III, 56; Rio News, 24 de setembro de 1879.

213

antes da passagem da lei antitráífico de escravos da província do Rio de Janeiro, um escravo foi libertado numa reunião abolicionista

em

Fortaleza

pelo

preço

de um

conto. ?? O

Ceará,

na realidade,

ainda era, em 1880, um empório do comércio nordestino de escravos, reunindo nas suas praias os escravos tanto das províncias vizi-

nhas quanto aqueles de seu próprio interior para deportação para o sul. 2* As leis provinciais do sul atingiram mais eficazmente esta província, reduzindo drasticamente os bens monetários das pessoas que ainda possuíam escravos e proporcionando um extraordinário incentivo para o florescimento do abolicionismo. O emancipacionismo desenvolvera-se cedo no Ceará, resultado talvez de um uso generalizado de mão-de-obra livre numa província

onde, em 1845, os escravos já eram “relativamente escassos.” % Em 1868, a Assembléia Provincial autorizara o gasto de quinze contos para a emancipação de cem crianças de peito, dando preferência às do sexo feminino, e uma lei melhorada do mesmo tipo foi aprovada em 1870. Neste mesmo ano, com o “nascimento livre” sob consideração maior na capital do Império, clubes emancipacionistas apareceram nas cidades provinciais de Baturité e Sobral, tal como também havia acontecido em diversos pontos de outras partes da nação. 28 Todavia, a existência do mercado do sul e a apatia da maior

parte do Brasil sobre a questão da escravatura foram obstáculos a um surto significante de abolicionismo no Ceará após a passagem da Lei Rio Branco. Tal como no resto da nação, esta província do norte manteve-se silenciosa sobre a questão da escravatura entre 1871 e 1879, enquanto, das praias de sua capital, cativos eram leva-

dos regularmente para os navios, que os aguardavam, nas primitivas jangadas,

à vela com

barcos

o fundo

na sua origem

usados

chato,

pelos índios e, depois, por gerações de pescadores nordestinos — o único meio prático de carregar mercadorias para navios ancorados ao largo da costa. Antes de 1879, com milhares de pessoas famintas

e desesperadas migrando do interior para a capital provincial, com dezenas de milhares morrendo de doença e de fome nas favelas 28

Cearense,

página 100

Pedro um

111.

milreis

II

homem

(31

F ortaleza,

Um

pela

e

de

30

de

abril

de

devolução

de

uma

mulher

de

150

mil-reis

anúncio

uma

no

outubro de quantia

Cearense 1878)

extra

de

1879;

Duque-Estrada,

(22 de novembro

oferecia

50

22

anos.

mil-reis se

ele

fora da província. 24 Tristão de Alencar Araripe, O Ceará no Rio de Janeiro

página 26. 25 26

214

Kidder, Sketches, II, 225. Girão, 4 abolição no Ceará. páginas

53-60.

de

4

1878)

Outro

pelo

fosse

abolição, no

oferecia

jornal

regresso

de

encontrado

(Fortaleza,

,

1884)

,

suburbanas, não havia quaisquer protestos significantes contra o panorama familiar de escravos, todos vestidos com uma roupa uniforme de algodão azul e acompanhados por um “corretor”, sendo levados para a baía a fim de serem carregados para os navios. 7 A ASCENSÃO

DO

ABOLICIONISMO

NO

CEARÁ

Em 1879, contudo, no meio do desespero do último ano de seca, havia indícios de um novo interesse pelos escravos. No oitavo aniversário da Lei Rio Branco, uma pequena organização emancipacionista e humanitária chamada Perseverança e Porvir, um nome que refletia as durezas do tempo, foi criada em Fortaleza por um grupo de jovens, quase todos eles envolvidos na vida comercial da cidade. 2º Durante o primeiro ano de sua existência, o novo grupo parecia ser pouco diferente dos já familiares clubes emancipacionistas inaugurados de tempos a tempos nas cidades do Brasil com grande fanfarra e objetivos limitados, organizando algumas reuniões, atraindo a atenção de um jornal liberal local e, depois, desaparecendo da vista de todos. No final de 1880, porém, os membros da Perseverança e Porvir decidiram formar uma nova organização dedicada não só ao emancipacionismo, mas também à abolição — assim, a 8 de dezembro, a sessão de fundação da Sociedade Cearense Libertadora foi realizada com a cooperação do presidente provincial, André Augusto Pádua Fleury. “As senhoras e cavalheiros mais distinctos da sociedade cearense, sem distincção de partidos, assistiram à brilhante festa,” disse um relato na Gazeta da Tarde, provando que, no Ceará,

o abolicionismo vernante. 2º

era aceitável para uma grande parte da classe go-

A primeira conferência pública no

Ceará assemelhou-se às que

ainda eram organizadas semanalmente no Rio de Janeiro. Discursos

foram proferidos, poemas mentos

de dedicação ao

recitados, contribuições arrecadadas, jura-

abolicionismo recebidos

so e escravos foram cerimoniosamente

com

fervente

libertados. “Todos

aplau-

os discur-

27 Ibid., página 63. 28 Libertador, Fortaleza, 28 de setembro de 1881; Gazeta da Tarde, 24 março de 1884; Girão, 4 abolição no Ceará, páginas 63-66. 29 Girão, 4 abolição no Ceará, página 81; Libertador, 1 de janeiro 1881; Gazeta da Tarde, 24 de março de 1884.

de de

215

sos eram terminados no meio de aplausos gerais, unidos às harmonias das bandas militares da Polícia e do 15.º Batalhão, que tocavam

no salão próximo.” ºº Isto não era uma conspiração revolucionária,

mas sim uma reunião pública de ricos e distintos membros da sociedade cearense, apoiada pela polícia, o exército nacional e as mais altas autoridades, com todos os presentes agindo em consegiiência

da rápida mudança

das condições locais e nacionais. No primeiro

dia de 1881, o primeiro número do jornal Libertador, órgão da Sociedade Cearense Libertadora, apareceu em Fortaleza, sendo dedicado ao abolicionismo com o apoio da maioria da imprensa convencional de Fortaleza. 31

A aprovação da lei de São Paulo para restringir a entrada de escravos nessa província ajudou a provocar acontecimentos ainda mais surpreendentes no Ceará. Na tarde de 26 de janeiro, cinco dias depois do projeto de São Paulo ter passado e no dia seguinte à sua transformação oficial em lei, José do Amaral, presidente da Perseverança e Porvir, tentou convencer um negociante de escravos a libertar um grupo de escravos comprado recentemente do interior, evidentemente com base no fato de seu valor ter diminuído de certo modo devido à perda de seu principal mercado, a província de São Paulo. Não conseguindo convencer o negociante, Amaral, então, 80 81

segundo

foi

alegado,

Girão, 4 abolição no Libertador, 1 e 15 de

Jornais

Pedro

II

e

Gazeta

concebeu

a idéia de fechar

o porto

do

Ceará, páginas 75-82. janeiro de 1881. O Libertador do

Norte,

dois

órgãos

da

ridicularizou os imprensa que conti-

nuavam publicando anúncios para a devolução de fugitivos, com uma paródia do

anúncio

típico

de

escravos:

Sustentam o captiveiro Para lerem annuncios neste gosto, Que nos abatem ante o estrangeiro, E fazem o rubôr chegar ao rosto: Fugio do Alagadiço O escravo José, Fulo, de 40 annos, que quando anda Arrasta muito o pé Do qual partio um osso. Natural de Loanda; Tem marcas de chicote, e no pescoço Levou a gargalheira, Dá-se trinta mil reis e não mais Que

216

Ao

paysano

ou

soldado

leval-o a rua do Aquiraz Numero 14, sobrado.

Ceará

ao tráfico de

escravos de modo

lucros dos negociantes. 2 Nessa mesma noite, num

a diminuir ainda mais

os

teatro de Fortaleza, no intervalo dos atos de uma peça, Amaral e um companheiro ganharam a aprovação do público para um plano cuja intenção era forçar uma proibição da exportação de escravos do Ceará. 3 O presidente da organização Perseverança e Porvir também obteve o apoio de dois antigos escravos, líderes populares dos trabalhadores do porto, cujos nomes não tardaram a ser publicados nos jornais do Rio de Janeiro. Estes eram os jangadeiros Francisco José do Nascimento, o piloto do porto, que veio a ser conhecido como “o lobo do mar” ou “o dragão do mar”, e José Napoleão, um líder dos jangadeiros, famoso por se ter libertado juntamente com membros de sua família. 24 Na manhã seguinte, 27 de janeiro, o navio mercante Pará chegou a Fortaleza, vindo do norte, para embarcar um carregamento de escravos. Mas, antes destes poderem ser levados para bordo, José do Amaral e seus seguidores encontraram-se com os jangadeiros na praia, abaixo da cidade, e conseguiram convencê-los de que transportar escravos para os navios era degradante para sua profissão. Em resposta, os jangadeiros, trangiilizados por seus líderes, recusaram carregar o Pará. Com esta decisão, o comércio de escravos que durante tanto tempo florescera em Fortaleza chegou a seu fim. A notícia da greve na praia espalhou-se pela cidade e cerca de mil e quinhentas pessoas depressa se reuniram no porto. Enquanto

o número dos presentes aumentava, um grito ergueu-se mente em resposta às fúteis tentativas dos negociantes

espontaneade escravos

para convencer os jangadeiros a carregar sua propriedade. “No porto do Ceará,” começou o grito, que logo se transformou num canto, “não se embarcam mais escravos!” 35 O jornal Libertador afirmou a completa espontarieidade do lema. “Não se sabe mesmo quem primeiro o proferisse,” disse esse jornal abolicionista mais de uma semana depois dos acontecimentos 32

que

Gazeta da Tarde, 24 e 25 de março as leis

antitráfico de

escravos

o movimento abolicionista no

percussões no norte. B3 Acta da sessão magna

em

20 de Maio

de 1888

das

Ceará,

de 1884.

províncias

Paula Beiguelman anotou

do

mas não revelou

que celebrou

pela extincção

a

he associação

do elemento

centro-sul

estimularam

a imediação das

Perseverança

e Porvir

servil no Brazil

taleza, 1890), página 19; Girão, 4 abolição no Ceará, página 91. 84 Gazeta da Tarde, 24 e 25 de março de 1884: Gazeta do Norte,

janeiro de 1881.

Si

Gazeta

do

Norte,

28

de

EE

janeiro

de

re-

(For-

28

de

1881.

217

no porto. “Era uma idea que estava em todas as intelligencias, um sentimento que brotava em todos os corações.” Os negociantes de

escravos tinham recorrido a todos os expedientes,

promessas,

suborno,

ameaças”,

pediram que ajudasse se recusou a cooperar, obrigar os jangadeiros vam repugnante. Mais

mas

tudo

foi

em

“offerecimentos,

vão.

Quando

lhe

os negociantes de escravos, a polícia também com base em não poderem usar da força para a realizarem um serviço que eles consideratarde, contudo, quando se soube por um pas-

sageiro do Pará que havia a bordo do navio uma mulher que afirmava ser livre, a polícia ajudou-a e a mais cinco escravos à desembarcarem, provavelmente a bordo de uma jangada. Antes do final do dia, o Pará partiu de Fortaleza com apenas parte de seu carre-

gamento,

com

a demonstração

continuando

na praia

e uma

onda

de manumissões tendo lugar na cidade, por cima do porto. 36 Com a chegada, três dias mais tarde, do vapor Esp írito Santo, a luta prosseguiu. Desta vez, um carregamento de trinta e oito escravos fora levado para o porto a fim de ser transpor tado para O sul, mas os jangadeiros, que tinham, desde então, decidi do em reuniões públicas manter sua greve, recusaram-se de novo a tra nsportar escravos. Então, segundo relatado, mais de três mil pessoas juntaram-se na praia, gritando o novo lema do abolicionism o: “No porto do Ceará, não se embarcam mais escravos!” Os negociante s de escravos tentaram uma vez mais levar seu carregamento par a bordo, tendo mesmo comprado jangadas, mas não encontrando qu em as tripulasse, oferecendo subornos (chegando mesmo a um conto para o transporte de cada cinco escravos), apelando para o exército, que

se limitou a enviar uma pequena força para a praia a fim de manter a ordem. Nem um só escravo foi levado para bordo do Espírito San to

em 30 de janeiro e, nessa mesma noite, houve festividades em Fortaleza, com os celebrantes gritando elogios aos “homens do mar.” 37 Com estes sucessos, o abolicionismo transfor mou-se, no Ceará, num movimento das massas, ameaçando a escr avatura na totalidade da nação. Menos de dois meses ap ós essas vitórias na praia, com o comércio de escravos já terminado no Ceará, uma celebração pú-

B6

Ibid.; Gazeta da

Tarde,

B7

Gazeta

28

fevereiro

de

do

1881.

Norte,

março de 1884; Libertado G do mar

216



O

jangadeiro

24

e 25 de

de ianeiro de

março

1881:

de

1881;

Libertador,

7

de

areta dn Tarde. 24 e 25



Gavo!

To

Or de fevereiro de 1881: Edmar Morél, da abolição (Rio de Janeiro, 1949). página

Dragão 74.

tração, enquanto os trinta e cinco desfilavam pela cidade até o Passeio Público, uma praça frente ao mar. Um dos escravos (segundo no jornal Libertador)

uma descrição

bandeira

carregava uma

aben-

coada pelo padre abolicionista, o Padre João Augusto da Frota. Foguetes explodiam e bandas militares tocavam quando a multidão en-

trou

bandeiras,

na praça, que estava decorada com

tapetes de flores

e arcos triunfais. Depois de os escravos terem chegado ao interior de um teatro vizinho, discursos e poemas foram recitados com os aplausos habituais e a execução do hino da Sociedade Cearense Libertadora por duas bandas militares foi recebida com um verdadeiro delírio. O

re-

escravos recebendo,

de

presentante dos trinta e cinco escravos ofereceu “a bandeira da liberdade” aos líderes da sociedade abolicionista, com cada um dos então, uma

carta de emancipação.

“Vitimas

impetuosa sensação de alegria...” narrou o relato do Libertador, “alguns libertandos pareciam desmaiar ao contacto deslumbrante da

liberdade.” A emancipação de trinta e cinco escravos, todos de uma

vez, foi Interpretada como um sacrifício que, até então, só os abolicionistas do Ceará haviam feito. “De todas as sociedades abolicio-

nistas do Império,” foi anunciado, “nenhuma fizera tanto em províncias mais ricas: a própria côrte estava abaixo do Ceará.” 38 O sucesso do movimento cearense causou receios no governo central e nos políticos do sul que tinham pensado poder controlar o abolicionismo do norte ao aumentar o compromisso da região para com

a escravatura.

Uma

semana depois da gigantesca demonstração

abolicionista de 25 de março, o presidente provincial, Padua Fleury,

um oponente da escravatura, foi substituído pelo Senador Leão Veloso, da Bahia, um político sem qualquer simpatia conhecida pela causa abolicionista. Em 1881, o Ceará também teve um novo chefe da polícia, Torquato Mendes Viana, que depressa provou ser um inimigo do abolicionismo. Todavia, o choque entre as novas autoridades e a população do Ceará foi adiado durante meses, enquanto o movimento continuava aumentando, e até mesmo o próprio governo provincial tomou certas medidas para controlar e limitar a escravidão dentro da província. Em meados de 1881, sociedades de libertação apareceram em

seis cidades provinciais, incluindo Fortaleza. No início de junho, o presidente provincial ordenou a diminuição dos preços dos escravos a serem libertados pelo fundo de emancipação 68

Libertador,

3

de

abril

de

1881;

Girão,

A

em

abolição

reconhecimento

no

Ceará,

97-107.

219

do reduzido valor do mercado de escravos na província. %º Em agosto, Leão

Veloso

decretou

um

pesado

imposto

sobre

cada

escravo

que entrasse no Ceará e uma taxa de 50 mil-reis sobre cada escra-

vo transportado de um venda, Ҽ

município

para outro

com

o propósito

de

No início de agosto, contudo, uma nova hostilidade começou de-

niam na praia, cantando seu lema, e o inspetor da alfândega tentava

convencer o chefe da polícia a desistir, face à ameaça popular, duas jovens escravas compradas para o mercado de Belém foram “raptaSº

O

preço

médio

das

libertações

no

Ceará

por

meio

da primeira

quota

do fundo de emancipação era de 437 mil-reis, mas depois da greve dos jangadeiros, a “quarta distribuição de fundos libertou escravos, no Ceará, a um preço médio de 85 mil-reis, cerca do equivalente de 37 dólares ameri-

canos ao tempo. Carta de Trail à Frelinghuysen, Rio de Janeiro, Relati maio de 1884, Papers Related to the Foreien Unite Relation of the reign 1 de dezembro de 1884, página 30. 40

“1

Libertador, 7 de junho

Diário do Gram

agosto de

1881.

Pará, citado pela Gazeta da Tarde, 20 de julho de 1882. Sociedade Cearense Libertad

4 Manifesto da (Fortaleza, 7 de setembro

220

e 26 de

21 de s radio

de

1881).

ora

ao

Governo

e

ao

: Paiz

-— — ——-

data, já se tornara aparente que os baixos preços dos escravos, no Ceará, haviam despertado a cobiça dos especuladores, que viram uma oportunidade para obterem lucros no mercado de Belém, Pará, onde a procura de escravos continuava forte mesmo depois de o comércio ter terminado em outros portos do norte e para o qual todos os vapores ainda transportaram escravos até 1882. “1 Os interessados em reabrir o porto de Fortaleza ao comércio de escravos incluíam o novo chefe da polícia, Mendes Viana, que, em 30 de agosto de 1881, apareceu na praia com uma ampla força policial para assegurar o embarque de escravos no vapor Espírito Santo, um dos dois navios envolvidos na primeira demonstração, em janeiro do mesmo ano. Os abolicionistas responderam no seu habitual estilo dramático. Um panfleto intitulado “Corra Sangue!” apareceu nas ruas da cidade, incitando os defensores do abolicionismo a morrerem com honra de preferência a permitirem que o porto do Ceará fosse infamado por uma nova exportação de escravos. O governo, afirmaram os abolicionistas mais tarde, estava tentando embarcar escravos de Fortaleza num esforço para restabelecer o valor da propriedade escrava na província. * Os líderes da Sociedade Cearense Libertadora fizeram mais do que publicar panfletos. Enquanto cerca de seis mil pessoas se reu-

O

senvolvendo-se entre os abolicionistas e o palácio presidencial. Nessa

das” numa carruagem por um grupo de abolicionistas, incluindo ale-

gadamente o “dragão do mar”, Francisco José do Nascimento. 42

O resultado do incidente na praia foi revelado num de José do Amaral para Joaquim Nabuco:

telegrama

Os negreiros tentaram hontem embarcar escravos para o Nordeste. Os abolicionistas evitaram, não obstante a intervenção directa da força armada. Não houve desordem. Grande movimento abolicionista aqui. O Presidente suspendeu o Guarda-mor e outros empregados da Alfândega. Outros funcionarios estão ameaçados de suspensão.

No ciedade sificado grafou

mesmo dia, o Dr. Frederico Borges, vice-presidente da SoCearense Libertadora e promotor público em Fortaleza, clascomo um provocador no relatório do chefe da polícia, telepara o Rio anunciando sua demissão forçada “por achar-me

com os sócios da Libertadora em bem da honra do nome cearense,

evitando o embarque infamante dos escravos.” Em consegiiência do choque de 30 de agosto, o governo vingou-se em membros das forças armadas e também dos serviços públicos, incluindo Francisco do Nascimento, que perdeu sua posição como piloto do porto. 4º O próprio jornal Libertador suspendeu praticamente sua publicação depois dos acontecimentos de 30 de agosto, reaparecendo no décimo aniversário da Lei Rio Branco, outra vez em dezembro, mas não de novo durante os primeiros dez meses de 1882. Na capital do Brasil, de fato, pouco mais se voltou a ouvir sobre a Sociedade Cearense Libertadora antes de novembro de 1882, embora telegramas dessa organização publicados na Gazeta da Tarde no começo de junho se referissem à supressão pelo governo e a uma ameaça de exterminar o movimento abolicionista no Ceará. & Os

abolicionistas

do Rio,

incluindo

José

do

Patrocínio,

manifestaram

sua solidariedade numa resposta telegrafada, mas o movimento no Rio também se encontrava quase impotente em meados de 1882, aparentemente apenas capaz de fazer pouco mais do que sobreviver após seu quase colapso em 1881.

43 Ver o relatório de Mendes Viana Dragão do mar, páginas 82-85; e a

de

30 de

45

Gazeta

agosto em

44 Girão, 4 páginas 80-81:

da

A

abolição

do dia 31 de agosto de 1881, in Morél, descrição de Girão dos acontecimentos

no Ceará, páginas

abolição no Ceará, páginas 110-111; Gazeta da Tarde, 1 e 2 de setembro

Tarde,

8 e 9 de junho

de 1882.

115-121.

Morél, Dragão de 1881.

do

mar,

221

Ceará é o herói da Abolição; São Paulo é o castelo forte do hediondo escravagismo. JOSE

DO PATROCÍNIO na “Gazeta da Tarde”,

31

de maio

de

1883

12

O MOVIMENTO ABOLICIONISTA: SEGUNDA FASE UMA —

CALMA

CONSTRANGIDA

À EXCEÇÃO do Ceará, pouco houve para encorajar os abolicio-

nistas durante a maior parte de 1882. Em

janeiro,

o Imperador fora

particularmente cauteloso, na Fala do Trono, para inaugurar o ministério de Martinho Campos, um conhecido escravocrata de Minas Gerais,>

que que governou,

alegadamente,

sem um programa, mas com

aversão óbvia pelos abolicionistas. Sucedendo a Martinho Campos, em julho, o guá prometeu apressar a transição Parana de e Viscond O para um sistema de trabalho

ani C EM bio a

E

livre através da expansão do fundo de

“Mm Imposto sobre as vendas de escravos e uma proiTo! a. ínci prov para a ínci prov de avos escr de ento dao daria s dão alTE o no poder, ele nada realizou. edifo Um ] ação ão do abo liciaeonismo em agosto: Tnal fhe Rio News de screveu a situ re nunca como os abolicionistas foram ultimas eleições. Os mais ativos e enérIl Rio News, 24 de janeiro d : páginas 191-192. e 1882;

222

a Organizações

e programas

aid ministeriais,

gicos líderes dos movimentos foram a sociedade antiescravista de que

vencidos esmagadoramente nessas eleições, tanto se esperava deixou de existir e O

movimento foi quase totalmente esmagado. Algumas sociedades construídas sobre bases sociais ou locais continuaram existindo, mas seu trabalho tem sido espasmódico e de pouca influência fora das próprias organizações. Na Assembléia Geral, onde o trabalho, em grande parte, deve ser realizado, parece

não

haver

um



abolicionista

digno

desse

nome. 2

Joaquim Nabuco analisou as causas do declínio do movimento depois de sua breve, mas exultante fase em 1880. A escravatura beneficiava-se do apoio da “maior parte das forças sociaes constituídas...”, explicou ele. Controlava a terra, dominava a população rural, dirigia o comércio e o capital e comandava “uma clientela formidável de todas as profissões, advogados, médicos, engenheiros, clérigos, professores e empregados públicos...” E, contudo, esta aparência de poder, acrescentou Nabuco otimisticamente, era uma mera sombra. A oposição à escravatura estava aumentando e teria seu impacto sobre o governo, que ficaria muito feliz por ver seu fim “se não fossem os districtos de café nas províncias de São Paulo, Minas e Rio de Janeiro”. Era apenas uma questão de tempo, previu ele, antes da consciência nacional forçar o governo a agir contra a escravatura, tal como o fizera em 1871. 3 Os principais acontecimentos abolicionistas de 1882, fora da Assembléia Geral, foram poucos, mas significantes. Em 21 de maio,

o Centro Abolicionista Ferreira de Menezes foi organizado no Rio, com os habituais números artísticos, discursos e manumissões, para substituir os defuntos clubes abolicionistas, mas nunca conseguiu al-

cançar a importância das primeiras organizações abolicionistas ou a

da poderosa Confederação Abolicionista, que o absorveu em 1883. Em julho de 1882, os abolicionistas do Rio vendiam rifas para reunir dinheiro para um fundo local de emancipação, a “Caixa Emancipa-

dora José do Patrocinio”. Antes da morte de Luiz Gama, em agosto, um delegado da Gazeta da Tarde viajara para São Paulo, onde fun-

dara o Centro Abolicionista de São Paulo, criando uma pequena pu2

Rio

News,

crevera de

24 de agosto

Londres sobre

de 1882.

Em

a necessidade

da

novembro

Sociedade

de

1882, Nabuco

Brasileira

Escravidão se reunir pelo menos uma vez por mês, pois mesmo apenas com sete ou oito membros, ele estava determinado morrer. Carta de Nabuco 1882, Cartas a amigos, I,

ê

Nabuco,

O

a Gusmão 83.

Abolicionismo,

páginas

Lobo,

Londres,

12

de

Contra

es-

a

que contasse a não vê-la

novembro

de

215-219.

223

blicação de propaganda, conhecida

laboração de membros locais. “

pelo nome de Ça Ira, com a co-

Estas ocorrências talvez estejam ligadas à grande revolta de escravos deflagrada na província de São Paulo em novembro, um

acontecimento

que provocou

comentários

irados por parte

dos fa-

zendeiros e da imprensa de São Paulo e do Rio e que era uma indi-

cação que

os abolicionistas,

frustrados no seu uso

antes,

agente britânico,

observador

de processos

le-

gais, já estavam trabalhando na clandestinidade entre os escravos, particularmente na província-chave de São Paulo. Alguns meses um

a serviço

dos interesses do

café do Ceilão, afirmara publicamente que os abolicionistas poderiam entrar facilmente nos alojamentos dos escravos, nas fazendas,

para informá-los de que não havia força alguma que pudesse impedi-los de ganharem sua liberdade e de “incendiarem” toda à nação. A polícia e o exército eram inteiramente. inadequados para domin ar uma revolta generalizada dos escravos, acreditava o mesmo autor, e o governo não se preparara para uma tal possibilidade. “Uma rebelão de escravos,” acrescentou

ele, “não pode acontecer se não houver

uma influência de fora das fazendas agindo sobre os espíritos dos escravos.” 5 : Foi, talvez, por terem a consciência destes fatos que os fazendeiros reagiram quase em pânico ante as notícias sobre a revolta. O Diário

do

Brasil, um

franco

defensor

da

escravatura,

descreveu

o

levante com alarme, relatando que, depois de terem ocupado a fazenda, os escravos tinham-se dirigido para a cidade de Campinas, matando seis pessoas no caminho antes de se renderem à polícia. “A mor parte delles ostentava o maior cynismo,” afirmou esse jornal, “e narravam todos os factos com sangue frio admiravel.” 8 Os grupos pró-escravatura viram a revolta como um sinal para ação e repressão. O Club da Lavoura de Campinas, a cidade onde os escrav os se haviam rendido, fez uma petição ao presidente provincial e ao

Ministro

da Justiça no sentido de tomarem

medidas para garantir

a segurança dos fazendeiros, incluindo um aumento

da força de se-

gurança pública e o fornecimento de carabinas à polícia auxiliar. “A vista do muito grave e deplorável acontecimento,” disse o DiáFio do Brasil,

“...não

será tempo

de

reagir vigorosamente

contra

a insensata e funesta propaganda abolicionista?” 7 O jornal Opinião 4 A 6 S 7

Gazeta da Tarde, 22 de maio e 1 de junho abolição, página 91. A Blacklaw, “Slavery in Brazil”, Diário do Brasil, 8 de nove mbro de 1882, Ibid.

224

de

1882; EpaSea,

Duque-Estrada, q

Liberal de Campinas advertiu: “Já não é possivel mais illudir a opinião publica... que no seio do paiz existe um grupo faccioso e disposto aos maiores excessos, coberto com a sympathica bandeira da emancipação, mas cujos fins são a destruição dos elementos conservadores da sociedade.”8 Dando sua própria descrição da revolta, o editor do Rio News

também suspeitou de que os rebeldes tivessem sido influenciados por elementos alheios à fazenda. Os escravos tinham mostrado indícios de resistência antes da luta começar, afirmou o jornal americano, e cerca de trinta homens armados haviam, depois disso, atacado seus alojamentos com a intenção de capturar seus líderes. Armados e com comunicações cavadas entre suas cabanas, os escravos tinham

repelido o ataque, matando

um

e ferindo

vários dos assaltantes.

Conscientes de sua situação, setenta e três homens, mulheres e crianças haviam marchado, então, em direção a Campinas para se renderem, gritando saudações à emancipação e ao republicanismo no caminho. Para o Rio News, a “revolta” pareceu ter sido deliberada e bem organizada. Os escravos tinham combatido bem, “mesmo contra números iguais da raça dominante...” Mais significante, ainda,

haviam exibido uma inesperada compreensão dos acontecimentos po-

líticos. A luz destes fatos, o jornal americano concluiu, “os fazendeiros poderão muito bem interrogarem-se sobre como foi possivel, para estes escravos, prepararem-se tão bem para um levante e como é que lhes foi dado obter essas ideias de emancipação e governo. E talvez não seja uma perda de tempo averiguar até que ponto, exactamente, essas ideias se estenderam entre os escravos.” ? A revolta dos escravos perto de Campinas talvez tenha sido espontânea, mas a verdade é que, para os fazendeiros e seus simpatizantes, parecia ser uma prova de que os abolicionistas estavam preparando secretamente atos de destruição ainda mais prejudiciais para a sociedade estabelecida. Na realidade, exatamente nesse período, José do Patrocínio, já então o líder nacional reconhecido de todo o movimento abolicionista, planejava um novo ataque à escravatura no seu ponto mais débil: a inquieta província do Ceará.

8 ?

Citado por ibid., 22 de novembro de Rio News, 15 de novembro de 1882.

1882.

225

A DESTRUIÇÃO Em

Negro”

OUTUBRO,

DA

ESCRAVATURA

Patrocínio,

então

ou “o tigre da Abolição”,

NO

conhecido

partiu

CEARÁ como

do Rio para

o “Marechal

o norte no

vapor Ceará, fazendo escala na Bahia e em Pernambuco e, por fim ,

desembarcando numa jangada na praia de Fortaleza, Depois de triunfante recepção no porto, que incluiu uma frota de jangadas com o

escolta, Patrocínio foi recebido na praia por Francisco José do Nascimento. “Então, companheiro,” foi a primeira pergunta que dizem que ele fez ao jangadeiro,

“o porto

está mesmo

bloqueado?”

que Nascimento respondeu que não havia força no mundo desse reabrir o porto do Ceará vos. 1º

ao tráfico dos negociantes



ao

que pu-

de escra-

A estada de Patrocínio no Ceará, que durou mais de três mes es, coincidiu com a fase inicial de um programa sistemático de libertação através de concentração em áreas geográficas: em ruas, bairros de cidades, vilas, municípios, capitais provinciais e, finalmente, províncias. 11 Talvez concebido por Patrocínio, o novo sistema, mai s tarde usado em todo o Império, focalizou-se primeiramente no município de Acarape, escolhido em virtude de sua acessibilidade por estrada de ferro, de Fortaleza, e por sua pequena população escrava. *” No primeiro dia de 1883, com Patrocínio por perto, Acarape foi declarada livre depois de apenas algumas semanas de esforços concentrados, precipitando uma avalanche de manumissões que afetaram comunidades em toda a província. No início de fevereiro de 1883, com Patrocínio já a caminho do Rio, mais dois municípios cearenses foram declarados sem escravos. 13 Cerca de meados do mês, a Gazeta da Tarde registrou o extraordinário progresso do abolicionismo no Ceará e previu um rápido fim da escravatura nessa província. “Por todos os municípios”, relatou o jornal, “or ganizam-se associações philantropicas, centros emancipadores; para todos os pontos são enviados pela Libertadora Cearense emissarios com o fim de acelerar o espirito emancipador. ..” gioso. Uma

ms

ficiente para acionar uma localidade.

simples

“As

no Gazeta da Tarde, 10 e 19 de ou tubro e l e Girão, 4 abolição no Ceará, páginas 131-132. 11 Ver Duque-Estrada, 4 abolição, página 112. I2 Girão, 4 abolição no Cear á, ná

era su-

proclamação

adhesões chovem 12 de

de to-

dezembro

de

1882;

1872, havia 11.725 pessoas livres "e apenas "145 EUNdo O recenseamento d Acarape. Recenseamento da população, IV :

18

226

Gazeta da Tarde,

e

a

3 de fevereiro de

en

1883.

fino

no

município *

a

à

de

dos os lados,” disse a Gazeta, “forma-se logo um nucleo libertador, e d'ahi a momentos está fundada uma nova sociedade, assignalando-se o seu nascimento por um punhado de libertações.” /4 Muitos

escravos estavam sendo libertados voluntariamente e sem compensação ou, então, por subscrição popular quando seus donos pediam pagamento. “O entusiasmo que jorra do movimento,” escreveu o Rio News cerca do final de fevereiro, “tem sido algo de maraviabrangido

lhoso,

pois tem

várias

sociedades

as classes

todas

e estendeu-se

por

todas

as partes da província. Centenas de escravos têm sido oferecidos às de

pelo

libertação

preço

nominal

de 50$000

e

1004000 cada e as sociedades aceitam os mesmos tão rapidamente quanto as receitas das subscrições o permitem... Em forte contras-

te,” acrescentou o jornal americano, “lamentamos anotar os resultados dilatórios verificados na província de São Paulo.” Na pobre província do Ceará, cena de uma terrível seca e de fome apenas alguns anos antes, “os escravos estão sendo libertados por quantias quase nominais e, principalmente, através do trabalho voluntário e espontâneo da própria população. Em São Paulo, não só não há entusiasmo, como também parece haver uma oposição decidida à emancipação.”15 Tal como em 1881, o governo central tentou desencorajar o

fervor abolicionista dos cearenses.

Em

meados de fevereiro, depois

do 15.º Batalhão do Exército, estacionado em Fortaleza, se ter declarado uma sociedade abolicionista, o Ministro da Guerra ordenou que essa unidade fosse transferida para o Pará, substituindo a guarnição do Ceará pelo 11.º Batalhão de Belém. O governo central tomou esta inusitada medida apesar da afirmação dos oficiais no sentido de que um telegrama do Imperador felicitando a Sociedade Cearense Libertadora pelo seu sucesso na libertação da Acarape os motivara a converter seu batalhão numa sociedade abolicionista.l8 Mais tarde, nesse mesmo mês, os abolicionistas do Ceará enviaram telegramas para o Rio contando as ameaças do governo e a desafiadora libertação de mais 228 escravos em vários municípios. Alguns dias lá TIbid., 13 de fevereiro de 1883. 15 Rio News, 24 de fevereiro de 1883. (Com respeito Rio News acrescentou: “No intervalo entre a última e a

a São Paulo, o atual Assembléia Geral houve apenas 23 escravos libertados e estes a um custo de 21:238$000. São Paulo tem uma população escrava de 174.722, maior do que a de Pernambuco

ou

da

Bahia;

apesar

disso,

enquanto

essas

duas

províncias

libertaram respectivamente 1.400 e 1.000 escravos através do fundo, São Paulo caiu

16

consideravelmente

Gazeta da Tarde,

abaixo

do

total menor...”

14 e 22 de fevereiro

de 1883.

227

mais tarde, foram “cercados de um apparato bellico assombroso, Temos, na província, dois batalhões; no porto, o transporte Purus e a corveta Trajano.” A resposta a esta “provocação” foi a libertação de 200 escravos

em

Icó

(onde,

na década de 1870,

só existiam

785) e um anúncio da esperada libertação total da cidade de Baturité em 25 de março. No dia 7 desse mês, os homens do 15.º Bata lhão embarcaram para o Pará, tendo havido cerca de quinze mil

pessoas na sua despedida. A ovação foi extraordinária, segund o um telegrama de Fortaleza, mas, contrariamente às expectativas do governo, a ordem foi mantida durante todo o dia, 17 No início de maio, a campanha

para libertar Fortaleza já come-

çara, com os abolicionistas dedicando-se sistematicamente, na cidade, a bairro por bairro e casa por casa, localizando cada escravo e seu dono e comprando sua liberdade ou persuadindo o proprietário a libertá-lo sem compensação — em Fortaleza, já não se tratava de uma grande perda financeira. Em 7 de maio, a Rua do Major Facundo, localização do quartel-general da Sociedade Cearense Libertadora, já não tinha escravos e, em 24 de maio, a capital estava inteiramente livre depois de apenas algumas semanas de esforços concentrados. 18 Uma importante cidade brasileira — a primeira — ficara inteiramente sem escravos, mas outras depressa igualariam essa proeza, à medida que o abolicionismo se espalhava pela s partes mais vulneráveis do país. Nos meses seguintes, no Ceará, houve pouco mai s resistência ao movimento. Todos os jornais, com a exceção do Cearense, “libeTal”, apoiavam o movimento, 1º tal como a maioria da população. Num esforço para persuadir os poucos que ain da possuíam escravos

a aceitarem o julgamento popular, a Assembléia Provincial aplicou um imposto de 100 mil-reis a cada escravo ainda existente no Ceará

e uma cobrança de um conto e meio à cada escravo exportado. Isto, ao que pare

cia, era um reconhecimento oficial de que o porto do ado ao comércio de escravos e, ainda ma is abolição de escravatura na província, já que ra mais do que o preço médio que os donos comissões abolicionistas por seus es cravos, 2º

17

Ibid., 22 de fevereiro, 6 e 7 de março Gazeta da Tarde, 8 de maio e Dude

de 1883: R eamento laç ão, TV, 172 173 . ae a cação 18 10 Annaes da Camara (1883), v, 104, oYembro de 1883. 20 Relatorio com

que o Exm. Sr. Dr. Satyro de Oliveira administração da provincia ao 2º Vi Dr. Antonio Pinto Nogueira Accioly ce-Presidente Exm. Sr.

1884),

228

página 28;

Rio News,

15

de

noNovediambro31 deHE

ane maio

da popu-

Dias passou a Commendador

de e 18841884

(Fort (For ta aleza,

Em meados de fevereiro de 1884, vinte e cinco dos cingienta

e sete municípios do Ceará estavam já livres de escravos e à com-

pleta emancipação da província fora prevista para 1 de junho. Me-

nos de três semanas mais tarde, a data da libertação total foi adian-

tada para 25 de março, o 60.º aniversário da Constituição Imperial. No dia 16 desse mês, o Jornal do Commercio, chamando a atenção

para essa data meta, anunciou que a população escrava do Ceará

já se limitava a apenas dezesseis municípios, dois deles só com três

escravos cada. No dia 22, quase todos os escravos do Ceará já haviam sido libertados e as festividades programadas para o dia 25 já tinham

começado.

A

da

No

dia 24,

os

ram o seguinte telegrama para o Rio: ao do

“Gazeta

Imperador, governo, o

Tarde” —

Rio.

Ganhamos

abolicionistas a primeira

cujo abolicionismo respeitamos, Ceará está livre. 21

que,

do Ceará

batalha.

apezar

As estatísticas do Ministério da Agricultura,

da

envia-

Scientifique perseguição

tão de confiança

quanto quaisquer outras, indicam a eficácia da campanha de dezesseis meses de libertação no Ceará. Dos 31.975 escravos registrados nessa província depois de 1871, 2.211 já tinham morrido em 1884 e um total de 7.104 havia sido enviado para fora da província. O saldo de 22.660 pessoas foi aceito cautelosamente pelo Ministro da Agricultura como o número de escravos libertados, com a grande maioria durante o frenético período verificado após novembro de 1882. “Apezar do pequeno valor da propriedade escrava na provincia do Ceará,” dizia o relatório, a emancipação de todos os seus escravos em tão pouco tempo foi “um facto altamente honroso para a philantropia particular.” 22 Todavia, na realidade, a escravatura não deixara inteiramente de existir no Ceará a 25 de março de 1884. Em fevereiro de 1886, o Jornal do Commercio informou que ainda havia 298 escravos no município cearense de Milagres e, mais de dois anos depois, um relatório do Ministério da Agricultura, datado de um dia após a abolição da escravatura brasileira, colocou a população cativa do Ceará em 108. 23 Contudo, os acontecimentos nessa província do norte foram 21 Rio News, 15 de fevereiro de 1884; Gazeta da Tarde, 4, 22 e março de 1884; Jornal do Commercio, 16 de março de 1884.

25 de

22 Relatório do Ministério da Agricultura, 7 de maio de 1884, páginas 183189. Em contraste com o número libertado no Ceará durante doze anos e meio, o fundo de emancipação da Lei Rio Branco libertou apenas 18.900 escravos na totalidade da nação.

229

notáveis e serviram como um detonador para deflagrar uma

série

de explosões abolicionistas que começariam a destruir a escravatura desde o Amazonas até à fronteira uruguaia. O MOVIMENTO

ESPALHA-SE

AINDA muito antes da conclusão da campanha

Ceará, os acontecimentos nessa província

de libertação do

começaram

afetando

as

para fora até que a atração da “Terra da Luz”, como

Patrocínio

lhe

primeira estação em São Paulo no

Gama

regiões vizinhas. Em maio de 1883, o Ceará já era um refúgio de fugitivos das províncias vizinhas, com a área afetada espalhando-se chamava, se fez sentir tão a sul quanto São Paulo. Queixas contra os protetores dos fugitivos, no Ceará, começaram vindo de Pernambuco, Rio Grande do Norte e Piauí, as três províncias com fronteiras com o Ceará, e os protestos depressa foram ouvidos até do longínquo Rio de Janeiro. 2* Os abolicionistas do sul, adotando táticas muito ousadas, particularmente depois da criação da Confederação Abolicionista, em maio de 1883, estabeleceram secretamente uma rota ferroviária clandestina com suas origens em São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro e seu destino ideal no distante Ceará. Como uma espécie de saudação pessoal à província do norte, André Rebouças traçou uma rota imaginária de fuga para o norte com sua túmulo

de Luiz

e, mais

adiante, lugares de descanso ao longo dos rios e riachos da selva do interior, antes da chegada

à nona e última estação “no Paraíso,

— no Ceará Livre.” 25 O incitamento a fazer com que os escravos abandonassem as fazendas não se desenvolveu em grande escala em 1883 — conforme aconteceu em 1887 — e a rota da fuga para o

norte não foi, provavelmente, mais do que um

de 1883, começaram aparecendo anúncios

sonho mas, no início

em O Cruzeiro, do Rio

de Janeiro, implicando que os escravos haviam sido incitados a fugir

ou que estavam sendo protegidos por abolicioni stas. 2º Mais os abolic ionistas viriam a desenvolver esta tática



da

Agricultura,

RA

de 25 26

230

Jornal do Commercio, 21

1883;

a

pa

: Toplin,

14 de

maio

fiel

de fevereiro

de

1888,

dades

L

de

fever

E

página

paBinant, 16; Dági t The » Moveme

Ver Nabuco, Minh O Cruzeiro, 17 e 21

de

o

1886;

24,

News,

15

tarde,

em alto nível, pro-

Relatorio do Ministerio de

fevereiro

Americ; an Journal,

de

1884;

13 de setembro

porcionando aos fugitivos escoltas, certidões

de liberdade falsifica-

das, esconderijos e até transporte ferroviário para as cidades. 2 No

início de 1883, enquanto

os brasileiros se tornavam

crescen-

temente conscientes do exemplo do Ceará, o abolicionismo irrompia

de novo em vários pontos da nação.

vincial de Pernambuco

Em

fevereiro, o presidente pro-

enviou um telegrama ao governo central pe-

dindo ajuda para enfrentar o desafio da propaganda abolicionista, tão eficaz que, segundo foi afirmado, estava causando rebeliões mi-

litares locais. * Em Julho, um dos vários clubes abolicionistas de Pernambuco, a Sociedade Nova Emancipadora, criara uma comissão de emancipação para libertar a capital provincial por meio de métodos lentos, calmos e legais. A mesma comissão, descontente com

o cauteloso programa do recentemente inaugurado ministério de Lafayette Rodrigues Pereira, recomendou à Câmara dos Deputados um programa mais radical, incluindo a libertação de homens com mais de cingiienta anos e a completa aplicação da lei de 7 de novembro de 1831 — uma política que teria eliminado virtualmente a escravatura em todo o país. 2º Em março de 1883, o abolicionismo já avançava muito na província de Goiás, a oeste, onde um importante proprietário anunciara

sua decisão de libertar todos os seus escravos dentro de dez anos se eles continuassem a servi-lo bem durante esse tempo. “º Sendo um exemplo da “manutenção por contrato”, que depressa se tornou

muito popular em todo o Império, este ato implicou que a relação: entre senhor e escravo já fora tão enfraquecida pela pressão pública

e pelo descontentamento entre os cativos que se tornava neces sárioum contrato suplementar, anulando quase de todo a antiga relaç ão 27

Moraes,

4

campanha

abolicionista,

Joaquim Nabuco, página 144, 28 Gazeta da Tarde, 22 de fevereiro

páginas

37-38;

Nabuco,

A4

Vida

de-

de 1883. 29 Annaes da Camara (1883), IV, 53. As sociedades de emancipação tinham aparecido em Pernambuco vinte anos antes do início do movimento abolicionista nacional e, em 1879, o novo abolicionismo já se dese nvolvera em Pernambuco com a criação do Club Democrata, dedicado à libertação deescravos. Em 1881, o Club Abolicionista foi formado no Recife, grupo esseque foi instrumental na abolição dos capitães-do-mato na província e na supressão de anúncios de escravos fugitivos na imprensa do Recife. Em 26. de setembro de 1881, a importante Sociedade Nova Emancipadora foi fundada no Recife e, em 1884, uma série de organizações antiescravatura já surgira em Pernambuco. Ver Francisco Augusto Pereira Costa, “A idea abolicionista em Pernambuco”, Revista do Instituto Arqueológico, Históricoe Geográfico de Pernambuco, 42 (Outubro de 1891), 262-266. 80 Tribuna Livre, Goiás, 3 de março de 1883, citado pela Gazeta de Tarde, 21 de abril de 1883.

23 F

irrestrita. Muitos donos de escravos viriam, pouco depois, a adotar esta política como uma solução prática para o desafio imediato do

abolicionismo,

particularmente

no

Rio

Grande

do

Sul,

mantendo

seu controle sobre uma força de trabalho não paga durante um período específico de tempo, dando a seus escravos um Incentivo para seu trabalho e ganhando um certo grau de respeito público —. tudo isso com um só ato “humanitário”. Em julho de 1884, Goiás Já estava a caminho da libertação total, com o vice-presidente da

província e alguns importantes proprietários de terras juntando-se à causa com a emancipação de seus escravos, 3!

O movimento abolicionista também desenvolveu sua presença no Pará, onde milhares de pessoas, alegadamente, se reuniram em

Belém para aplaudir o 15.º Batalhão abolicionista na sua chegada do Ceará em 1883.º2 No final de abril do ano seguinte, com um

poderoso movimento abolicionista prestes a surgir rio acima, em Manaus, o Club Amazonia foi fundado em Belém com o objetivo específico de organizar a abolição da escravatura no Vale do Amazonas. ** No Rio Grande do Norte, uma poderosa organização libertou o último escravo na cidade de, Mossoró antes do final de 1883. 34 A cidade de Amarração, no Piauí, foi seguinte e, no final de setembro, com geográfica sendo bem sucedido de uma três cidades do Paraná — Curitiba (a guá (o principal porto) e Antonina —

escravos. *º Nesta última província,

libertada no mês de julho o sistema de emancipação ponta a outra do Império, capital provincial), Paranajá estavam quase livres de

três organizações

abolicionistas

foram fundadas em 1883, tendo havido “grandes festas abolicionistas no Teatro São Theodoro de Curitiba. Tal como em muitos outros pontos do país, os cidadãos das classes média e superior mos-

traram-se particularmente ativos, bem como o vasto setor imigrante,

composto por alemães e italianos, que manifestaram sua oposição à escravatura através de suas organizações e jornais de língua estrangeira. 38 Com o regresso de Patrocínio ao Rio no final de fevereiro de 1883, a libertação sistemática da capital imperial já fora tentada, mas Sl

Ibid.,

18

de agosto

de

1884.

+. Morél, Dragão do mar, páginas 80-81. Na Câmara, em 1883, o Deputado Cantão, do Pará, afir que

mou o movimento na sua província se desenvolvera quase tão bem quanto no Ceará, Ánnaes E | da Camara (1883) I, 50. 88 Manifesto do Club Amazoni

1884), páginas 17-18.

Si So S6

232

nia fundado em

24 de Abril de 1884 (Pará,

Rio News, 15 de dezemb ro de 1883. Gazeta da Tarde, ; 21 de ju TIanni, As metamorfoses do lho e 1 de ou tubro de 1884. escravo, páginas 225.221.

com tão pouco sucesso que os proprietários de escravos chegaram a

sentir-se trangiúilos e até algo divertidos. %” O coração do Império

ainda não estava pronto para as soluções radicais que tinham sido tão bem sucedidas em outros lugares, mas a Gazeta da Tarde conti-

nuava sua solitária campanha jornalística contra a escravatura, ata-

cando suas enraizadas práticas cotidianas e incitando a população a

uma maior participação. No final de fevereiro de 1883, a Gazeta publicou a primeira de suas paródias aos anúncios sobre os escravos fugitivos, facilmente pelo

reconhecíveis

desenho

pequeno

de um

caminhando

fugitivo,

com uma trouxa amarrada a um pau colocado sobre o ombro — o símbolo que atraiu a atenção do captor de escravos durante décadas. Os anúncios-caricaturas da Gazeta eram como aqueles que apareciam regularmente nos jornais do Rio de Janeiro, usando as mesmas grosseiras descrições físicas, embora nestes anúncios fossem os escravos que procuravam seus senhores em busca de uma compensação por anos de cativeiro injusto. Usando nomes reais de donos é de escravos extraídos de anúncios no Cruzeiro e outros jornais, a Gazeta procurava criar uma consciência pública da baixeza das práticas tradicionais. O seguinte exemplo publicado em 23 de fevereiro

ilustra perfeitamente

o estilo:

100$000 O cidadão João, há 30 annos expoliado de seus direitos de homem livre, presenteia, com a quantia acima, a quem lhe entregar o negreiro Luiz Gomes de

Aguiar,

que

residiu

ferido por ter magnificos

ou

ainda

pastos.

reside

no

Campo

da

Gramma,

Este sujeito é alto, bem fornecido de pés e traz, como pescoço, um lobinho do tamanho de um ovo de pomba.

entre

Costuma

logar pre-

distinctivo

no

uzar largo chapéo de feltro e tem diversos officios, sobresahindo

estes o de explorar

seus

próprios

irmãos...

Segundo o mesmo anúncio, Gomes de Aguiar podia ser encontrado, junto com seus amigos, no Palácio Imperial. ** Ainda mais agressivo era o seguinte “anúncio”: 87

Gazeta da Tarde, 20 de fevereiro de 1883; Rio News, 3 de maio de 1884.

88 Gazeta da Tarde, 23 de fevereiro de 1883. Este anúncio-caricatura foi inspirado obviamente pelo seguinte anúncio, autêntico, publicado no Cruzeiro no mesmo dia: 1008000 Fugiu da fazenda de Piabanha... o escravo João, pardo, de 30 annos,

233

Edital que

Francisco

Antonio

da Silva,

de

Praça

juiz da

3.º vara civil da córte,

faz

publico

os serviços desse casal para pagamento da

indem-

vão á praça os serviços dos seguintes negreiros. Manoel Alves, casado, 4) annos, sem officio, abdomen desenvolvido pernas grossas e olhos papudos. , Maria Antonio, mulher d'aquelle, gorda e forte, com leite para amamen. tação, parida ha 6 mezes. AÁcompanham o casal os menores, Manoel Junior de 8 annos e Ma ria de seis mezes, que por lei não são separados dos paes.

Aluga-se por 7 annos,

nisação do que devem ao homem livre João, conservaram em captiveiro por 15 annos. 39

O MOVIMENTO

É REAVIVADO

que

NO

os mesmos

RIO

DE

criminosamente

JANEIRO

Em MAIO de 1883, o abolicionismo, finalmente, foi reavivado no Rio. No início desse mês, numa reunião no Hotel Bragan ça, João Clapp, José do Patrocínio e o Tenente Manoel Joaquim Pereira, do Ceará, conceberam a idéia de unirem os muitos clubes abolicion istas da nação numa aliança abolicionista. 4 Pouco depois dis so, representantes de muitos grupos abolicionistas reuniram-se na redação da Gazeta da Tarde, onde a nova organização — chamada Confedera-

ção Abolicionista segundo a sugestão de Patrocínio —

foi estabele-

cida. Em apenas três meses, a Confederação já contava com dezessete clubes diferentes, representando pelo menos cinco províncias e a capital, além de incluir as sociedades abolicionistas de duas escolas militares (as de Pernambuco e do Rio de Janeiro), uma organização gráfica, uma escola médica e uma associação de comerciáTIOS. 41

altura e tem um

corpo

signal de uma

ovo de pomba

chapéo

de copa

ticado será



o

comi

gratificado

Gaze eta

da

regulares, facada

pés pequenos,

perto do

no lado direito

alta,

camisa

do

carrancudo,

estomago, pescoço,

um

falta

usa

lobinho de

um

e paletó de riscado

de

Petro-

alfaiate, pedreiro, copeiro e colcheiro; levou

de chita, calça

Uxa; quem o levar a seu senhor Luiz Gomes é d mma ou à rua dos Benedictinos n.º 10, será quantia acima e que ici o mesmo com 508000. PoSa ue co Onicias certas! a Tarde, , 24 de fevereiro d e 1883. “Relatório do estado e das olie ? ze a da Tarde, 29 do Re ia da Confederação Ab

Ver Manifesto da Confederação Abolicionista, páginas

234

de

frente

*

Gaze!

tamanho

pêra,

na

João

Clapp,

do

e

dente

40

' E cionista”,

bigode

21-22,

Em agosto, o Manifesto da Confederação

por dois abolicionistas radicais, André

Abolicionista,

Rebouças

escrito

e José do Patro-

cínio, foi lido perante quase duas mil pessoas no Teatro D.

Pedro II

do Rio de Janeiro. Entre o público, havia dois senadores e seis depu-

tados,

representando

o Ceará,

Goiás,

Rio

Grande

do Sul, Pernam-

buco e Bahia, todos eles tendo concordado com apresentar o Manifesto na Assembléia Geral. Assim, a Assembléia, como um grupo,

ainda pouco disposta a tomar quaisquer novas medidas em favor da reforma, escutou uma longa descrição histórica da escravatura brasileira, cuja intenção era mostrar que, tal como existia no Brasil,

a instituição era brutal

e ilegal. * Era óbvio,

para os

legisladores

que escutavam, que os abolicionistas, já organizados numa aliança nacional, se encontravam mais poderosos e determinados do que nunca, não estando mais dispostos a aceitarem soluções de compromisso.

Em agosto de 1883, os estudantes e professores da Escola Polvtechnica organizaram uma nova sociedade abolicionista com estatutos convidando ao estabelecimento de organizações semelhantes em todas as instituições educacionais da nação. Sob a influência de André Rebouças, um membro do professorado, a organização também pediu um imposto sobre todas as terras não cultivadas localizadas dentro de um raio de vinte quilômetros de linhas de comunicação, impostos sobre os escravos indo de vinte a cem mil-reis por ano é um preço máximo de emancipação de 600 mil-reis. Em novembro, outra organização que parecia ameaçar o status quo — a Sociedade Central de Immigração — foi fundada no Rio. Chefiada pelo romancista e senador do Paraná, Alfredo d'Escragnolle Taunay,

com a cooperação do onipresente André

Rebouças,

esta sociedade

de imigração com uma tendência radical não estava satisfeita com a importação de bandos de europeus ou asiáticos servis para as fazendas do Império. Assim, preferiu iniciar uma luta pelas reformas que seus líderes acreditavam serem necessárias para fomentar uma onda de imigrantes europeus livres e o estabelecimento de pequenas propriedades agrícolas. Tratava-se de mais uma manifestação da batalha

do século xIx

contra

o latifúndio. “*

42 Duque-Estrada, 4 abolição, página 104; Annaes da Camara (1883), IV, 18-29. 43 Rio News, 15 de agosto de 1883. 44 Ver Louis Couty, Pequena propriedade e immigração europea (Rio de Janeiro, 1887), particularmente as notas em apêndice da autoria do Senador Alfredo d'Escragnolle Taunay, páginas 71 ff.

235

No início de 1884, o abolicionismo da capital do Império tomou

pela primeira vez o caráter de um

movimento

de massas.

O novo

local de reunião era o Teatro Polytheama, cujo público se apinhava para escutar oradores como João Clapp, queixando-se do alto custo de libertar escravos, ou como o Deputado José Mariano, do Pernambuco, elogiando a cidade do Rio pelo seu crescente ambiente abolicionista. * Foi a emancipação do Ceará, contudo, que levou 0 movimento para as ruas com um espírito de Carnaval, que paralisou

as atividades normais do Rio durante três dias e que criou um ímpeto

que depressa resultou

na

libertação

de partes da cidade.

Os

mem-

bros da Câmara Municipal foram advertidos daquilo que estava por

vir por meio de uma carta em 22 de março,

nista Cearense, pedindo

a autorização

da Sociedade Abolicio-

para retirar algumas

pedras

da calçada ao longo da Rua Gonçalves Dias e no Largo da Carioca, no coração do Rio de Janeiro, a fim de instalar mastros para bandeiras e galhardetes com a finalidade de ornamentar um bazar no Jardim da Guarda Velha. Prometendo voltar a colocar as pedras no fim das festividades, os abolicionistas também pediram autorização para iluminar a Praça Francisco de Paula e para colocarem letreiros em várias partes da cidade anunciando uma regata que seria realizada na Baía de Botafogo. 4º Um dos vários centros dessa enorme celebração foi o Teatro Polytheama, onde, ao meio-dia, a 25 de março, uma grande Kermesse — um misto de Carnaval e de feira



foi iniciada.

O teatro

estava todo decorado, segundo a Gazeta da Tarde, com magníficos escudos rodeados por coroas de flores, com as bandeiras das sociedades abolicionistas alinhadas ao longo das paredes do salão, juntamente com os nomes de reformistas já falecidos, como Ferreira de Menezes, Luiz Gama e o Visconde do Rio Branco. O entretenimento era semelhante ao oferecido nas reuniões públicas de 1880, embora com adições muito populares: a leitura de uma carta de Joaquim Nabuco, ainda na Europa, execuções orquestrais do Hino Nacional,

a Sinfonia do Guarani de Carlos Gomes, a “Marselheza do Escravo”, composta pelo Dr. Cardoso de Menezes, solos musicais, peças em 1 ato, cenas cômicas, um coro ao ar livre e a dança do tango, que surgia então. No final da tarde, a Rua do Lavradio, em que o Polytheama se encontrava, estava tão apinhada com gente que

as vendas de ingressos foram suspensas por ordem oficial, já que as multidões, foi alegado, criavam um risco público. 4



46 4

236

Gazeta da Tarde,

14

de janeiro

Gazeta da Tarde,

25

e 26

DPHAG,

Cod. 6-11.

d

ns

de março

de

1884,

Um

dos pontos

altos das festividades

blico dos abolicionistas do um gigantesco desfile que Primeiro de Março até o moda, à beira da baía, com

era o reconhecimento

pú-

Ceará. Isto foi realizado por meio de atravessou a cidade antiga, desde a Rua Passeio Público, um parque muito na os desfilantes parando a meio do cami-

nho para ofertar uma coroa de ouro a um representante da Sociedade

Cearense Libertadora. Tudo isto foi feito com um grau de participação pública sem precedentes em qualquer parte do Brasil, exceto

no próprio Ceará. As celebrações começaram num domingo pela manhã e, tal como o Carnaval carioca, terminou na madrugada de quarta-feira, com uma participação registrada de mais de 10 mil pessoas. º O abolicionismo, finalmente, tornara-se num movimento popular na capital do Império. Com as festividades ainda mal tendo acabado, os líderes aboli-

cionistas do Ceará enviaram um telegrama conjunto a João Clapp, no Rio, recomendando a exploração do entusiasmo público para ten-

tar a libertação da totalidade da população escrava da cidade e, alguns dias mais tarde, numa reunião da Confederação Abolicionista. foi decidido por unanimidade realizar esse esforço. Acabar com a

escravatura

no Rio era uma tarefa muito mais formidável,

contudo,

do que a libertação do Ceará, pois os escravos do Município Neutro eram mais de 32 mil e tinham um valor muito mais elevado em termos de mil-reis do que os escravos da província do norte. Apesar das dificuldades que enfrentavam, os abolicionistas dividiram a cidade em setores, cada um deles sob a supervisão de uma comissão de libertação, e cada comissão recebeu uma lista de cativos e seus endereços, bem como a missão de obter sua libertação através de persuasão calma. “º Em 5 de abril, a Gazeta anunciou que os abolicionistas haviam decidido concentrarem-se em duas ruas no coração do bairro comercial. Estas ruas eram a Rua do Ouvidor e a Rua da Uruguaiana, esta

a localização da redação do diário abolicionista. Nesse mesmo dia, a Gazeta prometeu que nas suas próximas edições publicaria os nomes dos escravos na área meta, juntamente com os de seus donos. Dois dias mais tarde, o público teve conhecimento de que as comissões abolicionistas haviam sido bem recebidas nos quarteirões indicados, onde tinham encontrado apenas doze escravos. Sete destes

haviam 43

Duque-Estrada,

março

49

sido alugados por donos fora daquela área,

de

Gazeta

1884.

da Tarde,

4

abolição, 27 de

páginas

março

116-118;

Gazeta

mas da

esses donos

Tarde,

26 de

e 3 de abril de 1884.

237

foram encontrados e sua libertação foi realizada. Os residentes dessas

duas ruas foram convencidos a assinarem uma declaração prometendo nunca mais usarem escravos nas suas casas. Em 21 de abril, outra quadra da Rua da Uruguaiana, indo da Rua 7 de Setembro ao Lar go da Carioca, foi libertada, com seus ocupantes prometendo deixarem de usar escravos nos seus estabelecimentos. A medida que os dias iam passando, o movimento de libertação na capital ia criando mais força. Ajudado por estuda ntes da Escola Polytechnica, espalhou-se a novas ruas, com a libertação de cada

quadra sendo o pretexto para uma celebração pública — o encontro de

cariocas felizes e alegres na rua libertada, com casa s, varandas e vitrinas

brilhantemente iluminadas por lanternas. Foguetes exp lodiam

intermitentemente sobre as estreitas ruas,

com bandas de música en-

corajando cantos e danças improvisadas. Perto do fina l de abril, já se verificavam festas nas quadras das ruas do coração da capital quase todas as noites. 50 Popular no Rio, finalmente, o abolicionismo alcançou as câmaras do Conselho Municipal. Em 1 de maio, esta instituição emitiu regulamentos para o uso de um “Livro de Ouro”, um fundo municipal de emancipação tendo por objetivo financiar a libertação anu al de escravos do Município Neutro. “O movimento emancipador,” escreveu um membro do Conselho, reagindo aos acontecimentos na cidade, “deve ser reflectido para ser ordeiro; os grandes interesses

nacionaes

representados pela lavoura e pelo commercio...

devem

ser os directores desse movimento, ante o qual é um crime qualquer tentativa reaccionaria.” Ao criar o Livro de Ouro, explicou o mesmo

funcionário,

a

Câmara

Municipal

tentava

dirigir

a libertação

do município, para servir como um “elemento concil iador”, a fim de orientar as forças emancipacionistas para processos legais e ordeiros. 51

A campanha para libertar os escravos da cidade do Rio de Janeiro durou várias semanas, mas perdeu seu ímpeto e foi abandonada, finalmente, com a população voltando sua atenção, em maio e junho, para um esforço promissor por par te do Governo Imperial

90

Ibid.,

de

5 a 26

de abril

BO DPHAO, Cod CEIA ACam Ouro em fevereiro Ri .

o News.

de

1884.

2

ari Municipa

l

i d i r a “cr i decidira criar

o Livro

rat

foi suficientemente longe para cumprir seu propósito. A escravatura ainda era excessivamente forte na capital do Império, rodeada como estava pelas províncias do café, para que pudesse ser destruída apenas pelo entusiasmo e as boas intenções. Em 1887, ainda havia 7.500 escravos registrados na área da cidade do Rio. 52 O abolicionismo do Ceará e da capital imperial, entretanto, estimularam outros movimentos de uma ponta a outra do país. No começo de maio de 1884, os estudantes da Academia de Direito de São Paulo, seguindo os estudantes da Escola Polytechnica, organizaram uma Comissão Libertadora Academica para o propósito de libertar escravos nas ruas em volta daquela instituição. Tal como no

Rio de Janeiro, contudo, a escravatura ainda era defendida adamantemente na cidade de São Paulo, embora os escravos da província já estivessem, então, grandemente concentrados nas áreas rurais, realizando o trabalho agrícola. Como resultado disto, os esforços dos estudantes encontraram forte resistência na capital do café e pouco realizaram. 3 Um movimento abolicionista mais vigoroso surgiu em maio e junho na cidade de Campos, na região produtora de açúcar na parte leste da província do Rio de Janeiro. Sua mais importante força era um novo jornal abolicionista, o Vinte e Cinco de Março, que apareceu pela primeira vez em 1 de maio. De propriedade de Carlos de Lacerda, um inimigo radical da escravatura, que também era o seu diretor, este novo jornal insinuou no seu primeiro número que os abolicionistas de Campos usariam métodos violentos, se isso fosse necessário, para servirem sua causa. 54 Em meados de junho, o Club Abolicionista Carlos de Lacerda

já estava libertando as principais ruas de Campos

e alguns dos donos

de escravos, confrontados por comissões abolicionistas, estavam aceitando preços moderados. Todavia, a comunidade agrícola, como um todo, reagiu fortemente a este ataque abolicionista ao coração do rico delta, produtor de açúcar, do Paraíba. O Club da Lavoura de Campos armou, segundo foi alegado, “sicarios disfarçados” em unidades da polícia municipal, perseguiu os abolicionistas e até amea62 Relatorio do Ministerio da Agricultura, 14 de maio de 1888, página 24. 58 A Onda, São Paulo, 17 de outubro de 1884, Gazeta da Tarde, 3 de maio de 1884; Bastide e Fernandes, Brancos e negros, página 55. O últi mo relatório do governo sobre a população escrava, dando estatísticas reunidas em 1886 e 1887, colocava as populações escravas urbana e rural de São Paulo em, respectivamente, 4.926 e 102.403. Ver Relatorio do Ministerio da Ágricultura, 14 de maio de 1888, página 24. d4 Vinte e Cinco de Março, Campos, Rio de Janeiro, 1 de maio de 1884.

239

çou suas vidas, enquanto os jornais controlados pelos interesses agri.

colas exigiam uma “revolução”. Em maio, uma multidão pró-escravatura reuniu-se ameaçadoramente diante da redação do Vint e e

Cinco de Março — um prelúdio a sérios choques armados que viriam a verificar-se em Campos, em 1887, entre abolicionist as e seus oponentes. ** Até então, os abolicionistas de Campos continuaram seu trabalho, rodeados por uma região rural hostil, começando, depois, a empregar os métodos violentos que Carlos de Lacerda amea-

çara usar no primeiro número de seu jornal. Essas violências, segundo foi alegado, vieram a incluir o incêndio de campos de cana-deaçúcar e agitação entre os escravos das fazendas, as quais, em 1887, transf

ormaram Campos num refúgio de fugitivos perseguidos e, durante um breve período, até num campo de ba talha forças

66

240

entre as duas

adversárias.

Ibid.,

17 e 19 de junho de 1884; Ri o

News,

24 de

maio de 1884.

Nenhuma das grandes causas nacionais que produziram como seus advogados os maiores espíritos da humanidade, teve nunca melhores fundamentos do que a nossa. JOAQUIM NABUCO O Abolicionismo

13

DO

O FIM

DA

ONDAS REFLEXAS CEARÁ: AMAZONAS E RIO GRANDE DO SUL ESCRAVATURA

NO

AMAZONAS.

Os MAIS eficazes movimentos provinciais de libertação como: um reflexo direto da emancipação do Ceará foram os do Amazonas. e Rio Grande do Sul. A situação do Amazonas era particularmente favorável ao abolicionismo. Nas décadas de 1860 e 1870, uma pequena elite dessa província tinha ficado rica devido a um acidente da natureza: abundantes florestas de árvores da borracha em estado natural, com a borracha sendo extraída por índios, mestiços e mi-grantes livres do nordeste brasileiro, espalhados ao longo dos canais. da bacia amazônica. Essa província do norte, “um prodigioso em-

porio de riquezas naturaes”, mantinha-se indiferente à questão da escravatura, escrevera André Rebouças muito antes da erupção domovimento nessa província. ?! A riqueza do vale atraíra um influxo» de escravos de outras áreas (ver Tabela 9), mas só havia 1.501 re1

Agricultura nacional,

páginas

49-50.

24F

gistrados

na província no início de 1884, com a maioria deles em.

pregados nos centros urbanos como servidores domésticos. Mana us, a capital da província, era, só por si, a residência de 571 escravos, mais de um terço do total da província, e mais de metade destes pertenciam a senhores que tinham um ou dois escravos. Na totalidade da cidade, havia apenas 308 donos de escravos, cuja média de

posse de escravos consistia em menos de dois cada. 2? Nas áreas produtoras de borracha da província, havia menos de 500 escravos, com muitos

destes usados no serviço doméstico. 3

Apesar desta escassez de cativos no Amazonas,

foi preciso o

exemplo do Ceará, bem como a liderança do mais alto funcionár io provincial, para que o Amazonas agisse. A legislatura em Man aus

colocara de lado fundos, todos os anos, desde 1869 até 1872, para a emancipação de escravos e, em 1882, aplicara um imposto de dois contos a cada escravo que entrasse na província. Todavia, pouco mais fora realizado antes de 1884. 4 Tal como outras províncias, o Amazonas não tinha usado totalmente suas quotas do fundo de emancipação. Seis distribuições, totalizando quase vinte e seis contos, tinham alcançado a província e sido filtradas para os municípios, mas só seis escravos haviam sido libertados pelo fundo durante os sete anos anteriores a março de 1883. Havia poucos escravos para classificar no Amazonas, mas isso não impediu que as juntas de classificação tivessem realizado seu dever com a relutância que se tornara comum em outras partes do país. 5 Foi o presidente provincial quem, finalmente, iniciou e chefiou o movimento abolicionista na província. Recentemente inaugurado no seu cargo, em 25 de março de 1884 — no mesmo dia em que o Ceará foi declarado livre de escravos — o Presidente Teodureto

Souto informou a Assembléia Provincial de que o problema da escravatura no Amazonas poderia ser solucionado legalmente e sem muito prejuízo para os proprietários. A Assembléia

não dispunha da

autoridade para abolir oficialmente a escravatura, mas contava com 2

Relatorio com que

a administração

da

vereiro de 1884

Agricultura, 14 e 16 de

Barão

*

Amazonas,

páginas

9

em

Relatorio

(publicado

242

maio de de 1884,

4

e 24

de

da

provincia

páginas

29-30;

provincia

1884),

1884,

de Santa-Anna Nery.

211-212.

25 de E

mesma

(Manaus,

7 de maio

é

o presidente

Maio

ao

1.º

página

vice-presidente...

187;

de 188

de novo

Relatorio

Amazonas,

The Land of the Amazons de

84. apresentado á Assembléa 18Leg islativa

Março

do Amazonas...

3, pelo Presidente no jjornal Ámazonas,

g

Pro

em

entregou

16

de

do Ministerio

Manaus,

(Londres,

4,

7,

fe-

da

9,

1901),

Provin iva vincia cial do Amazonas... José Lustosa da Cunha Paranaguá 2 de maio de 1883).

os meios para indenizar os donos dos escravos. Com um saldo de mais de 972 contos no tesouro, o presidente pediu a criação de um fundo de emancipação para a libertação de toda a população escrava

da província. º Dois dias mais tarde, um projeto de lei para reservar 500 contos

para o propósito foi apresentado à Assembléia.

festou-se —

até mesmo

no Amazonas —

A oposição mani-

mas um projeto modifica-

do passou por uma votação unânime em 24 de abril, motivando uma

cena muito semelhante à presenciada no Senado Imperial em 27 de setembro de 1871: aplauso entusiástico, uma chuva de flores das

galerias e a execução do Hino Nacional pela banda

de música do

3.º Batalhão de Artilharia. A lei concedeu 300 contos para a libertação de escravos (não 500 contos, conforme pedido de início), mas reservou 200 só para eliminar os escravos em Manaus até o dia 5 de setembro. * No dia em que a lei foi aprovada, senhoras preeminentes de Manaus estabeleceram uma nova sociedade, as Amazonenses Libertadoras, no Palácio do Governo, na presença do presidente provincial e de outros importantes líderes civis e militares. O objetivo da nova organização, afirmava seus estatutos, era a rápida libertação dos escravos do Amazonas por todos os meios disponíveis. Para apressar essa realização, cada uma das senhoras prometeu contribuir com

uma peça de joalheria, potencialmente uma fonte importante dos fundos de libertação, já que os membros dessa organização eman-

cipadora pertenciam ao creme da sociedade de Manaus. 8 Com relativamente pouco para fazer, os abolicionistas do Amazonas comprimiram a tarefa de libertação num breve período repleto

de acontecimentos após a passagem da legislação antiescravatura. Ta-

refas que requeriam meses e até anos em outras províncias foram realizadas em poucos dias na província do Amazonas. Em 1 de maio, o presidente provincial decretou regulamentos para a execução da nova lei. O trabalho de abolição deveria ser realizado no mais curto tempo possível, esperançosamente até 5 de setembro. O próprio presidente foi autorizado a nomear comissões de libertação para a capital e outras partes da província, incluindo liber-

tadores viajantes para os lugares mais isolados. Vindos de todas

as

6 Exposição apresentada á Assemblea Legislativa Provincial do Amazonas na abertura da primeira sessão da decima setima legislatura em 25 de Março de 1884 (Manaus, 1884), página 4. * Amazonas, 16 de abril de 1884. A data estabelecida para a libertação de Manaus foi o trigésimo quarto aniversário da implantação de Amazonas como uma província separada. 8 Ibid., 27 de abril de 1884.

243

classes e de todas as profissões, estas comissões teriam de iniciar o seu trabalho o mais rapidamente possível, usando todos os meios le-

gais para libertar os escravos ao menor custo possível e sem causar

distúrbios ou ofender direitos estabelecidos. Editais contendo os nomes de todos os donos de escravos da província seriam publicados

na imprensa e afixados em locais públicos, com os proprietários sendo

convidados publicamente a enviarem propostas

escritas ao governo,

dentro de um prazo de trinta dias, especificando as quantias que aceitariam pela emancipação de seus escravos. *? Três dias depois, os nomes de quarenta e um proprietários já

tinham aparecido na imprensa de Manaus e, em 16 de abril, os nomes de todos os donos de escravos da cidade já foram apresentados ao público. Sob uma tal pressão, um importante proprietário da província anunciou rapidamente que estava disposto a libertar seus quinze escravos a 400 mil-reis cada e muitos outros depressa seguiram seu exemplo, alguns chegando a oferecer seus escravos por quantias tão baixas quanto 100 mil-reis. Tal como os abolicionistas de outras províncias, os do Amazonas também organizaram clubes e sociedades. Entre 24 de abril e 14 de maio, pelo menos nove sociedades abolicionistas surgiram em Manaus e, em 14 de maio, estas organizações juntaram-se com o pessoal das redações de quatro jornais, com a Assembléia Provincial, a Câmara

Municipal,

duas

lojas maçônicas

e outras

organiza-

ções para formarem um Congresso Abolicionista, reunindo-se sob a presidência do próprio presidente provincial no palácio da Câmara Municipal.

A

criação

de

cada

novo

clube

proporcionava

oportunidade para uma reunião pública, mantendo

nova

a cidade de Ma-

naus em estado de festividade durante grande parte do mês de maio.

O domingo, 11 de maio, foi dedicado quase inteiramente ao tipo

de demonstrações públicas já então identificado com as fases vitoriosas do abolicionismo. O Largo Dom Pedro II, o Palácio Presi-

dencial, o quartel do 3.º Batalhão de Artilharia, a escola normal, a Câmara Municipal, as casas particulares e até mesmo a prisão da cidade foram decoradas com lanternas

e bandeiras.

Na

manhã

desse

dia, os estudantes do liceu e da escola normal criaram conjuntamente a Cruzada Libertadora. Mais tarde, nesse mesmo dia, a sociedade Libertadora Vinte e Cinco de Março

teve sua primeira reu-

nião no Palácio Presidencial. Nessa sessão, representantes dos catraeiros, os barqueiros de Manaus, reagindo aos esforços para enviar escravos pelo rio, para onde seu valor fosse mais elevado, seguiram O

244

JIbid.,

4

de

maio

de

1884,

o exemplo

dos jangadeiros

do Ceará

e declararam

o porto

de Mas.

naus fechado ao tráfico de escravos. Com as atividades do dia ainda

não terminadas, os abolicionistas, mais tarde, convergiram para o Largo 28 de Setembro, desfilando pelas ruas da cidade, acompanha-

dos pela banda

do 3.º de Artilharia,

prensa antiescravatura.

senvolvera Amazonas.

saudando

as redações

da im-

O movimento abolicionista de Manaus

de-

“proporções colossaes”, declarou um artigo no jornal Até mesmo os presos da prisão da cidade haviam apoia-

do a causa, contribuindo com mais de quarenta e sete mil-reis para

o trabalho de libertação. No mesmo dia, impressionados pela força do movimento,

os edi-

total dos escravos

oitavo

tores do Amazonas

propuseram

da

um novo objetivo:

cidade até o dia 24 de maio,

a emancipação décimo

aniversário de uma importante vitória brasileira na Guerra do Paraguai e primeiro aniversário da libertação da capital do Ceará. Três

dias mais tarde, na sua primeira sessão, o Congresso Abolicionista do Amazonas aceitou a ambiciosa meta e, no dia seguinte, numa sessão especial dos clubes combinados, a libertação sistemática dos escravos da cidade foi planejada através de sua divisão em seis distritos, cada um deles com uma comissão de libertação. Em 18 de maio, o movimento de libertação em Manaus já alterara a vida da capital provincial. “No meio da mais profunda agitação,” manumissões tinham lugar em toda a cidade, embora alguns proprietários tentassem convencer seus escravos a contratos de serviço, comprometendo-os a mais trabalho durante longos períodos —

O sistema de “libertação”

que depressa varia a tornar-se comum

no

Rio Grande do Sul. Também se estavam verificando manumissões em comunidades fora de Manaus. Os residentes do município de Teffé, onde o recenseamento de 1872 registrara a existência de sessenta e sete escravos, correspondeu à chegada de uma comissão de

libertação da capital, libertando todos os seus escravos em oito dias,

completando, assim, a libertação de mais um município brasileiro. A quarta semana de maio foi memorável em Manaus. Na tarde

do dia 23, os cidadãos reuniram-se no Largo Dom Pedro II no re-

centemente construído Pavilhão da Liberdade, onde o Dr. Teodureto

Souto, o presidente provincial, distribuiu 186 certidões de liberdade

aos últimos escravos da cidade.

celebrações da manhã

Uma

tempestade

tropical adiou

do dia 24, mas às 6 horas da

manhã

as

uma

Salva de vinte e um tiros de canhão prestigiou as principais organi-

zações abolicionistas e rodas de foguetes foram disparadas com trin-

ta minutos de intervalo durante toda a manhã. Depois da tempestade, os abolicionistas, incluindo os membros da Assembléia Provin-

245

cial, desfilaram do Largo

28 de Setembro

até o Pavilhão da Liber.

dade. A cabeça da procissão, marchava o presidente do Congresso

Abolicionista, acompanhado por vinte jovens a cavalo. Logo atrás, vinha uma carruagem ricamente decorada puxada por vinte libertos

todos vestidos com roupas brancas e usando chapéus de palha. Dentro da carruagem, escoltada por quatro cavaleiros e dois escudeiros, havia uma “pura índia”, que simbolizava a cidade livre de Manaus.

o resto do

dia e as celebrações,

conforme

previsto,

terminaram

no

dia 25. 4 A libertação do resto do Amazonas fora planejada para 5 de setembro, mas a reação do governo central aos acontecimentos naquela província do norte apressaram sua realização. Um pouco mais de uma semana depois da escravatura ter terminado oficialmente em Manaus, uma ordem vinda do governo central afastou o presidente do Amazonas de seu cargo, tal como o presidente do Ceará fora afastado do seu depois do primeiro surto de abolicionismo nessa província. Atribuindo o afastamento de Teodureto Souto a seu abolicionismo, a Gazeta da Tarde condenou a atitude do regime. A nação compreendia, disse esse jornal abolicionista, que o governo não

queria agir em conformidade com a opinião pública, que não tencionava reconhecer a autonomia das províncias. A população de Manaus libertara

os escravos da cidade por meios legais e com

gamento a seus proprietários, concluiu a Gazeta, mas “Os tantes da trindade negra do sul (São Paulo, Minas Gerais

pa-

represene Rio de

Janeiro) não admittem que as provincias do norte pensem e resolvam segundo as aspirações da civilização...” 11 O

jornal The

Rio News

registrou

os acontecimentos

finais

do

drama abolicionista no Amazonas. “O dia 5 de setembro fora escolhido como a data para a libertação total da província,” escreveu o editor do jornal

em

24 de julho,

“mas

quando

chegou

a notícia

de que o presidente, o Dr. Theodureto Souto,

fora afastado pelo

esse dia, então, com

ação em

governo central devido a sua ação na assinatura do ato da emancipação provincial, a população organizou imediatamente uma manifestação popular para prestigiá-lo, no dia 10 de julho, e celebrou 10 11

246

a mais honrada e elogiável

Ibid., números de maio Gazeta da Tarde, 2 de

de 1884. junho de

1884.

seu poder

e

vatura na cidade. Concertos e desfiles com a participação de toda a população conservaram Manaus num estado de comoção durante

mm

Reunida no Pavilhão da Liberdade, a multidão aguardava em silêncio, enquanto o Dr. Teodureto declarava solenemente o fim da escra-

— a libertação de todos

os escravos que havia na provínci a.

teria sido possível responder digna ao governo.” 12

com

uma

censura

mais

Não

significante

A libertação dos escravos de uma segunda província fora apressada, evidentemente, pela resistência do re gime central a outro po deroso avanço do abolicionismo, mas n em mesmo essa resistência poderia ter trazido uma solução tão súbi ta e completa à questão dz escravatura se essa enorme província trop ical estivesse repleta de escravos negros. O uso de “uma índia pu ra” para simbolizar a cidade livre de Man aus foi apropriado de um modo talvez nã o considepelos organizadores da celebração de 24 de maio, pois fora a

rado

mão-de-obra

índia —

em muitos casos, mão-de-obra índia forçad a

—— que tornara os escravos negros pouc o mais do ticos em Manaus. 3 A súbita decisão do Am azonas os seus escravos (parafraseando Adam Sm ith) era poucos que existiam eram de pouca import ância da província.

COMPROMISSO No Rio GRANDE DO

NO

RIO

que luxos domésde libertar todos prova de que os para a economia

GRANDE

DO

SUL,

SUL, a escravatura era de maior importân-

cia do que no Amazonas, mas fora minada po r várias características especiais da província. A proximidade das re públicas de língua espanhola, onde a escravatura já há muito de ixara de existir, e a pr

esença de uma grande população de origem estrangeira, que demonstrava pouco entusiasmo pela escravatura, foram fatos que exerceram efeitos liberalizantes sobre a população nativa. !* Além disso, O Rio Grande do Sul sofrera uma grande perd a de mão-de-obra atra-

vês do comércio interprovincial de escravos durante a década de 1870 (ver Tabela 9). A escravatura permanecia importante na indústria do charque 15 e, assim, a população cativa da prov ín ci a ain da era grande em 1884. Todavia, sua situação pecu liar tornara o Rio Grande do

12

1

Rio

Para

News,

Sul quase 24

de

comentários

tão vulnerável

julho

sobre

de

1884.

os maus

quanto

o Amazonas k

tratamentos à mão-de-obra

às ondas

índ

ia no Amazonas, ver Santa-Anna Nery, The Land of the Amazon s, página 313. It A comunidade alemã de São Leopoldo, por exe mplo, registrou apenas 1.546 escravos no recenseamento de 1872 e 29 314 pessoas livres. Recenseamento da população, XVII, 2051» Cardoso, Capitalismo e escrav20id6.ão, pági7 nas 239-240. 247

e

reflexas do Ceará. Impressionados pelas grandes vitórias que o abo-

licionismo tivera no norte durante a primeira metade de 1884, reagindo ao pânico econômico

e à queda

do preço

dos escravos causa-

da pelo Ceará e receando, talvez, uma perda total da futura mão-

de-obra representada pela grande população escrava da província, os TIo-grandenses entraram num compromisso astuto com o abolicio-

nismo que lhes permitiu usar o trabalho

de seus escravos, embora

dando-lhes o rótulo nominal de homens e mulheres “livres”, O choque econômico foi diminuído, assim, com a província somando-se gloriosamente às fileiras das províncias emancipadoras. O movimento libertador, que alcançou um auge de Intensidade no Rio Grande do Sul em agosto e setembro de 1884, não foi, portanto, tão claramente idealista ou até tão completo quanto os do Ceará e do Amazonas. Numa questão de meses, dois terços dos sessenta mil escravos dessa província do sul receberam a condição de livres, mas a verdade é que a maioria foi obrigada a continuar dando seu trabalho, sem pagamento, a seus antigos senhores durante de um a sete anos. “O movimento no Rio Grande do Sul,” conforme The Rio News afirmou no final de 1884, “deverá ser diferenciado

dos movimentos do Ceará e do Amazonas, pois é de natureza muito menos liberal e generosa. Quase todas as libertações estão sendo concedidas em condições de tempo de trabalho ou aprendizado que se verificam, em grande parte, para um período de cinco anos.” 16 Este sistema de “libertação” baseava-se no quarto artigo da Lei Rio Branco, que declarava que, para ganhar sua liberdade, o escravo poderia alugar seu trabalho a uma terceira pessoa, embora só até um limite de sete anos. A libertação de um escravo por meio de um tal contrato de trabalho não seria anulada se ele não cumprisse

com seu contrato, mas ele poderia ser obrigado, então, a completar

seu período contratual num estabelecimento público ou sob contrato com outro empregador privado. 17 16

W

Rio News,

24 de

outubro

Luiz Francisco da Veiga,

de

Livro

mentos da Lei Rio Branco de 13 os libertos que não completassem

as provisões

1884.

da lei de contrato

de

do

.

estado servil, página

de novembro seu trabalho

trabalho

de

28.

Os regula-

de 1872 acrescentavam que contratual estavam sujeitos

1837,

cujo

objetivo

era

forçar os imigrantes a cumprirem com seus contratos. Esta lei previa trabalhos forçados ou servidão penal até o contrato ser cumprido. Os regulamentos de 1872 também declaravam que, quando havia perigo do liberto fugir ou quando, na realidade, já abandonara seu senhor, ele estaria sujeito à prisão com um máximo de trinta dias. Colecção das lei s do Imperio (1872), Parte II, Vol. III, páginas 1067-1073; ibid. (1837), 1, 76-79 .

246

A fórmula

para a libertação usada no Rio Grande

do Sul foi

explicada por líderes provinciais preeminentes. O Senador Silveira Martins declarou, no Senado, que os proprietários de escravos tinham

direito a uma indenização, mas podiam renunciar a ela. Se, contudo, não estivessem dispostos a tal ou não pudessem fazer esse sacrifício, o escravo poderia comprar sua liberdade com seu trabalho. “Dai-lhe a liberdade,” recomendou o senador aos proprietários, “com a condição de trabalhar ainda 3, 4 ou cinco annos (nunca mais), conforme o valor que julgaes devido. Não desorganiseis, assim, o vosso trabalho e tereis tempo para preparar a transição para O trabalho remunerado...” 18 No início da campanha de libertação, o presidente do Rio Grande do Sul esclareceu as questões legais envolvidas em libertar escra-

vos por meio de contratos de trabalho e sugeriu formas de forçar os escravos a aceitarem o sistema. A mera inclusão da declaração

do proprietário na certidão de libertação, especificando a duração do serviço, era tão válida quanto o contrato de trabalho com uma terceira pessoa, escreveu o presidente provincial, “adquirindo o es-

cravo de um e outro modo a liberdade immediatamente, mas ficando o liberto sujeito em ambos os casos a prestar os serviços durante o praso fixado dentro dos limites da lei, sob pena de ser compellido a prestal-os em estabelecimentos publicos, ou, por contracto, a particulares...” Pouco depois, o Ministro da Agricultura deu sua total aprovação a esta interpretação da lei. 1º A Reforma, um importante jornal emancipacionista de Porto

Alegre, explicou em termos econômicos o sistema de libertação que

fora adotado pela província. Os proprietários que pensavam que

haviam

libertá-los



sido indenizados pelo trabalho de seus escravos poderiam incondicionalmente,

mas

aqueles

que

consideravam

me-

recer maior compensação restituíam “sua illegitima propriedade humana á sociedade e á liberdade, mas exigiam a indemnisação do seu

capital em serviços dos ex-escravos.” Avaliando os serviços dos es-

cravos a uma média de 240 mil-reis por ano, este jornal calculou que

três anos de trabalho representavam o valor médio hoje, mas em outro tempo, quando a mercadoria

do escravo, “não ainda tinha boa

cotação na praça.” 2º Nas palavras do presidente provincial, o sistema de libertação tinha o efeito de abolir a escravatura, embora conservando o trabalhador no Rio Grande do Sul. 21 18 19

20

21

A Reforma, Porto Alegre, 12 e 14 de outubro de 1884. Ibid., 14 de setembro e 15 de outubro de 1884.

JIbid.,

17

Cardoso,

de

agosto

Capitalismo

de 1884.

O grifo

e escravidão,

é do original.

página

260.

Cardoso

interpreta

isto

249

Assim, esta província do extremo sul adotou um

sistema lógico

e cauteloso de emancipação que estava aberto às críticas dos puris-

tas de ambos os lados da questão. Os inimigos da escravatura podiam argumentar que a maioria dos escravos já havia dado, não

três ou cinco anos de serviço, mas sim oito ou quinze e que, por-

tanto, já tinha pago a seus senhores várias vezes seu investimento, particularmente com os preços atuais do mercado. Os defensores da escravatura, por outro lado, podiam argumentar que a libertação através de um contrato de serviço era uma negação do direito do proprietário ao trabalho de seu escravo. Como é que um escravo | poderia pagar a seu dono, perguntava-se, com aquilo que esse dono | já possuía legalmente: o direito ao trabalho de seu escravo sem quaisquer condições? Aceitando esta lógica, os editores de O Conservador de Porto Alegre enviaram cartas a todos os municípios da província em outubro de 1884 aconselhando os proprietários de escravos a conservarem seus escravos com base no fato de a indeni- | zação através do trabalho ser ilusória. Os abolicionistas haviam en- | ganado a população, disse O Conservador, esperando “destruir a | propriedade e deixar em miséria as pessoas que confiaram em suas palavras.” 22 Um abolicionista, por outro lado, declarou em 1887 que aqueles que tinham ganho mais com o sistema de contrato de trabalho haviam sido os proprietários. Apesar dos males da escravatura perdurarem, salientou ele, os proprietários ganharam de várias formas. Protegeram-se da possível abolição da escravatura no futuro imediato, esperando que esse contrato de trabalho permanecesse válido depois da abolição. Privaram os abolicionistas de seus argumentos. E, finalmente, satisfizeram suas vaidades, beneficiandose dos elogios da imprensa. 28 A libertação através de contratos de serviço era um compromis-

so intrincado. Todavia, o sistema despertou

desde

o seu

início O

mesmo entusiasmo das práticas mais liberais usadas nas províncias do norte. Na realidade, apesar dessa semi-solução, houve um autên-

tico idealismo antiescravatura no Rio Grande do Sul e o movimento adotou o programa de espetáculos e as táticas que já haviam sido usadas em outras províncias. Assim, por exemplo, o Club. Abolicionista de Pelotas, fundado em 1881, proporcionou aulas educacionais como

bora

22

significando, na

conservando

Citado

por 4

sua

realidade: “Abolir a condição

condição

Reforma,

real”,

8 de

outubro

de

1884. *ê Fonseca, A escravidão, o clero e o abolicio nismo. crítica do sistema de libertação, ver Ca páginas

250

253-268.

rdoso,

legal do escravo,

em-

ise s gá Para uma análão, Capitalismo e escrav

diárias aos ingênuos. O Club Nihilista Carnavalesco, fundado na cidade de Itaqui em fevereiro de 1884, parecia manifestar um radicalismo bem humorado na escolha de seu nome. Em abril, o jornal A Reforma de Porto Alegre já informava sobre libertações em massa na cidade de gado de Pelotas e previa a rápida manumissão de todos os escravos da província. Nesse mesmo mês, um Club Abolicionista foi organizado em Porto Alegre para esse propósito e, em

maio, a população da cidade suas ruas e praças. 2º

de Uruguaiana



estava

libertando

No começo de agosto, o movimento no Rio Grande do Sul Já desenvolvera o mesmo ímpeto que se vira, antes, no Ceará e Amazonas. Em 6 de agosto, os membros do Club Abolicionista reuniramse em Porto Alegre a fim de nomear comissões para libertar os escravos em três partes da cidade e, meados do mês, a imprensa de Porto Alegre começou imprimindo os nomes de centenas de pessoas que haviam concordado com libertar seus escravos, com a maioria sendo proprietária de um ou dois servos pessoais. Várias ruas no centro da cidade foram libertadas rapidamente e os abolicionistas, indo de casa em casa, celebravam seus sucessos nas mesmas ruas, tal como a população do Rio fizera alguns meses antes. Na terceira semana de agosto, o sucesso de Porto Alegre já parecia mais amplo do que o de Manaus. Já não havia um só escravo na cidade, afirmou 4 Reforma, cuja liberdade não pudesse ser comprada até 7 de setembro, a data marcada para a manumissão do último escravo na cidade. Aquilo que parecera impossível uma semana

antes, fora realizado:

uma

grande cidade com

mais de dois

mil escravos fora libertada em poucos dias. As comissões de libertação só raramente tinham encontrado resistência e os fundos necessários para pagar os proprietários que pediam indenização mone-

tária existiam. O movimento espalhara-se a outras cidades: a Viamão. Rio Grande, à comunidade alemã de São Leopoldo, São Sebastião de Cahy, esta última tendo proclamado a libertação de todos os seus escravos em meados de agosto. 25 As celebrações em Porto Alegre em 6 e 7 de setembro de 1884 foram descritas como sendo mais esplêndidas do que quaisquer ou-

tras que até então se tinham verificado

na história da cidade. Tal

21 Serafim Antônio Alves, Relatorio apresentado na Sessão Magna da Associação Emancipadora Club Abolicionista em 21 de Agosto de 1882 (Pelotas, 1882), página 9; Jornal do IO e 14 de abril de 1884;

de 2»

1884. A Reforma,

1, 8

15-17.

Commercio, 6 de março de 1884; A Reforma, Gazeta da Tarde, 26 de maio e 13 de abril

21 e 23 de

agosto

de

1884.

251

como já sucedera em Fortaleza e Manaus, as festividades para celebrar a libertação dos últimos escravos da cidade absorveram as energias de grande parte da população, incluindo dos funcionários públicos e de membros das classes mais prósperas. O principal desfile do dia 6, presenciado por grandes e entusiásticas multidões, consistiu num “luzido cortejo formado de senhoras e cavalheiros, em carro e a cavallo, acompanhados de todas as bandas de musica desta cidade.” Na manhã

seguinte, as comissões de libertação

cionista reuniram-se no Palácio Municipal, discursos e da execução

de hinos,

do Club

onde, depois de

Aboli-

vários

Porto Alegre foi proclamada

for-

malmente livre de escravos. A Assembléia Municipal aprovou, então, uma moção de louvor pelos líderes do movimento, o Coronel Joaquim Pedro Salgado e o Dr. Joaquim de Sales Torres-Homem e, em resposta, um livro contendo os nomes de todos os antigos proprietários de escravos de Porto Alegre e a bandeira dos abolicionistas foram entregues ao presidente da Câmara. Depois destas cerimônias, durante as quais os próprios escravos foram lançados na

som-

bra da liberalidade de seus senhores, seletas organizações militares e cívicas reuniram-se na catedral, onde o Bispo celebrou um TeDeum, louvando a extinção da escravatura na cidade. 26 No fim da tarde, uma grande quermesse teve início no Largo Dom Pedro II, onde todos os edifícios do governo ficaram iluminados e várias bandas de música distraíam o público reunido. Muitos e dispendiosos objetos, oferecidos como contribuição nas semanas anteriores, foram leiloados a bons preços. Os quiosques receberam nomes em honra dos líderes dos movimentos abolicionistas, tanto provinciais quanto nacionais. No quiosque José do Patrocínio, que se especializava em flores, a mercadoria foi grandemente disputada, dando um lucro de 800 mil-reis. No quiosque dedicado a Luiz Gama, um abolicionista bebeu champagne, quebrou a taça e leiloou cada fragmento por 15 mil-reis, com o resultado da venda, supomos, indo para a causa da libertação. Um conhecido político pagou o extraordinário preço de 20 mil-reis por uma edição especial do Jornal do Commercio. Charutos e até rifas foram vendidas a preços exorbitantes, escreveu 4 Reforma, “enquanto que ao mesmo tempo objetos identicos eram comprados pelos preços marcados pelas classes

menos abastadas que também queriam guardar uma lembrança da grande festa de caridade.” 27

26 Gazeta da Tarde, 8 de setembro e 10 de setembro de 1884. 21

252

A

Reforma,

28

de

agosto

e

11

de de

1884; setembro

4

Reforma, de

1884.

31

de

agosto

Nas semanas que se seguiram, cidade após cidade na província do extremo sul do Brasil informava sobre o estabelecimento de clubes de emancipação, a libertação de centenas de escravos ou à erradicação completa da escravatura. No décimo terceiro aniversário da

Lei Rio Branco, onze cidades, dezessete vilas e seis municípios já haviam sido declarados inteiramente livres. Em 17 de outubro, a importante cidade de Pelotas, na região do gado, proclamou a liber-

tação do último de seus cinco mil escravos, com o presidente da província, José Júlio de Albuquerque Barros, presente para verifi-

car o sacrifício que isso representava para seus proprietários de escravos. Os mais afetados haviam sido os donos de charqueadas, as fábricas de carne-seca, que constituíam a mais importante indústria da cidade. Dos cinco mil escravos que a cidade tivera, dois mil eram servidores domésticos ou trabalhadores do porto e mil eram usados na agricultura. Os outros dois mil, segundo o presidente, trabalhavam nas charqueadas, onde, todos os anos, 300 mil cabeças de gado (150 por escravo) eram mortas e produtos de carne no valor de dez a doze mil contos eram produzidos — um produto médio anual por escravo de cinco a seis contos. 28 O número de libertações no Rio Grande do Sul diminuiu no final de 1884 e no começo de 1885, tal como sucedeu em todo o resto

do país durante esse período, enquanto os proprietários de escravos aguardavam para saber se o Projeto Dantas seria posto em vigor,

com suas provisões para libertar escravos idosos e para

estabelecer

avaliações dos escravos a serem libertados pelo fundo de emancipacão. Ao contrário do movimento no Amazonas, além do mais, o do Rio Grande do Sul não alcançou seu objetivo declarado de libertar

todos os escravos da província até 1885. 2? O movimento no sul fora menos eficaz, evidentemente, pelo fato de o Rio Grande do Sul ter um interesse mais elevado pela escravatura do que o Amazonas. Por outro lado, o movimento de libertação nesta província do sul realizou

muito

mais

do que

foi possível

realizar,

pelos

movimentos

abolicionistas, nas províncias do café durante o mesmo período. O nível de sucesso estava relacionado, obviamente, com a importância dos escravos nos vários lugares.

Pouco antes da abolição da escravatura brasileira em 1888, ainda havia 8.442 escravos no Rio Grande do Sul — de um total de 60

mil em 1884 — rais. Em

28 29

Ibid., Ibid.,

a maioria deles jovens e quase todos nas áreas ru-

meados de 1887, um jornal da cidade de Pelotas —

10 de setembro e 8 de outubro de

18 de outubro 1884.

de

cidade

18384.

253

que se afirmara livre de escravos — ainda publicava anúncios para o

aluguel

de

cozinheiras

negras

e até de

uma

ama-de-leite

sem

“cria”. Até mesmo Porto Alegre, proclamada livre em 1884, ainda contava com cingiienta e oito escravos em 18883 além dos “libertos” que ainda trabalhavam sem salário para compensarem seus senhores por sua generosidade.

SO Relatorio do Ministerio da Agricultura, 14 de maio de 1888, página 24; Correio Mercantil, 5, 7, 21 e 30 de julho de 1887; Cardoso, Capitalismo e escravidão, página 81.

254

ao problema

O projecto, dando solução definitiva servil, desarma a opinião abolicionista e assegura á lavoura dias de tranquillidade e de paz.

DELFINO CINTRA na Câmara dos Deputados,

DE SÃO PAULO 3 de julho de 1885

Mas, senhores, os votos que apoiam o presente projecto são a su a condemnação. Uma lei de emancipação nesta epocha, para ser boa, devia ser uma lei imposta é resistência e não uma lei imposta ao movimento...

na

Câmara

JOAQUIM NABUCO Deputados, 6 de Julho de 1885

dos

14

A

“LIBERTAÇÃO” DOS IDOSOS O PROJETO

DANTAS

Em JuNHO de 1884, quando o Senador Manoel Dantas aceitou O convite do Imperador para chefiar um ministério reformista, a escravatura brasileira já era uma instituição moribunda.

Perseguida,

condenada, talvez já rejeitada pela opinião pública, só era defendida

ativamente por uma pequena parte da população. Essa minoria, entretanto, estava longe de se encontrar derrotada.

Pouco depois do Senador Dantas ter assumido seu alto cargo,

a questão da escravatura foi de novo debatida seriamente na Assem-

255

bléia Geral com a introdução de um projeto de lei reformista conhe.

de setembro de 1885. O resultado de dezessete meses de controvérsia foi a legislação conhecida como a Lei Saraiva-Cotegipe, uma lei

complexa e retrógrada. Sob pressão severa de organizações escravocratas e de uma poderosa facção da Assembléia, o Projeto Dantas fora posto de lado e ministérios mais conservadores haviam emendado o projeto de modo a produzirem uma lei ofensiva para os autênticos abolicionistas. A Lei Saraiva-Cotegipe, sancionada no déci-

mo

quarto

aniversário

da Lei Rio Branco,

era uma

distorção do

Projeto Dantas, aceita e até elogiada pelos representantes pró-escravatura, condenada pelos abolicionistas. Todavia, tratava-se de uma mudança no status quo e, assim, quebrou o ímpeto do movimento

de libertação, fazendo com que este se imobilizasse no final de 1885 e início de 1886 antes da arrancada final para o triunfo. Os agricultores das províncias do centro-sul, ameaçadas

jamais o haviam sido, haviam começado a reagir fortemente

como

a seus

inimigos abolicionistas mesmo antes da subida ao poder do Senador Dantas em junho de 1884. As vitórias do abolicionismo — em espe: cial a libertação do Ceará — tinham causado um pânico econômico. Os preços dos escravos caíram. Os negócios, a indústria e o crédito diminuíram. Com a lavoura ameaçada, os preços das fazendas tam-

bém caíram. Em

1884,

a Associação Commercial do Rio deplorou

as divisões nacionais sobre a questão da escravatura, denunciou os “irresponsáveis” abolicionistas e anunciou uma baixa de valores das safras e das terras calculada em 1 milhão de contos, o que foi atri-

buído à agitação abolicionista. 1 Enquanto os proprietários do Rio Grande do Sul estavam adotando uma

solução

astuta para a crise

abolicionista, os fazendeiros das províncias do café, por seu

lado,

Dantas, vários grupos de fazendeiros de Minas Gerais e da

Asso-

atacavam violentamente quaisquer indícios de lealdades abolicionistas. Nas semanas que antecederam a subida ao poder do ministério

1

Para

ver Stein,

uma

ilustração

do

declínio dos

Vassouras, página 229;

para

preços

a triste

de escravos

história

de

num

um

município,

fazendeiro

que tentou vender sua fazenda, ver Manual do subdito fiel, páginas 13-14; Associação Commercial do Rio de Janeiro. Elemento servil, página 5; Rio News, 5 de julho de 1883; Jornal do Commercio, 22 de junho de 1884.

Para as dificuldades tropolis,

256

página

169.

em São Paulo, ver Morse, From

Community

to Me-

h

|

Fado

desde a aprovação da Lei Rio Branco, terminou, finalmente, em 28

-

cido pelo nome de Projeto Dantas. O debate resultante, mais furioso do que qualquer outro que se verificara no parlamento brasileiro

|

ciação Comercial pediram à Assembléia Geral que adotasse medidas fortes. Estas incluíam a repressão de excessos abolicionistas e uma legislação para forçar os antigos escravos a trabalhar, bem como o

estabelecimento de “penitenciárias” em lugares distantes do país para onde pudessem ser banidos os indigentes e os libertos que esti-

vessem desempregados. ? Depois do estabelecimento do ministério de Dantas, tais petições começaram chegando mais frequentemente à Assembléia, vindo até mesmo das províncias do norte. Um pedido do Instituto Baiano de

Agricultura

e da Associação

Comercial

dessa província

para medi-

das fortes que evitassem a destruição da lavoura e do comércio pareceram,

para um

autor

pró-escravatura, negar a afirmação

de que

as províncias do café eram as únicas ainda não conquistadas pelo

abolicionismo. Uma petição de fazendeiros do norte, reunidos no Recife, no mês de julho, denunciou o abolicionismo revolucionário, advertiu sobre levantes em fazendas e informou o governo de que antigos escravos invadindo as cidades estavam ameaçando a lavoura e a moralidade pública. Centenas de fazendeiros de Macaé, na província do Rio de Janeiro, pediram proteção do ameaçador paroxismo social e pediram também medidas para obrigar os libertos e os ingênuos a “cooperar” com seus antigos senhores em troca de pagamento e de uma vida confortável. As associações agrícolas, particularmente nas províncias do café, funcionavam como poderosos grupos de pressão, dirigindo suas petições vitriólicas contra o “anárquico movimento abolicionista” enquanto defendiam a Lei Rio Branco como a única solução para a questão da escravatura. * A coerção e a violência eram uma parte da reação. Cerca do final de abril de 1884, uma multidão de perto de quinhentos homens armados atacaram uma prisão municipal da província do Rio de Janeiro para linchar três escravos acusados de terem assassinado seus senhores, que foram arrastados para uma praça pública e tiveram seus corpos mutilados de um modo brutal como demonstração de força para conter o abolicionismo. Certos juízes que julgavam contrariamente aos interesses dos proprietários de escravos haviam sido expulsos de suas casas por bandos de homens armados. Os respon-

sáveis por esses crimes, protegidos por autoridades locais, não eram

servil, páginas 9-10; 2 Associação Comercial do Rio de Janeiro. Elemento Annaes da Camara (1884), III, “Histórico”, páginas 10-12; Jornal do Commercio, 22 de junho de 1884. 3 Diário do Brasil, 15 de julho de 1884; Annaes da Camara (1884), IIL, “Histórico”, páginas 10-12; Annaes do Senado (1884), IV, 12-15.

257

reconhecidos, alegadamente, e não sofriam qualquer castigo. “ Vários

municípios

da província

policiais especiais

do

Rio

de Janeiro

tinham

criado

forças

para ajudar os lavradores cuja segurança

estava

ameaçada e um representante de Minas Gerais advertiu a Câmara dos Deputados, em maio, de que dentro de um prazo de três mes es as três principais províncias do café teriam ligas antiabolicionis tas.

Os estatutos já notórios da Sociedade Agrícola de São José do Além

Paraíba, na província do Rio de Janeiro, autorizavam o uso dos fun-

dos dessa organização para combater

atividades abolicionistas locais,

incluindo qualquer surto de uma imprensa abolicionista. 5 Apesar da crescente tensão nacional, a Fala do Trono perador, em 5 de maio de 1884, não deu, praticamente, indicação de que D. Pedro estava considerando a inicia ção nova reforma da escravatura. O inócuo discurso ignorou a

pelo Imqualquer de uma erradicação da escravatura no Ceará, uma surpreendente omissã o naquelas circunstâncias, tendo insinuado meramente que novas med idas talvez fossem tomadas. $ Colocado entre forças opostas, o Imperador pouco fizera, oficialmente, para apoiar a causa abolicionista durante cinco anos de conflito. Todavia, ponderara obviamente o problema e, em meados de 1884, já se decidira a acabar com o perigoso impasse. Com a queda do ministério de Lafayette Rodrigues Pereira, D. Pedro escolheu um novo Presidente do Conselho que se compro-

meteria a si próprio e a seu governo a uma reforma moderada com o apoio total da Coroa. 7 à Rio News, 3 de maio e 5 de julho de 1884. parou a violência com a lei do linche dos Estados

S

Annaes

da

Camara

(1884),

I, 222,

234-235.

O Senador Unidos.

Otoni

com-

6 Gazeta da Tarde, 5 de maio de 1884; Rio News, 15 de maio de 1884. 7 Lyra, História de Dom Pedro II, HI, 11, 19. Ver apontamentos a lápis pelo punho de D. Pedro sobre a idéia de libertar os escravos que alcançassem a idade de sessenta anos, AMIP, 29-1025 V. Os sentimentos antiescravatura sugeridas pelo

de D. Pedro e as dificuldades de sua posição pessoal relato de uma entrevista com Henry W. MHilliard, que

são teve

lugar em 1880, pouco depois da publicação da controversa carta do Ministro dos Estados Unidos a Joaquim Nabuco. Hilliard escreveu o seguinte: “Após alguns comentários gerais, ele (D. Pedro) aproximou-se de mim e disse: “Li sua carta com grande simpatia.”

-

dizer

Eu respondi-lhe: “Estou mil vezes isso.

obrigado a Vossa Majestade

por

me

aim," disse ele, “e desejo dizer, também, alguma coisa sobre o assunto.” : er a em dizer. disse-lhe: “Serei muito feliz por ler o que Vossa Majestade possa deu: à “Ele responari

air para Petrópolis...”

258

“Nã ES o

pos O so fazê-lo

aqui, no

Rio,

mas

não

tardaremos

Hiiliard, Politics and Pen Pictures, páginas 396-397.

A subida de Dantas ao poder foi aparentemente o resultado de

D. Pedro ter reconhecido que o governo brasileiro



não

podia

oferecer à nação paliativos do tipo proposto pelo ministério Lafayette em agosto de 1883. Com uma crescente desintegração social e econômica, era preciso mais do que a expansão de um fundo de emancipação ineficaz ou do que uma proibição nacional de um comércio interprovincial de escravos, que já fora paralisado eficientemente pelos impostos provinciais. 8 A concessão de títulos e honrarias aos senhores que libertassem seus escravos, uma medida de emergência tentada alguns meses antes, não podia satisfazer nem os proprietários de escravos nem os abolicionistas, embora o editor do Rio News tivesse reconhecido que, se o proprietário pudesse ser levado a libertar seus escravos “pela recompensa barata de um título ou uma comenda ou de um resplandecente berloque para usar no peito, do lado esquerdo,” não havia razão para esta vaidade não ser satisfeita, desde que escravos fossem libertados. º? Já era tempo, disse o Senador Dantas à Assembléia Geral na sua primeira mensagem como Presidente do Conselho, de se verificar uma franca e séria intervenção do governo a fim de alcançar uma solução progressiva para o problema dos escravos. Salientando tanto a moderação de seu ministério quanto a sua determinação para agir, anunciou sua decisão — aparentemente, também a decisão do Imperador — de avançar “até onde a prudência nos permite e a civilização nos impõe chegar; sendo que assim se habilitará a coibir

desregramentos e excessos que comprometem a solução do problema, em vez de adiantá-la.” O governo apoiaria três alterações básicas nas leis da escravatura, das quais só uma era realmente nova: o fim do tráfico humano entre as províncias, ampliação do fundo

de emancipação e a libertação de todos os escravos que alcançassem a idade de sessenta anos. 10

A idéia de emancipar os escravos idosos foi rejeitada por quase

todos os membros te, mas

o projeto

do Conselho do Estado numa reunião subsegiiendo governo,

no

entanto,

chegou

à Câmara

dos

Deputados a 15 de julho, tendo a assinatura de vinte e nove representantes, todos eles, exceto dois, de províncias fora da recalcitrante região do café. 11 As propostas contidas no novo projeto de lei eram 8

Para pormenores

9

Rio

em 10 11

vigor,

sobre o projeto Lafayette, que não chegou

ver Jornal do Commercio,

News,

24

de janeiro

de

1884.

13

de abril

de 1885.

a ser posto

Organizações e programas ministerias, páginas 211-214. Cinco representavam as províncias do extremo norte (1 do

4 do Maranhão); dezesseis eram do Nordeste

Amazonas e (3 do Piauí, 1 do Rio Grande

259

quase tão complexas quanto as da Lei Rio Branco.

A provisão

mais

importante e controversa era a cláusula dos sexagenários. Esta tinha por objetivo libertar todos os escravos que alcançassem a idade de 60 anos e obrigar os proprietários a sustentar os libertos que prefe-

rissem ficar na sua companhia em troca de seus serviços gratuitos. Os escravos transferidos de uma província para outra seriam libertados. Verificar-se-ia um novo registro nacional e aqueles que não fossem registrados dentro do prazo de um ano seriam considerados livres. Os valores máximos

a serem

atribuídos

a todos

para efeitos de libertação pelo fundo de emancipação seguintes: 800 mil-reis por escravos com menos de 20 anos, 700 por aqueles entre 30 e 39 anos,

os escravos

seriam

os

600 por aqueles entre 40 e 49 anos e

400 por aqueles que tivessem mais de 49 anos. Impostos gradativos seriam aplicados aos proprietários de escravos mantidos em capitais, cidades e áreas rurais (mais baixos nestas

áreas) com a intenção de concentrar os escravos em áreas rurais. Para aumentar o fundo de emancipação, uma sobretaxa de seis por cento seria imposta em todas as fontes diretas e indiretas da receita do governo com a exceção dos direitos de exportação. Pesados impostos seriam aplicados na transferência de escravos, por venda ou herança. Refletindo, talvez, o longo e persistente interesse do Sena-

dor Dantas pelo estabelecimento de pequenas propriedades agrícolas, o projeto estipulava que os libertos e os ingênuos viriam, eventual-

mente, a ser donos da terra que trabalhavam. Entre as provisões progressistas do Projeto Dantas, havia outras que não eram tão liberais. Cada escravo emancipado pelo fundo deveria permanecer regularmente empregado por cinco anos no município onde vivera previamente. As violações resultariam nos castigos habituais que os legisladores brasileiros costumavam impor aos infratores, neste caso multas, prisão e trabalho forçado em obras públicas. Os contratos de serviço seriam legais, mas limitados a três

anos. O governo central seria autorizado a criar colônias agrícolas para libertos e ingênuos que não encontrassem trabalho em estabelecimentos particulares. 12 do Norte, 2 do Ceará, 1 d a Paraíba, 1 > da Bahia); seis representav am Provincias do Rio Grande do Sul, 1 d

tavam :

Minas

:

Gerais.

12 bosa,

260

Pernambuco,

3 de

Alagoas,

do oeste e do sul, incluindo 4 o Paraná e 1 de Goiás. Goiás. Doisi outros represen á Para a | ista completa, era

p Para três esboços originais do projeto, Vol. XI, Tomo 1, páginas 275.306,

página 135.

de

ver Duque-Estrada, 4 abolição ip Obras Completas de Rui Bar

As reações dos abolicionistas ao Projeto Dantas foram menos. do que jubilantes. Antes de seus pormenores se tornarem conhecidos,

o jornal Rio News

condenara apressadamente

a libertação

dos sexa-

genários como a legislação de seu abandono na velhice. As propos-

tas do governo, disse Joaquim Nabuco no Teatro Polytheama em 22 de junho, representavam muito pouco, mas ninguém poderia calcular os possíveis efeitos de até mesmo restrições limitadas ao sis-

tema da escravatura. O que mais perturbava os proprietários de escravos, afirmou ele, não eram as propostas do governo, mas sim a franca linguagem de Dantas. Quase um ano mais tarde, Nabuco descreveu o projeto como “uma solução demorada, illogica e insufficiente, a um problema que quizeramos acabar por medidas promptas, rapidas e efficazes...” Todavia, o projeto também “não é outra cousa senão a conversão do partido liberal aos princípios nacionaes que os abolicionistas proclamam ha seis annos.” 13 O Projeto Dantas, na realidade, era potencialmente mais prejudicial para os proprietários do que as suas moderadas provisões pareciam sugerir e, assim, foi fortemente resistido. Não só libertava

os idosos e os débeis sem reembolso para seus donos, como também, conforme foi indicado frequentemente, libertava muitos jovens e robustos africanos que haviam sido registrados com idades falsas

para evitar as consequências da lei de 7 de novembro de 1831. 1* O fato de muitos proprietários de escravos terem registrado africanos fraudulentamente, matriculando-os como muito mais velhos do que Tealmente o eram, foi provado pelo Recenseamento de 1872. Essas estatísticas revelam que, onde os africanos se concentravam pesadamente (nomeadamente as províncias do Rio de Janeiro e de Minas Gerais), havia um número desproporcionalmente grande de escravos cujas idades foram declaradas como 51 anos e mais — o grupo que, na verdade, seria elegível, em 1884, para liberdade ao abrigo das

provisões do Projeto Dantas (ver Tabela 5, particularmente as estatísticas para as províncias do Rio de Janeiro, Minas Gerais e Bahia, onde a maioria dos africanos importados ilegalmente entre 1831 e 1851

13

se encontravam).

Rio

1885;

News,

Nabuco,

14

de



junho

Conferencia

de

a 22

1884;

de

Gazeta

Junho

de

da

1684,

Tarde,

páginas

25

de abril

11-14.

de

14 Ibid., páginas 13-14; Gazeta da Tarde, 16 de junho de 1884. 15 Qualquer africano registrado em 1873 teria de ser matriculado como tendo pelo menos 42 anos, mesmo supondo que fora importado nos braços de sua mãe. Razoavelmente, contudo, qualquer escravo de cultura africana teria de ter passado parte de sua infância na África. Assim, para ter sido importado legalmente antes de 1831, um escravo de cultura africana já es-

261

A ameaça de perder muitos escravos mais jovens era, na reali.

dade, uma razão para a oposição à libertação

dos sexagenários, razão

essa que, aliás, não poderia ser facilmente usada como um argumen-

to contra o projeto de lei. A maioria dos proprietários de escravos,

reconhecera

o Deputado

Moreira

de Barros

em

1881,

“no intuito

de evitar duvidas que de futuro pudessem dar a respeito, trataram de dar os escravos á matricula como tendo sido importados antes

de 1831” e, conforme um jornal de Pernambuco afirmou, foi para o propósito de manter as piores consegiiências deste “crime” que os interesses agrícolas do sul, liderados por homens como Barros, rejeitaram o Projeto Dantas. 1! Conforme Le

jornal de língua francesa

Moreira de Brésil, um

do Rio de Janeiro, lamentou:

O projeto de emancipação Dantas coloca (muitos) proprietários, que fizeram essas declarações falsas para se protegerem da execução da lei de 1831, numa terrível dificuldade: o escravo tem, na realidade, sessenta anos de idade, o

que

deve

ser

o caso

de

todos

os

africanos

que

foram

importados

antes

da promulgação daquela lei, sendo emancipado, assim; ou, então, não tem ainda sessenta anos, de fato, mas será libertado em virtude do... registro falso. 17 ca a

“Mas é notório,” disse o South American Journal, de Londres, em junho de 1885, num editorial fortemente simpático para com a dificuldade dos fazendeiros brasileiros, “que a idade dos africanos nascidos na sua própria terra foi aumentada para efeito de registro.” 18

taria quase

mais

novos.

com

Um

cinquenta

escravo

anos

de dez

de

idade

anos

em

1873.

importado

Muitos,

em

1850

é

claro,

teria

33

eram

anos

em 1873, mas para que fosse registrado como escravo teria sido necessário acrescentar cerca de vinte anos a sua verdadeira idade. 16 Citado pelo Jornal do Commercio, 30 de março de 1885. Os pernambucanos, é claro, pouco tinham a perder. Dos 138.560 escravos africanos registrados no recenseamento de 1872, 110.700 encontravam-se nas províncias do café ou DL no Município Neutro (ver Tabela 5) e fora, principalmente, nessas Tegioes que os proprietários haviam tido a necessidade de registrar

escravos com idades falsas.

Em Pernambuco, só se tinham registrado 3.084 es-

cravos africanos e os “idosos”, portanto, população de escravos da provínci a, 17 Citado pelo South American Journal,

18

262

Ibid., 27 de junho de 1885.

constituíam

14

d

uma

parte menor

o RsonO de toda.

da

A

OPOSIÇÃO

AO

PROJETO

DANTAS

O Tom da resistência ao Projeto já fora estabelecido numa reunião do Conselho de Estado em 25 de junho, na qual praticamente todos os conselheiros rejeitaram o conceito da emancipação sexage-

nária, enquanto,

por outro lado, pediam

medidas para impor

o tra-

balho forçado aos libertados recentemente. O Visconde do Bom Retiro, que manifestou as opiniões da maioria dos membros do Conselho, pareceu não ter a consciência de uma inconsistência filosófica quando afirmou que a emancipação dos sexagenários era “uma restricção arbitraria e odiosa da propriedade servil,” embora considerando “de toda a urgencia impôr aos libertos a obrigação de trabalhar.” 19 Com a introdução do Projeto Dantas na Câmara a 15 de julho de 1884, a oposição tornou-se mais intensa e irada. “Sem tratar de apurar se o projecto é bom ou mau,” escreveu José do Patrocínio, “Tegistremos com prazer o odio da olygarchia agricola contra elle.” Desde o dia de sua apresentação, acusou ele, a facção pró-escravatura da Câmara tentara incessantemente provocar a queda do gabinete Dantas a fim de abafar o grito de justiça contido em alguns de seus artigos. 20 A Câmara Municipal de Caconde, um município produtor de

caié no norte da província de São Paulo, enviou uma declaração à

Câmara em julho, manifestando a ansiedade e o descontentamento da comunidade no que se referia ao Projeto Dantas: Na

quadra afflictiva e excepcional

quando

a lavoura,

unica

fonte

de

que

renda,

o paiz atravessa, luta

com

declararam

difficuldades

elles,

supremas,

já pela falta de braços e capitaes, já pelo despreciamento dos seus productos, diminuição das colheitas e flagellos de gelo que ultimamente tanto prejudicou O nosso principal ramo de cultura; quando a lavoura vive em constantes

sobresaltos, rodeada de mil perigos suscitados pelos excessos e abusos do abolicionismo infrene — a apresentação por parte do gove rno de um projecto evidentemente inconstitucional, veio alarmar a nossa sociedade, lançando a inguietação e o desanimo no seio dos lavradores que não podem contar com a garantia e protecção do governo que tão de frente pretende ferir os

Seus

interesses

A

violação ld 20

21

e

libertação

violar a sua de

propriedade. 21

escravos

da Constituição,

com

afirmou

Acta da conferência, páginas 88, Gazeta da Tarde, 19 de julho de

Annaes

da

Camara

(1884), IV, 84.

mais

de

o jornal

sessenta

anos

era

pró-escravatura

uma

Brazil

90. 1884.

263

no dia em que o projeto apareceu. Os impostos aplicados aos fazendo fundo

deiros para ampliação

“uma

era

de emancipação

loucura

financeira”. Quando a escravatura deixasse de existir no Brasil, um “cubdito fiel”, assim proclamado por si próprio, advertiu publicaameaça, entre um e — numa mente o monarca alguns dias mais tard crescente número delas, ao próprio sistema político — já não have. ria razão para a sua humilde postura ante seu Imperador. 22 A oposição impediu uma consideração séria do Projeto Dantas.

Imediatamente após sua primeira leitura em 15 de julho, um liberal dissidente de São Paulo, Moreira de Barros, anunciou sua decisão de demitir-se de seu cargo como Presidente da Câmara em protesto

contra esse projeto. A quena

margem

Câmara

de 55 para

aceitou sua demissão

52, constituindo,

para

por uma pe-

Dantas,

um

voto

algo débil de confiança. O projeto, no entanto, perdera para Dantas o apoio de dez membros de seu próprio partido, todos, menos três, de Minas Gerais e São Paulo. 2º De resto, nem mesmo esta precária maioria durou muito. Em 28 de julho,

a Câmara

aprovou,

por

59 contra

52 votos,

a moção

de outro dissidente liberal, João Penido, de Minas Gerais, que condenou o projeto e negou a confiança da Câmara ao ministério de Dantas. Dezessete liberais, dez deles das três principais províncias do café, rejeitaram o ministério do seu partido, enquanto quatro conservadores, todos de fora da região do café, votaram pelo governo liberal

(ver

Tabela

Só dez

24).

deputados,

das províncias

do

café,

todos eles de Minas, apoiavam Dantas, enquanto vinte e oito outros deputados dessa região o rejeitaram. Assim, as quatro províncias do café, como um grupo, rejeitaram a administração reformista, embodas outras províncias tivessem

ra deputados

de emancipação

projeto

O

pla margem.

apoiado

dividira

Dantas

o Partido

por ami”

Liberal

nas províncias do café, com dez deputados defendendo Dantas e dez

outros manifestando sua lealdade para com de seus constituintes. 2º

os interesses econômicos

No dia da votação, Dantas pediu formalmente a Dom Pedro que

msasse seu poder constitucional para dissolver a Câmara 22

28

Brazil,

15

de

julho de

Annaes da Camara

1884;

Manual

do subdito

(1884), III, 165-171; Obras

e para con-

fiel, página

Completas

132.

de Rui Bar

bosa, Vol. XI, Tomo I, páginas 322-325. ** Annaes da Camara (1884), III, 356-363. Dois liberais do Ceará votaram contra Dantas, alegadamente, pelo fato dele “não conceder ao governo pró” Es a Ceará sua própria autodeterminação.” Rio News, 5 de agosto e :

264

vocar novas eleições. * Dantas serviu-se deste expediente, escreveu Nabuco, como sendo o único meio prático de evitar a queda de seu

Enfrentando

governo.

ministério Dantas, Dom

Pedro apoiou

e o

anti-Dantas

a escolha entre a Câmara

este último. ?8

O resultado foi o engrandecimento tanto de Dantas quanto do

Imperador junto dos abolicionistas. Na sessão da Câmara de 30 de julho, o público ouviu em silêncio as explicações oficiais para a distestemunhando

aplaudindo

impressão entre os presentes de que estavam

criando uma

Dantas,

começou

e, depois, espontaneamente,

solução da Câmara

máximo

o ponto

um

de

acontecimento

importante

histórico. 27 Apesar do longo silêncio de Dom Pedro sobre a questão da escravatura, um público abolicionista, que já lho perdoava, talvez percebendo seus verdadeiros sentimentos, depressa o louvou como um

os grupos

seus, 28 enquanto

dos

pró-escravatura

voltaram a de-

nunciá-lo discretamente, como sempre o faziam quando o curso dos acontecimentos forçavam Dom Pedro a sair de sua posição, normalmente

neutra.

da dissolução da Câmara

Antes

co-

e das novas eleições, uma

missão nomeada para dar opinião sobre o Projeto Dantas apresentou suas averiguações à Câmara. Escrito por Rui Barbosa e assinado por sete outros deputados, todos eles de fora da área do café, o impressionante

relatório constituiu um

ataque

à escravatura,

tendo

como intenção explicar a posição reformista ao público eleitor. * Um

membro

dissidente dessa comissão, Sousa Carvalho, da Pa-

raíba, expôs as opiniões da maioria pró-escravatura na Câmara em outra mensagem com um fraseado muito forte. Refletindo, evidentemente, as opiniões dos 619 constituintes na Paraíba que não tardariam a reelegê-lo, 3º Sousa Carvalho condenou tanto o movimento abolicionista quanto o governo que permitia que esse movimento funcionasse nas ruas, nas escolas, em edifícios públicos e até mesmo

raquer quais ndo ntra enco Não res. milita mias acade e éis quart nos zões para apressar a libertação, a não ser “nuro sentimentalismo, vã ,” social rsão subve e ução revol ção, agita para xto prete popularidade, “A

Motivos

de

Exposição

25

Ver

28 27

Jornal do Commercio, Ibid., 31 de julho de

22

Ver “Emancipação

sôbre

a Dissolução

do

Parlamento,”

Obras Completas de Rui Barbosa, Vol. XI, Tomo I, páginas 351-358. 28

Ibid.,

11 de setembro

dos

11 de setembro de 1884.

de

1884: Annaes

da

1884.

Camara

escravos, parecer formulado

(1884),

IV, 98.

pelo Deputado Ruy

” civil, ça justi e o ment orça de das reuni s ssõe Comi Barbosa como relator das I, páginas 49-235. Obras Completas de Rui Barbosa, Vol. XI, Tomo 30 Organizações e programas ministeriais, página 384.

265

Sousa Carvalho rejeitou a emancipação de sexagenários como “um princípio comunista”. O Projeto Dantas era “a encarnação do pen-

samento da... nova situação abolicionista, exclusivamente criada pela coroa para fazer triunfar idéias contrárias à opinião dominante no Conselho de Estado, na Câmara dos Deputados, no Senado, nos dois grandes partidos em que se divide a nação brasileira.” 31 Esta foi, na realidade, uma avaliação quase exata das posições dessas organizações depois de mais de quatro anos de propaganda abolicionista.

A QUEDA DE DANTAS À MAIORIA dos brasileiros elegíveis para

votar para uma

nova

Câmara de Deputados em 1 de dezembro de 1884 (140 mil de uma população de cerca de 12 milhões) não eram muito favoráveis ao

emancipacionismo. Todavia, a eleição provou que, até mesmo entre esses poucos escolhidos, havia muitas pessoas já dispostas a aceitarem uma nova reforma, incluindo a abolição da escravatura antes do fim do século. Depois de se ter sabido que 67 liberais, 55 conservadores e 3 republicanos haviam sido eleitos para a Câmara dos Deputados, a Gazeta da Tarde anunciou uma vitória abolicionista, informando que 38 deputados que favoreciam o projeto e 18 que se haviam oposto a ele tinham sido reeleitos. Uma análise usando o voto de falta de confiança no governo de 28 de julho como padrão revelou, contudo, que os defensores de Dantas e os seus oponentes haviam regressado à Câmara em números mais ou menos iguais. José do Patrocínio, candidatando-se num distrito da capital, obteve apenas 160 votos e foi completamente derrotado. 32 Rui Barbosa, um dos principais defensores do projeto, perdeu sua cadeira, na Bahia,

por uma estreita margem. Joaquim Nabuco, que ganhou, numa luta muito dura, sua candidatura no Recife, foi barrado de sua cadeira, mas, depois, obteve outra vitória, por uma pequena margem, em outro distrito da capital pernambucana. Os escravocratas Moreira de Barros e Antônio Prado, que viriam a votar consistentemente em oposição aos abolicionistas, foram vitoriosos em São Paulo, tal como o foram seus aliados pró-escravatura, Lacerda Werneck e Andrade

Figueira, no Rio de Janeiro. João Penido, autor da medida de falta Sl

A. A.

de

Souza

Carvalho,

2

Gazeta

da

Tarde,

5

“Voto

em

separado”

Rui Barbosa, Vol. XI, Tomo 1, páginas 249.270, 266

e

15

de

dezembro

de

1884,

AR

"4!

p

o:

de confiança de 28 de julho, foi eleito por seus constituintes no décimo distrito eleitoral de Minas Gerais, 33

Os três republicanos vitoriosos, Prudente de Morais e Campos

Sales de São Paulo e Andrade Botelho de Minas Gerais, tinham-se candidatado numa plataforma política de neutralidade cautelosa, aceitando as “ideas capitaes” do Projeto Dantas, embora reservando

vagamente o direito de apoiar emendas não especificadas a certas provisões. ** Apesar de terem votado numa harmonia geral com o elemento abolicionista na Assembléia

Geral,

em

1885, Prudente de

Morais, num importante discurso no mesmo ano, revelou claramen-

te sua oposição a uma reforma rápida. O problema da escravatura, disse ele, voltando a declarar uma velha posição republicana, seria solucionado melhor pelas províncias individualmente, mais ou menos de acordo com suas diferentes circunstâncias, permitindo que as províncias que pudessem dispensar seus escravos o fizessem imedia-

tamente sem esperarem por províncias como São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro, províncias estas forçadas por suas circunstâncias a demorarem a sua solução. Um sistema de responsabilidade

provincial, pensava

Prudente de Morais, excluiria

o perigo de que

uma maioria na Câmara, composta por representantes das províncias

emancipadas, impusesse a abolição na totalidade do país. 3 Apesar

de serem defensores da imigração, os não se encontravam, em 1885, numa

advogar

uma

além do mais,

rápida

libertação

refletiam

republicanos paulistas ainda posição que lhes permitisse

dos escravos

inteiramente

de sua província

o medo

de seus

e

constituintes

de que outras províncias lhes pudessem forçar uma solução rápida. 38 Os resultados práticos da eleição podem ser determinados melhor

pelo registro dos votos dos vencedores. Um estudo dos votos importantes em questões relacionadas com a escravatura (ver Tab ela 25) indica que a maioria dos membros da recentemente eleita C&-

mara

eram moderados

a conservadores

no que

se referia à escrava-

tura. De todos os resultados das votações, apenas 28 mostravam uma disposição consistente para aceitar a reforma, enquanto pelo men os

outros

renças

50

eram

sólidos

oponentes

regionais, embora menos

de

qualquer

evidentes

do

88 Nabuco, Cartas a amigos, I, 138; Organizações páginas 384-388. 34 Prado Jr., Circular, páginas 34-39.

5 8º

Annaes da Camara (1885), I, 249-254. Dunshee de Abranches descreveu os par ; tidos

“Conservadores escravistas, liberais escravocratas,

Ver

O captiveiro, página 226.

mudança.

que

em

e programas

políticos do

As

1871,

dife-

ainda

ministeriais,

Brasil

como

republicanos escravagistas.”

267

eram aparentes. Quase dois terços dos deputados das províncias do café eram decididos oponentes da mudança e metade dos restantes 16 eram inconsistentes, mas, nas outras províncias, em conjunto, apenas um terço podia ser classificado como consistindo em fortes oponentes do abolicionismo com base nos seus votos.

Com a abertura da sessão especial da Assembléia Geral em mar-

ço de

1885,

tornou-se

logo

evidente

que

o

Projeto

Dantas

seria a

maior preocupação e que o debate, se se desenvolvesse, viria a foca-

lizar-se na questão

da indenização.

A imprensa

do Rio dedicou mui-

to espaço às questões legais e filosóficas envolvidas na libertação de

escravos sem compensação. Cerca do final de março, o Jornal do Commercio publicou um artigo não só hostil à libertação de sexagenários sem compensação, mas também à indenização através de contratos de trabalho, uma solução já aceita em muitas partes do

país. Até mesmo a Lei Rio Branco, alegou o jornal, com sua provisão para a indenização através de trabalho, violara os direitos de

propriedade, já que os proprietários com um direito permanente ao trabalho de seus escravos não podiam ser indenizados por um contrato garantindo serviços durante um período limitado. Só havia uma forma de indenizar, concluía o artigo, que era “pagar o dinheiro”. No mesmo número desse jornal, ironicamente, “Clarkson” (o pseudônimo de Gusmão Lobo, antigo deputado de Pernambuco) criticava aquilo que ele considerava medidas tímidas de emancipação no Projeto Dantas: o estabelecimento dos preços de escravos segundo a idade, o imposto gradativo, a indenização através de contratos de

trabalho e um período fixo para a abolição. 37 Se ainda havia qualquer dúvida sobre que provisões do Projeto Dantas mais ofendiam os proprietários de escravos, essa dúvida foi desfeita quando o debate sobre o projeto foi iniciado em 13 de abril. Moreira de Barros, de São Paulo, sempre apressado em liderar a oposição, informou a Câmara de que os dissidentes liberais se haviam

separado

do governo

Dantas

em

1884

devido

a oporem-se

à

emancipação sem indenização. Em seguida, propôs uma resolução, assinada por ele próprio e nove outros liberais (seis de Minas Gerais

e três do norte), para negar o apoio da Câmara com base na mesma razão. Dantas contra-atacou esta nova

ameaça

a seu governo sugé-

rindo que os seus oponentes reconhecessem francamente que aquilo

que desejavam, na realidade, era indenização monetária para a libertação de escravos idosos, um princípio que seu governo não aceita-

87

Jornal do Commercio, 29

projeto, ver Brasil,

268

12 de

de

marco

abril de 1885.

d

e

1885.

Para

: mais

in é críticas

20

ria. A votação que se seguiu produziu um empate (cinguenta votos a favor e cinquenta contra), salvando temporariamente o ministério

e permitindo que a discussão

mente

qualquer

pela Câmara

sem

esperança

de

ser revisto

continuasse, mas eliminando pratica-

o Projeto

Dantas

e sofrer emendas. 28

poder

vir a passar

Apesar disso, esta trégua nem mesmo durou três semanas. Outra

resolução de falta de confiança no governo causou a queda do ministério Dantas em 4 de maio por cingiienta e dois votos contra cin-

quenta. A votação seguiu de um modo com apenas três conservadores apoiando dentes votando contra ele — com cada contudo, e dado com o conhecimento de

geral as linhas dos partidos, Dantas e nove liberais díssivoto dissidente sendo viia!. que provocaria a queda de

seu governo. *º Tal como o Jornal do Commercio comentou no dia seguinte, os conservadores haviam obtido uma vitória parlamentar, votando meramente contra o regime. Os dissidentes liberais haviam liderado a oposição, preparado e assinado as resoluções de falta de confiança e dado os votos vitais que haviam causado a segunda crise ministerial em menos de um ano. 4 Procurando salvar seu governo, Dantas apelou de novo para Dom Pedro, pedindo-lhe que dissolvesse

a Câmara

e convocasse

novas

eleições.

Desta

vez,

porém,

Imperador aceitou os resultados das recentes eleições e chamou um liberal menos comprometido, José Antônio Saraiva, para formar um novo ministério e tornar o Projeto Dantas mais aceitável pelos conservadores e os liberais dissidentes. A primeira tentativa séria para assegurar uma reforma moderada da escravatura, em treze anos, fora detida por uma oposição determinada.

E O

O

GABINETE SARAIVA PROJETO CORRIGIDO

Uma SEMANA depois do voto de falta de confiança, o novo Presidente do Conselho — um forte oponente da reforma da escrava-

tura na sua administração anterior — informou a Assembléia de que insistiria sobre a libertação dos escravos o mais rapidamente possível, embora concedesse à agricultura o tempo de que precisasse para ad88

Annaes

4 “41

Jornal do Commercio, 14 de abril de 1885. Lyra, História de Dom Pedro II, III, 21-23.

da Camara

(Sessão

Extraordinária)

80 Ibid., III, 6-11; ibid., “Histórico”, página 5.

(1885),

II, 313-327.

269

o

quirir novos trabalhadores. Mais amigável para com os fazendeiros do que seu antecessor, Saraiva chegou a prometer ajudar a Teorganização do sistema de trabalho, concedendo aos lavradores “uma

parte do valor do escravo.” * O que isto significava depressa foi revelado. Durante a semana anterior, o Projeto Dantas fora corrigido e revisto radicalmente pela nova administração e, assim, quando fo;

de novo apresentado à Câmara, em 12 de maio, os oponentes do projeto anterior receberam esta nova versão com entusiasmo. Os abolicionistas, por outro lado, ficaram fora de si e não tardaram a ali. nhar-se contra as mudanças e o novo governo liberal. Analisando o Projeto Saraiva, artigo por artigo, perante uma multidão que enchia

o Icatro Polytheama, Rui Barbosa demonstrou que este projeto se afastava significantemente do espírito e dos objetivos do Projeto

Dantas,

que,

enquanto

este constituíra um

passo

na direção

da li-

bertação, “uma transacção abolicionista,” o projeto preparado pelo novo ministério era uma “capitulação escravista.” 43 Uma comparação dos dois projetos depressa explicará as rcações que eles motivaram. O Projeto Dantas propusera que os escravos que alcançassem

sessenta

anos fossem libertados ipso facto, mas

o projeto de Saraiva, por outro lado, declarava que os escravos assim libertados deveriam, como uma forma de compensação para seus senhores, conceder-lhes trabalho de graça por mais três anos (ou até alcançarem a idade de sessenta e cinco anos). “4 O Projeto Saraiva (e a lei final, sancionada em 28 de setembro de 1885) estabelecia os valores dos escravos em níveis mais elevados do que o fizera o Projeto Dantas, apesar de uma provável queda dos preços de escravos durante os meses que separaram a preparação dos dois projetos. + No Projeto Saraiva (tal como na lei final) os fazendeiros que concordassem com uma conversão rápida e total para o trabalho livre teriam o direito de vender todos os seus escravos por títulos a cinco por cento valendo metade do valor oficial de seus escravos. &2 Organizações e programas ministeriais, página 217. “3 Duque-Estrada, 4 abolição, página 165; Rui Barbosa, Confederação Abolicionista. Homenagem ao patriotico ministerio Dantas; Sessão publica e

solemne

realizada no dia 7 de junho

de

1885 no

Theatro

Polytheama

(Rio

de Janeiro, 1885), página 41. O Projeto Saraiva foi publicado em Annaes da Camara (Sessão Extraordinária) (1885), III, “Histórico”, páginas 16-19. “4 A legislação final (Ver Apêndice III) permitia que os sexagenários evitassem este trabalho adicional se pagassem 1008000 a seus senhores.

é O Projeto Saraiva estabeleceu as avaliações mais elevadas (para com menos de 30 anos) em 1:000$000, enquanto o Projeto Dantas

tava um 9008000.

270

máximo

de

8008000.

Na

lei

final

este

valor

máximo

escravos apresen-

ficou em DJ Á cgi dg

Os trabalhadores que fossem libertados dessa forma teriam de perma-

necer ao serviço de seus antigos donos por mais cinco anos em troca de seu sustento e de um salário de cinco reis por dia. Conforme Rui Barbosa salientou, os donos podiam receber mais de 60 reis por

dia em juros dos títulos que lhes eram concedidos para “libertarem” seus escravos, doze vezes a remuneração diária a ser paga aos “li-

bertos” por seu trabalho. O juro dos títulos a ser recebido por libertar até mesmo os escravos mais idosos seria mais do que duas vezes o salário diário e seria pago durante trinta anos, presumivelmente até muito depois dos antigos escravos terem morrido 48 Os projetos Dantas e Saraiva (e a lei final) previam uma sobretaxa em todas as formas de receita do governo exceto os direitos de exportação, mas no projeto revisto havia uma diferença na for ma como este dinheiro seria usado. ” O projeto original dispunha que toda a receita dessa sobretaxa seria usada para libertar escravos, mas o Projeto Saraiva (e a lei final) dividia a receita em três par tes iguais. Um terço seria usado para libertar os escravos mais idosos e menos valiosos (os que já estivessem perto dos sessenta anos de idade), um terço seria para libertar escravos cujos donos se conver tessem completamente para o trabalho livre (em troca de títulos e mais cinco anos de trabalho forçado) e o último terço ser ia usado para importar colonos para trabalhar nas fazendas. O Pro jeto Dantas teria imposto uma sobretaxa para o benefício principalmente de escravos, mas segundo os termos do Projeto Saraiva aqu eles que mais ganhariam com essa sobretaxa seriam os donos dos escravos. A cláusula mais objetável do Projeto Saraiva, que Rui Bar bosa

comparou. com a Lei do Escravo Fugitivo dos Estado s Unidos, “8 previa multas de 500 a 1.000 mil-reis a quem ajudasse ou abrigasse

fugitivos, uma provisão emendada na lei final para colocar o crime de auxiliar os fugitivos ao abrigo do Artigo 260 do Código Crimin al.

Esta mudança reduziu a multa para entre cinco e vinte por cento do valor do escravo ajudado, mas fazia com que as pessoas que ajudassem esses fugitivos pudessem ser presas por um período de

até dois anos. 4º Tanto José do Patrocínio quanto Rui

Barbosa disse-

46 Ver Barbosa, Confederação Abolicionista. Homenagem, páginas 33-35. 47 Esta sobretaxa era de seis por cento no Projeto Dantas e de cinco por cento no Projeto Saraiva e na legislação final. “8 Barbosa, Confederação Abolicionista. Homenagem, páginas 39-40. 49 Artigo 260 do Código Criminal de 1830, contido sob o Título HI, “Crimes contra a Propriedade.” Esse artigo definia a negligência em registrar uma descoberta de qualquer objeto perdido dentro de um prazo de quinze dias como “furto” e declarava que as pessoas consider adas culpadas

271

ram a públicos abolicionistas

que o novo registro de escravos per.

mitiria que os donos registrassem homens livres como escravos, Ambos eles viam esta mudança no projeto como uma razão para a dis-

posição de Andrade Figueira (da província aceitar esta parte da legislação. *º

do

Rio

de

Janeiro)

de

Todas as três versões da “reforma” continham provisões para forçar os antigos escravos a viverem e trabalharem durante cinco

anos nos municípios no qual fossem libertados. Os libertos que saís-

sem

de

seus

gabundos,

distritos,

presos pela

agrícolas ou

em

disse

a lei final,

deviam

polícia e obrigados

obras públicas.

Um

escravo

ser

considerados

a trabalhar em liberto tinha

va-

colônias

de encon-

trar trabalho ou, então, ser preso por quinze dias, com os ociosos incorrigíveis sendo enviados para uma das várias colônias agrícolas administradas sob disciplina militar, que o governo estabeleceria em vários pontos do país. Às poucas provisões da legislação final que os abolicionistas poderiam ter acolhido favoravelmente, se elas não tivessem sido sombreadas pelas provisões menos aceitáveis, incluíam a abolição do comércio interprovincial de escravos (os cativos levados de uma província para outra seriam considerados livres) e uma escala de valores decrescentes que tinha por objetivo acabar com a escravatura em treze anos. A nova legislação deveria, nas palavras do Imperador, trazer a tranquilidade aos fazendeiros da nação, mas milhares de abolicionistas desiludidos viram-na como uma rendição aos interesses desses fazendeiros. 51 O DEBATE

O ProseTo Saraiva criou um alinhamento inteiramente novo na Câmara dos Deputados. Dantas fora oposto pela maioria dos conservadores, mas Saraiva teve o apoio da maior parte dos membros do partido da oposição. Dois pequenos grupos de conservadores opuseram-se a Saraiva. Estes incluíam alguns que

de tal crime estavam sujeitas às190, acim (1830), Imperio das leis do

rejeitavam

a mencionadas

penas.

qualquer Ver

mu-

Colecção Co

50 Gazeta da Tarde, 17 de maio de 1885; Barbosa, Confederação Abolicionista. Homenagem, página 21; Nabuco, Cartas a ami I, 149 61 An na es da Ca ma ra (18 85) , I, 10. Para fortes crític ra u R sb os fvairiação ob ns Ê o Sa raiva, as ao ao Projet

15 de maio de 1885.

272

olicioni

i

da

lonista (Rio de Janeiro, 1885); Rio New

5,

dança nas leis que governavam a escravatura — nomeadamente Andrade Figueira, da província do Rio de Janeiro, e Barros Cobra, de

Minas Gerais —

e uma

facção conservadora algo maior, predomi-

nantemente das províncias do norte, que considerava o projeto demasiado moderado. A maioria dos dissidentes liberais que se tinham

oposto a Dantas apoiaram Saraiva, enquanto os abolicionistas líberais formaram uma facção antigovernamental, nova e mais ampla,

dentro do Partido Liberal. Saraiva ficara, de fato, tão enfraquecido depois do projeto ter passado pela Câmara em meados de agosto e o projeto dependera tanto, para sua aprovação, da minoria conservadora que ele e seu ministério se sentiram obrigados a demitir-se. Incapaz de encontrar um líder liberal que pudesse voltar a unir o fragmentado Partido Liberal, Dom Pedro preferiu desfechar outro “golpe imperial”, pedindo ao conservador preeminente, o Barão de Cotegipe, que formasse um governo de minoria. Para desespero dos liberais radicais, foi sob a liderança deste velho fazendeiro-político pró-escravatura — que tinha o apoio de muitos liberais moderados — que o projeto foi aprovado rapidamente, sem emendas, pelo Senado, a tempo de o Imperador poder sancioná-lo no décimo quarto aniversário da Lei Rio Branco. º2 Durante o longo debate, os liberais, em ambas as câmaras, criti-

caram amarga e repetidamente o Projeto Saraiva. Joaquim Nabuco, que regressara recentemente à Câmara após uma longa ausência.

encontrava-se entre os críticos mais diretos, rejeitando o projeto pelo

fato de acreditar que o Brasil já estava pronto para uma legislação muito melhor e, também, por prever um ritmo muito mais rápido de mudança social. O Projeto Saraiva, acreditava ele, ameaçava barrar a reforma mais radical de que a nação precisava. 53 Os críticos atacaram provisões específicas da legislação. Um

deputado do Rio Grande do Sul indicou que a sobretaxa seria de difícil aceitação por uma população que já pagava impostos pesados, particularmente no que se referia aos cidadãos que já haviam libertado seus escravos e seriam forçados a ajudar a emancipar os escra-

vos de proprietários menos generosos. Souza Dantas, da Bahia, não encontrava qualquer razão que justificasse um imposto que era aplicado a todos os cidadãos, mas que tinha por fim, principalmente, beneficiar um número muito limitado de fazendeiros abastados. Os 52 de 58

Lyra, História de Dom Pedro II, III, 23-29: 1885. Annaes da Camara (1885), II, 160-161, 206.

Rio

News,

14 de

agosto

273'

críticos consideravam injusto e até mesmo absurdo que escravos com menos de sessenta anos pudessem ser libertados pelo fundo de eman.

cipação, enquanto os de sessenta anos ou mais teriam de trabalhar,

para obter sua liberdade, por mais três anos. Já com mais de sessenta anos ele próprio, Cristiano Otoni, de Minas Gerais, observou que,

quando um escravo alcançava essa idade “começa... a obrigação de servir, ao mesmo tempo que desapparece a esperança de libertar-se pelo fundo de emancipação.” 5* Os abolicionistas deploraram o parágrafo que tornava um crime

dar asilo a um

escravo fugitivo. O Senador

cessão de subsídios —

Dantas opôs-se à con-

a serem pagos pela nação

como

um

todo —

para serem usados para importar colonos destinados a trabalharem

nas fazendas. Os oponentes afirmavam que a obrigação dos libertos de viverem cinco anos nos municípios onde haviam sido libertados os reduzia a uma escravidão temporária, 55 A nova tabela de preços para a libertação de escravos através do fundo de emancipação atraiu repetidas críticas. Um senador de Minas Gerais queixou-se de que os níveis de preços do projeto eram muito mais elevados do que o preço do mercado e previu que até os inválidos seriam vendidos aos altos preços estabelecidos pela legislação. O Senador Otoni previu um fim para todo o movimento de libertação até o governo pagar aos proprietários aquilo que garantira. Os donos de escravos, forçados por circunstâncias pessoais a venderem seus cativos, afirmou ele, encontrariam especuladores dispostos a pagarem um preço abaixo dos níveis estabelecidos pelo governo, esperando obterem o lucro que o governo parecia prometer. Os preços criados pelo projeto eram tão elevados, disse Nabuco, que

os escravos, em muitos lugares, deixariam de ser libertados aos preços

correntes. Onde, perguntou Pedro Salgado, do Rio Grande do Sul,

é que os escravos valiam 900$000, exceto no Rio de Janeiro, Minas Gerais ou São Paulo? 58