Oliver Cromwell: Uma Vida 8501049956

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Oliver Cromwell: Uma Vida
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OLIVER

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Uma vida

O poder real em confronto com 0

Parlamento. conflitos religiosos, duas

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No centro de tudo Isso. na ERRO convulsionada Inelaterra do século YVIL estava Oliver Cromwell, herdeiro de linhagem nobre. puritano convicto que se transformou em um dos mais

marcantes e polêmicos personagens da história da Grã-Bretanha. Personagem que Antonia Fraser apresenta aqui em toda a sua complexidade. livre de

RASTRO

DIOS

Eleito para à Câmara dos Comuns em 640. Cromwell (descendente de Thomas Cromwell. um dos principais colaboradores de Henrique VIT) logo se transformou em líder da oposição ao autoritarismo real. representado por Curtos |. Na primeira Guerra Civil. de 1642 a 1646. revelou grande competencia multar. com à formação de um regimento de cavalaria composto por RONCeRI TLC

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ANTONIA FRASER

Oliver

Cromwell

Uma vida

Tradução de MARCOS AARÃO REIS

EDITORMARECORMD RIO DE JANEIRO * SÃO PAULO

2000

CIP-Brasil. Catalogação-na-fonte

Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ.

F92o

Fraser, Antonia, 1932-

Oliver Cromwell: uma vida / Antonia Fraser; tradução de

Marcos Aarão Reis. — Rio de Janeiro: Record, 2000.

Tradução de: Cromwell: our chief ofmen Inclui bibliografia ISBN 85-01-04995-6 1. Cromwell, Oliver, 1599-1658 — Biografia. 2. Chefes de Estado — Grã-Bretanha — Biografia. 3. Grã-Bretanha— História = Commonwealth e Protetorado, 1649-1660. 1. Título.

99.068]

CDD - 923.242

CDU - 92(CROMWELL, O.)

Título original em inglês: CROMWELL: OUR CHIEF OF MEN

= = ie Em ge PF

Todos os direitos reservados. Proibida a reprodução, armazenamento ou transmissão de partes deste livro, através de quaisquer meios, sem prévia autorização por escrito. Proibida a venda desta edição em Portugal e resto da Europa.

E

Copyright O 1973 by Antonia Fraser

Direitos exclusivos de publicação em língua portuguesa para o Brasil adquiridos pela DISTRIBUIDORA RECORD DE SERVIÇOS DE IMPRENSA S.A. Rua Argentina 171 — Rio de Janeiro, RJ — 20921-380 —Tel.: 585-2000 que se reserva a propriedade literária desta tradução

Impresso no Brasil

ISBN 85-01-04995-6 PEDIDOS PELO REEMBOLSO POSTAL Caixa Postal 23.052

Rio de Janeiro, RJ— 20922-970

ESSAS Ra Nota da Autora 9 Calendário de eventos ocorridos durante a vida de Oliver Cromwell

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Sumário

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PARTE UM: O GOVERNO DE SI MESMO

1 2 3 4

Um cavalheiro nato 19 Seus próprios campos 39 Crescendo para a autoridade Grande Reprimenda 83

61

PARTE DOIS: GUERRA E PAZ

5 Nobre e enérgico coronel Cromwell

6 Flanco de ferro 139 7 Vitória feliz 169

8 9 10 11

Brigando entre si 197 Ojogo de cartas 223 A guerra perniciosa 249 Providência e necessidade

109

271

PARTE TRÊS: A COMUNIDADE DA INGLATERRA 12

Tudo se renova

303

13 Irlanda: O derramamento de sangue 14 Escócia: A decisão da causa 357

329

13

6

ANTONIA

FRASER

15 A organização da nação 387 16 Às vésperas das profecias 419 PARTE QUATRO: LORDE PROTETOR

17 Grandeza

447

18 Urzes e espinhos 479 19 A serviço no mundo 511 20 Judeus e generais 543 21 Um cetro real 573 22 Velho Oliver, novas idéias

23 O grande capitão 635 24 As cinzas de Cromwell Notas

Índice

681

707

603

657

A Cromwell, nosso líder,

Que entre as brumas da guerra e rudes detrações, Guiado pela fé e fortaleza sem igual, Percorreu um caminho glorioso rumo à paz. John Milton

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Esto ERR Nota da Autora

Escrever a biografia de Oliver Cromwell é reconhecidamente uma tarefa ambiciosa. Em vista da maravilhosa riqueza de material existente a respeito do assunto, para não falar dos grandes pesquisadores do século XVII que espreitam a nação, espero que a proposta não pareça pretensiosa. O que pretendi, porém, foi algo bem diferente do que objetivaram os estudiosos cujas obras me trouxeram tantos benefícios: apenas resgatar a personalidade de Oliver Cromwell da obscuridade em que ela aparentemente caíra por força de uma historiografia fortemente concentrada nos aspectos políticos e econômicos — é uma característica de nossa época. O mínimo que se pode dizer é que Cromwell terá sido o maior dos ingleses. Na esperança de colocar ao alcance do leitor comum um pouco desse homem extraordinário, dediquei-me à tarefa — como disse um historiador, meio de brincadeira — de “humanizar”

Oliver Cromwell. Assim, estou em débito com todos aqueles que já estudaram o assunto. Só em termos de biografia, existem dois excelentes estudos modernos: The Lora Protector: Religion and Politics in the Life of Oliver Cromwell (1955), de Robert St Paul, e God's Englishman: Oliver Cromwell and the English Revolution (1970), de Christopher Hill, cujos subtítulos demonstram o caráter especial

da abordagem. Há uma outra biografia nuito interessante, escrita por John Buchan e publicada pela primeira vez há quarenta anos; ainda mais antigo é o inigualável Oliver Cromwell and the Rule of the Puritans in England (1900), de sir Charles Firth. Para não mencionar a pletora de obras pertinentes à matéria, entre as quais se destaca, como padrão de referência, a edição de quatro volumes Writings and Speeches, por W. C. Abbott, que substituiu a obra equivalente de Carlyle, emendada pela sra. Lomas. Mantive o critério de só

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FRASER

incluir material relevante à compreensão da natureza do homem em si ou que contribuísse efetivamente para compor um retrato completo do seu caráter. Tomei portanto as liberdades de praxe, corrigindo a ortografia e parafraseando documentos, quando isso me pareceu necessário, de modo a facilitar o entendimento do leitor médio atual. Também ignorei que c ano, no calendário daquela época, começava em 25 de março e usei o sistema de datas moderno a partir de 1º de janeiro. Gostaria de agradecer, particularmente, ao duque de Sutherland, que permitiu a consulta aos manuscritos de Brid-

gewater; a lady Celia Milnes-Coates, sir Berwick Lechmere, baronete, Raleigh Trevelyan e /ord Tollemache, que me deram acesso a seus respectivos manuscritos; ao primeiro-ministro Rt Hon. Edward Heath, e ao presidente do Chequers Trust, que me permitiram reproduzir imagens e documentos. Ao administrador e curador do Museu

Cromwell, em Huntingdon,

Brian

Wormald, pela permissão de reproduzir quadros, relíquias e documentos. Apoiei-me bastante não apenas nas obras de outros autores, que fiz questão de mencionar nas referências, mas ainda nos conselhos de alguns especialistas. Sou muito grata ao dr. Maurice Ashley, presidente da Associação Cromwell, por sua generosa ajuda em todos os estágios, além das críticas muito valiosas que fez ao meu manuscrito — as falhas, evidentemente, são minhas; a H. G. Tibbutt, que me apresentou à Biblioteca do dr. Williams e indicou inúmeras leituras válidas, além de ler as provas finais deste livro; e ao general-de-brigada Peter Young, extremamente amável na verificação dos mapas.

Agradeço toda a ajuda que recebi das seguintes pessoas e instituições: Nigel Abercrombie, sir John Ainsworth, baronete; Biblioteca Nacional da Irlanda; Jonathan Aitken; A. C. Aylward, notário de Huntingdon & Peter-

borough; professor Thomas Barnes e o bibliotecário da Universidade de Berkeley, Califórnia; sr. Geoffrey Berners, sr. E. G. W. Bill, da Biblioteca do palácio de Lambeth, dr. Christopher Bland; dr. Karl Bottigheimer; sr. M. 5. Bull, de Putney; srta. Anne Caiger, da Biblioteca de Huntingdon, Califórnia; sr. Robert Carvalho, sr. Edmund de Rothschild e a Biblioteca Judaica, por

sua assistência com relação à questão da admissão dos judeus; frei J. Clancy S. J.; sr. J. W. Cockburn, bibliotecário municipal de Edimburgo; sr. E. J. Cowan, da Universidade de Edimburgo; tenente-coronel Leslie Cromwell; dr. Chalmers Davidson e sr. E. Gaskell, bibliotecário do Instituto Wellcome

de História da Medicina, por consultas acerca da questão da saúde e da morte de Cromwell; sr. R. N. Dore; dr. A. 1. Doyle, da Biblioteca Universitária

CROMWELL

11

de Durham; marquês de Exeter; frei Francis Edwards S. J., por permitir o manuseio dos manuscritos de Farm St.; sr. J. M. Farrar, do cartório do condado do Cambridgeshire; dr. Roger Fiske; conde Fitzwilliam; sr. Michael Foot M. PB; sr. R. M. Gard, do cartório do condado de Northumberland; professor

Alexander Gieysztor, do Instituto Histórico de Varsóvia, pela pesquisa sobre a suposta correspondência de Cromwell com Chmielnicki; sr. Peter Foster;

sra. I. M. Hare, representando a família Cromwell Bush; sr. Nicholas e /ady Henderson, da Embaixada Britânica, Varsóvia; dr. J. Hetherington, de

Birmingham; sra. Margaret Hodson, de Rugeley; dr. A. E. J. Hollaender, da Biblioteca da Câmara Municipal; sr. J. P C. Kent, do Departamento de Moedas & Medalhas do Museu Britânico; professor Frank Kermode; hon. Sra. Edward Kidd de Holders, e o Museu de Bridgetown, em Barbados; sr. A. Lewis, do Museu de Harris, Preston; o presidente da Câmara dos Comuns, o right hon. Selwyin Lloyd e sra. H. M. Prophet, do Departamento do Meio Ambiente, a respeito do retrato do presidente do parlamento, Lenthall; sr William McIntyre, secretário do Conselho de Gainsborough; sra. Alice

Roosevelt Longworth; dr. A. L. Murray, mantenedor assistente do Arquivo da

Escócia; dr. G. E Nuttall; sr. E. C. Newton, do cartório do condado de Sussex do Leste, por permissão para ler os Bright Papers e material inédito a respeito do Protectoral Trade Committee; sra. Owen, da Biblioteca da Uni-

versidade de Cambridge; meu irmão, sr. Thomas Pakenham, do castelo de

Tullynally, pelo uso dos manuscritos Pakenham; dr. S. R. Parks, curador da Coleção Osborn, Biblioteca da Universidade de Yale; rev. G. H. Parsons, de

Burford; sr. C. E Perunddock, então secretário do Chequers Trust; meu tio,

sr. Anthony Powell, por informação concernente à origem galesa dos Cromwell; rev. R. L. Powell, de All Saints, Huntingdon; rev. E. L. B. €. Rogers, de St. Giles”, Cripplegate; dr. T. I. Rae, da Biblioteca Nacional da Escócia; lord De Ramsey; sir David Renton MP; sir Ronald Roxburgh; dr. E. €. Smail; sir: Christopher e /ady Soames, da Embaixada Britânica, em Paris; sr. John Seymour; sr. Patrick Shallard; sr. Quentin Skinner, por ser tão amável,

mostrando-me seu ensaio inédito sobre Thomas Hobbes, em The Interregnum, organizado pelo professor G. E. Aylmer; sr. C. Stafford Northcote; sr. E B.

Stitt, do cartório do Staffordshire; dr. Roy Strong, diretor da National Portrait Gallery, por sua ajuda no tocante às ilustrações; sr. G. H. Tait, mantenedor do

Departamento de Antiguidades Britânicas & Medievais do Museu Britânico; sr. Taylor Milne, então secretário do Instituto de Pesquisa Histórica; sr. Keith

Thomas; monsicur Marcel Thomas, Conservateur des Manuscrits de la

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ANTONIA

FRASER

Bibliothêque Nationale de Paris; sr. E. W. Tomlin, adido cultural da Embai-

xada Britânica, em Paris; dr. Thomas Wall, da Comissão de Folclore Irlan-

dês; sr. Esmond Warner; dr. Charles Webster; sr. L. Peter Wenham; sr. Eric W. White; sr. A. D. Williams, do Pembroke Castle Museum; capitão e sra. Malcolm Wombwell, do priorado de Newburgh; srta. Lilian Wood; sr. Douglas Woodruff. Gostaria de agradecer ao sr. Tony Godwin e à srta. Gila Curtis, de Weindenfeld e Nicolson; sr. Bob Gottlieb, de Knopf; sr. Graham Watson, de Curtis Brown; o bibliotecário e todo o pessoal da Casa dos Comuns; sr.

Douglas Matthews, da Biblioteca de Londres; sra. Kate Fleming, pela ajuda em checar referências; minha secretária e sua substituta temporária, sra. Charmian Gibson, e as sras. Jane Sykes e V. Williams e sua equipe, pela digitação. Finalmente, cumpre registrar os beneficios da crítica de alta quali-

dade que recebi de minha mãe, algo que somente ela poderia me propiciar, e de meu pai, autor de algumas idéias igualmente ímpares acerca da natureza do puritanismo. Quanto a meu marido e meus filhos, que ficaram na linha de batalha por quatro anos, imagino que deveria existir uma medalha de campanha destinada às famílias daqueles que escrevem livros muito longos, com a

qual todos eles, do mais velho ao mais jovem, certamente seriam agraciados.

Eilean Aigas, 3 de setembro de 1972

ANTONIA FRASER

| |

Calendário de eventos ocorridos durante a vida de Oliver Cromwell

1599 1603

25 de abril

James 1

1616 1617

Junho

1620

22 de agosto

1621 1623 1624. 1625 1626 1628

Março Maio Setembro

1629

1631 1636

Nasce em Huntingdon Morte da rainha Elizabeth. Ascensão do rei

Março

Ingressa no Sidney Sussex College, Cambridge Morte do pai, Robert Cromwell. Deixa Cambridge e volta para casa.

Casamento com Elizabeth Bourchier, em St

Giles, Cripplegate, Londres Nascimento de seu filho Robert Nascimento de seu filho Oliver Nascimento de sua filha Bridget Morte do rei James I. Ascensão do rei

Carlos I Nascimento de seu filho Richard Nascimento de seu filho Henry

Ingressa na Câmara dos Comuns como MP por Huntingdon Petition of Rights [Petição de Direitos] Consulta o médico sir Theodore Mayerne Carlos I dissolve o Parlamento. Cromwell volta ao campo. Nascimento de sua filha Elizabeth (Bettie). Mudança para St Ives

Mudança para Ely

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14

1637 Novembro

1638 1639 1640 1641 1642

Abril Novembro Outubro 27 de novembro

Janeiro

22 de agosto 1643

23 de outubro Fevereiro 13 de maio

28 de julho Setembro

1644

10 de outubro

2 de julho 27 de outubro 1645

1646

9 de dezembro

14 de junho 10 de julho

Outubro 8 de janeiro 27 de abril

24 de junho

FRASER

Nascimento de sua filha Mary Caso do Ship Money [Dinheiro de Navio], argúido contra John Hampden Primeira Guerra dos Bispos. Nascimento de sua filha Frances Morte de seu filho Robert Parlamento Curto. MP por Cambridge Parlamento Longo. MP por Cambridge “Massacres Irlandeses” Grande Reprimenda Os Cinco Membros escapam de ser presos pelo rei Carlos I, que deixa Londres O rei ergue seu estandarte em Nottingham Batalha de Edgehill Cromwell é promovido a coronel das tropas da Associação do Leste Batalha de Grantham Batalha de Gainsborough. Cromwell é nomeado governador da ilha de Ely. O Parlamento aceita a Solemn League and Covenant [Solene Associação e Convenção]

escocesa, permitindo o presbiterianismo na Escócia, Inglaterra e Irlanda Batalha de Winceby Cromwell é promovido a general-de-exército Morte de seu filho Oliver Batalha de Marston Moor Segunda Batalha de Newbury Proposto o Decreto de Abnegação Batalha de Naseby Batalha de Langport Cerco de Basing House Início da campanha de primavera, em Crediton, Devonshire

O rei escapa e busca o apoio dos escoceses em Newark Rendição de Oxford

CROMWELL 1647

fevereiro Março em diante 3 de junho 6 de agosto 28 de outubro 11 de novembro

1648

3 de janeiro 30 de abril 3 de maio Julho 17 de agosto Outubro 6 de dezembro

1649

20 de janeiro 30 de janeiro Maio 15 de agosto

1650

11 de setembro Outubro em diante Abril 26 de maio

Junho 3 de setembro 1651

Fevereiro Maio 3 de setembro Dezembro

15

Cromwell doente Agitações no exército O corneteiro Joyce detém o rei em Holdenby House Cromwell deixa Londres e adere ao exército O exército marcha sobre Londres Começo dos debates no exército em St Mary's Church, Putney O rei foge para Carisbrooke Castle, na ilha de Wight Votação do Nenhum Contato Eclosão da Segunda Guerra Civil Cromwell deixa Londres e vai para Gales Cerco do Castelo de Pembroke Cerco de Preston, no Lancashire

Cromwell em Edimburgo. Cerco do Castelo

de Pontefract, no Yorkshire

Expurgo de Pride. Cromwell chega a Londres durante a noite Abertura do julgamento do rei Carlos 1 Execução do rei Carlos I Cromwell encerra o motim dos levellers em Burford Desembarque na Irlanda Batalha de Drogheda Cerco de Wexford Cerco de Clonmel Cromwell deixa a Irlanda e regressa à Inglaterra Deixa Londres e vai para a Escócia Batalha de Dunbar Cromwell doente, em Edimburgo

Novamente doente Batalha de Worcester Primeira discussão com Whitelocke sobre a organização da nação

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16

1652 1653

1654

1655

Abril Novembro 20 de abril

Julho

Cromwell se torna Protetor Paz com a Holanda

Dezembro

Começo da expedição às Índias Ocidentais Cromwell dissolve o Primeiro Parlamento do Protetorado Levante de Penruddock Fracasso do ataque a Hispaniola Apoio aos protestantes do Piemonte Conquista da Jamaica Nomeação dos generais Segundo Parlamento do Protetorado Atentado de Sindercombe Assinatura do tratado anglo-francês, visando ao ataque às possessões holandesas na América Cromwell recebe a oferta da coroa Rejeita a coroa Lorde Protetor Mardyck adquirido pela Inglaterra Casamentos de Mary e Frances Cromwell dissolve Segundo Parlamento do Protetorado Batalha de Dunes — vitória das forças anglofrancesas contra as espanholas Conquista de Dunquerque Morte de sua filha Bettie Claypole Morte de Oliver Cromwell

22 de janeiro

Abril Maio em diante

9 de agosto 17 de setembro

23 de março

1658

Março-maio 8 de maio 26 de junho Setembro Novembro 4 de fevereiro

4 de junho

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6 de agosto 3 de setembro

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Primeira guerra anglo-holandesa Segunda discussão com Whitelocke Dissolução do “Rabo” do Parlamento Longo Início do Parlamento de Barebones

16 de dezembro Abril Setembro

Março

1656 1657

FRASER

Primeiro Parlamento do Protetorado Morre a mãe de Cromwell

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O governo de si mesmo

Antes de mais nada ele adquiriu o governo de si mesmo e sobre si mesmo alcançou as mais extraordinárias vitórias, de tal sorte que desde o primeiro instante em que enfrentou o inimigo externo já era um veterano combatente, profundo conhecedor das exigências e armadilhas da guerra.

JoHN MILTON, sobre Cromwell

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1 Um cavalheiro nato Nasci fidalgo, tão distante das mais elevadas posições quanto da obscuridade. CROMWELL

uma primavera, às vésperas do século XVII, nasceu um filho de Robert N e Elizabeth Cromwell, de Huntingdon. A criança foi chamada de

Oliver; a data era 25 de abril de 1599, quatro anos antes de encerrar-se o longo reinado de Elizabeth I. A casa em que ocorreu esse nascimento situase na High Street: apesar de sua modéstia, a residência tem seus próprios ecos históricos — tendo sido construída no local de um convento agostiniano, sua estrutura ergueu-se sobre a fundação original e aproveitou muitas de suas pedras.* Oliver teria vindo ao mundo às primeiras horas da manhã; essa versão, divulgada posteriormente, talvez correspondesse a preocupações contemporãneas com horóscopos. Enquanto a data do nascimento dava a ele um Sol na resplandecente expansividade de Touro, a hora mais cedo acrescentava um ascendente, em Áries, governado pelo guerreiro Marte; dessa forma, os fatos ocorridos na terra teriam a aprovação das estrelas — muitos esperavam que assim fosse. No século XVIII, as estimativas de John Partridge, “contendo a natividade daquele maravilhoso fenômeno — Oliver Cromwell — metodicamente calculada conforme os cânones placidianos”, atribuíram o nascimento, “Conhecida atualmente como Casa de Cromwell, é usada como biblioteca pelo Centro de Pesquisas de Huntingdon. Em 1968, um grande brasão de Cromwell foi pintado na sua fachada.

20

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aproximadamente, à 1:30 da madrugada — signo de Áries, regido por Marte, dotado de “uma inteligência multifacetada, natural e congênita”, graças à conjunção de Mercúrio com o Sol. Já Thomas Booker, astrólogo de almanaque, fixou a vinda de Cromwell ao mundo às 3h, o que acarretou a ascen dência de Áries. Além disso, John Aubrey ouvira dizer que Cromwell, como Thomas Hobbes, possuía um satellitium ou conjunção de cinco dos sete planetas no ascendente, destinando-o a se tornar “mais eminente em vida do que o comum dos mortais”.! Numa época em que tais fenômenos eram levados

extremamente a sério não apenas pelos crédulos, mas ainda por muitos membros proeminentes do próprio partido de Cromwell, é perfeitamente possível que a informação em que tais adivinhações se baseavam fosse sugerida pelo próprio interessado. Fonte ainda mais provável teria sido a sra. Cromwell, sua mãe, que viveu até uma idade incrível, no centro da corte, em Whitehall, onde qualquer astrólogo poderia ter se aproximado dela facilmente; ou talvez

ela lembrasse, melhor do que ninguém, a hora do parto. Em todo caso, o nascimento nas primeiras horas da manhã parece ter alguma base confiável. Nenhum evento futuro questionou tais fatos, exceto a singular história de um “non-juror” [pessoa que não fez juramento], herdeiro da casa em que Oliver nasceu, segundo o qual o quarto do bebê fora adornado com uma tapeçaria diabólica — poderosa e maléfica influência pós-natal exercida sobre o recém-nascido.? Enfim, como a maior parte de seus irmãos, Oliver escapou das garras da mortalidade infantil: embora a taxa de natimortos estivesse começando a declinar, somente 10% da população chegavam aos quarenta anos de idade. Das dez crianças registradas como filhos dos Cromwell, sete sobreviveram. Mais importante que isso foi o fato de que seis dos rebentos eram meninas — Oliver cresceu como o único garoto em meio a uma grande ninhada de irmãs. O primogênito, Henry, batizado em agosto de 1595, quatro anos antes do nascimento de Oliver, morreu em data ignorada, mas certa-

mente bem antes do pai; em 1617, dez anos depois de Oliver, um outro menino, Robert, nasceu e morreu quase imediatamente. Houve ainda Joan, nas-

cida em 1592, morta antes que Oliver tivesse completado dois anos; Elizabeth, cerca de seis anos mais velha que Oliver; Catherine, dois anos mais velha; Margaret, dois anos mais nova; Anna, nascida no ano seguinte; Jane, nascida

três anos depois, em 1605; e Robina, nascida em data desconhecida. Se a velha sra, Cromwell estava com 89 anos ao morrer, em

1654, teria então 34

quando Oliver nasceu embora Thurloe, secretário de Estado, atribuísse a ela

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Er

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CROMWELL

21

cinco anos mais.* O certo é que Oliver foi um dos filhos nascidos já na sua maturidade e o único a sobreviver até a idade adulta. Portanto, não se carece

da percepção de um psicólogo para ver que as naturais ambições familiares

concentraram-se nele, que, quando chegasse a hora, ele teria de assumir cer-

tas responsabilidades em nome da sua grei. Nos anos subsegientes, ao longo de toda a infância e até mesmo na maturidade, Oliver foi envolvido pelo tépido abraço do amor materno, um excesso de mimos que um crítico confesso apontaria como fator do seu “temperamento rude e intratável”. Não é nenhuma fantasia imaginar que sua posição masculina sem rival, nas fileiras mais jovens da família, tivesse dado origem a essa predisposição. Na verdade, porém, os pequenos Cromwell não consti-

tuíam a primeira família daquela senhora que, na idade provecta, suscitaria a admiração de embaixadores estrangeiros, que a consideravam “uma mulher amadurecida, dotada de sabedoria e grande prudência”. A mãe de Oliver, em solteira Elizabeth Steward, casou-se pela primeira

vez com William Lynne, filho e herdeiro de John Lynne, de Bassingbourn; o túmulo de seu marido, falecido em 1589, e o da única filha desse breve matrimônio, Katherine, morta ainda bebê, estão na catedral de Ely. Elizabeth

ficou com o dote do primeiro casamento, cerca de sessenta libras anuais, levando-o para o segundo matrimônio. É possível que tenha mantido a “cerve-

jaria? de Lynne, tradicionalmente atribuída à família Cromwell. Outros detalhes de seus primeiros esponsais desapareceram na bruma. Num retrato, na

meia-idade, ela demonstra um ar absolutamente inglês, olhar altivo de quem conhece a posição que desfruta na sociedade; rosto e nariz alongados, e as pálpebras pesadas que transmitiu ao filho, face comum, mas não totalmente destituída de encanto, e muita força. É fácil admitir a precisão de Clarendon ao descrevê-la como uma “mulher decente”.º O status social de Elizabeth Steward dispensa justificativas. Filha de uma respeitável família de Norfolk, seu pai — “cavalheiro de adequada fortuna”

— cultivou as terras da catedral nas imediações de Ely, um trabalho lucrativo,

mais tarde continuado pelo irmão dela, Thomas Steward. A coincidência dos sobrenomes excitaria Os críticos: não eram os Stewart origem da casa real dos Stuart, referência ao papel deles na corte escocesa antes do casamento curial

de Walter Stewart com Marjorie, filha de Robert Bruce? Numa época obcecada por ancestralidade e presságios, essa justaposição parecia muito provei-

tosa — ou impressionante demais — para ser deixada de lado sem merecer a devida consideração dada aos surpreendentes propósitos do destino. Assim,

22

ANTONIA

FRASER

decidiu-se agraciar Oliver com uma conveniente ascendência Stewart, fazen-

do-se sua linhagem remontar ao naufrágio de um príncipe escocês, na costa de Norfolk, em 1406. Contudo investigação mais cética prova que os Steward derivaram dos Styward, de Calais, e não dos Stewart, da Escócia. Indu-

bitavelmente estranho é que os brasões daqueles incluíssem traços da ascendência escocesa, o que certamente teria sido importante caso ela fosse tida

como genuína. Além disso, havia numerosos Styward, de Swaffham, e residentes em Wells, Norfolk, muito antes da data do suposto acidente marítimo; mais desconcertante ainda é que o primeiro John Styward, de Calais, teria sido de

ascendência relativamente plebéia. Talvez não fosse nem um pouco espantoso

que os Steward crescessem em proeminência, com base nas terras monásticas em torno de Ramsey e Ely, estabelecendo vínculos com Londres, ao mesmo tempo que alimentavam em suas mentes empreendedoras idéias de um

pedigree real, forma de enfatizar a adequação da família à grandeza. Na verdade, porém, nada disso se baseava em fatos concretos — nem Oliver, enquanto

viveu, deu ouvidos a qualquer opinião séria sobre seu suposto parentesco com Carlos Stuart, homem que passara a considerar o principal inimigo da Inglaterra. Em Edimburgo, no ano de 1651, ele teria comentado em tom de brincadeira, numa conversa com pessoas da família de sir Walter Stewart, partidário do rei, que sua mãe pertencia à mesma cepa. O incidente, acompanhado por boas doses de vinho das Canárias, presente do nobre, e outro tanto enco-

mendado pelo próprio Oliver, constituiria exemplo do seu desejo de cativar Os escoceses, mais do que evidência de quaisquer sentimentos profundos referentes a antepassados. Significância muito maior tem o fato dele consentir

que James, filho menor de sir Walter, manuseasse a empunhadura de uma de suas espadas, chamando-o de “pequeno capitão”, e, ao final de tudo isso, comentar que /ady Stewart podia considerar-se “muito menos monarquista”.” O próprio Oliver, com certeza, haveria de concordar com o julgamento de um de seus primeiros biógrafos, o poeta menor Robert Flecknoe, irlandês

e padre católico, mas apesar disso altamente elogioso, talvez por ter publicado sua obra em 1659, antes da Restauração, enunciando: “Enquanto tantos atribuem sua origem a principados, eu atribuirei seus principados a ele próprio, dizendo apenas que nasceu cavalheiro.” Tal ponto de vista era partilhado por Cromwell. Muitos anos depois, já como Lorde Protetor, num dos famo-

Sos discursos que pronunciou perante o Parlamento, alegando ter chegado a “hora de olhar para trás”, ele disse: “Nasci cavalheiro, longe das mais eleva-

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das posições, mas também da obscuridade.”* No fim do século XVI, nenhuma avaliação poderia ser mais justa, e seu pai, Robert Cromwell, segundo filho de um fidalgo, na época ocupava posição mediana, vale dizer, era possível

uma razoável mobilidade social para cima — talvez rumo à aristocracia, ultrapassando os ancestrais — ou para baixo — na direção das fileiras dos pequenos proprietários de terras. Conforme Flecknoe colocou, a nobreza seria “superior”, mas não necessariamente “melhor do que ele”. Uma coisa, todavia, parecia bastante evidente, e as firmes palavras de Oliver o confirmavam. Robert Cromwell e sua família não se identificavam nem um pouco com os yeomen.* Essa era uma distinção que os mais radicais do que Oliver também traçariam: John Lilburne, capturado após a batalha de Brentford e levado a julgamento, recusou-se a peticionar perante o tribunal como “pequeno pro-

prietário rural”, sob a alegação de pertencer a uma família de cavalheiros, desde o tempo de Guilherme, o Conquistador.” A longevidade da estirpe dos Cromwell era algo menos do que o alardeado por Lilburne. Aquela “muito antiga família fidalga”, como James Heath, autor de uma das mais depreciativas obras sobre a juventude de Oliver** admitiu, fundara-se no patrocínio real, durante o reinado de Henrique VIII, poucas gerações antes, portanto, do nascimento de seu filho mais ilustre. Os primeiros Cromwell tinham vindo de Nottinghamshire, onde o nome significava “córrego sinuoso”, um conceito poético derivado e parcialmente reduzido do inglês arcaico crumb [tortuoso]. Havia mais uma proemi-

nente família Cromwell, mas que desapareceu no fim do reinado de Henrique VI. Thomas, representante dos novos Cromwell, ao sair à luz forte da corte como ministro-chefe de Henrique VIII, em 1520, desdenhou os laços que porventura poderia estabelecer com o antigo ramo, pretextando que “não

vestiria o casaco de outro homem, para que o dono não o arrancasse por cima

das orelhas”. Uma modéstia, afinal, bastante justificada, pois seu pai, Walter Cromwell, costumava ser descrito como pisoeiro, ferreiro ou cervejeiro. No

século XV, o avô, John, compactador de tecidos, viera de Norwell, no Nottinghamshire, para Wimbledon, as cercanias de Londres, a fim de dar

prosseguimento a seu ofício. Um de seus filhos fora, de fato, cervejeiro, e

dois dos filhos desse cervejeiro seguiram a profissão do pai. Walter Cromwell

“Classe social dos últimos livres proprietários de terra, situada pouco abaixo da pequena

nobreza. (N. do T.) “*Publicada pela primeira vez, em 1663, no auge do ódio pós-Restauração.

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FRASER

viveu em Putney, possuindo terras perto do Tâmisa, com uma hospedaria na Cervejaria Lane; na época de sua morte, em 1516, amealhara belas proprie-

dades na vizinhança, não somente em Putney, mas também em Wandsworth e Roehampton. É digno de nota que tenha sido escolhido condestável de Putney por duas vezes, cargo paroquial que costumava ser desempenhado em rodízio pelos principais chefes de família da região. Thomas Cromwell tinha, por conseguinte, uma origem humilde, nada sólida e muito menos justa.!º Oliver, porém, não descendia do famoso — ou famigerado — Thomas

Cromwell, mas da filha de Walter, Katherine. Foi o casamento dessa jovem com Morgan Williams que resultou na indômita linha inglesa dos Cromwell

— aquele traço exótico, de sangue celta, que mesmo um século depois imagina-se ter dado a eles o gênio peculiar que floresceu no misterioso caráter de Oliver Cromwell. Portanto, estrito senso, os Cromwell — o ramo de Oliver

— não eram inteiramente Cromwell, mas, de acordo com a regra inglesa de sobrenomes, Williams. Os descendentes diretos de Thomas, enobrecidos como condes de Ardglass, lutaram do lado realista na guerra civil. É fácil compreender, porém, que a família de um jovem empreendedor desejasse vincular seu próprio nome à estrela em ascensão de um ministro do rei, especialmente considerando que no século XVI, em Gales, o comportamento em relação a sobrenomes nada tinha a ver com o que adotamos hoje em dia. Morgan Williams iniciara a vida como Morgan ap William [filho de William], conforme a tradicional moda galesa de identificar a prole a partir do pai, o segundo nome tendendo a mudar, a cada geração, a menos que um filho recebesse o mesmo nome de batismo de seu progenitor, caso em que ele

passaria a ser conhecido como Fychan [Filho]. O sistema inglês de patronímicos estáveis estava apenas começando a ser adotado, e de forma lenta, pelo povo de Gales: foi somente nesse período, por exemplo, que a família dos Sitsyllt se estabeleceu na' Inglaterra, onde passou a ser conhecida como Cecil. De modo geral, os de Gales limitavam-se a acrescentar um s ao nome

de batismo do pai para se anglicizarem — como fez Morgan ap William —, daí tantos sobrenomes anglo-galeses tenderem a se basear em prenomes masculinos. Sendo Williams um conceito comparativamente novo para Morgan, não

ka

Nal

Ne

Va À , AN

surpreende que seu filho, Richard, considerasse tão fácil assumir o nome de solteira da mãe, Cromwell. A aceitação voluntária do nome inglês mais célebre era perfeitamente compreensível. O brasão de Williams foi usado pelos descendentes de Richard, e a família continuou por várias gerações a constar

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como “aliás Williams” em livros oficiais ou documentos, inclusive num Re-

gistro de Venda assinado e cumprido pelo tio de Oliver, em 1600 — uma querela oficial concernente ao testamento de seu pai —, além do próprio contrato de casamento de Oliver. Já como Lorde Protetor, um de seus parentes realistas escreveu-lhe em termos bastante francos, dizendo que sempre tivera problemas consideráveis em ser aceito com o nome de Cromwell e que, agora que Oliver o tornara odioso, talvez fosse a hora de reverter a Williams; após a Restauração, o ramo mais antigo da família, os herdeiros de seu tio realmente o fez. Poder-se-ia considerar justiça poética o fato de Oliver, mais tarde, ser acusado por muitos crimes perpetrados por seu tio-trisavô, Thomas, especialmente depredações arquitetônicas:

Uma pequena marca pode, todavia, causar um grande mal, Como uma migalha entalada na garganta de um homem (...)

Tal era a profecia espúria, inventada na época dos Tudor, para deslustrar a honra de Thomas Cromwell.!! O crescente folclore acabaria por fixar o “crumb” na garganta de Oliver, principalmente quando se tratou de partilhar a responsabilidade pelas demolições de monastérios e igrejas. Talvez isso não passasse de uma vingança do destino contra uma família que adotara o nome por razões puramente oportunistas.

Foi William ap Ievan [filho de Tevan], pai de Morgan, o primeiro a fazer uma transferência bem-sucedida de Gales para a Inglaterra. Nascido na paróquia de Newchurch, perto de Cardiff, e conhecido como “o melhor arqueiro daqueles dias”, ele serviu a Jasper, duque de Bedford, depois lorde de Glamorgan. Impressionado com a qualidade do seu trabalho, o nobre enviouo ao sobrinho, Henrique VII, recém-coroado rei da Inglaterra; na corte inglesa, William se casou, reunindo ganhos suficientes, em postos ou privilégios da coroa, que o tornaram capaz de adquirir propriedades. Assim, a

chegada de Morgan e seu pai às pastagens inglesas foi concomitante à aproximação dos galeses com a Inglaterra de Henrique VII. Na idealização de alguns bardos, a ascensão de Henrique Tudor ao trono cumpriu antiga profecia, segundo a qual um galês haveria de conquistar a Inglaterra; historicamente descendentes dos antigos bretões, os galeses eram os governantes de direito da Grã-Bretanha, cruelmente privados da sua herança pelos saxônicos.

Tais vaticínios seriam revividos em favor de Oliver, na época do seu Proteto-

rado, por alguns de seus admiradores.

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FRASER

Podemos identificar os ancestrais galeses de Oliver Cromwell com algu-

ma exatidão, já que o antigo costume de anexar o nome do pai ao do filho facilita a pesquisa genealógica.* Oriundos de uma família da pequena nobreza, eles possuíam um patrimônio em torno de duzentas a trezentas libras anuais. Quando Cromwell adquiriu fama, particularmente depois de se tornar Lorde

Protetor, necessitando de armas e selos pessoais, a tentação de resgatar a

magnificência de seus antepassados galeses superou os ditames da precisão histórica. Felizmente, uma detalhada árvore de família, conhecida como Lhyfr Baglan [Livro de Baglan], fora compilada, entre 1600 e 1607, por um certo

John Williams, do Monmouthshire. Embora esse Williams estivesse claramente interessado em conectar-se a Thomas Cromwell, ele não poderia ter

cogitado de glorificar, ainda que veladamente, o nome de Oliver, então pouco

mais que um bebê." A linhagem de Oliver remonta a nomes que seu biógrafo do século XVIII, o reverendo Mark Noble, desprezaria com típica condescendência inglesa: a “história deles era pouquíssimo satisfatória, representando apenas alguma experiência”.** O genealogista atual terá uma perspectiva mais esclarecida, partindo de um certo sir Guyon, le Grant, aventureiro normando do final do século XT, ou início do século XII, integrante daquele grupo proveniente da Inglaterra e conhecido como Advenae [forasteiros], que se estabeleceu em Gales. Sua chegada coincidiria com o período em que os normandos, principalmente os da área de Gloucester, invadiram o sul de Gales,

especialmente a região de Glamorgan — muitos deles se casaram e adotaram

a nomenclatura galesa. Assim, indo o mais longe possível na pesquisa do so-

brenome de Oliver Cromwell, poderíamos afirmar, com base em regras estrita-

mente inglesas, que Grant, e não Williams, seria seu nome correto: afinal, foi só depois de sir Gwrgenau, filho de Guyon, que seus descendentes, obedecendo ao uso galês, começaram

a trocar de nome

a cada

geração



Gwrgenau

*Os de Gales eram muito rigorosos com seus pedigrees, dado o funcionamento do seu sistema legal; a terra pertencia a determinados grupos, impondo-se multas coletivas a certos crimes, tais como o assassinato, o que obrigava a todos a manutenção de um rígido controle sobre as alianças familiares. Por tal razão, a genealogia galesa, ainda que por uma questão de orgulho, não constituía prova de riqueza, como no caso dos ingleses. **Memoirs of the Protectoral-House of Cromwell, de Noble, publicado pela primeira vez em 1787, permanece uma valiosa fonte de detalhes íntimos acerca da vida de Oliver, posto que O autor estava em posição de reunir e peneirar muitas lendas referentes a ele, evitando que se perdessem com a passagem do tempo. Nisso, ele foi auxiliado pela amizade das senhoritas Ss Letitia Cromwell, de Hampstead, descendentes do Protetor, guardiãs de numerosas tradições de família,

assim como de verdadeiras relíquias e retratos.!*

DA»

MS SET

CROMWELL

Fychan foi sucedido por Goronwy ap Gwrgenau etc. etc. até que ao vários séculos nasceu Ievan ap Morgan, pai de William ap Ievan, Morgan Williams. É bom imaginar, mesmo sem nenhuma prova material, que Cromwell tinha sua pitada de sangue normando e outro tanto de

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cabo de avô de Oliver sangue

pioneiro. Entretanto, os Grant, rapidamente assimilados, realizaram uma

série ininterrupta de casamentos. Mais tarde resgatou-se o vínculo de Cromwell com os príncipes de Powys, especialmente Madoc ap Mere-

dith, último da estirpe, cujas armas se integraram ao brasão do Lorde

Protetor. Essa descendência, como vimos, não era direta. No entanto, ten-

do em vista as relações familiares galesas, evidentemente os Cromwell

bem podiam descender dos príncipes de Powys, e na linha feminina, sem dúvida, isso terá ocorrido diversas vezes. É interessante observar que passado um século, após a emigração da família para a Inglaterra, quando o trineto de Morgan Williams — Oliver Cromwell — chegou ao ponto mais alto de sua carreira, foi na ascendência galesa que os brasões buscaram armas. A família, firme e lucrativamente anglicizada, ainda preservava orgulhosamente suas raízes. Nos tempos do próprio Morgan Williams, na primeira metade do século

XVI, a corte de Henrique VIII constituía-se numa excelente arena para especuladores interessados em operar em proveito próprio, especialmente depois da dissolução dos monastérios. Havia prêmios valiosos a serem conquistados, particularmente pelos que desfrutassem do favor real. Em 1538, quan-

do a influência de seu famoso tio Thomas ainda era grande, Richard Cromvweil, filho de Morgan Williams, foi agraciado com o grande e rentável convento de freiras existente em Hinchingbrooke e várias outras propriedades. Em data ignorada, ele trocou de sobrenome, em grande parte encorajado pela vontade do rei, que insistia no “modo patronímico de nações civilizadas”

e desaprovava esses aps e naps, que dificultavam a identificação dos descendentes galeses no procedimento judicial inglês — mas isso se deu antes daquela concessão, feita em nome de Cromwell. A história da ascensão progressiva de Richard é esplendidamente cavalheiresca. Ricamente aparelhado, ele entrara

na disputa de um torneio com cavalos cobertos de veludo branco, e seu valor em combate foi equivalente à sua magnificência. Muito satisfeito, O rei

Henrique tirou um anel de diamante do dedo e exclamou: “Tu, a quem já chamei de “Dick”, agora terás um diamante!” Para a felicidade da história fu-

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tura dos Cromwell, Dick tratou de apanhar a pedra; outros benefícios se seguiram, incluindo uma mudança no brasão da família — o leão que segurava

um dardo passou a ostentar um anel.! Feito cavaleiro pelo rei, sir Richard sobreviveu à queda do tio, em 1540, Estabelecendo o poder dos Cromwell nas antigas terras monásticas, a leste das Midlands, foi nomeado sherif * dos Huntingdonshire e Cambridgeshire,

em 1541, ingressando no Parlamento em 1542. Graças à generosidade real, deixou um patrimônio equivalente a cerca de três mil libras, uma fortuna considerável segundo os padrões da época. Seu filho — avô de Oliver =

Henry Cromwell, agraciado com o título pela rainha Elizabeth, em 1563, tornar-se-ia famoso

como

“o cavaleiro dourado”.

De fato, coube a ele

incrementar a opulência da família, concluindo a magnífica edificação de Hinchingbrooke, iniciada por sir Richard: aproveitando parte do velho convento de freiras, a residência tinha esplêndidos tijolos vermelhos, lavrados com figuras geométricas em preto, que Oliver conheceria na infância. Descortinando ampla vista para o campo plano e fértil, próximo às águas do rio Ouse, Hinchingbrooke era bem apropriada ao que sir Henry desejava: moradia familiar de muita suntuosidade; incidentalmente, as janelas de vidro

colorido lembravam rísticas de clã. Sem Henry desposaram assumiu deveres no

as origens galesas da família, ostentando cores caracteromper totalmente seus laços urbanos, siy Richard e sir filhas de prefeitos de Londres. Tal como o pai, sir Henry condado: quatro vezes sheriff do Cambridgeshire e Hun-

tingdonshire, tornou-se membro do Parlamento, onde suas arengas, na opi-

nião de sir Charles Firth, prenunciavam o estilo oratório do neto.'º Assumindo rapidamente os costumes das classes proprietárias de terra, ele foi escolhido para receber a rainha Elizabeth, em Hinchingbrooke, no ano de 1564 — uma estada dispendiosa, mas que poderia propiciar benefícios futuros; as razoáveis somas de dinheiro que distribuía aos pobres de Ramsey não lhe trariam, com certeza, nenhuma recompensa terrena.

Robert Cromwell, futuro pai de Oliver, foi o segundo rebento desse brilhante personagem. Dentre os demais membros da família dignos de registro, inclui-se o quinto filho, mais tarde sir Philip Cromwell, cujas filhas Elizabeth e Frances, casadas com um Hampden e um Whalley, respectivamente, deram +

É

=

a

Comissário distrital da coroa, responsável pelo controle da polícia, das prisões, da execução das sen .

tenças criminais, da convocação e realizaçã o de eleições; nos burgos era nomeado pela corporação municipal, (N. do

T.)

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a Oliver dois primos em primeiro grau, partícipes de importantes círculos puritanos. Mas foi o mais velho, herdeiro do “cavaleiro dourado”, o longevo

sir Oliver Cromwell, que chamou a atenção do mundo, pelo menos até a dramática ascensão político-militar do sobrinho usurpar sua fama. Casado em segundas núpcias com Anne Hooftman, dama de origem holandesa, viúva do financista si” Horatio Palavicini, de antiga família genovesa católica, o fato deu margem a histórias, ainda hoje repetidas, de que o futuro Lorde Protetor teria ascendência judaica. Dois enteados de /ady Anne Cromwell — Baptina e Henry —, prole do primeiro casamento de seu marido, casaram-se com dois de seus filhos, um tipo de arranjo complicado, mas frequentemente aceito, na época, para manter o patrimônio inalterado. Dada a situação financeira declinante de sir Oliver, não havia mesmo outro jeito. Obviamente, os casamentos Palavicini-Cromwell, mais ou menos contemporâneos ao nascimento de Oliver, não tiveram qualquer relevância direta sobre o seu ramo familiar; no entanto, meio século depois, talvez o tratamento favorável dispensado por ele aos judeus tenha conferido ao boato um crédito adicional. A sir Oliver, homem dotado de charme e generosidade, John Dowland dedicou um livro de canções e melopéias; sob seu mando, Hinchingbrooke assegurou tepidez patriarcal às relações com os parentes mais ou menos distantes, incluindo Robert Cromwell e seus filhos. Tal receptividade benevolente era um apanágio de homens da sua posição; as farras colossais que promoveu, entretanto, consumiram a fortuna da família. Armado cavaleiro pela

rainha Elizabeth, em 1598, ele hospedou o rei James I, em 1603, quando de seu triunfante itinerário rumo ao sul, partindo de Edimburgo, para ascender ao trono da Inglaterra. Todos concordaram que Sua Majestade tinha recebido “tamanha acolhida, como igual não tinha sido vista em nenhum outro lugar, desde que partira da Escócia”, mas isso acarretou conseqgiiências fatais. Além da generosa hospitalidade, sir Oliver despejou sobre seu ilustre convidado tantos e tão variados presentes — uma “extraordinária taça de ouro”, “cavalos soberbos”, “falcões caçadores de asas excelentes”, afora a construção de uma janela avarandada, na sala de jantar” — que é fácil entender por que o entusiasmado soberano retornou a Hinchingbrooke em muitas outras ocasiões.

Sua recompensa, porém, foi meramente simbólica: no grande funeral do monarca, em 1625, ele conduziu um dos estandartes heráldicos. Não surpreende,

portanto, que a gloriosa Hinchingbrooke fosse vendida aos Montagu, mudando-se sir: Oliver para a propriedade de Ramsey. Nos anos imediatamente anteriores à guerra civil, a conjectura de que o partido do Parlamento deitava

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raízes na pequena nobreza decadente, cujas fortunas estavam em declínio, cer-

tamente encontra apoio na posição dos Cromwell quando Oliver passava à fase adulta. Em

1627, ele não pôde ter deixado de observar com tristeza 0

fim do apogeu dos Cromwell de Hinchingbrooke — um ano antes do seu in. gresso no Parlamento. Robert Cromwell levou uma vida mais obscura. Tal qual o irmão mais velho, ele foi eleito membro do Parlamento em 1593, causando pouca impressão. Também cumpriu seus deveres locais, interessando-se pela drenagem

dos Fens e chegando a firmar um abaixo-assinado que reivindicava a remoção dos excessos de água de uma área conhecida como Great Level [Grande Nível]. Dirigiu a cervejaria, cuja existência motivaria os mexericos dos partidá-

rios do rei contra seu filho.* Não resta dúvida que Robert Cromwell gostava de uma cerveja e, ademais, as terras que possuía em Hinchin eram cortadas por um córrego muito útil na fabricação da bebida. Como vimos, algum estabelecimento do tipo pode ter chegado até ele como parte do dote de Elizabeth, e os primeiros Cromwell, de Putney, de quem descendia, haviam sido cervejeiros. Logicamente, há uma diferença entre fermentar algum volume da amarga cerveja inglesa para consumo doméstico e brindes com os vizinhos ou fazer disso um “comércio”, como diriam as gerações posteriores. E arris-

cado aplicar esse conceito a atividades exercidas no início do século XVII, quando não existia nada semelhante ao moderno mercado.

É curioso que a primeira menção existente acerca das supostas atividades cervejeiras de Oliver, atribuídas não somente a ele, mas à sua mãe também,

tenha aparecido em fevereiro de 1649 no Mercurius Elenticus, o jornal que tanto fez para espalhar veneno, um mês depois da execução do rei, período de maior execração de Cromwell: o texto referia-se à malícia daquele “sangrento cervejeiro Cromwell”.!º Espalhou-se que Oliver, além do mais, fizera a mal-

dosa sugestão de que o filho mais moço do falecido monarca, o duque de Gloucester, fosse adestrado no ofício de cervejeiro, na medida em que

*“Cervejeiro” foi um dos muitos sarcásticos à pelidos dados a Oliver Cromwell por seus inimigos. The Protecting Brewer possui uma estrofe que bem demonstra como a questão suscitava insultos ou no mínimo as zomba rias a que se prestava O tema:!

Um cervejeiro pode ser tão destemido quanto Hestor, Bebendo seu copo de néctar, Ou um Lorde Protetor, Ninguém pode negar

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perdera todas as suas funções nobiliárquicas. Portanto, a cervejaria pode muito bem ter sido uma das ocupações locais desse ramo menor da família Cromwell, mais ou menos profissionalmente, para complementar sua modesta

renda; o fato permaneceu esquecido até a morte de Carlos I, quando toda e qualquer arma tornou-se válida para vilipendiar a figura mais importante do partido que o executara. Desde então a cervejaria alimentou as cortantes palavras de escritores satíricos, empenhados numa atividade de desprezível vulgaridade, emblemática das rudes camadas emergentes que governavam a Inglaterra.

Voltando à infância de Oliver, pode-se ver que a vida de seu pai, típica dos filhos mais moços da pequena nobreza rural, nada teve de muito marcante, embora não chegasse a ser desagradável, tendente a produzir um homem de maneiras calmas e não um pai tirânico. “A vida de um homem saudável é como uma bolha d'água”, declarou Robert em seu testamento; antes de morrer, ele se preocupou em deixar para sua mulher e filhos tanto “a paz e a calma”, quanto “propriedades temporais”.?” Um homem como esse, certamente, teria uma relação bondosa e agradável com o único filho que sobrevivera, durante sua curta vida. Seria também natural que a pequena casa em Huntingdon fosse ensombrecida pela grande casa de Hinchingbrooke e, pela mesma razão, que Robert Cromwell escolhesse o nome de Oliver para seu segundo filho. É quase certo que sir Oliver tenha sido o padrinho de batismo do sobrinho, quatro dias após seu nascimento, em 29 de abril de 1599, na Igreja de São João Batista, em Huntingdon, perto da casa de seus pais. Embora a igreja tenha desaparecido, dando lugar a um jardim municipal, o registro com a menção de Oliverus, filho de Robert Cromwell e Elizabeth, sua mulher, está preservado na Igreja de Todos os Santos, não muito longe, assim como a pia na qual Oliver foi batizado.* Sabe-se pouco sobre o bebê Oliver. Até o final do século XVIII, uma das

obscuras histórias que corriam a seu respeito dizia que um macaco domesticado o teria retirado do berço, fugindo pela casa; isso acontecera em

Hinchingbrooke, nos últimos dias de vida do “cavaleiro dourado”. Mais profético e portanto mais suspeito era o comentário acerca do soco que aos qua-

tro anos de idade ele desferira no nariz do príncipe Charles Stuart, de dois “Embaixo da data, na parte de cima do registro, a frase “empesteou a Inglaterra por cinco

anos”, acrescentada provavelmente no período da guerra civil, foi riscada.

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anos, fato transcorrido por ocasião da visita real a Hinchingbrooke em 1603.

Trata-se de uma lenda, obviamente vinculada a acontecimentos posteriores

que tentava demonstrar uma evidência precoce do caráter violento e antimonárquico de Oliver. Também houve o caso do pároco que teria salvo o jovem

Oliver de se afogar num rio, e que o reencontrando, muitos anos depois, à frente de suas tropas, em Huntingdon, reconheceu-o e disse, cheio de rancor:

“Preferia tê-lo deixado morrer; seria melhor do que vê-lo aqui, em armas

contra sua própria gente.”?!

Os mitos fazem da infância um presságio do futuro, sempre da forma mais correta e adequada ao caráter do herói — ou vilão. A impressão predominante que Oliver criança deixou entre seus contemporâneos, no entanto, foi

bastante diferente. Milton tentou explicar sua grandeza com base em eventos ocorridos nos primeiros anos, mas tudo o que resta é uma sensação de mistério, de algo inexplicável, apontando para uma serenidade exterior, até mesmo uma certa mediocridade aparente, encobrindo a poderosa turbulência interior que demoraria bastante a se revelar. “Oliver cresceu em segredo, dentro de casa”, escreveu ele, em 1654, “acumulando no silêncio de sua própria consci-

ência, com vistas aos tempos de crise que viriam, uma sólida fé em Deus e uma força intelectual inata.”2 Talvez o Protetor tenha fornecido algumas pistas desse processo, em conversas com pessoas que desfrutavam de sua intimidade, mas nada registrou sobre os sentimentos mais íntimos que alimentava na mocidade, fossem turbulentos ou não, nem pronunciou uma palavra sequer

referindo-se a dúvidas internas porventura existentes. A “grandeza intelectual inata”, mencionada por Milton, desenvolveu-se

da maneira mais convencional, na escola primária local, algumas centenas de

metros distante da casa paterna, subindo a Huntingdon High Street.* Era uma instituição livre, semelhante a outras 1.300 que funcionavam na Inglater-

ra e em Gales, que de acordo com os costumes tinham uma única sala de aula

destinada às crianças de todas as idades e equivaliam às escolas privadas — onde seus filhos vieram a estudar — e as mantidas por doações. Antes, ele aprendeu os rudimentos de leitura e caligrafia com a mãe e uma espécie de governanta; durante algum tempo, um clérigo chamado Long exerceu o papel de tutor;? depois, o latim, como uma preparação para a universidade. Em a se pdadi

e

: , quase :intocado, ainda existe e tem mais ou menos o mesmo tamanho do Museu

Cromwell, inaugurado em 1962. Outro ex-aluno bastante conhecido foi Samuel Pepys.

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contato e sob a infuência de apenas um mestre e um assistente, através dos quais tomava conhecimento do mundo exterior, Oliver empreenderia o primeiro salto dramático de sua vida.

O dr. Thomas Beard, mestre encarregado da escola primária de Huntingdon, diplomado em Cambridge e clérigo, tinha alguma fama, embora não fosse tão obcecado por demandas externas a ponto de negligenciar o bem-estar de seus pupilos. Rígido disciplinador, profundamente preocupado com os

novos e importantes progressos da religião oficial, era um típico puritano, intelectualizado, corajoso, buscando conversões, honestamente determinado a descobrir as relações entre Deus e os homens, e o devido papel da Igreja nes-

se contexto. Seu trabalho mais famoso, The Theatre of God's Judgements [O teatro do julgamento de Deus], fora publicado em 1597, sete anos antes dele

tornar-se professor em Huntingdon. A pequena brochura expressava a convicção de seu autor, no sentido de que os malvados deviam ser punidos nesta vida, independentemente de outra, relacionando uma série de ocorrências históricas ou “providências” — termo que mais tarde teria muito significado para o próprio Oliver — analisadas de acordo com as intenções de Deus em premiar ou castigar seus servos: a ênfase maior recaía sobre as penas, evidentemente. Acerca da natureza dos servos, Beard acreditava que reis e governantes estão especialmente sujeitos à justiça divina, sendo não só “mais endurecidos e audaciosos no pecado”, como propensos a “se eximir audaciosamente de todos os corretivos que merecem”.?* Sem dúvida, Oliver deve ter lido essa obra notável, que impactou toda a sua família. Robert Cromwell escolheu Beard como testemunha de seu testamento e, em 1616, ele dedicou a sir Oliver Cromwell outra de suas obras, intitulada A retractive from the Romish religion [A religião de Roma — uma deturpação], na qual identificava o papa com o anticristo: a dedicatória destacava o amor sincero do cavalheiro pela verdadeira religião, seu igualmente sincero ódio pela “sinagoga romana”, estendendo-se “à vossa religiosa esposa, merecedores filhos, irmãos e grande família, que têm sido (...) a principal audiência de meu imerecido ministério (...) e aos quais devo muitos favores extraordinários e muita bondade recebida”.?* Marcando de forma definitiva os

pensamentos do jovem Oliver, a filosofia de Beard refletiu-se, anos após, nos

seus discursos e relatórios de batalha — a idéia de que Deus não era uma fi-

gura distante da justiça, envolto em nuvens, esperando a morte do homem

para só então atribuir-lhe as devidas recompensas ou punições. De modo con-

trário, o Deus de Thomas Beard e de Oliver Cromwell estava permanente-

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mente atento a tudo o que se passava no mundo terrestre, promovendo batalhas perdidas — pelos maus — e sacrificando tronos — dos governantes que não os mereciam. Fosse na pequena sala de aula de Huntingdon, ou talvez,

em casa, ouvindo as doutrinas repetidas por seu pai e seu tio, Oliver acabou encontrando essa divindade, cuja constante interferência e julgamento, premiação e punição ele guardaria pelo resto de seus dias. É conveniente contrapor a incomparável influência exercida por um ho-

mem desse tipo às tradicionais histórias de que Oliver não era um intelectual, preferindo roubar pomares a estudar — James Heath se referia a ele como o “dragão das maçãs” —, sem “nenhuma constância” no aprendizado, alternando surtos de entusiasmo, que duravam de uma a duas semanas, e meses de vagabundagem. O dr. Beard tentava corrigir as falhas de Oliver, dizia Heath, mas “não conseguia prevalecer sobre suas obstinadas e perversas inclinações”.* A verdade é que em todos os diferentes períodos de sua vida, Oliver Cromwell demonstrou-se mais inclinado a pensar, meditar ou elaborar do que ler vorazmente, expondo uma débil tendência literária que só fez prejudicar o temperamento filosófico que ele tinha dentro de si. Portanto, a descrição de um menino enérgico, saltando cercas, roubando pombais a fim de comer a carne das tenras avezinhas, alvo das surras com que seus pais o puniam pelas travessuras, aliás inutilmente, não é irreconciliável com a alma que despertava

para um diálogo com Deus e a noção de buscar os sinais de sua vontade na Terra. A carreira posterior de Oliver iria mostrar a mesma estranha e fascinante combinação de um extremo cuidado com o físico — afinal, um oficial de cavalaria estava na obrigação de aprimorar-se tanto quanto necessário — e o diálogo espiritual. Escrevendo muitos anos mais tarde, o bispo Burnet sugeriu que Oliver fora muito prejudicado pela “dureza de sua educação e temperamento”, dos

quais nunca conseguiu se desfazer, e que o impediram de aprender qualquer idioma estrangeiro, exceto “um pouco de latim (...), que falava pouco e mal”. Por outro lado, Samuel Carrington, entusiástico biógrafo de 1659,* afirmou

“que todos sabiam como ele [Oliver] o utilizava [o latim] para se comuni-

car com os estrangeiros”. Tendo em vista sua história de vida, marcada por vários incidentes, alguns inclusive simpáticos, outros assustadores, não se pode duvidar do seu temperamento inflexível — expresso nos exercícios, em *Em

sua

Biogra phy

Cromwell como sen

9f Oliver Cromwell, W. C. Abbott cita esse trabalho, dedicado a Richard

do a primeira biografia de Cromwell impressa após sua mor te.

CROMWELL

35

brincadeiras ruidosas ou até mesmo em acessos de ira. Rigidez na educação, porém, não existiu: pelo contrário, a que ele recebeu nos primeiros estágios

foi mais do que adequada, capaz de torná-lo um homem notável e culto, e sob os olhares ponderados de uma família que costumava levar essas coisas a sério. Além disso, a ser verdadeira a afirmação de Carrington, segundo a qual

“o maior prazer” de Oliver era “ler homens em vez de livros”, ele tivera a sorte de conhecer na pessoa de Thomas Beard, e ainda jovem, um sujeito excepcionalmente afeito a esse tipo de “leitura”,” Em 1616, quando Oliver Cromwell partiu para a Universidade de Cambridge, não muito longe de onde morava, as influências puritanas não esmoreceram de forma alguma. Contava então 17 anos, e o college escolhido, Sidney Sussex, era uma fundação protestante, criada no local de um antigo monastério dos monges cinzentos, em 1596, pelos executores do testamento de /ady Frances

Sidney, condessa de Sussex. Thomas Fuller, que também esteve lá uma década depois de Oliver, escreveu em seu livro Worthies [IMéritos] que a dama morrera sem deixar herdeiros, “a não ser que os eruditos que se formaram em sua fundação possam ser considerados assim”, Os “filhos” intelectuais de /ady Frances frequentavam um prédio novo de pedra clara e tijolos vermelhos, uma combinação de cores que inspirou um poeta do século XVII a falar sobre o “rubro da rosa e branco da neve”, referindo-se à sua aparência. O grande vestíbulo, sob um teto sustentado por grandes vigas, tinha janelas laterais; o que sobrara do refeitório dos antigos frades, coberto de palha, servia de capela, dando passagem a uma sala anexa e à biblioteca. Do velho monastério haviam sobrado poucos vestígios, como a área da antiga igreja, junto ao novo campo de bochas; morbidamente, Fuller dizia ter encontrado alguns ossos por ali. Definitivamente, os traços dessa observância religiosa anterior não se coadunavam com as radicais influências doutrinárias de Sidney Sussex. Os estatu-

tos especificavam que os estudantes deveriam receber instrução que os gabaritasse como ministros da Igreja Anglicana ou, segundo a linguagem pitoresca do texto, o college deveria ser como um amplo vale, onde os jovens, semelhantes a laboriosas abelhas, colheriam mel de todos os tipos de flores, antes de sair da colméia e voarem, em nome da igreja, para desfazerem-se do seu tesouro. Quem não se conformasse a esse ideal bucólico-religioso seria atormentado com mordidas e picadas e, finalmente, expulso como um zangão. As regras estabeleciam que diretores e membros da congregação deveriam estar entre os que abominavam o papismo; aos estudantes proibia-se “cabelos longos ou en-

caracolados, calças de veludo, adereços de pano no pescoço etc.” Brincadeiras

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ANTONIA

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com touros ou ursos não eram admitidas, nem jogo de bocha em más compa-

nhias — a área do próprio college estava liberada. Tavernas, dados e carteado, nem pensar. Enfim, Oliver não terá estranhado nada dessa orientação nitidamente puritana, graças aos ensinamentos recebidos de Beard. Samuel Ward,

diretor desde 1610, ainda continuava no cargo em 1643, tido por Fuller como “o verdadeiro protestante de sempre”, em que pese os rumores de que aderira

ao papismo. Na verdade, seu diário revela fortes tendências ao puritanismo e, em particular, uma acentuada crença na predestinação que talvez tenha transmitido a seu pupilo. Oliver entrou no Sidney Sussex em 23 de abril de 1616, sob a tutela de Richard Howlet, ou conforme o latim da anotação — “Oliverus Cromwell Hluntingdoniensis admissus ad commentum sociorum Aprilis vicesime tertio tutore Magistro Richardo Hovwlet”. Segundo o costume, os novos membros traziam um presente de prata, e ele entregou uma bacia; infelizmente, em 1618, quando o college teve que juntar dinheiro para readquirir algumas propriedades ilegalmente alienadas, “o pote do sr. Cromwell” estava entre os objetos da venda forçada.” Por outro lado, sobreviveu a história de que ele saltara na garupa de um cavalo da janela de seu quarto no primeiro andar do lado norte de Hall Court, em frente a Sidney Street. James Heath o considerava um ás, não junto aos livros, mas no futebol, porretes ou qualquer outro “esporte ou jogo barulhento”. Também ficaram famosos os papéis que Oliver desempenhou, como rei, em peças de teatro estudantis; seus admiradores viram nisso uma evidência de sua grandeza natural, mas os críticos preferiram acreditar numa ambição inata — uma forma típica de polarização entre o bem e o mal nos primórdios da vida de Cromwell.'º No entanto, sua estada em Cambridge, dissipada ou não em prazeres, durou pouco tempo; ele partiu antes de obter a graduação, não por falta de entusiasmo intelectual, mas devido à morte do pai, em 24 de junho de 1617.

Apenas alguns dias antes Margaret casava-se aos 16 anos, pelas mãos do

dr. Thomas Beard, com Valentine Walton, um vizinho do Huntingdonshire,

grande e leal amigo de Oliver durante toda a memorável vida de ambos. Os temores das irmãs, porém, estavam longe de terminar; das seis, pelo menos

quatro, talvez cinco, ainda viviam na companhia materna. Assim, aos 18 anos,

Cromwell tornou-se o único homem numa casa povoada de mulheres. Foi sua primeira oportunidade de mostrar à mãe o apoio adulto e a devoção que manteria com singular atenção pelo resto da vida. A ternura entre eles, que

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37

sensibilizou os observadores contemporâneos, pode ser facilmente explicada, da parte dela, pela própria posição do filho varão, mas talvez da parte dele tenha se originado nesse período traumático, quando todas as responsabilidades recaíram sobre seus ombros — uma situação que certamente encorajaria as tendências paternalistas de qualquer homem. A situação financeira da família estava equilibrada, nem boa nem má. O testamento de Robert Cromwell fazia de Elizabeth sua única executora e, de

qualquer forma, Oliver ainda seria menor de idade por três anos. Entretanto, houve um momento preocupante, quando pareceu que ele poderia ser posto sob a guarda do rei, visto que uma parte da propriedade em que viviam fora assumida ix capite ou diretamente do monarca, equivalendo à posse de direitos de cavaleiro. Talvez fosse essa a única forma de garantir seus direitos enquanto sua mãe vivesse e desfrutasse, como usuária, nos termos do testamento, “de todas as terras”. Ele teria que fazer alguns pagamentos, argiindo certos procedimentos dispendiosos mas indispensáveis a seu sustento futuro. Felizmen-

te, o caso foi levado à Court of Wards and Liveries — similar a um juizado de órfãos e sucessões —, onde ficou provado que os trâmites suscitados já haviam sido cumpridos por Robert quando da morte de sir Henry Cromwell. Não seria preciso repetir o processo. Afastado o perigo, ante a decisão proferida pelo presidente do tribunal, Elizabeth pôde retornar ao padrão de vida nada excepcional, cuidando de seus bens e, quem sabe, complementando os rendimentos assim obtidos com uma pequena produção de cerveja. Perdida a juventude, Cromwell deparou-se com novas oportunidades. Aqueles anos plácidos da uma colossal importância ma mais conveniente para mos teóricos, ou seja, em dele cuidar da mãe. Numa

infância, aos quais os teóricos modernos atribuem na formação do caráter, tinham se encerrado da forqualquer adolescente masculino, segundo esses mesconseqiiência da morte do pai e dada a necessidade ode mortuária, um escritor escreveu a seu respeito:

Tk começaste com menos preocupações Pensamentos privados ocupando teus anos privados (...) A alma que mais tarde derrubaria cetros aprendeu primeiro a governar o ambiente doméstico:

Assim o governo começou Pela família e o próprio homem.

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Em vão historiadores e, antes deles, os próprios contemporâneos debrucaram-se sobre a juventude de Oliver buscando mais informações — sua obscuridade não cessaria abruptamente aos 19 anos. Contudo, mesmo com os es-

cassos fatos disponíveis, complementados por lendas posteriores, é possível

distinguir certas tendências. Um jovem muito ativo, rijo, feliz, desfrutando de uma situação social modesta mas segura, que muito cedo entrara em contato

com uma forma de religião inquieta, insegura, mas extremamente apaixonada e honesta. Dotado de natureza afetiva, cercado por muitos laços de família e por eles envolvido, converteu-se no seu nó. Sobre tais bases, quase indistintas, da mesma forma que os contornos da antiga capela dos monges cinzentos ainda podiam ser vistos entre os novos prédios de Sidney Sussex, construiu-se a vida adulta de Oliver Cromwell.

RS RS

2 Seus próprios campos Pois tampouco empregaste desde o início Teu sóbrio espírito em tarefas elevadas demais Mas em teus próprios campos exercitaste longamente Mente saudável num corpo forte ANDREW

MARVELL

SOBRE

CROMWELL

om 18 anos, apesar de sua amizade com o dr. Thomas Beard, Oliver Cromwell não se apresenta no palco da vida como um completo puritano, segundo a acepção moderna da palavra. Aos tempos que se seguem à morte de seu pai pertencem as histórias de suas licenciosidades mais divulgadas. Tais relatos nos chegam de muitas fontes e é impossível ignorá-los. Henry Fletcher, em The Perfect Politician [O político perfeito], honesta tentativa biográfica, e não uma hagiografia, cuja primeira edição saiu em 1660, emitiu opinião comedida no sentido de que esse período da vida de Cromwell “não foi completamente livre das libertinagens e loucuras que incidem sobre a juventude”. Richard Baxter, muitos anos mais jovem que Oliver, soubera que ele fora “pródigo na juventude” e referiu-se a isso na sua autobiografia. Philip Warwick, renomado realista, relatou que os primeiros anos de sua juventude se desenvolveram em um tipo de vida dissoluto, no jogo e com bons camaradas, o que posteriormente o sensibilizava e entristecia. Fletcher confirma a história de Oliver como jogador — houve um certo sr. Calton, ao qual anos mais tarde ele vai devolver as trinta libras que lhe havia ganhado nos velhos tempos, visto que considerava não as ter obtido de forma legal e “que se-

ria continuar em pecado manter essa dívida por mais tempo”.

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Previsivelmente, James Heath nos conta de forma mais colorida a fes. ta juvenil daquele a quem considera um Santo Agostinho renascido: Oliver se comportava como um “jovem Tarquínio”, deleitando-se em

acossar mulheres decentes nas ruas para “arrebatar-lhes um beijo à força

ou satisfazer algum outro desejo lúbrico”. Também acometia cidadãos de-

centes com seu bastão e, alternativamente, refugiava-se na bebida; como resultado disso, tornou-se o terror das cervejarias locais, cujas proprietá-

rias gritavam quando o viam aproximar-se: Aí vem o jovem Cromwell, fechem suas portas!? Nesta categoria de vícios típicos de um farrista em

formação pouco ficou de fora. No entanto, foi por essa época que Oliver assumiu a primeira perspectiva de um mundo mais amplo do que Hun-

tingdon, sua rua principal e suas tabernas. Fizesse ou não parte dos planos de sua mãe curá-lo de seus modos dissolutos, como sugere Heath — havendo talvez uma relação entre a reputação do jovem e sua remoção —, entre 1617 e 1620 Cromwell esteve em Londres e prosseguiu seus estudos numa das Inns of Court.* Este episódio permanece envolto numa irritante carência de informações,

visto não existirem registros de Cromwell nos livros de presença de Lincoln's Inn — geralmente associada a ele por seus biógrafos. As fontes não se resu-

mem a Henry Fletcher, citado acima, incluindo também o autor de um traba-

lho anterior — possivelmente Henry Daubeny —, The Portraiture of His Royal Flighness Oliver, late Lord Protector [O retrato de sua alteza real Oliver, último lorde protetor], publicado imediatamente após a morte de Cromwell, e ainda James Heath, que, levando em conta os problemas de historiadores mais recentes, acrescenta com ironia não intencional: “De alguma forma é uma sorte para esta ilustre sociedade que ele nos tenha deixado um memorial

tão pequeno e inocente de sua participação nela.” É verdade que Carrington não se refere especificamente a Lincoln's Inn — registrando, no entanto, que

“seus pais o dirigiram ao estudo do Direito Civil”. Mas não apenas o pai, “x

avô e dois tios de Oliver estudaram nesse lugar, como ele próprio mandou

“Instituições equivalentes a faculdades de Direito. Inicialme nte, quatro hospedarias que albergavam homens da lei que se dirigiam a Londres por ocasiã o das sessões do Tribunal de Just

iça. Depois do século XV, quatro grandes hotéis — Gray, coln, Inner Temple e Middle Temple — onde se organizavam seminários para estudanteLin s especialmente escolhi-

dos é sujeitos à um tutor. A partir do século XVII, os inns foram considerados “a terc eira universidade” inglesa, equiparando-se a Oxford e Cambridge. (N. do T.)

PE.

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para lá seu filho, Richard, em 1647: não há portanto nenhuma razão objetiva para duvidar da autenticidade desse incidente relatado nas suas primeiras biografias.** Naquele tempo as Inns of Court não eram, como agora, um conjunto de

instituições especializadas em preparar um grupo de jovens somente para o Direito. Ao contrário, tinham o status de honrosa complementação educacional de jovens cavalheiros: quaisquer que fossem os pontos de vista da mãe de Oliver, ir a Londres para estudar Direito correspondia a um desenvolvimento convencional na vida de um moço do seu nível social, como tinham sido todas as eta-

pas anteriores de sua educação. Entre os membros do Parlamento, no período de 1640 a 1642, mais de trezentos tinham fregientado uma das Inns of Court, inclusive alguns nomes que se tornariam famosos nos turbulentos anos seguintes, como Denzil Holles, John Lambert, John Bradshaw e sir Thomas Fairfax. Uma vez mais, a tradição, sob a forma de Thomas Le Wright — outro biógra-

fo que menciona Lincoln's Inn —, fala de Cromwell como “um estudioso mais

preocupado com os homens do que com os livros, por inclinar-se naturalmente mais à parte prática do que ao sentido da teoria”.* Por volta de 1618, Londres era um lugar muito agradável para o exercício da crescente curiosidade juvenil, e as próprias Inns of Court situavam-se em uma área positivamente campestre, entre a cidade e suas áreas de expansão, em Westminster, rodeadas de verdes campos ainda intocados pela especulação imobiliária. Era o grande Tâmisa, caminho mais efetivo que qualquer via pública terrestre, que ligava os dois cen-

tros, “aquelas cidades gêmeas, vinculadas por uma rua coberta por um fluxo de água”, segundo romântica referência de Thomas Heywood em Porta Pictas — “a primeira, um lugar onde se criam sérios magistrados, a segunda, sítio desti-

nado ao descanso final de grandes monarcas”. E é entre os “sérios magistrados”

de Londres, assim como entre seus próprios familiares, que Cromwell vai en-

contrar associados. Em 22 de agosto de 1620, alguns meses após completar sua maioridade, ele se casa com Elizabeth, filha de sir James Bourchier, magnata da City. **

“W. C. Abbott, em seu Letters & Speeches of Oliver Cromwell, I, p. 33, sustenta que Oliver frequentou Gray's Inn, baseando-se no fato de que muitos de seus futuros associados estavam lá na mesma época. Mas isso parece ser uma complicação desnecessária, tendo em vista as ligações familiares de Oliver com Lincoln's Inn e o fato de que Gray's Inn não é mencionada em nenhuma de suas primeiras biografias. “Núcleo original da cidade de Londres, dentro dos antigos limites fixados no reinado de Guilherme, o Conquistador, incluindo os distritos que exerciam o direito de voto municipal

e os que se encontravam sob a jurisdição do Lord Mayor [prefeito] da cidade. (N. do T.)

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A aproximação com um desses grupos pode ter levado à fusão com o

outro, pois há sugestões de que fora na casa de uma de suas tias, Joan Barrington, filha do velho sir Henry Cromwell, vizinho de sir James

Bourchier, no campo, que ele conheceu sua futura esposa.” Os Bourchier ti-

nham características bem similares às da família de Oliver, mesmo não tendo a mesma origem galesa. À casa de campo de sir James ficava em Little Stambridge, em Essex; transferindo-se da cidade, tal como os Steward e os

próprios Cromwell, eles se mudaram para lá na geração anterior. As conexões urbano-campestres dos Bourchier, no entanto, sempre se mantiveram bastante estreitas. Em Londres, sir James era um próspero curtidor e comerciante de peles, tendo sido elevado à nobreza em 1610. Casado com Frances Crane, uma dama de Suffolk, sua filha Elizabeth, a mais velha de uma prole de cinco rebentos, aos 23, tinha dois anos mais do que Oliver. De origem sólida e segura, provavelmente financeiramente mais garantida do que o próprio marido, o evento nega as histórias mais desvairadas de Heath: de uma posição de riqueza superior, como a de sir James Bourchier, dificilmente ele permitiria

que sua filha se casasse com um depravado impenitente. Em seu contrato de casamento, adequado à posição de uma dama do nível de fortuna que desposava, Oliver comprometeu-se a dar à sua consorte propriedades que, com todos os dízimos incluídos, corresponderiam a uma renda de quarenta libras anuais; estava prevista uma pesada multa no caso de não-cumprimento das condições. Testemunhou o contrato um outro comerciante de couros, Thomas Morley, provavelmente parente de Elizabeth pelo lado materno. O casamento foi celebrado na Igreja de St Giles, situada dentro das muralhas da cidade, em Cripplegate, próxima do extremo oeste de London Wall, igreja frequentada pelos Bourchier quando se encontravam em sua residência

urbana. O Registro de Casamentos está preservado no Ofício de Registros da Cidade de Londres, na Biblioteca Guildhallº E a igreja — onde por coinci-

dência o poeta John Milton foi enterrado, meio século após esse discreto enlace matrimonial — permanece de pé, após grande restauração. Elizabeth Cromwell era rechonchuda e bonita. Deve ter sido atraente, e não apenas em algum momento da juventude, conforme dizia a mãe de

Dorothy Osborne, jovem e arguta realista, de qualquer pessoa “que não seja

deformada”. Na maturidade, sua miniatura, pintada por Samuel Cooper, mos-

tra um rosto sedutor, pequeno e um pouco arredondado, de uma beleza basrante óbvia; olhos enormes, muito separados e de uma languidez insinuante; covinhas nas faces e a boca levemente bem-humorada, com leves traços de re-

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signação. O conjunto da expressão demonstra certo divertimento secreto e inteligente, enquanto que as feições em si mesmas são quase como as de um

fauno. Certamente não é uma coincidência que a filha favorita de Oliver, Bettie, fosse a que mais se parecia com a mãe.

Mais tarde, como a Protetora Joan, assim apelidada por críticos satíricos,*

ela foi objeto de muitas zombarias maldosas, atraindo, ainda que em menor escala, as mesmas atenções infamantes dos difamadores de seu marido. Deixando de lado as acusações mais ferozes — “alcoolismo e intrigas amorosas” —, que não podem ser comprovadas, o que mais se reclamava dela era ser totalmente limitada às atitudes convencionais e mesquinhas de uma dona. Heath, por exemplo, acusava-a de estreiteza desnecessária a uma Lady protetora: “educada e polidamente, ela criticava o desperdício da Outra Mulher que a antecedera”.” Mas apesar das alusões às extravagâncias da rainha Henrietta Maria indicarem uma alma cuidadosa, crente de que a parcimônia deveria ser cultivada mesmo pela realeza, a sra. Cromwell possuía mais do que um mero tino para o gerenciamento doméstico.

Ela foi capaz de orientar o marido em diversas ocasiões, como qualquer

esposa de um homem ocupado — às vezes ocupadíssimo. Em 1650, estando Cromwell ausente, na Escócia, ela remeteu-lhe uma carta muito firme, em que o tratava de “Meu Queridíssimo”, indagando como ele podia queixar-se de sua correspondência pouco fregiiente — “enviei três cartas para cada uma das tuas: só posso imaginar que elas se perderam”, acrescentava ela, com uma delicada ponta de ironia. Seguiam-se tocantes palavras de amor, um tributo a trinta anos de um casamento com muita intimidade, e sua submissão à providência divina que os separava; saudosa, alegava: “Minha vida é somente uma meia vida em tua ausência...” No final, um pouco mais áspera, a sra. Cromwell sugeria que o marido deveria destacar algum tempo para os amigos, Lord Chief Justice — presidente do Tribunal de Justiça —, “a respeito do qual tenho te lembrado várias vezes”, o Speaker of the House — presidente da Câmara dos Comuns —, o presidente do Conselho de Estado e outras personalidades importantes: “Na verdade, meu querido, não sabes o mal que estás te causando ao não escreveres a eles, mesmo que somente de vez em quando.” Com toda a fidelidade, ela assinava “Eliz. CromwellP.º A dama tinha determinação e perspicácia, sem dúvida. “Em meados do século XVII, o nome Joan tornara-se desprimoroso; ainda que as antigas da-

mas da elite o ostentassem — por exemplo, a tia de Cromwell, Joan Barrington, ou sua irmã,

que morreu bebê —, por essa época o nome estava sendo usado como sinônimo de mulher rude; Shakespeare refere-se à “engordurada Joan”, debruçada sobre sua panela.

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Sagaz observadora, /a4y Hutchinson, que nunca conseguiu resistir à grandeza de Oliver, sempre desdenhou sua mulher, chamando a atenção sobre sua

falta de dignidade. Mas a outra faceta do caráter de Elizabeth Cromwell, seu

traço menos prático e mais sonhador certamente consistia numa amável ingenuidade. Ela colecionava retratos da realeza estrangeira e imaginava se Cristina da Suécia não seria uma boa segunda esposa para Oliver — caso algo lhe acontecesse. Diz-se, inclusive, que teria desejos ardentes, mas também preocupações, ao observar a destituída Família Real Inglesa, medo de que os seus talvez não pudessem manter a situação que tinham alcançado.

Tudo isso indicava, evidentemente, uma disposição romântica e fora de moda. Mais tarde, na medida em que o status do marido melhorava, comentava-se que ela não tinha gosto para se vestir, ao contrário de suas filhas, mais adaptáveis. Seu capuz, por exemplo, ela o usava como um chapéu, sem nenhum artifício, sem “esconderijos ou trincheiras simples ou duplas, sem redutos ou bastiões”. Desdenhando notoriamente detalhes do vestuário, é claro que

Oliver não se casara com ela em busca de seus conhecimentos acerca da moda. Sua domesticidade e frugalidade, a preocupação com a casa enquanto um dever cristão a Deus e ao marido agradavam-no muito mais. Os observadores que desmerecem essa mulher, tachando-a de insignificante, só vêem um lado da moeda. Oliver Cromwell apreciava sua lealdade afetiva, o dedicado apoio pessoal que recebia dela e, mais concretamente — e com não menos prazer —, o conforto de um lar bem-organizado. Eram seus inimigos que à chamavam de Joan, identificando-a com um “símio em escarlate”. Sem nenhuma dúvida, Oliver amava a mulher devotadamente, tanto por

uma questão de princípio como, na prática, por todos os longos anos de vida conjugal. Como marido cristão, nas palavras de Thomas Le Wright, “era sempre extremamente amoroso com ela, que mantinha a honra de seu leito”. Mesmo depois de 31 anos de casados, ele expressava um amor explícito: “Minha queridíssima, não podia deixar de escrever, mesmo não tendo muitos motivos, pois na verdade adoro dirigir-me à minha querida, que está sempre

muito presente em meu coração.” Logo após sua maior vitória, em Dunbar,

Oliver escreveu a Elizabeth: “Tua arte é mais adorável para mim que qual-

quer criatura.” Não há nenhuma razão para duvidar de suas palavras. Um manual puritano sobre a vida familiar, muito popular na época — Matrimoniall Honour [Em honra do casamento], de Daniel Roger —, dizia que “o benefício do leito” era uma das maiores vantagens práticas obtidas com o mãtrimônio, pois acarretava “uma boa disposição do corpo e da mente, permi-

= a a

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4s

tindo uma caminhada livre com Deus e a execução dos deveres por ele exigidos, sem distrações e aborrecimentos”.'º Ao presentear Oliver com seus favores, além de uma indestrutível serenidade em sua vida mais íntima, Elizabeth

deixava-o livre para desenvolver sua vida pública sem distrações ou aborrecimentos que lhe poderiam ser impostos por uma esposa mais apresentável, mas possivelmente mais egocêntrica. É difícil imaginar, portanto, que Oliver tenha feito um mau negócio com seu casamento. Fator igualmente importante no que diz respeito ao casamento de Oliver Cromwell reside na ausência de quaisquer “prodigalidades”* posteriores, o que torna mais fácil avaliar que tais primitivas indulgências teriam raízes muito pouco profundas, e foram facilmente extirpadas com a chegada da res ponsabilidade familiar. O desregramento juvenil não é particularmente incomum, nem particularmente censurável, e pode-se comparar com proveito a situação de Oliver com a de John Bunyan, que exclamou, referindo-se principalmente a blasfêmias e folguedos: “Até que eu alcançasse o estágio do casamento, fui líder em todos os tipos de vícios e impiedades.”!! Nenhum dos dois chegou a ser propriamente um devasso. Após seu retorno a Huntingdon, num verdadeiro ambiente rural, Oliver e Elizabeth desfrutaram da vida calma de uma pequena cidade no campo. Os ares tornaram-se ainda mais leves com o nascimento de seu primeiro filho, Robert, em outubro de 1621. Ao primogênito se somaram, em rápida sucessão, Oliver, nascido em fevereiro de 1623; Bridget, em agosto de 1624;

Richard, em outubro de 1626; Henry, em janeiro de 1628; e Elizabeth, em julho de 1629. Provavelmente, Oliver estava descobrindo, como seu biógrafo Flecknoe assinala, que o sustento de uma família guarda “certa analogia com o governo de uma comunidade”. É ao batismo de Richard que devemos a mais antiga carta preservada de Oliver Cromwell, datada de 14 de outubro de 1626: trata-se de um pedido a um amigo de Cambridge para que fosse o padrinho: pouco mais velho, Henry Downhall, clérigo e pároco de Tofts, Cambridgeshire, fora membro do St John's College no período em que Oliver estava em Sidney Sussex. “Duas entradas no Registro da Igreja de St John, Huntingdon, com as datas de 1621 e 1628, dão conta de que Cromwell teria sido repreendido por mau comportamento, cum-

prindo penitência por isso; aparentemente, elas foram feitas posteriormente a estas datas, e por outras mãos. Mesmo que representassem uma autêntica tradição da localidade — con-

forme acredita S. R. Gardiner —, tanto podem se referir a uma multa, decorrente de um delito leve, como a algum pecado. À razão da penitência não é mencionada.

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FRASER

“Amado Senhor”, escreveu Oliver, desculpando-se por estar tão ocupado que

não poderia levar o convite pessoalmente, “permita-me recebê-lo na quartafeira.” Cromwell prosseguiu afirmando estar bastante consciente de aproveitar-se do amigo, ao lhe pedir um novo favor, mais do que retribuindo o “amor que dele tinha recebido”. No entanto, manifesta a certeza de que a pa-

ciência e a bondade de Downhall não poderão ser exauridas pelo “amigo e serviçal?.” Escrita com o tipo de letra fluente e bem-organizada, mas em es-

paços compactos, que Cromwell mostraria pela maior parte do resto de sua vida, até que a doença interviesse, essa carta mostra-o como um pai consciencioso, esmerando-se em desenvolver relações de amizade, combinando com um deliberado equilíbrio a bondade de Downhall e sua dívida de gratidão. No momento em que seu ninho se completava, aconchegantemente, graças ao nascimento do último dos seis filhos da “primeira fase familiar” — a preciosa Bettie, que viria a ser sua preferida — , as circunstâncias de Oliver tinham mudado — a própria Inglaterra mudara. Daí em diante, sua carreira acompa-

nharia de maneira mais próxima a história do país.

Em 1625, a morte do idoso rei escocês, James I — aquele produto inverossímil da união entre Mary, rainha dos escoceses, e /ord Darnley —, suscitou a subida ao trono de um dirigente completamente diferente. Não seria o glamouroso e admirado Henry, príncipe de Gales, filho mais velho de James, ao qual se vinculava a idéia de uma idade de ouro, mas o menino que o próprio Henry, zombeteiramente, apelidara de Carlos I, da Inglaterra, Escócia e Irlanda, rio, digno, tal como o pai apaixonado pela de ter sido educado numa corte inglesa,e

“o arcebispo”. O novo soberano, contava 24 anos; era pequeno, sémonarquia, mas com a diferença não em meio às lutas pelo poder

que haviam forjado James. Sua juventude infeliz e turbulenta, a mudança para uma Inglaterra estranha, aos 36 anos de idade, conferiram a James muitas oportunidades para que estudasse os processos da mente humana. Quaisquer que fossem suas teorias, ele as enriqueceu com a experiência, transformando-se,

na expressão escocesa, num homem perspicaz — atributo que Carlos certamente não possuía.

Com o passar do tempo, ele demonstraria uma filosofia monárquica

pétrea, mantendo-se impassível ante os argumentos alheios, uma rocha inaba-

lável, sempre na mesma posição. Sua coroação foi marcada, talvez de forma

injusta, mas certamente com a presciência do que ocorreria mai s tarde, com um

terremoto. Pouco depois, o antigo “arcebispo” se cas aria com uma prin-

: =

náie

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ir

1

CROMWELL

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cesa francesa, Henrietta Maria, irmã do rei Luís XIII. Conquanto o período em que esta vivaz amável e empreendedora rainhazinha exerceria grande

influência sobre ele ainda estivesse por acontecer, sua religião — ela era

católica — já causava inquietação entre os muitos súditos de Carlos, temerosos da propagação do “papismo”. Em 1628, as imensas exigências financeiras da política externa do novo rei, nessa época tomando a forma de uma dispendiosa disputa com a França, além

de uma guerra em andamento com a Espanha, já o levavam a convocar o ter-

ceiro Parlamento de seu reinado. Os dois anteriores não tinham aplacado suas

necessidades, nem as de seu ministro e favorito, Buckingham, e nem tampouco

o problema das arrecadações que incidiam sobre os súditos. Com quase 29 anos, Oliver Cromwell foi eleito como um dos dois “burgueses” ou membros indicados pela cidade de Huntingdon. O outro era James Montagu, filho do conde de Manchester, cuja família adquirira Hinchingbrooke muito recentemente. Entre as testemunhas do “Registro Parlamentar”, como era conhecido o documento que atestava a eleição — preservado nos Registros da Cidade —, estava mais uma vez o mestre-escola e puritano dr. Thomas Beard. Esta não foi a primeira participação conhecida de Oliver Cromwell em assuntos parlamentares: antes de seu casamento, em 1620, ele testemunhou outro “registro” da escolha dos burgueses de Huntingdon. Na verdade, não se deve supor que sua eleição constituiu um passo revolucionário na vida de um sóbrio cavalheiro do campo, acostumado a “uma vida reservada e austera, cujo plano mais importante fosse o plantio de bergamotas” — assim o descreveu mais tarde Andrew Marvell. Pode-se até ir mais longe, afirmando-se que a ida de Cromwell para o Parlamento era positivamente previsível, em vista do surpreendente número de parentes próximos — nove primos, segundo estimativas! — que estariam a seu lado nos bancos da Câmara dos Comuns, em março de 1628, data de sua primeira indicação, incluindo os

Waller, Whalley, Hammond, Walton e Ingoldsby. Se por um lado a existência de uma rede familiar fazia com que a atmosfera dos Comuns parecesse em certo sentido amigável, sob todos os demais pontos de vista o ar estava carregado de violência e hostilidade. No exterior, a rebelião holandesa contra seus senhores espanhóis estimulara a imaginação de muitos especialistas em liberdades políticas, propagando-se pela Inglaterra não somente devido à proximidade da costa holandesa, mas também porque havia vínculos estreitos entre os protestantes dos dois países. A sorte da Liga Protestante, sob a liderança do grande militar sueco,

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o herói-príncipe Gustavo Adolfo, repercutiu na Grã-Bretanha, provocando

ondas de zeloso entusiasmo. Internamente, a situação tempestuosa estava lon-

ge de ser revolucionária. Para muitos de seus súditos, Carlos Stuart era o dirigente do Estado — ele possuía o trono. O bispo de Bath e Wells colocou a questão numa prédica, antes do primeiro Parlamento: “Pois ainda que possam

existir muitos “pilares”, só existe unus Rex — um rei — um único grande pilar central, e tudo o mais (...) tem que se colocar sob ele e para ele.”!* Tal conceito de monarquia tinha algo de místico, e a extensão e natureza desse cres-

cente misticismo logo seriam questionadas.

Nesse momento, no entanto, a discussão girava em torno dos poderes especiais do rei, aqueles que iam além da sua atuação conjunta com o Parla-

mento: não se punha em dúvida a teoria do direito divino, segundo a qual o soberano tinha o direito de legislar sozinho e que aparentemente só foi mantida com segurança por James 1. O ponto de vista mais geral da realeza, sob seu filho, era consideravelmente menos audacioso, postulando apenas que em qualquer governo deve haver um poder acima da lei e que numa monarquia tal supremacia cabe ao rei. Como conseqiiência, ele poderia usar sua

prerrogativa, ou poderes especiais, em certos casos predefinidos ou, de forma mais vaga, quando o bem geral do reino assim o exigisse. À justificativa, portanto, para arrecadações extraordinárias de tributos apoiava-se nesses costumes antigos e há muito estabelecidos. Tratava-se de impostos adicionais, de que a dinastia Tudor já lançara mão numa época em que o reino esteve em

perigo. Carlos não pretendia nenhuma inovação teórica em relação a eles.

Para alguns, essa idéia acerca de prerrogativas reais era perigosamente

obscura ou abertamente suspeita. Poderia até se admitir a existência de direitos especiais perante tribunais comuns, direitos de chefe de Estado, abrangen-

do declarações de guerra ou o estabelecimento da paz, a supremacia sobre a Igreja e a jurisdição em cortes conciliares, como o Star Chamber.* O problema se colocava na área indefinida dessas prerrogativas, como mencionado

acima, atribuindo-se ao rei a oportunidade de julgar por si mesmo quando à situação nacional poderia exigir medidas extraordinárias, e a aplicação de tais medidas, sem consulta prévia ao Parlamento. Este claro menosprezo sobre O

papel do Parlamento, bastante visível nas ações empreendidas por Carlos nos primeiros anos de seu reinado, vai se concretizar no instante em que o pró-

“Tribunal da época, com jurisdição civil e criminal, encarregado de processar os assuntos

referentes a interesses diretos da Coroa. (N. do T)

iai

E

CROMWELL

49

prio Parlamento começa a flexionar seus músculos, depois de anos de passividade ao longo do século XVI. Em 1628, no entanto, não se formulara nenhuma teoria de oposição ao rei. Todos se prendiam ao passado: o soberano afirmava que estava agindo como seus antecessores, e o Parlamento se opunha a ele, alegando que tais práticas nunca haviam ocorrido antes na Inglaterra. Um dos paradoxos desse período revolucionário é que ambos os lados vão buscar justificativas nos “velhos tempos”. É importante enfatizar que em função de suas relações familiares, quando Cromwell chegou ao grande palácio de Westminster, em março de 1628, quaisquer que fossem as lealdades tradicionais de muitos dos súditos do rei Carlos, ele vai se integrar imediatamente e com naturalidade ao grupo já formado — ainda que sem muita clareza — daqueles que criticavam a monarquia. No ano anterior alguns membros do Parlamento tinham sido presos por não estarem de acordo com uma das conveniências financeiras do rei — um empréstimo forçado —, e entre eles se incluíam seis parentes de Cromwell. Dois deles, Oliver St John e John Hampden, logo estreitariam seus laços com ele. Oliver Cromwell teve todas as oportunidades, portanto, para ouvir de pessoas de seu convívio natural tanto as causas da oposição ao rei, quanto a desesperada necessidade dessas mesmas causas: certamente as primeiras impressões públicas a respeito de Carlos I foram muito pouco trangjilizadoras. Mais tarde muitos poetas e escritores da Corte vão pintar um retrato falsamente cor-de-rosa desse período, em contraste com o posterior holocausto. Ben Jonson, por exemplo, em uma Ode de Aniversário, datada de 1629, afasta-se de qualquer possível descontentamento, atribuído ao mau gosto da preguiça: Ok, tempos! Oh, costumes! A saciedade gerada pela facilidade

É uma doença verdadeiramente epidêmica...

Lucy Hutchinson situa-se mais perto da verdade ao recordar com cínica

nostalgia essa época já ultrapassada em que o país permaneceu tranquilo: “Se esta calma pode ser considerada paz, ela se assemelha mais à superfície lisa do mar, cujo ventre está impregnado de uma terrível tempestade.”! Para Cromwell, envolvendo-se com a política neste momento tão crítico, alinhan-

do-se de acordo com suas origens ao grupo que protestava, seria impossível assumir a posição segundo a qual os problemas da Inglaterra decorriam da “saciedade gerada pela facilidade”. A seus olhos, na prática, existiam duas posições divergentes — uma basicamente a favor do rei, e outra, crítica, em re-

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ANTONIA

FRASER

lação a ele; por uma questão de conveniência, esta última poderia ser chama.da de parlamentar. Alternativamente, tais posições poderiam ser descritas

como pertencentes à corte e ao País.* Estes dois pontos de vista foram explicitados três meses após sua integração ao Parlamento, em junho de 1628, na Petição de Direitos.

Este famoso documento exigia a reparação de importantes injustiças, principalmente aquelas causadas por taxações arbitrárias e pela prisão de súditos que não haviam sido submetidos a julgamento. Diferentemente de ou-

tras propostas de lei que Carlos rejeitara, este documento assumiu a forma de

uma petição — pedido —, se bem que já contendo um esboço de definição legal dos direitos dos súditos. É significativo que o grande líder parlamentar John Pym buscasse no direito de um passado remoto as justificativas das leis sugeridas: “Já existiam traços bem evidentes de posturas assim no governo dos saxões (...) tinham tanto vigor e força que sobreviveram à Conquista; mais ainda, estabeleceram fronteiras e limites ao Conquistador.”! E note-se que o passado alvitrado não era o do século XVI, nem mesmo o da época da Magna Carta, porém muito mais longínquo, anterior à conquista normanda; certos parlamentares e teóricos políticos diziam que um “jugo normando” desabara sobre as cabeças dos saxões livres em 1066. Conforme tal argumento, Carlos I nada mais era do que o último descendente de uma longa série de “conquistadores normandos”, conspirando para despojar as liberdades nunca esquecidas de bons e antigos saxões. A Petição de Direitos cuidava de restabelecê-las. Ao receber o documento — porque o estado desesperador de suas finanças não lhe deixava outra opção — , o rei foi bastante cuidadoso em acatar o apelo ao passado, em seus próprios termos, evidentemente. Assim, recusou a exposição de motivos que acompanhava a Petição e alguns dias mais tarde prorrogou — ou suspendeu temporariamente — a sessão do Parlamento. Ainda que concordasse com a reforma das injustiças mencionadas, declarou que apenas confirmava “antigas liberdades” de seus súditos, o que não significava nenhum recuo em suas prerrogativas. De forma mais firme, insistiu que só tinha que prestar contas a Deus e que as casas do Parlamento não possuíam

“Literalmente, qualquer grupamento crítico da monarquia estaria em oposição a ela. Não existia,

porém, uma oposição oficial, segundo a definição mod ção contra o rei, enquanto tal, constituiria traição. Também erna, visto que qualquer objenão se pode falar em “partido” político, no sentido atual, pois entre 1628 e 1643 variaram muito a composição dos grupos divergentes e seu L1

tos

s objetivos.

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direito algum de promulgar qualquer lei sem o seu consentimento. À batalha travou-se, em termos políticos, diante dos olhos de Cromwell, bem antes que se desgastasse sua primeira fascinação com a novidade — a Câmara dos Comuns —, borrando aquela aguda impressão que lhe deve ter ficado de todo o dramático episódio. Política e dinheiro não constituíam os únicos tópicos de oposição ao rei. No campo religioso os súditos também se mostravam inquietos. O primeiro pronunciamento de Cromwell na Câmara dos Comuns, registrado em fevereiro de 1629, foi sobre as perigosas inovações que tangenciavam o “papismo”, por muitos consideradas capazes de manchar as brancas vestes da Igreja Anglicana, e acerca da tolerância geral com a lassidão, que levaria até mesmo à indulgência com o próprio “papismo”. Em novembro, o rei fizera uma declaração a respeito da religião, vinculada ao Book of Common Prayer [Livro das preces comuns], incidindo, segundo os puritanos, nas posições “papistas” do arcebispo Laud, favorito em ascensão, e para o qual era o puritanismo, não o “papismo”, que lenta e poderosamente ameaçava a Igreja do Estado. As tendências puritanas precisavam ser detidas. Sobretudo, não se podia admitir que a consciência individual servisse de guia a definições doutrinárias — dever inalienável da Igreja. Consegientemente, cabia manter uma “profissão de fé uniforme” nos postulados da Igreja da Inglaterra, “proibindo qualquer diferenciação”. Em resposta a esse desafio, a Câmara dos Comuns criou uma comissão parlamentar encarregada de tratar dos assuntos referentes à religião. Por sua própria natureza, tais comissões representavam um artifício antimonárquico

desenvolvido desde o princípio do século. A comissão de todos, por exemplo

— um ardil, segundo o qual toda a Câmara se integrava à comissão, fugindo

à autoridade do podia eleger seus sessão legislativa sem mais de uma nor importância, numa observação

presidente da Casa, naquela época nomeado pelo rei —, próprios dirigentes. O recurso permitia, além disso, que a se prolongasse indefinidamente e que seus membros falasvez. Houve tantas e tão diversas comissões, algumas de meinclusive, que o rei, aborrecido, denunciou sua propagação, feita alguns meses mais tarde, em 1629: “Não ignoramos o

quanto a Câmara tem tratado, nos últimos anos, de estender seus privilégios,

organizando comissões para a religião, os tribunais, o comércio etc.”*” Oliver tornou-se membro da comissão sobre a religião. Se podemos acreditar em Milton, a primavera de 1629 foi particularmente agradável, “terra brincalhona oferecendo-se às carícias do sol”. Cromwell atravessou a tepidez primaveril

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fazendo veementes e indignadas perorações contra o “papismo”; falando aos mais altos estratos da sociedade, ele defendia uma causa em que se declarava informado e inspirado pelo dr. Thomas Beard. Havia um certo Manwaring, anunciou ele, que continuava a desfrutar da posição de pregador, apesar do Parlamento já o ter censurado por seus sermões “papistas”. De fato, na época em que fora um dos capelães do rei, Roger Manwaring fizera um notável sermão sobre o direito divino, cujos poderes, segundo ele, não residiam no consenso, na graça, na lei e nem mesmo nas tradições, mas simples e claramente na investidura proveniente de Deus. O discurso lhe rendeu benesses suficientes para torná-lo um homem de

posses. Tudo isso se ajustava muito bem à história que Beard contara a Cromwell, a respeito de um certo dr. Alablaster, que pronunciara um sermão de “puro papismo” em Paul's Cross. O bispo de Winchester defendeu a IgreJa contra os ataques de Beard — que tinham o apoio do bispo de Ely e se propunha a contradizer as teses de Alablaster. Envolvendo altas esferas e cheirando a incenso — ou enxofre —, esse caso de chicanas religiosas foi mencionado com grande paixão por Cromwell, fato comprovável pelas anotações de pelo menos três pessoas presentes, inclusive Bulstrode Whitelocke.!º* De fato, a comissão condenou Manwaring, obrigando Carlos I a desconsiderar seu sermão, e protestou firmemente contra o “crescimento extraordinário do papismo”, até mesmo na Inglaterra, para não dizer na Escócia e na Irlanda. Reiteradamente em oposição ao monarca, desta vez Oliver deu mostras de um envolvimento concreto. Em suas primeiras aparições públicas no Parlamento, Cromwell protesta incansavelmente, através de turbulentas manifestações, durante a primavera de 1629. Em março, ele estava entre os que se recusaram a entrar em recesso por ordem do rei, mantendo tal determinação até que fosse aprovada a resolução de sir John Eliot condenando o papismo e os subsídios concedidos sem *Uma das dificuldades para a obtenção de informações sobre este período é o fato de que

as sessões do Parlamento não eram, como agora, registradas e divulgadas oficialmente. Alguns membros da Câmara dos Comuns mantinham diários privados ou acerca das sessões, às vezes limitando-se a tomar notas. No

seu importante Journal

[Diário],

sir Simonds

D'Ewes indica algumas dessas fontes. Ademais, por volta de 1640 e obedecen do a ordens

do Parlamento, certos discursos começam a ser impressos. Ambos os procedimentos tinham elevado grau de seletividade, por suposto, e somente a partir de 1681 é que se aprovou uma resolução geral, mandando dar publicidade às sessões e votações . No entanto, o Diário

da Câmara, com o registro de todas as discussões e leis aprovadas, só vai ter início no reinado de Eduardo VI.!º

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autorização parlamentar. O presidente da Câmara, sir John Finch, foi literalmente seguro em sua cadeira, por Denzil Holles e Benjamin Valentine, enquanto o texto era lido. “Ferimentos em Deus”, vociferava Holles. “Ficareis sentado até que nos levantemos.” Quando o rei Carlos I conseguiu dissolver o Parlamento, encerrando essa história pelos 11 anos seguintes, o mal já estava feito e as resoluções já tinham sido aprovadas. Esta talvez tenha sido a primeira visão que Oliver teve de uma ação concreta, rápida e violenta em defesa de uma causa justa. Quaisquer que tenham sido as impressões deixadas pelo incidente, ainda que pudessem se tornar relevantes para sua futura carreira, ele regressou a seus campos de Huntingdon certo de ter testemunhado bastante agitação. Em suas memórias, ao se referir à cena envolvendo o presidente da Câmara, Edmund Ludlow escreveu que o rei Carlos “poderia ter tomado o pulso da nação, que batia fortemente pela liberdade”.? Oliver Cromwell estava sincronizado com esse batimento.

Em sua infância, Cromwell fundira dureza na ação com riqueza espiritual. A história de seus primeiros anos, em Londres, e o breve tumulto, no Parlamen-

to, mostram o mesmo contraste entre uma aparência exterior tendente à ação

direta e um redemoinho interno de águas mais profundas e melancólicas. Os registros de sir Theodore Mayerne, médico famoso que clinicava em Londres, nessa época, dão conta de que Cromwell o consultou em 19 de setembro

de 1628 — seis meses após sua primeira eleição. Mayerne, que contava então cerca de cinqienta anos, era um homem muito rico e bem-sucedido, filho de

um huguenote famoso, e já atendera Henrique IV, rei de França; no futuro,

teria entre seus clientes regulares o rei Carlos I e a rainha Henrietta Maria. Devido à enorme barriga, raramente saía, preferindo receber seus pacientes em casa, registrando seus casos num livro. Aparentemente, Cromwell vinha tomando águas medicinais de Wellingborough — de Northamptonshire —, muito apreciadas pela casal real, que lá estivera por um período dois anos antes. O tratamento, entretanto, apenas agravara as suas condições. Sua pele estava muito seca e sem vida, ele sentia fortes dores no estômago, três horas após as refeições, bem como uma dor persistente do lado esquerdo. Além disso, num sinal de mau agouro, o médico escreveu que o achava valde melan-

cholicus — extremamente melancólico.”

Esta não é a única indicação de que o enérgico contestador, testemunha

dos maus-tratos infligidos ao presidente da Câmara, possuía uma face menos

extrovertida da sua natureza. O médico da família de Oliver, um certo dr.

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Simcott, registrou em seu livro como ele tomara “Mithridato” — um contraveneno — para prevenir a peste e, ao fazer isso, “curara-se das mar-

cas que tinha no rosto”. De forma menos sucinta e mais evocativa ele con-

tou a sir Philip Warwick certos incidentes que ocorreram na mesma ocasião — certamente antes da morte do tio de Oliver, sir Thomas Steward, em

1636. Segundo Simcott, eventualmente Cromwell permanecia junto ao leito, “cheio de melancolia”; ou mandava chamá-lo no meio da noite ou em “horas pouco razoáveis”, acreditando que o parente estava agonizante. Por ve-

zes, ainda, manifestava estranhos “desejos” acerca da grande cruz situada no centro da cidade de Huntingdon. Certa feita, pareceu convicto de que era “o homem mais importante do reino” — a palavra rei não foi mencionada2 As pitorescas revelações de Simcott, todavia patéticas, caracterizam o que em linguagem moderna seria considerado desequilíbrio nervoso. Não importa se ele “sofria do baço”, como sugeria o médico — na época isso indicava pessimismo e modos taciturnos —, ou se tinha um temperamento melancholicus, como observou Mayerne — ele pode ter se apresentado das duas formas, alternadamente, como sói acontecer com pessoas no seu estado. Após mais de trezentos anos, um diagnóstico médico preciso é obvia-

mente impossível; no entanto, existem claras evidências de uma crise, em Huntingdon, tanto quanto em Londres, tão sérias que levaram Cromwell a consultar o clínico mais famoso da época. O testemunho de Simcott aventa que seus sofrimentos se situavam no plano mental, mais do que no plano físico. Não há nenhuma menção a febres, provavelmente resultado de malária, que tanto o atormentariam anos mais tarde. Mesmo a visão de sua futura liderança pode ser encarada segundo os padrões

aceitáveis de um homem que enfrenta as dores como uma forma de agonia pessoal, que em certos momentos sente-se quase diante da morte e em outros pres-

tes a vivenciar grandes acontecimentos que lhe estão reservados, e em outros, ainda, tão deprimido e apático que sequer consegue erguer-se da cama. Segundo a terminologia atual, essa experiência, tal como foi sugerido acima, define-se como um desequilíbrio nervoso; em linguagem mística, também pode ser desrita como a “noite escura da alma”, quando aquele que aspira a alcançar Deus é súbita e terrivelmente apartado de todo conhecimento e contato com a vonta-

de divina. Finalmente, na linguagem dos puritanos contemporâneos, esse tipo de ataque poderia relacionar-se à conversão pela qual todas as almas têm que

passar antes de encontrar a graça. Não há dúvida que essa foi a conversão de Oliv er, sem data precisa, mas por ele próprio admiti da.

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Muito mais tarde, em 1638, Cromwell escreveu uma carta fascinante sobre

sua conversão, mistura de êxtase e auto-humilhação, endereçando-a à sua “amada prima”, a sra. St John, filha de seu tio Henry. Rejeitando modestamente os

elogios que ela fizera a seus talentos, Oliver dizia-se muito desejoso de

“honrar meu Deus pelo que tinha feito por minha alma. (...) Certamente, nenhuma pobre criatura tem mais razão para colocar-se a serviço de seu Deus do que eu. (...) O Senhor me aceitou em Seu filho e deu-me a oportunidade de caminhar na luz, e nos deu a todos a oportunidade de caminhar na luz, pois Ele é a luz que ilumina nossa ignorância e escuridão. Não me atrevo a dizer que Ele esconde seu rosto de mim. Ele me permite que eu veja a luz em Sua luz. Num lugar escuro, um ponto de luz tem muito mais significado. Abençoado seja o Seu Nome por brilhar num cora-

ção tão escuro quanto o meu! Vós sabeis como vivi. Oh, eu vivi e amei a escuridão e detestei a luz. Fui um chefe de pecadores. À verdade é que eu odiei o que era divino, e no entanto Deus se apiedou de mim. Oh, as riquezas do Seu perdão! Louvado seja Ele por mim, pois deu início a um bom trabalho que pode ser aperfeiçoado até o dia de Cristo (...)?.?

Eis aqui, claramente, a autêntica linguagem do convertido, tocado pela graça e sentindo a obra de Cristo em si próprio. Nas cartas de Oliver que sobreviveram, ela expressa, incidentalmente, a primeira manifestação real do

tipo de linguagem altamente religiosa, quase maníaca, densamente interligada a frases bíblicas ou semibíblicas que marcará de forma tão proeminente seus comunicados, desde os relatórios acerca das batalhas até as arengas que pronunciou no Parlamento. Sem dúvida, a Bíblia exerceu papel determinante em sua vida. A grande versão autorizada do rei James, publicada pela primeira vez em 1611, quando ele não passava de um menino de 12 anos, desempenha uma influência literária capital em suas cartas e discursos, em que pese a presença de traços de conhecimento da versão de Genebra, usada provavelmente,

me

FF

as em seus dias de escola, por Beard. Indiscutivelmente, Cromwell recordava frases que ouvira na infância.” É importante enfatizar a natureza da lingua coteria que s pecado aos cia referên faça ele que aqui sugere se não gem, pois

s limetido antes do casamento, após mais de duas décadas, embora as última

por s, veze s uma alg das, cita sido ham ten nto assu no toca que em a cart da nhas a partidários do rei, com o intuito de apontar uma tendência à devassidão que teri

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FRASER

se prolongado até muito depois da juventude. Uma clara distinção deve ser feita entre os vícios juvenis e a “escuridão da alma” a que Cromwell se refere. Trata-se da escuridão que envolve o espírito antes da conversão, um conceito importante no pensamento puritano da época. Para um calvinista, a conversão, o chamado de Deus, era fundamental. Em seus Fundamentos, Calvino diz que “a promessa divina da vida” não atinge “todos os homens da mesma

forma”; mais adiante, ele afirma que “(Deus) dá a alguns o que recusa a ou-

tros”, No entanto, sem a graça ninguém pode ser salvo. O Eleito, como esses

afortunados possuidores da graça se chamavam a si mesmos, ou “os santos”

não nascem com a graça. E, diferentemente dos católicos, não acreditam na

possibilidade de obtê-la mediante um sacramento, como o batismo, por exemplo — que redime os católicos do pecado original. Os calvinistas e seus descendentes, pelo contrário, supunham que a graça vital provinha apenas da

escolha do indivíduo por Deus — levando-o a crer em Cristo, através de um certo tipo de introspecção. Pois Deus dera Seu filho aos eleitos para apoiálos, como dizia John Preston em sermão mais ou menos contemporâneo à conversão de Oliver: “Quando Deus te chama para vir a Cristo, Ele te promete que a virtude da morte de Cristo vai matar o pecado dentro de ti, e que a virtude da ressurreição de Cristo te elevará a uma nova vida.” Uma vez concedida, a graça não pode mais ser retirada. Escrevendo sobre o próprio

Cromwell, Burnet disse: “a noção que ele mais prezava era — uma vez filho

de Deus, para sempre filho de Deus”.?* Os santos não podiam perder a graça divina. À conversão ou a aceitação do papel da dádiva, por ambas as razões, permitiria o surgimento de um evento espiritual marcante. Em que consistia a conversão? Uma autoridade no assunto afiançou que, na raiz, ela correspondia a um renascimento. Em si mesma, a experiência seria um clímax. Thomas Goodwin comparou-a ao perdão real com que um traidor fosse agraciado, para logo a seguir ser elevado à condição de amigo € favorito. Com certeza, trata-se de um fenômeno muito vívido: um cavalheiro de Yorkshire, Thomas Bourchier, escrevendo de forma tocante, disse que “no início da conversão minha alma estava tão arrebatada com a beleza do Cor-

deiro que eram bem pouco frequentes os momentos em que minha língua não falava da infinita bondade que alcançara alguém tão indigno e miserável

como eu”. Richard Baxter, incapaz de definir precisamente o momento da sua

conversão, mas fazendo-a corresponder à leitura de determinado livro, aos 15 anos, vivia preocupado com tal falta de rigor. John Winthrop, líder dos puritanos que fugiram para o Novo Mundo, foi bastante cuidadoso ao anotar em

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sua autobiografia, escrita 19 anos depois, que sua conversão tinha se dado aos trinta anos.%À carta de Oliver, repleta de sentenças pitorescas e referindo-se às Escrituras, numa passagem anterior, com suas alusões arrepiantes sobre seu odioso passado, já superado por um presente divino, exibe os sintomas clássicos de outras experiências similares. Tendo em vista o significado confuso das conversões, segundo os próprios puritanos, não surpreende que os

anos anteriores a elas fossem lembrados como tempos de “escuridão”. Em princípio, aceita-se que a conversão espiritual de Oliver, mais do que seu distanciamento de uma vida de devassidão, tenha sido o fator que deu origem às suas inseguranças e doenças misteriosas — uma interferência psicos-

somática, por suposto. Seria importante, portanto, determinar o momento desse evento cataclísmico, na sua juventude ou no início da maturidade. Parece evidente que isso só ocorreu após a volta de Cromwell a Huntingdon, algum tempo depois da suspensão das sessões do Parlamento, em 1629, e antes de sua mudança para St Ives, em 1631, visto que seu processo de auto-análise estava em pleno andamento durante o período que passou em Londres e que a consulta a sir Theodore Mayerne, que só pode ser o resultado de extrema tensão, foi marcada para setembro de 1628. É bem verdade que o dr. Thomas Beard indicou Oliver para o Parlamento em 1628. Argumenta-se que ele só o faria caso Oliver já tivesse “renascido” espiritualmente. Todavia, é perfeitamente possível viver uma vida virtuosa sem estar entre os eleitos — provavelmente, Oliver fez isso, a partir de 1620, mesmo que sua escuridão interior ainda não tivesse sido

formalmente dissipada. Há uma concordância geral de que a partir de seu renascimento espiritual ele levou uma vida virtuosa e bastante rigorosa, do pon-

to de vista religioso. O bispo Burnet registrou em sua História que, tendo pesquisado junto a contemporâneos de Cromwell, certificou-se de que “ele levara uma vida muito austera nos oito anos que precederam a guerra”. Escocês, Burnet considerava o período de paz até 1638, início da luta na Escócia, o que nos dá uma data aceitável, em torno de 1630.” Sem dúvida, houve uma mudança na forma de conduta de Oliver por vol-

ta dessa época: anos mais tarde, ele se mostraria mais resoluto e estruturado na direção dos seus negócios, como se seu auto-exame tivesse sido canalizado

para uma consulta ao Todo-Poderoso, um diálogo no qual Deus forneceria pelo menos algumas respostas na forma de sinais e “providências”, em oposi-

ção ao prévio monólogo torturante € infeliz de uma alma angustiada. A mudan-

ar ça de residência terrena também estava pela frente. Mesmo antes de deix

políHuntingdon, ele se envolveu nas lutas políticas locais, como se o vício da

s8

ANTONIA FRASER

tica, estimulante mas criador de agitação, penetrando em suas veias, o impedis-

se de descansar. Os dois assuntos que o ocuparam em sua cidade natal ilustram

aspectos lamentáveis da cena política daquele período. Um deles se referia ao

governo local. Cromwell estava entre os líderes de um grupo que protestou ruidosamente, durante o ano de 1630, contra mudanças propostas na estrutura do

governo de Huntingdon. Discutia-se uma nova regulamentação dos funcionários e burgueses de Huntingdon, segundo a qual um corpo de conselheiros e um oficial de Registro, nomeados ad perpetuum, substituiriam os dois funcionários e uma câmara de 24 “comuns”; apenas o prefeito seria eleito, anualmente.

Os funcionários conseguiram o que queriam, e o processo de transformação de Huntingdon num “burgo podre” não pôde ser obstado.

Antes disso, porém, o Lord Privy Seal* foi forçado a emitir um relatório

a respeito do assunto, e, sem dúvida, a violenta oposição de Cromwell e seus

companheiros tornou sua vitória bastante difícil. A polêmica centrava-se no fato de que o prefeito e os novos conselheiros, além de poderes para criar novas e pesadas multas, excluiriam os burgueses de seus direitos às terras comuns. “Seus discursos são vergonhosos e indecentes”, disse Cromwell, refe-

rindo-se ao prefeito de Huntingdon e a um conselheiro legal — advogado —

chamado Barnard. É bem verdade que o Lord Privy Seal acreditava na possibilidade de um entendimento entre os litigantes, posto que os discursos de Cromwell, “feitos no calor da paixão, poderiam ser esquecidos; encontrei O sr. Cromwell”, disse ele, “bastante disposto a tornar-se amigo do sr. Barnard, que por sua vez está preparado para esquecer os termos desagradáveis que ouviu e fazer o mesmo”.* A precoce capacidade de Cromwell para expressar-se impetuosamente é uma lição a ser retirada do incidente; outra é a simpatia com que encarava as queixas locais.

O segundo protesto referiu-se a questões mais amplas que já o preocupavam em Westminster — os sinistros meios usados pela Coroa para arre-

cadar dinheiro. Segundo a regra estabelecida, qualquer possuidor de uma propriedade livre de foros, cujo patrimônio tivesse uma renda superior à

quarenta libras anuais, seria forçado a presenciar a coroação do rei e sofrer a imposição da dispendiosa honra de ser armado cavaleiro, ou então pagar uma multa, ou “composição”, em virtude da sua ausência. Oliver fazia parte

da ampla categoria daqueles que ignoraram tal obrigação na coroação do NERO

*

de um ministério, no governo real, com características de um ministro sem pasta. =

=

=

n y:

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rei Carlos I, em 1625, não tendo sido armado cavaleiro, nem pagado a multa. Quando comissários foram incumbidos de perseguir os faltosos, com o objetivo de incrementar as finanças reais, o nome de Oliver apareceu na lista negra dos que teriam que fazer o registro da composição e quitar o débito com o Tesouro. Em caso de recusa, poderia ser indiciado por desacato perante o Tribunal do Tesouro. Na primeira instância, contudo, ele ainda se recusou a fazer o pagamento. Mesmo quando a composição foi finalmente paga, em abril de 1631, os registros manuscritos mostram que seu nome foi acrescentado posteriormente à lista daqueles que se retrataram — alguns sugerem que a multa foi paga por outra pessoa.” No final do episódio, tendo recusado submissão à vontade real, Cromwell não sofreu nenhuma punição; evidentemente, os obstáculos preliminares que ele criou, opondo-se a essa patifaria, têm tudo a ver com o que havia testemunhado, nos anos anteriores, em Westminster.

Por volta da mesma época em que a composição foi acertada, Oliver escreveu a John Newdigate sobre um problema mais pessoal — um falcão perdido, que o cavalheiro de Warwickshire recolhera e que poderia ser identificado por seu varvell, o anel. Oliver desculpou-se com Newdigate pelo atraso em tratar do assunto — “Tenho de confessar minha negligência após ter recebido duas cartas suas sem ter enviado nenhuma resposta” —, explicando que a ave, de fato, não lhe pertencia — “esse pobre homem, proprietário do falcão, vivendo na mesma cidade que eu, fez uso de um de meus varvells”. Sua paixão pela falcoaria tornou-se bem conhecida quando ele ascendeu ao poder, e notícias dessa predileção alcançaram âmbito internacional: pretensos aduladores o presentearam com aves de rapina. Robert Lilburne, um de seus comandantes na Escócia, escrevendo em 1654, perguntou-lhe sobre as chances que tinha de ser promovido; bastante cuidadoso, terminou a carta com uma oferta de falcões para a diversão do grande homem. De um ponto de vista contrário, um dos críticos satíricos do Interregno escreveu: “Você não usa falcões de caça? Por que não podemos usá-los também??? Até sua velhice, Oliver sempre foi capaz de entender-se amigavelmente com quem gostasse de falcões, mesmo um partidário da realeza. De acordo com Aubrey, o Protetor “apaixonou-se” pela companhia de sir James Long, após tê-lo encontrado cacando com falcões em Hounslow Heath. Ele ordenou que Long “levasse sua espada e fosse encontrá-lo, para falcoar” — coisas assim faziam seus cavaleiros erguerem as sobrancelhas. Após a grande vitória de Worcester, Cromwell deteve-se nos campos próximos de Aylesbury, a fim de caçar com suas aves favoritas.*

60

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FRASER

Esse prazer campestre, tipicamente inglês, aliado ao constante gosto pelas

caçadas, tão inalterável quanto o amor pelos cavalos — mais tarde ele foi alvo da amistosa atenção de países estrangeiros, de onde recebeu egiiinos de presente —, conferiu a Cromwell a imagem pública de um cavalheiro rural. A fama e q responsabilidade não eliminaram tais pendores, que se acentuavam nos momen-

tos de descanso. Na verdade, esse é um estilo muito comum nos líderes políticos ingleses, que costumam manter-se sinceramente vinculados aos “assuntos

Em segundo lugar, atravessara uma crise espiritual, sofrendo muito em seu cur-

so, mas sendo capaz, como o Peregrino de Bunyan, de tirar força da adversidade. Finalmente, provara o gosto da política nacional, em Westminster, e tinha

tomado parte no ponto culminante da mais importante luta constitucional ocorrida por todo um século, na Inglaterra — a apresentação da Petição de Direitos; em seu primeiro discurso ele mostrara o quanto as suas simpatias se encontravam afastadas das autoridades estabelecidas do país, fosse o rei ou a Igreja. À paixão política não se abatera com a suspensão das atividades do Parlamento, antes continuara a se manifestar na persistente defesa dos direitos locais. No estado de fermentação em que se encontrava a Grã-Bretanha , durante a década de 1630, conforme descreveu um historiador, com muitos súd itos “unidos (...) pelo

Mesmo ressentimento e os mesmos temores”? o Davi de Huntingdon tinha muito a ponderar en quanto cuidava de seus rebanhos políticos e pas torais.

sea o E di

“seu prazer pelos cavalos bravios, cervos (...)” — para elogiá-lo. A anglicidade básica de Cromwell foi descrita por muitos, mas seria um erro supor que, com pouco mais de trinta anos, ele ainda acreditasse que seus “próprios campos” consistiam, literalmente, nas verdes e férteis planuras de Cambridgeshire, nas quais estava habituado a caçar e criar seus falcões tão prazerosamente. Posteriormente, deu-se uma considerável ênfase ao secreto ruralismo que estaria na raiz do seu desenvolvimento primordial: a comparação de Carrington com Davi, “cuidando calmamente de seus rebanhos, até que seu país dele necessitasse”, constitui um exemplo típico.*” No entanto, a polarização de sua forma de vida inicial com as lides públicas a que se dedicou mais tarde só se torna plenamente aceitável em virtude de malabarismos literários. Aos 32 anos de idade, Cromwell já tinha dado três grandes passos à frente. Em primeiro lugar, fosse por sorte ou tirocínio, fizera um casamento feliz, assegurando a tranquilidade doméstica, sem dúvida, o menos tortuoso de seus caminhos. Foi uma decisão de grande significado, que não deve ser subestimada.

'

rurais”, aumentando, ao invés de diminuir, seus vínculos com o povo. Marvell e outros encomiásticos destacaram os saudáveis traços bucólicos de Oliver —

R

estas

3 Crescendo para a autoridade No entanto, à medida que cresceu para ocupar seu lugar e usufruir de sua autoridade, as características que possuía pareciam renovar-se, como se ele tivesse escondido as faculdades que o dotavam, até precisar delas. CLARENDON SOBRE CROMWELL, em sua History of the Great Rebellion [História da grande rebelião]

etapa seguinte da vida de Oliver Cromwell tem pelo menos a aparência de um certo declínio material. A disputa, em Huntingdon, e a linguagem pouco moderada que ele usou durante todo o processo afetaram seu futuro em termos políticos locais, apesar da conciliação após a querela. As

chances de ser eleito como um dos burgueses representantes da cidade, por exemplo, devem ter diminuído substancialmente em virtude dos ataques que desferiu contra a Corporação, que supervisionava o pleito. É provável que as

relações sociais tenham sofrido da mesma forma. Em 1631, a casa livre de foro na qual nascera foi vendida, e Cromwell tornou-se um simples arrendatário de uma fazenda em St Ives, outra cidadezinha do Huntingdonshire, situada sobre o Ouse, a cerca de oito quilômetros de distância, com uma estreita ponte cruzando o tortuoso rio e cercada de verdes planuras, luxuriantes no verão, mas cinzentas, alagadas e batidas pelos ventos no inverno. As terras de Cromwell ficavam a sudeste da cidade, onde a tradição ainda

associa o Celeiro à casa onde ele e a família foram morar. Similar a Huntingdon, St Ives tem ares ainda mais provincianos, não chegando sequer a sede do pequeno condado. Mas Oliver viveria lá por cinco anos, criando

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gado e mostrando-se como um sólido cidadão, participando na escolha dos guardadores do green [parque] da “rua” ou das “estradas”. E mesmo que estas atividades pudessem ser mais domésticas do que as que exercera num âm-

bito maior, em Huntingdon, como proprietário, burguês e juiz de paz, OS registros comprovam que ele as exerceu com a sua usual energia.*! O declínio social não teve reflexos sobre seu progresso espiritual. Ao

contrário: ao longo desses anos exteriormente calmos, e dando prossegui-

mento à traumática experiência da conversão, seus interesses religiosos mais íntimos se aprofundaram. É importante ressaltar o vínculo entre esse conflito interior e a chegada de seu velho amigo, Henry Downhall, padrinho de Richard, que se tornou o vigário de St Ives mais ou menos na mes-

ma época da mudança de Cromwell. A década de 1630 foi um período

crucial para os seguidores do puritanismo. Em 1633, William Laud ascendeu ao arcebispado de Canterbury; sabedor da morte do titular, o rei deulhe a notícia de forma elegante: “Meu Senhor de Canterbury, seja muito bem-vindo.” Esse sentimento não teve eco entre os puritanos, temerosos de que a indicação de Laud visasse secretamente à restauração do catolicismo na Inglaterra. De fato, a rainha Henrietta Maria era católica praticante, en-

tendendo-se com seus padres e ouvindo suas missas numa capela própria — nefasto sinal. Os termos “papal” e “papístico”, tão frequentemente utilizados pelos puritanos que se referiam às extravagantes inovações no ritual da

Inglaterra, poderia ser executado por traição. Mesmo em certas tendências “armínias”? da Igreja nacional, os puritanos discerniam a temível possibilidade da corrupção “papal”. Originário do nome de um teólogo holandês — Arminius — que atacara intransigentemente alguns conceitos calvinistas, à predestinação, por exemplo, o conceito acabou associado a elaborações e à ornamentação das igrejas e de seus serviços. A batalha, portanto, tendia à ser travada em torno de costumes eclesiásticos específicos ou relacionados ao culto religioso; analisadas uma a uma, e num clima totalmente diferente, as questões talvez não tivessem grande importância. *No caso dos registros paroquiais, a assinatura de Oliver Cromwell teve o desti no habitual:

neste caso, a tentativa de Todavia, atualmente, na Cromwell, com um dedo grafiteiros, constituiu um

eliminá-la coube a um administrador da igreja, no século XVIII. principal rua da cidade, ergue-se uma majestosa estátua de apontando para o caminhante. Constantemente desfigurada por memorial imponente à sua estada por aquelas bandas.

a Re

Igreja Anglicana, expressam esse medo. Fora da lei, a prática do catolicismo acarretava severas punições; um padre católico que fosse descoberto, na

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Esportes dominicais motivaram choques entre os puritanos e Laud; neste assunto tão delicado — a “profanação” do Dia do Senhor — muitos fanfarrões dominicais foram chamados às falas, conquanto a opinião pública estivesse com eles. Reeditado em 1633, o Livro dos Esportes, de James I, que

estabeleceu o controle estatal sobre esse tipo de diversão, proibiu quaisquer punições. O espetáculo público da rainha Henrietta Maria divertindo-se na

corte, aos domingos, acentuava os aspectos mais desagradáveis dessa mensagem. No seu inocente desejo gaulês de dançar alegremente, ela chegava ao ponto de assistir a peças teatrais execradas pelos puritanos. A posição e os adornos da mesa de comunhão também causavam irritação — velas e ricas tapeçarias já eram consideradas sinais de “papismo” incipiente pelos puritanos, € bem assim ajoelhar-se ao nome de Jesus e fazer o sinal-da-cruz, especialmente no serviço do batismo. Num sermão que pronunciou perante o Parlamento, John Owen, mais tarde capelão de Cromwell, disse que todos esses “crucifixos, sinais-da-cruz, pinturas, genuflexões, servilismo, altares,

círios, hóstias, órgãos, hinos, ladainhas, imagens, vestes” não passavam de “verniz romano”.?

A atitude de Laud e do clero que o apoiava e o crescente número de armínios, naturalmente incrementado após sua nomeação, não contribuíam para melhorar a situação potencialmente inflamável — havia intolerância de parte a parte. Entendendo que os rituais em uso pertenciam à Igreja da Inglaterra desde tempos imemoriais, o novo arcebispo enfrentou os protestos com firme determinação de eliminar o culto daqueles que protestavam. Uniformidade seria a sua palavra de ordem, definida pelo único poder autorizado a tanto: a Igreja Anglicana, não a consciência individual. Se Carlos 1 tivesse nomeado alguém menos legalista, imbuído do espírito de “orar e deixar orar”, talvez se chegasse a algum tipo de compromisso, tal como ocorre na Igreja da Inglaterra atual, baseado nas variações locais, e conforme os sentimentos da população e de seu pastor. No entanto, as posições de Laud e as dos puritanos se tornaram irreversivelmente antagônicas. Nessa atmosfera de agitação, um detalhe dos costumes religiosos que adquiriu grande significação foi o sermão semanal a que todos eram obrigados a assistir, por lei, na Inglaterra. Os puritanos vivenciavam essa experiência com muita intensidade. O entusiasmo, característica marcante de sua causa, encontrava expressão natural nas prédicas, capazes de estimular as lideranças

e produzir forte impacto na população em geral. O estilo variava. O dr. serieBedell, de East Anglian, falava em “voz baixa e movia-se pouco; mas à

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dade, a grandiosidade de seu aspecto e a reverência de seu comportamento afetavam muito mais os ouvintes do que a grande elogiência e os pronuncia. mentos pomposos de outros”. John Rogers, por outro lado, tinha o hábito de

segurar a balaustrada do púlpito e “gritar tenebrosamente, representando os tormentos dos amaldiçoados”; segundo um alfaiate de Dedham que a teste. munhou, tal performance era capaz de “despertar”. O próprio Cromwell, que certamente possuía um forte traço de pregador, costumava expressar-se em sermões laicos. Posteriormente, o bispo Williams, de Lincoln, parente de Carlos 1, relatou ao rei que Oliver agira como “porta-voz dos sectários, de-

tendendo suas posições com grande teimosia”. Heath sustenta que ao longo da década Cromwell assumiu “frequentemente e em público os modos de um

professor, pregando inclusive em sua própria casa, sempre de acordo com os

ditames da irmandade” Homens dessa estirpe dificilmente se inclinariam a uma aceitação passiva de sermões cujas doutrinas representassem posições adversas. As con-

gregações, no entanto, não estavam inteiramente destituídas de poderes para

a escolha do pregador que mais lhes conviesse, particularmente na medida em que os estipêndios ministeriais eram muito reduzidos. Isso propiciava a solidariedade entre os paroquianos, que se uniam com vistas a aumentar 0

estipêndio de um ministro cuja teologia eles aprovassem ou a fim de contratar “um conferencista” de fora. Entre grupos de comerciantes londrinos, tornou-se uma boa ação reconhecida participar da subscrição visando ao pagamento de um conferencista em alguns distritos distantes. Em outras áreas, o palestrante era escolhido — e pago — pela Corporação, embora à aprovação do bispo fosse indispensável. Evidentemente, o significado dessas preleções, enquanto método de divulgação de ensinamentos não ortodoxos, não escapava a ninguém. Ainda que nem todas as conferências fossem subversivas, sua realização implicava uma luta bastante amarga entre o rei e as autoridades locais. A Corporação de Huntingdon havia selecionado o dr Beard como seu conferencista, mas quando ele morreu, em 1633, os eventos

foram suprimidos; a companhia Mercers, de Londres, indignada, financiou

um novo pregador, reservando-se o direito de demiti-lo sem consulta ao

bispo, se assim o desejasse, mas o rei o demitiu, atendendo a um apelo de Laud. A correspondência de Cromwell demonstra que ele foi muito além de

suas óbvias simpatias, dirigindo uma exortação pessoal àqueles que tinham

condição de apoiar as conferências. Em janeiro de 1635, escrevendo a seu

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“muito querido amigo” sr. Storie, talvez pretendendo contribuir para reconduzi-lo ao ofício de orador sacro da cidade, Oliver referiu-se à importância do alimento das almas, insistindo para que o destinatário se lembrasse que “a construção de hospitais visa ao cuidado com os corpos humanos, assim como a construção material de templos é um trabalho piedoso; os que oferecem alimentos espirituais, os que constroem igrejas são verdadeiramente caridosos e piedosos. Para isso concorreram vossas conferências neste condado”. Prosseguindo, de forma encorajadora, ele aduz: “Agora resta-nos rogar Aquele que primeiro vos tocou (...), implorando que vos inspire à continuação da obra iniciada. É ao Senhor que elevamos nossos corações, para que Ele possa

aperfeiçoá-los.” Sob pressão das mais altas autoridades, Cromwell destaca a importância vital das doações: «É, muito triste constatar que tais conferências não mais se realizarão (...) posto que vêm sendo suprimidas com rapidez e violência pelos inimigos de Deus e de Sua verdade.” Sua conclusão é bastante objetiva: “Como sabeis, sr. Storie, sem pagamento não há pregação: quem vai à guerra à sua própria custa? Por isso que vos peço, encarecidamente, pelas entranhas de Cristo Jesus: adianteis esta quantia e permitais que o bom homem receba a sua remuneração. As almas dos filhos de Deus vos abençoarão por isso, assim como eu.”*

Apesar do fervor prosélito de gente como Cromwell e da ajuda financeira do sr. Storie e outras pessoas de sua classe — espera-se que ele tenha ouvido o apelo e fornecido ao “bom homem? o seu pagamento —, as dificuldades

dos puritanos não se aliviaram. Oliver tocou num ponto crucial ao referir-se às supressões dos sermões, determinadas pelos inimigos das verdades divinas — os bispos. O senso comum tendia à aceitação, ainda que com amargura. Em 1630 e 1631 as colheitas foram ruins e a pobreza aumentou. À oposição política, tão vociferante durante o último Parlamento e ao longo do silêncio oficial, não concordava, mas fora posta de lado. Não surpreende que a visão

dos eleitos se voltasse na direção do Novo Mundo, situado além-mar, onde a

consciência e a prosperidade poderiam florescer, e as frustrações decorrentes do controle episcopal e do rei seriam porventura esquecidas com o estabelecimento de um reino de Deus. O próprio Cromwell parece ter considerado seriamente a possibilidade de emigrar com sua família para a América do Norte, nos primeiros anos da década de 1630. Nesse período, o auto-exílio esteve estreitamente vinculado à oposição po-

uma de as tom sin dos um era Í los Car rei o que de fato s ple sim o pel lítica,

as tad vol mas fir de em tag mon A ra. ater Ingl na va era imp que ção grande insatisfa

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à colonização de certas áreas do outro lado do Atlântico foi um método utili. zado por opositores políticos do rei, que assim se mantinham informalmente unidos durante a prolongada ausência do Parlamento. Entre os homens res. ponsáveis pela fundação da companhia de New Providence estavam o conde de Warwick, /ord Saye&Sele, sir Nathaniel Rich e o conde de Holland, todos proeminentes puritanos que haviam participado do grupo de oposição à Corte,

Mais tarde, a eles se somariam John Pym, Oliver St John e sir Thomas Barrington. Foi a perda de posição, em 1629, que estimulou John Winthrop a buscar garantias de concessão para a companhia da baía de Massachusetts e construir lá, na costa leste da América do Norte, seu próprio reino de Deus:

embora os destinos das duas companhias — New Providence e a da baía de Massachusetts — viessem a se tornar muito diferentes, a primeira convertendo-se

em companhia privada, interessada em conquistar as riquezas descobertas pelos espanhóis, e a segunda se transformando na base de um Estado teocrático, suas origens foram bastante similares.” Não podemos perder de vista que alguns dos nomes associados à New Providence possuíam laços de parentesco com Oliver Cromwell. De acordo com a história repetida por um dos partidários do rei que escreveu uma de suas primeiras biografias, posteriormente adaptada por historiadores de ambos os lados do Atlântico, no século XVIII, Cromwell teria embarcado, no ano de 1638, num navio ancorado no Tâmisa, prestes a zarpar, na companhia

de dois outros futuros líderes parlamentares, Arthur Haselrig e John Hampden. No último instante, porém, o Conselho recusou a permissão para que o barco levantasse âncora, e enquanto a ordem não foi rescindida, em al-

gum momento do atraso, as “três famosas personalidades” teriam descido à

prancha. Em 1702, Cotton Mather supôs que “seus adversários não os teriam detido (...) se tivessem previsto os eventos posteriores”.º Assim, segundo O ponto de vista do escritor, a América do Norte escapou de muitos problemas, ou de alguma forma de grandeza virtual: as possibilidades dramáticas de uma carreira de Oliver Cromwell no Novo Mundo constituem tema especulativo deveras interessante. Apesar da persistência dessa versão, uma partida projetada em 1638 não

se encaixa com o que sabemos a respeito da disposição e dos movimentos de Cromwell nesse período. A verdadeira história da emigração é bastante anterior e tem uma gênese mais profunda. Não há razão para duvidar dela, S€ bem que os realistas tenham procurado vinculá-la, de forma equivocada, a um

incidente posterior, bastante diferente, insinuando que Cromwell queria esca-

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par porque dilapidara seu patrimônio. Tal afirmação choca-se com o fato de

que sir: Thomas Steward, tio materno de Oliver, morto em 1636, nomeou-o seu principal herdeiro.” Sabemos que Cromwell sempre foi atraído pela idéia do Novo Mundo puritano: sua correspondência mostra um contínuo e caloroso interesse por aqueles aventureiros velejadores que empreenderam uma

grande epopéia para satisfazer suas consciências. Os discursos que proferiu como Lorde Protetor e muitos aspectos de sua política externa revelam uma

concepção positivamente romântica do ideal colonial — encontrar ou fundar a vida a serviço de Deus. A idéia desse salto passou por sua cabeça depois da década de 1630. De acordo com Clarendon, em

1641, quando a Grand

Remonstrance [Grande Reprimenda] foi apresentada ao rei, Cromwell teria sussurrado aos ouvidos de Falkland que, se não fosse assim, ele estava decidido a emigrar. Deixar a Inglaterra, o que em certo sentido correspondia a um gesto de desespero, não seria nada excepcional, nem particularmente irresponsável; por essa época, o retorno de John Winthrop, o jovem, de Massachusetts deve ter permitido a muitos puritanos ouvir histórias inéditas acerca da vida colonial. Lord Warwick e /ord Brooke cogitaram dessa possibilidade durante os tempos mais negros; sir Mathew Boynton, que mais tarde seria membro do Longo Parlamento, escreveu a Winthrop, em Massachusetts, indagando sobre as condições de moradia, “no caso de que eu tenha de ir para aí”. Em 1638, Cromwell era um proprietário cuja vida tomara outra direção,

obrigando-o a assumir outros compromissos e responsabilidades. Talvez ele tenha interpretado a morte de sir Thomas como um sinal de Deus — uma perspectiva que estaria bem de acordo com sua reverência ante desígnios stmilares, nas décadas de 1640 e posteriores. O testamento que o beneficiara fora ditado em janeiro de 1636, denegando outro escândalo suscitado pelos realistas, segundo os quais Cromwell teria tentado usurpar a propriedade do tio, provando que ele era louco. Oliver herdou, de fato, uma propriedade cuja renda foi estimada por Heath entre quatrocentas ou quinhentas libras anuais,

deque imaginar Impossível Ely. em local status considerável um como bem oupois disso ele ainda pensasse na hipótese de emigrar. De um jeito ou de

tro, o projeto não tinha nada de vergonhoso, como alguns escritores chegaram a sugerir; tal qual outros puritanos honrados, mas infelizes, buscando exatamenr idi dec do tan ten , vam ssa ave atr que al mor e cris a para o uçã sol uma

trao nir defi era ria que ll mwe Cro que o , hor mel ro futu o ava situ se e te ond balho de Deus a ser feito neste mundo.

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Em Ely, os Cromwell ocuparam a casa onde nascera a mãe de Oliver,

irmã de sir Thomas, que, sem descendentes diretos, fora bastante generoso com o sobrinho, seu principal legatário; ele deixou uma renda para a irmã e

distribuiu algumas pequenas dotações, inclusive cinco libras destinadas 20 sobrinho-neto mais velho. O patrimônio consistia em várias propriedades ao redor de Ely e na própria cidade, a maior parte delas arrendadas dos deães e do cabido, incluindo 36 hectares de glebas nos campos comuns, 3 hectares de pasto na ilha de Ely, e Bartin in Ely, com suas casas, celeiros e terrenos. Ha-

via ainda o dízimo e a gleba do Presbitério da Santíssima Trindade — a cate-

dral —, a igreja de St Mary in Ely e seus terrenos, a capela de Chettisham, o Celeiro Sextry — o segundo maior da Inglaterra, de acordo com os habitantes da região — e todos os lucros de casamentos, missas e enterros em todos os lugares.* As rendas eram trimestrais — totalizando 77 libras —, mais 5/4 do “melhor trigo, metade entregue no Natal e o restante no dia de Nossa Senhora”?. Não se sabe que “luvas” Cromwell teve que pagar para assumir o arrendamento.!º O novo lar de Oliver Cromwell e família estava dentro do perímetro da cidade, situada numa pequena elevação na margem ocidental do Ouse — segundo Bede, o nome derivava das eels [enguias] do rio. À seu redor se es-

praiava a área plana do Cambridgeshire, conhecida como a ilha de Ely, no passado associada às últimas batalhas que o herói saxão Hereward, o Vigilan-

te, travara contra os invasores normandos. A casa dos Cromwell ficava junto

de um agradável parque, com vista para a grande catedral — mais tarde Carlyle fixou-a “a dois tiros de distância da igreja”, embora tal medida fosse particularmente inadequada à trangiilidade local.** Talvez os moradores da

modesta casa pintada de branco e preto, parcialmente feita de madeira, considerassem a imponência da construção eclesiástica muito dominadora. Sua torre, com o extraordinário octógono central, e a cúpula gótica já tinham ruído há várias gerações, mas o conjunto arquitetônico datava de quatro séculos. Vivendo tão próximo, ninguém seria indiferente a um símbolo tão grandioso da *Quando a regedoria de St Mary e da Santíssima Trindade foi examinada, na época da

Commonwealth, em 1650, a fim de que se promovesse sua alienação, as propriedades pertencentes aos deães e ao cabido permaneciam praticamente idênticas; havia menção a um “arrendamento” da regedoria e das oblações e oferendas da paróquia por “Oliver Cromwell,

então fazendeiro; e por Daniel Wymore, então arcediago de Ely, para Richard Pursaby; curtidor”.

** Aparentemente, a casa era uma

taberna na época de Carlyle;!! atualmente é ocupada

pelo vicariato da Igreja de St Mary, que fica bem próximo.

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Igreja instituída. Anos mais tarde, quando após a devida advertência Cromwell

interrompeu um culto anglicano, isso tanto pode ter sido consequência de um antigo ressentimento como de uma raiva espontânea. Se a catedral podia induzir a uma sensação de opressão, o campo ao redor — as vastas e isoladas planícies dos Fens — somente poderia levar à expansão da mente e da autoconfiança. Ely estava situada na fronteira daquela região pantanosa, uma área que se estendia por quase 3.400km?, no leste da Inglaterra, desde a costa até Wash e King's Lynn, ao norte, Cambridge e Peterborough, a leste, e mais alguns distritos separados, na direção de Lincoln. Estas terras, apenas ligeiramente acima do nível do mar, são regularmente inundadas no inverno; e quando as águas retrocedem, no verão, cobrem-se de uma rica, ainda que efêmera, vegetação de pasto, com a qual os habitantes alimentam o gado e colhem o feno; são terras comuns, segundo direitos há muito estabelecidos pelo Lord of the Manor [senhor da terra). Não havia cercas nem grandes casas, como Hinchingbrooke, que se sobrepusessem à força dos moradores dos Fens. Como Isaac Casaubon escreveu, em 1611, “o bittern solitário e o dotterel imitador” — uma pequena garça e uma tarambola, respectivamente — lançavam seus fortes gritos e agudas queixas sem serem perturbados.'? Lutando contra as duras, mas não impossíveis, con-

dições geográficas acima descritas, além de enfrentar os ventos provenientes da Rússia, sem nenhuma barreira para detê-los, a população dos Fens dedica-

va as energias restantes à manutenção de uma vida muito mais parecida à de seus ancestrais britânicos, pescando e caçando aves selvagens, do que o tipo de existência que se levava então nas cidades inglesas em expansão. O resto

da Inglaterra não tinha nenhuma simpatia por esses diamantes brutos e seus

problemas, olhando-os com desprezo; em Britannia [Britânia], Camden des-

creveu-os como “um tipo de população bem de acordo com o lugar onde moram, rudes e mal-educados, e invejosos de todos os demais homens das Terras Altas”. No entanto, na década de 1630, a gente dos Fens enfrentava a crise resultante de uma grande alteração em sua forma de vida, e suas comunidades desarticuladas careciam da solidariedade geral, representada pela indulgência da autoridade central ou de alguém que assumisse sua defesa. de engenharia A drenagem dos pântanos, através de ambiciosos trabalhos suficientemente secas terras charcos antigos dos extrair visava represamento, e naquelas arado do uso o inviável sido teria então até — para a agricultura

podendo inundações, sofresse terrenos dos restante o que áreas — e impedir sde s ida med as que era ma ble pro O o. eir int ano o e ant servir como pasto dur

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tinadas a possibilitar um uso mais intensivo da terra, parte da tomada das ter. ras alagadas em toda a Europa Ocidental, pressupunham um empreendimen-

to gigantesco.” A drenagem não podia ser gradual, e nenhum indivíduo esta. ria em condições de arcar com as despesas necessárias à tarefa maior A

solução foi contratar uma série de companhias, cujos proprietários, conheci-

dos como “aventureiros”, recebiam concessões da Coroa — que lucrava com isso — abrangendo vários distritos dos Fens, conhecidos como Níveis. A área de Cromwell era conhecida como o Grande Nível, e a companhia que se encarregou de drená-la e explorá-la estava sob a direção do conde de Bedford. Por seu investimento, no final do trabalho, os aventureiros recebiam uma parte da terra recém-drenada — em média, cerca de 1/3 do total.

A maneira como as companhias se apoderavam dessas terras, no entan-

to, variava muito; utilizadas pela comunidade como pasto comum ou entre-

gues pelo senhor da terra a seus arrendatários, de acordo com o antigo estatuto de Merton, eram necessárias medidas especiais para agregar de forma lucrativa tudo aquilo que anteriormente tinha sido muito segmentado. O antigo tribunal de águas e esgotos — Court of Sewers — foi invocado, pois tinha o direito de multar qualquer grupo de pessoas acusado de estar “cercado de forma prejudicial” — por um pântano não drenado —, forçando-o a vender suas terras, estabelecendo taxas, fixando a data do seu vencimento

e confiscando os bens dos inadimplentes. Nem todos os júris se submetiam a tais princípios, e, quando os cidadãos que compunham o tribunal do Lincolnshire tentaram excluir dos “limites prejudiciais” uma área específica, O rei, pessoal e financeiramente envolvido na drenagem, escreveu aos comissários locais, dizendo-lhes que prosseguissem com a venda das terras de qualquer forma; irado, ameaçou usar as prerrogativas reais, caso se man-

tivesse a oposição à sua vontade. Uma vez completada a drenagem, a posição do senhor da terra não era necessariamente tão desfavorável. Sem dúvida, ele se beneficiava com o indiscutível melhoramento. Os pobres “comuns” tinham muito mais dificuldade

em desfrutar desses benefícios. A terra comunitária, destinada à criação de

gado, reduzia-se em 1/3, às vezes mais, extinguindo-se as oportunidades de pescar e caçar aves selvagens, tão importantes para o suprimento de alimentos no inverno.

Cuidado com os grandes planos que eles engendram agora, E que farão definhar nossos corpos, entregues aos corvos e ratos

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gritava Powte, em seu Complaint [Queixa], dirigindo-se à população comum,

que não desfrutaria dos prazeres da terra arável, do cânhamo e do linho, só cultivados nas novas áreas disponíveis para o senhor da terra, segundo confiantes predições. Em tais circunstâncias, e em proveito de suas próprias reivindicações, é compreensível que “um tipo mais mesquinho de gente” optasse por ignorar o ideal abstrato do progresso agrícola. Alguns protestaram com indignação, alegando que a drenagem contrariava a religião cristã, por interferir na

obra da natureza: “Os Fens foram criados assim e assim devem continuar, eter-

namente.” Na década de 1630 havia uma considerável oposição local aos projetos de drenagem ou, como um viajante relatou, em 1634: “Percebemos que a Cidade e o Campo daquela região murmuravam muito” — cidades como Cambridge, temendo a perda de suas rotas de transporte, e populações camponesas, em virtude da perda de seus pastos.” O momento crítico não se dava durante o processo de drenagem em si, quando a mão-de-obra local até podia encontrar mais empregos, mas no instante em que os encarregados da operação, tal qual o anão Rumpelstiltskin no

conto de fadas, retornavam para exigir seu prometido prêmio — separando

com barragens as porções alocadas de terra que lhes dariam lucro. Houve cenas desagradáveis de violência e protesto contra aquilo que não poderia ser aceito. É impossível deixar de simpatizar com os comuns, a população destituída e desamparada, em suas reações desesperadas contra o inevitável. Seu ressentimento é particularmente compreensível, mesmo aos olhos de um pesquisador que sabiamente observou: “Um certo grau de coerção é inseparável de projetos deste tipo.”!* Todavia, não teria sido necessária tanta repressão, neste caso, se a população fosse compensada de forma mais generosa pela mudança de sua condição. Esta, pelo menos, foi a linha definida por Cromwell, que em 1637 tornou-se porta-voz dos comuns, originários de uma classe com-

pletamente diferente da sua.

É mais do que evidente que a ação solidária de Cromwell foi motivada por sua consciência social, e não por qualquer objeção à drenagem como tal,

so ces pro o o tant e ent mem fir a iav apo po, tem to mui há lia, famí sua visto que e seu pai Seu ão. izaç real sua na ar reg emp em ess dev se que os mei os nto qua as águ de ios sár mis [co ers Sew for r nne sio mis Com o com ado atu tio já tinham

opos se sse tive d war Ste mas Tho sir o, ern mat lado pelo e esgotos], ainda que, lhes que as terr de ção por pro da o uçã red uma do obti e s” iro ure ent +o aos “av faem er Oliv de s esto prot os ez Talv 1/4. para ade met da s, seriam concedida à cia stên resi de la amp mais iva pect pers a num em riss vor dos comuns se inse

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expansão das prerrogativas reais. Hostil, sir William Dugdale afirmou que Cromwell “estava especialmente apto a tomar a defesa daqueles que sempre se propuseram a solapar a autoridade real (...)?. Enfim, no verão de 1637,

os arquivos oficiais registram um áspero incidente ocorrido quando um dos

supervisores das barragens de divisão, no Grande Nível, tentou retirar o gado da população do Holme Fen, em Huntingdon, a fim de cercá-lo. Um juiz de paz local, o sr. Castle, com apoio de gente sob suas ordens, obstruiu o supervisor, enquanto uma multidão de homens e mulheres armados de foices e forcados gritava ferozes ameaças contra qualquer um que tentasse

retirar o gado dos Fens. Ao mesmo tempo, comentava-se nos Ely Fens e nos Fens próximos que “o sr. Cromwell assumira a responsabilidade de im-

pedir por cinco anos os trabalhos de drenagem, envidando para isso ações

legais que permitissem a utilização de todo o campo comum ao longo desse período; em troca, ele receberia um groat — moeda de muito pequeno valor da época”.!é No ano seguinte explodiram numerosas revoltas em diversas áreas do Grande Nível, e um juiz de paz e proeminente “aventureiro”, sir Miles Sandys, chegou a manifestar seu temor de uma rebelião geral que se estendesse a todas as cidades do Fen. Talvez por isso tenha se alterado a política central, de modo a permitir-se aos comuns manterem suas terras, naquele mo-

mento, desde que eles pudessem provar que elas não haviam sido beneficiadas

pelas drenagens. Porém, antes que surgisse uma solução definitiva, estourou

uma rebelião que extrapolou os limites das cidades do Fen, envolvendo todo

o povo inglês e absorvendo as energias de toda a população — ao longo da guerra civil, o futuro dos Níveis sempre esteve em questão.

O significado da irrupção de Cromwell no campo da liderança popular,

no entanto, não foi facilmente esquecido. Naquela época, a população pobre dos Fens não representava uma causa particularmente importante para o resto da Inglaterra: mais tarde, os inimigos de Cromwell referiam-se a ele como “Lorde dos Fens”, um título que pode ter conotação romântica hoje em dia,

mas cuja intenção contemporânea era ridicularizá-lo.* O episódio, marcado

pelo impulso da consciência social de Cromwell, forneceu a base da poderosa influência que ele exerceria, posteriormente, sobre essa mesma população, com vistas à criação de um exército em tempo de guerra. É importante notar “O sa ap areceu pela primeira vez no Mercurius Aulicws, jornal realista, em novembro daretítulo €

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que tanto Huntingdon, onde Cromwell tentou bloquear o estabelecimento de um burgo podre, quanto os Fens, onde ele exerceu a defesa da população destituída, situavam-se no território da Associação do Leste, área de seus futuros recrutamentos militares.” Enquanto isso, em Londres, os contemporâneos e parentes de Oliver ocupavam-se de assuntos de natureza muito mais importante. No verão de 1637, o julgamento que resultou na condenação de três puritanos — O advogado William Prynne, o dr. John Bastwicke e um clérigo chamado Henry Burton —, acusados de escrever um panfleto chamado Netos from Ipswich [Notícias de Ipswich], tornou-se foco de alarme e fúria popular. Prynne, dotado de um forte caráter maníaco € “feições de um feiticeiro”, tinha sido levado à política nacional por medo do “papismo? e de conspirainha à e ataqu to violen ir desfer após antes, anos Três as. jesuít dos rações e à companhia teatral — Histriomastix — que Sua Majestade mantinha oresuas , rinho pelou ao nado conde ; multa uma pagar que teve Corte, na

lhas foram “aparadas”. Desta feita, os três acusados receberam sentenças e Prynn . adas” “apar ou s stada desba vez uma mais s orelha as ter — iguais ainda sofreu um refinamento adicional de crueldade: seu rosto foi marcaseou, oso] sedici mador [difa er Libell ous Sediti — “SI” letras as com do gundo sua própria ironia, Stigma of Laud [estigma de Laud!|. O incidente causou profundo impacto na multidão de espectadores, dana do a impressão de que a adversidade simplesmente estimulava os puritanos expressar com maior firmeza suas opiniões. Era fácil para os observadores seu acreditar nas declarações feitas com bravura por Prynne acerca de todo o muUma r”. ndece engra me fazem só ir, destru me rem tenta “ao sofrimento: à ajulher da multidão respondeu: “Há muitas centenas de pessoas que, com !º ” hoje. tes sofres que causa pela de vonta boa de iam sofrer da de Deus, como Em termos materiais, a Coroa instituíra um imposto conhecido poro, furios nto ntime resse um de dor causa ,* navio] de ship-money [dinheiro trase não te, camen Teori ficar. para viera ele que que logo se tornou evidente

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os de guerra e íod per em mos íti mar os dad con € tos por nos e * Imposto cobrado normalment Carlos 1. (N. do T.) de o isã dec por 5, 163 em a, err lat Ing a a tod a arbitrariamente estendido

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shillings —, o primo de Cromwell, John Hampden, foi julgado, em novembro de 1637, sendo defendido por Oliver St John, outro parente igual. No fim do

processo, os juízes deram a razão ao rei, mandando Hampden para a prisão. O veredicto pareceu assustador, especialmente devido às justificativas dadas por sir Robert Berkeley, um dos juízes, que disse “rex est lex loquens” — “o rei é a lei viva, falante e ativa”."” Que papel estaria reservado ao Parlamento num governo submetido a uma lei de tal ordem? O caso do rei baseou-se em seus direitos de

taxar os súditos numa época de grave perigo nacional, cabendo ao próprio so-

berano definir tal ocorrência — um perigoso precedente, sem dúvida. Em 1638, o rei, responsável final pelas mutilações e prisões de súditos londrinos, viu-se às voltas com outros problemas surgidos nos satélites mais ao norte. À Escócia — aquele país submetido com exclusividade por seus ancestrais, até a fatídica viagem ao sul que seu pai empreendera para assumir o trono da Inglaterra, em 1603 — encontrava-se agora em estado de rebelião. Pois, apesar de todo o seu sangue Stuart, Carlos I nunca fora capaz de enten-

der nem gostar dos escoceses, povo com o qual entrara em contato pela primeira vez aos 33 anos. À repulsa parece ter sido mútua. A política de pesada taxação — em contrapartida a quase 150 mil libras entre 1635 e 1636, o va-

lor de cingienta mil libras, antes de 1625, só fora ultrapassado uma única vez — produziu profundo mal-estar.” No que diz respeito à sua dispendiosa coroação, os escoceses demonstram que sua repugnância a cerimônias tão ricas não expressava simples avareza; ao contrário, era parte de uma atitude de aus-

teridade antiga e arraigada face a todas as ostentações e ornamentos do culto divino. As vestimentas douradas dos cinco bispos, na coroação de Carlos I, e à rica tapeçaria por trás da mesa de comunhão, seu “crucifixo cuidadosamente desenhado”, representavam as inovações que os escoceses mais temiam, tanto quanto Prynne receara as representações teatrais patrocinadas pela rainha, €

Os puritanos ingleses, preocupados com a falta de moderação dos sinais-dacruz e as genuflexões em nome de Jesus. Nesse contexto, pode-se dizer que crescia o desagrado, posto que uma boa parte dos tributos era consumida na

construção de templos luxuosos; além disso, desde a ascensão de Laud, as ati-

tudes armínias de uma parcela do clero escocês só contribufam para aumentar

a determinação dos calvinistas. Na linguagem colorida típica da época, George Gillespie escreveu, em 1637, que sua igreja absorvera “os podres detritos do papismo, jamais expurgados da Inglaterra e da Irlanda, vomitados

com ódio, na Escócia, e que agora eram lambidos. (...) Mãe das pros titutas,

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ela se tornou menos atraente, a face pintada (...) fronte envergonhada e marcada pela besta (...) cachos frisados com a dureza das modas do anticristo (...) castos ouvidos forçados a ouvir os amigos da grande Meretriz (...)?.? A publicação de uma nova liturgia, em 1637, que em virtude da prerrogativa real tornou-se obrigatória em toda a Escócia, foi solenemente refutada pela Convenção Nacional, de Alexander Henderson e Archibald Johnston, revisada por três nobres escoceses — Rothes, Loudoun e Balmerino — em

fevereiro de 1638. Conquanto predominasse no país um forte sentimento messiânico, o documento nada tinha de emocional, ainda que convocasse uma

ação ampla, apelando com base nas normas legais e lembrando ao rei que o juramento de sua coroação confirmava a supremacia do Parlamento. Com todo o vigor, os escoceses conclamavam uma verdadeira cruzada, € a aristo-

cracia nacional, envolvida na luta contra a dominação do sul, não tardou a providenciar os líderes naturais.” Quando a assembléia da Igreja da Escócia

refutou o novo Livro de preces, e apesar dos protestos do rei, endossou a Convenção, Carlos I viu-se obrigado a tentar se impor através de uma ação militar, na chamada Primeira Guerra dos Bispos. Por razões óbvias, a causa não desfrutava de popularidade entre os puritanos ingleses, nem contava com o apoio da maioria da população. Bulstrode Whitelocke, outro primo de Hampden, advogado e membro do Parlamento, escreveu em seu diário que “os discursos da guerra escocesa foram vários: aqueles que favoreciam as perspectivas papistas e dos prelados eram muito agressivos com os convencionais, mas em geral o resto da população favoreceu e aprovou os seus procedimentos (...)?. Se pudermos dar mais um crédito de confiança a Heath, Cromwell não foi “atingido” pelo conflito mais do que pela questão do dinheiro de navio, e em conversa com os comandantes do exército que se hospedaram em sua casa, a caminho dos combates que deveriam travar, ao norte, deixou bastante clara sua desaprovação às ações do rei. Apesar de tal discurso ter atraído as suspeitas dos militares, ele se tornou ain-

da mais popular em sua vizinhança em virtude da franqueza com que falara tratado — “no geral, todos estavam infeccionados com o puritanismo”.? O

comum a chegou se não mas hostilidades, às fim pôs 1639, em de Berwick, diversa. promisso, visto que os escoceses € O rei o interpretaram de maneira A assembléia escocesa adiantou-se e aboliu o episcopado. no mergulhava Inglaterra a 1640, de ano o aproximava se À medida que pessimismo. Com seus dedos predatórios, a luta envolvera o norte e em breve,

cavaSlingsby, Henry sir 1639, de janeiro Em novo. de tocaria o certamente,

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lheiro do Yorkshire que mais tarde lutaria em defesa do rei, exprimiu o que

provavelmente passava pela cabeça de muitos, durante a Primeira Guerra Es. cocesa, ao descrever o treinamento de um cavalo ligeiro, em Bramham Moor

como “nossa morte pública”. Seu diário registra a seguinte observação: ck um espetáculo deveras estranho ver esta nação que viveu tanto tempo na paz, sem o ruído de tiros e tambores, e depois se manteve neutra e ainda em paz, quando todo o mundo ao redor se levantou em armas e se destruiu com isso

— eu afirmo que é uma coisa por demais horrível que nos engajemos num

conflito entre nós mesmos, permitindo que nosso próprio veneno se avolume

a ponto de nos consumir.” Não era preciso ir ao teatro para entender, através de fabulosas representações, as trágicas revoluções da fortuna humana: “Nós mesmos seremos os atores.”

No princípio de 1640, forçado de certa forma pelo desperdício de dinheiro na guerra da Escócia, e em parte devido à necessidade de ajuda em futuras

confrontações, o rei convocou o Parlamento mais uma vez — esta assembléia tornou-se historicamente conhecida como o Parlamento Curto. No hiato de

11 anos muitas coisas haviam se modificado: o duro Thomas Wentworth, conde de Strafford, o mais competente dos ajudantes do rei, em breve retornaria ao seu lado e, ao chegar da Irlanda, traria consigo, como muitos

temiam, a ameaça de um exército irlandês em condições de esmagar todos os opositores escoceses e ingleses. A este Parlamento Oliver Cromwell compareceu, mais uma vez, não eleito pelo seu antigo distrito de Huntingdon, mas como um dos dois burgueses representantes de Cambridge, sendo o outro Thomas Meautys, oficial do Conselho Privado, uma indicação do governo, por aparente insistência de /ord Keeper Finch. Alguns meses antes da indicação, Cromwell tinha se tornado um “homem livre da cidade” de Cambridge,

mediante o pagamento aos pobres de um 2enny. Isso, juntamente com algum

tipo de alojamento simbólico na cidade, tradicionalmente vinculado a um lugar onde hoje é o quintal da White Bull Inn, em Bridge Street, constituía toda a qualificação essencial exigida. A adoção de Cromwell por Cambridge indica o renome que ele alcançã-

ra, revelando aquele crescimento geral que o habilitava a “lugar e autoridade”

e em virtude do qual “suas qualidades pareciam destacar-se, como se ele tivesse escondido capacidades, até que surgisse a ocasião de usá-las”, comentou Clarendon; assim fora, desde seu desenvolvimento inicial. Além das relações

com o heróico Hampden, Oliver tinha muitos vínculos na área do Midland oriental e arredores; provavelmente, o prefeito eleito de Cambridge, Thomas

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French, tinha parentesco com o dr. Peter French, futuro marido de Robina,

sua irmã.?º Não se tratava mais de um caso particular de influência que assegurasse a eleição. Cromwell já possuía estatura e alguma posição, incluindose nos conselhos do partido oposicionista, dominado — embora não oficialmente liderado, no sentido moderno — por John Pym. Seu alojamento, em Londres, ficava em Long Acre, próximo de Covent Garden e do Strand, naquele enclave em que tantos líderes parlamentares, inclusive Pym, em Gray's Inn Lane, encontraram hospedagem. Participar no Parlamento Curto, para ele, era um direito normal.

Antes de Oliver partir para Londres, os Cromwell tinham se multiplicado e sofrido uma perda. Sua mãe e sua irmã mais moça Robina viviam agora na casa de Ely, com ele, Elizabeth e os seis filhos. Uma de suas irmãs, Jane, casara-se com John Desborough em junho de 1636, trazendo para o círculo totêmico outro futuro colega de Parlamento e líder militar, mais tarde grosseiramente satirizado por Butler, em Hudibras, na pele do “austero gigante Desborough” e motivo de zombarias em panfletos dos partidários do rei por causa de suas origens rurais. Na verdade, Desborough era um noivo perfeitamente aceitável para Jane Cromwell: de uma boa família do Cambridgeshire, filho mais moço do senhor da terra de Eltisley, tendo inicialmente estudado Direito, tornou-se um fazendeiro nas imediações. A família de Oliver aumentou, quase oito anos depois de Bettie, com o nascimento de Mary, em fevereiro de 1637 — ela foi levada de volta a Huntingdon, a fim de ser batizada na Igreja

de St John. Em 1638, no entanto, Francis, a última criança nascida de Oliver e

Elizabeth Cromwell, recebeu o batismo na Igreja de St Mary, em Ely. A família contava então com oito crianças sobreviventes, quatro meninos € quatro meninas, e no início da década de 1630, como todas as demais daquela época, não escapara de algumas mortes prematuras — Elizabeth dera à luz dois bebês que morreram ao nascer. Crescendo, os Cromwell não estavam destinados à se manter intactos e sem alterações. Em maio de 1639, o jovem Robert Cromwell, filho mais velho de Oliver, com 17 anos, mandado com seus irmãos de algumorreu Bourchier, James str avô, seu de casa da perto Felsted, escola à

sregi O . ial oqu par ja igre na ado err ent foi te: den aci ou ida hec con ma febre des a e ent tem , uro fut de az rap um o com , nte ame ari sum ele a tro em latim se refere a perda — teza tris rme eno sa des nça bra lem A .” sas coi as as tod de ma Deus aci a. vid sua de fim o até ll mwe Cro com r ece man per vai — do filho amado ueraq enf se dotin sen e ie, Bett de te mor pela do ngi ati Passados vinte anos,

Paulo que termiSão de to tex um a alt voz em leu e lia Bíb a cido, ele pediu

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nava assim: “Aprendi a estar satisfeito em qualquer situação; já fui diminuído

e elevado (...) com a ajuda de Cristo, que me fortalece.” Repetindo “através de Cristo, que me fortalece”, acrescentou: “Esta escritura salvou minha vida,

quando meu filho mais velho morreu, o que atravessou meu coração como uma adaga (...).” A lâmina no coração, singela imagem da morte de Robert, aparentemente não produziu nenhum efeito no curso de sua vida. Terno com os filhos e as irmãs, ele passou a ter a partir daí, no entanto, um afeto especial por aqueles que como ele haviam sofrido perdas semelhantes. Sua famosa car-

ta ao cunhado Valentine Walton, dando-lhe a notícia da morte de seu filho, na batalha de Marston Moore, emociona por sua objetividade e compreensão.

“Senhor, conheceis meus sofrimentos por essa mesma razão”, escreveu Cromwell; “aí está o seu precioso filho, cheio de glória, que nunca mais conhecerá o pecado nem a tristeza.”? No ano seguinte, se não o satisfez, a política lhe deu pelo menos o consolo da ação. O Parlamento Curto foi marcado por um requerimento de John Pym, moderado, mas num tom firme, reivindicando que os direitos do Poder Legisiativo fossem reconsiderados. O grande leão parlamentar era então um veterano de 55 anos. Num discurso excepcionalmente longo para os padrões da época — quase duas horas — ele convocou a Câmara dos Comuns a realizar uma reforma geral a partir de todas as queixas religiosas e políticas feitas ao rei. Seu discurso começava com palavras inspiradoras — “Os poderes

do Parlamento, no corpo político, equivalem às faculdades da razão, no tocante à alma do homem” — e terminava propondo legislaturas anuais, pois

um longo intervalo entre as sessões “contrariava os dois estatutos em vigor”. Quando se sentou, todos na Câmara ergueram-se, bradando: «Ótimo discurso!” No entanto, o Parlamento foi dissolvido algumas semanas mais tarde, tendo o rei rejeitado, na prática, a perspectiva de Pym a respeito do corpo político.?? Carlos I, no entanto, foi incapaz de chegar a um acordo com os escoceses e envolveu-se numa nova ação militar contra eles: a Segunda Guerra dos Bispos. Em meio a todos os problemas financeiros e suspeitas, a ausência do

Parlamento não podia ser mantida. Reconvocado no outono, nele estava presente Oliver Cromwell, eleito mais uma vez por Cambridge, só que agora

mais afinado com seu companheiro de bancada, o puritano Jobn Lowry, ho-

mem do lugar e membro do conselho dos 24, que derrotara Meautys, indica-

do pelo governo. O partido oposicionista considerou o significado dessa eleição de enorme importância.”

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O Parlamento Longo instalou-se no dia 3 de novembro. A data correspondia ao aniversário daquela legislatura em que, sob Henrique VIII, Wolsey caiu e as abadias foram dissolvidas; por isso, alguns membros tentaram persuadir o arcebispo Laud a propor um adiamento, a fim de evitar a nefasta coincidência. Confiando nos príncipes, talvez como Wolsey o fizera antes, o arcebispo se recusou. A composição do Parlamento que se apresentava diante do rei era obviamente de importância vital. Pesquisas recentes forneceram algumas estatísticas interessantes que permitem uma estimativa sobre a atuação

de Cromwell: afinal, ele seria o homem que iria emergir ao final da assembléia — “aquele longo, ingrato, tolo e fatal Parlamento”, segundo John Evelyn — e ao longo de inacreditáveis 13 anos, como o incontestável governante da Inglaterra.” A primeira coisa a se notar é que Oliver não se integrou aos jovens radicais; aos 41 anos, fazia parte da metade dos membros mais velhos. A bem da verdade, o tempo iria demonstrar que os partidários do rei contavam ainda menos idade — em média, 35 anos —, mas deve-se

salientar que, em 1640, Cromwell já pertencia à categoria dos políticos conhecidos. Estava, por exemplo, entre os cerca de duzentos membros que já haviam participado de um Parlamento anterior, e o fato de que a maioria desses homens experimentados estivesse a favor do Parlamento — 128 contra 75 partidários do rei — certamente representou uma poderosa força para os seus líderes.” Estavam em jogo, fundamentalmente, os interesses dos proprietários de terras, seguindo-se os dos advogados e comerciantes, bem como os de outras categorias mais populares. Além disso, o Parlamento Longo punha em evidência as ramificações parentais da sociedade inglesa; um enorme número de membros possuía vínculos entre si, nenhuma facção mais do que a de Pym, à qual Cromwell pertencia, conforme já foi enunciado. Com o mesmo nível educacional universitário e experiência comum nos tribunais, cerca de 150 parlamentares, como ele, tinham o mesmo tipo de formação — forjando alianças políticas a partir de laços familiares e proximidade geográfica; assim, típico participante desse culminante Parlamento, Oliver não era um neófito, se bem que não fosse um líder. Sua primeira aparição pública, entretanto, foi auspiciosa. Ele defendeu empedernimais seus de um seria ironicamente que Lilburne, John um certo

cia rên apa a ha tin te tan ins e uel naq que mas os, xim pró s ano dos opositores, nos fora sentenele s, ido tec de te ian erc com um de iz end apr igo Ant . tir már de um pena uma rer sof e o inh our pel o pel sar pas o, ead cot chi ser ta, mul uma a ciado

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de prisão pela distribuição de panfletos não permitidos, inclusive um de William Prynne. No cárcere, Lilburne demonstraria um pouco de seu futuro

ímpeto, justificando a fama de “homem turbulento, que nunca está calmo”, ao

escrever um relato dos padecimentos que suportou, sob o título de The Work of the Beast [O trabalho do demônio], contrabandeado para fora das grades, Podemos avaliar o clima reinante pelo fato de que Bastwick, Burton e Prynne tinham retornado a Londres, recentemente, “como três Césares conquistado-

res, a cavalo”, segundo um panfleto da época. A indignação de Cromwell se incendiava com a idéia de que o jovem Lilburne tivesse sofrido punições tão selvagens e ainda permanecesse numa cela, expiando a culpa de ter distribuído textos proibidos. Ele foi fazer parte da comissão da Câmara que investigava o assunto e que incluía Pym, St John e Hampden.* Numa dramática coincidência, sir Philip Warwick, político e historiador realista, testemunhou o discurso de Cromwell na comissão e dele deixou um

relato para a posteridade, em suas memórias, onde relata que estava de visita à Casa dos Comuns, quando observou um cavalheiro falando — para ele, um

estranho. “Bem vestido”, como teve o cuidado de frisar, Warwick julgou a

aparência do desconhecido pouco atraente. Ainda que de boa estrutura física, trajava uma roupa de corte ordinário, que parecia ter sido feita por um mau alfaiate rural. Além disso, o vulgar tecido de linho não estava muito limpo — uma ou duas manchas de sangue cobriam praticamente todo o colarinho; esse descuido geral se completava com a falta de uma cinta no chapéu. A Câmara dos Comuns, no entanto, ao contrário de sir Philip, era indiferente a esses detalhes. A eloqiência do orador, apesar da sua “aparência corada e inchada, à voz aguda e desentoada”, soava inegavelmente cheia de fervor. Através de um conjunto de fontes podemos esboçar um retrato de Cromwell, aos 41 anos, e tal como ele se manteria, sem qualquer mudança,

até uma avançada meia-idade. A primeira versão — pintada por Robert Walker — data de 1649; provavelmente, existem outras anteriores, datadas

de 1643 e 1646, mas essa mostra pouca diferença em relação aos mais refinados trabalhos de Cooper e Lely, elaborados durante o Protetorado. Há uma concordância geral sobre seu aspecto corado. Um indelicado comentarista, anos mais tarde, Samuel Butler, talvez, referiu-se ao seu rosto “cor de couro”, de tal sorte que não precisava de nenhuma armadura — “sua pele

parece uma cota de malha enferrujada” —, comparando-o a um pedaço de madeira ou a uma amêndoa. Mais caridoso, Richard Baxter limitou-se à destacar sua tez sangiiínea.

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Já Walker nos mostra um rosto que certamente não era bonito nem repulsivo. Nele vemos um homem de altura mediana — algo em torno de 1,70m —, “bem-proporcionado, mais do que alto”, segundo Flecknoe — “forte e dotado de uma constituição robusta, um aspecto leonino, fisionomia

que denotava o verdadeiro caráter de todos os grandes homens e grandes generais”. A fisionomia é marcada por pômulos largos, emoldurada por cabelos castanhos, ligeiramente encanecidos em virtude da passagem dos anos, com-

pridos, e com pequenas entradas numa testa alta; boca curva e bem formada. As famosas verrugas, delineadas com mais cuidado por Cooper, sobressaíam na área em torno do olho esquerdo, abaixo do lábio inferior, a mais proeminente delas sobre a sobrancelha esquerda. O belo nariz, mais tarde alvo de sátiras, tinha uma ponte ossuda e indiscutivelmente longa, dando a impressão

de ser perfeitamente harmonioso, e não a probóscide malévola criada pelos caricaturistas. De fato, dá um bom equilíbrio ao rosto que, como dizia Carrington, apresentava um ar essencialmente másculo.” Contudo, são os olhos, e não a bitácula, a característica mais marcante

desse semblante, de uma cor entre verde e cinza, sombreados por pesadas pálpebras, bonitos e expressivos de uma “aguda bondade”, conforme o elogio de Marvell. A expressão nervosa, quase apreensiva, que aparece no retrato feito por Walker, contrasta a fisionomia “grande e marcial” de Flecknoe. É o olhar introvertido e melancólico da alma do peregrino que nos fita, apesar de toda a parafernália do guerreiro audacioso e confiante que o cercava, a faixa, a armadura, o bastão e a espada. Em seu apogeu, Oliver Cromwell foi essencialmente um homem de porte, digno, cuja indiferença aos detalhes da aparência — pois ele nunca perdeu muito do descuido notado por sir Philip Warwick — levava observadores a uma admiração relutante e à insidiosa suspeita de que tais refinamentos não eram, afinal de contas, tão importantes. Em 1640, ele já tinha o jeito de alguém que merecia ser observado por algum inquisitivo colega no Parlamento. Por outro lado, através de alguma veia de simplicidade, ou certa insegurança típica de sua própria natureza, havia nele também um tipo de atração peculiar, um estranho charme composto de autoridade e humildade, sentido por aqueles que foram seus íntimos, mas quase pela inteiramente fora do alcance das gerações posteriores, influenciadas época na tanto realeza, da partidários dos difamações de quantidade grande

quanto depois na Restauração. tamsenão aparência, sua apenas foi não Longo Parlamento do início No

bém seus argumentos que chamaram a atenção. Discorrendo sobre a injustiça

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praticada contra Lilburne, segundo as palavras preconceituosas de Warwick,

Cromwell “denunciou o aprisionamento deste homem pela Mesa do Conse. lho de forma tão exagerada que se poderia acreditar que o próprio governo

corria algum risco por isso”. Se bem que Warwick finalize dizendo que seu respeito pela comissão diminuíra bastante em virtude do incidente, o mais importante é que ele admite o fato do orador ter conquistado a audiência.

Elevado a alturas tais que o próprio Warwick pôde ridicularizar, esse apaixonado apelo em prol da justiça, por absurdo que fosse, deixou sua marca nos

contemporâneos de Cromwell. Na mesma ocasião, muito provavelmente pouco depois desse discurso, sir Richard Bulstrode relatou em suas memórias um incidente. Lord Digby, um dos seguidores de Hampden, notando que este tentava alcançar Cromwell, descendo desajeitadamente as escadarias da Câmara dos Comuns, também criticou a sua aparência descuidada, indagando de seu líder quem era aquele homem “que está do nosso lado, conforme pude observar, pela forma calorosa

com que discursou hoje”. Hampden garantiu que “este sujeito de ares negligentes que você vê diante de nós, e cuja retórica dispensa maiores floreios, se algum dia houver um confronto com o rei — que Deus nos impeça — será um dos grandes homens da Inglaterra”.'* A profecia testemunha a visão de John Hampden e a crescente autoridade de Oliver Cromwell.

gu dm

ESSAS ERR 4 Grande Reprimenda Posso dizer-lhes, senhores, o que não quero; quanto ao que quero, nem eu próprio saberia responder. CROMWELL,

em conversa, em 1641

e um agitador político é alguém que move, sacode, perturba e excita, então com certeza Oliver Cromwell foi um deles nesse período de 22 meses, desde o início do Parlamento Longo, até o desencadeamento da guerra civil. Longe de ser um tempo de relaxamento anterior à batalha ou uma época de obscuridade política, foi uma fase extraordinária de trabalho constante, semelhante ao de uma formiga. O registro das comissões de que ele participou, os detalhes com os quais se envolveu, os assuntos que tratou mostram-no como um dos mais assíduos entre os homens de confiança de Pym, assim conhecido no ambiente parlamentar, ainda que não necessariamente no conjunto do país. Alguns dos temas que polarizavam seu interesse mantêm um padrão icas. polít — itos once prec ou — ões ileç pred suas às o ciad asso vel, identificá ele agiu, que lam reve ções rven inte suas de dade inui cont à e ro núme o Mas to. amen Parl no iros anhe comp seus de z a-vo port um como de certa forma, idades, além da qual s outra ía possu well Crom te, adian mais verá se Conforme

discurso tiSeu as. coleg aos avam mend reco o que lho, traba sua capacidade de

efetivo ente osam curi mas el, visív impre te, cien impa za, rude de nha um traço Nesse da. ataca o send esse estiv da eleci estab de rida auto a num debate em que pode chamar da espa uma a, Igrej da ou a Coro da des iida inig às contexto, face

mais atenção do que um florete.

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Os comitês da Câmara dos Comuns, como já vimos, funcionavam meto.

dicamente, para evitar o controle do rei. À medida que as relações entre 0 monarca e os parlamentares pioraram, sua importância aumentou, ao mesmo

tempo que se tornaram mais numerosos: um ardente membro da oposição seria o que hoje chamaríamos de “diligente integrante de comissões”. Segundo os registros, ticipou, uma se esquecera radores dos

Cromwell merecia tal descrição. Mas, entre as várias de que pardelas, estreitamente vinculada a seu passado, prova que ele não de sua antiga causa — a injustiça social praticada contra os moFens. Quase imediatamente após a abertura do Parlamento,

Oliver foi indicado, juntamente com outros 32 membros, para formar um grupo encarregado de analisar as reivindicações referentes às disputas nas regiões pantanosas, e, em maio do ano seguinte, assumiu com veemência a cau-

sa dos pobres de Ely e Huntingdon. Estes “comuns? tinham encaminhado à Câmara reclamação contra o cerco de alguns terrenos, a mando de /ord Mandeville* — um ato que violava o acordo, pois feito antes que a drenagem fosse concluída, e em terras oriundas do contrato de casamento da rainha Henrietta Maria, a ele vendi-

das pela soberana. Em represália, as barreiras tinham sido violentamente derrubadas pelos comuns, que tomaram a lei em suas próprias mãos, sem esperar resposta às petições. Mandeville, por sua vez, requereu à Câmara dos Lordes a manutenção do status quo, pelo menos até que se alcançasse uma solução. Data daí a intervenção de Cromwell, defendendo resoluta-

mente os direitos dos comuns, e indo além, declarando que a Câmara dos Lordes, ao ordenar que a posse da terra fosse mantida por Mandeville, en-

quanto a Câmara dos Comuns considerava a demanda original, ferira OS

privilégios desta Casa. Três semanas mais tarde, sem nenhuma resposta

acerca da questão dos comuns ou sobre a quebra de privilégios por parte

dos lordes, ele levantou a questão, mais uma vez, afirmando que o pai de

Mandeville enviara sessenta intimações aos “pobres habitantes do Hun-

tingdonshire, acusando-os de terem derrubado as cercas”, solicitando que

fosse renovada a comissão sobre o contrato de casamento da rainha, antes

que se considerasse a petição dos comuns.

*O visconde de Mandeville sucedeu a seu pai, como conde de Manchester, em novembro de 1642, e com esse título tornou-se um líder da guerra civil. Elevado à Câmara dos Lordes,

em 1625, por seu próprio direito, como lord Montagu, de Kimbolton, também foi chamado de Kimbolton al gumas vezes.

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Reconstituída em 29 de junho de 1641, ainda com a participação de Cromwell, a comissão era presidida por Clarendon — na época, ainda Edward

Hyde —, que descreveu seus resultados no seu livro Life [Vida]. Desde o início, Oliver “mostrou-se preocupado em patrocinar e auxiliar os peticionários”, presentes em grande número, juntamente com suas testemunhas. Ele orientou

os depoimentos e os requerentes sobre como apresentar seus testemunhos e, posteriormente, apoiou e ampliou o que haviam dito apaixonadamente. Sem dúvida encorajados por essa ajuda, e sendo “uma gente muito rude”, na opinião de Clarendon, os impetrantes interrompiam o defensor de Mandeville, assim como os que haviam sido arrolados a seu favor toda vez que diziam qualquer coisa que julgassem desfavorável. Afinal, do alto de sua posição, Hyde foi obrigado a repreender a barulhenta assistência, repetida e duramente. Em consequência, Cromwell acusou-o de estar sendo parcial e tentando atemorizar as

testemunhas com ameaças. Quando a comissão endossou a atitude da Presidência, Cromwell, já meio irado, ficou totalmente fora de si. Em resposta ao discurso moderado e calmo com que Mandeville relatava os fatos — em virtude do seu casamento com a filha do conde de Warwick,

ele tinha sido cooptado pela facção puritana dos Lordes —, Cromwell falou “de forma tão indecente e rude, e numa linguagem tão hostil e ofensiva (...) demonstrando uma atitude tão tempestuosa e um comportamento tão insolente”, que Hyde o repreendeu com severidade, ameaçando suspender a sessão e queixar-se ao plenário da Câmara na manhã seguinte.? É bem verdade que ao relatar o episódio Clarendon recordou fatos passados muitos anos antes, mas nem por isso o quadro pintado por ele perde credibilidade. Este é o mesmo Cromwell que atacara Barnard, em Huntingdon, com discursos inconvenientes e vergonhosos, e atraíra a atenção de sir Philip Warwick com sua incendiária defesa de Lilburne. O caso dos pobres “comuns” dos Fens era secundário, produto da piedade privada e da indignação pública. O trabalho mais importante que Cromwell de-

senvolveu nas comissões, até o final de 1641, pelo menos, foi sobre a religião e

as práticas da igreja institucional, foco de sua maior paixão e interesse. Ele atuou, por exemplo, no comitê que analisou as queixas contra o bispo de Ely,

entusiástico partidário de Laud e opositor vociferante dos puritanos, nos condados orientais. Posteriormente fez parte do grupo que discutiu um “Ato de abolição da superstição e da idolatria, para o melhor desenvolvimento da verdadeira

adoração e do serviço a Deus”, abertamente adverso à Igreja Anglicana. Em 9 de fevereiro de 1641 pronunciou um discurso contra sir John Strangeways,

86

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FRASER

denunciando sua sugestão de que a abolição do episcopado e a paridade na igreja produziria efeito similar na comunidade, visto que os bispos eram parte dos três estados, tendo assento na Câmara dos Lordes. Cromwell conside. rou o argumento absurdo e, manifestando-se com a habitual veemência, fo;

interrompido e repreendido devido à sua linguagem não parlamentar. Ante a proposta de que se desculpasse frente à Câmara, Pym e Holles alçaram-se em sua defesa, sugerindo que seria mais sensato chamá-lo a explicar os termos que empregara. Isso simplesmente deu oportunidade a Cromwell para reiterar sua oposição ao episcopado com um argumento adicional: ele não via nenhuma razão para as suas grandes receitas e, mais do que nunca, “estava convencido de que a hierarquia romana não suportaria ver questionadas as irregularidades que cometera e sua própria condição”. Em dezembro de 1640, a Câmara dos Comuns tinha deposto o arcebispo Laud: em março, ele foi preso na Torre de Londres. No intervalo, a fé e a organização da Igreja Anglicana passaram para segundo plano, devido às ações dos escoceses, que em suas Demands towards a Treaty [Condições de um tratado] — base de negociação com o rei — incluíram um artigo reivindicando a religião presbiteriana, pré-requisito ao estabelecimento de “uma paz duradoura entre as [duas] nações”. Mais tarde, toda a questão referente à uniformidade exigida pelos presbiterianos e rejeitada por aqueles que ficaram conhecidos como “independentes” assumiu importância vital nas relações entre o Parlamento, os exércitos e o povo da Escócia. A “independência”, descrita por um historiador como “uma forma de calvinismo descentralizado”, baseava-se na teoria de que a autoridade religiosa pertencia às comunidades locais, visto ter Cristo, deliberadamente, escolhido certas pessoas para “caminhar juntas”. Acreditava-se, assim, que cada grupo de

eleitos, em cada localidade, manteria um poder próprio e autônomo, decidindo

os seus próprios destinos religiosos. Desta forma, por sua natureza mesma, OS “independentes” toleravam muitos tipos de opinião, representativas de diferen-

tes contrarias. Os congregacionalistas, por exemplo, com suas “igrejas agrega

das” sob a inspiração de Cristo, eram “independentes”, ainda que nem todos 08

“independentes” fossem necessariamente congregacionalistas.* Os pres-

biterianos, por outro lado, cuja denominação deriva do grego presbíteros [mais

velho ou ancião], submetiam-se ao controle político central da Assembléia Nacional Escocesa, cujo dever religioso consistia em impor a uniformidade de

crença. Contudo, presbiterianos e “Independentes” concordavam que os bispos, obviamente, não tinham nenhum papel a desempenhar na teocracia de qualquer uma das seitas, e daí as reações violentas de Cromwell contra os bispos.

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87

Mais tarde, na luta que se travou nas fileiras do exército, entre estas duas

pontas de lança antiepiscopais, Cromwell emergiria como um dos principais “independentes”. Por enquanto, todavia, sem maiores elementos de convicção, ele apenas se dedicava a pensar no assunto. Em fevereiro de 1641 solicitou a

outro “querido amigo”, o sr. Willingham, de Swithin's Lane, em Londres, um

documento que expunha as razões dos escoceses, justificando suas exigências de uniformidade religiosa, expressa no artigo oitavo de seu Pacto. Willingham, certamente, tinha alguns contatos com os escoceses. “Estou me referindo ao que já recebi de você anteriormente”, escreveu Cromwell: ele queria ler algo mais a respeito antes que o tema voltasse a ser debatido, o que se daria muito breve.” Talvez essa busca interna da religião, contrastando uma vez mais com: a violência exterior da palavra, possa explicar seu completo silêncio sobre a questão de Strafford, o servidor do rei que foi deposto, julgado, sentenciado e finalmente executado, no princípio de maio de 1641. O nome de Cromwell só é mencionado em virtude de uma inferência religiosa: ele sugere, no que se refere à deterioração da situação irlandesa pela qual se culpava Strafíord, que a Câmara dos Comuns deveria considerar formas de “expulsar os papistas de Dublin”. A sugestão revela o rumo de seus pensamentos, explicando o prolongado envolvimento com os assuntos irlandeses, a partir da primavera do ano seguinte. A aprovação de um documento conhecido simplesmente como Protesto, um tipo de Pacto Nacional Inglês, aprovado por unanimidade em ambas as câmaras do Parlamento, em 3 e 4 de maio de 1641, com certeza contou com

a participação ativa de Cromwell na sua elaboração: foi por desejo seu que nele se incluiu um Juramento de Associação. O texto final comprova, pública e energicamente, a que níveis chegara a insatisfação diante das políticas do

rei e de sua Igreja. Havia referências a tentativas de subverter as Leis Fun-

cio de oum govera e de introduzir o exercí damentais da Inglaterra e da Irland ana ri j ;

a ai no arbitrário e tirânico”, assim como alusõesemais familiares a “jesuítas e outros seguidores da Sé de Roma”, que estariam solapando as bases da verda-

deira religião. Aludia-se também aos problemas deliberadamente fomentados entre o exército inglês e o Parlamento, ao “exército papista organizado na Irlanda”* e ao uso das receitas reais.

iciai is, bem c omo seu co"Organizado, na realidade, por Strafford, a maior parte de seus oficia mandante — Ormonde — eram protestantes.

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O Protesto terminava com um juramento de manutenção da religião protestante reformada e de lealdade ao rei e aos “poderes e privilégios do Parla. mento, e direitos legais de seus súditos”. Cromwell e Lowry, representantes de Cambridge, escreveram ao prefeito e aos conselheiros da cidade chamando

atenção a respeito dos preâmbulos e do compromisso firmado pelos membros

da Câmara, diziam eles, com entusiasmo e determinação. Sua intenção era

claramente a de inspirá-los no mesmo sentido, posto que se tratava de uma ação digna de ser imitada: “Como corpo representado, vocês deverão declarar seu apoio à prática de seus representantes. Estar de acordo é, em si mesmo, merecedor de elogios (...). O resultado pode vir a ser — com a bênção do Todo-Poderoso — a estabilidade e a segurança de todo o Reino. A união traz a força, e é terrível para os adversários (...).”? De fato, o Parlamento estava descobrindo isso rapidamente. O próximo empreendimento cooperativo a que Cromwell foi publicamente associado, a chamada Lei das Raízes e Ramificações, caso aprovada, poderia ter sido letal aos seus adversários eclesiásticos. Propondo, pura e simplesmente, a eliminação dos bispos, a norma tirou seu nome de uma petição anterior, exigindo a abolição do episcopado, “suas dependências, raízes e ramificações”. Inicialmente apresentada ao Parlamento por sir Edward Dering — posteriormente, ele relatou tê-la recebido de sir Arthur Haselrig, momentos antes do debate, que por sua vez a encaminhara à pedido de Cromwell e sir Henry Vane, o jovem —, sua autoria foi atribuída

por Clarendon a Oliver St John; “lúgubre e sombrio”, o primo de Cromwell

nunca perdoara a Star Chamber por havê-lo processado por conspiração sedi-

ciosa. A participação de Haselrig, Vane e Cromwell é muito mais provável — Dering não teria nenhum motivo para inventar tal história. Além disso, passando para o campo realista e episcopal, ele publicou um livro em que dava as iniciais dos envolvidos com a questão: S.A.H. e O.C.

Ainda que a lei propriamente dita tenha sido subsegientemente abando-

nada, a Câmara aprovou medidas inegavelmente puritanas, por exemplo, à proibição de esportes no dia do Senhor e de “reverência corporal” ao nomé de Jesus; a remoção das grades que impedissem o acesso aos locais de comunhão e de “pinturas escandalosas”, como as existentes nas igrejas da Trindade

e da Virgem Maria. A postura de Cromwell face à religião anglicana não se amenizou com a passagem do ano; tomando parte num debate, ele falou abertamente contra o Livro de Orações Comuns, dizendo que “havia nele diver-

sas passagens que propiciavam aprendizado aos pecadores e às quais não deviam submeter-se nem praticar os que favoreciam ao Divino”. No dia 8 de

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setembro aprovou-se uma moção proposta por ele e referente a um de seus temas prediletos — sermões. Conforme ficou estabelecido, as prédicas seriam lidas nas tardes de domingo e em todas as paróquias da Inglaterra — particularmente aquelas que ainda não o faziam, provavelmente para dar-lhes uma lição acerca do progresso religioso. No início da sessão seguinte do Parla-

mento, em 20 de outubro, Cromwell apoiou uma lei que excluía os bispos da Câmara dos Lordes — o que aquela Câmara, naturalmente, rejeitou; seus discursos subsegientes refletiram a amargura que ele sentia pela permanência do direito de voto dos prelados.” Durante o verão de 1641, enquanto Laud definhava na Torre de Londres e o corpo decapitado de Strafford jazia em paz, finalmente, na tumba familiar, em Wentworth-Woodhouse, os ataques diários contra as posições da monarquia mostravam que, se tantos sacrifícios não haviam sido em vão, de nada valiam para deter a maré crescente de críticas parlamentares. Uma pletora de leis radicais estava em preparo, inclusive um Ato Trienal que impedia a dissolução do Parlamento por vontade do rei, exclusivamente, e medidas que visavam à

extinção da Star Chamber e da High Commission, bem como do dinheiro de navio e de multas por desflorestamento ou que penalizassem os que não tinham sido armados cavaleiros, como acontecera a Cromwell. Em agosto, o monarca ordenou que se preparasse uma expedição que deveria acompanhá-lo à Escócia; Pym e seus associados opuseram-se a isso, e Cromwell indagou qual a necessidade da viagem e por que deveria ela realizar-se em tal “ocasião particular”. Os membros da Câmara desconfiavam que o soberano tinha a esperança de conseguir o apoio dos escoceses contra os seus intratáveis súditos ingleses. Pro-

vavelmente, Carlos I pretendia organizar um exército, tarefa mais fácil no norte, longe de Londres. Uma possível conspiração militar já causara certo pãnico. Cromwell respondeu de público à sua própria pergunta: “passando pelo estaria em rei do oa pess a , cia” Escó na ões, facç de nte leva “o ante e ” cito exér

erigo.!º

'

muito concretapossibilidade a reforçava I Carlos de tortuosa l natureza

ao jogando posição, sua de vantagem grande a usar de alcance mente 40 seu

vitória final. As intersua favorecer para lados, os todos com tempo mesmo consideratais que comprovam Pym de objeções as e venções de Cromwell

no Paroposição, pela travados debates nos presentes ções sempre estiveram que também significativo muito É disputa. da lamento, desde o início não ou presença à importância maior davam Cromwell estivesse entre os que

11 anos então contava II Carlos futuro o expedição; na do príncipe de Gales

90)

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de idade. Oliver exigia que ao marquês de Hertford, seu preceptor, se Juntas-

sem dois puritanos, /ord Bedford e lord Saye&Sele. Em outubro, durante os

confrontos sobre a educação do herdeiro do trono — dotado de uma personalidade tão insatisfatória como a de seu pai — visando a assegurar que dele só se aproximassem pessoas “seguras”, e mais tarde, em janeiro de 1642, Oliver

também desempenhou seu papel. O caráter dos príncipes no desenrolar dos eventos já se revelara um fator de grande importância — e não seria ele,

preocupado com a orientação das crianças, em geral, que negligenciaria o

assunto. A visita à Escócia não granjeou o apoio com que Carlos I contava. Segun-

do o relato de sir Patrick Wemyss, em carta enviada de Edimburgo, no final de setembro, assistiu-se ao triste espetáculo de um rei cercado por escoceses hostis: “daria pena ao coração de qualquer homem ver como ele se encontrava;

pois nunca esteve calmo entre eles e sentia-se muito feliz ao deparar-se com

qualquer um que julgasse de confiança”. A descoberta de uma conspiração conhecida como o “Incidente”, resultado do trabalho de alguns dos seguidores menos escrupulosos do rei, com o objetivo de assassinar os líderes escoceses mais importantes, inclusive Argyll, contribuiu muito pouco para melhorar a convivência de Carlos I com os que o rodeavam.! Os extremistas parlamentares, por outro lado, cheios de entusiasmo, acreditavam estar testemunhando a realização gradual mas gloriosa de seu programa divino. Em contraste com a situação do rei, sentiam-se cheios de expectativas. No dia 7 de setembro, os sinos das igrejas de toda a Inglaterra tocaram em agradecimento pela paz com a Escócia, finalmente concluída. O Parlamento teve o privilégio adicional de ouvir dois enlevados sermões de Stephen Marshall, amigo de Pym, e de Jeremiah Burroughes, ambos acentuando a natu-

reza maravilhosa daquele ano — um Aunus Mirabilis —, maior mesmo do que

o ano de 1588, dedicado à Armada. Um “verdadeiro jubileu e a ressurreição da Igreja e do Estado” deveriam ser aguardados para muito breve.!? Em que pese às tristezas de Carlos I e a euforia de Marshall e Burroughes,

no outono, a maré de queixas gerais contra a Coroa dava mostras de algum récuo, ameaçando deixar Pym e sua irmandade expostos nas margens. O espectro de uma conspiração militar, capaz de suscitar as desconfianças populares contra O rei, desapareceu com a dissolução do exército. E nem era tampouco simpático O comportamento extravagante de alguns sectários, incitados talvez por sentimentos como os de Marshall. As declarações do soberano, que manifestar

sua vontade de restaurar as bases da Igreja de Elizabeth, ao voltar da Esc ócia,

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tinham encontrado um eco muito grande. Assim, reforçando aqueles medos

de “papismo” que sempre constituíram a coluna vertebral dos receios do povo, o reino da Irlanda, origem de tantos presságios tempestuosos na histó-

ria futura da Inglaterra, lançou mais um de seus eternos trovões e desencadeou, de novo, suposições desfavoráveis ao rei. O levante irlandês de outubro de 1641 surgiu numa conjuntura em que a

administração existente — o Lord Deputy* e o Conselho governavam juntamente com o Parlamento irlandês — enfraquecera-se ininterruptamente, des-

de o fim do firme governo de Strafford. Ainda que, ao desaparecer, aquele grande homem forte tivesse assegurado que os irlandeses estavam “tão completamente satisfeitos e bem vinculados à pessoa e ao serviço de Sua Majestade quanto seja possível desejar”, sua ausência deixou um crescente vazio a partir do qual os diversos habitantes da ilha, representando muitos e diferentes interesses — religiosos, vinculados à posse de terras e políticos —, rapidamente tentaram levar vantagem.!' Desde o final do século anterior, o catolicismo ressurgira graças à crescente presença dos padres, principalmente jesuítas. Nesse meio-tempo renovavam-se as plantações em terras pertencentes a ingleses, o que causava ódio e ressentimento, assim como sofrimento

concreto aos que tinham que abrir caminho para isso. Talvez as causas profundas do levante irlandês se relacionem aos primeiros povoamentos de colonos estrangeiros, normandos, ingleses ou escoceses. Considerando-se a situação da Irlanda no século XVII, e na década de 1640 em particular, pode-se ter uma visão clara da enorme variedade de tipos de ingleses e anglo-irlandeses anglicanos, anglo-irlandeses católicos, irlandeses católicos e escoceses presbiterianos que, com razão ou sem ela, habitavam a ilha. Em muitos casos, sua presença já contava muitas gerações — se bem

que só fosse suficiente para dar aos imigrantes o sentimento de um direito pa-

triótico. As muitas diferentes naturezas das diversas invasões da terra irlandesa, ou anglo-irlandesa, ocorridas em épocas sucessivas, fizeram com que cada

leva de colonos ingleses tendesse a ser assimilada pelos padrões locais, dando

a impressão ao grupo recém-chegado de encontrar somente naturais do país.

Eventualmente, o governo de Londres apossava-se das suas terras, como se eles não passassem de “meros irlandeses”. Famílias importantes, de antigo sangue irlandês, como os Fitzgerald, eram mais raras do que muitas de ascen/ord por chefiados exemplo, por Butler, os inglesa; ou normanda dência “Substituto interino do Lord Lieutenant, ou vice-rei da Irlanda. (NV. do T.)

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Ormonde, consideravam a Irlanda sua terra natal, mas ainda mantinham mui tos vínculos com a Inglaterra. Tal qual a verdade, raramente pura e nunca

muito simples, a etnia irlandesa não tinha nenhuma limpidez, e sua sociedad e

era o reverso da simplicidade. No entanto, a estrutura íntima e complicada da Irlanda, em 1641, não constituía um assunto mobilizador, do ponto de vista dos elementos puritanos da Câm a-

ra dos Comuns, inclusive Cromwell. Uma reação de simples e apaixonado horror ao levante — ou rebelião, como foi chamada na época pelos ingleses — orig inou-se de notícias sobre o massacre de homens, mulheres e crianças ingleses, ex-

pulsos de suas casas para serem mortos a fio de espada ou perecer de fome e de frio a caminho de Dublin. Nasceu assim a lenda acerca do morticínio irlandês. No que se refere à geração de Cromwell, evidentemente, a lenda é mais importante do que a realidade, porque foi ela que teve tanta influência sobre a sua geração na Inglaterra. No entanto, segundo a exatidão histórica, não existe nenhuma

evidência concreta de que tal carnificina tenha realmente ocorrido.* Sem dúvida, houve grandes sofrimentos entre os colonos ingleses. Expulsos durante O inverno, a fome e o frio foram certamente responsáveis por muitas mortes desnecessárias. No tocante à violência, mesmo que tenham ocorrido alguns casos isolados, nada se terá comparado à vingativa política

institucionalizada pelo comandante inglês, sir Charles Coote. Em qualquer circunstância é importante notar que os participantes jamais

deram seu testemunho sobre um massacre, mas acerca de uma tentativa de re-

belião. O primeiro depoimento fundamental a respeito da questão, incluído no relatório do deão Henry Jones para a Câmara dos Comuns na primavera de 1642, preocupava-se muito mais com as intenções do que com os acontecimentos. De 85 declarações prestadas, apenas 16 mencionaram assassinatos, e as primeiras 55 referiam-se somente ao uso de palavras ameaçadoras. Jones

buscava provar a ocorrência da rebelião e a intenção criminosa era relevante, embora não corroborasse um massacre. Em

1646, sir John Temple, em sua

History of the Horrid Rebellion in Ireland [História da horrível rebelião na Ir-

landa], que causou grande impacto entre seus contemporâneos — e quê, incidentalmente, foi impressa três anos antes do desembarque de Cromwell

naquelas terras —, converteu o material de Jones, de evidência meramente putativa, em provas de um fato real.!t Ea

nine,

Walter D. Love, Civil War in Ireland: Appearanc es in Three Centuries of Historical

E

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A temperatura da opinião pública inglesa, naquele momento, reflete a

convicção então predominante — o povo estava convencido de que a chacina

ocorrera mesmo —, razão por que, oito anos depois, Oliver Cromwell foi

acusado perante o tribunal da humanidade por ações praticadas contra os irlandeses. Nesse caso, a evidência é unânime: os protestantes ingleses consideravam artigo de fé que esse cruel e desumano extermínio de mulheres e crianças inocentes, com uma característica muito marcante de guerra santa, tinha se desencadeado em toda a Irlanda. Em sua narrativa, sir John Temple referese a um depoimento que menciona a morte de mais de cem mil pessoas, entre outubro e abril; Clarendon estima terem morrido entre quarenta mil e cinquenta mil. Edmond Ludlow, em suas memórias, reflete tanto o senso comum quanto os exageros existentes: “Aquele reino [da Irlanda] está cheio de papistas. (...) A mortandade de muitos milhares de protestantes por lá, certamente, deve ter dado prazer ao rei Carlos [1].” Em seu diário, Whitelocke

comentou “esta hedionda e negra rebelião, que não pode encontrar paralelo nas histórias de qualquer outra nação”. O dr. Bate, médico partidário do rei, acrescentou uma nota ainda mais selvagem, lembrando que muitos milhares

foram barbaramente assassinados, independentemente de sua idade ou sexo, “como um sacrifício humano à sua própria superstição”. As estimativas sobre o número de mortos dispararam. Lucy Hutchinson, por exemplo, acreditava em mais de duzentos mil e garantia que se o castelo de Dublin tivesse sido

surpreendido, o que quase aconteceu, “não teria sobrado nenhum protestante naquele país”. John Milton, em seu First Defence of the State of England | Primeira defesa do Estado da Inglaterra], publicado em 1649, cita os mesmos duzentos mil mortos e feridos, aduzindo que os irlandeses, “uma canalha misturada, parte papistas e parte selvagens, culpados no mais alto grau de todos estes crimes (...) por todos os seus deméritos precedentes e provocações, transformaram-se em nossos vassalos — foi justo”.” a forNão faltavam contatos com os infelizes colonos, na Irlanda, aptos de Comuns, dos Câmara Na mão. primeira em horror de necer histórias em D'Ewes escreveu como lá, por parentes” e “amigos 1641, muitos tinham na Irlanda residiam Inglaterra, da distritos representando outros, seu diário; Num nível Ulster. do ou Londonderry de plantações nas ou tinham interesses

aumentanespalharam, se também desgraças de histórias as baixo, mais social , excepcionalmente Não preconceito. O € — ingleses pelos simpatias as do o oit r ebe rec a ou ss pa e, hir rds ffo Sta no , ek Le uma certa Alice Stonier, de nção te nu ma sua ra pa , ais loc s do ra st gi ma os pel os id pence por semana, conced

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e de sua família — três deles podiam ser colocados a “bom Serviço”, m

ds

dois eram muito jovens, “incapazes de qualquer coisa além de pedir esmolag” Tendo acompanhado o marido, condutor de gado, à Irlanda, ela se sentiu ai bada: queimada sua casa e expulsa, sem nada com que se cobrir, exceto um roto manto de lã. Os Stonier pernoitaram nos frios campos outonais , antes de

alcançar Dublin, onde seus problemas só aumentaram, pois o exército recrutou Thomas Stonier, morto em combate, e a pobre Alice teve de retornar à sua terra natal a fim de obter ajuda.” Em todos esses relatos muita ênfase foi dada a dois aspectos do leva nte.

Em primeiro lugar, a crua barbárie dos crimes provocou uma genuína sens ação de horror nos corações dos ingleses: gente que havia assado homens e devorado suas carnes, embarcado mulheres em botes com o casco furado, a fim

de que se afogassem, assassinado crianças de forma medonha, diante dos olhos de seus pais, e, além disso, competido entre si para verificar quem enterraria mais fundo uma faca mortal, como poderia ter qualquer pretensão de civilização ou esperar a consideração dos demais povos civilizados? Sem mencionar horrores comparativamente menores — mulheres famintas, prisioneiros alimentados com lixo e restos de carne e a afronta à sensibilidade de

uma protestante, forçada a assistir à missa. Quase uma década depois, foi

com base em tais coisas que o povo inglês negou qualquer deferência aos irlandeses. Em segundo lugar, o papel dos padres católicos no levante, longe de ser considerado secundário, foi bastante acentuado, junto com suas práticas su-

persticiosas que os acumpliciavam com os assassinatos. Corriam histórias à

respeito de sacerdotes que alertavam seus paroquianos sobre o pecado mortal

de dar guarida a um inglês, garantindo que a morte de um protestante era uma ação meritória, válida como indulgência parcial, poupadora de futuros

sofrimentos no purgatório. Com tais sombras horríveis cobrindo a memória do passado recente é compreensível, embora cruel, que o discurso público de Oliver Cromwell, na sua primeira chegada a Dublin, em agosto de 1649, Se referisse a “esses irlandeses bárbaros e sedentos de sangue”. Também faz sentido que essa oração tenha sido descrita como “doce e plausível” pelos numerosos ingleses e anglo-irlandeses reunidos à sua volta e que o aplaudiram,

Juntamente com seus soldados.'º

Consegiiência mais imediata das notícias que chegaram à Inglaterra à respeito do levante irlandês, de 1641, foi o impacto que elas causaram nas reclamações que se tornaram conhecidas com o a Grande Reprimenda. Esse

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amplo e inaudito ataque à posição da monarquia como um todo estava na pauta das discussões, no dia 1º de novembro, data em que as histórias do massacre começaram a circular. Destarte, Pym teve uma nova oportunidade de lançar dúvidas sobre a credibilidade do rei. Quem confiaria um exército a este homem que, no ano anterior, cogitara de lançar forças irlandesas contra seus súditos ingleses? À gangorra da popularidade pendeu, mais uma vez, para o lado do Parlamento; na cabeça do cidadão comum, a vinculação entre Carlos e os irlandeses parecia cruelmente muito próxima — era impossível ignorá-la. A Grande Reprimenda — osso raivosamente mastigado pelos cães

puritanos e realistas — acabou sendo aprovada pelos Comuns, em 22 de no-

vembro. O documento, verdadeiramente incrível, estava cheio de exigências

ao rei, desde pequenos detalhes a respeito de tópicos controvertidos, como a questão dos Fens e os abusos da Comissão de Águas e Esgotos — Cromwell fora indicado para “explicar em profundidade a função desse órgão” —, até exigências inteiramente novas: o soberano poderia escolher seus conselheiros, mas cabia ao Parlamento aprovar as indicações.” Absorvido e excitado por algo que continha claras idéias revolucionárias, mesmo que o apelo às antigas liberdades estivesse formal e constantemente nos lábios de seus expoentes, Cromwell mantinha-se suficientemente afastado da opinião pública e em condições de poder apreciar as discussões clamorosas que logo se iniciaram. Quando os opositores da lei pediram um adiamento, pretendendo considerar em profundidade o que ela exigia, Oliver perfilouse entre os que se irritaram com a concessão do prazo solicitado e perguntou a lord Falkland, no dia 20 de novembro, por que a decisão fora adiada: “Pois hoje tudo teria se resolvido, rapidamente.” Falkland respondeu que não haveria tempo suficiente e que valia a pena um debate prolongado; Cromwell replicou, prevendo que as discussões seriam “muito pobres”, estando ele convencido de que poucos se oporiam à petição.”

Rm

Foi uma profecia incorreta. Face à oposição exaustiva e amarga, cláusulas,

como, por exemplo, as que se referiam à escolha dos conselheiros reais, trans-

formaram vacilantes partidários do episcopado em adeptos da realeza. A Cãatacamara dos Lordes, integrada por muitos bispos e católicos, diretamente dos pela petição, aderiu ao rei. Quando Hampden apresentou moção — lanReprimenda, Grande da texto O imprimir para — aprovada finalmente da diante estar de cogitaram indecisos muitos país, o todo a cando o apelo ll we om Cr que o siã oca sa nes Foi rei. do os eit dir s negação final dos antigo dimos sobre a alu já que a o ári ent com o nd kla Fal de s ido ouv aos sussurrou

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questão da emigração: “Se a Grande Reprimenda fosse rejeitada, eu teria ven dido meus bens na manhã seguinte e não tornaria a ver a Inglaterra iamjlão Ele acrescentou ter conhecimento de muitos outros homens honestos igual. mente decididos — observação feita com alguma solenidade, segundo Falkland, o que demonstra a paixão com que Cromwell se deixara envolver pela questão. No seu retorno da Escócia, em 25 de novembro, o rei mostrou que sabia

bem quais as melhores armas de que dispunha contra Pym. Tão logo a medida foi mandada imprimir — uma exceção notável — o rei apelou para o

povo, prometendo reformar a Igreja e, inclusive, submeter à investigação a participação dos bispos na Câmara dos Lordes. Declinou, no entanto, de abrir mão de sua “liberdade natural” na escolha de seus próprios conselheiros. Os últimos meses de 1641 transcorreram num clima de fermentação po-

lítica, enquanto o monarca e o Parlamento disputavam um cabo-de-guerra pelo apoio popular, de resultados imprevisíveis. A City, por exemplo, que desde o início se supunha fosse hostil a Carlos I, demonstrara opiniões relativamente favoráveis, concedendo-lhe empréstimos muito úteis, em 1640 e 1641. Às eleições locais, vencidas pelos “novos homens” do partido parlamentar, que entregaram o poder a Pym, só tiveram lugar em janeiro de 1642.?

O papel de Cromwell em todo esse processo limitou-se a descobrir casos individuais de pares do Reino e bispos que, por acaso, estivessem abusando de seus privilégios para ajudar o rei e denunciá-los à Câmara. Certa ocasião, ele verificou que /ord Arundel escrevera aos habitantes do seu burgo sobre a eleição

de um novo representante; tratava-se de um costume talvez deselegante, mas imemorial, e nesse caso a comissão parlamentar de que Oliver participou, juntamente com Pym, Hyde, Falkland e outros, mandou sustar o pleito. Cromwell sempre temeu que Carlos I apelasse para a força, provavelmente, com apoio do exército irlandês. Num debate travado nos últimos dias de dezembro, ele aderiu

a um pedido para que o conde de Bristol fosse retirado do Conselho, sob a ale-

gação de que, na “última conspiração do exército”, o nobre teria persuadido o

soberano a colocar as tropas em um estado de perigosa prontidão — “situação que não tinha nenhum significado normal, visto que o citado exército estavê

numa posição normal de não se movimentar”. No dia seguinte, ele tratou do assunto de um certo Owen O'Connell, que alertara as autoridades de Dublin

sobre a intenção do levante, e como recompensa recebera a promessa de assUr

mir o comando de uma companhia de dragões; o posto não lhe fora concedido;

e cabia a Cromwell perguntar a Lord Lieutenant por quê.2

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sz

Alguns dias após esse acontecimento, em 4 de janeiro de 1642, a paciên-

cia do rei esgotou-se, e ele empreendeu a tentativa histórica de surpreender

os cinco parlamentares que supunha estarem liderando as prolongadas e traiçoeiras iniciativas destinadas a arrebatar-lhe a autoridade, o que a seu ver implicaria a derrubada da monarquia. Os Cinco Membros, tal como se tornaram historicamente conhecidos, eram John Pym, John Hampden, sir Arthur

Haselrig, Denzil Holles sua cadeira o presidente Strafford não o impediu constituição. Strode fora ticipação nesse mesmo questionamentos, na Star

e William Strode. Holles é quem mantivera preso à da Câmara, em 1629, e o fato de ser o cunhado de de tornar-se um vigoroso orador contra os abusos à encarcerado, de 1629 a 1640, em virtude de sua parincidente, após o qual recusara-se a responder a Chamber, por palavras que teria proferido no Parla-

mento. Seus sofrimentos o transformaram num “incendiário”, segundo

D'Ewes — “um dos homens mais violentos do partido”, de acordo com Clarendon. Ordenando ao procurador-geral que os depusesse por traição, Carlos I dirigiu-se apressadamente à Câmara, disposto a exigir que fossem presos. Acompanhado apenas pelo Eleitor Palatino, seu sobrinho, ele ingressou no recinto e descobriu que os cinco pássaros, avisados de sua aproximação, haviam fugido para a City. Foi então que Lenthall, presidente da Câmara, perguntado por seu rei sobre os parlamentares desaparecidos, num misto de reverência e desafio, respondeu: “Para o bem de Vossa Majestade, não tenho olhos para ver e nem língua para falar, a não ser aquilo que aprouver a esta Casa, da qual sou servidor...”2 Assim, o rei se retirou da Câmara dos Comuns, e logo a seguir de Londres, nunca mais voltando, até o momento de sua morte. Para aqueles como

Cromwell, comprometidos com as posições do Parlamento, a batalha contra Carlos I estava desencadeada, se bem que ainda fossem decorrer oito meses antes que o monarca erguesse seu estandarte, em Nottingham. Houve algumas negociações e, enquanto isso se passava, ambas as facções buscaram con-

dições materiais para a guerra, caso esta viesse a se travar, num país singular-

mente despreparado e destituído de ânimo guerreiro. Não existe prova mais

vívida das irascíveis atitudes de Pym e seus partidários do que o teor do ser23 em to, amen Parl do te dian , hall Mars hen Step go ami seu por o gad mão pre

a com o jeari bin com se que ie sér a um de ro mei pri o 2, 164 de fevereiro de tes.” uin seg s ano e set os pel , mês do ira -fe jum, realizado toda a última quarta

— u sce cre s ore gad pre dos eto ímp o I, XVI ulo séc o No desenrolar de todo

98

ANTONIA

FRASER

um conflito espiritual que iria se confundir, gradualmente, com o enga-

jamento físico. Conforme seus ouvintes não poderiam deixar de notar, o ser. mão de Marshall, denunciando os “neutros”, que não queriam saber de engajamento, equivaleu a uma convocação bélica — uma explosão impressa sob o sugestivo título de Meroz Cursed [Meroz amaldiçoada], que ressoou de norte a sul do país, até se converter numa obra típica da época. Baseada num verso do Livro dos Juízes — “Amaldiçoada sejas, Meroz, disse o anjo do Senhor, amaldiçoados seus habitantes (...) porque não saíram em defesa do Se-

nhor contra 0 Inimigo” —, a mensagem de Marshall podia ser resumida nos

seguintes termos: “Maldito seja quem se recusa a sujar as mãos de sangue,” Em vista desse tipo de linguagem, não surpreende que o próprio Clarendon acusasse os pregadores da escola de Marshall de serem “os únicos arautos da guerra (...) incendiários que levaram à rebelião”, em vez de se comportarem como mensageiros da paz.” Cromwell, por seu turno, não carecia de trombetas de guerra para despertar seus sentidos. Em 14 de janeiro de 1642, respondendo a uma exigência de Pym, de que a Câmara se constituísse em comissão a fim de apreciar o estado do Reino, sob o pretexto de que haveria uma ameaça papista, foi ele que propôs um comitê encarregado de preparar a defesa da nação. Ao mesmo tempo,

ordenou-se a todos os sheriffi que recolhessem as armas e proibissem qualquer assembléia ilegal. Quando o rei se recusou a abrir mão do controle sobre a milícia, a Torre de Londres e as fortalezas, o Parlamento determinou “o re-

crutamento e a organização de soldados incumbidos da defesa dos Reinos da Inglaterra e da Irlanda”. Ante a negativa do rei, Cromwell incluiu-se entre os que doaram fundos destinados a socorrer Dublin: no seu caso, trezentas li-

bras. Em 24 de fevereiro, no dia seguinte à partida da rainha Henrietta Ma-

ria rumo ao continente, carregando as jóias reais, na esperança de angariar O apoio de que o marido necessitava, a comissão parlamentar competente nomeou

14 membros responsáveis por acelerar e resolver as questões com à Ir-

landa. Pym, Holles e sir Henry Vane, o jovem, estavam entre eles, assim como Cromwell. Mesmo que não se aceite o amargo veredicto de Clarendon sobre o partido do Parlamento — que “eles começaram a anga riar recursos sob o pretexto de ajuda a Irlanda” —. a organização da empreitada, ostensivamente orientada no seu sentido explícito — a necessidade de levantar fundos e armar tropas —, foi sem dúvida uma excelente oportunidade para desenvolver OS

CROMWELL

99

preparativos do conflito. Contudo, pelo menos teoricamente, prevalecia a

idéia de diluir a ameaça do catolicismo irlandês através de uma boa e saudável colonização protestante inglesa ou, como colocava a Declaração das Duas Câmaras, por meio do replantio de “muitas famílias nobres desta nação e de religião protestante”. Em fevereiro de 1642 organizou-se um punhado de “aventureiros”; a sugestão partira de comerciantes londrinos que se apresentaram à Câmara dos Comuns dispostos a financiar tropas que esmagariam a rebelião irlandesa — “eles tirariam satisfação das propriedades dos rebeldes (...) conforme o que fosse considerado razoável”.% Os membros da Câmara dos Comuns não regatearam contribuições a esse esquema aparentemente tão promissor, pois combinava um bom trabalho espiritual — a erradicação da malvada fé católica — com a riqueza material

— terra irlandesa, como retorno do investimento. Em maio de 1643, instituí-

do por dirigentes da Igreja Católica na Irlanda, o Juramento de Kilkenny, tentativa de arregimentação de todos os fiéis em torno de uma liga, cujo ob-

jetivo principal seria a restauração religiosa do país, contribuiu para sublinhar a necessidade de projetos desse tipo, de cunho marcadamente parlamentar — os realistas só concorreram com cerca de 9%. Significativamente, a

cota preenchida pelos futuros “independentes” foi duas vezes superior à dos presbiterianos.

Ficou claro, portanto, que a teoria de que a resistência à Coroa baseavase no declínio de suas fortunas não era verdadeira: o volume da subscrição mostrava o contrário. O próprio Cromwell estava bem colocado no projeto: contribuiu com uma bela quantia, segundo os padrões do século XVII,

totalizando pouco mais de duas mil libras, em três prestações, duas de seiscentas, em abril, e uma de 850, em julho.” Como recompensa, contava receber terras no baronato de English. Para muitos membros do Parlamento, à

reação inicial aos horrores dos irlandeses se agregavam outras emoções muito diferentes, resultantes da participação financeira na colonização da terra.

Apesar disso, ainda se poderia dizer, sobre o ponto de vista de Clarendon, que tudo tinha por objetivo a criação de um exército inglês: no dia 30 de julho, os tesoureiros do fundo receberam a solicitação de entregar aos Comuns

| a. pag foi ca nun que , ras lib mil cem de a a quanti Enquanto decorriam os agitados meses de 1642, os lords lieutenants e os

juízes de paz deram início ao recrutamento, € à milícia foi convocada, a fim . ções cora os muit em r pesa a va eça com ra guer de ça amea a -se; trar ades de

lábios. (...) seus em eira oliv de ramo o a trag to amen Parl el afáv o “Oh, que »

100

ANTONIA

FRASER

Somos tantos e tão atemorizados”, escreveu a sra. Eure a seu primo, o depu-

tado Ralph Verney, que retrucou com firmeza: “A paz e as nossas liberdades

são nosso único objetivo; até que consigamos a paz, tenho certeza que não

poderemos desfrutar de liberdade, e sem ela, sinceramente, não posso desejar

a paz.”* Tal atitude, certamente, teria a solidariedade de Cromwell, cujo pon-

to de vista, provavelmente, estava ainda mais próximo do de Marshall: evitar o derramamento de sangue poderia ser uma negligência com o Senhor, Não obstante, só incorrendo numa perigosa simplificação, poderíamos sugerir que

Oliver Cromwell e seus associados sabiam exatamente o que queriam da luta, caso ocorresse. O paradoxo — um partido que retirava sua força da negativa, mais do

Chichely no ano anterior, quando ele observou: “Posso dizer-lhes, senhores, o

que eu não quero; quanto ao que quero, nem eu próprio saberia responder.”? Era muito fácil enumerar o conteúdo desse “não quero” — por exemplo, a

e

que da sugestão de qualquer alternativa viável — foi resumido, sucintamente, pelo próprio Cromwell, em conversa com sir Philip Warwick e sir Thomas

Star Chamber, o dinheiro de navio e outras atitudes que ele considerava afrontosas aos direitos dos súditos, assim como as queixas induzidas na dire-

respeito às questões religiosas, Cromwell parecia pessoalmente ainda pes incerto, sem saber que igreja nacional desejava; sua clareza limitava-se à aboq lição do episcopado: sobre isso não alimentava quaisquer dúvidas. Mas o que dizer do “saberia”, especialmente em relação à pi No mundo moderno, as propostas da Grande Reprimenda, limitando o po i do rei, inclusive na escolha de seus conselheiros, não seriam nada pio a nárias; em 1642, no entanto, eram muito radicais. Ainda que aprovadas, ê

cilmente se tornariam aceitáveis por muitos daqueles que ainda se ç vam partidários do Parlamento. A atitude do Parlamento, nessa época; só

compreensível quando referenciada à pessoa do próprio monarca. Não se tra

tava de uma teoria política, mas das consegiiências práticas de um gover no arbitrário, exercido por um homem do temperamento de Carlos — isso ç que preocupava Pym e seu partido, orientados essencialmente pelo pragmatismo. Em circunstâncias que deixariam muitos perplexos, valia mais concentrar-S

em ações práticas — como a supressão da rebelião irlandesa ou a mobilização armada do país — capazes de gerar mais satisfação do que uma discus” são abstrata acerca dos direitos monárquicos, fossem eles divinos ou não. efeito de tais incertezas básicas, entretanto, na raiz das ações do Parlamento»



ção eclesiástica de Laud, apoiada na posição dos bispos. Mesmo no que diz

CROMWELL

101

levou a uma confusão que se generalizou pelo país inteiro, principalmente à medida que se tornou claro que algum tipo de conflito bélico era iminente. O

que significava apoiar o Parlamento? O rei, seguindo os conselhos de Hyde, situou-se na legalidade absoluta de sua posição, e na ilegalidade absoluta do Parlamento, que organizara ataques contra ele, o que representava traição.

No dia 2 de junho, no entanto, na leal York, ao norte, Sua Majestade foi

confrontado com as chamadas Dezenove Proposições que, pelo menos, forne-

ciam alguma indicação do que pleiteavam Pym e seus companheiros. Posteri-

ormente, Edmond Ludlow referiu-se a elas como “as bases da guerra que se seguiu”. Carlos, não obstante, após sua leitura, considerou-as “uma zombaria

e um escárnio” — uma avaliação amparada nos padrões da autoridade monárquica tradicional. A simples entrega do documento impusera-lhe uma indignidade, ele disse. Algumas cláusulas eram muito pessoais — os filhos do rei teriam que ser educados por aqueles que o Parlamento considerasse bons, e seus esponsais também dependeriam de autorização similar. Outras, religiosas — o rei deveria aceitar as reformas da Igreja sugeridas pelo Parlamento, e as leis contra os católicos deveriam ser executadas, estritamente, assim

como deviam ser excluídos da Câmara dos Lordes os pares do Reino que professassem a fé católica. Havia disposições de cunho político — os conse-

lheiros privados e os funcionários mais importantes do Estado só seriam no-

meados com a anuência do Parlamento — relativas à defesa — governadores de fortificações também passariam pelo crivo da Câmara dos Comuns, cabendo ao rei assinar o decreto da milícia. Na prática, ante a idéia de uma “monarquia mista” que teria chocado seu pai, Carlos 1 assumiu uma posição ofi-

cial, baseada no passado — e invocou a norma: Nolumus leges Angliae mutari

[não mudaremos as leis da Inglaterra] —, condenando a intoxicação que re-

sultaria dos novos e muito grandes poderes que seriam entregues aos Comuns e, em última análise, ao próprio povo, tendo a anarquia como possível consequência. Muito melhor era a “feliz e antiga, bem-colocada e nunca-suficien30 ira o”. Rein e dest rno temente-elogiada constituição do Gove

as o com im ass ão, lex ref de es dad ili sib pos as a min eli es vez A ação muitas suas oportunidades. Assim ocupado, no final da primavera de 1642, Cromwell ara dos Câm da is cia ofi ens sag men tas tan ou lev , ões iss com tas tan ou egr int com da, nha ali des e ada pes ura fig sua que , des Lor dos ara Comuns à Câm

do os óci neg aos ado vot e do ina erm det mas , ado onç eng seu caminhar des Um Uma ns ter mi ins st We de a cen na i h ar ili fam nar tor se por bou aca Parlamento,

s dos sso gre pro aos -se ava cul vin s ade vid ati s sua parte de

“aventureiros”, pois

102

ANTONIA

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a luta contra os rebeldes irlandeses estava se comprovando demorada e dispendiosa. Outras atividades se referiam mais diretamente às preparações para um conflito na Inglaterra: a proclamação do Parlamento destinada a or. ganizar a milícia e subordinar suas forças. Em junho e julho, seu ritmo não

diminuiu. Entre outras tarefas, Oliver fez parte da comissão que considerou as respostas do rei às Dezenove Proposições; foi um dos que manteve contato

com o governador da Torre de Londres, discutindo questões de segurança, Além disso, encarregaram-no de debater com os lordes o problema do Lord Mayor — prefeito — de Londres, o subversivo sir Richard Gurney. Mais

uma vez, ele participou de um grande número de comitês responsáveis pela

remessa de mais dinheiro e mais tropas à Irlanda. No dia 1º de agosto deci-

diu-se que quatro membros do Comissariado Irlandês, com a ajuda de Cromwell, ficariam incumbidos de preparar um plano que promovesse o rápido envio de voluntários àquele país.*! Ainda não se pode dizer que Cromwell estivesse entre os líderes do partido do Parlamento — não aos olhos do grande público —, mas ele já adquirira alguma reputação dentro de Westminster, particularmente por seu apoio a pastores puritanos. No fim de julho, sir William Brereton, chefe do movimento de oposição, no Cheshire, protestou contra a severidade demonstrada pela Comissão Real de Recrutamento contra esses pastores, escrevendo três cartas a respeito do assunto: ao presidente da Câmara, a seu primo, o MP Ralph Assheton, e a Oliver Cromwell. 32

Brereton, certamente, forneceu um quadro muito vivo dos sofrimentos desses pobres homens, carentes de proteção contra seus tormentos. “De fato, é bastante claro”, afirmou, “que eles [os homens do rei] têm a intenção de atemorizar o país de tal forma que ninguém ouse se opor, descobrir o que fazem ou falar contra suas atitudes.” A esperada vinda do soberano aquelas reglões encorajava o arbítrio — os vice-governadores vinham sendo rapidamente subjugados pelos comissários de recrutamento. Não existia nenhum vínculo especial unindo os dois homens; com outros dois parlamentares,

Cromwell tinha apenas ajudado na redação de uma carta oficial em que O presidente da Câmara congratulava-se com Brereton e se us aliados, pela “entusiasmada obediência” do condado de Chester à Ordem de Milícia, no princípio do mês. Evidentemente, Oliver já adquirira renome como alguém comprometido com as mudanç as nacionais da Igr eja. Mas, como tão frequentemente acontecia, sua carreira estava impregnada de ação — ação arrojada — que marcava seu s pe

nsamentos mais profundos.

CROMWELL

103

No verão de 1642, quando os dois lados buscaram o apoio do país, numa es-

merada e desajeitada dança fora de moda, a Inglaterra, de alguma maneira, deu alguns passos na direção da guerra. Apesar de que a maioria da população ainda acreditava na possibilidade da paz, os novos movimentos rituais se

desenvolviam. Nesse momento, a posição das universidades de Oxford e

Cambridge, das quais o rei esperava ajuda financeira e política, assumiu considerável importância. Em carta de Leicester, datada de 24 de julho, Carlos 1

sugeriu que uma parte da rica prataria da universidade fosse enviada a ele, em

York; o soberano teve a cautela de disfarçar a requisição, insinuando ser ne-

cessário salvar a baixela, evitando que caísse nas mãos dos rebeldes. Em

Cambridge, certamente, se juntou alguma prataria: a contribuição do St John's College, por exemplo, foi de duas mil onças de prata [cerca de 56

quilos]. Afinal, parece que nada foi realmente enviado a York, com exceção

de algumas peças do Magdalene College, interceptadas pelo Parlamento.* Pois a mão forte do MP por Cambridge, Oliver Cromwell, já se encontrava na cidade, e a sombra de seu pulso opunha-se a esse tributo real. Antes, ele tinha demonstrado interesse no treinamento militar de seus eleitores: no dia 15 de julho propusera que os cidadãos organizassem duas companhias de voluntários, indicando inclusive os oficiais que as comandariam, e adiantara o

dinheiro das armas. Desta vez, estando presente, e com a ajuda de seu cunhado, Valentine Walton, de Huntingdon, decidiu impedir que esse cavalo de Tróia saísse da cidade — se conseguisse entrar. Nesse sentido, tentando ser mais esperto que os realistas, Cromwell marchou sobre o King's College, ao

som dos tambores e sob bandeiras desfraldadas, para assegurar que qualquer

tesouro lá guardado fosse confiado à guarda do Parlamento, e não à do rei. Em meados de agosto, quando da chegada do capitão James Dowcra, en-

carregado de liderar o comboio para York, as calmas estradas de East Anglia

tinham se tornado palco de furiosas pilhagens. E era típico da atmosfera da

época, num país que oscilava à beira de uma guerra mas ainda não mergulha-

do no conflito, que algumas famílias já estivessem divididas ao meio, inclusi-

ve os Cromwell. O primo-irmão de Oliver, Henry Cromwell, filho de sir Oliver, trouxe cinquenta homens a fim de ajudar a proteger a prataria; Walton, por outro lado, mobilizou duzentos com o intuito de confiscá-la. e

,

)

“Para uma reavaliação desse incidente, corrigindo os registros dos partida: iu» do rei desde

O ponto de vista dos colleges, ver P. J. Varley, Cambridge during the Ciusl War

Pp. 79-83.

1642-1646,

104

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Foi um incidente sensacional, e os habitantes de Cambridge, pouco interessados no destino do tesouro — talvez secretamente desejosos de que uma peste

atingisse ambas as facções —, conscientes de todo aquele drama, acorreram para assistir à luta.

Cromwell alinhou seus mosqueteiros nos campos da Grande Estrada do Norte, mandando deter e interrogar todos os viajantes. Os filhos de um vizi-

nho, sir John Bramston, foram devidamente obstados, e deles se exigiu que fossem dar conta de si perante o “sr. Cromwell”; entretanto, cientes de que o resoluto comandante se encontrava a cerca de 12 milhas de distância [mais

ou menos 20 quilômetros], rapidamente os jovens desembolsaram 12 gence e

seguiram seu caminho. À prataria não passou às mãos do rei. Salva por Cromwell, seu valor foi estimado em algo próximo de vinte mil libras, e a aventura considerada suficientemente importante para que ele e seus companheiros recebessem uma indenização da Câmara dos Comuns por seu procedimento. Montaram-se pontos de observação reforçados nas diversas pontes ao redor de Cambridge e King's Lynn, com ordens de confiscar todas as mercadorias e dinheiro que pudessem ser enviados ao monarca. No dia 22 de agosto, Carlos I levantou seu estandarte, em Nottingham, tendo ao seu lado o príncipe de Gales e o sobrinho, príncipe Rupert, do Reno, recém-chegado do continente. Para os que apreciam coincidências his-

tóricas, era o aniversário da vitória de Henrique VII, que conquistara a coroa em Bosworth Field, dando início à dinastia Tudor.* Na prática, talvez tenha

sido mais significativo o fato do rei ter impedido a leitura da proclamação,

tão logo soou um floreado de trombetas, na parte exterior do castelo de Nottingham, temendo que alguns dos seus termos pudessem ser mal-entendidos. Tomando a folha de papel, ele corrigiu-a rapidamente, de tal forma que o arauto teve dificuldade em entendê-la, somente a decifrando de forma balbuciante. A falta de uma definição clara de ambos os lados, cuja própria composição permanecia obscura, ficou mais uma vez demonstrada pela confusão. Além disso, o pesado Estandarte Real, tantas vezes erguido na história feudal da Inglaterra, significando a convocação do rei, precisava de vinte ho-

mens para manipulá-lo. Abandonado no dia 6 de setembro, uma peça móvel e mais moderna fora colocada em seu lugar.

“Perez Zagorin, em The Court and the Country, 1969, refere-se a “uma dessas correspondên-

cias singulares que, figurativamente, comprovam a passagem das coisas (...) num sentido muito real, o que começou em 1485 — isto é, a submissão do reino à autoridade monárquica estabelecida pelos Tudor — estava se encerrando em 1642”.3

CROMWELL

105

Somente o brado de lealdade que se seguiu — “Deus salve o rei Carlos e leve à forca os cabeças-redondas” — revelava que pelo menos os apelidos tinham se polarizado. “Cabeças-redondas” era uma alusão à moda dos aprendizes que, deliberadamente, cortavam o cabelo e zombavam da “feiúra dos cachinhos” — incidentalmente, um antigo panfleto de William Prynne recebera esse título. A mania de cabelos curtos não durou muito. Como Lucy Hutchinson observou,

poucos anos após o início do conflito armado a alcunha seria incompreensível.

tura dos ombros, por toda a sua vida. “Cavaliers” era um grito de guerra, inegavelmente sedutor e audacioso aos ouvidos modernos, derivado do espanhol — caballeros — e sarcástico em relação à suposta fidelidade da corte inglesa aos modismos católicos espanhóis.” Clarendon escreveu sobre um país punido por seus pecados num conflito civil que expressara a resistência ilegal ao seu rei: “Tudo se resumia à questão

do soberano ser superior, relativamente ao Parlamento, ou se o Parlamento,

ao governar, poderia considerar-se acima dele.” Embora o autor acreditasse que a rebelião fora uma luta pelo poder, o próprio Cromwell, ao olhar para

trás, 12 anos depois, encarava o assunto de forma diferente. Ainda que os

contestadores lutassem por liberdade, para fazer curador das leis na Inglaterra, havia outra causa Deus. “A religião não foi contestada de imediato, trouxe esta questão (...) e, finalmente, demonstrou

do Parlamento o supremo — a maneira de adorar a mas Deus, finalmente, nos sua maior relevância.” Mas

naqueles agitados dias, no final de agosto de 1642, Cromwell não estava dedicado à introspecção, nem era um dos que acalentavam perspectivas pessimistas. Pelo contrário, tudo isso fazia parte de um processo tão perturbador quanto excitante, através do qual os caminhos do Senhor tinham que ser percorridos e descobertos. Sua incursão, um ataque audacioso, bem planejado e

realizado com sucesso, mostrou que o paciente de Mayerne, melancólico e

introvertido, tinha progredido, fosse na Câmara dos Comuns, nas comissões, organizando tropas ou, simplesmente, saqueando a prataria do rei.

Posteriormente, seria na ação militar, na boca do canhão, que se alcançaria de forma inequívoca a certeza dos favores de Deus. De que modo mais

dramático poderia a aprovação divina abater-se sobre Os abençoados, neste “Teatro dos Julgamentos de Deus” — assim o dr. Beard chamava o mundo

us

ii

aà es a

retratos, seguindo com isso, é claro, os hábitos de sua classe social, e não a dos aprendizes: Oliver Cromwell, certamente, deixava os cabelos soltos, quase à al-

iii

taram assim. Quase todos usavam longas madeixas, como se pode ver em seus

ei

Pois, ao contrário da impressão popular, os líderes parlamentares nunca os cor-

106

ANTONIA

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terreno, em seu famoso manual sobre os puritanos —, do que num expressivo

triunfo, numa batalha? Ele mencionava as remotas mas não esquecidas escaramuças bíblicas, cujo resultado revelava a misericórdia de Deus. Se bem que

a combatividade ainda escasseasse e houvesse muita tristeza ante a perspectiva da luta — “com que desalento parto para este serviço”, escreveu o comandante parlamentar, sir William Waller, ao seu opositor realista, Hopton —,

Cromwell, agitador, laborioso e, nesse instante, soldado, não tinha tempo de compartilhar esta falta de alegria. Não se preparara ele, talvez inconscientemente mas ao longo de muitos anos, para esta grande cruzada a serviço do

Senhor? Foi Milton que resumiu, com aguda percepção, essa primeira mas

não insignificante fase da vida de Cromwell: “Antes de mais nada, ele adquiriu o governo sobre si mesmo, e sobre si mesmo alcançou as mais extraordinárias vitórias, de tal sorte que, desde o primeiro instante em que enfrentou o inimigo, já era um veterano combatente, profundo conhecedor das exigências e armadilhas da guerra.”

ese ae PARTE DOIS Guerra e paz

Pax Quaeritur Bello [A paz deriva da guerra] LEMA PESSOAL DE CROMWELL

sem seia 5 Nobre e enérgico coronel Cromwell Prefiro um capitão envergando uma grosseira roupa de lã, mas que sabe por que está lutando, e preza suas razões, aos chamados cavalheiros, e nada mais. Honro um cavalheiro de verdade. CROMWELL, em agosto de 1643

tingdon, provavelmente composta de voluntários do Huntingdonshire e do

Cambridgeshire, seu nome figurou entre os de oitenta capitães que receberam a quantia de 1.104 libras cada um pelo desempenho dessa tarefa. Seu cunhado, John Desborough, foi nomeado intendente. Naquela época não havia regimentos de cavalaria — em geral os homens se organizavam em grupos de

cem. Cromwell adotou uma atitude muito direta, sem demonstrar qualquer sinal da agonia que assaltava os que não podiam aceitar a legalidade do combate ao rei. Em deferência a esse tipo de sentimento, a comissão encarregada

de organizar as tropas determinou, com o risco de causar alguma confusão,

que os soldados lutariam “pelo rei e o Parlamento”. A lealdade ao Parlamento ainda

permanecia

estreitamente vinculada

à idéia das

antigas liberdades,

O Sialus

quo britânico preexistente: fora a pessoa do monarca que atacara a instituição de uma monarquia devidamente controlada. Segundo Clarendon, entretanto, Cromvwell assegurou a seus ouvintes, em Huntingdon, que não estava ali para

e a

com a postura que ele assumiria nas etapas iniciais da guerra civil — rápido, vigoroso e efetivo. No dia 29 de agosto, junto à tropa reunida em Hun-

E

dades, levantando seu estandarte, em Nottingham, foi bem de acordo

o

primeiro movimento de Cromwell, tão logo o rei deu início às hostili-

ANTONIA

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ludibriá-los ou tentar obter seu apoio com “expressões confusas e enganadoras” — se o rei se encontrasse nas fileiras inimigas, ele, Cromwell, dispararia

sua pistola como se fosse contra qualquer indivíduo. Quem não se considerasse capaz de fazer o mesmo, não devia alistar-se em sua tropa ou sob seu

comando. Posteriormente, já como Lorde Protetor, alguém o desafiou a levar a

termo o juramento que pronunciara naquela ocasião: “Ele não nos fez uma

pergunta, mas uma afirmação a nós e para nosso bem-estar, de lutar a nosso

lado pela liberdade do evangelho e segundo as leis do país.?' Entretanto, o problema estava na obtenção dos meios necessários à concretização de tão elogiosos objetivos, e não numa discussão sobre a sua natureza. Na verdade, alguns comandantes ingleses — sir Thomas Fairfax, o conde de Essex e George Monk, por exemplo — depois de passarem pelos exércitos holandeses e combatido na Guerra dos Trinta Anos — haviam adquirido experência militar adequada. O mesmo se podia dizer dos escoceses, em geral, cujos oficiais — boa parte deles, pelo menos — tinham prestado serviço no exterior, segundo a tradição dos mercenários. Mas é importante frisar que Oliver Cromwell pertencia à parcela muito maior dos que se levantavam em armas pela primeira vez. Revistas militares, como The Swedish Intelligencer [O Informativo Sueco] ou The Swedish Soldier [O Soldado Sueco], divulgavam as proezas de Gustavus, na Inglaterra, durante a década de 1630. Houve quem alegasse que Cromwell poderia tê-las estudado, absorvendo conhecimentos acerca de princípios e táticas militares em vez de valer-se apenas da experiência pessoal. No entanto, ninguém duvida que, numa guerra de fato, algumas semanas se sobrepõem a meses de treinamento teórico. Aos 43 anos, pode-se dizer que ele foi um dos raros gênios natos: mesmo a tradição que lhe atribui, sem nenhuma base concreta, uma visita anterior aos Países Baixos, onde teria lutado como mercenário, não passa

de um relutante tributo à imensa aptidão natural que demonstrou.?* Em

1642 não existia na Inglaterra nenhum exército permanente, e as

únicas forças estáveis, por assim dizer, eram a guarda pessoal do rei e as companhias que guarneciam os fortes. Nas divers as expedições relativas à sua políti ca externa ou irlandesa, o mon

E

Sra ue pc ionat alguns de seus co mpetidores, em termos de reputa prestado serviço militar na ção, Júlio César tinha Juv ent ude , fissional desde cedo. io e Welli Wellington, é claro, foi treinado como soldado pro E

CROMWELL

ti

e tentar que O Fran pagasse seu soldo. A defesa do Reino, em caso de necessidade, cabia à milícia ou aos “grupos treinados” organizados pelos Zords

lieutenants e seus imediatos; promoviam-se exercícios com a lança e o mosquete, uma vez por mês. À realidade, porém, estava muito longe da teo-

ria, € com a exceção de Londres, onde tais contingentes demonstraram algum significado, enquanto força militar, tanto o adestramento quanto o comparecimento dos homens deixavam muito a desejar. Todas as desculpas serviam,

desde que a participação fosse adiada, as armas eram velhas e fora de uso, €

havia uma idéia generalizada de que os recrutas se interessavam mais em

beber do que em qualquer atividade marcial. A grande preocupação de Cromwell com os hábitos particulares de suas tropas — se bebiam ou blasfemavam — pode ser entendida em função da conhecida reputação de desleixo de seus compatriotas.

Os soldados de infantaria dividiam-se entre lanceiros, munidos de enormes e pesados chuços medindo entre 4,80 e 5,20m, e mosqueteiros. As armas destes últimos eram, principalmente, um tipo de matchlocks [espingardas] com alcan-

ce de até 75m, igualmente difíceis de manipular e carregar, fosse em batalha ou não, mediante um pavio incandescente ou “fósforo” que disparava a carga. Havia inúmeras possibilidades de fracasso no tiro de um mosquete, inclusive o perigo do pavio incendiando alertar o inimigo de um ataque iminente. Só para se ter uma idéia do “poder de fogo” na metade do século XVII, basta dizer que

alguns ainda pediam a volta do arco e da flecha:

Na ausência de baionetas, sequer inventadas, ou das posteriores e mais fáceis de acionar carabinas de pederneiras, os pobres mosqueteiros ficavam

nham que se tornar muito hábeis; no entanto, o complicado processo de

a

única proteção, à exceção dos elmos ou “panelas”, eram as chamadas “penas suecas”, pontiagudas estacas de ferro que eles cravavam no solo para impedir as cargas de cavalaria. Evidentemente, precisavam combinar isso com os lanceiros. Dispondo de armamento tão pouco apropriado, os soldados ti-

e

extremamente vulneráveis a qualquer ataque depois de terem atirado. Sua

treinamento — os mosqueteiros recarregavam enquanto os lanceiros avan-

[Crítica da guerra], de Ward, publicado em 1639, por exemplo, relacionava 36 ordens de comando para o treinamento dos atiradores. À audácia admiente ndi ser pode só Cro mwe de ll man obr as prim eira das s alg uma de s rável

da contra o pano de fundo das complicadas rotinas necessárias à execução de qualquer deslocamento.*

RR

cavam — estava em falta. Um antigo manual — Animadversions of War

ANTONIA

112

FRASER

Cromwell fora um chefe de cavalaria, mas na época isso não simplificava

nada. Se bem que a armadura tivesse seu peso reduzido a cerca de 11 quilos,

incluindo uma “panela”, “costas” e “peitorais”, muita ênfase ainda se dava à

um gracioso ritual, bem pouco militar — o manêge ou exercício de montar e apear de “grandes cavalos”, assim definido por muitos nobres expoentes da arte, inclusive o conde William de Newcastle, famoso comandante realista. O próprio Carlos I era capaz de demonstrar talento nessa atividade. Teoricamente, habilitar um cavalo de batalha era um trabalho muito longo. As

Militarie Instructions for the CavalPrie [Instruções militares para a cavalaria],

de John Cruso, em 1632, além de confirmar a importância do papel do capitão, enquanto valoroso líder de homens, estavam repletas de regras aprimora-

das a que os animais deviam submeter-se antes de se tornarem aptos a enfrentar uma batalha.* Palafreneiros deveriam ter condições de vestir-lhes a armadura e alimentá-los com aveia. Desde o início da guerra, alguns já haviam descoberto a importância de um cavalo muito diferente, menor e mais robusto, do tipo utilizado no campo, para a caça. Os cavaleiros estavam habituados a atirar com pistolas e recuar, num trote gracioso, recarregando as armas longe dos enfrentamentos. O movimento era planejado e lento. Gustavus Adolphus já insistira que sua cavalaria avançasse, empunhando espadas, depois de disparar as pistolas. Cromwell repetiu essa orientação e sob seu comando as cargas de cavalaria perderam a sua característica de bailado, com avanços € recuos, transformando-se num ataque letal com vistas à destruição do inimigo. No início do conflito, o príncipe Rupert obteve grande vantagem graças aos muitos cavalheiros dotados de experiência em caçadas que tinha ao seu lado. Em

compensação, Cromwell tirou partido da sua verdadeira obsessão por cavalos.

Suas primeiras energias concentraram-se na aquisição de animais de montaria € na garantia de poder contar com eles, através de meios justos ou não. Tratando com pessoas “bem-intencionadas”, dava preferência a métodos civilizados: em 1643 vamos encontrá-lo escrevendo uma carta à Comissão de Suffolk, desculpan-

do-se pela requisição do cavalo de um certo sr, Goldsmith, em Wilby, desde que o referido cidadão demonstrasse não ser mal-intencionado ou partidário do rei. Ofereceu a devolução do animal capturado ou o pagamento do seu preço —

sendo muito cuidadoso em acrescentar: “Não que eu quisesse, nem por dez mil cavalos, possuí-lo para meu uso particular, mas, pelo contrário, somente pela

“Dê serventia no interesse público.” Até mesmo um simples cavalo incomodava e

pulosa — ele terminava a carta dizendo-se “muito ins atise Ito” e que o animal seria uma carga, caso o assunto nãoZ fosse resolvido.

CROMWELL

[13

Indagações tão minuciosas dão a medida da importância que ele atribuía à questão. Bons cavalos custavam de cinco à dez libras. A virtual

inexistência da raça árabe ou barb, introduzida muito mais tarde, faria com que esses animais nos parecessem pequenos hoje em dia, de qualidade infe-

rior e muito pesados; os que a cavalaria usava tinham, em média, um metro e meio. Na sequência das batalhas tornou-se mais fácil confiscá-los do que

pagar por eles, situação posteriormente legalizada mediante ordens de confisco emitidas pelo Parlamento. Cromwell, entretanto, sempre se preocupou em cuidar de seus cavalos, tanto quanto pagar suas tropas. Diante de

Winceby e de Newbury, ele protestou contra o uso de montarias exaustas, sendo que na segunda ocasião disse enraivecido a Manchester: “Eles cairão

sob seus cavaleiros, se forem acicatados; pode-se arrancar sua pele, mas não

seu serviço.”

A instrução, nos primeiros tempos da peleja, era difícil e desajeitada, pouco compreendida pelos cavaleiros, mais adestrados para as paradas do que para o ataque. Considerando-se, além disso, as tropas que tinham sido recru-

tadas qualquer ofensiva tinha características puramente temporárias. Onde os

soldados não estivessem ansiosos por abandonar sua região natal, enfatizavase uma guerra defensiva, após as batalhas, em vez de uma pressão incessante contra o inimigo. Não é difícil entender o ponto de vista desses homens; em condições de pagamento e abastecimento restritos, relutavam em abandonar os confortos de suas casas, pouco se inclinando a fornecer provisões a “estrangeiros” — referindo-se, nesse caso, mais aos vizinhos do que ao inimigo.

Sir William Brereton enfocou esse chauvinismo ao descrever como a guarni-

ção de Shrewsbury, mesmo com grande carência de homens, assim mesmo

pretendia dispensar os reforços enviados de Stafford, que utilizavam uma lin-

guagem amotinada e expressões insultuosas, sendo pouco confiáveis na hora do perigo.* Em

tais circunstâncias, os voluntários nunca pareceram adequa-

dos, durante o conflito civil, e o recrutamento forçado se impôs à ambos os

lados. No que diz respeito às provisões, o exército tinha direito ao “aquartelamento gratuito”, isto é, comida e bebida fornecidas pela população local; os

termos de pagamento constantemente adiados tornaram-se um tópico muito

o

no Warwickshire, no dia 23 de outubro de 1642, demonstrou a precariedade alcande muitas teorias correntes sobre a arte da guerra. Carlos I tencionava Essex, çar Londres. As forças do Parlamento, sob o comando do conde de

TES

debatido nos anos seguintes. | A primeira das batalhas mais famosas, a de Edgehill, próximo à Kineton,

114

ANTONIA

FRASER

filho do infortunado favorito da rainha Elizabeth, nomeado general em

julho, pretendiam forçar o rei a recuar. No entanto, as tropas realistas,

chefiadas por seu sobrinho Rupert, também recém-indicado general de cavalaria, iniciaram a luta abandonando uma posição de força num vasto

escarpado a algumas milhas de Kineton — o Edge Hill. Desta forma,

deixaram escapar o elemento surpresa e a indubitável vantagem da encosta, três vezes mais alta do que o solo. Enquanto isso, os soldados do Parlamento ocupavam a planície, com a vila de Radway entre os dois grupos. O primeiro movimento de Rupert teve sucesso. À cavalo, ele “lançou uma

carga contra os rebeldes (...) tão furiosa que equivaleu a uma ordem de

execução”, segundo escreveu uma testemunha realista.” No entanto, o que

poderia ter sido um êxito completo, tendo em vista a debandada das forças parlamentares, quando a cavalaria continuou avançando, até Kineton, os

realistas se esmeraram em saquear a carga transportada pelos homens de Hampden, e isso permitiu que a infantaria inimiga contra-atacasse com bons resultados. Pouco antes da batalha, o realista sir Jacob Ashley pronunciara a oração do guerreiro piedoso: “Oh Senhor, se por acaso deixar de pensar em Ti, neste dia, não Te esqueças de mim.” Naqueles campos gelados, onde Edmond Ludlow só dispunha de uma capa para se proteger, no meio daquela miséria e confusão, muitos devem ter se perguntado se a prece fora ouvida. Encostado a uma sebe, William Harvey, o cientista, lia um livro, até que uma bala raspou o chão; numa prova de grande sangue-frio, ele se cobriu com um cadáver; aquecendo-se contra o frio da noite. Feridos e infelizes, duzentos homens de Essex confessaram a um partidário do rei terem sido enganados, acreditando

que Sua Majestade não estaria presente. Segundo se dizia, alguns soldados

galeses favoráveis ao Parlamento mostravam-se particularmente sombrios, entoando uma triste modinha não muito refinada, assim: “As armas peidaram, assustando o pobre Taffy, Oh, Taffy, Oh, Taffy (...) No jardim de Kineton, O

pobre Taffy foi visto, Oh, Taffy, Oh, Taffy (...).”1º Esse desconcerto caracteri-

zou a cena após Edgehill, Essex bateu em retirada, rumo a Warwick, antes de dirigir-se a Londres, e o rei tomou a direção de Oxford, ambos os lado s considerando-se vitoriosos.*

E

115

A participação de Oliver Cromvell nesta batalha está cercada de incertezas. À evidência se complica pela presença de outro Oliver Cromwell, seu fi-

lho mais velho, corneteiro do regimento de Oliver St John. No dia 13 de setembro, os capitães Cromwell, Austin e Draper receberam ordem de reunir suas tropas de cavalaria e juntar-se ao exército de Essex. O conde de Bedford

desfraldara sua bandeira prateada, ornamentada e emoldurada em negro, diante do regimento de 75 cavaleiros sob seu comando. Cromwell liderava ou-

tros 67 e certamente esteve presente no final da luta, O mais provável, porém,

é que assim como Austin ele somente tenha chegado ao palco da ação para

tomar parte no contra-ataque aos realistas. O puritano MP Nathanial Fiennes, na chefia de um dos contingentes de cavalaria de Essex, tentou deter a debandada das forças parlamentares e juntar um “belo corpo” numa colina.

Juntando-se a outras tropas, inclusive à do capitão Cromwell, marcharam sobre Kineton.”

Não se deve dar muita atenção ao malicioso ataque de Denzil Holles, em suas memórias, escritas algum tempo depois do combate, pois nessa ocasião ele já se tornara inimigo declarado de Cromwell; embora afirmando que Oliver teria fugido do confronto por deliberada covardia, no relatório produzido ainda no calor da refrega ele não mencionara nada a respeito. À explicação do próprio Cromwell — “passara todo aquele dia buscando o exército e O lugar da luta?” — foi acoimada por Holles como ridícula tolice, pois ele poderia ter se guiado pelo ruído da artilharia. No entanto, provavelmente, a afirmação de Cromwell toca o cerne da verdade. Já na fantasiosa história do realista sir William Dugdale, Oliver Cromwell desempenha c absurdo papel de um poltrão: para evitar a luta, sobe à torre da igreja de Durton Bassett e,

logo depois, vendo através da luneta as alas do Parlamento em fuga desordenada, balança-se na corda do sino. Já se sugeriu que esta versão talvez con-

tenha um grão de verdade: chegando atrasado, Cromwell teria trepado na torre em busca de melhor perspectiva, querendo juntar-se à batalha em vez de evitá-la.'2 O campo Edgehill era tanto difuso quanto confuso, mas tal acusação é absolutamente inverossímil, não apenas no que diz respeito a esta bata-

lha quanto a qualquer outra ocasião da carreira militar de Oliver Cromwell. Apesar da chegada tardia ao campo de batalha, duas coisas chamaram sua atenção: a personalidade ácida do agilíssimo príncipe Rupert — a abelha que

Picava com o ferrão da cavalaria, embora somente uma vez, pois não pôde reerior Organizar os combatentes depois da primeira carga — € à qualidade sup

uma conversa que u elo rev ele e, tard s mai s Ano s. iro ale cav mos desses mes

116

ANTONIA

FRASER

teve com seu primo John Hampden sobre o assunto, imediatamente após a contenda — as palavras iniciais de Cromwell confirmam a suposição de que ele alcançou a batalha já a meio caminho: “Assim que acorri a esse combate, vi nossos homens batidos por todos os lados.” Essex precisava de “alguns novos regimentos”? e Cromwell ofereceu-se para apoiá-lo, acreditando estar em condições de cobrir a lacuna que lhe parecia evidente. “Muitos de seus soldados”, disse ele a Hampden, “são beberrões, velhos e decrépitos, com muitos

anos de serviço; os soldados deles [realistas] são filhos mais jovens de cavalheiros, pessoas de qualidade; você acha que gente próxima do fim e mesquinha será capaz de enfrentar homens que carregam honra, coragem e resolução dentro de si?” A solução, segundo Cromwell, era “recrutar homens determinados”, e ele insistiu com Flampden para que não subestimasse suas palavras — sem dúvida, estranhas aos ouvidos de um interlocutor do século XVII; disse que novos soldados deviam ser dotados “de uma determinação que os levasse tão longe quanto a de qualquer cavalheiro, do contrário as derrotas se sucederão”. Naquele instante, mesmo sendo uma pessoa sábia e valorosa, Hampden rejeitou a idéia, considerando-a boa mas impraticável. No entanto, o tempo se encarregaria de provar que o esquema nascido das convicções mais profundas de Cromwell, sinalizando uma superioridade potencial em termos tanto de uma vitória terrena quanto da salvação espiritual dos abençoados por Deus, não era apenas bom, mas também prático. Os fantasmas de Edgehill continuaram a assombrar o rei, enquanto a lembrança da derrota tornava sombria a visão de Cromwell. Pouco depois do combate, os pastores locais escutaram o som das trombetas e dos tambores, seguidos pelos terríveis gemidos dos moribundos — espectros de cavaleiros alados, imagens do conflito. Tais manifestações repetiram-se com suficiente freqiiência a ponto do rei enviar emissários, desde Oxford, para investigá-las; cada facção tirou suas próprias conclusões, imprimindo-as em panfletos: os realistas profetizaram que a malvada rebelião contra o soberano chegaria ao seu fim brevemente; os adeptos do Parlamento garantiram

que o monarca não demoraria a afastar seus igualmente malévolos conse-

lheiros.! Muito distante desses eventos sobrenaturai s, Cromwell voltara a Londres, provavelmente acom panhando Essex, e lá permaneceu alguns meses. Ele combinou seu papel anterior de membro do Parlamento com o de capitão de cavalaria. A a mbivalência de Edgehill e a falta de confiança

de

CROMWELL

a

muitos parlamentares ficaram demonstradas pelo fato do rei se sentir sufi-

cientemente forte e rejeitar negociações de paz. Opondo-se ao partido da guerra, dirigido por Pym, um partido da concórdia, sob a liderança de

Denzil Holles, preocupado, entre outras coisas, com o sucesso de dois co-

mandantes realistas — o conde de Newcastle, ao norte, e sir Ralph

Hopton, a oeste — começou a crescer dentro da Câmara dos Comuns. O embaixador de Veneza ouviu que muitos líderes parlamentares estariam “exportando” ouro, a fim de assegurar a eventualidade de uma fuga. Mes-

mo quando Essex impediu o rei de alcançar Londres, na batalha de

Turnham Green, em novembro, faltou-lhe o instinto assassino que teria permitido o aniquilamento da força militar do soberano. Como disse Whitelocke, foi uma “honra e segurança suficiente” para o Parlamento que o rei tivesse se retirado.” Cromwell manteve-se resolutamente no partido de Pym. Ele atuou como

escrutinador na contagem dos votos que negaram o Ato de Anistia Geral que daria aos seguidores do rei uma perspectiva de indenização; e envolveu-se desde o início na formação de duas entidades — a Associação dos Condados do Leste e a Associação dos Condados das Midlands — autorizadas pelo Parlamento, no final de 1642, com o objetivo de recrutar tropas e armazenar

suprimentos. Foi nomeado membro da comissão local do Cambridgeshire e Huntingdonshire, incumbida de avaliar, semanalmente, os recursos destinados

a financiar a guerra. Sob o controle do Parlamento, isso seria feito em todos os condados e cidades do Reino, segundo as formas usuais de arrecadação de tributos; de fato, os débitos foram calculados com base nas velhas listas do dinheiro de navio.

De volta a Cambridge, enquanto em Londres o Parlamento permanecia

irresoluto, Cromwell continuou a brandir um punho de ferro enluvado por

tênue pelica. No caminho de regresso suas tropas prenderam o sheriff do

Hertfordshire e, apesar da furiosa oposição local, enviaram-no para a prisão, em Londres, acusado de proclamar Essex e seus adeptos como traidores.

Velhas contas estavam frescas na sua memória. Seus soldados fizeram uma

visita ameaçadora ao velho inimigo de Huntingdon, Robert Bernard, memafinado o tã o iss por m ne s ma , ds an dl Mi das os ad nd Co bro da Associação dos friamente, Ê u de on sp re ll we om Cr , tos tes pro ar. s ent seu lam Ante com a causa par estão sug uma que do s mai co pou m co e pas cul des Sem nenhum pedido de de ameaça:

ANTONIA

118

FRASER

“E a completa verdade, que o meu tenente, com alguns outros soldados de minhas tropas, esteve em sua casa (...) em virtude de informações que obtive sobre suas ações contra as atividades do Parlamento, assim como as daqueles que perturbam este país e este Reino (...). Estou certo de que fui cauteloso ao agir desta forma, mas não fique muito confiante, daqui por diante. À sutileza poderá enganá-lo — isto é, derrubá-lo. À integridade jamais o fará.”

Cromwell terminava declarando que não tendo o objetivo “de ferir nenhum homem (...) também não lhe farei nada. Espero não ter razões para isso, pois caso o faça terei que ser perdoado — minha relação com o povo o exigirá”.!s Na primavera de 1643, quando as negociações de paz com o rei estavam

mais uma vez paralisadas, Cromwell começou a ampliar suas tropas, com vistas a formar um regimento, o que iria culminar, mais tarde, na formação do

eficiente Exército de Novo Tipo. No final de janeiro, promovido a coronel, provavelmente por /ord Grey de Wark, que Essex nomeara comandante-em-

chefe das forças da Associação do Leste, a ele se referiu John Vicars como “nobre e ativo coronel Cromwell”, acrescentando: “Deus infunde e inflama os

corações de seu povo de forma que eles se mostrem alegres e preparados ao se adiantar para ajudar o Senhor contra os poderosos Nimrods e as Fúrias Caçadoras de nosso tempo (...).”!” A atividade de Cromwell era imensa, e em

todos os seus esforços, visando organizar e equipar uma força capaz de deter a maré realista, ele imprimia a marca de uma nobre determinação de aplicar

aqueles princípios “bons, porém impraticáveis” que tinha exposto a Hampden depois de Edgehill. Sua persistência nesses novos métodos de recrutamento vem de muitas fontes diferentes. Segundo Whitelocke, seus homens eram proprietários € filhos de proprietários engajados na luta “por uma questão de consciência (E)

espiritualmente, bem armados com a satisfação da probidade e, externamente,

graças a bons braços de ferro, o que os mantinha firmes como um só homem, aptos a atacar sem piedade”. Manchester confirmava: os oficiais de seu regi-

mento eram “homens comuns, pobres e de ascendência pobre, com outras antenores (...). Eu o ouvi dizer muitas vezes que soldados ou escoceses não deveriam ser encarregados desse trabalho, mas somente os abençoados”. Richard Baxter descreveu como, desde o início, “ ele tomava especial cuidado em recru

tar gente com boa formação| religiosa”, 101 porque os apreciava ! e amava;;

CROMWELL

119

naturalmente, desta feliz e valiosa escolha, decorriam “poucas desordens, mo :

=

)

tins, saques e outras queixas que rebaixam os soldados e em geral inculpam

o

os exércitos”.” A rotina religiosa era da maior importância e foram dados passos para

recrutar capelães, muitos deles dublês de combatentes: Hugh Peter, formidável pastor “independente”, possuía um jeito peculiar de levantar fundos e liderar as massas, sendo visto carregando uma Bíblia e uma pistola. Confor-

me o ditado popular, “os Santos devem ter o louvor a Deus em seus lábios e uma espada de dois gumes na mão”. Richard Baxter narrou como fora convidado a se tornar pastor dos oficiais de Cromwell, que pretendiam criar

“uma igreja organizada”.”” Ainda que esse incidente tenha sido apresentado

como evidência congregacional da visão eclesiástica de Cromwell — sua adesão a um corpo unido, mais do que a formas livres e independentes de culto —, Baxter atribuiu o convite a James Berry, ex-funcionário de uma fundição do Shropshire e naquela ocasião capitão-tenente do regimento de Cromwell. Trata-se portanto de uma referência muito isolada e não categórica. Não se sabe quem foi escolhido, afinal, supondo-se que tenha sido William Sedgewick.” Desde o início, a disciplina das tropas, abrangendo inclusive os hábitos pessoais dos soldados, contrastava fortemente com os costumes dos militares a que já nos referimos. No mês de abril, em Huntingdon, dois “praças” tentaram desertar e foram chicoteados. Em maio, o Special Passages [Trechos Principais], jornal parlamentarista, registrou com satisfação que o coronel Cromwell mantinha “dois mil bravos, bem disciplinados; nenhum deles fala

palavrões, mas recebe seus 12 pence; quem se embebedar será preso (...) se chamar o outro de cabeça-redonda será expulso (...) onde chegam, a populaa a d r a o r d b o a c v o e n a ax i z i sa pr n ”. r Es es e m t el o a c r f a n o ri c e eg a al ção salt de istas dos conscritos, tradicionalmente brutais e licenciosos, ou no mínimo porr

€ blasfemadores, pode ser avaliada com base na expectativa piedosa expressa

pelo mencionado periódico, que augurava à felicidade que seria, caso “todas

as forças fossem assim disciplinadas!”. Em março de 1643, os cinco destacs.amentos que formavam o primeiro regimento de Cromwell estavam completo lia, a mí ri fa óp a pr is su m ia e u ic o c of s u , b e e t el n e a m m n i e a v Com a certez di

não só Desborough, como também seu primo, Edward Whalley,temubmrosojábrihanhvio;a O jovem Valentine Walton, e seu próprio filho, Oliver. Em se

ll alcançadez grupamentos e em abril de 1644 o corpo de tropas de Cromwe ra cerca de 1.400 homens.

ANTONIA

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FRASER

O primeiro sucesso dessa força disciplinada e abençoada deu-se numa es. caramuça nas redondezas de Grantham, no Lincolnshire, no mês de maio de 1643. Cromwell já tinha tomado parte no bem-sucedido porém menos importante cerco de Croyland, ao norte de Peterborough, onde oitenta realistas, sob o comando de um dos seus primos, se entrincheiraram com alguns reféns, Agora seu objetivo era atacar o importante baluarte de Newark, a nordeste de Nottingham — uma ação preventiva contra a possibilidade dos real istas

avançarem sobre os condados do leste. Cromwell partiu rumo ao norte a fim de juntar-se a /ord Grey de Groby, em Stamford, mas para seu desgosto, publicamente expresso, aliás, o nobre não compareceu ao encontro, alegando não poder deixar Leicester desprotegida. No dia 9 de maio, as tropas de Cromwell, as de lord Willoughby, de Parham, e as de sir John Hotham reuni-

ram-se em Sleaford, entre Peterborough e Lincoln. No dia 11, marcharam na direção oeste, no sentido de Grantham, e tarde da noite de 13 de maio entraram em confronto com o inimigo nos arredores de Belton. Mais tarde Cromwell escreveu que seus oponentes tinham cerca de 21 grupos de cavalaria e três ou quatro de dragões — infantaria montada armada com espadas curtas e mosquetes, nove dos quais desmontavam para disparar, enquanto o décimo segurava as rédeas dos cavalos — que ele enfrentou com apenas 12 destacamentos, “alguns tão pobres e alquebrados que dificilmente haveria pio-

res”. Algum fogo de mosquete foi trocado e, passada meia hora, apesar de sua superioridade, o inimigo não avançou. Cromwell decidiu então tomar à

iniciativa, adiantando-se “a um bom trote” e, diante da firmeza do oponente, carregando impetuosamente. A surpresa produziu bons resultados. Os adversários debandaram e foram perseguidos pela vitoriosa cavalaria de Cromwell ,

que só perdeu dois homens, contra cerca de cem antagonistas. O Parlamento

demonstrou sua

gratidão e apreciação pelo valor do

trabalho de Cromwell, que bloqueara o avanço realista no leste, porta de

que as três mil libras já recolhidas nos do ordenan , Londres de entrada condados associados e enviadas a Cambridge fossem pagas ao cor onel, destinando-se à manutenção de suas tropas. Rel atando os fatos, Cromwell abriu um precedente, atribuindo seu triunf o à divina providência. Escreven

do de Syston Park a um outro comandante, ele declarou: “Deus nos concedeu, esta noite, uma gloriosa vitória sobre o inimigo.” Um mero grupo de homens tinha “merecido o de Deus, fazendo pesar a balança

a nosso

favor”,DEN:

favor

CROMWELL

p1

Ironicamente, enquanto a disciplina de seus homens fazia aumentar à re-

putação de Cromwell junto aos partidários do Parlamento, por outro lado

os panfletários realistas atribufam-lhe uma imagem de vândalo e rebelde. A cizânia espalhava-se no espírito dos soldados e entre as tropas purita-

nas, em particular. Nesses primeiros anos da guerra e durante a campanha da Irianda Cromwell foi acusado de iconoclasta, surgindo daí a lenda e o

folclore que cercam e mancham seu nome.* Toda essa história de iconoclastia — literalmente, destruição de imagens — é obviamente bastante emocional. Não existe meio mais seguro de atingir o renome de uma pes-

soa na estima das gerações seguintes do que atribuir-lhe a demolição

desordenada de obras de arte. Muitos castelos que ele teria posto abaixo, igrejas violadas e estátuas quebradas são erroneamente datadas, de forma ridícula, ou ocorreram em áreas tão distantes de qualquer ponto que ele tenha visitado que nem merecem ser repetidas. Um exemplo do primeiro caso pode ser citado — às vezes se credita a Cromwell o desmantelamento da torre e do transepto da catedral de Ely: de fato, ele morou naquela

cidade, e a torre, sem dúvida, caiu... no século XIV.

O processo de falsa imputação se acelerou devido à infeliz coincidência de Thomas Cromwell, ancestral de Oliver, estar associado à destruição de monastérios. Escrevendo sobre as depredações perpetradas contra a catedral

de Peterborough, no final do século XVII, um clérigo realista achou importante acrescentar uma nota sobre o nome de Cromwell — “hoje tão funesto

para os pastores, como antes para os monastérios”. No século XVIII, em via-

gem à região das Midlands, um certo coronel Byng notou a perplexidade dos homens do campo diante de “dois Cromwell, um destruidor de monastérios e outro de castelos”.= A verdade é que à medida que cresce o folclore eles mais

se parecem. Com certeza, a imaginação popular terá feito recair sobre Oliver

as responsabilidades criminosas de Thomas.

Quando Cromwell ainda estava distante do comando geral já circulavam histórias malignas também a respeito das tropas do Parlamento, e que de cer-

ta forma se vincularam à sua reputação. Em função das culminâncias que al-

cançou ele personificou todas essas barbáries. À maioria das acusações era

divulgada por dois jornais realistas — o Mercurius Aubicus, que durante muito

tempo alcançou grandes tiragens, e o Mercurius Rusticus, de vida curta. As re[a

all, e The Image of Cromwell “Ver, especialmente, Was Cromwell an Iconoclast?, de G. F. Nutt in Folklore and Tradition, de Alan Smith.

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ANTONIA

FRASER

ferências a Cromwell inserem-se num conjunto de ataques aos parlamentares

incluindo a “muito miserável desfiguração” da catedral de Peterborough, seus órgãos e vitrais, em fins de abril de 1643. “Houve ultrajes maiores e mais numerosos do que os praticados pelos

godos ao saquear Roma, e semelhantes aos cometidos pelos turcos contra as

cidades cristãs”, disparou o Mercurius Rusticus; a versão espalhou-se com o li. vro História de Peterborough, do reverendo Simon Gunston, impresso em 1688,

segundo o qual, enquanto demoliam o púlpito, “as bocas sujas dos soldados

vociferavam: Abaixo o trono do Anticristo! Haveremos de arrasá-lo!”: a narrativa do padre prossegue dizendo que, antes de destruírem o órgão, eles to-

caram músicas lascivas, acompanhando a dança dos companheiros, vestidos com sobrepelizes. Aos apelos dos fiéis, que exigiram o fim da profanação, Cromwell respondia que seus homens estavam prestando um bom serviço a Deus — ele mesmo derrubou um crucifixo. Os livros de orações, em geral, eram alvo de ataques, mas um deles foi preservado por um comendador militar, que pagou por ele dez shillings a um dos homens da tropa do jovem Oliver. O soldado em questão inscreveu devidamente numa de suas páginas: “Peço que se deixe em paz este livro de escrituras, pois o portador me pagou por ele. (...) Por mim, Henry Topcliffe, soldado sob o comando do capitão Cromwell, filho do coronel Cromwell. 22 de abril de 1643.»

As tropas foram acusadas de profanar a catedral de Lincoln, derrubando

túmulos e esculturas e instalando um estábulo em sua nave. Posteriormente chegou-se a comentar que /ord Kimbolton demitiria o cavalariço caso ele permitisse que seu estábulo ficasse tão sujo como Cromwell deixara a casa de Deus. Em Cambridge, na primavera de 1644, dizia-se que Oliver encorajara o confisco do Livro de Orações Comuns pertencente aos clérigos da Univer-

sidade, tendo causado a demolição de algumas belas esculturas “que sequer representavam imagens”? O único incidente crível, e do qual Cromwell emerge exatamente como

em anos posteriores, ocorreu na catedral de Ely em Janeiro de 1644, comprovado por documentos, além das notícias coléricas dos jornais realistas. Como

todos os puritanos, ele considerava à prática do coro “não edificante e ofensi-

va”. Não se tratava de nenhuma oposição à música ou ao canto enquanto tais, mas de uma atitude que abrangia inclusiv e os órgãos, frequentemente quebra a baseada na objeção a tudo que rompesse o silêncio — afora orações — em

casa de Deus. Tudo bem que se tocassem inst rumentos e se cantasse, mas casa, Apaixonado pela música, Já como Lorde Protetor, Oliver Cromwell

)

CROMWELL

123

instalou um órgão em Hampton Court. No caso citado, ele antecipou-se, escrevendo ao sr. Hitch, clérigo da igreja, para adverti-lo de que os soldados

poderiam acabar promovendo tumultos, devido à continuação do coro. Seria muito melhor catequizar a população lendo as Sagradas Escrituras e discorrendo a seu respeito; ignorar esse conselho ou, pior, proferir sermões subversivos acarretaria problemas da inteira responsabilidade de Hitch. Ignorada a advertência, Cromwell apareceu durante uma sessão do coro e, sem tirar o chapéu, dirigiu-se a Hitch dizendo: “Sou a autoridade e ordeno

o encerramento desta assembléia.” Heróico e obstinado, o clérigo fez ouvidos de mercador e prosseguiu o serviço religioso. Furioso, Oliver desembainhou

a espada, obrigando-o a deixar de tolices e descer do púlpito. Ato contínuo, expulsou toda a congregação do templo.” Este era Oliver Cromwell, firme mas razoável, e, se provocado, autor de violências, todavia sempre apoiadas pelo Parlamento. O conjunto das evidências acerca da iconoclastia de Cromwell é parco e pouco impressionante: nos anos seguintes seu temperamento voltou-se contra ultrajes desordenados, e o deão Stanley, em sua History of Westminster Abbey [História da Abadia de Westminster], achou de bom alvitre anotar que os monumentos daquela circunscrição eclesiástica, tão cruelmente tratados sob Henrique VIII, permaneceram intocados sob Cromwell. Mesmo nesse período inicial, Cromwell ficou estarrecido diante dos danos causados ao castelo

de Nottingham e disse ao coronel Hutchinson que teria se oposto, se tivesse sido consultado. Na mesma época, Rupert, apelidado de “príncipe assaltante”, incendiou Cirencester e Marlborough. Por razões diversas, os realistas terminaram a luta com uma reputação

bastante ruim: relativamente à respeitável questão de dar às igrejas uso semelhante ao de estábulos — acusação atribuída com indignação às forças do Parlamento — é importante assinalar que até mesmo o grande cavalheiro

cristão Montrose o fez, em Udney, no Aberdeenshire. Nem a santidade das

de a quanto Lichfield, de catedral a tanto pois incólume, igrejas escapou

Hereford, transformaram-se em praças de guerra, fortificadas pelos partidários do rei. Couraças, pólvora e munição eram guardadas em seus recintos. Ambos os lados converteram igrejas em prisões, o que com freqiiência produzia danos em seu interior Cranborne Manor House, por exemplo, após sofrer nas mãos dos realistas, segundo relatos da família Salisbury, teve incendiados os portões e “uma pequena casa no pomar” por Cromwell e seus

mais justo Seria 1645. de outubro em militar campanha a durante seguidores

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aceitar o veredicto de John Evelyn, que escreveu em seu diário ser “impossível evitar que se façam coisas muito feias durante uma guerra” e depois fugiu para o exterior, onde permaneceu enquanto duraram as hostilidades.”

É bastante importante, entretanto, estabelecer a diferença entre a destruição sem objetivos, realmente comum num estado de beligerância, e uma polf-

tica deliberadamente iconoclasta, patrocinada pelos puritanos e inquestionavelmente apoiada pelo Parlamento. Um escritor bastante inventivo

alegou que os partidários do rei eram piores, pois acreditavam no caráter sa-

grado das igrejas profanadas por seus soldados. Tal ponto de vista equivale a considerar mais repreensível uma destruição descuidada do que uma campanha — indiscutivelmente ocorre o contrário. Enfim, a tradição iconômaca remontava à época de Eduardo VI. Um historiador ressalta que o ódio dos puritanos do século XVII contra as imagens deve ser entendido como parte de uma longa segiiência de mais de um século da história da Inglaterra, e não “como uma fúria desusada e insensata, inteiramente apartada de seu contexto”. Sob o comando do Parlamento, os métodos da soldadesca não se diferen-

ciavam muito dos estabelecidos com base nos antigos estatutos que prescreviam a quebra de ídolos e obras de arte.? Já acentuamos a enorme importância simbólica que os puritanos davam aos símbolos exteriores de “papismo” — grades separando os fiéis dos padres

que lhes ministravam o sacramento da comunhão, crucifixos etc. Sua destruição intencionada expressava uma revolta doutrinária, cujas tendências já exis-

tiam bem antes da guerra: em 1641, por exemplo, as grades e mesas de comunhão, em Wolverhampton, foram destroçadas por um grupo de cidadãos de classe muito baixa, inclusive caldeireiros e ferreiros, e duas mulheres, que

assumiram toda a responsabilidade e foram multados; apesar disso, um dos caldeireiros dirigiu-se atrevidamente ao magistrado, afirmando que a mesa “transformara-se num ídolo” e que ele faria tudo outra vez, “caso necessário”.

A luta simplesmente criou mais oportunidades para gestos assim — vontade já existia. Uma balada satírica, cuja letra foi impressa em 1646, escarnecia dos soldados puritanos, atribuindo-lhes os seguintes lemas:

Qualquer coisa que os papistas tenham construído Nossos martelos destruirão:

Quebraremos seus órgãos e queimaremo s suas vestes,

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E derrubaremos suas igrejas também.

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CROMWELL

Como uma flecha, a referência a “mãos papistas”? atin giu o alvo. Antes que se tornasse fundamental a formação de um exército profissional e disciplina-

do, Cromwell, em suas atividades iconoclastas, estava imbuído muito mais pelo sentimento de uma genuína repulsa doutrinária do que por atitudes gros-

seiras características de uma vulgar brutalidade militar. Nos anos seguintes ele mostrou muito poucas evidências em contrário.

Após a vitória de Grantham, em maio de 1643, os meses restantes do verão foram consumidos por Cromwell numa série de pequenos enfrentamentos nos condados do leste e arredores; a captura de Stamford e a defesa de Peter-

borough contra um ataque realista que partiu da perigosa Newark inserem-se

nessa campanha. Nenhum de seus aliados demonstrava a mesma firme intenção no sentido de dar prosseguimento à guerra com todos os recursos possí-

veis e com todas as tropas disponíveis. No dia 13 de junho queixou-se à Associação, em Cambridge, do atraso de sir John Palgrave, vice-governador de

Norfolk, que ainda não se juntara a ele no campo de luta, sob alegações que lhe

pareciam totalmente inadequadas: “Não se deve permitir a permanência de um voluntário sequer em Wisbeach — eu vos rogo, não o façam (...). Esta não é uma hora de opções prazenteiras. Há um trabalho a ser executado. Ordenem e sejam obedecidos!”*º Tão insatisfatório quanto o comportamento vacilante de sir John, beirando inclusive a traição, foi o de John Hotham, um jovem intratável que devastou o campo e, sendo repreendido pelo coronel Hutchinson, replicou, orgulhosamente, estar lutando pela liberdade que esperava conquistar “em toda parte”. Diz-se que ele chegou a agir desdenhosamente até mesmo contra Cromwell e Jord Grey de Groby, e que numa disputa local em torno de uma pequena quantidade de aveia apontou seus canhões contra eles. Finalmente, em virtude das reclamações encaminhadas à Comissão de Segurança, Hotham foi detido e levado ao castelo de Nottingham. Mas nem isso arrefeceu seu desca-

ramento; logrando escapar, escreveu uma carta ao presidente da Câmara dos Comuns, queixando-se do baixo nível social e sectarismo religioso dos homens de Cromwell, que teria se valido de um “anabatista”* contra ele, enquanto outro de seus subordinados, o coronel White, até bem pouco tempo .

não passava de um criado”.

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*Hotham

usou o termo “anabatista” pejorativamente,

como era comum

naquela DR

her tando uma pessoa de classe baixa. Os batistas nunca falariam assim. Christop MH atualmente. que “anabatista”, no século XVII, seria o mesmo que “vermelho”

Hil afirmou

ANTONIA

126

FRASER

No dia 24 de julho, Cromwell comandou com sucesso o cerco de Burghley

House, perto de Stamford, no Northamptonshire, suntuosa construção do tem. po da rainha Elizabeth, erguida por seu grande servidor e defendida, então, pela viúva, condessa de Exeter, representante do filho menor. Inicialmente os realistas se recusaram a negociar, mas foram persuadidos a mudar de idéia

por três esquadrões de mosqueteiros, seguindo-se às tentativas da artilharia de

derrubar a casa. Conforme as regras da guerra, o desafio dos defensores daria

aos atacantes o direito de matá-los. Cromwell, porém, apesar da primeira e peremptória recusa dos defensores, proibiu seus soldados de matar quem quer que fosse, sob pena de morte para eles próprios: a casa foi tomada sem perda de vidas, e os duzentos cavaleiros levados como prisioneiros a Cambridge. Supõe-se além disso que Cromwell tenha presenteado a condessa com um retrato seu, pintado por Robert Walker,* lembrança da terrível situação. O confronto militar seguinte — a liberação de Gainsborough, onde forças parlamentares achavam-se sitiadas por realistas — permitiu-lhe comprovar a firmeza que já demonstrara em Grantham e a prudência de Burghley House. No dia 28 de julho Cromwell tinha se juntado às forças de lord Willoughby, somando cerca de vinte destacamentos de cavalaria e três ou quatro de dragões. Para atacar o inimigo, a maior dificuldade residia no fato dele ter se entrincheirado no alto de uma colina extremamente íngreme, terreno muito traiçoeiro, local de criação de coelhos. Os realistas eram muito numerosos — “um conjunto importante”, segundo Cromwell —., dispondo de seis ou sete destacamentos de reserva. Apesar da posição tão favorável dos oponentes, decidiu-se atacá-los desde baixo. Cromwell comandou a ala direita.

Seus homens, inicialmente, subiram o aclive em colunas, formando uma linha

de batalha quase no topo da elevação. Quando já estavam ao alcance dos tiros de mosquete, os adversários lançaram-se contra eles, descendo. Foi carga contra carga — corpo a corpo ou “cavalo a cavalo”, conforme a descrição de Cromwell —, uma luta tensa que durou um tempo considerável até que um

dos lados conseguisse quebrar o ímpeto do outro.? Conseguindo uma peque-

na margem de pressão adicional, as tropas parlamentares fizeram o inimigo recuar um pouco, e essa vantagem bastou para que acabassem conseguindo

romper suas defesas.

Caindo sobre a retaguarda, Cromwell desbaratou as forças de reserva COmandadas pelo coronel sir Charles Cavendish, que dispunham de três grupos *O quadro ainda se encontra em Bu rghley House. E

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CROMWELL

127

de cavalaria, enquanto as tropas de Willoughby, compostas por voluntários do

Lincolnshire, atacavam frontalmente. Forçado a buscar refúgio no pântano, Cavendish foi mortalmente ferido por Berry, o capitão-tenente de Cromwell, com uma estocada logo abaixo das costelas.” Seus homens se puseram em

fuga, com os de Cromwell em seus calcanhares. Não por muito tempo, porém. Oliver não se esquecera que a maior fraqueza da vitoriosa carga de ca-

valaria fora a dificuldade de reorganizar as fileiras após o ataque. De alguma forma, ele manteve a coesão de seus comandados num momento particularmente crítico. Pois foi justamente quando as forças do Parlamento começaram a cumprir as ordens que haviam recebido, ou seja, o aprovisionamento de novos suprimentos e munições à cidade de Gainsborough, que se descobriu que o exército realista do conde de Newcastle, cuja aproximação era temida, colocara-se do lado oposto da cidade, mais uma vez seriamente sitiada. A cavalaria de Cromwell e a infantaria de Willoughby não poderiam manter a cidade contra essa força muito superior. Além disso, recém-saídos de um

combate, homens e cavalos estavam exaustos. Atemorizado, Willoughby buscou

refúgio dentro dos muros, mas Oliver entendeu que seria um desastre encerrar os animais lá dentro, imobilizando-os ou para que fossem capturados. Decidiu

portanto retirar-se, suportando, apesar de todo o desgaste das montarias, um

ataque inimigo que o forçou à retirada, evitando a luta em tão precárias condições. Segundo sua versão, alcançou-se o impossível: “Juntamos nossos cava-

los com certa dificuldade num único corpo e enfrentamos a carga adversária, procedendo a um recuo organizado, até Lincoln, onde chegamos sãos e salvos

(..)” O sucinto relatório sobre a batalha encobriu a magistral tática militar

empregada e uma flexibilidade impressionante, particularmente se considerarmos o tipo de treinamento usado na época. Analisando as campanhas de

Cromwell, um soldado profissional observou que um comandante militar só tem um problema mais difícil do que atacar um inimigo já preparado, que é o de retirar-se fatigado, enfrentando tropas descansadas e superiores. Cromwell

obteve sucesso em ambas as manobras.

Após Gainsborough, de volta a Huntingdon, Cromwell foi informado de que o Parlamento o nomeara governador da ilha de Ely e promovido ao posto de coronel, responsável pelo comando das forças sediadas nos condados do

leste. No entanto, olhando ao redor, ele não poderia deixar de notar

que a

causa a que servia de forma tão zelosa e efetiva encontrava-se numa situação militar extremamente perigosa. A escaramuça de Chalgrove Field, em 18 de junho, havia terminado com a vitória da cavalaria ligeira de Rupert, à morte

ANTONIA

128

FRASER

de John Hampden — causada por ferimentos recebidos na batalha —. cio abandono, por parte de Essex, de quaisquer planos futuros de assediar

Oxford, onde o rei mantinha seu quartel-general. Durante o combate, o prín-

cipe tinha demonstrado coragem pessoal. Ao mesmo tempo, como foi Visto, 0

conde de Newcastle deslocara-se desde o norte; engolindo Gainsborough, ele tinha anulado o pequeno triunfo das forças parlamentares e não demorou a mover-se na direção de Lincoln. Não surpreende que as cartas de Cromwell apelassem quase desesperadamente por dinheiro, reforços, qualquer coisa que salvasse a nobre aventura iniciada pelo Parlamento de perecer ante os realis-

tas, por causa de uma completa ineficiência. Em julho, a envelhecida matriarca da família Cromwell escreveu a um primo, indignada: “Gostaria que tivesses o cuidado de separar algum dinheiro para socorrer meu filho, tão negligenciado.” O parente também devia restituir mais de cinquenta libras que ela depositara em suas mãos. O pagamento dos militares variava de dois shillings — soldo diário de um recruta de cavalaria, destinado às suas provisões, roupas, equipamentos e ali mentação da montaria (as tropas de infantaria recebiam sete gence por dia) — até uma libra e 19 shillings pagos aos capitães. Os oficiais de maior patente

recebiam conforme um sistema que remunerava seus respectivos papéis — por exemplo, um coronel no comando de um regimento de cavalaria poderia chegar a três libras e 9 shillings por dia. O problema não estava nos valores

em si, bastante generosos, mas no recebimento dos estipêndios. Dinheiro é

um tema recorrente nas cartas de Cromwell do final do verão aos meses do

outono — às vezes, um lembrete agressivo aos subcomandantes de Essex, reclamando ter desembolsado o pagamento de meias, sapatos, camisas e aquar-

telamento das tropas do condado, e cobrando a restituição, “pois não se espe-

re de mim arcar com tal ônus”; às vezes, uma abordagem apaixonada de temas gerais junto aos comissários, en Cambridge, afirmando que “o dinkeiro que trouxe comigo é insuficiente para ser distribuído às minhas tropas, OU vesti-las pela metade, tão grande é o atraso. Se não recebermos mais, e rapi-

damente, haverá desestímulo. Lamento ter que escrever tão frequentemente

sobre isso. Parece que me torno desnecessariamente inoportuno, mas trata-S da constante negligência daqueles que deveriam nos prover. Cavalheiros,

vosso dever ajudar os que estão dispostos a dar seu sangue por vós”. | Em

11 de setembro, falando em nome da sua “querida companhia”, ele

dirigiu um desesperado apelo pessoal a seu primo Oliver St John, em Londres: “Dentre todos os homens, você é o último a quem eu deveria perturbar

CROMWELL

120

com esse tipo de problema, não fosse o estado de penúria em que se encontram minhas tropas — estou sob pressão irresistível, excessivamente negligenciado!” Escrevera à Câmara dos Comuns com amargura, pois não solicitava nada em

proveito próprio; infelizmente, o que possuía não servia sequer como comple-

mento às carências manifestadas pelos soldados — seu patrimônio, inclusive, tinha diminuído: “As propriedades que tenho são poucas e, em dinheiro, devo dizer-lhes que os negócios da Irlanda e da Inglaterra levaram de mim entre 1.100 e 1.200 libras; minha bolsa privada não vale quase nada para ajudar ao públi-

co.” Concluía tristemente, assegurando que restava sua própria pele, e que a arriscaria junto com os homens que seguiam seu comando. “Coloquem um peso sobre a paciência deles, mas não a rompam.” O pós-escrito, ainda mais urgente,

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referia-se à falta de cuidado geral na manutenção do exército de Manchester:

“A força fracassará se não houver alguma ajuda; conselhos e débeis ações são inúteis. Envie qualquer tipo de apoio, imediatamente, ou tudo estará perdido. Só nos restará o auxílio de Deus — garanto.” Em tais circunstâncias, foram muito tocantes as reações de alguns “jovens, rapazes e moças”, cujo entusiasmo adolescente levou a que ultrapassassem a

vergonhosa inércia dos pais, oferecendo dinheiro para equipar, parcialmente pelo menos, a nova tropa de Cromwell. Ele aprovou o projeto, inteiramente, na

expectativa de poder recrutar gente honesta e temente a Deus, a quem agradeceu “por inspirar a juventude a abrir mão de suas pequenas quantias”. Quanto

às 240 libras assim arrecadadas, aconselhou que fossem utilizadas na compra de “pistolas, selas e oitenta cavalos, pois menos de quatrocentas libras não or-

ganizam uma tropa de cavalaria”. Ao se juntar a Fairfax, em Boston, não encontrou nenhuma ajuda do Parlamento destinada aos seus homens e, de acordo com um relato, começou a chorar de pura raiva e frustração.”

No outono, entretanto, a situação geral das forças do Parlamento parecia mais uma vez favorável, se bem que os problemas financeiros de Cromwell só viessem a ser efetivamente solucionados no ano seguinte. Estabeleceu-se um soldo regular, ainda que reduzido, para todos os homens — os seus e os do exército de Manchester No oeste, Gloucester, fortaleza do Parlamento, foi sal-

va de um longo cerco; em Newbury, em 18 de setembro, Essex superou uma Londres. alcançasse rei o que impedindo Reading, até avançou e batalha dura de apelo um a do responden capital, à escoceses s comissário dos A chegada mso um em ss xe ou tr s ele ra bo em o, oi ap de John Pym, reacendeu as esperanças asa ser vi al de on o ci çã Na en nv a Co ri óp pr a su — co bi ra no ei iv ol de mo brio ra

sinada. Cromwell fora enviado ao norte a fim de contatar sir Thomas Fairfax.

ANTONIA

130

FRASER

Foi o primeiro encontro de Fairfax com aquele que seria seu chefe. Des.

cendente de antiga família de proprietários de terra no Yorkshire — de onde provinham suas tropas —, tipo interessante e romântico, de olhos negros e abundante cabeleira escura — ele e Strafford eram apelidados de Black Tom —, silencioso em público, inspirava muita simpatia e admiração a seus con-

temporâneos, inclusive Cromwell, 12 anos mais velho, graças à rara combinação de temperamento doce e perícia militar de aço. Segundo Joshua Sprigpe, o caladão costumava converter-se em anjo da batalha — com franqueza, e ainda que levando em conta ter sido emitida por um fervoroso admirador, a comparação é ruim. Milton escreveu que Fairfax, como Cipião, o africano,

não que em ela

se limitava a derrotar o inimigo: ele o fazia gloriosamente.” Todavia, em pese tamanha autodisciplina, Fairfax era muito influenciado pela esposa; solteira /ady Anne Vere, criada nos Países Baixos, extremamente religiosa, se tornara presbiteriana por volta de 1647. A primeira colaboração entre ambos foi auspiciosa. Em 10 de outubro, em Winceby, a alguns quilômetros do litoral de Boston, na direção nordeste, Manchester e Cromwell, aliados a Fairfax, enfrentaram o governador de Newark, sir John Henderson, tentando impedi-lo de ir em socorro de Bolingbroke Castle. Apesar da superioridade numérica dos realistas e da fadiga de alguns contingentes parlamentares era vital barrar a progressão das forças dos partidários do rei nessa região. As tropas de Manchester dispunham de melhor equipamento. A batalha foi iniciada pelos dragões, e Cromwell comandou pessoalmente a primeira carga de cavalaria. De acordo com uma testemunha, um forte canto de salmos ergueu-se no ar — esse som se tornaria pano de fundo familiar nas batalhas da guerra civil, entoado pelos “cabeças-redondas” e, em certas ocasiões, até por cavaleiros.*º Logo à primeira salva de mosquete, o cavalo de Oliver caiu, e ele teve de montar um ani-

mal bastante inferior. Coube a Fairfax, na segunda carga, obrigar o inimigo à fugir, após somente meia hora de luta.

Cromwell passou a maior parte do outono em Ely com a família. Henry

Ireton, vice-governador da ilha, viera do Nottinghamshire; solteiro, 32 anos,

ex-major da cavalaria do coronel Thornhaugh, em Gainsborough, de natureza

reservada, religioso, teimoso e inteligente, os realistas o consideravam rude — “como um alto e desprezível ladrão, cabelos encaracolados, rosto descarnado e olhos fundos, numa expressão mesquinha”.*! Acima de tudo, porém, era um homem extremamente sério, um intelectual, que só partia para a ação

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CROMWELL

131

depois de meditar profundamente e de acordo com as conclusões à que tives-

se chegado. Nisso ele diferia muito de Cromwell, que pensava e agia ao mesmo tempo — fagulhas espontâneas acendendo a chama de seus gestos. Ambos se tornaram muito amigos, como frequentemente acontece quando há

identidade de objetivos suficiente. A amizade aprofundou-se quando Ireton

cortejou a filha mais velha de Cromwell, Bridget.

No final do ano, Cromwell estava de volta a Westminster, discursando; em novembro fez parte de uma comissão presidida pelo conde de Warwick, encarregada de examinar os problemas da expansão colonial no Novo Mundo. Foi um período politicamente complicado. O preço da ajuda escocesa — uma promessa de vinte mil homens — seria a aceitação da sua Liga: em se-

tembro, Pym já assinara a Convenção. As dificuldades contidas no documen-

to transpareciam mesmo para os mais tolerantes, que nada tinham a ver com os rígidos princípios do presbiterianismo, e sir Henry Vane, o jovem, conseguira alterar alguns de seus termos: a anunciada reforma da Igreja passaria a ser “de acordo com a palavra de Deus”, terminologia muito mais vaga do que a dos escoceses e passível de diferentes interpretações. Pode-se dizer que a emergência dos “independentes”, enquanto grupo político e não apenas religioso, em Westminster, decorre desse incidente. Sua primeira menção ocorre em 1643. Desde o início, eles se identificaram muito com o “partido da guerra”. A morte de John Pym, em 18 de dezembro, retirou da cena política o único homem suficientemente capaz de controlar os escoceses. Permitiu também a ascensão natural ao poder dos “in-

dependentes” mais jovens, como Vane, ampliando a brecha na frente parlamentar entre os que se inclinavam no sentido de um presbiterianismo escocês

e os que preferiam a visão separatista. Vane, então com trinta anos, era filho do antigo secretário de Estado de Carlos I, até sua demissão em 1641. Punitano dedicado, desde sua conversão na juventude, homem de intelecto e força, exercia grande influência sobre seus contemporâneos. Clarendon referiu-se a

seu aspecto “pouco usual”, apesar de seus pais não terem sido particularmente belos, o que fazia muita gente pensar que ele possuía “algo de extraordinário

em si: e toda a sua vida favoreceu esta idéia”. Na Casa dos Comuns ele vinha

se tornando rapidamente o equivalente político de Oliver Cromwell no campo de batalha.

iAs lutas internas se acirravam em virtude das tentativas do rei, sem dúv

tar esen repr sse pude que o vídu indi quer qual com r trata de is, da compreensíve dos ica ind dos um foi ll mwe Cro . ição opos da ente corr na o frac mais um elo

132

ANTONIA

FRASER

para considerar a delicada questão da carta que Sua Majestade enviara a Vane,

propondo liberdade de consciência. O destinatário a mantivera em segredo, no

intuito de descobrir as verdadeiras intenções do monarca, mas a interpretação de Essex foi má — como algo dirigido contra si próprio. No entanto, em fevereiro, quando se constituiu a Comissão dos Dois Reinos — Inglaterra e Escócia — em substituição à antiga Comissão de Segurança, criada pelo Parlamento

para administrar a guerra, muitos dos seus 21 membros poderiam ser considerados “independentes”. Nela, o nome de Cromwell destacava-se, aparecendo ao lado de Vane, Oliver St John, sir Arthur Haselrig e Warwick. Apesar das disputas intestinas, a maior preocupação de Cromwell ainda era à luta armada. Quando discursou na Câmara, em 22 de janeiro, dirigiu um furioso ataque a /ord Willoughby, de Parham, por sua inépcia após a batalha de Gainsborough, e que acarretara a perda daquela praça e de Lincoln, com todas as suas armas, inclusive sete peças de artilharia. Não se tratava de um erro tático simplesmente. Oliver acusou Willoughby de conceder ex-

cessiva autonomia a “lugares-tenentes profanos” que mantinha sob seu co-

mando e citou pelo menos um exemplo de comportamento impróprio. Houve quem se aborrecesse com o fato dele jogar lama em alguém “de tanto merecimento”, mas Cromwell conseguiu que o Lincolnshire passasse ao comando de Manchester, e o caso de Willoughby foi levado a uma comissão especial. Nesse mesmo dia recebeu sua promoção a tenente-general de cavalaria e infantaria [general-de-exército], com o posto de subcomandante, sob as ordens de Manchester. Sua remuneração diária aumentou para cinco libras, mas ele continuou a receber o pagamento de coronel e capitão de cavalaria, acrescentando 42 shillings por dia, pelas despesas com os cavalos. À última hora, no dia 5 de fevereiro. assinou a Convenção, sem o que não poderia assumir o comando. Os violentos ataques de Cromwell contra os subcomandantes de Willoughby

demonstram que ele estava longe de abandonar seus princípios básicos: a força militar tinha que ser recrutada entre os que temiam a Deus. No final de agosto, em Cambridge, falara sobre as vantagens práticas de se escolher capitães de cavalaria entre os de melhor reputação: outros homens honestos os seguiriam, mantendo-se atentos para não perder o privilégio de cavalgar junto a eles. Numa passagem que ficou famosa por expressar sua filosofia pessoal acerca dos comba-

tentes, declarou: “Prefiro um capitão envergando uma grosseira roupa de lã,

mas que sabe por que está lutando, e preza suas razões, aos chamados cava-

lheiros, e nada mais. Honro um cavalheiro de verdade.” É bem verdade que

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CROMWELL

133

seus próprios homens poderiam sair perdendo com essa política de rígido controle. Pedindo apoio financeiro a sir: Thomas Barrington, Cromwell disse que “há muitos dispostos a saquear e pilhar; estes não padecem de necessida-

des (use)



o soldo de seus homens, por outro lado, estava atrasado havia se-

manas. Contudo, ele exalta a disciplina! “Realmente, meus soldados — estigmatizados por alguns como anabatistas — são honestos, tementes a Deus e,

segundo minha crença, mais livres de práticas injustas do que quaisquer ou-

tros que se possam encontrar em toda a Inglaterra.” Eventualmente, suas

doutrinas tinham certo caráter oportunista: numa réplica às críticas de

Hotham, no final de setembro, negando mais uma vez que comandasse

anabatistas, ele falou em defesa dos chamados homens comuns, elevados a ca-

pitães de cavalaria: “Seria ótimo que pessoas de honra e nascimento estivessem vinculadas a este tipo de trabalho. Por que não apareceram? Quem as teria impedido?” Percebendo a necessidade do trabalho não sofrer solução de

continuidade, melhor seria contar com gente comum do que ninguém. Os

verdadeiros sentimentos de Cromwell, no entanto, podem ser observados em sua conclusão: mais do que indispensável, é melhor contar com os “pacientes, fiéis e conscienciosos”.**

Ao longo de todo o ano de 1643, Cromwell negou que suas tropas esti-

vessem contaminadas pelos temidos e desprezados anabatistas. Originárias do continente, corriam muitas histórias exageradas sobre esta seita. Na verdade,

suas práticas normais, como, por exemplo, o batismo adulto, correspondiam a

princípios espirituais — o direito de cada um buscar a verdade, por si próprio, nas Escrituras. A primazia conferida ao julgamento individual levava à crença de que em qualquer crise entre a Igreja e o Estado, a obediência ao Estado não devia estender-se além da consciência individual. Embora os batistas também tendessem a aceitar pacificamente qualquer punição imposta

pelas autoridades leigas, é perfeitamente compreensível o medo à anarquia

que uma doutrina como essa poderia infundir na mente das pessoas do século.

As divergências entre Cromwell e Manchester datam da primavera de 1644, culminando no final daquele ano, na disputa dele contra Lawrence Crawford.

Rígido presbiteriano escocês, o major-general [general-de-divisão] tinha uma opinião comum a muitos homens da época, considerando o anabatismo messi em ”, ndência “indepe à que de convicto estava horrendo; não obstante, ma leniente, era naturalmente suscetível a tais abusos. Sem dúvida, o crescimento do poder dos “independentes” no exército constituía O pano de fundo da querela, já notada pelo pastor presbiteriano escocês Robert Baillie.“

134

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Os contatos de Cromwell e Crawford começaram depois de ins talada a Comissão dos Dois Reinos, enquanto o exército de Manchester obtinha sucesso nas terras situadas entre Oxford e os condados da Associação do Leste,

Oliver dirigiu uma expedição com resultados bastante práticos, chegando a capturar o gado que pastava do lado de fora dos muros da capital do rei. Ele

atacou Hillesden House, posto avançado a cerca de oito quilômetros de Buckingham, perto de Newport Pagnell, cidadela do Parlamento governada por sir Samuel: Luke. Quando a Comissão decidiu impedir que o rei se juntasse a seu general Hopton, Cromwell já estava providenciando a rápida convocação de tropas descansadas: no dia 8 de março, ele escreveu a Luke, soli-

citando o deslocamento de quaisquer contingentes em condições de alcançar Cambridge com a maior presteza possível. Lá, os homens deveriam bivacar na Hospedaria Swan. No pós-escrito, como bom puritano, manifestou sua crença na auto-ajuda, garantia de autopreservação: pediu que o coronel Aylife fosse lembrado da promessa que fizera — ceder a Cromwell a sua própria cota de malha. Foi justo nesse momento que Crawford incorreu na ira de Cromwell, mandando prender um certo tenente William Packer, batista, provavelmente

por alguma ofensa religiosa. O acusado queixou-se a Oliver, que mandou um emissário com o recado de que sendo um “homem de Deus” o tenente deveria ser deixado em paz. Na mesma ocasião Henry Warner, tenente-co-

ronel de Crawford, recusou-se a assinar a Convenção, alegando convicções

batistas, e foi enviado a prestar contas perante Manchester. Numa explosão

de raiva, Cromwell escreveu uma longa carta a Crawford, insistindo para que ele não afastasse alguém tão fiel à “causa” e tão interessado em servir a seu próprio comandante. Por acaso, ele preferiria um homem notório por sua maldade, bêbado contumaz e blasfemador, a alguém que “temesse o pecado?? O cerne da questão não estava no temor de Warner ao pecado, na no fato dele o evitar de modo supostamente anabatista. Cromwell, que seis meses antes negara a existência de anabatistas em seu exército, admitia agora não somente essa possibilidade, como ainda teimava que isso não tinha qualquer relevância na condução da guerra: “Sim, o homem é um anabatista. Existe certeza disso? Mesmo que ele o reconheça, isso o torna incapaz de servir ao povo (...)? Senhor, ao escolher os homens que devem servi-lo, O Estado não tem em vista suas op iniões, desde que estejam convenientemente adestrados e dispostos a um se rviço fiel, é o que basta. Anteriormente, já O

aconselhei a tolerar pontos de vista divergentes; caso tivesse seguido meu

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CROMWELL

135

conselho, creio que não teria encontrado tantos problemas em seu caminho (...).” E claro que se existisse alguma acusação de caráter militar contra Warner a história seria outra, cabendo nesse caso, um tratamento judicial. *

No entanto, Crawford devia “evitar ser severo ou deixar-se atingir facilmente por outros, contra os quais se podem ter poucas objeções e dos quais se discorda no que se refere à religião”.” Ainda que Crawford fosse um soldado profissional, com experiência no exterior, Cromwell é que reagiu como militar, não se colocando como um inimigo dos presbiterianos ou se-

quer como um “independente” convicto, visto que ele não dedicava nenhum

tempo a pensar sobre tais questões, antes dedicado a alcançar a vitória no campo de batalha, quaisquer que fossem as particularidades dos compromissos religiosos de suas tropas. Não há licença que libere o soldado de todas as preocupações privadas. Na primavera de 1644, enquanto desenvolvia uma dura campanha e tentava combater a inquisição de Crawford, Oliver não podia deixar a casa, em Ely, à matroca; em abril, ele assinou uma ordem destinando parte do dinheiro que lhe era devido à sua mulher — uma quantia de cinco libras semanais —, incidente que Manchester tenta usar, mais tarde, como prova da sua corrupção. Mais uma vez os Cromwell tinham-se reduzido: aos 21 anos de idade, ser-

vindo na guarnição do exército, em Newport Pagnell, o jovem Oliver morrera de varíola. O suave Richard tornava-se, assim, o filho mais velho. Desaparecendo da história tal como cinco anos antes já acontecera a Robert, pouco

se sabe dele, exceto o que se disse após seu falecimento — que fora “um jovem cavalheiro bem educado e a alegria de seu pai”. Preservada, uma das cartas que ele escrevera de Peterborough, seis meses antes de morrer, queixavase de um patife ou dois recentemente recrutados. Segundo o jovem Oliver,

eles “desonravam a causa de Deus, desagradando muito a meu pai, a mim € a

todo o regimento”; enquanto viveu, parecia uma lasca do velho tronco de

Cromwell. Mas as agonias pessoais tinham que ser postas de lado. Os sons da guerra enchiam o norte, onde sir Thomas Fairfax e seu pai, Ferdinando, /ord

haLeven, de comando o sob escoceses, os e Selby, capturad o tinham Fairfax,

viam finalmente cruzado a fronteira, em janeiro, instalando-se em Durham.

Em consequência dessa pressão bem-sucedida, Newcastle — que recebera 0

título de marquês no outono anterior — viu-se forçado a recuar uma força considerável de cinco mil cavaleiros e seis mil soldados de infantaria, instahomens, desses parte maior a tarde, Mais York. de muros dos lando-a dentro

136

ANTONIA

FRASER

sob o comando de /ord Goring, juntou-se à força de socorro. O cerco de York

começou no dia 22 de abril. As tropas do Parlamento bem podiam alimentar

excelentes perspectivas, desde que o príncipe Rupert não chegasse a tempo de ajudar Newcastle. Nas primeiras etapas do cerco, /ord Manchester e Cromwell ficaram próximos a Belvoir Castle, no Lincolnshire, tentando atrair Rupert na

direção sul; e enquanto Oliver mantinha /ord Goring à distância, /ord Manchester atacava Lincoln. Então, com as Midlands orientais temporariamente

seguras nas mãos do Parlamento, Manchester e Cromwell seguiram rumo ao norte, a fim de juntar-se aos Fairfax e aos escoceses, diante de York. Não havia unidade de opinião entre os diversos comandantes —

o gentil Manchester,

sempre propenso a ouvir os mais experientes; os Fairfax, pisando um terreno conhecido; e o veterano líder escocês, Alexander Leslie, conde de Leven, que tinha lutado sob o comando de Wallenstein e Gustavus Adolphus. Entretanto, todos concordavam, enfaticamente, que uma junção das forças de Rupert às de Newcastle seria fatal. Ao mesmo tempo, York não podia ser tomada — uma precipitada e mal-organizada tentativa de Crawford nesse sentido frustrou-se inteiramente.

Quando chegaram notícias sobre a arrasadora vitória de Newark, após a

qual o príncipe tinha salvo a galante condessa de Derby, até então encastelada em Lathom House, deslocando-se em seguida na direção de Knaresborough, onde estava acampado naquele momento, tornou-se inevitável

imaginar o impossível — Rupert ocupava uma excelente posição para so-

correr York e juntar-se ao exército de Newcastle. A rapidez desses movimentos não daria tempo a que as forças do Parlamento recebessem os reforços de sir John Meldrum ou do conde de Denbigh. A estimativa de que

Rupert contasse com 18 mil homens — provavelmente não eram mais do

que 14 mil — determinou a retirada de York e o abandono de um valioso

material de cerco. Tratava-se de impedir a qualquer custo o avanço dessas tropas. Decidiu-se portanto manter uma posição próximo a Long Marston, defendendo a estrada principal entre Knaresborough e York. Também levan-

do em consideração o tamanho dos exércitos adversários, Rupert optou por uma manobra circular, realizada com determinação e rapidez extraordinári-

as, segundo Whitelocke, “girando os braços, como um compasso”,* e correu em socorro de York, pelo noroeste, em vez de avançar pela estrada principal. A manobra teve êxito, deixando as forças do Parlamento à espera, confusas sobre a sua localização, enquanto Yo rk era libertada e os homens

de Newcastle ficavam a um passo de dis tância.

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CROMWELL

137

Apesar desse golpe altamente bem-sucedido, Rupert não liquidara os parlamentares. Valendo-se de uma ordem bastante ambígua do rei, referindo-se,

na mesma frase, ao socorro a York e à destruição dos exércitos rebeldes — objetivos não necessariamente consequentes —, o príncipe decidiu que assim o seria.” Quase sem parar, após o socorro à cidade, e pressionando Newcastle

a segui-lo, lançou-se em perseguição das tropas do Parlamento, que se diri-

giam para Tadcaster ao sul. Ainda ignorando o que se passava na retaguarda,

e com ordens de cobrir a retirada de Leven e da infantaria, já perto de Tadcaster, os soldados de Cromwell, Fairfax e Leslie avistaram a guarda

avançada da cavalaria de Rupert — uma ameaça nada desprezível. Despa-

chou-se uma mensagem angustiada a Leslie, exigindo que voltasse. Às 16h, Leven e sua infantaria encontraram-se com o restante das forças parlamenta-

res. Da parte dos realistas, a ordem de batalha também estava completa. Os dois lados se encaravam através do pântano de Long Marston. Dentre as inúmeras rivalidades que distinguiam “cabeças-redondas” e cavaleiros, uma das mais interessantes ligava-se aos dois formidáveis comandantes de cavalaria, Rupert e Cromwell. O contraste entre ambos não poderia ser

maior. O príncipe, vinte anos mais jovem que Cromwell, “muito galante” em sua forma de vestir, era um verdadeiro cavaleiro, no sentido romântico da palavra. Vencedor de Powick Bridge, Cirencester, Chalgrove Field, Bristol e Newark, estava no auge da fama; suas táticas audaciosas só contribuíam para aumentar-lhe a sedução. Cromwell, 45 anos de idade, invicto comandante de

cavalaria, não tomara parte, no entanto, em nenhum enfrentamento maior; escolhidos segundo métodos não ortodoxos, seus homens possuíam valor até então praticamente desconhecido, embora se atribuísse a eles, pelas vitórias alcançadas, um sinal do favor divino. Referindo-se particularmente a Cromwell, Joshua Sprigge escreveu: “Deus estava a seu lado, e ele começou a se tornar

famoso.” Sua reputação militar já tinha excitado a imaginação do próprio Rupert. “Cromwell está lá?”, perguntou ele, ansiosamente, a um soldado da Associação do Leste, capturado antes da batalha. Mais tarde, ao ser solto, O

homem contou a história.*! “Com a graça de Deus, ele enfrentará uma boa luta”, foi o comentário

sombrio de Cromwell, quando soube do interesse de Rupert. Marston Moor mostraria se a graça de Deus — ou manifestações mais mundanas, como O treinamento de novo tipo do exército da Associação do Leste — permitiria ao Parlamento defender-se do seu temerário mas brilhante oponente.

KR 48

ENS

6 Flanco de ferro Esta grande vitória foi realmente uma bênção do Senhor

para a Inglaterra e a Igreja de Deus. É evidente que o

partido protegido por Ele recebeu um grande beneficio. CROMWELL,

sobre Marston Moor

arston Moor, na longa noite de 2 de julho de 1644, foi certamente a maior batalha travada em solo britânico até então: em suas redondezas se instalaria o maior cemitério comunal da época.* Chovera abundantemente durante todo o verão, e aquele tinha sido mais um dia frio e úmido, com pancadas inter-

mitentes, do tipo que leva os ingleses ao desespero, devido ao clima do estio. Se isso permitia antecipar um tempo sombrio, por outro lado aquelas verdes planí-

cies do vale de York guardavam surpresas — certas elevações do terreno, suficientemente altas para constituir alguma vantagem estratégica. Pois lá, além dos encharcados campos de centeio, onde um homem afundaria até os joelhos, às

on, Marst Long e ith Tockw de vilas as entre nosa, panta região uma de margens

localizava-se a suave elevação conhecida como Marston Hill. Em seu cume esta-

, abaixo nte atame imedi e, mento Parla do forças das res milita s mento supri os vam no ponto hoje conhecido como Cromwel?s Plump [Crista de Cromwell], os exércitos aliados haviam estabelecido seu posto de comando, de onde poderiam

observar o campo da luta. Na parte inferior dos flancos do outeiro, um pouco de cerca — a batalh de linha a ia-se estend n, rsto -—Ma with Tock a estrad acima da

s. urbana áreas icar fortif m comu era não s; aldeia duas as entre 2,5km | E ia

“Sobre a batalha, ver Marston Moor 1644, do general-de-brigada Peter Young; PP. 210-269,

onde são relacionadas todas as histórias da época.

140

ANTONIA

|

FRASER

A Batalha de Marston Moor

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Usualmente, a infantaria ocupava o centro, flanqueada por duas alas de

cavalaria. À direita, próximo a Long Marston, sob o comando geral de

Manchester e do escocês Leven, perfilavam-se os pouco mais de cinco mil homens de sir Thomas Fairfax — quatro mil cavaleiros, quinhentos dragões e seiscentos mosqueteiros, alguns “recém-recrutados” e alguns escoceses — € Os cerca de 11 mil infantes — 15 brigadas de dois regimentos, cada uma — liderados por seu subcomandante, também do Yorkshire, o jovem e popular coronel John Lambert. À extrema esquerda, perto de Tockwith, estavam Os

2.500 homens de Cromwell e os seiscentos dragões chefiados pelo coronel

Hugh Fraser, e, na retaguarda deles, os seiscentos cavaleiros escoceses de David Leslie.

A battalia [linha de batalha] dos partidários do rei situava-s e abaixo da estrada Tockwith—Marston, quer dizer, numa posição top ograficamente inferor aquela das forças aliadas, e a uma distância convencional — cerca de

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das peças de artilharia leve, empregadas em tais

OIS exércitos havia uma vala curva e irregular, que se esperto de Tockwith.! Nela se alinhavam os mosqueteiros da algo como eram conhecidos os soldados da guarda avançada

» Que haviam deixado seu material de guerra no bosque de Wilstrop»

CROMWELL

141

dando as costas à White Sike Close — tal como seus oponentes, eles se colo-

cavam no centro, junto com a infantaria, flanqueados pelas alas da cavalaria. À esquerda das tropas do rei, de frente para Fairfax, estava lord Goring, o

audacioso e instável comandante de cavalaria, cuja “vivacidade” impressiona-

va Os contemporâneos, mas cujos defeitos de caráter e indisciplina ainda se tornariam um dos maiores problemas do comando realista. No centro acha-

va-se a infantaria, cerca de 11 mil homens, incluindo alguns trazidos do sul por Rupert, € alguns “cordeiros” ou “casacos-brancos”, de Newcastle, assim chamados em virtude das suas vestimentas, feitas de túnicas de lã crua. À di-

reita, de frente para Cromwell, postavam-se os 2.600 cavaleiros de Rupert,

com lord Byron e seu regimento na linha de frente — mal pressagiados, visto ter sido sua carga que causara tanta devastação em Edgehill dois anos antes, os eventos logo demonstrariam que sua visão tática permanecia imutável. Apoiado pelos mosqueteiros, e à moda sueca, o príncipe pretendia romper a primeira investida do inimigo. Seus guarda-costas, os conhecidos “casacosazuis”, juntaram-se a um regimento de cavalaria menor — cerca de 1.500 homens — no extremo da linha. Ambos os lados dispunham de alguns canhões — o Parlamento muito mais: 25 peças — e trocaram tiros intermitentes, durante a tarde, enquanto

as linhas de batalha iam se desenhando. Com fogo irregular, seguido por

salmos que se erguiam dos campos de milho, os exércitos aliados limita-

vam-se a “mostrar os dentes”, conforme observou sir Henry Slingsby. Em campo aberto, à distância de um tiro de mosquete, segundo o chefe dos

batedores de Cromwell, cerca de quarenta mil homens se encaravam: en-

tre 27 mil e 22 mil a 23 mil aliados — as estimativas atuais se inclinam por um número menor?* — e uns 18 mil realistas. Chegando de York

com atraso, na companhia de seu subcomandante, /ord Eythin, Newcastle

foi asperamente recebido por Rupert: “Meu lorde, gostaria que tivésseis vindo antes (...).” Sob a luz da tarde, os vistosos estandartes de guerra não apenas coloriam

O ambiente, mas permitiam que os comandantes identificassem suas tropas €

vice-versa. Naquela época ainda não existiam as bandeiras de regimento, atrlbuindo-se a cada companhia confeccionar seus próprios estandartes, bandeiras

de batalha no pla no -se eia bas , ada cit já a obr "O general-de-brigada Peter Young, em sua s teriam até ada ali ças for as que o nd ri ge su de Lumsden, ignorado por autores anteriores, rt muito pe Ru de o afi des o na tor que o acreditava, se que do menos a cinco mil homens Mais plausível.

142

ANTONIA

FRASER

ou flâmulas. Em geral, os da cavalaria eram de tafetá pintado ou adamascados

conduzidos por um oficial comissionado, que passava a ser chamado de cometa,

e contendo caricaturas de caráter político, desenhos religiosos ou frases de propaganda — às vezes, o desenho de um mastim assediado por cinco beagles pequenos, e que exclamava: “Pym, Pym, Pym”, acrescentando quousque tandem

abutere patientiam nostram [até quando abusarás da nossa paciência], ou um lema como “Pro Rege et Regno” [Pelo rei e pelo Reino]. As bandeiras da infan-

taria costumavam ser maiores — cerca de 1,80m x 1,80m — do que as da cavalaria — 60cm x 60cm. A de um coronel teria uma única cor, a de um tenen-

te-coronel, a cruz de São Jorge e o símbolo de seu posto, e assim por diante, acrescentando-se vários desenhos e recursos diversos a fim de demarcar as pa-

tentes. As bandeiras escocesas ostentavam a Cruz de Santo André:

Esses pontos de identificação eram fundamentais em virtude de um fator ainda mais importante do que a ausência de signos regimentais: a falta de uma política coerente de uniformes para os soldados. É bem verdade que nos primeiros estágios da luta cada facção usava cachecóis diferentes — vermelhos, os realistas; laranja, os partidários do Parlamento —, mas havia várias tonalidades, o que exigia um sistema especial de identificação antes de batalhas mais importantes. Os comandantes vestiam-se da mesma forma, sem qualquer sinal relativo à patente: não existe nenhuma base histórica que justifique o contraste entre os cavalheiros, que apareciam nas pinturas tradicionais exibindo um esplendor de bordados, e a severidade puritana dos “cabeças-re-

dondas”. A cavalaria usava casacos amarelos de couro grosso por baixo da armadura — quando dispunha delas; os lanceiros cobriam-se assim também e ainda cuidavam de proteger as coxas.

Só se começou a cogitar da uniformidade quando alguns regimentos passaram a envergar jaquetas e outras insígnias originais — as forças parlamen-

tares, oriundas da Associação do Leste, tenderam a concentrar-se no vermelho; a infantaria de Manchester tinha casacos verdes com forro vermelho; OS de Essex, vermelho com forro azul; e os homens do coronel Montagu, Ver

melho com ornatos brancos. Os guarda-costas de Rupert, por outro lado, tra-

javam azul, os de Newcastle, branco, e os do coronel Tillier, verde. Esta diversidade de cores, às vezes muito enganadora, só contribuía, evidentemente, para confundir os campos ou dificultar a compreensão sobr e o curso da bata lha em algumas áreas do combate etc. Por isso, não é difícil entender a IM”

portância simbólica da bandeira e o triunfo que representava sua capt ur?: prova tangível de vitória, ela era disputada arduament e durante à luta.

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CROMWELL

143

A cena talvez fosse alegre, mas o mesmo não se pode dizer acerca das condições de quem aguardava nos campos molhados. A dúvida persistia: quando a ba-

talha seria travada? Newcastle achava que o inimigo logo tomaria a iniciativa, graças às vantagens do “sol, vento e terreno” que lhe eram favoráveis. Mas Rupert impôs sua vontade: de acordo com o príncipe, não haveria luta naquela noite —

ele não daria início a nenhuma ação antes da manhã seguinte bem cedo, preferin-

do retirar-se das linhas e ir jantar. No entanto, os pressentimentos do chefe dos “casacos-brancos” tinham perfeita razão de ser. Enquanto ele fumava seu cachimbo para se consolar, e Rupert comia, a apenas algumas centenas de metros de distância, os “cabeças-redondas” assentavam os planos do primeiro ataque. É justo supor que o mais experiente deles, o escocês conde de Leven, 64 anos, apelidado

pelo pastor Baillie de “pequeno soldado torto”,* tenha tomado a decisão final, após um meticuloso estudo da situação, considerando inclusive a superioridade numérica — antes da chegada de Newcastle, ela deve ter parecido ainda maior. Um conselho de guerra — onde Cromwell tinha seu lugar, com certeza — deliberou que um ataque de surpresa seria extremamente vantajoso. Escurecia, e nuvens de tormenta se avizinhavam — pouco depois das 19h podia-se ouvir o ruído dos trovões. Quando uma pesada chuva desabou sobre os dois exércitos, a ala esquerda das forças aliadas, os bem-treinados homens da

Associação do Leste, sob o comando de Cromwell, e a retaguarda guarnecida pelos escoceses de Leslie iniciaram uma carga inusitada, rápida, controlada, com

rédeas e estribos curtos, em grupos compactos, mais próximo do trote ligeiro do que de um galope moderno, avançando em toda a extensão da linha. Simeon Ashe, capelão de Manchester, que observava do alto da colina, disse mais tarde de homens os Foram densas”. “nuvens pareciam destacamentos diversos que os Cromwell que investiram com maior ferocidade: “Descemos à colina decididos a nos comportarmos com bravura inaudita e sem piedade”, escreveu O chefe geral dos batedores, Leonard Watson, em testemunho posterior. Imprudentemente, e tal como fizera em Edgehill, /ord Byron tentou enfrentar a carga de Cromwell frente

a frente, uma tática bastante normal no caso de um assalto de cavalaria, mas que só produziu o infeliz resultado de inutilizar o fogo de seus próprios mosquetes. Rupert em “Fomos muito prejudicados com essa inoportuna reação”, registrou

seu diário. A primeira linha de Byron e parte da segunda debandaram; ao mes-

to rci exé no do ina tre — er as Fr gh Hu l one cor do s se mo tempo, os dragões escoce sueco — fizeram um bom trabalho, expulsando esses mosqueteiros da vala em fosso que estavam entrincheirados. Crawford também se saiu bem, cruzando esse rt. Rupe de ados sold os com o ront conf o ava evit que nho cami e abrindo um

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No centro da linha de batalha, avançando valentemente, a infantaria de

Manchester eliminou os mosqueteiros da “esperança perdida”, partidários do rei, muito adiantados de sua battalia, e conseguiu capturar a artilharia deles, À

direita, os cavaleiros de sir Thomas Fairfax tiveram problemas desde o início, progredindo em terreno ruim, coberto de moitas e arbustos, cheio de sulcos, bem diferente do chão pisado por Cromwell. Bastante fustigados ao cruzar à vala pelos mosqueteiros de Goring, e embora conseguindo romper as linhas adversárias em alguns pontos, seu êxito não foi dos mais brilhantes. Enquanto

perseguiam os realistas, na direção de York, o próprio Fairfax viu-se cercado por esquadrões da cavalaria inimiga: o curso do combate voltara-se contra ele.

Esgotados os efeitos de sua primeira e vibrante carga, as perspectivas da

ala esquerda do Parlamento também não eram muito róseas. Certamente,

Rupert ainda não estava batido — na verdade, ele mal entrara na luta, desper-

tado para o tumulto somente quando gritos roucos e inesperados, encobertos pelo ruído dos disparos de mosquetes, o alcançaram, “comendo, sentado no chão, a uma boa distância de suas tropas”. Muitos dos cavaleiros que o acompanhavam tinham desmontado e permaneciam deitados. Abandonando a inoportuna refeição, rapidamente, o príncipe juntou o maior número possível de guarda-costas e correu para onde se dera a primeira debandada de suas forças. Foi nesse momento, na dura peleja que se seguiu, segundo a descrição de Leonard Watson, que a divisão de Cromwell sofreu “um duro empuxo”, acometida frontal e lateralmente pelos homens mais corajosos de Rupert. Ambos os lados brandiam espadas. O contra-ataque realista conseguiu quebrar € €spalhar “como um punhado de poeira” os inimigos mais próximos e que esta-

vam à sua frente e não fosse a segunda linha da cavalaria escocesa de Leslie, que atacou o seu flanco, permitindo que os homens de Cromwell se recupe-

rassem, a situação teria se tornado muito sombria, com certeza. Onde estava Cromwell? De acordo com a história que circulou, ele fora ligeiramente ferido no pescoço — “acima dos ombros”, segundo Clarendon, logo na primeira carga. Whitelocke ouviu dizer que teria sido um descuido: um tiro de pistola disparado por um de seus próprios homens. Todavia, O CO-

ronel Marcus Trevor, que comandava o regimento na linha de frente de Byron, reivindicou a honra de tê-lo atingido com sua espada, versão mais aceitável, especialmente porque após a Restauração o autor da façanha foi nomeado visconde Dungannon em recompensa por seu intrépido gesto. Oliver

se afastou, dizem, para cuidar do ferimento numa casa próxima, em Tockwith. Deixando de lado a ridícula alegação do sempre hostil Denzil Holles — su-

CROMWELL

145

plicando de forma patética um conselho a Lawrence Crawford, Cromwell,

agradecido, aceitara a sugestão de abandonar o campo de batalha — e consi-

derando o fato indiscutível do bem-sucedido contra-ataque he a rr breve ausência se torna provável, contribuindo para conscientemente.” De um jeito ou de outro, foi a arremetida de Leslie que

deu à cavalaria do Parlamento tempo de se reorganizar.

No momento do segundo grande assalto da ala esquerda da cavalaria

parlamentar, Cromwell estava presente. Dramaticamente, foi essa carga que

dispersou as tropas de Rupert — “numa revoada pela estrada de Wilstrop, tão rápido quanto possível”. Tudo bem. Mas, depois de reiterar o triunfo,

essa cavalaria deveria perseguir os inimigos debandados até York, onde a aguardavam saque glorioso e inglório massacre? No instante crítico, contrariando os instintos predominantes na época, Cromwell arregimentou seus homens e, nas palavras de Cholmley, testemunha ocular, manteve-os “firmes e compactos”. Lord Saye também percebeu o cuidado especial com que ele impediu a divisão e desorganização dos regimentos que sob seu comando haviam quebrado o inimigo “e que se mantiveram juntos, num só Corpo,

para atacar onde fosse necessário”. Às 20:30, quem se dispusesse a dar uma olhada em outras áreas do campo de batalha só encontraria perplexidade e desespero. Os oponentes estavam longe da derrota, pelo contrário, e as forças parlamentares, numa situação bastante desconfortável, nem de leve haviam provado

o gosto da vitória. Cercado, sir Thomas Fairfax arrancou a faixa branca que o identificava como soldado do Parlamento e atravessou as linhas adversárias até alcançar um lugar seguro, junto à cavalaria de Cromwell. O esbelto comandante, talvez demasiadamente audacioso para um oficial de seu posto, parecia sempre inclinado a aventuras pessoais nos campos de batalha. Enquanto

isso, no centro, a inexperiente infantaria de seu pai, /ord Fairfax, fora batida pelos “casacos-brancos” de Newcastle. Na retaguarda, Leven e a infantaria

escocesa submergiam sob uma onda de fugitivos que imploravam ajuda, gritando: “Fomos destroçados”;º não tendo sobrevivido a trinta anos de serviço militar inutilmente, e ciente de que a prudência constitui um dos aspectos mais importantes da coragem, ele decidiu preservar suas forças € efetuou uma

veloz retirada estratégica, não se detendo antes de alcançar Leeds. À medida

que a catástrofe se avolumava, o próprio Manchester vacilou; o capelão Ashe

testemunhou seu esforço de juntar ao redor de si uns quinhentos homens. e de Lindsay de condes pelos dos comanda s, escocese Apenas dois regimentos

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Maitland, mantiveram as posições originais e continuaram a lutar. Depois de algum tempo, os homens de Baillie e de Lumsden vieram ajudá-los: apoiando suas lanças no chão, esses resolutos guerreiros conseguiram deter terrívei s

e sucessivos assaltos. Difícil dizer quanto tempo agiientariam. A ajuda, porém, estava próxima. No último momento, de alguma forma possivelmente por intermédio do próprio sir: Thomas Fairfax —, Cromwell recebeu uma mensagem e ficou sabendo da precária situação da ala direita das forças aliadas e do desespero da infantaria que ainda combatia no centro. Após a debandada de Rupert, perto de Wilstrop, ele se encontrava exatamente por trás das posições inimigas. Foi então que os homens da Associação do Leste puderam demonstrar seu valor Ainda admiravelmente agrupada num bloco só-

lido e firme, aquela “adorável companhia” lançou-se ferozmente contra Goring, Justo de onde era menos esperada — dada a inversão das primitivas posições das forças de cavalaria do Parlamento e dos partidários do rei, Oliver surgiu bem próximo do bosque realista — e num momento em que a batalha parecia já ter terminado. Como disse Watson, diante da galante postura da cavalaria de

Cromwell, eles foram obrigados a renunciar à perseguição do inimigo, pois “tinham que lutar mais uma vez pela vitória que pensavam ter alcançado”.'º Desta feita, a posição de Goring foi definitivamente rompida, e seus homens se dispersaram. Entretanto, o combate não terminara. Os “casacos-brancos”, postados no centro — gente de Newcastle, que lutava apaixonadamente, por sua própria causa e em seu próprio terreno —, empreenderam uma última tentativa, tão desesperada quanto inútil, para deter a infantaria de Manchester. Segundo

uma testemunha, recusando todas as ofertas de rendição, eles preferiram morrer nas posições que ocupavam, transformando suas jaquetas em sudários:

apenas uns trinta sobreviveram. Cerca de duas horas após o início da pugna, por volta das 21:30, a luz do calmo entardecer de verão havia desaparecido mas sem ceder à escuridão, pois com a noite viera uma brilhante lua cheia, deixando os derrotados inteiramente desprotegidos e expostos à vor acidade de

seus perseguidores, Aproveitando o luar, a vitoriosa cavalaria de Cromwell

acossou a de Goring quase até York. Comentouse que Rupert só lograra €Scapar à captura escondendo-se num cam po de vagens — na época o incidente motivou uma charge mordaz. Antes d e dormir, nos campos manchados de sangue, os exércitos aliados e ntoaram um salmo de ação de graças; muitos buscaram o descanso sem se à chegou a Leeds e pediu as n limentar sequer. Leven, por outro lado, quando otícias, esperando ouvir um relato de desastres,

CROMWELL

id

ficou um pouco surpreso ao ser saudado com as seguintes palavras: “Está tudo bem, e que possa agradar a Vossa Excelência saber que os exércitos do

Parlamento obtiveram uma grande vitória.” Regressando ao local da batalha

tão rápido quanto possível, ele comentou de forma trocista: “Quisera Deus que eu tivesse morrido aqui.”! A carnificina fora suficiente para satisfazer a qualquer Moloch.* Se-

gundo Whitelocke, com base em estimativa amplamente aceita, pelo me-

nos três mil partidários do rei tinham sido mortos; outros afirmam que o

número chegou a sete mil. Os coveiros computaram cerca de quatro mil

cadáveres. Até o fim do século XVIII podiam-se encontrar sepulturas junto ao bosque de Wilstrop, marcos da maciça retaliação de Cromwell

contra a cavalaria de Rupert. Por essa mesma época, quando as matas de

lord Petre foram podadas, “os lenhadores encontraram muitas balas no le-

nho das árvores”. Pelo menos 1.500 soldados realistas caíram prisioneiros. Os exércitos aliados sofreram muito menos: em que pese a quantidade de feridos, os mortos não chegaram a trezentos. Os estandartes realistas — havia uma recompensa de dez shillings por bandeira capturada — eram tantos que dariam para “ornamentar todas as catedrais da Inglaterra”, segundo um testemunho contemporâneo. Alguns ficaram em exibição, na entrada de Westminster, outros se tornaram troféus pessoais dos vitoriosos. Circulou uma história de que na véspera da batalha de Marston Moor Cromwell teria cavalgado até Knaresborough a fim de jantar, mas lá chegando desaparecera, sendo encontrado, afinal, duas horas depois, por

uma menina, num quarto fechado no alto da torre; espiando pelo buraco da fechadura, ela o viu de joelhos, com a Bíblia diante de si, absorto nas suas preces — respondidas com certeza. Escrevendo ao cunhado, Valentine

Walton, dois dias após o combate, ele disse: “Esta grande vitória foi real-

mente uma bênção do Senhor para a Inglaterra e a Igreja de Deus. É evidente que o partido protegido por Ele recebeu um grande benefício.”

Tal como agora, a guerra mostrava as duas faces de Jano. Deus propiciava consternação e graças a seus seguidores, e a carta de Cromwell a Walton era motivada, principalmente, pela necessidade de transmitir a notícia da morte

do jovem Valentine após a batalha. Ele escreveu:

E

qual eram sacrificadas crianças, em geral de bronze. tua está sua da has ran ent nas dia ar que ro sei bra no s vivo os çad , Primogênitos lan "Divindade cananita, mencionada na Bíblia, à

(MN. do T:)

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ANTONIA

FRASER

“Senhor, Deus levou vosso filho com um tiro de canhão. Quebrou-

lhe a perna. Tivemos que amputá-la, e ele não resistiu. Sabeis das tristezas que já tive pelo mesmo motivo [a morte de seus filhos,

Robert e Oliver], mas Deus me consolou: que Ele o tenha levado

para a felicidade pela qual tanto lutamos e desejamos. Eis vosso precioso filho, coberto de glória, para sempre isento do pecado e da dor. Era um jovem galante, muito gracioso. Deus lhe concedeu o Seu alívio. Antes de morrer, sentia-se tão repleto dele que sequer podia expressá-lo a mim ou a Frank Russell — era maior do que a dor que sentia: isso ele nos disse. Foi admirável, com toda a certe-

za. Pouco depois acrescentou que algo pesava sobre seu espírito. Perguntei-lhe o que era. Ele me disse que Deus não lhe permitira ser mais carrasco de Seus inimigos. Quando caiu, tendo seu cavalo sido morto à bala, e conforme fui informado, outros três cavalos também, pediu que fossem afastados, à direita e à esquerda, a fim de que pudesse ver os tratantes fugirem. Ele era verdadeiramente muito amado por todos os que o conheciam no exército. Mas poucos sabiam o quanto ele era precioso, pronto para Deus. Tendes razão de agradecer a Deus, pois vosso filho terá se tornado um santo glorioso, no céu, e por isto deveis vos regozijar. E que isto afaste vossa tristeza; não escrevo palavras enganosas, meros lenitivos, mas uma verdade real e indubitável. Com a força de Cristo, tudo está ao nosso alcance (...).”

Naqueles dias de lanças e balas de canhão, a morte era frequentemente lenta e suja. Havia poucos cirurgiões — em geral um para cada regimento, com dois ajudantes, mesmo no Exército de Novo Tipo — e nenhum hospital

de campo. Num último gesto — medida extrema de desesperada vingança —

alguns dos heróicos “casacos-brancos”, de Newcastle, derrubados no chão, abriram o ventre dos cavalos de seus inimigos com os chuços. O corneteiro

Gabriel Ludlow, primo de Edmund Ludlow, morreu devagar e dolorosamente, o estômago rasgado, os intestinos estraçalhados, a bacia quebrada, com €stilhaços alojados nela. No século XVII, o glamour bélico restringia-se ao €S-

pírito e à coragem da carga, nada restando dele na lúgubre visão do campo depois da batalha, onde grandes e pequenas tragédias se mesclavam. “Pobre € infeliz rei Carlos!”, exclamou sir Charles Lucas, comandante de cavala ria € veterano combatente, prisioneiro dos escoceses, observando seus camaradas que

jaziam

nos

pântanos,!3 Mascote

do

príncipe

pajem], desaparecido antes da batalha, foi

Rupert,

O spaniel

doy

[jovem

CROMWELL

149

Demonstrava-se cortesia, no entanto. O coronel Cha rles Towneley, do Lancashire, tinha tombado; no dia seguinte, sua esposa, Mary, que esperava notícias em Knaresborough, saiu em busca do corpo. Inevitavelmente, ela viu

alguns “cabeças-redondas” pilhando os cadáveres, de acordo com o feio costume dos vitoriosos, e permaneceu ali, sem saber o que fazer, até que um oficial se aproximou dela e suplicou que abandonasse o local para evitar os

insultos dos soldados. A um de seus próprios homens ele ordenou que conduzisse /ady Towneley na garupa. No caminho de volta, ela perguntou ao soldado o nome do seu protetor. Era Oliver Cromwell. Lady Towneley viveu até

1690, e a história do cavalheirismo de Cromwell com a viúva de um inimigo foi transmitida de geração em geração de sua família.' Talvez a própria carta

de Cromwell a Walton, misto de compaixão, simpatia por um pai sofredor e orgulho pelo zelo militar do rapaz moribundo, que fizera os companheiros se afastarem para ver “os tratantes fugirem”, represente um somatório de todas

as estranhas consegiiências de uma batalha travada no contexto de uma guerra civil, quando o coração de um país sangra com as mortes de ambos os lados. Curiosamente, apesar do fato de tal carta estar essencialmente vinculada à morte do jovem Valentine, dedicando umas poucas linhas preliminares ao

combate, ela foi usada em algumas ocasiões como prova de que Cromwell

minimizava o papel desempenhado pelos escoceses, assumindo todo o crédito

da vitória para si e seus homens. Sem dúvida, trata-se de uma referência muito breve: “À esquerda e à retaguarda, sob meu comando, nossa cavalaria, in-

cluindo uns poucos escoceses, derrotou toda a cavalaria do príncipe. Deus permitiu que os ceifássemos e os colocássemos em debandada.” Ele não queria perder tempo na descrição da luta, “cujos detalhes não posso contar agora”, dedicando-se ao registro completo e emotivo das últimas horas do ra-

paz.“ Longe de constituir-se num relatório de batalha, como insinuaram alguns de seus críticos, a missiva expressava condolências a um amigo íntimo.

Ainda que nessa carta em particular Cromwell deva ser absolvido de

qualquer deliberada desvalorização dos feitos escoceses, como avaliar sua

Própria participação? Que importância devemos atribuir ao crucial ataque comandado por David Leslie no vitorioso final de Marston Moor? Destacando

ter sido ele o carrasco do vencido regimento inimigo, /orá Saye classificou 0

feito dos

“seus

poucos

cavalinhos”

como

um

“excelente

serviço”.

É, interes-

sante notar que no primeiro momento ambos os lados se consideraram vence-

dores — algo semelhante já acontecera em Edgehill; neste caso, O equívoco foi parcialmente causado pelas dificuldades de comunicação entre 0 Yorkshire

150

ANTONIA

FRASER

e o sul, além das dúvidas genuínas em torno do resultado, pelo menos até a

devastadora ação de Cromwell. Na edição de 30 de junho/6 de julho, o jornal

Mercurius Aulicus, por exemplo, proclamou o triunfo dos partidári os do rei;

mais tarde o editor explicou o engano, alegando que seu relato se baseara nos fatos resultantes do primeiro ataque de Rupert.'* Na Irlanda, Ormonde recebeu notícias de Arthur Trevor, que tinha estado gundo o qual um dos lados levara a melhor à direita, enquanto vitorioso à esquerda — o resultado da batalha era duvidoso,

o conde de presente, se. o outro saíra pois os dois

exércitos “retiraram-se com uma asa quebrada, em busca de alguém capaz de consertar ossos”, Em 12 de julho, o embaixador de Veneza em Londres ainda desconhecia quem fora vencedor, embora estivesse seguro de ter havido um combate “sanguinário”.” No entanto, tão logo assentou a poeira da luta, os relatos contemporâneos reconheceram a importância da gloriosa contribuição que Cromwell dera à vitória — obtida graças a ele, segundo Ludlow; “muito ovacionado”, conforme testemunho de Whitelocke. Watson, ainda que dando a Leslie o devido crédito,

diz que Oliver foi “o grande agente” do triunfo.'* De fato, estivesse ele ausente

ou não do teatro de operações no momento da vital reação contra Rupert, é di-

fícil negar-lhe as honras da batalha; inspirando a cavalaria da Associação do Leste, fora o único comandante capaz de reorganizar seus homens para um segundo ataque. Depois de Marston Moor, e por causa de suas fileiras inexpugnáveis, o príncipe apelidou-o de Old Ironsides [Velho dos Flancos de Ferro] — alcunha que se transferiu do homem a seu regimento. No instante crucial, Leslie e seus escoceses comportaram-se com serenidade e coragem, merecendo

elogios, por certo, mas o mérito maior cabe aos métodos de Cromwell, à sua disciplina e ao seu treinamento comprovados pelo triunfo.* Dito isso, deve-se

acrescentar que a vitória também pode ser debitada — de forma negativa — à indecisão de Rupert, recusando-se a tomar à iniciativa do combate. Tivesse ele permitido que Newcastle se recuperasse do cerco de York, ganhando tempo, à

fim de que os dois exércitos realistas elaborassem uma tática conjunta, à inferioridade numérica poderia ter sido superada mediante o recr utamento de ho"O obelisco que assinala o lugar da bat alha de Marston Moor, erguido pela Associação Cromwell e o grupo Harrogate, da So ciedad e Arqueológica do Yorkshire, além de prestar tributo a Fairfax, contém uma inscri ção cheia de tato nos seguintes termos: “Perto deste lugar, a ala esquerda do exército do Parlamento » sob a liderança de Oliver por David Leslie, completou a derrota das forças do príncipe Rupert Cromwell, apoiada .” É um julgamento ponderado e razoável.

CROMWELL

"

mens que se sentissem atraídos pelo êxito anterior — segundo Ludlow, “como

uma bola de neve”. Interpretando extensivamente as ordens do soberano, por que não se lançou sobre a retaguarda das forças do Parlamento assim que as avistou recuando em direção a Tadcaster? A resposta está no seu diário: “Se O príncipe se lançasse sobre a retaguarda [das tropas do Parlamento] e errado, haveriam de criticá-lo por não ter esperado Newcastle (...).?1? Portanto, após a audácia inicial, ele procedeu cautelosamente; melhor que seguisse apenas um desses impulsos, pois certamente teria obtido melhores resultados. Ao norte, à exceção de uns poucos castelos que ainda resistiam — Pontefract, por exemplo —, as tropas do Parlamento saíram vitoriosas em toda a linha. Desgostoso, talvez consigo mesmo, Newcastle viajou para o exterior —

não queria tornar-se motivo de chacota na Corte. Seu subcomandante, lord Eythin, cujo atraso irritara Rupert, adotou idêntica atitude. “Caso os vencedores de Marston Moor tivessem sabido aproveitar a oportunidade”, escreveu um historiador, “poderiam ter ganhado a guerra até o final do ano.”2 O exército do rei somava cerca de dez mil soldados mais o que restava da cavalaria de Rupert e os cinco mil homens de seu irmão, o príncipe Maurice. Se os generais do Parlamento perderam a chance de aplicar um golpe fatal contra seus enfraquecidos inimigos, isso se deveu à visão localista que mantinham, e que perdurava, infelizmente, apesar do êxito conjunto alcançado num combate tão importante. Além do mais, eles estavam às voltas com as disputas internas

que opunham presbiterianos e “independentes”, e o ressentimento dos escoceses, em virtude do injusto crédito que Cromwell obtivera por sua participação

na batalha. No dia 16 de julho, em Edimburgo, Robert Baillie, capelão do exército auxiliar escocês, queixou-se do recém-chegado major Harrison, que trombeteava elogios aos “independentes” por toda a cidade, tentando persuadir a todos “que Cromwell, praticamente sozinho, com seus regimentos incrivelmente corajosos, fizera todo o trabalho”. No dia 8 de julho, relatando a vi-

tória perante a Câmara dos Comuns, Thomas Stockdale alvitrou uma piedosa aquele ódio que tanto todo de parte boa esvaziado “teria ela que — esperança quantidaPrejuízo vem causando ao Estado”.?! Aparentemente, restava grande

de de ódio. Os vencedores se dispersaram imediatamente. Leven seguiu o rumo ee

as forram tra cen con fax Fair Os . tle cas New de ade cid a diar asse de te, a fim

er pod em da ain , ire ksh Yor do s eza tal for das no tor em o and ças sob seu com

à dos realistas. Frustrando o comandante da cavalaria, Manchester retornou SUa região — a Associação do Leste — distanciando-se de quaisquer

152

ANTONIA

FRASER

engajamentos; quando John Lilburne capturou o castelo de Tickhill, ao arre.

pio de suas ordens, ameaçou enforcá-lo. Não atacou a poderosa fortaleza do

castelo de Belvoir, situada numa imponente colina do Lincolnshire, e menos

ainda o reduto de Newark, de difícil acesso. Tampouco decidiu-se a enfrentar

Rupert, que alcançara Chester, juntando-se às forças de sir William Brereton, Longe de ser pessoalmente desagradável — Cromwell o considerava genui-

namente humano, “um homem doce e meigo”, segundo o escocês Baillie = Manchester tinha passado a noite, depois de Marston Moor, tentando solucio-

nar as necessidades de seus homens. Dotado de um sentimento religioso menos

virulento, estava sempre insistindo com os presbiterianos para que ameniz as-

sem seus escritos mais veementes — conforme relatou Baxter. Acima de tudo, porém, era um homem fraco, “afável”, mas “excessivamente dócil e flexível”, como disse sir Philip Warwick.” Não fosse a campanha tão árdua, tais quali-

dades teriam excelente aproveitamento, mas certamente não constituíam atributos de um grande comandante estratégico. As circunstâncias de uma guerra

impõem a necessidade fundamental de responder prontamente às oportunidades favoráveis. De fato, a sorte do rei melhorou repentinamente. Não havia tempo a perder.

Já antes de Marston Moor — embora as notícias ainda não tivessem sido divulgadas — Carlos I tinha conseguido escapar de sir William Waller, que ensaiou confiná-lo em Oxford, e no dia 29 de junho, em Cropredy Bridge, perto de Banbury, derrotara seus oponentes. Chester estava sob o estrito con-

trole de Rupert. Pior: Essex tomara a iniciativa de uma expedição ao sul, com o objetivo de conquistar o bastião realista da Cornualha. Singularmente de-

sastrosa, a campanha culminou com a colossal derrota de Lostwithiel, no dia

2 de setembro, a 48 quilômetros a oeste de Plymouth. Embora o próprio Essex, acossado pela retaguarda, conseguisse encontrar uma saída, e Philip Skippon tenha salvado a maior parte da cavalaria, cerca de oito mil infantes tornaram-se prisioneiros do rei, juntamente com grande quantidade de peças de artilharia. O soberano achava-se portanto numa posiçã o muito boa, mais uma vez em condições de marchar sobre a indefesa capital. Antes mesmo que se espalhassem as notícias acerca do desastre de Lostwithiel, Cromwell, soldado experiente, bastante capaz de apreciar à real situação militar, já se sentia inteiramente frustrado, devido à inação de seu

próprio general. No dia 1º de setembro, em Lincoln, escrevendo como governador

de Ely, ele confessou estar “muito sensível à necessidade de melhor aproveitarmos as oportunidades atuais, para sermos os mais fortes no campo

CROMWELL



de batalha”. A correspondência mais íntima enviada à Valentine Walton, al-

guns dias mais tarde, permitiu que expressasse suas angústias com muito mai-

or clareza: “E com bastante tristeza no coração que constatamos o terrível estado do nosso exército, no oeste (...) tivéssemos asas, voaríamos para lá.

Assim que o meu /ord Manchester me liberar, me apressarei em fazer o que puder. (...) Nossos homens ficam muito felizes quando há algum trabalho a realizar (...).”?

Nos dois dias que se seguiram, em Peterborough e Huntingdon,

Cromwell tentou persuadir Manchester a marchar, mas nem mesmo as notí-

cias a respeito de Lostwithiel — praticamente impondo o dever de bloquear o caminho do rei em direção a Londres — mudaram a atitude daquele

homem fraco e indeciso: ele disse que enforcaria quem lhe desse algum

conselho. Oliver estava convicto de que todos no comportamento extremamente irritante do Finalmente, ele se sentiu obrigado a exigir a de Manchester ou todos os coronéis sob seu

os problemas tinham origem general-de-divisão Crawford. demissão do subcomandante próprio comando se demiti-

riam. Extrapolando os limites do exército, a questão teria que ser colocada perante a Comissão dos Dois Reinos; como resultado, Manchester prometeu partir em socorro do exército do Parlamento, a oeste, enquanto Cromwell retirava sua intimação.

Nas cartas que escreveu nesse período Oliver situa a discordância com

Manchester num terreno puramente militar. Qual a razão do general recusar-

se a executar obrigações mais do que evidentes? O desabafo com Walton deixa claro que considerava irrelevantes as acusações dos presbiterianos em contraposição à questão central — ganhar a guerra. Exato nas suas críticas, ele não era tão inocente do crime de recrutar exclusivamente “independentes”

para compor suas tropas — fosse isso realmente um crime. Mais tarde, o general repetiu palavras que atribuiu a Cromwell: “Desejo que meu exército seja de homens de julgamento independente”, pois no caso de surgir alguma proposta de paz que não agradasse à gente honesta — argumentava ele — “tal exército poderia impedir este dano”. Segundo Manchester, em consequência, o regimento de cavalaria sob seu comando estava cheio “daqueles

que se consideram abençoados por Deus”, alguns dos quais chegavam a admitir ter visões ou receber revelações. Sobre os escoceses é sua rígida disci) sacaria (... m ua at mo co to jei o “D : do fa ba sa de ia ter ll we Plina religiosa, Crom minha espada contra eles, praticamente da mesma forma que contra qualquer um do exército do rei.”

ANTONIA

154

FRASER

Na verdade, os problemas subjacentes àquela paz transitória, a necessida.

de de derrotar o rei, definitivamente, antes que Sua Majestade pudesse expor seus termos, e as muitas questões referentes à continuidade do conflito, em si, borbulhavam na consciência de Cromwell. Mais do que quaisquer outros, os “independentes” eram capazes de alcançar uma vitória total sobre o inimigo.

A condução da guerra dividia Manchester e Cromwell, e não o misterioso complô, nas vésperas de Marston Moor, supostamente dirigido por sir Henry Vane, visando substituir Carlos I por algum outro monarca mais tolerante em matéria de religião; além do que a conspiração não passou de um mito, conforme se comprovou, sem nenhuma substância.” Na grande batalha, sob o

fogo inimigo, os homens de Cromwell definiram resolutamente suas posições,

até então pouco claras. Certamente, Deus tinha demonstrado sua aprovação aos “independentes” ao recompensá-los com uma vitória tão incontestável. Destarte sua tendência converteu-se em convicção. No dia 13 de setembro, num debate no Parlamento — o primeiro a que compareceu em sete meses —, discutindo-se a ordenação de ministros conforme o novo estilo de igreja proposto, Cromwell apoiou a moção de Oliver St John — inspirada por ele próprio, segundo a opinião de muita gente — que colocava muito bem o ponto de vista amplo e tolerante dos “independentes”. O comitê de Lordes e Comuns, indicado para tratar do assunto com os comissários da Escócia e a comissão da Assembléia Nacional, “deveria levar em conta as dife-

renças de opinião” e, caso isso não fosse possível, “empenhar-se na busca de

uma fórmula pela qual as consciências delicadas, que não podem se submeter a uma direção comum, serão dirigidas de acordo com a Palavra (...)”. Foi durante essa sessão que o presidente da Câmara agradeceu oficialmente o fiel serviço prestado por Cromwell na última batalha, perto de York — “onde Deus fez dele um instrumento especial para a obtenção da grande vitória”2 Aos presbiterianos, isso valeu como um lembrete: ele era um eficiente senhor

da guerra, derivando daí a influência que exercia naquele momento. Os problemas adviriam sem maiores delongas assim que o “instrumento especial de Deus” deixou de obter vitórias: quando a espada divina perdesse indevidamente

O corte, e por força da filosofia da providência que adotava, Cromwell teria que procurar explicação em algum tipo de interferência externa.

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Nesse meio-tempo, desencadeando finalmente outra ofensiva, Manchester

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preencher o vácuo deixado por Waller, na região

correr em socorro de Essex, a oeste. Devido ao atraso

muito grande, entretanto, e apesar das ordens explícitas do Parlamento, ele só

rd

CROMWELL

155

alcançou Harefield, no Middlesex, no dia 27 de setembro. Sua correspondência

indica que a demora era deliberada — uma opção sua.” O plano consistia em enviar à cavalaria na frente, para juntar-se às de Waller e Essex, que já haviam recrutado novos infantes. O general manteve-se teimosamente em Reading,

perdendo a oportunidade de enfrentar o rei antes que ele alcançasse Salisbury.

Resultou disso não só a ocupação da cidade pelos realistas, como também a re-

tirada forçada das tropas do Parlamento que sitiavam o castelo de Donnington, um esplêndido ponto fortificado cerca de quilômetro e meio a nordeste de Newbury. Manchester e Waller juntaram-se, afinal, em Basingstoke. Quando a

infantaria de Essex chegou, e com a adição de alguns grupos treinados em Londres, as forças parlamentares somaram 18 mil homens — um belo total, superior às forças do rei na proporção de dois para um. Carlos I deteve-se em

Newbury, aguardando o combate, no dia 27 de outubro: aparentemente, quatro

meses após Marston Moor, e na segiiência de tantas vicissitudes, a Providência

oferecia ao Parlamento o ensejo de infligir ao monarca uma retumbante derrota. No entanto, o soberano ainda dispunha de uma vantagem: ocupava uma forte posição, tendo às suas costas o castelo de Donnington, a ala esquerda de sua cavalaria às margens do Lambourne, com a fortificação de Shaw House

protegendo o ponto de cruzamento do rio, e sua ala direita em Newbury. Só um ataque excepcionalmente coordenado poderia ser bem-sucedido. O plano do

conselho de guerra, sob o comando geral de Manchester, baseava-se em dois

pontos capitais. Metade do exército, chefiada por Waller — a sugestão deve ter partido dele próprio —, inclusive a cavalaria de Skippon e Cromwell, deveria fazer um grande contorno e atacar Maurice por trás, em Speen. Ao mesmo tempo, Manchester assaltaria Shaw House. Mesmo sem contar com o fator surpresa, as forças do Parlamento que se lançaram contra o príncipe tiveram sucesso, O canto dos salmos foi ouvido mais uma vez, por volta das 15h: as forti-

ficações caíram, sendo capturada toda a artilharia. Nesse momento, mais uma vez, Manchester demonstrou sua fatal capacidade protelatória. Esperando ouvir Os canhões de Waller, em Speen, para iniciar sua investida, e sem conseguir

diferenciá-los do restante da artilharia, ele só desferiu a estocada de apoio dePois das 16h — as duas pontas não se coordenaram. Por fim, a chegada da noite pôs fim ao combate, embora Manchester tenha sustentado que seus Soldados lutaram em vão por mais uma hora, à luz da lua. Seu fracasso em abrir caminho até Shaw House impediu o avanço da cavalaria e, dessa forma, 0 que fora planejado como uma ação conjugada terminou em confusão. No escuro,

às forças realistas conseguiram escapar.

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ANTONIA

FRASER

Mas o pior ainda estava por vir. Inconformados, Waller e Cromwe ll In. sistiam em perseguir o inimigo e tentaram persuadir Manchester à junta -se à eles, visto que o apoio da infantaria era indispensável. Uma vez mais O pe. neral preferiu a imobilidade, pretextando a exaustão de seus homens. Sem dú. vida, havia uma terrível falta de médicos — os feridos estava m praticamente sem atendimento. Seguiram-se algumas manobras inúteis, no dec urso das quais Carlos I pôde voltar à segurança de Donnington. Desobede cendo às ordens de Manchester, Cromwell alegou que seus cavalos est avam cansados: não tinha condições de deter os realistas. Sir Samuel Luke, que fora buscar canhões de que sua própria guarnição carecia, considerou o incidente “muito infeliz” — não se travara nenhuma batalha contra o rei. Em 9 de novembro,

detidas em Newbury, sem ter conquistado Donnington nem Basing House — a grande fortaleza católica próximo a Basingstoke —., as forças do Par lamento exauriam-se ante o clima outonal particularmente ruim, minada s pelas discordâncias entre seus comandantes e as doenças que vitimavam as tro pas. O rei, por outro lado, detida a incômoda ação de Cromwell à sua retagu arda, e tendo assegurado artilharia e material de cerco dentro dos muros do castelo, conseguira restabelecer contato com o príncipe Rupert. No dia 23 de no-

vembro, aquartelado em Oxford, ele se dispôs a passar o inverno ali. Divergências ásperas explodiam entre Manchester e seus comandantes mais combativos, e entre a Comissão em Londres, e o exército como um

todo. Cromwell acusou Manchester, por seus sucessivos atrasos, de ser o res-

ponsável por tantos insucessos; o general era incapaz de perceb er a importância fundamental de uma vitória clara no campo de batalha: o tão almejado

acordo religioso dependia da derrota do rei. A questão foi claramente coloca-

da no dia 10 de novembro, no conselho de guerra realizado pr óximo à Newbury. Cromwell defendeu enfaticamente a continuação da luta, apesar das péssimas condições de seus homens, argiindo vantagens militares ete rnas — determinação e surpresa. Ainda que o momento não fosse propício, as clf

cunstâncias poderiam agravar-se muito caso o monarca con seguisse obter ajuda da França na primavera. Manchester posiciono u-se contra qualquer nova ação. Uma de suas observações, relatada pelo próprio Cromwell

mais tarde, revelava a confusão de muitos que se situavam no campo parlamentar: “Mesmo que derrotemos o rei 99 vezes, ele ainda seria o rei, lemb

rado pela poste

ríamos súditos, mas se ele nos vencer uma única VEZ Da

remos enforcados, sem nenhum direito à posteridade,”2º A isso Cromwel respondeu: “Meu senhor, entã u tal

o por que nos levantamos em armas? Se o caso

CROMWELL

467

é esse, vamos fazer a paz, pois não há melhor ocasião” Realmente, nem todos tinham tanta certeza sobre a necessidade imperiosa do conflito armado. Mas, quando a Comissão dos Dois Reinos criticou Manchester por não

ter acatado as ordens de atacar Basing House, Oliver ficou 20 lado de seu general, contra a autoridade civil que incluía os escoceses, em parte culpados pela ineficiência da campanha anterior. Ele redigiu uma resposta assinada por todos, assinalando que o conjunto das decisões estratégicas fora definido por um conselho de guerra. Chamava a atenção sobre o estado de completa exaustão das tropas e dos cavalos, doentes e desgastados, “submetidos a con-

dições de tempo tão ruins como raramente se vira”, apontando o fato da po-

pulação camponesa estar sendo levada à miséria devido ao aquartelamento

dos soldados. Fora fundamentalmente errado dar início a cercos, como o de Donnington, e perseverar nessa tática, e disso não se podia acusá-los.”” Essa última observação sinaliza a preocupação principal de Cromwell: o soldado profissional de novo tipo, instintivamente afastado das antigas idéias militares — os sítios, que tanto apaixonavam o rei — e defensor dos métodos moder-

nos de ataque como forma de alcançar a vitória. Em 17 de novembro, a co-

missão autorizou o exército a aquartelar-se em Reading. Os comandantes se deslocaram a Westminster. No dia 23, Waller e Cromwell foram solicitados a apresentar um relatório acerca de Basing House e Donnington, discriminan-

do as “posições dos exércitos”.

A essa altura da guerra — segundo a História, de Clarendon —, ao se sentir “melancólico”, o rei buscava consolo refletindo sobre a desordem maior

do Parlamento, pois nem toda a riqueza do reino poderia livrar seus adversáros de “imprevidência e disputas”. Sir Samuel Luke — cuja correspondência posterior a Marston Moor revela uma crescente antipatia pelos “independen-

tes” —, enfocando o problema das divergências de opinião no exército, dizia:

“Temo que rudes palavras nos tragam mais perigo neste inverno do que todas as forças do inimigo no verão passado.”*! Certamente, à querela latente entre

Manchester e Cromwell, e que se desencadeou após Newbury, estava Comes

cando a adquirir contornos mais sérios, e os argumentos brandidos, justos ou não, logo se tornariam de domínio público.

No dia 25 de novembro, a pedido da Câmara dos Comuns, Cromwell as me for con so; cur dis go lon num r ste che Man tra con o cas apresentou seu

Poucas notas preservadas, ele enfatizou que “o referido conde esteve

pouca vontade ndo tra ons dem os, ment enta enfr nos sado atra Indisposto ou

e

de

finalizar a guerra com a espada, defendendo a paz em contraposição a uma

158

ANTONIA

FRASER

vitória insofismável — e tem-no declarado não apenas por princípios expres.

sos com tal objetivo, como também por uma série contínua de ações pelas quais é responsável”. Existe outra versão, mandada imprimir pelo próprio Cromwell; nesta, intitulada Narrative, com a provável ajuda de Waller

Haselrig e Vane, ele detalha minuciosamente o libelo — embo ra s em fazer

nenhuma referência ao fato de ter se recusado a atacar Donnin g ton quando seus cavalos estavam exaustos.?

Três dias depois, perante a Câmara dos Lordes, Manchester prestou um longo depoimento pessoal, imputando a Cromwell uma estúpida agressão

contra a nobreza: “[Cromwell] esperava viver para assistir à extinç ão dos nobres, na Inglaterra, desejando-o ardentemente, mais do que quaisquer outros, porque os detestava.” O depoente ouvira-o dizer, inclusive, que “as coisas não

estariam bem enquanto ele [Manchester] não se tornasse apenas o sr. Montagu”. Ainda que substancialmente verdadeiras, tais histórias certamente não se destinavam a acalmar os ânimos. Mas o testemunho prosseguia: Cromwell teria alardeado que transformara a ilha de Ely no bastião mais forte do mundo e que expulsaria de lá todos os patifes sem religião, de sorte a convertê-lo “num lugar onde Deus pudesse morar”. O redator dessas alegações — única

fonte que restou da exposição de Manchester — deu-se ao desfrute de acrescentar, gratuitamente, a opinião de que Ely, de fato, não estava melhor do que antes, assemelhando-se muito a Amsterdam — notório refúgio de sectários. Junto a denúncias de desfalque, havia uma referência aquelas cinco libr as pagas semanalmente à sra. Cromwell. Além dessas questões pessoais, Manchester também publicou sua própria Narrative,º provavelmente delineada por Crawford, com uma elaborada justificativa militar, destacando seus esforços para impedir que o exército se amo-

tinasse, sem ter que “assumir Cromwell e sua junta”. “Ele [Cr omwell] abusou muito (...) atribuindo a si todos os elogios referentes às ações de outros

homens” — segundo explicação mais moderna, Oliver tinha o hábito de conceder entrevistas aos correspondentes especiais, obtendo assim menções pre éferenciais no

s jornais contemporá ria, essencial a que se prom ovesse a debandada das tropas do rei.” Como resultado dessa troca de imp ropéri os, ambas as casas do Parlamento remeteram à ques ,

tão às suas respectivas comi ssões. Os opa: militares acirraram o ranc

or dos inimigos religiosos de romwel well. l. No No iin níc ício de dezembro, Essex sugeriu que Whit| elocke entrass E

cm contato com os escoceses, discutindo com eles a validade de atribuir-se 2

CROMWELL

150

Cromwell a fama de exaltado”, Whitelocke, porém, julgou que tal acusação

dificilmente se manteria, não contribuindo em nada para a causa do Parla-

mento, dada a popularidade de Oliver?* No entanto, o simples fato de se ter

aventado a hipótese mostra o grau de divisão a que haviam chegado os

opositores do rei; além disso, a hostilidade não fez com que Cromwell sentisse qualquer simpatia pela facção escocesa,

Apesar de todas as mesquinharias, suas atitudes no futuro imediato evidenciaram que através de grandes eventos ele estava começando a se tornar um grande homem. No decorrer de um único dia — 9 de dezembro —, pro-

nunciando três comoventes discursos perante a Câmara dos Comuns, arrancou de Clarendon o seguinte comentário: “Pelo menos ele se expressou numa

linguagem nobre, se bem que não tenha alcançado ainda a faculdade de falar

com decência e moderação.” Ou seja: mantivera seu velho estilo veemente, expondo uma filosofia bastante inteligente.” É chegado o momento de falar ou calar-se para sempre. Não se trata apenas de estancar a hemorragia quase fatal da nação, resultante da longa continuidade desta guerra, mas de dar aos procedimentos bélicos a aceleração necessária, abandonando as protela-

ções que só agradam aos soldados-da-fortuna [mercenários], ou este Reino se cansará de nós e odiará o nome do Parlamento. Num César, vários do às

trecho que lembrava as palavras de Marco Antônio após a morte de Cromwell enfocou as inúmeras críticas feitas aos interesses egoístas de membros do Parlamento, que prosseguiam envolvidos no conflito devi“posições importantes e comandos que detinham, com a espada em suas

mãos” — ele próprio não pensava assim, limitando-se a repetir o que se murmurava à sorrelfa. Perfeitamente ciente do valor desses comandantes, membros de ambas as Casas, só queria expor sua consciência: “Se O exército não

for organizado de outra forma, e a guerra mais vigorosamente continuada, 0

Povo não a tolerará por mais tempo, forçando-nos a uma paz desonrosa. Da terapêutica que sugeriu transparecia ainda mais claramente a ambígua n

caridade de Marco Antônio. Não lhe caberia “insistir sobre queixas ou omisSões que se deram em qualquer ocasião, por parte de qualquer comandanteem-chefe, pois devo admitir que também fui culpado de omissões, e sei que

nha de provi vação obser [a ares” milit tos assun em -las evitá raramente se pode sem perdoar , er st he nc Ma de es sõ is om as ar on ci alguém que acabara de rela

160

ANTONIA

FRASER

uma sequer]. Contudo, sem perder tempo pesquisando as causas de tais fatos redargúia: “E necessário que nos dediquemos aos remédios. Espero que on

sos verdadeiros corações ingleses e o zeloso afeto que experimentamos pela

prosperidade geral de nossa Pátria Mãe [referindo-se aos membros de ambas

as Câmaras] nos livrem de escrúpulos e, se preciso for, de nossos interesses

privados, em benefício do bem público (...).” O mais importante nesse seu primeiro discurso como político, e não

como revolucionário ou profeta, é que ele apontava na direção de uma desistência voluntária, segundo a qual nenhum membro de qualquer uma das CA. maras poderia exercer comando no exército quarenta dias após ter sido

diplomado. O Decreto de Abnegação foi proposto naquele mesmo dia por Tate, secundado por Vane, encerrando — nas palavras de Baillie — as disputas que tinham existido entre Cromwell e Manchester. Tudo foi feito numa única sessão, com apoio unânime, apesar do que permaneceram algumas dúvidas: se fora uma ação heróica, necessária e sensata ou a posição mais injusta e perigosa até então assumida pelo Parlamento. Na opinião de Baillie, havia muito o que dizer em favor das posições pró e contra ao que “mais parece um sonho, cuja base ainda não foi compreendida”.

Talvez a profundidade do Decreto de Abnegação nunca seja devidamente

alcançada, visto que sua paternidade também ficou em dúvida: Vane, político e negociador extremamente hábil, teria sido seu autor.* A idéia não era nova,

pois desde novembro se tornara patente o forte descontentamento motivado

pelo fato de membros do Parlamento deterem posições lucrativas: habitantes

de Kent queixaram-se de que o conflito se arrastava por causa dos ganhos fi-

nanceiros que propiciava a alguns — e para tratar do assunto fora organizada uma comissão que incluía Holles, mas não Vane ou Cromwell. Do ponto de vista de um político “independente”, como Vane, a Ordem permitiu tornar à

comissão desnecessária, calar os peticionários de Kent e afastar os generais malogrados — e tudo isso com a aprovação dos presbiterianos.

Cromwell, entretanto, soldado recém-chegado do campo de batalha, estava muito mais interessado em garantir a reforma do exército do que num quiproquó em torno do impedimento dos comandantes. Ded icara-se a isso desde

que começou à organizar sua “querida companhia”. No segundo discurso, ele expôs claramente a disposição de abrir mão do seu posto e discorreu sobre OS vícios e a corrupção que haviam se introduzido no exército, denunciando “a profan

idade, a falta de devoção e ausência, mesmo, de toda religião, além da bebida e do jogo, e todas as formas de lic enciosidade e preguiça”. E prognos-

CROMWELL

161

ticou: “Até que o exército inteiro seja remodelado e submetido a uma rígida

disciplina, não se deverá esperar nenhum sucesso notável em nada que as tropas encaminhem.? De sua ótica, a questão central era essa — o novo exército pelo qual esperava e rezava, e que desejava obter através do Decreto de Ab-

negação. Whitelocke foi um dos que se ergueu contra a proposta, argumentando perante o Parlamento que serviriam melhor à causa aqueles cujos interesses mais coincidissem com ela; citou o exemplo dos gregos e romanos que pela mesma razão cediam as posições mais elevadas aos senadores, tanto na

paz quanto na guerra. Para Cromwell, no entanto, o mais nobre dos romanos

não seria capaz de levar à vitória nenhum exército mal equipado, desnutrido, sem as vestimentas adequadas, mal pago, insubordinado e libertino.”

Ao final do ano de 1644, três fios do tecido político haviam se esgarçado, mantendo-se todavia enredados. Apresentado pelos Comuns à Casa dos

Lordes, em 19 de dezembro, o projeto que consubstanciava o Decreto de Abnegação precisava ser aprovado, do contrário não poderia entrar em vigor; no entanto, abespinhados com os ataques sofridos por Manchester, os nobres não demonstravam nenhuma predisposição favorável, e foram necessários meses de negociações até que a proposta se convertesse em lei. Além disso, os partidários da paz nunca deixaram de tentar um entendimento com o rei e, em que pese o fracasso de uma rodada de conversações, em novembro os escoceses

insistiam na sua retomada; a ocasião apresentou-se no final de janeiro de

1645, mas um mês foi suficiente para que essa experiência de evitar uma so-

lução bélica falhasse: o Tratado de Uxbridge não deu certo, levando os presbiterianos escoceses à desagradável descoberta daquilo que os “independentes” já haviam constatado há algum tempo — comportando-se como uma cololugar, terceiro Em anzol. um com apanhado seria só monarca o enguia, cava-se o problema da organização do Exército de Novo Tipo, esperança do

Parlamento; Cromwell estava entre os que se destacavam na elaboração dos seus regulamentos. Em meio a tantas discussões, a execução de Laud, após

um longo processo, em janeiro de 1645, parecia irrelevante — O arcebispo

não passava de um fantasma de um mundo ultrapassado. Contudo, não foi

nada irrelevante que os Comuns tenham conseguido impor sua vontade contra Os protestos dos Lordes.

o

Ao longo desse ano, Cromwell fora nomeado para importantes comissões.

Uma era responsável pela redação de uma carta aos escoceses, sugerindo re-

da subsidiária Outra, nações. duas das Parlamentos os entre lações amigáveis

Comissão dos Dois Reinos e mais próxima do seu coração, cuidava da reor-

ANTONIA

162

FRASER

ganização do exército; nos primeiros meses de 1645, suas energias estavam concentradas nesse ponto vital. O Exército de Novo Tipo formaria com dez te. gimentos de cavalaria — seiscentos homens cada um — 12 de infantaria 1.200 homens cada um — e um corpo de mil dragões; mais tarde, o 11º de as valaria elevou o efetivo a 22 mil homens, aproximadamente. Os gastos seriam

cobertos por uma taxa mensal de seis mil libras, arrecadada nos distritos con. trolados pelo Parlamento. Os oficiais superiores foram escolhidos no dia 21 de janeiro. A indicação de sir Thomas Fairfax, como comandante-em-chefe,

foi liderada por Cromwell e Vane: ganhou por 101 votos afirmativos contra 69; obviamente, ele estava “à altura da tarefa” e não ocupava cargo no Parla-

mento. Philip Skippon, soldado profissional que já servira no exterior, antes

da guerra civil, homem devoto e de personalidade agradável, recebeu o posto

de general-de-divisão. Falando à tropa, pronunciou um “discurso excelente, piedoso, exortatório e incisivo”, encerrado com o reiterado compromisso “de viver e morrer ao lado deles, com a ajuda de Deus”. Significativamente, o posto de comando da cavalaria ficou vago. O ho-

mem mais qualificado para ocupá-lo estava absorvido por questões organizativas. Antes de ser convocado a deixar Londres, Cromwell só perdera duas reuniões da comissão que definia as normas do Exército de Novo Tipo; e enquanto a Câmara dos Lordes protelava a aprovação do Decreto de Abnegação — afinal sancionado em 3 de abril, segundo uma fórmula abrandada — não dera nenhuma indicação de tristeza ante o fim inevitável de sua carreira nos campos de batalha. Preocupado em garantir a máxima eficiência militar, Oliver discordou veementemente da proposta que obrigava a nomeação de todos os oficiais de patente superior a tenente por ambas as Câmaras, defendendo o direito

do comandante-em-chefe fazer suas próprias gou-se a um compromisso pelo qual Fairfax Parlamento aprovaria. Como já fizera antes, idéia de que os oficiais fossem compelidos a ias

escolhas. Finalmente, cheindicaria os nomes que O ele se opôs com firmeza à assumir alguma convenção

Durante a discussão desse tópico, Whitelocke observou que

“apesar de não subscreverem uma forma muito rígida de governo da Igre-

ja, os homens da cavalaria do coronel Cromwell são insuperavelmente bem armados e disciplinados”.º De fato, quando a Câmara dos Lordes

tentou excluir dois coronéis e mais de quarenta capitães da lista de nomeações

de Fairfax, com base em suas opiniões religiosas, a Câmara dos Comuns forçou-os a abandonar a idéia,

CROMWELL

iz

O valente Exército de Novo Tipo surgiu do que restava dos antigos regimentos de Manchester, Essex e Waller, aos quais se somaram mais de oito

mil homens, recrutados em Londres e nos condados do sul e do leste. O

Flanco de Ferro — tropa de Cromwell —, que crescera a ponto de incluir 14

destacamentos, foi dividido, visto que os novos regimentos de cavalaria não deveriam ultrapassar seis. Apartados contingentes iguais, colocados sob o co-

mando do próprio Fairfax — o regimento do general, como era chamado — e do coronel Whalley, dois destacamentos foram dispersados. Sob ordens di-

retas do comandante-em-chefe ficaram alguns puritanos, antigos baluartes do primeiro período da Associação do Leste, que haviam sido recrutados por Cromwell: seu cunhado, John Desborough, seu ex-capitão, James Berry, e

aquele William Packer, já promovido a capitão, que um ano antes causara o

choque entre Oliver e Crawford, devido a suas convicções religiosas.*? Aprestada desde o início de abril, essa força entrou oficialmente em campo no mês de maio, destinando-se a ser apenas um entre os muitos exércitos que lutavam pelo Parlamento, inclusive o dos escoceses e os que fossem formados por recrutamentos locais. A idéia de um exército reformado também não era nova; datam de março de 1644 algumas tentativas malsucedidas de

reorganizar as tropas de Essex e, em junho, Waller falara ao Parlamento so-

bre a inutilidade dos recrutamentos locais: “Até que se possa ter um exército próprio, realmente disciplinado, será impossível levar a cabo projetos relevantes.” Os sonhos estavam se tornando realidade, e o Parlamento finalmente

dispunha de uma força bem disciplinada e bem paga, que o livrava, acima de

tudo, daqueles irritantes problemas que tanto prejudicavam sua estratégia.

Por exemplo: a recusa dos homens de Essex de lutar sob o comando de Waller; as constantes solicitações da Associação do Leste, para que suas tro-

pas retornassem, a fim de assegurar proteção às suas terras de origem; a famosa relutância de Manchester em abandonar essa mesma região etc. Simbo-

lizando o novo sentimento de uniformidade e disciplina, todos os soldados do

Parlamento deveriam vestir-se de vermelho. Em maio, um jornal declarou diver sos os “cas acos dos -ver o melh os”; seria Tipo Novo de Exérc o ito que regimentos se distinguiriam uns dos outros pelos ornamentos: O de Fairfax, pela cor azul de seu brasão de família." h esse abandoCaso a guerra se limitasse a discussões, Cromwell talvez tiv nado seu comando para sempre, quarenta dias após a aprovação do Rê sir Samue , Essex r, Walle er, hest Manc ram fize como tal o, gaçã Abne de muito antes que ém, Por o. ent lam Par do s ro mb me is áve not ros out e tantos

164

ANTONIA

FRASER

isso acontecesse, desagradáveis eventos militares demonstraram que a teoria

política baseada no comando de Westminster não venceria batalhas que vi.

essem a ser travadas nas mais remotas regiões do país; mais uma vez o pro-

blema teve que ser levado à Câmara dos Comuns. Na primavera de 1645 50

moral dos partidários do rei não estava tão baixo como se poderia supor

Evidentemente, eles nem cogitavam do papel que o Exército de Novo Tipo desempenharia no futuro, mudando inteiramente o curso do conflito. As in-

críveis vitórias de Montrose, na Escócia, abriam perspectivas de apoio por parte dos católicos irlandeses, e o distanciamento dos comandantes parlamentares, inclusive Cromwell, o até então invencível líder da cavalaria, en-

chia-os de satisfação. Em contrapartida, a disposição dos escoceses era particularmente amarga, dada a maneira como a sua amada Convenção vinha sendo debatida por alguns membros dos Comuns; abandonando posições ao norte, onde desfrutavam de sólida vantagem, eles se desinteressaram de tão irreverentes aliados. Fazendo um retrospecto desse período, num sermão pronunciado perante ambas as casas do Parlamento, em abril de 1646, Hugh Peter recordou a depressão e os maus pressentimentos que o haviam feito pensar no exílio: “Foi somente há um ano, quando imaginávamos ter pendurado nossas harpas nos salgueiros de países estranhos, governados por estranhos príncipes, supondo que bastaria estender a mão para apanhá-las € entoar nossas canções inglesas — ai, meu Deus, elas teriam se misturado a lágrimas, suspiros e gemidos!”*? Nesse momento a ameaça persistente de Goring exigia uma resposta firme do Parlamento. A oeste, a fortaleza de Bristol era uma porta permanentemente aberta à possível intervenção irlandesa, ou até mesmo do continente, a favor do rei. Decidiu-se portanto que caberia a Waller deter Goring, com o apoio indispensável da cavalaria de Cromwell, dado o des-

contentamento que reinava entre seus homens, praticamente amotinados, €

em virtude das tropas de Essex recusarem seu comando. Juntos, Waller é Cromwell poderiam aliviar Taunton e, se possível, capturar a cidadela. Tra-

tava-se de um expediente provisório, à margem do Decreto de Abnegação»

que de qualquer forma ainda não se convertera em lei, devido às ações

protelatórias da Câmara dos Lordes. Cromwell serviria sob as ordens de

Waller e, depois da campanha, retornaria a Windsor, abrindo mão do posto: Posteriormente, Waller testemunhou que ele se comportara como um oficial discipli

nado, sem discutir as determinações superior es ou demonstrar à

minima arrogância.

CROMWELL

Ea

De fato, as operações realizadas na primavera — as últimas da antiga organização militar — demonstraram o quanto poderiam ser letais problemas como a falta de pagamento, que mantiveram os soldados de Waller num estado de constante fermentação. Apesar de tais percalços, houve alguns divertidos momentos de alívio. No dia 9 de março, em Andover, alguns realistas, comandados por lord Percy, caíram prisioneiros. Encarregado de providenciar seu alojamento, Cromwell suspeitou das credenciais militares de um deles, de tez muito clara, e com seu rude senso de humor decidiu testá-lo mandando que cantasse. À voz aguda que se fez ouvir motivou seu comentário zombeteiro, dirigido a /ord Percy — como guerreiro, ele estava

bem acompanhado de amazonas. Desconcertado, o nobre admitiu tratar-se de “uma senhorita”, Todos acabaram recebendo passes para a França, sujeitos à aprovação do Parlamento.“

Em 17 de abril, data em que Waller e Cromwell deveriam retornar a Windsor, a fim de cumprir a norma do Decreto de Abnegação, finalmente aprovado, chegaram notícias de que o rei, não satisfeito em permanecer placidamente em Oxford, enquanto seus inimigos se organizavam melhor contra ele, planejava juntar-se ao príncipe Rupert e marchar na direção do nor-

te, apoiado pelas duas importantes guarnições de Chester e Pontefract, para desafiar os escoceses. Com ou sem lei, sendo absolutamente imperativo impedir a junção das tropas realistas, Cromwell recebeu ordens de retornar ao campo de batalha. Integrado a seu antigo regimento, agora de Fairfax, e junto ao coronel Fiennes, ele deveria bloquear o caminho do rei a qualquer custo. Mais uma vez, através de uma série de assaltos e escaramuças, Cromwell provou sua brilhante capacidade. Postando-se entre as posições do rei, em

caa derroto u ele Worcest e er, Herefo rd em partidá rios, seus de Oxford, e as

valaria do conde de Northampton, em Islip, capturando mais de cem cavalos

— o que liquidou com as possibilidades de deslocamento cogitadas pelo soberano. Em seguida conquistou Bletchingdon House, a cerca de 24km, sem

nenhuma dificuldade, dada a prudência ou a covardia de seu comandante, que não travou combate; essa surtida rendeu uma quantidade substancial de munidirealizo u vigoros o, ímpeto mesmo o Manten do ção, mosquetes e cavalos.

versos ataques predatórios em toda a região do Oxfordshire, cortando as coe rápidas ações Foram seguido res. seus e monarc o a entre municações decididas, que sem dúvida reverteram as perspectivas imediatas à favor do

Parlamento.

166

ANTONIA

FRASER

Logo após tê-las empreendido, referindo-se a seu comandante, Fairfay ) 1 ) . ele afirmou ter liderado “o regimento de Vossa Honra — anteriormente, mey próprio regimento”. Levando-se em conta que o Decreto de Abnegação já havia entrado em vigor, seu texto é particularmente interessante:

Foi a bondade de Deus, e nada merece maior consideração; e

embora eu tenha recebido maiores indulgências, nenhuma pareceu mais clara do que essa; em primeiro lugar, porque Deus a

trouxe sem que eu a buscasse. (...) Nisso também transparece

Sua benevolência, pois, dispondo de poucos dragões, hesitei muito em me lançar ao assalto contra a casa fortificada e bem guarnecida [Bletchingdon], que não era assunto meu; e, ainda assim, nós a tomamos. (...) Espero ser perdoado por não ter agradecido suficientemente a Deus. Olhamos demais para homens e ajudas visíveis (...).

Três dias mais tarde, em 25 de abril, no relatório encaminhado à Comissão

dos Dois Reinos,'* Cromwell ressaltaria a enorme importância desse seu primeiro comando militar, após a criação do Exército de Novo Tipo, elogiandoo como instrumento das manifestações do Todo-Poderoso:

Deus os aterroriza (...) e certamente se regozija com a dedicação que se aplicou na reforma de seus exércitos;

só peço que mais e

mais seja feito. Homens maus e descontentes alegam que se criou uma facção, mas eu desejo fazer parte daquela que pretende evitar que os pobres dessa miserável nação sejam oprimidos (...) [não] se pode olhar para isso sem que o coração sangre.

Mantendo sempre o mesmo tom de inspiração pessoal e direção diviná, Oliver ainda fez algumas críticas ao sistema de aquartelamento gratuito, qué tanto desgaste produzia na rela ção com as populações locais, e concluía: “Perdoem, senhores, meu atrevimento, eis que descubro em tudo O que faço à mão de Deus me gui ando, tanto que posso dizer não ter feito nenhuma dessas coisas.” | Mais tarde, seus inimigos — sem falar nos historiadores partidários do rei — | acusaram -no de ter montado o “artifício de Abnegação” — assim

Denzil Holles se referia ao decreto em suas memórias — visando ao fortale-

cimento das posições “independentes”, Indignado, ele protestava, dizend o que

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CROMWELL

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todos os antigos comandantes teriam que se aposentar, “Jogados fora, como

velhos almanaques, exceto Cromwell — para ele, logo acharam uma alternativa”. Alguns historiadores argumentaram que Oliver teria feito uma grande

jogada, dispondo-se a abrir mão do comando quando, na verdade, tencionava escapar da aposentadoria no último momento.” Conforme se verá, muitos fatores pesavam contra ele. Seu posto de comando no Exército de Novo Tipo só foi confirmado no dia 10 de junho, e mesmo assim condicionado a um prazo. Sectário do providencialismo, ele atribuía todos os êxitos à vontade de Deus, que sinalizava seu envolvimento, desde o início; desse ponto de vista, a autoridade que lhe foi conferida após o Decreto de Abnegação adquire enorme importância. Não se pode apontá-lo como um grandíssimo hipócrita, simplesmente, pois em dezembro de 1644 havia dificuldades imensas e nenhuma certeza de sucesso. À noção de jogo é mais plausível. De certa forma, ele tinha a expectativa de obter a carta certa antes do final da partida, e a seus olhos as rápidas vitórias no Oxfordshire equivaleram a um selo de aprovação divina. Aparentemente, Deus nunca pretendera que abandonasse o comando; ao contrário, queria que ajudasse a liderar o grande exército recém-criado e para cuja organização trabalhara com tanto afinco. Curiosamente, na pequena escaramuça que se seguiu, em Faringdon, no dia 2 de maio, ele

foi repelido por Goring e teve seus passos obstados. Poderíamos especular sobre qual atitude tomaria, caso os primeiros combates tivessem sido claramente desastrosos? Os sinais teriam apontado no sentido de um retorno imediato à Londres — o abandono do comando? Do jeito como os fatos se passaram, serecebido bêntivesse já ele embora Cromwell, de palavras próprias as gundo çãos maiores, nenhuma foi tão clara quanto Bletchingdon — dádiva formidável da Providência, definia claramente o rumo a ser seguido: Deus queria que ele

lutasse no campo de batalha. Entre tantos outros membros do Parlamento, ele e somente ele deveria continuar desempenhando o duplo papel de político e milisotar. Absolutamente convencido, Joshua Sprigge, capelão de Fairfax, escreveu de Novo Exército ao apoio seu manifestava Deus “Assim bre Bletchingdon:

Tipo, ou melhor, com um de seus ramos, anunciando a chegada dos tempos." apoiava sua partiSenhor 0 que sentiu Cromwell Oliver certeza, Com idêntica cipação: ele também faria parte dessa nova € abençoada força de ataque.

Efe Rosa 7 Vitória feliz Ao cavalgar sozinho, a fim de cumprir minhas tarefas, não poderia deixar de louvar e sorrir para Deus, certo da vitória,

pois com as coisas que não são Ele transformaria em nada aquelas que são.

CROMWELL, em Naseby, momentos antes da batalha

rei não podia manter-se, indefinidamente, na simplicidade rural do Oxfordshire, e assim, em 1645, no “generoso maio” a que se referiu Milton, aquele mês florido cujo verde colo produziu a prímula amarela e a pálida, a interessante disputa de xadrez entre o soberano e o Parlamento chegou a um impasse. Qual seria o próximo lance de Carlos I? Aos adversários,

obcecados pela indagação, só restava bloquear seus movimentos, o que impedia qualquer ação ofensiva. Será que ele abandonaria seu forte reduto em Oxford? Considerando tal possibilidade mais do que plausível, e a fim de

conservar-se próximo da retaguarda inimiga, em 5 de maio Cromwell deslo-

cou-se para Abingdon, ao sul, alcançando Dorchester no dia seguinte. De fato, 48 horas depois o monarca pôs-se em marcha, acompanhado por seu comandante de cavalaria, o errático Goring. Oliver sofreu a humilhação de ser cavaleiros surpreendido perto de Burford, onde dois de seus coronéis e alguns foram aprisionados. Mas quais seriam as verdadeiras intenções do rei? Talvez desviar-se, rumo

e o ng Gori ando deix eses, escoc antes hesit os ntar enfre ão norte, no intuito de Príncipe de Gales encarregados de deter o exército de Fairfax, a oeste. Isso tordessa vez s meno Pelo . well Crom de ão posiç ima próx e ment tiva rela a vital nava

170

ANTONIA

FRASER

o comando civil, exercido em Londres pela Comissão dos Dois Reinos, demons. trou entender a situação e atendeu a seu pedido de reforços — em homens, art.

lharia e munição —, permitindo que se lançasse nas pegadas do arquiinimigo em

condições de executar quaisquer manobras que julgasse convenientes, Ainda não

chegara a hora deles atenderem ao apelo explícito de Fairfax, que queria promo. ver Cromwell ao posto de general de cavalaria; concederam-lhe apenas uma ex tensão do prazo de serviço ativo, isentando-o mais uma vez das cláusulas do Decreto de Abnegação. Posicionado em Hinton Waldrist, a sudoeste de Oxford,* Oliver solicitou mais dinheiro e munição." Contudo, nesse momento, a Comissão

decidiu que ele deveria agir com mais calma, dirigindo-se ao Warwickshire, ao norte, e guardar as entradas que seguiam na direção dos condados da Associação

do Leste, caso o rei se visse tentado a atacar esses alvos tão vulneráveis e bastante indefesos. Os azares da guerra conduziriam o soberano aos braços dos escoceses, que o deteriam ou derrotariam. Mas Carlos I estaria mesmo marchando para o norte? Ou, mais prudente, dirigia-se à fortaleza de Chester, no litoral noroeste, excelente acesso a suprimentos e reforços provenientes da Irlanda? Cromwell colocou essa difícil questão — e a necessidade de responder a ela — numa carta ambígua que

endereçou à Comissão em 14 de maio, perguntando se a ordem de não perse-

guir o rei implicava proibição de marchar sobre Chester, sitiada pelas forças

do Parlamento sob o comando de sir William Brereton, aquele admirável É

consciencioso soldado, que não poderia manter seus esforços por muito mais tempo, ainda mais considerando a poderosa força realista que se aproximava. O próprio Brereton, interessado em preservar as vantagens obtidas com aquele prolongado cerco, desenvolveu um plano pelo qual a marcha triunfante do

rei poderia converter-se em sua própria destruição. A idéia era simples:

Cromwell e Fairfax juntariam suas forças, na retaguarda de Carlos I, enquan-

to Brereton resistiria, às portas de Chester, até a chegada do exército escocês, vindo do norte. O monarca ficaria, então, muito bem preso e apertado por mandíbulas cheias de dentes. Escrevendo a seu vizinho no Cheshire, John

Bradshaw, sir William previu que “um avanço acelerado das forças escocesa ea presença de sir Thomas Fairfax na retaguarda” provavelmente fariam com que essa fosse “a última Jogada que eles teriam ao seu alcance” ?

immSS do h “Não se trata de Hinton-in-th tt. Sobre este ponto, e para um e-Hedges, ao norte de Oxford, como sugere W. C. Abbo a N. Dore, Sir William Brereton's revisão per al da campanha que antecedeu a Naseby Ve! R: siege of Chester and the campaign of Naseby.

CROMWELL

171

Em meados de maio, Brereton sentiu-se muito encorajado com as notícias de que Cromwell já estava bem ao norte, em Warwick — na verdade, no dia 15, obedecendo às instruções da Comissão e tratando de se colocar entre o rei e as terras do leste, ele estava a caminho de Banbury. O plano de sir William não despertou grande entusiasmo em Londres; de Coventry, no dia 18, Cromwell escreveu-lhe manifestando sua cautelosa aprovação. Se tudo desse certo, e as tropas se juntassem conforme previsto, “nesse caso, não duvido que estaremos numa posição tão auspiciosa como nunca antes, e tendo apanhado os exércitos do rei entre nós, com a bênção divina, haveremos de

criar muitos problemas para ele”. Evidentemente, o texto terminava salientan-

do a necessidade de se discernir os desígnios de Deus: “Será bom esperar por Deus e buscar sua definição, como estou certo que estais fazendo.”* Apesar da idéia ser excelente, capaz de pôr cobro a “essas guerras não naturais”, a Comissão revelou uma completa falta de imaginação e ordenou a Cromwell que recuasse. No dia 19, informou Brereton a respeito, dizendo ter recebido ordens de recuar a fim de prestar um “serviço importante”. No cumprimento

forçado de tais instruções, no dia 20 ele já se encontrava em Daventry, de onde escreveu a sir Samuel Luke, governador de Newport Pagnell, solicitan-

do o envio de qualquer quantia que fosse possível fazer chegar a Brackley, onde deveria estar em mais 24 horas.**

Obstando o audacioso esquema de Brereton, que teria antecipado em várias semanas o colapso das posições realistas, em Naseby, a Comissão deixou escapar uma ótima oportunidade. Mas o fato serve para demonstrar uma faceta interessante do soldado Cromwell, bastante rápido em avaliar positivamente as possibilidades delineadas, mas estritamente disciplinado ante a auto-

ridade superior — Waller tecera comentários acerca disso alguns meses antes.

Foi incrível a velocidade com que ele se deslocou pelas Midlands. No dia 22 de maio já estava de volta a Oxford, com Fairfax, tendo coberto mais de

110km em apenas quatro dias, à testa de tropas que incluíam, além da cavalamais ria, uma pesada infantaria; foram jornadas de 28km, em média, muito

duras que as da guerra civil — em torno de 16km a 18km, às vezes 24km —, quando o equipamento era menor. Rupert tornara-se legendário graças à sua

habilidade de correr e girar pelos campos; Cromwell, naquela tentativa frusestá em R. N. Dore, op. cit., to ple com to tex O ta. car a e rev nsc tra não *W. C. Abbott

PP. 30 e 31. ed. H. G. Luke, l Samue Sir of Books r Lette The Ver carta. a creve trans não t Abbot **W. C. Tibbutt, nº 1.301, d. 30, p. 342.

Lg

ANTONIA

FRASER

trada de antecipar Naseby, mostrou parte das qualidades que exibiria às vésperas da batalha de Preston. Enquanto isso, sempre temerosa de um ataque realista às posições da Associação do Leste, a Comissão par ecia cega aos ris. cos acarretados pela presença de Carlos I a noroeste do país. As ordens de Cromwell afastaram-no totalmente do caminho do rei; enc arregado de defen-

der as terras do leste e arregimentar tropas por lá, ele teve a chance de servir

mais do que à honra, disse Joshua Sprigge. No dia 31 de maio, em Cambridge , conseguiu recrutar três mil soldados de cavalaria. De sua Huntingdon natal escreveu a Fairfax, em 4 de junho, relatando que fizera o melhor possível, embo ra

considerasse muito precárias as fortificações locais. A Comissão só acordou para o perigo que corriam as Midlands em 1º de junho, quando Leicester caiu e foi saqueada pelos soldados do rei e do príncipe Rupert, e ante a violenta carnificina que se seguiu, vitimando inclusive muitas mulheres que teriam participado na defesa da cidade. Até então Cromwell fora deixado na banda oriental do país, como um reforço às eventuais incursões que o vitorioso Montrose pudesse lançar desde a Escócia. À falta de um comandante de cavalaria, sentida por Fairfax, e, da parte de Oliver, o anseio de tentar algum tipo de ofensiva acabaram acelerando as lentas considerações estratégicas. De fato, a paciência do comandante-em-chefe estava praticamente esgotada e ele requereu a imediata nomeação de Cromwell, baseado não somente -na afeição e estima geral que lhe dedicam os oficiais e soldados de todo o exército, e em sua coragem e habilidade pessoal”, mas também — notável detalhe puritano — na “constante presença e bênção de Deus, que o têm acompanhado”.* Em resumo, Oliver era indispensável aos planos de vitória. O re-

querimento foi aceito, não obstante os resmungos dos lordes, ainda furiosos com o caso de Manchester, que se limitaram a insistir no caráter temporário da indicação. Fairfax apressou-se em avisar Cromwell das novidades, exigindo

que ele se juntasse ao núcleo do exército. As duas principais forças oponentes — do rei e de Fairfax — circulavam na área central das Midlands, eventualmente muito próximas uma da outra, elaborando planos, logo deixados de lado, sem uma idéia precisa sobre a localiza-

ção do adversário. Nesse período da guerra, a informação variava do brilhante ao desprezível: daí a importância do posto de batedor-geral, que mediante um soldo pouco usual de quatro libras diárias, incumbia-se de descobrir e acompa-

nhar a movimentação inimiga. Datados da década de 1630, alguns mapas FéBlon

ais da Grã-Bretanha tinham sido produzidos em Amsterc am, mas a famosa

CROMWELL



carta geográfica de John Blaeu é de 1648. Campanhas locais orientavam-se

por descrições muito primitivas, meros esboços. No período anterior a

Naseby, a quase absoluta carência de dados foi um dos fatores que contribuiu

para a derrota do rei. Depois da vitória de Leicester, Carlos I não tinha mais a intenção de lu-

tar, em parte devido à insociabilidade, se não insubordinação, de Goring, que

retardara a marcha de seus homens por ciúmes de Rupert. Protegido pelos

poderosos canhões do alto castelo de Belvoir, o rei pretendia dirigir-se às im-

portantes fortificações de Newark. Fairfax, por outro lado, tinha esperança de

poder desafiá-lo; tendo capturado alguns papéis realistas, estava ciente da atitude recalcitrante do comandante da cavalaria inimiga e aguardava apenas a

vinda de Cromwell para garantir superioridade numérica. No dia 11 de ju-

nho, atendendo às mensagens de seu superior, Oliver se encontrava em

Bedford, e às seis horas da manhã seguinte, apesar do tempo muito úmido,

partiu para Kislingbury, onde foi muito ovacionado pelos soldados de Fairfax. Com uma vantagem proporcional de dois para um, chegara o momento de forçar o rei a combater. A caminho de Newark, o exército do rei Carlos I passou a noite de 13 de junho em Market Harborough, no Leicestershire. O soberano pernoitou na aldeia de Lubenham, alguns quilômetros a oeste. Nem ele, nem Rupert ima-

ginavam que o Exército de Novo Tipo estava tão próximo — até serem in-

formados de que Henry Ireton capturara um posto da retaguarda realista, em

Naseby, pequena cidade a cerca de 1lkm ao sul de Harborough. Naquele ins-

tante, despreocupados, eles estavam jantando e jogando quoits.* A inesperada e desagradável notícia levou-os a cogitar das posições relativas de ambos os exércitos, dando lugar a uma rápida conferência noturna. Que fazer? Havia duas alternativas, nenhuma muito satisfatória. O rei poderia prosseguir em sua retirada, na direção de Leicester, mas acossado pela eficiente cavalaria

parlamentar, que lhe criaria problemas à retaguarda, durante a viagem, talvez fosse forçado a fugir. Perigo adicional era que os escoceses, finalmente, se

voltassem para o sul, aprisionando o monarca numa armadilha semelhante à enseria opção outra À anterior. mês no concebera Brereton William que sir

frentar o exército do Parlamento, na desesperada tentativa de compensar à inferioridade numérica com habilidade e organização.

“Jogo que consiste em lançar anéis, discos de metal ou outro objeto

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Em contrapartida, aguardando a junção de suas tropas de infantaria e cavalaria, as forças do Parlamento só teriam que retardar a marcha do rei. Co-

locando-o diante de duas escolhas, igualmente insatisfatórias, Fairfax alcançara uma vitória tática, antes mesmo que o primeiro tiro fosse disparado em

Naseby. Carlos I decidiu-se pela batalha, preferência que se comprovou, €M última análise, desastrosa, se bem que a crítica ao monarca não deva subesti-

mar a vantagem de informações a que se tem acesso atualmente. O Exército

E pan ee por exemplo, ainda não fora testado, e é significativo que 08 ; efes rea is, tais como lord Digby, o ridiculari zassem, chamando-o de nova cabeça” — eles viveriam ó desprezo: tamanho de arrepender se para Tamb E a E Fa que Rupert aconselhou que se fizesse justamente o contréEa g o XVII, entretanto, seria impossível prever o resultado de qualquer

grande combate: no curso da luta, constantemente, a fortuna mudava de

CROMWELL

a

jado. Mesmo considerando a imensa superioridade numérica do oponente, ainda assim, nos termos formais da guerra, podia-se esboçar o desenho da “hattalia” — ataques cuidadosamente planejados, cargas de cavalaria sem con-

trole, o corpo-a-corpo dos lanceiros, os mosqueteiros vulneráveis após o tiro, em resumo, dependendo fundamentalmente da qualidade dos soldados e de seus comandantes, a vitória realista não podia ser descartada. Na manhã de 14 de junho, se Rupert conseguisse sacar da cartola uma de suas rápidas cargas de cava-

laria, O rei ainda poderia contar com uma possibilidade a seu favor. Escolhido involuntariamente, o palco dos acontecimentos situava-se na vasta planície que se estende pelas margens norte-ocidentais do Northamptonshire — quase o centro geográfico da Inglaterra. Entre duas cadeias de montanhas não muito elevadas, na ampla região campestre ao sul de Market

Harborough, as forças do Parlamento, um pouco ao norte de Naseby, ocupa-

vam uma posição ligeiramente acima do inimigo.* O terreno era bastante enganador: os suaves platôs e encostas, cobertos de arbustos, pequenos bosques e capoeiras, escondiam buracos capazes de surpreender os combatentes. Os realistas passaram as primeiras horas da manhã — assim como em Marston Moor, uma manhã fria e úmida — organizando suas linhas, e mal as tinham

completado quando o exército parlamentar surgiu. De seu lado do campo, no

cume da cadeia de colinas, Rupert pôde espionar a cavalaria, claramente visí-

vel na linha do horizonte. Hesitando por um momento — o príncipe ainda poderia evitar o combate, especialmente porque os documentos capturados

davam conta de que Goring insistia que o esperassem —, Fairfax postou-se

ft. um pouco à esquerda de onde se situa hoje a estrada Naseby—Sibberto Como resultado dessa movimentação, Cromwell se viu diante de uma área pantanosa, totalmente inadequada à carga rápida e controlada que estava em seus planos. Assim, apontando uma posição mais alta, chamada Red Hill, ele sugeriu a Fairfax uma decisão que se tornaria importantíssima no curso da

batalha: “Vamos nos retirar, eu suplico, para o outro lado daquela colina, a

fim de encorajar o inimigo a nos atacar, através do alagadiço: será a sua abso-

luta ruína.””

rada Naseby—Clipston— est l atua a ra afo s, çõe era alt s nde gra reu sof não *O cenário rtoft. a Sibbe de ção dire na a, trilh uma de ava pass não a époc ela naqu que h, Harboroug o o que Post s. inte segu e 124 p. War Civil ish Engl the of es Battl , rych Wool Austin E oca O E ais Novo de cito Exér pelo do orri perc ser anto port ndo pode mal existia, não

C. B. Rogers, em Batiles a H. nel coro O e supõ que do oeste o combate mais para

0f the Civil Wars. Seguimos as posições definidas pelo professor Woolrych.

enerals

176

ANTONIA

FRASER

O movimento à esquerda efetuado pela cavalaria do Parlam ento em con

sequência dessa proposta chamou a atenção de Rupert; insatisfeito com as in formações trazidas por seu batedor, naquele exato momento e le ia saindo numa expedição de reconhecimento. Terá imaginado que o Inim igo batia em retirada? Ou simplesmente anteviu a oportunidade de lançar um ataque con. tra tropas ainda mal preparadas? Nunca se soube, mas de um Jeito ou de ou. tro, O príncipe ordenou que o restante do exército fosse im ediatamente con. vocado. Decidiu que suas forças ocupariam o melhor ter reno disponível — uma colina chamada Dust Hill, que terminava na extens a ravi na de Broad Moor. Do lado oposto no extremo ocidental da cadeia, o Ex ército de Novo Tipo já ocupara uma outra quebrada. Pouco depois, o rei se integrou à linha de batalha, que se estendia desde a esquerda, acompa nhando aproximadamen-

te O traçado atual da estrada Naseby— Sibbertoft, onde se postav am os homens comandados por sir Marmaduke Langdale, seguidos pela infant aria de lord Astley, bem no centro, e a cavalaria de Rupert, que alcançava os arbustos existentes no extremo oeste, uma área conhecida como Sulby Hedges. A vanguarda parlamentar, de frente para o norte, buscava se contrapor com uma formação idêntica à dos realistas que a encaravam, não somente em virtude das convenções militares, mas visando também minimizar os possíveis efeitos desvantajosos do vento, que, “soprando levemente, na direção do oeste”, po-

deria espalhar sobre ela a densa fumaça dos mosquetes.” Assim, os dragões se enfileiraram em Sulby Hedges; Henry Ireton, recentemente promovido a general, e a pedido de Cromwell nomeado desde aquela manhã subcomandante da cavalaria, comandava a ala esquerda; no centro, Skippon e a infantaria se

situavam bem defronte a Astley; na ponta direita, Cromwell arrostava Langdale. Numa astuta manobra, para aproveitar o declive do terreno, Fairfax ordenou que toda a sua linha recuasse cerca de cem metros, resultando daí que uma boa parte da cavalaria ficou escondida — fora do campo de visão dos reàlistas. O capelão Joshua Sprigge deixa claro que isso não foi acidental, muito

pelo contrário. Comentou-se que Fairfax teria a intenç ão de evitar que as to” pas menos experientes sob seu comando se sentissem desencorajadas, particularmente a infantaria, diante d a formação compacta do inimigo.” Recém-nomeado general-de-brigada, O liver organizou os homens de sua cavalaria, à direita, e os dragões, comand a dos por Okey, na extrema esq uerda, adiante a Ireton. Prestes a iniciar esse e nfrentamento crucial, o primeiro de

que participava após assumir um alto p osto no Exército de Novo Tipo, quais seriam 08

CROMWELL

177

seus sentimentos Observando O posicionamento preliminar das fileiras do adversário, estaria apreensivo? Corroborando suas próprias declarações poste-

riores, diversas testemunhas afirmaram que longe de se sentir inseguro ele estava cheio de uma exaltação semelhante a um júbilo selvagem —

“ostentando

uma fé e alegria bem triunfantes”, escreveu Sprigge. Outro observador foi

mais longe, lembrando-se de tê-lo ouvido soltar uma sonora gargalhada. O

próprio Cromwell confirma seu estado de espírito sobreexcitado: “Ao caval-

gar sozinho, a fim de cumprir minhas tarefas, não poderia deixar de louvar e sorrir para Deus, certo da vitória, pois com as coisas que não são Ele transformaria em nada aquelas que são.”!º Terá sido ótimo experimentar tamanha

segurança acerca da bênção de Deus; certamente, esse estranho quadro dele

rindo sozinho, nos instantes que antecederam à batalha de Naseby, ilumina de

forma mais vívida do que qualquer um de seus discursos teológicos explícitos

a extensão da confiança que sentia na doutrina de que o certo é que vale.

Concretamente, entretanto, a situação não condizia com nenhuma expecta-

tiva emocional. Rupert estava determinado a atacar antes que as tropas do Parlamento completassem seu alinhamento, para compensar a diferença numérica

entre os nove mil soldados de infantaria de que dispunha, contra 14 mil antagonistas; além disso, a ausência de Goring deixara-o com apenas 4.500 cavaleiros

— Cromwell comandava 6.500. Mais tarde, ele foi muito criticado por esse

“voluntarismo” que, segundo alguns, causara o desastroso resultado da batalha.

Todavia — informa o coronel John Okey — seus dragões estavam desmonta-

dos e se municiando, a uns oitocentos metros de distância, quando perceberam

os soldados inimigos marchando “em nossa direção, imponentes e compactos, pensando em nos atemorizar ou pelo menos nos atingir enquanto ainda não estávamos em condições de recebê-los”. Nesse instante Cromwell teve uma inspi-

ração valiosa. Ordenou que Okey deslocasse seus homens a toda a velocidade,

alinhando-se em Sulby Hedges, a fim de cobrir seu flanco esquerdo —à direi-

ta, 0 fogo dos mosquetes impediria o ataque realista. Os dragões mal tiveram

tempo de montar, alinhar-se nas novas posições, desmontar, passar as rédeas ao

décimo homem encarregado de cuidar dos cavalos e preparar suas armas —

“em poucos momentos” o inimigo se lançou sobre eles. Uma operação reali-

| zada, em suma, com absoluta precisão. Eram cerca de 10h. Alinhados, cada um dos exércitos exibia as respectivas

identificações — branco, como em Marston Moor, para os parlamentares, €

o comando verde, para os partidários do rei. No último momento, à linhaos sob contendores se de Fairfax avançou alguns metros, de tal forma que ambos

178

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FRASER

defrontaram por inteiro. Brados de desafio fizeram-se ouvir Num anglicizado

tributo à Henrietta Maria, os realistas gritavam: “rainha Mary”; COerentes

as tropas do Exército de Novo Tipo respondiam: “Deus e nossa força”, Eua

rada por Rupert e seu irmão Maurice, a cavalaria investiu, expondoSê ao fogo dos mosquetes. Tendo contornado os arbustos, confor me as ordens de Cromwell, os dragões estavam em vantagem. Desse modo, numa furiosa luta corpo a corpo, os cavaleiros de Ireton, superiores na proporçã o de três contra dois, conseguiram repelir parte dos atacantes — aquela vaga que obedecia diretamente a Maurice; entretanto, perdendo o contato com seus homens e sem conseguir encontrar o caminho de volta, Ireton correu em socorro de Skippon,

cuja infantaria suportava enorme pressão, e, ferido no rosto por uma lança, caiu

prisioneiro. Pior sucedeu na sua própria ala esquerda, levada de roldão pela grande carga conduzida por Rupert. Logo, todas as forças do orgulhoso Exército de Novo Tipo que haviam se colocado daquele lado do terreno esta vam completamente desorganizadas, confirmando as suspeitas de seus críticos e o profundo desprezo dos adversários realistas. No centro, ante os exaustos partidários do rei, numericamente inferiores — quatro mil contra sete mil —, a infantaria parlamentar começou a ceder.

O próprio Skippon foi ferido, e seu subcomandante, morto. Somente os homens de Fairfax mantiveram-se firmes. Fosse necessária mais uma prova da importância do moral das tropas, em batalhas assim, ela teria sido fornecida pela firmeza e a coesão dos experimentados homens de Fairfax, comparados ão novo regimento de Skippon — formado por antigos soldados de Essex € de Manchester, que nunca tinham se dado bem. Combatendo furiosamente no meio do campo enlameado, as forças do Parlamento estavam diante de um resultado pelo menos incerto. Se na ala direita houvesse outro Ireton e outro Rupert, certamente, “este sábado terrível teria sido iluminado com as alegres bandeiras da vitória”, anotou em seu diário um capitão realista. “Provavel-

mente, poderíamos ter vencido”, escreveu sir Henry Slingsby: do seu posto,

na infantaria do rei, ele compreendia bastante bem o quanto eram amplas àS indefinições bélicas naquela época.!2 Ocorre que ali se encontrava o próprio Cromwell, sem rir, mas com rêdobrada convicção e ainda determinado a alcançar uma vit

ória abençoada. Ele organizara seus regimentos em três linhas —. seus próprios homens, 05 leais sold

ados da Associação do Leste, à direita de Fa irfax; à esquerda, 08 de Whalley; e Ho centro, os comandados de sir Robert Py e. Isso deixava sob sua ordens diretas cerca de 3.500 treinados e disciplinados cavaleiros, trajando O

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179

mesmos casacos de couro amarelo escuro que caracterizavam a cavalaria do

Lincolnshire, chefiada por Rossiter — no Exército de Novo Tipo só a infantaria usava escarlate. No primeiro engajamento, Whalley e Langdale troca-

ram fogo de pistola praticamente à queima-roupa, recorrendo depois a espadas curtas. Foi Langdale que acabou cedendo, mas antes desse incisivo remate Cromwell e Rossiter já atacavam, descendo pelo lado direito da colina, envol-

vendo os combatentes.

Demonstrando, então, o gênio militar que em última análise faltava a

Rupert, Cromwell impediu que seus homens se lançassem numa alegre perseguição à cavalaria realista em fuga: enquanto um destacamento punha fim ao combate, passando bem perto do rei, aliás — corajosamente, Sua Majestade

pensou em liderar um contra-ataque, colocando-se à frente de seus guardas, mas alguém do séquito o levou de volta —, Oliver reorganizou os restantes, usando-os como um poderoso martelo de Thor para golpear o flanco esquerdo da infantaria adversária. Seria impossível resistir ao assalto combinado de Cromwell e Fairfax. Okey, cujos dragões tinham sido deixados numa situação difícil e embaraçosa, a ponto de se considerarem perdidos, após a dispersão de Ireton manteve-se firme, contudo, e foi capaz de avaliar com rapidez a mudança da sorte. Fazendo seus homens montarem de novo a cavalo, ele atacou a infantaria oponente do outro lado. A batalha durava há uma hora. E Rupert? A vitória escapara das mãos de sua infantaria e as tropas de Langdale tinham se dispersado; em contrapartida, os cavaleiros de Ireton, teoricamente derrotados, contornando o campo de batalha, buscavam novos engajamentos. Diante de circunstâncias que tão rapidamente se deterioravam, nunca houve maior necessidade de frieza e visão tática por parte dos realistas.

Contudo, levado por sua carga triunfante — como uma onda forte que invade

a costa, afastando-se do mar —, O príncipe estava muito longe, saqueando su-

primentos na vila de Naseby, a mais de três quilômetros de distância. Quando retornou ao campo de batalha, ele deparou com um quadro sombrio: a infantaria era o caos, e somente alguns bolsões tentavam se reagrupar — à guarda

Enquanto isso, Moor. Broad de fundo no lá Langdale, de cavalaria a e rei do

a que espera à apenas alinhavam, se Fairfax e Cromwell abutres, como dois | ga. car uma s mai a par , eles à se tas jun se o ent lam Par infantaria do o organizado Tip vo No de to rci Exé do ão vis À ém. por ia, dar se Isso não

smo s do r ca po pi te en st si in O e a” lh ta ba “[n]uma segunda e boa linha de as s da to de ar es Ap a. ad nd ba de ra ei ad rd ve a um am queteiros de Okey provocar ante tão m ra ve ol ss di s€ as op tr as su , pe ci ín pr do e rei do es frenéticas exortaçõ

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caloroso desafio, fugindo na direção de Market Harborough. Naquele mo.

mento, diante da completa vitória, os cavaleiros de Cromwell talvez pudessem

empreender uma perseguição tradicional; mas nem assim lhes fo; permitido

esquecer seus regulamentos. À infantaria — menos disciplinada e, claro, não comandada por Oliver — é que saqueou as carroças do Inimigo; os ricos

despojos do rei ficaram entregues a mesquinhas paixões, enquanto instintos muito mais desprezíveis se satisfaziam com o assassinato das pobres e aterro. rizadas mulheres que acompanhavam os veículos — irlandesas, identificadas pela algaravia de seus dialetos, ou galesas, segundo sugestão mais plausível. !3 Bastava essa nacionalidade para despertar reações agressivas e inspirar excessos nos rudes protestantes ingleses — as mais afortunadas tiveram a face

marcada com o signo judicial da prostituição. No entanto, é justo lembrar que os próprios realistas tinham perpetrado crimes semelhantes, apenas duas semanas antes, em Leicester. Muitos deles acabaram enterrados em Marston

Tressell, junto aos cedros do presbitério, ou no próprio cemitério da igreja, perto do beco de Pudding Poke — dali nunca mais poderiam escapar. Aos olhos da gente simples e inocente daquelas cercanias, Slaughter Field [Campo do Matadouro] assinala o verdadeiro fim da batalha de Naseby.

Muito longe dessas sombrias reflexões, a Câmara dos Comuns acolheu as gloriosas notícias que lhe chegaram pela via das cartas de Fairfax, lidas em voz alta por seu presidente. Cromwell redigiu um costumeiro relatório de batalha, referindo-se à “mão de Deus”, antes de elogiar Fairfax — sua fé e sua honra — e na suposição de que o comandante-em-chefe também atribuísse

tudo à graça divina.!! Os membros de ambas as casas do Parlamento foram

recebidos para um esplêndido banquete, em Grocers' Hall, após o qual cantaram o 46º Salmo. No domingo seguinte “houve uma grande explosão de júbilo nos púlpitos” de todo o país. O embaixador de Veneza atribuiu à grande

vitória o alívio da City: “Os êxitos do rei foram efêmeros, e, alterando rapldamente o cenário, o destino tornou suas condições extremamente precárias

— aquela guerra desgastante podia estar chegando ao fim. Na França, onde à rainha Henrietta Maria tentava obter o apoio da sua própria família, as poticias causaram impressão igualmente sinistra acerca da força do Parlamento.

Em 21 de junho — como num triunfo romano — três mil homens aprisionã”

dos em Naseby desfilaram pelas ruas de Londres; quem os conduzira até lá fora John Fiennes, filho de lord Saye, que lutara sob o comando de Cromwell.

O Mercurius Aulicus deixou de circular durante várias semanas, provando A: forma inconteste a conf usão dos realistas.!s

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ft

Bem diferente do duvidoso sucesso de Edgehill e da confusa vitória de Marston Moor, desta vez O Parlamento não podia duvidar de que suas preces haviam sido atendidas — tratava-se de um triunfo completo, ao qual se seguira a total reestruturação do exército, sobre cuja eficiência, na falta de uma prova definitiva, nem todos tinham a mesma fé de Oliver. O jornal parlamentar

The Kingdoms Weekly Intelligencer fora bastante cauteloso: os

soldados de Cromwell possuíam pouca experiência, “mas algum exercício lhes dar[i]á competência (...) uma boa causa e um bom coração também

constituem prenúncio de sucesso”. Agora era evidente até que ponto se poderia chegar com essa combinação. Assim, o Parlamento afastou qualquer sinal de arrependimento pela partida de Essex e Manchester ou devido à reorganização geral do exército — que se tornou um benefício mais do que óbvio. A batalha de Naseby deu asas à imaginação: foi o último grande combate da guerra civil em que o rei teve alguma chance de obter uma vantagem insofismável. Comentou-se, mais tarde, e com certa insistência, que Cromwell

teria manifestado vontade de ser enterrado por lá. Batizou-se com seu nome um grande navio lançado ao mar na época do Protetorado. Comovido com a visão da histórica arena, um bispo do século XVIII compôs versos de advertência: Naquele sítio, o infeliz Carlos viu sua sorte desaparecer, Vencidas suas forças e seu Reino perdido... Tristes cenas, que nos darão uma lição proveitosa, Para que uma futura Naseby não se repita facilmente.'

Atualmente, dois monumentos, separados por alguns quilômetros, demarcam

O local das tristes cenas. Erguido em 1823, por “Tord and Lady of the manor of

et Mark de ada estr na by], Nase de s terra das ora senh a e or senh [O Naseby”

Harborough, à saída da cidade, um belo obelisco contém uma inscrição alusiva à decisiva batalha o nd ta re ar ac l, rea sa cau da a rot der a m co te en lm que terminou fata

anos e nt ra du e , ção tui sti con da e ar alt do no, a derrubada do tro rra cida gue e ia qu ar an da es ror hor nos o çã na a est o nd mergulha

der os limice ex a nc nu de ão liç a s ico tân bri s rei aos do an ix vil; de icos, de nunca tân bri s ito súd aos € s, iva gat rro pre tas jus tes de suas rcas. na mo mos íti leg s seu a de lda lea sua de m re ta se afas

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Na verdade, apesar dos admiráveis sentimentos que expressa, esse memorial

está no lugar errado. De acordo com estudos posteriores, certo é o marco colocado um pouco fora da estrada Naseby—Silbertoft, em 1946, sob os auspícios da Associação Cromwell; sua inscrição encerra uma mensagem um pouco mais tranquila: “Perto daqui, Oliver Cromwell liderou a carga de ca-

valaria que decidiu a batalha e a grande guerra civil”. Resta apenas especular se a formação do Exército de Novo Tipo determ inou

o resultado final de Naseby — mesmo que tal clareza não tenha prevalecido na

época — a fim de que possamos avaliar com justiça os comportamentos elogiosos e as condutas negligentes dos atores que desempenharam diferentes papéis na grande vitória do Parlamento. Em primeiro lugar, parece evidente que a sorte da batalha seria diversa caso Langdale dispersasse a cavalaria de Cromwell — realizando, portanto, o oposto do que sucedeu. Ainda que as tropas parlamentares se reorganizassem após a luta, uma debandada produziria efeitos extremamente negativos, do ponto de vista político, sobre a opinião pública em Londres, expondo a sério risco o futuro da nova força militar Em segundo lugar, deve-se dar todo o crédito a Fairfax pelo excelente desenvolvimento da sua campanha anterior, que impediu o monarca de evitar o combate decisivo, em que pese estar numericamente inferiorizado, dada a ausência de Goring. No entanto, nos estritos limites da ação, a glória de Naseby cabe a Cromwell, e desta vez sem qualquer contra-argumento possível, graças à sua habilidade em atacar, reunir a soldadesca e atacar

outra vez. Clarendon comentou com bastante lucidez a diferença entre ele e Rupert: “Embora se mantivessem na ofensiva, desfazendo as fileiras do inimigo,

Os partidários do rei nunca se reagrupavam para um segundo ataque”; os homens de Cromwell, por outro lado, ainda que se considerassem vitoriosos, ou mesmo

na hipótese contrária, jJulgando-se derrotados, eram treinados para “manter a dis-

ciplina até receber novas ordens”

Semanas depois, referindo-se à batalha, Cromwell escreveu que Naseby fora

“uma feliz vitória (...)”. Felizes, sem dúvida, foram as forças do Parlamento, que deram fim a cinco mil soldados da infantaria real — mortos ou capturad os. Além

dos ricos anéis de diamantes e outras jóias encontradas na bagagem de Carlos 1,0

exército vencido perdeu toda a artilharia, pólvora e munição. Sir Henry Slin gsby revela que o soberano suportou a tristeza pelo desastre com sua habitual “têmpera

admirável”: ele nunca se exaltava na prosperidade, nem se diminuía nos reveses, O que era ainda mais elogiável, visto não ter ninguém que o confortasse.'* Todavia, como

tantos outros da desventurada linhagem dos Stuart, seu charme pessoal, transparente aos olhos daqueles que o conheciam, cont rastava lamentavelmente com

uma reputação de trapaceiro, adquirida nas marchas e contramarchas de ne-

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183

gociações em diferentes frentes. Pilhando seus papéis pessoais, o inimigo constatou que ele estava disposto a fazer concessões aos católicos a fim de receber ajuda

de um exército irlandês. Os documentos mencionavam, inclusive, a vinda de tropas estrangeiras, enviadas pelo duque de Lorena. Pouco importava se Sua Majes-

tade tinha intenção de cumprir as promessas feitas aos irlandeses ou se estava simplesmente barganhando com eles, como já fizera com os líderes do Parlamen-

to — a impressão de dubiedade e má-fé estava presente.

A correspondência do rei foi lida em voz alta, na Câmara do Comuns, e logo em seguida num local de reuniões comunitárias, na City, sendo finalmente

impressa, para que todos pudessem tomar conhecimento do seu conteúdo e unir-se na sua execração. Tida como um triunfo dos “independentes”, Naseby

fortaleceu-os nas lutas internas dos partidos parlamentares, e deles dizia-se que estariam “nas alturas” em Londres.” A feliz vitória engrandeceu ainda mais a fama de Cromwell junto à opinião pública, eliminando a hipótese do

seu afastamento do exército antes do fim da guerra. Imediatamente após a batalha, a Câmara dos Comuns aprovara a permanência de suas funções militares, “enquanto isto desse satisfação a ambas as câmaras”; mal-humorados, os lordes só lhe concederam uma nomeação de três meses, a partir dos quarenta

dias que ele vinha cumprindo, na ocasião, e com o soldo de general-de-exército. No entanto, em 12 de agosto, o Parlamento estendeu o seu período de serviço por mais quatro meses; e em 23 de janeiro do ano seguinte, por mais

um semestre. Em que pese a suspeita dos lordes, Naseby tornou o general Cromwell praticamente isento das exigências do Decreto de Abnegação.

No entanto, o bem-estar geral de seus homens era um problema diferente. Nos meses subsegientes, acirraram-se as divergências entre presbiterianos e “independentes”. Em seu relatório ao presidente da Câmara, o próprio

Cromwell havia antecipado essa possibilidade; o texto contém uma nota bastante nítida de angústia, além de preocupação, ante o risco de se perder

uma chance de concórdia e terminava assim:

serviNesse combate, Senhor, homens honestos é confiáveis vos

jeis. ora enc des os não o: lor imp s, Deu de e nom Em . nte ram fielme ildade Gostaria que essa batalha fomentasse à gratidão e a hum arriscado suas do Ten . nela dos aja eng ram ive est que os entre todos

Fis vidas pela liberdade do país, gostaria que esses homens pela , vós em e , ias enc sci con s sua de sem em Deus, pela liberdade liberdade que tanto almejam.”

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O apelo foi ignorado. Ao imprimir a carta de Cromwell, para divulgação of. cial, a Câmara dos Comuns omitiu deliberadamente tais alusões às Crenças

dos “independentes”.

E claro que nem todos eles pareciam sábios ou tinham temperamento calmo e tolerante. Richard Baxter, na famosa visita que fez aos soldados de

Oliver alguns dias depois de Naseby, ficou horrorizado com o que encontrou — idéias sem pé nem cabeça acerca das relações da humanidade com Crist o, definidas por “sectários exaltados”, numa linguagem cnocante e de humor grosseiro. Pois os soldados, assim como seu general, apreciavam uma brinca-

deira, mesmo em se tratando de questões sérias, e se deleitavam chamando os

presbiters | presbíteros] de priest-byters [mordedores de padres], os divinss [divinos pastores] de dry-vines [vinhas secas], e os Assembly (membros da Assembléia) de dissembles (dissimulados). Sua perspectiva política dos vínculos entre a Igreja e o Estado era ainda mais horripilante: falava-se muito do rei, discutindo-se inclusive a morte daquele a quem consideravam inimigo e tirano. É claro que ninguém supunha que tais lunáticos — ou criminosos — representassem as idéias de Cromwell ou do comando do exército; segundo Baxter, “eles não cogitavam de aderir a nenhum partido, almejando a mais completa liberdade (...)”.2! Ocorre que essa liberdade parecia encobrir uma tolerância generalizada com todos os tipos de perigo. Assim, Baxter integrouse ao regimento de Whalley, decidido a servir como capelão e guiar os homens por melhores caminhos. Não fazia parte dos planos de Cromwell, entretanto, que qualquer capelão comunicasse aos seus guerreiros o câncer do conformismo presbiteriano. Os padres do Exército de Novo Tipo não estavam vinculados a nenhum regi-

mento em particular, podendo pregar — segundo a prerrogativa dos pastores

— à quem, como e quando quisessem, além de participar dos conselhos de

guerra. Tratava-se — exatamente conforme a intenção — de uma organização nada rígida, embora dotada de características marcadamente “indepen-

dentes”. Os honestos combatentes haviam lutado bem, em Naseby, e enquanto permanecessem bons soldados desfrutariam de toda a liberdade de consciência — afinal, fora por ela que haviam lutado com tanta coragem. Sabedor de que Baxter pretendia disseminar um método religioso rígido no exército, coronel Purefoy o advertiu pessoalmente: “Se escutar algu m soldado falando

dessa maneira, Cromwell lhe dará uma pancada no alto da cabeça.”

Superados os dramas de Marston Moor e Naseby, o exérc ito ainda tinha muito trabalho a fazer nos 12 meses seguintes, antes do final da Primeira Guerra

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;

185

Civil. À partir de então desenvolveu-se um padrão de cercos, assaltos, vitórias, ao longo dos quais as fortalezas dos partidários do rei foram caindo sucessivamente.

como velas que se Apagar nima aum, Isso estava mais de acordo com o tipo de luta que se travava no início do século XVII. Foi Cromwell quem teve audácia

suficiente para cogitar de matar a cobra de uma vez, mediante um único golpe, em vez de desgastá-la através de uma série de rodeios, pouco conclusivos em geral. Instintivamente, o monarca tendia a empreender combates de posições entre

fortalezas. Cromwell revela-se um expoente também nessa modalidade de combate e, incidentalmente, um soldado muito humano: numa grande quantidade de pequenos eventos, durante as prolongadas operações, vamos encontrá-lo como homem e como militar mostrando bondade e generosidade. Seja concedendo um passe a um certo sr. Chichley, que pretendia visitar a

esposa enferma, e em virtude do que o general viu-se obrigado a apresentar desculpas perante o Parlamento, embora de forma relutante: “Acredito ter

praticado um ato de humanidade (...) prestei um serviço, agindo civilizadamente, e nem tomei nenhuma liberdade, nem espero fazê-lo jamais, apenas julguei que era uma melhor forma de vos servir.” Seja no caso mais controverso de John Lilburne, que ainda não recebera a indenização aprovada pela Câmara dos Comuns, como reparação dos sofrimentos que sofrera perante a Star Chamber [tribunal da Idade Média], e a quem se deviam soldos

atrasados; Cromwell entregou-lhe uma carta de recomendação, juntamente

com uma advertência ao Parlamento, para que fossem cuidadosos e não ignorassem os direitos daqueles que os protegiam no campo de batalha: É. verdadeiramente uma tristeza ver homens que se arruínam por seu afeto e fidelidade ao espírito público, e tão poucos que se preocupam com isso.”2 Fatos assim retratam um homem que não está no comando apenas de si mesmo, mas dos que seguem suas ordens, e cuja confiança dispensa atitudes selvagens ou rudes para alcançar seus objetivos com Sucesso. 0€s no era rec apa des rei o que -se cou ifi ver a, alh bat da Assentada a poeira pas se juntatro s mai que de va ati ect exp na es, Gal de s ira te, rumo às fronte ses oce esc os n, ve Le de o nd ma co 0 sob ão, Ent or. eri riam a ele, vindas do int a terrível for, lan Rag o tel cas no o úgi ref car bus de avançaram, e Carlos I teve u-se que di ci De ta. lis rea do ca di de e co óli cat , ter ces Wor de taleza do marquês

ua tín con a zar rci exo o and vis , ing Gor tra con ia çar lan se x rfa O exército de Fai for a um de e a-s tav tra n; nto Tau tra con te, oes sud no , ha in nt ma ameaça que ele res de alta en am rl pa tos rci exé dos o çã ma xi ro ap a a di pe ça substancial que im ater, por exemplo. No dia 10 de julho,

guns objetivos importantes — Bridgw

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finalmente, Fairfax e Cromwell atraíram-no ao combate, em Lon B Sutton,

próximo a Langport. Foi um risco calculado: tentando escapar à luta, Goring havia se entrincheirado numa posição segura, e o ataque implicava uma cora. josa carga de cavalaria através de uma passagem muito estreita, Existem algumas insinuações de que o Exército de Novo Tip o deve toda a glória que conquistou à sua tática e ao seu treinamento su periores, O que traduzido em miúdos quer dizer: só entrava em combate quando ci rcunstâncias favoráveis lhe asseguravam a vitória. O que a batalha de Lan gport revelou, no entanto, foi a coragem desesperada e o entusiasmo marcial da sua carga, Segundo palavras do próprio Cromwell, o major Bethel lançou-se à frente de 120 homens “com a maior galanteria imaginável, e derrotou [o inimig o] à ponta de espada”; não recuando nem mesmo ante o contra-ataqu e de quatro-

centos cavaleiros, e tendo recebido o apoio do major Desborough, ambos aguardaram que os infantes, “chegando com bravura”, se juntassem a eles. Resultado: dois mil mortos, a infantaria real completamente desbaratada, uma quantidade enorme de prisioneiros e cavalos capturados. Pouco depois, a poderosa fortaleza de Bridgwater caiu em poder das forças parlamentares, acrescentando a seus ganhos um rico depósito de artilharia e munição. “Desta forma, podeis ver a misericórdia de Long Sutton somada à de Naseby”, escreveu

Cromwell, “é o mesmo que ver a face de Deus!”

Em Londres, conforme reminiscências de Whitelocke, houve um domingo

de ação de graças por esse sucesso, e na parte da tarde, em Cheapside, onde antes se erguia uma cruz, queimaram-se crucifixos, quadros papistas e livros. Ca-

bia ao destacamento do oeste acabar com as atividades de alguns expoentes da arte do butim, os conhecidos c/ubmen, que se valiam da total desorganização da lei e da ordem, nas áreas rurais, para protestar contra assaltos a suas próprias

propriedades. Cromwell demonstrou alguma compreensão a respeito a natureza essencialmente primitiva, não militar, dessas “nobres criaturas tolas » tomando o cuidado de evitar um engajamento desnecessário. Foi some nte após ter enviado três mensagens de paz a dois mil desses espíritos turbulen tos,

entrincheirados em Hambledon Hill, perto de Shaftesbury, que ele ordenou 0 ataque, e mesmo assim com certa relutância. Tratando com eles, posteriormente, deu mais ênfase ao seu bom comportamento futuro do que aos delitos que haviam praticado — poderiam defender-se, mas apenas isso.” de vitórias preliminares, a oeste, e dos triunócia, onde Glasgow caiu em 15 de agosto, que se decidiu tent ar o cerco de B ristol. Andava por lá o príncipe Rupert, com pelo menos

CROMWELL

gi

dois mil homens. À peste grassava na cidade, mas todos se sentiam confiantes

na proteção de Deus; realmente, não se registrou um só caso da doença entre as tropas do Parlamento, um sinal admirável da bondade divina, segundo Joshua Sprigge. Fairfax e Cromwell estavam absolutamente seguros de conquistar a cidadela, ainda que Leven tivesse tentado o mesmo, em Hereford, sem sucesso. Numa carta de fraterna simpatia, ambos os comandantes dirigiram-se a ele, reconhecendo as muitas dificuldades que enfrentara justamente por tê-los

ajudado; comprometiam-se a apoiá-lo, quando isso fosse necessário.2% No dia 25 de agosto, Fairfax e Cromwell assinaram um compromisso, garantindo a tranquilidade dos cidadãos de Bristol e suas propriedades, caso se

rendessem. No entanto, o assalto só se desencadeou às 2h da manhã do dia 10

de setembro. Os dois generais se postaram no alto do forte de Prior's Hill,

posição mais conveniente à observação do que segura: no curso da batalha, uma bala passou a apenas “duas mãos de distância” deles. Alguns regimentos, inclusive o do próprio Cromwell, foram inicialmente repelidos; mas após duas horas de bombardeio o Gloucestershire, do outro lado da cidade, cedeu. Justo quando se deram conta de que as chamas começavam a envolver Bristol

— aparentemente incendiada por Rupert — e “temendo vê-la reduzida a cin-

zas, diante de nós”, um corneteiro veio da parte do príncipe, propondo um acordo de rendição, concedido em termos honrosos. Amargamente acusado pelos seus, por ter desertado, na verdade a atitude do príncipe foi sábia; ele partiu com todos os seus homens mais ou menos incólumes ao encontro do rei em Oxford. Mais do que nunca, Cromwell estava convencido de que Deus colocara

uma espada nas mãos do Parlamento, “para o terror dos que praticavam O mal? — só “um completo ateu” não aceitaria a interferência divina, claramente expressa na rendição de grandes cidades, após tão curtos períodos de resistência. Comentando sucintamente o comportamento dos soldados, ele

observou: “Presbiterianos e “independentes, todos mantiveram o mesmo espí-

rito de fé e oração; a mesma presença e a mesma resposta, o mesmo acordo, sem nada que os diferencie: ; pena pena q que em outros lugares seja diferente!””, Ao mandar imprimir esse relatório, e tal como fizera depois de Naseby, a Câma-

ra dos Comuns teve o cuidado de omitir referências polêmicas sobre a falta de unidade religiosa em seu meio. Quanto ao caráter violento de Rupert, em contraste com a reputação de Fairfax € Cromwell, Easta dizer que o povo de

Bristol saiu às ruas, saudando sua retirada aos gritos: não lhe dêem trégua!”

Não lhe dêem trégua,

188

ANTONIA

FRASER

Seguiram-se três cercos sucessivos. Devizes foi tomada no dia 22 de se.

tembro. Não houve perdas, pois seu governador optou pela prudência e con. cordou em render-se; muitos estrangeiros encontravam-se na cida de, com

passes para terras distantes e exóticas — Egito, Mesopotâm ia e Etiópia,

Winchester capitulou em 28 de setembro. O segundo dia de bombardeio caiu

num domingo, e Hugh Peter relatou de que forma o respeito religioso e a guerra podiam combinar-se à perfeição: “Passamos o Dia do Sen hor orando e pregando, enquanto nossos artilheiros continuavam atirando (... ).28 Os soldados do Parlamento mantiveram uma rígida disciplina, de acordo com as normas de rendição; acusado de ter participado de saques, um dos hom ens de Cromvwell chegou a ser executado, servindo de exemplo aos demais. Basing House era a última guarnição realista entre as terras a oeste e a capital do país. Fortificada pelo católico fervoroso e mui leal John Paulet, quinto marquês de Winchester, dizia-se que seus porões guardavam um fabuloso tesouro; segundo outros rumores, numerosos padres de Roma haviam

buscado refúgio lá. Desde o início da luta, a fortaleza atraíra devotos perseguidos e partidários do rei, provenientes de outras regiões do sudoeste. Em

virtude da influência do nobre, os chamados papistas constituíam a maioria da população. Na verdade, e ao contrário do que propalavam os puritanos,

pesquisas recentes indicam que eles não costumavam aderir à causa do rei: nos anos que precederam à guerra, Carlos I não os tratara nada bem.” Contudo, sempre que a atitude geral de neutralidade dava lugar à beligerância, à religião não perdia tempo em se armar com uma espada. Foi assim no cerco do castelo de Raglan, no Monmouthshire, e em Somerset, no Lancashire. Situada pouco além dos limites da pequena cidade de Basingstoke e ocupando uma posição estratégica que lhe permitia controlar a principal estrada entre Londres e o oeste, Basing House fora construíd a — em 1530 — pelo

primeiro marquês, considerado então o homem mais rico da Inglaterra. UM

século mais tarde, seus descendentes transformaram o castelo num verdadeiro formigueiro, repleto de bastiões, descrito num panfleto como “o único ponto de encontro de cavaleiros e papistas na região”. Nos doi s últimos anos,

envidando todos os esforços necessários à sua defesa, o própri o lord Winchester chegara a ser ferido em combate. Homem refinado e de muito bom

gosto, ele concedera asilo não somente aos temíveis acólitos do papa; as também ao gravador Wenceslaus Hollar e ção ao monarca tinha algo de sublime — todas as Janelas, inscrevendo “Aimez loyauté” [Amai a lealdade). A mans ão

CROMWELL

são

possuía ares majestosos: rica em jóias, prataria e obras de arte, parecia “destinada à corte de um imperador”, segundo palavras de indesejável admiração de um capelão de Cromwell perante a Câmara dos Comuns. Contudo, esse sincero, franco e honesto cavalheiro vira chegar para si a hora da verdade. Cromwell ordenou às suas bocas-de-fogo martelar um lado das muralhas, enquanto o coronel John Dalbier, ex-comandante de um dos regimentos de cavalaria de Essex, iniciava canhoneio equivalente no outro. Oliver dispunha de cinco “grandes canhões”, dois deles com cargas de 11 quilos, provavelmente, e pelo menos um em condições de disparar projéteis

de 22 ou 23 quilos, afora as colubrinas, que carregavam balas de sete quilos. Típicas da eficiente artilharia de cerco do Exército de Novo Tipo, essas peças já haviam demonstrado seu valor: em Sherborne, os canhões de Fairfax abriram buracos nas muralhas depois de dois dias de bombardeio, e de acordo com Hugh Peter, no caso mais recente de Winchester, em apenas um dia, uma brecha suficientemente ampla para que trinta homens passassem por ela, ombro a ombro. Em Basing House não tiveram menos sucesso, cumprindo a dura profecia do que estava por vir. A ordem de ataque foi dada ao amanhecer da segunda-feira, 13 de outubro. Cromwell passou a noite anterior orando, e ponderou muito sobre um texto do Salmo 115, que se refere a ídolos — “aqueles que os constroem se identificam com eles, assim como todos os que neles confiam”. O assalto teve curta duração, mas muito sangue correu: terminantemente, os católicos recusaram todas as propostas de rendição, e John, marquês Winchester, não quis pedir quartel. Diz-se que foi capturado com o rosário nas mãos, dentro de um forno de padaria, e que Inigo Jones teria sido carre-

guarda quarto Um coberta. numa envolto apenas nu, amente complet gado, nição pereceu, nobres inclusive, além de seis padres católicos e uma mulher.

Comprovou-se que um dos oficiais mortos media 2,75m de altura — pelo menos foi o que Hugh Peter disse ao Parlamento, talvez num relutante tribu-

hoto à galanteria dos defensores. Dessa vez Cromwell não impediu que seus mens participassem do incrível butim. Diante da casa em chamas — iniciadas

ain, marquês o — joviais soldados de bandos por da devasta adega, talvez na

da desafiador, berrou que “se o rei não tivesse mais nenhum lugar

e Ingla-

Levaterra, como Basing House, ainda assim a luta prosseguiria, até 9 finalP. ambos — menores filhos dois seus com nte juntame do à Torre de Londres,

gaele —, o ent lam Par do em ord por nte, esta prot o cred no s ado cri Seriam como a lend à sou pas se Hou ing Bas e ”, imo íss del “Fi nhou o apelido de

190

ANTONIA

FRASER

Loyalty House [Casa da Lealdade]. Cromwell, porém, não ex Perimentoy maior emoção nessa surtida. No comando das operações, não lh € cabia lide.

rar o cerco, embora Denzil Holles o tenha acusad o de covarde, dizendo que

ele se escondera “atrás de uma cerca, a uma grande dis tância, fora do alcance

dos tiros”. Sua recomendação de que a fortaleza fosse derrubada baseou-se

em considerações estratégicas. Basing House ficava em campo aberto e fazia mais sentido guarnecer Newbury, centro de provisões; de um Jeito ou de outro, os cavalheiros do Hampshire e Sussex contribuiriam com muito mais boa vontade para uma guarnição em suas fronteiras do que “em seus intestinos”22

Enquanto Fairfax e Cromwell conduziam aquela custosa mas efetiva sequ ên-

cia de cercos, os canhões políticos de Westminster continuavam a disparar, fu-

riosamente, produzindo quase o mesmo barulho, se bem que com resultados menos tangíveis. No outono, os escoceses, descontentes desde Naseby, decidiram firmar a paz com o rei. Na segunda semana de outubro, seus representantes encaminharam uma lista de propostas a serem estudadas pelo monarca, solicitando que Carlos I aceitasse um acordo sobre a Igreja, a ser discutido pelos Parlamentos e Assembléias de ambos os reinos — em resumo, um pacto que mantivesse o sistema presbiteriano. Naturalmente, os “independentes” não gostaram nada da idéia, que lhes imporia uma estranha e deplorável observância religiosa. Na verdade, esse ajuste não tinha nada a ver com a anterior e mais tolerante lei de Acomodação, inspirada por Cromwell, um ano antes, e que desde o início de novembro fora revogada pelos lordes — não

passava, segundo eles, de um gesto de concessão às “consciências delicadas + Desde então, e em oposição aos presbiterianos, os “independentes” tinham se declarado favoráveis à total liberdade de consciência. No entanto, à questão não seria motivo de lutas imediatas, pois a ajuda militar escocesa Je essencial aos planos que previam a derrota do rei, antes de qualquer discussão com ele. Carlos I continuava a negociar com os irlandeses cató licos, e apesa!

das graves suspeitas do núncio papal, que questionava a boa-fé do soberano ,

um tratado irlandês chegou a ser assinado, no outono, motivando igual desconfiança por parte dos ingleses protestantes. Em meio a tantas e tão desagradáveis complicações, Westminster conseguiu estabe lecer uma espécie de

harmonia entre os adeptos de ambas as facções e encaminhar ao rei um novo

conjunto de propostas, baseado na estrutura social existente no país: have r ja

dois ducados, para os lordes puritanos Essex feito marquês; Jord Fairfax receberia um co e Warwick; Manchester sent? ndado; Denzil Holles se tornari?

E”

CROMWELL

visconde; Thomas Fairfax e Oliver Cromwell, barões. O esquema previa, além disso, generosas recompensas monetárias a serem pagas, anualmente, ao

comandante-em-chefe, Fairfax — cinco mil libras —, a Cromwell — 2.500 libras — e a Skippon — mil libras. Rejeitadas essas proposições, a solução militar acabou se sobrepondo.

Cromwell não recebeu nenhuma renda ou baronato, embora provavelmente

os aceitasse de bom grado, assim como Essex e Holles não recusariam o que se previa para eles. Especular sobre o que poderia ter acontecido é interessante, pois mais ou menos na mesma época os “independentes” cogitaram de retirar-se em bloco, rumo à Irlanda, presenteando o rei com o Exército de

Novo Tipo e as fortalezas; atualmente, a idéia pode parecer espantosa, considerando o comportamento futuro de Cromwell por aqueles lados, mas enqua-

drava-se bem nas fortes tendências migratórias dos primeiros puritanos — seu desejo de fundar em outro lugar, que não a Inglaterra, o perfeito Estado de Deus, onde se pudesse praticar livremente a religião, conforme a vontade individual. Visto o toque de quase irrealidade que tem, para nós, o espetáculo de uma Nova Irlanda, paralela a uma Nova Inglaterra, povoada por gente como Cromwell e Vane, não significa que na imaginação contemporânea isso fosse uma completa quimera. Não podemos esquecer seus frequentes gestos no sentido da imigração, particularmente em momentos de intensa coação religiosa. Sir: Hardress Waller afirma terem discutido o assunto, e que na ocasião Oliver teria dito: “O espírito insiste nesse caminho.” Talvez quisesse apenas apoiar Munster, mas o nobre chegou a sugerir que ele poderia ser in-

dicado lord deputy da Irlanda.”

Se acabou afastando da cabeça a hipótese de uma Irlanda Puritana, as

perspectivas de recompensa pelo seu trabalho militar tornaram-se cada vez mais brilhantes. No final de 1645, Cromwell dera prosseguimento à campa-

nha com Fairfax, e após uma temporada excepcionalmente curta, em aquarte-

lamentos de inverno, retornou a seu posto na região oeste, no início de janeiro. Aí ficou sabendo que o Parlamento aprovara uma dotação anual de 2.5 00 libras a seu favor, tendo em vista “seus abnegados e fiéis serviços, mais qui-

nhentas destinadas à compra de cavalos e móveis. Houve complicações no pagamento, dada a intenção de se utilizarem as propriedades do marquês de

Winchester, no Hampshire, mas finalmente tudo se arranjou, graçãs à

Grés pu as outr te ian med a ivad efet ão taç men comple de Wi Worcester, em Gales. Além ng uentes”, inclusive as do marquêses de Ilinq =

de guerra,

ele estava

se tornando

um

homem

dotado

E

ia = de herói E

de substância material;

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192

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felizmente, pois breve se veria diante das despesas tão tradicionais quan to

imprevisíveis que qualquer pai de numerosas filhas tem que encarar, na forma de contratos de casamento e dotes. Foi Bettie, sua filh a favorita, então com apenas 16 anos, quem primeiro contraiu núpcias — Bridge t, seis anos mais velha, ainda era cortejada por Henry Ireton. O enlace de Bet tie com John Claypole, do Northamptonshire, no dia 13 de Janeir o, na Igreja da Santíssima

Trindade, em Ely, realizou-se na ausência do pai da noiva, € o contrato que lhe atribuía um dote de 1.250 libras só foi assinado dois mes es depois » provavelmente pela mesma razão.” A juventude de Bettie e a pressa do casamento tornam plausível que o casal estivesse apaixonado. Os manuais puritanos da época, rechea dos de sábios preceitos sobre a vida familiar, são curiosamente modernos na ênfase que conferem à necessidade do amor mútuo, mesmo nos matrimônios arranj ados, visto que “o afeto deverá perdurar eternamente, como tudo que é bem colado”. À partir de então, eles sempre estiveram “bem colados”. John Claypole era filho de um vizinho e velho amigo de Oliver Cromwell, que vivia em

Northborough, perto de Peterborough, a cerca de cingiienta quilômetros de Ely — John Claypole, pai, foi um dos que se recusaram a pagar o dinheiro

de navio. Definido por Lucy Hutchinson como um “devasso é pecaminoso cavaleiro”,** seu rebento costumava atrair as mulheres,* e, embora diferente de Henry Ireton, isso não significava que seria mau companheiro para à charmosa e extrovertida Bettie, tão distante da sóbria Bridget. Enquanto à mais velha preocupava o pai em virtude de escrúpulos religiosos, a mais nova

o apoquentava pela frivolidade que ela mesma admitia.



Alguns meses depois do casamento, Oliver relatou a Bridget que a irmã

“encontrava-se em estado de perplexidade, absorvida com a própria vaidade € fantasias sensuais, mas lamentando-se por causa disso; ela está à cata de algo

que possa satisfazê-la — espero que encontre”. Não há razão para que duvidemos das palavras de Cromwell, segundo o qual Bettie tentava colocar limis

tes à sua “mente carnal”, mas sobrou vaidade bastante, tanto que ao surglf ô ocasião ela adotou fácil e alegremente a postura de filha de um homem IM” portante. No entanto, ainda que sem uma absoluta perfeição moral, o pai 2 amava ao extremo. Seus olhos oblí; quos, seu delicado rosto oval — capaz ú e conter o pronunciado nariz dos Cromwell e ainda ser atraente —, sua boca *Após a prematura morte de Bettie, ele se casou novamente, e no fim da vida sua afeiG o de disputa à

entre a s egunda

.

mulher e uma lavadeira com quem vivia.

e

ão

CROMWELL

1a

pRqnenA Cana botão de rosa, os abundantes cabelos castanhos, a brilhante tez inglesa, tudo isso poderia se dizer de uma querida “Eliza”, descrita por Marvell como “amada sua e da natureza”.

No dia 8 de janeiro de 1646, sob uma forte nevasca que impedia a continuidade da luta contra sir Ralph Hopton, a oeste, Cromwell reuniu seus homens em Crediton, no Devonshire. O primeiro combate que haviam travado

naquela campanha fora quase uma farsa: comandando um ataque de surpresa

contra o quartel-general de Jord Wentworth, em Bovey Tracey, cerca de 22km ao sul, ele surpreendeu os oficiais inimigos jogando cartas. Numa cena digna

de Moliêre, os soldados do Parlamento atiraram-se sobre o dinheiro das

apostas, que os realistas com muita presença de espírito tinham atirado pela

janela. Na árdua disputa que se seguiu, eles conseguiram escapar pela porta dos fundos. Assim mesmo, foram aprisionados quatrocentos cavaleiros e um major — provavelmente menos ágil do que os outros. Tavistock foi tomada dois dias depois. A verdade é que mesmo naquelas bandas o moral dos partidários do rei declinava rapidamente, e o próprio Fairfax escreveu a seu pai que bastavam três casacos-vermelhos para afugentar uma centena de adversários. O Devonshire estava inundado de recrutas dispostos a aderir ao vitorio-

so estandarte parlamentar. Em Totnes, os homens tinham o privilégio de ouvir o próprio Cromwell. Ele lhes falava a respeito do futuro em termos otimistas: “Nós viemos trazer a vocês liberdade (...) e paz, além de fartura.”* A paz, sem dúvida, não estava longe, mas as perspectivas de fartura eram problemáticas. Hopton resistia bravamente; suas provisões, porém, escasseavam,

enquanto diminuía o entusiasmo dos soldados. No dia 2 de março, o príncipe de Gales partiu em direção às Ilhas Scilly, e no dia 14, em Exeter, o exército

de Hopton assinou os termos da capitulação.

Os realistas defendiam-se ainda na sua capital, Oxford, onde o rei se homiziara, juntamente com seus filhos menores, nã companhia dos príncipes Rupert e Maurice. Fairfax enviou contra esse derradeiro bastião uma guarda

os avançada de cavalaria. Mais tarde, ele escreveu a Clarendon que “todos

dias chegavam

notícias da queda de outra guarnição

[realista ] », Newark,

ameaça constante à Associação do Leste, desde os primeiros dias da guerra, rendeu-se no princípio de maio, obedecendo às ordens de Sua Majestade. Às fortalezas restantes eram como castelos de areia dos quais o mar se afastara. à relatou Cromwell abril, de 22 Em Westminster. para O palco deslocara-se Câmara dos Comuns os detalhes da rendição de FHopton; no dia seguinte re-

cebeu agradecimentos formais pelos esforços que dispensara à causa parla-

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mentar. Seu movimento posterior antecipou tensões políticas que as comple. xas possibilidades da paz fariam eclodir — que tipo de enten dimen to poderia ser estabelecido? em que termos? beneficiando a quem? No dia 24 de abril, Henry Ireton fez chegar a suas mãos uma carta do rei, expressand o desejo de negociar. Imediatamente, ele denunciou o portador por tê-la entregue em ca. ráter privado e leu -a em voz alta perante o Parlamento, a fim de enfatizar a lealdade do exército. O fato de Ireton ser seu amigo íntimo, e dev ido ao contrato de casamento de sua filha ter sido assinado na mes ma data da denúncia,

deu maior relevo à posição assumida por Cromwell.º Enquanto político, ele começava a substituir o soldado. Ão cabo do conflito, no entanto, em seu próprio partido e entre os homens que tinham servido sob suas ordens ele era visto como um mag nífico

general, mais do que um grande orador ou firme negociador Do ponto de vista estritamente político, faltava-lhe proeminência, particularmente por ele ter se mantido ausente de Westminster nos anos anteriores. Sua reputação militar, sim, atingira enorme dimensão: o povo creditava-lhe a responsabilidade pelas grandes vitórias que haviam demonstrado as bênçãos do Senhor. Mais tarde, John Owen, seu capelão, conclamaria: “Onde está o Deus de Marston

Moor e de Naseby?”* Ser identificado com tais gloriosas manifestações da Providência não faria mal a ninguém.

No tocante a esse entusiasmo, os soldados que o conheciam pessoalmente não ficavam atrás; seria impossível compreender grande parte da influência que

ele veio a exercer sobre os turbulentos espíritos militares sem levar em conta à posição que alcançara em sua estima, no final dessa primeira fase da guerra. Além de uma magistral visão tática, Cromwell possuía o rude magnetismo que transfor-

ma um brilhante general num grande líder De alguma forma, entre seus homens, ele era um personagem maior do que a realidade, capaz de incorporar com ro

ralidade suas paixões ou brincadeiras. Sabemos que amava um “gracejo inocente »

A caminho da crucial batalha de Dunbar, parou para rir quando viu alguns solda-

dos se divertindo — um deles besuntava à cabeça de outro com creme de leite.

As marchas se faziam ao som de canções, e não somente salmos. Sentados ao ré dor das fogueiras, nos acampamentos, mascando tabaco, tocando pífaros e cítaras, entoando cantigas indecentes — os puritanos tinham razão em considerá-las ssim —, OS praças contavam com a tolerância de seu comandante. Numa discussão surgida entre um cap itão e um coronel acerca de uma dessas toadas, e qué terminou num tipo de co rte marcial, Oliver propôs

parando-os em dois destacamentos difere ntes?

uma solução salomônica, St

CROMWELL

gs

Essa empatia — verdadeira capacidade de identificação com os entretenimentos e prazeres de homens comuns — convertia-se naturalmente em popularidade e lealdade. Nada se distanciava mais da sua “forma rústica de se comportar”, divertindo-se à vontade entre seus soldados, do que à imagem sombria do puritano desmancha-prazeres. E não havia nada parecido com relaxamento. Certa vez, ele e Ireton foram detidos pelos guardas encarregados

de vigiar o acampamento; a princípio, o capitão recusou-se a acreditar quando deram seus nomes. Ireton zangou-se um pouco, mas Oliver, sorridente, elogiou-lhe o zelo e deu vinte shillings para que distribuísse aos demais integrantes da patrulha. Mais tarde, todos confessaram saber perfeitamente quem eram aqueles “grandes homens”, alegando estarem determinados a provar ri-

gidez, na suposição de que Cromwell os estaria pondo à prova.*! Sem dúvida, eles se reconheciam mutuamente, A imensa alegria que Cromwell costumava demonstrar durante as cargas de cavalaria foi descrita por Richard Baxter de tal forma que poderia sugerir,

numa linguagem mais moderna, as características de um maníaco: “Ele tinha a vivacidade, hilaridade e entusiasmo de quem tivesse bebido uma taça de vinho além da conta.” Esse bom humor contagiava. Excitava muito cavalgar com os casacos-amarelos do Exército de Novo Tipo, e atirar-se na batalha, empunhando uma lança, aos gritos de “Deus e nossa força”, vencer guarnição após guarnição, e sentir, afinal, que a força era recompensada. Depois disso, só restava recompensar o general com admiração e inclusive amor. Carrington escreveu que ele “amava seus soldados como a seus filhos, estando permanentemente preocu-

pado com a satisfação de suas necessidades”.*? Havia entre eles uma real afeição — naquele ano, ela seria testada. Enquanto isso, a arruinada facção do rei perdera quase toda a alegria. 8 rainha, Retoricamente, Clarendon perguntava ao soberano: “Que fazer?” sua esposa, estava na França, e o príncipe de Gales, seu filho mais velho, nas

ilhas Scilly. Quase sem generais e com tropas reduzidíssimas,* Carlos I vinha

tentando negociar com os escoceses secretamente, valendo-se dos préstimos

do embaixador francês. Finalmente, no dia 27 de abril, ele escapou de

E New ark . em depo is, sem ana uma esco cês Oxford, alcançando o exército € Crom well envi ou Fair lá fax para e man se tin ha, aind a por ém, antiga capital,

Ea um de atra vés venc ê-la pud ess em que de expe ctativa seus homens, na

Foi, portanto, em Oxford, no dia 15 de junho, sob o teto de lady

em Holton, onde se localizava 0 quartel-general, que o casamento Ireton e Bridget Cromwell se realizou.

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de

&ienry

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Os nubentes — ambos de natureza conscienciosa — contavam 32 anos e 22 anos, respectivamente. Bridget, donzela puritana, tímida e muito Caseira apesar do seu bonito cabelo castanho tinha o longo nariz característico da fm: lia num rosto comprido e — herança paterna — olhos encimados por pesadas pálpebras, traço masculino demais para ser assimilado a uma beleza feminina,

Interessada principalmente no estado de sua própria alma, convinha bastante a Henry Ireton. Até mesmo Lucy Hutchinson admitiu sua “piedade e humildade”, destacando-a como a menos arrogante dos Cromwell. Ela vivia “em busca de Cristo”. No entanto, Oliver se preocupava com sua “querida Biddy”, Na velhice, ele se sentiu compelido a adverti-la, embora carinhosamente, para que

fosse mais alegre, evitando “um espírito acorrentado”, apoiando-se mais no amor e comparando “a voz do medo” — tivesse eu feito isso, ou evitado aquilo, que bom teria sido — à voz do afeto, que clama com maior confiança: “Qual é O Cristo que eu trago dentro de mim (...)? Ele é Amor — livre, imutável, infinito."** Talvez Ireton tenha manifestado mais simpatia ante os escrúpulos reli-

giosos da esposa, e visto ele ser consideravelmente mais velho, algum tipo de apoio em substituição à dependência que ela tinha do pai. O amor entre os dois seguiu um curso suave, mesmo que não inteiramente livre de preocupações. Meses mais tarde, Cromwell escreveu à filha em termos gentis e instigantes, desculpando-se por não dirigir a carta ao chefe da família: em parte, para evitar problemas, visto que “uma linha que eu redija corresponderá a muitas linhas dele, o que sem dúvida irá fazer com que fique acorda-

do até muito tarde”. Ao mesmo tempo, ele a trangúilizava sobre algum tipo de escrúpulo referente à essência do amor divino e do amor conjugal: “Querida do meu coração, prossiga; não deixe que nada, ou nenhum marido, esfrie teu amor

por Cristo. Espero que ele [Ireton] represente mais uma ocasião para inflamar esse amor, posto que não há nada mais digno de amor nele do que a imagem ds Cristo que carrega.” O casamento, celebrado por Dell, capelão de Fairfax, deu

ao casal o arrendamento de uma fazenda em Ely. Tudo indicava que muito em breve Ireton poderia dedicar-se a ela. O fato daqueles dois dedicados soldados terem afinal proposto e consentido no enlace representava o sinal mais evidente de que a guerra estava se aproximando do fim.

Oxford se rendeu em 20 de Junho e a guarnição abandonou a cidade qua-

tro dias depois. Os termos da capitulação, como em Exeter, foram generosos. Cromwell podia encerrar o comand o que o Parlamento renovara po r mais seis Meses, em janeiro. Estava che

Eta soa 8 Brigando entre si Vocês fizeram seu trabalho e, agora, podem se divertir, a menos que prefiram brigar entre si. LORD AsTLEY, ao ser detido pelo Parlamento em 1646

12 meses que se estenderam a partir do verão de 1646 constituem por assim dizer um divisor de águas na história da Inglaterra. Contrastando com as glórias militares dos quatro anos anteriores, Oliver Cromwell iniciou esse período mergulhando na vida civil. Uma de suas primeiras iniciativas foi trazer a família de Ely para Londres. Deixando a rua Long Acre — enquanto permaneceu ali o custo de vida subira, e a ajuda que ele dava aos pobres passou de dez a 14 shillings —, a família ocupou uma casa na relativamente O:

próxima rua Drury Lane. Não se sabe o lugar exato, mas era perto da Red

Lion [Leão Vermelho], famosa taberna de Holborn, local de importantes

reuniões, segundo os anais da época. Recentemente urbanizado, entre a City e Westminster, o bairro tinha características essencialmente residenciais,

sendo bastante adequado a um homem do status de Cromwell. Uma geração jardins, numerosos seus a referira-se Herball, de autor Gerard, antes, John onde flores silvestres cresciam em profusão. O gosto tipicamente inglês pela jardinagem, assinalado pelo filósofo puritano Samuel Hartlib, enrique-

cia a natureza: os jardins de Londres estavam repletos de rosas — almiscaradas, carmesins, adamascadas — além de peônias e até mesmo groselhas. Vinhedos floresciam nos campos de Leicester; havia grandes olmos nos Jar-

e has tan cas s, figo , ras amo n bor Hol de a volt em e rt, dins das Inns of Cou Cerejas.!

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Graças às excelentes dotações concedidas pelo Parlamento Oliver podia

considerar-se um homem de posses. Na prática, porém, essas rendas Costuma. vam atrasar — na primavera de 1648, ele declarou só ter recebido 1.680 li. bras; por isso seu nome aparecia constantemente nos livros de contabilidad e

do Exército de Novo Tipo, mesmo após ele ter se afastado, oficialmente, em julho. A pesquisa dos registros mostra vários pagamentos autorizados por Fairfax, inclusive um de 23 de novembro, por 120 dias de serviço, correspondente ao soldo de general da cavalaria; em dezembro, Cromwell recebeu um

vultoso adiantamento de quinhentas libras, devidamente deduzido de seus

ganhos no exército.* No entanto, sua patente militar extinguira-se e não fora

renovada, tornando-se honorária: os estipêndios que recebia nada mais eram

do que uma forma de cobrir as deficiências do Parlamento. Lendas estranhas

cercam seu nome. Diz-se, por exemplo, que ele construiu Cromwell House, em Highgate — hoje, parte de um hospital —, dando-a de presente a Bridget por ocasião do casamento. No entanto, em 1646, ele não estava em condições de fazer isso e, de fato, não o fez.? No final de 1647, mudou-se com a família mais uma vez para King Street, em Westminster, entre Charles Street e Great

George Street — ao lado da atual Parliament Square. O local desapareceu após o alargamento da Parliament Street, onde se situam os prédios do governo. Obviamente, é muito mais próximo ao Parlamento do que Holborn, e a mudança terá sido um reflexo da crescente vida parlamentar de Cromwell. Na guerra recentemente concluída, Londres, que na rude descrição de Thomas Hobbes possuía “uma grande pança e nenhum paladar, nenhuma sensibilidade para distinguir o que é certo ou errado”, demonstrara tino suficiente a ponto de levar sua própria defesa muito a sério: armadas com peças de artilharia, ergueram-se fortificações em torno de pontos estratégicos, como Tothill Fields, e nos arredores do atual palácio de Buckingham, chamado

Spring Gardens, em 1647; Mount Street era o nome que se dava a uma parte

desses baluartes,” aparentemente desnecessários aos olhos da população, cujo estado de espírito beirava o caos. Durante o conflito, a enorme incom-

preensão revelada pela maioria dos ingleses foi um corolário da sua índole

bairrista; as grandes disputas — quaisquer que fossem — tendiam a ser ré

solvidas em pequenas batalhas, opondo inimigos locais já conhecidos. A cã-

pital do país resumia a inquietação generalizada diante de uma paz que não trouxera de volta os antigos valores, nem mesmo o tipo de continuidade eX *Ver G. E. Aylmer, Was Oliver Cromwell a Me mber of the Army in 1646-7 or Not?

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pressa pela Corte. Em The General Eclipse [O eclipse total], expressando melancolicamente a perda da beleza e da elegância de uma era desaparecida, O poeta Cleveland referiu-se, em 1645, às Damas que fazem rubra a brilhante manhã E cujos reflexos corrigem seus raios... Quem sois, agora, que a Rainha se foi? Como que seguindo as ordens do Parlamento para disseminá-lo, a névoa

fria do puritanismo estendia-se sobre a cidade: considerado tolice papista, o

Natal foi proibido; em 1646, a Câmara dos Comuns cumpriu com suas obri-

gações, trabalhando normalmente nesse dia. Na primavera seguinte, perdidos os feriados implícitos nos festivais da Igreja, os aprendizes encaminharam

uma petição solicitando a criação de “dias de jogos”, todos os meses. Londres estava cheia de descontentes de todo tipo. A falta de uma Corte refletia a falta do rei, que optara por tornar-se prisioneiro dos escoceses. No que se refere à posição de Sua Majestade, beira o

ridículo que a guerra — ou a grande rebelião, como diziam seus partidários

— tenha definido tão pouco. Fracassadas as tentativas anteriores, Os acordos políticos permaneciam pendentes. Arrastava-se à definição dos direitos do monarca em face do Parlamento e do Parlamento em face da nação, como se Marston Moor e Naseby jamais tivessem sido travadas. O primeiro esforço as chamadas do quan , julho em eu ocorr ico polít o vácu esse r nche pree para evidente Propostas de Newcastle foram apresentadas a Carlos I. Sinalizando a asas maioria parlamentar dos presbiterianos, cogitava-se de aparar bastante as o tempo que se mesm ao , dores segui cados desta mais seus punir e ano do sober imos próx pelos to amen Parl do ole contr o sob pretendia colocar o exército pelo o ençã conv da o ment jura O íam inclu iosas relig ulas vinte anos. As cláus

de acordo culto, do ma refor a e opado episc do ção aboli a os, súdit rei e seus em res Pasto de ia mblé Asse à da ulta cons com a vontade do Parlamento, esque o mesm , hante semel algo ar aceit ia poder s Westminster. Carlos I jamai as rar explo de u trato ele , perar deses se de tivesse ix extremis. Contudo, longe nho de ser aprisionado, à cami Ao s. sário adver seus entre possíveis dissensões un am fizer s “Você ente: profeticam res, capto aos ra disse y Astle rd, Oxfo Sem si. entre r briga ram prefi que ser não a balho, e agora podem brincar, ano Ras nissober O sto, propo era lhe que o acord o descartar de imediato

prova well, Cromv ndo segu — ica genér sta respo uma dado ter so, daí

da sua

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200

FRASER

tendência à prevaricação e total incapacidade de assumir um compromisso, Distante das negociações, Oliver continuava tolerante; nesse mesmo período,

fez apelos amigáveis em defesa de alguns pobres habitantes de Hapton, ao sul

de Norwich, perseguidos em virtude de suas convicções. “Não importa como

o mundo possa interpretar isso”, escreveu ele, “não me envergonho de pedir

por todos aqueles que sofrem pressões deste tipo, seja onde for, fazendo em

relação a eles o que certamente fariam em relação a mim (...).”* Pequenos gestos de boa vontade, entretanto, eram muito pouco para o homem que tinha sido ovacionado como o mais glorioso dos generais: enquanto na Câmara dos Comuns os presbiterianos impunham suas posições, seu ânimo se esvaía e ele se sentia cada vez mais deprimido, muito longe da exaltação triunfante da campanha militar. Em agosto, já em desespero, escreveu ao seu antigo comandante, Fairfax, que retornara a Bath, depois de conquistar o castelo de Raglan: “Se as coisas não vão bem na Escócia, de que forma poderiam ser diferentes na Inglaterra! Há muito sectarismo, ou algo pior.”* De fato, no verão de 1646, a sombria análise de Cromwell parecia correta, inclusive no tocante ao terceiro domínio de Carlos I — a Irlanda. Os escoceses mantinham uma posição relativamente simples: o rei continuaria com eles até que fossem pagos: só então voltariam à sua terra. Sem dúvida, boa parte dos

ingleses desejava mesmo que esses turbulentos aliados desaparecessem de uma vez — aliados potenciais dos presbiterianos, os “independentes” os viam como oponentes. Por outro lado, o vulcão irlandês começava a dar sinais de estar prestes a explodir, o que certamente provocaria sérias reações na situação política da Grã-Bretanha, Durante o conflito civil, tanto o rei quanto o Parlamento haviam dedicado quase nenhum empenho às suas respectivas campanhas na Irlanda — ambos os lados desejavam a paz, naquelas bandas, para poderem se guerrear mutuamente. No entanto, a existência de vários exércitos irlandeses autônomos

ã

, uma dessas forças obe-

decia ao comando do conde de Ormonde, chefe da grande família anglonormanda dos Butler, dono de grandes propriedades em Kilkenny, um homem de prodigiosa energia, cujo cabelo amarelo pálido lhe acarretara o apelido de

James, o Branco; certa vez, diante de um retrato seu, Cromwell obse rvou que

ele mais parecia um caçador do que um soldado. Súdito leal do seu rei, ele conseguira estabelecer uma tênu e aliança com Owen Roe O'Neill, líder dos católicos confederados, seguidores do lema heróico “Irlanda unida por Deus, pelo rei e pelo País”. Internamente, porém, estavam em desavença . Havia "

E

a)

*

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201

ainda à tropa do cardeal Rinuccini, legado papal, mais interessado na restauração do catolicismo, e duas protestantes — a dos escoceses, chefiados por Munro, derrotada por O'Neill na batalha de Benburb, em junho, e o exército

oficial do Parlamento, sob o comando de sir Charles Coote. Ormonde fizera a paz com os confederados em 1646, mas o cardeal, em-

bora dotado de uma típica sutileza italiana, pouco entendia da realidade à sua

volta — ele fez com que as ordens do Lord-Lieutenant do rei Carlos I fossem recusadas pelo clero.” Temendo perder o controle da situação para os irredutíveis católicos, e sabendo que o monarca não estava em condições de ajudá-lo, Ormonde pediu ajuda ao Parlamento. A solicitação obteve o apoio dos “independentes”, dispostos a enviar alguns regimentos do Exército de Novo Tipo à Irlanda. O comitê encarregado do assunto, porém, decidiu de modo diferente — Cromwell, sempre interessado nas questões irlandesas, contou os votos a favor, enquanto Holles e Stapleton, zelosos representantes presbiterianos, verificaram quem se opunha — e resolveu enviar recrutas especialmente convocados. Furioso, Oliver escreveu a Fairfax, queixando-se de que a tarefa fora atribuída a um exército que sequer existia, deixando ociosa à excelente máquina militar inglesa. Em setembro, a morte do simpático e muito popular conde de Essex aju-

dou a levantar o moral dos “independentes”. Espíritos dissidentes rondavam seu magnífico funeral, na abadia de Westminster. À noite, a efígie em cera do representante presbiteriano, vestida com o casaco amarelo e as calças escarlates que ele usara em Edgehill, foi esfaqueada; a espada desapareceu.” No outono, Oliver desenvolveu uma atividade parlamentar intensa, mas de parcos resultados. No caso do Grande Selo do Parlamento, símbolo da supremacia

do rei ou da Câmara dos Comuns, ele saiu vitorioso; com apoio de Vane,

conseguiu que a custódia ficasse com os presidentes de ambas as Câmaras. O acordo com os escoceses foi assinado no dia 23 de dezembro. O nome de Cromwell era o nono entre os 13 ingleses que o firmaram; Haselrig e Stapleton também o fizeram — chamou atenção a ausência de sir Henry

Vane. Fairfax soube do fato com 48 horas de antecedência, por intermédio de Oliver, que aproveitou a oportunidade para descrever a insatisfação da City

com o exército.” Mediante o pagamento de quatrocentas mil libras, as tropas

escocesas se retirariam do norte da Inglaterra. Mesmo sem nenhuma menção

no texto, estava implícito que o rei seria entregue ao Parlamento, e tomaramse providências para seu aprisionamento. Após alguma discussão, resolveu-se que o local mais adequado seria Holdenby Hall, construído pelo favorito da

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rainha Elizabeth, Christopher Hatton, no Northamptonshire. O monarca

chegou a esse fantástico amontoado de rorrinhas, cheias de chaminés, no dia 16 de fevereiro de 1647. A decisão não teve apoio unânime. Os soldados escoceses deixaram Newcastle debaixo dos insultos da população, que os chamava de “judeus”, porque tinham vendido o rei e a honra — os oficiais ingleses foram obrigados a coibir as mulheres, que pretendiam apedrejá-los. Sua retirada, que no ano ante-

rior significara uma ligeira melhora na situação dos “independentes”, agora refletia o firme controle parlamentar em mãos dos presbiterianos. Só faltava dissolver o Exército de Novo Tipo e persuadir seus remanescentes defensores

a partir para a Irlanda. Desde o início do ano, Ormonde abandonara o plano

de conciliar o núncio papal com os parlamentares protestantes. Em carta de 20 de fevereiro, ele apresentou sua demissão incondicional, como lordlieutenant, reivindicando apenas garantias de segurança pessoal. Assim, a guerra na Irlanda tornara-se uma responsabilidade exclusiva do Parlamento, que felizmente dispunha do instrumento apropriado.

À força expedicionária não seria permitido o luxo de opiniões próprias: an-

tes de mais nada, todos os seus oficiais deveriam assinar a Convenção. Na prática, essa castração do exército “independente” não seria tão fácil. A cúpula parlamentar parecia surda aos gritos bem menos espirituais do que “Deus e nossa força”, ignorando a disposição cada vez mais desagradável dos soldados, atentos a necessidades fundamentais, principalmente o pagamento do soldo. No dia 17 de março, em face de inumeráveis incidentes — inclusive ameaças de violência por parte de alguns soldados em Covent Garden — reiterou-se a ordem de que os homens de Fairfax deveriam manter-se a pelo menos quarenta quilômetros de Londres. No entanto, neste meio-tempo, os efeitos pacificadores dessa disposição haviam sido anulados, pois já no princípio de março uma grande quantidade de tropas bivacara em Saffron Walden, Essex, a fim de se prepararem para a expedição irlandesa; sem dúvida, a insatisfação que reinava entre eles

criava um caldo de cultura propício a decisões tumultuadas. Ao longo dessas progressivas crises entre o exército e o Parlamento, onde estava o homem que obtivera tanto sucesso em ambas as esferas e cujos poderes de

mediação eram tão necessários? Em janeiro, depois de algum trabalho parlamen-

tar, Oliver Cromwell tinha desaparecido de cena, gravemente enfermo. Não paira qualquer dúvida a respeito: ele próprio

escreveu a Fairfax, relatando quase ter

morrido, e a história oficial registra um caso de “apostema na cabeça” — um

inchaço infeccioso que hoje chamaríamos de abscesso1º Como tudo que se refere

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à saúde de Cromwell nessa época, antes das indiscutíveis sequelas da idade, deve-

se levar em conta as possíveis causas psicossomáticas da moléstia. O outono

transcorrera enquanto ruíam os grandes ideais pelos quais ele rezara e travara uma guerra, e a primavera parecia confirmar a falta de compreensão do Parlamento acerca da verdadeira natureza das reivindicações dos homens honestos que tinham lutado por ele. Sem dúvida, é difícil avaliar com rigor a relação sutil entre os aspectos físicos e psicossomáticos de uma doença. Originalmente, a frágil saú-

de de Cromwell tinha uma característica nervosa, que se manifestara na crise, em Huntingdon, quando consultou sir Theodore Mayerne. Mais tarde, com toda a certeza, ele sofreu uma série de problemas, febres inclusive, devido à malária e aos cálculos renais. O historiador precisa ser cuidadoso. Pode-se afirmar que a piora que sentiu, durante aquele ano, acabou por atingir seu temperamento exaltado, predispondo-o a uma infecção. Cromwell passou longo tempo deprimido, mesmo depois que a doença já fora debelada. Em carta a Fairfax, ele descreveu os sintomas do mal que o afli-

gia: “Admito que o Senhor (...) tenha exercitado os intestinos do Pai sobre mim.

Fui condenado à morte para aprender a confiar Nele, que se ergue dos mortos, e desconfiar da carne.” Mais significativo foi seu comentário acerca dos sentimentos que o assaltavam durante a doença: “O que existe de bom neste mundo é tão restrito que chega a ser uma bênção morrer um pouco a cada dia...”*! Foi neste estado sombrio e resignado, contrastando a confiante hilaridade que demonstrara na época da guerra, e com a saúde extremamente debilitada, que Cromwell se lançou naquele período crítico de sua carreira, que tantas acusações de traição e duplicidade suscitou. Sem dúvida, seu sucesso contribuiu, e muito, para acentuar tais denúncias. No entanto, nenhum contemporâneo — ou ele próprio, caso estivesse em plena saúde — poderia prever o curso dos acontecimentos e o que deles resultou. De fato, na primavera de 1647,

a última coisa que se poderia esperar de Cromwell é que ele se sentisse sufi-

cientemente seguro, a ponto de participar naquilo que certamente foi a mais

elaborada conspiração da história britânica. Seu estado de espírito melancólico transparece claramente na conversa que

manteve com Edmund Ludlow, provavelmente nessa mesma época. O encontro se deu nos jardins de Westminster, antiga propriedade do antiquário sir Robert Cotton, e nele Cromwell revelou toda a profundeza da infelicidade que lhe ia

malma. O que parecera uma gloriosa cruzada, em nome do Senhor, transforma-

ra-se em algo similar a uma matilha de cães raivosos disputando nacos do poder. Como a vida era simples no exército! Ou até mesmo nos dias anteriores à

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guerra civil, quando pelo menos os parlamentares permaneciam unidos em vez

de se altercarem tão mesquinhamente, como o faziam agora. “Se teu pai* esti-

vesse vivo”, disse a Ludlow, suspirando, “faria com que ouvissem o que mere-

cem; custa muito ser leal ao Parlamento e é uma miséria servi-lo, sempre sujei-

to às calúnias de algum colega pragmático; são coisas que grudam na pele e não se apagam jamais. Sob o comando de um general, não se pode permanecer

por muito tempo sem o risco de se tornar alvo de inculpações ou inveja.”12

Enquanto convalescia, sua amargura com quem não acreditava na justeza

da causa do exército não esmoreceu: na correspondência endereçada a Fairfax, em 11 de março, aparentemente antes de estar em condições de retornar à Câmara dos Comuns, referiu-se à malícia generalizada contra o exército. Todos pareciam dominados pela angústia. Em contrapartida, a mágoa dos soldados nunca fora tamanha e espalhava-se rapidamente; simpático às reivindicações da tropa, ele não gostaria de testemunhar algum surto de indisciplina. Concordava, por exemplo, com a regra dos quarenta quilômetros — distância que o exército devia manter de Londres. Sob muitos aspectos, as queixas dos soldados concentrados em Saffron Walden eram plenamente justificadas, incluindo pagamentos atrasados no montante de trezentas mil libras. É claro que problemas financeiros não constituíam novidade: no ano anterior, em York, os homens do general-de-divisão Poyntz tinham se amotinado, apontando-lhe suas pistolas e gritando alto e bom som: “Dinheiro, dinheiro, dinheiro.” Naquele momento os regimentos de infantaria ainda esperavam receber

o soldo de 18 semanas, e a cavalaria, de 43. O Parlamento só se dispunha a pagar umas míseras seis semanas. Paralelamente, boa parte da população do país ressentia-se diante do fato deles continuarem armados — reação ilógica, talvez, mas não inesperada partindo de civis, constantemente atingidos pela turbulência habitual dos militares. Em Saffron Walden, por exemplo, à parte dos esporádicos motins em outras localidades, a influência dos oficiais mais ortodoxos vinha se exaurindo. Duas forças distintas agiam no meio da soldadesca: de um lado, os Jevellers — seita radical, originalmente externa ao exército —, e de outro, os “agen-

tes”, ou “agitadores” — grupos formados dentro do exército para pressionar o Parlamento contra a ordem de dispersar. “Sir Henry Ludlow teve uma participação radical durante o Parlamento Longo, e em maio

de 1642 fora repreendido pelo presidente da Câmara por ter afirmado que o rei não erà



digno da coroa.

e

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205

No dia 21 de março, a comissão parlamentar responsável pela discussão da dispensa da tropa e sua posterior reorganização reuniu-se com um punhado de oficiais em Saffron Walden. Sem propriamente discordarem da desmo-

bilização, os militares apresentaram uma petição assinada, entre outros, por Okey, Pride, Robert Lilburne, irmão de John, e Ireton — todos “independen-

tes” —, exigindo maiores esclarecimentos a respeito tais como pagamentos atrasados e futuros, além da serviços prestados até então. Ao mesmo tempo, os quitação dos débitos acumulados, isenção de novos

de assuntos importantes, indenização devida pelos soldados rasos exigiam a recrutamentos, indeniza-

ções e tratamento justo às viúvas e órfãos dos mortos em combate. Embora tais pedidos não ultrapassassem a fronteira humanitária é interessante notar que Cromwell estava entre os que achavam de mais o fato dos soldados rasos

terem apresentado suas próprias petições. Perto dessa data — mais provavelmente no momento da votação, no dia 22 de março — Cromwell se ergueu, na Câmara dos Comuns, e pôs a mão direita sobre o coração, jurando que o exército aceitaria pacificamente a desmobilização. Conforme testemunhou Clement Walker, na sua History of the Independency [História dos independentes], “em presença de Deus todo-poderoso, diante de quem ele estava, disse saber que o exército se dissolveria e depositaria suas armas na porta do Parlamento, tão logo recebesse tal comando”. Aos olhos dos contemporâneos que acreditaram na raiz conspiratória da carreira de Cromwell, esse compromisso público nada mais foi do que uma falsa profecia, prova de sua impostura. Vaticínio infeliz que tenha sido, demonstrando a falência de suas previsões no campo político, não o transforma num canalha desonesto. Ele acreditava genuinamente em suas próprias afirmações baseando-se no fato de que as queixas do exército seriam solucionadas. John Lilburne, que reagiu histericamente quando Cromwell rejeitou a petição dos soldados, acusou-o de derrubá-la para atender a “um compromisso com a Câmara dos Comuns, obrigando os soldados a depor as armas”. Ele imaginou que Cromwell fora enganado por “aquelas duas indignas e ambiciosas minhocas”, Vane e St John.!* Entre todas as muitas aptidões de Oliver, a antecipação política nunca foi uma das maiores, embora em alguns momentos tenha tido sorte e oportunismo, que seus furiosos opositores atribufam à conspiração. Clarendon relacionou detalhadamente as acusações contra ele: fingiu desgosto com a insolência dos soldados, investiu amargamente contra suas presunções e sugeriu penalidades para aquietar os espíritos amotinados; hipócrita demais, “quando se re-

Posta i Ss

dt

P

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feria ao envolvimento da nação em novos problemas, chorava amargamente e aparentava a maior aflição do mundo”.” A maior parte disso poderia constituir um relatório confiável acerca do comportamento de Cromwell. Sem dú.vida, ele chorou — revelou, mesmo, uma certa tendência às lágrimas — e,

embora como Protetor tenha sido acusado de produzir “lágrimas à vontade”,

e derramá-las diante do Conselho a fim de obter atendimento aos seus desíg-

nios, a verdade parece indicar que era um orador naturalmente emotivo. Sem

dúvida, sentiu-se perdido e agoniado, além de desgostoso com a atitude obsti-

nada do exército. À dissimulação que Clarendon insistiu em somar a essa

equação foi o erro que cometeu: na primavera de 1647 Cromwell estava real-

mente infeliz. Enquanto isso, o violento debate travado na Câmara dos Comuns, no dia 29 de março, mais uma vez comprovou a pouca simpatia que os membros presbiterianos alimentavam pelas reivindicações mais evidentes dos soldados. Eles se declararam furiosamente contra a petição da tropa; e, no dia seguinte, Holles fez com que aprovassem uma resolução ainda mais agressiva, no sentido de uma tomada de atitude contra todos aqueles que persistissem nas suas posições agressivas: seriam tratados como inimigos do Estado. O futuro do exército na Irlanda foi no entanto acertado mediante um compromisso: Skippon ganhou o posto de marechal-de-campo e sir Edward Massey o de general da cavalaria; claro, os “independentes” preferiam que tal promoção coubesse a Cromwell. Todavia, seu próprio regimento recebeu ordens de per-

manecer na Inglaterra sob o comando do major Huntington. Mas, enquanto o Parlamento propunha, o exército dispunha: as notícias levadas pelos comissários de Londres a Saffron Walden, no dia 15 de abril, não lograram nenhuma aceitação dócil. Reunidos na bela igreja Perpendicular, duzentos oficiais expuseram suas posições; sob a tácita presidência de Fairfax, que sem estar de acordo também não resistiu ativamente à conduta de seus subordinados, eles lançaram um grito desconcertante em prol da manutenção da mesma “direção” ou liderança de sempre: “Todos! Todos! Fairfax e Cromwell e to-

dos nós!” Na manhã seguinte, a maior parte dos oficiais de cavalaria e muitos da infantaria assinaram uma petição ao Parlamento nesse sentido.

Na medida em que se alargava o fosso entre o exército e o Parlamento, O

desgosto de Cromwell com a incompetente condução determinada pelo grupo dirigente presbiteriano foi se tornando mais claro, inclusive por suas raras visitas à Câmara dos Comuns, durante o mês de abril. Vane agia da mesma forma. Tampouco haviam desaparecido sua profunda depressão e insatisfação com O

encaminhamento de sua vida pessoal. Ele voltou a manifestar interesse na pos-

sibilidade de abandonar a Inglaterra, desta vez para servir no exterior, lutando

pela causa do sobrinho protestante do rei Carlos.'* Embora em comparação a Rupert, seu irmão caçula, o Eleitor Palatino fosse dotado de uma personalidade frágil e possuísse muito mais vontade de aliar-se aos vencedores, sem se impor-

tar com honra ou lealdades de família, naquela oportunidade ele poderia granjear as simpatias religiosas de Cromwell. Ao passo que luteranos e calvinistas tentavam excluir-se mutuamente da paz que vinha sendo negociada com vistas

ao fim da Guerra dos Trinta Anos, o Eleitor queria um exército parlamentar que o ajudasse a recuperar suas propriedades alemãs. O embaixador francês relatou que ele manteve longas conversações com Cromwell sobre o assunto. Considerando a justiça da causa e a acentuada frustração que os acontecimentos na Inglaterra impunham a Cromwell, quem sabe ele não terá interpretado as necessidades de seu interlocutor como um novo sinal de Deus, sugerindo pelo

menos um afastamento temporário. Mais uma vez a impressão que se tem é a de um homem confuso, buscando uma solução, não um conspirador. No início de maio, Cromwell, Ireton, Skippon e Charles Fleetwood foram encarregados de esfriar os ânimos do exército. A situação dos quatro era delicada — oficiais de alta patente ocupando cargos no Parlamento. Fleetwood começara a guerra como integrante da guarda pessoal de Essex, mas seu regimento, no exército de Manchester, tinha se tornado famoso pelo número de

sectários, estando entre os que se recusaram a partir para a Irlanda; tal como Ireton, que ingressara na Câmara dos Comuns por Appleby, em 1645, ele tam-

bém podia se considerar um novato, representando Marlborough. À comissão

foi informada sobre entendimentos anteriores, totalmente insatisfatórios, e do

fracasso de Skippon em persuadir os regimentos a aceitar o deslocamento para a Irlanda. Ficou decidido que os oficiais deveriam conferenciar com seus regimentos antes de fazer qualquer relatório. Assim, no dia 15 de maio, realizou-se uma reunião com cerca de duzentos oficiais, na igreja de Saffron Walden, presidida por Skippon, tendo Cromwell a seu lado. Tratava-se de ouvir a verdadeira

voz do exército, delegada a seus superiores imediatos. As exigências eram de fato incrivelmente razoáveis, embora Skippon fosse

obrigado a advertir alguns oficiais de baixa patente, como Lambert, Whalley e

Okey, por seu estilo agitado, sugerindo que eles ouvissem uns aos outros ma mais sóbria. O primeiro pedido referia-se ao pagamento dos soldos dos: reclamava-se uma parcela maior do que as miseráveis seis semanas tão prometidas pelo Parlamento. A tropa queria encaminhar uma petição ET

Ad

de foratrasaaté enao seu

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general e o Parlamento deveria examiná-la em março; além disso, reivindica. vam dar publicidade às razões de sua conduta, cabendo ao Parlamento defender

o exército de ataques insidiosos. Independentemente da linguagem, não havia nada de revolucionário nisso. Os comissários retornaram a Londres no dia se-

guinte, admitindo soldados comuns simpatizaram com de sossego. Antes

terem encontrado deveras inquietos; os sofrimentos dos do fim da reunião,

o exército profundamente magoado e os no fundo de seus corações, com certeza, homens, ainda que desprezando sua falta Cromwell pronunciou um discurso signi-

ficativo; além de anunciar que as ordens do Parlamento incluíam mais duas se-

manas de pagamento sobre os atrasados, perfazendo um total de oito semanas, ele instou os oficiais a utilizarem da melhor maneira possível sua liderança junto aos subordinados, levando-os a conformar-se diante da autoridade que estava acima de todos. Eles deveriam levar em conta que as consultas precisavam obter apoio unânime do Parlamento, do contrário coisas muito piores poderiam acontecer. “Se esta autoridade se transforma em nada, a confusão reinará.” Em

maio, apesar da maioria presbiteriana na Câmara dos Comuns, Cromwell ainda via o Parlamento como repositório da ordem pacífica que todos almejavam. No dia 21, ele e Fleetwood apresentaram um relatório completo do que se passara em Saffron Walden, tomando especial cuidado de absolver os oficiais de qual-

quer acusação de conspiração: eles tinham se limitado a limpar a linguagem

dos soldados, cheia de “tautologias, impertinências ou fraquezas”, persuadindoos a abandonar muitas imputações ofensivas,” tudo isso com a louvável intenção de evitar que o Parlamento fosse mais uma vez ofendido e a fim de que a convivência melhorasse no futuro. A petição baseou-se num acordo que satisfez as principais demandas dos “agitadores”, mas a situação fora longe demais para que os presbiterianos apro-

vassem qualquer tipo de concórdia com o exército — eles não confiavam mais

nas afirmações de Cromwell sobre a desmobilização e suas cabeças vinham engendrando algumas novas e despropositadas idéias, como a de devolver o rei Carlos I aos escoceses. Isso talvez permitisse sua volta ao trono, apoiado nas forças aliadas de escoceses, ingleses realistas e presbiterianos, dando margem

afinal à reforma da Igreja na Inglaterra. É claro que esse esquema jamais se reàlizaria enquanto o exército mantivesse contingentes numerosos é ameaçadores em Essex. Por isso que, no dia 25 de maio, os presbiterianos apresentaram uma proposta fatal, impondo a dissolução gradual da força militar sem o cumprimento de nenhuma das promessas feitas até então. Do ponto de vista das tropas

insatisfeitas, essa proposta sugeria roubo e traição. No dia 1 º de junho — data

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prevista para à dispensa do primeiro regimento (o do general) — o exército já tomara a questão em suas próprias mãos, reunindo-se em Newmarket, no condado de Suffolk, não muito longe de Saffron Walden. Mutuamente desconfia-

dos, os dois lados se enfrentaram como porcos-espinhos. Mais uma vez Carlos

I ocupava uma posição chave. Tratava-se de uma estranha mas bem-vinda reversão da sua sorte, posto que não se completara um ano desde que os dois campos tinham lutado unidos contra ele. Segundo Fairfax, o monarca se trans-

formara na “Bola de Ouro lançada entre os partidos”.!* O problema era prever em que direção a bola ia rolar.

Desde fevereiro, sir Lewis Dyve, um correspondente sensível, percebera

certa suavidade na atitude dos “independentes” em relação ao soberano. Comandante realista, em Sherborne, Dyve fora trazido a Londres como prisio-

neiro, após sua derrota, e estava preso na Torre, acusado de traição. Desfrutava de suficiente liberdade, entretanto, e recebia bom número de visitas, o que

lhe permitia passar informações secretas ao rei sobre o que estava ocorrendo na capital. Ele foi bastante caloroso ao dar conta dos modos mais cordatos daqueles que até então tinham sido extremamente agressivos e que de repente haviam-se convertido em admiradores de Sua Majestade. Se a liberdade de consciência pudesse lhes ser assegurada por Carlos 1, eles não se negariam a apoiá-lo. No dia 24 de maio, sir Lewis mandou dizer a Carlos I que os esforços de reconciliação empreendidos por Cromwell estavam prestes a se tornar inviáveis. Querendo preservar-se das crescentes suspeitas dos presbiterianos, ele optara pelo exército. No entanto, o informante acreditava — e um amigo íntimo de Oliver o confirmara — que seus sentimentos em relação ao rei derivavam do medo que sentia de uma vingança pessoal, devido às derrotas que impusera às forças realistas durante a guerra; se obtivesse alguma garantia de incolumidade, “poderia comprovar-se um instrumento de grande utilidade no

exército, cuja maior parte já se inclina na direção do rei?.” Se a atitude de Cromwell e de seus colegas “independentes” refletia a absoluta falta de alternativas, nem por isso o soberano apressou-se em responder às Propostas de Newcastle ou demonstrou preocupação com as consciências delicadas. Concordava com o estabelecimento do presbiterianismo por um

período de três anos, desde que ele e sua família pudessem usar o Livro de

Orações Comuns, ou seja, manter os rituais anglicanos. Ademais, ele indica-

aria ria vinte pastores para integrar a Assembléia de Westminster que negoci der enpon res a se vausa , rec ção ven Con à to an . Qu ico ást esi ecl rdo aco um quanto não pudesse vir a Londres e aconselhar-se com seus próprios capelães.

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Assim, Carlos I insistia em jogar conforme seu estilo, estimulado sem dúvida pelas provas de popularidade que tivera ao longo do seu cativeiro, em

Holdenby, quando o povo se juntava para tocá-lo, na expectativa de que os

curasse de escrófula, o conhecido “mal do rei”. Em vão, a Câmara dos Comuns tentava informar que isso não passava de superstição: antigas lealdades — e credulidade — custam a morrer.

Apesar de todas as advertências acerca da natureza dúbia do monarca, os

“independentes” ainda buscavam um entendimento com ele, a fim de evitar que se aproximasse dos presbiterianos. Tal possibilidade, mais do que tudo, preocu-

pava o pequeno grupo de militares que começaram a se reunir na residência de Cromwell, em Drury Lane. A sra. Cromwell, é claro, não pôde deixar de envol-

ver-se, embora muito lhe custasse abandonar hábitos domésticos arraigados. Alguém que detestava seus menus tanto quanto os planos de Oliver escreveu que “Jamais uma pessoa tão abstêmia tentou atacar um governo tão justo de forma tão vil?. Os comentários a respeito dela eram os mais desencontrados: acusavam-na de receber propinas, de possuir um toque de Midas, transformando

tudo em ouro, e, ao mesmo tempo, de ter vendido uma placa comemorativa ga-

nha pelo marido,? a fim de equilibrar o orçamento, e de receber os convidados de forma mesquinha, dando-lhes “pouca cerveja, pão e manteiga”. O que se pode razoavelmente presumir é que a frugalidade de sua mesa refletisse o desgosto natural de qualquer dona de casa que visse seu espaço doméstico convertido em quartel-general de políticos conspiradores. Nunca se soube o que se decidiu naquelas reuniões, nem na que se realizou sob o teto da Taberna Star, em Coleman Street, e da qual participaram Cromwell, Hugh Peter, o famoso pastor “independente”, e outros. Obviamente, não se poderia admitir que os presbiterianos se apoderassem do monarca e o enviassem aos escoceses, pelo menos enquanto houvesse soldados

“independentes” dispostos a impedi-lo; todavia, uma atitude capaz de manter

o rei fora do alcance de mãos estranhas era muito diferente de algo que significasse praticamente aprisioná-lo, en Holdenby — onde mais? Ao que parece, liderados por Cromwell, os conspiradores chegaram a cogitar disso. É bem provável, no entanto, que ambos os partidos estivessem inspirados por mútuo temor, no que se refere ao rei, agindo como dois homens vendados, numa sala, de costas um para 0 outro, tentando não se chocar. Em tais circunstâncias, qualquer provocação pode desencadear uma reação violenta.

O fato, porém, é que o grupo de Londres enviou um certo corneteiro Joyce a Oxford, no dia 1º de junho, com a missão de garantir o depósito de

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911

munições lá existente. Figura pouco expressiva mas de importância histórica crucial, ele começara a vida como alfaiate, antes de se tornar soldado da Associação do Leste, primeiro no regimento de Cromwell e, depois, sob as ordens de Fairfax — em Memorials [Memórias], o “Black Tom” o descreveu como um “arquiagitador”. Tendo cumprido a tarefa que lhe incumbia, no dia

seguinte Joyce partiu para Holdenby à frente dos quinhentos soldados que havia reunido. Chegando à prisão real, Joyce declarou que viera com a autoridade outorgada pelos soldados e a fim de prender o coronel Graves, oficial

encarregado da custódia de Carlos I, “para impedir uma conspiração cujo objetivo é conduzir o rei a Londres”. Até aí, podemos acreditar que estivesse agindo conforme as instruções recebidas. A carta que escreveu às 8h do dia seguinte, 3 de junho — equivocadamente datada de 4 de junho —, confirma essa impressão. Dirigida a Cromwell e, na sua ausência, a Haselrig ou Fleetwood, dizia: “Senhor, já estamos com o rei, Graves fugiu. (...) Deveis

enviar imediata resposta a esta, dizendo-nos o que fazer. Só obedeceremos às ordens do General e, por enquanto, estando por nossa conta e risco, dos co-

missários.” O final do texto indica claramente que ele não possuía nenhuma determinação explícita de ir além da captura do rei: “Hlumildemente, peço que considereis o que foi feito, pois não descansaremos, nem de noite nem de dia, até ouvirmos vossas ordens.”?! Na verdade, Joyce não demorou a perder a calma e decidir que o rei deveria ser removido para algum lugar menos distante do ponto de encontro do exército. Em audiência com o monarca, quando Carlos I indagou quem o autorizara a proceder assim, o corneteiro limitou-se a apontar a tropa que per-

manecia às suas costas, ao que Sua Majestade respondeu com famosa ironia: “É a autorização mais justa e mais bem escrita que vi em toda a minha vida.”

A meio caminho, em Hinchingbrooke, observado em silêncio pela população, o soberano ficou numa casa próximo de Newmarket, antes de ser conduzido a uma outra, perto de Cambridge — mais uma prova de que nada fora premeditado, sequer habitações condignas. Ciente da expedição de Joyce mas desconhecendo seu imprevisto final — e isso deve ser enfatizado —, Cromwell libertou-se de todas as incertezas e hesitações e, mais uma vez à altura das circunstâncias, percebeu que deveria colocar-se ao lado do Exército. Era arriscado permanecer em Londres. Informado

de que os presbiterianos pretendiam aproveitar-se de sua ida ao Parlamento no

dia seguinte para prendê-lo na Torre, tratou de abandonar a cidade; na madrugada de 4 de junho, ele Hugh Peter alcançaram Ware, no Hertfordshire, onde

212

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FRASER

fizeram o desjejum. Enquanto o rei se instalava numa casa a noroeste de

Cambridge, em Childerley, Cromwell chegava a Kentford Heath, um pouco além de Newmarket, ponto de encontro do exército. O relato de Clarendon demonstra como ele foi consegiente: o plano de seus opositores visava afastá-lo dos Conselhos do Exército, na certeza de que

Fairfax mostrar-se-ia submisso, caso não recebesse estímulos no sentido do endurecimento. Mais tarde Joyce tentou responsabilizar Cromwell pelo inci-

dente, atribuindo-lhe as “ordens” que alegou ter recebido. Sabedor de que Fairfax ficara furioso com a atitude do seu subordinado, o major Huntington

testemunhou que o corneteiro agira sob determinações [de Oliver] recebidas, ainda em Londres, “para fazer o que fizera em Oxford”. No entanto, o mesmo Huntington referiu-se à versão de Ireton, segundo o qual o mandado limitara-se à captura do rei, em Holdenby — não a tirá-lo de lá. O suposto comentário de Cromwell — “Não fosse assim [a mudança de Carlos I],o Parlamento acabaria fazendo com que o levassem a Londres ou o próprio Graves tomaria essa iniciativa na esperança de receber alguma recompensa pelo serviço”? —— mais parece uma avaliação sensata, após o fato consumado, do que a admissão de qualquer responsabilidade pessoal.

Atemorizada ante as notícias da ação de Joyce, a Câmara dos Comuns votou a favor do pagamento dos soldos atrasados, no dia 3 de junho, e eliminou de

seus registros a venenosa resolução que considerava inimigos do Estado os soldados que tivessem participado dos protestos de março. Tarde demais: 0 torvelinho se desatara e seria impossível contê-lo. No dia 5 de junho, em Newark, o exército lançou uma declaração contra a agressiva atitude dos líde-

res presbiterianos, exigindo os nomes dos que tinham elaborado a resolução

de Holles. Porém, inspiradas por Cromwell, as duas últimas cláusulas talvez pudessem representar uma tábua de salvação. A primeira criava um Conselho de Generais, incluindo dois oficiais e dois representantes de cada regimento

— Oliver, Fairfax e Ireton faziam parte dele portanto; a segunda negava que

o exército pretendesse derrubar a maioria parlamentar, reivindicando somente liberdade de consciência para os soldados. O rei recebeu vários oficiais de alta patente, em Childerley, com um espírito otimista, aparentemente bastante disposto a jogar sua sortê com os mili-

tares; quando Fairfax se retirava, ele disse: “Senhor, tenho tanto interesse no exército quanto vós.” Cromwell e Ireton com portaram-se de forma educada, j mas, ao contrário de Fairfax, que beijara a mão do soberano, apenas curvaram

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213

a cabeça.” Atendendo ao desejo manifesto de Carlos I, permitiu-se seu regresso a Newmarket — se bem que Cromwell houvesse autorizado Whalley a usar de todos os meios, menos a força, para persuadi-lo a não voltar a Holdenby. A fim de evitar demonstrações de entusiasmo popular, o monarca

foi levado pela porta dos fundos.

É compreensível que a nova conjuntura o estimulasse: notícias filtradas de

Londres descreviam a cidade envolta numa crescente desordem, levando-o a

crer numa possível tertius gaudens [luta armada] entre o exército e o Parlamento. De fato, muitos ex-soldados, conhecidos como “reformados”, renomados

desordeiros, tinham penetrado na capital, concentrando-se junto à porta da Câmara dos Comuns e invectivando os parlamentares, segundo Whitelocke, “de forma muito grosseira”.?* Na tentativa de abrir uma brecha nas inesperadas nuvens de tempestade, o Parlamento destinou dez mil libras a essa barulhenta

multidão, tendo em vista a possibilidade de empregá-la de alguma forma útil contra a massa também insatisfeita do exército oficial. Em Thriplow Heath, a cerca de 1lkm de Cambridge — 16km de Londres —, aquele ajuntamento impedia que os espíritos mais aguerridos do exército pudessem alimentar qualquer intenção de marchar naquela direção. Completando a transformação que se processava desde a primavera, o grupo

frouxo de antigos soldados indisciplinados, no máximo uma turba furiosa, organizou-se numa assembléia, constituiu um conselho, mas nem assim obteve

a adesão de Cromwell. Ao contrário: face àquela fração da soldadesca cujos objetivos e linguagens eram tão revolucionários que ameaçavam a própria existência da paz e da ordem, Oliver expressava sentimentos bastante ambivalentes. Dez anos mais tarde, sir Gilbert Pickering revelou suas dúvidas e perplexidades: Cromwell não estava nem um pouco a fim de liderar o vio-

lento e temerário partido do exército, que recusava a autodissolução; só após

receber três cartas exigindo uma tomada de posição, e moralmente convencido de que os homens marchariam com ou sem ele, pôde se ver não como um

radical, mas alguém capaz de influenciar positivamente as tropas.

Sob pressão de Fairfax, que recomendou “muito silêncio e educação”, os soldados se comportaram polidamente perante os comissários do Parlamento que vieram a Thriplow Heath, mas não cederam um milímetro de suas posições. As vozes roucas bradavam por “Justiça” — conforme lhes fora ensinado

por Cromwell e Ireton, segundo observou Holles, sombriamente, em suas memórias. Depois disso, o exército se movimentou em direção a Royston. Na

noite seguinte, suas novas lideranças expediram um manifesto ameaçador,

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cujo conteúdo bem mais sofisticado correspondia a muitas das recentes preocupações de Cromwell. Denunciando o Parlamento por querer livrar-se de “questionamentos e punições”, mediante o reinício das hostilidades, reafirma-

va a firme vontade do exército de alcançar um acordo honesto que em nada

deveria alterar a constituição vigente: “Tal como antes, insistimos, não dese-

jamos nenhuma alteração no Governo Civil (...).”2 Em St Albans foi atingido o limite de quarenta quilômetros definido pelo Parlamento. Convocados pela City, os grupos treinados para sua defesa recusaram-se a cooperar. Em 14 de junho, na nova proclamação lançada pelo exército — primeira amostra do pensamento político de Ireton —, Já se alvitrava O expurgo, assim como um plano destinado à formação de uma nova Câmara dos Comuns. Holles considerou ter sido esse o primeiro intrometimento do exército nos assuntos do reino, sob a alegação de que “não eram um poder mercenário, para servir ao poder arbitrário do Estado, mas [soldados] que tinham tomado armas com opinião e consciência”. Dez dias depois, em 24 de junho, a Humilde Admoestação fez com que os membros do Parlamento temessem por suas vidas e propriedades. Preso na Torre de Londres devido a uma série de crimes, inclusive por ter

agredido Manchester, Lilburne regozijou-se com o rumo dos acontecimentos é enviou congratulações a Cromwell pelas suas “atitudes firmes” em prol da causa certa. No entanto, menos preocupado com quem estava à sua esquerda —

se é que se pode considerar Lilburne assim —, Oliver mantinha-se atento à marcha do rei: vindo de Newmarket, o soberano já chegara a Royston. Em que pese a Dyve ter suposto que Carlos I ainda poderia atraí-lo,? ele acabou adotando uma postura intermediária, advertindo Whalley para que não deixasse o monarca fugir, nem o antagonizasse sobre questões religiosas de natureza pessoal. Deixou que esse ônus recaísse sobre os adversários: no momento em que O rei mandou celebrar uma missa anglicana, os comissários do Parlam ento que O

acompanhavam bateram em retirada, junto com seus capelães.

O quartel-general do exército avançara ainda mais, até Uxbridge, ond e

Fairfax designou dez oficiais de alta patente , Inclusive Cromwell, e os enviou à hospedaria de Katharine Wheele, a fim d e discutir os termos da Humilde Admoestação com os parlamentares. As tro pas recuaram um pouco, detendose em Reading, e o rei foi conduzido a Windsor e, posteriormente, à residência de lord Craven, em Caversham, na outra margem do rio, em frente às novas posições ocupadas pelos soldados. Ali, os líderes independentes? poderiam chegar a um acordo com o soberano. Afinal de contas, as discussões

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215

políticas com os presbiterianos tinham sido tão insatisfatórias que talvez eles tivessem julgado mal o monarca, atribuindo-lhe uma parte das cavilações de

seus opositores políticos. Desde a primeira entrevista, Fairfax deve ter se dado conta da impossibili-

dade do rei evoluir para qualquer sentido que fosse em linha reta. Durante todo o processo, Carlos I reservou-se o direito, compreensível porém fatal, de alterar

suas posições e cambiar alianças em função dos interesses últimos da Coroa, segundo sua própria visão. “Senhor, tendes a intenção de ser o árbitro entre nós e o Parlamento”, disse Ireton, “ao passo que nós desejamos sê-lo entre Vossa Majestade e o Parlamento.” Mesmo assim, as negociações prosseguiram. Indi-

cado como intermediário pelos “independentes”, sir John Berkeley fora governador de Exeter e diplomata antes da guerra; favorito da rainha Henrietta Ma-

ria, viera da França disposto a influenciar os chefes militares. O tempo se encarregaria de demonstrar sua honestidade e ingenuidade, numa situação que exigia extrema sutileza. Em Tornbridge, no condado de Kent, ele se encontrou

com sir Allen Apsley, realista e antigo governador da fortaleza de Barnstaple, a oeste. Em suas memórias, disse ter recebido dele cartas, um código e instruções de Cromwell e outros oficiais do exército: o rei deveria ser posto a par de que os “independentes” estavam totalmente desiludidos com os presbiterianos e

propondo-se a fazer “o que eles apenas simulavam, isto é, restaurar o reie o Povo em seus justos e ancestrais direitos”28

Os primeiros passos deste delicado processo foram estranhamente fáceis, tão rápidos que chegaram a levantar as suspeitas de Oliver St John, primo de Cromwell, que achou por bem adverti-lo sobre o risco de estarem “os negócios do rei” sendo encaminhados depressa demais. De fato, autorizado por Fairfax, Cromwell avistara-se com o monarca no dia 4 de julho, saindo do encontro

certo de que um entendimento poderia ser alcançado em duas semanas, no máximo. Mais tarde, o major Huntington relatou que ambos estavam preparados

para demonstrar sua boa vontade, permitindo que o soberano fizesse contato

com seus capelães e recebesse a visita dos filhos menores. À seriedade de suas intenções na restauração também pode ser comprovada pelas sérias discussões, cujo objetivo era assegurar maior tolerância à comunidade católica. Rumores

sobre tais progressos chegaram aos ouvidos do embaixador da França, em 9 de

julho. Tratava-se de uma mudança surpreendente nas posições de dedicados puritanos, como Cromwell e Ireton, claramente anticatólicos ao longo da década de 1630, e uma demonstração do abrandamento dos soldados, obtido graças ao prestígio dos “independentes”. É bem verdade também que os católicos não ti”

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216

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nham se mostrado tão letais quanto a imaginação popular os pintava durante a

guerra.” Se pudessem aceitar um comprometimento firme com o sistema político inglês, não admitindo, por exemplo, nenhuma jurisdição civil estrangeira, talvez lhes fosse permitido aderir às forças da luz, numa Inglaterra afinal pacifi-

cada e submetida a seu monarca. Essas tratativas começaram, provavelmente, através de contatos secretos com Henry More, vice-provincial dos jesuítas, que Já havia feito comentá-

rios acerca da paz que reinava na Alemanha e na Holanda, apesar das dife-

renças entre o regime e as comunidades que não professavam o credo oficial. Por seu turno, /ord Brudenell, militar e católico, assegurou ao Consel ho do Exército que não havia nada na sua doutrina que impedisse um acordo satisfatório — nem mesmo problemas práticos, como o valor da propriedade da Igreja que fora confiscada ao longo da guerra. Segundo os padrões da época, as condições que se impunham aos católicos não eram muito severas: eles poderiam desfrutar plena liberdade de consciência e praticar seus cultos, em casa, desde que não portassem armas e se eximissem de manter contatos com potências estrangeiras. A única dificuldade decorreu de um juramento de lealdade civil, do qual nenhum católico poderia ser dispensado, nem pelo papa. Depois de muita discussão e auto-análise teológica, a comunidade católica inglesa decidiu aceitar essa regra, visto que os assuntos

tocados por ela não eram necessitate medii [essenciais à salvação). Datado de 1º de agosto, o acordo foi assinado por representantes do clero e da comunidade católica. Todavia, seu prefácio — um acréscimo de Henry More — enfatizava o caráter secular dos acertos feitos com o poder civil, dizendo: “Não significam artigo de fé ou ensinamentos de nossos pastores.” Isso fez com que /ord Brudenell temesse pelo fracasso de toda a negociação em curso. Mas enfim o texto seguiu para Roma, sob os auspícios do núncio papal de

Paris, sofrendo alterações pelo caminho, talvez acidentais,)! e em janeiro de

1648 acabou condenado pelo pontífice. More, considerando que assinara um acordo sob condições, deixou a Inglaterra. De um Jeito ou de outro, a Câmara dos Comuns também recusara as propostas. O assunto não chegou a voltar à

baila sequer quando da discussão sobre a tolerância que poderia existir para todos os cultos, sob um governo presbiteriano, em m eados de outubro — nessa ocasião, as petições católicas recebidas no início do outono foram deliberadamente postas de lado. Somente Henry Marten, com sua habi tual independência, defendeu os “papistas”. Por que tolerar os presbiterianos e não aceitar os católicos?,

perguntava ele,

acidamente.

Muito

melhor do

que

tiranos em

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217

cada paróquia seria um único, limitado a questões espirituais e vivendo fora do reino. Afinal, as crescentes preocupações e disputas políticas superaram o

projeto, que desapareceu para sempre quando Cromwell se afastou do rei.* Enquanto essa elogiável tentativa de integrar os católicos romanos às es-

truturas inglesas ainda estava em desenvolvimento, o ilusório caso de amor entre o exército e o rei também prosseguia. Talvez não se deva julgar Carlos I muito severamente por não conseguir entender a mentalidade dos homens

que tinha diante de si: sua crença empedernida de que “um soberano e um súdito são duas coisas completamente diferentes” não dava espaço a qualquer concessão, nem lhe permitia negociar em termos de igualdade. O próprio Berkeley sentiu-se chocado quando o monarca lamentou que nenhum dos oficiais do exército lhe tivesse pedido nada — razão pela qual era difícil confiar neles. Em 12 de julho, ele se reuniu com Cromwell e outros dois oficiais, o coronel Thomas Rainsborough e sir Hardress Waller, dizendo-lhes que Henrietta Maria sugerira ao marido concordar com as exigências do exército, na medida em que sua consciência e honra o permitissem. Acentuando o altruísmo que tanto assustava o soberano e levando a novas alturas as esperanças do ex-diplomata de uma rápida restauração, Cromwell respondeu que os militares só almejavam viver como súditos — “ninguém poderá desfrutar a vida ou suas propriedades sem que o rei tenha seus direitos”.*” Breve, esse reconhecimento genérico seria especificado, incluindo todos os interesses realistas, presbiterianos e “independentes”. Não há motivo para duvidar dessa sinceridade. Três dias mais tarde, muito comovido, Cromwell contou a Berkeley uma cena que presenciara entre O rei e seus três filhos menores; a ternura paternal demonstrada por Carlos I fizera-o chorar.” O monarca, disse, era “o homem mais correto e consciencioso de seus três reinos”, e os “independentes” jamais poderiam saldar a dívida que tinham com ele, que recusara as Propostas de Newcastle, em 1646, impe-

dindo a consolidação do presbiterianismo. A verdade é que enquanto os panfletários londrinos latiam como mastins, açulando ursos contemporâneos em Bankside, nos calcanhares de Cromvwell, furiosos por ele ter se juntado ao exército, um acordo com o rei ainda representava a melhor esperança de solução para aquele salseiro. Oliver não estava sendo hipócrita ao dar crédito à real possibilidade de acordo, mas naquele mesmo instante seu soberano correto e consciencioso estava recebendo mensagens “Ver Thomas H. Clancy S. I. The Jesuit and the Independents: 1647.

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secretas do conde de Lauderdale, aventando apoios alternativos. Enquanto isso, Os presbiterianos ameaçavam convocar O exército escocês, com o qual

segundo rumores, o coronel Poyntz, em York, pretendia juntar forças. Os =

&

levellers continuavam a insuflar os soldados ingleses a marchar sobre a capital e resolver a situação de uma vez, ocupando a City. Contra o pano de fundo dessa fermentação, o conselho de guerra reuniu-se,

no dia 16 de julho, em Reading, a fim de estudar as reivindicações dos radicais, misturados aos oficiais presentes — a informação sobre o número varia, mas

pela primeira vez sua participação era admitida pela imprensa.” As exigências

iam além do banimento daqueles infames 11 parlamentares e da libertação de prisioneiros, como John Lilburne, concentrando-se no desejo de que o exército marchasse sem demora sobre Londres ou pelo menos se aproximasse da cidade,

Cromwell discursou várias vezes, colocando que a razão, e não a força bruta, é que deveria movê-los. “Marchar em direção a Londres parece uma idéia sim-

ples, mas não cai de Júpiter, e convém debatê-la, considerando os prós e os contras.” Ele defendeu ardorosamente um acordo legal, e é interessante que isso tenha vindo de alguém que, mais tarde, foi justamente acusado de colocar o Parlamento de lado por meio da força. “Tudo que conseguimos alcançar com o tratado (...) será firme e duradouro — um legado à posteridade, Cabe evitar as contestações que se fazem contra nós, no sentido de que obtivemos concessões

do Parlamento pela força, pois sabemos que tal mancha jamais se apagará (...).” Ele tentava preservar a Câmara dos Comuns, onde seu partido vinha crescendo,

sem embargo de reformas e expurgos que poderiam facilitar o trabalho de homens de alto nível, preocupados com o interesse público. Por tais princípios sábios, justos e honrados haviam marchado sobre Uxbridge e St Albans. “Realmente”, dizia ele, “não imagino o porquê de usarmos a força, exceto se não conseguirmos obter sem ela o que é bom para o reino.”35 Foi Ireton, político vinculado a Cromwell por laços de família, quem colocou desde seu primeiro discurso o que deveria ser à questão central do debate. Mais importante do que atribuir poder a um homem sobre todos os de-

mais era conquistar as liberdades do reino e mostrar o que o exército poderia fazer. Com a ajuda de Lambert, ele se dispôs a formular as propostas que

consubstanciariam os direitos e liberdades do povo, assegurando uma paz du-

radoura. À reunião terminou depois da meia-noite, com a total desistência da

marcha em direção a Londres. Expostas num manifesto, as Propostas dos Líderes

do Exército seriam submetidas aos comissários, que as levariam ao Parlamento.

Nesse meio tempo, o Conselho as estudaria, e bem assim uma comissão de 12

,

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219

oficiais e 12 representantes dos radicais. Formuladas sob pressão e, conforme

colocou um radical, por um grupo de “jovens estadistas”, elas eram tortuosas e, às vezes, confusas. Após tê-las lido, Berkeley disse ao rei que as considerara surpreendentemente moderadas: “Jamais uma Coroa quase perdida terá

sido recuperada tão facilmente, como a de Vossa Majestade poderá ser, caso

eles realmente concordem com esses termos.” As sessões do Parlamento deveriam estender-se durante dois anos, ocupando no mínimo 120 e no máximo 240 dias; haveria uma distribuição melhor dos assentos e eleições livres; os membros da Câmara dos Comuns teriam toda a liberdade de divergir do rei, que não poderia obstar o julgamento de seus funcionários. Haveria um Conselho de Estado, com mais autoridade

do que o anterior Conselho Privado, com ascendência sobre as forças armadas, a política externa; a milícia ficaria sob o controle do Parlamento por um

período de dez anos. A fim de concretizar o acordo religioso, os bispados seriam eliminados e o Livro de Orações Comuns perderia seu caráter de obri-

gação legal, tal como a Convenção. Previam-se soluções para uma série de demandas que iam das desigualdades nos impostos até leis florestais. O rei e sua família deveriam ser restaurados e garantidos seus atributos de segurança, honra e liberdade, sem diminuição de seus direitos pessoais ou qualquer ou-

tra limitação ao futuro exercício dos poderes que lhe cabiam. Porém, antes que Carlos I pudesse se pronunciar publicamente a respeito

— ele tomou conhecimento extra-oficial das propostas no dia 23 de julho —,

a violência explodiu em Londres. A turba feroz invadiu as duas Câmaras e deteve Lenthall, forçando-o a abrir mão do controle do Parlamento sobre a milícia. O presidente percebeu que chegara a hora de lutar e com o apoio dos cerca de sessenta membros “independentes” que restavam, incluindo o próprio Manchester, antes hostil, buscou contato com o Exército, temendo algo

pior nas mãos dos presbiterianos. Os famigerados 11 retornaram, e com mais confiança do que sabedoria trataram de preparar as defesas da cidade. Sem dúvida, esse era o tipo de notícia que os espíritos mais audazes do exército esperavam. Caberia a eles salvar Londres do caos. No entanto, ouvindo o ruí-

do dos distúrbios, que soavam como música aos seus ouvidos, e encorajado pelas novas que lhe chegavam da Escócia, o rei, com insana convicção, optou pela rejeição das propostas. Conforme o registro de Ludlow, nesse momento

crítico, John Maitland, conde de Lauderdale, emissário escocês, estava ao lado do monarca, juntamente com outros representantes da City, assegurando que se oporiam ao exército até a morte.

ANTONIA

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À cena dessa recusa oficial, por volta do dia 28 de julho, traumatizou

os oficiais, como Ireton, que a testemunharam. A linguagem do soberano

revelava precipitação e exagerado otimismo. Tendo comentado, algo irres. ponsavelmente, que dada a impossibilidade do exército passar sem ele esta-

ria disposto a receber seus representantes, “desde que seja em igualdade de

condições”, agora ele gritava, jogando de lado as Propostas: “Vocês não podem fazer isto sem mim! Vocês serão arruinados se eu não os sustentar” Temeroso das consegiiências que poderiam resultar de tais “posições muito agressivas e amargas”, o fiel Berkeley tentou detê-lo, recomendando que não revelasse a fonte secreta de sua súbita confiança. O coronel Rainsbo-

rough retirou-se rapidamente, indo espalhar as notícias da reação imo-

Não surpreende, como Clarendon escreveu mais tarde, que daí por diante Cromwell tenha adotado uma atitude fria perante o rei! — com certeza, o incidente o marcou profundamente, embora naquele momento a acelerada evolução dos acontecimentos, em Londres, não lhe tenha deixado tempo para maiores reflexões. Os aprendizes de diversos ofícios penetraram nos prédios do Parlamento, exigindo a derrubada da Ordem das Milícias e a presença do rei na capital. Os próprios Ludlow e Haselrig decidiram colocar-se sob a proteção do exército. Quando os grosseiros “reformados” começaram a falar

em saquear a City, o burgo de Southwark chamou o exército de volta. As tropas, já em Hounslow Heath, podendo contar com o presidente da Câmara dos Comuns para liderá-las, sentiram-se incentivadas — legalizado seu avanço, os soldados atiraram os chapéus para o ar e bradaram: “Lordes e Comuns, um Parlamento livre.” Às 2h do dia 6 de agosto alguns regimentos penetraram pelos portões abertos do burgo rebelde de Southwark. Os soldados carregavam ramos de

louro nos chapéus. Cromwell cavalgou à frente de sua tropa, precedendo 0 corpo principal da cavalaria, sob o comando de Fairfax. No Hyde Park, O

prefeito e seus conselheiros os acolheram com improvisados discursos de boas-vindas; em Charing Cross, foram saudados pelo Conselho Comum.

Antes do final do dia, o presidente do Parlamento tinha recuperado seu lugar, *Rainsborough era uma estrela em ascensão nos Conselhos do nha conexões com os puritanos da Europa e do Novo Mundo; com o governador Winthrop, de Massachusetts, e outra com um regimento para Manchester, repleto de retornados da Nova bro do Parlamento em maio. ma

E

Exército, um homem que tiuma de suas irmãs casara-Se seu filho. Tendo organizado Liclitoer irrcisGe meme , l

e

derada do rei entre os soldados.*?

CROMWELL

221

decretara-se Ação de Graças e o pagamento de um mês de soldo à soldadesca.

Sem muita sinceridade, a Câmara dos Comuns votou uma resolução aprovando e agradecendo “a vinda do general e do exército para garantir a segurança do Parlamento”. Os 11 parlamentares, símbolo da contra-revolução, tornaram a desaparecer. Na manhã seguinte todo o exército, cerca de 18 mil homens, atra-

vessou a cidade, rumo a Croydon, deixando guardas tanto na Torre quanto no Parlamento. Fairfax, que estivera doente, tomou uma carruagem na companhia

da mulher e da sra. Cromwell — os riscos em que a anfitriã dos conspiradores

pudesse ter incorrido estavam superados pelas glórias da esposa de um conquistador. Oliver Cromwell cavalgou à frente da cavalaria. Brigando entre si, de fato, os parlamentares haviam dado cabo da paz; a previsão de Jacob Astley, fei-

ta um ano antes, convertera-se em realidade, mas não como ele esperava.

Ao tempo em que transcorriam as negociações com o rei, o embaixador francês tivera uma conversa bastante significativa com Cromwell. Muitos anos mais tarde, já sob o Protetorado, ele a relatou de memória ao cardeal de Retz. Perguntado sobre quais seriam seus verdadeiros objetivos, Oliver respondera, enigmaticamente: “Sobe mais alto quem não sabe para onde vai...”* A posteriori, tais palavras parecem apontar para uma ambição sinistra, embora tenham sido ditas numa época de grande confusão — naquele desconcertante verão, seu espírito estava impregnado de dúvidas. Num dos discursos pronunciados em Reading, ele não escondera sua dupla natureza, escancarando aquele traço de impulsividade que frequentemente sucedia aos períodos de incerteza. Cambiando afetos e desejos, acreditando que os perigos poderiam ser mais imaginários que reais, ele próprio admitiria que muitos o julgavam como “alguém que anda depressa demais”.*” Acreditando em solução diversa, não tomara qualquer iniciativa, convencendo os outros a agirem da mesma

forma, a fim de evitar a marcha sobre Londres pelo maior tempo possível.

Nunca se colocou ao lado dos temerários e indisciplinados e se manteve es-

perançoso de que os soldados ainda fossem “seus cordeiros obedientes” — Baxter ouviu-o falar nesses termos. Estudioso dos caminhos da providência, e ciente das atitudes tomadas pelos sobreviventes do Parlamento, com certeza ele terá concluído que chegara o momento de uma ação mais decisiva. *A frase completa do embaixador, em francês, é a seguinte: “Jl me disoit um jour, que Pon ne

montait jamais si haut, que quand on ne sait o l'on va.” No entanto, conhecendo tão pouco

esse idioma, Cromwell deve ter falado em inglês. S. R. Gardiner situa a conversa entre 9 e 11 de julho, quando Belliêvre visitou os oficiais. De qualquer forma, ela deve ter ocorrido

antes de outubro, mês de sua partida da Inglaterra.”

ERR

E

9 O jogo de cartas O direito estava com o rei, certamente, mas ninguém tinha condições de exercer o poder; entre 1647 e 1648, ele não foi objeto de lutas, mas de um jogo de cartas disputado pelo Parlamento e Oliver Cromwell. THOMAS HOBBES, em Behemoth

1)

ee por 12 meses de desavenças com o Parlamento, Cromwell ingressou num período dramático de sua vida, no qual atou e desatou alianças com extraordinária rapidez. Anos mais tarde, em Behemoth — estudo dialogal sobre o Parlamento Longo —, Thomas Hobbes descreveu as enormes incertezas daquela época, quando o direito de governar pertencia ao rei, incontestavelmente, mas “ninguém o exercia; e ele se converteu em objeto de

um jogo de cartas”.! Foi nesse tempo que Oliver descobriu, como muitos o

fizeram desde então, a diferença entre um estadista e um soldado bem-sucedi-

dos. Na política, uma decisão pode implicar retratação; por outro lado, aguardar a passagem dos acontecimentos, às vezes, garante valiosas recompensas. Seu caráter possuía um traço que o tornava capaz de enfrentar uma espera prolongada, até que a providência divina indicasse o caminho correto;

no entanto, a pureza desses sentimentos religiosos acabou sendo tocada pelo

oportunismo e ele cometeu vários enganos. Sem dúvida, Cromwell continuava a se considerar um sujeito em busca de respostas, com o coração aberto dian-

te do Senhor. No outono de 1647, porém, deixara de ser um homem simples, transformando-se no hábil negociador, cada vez melhor, que tratava de preservar seus trunfos, qualquer que fosse a jogada.

224

ANTÔNIA

FRASER

A primeira rodada do carteado consistiu em múltiplas tentat ivas de se chegar a um acordo com o rei. Carlos 1 foi trazido para seu palácio, em

Oatlands, e depois levado a Hampton Court. Enquanto isso, o Parlamento carregava todo o peso da ira dos líderes do exército: todas as ordens que a minoria presbiteriana fizera aprovar na ausência de Lenthall foram rechaçadas; nesse mister, os generais contaram com a assistência dos membros “independentes” e dos que pertenciam ao importante “grupo intermediário”,

numa unidade que objetivava um acordo de paz definitivo. Mesmo assim houve diversas ocasiões em que Cromwell perdeu a paciência, reclamando

com Ludlow que “estes homens nunca resolverão nada enquanto o exército não lhes der um puxão de orelhas”. No dia 20 de agosto, ele ordenou que um regimento de cavalaria se postasse defronte ao Hyde Park, ameaçando a Camara dos Comuns, e cavalgou até Westminster; embora deixasse sua escolta

do lado de fora, foi bastante ostensivo e, afinal, todas aquelas determinações foram declaradas nulas e sem valor legal. Mais uma vez os presbiterianos abandonaram o palco e, com isso, a Câmara dos Lordes reduziu-se a sete participantes, e os Comuns a cerca de 150. Assumindo virtualmente o poder, o Conselho do Exército voltou-se contra o triste veredicto de Holles: “O Parlamento não era mais que um número, respondendo “amém” ao que lhe determinavam (...) um Terceiro Estado absoluto.”? Os elementos radicais do exército haviam sido contidos, e a marcha dos lobos famintos sobre Londres fora evitada. Mas o retorno à capital não os pacificara e eles mantinham-se em observação, suspeitando de possíveis aproximações com Carlos I. Nas semanas que se seguiram, enfrentando os mais diversos tipos de protestos, Cromwell e Ireton cortejaram o soberano; se bem que subordinado a Fairfax, que entristecido se afastara das negociações, Oliver convertera-se no indiscutível líder político.

Hampton

Court, aquele

grande palácio construído no século anterior pelo servidor de um monarca, € depois expropriado pelo próprio monarca, fora mesmo concebido para a rea-

leza, podendo receber um número de visitantes igual ao de qualquer Corte; além dos dois e da sra. Cromwell, que viviam pelos corredores, o exército transferira seu quartel-general para um local bem próximo, Putney, ao sul do Tâmisa.

Segundo mexericos hostis, muito bem recebidos por seus inimigos presbiterianos e /evellers, a boa senhora era conduzida e “festejada” pelas

mãos de Ashburnham, Bridget Ireton e a sra, Whalley. Diz ta-se também que Oliver estava para ser feito conde — talvez de Essex, títul o perdido por seu

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225

parente Thomas Cromwell — e agraciado com a fita azul da Ordem da Jarreteira,* ao mesmo tempo que seu filho se tornaria ajudante de câmara do príncipe de Gales. No clima de rapprochement [aproximação], predominante nas relações entre o soberano e o exército, em agosto e setembro de 1647, nada impedia que tais histórias fossem verdadeiras. Durante as negociações,

Carlos I não sugerira a Berkeley que prometesse recompensas pessoais às lideranças militares? Aceitar honrarias não seria nenhum despautério, caso se chegasse a um acordo. Elizabeth Cromwell não teria sido a primeira nem a última mulher a se alegrar com o título de condessa, e seu filho poderia ascender junto com o pai. No mês seguinte, o jornal realista Mercurius

Pragmaticus publicou uma nota sarcástica sobre os “gastos excessivos” de Cromwell; Lilburne os atribuía à quantidade enorme de dependentes que ele tinha que sustentar? — sete ao todo, contando seu filho Henry, os genros, Ireton e Claypole, e Whalley, seu primo-irmão. No dia 7 de setembro, Carlos I viu-se forçado a informar às Câmaras que aceitaria as propostas do exército; provavelmente, ele terá sido vítima de uma pequena manobra de Cromwell e Ireton, que o ameaçaram com a moção de Newcastle, muito menos favorável. Entretanto, tudo isso se inseria no qua-

dro geral de um esforço consciente cujo objetivo era alcançar um acordo com O rei: os dois homens estavam dispostos a apoiar, inclusive, as exigências do soberano, buscando a resolução dos problemas governamentais num contexto monárquico. Sua sinceridade pode ser comprovada pela crescente veemência

de Lilburne, que os acusava de traição, juntamente com os dois “grandes conselheiros” — Oliver St John e sir Henry Vane —, suspeitos de encaminhar as questões em detrimento do exército. O radical coronel Rainsborough estava prestes a obter o posto de vice-almirante, que tanto almejava, perdendo prestígio junto a Oliver, em contrapartida. Ouvindo as intrigas, o panfletário as passou ao seu companheiro de cárcere, sir Lewis Dyve, informante do rei.*

No dia 15 de setembro, o próprio Cromwell decidiu ir pessoalmente à Torre, pretextando verificar os estoques de armamentos que ainda existiriam lá, mas

na realidade para manter longa e interessante conversa com Lilburne. Ele implorou ao seu ex-protegido que sustasse os discursos tão amargos sobre o Parlamento, pois tudo logo se resolveria. Em resposta, ouviu um pedido de julgamento público, no qual o acusado poderia defender-se aberta“A mais alta ordem de cavalaria da Inglaterra, instituída por Eduardo III e reformada por Henrique VIII. (N. do T.)

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ANTONIA

FRASER

mente — e a isso só pôde replicar com a desculpa de que a situação melhora-

ra, pelo menos em relação ao regime anterior. Ao “hábito de opressão e tira.

nia? sucedera um tempo em que “o Parlamento parecia ter se afastado da di. reção correta e justa, mas somente por acidente e necessidade”; a reforma

estava a caminho, e nesse meio-tempo, dizia Cromwell, os homens prudentes deveriam ter paciência, assegurando sua própria preservação. Lilburne, que não primava pela paciência, muito menos pela prudência, continuou a exigir

uma justiça imparcial — “o meio mais correto e melhor para que se preservem”. O tom da conversa e outras informações que chegaram ao conheci-

mento de sir Lewis Dyve confirmam a idéia de que Oliver favorecia o rei. Seus relatórios só podem ter feito Carlos I se sentir indispensável. Não esmorecia, no entanto, sua dura oposição aos agitadores subversivos. No início de setembro, por exemplo, ele tomara parte ativa no processo de expulsão do Conselho de um certo major Francis White, que dissera publicamente não existir “nenhuma autoridade visível no reino, a não ser o poder e a força da espada” — não era assim que Cromwell enxergava as coisas naquele período. Em carta que escreveu ao coronel Michael Jones, governador de Dublin, uma semana mais tarde, ele se refere à impopularidade resultante dos seus es-

forços em prol de um acordo com o rei: “Embora, neste momento, nossas ações pareçam encobertas por nuvens, pelo menos aos olhos daqueles que desconhecem as bases de nossas transações, não duvidamos que Deus mostrará nossa integridade e inocência, livres de quaisquer objetivos que não sejam Sua glória e o interesse público.” Em 21 de setembro, na Câmara dos Comuns, apoiado por Vane, Fiennes e St John, ele resistiu aos ataques dos republicanos, como Marten, que pretendiam criar uma comissão sobre os entendimentos em

curso. Contando os votos a favor, enquanto Rainsborough verificava os contrários, a proposta chegou a ser aprovada, sendo afinal rejeitada. A luta de facções tornou-se óbvia: escrevendo a seu irmão, no Staffordshire, no dia 28 de setembro, William Langley disse que os Jevellers suspeitavam de Cromwell e seu grupo, imaginando que estariam tentando ganhar os favores reais; de outra parte, Oliver considerava que eles já tinham tomado uma fatia

grande demais do poder. Langley soubera do quanto Oliver defendera o monarca na Câmara, em virtude da resposta “tão controvertida” que Sua Majesta-

de dera às propostas de entendimento.é Realmente, Cromwell passou as primeiras

semanas de outubro dividido entre o Conselho do Exército — cujas clamorosas exigências tornavam-se cada vez mais perturbadoras —, seu lugar no Parlamen-

to e as negociações com os representantes pessoais do rei, no qual ele via uma

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227

espécie de amuleto, capaz de deter o ávanço escocês. No dia 11 de outubro, a chegada de dois comissários de Edimburgo, encarregados de reforçar as posições de Lauderdale, só serviu para acentuar o perigo que poderia surgir daquele lado, caso eles conseguissem estabelecer um acordo antes dos ingleses. Foi nesse momento delicado — no dia 9 de outubro — que cinco regi-

mentos particularmente propensos a se amotinar lançaram um manifesto intitulado A verdadeira posição do exército, exigindo o imediato expurgo da Cà-

mara dos Comuns e sua dissolução dentro de um ano, a fim de que, mediante

sufrágio universal, outro Parlamento assumisse autoridade suprema. Uma reivindicação de tão ampla soberania popular não deixava dúvidas sobre o que

pensavam os levellers. Fairfax, na qualidade de comandante-em-chefe, recebeu

o documento no dia 18; dois dias depois, na Câmara dos Comuns, Cromwell

pronunciou um vigoroso discurso de apoio à monarquia, na expectativa de persuadir o Parlamento de que nenhum comandante militar teria tomado parte em quaisquer atos de regimentos amotinados, muito pelo contrário, sua intenção e vontade, desde o início da guerra, não foram outras senão servir ao soberano. Expressando-se em termos favoráveis a Carlos T, ele concluiu re-

clamando sua restauração, o mais rápido possível.” Mais tarde, realistas frenéticos citaram suas palavras como evidência da conspiração que ele urdira para alcançar o poder absoluto — uma prova de sua avassaladora hipocrisia. Numa avaliação mais objetiva pode-se considerar que se tratou de mais uma tentativa honesta, embora malsucedida, de defender a posição de centro contra os ataques de quase todos os lados — de fato, ele acreditava que um monarca devidamente contido poderia deter uma parcela de poder. Em meio a tantas incertezas sensacionais é que se travaram os grandes debates do exército, sem dúvida, um dos mais extraordinários da história bri-

tânica, iniciados no dia 28 de outubro, na Igreja da Santa Virgem Maria, em Putney.* A construção, datada do século XV, bem mais alta do que larga, situava-se às margens do Tâmisa, defronte a Fulham — na época o local só podia ser alcançado de barco. Sendo uma igreja paroquial distrital, que não rea-

lizou quaisquer cerimônias durante a ocupação, seus registros indicam enterros de soldados aquartelados próximo dali, alguns sem nome. À ata das reuniões, no segundo dia, refere-se a intervalos “de 8h às 11h, para buscar a Deus”;

“A histórica igreja reconstruída no século XIX, ainda pode ser vista no mesmo local, mas agora quase ao lado da (nova) Ponte de Putney.

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ANTONIA

FRASER

além disso, houve sérias invocações a textos das Escrituras e até mesmo às leis de Israel, cotejadas com as leis inglesas. Num nível certamente muito diferente,

tudo isso consagrava o popular astrólogo William Lilly, que em seu Almanaque

de 1647 previra “altas discussões (...) sobre nossos costumes e privilégios” no final de outubro. Os participantes lançaram idéias das mais disparatadas às

mais proféticas, algumas tão avançadas que só seriam implementadas trezentos

anos depois. Elas foram preservadas integralmente graças aos papéis de

William Clarke, que contava apenas 24 anos, e iniciara sua carreira como subordinado de Rushworth, secretário de Fairfax e do conselho de guerra, quando

o Exército de Novo Tipo se constituiu; no verão anterior, ele já se tornara se-

cretário daqueles comissários que tinham tentado estabelecer um acordo entre o exército e o Parlamento. As anotações taquigráficas, incluindo menções pitorescas a tipos atraentes e anônimos, como o “Casaco Amarelo” e o “Homem do

Bedfordshire”, são da responsabilidade do próprio Clarke. Estando Fairfax doente, em Turnham Green, quem presidiu às reuniões foi Cromwell, que além disso desempenhou importante papel numa das comissões — sua experiência anterior em diversos comitês foi valiosa — e, mais uma vez, mostrou ser bom orador, obtendo os resultados menos ruins. Bem que gostaríamos de tê-lo ouvido discursar, a fim de podermos avaliar seu estilo, pois entre Marvell, que menciona “aquela linguagem poderosa e encantadora”, e Burnet, que alude à sua forma “muito pouco graciosa”, há certamente espaço para mui-

tas interpretações. Não terão sido somente suas palavras, tão ardentes e diretas, que impactavam os ouvintes. Força, para não dizer veemência, é uma das maiores qualidades que ele claramente possuía desde o início de sua vida pública — uma elogiência que Carrington descreveu educadamente como “masculina € marcial” —, qualidade inata, não adquirida. A ele também não faltava aquela

capacidade auto-induzida de disparada emocional, talvez vinculada ao seu sangue galês. O embaixador veneziano, tentando descrever esse fervor apaixonado de forma mais fria, disse que Cromwell discursava mais como pastor do que

como estadista.” Às vezes, provocando lágrimas em seus próprios olhos, às vezes, nos olhos da entusiástica audiência — e , ÀS vezes, o rosnar de “hi póc rita”

nos lábios de seus inimigos. É em Putney, no entanto, que nasce aquela forma de expressão obscura que parecia possuí-lo como um espírito mau, sempre que o tema em debate fosse difícil e duvidoso, a linguagem torturada que se tornou uma caracterís-

tica marcante de sua oratória como Protetor, embora outros fatores possam

ter contribuído para tais registros desconexos, inclusive sua própria falta de

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anotações ou suas hesitações. Acusado de usar deliberadamente recursos am-

bíguos a fim de esconder o significado de suas idéias, na realidade isso pode ter sido um recurso muito útil, principalmente quando foi obrigado a se diri-

gir a um Parlamento durante o Protetorado. Mais tarde, sir Roger | Estrange supôs que a “confusão” de seus discursos era deliberada: “nisso resídia sua habilidade — impedir que seus amigos se enganassem com ele, sem ser entendido por seus inimigos. Tomando uma posição de centro, ele ganhava o

tempo necessário à remoção dos obstáculos e ao amadurecimento das oca-

siões (...)?. Fletcher comentou sua atuação em reuniões públicas, “onde ele

deixava aos demais a tarefa de descobrir o significado, em vez de esclarecê-lo por si mesmo”. Todavia, é bastante significativa a gênese dessa qualidade nos debates de Putney. Lá, longe de estar sob qualquer controle, ele tentava assumi-lo, e com uma genuína dúvida sobre o melhor caminho a seguir, sugerindo que o estratagema tenha começado, pelo menos, involuntariamente. Um furioso escritor referiu-se, mais tarde, ao modo de Cromwell inclinar-se, en-

quanto falava, como se estivesse “pronto para enxergar o pombo de Noé”.'º A imagem de um homem buscando a verdade é provavelmente correta, mas não a fonte de inspiração que se lhe atribui. A base das propostas dos /evellers já fora escrita antes. Conhecidas como O Compromisso do Povo, tinham sido elaboradas por John Wildman, renomado agitador e advogado, pouco mais de vinte anos, autor igualmente d'A Posição do Exército, nelas se propunha um novo sistema de governo. O Parlamento deveria ser dissolvido, e um novo, com quatrocentos membros, escolhido a cada dois anos, reunir-se-ia de junho a dezembro. Não se reivindicava nada tão revolucionário como o sufrágio universal: o eleitorado incluiria todos os “chefes de família, maiores de 21 anos, que não tivessem prestado ajuda ao rei ou criado obstáculos para o exército”, excluindo-se, portanto, “os esmoleres, assalariados e servos”. Nomeado pelo novo Parlamento, um Conselho de Estado criaria € aboliria Tribunais e aprovaria as leis a que se submeteriam todos os habitantes

do reino. A religião, mantida sem dinheiro público, seria reformada, “assegurando-se maior pureza à doutrina, à adoração e à disciplina, de acordo com a

Palavra de Deus”, excetuando-se da tolerância apenas os católicos e os socianos. Por trás desta ampla gama de solicitações havia um igualmente amplo espectro de princípios filosóficos e um estranho e romântico apelo à história inglesa.

Em agosto, no Parlamento, Fairfax mencionara a Magna Carta — “É por ela

que lutamos todos nós” — referindo-se à noção convencional acerca da origem

das liberdades inglesas. Lilburne e seus associados, entretanto, remontavam à

p

ANTONIA

230

FRASER

época da conquista — Carlos I seria apenas o último de uma longa série de reis normandos, que teriam imposto seu jugo aos saxões e a todos os ingleses,

arrebatando ao povo direitos ancestrais. E importante lembrar que apelo similar às antigas liberdades já aparecera Cd

na década de 1620, na Petição de Direitos. Os /evellers limitaram-se a expandir a doutrina. Lilburne, que tinha começado sua campanha apelando para a Magna Carta, em 1645, considerava este documento provisório, uma etapa anterior

a grandes melhorias.” Na prisão, ele concluiu que o homem só pode dar seu

consentimento ao governo enquanto cidadão; em contrapartida, quem governasse outros indivíduos não poderia ir além do livre consentimento, conforme fos-

se melhor a cada um. Assim, desde o seu título, O Compromisso do Povo estava repleto de significado, sinalizando os fundamentos da nova sociedade. Tudo isso, é claro, estava a anos-luz de distância das lutas da oposição parlamentar ao rei, que tentava estabelecer, constitucionalmente, o que já fora realizado pela força, ou seja, situar a suprema autoridade do reino. Um acordo do tipo proposto pelos /evellers teria que ser ratificado não apenas pelo Parlamento, mas ainda por todos os ingleses; representava um novo contrato social, pois Lilburne acreditava que o anterior se dissolvera em consegiiência da guerra — extinguindo os direitos do Parlamento enquanto representação do povo. Esse audacioso programa costuma excitar a imaginação moderna. Richard Overton, por exemplo, radical extremado e fanático opositor ao jugo

normando, em seu Appeale [Apelos], sugeria escolas gratuitas em todo o país

e o tratamento organizado dos doentes, pobres e idosos. Devemos insistir, no entanto, que qualquer avaliação moderna não pode nem deve desprezar as características extremamente revolucionárias e mesmo assustadoras dessas propostas na época em que foram formuladas e para a sociedade contemporânea. O debate teve início com um discurso bastante franco de um proeminente agitador, Edward Sexby, originário de Suffolk, que se unira ao regimento de cavalaria de Cromwell por volta de 1643 — em abril de 1647 integrara à trinca de soldados encarregados de entregar uma carta do exército aos generais. Demonstrando um estilo cortante, ele começou explicitando a posição

contrária aos entendimentos que Cromwell e Ireton vinham mantendo com O rei e mencionou duas razões concretas, na raiz dos problemas existentes, ambas decorrentes de tais iniciativas: tentando satisfazer a todos, os líderes só tinham conseguido desgostar a todos; e tentando satisfazer o monarca, Só O

conseguiriam se todos se dispusessem a cortar suas próprias gargantas. Ade« “suportes apodrecidos” — a Câmara dos Com em se domais, apoian uns,

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E

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segundo rude comparação do orador —, viam-se sem sustentação. Cromwell

reagiu de maneira conciliadora mas prudente: “De fato”, ele observou, “este documento propõe enormes modificações no governo deste reino, alterações

no governo atual, um governo que existe desde quando nos tornamos uma nação (...) e que consegiências acarretariam tais alterações, caso fossem imple-

mentadas, e mesmo que não se chegasse a isso ou a outras alternativas, ho-

mens sábios e homens de Deus teriam que considerá-las (...).”12 Oliver prosseguiu enumerando todos os possíveis riscos, alguns dos quais

extraídos da sua imaginação, mais do que da realidade. Supondo-se, por

exemplo, que outro grupo de homens estivesse reunido, preparando um documento semelhante, “não haveria uma completa confusão? A Inglaterra se

transformaria numa Suíça, um cantão contra o outro, um condado contra outro??, A opinião pública também não pode ser ignorada — “os espíritos e temperamentos do povo desta nação estarão preparados para receber e concordar com isso (...)”. É incrível que esses sentimentos calmos e ponderados, a própria voz da fé, em geral tão clara, nem sempre seja ouvida. Oliver via

pela primeira vez esses estranhos pântanos, através dos quais a luz anteriormente confiável poderia conduzir alguns membros do exército — uma perspectiva certamente desconfortável, geradora de insegurança. “Eu sei que um homem pode responder a todas as dificuldades com a fé, mas não basta propor coisas que se tornarão boas, e [mesmo] que esse modelo seja excelente, adequado à Inglaterra, e o reino o receba, é nosso dever de cristãos considerar as conseqluiências e sondar o caminho.”

Ireton, e não Cromwell, já dissera que nenhum plano objetivando a destruição do rei e do Parlamento contaria com sua cooperação. Naquele momento, como autor da Proposta do Exército, ele postulou com igual firmeza que os soldados haviam assumido um “compromisso” com os documentos anteriores: não poderiam rasgá-los, publicamente, alegando que já não gosta-

vam deles. Contrapondo-se a esse argumento, Rainsborough e John Wildman

alegaram que as necessidades da justiça sobrepujavam quaisquer compromissos. Aparentemente, até nesse ponto Cromwell preocupou-se mais em baralhar as cartas, se preciso fosse, concordando com ambos os lados. Numa arenga particularmente prolixa e redundante, ele ruminou sobre se seria cor-

reto ou não romper obrigações solenes, posto que existiam tantos fatores que

precisavam ser levados em consideração: “As circunstâncias podem ser de tal ordem que me obriguem a sustentar um pacto incorreto ou me permitam agir de forma escandalosa por algo bom.” Acabou propondo uma comissão que se

232

ANTONIA

FRASER

responsabilizasse pelo exame da questão — o único item afinal aprovado, naquele dia —, sendo indicado para compô-la com outros 17 participantes, in-

clusive Sexby e cinco agitadores."

A jornada seguinte começou com uma oração sugerida por um certo coronel Goffe, homem de exuberante espiritualidade, deveras inclinado a idéias des-

ta natureza. Na noite anterior, Cromwell advertira Wildman e seus seguidores

para que não rezassem com os ouvidos fechados. “Não vou dizer mais do que isto: peço a Deus que julgue (...) quando nos encontrarmos, se nos aproximaremos Dele atentos à defesa de nossas opiniões ou se nos colocaremos diante Dele a fim de sermos por Ele dirigidos, fazendo tudo o que nos comunicar” Qualquer definição desagradaria a todos. A questão dos compromissos anteriores foi novamente brandida. Cromwell e Ireton reafirmaram categoricamente

que não tinham nenhum entendimento secreto com o rei e manifestaram preocupação com a palavra empenhada do exército no tocante às Propostas — voltando atrás, temiam ser acusados de “malabarismos, enganos e ilusões”.!* Nessa atmosfera intranquila, o Compromisso do Povo foi relido, deflagrando um caloroso debate sobre o primeiro artigo, que propunha um eleitorado proporcional ao número de habitantes, uma sugestão inovadora, sem dúvida, que

eliminava a noção prevalecente desde os primeiros dias do Parlamento, sob o reinado de Eduardo 1, segundo a qual a representação vinculava-se a qualificações de propriedade ou status social, além de alterar o parcelamento das unidades eleitorais, entre condados e burgos, nem sempre correspondente à realidade do reino, cuja população urbana crescia sem parar. Ireton ergueu-se: “Se a idéia é conferir a qualquer habitante o mesmo conceito, dando-lhe voz na eleição dos representantes (...) tenho algo a dizer contra isso.” E ele o fez, com coragem €

sinceridade, numa linguagem admirável, clara e coerente, enfrentando uma audiência hostil, clamando por menos reforma, em vez de mais. Antes de tudo, tratou de derrubar as premissas dos argumentos de seus adversários:

Para desenvolver esta regra, acredito que devamos buscar abrigo no direito natural absoluto, relegando todos os dir eitos civis (...) de minha parte [o direito natural] não é um direito. Creio que ninguém tem direito a um interesse, ou participação, na dis posição e determinação do reino, e só quem tiver um interesse permanente neste reino poderá escolher aqueles que irão determinar

quais as leis que deverão nos reger (...) ter nas cido aqui não me parece ser razão suficiente, capaz de conferir a um

homem

ma parcela de poder sobre as terras e as coisas daqui. !5

algu-

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233

Percebendo a profundidade do que estava em discussão, sem dúvida influenciado pelas fisionomias dos que o ouviam, muitos deles provenientes da cate-

goria geral dos não-proprietários, Ireton discernia um ataque velado ao próprio

conceito de propriedade. Não se tratava de nenhuma coincidência o fato dos

homens se qualificarem para votar como proprietários, mas artigo fundamental

da Constituição, e, se isso fosse derrubado, “caminharemos inexoravelmente no

sentido da tomada da propriedade e dos interesses (...) na terra, por herança ou simples posse”. Apaixonado, Rainsborough replicou, insistindo no direito do

povo, fundamento de toda a lei: “Não há nada na lei de Deus mandando que

um lorde deva eleger vinte burgueses, ao passo que um cavalheiro só pode indicar dois, e um homem pobre não tenha o direito de escolher um sequer.” Ireton manteve-se firme até o fim. “Tudo o que defendo é com os olhos voltados para a propriedade” — ele acreditava que isso se perderia caso predominassem os chamados direitos naturais. Quando Rainsborough perdeu a calma diante das suas insinuações de que o que se propunha era a anarquia, Cromwell interveio: “Ninguém aqui diz que estais desejando a anarquia, mas que a proposta tende à anarquia; chegará à anarquia; pois onde não houver nenhuma fronteira ou limite definido (...) os homens que não têm nenhum interesse exceto o de respirar perderão o interesse nas eleições. Por isso, creio que não devemos nos agredir

mutuamente.”!$

O debate prosseguiu nesses termos. O capitão Audeley queixou-se de tanta lengalenga, afirmando que a impressão que se tinha é que continuaria até o dia 10, provavelmente aludindo aos idos de março. Sexby fez algumas observações relativas aos soldados, que haviam arriscado suas vidas na guerra, mas permaneciam sem direitos. Cromwell protestou contra os modos agressivos de Sexby; tais sentimentos, disse ele, “significavam puro voluntarismo”, e propôs outra comissão para que se chegasse a um acordo. Antes do fim da reunião, John Wildman criti-

cou detalhadamente as Propostas, afirmando que elas preservavam a autoridade do rei e da Câmara dos Lordes e deixavam o controle da milícia em suas mãos, por

isso apenas aperfeiçoavam os fundamentos da escravidão, reforçando-os ainda

mais. Em resposta, Ireton tentou provar que os pontos principais do Compromisso

estavam substancialmente cobertos pelas Propostas, mas Wildman insistiu; gritando que a futura liberdade dos soldados estava sob ameaça, ele sustentou que o

povo de Deus fora expulso e pisoteado, em muitos lugares do reino, sendo necessária uma anistia, a fim de impedir que os juízes do rei mandassem enforcar al-

guém por atos praticados durante a guerra. Mantida a constituição em vigor, porém, nada seria lei, exceto o que o rei assinasse.”

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234

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No terceiro dia, 30 de outubro, o comitê dos oficiais reuniu-se, mais uma

vez, com um representante dos agitadores. Os argumentos dos /evellers causara suficiente impressão para que se concordasse em estender o sufrágio universal q todos os que tivessem participado do último conflito, mediante serviços, armas, cavalos ou dinheiro. Assim, os soldados obteriam direitos políticos, pelo menos, O ânimo de Cromwell, no entanto, tinha sido bastante sacudido nos debates em

torno da monarquia como forma de tirania, e a necessidade de eliminar o rei e a Câmara dos Lordes não afastara seus temores. As notícias filtradas da Corte, dando conta das atividades do monarca, eram igualmente preocupantes. Estaria

Carlos I pensando em fugir, apesar de ter empenhado sua palavra de que não o algumas indicações que sinalizavam nesse sentido: tinham-lhe solicitado que retirasse os guardas postados dentro do palácio, porque o ruído que faziam dificultava o sono da princesa Elizabeth, de 11 anos; mais preocupante foi quando se pediu ao soberano que renovasse seu compromisso de não empreender nenhuma fuga, e ele se recusou. Em consegiiência, na data supra, fortaleceu-se a guarda e proibiram-se as visitas dos leais Berkeley e Ashburnham. Contudo, no dia seguinte, quando Cromwell chegou a Putney, tais problemas ainda não eram do conhecimento geral. Ele estava preocupado em argumentar sobre questões práticas, aceitando até mesmo a controvérsia da monarquia. Afinal de contas, desde épocas muito remotas, os nham experimentado as mais diversas formas de governo, variando de família a juízes e reis, de acordo com as necessidades de cada

a respeito judeus tide chefes momento.

Portanto, todos estavam obrigados a admitir a forma de governo que melhor

conviesse à situação concreta, principalmente, acrescentava ele, quase patético, visto ser a liberdade de consciência o objetivo original, e toda a disputa acerca de questões temporais não mais que “refugo e excremento, em compa-

ração

com

Cristo” —

palavras

de S. Paulo.!º Apesar

disso,

a questão

do rei €

da Câmara dos Lordes motivou muita discussão: Wildman opunha-se a qualquer tipo de poder de veto, e até mesmo Ireton acreditava que o poder devia ser limitado. O que Oliver queria, entretanto, é que o exército reafirmasse seus compromissos anteriores. No dia 2 a comissão estabeleceu um esquema, muito parecido ao que

fora elaborado por Ireton. O soberano seria mantido, mas perderia a maior parte de suas prerrogativas; o poder caberia à Câmara dos Comuns. Passadas

24 horas, no entanto, à insatisfação com a monarquia recrudesceu: Fairfax fo!

a

faria? E se o fizesse, tentaria conseguir o apoio dos escoceses? Isso não desencadearia uma nova guerra? Whalley, primo de Cromwell, via pelo menos

CROMWELL

235

acusado de “levantar a bandeira do rei” e alguns dos soldados de estarem so-

frendo reações sentimentais em favor da realeza. No geral, o plenário parecia estar se voltando contra Cromwell e Ireton, apesar de todos os seus esforços, haja vista duas votações, realizadas nos dias 4 e 5 de novembro, francamente

contrárias às suas posições. Primeiro, decidiu-se estender o sufrágio a todos, menos servos e mendigos; depois, os extremistas conseguiram aprovar a convocação de um encontro geral do exército e a remessa de uma carta do Con-

selho ao Parlamento exigindo a suspensão das discussões com Carlos 1.

Não bastassem esses problemas, o rei exigia ir a Londres a fim de estabelecer um tratado pessoal. Ao mesmo tempo, os Comuns acharam por bem

aprovar uma lei obrigando o soberano a acatar todas as normas votadas pela Câmara. O mínimo que Cromwell conseguiu, dias mais tarde, foi que o Conselho do Exército ordenasse aos oficiais que se retirassem para seus respecti-

vos regimentos, até o momento do encontro geral; e, no dia 9 de novembro,

uma moção determinando que as discussões seriam em comitês, ao contrário da idéia dos levellers, defensores de um plenário gigantesco. O Conselho do Exército suspendeu suas atividades por duas semanas, mas os oficiais continuaram reunidos, e foi sob seus auspícios, ainda em Putney, dois dias mais tarde,

que o major Thomas Harrison desferiu um ataque crucial contra Carlos 1. Filho de um criador de gado do Staffordshire, ele ingressara no Parlamento, em 1646, sem esconder suas tendências religiosas milenaristas — confiava no advento do Reino de Cristo na terra. Referindo-se ao rei como “um homem sujo de sangue”, propôs que fosse julgado por seus crimes. Já se sugeriu que em sua resposta Cromwell teria admitido, pela primeira

vez, essa possibilidade, mas o resumo da sessão mostra que suas preocupações não estavam voltadas para o futuro, ao contrário, centravam-se num presente

assaz desagradável. Citando diversos precedentes, inclusive das Escrituras, ele afirmou que a punição do assassino não serviria de nada naquele momento. Concordou que os delinguentes deviam ser punidos com base em sanções le-

gais, mas não em meio a disputas, e somente por quem de direito. Só aceita-

ria a tarefa se ela se impusesse, como “um dever absoluto e indiscutível” — resposta bastante morna,?º sem outra intenção além de afastar os discursos al-

tamente emocionais. Ninguém levou em consideração os planos do “homem sujo de sangue”, aliás bem adiantados. Enquanto Berkeley tentava convencê-lo a escapar para o

continente, Ashburnham, segundo seu próprio relato, expunha as grandes vantagens dele buscar refúgio na ilha de Wight, governada pelo coronel Robert

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ANTONIA

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Hammond, adepto da causa realista; casado com a filha de John Hampden, primo de Cromwell, ele era sobrinho do capelão de Carlos I. Os comissários escoceses, interessados em novas aberturas que levassem o rei a consentir em maiores concessões religiosas, sugeriam Berwick; e ainda restava uma última

possibilidade: a ilha de Jersey, bastião da realeza. Num ponto todos concordavam: o monarca não podia permanecer encarcerado — devia evadir-se. Parecia existir perigo em toda parte. Escrita, talvez, pelo irmão de John

Lilburne, tenente-coronel num dos diversos regimentos amotinados do exército, uma carta anônima advertia o rei sobre uma conspiração que visava matá-lo,

antes de qualquer julgamento. No dia 11 de novembro — data do discurso de Harrison contra o soberano — Cromwell escreveu a Whalley, referindo-se a rumores, no estrangeiro, “acerca de um atentado à pessoa de Sua Majestade (...) rogo bastante cuidado em sua vigilância, pois se tal acontecesse seria terrível”. Mais adiante, segundo revelação de Berkeley, em suas Memórias, ele aconselhou um reforço da guarda a fim de obstar a violência dos /evellers.* O texto foi exibido ao rei, imediatamente, segundo Whalley, não para atemorizá-lo, mas no sentido de provar as boas intenções dos oficiais encarregados de sua segurança. Ao menos dessa vez o rei agiu com ligeireza e determinação, deixando uma nota na qual explicava que sua fuga não se dera por causa da carta de Cromwell, mas porque ele estava “cansado de ser prisioneiro”, mesmo tendo em vista a salvaguarda de sua vida. Escapou “pela escada dos fundos, através de uma passagem subterrânea que conduzia ao rio” — ou, conforme Cromwell escreveu mais tarde, para o ar fresco da noite e da liberdade. Do lado de fora, encontrou Berkeley, Ashburnham e William Legge, conspirador realista, antigo governador de Oxford — e os quatro desapareceram por completo. O fato não tardou a ser des-

coberto e as notícias foram enviadas a Oliver, que as transmitiu ao presidente da

Câmara dos Comuns, em carta datada de “Hampton Court, meia-noite”. O pequeno grupo de fugitivos tomara a direção da ilha de Wight; Berkeley e Ashbur-

nham seguiram na frente com o objetivo de prevenir Hammond, enquanto o monarca aguardava em Titchfield, perto da costa, na residência do conde de Southampton. Chegando ao destino, ele ficaria no castelo de Carisbrooke ou viajaria para a França. À inesperada reação do governador, genuinamente assombrado, liquidou as duas alternativas. Lívido, tremendo como vara verde, ele expressou funestos sentimentos, exclamando: “Oh, cavalheiros, vós me destruístes...”2 Mais leal ao Parlamento do que a seu rei, resolveu abrigar o soberano em

Carisbrooke, mas como prisioneiro, informando a Camara dos Comuns à respei-

to do acontecimento tão incrível quanto inesperado.

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237

Enquanto Carlos 1 e seu relapso súdito se debatiam em estado de singular confusão, Oliver Cromwell compareceu perante o Parlamento e, prestando infor-

mações acerca do ocorrido, segundo Clarendon, demonstrou “uma alegria tão

pouco usual que deixou patente o fato do rei estar exatamente onde ele desejava

que estivesse”. Seu retorno aos campos de batalha e a inegável conveniência, para

ele, da mudança do monarca, permitiram que seus inimigos desenvolvessem uma

teoria conspiratória que no futuro haveria de incriminá-lo fortemente. Em Carisbrooke, Carlos I estava a salvo dos /evellers, longe dos escoceses e sem boa parte de sua vantagem pessoal, perdida em virtude da fuga. Face ao destino que lhe coube e à solução dada à questão do poder é fácil ligar os fatos e atribuí-los à

esperteza de Cromwell. Foi o que fez Marvell, ao compor estas famosas linhas: Entrelaçando medos sutis e esperança, Ele teceu um ninho de tal amplitude, Que o próprio Carlos veio a cair Na armadilha de Carisbrooke...

À questão é: tratou-se de uma difamação como tantas outras, engendrada pelos realistas, ou algum conluio secreto, no qual ele realmente se envolveu? Em sua defesa, costuma-se apontar para a trama discutida, ponto a ponto, pelo rei, Berkeley e Ashburnham. Todavia, o testemunho posterior desses dois não esclarece, por exemplo, aquela carta a Whalley — seria mesmo tão fortuita assim? Não expressaria, propositadamente, sentimentos capazes de induzir o monarca à fuga imediata? Não veio ela a calhar, em meio àquela situação tão explosiva? Tais suspeitas persistem, acrescidas da misteriosa visita de Cromwell a Hammond, na ilha de Wight, no princípio de setembro; o regis-

tro de um jornal da época, à falta de quaisquer outros motivos aparentes, insinuou que a autoridade do governador estaria sendo ameaçada.? No terreno da pura conjetura é possível conceber uma demonstração dos novos talentos políticos de Cromwell, capaz de avaliar as enormes vantagens

que lhe adviriam da transferência do rei para Carisbrooke, longe da capital. A reação de Hammond também poderia ser prevista. À partir do momento em que Ashburnham mordeu a isca, os planos teriam se desenrolado sem maiores atropelos — e com uma boa dose de sorte, evidentemente. Daí em “ diante, contudo, as incertezas são tantas que bloqueiam qualquer especulação. Chega-se à conclusão, no máximo, de que tudo se encaixa nos hábitos de Oliver: manipular, tentar convencer e sugerir quando não havia como dirigir.

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De volta ao centro da disputa, Cromwell enfrentou, além do ressentimento

do exército, muita impopularidade na Câmara dos Comuns, onde Marten e Rainsborough chegaram a cogitar do seu impeachment; no entanto, a histó-

ria alucinada de Lilburne, que atribuiu ao primeiro a intenção de cravar

uma adaga em Oliver — como “um Felton”? (o assassino do duque de

Buckingham) —, provavelmente não é verdadeira. O primeiro dos três en-

contros prometidos ao exército realizou-se em Corkbush Field, próximo a

Ware, em 15 de novembro: o palco fora armado para que se apresentasse aos soldados um manifesto contendo as idéias dos oficiais. Os homens estavam num evidente mau humor, e como num conselho de anjos caídos, de Milton, “sentindo seus méritos feridos, expuseram idéias fixas, demonstrando todo o seu grande desdém”. Pior: compareceram dois regimentos conhecidos por sua rebeldia e que não haviam sido convidados, inclusive o do irmão de Lilburne; trazendo cópias do Compromisso, eles enfeitavam seus chapéus com fitas em que estava inscrito o lema: “Liberdade da Inglaterra! Direito dos Soldados!” Nenhum general cioso da disciplina poderia tolerar tal situação. Cromwell reagiu enfurecido não somente às acintosas proclamações, como também à desobediência direta dos regimentos não convocados, e, ante a atitude dos que se recusaram a retirar os emblemas, sacou da

espada resolutamente. Quatro líderes foram detidos, e a um deles, por sorteio, coube servir de exemplo aos demais, sendo passado pelas armas. Essa

tática, típica dos “flancos de ferro”, assegurou um clima de maior calma

aos dois encontros seguintes. Em 19 de novembro, porém, na Câmara dos Comuns, ele fez um pronunciamento dramático, demonstrando o quanto aprendera de Rainsborough e os outros fanáticos críticos do “jugo normando”, durante aquelas longas sessões

realizadas no outono na igreja de Putney. Gratificado com a unanimidade do

exército e sua maior disciplina, Cromwell argumentou que os soldados, tendo submetido o reino, tal qual Guilherme, o Conquistador, haviam adquirido O direito de opinar sobre as leis, preservando a própria liberdade.* Quando

John Swynfen, representante de Stafford, questionou este ponto de vista sur-

“Sobre este discurso, assim como os de 23 de novemb ro e 3 de deze mbro, ver David Underdown, The Parliamentary Diary of John Boys 1647- 8. Aos quarenta anos, tendo integrado o Parlamento nos dois anos anteriores, Boys pronunciou discursos radicais, embora tenha votado com os moderados, em algumas ocasiões; sua carreira como a de muitos membros E do, serao demonstrou particular consistência. do grupo de centro, naquele perío Seus textos; boa parte deles escrita em mau francês, contêm algumas expressões extrav agantes

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preendentemente não parlamentar, Oliver criticou-o por não reconhecer os direitos da tropa de peticionar, enquanto ingleses, “apenas como súditos”2 e afirmou que a representação se daria na medida da obediência e concordância

dos soldados ante o Parlamento. Cromwell foi então incumbido de comunicar ao exército que a Câmara es-

tava pronta a receber suas reivindicações, desde que fossem encaminhadas con-

forme os trâmites parlamentares. No entanto, passados quatro dias, quando os

Comuns criticaram e condenaram os soldados, tratou de dissociar-se “dessas

propostas de nivelamento e paridade etc.”. Na verdade, dera-se conta de que os homens insistiam em medidas já censuradas pelos oficiais e por ele próprio.

Sua oscilação entre os diversos poderes do reino, todavia, não poderia continuar para sempre. Foi pelo final de novembro, provavelmente no dia 23 ou 24, que a gangorra desceu finalmente, lançando contra o soberano todo o peso e a autoridade de Cromwell. Aparentemente, tratou-se de uma decisão bastante súbita. Apesar de todos os esforços anteriores no sentido de um acordo, no dia 26, quando trouxe as cartas de Carlos I pedindo o apoio dos oficiais à sua restauração, Berkeley ficou sabendo dos discursos hostis que Oliver e Ireton haviam feito perante o Conselho do Exército. As más notícias incluíam um dado sinistro: Cromwell referira-se aos /evellers com calor pouco habitual, dizendo: “Se não pudermos trazer o exército para nossas posições deveremos nos encaminhar para as deles.” Recusando um encontro com o emissário de Sua Majestade, mandou avisá-lo de que não estava mais disposto a morrer pelos interesses do monarca.

Que inspiração, que dado ou mesmo que descoberta teria levado a essa reviravolta, após quatro ou cinco meses de favorecimento à causa do rei? Diferentemente de Carisbrooke, o próprio Cromwell encarregou-se de explicar O mistério: dois anos mais tarde, perguntado por /ord Broghill sobre as razões

que o exército tivera para desistir de um acordo com Carlos 1, ele contou uma história digna dos romances de Alexandre Dumas, fazendo revelações

Incríveis que Thomas Morrice, capelão e biógrafo de seu confidente, entregou à posteridade. O incidente da “Carta da Sela” teria ocorrido no outono de 1647: temerosos de uma aliança dos presbiterianos ingleses e escoceses, Oliver e sua facção estavam dispostos a “fechar com o rei”, mas foram avisados por um espião, cujo nome nunca foi revelado, de que, apesar de todos os

esforços que vinham empreendendo, sua “destruição final” tinha sido decretada — uma carta costurada às abas de uma sela revelaria toda a falsidade do soberano. Na data especificada, seu portador estaria na Blue Boar Inn, em

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Holborn, por volta das dez da noite, carregando a sela na cabeça. De lá, des. conhecendo o conteúdo da missiva, tomaria o rumo de Dover, onde homens que sabiam de tudo o aguardavam. Ciente da informação, Cromwell parece mesmo ter vestido o manto de um dos audazes mosqueteiros de Dumas. Em Windsor, envergando roupas de soldados comuns, ele e Ireton, na companhia de um único “homem de confiança”, dirigiram-se à hospedaria de Holborn. Enquanto os dois bebiam canecas de cerveja, o acompanhante permaneceu do lado de fora e, às 22h em ponto,

alertou-os: o homem da sela chegara. Empunhando as espadas, os dois líderes do exército correram para o exterior e ameaçaram o estranho — ignorante de tudo e, portanto, honesto — cortando a aba da sela onde se achava a carta. À

mensagem era realmente mortal, conforme avisara o espião: nela o soberano relatava à rainha as jogadas do exército e dos presbiterianos escoceses, ambas as facções interessadas em obter seu concurso, apesar dele já ter tomado uma decisão — “preferia os escoceses”. No retorno a Windsor, os dois aventureiros tam-

bém se decidiram, segundo as palavras de Cromwell, “percebendo que não chegaríamos a termos aceitáveis com o rei, resolvemos buscar sua ruína”.?

Essa estranha história, contada de segunda mão e publicada muito depois dos acontecimentos,* pode parecer improvável, mera ficção. No entanto, despida de certos exageros compreensíveis, foi confirmada, inclusive pelo relato de sir William Dugdale — embora ele mencione uma correspondência dirigida pela rainha ao rei.? Algo dramático e radical terá sucedido, para justificar mudança política tão radical e dramática. O “espião”, provavelmente, seria algum criado de quarto, mandado por Hammond; a carta ou as cartas provariam a natureza pouco confiável de Carlos I. Caindo nas mãos de Cromwell e Ireton, no final de novembro, justamente no momento mais deli-

cado das negociações políticas em que estavam envolvidos, ameaçados tanto pelos escoceses quanto pelos radicais do exército, levou-os a uma completa reavaliação do caráter do monarca. Contudo um único episódio poderia ter produzido tal efeito? Vale lembrar não somente as muitas ocasiões em que 0 rei demonstrara publicamente sua perfídia, mas ainda a atenção pessoal que “Roger, lord Broghill, mais tarde conde de Orrery, viveu até 1679, mas poderia ter contado a história muito antes de morrer, é claro. No século XVIII, a localização da “Carta da Sela”

foi objeto de muita especulação. Por volta de 1743, Bolingbroke disse a Alexander Pop* que lord Oxford levara uma carta do rei à rainha e que a an fora interceptada; mesma p E ã em estaria : missiva a que de E Ene disso a circulou a informação Ê mãos de um leiloeiro chama o z

Millington, mas que ele não a mostraria a nenhum pesquisador.”

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Cromwell dava às indicações da Providência. A Carta da Sela pode ter sido interpretada por ele como um sinal de que as negociações deviam ser susta-

das, pois não contavam com a aprovação divina.

Dois dias após a “conversão” de Cromwell, operada no Conselho do Exército, em 27 de novembro, o clima do Parlamento também se alterou: isso se tornou claro quando as chamadas Quatro Leis foram apresentadas

como precondições a qualquer acordo com o rei. Todas as declarações anterio-

res contra o Parlamento deveriam ser anuladas; a milícia ficaria sob seu controle pelos vinte anos seguintes e a Câmara se reuniria quando julgasse con-

veniente; honras reais, concedidas depois de 1642, seriam revogadas. Alguns

realistas acusaram Cromwell e Ireton de traição. Ludlow, porém, insiste numa história que muito prejudicou o monarca, visto lançando um osso a

dois spaniels, em Carisbrooke, e rindo alegremente, enquanto os cães lutavam pela peça.” De um jeito ou de outro, o soberano suspendera seus contatos com os escoceses; em 15 de dezembro, ele chegara a redigir um documento prevendo a vinda de um exército de seus aliados à Inglaterra e um acordo religioso, mediante o qual se suprimiriam diversas seitas, inclusive os anabatistas, brownistas e “independentes”. Esse texto, mais tarde conhecido como Compromisso, permaneceria em sigilo, encerrado num cofre de chumbo

e enterrado no jardim de Carisbrooke, até a data de sua triunfal divulgação. De fato, bastaria ao exército adivinhar seu conteúdo para que se tornasse con-

cebível o tom dos debates travados em 21 de dezembro, em Windsor; e mais

difícil criticar suas lideranças — Cromwell e Ireton — acusando-as de trair publicamente quem trabalhava para traí-las em segredo. Nessa reunião do Conselho do Exército, inesperadamente, Cromwell e os levellers se confraternizaram. Durante as orações habituais, escreveu um observador, tocaram-se “músicas de uma suavidade para lá de celestial”. Coroando,

afinal, suas tentativas, que vinham desde setembro, o coronel Rainsborough ga-

nhou o posto de vice-almirante. Do ponto de vista do rei, o pior que poderia acontecer foi a sugestão de que ele deveria ser julgado “como pessoa criminosa” — sujeito a pena de morte, portanto. Watson, intendente-geral do exército, encarregou-se de transmitir-lhe as notícias, embora se pretendesse mantê-las em sigilo, até que — segundo Clarendon — o Parlamento fosse “gradualmente engabelado, para fazer o que nunca tivera a intenção de fazer”. A aliança de

Carlos I com os escoceses ainda não se concluíra, em virtude de duas exigências adicionais: igualdade de oportunidade no serviço público e fixação da residência do monarca, ou do príncipe de Gales, na Escócia. Com o tempo, e de =

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preferência em liberdade, ele amadureceria esses planos. Assim, no dia 28 de dezembro, peremptoriamente, recusou as Quatro Leis do Parlamento e recla. mou, mais uma vez, um tratado pessoal. Esperava fugir para Jersey no mesmo

dia, mas Hammond expulsou Berkeley, Ashburnham e Legge da ilha, botan-

do tudo por água abaixo. O governador agiu com rapidez, advertido pelo primo, que escreveu contando detalhes da fuga: “Estais autorizado a expulsar os

servidores que pareçam suspeitos; fazei-o sem demora, ao menor sinal de perigo. Vereis que Deus honrou e abençoou todas as ações firmes dos que lutam

por Ele; não duvideis, pois Ele continuará obrando desta forma,”3º No dia 3 de janeiro de 1648, a Câmara dos Comuns debateu a questão do “Nenhum Contato” — dever-se-ia prosseguir nas tentativas de aproximação com o rei ou ele deveria ser considerado um caso perdido. Clarendon, um panfleto da época e o diário de John Boys dão conta dos discursos que se pronunciaram naquela sessão, e todos concordam em que a fala de Cromwell distinguiu-se pela profunda mudança de atitude em relação ao soberano; do homem mais honesto e consciencioso do reino, conforme ele dissera a Berkeley, uma vez, Carlos I se tornara um “tão grande dissimulador e (...) tão falso, que não se pode confiar nele” — em outra versão, “um homem obstinado, cujo coração Deus endureceu”. Contudo, é importante distinguir, como Cromwell o fazia, entre o homem e o cargo. Dirigindo palavras duras contra o monarca, em momento algum ele se ligou aos que reivindicavam abertamente o fim da monarquia. Thomas Wroth, por exemplo, verberou nesse sentido: “De reis e demônios me afaste o bom Deus, É chegado o memento de

nos erguermos e fazer o que é necessário. Prefiro qualquer forma de governo ao rei.” Oliver, porém, ainda tendia à conciliação.

“Declaramos com absoluta sinceridade nossas posições sobre a monarquia, € elas ainda são idênticas, a menos que a fatalidade nos force a alterá-las”, disse ele a certa altura, sempre insistindo em considerar objetivamente cada situação. Preocupava-se muito mais, no entanto, em frisar a difícil situação dos homens que tinham vencido a guerra. Seria fatal, para o Parlamento, permitir que os soldados se alienassem: “Tende em conta o povo por vós representado, pois é fundamental não romper sua confiança e não destruir o honesto partido do reino, que sangrou

por vós, e impedir que a miséria caia sobre eles, por falta de coragem e resolução vossa, ou eles tomarão, quem sabe, a direção que a natureza lhes determinar” Outra versão afirma que ele levantou a hipótese da tropa sentir-se preterida pelos escoceses... Nesse caso, o desespero poderia “ensiná-los a buscar a segurança

por outros meios que não uma adesão a vós, e (...) uma decisão dessas será

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destrutiva. Iremo, só em pensar, e deixo a vós o julgamento”, Nes não haveria mais discussões com o rei. Num no que causou teia pacto, talvez porque tenha terminado citando as Escrituras e com a mão nos copos da espada, Oliver persuadiu a Câmara a negociar sem o soberano: “Não se há de sofrer sob o domínio de um hipócrita.”3! A moção que encerrava as aproximações com Carlos 1 e determinava que suas mensagens não seriam mais

recebidas foi aprovada por ampla maioria.

Sinal dos tempos: reativou-se o antigo Comitê de Segurança, agora cha-

mado de Comissão da Derby House — onde se reunia — posto que muito

em breve os dois reinos estariam em guerra. Escrevendo a Hammond, no

mesmo dia da votação, a fim de comunicar o triunfo deixa bastante clara sua insatisfação com o caráter do crito, ele anotou: “Rapidez, enviar com rapidez.” No derosa providência para este pobre reino e para todos

que obtivera, Cromwell rei. No próprio sobrestexto, aduz a “uma ponós (...)”. E prossegue:

“À Câmara dos Comuns, muito preocupada com as transações do rei, e com nossos irmãos (...). Peço-vos a máxima atenção a qualquer indício de alguma

artimanha, investigue e faça-nos saber (...).”*?

Por uma justiça poética, talvez, no mesmo momento em que Cromwell solicitava de Hammond provas adicionais acerca das falsidades de Carlos 1, pretendendo com isso sujar ainda mais seu nome em público, a fúria malevolente de satíricos realistas o atingia com exacerbada virulência. Data dessa época a primeira sugestão de que ele tinha em mente substituir o rei no trono. Conhecida como O, Brave Oliver [Ô, bravo Oliver], suas linhas mais rascantes diziam: Tereis um monarca, sim, mas quem...

Acaso algum rei terá sido tão bem servido? Para abrir caminho para Oliver, Ó, bom Oliver; Ó, bravo e excelente Oliver,

Ó, afúvel e galante Oliver

Agora, Oliver tem que se assumir

Agora, Oliver tem que se assumir

Para o nariz de Oliver A rosa de Lancaster se expõe E dat advém sua autoridade...

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Tanta impopularidade junto à parcela mais arguta da comunidade somou-

se aos inevitáveis ataques à sua aparência pessoal. À alusão ao nariz —. sem

dúvida proeminente — associado à rosa de Lancaster pode ser considerada suave; o panfleto sobre o debate do dia 3 de janeiro referia-se de forma bem menos romântica ao “vaga-lume, que brilhava em seu bico”. Menções ao tamanho e à cor da sua bitácula também eram comuns. O próprio sir Arthur

Haselrig reconhecia ser difícil admitir a honestidade de um homem tão narigudo. Os realistas, é claro, batiam na tecla da sua fealdade — “odiando tanto as imagens”, disse Cleveland, referindo-se à iconoclastia puritana, “ele desfi-

gurou a Deus em suas próprias feições”. Apelidaram-no de “Nariz”, “Nariz de Cobre”, “Nariz Todo-Poderoso”, “Nariz de Rubi” — não raro destacando

a tonalidade sangiiínea citada por Baxter. Disso derivaram chistes que o acusavam de excesso de bebida e, um ano depois, de ser um antigo cervejeiro. Pencudo ou não, Oliver era um homem cuja autoridade fora obtida à custa de seus próprios esforços. A de Carlos Stuart, a quem ele se opunha naquele momento, tinha raízes históricas, aparentemente inamovíveis do coração de muitos de seus súditos. Apesar de toda a sua veemência e do republicanismo de homens como Thomas Wroth, na primavera de 1648 o estágio de indecisão geral ainda persistia, expresso em divagações sobre qual seria o melhor caminho a tomar. À remoção do rei não significava a abolição da monarquia, e Cromwell estava entre os que anteviam a possibilidade de um esquema de

governo sob um membro mais jovem da família real. Do “grupo de centro”,

Vane e St John tinham a idéia semelhante: uma regência. O príncipe de Gales

parece ter sido contrário a isso, havia James, duque de York, com 16 anos, € Henry, duque de Gloucester, com 12, diferentemente de seu irmão mais velho, ambos sob a guarda do Parlamento. Lilburne, trazido perante a Câmara dos Comuns para ser julgado, refletiu

sobre essas novas possibilidades da monarquia e repetiu a velha insídia, suge-

rindo que Cromwell estava prestes a ser feito conde de Essex. Circularam rumores a respeito de “novos envolvimentos” com o rei. Pulando para não ser

preso pelas cadeias da intriga, Oliver tentou em vão um reatamento de amizade com o republicano Marten. Ludlow descreveu um jantar realizado nã residência de King Street, para “Exército e Comunidade”, bem como homens importantes da Câmara dos Comuns, avaliando-o como uma deliberada ten-

tativa de juntar as diferentes tendências que dividiam a opinião pública. No dia seguinte ao ágape, Cromwell disse a Lu dlow que os anseios républicanos eram “válidos, mas impraticáveis” - Em 11 de fevereiro, quando

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a Câmara dos Comuns reafirmou o Voto de Nenhum Contato, ele havia pron unci-

ado “uma severa invectiva contra o governo monárquico”; durante o Jantar, entretanto, todos foram — na opinião de Ludlow — irritantemente vagos, “man-

tendo-se nas nuvens e escamoteando suas opiniões, fosse por um governo

monárquico, aristocrático ou democrático, posto que qualquer um teria suas van-

tagens, conforme os ditames da Providência”.** Ao final do repasto, Oliver foi tomado por uma daquelas explosões de humor, certamente de origem maníaca,

que o haviam popularizado entre os soldados: apanhando uma almofada, ele encerrou a discussão lançando-a sobre a cabeça de Ludlow, e escapou escada

abaixo a fim de livrar-se da reação. Seu contendor, porém, conseguiu ultrapassá-lo e, armado com outra almofada — vangloriou-se mais tarde —, conse-

guiu atirá-la com surpreendente força e rapidez. As brincadeiras refletiam a tensão nervosa: tanta coisa por decidir e quase nada se decidira. Enquanto Oliver e seus camaradas aguardavam a Providência — ou os

escoceses, talvez — para decidir sobre a forma mais conveniente de governo,

no resto do país reinavam a desordem e o descontentamento — uma combinação perigosa. A paz, condição desejável, parecia ter trazido consigo uma colheita má e a carestia, nada mais. Sentia-se a falta da antiga ordem social, principalmente ao nível da pequena nobreza, ressentida por ter sido posta de lado; de fato, as funções que lhe eram em geral atribuídas — controle da mi-

lícia local e dos juizados de paz — vinham sendo sistematicamente usurpadas

pelo poder central. As classes mais baixas também almejavam o retorno dos direitos regionais. Houve levantes por comida, em Warminster, no Wiltshire;

ao sudoeste, no dia de Natal de 1647, um jogo de futebol acabou em briga,

clara evidência dos sérios distúrbios que ameaçavam a região.»

Nessa época problemática, e com desconfortável regularidade, o esporte

parecia conduzir mais a distúrbios do que a boa vizinhança — fato que deve ser levado em consideração na análise da proibição de eventos esportivos durante o

Protetorado: um simples jogo de arremessos, na região oeste, degenerou numa

série de manifestações. O caráter do país não se conformava ao ideal puritano,

manifestando sua resistência em diversos níveis. As determinações parlamenta-

res contra o teatro, por exemplo, demonstraram-se singularmente ineficientes; em maio de 1647 ainda se encenavam peças na suburbana Knightsbridge, fosse na Inn of the Rose and Crown [Hospedaria da Rosa e da Coroa], fosse em

Holland House. “Onde vamos parar!”, clamava furiosamente um boletim de

notícias dos “cabeças-redondas”.** Quando terminou a validade da ordem con-

tra as lutas de ursos com cães, equilibristas e espetáculos teatrais, em janeiro de 1

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1648, o número de palcos cresceu. Um mês depois, tão obstinado era o espír ito inglês em busca de prazeres, que se achou necessário aprovar sanções ainda

mais rigorosas, mandando demolir os tablados e multar os atores e espectadores em três shillings. Mesmo assim, as encenações continuaram. No 27 de março, dia da ascensão ao trono de Carlos I, data de tradicio. nais celebrações, um grande número de súditos leais manifestou-se a seu £;vor. Nas ruas de Londres, os transeuntes foram forçados a beber à sua saúde,

e Os açougueiros ameaçaram cortar Hammond como a um pedaço de carne.

Indiscutivelmente, a Coroa dispunha de prestígio, simbolizando a ordem per-

dida e a segurança anterior à guerra, e isso trazia à baila, mais uma vez, à idéia de um pacto político; no Parlamento, o “grupo de centro” mantinha só-

lidas convicções monárquicas, impeditivas de qualquer solução que excluísse o soberano de forma permanente. O próprio Oliver deu um passo atrás, dedicando o dia da coroação a um problema de família; na época falou-se que ele teria ido à ilha de Wight conversar com rei, prova de quanto eram duradouras e fortes as suspeitas sobre suas mútuas relações. Realmente, Cromwell rumara para o sul, mas sem passar de Winchester,

onde se deteve em conversa com um certo Richard Mayor, na Great Lodge of Merdon [Grande Hospedaria de Merdon]: trataram de um possível casamento da filha de Mayor, Dorothy, e Richard, então com 21 anos. Ex-integrante do exército de Manchester, o coronel Norton, bom amigo de Cromwell, vinha agindo como intermediário nas prolongadas negociações financeiras que acompanhavam o caso. Um pai puritano tinha sérias obrigações no que diz respeito

ao casamento dos filhos, e Oliver as assumia por igual, não importa que se tratasse de alguma das moças ou de um dos rapazes. Havia outra possibilidade — “uma excelente proposta”, do ponto de vista de Richard — , mas apesar de sua

posição política, que poderia motivá-lo a buscar conexões mais vantajosas, Cromwell simpatiza com a modesta Dorothy: “A outra talvez seja mais rica, mas não sinto nela nenhuma garantia de religiosidade. (...) Se Deus nos brinda com a piedade dos pais [Mayor] e da gentil dama, só posso considerar isso como uma bênção.”

Richard Mayor, porém, obscuro proprietário no Hampshire, tinha suas dúvidas. Oliver disse a Norton, Posteriormente, que teve que acalmar certas preocupações do futuro sogro de seu filho: “Fatos que pertenciam ao domínio público criaram dificuldades. Tomei ciência de seus escrúpulos e respondi da melhor maneira possível, deixando-o satisfeito afin al.” Evidentemente, à par de suas qualidades espirituais, os dotes terrenos de Dorothy não haviam sido

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negligenciados: passados alguns dias, Cromwell esc reveu a Norton uma lon-

ga e detalhada carta acerca das questões materiais do matrim ônio — queria que Ma

yor legasse sua casa ao jovem casal, caso não tiv esse nenhum filho varão. Preocupado com outros problemas que poderiam envolv ê-lo a qualquer

momento, estimulava 0 amigo a agir com a máxima rapidez: “Sei que és um homem preguiçoso, mas te peço, não me esqueças, principalmente agora.”” Não seria preciso nenhuma extraordinária capacidade de pr emonição

para que Oliver suspeitasse da possibilidade de logo estar envolvido por pro blemas muito diferentes — da Escócia chegavam rumores sobre uma inv asão iminente. Sabia-se de novas conspirações para libertar o monarca: no dia 6 de abril, Cromwell alertou Hammond a respeito. Três dias mais tarde, os aprendizes se revoltaram na City e correram por Whitehall, gritando: “É agora!

Viva o rei Carlos!” Detidos pela cavalaria sob o comando de Cromwell e

Ireton, seu líder foi morto e houve vários feridos. Segundo a notícia de um Jornal, “abortou-se o problema, conforme os desejos do Partido Maligno”. Entretanto, tal era o padrão da violência em defesa do soberano ausente, e que não dava o menor sinal de dispersão. Propostas de se coroar o jovem duque de York se sucediam: dizia-se que uma jovem fora portadora de mensa-

gem secreta, nesse sentido, mediante a qual o Conselho do Exército ameaçava

O rei.” No dia 21 de abril, porém, o príncipe anulou a hipótese, tomando a iniciativa de escapar rumo ao continente, disfarçado de mulher. A mobili-

zação dos escoceses fortalecia a monarquia e, em 28 de abril, a Câmara dos

Comuns decidiu — 165 votos contra 99 — que “o governo fundamental do reino”, isto é, a constituição monárquica, não poderia ser alterado; o própri o Vane apoiou a moção. Ante as explosões de rebeldia que começaram a pipocar pelo país, suspendeu-se temporariamente o Voto de Nenhum Contato. Em Canterbury, os participantes do motim iniciado durante uma partida de futebol acabaram absolvidos. Em Kent, Essex e Surrey, O povo clamava por um

tratado pessoal com Sua Majestade e pela dissolução do exército. Pode-se imaginar o temor que isso despertava. Sob supervisão de Fairfax, as tropas já estavam em franco processo de desmobilização. O soldo diário de Cromwell fora reduzido de quatro para três libras: indiferente, ele fez uma

generosa doação ao Parlamento no valor de 1.500 libras, parte do pagamento

que lhe era devido pela continuação da guerra na Irlanda. Na mesma ocasião ofereceu mil libras anuais por um contrato de cinco anos, relativo às proprie-

dades que lhe haviam sido entregues em Worcester. No entanto, os soldados não demonstravam nenhuma disposição de tolerar os arreganhos daqueles que

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supunham desejar a sua destruição. Depois de tanta coisa, ainda teriam que

aceitar a progressiva redução do contingente, a marcha dos escoceses e que aquele ogro do Carlos I mergulhasse a nação em outro banho de sangue? Reunido em Windsor, o Conselho do Exército debateu as notícias da Escó. cia, demonstrando a mais absoluta hostilidade à pessoa do rei. No dia 30 de

abril, enquanto os realistas tomavam Berwick e Carlisle, com a ajuda dos escoceses, Cromwell apontou três alternativas: uma Igreja e um Estado de novo

tipo, de acordo com as linhas propostas pelos /evellers; a restauração de Carlos 1, com poderes mais limitados, ou sua deposição, em favor do jovem duque de Gloucester; e um Protetorado temporário. Diante dos fatos, Os rea-

listas contemporâneos acreditavam que ele se inclinava pela terceira hipótese.

Qualquer sugestão de compromisso, no entanto, não tardaria a ser posta de

lado. No dia seguinte soube-se que Fleming fora morto pelos realistas, em Gales, durante um motim das forças parlamentares dissolvidas. Todo o sul do condado estava em armas. O general-intendente desfrutava de grande popularidade e foi com lágrimas nos olhos que os oficiais resolveram submeter o reino e acertar de uma vez as contas com aquele homem que julgavam responsável pelos renovados horrores da luta armada — Carlos Stuart. Fairfax enviou Lambert ao norte, e sir Hardress Waller à Cornualha. Outro período de incertezas, na vida de Cromwell, terminava em ação precipitada. Desencadeada a Segunda Guerra Civil, ele [Oliver] assumiu o comando da maior força do exército e seguiu na direção do sul de Gales.

ESBIs BRR 10 A guerra perniciosa Se algum dia o Senhor nos trouxer a paz de volta, é nosso

dever chamar Carlos Stuart, um homem sujo de sangue, a prestar contas do quanto ele derramou, e por toda a enorme maldade que causou... RESOLUÇÃO DO ExÉRcITO, abril de 1648

N

o dia 3 de maio de 1648 Cromwell tomou a estrada em direção às belas

e selvagens terras de Gales, a fim de cumprir sua parte nessa Segunda Guerra Civil — cabia a ele subjugá-la. Cinco dias depois penetrou em Gloucester, onde falou rapidamente aos regimentos acantonados na cidade, lembrando aos soldados seu dever de lealdade. Já fazia dois anos que não participava de uma ação, mas arriscamos a vida juntos e com fregiiência, lutando contra o inimigo comum deste reino (...) portanto, tratem de se armar com a mesma resolução anterior, e avançar com idênticas coragem, fé e fidelidade, como em tantas vezes, em tantas batalhas e arremetidas audaciosas (...) de minha parte, estou disposto a viver e morrer com

vocês.

Assim que terminou, os homens soltaram “um grande grito e consagra-

ção?, atirando seus chapéus para o alto, demonstrando que também tinham suas lembranças; unanimemente, declararam-se prontos a jogar suas vidas e sua sorte sob seu comando, contra qualquer inimigo, no país ou no exterior.!

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O conflito teve início numa atmosfera de muita determinação. Essa nova certeza, em contraste com as hesitações dominantes no curso de lutas passadas, concentrava-se não apenas no mal-intencionado inimigo, causador da guerra, mas também no arquivilão desta peça, Carlos Stuart. Em abril, uma resolução do exército o chamara de “homem sujo de sangue”, ameaçando levá-lo a julgamento, “se algum dia o Senhor nos trouxer a paz de volta”, por

toda a série de “enormes maldades que causou (...)”. Assim endurecidas, as tropas dirigiram-se à fronteira sul de Gales, uma área que se acreditava estar

“em chamas”? — segundo carta de Cromwell a Fairfax — ateadas por antigos

seguidores do Parlamento. O coronel John Poyer, por exemplo, já chefiara as

forças parlamentares em quatro condados, no fim da Primeira Guerra Civil? Tratava-se de um homem realmente interessante, presbiteriano convicto, mas bom de copo — “dotado de dois humores”, dizia Whitelocke, “sóbrio e penitente pela manhã, bêbado e conspirador à noite”. Certamente, tinha espíritof de sobra — espírito público, provado desde suas origens humildes até a prefeitura de Pembroke, que exerceu, e espírito próprio, demonstrado pela

ousadia e independência de suas decisões. Ciente de que o grande Cromwell vinha dar-lhe combate, afiançou que seria o primeiro a enfrentar seus flancos de ferro. No exército, entretanto, tinha um conceito de “orgulhoso e insolente”

ou, pior do que isso, “vergonhoso apóstata” de sua própria causa. Foi a presença de antigos soldados, tanto nas fileiras realistas quanto entre os atacantes, que conferiu ao levante galês um caráter odioso, do ponto de vista do exército que avançava. À experiência militar tornava o inimigo muito perigoso, potencialmente. Um jornal da época relatou que Poyer aterrorizava a população, compelindo-a à obediência e despertando “um grupo de descontentes que já admitia aceitar as ordens do Parlamento (...)?. Gente simples, distante da capital, face aos sucessos do coronel, começou a acreditar no rétorno do rei, na restauração dos bispos e na revolta de Londres contra a Câ-

mara dos Comuns. O destino das tropas que permaneceram nas planícies,

quando os ágeis galeses escalaram as montanhas, não era nada invejável. Um

relatório inglês queixava-se das pilhagens “daquele povo rancoroso € mau”.

Havia falta de forjas e ferreiros; um desafortunado inglês tivera que pagar

quarenta shillings para ferrar seu cavalo. “O sr. Vulcano tem se mostrado um grande inimigo de nossos procedimentos”, comentava outro sofredor. Visto

ste LD “A autora joga com as palavras, pois spirits, em inelê o, também signando bebidas alcoólicas destiladas. (N. do E) Blês, tem duplo significad

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que os lemas levados nos chapéus dos chamados malvados galeses exp ressa-

vam claramente seus desejos — um dizia: “Desejo muito ver Sua Majesta-

de...” —, o raivoso panfleto parlamentar sobre o tema terminava sugerindo que algo diferente teria que ser feito, a fim de “derrubar os estômagos deste povo-um-pouco-menos-que-bárbaro”.º Contudo, no momento em que Cromwell entrou em Gales, os realistas,

sob o comando do coronel Laugharne, outro ex-comandante parlamentar, já

tinham sofrido um violento golpe, em St Fagans, próximo a Cardiff, derrota-

dos pelo coronel Horton. Os restos do seu exército retiraram-se para o castelo de Pembroke, no extremo sudoeste do país; competia a Oliver tão-somente liquidar a resistência de algumas fortalezas, no caminho, antes de seu encon-

tro com Horton. No dia 11 de maio, ele se confrontou com a primeira delas, Chepstow, enorme estrutura às margens do Wye. Curiosamente, tinha interesse pessoal em conquistá-la, pois, da mesma forma que muitas das pequenas vilas que atravessara, pertencia ao marquês de Worcester — teoricamente, lhe havia sido dada pelo Parlamento. Enfim, após violenta luta, entrando na cidade teve que se contentar com uma casa modesta, numa rua estreita, perto da

ponte, enquanto a praça forte, sob o vigoroso comando de sir Nicholas Kemoys, resistia obstinadamente ao cerco. Cromwell não ficou para assistir à conclusão; deixando o coronel Ewer no comando, tomou o rumo de Cardiff e, circundando a costa retalhada do sul de Gales, dirigiu-se a Tenby. Lá deparou com o castelo de Tenby, excelente posição flanqueada por dois rochedos

escarpados, com uma vista panorâmica que alcançava até a Irlanda em dias claros; seu ocupante, o coronel Powell, também antigo oficial das forças parlamentares, no comando de quinhentos a seiscentos homens, podia resistir bastante tempo. O coronel Horton foi encarregado de sitiá-lo, ao passo que

Oliver punha em movimento o núcleo principal do exército. O castelo de Tenby rendeu-se em 31 de maio, seis dias após o heróico sir

Nicholas ter sido derrotado em Chepstow. Restava Pembroke. Transcorridas seis semanas de um longo e cansativo cerco, o vencedor de Marston Moor e

Naseby estava metido num atoleiro, aparentemente sem saída — construída segundo as condições de guerra vigentes na Idade Média, a fortaleza era qua-

se inexpugnável, podendo resistir enquanto durassem seus suprimentos. No idioma galês, Pen Broch significa “cabeça da enseada”: situada pouco acima

do porto de Milford Haven, à beira de um riacho, tinha três de seus quatro

lados cercados pela baía — na maré alta, as águas batiam de encontro às enormes muralhas — e um belo fosso separando-a da cidade. Vista impressionante

EVT RP

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ainda hoje, o castelo já testemunhara uma boa parte da história britânica desde a conquista normanda até a metade do século XVII. Dele partira Strongbow para subjugar a Irlanda; nele Owen Cadogan escreveu os anais de Helena de Gales; nele Henrique Tudor cresceu — buscando a coroa de Henrique VII, em 1485, ele passou perto dali, a caminho de Bosworth, por coincidência trazendo consigo o ancestral galês de Cromwell.

)

Infelizmente, Oliver estava muito mal equipado, sem condições de lidar com

O que viria a ser o berço da fortuna de sua família. Do alto dos parapeitos, Poyer

e Laugharne comandavam um grande contingente de soldados, enquanto ele não dispunha sequer de canhões capazes de derrubar os grandes muros de seis metros

de largura — colubrinas e drakes* de nada adiantariam. A munição fabricada nas forjas de Carmarthen — o sr. Vulcano tornara-se mais amigável — e as peças en-

viadas por Hugh Peter, de Milford Haven, não bastavam: precisava urgentemen-

te do material vindo da Inglaterra. Mas o navio que transportava o carregamento vital, açoitado por uma tempestade no canal de Bristol, acabou encalhando em

Berkeley, no Gloucestershire. Um assalto frontal falhou porque as escadas não tinham a altura necessária — a torre central, com quatro andares, chegava a mais de 22 metros. Uma segunda tentativa foi prejudicada pelo atraso de um major que liderava a reserva dos lanceiros e mosqueteiros; nos violentos combates que se seguiram, em torno da cidade, Laugharne saiu do castelo e atacou os “cabeças-

redondas” pela retaguarda, matando trinta deles. As tropas sitiantes acamparam em Underdown, a sudeste da cidade, € Cromwell alojou-se a pouco mais de três quilômetros, em Welston Court,

acima de Lamphey, com uma ampla vista da enseada; a casa pertencia a um certo capitão Walter Cuney, soldado do Parlamento, em Tenby. Segundo a tradição local, ele passou uma boa parte do tempo acamado.** Arrastando-se

interminavelmente, o cerco impacientaria qualquer comandante, mesmo sau-

dável; Oliver, ainda por cima, preocupava-se com a situação do exército, na

Inglaterra, que exigia sua presença. Os sitiados enfrentavam o problema das

provisões, agravado pela insatisfação dos subordinados de Poyer: no início do levante, eles não esperavam ficar sujeitos à fome e à prisão. Em 14 de junho, quando o cerco já completara mais de três semanas, Oliver escreveu a Londres, “Pequena peça de artilharia da época. (N, do T,) **O quartel-general de Cromwell teria ficado na Taberna York,

na rua principal de

Pembroke, dentro da cidade portanto. Próximo ao local do acampamento de Underdown ainda existe uma extensão de terra conhecida como “o campo de Cromwell”, onde se diz que os “cabeças-redondas” enterraram seus mortos.

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num tom otimista, assegurando que o inimigo não poderia viver mais 15 dias

“sem morrer de fome”. Repisando os rumores sobre o excepcional descontentamento dos soldados de Poyer, contou que eles teriam ameaçado cortar-lhe a garganta; reagindo com sua habitual coragem, o coronel teria afirmado que, se a ajuda não chegasse até segunda-feira à noite, não acreditassem mais nele e o enforcassem. Mas o tempo passou e o socorro não veio: como a irmã Anne, no conto de fadas do Barba-Azul, os homens postavam-se no alto da torre, buscando no horizonte da enseada os navios realistas que trariam reforços — em vão. Às embarcações que aportaram, afinal, saudadas com grande alarido pela guarnição do castelo, esperançosa de que nelas viesse o jovem príncipe Carlos, na verdade eram os também longamente esperados navios

das forças parlamentares. Sobrara um “pouco de pão” e, para os cavalos, a palha que cobria o telhado das casas.”

Mas Cromwell também errou. Só em um mês Pembroke pôde ser induzida à rendição — e a traição, além da fome, provavelmente contribuiu para isso. A fortaleza dispunha de um excelente suprimento d'água, boa parte dela proveniente de uma caverna natural de calcário, localizada em seus porões — a Caverna de

Wogan —, e o restante de uma represa, em Monkton, do outro lado da cidade. O bombardeio da caverna não produziu maiores danos e foi, afinal, suspenso; po-

rém, fiado nas informações de um tal Edmunds, que morava próximo à barragem, Oliver mandou cortar o cano que abastecia o castelo. A história talvez seja verdadeira, mas teve um final sardônico: em vez de pagar-lhe a grande recompensa que esperava, Cromwell enforcou o traidor — diz-se que seus descendentes ficaram

conhecidos como “os Cromwell-Edmunds”. De qualquer forma, em 11 de julho,

pressionados pela rebelião de seus homens famintos, Poyer e Laugharne se renderam, implorando a clemência do Parlamento.

Segundo Henry Fletcher, autor de uma biografia de Cromwell, seu obje-

tivo era “evitar o derramamento de muito sangue precioso, sabedor de que a vitória menos custosa é a que se vence sem muitos golpes”. Ele proibiu o sa-

que da cidade e mandou para um exílio de apenas dois anos os realistas con-

victos, isto é, aqueles que tinham defendido a monarquia em ambas as guer-

ras. Sobre os renegados, descarregou o peso de sua espada: “Só foram executadas as pessoas que antes vos serviram numa muito boa causa”, escreveu em seu relatório ao presidente da Câmara dos Comuns; “escolhi os apóstatas, de preferência aos que sempre lutaram pelo rei, julgando sua dupla iniquidade, por terem pecado contra tanta luz e contra tantas evidências da

divina providência.”* Poyer, Laugharne e Powell, encarcerados na Torre de

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Londres, foram condenados à morte. Mas Fairfax intercedeu por eles, e, de acordo com o costume da época, mórbido mas pitoresco, coube a uma criança tirar a sorte: os papéis correspondentes a Powell e Laugharne diziam: “Deus lhe concedeu essa Vida”; o de Poyer estava em branco. Assim, só ele sofreu a pena capital, nove meses mais tarde, na Piazza, em Covent Garden. Em vão Poyer invocara seu passado puritano, no pedido de clemência que encaminhou ao Parlamento, afirmando ter estado na vanguarda contra o “inimi-

go comum” na Primeira Guerra Civil. Do ponto de vista de Cromwell, isso

constituía uma circunstância agravante; até novembro, ele ainda demonstrou

profundo desgosto com os renegados — teve um ataque de fúria ao saber que o coronel Humphrey Matthews, também capturado em Pembroke, livrara-se mediante o pagamento de uma pena pecuniária. Antigo integrante do exército do Parlamento, “ele se tornou um apóstata de vossa causa e de vossa luta (...) sendo público e notório que quase fostes levados à ruína com isso (...)”. Na campanha de Gales, Oliver não revelou nenhum sentimento xenófobo, limitando-se a tratar os camponeses da região como “um povo ignorante e enganado” Seu ódio profundo fixou-se nos “canalhas arquicavaleiros”, culpados pela agitação que envolvera “esses pobres tolos e inocentes galeses”. A mágoa residual somou-se ao ressentimento que votava aos responsáveis pelo desencadeamento da Segunda Guerra Civil, por terem ignorado deliberadamente as óbvias lições da Providência expressas nas vitórias do conflito anterior. Secundariamente, a expedição resultara em algo bastante diferente. Sua au-

sência de Londres o distanciara das jornadas políticas, e esse afastamento deveria prolongar-se por quase sete meses de um período decisivo, ao longo do qual urdiram-se as exigências fatais que levaram à morte do soberano; Cromwell

não era tão inocente e nem ignorante do que se passava, mas esteve ausente da

cena. Sua responsabilidade final ou suas intenções interiores não precisavam ser afetadas, mas, inevitavelmente, suas atitudes sofreram alguma alteração, obscurecendo ainda mais a verdade acerca de seus motivos e participação. Enquanto a pacificação de Gales prosseguia depressa, em outras partes das Ilhas Britânicas a causa do exército apresentava aspecto alarmante. Em Kent € Sussex, as consequências dos levantes reprimidos no mês de junho ocupavam Fairfax e Ireton: o comandante realista, sir Charles Lucas, retirara-se para Colchester, com cerca de quatro mil homens, e se recusava a abandonar a cida-

de, apesar do prolongado sítio. O castelo de Pontefract, formidável fortificação

ao sul de Leeds, em condições de estrangular todos os territórios à sua volta,

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caíra em poder dos realistas no dia 1º de junho — seria preciso atacá-lo. O

Northamptonshire e o Lincolnshire também foram palco de insurreições. Entrementes, do outro lado do estreito mar, o jovem príncipe de Gales viajara da França à Holanda, a fim de assumir o comando de uma frota de nove navios realistas inteiramente equipados. O perigo mais sério, porém, como sempre, vi-

nha do norte. Em 8 de julho, três dias antes da rendição de Pembroke, o exército escocês, com cerca de 11 mil homens, cruzou a fronteira.

Esta poderosa força, movendo-se lentamente na direção do sul, tendo à

frente apenas o pequeno contingente de Lambert, na verdade padecia de mui-

tas mazelas, talvez desconhecidas pelas alvoroçadas lideranças parlamentares.

Disputas políticas e religiosas, na Escócia, haviam retardado a partida; os

“comprometidos”, assim chamados porque tinham aderido secretamente aos acordos de Carisbrooke, lutavam contra os presbiterianos, que consideravam a Convenção uma precondição a qualquer entendimento. Meses vitais transcorreram, quando teria sido possível atingir os ingleses, bastante desorganizados, até que o poder militar passou às mãos dos primeiros, visto que /ord Leven e David Leslie, veteranos de bem-sucedidas campanhas, se retiraram. Argyll e os clérigos, também opositores do novo regime, mantinham-se numa

expectativa hostil, sem participar do numeroso e malfornido exército, coman-

dado por James, primeiro duque de Hamilton. Para começar, os escoceses tinham muito pouca munição e nenhuma artilharia; suas tropas não se comparavam aos experimentados combatentes de Marston Moor — muitos nunca tinham empunhado uma lança antes. A ca-

valaria era melhor, mas não dispunha de cavalos que puxassem as carroças, ou seja: suprimentos — ou cavalos — teriam que ser obtidos ao longo do cami-

nho, acirrando a animosidade das populações campesinas. De fato, a falta de provisões combinada à indisciplina natural, em se tratando de soldados inexperientes, deu margem a novos recordes de pilhagem e depredação, determinando boa parte da receptividade dos habitantes do norte da Inglaterra. A restauração do rei em seu trono iria depender, afinal de contas, dos realistas

ingleses e dos presbiterianos arrebanhados pelas estradas. A fim de evitar ade-

sões de maior peso, espalharam-se rumores, de resto plausíveis, de que os es-

coceses tinham recebido a promessa de ganhar terras na Inglaterra — o próprio Cromwell referiu-se a isso numa de suas cartas. Entretanto, a maior debilidade da força invasora estava no alto da pirâmide. A carreira militar do duque de Hamilton fora infeliz, não o recomendande a Napoleão, que gostava de marechais bafejados pela sorte; aos 42 anos,

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chefe da segunda família da Escócia e senhor de um domínio secular, ele era

irmão mais velho do conde de Lanark, que desempenhara o papel de comis-

sário nas negociações do controverso Compromisso com Carlos 1.* Odiado pe-

los pastores, por ter se recusado a assinar a Convenção, suas qualidades de estadista não contribuíam quase nada para melhorar sua incapacidade de comandante — lamentavelmente, mostrava-se fraco quando devia ser forte, complicando as coisas ao reverter o processo. Seu subordinado, no posto de general-de-exército, o conde de Callander, possuía indiscutível experiência militar — no exterior, lutara com o exército holandês —, mas tinha levantado

suspeitas devido à sua conduta entre os partidários do rei, numa fase anterior da guerra. Baillie mencionaria “seus procedimentos bastante ambíguos”, razão pela qual muitos escoceses relutavam em depositar “vidas e religião em sua mão”;? pior: seu temperamento autocrático, rígido, não fazia dele o mais indicado segundo em comando. Ultrapassada a fronteira, o terrível clima inglês, batendo naquele ano todos os recordes de umidade, criou mais um obstáculo à expedição escocesa. Em Carlisle,

Hamilton uniu-se às forças de sir Marmaduke Langdale; com três mil homens, o

ex-comandante realista durante a Primeira Guerra Civil vinha mantendo a fortaleza desde a insurreição em abril. A essa altura, o exército invasor já contava com

18 mil soldados. Acampado no castelo de Barnard, Lambert tinha o dever de tentar detê-los, enquanto aguardava auxílio, mas, como Hamilton — em Kirkby Thorne, entre Penrith e Appleby — também esperava reforços, todos trataram de manter suas respectivas posições. Os ingleses imaginavam que o inimigo cruzaria a cadeia Penina, na direção do Yorkshire: daí teria de vir a ajuda ou do recém-liberado exército de Cromwell.

Oliver vinha marchando com a rapidez possível, mas a distância a ser per-

corrida era imensa: da ponta sudoeste de Gales ao norte da Inglaterra. Exauri-

dos pelo cerco de Pembroke, os homens estavam bastante mal equipados. No

entanto, as notícias de um gigantesco exército escocês, seguindo para o sul, capaz de alcançar uma vitória dramática que destruiria tudo que fora obtido nos seis anos anteriores revitalizaram seu ânimo de militar e de político. Enviando boa parte da cavalaria na frente, ele se deslocou com uma força modesta — três

mil infantes e 1.200 cavaleiros; de Gloucester, em 24 de julho, escreveu à Comissão da Derby House, furioso, reclamando que seus “pobres soldados “Nascido William Hamilton, feito conde

irmão como duque de

É Hamilton.

de Lanark por Carlos I em 1639, sucedeu a seu

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desgastados” precisavam de sapatos e meias. Aguardando na fortaleza de

Warwick uma melhora geral da situação, só se moveu ante os apelos desesperados de Lambert e, em Leicester, recebeu três mil pares de sapatos e meias; por sorte, o prefeito e os conselheiros da cidade forneceram vinho, pão, açúcar, cer-

veja e tabaco em abundância. Cromwell ainda recrutou algumas tropas locais,

inclusive “quinhentos ou seiscentos cavaleiros” dos condados de Derby e

Nottingham, conforme relatório à Derby House, datado de 5 de agosto.'º Embora vinte anos mais moço, Lambert talvez não estivesse disposto a se

subordinar; nascido e criado no Yorkshire, sua beleza atraente e seus modos extrovertidos, que o tornavam muito querido entre os soldados, escondiam um

“cérebro sutil e bem pensante”, segundo Whitelocke. Antecipando-se a eventu-

ais problemas, porém, a Comissão da Derby House escreveu a Oliver, infor-

mando ter determinado de forma inequívoca não haver ninguém no norte que pudesse assumir o comando-em-chefe enquanto ele estivesse lá; e para dirimir quaisquer dúvidas, que intimara todos os comandantes locais a acatar suas ordens. Assegurado o mando, Cromwell dirigiu-se a Lambert, por volta do dia 4 de agosto, pedindo-lhe que evitasse os combates até que ele chegasse.” Convicto de que os realistas tentariam cruzar o condado, Lambert deixou a maior parte de suas tropas no castelo de Barnard, retirando-se para Otley, entre Knaresborough e Leeds, a fim de impedir que Hamilton aliviasse o sítio de Pontefract. Alhures, o vírus realista ainda contaminava o organismo in-

glês: os levantes continuavam e, ao longo de julho, ocorreram insurreições

em lugares distantes, como Horsham, no Sussex, e Hereford e Newark, nas Midlands. O governador do castelo de Scarborough declarou-se favorável ao rei, sem dúvida encorajado pelos escoceses; em contrapartida, o Mercurius Britannicus, veículo dos “cabeças-redondas”, acusava-os de “impor seus piolhos e seu presbitério”, sem levar em conta que muita gente na Inglaterra estaria menos interessada em pragas, ou teologia, do que no restabelecimento da antiga ordem social. Neste contexto, fazia sentido a marcha de Cromwell, sempre no rumo leste, atravessando áreas tradicionalmente puritanas, conseguindo reforços, e

sua determinação de impedir que Lambert entrasse em combate sem ele —

ignorando a força e as repercussões da campanha realista, era essencial não

dispersar o exército unificado do Parlamento.

No entardecer de 8 de agosto, em Doncaster, tendo recebido alguma munição de Hull, Cromwell empurrou de volta às profundezas de sua fortaleza

normanda os saqueadores realistas de Pontefract. Integrando a flor das tropas

sitiantes, ele deixou o cerco por conta dos soldados mais inexperientes que

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havia recrutado nas Midlands. No dia 12, finalmente, juntou-se a Lambert.

Houve alguma alegria e gritos de saudação, ante o surgimento de “um ótimo

exército, adestrado e pronto para a ação”.!? Oliver estimou-os em cerca de 8.600 homens. A questão era: que rumo haviam tomado os escoceses e onde poderiam ser atacados? Hamilton avançava lentamente, parando sempre. No

final de julho, parecia estar indo na direção do Lancashire, condado tradicio-

nalmente realista, que em tese lhe forneceria reforços. No entanto, bivacou em Kendal, na Westmoreland, onde se juntaram a ele os três mil escoceses comandados por sir George Munro, que se supunha no Uslter. Callander re-

cusou-se a aceitar esse veterano lutador como seu igual, e o resultado foi a decisão desastrosa de deixar essas excelentes tropas na retaguarda, em Kirkby Lonsdale, juntamente com outros dois regimentos do norte, esperando os canhões que viriam da Escócia. O corpo principal seguiu adiante, alcançando o castelo de Horny, cerca de 11km ao norte de Lancaster, no dia 9 de agosto. Era imperativo resolver de uma vez o rumo a tomar. Os escoceses — todas as suas facções — e seus aliados realistas ingleses poderiam cruzar as montanhas Peninas, dirigindo-se o mais rápido possível para a capital, ocupando o Yorkshire no caminho; a alternativa seria continuar através da costa noroeste, atravessando o Lancashire. Os relatos divergem sobre a razão que os terá leva-

do nessa direção. A versão de sir James Turner é bem plausível: afinal, ele esteve presente ao conselho que tomou tal deliberação. Segundo seu testemunho foi Hamilton que fez a escolha, não somente visando novos recrutamentos, mas ainda na esperança de unir-se às forças de /ord Byron, vindas do norte de Gales.

Langdale apoiou-o — desde uma expedição que fizera ao castelo de Skipton ele devia estar ciente da concentração de “cabeças-redondas”, em York —, assim como Baillie, comandante da infantaria. Callander não manifestou qualquer opinião. Foram Middleton, comandante da cavalaria, e o próprio Turner que propuseram evitar a região fechada, cheia de diques e cercas, mais favorável aos treinados homens de Oliver, exceto à sua cavalaria. Na planície do Yorkshire, por outro lado, os cavaleiros escoceses levariam vantagem. Mas a decisão esta-

va tomada e eles deixaram Horny no dia 14 de agosto. A hora da verdade também chegara para Cromwell e Lambert. É impor-

tante reconhecer

que,

muito

provavelmente,

Os realistas

não

teriam

tempo

para

cruzar todo o Yorkshire. Por outro lado, a decisão de Oliver, no dia 13 de agos-

to, de perseguir e fustigar os escoceses, constitufa-se numa autêntica jogada de

risco. Muito mais sensato, como destacou um soldado profissional, escrevendo acerca das campanhas internas, teria sido recuar na direção sul, cobrindo as

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estradas de Londres e “enviar patrulhas na direção oeste, a fim de localizar o

inimigo”.”* Todavia, planos cautelosos nem sempre caracterizam grandes generais. Melhor ainda seria bater em retirada, se bem que a perspectiva de uma

guerra prolongada e cansativa não agradasse a ninguém. O caráter de Cromwell impelia-o a tentar uma vitória rápida e decisiva, a fim de manter os ursos do norte

à distância e desestimulá-los de futuras travessuras.

Assim, ele e Lambert foram de Otley a Skipton, deixando a artilharia em

Knaresborough, com ordens de avançar diretamente no rumo oeste, região pantanosa, coberta de urzes em agosto, terra de cicatrizes arredondadas, elevações

semi-rochosas, boa para reconhecimento, talvez graças às suas gargantas e perspectivas das montanhas Peninas, mas pouco favorável a marchas. Apesar de tudo, eles alcançaram a fortaleza na noite de 14 de agosto. Daí em diante esten-

dia-se uma área de pastagens, através de contornos descendentes, até a estreita faixa costeira: em 24 horas chegaram a Gisburn Park. Foi logo depois, no limite entre o Lancashire e o Yorkshire, na ponte Hodder, a cerca de cinco quilômetros de Clitheroe, que Oliver tomou a decisão que o conduziria à sua mais

espetacular vitória.* Como acossar o inimigo? Hamilton estava em Preston, ci-

dade de uns três mil habitantes, perto do litoral, ao sul de Lancaster. De lá, evidentemente, seguiria seu caminho, sem alterar a rota. O estratagema óbvio — o plano judicioso —, visto que a perseguição fora tão longe, seria tomar o curso do Ribble, pela margem sul, bloqueando qualquer ofensiva contra a região central do país. Cromwell preferiu a margem norte, a fim de atacar os escoceses pela retaguarda, cortando suas possibilidades de recuo. Muito o ajudou a suposição — equivocada — de que as tropas de Munro estavam a caminho de Kirkby Lonsdale, a fim de juntar-se às de Hamilton em Preston. Imaginando-se em grande inferioridade, ele não poderia perder a chance de barrar esses reforços. Quando informou ao Parlamento que enfrentara um exército inimigo de 21 mil homens com seus escassos 8.600 — na verda-

de, a proporção deve ter sido de um contra dois —, ele deu margem a comen-

tários de que teria se vangloriado demais; os números mencionados por Lambert indicam que seus regimentos reuniam mais de 12 mil soldados."

Pode-se supor algum exagero de sua parte, mas uma falsificação do relatório

oficial da batalha, posteriormente impresso, é menos provável. Posta de lado

*Desconhecendo a área, Oliver se referiu, mais tarde, à ponte sobre o Ribble, quando na verdade pisava outra, sobre o Hodder, um de seus tributários, e cujas ruínas magníficas ainda podem ser vistas.

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essa questão, o combate representou uma aposta muitíssimo alta, pois a derrota deixaria escancaradas as portas do sul, enquanto a vitória significaria, sem sombra de dúvida, um desastre incalculável para os escoceses. Não existe relato mais claro ou mais dramático sobre o raciocínio que levou Cromwell a assumir esse ponto de vista, exceto o seu próprio: “Consideramos se deveríamos (...) nos interpor entre o inimigo e seu avanço rumo ao Lancashire, e daí para o sul, visto que tínhamos alguma informação de que essa era sua intenção (...) ou marchar imediatamente sobre a referida ponte (...) e enfrentar o inimigo, que iria resistir no local (...).” O texto contém uma sentença categórica: “Concluímos que fazer face ao inimigo era assunto nosso...”1é Portanto, o exército passou a noite de 16 acampado, em Stonyhurst Hall, a cerca de 19 quilômetros de Preston, na margem norte do rio. Cromwell dormiu na casa de um certo sr. Sherbourne, “um papista”, segundo o capitão Hodgson, da sua guarda avançada; hoje nela se abriga uma conceituada escola jesuíta. O mais extraordinário é que Hamilton nem desconfiava da presença tão próxima do Exército de Novo Tipo — a responsabilidade de coletar informações cabia a Langdale. Isso o levara a algumas escaramuças com as patrulhas avançadas de Oliver, uma delas envolvendo os homens do capitão Henry Cromwell, perto de Skipton. No próprio dia 16, em Waddow, a pouca distância de Clitheroe, alguns cavaleiros realistas foram capturados, mas nem assim os escoceses se dispuseram a encarar a dura realidade, sentindose inteiramente livres para deslocar o grosso da sua cavalaria, sob o comando de Middleton, até Wigan, ao sul de Preston, do outro lado do rio. Na noite de 16, talvez tenham suspeitado de algo, mas já sem tempo de chamar Middleton de volta. No dia seguinte, 17 de agosto, desde cedo os homens de Cromwell já estavam posicionados e em condições de descer como

assírios sobre aquele rebanho indefeso.

Foi, é claro, a vanguarda realista de Langdale, em Longridge, que os soldados de Cromwell encontraram primeiro, travando-se então uma violenta luta corpo a corpo. Hamilton tomou ciência do ocorrido nos pântanos, a quase dois quilômetros da cidade, onde estava envolvido no complicado processo de fazer o restante do seu exército atravessar o Ribble, pela ponte de Preston, no rasto da cavalaria avançada de Middleton. Sem se dar conta da urgência

da situação e fiado na sua vantagem numérica, ele sequer interrompeu a travessia, ordenando ao comandante realista, com seus 3.600 soldados, que detivesse o que de fato era toda a força de ataque do Exército de Novo

Tipo.

Quando sir Marmaduke retornou a seus homens, encontrou-os escondidos na

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estrada Preston-—Skipton, defronte ao campo aberto de Ribbleton Moor. Nessa estreita faixa, excepcionalmente afundada pela formação natural e inundada pe-

las chuvas de verão, transcorreram os estágios iniciais da batalha.* Antes mesmo que a maior parte das tropas de Oliver pudesse se alinhar, ele ordenou que sua guarda avançada, composta de duzentos cavaleiros e seiscentos infantes, comandada pelos majores Smithson e Pownell, limpasse a vereda. Seria preciso coragem e alguma fé, e Hodgson nos conta que eles solicitaram um pouco de paciência e tempo para se preparar. Mas o general simplesmente gritou: “Marchem”, e eles marcharam.”

Por volta das quatro horas da tarde, Cromwell considerou já dispor de tro-

pa suficiente para tomar a iniciativa: “Resolvemos que os enfrentaríamos, se possível àquela noite (...)”, escreveu ele. O plano consistia em limpar a estrada

com cargas de mosquetes e lanças, a fim de fazer passar por ela, apesar de

“muito cavada e ruim”, uma carga de cavalaria; seria uma manobra reminiscente do bem-sucedido ataque de Langport. Contudo, o terreno estava tão alagado que a limpeza ficou a cargo da infantaria, em desesperados combates corpo a corpo, nos quais se sucediam o “empurrão de lanças” e o “fogo à queima-roupa?; posteriormente, ele rendeu homenagem à bravura dos soldados do coronel Bright, ao regimento de Fairfax e aos homens de Read e Ashton, que abriram caminho expondo o peito aos mosquetes do inimigo. Assim mesmo, a

teimosa determinação dos homens de Langdale, inferiores em número, não cedia. Hodgson elogiou os corajosos contingentes do Lancashire e sua dura resistência, referindo-se a “homens tão firmes como não se vêem em lugar nenhum?. O pobre Langdale não recebeu reforços de Hamilton, além de uns poucos lanceiros escoceses, e mais tarde confessou a sir Henry Slingsby que se tivesse pelo menos mil, em condições de flanquear o inimigo, “teria ganhado o

dia”.'º Porém, naquele momento, a proporção se invertera a favor de Cromwell,

dois para um. Depois de seis horas paralisado, finalmente, o Exército de Novo

Tipo superou o obstáculo e pôs em debandada os bravos realistas. Passando velozmente por Preston, as tropas de Cromwell lançaram-se sobre os soldados que cruzavam a ponte. A manobra era muito demorada, mas Callander teimara em levá-la a cabo. Na confusão que se seguiu, Hamilton ordenou o retorno da cavalaria, tentando uma junção com as forças de sir George

*O terreno ainda mantém a mesma configuração pantanosa, atualmente dividido em pequenos lotes destinados a plantações, apesar do crescimento urbano. Corta-o uma estrada principal, chamada Cromwell Road, e três vicinais, a Langdale Road, a Lambert Road e a Hamilton Road, um tributo à imaginação dos vereadores da cidade, no século XIX.

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Monro, que avançava; como resultado, seus homens foram caçados pelos de Oliver, afastando-se da batalha, na direção de Lancaster, ao norte. Não lhe fal. tou coragem em ação, e segundo sir James Turner, “ele mostrou uma rara intrepidez pessoal”. Golpeando com a espada um infante acovardado, conclamou os

demais a “atacar de novo, pelo rei Carlos”.” Reduzido a um pequeno grupo

que incluía Langdale, Turner e alguns homens de sua própria infantaria, provou

que heroísmo e visão estratégica são coisas inteiramente distintas. Afinal, só conseguiu voltar ao corpo principal de seu exército a nado. Na margem sul, Baillie formou a infantaria realista, pouco acima da ponte do Ribble, nas cercanias de Walton Hall, em Church Brow Hill, uma colina

que se sobrepunha à cidade e de onde se descortinava toda a frenética cena, Situada num ponto em que o rio se alargava, independentemente do caudal provocado pelas chuvas, a ponte converteu-se na chave da batalha ou, segundo palavras de Cromwell, de “uma disputa feroz”. Turner testemunhou que o adversário tinha a vantagem de atacar de um acentuado declive, se bem que sob uma chuva de pedras. Venceram, empunhando suas lanças, e avançaram, subin-

do aquele afluente do Ribble a que Milton se referiu ao falar do “fluxo do Darwen, saturado com o sangue dos escoceses”. Conquistando outro pontilhão, eles asseguraram as encostas ao norte da colina e de Walton Hall, embora

Baillie tenha defendido a posição enquanto pôde. Quando a noite caiu, os dois lados deviam estar ansiosos por um pouco de alívio; o dia começara cedo para

ambos, mas fora cheio de surpresas e terror para os inimigos de Cromwell. Ao relento, os soldados do Exército de Novo Tipo sentiam-se exaustos, enchar-

cados e famintos; antes de dormir, porém, tiveram o prazer de encontrar o ouro

de Hamilton, que despencara de uma carroça virada. Sombrios, os realistas observaram o saque, “sem vontade de resgatá-lo”, disse Hodgson.?º

Os escoceses não puderam dormir. Preocupado em evitar que fugissem para o norte, Cromwell colocara seus guardas, tendo em mente que o núcleo principal do exército inimigo não se envolvera na batalha e ainda poderia estar

disposto à luta. Num rápido conselho de guerra, na metade da noite, igualmente molhados e cansados da batalha, eles decidiram seguir atrás da cavalaria de Middleton, que retornava apressadamente, pela estrada de Wigan. Mais uma

vez o plano era de Callander, e mais uma vez prevaleceu contra as dúvidas de Baillie e Turner, em dúvida quanto a uma retirada tão complexa. Como todos

os anteriores, foi melhor na teoria do que na prática. Executada em silêncio absoluto, durante algum tempo a manobra foi bem-sucedida. “Desgastados (...) ni o”, não percebemos a partida do inimig

confessou Cromwell. Mas os problemas

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dos escoceses estavam apenas começando. Supondo que sua munição fora per-

dida, eles descobriram que tinha sido abandonada nas mãos dos ingleses. Pior: Middleton retornou de Wigan através de uma estrada diferente, sem encontrar Hamilton. Já se sugeriu que o ruído dos cavalos é que chamou atenção para a

fuga que transcorria no meio da noite; de um jeito ou de outro, foi o coronel Thornhaugh, no comando de dois regimentos de cavalaria, que se defrontou com Middleton, e não os realistas. Na refrega que se seguiu, os homens de

Thornhaugh se saíram bem, o líder, ferido na testa, no peito e na coxa, morreu

pronunciando palavras edificantes: “Alegro-me, pois Deus me permitiu assistir à derrubada desse pérfido inimigo.”?! A partir daí, a batalha de Preston transformou-se numa corrida debaixo

de chuva — a cavalaria de Cromwell “perseguiu o inimigo, matando e fazen-

do prisioneiros pelo caminho”. Sem munição, o inimigo praticamente não

ofereceu resistência. Na noite de 18 de agosto, os campos em volta de Wigan estavam sujos e encharcados; segundo o relatório de Oliver, os soldados marcharam “vinte quilômetros em terreno tão ruim como eu nunca vira antes, completamente alagado”. Houve algumas escaramuças, mas combate mesmo só a cerca de cinco quilômetros de Warrington. Mais uma vez os combativos escoceses venderam caro a derrota. Baillie ofereceu a rendição da cidade em termos favoráveis, e Cromwell, considerando a força de sua posição, aceitou. O duque de Hamilton conseguiu escapar para o Cheshire juntamente com Langdale e cerca de três mil de seus cavaleiros. Cromwell não foi em seu encalço, admitindo com total franqueza que seus homens tinham esgotado as forças: “Se tivesse quinhentos cavaleiros e quinhentos infantes descansados, poderia tê-los destruído completamente.”22 Não se tratou de uma bravata, de modo

algum — no deslocamento de Knottingley, na luta, em Preston, e no seu desdo-

bramento, ao parar. Enfim, milton desceu ao governador do. Langdale

longo da costa do Lancashire, ele cobrira 225 quilômetros, sem a “questão escocesa” estava encerrada. Perdidos os dentes, Hapelas Midlands até Uttoxeter, no Staffordshire, onde se rendeu de Stafford, que contava com o apoio de Lambert, recém-chegafoi capturado numa taverna de Nottingham. Somente Callander

teve a sorte que não merecia e conseguiu evadir-se na direção do continente. A batalha de Preston, na Segunda Guerra Civil, equivaleu à de Naseby, na Primeira, liquidando as esperanças realistas. Refletindo um desespero sar-

antes de mais nada, e ao nariz de Cromwell (...).”2 Do lado perdedor, os

EE

só se ouvem os sons de triunfo e alegria, cantos e risos — graças ao Diabo,

Sa

cástico, um jornal da época publicou matéria, dizendo: “A irmandade calou, e

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mortos somaram dois mil, contando-se em milhares o número de prisioneiros

— Cromwell perdera apenas cem homens. Ele sequer imaginara tamanha

destruição, ainda que as circunstâncias lhe fossem favoráveis e os desastrados escoceses tivessem contribuído bastante para a vitória. Langdale, mal-informado, Callander, teimoso e equivocado, Hamilton, fraco no comando, sem falar na falha inicial — os crescentes atrasos —., nada disso pode ser subestimado; antes deve-se admitir que o exército escocês “arruinou-se num instante e por desorganização”, conforme escreveu Guthry:* Caso não existisse o concurso de tais fatores, Cromwell alcançaria um êxit o limitado e o exército escocês teria empreendido uma retirada em ordem. Mas

foi ele quem forçou a confrontação: sua velocidade e decisão levaram a que a

batalha se travasse justamente naquele local. O afortunado jogador deve rece-

ber o crédito pela coragem de lançar os dados — e, em Preston, isso determinou o sucesso. É importante notar, entretanto, que no relatório de batalha e em alusões posteriores, Oliver sempre deu mostras de estar bem consciente | do papel desempenhado pela Divina Providência — acreditava ter sido ajudado por algo que outros chamariam sorte ou análise correta da situação. Numa carta que escreveu, mais tarde, contou a história de “um pobre homem de Deus”, que em seu leito de morte, em Preston, na véspera da batalha, quando lhe disseram que o Exército de Novo Tipo estava chegando, pediu à mulher que trouxesse um punhado de grama — ela secaria ou não, agora que

fora cortada? Sim, a grama secaria, respondeu sua esposa. “Pois o mesmo

acontecerá aos escoceses”, disse o homem antes de expirar. O enredo se situa

perfeitamente no lírico relato de Cromwell sobre a batalha, em que seu traço

messiânico está mais acentuado do que nunca. Dirigida ao presidente da Câmara dos Comuns, e impressa sob a forma de panfleto, como muitos de seus relatórios anteriores, refere-se à mão de Deus, demolidora de tudo quanto se

baseie no auto-elogio.

Em caráter mais pessoal, dirigindo-se a seu primo St John, em 1º de setembro, ele volta a mencionar a gloriosa natureza de Deus — “Que tudo que

respira louve o Senhor”; ao seu “querido irmão”, sir Henry Vane, recomenda

que não desdenhe as manifestações divinas e que leia um capítulo de Isaías, um longo comentário acerca dos desejos dos maus — “E muitos dentre eles

tropeçarão e cairão, e serão quebrados, presos e levados”. Vane, com certeza, entendeu a citação. Anos mais tarde, quando perdeu o favor de Cromwell, ele se referiu ao incidente, dizendo temer “tanto sua a E) i ]

atividade do ex-companheiro.?

[própria] inércia”, quanto

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Naquela ocasião, Oliver tratou de levar sua atividade na direção do

Yorkshire, tentando postar-se entre o exército de Monro e a fronteira da Es-

cócia. Enquanto isso, ao sul, o projetado ataque naval do príncipe de Gales

fora abandonado. Beneficiado pelas notícias de Preston, Fairfax colheu a ren-

dição de Colchester e, embora os defensores tenham se colocado à mercê do Parlamento, não demonstrou muita misericórdia; furioso com aquele desne-

cessário derramamento de sangue, passou pelas armas dois ou três comandan-

tes realistas, acusando-os de trair o juramento que haviam feito ao término da

Primeira Guerra Civil. Perdoou sir Bernard Gascoigne pela surpreendente razão dele ser florentino: não queria sujeitar-se, ou a seus descendentes, a pos-

síveis vinganças em futuras visitas à Itália. Tal atitude contra os responsáveis por seus novos problemas era característica do exército. Cromwell mostrou-se sinceramente preocupado com a “triste viúva? do coronel Thornhaugh, manifestando o desejo de que o poder público cuidasse dela; em seu julgamento, Hamilton agradeceu cortesmente os gestos de compaixão para com os “pobres cavalheiros [escoceses] feridos” que ele deixara para trás, reconhecendo que [Cromwell] fizera “mais do que tinha prometido”. Os antigos soldados parlamentares, porém, não deviam es-

perar gentilezas.”* No entanto, o próprio Parlamento revelou pouco entusiasmo. A reação da Câmara dos Comuns às notícias da vitória enfatizou o abismo que a separava do exército. As diferenças se tornaram ainda mais

marcantes quando, no dia seguinte, o Voto de Nenhum Contato com o rei foi

derrubado. Preston, afinal de contas, não valera de nada à causa presbiteriana, nem para que se chegasse a um tratado pessoal com o soberano. Enquanto Oliver tomava o rumo do norte, no sul, o Parlamento, a cujos pés ele colocara sua vitória, envidava esforços no sentido de um acordo com o homem que ele julgava responsável pela situação que o levara à batalha. Em carta de 2 de setembro, a Jord Wharton, ele revela imensa preocupação.

Desincumbindo-se da agradável tarefa de parabenizar o amigo pelo nascimento

de um herdeiro varão, Oliver não resistiu a um amargo comentário a respeito

da deliberada ingratidão da Câmara dos Comuns:” “Sabeis da minha dificuldade em escrever uma única palavra que seja, mas imploro ao Senhor que nos sensibilize com uma parcela da Sua grande bondade, certamente muito superior à que (...) o Parlamento expressou.” Impossibilitado de encontrar Wharton pes-

soalmente, consolou-se com explosões epistolares: “Ah, como eles são bondosos com toda a sociedade de santos, desprezados e vaiados santos! Nos ridiculari-

zam — que seja! Se ao menos fôssemos realmente santos. Os melhores dentre

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nós — Deus o sabe — são santos pobres e fracos, mas ainda assim santos; ou, no mínimo, cordeiros que precisam ser alimentados. Temos o pão de cada dia (...) apesar de todos os inimigos.” Desgostoso com as coisas terrenas, pede ao companheiro que tome seu filho recém-nascido como mais uma “bênção” e “não conspire ou aja (...) para torná-lo grande (...) melhor dizer que pertence a Deus, que fará dele o que quiser, guiando-o”.* Em 12 de setembro, em Alnwick, Cromwell estava prestes a cruzar a divisa da Escócia, depois de ter feito uma pausa, em Durham, onde assistiu à

uma Ação de Graças. Ordenara que todo e qualquer escocês apanhado pelas estradas fosse preso, sem ser molestado. A Comissão da Derby House queria

que recuperasse as fortalezas fronteiriças, recentemente tomadas do Parlamento. Por isso que ele lançou uma conclamação a Ludovick Leslie, governador de Berwick, afirmando que não havia mais necessidade alguma de justificar a posição do Parlamento, visto que “o testemunho de Deus fora dado contra o exército invasor deste reino, que desejava estar em paz com vós e nenhum mal vos desejava (...) se recusardes a aceitar isso, seremos obrigados a lançar outro apelo a Deus, certos de sob Sua direção conseguirmos obter nossos direitos. (...) Ele haverá de nos julgar (...)”.2 Na Escócia, a derrota de Preston motivara uma reviravolta política — os moderados, responsáveis pelo primeiro apelo a Deus, tinham perdido espaço para os nobres e os clérigos. Personagem destacada, na nova conjuntura,

Archibald Campbell, primeiro marquês de Argyll, alto, magro, sobrancelhas arqueadas e cabelos ruivos, expressão sagaz, acentuada por um longo e incisivo nariz, era conhecido como g/ey'd Argyll, por causa do seu estrabismo; segundo Clarendon, “mesmo sem aparentar grandes virtudes à primeira vista, ele conse-

guia reconciliar inclusive os que o detestavam com uma boa conversa”.? Ou seja, Argyll tinha charme. Em 1637, já era considerado o súdito mais poderoso do reino, um tributo aos seus vastos domínios, a oeste da Escócia, € à sua posição de chefe de um poderoso clã — nas batalhas, os que o seguiam não gritavam vivas ao rei Stuart, mas a ele próprio, como se soberano fosse. Apaixonadamente religioso, inteligente e simpático, nada disso o impedia de

cambiar de posição a toda hora, fazendo e desfazendo compromissos. Refe-

“Os piedosos desejos de Cromwell quanto ao futuro bebê não se realizaram. O jovem, mais tarde primeiro marquês de Wharton, transformou-se nu m notório dissoluto, descrito por Swift como um adepto incurável de “vício e política” , talvez reagindo contra sua educ ação,

posto que o próprio Swift o chamou pelo pior de tod Os Os nomes: “ateu enxertado num herege”.

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rindo-se às jogadas políticas de que costumava participar, um jornal da época disse que ele não gostava de “usar todas as cartas da mesa”. Julgar um chefe escocês não seria tarefa fácil. No entanto, os ingleses teriam muito mais dif-

culdade em julgar um chefe escocês das Highlands do que um escritor, escre-

vendo sobre o próprio pai:

Nenhuma fé nos padrões dos tartans, nenhuma confiança nas cores dos calções das “highlands”.

Pode-se argumentar que Argyll estava motivado por novo tipo de patriotismo e que suas oscilações indicavam uma preocupação mais ampla com o futuro de seu país — que ele claramente identificava à ascendência do clã Campbell. O novo governo formado na Escócia, sob os auspícios do Comitê de Proprietários, evidenciou o declínio dos “envolvidos”. Desertando de sua antiga causa, Loudoun tornou-se chanceler; além disso, numa reação coletiva à política anterior, os camponeses de Ayrshire, extremistas religiosos conhecidos como whigs ou whiggamores,* iniciaram um levante armado. Uma aliança com Cromwell seria extremamente vantajosa para os homens que haviam acabado de se assenhorear do poder — muito melhor do que a perspectiva de continuar a guerra. A mudança de conjuntura foi devidamente explicada ao comandante in-

glês, que respondeu afirmando sua crença na possibilidade de aproximação entre

Os dois povos, desde que o Compromisso fosse eliminado. Em 18 de setembro, ele escreveu: “Diante do Senhor, que conhece o segredo de todos os corações, temos como verdadeiro que um dos objetivos especiais da Providência, ao permitir que Os inimigos de Deus e da bondade conseguissem alçar-se tão alto, exercitando sua

tirania sobre Seu povo, foi demonstrar a necessidade de união entre aqueles que o apóiam, nas duas nações (...). Seu último favor, ao nos conceder tão feliz sucesso contra nossos inimigos, pode servir de base à unidade (...).? Assim, cheio de cordialidade, Oliver transpôs os limites que separavam os dois países no dia 21 de setembro de 1648. Na mesma data escreveu ao Comitê de Proprietários descul-

pando-se pelos saques que seus homens tivessem praticado?! — não se justificavam, e as conversações deviam transcorrer num clima de amizade. *Origem da alcunha posteriormente atribuída ao Partido Liberal, na Inglaterra, da mesma

forma que os camponeses católicos da Irlanda acabaram gerando o apelido — originalmente insultuoso — do Partido Conservador: tory.

Do

Como os camaleões, elas mudam tanto...

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A nova liderança escocesa cavalgou ao seu encontro e, conforme relato do próprio Cromwell, tudo correu muitíssimo bem. Um dos emissários, escolhido por sua prudência, era o major Archibald Strachan, da seita escocesa, que com-

batera em Preston, e durante algum tempo eles trocaram satisfações “ref erentes

à integridade e sinceridade de cada um”. Oliver estava satisfeito de poder testemunhar que em Argyll, Elcho e outros cavalheiros não encontrara “nada além

do que se espera de cristãos e homens honrados”. A verdade é que, apesar de todos os ataques que haviam sido desferidos contra ele, acusações de incendiário, conspirações contra sua vida, combates cruentos, havia muito o que parti-

lhar com esses sinceros calvinistas. Um homem como Argyll, que se levant ava às 5h e rezava até as 8h, tinha muito em comum com Cromwell, que não só orava fervorosamente, mas ainda estimulava seus colegas, na Câmara dos Comuns, a fazerem o mesmo, inclusive através de relatórios de batalha. Igualmente exaltados na distribuição de bênçãos, os convencionais só o ultrapassavam em virtude de sua convicção na missão evangelizadora da nação escocesa; alguns deles chegavam a se comparar aos judeus — /ord Johnston de Warriston dizia existir “um paralelo muito próximo entre Israel e nossa Igreja”, e em seu diário ele se referiu às “duas únicas nações presas a um juramento ao Senhor (...)”.

Cromwell jamais concordaria com isso, mas o confronto só viria a ocorrer dois anos depois. Entrementes, ambos podiam dialogar na mesma língua. Em 2 de

outubro, em carta a Fairfax, ele afirmou: “Espero que haja um bom entendimento entre a parte honesta da Escócia e nós (...).”32

O entendimento foi avante. Lambert e o corpo principal do exército

acamparam, em Seaton, onde Cromwell se reuniu a eles, ao passo que Argyill apressou-se em voltar a Edimburgo. O Comitê de Proprietários convidou os ingleses a visitar a capital. Na quarta-feira, dia 4 de outubro, Cromwell entrou em Edimburgo, sendo recebido — assim giram as rodas da história — com “toda a solenidade” e o respeito devido ao “libertador de seu país”. Durante três dias ele permaneceu hospedado na residência da condessa de

Moray,* na estreita mas aristocrática e histórica Canongate, defronte aos am-

plos jardins que se estendiam até o Holyrood Park, com vista para a grande

rocha de Arthur's Seat [Cadeira de Arthur]. A hospitalidade escocesa brindou os comandantes do exército inglês com um Jantar num castelo, conduzindo-os em carruagens, através das ruas da cidade, ao encontro de Argyll e SA casa ainda existe — com uma pequena coroa or namentada com o M, de Moray, sobre uma janela; atualmente, lá funciona um curso superi or de educação .

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Johnston de Warriston, que censurara energicamente os “envolvidos”, segun-

do o bispo Burnet, seu sobrinho, “sem mostrar qualquer inquietação consigo ou sua família, embora tivesse 13 filhos, pois considerava o presbitério mais

importante do que tudo no mundo”. Em tais circunstâncias, e com o exército de Lambert em Seaton, Cromwell pôde assegurar o afastamento de todos os

“indesejados” dos postos de confiança. Monro curvou-se à dissolução de suas tropas. No dia 6 de outubro, Loudoun disse a Cromwell que havia unanimi-

dade acerca de seus termos. Houve algum ranger de dentes, por certo, e cava-

los roubados, mas nada disso perturbou a trangiilidade de Oliver?

Obviamente, mesmo no curto período de tempo que duraram as discus-

sões, o destino das duas nações e o do soberano que compartilhavam há de ter sido acertado. O início de outubro foi um momento especialmente delicado no sul. Para desgosto do exército, o Parlamento dera consegiiência à eliminação do Voto de Nenhum Contato com uma renovada tentativa de adaptação ao

rei e, através dos presbiterianos, vinha elaborando os termos do Tratado de

Newport [cidade situada na ilha de Wight]. Holles, é claro, nunca deixara de olhar para trás, temendo pela sua vida. Os /evellers continuavam a pressionar em prol do tipo de governo definido no Compromisso do Povo, enviando à Cãmara dos Comuns uma série de petições maiores e menores, e Vane insistia na aplicação das Propostas do Exército. De sua parte, o monarca sugeriu que se

experimentasse o presbiterianismo, por três anos, estendendo-se às demais seitas uma tolerância limitada; a milícia ficaria sob o controle do Parlamento

durante uma década. Os Comuns haviam acabado de rejeitar isso quando Cromwell chegou a Edimburgo, e Carlos I aproveitou o tempo para imaginar novas possíveis concessões e tramar outra fuga. No continente, a paz fora finalmente alcançada, e o Tratado de Westfália o encorajava a buscar apoio externo, livre de responsabilidades. Sem nenhum contato permanente com os meios políticos, em Londres, e ignorando o que se passava na ilha de Wight e nos Conselhos do Exército, Oliver permanecia atado às conversas com seus hospedeiros. Os regis-

tros das conversações que mantiveram — segundo o testemunho dos escoceses — foram utilizados para acusá-lo de hipocrisia. Num dos encontros, expressando sua opinião com “palavras floreadas”, os olhos de Cromwell teriam se umedecido, o que levou o célebre pastor presbiteriano Robert

Blair a chamá-lo de “demônio chorão”. Numa hora de máxima incerteza, enfrentando os articulados escoceses, o satã lacrimejante não deixava de ser simpático. Mais sério do que a acusação de impostura foi o ataque de

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Montrose, reproduzido por Clarendon, de que ele e Argyll estavam dec;. dindo a destruição da monarquia — não necessariamente a morte do rei, mas “seu encarceramento e um governo que o excluísse”. O autor da de-

núncia afirmava que, de regresso a Londres, Cromwell se vangloriava disso

mais do que da vitória obtida em Preston. Em suas Memórias, mesmo reconhecendo que “ninguém pode saber o que se passou entre eles”, Guthry admitiu a crença geral de que Cromwell comunicara aos escoceses seus pla-

nos relativos ao monarca, recebendo deles total aprovação. Mas discussões não significam um plano. Oliver pode perfeitamente ter sondado a reação de Argyll a uma Inglaterra sem monarquia — algo que ainda suscitava suas dúvidas —, obtendo do chefe dos Campbell uma cautelosa

aceitação. Isso é muito diferente de um acordo secreto. No seu julgamento e no cadafalso, o marquês sempre jurou que tal combinação jamais ocorrera, demonstrando grande alívio ao ser absolvido de ter tomado parte na morte de Carlos I, embora condenado por várias outras acusações. Ademais, no início de outubro de 1648, seria realmente muito pouco provável que Oliver já tivesse opinião formada sobre o destino final do soberano — naquele momento não cabiam cogitações desse quilate. A situação no sul era tão fluida que até mesmo a opinião do exército podia mudar de um dia para o outro. A extrema neurose revelada nas famosas cartas escritas a “Robin” Hammond (analisadas em capítulo posterior) é típica de um homem angustiado e indeciso. Assim, em 9 de outubro, de Dalhousie, Cromwell enviou ao presidente da

Câmara dos Comuns um relatório informando sobre a dissolução de todas as

forças escocesas. Dirigindo-se ao sul, via Carlisle e Newcastle, onde foi festejado pelo prefeito, ele alcançou Durham no dia 20 de outubro. Lá o aguardavam assuntos eminentemente práticos, relacionados à pacificação de todo O norte da Inglaterra, além de um documento da comissão de York, reivindicando a tomada do castelo de Pontefract. Nas seis semanas seguintes, cruciais

na história inglesa, enquanto outros participavam de conferências, projetando idéias, Oliver estaria envolvido em questões militares, a quase quinhentos

quilômetros de Londres — um fim inevitável de uma guerra que ele sempre considerara desnecessária e mortificante.

Ef Rosa 11

Providência e necessidade

Desde que a Providência e a necessidade os lançaram a isto só cabia rogar a Deus que abençoasse seu julgamento. CROMWELL NO JULGAMENTO DO REI, 26 de dezembro de 1648

demora de Cromwell diante de Pontefract se prolongaria de forma surpreendente, sinistra mesmo, até o final de novembro, obrigando-o a uma ausência de sete meses da capital. Entretanto, é indubitável que sem a ocupação da fortaleza a Segunda Guerra Civil não seria encerrada. Das proximidades de Knottingley, ele planejou o cerco como se fosse uma batalha. Construído na rocha, o castelo era de difícil acesso: cercadas por um largo fosso

cheio d'água, suas altas torres, reminiscência dos dias sombrios de Ricardo II, não poderiam ser escaladas nem derrubadas. Durante algumas alegres tréguas, houve brindes entre os “irmãos cabeças-redondas” e os “irmãos cavaleiros”, mas a correspondência de Oliver nunca cessou de suplicar por supri-

mentos, fazendo menção a detalhes administrativos ligados à pacificação do norte, inclusive os humildes problemas de uma certa sra. Gray, que queria vi-

sitar o irmão doente na fortaleza sitiada, e os de outra pobre mulher, sem

meios de alimentar sua própria família, mas compelida — “muito além de

suas possibilidades” — a dar alojamento aos soldados.!

Persistindo em sua audácia e confiantes na base de que dispunham, os realis-

tas desfecharam um ataque no fim de outubro. Levando uma suposta mensagem

de Cromwell, quatro cavaleiros penetraram no acampamento do coronel Rainsborough, em Doncaster, e o segiestraram; no tumulto que se seguiu ele tentou escapar, mas foi morto. O plano era trocá-lo por sir Marmaduke Langdale que,

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ironicamente, escapara do castelo de Nottingham no dia anterior. O fato provo-

cou sensação no Parlamento, atribuída à reputação de Rainsborough, que nos debates de Putney fora um dos primeiros a sugerir o julgamento do rei; O Próprio Cromwell se encarregou de identificar e punir os assassinos,

No sul, crescia a consciência do Conselho do Exército de que muito pouca

coisa adviria do rei ou do Parlamento, exceto procrastinações astutas e pusilanimidade ante os responsáveis pela Segunda Guerra Civil. Na aus ência de Cromwell, Henry Ireton — segundo Burnet, “dotado dos princípios e do temperamento de um Cassius” — desempenhou um papel decisi vo. A Carlos I, tendo em vista as boas possibilidades de ajuda externa, interessa va manter o Tratado

de Newport em suspenso (na verdade, “negociações” de Newport). A Europa era

um foco de otimismo, e ainda mais a Irlanda, onde se operara outra comple ta reversão de alianças, e o enérgico Ormonde estava prestes a concluir um acordo

com os católicos. O monarca lhe escreveu nos seguintes termos: “Po deis ouvir que esse tratado está próximo de ser concluído, ou que isso seja plausível , mas não deveis dar crédito a tais rumores, antes seguir pelo caminho que ora tril hais, com todo o denodo, transmitindo minhas ordens a todos os vossos amigos, em sigilo, porém.” A advertência, bem característica do rei, daria ensejo, por exemplo,

a que ele ordenasse o recuo nas negociações, caso preferisse fazer novas concessões ao Parlamento. Toda duplicidade se justifica, desde que permitisse a salvação dos direitos essenciais da Coroa. Face à constância da nação, ao longo de seis anos, suas concepções não tinham se alterado um milímetro sequer. Em Wight, deleitava-se copiando versos de Claudiano, poeta da corte de Honório, imp erador

de Roma, segundo o qual seria errado chamar de escravidão o serviço prestado a um príncipe — nunguam libertas gratior extat quam sub Rege pio [ninguém é mais

livre do que sob um rei valoroso] —, doutrina ridiculamente descompassada com

as posições firmemente defendidas por seus súditos. O próprio Clarendon escreveu, mais tarde, que a queda do rei, cercada de tantas circunstâncias milagrosas,

“segundo alguns acreditavam (...) estaria escrita nos astros”2

O estado de espírito dos soldados estava expresso na sua Admoestação, cujo preâmbulo fora elaborado por Ireton. Chamada por Whitelocke de “primeira manifestação de vontade contra o rei”, discutida ainda sob a forma de rascunho,

em St Albans, no dia 7 de novembro, tratava-se de um documento cheio de có-

lera, que exigia o imediato expurgo do Parlamento e o Julgamento do monarca

e de outros grandes responsáveis pelo recente conflito. Acusava as criaturas do Parlamento que desejavam “reconduzir ao trono” um soberano que traíra à confiança nele depositada, “culpado de todo o derra mamento de sangue ocorri-

do nas guerras internas”, juntamente com os que haviam “planejado e apoiado”

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273

a carnificina. A única solução, neste caso, seria punir de forma justa e imparcial “monarca, lorde ou o mais puro homem comum”. O texto só foi aprovado no dia 16 de novembro, vencidos os derradeiros escrúpulos dos que se opunham aos elementos radicais — como em Putney, um ano antes, Fairfax continuava preocupado e hostil diante de qualquer plano que envolvesse a derrubada do

governo. A adesão do exército do norte foi decisiva. Em 2 de novembro, o secretário de Cromwell, em Pontefract, Robert Spavin, manifestara seu otimismo:

“Creio que Deus vai quebrar este grande ídolo do Parlamento e aquela tosca forma de governo bicameral, apoiada no rei.” No dia 10, representantes dos re-

gimentos do norte endossaram as petições dos regimentos do sul.? Acerca das idéias de Cromwell, já não há tanta certeza. Sobre o que lhe ia nalma, John Lilburne, liberto da Torre de Londres desde agosto, nos fornece uma visão interessante, de um homem bastante afastado do pensamento radical. Em Pontefract, onde se encontraram, ele parecia mais “exaltado” do que entusiasmado no que tange às “Liberdades da Nação”. Apesar disso, considerou útil que /evellers e “independentes” se reunissem — em Putney aprendera que era melhor ter os “duros” ao seu lado. De qualquer forma, no dia 15 de novembro, na taberna Nag's Head, representantes daquela facção estabeleceram contato com Ireton, Hugh Peter e o coronel Harrison, e algumas importantes modificações de última hora foram introduzidas na Admoestação, aproximando-a das linhas gerais do Compromisso. Repleta de revelações pessoais de incerteza é a primeira das duas cartas íntimas escritas por Cromwell ao seu primo “Robin? Hammond, que guarda-

va o rei, na ilha de Wight.º Datada de 6 de novembro, seu texto obscuro menciona uma série de codinomes e apelidos, nem todos identificáveis. Dela emergem, entretanto, alguns indicadores do pensamento de Cromwell, menos

hostil aos Jevellers do que já fora antes, provavelmente em consegiiência da

reação presbiteriana: a certa altura, ele aduz ao que se contrapõe a eles, referindo-se a “alguma coisa amaldiçoada (...)”.

Ao mesmo tempo, o intricado segundo parágrafo deixa claro que ele ain-

da prefere o presbitério, capaz de conter o rei melhor do que o episcopado

moderado: “Se minha lógica está correta, seria mais fácil [para Carlos I] ti-

ranizar com a ajuda dos que servem à sua causa [isto é, o episcopado] do que amparado em algo que notoriamente o desgosta.” Nesse contexto, ele defende fortemente a aliança escocesa, argumentando contra os que o acusaram de fraqueza ante os presbiterianos: “De todo o meu coração, confesso que tenho rezado e espero o dia em que possa haver união e entendimento correto entre os povos de Deus — escoceses, ingleses, judeus, não-judeus, presbi-

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terianos, “independentes”, anabatistas e todos os demais.” Posto que os escoceses admitiram seus erros, unir-se a eles não fora “um trabalho mais glorioso

(...) do que se tivéssemos saqueado e destruído Edimburgo e os castelos que conquistamos, estendido a ocupação de Tweed às Orcades”? Aniquilá-los,

como sugerira um amigo, teria sido “não somente impossível, de um ponto de vista prático, como ainda anticristão”. A carta não contém uma única palavra contra a aceitação do Tratado de Newport, apesar da linguagem velada e frases como “a Paz só é boa quando a recebemos das mãos de nosso Pai Er O julgamento do rei também não é mencionado. De fato, seu conteúdo não

evidencia nenhuma posição definida a respeito de quaisquer das questões vitais que estavam sendo decididas no sul. No geral, a atitude de Cromwell

pode ser resumida numa frase em que ele se refere aos escoceses: “Inocência e integridade não perdem nada com a paciência de esperar pelo Senhor” No dia 20 de novembro, todavia, data em que a Admoestação foi apresentada à Câmara dos Comuns — sua leitura em voz alta consumiu quatro horas —, a carta de Cromwell a Fairfax, enviando-lhe algumas petições de apoio do exército, mostra que ele tendia, ainda que cautelosamente, para as posições mais radicais:* “Acho que a explanação dos regimentos faz muito sentido quando relaciona os sofrimentos e a ruína deste pobre reino (...) e revela grande zelo ao reivindicar que os criminosos sejam submetidos a uma justiça imparcial (...) de

pleno acordo com eles, verifico, penso e estou persuadido de que Deus coloca coisas em nossos corações.” Cinco dias mais tarde, a segunda carta refletia algum nível de decisão, forjando-se na bigorna de sua consciência.” Parcialmente inspirada em decla-

rações do próprio Hammond, que se distanciava dos argumentos do exército, ela contém a mais explícita das afirmações que Oliver fizera, até então, sobre sua crença nos sinais da vontade de Deus. Começa pedindo que o destinatário os examine: “Cada um de nós tem sua cota de manifestações explícitas, se po-

demos falar assim, da admirável Providência e aparições do Senhor. Sua presença está entre nós, e pela luz de sua aprovação temos prevalecido.” O primo é instado a lembrar-se de como Deus o havia buscado, a ele, Oliver,

apesar de seu desejo de retirar-se, tão logo o rei fugitivo foi encerrado na ilha de Wight. Diante da sucessão de fenômenos divinos, ele é bastante corajoso para afirmar que “não são os malvados que devem ser exaltados fe De volta às questões políticas, Cromwell se indaga sobre a legalidade da resistência ao Parlamento, afirmando que, todavia, nenhuma autoridade é oni-

potente, e “todos estão de acordo em que há casos nos quais é certo resistir”.

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Portanto, Hammond deveria verificar, antes de mais nada, se a Salus Populi —

a segurança do povo, enquanto lei suprema — era uma proposição correta.* Segundo, se nos entendimentos em curso isso estava sendo devidamente con-

siderado, ou “todos os frutos da guerra” não estariam sendo frustrados, “existindo grande possibilidade de um retorno à situação anterior ou algo pior”. Terceiro, que o exército poderia estar constituído num poder legal em si mes-

mo, chamado por Deus a se opor e lutar contra o rei — nesse caso, suas ações

estariam justificadas in foro humano, com base nos interesses da humanidade.

Pensando em voz alta, Cromwell reitera suas observações a respeito dos sinais divinos e das importantes vitórias obtidas na Segunda Guerra Civil: “Tais indícios, constantes e desanuviados, têm com certeza algum significado. Malícia, confirmada malícia contra o povo de Deus, a quem agora chamam de Santos, com o fito de banir qualquer referência a ele, embora esteja devidamente armado e tenha sido abençoado com o encargo da defesa e muito mais.” A crescente insatisfação não seria também um sinal? “O que pensas da Providência, dispondo assim os corações de tanta gente, especialmente nesse

pobre exército, ao qual o grande Deus condescendeu em aparecer (...)?” Numa frase significativa, ele descreveu como “o exército do norte se mantivera na expectativa, querendo saber aonde nos levaria o Senhor”. Foram guiados. No final, há uma nota sombria relativa ao rei e aos que “não julgam”, muitos deles seus amigos, orientados pela “passividade” e pela crença equivo-

cada de que sempre se chegará ao bem, de um jeito ou de outro. “O bem des-

te Homem!” — Carlos I —, verberava Cromwell, contra quem o Senhor testemunhara, e que Hammond conhecia tão de perto. Vê-se, pois, que mesmo no norte, e conservando ainda uma certa esperança,

Oliver vinha avançando em suas posições, consoante a apresentação dos planos

do exército se tornava mais explícita e graças à confirmação de cada uma de

suas próprias indagações. No sul, entretanto, devido à precipitação dos fatos, e

muito antes de Hammond receber essa segunda carta, uma verdadeira revolução forneceu a Cromwell muito mais revelações a considerar e interpretar. O texto final da Admoestação colocava a Câmara dos Comuns diante de um

desafio radical, impossível de ser ignorado. É verdade que a par de exigir um Julgamento para o rei, não postulava a extinção da monarquia, limitando-se a “A doutrina que concebia a Salus Populi Suprema Lex servira, na Admoestação, como funda-

mento do direito moral do exército para atacar o monarca; atribuindo a soberania ao povo, considerava que o contrato entre governantes e governados, uma vez rompido — como

Carlos I o fizera —, tornava a revolta legítima.*

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sugerir a diminuição de suas pompas, pelo menos durante alguns anos, enquanto o custo das guerras não fosse coberto; ficava aberta a porta por onde poderia transitar uma regência e resguardados os direitos do pequeno duque

de York. Aos apreensivos ouvidos dos parlamentares, mirando os soldados de

esguelha, mais importante que a dissolução do Parlamento, impertinentemen-

te solicitada, era a demanda em prol de um sistema eleitoral muito mais democrático — sentia-se aí a marca indelével dos /evellers. Com otimismo superior à sabedoria, decidiu-se adiar a discussão — uma semana seria o

bastante — na expectativa de que Carlos I fortaleceria suas posições, respon-

dendo favoravelmente às propostas de entendimento. Porém, quando se soube

de sua última palavra, constatou-se que não admitia a abolição do episcopado — e rogava a extensão do prazo permitido à reflexão. Esgotada a sua paciência, o exército movia-se inexoravelmente, como o tempo e as marés. Em 26 de novembro, reunido em Windsor, após as orações, o Conselho Geral considerou “a grande questão em pauta”. O Parlamento deveria ser dissolvido ou expurgado, preservada apenas a minoria radical — aparentemente, essa minoria derrubou a oposição de Ireton e optou pelo expurgo. No dia seguinte, a Câmara dos Comuns voltou a adiar o debate sobre a Admoestação; passadas mais 24 horas, o Conselho decidiu deslocar o exército na direção de Londres. A marcha fatal efetuou-se em 1º de dezembro, provocando a mesma onda de medo que atingira os habitantes da capital, em consequência da incursão militar do verão anterior. O rei foi transferido de Wight para o castelo de Hurst, e Hammond substituído por um carcereiro mais determinado, na pessoa do coronel Ewer. Enquanto Carlos I fazia longas caminhadas pelo litoral gelado do Solent, a Câmara dos Comuns correu para sua ruína final com a velocidade de um rebanho de gado, se bem que demonstrando certa dose de coragem ao rejei-

tar, afinal, a Admoestação — 125 votos contra 58. Curvando-se à exigência de quarenta mil libras cobradas por Fairfax ao prefeito da cidade, em virtude do

aquartelamento das tropas, o Parlamento teve seu destino selado ao longo dos

debates que se seguiram às respostas do monarca, durante os quais um

número substancial dos membros sugeriu que o rei fizera concessões suficientes ao restabelecimento da paz. Na chuvosa segunda-feira, dia 4 de dezembro, o exército acampou no Hyde Park.

Onde estava Cromwell, enquanto essa controvérsia entre o exército e o Par-

lamento tinha curso? No norte, sustentando uma deliberada “postura de expectativa”. Publicada em 22 de novembro, a Admoestação terá sido recebida em

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Knottingley no dia seguinte, o mais tardar no dia 24. Cromwell escreveu ao seu

comandante uma carta sem data, provavelmente entre 23 e 25:4 “Lemos sua declaração e não vimos nela nada que não esteja de acordo com o que dizem e propõem bons e honestos cristãos e homens íntegros. Convém volver os olhos a

Deus, único capaz de mudar os corações no sentido das coisas justas que

expressais (...).”? Na esperança de um próximo encontro, informava sua partida,

marcada para a terça-feira seguinte — 28 de novembro. Mas naquele dia a mensagem de Fairfax, convocando-o “com toda a rapidez e conveniência possível”? a Windsor, ainda o alcançou: em trânsito, não pode ter demorado mais que 48 horas. Partiu, finalmente, na sexta-feira, 1º de dezembro, deixando o cerco

de Pontefract em outras mãos, e chegou a Londres na quarta-feira, 6 de dezem-

bro. À conclusão que se pode tirar dessa viagem de cinco dias, num período tão tumultuado, óbvia e compartilhada pelos contemporâneos, é que ele assim o quis, a fim de evitar a capital, antes que o expurgo tivesse começado. É plausível que Cromwell ainda esperasse, à margem de qualquer esperança, que a Câmara dos Comuns assumisse a responsabilidade de sua própria reforma. Em contraste com outros oficiais do exército, ele desempenhava o duplo papel de membro do Parlamento e líder militar, e nunca abandonou a consideração pelos princípios parlamentares, mesmo que algumas vezes a exasperação o tenha levado

a violá-los. O uso da força contra um corpo de representantes era questão muito

delicada, e, embora a correspondência anterior entre ele e Ireton sobre o assunto

tenha desaparecido — por boas razões de segurança, é claro —, com certeza ela terá existido. Cromwell, apesar da ausência, devia estar bem informado acerca das propostas de depuração. Em janeiro, discutindo com seu camarada sobre a fixação de prazos, ele considerou “honroso e conveniente” que o debate fosse travado pela própria Câmara dos Comuns; posteriormente, logo após o Rump,** afirmou ter desejado que “aqueles homens deixassem seus cargos com honra” e que ele próprio, na condição de membro do Parlamento, exercera infindáveis pressões nesse sentido, “uma vez e outra, e ainda outra, e mais de dez, e mais de vinte”.”? Fora, entretanto, a vontade de Deus.

Ao chegar a Londres, no entardecer do dia 6 de dezembro, e sabedor da forma dramática que o expurgo assumira, Cromwell disse a Ludlow que sua atitude *Ver David Underdown, Pride's Purge, p. 149, e nota de rodapé 17, que corrige W. S. Abbott, na sua tentativa de datá-la de 29 de novembro, deixando um espaço muito grande

entre a divulgação da Admoestação e sua tomada de consciência, por parte de Cromwell, e o

seu comentário a respeito com Fairfax, além de ignorar o dia de sua partida de Pontefract,

indubitavelmente, 1º de dezembro. **Literalmente, “Rabo” do Parlamento Longo, afinal dissolvido violentamente. (N. do T.)

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fora determinada pela Providência; desconhecendo previamente as medidas, ele

não deixou de aprová-las e declarou que “lutaria para que fossem mantidas”, Tudo acontecera tão apressadamente que pode até ser verdade — o comité de ofi-

ciais havia rejeitado a dissolução do Parlamento na véspera, quando Cro mwell estava a caminho, só podendo estar inteirado do assunto por intermédio de Ireton. Improvisado, na sua execução, o expurgo começou às 7h: os soldados cercaram a Câmara dos Comuns e barraram a entrada dos membros. Pride, baluarte do radicalismo, carroceiro ou cervejeiro na juventude, veterano de

Naseby e Preston, tinha nas mãos uma lista com o nome dos proscritos, identificados com a ajuda de lord Grey de Groby, par do reino, mas ativo partidário dos “cabeças-redondas”, dotado de uma “boa natureza crédula”, o que lhe permitiu tomar parte no estranho ritual. Ainda que discordando da medida, William Prynne cedeu à força da espada do coronel; ele e outros parlamentares foram impedidos de entrar — os que resistiam eram presos, e 39 passaram a noite numa taberna, o “Inferno”, inclusive os sete mais idosos, que recusaram a liberdade sob palavra, alegando-se ofendidos em sua honra. Na manhã seguinte, os oitenta restantes assistiram à reaparição de Cromwell, e Henry Marten discursou, afirmando que se Tophet fora preparada para os reis, nada mais justo do que seus adeptos serem confinados ao Inferno. Possivelmente brincando, ele indicou ao plenário a oportunidade de um elogio aos méritos de Oliver. No entanto, sir Henry Vane aceitou o repto e propôs que a idéia fosse submetida a votação, e a Câmara aprovou o voto de congratulações sugerido. Tentando demonstrar alguma independência, o Rump protestou contra a prisão de antigos parlamentares, e mesmo sem realizar tal intenção conseguiu adiar uma nova discussão da Admoestação até o dia 10 de dezembro. Daí em diante, porém, a manutenção do quorum tornou-se difícil — segundo fontes realistas, a frequência média não chegava nem a quarenta. Paralelamente ao declínio da influência parlamentar, cresceu a hostilidade

contra o monarca, estimulada pelos oradores sacros, que retomaram seu papel

de instigadores da violência com a mesma linguagem venenosa de antes; as pregações de George Cockayne eram violentamente antimonárquicas, cheias de referências a Saul e Ahab [marido de Jezebel], líderes que haviam falhado na execução de reis, transmitindo a clara mensagem de que o julgamento não

devia tardar, visto não haver mais razão para quaisquer acertos. “Honrados €

valiosos”, gritava o pastor de St Pancras Cheapside, “se não fizerdes justiça contra aqueles que foram os grandes agentes de todo esse derramamento de sangue, não penseis que isso trará para vós o amor divino”.!2

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Submetendo-se aos ditames do setor radical do exército — ou à Divina Providência, conforme sua interpretação preferida —, Cromwell não abandonara a idéia de executar Carlos I. Preocupava-o muito mais o julgamento do

que a sentença, € até que ponto se deveria implicar os partidários da causa rea-

lista, presbiterianos ingleses e líderes escoceses, igualmente responsáveis pelo desencadeamento da Segunda Guerra Civil. A mudança final de sua atitude

verificou-se nas três semanas seguintes — a partir de 7 de dezembro —, período de manobras e negociações, no curso das quais ele tentou de tudo, convencendo pelo menos um grande historiador de que ainda tinha esperanças de poupar a vida do soberano. Servil, revogando o que revogara, o Parlamento restabeleceu o Voto de Nenhum Contato, determinando multas e o banimento de Hamilton, Goring e outros. O exército não se satisfez com isso, e sir William Waller e sir John

Clotworthy foram detidos sob a acusação de compactuar com os escoceses; julgá-los, entretanto, exigia evidências, e parece que Cromwell assumiu a tarefa de tentar obter provas concretas contra o duque de Hamilton, prisioneiro em Windsor, e bastante firme, apesar dos rumores caluniosos divulgados no dia 14 de dezembro pelo Mercurius Pragmaticus, apoiado pelo Mercurius Elenticus, dando conta de que o “esperto covarde” dera com a língua nos dentes. Quatro dias mais tarde, os jornais tiveram que se retratar: Hamilton insistia em dizer que não fora convidado a entrar na Inglaterra nem pelo rei nem por qualquer membro do Parlamento inglês e, segundo rumores, teria escrito ao irmão — usando suco de limão — recomendando que não caísse

na armadilha de aceitar subornos e endossar versão diferente. Patético, em 23

de dezembro, endereçou outra carta ao Parlamento escocês: “Sofro porque obedeci aos vossos ditames, e confio em Deus que serei respeitado, em vez de encarado como inimigo dos dois reinos (...).?*º Os conselhos do exército vinham debatendo os termos de um novo Com-

promisso do Povo, mas Cromwell só participou de umas duas discussões, nos dias 15 e 29 de dezembro. Na decisão crucial de trazer o rei segurança, até a hora em que tuiu-se uma comissão de sete

primeira dessas duas datas, todavia, tomou-se a para o castelo de Windsor, “mantendo-o lá, em tivesse de responder perante a justiça”. Constimembros, encarregada de estabelecer as normas

do julgamento e definir o destino de Hamilton, Goring e /ord Capel. Em 23 de dezembro, ricamente vestido — confirmando que a casa puritana abrigava muitas mansões —, o coronel Harrison escoltou Carlos I; na véspera, o coro-

nel Whichcote fora abençoado com uma longa série de instruções, assinadas

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por Oliver e Ireton, detalhando as precauções que deveria tomar com seu prisioneiro real, não deixando nada ao acaso, a fim de impedir que o rei fugisse. Entre medidas que incluíam guardas a cavalo, na parte alta do castelo, uma companhia de infantaria sempre a postos, pontes levantadas durante a noite, isolamento completo etc. havia uma frase curiosa: “Será conveniente provi-

denciar a retirada de todas as pessoas malignas ou simpatizantes da nobreza, exceto os prisioneiros.” À carta terminava assim: “Que o Senhor esteja convosco e vos abençoe na grande responsabilidade que vos cabe.”!t

Em 24 horas, o Conselho de Oficiais determinou regras muito rígidas, cujo artigo 5º dizia: “Não são permitidos contatos privados entre ele [o rei] e qualquer outra pessoa, exceto sob vossa escuta ou a dos oficiais de guarda.” Cromwell opôs-se a isso, certamente tendo em vista as negociações secretas mas positivas em que estava envolvido. Quais seriam seus objetivos? É muito difícil afirmar, com certeza, particularmente depois de tanto tempo e com

base em evidências de segunda mão. Na época sugeriu-se que estava tentando esfriar os ânimos dos “Jevellers mais mesquinhos”, muito ansiosos pela morte do monarca. Em 21 de dezembro, um agente realista escreveu que parecia estranho, mas fora informado de que “estava se operando um certo distanciamento, dada a incompatibilidade de objetivos — são como água e fogo —, eles, lutando por uma democracia pura, e Cromwell, por uma oligarquia”. Sua análise indicava que Oliver estaria de acordo com “o desígnio atual de tirar a vida do rei”, o que desviaria os ataques contra os radicais, mostrando o quanto

eram selvagens.” Ão final da terceira semana de dezembro, surgem indícios de que Cromwell tendia para algum tipo de acordo; ele se encontrara com Whitelocke duas vezes, na casa do presidente da Câmara dos Comuns, no dia 19, e em Whitehall, 24 ho-

ras depois — a segunda conversa incluíra sir Thomas Widdrington. Diante da “seriedade? de Oliver e Lenthall, os dois comissários elaboraram uma pro-

posta, pronta no dia 22, cuja intenção era “tentar levar o exército a uma

melhor disposição”. Whitelocke e Widdrington já tinham percebido, desde segunda-feira, que nada induziria os soldados a poupar a vida do rei e de-

sistiram das tentativas de mediação que vinham empreendendo.!º Cromwell,

porém, ainda não aderira à fanática propensão da maioria dos soldados.

Na mesma data de 22, por exemplo, Hugh Peter fez um sermão incendiário, simulando acordar, de repente, no púlpito, cercado de soldados, ao som de uma voz que vinha dos céus e lhe bradava aos ouvidos que a monarquia estava prestes a ser extirpada pelo exército não somente na Inglaterra, mas também na

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França e em outros reinos. Os poderes na terra seriam destroçados, uma vez “cortada, na base da montanha, a pedra de sustentação”. Alguns dias depois

Peter se referiu a Carlos I como “esse grande Barrabás de Windsor” — um la-

drão que poderia ser solto, deixando os soldados como Cristo, na cruz, a menos que fosse empreendida alguma ação enérgica. Cromwell não usava esses termos. Embora se tenha dito que ele pretendia confrontar o monarca com evidências obtidas no julgamento de criminosos menores — em resumo, levá-lo à barra dos tribunais “sob uma legalidade plausível e pactuada”!”” —, parece não

existir nenhuma razão concreta capaz de pôr em dúvida aquilo que muitos contemporâneos tinham como certo: sua intenção genuína de resolver os problemas do reino sem cortar a cabeça do rei. Segunda-feira, 25 de dezembro — um afanoso Natal puritano —, não passou sem mais uma dessas obscuras aproximações: a visita a Windsor de lord Denbigh, eminente “cabeça-redonda” que já fora utilizado em várias missões anteriores envolvendo a pessoa do soberano. Desculpa havia: a falecida esposa de Hamilton era sua irmã. Os comentários, porém, apontavam-no como emissário de algumas propostas secretas. Carlos I, contudo, não chegou a ver O visitante, frustrando sua misteriosa missão: recusou-se ou simplesmente ignorou o autêntico motivo da cortesia.” De um jeito ou de outro, naquele mesmo dia, discursando perante o Conselho do Exército, Oliver ainda

demonstrou bastante indecisão. Conforme as ácidas palavras do Mercurius Melancholicus, em vez de ir à igreja agradecer a memorável e indizível graça de Deus, que enviara Seu filho para salvar a humanidade, o exército preferia discutir as sombrias questões do julgamento de Sua Majestade. Foi Ireton quem definiu o monarca como “inimigo capital” daqueles que haviam “conquistado o reino duas vezes” e exigiu uma “justiça rápida”. “Esperto, e menos irado”, Oliver afirmou que “tirar a vida do rei não seria político”. Brandindo um raciocínio puramente prático e mais convincente, contrapôs que ele pode-

ria ser útil, no caso de sofrerem alguma derrota, como “garantia de uma paz mais conveniente”.!º

No dia seguinte, entretanto, quando o Parlamento debateu a mesma ques-

tão, sua atitude foi inteiramente diversa. Segundo uma versão, “Cromwell se levantou e disse que se algum homem apresentasse tal proposta [a execução

de Carlos I] em benefício próprio ele o consideraria o maior traidor do

mundo, mas desde que a Providência e a necessidade os lançaram a isto, só cabia rogar a Deus que abençoasse seu julgamento”. Outra testemunha se re-

fere às razões, presentes na fala que proferiu, e que o teriam levado a mudar

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de idéia: “Visto que a Providência Divina nos impõe esse fardo, só posso me submeter, embora ainda sem condições de dar meu voto.”* Mas sua posição estava definida, sim, e daí em diante cessaram os esforços que vinha empreendendo no sentido de salvar o monarca.

De fato, uma transformação tão marcante nos leva a inferir uma daquelas suas mudanças dramáticas, similar à revolta contra Carlos 1, na época da Carta da Sela, no outono do ano anterior, e dessa vez motivada — quem sabe — pelo fracasso da missão Denbigh. Não raro decisões fundamentais resultam de mal-entendidos. No entanto, qualquer que tenha sido a causa que o levou a uma adesão

passiva ao princípio ativo de processar o rei, como sempre foi a Providência que indicou o caminho. Os sinais apontando uma nova direção — a da morte do soberano. Em 27 de dezembro, a Câmara dos Comuns decidiu restringir drasticamente o stazus real de Carlos 1, eliminando seus serviçais mais dispendiosos e dis-

pensando os restantes da genuflexão obrigatória. Tratava-se de uma humilhação mesquinha, posto que o monarca possuía dignidade inata e podia colocar-se facilmente acima dela; em teoria, porém, era uma perigosa indicação. “Pisotear! Pisotear!”, conclamava o indignado e pejorativo Mercurius Pragmaticus em sua última edição daquele ano — “ele e sua imagem, na poeira que levantou”.?! A partir daí, a marcha dos acontecimentos se acelerou ainda mais. No dia 28

de dezembro, a Câmara dos Comuns ouviu a leitura da ordem que institufa o tribunal especial que julgaria o rei no dia 1º de janeiro de 1649. Todavia,

montar uma corte assim não seria tão fácil, e as contradições espoucaram na Câmara dos Lordes, reduzida a 11 ou 16 membros, mas suficientemente corajosos para rejeitar a medida. Liminarmente. O conde de Northumberland

resumiu o problema de forma simples: presa à tese de que o monarca se erguera em armas contra o Parlamento e o reino, a Câmara dos Comuns não apresentava nenhuma evidência de que Sua Majestade tomara, efetivamente,

tal iniciativa, nem havia lei alguma que definisse semelhante atitude — caso

tivesse existido — como crime de traição. Em suma, devia-se responder à se-

guinte questão central: como julgar um soberano por alta traição se a lei só previa tal delito contra ele próprio? O julgamento da avó de Carlos I, Maria,

rainha da Escócia, fora marcado por idênticas dificuldades, tendo-se encon“Supostamente pronunciado no dia 2 de janeiro, esse segundo discurso refere-se ao assunto já abordado no primeiro, do dia 26 de dezembro, ocasião em que a Câmara dos Comuns ee ade quaDo : a de pena capital contra O de abordou, pela primeira vez, a possibilid sso proce um «p . 20 Tel “

à

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trado, naquela época, o precedente de Conradin Hohenstaufen, única maneira

de justificar a sentença dada a um monarca de outro país, excluído, portanto,

da lei inglesa — se Carlos I reinava na um súdito qualquer. falta de dispositivos

bem que o Ato de Associação a tornasse abrangente. Inglaterra e, além disso, não poderia ser Julgado como Mais: como estabelecer um júri de seus iguais? Assim, à legais que fundamentassem adequadamente o processo,

uma escassa maioria parlamentar, submetida pela força bruta, acabou criando uma “novidade” altamente censurável.

O sentimento geral transparece desde a nomeação dos magistrados Rolle e

St John, juntamente com o barão Wilde, encarregados de presidir um corpo de

150 jurados, quando cingienta garantiram o quorum legal; em 3 de janeiro, en-

tretanto, essa idéia foi posta de lado, provavelmente porque o Judiciário não

queria tomar parte na farsa, e o novo Tribunal Superior de Justiça ficou limita-

do aos 150 comissários — juízes e júri ao mesmo tempo. Nas 24 horas seguin-

tes vieram à luz três resoluções memoráveis. À primeira estabelecia que, “abaixo de Deus, o povo é a fonte original de todo poder justo”; de acordo com a segunda, “reunidos em Parlamento”, os Comuns passavam a deter o supremo poder da nação; finalmente, conferindo força de lei a tudo quanto fosse votado pelo Parlamento, “o consentimento e acordo do rei e dos Lordes” deixava de

existir.2 Coroando uma luta que se desenvolvera de maneira entre vaga e confusa, aqueles homens acabaram conferindo todo o poder à Câmara dos Comuns e eliminando para sempre o direito de veto do monarca e da Câmara dos Lordes. O Ato de 6 de janeiro deu início a uma nova era de legalidade dúbia, porquanto se admitiu que os Comuns teriam a capacidade de promulgá-lo sem a anuência dos demais poderes. Seu preâmbulo relacionava todas as acusações contra Carlos Stuart, que, tendo concebido o malvado plano de introduzir um governo arbitrário e tirânico, organizara e mantivera para isso uma longa guerra no país, contra o Parlamento e a nação, provocando uma deplo-

rável devastação. Apesar de tanta inigúidade, o Parlamento poderia satisfazerse em conservá-lo preso, “mas tristes experiências revelaram que isso só ser-

viria à continuação das práticas perversas, dele e de seus adeptos”.? Apesar desses termos audaciosos e da determinação despreocupada de

quase todos, restavam alguns mais prudentes, inspirados por uma estranha mistura de dúvida e fé. No próprio Conselho do Exército, a incerteza se ma-

nifestou quando da misteriosa aparição de Elizabeth Poole; no final de dezembro, surgida do nada, essa mulher afirmou ter tido uma visão de um ho-

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mem e uma mulher, personificando o exército e a nação — ela, “cheia de

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imperfeições, torta, frágil, doentia...”, e ele, aparentemente, destinado a curá. la. Perguntada se viera dar orientação ao Conselho, seu testemunho foi def. nido pelo coronel Rich como “uma inesperada manifestação da Providência”. No dia 5 de janeiro, enquanto o assunto estava sendo debatido, Deus ordenou

à boa senhora que voltasse ao Conselho, a fim de entregar um papel onde ar-

gumentava contra a execução do rei; o documento foi lido sem sua presença e só depois disso a chamaram, para ouvi-la repetir que o monarca poderia ser submetido a julgamento “com as mãos amarradas” e “metido na prisão”, mas não executado. Tratada com o maior respeito e interrogada durante bastante tempo, Ireton, por exemplo, quis saber se suas revelações diziam respeito a

Carlos I, especificamente, ou significavam que qualquer rei jamais deveria ser condenado à morte, não importa os crimes hediondos que pudesse ter cometido? Discutiu-se sobre a natureza exata do que ela vira — uma aparição de um anjo, talvez, ou uma revelação? Concluiu-se pela segunda hipótese.?* Um panfleto realista acusou Cromwell e Ireton de terem forjado todo o incidente, instruindo a mulher a respeito do que dizer, no intuito de alterar as posições do Conselho. O registro dos fatos, porém, demonstra que a sugestão é claramente absurda; o verdadeiro significado do episódio estava no grande respeito que se deu a esta visitante. Ao apelar contra a execução, citando as Escrituras — “A vingança é Minha, disse o Senhor, Eu castigarei”— ou descrevendo o rei como “marido” [líder] do povo, passível de ser contido pela “esposa”, mas não morto por ela, conforme o precedente bíblico de Nabal, Elizabeth Poole exprimiu-se numa linguagem que os “santos” entendiam perfeitamente. A própria /ady Fairfax tivera a visão de um homem que entrava em seu quarto, carregando nas mãos a cabeça de sir Thomas — e foi isso, segundo o Mercurius Pragmaticus, que a levou a implorar ao marido que não se envolvesse no julgamento do monarca.” Como na Roma de Júlio César, os idos de março pareciam ter parado no tempo e, num período tão tenebroso,

os “novos supersticiosos” se inclinavam no sentido do sobrenatural, distanciando-se da normalidade desvairada e das regras que a norteavam. Não obstante, o exército continuava a se guiar pelo Compromisso do Povo. Cromwell comparecia às reuniões apenas esporadicamente, devido aos problemas que enfrentava na Câmara dos Comuns — se bem que o Conselho tivesse se transferido para Whitehall. Num dos debates, porém, ele deixou claro O rumo de seus pensamentos, ao discutir até quando deveria permanecer aquele Parlamento impop ? ular. A data fatal, segundo Ireton, devia alcançar no máximo o final de abril, e nesse ponto é que Oliver interveio, afirmando que “seria mais

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honrado e conveniente” que os próprios parlamentares definissem o prazo. Ireton objetou, dizendo que “o povo pode imaginar que se opondo ao Compromisso eles pretendem postergar

o encerramento dos seus trabalhos”. Ao que

Cromwell replicou: “E isso que temeis?” Assim, a cláusula se manteve.” O tex-

to, concluído em 15 de janeiro, foi apresentado à Câmara dos Comuns no dia 20, e posto de lado até que se decidisse a situação do rei. Sem conseguir que se

aprovasse sua ampla divulgação, Lilburne afastara-se das discussões. Evidentemente, as ações da Câmara dos Comuns contavam com pouquíssimo apoio — um cidadão em cada vinte, segundo lord Northumberland

—, mas era um esteio qualificado e bem conhecido dos homens envolvidos

nas questões. Os acontecimentos evoluíam, no entanto, como um carro sem freios num declive acentuado. Disposto e resoluto, como se estivesse numa carga de cavalaria, e embora plenamente consciente da necessidade de propaganda, Oliver parecia esperar a aprovação divina mais do que o aplauso po-

pular. Há evidências de que pressionou, inclusive, os pastores presbiterianos da City, quase todos hostis — Hugh Peter e Stephen Marshall seriam exceções. Na primeira semana de funcionamento do Tribunal de Justiça discutiram-se os procedimentos a serem adotados, e foi Cromwell quem fez um discurso a favor de uma audiência pública — indicação negada.” Ele também chamou a atenção acerca da importância de se manter a unidade, acima de aspectos doutrinários, ao apoiar os membros da Câmara Alta. A resolução dos Comuns, datada de 4 de janeiro, avocando a si todo o poder, negava-lhes qualquer direito à discordância. Contudo, sob a presidência de Denbigh, a Câma-

ra dos Lordes — que não fora extinta — aprovou uma série de resoluções de

menor importância e, misturada a elas, uma ordem pela qual, daí em diante, qual-

quer soberano que se lançasse à guerra contra o Parlamento seria culpado de trai-

ção e julgado por esse crime; e para fixar seu direito de fazê-lo, segundo os ritos estabelecidos, um comunicado à respeito foi enviado à Câmara dos Comuns. Na-

quela atmosfera de mudanças contínuas, onde ninguém sabia que atitude tomar, Marten propôs que se recusassem as disposições — e a maioria o derrotou. Durante os debates, surgiram diversas idéias sobre o futuro dos lordes, desde a abolição até a unificação de ambas as casas do Parlamento numa só; Whitelocke rejeitou essa proposta, muito perigosa a seu ver, ante os riscos dos Comuns serem dominados. Numa postura tipicamente pragmática, Oliver

ergueu-se em defesa dos pares do reino, parecendo a seus ouvintes “muito vio-

lento”, Suas explosões haviam se tornado mais raras, e em Putney ele se mostrara mais interessado na segurança geral do reino; naquele instante, porém, indagou

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se não seria loucura “tomar atitudes que estreitavam a margem de unidade”.

Assim, o exame da matéria foi adiado, enquanto durasse o julgamento do rej2

Prova de que havia também uma forte relutância por parte da comunidade é o fato de só terem respondido à primeira chamada 52 dos 135 comissári-

os nomeados como juízes e jurados. Fairfax estava lá — sua primeira e última

aparição. Na sessão do dia 10, o magistrado do Cheshire, John Bradshaw, foi escolhido presidente do Tribunal. Milton descreveria a pompa com que ele

ultrapassou “todos os tiranicidas anteriores, revelando exatamente o quanto é

mais másculo, justo e majestático julgar um déspota do gamento”.? Suas qualidades de jurista não estavam em cançara sequer o pináculo da carreira —, mas sim sua conferir certo verniz de autenticidade legal ao processo.

que matá-lo sem julcausa — ele não aldisposição, capaz de Alojado na antiga e

bem guardada residência eclesiástica de Westminster, Bradshaw certamente não se descuidou de algumas medidas práticas essenciais ao desempenho de

sua tarefa, tanto que usava por baixo do belo manto escarlate que recebeu uma armadura, e seu chapéu era forrado de aço.* Duas comissões encarregaram-se de redigir as acusações — uma, sob a presidência de Ireton, funcionaria como assistente da acusação, e outra, dirigida por Ludlow, seria responsável pelo julgamento propriamente dito. Dois dias mais tarde decidiu-se que os procedimentos estavam suficientemente avançados e a vítima poderia ser trazida à capital. A residência de sir Robert Cotton, aquele grande antiquário da época do reinado do pai de Carlos I, foi considerada conveniente: com seus amplos jardins à beira do rio, situada no coração do Pa-

lácio de Westminster, perto da capela de St Stephen e entre as duas casas do Parlamento, apresentava poucas possibilidades de fuga.** Levado primeira-

mente ao palácio de St James, o rei passou depois para Whitehall, conduzido numa cadeira fechada, chegando a Westminster de barco, tanto se temiam de-

monstrações populares a seu favor. Cromwell teria presenciado a melancólica procissão de Carlos I, através de Cotton Gardens. Uma das testemunhas contra Henry Marten, em seu julgamento, contou que ele acorrera a uma janela, ao saber da presença do soberano, e empalidecera, tornando-se “branco como uma parede”. Depois, indo ao en*Ambos preservados, o chapéu pode ser visto no Museu Ashmolean, to, na Guildhall, em Stafford.

em Oxford,

e o man-

**Hoje em dia o local corresponde a uma área interna, entre a Câmara dos Comuns e a Cã-

mara dos Lordes, chamada St Stephen's Court, nos guia s de turismo, ou mais informalmente,

Boiler House Court, pois ali se guardam andaimes. Co nvém lembrar que o rio, naquela época, tinha muito maior largura e não existiam os atuais t erraços do Parlamento.

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contro de Bradshaw, sir Henry Mildmay, e sir William Brereton, dissera: “Ele

chegou, senhores, ele chegou, e cabe-nos agora satisfazer a nação, cumprindo a grande tarefa que ela exige.” Nos dias posteriores a essa frase evocativa sua participação foi determinante, até mesmo expressando dúvidas alheias: “Vamos resolver aqui e agora qual a resposta que daremos ao rei quando ele estiver diante de nós, pois certamente ele nos perguntará que autoridade temos para julgá-lo.”

O silêncio que se seguiu foi rompido pelo astuto Marten: “Em nome dos Comuns e do Parlamento reunido, e todo o bom povo da Inglaterra.” Armado o cenário, a cortina se abriu no dia 20 de janeiro. O Tribunal

fora transferido da Painted Chamber para Westminster Hall, naquele gran-

de edifício retangular, jazendo como um caixão, transversal ao palácio do mesmo nome, próximo à abadia. Construído na época de William Rufus, pouco depois da conquista normanda, o salão possuía dimensões excepcio-

nalmente grandes — quase noventa metros de comprimento por trinta

metros de altura. Ali Eduardo II abdicara e Ricardo II tinha sido deposto.

Ali, desde o início do século XIV, heróis, patriotas e vilões haviam sido julgados — sir William Wallace, sir: Thomas More, Guy Fawkes — e, havia

apenas sete anos, o infortunado Strafford.* Porém, mais do que palco de espetáculos históricos, com galerias especialmente montadas, em andaimes, Westminster Hall ocupava um reconhecido lugar no sistema judiciário da época: alguns tribunais, como o de Apelações Comuns, o King's Bench — uma divisão do Supremo Tribunal —, o cartório e as varas da Fazenda Pública reuniam-se sob seu teto de carvalho ou, não muito longe, abrigadas sob leves e cambiáveis estruturas de madeira leve. As cortes costumavam atrair um comércio que supria as necessidades dos advogados, e tavernas, cafeterias etc. locais de discussões permanentes. Em oposição à gelada austeridade atual, Westminster Hall era um centro movimentadíssimo. Em contraste com o seu tempo de história, Westminster Hall estava prestes a testemunhar um processo sumário e pouco edificante.”'** E trágico, de

certa forma, que os antigos ideais de “governo divino” tenham chegado a esse

*Hoje uma placa de bronze que assinala o lugar onde Carlos I se sentou comemora o Julgamento a que foi submetido. Após a deposição de Hastings [primeiro governador-geral da India, de 1773 a 1785], Westminster Hall deixou de ser usado para esse tipo de Julgamento, oficialmente, em 1806. Os tribunais que restavam foram retirados em 1822. As placas de bronze mais modernas referem-se aos velórios de soberanos ou de seus assim como de algumas personalidades notáveis, como Gladstone e sir Winston E

urchill.

**Ver C. V. Wedgwood, The Trial of Charles |, nota bibliográfica da p. 227, para um útil re-

sumo e consideração dos vários textos do julgamento.

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nível de expediente — um julgamento ilegal, sob as bandeiras capturadas nas batalhas, símbolos do poder militar, as de Marston Moor, Naseby e Preston,

inclusive. Carlos I demonstrou grande coragem e dignidade; Burnet e muitos outros comentaristas notariam que os Stuart eram melhores no infortúnio do que na prosperidade. Talvez houvesse alguma justiça nisso; com tanta fre-

quência suas qualidades pessoais tinham lhes trazido a desdita que parece ló-

gico estarem bem preparados para suportar as afrontas da adversidade. Foram

apenas a atitude do monarca e a firmeza de suas respostas que deram um toque de glória ao julgamento, desmascarando o processo — uma série de

meios esquálidos, arquitetados com absoluta incompetência. O rei entrou na sala exibindo sua habitual elegância no vestir, envergando uma roupa preta, ornada com uma faixa de jóias e condecorações; a estrela da Jarreteira pendia-lhe do pescoço. Encarando o tribunal com um “olhar firme”, não se dignou a tirar o chapéu, deixando evidente sua opinião a respeito da le-

galidade daquela corte. Deram-lhe uma cadeira forrada de veludo vermelho, no

lado sul do recinto. Havia guardas atrás dele e soldados em toda a parte. Postados à sua frente, Bradshaw ao centro, os juízes ocupavam uma mesa coberta por um belo tapete vermelho. A posição exata de Cromwell é incerta; um artista colocou-o sentado na platéia, mas há evidências — e um balanço das probabilidades — sinalizando uma posição mais proeminente. Ele não se esconderia, com certeza. Dois dias antes, ouvindo de Algernon Sidney, um dos juízes esco-

lhidos, que “o monarca não pode ser julgado por um tribunal, e esse tribunal não pode julgar ninguém”, Cromwell respondera sem hesitar: “Pois eu lhe garanto que vamos cortar sua cabeça com coroa e tudo.” Num tiro de despedida, Sidney replicou desgostoso: “Podeis fazer qualquer coisa, não posso impedi-lo, mas conservarei minhas mãos limpas, não me envolvendo nesse assunto.” Oliver não tinha dessas ambivalências, embora muitos de seus antigos alia-

dos tivessem se afastado. Desaparecido da Câmara dos Comuns, desde o “ex-

purgo de Pride”, sir Henry Vane não participava do tribunal, se bem que seu retorno ao cargo no Almirantado no dia 30 de janeiro, data da morte do rei, tenha sido suficiente para incluí-lo no rol dos regicidas após a Restauração. Quando a lista de juízes foi lida, Fairfax não respondeu à chamada. No meio da

“grande multidão” de espectadores que ocupavam as galerias, uma mulher mascarada gritou que a esperteza o afastara de lá. Transpirou depois que seria /a4) Fairfax, dedicada presbiteriana, a quem se atribuía o evanescente entusiasmo do marido com os procedimentos de seus associados. O fato provocou tumulto, € à verdade é que durante todo o julgamento o público se comportou de forma

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indisciplinada, contrariando a expectativa dos magistrados, que contavam com sua docilidade. Longe dos ex-camaradas a quem respeitava, só as poderosas forças da Providência e da necessidade impeliam o contínuo avanço de Cromwell. A acusação contra o rei foi proferida por John Cook, homem relativamente obscuro, nomeado advogado da comunidade em virtude de William Steele, procurador-geral, ter alegado doença — no clima de suspeitas da época, a desculpa só foi aceita depois que uma comissão investigou suas condições pessoais. Cook contava com a ajuda de John Aske, também sem importância, e de um homem

mais interessante, o dr. Dorislaus, um intelectual amigo de Cromwell, que o recomendara para uma posição em Cambridge; mais tarde, ele foi enviado pelo

Parlamento aos Países Baixos.” A certa altura, o soberano tentou interromper

a leitura do texto, tocando o braço de Cook com sua bengala, e, ao fazer isso, o castão de prata caiu; Carlos I esperou que alguém o recolhesse, mas abai-

xou-se afinal. Cercado de serviçais desde a infância, tendo sempre alguém à sua disposição, ele estava completamente só. O libelo, seguindo as mesmas linhas da lei de 6 de janeiro, acoimava o rei de “tirano, traidor, assassino e inimigo implacável da comunidade”, imputando a ele abuso de confiança, enquanto governante, com vistas a um poder despótico, e a responsabilidade das guerras contra o Parlamento. Quando Bradshaw chamou o soberano, para que respondesse, “em nome dos Comuns, reunidos em Parlamento, e do bom povo da Inglaterra”, a irreprimível lady Fairfax gritou: “Isto é mentira, nem a metade, nem a quarta parte do povo. Oliver Cromwell é um traidor.” O coronel Axtell, comandante das tropas no

tribunal, perdeu o controle e queria disparar sobre a galeria, mas outros, dotados de mais sabedoria, limitaram-se a retirar a vociferante senhora do local. Respondendo a Bradshaw, Carlos I indagou — e nisso residia sua argumentação mais sólida — que autoridade o tinha levado a julgamento? Na ausência dos Lordes, não se poderia falar em Parlamento, e, visto que ele não

estava convencido da legalidade da corte, não responderia, por respeito à sua própria posição. Bradshaw afirmou ser representante do povo da Inglaterra, que o escolhera rei, mas isso não facilitou as coisas, pois o monarca replicou

que não recebera a coroa mediante eleições, mas por herança. Depois, sem fazer concessões, calou-se. No dia 22 de janeiro voltou à luta e, batendo na

mesma tecla, perguntou aonde se chegaria der” e “ilegalidade” — “pois se um poder normas fundamentais do reino, não sei de se seguro de sua vida ou de qualquer coisa

sob a odiosa combinação de “posem a lei estabelece leis e altera as um súdito inglês que possa sentirque considere sua”.

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No dia seguinte insistiu no assunto, mantendo outro diálogo com Bradshaw,

que o proibiu de usar da palavra, a menos que contestasse a acusação. O rei não cedeu, exigindo o direito e o tempo necessário para expor as razões de sua nãocontestação. “Não cabe aos prisioneiros exigir”, declarou o juiz. O mon arca zombou: “Prisioneiros! Não sou um prisioneiro comum.” Isto era ver dade. Pois,

apesar de todas as imprudências que cometera, de seu governo arbitrário numa época em que florescia a independência de pensamento e das dificuldades em fizer prosperar no solo inglês a teoria do direito divino — ele não podia ser julga-

do como um súdito comum; na verdade, não havia qualquer estrutura jurídica destinada a isso. Finalmente, ante a recusa inarredável e peremptória, a corte viuse forçada a ordenar ao escrivão que “registrasse sua negativa”. O tribunal não se reuniu em sessão pública no dia 24, mas houve muita atividade nos bastidores. A teimosia do monarca deixara os juízes confusos. Por outro lado, preocupados com a ausência de Fairfax, alguns temiam que

ele polarizasse a oposição. O Parlamento de Edimburgo realizara três vota-

ções, condenando o julgamento, a última delas na véspera, e isso também

produzira efeito sobre seus presumíveis aliados. Burnet ouviu o tenente-coronel Drummond contar que Cromwell argumentara com escoceses a partir das doutrinas de Mariana e Buchanan — com certeza, referindo-se ao seu conteúdo, posto ser muito duvidoso que ele tivesse realmente lido os trabalhos da

dupla —, defensores, um século antes, da legalidade de se matar um tirano, dependendo das circunstâncias.” Ao sugerir que a quebra de confiança de um rei seria muito mais grave do que a de um súdito comum, Oliver assumia

uma postura bastante lógica e talvez legal, de um jeito ou de outro, superior

às absurdas acusações de alta traição. O status do soberano teria por base uma

espécie de contrato, celebrado entre ele e os súditos, e que uma vez rompido

o sujeitaria a uma pena qualquer, conforme as conveniências. No decurso da

história, diversos líderes haviam sido judicialmente executados. E, certamente, dispunha-se de fortes argumentos no sentido de que Carlos I quebrara à

confiança nele depositada. Contudo, a Convenção Nacional, que todos tinham assinado, obrigava-os à

preservar o rei; Cromwell argumentava que o monarca obstruíra o acordo acerca da religião, liberando-os de seu juramento. Burnet forneceu alguns indícios sobre seu estado de espírito naquele momento, revelando fatos de que tomara

conhecimento através de pessoas que privavam da intimidade de Oliver “e todo

aquele grupo de homens”. Segundo seu informante, “eles acreditavam que há grandes ocasiões nas quais alguns são chamados a prestar grandes serviços 6,

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assim agindo, isentavam-se das regras comuns da moral; isso aconteceu a Esaú e Jael, Sansão e Davi, justificando certos privilégios quanto às normas atualmente em vigor”. De pronto, Burnet refutou tal raciocínio, dizendo ser “óbvia a extensão que esse princípio poderia alcançar, permitindo a qualquer entusiasta audaz pôr de lado toda justiça e misericórdia”. Obviamente, esse ponto de vista sobre a morte do rei era diametralmente oposto ao anterior. Cromwell e seu grupo estariam sendo levados a executar o

monarca por um desígnio de Deus. Um ano depois ele implorou 20 seu amigo

lord Wharton que considerasse como “é fácil contrapor-se aos gloriosos atos de Deus julgando os instrumentos. (...) Não te ofendas com a forma; talvez não houvesse outro caminho?.** Fora um tipo de processo inexorável — caso tivesse sido coroado de sucesso — e que conduzira à única conclusão possível. Visto que esse segundo argumento sempre esteve presente nas alocuções do próprio Cromwell, vinculando-se à teoria do contrato rompido, é justo supor que ele se sentiu acima de tudo influenciado pela Providência. Mesmo aceitando, formalmente, a tese de Buchanan e Mariana, tão a gosto de seus contemporâneos, essa convicção é que orientou seu comportamento, enquanto os soldados clamavam por “justiça” e a multidão murmurava “Deus salve o rei”. No dia 25, quando as testemunhas foram chamadas, tentou-se aplicar os procedimentos judiciários normais. Houve quem declarasse ter visto o monarca, em diversos campos de batalha, com a espada em riste, forma um tanto

bizarra de provar que Carlos I se erguera em armas contra o povo, mas

irrelevante, da perspectiva das conclusões predefinidas: no mesmo dia, os 46 homens presentes resolveram que o tribunal deveria ditar a sentença contra o rei, condenando-o à pena capital — por se tratar de “inimigo público da comunidade inglesa”. Esse quorum, entretanto, foi considerado baixo, e enquanto se organizava mais uma comissão para redigir o veredicto, nova condenação foi proferida, no dia seguinte, com a participação de 62 juízes. Abandonando a denúncia de alta traição, o texto afirma, pela primeira vez, que Carlos I será morto “separando-se sua cabeça do seu corpo”. Na sexta-feira, 26 de janeiro, os membros mais determinados do júri, Cromwell inclusive, já haviam assinado a sentença. No documento, seu nome é o

terceiro, abaixo de Bradshaw e de Jord Grey de Groby. A histórica relação lembra Os antigos dias da guerra — ali estão Edward Whalley, John Okey, Hardress Waller, Ireton, Thomas Pride, Richard Deane, Harrison e Isaac Ewer. A unida-

de, porém, não foi total. Dos 62 que aprovaram a sentença, somente 59 assinaram a ordem de execução — e apenas 28, até o sábado seguinte. Independentemente

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das incriminações e autojustificativas que marcaram o julgamento dos regicidas

dez anos depois, dois pontos emergem com certa verossimilitude. Primeiro, vis-

to que Janeiro atrasos obtido

a data prevista da execução, segundo a sentença, foi alterada para 30 de — a ordem original era datada do “último sábado”, isto é, dia 27 —. os ocorridos devem ter sido inesperados. Talvez o número de assinaturas até então parecesse insuficiente, mas quem sabe alguém se arrependeu?

À grosseira substituição das datas — uma nova sentença com uma nova data —.

dá margem a tal suposição.”

Em segundo lugar, os rumores a respeito do uso de força moral e física para assegurar as assinaturas foram bastante divulgados, indicando uma deter-

minação verdadeiramente maníaca de Cromwell, querendo aprovar a medida a todo custo — nada poderia impedi-lo. Apesar de todas as precauções na avaliação das desculpas apresentadas pelos regicidas — naturalmente interessados em acusá-lo depois de morto por tê-los forçado a assinar —, ele parece ter demonstrado mesmo uma terrível alegria, que lembra a teoria de Burnet sobre a retidão — ou sua gargalhada, ao se lançar nas batalhas. O coronel Ewer conta que o futuro Lorde Protetor e Henry Marten pintaram os rostos um do outro,

depois de firmar a sentença, na Painted Chamber, como dois grotescos garotos de escola. Clarendon disse que, para coagir sir Richard Ingoldsby a apor seu nome, Cromwell correu atrás dele, puxando-o pela mão e gritando: “Embora tenhas escapado até agora, deves fazer como nós”; Ingoldsby recusou-se, mas agarrado, acabou traçando uma garatuja: rindo muito alto, Oliver colocou a caneta em suas mãos e o obrigou.* O relato de Thomas Waite, outro que parece ter relutado, dá maior suporte a toda essa implacabilidade: atraído ao tribunal

por uma mensagem forjada, ele testemunhou algumas cenas que o motivaram à retirar-se, e só retornou, na segunda-feira dia 29, porque lhe garantiram que

não haveria execução. Cromwell, porém, sobrepôs-se a suas objeções, dizendo: “Os que já assinaram puseram suas mãos, e agora eu quero as tuas mãos .” Lucy Hutchinson, em Memoirs, mostrou bastante desprezo por essas cOvardes histórias: “Depois, pretendendo se desculpar, alguns deles renegaram seus atos, alegando medo do exército, coação de Cromwell e outros como ele, mas o certo é que todos os envolvidos desfrutavam de plena liberdade e não

foram induzidos ou compelidos a coisa alguma; entre os nomeados para à CO“É justo que se diga que a assinatura de Ingoldsby não demonstra nenhum sinal da alegada

violência, ao contrário, parece perfeitamente normal, desmentindo o que ele alardeava:

“Comparada a qualquer outra, em algum documento que eu tenha firmado, seria impossível identificá-la.”

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missão, houve quem nunca tenha participado dela ou participado apenas no

início, o que qualquer um poderia ter feito, se quisesse (...).”* Tendo conseguido livrar O marido, graças às conexões que possuía no campo realista, a sra. Hutchinson não teria por que mentir, ao contrário dos que se preocupavam em

salvar a própria pele. Importantes, porém, são as reflexões que ela faz acerca

da variedade de reações humanas diante de certas situações. Os que se retiraram com honra não sofreram nenhum tipo de pressão — Oliver jamais os te-

ria forçado a nada. Mas, tomado por sua crença de ser o instrumento do Se-

nhor, sobre os fracos, sim, devemos acreditar que ele se valeu de todo tipo de

coerção que julgou adequada às circunstâncias. No meio de todas essas chicanas que se desenvolviam abertamente ou nos bastidores, no sábado, dia 27, o rei foi trazido de volta ao tribunal, a fim de ou-

vir a leitura da sentença. Por algum tipo de acordo ou simples intenção de adiar as coisas, ele parece ter sido retirado de Cotton House, no próprio recinto de Westminster, e levado ao palácio de St James. Talvez se pretendesse fazê-lo desaparecer. Os soldados já não gritavam “justiça”, tendo ampliado seu brado familiar para “justiça e execução!”. Mas quando Bradshaw se referiu ao tribunal “constituído em nome do povo da Inglaterra”, ainda houve uma mulher, na galeria, que protestou: “Nem a metade do povo!”*º De forma comovente, Carlos I exigiu que lhe fosse permitido fazer sua própria apologia, diante de Lordes e Comuns, e o pedido pareceu tão razoável a John Downes, parlamentar e representante de Arundel, que ele teria cogitado de proferir um ardente discurso, defendendo o direito do soberano — pelo menos foi o que testemunhou mais tarde quando precisou defender a si mesmo. No entanto, num cochicho cheio de raiva, Cromwell perguntou-lhe se estava louco, e isso o inibiu. O tribunal reti-

rou-se para a sala adjacente da Inner Court of Wards, e lá ele pontificou sobre

a ilegalidade da corte sem sucesso algum; os juízes não seriam impedidos de

cumprir com seu dever por “um homem obstinado”, e tudo o que Oliver fez foi

murmurar: “ele [Downes] não sabe que está tratando com o homem de coração mais duro que existe”. Waite, outra testemunha dessa cena, disse que Cromwell ria e gargalhava, escarnecendo.*! E assim o processo prosseguiu. Bradshaw pediu ao escrevente que lesse a sentença, e ele mesmo fez um longo discurso, citando monarcas depostos ou decapitados, como Eduardo II, Ricardo II e Maria, rainha da Escócia. Carlos I, corajosamente, insistiu em ser

ouvido. Do que tentou dizer pouco se guardou: “Se não me permitem falar — qual a expectativa de justiça que outros terão?” E ao ser levado à força pelos soldados, que gritavam, ainda protestava.

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De volta ao Palácio de St James, o rei Carlos retornou à paz espiritual que

tanto prezava: ouviu reverentemente os cultos da Igreja Anglicana e insistiu

com seus filhos menores, Henry e Elizabeth, para que mantivessem a confiança e perdoassem. No continente, grandes esforços estavam sendo envidados para preservar a vida à qual ele dava menos valor do que à sua concepção de honra real. Luís XIV escreveu a Cromwell e Fairfax. Os Estados Gerais dos Países Baixos promoveram idênticas solicitações a ambos — tamanhas eram as sus-

peitas da época que, segundo o embaixador, os generais só abriram as cartas

diante de trezentos oficiais. Na Inglaterra, é fácil dar crédito à história de

Fairfax, que estaria implorando misericórdia ao Conselho de Oficiais; ho-

mem bom e fraco que ele era, retraiu-se, temendo o maior derramamento de

sangue que uma oposição decidida poderia provocar.'? Vê-se, pois, como são importantes as qualidades pessoais num momento crítico: alguém mais endurecido que Fairfax estaria mais preparado para convocar os soldados e a qualquer custo, talvez, salvar O rei. Muitas histórias mirabolantes circularam, na época, dando conta de tentati-

vas de salvar a vida do monarca. Uma delas relaciona-se a um parente de Oliver, um certo coronel John Cromwell, que comandava um regimento inglês a serviço dos Países Baixos e que teria vindo da Holanda trazendo duas folhas de papel em branco, já com os sinetes do rei e do príncipe de Gales, significando a disposição do herdeiro do trono de ceder qualquer coisa, desde que o pai

fosse poupado. O coronel teria encontrado Cromwell em sua própria casa, sem

disposição sequer para ouvir lembranças de suas promessas anteriores; a respeito delas, ele se limitou a dizer que “os tempos mudaram e a Providência dispôs

as coisas de outra forma” — depois de rezar e jejuar pelo rei, “nada lhe chegara de volta”. John Cromwell insistiu, aludindo ao bem-estar de sua família e de

seus descendentes, alvitrando a possibilidade dele ser obrigado a retomar O

nome de Williams, a fim de evitar a vergonha sobre suas cabeças, mas o máximo que conseguiu foi o compromisso de “pensar no assunto”, Deixando os dois papéis e permanecendo num quarto contíguo, sem dormir, por volta da uma da

madrugada soube que o príncipe não deveria esperar qualquer resposta, pois O “Conselho de Oficiais buscara a Deus tanto quanto ele [Oliver] e decidira, unanimemente, que o monarca tinha que morrer”. O relato se baseia na autoridade capenga de Heath, mas a linguagem é semelhante à de Cromwell, e mes-

mo que tenha sido exagerada pelo autor não parece absurc a, posto que ele mantinha relações de amizade com seus parentes realistas, N o ano anterior pedira pelo pobre velho sir Oliver, salvando suas terras de segu estro, e mais recente-

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mente ajudara o primo Henry a conseguir remissão de dívidas que contraíra. Mantendo contato com Oliver, esse mesmo John Cromwell desempenhou missões na Dinamarca durante o Protetorado.*

Desse modo, na ausência de qualquer oposição ativa, os preparativos da execução prosseguiram. O cadafalso foi erguido, em Whitehall, defronte à bela Casa de Banquetes do rei. Preocupadíssimos, os encarregados fincaram

cravos no chão, onde se prenderiam cordas supostamente necessárias para conter o soberano. Os homens humildes responsáveis por esses detalhes práticos acabaram sendo presos, junto com os mais destacados regicidas. Um certo

Robert Lockier confessou, em 1660, ter recebido ordens de um mestre carpin-

teiro chamado Hammond, que o mandara construir um patíbulo, e do coronel Dean, que lhe pedira quatro cravos de ferro — ele foi buscá-los na casa de um comerciante da King Street. Insistiram que ficasse no cadafalso, até depois da execução, com seu martelo e outras ferramentas, a fim de prestar ajuda caso o rei resistisse, e lhe pagaram uma diária de dois shillings e seis pence.

Assim, na manhã de terça-feira, 30 de janeiro, Carlos Stuart caminhou com calma, dignidade e resignação religiosa, do palácio de St James até o

lugar indicado para sua morte, em Whitehall. Lá chegando, introduzido no

recinto, ele tomou um pouco de vinho tinto e comeu um pedaço de pão.

Houve um certo atraso, pois naquele mesmo momento a Câmara dos Comuns tratava de aprovar a lei que proibia a indicação de seu sucessor. De repente, eles se deram conta das palavras de Pride sobre o problema de cortar a cabeça de um monarca hereditário sem abolir oficialmente a monarquia. Às 14h, Carlos assomou à janela da Casa de Banquetes, diante da enorme multidão silenciosa. O tempo estava gelado. Secretamente, o soberano usava duas camisas por debaixo da roupa, pois não queria tremer de frio e ser acusado de medroso. Na hora da morte, só teria a companhia do seu capelão, o bispo Juxon — sir Thomas Herbert, que viera com ele desde o palácio de St James, declinara da dolorosa tarefa de servir como testemunha; os coronéis Hacker e Tomlinson se encarregariam de supervisionar a execução. Uma tropa compacta evitaria apelos do monarca — ou, quem sabe, apelos populares.

O rei certamente parecia ter envelhecido muito, sua barba grisalha e seu cabelo prateado. Só os que estavam mais perto tinham condições de ouvir suas palavras — o bispo, os dois coronéis e os dois carrascos —, guardadas, porém, pelo capelão, a fim de que alcançassem o mundo. Sem arrependimento, ele disse desejar

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ardentemente a liberdade do povo, o que significava “um governo e leis que pa. rantam suas vidas e propriedades (...) outra participação não lhes cabe, pois mo. narca e súdito não se identificam. Parto de uma coroa corruptível rumo a uma coroa incorruptível, longe das perturbações deste mundo”. Assim caminhou para a morte, colocando o pescoço no cepo coberto por um pano negro, orgu-

lhoso das concepções que resultaram em sua queda, mas assumindo uma auréola de mártir que ficaria gravada na memória dos ingleses. Inspirado, no meio da multidão, Andrew Marvell compôs uma ode em louvor de Cromwell, adve rsário mortal de Carlos I, mas acabou imortalizando a coragem demons trada pelo soberano: Nem invocou os deuses, com rancor vulgar;

Exigindo vingança, por seus desamparados direitos, Antes, curvou sua graciosa cabeça, Como se a reclinasse no leito,

Um minuto mais tarde o carrasco exibiu o crânio decepado, lançando no

ar o grito tradicional: “Eis a cabeça de um traidor!” Seria Brandon, talvez, mas tanto ele como seu assistente tomaram precauções, a fim de preservar suas identidades, usando barbas postiças e perucas. À triste cerimônia, segun-

do o embaixador de França, durou menos de um quarto de hora. O povo, entretanto, não demonstrou o menor sinal de satisfação; ao contrário, ouviu-se um profundo suspiro, conforme disse uma testemunha, “diferente de todos os que já escutara e espero não escutar jamais”** — na verdade, o lamento característico dos tempos em que justiça e injustiça se entrelaçam. Pois diga-se

qualquer coisa — que a execução de Carlos I fora inevitável, necessária —, mas nunca se poderá garantir que terá sido correta.

E onde estavam os autores dessa sentença de morte, os líderes do exército, Os signatários daquela melancólica ordem de execução, os regicidas? No momento

fatal, segundo Heath, Cromwell manteve-se em reunião com o Conselho de

Oficiais, atento aos numerosos “expedientes cansativos” dos que ainda tentavam salvar o rei. Oliver afirmou que eles se tornariam alvo de muitas calúnias, sugerindo que deviam “buscar a Deus, a fim de conhecer Seus desejos”; durante as

orações, chegou a notícia de que o monarca fora executado, e, erguendo às mãos para o alto, ele declarou que, obviamente, não era “a vontade de Deus que ele vivesse”. Testemunhando sua resolução inabalável, no julgamento do

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coronel Hacker, um tal coronel Huncks disse que, uma hora antes da morte do monarca, estivera na sala de Ireton, assistindo à entrega da ordem de execução ao encarregado de supervisioná-la, ocasião em que Cromwell lhe pediu que redigisse a ordem do carrasco, o que ele se recusou a fazer, resultando disso uma

acalorada discussão, no curso da qual foi chamado de “indisciplinado e brigão”.

Por não admitir atrasos, o próprio Oliver sentou-se à mesa e escreveu, ele mesmo, a mensagem, ordenando a Hacker que a assinasse. No julgamento de Hugh Peter, outra testemunha que cumprira funções de estafeta do exército, num período em que a execução estava pendente, disse ter recebido de Cromwell a sugestão de ir a Whitehall ver o rei perder sua cabeça.” O relato de sir Thomas Herbert confirma a história da reunião do Conselho de Oficiais. Logo após a execução, ele se encontrou casualmente com

Fairfax, que vinha da sala de Harrison, onde se havia rezado. Fairfax parecia

ignorar que o rei já tinha morrido, lhes disse que “era preciso rapidez Richard Baxter também ouviu dizer Evidentemente, os que se supunham

mas pouco depois Cromwell apareceu e na preparação das ordens do funeral”. que Oliver teria deixado Fairfax rezando. instrumentos da vontade de Deus deviam

estar rezando mesmo naquele momento. Muito eficaz, a organização do enterro não deixou nada ao acaso. O corpo ficou num caixão, sob um pálio de veludo, no quarto em que Carlos 1 pas-

sara seus últimos dias, em Whitehall. Depois de embalsamado, segundo os costumes da época, foi removido para o palácio de St James. Rejeitada a

idéia de alguns de seus servidores que pretendiam enterrá-lo na capela de

Henrique VII, na abadia de Westminster, ele acabou transladado para o castelo de Windsor. Lá, no dia 9 de fevereiro, sob o sudário da neve que caía — “a cor da inocência” —, baixou ao túmulo, na presença de um pequeno grupo de amigos leais; não se permitiu que Juxon lesse o serviço fúnebre do Livro de Orações Comuns. O corpo de Carlos I repousou junto aos de Henrique VIII e Jane Seymour, o implacável monarca e a consorte imaculada. Uma bela tradição diz que Cromwell foi a Whitehall prestar as últimas homenagens ao cadáver do soberano. Cerca das duas horas, o conde de Southampton e um amigo, em melancólica vigília na Casa dos Banquetes, ouviram o ruído de alguém subindo lentamente as escadas. A porta se abriu, dando passagem a um desconhecido, com o rosto inteiramente encoberto por

uma capa, que se aproximou e olhou atentamente o féretro, balançando a cabeça e murmurando: “Cruel necessidade!” Depois disso, o misterioso personagem retirou-se. Se bem que nada tenha discernido de suas feições, lord

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Southampton costumava dizer que “por sua voz e forma de andar era Oliver

Cromwell?.* De alguma forma, por mais improvável que pareça, a história

tem certa sustentação no relato de Heath sobre Oliver, observando o caixão e dizendo: “Se ele não tivesse sido rei, talvez vivesse mais.” Os deta lhes são diferentes, mas a impressão é praticamente a mesma. No século XVIII, exis-

tiam muitas narrativas acerca dessa visita de Cromwell ao esquife de Carlos: o reverendo Mark Noble interpretava o fato como uma espécie de “comemo. ração pessoal”, enriquecendo sua versão com um pormenor —

Oliver teria

posto o dedo no pescoço do monarca, a fim de confirmar que fora cortado. O soldado Bowtell, cuja espada ele teria usado para levantar a tampa do ataúde, ousara perguntar ao general: “Que governo terão agora?” Resposta sucinta: “O mesmo que estão tendo.”*º A conversa é verossímil e talvez seja autêntica, afora uma ou outra minúcia. Mas que sejam todas elas apócrifas ou não, o mais provável é que juntas, de forma sinóptica, essas histórias indiquem algum tipo de “última inspeção”,

representando o comentário que na época circulava acerca da atitude de Cromwell ante Carlos I. Já se tem dito que muitos falsos relatos sobrevivem

através dos séculos, resumindo dramaticamente situações particulares — no caso, “o incrível dilema de Oliver Cromwell”.** Poder-se-ia argumentar que, embora distantes da verdade histórica, a continuidade prova pelo menos sua verdade poética. Assim, a famosa exclamação — “Cruel necessidade” — adquire um peso maior, referindo-se ao que, do ponto de vista de Oliver, era

realmente indispensável, ou seja, a morte do rei. Sentindo-se encurralado, ele depositava sua fé na Providência, que o levara a isso, posto que a vontade de

Deus determinava o fim de Carlos. E, pelo que se sabe, nunca se arrependeu da decisão tomada. Nunca tendo sido um homem atento aos fatos passados, talvez tenha se preocupado, durante o Protetorado, com a vingança de Carlos

II, dirigida à sua família, quem sabe, mas não demonstrou a menor compunção pelas circunstâncias que acarretariam esse ódio.

Na verdade, Cromwell foi muito mais longe. No ano seguinte, em Edim-

burgo, ele se referiu à morte do rei como “o grande fruto da guerra”, posto que fora “a execução de uma justiça exemplar contra o líder de maior expressão, “A história foi publicada pela primeira vez em Spence's Anecdotes, no século XVIII, provavelmente contada por lord Southampton a um intermediário que a transmitiu a Alexander Pope.

**Ver Robert Birley, The Undergrowth of Histo

à É : ry» em que outras histórias similares são esmiuçadas, tais como os Bolos do rei Alfred, a capa de sir Walter Raleigh etc

dentre todos os que se envolveram nessa luta”. Mais tarde, falando dos

regicidas, disse que tinham agido de tal forma que, “no futuro, os cristãos a mencionarão com honra, e os tiranos tremerão diante dela”.*º Não era apenas Oliver que pensava assim — as alegações de constrangimentos e ameaças apresentadas por alguns, nos julgamentos realizados após a Restauração, não obscu-

recem a posição muito determinada e os objetivos muito claros manifestados por outros. O promotor John Cook, por exemplo, pouco antes de ser executado escreveu: “Não somos traidores, assassinos ou fanáticos, mas verdadeiros cristãos e homens bons da comunidade (...) buscamos o bem público e teríamos libertado o povo, e assegurado o bem-estar de todos os queixosos, se a nação não tivesse preferido a servidão (...).” Partilhando esse ponto de vista, Cromwell também teria aprovado o retrato traçado pela sra. Hutchinson de seu marido, aquele padrão de cavalheiro puritano, refletindo com agonia, mas colocando-se firmemente e para sempre a favor da execução necessária. O coronel Hutchinson, como muitos outros, estava convicto de que, se fora solto, Carlos I teria provocado males muito maiores: “Tendo-o entregue em suas mãos, Deus exigiria que pagassem [os que consentissem na libertação do monarca] por todo o sangue e desolação que se seguiriam.”? Assim, deixando-se guiar pelos desígnios do Senhor e livre de qualquer fraqueza humana, “buscando na própria consciência a confirmação de que era seu dever agir como agira (...) após um sério debate consigo mesmo, e se dirigindo ao Criador, e conferenciando com pessoas justas e imparciais, assinou a sentença de morte contra o rei”. Hutchinson também nunca se arrependeu do que fizera. Mais explícita ainda foi a resposta dada em seu julgamento por outro regicida, o coronel Harrison, segundo o qual eles “agiram com medo do Se-

nhor”. Indignado, o juiz perguntou-lhe: “Atribuís a Deus a autoria das traições e assassinatos que praticastes?”” Cromwell teria dito que sim, afirmando que

Deus era a origem de tudo quanto fizeram. Talvez os radicais do exército o conduzissem, através do labirinto de dúvidas que o obcecavam, até sua posição

curso centrado na denúncia do rei da Babilônia, por Isaías: “(...) como um

es

morte do rei. Basta lembrar os farisaicos pregadores, sedentos de sangue, que o tinham formado, e não apenas as palavras de Stephen Marshall, mas toda uma tradição de violência presente nos sermões desde o final do século anterior, baseada nos exemplos frequentemente citados de Ahab e de Saul, para perceber a lógica de uma execução necessária, positivamente justificada, santa. Na véspera da morte de Carlos I, no palácio de St James, Hugh Peter pronunciou um dis-

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final e inequívoca, mas foram suas convicções que o levaram a concordar com a

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ramo abominável, serás expelido do teu túmulo (...) porque destruíst e tua terra

e massacraste teu povo.” No dia seguinte, os sanguinários textos sobre OS reis

de Israel foram lidos nos sermões de John Cardell e John Owen diante da Ca. mara dos Comuns. O galês Owen, ex-capelão de Fairfax durante o cerco de Colchester, chamou os regicidas de “agentes divinos” e descreveu seus feitos

com palavras retiradas dos Salmos: “O trabalho de Deus é maravilhoso aos nossos olhos.” Na Câmara dos Lordes, Stephen Marshall falou com igual viru-

lência e confiança. Cromwell não passava de uma pessoa de ação, educado segundo essas tradições, um eco das palavras do pregador, “uma eminente teste munha do Senhor sobre a culpa do sangue”.*? Todavia, a própria necessidade era cruel, e as histórias tradicionais não

deixavam de refletir o outro lado da verdade. bou constituindo-se num erro desastroso para intimamente persuadido. Desde sua posição do julgamento a que o submetiam, apoiado

A execução judicial do rei acaa causa de que Cromwell estava inarredável sobre a ilegalidade num comportamento nobre, o

monarca enveredou pelo longo caminho do martírio. No dia em que foi enterrado, surgiu uma publicação intitulada Eikon Basilike [Ícone Máximo], contendo o relato detalhado de “sua Solidão e seu Sofrimento”; supostamente autobiográfica, antes que o ano se findasse já tivera trinta edições. A partir daí, a acusação de tirania arbitrária alcançaria os homens que o tinham supliciado. À vantagem da honra, a atração dos que lutam pela liberdade do povo, opondo-se a forças poderosas, afastara-se definitivamente de Cromwell — por ironia, devido a uma ação que ele genuinamente acreditava ter sido demandada pela “Providência” e imposta pela “fatalidade”. Prova maior não há dos profundos e arriscados caminhos a que os homens são arrastados em virtude do sectarismo doutrinário, resvalando simples e convenientemente no

sentido da autojustificativa de qualquer ato incivil e questionável mas essencial a seu tempo.

Et a PARTE TRÊS A Comunidade da Inglaterra

Declaro e prometo que serei fiel e verdadeiro à Comunidade da Inglaterra, agora que ela se estabelece sem um rei ou uma Câmara de Lordes JURAMENTO

DE COMPROMISSO DE 1649

Em Rosa

-

ms

12 Tudo se renova Esses novos cristãos cuidam de fazer desaparecer as coisas

antigas, e que tudo se renove, para manter esse novo esquema da República (...) MERCURIUS PRAGMATICUS, junho de 1649

corpo político da Inglaterra imbuiu-se, então, de muitas novidades, desde medidas grandiosas, que tinham por objetivo eliminar os resquícios da monarquia e da Câmara dos Lordes, até preocupações menores, respeitantes à maneira de desfraldar a bandeira nos navios da Armada. Já antes da

morte do rei um novo Great Seal [Grande Selo] fora encomendado pelos Comuns; Thomas Simon, famoso gravador, anteriormente a serviço de Carlos, tinha sido encarregado de criá-lo, a um custo total de duzentas libras,

incluindo o material a ser usado. De forma pictórica — obedecendo aos dita-

mes de um comitê especialmente constituído — ele tornou bastante claras as mudanças no poder. Numa das faces estava representada a Câmara dos Comuns em sessão, o presidente na sua cadeira e os parlamentares ocupando os assentos laterais — nenhum sinal da Câmara Alta —, sob os seguintes termos: No Primeiro Ano de Liberdade, com a Bênção de Deus, restaurada em 1648.*

No reverso havia um mapa da Inglaterra, até a fronteira com a Escócia, é claro, e o mapa da Irlanda, juntos às suas respectivas cotas de armas. No dia 7 de fevereiro, o novo selo estava pronto para ser trazido à Câmara e entregue *Pelo antigo calendário, no qual o ano começava em 25 de março, o rei tinha sido executado em 30 de janeiro de 1648.

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aos comissários. Dos anteriores encarregados, um deles, siy Thomas Widdrington, pediu dispensa, sendo substituído por John Lisle, um regicida

e Sergeant Keeble, advogado “cabeça-redonda”. O outro, Bulstrode White. locke, permitiu-se aceitar. E explicou: embora [nas duas faces do selo]

“dificilmente se evidencie um cumprimento estritamente formal dos devidos processos legais (...) uma necessidade inevitável nos colocou nesse

rumo, que de outra forma talvez não tivéssemos tomado”.! Tratava-se do antigo — ou melhor, do novo — argumento.

Considerando o pouco tempo disponível, Simon fizera um excelente tra-

balho; a pressa, no entanto, obrigou à confecção de um novo selo, mais cuidadosamente elaborado, um ano depois. Nesse, os mapas tinham detalhes mais nítidos e a data era outra. Posteriormente, os demais selos foram sendo modificados, por exemplo, o Selo da Court of the Common Bench [Tribunal das Causas Ordinárias], o do ducado de Lancaster, o do Parlamento, todos seguindo mais ou menos os mesmos padrões. No cetro, que também simbolizava o poder, as armas reais cederam lugar às da Inglaterra e da Irlanda. As cruzes, em volta de sua borda superior, transformaram-se em carvalhos. Sem perda de tempo, embora amargamente, um jornal realista observou que, tendo Absalão sido enforcado numa árvore, a Comunidade escolhera um emble-

ma bem expressivo de sua rebelião. As vestimentas dos encarregados de trans-

portar os membros do Parlamento pelas águas do Tâmisa foram objeto de debate, e, nos panos das barcaças, as armas do rei substituídas pelas da Co-

munidade? Num nível mais elevado, havia o problema do dinheiro — necessidade imediata do novo regime. Uma ordem datada do dia 13 de fevereiro instituiu uma série de moedas de certa forma graciosas, cujos desenhos incluíam as armas da Inglaterra e da Irlanda, ramos de palma e de louro, e duas inscrições — The Commonwealth of England [A Comunidade da Inglaterra] e God With

Us [Deus está conosco]. Algumas coisas levaram mais tempo: foi somente

em fevereiro do ano seguinte que se expediram as ordens no sentido de remo-

ver as armas do rei de todos os lugares públicos; os juízes de paz € OS curadores eclesiásticos supervisionaram sua troca pelas da Comunidade. Ao mesmo tempo, o Parlamento descobriu que os navios Prince, Mary e Elizabeth deviam ser rebatizados, a fim de se tornarem bastiões da Comunidade. Uma nova embarcação, lançada ao mar em 1649, recebeu o nome menos majestoso

de President. Rápida e inexoravelmente, as novidades apareceram aos olhos de todos e, no verão, o Mercurius Pragmaticus refletiu tristemente que “esses n0-

E

ma

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e

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vos cristãos cuidam de fazer desaparecer as coisas antigas, e que tudo se renove para manter esse novo esquema da República (...) através do qual, agora, a

velha Inglaterra se transformou numa coisa nova, e nós fomos transportados a » . o” nd outro mu

3

Essa nova iconoclastia, porém, poderia propiciar bons lucros e algum

prazer. Carlos Stuart tinha gosto e dera-se a ricas indulgências em tudo que fosse fino e mais primoroso no campo das artes. Sua herança teria sido sufici-

ente para resgatá-lo ou, conforme se sugeriu, encher os cofres do tesouro da Comunidade. Esse objetivo estava por trás do elaborado plano de vendas dos quadros, tapeçarias, livros, jóias e medalhas do falecido monarca. À respeito, o Mercurius Elenticus publicou, no dia 20 de fevereiro, a denúncia de que “ambiciosos sanguessugas de cavalos dedicam-se a vender a coroa e tudo o mais”. Num desagradável trocadilho, o jornal insinuava que “eles” tentavam salvar os “penduricalhos” para si mesmos. O governo — e não furiosos filisteus — sentia-se obrigado a se desfazer dessa incomparável coleção, fundamentalmente, devido às suas necessidades financeiras. Uma equipe de curadores foi encarregada de localizar, inventariar, avaliar e até mesmo impedir o roubo dos bens. Mesmo nessas difíceis circunstâncias, alguns lutaram pela preservação dos antigos valores. Em outubro de 1651, John Dury lançou um furioso protesto pelo estado da biblioteca do antigo soberano; livros jogados por toda parte, no chão, estavam expostos à chuva e à poeira, ratos e camundongos. Whitelocke conseguiu impedir que alguns dos livros e medalhas do palácio de St James fossem vendidos no exterior; mais tarde, Milton recebeu a incumbência de classificá-los. Ironicamente, com o passar daquele ano, alguns dos ricos objetos acabaram preservados, graças à crescente autoconfiança e o gosto pelo luxo do novo regime. Certas tapeçarias foram usadas para decorar as salas oficiais dos membros do novo Conselho. Pertences reais, no valor de dez mil libras, des-

tinaram-se ao serviço do Estado. A Comunidade manteve uma parte conside-

rável das propriedades do rei, inclusive o palácio e o parque de St James e o castelo de Windsor. Por maior que fosse o desgosto dos realistas, o fato dos novos governantes da Inglaterra desfrutarem dos prazeres legados pelos anti-

gos devia ser até bem-vindo, pois fosse uma inspiração de genuíno requinte ou mera questão de vaidade pessoal, ao menos garantiu a inte gridade de algumas preciosas obras de arte que poderiam ter sido tragadas numa venda catastrófica. Dizia-se que o cardeal Mazarino estaria farejando a possibilidade de adquirir algumas peças, antes mesmo do enterro de Carlos I. O humilde

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Croullé, deixado pelo embaixador da França em seu lugar, ocu pou-se com as compras de Sua Eminência. Depois de retornar a Londre s, boa parte do tem.

po de Bordeaux seria utilizada em negociações desse tipo. O acúmulo de mudanças e mesmo a preocupação dos rel atórios contem-

porâneos com as alterações de selos e armas revelam a estranha natureza ad

hoc dessa nova Comunidade.* Era preciso agir com rapidez e sem qualquer recurso a precedentes históricos, dado o ineditismo do pro cesso. Transforma-

ções realmente radicais, como a abolição formal da monarquia, tiveram que esperar até o dia 17 de março. A própria Comunidade só foi formalmente

instituída pelo Parlamento em maio, embora o vazio de pod er não existisse, pois a Câmara dos Comuns assumira a mais alta autoridade do país várias semanas antes da execução. Da mesma forma, discutiu-se bastante sob re o fim da Câmara dos Lordes — muitos gostariam de mantê-la em caráter cons ultivo, e Cromwell, de acordo com Ludlow, votou mais ou menos nesse sent ido, talvez antevendo algum papel que os pares do reino poderiam desempenhar na consecução dos objetivos que ele “estava determinado a alcançar”. No dia

19 de março, porém, os Comuns extinguiram a Câmara Alta; considerada -a grande inconveniência do poder de veto dos que não representam o povo”, suas funções judiciais também desapareceram.” Eliminar era uma coisa, substituir era outra. A limpeza fora, sem dúvida, bem dinâmica. O Conselho Privado tinha desaparecido, bem como os departamentos do Almirantado e o Exchequer [Fazenda]. Não existia mais a Star Chamber, a Court of Wards e o Tribunal das Prerrogativas do Rei, nem o

Lord Chancellor [presidente da Câmara dos Lordes], o Chancellor of the Exchequer [ministro da Fazenda] ou secretários de Estado. Desse holocausto

dos poderes executivos só restou o próprio Parlamento, isto é, a Câmara dos Comuns, ou o que sobrou dela depois do expurgo de Pride, com seu Speaker [presidente] elevado ao posto mais alto do país. Todavia, isso não solucionava a questão do governo do reino, e o remédio foi criar um novo é poderoso

Conselho de Estado, por intermédio de um Ato do Parlamento. Dotado de amplos poderes executivos, esse Conselho expediria ordens através de comissões, sendo as mais importantes as de Assuntos Exteriores, a do Exército, da

Marinha e da Irlanda. Quanto à urgente necessidade de fundos, já existiam, é “A palavra, com o significado original de bem

“estar público

o bem-estar geral, tinha se transformado no começo do século XVI para si enificar o corpoou políti co do Estado, visto €Specialmente como um corpo em que toda à população tinha voz ou interesse; no século

XVII estava começando a assumir o

significad o de república.

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claro, todas as outras comissões criadas nos momentos diferentes da guerra e destinadas ao segúestro de propriedades ou à aplicação de multas; muito bu-

rocráticas e ineficientes, mesmo assim, ainda funcionavam.

Depois de alguns debates, a Câmara dos Comuns fixou em 41 o número

de membros do Conselho de Estado — chegou-se a sugerir que fossem cem

— e o quorum mínimo de nove participantes. A primeira seleção, feita em 14

de fevereiro — naturalmente, Cromwell estava entre os escolhidos —, mante-

ve-se virtualmente intacta, com a exceção significativa de Ireton, eliminado

provavelmente devido aos esforços que empreendera na tentativa de dissolver o Parlamento. Enquanto ocupou a presidência, em caráter interino — John Bradshaw só foi eleito para o cargo um mês depois —, Oliver tratou de conciliar as agudas divergências em torno do juramento de compromisso que todos os membros teriam que prestar. Como na questão da Câmara dos Lordes, ele achava que as novas e delicadas circunstâncias exigiam uma ampla base de apoio, daí que a forma adotada pelo Compromisso obrigava os membros a apoiar o governo e a executar as vontades do Parlamento; a primeira versão, sugerida por Ireton, implicaria a sustentação do Alto Tribunal de Justiça e da execução do rei. O conceito original do Conselho de Estado parece dever alguma coisa a duas comissões anteriores, a dos Dois Reinos e a de Segurança.

O Parlamento limitou sua duração a um ano, e as reuniões tiveram início,

primeiro na Derby House, depois, a partir de maio, em Whitehall, refletindo o crescente poder assumido pelo organismo.

Tal qual o executivo, o judiciário carecia de reformas. Em fevereiro, Cromwell integrou uma comissão responsável pela listagem de todos os Juízes de paz da Inglaterra e de Gales. A King's Bench Court [Juízo Fazendário] passou a chamar-se Upper Bench [Juízo Superior], excluindo-se do juramento prestado por seus integrantes o nome do rei. Nem todos os membros do judiciário adotaram a posição de Whitelocke: metade dos 12 juízes da Common Law [primeira instância do direito positivo] recusaram novas comissões. Ainda presos, os delingientes secundários foram levados perante um tribunal especial que os condenou sem maiores dificuldades; segundo Lilburne, embora alegassem que haviam se rendido mediante a promessa de clemência, Hamilton, Zord Capel, o conde de Holland, lord Norwich — anti-

go lord Goring — e sir John Owen acabaram arrastados pelas ruas, como “escravos duas vezes conquistados”.” Recusada a apelação de Hamilton, baseada

na sua nacionalidade escocesa, ele morreu na esperança de que sua morte encerrasse o derramamento de sangue. Apesar disso, Holland e Capel o segui-

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ram no patíbulo. Apenas Goring e Owen tiveram suas sentenças comu tadas,

se bem que Cromwell e Ireton votaram a favor da pena capital. Assim

termi-

nou, finalmente, a Segunda Guerra Civil. Nos primeiros meses da Comunidade, o governo dispensou arg umentos políticos que apoiassem o novo regime: os atos diziam tudo. Após a execução do monarca, John Cook publicou King Charles His Case LO cas o do rei

Carlos], sustentando que o abuso de confiança por parte de quem devia pro-

teger o povo era passível de punição extrema. John Milton, que logo se tor-

naria o mais afamado propagandista da Comunidade, tirou dinheiro do pró-

prio bolso e editou um folheto intitulado The Tenure of Kings and Magistrates: Proving that it is lawful, and Flath been Held so through All Ages, for Any, who Have the Power, to Call to Account a Tyrant or Wicked King, and after Due Conviction to Depose and put him to death [O cargo dos reis e magistrados:

prova da perene legalidade do direito de quem assume o poder e julga um tirano, ou rei malvado, e, após a devida condenação, trata de depô-lo e executálo]. O autor enfurecera-se ante os ataques dos pastores presbiterianos durante o julgamento de Carlos I e decidira vingar-se. O texto mencionava inúmeros exemplos de tiranicídio, desde a antiga Grécia e Roma, até os precedentes da

história inglesa, referindo-se não apenas ao divino direito do povo de julgar os déspotas, mas ainda à “majestade e grandeza” desse ato. O panfleto produziu consequências notáveis. Obviamente, o novo Conselho de Estado precisa-

va constituir um secretariado, e o bem-intencionado Milton, recomendado

por Bradshaw, acabou assumindo o cargo de “secretário de Línguas Estrangeiras”,* com o modesto salário de 288 libras anuais — o secretário-chefe

ganhava 730; assim, o maior poeta de sua época entrou para o serviço público, indo morar, naquele de relação pessoal que obscuro: Oliver jamais o primeiro encontro de

mesmo ano, num apartamento de Whitehall. O tipo ele estabeleceu com Cromwell permanece bastante o mencionou em cartas ou discursos. Provavelmente, ambos deu-se quando Milton tomou posse, no dia 20

de março de 1649. Coube a ele responder à crescente publicidade em torno dos sofrimentos do ex-soberano, divulgada através do citado Eikon Basilike; infelizmente, apesar de ter cunhado uma frase memorável — “Prefiro à tainha Verdade ao rei Carlos” —, seu Eikonoklastes não alcançou o simpático vigor nem o sucesso do texto popular!

*Mais tarde ele se tornou conhecido como “s ecretário d im?. poisno; embora tra duzisse Latim”, e resp só português, e espanhol francês, italiano, ondia em lati m.

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Novas teorias sobre apoio político teriam que esperar pela maior estabilidade do novo governo. Naquele momento, o horror resultante da morte de Carlos 1 induzira as hostes realistas a uma enorme apatia, e ninguém cogitava de qualquer atividade conspirativa. Filha do ex-secretário do monarca, lady Anne Halkett mencionou em carta a depressão que dominara os partidários do rei, dizendo que “eles pareciam estar sonhando”. William Sancroft, futuro arce-

bispo de Canterbury, referiu-se a encontros, todavia inúteis: “(...) só falamos so-

bre perspectivas de fuga.” Pairava sobre todos a sombra daquela tristeza indefi-

nida que assombraria a Comunidade, o fantasma do passado, apontando seu dedo espectral para trás, inspirando à inação e a um triste enclausuramento. Mesmo um puritano assumido, como Ralph Josselin, vigário de Earls Colne, registrou no seu diário o abalo que sofrera ao ler sobre a execução do soberano: “minhas lágrimas corriam nas passagens sobre sua morte (...)?. De um ponto de vista diametralmente oposto, John Lilburne confessou idênticos sentimentos de resignação apática, pensando na possibilidade de trocar a Inglaterra pela Holanda: “Meditei sobre mim mesmo, sem saber o que fazer, sentindo-me como um velho navio, marcado pelo tempo, merecedor de algum descanso num porto trangúilo.”!

Diante de tamanho retraimento, não surpreende que os novos governantes tenham enfrentado pouquíssima oposição às suas entusiásticas e eventualmente desajeitadas tentativas de renovação à outrance. Entre eles, predominava um estado de espírito bastante diferente. Contrastando a melancolia de Lilburne, o alegre vigor de Cromwell e Ireton pode ser ilustrado pela história publicada no Mercurius Elenticus, jornal altamente hostil, que com grande desgosto informou

ter Oliver se oferecido para cuidar da formação do jovem duque de Gloucester,

instruindo-o nos ofícios de sapateiro ou cervejeiro; a princesa Elizabeth seria

dada em casamento a um dos seus próprios filhos ou ao de Pride. O rapazinho,

que contava apenas oito anos de idade, replicou com alguma disposição ter esperanças de que o Parlamento lhe destinasse parte das rendas de seu pai, de forma a evitar que ele fosse obrigado a se tornar aprendiz. Mas Cromwell encerrou a conversa, dizendo: “Menino, terás que ser aprendiz, pois nem todas as rendas de teu pai compensarão o mal que ele fez ao reino.” Dito isso, segundo

o periódico, “Nariz [Cromwell] saiu furioso”.

Relatado de segunda mão, o incidente terá sido mais uma brincadeira de

mau gosto do que uma tentativa séria de humilhar a família real. Cromwell era um homem gentil e terno com as crianças, e já citara o duque de Gloucester

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como seu candidato a rei, sob uma regência; na verdade, os jovens cativos sempre foram bem tratados. Orientada pelo Parlamento a cuidar deles com a

mesma cerimônia dedicada aos filhos da nobreza, /ady Leicester não se sacri ficava por isso, e nada justificava a perspectiva escandalizada do Mercurius Pragmaticus, temeroso de que logo os pequenos fossem chamados, simp lesmente, de “Betty e Harry”.'? Mais do que a diminuição do status, afligia-os a morte do pai. Sobre o comportamento indiscutivelmente alegre de Cromwell nesse período, Whitelocke é bem mais convincente e substancial. Jantando com Oliver e Ireton, na noite de 24 de fevereiro, ele os encontrou muito bem-dispostos e satisfeitos com a marcha dos acontecimentos. A conversa prolongou-

se até a meia-noite, girando em torno das “maravilhosas provas da Divina Providência” que haviam tido, durante a guerra, por ocasião do deslocamento

do exército em direção a Londres e quando da prisão de alguns membros da Câmara dos Comuns — “e em tudo isso abundavam passagens milagrosas”. Indicação marcante da vida serena que Cromwell retomara foi o fato de ter voltado às negociações acerca do casamento de Richard e Dorothy Mayor. A

fim de superar desacordo financeiro que persistia, a partir de 1º de fevereiro escreveu uma série de dez cartas ao pai da jovem, algumas muito longas, contendo explicações detalhadas a respeito dos termos do acordo proposto, além de reflexões sobre a questão do matrimônio em si.

De fato, à parte o desejo natural de um pai no encaminhamento do filho, Oliver parecia ter um cuidado particular com Richard, de cuja fraqueza suspeitava. Dorothy o atraíra não devido à sua fortuna, mas por “ser uma dama de fino trato”, cujas virtudes estáveis apoiariam o aprimoramento do caráter vaci-

lante de Dick. Tão logo o casamento se realizou — no final de abril — ele se ligou muito à nora, sua “Doll”? [Boneca], como ele a chamava, numa das relações paternais a que tendeu à medida que envelhecia. Em julho, informado de

que o jovem casal encontrara tempo para fazer uma expedição à cata de cerejas, ele perdoou aquilo que imaginava ser um desejo de mulher grávida: «É, bastante desculpável (...) acredito que ela tenha um bom pretexto (...).”!* Richard Mayor, antigo adversário, tornou-se um grande amigo e confidente.

As preocupações acerca de Dick eram provavelmente justificadas. Seu re-

trato revela um rosto de contornos suaves, maravilhosos olhos sonhadores; boca demasiado sensível — no conjunto, uma fisionomia doce e algo tímida. No veredicto de seus contemporâneos juvenis, um jovem fraco e gentil, que Lucy Hutchinson considerou “camponês por natureza” — cavalheiro rural

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311

seria uma expressão mais generosa. Talvez tenha tido a má sorte de crescer

no período da ascensão meteórica do pai, nacionalmente afamado enquanto líder militar — seus falecidos irmãos tinham crescido antes de Oliver sair do anonimato. De qualquer forma, Cromwell continuou preocupado com as deciências do filho; obcecado com suas leituras, no verão insistiu com Richard Mayor para que fizesse com que seu novo genro lesse mais, talvez história ou

geografia. Um ano mais tarde, da Irlanda, forçou Dick a se comprometer

com a leitura da History of the World [História do mundo], de Raleigh, um

livro que contava com sua aprovação, apesar de ser leitor pouco assíduo, pos-

to que baseado na teoria de “um Deus onipotente [que] lança sobre homens e nações pecadoras uma punição justa e inevitável”. Raleigh negava a possibilidade de acidentes decorrentes da sorte, uma vez que “tudo deriva da vontade de Deus, a fim de se chegar ao presente (...)”.'º Educado na doutrina do dr. Thomas Beard, não surpreende que Cromwell jurasse por este livro e o recomendasse tão apaixonadamente ao relaxado Richard. Tendente a aconselhar espiritualmente os filhos que cresciam e encorajado por Dick — “Recebo tuas cartas com afeto: gosto de tudo que vem diretamente do coração, sem ser forçado ou afetado” —, Oliver escreveu-lhe para que buscasse continuamente “o Senhor e Seu rosto”, tal qual fizera com Bridget. O matrimônio também ocupava parte de suas preocupações, embora com mais cautela, em deferência à masculinidade de Richard: “Talvez imagi-

nes que [talvez] não preciso te persuadir a amar tua mulher. O Senhor te ensina a melhor forma de fazê-lo, pois de outra forma não se faria bem. Ainda que o casamento não seja um sacramento instituído, no entanto, aí está o bom leito, e o amor, a união que lembra Cristo e sua Igreja.”'* Somado às comparações mais ou menos similares, contidas nas cartas a Bridget, sobre a imagem de Cristo impressa em seu esposo, o vívido interesse pessoal que Cromwell manteve na relação de Dick e Doll dá a impressão de que esse pa-

pel de casamenteiro e pai puritano muito o agradava. O zelo demonstrado na correspondência pré-matrimonial com Richard

Mayor é mais marcante, visto que o perigo voltara a rondar os negócios do

Estado, a partir do fim de fevereiro, o que poderia ter acabado com sua enér-

gica disposição doméstica e deprimido o júbilo que sentia. À indiferença realista, particularmente no exterior, não duraria para sempre. Toda a Europa sustara o fôlego com a morte de Carlos I. Os contatos diplomáticos entre as nações do continente e a Comunidade eram mínimos — por algum tempo, o isolamento foi quase total; governados por cabeças coroadas, muitíssimos países

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estavam incapacitados de encarar com serenidade os acontecimentos que transcorriam na Inglaterra. Circulavam rumores de intervenção militar estrangeira, talvez liderada pelo duque de Lorraine. Na Escócia, Carlos II fora

aclamado assim que se soube da morte de seu pai, e o galante Montrose comprometera-se a cantar loas ao rei morto “ao som de trombetas, e escrever seu epitáfio em sangue e ferimentos”. A maior e mais imediata ameaça, entre. tanto, parecia provir da Irlanda.

Em Kilkenny, ainda no mês de janeiro, Ormonde e os católicos haviam concluído um tratado, e uma semana antes da execução o futuro Carlos II tinha sido convidado a ir até lá, a fim de concentrar o apoio realista, quem

sabe, com vistas a uma intervenção. Geograficamente, o país oferecia um excelente ponto de partida; além disso, Rupert formara um pequeno mas eficaz esquadrão naval, composto de oito belonaves, baseadas nas ilhas Scilly. Na Inglaterra, a idéia de desencadear um ataque preventivo trouxe à tona antigos problemas — soldos atrasados, desmotivação da tropa etc. —, numa situação

muito pior que a da primavera de 1647, quando os soldados podiam contar com seus porta-vozes radicais. A morte de Carlos I, longe de acalmar os

levellers, tornara-os tão coléricos quanto os realistas. Esses três fatores — o

perigo realista na Irlanda, a necessidade de mobilizar um exército e o ascenso da oposição — determinaram a nova conjuntura em que Cromwell se viu envolvido. Segundo os levellers, os líderes do exército haviam traído a revolução ao

não implementarem as reformas sociais implícitas no Compromisso do Povo. No começo de março, o Mercurius Pragmaticus deu início à publicação

de

uma série de comentários acerca de dissensões entre Cromwell, de um lado, e Henry Marten e sua “equipe /eveller”, de outro; durante os debates na Câmara dos Comuns, Ruby Nose [Nariz de Rubi, isto é, Cromwell] teria sacado uma adaga.” Um panfleto radical, intitulado England's New Chains Discovered [Descobertos os novos grilhões da Inglaterra], enfureceu os detentores do poder. No dia 15 de março, a nomeação de Oliver para o comando do exército de 12 mil homens que o Conselho de Estado pretendia enviar contra a Irlanda teve como pano de fundo a crescente fúria dos Jevellers. Outro panfleto, sob o eufórico título de The Hunting of the Foxes from Newmarket to Triplo Heath to Whitehall by Five Small Beagles [A caça às raposas de Newmarket à Triploe Heath e a Whitehall, por cinco pequenos beagles], referia-se à Cromwell como o “novo monarca”, criticando -0 asperamente. Diante dos que o procuravam, e antes de qualquer resposta, “ele poria a mão no peito, levan-

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taria os olhos e invocaria a Deus (...) choraria, gritaria e se diria arrependido, mesmo quando atingisse alguém logo abaixo da primeira costela (...)?. Os autores, por sua vez, clamavam: “Oh Cromwell! O que queres, afinal?” Uma

nova realeza, talvez?

Sob esse fogo cruzado — é irônico, mas ele era acusado de aspirar à co-

roa de duas direções diferentes — Oliver encarou com cautela a nomeação

para o comando da expedição militar. Talvez ele fosse “o mais orgulhoso rebelde do grupo”, conforme publicou o Mercurius Elenticus, mas sabia bem da

desunião dos que estavam à sua retaguarda. Ausente, seus inimigos teriam

uma excelente oportunidade para enfraquecê-lo; além disso, muitos generais ingleses já haviam perdido sua reputação nos campos de batalha da Irlanda. Em suma, seu discurso longo e tortuoso — ou mesmo torturado — foi marcado por uma extrema prudência. Se a vontade de Deus determinasse sua ida à Irlanda, certamente ele não

se recusaria: “Comprometo-me, não apenas diante de vós, mas como se estivesse diante do Senhor, e em Sua presença, que abandonaria o comando (...) ou qualquer posição de liderança política que vos induzisse a uma promessa, até que esteja em condições de declarar se irei ou não, dependendo da inclinação que Deus der a meu coração (...).” Sobre a Irlanda, ele usou os mesmos termos fortes, mostrando que seus preconceitos não tinham arrefecido desde o início da década de 1640: “Antes ser derrotado pelos interesses dos cavaleiros do que dos escoceses, ou pior, dos irlandeses, na minha opinião os mais perigosos (...) todo o mundo conhece a sua barbárie.” No terreno prático, ele sugeriu “que o exército se mova, a fim de obter provisões, como cabe a homens

honestos”. Objetivamente, não tinha nenhuma vontade de liderar uma campanha fadada ao insucesso por falta de equipamento. Em suma, “vamos se Deus

também for (...)”.!º É bem verdade que o aprestamento das tropas agravaria o problema financeiro, mormente porque já se haviam frustrado todas as tentativas de levantar

fundos. O ano de 1649 foi marcado por uma sensível depressão econômica,

consumindo as receitas em necessidades imediatas; assim, antes que alguns expedientes — como a alienação dos bens reais — produzissem efeito, decidiu-se pedir um empréstimo à City, no valor de 120 mil libras, sob a garantia das terras do rei. Isso não deu certo — na época, os emprestadores estavam arredios —, e o jeito foi decretar a venda das propriedades fundiárias dos deães e congregações religiosas. Os atrasos se sucediam, devido às dificeis negociações, num clima em que as línguas /evellers não conseguiam ficar quietas.

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Alguns dias após o discurso de Cromwell, o Conselho de Estado convo-

cou Lilburne e Richard Overton; o panfleto England's Chain fora considerado

sedicioso pela Câmara dos Comuns, capaz de levar a uma nova guerra civil. Inquirido, Lilburne manteve sua tradicional postura de desafio, sendo reco m-

pensado por uma explosão de Oliver, que bateu na mesa, exaltado, assim que ele se retirou: Asseguro-vos, senhores [ele gritou], que não há outra forma de tratar com estes homens senão quebrá-los, ou eles vos quebrarão; isso, ou aceitar que o ônus do sangue derramado e dos tesouros dissipados caia sobre vossos ombros e cabeças, frustrando e esva-

ziando o trabalho que haveis realizado durante anos e anos de esforço, árdua luta e tantas dores, para ao final passar de homens racionais a homens tolos e de baixo nível, quebrados e eliminados por essa geração desprezível e mesquinha que eles são (...). Repito: é preciso quebrá-los! 1º

Grande parte do seu profundo ressentimento contra os agitadores, que perturbavam o governo dos santos, fossem os levellers ou outras organizações que deles surgiram, está contida nesse discurso. Os radicais, no entanto, foram condenados somente à prisão e por uma maioria de apenas um voto. Dias depois Cromwell concordou em aceitar o comando do exército irlandês e, no dia 30 de março, sua nomeação foi aprovada pela Câmara dos Comuns. Continuou, porém, a se sentir muito desnorteado e inseguro, O que pôde ser confirmado mesmo por uma fonte hostil, como Clement Walker, na sua History of Independency [História da independência]. No dia 1º de abril, Oliver estava entre os pregadores laicos chamados pelo “Espíri-

to do Senhor” e pronunciou um sermão de noventa minutos após ter rezado durante uma hora. Walker comentou, acidamente, que ele pedira a Deus “para liberá-lo do governo deste poderoso Povo da Inglaterra, pois a tarefa pesava demais sobre seus ombros — uma imitação audaciosa e hipócrita de Moisés”. Segundo seu testemunho, ele adquirira o hábito de 15 minutos toda vez que se discutia um assunto importante, “os Oráculos do Espírito”.” Deixando de lado a antipatia do imagem de um homem incerto sobre o destino apontado pelo por sua própria natureza.

retirar-se por voltando com autor, resta à Senhor — OU

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Daí para a frente, a questão passou a ser quais os regimentos que iriam à

luta, além dos já designados — o de Cromwell e mais dois. Uma criança foi

encarregada de tirar de um chapéu quatro papeizinhos — dois deles com a palavra “Irlanda”, para a cavalaria e a infantaria, respectivamente, e os outros dois em branco. Entre os regimentos de cavalaria escolhidos estavam o de Ireton, o de Lambert e o de Scrope; a infantaria incluía os de Hewson, Ewer e Deane;

cinco contingentes de dragões também seguiriam na expedição. Até aí tudo

bem, não fosse a atitude dos soldados, muito distante da aceitação daquela cri-

ança. Além das suspeitas dos /evellers, acerca do comando do exército, os soldos continuavam em atraso, o que poderia levar a um motim a qualquer momento.

O regimento de Whalley — que deveria permanecer na Inglaterra — teve que ser subornado pelos próprios oficiais para que partisse de Londres; os homens de Hewson abandonaram as armas. Pior, do ponto de vista do governo, foi a multidão de pobres que se aglomerou às portas da Câmara dos Comuns, muitas

mulheres, inclusive, trazendo um documento com mais de dez mil assinaturas,

solicitando a libertação dos evellers presos. Misturados à turba, alguns soldados encostaram suas pistolas engatilhadas no peito dos membros do Parlamento — sombras do verão de 1647 —, e uns vinte agitadores conseguiram penetrar no vestíbulo. Diante de uma agitadora, um parlamentar pouco hábil advertiu que “não cabia às mulheres fazer petições, elas deveriam ficar em casa lavando os pratos”. Ferina, ela respondeu: “Senhor, resta-nos poucos pratos para lavar, e não sabemos sequer como mantê-los.” Outro que se aventurou a fazer um comentário moderado, considerando estranho, pelo menos, que as mulheres fizessem petições, ouviu a seguinte resposta: “Foi estranho que cortásseis a cabeça do rei, mas suponho que podeis justificar isso.” Cromwell também não se saiu muito bem. A mesma corajosa mulher segurou sua capa, quando ele saía, e o criticou por se preocupar tão pouco com 0 povo comum, ao ponto de não querer ouvir suas petições, ele que já os escutara

antes, sempre que o povo lhe dera dinheiro para as guerras. “Pensais que não temos nada, mas ainda temos contra vós.” “O que quereis?”, ção que nos foram prometidos liberdade dos líderes /evellers,

um pouco, e sangue também, que gastaremos perguntou ele. “Os direitos e liberdades da na(...)” respondeu a mulher, especificando com a aprisionados ilegalmente. Em vão Cromwell ar-

gumentou que o Parlamento ordenara que fossem julgados conforme a lei —

estava nas garras de uma harpia bem à sua altura, e que replicou: “Senhor, se tirarem suas vidas, ou a vida de qualquer um contra a lei, nada nos satisfará

exceto a vida de quem fizer isso, e isso, senhor, inclui vossa própria vida.”?

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O movimento /eveller já tinha diversas dissid ências. Em fevereiro, enco-

rajados pela morte do rei, o grupo milenarista dos pentamonarquista cre s, ntes de que o império de Cristo sucederia ao império romano, in vadiu a arena po-

lítica. Sua primeira petição veio de Norwich; em março, Norfolk, ambas reclamando “o avanço de Jesus Cristo” e seu reino na terra”, além de questões mais mundanas, como ro e a abolição dos dízimos.?? Os diggers [escavadores]

uma segunda de So crescimento de o expurgo do cle* apareceram em

abril, perto de Windsor, em St George's Hill. Em março, Cromwe ll acedera

ao pedido de alguns soldados pobres, permitindo que cultivassem a ter ra comunal, Suas atividades organizadas, entretanto, eram muito mais sérias, não somente porque ameaçavam os direitos dos freeholders — possuidores de pro -

priedades livres, sem pagamento de foros —, mas ainda em virtude da teoria que haviam elaborado, capaz de ameaçar os fundamentos da propriedade, tal como Ireton acreditara que o sufrágio universal faria. Whitelocke os descreve com bastante clareza. Tendo cavado a terra e espalhado as sementes de raízes e vagens, “convidavam a todos para vir ajudálos, prometendo em troca carne, bebida e roupas; ameaçam derrubar as cercas dos parques, e deixar tudo aberto (...) e os vizinhos, dizendo que em breve os obrigariam a trabalhar junto com eles”. Seus líderes, William Everard e Gerard Winstanley, queriam que o povo de Deus reouvesse os frutos e beneficios da terra. O primeiro afirmava ter sido levado a esse nobre trabalho por uma visão. Numa petição a Fairfax, os diggers reclamavam as recompensas nunca recebidas pelas vitórias contra o rei e sua dependência do jugo jamais superado; a terra continuava fora de seu alcance, “mantida pelos senhores feu-

dais, ainda sentados em seus tronos normandos”. Descontentamento social de inspiração visionária e teoria política eram jogados no mesmo sac o, pro-

duzindo um mélange que se contasse apenas com um de seus elementos talvez fosse menos perigoso. No dia 19 de abril, as tropas dispersaram os dig ge!S) posteriormente, os frecholders erradicaram suas plantações. Levados à presença de Fairfax, em Whitehall, os líderes demonstraram desprezo pela autorida-

de, recusando-se a tirar o chapéu; o movimento não tinha sido debelado de forma alguma.

e Também Cmnceido Sta verdadeiros tevellers, defendiam uma utopia sem distinções de que a maior parte das aflições humanas Cane, S P (N. do é T.)dinheiro, acreditando de tudo isso.PEaOa decorria proprCtade

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Cromwell também teve visitas — “uma Profetisa do Norte” apareceu em

Londres, nessa mesma época, apresentando-lhe um papel cheio de vaticínios

terríveis, grandes problemas que atingiriam a Inglaterra, caso as liberdades dos “nobres comuns” não fossem reconhecidas. Ele pode ter concluído que indisciplina militar, insatisfação popular, carência de meios e oposição realista ativa já

constituíam grandes problemas. No final de abril, Bradshaw tristemente: “Apesar de todos os métodos justos e injustos que cavaleiro abraçou nossa causa com sinceridade.”?* Mais grave perda gradual do reduzido apoio com que a nova Comunidade

teria comentado usamos, nenhum do que isso era a contava.

Uma campanha destinada a extirpar os /evellers dos regimentos que deve-

riam tomar o rumo da Irlanda seria essencial para assegurar o sucesso da expedição, considerando o ânimo que esses dissidentes tinham alcançado, mas

resultou num motim. Seu líder, Robert Lockier, soldado de 23 anos — entra-

ra no exército aos 16 —, foi detido e fuzilado, e a rebelião esmagada. À po-

pularidade do rapaz e sua reputação de religioso conferiram-lhe uma aura de mártir — justamente o que os radicais precisavam: no enterro, eles desfilaram com fitas verde-mar e ramos de alecrim nos chapéus.* Se bem que o expurgo dos levellers representasse uma condição essencial do ponto de vista militar, a atitude deles ante a nação irlandesa, como já se tinha visto dois anos antes, em Saffron Walden, contrastara os contemporâneos ingleses menos ra-

dicais. Não se pode deixar de lamentar a ausência forçada desses homens, para os quais “a causa dos nativos irlandeses, na busca de sua justa liberdade,

é a mesma que defendemos, lutando por nosso próprio resgate e liberdade do poder dos opressores”. Posição, sem dúvida, muito diferente das atitudes colonialistas ou missionárias do governo, que ao pedir dinheiro à City endossara, por assim dizer, as famosas palavras de James I: “Extirpem os papistas da Irlanda e semeiem puritanos, garantindo sua segurança.”? O sabor de cruzada de tudo isso não se encontrava apenas nas observa-

ções que Cromwell fizera, semanas antes, na Câmara dos Comuns, mas em seu primeiro e significativo encontro com John Owen, o capelão que estava destinado a aumentar o número de seus “amigos divinos”. Eles se viram em 19 de abril, na casa de Fairfax, onde o assistente espiritual pronunciou um

sermão invocando a necessidade de se retirar a “argamassa anticristã? que ci-

mentava a constituição do governo das nações, isto é, o sistema papal. Ele in*Variações da cor verde caracterizavam os revolucionários naquela época, como o vermelho hoje em dia.

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sistiu nessa questão, descrevendo a batalha contra o cat olicismo, civil e reli.

giosa ao mesmo tempo. Ao se despedir, Cromwell se aproximou dele e, tocando-o no ombro, disse: “Senhor, sois a pessoa que preciso conhecer” Educadamente, o pastor respondeu: “Será mais vantajoso para mim do que para vós.” “Veremos”, replicou Oliver, convidando-o a seguir com as tropas sob seu comando; e, a fim de persuadi-lo, informou que seu irmão seri a O porta-

estandarte. Owen era aquele mesmo pregador que dissera, uma vez, “onde está q Deus de Marston Moor e Naseby?” — “uma advert ência aceitável num dia

triste” — e que também acreditava no sucesso militar como uma saudável indicação do favor divino. Sua escolha demonstrava não apenas a dir eção que as idéias de Oliver acerca da Irlanda estavam tomando, mas terá contribuído

igualmente, a partir da íntima amizade que nasceu entre eles, par a sublimar essas idéias. Mais tarde, na dedicatória de um de seus livros, o capelã o escreveu sobre “o apoio espiritual diário” que recebera de Cromwell, guiado por ele na descoberta “das misteriosas e imensas indicações de Deus a seus emissários confidenciais” e que ele aprendera a valorizar.” Certamente, muitos desses sinais os levariam a ponderar sobre a Irlanda. No início de maio, em vários regimentos problemáticos, chegara-se a um ponto crítico — centrado em Salisbury e Banbury, explodira um motim muito mais extenso do que a tentativa abortada de Lockier. Encorajados pela publi cação do último Compromisso do Povo, de Lilburne, que exigia um Parlamento eleito pelo sufrágio universal, os regimentos de Ireton e do coronel Scrope declararam sua intenção de permanecer na Inglaterra até que as liberdades da

nação estivessem asseguradas. Em Banbury, a revolta foi liderada pelo capitão William Thompson, do regimento do coronel Reynolds. Discursando em Hyde Park, no dia 9 de maio, Cromwell demonstrou sensibilidade 20 reco-

nhecer a gravidade da situação — e a exatidão de muitas das queixas dos soldados sobre a falta de pagamento. Ele enfatizou gestos do passado, como “a

justiça contra os grandes delingiuentes” e , NUM nível mais rasteiro, os diversos

procedimentos já iniciados para regularizar os soldos — conseguira deitar mão em dez mil libras que se destinavam à marinha, deixando furioso s%” Harry Vane, da Comissão do Almirantado. No entanto, podia ver as fitas nos chapéus dos “homens verde-mar” » assim chamados pelo jornal Perfect Diurnall, e, tal como tinha feito em Putney, ordenou que fossem arrancadas.

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Dias depois reuniu-se com Fairfax para tratar da rebelião militar que germinava no sudoeste. Em Andover, Cromwell fez outro excelente discurso, lembrando aos soldados sua disposição de “viver e morrer com eles” e in-

sistindo que apoiassem seu desejo de levar à justiça os “revoltosos”.2? Ambos os levantes já tinham sido em grande parte debelados, permanecendo a

ameaça do regimento de Reynolds, sob o comando de Thompson, que escapara do quartel e tentava uma junção com os amotinados de Salisbury. No domingo, 13 de maio, esses homens atravessaram Burford, no Oxfordshire, e decidiram acampar na vila e em volta dela, a fim de passar a noite. Um certo major White os alcançara em Abingdon, com um recado dos generais: num ensaio de mediação, nenhuma tropa seria lançada contra eles. Contudo, era exatamente esta a intenção de Oliver — colar nos seus calca-

nhares.* No domingo, após marcha acelerada de setenta quilômetros, ele atacou os amotinados na escuridão da noite, surpreendendo-os e confundindo-os. A batalha foi rápida e os sobreviventes ficaram aprisionados na igreja local. O

mais plausível é que os generais tenham mudado de idéia em virtude dos soldados estarem “clara e peremptoriamente” decididos a seguir no rumo de Salisbury. A junção dos grupos rebeldes seria inadmissível, do ponto de vista de Cromwell, que considerou a oferta de mediação rejeitada. Os soldados, porém, sentiram-se traídos, alegando que White lhes propusera uma trégua, desmentida pela investida noturna, nem um pouco pacífica. Realmente, havia certa razão nisso. As consegiências, para os amotinados, não foram agradáveis, nem parti-

cularmente sumárias, como era o costume da época. Cerca de quatrocentos homens permaneceram trancados, desde o domingo até a manhã de quintafeira. O capitão William Thompson conseguira escapar e acabou sendo abatido alguns dias mais tarde numa escaramuça, mas seu irmão, o corneteiro

Thompson, estava entre os líderes fuzilados no pátio da igreja, tendo enfrentado a morte com “grande terror”,*º segundo um de seus contemporâneos.**

Um certo cabo Dunne, que escrevera às pressas um panfleto contra o motim, no último momento recebeu indulto.

*Ver R. H. Gretton, “The Levellers at Burford”, pp. 233-256, em Studies in Burford Flistory. **A assinatura do soldado Antony Sedley, entalhada na parede da igreja de Burford, ainda pode ser vista; a anotação do seu diário, correspondente à data de 17 de maio de 1649, assinala o fuzilamento de três companheiros, enterrados no cemitério adjacente.

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Cromwell considerou John Lilburne o maior culpado por esse desagradável incidente, não por simples paranóia, segundo White, que chegou a sugerir uma

“composição”, só conseguindo, entretanto, enfurecê-lo — de monstrando “muita insatisfação”, ele disse que seria ridículo esquecer o assunto, Bateu na mesa ao ouvir o nome do adversário político e exclamou: “Alguém terá que paga r com a vida, Lilburne ou ele mesmo.”º! Tal era a medida de seu crescente sentimento de que os /evellers estavam pondo em perigo tudo quanto fora co nquistado nas guerras. À verdade é que se confiava pouco no povo da Inglaterra, incapaz de pozar devidamente das novas liberdades. Deixaram isso bastante claro, primeiro o , Ato de Traição, aprovado no dia 14 de maio, dando ao Parl amento todos os atributos e poderes que anteriormente pertenciam ao rei e definindo como traição qualquer tentativa de amotinar os soldados; e, segundo, no intervalo de apenas uma sema-

na, O ato que proibiu a impressão de livros e panfletos escandal osos — o Ato da Comunidade, que instituiu a censura total, só apareceu no outono. Após a refrega, Cromwell e Fairfax passaram a noite confortavelm ente insFalkland antes da guerra. De lá deslocaram-se para Oxford, onde se hosp edaram num lugar igualmente aprazível — os alojamentos do diretor do All Souls” College. Embora a universidade tivesse abrigado o quartel-general do rei durante a luta, não foi nenhum dos dignitários realistas que veio recepcioná-los e, inclusive, entregar a eles o título de Doutores da Lei Civil. “Pois não se tornaram mestres antes de serem doutores?”, comenta o Behemoth, de Hobbes.” Há

alguma verdade nessa ironia, pois foi Jerome Sankey, subdiretor do All Souls”, quem recebeu os generais, substituindo o diretor Gilbert Sheldon, anglicano € futuro arcebispo de Canterbury. Suas simpatias, opostas às de seu antecesso r,

podem ser sintetizadas numa única informação: mais tarde ele acompanhou

Oliver à Irlanda. Wood descreveu os discursos de saudação pronunciados no dia seguinte como “ruins, mas suficientemente bons par a soldados”.* Talvez tenham sido mesmo ruins, mas a fala de Cromwell — cing ida de sentimentos graciosos e superior a toda a crítica — mostrou que de alguma forma O manto da realeza caíra sobre seus ombros com muita facilidade. Ele se referi ao u fato de que nenhuma Comunidade poderia florescer independen temente do

aprendizado e que os novos governantes pretendiam encorajá-lo ao máximo, por

maior que fosse a oposição. Magdalen College também foi palco de maus discursos e ovações; nos seus jardins, após o ágane. iogonev expressou sua satisfação em acolher os menta DE ec est asda al ram entre si, tentando dar as mais calorosas boas-vindas. Contraria ndo OS costumes, permitiu-se que os estudantes participasse m da solenidade — por

e

talados na Burford Priory, pertencente a Lenthal, que a adqu irira de lord

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trás de grades —

a fim de “animá-los [com]

221

a cerimônia”. Finalmente,

Cromwell e Fairfax desfilaram pelas ruas da cidade, envergando suas vestes escar-

lates. Deve ter sido curioso aos olhos dos que se lembravam dos tempos do rei.

No dia 25 de maio, Oliver estava de volta a Londres, relatando à Câmara

dos Comuns os planos dos malvados /evellers, “impedidos de avançar dentro

do reino pela Providência de Deus”.”* O restante do verão foi consumido em agitados preparativos para a expedição militar, cuja urgência aumentava à medida que decrescia a sorte da Comunidade na Irlanda. Aliado aos católicos irlandeses, Ormonde alcançara vitórias inesperadas, e as dúvidas que persistiam sobre a próxima vinda de Cromwell só faziam estimular a causa realista. Em Paris, poucos acreditavam na sua partida. É bem verdade que a desunião não fora totalmente erradicada: o líder celta, Owen Roe O”Neill, considerando inadequadas as concessões religiosas que haviam sido feitas, estabeleceu um acordo com o general parlamentar George Monk, comprometendo-se, no princípio de maio, a manter-se neutro por três meses. Esse entendimento, possivelmente estabelecido com o conhecimento prévio de Cromwell, manteve-se em segredo por algum tempo. No fim do mês, todavia, a situação da Comunidade era bastante perigosa. Enquanto Monk mal se mantinha no Ulster, o coronel Michael Jones, governador de Dublin, corria o risco de ser obliterado pelo cerco das forças combinadas de Ormonde e de Jord Inchiquin. Prejudicado pela falta de munição e

as inúmeras deserções, já poderia ter sido derrotado, não fosse a indecisão dos atacantes. Em junho, Drogheda, Dundalk e Trim caíram nas mãos dos

realistas, e em Kinsale, próximo à costa sul da Irlanda, o príncipe Rupert e sua pequena esquadra obtiveram estimulante vitória. Naquele verão, porém, as baixas não ocorreram somente nos campos de batalha. Em maio, o dr. Dorislaus, que desempenhara papel de destaque no

julgamento do rei e, recentemente, fora nomeado representante diplomático na Holanda, sofreu um atentado e morreu. O governo ressou muito em punir o grupo de realistas responsáveis em Londres o Parlamento horrorizou-se. Dorislaus teve Abadia de Westminster, embora a multidão de soldados

holandês não se intepelo assassinato, mas um funeral solene na presentes tivesse mais

a intenção de proteger a vida das lideranças vivas do que homenagear o camarada morto. Outros assassínios se sucederiam, convertendo-se numa pode-

rosa arma da oposição ao governo baseado na força e na personalidade de um pequeno grupo de homens. Dizia-se que Cromwell estaria ameaçado de sequestro por parte de seus próprios soldados e que teria brigado com Ireton após uma discussão a respeito da repressão contra os levellers. Afinal, um pan-

da

322

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FRASER

fleto da tropa sob seu comando desmentiu o boato, e Ireton foi promovido a general-de-divisão, posto que se esperava fosse para Lamber t. Mas OS rumores continuaram a florescer, sinalizando os tempos difíceis que se viviam, Em meio às incertezas, no dia 7 de junho, as autoridad es da City oferece-

ram um magnífico banquete em comemoração ao fim dos levellers. O que se pretendia era mostrar confiança no governo e solidariedade no tocante aos atos que ele vinha praticando, além de intimidar a oposição mais frágil. No entanto, em que pese todo o esplêndido ritual da celebração, ficou patente o

pouco apoio popular com que contavam o exército e o Conselho de Estado

naquele momento. No trajeto entre Westminster e o centro comercial e finan-

ceiro, as lideranças foram alvo de vaias, e a certa altura as carruagens em que

tam tiveram que parar, quando algum espírito frívolo ou caprichoso removeu o pino de sustentação do carro do próprio Cromwell. Os convidados — todos os oficiais com o posto de tenente para cima, assim como os membros do Conselho de Estado e os três comissários do Grande Selo — entregaram-se a “diversão livre e alegre”, ao som de tambores e cornetas, muito marciais para uma reunião pacífica. Algumas iguarias eram servidas em pratos enfeitados com bandeirolas onde se lia a palavra BEM-VINDOS — depois removidas, posto que os restos foram distribuídos nas prisões de Londres. Os pobres da cidade receberam uma doação de quatrocentas libras. O Perfect Diurnall, favorável ao governo, deu destaque à “festa de cristãos e de chefes”, comparandoa a eventos similares anteriores, de “cretinos e gananciosos”.% Nestes dias agitados, Cromwell foi um dos que se opôs a uma resolução que aumentaria o número de membros do Parlamento — mais uns cem —, entendendo serem limitadas as possibilidades de se encontrar tanta gente favorável às suas políticas e dispostas a assumir o compromisso. Em contrapartida, suge-

riu que a sessão legislativa fosse suspensa por três meses e as eleições adiadas. Em outubro chegou-se a uma solução provisória, pela qual todos os novos parlamentares teriam que fazer o mesmo juramento aplicado aos integrantes do Conselho de Estado — “Declaro e prometo que serei fiel e verdadeiro à Comunidade da Inglaterra, sem um rei ou uma Câmara dos Lordes”; a idéia era afastar os realistas de qualquer envolvimento com os assuntos da nação. No dia

20 de junho, a Câmara dos Comuns conferiu a Cromwell os poderes de coman-

dante-em-chefe e Lord-Lieutenant da Irlanda, determinando assim que todas às

instituições civis e militares estivessem sob sua autoridade. Segundo Clarendon,

ele discursou com rara modéstia, falando de seu pouco mer ecimento, completa resignação e “dependência absoluta da bênção e providência divinas, que tanto

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323

já tinham se manifestado a seu favor”. Submeteu-se, na esperança bastante me-

q

e

lancólica de que mesmo perdendo a vida ainda assim poderia ajudar a obstruir o caminho dos inimigos da Comunidade.” Sua preocupação e auto-abnegação, porém, tinham justificativas de sobra.

Seus rendimentos totais, na Irlanda, correspondentes a ambos os postos, alcançariam 13 mil libras anuais— cinco mil por ano pelo desempenho como Lord-

Licutenant, mais dez libras por dia, desde o momento da partida, além de um adicional de oito mil libras na volta.** Para o exército, entretanto, ainda não havia

dinheiro nem provisões, e ele estava determinado a não seguir viagem antes que isso estivesse assegurado. À situação persistiu por todo o mês de junho, até meados de julho. Somente em 27 de junho ele foi autorizado a levantar as verbas necessárias na City, mediante a garantia da futura arrecadação de impostos — varinha de condão que se revelou inútil —, e no início de julho, na bolsa de apostas de Londres, sua expedição à Irlanda estava cotada na base de um contra vinte. O senso comum tinha como certo que Oliver jamais poria os pés na Irlanda. De um jeito ou de outro, com as trinta mil libras resultantes da venda das fazendas reais e das terras dos deães e congregações, além de compromissos de

aventureiros, em troca da promessa de concessões territoriais posteriores, € a

esperança da obtenção de mais, através de coerção, argumentação ou bajulação, no dia 5 de julho Cromwell sentiu-se seguro para botar na estrada artilharia e munição. Em Dublin, a situação de Jones tornara-se catastrófica, necessitando desesperadamente de reforços. O Man in the Moon publicara uma caricatura do governador, no alto do seu castelo, buscando ansiosamente, no horizonte do mar, o cintilante nariz de Cromwell; inutilmente, segundo o jornal satírico, pois o úmido clima irlandês apagaria essa luz.” Uma semana depois, entretanto, Oliver promoveu um jantar de despedida — e apesar de ainda se manter algum tempo na Inglaterra não pôde cumprir a promessa que fizera aos soldados: só mais tarde recebeu setenta mil das cem mil libras que calculara precisar. Mas nem todos os preparativos eram financeiros. Antes de partir de Londres, Oliver conseguira dar uma brilhante tacada, conquistando um aliado fundamental na pessoa de Roger Boyle, /ord Broghill, filho do conde de Cork — “Existisse um Cork em cada província e os irlandeses Broghill, homem de muitas facetas, autor mandar batalhas, tinha vários irmãos — Catharine, viscondessa de Ranelagh, dama

não teriam se rebelado”, ele dissera. de romances e tragédias, além de coentre eles o cientista Robert Boyle e puritana muito admirada naquele pe-

ríodo — e que mais tarde veio a integrar a privilegiada trupe de amigos de Oliver na companhia dos quais ele abandonaria sua grandeza de Lorde Protetor. A

.;

324

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FRASER

Em 1649, porém, a decisão de convidar tal homem e entregar-lhe um posto de comando no exército parlamentar, confiando apenas em sua palavra, revelava au. dácia, indiscutivelmente. Tendo mantido uma atitude discreta na Inglaterra, após

ter participado de uma campanha a favor do rei em seu país, ele estava prestes a

tomar o rumo do continente, a fim de oferecer sua espada a Carlos II. Detendo-o,

Cromwell advertiu-o de que seus planos tinham chegado ao conhecimento do Conselho de Estado e que o livrara de ser encarcerado na Torre; com isso, conseguiu ganhar sua adesão. Broghill representava exatamente aqueles interess es anglo-irlandeses que deviam ser conciliados, ou a paz na Irlanda seria impossív el. Dotado de uma extraordinária habilidade para escolher os homens, Cromwell nunca fez outra nomeação melhor do que essa. A desdita é que viss e as outras partes da comunidade irlandesa com a mesma acuidade. Partiu de Londres no dia 11 de julho — austero e impressionante, como convinha à Comunidade, Três pastores compareceram à despedida solene, invocando as bênçãos de Deus. Cromwell recitou alguns textos das Escrituras.

Depois de toda essa festa santa, não foi senão às 17h que finalmente embar-

cou em sua carruagem, puxada por seis éguas de Flandres, com um estandar te branco desfraldado — branco, a cor da paz. Diversas autoridades rodeavam o

carro, cavalgando a seu lado uma parte do caminho. Encantado com à guarda

pessoal de oitenta homens, o Moderate Intelligencer — governista — relatou

serem todos oficiais, alguns coronéis, e provocou: “E agora, senhor de Ormonde, quando disseres “César ou nada”, ouvirás em resposta “república ou nada” (...).” Soaram trombetas. Piedosamente, alguém comentou que o barulho teria abalado as fundações da própria Charing Cross, salva desse destino pelos iconoclastas que a derrubaram no início da guerra civil.*º? Quarta-feira, 1º de agosto, foi dia de jejum na Inglaterra, a fim de atrair o favor de Deus para a expedição.

Oliver foi primeiro a Bristol — à sua chegada decretou-se feriado — € daí, através de Gales, passando por lugares de antigos combates, atingiu Milford Haven, porto do castelo de Pembroke, onde ficou. Prazenteiro, no fim da primeira semana de agosto, o Mercurius Pragmaticus cantava:

Noll ainda não partiu.

Ele ainda está em Gales,

Exortando seus rapazes

iu

Com frases santas e contos Sobre alegrias terrestres, +!

CROMWELL

325

Aguardando a chegada dos fundos prometidos, Cromwell foi informado de

duas novidades cruciais acerca da situação na Irlanda. A maneira como reagiu a tão imo, expediçã da vésperas às espírito, de estado seu avaliar elas nos permite portante para à causa da realeza quanto para sua própria reputação a partir daí.

A primeira notícia dava conta da rendição de Monk a lord Inchiquin, expondo o acordo de maio com Owen Roe O”Neill à crítica puritana. À opinião pública, com certeza, rejeitaria qualquer composição que envolvesse um celta católico — ainda mais esse, que usava um hábito dominicano por baixo da armadura.

Embora existissem razões militares mais do que justificáveis, e tudo parece comprovar que Oliver sabia delas e as aceitara, o fato era inadmissível. O jeito seria jogar a culpa sobre os ombros de Monk.

A decisão talvez partisse do Conselho de Estado, em Londres, mas

Cromwell aderiu a ela, entusiasticamente; a braços com o agravamento dos

problemas financeiros, uma vez que a tropa reivindicava o soldo antes de se fazer ao mar, ele não queria nem pensar na possível contaminação da sua cruzada pela sugestão de métodos não ortodoxos. Em carta datada de 4 de agosto queixou-se das deserções provocadas pela atitude de Monk, insistindo que o comandante derrotado devia assumir a responsabilidade que, frisava, “estava

bem de acordo com suas inclinações”. Coube aos Comuns votar um pedante pronunciamento que lamentava a conduta de Monk com O”Neill e, ao mes-

mo tempo, “recusava e renegava” quaisquer idéias de negociação com os rebeldes papistas irlandeses, “cujas mãos se tingiram de sangue inocente por lá”, A expedição não só seria divina, mas ainda vista como divina. Felizmente, as notícias mais importantes que chegaram a Milford Haven eram muito mais róseas. No dia 2 de agosto, o coronel Jones conseguira romper o cerco e infligir grave derrota a Ormonde, em Rathmines, nos arredores de Dublin. Sem munição e com apenas uns cinco mil soldados mal

equipados e pior alimentados, contra cerca de 19 mil, ele tinha obtido uma grande vitória, utilizando as táticas do Exército de Novo Tipo — audácia e surpresa. Mil realistas caíram prisioneiros e chegou-se a falar em quatro mil

mortos, uma cifra exagerada provavelmente. Contudo, a desproporção das forças atraiu sobre esse histórico combate uma sombra que lembrava Davi e Golias; após os longos meses de espera angustiante e de informes invariavel-

mente ruins acerca das condições dos sitiados, um final tão feliz deu a

Rathmines um pouco do sabor das vitórias do tempo da guerra, quando a Causa de Deus e do Parlamento terminava sempre vitoriosa. Agora, a expedi-

ção de Cromwell podia velejar segura para Dublin, abandonando a rota alternativa que se cogitara e que previa um desembarque mais ao sul.

326

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Foi com grande arrebatamento, portanto, que ele escreveu ao “ querido

lr-

mão” Richard Mayor, transmitindo-lhe “as felizes notícias”, já a bordo do navio Johx., pronto para zarpar no dia 13 de agosto . “Trata-se de uma indulgência extraordinária; tão grande e preciosa que até nos parece um sonho. O que se pode dizer? O Senhor enche nossas almas de gratidão, e que nossas bocas se encham de louvores a Ele — e nossas vidas também. (...) Rezai por mim. Que eu possa ser digno do Senhor em tudo que ele me ordenar.” Em outra carinhosa missiva, ele implorava a Dorothy, mais uma vez, que buscasse a Deus com fregiiência e ajudasse Richard a fazer o mesmo, acrescentando conselhos de avô para que cuidasse bem da saúde,* e que só saísse de carruagem, acrescentando: “As maravilhosas obras do Senhor nos revela m o quanto Ele está próximo de nós e nos atraem na Sua direção. Na Irland a, mais do que uma manifestação, fomos agraciados com uma grande bondade. Teu marido te falará a respeito. E importante ser grato numa hora assim” * É fácil entender essa súbita explosão de entusiasmo. Nos seis meses que haviam transcorrido, desde a morte do rei, sua virtuosa alegria se desvanecera. Para alguém habituado a buscar os favores de Deus e descobrir O sucesso nesses sinais, o período fora positivamente deserto, com poucos acertos e numerosos erros, bem ao contrário do que se poderia esperar do governo dos santos. Os ataques pessoais, embora descartados, não ajudaram em nada. Aqueles selvagens semanários realistas, cujo fogo só foi extinto pela censura imposta no outono, continuavam a martelá-lo numa linguagem incrivelmente

escorregadia. Sem falar nas crescentes acusações à sua ambição pessoal: uma

caricatura holandesa, lançada no próprio 30 de janeiro, intitulava-se “A coroação de Oliver Cromwell”. Em abril apareceu um panfleto chamado Um

caixão para o rei Carlos, uma coroa para Cromwell e um fosso para o povo. Uma obra satírica malvada, sob a forma de sermão, surgiu pouco antes

dele embarcar para a Irlanda; o texto imitava seu tortuoso estilo de discursar, misturando muitos dos tópicos favoritos dos que atiçavam escândalos sobre sua aparência — “É, verdade, tenho um fígado quente, o que produz à

vermelhidão do meu rosto, principalmente a do nariz, mas que é minha coragem também” —, com rumores a respeito da esposa de até mesmo da senhoria dos alojamentos que ele ocupava, perto do Pembroke, pondo na boca da mulher palavras que evocavam seu

a fonte da Lambert é castelo de hábito de

“Cromwell talvez já estivesse informado so bre a recente condicã ap a perde Dorothy, que ue após ição pr sua novo: da do neném, engravidara de imeira filha nasceu no final de março.

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427

autoflagelar-se diante de Deus — “Só falo para sua glória, que houve por bem hospedar-se num quarto tão vil, desprezível, desorganizado e sujo [suas

partes pudendas] dessa minha casa sem nenhum valor [seu corpo)”. Lilburne dirigira violentos ataques pessoais a Cromwell, e os pastores presbiterianos se excederam de tal forma nos púlpitos que ele chegou a defender algum tipo de controle legal que os impedisse de pregar contra o governo e a favor de Carlos II. Não faltaram irritações menores. Robert Spavin, seu secretário, envolveu-se nas lucrativas tramóias de uma quadrilha que vendia passes forjados com seu nome e timbrados com seu selo; demitido, o homem foi condenado

a cavalgar, montado de costas, de Westminster a Whitehall, levando pendura-

do no pescoço um cartaz que proclamava os crimes que cometera. Na Inglaterra, acabadas as novidades, restavam as dificuldades e as complicações. Do lado de lá do canal de São Jorge, porém, tudo poderia ser diferente. Lá, com certeza, ele reencontraria aquele senso original de missão que o animara no início da guerra ou aquela estranha sensação de ser conduzido por Deus que o tinha levado a envolver-se em todas as etapas cruciais da execução do monarca. A vitória de Jones trazia de volta a generosa bondade divina, indicando o caminho de uma nova guerra santa. À distância, mas com muito interesse,

Cromwell vinha acompanhando a situação irlandesa há cerca de oito anos. Antes de partir da Inglaterra, peticionara a favor daqueles que tinham sofrido nas mãos dos rebeldes e investira dinheiro, sob a forma de empréstimos, garantidos por terras irlandesas. Afinal, à testa de uma nova cruzada, ele pisaria aquela terra apontada pelos sinais e sobre a qual tinha imaginado tanto, quem sabe para liderar o assentamento de um novo povo de Deus e dar à Irlanda — a Ilha dos Santos — um significado inteiramente novo.

A

A

se

BZ

13 Irlanda: O derramamento de sangue Esse foi um justo julgamento de Deus acerca desses bárbaros desprezíveis que mancharam suas mãos com tanto sangue inocente (...) evitar o derramamento de

sangue, no futuro, justifica nossas ações (...) agir de outra forma, só nos traria remorso e arrependimento.

CROMWELL, após a tomada de Drogheda

mar irlandês estava picado naquela região, e a viagem foi desconfortável.

Cromwell demonstrou não ser um bom marinheiro. Antes mesmo de sair do porto, segundo Hugh Peter, já era o mais enjoado dos homens que ele

vira em tais condições.! Fútil ou não, houve quem argumentasse que o estorvo afetou sua atitude com os naturais da ilha. Realmente, durante os nove meses da estada, Oliver não esteve bem de saúde, e tais inconveniências sem dúvida ajudaram a deprimi-lo ou exacerbaram seu comportamento. Às primeiras palavras que dirigiu ao povo de Dublin, no entanto, não revelaram ne-

nhuma novidade. A frota de 35 navios desembarcou, em Ringsend, no dia 15 de agosto. Sempre disciplinado, Ireton chegou dois dias depois, com outras 77 naus, aportando um pouco mais ao sul; depois ainda vieram mais barcos —— uma grande armada, sem dúvida. “Muito heroicamente recebido”, sob o troar dos grandes canhões que circundavam a cidade, conforme escreveu Whitelocke — valiosa fonte sobre a expedição irlandesa, na qual se alistara seu filho, James —, imediatamente Cromwell tratou de delinear a natureza da missão que o trouxera diante da-

quela multidão que o ouvia graciosamente de pé, com os chapéus entre as mãos. Descrito por um jornal inglês como “muito suave e plausível”, o disCurso salientou a necessidade de uma cruzada protestante:

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Como Deus o tinha trazido com segurança até ali, ele não duvidava que a Divina Providência restauraria as justas liberdades que haviam perdido; e todos aqueles cujo coração estivesse realmente

vinculado ao grande trabalho contra os bárbaros irlandeses, sedentos de sangue, assim como o resto de seus sequazes e confederados, e à propagação do Evangelho de Cristo, ao estabelecimen-

to da verdade e da paz, ao ressarcimento da nação que sangrava, à devolução de sua antiga felicidade e trangiilidade, todos esses encontrariam o favor e a proteção do Parlamento da Inglaterra e receberiam doações e gratificações correspondentes a seus méritos?

As ovações que recebeu devem ser colocadas no devido contexto: certamente,

a audiência compunha-se de uma maioria protestante, visto ter o coronel Jone s

envidado todos os esforços no sentido de expulsar os católicos de Dublin — dar guarida a um padre, por uma hora que fosse, constituía delito, sujeitando o autor à pena capital ou à perda da propriedade.* Assim, fica mais fácil entender que muitos tenham jurado viver e morrer com o tribuno, que de forma tão clara expusera sua intenção de restaurar na Irlanda tudo aquilo que os ingleses sempre esperaram dela: a paz e uma prosperidade lucrativa para a Inglaterra. A ênfase nessa

paz que já existira e, portanto, no retorno à normalidade, compunha a base da filosofia de Cromwell. Em Bristol, dirigindo-se a seus homens, ele tinha dito que

eles eram “israelitas”, responsáveis pela extinção dos “idólatras habitantes de Canaã” — um ponto de vista tipicamente inglês. O poeta Payne Fisher, alistado

nas fileiras do regimento de sir John Clotworthy, na época do levante de 1641, de-

dicou estes versos a um oficial, lamentando a perda da inocência da nação:

Quando nos encontraremos, novamente, senhor; e seremos capazes de restaurar Esses primitivos passatempos de que desfrutávamos antigamente?

De certa forma, a Arcádia fora rudemente perturbada pelas ações violen-

tas da população nativa, merecedora portanto da retribuição que cairia sobre *Tudo indica que alguns sacerdotes conseguiram passar pela rede. O padre Nicholas Netterville,; S. J., alega dE va teria jantado com Oliver e Jogado xadrez com ele, o que supunha

lhe conferir algum tipo

de isenção para rezar a missa impunemente: “Sou padre, e O lorde

general sabe disso. Portanto, que toda a cidade saiba que rezarei a missa aqui todos 08 =

dias.”

n

A história é Eur mente apócrifa; mas não deixa de ser curioso que Cromw ell sempre tenha se mostrado propenso a contatos Pessoa is com os católicos que denunciava, E

=

enquanto grupo religioso.

o



E

CROMWELL

331

ela ou, como diria Milton, os irlandeses, por seus próprios deméritos e provo-

cações anteriores, tinham “feito jus à vassalagem perante a Inglaterra”. Com o

passar do tempo,à lenda dos massacres irlandeses de 1641 crescera,* tornando-se amplamente aceita € dando substância moral a uma nova onda colonizadora, cujo propósito constava da declaração que o Parlamento fizera no mês de fevereiro daquele mesmo ano, indicando a necessidade de “replantar aquele país com muitas nobres famílias desta nação [a Inglaterra] e da religião protestante”.* Cromwell acreditava nisso. Historicamente, é claro, essa postura vinha de muito antes — a pacífica

Arcádia de Payne Fisher jamais existiu realmente. Edmund Spenser, em View of she State of Ireland [Perspectiva do Estado irlandês], expressara corretamente a

visão do inglês elizabetano. Refletindo com presciência sobre o “destino fatal” da Irlanda — seria o gênio do solo ou a influência das estrelas? —, ele obser-

vava que “nenhum propósito, qualquer que seja, que tenha em vista o seu bem prosperará ou produzirá bom efeito”. Era necessário, portanto, cortar os males da Irlanda pela raiz, antes que qualquer bem fosse plantado, “pois ramos corrompidos e galhos doentes devem ser podados primeiro, e o musgo daninho precisa ser limpo e removido a fim de que a árvore possa dar bons frutos”. Nos seus discursos e cartas de cruzado, Cromwell expressava não somente os pensamentos habituais de seus contemporâneos protestantes, mas ainda os das hordas de ingleses que o haviam precedido. E antevendo o amadurecimento de muitos “bons frutos”, oriundos de todo o investimento inglês em terra irlandesa, desde os “aventureiros”, de 1642 em diante. Por conseguinte, em 1649, não apenas ele mas O exército inteiro, que o seguia, estavam possuídos de uma “maravilhosa confiança” — conforme palavras de Ralph Josselin em seu diário. A combinação do zelo no proselitismo religioso com o lucro financeiro previsto os esti-

mulava bastante. Para isso, segundo o Mercurius Elenticus, Cromwell equipado para a guerra

cavalga como Guy de Warwick,

a fim de extrair uma Época de Ouro

de seus Slancos de ferro”...

Por isso, “o casaco amarelo substituiu as vestes negras nos púlpitos de

Dublin”, escreveu o mais amigável Moderate Intelligencer, posto que “usar bem as duas espadas é um grande mérito (...)”. Uma segunda declaração ao a

*Ver Capítulo 4.

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povo proibiu atitudes profanas, praguejar, beber e blasfemar, pr áticas comuns, segundo se imaginava; os costumes do “inimigo odioso” devi am ceder lugar a modos mais apropriados à Inglaterra puritana.' Todavia, da mente do militar experimentado não fugiu nem por um instante a idéia da campanha que viera empreender. Durante quase seis meses,

Cromwell insistira que era preciso equipar e pagar bem aos soldados. As primeiras declarações que fez ao povo da Irlanda não escond eram sua determinação de provar o valor dos homens que comandava com uma vitória incontestável, mas esses mesmos homens foram expressamente proibidos de fazer mal à “população do país”, que recebeu a oferta de um mer cado livre para seus produtos — que ninguém cogitasse daqueles sof rimentos inerentes ao aquartelamento gratuito. Além disso, eliminando uma grande limitação de forças anteriores, os suprimentos do exército in glês não dependeri am exclusivamente de Dublin. Tais afirmativas se comprovaram muito hábe is. Assim, tendo encaminhado as questões práticas e de conteúdo, Oliv er dedicou-se ao problema de dar prosseguimento à operação. Rathmines fora, de fato, um golpe terrível nos realistas confederados. Após a batalha, quando

Ormonde escreveu a Jones, solicitando a lista dos prisioneiros, obteve uma resposta sardônica: “Senhor, desde que expulsei o exército de V. Sa., não tenho a felicidade de saber onde estais, o que me impossibilita de entregá-la [a

lista].? Ao norte, porém, as forças coligadas mantinham-se muito fortes, sem falar no poder exercido em quase todo o sul pelos protestantes anglo-irlande-

ses e católicos irlandeses, temporariamente unidos no apoio ao rei. Seria in-

dispensável atravessar Drogheda, a cerca de cinquenta quilômetros de Dublin,

pela costa, e Cromwell partiu no dia 31 de agosto — o desfile do exér cito era um brilhante espetáculo em “vermelho Veneza”, conforme Ludlow descreveu nas suas memórias,” contrastando o úmido verdor daquela terra de past agens, regada o ano inteiro. Para eles, uma terra estranha .

De Dublin, os alvissareiros relatórios de John Owen, referindo-se à multi-

dão que costumava ouvir suas prédicas — “tanta gente e tão sedenta pelas Escrituras como eu jamais vi” —, na verdade só se aplicavam ao círculo relativamente estreito da capita 1º* acostumado aos hábitos e às riquezas

dos ingleses, de nada valendo para o restante do país. A Irlanda, apesar de todas as fantasias sobre o seu passado maravilhoso, era um país dife rente, e nem só em vitude da “Em

Irish Life in the Seventeenth Century, o dr. Ed

ward MacL Ysaght traça um para lelo entre aquela situação e a da Hong Kong atual, tão dife rente da China.?

CROMWELL

333

religião proscrita que a grande maioria de sua população tentava praticar.

Cromwell jamais saíra da ilha onde nascera — nem voltou a sair depois dessa

campanha — e estranhou o espírito daqueles lugares, nada parecido com o da Escócia, dotada de cultos, valores e prioridades bastante assemelhados.

A Irlanda, conforme Edmund Campion escrevera oitenta anos antes, tinha uma atitude “reticente”? face à civilização ocidental, acentuada pelo seu

'solamento geográfico, objeto dos comentários de todos os viajantes contem-

porâneos, e os vastos espaços abertos que pareciam compor o país. “Há pou-

cas cidades, muito distantes, umas das outras”, testemunhou o infatigável ob-

servador Fynes Morison, recomendando “um guia, que possa conduzir [o visitador] sem esforço”. Luke Gernon, um alemão que esteve lá em 1620,

identificou-a com “uma jovem mulher, verde de vontade de ser possuída”. Suas comparações não pararam por aí: em alguns lugares, rompendo o vazio, um castelo arruinado mais parecia o resto de um pastel de carne de veado, as fortalezas derrubadas, bolos de carne moída, as antigas abadias de pequenas

torres pontiagudas, carcaças de ganso.!” As comunicações, evidentemente, eram péssimas, e o correio, lento e ineficiente. Quase não havia carruagens — que, de qualquer forma, teriam muita dificuldade para trafegar naquele

terreno acidentado. De uma cidade a outra ia-se a cavalo ou de barco. À pirataria florescia e, na costa sul, completamente exposta, sabia-se de casos de populações inteiras capturadas e vendidas como escravos.

Uma região assim selvagem oferecia algumas vantagens, é claro: a Irlanda

era um país excelente para o esporte. A caça com falcões, tão popular quanto na Inglaterra, proliferava graças à quantidade de faisões, lebres e galinholas que esVoaçavam entre os arbustos que haviam substituído as antigas florestas. Sentindo a

falta das gralhas-calvas, corvos e pegas — também não havia rouxinóis —, o soldado inglês encontrava compensação nas águias-pescadoras e nos gaviões-pombo, que ele pouco conhecia, mas que abundavam naquelas terras. Além de tudo, havia muitos lobos, cada vez mais, tendo-se efetuado uma caçada pública em 1652 em Castleknock, atual subúrbio de Dublin, pagando-se seis libras por animal morto — Maldosamente, Cromwell vinculou o crescimento das alcatéias à expansão do clero católico. Pouco se ressentindo disso, o paraíso esportivo da aristocracia anglo-irlandesa continuou organizando corridas de cavalos, competições mistas de tiro — dizia-se que /ady Broghill atirava com espingarda de caça melhor do que muitos homens. Breve, a tropa compartilharia esses prazeres.”

A população das regiões agrestes tinha aparência, hábitos e costumes peculiaes, além da religião. Vivendo em cabanas, construídas nas faldas das colinas, que

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erguiam e abandonavam com a mesma facilidade — “as mais pobres que

Já VP,

segundo sir William Brereton, que passou pela Irlanda em 1630 —» Queimando um combustível feito de terra e esterco de gado, os homens se envolviam em

grosseiras capas de lã, enquanto as mulheres se cobriam com capuzes de linho, carregando entre os seios crucifixos atados a cordões negros — “sem vergonha de sua crença”. O contato prolongado com esses modos nativo s corrompeu os ingleses — pelo menos, assim consideravam os recém-chegados: alguns só se vestiam convenien

temente quando viajavam a Dublin. Sir Henry Piers, um baronete de Westmeath, concluiu que “a degeneração de muitas famílias inglesas” impedia a

correta educação do povo irlandês; entregar crianças peq uenas a amas, casar-se com nativos e adotar sua onomástica — Fitzsimmons,

McKuddery, Weysley,

McFalrene — só poderiam produzir resultados indesejados. “Mas o que esperar de homens que mudaram?”, indagava ele, furioso.!? No entanto, os irlandeses tinham muitas características agr adáveis: eram

generosos e hospitaleiros, alegres; amantes da música de harpa, bon s dançarinos e exímios contadores de histórias, principalmente sobre sua origem e genealogia. Possuíam, sem dúvida, um lado indulgente, sendo dados à beb ida e ao Jogo, pecados veniais do ponto de vista social, e algo brigões, talvez devido ao fluxo do “usquebagh” [uísque], ao qual os ingleses também atribuíam o “tempo chuvoso”. Na verdade, a maioria dos seus vícios derivavam de circunstâncias aleatórias. Preguiça, indolência e grosseria decorriam não raro da falta de trabalho; maneira “indecente” de vestir ou o hábito de dormir nus, da

pobreza. Sob o aspecto moral, seu nível mantinha-se na média dos demais po-

vos europeus, e é importante notar que nem mesmo por ocasião dos massacres de 1641 houve casos de estupro. Sua forma de vida, que tanto atraía Os imigrantes, não se distanciava muito dos costumes que os puritanos impuseram contra a vontade de boa parte da população inglesa. Porém, a mágica precisava de tempo para funcionar,

e Oliver Cromwell

não dispunha de tempo. À frente da expedição armada, ele marchou na direção do norte, convicto de estar liderando uma cruzada contra bárbaros, bêba-

dos, malvados e padres católicos, e nesse estado de espírito deu início ao cerco de Drogheda — Tredagh, segundo os ingleses —, na realidade Droched Atha, a Ponte e o Fiorde. Ironicamente, devido à sua localiza ção às margens do Boyne, a cidade tinha um estilo quase inglês. Brereton falou dela com o “ampla e espaçosa”, semelhante à Holanda, por suas ruas e canais. Batendo em retirada, Ormonde deixara sir Arthur Aston no comando de dois mil hoCromwell saqueasse Dundalk e as demais terras da região. Inglês e católico,

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Aston servira na Polônia, onde lutara contra os turcos, antes das guerras civis; em Edgehill, formara com as tropas realistas. Ciente da superioridade numérica do adversário — na verdade, cerca de oito mil soldados de infanta-

ria e quatro mil cavaleiros —, tencionava explorar as condições do terreno e

manter a posição; mesmo sem nenhuma expectativa de vitória, ousou dizer:

«Quem tomar Drogheda será capaz de tomar o inferno.” Contava, sim, com os dois aliados de todo cerco, sempre citados por Ormonde — o coronel Fome e o major Doença —, que o ajudariam a desgastar o exército parlamentar além de qualquer chance de recuperação.

De fato, a geografia de Drogheda era crucial para o sítio. Em torno da

cidade erguia-se uma formidável muralha de 2,5km, com cerca de seis metros

de altura e uma espessura que variava de dois metros na base, a setenta centí-

metros no topo. À área mais importante ficava ao norte do rio, mas o perímetro urbano estendia-se até o extremo oposto, ainda dentro dessas impressio-

nantes fortificações, sobre uma colina que teria de ser galgada pelos atacantes que viessem por ali. Encaixada no muro de proteção, a sudoeste, estava a igreja de Santa Maria — do alto de seu campanário, descortinando os arre-

dores, os defensores podiam orientar o tiro da artilharia — e, além do paredão, uma ravina muito inclinada, conhecida como “o Vale”. Bem guarnecido, o portão Duleek, entrada sul da urbe, ainda contava com uma defesa

acessória: uma imponente colina artificial, chamada Mill Mount.* Chegando pela próxima Tecroghan, Cromwell não teve outra escolha a não ser delinear sua linha de batalha e instalar as bocas de fogo ao sul de Drogheda. Graças aos preparativos de que cuidara pessoalmente, contava com peças poderosas, não menos do que seis canhões de cerco e 12 peças de cam-

Po, entregues pelo Conselho de Estado no dia 12 de julho e postos sob o co-

mando de seu controlador de artilharia, o capitão Edward Tomlins. Apesar de toda essa vantagem e do volume de tropas superior, ele tinha esperanças de obter uma rendição sem luta — perspectiva que se fortalecia com o fato de Seu exército já acolher alguns ex-comandados de lord Inchiquin. Assim, ele tratou de manter a mais rígida disciplina: dois homens apanhados, no caminho de Dublin, roubando galinhas de uma mulher, foram sumariamente en-

forcados.!! No geral, os camponeses sentiram-se felizes com a aproximação dos soldados parlamentares, que não regateavam os alimentos adquiridos. “

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Tanto a igreja, como a colina, o “vale” e a própria muralha, embora em boa parte demolidy continuam a ser visitados, o que facilita a compreensão do cerco, mostrando claramente

à Posição defensiva, particularmente forte na zona sul da cidade.

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No dia 10 de setembro, Cromwell tentou um primeiro contato oficial com sir Arthur Aston, solicitando que entregasse a cidade uma bandeira ) içando branca, pois “tendo trazido o exército do Parlamento da Inglaterra a este lugar, a fim de forçá-lo à obediência e evitar o derramamen to de sangue (...) caso isso

seja recusado, vós não tereis motivo para me culpar” « Aston recusou, hasteando uma bandeira vermelha — a cor do sangue, Então, instalados sobre a colina atualmente conhecida como CromwelP's Mou nt, falaram os canhões. O enfraquecimento da magnífica estrutura da muralh à somou-se ao bloqueio do porto»

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defendido pelas tropas de sir George Ayscough — cerca de 2.200 soldados de infantaria e 320 cavaleiros, na maior parte católicos — que, sem poder contar com reforços, armas e provisões escassas, não podia sequer tentar uma surtida; pior: estava isolado da cidade. Dentro dos muros, refletindo os problemas que

as diversas facções irlandesas não haviam superado nos sete anos anteriores, por isso que não chegaram a uma aliança sólida contra o inimigo comum, alguns defendiam a rendição. A própria avó de Aston, que a despeito da idade avançada não tinha a mínima firmeza, encabeçou um conluio de mulheres para atrai-

çoar Drogheda. O neto reagiu de forma bem pouco sentimental, expulsando todas as senhoras, sem exceção, e ameaçando “reduzi-las a pó”. Posteriormente, mais cavalheiresco, Ormonde limitou-se a confinar /24y Wilmot em Mellefont, “em função da consideração e respeito que temos por sua idade e qualidade (...)2.!4 O incidente, entretanto, revelou o dilema em que Aston se encontrava. As regras da guerra, no que se refere a cercos, eram bastante claras. Se um comandante se recusasse a aceitar uma proposta de rendição e a cidade fosse tomada de assalto, isso poria em risco não só a vida dos soldados, mas a de todos aqueles que pudessem ser considerados combatentes. O rompimento das muralhas constituía-se num momento crucial — a partir daí, seria impossível pedir ou dar quartel. Não havia mistério algum nisso. Durante longos períodos, os homens permaneciam sentados diante de fortalezas inóspitas, desperdiçando provisões e sujeitos a fome e a doenças; Aston e Ormonde fizeram planos de

resistência prolongada, e Cromwell admitiu que suas tropas, acampadas em tendas frias e úmidas, sofreram o diabo, naquele período de intempéries. Um co-

mandante sitiado só baixaria a guarda caso tivesse um incentivo muito bom nesse sentido — a regra de não dar quartel após a derrubada dos muros aguilhoava-o com certeza. Na expectativa de salvar muitas vidas, guarnições se renderiam rapidamente, encurtando os cercos e tornando as vitórias breves e incruentas. Na época ninguém contestava isso. Meses mais tarde, ainda na Irlanda, lord Broghill — quem o consideraria desumano? — fuzilou os oficiais de Castleton, “único meio de atemorizar os defensores desses pequenos castelos, levando-os a não serem tão peremptórios na sua defesa”. Um século e meio dePOIS, no tempo de Wellington, a norma ainda vigorava, induzindo o próprio duque a dizer que “a prática de recusar quartel a uma guarnição que resiste a um assalto não é um derramamento de sangue inútil”.!5

- Portanto, quando Aston comunicou a Ormonde que seus comandados ha-

viam tomado a decisão unânime de “morrer antes de entregar a cidade”, aquilo não foi uma simples ostentação heróica, pois eles bem podiam ser chamados a

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honrá-la na prática. A população civil não tinha outro remédio senão sub me. ter-se às duras consequências de tais gestos — daí a perple xidade de Wilmot;

na confusão do saque, quem distinguiria combatentes e não-comba tentes? As teorias contemporâneas, porém, não levavam em conta rei vindicações huma.

nitárias de fracos e desamparados. Horrorizado com a mortandade que resul. tara da Guerra dos Trinta Anos, Grócio, em De jure pacis et belhi [Sobre o direito da paz e da guerra], trabalho inicialmente impresso em 1625, pretendeu limitar as vinganças originárias dos conflitos armados, embora ainda postulasse a legalidade de se matar prisioneiros e, mais, a impunidade do “massacre de

mulheres e crianças (...) aceito pelo Salmo 137 — “Feliz daquele que toma e rompe em pedaços teus filhos contra a tempestade””. Os mor ticínios de

Magdeburg tinham ocorrido há menos de vinte anos, e há quatro apenas,

diante de Philiphaugh, Leslie se permitira algo comparável. Mais tarde Monk cometeria atrocidades, em Dundee, sem que isso maculasse sua reputação. De início só se pensou na proteção dos soldados. Em Drogheda, naquele mês de setembro de 1649, muitos homens e mulheres inermes estavam envolvidos

numa situação de alto risco, de resto indesejável a quem quer que fosse. O primeiro canhoneio derrubou a torre do campanário da igreja de Santa Maria. Decidiu-se, então, segundo palavras de Cromwell, “fazer o máximo,

no dia seguinte, para abrir brechas que permitissem o assalto e, com a ajuda de Deus, atacá-las”. O objetivo desse acometimento seria à igreja mesma, uma posição difícil de conquistar, mas de posse da qual a infantaria poderia conter o inimigo até receber os reforços da cavalaria. Nenhum outro ponto

oferecia tal vantagem. A arremetida começou às 17h do dia 11 de setembro.

Desde o início, porém, o plano não se desenvolveu muito bem — as brechas não davam passagem aos cavalos, o que obrigou as tropas parlamentares a Se

defrontarem com as forças combinadas do adversário, que opunham uma

encarniçada resistência. No comando da ofensiva, o coronel James Castle levou um tiro na cabeça e morreu; fim semelhante encontraram diversos ofici-

ais e soldados “que cumpriam seu dever” — à expressão é de Cromwell. Isso

mais a temerária coragem que Deus dera aos defen sores — a contra gosto, ele reconheceu o fato — e a “topografia do loca)” fizeram com que se ordenassem a retirada e o abandono da brecha, temporariamente.!s Pode-se especular que tenha sido esse o dado que o empurrou para a violência, no momento em que toda a sua estratégia militar estava na balança. Alguns homens conseguiram atravessar o portão Duleek, abatendo cerca de quarenta a cinquenta oponentes, mas ainda longe da cidade propriamente dita. Õ

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segundo assalto, mais sangrento que o primeiro, teve desfecho idêntico: os in-

gleses foram rechaçados. Então, percebendo-os sem ânimo, Cromwell juntou-se a eles, sustentando a posição até a chegada dos reforços comandados pelo coronel Ewer. Finalmente, cerca de sete mil ou oito mil homens penetraram pela muralha, € a igreja e as trincheiras em volta dela caíram. De acordo com a evidência prestada a Ormonde, posteriormente, nesse instante foi oferecido algum tipo de quartel, aceito por certo número de oficiais e soldados irlandeses, que depuseram suas armas. No calor da batalha, nada ficou muito claro. É verdade que o coronel Wall, comandante irlandês,

fora morto, e podem ter ocorrido ofertas individuais de clemência, levando os defensores a acreditarem que seriam poupados. Duas coisas, no entanto, são certas: primeiro, que isso seria contrário às leis da guerra em vigor; segundo, que não houve nenhuma proposta oficial nesse sentido. Em suas memórias, Ludlow nega-o explicitamente. Whitelocke ouvira que “todos teriam concordado que não se daria quartel”.!” Cromwell, mesmo que tivesse sido informado a respeito, dificilmente concordaria. Aquela altura dos acontecimentos ele estava tomado de paixão. Depois de perder a posição da igreja, Aston e os que ainda tinham força e disposição para prosseguir na luta contornaram a colina e trataram de se reorganizar sobre o Mill Mount, entrincheirando-se nas grandes e planas fortificações que ali havia. Acossados pelas tropas do Parlamento, tentaram render-se, mas Cromwell, furioso, correu até lá e ordenou que fossem passados à espada. Assim, morreram praticamente todos, inclusive Aston, espancado com sua pró-

pria perna de pau — equivocadamente, os soldados imaginavam que escondia

nela moedas de ouro. Sedentos de sangue, os homens não tiveram quem os

contivesse e, inundando as ruas de Drogheda, alcançando a sua zona norte,

deram fim a umas mil vidas. Muito tarde se terá pensado em levantar ou derrubar a ponte levadiça que separava as duas partes da cidade, e as ordens de Poupar os civis desarmados só se cumpriram oficialmente.* Muita gente pereceu por acaso, ou acidente, ou porque a linha de demarcação entre combatentes e não-combatentes fosse impossível de delinear — em meio à excitação do saque, qualquer um, militar ou civil, trataria de empunhar uma arma, desde que a tivesse a seu alcance.

E

Deve-se frisar que Cromwell não deu nenhuma ordem direta São civil. Ao relacionar as baixas militares, em carta à Câmara nou o assunto, e somente quando a impressora do Parlamento sob a forma de panfleto, ele acrescentou as palavras: “E muitos

para o massacre da populados Comuns, não mencioestava prestes a divulgá-la, habitantes.”!º

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Os frades e padres de Drogheda tiveram tratamento especial, extremo

pode-se dizer. Ninguém deu ordens para que fossem poupados. Tra tados como

combatentes, alguns deles, pobres infelizes, talvez tenham lutado mesmo em de-

fesa de sua causa. Quase todos morreram. Mais terrível ainda foi a sorte dos defensores da Igreja de São Pedro, na zona norte da cidade, que também não quiseram se render. Os últimos, agrupados no campanário, acabaram sen do queimados vivos, quando se pôs fogo nos bancos de madeira. Transformado numa tocha humana, um dos míseros gritava: “Que Deus me amaldi çoe e me

humilhe! Estou queimando! Estou queimando!” Sem o menor traço de emoção,

Cromwell narrou o fato em seu relatório de batalha. Um deles conseguiu saltar

da pira e quebrou a perna, tendo sido poupado “pelo caráter extraordinário da coisa”. Ão anoitecer ainda havia homens escondidos no alto das muralhas, e pretendeu-se deixá-los lá, a fim de que cedessem à fome, mas como alguns teimavam em atirar, matando soldados parlamentares, Cromwell ordenou que ao serem capturados os oficiais “levassem pancadas na cabeça” e que se matasse um de cada dez homens* — os restantes seriam enviados a Barbados. Sir Edmund Verney, que teria recebido quartel, foi retirado da sua presença e morto. No dia seguinte, quando jantava com /ord More, o coronel Boyle recebeu um aviso de que sua hora havia chegado: um soldado entrou na sala e cochi-

chou ao seu ouvido. Boyle levantou-se e, ante o espanto de /ady More, que lhe perguntou aonde ia, respondeu: “Morrer, madame.”!º No total, entre duas mil e quatro mil pessoas morreram em Drogheda: Cromwell optou pelo número menor e o dr. Bate pelo maior — o veredicto oficial fixou-se no meio-termo: três mil. Mas a maneira como Oliver encarou os fatos ficou patenteada no relatório de batalha que ele enviou ao presidente dos Comuns, dizendo: “Estou convencido que esse foi um justo julgamento de Deus acerca desses bárbaros desprezíveis, que mancharam suas

mãos com tanto sangue inocente (...) evitar o derramamento de sangue, no futuro, justifica nossas ações (...) agir de outra forma só nos traria remorso € àr-

rependimento.” Suas proverbiais exortações ao Parlamento, atribuindo o mé-

rito das vitórias a Deus, dessa feita pareceram indicar que Sua misericórdia

oscilara um pouco: “Nossos homens foram levados a um ataque tão corajoso por obra do Espírito Santo, que lhes deu coragem e a retirou, entregando-a “Foi esse tipo de represália que deu ori gem ao verbo “dizimar”, sig nificando a morte de poucos — em geral, os amotinados ou em sinônimo de devastação.

covardes



e que

a linguagem

popular

convertel

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ao inimigo e à retirando dele também, para devolvê-la finalmente a nós, O

que permitiu nosso sucesso (...) portanto, é bom que somente Deus fique com toda à glória.”?? Resumindo seu ponto de vista de forma brutal, ele assegurou

que agora OS responsáveis pelos massacres de 1641 estavam enterrados sob os muros de Drogheda, tendo merecido por completo seu destino ou, como dissera Jones, tinham sacrificado a flor do seu exército aos fantasmas dos ingleses que haviam assassinado. Além disso, a carnificina fora uma ação excelen-

te, que ajudaria o avanço da paz na Irlanda.

Deixando de lado a incorreção histórica do primeiro argumento, o segundo, se bem que implacável, possuía força. Ilustrando nitidamente as lições de

um cerco, Drogheda espalhou o terror entre as guarnições menores, fazendoas tender à rendição. Não foi preciso endurecer sua mensagem a Dundalk — bastou a Cromwell exigir que os defensores baixassem as armas, “para impedir o derramamento de sangue”. Com a guarnição de Trim, logo a seguir, não foi diferente. Em suas memórias, Ludlow chegou a comentar “que a extraordinária severidade tinha por objetivo desencorajar (...) qualquer resistência”. Em carta ao rei Carlos II, Ormonde frisou esse mesmo aspecto: “Não se pode imaginar o terror desencadeado por esses acontecimentos, e como o poder dos rebeldes [isto é, os ingleses] atingiu a população (...) tão estupefata que tem sido grande a minha dificuldade em persuadi-los a se defenderem, tendo em vista sua própria preservação.” Henry Fletcher, numa biografia reativamente imparcial de Cromwell, escrita no século XVII, defendeu-o da acusação de crueldade, afirmando que ele agira como cirurgião, sangrando uma veia a fim de curar “o Corpo da Nação”. Em setembro de 1649, apesar da vitória de Rathmines, a situação dos ingleses estava longe de ser segura, € foi Drogheda que demonstrou a vontade que Cromwell tinha de vencer, na realidade, permitindo que ele alcançasse muito mais do que houvesse querido no início da expedição. Como disse Whitelocke naquele período, “se o Parlamento tivesse perdido uma única batalha, todos os que se vinculavam a ele estariam à beira da ruína” 2! Infelizmente, porém, a história não acabou aí. Transferindo as hostilidao Para o campo da propaganda, Ormonde comparou os eventos do saque S inumeráveis imagens de desumanidade contidas no Livro dos Mártires ou na Relação de Amboyna”,2 cotejos que muito emocionavam os ingleses do século XVII, referindo-se à obra protestante de Foxe e às atrocidades dos holandeses contra os colonos ingleses, em 1623, nas Índias Orientais. Da parte dos irlandeses, as histórias se avolumaram, incluindo virgens assassinadas,

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Jesuítas cravados em estacas, crianças usadas como escudos nos a taques aos templos.* Propagand

a é uma coisa, culpa pessoal é outra — ao biógrafo só interessa a segunda. Não se pode fugir à conclusão de que Cromwell perdeu o autocontrole, em Drogheda, após o fracasso dos primeiros at aQ ues e viu tudo vermelho — literalmente, o sangue de seus camara das —, sendo tomado

por um daqueles súbitos e cataclísmicos acessos de fúria que mais tarde o levariam a dissolver o Parlamento pela força, Jogando no lixo a bugiganga

histórica. Boas razões militares, ele as possuía, mas não foram elas que o ani-

maram a agir naquele momento, durante aquele dia e aquela noit e de incalculável mortandade, que se destaca muito, completamente estranho ao seu comportamento misericordioso normal, de soldado inclusive, e que em outras circunstâncias lhe teriam causado “remorso e arrependimento”. Assim, de forma tão rápida, no calor de um instante e numa terra estr angei-

ra, é que ocorreu o incidente que iria manchar o nome de Oliver Cromwell na história por mais de três séculos. Mas é importante observar que na Inglaterra as notícias provocaram um enorme prazer e júbilo. Dos púlpitos, os pastores

asseguraram suas bênçãos, e o dia 30 de outubro foi um dia público de ação de graças. Mobilizou-se um novo corpo de tropas a ser enviado, através do canal, para a Irlanda. Publicamente, só ecoaram aplausos satisfeitos: os malvados rebeldes irlandeses tinham recebido sua justa recompensa. Com Drogheda, Dundalk e Trim vencidas, Cromwell atormentou um pouco Meath e Westmeath, enquanto esperava notícias do coronel Venables, no Ulster. Talvez tenha visitado Trim ou Ballinlough, mas com certeza passou pelo castelo

de Trubly. Entre as muitas lendas sobre esse período, a mais destacada é a que narra a captura de lord Plunkett, que estaria dando de beber a seu cavalo, no fiorde, quando viu na água o reflexo da fisionomia ameaçadora do inglês e puxou da espada para lutar, mas em vão; condenado à morte, o filho do conde de Louth pediu que lhe devolvessem a espada, a fim de perecer combatendo contra

dois adversários entre os oficiais. Comovido com sua coragem, o general concedeu-lhe o perdão, à condição de que sempre houvesse um Oliver na sua famflia. Os detalhes dessa linda história discrepam da realidade: desde o primeiro conde de Louth, cem anos antes, já existia mais de um com esse nome na estirpe.2 No entanto, o trânsito de Cromwell pela Irlanda foi assinalado por várias *Nesse particular, o que se soube é que Oliver se apieda ntava sugar te que bebê, Piedara de um o leite do peito de sua mãe morta,

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narrativas de clemência unida à coragem pessoal, mais agradáveis do que os

contos endurecidos e cruéis. As notícias de que Venables tinha capturado com poucas perdas Carlingford e Newry, e mais tarde Belfast, chegaram logo de-

pois; com st” Charles Coote estabelecido em Antrim, a região norte estava se-

gura. Era tempo de retornar ao sul, onde havia a expectativa de uma resistência

mais obstinada nos portos marítimos de Leinster e Munster.

Antes, porém, Cromwell tinha que encontrar-se com a esposa em Dublin;

além do prazer de sua companhia, ela trouxera grande quantidade de utensílios domésticos e móveis. De acordo com o embaixador de Veneza, vinha disposta a

«desfrutar (...) do título e da posição de vice-rainha, no caso do marido ser

bem-sucedido em seus planos [a subjugação da Irlanda]”. Talvez tenha sido uma parte desse mobiliário que Christopher Tothill tomou, numa surtida contra as tropas de Oliver, nos desfiladeiros de Wicklow, juntamente com seu cavalo de batalha; posteriormente, o flibusteiro recusou um resgate de cem libras pelo animal, preferindo guardá-lo como lembrança.” Afora isso, a expedição percorreu a costa de Wicklow sem maiores atropelos; Cromwell dispunha de uma força muito bem equipada, e a frota os acompanhava, majestosa. À caminho de Wexford, no extremo sudoeste da Irlanda, atravessando os bosques que margeavam o rio, ele tomou o castelo de Enniscorthy, pequena fortificação situada numa ordeira cidade ao lado de um cais, verdadeira miniatura de Drogheda, e que se rendeu sem um golpe sequer. Wexford, dotada de “um grande e espaçoso porto”, segundo sir William

Brereton, “capaz de receber milhares de velas”, tinha enorme importância do

ponto de vista dos invasores. Porta natural de entrada e saída para o continente, habitado por uma população suspeita de conivência com os piratas, tudo

Isso impunha sua conquista. E dado que o clima estava prestes a mudar, o

Hermpo se tornando mais úmido e ventoso, a operação deveria ser rápida. A doença do país” [disenteria] atacara o exército e era preciso encontrar um

local adequado ao aquartelamento, durante o inverno. A vanguarda das tropas

alcançou a cidade no dia 1º de outubro, e o restante 24 horas depois: cerca de Sete mil soldados de infantaria e dois mil cavaleiros, que bivacaram num descampado a noroeste, “praticamente inundado pela chuva e pelo orvalho”. Uma narrativa anônima, creditada por alguns ao regicida Robert Wallop, conta que foi preciso esperar que a tempestade amainasse, antes de descarre-

&ar os canhões de cerco e sua munição.?

Em Wexford, muito mais do que em Drogheda, a separação entre o go-

verno militar e a população civil era nítida. Na verdade, havia uma forte ten-

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dência a favor da rendição imediata, e só a chegada do coronel David Si nnott, no comando de 1.500 homens, reforçara o ânimo dos hab itantes, Ainda assim, os dignitários civis inclinavam-se para a paz e, conf orme| o militar m ando u dizer a Ormonde, estavam “propensos a capitula r € ace itar as condições d o inimigo”. Muitos católicos preferiam Cromwell à Confed eração e, liderados

por Hugh Rochford, tentaram negociar; o prefeito e seus conselheiros não esconderam seus sentimentos, oferecendo roupas, aguard ente e cerveja. A deso-

cupação do forte Rosslare, que guardava o por to — “um presente dos céu n Ss segundo Cromwell —, avivou as esperanças de ocupaç ão pacífica,

Sinnott, no entanto, era um otimista. Cercada de muralhas excepcionais, com quase sete metros de altura, além de proteçõe s de terra de até seis

metros de largura, a cidade ocupava toda a extensão do porto. No extremo sul, fora dos muros, havia um castelo. E a barcaça que fazia a ligação com o norte estava em boas condições, podendo transportar ref orços. Confiante, ao receber a primeira mensagem de Oliver — “o derramam ento de sangue pode ser evitado e a cidade preservada da destruição” — ele sug eriu cessar as hostilidades. A resposta foi um ultimato que se esgotaria ao mei o-dia — “nossas tendas não são tão boas quanto vossas casas” —, cabendo às delegações, a partir daí, discutir apenas os termos da rendição. O coronel exigiu que isso fosse feito “com honra” » Pois do contrário preferia a morte, é propôs uma ampliação do prazo até as oito horas da manhã seguinte. Então, Cro mwell mandou desembarcar os canhões Nesse exato momento, trazidos pela barcaça, chegaram /ord Castlehaven e 1.500 cavaleiros, e, embora Sinnott se apressasse em negar que estivesse aguardando essa ajuda, ele insistiu na dilatação do prazo, alegando a necessi-

dade de pôr o camarada ao par das iniciativas já tomadas. Furioso com a evi-

dente procrastinação, Oliver demorou três dias para deslocar suas tropas € posicionar os canhões sobre Trespan Rock — hoje conhecida como forte de

Cromwell.* Os disparos abriram buracos nas estruturas do castelo e “o estômago do governador não resistiu”: ele voltou a propor negociações.” A aproximação de Ormonde, com mais quinhentos soldados de infantaria € cem cavaleiros, levou Sinnott, mais uma vez, a recusar a rendição incondicional, reivindicando liberdade de culto para os católicos, o direito de evacuar seus homens carregando todo o armamento e uma indenização a ser paga à população,

* Atualmente, o espaço é utilizado pela criançad : cadeiras. a dos conjj untos residenciais ja! próx imos com o local de brin

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compensando-a por suas perdas — o que certamente incluía a pirataria. Considerando a situação indiscutivelmente inferior do adversário, Cromwell contrapropôs libertar Os soldados e suboficiais, que partiriam com o que pudessem levar, desde que prometessem jamais erguer-se em armas contra o Parlamento; os oficiais teriam quartel, mas seriam detidos. Quanto aos habitantes, ele prome-

teu que não haveria nenhuma violência contra os seus bens e que protegeria a

cidade do saque. Na época, ninguém poderia negar a generosidade desses termos nem a seriedade com que foram encaminhados.?

No entanto, devido a “uma providência inesperada” — eufemismo de

Cromwell —, um certo capitão Stafford, no comando do castelo de Wexford,

aproveitou os entendimentos em curso e entregou sua posição, adjacente à muralha, no lado sul da cidade. Descrito como um “jovem preguiçoso e inútil, sem nenhuma prática militar”, terá sentido que seu “estômago” estava pior do que o de Sinnott ou pretendeu ser “tratado corretamente” pelo inimigo — de um jeito ou de outro, as forças parlamentares foram presenteadas com uma oportunidade ímpar de penetrar no perímetro urbano e submeter seus teimosos defensores. À correspondência de Oliver deixa claro que ele pretendia evitar o saque, a fim de manter o casario no melhor estado possível para o aquartelamento de inverno. À narrativa que se segue é dele próprio.” Quando seus homens apareceram no alto da amurada, o inimigo fugiu, diante do que os soldados parlamentares correram na direção da cidade, carregando escadas, e a assaltaram. No local do mercado, após vencer a dura resistência do inimigo, mataram todos os que viram pela frente. Dois barcos que tentaram escapar, repletos de soldados, afundaram, causando o afogamento de uns trezentos deles. Acredito que, no total, o inimigo não perdeu menos de dois mil homens; do início ao fim do cerco, nossas perdas podem ter chegado a vinte.

Essas severas palavras resumem o que seria argiido contra sua reputação —

“ma mancha maior do que Drogheda, onde pelo menos ocorrera uma resistêncla tenaz e alguns de seus oficiais haviam sido mortos; em Wexford, os soldados

“Biram como desatinados, sem nenhuma ordem sua ou de qualquer outra dos Seus lugares-tenentes para que o fizessem ou para detê-los. Mais tarde, bastoulhes refletir sobre a malvadeza dos católicos locais, obrigados a “responder com “sangue pelas crueldades praticadas contra numerosos protestantes pobres”. Ss

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Das atrocidades católicas de que recentemente ficara sabendo, ele rela-

cionou duas, relatando a morte por afogamento de sete ou oito protestantes lançados ao mar dentro de um barco que fazia água, e de outros tantos que teriam sido trancados numa capela, onde pereceram de inanição. A piedade

que demonstrava diante de tais fatos contrastava com a ausência abs oluta de emoção face ao desaparecimento de centenas de católi cos — uma dicotomia total, surdez mesmo, que o impedia de ouvir as qu eixas igualmente

humanas da população que considerava bárbara e cruel. Deus fiz era “um Julgamento justo sobre eles [os habitantes de Wexford], expond o-os aos soldados (...)”. Só lamentou os excessos que provocar am danos materiais: “A moderação lhes teria sido mais útil.” O local era excele nte, reconhecia ele, ao final, “bem situado e seguro”, adequado a um lucrativo comércio de pesca. Após a fuga dos antigos moradores, “teria sido ótimo que um povo honesto viesse e plantasse aqui”, aproveitando-se das muitas prop riedades vazias. Os detalhes sobre o saque de Wexford apareceram mais tarde, complementando o breve relato de Cromwell. Há o testemunho do bispo de Ferns, o dr. Nicholas French, que soube da morte de seu sacristão e jardineiro, um rapaz de 16 anos, assassinado no palácio episcopal, e que padres foram chicoteados e

lançados nos donado para uma religião nificina, em

esgotos — seu próprio capelão recebera seis facadas, sendo abanmorrer, esvaindo-se em sangue. Os sacerdotes — soldados de odiada — tiveram o mesmo tratamento dos combatentes. Na carMarket Cross, onde muita gente se concentrara, fugindo através

das ruas estreitas, morreram muitas mulheres: Heath fornece uma descrição terrível de duzentas, dentre as quais algumas damas de alto nível, implorando misericórdia “com olhos charmosos cheios de lágrimas”.*'! Reivindicando in-

denizações, após a Restauração, a municipalidade relaciona 1.500 mortos civis, além dos soldados irlandeses.** *Existe no local, hoje conhecido como Bull Ring, uma placa que lemb ra o massacre. Nela se lê: “Considerou-se justo colocar aqui esta placa a fim de que fosse lembrada a morte de cinco padres e dois irmãos franciscanos, e numerosos cidadãos massacrados por Oliv er

Cromwell, em 11 de outubro de 1649,” Na parede externa da igreja franciscana existe uma pedra que contém o relato da matança, os nomes dos sete sacerdot es assassinados, al-

guns ajoelhados diante do altar, outros ouvindo confissões — dois deles se chamavam Sinnott e outros dois tinham o nome menos glorioso de Stafford. **Os State Papers, Irish Series. Charles II, vol. 307, nº 65, BR.O, dão conta de que “entre os demais, o referido governador perdeu a vida, e outros soldados, e 1.500 habitantes”. Por

equívoco, posteriormente corrigido, dá-se apenas o número das mortes civis.?

CROMWELL

447

Naquele dia, em Wexford, o catolicismo não foi somente uma passagem para a morte. Houve histórias de santidade in extremis: o sangue do padre, que seu carrasco nunca mais conseguiu lavar; o hábito do monge moribundo, que as balas não conseguiam penetrar; os soldados ingleses que adoeceram e morreram, após terem vestido a roupagem dos frades. Perto da hora do pôrdo-sol, uma bela mulher foi vista, subindo aos céus, justo acima do lugar

onde certo número de religiosos perecera.* Ignorando essas histórias consolatórias, os puritanos previam “uma congrega-

ção do povo de Deus, que deverá ocupar terras e casas abandonadas”. Todo entusiasmado, Hugh Peter escreveu, no dia 22 de outubro, sobre os milhares que “vi-

rão da Inglaterra, a fim de ver esse trabalho, que eu espero seja o cumprimento

de profecias”.'* Um panfleto inglês, impresso no final de 1649 em Londres, repercutia as palavras de Cromwell: “Foi uma providência maravilhosa que, estando prestes a se render, tal possibilidade lhes tenha sido negada.” Fora a Providência que obrara no sentido de tornar Wexford imprestável para o aquartelamento! Embora admitindo a inconveniência do saque, Wallop entendeu que “Deus tinha mais desavenças com eles [os habitantes da cidade] do que nós, por isso que ordenou aquilo”, ou seja, a vontade divina determinara que eles não usassem a cidade como “retiro invernal”.* Cromwell pensou o mesmo. Não queria o saque — e Sinnott foi imprudente, sem dúvida, dada a precariedade de sua situação —,

mas, vendo-o consumado, permitiu que o ódio que sentia contra os irlandeses e a

convicção acerca de sua iniguidade descessem como um manto, encobrindo tudo com a proteção de uma “providência esperada”.

De Wexford, rumando para oeste, alcançou New Ross — felizmente, o tempo tinha melhorado — e fez chegar às mãos de sir Lucas Taaffe a mesma mensa-

gem de sempre, falando sobre o “derramamento de sangue” que gostaria de evitar. Os canhões fizeram alguns disparos antes que a rendição fosse anunciada.

Mostrando-se um bom cumpridor de promessas, Oliver permitiu que os solda-

dos abandonassem a cidade com suas armas, munições e provisões, e declarou os habitantes livres de “ataques e violências”. Houve, entretanto, um momento delicado, quando Taaffe solicitou liberdade de consciência em nome da popu-

lação. Cromwell respondeu: “Não me envolvo com a consciência de homem algum. Mas, se por liberdade de consciência entendeis o direito de rezar a missa, é melhor deixar as coisas claras e fazer-vos saber que onde o Parlamento da Inglaterra tiver o poder isso não será permitido.”'* Hoje em dia tais palavras podem aparentar certa ironia, visto ostentarem uma tolerância

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ARDE

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FRASER

claramente limitada. Naquela época, porém, o remoque terá

evidente, posto que a missa católica estava proibida em ambos terra e Irlanda. A frase de Cromwell, portanto, tin ha absoluta precisão. A distin. ção entre

liberdade de pensamento e liberdade de ação, que ime diatamente trouxe à baila a questão da legalidade e da ordem, era bastante gen uína. Durante o Pro. tetorado, os católicos ingleses haveriam de entender isso bastante bem. Apesar da “misericórdia sazonal” concedida a Ross e do bom augúrio da reconquista de Munster, a expedição irlandesa estava começando a pagar um preço que não incluía apenas vidas. Doente e mui to “enlouquecido”, conforme disse em carta a Richard Mayor, Cromwell sofreu provavelmente seu primei

ro ataque de malária.* Na mesma epístola, um tanto melancólica, ele se revelou

deprimido com Dick, recomendando ao sogro que o exortasse “a se preocupar mais e mais com as coisas de Deus (...) as coisas deste mundo, exceto se forem aproveitadas em Cristo, não passam de armadilhas”. Até a tão querida Dorothy recebeu uma nota de censura: “(...) conhecendo sua [de Dick] preguiça, não espero muito dele, mas estou zan gado com minha filha, que rompeu sua promessa. Por favor, dizei-lhe isso, e que eu rezo para que

ela se redima”*” — ela o fez, e em abril Cromwell pediu ao filho que agrade-

cesse por “sua amorosa carta”. panha, que prosseguiu muito O'Neill deixou em suspenso a sença de /ord Broghill junto às

Nada disso afetou o desenvolvimento da cambem. A morte do líder irlandês Owen Roe lealdade de suas forças. Em Munster, a pretropas inglesas produziu efeitos salutares.

No mês de outubro, a guarnição de Cork revoltou-se contra os confederados; o motim ocorreu durante a noite e, pela manhã, sir Robert Starling acor-

dou para descobrir que tinha perdido seu comando —. “pode-se dizer que ele

foi pego cochilando”, comentou-se na época. Inglesa e realista, lady Ann Fanshawe contou em suas memórias que ouvira da cama os gritos dos irlandeses, “desnudos e feridos”, sendo expulsos da cidade. Apó s mandar avisar o ma-

rido, em Kinsale, ela arrumou suas coisas rapidamente, obteve um pas se às 3h — um amigo recompensou a bondade que ela havia demo nstrado — e saiu às Sh, levando os filhos, na carroça de um vizinho. Cor k foi a primeira das preciosas praças de Munster a cair em pode r do exército parlamentar — em consequência, o próprio Jord Inchiq uin deu sinais de estar preocupado com suã imunidade. No início de novembro , Youghal também se rebelou, arrastando “Tratava-se de uma forma de malária uma variedade benigna da febre terça. extremamente comum, no século XVII, na verdade

CROMWELL

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Capperquin, Mallow e outras unidades irlandesas, muitas das quais tinham apoiado O Parlamento nos estágios iniciais da guerra civil irlandesa, somente se

vinculando à confederação em 1648. Ao escrever seu relato acerca do que acontecera, e pedindo provisões adicionais, Cromwell sentiu-se capaz de dizer: «Graças à Presença que nos tem acompanhado, espero que em breve a Irlanda

deixe de ser um peso, No entanto, bem xou Ross e marchou ram o forte Passage,

tornando-se uma parte lucrativa da Comunidade.”* depois disso, e ainda mal sarado, em novembro ele deina direção de Waterford. Ligeiros, seus dragões tomaque guardava o porto, mas a inclemência do tempo e as

doenças abateram a tropa, causando mil mortes — segundo se disse —, in-

clusive a do veterano coronel Horton e a do outro Oliver Cromwell, filho de seu tio sir Philip. “Podeis ver como Deus troca as nossas taças”, foi o comentário do general. Em tais circunstâncias, considerou-se boa política abando-

nar Waterford, ainda resistindo, e prosseguir, em 2 de dezembro, rumo a Dungarvan — “este é um dos piores dias de marcha de toda a minha vida”, escreveu Cromwell.” Na hospitaleira Youghal, a cerca de trinta quilômetros de Cork, finalmente, o exército permitiu-se um aquartelamento invernal. Debaixo das nogueiras daquela cidade, lendo Faerie Queen [A rainha das fadas), sir Walter Raleigh sonhara com outros mundos. Lá morreu Michael Jones, herói de Rathmines, da doença que o acometera. Apesar dos diversos rumores que diziam ter sido Cromwell que o envenenara, e que fora denunciado

pelo moribundo, o próprio Lord-Lieutenant fez a oração funeral, na Igreja de Santa Maria, prestando-lhe um tocante tributo em carta posterior. Alojado na

abadia de São João, modesto edifício do século XIV, na estreita rua principal,* Oliver não estava destinado a permanecer ali por muito tempo. Andou por

Cork, e foi muito festejado, e em Kinsale, onde deixou no comando um certo

coronel Stubber, não muito estrito na sua observância religiosa, segundo lhe

disseram. Lembrando-se dos anabatistas que tinha defendido, ele respondeu:

“Talvez não, mas é um soldado, tem honra, e deixaremos a sua religião quieta

por esta vez,”

Apesar das vicissitudes de ordem pessoal, Cromwell mantinha absoluta

clareza sobre seus objetivos na Irlanda; apenas que à sua intenção original de

derrotar os poderes católicos adicionara-se uma acentuada preocupação com Os habitantes do país, que ele não encarava como inimigos. No final de noo

Es lugar ainda existe e tem uma placa, mas está ocupado por uma loja de artigos eléricos.

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vembro, escrevendo ao Parlamento, ele se referiu aos problemas de saúde do exército, dizendo: “O que pensar dessas coisas? Serão obra de um braço hu. mano? Não, é somente Deus (...) uma parte considerável de VOSSO exército

poderia mais facilmente baixar a um hospital do que ir à luta — e se O inimi-

go não soubesse disso eu não estaria cometendo a imprudência de escrever a respeito —, mas eles sabem e não se aproveitam.” No entanto, ao tent ar per-

suadir o amigo John Sadler a assumir a presidência do Tribunal de Munster, ele descreveu o povo comum da Irlanda como “muito ansioso pela Palavra” , e acorrendo às reuniões cristãs, num “doce sintoma pelo menos da seriedade

do bem que nos espera”. Cromwell mostrava-se ansioso para tomar o lugar

da autoridade anterior, numa terra anárquica que Deus depositara em suas mãos, e estimulava Sadler a juntar-se a ele nesse bom trabalho: “Parece-me

que é uma grande oportunidade, até que o Parlamento determine uma forma

de fazer justiça a este pobre povo.”*!

Com relação ao clero irlandês, que na sua convenção, em Clacmanoise, declarara uma espécie de guerra santa aos ingleses, seus sentimentos eram bem outros. O gesto belicoso causara sérios problemas, inclusive entre os próprios anglo-irlandeses realistas. Cromwell, de sua parte, reagiu através da Declaração

do dia 14 de janeiro, expressando o mais puro e simples ódio total, próximo à paranóia.” Atacando diretamente a proposta de unidade formulada, ele disse: Com a graça de Deus, não queremos e não tememos a vossa união. Dizeis que ela é contra um inimigo comum, mas eu afirmo que foi pactuada com a morte e o inferno, e se insistis nela vos darei algo bem amargo para morder, e que demonstrará que Deus

não está convosco. De onde teria surgido esse inimigo comum?

Quem o criou? Suponho vos referis aos ingleses. Os ingleses! Lembrai-vos, hipócritas, que a Irlanda Já esteve ligada à Inglaterra. Ingleses tinham boas heranças, eles e seus ancestrais, honestamente

adquiridas

de

muitos

de

vós

ou

de

VOSssos

ancestrais

(55)

Rompestes com essa união! Sem nenhuma provocação, executastes um bárbaro e inimaginável massacre, desconsiderando idade ou sexo das vítimas, tão cruel que até o próprio sol se deteve. E num momento em que a Irlanda gozava de perfeita paz, quando através do exemplo do trabalho inglês, através do comércio, os nativos

detinham algo melhor do que teriam alcançado caso não existisse nenhum inglês por aqui. O que estais pensando? Porventura não é verdade o que afirmo? Estará Deus convosco? Confio que não.

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A partir de tais concepções relacionadas à Irlanda — comuns, diga-se de

passagem, na Inglaterra do século XVII —, Cromwell prossegue denunciando a religião católica numa linguagem ainda mais virulenta. “Intrusos” no país, os padres tinham “violado [com sua missa] as leis conhecidas”. À acusação de que O exército inglês cruzara o mar para ocupar terras irlandesas, ele replicou:

Certamente, posso explicar melhor a vinda do exército. Enfren-

tando dificuldades e altos custos, a Inglaterra já experimentara a bênção de Deus

no desenvolvimento de causas justas. E, se já

houve alguma causa justa neste mundo, nenhuma seria mais relevante do que a nossa. Viemos pedir contas pelo sangue inocente derramado. (...) Viemos destruir o poder de um bando rebelde sem lei. (...) Viemos — com a ajuda de Deus — elevar e manter com firmeza o valor e a glória das liberdades inglesas numa nação onde temos o indiscutível direito de fazê-lo. Porém, mesmo em plena tempestade de paixão, ele tem o cuidado de preservar a distinção entre o povo comum e os padres, concedendo aos primeiros

os benefícios do seu modo de pensar e da sua tolerância pessoal. “Não posso

alcançar os pensamentos religiosos que eles [o povo] têm dentro de si, mas penso ser meu dever, desde que caminhem honesta e pacificamente, não lhes

causar nenhum sofrimento por isso.” Tal qual em Ross, a ênfase recaía sobre a ordem civil, não sobre a conformidade privada. No dia 29 de janeiro, Cromwell estava pronto para ir em frente, e, desde que tinha escrito aos Comuns sobre alguns regimentos que se haviam posto em marcha com não mais de quatrocentos homens e que agora reuniam oitocentos ou novecentos, é justo presumir que os doentes estivessem se recuperando. Seu próximo objetivo era erradicar a influência de Ormonde sobre as ricas regiões

do interior de Munster; para isso seria preciso conquistar uma série de castelos no vale dourado, a leste de Tipperary — Cahir, Cashel, Fethard e Clonmel —, que, distando entre si cerca de vinte quilômetros, formavam um tipo de quadrado nas vertentes das montanhas de Comeragh. Em certos momentos, a campanha assumiu a feição de um jogo de xadrez. Newcastle, berço dos Prendergast, foi salvo da ruína pela rendição, tendo se comprometido a nunca mais se fortifi-

car; alguns soldados parlamentares ficaram por lá, encarregados de supervisionar a remoção do armamento. Súbito, uma matilha de cães de caça, pertencente ao dono do castelo, começou a latir, e as tropas retornaram, apressadamente,

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imaginando que seus camaradas estivessem sendo atacados. Levados à presenç de Cromwell o proprietário e os animais, provou-se que nad a disso acontecera E o general pôde melhorar as condições de sua estada, dedi cando-se ao e passatempo favorito. Anos mais tarde, na qualidade de Protetor , red

igiu uma

nota pessoal para que Prendergast não fosse banido. No conjunto, os defensores que tiveram a sabedoria de se render receberam a

prometida recompensa de misericórdia. O acordo de Fethard, por exemplo, tin ha uma cláusula que protegia as propriedades dos habitantes do saque desde aquele

momento, e cinco anos depois, já sob o Protetorado, ele s peticionaram com sucesso contra um novo assentamento; invocando “a proteção de vossas graciosas concessões em anexo”, obtiveram em resposta uma nota assinada Oliver P, nos se-

guintes termos: “Nossa vontade e prazer é de que os artigos con cedidos aos habitantes da cidade de Fethard, na Irlanda, sejam bem e verdad eiramente observados

e executados em tudo, de acordo com suas verdadeiras intenções e significados.”

Cahir, imponente castelo sobre o Suir, opôs alguma resistência; Oliver, ao contrá-

ro, em seu relato ao Parlamento, fez questão de lembrar imediatament o e trabalho que dera a conquista daquela fortaleza nos tempos da rainha Elizabeth: o conde de Essex lutara durante oito semanas, ao passo que ele o fizera sem sacnfi-

car um soldado sequer. Os termos foram generosos, poupando-se inclusive a vida dos clérigos. Conta-se que Cromwell subiu 20 alto de uma colina e, descor-

tinando o vale, comentou: “Sem dúvida, esta é uma terra pela qual vale a pena lutar.” Guido de Orange — futuro Guilherme, o Conquistador — teria dito o mesmo, mas não é difícil imaginá-lo seduzido pelas verdes planícies de Tipperary; espraiando-se em volta da rocha de Cashel além disso, o que talvez torne a história ainda mais plausível, ele separou uma boa parte daquela região para si em vez de entregá-la aos “aventureiros” e soldados Encontrando-se mais uma vez com Ireton, Cromwell tomou o rumo de

Kilkenny, ao norte de Callan, dominada pelo magnífico castelo da família Ormonde, uma construção de mármore, segundo um francês contemporâneo, capaz de rivalizar com os palácios italianos. Tinha grandes esp eranças de

conquistá-lo pacificamente — na verdade, contava com a traição de um certo

Tickle, por isso que não levou os equipamentos necessários a um cerco. Lá chegando, porém, soube que o

e, por algum tempo, inúteis. De fato, , o c astelo “era excepcionalmente bem “ custaria muito fortificado”, e tomá-lo uito “sa ngue e tempo”, posto que os defenE ; e preferência a submeter-se.

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Apesar dessa obstinação, o Cromwell racional nada tinha a ver com o

Cromwell furioso. Ante um primeiro assalto nitidamente fraco, já no segundo

o inimigo tratou de propor os termos de uma rendição; sem conceder os mais Avoráveis — que dera a outras cidades e que Butler exigia —, Oliver sugeriu uma solução de compromisso: garantiria os habitantes contra o saque, desde que pagassem duas mil libras. À tropa adversária pôde retirar-se em marcha

organizada, ao rufar dos tambores e com suas bandeiras desfraldadas, levando cem mosquetes e cem lanças, a fim de que pudesse defender-se dos “tries” — aqueles bandidos irlandeses que pilhavam as cercanias e mais além.”

Entrando em abril, Cromwell sabia que sua presença era cada vez mais

urgente na Inglaterra, onde a convivência com os escoceses voltara a se com-

plicar. No dia 11 de janeiro, o presidente da Câmara dos Comuns iniciara com ele uma correspondência acerca da organização de um governo civil na Irlanda, mas seu relatório sobre Kilkenny só se referia a “diversas necessidades privadas”; a menos que o Parlamento lhe transmitisse ordens formais, seria “demasiada audácia” abandonar a responsabilidade assumida. Adotando um estilo similar ao do almirante Nelson, fingiu ignorar as insinuações ou não levá-las ao pé da letra. Estava ciente, é claro, de que seu retorno tornarase desejável, mas como militar planejava levar a campanha até o fim, concluindo seus propósitos. Por isso concentrou suas atenções nas três fortalezas inimigas que ainda se mantinham — Clonmel, Waterford e Limerick —, sem dúvida encorajado pelas notícias de que a confederação irlandesa não prosperara depois de Clacmanoise — havia negociações em curso para dissolver o exército realista, deixando por conta dos soldados encontrar o caminho de

casa. Em Carrick, no dia 26 de abril, Oliver assinou os Articles for the Protestant Party in Ireland [Programa do Partido Protestante Irlandês]; embo-

ra Ormonde e Inchiquin tivessem se recusado a aderir, mesmo assim ele lhes concedeu salvo-conduto, satisfeito por vê-los desaparecer. No entanto, apenas

lady Ormonde aceitou o passe, embarcando com a família e vários agregados. Em Clonmel, igualmente flanqueada pelo tortuoso Suir, Cromwell encontrou Hugh O'Neill, chamado pelos irlandeses de buidhe [moreno], filho de Art Oge, irmão mais velho de Owen Roe O'Neill, nascido nos Países BaiXOs € veterano do exército espanhol. Desde fevereiro, ele assumira o comando

dos 1.200 homens que guarneciam aquela praça. No final de abril, os canhões de Cromwell estavam engajados no seu trabalho habitual de derrubar pedras

irlandesas. Desta vez, porém, o adversário haveria de mostrar-se hábil e cheio

de iniciativa. Antes de mais nada, tratou de consolidar as defesas, empilhando ”

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pedras atrás das muralhas e colocando sua artilharia sobre elas, gra ças ao que conseguiu deter o primeiro assalto do exército parlamentar — eles chegaram entoando hinos e recuaram totalmente frustrados. Ao percebere m a armadilha que os esperava, os oficiais gritaram: “Alto!” A tro pa, no entanto, estimulada pelos brados contrários — “Avançar!” — vindos da retaguard a, não prestou atenção e caminhou para o massacre. Estima-se que o número de baixas te. nha chegado a dois mil. Aguardando junto ao portão principal, Oliver pare-

cia, segundo o testemunho de um soldado, “mais vex ado do que nunca, desde

que pusera o capacete contra o rei, pois não estava acostumad o a ser repelido daquela forma”. Num segundo assalto, seus homens conseguir am penetrar na cidade, mas tiveram de recuar, acumulando mais algumas centenas de perdas. Numericamente inferiorizado e sem pólvora, O'Neill con quistara uma vitória apenas parcial e, tendo se comportado, nas palavras de sir Lewis Dyve, com “discrição e galantaria”, decidiu escapar com seus homens no meio da noite, deixando o prefeito livre para discutir a rendição pela manhã. Assim, quando Cromvwell entrou em Clonmel, após acertar os usuais termos mod era-

dos, descobriu que os pássaros haviam fugido da gaiola. Furioso, voltou-se na direção do prefeito e, exclamou: “Sem-vergonha, por que não me disseste nada?” Calmo, o homem respondeu: “Vossa Excelência nada perguntou... nesse caso, eu falaria.” Recuperando o controle, Oliver manteve o acordo, mas achou que valia a pena perguntar que tipo de homem seria O'Neill, ouvindo em resposta: “Um soldado estrangeiro, nascido na Espanha.” Isso provocou

outra explosão do general — “Que Deus vos amaldiçoe e a vosso estrangei-

ro” — e uma ameaça de perseguir o oponente e destruí-lo.'º Sua vontade, entretanto, jamais se realizou. Mais tarde, o “moreno” manteve Limerick, con-

tra Ireton, e, ao render-se em 1651, alegou sua nacionalidade, escapando da pena capital. Prisioneiro na Torre de Londres, acabou solto graças à intercessão do rei de Espanha, onde morreu tranquilamente. Sem dúvida, mereceu sobreviver, quando nada por ter sido mais esperto do que Ironsides. Do ponto de vista de Cromwell, o episódio fora desagradável, equip arando-se, no que diz respeito à sua reputação militar, à segunda batalha de

Newbury — onde ele não detinha o comando supremo —, tendo sido umã

das poucas ocasiões em que chegou a ser repelido. Dominando as regras do

cerco, desde as campanhas realizadas no oeste da Ingla terra, em 1645, ele nunca alcançara a maestria nessa arte, devendo seus sucessos mais à audác ia € ao fator surpresa, dos quais sabia tirar bom provei to. Ao deparar com um adversário que agia da mesma forma, não teve sorte. De fato, seu grande

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«runfo continuava sendo a força excepcionalmente bem paga, equipada e treinada, diferente de tudo quanto já se vira antes na Irlanda. Diante dos “filhos de Marte” — assim um contemporâneo se referiu aos seus canhões” — não é surpresa que tantos castelos desmoronassem. Mas nenhuma estrela se jun-

tou à constelação onde já brilhavam Marston Moor, Naseby e Preston.

Seus dias na Irlanda estavam contados. Em 9 de abril, o Conselho de Es-

tado enviou-lhe mensagem ordenando que regressasse imediatamente, e a nova fragata President, construída no outono anterior por determinação do Al-

mirantado, recebeu a missão de trazê-lo de volta. No dia 13 de maio, em Barnstaple e Bristol, havia cavalos à sua espera. Indo pelo sul, ele se deteve

brevemente na obstinada Waterford, onde uma nova carta do Conselho encerrou o assunto. Deixando a Irlanda aos cuidados de Henry Ireton, Cromwell

partiu do pequeno porto situado além das muralhas de Youghal em 26 de

maio. A aventura irlandesa terminara: durou nove meses e 14 dias. A lama que respingara sobre sua reputação, porém, não foi tão fácil de remover. Ele não tinha agido pior do que outros conquistadores, nem se envolveu, posteriormente, em acontecimentos semelhantes à Drogheda e Wexford, tendo obtido inúmeras rendições pacíficas e concedido mercê a diversos padres, contrastando os ácidos termos com que denunciou o clero católico. Enfrentou todavia um inimigo perigoso — a lembrança folclórica de um povo tenaz, valente, romântico e belicoso —, o povo da Irlanda. Essa força iria caçá-lo no futuro tão implacavelmente quanto o haviam sido os sacerdotes nas duas praças saqueadas. Algumas piadas* a seu respeito têm caráter sobrenatural, ligando-o

a fantásticos contos de fadas — na pele de um sapateiro inglês ele se torna rei da Irlanda e, ao morrer, é enterrado em três caixões na confluência de três mares; em outra narrativa, o herdeiro do trono francês corteja sua filha.** Além disso, surgiram novos relatos de iconoclastia, tal como na Inglaterra, situando-o

em lugares onde nunca pusera os pés. Referindo-se a um castelo que ele teria

demolido, a rima “Oliver Cromwell, he did it pommel” [ele o esmurrou] pode

não ter nenhum fundamento, mas sua “maldição” se mantém tal qual uma aferrada erva daninha e talvez jamais seja esquecida. “Kiltartan History Book

[História dos clãs], de lady Gregory, cita quatro, uma delas

intitulada A Worse Than Cromwell [Pior do que Cromwell], que se refere à bebida: “Cromwell era muito mau, mas a bebida é pior, pois muitos dos que ele matou devem ter

ido para o céu, enquanto os bêbados nunca verão o Paraíso.” **As lendas cotejadas pela Comissão Irlandesa do Folclore, nem de longe afinadas ao míii tom de realidade, transmitem a idéia de um grande poder, não de uma grande malade,

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Resta considerar o quanto Oliver Cromwell merecia esse infortúnio. atitudes foram convencionais, no que havia de melhor e pior naquela é Suas Poca, A Inglaterra o recebeu com festas, como um herói, e durante SUa ausência, conforme Whitelocke assinalou, os sucessos que obteve só fizeram engrande. cer sua glória. Daí o significado dos versos que Marvel] compôs para honrá. lo. O Perfect Diurnall sustentou que os irlandeses tinham recebido o tratamento adequado, não se podendo tolerar, evidentemente, “a idolatri a papista que professavam”. O Mercurius Politicus, acrítico e adulad or, rendeu tributo aos “prestimosos serviços [de Cromwell] que se somarão às grinaldas das vitórias conquistadas na Inglaterra, reconhecidas pela opinião pública mundial, e que o tornam um dos mais sábios e realizados líderes da geração atual e da posteridade”. Elogiente, Lenthal discursou perant e a Câmara dos Comuns,

descrevendo “a grande Providência divina revelada por esses grandes e estra-

nhos feitos, dos quais ele [Cromwell] foi instrumento”, A pacificação abriu caminho às atividades coloniais, inaugurando o período de novos assentamentos que a história da Irlanda registra como “transplantes”, uma política odiada pelo povo e da qual ele se converteu num símbolo.

A transferência de moradia de populações inteiras tivera início no reina-

do de Elizabeth — a teoria acerca dos direitos de colonização existia há séculos. Oliver não executou nenhuma medida sequer semelhante e não voltou ao país depois de 1650. Durante o Protetorado, embora os “aventureiros” te-

nham promovido migrações internas a fim de propagar sua prosperidade, as intervenções pessoais de Cromwell foram sempre no sentido de minorar à

sorte dos envolvidos. No entanto, não pôde escapar à responsabilidade daqu ilo que o historiador Lecky, no século XVIII, disse que fora “a causa princi-

pal dos males políticos e sociais da Irlanda”.

Conquanto falsa, essa sombria acusação contém certa dose de justiça. Cromwell foi um soldado de extraordinária capacidade; como general vitorios o,

atraiu as atenções; aos olhos dos ingleses, suas glórias eram militares, e através da força armada é que ele conseguiu atingir os mais altos objetivos políticos. Na Irlanda, na condição de conquistador caíra abaixo de seus elevados padrões — em Drogheda, com o sangue quente, e em Wexford, a sangue-f rio. Ao ser julgado por tais aberrações, ele já desfrutara do poder e do prestígio conf eridos pela vitória. Quisesse ou não, vivia da espada. Ali, sua reputação pereceu com à

espada. Certamente não era justo, mas pelo menos compreensível, que a maldição da Inglaterra acabasse sendo a maldição de Cromwell.

rem a 14 Escócia: A decisão da causa Ambos os partidos atribuíram a Deus a decisão da causa, desejando que ele fizesse Seu julgamento no dia da batalha, para que cada um dos lados e todos os que observavam pudessem conhecer Seu veredicto no tocante à justiça do que propunham... CARTA RECEBIDA POR CROMWELL APÓS A VITÓRIA DOS

INGLESES SOBRE OS ESCOCESES

O liver Cromwell não ficou mais do que quatro semanas em Londres, antes de tomar a estrada para um outro canto das Ilhas Britânicas, levado pelo que Whitelocke corretamente chamou de “o espírito litigioso da natureza humana e a pouca calma que se pode esperar nesse mundo”. Frágil ainda, o mo-

vimento realista clandestino promovera em abril de 1650, na cidade de Salisbury, uma corrida de cavalos, mero disfarce da reunião inaugural da Àssociação do Oeste (para a restauração da monarquia), que contou com a presença de figuras proeminentes, como o coronel Francis Wyndham e sir John

Paulet.' Todavia, sem a liderança dos pares do Reino ou dos proprietários de terras, cuidou-se apenas de problemas pessoais urgentes — a iminência do Sequestro de bens, por exemplo. Ameaça mesmo parecia advir de Edimburgo,

onde o novo rei fora proclamado poucos dias após a morte do pai. Atitudes

consegientes demoraram a ser encaminhadas devido às cisões que se expres-

savam nos três possíveis gritos Rei”, “Presbitério sem o Rei” e Da Irlanda, submetida por Uma expedição dos partidários

de guerra do exército escocês: “Presbitério e “Rei sem o Presbitério”. Cromwell, Carlos II já não esperava nada. do “Rei sem o Presbitério” — os chamados

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realistas puros —, sob o comando de Montrose, tinha fracassado. Gra dual

Mente, O Jovem monarca se deu conta do quanto dependia dos presbiterian os e, relutante

aceitou o sacrifício do marquês, executado pelo s convencionais em maio. pi teriormente “engoliu” a própria Convenção, jurando man tê-la, Não Se tratou

de uma conversão: “Pecaminosamente, Carlos II concordou com o que nós, de forma mais pecaminosa ainda, o forçamos a faze r”, escreveu um protestante convic to, admitindo a culpa de seu partido. Mas, aqu ela altura dos acontecimentos, as desastrosas consequências da hipocr isia permaneciam ocultas, A chegad

o do soberano foi saudada com alegria geral; as mulheres do mercado de

Tron, em Garmouth-sobre-o-Spey, queimaram seus ban cos e cestas em festivas fogueiras comemorativas. Os felizes escoceses notaram que, tal como sua avó,

Maria Stuart, no seu retorno da França, ele também escapara dos ingleses pro-

tegido por um nevoeiro — “a mesma providência”, gri taram. Um correspondente do secretário Nicholas, descrevendo o evento, adi cionou o único comentário pesaroso: “Rezo a Deus que [Carlos] se comprove mais afortunado, e mais leais alguns dos que se dizem seus seguidores.”? Aproveitando a oportunidade e o poder imenso de que desfrutava naquele momento, Argyll afastou os servidores do jovem e alegre monarca, substituindo-os por gente de sua confiança, cujos nomes, dizia-se, relacionavam-se à traição e à morte do antigo rei. O líder escocês tinha inclusive à esp erança de casar a filha, /ady Anne Campbell, com o recém-coroad o soberano — uma

proposta que chegou a interessá-lo, posto que não tinha nenhuma pretendente

à vista e semelhante união com a Escócia seria com certeza um estímulo aos

seus adeptos na Inglaterra. Consultada, Henrietta- Maria demons trou, pelo menos dessa vez, precaução e bom senso, admitindo não existir “nada de ex-

traordinário” no matrimônio com uma moça tão bem nascida, mas questionando se valeria a pena excluir a Inglaterra de um acordo que devia ser avalia-

do do ponto de vista de sua recuperação. Prevalecendo esses prudentes conselhos, a idéia foi abandonada —. é, como a referida jovem mos trou um

traço um tanto pedante em sua correspondência, talvez ela não fosse mesmo à

noiva mais conveniente, sendo apenas tão bonita quanto qualquer outra da corte inglesa, segundo /ady Anne Halkett.:

O Presbitério atravessava uma fase de franco entusiasmo: no ano ante rior

a Lei das Classes proibira acesso a empreg os públicos e ao exército a quem

não apoiasse incondicionalmente a Convenção. Natura lmente, seriam necessários muitos Expurgos para que a norma fo

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controle, garantindo o predomínio dos que se aglutinavam sob a chancela de

«Presbitério e Rei”. Um ameaçava a organização religiosa, o outro a organização política da Comunidade — o recurso à força era inevitável, Contudo uma perspectiva tão clara de confronto militar não esclarecia a quem deveria caber a liderança das tropas inglesas, quando chegasse a hora de

organizar uma expedição. Popular, se bem que retirado, Fairfax conservava o posto de comandante-em-chefe do exército, coisa que Cromwell jamais contestaria. Segundo testemunho do coronel Hutchinson, os dois homens conversaram a respeito durante uma noite inteira, e o diálogo entre eles demonstrou a grande diferença de caráter que os separava. Fairfax ponderava que uma campa-

nha ofensiva seria injusta. Cromwell objetou: “Não podemos evitar a luta, e Vossa Excelência vai determinar, muito em breve, se é preferível travá-la nos intestinos de outro país ou do nosso. Prefiro que seja no deles, e digo isso sem qualquer escrúpulo”, obtendo como resposta que “cálculos humanos não constituem base suficiente para se levar a guerra a uma nação vizinha”.* Oliver ainda implorou que ele considerasse a fidelidade das tropas, mas sir Thomas insistiu no direito de seguir os ditames da sua consciência. Assim, derivou para suas mãos o comando de um exército que deveria reunir 25 mil homens — expectativa inicial que acabou não se concretizando — saudado pelo novo porta-voz do governo, o Mercurius Politicus. Seu editor, o volátil Marchament Nedham, ex-propagandista do lado oposto, questionava espirituosamente suas próprias credenciais, indagando por que a Comunidade não poderia ter “um bobo da corte, como o do rei”. O valor de Cromwell era

tratado com maior seriedade: “Da minha parte, e sem qualquer lisonja”, escreveu ele, “tendo em vista suas ações, da primeira à última, não me acanho em proclamá-lo o único Novas Princeps [Novo Príncipe] existente desde os confins da história.” Na verdade, discutiu-se o título que ele deveria ostentar e, embora se determinasse que formalmente ele seria “General das Forças da

Comunidade da Inglaterra”, foi-lhe permitido escolher o que preferisse. Dessa forma, “Lorde-GeneraP” acabou se impondo. As Nouvelles Ordinaires, periódico

governista destinado à propaganda no exterior, por isso que escrito em francês, em seu primeiro exemplar (21 de junho a 8 de julho), aplaudiu-o como

“Gentralissime” de todas as forças inglesas.**

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im À segiiência desse jornal, até maio de 1658, permite uma boa avaliação de como o gover-

no inglês desejava ser visto no exterior. No continente, o periódico causou suficiente imPressão para que o próprio Mazarino o lesse ocasionalmente.f

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Afora esse instrumento de propaganda tão óbvio, os relatórios de de Croullé destinados ao cardeal Mazarino frisav am a confiança da opinião pú-

blica na expedição e os detalhes dos preparativos que envolviam inúmeras

pessoas em diversos setores. A idéia de levar a guerra além da fronteira E poupando o norte da Inglaterra de outra invasão — acarreta va u mM Sério problema de suprimentos. Caberia à Armada um import ante pape | — Virtualmente inexistente, a marinha escocesa pouco poderia fazer —, e mesmo assim os comandos que não trouxessem consigo o necessário ficariam à mercê dos fornecedores locais, sob o risco de morrer. O plan ejamento do general. intendente William Rowe previa depósitos de “pão mu ito bem cozido”, fornos de cozer um tipo especial de pão muito sim ilar ao que o exército consumia, Juntamente com queijo, ferraduras, cravos e camas — visto que se apropriar dessas coisas em Newcastle causar

ia enorme tumulto. Grãos e aveia, peras e maçãs seriam enviados de Kent pelo mar .” Um dos problemas mais graves da campanha acab ou sendo a insuficiência de tendas adequadas — a maior parte dos homens ficou exposta aos rigores do verão escocês, dormindo ao relento; apenas cem tendas foram adquiridas ao custo de uma libra cada uma, além de uma outra “p ara o uso pessoal de Sua Excelência”, pela qual se pagou 46 libras. Os aspect os espirituais não foram negligenciados: Thomas Harrison, que na ausência de Cromwell assumiria o comando das tropas, na Inglaterra, demonstrou zelo ao sugerir que 0 comandante destacasse “três ou quatro almas preciosas”, encarr egadas de rezar diariamente a prece “Esperando por Jeová”. Uma dessas almas, John Owen, num sermão aos soldados, falou sobre a natureza religiosa do empreendiment o, argumentando que a guerra poderia trazer não soment e a paz, mas ainda troféus espiritualmente significativos: “Uma casa ou um palácio, engalanados com os estandartes tomados aos inimigos que te ntaram conquistá-los, é uma glória — a própria casa de Deus enfeitada.?º

Sob os olhares de toda a Inglaterra, em 28 de junho, Cromwe ll partiu. Em Oxford, o antiquário Elias Ashmole teve o cuidado de anotar a hora exata — 17:05 — a fim de elaborar o mapa astral da expedição. Cavalgando com ele,

nessa primeira etapa da viagem, ia o Jeveller John Lilbur ne, temporariamente solicitado =

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361

CROMWELL

reconciliado com O Lorde-General. Numa despedida afetiva, ele corroborou as boas instâncias de Harrison, insistindo para que se cuidasse das almas tanto

quanto dos corpos. Oliver seguiu por Ware e Cambridge, onde tentou tranqui-

lizar o vice-diretor e os doutores da universidade, assegurando que não tinha a

intenção de fazê-los aceitar a religião oficial do país assim que a questão da Es-

cócia estivesse solucionada; cínico, um dos presentes considerou o fato como simples manifestação do seu desejo de “convencer e agradar a todos, através de

uma aproximação cortês, no momento em que toma o rumo de uma ação de caráter duvidoso”. Foi em Northampton, diante da multidão que o aclamava, junto a Lambert e Ingoldsby, que ele fez o famoso comentário: “Eles gritariam da

mesma forma se estivéssemos aqui para ser enforcados.” Dez anos mais tarde, voltando à cidade sob apupos como prisioneiro de Ingoldsby, Lambert se lem-

braria dessas palavras.” Em Durham juntaram-se à caravana os coronéis Pride e

Hacker, e em Newcastle, no dia 10 de julho, deu-se afinal o encontro com os 16 mil homens — oito regimentos de infantaria e oito de cavalaria —, com os quais ele pretendia marchar contra os escoceses. Experientes e disciplinadas, as tropas juraram lealdade, dispostas a viver e morrer com seu general. Entretanto alguns problemas tiveram que ser resolvidos. Um deles foi a questão de George Monk, cujo desempenho militar no

Ulster impressionara Cromwell a ponto deste oferecer-lhe o posto do regimento antes comandado por John Bright. Puritano de longa Yorkshire, Bright não se demitira por desaprovar o regime, mas pela rasteira de ter comprado uma propriedade confiscada aos realistas.”

de coronel tradição no razão mais Todavia os

soldados não se mostraram dispostos a tolerar o comando de um “vira-casaca”;

lembravam-se de o terem derrotado e feito prisioneiro em Nantwich no ano de 1644. Afinal, essa tropa mais um regimento de cavalaria ficaram ambos sob a liderança de Lambert, e um novo regimento de homens de Newcastle e Berwick, que tirou seu nome da vizinha cidade de Coldstream, foi entregue a Monk. Assim, do orgulho de um regimento nasceu outro, que se tornaria tão

glorioso na história militar da Inglaterra.

Chegara a hora de “convocar” a Escócia. Diante de uma simples fortaletà, mas como estivesse se dirigindo ao país inteiro, observando as mesmas

convenções, o Lorde-General manifestou suas esperanças de evitar o confronto. Depois de Dunbar — um acontecimento irremediável, afinal de contas —

Cromwell admitiu abertamente o “desejo e a esperança de que fosse evitado o

derramamento de sangue”.'? À razão era clara e indicava o tipo de relacionamento que ele pretendia estabelecer com os escoceses —

“Trata-se de um

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povo que, por equívoco, teme o nome de Deus” — em fla Brante Cont raste com a atitude e a linguagem que manifestara na Irlanda. D esde sua Pri meira Declaração aos escoceses, nota-se uma vontade quase des e sperada de disc utir quaisquer assuntos, teológicos ou não, em vez de lutar, u ma relutância a parentemente mórbid a em aceitar que dois grupos eleitos deve ssem realmente combater entre si pela segunda vez.

Dirigida especificamente “a todos aqueles que são santos e eleitos para compartilhar a fé em Deus, na Escócia”, estava cheia de referências carinhosas ao povo irmão. Na longa justificativa da invasão, todas as questões pendentes ao longo dos dez últimos anos, inclusive a morte do rei, eram trazidas à baila, em particular a assinatura da Convenção pelos ingleses. E verdade que isso os tinha vin-

culado à manutenção dos interesses do monarca, a fim de “preservar a religião e a liberdade”, mas, posto que os meios não Justificavam os fins, “os fins deverão ser preferidos aos meios”. Só ao término, e mesmo assim refe rindo -Se escoceses, em vez de vis camaradas, há uma clara ameaça de isso deixemos que Deus no Céu (...) nos julgue, no ca mpo de tude da perversidade de quem detém a autoridade entre vós, que a decisão desta controvérsia seja obtida pela espada (...).”13 Sua confusão espiritual naquele período expressou-se

aos preciosos

guerra: “(...) sobre

batalha, se, em virDeus nos ordenar

além disso numa

auto-reflexão contida em carta que escreveu a Richard Mayor, mais uma vez

a respeito de Dick. Ele começa perguntando pela pequena Elizabeth, sua neta recém-nascida — a correspondência de Dorothy co ntinuava atrasada: “Gostaria de saber como está a menina e, talvez, reclamar da negligência dos pais; sei que meu filho é preguiçoso, mas eu ti nha uma opinião melhor de Doll. Duvido que o marido tenha conseguido e stragá-la. Peço-vos, diga isso a ela

por mim. Tivesse eu o tempo de que eles dispõem, escreveria algumas vezes.

Se minha filha estivesse grávida, eu a de sc ulparia, mas não por estar amamen-

tando.” Um comentário típico do home m ocupado sobre aqueles que ele supunha menos ocupados — Cromwell não seria o primeiro nem o último homem a não dar valor às ; nquiet ações do período de amamentação. Mas, voltando a falar sobre as d eficiências de Di ck — “Ele está no momento mais perigoso da sua id ade e vive num mundo muito fúti]” —, Oliver coloca uma perspectiva diferente. Ma yor deveria

aconselhar o genro: “Podeis ver como estou atarefado. Mereço piedade. Sei como me sinto. Altas posições e Importantes assuntos materiais não são coisas desejáveis; eu não teria conforto al-

presença de Deus. Não busquei nada disso: na

verdade, recebi ordens e de vo cumpri-las em nome do Senhor (...).”!

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Sua sorte, pelo menos, era a confiança de que Deus permitiria “que Seu pobre € fraco servo cumprisse com Sua vontade”. Infelizmente, os escoceses sentiam-se inspirados por idêntica fé apocalíptica, lançando uma hábil cam-

panha na qual atribufam aos ingleses a intenção de praticar terríveis atrocidades contra o povo de Deus assim que cruzassem a fronteira. As notícias da Ir-

landa robusteciam tal possibilidade — mencionava-se com frequência o

costume dos soldados ingleses de cortar os seios das mulheres. John Nicoll,

advogado do mais alto tribunal civil da Escócia, acreditava piamente nos odio-

sos instintos ingleses: ele recordava que um compatriota seu, preso, nu e acorrentado, tivera os olhos arrancados porque escrevera nas cotas que era a favor do rei Carlos, e que nem as mulheres obtinham misericórdia, ainda que

a implorassem de joelhos. Na sua segunda Declaração, Cromwell tentou combater isso, proibindo o

saque e lembrando aos escoceses a “atitude e comportamento” calmos que os ingleses haviam demonstrado dois anos antes: “O que fizemos de errado contra as pessoas? Destruímos propriedades por acaso? Levamos o gado de alguém?” Aproximando-se da fronteira, ele se preocupava em manter uma conduta honrada diante da população. No dia 17 de julho entregou cartas especiais de salvo-conduto a /ady Anne Thornton, uma realista que hospedara as tropas sob seu comando nas terras que possuía, em Netherwitton, garantindo que nem ela nem sua família sofreriam qualquer violência e livrando de confisco “cavalos, gado ou qualquer outro bem”; semanas mais tarde, /ady Anne recebeu o

pagamento de 95 libras que lhe eram devidas pelo fornecimento de milho e forragem.!* O medo do invasor poderia ser uma arma poderosa nas mãos de escoceses dispostos a uma tática que hoje em dia seria descrita como guerra de guerrilhas. No domingo, 28 de julho, seis dias após ter transposto a linha divisória entre os dois países, Cromwell chocou-se com o exército escocês, comandado por John Nicoll, em Haddington, a meio caminho de Edimburgo e da

costa leste, e provou pela primeira vez o remédio que David Leslie pretendia ministrar-lhe nas semanas seguintes. Pois, em vez de lutar, as tropas ini-

migas recuaram na direção da sua capital, abandonando inclusive a fortaleza de Leith. À primeira vista tal decisão pode parecer surpreendente, pois 0 comandante escocês, em seu próprio terreno, detinha um potencial numérico incalculável; além disso, tendo participado de lutas ao longo de toda *Trevelyan (Longwitton) MSS. Não impresso em W. C. Abbott.

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uma década, estava em condições de propiciar a seus homens

treinamento similar ao do Exército de Novo Tipo. A realidade, entretanto, era um pouco diferente; suas forças haviam so frido muito com os recentes expurg os perdendo veteranos. A população da s Highlands — ao norte da Escócia Ei Já não se dispunha a combater nas Lozlands — região ao sul de Edimbuyr. go, até a fronteira com a Inglaterra — e, embora Carlos II tivesse acabad o de passar em revista cerca de vinte mil homens , a maioria não tinha experiência nem fora adestrada. O velho soldado, que aprendera seu ofício com Gustavus Adol

phus, nem precisava olhar o mapa da Escócia, a rede de ca. deias montanhosas, as quedas de Pentla nd e Lammermuirs, nem olhar pela Janela e ver a chuva — o verão anunci ava-se áspero como sempre, Til como Ormonde, na Irlanda, ele conh ecia os dois aliados com que poderia contar: a Fome e a Doença do exército da Comu nidade.

O desastre final da campanha de Leslie não deve obscurecer os hábeis recursos com que ele explorou as potencialidades de su a situação no início do conflito. No fim de agosto, em desespero, Charles Fleetw ood escreveu que o principal problema dos ingleses era “a impossibilidade de fo rçá-los [os escoceses] a lutar — enquanto seguimos num sentido, eles se deslocam ao inverso”. Cromwell 0 seguiu até Edimburgo e bombardeou a cidade, de sde Arthur's Seat, no sopé de

Salisberry Hill, e dos navios ingleses ao largo da costa, mas Leslie não deixou

seu refúgio fortificado e fustigou a retaguarda ingles a quando Oliver recuou para Musselburgh, no litoral leste, alguns quilômetros ao sul de Leith. Mais acrimoniosa, a Declaração lançada dali definia a religião nacion al como “um concerto com o inferno e a morte”; embora ecoando as ruidos as denúncias do clero ca-

tólico de Clacmanoise, a frase fora extraída de um capítulo de Isaías, ameaçando o povo da Judéia de extermínio pelo “Senhor dos Exércitos”.* Comp elido a bus-

car provisões debaixo de chuvas constantes e em terreno montanhoso, Crom we ll re cuou mais ainda, à procura de um port o melhor, até Dunbar.

Durante todo o mês de agosto os ingleses foram forçados a uma série de avanços € recuos; sem tendas apropria das, muitos soldados caíram doentes; O

Mercurius Politicus menciona que dois mil estariam incapacitados para O comvada, mas os suprimentos vitais am

“Ligeiramente deturpada, a citação provém de Isaías, Capítulo 28: 15, textualmente: “Porquanto dizeis: fizemos concerto com a morte, e com o inferno fizemos alianç a (...).” Provas Velmente, na: Irlanda, Cromwell terá recorrido à mesma fonte, mas sem se dar ao desfrute de indicar ao clero católi co uma referência bíblica. ,

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elo menos, um incidente divertido. Saindo com um pequeno grupo, nas pro-

ximidades de Coltbridge, Cromwell deparou com observadores escoceses,

que recuaram rapidamente; um soldado inimigo disparou contra ele, e Oliver

gritou que se estivesse sob o seu comando seria punido — àquela distância não devia arriscar um tiro. O homem respondeu que não o alvejara à toa: tendo servido com Leslie, em Marston Moor, sabia quem ele era. No geral,

entretanto, esse período nada trouxe de novo. Ás críticas de Londres, que o

acusavam de estar agindo muito suavemente com os escoceses, evitando o impiedoso confisco de provisões, enfureciam-no ainda mais. Segundo William Rowe, havia quem dissesse que ele enriquecia uma nação com o tesouro de outra. Mais tarde, de fato, Nicoll atribuiu a derrota escocesa ao

ouro inglês; todavia não se pode desconsiderar seu desejo contínuo e genuíno

de conquistar os escoceses pela persuasão, se isso fosse possível, pretendendo uma aliança de preferência à sua eliminação — o ouro inglês só teria va-

lor no primeiro caso, não no segundo. Cromwell não perdeu uma única oportunidade de parlamentar com as autoridades escocesas. No dia 27 de agosto, uma quase batalha foi travada em Gogar, no Midlothian; fazendo bom uso de um terreno excepcionalmente pantanoso, Leslie impediu que Oliver engajasse sua cavalaria, embora os ingleses, no geral, tivessem obtido alguma vantagem. A partir daí, os escoceses recuaram de novo, talvez tentando barrar o acesso dos ingleses a Edimburgo, enquanto estes tomavam o rumo do litoral, quem sabe devido ao número crescente de soldados doentes e que deviam ser embarcados de volta por Musselburgh. Logo, porém, Leslie deci-

diu fustigar a retaguarda adversária, propondo o embate, em Haddington, no dia 31 de agosto — ele conseguiu fazer com que as tropas de Cromwell marchassem

ao longo da estreita faixa costeira, com cerca de 13 quilômetros, desde o mar até

onde se elevam as vagas formas dos grandes Lammermuirs. Um grande exército escocês — 23 mil homens — deslocou-se paralelamente e na segunda-feira, 2 de setembro, deteve-se numa posição muitíssimo favorável, na faldas de Doon Hill, acima das desgastadas forças inglesas acampadas em Dunbar. Os 11 mil soldados de Cromwell que ainda estavam em condições de lutar viram-se então expostos ão perigo: de um lado, as águas geladas do mar do Norte, e, nas escarpas, bloque-

ando a estrada para Berwick, via Copperspath, um inimigo com feições de lobo

faminto. Realmente, eles pareciam aquele herói de seriado que chega ao fim do

episódio inapelavelmente encurralado, sem escapatória.

Foi mesmo como um autêntico herói que Oliver rompeu as correntes que o

Prendiam e libertou-se para o próximo episódio de sua carreira. Mas, trocando s ç

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as improbabilidades da ficção pelas probabilidades históricas, cabe quais eram suas intenções na armadilha de Dunbar? Estaria mesmo Perguntar. disposto a recuar, evacuando seus homens da ainda invicta terra escocesa, acei tando tem-

porariamente a derrota ante a fome e a doença? Sua fuga teria sido i Nterpretada como um golpe de sorte — entre muitos, numa carreira certame nte afortunada — decorrente de um erro de Leslie? Sem dúvida, retirar- se ser ia admitir uma

tremenda derrota: nenhum exército inglês poderia ser mobilizado e enviado de

volta à Escócia antes da primavera do ano seguinte; e desse modo, sem que as duas espadas chegassem a se cruzar, o árbitro divino teria definido “a controvérsia pela espada” a favor dos escoceses. Dotado de otimismo militar, digamos assim, Cromwell jamais consideraria algo tão derrotista. Acredi tando na eterna possibilidade da vitória, ele assumia os riscos necessários à sua concretização. O recurso a Dunbar, portanto, se encaixa mais facilmente num padrão de estra-

tégia, segundo o qual ele ainda tinha esperança de seduzir Leslie a lutar Por isso chamara da Inglaterra e aguardava, ansiosamente, Richard Deane, especialista em artilharia. Claro: ele não cogitava de velejar. Ao escrever a Haselrig, em Newcastle, no dia 2 de setembro, pedindo reforços urgentes, tinha plena consciência da circunstância arriscada em que se envolvera — “Melhor não tornar isso público, a fim de não aumentar o perigo” —, mas terminava dizendo, com sua inabalável confiança: “Nossos espíritos permanecem trangjúilos —

louvado seja o Senhor —, embora nossa situação seja o que é. Mantemos muita esperança em Deus, de cuja misericórdia já tivemos grande experiência.” Cercado como estava, um general do seu calibre não ignoraria a grande

vantagem que tinha a seu favor: querendo atacá-lo, Leslie só o faria descendo

das encostas — em Dunbar os ingleses estavam fora do alcance de seus canhões. As forças da Comunidade agrupavam-se dentro do perímetro urbano € mais ao sul, ao redor de Broxmouth House, propriedade do conde de Roxburgh, cujo terreno alcançava o mar Também correndo para o mar havia um riacho; fechado num pequeno vale arborizado, suas margens eram tão inclinadas que davam certo caráter de ravina a essa paisagem costeira, de resto bastante plana. Reunido num conselho de guerra com Lambert e outros oficiais nã residência do conde, Cromwell foi informado de um pequeno movimento — percebido com a ajuda de lunetas — no campo escocês, que parecia estar quase pendurado sobre suas cabeças, tão próximo e, no entanto, tão alto. A hora: 16h. O dia: segunda-feira. Mais tarde Oliver adorava contar que acabara de rezar É sentira-se suficientemente consolado a ponto de estimular “a todos em volta para que tivessem coragem, pois Deus Os tinha ouvido e certa mente lhes daria

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am sinal de sua providência”. Nesse instante, como se fora uma resposta direta

às suas orações, OS ESCOCESES abandonaram as posições que detinham, iniciando a marcha em direção à planície. Ele reagiu instantaneamente: “Deus os entrega em nossas mãos, eles descem ao nosso encontro.” De fato, a decisão fora tomada pelo Comitê de Proprietários, comando da

Convenção Escocesa: suas tropas deveriam deixar aquelas alturas aparentemente inexpugnáveis e acampar mais abaixo, preparando-se para atacar. É possível que

Leslie tenha tido uma participação muito maior na deliberação do que se admitiu posteriormente, convencido, pela enorme vantagem escocesa, de que valia a pena

afinal desencadear o combate tão esperado. Ele também temia o avanço da estação — a notória tendência do soldado escocês a simplesmente desaparecer na época da colheita. Capturado e solto, depois de ser interrogado pelo comandante escocês, um dos homens de Cromwell relatou que ele ignorava a verdadeira força e os objetivos dos ingleses. Perguntado se as tropas de Oliver pretendiam lutar, o sujeito replicou rudemente: “O que pensais que viemos fazer aqui?” “Mas como, se acabais de embarcar metade do contingente e todos os grandes canhões?”, duvidou o comandante escocês. A resposta de que descendo a montanha ele poderia ver isso com seus próprios olhos não pareceu convencê-lo.” Na planície, Leslie armou suas linhas num grande arco, desde a costa ao sul

do riacho até onde as margens do Broxburn se estreitavam: aí colocou a maior parte da cavalaria, contra uma tentativa dos ingleses de cruzá-lo. Com uma superioridade aproximada de dois para um, os escoceses se deitaram nos campos de milho, a fim de uma boa sesta, despreocupados com os cavalos, deixados sem ar-

reios, distantes dos oficiais hospedados em fazendas, na expectativa de uma magnífica e decisiva vitória no dia seguinte. Cromwell, porém, não estava disposto a

esperar pelo dia seguinte. Conforme seu relatório posterior, confirmado por Henry Fletcher, ele e Lambert estudaram cuidadosamente as novas posições do inimigo — ante a perspectiva do que seria “sua obra-prima ou seu desastre”,

Oliver se mantinha calmo: “Eles, com sua vantagem numérica e sua confiança, e

nós, fracos e confinados, estávamos na Montanha, e na Montanha o Senhor have-

ria de aparecer e descobrir uma forma de nos redimir e de nos salvar (...).”2

O que Deus fez foi colocar nas cabeças de Cromwell e de Lambert, apa-

rentemente ao mesmo tempo, que o movimento de dois terços da ala esquer-

da do inimigo, para a direita, empurrara aproximando demais a cavalaria do mar disse [a Lambert] que isso nos daria uma escreveu Cromwell; segundo Lambert,

toda a infantaria naquela direção, e sem espaço de manobra. “Eu lhe excelente oportunidade de ataque”, “ele tirou essas palavras de minha

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boca”. Convocado à p presenca dos dois, Monk tomou conheci mento da idéia

que, transmitida aos demais coronéis, obteve deles “alegre con cordância”* A investida foi assim concebida, de forma au daciosa, e mais tarde um soldado recordou que Cromwell passara diversos re gimentos em revista, durante a noite montado num pequeno cavalo escocês, “mordendo os lábios até tirar sangue”. imaginando os últimos detalhes de um ataque de su rpresa. No alvorecer E como se viu depois, um pouco antes, provavelment po e r volta das quatro horas .. Os primeiros contingentes cruzaram as margen s íngremes do Broxburn, tomando

posição para cair sobre os adversários, que de nada suspei t avam, pois eles mesmos ti nham inclusive planos de atacar naquele me smo dia. As manobras se desenvol.

veram no escuro — há narrativas que se referem à luz do luar — e em completo silêncio: seis regimentos de cavalaria, sob o comando de Fleetwood, Lambert e Whalley, e três regimentos e meio de infantaria ultrapass aram a ala direita do inimigo. À brigada de infantaria chefiada por Overton permanec eu do outro lado do riacho, junto aos canhões postados segundo as orientações de Richard Deane. Com o apoio dessas peças, os dragões de Okey, provavelmente, co meçaram a batalha. O dia estava clareando, e, embora a cavalaria acabasse rompen do as linhas oponentes, no período inicial, brandindo suas longas lanças espanholas, os ho-

mens de Leslie conseguiram detê-los, enquanto alhures se travava aquilo que

Cromwell definiu como “uma disputa muito violenta à ponta de espada”. No centro a infantaria de Monk encontrou uma resistência ainda mais dura e recuou.

Foi então que Oliver ordenou que seu próprio regimento, sob o comando de Goffe e White, penetrasse pelos vãos do arco escocês, à esquer da do centro, onde a luta era mais encarniçada 2**

diria ser “especial “Maurice Ashley em

, hino que cinco anos mais tarde Cromwell

para qualquer cristão”. O dos escoceses limitava-se ao brado Cromuwel)'s Generals,

IP- 38, sugere que não foi tanto a ap reita escocesa que atraiu a atenção dos gen era da alaa: is, mas sua frágil posição, cheia deerta cl ar os ; embora Cromwell se atrasasse em penetrar por esses espaços de forma letal, seu relatório a como o que primeiro lhe chamou a atençê ”” » ele nã o me nc io na nada além disso. **O) tosco menumento, feito de aa a pedra, comemorativo de Dunbar em que estão inscritas à gumas palavras de CarCar lyl e — «A lyl qu e i — “Aq ui tev e | : ugar a maior agonia da bataaalha de Dun acha-se localizado, aproxi madamente, Ponto de onde Cromwell enviou suas reservas: campo de batalha, dominado por Doon no Hill, mantém quase a mesma aparência — à ção de algumas obras modernas de cimento. *

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bar”

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“Convenção”. Talvez lhe tenha ocorrido novamente a lembrança do capítulo 28, de Isaías — “Naquele dia o Senhor dos Exércitos será por coroa gloriosa, e por grinalda formosa para os restantes de seu povo”. Com certeza, a Bíblia e o fervor religioso que impregnara toda a campanha estariam em

sua mente, pois foi com aquela intervenção que o rumo da batalha mudou a favor dos ingleses. Às 6h, justamente quando o sol se erguia sobre o mar do Norte, sir John Hodgson ouviu-o saudar o astro-rei, citando triunfante o

Salmo 68: “Levante-se, Deus, e sejam dissipados os seus inimigos.” Pois

naquele momento, após ter sido temporariamente repelida, a cavalaria conseguira irromper de forma selvagem, “voando por ali como as Fúrias, matando e executando” aqueles que o Senhor dos Exércitos “transformara em palha de suas espadas”, segundo Oliver; ou, de forma menos glamourosa,

segundo Whitelocke, “empurrando os escoceses como perus”.? Numa debandada terrível, os soldados rivais foram caçados até cerca de 12 quilômetros. Acredita-se que uns três mil pereceram e outros tantos caí-

ram prisioneiros. As provisões de ambos os lados eram tão escassas que seria melhor estar entre os mortos. Na marcha forçada dos que haviam sido captu-

rados, em direção ao sul, faltaram alimentos, e os cativos arrancaram repolhos crus das hortas em Morpeth. O exército inglês transformara-se numa so-

berba máquina de guerra, capaz de executar uma manobra difícil como aquela travessia silenciosa, durante a madrugada, contra um inimigo em vantagem numérica e ao cabo de uma campanha árdua. Lambert, um dos heróis

da batalha, teve participação excepcionalmente boa, tanto no planejamento, quanto na arregimentação da cavalaria. Do lado escocês, cabe destacar a duvidosa participação dos pastores protestantes, que influenciaram a decisão do Comitê dos Proprietários, “envolvendo-se tolamente na política terrena (...)”. Foi Cromwell quem inspirou o ataque e, depois, lançou as reservas no momento decisivo e no lugar certo. Assim, Dunbar convertera-se na sua

obra-prima, a maior vitória de sua grande carreira. Ele não atuara com a for-

Sa, nem numa situação propícia — os mais ferrenhos inimigos admitiriam

Isso. Escrevendo de Londres, Sadrach Simpson disse francamente que os êxitos anteriores deviam-se ao fato dele dispor de “muitos e muito vigorosos”

soldados, mas Dunbar fora um teste supremo, no qual ele tivera de enfrentar “a terra fria e a falta de provisões, num país estranho”. No relatório que enviou ao Parlamento, o general descreveu a pugna como “uma das graças maiores que Deus propiciou à Inglaterra, e a Seu povo, nessa guerra”. Em 4 de setem-

bro, quando a tranquilidade voltou ao campo de batalha, ele enviou cartas

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aos Comuns, ao presidente do Conselho de Estado, a Haselrig em Newcastle a Ireton na Irlanda, à sua “amada esposa” em Londres, a seu “querido irmã o»

Richard Mayor, no Hampshire, e até mesmo a /or d Wharton — todas demons. trando uma jubilosa exaltação, quase delirante. Segundo o bi spo Burnet, desde

então Dunbar tornou-se um de seus temas favoritos de co nversação: ele adorava

contar o comportamento que tivera na batalha, de tal sorte que os detalhes a respeito chegaram até nós com bastante segurança.” Aquele foi “seu dia mais auspicioso”. Dunbar provocou reações específicas em cada segmento da opinião pública. A Inglaterra ficou extasiada. Em Charing Cross, a caminho de Chelsea, Whitelocke foi detido por um mensageiro esbaforido que lhe disse: “Oh, meu senhor, Deus apareceu para nós na Escócia; um dia glorioso, meu senhor, em Dunbar, na Escócia.” Depois disso, querendo chegar logo à Câmara dos Comuns, o homem afastou-se apressadamente, obrigando Whitelocke a mudar o rumo da carruagem e segui-lo a fim de inteirar-se dos termos do relatório. O Parlamento decidiu cunhar uma medalha, a ser entregue a todos os soldados e oficiais,* contratando para isso os serviços de Thomas Simon, que viajou a Edimburgo no início do ano seguinte para fazer o retrato do LordeGeneral. Cromwell escreveu a Londres, protestando debilmente: “Posso assegurar que seria agradecimento suficiente retirarem minha efígie [substituindo-a por] um retrato do Parlamento, que sairia singularmente bem”; fazia

questão, no entanto, da presença das tropas e do lema: — “O Senhor dos Exércitos”. Com muita perícia, Simon conseguiu introduzir, numa das faces,

encimando uma simbólica escaramuça, seu perfil e a inscrição do grito de guerra dos vitoriosos. Oliver ficou tão satisfeito que chegou a encomendar uma peça semelhante — o tempo ou o medalheiro acalmou seus escrúpulos? Os escoceses residentes em Londres empalideciam; à medida que as nô-

tícias se espalhavam, eles sofreram vexames, sendo insultad os, nas lojas. EM

carta a Mazarino, de Croullé mostrou-se afrontado com as prolongadas louvações a Deus feitas por Cromwell em seu relatório de batalha, um sinal,

afirmava, da natureza hipócrita dele e de toda à sua facção. Alarmado, o embaixador francês também ruminava contra o espírito militante que a vitória fizera brotar nos espíritos ingleses: circulavam boatos sobre a derrubada de 10245

CROMWELL

371

as monarquias, e, nesse caso, a França seria a primeira da lista. Sublinhando suas palavras, as Nouvelles Ordinaires dedicou uma edição inteira ao relato que Oliver enviara à Câmara dos Comuns, descrevendo os detalhes do combate. Numa correspondência lírica, Oliver St John falou ao primo do senti-

mento predominante em todo o país: “Ambos os partidos atribuíram a Deus à decisão da causa, desejando que ele fizesse Seu julgamento no dia da batalha,

para que cada um dos lados e todos os que observavam pudessem conhecer Seu veredicto no tocante à justiça do que propunham. (...) O Deus do Julga-

mento assume a decisão conforme o pedido.”? Os escoceses insatisfeitos tiveram pensamento igual. Pois ninguém tomou

mais a sério a derrota do que eles próprios — a flor de seu exército fora vergo-

nhosamente esmagada, deixando a maior parte do sul da Escócia sob virtual ocu-

pação militar. Ademais, a indiscutível rejeição de sua causa pelo Senhor — o ve-

redicto do julgamento de Deus — desconcertou-os, e eles se quedaram confusos e atormentados. De certa forma, comportaram-se com honra admirável, diante

dessa assustadora providência, sem escamotearem que teriam sido os principais responsáveis, em virtude de sua falibilidade, pela desaprovação divina. Robert Baillie disse que o Senhor os abandonara, “contrariamente às aparências (...) devido à nossa própria negligência”, atribuindo as subsegiuentes divergências internas à “mão de Deus [que se abateu] sobre nós”. Psicologicamente, os partidários do rei aceitaram os fatos muito mais facilmente do que o Presbitério. O que o jovem monarca considerou apenas um “triste golpe”, no diário de Nicoll aparece como

uma instância vingativa de Deus, ampliando-se em consegiiência do mau tempo, prejudicial às colheitas, obrigando os escoceses a jejuar e humilhar-se — de fato, essa penitência tornou-se cada vez mais comum na Escócia pós-Dunbar. Mais

tarde ele consideraria Worcester um simples argumento a mais “da ira e da indig-

nação do Senhor contra o Reino da Escócia”, chegando à melancólica conclusão de que “o manto da piedade” devia estar cobrindo “muita sem-vergonhice” na-

quela época?

| A resistência, é claro, não terminou. Leslie escapou para à fortaleza de

Stir ling, portal das Highlands, onde conseguiu reunir uma tropa de quatro

mil a cinco mil homens. Os ex-companheiros de Cromwell, Strachan e Kerr, ambos dedicados presbiterianos, tomaram o rumo do oeste na esperança de

a “rregimentar mais forças. Em Perth, Carlos II tentava o mesmo, buscando

ajuda de Middleton — em outubro, na expedição conhecida como “o Princfdi

ende necess a idade Porém conven cionai aos s. aliado ele preferiu esse

Bolir e digerir

ultraje dividia os escoceses entre “admoestadores”, os duros,

372

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FRASER

que exigiam uma estrita aderência à Convenção e desconfiavam da atitude do rei em relação a ela — talvez o relaxamento ti vesse sido o pecado que haviam cometido; e “solucionadores”, mode rados, que tendiam a aliar-se ãOS re alistas antes conhecidos como “malignos”. À va ntagem natural de tudo isso É que no futuro tendia-se a um partido nacion alista escocês, distanciado dos realista s, Isso permitia que Cr

omwell se aproximasse, individualmente, de anti gos con. vencionais, tentando persuadi-los de que Deus se declarara a favor dos ingleses. Ele concordava com uma certa liberali dade no terreno religioso, sempre interessad

o numa discussão fraternal com seus opon entes, aos quais assegura-

Ya que suas terras não seriam confiscadas, como ocorrera na Irlanda. Oliver entrou em Edimburgo no dia 7 de setembro. A cidade soubera de Dunbar de uma forma particularmente adeq uada: no momento em que um ce rto sr. Haig ocupava o púlpito, denunciand o os sectários e delineando sua derrota, um soldado exausto entrou pelos fundos da igreja e pôs-se a descrever o contrário — o massacre dos compatriot as. Cromwell foi recebido em Nether Bow por três importantes cidadãos, um ad vogado, um médico e um “cordwainer” [sapateiro], responsáveis pela segura nça da cidade, indo alojarse na residência da condessa de Moray, em Canongat e, onde estivera há dois anos. Porém as necessidades da campanha o levaram, quase imed iatamente, a

West Lothian e a Stirling, via Linlithgow e Falkirk. A caminho dess a fortificação, ele passou uma noite na Igreja de St Ninian, pr otegendo-se do tempo

excepcionalmente ruim. A guarnição, se bem que numericame nte inferiorizada, não respondeu às exortações do corneteiro. Entret anto, talvez na esperança de que mudassem de idéia por vontade própria ou porque te mia empurrá-los mais para o norte, de onde seria extremamen te difícil expulsá-

los, Cromwell preferiu fortificar Linlithgow, com a aj uda do famoso engenhei ro holandês Joachim Hane, e em 21 de setembro reto rnou a Edimburgo.

Ao contrário da cidade, o castelo de Edimburgo não tinha se rend ido. Enorme e bem fortificado, sob o comando de sir Walter Dundas, impunha-se de sua

extraordinária posição montanhosa, co nstituindo-se num dos problemas mais sérios que Cromwell teria de solu cionar, Um escocês contemporáneo profetizou que aquele “osso” quebraria os seus dentes. Ciente de que nele haviam busc

ado refúgio alguns pastores presbiterianos, Oliver concla mou-08 a não se submeter ao mesmo julgamento de Dunbar: “Por acaso não rezast es

aguardando para ver a quai

possível encarar como simp

s dos apelos Deus atenderia?” Considerando IMe

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eventos”

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e

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373

os concitava a deixar de lado seus preconceitos, na busca de uma nova com-

preensão.” Todavia, posto que suas palavras caíram em ouvidos surdos, tratou-se de preparar os canhões. Entrementes, Cromwell atravessou o país, a fm de visitar Glasgow. Lá chegando, em meados de outubro, os ingleses ficaram muito impressionados com a pequena mas graciosa cidade. Coerente com suas próprias expec-

tativas, Oliver decidira tratar com bondade os escoceses — particularmente os estritos convencionais do sudoeste —, determinando que os soldados se comportassem com a máxima cortesia. Comentando essa orientação, Robert Baillie

disse que as tropas agiram com “maior urbanidade, junto aos habitantes daque-

le porto, às margens do rio Clyde, do que se estivessem em Londres”. Essa amabilidade foi posta à prova quando eles tiveram que aturar o pastor Zachary Boyd, que os denunciava durante um sermão do capelão militar. Mais tarde, sem se intimidar, Cromwell procurou-o, para discutir, sendo obrigado a parti-

cipar de uma oração que se prolongou por duas ou três horas. Tais contatos com perspectivas religiosas diferentes caracterizaram esse período. Desde que chegara a Edimburgo, ele declarara suas esperanças “de levar o povo a entender a justeza da causa [inglesa] de sorte que os melhores dentre eles ficarão satisfeitos”; e com bem-humorada indignação: “Pensei que tinha encontrado na Escócia uma população conscienciosa e uma terra árida, mas essa região é tão fértil para o milho como qualquer parte da Inglaterra, se bem que habitada por uma gente descaradamente mentirosa e mais imprecadora do que se possa imaginar (...).?30 Uma discussão honesta certamente o levaria a mudar de opinião, como as que manteve em diversas ocasiões, na companhia de Owen, com Alexander Jaffray, aprisionado em Dunbar. O escocês admitiu que seus conterrâneos tinham interpretado mal as intenções divinas sobre o poder dos magistrados no que diz respeito à prática religiosa: “O erro e a ignorância acerca dos desfg-

nios de Deus nessa questão — quantos males têm causado!” Em abril do ano

Seguinte, durante uma segunda visita a Glasgow, Cromwell escutou os ser-

mões presbiterianos, calmamente, solicitando audiência para discuti-los, pois

não desejava, segundo Robert Baillie, contradizer os escoceses em público, mas estava convicto de poder convertê-los. Relutantemente, seu pedido foi aceito, seguindo-se um “longo e sério debate” tanto sobre matéria de fé, quanto a respeito da invasão inglesa, correta ou incorreta, dependendo do Ponto de vista. Joseph Baynes, no relatório que enviou a Londres, afirmou

que sua [de Cromwell] ação fora “suficientemente comprovada como justa e

y

a

ogoo

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necessária, e, embora ele admitisse que os pastores est ivessem longe de se sentirem apaziguados, isso não diminuía o otimismo com base No qual diz que muitos de seus seguidores estão razoavelmente convencid os e Propensos a concordar conosco um pouco melhor do que antes”.3!

Entrevistas desse tipo, que jamais teriam se dado com o clero católico ir. landês, segundo a perspectiva delineada por Whitelocke integrava m-se na ati. tude geral de Cromwell, mais interessado em “ganhá-los por meios Justos, em vez de puni-los”, uma postura que não se alterou nem mesmo após a derrota definitiva dos escoceses no ano seguinte. Numa carta a um amigo residente na Nova Inglaterra, ele escreveu: “[De fato, considero -os] um povo de Deus, mediante suas próprias fraquezas e devido à sutile za de Satã, enveredou por um caminho contrário ao Senhor e ao seu povo.” *” Em Edimburgo, o hábito de frequentar a igreja dos ingleses era objeto de muita especulação: ele afastou as críticas, comparecendo à igreja de um pastor presbiter iano, sr. Stapleton,

com um ar aparentemente edificado. Externamente, a única disparidade entre convencionais e “independentes” era apenas audível: enquan to os primeiros costumavam suspirar alto, expressando assentimento, os ingleses pronun ciavam um murmúrio com os lábios fechados. No resto da Escócia, porém, persistiam diferenças mais profundas . Em dezembro, seguindo as ordens de Cromwell, Lambert esmagou os “solucionadores” do sudoeste, Já que a bondade tinha fracassado em ganhá-los. O “osso” do castelo de Edimburgo permanecia entre os dentes de Oliver. Implacável, a rocha resistira aos explosivos trazidos das regiões mineiras, a lest e da Escócia, e das jazidas de carvão situadas no Derbyshire. Dispondo de re-

cursos abundantes, os sitiados atiravam betume, óleo fervente e materiais inflamáveis sobre os homens que carregavam os artefatos, afastando-os das mu-

ralhas. Apesar do pesado bombardeio dos canhões ingleses, agrupados do lado norte de Castle Hill — a face leste do castelo ainda apresenta sinais dos danos que eles causaram — , isso não teria sido o bastante, conforme as pal avras de um dos homens de Cromwell, “enquanto os defensores conser vassem a coragem”.

No século anterior, a fortaleza resistira dois anos, cercada por Kirkcaldy de Grange; naquele momento, dispunha de munição, água e provisões para muitos meses. Nessas circunstâncias, sua rendição, no dia 24 de dezembro, teve mais

a

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475

aos ingleses. Heath divulgou um comentário desagradável sobre toda a histó-

ia: o castelo de Edimburgo, até então conhecido como “a Donzela”, no futuro seria chamado de “a Prostituta”. Ao se apagarem as luzes do ano de 1650, o fôlego dos realistas escoceses também se esgotara. Numa espécie de prenúncio do Ano-Novo, a assembléia

geral dos “solucionadores”, realizada no dia 14 de dezembro, aprovou um re-

gulamento permitindo a volta ao serviço público de todos aqueles que não

fossem inimigos notórios da Convenção. Em Scone, no dia 1º de janeiro, Carlos II foi coroado, sinalizando a todos os moderados para que se agrupassem em torno dele. Londres foi alertada sobre a mudança da natureza do

conflito, em vias de se transformar numa “disputa nacional”. Apesar de controlar todo o sul, Cromwell ainda não tomara Fife e as valiosas terras a nor-

deste de Edimburgo. Nada indicava que, tendo “completado a medida de suas iniguidades”, os escoceses seriam rapidamente julgados pelo Senhor. Após tantos sucessos, o Exército de Novo Tipo enfrentava problemas de abastecimento e estava com os soldos atrasados — bases pouco tranqguilizadoras, tendo em vista as próximas campanhas. No entanto, a maior baixa da campanha de primavera — com a temperatura oscilando conforme as chuvas e a neve — foi o próprio Lorde-General. Sua saúde, nunca totalmente confiável, fora muito sacrificada durante os meses de luta na Irlanda. A expedição escocesa, iniciada após somente quatro semanas de descanso, seria uma carga ainda maior. No dia 8 de fevereiro, em

Canongate, Cromwell manifestou sintomas de doença séria — ele se expusera a uma nevasca, próximo a Linlithgow, e, comportando-se tolamente, insistira em continuar a marcha. Resultado: nas semanas seguintes teve três recaídas. Foi apenas no final do mês que se sentiu suficientemente bem — “um pouco

louco”, segundo suas próprias palavras — para discutir planos de batalha

com seus oficiais. Na época a expressão significava tremores, fraqueza, debilidade geral.

Em março, um jornal inglês publicou uma carta de um cavalheiro que cuidava dele, dirigida à pobre /ady Cromwell — assim Elizabeth era conheci-

da —, dando a medida da preocupação pública com o general doente. Referindo-se às suas ocupações de enfermeiro e ao pouco tempo que tinha para escrever, o servidor faz um prognóstico esperançoso: “Na verdade, madame,

meu senhor tem dormido bastante e, louvado seja Deus, às vezes descansa também durante o dia, o que o faz sentir-se melhor; segundo o dr. Goddard, Sua digestão está se fortalecendo.” A história subsequente desse homem —

E

gs

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provavelmente, Jean Duret, criado francês que servia a Oliver

alguma espécie de humanidade” por parte do seu patrão, conforme CXadprmiestisa u o próprio Heath. Depois de passar muitos dias se alimentando pelas mãos do

serviçal, quando este caiu doente, talvez devido à exaustão, Cromwel | Visitouo assiduamente, até que

exalou o último suspiro, deixando sob sua

Fesponsabilidade a mãe, a irmã e o restante da família. Escrevendo à mulhe ra respeito, o Lorde-General mandou buscá-los na França e acomodou-os n d su a Casa; mais tarde, a moça tornou-se dama de honra de lady Cromwell, € Os sobrinhos, pajens. Com seu francês que exigia das fil has uma tradução simultânea, Oliver costumava saudar a velha senhora Duret c om frases que decorava, di. zendo-lhe que o considerasse como um filho, “visto ter sa

ído do seu ventre

aquele que o salvara”. Coadunando-se com o lado mais afetivo de Cromwell, em se

tratando de assuntos privados, a narrativa refu ta 0 ditado segundo o qual nenhum homem é herói para o seu criado. Muito exageradas, as notícias sobre a indispos ição de Cromwell espalharam-

se como fogo na planície, nos círculos realis tas da Inglaterra e do exterior;

dizia-se que ele estava tão doente no dia 11 de març o que seus médicos negaram-se a permitir que lesse as cartas que haviam acabado de chegar, muito embora os registros de sua correspondência demonstrem qu e foi nessa data que ele assinou um texto importantíssimo, insistindo para que o Parlamento

organizasse uma instituição de ensino superior no norte, em Durh am. Consi-

derando a educação extremamente importante, recebera pouco antes as

elogiosas notícias de que fora escolhido reitor da Univer sidade de Oxford —

discursou perante os enviados com tamanha modéstia que só pelo fat o de ter ficado com o selo da nomeação deu-lhes a certeza de que tinha aceitado 0

cargo. Contudo foi no sul do país que teve lugar a primeira conspiração realista séria. Em Haia e em Rotter taria falar final vam

dam circulavam boatos de que Cromwell esmorto — na verdade, que se suicidara. Em Essex, Ralph Josselin ouvi u que ele tinha morrido. Toda a situação, aliada à falta de uma sol ução na Escócia, e o ressurgimento dos partidários da monarquia, comprovao peso da responsabilidade que recafa

Princeps.

sobre os ombros do Novus

Apesar de tudo, na “SFrespondência enviada à sua mulher em abril,

Cromwell deu graças a Deus por ter melhorado de saúde. Na car ta, mostrava as habituais preocupações familiares, perguntando se Dick e Dol l estavam

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nstruiu a sra. Cromwell para que não recebesse com muita fregiência a visita de lord Herbert — desde que o Parlamento lhe entregara as propriedades do pai, lord Worcester, temia que o rapaz tentasse recuperá-las cortejando

Mary. Dessa vez, o peso das advertências espirituais recaiu sobre a “pobre Bettie”: suspeitando de sua parcialidade a respeito, lembrava-a das “vaidades

e companhias do mundo”.º” Notícias da Irlanda, sobre a piedade de Bridget Ireton e Henry Cromwell,

“em íntima comunicação com Deus”, se não lhe deram prazer, pelo menos hão de ter aliviado sua mente — nem todos os membros daquela numerosa família estavam se afastando da fé. Antes de partir da Escócia, porém, ele vol-

tou a escrever acerca do eterno Dick, que, tal como imaginava, vivia mergulhado em pesadas dívidas. Richard Mayor foi encarregado da tarefa de passar adiante a desagradável mensagem, mais triste do que irada, de um pai excessi-

vamente sério a um filho irresponsável: “Por favor, entenda: não estaria cismado com o simples fato dele gostar de recreações, desde que isso não prejudicasse a dignidade de sua postura. Em verdade, meu coração está aberto a tudo quanto seja para seu próprio bem. Mas, se o prazer e a auto-satisfação se tornam seu objetivo de vida, tomando-lhe tempo em demasia, satisfazendo

mais ao apetite do que à vontade de Deus (...) nesse caso, não sei até que ponto deveria alimentar tal vontade.” Sentindo o filho distanciar-se de seu exemplo, chocava-o particularmente o contraste entre sua vivência, na campanha

escocesa, e a vida fácil e pecaminosa de Dick na Inglaterra: “Realmente, não acredito que deva fazê-lo (...) justo agora, quando tantos “santos! vêm derramando seu sangue e dando a vida [pela pátria.” * Em maio, depois de uma ligeira recuperação que lhe permitiu ir a Glasgow, mais uma vez Cromwell voltou a cair de cama. O colapso teria sido

causado pela demorada e irritante controvérsia que ele mantivera com Archibald Johnston, Zord Warriston, em torno dos arquivos escoceses. Dor e febre se somaram a tão grande debilidade que, segundo Aubrey, ele foi ao ponto de disparar uma pistola, num acesso de raiva, contra dois comandantes que “invadiram” seu quarto. Antes do final do mês, apesar de contínuos informes sobre sua melhora, sabia-se que ele sofrera cinco ataques de febre

terçã. No entanto, em 31 de maio, já estaria caminhando pelo agradável jardim da residência de /ady Moray, alimentando-se e dormindo bem. Todavia, diante da perspectiva — e possíveis consegiiências — de sua morte, a Câmara dos Comuns deixara-se envolver num estado de quase pânico. Assim como a Maioria dos ingleses, os parlamentares atribuíram ao clima escocês os probleal

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mas de saúde de seu campeão e ordenaram que ele partisse para algum luga ao sul da

fronteira, a fim de curar-se no mais saud ável ambiente inglês. Doi.

médicos, o dr. Wright e o dr. Bate, foram enviad os de Londres na Cârruagem de Fairfax. Ao chegarem, porém, outro eminente médico — O Senhor em Sua sabedoria — já dissera a Oliver: “Vive!” Os médicos huma nos ficaram de re. ceber duzentas libras cada um pela viagem.” Contudo, só no início de junho ele se sentiu em condi ções de viajar de carruagem é mesmo assim sucumbiu aos “maus vapore s” de um nevoeiro, que rapidamente o ma ndaram de regresso a Edimburgo. Ness a ocasião, segundo

seu próprio testemunho, a doença fora “tão violenta, que mal podia suportar o peso de minhas pernas. Mas o Senhor ho uve por bem salvar minha vida e, além de qualquer expectativa, me tirar do tú mulo!” Um jornal da época comentou, talvez de forma mais adequada, que ele “não aceitava a velhice” —. se bem que tenha escrito a Elizabeth, confessa ndo estar sofrendo “as enfermidades da idade”, introduzidas nele apesar de sua força espiritual.'º Aos 52 anos, de acordo com os padrões do tempo, Crom well já deixara para trás a meia-i dade. A partir da Escócia, não poderia mais co ntar com seu corpo incondicionalmente. Ao longo de cinco meses de doença, o público aceitara, de fato, a real possibilidade de sua morte. Obviamente, a campanha militar atrasou-se mui to. Em junho, o Mercurius

Politicus observou: “O belo verão está se findando e, não obstante, nenhuma

atividade se desenrola.” O exército inglês invadira a Escócia há quase um

ano, € a causa entre os dois países ainda não fora efetiv amente decidida. Os homens sensatos sequer cogitavam de mais uma campanha de inv erno. As da-

mas inglesas já tinham iniciado a longa viag em rumo ao norte, a fim de se

Juntar a seus maridos; a charmosa Frances Lambert es creveu à respeito com evidente alívio: “Louvo ao Senhor por ter conseguido cheg ar há alguns dias, e sã e salva, à Terra dos Escoceses, onde des fruto alegremente da companhia do meu amigo

mais querido (...).” O coronel possuía um requinte a toda pro-

va, tanto que obrigara seu capitão Walter a escrever diversas vezes à capital,

m outro, preto, “pois dourado € ii teado não lhe agradam”; botas de monta ria e sapatos de co uro espanhol — de melhor qualidade do que “esses úl tmos que vieram de Londre s” — também constavam dos variados pedidos

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Frances, de sua parte, encomendou finos tecidos franceses, alegando não ter “nada para usar em volta do pescoço”, não ousando “andar descoberta, o que poderia ofender à delicada sensibilidade dos “santos” (...)”. Ante a perspectiva do retorno do exército à Inglaterra, contudo, ela deu mostras de estar “muito satisfei-

ta”. Quando o marido partiu “em campanha”, ela o acompanhou, para observar a

luta, é escreveu: “Confio que nosso Deus decidirá essa disputa.”*2 O objetivo era a conquista das terras férteis na região em torno de Fife. Instalados em Stirling,

os escoceses haviam retomado sua tática de evitar o combate, mas na batalha de Inverkeithing, onde os oponentes se encontraram em equivalência de forças, Lambert alcançou a vitória de que Cromwell precisava. Com a península nas

mãos, o Lorde-General podia considerar encerrado, afinal, o tempo de “esperar por Deus (...) sem saber que rumo tomar”. Aberto o caminho do norte, no dia 1º de agosto ele já avançara até Perth, bombardeando a fortaleza de St Johnston. Aparentemente, o único problema é que pela mesma estrada Carlos II, “o jovem? — apelido dado por Cromnwell* — e as remanescentes tropas escocesas, sob o comando de Leslie, também estariam em condições de atacar a Inglaterra reerguendo a bandeira realista e arregimentando soldados fiéis. Claro: em Perth, Oliver ameaçava os suprimentos escoceses destinados a Stirling, extinguindo suas chances de recrutamento na Escócia. O rei, no en-

tanto, mordeu a isca e, assumindo o posto de generalíssimo, cruzou a fronteira em Carlisle em 5 de agosto; no dia seguinte, ao ser proclamado soberano, ofereceu um livre perdão a todos os que se juntassem a ele, quaisquer que fossem suas ofensas passadas, à exceção do juiz Bradshaw, do promotor Cook e do próprio arquicriminoso Cromwell.

Enquanto isso, em Perth, fingindo-se surpreendido pela marcha acelerada

dos adversários, mas na realidade tendo deixado o caminho escancarado a fim

de atrair Leslie para fora de sua toca e liquidá-lo de uma vez por todas, o arquicriminoso cuidava de explicar ao presidente da Câmara dos Comuns a Sua tática: “Entendo que se ele [Leslie] invadir a Inglaterra, teremos que marchar com rapidez, e isso poderá levar preocupação a alguns (...) mas acredito que tenhamos feito o melhor de nosso julgamento, sabendo que, se nenhuma atitude fosse tomada, uma nova guerra se tornaria inevitável no inverNo, significando a ruína de vossos [do Parlamento] soldados.”** Assim,

descartara alternativas mais cautelosas — colocar-se entre os escoceses e a fronteira — em nome do grande interesse da vitória final. Na campanha que tinha pela frente, seu último período de serviço ativo, ele demonstrou ter

atingido o cume de sua carreira de estrategista.

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De Leith, Cromwell levou a infantaria a marchar nu ma velocid ade real. mente incrível, no encalço do exército realista, ao tempo em que a Cavalaria de Lambert, enviada à frente, fustigava sua retaguarda. De fato, em 9 de agosto, o corone

l encontrava-se em Penrith, pouco atrás de Car los II. Vindo do sul, onde se preparava a resistência contra a ch egada não do monarca, mas dos escoceses, Thomas Harrison en controu-se com ele no dia 14, Charle s Fleetwood ficara responsável pela organizaçã o da defesa da capital. Difundin. do apaixonados sentimentos nacionalistas, o Me rcurius Politicus, numa de suas edições do início de agosto, elaborou um balanço histórico de todas as invasões Já oc orridas desde o rei Malcolm, em 1071, sugerindo que qualquer

“não-inglês” que se juntasse ao soberano deveria ser apedrejado.*

Em resposta, o rei lançou um apelo a seus leais súditos, lamentavelmente sem encontrar eco algum — os destinatário s do chamamento simplesmente não se reuniram sob sua bandeira; ao contrá rio, à recém-formada milícia caberia um papel deveras importante na batalha cont ra ele. Apesar de ter tomado a rota ocidental, na direção do sul, atravessan do as áreas tradicionalmente

realistas do Lancashire e de Gales, Sua Majestade não angariou nenhum grande apoio. Diversos fatores determinaram esse inespera do fracasso. De um lado, a inimizade com que o povo do norte da Inglaterra brin dava os escoce-

ses, mesmo antes do Mercurius Politicus realizar seu trabalho ba , seada nas depredações praticadas durante a invasão de 1648. Essa aversão limitava o mo vimento realista subterrâneo: um homem como sir Rowland Berkeley, por exemplo, dedicado partidário de Carlos I, evitou a cena da batalh de a Wor-

cester, deliberadamente, ao longo de todo o seu isso, uma verdadeira lassidão perpassava o país, pressão que se seguira ao desencadeamento de Norfolk, no mês de dezembro, e Outro, em abril.

transcurso.é Mais do que induzida pela vigorosa reum levante prematuro, em Quando Carlos II alcançou

Worcester, não muito longe da fronteira de Gales, em 22 de agosto, a guarni-

ção fora expulsa pelos fiéis habitantes da cidade, mas o monarca tinha sob seu comando apenas 16 mil homens.

O caçador Cromwell passara por Newcastle e Brancepeth, continuando nã

direção do sul, mais ou menos paralelo à sua presa; os homens que o seguiam marchavam

mas. Em

em mangas

de camisa,

levando sobre os cavalos suas roupas € ar-

16 de agosto eles estavam em Catterick, tendo coberto em média cer-

ca de 32 quilômetros por dia, uma

pas de infantaria. A velocidade o S deix ou exaustos, tanto que em 21 Ole . escreveu ao Conselho de Estad : O, Pedindo mais dois milà soldados, t “para

o

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continuar e acabar com essa questão da Escócia”, visto que muitos não supor-

ravam mais o esforço e se deixavam cair. Enquanto Carlos II escrevia de Worcester, implorando às autoridades das cidades vizinhas que se levantassem a seu favor, Cromwell alcançou a abadia de Rufford, perto de Mansfield, terra de

seu amigo e colega, membro do Parlamento, William Pierrepont; voltou-se então

no sentido oeste, juntando-se a seu cunhado Desborough, a lord Grey de Groby e outros dois mil homens em Warwick. Dois dias mais tarde escreveu solicitando cinco mil pás e picaretas e uma grande quantidade de munição, a serem enviadas para Glou-cester, ao sul de Worcester. Planejava sitiar o soberano.“ A má sorte dos realistas persistia. Aderindo à causa do monarca, o conde

de Derby, poderoso dono de terras, tinha desembarcado do continente, no Lancashire, em 17 de agosto. Sua força foi eliminada por Lilburne, em

Wigan, só escapando do desastre um punhado de homens que foi unir-se ao rei. A essa altura — 27 de agosto — Cromwell chegara a Stratford-on-Avon, de onde escreveu “uma palavra audaciosa” a seu amigo lord Wharton, implorando-lhe que deixasse de lado os escrúpulos e se associasse ao trabalho de Deus em vez de excluir-se do Seu serviço por qualquer razão que fosse. Referindo-se a outros camaradas, como Hammond, que estariam da mesma forma permitindo que suas consciências os desviassem da mútua solidariedade, ele lamentou que “tropeçassem nas determinações de Deus”. Considerando as pressões que sofria naquele momento — “Não tenho lazer”, admitiu para Wharton —, a carta provava claramente seu desejo de unidade em torno do

que reputava um empreendimento justo.” Como podia o povo de Deus teimar tanto e não se dar conta dos sinais de Sua divina vontade? Naquela noite encontrou-se com Fleetwood, em Evesham, a apenas 24 quilômetros a sudeste de onde estava o monarca; suas forças combinadas totalizavam 26 mil ho-

mens, afora a milícia, prestes a ser convocada. Homiziado em Worcester, Carlos II liderava um efetivo equivalente à metade disso, e seus soldados manifestavam sinais de exaustão, além de esta-

rem deprimidos pela série de fracassos e pela falta de armas. Situada à margem esquerda do largo rio Severn, e desse lado separada de Evesham por uma

série de colinas, a cidade apresentava uma certa vantagem natural; à di-

reita, a rede de afluentes, inclusive o Teme, consolidava sua defesa. Os realistas tinham explodido as quatro pontes que davam acesso à cidade, prepara-

Vam-se para vender muito caro suas vidas. Cromwell enviou Lambert a

Upton, 16 quilômetros a jusante, a fim de conquistar a posição de onde foi Possível reconstruir uma das passagens; ele próprio, que vinha marchando há

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três semanas consecutivas — eventualmente, sob re l âmpagos, e e m Towcester debaixo de uma chuva de granizo do tamanho de b a las de MoSquete , que ma. tara pássaros —, bivacou em Spetchley Park.

O atribulado monarca pouco podia fazer, Enfre nt ando forças que já somavam 31 mil homens e que o cercavam pelo sul e a leste, logo o norte tm bém estaria bloqueado, impedindo sua única fuga possível. Dentro do perímetro urbano reinava a indecisão: ninguém tomava qualquer iniciativa. Que fazer? Obter novos suprimentos através de surtidas? Romper o cerco e seguir na direção de Londres? A idéia de escapar para Gales não foi sequer cogitada. No dia 29, Middleton e Keith tentaram destruir a posição dos canhões ingleses colocados em Perry Wood — colinas a leste da cidade —, mas foram traídos por um alfaiate puritano, chamado Guise, enforcado no dia seguinte, * Na mesma data,

Cromwell escreveu a Londres sobre seus planos : “(...) avançamos na direção da cidade e suponho que ch egaremos muito perto dela. Se saírem para nos combater, a Providência Divina decidi rá à questã O, € compartilharemos Sua gloriosa misericórdia. Se evitar em a luta e nos | evarem a um passeio,

faremos o que Deus mandar (...).»5º Há exatos 12 meses desde a batalha de Dunbar, todas aquelas providên-

cias — a carta e os preparativos para instalar os canhõe s em Perry Wood —

davam uma impressão de lazer. Em Upton, ao agradecer o trabal ho dos soldados que tinham restabelecido a ligação, Oliver foi ovacionado. Dois dias depois, numa carta, ele se referiu aos inimigos diz endo que em breve seriam obr igados a “lutar ou voar”. Pretendia atacar Worcester através dos campos

te, o Teme; mandou rebocá-los desde Gloucest er e, na segunda-feira, 1º de se-

tembro, reuniu os equipamentos. No dia seguinte, duas passagens ficaram prontas,

a uma “distância de um tiro de pistola” uma da outra. Mas foi somente no

dia 3, ao alvorecer, que teve início o primeiro ataque. Após o conselho de guerra realizado no dia 29, o mestre das rápidas manobras e ataq ues de surpresa

movera-se com uma lentidão fora do comum mas deliberada, buscando a coincidência das duas datas, objeto do primeiro comentário que enviou ao Parla-

mento, dizendo: “Neste dia (...) marcado pela misericórdia concedida a vossas forças, 12 meses atrás, na Escócia (..)”! Uma simp ática fraqueza, sem dúvida, *Mais tarde, informado acerca do incidente e impressionado com o caráter do alfaiate — (fui seguramente informado) temia o Senhor”

“o homem



Cromwell

solicitou 20 Parla

mento que ajudasse a Viúva e os filhos, ben eficiados com uma doação no valor de duz libras, mais uma pensão anual de cem libras.* entas ? S +

CROMWELL

383

de um homem singularmente livre da maior parte das crenças de muitos de

seus camaradas e até mesmo reconhecido como tal em seu tempo. O plano de batalha dividia as tropas da Comunidade mais ou menos ao

meio: à leste, os homens deveriam manter Perry Wood, enquanto a oeste,

Fleetwood, no comando de uns 12 mil homens, marcharia até a junção do Teme com o Severn, lançando de lá suas duas alas até a margem oposta. Toda a manhã e parte da tarde foram consumidas na faina de cruzar os rios, período em que Cromwell deve ter permanecido junto aos canhões — daí tendo se ori-

ginado uma lenda de proporções faustianas, que os realistas adoravam contar, e que confirmava a importância da data de 3 de setembro em sua vida. Dizia-se

que Lindsay acompanhara o Lorde-General a um bosque, onde ele teria se encontrado com “um homem muito sério e idoso, carregando um rolo de pergaminho na mão”; cheio de horror e tremendo de modo incoercível, o coronel

ouvira o desconhecido prometer ao comandante “fazer-lhe a vontade desde aquele momento e pelos próximos sete anos”, ao cabo dos quais receberia em troca o completo domínio sobre o seu corpo e a sua alma. Oliver reclamara desse período muito curto, reivindicando três vezes mais, porém aceitara o dobro e, celebrado o acordo, voltara gritando alegremente: “Agora, Lindsay, a batalha é nossa. Vamos ao combate.” Desertando na primeira carga, o primeiro

capitão do regimento de Cromwell galopou até Norfolk, confiando a terrível

história A mente, çando

a um pastor, que tudo anotara por escrito. parte o interlúdio diabólico, no instante em que a luta se travou seriana margem direita, Oliver deslocou-se em pessoa, na frente leste, laninclusive sua guarda pessoal e a cavalaria que comandava através da se-

gunda ponte de barcos. Liderando seus homens, que o seguiam com o mesmo

grito de guerra — “O Senhor dos Exércitos” —, dessa vez eles não se ves-

tam de branco, se bem que Robert Staplyton tenha escrito mais tarde: “O Senhor nos cobriu com roupas brancas, embora clas parecessem cor de sangue

aos olhos do inimigo.” O Mercurius Politicus descreveu como Cromwell “se arriscou demasiadamente”, cavalgando em todas as direções e oferecendo

quartel à infantaria adversária — que respondia atirando nele.” O selvagem

a

E

a

.

Pr

em Powick, ao sul, recuou, fazenforma que se passaram as coisas, tempo, se Leslie o tivesse ajudado. provavelmente estavam certos: os sua única esperança.

Ooo

que até então conseguira deter Fleetwood, do-o tão lentamente quanto possível. Da Montgomery poderia ter se mantido mais No entanto os instintos do velho soldado escoceses precisavam concentrar-se — era

=

ataque lateral empurrou os escoceses de volta a Worcester, e sua ala direita,

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Foi então que o jovem soberano decidiu li derar uma surtida, a leste, contra aque

la metade do exército da Comunidade que oc upava os altos de Perry Wood — uma tentativa desesperada, si milar ao rompimento bem-sucedido de Cromwell em Dunbar. Tratava-se,

literalmente, de subir à monta-

nha numa luta terrível, lança contra lança, mo squete contra mosquete, Enquanto a linha de batalha retorcia-se centím etro a centímetro, Cromwell contornou a margem oeste e constrangeu os realista s a recuar — capturando o forte real, as “forças recém-organiza das” da valente milícia de Essex fizeram jus a um elogio especial. Recusand o quartel, a guarnição caiu, e seus próprios canhões voltaram-se contra a cidade. Foi uma carnificina. Os

corpos de homens e cavalos mortos enchiam as es treitas vielas, bloqueando toda a

possível passagem. Alguns escoceses, cerca de quatro mil talvez, escaparam pelo mal guardado portão norte, mas outros dois mil pereceram sob o fogo de uns duzentos soldados do Parlam ento. O capitão John Hodgson disse que a desmoralização e o terror er am tão grandes que 18 homens insistiam em se render a um único oficia l.'* No total, houve oito

mil a nove mil prisioneiros, entre os quais Leslie, o cond e de Derby, o conde de Lauderdale e Lanark, que sucedera a seu irmão, o duqu e de Hamilton, executado.

No relatório que enviou ao Parlamento na mesma noite — “tão cans ado

que quase não consigo escrever” — Cromwell reportou-se à bata lha de Worcester como “uma muito gloriosa misericórdia”. Post eriormente, quando

pôde respirar, acrescentou: ”As dimensões dessa misericórd es ia tão além da minha imaginação. Pelo que sei, trata-se do coroamento da misericó rdia.” Talvez a sorte do rei estivesse selada a partir do momento em que seu ch amamento à insurreição não produziu qualquer resultado. Oliver , todavia, empreendera uma campanha incansável, perseguindo desde o primeiro momento, e

com o mesmo vigor, o final feliz. Sua estratégia de abrir caminho aos escoce-

ses revelou-se excelente, e a tática de lançar as forç as de que dispunha, comandadas por Fleetwood e Lambert, num movimento de pinça ac abou tra-

zendo a merecida recompensa. O último exército de partidário do rei fora s destruído. Doente e acamado, na cidade próxima de Kiddermins ter, Richard Baxter ouviu da janela o silvo das balas dos perseguido res, até a meia-noite, quando “os tristes fugitivos, correndo para salvar suas vida s, vieram contar-

me sobre as calamidades da guerra”. Carlos II escapou depois de umas tantas aventuras dignas de Scheherezade, devendo sua fuga tanto à capa cidade de or-

ganização do coronel Francis Wyndham e à Asso ciação do Leste quanto ao

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485

apoio romântico de alguns anônimos indivíduos. Chegando a Paris, sua apa-

rência suja € desalinhada chocou a sofisticada corte francesa.” Em contraste, discursando para os milicianos após a batalha, não se sabe até que ponto, intencionalmente ou não, Hugh Peter lembrava o aspecto do Henrique V de Shakespeare na véspera do dia de São Crispim:

«Quando vossas mulheres e filhos vos perguntarem de onde viestes, e que

notícias trazeis, direis ter estado em Worcester, começo e fim das tristezas

da Inglaterra.”* Constantine Heath, que levou as boas notícias à Câmara

dos Comuns, foi recompensado com a extravagante soma de trinta libras.

O Mercurius Politicus aproveitou o ensejo para recapitular as vitórias da Comunidade, desde Naseby — “uma declaração emanada dos Céus” —

passando por Dunbar — onde “um punhado de homens cansados e doen-

tes” realizara tão valente trabalho — até Worcester — “a mais alta afir-

mativa de Deus”, que parecia “apontar com Seu próprio dedo, dirigindo-

se ao mundo inteiro, Sua resolução no que concerne à Inglaterra”.** O

bastão de comando pertencente a Cromwell e as bandeiras realistas foram trazidas a Westminster Hall, juntando-se aos primeiros troféus da guerra. Instigador de novas expedições militares no futuro, ele jamais voltaria ao

campo de batalha. Eis-nos chegados ao ponto em que cabe resumir as conquistas que o tornaram um comandante imbatível, um dos grandes “capitães” da história, na opinião de um dos mais destacados soldados de nossa própria época, o marechalde-campo** Montgomery. Sugere-se às vezes que no grande salão da fama militar, entre os bustos de Alexandre, Wellington e Napoleão, não haveria lugar para Cromwell. Brilhante líder de cavalaria, determinado e audaz, tático pouco

convencional, fundador de um exército admirado na Europa e, mais tarde, mestre no planejamento de “inimaginável celeridade”, conforme colocou o Florius Anglicus — todos esses lauréis são colocados sobre sua cabeça. Mas, tendo atuado na limitada esfera das Ilhas Britânicas, como se poderia compará-lo aos que

*Posteriormente, “a cidade fiel”, conhecida por seu lema “Cívitas in Bello in Pace Fidelis”

[Patriota na guerra, fiel na paz], considerando-se ainda o último bastião realista, deixou

clara sua opinião acerca do vencedor da batalha com uma placa, em Sidbury, e a cabeça

de Cromwell, presa pelas orelhas, em Guildhall. Todavia, junto à ponte, lá mesmo em Sidbury, há uma outra placa, colocada pela Cromwell Association, lembrando suas próprias palavras: “Pelo que sei, é o coroamento da misericórdia.”

**Termo arcaico, no século XVII, confuso, posto que naquela época existiam capitães, capi-

tães-generais etc. volta a ser utilizado pelos historiadores militares como equivalente a “co-

mandante”,

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desenvolveram a arte da guerra em escala mund ial? É inegável que o conf. namento das campanhas que empreendeu o impediu de testar sua, digamos assim, estratégia global. Mas não há como negar-lhe o tít ulo de estrategista. O conflito entre a Inglaterra e a Escócia, restrito às cos tas britânicas, envolveu duas nações distintas, nada tendo a ver com um con flito civil. Na última série de ope-

rações militares em que se.envolveu, Cromwell usou toda à inteligência não somente na batalha, mas na utilização dos recursos do seu país. A distinção é seguramente injusta, pois ge nerais não costumam ser bons,

tendo sim a obrigação de solucionar problemas. Assim como a função do soldado é travar batalhas, a de seu comandante é ganhá-las, principalmente a úl. tima. Nesse sentido, Cromwell foi extremam ente bem-sucedido. Não falhou nunca, fosse no teste crucial de Dunbar ou na armadilha de Worcester, sempre encontrando a Providência ou algum tip o especial de êxito militar, exata-

mente do modo que precisava. Raros são os homens capazes de fazer o que é preciso e de forma perfeita, não importa em que escala, o que lhe dá o direito de ocupar um lugar no salão da fama.

tem Eos 15 A organização da nação Com a morte do antigo rei e a derrota do seu filho, ele lhes indicou a necessidade de se organizar a nação. CROMWELL, relatado por Whitelocke, em dezembro de 1651

«

C

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romwell, nosso líder” — com essas palavras Milton começa o grande

soneto que escreveu, em maio de 1652, dedicado ao Lorde-General, e no qual coloca sobre sua cabeça, antes de tudo, “a coroa de louros de

Worcester”, seguida de uma advertência: “No entanto, ainda há muito a con-

quistar/na paz também se obtêm vitórias/não menos grandiosas do que na guerra (...).? Apesar dessa dramática saudação, Oliver não dispunha de um título oficial para sua liderança. Durante os quase vinte meses que se seguiram ao último triunfo que alcançara e que precederam à expulsão do Rump — o “Rabo” do Parlamento — ele viveu numa espécie de limbo, no qual sua pro-

Jeção nacional não escondia os indiscutíveis limites ao seu poder e influência. General-de-exército, duas vezes eleito membro do Conselho de Estado —

primeiro de uma lista de 118 indicações —, Whitelocke ou Vane, que o

acompanharam em 1651, não compartilhavam as mesmas preocupações ou perspectivas. Participava de numerosas comissões, ecoando os dias distantes

dos primeiros passos rumo ao poder político: a Comissão para a Irlanda, a Comissão para a Escócia, a importante Comissão para o Comércio, criada

em 1650, e outras referentes à organização da paz, tais como a que prisioneiros de guerra às plantações no exterior. Nesse período ele foi cionário mais poderoso do governo”. Contudo tratava-se de uma anômala, sem nenhuma garantia de sucesso para a política divina, tal

enviava “o funposição como a

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via, e pela qual travara uma série de batalhas devastado ras. É nas dificuldades que se erguiam diante de sua dominação, na condução do trabal ho prático da

Comunidade, que devemos buscar as pistas que irão descortin ar o Misterioso trabalho de sua mente e que o haverão de conduzi-lo a uma explosão de violência capaz de alterar radicalmente a balança do poder a favor dele pró prio.

Nessa gangorra que Cromwell passou a montar, entre a fama pública e a frustração privada, é mais fácil discernir as manifesta ções da primeira do que

da segunda. No seu retorno a Londres, o Lorde-Gene ral foi saudado com uma alegria histérica, com “salvas de tiros grandes e peq uenos”, em honra do herói conquistador. Reconhecimentos mais substanciais de seus triunfos variaram de uma armadura trazida de Greenwich, até o uso do palácio de Hampton Court, retirado da lista de vendas da Comunidade ; o Parlamento votou uma soma de quatro mil libras anuais, provenientes das propri edades da viúva condessa de Rutland, destinando-a a ele, juntamente com as de Burghley e Newhall. Com tanta riqueza sob seu comando, Cromwell abr iu mão do estipêndio a que tinha direito na condição de Lord-Lieutenan t da Irlanda, um gesto típico de sua atitude para com dinheiro: não tinha a menor int enção de viver na pobreza e considerava seu estilo de vida uma justa responsabili dade do Estado, mas possuía suficiente senso de medida, e era totalmente des tituído de instintos ambiciosos ou interesse no dinheiro pelo dinheiro. Em suas memórias,

Ludlow fala de seu “comportamento

mais imponente” após

Worcester e na escolha de novos amigos. Mas, se Cromwell assumiu uma postura de príncipe, talvez ele o fosse, pelo menos um príncipe puritano. Os observadores estrangeiros ficaram compreensivelmente obcecados com seu caráter, como se o entendimento de um homem muito importante pudesse clarificar a complexa cena política inglesa que eles tentavam relatar. No ano

seguinte o embaixador veneziano demonstrou sua percepção acerca do líder evocado por Milton, dizendo que sua “forma despretensiosa de vida, longe de

toda exibição e pompa, assaz diferente das antigas modas deste reino”, gran-

jeara-lhe aplauso universal, ainda que não fosse tão amado. Em maio dizia-se

que ele tinha a primeira e a última palavra sobre tudo. Os estrangeiros gosta-

vam de compará-lo a Guilherme, o Conquistador — “igualmente perver so € audacioso”, segundo uma fonte preconceituosa, mas a sensaç ão de homem

forte e, ao mesmo tempo, dotado de simplicidade espartana, também estava

presente em sua personalidade.

No íntimo, porém, Cromwell não sentia à mesma certeza que a Comuni-

dade lhe atribuía. A modéstia elogiada pelo embaixador da Toscana em outu-

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bro — “não se pode descobrir nele nenhuma ambição que não seja para o que ele experimentou ão confus a genuín uma de o produt era — bem comum”

ambien no sar ingres e batalha de s campo dos era atmosf ao retornar da severa não ser menos podem paz da s vitória As as. polític s intriga das +e bizantino

A etar. interpr de s difícei mais muito são mas , guerra da as que famosas do

e a tanto, do ocupa tinha o que , Senhor do ação aprov da busca pelos sinais muito mais -la var-se compro Ireton, e Owen como , amigos caros seus mais

destino “a honseu a acentu ata diplom o , guindo Prosse futuro. no complicada dirigihomem um como — pessoal valor grande seu de ras e estima — além

do manda O Deus”. de serviço a ica repúbl esta lecer estabe para Céus do pelos de dúvirepleto civil, a batalh de campo um de feição a tinha porém, celestial, sciplinadas e perplexidades, e “tropas” mais recalcitrantes do que os bem-di ell Cromw ter, Worces após mês Um Tipo. Novo de to Exérci do os dos soldad

Inglaterra, escreveu a seu amigo John Cotton, pastor em Boston, na Nova do hos camin novos os a buscav que com asmo entusi e enorm o manifestando do que Senhor: “Certamente, senhor, Deus deve ser temido e louvado! Mais tande depois mos rtare compo nos Como preces. vossas de amos nunca precis tas misericórdias? Quais os desígnios do Senhor? Que profecias estará realioutro ano, um o passad o, Contud ..” nosso?. o como Deus um Existe zando? correspondente captou o traço de melancolia que ele costumava revelar diante —, quase — o sozinh Fiquei foi. se ood Fleetw e. ausent s “Estai ção: frustra da mas não desisti. Emprestai-me um ombro. Rezai por mim.”* No momento

em lhava mergu , Irlanda da e a Escóci da falar sem em que toda a Inglaterra, intrincados problemas, seu estado de espírito refletia as correntes em conflito, ansiando pelo caminho certo, numa sincera incerteza sobre qual seria e onde

se encontraria, e numa crescente convicção negativa a respeito das forças que definitivamente não o ajudariam a resolver coisa alguma.

Dos problemas da Inglaterra, os mais simples eram os mais imediatos,

de estava o soluçã a ponto Neste . armado o conflit apresentados pelo fim do

acordo com uma deliberada posição de misericórdia. Somente algumas pes-

soas importantes foram executadas, O conde de Derby entre elas. Abominando

ar as execuções desnecessárias, Cromwell tentou salvá-lo, só conseguindo prov fundaque mesmo imediatamente após Worcester seus desejos não eram tão mentais. Como ao final da Segunda Guerra Civil, a raiva oficial descarregouse sobre os ingleses, não sobre os escoceses: finalmente, os adversários receberam clemência — o conde de Lauderdale teve sua sentença de morte convertida em prisão. Assim, O inglês morreu e o escocês permaneceu vivo,

Psiu ue

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mantendo uma correspondência espiri tual com Richard Baxter, em grande contraste com a vida dissoluta que viria a ter posteriormente. Os prisio neiros menos importantes, aos quais se destinava o trabalho escravo na Guiné, aca. baram tendo uma sort

e melhor: na Irlanda e principalmente na Nova Inglaterra foram bem tratados pela comuni dade puritana, conforme relatório de John Cotton a Cromwell. Os “aventurei ros” que estavam cuidando de aterrar os Fens [pântanos] arrebanharam cerc a de mil, organizando uma espécie de “caixinha” que lhes garantia dez libras por homem que fugisse. Aos poucos, os demais regressaram ao lar, após viver uma experiência terrível. Entretanto desfazer-se de seus velhos inimigos era pouco, ante a magnitude dos problemas que se colocava m ante a Comunidade. Estava muito be m

que Payne Fisher fosse encarregado pelo Parlamento de escrever “a história contemporânea”?:* sem dúvida, um gest o empreendedor, cheio de autoconfiança, embora o poeta e escritor tenha se limitado a delinear o mapa de Dunbar, após ter viajado à Escócia no inte resse da pesquisa — se chegou a escrever o livro, jamais o publicou. O fundamenta l, no entanto, seria definir

a natureza de um novo Parlamento — caso fosse ad mitida sua necessidade — e a da nova Igreja nacional — caso não fosse de acordo com o padrão presbiteriano, prescrito pela Convenção, nem conf orme o antigo modelo anglicano. A questão parlamentar tinha mais urgência, vist o que nesse estreito resto expurgado do Parlamento Longo, eleito em 1640, ai nda residia a única fonte de autoridade constitucional na Inglater ra — o Conselho de Es-

tado era apenas o seu braço executivo. No entanto um no vo Parlamento fora tão ex igido pelo exército, no final da década de 1640 — reivindicação confir-

mada em todos os seus sucessivos Compromiss os com o Povo —, que parecia

surpreendente a obstinação com que o Rump se aga rrava à sua existência, se não ao poder que detinha, em Westminster. Mas a questão da “nova representação”, como ficou conhec ida, não era tão simples assim. Em primeiro lugar, se houvesse uma dissolução, o que

aconteceria aos parlamentares atuais? Não se tratava apenas de que eles deseJassem proteger seus interesses egoístas, embora alguns membro s se agarrassem a seus postos pela boa e humana razão de estare m protegidos, graças à eles, da prisão por dívidas; no caos da guerra civil não for am somente os extravagantes que caíram nas malhas de credores exi gentes. Havia também um

argumento constitucional capaz de sensibilizar hom ens de visão política — Henry Marten, por exemplo — favoráveis à preservação do legalmente eleito Parlamento Longo. Ademais, novas eleições acarretariam um caudal de pro-

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39]

blemas: se fossem baseadas numa participação mais ampla, qual a garantia de que a nova Câmara dos Comuns não seria inundada por presbiterianos, realistas e outros indivíduos menos conspicuamente dedicados ao que Cromwell

teria considerado uma organização divina da nação? Entre esses dois pólos

— o medo da autoperpetuação do Rump e, em oposição, o risco de uma Câmara hostil — a opinião pública oscilava violentamente.

A primeira hipótese, no limite, significaria preencher os lugares vazios mediante algum tipo de eleição complementar ou “cooptação” sob controle

do próprio Rump; o problema é que uma câmara assim dificilmente conseguiria se impor ao exército, que desaprovara as composições das quais resultara

a existente. Por outro lado, numa outra faixa de opiniões, era a própria sombra do exército e mais ainda a de Cromwell, enquanto Lorde-General, que se

colocavam sobre as eleições, as quais, sob uma influência militar, não seriam nada melhores. Nos bons tempos Oliver fora um dos políticos “independen-

tes”, mas naquele momento homens como o jovem Vane começavam a se afastar dele. Analisando a mudança ocorrida após Worcester, Clarendon assinalou a surpresa de Cromwell, que não encontrara o Parlamento “tão submisso e disposto a aceitar suas ordens conforme esperava”. De fato, antigos aliados, como Vane, cujo “ciúme” o perturbava, começaram a pensar que “seu poder e autoridade haviam se tornado excessivos e que ele e seu exército não se submetiam o bastante ao Parlamento”.* Por isso que se voltaram na direção dos presbiterianos, a fim de constituir uma nova aliança. Clarendon talvez simplificasse, mas colocou o dedo no crescente problema político que Cromwell

vinha enfrentando depois de Worcester: e se os aliados com que poderia con-

tar de verdade, na tarefa de organizar corretamente a Inglaterra, fossem os

militares, mais representativos do povo inglês do que os políticos corruptos? E se as vitórias da paz, como as da guerra, devessem ser alcançadas pela espada? A dissolução foi debatida pela primeira vez em 17 de setembro de 1651 numa comissão criada para considerar uma eleição — Cromwell fazia parte dela, e ele próprio contou os votos a seu favor durante o escrutínio das indi-

cações. Discutiu-se uma lei sobre “a nova representação” em outubro, mas até o mês seguinte, apesar de Oliver ter sido escolhido como o cabeça da lista para o Conselho de Estado, não se chegara a parte alguma, além da data de 3 de novembro de 1654, dali a três anos, para a posse do novo Parlamento — avanço pouco satisfatório do seu ponto de vista. Predominava a incerteza. Daniel Blagrave, representante do distrito de Reading e um dos signatários



=

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da sentença de morte de Carlos I, estava entre os numerosos proeminen tes

dignitários puritanos que não se recusavam às instruções sobrenaturais Robert Overton, Hugh Peter e Rainsborough também. Chegando ao dia 3 de novembro, ele mandou uma mensagem a Elias Ashmole, perguntando se o Parlamento deveria ser extinto, bruscamente ou não. No dia 11, preocupado

com seu próprio futuro, informou ao astrólogo a hora exata “em que recebera a mensagem do Lorde-General acerca da hipótese de sua reeleição”. Embora

se tenha insinuado que a indagação de Cromwell referira-se à sua própria posição, suas dúvidas a esse respeito não fazem sentido.* A preocupação de Blagrave, sim. Parente, possivelmente irmão de outro astrólogo, Joseph Blagrave, ser-lhe-ia muito mais natural tentar por esse método conhecer os

mistérios do futuro e encontrar a solução de uma verdadeira crise política — para Cromwell, ao contrário, isso seria absolutamente antinatural. O que ele fez foi propor uma reunião em casa de Lenthall, restrita a alguns membros do Parlamento e oficiais do exército, “visto que a morte do antigo rei

e a derrota do seu filho exigiam que se organizasse a nação”. Realizada no início de dezembro de 1651, Whitelocke relatou-a de forma bastante completa. Cromwell sempre considerara essencial dividir as responsabilidades, e o presidente da Câmara dos Comuns concordou com ele num ponto: “após tantos e tão maravilhosos sucessos”, se falhassem em operar os aperfeiçoamentos devidos, a culpa recairia sobre os ombros de todos. Whitelocke perguntou algo

muito pertinente: de que tipo de organização se cogitava? Uma república? Uma monarquia mista? Cromwell reconheceu ser esse o aspecto mais impor-

tante: “De fato, penso que devemos avaliar qual dessas duas formas seria a melhor e, caso optemos pela monarquia, a quem deve caber o poder”? Antigo comissário do Grande Selo, sir Thomas Widdrington, que retornara ao serviço da Comunidade como membro do Conselho de Estado, declarou-se favorável a uma “monarquia mista”, mais adequada “às leis e ao povo desta nação”. Ele sugeriu que se adotasse um dos filhos do falecido rei — Henry, duque de Gloucester, ainda estava sob a custódia da Comunidade. Na discussão que se seguiu, Fleetwood e St John ressaltaram a dificuldade de se promover o retorno dos Stuart, e Whalley mencionou a conhecida hostilidade existente entre os príncipes e o Parlamento. Mas havia quem defendesse

a utilidade do jovem Gloucester, enquanto Whitelocke acreditava que o próprio Carlos ou James, duque de York, provavelmente seriam melhores.

Cromwell revelou opiniões deveras interessantes, defendendo “al gum tipo de ico”, capaz poder monárquico”, capaz de de se tornar

as efetivo”, “muito sem definir, porém,

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que forma assumiria. Independentemente das acusações posteriores, no sentido de que sempre ambicionara a coroa de forma vil e desmedida, essa cautelosa posição demonstra uma clara mudança de atitude, um retorno à confusa

ostura monarquista que sustentara no fim de 1647 e em 1648. Cabe lembrar que ele nunca fora um teórico defensor da República nos

debates do exército ou mais tarde, quando a hostilidade dos soldados em rela-

ção ao rei se consolidou, posicionando-se diante da monarquia de modo pragmático, influenciado pelo caráter de Carlos I, cujas fraquezas, do seu ponto de vista, tinham dado ensejo à idéia de que a Providência exigia que

lhe cortassem a cabeça. Chegou a pesar a possibilidade de Gloucester, como um fantoche, sob uma espécie de regência. Diferentemente de Henry Marten e muitos outros oficiais, não alimentava ideais republicanos que eventualmente pudessem ser traídos pelo retorno de alguma forma de monarquia. Tinha, no entanto, posições muito claras sobre a volta dos maus velhos tempos, isso sim, uma traição à confiança que neles havia sido depositada. No verão de 1650 falou a Ludlow a respeito de “uma Comunidade livre e igualitária”,

provavelmente o único meio de manter distantes “a velha família e seu gover-

no”. Passado mais de um ano, essa sua convicção não se alterara, o que não quer dizer que em dezembro de 1651 ele não se dispusesse a avaliar alternativas, inclusive a representação da “velha família” através do jovem Henry. Recentemente, a morte afastara uma poderosa influência que se exercia sobre seu pensamento. Em novembro de 1651, seu amigo e genro Henry Ireton, companheiro das lutas iniciais, que muitos contemporâneos acreditavam ser

sua “eminência parda”, faleceu na Irlanda, vítima da peste. “Tudo nesse mun-

do é transitório”, escreveu Cromwell a sua irmã, “e a prova está na morte de

meu filho Ireton.” O corpo foi enviado de volta à Inglaterra, e seu enterro oficial, em março de 1652, denotou a tendência dos costumes sociais sob a nova Comunidade. Certamente os tempos haviam mudado. O velório realizou-se em Somerset House, tal como os príncipes de antigamente, sob um brasão onde se lia Dulce et decorum est pro patria mori [Doce e digno é morrer pela pátria] — um nobre lema que os malcriados cavaleiros traduziram jocosamente: “Foi bom para o país que ele morresse.” Daí, em procissão, o féretro seguiu até a abadia de Westminster, cercado de pompas que contrastavam a austeridade puritana — muito se comentou a respeito na época. Entre os enlutados acompanhantes do cortejo, além do próprio Cromwell e seus oficiais, incluíam-se “alguns membros do falso Parlamento”, segundo John

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Evelyn. Encarregado do sermão, John Owen es colheu um texto do profeta Daniel, dotado da mesma sabedoria do morto; ele dest acou a habilidade com que Ireton percebia as dádivas divinas nos fatos mais corriq ueiros, ao contrá. rio de muitos que, “como os porcos, comem os frutos embaixo da árvore, sem olhar para cima, e sem se dar conta de onde caíram (ua) A oração foi publicada a pedido dos que amavam “o odor desse perf ume” que se desprendia da nobre memória de Ireton, mas, em vez de dedicá-la à viúva, Owen ofereceu-a a Henry Cromwell. Mergulhada na tristeza, Bridget obteve o consolo do Parlamento, mediante uma dotação de du as mil libras anuais, provenientes das propriedades do duque de Buckin gham. Antes do fim do ano, porém, a corte de Charles Fleetwood lhe prop iciou um encorajamento mais positivo. A morte de Ireton, é claro, de ixara um vazio na ad-

ministração da Irlanda, preenchido por Lambert, nomeado Lord -Deputy em Janeiro de 1652. Lucy Hutchinson contava uma maliciosa his tória sobre Frances Lambert, exibindo-se para Bridget Ireton em St James's Park naquele verão, o que lhe causara dores muito humanas, “apesar de sua divina pie da-

de e humildade”.'º Fleetwood, também viúvo recente, tinha testemun hado o

incidente e aproveitara a oportunidade para prestar homenagem à sofredora e -menosprezada” dama. Mais: na Irlanda a posição de Lambert naufragou quando o Parlamento aboliu os cargos de Lord-Lieutenant e de LordDeputy; ele fizera despesas consideráveis tendo em vista o seu novo € esplêndido papel e ficou furioso, recusando as posições inferiores de comandanteem-chefe e comissário civil, afinal atribuídas a Charles Fleetwood. Assim,

Bridget voltou a reinar.

A história toda permanece obscura, Desencantado, Lambert assumiu uma

postura de crescente oposição ao Parlamento. Posteriormente Cromwell foi acusado — como em tantas outras ocasiões — de ter engendrado o incidente

a fim de incitá-lo a isso, o que parece ser um exagero. Na verdade, o ato do Parlamento teria sido motivado por simples questão de economia. No outono, ao sacrificar seu salário de Lord-Lieutenant em benefício de Ireton,

Cromwell já abrira caminho para aquela solução. Depois, numa demons tração de simpatia pessoal, ordenou que o pagamento fosse feito a Lambert —

duas mil libras, mais os atrasados — de forma que ele pudesse cobrir os gas-

tos que fizera na expectativa de um alto nível de vida na Irlanda. É muito mais provável que o Parlamento insistisse em fazer as coisas à sua maneira —

mesmo contrariando as inclinações de Cromwell —. do que ele próprio se €nvolvesse numa conspiração tão complicada. No entanto a Irland a não ganhou

CROMWELL

395

nada com a troca de Lambert por Fleetwood, sincero e honrado puritano,

«em dúvida, mas dono de uma mentalidade muito estreita; a natureza extrovertida e liberal de Lambert o fariam governar de forma mais aberta. Na própria Inglaterra, as necessidades financeiras impunham limitações à organização da nação, afetando o grau de tolerância do governo. Cromwell

estava entre os mais sensíveis à leniência do Estado: em fevereiro de 1652, na aprovação da nova Lei de Esquecimento — “que todo o rancor e o mal causados pelas antigas divergências possam ser enterrados em perpétuo esquecimento” —, ele discursou em favor da misericórdia. De fato, a anistia deveria

ser abrangente, mas, ao excetuar os que tivessem cometido “alta traição”, a

menos que por simples palavras, deixou aberta a via através da qual continua-

ram transitando todas as penalidades financeiras sob a forma de confisco dos realistas, sempre que isso se comprovasse necessário. O mesmo espírito de

perdão limitado está presente, em setembro de 1650, na anulação das penas extremadas atribuídas aos católicos que se recusaram a comparecer à Igreja

da Inglaterra. A intenção de moldá-los existia certamente, pois, embora a

missa continuasse proibida, já não era mais obrigatório o comparecimento, aos domingos, às igrejas e templos anglicanos. Registros de 1652 e 1653 mostram um número menor de pessoas indiciadas por pertencerem à fé católica. Ao mesmo tempo, o segiestro de seus bens continuou a ser um dos recursos financeiros da Comunidade, impossível de ser ignorado em tempos difíceis ou, conforme uma desiludida rima:

Onde for possível conseguir dinheiro Esse perdão não perdoa (...)

Num país há tão pouco tempo saído do estado de beligerância, havia

evidentemente uma carência premente de um novo tipo de política social, na verdade qualquer uma, desde que levasse em consideração o crescente número de desocupados, além dos inevitáveis problemas ocasionados pela

guerra, isto é, soldados desmobilizados e feridos. Em teoria, os puritanos preocupavam-se seriamente com à qualidade de vida do povo comum, embora suas primeiras idéias sobre legislação tivessem muito pouco a ver com as reivindicações da maioria da população. Uma lei de 1650 tornou o adultério e o incesto passíveis de pena de morte, e só a relutância dos júris levou-a ao virtual desuso; fornicação era punida com três meses de prisão;

prostitutas deveriam ser chicoteadas, marcadas com um B [de bawd — obsa

“as

396

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FRASER

cena] e obrigadas a servir em casas de correção — tudo isso na Primeira transgressão; na segunda, seriam execut adas. A lei de Esquecimento excluía do perdão não somente os realistas, mas ai nda os culpados do “detestável e

abominável vício da sodomia, seja com a humanidade ou com

as bestas”,

“a

violação carnal das mulheres” e a bigamia. A bebedeira representava trans-

gressão grave e costumava ser punida freque ntemente. A lei que proibia q pintur a do rosto, o uso de patches [enfeites] e vestid os muito decotados,

ou

muito justos, não fora aprovada, mas em seu lugar elaborou-se uma cuidadosa gradação de multas contra os que praguejass em — gente de baixa extração e mulheres levavam vantagem: enquanto que para um /o7d, a coima seria de 30 shillings, um cavalheiro só pagaria 6 shi llings e 8 pence, e abaixo

disso, 3 shillings e 4 pence; os maridos respondiam pelas mulheres, e os pais por suas filhas. Tais disposições, tenham ou não tornado as vidas mais corretas, ou pelo menos as línguas mais limpas — o que é duvidoso —, tinham pou co a ver com os problemas concretos que a população comum enfrentava na época. O crescimento da propriedade privada acarretava obviamente o aumento dos desempregados e vadios. Além disso, os novos proprietários que entravam na

posse das terras confiscadas eram menos generosos do que os anteriores, com

os quais a população mantinha relações de certa forma familiares ou muito antigas. O Jeveller Gerald Winstanley fez referência à “nova — e mais gananciosa — pequena nobreza rural”. Richard Baxter encarava o camponês despossuído com justificável ansiedade, “de consegiiências públicas, além de permanente preocupação espiritual”.! Realmente o Parlamento inclinava-se pouco no sentido da proteção dos copyholders [posseiros) — detentores da terra desde tempos imemoriai s, mas

não formalmente — contra os enclosers Latifundiários], e nessas condições

não surpreende que florescessem as mais radicais doutrinas fevellers contra à propriedade. Inquieto e perturbado, o sentimento público revelou-se através

de uma expectativa temerosa acerca do eclipse do sol, em março de 1652.

Antecipadamente chamado de “Segunda-feira Ne gra”, houve quem fugisse de

Londres tentando escapar de suas consegiiências. E o que o teria causado? O colapso do presbiterianismo — segundo o astrólogo William Lilly. O advento da Quinta Monarquia — conforme os que a aguardavam. A celeuma cres-

ceu tanto que o Conselho de Estado, se bem que tendo problemas suficientes na terra, foi obrigado a dar uma explicação pública sobre a origem daquele fenômeno natural.

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No entanto, entre todos os assuntos nos quais transparecia a discrepância

entre os interesses do Rump, ou do governo, e os da população comum, o mais evidente era sem dúvida a questão da reforma da lei. Sujeitos a atrasos e abusos

de toda a sorte, os ingleses queixavam-se amargamente desde antes da guerra civil; em que pese ao fato de algumas alterações terem sido introduzidas na altamente impopular Chancery,* em 1649, um panfleto da época ainda se referia

a ela como “um mistério de maldade e fraude permanentes”, “uma sopa incongruente de leis!?, segundo um escritor contemporâneo. Pouco antes de Worcester, em conversa com Edmund Ludlow, Cromwell tinha falado da necessidade de reformar a lei, para que se alcançasse essa “Comunidade livre e igualitária”. No fim de 1650 o latim fora abolido, enquanto idioma legal; num gesto contra o obscurantismo, o inglês tornou-se a única língua dos registros públicos, “manuscrita com caracteres comuns, normais e legíveis”.!? Contudo, apesar da criação em 1652 de uma comissão, responsável pelas reformas, o Rump continuou envolvido nas suas intermináveis discussões.

Seus integrantes não podiam alegar ignorância — mais da metade havia passado pelas Inns of Court —, e os diversos interesses comprometidos é que

provavelmente impediam que se chegasse a conclusões satisfatórias. Apesar

disso, a comissão dirigida por Matthew Hale acabou demonstrando quantas “inconveniências legais” existiam para prejudicar a vida do povo comum. Em consequência, foram elaborados 16 projetos de lei, variando da prevenção de suborno aos juízes a facilidades de pagamento de pequenas dívidas, métodos mais simples de registro de testamentos etc. Também se tratou de melhorar a situação dos apenados pela lei criminal, sugerindo-se a abolição da temível

peine forte et dure [castigo forte e duro], com base na qual todos aqueles que preferiam silenciar em juízo, abstendo-se de declarar sua própria culpa ou inocência, eram presumidos culpados e imprensados, lentamente, até a morte.** Entre as atenuantes, alvitrou-se que as mulheres que matassem seus maridos deveriam ser enforcadas em vez de queimadas; que os bens dos suicidas não fossem confiscados; que os prisioneiros tivessem um defensor e que as testemunhas prestassem depoimento sob juramento. Algumas propostas levavam em consideração, inclusive, a idéia de que os presos deveriam ser cura-

dos de suas doenças, uma tese que só se universalizou muitos séculos depois: TT

“Alta Corte de Justiça. (N. do T.) **Essa lei foi finalmente abolida em 1772. Em 1827, o prisioneiro que se mantivesse calado passou a ser considerado inocente. Ver G. B. Nourse, Law Reform under the Commonwealth and Protectorate.

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aventou-se que deveria haver “um pregador divino e doloro so” em todas as cadeias das cidades e condados, encarregado de rezar, jun tamente com os prisioneiros, a fim de alcançar esse objetivo. As penas previs tas co ntra O crime de roubo envolviam a noção de restituição, além da puniçã o. No entanto, em Janeiro de 1653, após consumir dois dias na leitura de todas a S Moções, o Parlamento deixou-as de lado — enquanto existiu, o Rump nã O Votou uma única sequer. A reconstituição da Igreja Anglicana, que exigia um a solução mais resoluta, caiu em mãos diferentes e mais enérgicas. Os “indep endentes”, que antes aparentavam ser uma seita menor, ameaçando o anglicano oficial, tinham-se apoderado do poder, sentindo-se, por sua vez, acossados por uma infinidade de seitas menores, sem ter como escolher ou remunera r seus pastores a não ser mediante as contribuições paroquiais amplamente cond enadas. Fra preciso portanto criar um sistema novo, uniformizá-lo e torná-lo obriga tório. As contradi-

ções alcançaram seu maior aguçamento em fevereiro de 165 2, co m a publicação de um livro de Socinius, que negava a divindade de Cristo e defendia a graça coletiva em lugar da graça individual — para os “independentes uma ”, verdadeira heresia. A fim de estabelecer o que seria aceitável pela Comunidade, organizou-se uma comissão sob a direção de John Owen, recém-nomeado deão da Igreja de Cristo e vice-diretor da Universidade de Oxford, onde todavia não des frutava

de muito boa fama, segundo Anthony Wood, em virtude de sua forma de vestir, exageradamente enfeitada e demasiadamente juvenil.!* Não obstante, quando não se tratava de religião, suas moderadas opiniões, nem muito presbiterian as,

nem muito místicas, ele parecia a pessoa ideal. Foi ele quem redigiu as “Quin-

ze Fundamentações”, baseadas na proposição geral de que a vontade divina estava contida exclusivamente nas Escrituras, o que excluía da pregação do evangelho todos os que adotavam fontes alternativas, como os pentamonarquistas, embora admitindo os congregacionalistas, presbiterianos e, naturalmente, OS “independentes”, A institucionalização da igreja ficou a cargo de doi s conjuntos de comissários: os triers [experimentadores], que atuariam a nível local, apr o-

vando os pastores tidos como adequados, e os ejectors [eliminadores], que comporiam um órgão nacional, responsável pela supervisão e remoção dos que obrassem mal.* A questão da remuneração, por ém, permaneceu em suspenso,

mantendo-se os tão criticados direitos de estola,

“*Incidentalmente, essa atribuição estend eu-se aos diretores de escola.

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299

Ao longo de muitas décadas, séculos mesmo, a questão dos dízimos geraa controvérsias e muitas disputas. Significando literalmente a décima parte da produção e do rebanho da paróquia e destinando-se a sustentar a igreja local, a contribuição chegara a simbolizar uma série de coisas diferentes — mas igualmente emocionais — para diferentes tipos de pessoas. Foi Monk que o apelidou de “tributo de sangue”. Na época da dissolução dos mosteiros, muitos proprietários temporais o haviam “herdado”, de forma que ele se con-

vertera numa espécie de imposto, importantíssimo do ponto de vista dos inte-

resses laicos. Assim, vinculado a outras modalidades de bens materiais, o senso comum passou a entender que sua supressão levaria fatalmente ao fim da propriedade privada.” Além disso, para muita gente era errado considerar os dízimos como uma forma de estipêndio. Quem devia responsabilizar-se pelas finanças do clérigo — as paróquias ou o governo? Durante a guerra, os deslocamentos da população facilitavam o não-pagamento, e a ausência de cortes eclesiásticas tornava difícil punir as pessoas por isso. Os mais radicais sustentavam que os próprios ministros deviam cuidar de prover o seu sustento trabalhando. À partir de 1647, seitas extremistas, como Jevellers e diggers, e, posteriormente, os

pentamonarquistas tinham assumido a abolição dos dízimos incluindo isso em seu programa. Muitos consideravam tais posições nocivas e, num círculo vicioso, a identificação das seitas com o radicalismo atemorizava os conservadores, cada vez mais preocupados com a possível extinção de um direito que haviam incorporado. Nos debates sobre o novo sistema, as posições de Cromwell mantiveramse coerentes com tudo aquilo que ele já havia defendido na Irlanda. Discur-

sando no Parlamento, opôs-se a perseguições, defendendo a tolerância geral

relativamente aos sentimentos de cada um. Perguntado sobre suas preferências entre Saul perseguidor ou Galileu indiferente, respondeu esplendidamente: “Que o islamismo seja permitido entre nós, antes que um dos filhos de Deus sofra constrangimentos.” Afirmação ousada, sem dúvida, posto que numa das suas primeiras ações de censura a Comunidade havia determinado o confisco de uma edição do Alcorão, feita em Londres, no ano de 1649.:º Obviamente, Oliver pretendia que as regras a serem estabelecidas permitissem maior liberdade de consciência, e que mesmo aqueles que de alguma forma não aderissem ao caminho certo fossem deixados em paz — desde que praticassem seus ritos de forma pacífica.

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Mas acima da questão do dízimo, foi significat ivo que Cromvell, com seu senso de lei e ordem, e como era previs ível,

tivesse se mantido ao lado da

manutenção da cobrança, até que outro tipo de estipêndio fosse criado. Em 29 de abril de 1652, parecia que Cromwell es tava entre aqueles que votaram

por sua modernização mas preservação ilimitad a. Foi uma época de muita in. dignação para aqueles que acreditavam que ele estava comprometido com sua fé. O quacre George Fox, um dos acusador es mais veementes, espalhou posteriormente uma história, segundo a qual Cromwell teria prometido a Deus que renunciaria ao dízimo se saísse vitori oso em Dunbar.'s É improvável que esta história seja verdadeira, mas ela mostra os amargos desdobramentos de seu relacionamento com sectaristas mais radicais do que ele. Sua religião nunca ficou muito clara, mas é evidente que ele possuía tendências muito mais místicas do que seu am igo Owen. Os capelães que esco-

lheu dão uma prova disso. Peter Sterry, criticado por seu excessivo misticismo, impressionou-o a ponto de ser chamado a pr egar em Hampton Court e em Whitehall. Companhia agradável, sob qualquer pont o de vista, amante da poesia, música e pintura, apreciador de Virgílio, Ticiano e Van Dyck, Sterry declarou que os rigorosos métodos presbiterianos “tinha m sido elaborados para obstruir o vento e impedir a doce influência do espírito ”. Sob a proteção de Cromwell, ele recebeu diversas incumbências, tais como o inventário dos registros do Estado e a certificação da adequação de pastores; depois da morte do protetor, perdeu todos os apoios.”

Nenhuma das duas amizades — Owen e Sterry — fornece a medida exa-

ta de sua crença. De fato, ele era apaixonado por discussões acerca de pontos de vista fronteiros. Durante toda a vida alimentou uma fé extremamente sub-

Jetiva e terá rejeitado o anglicanismo e o presbiterianis mo, escolhendo a es-

trutura “independente”, pela simples razão de que ligações mais soltas lhe permitiriam dar maior vazão a seu temperamento. Certas facetas er am claras, como seu desgosto diante daqueles que defendiam a uniformidade espiritual,

prejudicando a unidade na luta contra o inimigo comum: “Nada os satisf ará,

a não ser tar.”!* Ao portância teúdo das

que possam colocar o dedo na consciência de seus irmãos e ape rcontrário de seus contemporâneos, ele nunca atribuiu grande imàs formas exteriores da prática rel; giosa, preferindo ater-se ao con Escrituras ou às revelações expressas pelos sinais de Deu s.

Publicamente, ele resumiu sua filo

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estavam em outro plano, e sua atitude ante os sectários, em outubro de 1652, variou conforme a natureza da resistência que opunham ao Estado. É signifi-

cativo, porém, que tenha sido um daqueles “independentes” — Ireton e Lambert também — que nunca se associaram a uma “igreja” em particular. Nunca foi um congregacionalista, no sentido moderno da palavra, muito me-

nos partidário dos seekers [os que buscam], apesar do entusiasmo revelado em carta a Bridget sobre o amor a Cristo: “Feliz o que busca, feliz o que encontra! Quem alguma vez comprovou que o Senhor é generoso sem compreender

um pouco de seu próprio egoísmo, vaidade e maldade??? Era um eterno peregrino, isso sim,* e a única comparação válida que se pode fazer hoje em

dia é que talvez tivesse encontrado um nicho adequado na atual Igreja da In-

glaterra, vinculando-se a uma congregação “de base”. Há quem suponha que seu isolamento nos últimos anos poderia ter sido minorado caso ele se apoiasse em alguma “comunidade eclesiástica”, mas da forma como se passaram as

coisas, em sua vida religiosa, ele sempre buscou os sinais divinos.

Enquanto a Comunidade e os escoceses lutavam entre si, cruzando seus cornos como dois cervos, a evolução dos acontecimentos no continente pro-

cessou-se de modo igualmente difícil, pois, independentemente da primeira reação e da desaprovação pela morte do rei, o fato da Inglaterra se tornar república não poderia afastá-la para sempre da intrincada rede de alianças então existente. A desunião, tanto dos protestantes, no Báltico, quanto dos católicos — França e Espanha —, deixava um espaço muito amplo às manobras

diplomáticas que permitiram a Londres retomar sua força e prestígio. Em pouco tempo os agentes e representantes estrangeiros regressaram aos postos que haviam sido abandonados: o primeiro, em dezembro de 1651, foi o ministro Haraldus Applebone, enviado da excêntrica mas simpática Cristina da Suécia. País protestante, senhor de um feudo hereditário na vizinha Dinamar-

ca, a Suécia tinha grande interesse num relacionamento prioritário com a Comunidade, e não demorou muito para que a rainha assinasse sua correspondência oficial como “vestra amica Christina” [vossa amiga Cristina]. No entanto a Comunidade permanecia particularmente sensível a tudo quanto dizia respeito à sua autoridade. Solicitando um empréstimo, via Países Baixos, Elizabeth da Boêmia, irmã do soberano morto, ensejou forte indignação *Há uma referência vinculando Cromwell aos seekers, feita por sir Charles Firth,?º embora

não haja nenhuma evidência sobre sua participação na seita. Ver Geoffrey F. Nuttall, The

Lord Protector: Reflections on Dr Paul's Life of Cromwell.

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apenas por se referir a “Carlos 1” — numa clara insinuação à existência de Carlos II. Chegando sem as credenciais corretas, o no vo enviado de Veneza Paulucci, passou maus bocados. Notável exempl o de neutralidade, sjy lives Fleming manteve as mesmas funções de mestre-de-ceri mônias que desempenhava na época do antigo monarca, apenas se queixand o, perante o Conselho de Estado, de que seu salário não tivera nenhum reajuste, embora não lhe fosse mais permitido aceitar presentes dos dignitários estran gei ros; candidamente, sugeriu um aumento que o livrasse da “tentação de comportar-se de maneira desonrosa”. Fleming ensinou Paulucci a se dirigir ao “Parla mento da República da Inglaterra”, a fim de não cometer uma gafe imperd oável — dado que Veneza pretendia a ajuda de tropas inglesas, seu des caso causara uma afronta. O

espírito militante do povo não mudara nada aos olhos do em baixador, e, se bem que desejassem as alianças, simulavam desprezá-las, citando a república romana, que governara o mundo sob a simples chancela S.PQ.R 21% Das nações mais importantes, talvez parecesse curioso que a católica Espanha tenha sido a primeira a enviar seu representante cred enciado — Cardenas —, muito embora o assassinato de um agente da Comunida de em solo espanhol permanecesse insolúvel. É que a diplomacia de Madri, ete rna inimiga da França, tinha um interesse óbvio na Inglaterra. Do ponto de vista da Comunidade, Paris representava um alvo tentador, tão logo fosse possível livrar-se da guerra civil nas Ilhas Britânicas, O governo francês, representado pelo menino-rei Luís XIV e seu onipotente ministro, o cardeal Mazarino, estava às voltas com um a revolta na Flandres, liderada pelo poderoso príncipe de Condé. Ante o desafio da

Espanha, e temendo que a Inglaterra ajudasse os rebeldes, eles teriam que

chegar a alguma forma de acordo com os ingleses. Seu encarregado de negócios, de Croullé, fora expulso, após ter permitido que cidadãos ingleses assistissem à missa na capela da embaixada. Mesmo assim, e em que pese as sim-

patias votadas à viúva Henrietta Maria, a necessidade de “alguma ac omodação”

foi reconhecida pouco depois de Worcester No fim de 1652, Bordeaux, membro de uma rica família de comerciantes, descrito por Saint-Si mon como €X-

cessivamente mundano “para um burguês” — possuía várias amantes —, foi advertido de que deveria assumir a representação diplomática na primavera seguinte.” “Sigla de Senado do Povo Romano,

assembléia de patrícios que possuía prerrogativas

inalienáveis e detentora da autoridade suprema. (N. do T,)

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Dos Países Baixos é que sobrevinham os maiores problemas. Ao longo de

muitos anos, as Províncias Unidas haviam sido o modelo mais admirado por sodos os diferentes tipos de ingleses amantes da liberdade. Todavia elas tamhém eram as mais importantes é bem-sucedidas competidoras da Inglaterra no plano comercial. Durante o Interregno, as simpatias religiosas e políticas «valizaram com as necessidades comerciais, num processo de luta constante, mais acirrado ainda devido à clara predominância dos batavos, conquistada

durante as guerras intestinas, quando as colônias inglesas cuidaram, cada

qual, dos seus próprios interesses, comercializando livremente e utilizando navios holandeses para transportar seus produtos até a Europa. Apesar de todas essas dificuldades, na primavera de 1651 a Comunidade tomara à iniciativa de se aproximar do vizinho protestante, enviando uma missão com tal objetivo, chefiada por Oliver St John; foram os holandeses

que rejeitaram a mão estendida. A primeira Lei de Navegação, de outubro de 1651, teria resultado dessa rejeição, se bem que atendendo à necessidade crítica de ressuscitar as finanças do país: a produção das colônias na América, África e Ásia estava proibida de ser transportada no futuro em navios que não fossem britânicos ou dos territórios de onde partiam; as tripulações seriam compostas, majoritariamente, de súditos da Comunidade; produtos europeus só desembarcariam de “bottoms” [navios de carga] ingleses ou dos países de origem. Assim se esperava acabar com o lucrativo transporte de carga dos holandeses. No entanto nem por isso os dois países chegariam a um estado de

beligerância — foi a desrespeitosa exigência da Comunidade de revistar os navios holandeses em alto-mar, buscando produtos de outras procedências,

particularmente franceses, que produziu grave discórdia, acarretando forte re-

sistência. A guerra irrompeu no verão de 1652, e pouco depois, conforme es-

creveu Henry Fletcher, toda a Comunidade estava envolvida na tarefa de “trocar o verde natural do mar pelo vermelho do sangue derramado em carni-

ficinas brutais”.

Em relação ao conflito, Cromwell adotou uma temente confuso sobre o caminho correto a seguir, tualmente favorável à amizade com os protestantes, dar continuidade à luta. No Parlamento, diante de

atitude ambígua. Aparenele oscilou bastante; habiperturbou-se e relutou em membros convictos de que

o conflito se impunha por razões comerciais, ele disse detestar a luta armada

e recomendou “cautela cristã”. Segundo comentários, teria garantido a holandeses expatriados estar disposto a tudo “para garantir a paz”. De fato, insistiu em negociações nesse sentido em julho de 1652.7

/ os

E

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Muitos puritanos alimentavam a crença nu ma Europa totalmente Conver. tida ao protestantismo. Em 1645, num se rmão que proferiu durante um je. Jum, Hugh Peter gritou de forma ap ocalíptica: “Penso e vejo a Alemanha er. guer seus largos ombros, e o Palati nado voltar seu mMaBTo rosto na dire ção de um novo horizonte (...) toda a Europa Protestante apresenta uma fisionomia mais corada.” Os camponeses dos Pa íses Baixos, da França e até mesmo da Irlanda — naquela época —

estariam mais preocupados com suas perdidas liberdades. O próprio Cromwell demons trou certo grau de intoxicação por tais visões messiânicas: conforme relato do embaixador de Veneza na Espanha, imediatamente após Dunbar ele escreveu 20 Parlamento sugerindo que se cogitasse de algum tipo de ajuda às nações in teressadas em libertar-se de seu jugo.” Entretanto, desconhecendo tudo acerca de finanças e comércio, no caso da guerra anglo-holandesa pelo menos suas preferências emocionais cederam à conselhos mais rígidos. A questão parecia ser muito complicada, além da sua capacidade de aprofundamento — os sinais, muito difíceis de analisar. Assim, a peleja continuou a todo vapor, e nã o apenas com sua aquiescência tácita. Tendo a marinha inglesa encomend ado trinta novas fragatas, a um custo de trezentas mil libras, Cromwell e outr os magnatas da Comunidade compareceram a Deptford para assistir ao lanç amento da Diamond e da Ruby, sendo aclamados pelos espectadores& Mant er essa frota exigiria quase um milhão

de libras por ano, e o orçamento da Armada mal chegava à metade disso — exacerbando a instabilidade financeira do governo com um déficit crescente.

Em outros campos em que a atuação diplomátic er a a menos complicada e da qual sobreviveu alguma evidência, ainda qu e obscura, Cromwell sem-

pre deu provas de uma vigorosa tendência prot estante. Em outubro de 1651, recebendo pessoalmente o enviado do príncipe de Condé, que solici-

tava cem mil libras e dez mil homens, a fim de prosseguir na luta contra país antes de recusar o pedido,

e o fez de forma

irônica, afirmando que à

ajuda financeira não tinha grande importância — ele mesmo assumiria O comando de quarenta mil soldados de infantaria e 12 mil cavaleiros, desde

que lhe fosse assegurada a derrubada da monarquia, tal como se dera na Inglaterra. Mudo, o emissário abandonou a sala. Igualmente curioso foi um in

cidente que se passou em algum momento do verã o de 1652, motivado pelo seu desejo de ajudar

os habitantes da Flandres: Vane teria se aproxi-

mado secretamente do cardeal de Retz, líder políti

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forma, sob sua inspiração, o antigo agitador do exército, o coronel Sexby,

foz uma visita ao irmão de Condé, o príncipe de Conti. Negociador inepto, o militar levou uma cópia do Compromisso do Povo e sugeriu que o texto po-

deria servir de modelo a uma nova constituição da França, assim que a rebelião alcançasse sucesso; com isso, não trouxe qualquer benefício à causa da Inglaterra, junto aos corações franceses, nem à luta dos habitantes da Flandres pelo poder na França. Ainda houve uma missão que se vinculou diretamente a Cromwell, embo-

ra seu objetivo final jamais tenha sido esclarecido. Na primavera de 1652 um

certo coronel Fitzjames entrou em contato com Estrades, governador francês de Dunkirk, propondo uma troca de prisioneiros e a entrega do porto aos in-

gleses — uma cabeça-de-ponte no continente, a partir da qual se poderia

montar uma expedição que socorresse Condé. Mas Estrades mudou de idéia, e Dunkirk, pelo menos naquele momento, continuou em poder dos franceses.” Talvez Cromwell tivesse em mente uma cruzada punitiva, cujos detalhes

não chegaram a ser elaborados. A idéia da cabeça-de-ponte, todavia, converti-

da em obsessão, ganhou importância na política externa do Protetorado. Em

suma, suas atitudes com relação à Europa, durante os 18 meses que se seguiram a Worcester, foram vivamente coloridas pelo entusiasmo protestante — internamente, ele ainda não estava em condições de expressar tais sentimentos alto e bom som.

Durante o verão de 1652, a tolerância do Exército com o Rump dava sinais de

estar chegando ao fim: os esforços do ano anterior para se alcançar a dissolução tinham sido efetivamente postos de lado pelos que se opunham à influência militar. Em agosto vários oficiais, inclusive Whalley, Okey e Worsley — no comando do regimento de Cromwell —, apresentaram uma petição insistindo na extinção do Parlamento. Embora o nome de Oliver fosse mantido oficialmente à margem do assunto, o fato é que entre os signatários do documento havia muitos de seus mais fiéis seguidores, fato que não escapou a ninguém. Os jornais contemporâneos reportaram sua participação em encontros

realizados nos dias que antecederam à entrega do requerimento, sem se iludir ante a exigência de abolição do dízimo — uma causa que não o entusiasma-

va, Whitelocke já o advertira sobre o risco de declarações assinadas pela espada, “que poderiam atingi-lo, um dia”, mas dessa vez foi Lambert, é claro,

ainda frustrado com a perda da posição na Irlanda, que despontou como o

“cabeça” da iniciativa.

” as

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Em outubro Cromwell patrocinou vários encontro s de Oficiais e parla-

mentares, mas no final de novembro a ter rível derrota naval que Blake sofrera em Downs, diante do almirante Iromp, arruinou os membros do Rump, ardo-

rosos partidários da guerra, justo no mome nto em que se efetuavam as ele;. ções do Conselho de Estado. Enquanto Vane, presidente da comissão do Al. mirantado, caía para 4º lugar, Oliver foi ele ito no topo da lista mais uma vez.

No início do mês, ele e Whitelocke haviam mant ido uma conversa de enorme importância a respeito do futuro da Inglaterr a, base da maior parte da evidência sobre sua crescente ambição. A discussão se dera num entardecer particularmente agradável, a partir de um encontro casual de ambos, em St James's Park.” Após muitos cumprimentos mútuos , Cromwell introduziu um tema mais sério, conquanto familiar, lembrando o argumento tantas vezes ar-

gúido contra aquele Parlamento acerca do dever que lhes competia de consolidar o que fora alcançado, e afirmou que seria um absu rdo “correr riscos em virtude de disputas internas ou criar problemas que nem os próprios inimigos haviam conseguido”. Whitelocke disse que a seu ver o prob lema era manter o exército em paz. Cromwell concordou, aduzindo que o exército vin ha manifestando “um estranho desgosto contra o Parlamento”, e acrescento u: “Gostaria que não existissem motivos para isso.” Em seguida enumerou as que ixas populares contra o Rump, seus atrasos e sua parcialidade, a perpetuação de seus poderes, as vidas escandalosas de seus membros, a injustiça de tudo iss o.

Tentando defender o Rump, Whitelocke foi obstado por Cromwell: “Há muito pouca esperança de que se chegue a bom termo com essa gente, na verdade não há nenhuma (...) nós nos esquecemos de Deus, e Ele nos deixará de

lado, entregues à confusão.” Quer dizer: 0 Rump tinha que ser submetido a

algum tipo de controle. Quanto a isso, Whitelocke replicou, de forma bastante razoável, que eles mesmos tinham assumido o compromisso de acatar O poder supremo do Parlamento — “sendo portanto bastante difícil restringir tal poder”. Foi então que Cromwell fez a pergunta que, segundo Whitelocke,

o tornaria amaldiçoado aos olhos de todos os que acreditavam que seu objetivo sempre fora ascender ao trono: “E se um homem pretendesse ser rei?” Whitelocke respondeu: “Esse remédio seria pior do que a doença.” Mas Cromwell prosseguiu, delineando as vantagens de um monarc a de facto, a que todos poderiam servir sem o risco de sofrer represálias após uma eventual restauração — os advogados asseguravam iss o, disse —, afora a tradicional reverência que os ingleses atribuíam ao conceito de monarquia . A réplica de

Whitelocke a essa engenhosa forma de súplica foi pouco encorajadora : ele as-

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severou que a hipótese, por um lado, alienaria todos os seus amigos que acreditavam firmemente na Comunidade, reduzindo, além disso, todos os problemas do governo à questão “Cromwell ou Stuart”. Se a monarquia traria tantos

benefícios, então não seria melhor negociar com o humilhado Carlos II? Oliver pareceu não gostar muito desse argumento tão racional e, de acordo

com Whitelocke, deixou a conversa morrer. Os dois nunca mais voltariam a

debater de forma tão íntima e pessoal, parecendo-lhe que Cromwell o evitava,

embora jamais o tenha hostilizado em público. O mais importante acerca dessa conversa será aceitar que ela, ou algo

parecido, de fato aconteceu; por sua extensão e nível de detalhe é impossível supor que Whitelocke a tenha imaginado. Por outro lado, também não se deve atribuir uma confiança exagerada às suas palavras: afinal, ele é a

única fonte do encontro. Mesmo quem registra com o máximo maior volume possível de minúcias sujeita-se a errar uma frase, ções foram completadas, quase com certeza, após a Restauração. a famosa pergunta — “E se um homem pretendesse ser rei?” —

cuidado o e as anotaAté mesmo poderia ter

sido formulada de forma menos grosseira, embora seja indubitável que foi

colocada. Realmente, o Cromwell que emerge desse longo colóquio já considerava os argumentos pró-monarquia — e não mais os contra —, especu-

lando em voz alta sobre as possibilidades dela se restabelecer ou dele mesmo

assumir o trono. De modo bastante simplificado, evidentemente, o episódio sugere que seu

pensamento íntimo desdobrava-se a partir de todos os maravilhosos sinais da

misericórdia com que havia deparado, ao longo da vida, para chegar à suposição de que a liderança que lhe fora atribuída pelo método divino, nas vitórias alcançadas, indicava que a coroa devia depositar-se, afinal, na sua própria ca-

beça. Do contrário, diria ele em suas cogitações, por que esse Parlamento corrupto não se reforma a si mesmo, pondo fim à amargura do exército e permitindo uma verdadeira organização da nação? Muitos outros homens já ponderaram sobre seu destino, mesmo sem o estímulo adicional do extraordi-

nário traço místico que ele possuía. De qualquer maneira, a pergunta feita em

voz alta ainda estaria muito longe de um plano elaborado. Quando o duque de Gloucester, porém, pediu permissão ao Conselho de Estado para viajar ao continente, no início do ano seguinte, Cromwell não fez nenhuma objeção; não tinha tomado qualquer iniciativa, mas deu ensejo a que muitos pensassem que ficara feliz. Desde a morte da princesa Elizabeth, dois anos antes, preocupada com as acusações de envenenamento que cercaram o incidente, a Co-



a

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munidade cuidava com desvelo da saúde do menino. Fo

ram-lhe concedidas quinhentas libras de ajuda para a viagem — um sinal, tal vez, do ponto de vis.

ta de Oliver.* A mudança na filosofia de governo de Cromwe ll, ocorrida desde O ano anterior, também é sintomática da evolução do pensamento político inglês como um todo, que vinha desde 1649. Originalmente, os qu e ocupavam o poder, na nova Comunidade, tendiam a defi nir O regime segundo os termos de um contrato baseado no consentimento popula r. Sugeriu-se que o rompimento do acordo no

qual a autoridade do rei estivera alicer çada — em consequência de seus erros — teria levado à perda de tal consentimento. Daí a ins-

tituição de uma nova forma de governo, consisti ndo no Parlamento — com apenas uma Câmara — e seu órgão executivo, o Co nselho de Estado. Os créditos desse governo fundamentavam-se na lei de janeiro de 1649, que estabelecera o poder supremo da Câmara dos Comuns, independ entemente da supervisão de um soberano ou da Câmara dos Lordes. Aqueles qu e apoiavam a Comunidade sustentavam que o Parlamento herdara legalmen te o consentimento popular para governar que antes pertencia ao monarca. Em 165 1, em sua First Defence of the People of England [Primeira defesa do povo da Ing laterra], Milton afirmava que a Comunidade, incapaz de transformar- em tise rania, era superior à monarquia. Durante o ano de 165 1,0 Mercurius Politicus apontou as imperfeições de inúmeras monarquias, comparando seus súditos a animais amontoados numa jaula; o povo seria mais afortunado sob um Estado livre, sem tanta magnificência, pois onde abundasse o luxo sempre haveria o risco de opressão e crueldade.*º Para a maioria da população comum, no entanto, obrigada a viver, gos tasse ou não, sob as regras da Comunidade, fora preciso produzir uma justificativ a

nova e assimilável, melhor do que a doutrina do consentiment o popular. Signatários da Convenção, os realistas ou mesmo os presbiterianos dificilmen pote deriam ser persuadidos de imediato de que o novo regime se baseav a em seu consentimento. No outono de 1649, muitos tinham prestado o jurame nto de compromisso apenas por não terem alternativa, exceto arruin ar-se ou fugir. Ob-

viamente, esse espírito de sombria aquiescência ao regi me de facto poderia *Brilhante e promissor, o menino foi muito elogiado

durante

sua

curta

; vida



morreu

de

varíola pouco depois da Restauração; rígido Protestante, que rec usara o catolicismo mãterno, constitui uma das várias especulações a ; respeito dos Stuart que tipo de reinado h à

a

-

E-

ria O seu, caso tivesse sucedido no trono ao Seu irmã o James ou à sua sobrinha, a rainhã Anne.

CROMWELL

409

ser aprimorado mediante uma justificativa de jure que se agregasse a ele. Segun-

do alguns, a promessa resumia-se a uma providência desagradável, necessária

de ser digerida, mas também havia quem se dispusesse a aceitar o argumento que Francis Rous expôs em abril de 1649 — “pode-se acreditar que a mudança

de governo não tenha sido legal, e ainda assim obedecer legalmente”. Citando a epístola de São Paulo aos Romanos, ele mostrava que todo poder constituído deve ser acatado.” Deslocando uma situação de facto para a esfera de jure, esse raciocínio foi mais claramente expendido no panfleto de Marchamont Nedham, publicado

em 1650, e que definiu a espada como o fundamento do direito de governar.

Já no prefácio de The Right of the Common Wealth stated [O direito da Comunidade colocado] or the equity, utility, and necessity of a submission to the present

government cleared [ou o esclarecimento sobre a equidade, utilidade e necessidade da submissão ao atual governo], Nedham dirigia-se aos leitores, cinica-

mente, dizendo: “Terás talvez uma opinião contrária ao que está escrito aqui;

confesso que durante algum tempo também pensei assim, até que fui levado a refletir com imparcialidade sobre o novo governo e seus negócios.” As

límpidas e refinadas teorias de Thomas Hobbes só surgiriam dois anos mais tarde, enfatizando a ordem civil contra a anarquia política. Em Leviatã, o autor afirmava com absoluta simplicidade que a autoridade civil se legitimava pela conquista; posteriormente, sentindo-se protegido, o povo se submetia.

Por conseguinte, o rompimento do acordo somente ocorreria no caso dessa proteção fracassar: era imperioso que a ordem fosse mantida. Assim, afasta-

vam-se todas as tolices a respeito do consenso popular — o que agradava aos

realistas, que abominavam tais doutrinas — bem como o manto daquelas providências indispensáveis, tão a gosto dos confusos filósofos que antecederam

Hobbes, e que fregientemente confundiam as duas possíveis bases do poder.* Apesar de tudo, o advento de 1653 não trouxe nenhuma solução aparente

aos problemas concernentes a um novo parlamento, fazendo com que o clamor do exército pela dissolução se tornasse mais feroz, principalmente quando o soldo das tropas teve que ser reduzido em favor dos marinheiros engajados na dispendiosa e, até aquele momento, não muito bem-sucedida guerra holandesa. Em janeiro, uma comissão do exército expôs uma série de *Ver Quentin

Skinner, Thomas Hobbes and the defence of the de facto powers, onde o autor

mostra que Hobbes não era de forma alguma um pensador solitário como tantos chegaram a supor, mas, muito ao contrário, “o gênio solto no meio da discussão” e que foi capaz de libertá-la de sua aura providencialista.



APR,

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reivindicações que incluíam parlamentos sucessivos, reformas legais e algum nível de liberdade de consciência. A definição do novo eleitorado, porém ) continuava em aberto. Todas as qu artas-feiras, durante os meses de fevereiro e março, os parlamentares se reun iam e discutiam, sem chegar a conclusão al guma que os desconfiados soldados co nsiderassem satisfatória. No final de fe vereiro, uma be

m-sucedida ação de Blake contra Tromp, o de scrita por um ci ã m a n dadão londrino como “uma grande e ex = plosiva Vitória marítima”, converteu a humildade dos membros do Rump em atitude marcial. O antigo aliado de Cromwell, seu novo oponente, Vane , na vantajosa posição que ocupav a no Almirantado, viu seu pr

estígio crescer. De certa forma, não é nenhuma surpresa que 0 exército se desesperasse com a lentidão dos acontecimentos e, como resultado, adotasse atitudes cada vez mais iradas. Todas as questões cruciais qu e tinham sido colocadas perante o Parlamento, desde a vitória de Worceste r, há 18 meses, continuavam pendentes

. Embora a franquia do eleitorado tivesse se reduzi do a duzentas libras, muitos parlamentares ainda se agarravam à noção de cooptação, tendendo a perpetuar-se em seus cargos. Percebendo a inevitabil idade da dissolução, eles estavam determinados a adiá-la para o início de nove mbro, até que o novo Parlamento se reunisse a fim de supervisionar as eleições, qualqu er que fosse a natureza do novo eleitorado. E compreensível que a dissolução imediata estivesse nas cogitações tanto de Cromwell pessoalmente, como do exército em geral. Preocupado com o surgimento de “neutros”, no novo Parlamento, descompromissados com todo

o trabalho já desenvolvido para organizar a nação conforme as posições cor-

retas, Oliver considerava que o Rump não deveria ter a minima cha nce de produzir esse tipo de homens. O interesse do exército era menos sofi sticado, e seus planos, com vistas ao futuro, mais vagos — tratava-se, simplesmente, de extirpar o odiado “Rabo” do Parlamento. Cromwe ll e seus associados, porém, projetavam a dissolução e a concomitante instalação de um conselho in-

mais se destacavam os que o apola-

vam e se opunham a suas idéias, e no Exérci to; assim, sua política de negociação

tornou-se

impopular

entre Os extremistas,

que

passaram

a defender

“um novo parlamento e um novo general”. Segundo o embaix ador de Veneza, “no fundo Cromwell dá a impressão de estar mu ito exasperado”** — não sem motivos, é claro.

CROMWELL

all

Em algum momento, provavelmente no início de abril, os clérigos de

Londres se reuniram para discutir a possível dissolução do Rump. Edmund Calamy comunicou a Cromwell que a opinião pública não o apoiaria em tal circunstância. Famoso pastor presbiteriano, ele se opusera à execução do rei e agora estava claramente definido contra a possibilidade de um governo arbitrário. “Nove entre cada dez serão hostis a vós”, disse ele. Oliver replicou, perguntando: “Mas e se eu desarmar os nove e entregar uma espada ao décimo, isso não resolveria a questão?” Não era um mero comentário cínico, mas uma sugestão de que o direito pode ser alcançado pela força às vezes — na guerra, por exemplo. O diálogo ilustrava a evolução dos seus pensamentos, certamente naquela direção, ainda que seu tom caracteristicamente pensativo revelasse certa margem de indefinição. No dia 6 de abril, quando o debate a respeito da lei eleitoral foi novamente adiado, Whitelocke achou-o particularmente “desgostoso e ansioso pela rápida dissolução do Parlamento”. Na

Londres cheia de boatos, a ausência de Cromwell das sessões do Parlamento

e do Conselho de Estado, havia três semanas, parecia um sinal de que “algo extraordinário iria acontecer”. Gumble afirmou — sem apresentar provas — que Oliver pretendia dissolver o Parlamento pela força no dia 16, mas queria ter a certeza de que Monk o apoiaria.** O general dava a impressão de estar sendo inexoravelmente induzido a uma solução de força — não necessariamente violenta —, alguém que ainda assim tentava encontrar os caminhos pacíficos da negociação. Foi na quarta-feira, 13 de abril, que se travou a última discussão acerca da Lei da Eleição, marcando-se a data de 20 para uma resolução final a respeito. Se a norma sobre os “novos representantes” tivesse sido apro-

vada conforme o que se estabelecera, as sessões da Câmara seriam imediatamente suspensas, mesmo sem estar decidido a quem caberia exercer o poder. O Parlamento só voltaria a se reunir seis meses mais tarde, em 3 de novembro, abrindo caminho ao “novo representante”. Nos estágios finais do debate sobre a franquia eleitoral, o modo de escolhê-lo ficara bas-

tante obscuro; depois do precipitado encerramento do Rump, os novos donos do poder tudo fizeram para cobrir suas derradeiras ações com a maior

quantidade de opróbrio possível, a fim de justificar a expulsão dos seus membros. Recentemente sugeriu-se que por uma questão de equilíbrio das probabilidades até mesmo sobre o problema da franquia o Rump alcançara um com-

no

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promisso. Apesar das contínuas pressões favoráveis à idéia de COoptação, e se. gundo o testemunho de Henr y Marten, St John e Thomas Scot,* seus Integrantes teriam estabelecido um ac ordo acerca das novas eleições, “a partir de uma redução radical e uma redistribu ição dos assentos do Parlamento”, com mandatos de dois ou três anos. Esse recuo teórico, expresso apenas no pape l, não resolvia a questão fundamental da disp osição de poder no Interregno; em . )

como sempre. O que se questionava naqueles torm entosos dias de tensão crescente, era a boa fé do Rump, que o exército ap rendera a desprezar e odiar e suas reais intenç

ões a respeito da lei, tanto quanto a lei em si. Reunidos no seu alojamento, em Whitehall, na terça-feira, 19 de abril, véspera do que se espera va

seria a última reunião do Rump sobre o as sunto, Os oficiais tentaram avaliar, Justamente, quais seriam essas delibera ções. Em julho, depois que tudo se passara, Cromwell relatou que os homens pr eocupavam-se com a questão do eleitorado e o risco do Kump aprovar um proc esso sob seu controle. Eles manifestaram suas dúvidas aos parlamentares presen tes, sobre “como o Parlamento poderia aprovar uma legislação válida pa ra todo o país, com especificações destinadas a eleitores e eleitos, sem saber qu em as iria executar”. Afora a ausência de garantias contra o temido re ssurgimento de presbiterianos e “neutros”.

Em seguida, quando as atenções se voltaram pa ra o conselho provisório, há evidências de que se tenha alcançado algu m vital compromisso entre os membros do Parlamento e os oficiais, em torno de quaren ta integrantes.

Cromwell desejava ardentemente que o poder fosse subt raído das mãos do

Rump, passando aos que estavam em cond ições de fazer melhor uso dele, e, de acordo com Heath, assegurou que cinco ou seis homens executariam melhor, num único dia, o trabalho do Senhor que o Parlamento não realizara em

cem. Seu relato sobre o término da reunião é veross ímil: após uma prolonga-

da série de intervenções, que não satisf ez à nenhum dos lados, “desejávamos que eles devolv

essem a confiança a Pessoas conhecidas, ho nradas € íntegras,

homens dedicados à religião e ao inte resse da nação”. Os parlamentares ap a-

“Ver Blair Worden, The Bill for a New Representative: the Dissolution of the Long Parliament, E para uma convincente reavaliação das teorias sobre O assunt o.

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rentaram concordar em princípio ou pelo menos sem discutir os termos mediante os quais aceitariam a dissolução no período subsegiente. “Ao fim do encontro”, disse Cromwell, “dois ou três dos mais importantes líderes deles

nos disseram que tentariam evitar novas discussões (...) até chegarem a uma

conclusão. Isso nos deixou satisfeitos, esperançosos de que nossas posições merecessem consideração num debate, de forma a alcançarmos um acordo que contentasse a todos.”**

Na manhã seguinte, envolvidos por uma agradável sensação de falsa segurança, os oficiais participaram de uma reunião ampla, realizada no alojamento de Cromwell, em Whitehall. A questão do conselho interino foi deba-

tida, mas em geral eles se mostraram confiantes na palavra dos membros do

Parlamento, acreditando que nada aconteceria até a tarde. Súbito, e para surpresa de todos, chegou a informação de que o recinto da Câmara dos Comuns encontrava-se repleto — cem parlamentares presentes dispostos a colocar o tema das eleições em discussão imediatamente. À relevância dos pontos pendentes sinalizava um adiamento da dissolução. Nunca se soube quem convocou aquela sessão, embora Vane seja o maior suspeito, tendo se tornado alvo da extraordinária mágoa de Cromwell, tão perplexo quanto os demais. Alguns intermediários receberam a incumbência de descobrir o que estava

ocorrendo, e o coronel Ingoldsby voltou com a chocante e terrível notícia de que o Rump, apesar de suas promessas, debatia “uma lei que deveria resultar em outras sessões subsequentes, dando continuidade a seus trabalhos”. Um

segundo e um terceiro mensageiros chegaram logo depois, informando que a votação era iminente.” Enfurecido ante o rompimento do acordo de cavalheiros, Cromwell demonstrou uma sinceridade absoluta ao dizer: “Nunca imaginamos que pessoas

dessa posição fariam isso.” Tivesse ele acreditado ou não, ou que tenha sido

informado erradamente a respeito da introdução na lei de cláusulas que ga-

rantiriam a supervisão das novas eleições pelo Rump, isso não tem importância diante da enorme desilusão que o atingiu — seu esforço fora inútil,

às suas ofertas de compromisso tais indivíduos respondiam com deso-

nestidade, rompendo a palavra empenhada e sobrepondo a tudo uma identidade corporativa. Era evidente que estariam dispostos a usar de quaisquer meios, corretos ou não, para perpetuar sua miserável e covarde existência. “Assim, descobrimos o risco que corríamos de entregar as liberdades da nação nas mãos de quem não havia lutado por elas”, lamentou-se ele amargamente mais tarde.*

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Os fatos se sucederam de forma dramática, reveland o que em Cromwell ê tigre adormecido, o homem de ação, nunca estivera completamente relaxado ou incapaz de saltar para a arena mais uma vez com o sangue quente. Detep.

do-se apenas o tempo necessário à convoc ação de um grupo de Soldados, e sem se dar ao trabalho sequer de mudar de roupa — sua informalidade cho. cou as testemunhas: usava um simples casaco preto e m eias de lã cinza — Oliver correu por Whitehall como um vendaval. O re lógio de St James' s Park marcava 11:15, segundo o dedicado Ashmole,** e alguns minutos mais tarde ele irrompeu na Câmara dos Comuns. Numa colagem incrível, os três relatos mais imp ortantes,* embora con.

tendo algumas diferenças — tal como os evangelhos sinópticos, em detalhes e na ordem dos aco ntecimentos —, afiguram o desencadeame nto de uma tem-

pestade. Durante breves momentos, Cromwell Jogou-se sobre uma cadeira, ouvindo os discursos, e quando se ergueu, tentando encontrar as primeiras pa-

lavras, em meio às paixões que o atormentavam — segundo Sidney —., expressou-se com relativa calma, inclusive elogiando o trabalho e o cuidado

que o Parlamento revelava no que diz respeito ao bem comu m. Mas não se podia ficar indiferente ante o seu comportamento traiçoeir o e a injustiça marcante de suas atitudes — as palavras transbordavam-lhe da boca “furiosas”, de acordo com Whitelocke; “quase demencial”, segundo Lud low, ele prosseguiu “com tamanha emoção e desordem de pensamento que parecia ter perdido o fio da meada (...)”, andando loucamente de um lado par a o outro, batendo os pés e gritando, apontando diversos homens, chaman do-os pelos nomes ou referindo-se a velhos inimigos como “rufiões” — nesse momento olhava Marten e sir Peter Wentworth —, bêbados, corruptos escandalosos. “Talvez esta não seja a linguagem parlamentar adequa da, não é mesmo, mas não deveis esperar que eu me dirija a vós de outro modo. (...) Não con vém que continueis (...) estivestes aqui tempo em demasia e não realizas tes o bem suficiente,”

Finalmente, Peter Wentworth, neto do homem que liderara o Parlam ento na época da rainha Elizabeth, teve a coragem de protestar contra os termos abusivos de Cromwell, ainda mais horríveis por virem de quem fora merecedor de “tanta confiança e agradecimento” da Câmara. “Vamos com isso”, ele respondeu, “vou acabar de uma vez com a vossa tagarelice. Não sois o Par lamento; *O de Whitelocke, presente, o de Algernon Sidney, membro

republicano cujo pai, lord

Lisle, mais tarde lord Leicester, o registrou, e o de Ludlow, que juntou partes de diversas

testemunhas, entre as quais Thomas Harrison Ҽ

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repito: não sois o Parlamento. Porei fim a vossas reuniões.” E dirigindo-se a Thomas Harrison, sentado do outro lado da sala, gritou: “Chame-os” ou algo

semelhante. Prontamente cinco ou seis fileiras de mosqueteiros de seu pró-

prio regimento de infantaria, comandados pelo tenente-coronel Worsley —

cerca de vinte ou trinta soldados —, invadiram o salão. Indicando o presiden-

te, Oliver disse sombriamente: “Levai-o daqui.” Harrison, segundo ele mesmo confessou a Ludlow mais tarde, pensou que essa era “uma tarefa complicada e perigosa”, mas àquela altura, não havendo mais como argumentar,

obedeceu e puxou o presidente pelas vestes. Encarando os mosqueteiros, Vane falou: “Isto não é honesto, sim, isso atenta contra a moral e a honestidade.”

Como uma cobra prestes a dar o bote, Cromwell virou-se para ele e gritou: “Oh, sir Henry Vane, sir Henry Vane, que o Senhor me salve de sir Henry Vane.” Sidney recusou-se a cumprir as ordens de sair e foi retirado, sob a ameaça da força, por Harrison e Worsley. Caminhando até a mesa e olhando o cetro com desprezo, Oliver se perguntou: “O que vamos fazer com esta bugiganga? Tirai-a daqui.”* E assim o símbolo da autoridade foi levado pelos soldados — durante vários dias permaneceu guardado na sala de Worsley, responsável pela infantaria. Tudo isso mais aquela atmosfera em que se misturavam negligência e desonestidade pa-

recem ter sido demais, na mente de Cromwell, que, ao ver Vane retirar-se dis-

se-lhe que ele não passava de um manipulador. Voltando-se, então, para os parlamentares que assistiam horrorizados à expulsão de seu presidente e ao colapso de todos os procedimentos que caracterizavam os Comuns, ressenti-

do, ele gritou: “Fostes vós que me forçastes a isto, pois dia e noite eu implo-

rei ao Senhor que melhor seria Ele me destruir do que me obrigar a realizar

este trabalho.” E assim os soldados evacuaram todos da Câmara. Oliver apanhou o papel que continha o texto da Lei de Dissolução, que não chegara a

ser aprovada, e o fez desaparecer: seu conteúdo exato constituiu até hoje um mistério. Talvez, ao descobrir que não incluía a cláusula que previa a

cooptação, ele o tenha queimado.*? Os anais da Câmara também foram levados. De acordo com Ashmole, às 11:40 tudo tinha terminado: o Parlamento fora extinto — apagara-se como um toco de vela.

O Diário da Câmara dos Comuns não registrou oficialmente a dissolução, mas o sr. Scobell, escrivão da Casa, anotou com sua própria letra, e sem ae

E

*Essa é a versão de Ludlow. Segundo Sidney, Cromwell teria dito: Levem daqui estas bugigangas.” Whitelocke afirma que ele teria ordenado a um dos soldados que tirasse “a bu-

giganga daquele tolo, o cetro”.*!

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que ninguém o tivesse orientado a fazê-lo, o seguinte: “Neste dia, Sua Excelên. cia, o Lorde-General, diss olveu este Parlamento sem o devido Cons entimento dos respectivos membros.” O aponta mento foi expurgado, e a mão de alguém mais es

pirituoso do que o funcionário encarregad o do registro escreveu num cartaz pendurado do lado de fora do prédio: “Aluga-se, sem o mobiliário”, Cromwell voltou a reunir-se com os oficia is e os informou do

que no futuro eles somente se reuniriam em caráter privado, visto que o Parlament o ao qual serviam tinha sido fechado. John Bradshaw, cujo caráter não era dos mais inspirados, teve o seu moment o de grandeza: “Senhor”, replicou ele corajosamente, “estamos cientes do que haveis praticado na Câmara hoje pela manhã, e nas próximas horas toda a Inglaterra saberá de tudo, mas estais enganado em pensar que o Parlamento foi dissolvido, pois nenhum poder sob os céus poderia fazê-lo, exceto os próprios parlamenta res — tomai nota disso.” Haselrig, Love e Scot também fizeram algumas observ ações nesse sentido, mas afinal, “vendo-se diante da mesma violência”, partir am. O que transparece com indiscutível clareza de todo esse extrao rdinário episódio é o fato de que Cromwell agiu num acesso incontrolá vel de paixão, a mesma fúria alucinada que já ocorrera em outros diversos instantes de sua carreira, inclusive por ocasião do famoso massacre de Drog heda. Em cada caso, ele se sentira inesperadamente agredido ou traído, reagindo de ac ordo com as circunstâncias. A linguagem que usou no Parlamento, as acusações de rufia-

nismo, sem falar nas manifestações físicas de raiva, como ficar sapatean do, indi-

cam algum distúrbio profundo, muito além de uma frustração ordinária ou mera exasperação. Parece claro também que a tempestade tenha sido provocada pela mensagem de Ingoldsby — vilipendiado pelos membros do Rum, ele percebeu que nada de bom poderia advir daqueles homens. É bastan te provável que a leitura posterior do texto da desaparecida Lei de Dissolução tenha provado a ele a não-inserção de uma cláusula de cooptação. Portanto ba stou a súbita

e não planejada sessão matutina, contrária ao acordo estabe lecido na noite anterior, para convencê-lo de que o Rump não alterara suas posiçõ es: a perpetuação,

de um jeito ou de outro, continuava em mira. Posteriormente, como qual quer político, Oliver justificaria o que fizera com base na atmosfe ra prevalecente no momento, mais do que em evento s

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aos iu surg ção pta coo à a ênci tend na ada ent dam fun ão saç acu À es. rior ante poucos. Até mesmo o exército, em declaração divulgada logo após a dissolução, SÓ se referiu a intenções da Câmara nesse sentido, não a esforços para

convertê-las em lei, enfatizando, se bem que de forma genérica, a corrupção e os ciúmes nela reinantes, o que contribuía para que “a causa abençoada e testemunhada pelo Senhor se debilitasse sob suas mãos, correndo o risco de se perder”.

No início de julho, Cromwell descreveu a absurda pressa dos mem-

bros do Rump como a última gota — mas era uma pressa em aprovar a lei que manteria sob seu controle as eleições de novembro, sem nenhuma cláusu-

la de cooptação. Tais eleições dariam maioria aos “neutros ou similares, que se imporiam sobre seus irmãos, ou aos que dariam um testemunho a favor do

partido do rei”.** Isso é que se temia. Aparentemente insignificante, mas fundamental, fora a decisão dos parlamentares de dar seguimento à discussão da lei e aprová-la — o que levou Cromwell a abandonar suas tentativas de conciliar os oficiais e os membros do Parlamento, por total desconfiança desses últimos. Seu temperamento resoluto, aliado a uma ira maníaca levaram-no à cena mais incrível da história parlamentar inglesa. “Não foi estranha essa crise?”, escreveu Dorothy Osborne, ironicamente, a seu amante, William Temple: se John Pym estivesse vivo pode-

ria pensar que os privilégios do Parlamento haviam sido rompidos, afinal, como pretendera Carlos I, com suas exigências contra os Cinco Membros. Mais tarde, as Nouvelles Ordinaires difundiram pela Europa apenas o que ha-

via transpirado: o exército agira “par la necessité et par la providence” [motivado pela necessidade e pela Providência], indo além de sua vontade e do que estava planejado. Assim, todos se colocaram sob a misericórdia de Deus, es-

perando ser abençoados pelos atos cometidos. As bênçãos dos que se opunham ao governo militar jamais lhe seriam concedidas. A espada com que cortaram o nó górdio do Rump foi colocada de encontro

ao peito de toda a Inglaterra. A ilusão de um governo parlamentar se esvaíra e O poder repousou sobre a base dos mosquetes. Curiosamente, podemos concluir que isso resultou de um impulso, não de uma reflexão. Talvez a única maneira de

livrar-se daquele odioso Parlamento fosse através da força, mas sem violência. No entanto a Câmara dos Comuns caíra diante da mais escancarada e inolvidável coação, tanto que, na política britânica, as “soluções de Cromwell? tornaram-se sinônimo de medidas draconianas. Melhor teria sido que ele guardasse as jóias de sua paixão, manifestando seu temperamento impetuoso apenas em caráter privado, inspirando-se nisso antes de praticar alguma ação pública menos brutal.

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A tragédia do estadista Oliver Cromwell derivou das mesmas qualidades que o tinham elevado na guerra, tão naturais quanto a sua capacidade de de. cisão, agilidade e audácia diante de situaç ões críticas; na ambígua esfera da política parlamentar, a habilidade e a dure za com que golpeava os adversários converteram-se em algo bem diferente, re velando-se pouco atraentes e menos eficazes. Ainda ao longo daquele ano, seus inimigos pentamonarquistas comentaram que ele era “o homem mais ga lante e cheio de benevolência do mundo, mas fo ra do campo de batalha — no governo, pois sim!” Para al.

cançar vitórias na paz, o líder a que Milton ca ntava loas precisava de paciência, capacidade administrativa, discrição e espertez a.

ESSAS ERR 16 Às vésperas das profecias Vós sois o exército de Deus, se algum povo já o foi (...)

E estais às vésperas [da realização] das promessas e das profecias. CROMWELL, dirigindo-se ao Parlamento de Barebones,* em julho de 1653

pós o inglório fim do Rump, Cromwell testemunhou que “não se ouvira nem mesmo o latido de um cão, nem se manifestaram queixumes visíveis ou gerais”. De Londres, no final de abril, um homem do Staffordshire, John

Langley, escrevendo a seu senhor, sir Richard Leveson, contou mais ou menos

a mesma história, se bem que numa linguagem mais sóbria: “Tudo parece

estranhamente calmo; o comércio da City, os processos e as petições dos advogados nos tribunais e todas as demais preocupações comuns, que seguem seu curso habitual.” De fato, devido a seus muitos erros e delongas, os parla-

mentares tinham cavado um túmulo bem fundo, pois a reação popular foi

pouca e quase não houve lamentação. Lenthall, por exemplo, era acusado de

obter ganhos irregulares com seu posto — dizia-se que ele seria “mantido sob estrita observação, podendo ser chamado a prestar contas”. Embora sem acusação formal — as evidências não bastariam —, obrigaram-no a uma doa-

ção de cingiienta mil libras, talvez para deixar de lado as suspeitas. Diante dessas circunstâncias e de outras similares, não é nenhuma surpresa que ninguém sentisse sua falta.

*Ou “Parlamento nomeado”, convocado pelo exército para substituir o “Rabo” do Parlamento Longo, e que funcionou de 4 de julho a 11 de setembro de 1653. (N. do T.)



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Mesmo os que tinham mínimo interesse no sucesso da Comu

nidade Sau-

daram o fim do Rump com satisfação. Do seu exílio, em Haia, sir Edward

Hyde descreveu a dissolução da Câmara como uma “ação gloriosa”, que pu-

sera fim àquela “amaldiçoada assembléia de tratantes”, Na Inglaterra, superadas as primeiras críticas, Cromwell desfrutava de enorme popularidade, Em Blackfriars, os clérigos radicais, pouco acostumados a medir suas palavras, elogiaram-no por sua sabedoria e capacidade de “extirpar todas as raízes podres do malvado Parlamento”. Do ponto de vista oposto, os realistas ingleses e os católicos em particular esperavam do Lorde-General um certo alívio no

tocante às intermináveis taxas que os oneravam e, quem sabe, imunidade a seu culto privado, pois sabia-se que Oliver agira com misericórdia em casos indi-

viduais quando da rendição de fortalezas. Em todos os lugares onde se pagara uma indenização, os católicos haviam contribuído com a maior parcela; em Oxford, por exemplo, eles entregaram mais de um terço de suas propriedades. Dessa forma, as esperanças ressurgiam: “Se tudo isso nos levar a um perdão justo”, escreveu um deles, “Cromwell será nosso ídolo.” No entanto, depois de extirpado o Parlamento e suas raízes, uma indagação pertinente permanecia sem resposta: que forma de governo o substituiria? Os eventos haviam transcorrido com tamanha velocidade que não houvera absolutamente tempo para definir esse ponto. Cabe lembrar que a Inglaterra e a Holanda continuavam em guerra — cuidou-se de obter a aprovação da Armada ao recente cataclismo. Na Escócia a imprensa tratou de suavizar as notícias a respeito da mudança, dizendo que Lenthall fora “sobriamente” retirado de sua cadeira, e os membros do Parlamento afastados com “o menor ruído que se possa imaginar”. A Declaração emitida pelo exército, no dia 22 de abril, teve a mais ampla divul-

gação. O mestre-de-cerimônias, sir Oliver Fleming, procurou os diversos repre-

sentantes estrangeiros a fim de assegurar-lhes a manutenção de todos os laços de amizade. O que restara do poder executivo? Esse problema só se resolveu no dia

29, mediante a organização de um conselho — o Decenvirato, segundo os realis-

tas — liderado por Cromwell e incluindo Lambert, seu primeiro presidente, Desborough, Thomas Harrison e vários funcionários.

Esse organismo ocupou-se de sérias confabulações acerca do poder legislativo que passara a existir na Inglaterra. O conflito armado exigia di-

nheiro e tornava a decisão urgente não somente no plano da teoria, mas tam” bém na prática. Surgiram divergências entre Lambert e Harrison: o popular

e cavalheiresco militar defendia um conselho de 12 membros, enqu anto O

porta-voz dos turbulentos pentamonar quistas, evidenciando as tendências filossemitas típicas da época, sustentava que deviam integrá-lo setenta, à

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exemplo do Sinédrio judeu. Em 30 de abril Cromwell! lançou uma proclamação, impressa no dia 6 de maio, esclarecendo que haveria uma “nova representação” e que essa assembléia — a palavra Parlamento fora evitada — seria constituída por “pessoas de honestidade e fidelidade comprovadas”, oriundas

dos diversos segmentos da Comunidade, não para exercer um governo provisório, mas um poder muito concreto. À Declaração os considerava “convoca

dos (...) à suprema autoridade”. Independentemente das discussões que se travavam a respeito, Oliver permanecia preso à idéia de um corpo legislativo e na esperança de estabelecê-lo corretamente. Todavia ninguém levou em conta a extraordinária posição de quase-rei a

que ele tinha sido conduzido em virtude de sua decisiva atuação contra o Rump

— e isso era consenso tanto na Inglaterra como no continente. Nenhum dos passos que dera até então fora acompanhado por um aumento de prestígio pessoal tão claro, pois ao admitir o Protetorado o manto da magnificência já lhe cobria os ombros. Londres estava cheia de boatos contraditórios. Enquanto alguns pastores diziam-no merecedor da coroa, graças às suas incomparáveis qualidades, outros previam o retorno dos Stuart. Segundo um vaticínio, Carlos TI desposaria a “filha” de Mazarino, restaurando o trono, e Cromwell seria feito

duque e Lord-Deputy da Irlanda — embora não tivesse qualquer base de sustentação, muita gente acreditava nessa profecia. Mais autêntico, o cardeal notou a nova estatura européia de Oliver, enviando por intermédio de Bordeaux uma correspondência elogiosa, ainda que vaga, sugerindo amizade recíproca; a resposta, contendo idênticos elogios e igualmente indefinida, aceitava a oferta com a maior humildade — o Lorde-General referia-se a si próprio como uma “pessoa sem a menor importância (...) vivendo à margem do mundo”, deslumbrado com a gentileza do prelado.** Num estranho incidente ocorrido pouco depois, um cavalheiro anônimo, mas muito bem vestido, dirigiu-se à nova Casa de Câmbio e, sem pronunciar uma única palavra, depositou no balcão uma nota, desaparecendo tão misteriosa e silenciosamente quanto tinha chegado. A nota, que retratava um leão

pisando numa coroa, trazia uns versos provocativos:

Pela vontade divina, grande capitão e pastor de Deus,

Ascenda a três tronos, Oh Leão, eles são teus (...) Mi

“Na verdade, o que cada um desses cavalheiros pensava a respeito do outro só transpareceu mais tarde, quando Mazarino chamou Cromwell de “tolo bem-sucedido”. Ciente do fato, Oliver replicou dizendo que o cardeal, ao contrário, era um “manipulador desonesto” — ele

já se referira a Vane nesses termos no dia da dissolução do Rump.*



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FRASER

Tratar-se-ia de um realista frustrado, mas os versos ext eriorizava

mM

sentimentos muito em voga — corretos ou não. O que ninguém sabia co m Certeza é de que forma Cromwell estaria reagindo àquela ascensão vertigin Osa € a eg.

ses rumores, que obviamente não escapavam ao seu conhec imento. A história de que ele teria mandado fabricar, em Cheapside,

um cetro com certeza é amável diante de todos agradar a todos e muito muito mais favor após a

uma coroa e

falsa. Mas nesse período ele manteve uma postura os que vinham a ele, sendo “muito persistente em bondoso com os velhos malignos, que encontraram dissolução do que nos sete anos anteriores”. O povo

de Deus não era negligenciado: o embaixador ven eziano referiu-se a suas vi-

sitas às igrejas, sempre sobraçando um grande livro de oraçõe s — un gran breviario [um grosso breviário], provavelmente a Bíblia; verdadeiro modelo de piedade e devoção, nessas ocasiões ele declarava publicame nte como o Todo-Poderoso, que até então o tinha favorecido em seus empreendimen tos, concedendo-lhe a vitória nas batalhas e ajudando-o a submeter três reinos, agora inspirava-o para efetuar essa mudança. Um dia, passeando em St James's Park, ele mostrou até que ponto tinha consciência do quanto lhe era devido. Tornara-se habitual levantar o chapéu ao Lorde-General, como antes se fazia ao rei, e, ao homem que se esqueceu de saudá-lo assim, Cromwell re-

cordou o erro similar do duque de Buckingham ante Carlos I, fato que motivara um escocês, recém-chegado à Corte, a derrubar o atavio do distraído.

Talvez estivesse brincando, pois deixava entrever muito pouco de seus pensa-

mentos mais íntimos e parecia mergulhado numa enigmática reserva. Diziase que silenciava diante de qualquer conversa sobre coroação, e, embora OS correspondentes realistas relatassem sua paciência incomum ao ouvir sugestões no sentido de que assumisse o trono ou se tornasse Protetorº ambas as atitudes não se distanciam muito uma da outra, revelando cautela. | Bem de acordo com seus padrões, comentava-se na época que ele estaria considerando a hipótese de um Parlamento nos moldes da Dieta polonesa que o elegeria rei, atribuindo certos direitos a seus descendentes. Isso satisfaria à

opinião pública, favorável a um governo monárquico, tido como indispensá-

vel ao bem-estar da Inglaterra —

opinião

que o próprio

Cromwell

já havia

reiterado, especulando, talvez, em períodos recentes, É verdad e que as afini-

dades entre os dois países tinham diminuído um pouco desde a recente eleição do rei João II Casimiro, que subira ao trono mais ou menos na mesmã

época da morte de Carlos I, demonstrando simpatias pelos Stuart. A conexão

existia, porém, e a Polônia era um desses países sobre os quais Oliver de-

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monstraria um entusiástico interesse protestante. Em julho, o vice-chanceler Radziejewski trouxe uma carta de apresentação da rainha Cristina da Suécia e inde tava suspei mata diplo o quem de — iro Casim contra conseguiu atiçá-lo timidades com sua mulher —, obtendo um navio e permissão para adquirir e transportar alguns cavalos, antes de seguir viagem rumo à Turquia, de onde

planejava atacar O soberano católico. Sobre a questão do governo, porém, simples ascene pura uma de ctiva perspe a o mesm ou esa polon Dieta à nem são ao trono chegaram a convencê-lo — ele persistia em dúvida acerca dos

desígnios do Todo-Poderoso. Na carta de um realista, interceptada por

Thurloe, talvez pudéssemos encontrar um belo resumo das idéias que passavam pela sua mente: no campo e na cidade, todos “juntavam as mãos”, rezan-

do para que se ungisse um monarca, mas, ainda que ansioso para se tornar um rei de fato, Cromwell vacilava em assumir o título.

Certamente o país parecia desejar a volta de um governo monárquico € de tudo quanto implicasse estabilidade material e espiritual: os comerciantes de Londres, mas não apenas eles, sentiam saudades da Corte consumista. Nem estava em jogo a excelência dos Cromwell, aos olhos dos observadores ou deles próprios. Merece crédito uma história segundo a qual Elizabeth, olhando um retrato da rainha Cristina, teria murmurado: “Se eu morresse, ela seria a esposa asa sobre ias fantas suas que ira permit a senhor boa a ente, Realm .» uada] [adeq

censão do marido atingissem proporções gigantescas. É bem verdade que a

própria soberana sempre demonstrara um interesse inquisitivo a respeito de Oliver, comparando-o a seu pai, Gustavus Adolphus — e certa vez dissera a Whitelocke que ele deveria se fazer coroar. Apesar de tudo, a idéia de um casa-

mento entre ambos é pura imaginação. As filhas de Cromwell, porém, que não

tinham conhecido os dias de obscuridade, possuíam muito mais autoconfiança e senso prático; Mary e Frances, então com 16 e 14 anos, respectivamente, eram muito menos “meninas” puritanas do que Bridget. A mais velha, apelidada

fada os retrat em e aparec inos, mascul muito es opiniõ e r caráte de a Mall, dotad

mília denotando a mesma fisionomia forte do pai, inclusive os olhos cobertos e

estariam calças m usava que “os , Burnet disse ell, Cromw os entre s; upado preoc

melhor de anáguas; mas se os que usam anáguas tivessem usado calças teriam se dado melhor”.” Na juventude, os cachos escuros e os olhos brejeiros, as so-

brancelhas arqueadas e os lábios grossos davam a Mary uma expressão

charmosa de inocente volúpia; da mesma forma que os suaves contornos escondiam as futuras características menos atrativas de seu rosto, também sua nature-

za infantil passava por extrovertida, mais do que autoritária.

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No ano anterior Mary se envolvera em problemas, ensaiando aproxi. mar seu irmão Henry e a filha de um amigo de Cromwell, Jord Wharto n Oliver assumiu sua habitual atitude esclarec ida sobre o a Ssunto: onde não havia amor não deveria haver casamento. “Se essa nobre pessoa não se sente alegre e em liberdade (...) deixem os que o caso desapareça natural. mente e que não se fale mais no assu nto”, escreveu ele. À intervenção de Mary motivou-o a igual tolerância: “P ortanto, [devemos] silenciar a respeito, e salvar o sentimento da pequena Mall, a fim de que ela não perca uma boa amizade.” Na época a pequena Ma ll era constantemente mencionada como possível noiva do jovem Buckin gham — um gesto de conciliação com os realistas e que permitiria ao duque receber de volta suas propriedades. Seria também um grande incremen to ao status de Mary, muito superior ao que o cavalheiro do Nothinghamsh ire propiciara a Bridget. O

casamento das duas filhas de Oliver, ainda solteira s, e os possíveis noivos sobre os quais se falava marcam o crescimento de sua reputação. No ano

seguinte chegou-se a dizer que Mary estaria destin ada ao filho do príncipe de Condé e pouco depois o nome de sua irmã foi relacionado ao rei Carlos II.º Nesse meio-tempo Henry tomara a lei em suas próprias mãos, cort ejando a

charmosa embora distante Dorothy Osborne, que até o mês de abril ainda escrevia a seu amante secreto, William Temple, dizendo que o rapaz seria tão aceitável quanto qualquer outro. Adotando o método inglês de estabele cer um

primeiro contato através de presentes — cachorros, em geral —, ele es crevera a

Fleetwood, seu cunhado, na Irlanda, a fim de obter um galgo para ela. Quando

sobreveio a dissolução do Parlamento, Dorothy se arrepend eu, dizendo a Temple que “a partir de agora, eles [os Cromwell] devem estar melh ores do que nunca”. Todavia, em menos de três semanas, He nry se casaria com outra,

Elizabeth Russell, filha mais velha de sir Francis Russell, de Chippe nham, no Wiltshire, antigo membro da Associação do Leste. Conquanto não fosse rica, à moça seria uma fonte de informações sobre os sentimentos do exército, dada à influência de que o pai gozava Junto às tro pas sediadas naquela região. Gente menos espirituosa, ao ver Henry passeand o por Spring Gardens, gritou: “Viva O príncipe!” Nessa época o parque foi fecha do, segundo comentários, porque à

mulher e as filhas de Cromwell haviam sid

o insultadas: talvez devido a isso.” O desvelo paternal de Oliver nã o se ele era responsável também pela educação de u restringia à própria família: m menino, William Dutton, filho de

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um falecido realista. No verão de 1653 entregou sua tutela ao poeta Andrew Marvell, então com 32 anos, um ex-partidário do rei que se transformara em ardente admirador da Comunidade. Se no poema que compôs em honra ao

vencedor da Irlanda ele ainda parecia demonstrar alguma leal consideração

por Carlos I, em versos posteriores saudou o novo estadista — “querido dos céus e tido em boa conta pelos homens”. Cromwell o conhecera como tutor da filha de Fairfax, Mary, e na primavera tentara colocá-lo a serviço do Estado na condição de assistente de Milton, já cego. Em que pese a recomenda-

ção do próprio, Marvell preferiu levar o menino Dutton para Eton, deixando-o

aos cuidados de um dos professores, John Oxenbridge. Marvell costumava ser excelente companhia — Burnet considerava-o “o homem mais divertido e cheio de vida de sua época”. Os versos patrióticos que compôs a favor da Comunidade, durante a Guerra Holandesa, constituem evidência maior desses seus talentos do que poesia propriamente dita: Tromp e sua “marinha destroçada” são descritos arrastando-se em fuga, “enquanto o mar espumava de rir”. Desprezada, a Holanda (...) mal merece o nome de terra, Salvo como restduo das areias britânicas.

Na carta que enviou a Cromwell, no final de julho, Marvell mostrou-se positivamente obsequioso, referindo-se ao “muito gentil e amoldável”

Dutton e assegurando que nada colocaria em seu espírito “exceto o que

possa ser considerado como boa obra”. O menino era realmente afortunado,

possuidor de duas grandes qualidades — a modéstia, brida do vício, e a emulação, espora da virtude.'º É possível que Oliver tivesse a intenção de

casar esse amoldável modelo de perfeição com sua filha, Frances. De um

jeito ou de outro, colocando-se a seu serviço, Marvell integrou-se à tríade de grandes poetas que ele engajou — um feito admirável e seguramente imbatível —, juntando-se ao gênio de Milton e, já no fim do Protetorado, a

John Dryden.

Contudo o pai desses possíveis príncipes e princesas estava mais ocupado

É com sua participação na nova assembléia. As convocações, bastante pessoais, haviam sido enviadas em seu próprio nome, “com o parecer do meu Conselho”

— dos Oficiais, é claro, pois o Conselho de Estado fora dissolvido —, e não antes do início de junho; embora as manobras que deram origem às diversas

E

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indicações permaneçam obscuras, a ma ior parte do mês de maio terá sido consumida por elas.* Os documentos referi am-se à “diversas PEssoas, te. mentes a Deus e de comprovada fideli dade e honestidade»! 140 ao todo sendo 129 da Inglaterra, cinco da Escócia e seis da Irlanda. Ninguém sei eleito, evidentemente, e as “nomeações” — af astados OS temores do período final do Rump — fizeram surgir várias denominações para esse parlamentoque-não-era-um-parlamento, também conh ecido como Pequeno Parlamento ou Parlam ento Barebones, nome de um de seus me mbros, apontado pela

City, Praisegod Barebones, pregador anabatis ta, vendedor de couros e político.**

De fato, a frouxidão das regras estabelecida s permitiu que se desencadeas

sem várias pressões: as congregações das cidade s e condados da Inglaterra

e de Gales deveriam enviar nomes, cabend o a Cromwell e ao Conselho dos

Oficiais fazer a escolha. Não obstante algumas “i grejas estabelecidas” terem conseguido certo nível de favorecimento, no geral o sistema obedeceu às opções do Conselho — muitas indicações foram recu sadas. Categorias antipatizadas deviam ser afastadas — “advogados qualificad os” e “contadores”, entre outros — talvez por serem consideradas responsáveis pe lo pesadelo em que se convertera o Kump. Obviamente, tamanha subjet ividade deu ensejo a designações personalíssimas, e há evidências de que Cromwell fez inguirições particulares, através de amigos, “a fim de assegurar que homens famo sos, dotados de religiosidade e integridade, fossem convocados a essa públ ica honra-

ria?. Com certeza, outros homens importantes agiram com a mesma prudência. Portanto, desde seu início, em julho, o Parlamento Barebones refletiu a

variedade de interesses e esperanças daqueles que o haviam concebido, constituindo-se numa assembléia irremediavelme nte desunida. À claque de Cromwell era representada por Henry, John Ireton e Richard Mayor, sogro de Dick, indicado por Southampton. Harrison, responsá vel pela nomeação dos pentamonarquistas do sul de Gales, exerceu influência pessoal sobr e 05 radicais. Os moderados, segundo estimativa s da época, somavam 84 contra

sessenta “duros”.

» Barbone e Barebones. A históriaae de aue Praisegod tinha dois irmãos — Cristo-veio -“ãao-mundo-para-salvar Barebone e Se-Cristo-n do tivesse-morrido-teria-sido-amaldiçoado, B arebone, familiarmente chamado de Amaldiçoa Barebone — não tem comprovação,

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Entretanto, no dia 4 de julho de 1653, quando Oliver Cromwell se diri-

giu pela primeira vez a essa histórica assembléia, na sala do Conselho, em St

Stephens, ele tinha o coração cheio das mais altas esperanças. Não há outra explicação para à intransigência com que a defendera, a não ser a busca de al-

guma forma de alegria milenarista, a expectativa de um período de justiça e felicidade que, a seu ver, decorreria desse “parlamento”. Muitos apontavam

com desprezo as gentes das classes baixas — “os novos representantes são

coisas, sem cérebro” — deliberadamente escolhidas por Oliver. Apesar da

vaidade e futilidade que os caracterizava, e de suas opiniões fanáticas, ou anabatistas, eles demonstravam “a necessidade do estabelecimento de uma su-

prema rador, tico”, Mais

autoridade em alguma pessoa de valor, que ostentasse o título de impegeneralíssimo ou qualquer outro termo mais adequado ao poder autênassim escreveu John Langley, repercutindo os mexericos de Londres. tarde William Dugdale encarregou-se de difundir algo igualmente de-

preciativo: tratava-se de “pessoas inferiores, sem qualidade ou nome [tradicional)”; Clarendon secundou-o, embora admitindo que entre eles havia alguns poucos cavalheiros e proprietários. Na verdade, quase a metade já integrara ou viria a fazer parte de outros parlamentos. Excepcional, sim, foi o papel predominante dos londrinos.'? Aos olhos de Cromwell, porém, eles eram os “santos”, afinal reunidos sob a luz especial que lhes fora concedida, e a partir dos quais certamente grandes coisas fluiriam em benefício de todos. Até mesmo a linguagem desiludida que empregou, mais tarde, evidencia o

quanto eram grandes as expectativas contidas naquele momento: autocriticando-se, ele se refere à história de sua própria “fraqueza e loucura”. No ano seguinte, refletindo tristemente sobre os “muitos ensinamentos” que extraíra do episódio, conjeturava acerca da maior sabedoria com que se poderia contar no futuro. Contrastando toda essa melancolia, seu discurso de abertura expressou soberbos sentimentos de otimismo, ainda que sob uma forma pouco entusiás-

tica — segundo um observador, “muito séria e cristã, frequentemente choran-

do”. Langley resumiu tudo numa exortação — “prosseguir o grande trabalho

da Providência” — através da qual Cromwell estaria tentando encorajá-los, ao mesmo tempo que afirmava ter “um exército sob seu comando, disposto a

marchar sob as ordens deles, até os portões de Constantinopla”.

O discurso prolongou-se muito além disso. Antes de mais nada, consistiu num resumo dos problemas e da insatisfação popular que o Rump acarretara,

e do inevitável ato de força que objetivara proteger a nação e evitar a perda da causa. A esse respeito, ele assegurou estar em condições de “dizer com

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Justiça, diante do Senhor — pensar num ato de violên cia foi qualquer combate que já travamos (...)”.!4 Naquele instante a nova assembléia popular, criada para operar a transferên ) por ém, reunia-se cia da “espada do poder e da autoridade à administração civil”. É claro que ele se achava no direito de oferecer alguns conselhos e nisso estendeu-se bastante, utilizando

uma série de citações das Escrituras, mais ou menos trunca das, mistu radas q algumas sedutoras referências à sabedoria “pura, pac ífica, bondosa, fácil de ser solicitada, repleta de bons frutos, imparcial, verdadeira”, além de tolerân-

cia, pois, “se o mais pobre e iludido cristão desejar viv er tranquilamente sob a vossa direção — eu garanto —, se qualquer um desejar uma vida de amor à Deus e honestidade, que ele seja protegido”. Todavia foi na saudação à assembléia que Cromwe ll alcançou o cume de

sua extática aclamação. Essa era a grande oportunidade! “No Salmo, Deus fala no dia do poder de Cristo.” Eles haviam sido escolhido s — “Vós sois o exército de Deus, se algum povo já o foi (...)” — e deveriam faz er jus ao chamamento coletivo. É verdade que os objetivos da Providência tinham não raro passado ao largo, mas apesar de tudo essa maravilhosa e admirável solução fora alcançada, e por isso ele gritou: “Vós estais às vésperas [da realização] das promessas e das profecias.” O alto nível de suas palavras — isso ele deixou bastante claro — não tinha

em vista apaziguar um parlamento que estaria destinado a uma existência

anódina. Pelo contrário. Oliver deu-se 20 trabalho de assegurar que o Conselho de Oficiais — que ganhara três novos membros em maio — não passava de uma conveniência temporária, podendo desaparecer a qualquer momento, pois, “não tendo autoridade, não se reunirão mais assim que determinardes”. Ao final, ele leu o Instrumento de Governo que devolvia o poder à assembléia, estabelecendo que suas sessões iriam até novembro de 1654 — seus sucessores pelos 12 meses seguintes seriam escolhidos três meses antes da dissolução. Estava

implícito que os poderes assim conferidos poderiam ser da mesma forma retirados — a vontade de Cromwell prevaleceria —, mas tal implicação, não discutda na época, era menos importante para ele, pessoalmente, do que a genuína 1ndependência e a “santidade”, também implícitas, do novo órgão de governo.

Além da escolha dos “santos” » 6, a partir daí, durante seu breve “reinado”, Cromvweil arcou com outras p reocupações. Desde pronto revelou sentimentos ambivalentes a respeito da G uerra Holandesa — a tentativa de cortar à gar ganta de irmãos protestantes: a maior amplitude de seu poder poderia ensejar

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novas aproximações no sentido da paz. De um jeito ou de outro, o inimigo

a derapós junho, de início no e, moderada mais muito postura uma adotara rota de suas tropas, perto de Gabbard Sands, o primeiro-ministro De Witt

aproveitou à oportunidade para enviar representantes. Os ingleses atravessavam um momento delicado, Cromwell em particular. A assembléia popular

devia reunir-se em poucas semanas, o que implicaria uma forte guinada polí-

rica — de fato, tão logo o Parlamento Barebones se instituiu, Oliver ordenou que todas as cartas dos holandeses deveriam ser dirigidas ao Conselho, e não

, Sua Excelência e o Conselho. Contudo ninguém desejava a continuidade daquela luta, exceto alguns comerciantes, e muitos ingleses mostravam-se cansados de ouvir o “barulho incessante” dos canhões e já não se achavam dispostos a custear tal despesa.”

No começo, tendo os holandeses desencadeado a guerra, a reação fora agressiva; do mesmo modo como fizeram em relação aos escoceses, Cromwell

sinalizou o sentido exato das derrotas infligidas aos adversários: “Apelastes para o julgamento dos Céus. O Senhor se declarou contra vós.” Durante as negociações de paz, ele pronunciou um discurso interminável e altamente moralista: mantendo a consciência limpa, o governo inglês era merecedor dos êxitos alcançados. O trabalho de Deus, disse ele, parecia estar sendo muito mais bem entendido na Inglaterra do que nos Países Baixos, e, se as intenções dos ingle-

ses não fossem honrosas, nesse caso Deus os teria punido por seus erros. Crescentemente inspirado, Oliver impressionou os legados holandeses ao falar

a respeito da falsidade: se pretendessem enganar os ingleses, deveriam lembrar-

se do que acontecera a Carlos I, que tentara a mesma coisa em 1648. As ameaças fulminantes, psicologicamente válidas — e demonstrativas de

até onde Cromwell iria ao contemplar e identificar as vitórias com a Provi-

dência —, produziram, porém, menos efeito imediato do que o incrível plano que ele propôs com vistas à completa união entre as duas nações. À idéia, embora vaga, tornou-se sua obstinação, durante o verão e o outono de 1653,

purasugerindo que já lhe ocorrera há muito tempo, ainda que de uma forma

mente sonhadora, povoando os recessos de sua imaginação. À oferta de uma íntima aliança foi apresentada no dia 21 de julho, mas sem qualquer

detalhamento prático, daí por que os holandeses mantiveram uma atitude des-

confiada em face do projeto como um todo. As hostilidades prosseguiam. Apesar de seriamente ferido, Blake teve seu comando reforçado por dois contra-almirantes — Deane e Monk —, e, conquanto este último constantemente traísse sua experiência em terra, ordenando

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“leme à direita” em vez de “boreste” ou “estibordo”, foi acossado por ele que

Iromp perdeu a vida. Assim, as disputas intern as dos holandeses — entre os que queriam apenas defender seus navios e Os que desejavam passar à Ofensiva, como o almirante batavo morto — pareciam prestes a solucionar -Se em favor dos primeiros. Concretamente, os ventos de oeste ben eficiavam a Esquadra de Haia, facilitando o bloqueio do litoral da Ing laterra, mas a situação geográfica dos ingleses lhes permitia cercar toda a costa inimiga, segundo um capitão de Plymouth, “como as asas estendidas de uma águia”. No início do conflito o primeiro-ministro Pauw dissera que seus compat riotas estavam q ponto de atacar uma montanha de ouro, enquanto o adversário defrontaria

com uma montanha de ferro. Agora a montanha de ferro parecia estar crescendo.

No dia 6 de agosto, passeando com Beverning por St James's Park, Cromwell voltou a falar sobre as vantagens de uma uni ão entre a Inglaterra e os Países Baixos; confiante, ele pôs de lado as objeções práticas feitas pelo emissário holandês, que mencionara o tratado existente entre seu país e a Dinamarca — a proposta, segundo Oliver, agradaria imensamente a ambas as nações.” Enquanto os contendores se retiravam, temporariamente , tratando de lamber suas respectivas feridas, ele continuou a meditar, até o out ono, acerca da maravilhosa união dos povos protestantes. Na época a idéia dessa união parecia estar vinculada à que fora proposta aos escoceses no ano anterior e levada à prática mesmo sem ter sido legalmente ratificada. Monk pusera fim à sua resistência ao atacar e vencer Dundee em setembro de 1651. Em dezembro as forças parlamentares torna-

ram-se “senhoras de Inverness”, podendo jactar-se de ter ido “mais longe do que Júlio César ou qualquer outro invasor”.* Dumbarton caiu em janeiro do

ano seguinte, e Dunnottar — onde estavam os adereços reais e a cripta dos soberanos escoceses — rendeu-se em maio. Coube a Richard Deane a difícil

tarefa de pacificar as inacessíveis Highlands, no curso da qual a tomada de Inverness fora apenas o primeiro passo. Na primavera de 1652, deslocando as primeiras intenções do Parlamento, que exigia ind ignado a anexação pura é

simples, o Ato de União foi formalmente apresentado. Condados e cidades enviaram representantes a Edimburgo, a fim de eleger 21 deputa dos, €, em que pese o boicote de um terço dos convidados, os escolhidos chegaram à capital inglesa em outubro. Protestando contra a insignificância de seu stat ” “Seria. just o

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Grampian, limite meridional da cidade, mas OUtros invasores, vindos do norte, tinham exis tido, é claro.

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431

inclusive reivindicando uma bancada maior, eles sofreram a humilhação de não poder retornar imediatamente a seu país, depois da dissolução do Rump: as diárias de dois shillings que lhes eram pagas estavam em atraso.! Afora essas dificuldades localizadas, não havia dúvida de que o “casamento” forçado representava um rude golpe no orgulho nacional escocês, e é fácil en-

to a ela; sir Thomas Urquart, de Cromarty, aquele original filósofo das

Highlands, chegou a dizer que “independentes” e partidários do rei conseguiam se entender melhor entre si do que com os presbiterianos. Os ingleses fizeram questão de enfatizar isso, atendendo às solicitações para que fossem enviados novos capelães militares. Criaram-se algumas igrejas “independentes”, nas Lowlands, e Deane relatou que os habitantes das Highlands mostravam-se muito mais sensíveis aos argumentos dos pregadores recém-chegados, ouvindo-os . e “ com grande atenção e suspiros”.” Foi um daqueles a quem Cromwell costumava escrever que definiu com mais clareza o principal problema dos ingleses na Escócia: “Para nossa maior segurança e pelo bem daquele povo pobre e esperto, devemos acenar-lhes com liberdade e lucro.” Algum tipo de vantagem já existia e tenderia a cres-

cer a partir da abolição da alfândega, conquanto o custo das tropas inglesas fosse muito alto. Autonomia, não. Pior: o clero presbiteriano mantinha a popenpulação sob um controle muito mais severo do que o otimismo dos “inde dentes” admitia. Segundo sir Thomas Urquart, à união não devia basear-se simplesmente no “congelamento da espada conquistadora”, posto que a ma-

deira e a pedra têm uma soldagem pouco natural quando presas ao gelo. O procedimento mais correto aproximaria as naturezas diversas através de jul-

gamentos mútuos, privilégios e imunidades idênticos, num processo de conquista dos corações escoceses — coisa que as autoridades de Londres dificul-

tavam ao proibir os casamentos entre soldados ingleses e “mulheres da nação escocesa”. Durante o ano de 1652, conforme relatou o comandante inglês,

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estirpe dotada de tão pouco senso do que lhe convém”, escreveu um deles, “que quase não há quem demonstre alegria pela conquista de um voto no Parlamento e iguais prerrogativas sob as leis da Inglaterra — algo que o mais rico dos reis trocaria pela jóia mais esplêndida de sua coroa.” No entanto o fim da Convenção, enquanto religião oficial do país, estimulou os que sempre tinham se opos-

=

os ingleses sentiram-se magoados com a ingratidão dos escoceses, incapazes de qualquer júbilo em consegiiência da proclamação da União: “Trata-se de uma

sa

pássaro tender a amargura de Robert Blair, segundo o qual “[somos] um pobre comido pelo gavião e que se torna parte do seu organismo”. Em contrapartida

432

ANTONIA

FRASER

Robert Lilburne, “um estranho silêncio pesou sobre o país”, expressando E antipatia dos escoceses, “apesar de tudo o que se fez para agradar-lhes” 20 O desencadeamento da Guerra Holandesa forneceu o incentivo à primei. ra tentativa séria dos partidários do rei no sentido de utili zar esses sentimen. tos adversos e tão vivos: impenetráveis às tentativas de sedução por parte do

governo, as Highlands seriam a base da insurreição. Infelizmente a expedição

realista dividiu-se e frustrou-se. General experimentado, Middleton enfrentou a dificuldade inicial de recrutar as tropas de que precisava e, logo a se guir, confrontou com o líder local, o conde de Glencairn. Em carta à Cromwell, o fleumático Lilburne, soldado e administrador honesto, em princípio não levou muito a sério o “plano dos malvados”. Perfeitamente identificado com a

política do governo, ele encarou o levante com tranqiiilidade — algo “circunscrito a Inverness” — enquanto o resto do país permanecia em calma —, sem tomar conhecimento das violências praticadas nas Highlands. Mais tarde imaginou que o problema fosse causado por alguns pastores presbiterianos, que, tocando suas trombetas, estariam sendo ouvidos nas Lowlands. Por conseguinte, no mês de julho dissolveu à força a Assembléia Geral Presbiteriana. Londres não dera as ordens, mas aprovou sua atitude.?!

Porém a ausência de reforços que em crescente desespero ele solicitara a

Cromwell desde o outono, aliada aos problemas causados pelas guerrilhas nas Highlands acabaram conferindo ao levante de Glencairn um caráter muito mais sério do que seu dividido comando poderia ter feito por merecer. Em

novembro Lilburne redigiu um relato emocionado acerca dos inúmeros focos

rebeldes, referindo-se à força do inimigo que crescia nas faldas das monta-

nhas. Mesmo prejudicado pelas mudanças políticas na Inglaterra, que inviabilizavam boa parte das provisões que esperava receber, ele tentava Ser tolerante e perspicaz, com vistas à pacificação do país. Assim, foi capaz de entender que algumas das queixas da nobreza decorriam de mera necessidade

financeira. À longa duração das guerras trouxera a insolvência, exacerbada em virtude das novas formas de justiça introduzidas pelos ingleses, ansiosos

em romper com a jurisdição hereditária — os credores dos senhores de terra

exigiam os pagamentos a que tinham direito. Sem tocar nas medidas que ha0 viam contribuído para a estabilidade, sugeriu menos rigor contra denso res e que o Conselho de Oficiais instruísse os juízes no sentido daOS dilat açê £ “ dos prazos. Seus planos de paz exclufam punições, suspendendo praticamen

todos os confiscos, exceto dos cinco ou seis “cabeças” do levante. Em dezem bro, seus relatórios já refletiam uma visão mais es perançosa.?

E

CROMWELL

433

Entrando no ano seguinte, porém, as Highlands continuaram a apresentar uma aparência buliçosa, situação que se manteve inalterada mesmo depois que uma operação combinada de Monk e Lilburne obteve certa trangiilidade nas Lowlands. No início de 1654, Middleton assumiu o comando das forças

realistas, mas O término da Guerra Holandesa liquidou com as esperanças de ajuda continental. Em julho, tendo se sobreposto a Lilburne, Monk derrotou Middleton num ataque de surpresa desferido contra Dalnaspidal, próximo a Lochgarry. O comandante do exército escocês escapou para o exterior, mas seus seguidores foram dispersados, e as esperanças de Carlos II viram-se mais uma vez defraudadas. Na Inglaterra, apesar de presidido por um religioso de renome e da in-

teira confiança de Cromwell, o Parlamento Barebones não tinha correspondido às grandes expectativas gerais. Veterano de muitas lutas puritanas, Francis Rous era diretor do colégio de Eton; afastado dos presbiterianos em 1649, servira na comissão criada para o estabelecimento de uma igreja nacional, parecendo ser o tipo de homem capaz de organizar a “santa assembléia” com que Oliver sonhava. Infelizmente os pentamonarquistas e seus simpatizantes, que se supunham igualmente “santos” e, sob a liderança de Harrison, estavam muito mais bem organizados, possuíam um peso razoavelmente incô-

modo. Afinal, foram Squibb e Moyer que conduziram esses radicais a suficiente coerência para tornar estridente aos ouvidos de Cromwell o som do chamado Parlamento “nomeado”. Tingido de religiosidade, mesmo não sendo

tão exageradamente tendente a rezas e discursos devotos — conforme os críticos fizeram crer —, “muitos de seus integrantes acreditavam ter feito boas coisas a fim de promover o reino de Cristo”; nesses termos, Alexander Jaffray, um dos cinco membros escoceses, referiu-se em seu diário aos “mui-

tos piedosos participantes daquele Parlamento que pouco produziu de bom”.

» 24

O que se contestava era o modo de agir deles.

Os pentamonarquistas, que não passavam de uma seita pequena em 1649, tinham crescido e se tornado capazes de produzir grande alarido. Para come-

çar, encaravam as lutas com aprovação — no caso, a Guerra Holandesa —,

Julgando que as armas ajudavam a difundir o reino de Cristo; além disso, em

seus elaborados cálculos, o conflito no continente e o retorno dos judeus tinham lá a sua valia. Ao final de 1652, forçados a interferir nas questões de

Estado, eles adotaram uma linguagem veemente. “Ouvi uma oração e dois sermões”, escreveu um visitante de uma de suas igrejas, em Blackfriars, no

ano de 1653, “mas, pelo amor de Deus!, como eram cruéis, abomináveis e

7 ÁÁ

434

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horríveis aquelas trombetas, [prometendo] fogo, assassinato e chamas”3 Daí em diante suas flamejantes profecias, repletas de interpr etações das Escritu. ras, fosse elogiando a Guerra Holandesa ou deneg rindo com

furor as Negociações de paz, acompanhariam cada uma das açõe s de Cromwell. Seus membros

dentro da assembléia, articulados aos pastores que vociferavam pelas ruas, apoiaram a dissolução do Rump, considerada um passo na direção do trono dos Ancestrais, mas em oposição às políticas eclesiásticas mais moderadas

causavam alarme. Os primeiros empreendimentos nada retumbantes do novo Parlamento não foram prejudiciais. Cromwell e outros integrantes do Conselho recebe-

ram convites formais para comparecer às sessões — Lambert parece ter esta-

do presente a uma delas. Diferentemente do Rump, org anizaram-se duas comissões encarregadas de aperfeiçoar as leis, do que result ou a instituição do casamento civil e a abolição das multas sobre contas ou nota s promissórias. Nas prisões passou a vigorar um sistema de taxas que impedi a a extorsão dos carcereiros. À impopular Chancery [Supremo Tribunal] foi abo lida de uma vez, mas, na ausência de advogados profissionais, a nova Alta Cor te de Justi-

ça nasceu cheia de imperfeições. De fato, realizando tão pouco do que dela se esperava, a assembléia converteu-se em alvo de críticas por inépcia e teimo-

sia. Cromwell suspirava, murmurando: “Tenho mais problemas com os tolos do que com os canalhas.” Na metade de julho de 1653, John Lilburne voltou à cena londrina. Aguardava-o outro julgamento, em virtude de um exílio anterior ao qual fora conde-

nado por causa de prolongados ataques contra sir Arthur Haselrig. Foi preso

imediatamente, e choveram petições pedindo sua libertação. Intensificando a dinâmica do descontentamento popular, ele inspirou os seguintes versos: E de que, então, vai morrer o honesto John Lilburne? Três vezes vinte mil saberão por quê.*

O honesto John Lilburne escapou da condenação à morte, e não se deve

culpar Cromwell por ter desejado no fundo de seu coração ver-se livre de um aborrecimento tão constante. O Julgamento produziu um veredicto comparável

a uma quase absolvição, demonstrando Claramente o critério do júri acerca do controle governamental. 7 “A rima repetiu-se cerca de trinta anos depois| , referindo-se a Trelaw e ney e aos hom ens d Cornualha.

CROMWELL

435

Definitivamente, o Parlamento Barebones revelou-se incapaz de gerar

aquele Estado milenarista semicelestial desejado por Cromwell. Seu maior fracasso sobrevelo quando se tratou da eternamente problemática questão dos dízimos. No ano anterior, como foi visto, Oliver votara pela manutenção desses discutíveis estipêndios, considerando não existir forma mais conveniente de pagar aos pastores. Elevado a novas alturas e entusiasmado com a possibilidade de unificar as opiniões em torno de propostas políticas, dele se esperava uma organização eclesiástica tolerante. À guisa de petição em defesa de seus irmãos de fé, cujas propriedades haviam sido confiscadas, Godfrey

Goodman, antigo bispo de Gloucester, chegou a dedicar-lhe um livro em 1653 — The Two Great Misteries of the Christian Religion [Os dois grandes mistérios da religião cristã]. Baseado no precedente de John Fisher, requereu uma entrevista de apenas meia hora, acreditando poder convencê-lo em 15 minutos. Defrontou, entretanto, com os dentes arreganhados do Parlamento,

que já no dia 15 de julho sugeria a abolição dos dízimos, proposta derrotada

por apenas 25 votos. Como todas as seitas ampliavam suas demandas no mesmo sentido, a conexão entre o estipêndio e a manutenção do seu valor em bases estáveis, con-

forme desejo dos proprietários, ficou cada vez mais evidente.* Um panfleto

de 1654, intitulado Laxoless Tithe Robbers discovered [Dízimos ilegais desmas-

caram ladrões], encerrava uma mensagem bastante clara: “A renda dos proprietários e a renda dos dízimos serão mantidas ou cairão juntas (...).” Isso explicava o interesse histérico das classes ricas, comparável à sua atitude atual acerca do imposto sobre o capital — um temor que se estendia às implica-

ções da regra, que poderia acarretar um confisco final e absoluto — revolu-

cionário. Em setembro o povo estava de sobreaviso quanto às tendências do Parlamento Barebones: o Conselho da City enviara petições a favor da preservação do dízimo — “instituição ancestral, preservada na Carta Magna”? — e gradativamente a matéria foi se identificando com a estabilidade social em contraposição aos menos populares ideais de mudança. A essa altura dos fatos, a musicalidade da aclamação européia não era suficiente para abafar, aos ouvidos de Oliver, o ruído discordante de sua própria assembléia nomeada, e a depressão que ele sentiu foi compatível com as grandes expectativas que acalentara. No final de agosto, o tom de desespero que sua correspondência costumava revelar em momentos similares transparecia E

*Há uma alusão a esse respeito no capítulo anterior.

A

Ro TESÃO

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em carta que escreveu a Fleetwoo d, então na Irlanda. “Nunca pr ecisei da aj

uda de meus amigos cristãos!”, disse ele, compar ando-se a Moisés, ip. quirido por um hebreu que pergunta quem o fizera “príncipe e juiz”, Pr egei

pado, ele suspira: “Oh, se ao menos, em lugar de rivalizarem uns com os ou. tros,

cada qual cuidasse de fundamentar sua op inião com amor e humildade (...). Infelizmente, o que eu gostaria mesm o era de Possuir as asas de um pombo (...).”27 A citação bíblica não dava margem a dúvidas: Fleetwood en. tendeu que Cromwell cogitava de uma reti rada prematura. Trata-se de uma prerrogativa de qualquer estadista, mas, como tantos outros notáveis políticos, ele não o fez. Por essa época, sir Roger LEstrange cons truiu uma imagem ainda mais pungente de Oliver, referindo-se a ele co

mo um Odin de St James's Park. Atraído pela música que provinha das Janelas de um certo sr. Hickson, o nobre encontrara cinco ou seis pessoas, e atendera 20 pedido de tocar uma viola é entoar uma ária. “De repente, sem o menor aviso, Cr omwell entrou, obser-

vou-nos por alguns instantes e retirou-se da mesma fo rma inesperada.” A situação pessoal de sir Roger era, não obstante, ligeiram ente mais complicada do que essa inocente e tocante narrativa pode sugerir. Part idário da causa do rei, ele acabara de regressar do exterior, notificando o Co nselho de Estado, conforme determinava a lei, pois queria visitar o pai agonizante Esse encon. tro casual? valeu-lhe o apelido de “violonista de Cr omwell” e uma acusação de espionagem. No entanto o Lorde-General limitou-se a assegura r-lhe boa vontade e forneceu o passe de que necessitava, confiando à sua discri ção 0

desprazer que sentia diante dos rigores impostos aos real istas. Assim, na melancolia e no conflito resultantes da ruína das grandes esperanças que alimen -

tara, ele se voltava para a música de que gostava mais e o conforto de homens com opiniões antagônicas. No outono dificilmente se lembraria dos au gúrios que fizera no dia da instalação do Parlamento Barebones — vésp era da realização das profecias. A união protestante, outro de seus sonhos, ainda permanec ia imune à pô-

luição áspera da realidade. No dia 23 de se tembro, sir Cornelius Vermuyden,

especialista na drenagem dos Fens, teve a oportunidade de prestar-lhe um Ser viço pessoal, desempenhando missão altamente co nfidencial junto aos holan-

deses: inicialmente tratava-se de uma proposta de aliança mú tua, defensiva é

ofensiva, mas a longo prazo a idéia era dividir o mundo entre as duas grandes potências. Todos os privilégios comerciais e direitos civis seriam partilhado Lego: Duas comissões paritárias — constituídas ro holana

à

x

a

-

por quatro ingleses e quat

a

4.

CROMWELL

437

deses — se incumbiriam de formalizar os tratados que viessem a se estabele-

sperde se não to proje do ioso relig er carát o que Para s. paíse s cer com outro se, a escolha dos missionários protestantes se daria de comum acordo entre ambos os governos. Portador dos detalhes, Van der Perre foi enviado de volta

à Holanda, conseguindo marcar audiências que se realizaram nos dias 18 e 19 de novembro. Independentemente da reação de Haia, o caldeirão da política inglesa fervia tanto que inviabilizava qualquer resultado satisfatório. No entanto o episódio demonstra a cortina de ingenuidade que, curiosamente, ainda cobria os contatos externos de Cromwell. Sentado numa cadeira de veludo vermelho, ele presidiu a abertura da con-

rioridade dos ingleses e falou sobre isso aos estupefatos holandeses, obviamente

tentando convencê-los, embora revelando absoluta falta de tato. Assim, o relató-

rio que eles próprios haviam elaborado a respeito do seu discurso e segundo o qual “a estatura a que tinham sido elevados [o povo da Inglaterra] por Deus, nosso Senhor, dispensava nossa ajuda (...)” estava absolutamente correto. À recí-

e proca, porém, não era verdadeira. Os Países Baixos careciam da Inglaterra,

Oliver pontificou interminavelmente acerca das vantagens e riquezas que lhes

adviriam graças à união, até que a certa altura os interlocutores se sentiram obrigados a replicar — com irônica frieza — que “o Deus Todo-Poderoso que *Da mesma

forma, pouquíssimos franceses se expressavam

fluentemente em inglês. Apren-

der essa língua era considerado um absurdo na corte de Paris, e a forma pela qual seu embaixador escrevia os nomes ingleses chegava a ser ridícula.” “*Cromwell parecia gostar muito dessa expressão e, como se verá, voltou a empregá-la para rejeitar objeções a seus esquemas relativos à questão da realeza.

E Pr

acerca da soberania” e discorreu com grandilogiiência, dizendo que não passavam de “uma pena no chapéu”.** Por contraditório que pareça, Cromwell atribuía igual importância à supe-

a

gundo, mera repetição do primeiro — Oliver deu a impressão de estar nas nuvens, mencionando uma união ilimitada, verdadeira e completa fusão dos dois países: dadas as circunstâncias da hostilidade oficial, um homem mais precavido teria ensaiado alguma mediação em vez de dar o salto que ele propunha. Alienando os protestos-dos holandeses, que argifam a diferença considerável entre união e coalizão, Cromwell desdenhou “esses termos peculiares

E

ferência, evidenciando uma acentuada insegurança, talvez pelo fato de se ter falado francês, idioma que poucos ingleses dominavam.* No dia seguinte, a seu rogo, usou-se uma mistura de latim e inglês. De acordo com os diplomatas estrangeiros presentes, nos dois longos discursos que pronunciou — o se-

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estendera Sua misericórdia aos ingleses também lhe s tinha outorgado inúmero benefícios”.”º Enfim, à parte o furor pol ítico que tomava conta de Whitehal] os termos de paz sugeridos comprovaram-se inviáv eis, as negociações foram fôm pidas e a guerra se arrastou até o ano seguinte. No outono a missão sueca despertou o interesse pessoal de Cromwell: 0 projeto diplomático tinha importância, pois abria perspectivas d e algum tipo de aliança comercial; além disso, tratavase da primeira embaixada da Comunidade. Bulstrode Whitelocke, designad o para o papel, mostrou-se relutante, Oliver bombarde da»

4

£,s

ou-o com uma série de argumentos. A sra. Wh itelocke e 12 pequenos Whitelocke não representavam uma de sculpa adequada: “Conheço bem vossa esposa”, disse ele, “e sei que é uma bo a mulher, bastante religiosa (...) numa questão dessa natureza, envolvendo o interesse de Deus e do seu povo (...) ouso afirmar que ela não se oporá.” De sesperado, o marido respon-

deu que, mesmo desejando a promoção da vontade di vina, “ela espera que a contribuição necessária, ou mais, seja dada por outrem”, Baldados todos os esforços no sentido contrário, Cromwe ll conseguiu o que queria. À frente de um grupo de funcionários idôneos, Whitel ocke partiu carregando ricos presentes, inclusive uma espada e esporas com incrustações. Em abril de 1654, o retrato de Oliver estava pronto para ser enviado à rainha

Cristina — um gesto que lembrava os hábitos da realeza em épocas anteriores — e sob a tela Marvell escreveu alguns versos dirigidos à Bellipotens Virgo [Poderosa Afrodite] que se sentava no trono sueco: Flaec est quae toties inimices Umbra Jugavit At sub qua Cives Otia lenta terunt

LEsta é a sombra da qual fugiram os homens maus , E sob a qual os melhores sentiram-se à vont ade]

Em resposta às cuidadosas inquirições do legado, Cromwell assegurou que suas contas seriam pagas em dia, sinalizando que o novo Estado começava a entender a conveniência de uma boa apresentação nas relaçõ es inter-

nacionais. No entanto, tão sensível quanto a seus próprios títulos, a Comunidade ainda não acertara os de outros povos. Escrevendo de Ups ala, s!”

Robert Stapylton informou que os da rainha estavam errados — Sua Majestade tinha demonstrado tolerância, mas os ingleses deviam ser “muito cui dadosos com esses detalhes em todos Os contatos que mantivessem com à g dema naçõ is

es”.*

8

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Em outubro Cromwell retomou suas preocupações com a intrincada situa-

ção da França. O famoso engenheiro alemão Joachim Hane, de quem se ouvira Alar durante as consultas sobre as novas fortalezas da Escócia, recebeu a mis-

são sigilosa de prestar auxílio aos huguenotes. Viajando na companhia de um comerciante, Israell Bernhard, ele deveria estabelecer contatos com vistas à propagação religiosa e investigar as bases de La Rochelle e Bordeaux, para as

quais Condé vinha solicitando a ajuda de Cromwell. Infelizmente, reconhecido por alguém que o vira na Escócia, o emissário caiu prisioneiro e, depois

ve-se esperançoso de conseguir superar as diferenças político-eclesiásticas

e, nesse sentido, no próprio mês de outubro, iniciou uma série de conferências reunindo pastores “independentes” e pentamonarquistas, incluindo

John Owen e Stephen Marshall. Seu capelão, Sterry, atraíra pregadores ra-

dicais, como Christopher Feake. À semelhança do rei Canuto, porém, Oliver foi incapaz de controlar as crescentes e turbulentas ondas do antago-

nismo religioso que se formavam desde os púlpitos e o próprio anticlericalismo do Parlamento, e que acabaram afogando os moderados, defensores dos direitos de estola. Tampouco o velho partido do exército, liderado por Lambert, ficaria passivo ou calado, enquanto seus objetivos

eram descaradamente frustrados pelos radicais. A rivalidade entre Lambert e Harrison fora objeto de comentários populares assim que a dissolução do Rump se concluíra: o primeiro, dono de maior

popularidade, possuía “interesses mais universais (...) militares e nacionais; nasceu cavalheiro, corajoso, instruído, culto mesmo, sabia comportar-se, sendo dotado de boa natureza e capaz de boas opções”. Nas eleições do Conse-

lho, realizadas no dia 1º de novembro, Harrison ficou apenas em 13º lugar; no entanto sua oposição e a de seu grupo a qualquer organização que extrapolasse

ii

em

O

a

a

par e voltar à Inglaterra. Seu diário registra vívidas experiências e, incidentalmente, nega que Oliver o tivesse traído — a tola acusação partira de Slingsby Bethel.”* Outro emissário, Jean Baptiste Stouppe, convenceu-o afinal de que as propostas de Condé não eram confiáveis. A problemática francesa — aqueles esperançosos irmãos protestantes cuja proteção representaria contentamento espiritual e ganho nacional — permaneceu em suas cogitações, aguardando melhor oportunidade. Na Inglaterra, ao longo do outono, a crise política exacerbara-se, dando sequência à amarga prévia que fora, no estio, a atuação do Parlamento Barebones a respeito dos dízimos. Há evidências de que Cromwell mante-

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de algumas aventuras pouco agradáveis, incluindo a tortura, conseguiu esca-

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as exigências dos pentamonarquistas permaneceram infle xíveis. Na época ob. servadores isentos percebiam que a situação caminhava par a um novo con. fronto. Em dezembro o embaixador de Veneza informou que, segundo rumo. res gerais, logo haveria uma mudança de gov erno. O estado de ânimo da população oscilava: os marinheiros, com os soldos atrasados, cumpriam : performance dos soldados em idêntica circunstância ant erior: um grupo deles abordou Cromwell e Monk em Whitehall aos gritos de “ justiça e direito n 34 Em 2 de dezembro os moderados encaminharam, no Parlamento Barebones, um plano referente aos dízimos: sua propri edade legal não seria con. testada, e quem tivesse escrúpulos em pagá-los deveria comparecer perante o Juiz de paz; além disso, expulsar-se-iam os pastores inadequados. No dia 10, entretanto, uma estreita maioria derrubou esse projeto, adi ando para daí a 48 horas a votação de um outro, que previa sua contínua apropriação pelos pastores — esperava-se que também fosse derrotado, mas a situação chegara a um ponto crítico. Qualquer movimento possível teria que ser rápido: 11 de dezembro era domingo. Durante toda a Jornada, Lambert e seus partidários trabalharam incansavelmente; na segunda-feira de manhã confiavam ter obtido o apoio de Rous, assim como o de diversos membros important es da assembléia.

Tão logo se abriu a sessão de 12 de dezembro, antes que pudesse ser levantada a questão da pauta o presidente passou a palavra a siy Charles Wolseley. De família realista, ele se casara com a filha de um pur itano, lord Saye Sele, convertendo-se num apaixonado admirador de Cromwell. O orador — obviamente de forma pré-combinada — lançou uma diatribe contra 0

plenário: a abolição dos dízimos encobria um ataque à noção de pro priedade. Denunciada a participação de uns oitenta membros nessa conspiraç ão, or nou-se fácil chegar a uma proposta de dissolução do Parlament o, que tramitou e foi aprovada com extraordinária rapidez. Considerando sua causa irremediavelmente

perdida, os radicais se uniram numa

atitude desafiadora.

Enquanto o martelo, símbolo da autoridade, peregrina va, acabando por Ser

entregue formalmente a Cromwell na Horse Chamber, alguns tei mosos par

lamentares mantinham-se imóveis —. Alexander Jaffray, da Escócia, foi um deles — tentando continuar com a sessão sob a presidência do colega de

Harrison, Samuel Moyer, representante indicado pela Companhia das Índias Orientais. Mais uma vez, menos de nove meses após a dissolução do Rum: Os defensores da última trincheira a sair da sala.

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As minutas redigidas pelo escrivão da Câmara constituem uma obra-prima de atenuação do que se passara. Posto que não seria “bom para a Comunidade” que continuassem a se reunir, era “necessário que [os membros do Parlamento] entregassem ao Lorde-General os poderes que dele tinham re-

cebido” — um prolongamento da ficção implícita no Instrumento de Governo, onde se insinuava que a autoridade derivava de Cromwell. “O presidente,

juntamente com grande número de membros da Câmara dirigiram-se todos a

Whitehall, e lá, através de um documento escrito por suas mãos, renunciaram aos referidos poderes (...) entregando-o a Sua Excelência.?* Assim, o registro da dissolução pareceu mais educado do que a fórmula sem evasivas do sr. Scobell: “Sua Excelência, o Lorde-General, encerrou os trabalhos da Câma-

ra, com o que a Câmara não concordou.” Mas, de um jeito ou de outro, a Câmara fora extinta. Realmente, os dois eventos têm pouco em comum. O fim do Rump fora súbito, e até mesmo os que assumiram a responsabilidade não estavam preparados para o resultado final; em contrapartida, há evidências de que várias semanas antes da eliminação do Parlamento Barebones houve discussões sobre o regime

a ser adotado. O novo Instrumento de Governo, produzido por Lambert,

consubstanciava um grande número de antigas idéias do exército. Corria uma

história segundo a qual esse documento teria sido discutido desde novembro, adiando-se a ação concreta por solicitação do próprio Cromwell, relutante em

usar a espada para suprimir o Parlamento pela segunda vez ou mesmo aceitar a

posição real que lhe seria outorgada.'* Pode-se imaginar que ele tenha vivido um período de dúvidas, dificuldades e desilusões. De algum modo, a aguçada

espada da decisão passara às mãos de seu subordinado, menos comprometido com a “assembléia divina” — ao contrário, ele defendera um conselho de 12 membros. Oliver, porém, esperou muito € desapontou-se demais. O fracasso retardou tudo quanto sua filosofia pessoal embasava, conduzindo seu pensamento na direção das alternativas práticas que a situação exigia. É frágil a acusação de que Cromwell teria trabalhado nos bastidores,

como um Maquiavel, a fim de abalar a reputação do Parlamento Barebones,

permitindo a Lambert atuar, para que ele alcançasse o poder absoluto. A partir de abril ele próprio se determinara tanto a organizar uma assembléia de

“santos”, que não se pode duvidar de sua sinceridade — o discurso de 4 de julho é uma peça verdadeira. Longe dos sinais divinos, evidentemente, ele fora forçado a recuar na direção do instinto mais pragmático, tendendo à mo-

narquia que havia discutido com Whitelocke. Nada disso significara conspi-

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ração ativa — nos compromissos diários, audiên cias e comparecimentos ele se tornara uma personalidade pública; informado acerca do que se propunha desempenhou um papel marcadamente passivo, ciente das mudanças que k avizinhavam e que tornariam ainda maior a sua participação, inelutavelmente No íntimo talvez se sentisse algo inseguro, mas iss o só fazia ainda mais recomendável uma certa dose de paciência. Cromwell manteve essa “postura de espera”, pelo menos publicamente, até

que o golpe de Lambert se concretizou. Sua nova po sição não tinha sequer um título, e

nos três dias que precederam à sua proclamação ofi cial houve uma sé-

re de discussões a respeito, distantes do público, é claro. A designação real se-

ria finalmente aceitável? Os boatos Já não o ha viam sagrado assim? De todas as desv

antagens, a mais óbvia referia-se ao exército, repl eto de republicanos; a mais sutil correspondia ao caráter permanente da realez a, bem diferente de um mandato temporário. Entre 13 e 14 de dezembro — na terça ou na quarta-feira portan

to — Lambert sugeriu que se adotasse a denomi nação menos pomposa de “Lorde Governador”. Conforme as memórias de Ludlow, o próprio

Cromwell é que eliminou a palavra “rei” do Instrument o de Governo — ainda que o termo não estivesse posto, alguns chegaram a propor que ele o aceitasse. Em relatórios enviados ao exterior fez-se menção aos ins istentes pedidos dos

soldados “a favor de uma monarquia”, Quatro anos de pois, amargurado,

Cromwell comentaria a oposição dos oficiais: “H ouve um tempo em que eles não se sentiam tão horrorizados diante dessa palavr a [rei].”*” O rumo dos

acontecimentos parece indicar que a escolha do título de “Lorde Protetor” fi-

xou-se em virtude de suas conotações provisórias. No passado ele for a associado aos regentes, terminando com a maiorida de do soberano. É provável, inclusive, que o próprio Oliver tenha se pr endido, em teoria pelo menos, a essa idéia de mandato pro tempore. O bispo Burnet con tava uma história, segundo ele ouvida de muitas fontes, sobre a autoconfessada relutân-

cia de Oliver, que costumava dizer em lágrimas preferir o cargo de pastor 0 de protetor, visto não existi j

migo comum; naquele intervalo, portanto, tratou de colocar-se entre os vivos e os mortos, segundo suas próprias palav ras até que Deus desse a conhecer Seus desígnios a respeito de como a naç , ão deveria organizar-se. Então ele passaria adiante a pesada carga com ale Bri a idêntica à tristeza com que Su portara aquela dignidade.

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Descontado o exagero da fórmula, não há nenhuma razão para desprezar ais sentimentos como hipócritas. De fato, apesar da recente desilusão moti-

vada pela assembléia dos “santos”, Cromvwell resistia a dar o passo seguinte. A frase “naquele intervalo (...) até que Deus desse a conhecer seus desígnios”

pode ter uma certa conotação de auto-engano, mas não deixaria de ser sincera. Quando as Nouvelles Ordinaires cuidaram de explicar o ocorrido aos franceses, enfatizando a sua obstinação” e as consultas que tinham sido necessárias à fim de persuadi-lo, talvez expressassem uma verdade maior do que seus inimigos admitiam. O Instrumento de Governo que ele acabou aceitando dividia-se em duas

seções — a que limitava seu posto e a que aperfeiçoava e sublinhava a sua rea-

leza. Só o tempo poderia dizer como funcionaria tal documento, curiosamente desengonçado. Todavia, conquanto muitas idéias e discussões tivessem ao lon-

go dos anos contribuído para enxertar várias cláusulas, ele jamais foi confrontado com outra experiência prática além do fracassado Parlamento Barebones. Assumindo a realeza, Cromwell instalou-se no palácio de Whitehall, como os antigos monarcas, passando a ser tratado de Sua Alteza, o Lorde Protetor. Contudo o cargo não era hereditário mas eletivo — as quinquilharias do poder importavam menos do que a centralização da autoridade legislativa e administrativa. Numa curiosa dicotomia não intencional, embora cada função

fosse definida em separado e nenhum esforço tenha sido feito no sentido de

vinculá-las, “a lei residiria”?, de acordo com o Instrumento, numa “única pessoa e o Parlamento”. O nome da pessoa estava consignado: Oliver Cromwell.

À autoridade executiva, por outro lado, caberia ao Lorde Protetor e ao Conselho, responsáveis pela elaboração das leis nos longos períodos durante os quais o Parlamento estivesse em recesso — previa-se sua convocação de três

em três anos para sessões que durariam pelo menos seis meses.

Seriam quatrocentos membros, sendo trinta representantes da Irlanda e ou-

tros tantos da Escócia, escolhidos com base na franquia de duzentas libras, excluídos os católicos e os delinguentes. A partir de sua instalação, o Protetor só poderia suspender as leis por vinte dias. Com poderes confinados aos períodos

das sessões, e sem a prerrogativa de nomear os 15 integrantes do Conselho,

funcionaria como uma espécie de termostato, irradiando calor a intervalos limi-

tados e esfriando rapidamente no restante do tempo. Impedidos de alterar a for-

ma de governo — uma “única pessoa e o Parlamento” —, os eleitos se subme-

teriam a ele, inclusive durante os períodos de calor parlamentar. Agora era o

Protetor que se encontrava às vésperas das promessas e das profecias.

> cdi

444

ANTONIA

FRASER

Aos 54 anos, Oliver Cromwell assumiu o título de Lorde Protetor da Th: glaterra, Escócia e Irlanda numa cerimônia tão séria e ritualizada quanto qual. quer outra que tivesse acontecido na época do s reis. Às 13h da Sexta-feira, dia 16 de dezembro de 1653, uma longa proc issão caminhou por Whitehall até q Chancery Court, a fim de conduzi-lo a seu posto. Mesmo nessa ocasião solene vestia uma roupa e casaco pretos bastante simples, embora o escarlate dos Con selheiros de Londres garantisse algum colorido . Havia soldados por toda parte, Oliver

sentou-se em frente do prefeito e, sem tirar o chapéu — num tom mais alegre, tinha uma faixa dourada —, recebeu o Grande Selo, a espada do Estado e o gorro, símbolos arcaicos da autoridade real, usados nas coroaç ões, prova do

quanto a cerimônia devia às lembranças do protocolo monárquico. Ele as aceitou graciosame

nte e as devolveu. A seguir todos se dirigi ram à Casa dos Banquetes, com o prefeito — sem chapéu — carr egando a espada. Às 16:15 a cerimônia foi encerrada com três salvas de tiros. Completara-se dessa forma a transição de Oliver Cromwell , “um cavalheiro de nascimento”, que galgara o duro caminho das armas até tornar -se Lorde-General, e daí à posição de Protetor ou, conforme ele assinaria no futuro — Oliver P Dos três documentos que firmou naquele dia” o primeiro e o terceiro referiam-se a questões navais; o segundo dizia respeito a suas propriedades galesas — por esquecimento ele escreveu O. Cromwell em dois, e some nte no terceiro lhe foi

lembrado seu novo e elevado estilo de “Sua Alteza, o Lorde Protetor”.

Fear

ese

PARTE

QUATRO

Lorde Protetor

(...) constatando ser esse o desejo, e tendo sido aconselhado desta forma por diversas pessoas interessadas e fiéis à

Comunidade, inclusive oficiais do exército, para assumir a proteção e o governo dessas nações (...) DO JURAMENTO DE CROMWELL, como Lorde Protetor

ESUAS BeaR 17 Grandeza E agora tendo chegado ao meridiano de sua grandeza (...) HENRY FLETCHER, em A Perfect Politician, sobre Cromwell, ao assumir o Protetorado

He C onsiderando que muitos esperavam dias de paz e prosperidade, o Protetor começou seu reino com bastante serenidade”, escreveu Henry

Fletcher, descrevendo aquilo a que ele se referiu como “o meridiano da gran-

deza”? de Cromwell. Pois sua ascensão ao poder supremo encontrou o povo inglês numa atitude de aceitação filosófica e predisposição favorável. A Uni-

versidade de Oxford enviou congratulações subservientes, referindo-se ao novo Protetor — que além do mais era seu reitor — como alguém que assu-

mira o “mundo em declínio” sob seus cuidados; houve também humildes alu-

sões à glória militar da Inglaterra, florescendo sob seus auspícios. Da Escó-

Cla, os soldados testemunharam “terem sido dirigidos por ele durante longos

anos, através de muitas ocasiões difíceis”; aprovando a mudança, eles acreditavam que a nação, após todas as suas “sacudidas”, finalmente situara-se numa base correta. Robert Lilburne confirmou esse espírito de satisfação em carta pessoal ao Protetor, na qual garantia nada ter encontrado a não ser “uni-

dade (...) e resolução no sentido de apoiar Vossa Excelência em todas as gran-

des dificuldades que a providência lhe fez assumir”.! No geral, eram notícias aceitáveis, Naturalmente havia aqueles, nascidos para discordar, aos quais essa eleva-

ção ao poder não agradava. As próprias cerimônias de posse, que tinham sido cuidadosamente organizadas para criar uma atmosfera de máxima autoridade, edi

448

ANTONIA

FRASER

com a participação do prefeito e de altas autoridades da City,

para a “mais solene realização do evento”, foram ofensivas para al 8un s, Hou. ve desagradáveis referências à “pompa”, ou como foi relatado e M uma carta para a Irlanda, as cerimô

nias tinham sido “demasiadamente similares às ve.

lhas formas, e com isso causaram tristeza a muitos”. O título de Protetor causou uma particular irritação a certos batistas que o consideravam somente à altura de Deus, e os pentamonarquistas urraram com sua ira peculiar, visto

que do seu ponto de vista só Jesus Cristo estava qualificado para liderar sozi. nho um governo. Sem esperar muitas dúvidas a respeito, o pastor Vavasour Powell disse à sua congregação que fossem para casa e rezassem a fim de descob

rir se queriam que Oliver Cromwell ou Jesus reinasse sobre eles; Christo. pher Feake

chamou Cromwell de “o maior vilão, mentiroso e simulador do mundo”? — e foi preso, obviamente. Feita à proclamação, em Temple Bar* um

descarado assistente gritou ao arauto que Crom well não protegia “ninguém, exc eto a canalhas como tu”. Um soldado ace rtou-o com um porrete,

sendo derrubado do cavalo pelo revide. Ao redor todos riram sem interferir.? No entanto esses incidentes não causaram mais do que pequenas agitações localizadas e não atingiram seriamente à superfície de uma paz dos exaustos que, pelo menos naquele momento, tinha caído sobre tod o o país. O Parlamen-

to Rump e a Assembléia Barebones, cada qua l por sua vez, tinham caído no pântano de uma extrema impopularidade. Embora os inimigos de Cromwell estivessem certamente mentindo quando o acusavam de ter manipulado esta segunda e ineficiente assembléia deliberadamente para levar o ódio ao Parlamento e com isso satisfazer suas

próprias ambições, é bem verdade que ele se

beneficiou com seus fracassos. Talvez essa situação de uma temporária tolerância possa ser mais bem resumida com uma cínica rima realista: Não que eles gostassem muit o de Sua usurpação, Mas um mal diferente, de cert a fôrma, alivia o Inferno.

*Portão que assinalava o extremo ocidental da City, derrubado em

1879.

(N. do T.)

CROMWELL

449

por exemplo, Oliver deveria ser tratado como chefe de Estado, devendo ser chamado de Sua Alteza, cumprimentado, chapéu na mão, pelos representantes holandeses € chamado de “irmão” por outros chefes de Estado, como Luís

XIV. Este pelo menos era o processo idealmente definido, mas causou intermináveis problemas, como geralmente o fazem esses detalhes simbólicos mas mesquinhos; a primeira reação do cardeal Mazarino, quando soube da exigência de Oliver de ser chamado de “irmão” pelo rei da França, foi uma amostra

da seca ironia gaulesa. Ele não estava informado, disse, de que o pai de

Cromwell estivera alguma vez na França. Naquele momento, Luís chegou a uma acomodação com Monsieur le Protecteur [o Senhor Protetor]. Para evitar as complicações do protocolo, o batalhador representante francês, Bordeaux, tentava sempre encontrar-se por acaso com Oliver em St James's Park. O Grande Selo da Inglaterra, gravado e fundido pelo admirável Thomas Simon, tinha certamente uma aparência real. Em um lado mostrava Oliver cavalgando, magnífico, por uma cena londrina, com o rio Tâmisa e uma ponte, sem chapéu, com o bastão em uma das mãos, as rédeas na outra. No outro lado

incorporava um leão rampante, as armas da família paterna de Cromwell, em

um desenho com a Cruz de São Jorge, a Harpa da Irlanda, e o Saltire — forma específica apresentada por essa cruz — de Santo André; os escoceses, que tanto tinham se queixado de sua não-inclusão nas Armas da Comunidade de-

pois da união, tinham finalmente conseguido seus objetivos. A primorosa me-

dalha da posse era ainda mais pessoal: um busto de perfil de Oliver, cercado

pela inscrição em latim OLIVERUS. DEI. GRA. REIPB. ANGLIAE. SCO. ET HIB. & PROTECTOR,., e do outro lado seu próprio lema Pax Queritur Bello cercava a cota de armas. É seu selo privado, já em uso cinco dias após sua as-

censão ao poder, voltava-se para sua remota ancestralidade galesa, para colocar

algo em suas quatro partes, como em uma busca de ancestrais da realeza. Ali estavam nomes como Madoc Ap Meredith, príncipe de Powys, Collwyn Ap

Tangno, lestyn Ap Gwrgant, príncipe de Glamorgan, e Caradoc Vreichfvas. A

alguns deles, como já foi mencionado, ele tinha certo direito; mas a intenção de

voltar ao passado para acentuar a autoridade estava, por outro lado, bastante

Clara. E quanto ao Grande Selo da Escócia, que esperou até 1656 para sua ela-

boração, ele foi evidentemente modelado sobre o antigo selo do rei Carlos I, Pois nessa época já tinham se dado mais alguns passos na direção de uma semi-

realeza: ambos eram retratados a cavalo, a única diferença sendo que aos pés do rei Carlos I se estendia a cidade de Edimburgo; mas sob os de Oliver Cromwell estava algo que não fora disponível ao antigo monarca — o campo de batalha de Dunbar.

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Essa adaptação por atacado dos costumes da realeza de uma Época ant rior estendeu-se aos mais diversos detalh es no estabelecimento da nova ss do Protetorado. De certa forma, não é nada su rpreendente que o modelo ú guido fosse o único conhecido por todo s os envolvidos, mas a administração de tais minúcias simbólicas apresentava um marc ante como as coisas tinham se desenvolvido no pr incípio da 1649. Naquele momento tudo era novo ou pelo menos se tinham feito coraJosas tentativas para que parecesse novo , e novas soluções foram pensadas para o que se supu

nha fosse uma nova era. Com o Protetorad o, a ênfase fo;

no retrocesso, no conservadorismo ou até me smo na r estauração de anti gas etiquetas. Isso levava naturalmen te a algumas situações irônicas. Bordeaux perc

ebeu rapidamente que os embaixadores passaram a ser recebidos com a mesma

cerimônia e exatamente da mesma forma como o ti nham sido na época do antigo monarca. A ironia da situação não se pe rdeu para alguns obser-

vadores. Quando o embaixador sueco, o conde Christer Bo nde, estava deixando

a Casa dos Banquetes após uma audiência com Oliver, não pôde dei xar de se lembrar da mutabilidade de todas as coisas deste mundo: que est e prédio, “que tinha sido construído para o prazer de um soberano, e depois tinha sido O lugar de onde outro rei tinha saído para ter sua cabeça decepada, e este mesmo lugar, no qual tinham sido penduradas as mais preciosas tapeçarias, que tinham sido os Prioris Regis spolia, tinha se tornado o local onde aquele que, falando-se francamente, não contribuíra em nada para isto, conseguisse alcançar um tão esplêndido triunfo”. Ele tinha razão. De fato, era um estranho exemplo de uma revolução do tempo que na sala construída pelo rei James para deliberadamente consagrar a realeza de sua dinastia Oliver Cromwell recebesse gloriosamente seus embaixadores. | Foi em abril de 1654 que Oliver e sua família se mudaram para Whitehall, pintada “de acordo com as instruções de Sua Alteza, a sra. Cromwell”. Outro relato sobre seus aposentos particulares discorria extensamente sobre a organização das refeições, realizadas em mesas onde se sentavam, separadamente, Sua Alteza, a Protetora, capelães e forasteiros, o camareiro e cavalheiros, damas,

cocheiros, cavalariços e outros serviçais domésticos, e finalmente os criados ifferiores ou subserviçais. A forração de uma carruagem para a Protetora custo! 38 libras mais o pagamento extra do tecido adamascado, sarja e noventa onç㺠de belas bainhas, perfazendo dez libras. O primeiro jantar ganhou um registro na imprensa. Certamente, quaisquer que fossem as instruções da sra. Cromwe |

CROMWELL

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o Conselho de Estado demonstrava participação sem precedentes nessas ques-

tões. Em fevereiro destinaram-se dois serviços de prata ao uso do casal

Protetoral; o prefeito, sir Thomas Vyner, deveria entregá-los a dois membros do Conselho, a fim de que fossem “corretamente pesados” — posteriormente se veria como resolver o problema de sua manutenção e contabilização. No conjunto, móveis, quadros e tapeçarias do espólio do falecido rei com um valor de cerca de 35 mil libras foram separados e utilizados para serem marcados nos Inventários dos Curadores como reservados para “Sua Alteza”. Entre os retratos e quadros adquiridos, inclufam-se os famosos desenhos de Rafael — uma série retratando os sete pecados capitais — trazidos da Torre de Londres e duas peças com uma certa “mariolatria” de Nonsuch: uma ascensão de Maria, sob

as vistas dos apóstolos, e uma Madona com anjos. Pagou-se mais uma vez para a manutenção do guarda-roupa, para trabalhos em cobre, estofamentos, sedas, torneiros, comerciantes de linho. Houve contas para acessórios de plumas e ourivesaria. Uma parte do espólio do castelo de Stirling veio da Torre, inclusive poltronas, móveis de quarto forrados de veludo vermelho, cortinas de seda e ricos dosséis. Demonstrou-se uma preocupação com o prévio regime, ou talvez um instinto pela economia,

quando até se pensou que valesse a pena mandar buscar uma certa quantidade de antigos tapetes reais usados de de laranja fulva e trabalhado com essa obsessão alcançou o apogeu real de Greenwich um close-stool

Nonsuch: um foi descrito como seda azul “mas velho”. Pode-se quando se importou da antiga [urinol], com veludo vermelho

sendo cor dizer que residência por fora,

tipo Trunke”, avaliado em 15 shillings, para ser usado pelo Protetor. Em

maio Richard Scut recebeu 12 libras para montar as luzes de Whitehall, e

Geoffrey Vaux outras 150 por trabalhos de manutenção e limpeza de passagens. Em outubro Clement Kinnersley encaminhou uma petição, explicando que fizera “seu melhor serviço” ao juntar os objetos do falecido rei para a decoração de Whitehall, necessitando de quinhentas libras. Como um sinal dos tempos, Philip Starkey, um mestre-cuca, recebia vinte libras sempre que preSidia um banquete para embaixadores. Num nível menos elevado, Thomas

Redriff recebia cinco libras por trabalhar no barco de Sua Alteza. Gradualmente se restaurava a pompa. Em fevereiro de 1656 John Evelyn, passando por Whitehall depois de muitos anos de ausência, achou tudo “magnífico e

com uma bela apresentação”.

Em setembro de 1654, de acordo com a política de estabelecer os víncu-

los com o passado, ordenou-se que os credores e serviçais do antigo rei e da

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rainha deveriam ser pagos. No entanto nada demonst ra de forma mais aguda essa inata estranheza de toda a situação do que o ines perado probl ema huma. no decorrente da enérgica decoração de Wh itehall. Pois lá algun s dos servi. dores da desaparecida família real, e em certos casos até seus descendentes se mantinham presos como patéticos ca rrapatos a uma série de barracos e ch oupanas, que por costume lhes ti nha sido permitido usar nos fu ndos das cavalariças. O Conselho de Estado foi inunda do com petiçõ “Anne”, viúva do cuidador das mulas; Rob Granger, “um pobre velho barbe;. ro?, com mulher e seis filhos, que vi via na antiga forja, construída por se u sogro, sargento do rei; e alguém cujo vínculo vinha da época do rei James 1, sendo genro de seu cocheiro. Os caso s mais tristes eram os de alguns cavalariços que viviam próximo aos depósi tos de esterco das cavalariças e que pareciam ter sido triplamente amaldiçoad os em termos sociais, sendo descritos como “idosos, pobres, e tendo muitos filh os”. No entanto todos tiveram que sair , e assim saíram, entre outros, o coronel Math ews, a srta. Pierce, a

sra. Flugge e a viúva Goose. Em abril teve-se até que pa gar cinco libras a um homem para se desfazer de duas crianças encontradas abando nadas dentro de Whitehall — não se especificou qual o método” Talvez pudess se e r um consolo para os pobres coitados desalojados saber que eles não eram as únic as vítimas das mudanças trazidas com a nova ordem: os comissários do Almiran-

tado tiveram que abandonar suas dependências em Whitehall para abrir

espaço para a nova residência de /ord Richard Cromwell. | Mais ou menos na mesma época em que se mudaram para Whitehall, Oliver e sua família também tomaram posse de outro palácio que pertencera ao falecido rei, o de Hampton Court, cerca de 19 quilômetros fora de a às margens do Tâmisa. Tinha sido oferecido a ele anteriormente pelo Par á mento Barebones e, na época, recusado; mas naquele momento foi die mente aceito. Com seu ar de relaxamento pastoral, combinado com sua facili-

dade de acesso, fosse por carruagem ou pelo rio, Hampton Court pass ou

a ter

e

um papel cada vez mais importante na vida de Cromwell, comparáv el ano j ro de Chequers, no Buckinghamshire, na vida de um moderno e nistro britânico. Quando começou a sair de Londres às sext as-feiras, voltan às segundas, Cromwell deu início, de fato, ao desfrute de algo muito a lhante ao fim de semana do século XX, muito antes de que essa prática o conhecida ao ponto de ser assim chamada. Era muito agradável, por exemp j que Flampton Court estivesse junto a um parque semi-selvagem, onde ele po

dia se dedicar a seus esportes favoritos de caçadas com falcões ou com cães

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Por isso O Conselho teve que comprar de volta algumas antigas propriedades reais, Que se tinha permitido vender por necessidades financeiras: imediata-

mente após a proclamação, dois membros foram encarregados de tratar com aqueles que, sem O saber, tinham comprado a área das lebres, os parques, os campos etc. que pertenciam a Hampton Court e comprá-los de volta.” Como resultado, Oliver não sentiu necessidade de usar outras propriedades reais co-

locadas à sua disposição para seu uso e o de seus sucessores, como, por exem-

plo, o castelo de Windsor. Ele ficou bastante satisfeito com a precisa combi-

nação do rural com o conforto que Hampton Court oferecia. Na Longa Galeria achavam-se agora as grandes tapeçarias de Mantegna sobre os Triun-

fos de Júlio César; o quarto de /ady Frances estava ornamentado com quadros ilustrando as aventuras de Meleager, aquele atirador de dardos, objeto favorito da mitologia. Somente os quadros do quarto de Oliver talvez-representassem uma estranha escolha, pois contavam a história de Vulcano, Marte e Vênus; embora à primeira vista Vulcano e Marte pudessem parecer as escolhas acertadas para um guerreiro aposentado, na verdade Vulcano era conheci-

do, do ponto de vista mitológico, como o padroeiro dos maridos enganados.

Nos jardins que rodeavam o palácio vermelho-rosa tinham sido colocadas estátuas, assim como uma fonte de bronze verde com figuras de Fanelli — estátuas de metal de Vênus e Cleópatra, e de mármore de Adônis e Apolo. No entanto é reconhecidamente difícil agradar a todas as seções da comunidade ao mesmo tempo. Esse gesto de abertura para valores estéticos causou uma grande afronta em certos círculos, pois não era difícil demonstrar que as estátuas “estavam nuas ao ar livre”. Uma boa senhora, chamada Mary Nethaway,

assumiu a responsabilidade de protestar, ao escrever ao Protetor: “Uma coisa desejo de vós, a demolição destes monstros que estão colocados como orna-

mentos nos Jardins Privados (...)”, e ela predizia que enquanto lá estivessem a fúria de Deus poderia atingir o Protetor a qualquer momento, da mesma for-

ma que tinha atingido Israel na antiguidade, para castigá-los por seus pecados e sua idolatria.” As estátuas, no entanto, não foram removidas, e o Protetor, pelo que se saiba, também não foi atingido pelos raios. Obviamente um Protetor que vivia com esses padrões precisava de uma organização doméstica mais ou menos na mesma linha, embora talvez não no mesmo grau da utilizada pelo rei. Em março de 1654 o Conselho de Estado

ordenou a dois de seus membros, coronel Philip Jones e Walter Strickland, que Organizassem um modelo para a “família? Protetoral, como foi chamada essa

Organização. Uma verba trimestral de 16 mil libras foi separada para tais des-

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pesas, e Jones foi nomeado controlador: ele era aquele coronel nado

que tinha elim.

o levante em Gales durante à Segunda Guerra Civil e tinh d entrado Para 0 Conselho de Estado após a diss olução do Rump. Membro da entourage d Cromwell — padrinho de seu quarto filh o, chamado Oliver —, eleerao pico

exemplo dos que passaram a rodear o Protetor Mais tarde o posto de Lord Chamberlain foi dado a sir Gilbert Pi ckering, outro dos íntimos de Cromyell e um homem descrito por um furios o panfleto republicano como sendo admira. velmente

adequado para a tarefa, por ser “tão afetado e enfeitado co mo um velho cortesão”.!º Sir Oliver Fleming, que de fato era um vel ho cortesão, conti. nuou em seu posto de mestre-de-cerimôni as. A segurança pessoal do Lorde Pr otetor foi levada muito a sério: ele era protegido por uma guarda de soldados e uma segurança interna. A guarda rec ebia um pagamento bastante alto — cinc o shillings por dia — para indicar sua importância. A

segurança interna, por outro lado, não fazia parte do exército,

era ligada à organização doméstica, e seus agentes foram colocados sob o comando de Walter Strickland, outro bom servid or da Comunidade, que tinha atuado como agente diplomático na Holanda em 16 5 1; assim como Jones, ele tinha se tornado um membro do Conselho de Estado após a dissolução do Rump. Sob sua orientação, a segurança interna apresentav um a aparência disa

creta, porém elegante, em casacos de tecido cinza, com colari nhos de veludo

negro, decorado com tons prateados e negros. À guarda, que era a me sma que 0 tinha acompanhado como comandante-em-chefe do exército, ficou inicialm ente sob o comando de Charles Howard, outro membro do Conselho de Estado, porém mais tarde passou para o comando de um membro do extenso círculo familiar de Cromwell — Richard Beke, genro da irmã favorita de Oliver,

Catherine Whetstone, que durante sua viuvez viveu com Oliver no Cockpit Catherine, de caráter bondoso e bastante dependente, mais tarde se casou com O

regicida coronel John Jones; as contradições entre as exigênci de as sua a € O uso que dela foi feito pelos realistas foram demonstradas quando ela sa inundada em lágrimas de uma missão como intermed iária para a dama e A lady Baker, dizendo que Oliver era o melhor irmão do mundo e que ela não sm ra nada que pudesse magoá-lo, De fato, eram bastante gratif icantes as relaçô tão íntimas que Oliver mantinha com suas irmãs, como se el e nunca tivesse

afastado completamente de seu primitivo papel de guardião masculino delas. Em 1651, em um período em que estava incrivel mente ocupado, ele pois vinte libras a sua irmã solteira, Elizabeth, “como uma pequen a lembrançã

meu amor”. Jane, é claro, como mulher de Desborough, era parte do círculo

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455

puritano mais íntimo; a mais jovem, Robina, casou-se com dois pastores, primeiro Peter French, cônego de Christ Church, e posteriormente John Wilkins, «mbos tendo sido amigos de Cromwell.

A intenção original de toda essa apresentação Protetoral, com a qual se tomou tanto cuidado, foi a de apresentar uma perspectiva de autoridade mais

do que de esplendor. Nisso, é claro, Cromwell e o Conselho de Estado estavam seguindo as atitudes da dinastia Stuart, que tinha desenvolvido sua realeza de forma marcante, tanto através de símbolos externos, quanto dos meno-

res detalhes da Corte. Essa demonstração de uma realeza tão visível foi muito bem compreendida por William, duque de Newcastle, antes da Guerra Civil,

aconselhando o jovem príncipe Carlos sobre a questão:

Nada preserva a vós, os soberanos, do que a cerimônia [ele tinha feito a pergunta de forma retórica]. A vestimenta do cargo, a distância que as pessoas se encontram de vós; autoridades importantes, arautos, tambores, fanfarras, ricas carruagens, ricos adereços para os cavalos, batedores abrindo caminho para que vossas ordens possam ser executadas por vossos auxiliares, e gritando “aí vem o rei”, conheço suficientemente estas questões e o povo [ele concluía]. Sim, mesmo os mais sábios, embora eles conheçam, e estejam acostumados a isso, abandonarão sua sabedoria, e tremerão de medo, pois este é o nevoeiro que se coloca diante de nós, e que domina a comunidade.

É bem verdade que as palavras tinham mudado e o grito tinha se transformado para “af vem o Protetor”, mas a natureza humana não tinha mudado.

Cromwell e aqueles a seu redor, militares em muitos casos, estavam acos-

tumados às demonstrações externas de autoridade e entendiam perfeitamente à necessidade de lançar o nevoeiro diante do público para poder comandar a

Comunidade. Um quacre descreveu /ady Cromwell cercada por “vinte orgu-

lhosas mulheres” e o próprio Cromwell por “pelo menos trinta jovens, seus

filhos e auxiliares”, Quando, por exemplo, uma representação da Corporação de Guildford foi recebida pelo Protetor, eles foram primeiro cumprimentados com toda a formalidade por uma série de cavalheiros de sua equipe; depois

levados por etapas até “onde Sua Alteza se encontrava, e alguns de seus heróis, e diversos outros cavalheiros de grande qualidade que o atendiam”. O

Próprio Oliver estava “com uma postura muito bela, ainda que difícil, mas que existia em função da necessidade, pois a honra da nação inglesa deve se

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apresentar a ele, que é seu Protetor ”. Da mesma forma, o Conselho de Es do, que tinha se impressionado com a solenidade da recepção cidade de Exeter, acreditava que seria de grande utilidade a elabordeaçOlãoiver de aà

panfleto com uma descrição dos procedimentos, o que “m ostraria a estima da população nestes tempos de ta

ntas dúvidas”13 Cromwell, porém, não era um homem de ostenta ções, fosse por h ábito, fos. se por treinamento. À medida que cresci a a autorid ade, naturalm ente também tendia a crescer o esplendor. O próprio Pr otetor, po rém, via todos esses procedimentos essencialmente do ponto de vista de sua Posição como chefe de Esta. do: eles aumentavam seu esplendor? Po is então tinham que continuar. Mas ele não tinha nenhum apetite pelos prazeres das trivialidades de luxo que com tantz frequência agradavam aos homens que ti nham tomado, não herdado, o poder supremo. Uma presença oficial, não uma extravagância pessoal, era o ponto chave da Corte do Protetorado. Fletcher de screveu seus gostos em geral e sua dieta em particular como “frugal, não curiosa. .. Em sua mesa particular, muito raramente ou nunca ele consumia quelques choses francesas ou quaisquer gostos modernos deste tipo”.!* A distraída forma de vestir de sua juventude, que tanto tinha impressionado sir Philip Warwick, transfor mou-se em algo um pouco mais bem arrumado, mas nunca foi substituída por um espetá culo deslumbrante de sua pessoa e menos ainda uma série de brilhantes unifor mes, como os que

têm caracterizado os modernos ditadores. É difícil evitar a impressão de que Cromwell não tinha nenhum sentido visual, uma combinação que não é incompatível com seu profundo e constante amor pela música, um gosto que ce rta-

mente caracterizou a corte do Protetorado. Pois como homem Cromwell algu-

mas vezes parecia estar muito mais ocupado ouvindo seu ouvido interno do que volvendo os olhos para o exterior.

Em comparação com os jantares semanais que ele gostava de oferecer a

Whitehall aos seus oficiais com o objetivo de se mant er em contato com E

opiniões do exército, eles podem ser equilibrados com as noites de n a que tanto agradavam a outro profundo lado de sua natureza. Já foi enc do que os puritanos foram cruelmente caluniados em épocas posterio res, E a acusação de terem sido hostis à música como uma forma de arte. A verda : é exatamente o oposto: embora inimigos da música nas igre jas, eles se gn cavam por um particular amor pela música doméstica. E o resultado para xal mas feliz da abolição da música religiosa no

período do Interregno foi

marcante desenvolvimento secular dessa arte.!' A publicação de canç ões € a =

:

sr

lodias, geralmente para consumo doméstico, cresceu acentuadamente, atra

,

E-

CROMWELL

457

de editores como John Playford e compositores como Henry Lawes. Foi durante esse período que o violino alcançou pela primeira vez a popularidade como instrumento musical; surgida com a moda de peças para um só instrumento, como as de Lawes, que amadores podiam tentar tocar em suas casas

em vez dos madrigais de uma época anterior. Puritanos famosos, como

Bunyan € Milton, amavam a música: Lawes compôs a trilha sonora original para Comus € foi homenageado como “Harry” num soneto do poeta. Oliver Cromwell era um homem típico de sua época, em seu profundo amor pelas

canções e a música de câmara inglesa. Como Protetor, ele não precisava mais perambular sozinho em St James's Park e entrar como penetra em saraus mu-

sicais de outros: ele podia oferecer os seus próprios. Contavam-se histórias sobre o Protetor e sua conhecida paixão pela música e os seus adeptos. James Quin, por exemplo, dotado de uma excelente voz de baixo, prestes a ser expulso de Christ Church devido às suas posições incorretas, por sorte foi ouvido pelo Protetor, que demonstrou “enorme prazer”. Depois de lhe ter “servido vinho seco”, Oliver observou jovialmente: “Sr.

Quin, vossa atuação foi excelente, o que posso fazer por vós?” Quin pronta-

mente pediu-lhe que garantisse seu posto e assim foi feito. Foi Oliver, preocupado com o próprio deleite, quem transferiu o órgão do Magdalen College para Hampton Court; e ele tinha outro órgão em Londres. O fato desmente

por si mesmo a tradição de que os puritanos detestavam os órgãos: sua objeção era quanto aos órgãos nas igrejas. Oliver, além disso, empregou o famoso organista John Hingston por cem libras: entre outras maravilhas, Hingston organizou um coro de meninos e o fez entoar corais de Deering, em latim,

escutado pelo Protetor, segundo se dizia, com “muito enlevo”.!* David Mell,

admirado violinista, também fora empregado por ele; em 1657, quando músicos famosos elaboraram uma petição por alguma forma de Corporação ou

Organização de Músicos em Londres, Hingston e Mell estavam entre eles.

Em fevereiro de 1657 o Conselho nomeou uma Comissão para o Desenvolvi-

mento da Música; e começou a haver música até nos banquetes para os embaixadores e posteriormente até mesmo masques* cortesãs. A dança, outra arte que os puritanos foram acusados de detestar e restrinSir, também era conhecida na corte do Protetorado, embora tivesse chegado

Mais tarde e recebido menos apoio pessoal de Oliver. Whitelocke, em sua (aj Petáculos «do T)

dramáticos e musicais dos séculos XVI e XVII, algo assemelhados à ópera.

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missão na Suécia, assegurou à rainha Cristina que a dança nã o era abso mente proibida na Inglaterra e, co luta. mo prova do que dizia, seu aju dens ensinou alguns novos dante-de.or. passos às damas da Corte. Durante o Interre foi publicado o livro padrão de instruções de dança para o Seguinte mei Sho ; culo, The English Dancing Master LO CIO sé. mestre de dança inglês] — a mulher d editor mantinha uma escola de dança. Na verdade, os puritanos sem i denaram a lascívia

introduzida pela dança, não a arte em s; 1? possibilidade de pecado conferia maio r força à sua inequívoca co nd enação do teatro, onde a atmosfera potencia lmente obscena do palco, mais do que a re. presentação de uma peça, le

vara-os a uma rigorosíssima le gislação proibitiva Mas até mesmo o entretenimento teatral foi tolerado, de certa forma, dirá o Protetor

ado. Na medida em que os regulame ntos originais não tinham conseguido acabar com as representaçõ es teatra

is, o desmantelamento de diversos teatros tinha feito muito mais para re primir os irresponsáveis amantes da art e membros da relutante Comunidade. Assi m mesmo, um certo tipo de representações continuou no Red Bull Theatr e, acarretando certos riscos ocasionais, tais como os atores serem levados por sold ados, com suas roupas penduradas nas lanças; enredos humorísticos conhecid os como drolls tornaram-se por isso mesmo mais curtos e mais objetivos, adequa ndo-se aos perigos de in-

terrupção. Outras peças eram apresentadas na casa de nobres, a mais impor-

tante delas sendo Holland House, meio escondida em Kens ington, a cerca de cinco quilômetros fora do centro de Londres.'! Da mesma form a que festas para o jogo ilícito ou a venda clandestina de álcool em ou tras sociedades, O

teatro continuou a existir, porque o desejo por ele ex istia.

Esse tipo de emergência, porém, desenvolveu dois tipos de expedientes,

além do fato de que as mulheres começaram a atuar muito mais, em vez dos meninos, na medida em que as antigas companhias de repertór se di io spersavam. O primeiro foi a hábil utilização da leitur a de peças, em vez de representações, para satirizar o governo. E neste caso podia se observar a tolerante

personalidade do Protetor: não se tomava nenhuma ação contra essas peças deliberadamente provocativas, embora, como esse tipo de pa nfletos era anunr ciado em jornais permitidos pelo governo, dificilmen te eles poderiam deixar

de saber o que estava se passando.'º Eles podiam se r comprados por seis 76h cada um ou ainda menos ao lado de St Pa ul, onde o famoso Humphrey

Moseley tinha sua livraria em Princes Arms havia mais de trinta anos. Com

a ascensão de Cromwell ao poder, porém, poet as e escritores em geral sen”

tiam que deveria se desenvolver uma at mosfera mais liberal sob a direção o

CROMWELL

459

um homem do que a que tinha prevalecido sob uma junta puritana. Pelo menos ele era conhecido como um homem que apreciava os seus prazeres: Não caçais com falcões? Por que não podemos ter uma peça? Tudo não passa de recreação... Permiti os dois tipos de lazer... Assim dizia a audaz dedicatória de Edmund Rookwood, autor da peça The Queen or the Excellency of her Sex [A rainha ou Sua Excelência o sexo], descrita como uma “antiga e excelente peça” — antigiiidade tão suspeita quanto as assim chamadas traduções de peças gregas, nas quais a sátira aumentava na medida em que a tradução fosse mais livre. Uma peça chamada Orgula or the Fatal Error [Orgulho ou erro fatal] não era a única a colocar no centro do palco um tirano — chamado inclusive de Lorde Protetor. O segundo expediente teria até mesmo consequências mais importantes do que esse subproduto da censura, e foi a introdução da arte da ópera na Inglaterra. O tratamento favorável que foi dado a espetáculos musicais e masques, em geral, por Cromwell e o governo, em contraposição à irrevogável hostilidade ao teatro propriamente dito, não se perdeu nos espíritos mais empreendedores da época. Em 1649 sir Balthazar Gerbier tinha fun-

dado com bastante sucesso um estabelecimento em Bethnal Green para en-

sinar aos jovens música, dança e declamação para “cenas”. Em 1653, quan-

do James Shirley escreveu o texto de uma masque para Luke Channel, um

mestre de dança, com música de Christopher Gibbons e Matthew Locke, essa masque não foi apresentada apenas privadamente

na escola, mas um

petáculo foi visto pelo embaixador de Portugal. Foi em

es-

1656 que sir

William Davenant, um entusiástico empresário e poeta, de quem se dizia — inclusive por ele mesmo — ser o filho natural de Shakespeare, teve a idéia de capitalizar sobre essa dicotomia na atitude do governo e produzir algo Similar às óperas que então se viam na Itália. É possível que ele tivesse a “Sperança de ser feito master of the revels [mestre dos desfrutes] — encarregado dos espetáculos da Corte — do que acabou sendo acusado após a Res-

tauração.?º Sem dúvida, em todos os seus preparativos para sua primeira

“Presentação, que seria feita em Rutland House, a casa confiscada da católica e viúva condessa de Rutland, em maio de 1656, ele foi muito cuidadoso

buscando apaziguar os detentores do poder e explicar por que a ópera se

Comprovaria de um inestimável valor para a comunidade.

460

ANTONIA

FRASER

Um hábil memorando foi envi ado a Thurloe,* secretário do Co Nselho Estado. A ópera, dizia ele, consistia esse

de ncialmente em “representaçã que serviam para diminuir a melancolia Es Moraiç do público; de outra forma e colia podia se transformar Sta melan. em sedição. A óp

era também Manteria os ma em Londres, onde gastariam se is u dinheiro, para o bem geral da co Ep o, Esses argumentos, se não são precis Mu ni da de amente

aqueles que foram usados para jus.

Rutland House], como ficou co nhecido, uma seleção de espetá culos musicais terminando com uma série de cançõe s relacionadas com “o Vence Protetor, foi essencialmente um ba lão de ensaio. Quando se viu

efetuada uma rápida prisão, foi apresent ada a primeira ópera inglesa completa, The Siege of Rhodes

[O cerco de Rodes] naquele mesmo an o, em agosto, com um proscênio e cinco cenas desenvol vidos por John Webbs a partir de Chatswor

th; utilizou-se muito o recurso de mult idões e exércitos, apesar de se terem restringido a sete os cantores prop

riamente ditos, devido à falta de espaço no palco. Depois da Restauração o enredo voltou a ser apresentado com O que se considerou uma exagerada fregiiên cia. Recitava-se então: Pois todos dizem que O cerco de Rodes

E um espetáculo que dura demais?!

Mas os langores de uma nova era não podiam lhe roubar o mérito histó-

rico de ter sido a primeira ópera apresentada em palcos ingleses.

A ópera seguinte, The Cruelty of the Spaniards in Peru [A crueldade dos es

panhóis no Peru], foi mais magnífica ainda, estreando no espaço mais amplo do Cockpit. Mais uma vez, porém, a escolha do assunto foi um sinal do E jo de Davenant em buscar a aprovação dos donos do poder. Não apenas0 É” tulo era violentamente chauvinista, de acordo com o que se supunha re ser Os sentimentos de Cromwell para com o Novo Mundo, como também àiguns aspectos tinham sido extraídos da recente tradução inglesa de uma obrê do padre espanhol Las Casas, concretamente dedicada a Cromwell. Assim, 2 ópera inglesa nasceu de uma mistura de astúcia e concessões, sob os benevo” lentes auspícios do Protetor amante da música, como se pode ver pelo fato de

*Embora encadernado com os documentos de jan eiro de 1657, em CSP Domestic, Charles Firth afirma ser anterior.



CROMWELL

461

que imediatamente após a Restauração Davenant se apressou em produzir uma

cérie de peças do mais puro teatro. Enquanto isso, com sua ênfase no alto nível moral de seu trabalho, ele devia estar agradecido a Cromwell e ao Conselho de

Estado por não compartilharem as posições de algum insatisfeito, que escreveu

de forma satírica sobre esse novo tipo de espetáculos:

O povo a chamou de ópera, Mas que o diabo carregue minha mulher

Se em toda minha vida Vi algo tão foppery [presunção ridícula ].?

No caso da literatura, nem é necessário dizer que o regime que empregou três grandes poetas ingleses não era contrário a essa arte como tal. Foi compilada uma lista dos escritores que atuaram durante o período da Comunidade e que a apoiavam de uma forma mais ou menos cordial, incluindo Milton, James Harrington, Aubrey, Robert Boyle, Dryden, o jovem John Locke e Edmund Waller; os que tinham inclinações menos favoráveis, como Jeremy Taylor, Thomas Fuller, Abraham Cowley e Isaak Walton, ainda assim podiam coexistir pacificamente com o regime.?* Embora fosse uma época de censura das notícias pelo governo, claramente não foi uma época onde se tivesse a intenção de praticar os preceitos da censura literária; mais marcante ainda foi a

atitude geral dos escritores na Comunidade, de que o próprio Cromwell poderia ser visto como um benevolente tribunal de apelações. O próprio

Cowley tinha expressado, ainda que de forma irreverente, a preocupação puri-

tana com a poesia em um prólogo a uma de suas peças satíricas de 1650:

Embora outras Artes se tornem pobres e negligenciadas, Eles admitem a Poesia, que sempre foi assim...

Com a chegada do Protetorado, porém, o instinto ancestral do escritor buscando um patrocínio individual, combinado com um sentimento justificado de que o próprio Oliver não era hostil a sua causa, os levou a um maior otimismo:

Alexander Brome, em 1653, analisou desta forma a nova relação que se esperava:

A inteligência será valorizada, e os Poetas encontrarão um amigo... Se não fosse por Homero, onde estaria Aquiles agora?

Portanto, que os soldados protejam, e os poetas elogiem,

Posto que a ambos caberão coroas de louros...%

462

ANTONIA

FRASER

O Protetor “Aquiles” não haveria de desapontar as a “Homeros”. Dada a magnanimidade pessoal de Crom esperanças de aspira well, o poeta e ca ni ro John Cleveland, preso em virtude de ter incorrido nas

ral-de-exército, acabou sendo solto; em sua petição ao Proteto

E

nidade, ele limitou-se a pedir que “não fosse mais pers eg uido por sua lealdade anterior ao rei?. Apesar do texto não conter ne nhuma autocrítica humilhante algo que se notava em outras petições do gênero, e Cleveland atacar Oliver constantemente, isso não impediu sua rá pida libertação. Sem dúvida, Cromwell concordava com suas previsões: “Vossa Al teza descobrirá que a misericórdia lhe dará mais que o poder, como se todos os dia s de sua vida estivessem carregados de vitórias, como vossos dois auspiciosos dias 3 de setembro.” Cromwell também tratou o envelhecido George Wither co m consideração. Wither desfrutara

de grande reputação como poeta lírico, mas dege nerara, produzindo coisas que oscilavam do panegírico ao puro panfletário: como ele mesmo admitia, de forma simpát

ica, sua fama tinha “withere” [se esvanecido]. Toda via ele conseguira um trabalho na Chancery Court, e em certa ocasiã o Cromwell permitiu que lesse em voz alta um discurso extremamente longo e pouc o inspirado, intitulado 4 Declaration to these Nations [Uma declaração a essas nações ]. No fim O Protetor simplesmente disse, muito educadamente, que seus se ntimentos ha-

viam sido literalmente espelhados — coincidentemente, havia um espelho diante deles.” Essa cortesia com os escritores era maior do que a de príncipes .

Assim, uma sociedade literária e artística podia perfeitamente florescer em

Londres. Milton reuniu um pequeno círculo em torno dele, em Petty France, 1n-

clusive aqueles famosos emigrantes protestantes, Samuel Hartlib e John Dury assim como seu antigo pupilo Cyriack Skinner. Típica nessas reuniões, bem como

na sociedade da Comunidade, era Catherine, viscondessa de Ranelagh, irmãde lor d Broghill e Robert Boyle, cujos filhos tiveram o poeta como tutor. Catherine

Ranelagh era muito elogiada até mesmo pelo mais crítico dos puritanos. Milton, que não tinha simpatias pelo sexo frágil, considerava-a não apenas “uma mulh er

exemplar”, mas ainda toda a sua família — disse-o ao filho tão logo ela par rumo às propriedades do marido na Irlanda. Hartlib, em sua correspondência, referia-se a ela como “a excelente” ou “a incomparável” /ady Ranelagh.” Vivendo em Pall Mall, agradável subúrbio de Westminster, perto da residência do poeta, “irmã Ranelagh”, como era conhecida, realmente costumava

“presidir” com firmeza e distinção os numerosos irmãos e irmãs que tinha —

ela era a sétima em quinze. Foi em sua casa que Robert Boyle morreu —

uma semana depois da morte daquela irmã a quem ele amara “tão conspicuê”

CROMWELL

463

mente” € cuja morte, de acordo com seu primeiro biógrafo, tanto apressara «eu fim. John Aubrey perguntava se seria correto se referir ao “ramo femini-

no” de uma família como essa, “cujas virtudes são tão masculinas, almas que não fazem diferença de sexo”. O próprio círculo de irmã Ranelagh incluía em seus salões teólogos como Pierre de Moulin. Tendo estudado hebreu com

um escocês, foi recompensada pela dedicatória que esse fizera em seu seguin-

te livro; ele tinha admirado sua proficiência, ele dizia, particularmente considerando como “estava rodeada de tantas abstrações”; tratava-se de uma dedicatória adequada a uma matriarca intelectual. Catherine, porém, também se

preocupava muito com Os problemas deste mundo. Hartlib nos dá uma bela

vinheta dela, encorajando a invenção de uma nova forma de leito para doen-

tes, através do qual um inválido imóvel poderia ser tratado por uma pessoa

somente e a cama poderia ser levantada pelo pé ou cabeceira sem machucálo. Ela disse a Hartlib: “Eu penso que qualquer máquina que facilite a vida dos doentes ou o bem-estar da humanidade, qualquer que seja a maldição que se sofra, pode ser um exercício de amor (...).” Para ela, era sempre melhor inventar uma nova cama para os doentes do que uma máquina de guerra. Esse

era o sangue de Robert Boyle misturado com um espírito filantrópico. De

muitas formas, com suas evidentes virtudes e seu espírito inquiridor, Cathe-

rine Ranelagh encarnava a bem-nascida dama puritana com tendências liberais. Uma pessoa como ela era conhecida e muito bem recebida pelo Protetor.

Catherine podia fazer uma petição em benefício de oito crianças irlandesas, órfãs de um aristocrata “transplantado”, finalizando com “vossa servidora em Cristo Nosso Senhor”. Infelizmente suas virtudes não a preservaram de problemas matrimoniais: uma das últimas cartas assinadas pelo Protetor foi intercedendo a seu favor junto ao marido. Quando Oliver morreu, a carta de Catherine a seu irmão estava entre os mais justos e comoventes tributos que ele

recebeu? A casa do compositor Henry Lawes, por outro lado, fazia uma ponte natural entre os pilares da sociedade do Protetorado com os mais discretos ex-realistas. Uma vida retirada, até mesmo sem esperanças, foi o tom mais importante

da maior parte da sociedade aristocrática durante o Interregno, um clima de es-

pera discreto, fosse para a Restauração ou a vida eterna, o que não ficava muito claro. Até mesmo sir Francis Russell, sogro de Cromwell, compartilhava essas emoções, apesar de sua proximidade com o centro, escrevendo para Henry em 1656: “Meu senhor, quando se está cansado deste mundo, chamai por mim € daremos juntos as voltas na melancolia, pois tenho que confessar que não

a

464

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FRASER

espero outra coisa a não ser um completo retiro.” As p alavras S0avam COMO as lamentações dos

tempos de Elizabeth, embora a nova era tivesse talve mais a oferecer para uma modz Z algo tão sombria, pelo menos para a aristocraçi Havia referências à partida de “pessoas

nobres” de Londres — para grande E felicidade dos comerciantes —, se bem que seu número tenha aumentad o é 1655, quando não foram renovados os re gulamentos proibindo os partidários do monarca de fixarem residência na capital. Os que permaneceram levavam uma vida

muito discreta. Quando Lady Fr ances Seymour se casou com lorg Molineux, em Essex House, no ano de 1652, a cerimônia foi tão Íntima que até o epitalâmio co

mentava o fato com aprovação:

Muito sabiamente, evitou-se que olhos vulgares Violassem as solenidades.

Dizia-se que o prisioneiro Lauderdale “tinha uma su perioridade de espírito que nem todas as regiões de meteoros podiam atingi r (...) indiferença e serenidade, por mais trágicos que pudessem ser seus sofrim entos”. Foi um ponto de vista que sir Henry Slingsby expressaria em um poema de devoção de uma incomparável beleza, quando estava sob sentença de morte por conspirar contra o Protetor: Tristes notícias traz a ouvidos senstveis 0 terrível destino da morte, Po a i morts e é a rainha dos medos e O medo dos reis,

Mas a um espírito resignado ela é hóspede bem-vinda

Nada mais do que um comboio rumo a um porto de descanso.* Outros antigos realistas, porém, enfrentaram o desafio de sua asd

ção pela terra, que ainda se esperava que cumprissem de uma forma ind

mente resignada mas com mais alegria e disposição. A velha nobreza gi Ai

casa de Lawes para lições de música; Margaret, duquesa de Norfolk, visi E

do Londres a fim de recuperar as propriedades do marido, nunca deixava

visitá-lo; os jovens puritanos, como os filhos de Philips, também se viam a lá. Em julho de 1652 Lawes organizou um concerto para o décimo anive a rio de casamento do conde e a condessa de Bridgewater; ele o tinh a conhe ”

=

do assim desde a infância, pois, como lord Brackley, atuara no papel

do Es

ão

Mais Velho, no Comus, de Milton, com sua irmã, Alice Egerton, no : da em nhorita para a qual Lawes compusera a primeira ária. Bridgewater, hom

CROMWELL

465

bondoso € dotado de muito charme, fora preso em abril de 1651 e mantido

na Torre de Londres por algum tempo; foi solto, afinal, mediante uma fiança

de dez mil libras, desde que não agisse ativamente contra o Estado. Sua mulher era a filha de Newcastle e, através do casamento de suas irmãs, ele tinha

vínculos realistas muito fortes, passando a incluir-se entre os muitos que cui-

daram de manter uma graciosa neutralidade, eximindo-se de qualquer atividade política. Admirador antigo de Milton, chegou a comprar um exemplar da ua First Defence of the Commonwealth [Primeira defesa da Comunidade]. Preservava, entretanto, sua distância e dignidade, inscrevendo pessoalmente

no livro: Liber igne, author furca dignissimi. Outro círculo literário que floresceu durante a Comunidade era, pelo me-

nos no início, exclusivamente feminino, ainda que homens como Henry Lawes

tivessem o direito de visita. Katherine Philips, conhecida como a “Orinda sem igual”, fundou uma Sociedade de Amigos que durante um breve período incluiu algumas damas de clássico renome, tais como Rosania — na vida real, Mary Aubrey — e Luscasia — Anne Owen.” A própria Orinda ilustravá a possibilidade de um retiro não comprometido, sob o condescendente Protetor. Proveniente de uma família dedicada a Cromwell — seu marido, cerca de 35 anos mais velho do que ela, ocupava-se com a política do período e seguia seu próprio caminho —, suas relações incluíam Philip Skippon, terceiro marido de sua mãe, e Oliver St John, seu tio pelo casamento. Ela mesma preferia ignorar tais histórias, devotando-se à literatura e às suas amizades: seu maior desejo era manter-se longe da “disputa por coroas”, que só atrapalhavam sua paz: Não penso no Estado, nem estou preocupada Para que lado há de girar o grande Leme. Foi um caminho que ela seguiu sem interferências e com bastante sucesso. Curiosamente foi na pintura que o contínuo fluxo de vitalidade humana, que sempre busca novas formas de contornar a represa que o controla, afinal não levou a nenhum desenvolvimento em particular. Pelo contrário, os cavalei-

ros adaptaram-se completamente à corte do Protetorado. Pode-se buscar a exPlicação na absoluta indiferença pessoal de Cromwell pelo que via à volta dele,

do contrário do que ouvia; mas o mais provável terá sido a tradicional falta de

interesse dos puritanos pelas artes visuais. É curioso, no entanto, que, se eles

eram perfeitamente capazes, como foi visto, de separar a música da igreja da

música em geral, detestando a primeira e amando a segunda, não tivessem sido O.

MENA

466

ANTONIA

FRASER

capazes de fazer a mesma distinção entre a pintura rel igiosa e a

ral. A explicação talvez possa ser o si mples fato de que a época de

nha visto um florescimento tão maravilhoso da s artes visuais que o de vista de Robert Walker, artista re sponsável pelos retratos de tantos di gnitItáá rios da Comunidade. Ele não viu ne cessidade de descobrir um estilo novo e puritano de pintar retratos: pelo co ntrário, tratou de adaptar não apenas o estilo como ainda em muitos casos até mesmo as poses e vários detalhes de quadros de seu grande predecessor, Van Dick. Walker era muito franco: “Se pudesse fazer melhor”, dizia, “não pintaria Van'dlik es.” Dessa forma, ele não se dispunha a criar suas próprias “poses”. O resultad o era um empréstimo que muitas vezes chegava a ser irônico: um retrato de Ireton reproduzia uma pose do antigo monarca. Um retrato equestre e verdadeirame nte heróico de Oliver, produzido pelo gravador Peter Lombart, foi simplesmen te copiado de uma pintura equestre do soberano em Windsor — só a cabeça dife ria. O desejo descarado de acomodar a gravura à época repetiu-se mais tarde após a Restauração: a cabeça do rei — numa nova versão — substituiu à do Protetor.* Tal atitude parecia refletir a existência de um estilo de pintur a perfeitamente

adequado à Corte, a partir do qual seria tolice elaborar algo novo, mais do que simplesmente dar prosseguimento ao que se vinha produzindo. Não houve ne-

nhuma tentativa de atribuir a esses retratos uma finalidade propagandístic em a

prol da Comunidade ou mostrar qualquer coisa acerca do novo regime, em ter-

mos de artes visuais, como os Stuart haviam feito com tanta ansiedade. O retrat o conservado, que Walker fizera de Cromwell, com paramentos milita ba res, stão : armadura, já estava obsoleto — que fim levara o casaco marrom da Guerra Civil —» mas continuou a ser divulgado até 1654 sem nenhuma alteraçã na pose cono

vencionalmente cavaleira. Quando se tornou necessário um novo retrat qu o, em 0

fez foi o grande miniaturista Cooper, tendo o protótipo — mantido por ele, HE

Vez, como uma espécie de negativo — copiado com menos força por Leley suas várias versões de tamanho natural, e que atualmente se im agina terem en

do dessa miniatura. Lely também copiou a pose cavaleira, embo ra, nesse caso» é sua própria; o corpo de seu retrato [pré-Comunidade] do duque de Hamilton

um “Ver G. Layard, The Headless Horseman, sobre as diversas vicissitudes dessa gravura; comentário sobre a mutabilidade dos tempo an: we Contemporary

Portrait of Oliver Cromwel.

pos, e em geral, David

Piper, 7)

CROMWELL

467

reaparece num retrato em tamanho natural do Protetor. Quanto à Cromwell, sua

atitude de indiferença a tudo isso — um mal necessário, a ser encarado com paciência — foi bem resumida no que talvez seja a história mais conhecida e famosa

sobre ele. Impressa pela primeira vez em 1721 por George Vertue, deve ser citada como mais um exemplo de narrativa apócrifa, mas que sobrevive pela verdade inata que contém a respeito do personagem a que se refere. “Sr. Lilly”, teria dito

ele ao iniciar uma pose, “gostaria que utilizásseis toda a vossa habilidade para fazer meu retrato exatamente como sou, sem nenhuma lisonja. Mas [apontando para seu próprio rosto] marcando toda esta aspereza, os vincos, verrugas e tudo

que vede em mim. De outra forma, não pagarei um farthing por ele.”*'* Nessa

ocasião, muito provavelmente, o artista era Cooper, iniciador do trabalho que

coube a Lely continuar — nem que seja porque a miniatura mostra as verrugas tão claramente, e Lely tendeu a escondê-las; no entanto as palavras têm um tom de veracidade muito próximo a Cromwell. Assim, como Lorde Protetor, ele deu grandeza ao papel que desempenhava, tornando-o tanto em condição como em atitude aceitável para a totalidade do país. Uma parte disso deve ser atribuída a seu próprio caráter pessoal e ao fato de que ele não era de forma nenhuma um desmancha-prazeres, tampouco um puritano no moderno sentido pejorativo da palavra. Ali estava um homem

que não só demonstrava ter os prazeres do cavalheiro inglês através da

falcoaria ou a caça, como também não via nada de errado mesmo. Cromwell, como muitos puritanos, fumava tabaco — referia-se à misericórdia divina, que enrolara “uma bênção na busto”. De acordo com /ady Conway, foi ele quem introduziu

no prazer em si o poeta Wither folha de um aro hábito de be-

ber vinho do Porto na Inglaterra, uma bebida que não se encontrava, por

exemplo, no rol das despesas domésticas do conde de Bedford antes de 1680.º? Amava os esportes comuns, desde que não levasse à sedição, distúrbiOS € outras consegiiências sociais indesejáveis. Certamente não via nada de mau no esporte. Compareceu muito satisfeito ao Hyde Park em 1º de maio

de 1654, a fim de assistir a um jogo de Aurling,** onde cinquenta homens de Cornualha, de cada lado, disputavam uma bola prateada. Nem por temperamento nem por convicção poderia Oliver Cromwell ver nada de errado nessa diversão. Ele não compartilharia, por exemplo, a atitude

mais radical de Richard Baxter sobre o esporte em geral — “como estavam - Um níquel, equivalente a 1/4 de um penny, por sua vez igual a 1/12 de um «hilling. (N. do T.)

"Modalidade de hóquei sobre a grama. (N. do T.)

%

468

ANTONIA FRASER

tão longe o temperamento e a vida de Cristo e seus tipo de recreação”. Jamais teria concordado com Earle descreveu um campo, como um espaço em q

po, dinheiro e imprecações, sendo 90% dessas últimas”. Tal conde at

acado sempre lhe pareceu estranha à natureza ingl esa, daí € incorretas — críticas ao puritanismo do século XVII Cromwell não compartilhava nem se

a,

envolvia com essas idéias. Só in terferia na questão dos prazeres quando surgiam problemas de seguranç a. A br

iga de galos foi proibida através de um regulamento de 31 de março de 1654 so mente porq ue induzia ao jogo e à desordem.? Corridas de cavalos não eram apenas suspei tas de encobrir ren. niões sediciosas, mas tinham sido usadas pa ra isso, co mo, por exemplo, na inauguração da Associação do Leste em Salisb ury. Contudo ficou claro tanto pelos regulamentos , quanto por livros de memórias e cartas que os prazeres populares com as lutas de ursos e brigas de galos sobreviveram por todo o Interregno. Hope, a co nhecida arena de lutas de ursos, em Bankside, continuou funcionando apesar de se u fechamento oficial, e havia

também espetáculos privados. Em setembro de 1655, um incidente desagradá-

vel que vitimou uma criança em Hope, fechada por engano de ntro do recinto onde estava o urso, mostrou o outro lado da moeda. Uma just iça grosseira foi aplicada à sofredora mãe: inicialmente, para não proces sar os envolvidos, ela

recebeu a oferta da metade da bilheteria daquele dia — cerca de sessenta libras — mas acabou ficando somente com três. Em 1656 a morte de alguns ursos,

abatidos a tiros pelo coronel Pride, aparentemente como resu ltado de uma briga com o dono do estabelecimento, reduziu enormemente o movimento. Os

mastins, dizia-se, teriam sido enviados à Jamaica. Os dois ursos famosos, Blin d

Bess e Ned de Canterbury, no entanto, sobreviveram ao holocausto e viveram para os tempos mais folgados da Restauração. À As famosas palavras de /ord Macaulay, justamente a propósito das lutas e ursos e sua proibição, foram as que melhor resumiram o lado escuro do puta: nismo: “Eles odiavam as lutas de ursos não porque causassem dor aos animais,

mas porque davam prazer aos espectadores.” Essas palavras, no entanto,

a

aplicavam a Oliver Cromwell. Em maio de 1653, por ocasião da aa do Rump, alguns jovens arruaceiros, em Wolverhampton, levantaram , Maypole* — aquele símbolo pagão de malícia e libertinagem que tanto € ' cava Os puritanos — “por ser um costume ancestral, sem ou tro objetivo q“ *Poste

adornado

com flores

e fitas

em

torno

do

qual

se

dançava

nas festas

de maio.

(N. do T.)

CROMWELL

469

não fosse o de expressar nossa grande alegria com aquele tão nobre comporta-

mento do exército”. Imediatamente detidos e levados à presença dos juízes locais, eles peticionaram diretamente a Oliver com as seguintes e tocantes palavras: “Imploramos que se evite nossa ruína apenas para dar satisfação à sede de vingança daqueles cuja tirania nos oprime e que querem regular a vida de todos

conforme sua vontade pessoal.”** Embora Cromwell — na época simplesmente

Lorde-General — não pudesse salvá-los da prisão, com certeza era o destinatá-

rio certo do apelo. Posto que não alimentava qualquer desejo de estabelecer

praxes que obrigassem os homens, pautava-se ao contrário pela tolerância religiosa que impregnava todo o seu comportamento. Durante o Protetorado deu inúmeros exemplos de clemência pessoal, demonstrando interesse público em

relação aos que tinham pontos de vista diferentes dos seus. Como resultado, gradualmente a Comunidade pôde recuperar um alento prazeroso muito antes do que em geral se supõe. Em 1654 John Evelyn comentou como as mulheres começavam outra vez a pintar o rosto, dando-lhe um colorido extraordinário. Os jornais licenciados pelo governo publicavam anúncios a respeito do “pó usado pela condessa de Kent, agora vendido por sua criada”. Em 1657, num verdadeiro sinal dos tempos, Joseph Cooper, “aquele incomparável mestre das artes”, chef de cuisine do falecido rei, oferecia à venda suas receitas. No Protetorado e até mesmo antes estiveram muito em voga os romances franceses, traduzidos para o inglês. Alguns tinham títulos históricos, como Cléopatre, editado em 1652, e Astrée, em 1656; o Preludia, de

Hymen, de 1654, tinha o excitante subtítulo de “a obra-prima do amor”. Dorothy Osborne forneceu a explicação. Livros como esses representavam

entretenimento em vez de falar das recentes guerras — no máximo, mesclan-

do-as a uma agradável ficção.

Mais para o final do período o editor Edward Phillips, sobrinho de Mil-

ton, aproveitou-se dos galanteios aparentemente inelutáveis, mesmo em lugares públicos de “alta densidade”, como o New Exchange, os Mulberry Gardens e os New Spring Gardens, para publicar um manual contendo as fra-

Ses mais adequadas a cada momento. Dedicado aos “jovens cavalheiros”, The Arts of Wooing and Complimenting [A arte da persuasão e do cumprimento] in-

cluía alguns ensaios muito criativos sobre a conversação, tais como: “Poderei

banhar meus lábios com vossos beijos de ambrosia?”, “A meia-noite, talvez,

Isso provocaria algum rubor” e “Caminhais em nuvens artificiais, banhando

YOssas pernas de seda numa maliciosa brincadeira amorosa”. É muito difícil

Imaginar esse tipo de conversa nos lábios de um puritano padrão, e é verdade ;

|

sn

+

Pamph

470

ANTONIA

FRASER

que havia um certo relaxamento mora l no final da década de 1650. nó to, Já em 1652, sir Thomas Gower observava, após medidas de segura m adotadas pelo governo, que se encontraria mais perfídia entre os o Hyde Park do que em qualquer outro lugar do reino. Em junho de | di Dorothy Osborne estava, segundo su as próprias palavras, “ . » SE dissipando» numa masque nos New Spring Gardens, um lugar que Anne Halkett, ) em 1648, admitia ser extremamente indecent

e. As celebrações da Festa de Maio de 1654 pareceram a m uitos estarem impregnadas de um antigo e fel iz hedonismo; no ano Seguinte, em Bethnal Green, um Maypole adornado de grinaldas levou a um entusias mo tão grande que foi prec

iso convocar tropas para dispersar a mu lt idão. mesmo ano quarenta estudantes pobr es encenaram um cortejo

numa carruagem. Até mesmo no Nata l, cuja celebração fora muito limitada em 1652 e 1653, a alegria popular tran sbordou. A Páscoa e a terça-feira Gorda também teriam sido festejadas publicam ente, não fossem as patrulhas que impediram o regozijo geral. A contradição en tre os regulamentos governamentais e as tendências populares explodiu qu ando diversas fogueiras foram ateadas por engano e não podiam ser apagadas , pois não se podiam promover aglomerações — portanto como fazê-lo? Todos os que visitavam a capital voltavam de lá comentan do o relaxamento dos costumes. Afinal de contas, foi durante a Comuni dade que as casas

onde se servia o café começaram a ganhar import ância, convertendo-se em pontos de encontros sociais. O mesmo aconteceu às qu adras de tênis, em Lisle e Gibbons, e ao teatro ilegal e locais onde se podia prat icar arco € fle-

cha, nadar e apreciar um espetáculo de dança. Sir Francis Bia chegando a Londres no verão de 165 6, viu cavalo s dançarinos, Jogou cavalgou no Hyde Park sem ser absolutamente molestado.”” Com a vital :E

das ervas daninhas, os prazeres normais abriam seu caminho pelas

e Ê

das pedras da legislação, encorajados por um espí rito mais relaxado no à pe É claro que a enorme expansão da cidade, que se in iciara na EpOUA E

Stuart, não se deteve de forma alguma durante o Interregno. Ea

E

qualquer construção exigia licenciamento; na década de 1630 Carlos I re x

çara os controles do governo nesse particular. No tempo da Comunidade, P “ am Õ rém, o fato desses regulamentos serem redundantes provou que persist! GE desejo natural

dos homens em se aglomerar e o dos construtores em ag

lar, com ou sem r egulamentos. Em

165 7 propôs-se uma lei que estabe

CROMWELL

471

multas para quem construísse sem o devido licenciamento — seria dinheiro arrecadado pelo governo. Mas havia exceções, é claro; entre elas o novo con-

junto de edifícios de propriedade do conde de Bedford, em suas terras de Covent Garden, e um novo mercado, que também contava com a sua participação — apenas “umas poucas barracas e construções temporárias” [o mercado de Covent Garden só deixou de existir no início da década de 1970]. Sérios esforços foram feitos para preservar o caráter aberto de Londres: em 1656 uma das posturas de Oliver proibia construções no espaço a oeste de

Haymarket, conhecido como St James's Fields. No entanto, à medida que ge-

rações posteriores faziam concessões, inevitavelmente os campos foram devo-

rados por novos habitantes da capital.

Um mapa de Londres feito no final do Protetorado mostra como os pré-

dios começavam a se espalhar na junção de Haymarket com Pall Mall, e já

havia algumas casas a leste de St James's Street, antigas áreas de pastoreio na década de 1630. A inevitável expansão urbana no sentido oeste não podia ser detida, enquanto o preenchimento dos claros entre a City e Westminster, que vinha desde os Stuart, caminhava a passos largos. Mesmo a legislação destinada à preservação da natureza só produziu o efeito contrário: como acentuou sir William Petty, condenando os esforços tanto dos Stuart como do Protetor tendentes a limitar a “multiplicidade dos prédios” de Londres, a

carência de habitações levava a remendos nas velhas e inadequadas casas exis-

tentes. Ele previu que Londres se moveria tanto para o oeste que um dia o

palácio do rei estaria mais perto de Chelsea do que de Whitehall — o que não aconteceu até hoje, embora no século XVIII o palácio de Buckingham tenha se tornado residência oficial do monarca. E é ainda de sir William o

veredicto sobre Londres que resume o problema de Cromwell e de outros lí-

deres ante o desenvolvimento da capital, infiltrada pelos imigrantes, inchada com o aumento populacional, crescendo até meio milhão de pessoas antes da Grande Peste: “Enquanto houver gente na Inglaterra, sua maior coabitação

será em volta do lugar onde se situa Londres, pois não há nessa ilha outro rio mais cômodo do que o Tâmisa e Londres é a parte mais cômoda do rio.” Naturalmente os mais convictos partidários do rei continuavam a zombar da corte do Protetorado — a corte de um usurpador — buscando todos os àn-

gulos vulneráveis. Riam-se das frugalidades de /ady Cromwell, em particular tuma maliciosa pseudo-reportagem, publicada em 1660, sob o título The Court and Kitchen of Mrs. Elizabeth Cromwell Commonty called Joan [A corte e a cozinha da sra. Elizabeth Cromwell, mais conhecida como Joan]. Acusavam-na de

ES

472

ANTONIA

FRASER

oferecer festas regadas com bebidas às senhoras, nas quais se faziam “bri a lascivos”. Inexistem evidências a respei

to desse fato, e as histórias cação o gosto da Protetora por bebi das alcoólicas provavelmente não Passam de m : um| a extensão da velha lengalenga sobre o cervejeiro Oliver, o be dg riz vermelho. Segundo se berrão de naa. dizia, ela não teria nenhuma

confiança na

produção de derivados do leite, em Whitehall, cuja manteiga ch ego especialidade. Outras eram fila ntrópicas, como os grupos de costura, reunindo solteironas, filhas de pa

stores não-conformistas, ou a distri buição dos restos dos Jantares do Protetorado aos pobres de St Margar et ou de St Martin's-in-the-

Fields. As receitas copiadas co m desprezo nesse repositório da sátira realista rêvelavam que todos os

seus pratos habituais envolviam o uso dos substitutos mais baratos da carne — deliciosos ao paladar moderno, mas excessivamente parcimoniosos para o de sua época, tais como pâncreas de vitela e chouriço. Tutano era um desjejum típico, e “escalopes de vitela escocesa”, recheados com carne de salsicha e fritas com ovo, um de seus favoritos. No entanto Elizabeth Cromwell tentava combinar o ac onchego do lar com a dignidade. Ao mesmo tempo, porém, os realistas zomb avam da enorme grandeza de Oliver. O Protetor estaria gastando um a fortuna acumulada para aj udar protestantes sofredores, mantendo-os numa gu arda pessoal de três mil

homens, similares aos janízaros!* Apontavam-no como imitad de or antigos monarcas, porque tocava a gente do povo para curá-los da doença conh ecida como “mal do rei” — claro, ninguém poderia sarar graças ao toque dos dedos do Protetor. Contra seus críticos mais exacerbados, ele estava co ndenado de antemão. No fim de 1654 a petição do coronel Al ured levou a agitação

leveller no exército a um impasse — Oliver estari us a ando laços de praia para

amarrar suas botas ao custo de trinta libras o metro e mandar co a nstruir uma carruagem maior do que a de qualquer soberano: desprezado por poup ar é por ostentar pompa em demasia.

*Corpo de soldados criado no século XIV pelos turcos, como guarda do sultão. (N. do T.)

CROMWELL

473

Ricardo IJ, não poderia ser apresentado como a encarnação do mal.” Ami-

gável e acessível, conhecido e amado por milhares de pessoas comuns que ti-

nham servido sob seu comando no Exército, seria difícil revesti-lo com a

pele de um vilão, mau-caráter. Verdadeiro

“desmancha-prazeres” de seus

desafetos, Oliver apreciava a companhia de jovens mulheres, alegres e atraentes, mesmo que tivessem pontos de vista políticos diferentes do seu, tratandoas com notável cortesia, particularmente se sofriam: /ady Ormonde se beneficiaria disso, e, no último verão de sua vida, Lucy, condessa de Carlisle, descreveu uma entrevista entre ele e a sra. Mordaunt, que fora pedir pelo marido conspirador.” O Protetor “foi tão galante que a levou a crer que esta-

riam juntos, ela e o esposo, no dia seguinte”. Uma das mulheres que brilha-

vam mais na corte do Protetorado era “Bess”, Elizabeth Murray, condessa de Dysart.

Nos anos mais relaxados da década de como a imperiosa duquesa de Lauderdale. mais tarde seu camareiro, William Murray, Dysart, começara a vida pública de forma

1670 ela ganharia muita notoriedade Filha do zohipping-boy * de Carlos 1, agraciado com o título de conde de bastante diferente.*! Mulher de sir

Lionel Tollemache, de Helmingham Hall, em Suffolk, mãe de seus 11 filhos e

anfitriã de Ham House, propriedade confiscada a seu pai, assim como uma casa construída por Inigo Jones na nova região da moda de Covent Garden, Bess causava considerável impressão na sociedade londrina da Comunidade.

Divertida e original, um retrato seu na juventude, feito por Lely, testemunha sua encantadora aparência, o cabelo cor do sol e uma pele branca e rosa, típica dos escoceses ruivos. Dorothy Osborne a descreve como alguém que podia “fazer tudo que quisesse”; por exemplo, recusou-se a pegar sarampo num momento que considerou inadequado, embora seu médico lhe tivesse dito que as manchas já estavam aparecendo — repeliu o ataque da doença com pura força de

vontade ou, como ela afirmou, graças à “força da razão e o poder da filosofia”. Às atrações de sua companhia eram muito apreciadas pelo Protetor, que, cerca de trinta anos mais do que ela — Bess tinha exatamente a mesma idade de sua filha Bettie —, não tinha nenhuma aversão a ouvir animadas conversa-

ções de mulheres bonitas, particularmente quando inteligentes e educadas. Mais tarde 0 bispo Burnet seria testemunha da capacidade intelectual de Bess: raciocínio rápido, versada em matemática, história, teologia e filosofia. w

AR «

a

20 T.)

a a “ educado juntamente com um príncipe e que recebia os castigos em seu lugar. E

474

ANTONIA

FRASER

Cromwell também não se eximia de discutir com Pessoas que pensassem de forma diferente, e Bess, graças a seus víncul os realistas, fazia parte dessa cate. goria também. Participavam do Seal ed Knot* o cunhado de seu marido sir William Compton, e /orZ Maynard, marido de sua irmã. É altamente prov á. vel que a própria Bess, nas suas Viag ens ao exterior, atuasse como Mensag eira e participasse das intrigas e operações da organização, inclusive porque a amizade de Cromwell lhe asseguraria um trânsito trangiilo. Esse lado dúbio de sua agradável companhia é que teri a levado Oliver a encerrar o relacionamento que mantinham,

segundo Burnet, que escreveu: “C romwell gostava dela, é evidente, e ela teve o cuidado de manter essa amizade, mas descobri ndo

O que se dizia a respeito ele rompeu os contatos.” A carta de Bess ao saber da sua morte é altamente reveladora de suas atitudes na época: referindo-se a ele como “o velho”, observava com franquez a que só pode dizer tê-lo conhecido “e espero nunca vir a conhecer o seu camarada ”.*?

Assim são as amizades: certamente Bess nu nca foi amante de Cromwell, ele Jamais

cogitaria de algo parecido. Após a Restauração a sorte a conduziu por caminhos diversos, e ela se aperfeiçoou em história . Amante, depois esposa do primeiro duque de Lauderdale, gostava de dizer que fora sua influência junto à Oliver que o tinha salvado da morte em 165 1, logo depois de Wo rcester, embora não haja evidências que comprovem isso. Alguns atribu em ao Protetor a paternidade de seu filho, Thomas Tollemache, o segu ndo de uma prole de 11, nascido no ano de 1651. As datas, porém, não corroboram tal poss ibilidade, da-

das as constantes ausências de Cromwell naquele período. O rapaz não desdenhava essa glória fútil e, de acordo com Burnet, converteu-se num sold ado valente e audaz — morreu, prematuramente, na expedição de Bres t em 1694.

Tal mãe, tal filho: conforme as lembranças de Cromwell se esfumava nê m, vida social mais relaxada da época da Restaura ção tornou-se relevante para ua grande dama ter sido a amante do “velho monstro”, e surgir as am alusões € 1nsinuações das memórias de 1670 em diante. “Ela é a Bess do meu coração, à Bess do velho Noll (...)”, dizia uma rima grosseiramente irônica ao tempo a que ela se transformara numa envelhecida e a

tado por Lely, na companhia de Lauderdale permitiu um comentário de E

“Literalmente, “nó cego” — grupo fechado e clandestino de resistência realis Modernamente a denominação e foiio adotada por uma florescente sociedade, fundad a pelo E, e: neral.

A

a

ta.

de-brigada Peter Young, para recriar as batalhas da guerra civil. Diferentemente seu protótipo do século XVII, o Sealed Knot atual admite “cab eças-redondas” é cavalheiros, não tendo nada a esconder.

CROMWELL

475

Hogarth a respeito das mudanças que se haviam operado nela, o vermelho fla-

mejante dos cabelos substituído pela cor de um sol escurecido e sua inocente sensualidade juvenil por uma profunda indulgência com o excesso de prazeres.

Contra as calúnias ou jactâncias de uma venenosa mulher como ela, “violenta em tudo aquilo que se propunha, amiga dada a crises de gênio e inimiga peri-

gosa”,* o Oliver falecido há muito não tinha nenhuma proteção.

Outra de suas possíveis ternas paixões, da qual muito se falou na época, foi Frances Lambert, mulher do general. É significativo que Heath, em sua

biografia deliberadamente caluniosa, publicada em 1663, mencionasse Frances, omitindo qualquer referência a Bess — ainda não circulavam os rumores a que nos referimos. De certa forma, se alguém se dispuser a provar as fraquezas humanas a que estava sujeito o Lorde Protetor, a chance de Frances

seria muito maior do que a da voluntariosa Bess. À primeira não conspirava a favor da monarquia nem participava de associações clandestinas; muito pelo contrário, pertencia ao círculo mais fechado dos puritanos, e seu marido era o “querido Johnnie” de Cromwell, às vezes o “querido filho”. Não tão jovem

quanto sua “rival?, ainda mantinha o charme da juventude — o Protetor, já

na meia-idade, era vinte anos mais velho. Oliver ficou por várias vezes na casa da família Lambert, no Yorkshire, e ao reconciliar-se com ele, no fim de sua vida, preocupou-se em perguntar por sua “jóia”, Frances. Visto que Frances também tinha 11 filhos, mas um caráter essencialmente feminino,

muito atenta à aparência e ansiosa por enfatizar a posição do esposo, nada impedia que Cromwell enxergasse nela uma jovem matrona bastante atraente. Tinham em comum a religião e tudo quanto isso implica; de fato, é difí-

cil acreditar que ele viesse a sentir arroubos afetuosos por qualquer mulher que não compartilhasse seus pedidos e súplicas ao Todo-Poderoso e as análises das respostas ou providências provenientes do Senhor. Mas a primeira re-

ferência clara a respeito da amizade entre ambos — naquele pseudo-sermão

de Cromwell no verão de 1649 — limita-se a um comentário acerca da sua piedade: “Ela possuía dentro de si uma alma, uma devota e doce alma: e —

Deus/ó sabe eu aaméi por isso.” Juntando-se isso à arrogância de que a àCUsavam, poderíamos considerá-la capaz de confiar num homem superior. Sem dúvida, era bonita. Tudo isso, porém, estava muito longe da grosseira

alegação repetida por Heath: “Dizem que o Instrumento [de Governo] do Lorde Protetor encontra-se debaixo das anáguas de lady Lambert.” No final do século XVIII a comparação entre os dois feita pelo reverendo Mark

Noble, em suas memórias, provavelmente dizia a verdade sobre a atração de |

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Frances: Oliver deveria parar de visitá-la, temendo a desaprova ção divina, “mas não haveria nada de mau em manter me ditações celestiais Lambert”. Essas duas relações, ambas com mulheres vivaze s e atraentes, suficiente. mente jovens para serem suas filhas, não prova nada sobre o Protetor exceto que ele apreciava esse tipo de companhia. Nos dois casos o tom paternal fo; mais aparente do que o sexual, mesmo que haja ocorrido alguma mistura, No século XVII tudo terá sido inconsciente, co m certeza. Sua particular afeição pel

a nora, Dorothy, já foi avaliada, bem como a infindável preocupação com seus problemas familiares, que seguia o mesm o padrão: no dia seguinte à batalha de Dunbar ele se referiu à gravidez dela: “Pe ço comunicar a Doll que não a esq

ueço, nem ao seu pequeno moleque (...) ela me escreve com muita esperteza e cumprimentos; espero uma carta em que dig a as coisas claramente, É muito tímida para me dizer se está grávida ou não (...).?** De ve ter havido aí algum tipo de identificação inconsciente com o filho, uma saudos a recordação de sua própria juventude. Tais atrações inocentes não devem ser confundidas com envolvimento sexual. Não há nenhuma prova de que o Protetor, aos 55 anos, se tenha realizado nesse tipo de coisa, o que além do mais sig nificaria pecado.*

Destarte, parece muitíssimo improvável que o fizesse. Se o deleite patern al que experimentava na companhia de mulheres mais jovens era um substituto na época, os critérios de avaliação nada tinham a ver com os atuais. O surgimento de um homem íntegro na privacidade e nos ambientes públicos, desfrutando de um poder solitário, incrementou a adesão à Comunidade. Os sentimentos de lealdade foram encorajados pela pessoa do Protetor,

muito mais fácil de reconhecer do que um Conselho de Estado. John “Há referências dispersas sobre amantes e bastardos, mas pouco notáveis, limitadas e improváve

is. No final da década de 1650, quando Cromwell permanecia na Escócia, U oy mulher “de má fama” em Londres dizia que ele “tinha estado com ela frequentemente e

jJactava disso por toda parte, afirmando que costumava receber vinte shillings de cada o o

Outros comentários eram que o coronel Barkstead lhe teria dado quarenta ings. o E as consideradas levianas pelos contemporâneos não devem ser encaradas comshillseri edade Fa em dia. De qualquer forma, assim como as insinuações de Bess, elas podem ter surgido mexericos posteriores; o dr. Millington, por exemplo, num pós-escrito de uma carta

é É

1744, fora dado como “bastardo de Oliver Cromwell”. Supunha-se que havia uma nota E registro de seu nascimento, em Strensham, no Worcestershire; no enta nto, se estivermos E lando de sir Thomas Millington, nascido em 1628, médico real que se tornou presiden do Royal College of Physicians [Academia Real de Médicos] e morreu em 1704 — €º nhecido, portanto, do autor da carta —— esse nasceu em Newbury, no Berkshire. O pr ópr jo Noble, que aceitou a dúbia evidência, descrevia a história de “um filho natural do Pro tor” ainda vivo, como “muito maravilhos n

Fa

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tê=

Perschouse, cavalheiro do Staffordshire, acusado de delingiência e assoberbado com o confisco de suas propriedades, alegou ter lutado pelo rei “devido à falta de avaliação e experiência pois só contava 17 anos”. Tornara-se fiel ao Protetor, “que Deus nomeara para nos governar”, já tendo oferecido uma tro-

pa ao exército, antes de Worcester, posto que “Deus deixara evidentes as Suas simpatias ao conceder vitórias à causa parlamentar”.*” Embora esse persona-

gem — semelhante ao cura de Bray — conseguisse assumir um juizado de paz sob o reinado de Carlos II, sua afirmação de que o Protetor fora indicado

por Deus expressava a carência de muitos plácidos espíritos, destituídos do necessário fogo a uma oposição incessante contra o regime.

Essa atmosfera de organização histórica foi muito encorajada pelos

apologistas da Comunidade e do Protetorado, principalmente Milton. Tratava-se de um processo de mão dupla, no qual a indiscutível firmeza de Cromwell fornecia munição a elogios, cujo crescimento aumentava seu conceito aos olhos do público. Assim, ambas as explicações da sua formidável ascensão ao poder — fosse um fenômeno da Providência ou a consegiência de suas marcantes qualidades — gradualmente se fundiram numa só. A crença

de Milton nos heróis destacou-se na sua Second Defence [Segunda defesa], de

1654, onde ele converte Oliver num típico líder do Velho Testamento, insigne tanto na guerra quanto na paz. Obcecado pelos “reis e líderes dotados de grande alma” — Sansão, Adão e o próprio Cristo —, ele encontrou afinal o objeto ideal para suas teorias, segundo as quais “a natureza indica os sábios

que devem governar os tolos”.** Convicto, em 1654 ele falava acerca de “uma liberdade bem-regulada”, ainda mais necessária à Inglaterra depois dos períodos de turbulência; talvez sem a aparência externa liberal de alguns regimes,

9 governo do Protetorado oferecia em contrapartida uma liberdade muito mais genuína do que qualquer experiência liberal anterior. Milton jamais elaboraria tal arrazoado em defesa de um homem inferior

à Oliver Cromwell, cujos atributos se combinavam de forma a que ele preen-

Chesse o papel de Protetor, no sentido pessoal pelo menos, digno do trono que tanto copiava. Ao contrário, para muitos ele representava o ideal do maBistrado calvinista, destinado por Deus a realizar feitos memoráveis na terra “u, como Louis du Moulin escrevera em 1650, alguém que fora designado Para “declarar a vontade do Grande Legislador — a própria palavra do Cria-

dor”,.*º Nada disso seria sequer sugerido no contexto de um homem inferior.

Em geral a soma de tais pensamentos, a idéia de que Cromwell representava

SIngularmente alguma força histórica, derivava da expressão dada por fa vá

wLt

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Marvell em sua brilhante ode, no final de 1654, int itula of the Government Under O, C. [O primeiro aniversár i Cromwell].

Desde os primeiros e inequívocos el ogios às qualidades exclusivas de Cromwell: Sozinho, Cromwell corre com grande vigor

(Como o sol) em estágios SUCESSÍVOS, E o dia que ele restaura É a mesma maravilha do dia anterior (...)

até a última e mais sutil elevação do Protetor, ap esar de toda a oposição certamente suscitada:

Enquanto ergues tua venerável cabeça Tão acima da tua sagacidade e dos meus elogios; E, como o anjo de nossa comunidade, Espicaças as águas, ano após ano,

Fazendo com que se acalmem (...),

nenhuma linha similar poderia ser escrita sobre um homem que não tivesse

uma estatura gigantesca.

Ele vivia “nas condições de um príncipe, com a moderação de um ho-

mem privado”, escreveu Fletcher em 1659 — um epitáfio que muitos chefes de Estado, legalmente investidos, invejariam. O cume da sua grandeza não é

um período do qual a Inglaterra tivesse que se envergonhar, fosse pela qualidade da sua vida artística, se isto possa ser con siderado um teste, nem pela disposição moral e intelectual do próprio homem. Como Lucy Hut chinson

AA

EE aç as

B

18 Urzes e espinhos (...) Ervas daninhas e urtigas, urzes e espinhos, cresceram à

vossa sombra, desorganização e divisão, descontentamento e insatisfação, acarretando grandes perigos para todos. DISCURSO DE CROMWELL, ao dissolver o primeiro parlamento do Protetorado

nao Marvell, o “infatigável Cromwell” dedicou-se então a criar as novas condições de que o país carecia ou pelo menos as que ele há tanto tempo desejara. Fez isso com bem pouca ajuda, pois até que um parlamento fosse convocado as funções legislativas e executivas ficaram a cargo do Protetor e do Conselho de Estado, independentemente de qualquer controle. Por diversos motivos eles já eram bastante conhecidos como seus fervorosos

adeptos e, conforme ele próprio dissera, considerando o muito que se apren-

dera durante o Barebones, todos partilhavam uma compreensão absoluta a

respeito do poder. Seriam leais não como “santos” escolhidos, mas em virtude

de interesses comuns.

Dessa forma, o Conselho incluía não apenas conhecidos soldados, como Lambert, Desborough e Monk, e um pastor, como John Owen, mas outros

Nomes menos previsíveis, com posições intermediárias. Havia sir Gilbert

Pickering, dedicado ao serviço de Oliver, e sir Charles Wolseley, que tomara Parte de forma tão proeminente na dissolução do Barebones. E sir Anthony

Ashley Cooper, importante magnata do West Country, primeiro conde de

Shaftesbury e político de grande relevância. Afastado do rei desde 1644, ele

tinha feito o juramento e obtivera da Câmara dos Comuns o perdão oficial

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OS que aCreditavam em apoiar o governo de fato para o bem do país. Edward Montagu, filho d Manchester, antigo rival de e

Cromwell, fora nomeado almira nte-de-esquadr;

incumbido de livrar a marinha de seus desconcertantes radicais , Sólidos a oposição a Carlos I, mas bem difere ntes de seus predecessores partidário s das

reformas. Acima de todos estava o devotado e competente John Th urlos, que no início de 1652 ocupara o cargo de Walter Frost na secretaria do Co nselho de Estado. Filh

o de um clérigo de Essex, 36 anos, tinha estudado Direito; Tê= comendado a Oliver St John, acom panhara-o na sua inútil viagem à Ho landa em 1651 — desde 1648 secretar iava os comissários parlamentare s em Uxbridge. Dedicado, inteligente e inteiramente leal a seu chefe, Henry Cromwell disse que ele era capaz de abri r as fechaduras das portas que levavam ao coração dos homens. Encarreg ado da implantação de um serviço de informação, desenvolveu-o como os ramos in visíveis de uma parreira, de tal sorte que não demorou muito para que toda a co rrespondência que entrava ou saía das Ilhas Britânicas tivesse de passar pelas mãos de seus agentes — segundo Samuel Pepys, a um custo de setenta mi l libras, ou sessenta mil, con-

forme Heath, ambos mais preocupados com antiga s glórias do que com a precisão de suas estimativas, visto que a cifra real limitava -se a cerca de três mil libras anuais. Cada espião de Thurloe recebia em média algo em torno de dez libras mensais. No entanto ele empregava numero sos funcionários, que produziam relatórios exagerados, acabando por dar origem a um a fama superior à sua real capacidade de Interferência. Além da verba pe ssoal de que

dispunha — oitocentas libras — o pagamento de inúmeros secretários, inclusive Milton, escriturários e mensageiros consumia mais de cinco mil libras anuais. ' Essa equipe começou a trabalhar com toda a dedicação nas re formas há

tanto tempo pendentes, posto que entregues à languidez do Rump e aos de sconexos esforços do Parlamento Barebones. Entre o início do Prot etorado, em dezembro, e setembro do ano seguinte, quando o Pa rlamento se reuniu, foram publicados 82 decretos abrangendo desde a tã o esperada reforma da ei eleitoral até a reorganização da Igreja. Embora os docu mentos oficiais mostrem que Cromwell não tinha o costume de comparec er às reuniões do Con-

selho — em 1654 ele esteve presente a apenas 28 das 164 se ssões realizadas —, provinha dele sem dúvida o ímpeto reform ista. Quanto à participação de Milton, conjeturou-se que ele era informad ac o erca

dos pontos essenciais das resoluções, encarregando-se de redigi-las em inglês, enquanto Thurloe OU O

CROMWELL

481

próprio Conselho estavam reunidos = algumas instruções poderiam advir do próprio Cromwell, embora isso seja discutível; numa etapa posterior seus tex-

tos passavam pelo crivo do coletivo ou do Protetor. Finalmente ele escrevia

um rascunho em latim ou, à medida que sua cegueira aumentava, ditava-o

para um de seus amanuenses.? Causadoras de tanta irritação por tanto tempo, as reformas da lei eram de particular importância.* O puritanismo, na prática, representou um avanço da humanidade. A pena capital, por exemplo, seria abolida exceto em casos de assassinato e traição, com base no argumento bastante razoável de que “enforcar por qualquer tolice e absolver o assassinato significa [va] não o descumprimento, mas um enquadramento equivocado da lei”. Em agosto o Conselho decretou a reformulação da polêmica Chancery Court. A fim de acabar com juízos vexatórios, o impetrante ficou obrigado a apresentar garantias em função dos custos previstos da demanda, e, além disso, as causas passaram a ser julgadas pela ordem de entrada no tribunal. Instituiu-se também uma tabela de honorários para os advogados, explicitamente proibidos de expor suas razões em intermináveis resmas de papel, que só delongavam o processo, tornando-o mais dispendioso. As penas por traição continuaram a ser aplicadas a qualquer um que se pronunciasse contra o novo Instrumento de Governo; todavia, sob influência de Oliver, os pentamonarquistas, ainda que submetidos ao arbítrio, obtiveram na prática alguma misericórdia.

A linguagem dessa gente apaixonada não sofreu qualquer alteração à medida que o Protetorado avançava, e em pouco tempo eles estavam atolados em

problemas por causa de suas maldições. O regime, e o próprio Oliver, do

Ponto de vista de alguns, poderia ser alvo da pecha de Anticristo, relativamente ao papa ou ao papismo em geral, um tipo de execração que fora justaPosto a diferentes objetos de insulto ao longo dos séculos. Anna Trapnel, profetisa de Hac kney, via na testa de Cromwell o “pequeno chifre”, a horrível

excrescência da Besta retratada no Livro de Daniel, profeta preferido dos

Pentamonarquistas. Os cálculos de John More elevaram o total dos títulos de Cromwell a um sinistro 666 — o número de Satanás.' Como qualquer de-

núncia do governo constituía traição, todos esses ardentes oradores acabavam

atrás das grades. Presos, porém, Oliver se recusava a processá-los. À razão era simples: nenhum julgamento poderia evitar a imposição das pesadas pe-

nalidades legais. A prisão sem julgamento, por mais tirânica que parecesse, Salvava-os de si mesmos.

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O Protetor não abandonara a desconce rtante ten

dência de discutir co essa gente. John Rogers, um dos seus críticos mais Veementes, ca paz d identificá-lo com a própria pers onificação do mal, não somente tra ele do púlpito, como ainda tinha impresso um panfleto ar fuen lmga inra at ac i :

intitulado Mene, Tekel, Perez [der rotado, conquistado, dividido] E ini palavras de advertência diri gidas por Deus a Nabucodono sor —. ou Catia lamentação sobre Oliver; lord Crom well. Rogers comparou Whiteh all a Sodoma e estabeleceu um dia de purg ação pelos equívocos do gove rnante, afiançando que Cromwell pecara contra pe lo menos oito mandamentos, Foi preso, é cla. ro, e qualquer outro potentado provavelmente o teria deixado mofar Oliver, contraditório ou por acredita r na própria capacidade de convencer os adversários a pensar melhor — de fato possuía ambas

as qualidades, bastante interligadas —, mandou trazê-lo à sua

presença. A batalha verbal travou-se em fevereiro de 1655 , Sem que nenhum dos contendores se dispusesse a recuar.” Cromwell comparou o pentamonarquista, suas denúncias e blasfêmias a uma mosquinha capaz de estragar toda uma boa caixa de ungiiento. Jactou-se da liberdade de consciên cia inédita na Inglaterra. Em resposta, a linguagem de Rogers foi num cres cendo de alucinação, mergulhando no latim, até tornar-se incompreensíve l para o Protetor, que não se sentia muito confortável nesse idioma. Asperament e ele interrompeu o pregador: “O que me dizes do teu latim?” Impertinente, Rogers marcou um ponto: “Ora, senhor, sois o reitor de Oxford e não podeis suportar um pouco de latim?” De volta ao cárcere, ele prosseguiu nas suas diatribes, descrevendo

Oliver como a serpente de chifres, por isso que semelhante a um cordeiro. À

verdade é que Cromwell mostrara é continuaria mostra ndo o controle de um

verdadeiro cordeiro diante desses acerbos cens ores, um grande mérito, princi-

palmente em comparação a outros suprem os donos do poder. a Seu desejo de acalmar e conciliar a nação, forjan do uma unidade satisfeita sob seus paternais cuidados, também tr ansparece no tratamento daqueles

que oficialmente tinham se tornado inimigos do Estado. As leis contra os antigos realis

tas ainda estavam em vigor, é claro, determinando o confisco dé dois terços das propriedades de todos os que haviam empunhado armas €M defesa do rei. Os católicos, mesmo que não tive ssem participado da luta, SH” Jeitavam-se a idênticas penas, embora os meros ze cusants — aqueles que se 1º cusavam a comparecer à igreja aos domingos — fossem tratados com menor severidade

do que os delingiientes,

Em

certas circunstâncias

podia-se pagar

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483

uma multa em dinheiro e manter as terras. Obviamente, durante o prolonga-

do e detalhado processo, havia diversas oportunidades para apelos e evasões, €

muitos bens passaram pelas malhas da rede, mantidos por parentes, advogados da família, amigos protestantes ou “cabeças redondas”, em nome dos donos legítimos, mas proscritos. Sem dúvida as necessidades financeiras do go-

verno facilitaram isso, mas após a Restauração os números comparativamente baixos de restituição de terras comprovam a competência dos antigos proprietários em mantê-las sob seu controle. Assim mesmo, entre 1651 e 1652 foram aliegnadas setecentas herdades.

Desde o início, entretanto, o Protetor teve uma atitude simpática às dificuldades daqueles antigos realistas que indiretamente, através da inação, apoiavam o novo regime. Em 1654 o governo aprovou o arrendamento das terras confiscadas a seus antigos proprietários, contribuindo para restabelecer o status quo. Em suas memórias Edmund Ludlow acusou Cromwell de instruir os juízes a fim de que dessem um tratamento favorável aos cavalheiros, um exagero, indubitavelmente, mas indicativo do senso comum contemporâneo: Oliver queria viver em paz com os antigos realistas. Alguns casos de confisco arbitrário, iniciados ao tempo da Comunidade, foram sustados no Protetora-

do. A venda das propriedades de Craven, por exemplo, foi suspensa; a propriedade de /or4 Hatton não chegou a ser confiscada por falta de provas convincentes. Realmente pode-se dizer que a situação de muitos realistas tendeu a melhorar com a subida de Cromwell ao poder:

No caso dos católicos, cujos sofrimentos tendiam a ser maiores dada a mais acentuada presunção de delingiência existente contra eles, Cromwell

ajudou escancaradamente os que cumpriam a lei. Contrastando o comportamento que tivera na Irlanda, essa atitude demonstrou claramente o quanto Suas idéias se distanciavam cada vez mais de implicações doutrinárias, ten-

dendo a uma abordagem pragmática, baseada nos conceitos de lei e ordem. No verão de 1654, numa relação tão pouco convencional quanto a que manti-

nha com /ady Dysart, ele se tornou amigo de sir Kenelm Digby, católico e

membro da entourage da rainha Henrietta Maria. Tal como acontecera no

caso de Bess, sentiu-se atraído pelas idiossincráticas qualidades pessoais daquele homem a quem o embaixador veneziano considerou dotado “de grande Imaginação e caprichosas quimeras”, algumas científicas, outras completamente

alucinadas. Digby era excêntrico e conversador; segundo John Aubrey, “o mais Perfeito cavalheiro de sua época”, digno de respeito, “desde que não permane“esse mais de seis semanas no mesmo lugar”, de acordo com os jesuítas.

FA

484

ANTONIA

FRASER

Muito alto, de enorme vigor físico, voz tonitruante — aliá s, Correspondente ;

seu tamanho —, rosto largo e sorridente, expressão quase igual a de lim

querubim, associara-se às conversações entre o exército € OS católicos e 1648, sendo banido

no ano seguinte. Os laços da amizade que o ligaram a Cromwell datam do começo do ano, quando compareceu perante o Conselho de Estado solicitando a devolução de suas propriedades. Para fúria de William Prynne, que o chamava de “favor

ito particular” de Cromwell eo

acusava de estar à cata de um chapéu cardinalício , Di gby termin

ou indo morar

em Whitehall. Durante mais ou menos os dois anos seguintes eles estiveram freqiientemente juntos, mutuamente esperançosos em obter favores para os católicos e em que eles se integrassem ao regime, fortal ecendo-o. Quando lhe foi concedida a permissão de viagem ao exterior, em out ubro de 1655, Digby protestou lealdade, efusivamente: “Tudo aquilo que desagrad ar ao meu Lorde Protetor e ao Conselho de Estado será detestado por mim. (...) Onde estiver, deixarei bastante claro, a fim de que o mundo inteiro saiba, o quanto me sinto na obrigação ante sua Alteza, e o quanto estou apaixonadament e a seu serviço, de sua honra e de seus interesses, colocando até mesmo minha vida à sua disposição.” Os adeptos de ambos suspeitavam, é claro, que cada um deles estivesse sendo engambelado pelo adversário mais hábil. Oliver, no entanto, nunca recusou clemência aos católicos. No verão de 1654, quan do da pri-

são de John Southworth, um infeliz padre de setenta anos que deveria ser

esquartejado — assim o exigiam as rígidas leis sobre traição —, genuina-

mente preocupado — segundo os observadores, muito comovido e “op osto à crueldade” —, ele se declarou a favor da mais ampla liberdade de consciéncia. Embora sua posição não tivesse prevalecido nessa oportunidade e Southworth sido executado, a perspectiva da tolerância não foi afastada. Um ano

depois ele inspirou uma missão secreta a Roma a fim de propor ao papa um “acordo”: os católicos ingleses poderiam realizar seu culto em dos e em contrapartida Sua Santidade abandonaria as prédicas renovação das leis contra os jesuítas, em abril de 1655 , pode sido uma forma de encobrir tais negociações, visto não haver quaisquer imputações posteriores.

espaços fechasubversivas. A muito bem é evidências de

Infelizmente o empreendimento não deu certo. Dois ho mens estavam eh” volvidos nele até o pescoço. Um

era William Mettam, descendente de uma

ilustre família do Yorkshire, provavelmente sobrinho de Thomas Mettam, J*

suíta e mártir, que estudara no colégio inglês de Roma. O outro, Thomas Bayly

CROMWELL

485

«nha uma natureza difícil. Ao que parece, face à delicadeza da situação, ainda

mais acentuada devido às leis inglesas em vigor, sua personalidade acabou

rendo um peso determinante para o rompimento das conversações. O malogro não impediu que se levantassem esperanças e temores também por parte dos realistas exilados, agrupados em torno de Carlos II e desconfiados de que

Oliver estivesse tentando ultrapassar o soberano. Hyde mostrou-se desconso-

lado, ou claramente indignado, e em sua correspondência, no verão de 1655,

afirmou que “seria muito estranho, depois de tanta hipocrisia e manipulação,

que Cromwell obtivesse crédito em Roma, sendo encarado como alguém que

respeita OS católicos, quando é notoriamente sabido que o seu interesse e poder se apóiam sobre pessoas irreconciliáveis com o catolicismo”. Mas o fato

é que ele conseguira deixar os exilados “com a pulga atrás da orelha”, imaginando o que Carlos II faria em seu benefício caso tivesse a chance. Que proposta mais definida estaria ao seu alcance, replicou Hyde irado, posto que não se conheciam as ofertas de Oliver? Mais: o papa jamais demonstrara “afeição” por Carlos.!º Num tributo às intenções de Oliver, o embaixador francês Bordeaux opinou que os católicos ingleses estavam em melhor situação durante o Proteto-

rado do que em qualquer período anterior. Nos anos negros de 1650 e 1651 Os registros provinciais da Companhia de Jesus na Inglaterra assinalam ape-

nas 78 conversões.!! Em outubro de 1655, lotando a sua espaçosa capela, o

embaixador de Veneza mandava rezar diariamente seis missas; nos dias festivos chegava-se a dez celebrações — os católicos ingleses não deixavam de aproveitar essa brecha tacitamente aceita. Ainda que nos anos subsegientes a crise financeira tenha levado o Estado a cobrar multas das pessoas que se recusavam a participar dos cultos protestantes, comprimindo essa atmosfera favorável, restou a evidência de que o nome de Oliver Cromwell poderia ser até abençoado por alguns adeptos do catolicismo.'?

De alguma forma a situação do despossuído clero anglicano era mais la-

mentável do que a dos reconhecidos heréticos, dado que os puritanos viviam Presos a suas antigas disputas, incapazes de esquecer o tempo em que haviam

sido banidos. Os esforços dos “experimentadores”, no sentido de remover ou

desqualificar os pastores considerados insatisfatórios começaram em março de 1654, resultando na inclusão de alguns batistas e presbiterianos moderados, mas muito mais “independentes”. No entanto a população conseguiu manter um número suficiente de antigos clérigos, valendo-se de flexibilidade Similar à dos proprietários no caso dos confiscos, o que obrigou a um enduredá

sta ÇA b

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FRASER

cimento do governo no outono de 1655. Cromwell adot ou uma Postura conç liatória: sem nunca ter manifestado simpatia pelo Livro de Orações Com dos anglicanos, acatou algumas petiçõ es que solicitavam a manutenção de e

sacerdotes. E quando as suas aflições e as dos episcopais excl uídos lhe for expostas numa entrevista co ncedida ao antigo arcebispo Ussher em inicia 1656, 0 Protetor sugeriu que o assunto fosse submetido ao Conselho de Estado Isso, é claro, desde que os referidos pastores se comprometessem a não pregar o ódio. Ussher morreu pouco tempo depois, e Oliver permitiu seu funeral na abadia de Westminster às expens as do Estado. Mais: numa co ncessão ainda mais marcante, não impedi

u o culto anglicano durante o enterro.

des públicas, mostrou claramente sua dete rminação pessoal de aplacar as divergências que não podiam ser eliminadas. Numa longa carta, datada de 9 de maio de 1654,* ele tentou ser agradável, in formando ao conde que dera ordens para que fosse concedido o cargo de past or a um certo sr. Porter em Whitchurch, no Shropshire, posto que assim o dese javam os paroquianos. Ocorre que o dr. Bernard apresentara-se no lugarejo com a recomendação de seu protetor, Bridgewater, e vinha tentando afastar Porter, tr atando-o como

um “desafeto”. Os “moradores mais devotos e participantes pareciam es tara favor de Bernard”, que a um exame mais acurado, po rém, revelou-se “legal-

mente abominável”, recebendo instruções de manter reserva até que outras investigações se realizassem. Nisso tudo, assegurava Cromwe ll, não houvera

“nenhum objetivo de questionar o direito de V Sa à recomendação”, e, ainda

que seu coração se inclinasse a favor de Porter, ele deixav a o nobre “inteira-

mente livre” para agir como “Julgasse melh or”,!3 Tais palavras, essencialmente apaziguadoras — ele deixava “t oda essa ques

tão nas mãos de V. Sa.” —, obtiveram resposta equivalente; escrevendo no dia 28 de junho, Bridgewater mostrara-se mais preocupado com as dívi das de se cunhado, William Courteen, com quem seu pai se comprometera e que infelizmente fora à falência, perdendo o dinheiro aplicado na Companhia das Índias Orientais holandesa, estando sem condições até mesmo de deixar sua casa é E

procurar o Protetor em pessoa. Quanto ao mais, ele não se dera conta das im plicaçõe de s

sua recomendação, acreditando que Bernard seria “tão aceitável à

qua Alteza quanto à paróquia”, e agora via-se em dificuldades para anular9 que fizera e até mesmo pr

ovar “todo o desejo de obediência a Sua Alteza *

“Essa correspondência, omitid a por W. C. Abbott, consta do s Bridgwater MSS.

CROMWELL

487

Aceitaria outro candidato, desde que o Protetor não insistisse no insuportável Porter, cujo comportamento lhe parecera insuportável — sua escolha dividiria a paróquia. Entretanto nem a isso foi obrigado, pois em 23 de agosto Oliver cancelou a nomeação que fora feita e confirmou seu direito de indicar quem

quisesse.!s A tempestade em copo d'água terminou com o firme apoio do Protetorado à velha ordem e aos velhos privilégios da nobreza.

Todavia Porter se candidatara afirmando que o confisco da propriedade

de Bridgewater extinguira o direito de apresentação, e sobre o arresto das

propriedades — decretado pelos comissários do Lancashire!* mas ainda objeto de algumas discussões entre o conde e as autoridades locais, representadas

pelo general-de-divisão Worsley — Cromwell manteve a mesma postura con-

ciliatória. A pendência girava em torno de terem sido embargadas todas ou

apenas parte das terras, e, para resolvê-la de uma vez por todas, o nobre enca-

minhara uma petição ao Protetor, “fonte de toda a justiça da Comunidade”, suplicando “sua graciosa ajuda, a fim de que ele pudesse livrar-se desse suposto desacato”.” Oliver respondeu com uma ordem dirigida aos comissários ea Worsley, sustando qualquer execução que estivesse em curso.'* E, no dia 22 de março de 1656, contrariando os recursos impetrados com base em injunções políticas,!º além de rancores familiares — os Worsley Booth eram

reconhecidamente hostis aos Bridgewater Egerton —, seu secretário, William Malyn, escrevendo em nome de Sua Alteza, apoiou a inocência do queixoso, que afinal nunca deveria ter sido apontado judicialmente. Em resumo, teria havido um engano, e o Protetor determinava que a propriedade do conde fos-

se liberada: “Sua Alteza deseja ser cuidadoso onde a inocência é visível.?? Desdenhando gestos amigáveis, alguns consideravam a usurpação como um fato inexorável, que nem decretos suaves ou atitudes discretas seriam capazes de

alterar. Nessa época, preocupado com a própria segurança, Brian Duppa, bispo anglicano, adotara “o mesmo comportamento de uma tartaruga, nunca saindo do casco”. Porém nem todos os antigos partidários do rei o imitavam: em 1654 Já existia o Sealed Knot, liderado por lord Belasyse e /ord Loughborough, sir William Compton e sir Richard Willys, o coronel John Russell e o coronel Edward Villiers. Embora todos viessem de boas famílias, e pelo menos Belasyse fosse católico, não havia entre eles nenhum grande magnata — mais interessados em defender suas propriedades do que arriscar-se num movimento cujas Possibilidades eram duvidosas. Nos seus primórdios a “organização” caracterZ0u-se pela letargia, deixando de tomar parte numa tentativa de levante e sem poder impedir o crescimento de outras conspirações.”

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O primeiro atentado contra a vi da do Protetor foi planejado, em Maio d 1654, por John Gerard, um antigo coronel realista que nada tinha a Ve r co o Sealed Knot. Tal como todos os tiranos e ditadores ou chefes de Estado a mobili

zam fortes oposições, ao longo de todo o Protetorado Oliver esteve E constante ameaça, se

ndo incrível que nenhuma tivesse alcanç ado seu objetivo Em fevereiro, participando de uma pr ocissão formal juntamente com A membros do Co

nselho de Estado — único even to desse tipo durante q

Interregno —, ele vestira uma roupa mar rom-avermelhada, bordada de ouro, e caminhara ao som dos sinos da Igreja de St Gi les, em Cripplegate

» POr ruas decoradas com tecidos azuis, grandes ba ndeiras e faixas onde se liam os no-

mes das companhias da City. Em Temple Bar mo ntados em cavalos ricamente ajaezados, o prefeito e seus conselheir os aguardavam o cortejo, e no banquete subsequente “Jord Henry Cromwell ”, como ele Já era conhecido, sentou-se à esquerda do seu pai.2 As precauçõ es, porém, não puderam evitar um incidente infeliz: no trajeto de volta uma certa srta. Granville lançou um tijolo contra a carruagem de Sua Alteza. Tentativas assim, bastante grosseiras, que não contavam com armas letais, não significavam grande perigo. Parte da proteção que cercava Oliver e o preserva va, pelo menos nos primeiros anos, advinha da incerteza dos realistas quanto às con-

sequências que sua morte poderia persistissem talvez não fosse bom pior. Os realistas só pensariam em esse gesto ensejariam o retorno de

provocar. Enquanto negócio trocar um assassiná-lo caso se Carlos II; no exílio

os sinais de abrandamento destino aceitável por algo convencessem de que com o próprio monarca mant-

nha uma atitude ambivalente acerca de um possível atentado — em 1654 não S&

podia ter certeza de que uma coisa resultaria da outra. Não obs tante, Gerard é

um grupo de trinta homens tramaram o sequestro de Cromwell num de seus ha-

bituais deslocamentos entre Whitehall e Hampton Court. Sempre eficiente, Thurloe abortou o plano com a rapidez de quem estava a par de tudo; além disso,

Oliver mudou o itinerário e viajou pelo rio, o que de qualquer forma teria impédido a concretização do esquema previsto pelos conspiradores. Na sexta-feira, 19 de maio, Lambert abordou o assunto em carta a um parente de sua mulher, John Bright, residente no Yorkshire: “Obtivemos à

; ne o informação sobre o planejamento de um ato de grande violência que ni perpetrado contra o Lorde Protetor,

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prosseguir à fim de capitalizar a revolta do povo e suas renovadas manifestações de afeto pelo Protetor. Os políticos contemporâneos, de Elizabeth a Walsingham, captaram a mensagem e guardaram na memória seu significado: com problemas semelhantes, qualquer governo poderia fazer o mesmo e se dar bem. As condenações — desiguais — aplicadas publicamente, isto é, a partir

de um julgamento, atribuíram a três dos conspiradores penas de banimento, ao passo que dois foram executados. John Gerard morreu no dia 10 de julho, segundo o Mercurius Politicus, “como um cavalheiro”, mantendo uma atitude

enérgica até o último momento. Houve alguns efeitos colaterais. O tolo barão de Baas, mandado da França pelo cardeal Mazarino para ajudar Bordeaux, conseguira envolver-se nos planos de Gerard. Chegado a Londres no mês de janeiro, ele tivera rápidas e cordiais conversações em latim com o

Protetor; desde o início, porém, seu status causou certa dificuldade, pois sendo um simples enviado pessoal julgava-se no direito de usar chapéu na presença de

Cromwell. Seguiu-se uma batalha protocolar — cet important chapitre de chápeaux [esse importante capítulo dos chapéus], segundo o sarcástico embaixador. Natural da Gasconha, e tal como seu irmão Charles, que adotara o so-

brenome materno de D'Artagnan e logo se tornaria o protótipo do célebre herói mosqueteiro de Dumas, o barão possuía impetuosidade e confiança em excesso, qualidades mais indicadas a um personagem de romance histórico do que a um attaché diplomatique. Demonstrando pouquíssimo conhecimento do país e baseado no desgaste das tropas que apoiavam o governo, entendeu que o regime poderia ser muito facilmente derrubado: a prova disso pra que os sentinelas costumavam usar gorros de dormir sob os capacetes.” Evidentemente seus contatos com os conspiradores não demoraram a ser descobertos. Amistoso, sorrindo inclusive, Cromwell deu ao imprudente diplo-

mata três dias para abandonar o país. Antes contudo, a fim de mostrar-lhe que

não era nada bom imiscuir-se nos assuntos internos de outro país, mandou chamá-lo perante o Conselho de Estado e, sem maiores rodeios, perguntou se o assassinato do Lorde Protetor, a rebelião popular e a tentativa de criar divisões

entre os soldados correspondiam a posições pessoais dele ou às profundas aspi-

rações do governo francês. Insensato, o barão contra-atacou acusando-o de manter contatos com os espanhóis — nessa época os ciúmes entre a França e a

Espanha prejudicavam bastante os entendimentos de Londres e Paris. Furioso, Oliver exigiu sua expulsão e que Mazarino o punisse; depois, aos poucos, acal-

Mou-se e deixou-se convencer, em função dos laços que atavam os dois países, de que Luís XIV e o cardeal ignoravam totalmente as aventuras de Baas.

E

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Em maio entretanto, depois de ter finalmente alcançado ter fatórios de paz com os holandeses, Cromwell estava realmente ansioso pa aproximar-se dos franceses. Em Amst erdam foram cunhadas medalhas co morativas do tratado, conhecido como a Paz de Westminster: de um lado a

via duas figuras femininas, simbolizando a Inglaterra — a harpa irlandesa s0bre seus joelhos — e a Ho

landa — o leão belga a seus pés —, enqu anto q reverso mostrava dois navios de guer ra navegando lado a lado e em latim uma otimista inscrição: “O comércio, tr anquilizado pela dupla aliança, floresce no mar, e o mundo inteiro recebe os aliados prazerosamente”, Fogos de

artifício em diversas cidades inglesas saudaram o fim da guerra que reco. locava o país numa perspectiva continental. De sua parte Oliver sentiu-se |jde um salmo e comentou que após tantos papéis que haviam trocado “nenhum fora melhor do que esse”.3 Antes que Baas caísse em desgraça, ele o pusera a par de alguns pontos de seu particular interesse: pr eocupava-o a liberdade dos huguenotes e a situação do príncipe de Condé — simpat ia que o diplomata não conseguiu entender. Às negociações retornaram às hábeis mãos de Bordeaux, cujos sentimentos pelo país onde exercia sua missão agregavam ligações já comentadas por Saint-Simon e uma amante inglesa, Marie Skipbourg — provavelmente Mary Skippon —, com quem chegou a ter uma filha ilegítima, batizada com o nome de Bérénice. Com ela o embaixador não se jactava da superioridade linguística associada à língua românica oficial da França — em suas cartas

ele se desculpava por não ser “mais versado nesse idioma inglês”. Mais tarde assegurou que assuntos públicos ou privados — inclusive a esposa — não modificariam a “inclinação” que lhe votava, Talvez isso fos se levar longe demais sua missão de estabelecer uma entente cordiale entre as duas nações.

Além disso ele tinha problemas financeiros: o pai, homem rico, recusara-lhe

a bênção e um subsídio — “que pelo menos o abençoasse, já que iss o não po-

deria ser convertido em dinheiro, pois sua fé não era tanta as sim”, replicou duramente. Apesar de tudo, desempenhava um importante papel de mediador A comoção provocada pelo envolvimento de seu auxiliar na conspiração, que o tempo mostraria ser remediável, foi reduzida pela irrupção do Sealed

Knot. O colapso da conspiração acarretou sérias consequê ncias à organização, que “rachou” entre Belasyse — suposto age nte infiltrado por Lambert ss

Willys. Ademais a velha guarda realista que vivia no continente sentia ciúme

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dos que carregavam o peso das dificuldades, sob cerco na Inglaterra. Como se não bastasse, havia os que defendiam uma ação a qualquer custo, se preciso

fosse, em aliança com outros grupos de insatisfeitos, presbiterianos ou antigos oficiais do exército, e os que preferiam esperar um clima mais favorável, ou seja, ajuda continental. No início do ano seguinte, embora debilitados pelo facionismo, os “ativistas” entraram em cena.

O futuro da Irlanda também ciais. Antes de mais nada no a unidade total entre os dois em troca de uma bancada no

precisava ser planejado, sob dois aspectos essenque dizia respeito aos vínculos com a Inglaterra: países levara à abolição do Parlamento irlandês Parlamento de Westminster, tal como fora feito

na assembléia Barebones e se repetiria no primeiro Parlamento do Protetora-

do. O fim das barreiras alfandegárias beneficiaria muitíssimo o comércio de Dublin. Infelizmente forças centrífugas atuavam a partir da enorme mudança operada no regime de propriedade das terras irlandesas, dois terços das quais mudaram de dono durante a chamada Colonização de Cromwell. Em setembro de 1653 uma nova Lei de Cultivo foi aprovada, reservando ao governo inglês, em virtude das dívidas de guerra e exigências dos próprios parlamentares, as áreas em torno da capital, a região de Cork e os terrenos mais férteis de Kildare e Carlow. Diversas cidades inglesas também foram aquinhoadas — Gloucester, por exemplo, que tanto sofrera ao longo do conflito, recebeu uma compensação financeira.” Aos empreendedores coube uma indenização de 360 mil libras, apartando-se para isso as terras de Leinster, Munster e Ulster. A maior parte do território acabou em mãos de oficiais e soldados do

exército, cobrindo pagamentos atrasados que já alcançavam mais de 1,5 mi-

lhão de libras, e outros débitos da Comunidade contraídos na compra de pro-

Visões. Finalmente, nas áridas províncias de Clare e Connaught, sem que a

População precisasse ser deslocada, os ingleses apossaram-se de uma estreita faixa, deixando o restante em poder dos nativos.” Assim, a Irlanda ficou dividida em três partes. Na região oriental — Wicklow, Wexford, Kildare e Carlow — , totalmente inglesa, proibiu-se a preSença dos habitantes, e homens, mulheres e crianças irlandeses foram removidos. Eles poderiam permanecer numa área mista mas renunciando inclusive a Seus nomes peculiares — Dermot, Mac, O etc. Somente na região de Clare

e Connaught sua cultura poderia florescer à vontade. Obviamente tudo isso Pressupunha a gigantesca migração interna prevista pela lei de agosto de

1652, que condenava os irlandeses e anglo-irlandeses que tivessem se oposto e

Ccati

qua

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FRASER

às forças parlamentares ou não tivessem podido comp rovar sua “boa Vontade constante” a perder um terço dos seus haveres, mantendo os restantes doi s terços numa das áreas que lhes fossem designadas. Havia puniç O€sS mais Pesa.

das, incluindo o confisco de dois terços das propriedades do S Que tivessem participado ativamente da luta. O problema era provar a “boa Vontade constante”, principalmente num país dilacerado por disputas de fac ções, formação e renovação de alianças ao longo dos dez anos ant eriores. Pior: admitia-se a culpa por associação. Um homem inocente de tudo — salvo de

querer levar sua vida em paz —, residente numa cidade que tivesse se declarado temporariamente contra as forç as do Parlamento inglês, de acor-

do com a lei tornar-se-ia irremediavelment e culpado e sujeito a remoção. Os habitantes

de Kinsale perderam o direito à “boa vontade constante”, mesmo estando a cidade há oito anos sob ocupação ingles a, apenas porque pagaram impostos a /ord Inchiquin durante alguns meses de 1648. A guarnição de Cork, que expulsara seus chefes e aderira ao Exército de Novo Tipo em 1649, só escapou do opróbrio graças à influência direta de Ol iver, sob cujos auspícios foi aprovada uma lei de isenção. Muitos infelizes, positivament lee ais aos ingleses, sofreram juntamente com os mais empedernidos defensor es de um ponto de vista celta. Lady Dunsany foi expulsa de seu castelo em Meath, apesar de todas as heróicas palavras de seu marido, em 1641, de que preferia morrer como súdito inglês a viver na “trangjúila posse de todo o norte da Irlanda”. Um homem como lord Roche de Fermoy, com suas jovens fi-

lhas, ficou reduzido à mendicância mais abjeta. Uma mudança de tamanhas proporções não poderia deixar de incluir,

além de toda essa terrível miséria, longas e onerosas viagens rumo a regiões desconhecidas, ainda piores em virtude do momento em que fora m levadasà

prática. Segundo a lei, e sob pena de morte, o êxodo devia completar-se antes do dia 1º de maio de 1654, o que obrigou muita gente a ganhar as estradas sob os rigores do inverno, abandonando suas terras na época do plantio, bem como os frutos da colheita anterior Não surpreende que tantos apelos tenham

sido feitos para que as transferências de domicílio foss em adiadas, alguns b E Dcmcpnia seados em alegações de MJustiça, outros na mais pura e simples noção- de € aridade, lembrando aquela melancólica parábola a respeito dos coxos € a os n

et

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d-

estropiados de todo tipo jogados pelos caminhos. Aos ouvidos dos gananeo” sos novos proprietários que começassem a chegar tais súplicas não reperc tiam nada bem, posto que se atendidas atrasariam no mínimo a tomada e posse que tanto almejavam.

CROMWELL

493

Os sofrimentos dos camponeses, teoricamente pelo menos, deveriam ser

«inda mais cruéis do que os dos antigos proprietários, e de fato, como a maioria

dos irlandeses nativos vivia na pobreza, sem condições de pagar escribas, muito menos redigir eles próprios as petições, sua situação agravar-se-ia sensivel-

mente. Porém o status inferior acabava por livrá-los da migração forçada, pois, afinal, alguém tinha que trabalhar a terra. Sem braços ingleses disponíveis, apesar das ardentes esperanças do Parlamento inglês, os novos proprietários não tiveram outra alternativa senão empregar antigos lavradores. Assim,

a deliberada separação das nacionalidades, objetivo da lei, frustrou-se devido

a um simples problema prático. Disfarçado entre os servidores do governador

de Limerick, um monge ouviu-o justificar a permanência dos camponeses em

suas áreas de origem com três boas razões: primeiro, sem os padres e antigos

senhores eles logo se converteriam ao protestantismo; segundo, eles impediriam que os próprios ingleses se degenerassem; terceiro, eram úteis. Atualmente a migração é considerada como “uma transferência de fontes de riqueza e de poder dos católicos para os protestantes, o que não criou uma comunidade protestante, mas uma classe alta protestante”.? Do ponto de vista dos soldados, o sorteio que lhes daria novas casas não

foi tão satisfatório quanto eles esperavam. Havia muitos graus diferentes de atrasos no exército, inclusive os daqueles homens que ainda estavam no serviço ativo, tendo passado pelo comando de Jones, em Dublin, e de Coote e Monk, em Derry, e que se somavam aos débitos acumulados antes de 1649 na Inglaterra — tudo isso fora jogado na conta que se saldaria com a distribuição de terras irlandesas, em cuja partilha, porém, também entrariam Os integrantes do antigo exército protestante de Munster. Sob o bafejo diferenciado da sorte, a natureza humana não se apresentou necessariamente da melhor forma. Alguns dos oficiais de Munster tinham se mostrado mais afáveis e dispostos a contribuir para a solução, dizendo que se sentiriam mais contentes numa terra árida que lhes fosse destinada pela vontade divi-

na do que num vale frutífero que eles próprios escolhessem. Contudo,

quando o Senhor os enviou à região montanhosa e estéril de Kerry, próxima nas lagos de Killarney, eles se enfureceram e, falando de forma que espanta"a um turista moderno, referiram-se ao lugar selecionado como “uma área de refugo”, Rápidos e rasteiros, os agentes de Leinster e Ulster curtiram um bocado ao lembrar-lhes suas piedosas afirmações anteriores. Longe de

Londres, no momento de entregar as propriedades, as injustiças abundavam,

somando-se aos casos de violência ocorridos quando os soldados chegavam e HH

494

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encontravam os antigos ocupantes ainda não removidos. Na tentativa de tor. nar os irlandeses conformados com o êxodo, o coronel Richard Lawrence membro da Comissão de Transferências, costumav a lembrá-los de que ser; j muito amargo ver mãos estranhas to la cando o que antes lhes pertencera. Aos co lonos ingleses caberia

tenacidade,

suportar as maldições dos despossuídos, famosos por sua

Portanto, lentamente, a colonização av ançava, mediante a troca de um lote sorteado pelos créditos de cada so ldad

o, oficializada através de um certi.

ficado de quitação. Assim, sob a supervisão de Fleetwood e mais tarde de Henry Cr

omwell, as dívidas com o exército fo ram solucionadas em três etapas — setembro de 1655, julho e nove mbro de 1656. Em pronunciamento oficial, Fleetwood saudou os homens que se desmobilizavam sem desonra, di-

zendo que deviam ver isso “como uma indicação do Senhor ”. Infelizmente as indicações do Senhor tinham-se complicad o, pois muitos oficiais haviam adquirido as dívidas dos soldados, talvez sim plesmente para ajudá-los a superar dificuldades de caixa ou pelo desejo de acu mular uma quantidade maior de terras* — a verdade é que alguns chegaram a enganar seus subordinados. E a recompensa pelo empenho na luta não garantia felicidade doméstica: tal como na Escócia, os militares ingleses estavam proibidos de casar com as mulheres do país. Claro que muitos fizeram isso utilizando uma série de expedientes — as noivas, por exemplo, declaravam-se convertidas ao protestantismo. Tão generalizada se tornou essa prática que Ireton organizou uma junta de “santos”, incumbidos de certificar a seriedade da troca

de religião: comprovado o casamento com alguma desavergonhada, ambos,

marido e mulher, eram enviados a Connaught.* Esses infortúnios evidenciavam mais à rapacidade dos ingleses e sua ctgueira, relativamente aos direitos naturais dos irlandeses, do que uma opr es-

são consciente. Cabe assinalar que nem todos ficaram indiferentes ao sofri-

mento dos que foram expulsos de suas casas, condenados a iniciar vida novê

em regiões praticamente selvagens. Em 1655 Vincent Gookin escreveu seu famoso panfleto The Great Case of Transplantation discussed by a awellawisher o

the good of the Commonwealth of England

[O

grande caso das transferências dis-

cutido por quem deseja o bem da Comunidade da Inglaterra]. Homem de

FR íram grandes propried *Assim se constitu ades, até porque numerosos oficiais eram Eng tu=

reiros” disfarçados. O capitão Henry Pakenham, dos dragões de Abbott, estabeleceu-se *, Westmeath, nas terras que recebeu nessa uiriu ; a dupla condição de “aventureiro”, e que adq direta. 2 por compra direta

CROMWELL

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a rar e ad id al qu — e al ori rit ter o çã bi am er qu al qu m se admirável bom senso, zou em círculos ingleses — gostando realmente dos irlandeses, Gookin sinali

direito. Dea e to tor a a av me se a les ing ca íti pol a que ais as discrepâncias fat ativa e a fim ern alt sem s, mai ani de o açã cri a e ra ter da o sorganizados o cultiv a rad est de es dor tea sal se amnav tor s ivo nat os ão, niç ina por de evitar a morte

earc enc Aos . nos lia ita os did ban a am av ar mp co os s ire ina Ord les as Nouvel

as oportuas tod ia nec for lhes te oes ral lito o , ght nau Con de e lav rados no enc

O que o. içã sed a a par do tin par ra, gei ran est da aju sem tas ici sol que nidades a ças tão cruelfor às rta abe ia ênc ist res uma com zes eli inf es ess der per a teriam poos men o pel a, vid a se tas cus lhes isso Se ão? raç mig da s mente promotora ar gin ima se de“Po s. rai est anc s seu de as cas nas e ent sam ajo cor rer deriam mor guntava per ??, sos gan de do ban um o com ada toc seja a eir int ão naç uma que ani org que do l fáci s mai to mui é r iza gan sor “De e: ent vid pre Gookin. E mais do mar ao a rad ati se fos a and Irl a a tod que hor mel o sid ia Ter ão. naç zar uma O que nos envolvermos num processo que pode ser malfadado.” Em resposta, exército inglês tratou de suborná-lo.” de O próprio Oliver Cromwell, que emprestara seu nome a essa política con um de ado ult res , tou rre aca ela que nia omí ign a ece mer não ão, colonizaç

junto de atitudes que certamente jamais poderia ser inspirada por um único homem. Mais: Oliver tinha muito pouco a ver com uma orientação que não estimulara e que era ditada com muita firmeza, sim, mas pelos interesses econômicos da Inglaterra. As linhas gerais do processo já estavam definidas antes do Protetorado, durante o qual ele persistiu em ver a Irlanda como uma área destinada à expansão protestante — projeto que imaginara na década de 1640, quando circularam rumores acerca de sua possível emigração. Sonhos de natureza extravagante, correspondiam muito pouco às tempestades e pressões realmente existentes. Como nunca mais voltou a pisar naquele país, não

foi forçado a comparar uns e outras. Assim, Ireland's Natural History [História natural da Irlanda], publicada

em 1652, dedicada a Cromwell e Fleetwood, antecipava aquilo que os “aventureiros” logo realizariam, juntamente com os colonos protestantes proveni-

entes da Europa, possivelmente alguns exilados da Boêmia e até mesmo ho-

landeses.

Na imaginação de Oliver tal plano não poderia fracassar. Em

Janeiro de 1655 pensou-se em trazer gente da Nova Inglaterra para a cidade de Sligo, apartando-se uma área destinada a essas famílias; um ano depois somente alguns poucos apareceram em Limerick. Os sentimentos dos presu-

míveis colonos estão bem expressos na correspondência que mantiveram a A

a

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FRASER

partir de 1650, referindo-se ao desejo oficial de qu e povoas Sem a ilha “aquela desolada Irlanda, inundada de sangue [precisa ser] umedecida ea . vada com as águas de um santuário”. Aparente mente estar iam di

aceitar o dever, “pois chegamos até aqui at endendo a um cha

spostos a

mado de Deus e a fim de servi-lo, e nada nos impediria de tomar em consideração um sinal

divino que nos levasse em outra direçã o com idênticos objetivos — faríamos isso gratos e alegremente”. Faziam , porém, detalhadas exigências, bastante terrenas e bem mais

difíceis de satisfazer, não sobre a Possível e desagradável

presença de irlandeses entre eles — um pré-requisito a cargo da política governamental — mas relacionadas ao espa ço que lhes caberia: “ que vamos chegar de uma região com ar mais puro, queremos ficar numa parte mais saudável do país.”'* Na verdade, apesar de todo o entusiasmo visionário de Cromwell, verificou-se que o apelo de Deus não fora suficientemente claro — e essa interessante tentativa de reve rter o tradicional caminho da Irlanda rumo ao Novo Mundo nunca chegou a ser bem-sucedida. Se a preocupação de Cromwell com a Irlanda seguia as linhas místicas de uma colonização protestante, suas intervenções práticas basearam-se mais

numa noção de misericórdia. Não apenas cidades conquistadas, como Fethard,

puderam apelar à sua clemência de forma bem-sucedida, mas indivíduos também, granjeando-lhe a simpatia e melhorando bastante a situação em que se encontravam. Defendeu Richard Nugent, conde de Westmeath, com toda a veemência, embora aparentemente em vão, quando as cláusu las de sua rendição,

como comandante irlandês de Leinster, foram desrespeitadas pelas autoridades

civis — “sensibilizo-me pelo quanto a confiança no exército e em nossa própria

honra e justiça está vinculada ao Justo cumprimento dessas condições ”. Onde nem mesmo suas intervenções pessoais resolviam a questão, comprova-S t mais uma vez o quanto era forte o sistema que gerava a miséria € quão pouco um 1h divíduo podia obrar no sentido de modificá-lo. Destinatário de centenas de pétições privadas na Inglaterra, Oliver tornou-se alvo de solicitações similares

por parte dos irlandeses. William Spenser, neto do poeta Edmu nd Spenser, ei diferentemente de seu avô, criado como católico, tentando livrar sua proprieda-

de em Kilcolman, às margens do Blackwater, das garras dos soldados, alego

que tinha apenas sete anos na época da rebelião e além do mais “renuncia r?

religião papista desde a idade da razão”, Cromwell acrescentou a isso um apelo a es cia do ancestral, um homem cl “cujo! s ES

critos expressavam a necessidade de civilizar os irlandeses [o que lhe acar tou] o ódio daquela nação” e afirmando que o referido cavalheiro tinha “umê

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497

conversa educada”, e nem nas circunstâncias mais extremas fora capaz de “atirudes indiscretas ou ruins com vistas a garantir a subsistência”.” Entretanto não

pôde salvar as terras do rapaz, já designadas para os soldados. O caso do católico e realista /ord Ikerrin, lançado à pobreza com a mulher é os filhos, exemplifica de forma marcante o temperamento compassivo

de Oliver, dado que não havia argumentos políticos, apenas uma questão de

humanidade. O nobre sofrera terríveis atribulações, inclusive doença, e apesar

disso tinha recebido a ordem de partir imediatamente. Um apelo ao Protetor obteve a seguinte resposta: “Muito sensibilizados com as condições tristes e miseráveis de penúria nas quais S. Sa. se acha neste momento, não podería-

mos deixar de nos comiserar e ajudar com um pouco que seja (...). Trata-se

de um pobre, digno de piedade, e desejamos que se cuide dele.”:$ Quando da Restauração, porém, o pobre lorde já havia morrido, e sua propriedade passara às mãos dos soldados: é bom saber que em 1666 seu filho — um “inocente protestante” — recebeu-a de volta. O caso mais notável de misericórdia foi o de /a4y Ormonde, esposa do arqui-realista general e herdeira da família Desmond, cujo casamento reunira as propriedades dos Butler e dos Desmond. Talvez fosse justo que sofresse. Em

maio de 1653, no entanto, audaciosamente, ela escreveu ao Lorde-General de seu exílio em Caen — “Tendo recebido garantias, através de informações gene-

ralizadas, acerca das inclinações de V. Sa., que se apraz em ajudar os necessitados, carentes de ajuda e proteção (...)” — e em agosto fez-lhe uma visita pessoal, Suas esperanças não foram desapontadas, particularmente visto que um importante puritano de Dublin expôs suas virtudes. Cromwell entendeu ser ter-

rível que uma dama de tantas qualidades “estivesse sem pão” devido à má sorte

de ter esposado um “Jord delinquente” e providenciou para que recebesse de volta parte das propriedades e do dinheiro pertencentes a Ormonde, a fim de

aliviar seus padecimentos; posteriormente foi-lhe entregue algo dela mesma, sob a condição de não ajudar o marido. Em 1655 ela mandou buscar os filhos e

Prestou auxílio à sogra, /a4y Thurles, católica que perdera suas terras, mas livrara-se da imposição de transferir domicílio.” Certamente ele respeitava sua per-

sistência, lembrando-se da parábola do juiz e da viúva importuna.

Por isso enfureceu-se quando Thurloe o levou a crer que seus préstimos

tinham servido a uma deliberada traição. Diante de /ord Broghill, Oliver teve

um de seus súbitos ataques de fúria: “Vós assumistes a ajuda a fim de satisfa-

er uma pessoa que afirmastes ser ótima”, disse provocativamente e, depois de discursar sobre a ingratidão de /a4y Ormonde, aliada à sua própria gene-

L

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rosidade, exclamou: “Ela é uma mulher malvada e não do que possuía,” No auge da raiva, am eaçou a distinta senhora

Sarthing

de se tada por uma junta de bois”. Broghill conhecia o Protet Or € manteve a» “Caarberaças. fria, limitando-se a perguntar quais as razões de taman ha exaltação de ânimo Com uma resposta lacônica — “Suficient e” — Cromwell mostrou-lhe uma carta muito comprometedora que incluía uma série de demonstrações de ato: to a Ormonde. Ao ver a missiva Broghill sorriu, reconhecendo a caligrafia da extrovertida e muito bela /ady Isabel la Thynne, amante do general. Isso bas. tou para transformar a ira de Cromwell num “m ero gracejo”. À reputação de lady Ormonde fora salva à custa do sacrifício de lady Isabella.º

É bastante lamentável portanto que posteriormente, após o levant e de Penruddock, entre os

envolvidos estivessem seus filhos, lord Osso ry e lord Richard Butler, sendo que o primeiro em particular recebera favores de Oliver — dessa feita, de nada valeram os rogos maternos: ele foi preso na Torre. Quando /a4y Ormonde ofereceu sua própri a vida em troca da libertação do jovem, ele se esquivou, acrescentando não teme r ninguém mais do que

ela. “Por que eu, tão inocente, devo parecer tão terrív el a vossos olhos?”, per-

guntou a dama. Cromwell respondeu com um elaborado gala nteio: “Não se trata disso, madame, mas das qualidades que possuís e que a tornam muito influente junto aos líderes de dois partidos antagônicos, cabendo exclusiva-

mente ão vosso coração agir como quiserdes.” Além desse elogio nada lhe foi

concedido, apesar do cuidado com que o Protetor sempre a conduzia até a cadeira após as audiências ou à carruagem — muito diferentem ente de outras pessoas —, e só quando Ossory contraiu a peste é que lhe perm itiram embar-

car para a Holanda. Então, finalmente lady Ormonde pôde relaxar e devotar-Se “ao cultivo da terra e à vida no campo”, em Dunmore.*

Tais incidentes, é claro, distanciavam-se muitíssimo dos sofrimento a s

campesinato católico ou dos proprietários de terras que não fossem capazes de

mostrar sua “boa vontade constante” —. tão longe, pode-se dizer, quanto à ge

jetada ilha de Oliver, com seus “santos” trabalhadores protestantes esta va ,

realidade concreta de uma Irlanda condenada a um futuro de disputas sob à ã

-

gislação inglesa. Não demorou nada para que a responsabilidade pelo éxo , forçado de inúmeras famílias recaísse sobre seus ombros e o vínculo do proce so de colonização com seu nome consubstanciasse o mistério do to. Já 1659 um livro de frei Morison, impresso em Innsbruck e intituladomiTh renoni Hiberno-Catholica [Canto funeral hiberno-católico], descrevia os sofrimen to du S nas garras dos “anglo-calvinis tas”, supe riores

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aos dos judeus sob o jugo dos faraós e dos inocentes sob Herodes. O autor declarava abertamente que Cromwell, o “arquitirano”, era o culpado, e os ingleses, em geral, velut lup rapaces — predatórios como lobos.

É verdade que a intenção de apartar rapidamente os dois povos foi apenas

parcialmente alcançada pela proibição nupcial entre soldados e moças irlandesas.

Muitos ex-militares acabaram sendo tão assimilados que, ao final do século,

um observador inglês relatou indignado o fato dos descendentes do exército de Cromwell sequer falarem o idioma de seus antepassados. Esse relaxamento,

porém, em nada contribuiu para aliviar os problemas básicos decorrentes das

leis de Cultivo, que anularam quaisquer outras possíveis vantagens do governo inglês na metade do século XVII, tais como a lucrativa união alfandegária

e a restauração da justiça e da ordem. Antigos soldados não eram homens ricos e se diluíram entre as camadas mais pobres da nação. À proscrita religião católica também sobreviveu nos corações e mentes do povo simples como um fogo sagrado cujas chamas ocultas jamais se extinguem totalmente. Embora fosse crime sujeito à pena capital dar guarida a um padre, os monges franciscanos e capuchinhos viajavam pelo país encontrando abrigo nos casebres dos lavradores, trabalhando a seu lado e utilizando-se dos mais variados disfarces. Acima deles, a aristocracia protestante assumiu o controle das antigas propriedades irlandesas, dando origem à distinção, exacerbada pelo credo religioso, entre os que possuíam e os que não possuíam terras. O primeiro Parlamento do Protetorado foi escolhido em meados de julho de 1654, mas só se reuniu no começo de setembro; as semanas de intervalo foram ocupadas em preparativos, a construção de um trono, por exemplo —

usou-se exatamente essa palavra —, na Painted Chamber [Sala Pintada], afinal, “uma cadeira ricamente trabalhada com incrustações douradas”, colocada num plano ligeiramente superior às demais, numa plataforma de

dois degraus, atrás de uma mesa. No dia da sessão de abertura o cortejo

que atravessou Whitehall também pareceu real, com Oliver, Lambert e Henry Cromwell ocupando uma “magnífica carruagem”; notou-se que o Protetor escolhera uma roupa civil, pretendendo com isso diminuir a participação do exército na sua elevação ao poder. Ele próprio escolhera o 3 de setembro, segundo Hobbes, devido a “mais do que uma simples superstição”: buscava a coincidência com os aniversários das duas grandes vitórias de Dunbar e de Worcester.” Infelizmente naquele ano a data caiu num domingo, e os religiosos protestaram contra o uso do Dia do Senhor. Assim, o Pd

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evento constou de uma breve reunião e um curto discurso, seguido sermão, na abadia de Westminster; as cerimônias mais importantes fora

de

um

m adia-

das para a segunda-feira. Foi portanto no dia 4 de setembro de 1654, agregando sua autoridade à do Parlamento e através de um extraordinariamente longo e memorável discurso, contendo inúmeras referências aparentemente obscuras, que Oliver Cromwell

expôs seus ideais de Lorde Protetor. Alongou-se de propósito, querendo pesar

na consciência dos que o escutavam, como um navio majestoso que cruza as ondas do oceano. À falta de clareza pode ter sido exagerada nos relatos poste-

riores, em primeiro lugar dado o seu hábito notório de não fazer anotações —

os testemunhos baseavam-se tão-somente na memória dos ouvintes; além disso,

suas hesitações enquanto buscava a frase ideal — na verdade, um truque de ora-

tória — davam uma impressão de mistério. Assim opinou o emissário do re; Carlos, da Suécia, afirmando que o Protetor “orgulha-se da sua boa Forma de

falar em público, olhando em volta, como buscando a palavra mais adequada”.*! Ãos olhos dos críticos, a procura da perfeição acabou por converter-se em sinal de desordem. Naquele momento, porém, Cromwell demonstrou clareza pelo menos quanto à mudança do seu pensamento desde a extinção do Parlamento Barebones, 14 meses antes, comportando-se sem o menor traço do otimismo com que se dirigira aos “santos”, em julho de 1653 na esperança de outorgarlhes o poder. Não era absolutamente um homem desiludido pela amargura — que sobreviria mais tarde —, mas confiante do papel que lhe cabia desempenhar, embora ainda existisse uma larga margem de dúvida acerca do que competiria ao Parlamento e de como se daria à justaposição entre os dois poderes. Expressando-se com firmeza e objetividade, ele não apenas contrapôs, mas ainda definiu como mais importantes as noções de ordem e aquiescência perante 0 governo, relativamente a mudanças e reformas.

O resultado foi um discurso que começou magnificente: “Senhores”, disse

ele, “estais diante da maior oportunidade já vista na Inglaterra, tendo sobre vossos ombros 0 interesse de grandes nações e territórios, acredit o mesmo que de todos os povos cristãos do mundo — sem hipérbole.” Depois dessa introdução partiu para uma série de altos vôos e manobras, como uma ave de rapina que

procurasse nos céus a sua vítima — no caso, o precedente histórico que justificasse aquele acontecimento. Ele poderia relacionar, afirmou, “uma série de fa-

tos faso natos

não pela mão do homem, mas pela providência e a misericór-

dia de Deus, que/08 e ham conduzido aquela situação. Entretanto não o faria: primeiro porque precisaria de um dia inteiro para enumerar as estupendas pro”

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insm ava est e ent tam cer elas que por o und seg s; ina div s dia cór eri mis € vidências -ritas NOS corações de todos os presentes e de forma tão efetiva quanto num li--

vro; terceiro porque lembrá-las reabriria antigas feridas. Evitar “novos

sangramentos” e estruturar a nação — nisso ele centraria seu discurso repleto de intenções pacíficas e menções às misericórdias divinas, apaixonado, dirigido

a uma audiência que sofria o castigo de não tê-las entendido.

Qual era a condição do povo, perguntava Cromwell, quando “este governo”, isto é, o Protetorado, assumiu o poder? Em sua resposta grave ele con-

cluía: “Tudo não se tornara (quase) arbitrário? Quem sabia como ou onde

obter direitos sem alguma obstrução ou intervenção?” De fato ele fazia ques-

ão de frisar que “tínhamos nos transformado em puro arbítrio”. E apesar das indulgências de Deus, “as mais extraordinárias suscitadas pelos Seus julga-

mentos proferidos no curso de uma áspera guerra civil que durou uma década, sem que no entanto alterássemos nossos humores e interesses”. Assim, ao adotar os conceitos básicos do Protetorado — lei e ordem — ele não deixava de lado a antiga e profunda crença na benevolência divina, valendo-se dela para fustigar os que perturbassem a paz social. E, embora de forma metafórica, foi exatamente isso o que ele fez, erigindo os “princípios /evellers” em responsáveis pelo estado de quase arbítrio e denunciando seus defensores por pretender que “a magistratura da nação tropeçasse”. Nada demonstrava mais claramente o quanto se afastara daqueles dias de revolucionária oposição ao rei do que suas nostálgicas referências a “Posturas sociais e ordenações individuais que têm caracterizado a Inglaterra

ao longo dos séculos” — distinguindo um nobre, um cavalheiro, um pequeno

Proprietário de terras. “Isso é grandioso e de grande interesse para a nação”, declarou. Em contrapartida, o que propunham os levellers “senão igualar O arrendatário ao dono das terras? Coisa que na minha opinião”, acrescentava

com desprezo, “caso fosse alcançada, não duraria muito” — sob tais princípios de oro quis: deles “rapidamente os homens passariam à reclamar os direitos

os

Deus

sa é

ade”.

a

Uma a uma, todas as inadequadas minorias foram demolidas: por se acreditarem os únicos guardiães da vontade

de

e porque deles se dizia terem chegado do Rr E dos : tivos dido e lançar a cizânia no solo da Inglaterra. Contestando esses objeor 1osos, Oliver apontava todo o trabalho que fora realizado em proegito além do que se atingira em termos de prosperidade, reforma da rat regulamentação da Igreja, inclusive os tratados firmados com a a e Portugal, e até mesmo um novo acordo ainda em estudos com a

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França. Sem escamotear a carga tributária que pesava em demasia sob

pulação, tentou ligá-la à realidade mas como consegiiência do passa

aliviada no futuro.

re a podo

d Ser

Finalmente, numa atitude de certa forma similar à de um generoso Mestre-es. cola, que garante a cada um dos alunos serem todos igualmente importantes, ele próprio inclusive, Cromwell explicou diante do Parlamento as tarefas que Suportava, acrescentando: “Usarei de toda a franqueza e liberdade convosc O ão dizervos que não falei sobre tais coisas por exercer domínio sobre vós, mas na condição de um colega, servidor como vós, e sempre no interesse dessas grandes questões (...).” Infelizmente diante dele não estavam simples colegiais. A franq uia de duzentas libras acarretara um pequeno aumento da representação rural, impedindo o controle do governo, visto que os parlamentares oriundos das cidades sempre foram mais fáceis de manipular mediante práticas clientelistas. Além do mais, o novo Parlamento estava cheio de elementos que pensavam da mesma forma que ele, vendo-o realmente como um “colega servidor”. Ali estavam de volta os antigos e firmes republicanos, Thomas Scot e sir Arthur Haselrig, que se opunham a qualquer interpretação do Instrumento de Governo que pudesse conduzir ao poder solitário do Protetor, pois esses homens tinham passado a maior parte de suas vidas lutando contra o conceito de poder individual e não se dispunham a abrir mão de suas idéias em favor de Cromwell. Por conseguinte o Parlamento vai se mostrar questionador e teimoso, contrariando os sonhos do Protetor, que esperava dele todas as concessões à

partir da “mútua, doce, graciosa e santa compreensão acerca do futur o”. À

primeira queixa baseou-se no fato de uma lei recente, que punia a traição € proibia críticas públicas ao governo, ter atingido o direito de liberdade de expressão parlamentar. Deliberadamente, “apesar dessa regu lamentação”,

a Câ-

mara passou a debater a natureza do novo regime. E, embora expressamente vedado pelo Instrumento de Governo, tentou alterar uma cláusula crucial que

definia — ou melhor, não definia — a relação existente entre o Protetor é

aquela Casa, substituindo a expressão pouco clara que atribuía o poder a um?

“única pessoa e o Parlamento” por definições expressas a respeito do “Parla-

mento da Inglaterra”, a quem incumbiria estabelecer as qualificações da “única pessoa”* e legislar com exc lusividade. Foi o que bastou para que o “par tido da Corte”

Cromvwel passara a ser conhecida — erguesse de sua s tumbas todos os fantas mas do Rump — pois não estava o

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permitiria ais jam ver Oli E . ção tui sti con a nov a rea pét nar tor em o dad cor con a diminuição dos poderes a que fora tão claramente convocado por Deus. Igualmente ágeis, os opositores do Protetor argumentaram que “a Providência

muitas vezes permite aquilo que o próprio Deus não aprova”, pois do contrário um ladrão teria direito a todas as bolsas que encontrasse pelas estradas. em hom só um de o ern gov o que r rma afi 20 tos mui de e nom em u falo Bradshaw

«eria mais bem exercido por Carlos. Sem dúvida, a prevalecerem tais idéias, o

Protetor ficaria bastante limitado, incapaz de realizar a maior parte de seus

planos, daí por que não lhe restasse senão o ataque. A proposta segundo a qual “o governo deve residir no Parlamento e numa

única pessoa, limitada e restringida de acordo com o que a Câmara achar con-

veniente” foi posta em discussão no dia 11 de setembro; 24 horas depois Cromwell compareceu ante o plenário e abordou o assunto num longo discurso, enfatizando com muito maior veemência o chamamento que recebera de Deus e sua confiança no povo — só cederia a um apelo coletivo. Particularmente enfático, mas sem abrir mão do seu habitual recurso oratório à aparente

hesitação, ele declarou que não buscara projeção alguma: “Posso garantir com toda a simplicidade de minh'alma que não gosto de mexer em feridas ou desco-

brir a nudez (...) esperava descansar, retirar-me para a vida privada [depois de

Worcester]”, mas atendera a súplicas de personalidades gradas e num momento em que detinha o exército de três países sob seu comando. “Nuvens de testemunhas” poderiam atestar a veracidade de suas palavras, no exército, na City, entre À magistratura e “em todos os condados da Inglaterra, além de muitos na Irlan-

da e na Escócia”. O Parlamento seria sua última prova.

No entanto, apesar de toda a fé que depositava na providência, Oliver não

e dobraria a ceder os poderes solitários de que fora investido. O bom governo,

dizia ele, consistia em certos pontos essenciais, tais como a liberdade de consciencia para todos e o controle da milícia por uma única pessoa — sem isso corur O risco da altamente indesejável autoperpetuação do Parlamento. E asil mi repetia que aquela assembléia era de fato livre, ele promovia uma ração no Instrumento de Governo em seu próprio favor ao referir-se a | “a autoridade que vos convocou” a partir de uma autoridade Sa eus e do homem. Nada disso constava do documento — nem que es da Câmara decorriam dele, nem que ele precisasse ser qualificado Pelo Parlamento. No entanto em uma semana elaborou-se um novo Reconhecisd

e

a assinado por cerca de duzentos membros. Ainda assim a discussão prosSutu, abrangendo o direito de veto do Protetor, afinal também admitido como

s04

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natural, ex officio e em caráter perpétuo. Aparentemente seu partido Saír a vito. rioso, mas ele próprio sentiu-se decepcionado em virtude de ter sido de Frotada

a proposta que o tornava hereditário: o cargo permaneceria eletivo

» €, Ca

q

so Parlamento estivesse reunido, no momento da morte do Protetor ser; a ele e não o Conselho de Estado que procederia às eleições. O infeliz fantasma do rei Carlos, segundo se dizia, deambulando por Whi tehall, certamente consideraria irônicos muitos desses tópicos — impostos e controle da milícia — debatidos entre o Protetor e o Parlamento.* * Um dos maiores

êxitos obtidos pelos parlamentares mais recalcitrantes foi o de que nenhum novo imposto poderia surgir sem o seu consentimento; com o orç amento limitado a duzentas mil libras anuais, o Protetor dificilmente poderia dis pensar a Câmara, principalmente tendo em vista o expansionismo da sua política exterior Até mes-

mo à liberdade de consciência, com a qual Oliver demonstrava tanta preocupa-

ção, sofreu ameaça temporária ante um projeto de lei que vis ava exterminar as “heresias prejudiciais” e obrigar a população a ir à igreja aos dom ingos; após reunir-se com o Protetor, a comissão encarregada de examinar a questão chegou à conclusão de que só a ele caberia, em última Instância, pôr em vig or leis de restrição dessa natureza. Todavia, a essa altura dos acontecimentos, as disputas já haviam evidenciado as diferenças de pontos de vista e 0 grave risco que ele corria de frustrar-se na tentativa de realizar o trabalho de Deus. Um desagradável acidente egiestre, ocorrido no final de setembro, revelou como a estabilidade do país dependia de uma única pessoa. Conhecedor dos gostos de Oliver, o conde de Oldenbourg presenteou-o com seis frieslan ds cinzentos — e ele pretendeu experimentá-los pessoalmente, dirigindo uma

carruagem pelo Hyde Park. Foi um desastre, porque caiu, sendo arrastado, até que sua bota se soltou. Presente, e inexplicavelmente, Thurlo e também perdeu o equilíbrio — sua pistola disparou e quase atingiu Cromwell. En-

quanto os realistas se regozijavam, apontando com malévola intenção “a má direção

[causa do] final funesto”, humoristas anônimos solicitaram aos pass tores que rezassem por “um desavisado cocheiro que se propusera a dirigir três reinos”. Numa pseudo-elegia sobre o fato os “violentos e mal-adestrados cavalos estrangeiros” eram repreendidos, em virtude de terem se recusado à preservação de Oliver, os puritanos só groso. O Parlamento apressou- se em apr esentar congratulaçõ es e condolências. E, conforme comentário do embaixad or de Veneza, inegavelmen te uma a

rie de problemas sociais e imen sa confu são teriam res ultado da sua morte. a

a

:

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505

No início de novembro ele ainda coxeava, deprimido e irritado, queixando-se daqueles tempos — preferia “apascentar ovelhas a ter algo a ver com o governo de homens”. Naquele mês, aos 89 anos, sua mãe morreu — com ela «vimos viver toda uma era, longa como a história”, escreveu Marvell. Sua caúde vinha decaindo há algum tempo, e pouco depois da execução do rei Cromwell tivera que adiar uma visita a Richard Mayor, alegando não poder deixá-la. Lúcida, porém, ela pôde manter uma relação muito próxima e de in-

tensa afetividade com O filho único até os últimos dias de vida, fato assinalado pelos contemporâneos. Sem dúvida tratava-se de uma mulher de caráter,

dotada de forte temperamento — a mudança do alojamento dos oficiais para

o palácio de Whitehall, que marcara a ascensão Protetoral, não lhe agradara nem um pouco; de acordo com Ludlow, “ela não se deixava lisonjear por essas tentações”. Temia pela vida do filho, arrepiando-se ao ouvir o fogo de mosquetes, quem sabe o tiro de algum assassino. Sua última bênção foi tocante, e Thurloe a registrou: “O Senhor fez com que Sua face brilhasse sobre ti, te confortou em todas as adversidades, permitindo que fizesses coisas muito importantes para a Sua grande glória e que representasses um alívio para o teu povo; meu querido filho, deixo meu coração contigo — boa noite.?** A morte sobreveio pouco depois, deixando Oliver mergulhado na tristeza, segundo observadores, tentando disfarçar a perda com uma aparente calma ex-

terior. E, apesar de todas as opiniões contrárias à pompa que à velha senhora

expressara em vida, ele lhe deu um funeral na abadia de Westminster, num entardecer de domingo, iluminado por centenas de tochas. Movendo-se na esfera dos governantes, quis cercar sua dor de dignidade e honras de Estado, desdenhando a frágil voz de materno protesto puritano que ficara no passa do. No entanto os problemas não o abandonavam. Em janeiro ele escreveu

“O general-de-divisão Wilks, seu amigo pessoal, manifestando um sombrio

Pesar e jurando precisar de “toda a pouca fé e paciência” para enfrentar as dificuldades — «tão pouca vontade têm os homens de ouvir e reparar seus er-

Os.” Nesse contexto a atitude de Theauro John, que passara a viver numa

tenda, em Lambeth, constituía apenas um aborrecimento adicional. O velho ÃO, testemunha do recrutamento de Oliver em Huntingdon, acendeu

dad da

a

E

eia

e atirou nela uma Bíblia, uma sela, uma espada e uma pistola,

aos que apreciavam o espetáculo estar incinerando os novos deuses

nda

Depois, caminhando até as portas do Parlamento, investiu con

ranseuntes, empunhando

seu gládio. Foi preso e levado dali. O regi-

» Porém, ignorou tais ameaças de forma puritana, e no dia de Natal de

506

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1654 a Câmara dos Comuns não deixou de reunir-se. Pairava so bre eles uma ameaça bem mais real e pouco extravagante.

Os levellers, fração minoritária do exército, aproveitavam-se da Insatisfação contra o governo para conquistar novos e numerosos adeptos, tornan-

do-se ainda mais perigosos em virtude das alianças pot enciais que a conjun.

tura lhes prodigalizava. Afinal de contas, um eixo rebelde que Os aproximasse dos

realistas podia converter-se no mais sério desafi o ao regime do Proteto. rado. Sem contar a presença de republicanos descontentes —. Haselrig, Bradshaw e lord Grey de Groby — capaze s de tender a uma aliança desse

tipo. Assim, a petição de Okey, Alured e Saunders, encaminhada no início de novemb

ro, era muito mais prejudicial do que poderia parecer à primeira vista. Escrita, na verdade, por John Wildman, vetera no Jeveller, o documento colocava em questão as bases do poder de Cromwell, exigindo “um Parlamento integral e livre”, em condições de reconsiderar as liberdades origi-

abaixo-assinado que coletasse uma enorme quantidade de assinaturas no exército e, mais amplamente, inclusive na Escócia. Rapi damente sustada, seus idealizadores foram levados à corte marcial, embo ra acabassem inocentados da acusação de traição. Ao norte, sim, desenvolveuse uma conspiração de verdade, sob o comando do coronel Robert Overton, preso graças à enérgica atuação de Monk. No dia 10 de fevereiro Wildma n também caiu

prisioneiro, antes de que secasse a tinta de um panf leto que incitava a oposição ao “tirano Oliver Cromwell”.

tivo com os realistas, cuja mal Planejada rebelião se daria pouco depois.” E verdade que os partidários da causa do rei esperavam sua ajuda e tentaram

assegurá-la através de contatos individuais que se deram entre o duque de

Buckingham e John Lilburne. Sem dúvida Cromwell não desdenhou a possibilidade, manifestando

a preocupação que tinha nesse sentido através do discurso que pronunciou perante o Pá

seu modo de encarar os “radicais”

CROMWELL

507

Vendo espiões por toda parte, mais uma vez Cromwell demonstrou sua aniga € implacável capacidade de decisão. Conforme estabelecia o Instrumento Je Governo, O período mínimo de cinco meses para as reuniões do Parlamento

encerrar-se-ia em 5 de fevereiro, mas a data foi antecipada, pois descobriu-se rio. calendá do meses os com não , lunares meses os com ir coincid deveria que um “longo com ento Parlam do iu-se desped Oliver janeiro de 22 dia no Assim,

discurso” — ele próprio O admitiu*? —, patenteando o quanto detestava aqueles lhes que co históri papel ao menção er qualqu Sem . ntavam confro o homens que

los, discípu seus com ntado desapo ente seriam go, pedago de tom coubesse, num as todas e ças” esperan de cheio mais o] passad ro setemb [de “dia o lembrou ele progressivas frustrações que acumulara desde então.

E, à proporção que suas manifestações de desgosto se avolumavam, a ira o levou a algumas frases pitorescas derivadas das Escrituras. Delineando os

resultados que o Parlamento alcançara, disse: “Flá árvores que não medram à sombra de outras. Algumas talvez prefiram fazê-lo alhures— um homem poderá aludir a isso de forma metafórica. Eu vos direi o que cresceu. Em vez de se comporem a paz, a moral e a organização, a misericórdia e a verdade, em proveito da reconciliação do honesto povo dessas nações, encerrando os infe-

lizes destemperos que persistem entre nós (...) ervas daninhas e urtigas, urzes

e espinhos cresceram à vossa sombra, desordem, desunião, descontentamento,

junto a grandes perigos que nos ameaçam a todos.” E de modo a deixar cla-

ros os objetivos que tinha em mente repetiu: “Afirmo que os inimigos da paz dessas nações, aqui e no exterior, não se recusarão a chamar assim ou evitarão referir-se a urzes e espinhos que cresceram à vossa sombra, aos humores de descontentamento que percorrem nossos países.” Mais adiante voltou a falar

nas “ervas daninhas”, cultivadas por inimigos da Comunidade em todas as oportunidades propiciadas pelo Parlamento.

A alusão bíblica bem como o acordo entre a morte e o inferno tão caro

pelas do obceca ente igualm Isaías, de eram es escoces e ses irlande s ss clérigo Miqiidades

e “urzes de ra metáfo lar particu Na o. geraçã de sua própria

espinhos” e em muitas outras referências, consciente ou inconscientemente,

Cromwell se identificava com esse profeta, cujos vocativos tinham em vista “onjurar a desolação que atingiria o povo de Israel, caso não dessem atenção àOs conselhos do Senhor.*

Pp

a a a desperdiçarei: não será podada nem cevada; mas virão urzes e espinhos.” Isaías, ç a » V. 6; ver também cap. VII, v. 23, 24, 26; cap. IX. v. 18; cap. K, v. 17; cap. KXXII, " “35 Cap. LV, v.l3,

sos

ANTONIA

FRASER

Enojado das transações sem valor com que se ocu pavam Os parlamenta. res, ele interpôs, sarcasticamente, que “o partido dos Cavaleir os vem Plane. jando jogar a nação no sangue mais uma vez (...)” e lançou Pistas acerca da

“correspondência que mantinham com os levellers”. Depois, concluindo sua análise sobre as imprudentes atividades do Parlamento, ele reafirmou que todos tinham inteira liber dade para andar pelo campo ou viajar, mas que não

consideraria isso adequado “se nossa própria casa está pegando fogo” quem desertasse não teria chance alguma de retornar. Assim, depois de apelar a Deus e reafirmar os deveres que o vinculavam ao povo, ele declarou encerrada a legislatura: “Vossa presença não representa mais um enriquecimento (...) nem uma contribuição ao bem-estar geral.” No entanto, apesar de todas as suas apreensões sobre o solapamento da Co-

munidade, a primeira tentativa dos realistas visando a esse objetivo, quase imediatamente após a dissolução do Parlamento, só contribuiu para provar a solidez dos controles que Cromwell e Thurloe detinham em suas mãos. Com essa

observação não se pretende menosprezar o fervor com que Oliver atacava os riscos tolos ou mesmo criminosos assumidos pelo Parlamento. De um jeito ou de outro, suas críticas eram parcialmente Justas — os soldos estavam novamente atrasados, sem dúvida a pior maneira de garantir a segurança do país. Tivesse havido, porém, como ele suspeitava, uma aliança entre os /evellers e os realistas,

a história do galante e frágil levante de Penruddock, na prima vera de 1655, teria sido bastante diferente. Da forma como ocorreu, o empreendimento caractese pelas deficiências de planejamento, coesão e direção, assim como todas

as demais conspirações realistas do Interregno. 0 Previram-se seis insurreições regionais lideradas pelas associações locais, sob o comando geral de lord Rochester, emissário do rei, o que evitaria um duplo comando, como o que fora exercido por Glencairn e Middleton. Todavia nem os mais inteligen tes realistas imaginaram que o sucesso dependia de algum tipo de ajuda externa, nem previram as desastrosas consequências da repres são. E mesmo na ausência de qual-

Orte do país| e foi prontamente Eg» Não se cogitou de transferir a data

És depois, em meados de março — UM

CROMWELL

509

m ra de o nã , ds an dl Mi s na e, ir sh rd fo af St o completo fiasco. O Leicestershire e «nal de vida — assegurou-se a paz mediante a simples suspensão dos jogos

go al de ce an ch a a vi ha de on e, rt no s. No lo va ca as de id rr co s da l e bo te fu de os secread nh mi ca os en iv at ar s ep ei pr áv er id ns co s ão as aç o, gr os ci da au is ma tamente em Nortúmbria, Durham e no Yorkshire, o encontro programado pees liçõ as o und seg io, píc pro co pou l loca — r Moo n sto Mar em s ista los real ter hes Roc ões. pris com ou min ter — ia tór his da ido end apr que deveriam ter pelo menos conseguiu escapar, disfarçado de criador de gado. Apenas no oeste O levante mostrou certa força em virtude do baldado mas

coheróico esforço do antigo soldado realista que deu nome à rebelião — o ronel John Penruddock, responsável pela região do Wiltshire, na Associação

do Leste. Juntando-se a um enviado do rei, sir Joseph Wagstaffe, e a seu prias o and haç rec m, age cor da ra dei ban a ueu erg ele k, doc rud Pen ard Edw mo, desvantagens que tornariam milagrosa qualquer expectativa de êxito. O governo não perdeu tempo: fortaleceu a guarnição da Torre e mandou vir tropas da Irlanda, colocando a milícia de Londres sob o comando de Skippon. Em volta de Whitehall a guarda foi redobrada. Ignorando tais presságios, na noi-

te de 12 de março Penruddock e Wagstaffe entraram em Salisbury, abriram as

prisões e convocaram os prisioneiros à luta — em seu lugar prenderam dois juízes e o encarregado da lei no condado. Pensou-se em enforcá-los, mas finalmente ficou decidido levar o sheriff como refém, sem permitir que trocasse suas roupas de dormir. Depois disso quatrocentos homens marcharam juntos na direção da cidade. O marquês de Hertford não apareceu. Em Dorset, Blandford e outros lu-

gares não se obtiveram novas adesões. Mesmo despreparado, o pequeno grupo de Penruddock dispôs-se a enfrentar a tropa bem-equipada de Desbo-

fough, que o governo central despachara em sua perseguição, na Cornualha,

um lugar tradicionalmente favorável aos realistas. No caminho Taunton e Exeter, importantes cidades, deixaram claro que os insurgentes não passavam

de perturbadores da paz. Foi em South Molton, além de Tiverton, que o contingente pouco numeroso do capitão Croke, do regimento do coronel Berry, finalmente estabeleceu contato com eles. Os resultados do combate que se se-

Buiu não favoreceram absolutamente os insurgentes: Wagstaffe fugiu, mas o

Testante da força caiu prisioneira, sendo conduzida a Exeter. O levante constituíra um perigo tão desprezível que Cromwell sentiu-se

Capaz de tratar os que dele haviam participado com indulgência, segundo os

padrões da época, e permitiu um julgamento, conquanto os júris locais mani-

510

ANTONIA

FRASER

festassem a desagradável tendência de absolver os conterrâneos. Parece que apenas 39 receberam penas capitais, e não mais do que 15 mo Freram Penruddock estava entre os últimos, mas enfrentou o destino co

Mm a mesma bravura que demonstrara em vida; o governo concedeu lhe a graça de não sofrer a terrível indignidade de ser esquartejado. Cromwell e Thurloe puderam orgulhar-se do funcionament o da máquina

que enfrentara afinal seu primeiro grande desafi o, particularmente o último, pois um

de seus agentes, o coronel John Bampfylde, inf iltrara-se nos círculos parisienses da conspiração realista, de onde env iara grande quantidade de valiosas informações. A acelerada mobilização dos cinco mil milicianos em Londres

também fora um bom sinal, sem falar nos volunt ários que se organizaram pelo

país, inclusive no Gloucestershire e em Bristol. Descreve ndo os fatos para John Pell, agente do Protetorado na Suíça, ele assegurou muito satisfeito que teria sido pos

sível convocar vinte mil homens em duas semanas: “Enganam-se muitíssimo aqueles que supõem o povo afeiçoado à casa de Stuart,5! Na primavera de 1655 a Inglaterra parecia estar segura com pinças, e seria realmente muito difícil imaginar que os realistas ou os Jevellers é menos ainda os pentamonarquistas fossem capazes de soltá-la. Ao mesmo tempo, nos primei ros 12 meses do Protetorado alcançara-se uma “razoável dose de liberd ade”, segundo a expressão admirada de Milton em sua Segunda Defesa. O autor fora cuidadoso, sem dúvida, ao referir-se a essa liberdade, separando-a de outras formas mais

óbvias e definindo-a como um produto de circun stâncias especiais — os problemas que a nação ultrapassara. Nisso residia o problema de Cromwell: não » mirando as urzes € os espinhos que haviam crescido à sombra

BR

ESBAS 19 A serviço no mundo Deus nos conduziu até aqui para avaliar o trabalho que podemos realizar no mundo e em nosso próprio país. CROMWELL EM 1654

PARA O CONSELHO

DO EXÉRCITO

E m outubro de 1654 um certo Alexander Rowley recebeu cinquenta libras para “montar um globo, em Whitehall, destinado ao uso de Sua Alteza”. Foi uma aquisição sensata, pois desde o final da Guerra Holandesa, em maio,

as idéias do Protetor vagavam pelo mundo em busca de novos objetivos, quem sabe coloniais, talvez na própria Europa. Um mapa só poderia ajudar a elaboração de seus pensamentos, tornando-os mais práticos. De fato, enquanto florescia a política externa da Inglaterra, regada pelo entusiasmo de Cromwell, o Conselho de Estado também adquiriu novos mapas, globos e até

mesmo um livro chamado The New Atlas [O novo atlas], a fim de poder

acompanhar os sonhos cada vez mais amplos de Oliver, que muitas vezes ul-

trapassavam o conhecimento geográfico médio." Os principais objetivos de Sua política têm sido objeto de muitas discussões,* e ele chegou a ser acusado de inconsistência pelo editor de suas cartas € discursos. No entanto nine tard mais ltou resu e idad abil inst A cia. erên inco lhe tarimpu ria Suém pode das inevitáveis complicações diplomáticas do continente, onde cada moviMento tendia a produzir reações em cadeia. Em

1654, no entanto, mesmo

quem não fosse profeta poderia imaginar que seu interesse permanente pela a D V

e o Báltico], em Essays in er Michael Roberts, “Cromwell à and the Baltic” [Cromwell a Swed; sh History [Ensaios sobre a história sueca], cuja introdução contém um resumo muito o À útil acerca dos julga mentos de historiadores anteriores.

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512

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expansão e colonização protestantes, alianças com países de ; Bual credo e ajuda que sempre prestou aos cristãos perseguidos, tudo isso teria desenvolyi. mento na primeira oportunidade. Também não é nada surpreendente que desde o início ele a P olasse sua política externa e colonial na filosofia providencialista que profe ssava. Se os objetivos de Deus encontravam resistência e tendiam a tornar-se algo confu-

sos na Inglaterra, quem sabe recuperariam o brilho através de ações no exterior — acontecera assim na Irlanda, após um período de tensões. O Plano Ocidental de Cromwell foi a primeira manifestação desse novo espírito. Con-

sistia basicamente em atacar as possessões espanholas nas Índias Ocidentais, convertendo-as, se possível, em colônias protestantes inglesas. Abordado pelo Conselho no começo de junho de 1654, resultou numa avaliação dos efeitos que acarretaria por parte da Espanha, A guerra não seria impediti vo — conforme disse Hyde, “ele [Oliver] era a favor de que se iniciassem logo as hostilidades” — mas talvez pudesse ser evitada. Não se tratava absoluta mente de uma perspectiva ingênua: o ataque de Blake contra a frota francesa em 1652

não redundou em luta com a França na Europa, nem tampouco as dep reda-

ções que os ingleses andaram praticando nas colônias francesas da Améric a do Norte.*

Prosseguindo nesse rumo audacioso, em agosto Cromwell convocou o

embaixador espanhol e lhe disse que a manutenção das relações entre os dois países passara a depender de certas condições: todos os ingleses residentes em territórios controlados pela Espanha deveriam obter garantia s para a prática de sua religião, em completa liberdade de consciência, e, mais ainda, seria necessário reconhecer o direito à liberdade de comércio nas Índias Ocidentais. No contexto do Plano Ocidental tais

exigências representavam uma pro-

vocação deliberada — o rei da Espanh a jamais as aceitaria, e a resposta do diplomata talvez tenha sido histriônica, mas resumiu a verdad e muito bem:

“Pedir isso é o mesmo que pedir os dois olhos de meu Senhor.” As

sim, Os preparativos seguiram seu curso, mas em absoluto sig ilo: como escreveu um soldado escocês, se ele [Oliver] suspei tasse que sua camisa Sêbia de algo, com certeza a teria queimado.? Não resta dúvida que os comerci-

antes ingleses enfrentavam dificuldades nos te rritórios sob o domínio espa” nhol — seus navios eram atacados e não lhes concediam ne nhuma liberdade

“Ver

Roger Crabtree, The

edição TE 1968-9.

1

NM

k,

é Ídea of a Protestant Policy, em Cromwell Association Handboo

CROMWELL

13

de consciência. A constância dessas queixas foi reforçada pelo material de propaganda

que começou

a ser distribuído, denunciando iniquidades pratica-

das pelos espanhóis, inclusive o ataque partido de Cartagena em 1641 e a expedição de represália sob o comando do capitão Jackson em 1642 — Cromwell participara de comissões de Assuntos Coloniais e estava bem informado a respeito. o nd ta en am nd ou fu ab ac e 03 16 ou s o de nç an õe o ca aç al am cl O rol das re o argumento de que O Plano Ocidental resumia-se a uma expedição um tanto anacrônica, no estilo da rainha Elizabeth, centrado em antigos sentimentos antiespanhóis e visando a lucros, nada mais. Havia nele, entretanto, um sabor peculiar ao século XVII, contribuição pessoal de Cromwell, por mais que ele invocasse o precedente da marcante soberana — “a grande Deborah” —

cujos ecos buscava inutilmente. É claro que a idéia de um império protestan-

te fora elaborada em época anterior — a History of the World [História do mundo], de Raleigh, que tanto recomendara a Dick, defendia um império inglês destinado não apenas à rapinagem, mas ainda a substituir a Espanha —, mas a pretensão colonial era moderna. A suposição de que habitantes de ter-

ras distantes poderiam submeter-se ao controle remoto da Inglaterra, intérprete das ordens divinas, saíra da cabeça de Oliver enquanto girava o globo

em Whitehall. Colocar em prática o Plano Ocidental exigia o suporte de

uma teologia, em virtude da qual uma expedição militar triunfante significava o favor de Deus ou, reciprocamente, que esse triunfo estaria ao alcance da mão uma vez garantida a Sua misericórdia.

A maior prova da inspiração de Cromwell pode ser extraída do debate que

se travou no Conselho do Exército, onde Lambert apresentou uma série de argumentos contrários ao projeto, sugerindo inclusive que os problemas interNos, tais como a tão necessária reforma legal ou até mesmo as questões irlandesas, deveriam ter prioridade. Oliver replicou afirmando exatamente o contrário:

Deus os conduzira até ali para avaliar o trabalho que poderiam realizar primeiro “no mundo e [depois] internamente”. Ele ainda acrescentou, de maneira

Brandiosa, um argumento que poderia servir como qualquer outro em defesa do Seu direito de formular uma dispendiosa política externa: “Manter-se afastado dessa tentativa até que se obtenha o supérfluo significa adiá-la eternamente: Nossos gastos são de tal ordem que ela jamais seria admissível.”º | Muitos contemporâneos testemunharam sua sincera dedicação àquela Idéia — o médico, dr. Bate, de um ponto de vista hostil, referiu-se ao seu “or-

Bulhoso entusiasmo” — e admitiram a grande influência exercida na época

s14

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por um ex-dominicano, Thomas Gage. Ludlow, Whit elocke e Burnet o fize . ram, O primeiro reconhecendo ter sido ele “um dos mais importantes conse.

lheiros desse empreendimento”.* A presença do antigo frade indica o forte conteúdo cruzadístico da expe dição: de fato Gage possuía muitas informações acerca do catolicismo, utilizando-as em seu virulento proselitismo. Descen-

dente de uma tradicional família católica inglesa — um de SEUS parentes en. volvera-se na Conspiraçã

o de Babington,

e três de seus irmãos tornaram-se

padres —, passara alguns anos nas Índias Ocidentais e na América Central, observando o comportamento

dos missionários. Pouco antes de retornar definitivamente à Inglaterra, o que só se deu em 1640, apostasiou e contraiu núpcias, adotando o credo protestante. Em 1648 lançou um livro — um best seller — intitulado The English-American: a Ne

w Survey of the West Indies [O colono inglês na América: uma reaval iação das Índias Ocidentais]. A tarefa que Gage se impusera era si mples: “Fortalecer os leitores deste pequeno volume contra as superstições papistas mais correntes na Inglaterra e em diversas partes da Europa, Ásia e América.” Como um José ind icado por Deus para descobrir os te souros do Egito, ele descrevia as perversidades praticadas por frades responsá veis pela catequese nas regiões da Nova Espanha e do México Central. Suas páginas estavam repletas de luSares-comuns respeitantes à venda de ind ul gências papais e de denúncias sobre a corrupção e riqueza dos franciscanos — “desprezíveis demônios” —, que ignoravam seus votos de pobreza, ve stindo roupas finíssimas, bordadas, supercoloridas, jogando dados, proferin do blasfêmias e jactando-se de terem ensinado as crianças nativas a dançar ao som da guitarra espanhola, “saltitando (...) com castanholas ou al go semelhante entre os dedos”, em vez de cantar no coro.

“Atualmente, nes sa grande ilha d o Atlântico Sul, Dominicana.

situa

É

CROMWELL

515

das o rad acu mais bem ista anal rd; yfo Mod mas Tho de hos sel con OS ava prez

dificuldades inerentes ao projeto, esse advogado de Barbados propunha a cap-

mra de Trinidad, próximo à costa da América do Sul, e um movimento poste-

or na direção da foz do Orinoco. Situada a barlavento, a ilha só seria reto-

mada caso Madri tivesse condições de organizar expedições para isso.

Apesar de sensato, o plano foi ignorado. Na realidade, ao instruir os co-

mandantes, o Conselho de Estado deixou em aberto o local do primeiro ataque, definindo apenas O objetivo geral de “ganhar posições naquela parte das Índias Ocidentais que pertence aos espanhóis”. A comissão encarregada de montar a expedição, constituída em agosto de 1654 sob a presidência de Desborough, incluía comerciantes e capitães de na-

vios, possuidores de conhecimentos a respeito das condições das Indias Oci-

dentais. Até aí tudo parecia idêntico ao que se passara na Irlanda cinco anos antes. Foi nesse ponto, porém, que os dois projetos divergiram abruptamente: pois foi exatamente o meticuloso cuidado com os detalhes na campanha irlandesa, ocupando tanto do tempo de Cromwell nos meses que a antecederam, que tanta falta fizeram ao Plano Ocidental. Não havia quem se desse a esse trabalho — Oliver estava muito ocupado, agindo como príncipe, segundo explicou um de seus biógrafos mais favoráveis —, resultando daí um sucesso igualmente limitado. Talvez o erro mais sério tenha sido a qualidade dos homens escolhidos, em contraste com os excelentes soldados do Exército de

Novo Tipo. A maioria deles formava um grupo de “enganadores, ladrões, as-

saltantes e gente desse estilo” que iam na direção de Newgate e daí talvez até burn, quando foram desviados para as Índias Ocidentais.” A verdade nua e

crua é que cada regimento se desembaraçara dos seus elementos mais problemáticos, satisfeitos por vê-los afastarem-se. Assim, assumiam uma importân-

cla muito maior as tropas esperadas no ponto de encontro, em Barbados e St Christopher.

Na sua amarga autobiografia, a sra. Venables, esposa do general em comando da expedição, apontou a discrepância entre esses canalhas e os capitães de Cromwell. “O sucesso não seria fácil”, escreveu ela, “nois o trabalho de Deus não se opera com instrumentos do demônio” — gente ruim, sem armas Mem provisões. Ela poderia ter acrescentado que o pagamento dos soldados e obsessão de Oliver antes de iniciar a luta na Irlanda — sequer fora definido. O mais antigo Livro de Entradas das Colônias sobre a nova aquisição da Jamaica está repleto de petições solicitando o pagamento de atrasados, in-

Clusive de viúvas e seus dependentes.

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À questão das provisões, diretamente a cargo de Desborough, fo; part icu.

larmente mal encaminhada e, à falta de suprimentos enviados da Inglaterra também contribuiu para transformar a escala em Barbados em algo funda.

mental. À ineficiência, no momento do embarque, revelou o baixo nível de adestramento dos homens, convocados às pressas — separados dos Oficiais, os soldados ficaram com medo de serem vendidos como eSCravos a príncipes es. trangeiros. As mulheres que os acompanhavam , atuando como enfermeiras, segundo

a sra. Venables, representaram outro tipo de pro blema. Realmente, se havia alguma pretensão de colonizar as ter ras conquistadas, isso as tornava indispensáveis. Naquele momento, porém, embora fosse possível simpatizar com a patética petição de Mary Hope, mul her de um major do regimento comandado pelo coronel Holdip que partira deixan do-a sem suas roupas — “ela pode até perecer diante de tal carência”? —, as galantes senhoras só fizeram aumentar a confusão. Mesmo assim é possível que todas essas desvantagens não acarretassem prejuízos tão graves se não tivessem sido coroadas pela decisão do Conselho, que atribuiu à expedição o duplo comando do general Robert Venables e do

documento que o citava em primeiro lugar, o mesmo acontecendo com Venables. A paridade resultou, é claro, numa série extremam ente desagradável

de mútuas recriminações, absolutamente sem paralelo nos anais militares da Comunidade. Teoricamente, pelo menos, ambos estavam apt os a exercer 0 mando supremo. O general, 43 anos, combatera ao lado de Cr omwell na Ir-

landa, juntando-se a Coote no norte após a tomada de Drogheda; até maio de 1654 ainda não tinha retornado à Inglaterra. Penn, pai do quacre que fundou a

Pensilvânia 33 anos, era um marinheiro experiente, tendo ocupado o posto de vice-almirante de Blake em 1652; na batalha de Downs atuou com rapidez

e coragem. Recentemente oferecera seus serviços ao rei Carlos II, fato que O Conselho desconhec

ia quando lhe entregou a frota em outubro. Posto que 0 monarca recomendara que aguardasse um moment o mais propício, isso não 0 impediu de partic ipar da expedição. Contudo, numa situação exacerbada e por trivalidades entre as forças d e terra e de mar, as contrad IÇÕES entre o ma rinheiro

profissional, descom-

s17

CROMWELL

” ção sfa ati ins na ue eq “p à se ond ri fe Re ca. épo ela aqu não se entendiam desde de Penn, o Protetor tentava acalmá-lo: “Vosso comando é completo e integral,

sem nenhuma interferência possível — não há razão para vos sentirdes dimiuído.” 1º

, A campanha contaria ainda com a participação de dois comissários civis, Edward Winslow e Gregory Butler. O primeiro contava cerca de sessenta anos: veterano do Mayflower, fora governador de New Plymouth e, de volta à

Inglaterra, cuidava da recuperação de delinquentes. Cromwell o escolhera

como seu correspondente, responsabilizando-o pelos mais pormenorizados relatos, a fim de poder “entender tudo, como se estivesse [o Protetor] presente”. O segundo, estabelecido em Barbados, comprovou-se uma escolha menos feliz. Embora tivesse servido sob o comando de Essex, desfrutava de

um conceito bastante negativo, sendo tido como irresponsável — o fato de

haver desertado era um indício nesse sentido.”

A desafortunada expedição partiu em dezembro de 1654. Cromwell es-

creveu a Penn, desejando “bons ventos e sucesso na grande empresa que tendes em mãos”.!2 Na realidade, somente a primeira parte do augúrio terá se

concretizado. Em sua primeira etapa de quatro mil quilômetros até Barbados

a viagem transcorreu sem problemas — não houve sequer um desentendimento entre o almirante e o general; segundo o testemunho de Winslow, eles estavam “doces e esperançosos”. Inflamado, o Mercurius Politicus refletia a satisfação do Protetor e do Conselho, referindo-se a “essa Ilha, ponto mais rico da Terra e do Universo”.!: Lamentavelmente os recém-chegados mostraram a proverbial inabilidade inglesa, tão marcante no período, de entender ou avaliar Quaisquer prováveis reações dos colonos de Barbados. Conforme já foi visto, tanto em virtude da incorporação de novas tro-

pas quanto ao que se refere às provisões, Barbados estava destinada a ser uma das bases mais importantes da expedição. Em 9 de dezembro, Searle, Sovernador da ilha, fora nomeado para compor uma comissão do Conselho, Juntamente com Venables, Penn, Winslow e Butler. No final de feveTeiro, porém, uma carta do general expressava viva desilusão: “Todas as

Promessas que nos fizeram na Inglaterra, de homens, provisões e armas,

revelaram-se nada mais do que isso — promessas.” Evidentemente os colonos

não

queriam

comprometer-se,

muito

menos

abandonar

suas

terras,

“Mpregados e escravos, lançando-se à aventura numa ilha desconhecida. O recrutamento não progredia, alcançando apenas alguns homens que ti-

nham poucos meses de contrato a cumprir; Searle recusou-se a partir com

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FRASER

a expedição, e um fazendeiro, o coronel Harris, assumiu o coma ndo desse contingente. À última hora ele condicionou sua ida ao pagamento de d

que contraíra — o que lhe recusaram. Realmente aquela ilha não e cida e obediente — o Conselho de Estado se equivocara ao escol

ívidas

ra tão pláhê-la Como

ponto de apoio. Também não era “o monturo da Inglaterra”, como Henry Whistler anotou em seu diário. A metrópole jamais entendera as circunstâncias que ha. viam engendrado um novo tipo de sociedade nessas fér teis e distantes paragens, Durante as guerras civis, afastadas as atenções da pá tria-mãe, Barbados, cha-

mada por outro historiador contemporâneo de “ilha feliz” , alcançara uma virtual e saudável autonomia. O comércio com a Hola nda e a Nova Inglaterra

tinha florescido. Numa atmosfera de grande afluência, seus habitantes erigiram a neutralidade como política — dizia-se que um regulamento local prescrevia: “Quem mencionar as palavras cabeça -redonda” ou “cavalheiro” terá de dar um trago e uma fatia de peru a todos os que o escutarem.” A população, cerca de vinte mil pessoas em 1645 , atingi ra trinta mil em 1650. O afluxo de realistas que se seguiu ao colapso de sua causa na Inglaterra encerrou essa etapa de próspera alegria, substituin do-a pelo que Nicholas Foster chamou de “uma história triste e desagradável” de uma “horrível rebelião”.!* Em 1650, sob o comando do recém-ch egado Jord Willoughby de Fartham, a ilha declarou-se a favor de Carlos II. As no tícias dessa indesejada insurreição e bem assim sobre o comércio entre Barbad os e os holandeses enfu-

receram o Parlamento, que encarregou sir George Ayscue da tarefa de reprimir os revoltosos. Levando uma pequena força de pouco menos de mil homens a

bordo de dois vasos de guerra, Ayscue en controu Willoughby celebrando a “vitória” de Worcester. A insistência dos mercadores de Londres para que

te com a Nova Inglaterra e as petições no só demonstravam a enorme distância que

separava os dois países e que estranh as noçõe s um alimentava acerca do outro. ue Ayscue deu à população, após sua vitó[ mento não ratificasse o tratado de pa z que estabelecera, as exigências dos comerciant es londrinos, dos colonos de Barbados e do governo da Comunidade tendiam a direçõ es diferentes. O

CROMWELL

s19

quenão s nte ita hab os que to pos , os an it ol op tr me s «favoráveis aos interesse

«am nada mais do que a permissão de plantar, negociar e florescer com o mí-

nimo de interferência da Inglaterra”. Obviamente a chegada de uma expedi-

ção punitiva, com à intenção de reduzir drasticamente os anseios do povo e bra de da ebi rec ser a eri pod não , sta qui con de ia idé a nov ma desenvolver algu s osa ici del às ido dev ia rré dia m de ria sof es bl na Ve de ns me ho Os s. rto abe ços o geto uan enq — ões lim e as anj lar as, lim — vam ora dev que frutas tropicais

neral bombardeava Londres com pedidos de mais provisões — pão e carne

— a fim de livrar-se da dependência da mandioca, que, plantada em junho, só

podia ser colhida no ano seguinte. “Espero que o antigo provérbio — longe dos olhos, longe do coração — não se aplique a nós, pois se isso acontecer logo sabereis que não estamos mais neste mundo”? De um jeito ou de outro, mais cinco mil homens acabaram recrutados, alguns provenientes das Ilhas Leeward, embarcados em St Kitt. Isso só fez piorar a situação dos soldados ingleses, posto que as provisões adicionais não chegaram — verdadeiro fracasso de Venables — e os navios que transportavam gêneros da Inglaterra foram envolvidos pelo mau tempo — muitos deles só chegaram a Barbados depois que a frota levantara ferros. Tendo partido de Ligon, em fins de março, em pouco tempo estavam reduzidos a meia ração. Como Winslow previra, o fracasso do plano provocou atritos entre os dois comandantes — o general lamuriava-se de que os marinheiros retinham valiosos estoques de pão.

“À controvérsia acirrou-se, entretanto, por ocasião do ataque contra Hispaniola em meados de abril. A concordância restringiu-se à definição do alvo: O ponto exato em que deveria ocorrer o desembarque na desolada Ponta de oito a cerc u levo es abl Ven . stre desa um — n Pen de foi lha Nizao. A esco mil homens à terra, mas os ingleses foram repelidos duas vezes pelos espanhóis num encontro preliminar em 17 de abril e “vergonhosamente” no dia 25, Mais de mil soldados ingleses pereceram, vitimados pelo inimigo ou pe-

las doenças. Humilhado, o exército retornou aos navios e abandonou HispaMola, No holocausto da culpa, a desagradável mas talvez inevitável consequência de todas as derrotas, Venables tratou a covardia de suas tropas com

algo menos do que a generosidade que Cromwell sempre demonstrou em relação aos homens que o seguiam. Reclamou contra a ordem que proibira a Pilhagem, segundo ele causa do pouco entusiasmo dos soldados. Penn recuSou veementemente a responsabilidade que o general lhe atribuiu, acusando-o

de recusar-se a aceitar sua oferta de assistência para cercar São Domingos.

520

ANTONIA

FRASER

Mal servidos pela falta de preparação adequada, o que não d Ccorrera

da

negligência ou imprudência de nenhum dos dois, ambos eram culpados por

não terem cooperado mutuamente. O funesto aconteciment o não rendeu quase nada, mas na Inglaterra as notícias a respeito produziram um efeito eletri.

zante. De fato os primeiros rumores davam conta de sucesso, e foi somente

em julho que os jornais adotaram uma postura mais cautelosa. As forças da

nova ordem e os homens que ocupavam os postos de poder tinham permane. cido invictos até então; pequenos episódios, como Clo nmel ou Newbury, re-

presentavam muito pouco diante da longa list a de êxitos — Marston Moor, Naseby, Dunbar —, batalhas que os púlpitos tornaram famosas, bem como

aqueles que as haviam vencido, graças às bênçãos de Deus, para submeter os pov

os da Irlanda, da Escócia e, em menor grau, da Holanda. Sem dúvida o

fiasco de Hispaniola os abateria.

Os primeiros a clamar que aquele também fora um Julgam ento divino não eram todos pentamonarquistas. Tal qual os presbiterianos esc oceses, que

embora relutantes admitiram a vinculação entre sua derrota frente aos ingleses e os pecados que haviam cometido, Cromwell escreveu ao almirante Goodson, reconhecendo “a humilhação que o Senhor nos impôs naquela tris te perda de Hispaniola”. Segundo os realistas, a reação do Lorde Protetor fora bem mais áspera — em convulsões de ódio, ele teria mor rido. O desejo, às vezes, gera pensamentos... Através de seus informant es em Londres, Hyde soube de “violentas explosões” ou ataques de fúria do Protetor, e sir William Dugdale relatou que o governo não estava nada satisfeito com a discus são aberta a respeito dos fatos e envidava esforços para deter a publicaçã o de todos os jornais e panfletos, salvo o Mercurius Politicus. Os amigos e colabora-

dores de Oliver calaram-se, discretamente, mas sem omitir dos depoimentos que prestaram perante o Parlamento a tristeza daquele momento: “Pode ser

que não tenhamos sido — como dizem todos — tão afortunados e sempre

bem-sucedidos. Verdadeiramente (...) algumas res postas de Deus não nos

agradaram (...).”!” Tais sentimentos, admiravelmen te filosóficos, representavam uma mudança considerável e necessária nas reflexões exultantes com que Oliver acompanhara as notícias de suas vitórias militares. Nas distantes Indias

Ocidentais,

d disposição das

tropas não

podia ser menos

melancólica. Porém, apesar de t odas as perdas, Venables ainda disp unha e uma força de quase sete mil ho mens sob seu comando, e o modo mais 6b -

vio de acabar com sua depressão o obrigava a buscar uma vitória imediata-

CROMWELL

s21

assim, à ilha de Jamaica, a algumas centenas de quilômetros a oeste de fértil, e bela Grande, l. Ocidenta Plano do alvo novo Hispaniola, tornou-se O

índios os incluindo o, populaçã a o; guarniçã estava protegida por uma pequena aruaques que ainda restavam, alguns portugueses e escravos africanos impordestiespaço ou conquista de objeto Como almas. «dos, não chegava a 2.500 assalto o fato De fácil. presa uma ser va aparenta nado à colonização, Jamaica 17 dia no e maio de 10 dia no rcaram desemba ingleses oi bem-sucedido: os caiu Vega la Villa de te importan mais povoação a — o governador capitulou pode-se o, entretant io, humanitár vista de ponto um De . invasores em poder dos fome, pela cido enfraque e doenças pelas dizimado inglês, dizer que o exército obteve uma vitória de Pirro. foi corpo seu e que desembar do antes febre de morrera Winslow Edward seano do início no faleceu Gage Thomas Jamaica. da vista à mar lançado ao otimista e da inadequa ão informaç pela vida própria sua com pagando guinte, viúva. da dívidas as saldou que — Estado de Conselho o ra alimenta que com Os soldados caíram aos milhares; retirando-se para as montanhas, de onde iniciaram uma guerra de guerrilhas, os espanhóis puderam contar com um aliado cruel e insidioso — a disenteria. A escassez e a má distribuição dos alimentos

levaram alguns infelizes a se queixarem de “morrer de fome na cozinha”. A completa ignorância acerca das condições locais foi responsável por uma das piores privações: não havia garrafas para armazenar água, uma catás-

trofe comparável à falta de tendas na campanha da Escócia em 1650. Em termos emocionados, uma carta de 13 de junho endereçada ao comerciante Martin Noell, dizia: “sem isso, nenhum homem pode marchar nestas regiões tórridas, onde a água é preciosa e rara (...) [são] grandes as necessidades e muitas as dificuldades que enfrentamos: soldados indisciplinados e destreinados, ignorantes na sua maior parte; oficiais preguiçosos e sem brilho, cheios de empáfia, mas pouco inteligentes, sem coragem ou autoridade.” oassustad ncias circunstâ algumas emente brilhant ra descreve Whistler Henry ras características de uma ilha tropical: “à noite caranguejos gigantes que se arrastavam, saindo da mata em busca de alimento, e o ruído de suas pinças na

escuridão aterroriza até mesmo os mais fortes corações”. Entre maio e novembro quase metade dos sete mil homens que integravam a força original Pereceu na Jamaica.!

Não se poderia esperar que os comandantes se uniriam diante de tais pe-

"gos; na verdade, eles discutiam o tempo todo sobre quem estaria açam-

barcando os estoques de conhaque — o exército ou a marinha. Us arsenais

522

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FRASER

também se tornaram objeto de disputa. As armas eram insuficientes, e OS es. pan hóis bastante ágeis com suas longas lanças, mais compri das do que as do ingleses, e Venables acusava Penn de não lhe fornecer o equipamento conve. niente. No dia 25 de junho o almirante partiu de volta co m uma parte da fro. ta, considerando encerrada a missão. O comissári o Butler também abandonou à Jamaica. O general embarcou no Marston Moor pretextando doença — des. de Barbados, disse ele, não tivera um só dia de saúde — e deixou o comando nas mãos de um soldado honesto, chamado For tescue, cuja nomeação não

chegou a ser oficializada dada à ausência de Butler. Como Tweedledum e Tweedledee,* Penn e Venables carregaram para Londre s suas infelizes histó-

rias de desorganização.

Na Inglaterra as notícias da bem-sucedida expedição à Jamaica repercutiram bem, produzindo um nítido alívio: o Mer curius

Politicus relatou que as tropas continuavam a conquistar novos espaço s, e em setembro comentava-se que os homens tinham se “adaptado muito be m ao clima”.!? Cromwell não deu grande atenção às queixas dos comandantes rivais. Presos, os dois foram encaminhados à Torre. É possível que Penn devess e sua detenção a suspeitas sobre Os contatos que mantivera com os realistas, mas a petição de Venables, na qual o general solicitava ser solto, foi atirada longe pel o Protetor enfurecido. Ambos pagaram no cárcere os aborreciment os que haviam causado e ao sere

m libertados retiraram-se da vida pública. Se a aval iação de Fletcher está correta, e Hispaniola foi o maior erro que Oliv er cometeu, de um jeito ou de outro ele podia orgulhar-se da nova e luxuri ante colônia conquistada pelo

Império, muito bem situada no Caribe, servindo a pr opósitos defensivos € rica — apesar de todas as terríveis perdas em vidas humanas. Fora a Providência que guiara os ingleses até lá e garantira a rapidez da colonização. Sustentando isso com a maior seried ade, apesar das informações

sobre doenças que não cessavam de chegar, Oliver talvez não demonstrasse muita humanidade, mas uma genuína fé nos jetivos a serem alcançados. No verão de 1656 ele reconheceu uma série de elob ementos “desencorajadores”, mas

Fapelidosde uno humorístico, surgidos por volta men de 1715-1725, , e aplicados primeirate aos compositores rivais Giovann: anni Bononcini (1670-17 47) e G. F Handel (16851790) diato; Rendo, cas ou pares. (N. do design T.) am; duas PeSsoas ou coisas nominalmente diferentes, mas idênti-

CROMWELL

523

Após à tomada da ilha e a fim de estimular uma imigração de boa qualidade, fixaram-se termos excelentes para todos os que aceitassem estabelecer-se na

Jamaica. A cada indivíduo do sexo masculino, com mais de 12 anos, atribuir-

ce-jam oito hectares de terra — cerca de oitocentos metros quadrados — e às mulheres, metade; durante três anos, os impostos alfandegários deixariam de vigorar, € todos os benefícios concedidos aos cidadãos ingleses seriam estendidos os colonos aos Novos jamaicanos. Tais condições, segundo se supunha, atrairiam

da América do Norte, mas por incrível que pareça pouquíssimos entenderam a

magnífica oportunidade que tinham diante de seus olhos. Breve, Cromwell foi forçado a sugerir que mil rapazes e moças irlandeses deveriam ser arrebanhados

e enviados à ilha despovoada — uma vez que /ord Broghill considerava difícil aliciar tantos emigrantes em Edimburgo; a idéia de seduzir os habitantes das

Highlands fora posta de lado quando o advertiram de que os escoceses bem po-

deriam incitar toda a colônia à rebelião.” A verdade é que a colonização estava marcada por uma estranha dicotomia: Oliver desejava povoar a Jamaica com os devotos, mas os planos pre-

viam a expatriação de pecadores de todo tipo, livrando as comunidades daqueles que não eram bem-vindos. Essa diferença manifestava-se também na atitude dos soldados frente aos nativos: um comissário, o major Sedgewick, escreveu a Thurloe, lamentando-se de que eles não conseguiam conversar

com os negros e, em consegiiência, ficavam impossibilitados de “dispensar [aos habitantes] algum conhecimento sobre o verdadeiro Deus (...)”. Passado

um mês, o coronel D'Oyley, mais tarde nomeado primeiro governador da ilha, enviou um relatório no qual informava que “pela graça de Deus, obtivemos certo sucesso contra os negros (...) encontramos uma de suas plantações,

caímos sobre eles, matamos alguns e destruímos completamente um de seus

Principais pontos de concentração”. Entusiasmado com a possibilidade de reeditar iniciativas que já haviam sido postas em prática na Irlanda, Thurloe

“Screveu: “Com referência às jovens mulheres, talvez tenhamos que usar a força para levá-las, ainda que em seu próprio benefício, e sem dúvida o fareMos, dadas as vantagens gerais que advirão daí.” Mais sensível, Henry Cromwell ficaria responsável pelo transporte, inclusive das roupas, dessas jo-

vens desafortunadas. Entretanto o esquema frustrou-se — não há evidências

de que essa emigração forçada tenha sido realizada.?

De 1654 a 1660 os assuntos coloniais foram tratados basicamente pelo

Conselho de Estado — seguindo as linhas gerais do Plano Ocidental; em ju-

lho de 1656, porém, atendendo às queixas de homens como Martin Noell e

24

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Thomas Povey, organizou-se uma comissão permanente composta de milita. res e comerciantes — os dois foram incluídos — para cuidar dos Negóci os de

“Sua Alteza na Jamaica e nas Índias Ocidentais”. Isso não impediu que as confusões e atrasos continuassem — a massa de petições enviadas ao Protetor

revela a precariedade do sistema, muito burocrático. Noell e Povey eram ri. cos e tinham influência sobre Oliver, principalmente o primeiro, Figura “exótica e misteriosa”, natural de Sttaford e de origem humilde, ascendeu até se tornar um grande capitalista. Conselheiro da Prefeitura de Londres em 1651 e sócio da Companhia das Índias Orientais , já comerciava com Mon-

serrat e Nevis em 1650. Tinha um irmão, Thomas , pessoa importante no Suriname e em Barbados. Na expedição à Jamaica desempenhou o papel de empreiteiro, atuando na colônia como agente do exér cito e recebendo em troca grande quantidade de terras. Em 1655 tornou-se membro da Comissão de Comércio. Cunhado de Thurloe, elegeu-se e represent ou Stafford no Parlamento de 1656 a 1658 — no plenário parecia um “reizinho”, segundo se dizia. Armador, importador, proprietário de terras — das Índias Ocidentais a Wexford —, comerciante, empreiteiro ou simplesmente agiota, seus negócios

floresceram durante todo o período do Interregno.? Amigo íntimo de Noell e igualmente magnata da Compan hia das Índias

Orientais, Povey participara do Parlamento Longo em 1647. Sua correspon-

dência com Searle, na qual ele relata diversos assuntos relevantes do ponto de vista colonial, narra os detalhes das tratativa s que se fizeram a fim de que um

alto dignitário de Barbados, o coronel James Draxe, fosse armado cavaleiro

pelo Protetor2 A medida sinalizaria a cordialidade das rel ações entre o Protetorado e a ilha: “Esta manhã o sr. Noell levou o coronel Draxe à presença de Sua Alteza, que o ouviu, e graças à sua mediaç ão tudo se resolveu com pa-

ciência e favoravelmente ( -) e tendo em vista as razões tão bem apresentadas

e confirmadas, Sua Alteza ficou satisfeito em conceder a hon ra de cavaleiro à sir James Draxe; (...) embora o sr Noell não tivesse recebido o título, ficou evidente que a dignidade só fo; À 5 conferida em a te a um pe seu dido . ento Apesar da confiança depositada por Cromwellndim nesses homens, que desfrutavam de sua intimidade, os assuntos relativos às Índias Ocidentais continuaram

a apresentar um espetáculo de enorme co nfusão — à falta de uma política bem definida, os pedidos pessoais tramitavam, inv ariavelmente, com muito *Conforme a PRO

armado cavaleiro pelo

dos financistas, Noell sobreviveu ao holocausto da Restauração, sendo rei Carlos II. No entant o parece que morreu

na falência.

CROMWELL

525

maior rapidez. No que se refere à colonização, é quase notório o fato de que seu temperamento romântico incrementava a anarquia. Invectivando os habi-

tantes da Nova Inglaterra a trocarem-na pela Jamaica, ele foi de um otimissua de nto ime hec con a tinh lá de ção ula pop A ta. alis irre e mo absolutament a havi da dúvi sem e — eles a e ar-s junt de tara cogi já er Oliv — ade hoa vont uma preocupação mútua: em 1651 Samuel Desborough escreveu-lhe dizendo

que “Vossa Alteza é mencionado em grande parte das orações que fazemos”. Com base nisso, talvez, em dezembro de 1656, numa audiência com o capitão

John Leverett, tentando esclarecer a visão que desenvolvera, inspirado no es-

tudo de processos similares, e após inteirar-se da situação geral dos colonos na América, ele insistiu no seu projeto de removê-los. Admitindo que os pioneiros jamaicanos haviam contraído doenças, argumentou que isso ocorrera num “ano climatérico” — especial — e, nesse meio-tempo, outros estavam se

aclimatando bem melhor.” Leverett replicou sensatamente, levantando objeções razoáveis: “(...) espíri-

tos, princípios, tradições e costumes do povo da Nova Inglaterra podem tornar

difícil seu enraizamento em outro lugar qualquer para o qual viesse a ser trans-

ferido.” Cromwell afastou os problemas com sublime confiança. Chegara o mo-

mento deles abandonarem seu “país estéril” e partir na direção de uma terra de

abundância: “Ele entendia que os habitantes da Nova Inglaterra tinham recebi-

do um chamado [divino], igual ao que lhes indicara o caminho da América.”

Contudo o Mayflower não zarpara na véspera, mas havia 35 anos, e os patriarcas, antigos peregrinos, não estavam dispostos a pisar de novo as tábuas de um

convés; seus descendentes, por outro lado, queriam mais era exportar O trigo, a carne de gado ou de porco, em troca do que recebiam da Jamaica entre dez mil

libras a 12 mil libras anuais. Incumbido de sugerir essa nova emigração, Daniel Gookin não teve grande

êxito: Os poucos que o seguiram

ficaram tão horroriza-

dos que seus relatos só produziram o efeito inverso ao do encorajamento. Quando da Restauração, a população da Jamaica mal ultrapassava as duas mil almas, incluindo os soldados que haviam permanecido por lá, alguns co-

lonos provenientes de Nevis, no arquipélago das Leeward, e cerca de 150 ho-

mens, mulheres e crianças, emigrados das Bermudas no início de 1658. Um certo William Phillips ainda tentara adverti-los sobre as terríveis condições que iam encontrar na ilha e “o rebotalho das Indias” que a habitava. Considetado obstrutor dos planos de Oliver, ele foi posto a ferros. Barbados e St

Kitts timbém fizeram ouvidos moucos aos apelos do Lorde Protetor: muitos de seus cidadãos já tinham encontrado a morte naquelas terras.

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Galante, o governador Luke Stokes deu o ex emplo, viajando acompanha. do pela família. Embora já entrado em anos , ele respondeu ao caloroso apelo mencionando os “inesperados e imerecid os favores que Sua Alteza se dispôs a me conceder, com referência a seus planos so bre a Jamaica, fazendo de mim um instrument

o dessa declaração ao povo da colônia”. Ob edientes e intrépi. dos, 1.500 homens e mulheres de Nevis o s egui

ram, desembarcando em Port

Morant, na costa leste da Jamaica, uma região fértil, isolada pelas Mo ntanhas Azuis. Vitima

dos pelas febres, dois terços deles, inclusiv e Stokes, pereceram, cabendo aos remanescentes ocup ar aquele canto remoto. Eram pouc os, porém firmes, e acab

aram sendo os únicos a compartilh ar com o Protetor a visão de que podiam trabalhar nã o somente na mundo.

Inglaterra, mas em todo o

Na Europa a política de Cromwell sujeit ou-se a pressões semelhantes, geradas pelos protestantes evangelizadores e por interesses nacionais e comerciais. De um lado, as simpatias religiosas e, de outro, considerações bem mais terrenas naturalmente haveriam de se choca r. Todavia ele jamais aceitou que tai s disputas fossem insolúveis, ao contrário, apoiava-se numa forte disposição

conciliatória, usando sua antiga experi ência parlamentar e esperando o melhor momento de mover as peças do quebra-cabeça. Assim, conseguiu ser original e alcançar um sucesso inusitado, prin cipalmente nos seus últimos quatro anos de vida. A furiosa reação do rei da Espanha à tomada da Jamaica complicou o alto verão de 1655. Cardenas, seu embaixador em Londres, recebeu instruções de retornar ao seu país, não sem antes apresent ar um protesto formal

contra o pérfido ataque, Cromwell, porém, assumi ndo integralmente uma postura antiespanhola, sentiu-se em condições de responder à altura. No ma-

guerra anglo-espanhola, cujos prepa-

» além do fervor protestante, confiava

nas mudanças favoráveis à Posição da Inglaterra na Europa que tinham Sé oper ado nos últimos doze meses, Oliver nunca negligenciara as uma tela em que a frota inglesa a Paquestões da marinha; em 1657 ele possuía recia, ao largo de Mardyck, pintado Isaac Sailmaker, pupilo de Gildro Pp. se Durante

o Interregno a construção navê

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527

atingiu um patamar superior — cinco vasos de guerra projetados anualmente «ontra apenas um na época do rei Carlos 1.* Pela primeira vez procedeu-se ao recrutamento obrigatório, e o lançamento do Naseby, deslocando mil tone-

ladas, foi uma ocasião memorável. Testemunhando o evento, John Evelyn en-

fureceu-se ante a figura de proa: uma imagem de Cromwell a cavalo, “a insolente cabeça coroada de louros”, tendo a seus pés um escocês, um irlandês, am holandês, um francês, um espanhol e um inglês.”

Uma boa frota poderia ser utilizada como força de ataque, além de escoltar navios mercantes. E foi com a intenção de exibir a bandeira britânica que

Oliver despachou seu grande almirante Robert Blake numa grande viagem no início de 1654 — a fim de que ele protegesse os navios ingleses em todos os

portos, incomodando aos que os incomodassem e deixando claro, especial-

mente no Mediterrâneo e suas redondezas, que ninguém mais descartaria O poder da Inglaterra impunemente. Blake, 55 anos — um a mais do que o Protetor —, descrito pelo grãoduque da Toscana como un vechio assai sensitive et delicato [um velho sensível e delicado] —, vinha decaindo aos poucos e morreria um ano antes de seu grande chefe; naquele momento, porém, ainda era apenas um notável lobo do

mar, herói de muitas batalhas, inclusive durante a guerra holandesa, além de

um grande patriota. Esse marinheiro profissional, mais interessado no serviço

da Armada do que na política, não deslustraria a reputação do país. Quando lhe pediram que se declarasse contra Cromwell, replicou com firmeza: “Não

nos cabe a preocupação com os problemas de Estado, mas impedir que estrangeiros nos prejudiquem.” Pelo espaço dos doze meses seguintes, realmente Blake impediu que mui-

tos estrangeiros prejudicassem a Inglaterra: atacou os franceses e os piratas

africanos, e visitou navios britânicos que tinham sido atacados, em reparos nos portos de Cádiz, Gibraltar, Alicante, Nápoles e Leghorn. Aí, ele teria

dito a alguém que castigara um marujo inglês, acusado de proferir insultos à Passagem de uma procissão católica: “Sabei vós e saiba o mundo inteiro que

somente um inglês pode punir um inglês.” Sua estada em Gibraltar acarretou uma consegiiência histórica, capaz de justificar toda a viagem: ao separar as esquadras francesas de Brest e de Toulon, ele demonstrou a importância estratégica que a fortaleza teria no futuro.” o.

.

ça

.

.

.

a por esta razão que sir Winston Churchill, quando assumiu o posto de Primeiro Lorde O Almirantado, em 1911, quis batizar um dos novos encouraçados com o nome de romwell, sendo derrotado pela dura oposição que lhe moveram os círculos oficiais e o próPrLO soberano, o rei Jorge V. ss

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Em 1653, iniciaram-se negociações com vistas a uma aliança Comercial anglo-lusitana: de fato convinha aos comerciantes ingleses livrarem-se das garras

da Inquisição — Portugal era uma potência governada Por reis católi. cos. No ano anterior obtivera-se a garantia de certos direitos Prel iminares, embora as relações entre os dois países perm anecessem tensas: num in cidente

muito desagradável, um irmão do embaixador portug uês fora acusa do de dSsassinato e executado. Finalmente, em 16 56, intimidadas pelos canhões de Blake, as autoridades de Lisboa ratifi caram o tratado. Num vigoroso ataque contra piratas tunisianos, em abril de 16 55, Blake imaginou se não teria se excedido, apesar de ter forçado o bei a soltar os prisioneiros ingles es. Em ju-

nho a resposta de Cromwell revelou-se um primor de afabilidade, mostrando

que os dois homens haviam saído do mesmo molde: “Nesse episódio há uma boa razão para que aceitemos a mão de Deus sobre nós, pois em todas as circunstâncias que descrevestes Ele se aprouve em aparecer diante de vós bem claramente.” Na mesma carta Oliver instigava o almirante a rumar na direção da costa de Cádiz, onde poderia interceptar a le nta viagem de volta à Europa dos navios carregados de prata. Mas em ou tubro a saúde dos marinheiros e o desgaste sofrido pelos barcos exigiam o retorn o à Inglaterra. Portanto, somente na primavera de 1656 é que Blake pôde acat ar as ordens do Protetor : acompanhado por Montagu, general no ma r, ele regressou às mesmas regi

ões, buscando um enfrentamento mais bem pl anejado contra os espanhóis. Esse adequado aproveitamento da marinha foi concomit ante à mais fa-

mosa instância inspirada pelas crenças religi osas de Cromwell — seu apelo em favor dos sofr edores valdenses do Piemonte, um incidente insignifican te, talvez, mas que na época produziu o efeito de um au têntico divisor de

águas.* À crise teve origem numa região mont anhosa da França, na fronteira

*Como teste de opiniões, eq uipara-se à Guerra Civil Espa nhola, de 1936 a 1939.

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529

caridade”, à manifestar-se contra “essas misérias”. Duas semanas depois o ornal referiu-se à “crueldades e desumanidades nunca vistas”.? As notícias chocaram a Europa inteira, repercutindo especialmente na Inglaterra. Whitelocke citou crianças segiestradas e convertidas ao catolicismo à força, igrejas e casas incendiadas, enquanto seus infelizes moradores —

tesse pobre e quieto povo de súditos leais? — fugiam aterrorizados e em desespero. John Milton expressou muito bem esses sentimentos de horrorizada afronta, ao invocar a ira divina para vingar seus “santos trucidados” e Em teu livro registrar seus gemidos Pois eram tuas ovelhas que em ancestrais pastagens Foram feridas por sangrentos piemonteses Que ainda lançaram mãe e filho rochas abaixo (...)

A fim de que suas congregações não se enganassem quanto ao significado do massacre, algumas igrejas inglesas pintaram seu interior de vermelho. Decidido a tomar uma atitude, se bem que já dispusesse de dois agentes na Suíça, Cromwell enviou para lá um comissário especial, Samuel Morland, que respondeu ao desafio citando Nero e outros da mesma estirpe: se vivos estivessem, disse ele, “sentir-se-iam envergonhados ao descobrir que só haviam praticado atos suaves e humanitários em comparação às atuais atrocidades”.

Paralelamente Oliver iniciou uma coleta pública em favor dos infelizes,

encabeçando a subscrição com uma doação pessoal de duas mil libras. No to-

tal as contribuições teriam somado quinhentas mil libras, e, em que pese alSum possível exagero, o embaixador de Veneza testemunhou a imensa preocuPação do público — e a expectativa de que mesmo os diplomatas de nações

Católicas não regateassem sua cota. mada e embarcações mercantes que cia do Conselho de Estado do final tocantes de missivistas inspirados

O petitório estendeu-se aos navios da Arnavegavam em alto-mar. A correspondênde maio em diante inclui cartas realmente provavelmente em Milton. No início do

mês Thurloe pediu a um agente na Suíça, John Pell, que lhe enviasse detalhes dos acontecimentos, dizendo: “Asseguro-vos que Sua Alteza tem essa questão Muito próxima do seu coração”; duas semanas mais tarde o assunto já o “afetava muito”, Às alegações de que as finanças do Protetorado não permitiriam Bastos demasiados respondia-se que Cromwell desejava “ir além dos limites”;

“Mm novembro seu cuidado centrava-se na distribuição dos recursos, a fim de que alcançassem os mais carentes.”

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Além da ajuda monetária aos necessitados, Cromwell antevia

valdense, antes de mais nada, como uma oportunidade genuína

0 Problema

para aleum tipo de ação conjunta dos protestantes em prol de uma causa Cuja justeza era

amplamente reconhecida. Assim, o embaix ador sueco due O Procurou, solie;. tando o envio de contingentes de soldados ingleses, teve que ouvir uma longa

dissertação sobre o assunto — bastante vaga, disse ele mais tarde. Ão enviado do príncipe da Transilvânia, que o visitou em novembro de 1654, Oliver qu. geriu um a forma de aliança: ameaçada pela Polônia, AustriaHungria é mais longinquamente pelo império otomano, a região abri gava muitos protestantes,

À questão piemontesa, escreveu o Protetor, “in iciada contra esse pobre e infe-

liz povo valdense, atinge a todos os que professam a mesma rel igião, impondo-nos o dever de considerar o conjunto das situaçõe s existentes, consultando-nos mutuamente a respeito da segurança comum?”.*! Na sua opinião, os cantões protestantes da Suíça poderiam atacar a Sabóia, e ele mesmo cogitou de mandar a frota de Blake capturar Nice ou Villefranche. Em segundo lugar Cromwell tratou de estreitar os laços entre a Inglat errae a França católica. De fato foram os esforços do cardeal Mazarino que persuadiram o duque de Sabóia a dispensar um tratamento mais leniente a seus súditos dissidentes e a aceitar à “pacificação” de Pignerol, em outubr o

de 1655, que, mesmo não tendo resultado de uma grande pressão pro testante, pelo menos melhorou a situação dos valdenses. Indiretamente o tratado acelerou os hesitantes ajustes entre os dois países, dificultados, é óbvio, pela relação familiar muito próxima entre Luís XIV e os Stuart. Se isso pudesse ser

superado, o Protetorado só teria à ganhar com uma aliança com a França.

Não foram poucas as considerações que se fizeram na época a respeito. An-

tes mesmo de iniciado o Plano Ocidental, quando não se havia chegado ainda à » Sentia-se nitidamente que O Conselho

o que a França retaliasse, jogando 0 1º Stuart de volta para a Inglaterra. Agora a colaboração urdida no curso da que”

tão do Piemonte tornaria a solução do problema dos huguenotes mais viável. Até então Oliver nunca se comprometera contra qualquer ajuda que fosse po”

sível dar a eles, mas o tratado comercial anglo-francês de 1655 estabelec eu 4º »

Fyi-

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A assinatura do tratado foi saudada com fogos de artifício. Atraves«ando as nuvens que prenunciavam a guerra anglo-espanhola, a aliança com à França era como um raio de sol que anulava, ao menos temporaria-

mente, O perigo representado por Carlos II. Esperava-se, é claro, que o rei inglês se lançasse nos braços da Espanha. Perdendo o apoio de Paris,

em abril de 1656 o jovem monarca fez um trato com Madri, assegurando-se de que um exército espanhol o apoiaria em troca do repatriamento

de todos os súditos ingleses residentes na Jamaica e na devolução da ilha aos seus antigos senhores. Na primavera, sir William Lockhart, a quem o Protetor considerava

como “um escocês de boa estirpe, amado e conhecido por sua grande fidelidade, coragem e integridade de caráter”, foi nomeado embaixador na corte de Luís XIV. Casado em segundas núpcias com Robina Sewster, sobrinha órfã

de Oliver, ele estabelecera relações familiares com o círculo do Protetorado,

depois de ter sido armado cavaleiro por Carlos 1, sob cujas cores combateu em Preston; mais tarde uma briga com Argyll o aproximara da Comunidade. Conforme antecipava a descrição de Cromwell, na qualidade de embaixador Lockhart demonstrou qualidades excepcionais, tornando-se amigo íntimo de Mazarino, apesar do mauvais français [péssimo francês] que o impedia de escrever ao cardeal. O segundo de seus cinco filhos com Robina foi diplomaticamente chamado de Jules — de Giulio, prenome do padrinho eminente;

tato similar levara-o a dar ao primogênito o nome de Oliver. Na realidade seu papel — legado de uma potência republicana e protestante — não chega-

va a ser invejável: em janeiro de 1658 dizia-se que a aliança era tão impopu-

lar na França que ele não podia sair da embaixada durante o dia, sendo obri-

gado a entrevistar-se com o ministro do rei, secreta e “informalmente”, na

calada da noite. Todavia sua presença constituiu-se num fator de incremento

“ aprimoramento da aproximação entre a Inglaterra e a França, pelo menos a

nível das lideranças.?? Doze meses depois exatamente, na primavera de 1657, o acordo prelimi-

nar deu lugar a um tratado político, propriamente dito, mediante o qual a França contribuiria com vinte mil homens e a Inglaterra com seis mil mais Sua frota, a fim de dar prosseguimento à guerra na Flandres espanhola. Ambos os países concordaram num ataque às fortalezas costeiras do inimigo, o

que renderia a captura de Gravelines para a França e de Dunquerque e Mardyck para a Inglaterra. Os dois objetivos seriam alcançados antes da morte

do Protetor. Lockhart fora profético ao declarar, no discurso que pronunciou

532

ANTONIA

FRASER

quando da assinatura do tratado, que “a Pr ovidência concedida à dois poderosos

Príncipes unificou seus interesses”. Na époc a a aliança francesa, o envol. vimento na Flan dres e os consegientes prejuízos acarretado s à Espanha, além

do fortalecimento do comércio flamengo, pareciam ser um excelente esquema

A Guerra Espanhola não exigia de Cromwell nenhum grande es forço didático. Depois do manifesto de outu bro de 1655, que descrevera as Vila nias cometi

das pelo inimigo, em setembro do ano segu inte ele compareceu perante o Parlamento a fim de solicitar os recursos necessários aos procedimento s bélicos. No discurso exaltado que pron unciou nessa ocasião estão presentes seus habituais artifícios retóricos — repetiçõ es, hesitação aparente e ênfase £. nal. “Porque, na verdade, vosso grande inim igo é a Espanha. Sim. A Espanha é um inimigo natural. Dada a sua inimizad e contra tudo o que é divino e que vós prezais, ou poderíeis prezar, e que ela é incapaz de ver, dada a escuridão supersticiosa em que se debate, e dada a sua fé e submissão à Sé de Roma. Naturalmente, a Espanha não poderia agir de outra maneira.” 34 Prosseguindo, citou as Escrituras e precedentes históricos, para de monstrar que essa

“antipatia providencial” era parte da heranç a inglesa. O primeiro triunfo digno de nota, do ponto de vista da Inglaterra, ocorrera no dia 8 de setembro, quando o capitão Richard Stayner destruiu a frota

do tesouro espanhol: além dos navios e suas pr ovisões, o inimi go perdeu seis-

centas mil moeda de ouro — uma “memorável” demo nstração da “Providência Divina”, segundo Blake e Montagu, na saudação que enviaram ao Protetor. Vitória marítima ainda mais significativa, po rém, aconteceu um ano

rante foi informado de que uma frota

espanhola, recém-chegada da América, estava fund eada no porto de Santa Cruz, em Tenerife. Com audácia e extraordin ária rapidez, três dias mais tarde ele caiu sobre os barcos espanhóis e os destruiu. Ex tasiados, os ingleses ouviram a sóbria comunicação que Oliver fez so bre a batalha — certamente ele devia lembrar-se do quanto “buscara a Deus” através de suas próprias oraç ões

na véspera dos combates, Depois disso, em sinal da estima que dedicava 20 oficial naval,

enviou-lhe um retrato numa moldura de ouro e di amantes. Ão

acabou sendo retirado após a Rest aura tamento indigno, foi o epitáfio lido

cimento: “Ele viveu e foi fiel até a

CROMWELL

533

As vitórias de Blake representaram, no entanto, o apogeu do entusiasmo

dos ingleses quanto à política externa de Cromwell. Edmund Waller expres-

sou tais sentimentos, tripudiando alegremente sobre o inimigo:

(...) Nosso Protetor, olhando com desdém, A dourada majestade d"Espanha (...) A sólida virtude de nossa Nação opôs Ao repouso dos ricos perturbadores do mundo (...) Bons navegantes — “Pisamos sobre as ondas com um pé firme” —, os ingleses contrastavam os desajeitados espanhóis nos seus “enormes e capri-

chosos galeões cheios de prata”. A velha e gloriosa imagem da Armada — barcos pequenos e heróicos, opondo-se a poderosas embarcações — revitalizou-se. E apesar da guerra não agradar a muitos comerciantes, e dos crescentes problemas financeiros que o conflito acarretava, internamente o povo se identificava com a política externa de Oliver, manifestando um forte sentimento nacionalista.* A lembrança da captura da frota de prata por Piet Hein em 1628 instigava à idéia de que o aprisionamento dos navios espanhóis bastaria para pagar a guerra — nem um pouco estapafúrdio, na época o plano

parecia viável. Em todos os sentidos, como figura européia, Cromwell logrou restaurar o

Prestígio internacional que a Grã-Bretanha perdera há tanto tempo. E, graças à política que implementou nesse sentido, tornou-se famoso não somente nos

conselhos de Estado dos países do continente ou na correspondência que circu-

lava nas malas diplomáticas, mas até mesmo nas caricaturas. Uma delas, bastante rude, mostrava os reis da Espanha e da França em atitude de humilhante Servilismo diante do Protetor. De um jeito ou de outro, tais fatos marcavam sua

Teputação. Na Europa ninguém mais poderia ignorá-lo. Em setembro de 1655 havia em Londres pelo menos trinta embaixadores estrangeiros, uma grande mudança em relação aos primeiros meses de isolamento da Comunidade, quan-

do as potências continentais só se preocupavam em comprar barato os bens do

falecido rei. e

qo todos assumiram a austeridade de /ady Cromwell, que reagira ao aumento do preço | às frutas como boa dona de casa, retirando do Protetor seu prato favorito de lombo de vite-

à com molho de laranja. Ante os protestos do marido contra essa providência econômica, a

ms

ola,

respondeu que ele devia ter pensado nisso antes de se dedicar à sua Guerra Es-

534

ANTONIA

FRASER

O Protetor recebia inúmeros presentes, nem todos tão problemáticos fe. lizmente, como as éguas despachadas pelo duque de Oldenbourg cone: 08 ei: los árabes enviados pela República de Gênova comprovaram-se mais aceitá-

veis. Do Marrocos vieram um leão e um leop ardo, uma gentileza do sultão,

Frente aos diplomatas, à medida que seu “reinado” avan çava, Oliver adotou uma postura compatível com a grandez da In a glaterra: pouco a Pouco sua ca. beça não coro

ada deixou de lado os pequenos problemas que in ic ia lmente 0 ofuscavam, questões triviais, detalhes, entr egando-se a todo um ritual. Ão se aproximarem, os embaixadores se curvariam trê s Vezes, a primeira à entrada das salas ocupadas pelo Protetor, a segunda a me io caminho do encontro com Sua Alteza e a terceira nos primeiros degr aus do trono de Cromwell, já acostuma

do a aceitar as curvaturas com uma leve in clinação da testa. Nos banquetes formais ele sentava sozinho, num lado da mesa, deixando o oposto para os chefes das missões e os membros do Consel ho de Estado. Até certo ponto, como qualquer outro estadista, aliás, ele usava seus privilégios para confundir ou impressionar, conforme o caso. Certa vez Nieupoort, enviado holandês — um dos dignitários mais favorecidos em Londres, diga-se de passagem, além do sueco Bonde —, quei xou-se do tom da conversa de Oliver: “Não posso interrompê-lo quando fala, e ele fic aria aborrecido se eu lhe pedisse constantes explicações. (...) Descobri qu e não responde às perguntas a que não deseja responder, pura e simp lesmente.” O representante

de Estocolmo também comentou com rispidez suas juras de sinceridade, nem sempre verdadeiras. Certas reclamações referiam-se aos arranjos diplomáticos do Protetorado, mera consegiiência talvez do amadorismo imperant e. * Demorava-se a responder às cartas, razão pela qual o rei Carlos IX, da Suécia, dirigi u-se a Bonde proferindo um irado comentário a respeito de Milton — na Inglaterra, com

certeza, só havia um homem capaz de escrever em latim, e logo um cego! Como isso nos parece irônico hoje em dia... Cromwell tinha o hábito irritante de conceder audiências nas tardes de todas as quin tas-feiras, o que obrigava 05 em

baixadores a redigir seus relatórios noite adentro, a fim de remetê-los pelo

correio, e só no dia seguinte, Seus prolongados “fins de sema na” também eram

uma fonte de aborrecimentos, obriga ndo os representantes estrangeiros a pe” ato: -NOres: proibidos de receber visitas de ingleses, eles Viviam virtualmente prisioneiros em suas res idências, Apenas Nieupoort € Bonde costumavam ter a honra de acompanhá-lo a Hampton Court. O sue co bem que gostava de jogar boliche, mata r Uns cervos e ouvir um pouco de música.

CROMWELL

535

Esses pequenos transtornos não chegavam a prejudicar a incrível versatiindoimiscu res, exterio s relaçõe das esfera na movia se Oliver lidade com que se constantemente em questões controvertidas com a naturalidade que só uma

u a algumas autoriescreve ele 1656 f de início No teria. l imperia | m e Imperia” personagem dades municipais suíças a respeito da expulsão de protestantes: interessara-se

tanto pelo assunto que até parecia que os fatos tinham-se passado na Inglater-

a. Tal atitude se harmonizava com o discurso antiespanhol que fizerao: no “SParim, iã as oc a el qu na a ir er of pr e qu ão aç à exclam

lamento e principalmente rodos os interesses dos protestantes, na Alemanha, na Dinamarca ou em qualquer dos cantões suíços, isto é, todos os interesses da cristandade [são] idên-

ticos aos vossos.” Mais amplamente, ele interveio na causa dos protestantes da Boémia, concitando-os a uma fratres unitatis [unidade fraternal] e insistindo para que o perseguido Comenius e seus acólitos se fixassem na Irlanda, ressarcindo-se das angústias que haviam sofrido. Alvitrou-se a possibilidade da Inglaterra contribuir no sentido de pôr cobro às lutas entre a República de Veneza e os

turcos, e até mesmo à exótica Rússia enviou-se uma missão em fevereiro de 1655. Inicialmente o czar condenara a forma de governo republicana — ele próprio era um autocrata —, e Prideaux, emissário do Protetorado, foi obri-

gado a enfrentar uma viagem extremamente cansativa, a fim de restaurar os privilégios dos comerciantes ingleses. Mazarino e Luís XIV manifestaram alguma preocupação com a fórmula que o soberano russo adotaria ao referir-

se a Cromwell, mas ele se saiu bastante bem perguntando pela saúde de

Oliver utaditela [único comandante ou dirigente].”

Um incidente interessante vinculou o nome do Protetor aos assuntos internos da Polônia na metade do século XVII. Enquanto o modelo que combinava à Dieta Polonesa e a monarquia eletiva despertou curiosidade o Mercurius

Politicus deu grande cobertura aos assuntos de Varsóvia. De fato, naquela época e posteriormente, houve quem comparasse Cromwell e Chmielnicki, líder de um levante contra o rei católico em 1648, também chamado de “protetor” por Seus homens. Pierre Chevalier, agente francês na Ucrânia, conheceu-o pessoal-

mente e referiu-se a ele como alguém “muito semelhante a Cromwell, tão audacioso e experiente em matéria de política quanto os cossacos ingleses”. O Cossaco ucraniano tinha um lugar-tenente escocês, Maxim Krovonos — corruptela de Wrynose [Nariz Torto] —, suposto agente da Comunidade.” No

entanto, em 1655, o rei João Casimiro estava na expectativa de obter a ajuda de

Oliver contra uma possível invasão do czar. Nicholas de Bije, enviado polonês,

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trouxe credenciais corretas e até mesmo lisonjeiras, dir igidas ao Cromwell, Protetor da Inglaterra e nosso querido amigo” lord Oliver . Sua m ISSã O consis. tia em propor que a Inglaterra invadisse Archan gel, afastan

do a ameaça moscovita, o que sem dúvida poderia ser entendido como um d Extensão da política exterior do Protetorado.'º Todavia, conforme tinha previsto o embaixador de Veneza, O apoio que

Casimiro dera aos Stuart pesou na balanç a. De Bije esperou algum tempo por uma audiência

e quando a conseguiu ouviu formidáveis pal avras de reprova-

ção do Protetor, precisamente sobre essa que stão e sobre o confisco dos bens de ingleses e escoceses que viviam em seu país. Mais tarde, quando a Suécia

atacou a Polônia, Cromwell teria mantid o contatos com o chefe rebelde, esti mulando-o

a subverter a coroa. Falou-se inclusive de uma carta encorajadora na qual o Protetor ofereceria aliança ao cossaco, a quem saudava com uma série de títulos honoríficos, tipo Destruidor dos Erros Papistas, Flagelo dos Papas etc. Tal carta jamais foi encontrada. Talvez existisse, quem sabe forjada como arma de propaganda por Danilo Wyhowski, enérgico chefe da chancela-

ria de Chmielnicki — e é significativo que o nome de Oliver já valesse esse esforço. Admitindo-se que ele a tenha escrito, o docume nto desapareceria na destruição dos arquivos do cossaco após sua morte.*

Tudo isso engrandecia a lenda do Protetor no estrangei ro. Com relação potências

às escandinavas, que rodeavam o mar Báltic o, tão importante para 0 comércio e a navegação ingleses, o problema era mais com plicado. Na Suécia, por exemplo, país luterano, tinham que ser consid erados os interesses da English Eastland Company [Companhia Inglesa das Terras do Leste] funda-

da setenta anos antes.*! A Armada dependia de provisões originárias daquela região: o cânhamo das velas — o de melhor qualidade vinha de Riga —, 08 pinheiros, de lento crescimento, dos mastros, as longas tá buas usadas nos conveses e o ferro sueco dos canhões. Tais comp romissos obri gavam Cromwell à mergulhar num universo estranho e Intrincado.

CROMWELL

537

Em 1654 a imprevisível rainha Cristina, que certa vez Elizabeth imagi-

nara casada com Oliver em segundas núpcias, renunciou ao trono em favor

do primo, coroado como Carlos X Gustavus. Identificando-o com seu grande

predecessor, Gustavus Adolphus, que aterrorizara a Europa, o Protetor en-

-heu-se de admiração por ele e, ao referir-se à Suécia e à Inglaterra, compa-

ando os dois países a colunas gêmeas que garantiam a segurança do protes-

tantismo, dava vazão à sensação reconfortante de estar em contato com alguém que compartilhava seus objetivos espirituais.'? A intimidade de Bonde, privilegiado visitante de Hampton Court, era acompanhada pelos termos

de amizade que passaram a existir oficialmente entre o Protetor e o monarca.

Uma agradável nota de rodapé à história foi escrita por Carlos X, que se recusou a permitir o casamento de seu irmão com Sophia, irmã do príncipe

palatino Rupert e prima-irmã de Carlos II, apenas para não aborrecer Cromwell. Como essa princesa acabou desposando o eleitor* de Hanôver, fundando uma nova dinastia protestante no trono inglês, pode-se argumentar que o rei da Suécia, inadvertidamente, impediu que a casa real a que pertencia terminasse chegando à Inglaterra. Antes de deixar a embaixada, no verão de 1656, Bonde ganhou de presente um retrato de Cromwell, do tamanho de uma coroa, emoldurado em ouro e diamantes, quatro cavalos e cem peças de pano branco no valor de quatro mil libras. Infelizmente esse ídolo protestante não reinava no vácuo. Os ávidos olhos militaristas de Carlos fixaram-se desde o início nos dois inimigos hereditários da Suécia, a católica Polônia — cuja família real reivindicava o trono dos

Vasas — e a Dinamarca, que ainda mantinha o controle sobre a Noruega.

Também havia o eleitorado protestante de Brandenburgo, núcleo da futura

Prússia, cuja posição na costa norte da Alemanha talvez pudesse ser ameaçada Por uma invasão sueca. Mais duas potências podiam alinhar-se contra seus Projetos — os holandeses, tradicionais aliados da Dinamarca, que tinham Seus próprios interesses comerciais no Báltico e que dificilmente permitiriam

im ataque aos dinamarqueses; e a católica Áustria, provável aliada da Polônia.

Cioso dos interesses comerciais britânicos, Cromwell adotou uma postura cautelosa diante desse rol de alianças e contra-alianças. Ao receber Johann

Friedrich Schlezer, enviado do eleitor de Brandenburgo, em dezembro de 1655,

e

10 “signação dada a alguns príncipes e bispos que na antiga Alemanha exerciam o direito w

"

a

é eleger o imperador. (N. do T.)

a

.

.

a

ANTONIA

538

FRASER

que lhe fora solicitar mediação no conflito entre o pequeno princi pado e à voraz Suécia, ele expôs sem rebuços seu desejo de que todas as “ Potências

evangélicas, príncipes e repúblicas” vivessem em harmonia cristã, Sugerindo

que os litigantes buscassem a paz, contendo as “divergências” “derramamentos de sangue” entre companheiros evangélicos. Na rém, fugiu de maiores envolvimentos na questão.

€ evitando

prática,

po-

Entretanto, apesar dos protestos de amizade pessoal, a relação oficial com

Carlos X era marcada pela inércia, sem ações mais posit ivas. Uma floreada

carta de congratulações pelo nascimento do herdeiro, talvez saída da pena de Milton, comparava o rei da Suécia a Filipe da Macedônia, que soubera do nascimento de seu filho, Alexandre, no momento em que derrotava os ilírios; da mesma forma, Carlos X tinha acabado de infligir aos poloneses uma es-

magadora derrota, tirando-lhes alguns de seus territórios, como “um chifre desmembrado da cabeça da besta”.** Tais cumprimentos não substitufam evidentemente a aliança pretendida pelo monarca, interessado numa guerr a em grande escala no Báltico, envolvendo inclusive a Dinamarca. O tratado

anglo-sueco de 1654, negociado por Whitelocke, fora ampliado em 1656; contudo, durante o Protetorado, em que pese os esforços do rei e os sonhos

de Oliver sobre uma Liga Protestante, não se alcançou uma união maior entre

os dois países. Debalde, na primavera de 165 8, O assunto veio à baila; criada na véspera da morte de Oliver, em agosto de 1658, a Liga do Reno tinha uma identidade diferente, pois reunia uma enorme variedade de potências, até mesmo a França.

Como o próprio Cromwell deve ter se dado conta, o verdadeiro problema das relações anglo-suecas, com seus infindáveis adiamentos e incapacidade de

concluir alianças e empréstimos, residia no envolvimento dos holan deses, igual-

mente protestantes, e dos quais a Inglaterra já tentara acercar-se. O pacto firmado com a França também tendia a unir mais estreitamente ingleses e batavoS, notoriamente protegidos por Mazarino. Os conflitos comerciais persistiam —

os homens de negócios reclamavam sem cessar desde a época da guerra —

mas o Protetor estava preso a uma cláusula do Tr atado de Westminster que O impedia de unir-se totalmente à Suécia contra à Dinamarc a.

aliada da Holanda.

Realmente talvez fosse a melhor atitud e naquele momento. | Assim, ele se afastou de um Comprometimento com qualquer dos lad os, liberando as rotas comerciais inglesas no Báltico de maiores pressões. O em-

préstimo conferido a Carlos X, no início de 1657, só saiu me diante a garantia do

ducado de Bremen — um depósito conveniente às export ações inglesas —

CROMWELL

539

tend o sido recusados o os de Oldenbourg ou da Friesland Oriental, que sequer

domínios do monarca, além do alinhamento formal contra os pertenciam aos

dinamarqueses. Essa tática foi reconhecida por admiradores e oponentes: conscientemen-

+e ou não, O Protetor evitava decisões que pudessem conduzir ao agravamento

das tensões, buscando o equilíbrio no Báltico. Daí ter enviado um emissário a

Copenhague, no mês de setembro de 1657, ao mesmo tempo que propunha

10 soberano sueco abrir hostilidades contra a Austria, enquanto ele continua«ia à combater a Espanha nos mares — o financiamento poderia ser pago em três parcelas: tão logo se reunisse, o Parlamento aprovaria essas condições. Claro, as dificuldades de caixa de Oliver estariam resolvidas, mas não os pro-

blemas estratégicos do rei da Suécia. A paz e o fim dos cansativos bloqueios e taxas dos tempos de beligerância só foram alcançados pelo Tratado de Roskilde, em fevereiro de 1658. Cromwell não contribuiu diretamente para isso, limitando-se a manobras e intercâmbios diplomáticos, sem dúvida menos dispendiosos e arriscados do que o envio de tropas.

Contrariados, os comerciantes se queixaram de sua linha de ação, lenta e tortuosa, dada a precedência de considerações de outra ordem.* No entanto o Báltico era uma área onde ele poderia ter forjado a sua tão almejada — e criticada — Liga Protestante. Tal não ocorreu. O Protetor procurou sempre ganhar tempo, muito interessado em tudo, fez discursos, avistou-se com em-

baixadores, enviou representantes, mas nunca sobrepôs seu sonho à prudência

natural.

Após a dissolução do Rump, John Milton vira-o como o homem destina-

do a conseguir “a abençoada alteração de toda a Europa”, coisa que ele não obteve jamais, pelo menos a nível de uma Liga Protestante. Stouppe confidenciou ao bispo Burnet que ao ascender ao poder Cromwell pretendia implementar um plano grandioso, instituindo um conselho de conselheiros e secretários protestantes, franceses, suíços, alemães do Reno e da Bavária, escandinavos e até mesmo turcos, além cbviamente dos ingleses e represen-

antes das Índias Ocidentais. Cada qual relataria a situação religiosa na área Sob sua administração, recebendo em pagamento por isso a quantia de qui-

nhentas libras — uma verba de dez mil libras se destinaria a emergências se-

Melhantes ao que ocorrera no Piemonte.

“yo Menna Prestwich, Diplomacy and Trade in the Protectorate, para a explanação clássica de de vista de que o Protetor privilegiou a causa protestante, ignorando delibeamente os interesses comerciais do país.

s40

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Um plano desse tipo seria coerente com as idéias que ele sempre desen

volveu, mas não deixa de ser irônico que sua política exte rior e colonial tenha tenh, realizado justamente

o contrário: uma nova e brilhante grandeza britâni Ca conforme a avaliação de vizinhos, amigos e inimigos — sublin hada por um número menor de discursos e proclamações apocalípticas. M ai s: na busca dessa grandeza é que o Protetor adquiriu a popularidade e gara nt iu a estabili. dade de um regime inicialmente apoiado em bases tão estreitas.

Todas as avaliações contemporâneas o confirmam. Segundo Thurloe, quando ele morreu, “levava as chaves do continente em seu cinto, sendo capaz de

permitir a entrada de tropas ou armamentos em qualquer país”. Para Marvell,

Oliver fora o homem “que restabeleceu nossos laços com o continente”. No obituário oficial, o Mercurius Politicus referiu-se ao seu espírito sem limites —

“suas afeições não estavam confinadas à Inglaterra (...) ele se abri u e tornou-se universalmente admirado pelos homens bons, que o consideravam uma extraordinária criatura de Deus (...)”. O duque de Toscana tinha o hábito de conv ersar com sir John Reresby, no exílio, sobre os problemas da Inglaterra, a seu ver “milagrosos”, e a respeito de Cromwell, “o terror do mundo inteiro”. Avaliando a têmpera dos ingleses de um ponto de vista escocês, o bispo Burnet escreveu que Cromwell “mantivera a honra da nação em todos os países estrangeiros,

gratificando a vaidade tão natural dos ingleses”. Se perante o Conselho ele teria

jurado fazer dos ingleses um povo tão importante quanto os antigos romanos,

sem dúvida seus compatriotas só poderiam aprová-lo.”

De fato o fantasma da grandeza do Protetor assombraria o infortunado Carlos II. Em 1672 ele se queixou de que os franceses ainda protegiam os rebeldes, tal como o haviam feito na época do Protetorado. O embaixador francês replicou mais com a verdade do que com a lisonja: “Ah, Senhor, Essa

é outra história. Cromwell era um grande homem, temido na terra e no mar. Valentemente, Carlos prometeu o mesmo mas em vão, pois “ele não corres pondia ao que afirmava”. Nessa mesma ocasião uma ridícula rima de Marvell propunha-se a representar um diálogo entre os cavalos que compunham às estátuas equestres de Carlos I e Carlos II, em Charing Cross e na igre ja de Wool, respectivamente, queixando-se dos favoritos reais:

Tinham alma corajosa, De Witt e Cromwell, Po r isso, livremente, sou pelo Velho Noll.

Seu governo parecia o de um tirano, Mas a Inglaterra era gran de

É seus inimigos tremiam,

CROMWELL

541

Entretanto, não tendo escapado incólume de nada, Oliver também so-

Feu críticas por sua política externa. Edmund

Ludlow criou o modelo de

censura à aliança com Os franceses, uma “confederação pela qual pagamos muito caro e que destruiu O equilíbrio das coroas da Espanha e da França,

lançando as bases da futura grandeza dos franceses, com indiscutível prejuízo de toda a Europa, € da Inglaterra em particular, cujo interesse até aquele

momento fora manter a igualdade da melhor maneira possível”. Slingsby

Bethel, em seu conhecido e muito citado The World's Mistake in Oliver

Cromwell [O equívoco internacional de Oliver Cromwell], de 1689, dera Guer a a cion rela ado, etor Prot do ia omac dipl a nte bame acer o nunciand Espanhola e o estado de beligerância praticamente contínuo, acarretando o empobrecimento da nação, a aliança com a França, à ignorância de Cromwell acerca dos assuntos externos — “não se poderia considerá-lo um especialista no assunto”, escreveu sarcasticamente —, o despovoamento da Inglaterra em benefício das colônias, a falta de firmeza com os holandeses e as consequentes perdas do comércio inglês etc. etc. Produto óbvio de uma compreensão tardia, tais julgamentos foram escritos durante o reinado de Carlos II, com o objetivo de dar combate à nostalgia da grandeza que Oliver alcançara no mundo inteiro. No verão de 1657 Bordeaux, observador acurado, descreveu de forma muito perspicaz a política externa do Protetor, referindo-se abertamente às pressões que ele sofria e indicando sua meta: isolar a antiga família real inglesa de todas as possíveis ali-

anças. Pelo gosto de Cromwell, e para completar esse apartheid, a cabeça coroada do Sacro Império Romano não seria a de um austríaco. “Sua política

visa a autopreservação, e, nesse sentido, ele procura envolver o maior número possível de Estados”, escreveu o embaixador, “de tal forma que não possa ha-

ver paz sem que ele seja incluído.”*º Pragmático — não se deve esquecer que Se tratava de um regime revolucionário, cujo status se baseava na força —, ele

conseguiu pelo menos que a Restauração não sucedesse imediatamente após a Sua morte.

Num aspecto, entretanto, Slingsby Bethel acertou: sua política exterior custava dinheiro, como em geral todas as propostas ambiciosas, conquanto ele tivesse conquistado Jamaica € Dunquerque, em contraste com Carlos II, que também gastou muito e nada obteve. Secundariamente as expedições militares

asseguraram ocupação aos soldados, que de outro modo poderiam mostrar “humores de pecado”, conforme sugeriu um comentarista.'? As tropas, porém, tinham que ser pagas. E Oliver jamais solucionou tais problemas, o que com-

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Plicou ainda mais suas relações com sucessivos parlamentos, Sati Sfaziam-se com as glórias de sua grandeza, mas não queriam saldar os débitos difícil discutir política externa, um assunto que comporta inúmeras - E mesmo Variáveis, Então sob que padrões podemos aferi-lo? De um ponto de vi Sta financei. ro, uma política tendente a “realizar um trabalho no mundo” » de ac ordo com o que ele defendeu perante o Conselho do Exército, dificilm ente se ria exitosa

em qualquer época da história. No futuro, aos ouvidos cada Vez mais distan-

tes da idade da fé, suas idéias de tornar-se um campeão do protestantismo ou promover uma colonização protestante sempre soarão estranhas; por outro lado, a perspectiva de uma união européia parece ótim a aos que se inclinam atualmente nessa direção. Ambos os Julgamentos posteriores ignoram as opi-

niões predominantes na época. Levando em conta o sens o comum contemporâneo, Edward Hyde escreveu que a grandeza de Cromwe ll no país não era mais do que uma sombra da glória que ele usufruía no resto do mundo.“ E não há dúvida que para Hyde essa era uma conquista sem paralelo, amplamente desejada por todos os ingleses.

em ROSE 20 Judeus e generais Eu não vim praticar qualquer distúrbio (...) mas somente viver com minha Nação no temor do Senhor, à sombra de vossa proteção, enquanto aguardamos convosco, esperançosos, a revelação de Israel.

PETIÇÃO DE MENASSEH BEN ISRAEL A CROMWELL, em 1655

Nº período que se seguiu ao levante de Penruddock, na primavera de 1655, 0

governo agiu com extremo nervosismo. É bem verdade que trinta anos depois os historiadores ainda comparariam as penas muito leves, impostas no West Country, às aplicadas pelo juiz Jeffreys, da mesma região. Segundo uma carta interceptada, poucos homens foram “barbadizados”, isto é, deportados para as Índias Ocidentais, em contraposição aos patéticos redleg (meias-vermelhas], exilados após a rebelião de Monmouth.! Persistia a sensação — embora incorreta — de que teria havido uma estreita colaboração entre realistas

e levellers, fato que poderia repetir-se. Em 24 de março, dois dias após a

Ação de Graças oficial pelo fracasso dos insurretos, Oliver Cromwell deixou bem claro que as autoridades não descansariam sobre os louros de sua recémrestabelecida segurança. Escrevendo aos juízes de paz do Worcestershire e a Nicholas Lechmere, advogado de Hanley Castle, nomeado comissário da milícia e eleito pelo condado membro do Parlamento em 1654, ele afirmou* que “a mão de Deus” derrotara a última rebelião e que esperava contar com

Suas bênçãos para “desbaratar completamente o plano sedicioso”; no entanto, e

*Lechmere MSS; não impresso em W. C. Abbott. rd

s44

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conhecedor da “perene agitação do inimigo, desejoso de envolver à nação em

novas calamidades”, recomendava que todos se considerasse m “FESPonsáveis pela preservação da paz e trabalhar, cada qual no seu posto, a fim de impedir e derrotar [ess]as intenções malévolas”. Ele recomendava a mais severa vigis lancia sbre gente estranha, com vistas a “suprimir pessoas sem vínculos ou desocupadas, que possam estar incumbidas de atear fogueiras”, bem como a proibição de reuniões e assembléias suspeitas, de tal sorte que a subversão

pudesse ser “frustrada no nascedouro ou impedida de cresce r e atingir a ma-

turidade”. Idêntica preocupação conduziu à nomeação de Desboroug h para uma espécie de comando supremo dos seis condados do oeste, palco da revolta, na verdade um esquema piloto do que se generalizaria, a partir de agosto de 1655, pelo país inteiro: toda a Inglaterra, incluindo Gales, foi dividida em seções, ou “cantões”, segundo os críticos mais veementes dessa política. Uma ordem datada do dia 9, integralmente cumprida até outubro, designou dez — posteriormente, 11 — generais-de-divisão como encarregados de cada “distrito”, atribu-

indo-lhes poderes novos e incomuns. Organizadas desde mai o, foram postas

sob seu comando as milícias a cavalo — força de reserva que em pri ncípio de-

veria ser convocada em casos de emergência, destinando-se a sufocar as even tu-

ais insurreições realistas. No outono essas tropas estavam em condições de in-

tervir além dos limites de sua área de origem, se fosse o caso,? prevendo-se que seriam pagas mediante contribuições daqueles que haviam tornado indispensável a sua existência — uma espécie de dízimo, cobrado de todos os excriminosos e delingientes potenciais. Assim, impôs-se uma taxa equivalente a 10% da renda de todos os que Já tivessem manifestado alg uma vaga simpatia pelo ii

Carlos II. Esse imposto evidentemente tornava letra morta a Lei de Esquecimento,

aprovada após tantos esforços de Oliver, em fevereiro de 1652; sua arrecadação

bem como o processamento das muitas apelações que desencade ou ficaram em mãos dos generais recém-empossado S.

Todavia a taxação representou apenas uma pequena parte do ultraje; S0brepondo-se às organizações locais, a estrutura de pode r — “essa nova qui mera”, conforme a chamou Bulstrode Whitelocke — provocou ressentimen|

| ili era indiscutível: no controle das tropas, os antigos jovens heróis do Exércitar to de Novo Tipo revelaram-se mãduros agentes do autoritarismo. De volta da Irland a Fleetwood assumiu à Ss E ambert, sua nativa região Norte; a Whalley atribuiu-se Lincoln, o Nottinghamshire, Stafford, Leicester e Warwick; »

CROMWELL

545

James Berry encarregou-se das áreas norte e sul de Gales e de Hereford; Worsley de Derby, Chester e Worcester; os coronéis Goffe e Kelsey dividindo entre si os condados ao sul de Southampton até Kent. Esses novos chefes, seLucy disse nha”, mesqui e tola “gente — ão extraç baixa de alguns, gundo em que s família sas podero as sofrer feito ter mesmo devem — Hutchinson cada região ainda mantinham um discreto mas formidável controle sobre as Dover, de castelo do o straçã admini a u assumi Kelsey s Thoma locais; questões

o passad ter devem pior ns; linhage antigas de o domíni o uindo exting Kent, em

trapraça sentar de antes que Berry, como homens por s expulsa foram que as balhara como simples funcionário administrativo de uma forjaria. Sem utilidade, as comissões surgidas durante a guerra começaram à desaparecer; OS Jords-lieutenants descobriram que seu papel e os privilégios de que dispunham haviam se transferido aos representantes do governo central. A população, que mal sentira o suave calor irradiado pela estabilidade do Protetorado, mais uma vez viu-se submetida aos ventos gelados da mudança. Na época o crédito pela criação desse sistema tão impopular foi atribuído a Lambert. Um ano depois, porém, discursando no Parlamento, Cromwell deixou claro que estivera bastante envolvido no projeto. Com seu imortal otimismo no que se referia ao trabalho de Deus, ele imaginou que os generais-

de-divisão, além do papel policial, poderiam contribuir para tornar à Inglaterra mais virtuosa. Pois suas instruções não diziam respeito apenas à rias, cerveja as iam abrang mas —, ilegais? léias “assemb r impedi — segurança que deveriam ter seu funcionamento pelo menos restringido, quando não fechadas, e as lutas de ursos, corridas de cavalo, brigas de galo, representações teatrais. Seria justo, talvez, que algumas dessas atividades caíssem sob o machado puritano, posto que realmente encobriam reuniões de conspiradores,

embora sem causar séria ameaça ao regime. Os locais de lazer sempre atraí-

ram agentes secretos. No entanto, ao limitar as alternativas de distração, os

militares inocularam à fúria no coração do populacho, o que não fez nada bem à sua reputação.*

No discurso que fez em setembro de 1656 Oliver não fugiu ao aspecto

moral dos novos homens em que os ingleses deviam converter-se.* “Se somos *De fato, as pessoas costumam detestar o Estado desmancha-prazeres. No século XVIII, a

Comissão de Caridade, da imperatriz Maria Teresa, cuja intenção era elevar o padrão moral da nação, conferiu a seus agentes poderes para realizar buscas no interior das casas que

fossem alvo de qualquer suspeita; a medida teve que ser suspensa após seis meses, dada a sua extrema impopularidade.

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ANTONIA

FRASER

o povo de Deus e pelo povo de Deus, então falaremos de paz e nunca

mais retornaremos à loucura”, disse ele. Estava conscient e da “onda de resmungo

contra a proibição das corridas de cavalos, brigas de galos e outros passatem. pos”. Não se opunha por uma questão de princípios — “Não considero tais coisas ilegais” —, mas condenava a obcecação a que induziam Seus adeptos

“Que não podem viver sem elas”, em lugar de “satisfazer- Se COM O simples |

entretenimento”. Assim, em público, reite rou o argumento que já usara com

Dick, em particular, ao repreender sua preguiça; nã o condenava Os prazeres que ele próprio eventualmente fruía, mas reprovav a que se convertessem no objetivo central da vida. No entanto, no que diz respeito à população comum, teria sido melhor

argumentar com base nas razões de segurança. Sua preocupação paternal com os padrões morais do povo não encontrou resposta positiva — os generais foram odiados. Naturalmente cada um deles agiu de ac ordo com o temperamento que tinha. Mais tarde Heath os descreveu como “p axás”, eventualmente benevolentes. Whalley, por exemplo, permitia corridas de cavalos, em Lincoln, esclarecendo que o governo Jamais cogitara de proibir o esporte dos cavalheiros; no Cheshire, entretanto, Worsley seguia orientação diametralmente inversa. No oeste, Desborough, considerado “hábil e zeloso”, manteve uma atitude equânime diante das reivindicações dos rea listas da Cornualha, que se pretendiam isentos da nova taxa, e demonstrou grande clem ência com

alguns quacres presos em Launceston e que as autoridades locais haviam tratado com incrível brutalidade. Lambert, no norte, exigiu que seus subo rdinados respeitassem a autonomia distrital e insistiu na restauração do anti go Tribunal de York. A sensação de estabilidade social, todavia, não pôde ser preser -

atuação dos triers e dos ejectors.

Não foram tempos felizes sequer para o Protetor. Em junho, numa cart :

emocionada a Fleetwood, prestes a regressar E à Irlanda, ele mencionou

miseráveis ciúmes que nos distanciam

ads

e

08

e Praticame nte tudo.”s Assumind caráter: : amento da obaseum legal mais sinistro, essas essas m mágoas deram lugar ao question d governo: estaria certo que o Protet or 8overnasse através de regulame ntos e

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547

Conselho? Um comerciante chamado George Cony recusou-se a pagar direiros alfandegários, alegando que não haviam sido estabelecidos pelo Parlamen-

to, e o juiz Rolle, a quem cabia decidir a lide, preferiu demitir-se, posto que não podia — talvez não quisesse — afirmar a legalidade da cobrança. o dad a teri que o — e ant rel que do dos oga adv os r nde pre Cromwell mandou

ocke e enorme prazer a Carlos I. No entanto pouco tempo depois Whitel Widdrington renunciaram à custódia do Grande Selo por uma questão de escrúpulos, segundo disseram, pois se sentiam incapazes de aplicar alguns regu-

lamentos, conforme o cargo os obrigava. Palhas ao vento talvez não prenun-

ciassem tempestade, mas indicavam uma brisa indesejável. Taxas aduaneiras

não seriam contestadas se um rei estivesse na direção do Estado — no reina-

do de Carlos I os monarcas já haviam assegurado o direito de criá-las. Em agosto achou-se necessário ampliar as leis sobre a censura, tornando mais rápida sua execução. No futuro somente dois jornais continuariam a circular: O Mercurius Politicus e The Publick Intelligencer. Todos os impressores deviam ser registrados, com o nome do gráfico bem claro. Talvez os generais estivessem mais aptos a dar uma solução administrativa e — melhor ainda — financeira, para que Oliver pudesse governar o país sem precisar do Parlamento, que só deveria reunir-se no outono de 1657. Situada à beira da Guerra Espanhola, a Inglaterra teria de encontrar meios e

modos de sobreviver assim. Enquanto isso, o caráter personalista do regime não escapava aos observadores externos. Muitos imaginariam que o poder de fato se situava nas espadas dos generais ou dos próprios soldados. No entanto, aos olhos de Cromwell, muitos de seus projetos preferidos, certamente endossados pela vontade do Todo-Poderoso, provinham muito mais dele mesou Cedo . elho Cons no etor Prot do ica polít da que do oa, pess anto enqu mo, tarde ele seria obrigado a encarar as implicações de tal descoberta.

Tal diferença entre o Protetor e O Conselho aparece nitidamente na questão da entrada dos judeus na Inglaterra — o exemplo não poderia ser mais marcante. As simpatias pelo semitismo datavam do início do século XVII,

na avae ia Bíbl da ura leit na ar ress inte se à ram eça com nos ita pur os ndo qua

liação histórica da gente de Israel. A a perspectiva lógica de readmitir sua 1290. A tolerância era defendida por sociados de Cromwell. Num panfleto

fim de convertê-los, muitos favoreciam entrada no país: a expulsão ocorrera em uma parcela numerosa dos primeiros asde 1643, Roger Williams, fundador da

colônia de Rhode Island, expressara generosamente sua posição e, de volta a

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FRASER

Londres em 1652, insistiu nos mesmos argumentos. Hugh Peter, APÓS visitar Salem, assumiu idêntica postura liberal; seu panfleto, A Woy4 Jor the Army and

Tivo Woras fôr the Kingdom [Uma palavra para o exército e duas palavras para o

reino], advogara que “estrangeiros, até mesmo hebreus [fossem] admitido s

podendo comerciar e viver entre nós”. John Sadler, que também desfrutava d

amizade pessoal de Oliver, grande estudioso da Bíblia e dos Costumes israelitas, dizia ser justo que os descendentes desse povo ancestral se misturassem aos in. gleses. Jan Amos Comenius, protestante da Boêmia, via nisso um dos sinais do milênio que esperava alcançar — Samuel Hartlib e John Dury, que com ele in. tegravam o “colégio invisível” de pastores estrangeiros e filósofos que rodeavam Cromwell, também acreditavam apaixonadamente que a condução dos ju-

deus à verdadeira religião só se daria caso eles fossem bem-vindos?

No início da década de 1650, extra-oficialmente, era essa a atmosfera

que prevalecia. Os pentamonarquistas acreditavam na conversão dos judeus, que certamente desempenharia algum papel na derrubada do Anti cristo. Portanto, a nível popular, também vicejavam sentimentos pró-semitas. O ranter [metodista primitivo] John Robins liderava uma congregação disposta a participar da reconquista da Terra Santa e para isso jejuava habitualmente, passando a pão seco, vegetais e água. Thomas Tany aprendeu

hebraico por conta própria e construiu um pequeno barco que o levaria a Jerusalém; infelizmente, tomando o rumo da Holanda, onde pretendia visi-

tar a florescente colônia judaica, afogou-se no caminho. Na época a curio-

sidade apocalíptica pelas profecias acerca do milênio misturavam-se a su-

perstições e a um genuíno interesse intelectual; assim, não surpreend e que

um marinheiro inglês, em Leghorn, tenha ido inspecionar o interior de uma sinagoga, saindo de lá com algumas indagações promissor as: “O papà não deveria tolerá-los? Assim como o duque de Florença, os bávaros € OU-

tros! Por que a Inglaterra deveria manter uma legislação contra eles?”

De fato, provenientes de diversas partes da Europa, aos pouc os, ilegalmente é, por conseguinte, em segredo, esse habilidoso povo já começara a retornar à Inglaterra. Banidos da Espanha e de Portugal, fazendo-se passar por naturais desses países, no final do século XV, os chamados “marranos” — excomunga-

seguições, frequentavam as capelas das embaixadas — alguns sequer realiz ava a circuncisão. Desde que fossem d;

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io er st mi os ic nt câ em ar an em a zi di se street, em Cree Church Lane, de onde no talvez —, tra-

«os e plangentes. O proprietário, Moses Athias — um rabi

Dotado de . al aj rv Ca de z de an rn Fe o ni to An n do de e ns balhava como amanue

se es , u” de ju de an gr “o em ar am ch o de o nt po a a, uma elegância magnífic a, av nt me vi mo e s ra du ma ar a av on ci le co s, lo va ca es mercador montava excelent os lt cu s do e nt se Au o. an r po ro ou de as br li l segundo comentários, cem mi , sa fe de a su em ; es rd Lo s do ra ma Câ à do ia nc nu protestantes, em 1645 foi de so es oc pr o € , io rc mé co de ns me ho s te an rt po im porém, acorreram OS mais

va e s, paí ao de da ri pe os pr do en az tr e o nd ra pe os pr acabou anulado.” Assim, a iv at ct pe ex a um m ra ia cr s ele , te an in re de da vi si is rm lendo-se do clima de pe

inno x; fa ir Fa de s vé ra at o id nt se e ss ne go al ar nt te a do an de legalização, cheg sta tição que encaminharam ao Conselho de Oficiais foi po

verno de 1648 a pe de lado, sem no entanto deixar de ser recebida.

Isde o çã ra au st re da to ei sp re à os ni cí ti va os ri óp pr Impulsionados por seus à m se e qu m va ta di re ac us de ju os s, ia ss Me do o nt ve ad o mel na Terra Santa e trize do s da o in st de O m, si . As ia ar iz al re se o ss di da na * ra po ás conclusão da di e rt pa e qu a ri ge su er dl Sa e. ss re te in o it mu m o co ad nh bos perdidas** era acompa anirl a rp ha a h; ra To a ia ser ra Ta e a, nd la Ir a ra pa ido dessa gente poderia ter desa, santa vam

ma pedra gu al o de nt me ag fr , um ão aç ro co da a dr pe a ; vi Da de a rp ha a aul rc Ci n. Da es de nt de en sc de s lo pe do va er es pr a, ar st co em que Jacó se re ao a; in Ch na e ia ár rt Ta na s eu br he os up gr o de çã za li ca lo a e br rumores so

rmesmo tempo uma importante corrente de opinião afirmava que os índios no . as rc ia tr pa ze do s do um o de çã ra ge m da ha in ov e pr ad rd s ve no na ca ri te-ame tura ra te li A o. nd fi e as qu a ri ta es so es oc pr o e qu m va ta di Logo, muitos acre e ra, ter da — fim ou — ulo âng o com e err /et ang ava ret israelita medieval interp cido nas el, Isra ben eh ass Men ar, icul part em eu jud ogo teól um isso por ez talv o na ilha da Madeira mas há muito residente em Amsterdam, tenha encarado gloe o nov um de l ncia esse údio prel O o com ra ater Ingl regresso do seu povo à

rioso desenvolvimento histórico Contra um pano de fundo dos cossacos eclodiu, em 1650, refúgio. Sua obra, Spes Israeli

no qual cessariam todas as perseguições." de renovadas perseguições, quando o levante Menasseh saudou a Inglaterra como um novo [Esperança de Israel], esgotou rapidamente

não o clar bem ar deix de o dad cui 0 ou tom r auto o — esas ingl ões ediç duas teronômio, Deu no ito escr está me for con a, Terr da ins conf os s todo por us “Dispersão dos jude quinto livro do Velho Testamento (Pentateuco ou Torah).

são “Assim são chamados os descendentes de Jacó, nascidos de seus doze filhos, após a divi do reino hebraico.

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ser sua intenção “propagar ou elogiar o judaísmo”, mas explicá “lo aos amigos

que viviam no país na perspectiva de “convertê-los muito em breve ao verda.

deiro cristianismo”. No prefácio o tradutor referia-se à aliança entre Deus e Seu povo,

dizendo que ela não fora anulada, apenas suspensa, no que foi ref.

tado por um membro do Parlamento, siy Edward Spenser, que redigiu um

panfleto a respeito. O teólogo possuía numero sos amigos nos círculos de convertidos em Amsterdam, sendo descrito por John Sadler como “ um homem muito instruído, polido e amante da nossa nação”. Até aí sua doutrinação

era apoiada pelos comerciantes judeus, ansiosos para regularizar sua situação, sentimento que se intensificou ainda mais a partir da Lei de Navegação, que incrementou enormemente o comércio de Londres. Em 1651, quando Oliver St John foi a Amsterdam negociar a abortada aliança anglo-holandesa, John Thurloe, na época seu secretário, conheceu

Menasseh ben Israel e o persuadiu a encaminhar uma pet ição ao Conselho solicitando residência na Inglaterra. Em outubro Oliver Cromwe ll integrou a comissão que debateu o assunto. Enquanto o Mercurius Democritus dava vazão à xenofobia popular, referindo-se raivosamente aos “estômagos insaciáveis dos israelitas em Charterhouse Lane”, os puritanos pressentiam que provavelmente as coisas deveriam acontecer no momento determinado por Deus — foi o que expressou Ralph Josselin em seu diário. Depois de avistar-se com Menasseh, no final de 1652, ele escreveu: “Senhor, me u coração não se opõe

à vinda dos judeus à nossa casa, e Tu o farás no justo mo mento (...).?!!

Baseado em razões menos apocalípticas e muito mais práticas, Cr omwell chegou à mesma conclusão. Por mais que acreditasse na tolerâ ncia, ele já fi-

zera parte de um grupo que fora muito além dos chamados “unitários”, mas como Protetor, e sob a tutela de Thurloe, tomara-s e de um respeito pragmático pelas atividades do povo de Moisés não tanto por raz ões teológicas, como

desejaria Menasseh ben Israel, mas dado o seu papel de fornec edores qualifi-

cados de informação do exterior Na década de 1650, não se ndo mais um sol-

dado, ele cogitou do ingresso dos Judeus e, devido à sua participação em atividades internacionais, encaixou-os perfeitament e nos sonhos de expansão

imperial que, a partir de 1654, alimentou à saciedade, De fato a volumosa correspondência de Thurloe contém mui informações fornecidas pelos judeus,12 inclusas em carta endereçada tasa Mon sitw"

Ferdinando Carnevall, Marchand aupres de la Bourse —

Carvajal viveu em

“à — e nas de John Butler, que atendia j pseudônimo de Jacob Goltburgh e » Suposto mari do de Ann Somers, criada

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o, mid Dor ez tin Mar uel Man , cios negó de em hom e ant ort imp ro Out or. mercad

também forneceu informações muito úteis a Oliver, a ponto de facilitar uma intepos ; des eda pri pro s sua cou fis con ele ndo qua al tug Por de rei ao to ervenção jun

a suí pos que os dad os a, anh Esp a com es açõ rel das ção ora riormente, com a deteri tornaa ric Amé a am av nd ma de que s rota nas ios nav de ção nta ime mov da acerca

ram-se essenciais. Em setembro de 1655, foi um judeu de Amsterdam que avisou

11 os e ado ent ass ali rão uad esq o e entr a, eri Alm em o, cad mar sobre o encontro mil homens comandados pelo general Paulo de Contreros, embarcados em oito navios de guerra e dez fireships.* O informante folgava em que Oliver saísse “vi-

torioso e alcançasse um grande sucesso para o bem de seu povo”. aclar ndo tra ons dem € a err lat Ing da ão ans exp da har til par por os ios Ans mente interesses pacíficos e lucrativos, os judeus não demoraram a ganhar um espaço na mente de Cromwell, que tal como fizera em relação aos católicos deixou de lado a religião que eles professavam e as preocupações milenaristas de seus próprios camaradas. Sob quaisquer pontos de vista, O Protetor estava certo. Segundo comentários, os primeiros israelitas que chegaram ao país ti-

nham em seu poder cerca de 1,5 milhão de libras em espécie. Mediante três petições, em novembro de 1654, Dormido mantivera o Protetor informado sobre as terríveis provações a que seu povo era submetido pela Inquisição. Oliver o recebera cordialmente, mas o Conselho rejeitou as petições. Então Menasseh ben Israel decidiu ir pessoalmente a Londres — talvez seguindo um conselho de um judeu londrino ou, conforme insinuou John Sadler, em carta a Richard Cromwell, convidado pelo próprio Protetor.2** De um jeito ou de outro, em setembro de 1655, pouco antes do festival

do ano-novo judeu, Menasseh ben Israel chegou a Londres, trazendo com ele três rabinos. Em vez de alojar-se junto aos membros de sua religião, ficou próximo a Whitehall, numa casa defronte à Nova Bolsa. Apesar do seu gran-

de charme pessoal e energia, fracassou na tentativa de entregar alguns livros

aos membros do Conselho de Estado — talvez a ausência de Cromwell tenha pesado negativamente. No entanto, quando os dois homens se encontraram, a capacidade intelectual de Menasseh, sua visão de mundo e a seriedade com “Embarcação que carregava combustível para ser lançado nas linhas de navegação do inido T.) migo a fim de destruir seus navios. (N. ndo a qual gu ia se tór his a ia um ar nt co za ne or Ve de ad ix ba em o 5 165 ro de mb ze “*Em de do jovem.!S Oliver conhecera Menasseh numa das viagens que tinha feito a Flandres quan

uma das pessoas ciNão existe nenhuma evidência conclusiva nesse sentido, porém, e nenhum a lenda inventada e de nt me el av ov pr se taTra o. nt me ci te on ac tal a tadas jamais se referiu

para explicar a simpatia do Protetor pelos judeus.

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que buscava a vontade de Deus — mesmo que incorretamente

logo Conquistaram o Protetor, que afinal de contas já sucumbira aos encantos de oy tros homens de menor porte. No jantar a que foi conv idado, na residência a

Catherine Ranelagh, o teólogo encontraria alguns intelectuais Pró-semitas como Comenius e Hartlib.'*

Num documento digno e comovente, datado de outu bro de 1655, no qual se intitulava “pastor e doutor em física, e defensor da nação judaica”, Menasseh solicitou residência e liberdade religiosa. Iniciado com um cumprimento — ele

reconhecia o “povo [inglês] de muito bom coração e bons sentimentos face aos nossos sofrimentos e aflições (...)? —, o texto explicav a seu desejo de promover

a união dos judeus conforme a profecia do Deuteronô mio, isto é, encerrando a diáspora e aproximando o retorno à Terra Santa. Naqu ele momento, quando a dispersão atingira o auge, ele era de opinião que, “ant es do Messias restaurar nossos laços históricos, devemos vir para cá”. Seguiam-se alguns motivos de ordem prática que poderiam agradar bastante a seus propostos hosp edeiros: numa

seção a que chamou de “O quanto é lucrativa a nação judaica”, ele se referiu

aos talentos comerciais de sua gente, atribuindo-os, “antes de mais nada, a uma

Providência particular e à misericórdia de Deus, pois tendo bani do [os hebreus], mas sem negar-lhes a Sua proteção, o Senhor ofertou-lhes um instinto natural que lhes permitiu ganhar não apenas o que é necessário para si, mas florescer em riquezas e posses, de sorte a se tornarem graciosos aos olhos de seus príncipes e senhores, como convidados em suas terras”18 Ainda no preâmbulo, dirigindo-se ao Protetor, Menasseh escreveu: “Não vim praticar qualquer distúrbio (...) mas somente viver com minha Nação no temor do Senhor, à sombra de vossa proteção” — evidente mente isso tocou um ponto sensível no coração de Cromwell. A moçã o que encaminhou a petição a uma subcomissão

do Conselho dizia que “os judeus merecem ser admi tidos (...) para comerciar e traficar, e viver entre nós, segundo os desígnios da Providên cia”. Entretanto os comentários que circulavam davam conta de que os pastores, comérci”

antes e a população em geral eram contrários à vinda dos jude us, e houve mant-

À prostituiria para um uso tão vil Que se tornaria uma Sinagoga dos judeus.

|

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um do ita ace ter de -o sou acu , lico cató anti e ta emi i-s ant so oro ard Prynne, iou a unc den a, can Tos da nte age , etti Salv e as, libr mil as ent suborno de duz

distribuição do “ouro judaico”. Em contrapartida alguns judeus chegaram a tomá-lo pelo Messias, e um deles se deu ao trabalho de empreender uma rá-

“gem à Huntingdon com o objetivo de verificar em seus ancestrais al-

que ro ont enc ro mei pri No . são clu con tal ar ent dam fun e ess pud que o gum dad

eextr s mai o com o and toc s, mão suas u rto ape e u-o ijo “be eh ass Men , everam que ou lic rep im, ass a tav por com se que por o tad gun per ser ao E, o. mo cuidad

se Sua ver a par nas ape — dam ter Ams de e, dad ver na — pia uér viera da Ant indicavam s ano hum resob os feit s seu que to pos o, oss e ne car de era Alteza

mais do que isso, sugerindo um enviado dos céus”.” Indiferente às pressões, no dia 4 de dezembro Oliver falou ao Conselho um o ind fer pro de, tar s mai ou ent com se o und seg , eus jud dos o stã sobre a que 0 129 de ão uls exp da a cim por sou pas Ele a. vid sua de sos cur dis es dos melhor rirefe se ha tin m que a s ele âqu a nir cer con só que , real iva gat rro pre de — ato do, especificamente — e não deu maior importância, inclusive, aos argumentos de Menasseh a respeito da competência judaica para o comércio — uma vez que os ingleses eram “os mais nobres e estimados mercadores do mundo”. No entanto suas palavras desencadearam forte controvérsia. Thurloe, mesmo desconsiderando a oposição eventual da City, escreveu a Henry Cromwell, na Irlanda, advertindo-o de que as consultas que seu pai vinha fazendo a juízes,

pastores e homens de negócios encontraram muitas diferenças de opinião: “o assunto é debatido com grande ingenuidade e argúcia, e sem qualquer calor”, disse ele.!! Porém em 18 de dezembro, na sessão decisiva do Conselho, o de-

bate acalorado não pôde ser evitado.

Levantaram-se tantas objeções que Oliver sentiu-se obrigado a interrome uel Naq e. dad ili sab pon res a pri pró sua à o unt ass o car avo e são per a discus clima era preferível evitar compromissos. Por outro lado, os marranos tamsomente nos bém não queriam ser aceitos mediante condições draconianas — ofav Des os. rad dob os ost imp ar pag o end dev e s nte ade dec s ade portos e cid recendo suas pretensões, O relatório da subcomissão do Conselho de Estado deixou Cromwell livre para decidir a questão.

Daí em diante a comunidade judaica entrou em compasso de espera: o sen

so comum acreditava que seu retorno à Inglaterra fora permitido, mas a verda-

de é que não existia nenhuma base legal para isso, apenas o patrocínio pessoal

do mais do que nunca Lorde Protetor. John Evelyn, por exemplo, anotou em

seu Diário, no dia 14 de dezembro, que “os judeus foram admitidos”. Todavia,

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talvez reconhecendo a complexidade da situação, conforte re a Salvetti, os judeus mais sábios preferiram agir “com prudência, em vez € Precipitação» a fim de não despertar as reações hostis do Conselho. Some n te os tolos ni

ginavam que Oliver os teria encorajado a avançar tanto se não estivesse disposto a manifestar-se public

amente a seu favor. “Pensa- Se que 0 Protetor não chegará ao ponto de uma declaração benigna, mas ado ta rá uma postura con ivente com as reuniões privadas que já realizam em su as residências, a fim de coibir o escândalo.”!º Assim, nos primeiros meses de 1656 , embora det erminado a readmitir os judeus, Cromwell teve a prudência de fugir de conf rontos com o Co

nselho. *

Em março concedeu-lhes o direito a um cemitério em Mile End — concentrado na devoção, o povo de Israel dava most ras de estar começando a deses-

perar da readmissão formal. Em abril Menasseh la nçou outro panfleto — Vindiciae Judacorum [Das reivindicações dos Judeus] — respondendo às acusações formuladas por Prynne e outros, que incluíam assassina to ritual de crianças cristãs, idolatria etc. No entanto o desenvolvime nto da Guerra Espanhola conduziu toda a questão a um novo patamar. Tendo-se aprese ntado como católicos espanhóis, e de repente vendo-se transformados em inimigos estrangeiros, os marranos ficaram sob a ameaça de confisco. Em março a expropriação de don Antonio Robles desencadeou a crise — após tentar esquivar-se, alegando ser lusitano, ele decidiu apelar diretamente a Oliver, “prote-

tor dos aflitos”, escancarando sua condição de judeu. Admitindo não ser circuncidado e fregientar capelas católicas, ele foi bem-sucedido: um mês depois o Conselho reconheceu-o como “judeu, nascido em Portugal”, e devolveu seus bens e propriedades.2! Foi uma decisão crucial. A partir daí os primeiros comerciantes judeus que haviam chegado à Inglaterra — da Costa, de la Cerda, Meza, Mendes, de Brite, Carvajal e Dormido — puderam trabalhar e viver conf iantes sob à

proteção de Cromwell. “Excelentes informantes do regime”, segundo o bispo Burnet, “donos de múltiplos contatos no continente”, de acordo com 0 qué Bur ton anotou em seu diário, em 165 8, Os distintos mar ranos identificaram-S rapidamente com seu país de adoção, compartilhando a visão do Protetor no *Em virtude de uma traduç ão incorret a do relatóri o de Salvetti, em janeir mou-se que Oliver teria dado ao o de am s Jud “US uma garantia verb eles continuam a se reunir al de segurança. “ para rezar” » ESCreVer nd Ba a O autor; o que isso :

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, eles podem continuar a se re unir não temos nenhuma determin ação de

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Sua Serena Alteza,”20

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se divulgou foi:

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uanto

ben Israel escreveu: “Até 26

orá

CROMWELL

556

sentido de expandir o comércio inglês pelo mundo inteiro. Simon de Caceres elaborou um plano que visava a conquista do Chile, oferecendo-se para orga-

nizar à expedição e comandá-la: todos os envolvidos viajariam “como ingle-

ses, e somente à serviço de Sua Alteza”. Carvajal, que aos poucos tornou-se asica, Jama a ficar forti em ou pens l, Noel in Mart o com er Oliv de o amig ão segurando seu reabastecimento, um dos problemas mais imediatos de seu protetor. Em 1657 Samuel Dormido foi admitido na Bolsa de Valores — o primeiro judeu a desfrutar tal posição. Na primavera de 1660 já existiam cinco lápides no novo cemitério de Mile End.*? Em toda essa história o único personagem trágico foi Menasseh ben Israel.

Os judeus ainda não tinham sido formalmente readmitidos e a dispersão não se completara. De fato o Protetor mostrara-se a Esperança de Israel,** mas a Inglaterra demorava a se converter no refúgio oficial dos seus sonhos. No final de 1656, premido por problemas financeiros, ele apelou a Cromwell, recebendo uma ajuda imediata de £25 libras e depois uma pensão de cem libras — quantia nada desprezível conforme os padrões da época — mas que o Tesouro não

pagou; em setembro do ano seguinte Menasseh foi obrigado a implorar auxílio,

a fim de trasladar para a Holanda o corpo de seu filho, Samuel. Em troca da renda vitalícia, aceitou duzentas libras, igualmente regateadas. Pouco depois, com o coração partido, morreu. John Sadler procurou Richard Cromwell, insis-

tindo na ajuda à infeliz viúva, Rachel ben Israel, e nada obteve. No entanto o

teólogo teve um enterro nobre, bem adequado ao seu epitáfio, escrito em espanhol: “Ele não está morto, pois vive em suprema glória no céu, enquanto sua pena lhe garantiu imortalidade na terra.?2

Nascida do profundo conhecimento acerca dos reveses históricos de seu

a ianç conf sua r sita depo a l Israe ben eh ass Men ra leva que o essã povo, a depr na exclusiva boa vontade do Protetor só se justificou após a morte de Oliver, quando os comerciantes ingleses, tentando livrar-se de seus competidores, endereçaram petições a Richard Cromwell e mais tarde solicitaram a Carlos II a cassação dos direitos civis com que O “falecido Usurpador” os havia agracia-

do — na City realizou-se uma campanha nesse sentido. A viúva de Carvajal reuniu correligionários € amigos e redigiu um pedido contrário, afirmando

que os judeus na Holanda haviam apoiado o monarca em troca de sua futura

e

“Último descanso dos descendentes marranos e outros israelitas, atualmente em desuso, fica

atrás do Hospital dos Sefarditas.

**Em homenagem ao que Cromwell fizera em benefício dos judeus, Sigmund Freud deu a

um de seus filhos o nome de Oliver.

556

ANTÔNIA

FRASER

tolerância. Realmente, em setembro de 1656, em Amsterdam, al 8uns deles

nham se dirigido ao rei, repudiando a iniciativa de seus irmãos lond rinos, que buscavam o apoio de Cromwell — foram graciosamente re cebidos por Carlos, que se dispôs a proteger todos aqueles que contribu Is sem para sua causa. Finalmente, em agosto de 1664, depois de certa ansie

dade, Os Judeus acabaram sendo legalmente readmitidos.”* Nada disso diminui as notáveis e

admiráveis realizações de Oliver Cromwell, que enfrento u e derrubou a vontade do Conselho, assegurando uma mudança política que julgava benéfica ao

país e um direito em si mesmo. Colocando-se no papel de “protetor dos afli-

tos”, segundo a frase de Robles, ele sobrepunha considerações práticas a entusiasmo religioso, provando o quanto seu governo podia ser bene volente.

Infelizmente nem todos os que viviam na Inglaterra sob a sombra protetora de Cromwell tinham o mesmo desejo humilde dos judeus de não efetuar nenhum distúrbio. As turbulentas minorias religiosas eram uma pedra no caminho da paz interna. Clemente, Oliver tentou minorar as consegiiênci as da lei, O que se revelou bastante difícil: defensor da liberdade de consciência, ele governava um país onde quacres e batistas sofriam as penalidades decorrentes de sua divergência. É verdade que muitas vezes a censura os atingia com suavidade. Arise Evans e Walter Gosteld, autores de panfletos que elogia vam a monarquia de Carlos Stuart, não foram punidos. A população sempre consi-

derou que o Protetor fosse mais indulgente que o Conselho. Na prisão Robert Overton ouviu dizer que ele não dera a menor importância a uma

dessas manifestações insultuosas, encarando com especial indiferença a sátira que o visava. Overton divulgara um poema depreciativo, intitulado “O cará-

ter de um protetor”, que começava assim:

O que é um Protetor? Algo pomposo, Que nessa época sem rei, imita A imagem fantástica de uma cabeça real —

O cervejeiro com as armas do rei em seu escudo (...)

Localizados entre suas cartas censuradas, os versos tinham sido mos trados ao Protetor, que, ao contrário da esperada reação explosiva, limitou-St a

passar os olhos pelo papel — conforme o testemunho de um amigo, “rindo-

se como sempre o fizera antes em face de panfletos que o criticavam em ter mos pessoais”.?

CROMWELL

s5a

ras. seve to mui em ser país do leis das fato o var rele e pod se não o ant ent No ifisign é e , cia dên cen des con iva efet uma de am tav fru des cos óli cat os 6 Em 165

de r ado aix emb do la cape da a saíd à sos pre sido ham ten es les ing cem cativo que

espus dis se or tet Pro o im ass nem e iro jane em ia fan Veneza após a Festa da Epi

dos que partimas ele, e diss , ata lom dip do era não pa cul A a. se a proibir a miss

ciparam de um ritual à margem da lei. Um ano mais tarde, quando oito padres nas ape mal, sou cau lhes não bém tam ver Oli , den Gar ent Cov em ram detidos s ste “ve am jav tra que os eir alh cav es uel daq nte dia «deu boas gargalhadas” exatamente — no ari Maz r ada agr de l cia ofi raext ito intu seu Mas papistas”.

de s avé atr im, Ass . zou ali leg se ais jam — eus jud dos como ocorrera no caso sera esp e nele sse fia con que eal card ao iu ped , iões ocas as Bordeaux, é em divers poos ent tim sen os rar acir de dou cui te ien ven con u ece par lhe se; e sempre que a do ten man — ? ola anh Esp rra Gue a e ant dur fez o com — s ico pulares anticatól condição dos credos minoritários dependente de sua brandura pessoal. gmápra te men ial enc ess tica polí a bem to mui tra ilus dle Bid n Joh caso O contrário s,* ana ini soc nas tri dou de dor ina sem dis e ” rio itá “Un er. Oliv de tica

tra con u ono ici pos se logo dle Bid s, lto adu a ive lus inc , smo eci ao ensino do cat as leis que puniam a blasfêmia. Preso, em setembro de 1655 defendeu-se com base no artigo 36 do Instrumento de Governo, segundo o qual ninguém poderia ser forçado à ortodoxia. Cromwell inclinou-se a aceitar o argumento, até identificar os signatários da petição e concluir que O réu estava encobrin-

do verdadeiros dissidentes — a partir daí, irado, declarou que as leis jamais isentaram do castigo os que ultrajam a divindade ou a religião, coisa que ele ly, onde todavia Scil s ilha nas ido ban bou aca dle Bid a. fari não bém tam próprio

iaenv as, coro cem de ção doa uma a cer ade agr de ade nid rtu opo a a dad lhe foi

das pelo Protetor, que se jactava de já ter “retirado muitos do ardente fogo da se aproveitava , nte ame ari itr arb e, ias ênc sci con suas a zav ani tir que perseguição

com se que im ass era fato De ”, des eda pri pro suas r rca mba aça do poder para

es, a portava e agia, em que pese Os sucessivos interditos contra o livro de prec

ao s ido lig inf os ent rim sof dos € 5, 165 de o ubr out de ão maç cla pro partir da clero anglicano pelos triers € OS ejectors, principalmente após o levante de

os tod o gost seu por que r rma afi a gou che er Oliv ião ocas sa Nes k. doc rud Pen

viveriam em paz, com liberdade de consciência plenamente assegurada, “sem todavia valer-se do credo que professassem como pretexto para pegar em armas

“Adeptos de Faustus € Laelius Socinus, que rejeitavam a divindade de Cristo, o pecado original etc. (N. do T.)

558

ANTONIA

FRASER

e derramar sangue”.”” Conceder uma liberdade que não condu 2IS se à subver. são foi um dos problemas que Cromwell jamais pôde solucion ar. Essa contradição nunca ficou tão clara quanto nas prolong adas batalhas que ele travou com seus aliados quacres,* assim apelidados Por um magi stra. do de Derby no final da década de 1650, quando George Fox, fundador da Sociedade dos Amigos, fez todo o tribunal tremer ante o nome do Senhor

Descontentes, e apesar de ainda se manifestarem esporadicamente, os penta-

monarquistas já não eram capazes de provocar gra ndes agitações. Os batistas, por outro lado, contando com numerosos adeptos no exé rcito, causavam distúrbios consideráveis, preocupando as autoridades civis ; na Irlanda, para onde

Cromwell costumava enviá-los, Henry vivia se queixa ndo deles. Do ponto de

vista da manutenção da ordem na Inglaterra, a medida fazia sentido, mas acrescentava um fator de acirramento aos problemas daquela dividida sociedade na qual o jovem procurava sustentar-se com a maior galhardia possível. À nova seita cresceu rapidamente de 1653 em diante, expressando um forte componente histérico que punha os juízes e magistrados em pânico. Parecerá incrível, consideradas as tradições pacifistas incorporadas a posteriori, mas

seus primeiros convertidos diziam-se “tocados” pelo Senhor, razão pela qual sentiam-se no direito de interromper qualquer serviço religioso ou pregação — inspirada, Anne Blacklyn ergueu-se no meio da congregaç ão e bradou que o pastor de Haverhill não passava de um “mercenário” e “enganador”.? Confessando-se um ex-Filho da Luz, num panfleto de 1653 intitulado Quakers Shaken: or a Fire-Brand snach'd out of the Fire [Os quacres estremecidos, ou um incendiário que saiu do fogo], John Gilpin nos dá uma inte-

ressante apreciação do entusiasmo selvagem, hipnótico talvez, que a seita infundia. Na primeira reunião de que participou ele ouviu um orador de-

nunciar todo o conhecimento e os ensinamentos dos pastores, para “estabelecer em nós mesmos as bases de um novo aprendizado sobre Deus, pois 2 luz viria de dentro”, Uma noite, após a terceira reunião, Gilpin tre meu tanto que caiu da cama, gritando e chorando —. a família fic ou estarrecida. No

entanto, depois de cinco reuniões, ele se pôs a tocar viola de gamba, dançar

— coisas que nunca fizera — e correr pelas ruas da cidade proclamando: “Eu sou o caminho, a verdade e a vida”... para tais atividades, com certeza:

“Nas primeiras referências documentadas sobre mig dade ou Filhos da Luz, a seita Re a Sociedade dos Amigos, Amig os da Vera: ; migos. O reB! tro de sua primeira reunião data de Fece 1648,sob a denominaçã ação abreviada de Amig

ge

CROMWELL

559

Dizia que O “diabo” só o abandonara quando se deu conta de que duas andorinhas eram anjos, € depois de ter se espojado na estrada, e quase cortado

à garganta. George Fox, líder dos quacres, de uma geração anterior a Cromwell, dotado de qualidades excepcionais — viajava sem parar, praticamente sem dormir —, autodidata e determinado, impunha-se a tarefa de

acalmar esse fanatismo. No entanto as ações disrítmicas de seus primeiros

seguidores — mulheres, em sua maioria — explica por que a seita se tornou tão impopular, e não apenas aos olhos do governo; refletindo o senso comum, Cornwall observou que “o comportamento dos convertidos se altera, súbita e estranhamente”. Não havia nenhuma novidade: religiões baseadas na revelação individual,

e que por isso mesmo obstam quaisquer questionamentos, impelem seus crentes a uma virtual anarquia, causando inúmeros problemas civis. Na década de 1650 dificilmente se poderia esperar do governo uma atitude passiva diante

disso. Segundo as Nouvelles Ordinaires, por exemplo, os quacres eram uma gente desprovida de toda modéstia, moralidade e civilidade, que iam de assembléia em assembléia com o único objetivo de atrapalhar os pastores;? Ralph Josselin os definia como “homens cujo trabalho consiste em injuriar O ministério da fé”, queixando-se, com absoluta pertinência aliás, do seu “espí-

rito infalível”, graças ao qual “mentem e deliram à vontade”. Numa atitude

característica dos que consideravam a seita inimiga da paz, em 1658, ouvindo

falar de suas excentricidades, John Pell sugeriu a Thurloe que muitos de seus adeptos seriam jesuítas disfarçados!” De início, entretanto, Cromwell contentou-se com uma postura cautelosa,

pouco amigável talvez pelo menos com relação às lideranças quacres. Nessa atitude, quem sabe, sua proverbial curiosidade tivesse algum peso. De um jeito ou de outro, em 1654, quando George Fox foi preso, no Leicestershire, o Protetor satisfez-se com sua promessa de não atacar o regime. Seguiu-se uma conversa franca e eles só se separaram depois de marcado um próximo encontro — conforme o registro que consta do diário de Fox. Com lágrimas nos olhos, garantindo que não lhe desejava nenhum mal, Oliver insistiu: “Volte à minha casa, pois se ficarmos uma hora juntos haveremos de nos aproximar muito um do outro.”

Convidado a jantar na residência do Protetor, Fox rejeitou a gentileza.

“Trata-se de uma seita surgida recentemente e cujos adeptos não se deixam

seduzir por presentes, honrarias, postos etc.” teria sido o pouco provável comentário de Oliver! dado que o líder quacre não estava lá para escutá-lo.

SA

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FRASER

Aquela recepção “tão afável” fora um sinal de sabedoria, tentativa d € alcançar a paz através da cordialidade, a par do seu genuíno interesse e si Mpatia pelo movimento. Em 1654 ele recebeu afetuosamente dois amigos q ue pretende. ram convertê-lo, fazendo-os desistir, porém, com o argumento de que “todos

os homens merecem desfrutar a liberdade, mas não para prejudicar os ou. tros”. Na ocasião ele pediu notícias de Margaret Fell e quis enviar-lhe alguma ajuda em dinheiro; essa notável mulher, consider ada por muitos quacres pioneiros como uma verdadeira “babá”, reunia em cuja casa, no Lancashire, os pastores itinerantes; casada com um juiz de Ulverston, 15 anos depois, ao enviuvar, ela desposou Fox. O encontro com Anthony Pearson foi em julho: “educadamente, com o chapéu na mão”, Cromwell conduziu-o à uma galeria e perguntou como ia passando. Conforme o costume quacre, Pearson não se descobriu e prorrompeu numa longa catilinária, impregnada de misti cismo, acusando-o de algoz. Em vão Oliver procurou colocar algumas pergunta s diretas, mas seu interlocutor insistia em replicar “genericamente” e não lhe deu atenção nem mesmo quando ele afirmou que “contra a naturalidade da luz que vem de Cristo, a luz interna já havia levado os ranters* e seus acólitos a diversas formas de selvageria” — o homem só se calou depois de exaurir sua tolerância, realmente extraordinária, em se tratando de um chefe de Estado.” Em 1655, no entanto, as manifestações públicas dos quacres atingiram 0 limite da paciência governamental. Em fevereiro a proclamação que criminalizou as perturbações aos “pregadores e outros cristãos, em suas assembléias e reuniões”, evidenciou a crescente ameaça que a seita já representava.

Ainda assim, pessoalmente, Cromwell tentou mitigar os rigor es das penas aplicadas. Os quacres de Horsham, cuja petição lembrava uma frase que ele pronunciara — “Nesta nação ninguém sofrerá por sua consciência” —, foram recompensados: o Protetor assumiu a investigação do caso e, ao final, de-

terminou sua libertação. Eles eram acusados de não tirar O chapéu na igreja, recusar juramentos legais e possuir livros doutrinários; duas mulheres, Margaret Wilkinson e Frances Richman, queixaram-se de ter sido afastadas de seus filhos simplesmente porque o Senhor as levara a dirigir “uma palavra à dois padres”. Oliver considerou que a insignificância dos crimes — questões de prática religiosa, a seu ver — não Justificava as penalidades. Sua leniência mà

nifestou-se ainda no tribunal de Launceston, onde um oficial de justiça foi

obrigado a sustar até segunda ordem as multas que atribuíra aos quacres.” “Nome dado aos prim itivos metodistas. (N. do T,)

CROMWELL

561

Talvez tendo em mente o convite que dois anos antes Cromwell lhe havia

r.ito, um dia, em 1656, George Fox aproximou-se de sua carruagem, no

Hyde Park, e depois que o Protetor mandou os seguranças darem passagem,

lareve as o tand rela — to traje esse todo de o long ao — Park s roi até St Jame

uma s Mai os. uid seg per m era s cre qua os s quai das e tud vir em hor Sen ções do /ady da das cria das uma de do cen nte aco E . casa sua à -o mou cha vez Oliver te do ren cor ao pôs a ele a, seit da nte iza pat sim ser s, der San y Mar a, Protetor

te sa pos ez talv e, brev em (...) ade cid na está Fox “G. he: o-l end diz ro, encont

dar boas notícias.” De fato, pouco depois Fox e seu colega, Edward Pigott, encontraram-se com Oliver e John Owen em Whitehall. Após tentarem comprometer o Protetor a acabar com as perseguições, sentindo o poder do Se-

nhor crescer dentro de si, Fox intimou-o, veementemente, a “colocar sua co-

roa aos pés de Jesus”. Segundo seu relato, nesse instante dramático Cromwell ergueu-se, mas logo buscou apoio na mesa junto à qual o quacre permanecia de pé. “Aproveitei-me dessa posição mais alta para declarar que ele se eleva-

ria tanto quanto eu, assim que a força do Senhor o atingisse.”

Incidentes desse tipo demonstram o dilema em que o Protetor se debatia, entre questões de foro íntimo e ordem civil, tentando inutilmente solucioná-

lo com medidas paliativas e convencimento pessoal. Sob o Protetorado de Oliver, teria sido impossível escamotear que os limites da liberdade de cons-

ciência subordinavam-se às conveniências do governo. Nessas condições o choque com os quacres não poderia ser evitado, embora ele soubesse perfeitamente e admitisse por razões táticas, inclusive mediante atos de misericórdia,

que tais homens eram igualmente sinceros e ansiosos no seu desejo de cum-

prir os preceitos de Deus. Tudo isso dificultava enormemente o estabelecimento de uma igreja nacional: o sonho de congregar as opiniões moderadas, cujas provisões levariam a uma piedosa terra britânica, constituía um de seus objetivos primordiais. Às críticas, porém, vinham de todas as direções. Aldez; rigi de falta à am iri duz con tos elei dos mes dita os que vam rma afi guns Outros alegavam exatamente O contrário.” Assim, sua profunda convicção na salvação dos eleitos contradizia seus instintos políticos e humanitários, que almejavam uma forma de organização muito mais frouxa.

Seus atos políticos, efetivamente, haviam deixado de lado as estritas noções

implícitas no calvinismo: inúmeras vezes ele reiterou que protegeria todos os que quisessem viver em paz. “O Protetor não dorme num travesseiro macio”,

dizia Hugh Peter. “Ao contrário do rei Carlos, defensor da fé, cabe a ele dis-

pensar apoio a mil crenças religiosas.”** Desde seus primeiros e furiosos

562

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enfrentamentos com os presbiterianos, opondo-se a testar os solda dos confor. me sua cren

ça mais ou menos ortodoxa, Cromwell movia-se ne ssa direção,

inexoravelmente. Restou-lhe a outra face do problema. As mino

altercava não diferiam tanto assim do seu grupo de puritanos da década de 1630. Consciente ou inconscientemente, o paradoxo — perseguir os que de. fendiam seus antigos princípios de liberdade religiosa — de ve tê-lo assom.brado nos momentos em que arrostou com cora gem, mas não isento de receios a questão de todos os governos liberais: como tole rar uma Oposição franca sem abandonar a ordem. Qual o sinal, qual a inform ação divina que cobria a

.

.

essas novas dificuldades? No trato com os dissidentes, o sucesso parecia escapar por entre seus dedos, levando-o a preocupar-se cada vez mais com o as-

pecto administrativo das questões diárias e a buscar os traços da Providência mais longe, no espaço aberto a todos os sonhos da política externa.

O declínio da saúde do Protetor contribuiu para aumentar a pressão. No inverno de 1655 o círculo compacto da família Cromwell viu-se envolvido numa série de problemas. A /ady Protetora caiu doente. Preocupando os pais, Bettie Claypole estava seriamente enferma — provavelmente devido às primeiras manifestações do câncer que acabaria por matá-la. Sofrendo dores atrozes na bexiga, Oliver teria escrito a um “excelente cirurgião” do Fau-

bourg St Germain, em Paris, mas esse cavalheiro somente cruzaria o canal

mediante um pagamento adiantado de mil luíses de ouro,* e a idéia foi posta

de lado. Chamado por seu clínico, Bate, o cirurgião londrino James Moleyns

demonstrou mais humanidade e o curou da pedra — era a sua especialidade

no Hospital Real de São Bartolomeu e São Tomé —, recusando-se a receber honorários dada a sua condição de partidário da causa realista: atendera o pa-

ciente por dever de ofício. Pediu apenas um copo de vinho e na adega fez um brinde ao rei Carlos. Colocando a saúde acima da política, Cromwell não

ofendeu: “Deixem-no em paz, é louco, não vou pagar com o mal o bem qué me fez.” E no dia seguinte enviou ao médico mil libras, pedindo que as ace tasse “em nome do rei Carlos”2

Atormentado pela gota, Oliver viu brotar do peito em janeiro de 1656 um furúnculo que o incapacitou para o trabalho durante pelo menos um mês. O arcebispo Ussher, cuja audiência se deu enquanto o cirurgião cuidava fi “Anti IE IN da a

a

|

de ouro, cuja cunhagem principiou sob o reinado de Luís XII

no

)

CROMWELL

563

aria fic o log eu e, ass sar ida fer a ess “Se : tia sen que es dor as lesão, testemunhou a “mais eci par mal o que ou er nd po o lad pre O a, ist sim pes s ma o, dos Pie .” hom profundo, situando-se bem acima do coração”. Cromwell replicou com um

longo suspiro: “Ah, isso é verdade.”**

Sem dúvida o leicenço o irritava, mas era a pedra que provocava as dores

se aav ix e de nt a a, ge si it te mu es an éos pr mp te s no , toa à o s nã ei — ív rr te mais «cortar”, arriscando-se inclusive a morrer, de preferência a suportá-las. Con-

ma gu o nd al ri ge a in vi vi er iv Ol e qu ta la re te s, Ba to en rm to us o se nd Erma

beberagem, em busca de alívio, e em diversas ocasiões tentou montar à cavalo

e viajar de carruagem por estradas ruins na esperança de deslocar o cristal

que o supliciava. Tais padecimentos estimulavam a esperança dos realistas. Em março Ormonde recebeu uma carta de Londres assegurando que a doença do grande homem localizava-se na cabeça: “Comenta-se que frequentemente ele se porta como louco e durante os acessos corre pela casa ou sai a cavalo com poucos acompanhantes, coisas que nunca faz quando está tranquilo e livre dessa desordem.” Um amigo que o encontrou por essa época em St James Park notou que o Protetor, em geral extrovertido, vinha recusando várias petições, alegando ter mais o que pensar. Fleetwood o seguia à distância, aparentemente sem ousar aproximar-se muito, dados seus modos de urso ensandecido.”” Na primavera, a caminho de Wimbledon, para visitar a rústica propriedade de Lambert, ele sofreu outro grave acidente de carruagem e deve ter se considerado como Jó, amaldiçoado por

uma longa série de reveses. Entre Lambeth e Westminster, quando o co-

che resvalou da barcaça e caiu no rio, embora três dos seis cavalos se tivessem afogado; os passageiros se deram melhor e o carro foi retirado das águas no dia seguinte.

Mas, tal qual o sofredor da Bíblia, Cromiwell sobreviveu. Apesar de prevista “por todos os homens importantes € cortesãos”, sua morte não ocorreu, e ninguém pôde dividir a pele do urso. Graças à sua resistência, no final de março já dirigia carruagem pelo parque, acompanhado de seus guarda-costas,

e caminhava ou galopava, com boa aparência. À partir de 1654, porém, a maioria dos relatos refere-se ao seu acelerado processo de envelhecimento,

devido às desgastantes preocupações. Em janeiro daquele ano o embaixador de Veneza descreveu “sua aparência sottiva [ensimesmada]”.*º? Dois anos de-

pois qualquer otimismo só podia ser reflexo de uma ansiedade geral mais do que evidente.

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Nesse período, embora a autoridade de que estava imbu ído lhe ASSeguras . se a necessária base de grandeza, Oliver Cromwell era visto pelos observado. res como um homem inquieto e apreensivo diante do S e ncargos que o Opr imiam, fisicamente inclusive. Recém-chegado e ao avistar-se com ele pela

primeira vez, em outubro de 1655, Sagredo tomou o cuidado de saber de todos os detalhes possíveis a respeito de sse homem que se tornara o terror da Europa: o Protetor, escreveu ele, apresentava uma a parê ncia “um pouco aba. tida (...) mostrand

o que sua saúde não se mantém estável nem per feita”, Segurando o chapéu, sua mão tremia. Em público, no entanto, ele mantinha uma

postura de soldado e orador, rijo e marcial, sem se separar de sua grande espada.

Talvez tivesse desaparecido para sempre aquele cavalheiro provinciano, de fisionomia avermelhada, nariz protuberante, desa jeitado no vestir e até um

pouco ridículo, retratado por sir Philip Warwick 15 anos antes. Conforme o próprio sir Philip acentuou, “graças a inúmeras mano bras e ao poder real,

ainda que usurpado, contando com um alfaiate melhor e mu itas conversas em boas companhias”, Cromwell conseguira “aparentar um porte majestoso e ter uma presença agradável”. No entanto os traços do antigo homem não haviam sumido de tod o — a barba rala mal encobria o mesmo rosto sanguíneo, no tou Sagredo, e os dentes

eram muito bem tratados, assegurou outra fonte. Entre todos os atentos obser-

vadores do semblante de Oliver — de Marvell, poeta, a Cooper, miniaturista

— O novo embaixador de Veneza concentrou-se nos ol hos do Protetor, tão

frequentemente lacrimosos, dotados de “uma expressão muito penetran te”. Em que pese seu poder, a reavaliação de sir Philip não obteve unanimidade: si”

John Reresby, por exemplo, lembrava-se dele como alguém que trajava E

beradamente de forma comum, “preferindo parecer negligente do que elegante À verdade é que os ácidos Cumprimentos não afastam a conclusão de que no íntimo ele mantinha uma sublime indiferença à roupa que usava. Das preocupações familiares, ao contrário, jamais se di stanciou durante as guerras ou depois de ter subido ao poder. Elas estavam destinadas, porém,

a assumir uma feição nova e exigente, num período em que sua cres cente mãjestade e saúde declinante convergiam para a questão do seu legado. Torn arase Protetor quando os dois filhos sobreviventes,

Richard e Henry, contavam

27 e 26 anos, respectivamente, é âos olhos do público, acostumado à sucessão dos antigos reis por Jovens príncipes, ambos deviam ocupar lugares mais des-

tacados. A perspectiva de que aceitasse à coroa faria aumentar os mexericos: com certeza, mas de antemão ele tendeu à repudiar o conceito de hereditane-

CROMWELL

565

dade aplicado ao governo e discursou contra essa idéia quando dissolveu o

Parlamento em janeiro de 1655, citando o Eclesiastes: “Quem sabe se vai ge-

rar um tolo ou um sábio?? Não aceitaria o posto hereditário, garantiu, se o

tivessem oferecido, pois “os homens devem ser escolhidos para governar de

acordo com seu amor a Deus, à verdade e à justiça, e não por seu vigor ou valentia”.*?

No decorrer daquele ano e nos primeiros meses de 1656, sob o influxo

da desorganização civil e da doença, seus pontos de vista se modificaram.

Como tantos outros pais, ele também estava sujeito a pressões familiares, e

pelo menos um de seus filhos saíra do mesmo molde que o originara, desdenhando a calma da vida privada que o pai reservara a todos. No verão de 1655, quando Henry estava prestes a receber de Fleetwood o comando da Irlanda, Oliver escreveu ao genro: “Deus sabe que por minha vontade ele e o irmão viveriam no campo; e Harry tem conhecimento do quanto foi difícil persuadir-me a lhe atribuir essa comissão.” Em conversa com o antigo camarada de armas, Cromwell assegurou que esses pontos de vista provinham de “um coração simples e sincero” e que os rumores sobre sua coroação não passavam de “invenções maliciosas”.*

Na Irlanda, onde chegou em julho de 1655, Henry Cromwell se saiu muito bem, apesar das inúmeras desvantagens, a começar pelo fato de

Fleetwood ter mantido o cargo de Lord Deputy, mesmo depois de seu retorno à Inglaterra em setembro, durante mais dois meses. Nesse intervalo sua autoridade decorreu do comando do exército e da participação no Conselho em Dublin. Enérgico, o jovem fez uma séria tentativa de solucionar os vários

problemas do país. Aparência jovial, rosto mais amplo e mais bonito que o

do pai, nariz proeminente, porém menos bulboso, o jeito e a cor do cabelo, e os olhos muito parecidos, ele granjeou popularidade junto às diferentes facções da comunidade; vivendo com o séquito de um verdadeiro príncipe, podia

oferecer distrações aos colonizadores protestantes e aos soldados. Ajudado pela mulher, com quem mantinha uma relação plácida e carinhosa, bastante semelhante à dos pais, ambos procuravam projetar uma imagem de conciliação. E, realmente, sua atitude de secundarizar os interesses dos soldados, ao contrário de Fletwood, representou um avanço em termos de moderação. Não bastasse o passado mais recente a exigir anos de congraçamento, Henry teve que enfrentar as exacerbações adicionais decorrentes da chegada

dos batistas. No trato com essa gente difícil e diante de suas provocações ele foi eventualmente deveras insensível; certa vez, escrevendo à Inglaterra, disse

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ANTONIA

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que nada os satisfazia exceto a sela, da qual esperava man tê-los afastados «ça

não me transformariam em seu asno”. Além de não participar das reuniões É

seita, mandou buscar em Londres pastores “independe ntes” que a denuncia. vam. Na primavera de 1656, quando a esposa deu à luz “um filho forte e bo—

que se chamaria Oliver —, houve muitas festas, fogos de artifício e um banquete. Comentou-se que o trabalho de parto teria sido leve devido às preces da boa gente que rodeava a mãe, mas a cerimônia pública do batismo não produziu resultados tão auspiciosos — doutri nariamente favoráveis à iniciação de adultos somente, os batistas recebe ram o ato como um insulto deli-

berado.** Um homem mais maduro com certez a saberia evitar tal incidente.

Os conselheiros mais velhos — Vernon, Hewson e All en — não deixavam de

orientá-lo, mas a verdade é que não desfrutavam de sua irrestrita confiança.

A nomeação de Steele, um batista, para o cargo de Chancellor, facilitou

as relações de Henry com esses “minguados e dedicados col éricos”, como os chamava Vincent Gookin. Por outro lado, o tratamento que o servidor lhe dispensou, típico de “um tutor”, pondo diante de seu nariz três ou qua tro páginas de regras que deveriam ser observadas nas reuniões do Consel ho, frustrou a associação. Indiscutivelmente Henry tinha um estado de espírito favorável à Irlanda, além de respeito pelas diferenças do país. Assim, em junho de 1657, ele recusou as terras que o Parlamento lhe outorgara, no valor de 1.500

libras, alegando que a pobreza daquele povo e os débitos ingleses não justifi-

cavam tal dádiva. Em janeiro do ano anterior, dirigindo-se aos líderes batis-

tas, ele mostrara as mesmas convicções do pai: “Falei muito clarament e (...)

liberdade e tolerância, sim, mas governar a mim ou comigo, não.”* Oliver sempre sentiu-se livre para dar conselhos à qualquer membro de sua família. Em abril de 1656, tendo em vista os assuntos da Irlanda, ele disse a Henry que clamasse ao Senhor “por um coração simples e puro. Evita 08 ressentimentos, pois desta forma não ofenderás ninguém. Cuida de não seres exageradamente duro com os adversários. Preocupação em dem asia pode converter-se numa armadilha”. Essas sábias orientações, das quais o filho realmente carecia, revelam o quanto ele próprio aprendera durante o governo. : . o mer S Sua advertêAMncia" final a quem jamais precisara lutar para conquis; tar posiçoé mostra uma extraordinária sensatez: “Presta bastante atenção em como Vais criar as bases de uma grande propriedade para não caíres numa esparrela.

Muitos avarentos estarão de olho em

10.

O

excesso de ambição é um mal detestado por Deus. A esse respeito, rezo pará

que nunca te esqueças de mim.” Em Princípio, porém, Henry não sucumbiu

CROMWELL

567

às tentações de quem possuía um pai famoso, abrindo mão dessa doce heran-

ça que leva tantas carreiras promissoras a se perder. Talvez lhe fosse proveito-

sa à distância entre à Inglaterra e a Irlanda, aquela mesma distância que o le-

às pai seu como se, tirdemi çar amea e o apoi de falta da se xarquei vou à vezes cogitava de aposentar-se — sem nunca fazê-lo. Ele dispunha, afinal, de espaço para abrir suas asas € desenvolver uma personalidade autônoma, longe da sombra protetora de Oliver ou de sua grandeza. Assim, na história da Ir-

landa, garantiu lugar honrado, como alguém que num curto espaço de tempo dispôs-se a resolver os problemas com moderação em vez de violência. Mos-

trou sem dúvida uma faísca da grandeza do Protetor; alimentada pelo tempo,

quem sabe ela se transformaria em chama. O povo comentava a insatisfação de Oliver com o talento de seus dois fi-

lhos. No que diz respeito a Henry, isso não se justificava, mas no tocante ao pobre Dick não se pode dizer o mesmo; amável como sempre, mas incompetente, pejado de dívidas — as primeiras notícias sobre o fato alcançaram o pai na Escócia em 1651 —, péssimo administrador, levando uma vida extravagante, o rapaz era o tipo de descendência que o Protetor não merecia ter.

Realmente pode ser comum que um genitor forte gere uma estirpe frágil e

delicada, mas isso sempre surpreende. Seu cunhado, Fauconberg, marido de Mary, foi polido ao comentar as excelentes qualidades de Richard, ainda que

“seu feixe não seja igual ao de José, diante do qual todos os demais se inclinam”, mas os autores de um panfleto popular —

Whether Richard Cromwell

be the son of Oliver Protector or no [Se acaso Richard Cromwell é filho do Protetor Oliver ou não] — não se preocuparam em disfarçar sua rudeza. Um embaixador referiu-se à questão com malícia e sofisticação, afirmando sim-

plesmente que o jovem não herdara “o espírito de alto nível e o profundo conhecimento paternos”. A sugestão sobre a homossexualidade do moço tam-

bém estava presente em insinuações do tipo “rainha Dick” ou na frase “estranha como a fita do chapéu de Dick”. Talvez os psicólogos modernos tenham uma explicação fácil acerca disso tudo, mas a verdade é que Dorothy, apesar das brilhantes promessas de seu casamento, não compartilhou os anos de exílio do marido; claro: a separação pode muito bem ter sido determinada pelas dificuldades financeiras do casal e a necessidade de proteger as propriedades para a prole. Plausível ou até provável, de um ponto de vista psicológico, o homossexualismo de Richard Cromwell jamais pôde ser comprovado de forma conclusiva. Lucy Hutchinson, por exemplo, considerava-o extremamente

agradável: em cartas, ela o descreveu como uma pessoa dócil e virtuosa, se bem



me l

568

ANTONIA

FRASER

que destituído de grandeza. Todavia outro panfleto hostil à « Mo narquia Cromwell”? apontava sua habilidade “com os falcões de caça, nas

dos

valos e diversos esportes e passatempos”, criticando-o por gos tar de beber Rm inclusive à saúde do rei Carlos.” Obrigado a renunciar à vida de cavalheiro do interior para a qual havia

nascido, Richard assumiu seu posto no Parlamento em 1654 ; em novembro

do ano seguinte, talvez refletindo o tortuoso pensament o do pai acerca da su. cessão, ganhou um cargo público na Comissão de Comércio e Navegação. E

como filho mais velho do Protetor, à medida que a questão cresceu de importância, a partir de 1656, seu destino foi com partilhar o palco com Oliver. Desde então suas qualidades ou a falta delas deix aram de ser mero motivo da

tristeza paterna, tornando-se um fator significativo na história do país.

O segundo Parlamento do Protetorado começou a ser dis cutido no verão de 1656, e sua convocação resultou diretamente das necessida des financeiras impostas pela Guerra da Espanha, acentuadas pelos problemas com as colônias — Hispaniola e Jamaica. Só em setembro a situação teria alguma melhoria, graças a captura por Stayner da frota do tesouro de Madri. A amarga lembrança dos expedientes pouco ortodoxos que Carlos I utilizara na tentativa de cobrir os custos de sua política exterior sem o Parlamento ainda permanecia bastante viva, e, embora o Instrumento de Governo não permitisse nenhuma sessão legislativa antes do outono de 165 7, cogitou-se de uma reunião de emergência destinada a aprovar os recursos que os generais haviam sido incapazes de arre-

cadar — tinham durado somente três meses em vez dos cinco usuais. Indiretamente pode-se acrescentar a própria extensão do pensam ento político do Protetor. Oliver insistia em alimentar esperanças de enc ontrar uma

solução com a ajuda dos Comuns. Os problemas não se res tringiam aos desentendimentos entre os militares — a crescente ambição de home ns como

John Lambert —, mas era o próprio regime que sugeria a utilidade de um

contrapeso. Ator revolucionário, mais do que pensador rev olucionário, Oliver

Cromwell imbuíra-se do conceito de governo parlament ar na juventude ç ao longo dos anos de disputa contra Carlos I — dos quais ele também podia Sº lembrar facilmente — e ser-lhe-ja impossível fugir dele na velhice. Evidentemente não esperava mais do que submissão, por isso que uma assembléia nô” meada chegou a ser cogitada, Por pouco tempo, antes que prevalecesse à idéi de um Parlamento convencional. Se á

"

a

CROMWELL

569

pelo menos poderiam assegurar a escolha de homens mais manipuláveis do

que OS eleitos em 1654. Os “paxás” não pechincharam tal contribuição. No

Enal de maio de 1656, reunidos em conferência com o Conselho, aprovaram

as instruções publicadas em 20 de agosto: os trabalhos da nova Câmara se abririam em 17 de setembro. os us e de ju e os tr to en an se rt upo di vi er di o iv ad Ol or de et ot o Pr O médi

generais. No que diz respeito aos primeiros, o Conselho contrariara seus desejos e foi preciso contemporizar. Quanto à sua tentativa de governar o país sem o Parlamento, não só ela resultou em impopularidade, como ainda o re-

cuo tornou-se patente a partir do momento em que a necessidade de dinheiro impôs a convocação da Câmara. Se isso não desse certo — segundo os critérios do próprio Cromwell — as pressões favoráveis a uma autocracia, coroa-

da ou não, recrudesceriam com certeza. Em agosto Edmund Ludlow discutiu acaloradamente com o Protetor, criticando-o por negar os objetivos “pelos quais lutamos (...) um governo baseado no consentimento da nação”. Segundo suas memórias, ele replicou que não discordava, apenas não sabia como aferir tal consentimento: “Entre os dignitários eclesiásticos, presbiterianos, 'independentes”, anabatistas ou Jevellers?” Para Ludlow, era fácil responder: “Entre

todos aqueles que têm se mantido fiéis e conservado o afeto do povo.”** Todavia isso fugia à questão.

Oliver defendeu o regime que preservara a paz interna. Ludlow objetou,

mencionando o derramamento de sangue que resultara de lutas conduzidas não por um Parlamento que tivesse em vista restaurar direitos ancestrais mas pelas mãos de um tirano que só pretendia eliminar tais direitos. “Tu não enxergas a diferença”, disse ele. Não era verdade: ninguém fizera mais pelo povo, indo muito além de abstratos “direitos ancestrais”. No entanto os generais não foram capazes sequer de lhe garantir um Parlamento cordato. Em alguns casos ele teve que empenhar-se pessoalmente a fim de indicar os candidatos com os quais

estava mais afinado — como Martin Noell, eleito por Stafford, graças ao trabalho que Worsley realizou a seu rogo. O relatório prévio de Desborough sobre Launceston estava impregnado de pessimismo: após consultar “o povo honesto de todos os condados (...) fiquei ciente de que novos partidos vêm sendo

criados na pretensão de derrubar tudo”. Embora o general admitisse que sua ta-

refa consistia justamente em “acabar com essas manipulações”, os resultados apurados e o comportamento dos eleitos provaram a inexistência ou ineficácia de qualquer controle eleitoral. Conquanto Whalley se jactasse de que a corporação de Nottingham não faria indicações sem o seu beneplácito, o Ss

570

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FRASER

escolhido foi um renomado partidário do rei, aliás seu hom ô nimo. Como gran. des baleias que se deslocam no fundo do mar depois de u m longo perí odo de repouso, os grandes proprietários rurais deram uma demon Stração da parce la de poder que já haviam recuperado. Segundo o embaixador de V

eneza, Oliver le. vara as eleições muito a sério: “Sua Alt eza deseja uma assembléia Composta ex. clusivamente de partidários seus”, escreveu ele, “e tenta cativar os que não se inclinam na sua direção com agrados e bajulaçõe s, convidando “OS à suntuosos banquetes, fazendo-lhes

inúmeras cortesias na esperança de atra í-lo s,”4º Todavia seria impossível calar os gritos que eccavam pela ruas de Lond res — “nem soldados nem cortesãos” —, reflexos talvez da década de 1640, pelo menos para os que possuíam alguma memória histórica. O ressurgimento dos criptorrealistas ficou evidente desde a sessão de abertura da Câ

mara: dentre seus integrantes, apenas oito ha viam participado

da assembléia de 1653; 230, do Parlamen to de 1654; 180 eram neófitos na ativ

idade política. Insatisfeito com essa composição , o Conselho invocou o Instrumento de Governo, arrogando-se o direito de aprovar a escolha dos membros. Após cuidadoso exame dos registros indivi duais, um funcionário da chancelaria ficou encarregado de distribuir cédulas: quem não portasse a conveniente seria “impedido de entrar pelos soldados”. As sim, cerca de 120 foram excluídos.” Mais tarde Oliver referiu-se à essa interferên cia descarada, ainda que teoricamente Justificável, como fruto da pressã o dos “oficiais”. Contudo ela suscitou o argumento irrespondível de que o se gundo Parlamento

do Protetorado iniciara seus trabalhos de forma pouco au spiciosa.

Sua participação foi igualmente dramática. Ele chegou como da vez anterior, numa carruagem acompanhada solenemente pelos membros do Co nstlho, ajudantes e guarda-costas. Também como de costume, o ev ento começaria com um sermão de John Owen na abadia de Westminster. O Protet or ignorava um plano para assassiná-lo, tão logo saísse da igreja. Insuflados por

um antigo soldado /eveller, Sexby, os conspiradores eram trê s: Miles Sindercombe, que tinha participado da conspiração co ntra Monk na Escócia e paSsara uma estada na prisão de Overton; um realista chamado Boyes; e um vê

lho soldado de nome John Cecil. Os assassinos alugar am uma sala em King Street, Westminster, pertencente a um alfaiate, muda ndo-se de lá no dia da ação, indo ocupar a residência de um simpatiz ante do rei, o coronel Mydhope, ao lado da porta leste da abadia — nos fundos a casa possuía várias porta

s, o que facilitaria a fuga. Perto da hora do sermão, eles chegaram, carregando uma caixa de viola, dentro da qual havi a um bacamarte e balas.

CROMWELL

Os eventos Aade inelutável de escapar após do plano reduz

571

subsequentes só serviram para comprovar mais uma vez a verde que matar uma personalidade não é difícil, mas ter certeza a tentativa, sim. Estabelecer que a fuga seja um pré-requisito consideravelmente suas probabilidades de sucesso. Foi em vir-

tude disso que Sindercombe e seus camaradas visaram Cromwell do alto da

janela, uma posição favorável, sem dúvida, mas da qual foram impedidos de atingir o alvo, cercado pela multidão. Sexby, se estivesse lá, tentaria aproximat-se, misturando-se à massa popular. Embora um atentado sem importân-

cia, planejado por gente mais implacável, pudesse um dia dar cabo de sua vida, Oliver referia-se a tais fatos como “pequenas coceiras”, desmentindo as-

sim, caso ainda fosse necessário confirmar sua coragem pessoal, histórias

divulgadas pelos realistas, segundo as quais ele estaria bebendo até cair com medo de ser assassinado.'! Thurloe já conseguira recrutar sir Richard Willys,

membro do Sealed Knot, como agente duplo, o que facilitava detenções pre-

ventivas, mas a aliança entre a Espanha e Carlos II implicava um risco per-

manente de invasão estrangeira. Seria correto permitir que esse representante dos Stuart — “o jovem”, como o chamava Cromwell — continuasse sendo O único detentor da aura constitucional, assim como da lealdade que ainda envolviam a pessoa real? Um ano antes, anonimamente, Marvell publicara seu grande poema —

The First Anniversary of the government under O. C. [O primeiro aniversário do governo de Oliver Cromwell] —, epítome da figura heróica para os que O

apoiavam, iniciado de forma sublime:

(...) Bem faz e acertadamente adivinhou Aquele de seu tempo sempre à frente andou: E sem saber como a escolha do céu poderá se explicitar,

Ainda assim cinge a espada e se dispõe a lutar (...) Pois se são esses os tempos, então esse deve ser o Flomem.

Sobre o título que ele ostentava, comentara com igual segurança: Pois ser Cromwell era muito importante (...) talvez mais do que rei.

Mas os tempos tinham mudado rapidamente, e o próprio homem mudara

muito —

o título, talvez, devesse mudar. À grandiosidade de ser apenas

“Cromwell” permaneceria ainda, diante de tantas vantagens de também ser “rei”? “+

EStAS Gear 21

Um

cetro real

Que o rico metal seja logo fundido E esfriado, para fazer-lhe uma bela coroa, Coberto de arminho e púrpura, ele empunhará Um cetro real de ouro espanhol. EDMUND WALLER A CROMWELL, quando da captura da frota do tesouro espanhol em 1656

m 17 de setembro de 1656, na abertura do segundo Parlamento do Protetorado, Oliver Cromwell pronunciou um discurso! no qual afirmou não desejar ser teórico ou frasista, posto que a situação do país exigia que se operassem fatos — “acima de nós, as determinações de Deus o exigem”. A seguir, por duas ou três horas, ele se pôs a enumerar os fatos, referindo-se à

Guerra Espanhola, razão primordial da convocação da Câmara, aos católicos, culpados pelas hostilidades, aos cavaleiros e sua eterna conspiração contra o regime, e, no que diz respeito à própria Inglaterra, à liberdade de consciência, ao desempenho dos generais e ao trabalho dos Zriers, que no conjunto contribufam para a construção de uma sociedade nova. O número de jovens que se dedicavam aos estudos religiosos vinha aumentando: “Estou convencido de que Deus poderá contar com bons pastores a partir das sementes que brotam nas universidades, buscando um conhecimento não livresco, mas em Seus próprios corações.” Sobre a reforma dos costumes e contra “aqueles abuSOS que cresceram com a desordem dessa nação”, ele mencionou “a liberdade e a prosperidade”, dizendo que ambas dependiam da extinção do pecado: “A mente é o homem. Caso ela se conserve pura, ele significará algo; do contrário, eu não poderia distingui-lo de um animal.”

a

574

ANTONIA

FRASER

Em alguns trechos empolada, ainda assim a fala do Protetor deu à Entender valiosos detalhes acerca de suas contínuas obsessões sobre a constru

ção de um

Estado divinizado na Inglaterra. A respeito do papel que ele própri O desempe. nhava nesse processo, e de cuja justeza estava convicto, recomendou que os parlamentares dirigissem os olhos para Deus e permanecessem tra nquilos, pois sey interesse só decorria da suprema magistratura que exercia, “indic ado pela voz do povo”. À Câmara cabia unir-se a ele “pela fé e pelo amor a Jesus Cristo, dedicando-se aos Seus objetivos específicos neste mundo”. Os sal mos foram trazi-

dos à baila como canhões pesados: o 85, segundo Cromwell, “muito instrutivo e significativo”, o 118, e o 46, “especial”, atribuído por ele a Lutero, todos citados de memória, inclusive o grande versículo que diz: “Não sentiremos medo

mesmo que a terra seja removida, e mesmo que as montanhas sejam levadas

para o meio do mar, mesmo que as águas com isso se enfure çam e se agitem. (...) O Senhor dos Exércitos está conosco, o Deus de Jacó é nosso refúgi o.” No

entanto a passagem mais admirável de seu discurso talvez tenha sido aquela em que ele recomendou ao Parlamento ser ortodoxo, mas misericordioso, chegando a citar um texto famoso da epístola de São Paulo aos Coríntios que, todavia, diz respeito à caridade. Depois pediu que todos rezassem ao Senhor, implorando sua bênção, e fossem escolher seu presidente. Entretanto, apesar de tantas prescrições, esse Parlamento não foi capaz da

união preconizada e lhe daria muito pouco da força e da calma divinas que ele

desejava tão ardentemente. Em Janeiro, consoante o motivo de sua convoc ação, já aprovara quatrocentas mil iibras destinadas à continuação da luta contra à

Espanha, mas afora isso transformara-se em palco de crescentes divergências. Paraleiamente a impopularidade dos generais também tinha aumentado, semeando ressentimentos entre os parlamentares que não os apoiavam. À grosseira rej eição

de alguns eleitos, à entrada da Câmara, deixara uma impressão ainda mais desa-

gradável, sinalizando um governo arbitrário e imposto pela espada. Em outubro O embaixador de Veneza comentava, em tom de brincadeira, o aspecto mili tar de Londres: “Não se vê mais uma única mosca [adorno] no rosto das damas, mas

sobram moschettos [mosquetes] nos ombros dos soldados”; segundo o diplomat, as tropas talvez assegurassem o poder de Cromwell, mas exauriam o país, levando-o à ruína — a máquina era forte, mas “violenta”? Na própria Câmara, dado 0 interesse na estabilidade social, o número de saudosis tas da monarquia vinha au mentando, e mesmo entre os conselheiros de Oliver aqueles mais predispostos 2º retorno à antiga forma de governo, com adaptações, é claro — advogados € homens como lord Broghill —, pa Ssaram a ter voz mais ativa.

CROMWELL

575

Foi nesse contexto que surgiu a primeira sugestão de que o Protetor elei-

«o deveria poder transmitir o cargo, como um direito hereditário. A proposta

—— uma emenda ao Instrumento de Governo — chegou ao Parlamento no dia 28 de outubro por intermédio de William Jephson. Antigo coronel diretamente subordinado a Cromwell, após um tempo de ostracismo, ele se elegera pelo condado de Cork, na Irlanda. Em 14 de novembro uma delegação diri-

giu-se ao gabinete de Oliver a fim de tratar do assunto, mas não obteve sucesso: à discussão só teve início cinco dias depois. Broghill manifestou-se francamente favorável à medida, contrapondo-se a Desborough, que admitia no máximo a possibilidade de nomeação do sucessor; o general entendia perfeitamente o medo que assaltava os homens de boa vontade — a possibilidade de anarquia depois que seu cunhado morresse —, mas não queria ferir as suscetibilidades dos republicanos e das lideranças militares com as quais se identificava. Ludlow — testemunha hostil durante todo esse período — conta que ao tomar conhecimento da moção que poderia torná-lo rei, batendo amigavelmente no ombro de Jephson, Cromwell teria dito: “Eu sabia que você era maluco.” Loucura bem recompensada, afinal, pois não demorou muito de uma para que o coronel recebesse um belo posto em Oxford e o comando tropa de cavalaria, cabendo a seu filho uma companhia de infantaria.” Mais

tarde ainda Jephson seria enviado especial de'Cromwell ao rei da Suécia antes do Tratado de Roskilde. cose já que o ico públ ou torn as apen nda eme a m, poré no, outo e Naquel

mentava à sorrelfa em reuniões ou qualquer outro lugar propício a mexericos,

em Whitehall e alhures, pela Inglaterra afora. A língua maliciosa dos inimi-

a num o oad cor a ecer apar ll mwe Cro 1649 de ano No o. muit há gos já vibrava caricatura holandesa e, num panfleto, sua coroa ao lado do caixão de Carlos I. Na época da dissolução do Rump; tal como na instauração do Protetorado,

a Europa enchera-se de rumores — de fato alguns soldados propuseram que

Oliver fosse rei. As especulações não cessavam: no verão de 1655 Ralph , que dois Josselin ouviu falar no restabelecimento do título de imperador anos antes já fora considerado menos majestático e, portanto, mais conveniente. No outono do ano seguinte, embora boa parte das ações transcorresse de

forma encoberta, não restava a menor dúvida de que o regime fora posto em

rios ioná func que trou alvi za, Vene de r ado aix emb novo o a, arin Giav tão. ques estariam pesquisando antigos documentos à cata de fatos de natureza igual ou

semelhante, possivelmente úteis face aos problemas contemporâneos.* Enquanto isso, alguns admiradores do Protetor não se vexavam de colocar em “

576

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versos o que tantos já haviam posto no papel. Em setembro d € Ç 1656, Saudan.do a captura da frota do tesouro espanhol pelo capitão Stayner, Edmund Waller aconselhou francamente Que o rico metal seja logo fundido

E estriado, para fazer-lhe uma bela coroa,

Coberto de arminho e púrpura, ele empunhará Um cetro real, feito de ouro espanhol.

O ouro, de fato, contribuiu bastante para a imagem real — ou imperial

— do Protetor. Em 1656 Thomas Simon recebeu o enca rgo de criar a matriz

de algumas moedas, cuja cunhagem o Conselho ap rovou em Junho de 1657; o “engenhoso” Pierre Blondeau aperfeiçoara um proc esso de prensar letras nas bordas a fim de evitar que fossem raspadas. Mantendo sua técnica em segredo, o francês encontrava bastante hostilidade e em certa ocasiã o chegou a ser lembrado do destino de Philip Mestrel, um moedeiro condenad o à morte durante o reinado de Elizabeth. Todavia, sem nenhum sentimen to xenófobo, Simon idealizou peças à altura de um imperador romano, com o perfil de Cromwell coroado de louros e a inscrição OLIVA: D. G. R. PVB. ANG. SCO. ET HIB. PROTEC. [Oliver: Protetor da Inglaterra, Escócia e Irlanda]; no reverso, além de suas armas, gravou o lema Pax Quaeritur Bello. Blondeau limitou-se a adicionar nas beiradas: Has. Nisis. Periturus. Mihi Adimat. Neo [Quem as destruir perecerá]. Mais tarde, impressionado com uma cópia, Pepys declarou: “Palavra de honra, é mais do que o rei merecéria.” Após a primeira prensagem de duas mil libras, mais ou menos, seg ui-

ram-se outras encomendas no verão de 1658, sustadas devido à mor te de Oliver. ** Quer dizer: as expectativas de Waller não se frustraram inteir amente. No outono e no inverno de 1656 a autoridade pessoal de Cromwell alcançou o apogeu, tornando-se incontrastável, Os problemas se multiplicava m, mas todas as soluções pareciam apontar para a continuidade da Supr ema “Atualmente acredita-se que tais moe em 1657, nada se falou a respeito. H. W Henfrey argumenta em sentido contrário, Numi

qe chegaram aé ns, No eta o tapa smata

Cromwelliana, baseado n

os evidentes

sinai

e eat aprendo Pes tados

pelas peça”

ça, muito populares, aliás, segundo o diário de Pepys. No final do século XVII e no gécu XVIII, na Inglaterra e na Holanda, foram feitas cópias. Após a Restauração e à consegue”

te proclamação de Carlos II o dinheiro do Protetorado menção a ele.

Pp

erdeu o valor e não se fez Mm?

CROMWELL

577

Magistratura que ele exercia; polarizando lealdades desde três anos antes, sua poderosa figura, historicamente necessária, triunfava sobre o conceito de lide-

rança hereditária, baseada no direito de descendência. Mesmo Oceana, de «mes Harrington, obra de teoria política essencialmente republicana, impressa em 1656, previa a inamovibilidade do líder daquele estado de ficção,

cujas terras seriam igualmente distribuídas e onde a renda per capita máxima seria de duas mil libras anuais — na Escócia, apenas quinhentas libras; a ini-

ciativa das leis pertenceria a um senado, cabendo ao povo o direito de votálas e ao Olphaeus Megaletor [Grande Líder] a sua execução. Embora dedicado ao Protetor, o livro só fora publicado graças à interferência de Bettie Claypole: brincando, Harrington ameaçava sequestrar seu filho, caso Oliver não devolvesse o fruto intelectual que havia produzido — o agraciado comentou que o autor pretendia extirpá-lo dos poderes que detinha com “um tirinho de papel”.º Pouco provável, já que a pessoa do guia era imprescindível à realização das propostas que impediriam futuras guerras civis. A resolução que foi dada a dois incidentes que envolviam o Parlamento,

passando por caminhos tão tortuosos quanto originais, acelerou a discussão

acerca da coroa. O primeiro disse respeito a um quacre extremista chamado

James Naylor. Famoso em Londres graças a suas atividades de pregador, ca-

belos longos e barba de profeta — segundo alguns de seus seguidores, semelhante à de Cristo —, ele não se acalmara nem mesmo depois de visitar Fox na prisão de Launceston e acabou sendo encarcerado em Exeter junto com vários adeptos. Ao serem libertados, e numa canhestra tentativa de imitar a' entrada de Jesus na cidade de Jerusalém, o grupo se dirigiu a Bristol, gritando pelo caminho “hosana” e “santo, santo, santo é O Senhor Deus de Israel”.

A histeria que essa procissão desencadeou pode ser avaliada pelo depoimento

ntiu gara ela do, stra magi um nte pera y: Ebur as Dorc nome de çal servi uma de

que enquanto estivera detido o pastor ressuscitara — no século XVII os quacres referiam-se assim à conversão — “para sentar-se ao lado direito do

sapas es Jam seu que va rma afi s dre Lon de a cart a Um . do” Pai e julgar o mun

ra a ser Jesus.” Conduzido à capital, decidiu-se que a Câmara dos Comuns o Julgaria por “horríveis blasfêmias”. cífico de A questão era como fazê-lo. Caberia aos Comuns o dever espe

julgar um súdito ou o papel judicial da Câmara dos Lordes não teria pereci-

do com ela? Posta de lado essa preliminar e promovida a audiência, durante O

processo O réu recusou-se à tirar o chapéu ou inclinar-se diante do presidente do Parlamento. Condenado a severas penalidades, o papel de Cromwell como o o

ss

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FRASER

mediador também foi questionado. Em Londre s e depois em Bristol deveria ser colocado num carro de boi e chicoteado, marcado com u Naylor blasfe

mo, tendo a língua furada; após m B, tudo isso, e em sinal de clemênci a vez de ser executado ele iria para a

de

prisão. O coronel William Sydenham aa É miu a perspectiva do Parlamento acerca da legalidade da sentença: Tosta nos depositários de todo o poder que competia à Câmara dos Lord reações poderão suscitar, desejo que a Câmara | sua decisão.”* A Câmara fincou pé, só permitindo a Cr omw ell mitigar os sofrimentos do réprobo. Nesse sentido ele emitiu uma ordem para que a mulher de Naylor pudesse leva

r suprimentos à cela. Em maio de 165 1 seu Chamberlain,* sir Gilbert Pickering, conseguiu alojar o past or numa prisão especial. E em agosto de 1658, ciente de que o prisioneiro estava doente, um de seus últimos atos foi enviar William Malyn a fim de inteirar -se de suas necessidades, Secretário de Oliver, muito caridoso, Malyn encora java a generosidade inata do Protetor. Amigo de /ady Elizabeth Kerr, chamou a at enção de Oliver sobre o problema do funeral de seu pai, um realista exilad o na Holanda: /ord Ancram deixara tantas dívidas que seus credores opunham-se a que fosse enterrado até que recebe ssem algum tipo de satisfação. Solicitada a interferênci do a embai-

xador holandês, o corpo do infeliz nobre baixou à terra, finalmente. Naylor dispensou os cuidados — “O Senhor era seu própri o médico e ele não carecia de outro” — e recebeu, sem uma pa lavra de agradecimento, o dinheiro que lhe foi entregue por ordem de Oliver. Ao comentar sobre o malvado orgulho do criminoso, Malyn concluiu seu relató rio piedosamente: “Espero com isso não estar dissuadindo Sua Alteza de um trabalho terno e misericordioso que agrada a Deus.”1º Inútil: a teimosia do Parlamento e os sofrimentos indiscutivelmente cruéis comin vida, mas confo

que o trabalho de Cristo se efetuaria na Inglater ra através de um Parlamento livre de qualquer influência ou restrições, exercendo funções judiciais, € de um Protetor impotente? Estavam todos muito distantes da socied ade benevolente 2 que ele já se referira tantas vezes e com tanta elogiiência *Mordomo encarregado da supervisão doméstica do palácio. (N. do T.)

CROMWELL

s79

Ironicamente, O segundo episódio que marcou o novo ano — a extinção dos “cantões” militares — foi proposto por eles próprios. No dia de Natal de

1656 Desborough indagou ao Parlamento se deveria manter-se no cargo incumbido dos seis condados do oeste. Embora considerado dia de trabalho pelos puritanos, a presença na sessão caíra bastante, e é óbvio que o general

pretendia valer-se disso como uma vantagem, pois encaminhou um projeto de lei que prorrogava o tributo sobre os realistas. De um jeito ou de outro, a aceitação do projeto acabou sendo aprovada por escassa maioria. Contudo, vistos votando contra, muitos membros do entourage de Cromwell deixaram clara a pouca utilidade dos “paxás”. Valeria a pena dividir ainda mais a nação com um imposto que sequer fora capaz de produzir harmonia? Iniciados os debates, em janeiro, John Claypole — genro de Oliver e Master of the Horse [supervisor das cavalariças] — liderou o ataque aos generais. Quando sir John Trevor ergueu-se para criticar as medidas que dividiam o país em províncias, ensejando “um poder grande demais e acima de qualquer lei”, o plenário subentendeu que ele falava sobre uma experiência fracassada. Mais emotivo, o coronel Henry, neto do velho sir Oliver de Hinchingbrooke, representando o ramo mais velho da família e diferente de seu pai e avô realistas, eleito para o Parlamento de 1654, e em 1657 assessor de Huntingdon, levantou-se disposto a rebater o discurso de Butler. Vincent Gookin descreveu a cena:!! “Após escutar vários oradores e tendo observado que o general [Butler] dissera e achara justo que o mau comportamento coletivo de alguns dos cavaleiros [parlamentares] os tinha tornado passíveis de

punição, ele [o honesto Harry] lançou mão do mesmo argumento, acusando

os militares de má conduta e propondo sua punição.” Nesse instante, profe-

rindo uma questão de ordem, o coronel Kelsey solicitou que os nomes dos generais que haviam cometido erros fossem expressamente mencionados. Sem se fazer de rogado, o “honesto Harry” disse que 0 faria, sim, desde que a Câmara o permitisse, e com isso acendeu “uma fogueira que os aguadeiros tive-

ram que debelar”. Posteriormente, informado de que Sua Alteza não gostara nem um pouco de sua atitude, ele não se acovardou e partiu ao encontro do augusto parente, diante do qual repetiu “corajosa e sabiamente” todo o pro-

nunciamento que fizera, exibindo livros e papéis que comprovavam suas afirmações. Havia 15 anos que Oliver Cromwell vinha lidando com situações de conflito no Exército e alhures, por isso que respondeu a Harry com “bom humor” entregando-lhe uma capa escarlate e luvas, que tirou das costas e des-

calçou, e com as quais retornou à Câmara, segundo Gookin, “despertando

s80

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FRASER

grande satisfação e preocupações aqui e ali”. “Foi um belo Besto de Sua Al disse ele, mais do que um simples abrandamento de um orador audaciteoszao»

Sem nenhuma surpresa, portanto, a lei que permitiria o restabelecim ento da contribuição seri

a derrotada pouco depois. No dia 28 de Janeiro, em Se gunda

discussão, foi rejeitada por 124 votos contra 88.*

Alguns dias antes de pôr um ponto final nesse caso, o Parl amento, tão fiel aos compromissos do Protetor, abalou -Se com a revelação do plano ainda essoa, engendrado por um ex-leveller os que os conspiradores haviam posto

em prática teria justificado, antecipa damente, a linha de um dos epitáfios de Cromwell

— “necessitando mais olhos do que o próprio Argu s”. Na realidade, eram três planos distintos. Após a tentativa frustrada, à época

da abertura do Parlamento, Miles Sindercombe, ajudado pelo velho soldado Cecil, cogitara de atirar em Oliver com uma “arma de tiro rápido” capa z de disparar 12 balas; com a intenção de emboscá-lo no caminho para Hampton Cour t, eles alugaram uma casa pertencente ao cocheiro do conde de Salisbury, em Hamm ersmith: através da janela da pequena sala de refeições descortinava -se um trecho bastante estreito da estrada, onde as carruagens diminuíam a marcha. A fim de estarem informados acerca dos horários do Protetor, os facínoras subornar am um de seus guarda-costas, um certo Toop, prometendo-lhe 1.500 libras — pagando dez adiantadas. O atentado fracassou no último minuto: avisado ou, simplesmente, graças à sua sorte, a vítima decidiu viajar de barc o.!? Cromwell jamais permitiu que as normas de segurança impedissem suas

constantes caminhadas por St James's e Hyde Park. Aproveitando-se disso, os delingientes elaboraram um segundo plano: misturar-se à sua comitiva € atirar nele durante um desses passeios. Para fac ilitar a fuga, retiraram às dobradiças de um determinado portão, e Cecil fico u encarregado de comprar um cavalo bem rápido, de preferência negro, que inclusive cheg ou à despertar a admiração do Protetor numa certa ocasião. Ma s o animal pego

um resfriado e a idéia foi abandonada. A terceira investida teria caract eris ticas cataclísmicas, consistindo no incêndio de Whitehal l. Neste ponto, Pô rém, loop entregou o jogo, possibilitando a descoberta de uma estran hã cesta na capela do palácio, com duas mechas muito bem colo cadas, prontas *Esse Henry Cromwell cont inu ou a demonstrar lealdade e excelente senso de ARS Ar as e. Casa à Prima, a poetisa Anna Ero É azia mwell, apaixonada realista que comparando Carlos I a Jesus Cr isto, retomo , apaixonad q u

quentou a corte de Carlos II de form

o nome Willi Wil liams a muito bem-suce dida.

depoisis

da Restauração €

idaa É

)

CROMWELL

s8]

so, Pre . el” tív bus com e ent vam ati s mai al eri mat “do o içã para efetuar a ign aca que be, com der Sin de ade cid pli cum a o nd ia nc Cecil confessou, denu ito “mu ma for de -se tar por com s apó a, avi Tod . ém mb ta ido det bou sendo

exe à u apo esc ele , ns mu Co dos ra ma Câ da ão iss com da insolente” diante do teú con o u eri ing — os eir cer car dos tas vis as sob e o-s and cução, cuicid s, mão nas te, men gre ale , eno ven o do gan fre “es co, êni ars de um papelote de não que de a unh tem tes é us “De e: het bil um xou Dei . iz” nar no rosto e no

erno, gov do em ord Por ”'* io. óbr opr ao o id et bm su po cor u quero ter o me ervada res nia omí ign a, rad est uma de to lei o sob ado err o cadáver foi ent aos suicidas. rlamento no dia Pa ao or rr ho ia de ór st a hi ss es de lh ta de u os to la e re lo Thur

a uen peq a um que do s mai o alg a sav res exp que voz de 19 de janeiro, num tom fez s poi ux, dea Bor de o açã erv obs uta arg o nd gu se e,* dose de Schadenfreud a ad nt mo ma tra a o sid ter am nh pu su que dos o ism cin o r questão de revela a seguiam ant gar que ões uiç tit ins às o viv s mai do ori col um r “da apenas para s, ada ent inv m era não ões raç spi con as o fat De . or” tet rança da família do Pro s nte age a ças gra , igo per to tan m sse ica nif sig não e nt embora provavelme a John eu rev esc d an rl Mo uel Sam , all teh Whi De te. par a a tod por os infiltrad

, mas ita súb o açã uma m ça ea am e tes sen pre ão est tas lis rea “Os ça: Suí na , Pell goO te en lm xa do ra Pa s.” ido ven pre ser sam pos tos espero que os males previs o vidas nd po ex 23, dia no ças gra de o açã de to cul um ar liz rea verno mandou da s ria ada esc sas igo per as a, rad ome agl ão tid mul da o importantes: sob o pes

luinc , am ar uc ch ma se s nte ipa tic par dos uns alg e Banqueting House ruíram,

alertou a audiênver Oli ara par pre que so cur dis No ll. mwe Cro d har Ric sive eienf , pre sem mo co e, ”, jar bei se m ve de paz a cia, dizendo que “a correção e seu favorito o ive lus inc s, ura rit Esc às s sõe alu tas mui com as avr tou suas pal

sua na u gui sse pro by Sex , sos cas fra s trê dos sar ape o, ant Salmo 86./* Entret No g lin Kil to fle pan oso fam do s ore aut codos caça à raposa e em 1657 foi um Oliver, “o a do ica ded te men ria era tem , to] ina ass Ass é não ar at [M

Murder

ns mo de a um nh ne a dav não or tet Pro o do, i rép Int verdadeiro pai de seu país”.

a mão da ri ab ou tus sta seu de a av ur sc de m ne , do ça ea am e -s ir nt se tração de

dis e lo ur Th que em dia o sm me No se. bes cou lhe mínima autoridade que dízimo e da do o ost imp do tou tra se do an qu e o ent lam Par O e ant cursou per

osb De , nte lme ive vis Pre la. bai à tou vol oa cor da o stã que a lei da milícia,

ra. cla s mai -se nou tor t ber Lam de ão siç opo à € , tra con rough falou “Em alemão, no original, o termo significa sangue-frio. (NV. do T)

A

582

ANTONIA

FRASER

A possibilidade de Lambert melindrar-se com a idé; a de um Proteto rado hereditário sempre fora grande — naquele momento, em termos de den sidade eleitoral, ele era a pessoa em melhores condições de s u ced

er a Oliver. M uda. das as regras do Jogo, Richard Cromwell o ultrapassaria. Com isso não se pretende diminuir a sinceridade de suas convic

ções republicanas, mas atitudes

pregressas parecem indicar que nos primeiros meses de 1657 ele se deixou le. var também pelo orgulho.

Dotado de uma personalidade sui generis, mais com Plexa e extrovertid a e certamente muito mais atraente do que as de seu s dois companheiros de oposição, Fleetwood e Desborough — que rejeitavam o título real mas apoiavam

Cromwell —, ele sem dúvida acredi tava honestamente que a questão nã o dizia respeito a

quem seria o Sucessor, mas ao compromi sso de evoluir em vez de recuar de posições anteriormente assumi das. Assim, jamais respondeu à alegação de Oliver de que num determinad o momento — no final de 1653 — O exército lhe propusera a coroa. Sem tanta ri gidez que o levasse a defender uma posição por razões de consciência, na verd ade sentia-se frustrado: fa-

vorito do Protetor, soldado audaz e popular, via suas ch ances de liderança derivarem em benefício do ameno Richard, mais jovem e menos merecedor Mesmo descartadas quaisquer perspectivas futuras, sob a mona rquia de Oliver ele perderia a condição de “demi-collegue ” [quase cumplicidade], reduzind o-se à de um mero súdito. Os eventos subsequentes conf irmariam seu

desejo imoderado de atrair admiração e homena gens — vontade perigosa nu m político —, além de alguma carência de mimos e um a natureza de éra

forma amuada decorrentes talvez dos genuínos sucessos que alcançara na juventude e que o tinham deixado sem experiência e desp reparado para as inevitá

veis derrotas e malogros da meia-idade. Até mesmo naquel e momento,

disse Bordeaux, Lambert não estava conseguindo consolidar se u apoio entre os soldados, pois no período anterior aos fatos vi vera muito afastado e, em consequência, tinha adquirido uma reputação de arrogante. Enquanto isso, em Londres — e na Europa — fervilhavam os rumores referentes às futuras transformações. Em 7 de fevereiro um jornal inform ou

que os cidadãos apostavam “na breve mudança do regime”. Uma carta de s” Henry Vane

, enviada de Haia no dia 2 de fevereiro e intercep tada por

Thurloe, comentava com conhecimento de causa: “Sempre achei que esse es de o enterrar”

:

- Nos

Bordeaux

meses de fevereiro

estava

€ março

:

convencido

de

ui-

ele tomou Es io

dado de expor esse fato a Mazarino, adiantando notícias sobre a satisfas

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583

dos realistas ingleses: um retorno ao princípio monárquico fortaleceria sua posição, visto que o trono da Inglaterra se tornaria uma disputa de duas famílias, Cromwell e Stuart, na qual a segunda presumivelmente sairia vitoriosa. O cardeal avisou ao embaixador que no caso da coroação se realizar ele não gostaria de ser o último a apresentar congratulações. Em meados de março, de Haia, Marigny disse a Stouppe que já estava ansioso para saber “se vosso Protetor será rei”.!º Tudo dependia, segundo Bordeaux, do tempo que restava a Oliver. Esse aspecto não podia permanecer indeterminado.

Finalmente, no dia 23 de fevereiro, sir Christopher Packe apresentou ao

Parlamento a Petition and Advice [Petição e Conselho], mais tarde qualifica-

da de Humble [Humilde], pedindo a volta da monarquia e da Câmara Alta e atribuindo à coroa uma generosa dotação monetária. Homem de alta posição e gravitas,* com bem mais de sessenta anos, antigo prefeito de Londres e ainda conselheiro da City, membro de muitas influentes comissões, ele fora instruído por Broghill e pelos advogados que cercavam Cromwell — na época ninguém duvidou disso. As reações não somente do Parlamento e do exér-

cito, mas do próprio Protetor teriam que ser vistas e estudadas. Chegara o momento, talvez, de transformar o ouro espanhol num cetro real, como

Waller sugerira, a fim de deslumbrar alguns membros da comunidade e dominar todos os demais.

No que se refere à reabertura da Câmara dos Lordes as reações do Protetor eram facilmente mensuráveis. Sua convicção acerca da necessidade de algum tipo de segunda câmara, a fim de modificar as ações e reações da única que sobrevivera dos antigos Comuns, mostrava como o tempo e a experiência haviam transformado radicalmente muitas de suas idéias. O homem que na década de

1640 teria falado tão entusiasticamente em transformar o conde de Manchester num “simples sr. Montagu” perdera o gosto por tais fantasias. Agora cuidava

de governar. Talvez a forma adotada pela câmara alta ao ressurgir não fosse po-

liticamente perfeita, mas sendo a sociedade imperfeita às vezes isso é inevitável. O caso Naylor evidenciara o perigo de um legislativo unicameral e descomedido — isto é, sem o controle do Protetor. Assim, ante os protestos dos

militares, ele expôs seu pensamento: “Devemos considerar a segurança do regime e, a menos que haja outra sugestão no sentido do equilíbrio (...), o comportamento deste Parlamento prova a necessidade de algum tipo de contenção ou um poder moderador, pois o que aconteceu a James Naylor poderia acontecer a *Em

latim, no original, o termo equivale a porte solene. (N. do T.)

A

Re

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qualquer um.” O Instrumento de Governo facultava ao Par lamento det erminar “a vida e a composição” do povo, “mas”, acrescentou ele, não me d á Meios para manter tais atribuições sob domínio”.16 Por conseguinte tratava-se de definir o tipo de segunda cá Mara que ge precisava construir ou reconstruir; em épocas e em situações si Milares, exi. gindo a superação de idênticos obstáculos, o problema retornou, (-

Mas naquela ocasião a solução foi determinar que seus membros seriam nom eados. A má vontade de Cromwell quanto aos títulos hereditár ios não estav

à EM questão — mais tarde inclusive ele chegou a armar alguns baronetes; ademais, suas

opiniões a esse respeito nunca se estruturaram completamente. Menos preocup ado com aspectos de estratégia social, ele visava a melhoria da administração.

É, após vencer algum antagonismo, obteve o poder de indicar pessoal. mente os lordes que fariam parte da nova câmara —. fortalecendo o executivo, é claro. Thurloe aduziu o melhor argumento: “Acred itamos que essa Câmara recém-constituída será um fator de grande segurança, verdadeiro baluarte do interesse honesto (...) menos incerta do que os Comuns, dependentes de eleições pelo povo.”!? Criada por uma lei do Parlamento, aprovada em 11 de março, a Câmara Alta reuniria em princípio setenta membros, todos nomeados pelo Protetor, ao qual foram dados poderes para aumentar esse número e indica r substitutos

dos titulares que se afastassem sem qualquer interferência dos Comuns . O preenchimento dos cargos ficou em aberto até o verão, e o regimento interno só se tornou conhecido no final do ano, posto que ainda se debatia a questão da coroa. Todavia o método de escolha afastou a hipotética ressurgência de uma aristocracia vinculada ao nascimento, que estimulava a criati vidade dos humoristas, ou mesmo de uma xoblesse de oficiais, que Bordea ux acreditava estar nas cogitações de Cromwell; os novos lordes nada mais eram do que um grupo de apoio ao homem que os promovera e em torno do qual se uni am — tal o equilíbrio que Oliver esperava conseguir, mesmo que jam ais o tenha €Xpressado de forma tão clara. Longe de se inserir numa legislação socialmente romântica, o fato correspondia a uma conquista política imediata. Por outro

lado,

aceitar a Coroa

era uma

questão

que,

independentemente

da hostilidade com que se falava sobre seus cálculos e ambições, naturalm ente devia atraí-lo. Situados entre dois fogos, seus famil iares tornaram-se alvo de suspeitas — acusados de pretensões reais — ao mesmo tempo que suspe

após a morte do pai,| caso o rei ret ré or-d

ntemente observados, através deles

CROMWELL

sg5

na priesperava desvendar os rumos do poder. À coroação os transformaria

meira geração de uma família real, a curto prazo coberta pela estrutura que

oliver teria definido, afastando a temida vingança de Carlos II. Naquele an-

dar da carruagem, eles sofriam a desvantagem dos que estão próximos de um

s. en ag nt va as uc po o it mu de o nd ta ru sf de no, +ro

Certa vez Henry Cromwell disse que Thurloe era a única pessoa com quem conseguia abrir livremente seu coração, sem medo de ser taxado de “ambicioso”. No entanto seu irmão Richard, escrevendo da Irlanda no início de que ntir gara sso “Po : rior exte no ar mor de e sort a tinh ele que rou egu março, ass estás mais feliz do que outros parentes, longe da lama que existe por aqui.”! Mary é Frances, tratadas pelos embaixadores como princesas € sujeitas ao mesmo destino de todas as damas reais, viam seus casamentos submetidos a pres-

sões externas, com vistas à regularização do status familiar. Sem falar no desejo tão natural que todo ente humano sente de valorizar-se galgando posições. Frances, por exemplo, já com mais de 18 anos, vinha mantendo um arras-

tado romance com um jovem que Cromwell considerara pouco adequado — por razões morais. O rapaz era Robert Rich, neto de lord Warwick, que em maio do ano anterior questionara as extravagantes exigências financeiras do Protetor, paralisando as negociações de noivado. À verdade, ele confessou, é que “não gostava do jovem (...) cheio de vícios, dado a jogatinas e coisas assim”. À isso somava-se a questão do testamento de John Dutton, tio do pupilo de Marvell, William, que permaneceria inconcluso até meados de 1657, embora referindo-se a um noivado arranjado, desde 1655, entre o rapaz e /ady

Frances. Talvez ela não fosse a mais bonita das filhas de Oliver — seu retrato revela um longo nariz, boca afetada e incapaz de equilibrar convenientemente a melhor característica da linhagem, os olhos muito separados —, mas demonstrava toda a força de caráter e determinação bem-humorada que possuía, decidida a abrir seu próprio caminho; tais qualidades não costumam ser es-

esimpr a dão te emen uent freq que s, rosa nume lias famí de las caçu aos has tran Porsão de já terem avaliado bem O mundo em geral e os pais em particular. tanto não surpreende que quase um ano mais tarde Richard Cromwell ainda se referisse a Rich como “o galante de minha /ady Frances, soltando plumas em Whitehall”. A perspectiva da coroa complicou tudo — “a nova dignidade criava alternativas inclusive na França”!º —

e embaralhou a vida amorosa da

. tica polí ão uaç sit a nto qua o uçã sol sem tão a donan tor a, moç pobre

No caso de Mary, parece que seu pai tomou a iniciativa, mais ou menos

na mesma época, de tentar aliar-se a uma proeminente família do norte

86

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através de um de seus membros que enviuvara re centemente, Thomas Belasyse, visconde de Fauconberg, de Newburgh Priory, próximo a York

nem católico, nem realista, mas muito be m relacionado com ambos os ha. dos. À propriedad

e do pai em North Riding fora objeto das atençõ es da

Comissão de Confisco, e muitos parentes eram católicos, inclusive um tio fundador do Sealed Knot. O visconde, porém, pod eria to servidor do Estado, um futuro Lockhart, quem sabe um disso tinha muito charme. Andara viajando pelo exterior a pós a morte da mulher em 1656 e no início do ano seguinte Lo ckhart inves tigou seu passado e pontos de vista religiosos. O resultado foi satisfatório: em março o embaix ador em Paris encaminhou um brilhante relatório dando conta de que Fauc onberg era “uma pessoa extraordinária, sob certos aspectos, aparentemente dotada de todas aquelas qualida-

des de alto nível que podem servir à Sua Alteza e ao país, sentindo ele um zelo particular por ambos”. Todavia entre tais atributo s inclufa-se a precaução: o visconde talvez estivesse ansioso para certificar-se do sta tus de seu futuro sogro, e em março Lockhart teve que insistir na necessidade dele co meçar a cortejar a Jovem. “Recebi o cavalheiro na noite passada”, escreveu ele, “e lhe falei das vantagens que suas pretensões poderiam atrair, desde que se dirija pessoalmente à principal interessada.” E quando o rapaz replic ou que aguardaria ainda um

sinal mais claro” o diplomata enfatizou já ter ido até um pouco lo nge demais,

garantindo-lhe as boas-vindas, e falou das “regras da modéstia”, deix ando o resto aos seus “méritos e dedicação” 20% Esse arranjo ta mbém não deu certo.

À seguir, o destino de Frances deu ensejo a rumores de que ela teria sido proposta como isca a Carlos II ou que o monarca à desposaria a fim de recuperar O trono. Pepys soube de tratativas nesse sentido, mas que “o velho fora contrárioà idéia”. Realmente, no auge dos debates sobre a questão da coroa, o sogro de Henry lhe disse que nada preocupava mais ao Protetor e à Protet ora do que O Ex

samento da filha menor. A história que Broghill contou a Burnet é ainda mais

“As múltiplas conexões católicas dos Belasyse serviram de pret exto aos batistas para atac? *

ef

=

a

; deixar

j a , em que sua filha se casa sse com 1653, quando a propriedade paterna Correu o risco d um deles; todavia, . Fauconbe .



r

. e ser co tinha refutado categoric a, O jovem amente a .idéia de ; nfis cada , o j conf ir ; que fosse católico.o. Os registros istros p parecem mar que era um anglicano convicto.

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587

que o soberano jamais perdoaria a morte do pai. O conselheiro retrucou que «muitos contribuíram para isso”, ao passo que ele seria o único responsável pela

restauração; calou-se, porém, ao ouvir que O jovem rei, “tão miseravelmente devasso”, acabaria destruindo a todos eles — isso encerrou a conversa.2* A vida que o monarca solteiro levava do outro lado do canal da Inglaterra

certamente devia ocupar alguma parte da mente do Protetor. Retomada a ques-

tão monárquica, seria inevitável cogitar do futuro da linhagem que até bem

pouco ocupara o trono, representada por aquele enérgico e atraente jovem de 27 anos, que sem maiores preocupações com os aspectos legais muita gente julgava melhor do que o sorumbático, sempre adoentado e quase sexagenário ocupante do poder. Na primavera de 1657 os partidários da causa realista anteviam uma excelente oportunidade de ataque — numa conjuntura política de refluxo, não restara um único bastião republicano em condições de opor-se ao desafio do rei, caso ele retornasse ao país.* Embora a idéia de reconquistar o trono

pela força das armas tivesse gorado, em virtude da falta de apoio estrangeiro,

seu regresso pacífico, atendendo a uma solicitação, era outra história. Mais ou menos nessa época comentou-se que Oliver convidara o marquês de Hertford para um jantar privado de condolências após a morte do seu

primogênito, Zord Beauchamp — Cromwell sempre fora muito sensível a esse tipo de tristeza. Durante o jantar ele surpreendeu o visitante perguntando se

poderia dispor do benefício de um conselho, visto que não se sentia mais capaz

de arcar com o peso do governo. “Vós sois, meu senhor, um homem sábio, dono de grande experiência, conhecedor das questões de Estado, e vosso juízo seria muito útil” — supõe-se que ele teria dito algo assim. O marquês, contando cerca de setenta anos, amante e ex-noivo da infeliz Arbella Stuart, além de antigo amigo e conselheiro de Carlos I, julgou mais correto reafirmar sua leal-

dade ao rei. Pressionado, porém, afirmou que a única maneira de assegurar a continuidade do regime seria restaurar “nosso jovem líder, meu e de todos nós, atualmente no exterior”. Descrente da possibilidade do “jovem cavalheiro” jamais perdoá-lo, o Protetor alegou que isso seria ir longe demais.

*É interessante notar que Carlos II já tinha a reputação de dissoluto antes mesmo de subir ao trono: ele próprio escreveu à lord Taaffe, em 1659, queixando-se desses “tediosos comentários (...) que tanta honra me fazem junto a tão belas damas, como se eu fosse capaz de satisfazer a metade delas”. Deixando de lado a falta de modéstia do rei, interessava aos detentores do poder exagerar tais histórias, sublinhando sua inadequação ao trono, da mesma forma que as bebedeiras de Cromwell, suas doenças ou loucura constituíam um mote para os realistas.”

o”

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Dado o devido desconto à atmosfera pós-Restauração, quando ambas as histórias foram registradas, deve-se notar que todos os seus personagens têm uma participação honrosa no que se refere a Carlos II; juntas, elas tornam

plausível a imagem tradicional de Cromwell, preocupado com o rei não coroa-

do, exilado, mas — como Broghill diria a Burnet — “nu ma Posição muito mais legal do que qualquer outro”. Contudo, por maior que fosse a capacidade

de persuasão do conselheiro ou do marquês, é difícil acreditar que o Protetor estivesse pensando na hipótese de reconduzi-lo ao trono. Muito mais provav el. mente estaria interessado em averiguar o conceito que dele faziam —

Hertford, em particular: se aceitasse a coroa para Oliver, aquele extremado realista se converteria num poderoso aliado. Públicas e de natureza muito mais séria eram as razões que se acu mulavam nesse sentido e que poderiam muito bem ser traduzidas como a von tade de Deus, justo no momento em que Cromwell desempenhava um papel verdadeiramente real, tanto que o próprio Mazarino havia colocado: Qu'il prenne le titre de roi [Que ele assuma o título de rei]. A mais forte, propos ta por Broghill e outros, residia no apoio que as leis conferiam a um monarca é que nenhum “usurpador” jamais teria condições de reivindicar. O conceito de traição, facilmente aplicado à oposição que se erguesse diante de um soberano, não valeria muito no caso do Protetor. Aliados e realistas admitiam

esse argumento: o próprio Penruddock confessou que não se levantaria contra a coroa [de Oliver, por suposto, caso ele à tivesse], pois isso seria uma deslealdade. Ademais, servidores da corte não se sujeitariam a vinganças,

pois a lei e a legitimidade cobririam suas ações, ao contrário dos fun cioná-

rios do Protetorado, carentes de imunidades, O peso dessa controvérsia co-

incidiu com a agitação do Parlamento, a insatisfação do exército e a pro ble-

não surpreenderia seu pai.% Logo apó| s a iniciativa de Packe os &enerais procuraram o Protetor no dia 24 de fevereiro, queixando-se de que o Parlam ento rejeitara a lei da milícia. Se bemique desc ganado Com 'o trabalho da Câmara, ele respondeu desabrido: “O que quereis que eu faça? Não os selecionastes?» No seu caso, atitudes desse uilate eram sempre um mau sinal, Três A: “S dias mais tarde, quando uma centena . É =,

fai

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:

s89

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de oficiais foi visitá-lo em Whitehall, protestando contra as sugestões contidas na Humilde Petição, indignado, lembrou-os da antiga submissão que mantinham perante o monarca. Num longo discurso acusou seus superiores de não terem cumprido a missão para a qual haviam sido designados. Nas “três naões”, que deviam viver livres e em paz, “não garantiram as liberdades do povo

nem asseguraram a maioria parlamentar” — objetivo definido por eles próprios. Depois, valendo-se de uma metáfora que já utilizara, afirmou desdenhar tanto quanto eles “uma pena no chapéu”.?”” Mas a insinuação fora colocada claramente: de que forma o país poderia viver em paz, avançar no trabalho de Cristo e a nação estruturar-se da forma como todos certamente desejavam: Tais argumentos o conduziam inexoravelmente na direção do trono, muito mais do que românticos desejos de glória que ele tinha rejeitado ao longo de toda a sua carreira — queria o poder, não o título. Essas palavras convenceram muitos dos presentes; o coronel Howard, Ingoldsby e outros, entre os quais muitos irlan-

deses, reformularam suas posições. Então, durante o mês de março, a campanha pela coroa ganhou mais do que perdeu no cômputo geral. O antagonismo nucleou-se no exército, em torno de Lambert e Desborough. No mesmo dia do encontro com os oficiais Thurloe escreveu a Henry,

na Irlanda, alertando-o, em código, a respeito do risco das tropas se deixarem envolver “num distúrbio”. No entanto aquele resquício de oposição era pun-

triste o va revela , março de 4 de ord, Bradf am Willi o capitã do carta uma gente; contraste entre os novos partidários de Cromwell, antigos inimigos seus, e os velhos amigos que tanto o haviam ajudado nas fases mais críticas da guerra:

Meu senhor, aqueles que são pela coroa, temo que se tenha pouca experiência sobre eles; os outros, muitos deles, participaram de vossos grandes feitos (...). Me incluo entre os que ainda vos admiram, e muito desejam continuar a fazê-lo, depois de ter estado

convosco em Edgehill e Dunbar (...). Acredito que vossas experinuir e ências do poder de Deus, nesses dois lugares, deveriam dimi mudana dor aça ame e te tran frus a ness to ímpe o voss r dete mesmo

ça (...). Meu senhor, quando estávamos nas piores condições, vossas lágrimas e orações muito satisfizeram a muitos, a mim inclurio próp pelo das afa arr eng sido am tenh elas que sive. Confio Deus. Desejo que vossas atuais orientações, contrariando juramentos e compromissos, não provoquem

a explosão da fúria de

aDeus, nem quebrem OS frascos onde vossas lágrimas ainda perm necem (...)

ANTONIA

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Uma correspondência desse teor dificilmente deixaria de abalar o coração do

velho general. Nessa época George Fox fez uma de suas aparições e, comp ortando-se como uma Cassandra, discursou em St James's Park , repreendendo o Protetor e o advertindo sobre “aqueles que buscam dar-lhe uma coroa e po-

dem tirar-lhe a vida”: mais atenção merecia a coroa imortal.2 Expressando os pontos de vista dos pentamonarquistas, Anna Trapnel, a profetisa do norte, colocou em versos toda a sua previsível hostilidade: Espírito e Voz se juntaram em liga Contra Cromwell e sua Coroa

Mas confio que o Senhor Logo a destruirá (...)

Esses estertores podem ser ignorados. Por suposto, os argumentos de Bradford — cuja hora ainda não chegara — pesaram muito mais do que as arengas de Fox e os poemas de Anna Trapnel sobre Oliver Qu anto à oposição de Lambert no Parlamento, segundo Thurloe, ainda era for te mas pouco eficaz. “Grandes acontecimentos”, escreveu Mortland à Pell, “podem estar para ocorrer a qualquer momento,”2 Em 24 de março a Câmara dos Comuns foi palco de uma “ba talha parla-

mentar” em torno da primeira cláusula da Petição e Conselho, de Packe, justamente aquela que continha o convite a Cromwell para que aceitasse a coroa. Era convidado a aceitar o título e o posto de rei — antes de decidir acerca da

hereditariedade do cargo e a respeito do restab elecimento da Câmara dos Lordes. No dia seguinte aprovou-se a medida por 123 vs. 62, e o pobre Fleetwood — a vida inteira dedicada à oposição ao princípio monárquico —

não conseguiu conter as lágrimas quando proferiu sua longa catili nária; sem se amotinar, porém, ele limitou-se a uma lamentação. Cinco dias depois um grupo de oficiais comunicou a Oliver seu ponto de vis do a opinião

deles, o coronel Thomas Cooper

ta providencialista, e, expressan-

disse: “Não

se trata de uma polí-

tica qualquer, mas do cristianismo que nos imbui, pois, se ssbemo s que um homem não perde um fio de cabelo sequer independente mente da vontade divina, muito menos ocorrem fatos importantes, como as alterações que se passam 20

nível Co5 Bovermos, sem a interferência da suprema sabedoria de Deus.” Daí St

Epo Sã ds spcas “um per acne pl Sto to que em questões duvidosas Se mais seguro Vossa Alteza depender estr»eiPOS tamente da luz» 30

CROMWELL

591

No dia 31 de março, aparentemente em acatamento a tais ponderações, etes, Banqu dos Casa na ns Comu dos dente presi o eu receb ell Cromw oliver

em Whitehall: S. Exa. viera oferecer-lhe a coroa, oficialmente. Adjetivada de obcujo rso discu longo do mote o tuiu consti lho Conse e Humilde, a Petição jetivo era “recomendar o título de monarca (...) considerando que fora um rei o primeiro a trazer O cristianismo a esta ilha, e que o posto tinha sido avaliado e aprovado por nossos experientes ancestrais, que o acharam coerente com

às ável adapt mais algo de a tratav se que do deran consi e (...) dades liber «uas r Apesa . povo” do ra têmpe à e legal ura estrut à vel aceitá de além es, vigent leis disso tudo, a réplica de Oliver demonstrou uma clara indecisão. Ele incorporou os floreados cumprimentos, dizendo-se capaz de “entender que [a oferta] envolvia o rico tesouro do melhor povo do mundo, merecendo [o convite] sua maior reverência”, além de estimular nele um temor de Deus que ne-

nhum homem jamais possuíra. A seguir, entretanto, referiu-se ao “maior peso

já lançado sobre os ombros de um homem?”, afirmando precisar de um tempo

“ara deliberar e definir” como responder a uma questão tão importante. Em resumo: o Protetor queria “buscar um sinal de Deus e ouvir o [seu] coração”. A ver qual orientação proviria dessas duas poderosas fontes. Uma co-

missão ficou incumbida de discutir os detalhes com ele. Iniciadas em 3 de abril, as discussões enfocaram um aspecto fundamental: a oferta era indivisível, isto é, englobava o títúlo, o posto e os poderes a ele inerentes? Esperava uma resposta “categórica”: uma recusa parcial impli-

caria a rejeição total? Indicando o tumulto de sua indecisão, tais questões também sinalizavam seu genuíno sentimento antimonarquista: ser rei parecialhe odioso — “uma pluma espalhafatosa no chapéu da autoridade”. Haveria

alguma vantagem, sem dúvida, mas O ideal seria encontrar uma fórmula que preservasse apenas o cargo; como de hábito, ele não se expunha publicamen-

te, levantando sempre duas posições alternativas, testando o ponto de vista de seus oponentes e suas próprias posições. Segundo Henry Cromwell, porém, ele achava uma pena que as excelentes propostas do Parlamento tivessem que estar tão inseparavelmente vinculadas ao nome “rei”, ainda que “considerando tratar-se de algo mais adaptável às leis vigentes, além de aceitável à estru-

no pai, o a, Irland na te, distan se neces perma filho O a Embor etc. legal” tura

centro de tudo, continuava indeciso: em outro discurso à comissão, no dia 8 no de abril, o Protetor mostrou-se mais obscuro do que nunca, insistindo

tempo de que carecia à fim de solucionar “minhas dúvidas, escrúpulos e re-

ceios pessoais”.”

592

ANTONIA

FRASER

No dia 13 a comissão respondeu que a coroa não era apenas u M tít ulo, mas um encargo, e assim estaria interligada às leis fu ndamentais da nação, Paralelamente, e através dos bastidores, vinha o conselho dos Monarquistas, que Broghill traduzia ao dizer que “a lei desconhece um Pro tetor” e “o povo ama a monarquia”. Numa carta a Henry, Thurloe colocou a mesma coisa; “A

questão não é o título, mas o posto, reconhecido pelas leis e pelo povo, ciente dos direitos e deveres atribuídos a um sob erano. Qualquer outra coisa não passaria de uma improvisação, a ser alterada na primeira oportunidade »33

Oliver não rebateu aquela decisão preliminar, mas alegou que os argumentos da comissão não eram conclusivos. O Pa

rlamento podia perfeitamente criar outro título “conforme as leis” e mais eficaz. Ele mesmo forneceu as pis

tas sobre sua persistente indecisão ao dizer: “Trato convosco clara e fiel mente, acreditando que Deus não me abençoari a se por acaso viesse a assumir algo que os entristecesse por causa Justa e raz oável.” E mais uma vez enftizou seu pouco interesse pela coroa em si: “Não considero o assunto desnecessário, mas não gostaria: de perder vossa am izade devido a isso.” Quer dizer: abria mão de todas as glórias, mas aceita ria tudo que os homens de Deus

lhe atribuíssem. Queria estar absolutamente segu ro dos rumos que lhe apontava a Providência. À essa altura sua saúde condicio nou o desenvolvimento

do processo — indisposto, o Protetor viu- se obrigado a cancel ar diversas reuniões marcadas de antemão. Fossem as razões de seus achaques físicas ou psicossomáticas, O fato é que toda a atmosfera estava carregada de tensão. Assim, quando ele voltou a se encontrar com a comissão, em 20 de abril, apresentou-se semivestido, enrolado num manto e com um cachecol preto, desajeitadamente amarrado em torno do Pescoço. E só no dia seguinte pôde discutir o longo documento que prod

uzira, comentando diversos aspectos da Hu milde Petição. Lastimava, por exemplo, a omissão de tudo que se refe riss

e “à reforma dos costumes”, particularmente tendo em vista à corrupção da . » É juventude que viajava à França, “regressando de lá Cheia da licenciosidade típica daquele

for razoavelmente esperado de mim (...)3lo que sobretudo e mais que tudo 4 Mas quem poderia garantir que novos aspectos não lan Diante dos ansiosos parlamen de Whitehitalehlall prprosossesegu tares. à Penélop€ guia fiand O € desfia ndo suas tapeçarias. j

CROMWELL

593

Todo esse arrastado drama — durante o qual Oliver fumava sem parar —

manteve em suspense Londres e outros lugares muito mais distantes. Na cor-

respondência dos personagens envolvidos, que relatavam as marchas e contra-

marchas do Protetor, a história começou a assumir tonalidades de mistério.

No dia 16 de abril Morland escreveu a Pell: “Meu senhor ainda não aceitou

a coroa é dá respostas evasivas que nada desvendam. (...) Peço a Deus que o

abençoe; ninguém poderia merecer tal honraria mais do que ele.” Na mesma

data o embaixador francês mandou dizer a Mazarino que a aceitação era provável apesar da oficialidade hostil. No dia seguinte, mas em sentido oposto, o

enviado de Veneza revelou igual confiança: a perspectiva de “acordar algum cão adormecido o impede de colocar a coroa sobre sua cabeça”.* Em 21 de abril, quando da última entrevista insatisfatória com a comissão, Thurloe disse a Henry que seu pai os mantinha a todos pendurados na incerteza e certamente “enfrenta grandes dificuldades íntimas, embora claramente convocado a desempenhar uma missão, mais do que qualquer homem jamais o seria”. Entretanto, passados seis dias, sir Francis Russell, sogro de Henry Cromwell, sugeriu-lhe uma solução positiva para breve. Muito hábil, ele escreveu: “Desejo com isso [i.e., penso] despedir-me de V. Sa., pois minha próxima [carta] talvez seja endereçada ao duque de York. Vosso pai parece estar descendo das nuvens, prestes a assumir poderes reais.” Essa evidência merece alguma con-

sideração, conquanto a mente de sir Francis devesse acender-se ante as perspectivas do genro; parente € camarada de armas, ele fazia parte do círculo mais fechado de Whitehall e tivera um encontro com Oliver naquela manhã



“alguma discussão com vosso pai sobre esse importante assunto”, como

ele dissera; ele parecia “muito alegre, e seus pensamentos desanuviados” novamente cediam espaço mais uma vez ao romance de Frances e Rich.* Dois dias depois, entretanto, O pêndulo continuava a oscilar. Segundo

Thurloe, a reserva do Protetor era tanta que nem mesmo ele sentia-se capaz

de penetrar em seus pensamentos. No dia 30 de abril a correspondência entre

reque bem se , ado liz era gen se pen sus ao ção men a fazi da ain Morland e Pell

ferindo-se à expectativa de uma “súbita” solução. No 1º de maio, ao responácido ao ão raz deu ara Câm a ll, mwe Cro por s ada cit sus es stõ que ras out a der

que o Demôcomentário do coronel Hewson — “esse Parlamento é pior do

nio” — se bem que involuntariamente. De fato, conforme Bordeaux revelou a

Mazarino, Oliver mergulhara em dúvidas tão atrozes que certa noite, por

iace er pod não ndo rma afi , gos ami os com e a-s par cul des as; hor dez volta das

tar o trono, mas à meia-noite já mudara de idéia. No 5 de maio Thurloe es-

so4

ANTONIA

FRASER

creveu a Henry: “Só Deus e seu coração, que ainda não se defini

ram, sabem que resposta ele dará.” A melhor solução seria “entregar-se a De US € aceitar seus desígnios”.*

” Na mesma carta Thurloe menciona a contín ua oposição de Fleetwood e Lambert — que ameaçavam renunciar a seus comandos e Posições caso o

é, no começo de maio. Menosprezando o assunto, reiterando a metáfora da pluma no chapéu, o Protetor brincou e “fez chacot as” com os convidados, indagando: se “os adultos agradam as crianças entregando-lhes chocalhos para

que se divirtam”, por que ele não po deria assumir aquele reles símbolo do poder, po

sto que isso “daria prazer ao povo”? Era assim que a evolução de suas idéias transparecia. Os oficiais, no entant o, reagiram mal às brincadeiras, assegurando que “a questão tinha maior profun didade do que ele parecia estar se dando conta (...)”. Muitos dos que o incent ivavam eram partidários de Carlos Stuart, “que só almejavam a ruína do re gime — sua aceitação o acarretaria, inevitavelmente”.38 Oliver sentiu-se de sconsolado e acusou os antigos amigos de excessivamente rigorosos. Já se decidira pela aceitação. Nesse sentido de vemos acreditar no firme testemunho de Thurloe, segundo o qual no dia 6 de maio Cromwell assegu-

rou a ele e a diversas pessoas que tinha à inte nção de aquiescer. Some-se a isso à evidência fornecida por Whitelocke relativa à mesma comunicação que o Protetor fizera a vários membros de sua fa mília.” A sofredora comis-

são parlamentar foi convocada para avistar-se co m o Protetor, na Painted

»€

z nn algo que Ocorreu no “derradeiro instante ; astá-lo daquela direção. Com a decisão já

CROMWELL

s9s

somada, na quarta-feira, 6 de maio, Oliver resolveu dar um passeio em St se ele lá pois , ória hist da o curs o para vital foi e to hábi seu era ; James's Park e Desboood etw Fle t, ber Lam — ” ens hom s nde gra três “os encontrou com

rough. À não-coincidência é de pouca importância — sabedores de que no

ituEscr das os mag reis os qual tal a, coro a a tari acei etor dia seguinte o Prot que do do teú con o ue; parq o até ela estr sua ido segu ham ten eles ez ras, talv ex-camaseus e, edad seri r maio a Com . sivo deci se loureve lhe disseram, sim, se carcolo sem e a, coro a e tass acei que am rari tole não que -adas declararam

am. pav ocu que os post os s todo à iam iar unc ren nte sme ple sim em oposição,

Capi do o inh cam a r, Césa o Júli caso ria tece acon e ant elh sem Alguma coisa us, Brut de ato nvir triu pelo mas , inho adiv um por o dad tólio, não fosse sau iilum ódio epis O s. nçõe inte suas de do-o rtin adve nio, Antô Cassius é Marco er Oliv de te men da os bri som os plan os e hant bril e a nou de forma clar Cromwell.

noite, € a para ido sfer tran foi nal, mati s ante , ssão comi a com O encontro paros ndo Qua . anso desc bom um a maio de 7 dia o Protetor dedicou todo o aCâm a — l ehal Whit em s bido rece er sequ m fora não lamentares esbaforidos con ão iss com à ; — em ag ns me er lqu qua r ebe rec sem são ra suspendera a ses s dua a or eri sup era esp uma s Apó o. niã reu à r ece par com bem por u sidero pecionaria um ins e ond l loca do o inh cam a sala a pel sar pas no amvir horas,

o eir sag men um e s, -lo orá ign u ece Par te. sen pre de ho gan novo cavalo árabe,

há o and per “es ali, m are est de ão raz a e ças sen pre s sua he ousou lembrar-l erenc do ado orm inf o sid ter e diss ll mwe Cro se, dopan cul Des . muito tempo” ramento da sessão, não imaginando

que enviariam algum representante na-

s doi se qua os sad pas , 11h às o, mai de 8 ra, fei tasex na quele mesmo dia. Só de sir ial ofic ta pos pro à ta pos res uma eve obt o ent lam Par o meses e meio, o governo r umi ass a eri pod não ll] mwe Cro r ive [Ol “ele ke: Pac Christopher

com o título de rei”.

de poufim a s, ante o feit o tê-l ria deve que u ece onh rec Gentilmente, ele s nita infi com rou one me que , ara Câm da o par tempo e trabalho, “em benefíci os rad one am for s bro mem s cujo , ssão comi da o fíci bene em obrigações (...) e nos “me ias, inár aord extr ens tag van va nta ese apr osto prop me por mim”. O regi

nesses termos. o tá-l acei sto hone a seri não e ”, (...) lo títu ao eito resp no que diz não se lica trin a os ent sam pen seus ler de s É bem verdade que incapaze

, casa à esso regr De ra. espe à do fica a tinh nem to, men cia mitara ao pronun as intene sobr o-o and orm inf e, Prid nel coro O com u-se ntro enco Desborough

arou: decl o ferr de em hom le aque , tual habi r vigo seu Com . etor ções do Prot SH

1a

PRO

596

ANTONIA

FRASER

“Ele não o fará.” “Por quê? Como podereis impedi r?”, indagou Des

borough. “Faça-se uma petição e eu o impedirei”, disse Pride. Com a ajuda de Owen, antigo capelão de Cromwell, na Irlanda e na Escócia, e que discursara na aber tu. ra do Pa

rlamento em setembro, o documento foi redigido sem demo rã — real. mente havia áreas em que o sentimento republicano ainda estava Muito vivo. Assim, na manhã de sexta-feira, a Câmara dos Co muns se reuniria para debater se Oliver deveria aceitar a coroa contra à vont ade do exército. Ele próprio pediu a Fleetwood que conseguisse um adiamento da questão — emb ora chegando 15 minutos atrasado, ele teve sucesso.“ À noite, é claro, a petição deixara de ser necessária: a coroa fora recusada.

Apesar de todo o significado das atitudes as sumidas por Pride e Owen, elas só servem à especulação sobre o que po deri

a acontecer caso Oliver aceitasse a coroa, afrontando os desejos expressos do exército. Eles teriam força suficiente para obrigá-lo a reverter tal decisão? Naquele instante, isto é, na sexta-feir a, a ques

tão já era outra, e os resmungos dos oficiais , demonstrando sua irritação, não constituíam mais fator decisivo. Fora à Providência, que o guiara ou assombrara tantas vezes, que o levara à rejeição.

A reação geral foi de absoluta surpresa. Ma s Jephson, pelo menos, testemunhou

que os puritanos receberam o gesto do Protetor como um sinal dos céus. Filosoficamente, sir Francis Russell comentou o assunto com Henry Cromwell — ainda S. Sa. — garantindo que nem o próprio Oliver saberia dizer “o que se passa dentro de sua cabeça [o que prova] ser ele apenas um home

m, por isso que muitos de seus

am:

por crises, convictos da decisão que as-

ado, abandonando o excesso de tabaco €

mento “muito agradáve]” » Segundo sjy Francis. * Na rejeição da coroa e na morte de Carlos T ele ce

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597

o e, part ra out de or; ess suc seu ria ica ind ele or, tet Pro de Lor o com te men ene sol s uro fut s cujo , ado Est de ho sel Con do a cust à a, ari ent aum o ent lam poder do Par da membros estariam obrigados a um juramento de lealdade. Os preparativos uNat ho. jun de mês o e ant dur dos nha ami enc am for ra idu cerimônia de invest

taedi acr tos Mui as. anç mud am rer sof des lda lea € s çõe uta "almente algumas rep de l fina no ora emb , dos ica jud pre o saíd ham tin or tet Pro vam que os filhos do a com — ord Oxf de ade sid ver Uni da or reit o nad tor julho Richard se tivesse

perspectiva de suceder ao pai, seu futuro ainda era potencialmente brilhante. se Não . ora ced ven fora bém tam s nce Fra da ina erm det a Em certa medida ã irm sua de to rela o me for con ho, jun em e, real discutia mais um noivo procom , nto ame cas seu a es eçõ obj as r era sup do uin seg con ava est ela Mary, tih Ric de al mor a fibr de a falt à s nte ere ref ias tór his vando que as primeiras € ãs irm os, Tod s.* -lo ará sep m ria que que s ele aqu por s nham sido espalhada ldua gra que er, Oliv com or fav seu a r fala a par es ssõ pre amigos, receberam eseles e dad ver “Na po: tem era já y, Mar de a vist de to pon Do mente cedeu. ável.” ens imp a seri o ent pim rom o que ro out ao um s ado iço afe tavam tão nia — imô cer a do pan eci ant e, sab em qu — m ué ng ni a a nad se dis Frances não mui ou ant adi y Mar ry, Hen a o end rev Esc o. isã dec a pri pró antes de tomar sua o tud e os; ent cim nte aco dos o rum o ará dit hor Sen to pouco e acrescentou: «O

a r, iti adm s emo dev s poi r, fize e qu lo pe oe rd pe a que eu peço a Ele é que leetwood e F o, ad nh cu e o nr ge mo Co º .? ou rr pu em a isas [lentidão] das co

ll, mwe Cro de os ári tid par dos teia na s are lug s seu am Desborough reassumir

de de ida cer sin à — o çã va ro mp co uma a ári ess nec se fos se demonstrando — dos um nh Ne ll. mwe Cro de ime reg ao não e rei de ulo tít ao es eçõ suas obj selho. Con do s ro mb me aos ido uer req nto ame jur ao tou fur se dois

a do bin Exi em. ord a nov a sob ar lug um a Dos três, só Lambert não teri postos — s seu de mão iu abr nem nto ame jur o fez ferida, ele não

vaidade ando os Qu ha. pan cam de da ten sua a par e u-s iro ret s, ile Aqu o com aborrecido,

O — am rar ont enc se e ent alm fin os xim pró tão ado dois homens que haviam est

e ent tam jus a tad eba arr oa cor a era tiv que o é que esperava suceder ao outro teor da o be sou se ca nun —, ado ali te for s mai pelo que imaginava ser seu nas ape oso sej “de , iou unc ren t er mb La a del ois dep mas conversa que tiveram,

ce de razão ao sucare 1, nota 346, p. IH, vol. , lth wea mon Com the € ll mwe Cro *Guizot, em estar encaderde vez em , 1657 de ho jun de 23 de da data ser ria deve a cart esta gerir que ado, que ocornoiv no -se . Fala 1656 de ho jun de 23 V, vol. rs, e p a P e o l r nada entre os Thu

br.o de 1687. tuos ount emcime re acuonte

Pd

e

o entre os g e n t o n l e m a d a i s a m e d o ç a data de 1656 abre um esp

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FRASER

de uma vida sossegada em sua própria casa”. E, assim ele se retraiu, indo residir com Frances e os dez pimpolhos na agradável e espaçosa propriedade de

Wimbledon, antes pertencente à rainha Henrietta Maria. Lá, dedicado à jardinagem, introduziu o lírio de Guernsey na Inglaterra; também pintava qua. dros florais em geral — em épocas mais felizes diz-se que fez um retrat o de Oliver, e seu filho John, considerado “excelente desenhista”, herdou o talento do pai.“ Mas, na opinião de sir Francis Russell, apesar de todas essas diver-

sões parecia tristonho. Sem perder inteiramente o afeto que lhe votava e com-

preendendo o sério baque financeiro que sofrera — cerca de seis mil libras

anuais —, Cromwell concedeu-lhe uma renda de duas mil libras , retiradas de seus ganhos pessoais. Não pudera guardar, afinal, grande ressentiment con o tra quem tinha derrubado uma de suas perspectivas, sim, mas lembrando , no último minuto, aquilo que o capitão Bradford dissera em março: “Nã o sois mais do que um homem, senhor, que haverá de morrer e ser julgado.” No fim falou a voz de sua consciência. À investidura do Lorde Protetor teve tanta pompa e realeza que nela só faltou a pessoa do rei. A orientação quanto às roupagens, todavia, deu ensejo a algumas manifestações de cortesia na Câmara dos Comuns. Pois, quando um certo Lister fez objeção à idéia de acrescentar-se uma espada à indumentária que Cromwell usaria na cerimônia, baseando-se tão-somente no fato de Sua Alteza já usá-la habitualmente, e su geriu um 7obe [manto], alguns dos

presentes fingiram ter ouvido rope [corda], e prorromperam em gargalhadas.

Lister replicou ter falado tão claro quanto podia e censurou os colegas dizendo: “Devemos empossar um grande príncipe, um rei mesmo. (...) Cerimônias assim têm muito conteúdo, tal qual a casca preserva a castanha ou um a caixa,

a jóia rara. De fato posso imaginá-lo envolto num manto de honra.”*

Sem dúvida Lister se orgulharia da programação adotada. Pois na SeXta-feira, 26 de junho, a estranha cerimônia que transcorreu* no me smo Westminster Hall onde Carlos I fora Julgado há não mais do que oito anos, por tentar exercer poderes inferiores aos do Lorde Protet or, assemelhou-se tanto às coroações anteriores que não terá sido por mera coi ncidência. O

trono, por exemplo, “a cadeira da Escóci a”, veio de Westminster, e sob a gra nde

dou

fado.

o es rente

cercado por cortinas de veludo genovês, rosa €

Q sólio colocou-se uma mesa, e sobre ela uma Bíblia ]

f

st

o julgamento de Carlos I, não há nenhuma pla ria inglesa, a investidura do Lorde Protetor

,

É

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599

nprí o tr ou , V]I o rd ua Ed de ão aç ro co a om relevos dourados — lembrando

”. ço ci ma o ur “o de o tr ce um e al ni mo ri ce da pa es rante —, uma vede o nt ma um era a av ac st de se mais Segundo O Mercurius Politicus, o que os mp te e sd de as ur id st ve in nas do sa “u o, judo púrpura, forrado de arminh mme os s do to e ra ma Câ da te en id es pr O ra pa os nt - memoriais”.** Havia asse ores, dead ix ba em s do ém al , ty Ci da os ir he el bros do Parlamento, juízes e cons g.

in em Fl er iv Ol sir , as ni mô ri ce e-d vidamente convocados pelo mestre canar mb se de , rio lo pe io ve ll we om Cr er iv Ol Por volta das duas da tarde, na ro ti re e ev br um a o id uz nd co foi de on do nas escadarias do Parlamento, de o up gr um m co r, be am Ch d te in Pa na e, -s Câmara dos Lordes antes de reunir , es íz ju e do ta Es do os ri ná io nc fu , ho el de membros do Parlamento, seu cons las su áu cl as su e o çã ti Pe e ld mi Hu a e nt diante dos quais aprovou formalme ll Ha t ea Gr a0 am ar rn to re s re ta en am rl pa Os adicionais. Depois que o speaker e à Cam ra se pu se s do to , es rd Lo s do ra ma Câ [Grande Anfiteatro], e Oliver, à tros persoe ou ra me câ de s te an ud aj os m ia te en fr Na minho de Westminster. ms Ar of ng Ki oy rr No o e iv us cl in nagens de relevo, e a seguir os arautos, pa es a do an eg rr ca k, ic rw Wa de e nd co [arauto-mor], que caminhava antes do

e de da ci da da pa es a va va le s re nd Lo de da; fechando o cortejo, o prefeito idente es pr o , el ss do o b so u co lo co se ele e qu iver. Assim

atrás dele vinha Ol

o. tr ce o e da pa es a he -l do an eg tr en a, ur rp pú da Câmara cobriu-o com o manto or et ot Pr e rd Lo o —, os rm te os ar it ev l osamente — é difíci Então, majest

o-P do To us De de me no em € ça en es pr pronunciou o juramento solene: “Na cristã ão gi li re ra ei ad rd ve a ei er nd fe de e ei er nt ma

deroso, prometo e juro que s Santas na a id nt co á est me or nf co , za re pu a protestante reformada em toda a su da ci pa ca a nh mi da s te mi li Os até , to en am Escrituras do Velho e do Novo Test issão of pr a su o nd ja ra co en o, sã en re mp co € r de e com o máximo de meu pode stragi Ma o em pr Su mo co , te an di em je ho de fé e os que a professam. (...) De à r va er es pr e er nt ma ra pa e nc ca al u do dessas três nações, tudo farei ao me .” vo po do s io ég il iv pr € os it re di os st ju paz e a segurança, € OS íncipe, de

pr um mo co o ad rn do “a s, cu ti li Po s iu Assim, segundo o Mercur ouviu um ar, alt ao se ugi ri di ll we om Cr , e” ad id gn u mérito € di

acordo com se

de o id ar al O € , am av ud sa o e qu s ta be om sermão do sr. Manton, € o som de tr or!”

et ot Pr e rd Lo o e lv Sa s eu “D a: av it gr e pelo menos uma parte do povo qu rd lo de to ne um — ns je pa ês tr r po o Dali, seu manto púrpura carregad —,

o ur Tr de n so rt be Ro rz /o de o lh ve is ma Warwick, lord Sherwood e o filho m e seguiu rumo ao novo palácio de Yard, onde entrou na

rruage te en am ic , “r lo va ca u Se u. ag nt Mo e e , sl Li ke oc el it Wh d, ar ch companhia de Ri tomou

sua Ca

600

ANTONIA

FRASER

ajaezado”, era conduzido por John Claypole. No dia seguinte, Seguido de guarda-costas, arautos e membros do Conselho, ele compar eceu à City; rece.

bido em Temple Bar pelo prefeito a cavalo, togado e acompanhado de seus conselheiros, foi proclamado em Chancery Lane [divisão da Alta Corte de Justiça], no distrito de Cheapside e no Royal Exchange [Câmbio Oficial).

Com a entrega do cetro de Waller fez-se o que era concebível para insti. tuí-lo em seu último e magnífico posto — exceto coroá-lo. Adiada a sessão

do Parlamento, o Lorde Protetor e seu Conselho ficaram mais uma vez senhores absolutos do poder. Salvo a estreita marg em determinada pela consci. ência hum ana, teria sido uma autêntica festa real. Ma s de um jeito ou de ou-

tro, e levando em conta toda a história da Grã-Bretanha , ele não teria por que envergonhar-se daquele cargo. Sua ascensão ao tro no não fora perfeita, embora referenciada à Idade Média, Jocus de inúmeros precedentes históricos. Depois de alcançá-lo pela força das armas e tendo-o consolidado graças à sua personalidade, as ações de Cromwell poderiam com parar-se, pelo menos, às de Guilherme, o Conquistador, Stephen de Blois, Henrique IV, Ricardo III e, acima de todos, numa época não muito distante, Hen rique VII: todos haviam reinado após afastar pretendentes que tinham direitos mais claros do que os seus. E verdade que ao contrário deles Oliver não dispunha de uma gota

de sangue-azul. No entanto, na história da Ing laterra, muitas linhagens só foram acertadas ante fatos consumados e co

cessos em curso.*

m vistas à adequação de pro-

Ao longo dos últimos 12 meses que lhe restavam, até sua pró pria genealogia foi envolvida na constru

ção da prodigiosa imagem do Lorde Protetor. Em 1658 Thomas Pugh publicou British and Outland ish Prophecies [Profecias

da Inglaterra e de terras remo tas] para provar “linha direta da descendência de Sua Alteza aos antigos príncipes da Grã-Breta anha, deixando claro ser ele 0

conquistador tão anunciado (...)”, Embora se disses se que o idioma inglês era

ramo familiar que explicaria a força com que vencera o malvado Moyld Warp [Grande Torto] — figura lendária

sinistro, identificada a Ricardo II

“Ver J. H. Plumb, The De ath of the Past.

e de porte

CROMWELL

601

oelab a celt dor ira adm o outr e mort sua de ois Dep ”. fica pací ão ciaç asso ma ou UMa quantidade de anagramas, convertendo Cromwell em Rule welcom Roy, em inglês, ou Y Lleu Mor Cower, em galês [O verdadeiro leão]; e A Holily Elizabeth, em Be Comlier with Zeal [Cúmplice zelosa]; e Bettie, em

ful care main Go em y, Mar e si]; por ada nço abe e da gra nsa [Co e Peec Blest

bride [Noiva cuidadosa e diáfana].” Nessas fantasias tipicamente celtas, o

nde gra de sido ter ria pode que mito um usar de alho trab ao deu se nem r auto utilidade: a origem Stuart de Cromwell.

Portanto não há nenhum exagero ou desfaçatez em se supor que tais

vivesse ou a coro a e tass acei er Oliv caso s ada ass rap ult sido iam ter questões alde cida feli ima máx a com ado nço abe e foss , tudo de ma aci ou, po mais tem sóe e firm e, hant bril to êni mog pri um : stia dina uma de mejada pelo fundador frus na ria asta desg se II os Carl s quai os e ant dur ado, rein lido. Dez anos de , ócio do o idã ass dev e cent cres na nis juve gias ener o and sip dis tração do exílio, o, a itad reje o-a tend , Mas esa. ingl ória hist da o curs o ado mud talvez tivessem e seus ele ra cont e ou-s volt , á-lo fici bene ria pode que to, orna ico míst do aura

efiz que ra rei car a ndo era sid con , ico lóg e ent tam fei per to descendentes. O ges a era não a jói ela Aqu to. íri esp seu no das fun pro te tan bas zes ra, deitava raí

to pos , nge tra DEs er Rog sir ara gin ima me for con a, jav gu “estrela polar” que o res. ita mil dos e tud uie inq a lar tro con de o tratad e do cingi teria que então ele a . eça cab sua ria cob que céu no no dig s mai e nte lha bri s Havia algo ainda mai cinafas o nto qua do a sabi e o, á-l erv obs de xou dei ca nun John Milton, que morte, finalmensua de ois dep o, tic nís Ago são San a ã Sat de ias tór his as vam [O ed ain Reg se adi Par do o stã cri ói her nde gra te, decidiu-se a escrever sobre O de si messta qui con na a idi res mo oís her o eir dad ver (O 8 | do paraíso recupera

das se vasta afa e s aná Sat por do na mi do no rei o va usa rec mo — no Cristo que

. ude nit ple a ar anç alc a par e, -s do an ug bj su as, lic púb honrarias , ma fa da ho il br o o nã se , ia ór gl a é e Pois o qu

Que o povo sempre elogia ao elogiar a pureza

com isso. do da or nc co ia ter ll we om Cr a, ro co a Ao desdenhar

ESSAS BRR 22 Velho Oliver, novas idéias Mãos inexperientes aprenderão a lida, esquecendo o roubo

Incrédulas pernas irão à Igreja, novos joelhos se dobrarão POEMA SOBRE A RECUPERAÇÃO DE FENS

N

eriam ref se já os mig ini e gos ami o com ”, ver Oli lho “ve o 7 165 de ão o ver éass lo dup do nte dia eça cab a var cur a o çad for vez a um s a ele, foi mai

nto qua is cia ofi os nt me cu do nos to Tan de. saú de mas ble pro dos e de ida dio da

r ece par à u ço me co — É ER IV OL — a tur ina ass , sua res ula tic par tas car em

um ou de me fir ra let à com ste tra con te can mar m nu a, mid tre e ent vam positi

ien amb el dáv sau no sto ago de te par or mai a u ece man per Ele es. ant dois anos os, te de Hampton Court, buscando recuperar-se; sofrendo de dolorosos catarr

um laço esam evi ant os ári ent com Os s. nai ici med as águ nas vio alí ava procur ava est são San es: ent rec s mai ias ênc eri exp as € za que fra a nov sua re ent treito do exérciis cia ofi [os ila Dal que ria que não te men rta “ce e ça for a perdendo

-dee u-s tro mos ll, mwe Cro d har Ric a o end rev esc ho, jun Em e”. to] a destruíss

algo primido, dizendo que “a paz pública é desprezada e posta de lado como

edo sab a ) (... ar gul ran est de o lux ao -se dar em pod s soa pes as irrelevante que

da nova za nde gra A ”.! nou ndo aba nos io, cre e, hã man da s asa ria subiu nas

tentativas de es ent rec s mai das so cas fra O ir obr enc investidura não conseguia

tinha-se precariaman o ern gov O al. ion tuc sti con ura rut est dar ao país uma

e envelhecido. nte doe m me ho um de l soa pes e dad ori aut na e bas com mente,

eresNo entanto, apesar de todo o ar de tristeza que o assombrava, seu int

e mees ent rec s mai das ado cur des ha tin ele nem a, cer ore esm não co se políti o um ticulosas experiências sociais e administrativas que dariam ao Interregn

604

ANTONIA

FRASER

caráter único e produtivo. Muitas das idéias brotadas nessa época tão fértil acabaram pisoteadas pela Restauração, deixando traços muitas vezes difíceis de discernir e analisar com segurança. No entanto o mero fato de terem flo.

rescido, ainda que a dois ou três séculos de sua completa fruição — algumas continuam irrealizadas até o presente —, demonstra que o momento e ra

pício, pelo menos teoricamente, a novas soluções para velhos problemas,

pro-

À educação, por exemplo, objeto do natural interesse dos puritanos, preo-

cupou especialmente dois imigrantes — Samuel Hartlib e John Dury —, verdadeiros peritos no assunto e muito influentes no círculo do Protetor.

Hartlib, nascido em Helbing, na fronteira entre a Prússia e a Polônia, mudara-se para Londres em 1630; “honesto e instruído”, segundo seu comp atriota Dury, ele dava realce ao “conhecimento útil” e em 1641 publicou um livro chamado Macaria, reino ideal cuja riqueza, sabiamente cultivada, fora perfeitamente distribuída e onde a educação incumbiria ao Estado. Dury, filho de um pastor escocês exilado, desembarcara na Inglaterra depois de pereg rinar pela Europa, motivado pela idéia de uma União Protestante? Muito impressionados com os planos de Comenius para sintetizar a ciên-

cia universal, eles insistiram que o Parlamento Longo promovesse sua vinda à Inglaterra em 1641. Ambos acreditavam que o Estado ideal dependeria da

criação de colégios e escolas técnicas e apresentaram propostas nesse sentido ao Parlamento Barebones. Partindo da alfabetização, o ensino humanístico ministraria lições de matemática, geografia, história, lógica e os rudimentos da lei; mais tarde os alunos dariam prosseguimento aos estudos atrav és de um

treinamento vocacional. Graças a esse programa duplo, a população inglesa logo se destacaria do resto do mundo. Idéias similares proliferavam: William Petty propugnava por “estabelecimentos onde as crianças pobres aprendessem o trabalho literário”;

William Dell exigia a criação de universidades públicas em Londres, York, Bristol, Exeter, Norwich etc. Cresciam O interesse e a crença nos atributos da ciência, alcançando todos os extratos da sociedade pensante. George Fox

sugeriu que análises laboratoriais poderiam estabelecer se o pão € O vinho transubstanciavam-se ou não no corpo e no sangue de Cristo. O Jeveller

Gerard Winstanley pleiteava que aulas sobre ci ências naturais substituíssem os sermões dominicais,

enquanto seu confrade Richard Overton defendia

um método científico capaz de testar a imortalidade da alma.? O físico

CROMWELL

que

for

605

a indicado auxiliar da reitoria da Universidade de Oxford — na

a r a , , a 5 o p 5 ã 6 ç 1 m e a e t e n m o e a a n m u i l s v e e v d a v o r r p e gestão de Oliv —, l a u t . n r o e t v a e E i t c o n r P ê o u d l e f g n e m i l à a l h o s C cátedra de Física no Gre

mente, todo o esforço de Hartlib e Dury no sentido de integrar a ciência ao

o sistema geral de ensino foi anulado por posições diametralmente opostas: o and olh só ez Talv s.* uro mad mais os dios estu a nas ape eito resp a tema dizi

cinto ime hec con o que r dize -ia r-se pode ro, futu no e, long te men ada asi dem

tocratas. aris os pouc de lho orgu o se donan tor , povo ao ado neg foi entífico

Naquela época tais idéias compunham o clima intelectual. enevid ado etor Prot o nte dura ntes vige ais ion cac edu tos men ula Os reg ersi univ e las esco Nas * nto. assu O com ão paç ocu pre nte iste pers ciam uma deque as regr As s. açõe stig inve ras seve a e am-s itav suje es tant dades os visi e ent alm igu das váli — sos alo and esc s tore dire de ão uls exp a m ava termin o muit se vatra ons Dem e. ent uam tin con s cada apli m era — ores para os past voequi as idéi m ava ulg div que dos la tute da ns jove os ar livr em mo sias entu cadas ou viviam na imoralidade, praticando o adultério, marcando presença constante nas cervejarias ou simplesmente tolerando que seus pupilos agissem dessa forma. Em junho de 1657 a lei que introduzira essas determinações foi nos prorrogada por mais três anos, e sugeriu-se uma “renovada diligência” condas ança cobr a a ciav igen negl não rno gove o o temp mo expurgos. Ao mes s. tore dire seus de e las esco das o nçã ute man à as inad dest ras ncei fina es uiçõ trib e pesquires esso prof s, tore dire dos rios salá os 1657 de o junh em nto No enta

sadores universitários em Eton, Westminster e quaisquer das escolas indepenGuerra dentes ficaram isentos dos impostos especiais criados com vistas à lib Hart de as idéi das de lida tota a ica prát em o pond não Espanhola. Mesmo s. ela a vel orá fav se vasta ife man do ora tet Pro do o rn ve e Dury, o go feitaper se qua e -s do an ix ca en , ver Oli o pri pró o m ara nci lue inf s Mais: ela s de bons avé atr mo tis tan tes pro do ção ina sem dis de s nça era esp s sua em te men

a instituição de alum de o jet pro O har cun ras a gou che ele vez ta Cer es. tor pas te conan di me rd fo Ox a em ari tal ins se que — l Hal 's ry Ma St — s udo tos est

tribuições voluntárias; O estabelecimento pagaria mil libras a dez homens incristã ão igi rel ra ei ad rd ve da al ger se nop “si a um ir uz od pr de os cumbid r iga am abr ri de po se lá so, dis ém ”. Al de da ni mu co sa nes da protestante reforma osos, estrangeiros e nascidos no exterior, udi est e res pob es t tan tes pro “pastores “Ver

scholastic curriculum, Charles Webster, Science and the challenge to the

Society» n o i t a c u d E of y r o t s Hi

1640-1660.

606

ANTONIA

FRASER

dedicados principalmente ao estudo da Divindade”. Afora as exigências da fé em escala mundial, o Protetor também procurou atender a carências Internas:

sugeriu-se que seu apoio a um colégio em Durham, semelhante ao Trin ity College de Dublin, enraizava-se no seu desejo de propiciar aos interes sado s a melhor formação clerical possível. A idéia de criar um centro educacional no norte do país não era nenhum a novidade. Nos anos de 1640 e 1647 circularam petições a favor de universidades em Manchester e em York, respectivamente. Em abril de 165 0, considerando as terras e o volume das rendas dos deães e membros do cabido da Catedral de Durham, mais do que suficientes como suporte financeiro para uma instituição de alto nível, os cavalheiros, proprietários indepe ndentes e habitantes da cidade encaminharam ao Parlamento uma petição a resp eito; em março do ano seguinte, de passagem por Edimburgo, Oliver intercede u a seu favor. Numa carta ao presidente da Câmara ele criticou indiretament e os pastores da região: “Em verdade, parece-me um tema preocupante e de grande importância (...) com a bênção de Deus, há de permitir a promoç ão do

aprendizado e da piedade nesses lugares tão pobres e ignorantes.” E, atento

às necessidades do resto do país, acrescentou: “Entre outras vantagens, esse

sítio tem uma localização agradável e adequada, ar saudável e abundância de provisões, o que corrobora as reivindicações expostas.” Desenvolver o projeto

seria “conforme aos atuais desígnios de Deus”, além de significar um plantio

de frutos enormes e gloriosos.

Todavia diversas pressões impediram a concretização do colégio de Durham até a primavera de 165 6, ocasião em que Lilburne escr eveu a Thurloe, acentuando a vantagem adicional de aceitar uma nova petição referente ao assunto — ganhar-se-ia uma “afeição do norte”. Naquela época O

governo precisava mesmo de toda a lealdade que pudesse obter, e incrementar

a fama de Oliver não era mau negócio. Finalmente, em maio de 1657, saíram as autorizações relativas aos pedidos de Durham, Newcastle e Northumberland. E importante observar,

607

CROMWELL

sua nder este va visa , anto port ço, avan O rar. reti se dele s ante es mes dois último,

nfluência ao norte do país. Assim, O Colégio de Durham se integraria num processo de fortalecimento religioso e governamental. Os círculos do poder res esso prof dos Um nte. doce o corp ro futu no s ado ent res rep m ava est ém «mb ceria o matemático Robert Wood, membro do Lincoln College, de Oxford, que

srabalhara com Henry Cromwell na Irlanda e tinha o patrocínio de lady

Ranelagh, a quem escreveu modestamente surpreso: “Devo ter sido chamado

pela Providência, posto que não interferi em nada, do início ao fim.”

Discípulo de William Oughtred, ele defendera um coerente sistema deci-

mal baseado nos logaritmos e que deveria ser aplicado às moedas em circula-

ção; intitulando-o “dez por um”, argumentava que os comerciantes logo descobririam na contabilidade matemática “uma agradável recreação”. Assim, sugeria que a libra fosse a unidade principal, subdividida em décimos ou cen-

tésimos, os twopence,* cunhados com a efígie de Oliver. Em março de 1656 Hartlib estendeu seu patrocínio a Wood, organizando um debate informal acerca do assunto. Suas idéias repercutiram bem em Oxford, e ele manteve contatos com William Petty e Benjamin Worsley, secretário do Conselho de Comércio da Comunidade. A associação de Wood e Durham, entretanto, comprovou-se menos feliz

do que o esperado: apesar do entusiasmo inicial, o matemático jamais se aventurou nessa viagem ao norte. O problema da distância existia realmente,

mas teria sido superado caso a instituição durasse mais tempo. Desde o iní-

cio, porém, o college esbarrou na oposição de dois grupos. Os quacres enfureceram-se ante a perspectiva de um centro de formação clerical ajustado à vontade do governo e em consequência desencadearam uma campanha contra seus funcionários e diretores, acusando de fariseus “os filhos de homens pobres” que “montados em seu orgulho [usavam] anéis, meias brancas acima das botas, fitas e adereços de ouro”. George Fox fez uma visita ao local e saiu de lá dizendo que estivera na Torre de Babel: enquanto “Pedro e João pregavam a palavra de Jesus, mesmo sendo analfabetos”, os novos pastores deveEin O im. lat riam aprender hebraico, grego e :

sigApesar de tudo, as manifestações de contrariedade dos quacres não

nificavam nenhum desastre. Muito mais séria foi a hostilidade das antigas O

“Esse sistema é incrivelmente semelhante ao que o governo

depois, em 1971.

britânico adotou

três séculos

608

ANTONIA

FKRASER

universidades, particularmente à medida que cresciam as atr ibuições de Durham — certamente a permissão para conceder graduações elevaria seu Status e só não se efetivou devido à morte do Protetor. Contudo + MEsmo

antes disso, Oxford já se posicionara contra a medida, alegando que a multi. plic

ação de universidades “destruiria completament e seus principais objeti. vos?. Os responsáveis pela nova instituição pe ticionaram em Vão, implorando a Richard Cromwell que os visse como uma criança indefesa, vestida com camisinhas de pagão. O bebê acabou sendo asfixiado,* embora sua curta vida tenha comprovado a validade da s concepções experimentais de Hart lib

e Dury. No que diz respeito às finanças, o quadro era outro. Ali as idéias se concretizavam menos por inspiração dos teór icos do que como resultado dos impasses governamentais diante de velhos prob lemas. Tanto quanto Carlos I, Cromwell não conseguira superar as exigências da defesa e da política externa — manter a Inglaterra segura e torná-la poderosa — e ao mesmo tempo

reduzir os impostos — manter o povo feliz e torn á-lo próspero. Soluções ideais ou simples talvez nem existissem naquela época e em tempos posteriores.

Vivia-se um período de transição — de um rei medieval que consumia “seus próprios recursos” para uma tributaç ão sob controle parlamentar — agravado pelo desastre da guerra civil. É claro que algumas atitudes de Cr omwell também acarretaram problemas. “Ele não era um homem de finanças”, assegura um historiador; no entanto os opositores criticavam suas fria s relações com alguns comer-

ciantes e a City. Não havendo bancos — no sentido moderno —, esse tipo de gente monopolizava as negociaçõe s dos empréstimos tão necessários, € o fato deles terem sido recusa

ntinente, enquanto as tropas

a detinham seus partidários

internamente. o

en

da

de

7

1950 uma

EISpOSta de Festaurá-lo com o nome de Cromwell College fo!

,

CROMWELL

609

Cromwell — de ra ncei fina ica polít da lhes deta os utem disc se hoje Ainda

to amen Parl o que os, râne empo cont seus o com m assi os entendidos discordam,

po, ível scut indi É * não. ou ória sfat sati ação situ uma do lega Longo lhe tenha

sob co, críti te men ica nom eco o ent mom num rno gove o miu assu ele -ém, que

r lisa para a endo tend lado, o outr Por a. ndes Hola ra Guer da tos efei os pesados

não s, isco conf dos o ltad resu s, terra de a vend a , vida o capital de forma inde expedis novo ra undi conf já civil ra guer a s Ante país. servia à recuperação do vas mati esti as ais Adem caos. ro adei verd um ndo gera entes e antigos tributos, o outr e cia Escó na cito exér um de o nçã ute man a e de arrecadação falharam, cofora não cia, Escó a com o Uniã da l iona adic na Irlanda, aliada ao custo ês, ingl rcio comé 0 ito suje va esta que a es laçõ berta. Restavam ainda as osci ass asma fant esses s Todo l. enta rnam gove tica polí nem sempre causadas pela de a ranç espe a com , 1654 em , etor Prot ara torn sombravam o homem que se

prodas es iaçõ aval res pula impo as zir redu e s atender aos reclamos populare

. taxas das r valo o vam ina erm det mês, a mês que, priedades

em fax Fair de cito exér pelo ente ialm inic cada Essa metodologia, apli na e bas m Co r. la pu po im nte ame alt va ati str ini adm ura 1645, gerara uma estrut des , ido dev o ost imp o -se ava cul cal , am av up oc a que dos ro terra e no núme as das léi emb ass nas to rci exé do os eir our tes aos o pag a for já que contado o

mas , rio etá mon or val um r fixa a par te men til inu se ouorç esf y guildas. Whalle

ditar regras €, a m ra ça me co o our Tes do os ári iss com os ão zaç ili com a desmob

a de 120 urd abs cia gên exi uma se eulec abe est l, civi rra gue da fim do a partir por parte da to tan s ixa que de ume vol o e end pre sur não s: sai men ras lib mil

uass ll mwe Cro so dis e tud vir Em 4. 165 de o população quanto do Parlament

apat um até pas eta s dua em a nti qua a ess r uzi red de e dad ili sab pon res miu a

e às os tod de ejo des ao ia nd po es rr co o isã dec Tal . ras lib mar de sessenta mil or tet Pro o u go ri ob só o eir anc fin ta vis de to pon do Suas próprias crenças, mas a ir em busca de outras fontes. mas os imposia, rânc tole or mai lhe iafer con ana adu O uso ancestral da

eri Sug s. ado est det e ent lam amp m era rra gue a com o gid sur ham tin tos que m zia tra s, lado os os amb por os çad lan ão ent de des € , 1643 em dos por Pym país no s ido duz pro s ben os os tod e sobr ndo idi inc de, eda ari itr arb a marca da “Ver Maurice Ashley, Financial and Commercial Policy under the Protectorate, para uma defe-

during sa de Cromwell; H. J. Habbakuk, Public Finance and the Sale of Confiscated Property desde the Interregnum, sobre a insegurança financeira que acompanhou o regime de Cromwell

a sua origem, causada principalmente pela falta de empréstimos e levando em consideração que o Parlamento Longo não estava solvente no momento da dissolução. se

»

610

ANTONIA

FRASER

e desembarcados nos portos, somando-se portanto ao imposto Considerado parte da dieta básica, o pão estava isento, mas de importação, O mesmo não

acontecia aos diversos tipos de cerveja, o que provoc ava altas d é Preços e não raro distúrbios. Finalmente descob

riu-se uma fórmula mais v antajosa: ven. dendo por uma quantia prefixada os tributos que recairiam sobre determinado tipo de produto, o governo obtinha o dinhei ro de que tanto carecia. No futuro, se

o comprador conseguisse mais do que havia pago, embolsava a diferença. Os recibos

provam que os fazendeiros auferiram lucros fabulosos; no entanto o governo insistiu nas negociações, pois assi m arrecadava mais. Dessa forma

Martin Noell transformou-se num açambarcad or de vários produtos e dono de muitas empres

as. Ele pagou pelo “contrato do sal” cerca de vinte mil a trinta mil libras anuais; e pelo dos tecidos, sedas e linha, 56 mil libras anuais, Em 1657 assinou um contrato múltiplo de ci nco anos, co brindo diversos produtos diferentes. Além disso serviu como agen te de Thurloe — que precisava controlar o sistema postal a fim de obter info rmações!! — alugando cavalos aos mensageiros e coletando as tarifas; criados durante o reinado de Carlos I, Os correios cobravam dois gence para perc orrer cada 130 quilômetros. Contudo os dados citados pelo dr. Ashley revela m um grande e constante desequilíbrio orçamentário ao longo de todo o Protetorado — a despesa superando largamente a receita, que nunca alcançava dois milhões de libras. No ano da morte de Cromwell à diferença se mantin ha em 1,5 milhão. Por issoé que a venda dos direitos aduaneiros e trib utários em geral era tão atrativa,

sem falar de outros empréstimos disfarçados — debêntures referentes aos salários dos soldados, por exemplo, e títulos de “fé públ ica” —, além de crédi-

tos concedidos pela City e, pessoalmente, por Noel l e um colega seu, Vyner. Diz-se que as maneiras pouco calorosas de Oli ver com esses homens — € com os judeus também — decorreriam da sua reação gelada ante os problemas que o angustiavam.! E verdade que em 1657 a Humilde Petição concedera-lhe uma receita de 1,3 milhão de libras sobre os negócios da Coroa. Houve pr oblemas entretan-

Re

Valores da melhor maneira que pudemos (. iz Ju o ss vo Júri, o Pequeno Júri e o fora ela do an qu 56 16 em o es pr va ta es — lei da s vo sofrer os efeitos retroati xo, do ra pa um o ad er id ns co a sej ez lv ta o iss a or mb aprovada. E acrescentou: “E rte

co da te en id es pr o o vã Em ” o. et bm su me não posso trair aquilo a que não jus à am ri va ro mp co te en am rt ce e qu s na vi di citou a quantidade de providências se es nt ta es ot pr es ss re te in os s do to de ia ser tiça do governo de Cromwell: o que fa a su de o ri tó no o sm pi pa O ? pai do o on Carlos Stuart tivesse recuperado o tr conou ix de se o nã u ré o s Ma il. civ ra er gu de e mília seria uma ameaça constant e indo de enco ui rq ná mo o pi cí in pr ao ca ti ná fa de da al le vencer, mantendo uma

s. so ro me nu tão os tr ou r po a id ib ex a el ut ca à ro nt co

para os rç fo es Os —, am er lv so ab nt au rd Condenados à morte — a Mo da aos ca li ap l na io ic ad tr na pe o, çã ra ce is ev a su ar it salvá-los só conseguiram ev ndo gu se , ry Ma s. ele r po u di pe le po ay Cl ie traidores — ao que parece, Bett u ve ol nv se de do ri ma o to an qu en , tt we He Clarendon, suplicou pela vida de a ou eg ch l sa ca o : by gs in Sl ar up po de a iv at complicados estratagemas Ná tent eAp .” ir rv te in a ri de po o nã no ri za Ma dirigir-se a Bordeaux, perguntando Se le to in a ri se : as ad rt co s ça be ca as m ra ve ti by gs in sar dos pedidos, Hewett e Sl sdi s Do a. id mp ro e nt me ne pu im e ss fo rável que a autoridade governamental am versões

ar st re só o ls fa da ca no am ar ci un on pr es iz el nf cursos que os dois

o recémo, ud nt co , ar pl em ex to en am lg ju e ss de maldosas e confusas. Depois iss po e as ci ên id ev de ta fal À r. ce re pa criado Tribunal Superior tendeu a desa absolviam ar ab ac os ad us ac os rs ve di o, rn ve velmente com à conivência do go s até õe ss se u as de su en sp e su rt , co ou à rr ce en a se st li do a an qu o, lh ju dos; em novembro.

Ss

642

ANTONIA

FRASER

Foi uma estação de indicações acerca do que viria a acontecer, exceto que nem todos estavam em condições de interpretá-las corretamente. Na mes ma

ocasião em que um navio recebeu o nome de Richard, os cavalos que puxavam a carruagem que conduzia Cromwell fugiram ao controle e a destroça ram. Ninguém saiu ferido exceto o filho do Protetor, que ia a seu lado e se machu-

cou com certa gravidade. No dia 5 de junho, após “muitas toninhas terem sido vistas erguendo-se das águas”, uma jovem baleia apareceu no Tâmisa, perto de

Greenwich. O acontecimento fora causado por uma tempestade e pelos gelos do inverno: “depois de soltar um terrível gemido”, o cetáceo ficou preso na margem do rio e morreu. Suas dimensões maravilharam John Evelyn: a rorqual tinha quase 19 metros de comprimento, a pele negra “como o couro de uma carruagem” e uma boca tão imensa que vários homens poderiam permanecer de pé dentro dela. Conquanto após a morte de Oliver a queda daquele leviatã fosse vista como um sinal evidente do fim de um grande homem — Dryden cantou-o em versos —, cabe registrar que a reação popular imediata não levou isso em conta. Para Carrington, o surgimento e a perda da “rainha do mar” denotavam a extensão do poder absoluto de Cromwell sobre o mar inclusivei! — os dois vultos colossais haviam se homenageado mutuamente. Assim transcorreu o último verão. No dia 10 de julho Oliver resolveu descansar por uns tempos em Hampton Court, e a partir daí o Conselho reu-

niu-se às terças-feiras em Londres e às quintas-feiras no campo. De fato pou-

ca coisa o prendia à cidade. As visitas de Mancini e do duque de Crequi rea-

lizaram-se muito bem sob os auspícios de Fauconberg. Hospedados em

Brooke House, eles safam sob um dossel para caçadas ou graciosas recep-

ções, prodigalizando floridos cumprimentos, tipicamente franceses, a todos Os

membros da família Cromwell. A pedido do Protetor, o mestre-de-cerimônias

contatava os distintos emissários diariamente, assegurando-se de que tudo es-

tava de acordo com a vontade dos hóspedes. Mais tarde Fauconberg confessou-se exausto, sem ter podido sequer escrever algumas linhas de atenção aos dois monsieurs.! Mas havia algo que tisnava o estado de espírito da família, apesar de toda a

graciosa vida social que levavam e do brilho que os Fauconberg continuavam a ostentar. Em julho, atendendo ao direito su posto e reivindicado por Cromwell com aquela aliança, o casal empreendeu um a esplêndida viagem à região norte, berço do visconde. No entanto a mort e rondava o círculo mais íntimo de Oliver, assestando sua mira sobre alguns dos seus entes mais quertverdadeira obsessão.

Thurloe, de

CROMWELL

643

u ece fal k ic rw Wa de e nd co o s, ada déc s trê de o doença na primavera. Velho amig pouco depois da abertura da Segunda Câmara. No mês anterior Oliver

Claypole, o bebê de Bettie, morreu com um ano de idade; naturalmente a o cond gu se — es dor de ia che to, lei -a ao do in uz nd , co -a ou et af ho fil do morte . tt we He de ão uç ec ex à do vi de s da ba er ac ex s, mentário ie tt Be e br po da s to en im fr so s do o ic ór st hi Atualmente O considerável

ca épo Na go. ôma est do ou ro úte do — cer cân mo co o ad ic st no pode ser diag

inma te os ap m “u por as ad us ca am er s nia ago s sua que o dr. Bate supunha úlcera de ro ad qu um via cre des h at He to an qu s”, en terno, na área dos quadri a; os rv ne e nt me ar ul ic rt pa a av ix de a e l ua tr ns me xo flu intestinal, que retinha o

o en qu pe O la. tátra am bi sa o nã s co di mé os Clarendon confirmou que or, tet Pro do a ur id st ve in da is po de o uc po , 57 16 Oliver nascera em ju nho de s da bo às eu ec ar mp co ela ro mb ve no em to, par o e aparentemente exaurida pel upo ul sc de 58 16 de o nh ju Em . to en im at ab l das irmãs num estado de visíve e qu o nh pu o ri óp pr de do en ev cr es — y nr He de se com à cunhada — esposa act pe ex na t ur Co n to mp Ha a u vo le à pai O “ “sentia-se incapaz de tudo”. essa nd co a : la áor lh me ra pa em ss uí ib tr con es tiva de que os ares campestr tinham ge id br rn Tu de s nai ici med as águ as que do Devonshire assegurava iam ar ud aj e te, por o en qu pe de oas s pes em e nt me al ci efeito milagroso, espe padecios s ma , sim , ada est da e -s ou it ve ro ap sua recuperação. O Protetor mentos de Bettie só aumentaram.

— os net dos a hi an mp co a tar fru des de pô Ocupando três quartos, Cromwell ça en es pr da ja se de tão a e — ô av lo pe Martha herdara da mãe o afeto especial o tr ou , ry bu er nt Ca de o sp bi ce ar go ti an ao a ir rv da filha. Um dos cômodos já se

mas; ar de a sal da e rt pa do si a nh ti ro ei rc se abria para a quadra de tênis, e o te ória de st hi a a av nt co s ai qu s da a um , as rs pe é as rc decorados com tapeçarias tu de tafetá os rt be co os nc ba € s na ro lt po , as ir de ca a vi Rolando e Angelina, neles ha

o çã la re à e nt me te en ng pu se uri fe re l el azul-celeste e seda bordada a ouro. Marv intensa que os ligava:

s ta re sc di es as fr do an ci un on pr e e nt me na re se (...) Sorrindo

ondida... esc ma al sua m co ta vol da ca à e -s va ra Ela encont

) .. (. ra ra ar am o in st de O e qu Refazendo aquele nó s, ei áv ad gr à s ra ho a av lh ti ar mp co e Com ela, a cada dia, el rinho: Seu aspecto calmo, seu crescente ca agarr

ianças cr as a vi o, av de a ri Com a aleg

s. ho el jo us se e br so ou e, mã da Ao pescoço

644

ANTONIA

FRASER

Mesmo tão distantes no tempo, podemos entender isso. Dotada da “eno r-

me afabilidade e bondade dos humildes” e agindo “naturalmente como uma princesa”, Bettie possuía uma natureza extrovertida e doce, um calor natural, que combinava “elevação espiritual e dignidade, como se fora gerada [mes-

mo| por uma semente da realeza”. Indo além dos mais próximos e mais queridos, sua graça e sua vivacidade associavam-se a um atraente traço de com-

paixão, abrangendo todos os sofredores. Talvez fossem essas dores que desde cedo a atormentassem intermitentemente — tinha então 29 anos —, transformando-a de uma jovem obstinada, cujas “vaidades carnais” haviam suscitado a preocupação paterna, numa pessoa piedosa ante os padecimentos da humanidade. Mocinha, ela dera margem a boatos acerca da arrogância com que se dirigia a mulheres de nível inferior, mas “em anos mais maduros sua virtude cresceu”, disse Marvell ; em 1659, na biografia do Protetor, Carrington escreveu sobre seu desejo de interceder em favor de outros: “Quantos prisioneiros não conseguiu libertar? Quantos condenados não salvou da morte? (...) Ela rezava e chorava, implorando que se poupassem aqueles homens designados pela má sorte ao sofrimento.” Assim, incapaz de recusar-lhe qualquer coisa, Oliver deixaria “a espada cair, utilizando-se dos braços apenas para erguê-la, posto que se ajoelhara a seus pés a fim de secar seus olhos e abraçá-la”. Toland, na biografia de Harrington, pintou um quadro similar, mencionando seu empenho na libertação de sir John Southcote, culpado de visitar a amada às escondidas.” Bettie, a favorita da corte do Protetor, foi uma dessas pessoas especiais, influente, mas cheia de simplicidade e desejo de amparar os necessitados. Não surpreende que depois de morta tenha recebido obituários favoráveis tanto de amigos quanto de inimigos. Mas Cromwell não poderia fugir ao corolário de toda grande relação de amor — a perspectiva dos sofrimentos do ente amado e a sombra permanente de

sua perda. O mês de julho de 1658 foi quente e seco, contrastando com o frio cortante do inverno anterior. A infeliz retorceu-se em agonia nas mãos de médicos inteiramente incapazes de aliviar suas dores, “Eles não sabem o que el a tem”, disse Fleetwood a Henry.'* Em torno do seu | eito de morte faziam-se orações. Determinado a cuidar dela pessoalmente, Oliver parcela de sua força a fim de ajudá-la a superar a quadro inesquecível do hero ísmo da jovem moribunda e do pai *Embora sem qualquer confirmação, Os partidários do rei diziam

que Bettie arengara O pai

sabre esse asuunto cm sei proprio leito de morte, “como louca Cassandr a sa de Tróia]”.'S

[pro Pp fética prince-

CROMWELL

645

Ela escondendo as dores que sentia por temer seu sofrimento, E ele disfarçando a própria angústia para não magoá-la (...) Todavia pai e filha conheciam-se demasiado bem e não conseguiram ese stos exau mais ava deix os nte some tiva tenta l inúti a tos; imen sent seus conder

desesperançados:

Embora ambos percebessem o que tentavam esconder com habilidade, E assim decaindo, aumentavam suas dores (...) erador. esp des el nív um u ngi ati tie Bet de ado est o sto ago de cio iní No olveu o env nça doe da ão uaç tin con A o. lad seu ao tes noi as a sav Oliver pas es oficistõ que as ndo uzi red , nto ale des l tota de ma cli m nu te cor a e Conselho uma fez ês and hol r ado aix emb o ndo qua ho, jul de l fina No . imo mín um ais à ndando ma o, á-l ion epc rec de o arg enc o u umi ass l vel Mar s, dre visita a Lon de tal mor a enç “do da nte cie ém, Por xe. pra de o com “barcaças e carruagens”, enconum nas ape do ten man , ias rar hon as u uso rec ort upo Nie , lady Claypole” des te, uin seg dia no rt Cou n to mp Ha de o vei que tro privado com o Protetor,

o xim pró do va ida duv m ué ng Ni is, soa pes ões paç culpando-se por suas preocu

desenlace exceto o Protetor. do te mor da ive lus inc ois dep , rer mor a del ois dep Anos mais tarde, muito

todos os reméara avi que ico êut mac far , lps Phe tal um de al leg pai, uma ação Claypole, ren Joh , tie Bet de vo viú O e or, tet Pro do a íli fam à dios destinados

as absolutarad ist min o sid iam hav lhe que ões poç de e dad nti qua a lacionou ou hor mel nte doe a e , de” saú da a sit “vi a nal afi gou mente sem sucesso. Che ena, alm sua tar for con tou ten Fox rge Geo cre qua o que um pouco. Foi então fique calma , iga “Am im: ass va eça com que ão taç ser dis viando uma estimulante amentos que ns pe dos a fuj to, íri esp o pri pró seu re sob o e mantenha o domíni r-lhe-iam se , us De a par se tas vol se ela que e sd De ” .). (.. possam te acometer

es acõ fur tos len vio os os tod r nta fre “en que m co concedidos o poder € à força

. es çõ ca di me as que do s mai eu val o iss s, io ár e tempestades”. Segundo coment meco a, tic crí er qu al qu de a im ac ava est tie Bet de l De fato a conduta espiritua extreos er nd co es ao pai o ar up po a tar ten l qua a m co cando pela abnegação mais veracidade m co veu cre des em qu n gto rin Car Foi o. ent rim mos do seu sof » 19 . a n a o e amaz d « a i c n ê t s i s e r sua

Na madrugada do dia 6 de agosto ela livrou-se afinal de toda a fadiga.

s dia ro quat os izad real , rais fune Nos pso. Cromwell entrou em completo cola

646

ANTONIA

FRASER

mais tarde, ainda estava num estado de prostração tão grande que precisou ser amparado pela esposa e a filha Mary — nenhum dos três compareceu —

enquanto Richard, além do próprio Fauconberg, representavam a família, O papel de responsável pelo luto ficou com a irmã de Oliver, Robina Wilkins,

A cerimônia noturna teve ares estranhamente arturianos. Descendo o Tâmisa, o corpo foi trazido de Hampton Court numa barcaça acompanhada por uma

flotilha de barcos repletos de silenciosos cortesãos que alcançou as escadarias de Westminster às 23h, sendo carregado até a Sala Pintada onde descansou

durante uma hora em “vigília oficial”. À meia-noite a procissão dirigiu-se à abadia: as orações finais foram na capela de Henrique VII e o caixão de Bettie juntou-se aos de sua avó e de uma das suas tias, e outros dignitários da comunidade. O clima cruel da Restauração não perturbou o seu repouso: a localização exata do túmulo se perdeu e só o encontraram de novo em 1725 ; quando um grupo de trabalhadores fazia reformas na capela.*º O deão providenciou para que se recolocasse a placa de prata identificando o esquife, de

sorte que Bettie Claypole é a única Cromwell enterrada em Westminster. É como se o grande amor que o Lorde Protetor teve por ela em vida ainda a mantivesse sob resguardo após a sua morte. Fato reconhecido por seus contemporâneos é que Oliver nunca se recupe-

rou da morte de Bettie. Marvell falou da “[sua] querida imagem que se fora”, fazendo com que o “espelho se rompesse”. Descrevendo os dias subsequentes à morte da irmã, até Richard o comparou a uma árvore frondosa

ameaçada de extinção: “Uma coisa é podar os grandes ramos, mas quando o

machado alcança as raízes então não há mais esperança — nisso residia o

nosso medo.” Carrington levou mais longe a analogia, apontando o tormento

do pai que continua vivo ao enterrar os seus, pois é contra a natureza dos ve-

lhos lamentar a perda dos jovens: “É o mesmo que cortar e podar os ramos

de uma árvore num período inconveniente — primeiro deve-se extrair a seiva (...) durante o envelhecimento de Sua Alteza, no qual ele deveria colher seu

consolo da juventude e do vigor dos filhos; ao contrário » perdeu-os e ficou

enfraquecido.”?! Após morte de Bettie, Oliver pedia que lessem a Bíblia em voz alta para ele, inclusive aquela famosa passagem da epístola de São Paul o aos Filipenses, que ele afirmava tê-lo salvo quando da morte de Robert, seu primogênito, que *Atualmente só os que a procuram ainda encontra sb, SE Ntram

a mar da se pultura, uma pequena e quase invisível incisão no azulejo p erto do local.ca

assinalada

E

por

CROMWELL

647

-me tar ten con a i end apr que por .) “(.. ?? ga: ada a um mo co o açã forira seu cor por e o tud em s poi a, nci ndâ abu na e ões vaç pri nas com o que tenho. Sei viver leida o min tér Ao ” ta. for con me que e uel naq sudo fui habituado. Tudo posso, 13: “Tudo ulo síc ver do as avr pal as a zav ati enf e a ri mó tura ele repetia de me

s sua de ar fal a ia tar vol uir seg a o log m ré Po ” ta. for con posso, naquele que me

ale eu end apr ele que “O lo: sto apó o que do co fra s mai se tristezas, sentindoo ach que , mim de re pob Ah, eu? i fare que o mas ça, gra cançou foi através da à são mis sub sua a va gia elo fé, sua a -se rar igo rev ao s, Ma tudo tão difícil.” é im Ass ).” (... ém mb ta sto Cri meu o é lo Pau de sto vontade divina: “O Cri o and tir ia a rer sof que da per a pel do eci elh env s mai da ain m me que esse ho ça”. Gra da o nçã nve “co da e ão” vaç sal da o poç “do ias idé das conforto e apoio te, men ica fis os men ao o, açã str pro sua da o rad upe rec já , sto Em 17 de ago . que par o pel ou alg cav e rt Cou n to mp Ha em ho bal tra ao o Protetor retornou mo co , Fox rge Geo 2* os. tod à u izo van gal o nt me ta Essa mudança de compor discutir de nça era esp na vez a um s mai u-o ito vis o, tin des do um santo arauto iche um ti sen e s] sta -co rda gua s seu por o tid sis [as -o “Vi questões religiosas.

pre cia iên aud a o end obt o Nã ” to. mor m me ho um a ro de morte: ele pareci

esm me ho nde gra o que lhe amser dis te, uin seg dia no do tendida e regressan mas , ura ult sep da paz a va eja des não ll mwe Cro tava mal de novo. No entanto que de se óte hip A s. Deu de o viç ser no r gui sse pro a par o desafogo e refrigéri relis mai ão noç a o sm me até ou nto ime uec almejasse um misericord joso esq nada que m era não ta mor ha fil sua com ial est cel o niã reu ida ráp giosa de uma podendo anteda Na ir. mit per em ss de pu tes tan tes pro es çõ ic nv as sinceras co conforme ou, us De por e nt me so da ica ind ia ser al fin a hor a cipá-la ou adiá-la, ncia sostê exi da o pes “o , os] tut sti [In s ute tit Ins s seu nos era Calvino escrev a a ad gn si de efa tar a que ide dec us De do an mente pode ser posto de lado qu a a situadad 8, 165 de ão ver o alt No . da” pri cum foi duo iví um determinado ind idência, ov Pr da ais sin s te an rt po im os dos lia ção política da Inglaterra € ava Protetor. e rd Lo do a hor a o ad eg ch ter sse ica ind não haveria quase nada que o nome s ma or, ess suc seu sse ica ind ver Oli que O Parlamento concordara se vaora ign to tan Por o. red seg em ecia escolhido — se é que o fora — perman mores sobre ru os o iss to an qu En te. mor sua à quem — ou o que — S seguiria em , rio trá con ao — e nt me ta le mp co uma possível coroação não haviam cessado

de um ia ód st cu à e nt re fe re o, lh 29 de ju de o nt me cu do m nu é a id ec tura conh pton m a H da de ti me a re rt ca a e um nt “Sua última assinatra, de ta ns a, co ul êm muito à trser preenchido [Milnes-Coates MSS). a e cargo ape lhe massobrefr acum

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ANTONIA

FRASER

novembro de 1657, na época do casamento das “jovens”, tinham recrudescido.

Em fevereiro, após o Parlamento ter sido dissolvido, isso era praticamente ine-

vitável. Em maio, por exemplo, dizia-se que o mestre das roupagens encomendara dois gorros de veludo, púrpura e escarlate, “dignos de príncipes”, um sinal que só poderia indicar mudanças reais em andamento. Ao longo do mês de

agosto, segundo relato de Bordeaux, surgiram boatos acerca de uma nova

legislatura — não fosse o falecimento de Cromwell, a exigência de verbas tor-

naria O expediente inevitável. Discutindo no Conselho, em meados de julho, Thurloe disse que, embora a maioria não tivesse determinado o caráter do cargo, a minoria insistira que seria melhor que ele continuasse eletivo. “Colocado o assunto em Julgamento”, escreveu o secretário a Henry Cromwell, “temo que a palavra desejável se imponha.” Os mais renitentes opositores à dignidade real não haviam abandonado de forma alguma suas objeções. Indefinido e mudando de idéia a todo momento, à época de seus últimos achaques teria sido impossível extrair uma conclusão de Oliver. Na metade de julho ele disse a Thurloe que acabaria se definindo, posto que já estava cansado de esperar o Conselho — órgão incumbido de orientá-lo. Sentindose paralisado, não queria “assumir a culpa pela perda do partido honesto e da própria nação”. Tendo esperado a monarquia no ano anterior, o secretário in-

terpretou a resposta de forma otimista, confidenciando a Henry Cromwell que há muito o Protetor devia agir assim, conforme seus desígnios, “sem levar em conta os que se preocupam com tudo, menos com as necessidades do país”. Para Cromwell, entretanto, havia uma longa distância entre manifestar tais sentimentos a um confidente e subir 20 trono, enfrentando a vontade con-

trária de muitos de seus mais antigos camaradas. Tudo isso ficara compr ovado na primavera de 1657. Ninguém melhor do que Thurloe sabia quanto tempo o Protetor podia manter-se ensimesmado, convicto de que “devia-se ter esperança e aguardar a salvação de Deus (...) confia nte de que Ele nos mostrará o caminho certo”. Na eventualidade da morte do Protetor, e sem nada que sinalizasse qualquer mudança no que for a decidido, as chances

monárquicas eram tênues e muito complicadas. Ultrapassado o primeiro ataque da doença de Da Oliver, e durante sua breve recuperação, nada foi discutido acerca dos proce dim entos sucessórios. Nesse

causado pela moléstia de Cromwell e do est ado em que haviam ficado — sem

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CROMWELL

«aber como planejar O futuro, “conquanto o Senhor nos deu um coração para ue façamos bom uso dele”?.* Segundo Fleetwood, sustada a maior parte do «rabalho, não se avançara naquilo a que Thurloe se referia como “o nosso negócio”. É O Conselho não agia. Aparentemente, confiantes na postura do Proetor, seus camaradas não acreditavam na possibilidade da sua morte. No entanto talvez fosse nessa época que Oliver mandou John Barrington — um valet — à Whitehall buscar um certo papel selado no qual ele nomeara um

sucessor. O documento desapareceu? e jamais se soube que nome encerrava. Daí a suposição dele ter indicado o mais másculo de seus descendentes, Henry, em lugar do doce e pouco competente Richard. O tom da correspondência de Thurloe faz crer que ele pelo menos suspeitasse da escolha secreta do Protetor, temendo

que sua morte súbita deixasse o filho ausente em desvantagem. Guia bastante

confiável no que se refere às conversas íntimas e atividades rotineiras de Cromwell, o secretário nem sempre especulava corretamente sobre o que se passava no seu íntimo — ao prever o desenvolvimento dos fatos que o levariam ao trono, por exemplo, ele falhou redondamente. Próximo a Henry, € tal qual a maioria dos contemporâneos, capaz de enxergar seu caráter superior € aptidões, quem sabe idealizaria o curso histórico que mais desejava.

Visto que o único detalhe conhecido acerca desse documento é que o Pro-

tetor o teria escrito pouco antes da investidura, o nome indicado provavelmente seria o de Richard. Nessa época ele fez o que pôde para colocá-lo em evidência, promoveu-o a reitor de Oxford, de forma a que pudesse projetar uma imagem menos discreta, mais estimulante. Por outro lado, não tentou

trazer Henry de volta da Irlanda. No que diz respeito às questões familiares,

te da Oliver Cromwell era um homem conservador; além disso, estava cien difito Mui . moço mais filho seu e ais ofici os e entr ia exist que ade animosid

fosque quer m que a lar reve nada sem ito ogên prim o ia erir pret ele cilmente

ter não dele tese hipó a : Mais . eito resp a ica públ ião opin à arar prep se, nem que re suge th Hea — o lhid esco 0 com er sequ a fizer que o opçã a o discutid

poderia ser Fleetwood?”* — é absolutamente impensável. Por mais enigmáti-

dei, vida em ara cust lhe rços esfo os tant que paz a caria arris co que fosse, não ipúbl ncio silê Seu e. mort sua a após ente pend a inad inop ção solu uma xando não ente lesm simp es: icçõ conv suas de exto cont no ado co deve ser consider . er rr mo de ra ho a su à a nd ai chegara Ti

e

Ge

E

a

Hause, Tumble-Down Dick, pp. 45-8, sobre a perspectiva, recentemente Im Fleetwood fosse o sucessor pretendido por Oliver. a

ss

650

ANTONIA

FRASER

Na noite de 17 de agosto Oliver não conseguiu dormir, sentindo fortes

dores intestinais e nas costas. Fleetwood manifestou o desejo de que o acon-

tecimento derivasse em algum benefício espiritual mais amplo — “Que pelo

menos isso possa representar mais um oportuno sinal de Deus”, escreveu, Pela manhã o mal-estar não melhorou e decidiu-se levar o Protetor de volta a

Whitehall. No dia 24 de agosto Thurloe prestou contas a Henry, enviando-

lhe notícias sombrias: na sexta-feira e no sábado Cromwell tivera o que hoje chamaríamos de ataques epilépticos, longos e muito agudos. O desalento foi geral, e ele terminou a carta com um rápido post scriptum: “Neste instante Sua Alteza está iniciando um surto. Suplico ao Senhor que o favoreça.” No entanto o secretário confiava no restabelecimento do doente: “Os médicos não acreditam que haja qualquer risco de vida.” O próprio Oliver partilhava essa fé: Fleetwood disse a Henry que o Protetor fizera algumas “grandes descobertas sobre si mesmo, graças à moléstia, e me transmitiu sua confiança de que ficaria bom (...) só que deves manter discrição a respeito do fato”. Esses

testemunhos sugerem que não apenas os médicos, mas o próprio enfermo procurava animar o círculo dos mais íntimos. Cromwell parecia extrair sua certeza de alguma visão que tivera. Assim, longe de preocupar-se, a corte enfrentou a adversidade dos dias que se seguiram demonstrando a mais sincera esperança. Estariam certos — cortesãos, médicos, o Protetor — em acreditar na chance de cura? Isso depende, é claro, da interpretação que se der à evidência

que nos foi legada pelo século XVII e sem perder de vista ainda o velho ditado de que nenhum diagnóstico é inteiramente correto na ausência do paciente — ou de seu cadáver. Atualmente tudo nos leva a crer que Oliver sofresse de

malária, uma infecção bastante comum na época e na Inglaterra até 1840.* Criado à beira dos pântanos, o protozoário o teria acometido na infância, embora mais provavelmente durante a campanha da Irlanda. As chamadas “febres terçãs” possuem uma nítida característica do paludismo, qual seja, O tríduo cíclico ao longo do qual os parasitas inoculados mediante picadas de mosquitos se desenvolvem e são lançados na corrente sangiínea. Sucedem-se estágios de frio e calor igualmente intensos, marcados por tremedeiras € suores. Cabe notar apenas que o europeu P /plasmodium |] Vivax não tinha a viru-

lência rápida e letal do africano P Falciparum e, quando cau sava a morte, era *Ver dr. Frederick F. Cartwright e Michael D. Biddis, Disease and History, pp.

141-144

CROMWELL

651

a longo prazo, devido à anemia crônica resultante da destruição da hemoglobina. O vigor e a força declinavam, predispondo o doente a outros estados mórbidos; fosse tão destruidora quanto a variante africana, a maior parte da população da Inglaterra e até mesmo do continente teria desaparecido. No caso de Oliver Cromwell, sendo perceptíveis os sintomas, foram ten-

tados todos os remédios conhecidos. Um dos mais vulgares era a quinguina ou casca da Coutarea hexandra, árvore descoberta pelos espanhóis no Peru e que se supunha eficaz; só por acaso se descobriu que o remédio estava na Cinchona ledeeriana, da mesma origem e da qual se passou a extrair o quinino, substituto de outros tegumentos, todavia maléficos, causadores de altas de

temperatura e delírios: médicos do século XIX sugeriram que tais infusões poderiam ter matado o Protetor. Ocorre que o pobre homem já sofria de uma série de doenças, inclusive pedras nos rins e na bexiga. Escapara da malária uma vez e todos imaginavam que escaparia de novo. No entanto a causa mortis talvez tenha sido uma grave septicemia, ou envenenamento do sangue, desenvolvida a partir de uma infecção renal ou uretérica — nada incomum numa época sem antibióticos.* Interessante como os primeiros achaques, na metade

de agosto, pareceram idênticos aos que ele sentira na Escócia em maio de 1651. Naquela ocasião a crise fora consegiência das pedras, evoluindo em 15 dias para estados febris. Coincidentemente esses cristais que tanto 0 incomodavam há tanto tempo sempre se faziam acompanhar de febres, indícios vee-

mentes de envenenamento do sangue. O embaixador de Veneza relatou o pro-

a is depo a”, “got to: agos de 27 e 20 de das data s carta duas em mal do o gress

surte lmen fina e ora melh de iva ctat expe ”, ores horr cer pade faz o pedra, “que

se, rado supu baço um lou reve well Crom de co véri cada e exam O tos de terçã.

e gna mali a mass uma ade, verd na ] [mas a, ênci apar gundo Bate, “de boa cheia de algo semelhante a sedimentos de óleo”. Fase terminal da maleita, mais o e e, ment rara o muit riam ocor s terçã de s fatai s caso mas quem sabe; na ade rmid enfe a dess gno beni o ment orta comp o vista em o tend certo mesmo, coto súbi o nto enta No a.*” acim s tamo apon que o é a, râne Europa contempo que O a-se ntav come o: ment nena enve de s açõe acus jou ense well Crom de lapso

dr. Bate se vangloriara de ter administrado o veneno.

das pesa as e ment josa cora r enta enfr a pois, u, inuo cont etor Prot e O Lord

bem melhor, -se indo sent to, agos de 26 ra, a-fei quint Na ça. doen da investidas * E

hentai

radece 2s

rs Davidson, de Edimburgo, ao dr. Chalme ; .

e de História da Medicina pelas consultas feitas.

es

por este diagnóstico e ao

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ANTONIA

FRASER

jantou com Whitelocke e discutiu “grandes assuntos . Mais ou menos nessa quadra manteve a última e desagradável entrevista com o antigo camarada e

eventual chefe, Fairfax, sobre a questão do noivado de sua filha e Buckin-

gham; Fairfax ficou tão furioso — o genro permanecia encarcerado na Torre

de Londres — que não tirou o chapéu nem largou a capa. Conquanto os ser-

vidores esperassem que ele fosse juntar-se ao duque por causa de sua impru-

dência, Oliver — exausto o deixou em paz.” No dia calor e frio, seguidos de Thurloe começaram a dar

ou político — “teve mais sabedoria que paixão” e seguinte sobrevieram novos e terríveis acessos de “um rápido suadouro”. Os médicos e o próprio sinais de preocupação: “Todos nós estamos num

estado deplorável, desassossegados, sim, e perplexos”, ele escr eveu a Henry.

O 28 de agosto foi um dia de orações. No início da semana as notícias tornaram-se dramaticamente piores: mal consciente, Cromwell levou os médicos a desenganá-lo. Em aflição extrema, só Thurloe ainda se agarrava ao fato de que Deus, “em ocasiões anteriores”, garantira ao Protetor “que ele viveria para servi-Lo”, De fato como poderia morrer se nem ao menos nomeara o sucessor? Não que teme sse a Carlos Stuart — seu interesse não era tão grande nem tão forte O seu partido —, mas as divisões internas acerca das quais alertou Fauconberg e Fleetwood. Chegou ao ponto de pressionar Oliver em seus momentos de lucidez, mas segundo sua própria versão a moléstia 0 “impediu de concl uir a conversa”. O

visconde conta uma história diferente: Thurloe não teria insistido o bastante, temendo gerar os ressentimentos do superior, caso ele se recuperasse.'? Nas

vascas da agonia o fiel servidor ainda tributava à sua força de vontade o respeito de valorizar mais as chances que tivesse de recuperar a saúde do que todas as possíveis dissensões nacionais que sua morte desencadearia. Na terça-feira Fauconberg escreveu a Henry, insinuando seu apoio pessoal e o de Lockhart no caso dele se dispor a sucede r o pai; O post scriptum diz: “Z [código para Protetor] agoniza.” No dia anterior rivais da família

Cromwell, os oficiais tinham participado de u

mas ignoravam-se as decisões a que havi tro, Fleetwood continuava a afirmar estar cer to das forças de Oliver e de sua recuperação.” a

- À crise, como tantas outras, foi

vencida. Na noite de segunda-feira, dia 30, o ar quente e seco do verão fez desabar uma coiossal tempestade — não se via nada igual no país há séculos. Bem longe dali, no campo, um rapa z de

15 anos chamado Isaac Newton divertia-se

CROMWELL

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do vento € à chuva, a fim de calcular sua força pela difefavor a e a contr do caltan

ença. À intempérie desatara-se tão próximo da agonia de Cromwell que alguns a ranspuseram no tempo para que coincidisse. Heath repetiu os boatos segundo os quais ele fora carregado nas asas do vento, e Samuel Butler escreveu: Lançado num furioso vendaval Oliver entregou seu reino,

ma fa sua a to an qu as os id ru tão las oce “pr a e u-s eri ref er Edmund Wall

m, ge ua rr ca De l”. era fun a pir sua a par .) (.. as id mortal” e “árvores abat

ro de po de dos caí s nco tro os e to ven o s ma s, Ludlow tentou chegar a Londre çater Na s. alo cav dos uo rec o do an rç fo o, nh mi ca o am ar ue «os carvalhos bloq de agifim a ade cid à ra vie se e lh uto un rg pe ver Oli si, de feira, dando acordo

is ma al loc s, me Ja St de o áci pal ao o á-l lev de se tar as tropas. Cogitouafastado do rio e por isso mais aprazível.” tivera, que a vid da es siõ oca as it mu em mo co s, dia s mo ti úl Em seus

e nt me al tu en ev , ase êxt em es vez s ma gu al , ios ane dev a e -s ou eg tr Cromwell en

to tan a er iv nt ma que ão igi rel à e ld mi hu do an rn to re re mp se s ma so, temero

mo do da em e , al on ci Na o çã en nv Co a m va ca fo en s sa er tempo.* Suas conv € ta san é a “El es: vez s trê ndo eti rep s, ene sol os rm te s seu u ro mb mento ele le

da e ns me ho dos de ida gil fra e, da nt me ua in nt co ém mb ta ou, Fal verdadeira.” o id nt ra ga ter lhe or nh Se do o fat O m co se ond ta or nf co , us onipotência de De

”, ças ian “Cr ”. tar ten sus sa pos a lm 'a nh mi to an qu nto “ta — ão rd pe e Seu amor

disse ele aos que o rodeavam, “levai uma vida de cristãos, que eu vos deixarei elas que o, nd mu do sas coi as is ame o Nã ). (... tar men ali vos a par o çã en a Conv não são boas” Citou muito o apóstolo João, dizendo que esse santo defendeto”. jus o , sto Cri us Jes , Pai so nos de e ant “di em ss ca pe que ria todos homens s de an gr dos e rt mo de to lei O m ra mb so as que s do me Acaso os para um a tar vol se ele o, ios ans , vez ta Cer or? tet Pro do postaram-se ao lado

esença pr s da mo ar ci an st di nos el sív pos é , -me pastor, perguntando: “Dizei axado, Rel . ível poss era não não, que fora te len evo ben de Deus?” A resposta Dele.” o xim pró bem ve esti já que sei pois o, salv u esto , tão “En ou: ele suspir

preservadas por seu criado de am for u cio nun pro ele que ras alav *Muitas das últimas P te elogiosa desse relato tenha gelmen ncia esse reza natu a ora Emb 3s Harvey:

gi

quarto, Charles o de morte rado dúvidas, a pesada ênfase na religião parece bastante correta. Em seu leit nunte pela religião que lmen tota lver envo asse deix se ll mwe Cro er Oliv que terá sido lógico 3

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ANTONIA

FRASER

Tais palavras suscitam o quadro terrível de um homem cuja fé dependia da manifestação ativa da divindade, supostamente concedida ad etermum, mas va-

cilante nos seus últimos e cruciais instantes de vida. Todavia talvez Cromwell]

formulasse essas indagações mais ou menos obscuras devido a dúvidas das quais ninguém pode fugir. Quem sabe, em virtude do malogro daquela misteriosa revelação que prometera poupá-lo... Enfim, a incerteza durou pouco, desaparecendo inteiramente nas suas derradeiras 24 horas. Con forme ele mes-

mo dissera: “A fé na Convenção é meu único apoio, e ainda que eu não creia, Ele a manterá.” Ouviram-no gritar frases de Paulo, na epístola aos hebreus — “Que coisa horrível, cair nas mãos do Deus vivo” — e con fortar-se com a mensagem de João a Cristo: “Sou o maior dos desgraçados vivo , mas amo a Deus, ou melhor, sou amado por Deus: (...) Trago comigo o amor não porque O amo, mas porque Ele nos ama, e nos dá consolo, apesar dos pecados que cometemos. Nós o amamos, eis que Ele nos amou primeiro.” O 2 de setembro caiu numa terça-feira, e nesse dia finalment e o Conselho deu alguns passos acerca da sucessão, embora os pastores “in dependentes” ainda rezassem, confiantes na cura do Protetor. Ludlow anotou à prece de um deles, o dr. Goodwin: “Senhor, não pedimos por sua vida, pois dela temos certeza, mas para que possa servir melhor do que antes.” Essa tentativa de “se impor aos céus” não impressionava os médicos. No entanto persisti u até depois de sua morte: enquanto a família e a criadagem Jejuaram, o clér igo rezava a “Deus, que os havia enganado”. Mais conscientes da realidade, quatro ou cinco conselheiros reuniram-se à volta da cama em que Oliver jazia e tentaram extrair dele uma nomeação. Mais tarde Fauconberg disse a Henry que seu pai tinha “declarado meu /ord Richard sucessor”. No entanto numa biografia impressa no ano seguinte Flecknoe sustenta que ele Já não pod ia falar; Bate refere-se a “um sono profundo”.ºé Que o Conselho lhe propuses se o nome de Richard, sim, isso é plausível, mas sem obter resposta. Diz-se que, ao ouvi-los insistir, conseguiu dar algum tipo de assentimento, acenando a ca beça ou murmurando um débil “sim?. Ato contínuo afastou-se das preocupaçõe S terrestres, Durante a noite de quinta-feira o estado ge ral do paciente voltou a manifes-

CROMWELL

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Harvey: «Verdadeiramente, Deus é bom, de fato Ele o é, e não...” — aí, ca-

rá.” dona aban me não ) “(... tar: scen acre de nção inte a sse tive ou-se. Talvez ou anot a aind vey Har na. divi ade bond a car invo ava tum cos s dore às Em meio

rável e sua última € tocante reza: “Senhor, ainda que eu seja uma criatura mise

e, ou-s find alho trab Meu Vós. a as graç , ção ven Con à com u esto desventurada, r, cedo mere não ora emb -me, stes Fize . povo Seu com rá ece man per mas Deus

tes; edes conc lhes que bem 0 para e iço serv Teu a to men tru ins les simp um

ha min a em jass dese os outr ora emb r, valo ado asi dem am buír muitos me atri

a minh a da deci or, Senh r; evie sobr ela ndo qua r-se zija rego morte — hão de

disso, extremais Depo .? (...) dade rosi gene Tua a e negu lhes não mas sorte,

r bebe jo dese “Não s: lábio os ar molh sou recu e nho sozi u falo , ieto mente inqu

ou dormir, apenas me apressar e partir.” com do or ac De . ro mb te se de 3 ra, fei tasex de ã nh ma a e u-s ngi ati im E ass por tes sen pre s ico méd dos um a tou gun per e ha tin man se da Bate, Oliver ain omnos e -lh ava pes que e ent vem gra deu pon res tor dou O te. tris que estava tão a ndo ura seg e ele; se dis ”, rer mor vou que is nsa “Pe or. tet bros a vida do Pro , ndo qua sei o “Nã me: fir to mui uou tin con ça, for e -lh dar mão da esposa, para e bas uma têm as avr pal has min s poi , iam Cre ra. ago á ser mas digo-vos que não ente tan bas de, tar s Mai s.” ate ócr Hip ou eno Gal sos vos dos a maior do que a sem xas dei que — ” tes ten con o “Vã u: lho nse aco e s -o ou am ch fraquecido, à E, m. mu co or vid ser um de a o com te mor sua sem tas tra e o lad de za triste s.” Deu em ha tin que fé a mou fir rea ia, ênc sci con a do den per ia que medida — cus iti Pol ius cur Mer o o und seg , 15h das ta vol por u rre oco l fina e cris a De fato Thurloe disse que foi às 16h; Whitelocke, às 14h. John Owen, discorrendo so-

no bre a morte dos “santos”, afirmaria que os Eleitos de Deus a encontrariam

sável por pon res o, itã cap nde gra “O ** os: sad pen dis em ser de no rtu opo o moment teu dever; o nte lme fie ste pri cum o, inh cam teu gue “Se a: lam exc e ge sur todos, vai e descansa.” (...) E posto que à tarefa fora concluída realmente muito bem, dos nada justificava que continuassem existindo além dos limites determina nte de dia o sm Me ” so. pas um s mai nem iam dar não , dali por Ele — a partir

Oliver Cromwell, e no justo momento, O Grande Capitão se ergueu. lermi-

nada a vigília, ele se despediu: tinha sessenta anos e alcançara O primeiro lus tro do seu Protetorado sobre a Inglaterra.

ESSAS Seda 24 As cinzas de Cromwell Perdoa aqueles que desejam pisar as cinzas de um pobre verme, pois eles também são teu povo. ÚLTIMA ORAÇÃO DE OLIVER CROMWELL

C ontrastando as lamentações pessoais que cercaram a morte de Oliver Cromwell, em público houve paz e aceitação. Por volta das 20h, os membros do Conselho dirigiram-se aos alojamentos de Richard “com a certeza e o conhecimento seguro” de que em vida o pai o ungira. À troca de co-

mando efetuou-se quase tranquilamente — como única precaução, a corres-

pondência para o exterior ficou retida durante três dias. Tomados de surpresa ante a impensável e súbita extinção do seu maior adversário, os partidários da

realeza permaneceram estáticos. O mesmo aconteceu em todo o mundo. Talvez sir George Downing, em Haia, tivesse razão quando disse que o falecimento de Oliver chegou dois meses antes do que desejariam os conspiradores. Na Inglaterra e na Escócia a calma aparente foi admirável. Segundo

Thurloe, não se via “nem mesmo um cachorro balançando a língua”.! Em particular o quadro era bem diferente. O próprio Thurloe deixara-se abalar pela dor e escreveu a Henry logo na manhã seguinte dizendo-se triste

e perplexo diante do morto em si e do momento que Deus escolhera para

levá-lo: “(...) nada posso fazer senão morder o pó e reconhecer a vontade do

Senhor” Oliver subira aos céus embalsamado com as lágrimas de seu povo e nas asas das preces de seus “santos”. Comentou-se que vários amigos haviam recorrido à Bíblia, repetindo desolados: “Um grande homem caiu em Israel.”

Fleetwood considerou sua morte um castigo, que os pecados cometidos bem

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FRASER

mereciam, mas ao mesmo tempo uma trágica perda do ponto de vista do

exército, privado do general e de “um pai bondoso e querido”. Em outubro George Lawrence fez um sermão no qual expandiu ambos os temas; a remo-

ção do Protetor decorrera de uma culpa coletiva — “a falta de gratidão, o orgulho, as animosidades, a avareza, o formalismo e a licenciosidade”, tais as sezões que tinham abafado sua respiração — e resultara numa catástrofe: “Deixamos de ver e ouvir um capitão, um escudo, o líder, um herdeiro da moderação, nosso fôlego, uma força cicatrizante, um pastor, um pai e um

patrono, uma pedra fundamental, um construtor, um vigia, um olho, um sal-

vador, um condutor e um regente, um piloto e um esposo comum.”2 Como costuma acontecer, foram os filhos do seu sangue, não os que adotara pela espada — os soldados —, que rapidamente se recuperaram e conspiraram, disputando o poder e mostrando a face cruel da desventura. Passados cinco dias Fauconberg escreveu sobre Mary: “Não tenho a mínima idéia de como consolar minha pobre mulher; difícil conseguir que se acalme, pois são constantes os surtos de sofrimento que despedaçam seu coração; e nem posso culpá-la, sabendo o que perdeu.” Um mês depois ela ainda chorava, senta da a seu lado, enquanto ele mal podia escrever? A lady Protetora — que assistira à morte de uma filha apenas há algumas semanas e que cuidava de ampar ar a aflição de outra, a infeliz Frances, viúva recente — fora subtraída de seu próprio sustentáculo, o marido com quem vivera em perfeita e duradoura harmonia ao longo de quase quarenta anos. Só a idade e o conforto da religião, uma profunda crença na grande sabedoria de Deus em todos os seus desígnios, mesmo aqueles mais difíceis de aguentar, explicam seu autocontrole. Naquele

momento valia-se da dura disciplina adquirida, talvez em excesso, na compa-

nhia de um homem que tinha tentado suportar as tristezas da vida terrena

através da força de Cristo. Eram as lágrimas das “meninas”, filhas de um Oliver já maduro e mimadas por ele, que banhavam agora a corte do irmão. Comentou-se muito a coincidência das datas, N uma carta enviada à Escócia o remetente escreveu: “Perdoai minha pena que treme, pronta a deter-se na primeira linha, receosa de má acolhida, mensageira que é de notíci as fatais. (...)

Ontem, 3 de setembro, a Morte venceu Sua Alteza, que nessa mesma data ven-

ceu milhares nos anos de 1650 [em Dunbar] e 1651

[em Worcester].” O

Mercurius Politicus procurou tirar partido do fat o, se bem que de forma um tanto pomposa: “Agradou ao Senhor cond uzi-lo ao s

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CROMWELL

sendo rejeitado um diadema terrestre, agora partiu a fim de receber o da Vida

eterna.” De modo agradável, sem dúvida, o jornal soube contornar a história do Fausto e do Mefistófeles que haviam acertado os ponteiros nos bosques de Worcester, há exatos sete anos, e evitou mencionar a possibilidade de Oliver ** o. rn fe in o ra pa to re di ter sido levado

nto e m i t n e s m u a r a p a c s e m a r e d o pu nã s o g i m i n i e s o g i m a , do tu Acima desitoriedade. Um ano depois Marvell compôs sua ode:

atroz de tran

Ah, a glória humana, vã, ah, a morte, ah, as asas,

Ah, mundo inátil, ah, coisas passageiras

A piedosa e reflexiva /ady Ranelagh escreveu uma longa e comovida carta da Irlanda, afirmando todavia que o fim do Protetor evocava a velha lição da vaidade distintiva dos que atingem as culminâncias do poder. Tendo agitado

toda a Europa com a fama e as forças de que dispunha até a véspera de morrer, fora levado pela febre à cova, convertendo-se em pó. A hostil Lucy

Hutchinson, menos filosófica, surpreendeu-se diante da queda de Oliver, que confinara “sua vasta ambição e planos cruéis às estreitas dimensões do seu túmulo”.é

Aparentemente a última morada de Cromwell era uma questão simples,

ainda que necessariamente esplêndida. Conforme os costumes da época, o en-

terro não se confundia com as exéquias. Nas cerimônias oficiais far-se-iam

referências ao “cadáver” e ao “corpo” — confusas, afinal de contas, mas apropriadas à natureza simbólica dos eventos. À inumação realizou-se numa

galeria subterrânea da abadia de Westminster, no lado leste da capela de Henrique VII, daí por diante conhecida como a “cripta de Oliver”; não ten-

do sido registrada no livro de privilégios, a data foi esquecida. Sobre o peito

do defunto colocou-se uma placa de cobre, duplamente folheada, com suas armas e as da Comunidade; descoberta durante escavações posteriores, trazia

à seguinte inscrição: OLIVARIUS PROTECTOR REPUBLICAE, ANGLIAE, SCOTIAE,

ET HIBERNIAE NATUS

25 APRILIS ANNO

1599 INAUGURATUS

16 DECEMBRIS 1653. MORTUUS 3 SEPTEMBRIS ANNO 1658, hic situs est

*A data continuou a assombrar Os descendentes de Cromwell. Em 1666 a London Gazette reportou um curioso incidente envolvendo seis soldados que teriam escolhido o dia 3 de se-

tembro — data favorável do ponto de vista astrológico — para rebelar-se. Visto que a data

não lhes fora propícia, o jornal insinuava que talvez estivessem tentando estabelecer uma º sincronia com as vitórias do Lorde-General.

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[Oliver Protetor das Repúblicas da Inglaterra, Escócia e Irlanda, nascido em 25 de abril do ano de 1599, ascendeu em 16 de dezembro de 1653, morreu em 3 de setembro do ano de 1658, aqui jaz]. Provavelmente tudo isso se passou logo após o desenlace e antes de 20 de

setembro, dia em que o ataúde oficial — rico, com dobradiças e pregos dourados, mas vazio — foi trazido a Somerset House para um velório que o

Mercurius Politicus classificou de “assunto privado”. Quando James I morreu,

à urna funerária ficou guardada embaixo da mesa onde repousava o corpo,

mas a falta de atenção dada ao esquife de Oliver leva a crer que seus restos não estivessem realmente lá.” Lógico: o embalsamamento, em geral 24 horas após o óbito, não tinha dado certo. O relato subsegiente do dr. Bate descreve a autópsia e fornece detalhes acerca do baço supurado. Os demais órgãos estavam em boas condições à exceção dos pulmões, um pouco congestionados, e dos vasos do cérebro, algo “sobrecarregados”. Impregnado de substâncias aromáticas e guardado em dois caixões de madeira e chumbo, nem assim o corpo deixou de

exalar mau cheiro — provavelmente em virtude da víscera infec tada, “a sujeira rompeu tudo”. Escrevendo em maio de 1660, o médico relat ou que “foi

prudente enterrá-lo sem mais delongas e da forma mais discreta possí vel” —

fato confirmado por James Heath e pelo embaixador de Venez a: narrando o

luto de Estado em fins de novembro, o diplomata aduz ao fato do corpo já ter sido “dado à terra há muitas semanas”. Visto que nenhum desses personagens mentiria acerca do assunto, não cabe crédito algum às histórias sobre um sepessoas incumbidas de organizar as pompas funerais planejadas para Oliver.

Evidentemente não há registro oficial a respeito.

O público foi admitido ao velório entre 18 de outubro e 10 de novembro. Gloriosamente iluminada com uma profusão de

velas, Somerset House serviu de palco à exibição das plórias do Prot etor, seguindo a mesma etiqueta que 33 anos antes orientara o enterramento do último re i Stuart, James I, que morrera na cama, mas cujo catafa lco tinha sido construído por Inig o Jones. Isso já era ironia suficiente, mas se gundo Ludlow o sr. Kinnersley, “p apista” encarregado do guarda-roupa , chegou a contemplar a possibil idade de se ob-

servar o mesmo arranjo adotado no mort uário de Felipe II, rei católico da

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Dominando a cena, sob os olhares embasbacados do povo, erguia-se uma efígie em tamanho verdadeiro do velho Lorde Protetor. A imagem em si sinalizava continuidade: desde tempos imemoriais o sepultamento dos reis e ranhas da Inglaterra foram marcados por figuras similares. A de Cromwell,

porém, feita por Thomas Simon, provavelmente baseada numa máscara mortuária,* além de representar sua antiga majestade, mantinha a aparência que ele tivera em vida. Nas quatro grandes salas reservadas a essa augusta mostra, o veludo negro e dourado dava ao mesmo tempo uma idéia de melancolia e magnificência. O tecido cobria as paredes, servia de cortina e fora colocado, inclusive, sobre as grades em torno da essa para manter afastado o

pasmo das pessoas que, em fila, atravessavam os três primeiros cômodos, es-

piando o manto e as poltronas que ele usara, seus escudos e armas, até alcançar o quarto, onde o “quadro de cera”, conforme o descreveram, tinha sido posto em decúbito dorsal.!º Qual monstruoso boneco usava réplicas perfeitas das roupas mais luxuosas do Protetor, em veludo negro, com um casaco de pele e dois mantos de

veludo púrpura bordados a ouro e forrados de arminho. Em torno da cintura trazia um cinto igualmente bordado e presa nele uma formidável espada dou-

rada e entalhada. Na mão direita um cetro, e na esquerda um globo terrestre. Cobrindo a cabeça, um boné de veludo púrpura orlado de arminho. As faces de cera estavam pintadas, mas as pálpebras encobriam olhos de vidro para si-

mular a morte. Na parte posterior havia uma cadeira incrustada de ouro, €

por cima dela, bastante alta, “de tal sorte que o povo pudesse enxergá-la”, o

mais incrível de tudo: “uma coroa imperial”. Iluminando essa tenebrosa mas sublime visão, oito candelabros de prata, de 1,5m de altura, encimados por velas brancas de mais noventa centímetros. Em cada canto uma coluna de leões

e dragões entalhados, segurando flâmulas em suas patas, e ao lado do leito os

quatro grandes estandartes armoriais do Protetor, além de bandeiras e bandeirolas de guerra pintadas em tafetá. Fora do círculo mágico, a cabeça descoberta, homens pranteavam. e

“Existem reproduções dessa máscara no Museu Ashmolean, em Oxford, e na National Portrait Gallery. Ver David Piper, The Contemporary Portrait of Oliver Cromwell, que contesta

a autenticidade da que se encontra no Museu Britânico, na sua opinião autêntica mas per-

tencente a outra pessoa. O autor também lança dúvidas sobre a chamada “máscara-viva”,

reconhecendo

tratar-se de algo muito popular

na época,

mas

duvidando

que o Protetor se

dispusesse ao processo de modelagem; ele acredita que seja um estudo para o busto de

Edward Pierce ou no máximo baseado na efígie oficial.

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Durante a cerimônia, colocada de pé e de olhos abertos, a efígie recebeu

a coroa imperial que até então estivera depositada na cadeira dourada; o sim-

bolismo — copiado de um procedimento similar prescrito para James 1 —

representava o trânsito da alma, do purgatório à claridade do céu. Os espec-

tadores que lembrassem as atitudes iniciais de Cromwell contra “as inovações papistas” do anglicanismo com certeza se surpreenderiam e perdoariam o fato de seu corpo ser submetido àquele ritual: como um dos eleitos, ele dificil-

mente aprovaria a doutrina acerca daquele lugar de expiação, chamado por Calvino de “maldita invenção de Satã”. Já o estrado alto, segundo Aubrey, assemelhava-se às piras dos antigos imperadores romanos, cujos corpos ardiam

sob as asas dos falconi [águias].!* Enquanto a imagem descansava, por assim dizer, a meio caminho entre Whitehall e Westminster, os últimos arranjos da procissão ainda estavam sendo discutidos. Adiadas ao máximo devido à doença de Thurloe, as derradeira s

etapas do cerimonial foram marcadas para o dia 23 de novembro, data em que um préstito caminharia solenemente pelas ruas de Londres. Não se negligenciou nenhum detalhe. Recém-chegado da Suíça, John Pell soube que deveria enviar os nomes de seus serviçais à Sala do Arauto com a devida an-

tecedência e que eles só participariam do cortejo caso vestissem luto. A fim de deixar todo o itinerário livre, as carruagens ficariam impedidas de circular no trajeto de Somerset House à abadia.'? No entanto a falha humana quase se interpôs à dignidade do evento. No início do séquito diversos embaixador es envolveram-se numa discussão sobre precedência, atras ando a marcha. À

frente, abrindo caminho, vinham o marshal [funcionário mais graduado da

corte|, seu substituto e mais 13 homens, seguidos pelos pobre s de Westminster, dois a dois, em roupas especiais. Depois os criados das personalidades presentes e atrás deles os do próprio Cromwell — remadores inclusive;

vestidos de negro, os homens importantes caminhavam adiante da carroça que conduzia, envolta em veludo escuro, a efígie de cera, O percurso consumiu sete horas,

tado dos atores”. Cada qual viu o que queria ver. Lá estavam os músicos favoritos de Oliver — John Kingston, David Mell, o vi olinista, e aqueles dois

“Numa referência ao símbolo do seu império, os a águia no instante em que ateavam fogo às piras fun ntigos romanos costumav am sol|tar uma erais dos soberanos mortos.

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meninos cantores que entoavam seus temas latinos favoritos, e mais meia dúvia de compositores de renome, num tributo adequado e tocante à paixão de

ima vida. Levado pelo master of the horse [encarregado das cavalariças], o «cavalo de honra” dava um colorido ao desfile, coberto de veludo escarlate e o mig ini e do rni ede emp ano lic ang o Já s. nca bra e has mel ver as, plumas amarel

de aleio che s mai ral fune “o veu cre des , lyn Eve n Joh , dor rpa usu do ho ren fer

gria que jamais vi (...) ninguém chorava, exceto os cães que os soldados ex-

' s”. rua s pela aco tab iam sum con e iam beb to uan enq , dos bra pulsavam aos

A extravagante ostentação ofendeu alguns espíritos mais delicados, assim

tia quan ca ásti fant à ou cheg se Não os. tant os outr u rece abor o cust seu como

de cem mil libras, mencionada pelo embaixador de Veneza, e nem mesmo às

exageradas sessenta mil, de Heath. Os papéis de Clarke registram o valor bem mais provável de 28 mil libras, das quais 19 mil em débito até agosto do

ano seguinte; era muito, mesmo comparadas às cinquenta mil libras pagas por ocasião das honras prestadas a James 1. A nação estava a braços com dificuldades econômicas e os quacres ficaram bastante chocados; desgostoso, O poeta Abraham Cowley exclamou: “Foi mais do que o morto ou à própria morte mereciam (...) havia uma grande quantidade de gente vestindo luto, o ataúde magnífico, o ídolo coroado. Um grande espetáculo, mas breve, e deixou uma perspectiva negativa.

DI14

No momento em que o grande espetáculo chegou a Westminster, a escu-

ridão do entardecer já penetrara na abadia, enregelando seu interior. À falta

de velas ou alguma espécie de aquecimento, os dignitários foram direto à cateria cuspela de Henrique VII e lá depositaram o trabalhado ataúde — que tado quatro mil libras — sem qualquer cerimônia, sermão ou prece. Três dias mais tarde, chegando do interior, st” Francis Throckmorton, jovem baronete

católico, não resistiu e pagou dois shillings e seis pence para uma visita à efígie

que se mantinha impassível diante dos que vinham inspecioná-la.”” Ali ficaram, ela e o caixão, como um símbolo exterior de esplêndidos tempos passa-

dos, enquanto na “cripta de Oliver” o Lorde Protetor repousava eternamente. Assim parecia.

ictat expe as do din fun con ir segu era ll mwe Cro er Oliv de ino dest o a avi Tod

vas, mesmo além da morte. O “reinado” do Protetor Richard — o pobre

Tumbledown Dick [Dick Trapalhão] — foi sem dúvida muito curto. Quando o Conselho do Exército, Os aguerridos e ambiciosos oficiais e a estridente Câmara dos Comuns do novo Parlamento convocado em janeiro de 1659 juna”

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taram as vozes, antes controladas mas nunca realmente extint as, suas poucas

qualidades tornaram-se evidentes. A esse respeito, nada mais expressivo do

que o comentário de Milton em Eikonoklastes: “De fato, se a raç a dos sobera-

nos fosse a dos homens melhores, como a raça tutbury é a dos melhores cava-

los, seria razoável que só eles comandassem, cabendo a nós obedec er Mas reis gerados por reis de forma alguma têm sido superiores (...)? Co nvocando de volta o jovem monarca em 1660, Monk, sim, é que demons trou habilidade

equivalente à de Oliver, pulando no dorso do cavalo que passava e conduzin-

do-o à vitória. Escrevendo ao irmão, Barbara Slingsby disse que na noite em

que o general se declarou a favor de um Parlamento livr e “a cidade mergu-

lhou no maior júbilo, e a escuridão se iluminou à luz das fogueiras”. No final, Richard preferiu aliar-se às lideranças militares e reconvocar o Parlamento Longo — uma jogada diferente dos estratagemas utilizados pelo pai, cuja forte base entre os soldados garantia um sucesso antecipado. E as palavras que lhe são atribuídas, de que não preservaria à gra ndeza que lhe coubera — “um peso sobre meus ombros” — à custa de san gue, só provam que o sangue paterno muito se diluíra na passagem pelas suas veias.!S Seus últimos meses na Inglaterra, ao lado do pesadelo da dívida pública, foram uma desconfortável descida das alturas ao lugarcomum. Injustamente suas finanças pessoais se misturaram às do Pro tetorado, e, embora o exército finalmente as demarcasse, em Julho de 1659 o Parlamento viu-se na

contingência de lhe garantir imunidades por um semestre. Ele ainda tentou estender o acordo a seus dependentes e expôs-se ao ridículo de adiar a saída de Whitehall — abandonando o poder — com medo de cair nas garras dos

credores que o esperavam no duro mund o exterior. Em abril de 1660 confes

sou a Monk que era obrigado a viver se escondendo par a evitar a prisão. Os pedidos de ajuda que encaminhava trazia m a marca de sua proverbial humildade: “Da mesma forma que não me sin to destinado a grandes feitos, não deveis me considerar destinado à comp l eta ruína.”!” Em algum momento

daquele verão ele conseguiu deixar o sob diversos nomes falsos, inclusive o de John Clarke, &ura não atrapalhou o louco regozijo quando o sol nascente dos Stuart b rilhou mais uma vez: em 29 de maio de 1660, data do seu trigésimo anive rsário, Carlos II voltou. Simboli-

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No continente Richard ocupou o tempo lendo e “desenhando paisagens”.

Suportou O revés com dignidade, se bem que assombrado pelo risco de ser as«assinado por algum zeloso realista. As dívidas continuaram a atormentá-lo e,

quando devido à guerra, em 1666, os súditos ingleses residentes na França re-

ceberam ordens de se retirar, Dorothy foi obrigada a implorar junto aos credores que ainda esperavam prender o antigo Protetor. Em Hursley, ela criou a família praticamente sozinha, segundo um poeta contemporâneo, “livre das 'ncessantes misérias do trono”. Só depois que morreu, em torno de 1680,

Richard pôde voltar à Inglaterra e viver em Cheshunt, no Hertfordshire. Ali o descreveram como “um velhinho asseado e de uma aparência muito plácida”. Derradeira humilhação, as três filhas entraram em juízo contra ele, dis-

putando a propriedade da mãe — não houve nenhuma Cordelia para esse rei Lear. Diz-se que o juiz da causa tratou-o graciosamente, a ponto de receber um elogio da rainha Anne — pois não fora o pobre e solitário velho cavalheiro o titular do governo de toda a Inglaterra? Ao longo de trinta anos — escreveu ele em 1690 — empregou todas as forças na manutenção de seu retiro, discreto e silencioso.!* Faleceu em 1712, mais de meio século depois de ter caído da grande posição a que tinha sido alçado tão sem condições. Em termos gerais, o tratamento dispensado aos Cromwell bem como o acordo referente à Restauração foram bastante humanos. Dadas as dificuldades de adaptação que enfrentou logo após a morte do marido, a /ady Protetora

poderia ter se tornado muito vulnerável. Ela se mudara para o Palácio de St James em dezembro, e em janeiro o novo Parlamento questionou seu direito à pensão vitalícia de vinte mil libras anuais, destinando-lhe outra residência. Destituída da grandeza do marido odiado mas respeitado, Elizabeth nunca gozara de muita popularidade entre os realistas. Suas virtudes eram todas privadas. Não existe qualquer evidência de que tenha recebido presentes dos que

pleiteavam favores de Oliver — a menos que se leve em conta o injusto princípio segundo o qual Qui s excuse s'accuse [Quem se desculpa se acusa). À notícia publicada nos jornais, de que vendera jóias e quadros do acervo pala-

ciano num depósito de fruteiros, respondeu com uma patética petição ao rei, antes mesmo de sua volta, negando a imputação, e implorando a “bondade de

um príncipe” que lhe desse à “proteção sem a qual não podefria] esperar, na velhice, um recolhimento à vida privada em qualquer lugar dos domínios de Vossa Majestade”.”” Cortês com O sexo feminino, o rei permitiu que vivesse sem ser molestada. Um pouco antes dele regressar, ela e Frances acharam

prudente desaparecer — viajando a Gales e à Suíça —, porém mais tarde re” 4

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colheu-se à casa do viúvo de Bettie, John Claypole, em Northborough

Manor, no Northamptonshire, onde morreu em 1665, sendo ent errada na igreja local. O fato é que a família de Cromwell, na ausência de seu augusto chefe, foi

considerada inofensiva. No diálogo entre o fantasma do velho Noll e sua mulher “Joan”, numa alegre sátira anônima publicada em agosto de 1660 e intitulada The Case is Altered or Dreadful News in Hell [Es tranhas mudanças no Inferno], a aparição quer saber o que acontecera dep ois que partira do seu “malvado mundo de tirania” e o que tinha se passado a seus “queri dos pequenos demônios, os príncipes Richard e Henry”. Diante dos temores da esposa, de que poderia acabar na Torre ou na prisão feminina de Bridewell, pergunta: “Por quê? Tu nunca foste cúmplice das minhas hor ríveis vilanias...” E arrogante, menosprezando o pobre Richard, cuja nomeaç ão o surpreende: “Usar uma coroa, usar um cabresto... nunca imaginei que fosse capaz de qualquer dessas coisas. Amava seus cães e falcões, sem dúvida, mas não possuía tino para ser um Protetor Tirânico como eu.” Os procedime ntos oficiais em relação a Henry Cromwell foram igualmente generosos, permitindo-lhe inclusive manter suas terras irlandesas — perdidas, todavia, na geração seguinte; recluso por sua livre vontade em Spinney Abbey, no Cambri dgeshire, ali viveu até a morte no ano de 1674. Coube à descendência de seus sete filhos transmitir o san gue do Lorde Protetor.

Ao contrário dos demais, Mary Fauconberg floresceu ao lado do marido, que saltou sem maiores dificuldades de um regime par a o outro; dama da corte e senhora de propriedades no norte do país, ela recebeu com fidalguia em Newburg no ano de 1665 o duque e a duquesa de York, fugitivos da peste que

assolava a capital. Em 1669 o visconde tor nou-se embaixador extraordinário em

Veneza, e dez anos depois, quando Carlos II ainda reinava, passou a integrar seu Conselho Privado. Guilherme III o fez conde, Morreu muito idoso € coberto de honrarias em 1700. Sem filhos, Mar y intercedeu em favor de sobrinhos e sobrinhas, mantendo sempre a mesma determinação. Um dia, a um ime ridicularizá-la disse ter visto o co rp o de seu pai pendurado num Poste, ela pergun tou friamente: “E daí, senhor?” “Ele fedia de forma abominável”, foi a resposta. “Suponho então que esti ve sse morto”, replicou a grande dama . “Sim» “Também acho, pois de outra forma vos teria feito feder mais ainda.” Du rante o reinado da rainha Anne, as pessoas da corte a encaravam como “uma “

grande e curi.osa peça de an tiguidade”, Ao

envelhecer, o deão Swift observ ou que ela se parecia muito aos retratos do pai.?

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Tal qual Bettie e Claypole, Bridget faleceu pouco depois da Restauração na enterrada Anne, pequena Sua Fleetwood. com sem deixar descendentes

abadia, acabou sendo exumada. O próprio Charles, que por não ter tomado

parte no julgamento livrou-se das penalidades extremas impostas aos regi-

cidas, perdendo apenas os postos de confiança, casou-se uma terceira vez. Houve entretanto descendentes das filhas de Bridget e Ireton — Jane e

Elizabeth. Frances Rich também voltou a casar-se, desta vez de forma apropriada, com 577 John Russell, de Chippenham, herdeiro do amigo de seu pai, sir Francis, e irmão da mulher de Henry Cromwell. É da prolífica família

desse seu segundo matrimônio que vieram tantos Ela mesmo apresentou o mais notável exemplo de brevivendo mais de sessenta anos ao pai, viveu até de Hanover, que sucedeu aos malfadados Stuarts,

irmã, Mary, na Igreja de St Nicholas, em Chiswick.

descendentes do Protetor. longevidade da família: so1721, já em plena dinastia e foi enterrada ao lado da

Assim, a descendência dos Cromwell voltou às origens de que Oliver tanto se orgulhava ao dizer que “nascera fidalgo, tão distante das mais elevadas posições quanto da obscuridade”. Numa passagem que tem seu timbre carac-

terístico, o reverendo Noble comparou a casa do Protetor a um rio, cujas nas-

centes se localizavam nas montanhas de Gales e que, adquirindo a força do

imperial Tâmisa, desviava-se para o noroeste na direção do Huntingdonshire, onde se dividia em diversos afluentes; um deles “cresceu, transformando-se

num tremendo caudal, que, engolindo três poderosas nações, rápida e violentamente espalhou o terror pelo mundo inteiro, e súbita e silenciosamente vol-

tou a muito menos que seus limites originais; deixando atrás de si muitos no-

bres tributários que geraram vários regatos de águas frescas e cristalinas”.?! Muitos se orgulharam disso. O historiador 5. R. Gardiner foi um deles.

O casamento da filha de Frances, Elizabeth Russell, e sir Thomas Frankland,

inoculou o sangue de Cromwell em muitas famílias inglesas, inclusive a dos Worsleys, da qual descende Sua Alteza Real a Duquesa de Kent — cujos fi-

lhos trazem nas veias uma mistura de Carlos I e do Lorde Protetor. O casa-

mento do irmão de Elizabeth, Charles Russell, e Mary Rivers, levou às paredes

da residência oficial dos primeiros-ministros britânicos muitas lembranças e re-

tratos de Cromwell. No geral, parece que a herança é vista com orgulho.

Numa biografia do século XIX, Frederick Harrison repetiu a história que lhe contara uma descendente de Oliver: quando criança, ela era obrigada a fazer penitência no dia do aniversário da morte do rei Carlos, para expiar sua infeliz ascendência.” Aprendera que um peso ancestral acabaria por esmagá-la, F

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ANTONIA

FRASER

“nesse mundo ou no outro”. Entretanto, por mais que investigasse junto aos descendentes vivos do Protetor, a Autora não foi capaz de descobrir nenhum

traço dessa tradição, sequer lembrada. Aparentemente, não terá se generalizado, e de há muito desapareceu.*

Entretanto já não é mais possível afirmar-se descendente do Protetor: a li-

nha masculina extinguiu-se em 1821, quando aos 79 anos morreu Oliver

Cromwell, de Cheshunt, bisneto de Henry Cromwell. Seu genro, marido de sua única herdeira, Elizabeth Olivaria Cromwell, tentou adotar o nome, mas o rei

George III encerrou a questão, sentenciando: “Não, chega desses Cromwel] ,”2* Os descendentes de Elizabeth Olivaria são os Cromwell Bush, que ainda possuem muitos quadros e relíquias, atualmente emprestadas ao Mus eu de Cromwell, em Huntingdon. Há outros Cromwell na Inglaterra, deri vados de

ramos colaterais, os de Oliver, ou do fundador da estirpe, Tho mas Cromwell.

Alguma ramificação de sangue teria sobrevivido no Novo Mundo? Infelizmente está mais do que comprovado que tal possibilidade é míni ma. Os filhos mais jovens de Henry, Richard e William, netos do Protetor, mor reram muito Jovens. Richard, filho de sir Philip Cromwell, só deixou filhas. Assim, na melhor das hipóteses, os Cromwell da América podem ser primos muito remotos de Oliver. Existe uma ligação mais importante, porém, entr e o antigo Protetor e o nome de Cromwell nos Estados Unidos. Um século atrás James Waylen,

que tinha sido secretário de Thomas Carlyle, viajou aos Estados Unidos a fim de fazer um estudo sobre os descendentes do Protetor: lá, procurando através de anúncios nos jornais encontrar pessoas que tivessem o seu nome, descobriu que “com bastante fregiiência pertenciam à raça negra?2º desc endendo de escravos que após a emancipação haviam deixado de se chamar “Tom” e “Nick”, ado-

tando inclusive novos sobrenomes. Bem de acordo aos cost umes vitorianos da época, Waylen considerou isso uma “inocente ambição” - Um século depois podemos ter certeza de que fora um tributo radical.

*O presidente norte-american o, Theodore

Roosevelt, em

própria biografia de Oliver Cromwell, conta a mesma história; revoltado, e tendo em sua vista as honras cuiicadidassdo! descendentes de Carlos II e suas amantes, ele escreveu: “Difícil sa ber se devemos ficar divertidos ou indignados

ante tão fantástica incapacidade de ap reciar o que era realmente no bre e o que era ignóbil.”3

CROMWELL

669

roi um dos que permaneceu no cárcere até o fim de seus dias, apesar de todos os

A sorte. de eu carec toso, Talen lá. de lo tirápara ces Fran de ços devotados esfor

efígie de Oliver Cromwell que ficara em Westminster acabou incinerada; a outra, exposta em Somerset House, pendurada pelo pescoço, em Whitehall, aparente1663 de julho em iona menc a hens Huyg tian Chris que posto u”, mente «cobrevive

do as cham nas ido perec Terá 1682. em s uete Banq dos Casa na » ainda continuava

Museu no está que a mesm a ser pode mas l, loca O ruiu dest incêndio que Ese. ataúd rico o am ruír dest sas ansio Mãos 1738. e desd , ença Bargello, em Flor

am havi que ns home Três ram. basta não ança ving de os ólic simb atos ses pequenos O s. morto de s depoi dele am pari esca não vivos anto enqu sco enganado o carra . tempo muito há o elad cong que ainda e, sangu a queri Parlamento de 1660 is dema os e well Crom ra cont o ençã Conv da to amen Parl Proposta no ; mbro deze de 4 em es Lord dos ra Câma da u volto nra Deso de regicidas, a Lei

pródo os corp os ados exum em foss que riu suge Titus ão capit então, um certo John de e , 1652 e desd o mort n, Ireto y Henr o, genr seu de prio Oliver, os com o mesm o fazer de se touCogi 1659. em ido falec tinha que Bradshaw,

e y, Surre em lo, túmu seu de o izaçã local à s graça mas , restos do coronel Pride

memell, Marv paz. em ficar pôde ele x, lese Midd de ff sheri do uiça preg a dada bro do Parlamento por Hull, relatou que as vítimas deveriam ser levadas “sem e ant dur das ura end dep iam ser e ond , urn Iyb até oça, carr a num po, tem perda de dos a ers div tão za, frie a Ess ”.” lso afa cad do o aix emb s ada err ent algum tempo e

torheróicos sentimentos expressos na Ode fúnebre, escrita havia apenas um ano, Florácio e a nara-se a marca do homem prudente que havia cancelado a Ode a

os ram era sid con ros Out as. tâne cole suas as s toda de rio ersá aniv eiro prim ao Ode

inu-se esso conf s Pepy s. ante choc nte ame vag mo mes até ou os fatos inadequad que ele quieto ante tamanha vileza atribuída a um homem de coragem, “se bem is a merecesse bastante » No dia 29 de janeiro um pedreiro de nome John Lew retirou de seus túmulos os três corpos: pagaram-lhe 17 shillings pelo trabalho.

de ja Igre a para dos ovi rem e s rado nter dese m fora s vere No ensejo vários cadá

m.* Santa Margarida ou lançados à vala comu

via a ng lo a um do en ev Pr s. le mp si ar ol nr se de O sinistro ritual não teve um mente emda vi de o sid ha tin ton Ire y nr He de po cor o , nda rla 1 gem pelo mar da há

ém, por , aw sh ad Br n Joh de O ll. mwe Cro ver Oli de O mo o, m co si ad as balsam

*Foi o magnífico guardião da abadia de Westminster na época vitoriana, o deão Stanley, de Cromwell, sua quem providenciou à reposição da placa que assinala o lugar do enterro escondida pelo hoje ood, Fleetw Anne a pequen a e Ireton ough, Desbor Jane mãe, sua irmã, Cromwell manação Associ a te iormen Poster Force. Air Royal — F À R da tapete da capela a seguinte inscrição: dou colocar uma pedra no fundo da capela de Henrique VII com 661”. “Lugar onde foi enterrado Oliver Cromwell 1658-1

” 4

670

ANTONIA

FRASER

um ano na cova, já estava num avançado estágio de decomposição. Os dois pri-

meiros, levados a uma taverna chamada Red Lion [Leão Vermelho], em Holborn, ficaram sob guarda — daí a lenda sobre os fantasmas que passaram a

assombrar O local; o do magistrado teve que esperar até a manhã seguinte antes

de juntar-se a eles. Foi somente ao alvorecer que se conduziram “aquelas carca-

ças odiosas” — segundo o Mercurius Politicus — através das ruas de Londres, de Holborn a Tyburn, perto do atual Marble Arch. Escolheu-se uma hora de presumível menor afluxo de público, a fim de impedir que os defuntos fosse m

alvo de vilipêndios ao longo do trajeto: destino pior lhes era reservado. Assim

mesmo, muitos puderam apreciar sua passagem, inclusive a mulher de Pepys , ausente por acaso. “Oh, estupendo e inescrutável julgamento de Deus”, comen tou John Evelyn, assistindo ao traslado das múmias envoltas em panos dos mausoléus de Westminster ao patíbulo dos criminosos comuns.

Por volta das 10h, ou pouco mais cedo, de acordo com um dos relatos, as carroças alcançaram Tyburn e “aquela Tríplice Árvore”. Lá, ainda em suas

vestes de sepultamento — Cromwell e Ireton num tecido verde, Bradshaw de branco mas manchado pela decomposição —, penderam da forca. No centro o Juiz presidente da corte que julgara o monarca, e não Cromwell, que o sucedera. Suprema morbidez, às 16h, baixados das vergas, O carrasco decepoulhes as cabeças. A quantidade de tecido em torno do pescoço exigiu oito golpes para cortar a de Cromwell, e seis, a de Ireton. Eliminaram-s e-lhes também os dedos das mãos e dos pés, e de Oliver, uma orelha.” O que sobrou foi parar num fosso debaixo do cadafalso. Levadas a Westminster Hall cinco dias depois e fincadas em postes de carvalho com pontas de ferro, as cabeças ficaram em exposição a fim de horrorizar ou mesmo entristecer a opinião pública, decompondo-se até pel o menos 1684. A coincidente proximidade de uma taberna chamada Heaven [Paraíso] levou alguns brincalhões a debater sobre a localização do Infer no, eventualmente acima do Céu. Milton, em Sansão Agonístico, refletiu a re speito dos diversos tr atamentos que Deus dá ao homem, escrevendo:

Não apenas os degrada, ou conden a

A uma vida obscura, Justa solu ção,

Mas derruba-os, depois de exaltá -los.

Melhor deixar à espada hostil De pagãos e profanos, suas carcaças, Abandonadas aos cães e às aves.

CROMWELL

671

No entanto não cabe tanta tristeza sequer no que diz respeito ao próprio

oliver Cromwell. Ao término de sua última prece, talvez com a presciência

dos moribundos, ele antecipara a desculpa aos que profanariam seu túmulo

— “Perdoa aqueles que desejam pisar a poeira de um pobre verme, pois eles «ambém são teu povo.” Durante toda a vida tinha demonstrado uma curiosa indiferença às aparências, às chamadas coisas não essenciais, concentrando-se no espírito, não na carne. Tais cerimônias nos arrepiam, sim, mas por uma rea-

ção instintiva de dignidade humana contra a grosseria dos que as realizaram,

a mesmo sem atingir o Lorde Protetor. Com certeza ele seria o primeiro

acentuar que só lhes restava isso — seu pó — para pisotear. Idêntica razão nos faz crer na irrelevância de especulações sobre lugares alternativos de descanso de que poderia ter cogitado a fim de livrar-se de insultos após a morte. Conforme se constatou, a perspectiva do fim inapelável só lhe ocorreu nos últimos dias, e o registro pormenorizado de suas horas derradeiras não contém nenhuma instrução desse tipo ou segiiência de pensamentos nesse sentido; acercou-se da religião e só proferiu frases de indulto. Os e, verdad a que do te atraen mais é lenda a e porqu talvez o, entant No boatos se avolumaram. Assim, comentou-se que Cromwell tinha sido enterrado em Naseby, “onde obtivera vitória e glória, e no lugar mais próximo de onde a luta se travara com maior empenho (...)”. A história foi transmitida ao regicida coronel Barkstead, e dele a seu filho de 15 anos, que viveu para frequentar os cafés em 1740 e que a contou a John Banks, autor de uma popular biografia de Oliver. Conduzido ao campo à meia-noite, O ataúde baixara a uma sepultura cavada em sigilo, sob uma plantação de milho. Já no século XIX o reverendo W. Marshall ouviu a versão do último descendente masculino do Protetor, Oliver Cromwell, de Cheshunt. Um século antes sua mãe

escutara um velho serviçal de Richard Cromwell dizer que o cadáver transitaaté ioso,” mister o destin um depois do seguin nt, Cheshu e ngdon Hunti ra por

um local à oeste do campo de batalha, além de Selby Hedges. sr. o s, Time The ao ada tin des cia dên pon res cor a num , nte eme ent Rec o Reginald Paget, membro do Parlamento, relatou que seu pai lhe dissera que carruauma de se vabra lem avô tiocujo , eby Nas em o, velh um ia hec con avô

gem chegando de Londres durante a noite, parando para recolher algumas uma l loca no a havi inte segu dia no lha; bata de po cam ao o rum indo part e pás área cultivada, embora não fosse época de plantio. O pai do sr. Paget indi-

cou-lhe o lugar. É desse tipo de recordações e vínculos populares que se

constrói a maior parte da bela teia das tradições históricas — em oposição Fi

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FRASER

aos fatos. Pode-se contrapor que Cromwell teria escolhido Worcester, “a misericórdia mais alta”, mas isso seria enfrentar especulação com especulação. Em

1646, um ano depois do combate, no esplêndido funeral do conde de Essex, Oliver dissera que gostaria de dormir o eterno sono “deitado num travesseiro da

terra imortal de Naseby”, mas isso fora muitos anos e muitas vitórias antes dele

morrer. Banks também ouvira de uma dama que um conhecido seu presenciara o

corpo do Protetor ser lançado ao Tâmisa, aí pela meia-noite, sob as vistas dos parentes e alguns soldados de confiança, de forma a evitar a “malícia dos cavalheiros”. Histórias assim dependem de um estado de espírito ou de situações concre-

tas que não existiam no momento da morte de Oliver Cromwell. As teorias acerca da troca de cadáveres defrontam com os mesmos argumentos. Uma dessas histórias, talvez a mais grotesca, afirma que ele próprio dera instruções no sentido de que seu corpo fosse colocado no lugar do de Carlos 1 em Windsor; o desmentido veio da forma mais simples: aberta a tum-

ba, verificou-se que o monarca estava sem cabeça. A resposta mais efetiva a tais sugestões foi dada a Pepys por Jeremiah White, capelão de Oliver: questionado sobre a hipótese do Protetor, temeroso de futuras represálias, ter mandado abrir

diversas tumbas em Westminster, ele respondeu sem pestanejar: “Ele nunca teve uma imagem tão ruim de si mesmo para se preocupar com isso,”33 Se tal comentário liquida as suposições sobre a vontade expre ssa de Cromvwell, ainda assim restariam as hipóteses de uma possível substi tuição do corpo ou resgate posterior por admiradores ou algum de seus filhos. Dois fatores, porém, as inviabilizam. Primeiro, não era fácil garantir a abertura se-

creta de uma cripta, e evidentemente não há nada registrado nos livros da abadia. Segundo, visto que um corpo supostamente de Oliver foi levado pelas ruas de Londres, enforcado, exibido e degolado em Tyburn, ficando a cabeça exposta por mais de vinte anos em Westminste r Hall, devemos acreditar que

a urna estaria vazia quando se procedeu à in umação e que outro teve que ser colocado em seu lugar, como sugere E. J. Varley — ou talvez um substituto já Ea que o guardavam. No entanto sabese da aparência mumificada dos restos mostr ados no cadafalso. Decapitados ao anoitecer, pelo menos uma te stemunha, Samuel Sainthill, reco nheceu o rosto de Bradshaw. Personagem mais celebrado da Inglaterra, mort o menos de 18 meses antes, pare ce

pouco provável que a mu ltidão não tivesse nota do

CROMWELL

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Mais plausível é a hipótese de um resgate do corpo perpetrado pelos filhos

conrg onbe Fauc y Mar ez Talv rn. Tybu de atos apar rios somb os os luíd conc após

lane foss pai do eça cab sem po cor o que r edi imp e os dad sol seguisse peltar OS cado à vala comum dos condenados. Sugeriu-se que tendo feito isso ela partiu

epri pro gh, bur New Em . país do e nort o para r áve cad o o and rapidamente lev

dade do marido, ainda existe um estranho túmulo, semelhante a um forno de argila, atualmente situado entre dois andares — devido à reconstrução dos níveis da casa — como um fantasma que transita nos espaços que conheceu em vida. Seria mais provável que estivesse ali do que na Igreja de St Nicholas, em Chiswick, onde Mary foi enterrada e à qual doou um conjunto de cinco sinos. Na época da reconstrução, em 1882, a lenda perdeu credibilidade, mas

recentemente o filho fim a verificação das três esquifes, dois do com claros sinais de ções de moral” sobre

do antigo vigário revelou que seu pai não levara até o galerias em volta do altar.** Constatando a existência de lado sul — de Mary e Frances — e um do lado oposto, desgaste, o clérigo temeu a invasão de multidões e “liCromwell. Detestando o defunto, ele, o empreiteiro e o

burocrata responsável pela fiscalização dos trabalhos decidiram fechar de novo a cripta. Os Fauconberg só se mudaram para Sutton Court em 1670, o

que significaria um segundo traslado até Chiswick.

Sobre a tumba do convento de Newburgh nada ficou provado. O atual prior não a abriu — seu predecessor resistira a fazê-lo, mesmo sob pressão de Eduardo VII. Hoje em dia, com os recursos de que dispõe a ciência, caso se encontrasse um esqueleto do século XVII, sessenta anos presumíveis e sem cabeça, talvez fôssemos tentados a aceitar a lenda de que esse é o local do último descanso de Cromwell. Mas talvez seja mais conveniente admitir que lendas são lendas, românticas, insuscetíveis de exames acurados, e que descobrir um túmulo vazio poderia retirar de Newburgh a sua aura. Assim, continuaremos a supor que o corpo do Protetor encontra-se no fundo do poço sob o velho Tyburn — não no lugar marcado pelo Marble Arch, onde está a pla-

ca, mas na junção de Connaught Place e Connaught Square. O destino da cabeça é conhecido, embora estranho. Na ponta do ferro em

Westminster Hall até 1680, a história conta que uma terrível tempestade a der-

nesenti das uma por hida recol foi que e II, s Jame de do reina do fim no rubou, las que a reconheceu € à levou para casa. Vendida pela filha do soldado a uma

família do Cambridgeshire, passou às mãos de um tal Samuel Russell, ator dissoluto e bêbado, que a trouxe de volta à luz: em 1780 Jamex Cox a viu e com-

prou-a, destinando-a a seu museu. Acabou vendendo-a a três especuladores, que

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pagaram 230 libras, exibindo-a na época da Revolução Francesa como uma curiosa relíquia republicana. Depois disso passou pelas mãos de John Reisnah Wilkinson e Canon Wilkinson, que a legou ao Sidney Sussex

College, que Cromwell frequentara, em Cambridge. Antes de alcançar seu descanso final, porém, a peça sofreu múltiplas investigações científicas que atestaram sua antiguidade. Exibida no Instituto Arqueológico Real em 1911, na década de 1930 foi submetida às pesquisas de Karl Pearson e do dr. Morant, que em sua notável Biometrika [| Biométrica] demonstraram que tinha sido trepanada — técnica característica dos emba-

Isamamentos no século XVII — e posteriormente decapitada por uma série de

golpes.”* Não é necessário acentuar a extraordinária coincidência dos dois fatos, de resto pouco comuns. A cabeça em si, com cerca de 17,5cm e uma capacidade de 1.500cmº, coaduna-se perfeitamente à aparência física de Cromwell, mostrando inclusive uma depressão que corresponderia exatamente à verruga que lhe encimava o olho, e pertencera a um homem de cerca de sessenta anos. Um famoso cirurgião considerou a evidência de Morant e Pearson, excluindo qual-

quer hipótese de falsificação, em que pese à falta de dados sobre a proveniência

do crânio: “Quem o tivesse forjado conheceria todos os detalhes acerca do embalsamamento no século XVII, facilmente identificados na cabeça de Cromwell. Seria necessário, antes de mais nada, embalsamar todo o corpo —

um que contasse a idade adequada — e só depois decepar a cabeça, dotad a de

um bigode e uma pequena barba, e uma verruga acima do olho. Tal coisa [isto é, a falsificação] não merece ser considerada3? Acatando essa análise, a instituição de Cambridge decidiu dar um enterro apropriado à cabeça, escolhendo um local próximo à capela. Com uma precaução que Oliver Cromwell não demonstrara, decidiu-se evitar possíveis molecagens de estudantes brincalhões ou atos de vandalismo praticados por

realistas e colocou-se uma placa oval à esquerda da entrada da Igrejinha, onde se inscreveu: “Perto daqui, em 25 de março de 1960, foi enterrada a ca-

beça de OLIVER CROMWELL, Lorde Protetor da Comunidade da Ingla-

terra, Escócia e Irlanda, que estudou neste college em 1616-1 72. O lugar exato, mantido

sob rigoroso sigilo, ficou registrado, de tal sorte que o segredo

não desaparecerá depois da morte dos participantes dessa última discreta cerimônia, realizada

mais de três séculos após a morte do Prot etor

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caráter chegarão a se dissipar algum dia, tão numerosas e diversas são as

virulência contra ele não morreu, nem A u. alvitro a históri sua que uestões q tampouco a admiração que suscita. À historiografia a seu respeito constitui

em si um assunto interessante — ainda que em separado e não necessariamente relevante no contexto desta obra. Basta dizer que as diversas obras escritas sobre o homem contêm tantos ensinamentos quanto ele próprio propi-

ciou. Uma das frases mais verdadeiras sobre sua reputação, da lavra de Richard Baxter, reza que, “conforme os interesses dos que o julgam, nenhum

(simples) homem foi mais bem ou mal falado do que ele”. Fascinado ante tais avaliações divergentes, um ensaísta disse em 1938: “Se os historiadores pudessem escrever romances, Cromwell seria um personagem e tanto.??* Situações históricas comparáveis — um governo pessoal, uma tirania, uma ditaduta ou, em outra direção, uma guerra civil, uma revolução — têm renovado a

atenção na busca de paralelos com a Inglaterra do século XVII em geral e a carreira de Oliver Cromwell em particular. Cada época dá origem a novas

tendências, e nada é mais natural.

A par dos estudos de história, e mesmo após centenas de anos, o nome de Cromwell jamais deixou de provocar reações do mais puro ódio. No século XIX um projeto de decoração dos Comuns, prevendo uma série de estátuas de soberanos ingleses, acirrou-se quando seu nome foi apresentado. No final, os que não o desejavam venceram, excluindo do recinto sua imagem de governante. No final do século, por ocasião do terceiro centenário do seu nascimento, O governo ressuscitou a idéia mas acabou derrotado, no último momento, pelos membros irlandeses da Câmara dos Lordes. O primeiro-ministro, /ord

Rosebery, comentou que teria sido “mais gracioso e justo” que as posições se

explicitassem antes da estátua ficar pronta e o pedestal colocado no lugar. No palanque da cerimônia de inauguração, realizada em Parliament Square, estiveram presentes /orZ Rothschild, sir Samuel Montagu e o sr. Benjamin Cohen, testemunhando o julgamento dos judeus sobre as boas-vindas do Lorde Protetor aos de sua raça. Discursando, /ord Rosebery referiu-se a Oliver como um “criador, alguém que muito contribuiu para manter o poder

do Império da Inglaterra”, e sustentou que o imperialismo inglês não se ori-

ginava na “paixão pelo domínio ou [nJo orgulho do poder, correspondendo

muito mais ao ideal de Oliver Cromwell (...) sua fé em Deus e na liberdade, e [nja influência da Grã-Bretanha

em ambas as afirmações” — uma avalia-

ção que o Lorde Protetor teria apreciado muito. Unica naquele lugar, em tamanho maior do que o natural, a estátua é alvo de muito mais atenção do que

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os soberanos, postos lado a lado, numa galeria interior, muitos deles esqueci-

dos — e mais apropriada a alguém que nunca foi rei, mas singular.

Assinalando o caráter tão paradoxal do personagem, no dia 3 de setembro de 1969 — data de sua morte — a coluna de notas pessoais de The Tj-

mes publicou duas opiniões francamente divergentes. Uma delas lembrava o grito de guerra de Dunbar, extraído dos Salmos: “O Senhor dos Exércitos

transforma nossos inimigos em palha”; a outra, intitulada “Cromwell”, dizia: “Pela condenação eterna de Oliver. Sedicioso, traidor, regicida, racista,

protofascista e fanático blasfemo. Deus salve a Inglaterra de outros simila-

res.” Essa dicotomia impregna toda a sua carreira de homem de ação, e que como tal atingiu seus momentos mais sublimes. Foi a decisiva rapidez de seus julgamentos militares, sua brilhante e rápida concentração na batalha que lhe trouxe a merecida ascensão à fama e fortaleceu sua posição no Parlamento, levando-o aos mais altos cargos do país. Como político, e mesmo

após alcançar o poder supremo, essa capacidade de decisão induziu-o a dissolver o Rump, elevou-o ao trono do Protetorado e permitiu que detivesse os assaltos ao comando que exercia intentados por diferentes Parlamentos. Provavelmente foi essa qualidade tipicamente cromwelliana que atraiu outros homens interessados na manifestação de força no campo político a estuda r sua vida — ingleses, como John Morley e Isaac Foot, e o norte-americano Theodore Roosevelt. Em contrapartida seu retrato de homem forte, sem dúvida verdadeiro, afasta-nos de nuances sutis e acima de tudo omite o diálogo que travou consigo mesmo ao longo da vida sobre as intenções do Todo-Poderoso e que o levou a períodos de indecisão tão do o título de Homem de do inclusive a divulgação povo inglês, também fazia

prolongados e dolorosos que poderiam ter-lhe subtraíAção. Seu amor pelos interesses protestantes, abarcanreligiosa e o cuidado com o bem-estar espiritual do parte da natureza de Oliver, e ele sempre desempenhou

papéis fortes, mesmo quando indeciso. Comentando suas obsessões, o autor do relato sobre as últimas horas que viveu, disse que “ninguém jamais conhec eria me-

tade do seu valor de grande cristão e servo de Deus”.

Paralelamente à atitude implacável que sustentou em determinadas circuns-

tâncias, deve-se levar em conta sua bondade, a preocupação e clemência ante os fracos e oprimidos, bem como o cuidado abstrato que demon strou, já no Prote-

torado, acerca da melhoria das condições gerais de vida da popula ção, que deveria ser objeto das atenções e não da , nando as qualidades que fizera m dele uma figura tão Esdencial à nação Milton 41 ssoal*t!

mesmo

em conversas

CROMWELL

677

privadas, sempre atribuía a Deus e aos soldados os triunfos alcançados nos

campos de batalha. Tinha sentimento de família e um profundo carinho pelas

crianças, não só atraente, mas humano. Cortês com as mulheres, muitas delas eram suas amigas. À amizade mesmo devotava tanto tempo e arte que homens de diferentes opiniões não deixaram de lhe tributar carinho e afeto. Finalmente, seu amor à Inglaterra, ao campo inglês, aos esportes ingleses — cavalos, cães e

fAilcões de caça — completavam-no, aproximando-o dos súditos.

O somatório desses atributos sinaliza um charme irresistível, mas não nega o lado escuro — digamos assim — de sua personalidade: a fúria maníaca que o

conduziu nas batalhas e que o levou a ordenar o assassinato de padres irlandeses e a morte do rei, sem o mínimo remorso. Todavia, contrastando personali-

dades que atingiram posições de mando, antes e depois, seus contemporâneos admitiam que ele não era um homem sedento de sangue. Antes, tendo estabelecido padrões mais elevados, por isso não foi julgado tirano ou ditador, e sua fibra imensa passou despercebida. Com os inimigos “não usava de nenhuma severidade fora do comum, como tantos o faziam e alguns esperavam”.*? E seus súbitos acessos de raiva — ele também os consideraria um sinal de Deus — . talvez lhe servissem para cortar o nó górdio que o prendia às indecisões. Um homem desse porte precisaria defender-se de constantes acusações de falsidade, particularmente quando as circunstâncias o favoreciam. Ele já afirmara ignorar aquilo que almejava, mas como aceitar que um Ícaro tão bem-suce-

dido não mirasse o sol? Oliver Cromwell não era hipócrita no sentido conven-

cional e arraigado do termo, mas como tantos personagens dotados de arrojo

pessoal costumava criar significados para o que fazia. No prólogo de The Perfect Politician [O político perfeito] Henry Fletcher citou um brocado latino

bastante oportuno: Qui nescit dissimulare, nescit Regnare [Quem não pode dissi-

mular não pode reinar]. Baxter pronunciou um cauteloso veredicto a respeito:

“Ele supunha que o segredo fosse uma virtude, e a dissimulação não chegasse a ser um vício, e a simulação, em bom inglês sinônimo de mentira ou perfídia, uma falha tolerável em caso de necessidade.” A verdade é que raros políticos conseguem evitar sempre o argumento de que os fins justificam os meios. Cromwell possuía em grande medida uma qualidade que o ajudou na car-

reira, deixando-o no entanto aberto a acusações de maquiavelismo: a habilidade de compreender as pessoas. Bate escreveu que “ninguém conhecia os

homens melhor [do que Oliver |”, e isso estimulava os soldados, contribuindo na fundação do Exército de Novo Tipo. Podia sentir e inspirar familiari-

dade sem sacrificar a estatura. Mais tarde, no governo, foi bem servido por

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Thurloe, pelos excelentes administradores escoceses e antigos realistas, mas eficientes, como Broghill, Fauconberg e Lockhart. De certa forma, sua finesse ao tratar os camaradas era uma expressão de inteligência. Muitos embaixadores estrangeiros

tiveram oportunidade de observar sua “sagacidade” e “sabedoria”. Em várias ocasões Whitelocke testemunhou a rapidez e a sutileza de seu pensamento.** Genial-

mente, identificava o rumo a seguir, analisando as idéias e ações dos que o rodea-

vam. Desde 1645 sir William Waller percebera seu cuidado de falar, extra indo

informações, até estar inteirado dos mínimos desejos do interlocutor. Não sendo erudito, lendo pouco mas com profundidade, habituou-se a manter suas referências. O fato de ingressar ainda jovem no Parlamento e relacionar-se tão rapidamente e bem, participando de comissões — essa sociabilidade —, comprovou definitiva-

mente seu intelecto, muito mais do que os discursos que fez, fascinantes, parecendo trovoadas, mas que não lhe granjearam a fama de grande orador. Da mesma forma, suas cartas, às vezes de simplicidade e tristeza tocantes, são tortu osas demais e não merecem qualquer aclamação literária. Seu espínto volteava eventualmente num espaço místico, jamais intelectual. Corolário da imputação de hipocrisia, a de ambição ilegal e ilimitada é mais

difícil de responder. Ao contrário dos que pressentem o pesado manto da grand eza sobre os ombros, Cromwell mostrou-se um soldado hábil e disciplinado, nem um pouco soberbo, tanto que insistiu com Fairfax para que aceitasse o coma ndo na Escócia e dificilmente teria provocado Manchester por outras razões que não fossem militares. Dadas as circunstâncias de sua ascensão, na meia-idade , os que o elogiam preferem considerá-lo como um homem que atendeu ao chamamento

|

do país em vez de alguém interessado em abrir caminho até o cume.

Contudo, durante a guerra civil, foi cegamente dominado por uma concep-

, ão pessoal de justiça que ele pôs tanto vigor e empenho na luta. Tentando opear as mudanças — ao buscar a paz através da guerra, como estava inscrito em

sua divisa —, mostrou-se absolutamente convicto da noção revolucionária de tomar armas contra O rei, enquanto outros fugiam do confronto no início e se preocupa

vam com as consegiiências no final. Isso estabelece mais um paradoxo:

líder de uma revolução, acabou representando a lei e q ordem, colocado diante dos problemas que havia criado — um fato raro, sem dúvida.* Mais e mais, à medida que as sombras do Protetorado se avolumavam, Cromwell viu-se

obrigado a usar os mesmos expedientes financ eiros e políticos que antes considerara ca racterísticos de uma tirania arbitrária.

*Lenin e Castro passaram por exp eriências similares, Trotski, é claro

não sobreviveu E

CROMWELL

679

O malogro de tal perversão não decorreu do poder absoluto mas de cir-

e caráter próprio o r reconstitui conseguiu jamais Ele cunstâncias jnarredáveis. viver em paz. Famoso por sua tolerância pessoal e pelo vigor com que combatia

a igreja anglicana, temia ser obrigado a impor censura às minorias dissidentes, que a seu ver desrespeitavam a lei e a ordem. Daí nunca ter deixado de

enfatizar, em discursos e conversas, o quanto a liberdade de consciência florescera sob o Protetorado — mais do que nunca, ele dizia, em toda a história da Inglaterra. Contudo continuava preso à preocupação acerca daqueles incapazes de acatar as providências e dispostos a enfrentá-lo. A mesma filosofia espiritual

que o confortara durante a guerra tornou-se fonte de angústias: nas batalhas a vitória sinalizava a vontade do Senhor, mas na paz os indícios escasseavam. Certamente não estavam nas sucessivas dissoluções do Parlamento, na algazarra

dos quacres, nos levantes dos partidários do rei; assinalavam, talvez, sua política

externa e colonial. Assim, tão pouco satisfeito, à mercê do homem de introspecção, o homem de ação ficou impossibilitado de descanso. Não se pode dizer evidentemente que Cromwell possuía “dois espíritos

que o assistiam, um bom e um mau”: só existe um espírito verdadeiro em

cada homem, por maiores que sejam suas dúvidas e contradições. No entanto é natural que as personalidades torturadas atraiam maior simpatia, pois é mais abundante a herança que nos deixam. Há justiça tanto nos radicais que o apontam como descendente do soldado entusiástico e do político iniciante,

quanto nos conservadores que o consagram, já no Protetorado, defensor do status quo e a favor da lei e da ordem. Seus dois legados mais citados são o

traço de inconformismo tipicamente inglês — uma consciência não confor-

mista —, origem da probidade e da integridade que, segundo sir Charles Firth, “deitaram raízes e vicejaram sob o governo de Oliver Cromwell?,* e a Ojeriza à gestão militar, fruto da experiência tida com os generais. Difícil

avaliá-los, posto que o balanço da vida de um homem pode ser extremamente

negativo. Ademais, não passa de especulação a idéia de que a Grã-Bretanha teria suas estruturas abaladas, caso as posições da época das guerras civis não

tivessem se alterado, determinando o papel restaurador que Oliver assumiu. Um homem pode elevar-se a partir de uma herança modesta e graças às suas próprias € extraordinárias qualidades desafiar os poderosos — Cromwell provou isso. Seu espetacular desafio bem-sucedido, aliado ao sentimento geral de que o posto lhe cabia — pelo menos de facto —, tornou-o admirável, inclusive aos olhos dos mais relutantes contemporâneos. Segundo sir John Reresby, realista, ele teria sido

“um dos maiores e mais bravos homens que o

680

ANTONIA

FRASER

mundo jamais produziu, não fosse a injustiça da sua causa”, Apesar das con-

trovérsias que suscita, a existência de um homem de tal envergadura constitui

um legado duradouro para a vida pública e a história da Inglaterra. De fato ele atingiu um patamar do qual estaria em condições de estender a mão na direção da coroa, o mais antigo símbolo da autoridade, e, triunfo final, rejeitá-la sem todavia arriscar o poder. Robusto e ameaçador, ele nos observa através dos séculos — fonte de ins-

piração para os soldados, para os revolucionários, de mágica confiança. Ainda

há muito por fazer. Nos últimos anos de vida, sua voz pode rosa se ergue e nos fala de esperança — homens assim podem existir, e exis tem realmente,

tornando-nos mais atentos à honestidade governamental e conf iantes na luz das lideranças, quaisquer que sejam suas falhas, na prática, e apesa r da cautela que fatalmente lhes empanará o brilho. Enquanto a influência individual no curso da história for algo merecedor de estudo, o caráter de Oliver Cromwell não será relegado. Acreditando que os heróis sempre nos serão enviados, Carlyle considerava importante cultuá-los. Uma época mais fria negará a Cromwell tal epitáfio, porém não deixará de preservar sua gran deza, reconhecida até pelos inimigos. Considerando todos os seus defeitos e paixões, bem como os planos que engendrou, mas distante de qualquer noção de heroísmo, seu próprio criado, John Maidston, disse: “Alma maior do que essa poucas vezes terá habitado uma casa de barro.”

ese Rosa Notas

Autores e/ou títulos estão indicados da forma abreviada e mais conveniente: maiores detalhes

deverão ser encontrados nas referências bibliográficas, em ordem alfabética — pela primeira letra da abreviação empregada. Para periódicos, só estão indicadas as primeiras datas. MSS = manuscritos "n = nota de pé de página

| UM CAVALHEIRO NATO

1. C S.

PR Domestic, 1625-49, p. XLI, 755; Partridge; Sanford, Studies, p. 180; Brief

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3. 4. 5. 6. 7.

8. D. N. B.; Flecknoe, p. 2; Abbott, III, p. 452. 9. Gibb, Lilburne, p. 92. 10. Heath, Flagellum, p. 3; Waylen, p. 1 e seguintes.

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13. Lyfr Baglan, pp. 127-28.

14. Noble, I, pp. 3 e 229. 1S. Noble, 1, p. 11. 16. Firth, Oliver, p» 3.

o

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Abbott,

Í, P-

30.

. Noble, 1, pp- 92-4: IV, p. 603. Milton, Masson, .

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ANTONIA

682

23. 24. 25. 26. A 28. 29. 30. Sds

FRASER

Heath, Flagellum, p. 4.

Beard, Theatre, p. 7; Paul, p. 24.

Beard, Retractive, dedicatória.

Heath, Flagellum, p. 5. Burnet, History, I, p. 68; Carrington, p.4. Ver Scott-Giles, Sidney Sussex. Scott-Giles, Sidney Sussex, p. 31. Heath, Flagellum, p. 7; Carrington, p. 3 e p. 344. Abbott, I, p. 31.

2 SEUS PRÓPRIOS CAMPOS

Se

GM) TS

- Fletcher, p. 2; Reliquiae, 1, p. 98; Warwick, p. 249; Fletcher, p. 3. Heath, Flagellum, p. 8. Fletcher, p. 2; Portraiture, p. 8; Heath, Flagellum, p. 9; Carrington, Pp: 5. Brunton e Pennington, p. 6; le Wright, Exact Character, p. 35. Newton, Colonizing, I, p. 65.

RO 00

Manuscritos Guildhall, 6419/2. Court ES Kitchen; Heath, Flagellum, p. 165. Nickolls, Letters, p. 40. - Abb : ott III, p. 478 e p. 31; Noble, I » P: 126; Court €& Kitchen, p. 15; Hutchinson, p. 59.

10. ll. 12. 13. 14. 15. L6. 7. 18. 19. 20. 21. 22. 23. 24, 25.

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Warwick, p. 249; Symcotts, p. 76.

Abbott, I, pp. 93, 96n e 97.

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Calvin, III, p. 438; Chandos, p. 291; Burnet, : History, »P p. 71. Reliqui 172; p. Court, Zagorin, 2; p. 26. Simpson, GE,

I,

6; j Court, p. 173, n. 1. Zagorin, P. . 6;

C. S. P Domestic, 1631-33, p. 23; Abb ott, I, p. 69.

Abbott, I, p. 70; Scotland and the Protectorate, p. 82; The Quee n, Brief ; Lives, II, p. 37; Gardiner, Commonwea tth, II, p. 83. Carrington, Preface. Wedgwood,

King's Peace, p. 133.

1653

|

CROMWELL

683

O da

fe

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3 ms

+ CRESCENDO PARA A AUTORIDADE Abbott, 1, p. 77.

Owen, Correspondence, p. 7.

Mathew, Charles 1, p. 123; Hacket, II, p. 212; Heath, Flagellum, p.14. Abbott, 1, p. 80.

|

Newton, Colonizing, p. 45 e seguintes. Story of the Embarkation; Magnalia, I, p. 23.

Darby, Draining, pp. 42, 49 e 55. . Albright, Entrepreneurs, p. 57.

e, 1, Dugdale, p. 460; C. S. R Domestic, 1637-38, p. 493; 1631-33, p. 501; Fen Offic

fes

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pao

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co

1

p. 82. Dugdale, p. 459; Bate, II, p. 238; Heath, Flagellum, p. 16; Abbott, I, Clarendon, I, p. 420; Newton, Cotonizing, p. 179. Eclesiastes, Arquivos Leiger Bk. EDC 2/4/2, fólios 94v-96v. Ecclesiastes, registros comunitários XII a/7/162-177. “ N. L. Scotland MS, 546; Carlyle, I, p. 75. Ver Darby, Draining, p. 27 e seguintes. . Ver Albright, Entrepreneurs.

17. 18. 19, 20. 21. 22. 23. 24. 25. 26. 27. 28. 29, 30. 31. 32. 33. 34, 35, 36.

fólios 148 e 179 (má qualidade). Firth, Oliver, p. 34. Lamont, Prynne, p. 39. Gardiner, England, VIII, p. 279. Donaldson, Scotland, p. 302 e seguintes. Gillespie, Dispute, 1637. Donaldson, Scotland, p. 311. Heath, Flagellum, p. 17. Slingsby, p. 11. Clarendon, VI, p. 92; Abbott, I, p. 109.

Abbott, I, p. 107.

Account of Last Hours, p. 11; Abbott, 1, p. 287. Gardiner, England, IX, p. 101n n. 2. Abbott, 1, p. 114. Whitelocke, 1, p. 107; Evelyn, 1, p. 15. Brunton e Pennington, p. XIII e seguintes. Hutchinson, p. 308. Warwick, p. 247. , I, p. 90. Noble, 1, p. 292; Piper, P- 30; Religuiae Fleckno, p. 66; Carrington, p- 243. Bulstrode, p. 192.

4 GRANDE REPRIMENDA F 2. 5. 4. 5.

Abbott, I, p. 130.

p. 89. Clarendon, Life, I, Abbott, 1, p: 124. le, p. 11. Yu 4; 25 Pr, to ec ot Pr rd Nuttall, Lo Abbott, 1, p- 125:

684

ANTONIA

FRASER

=] OD

- Abbott, I, p. 126.

- Abbott, 1, p. 127.

o

« Dering, p. 62; Clarendon, I, p. 366; Rowe, Vane, p. 191. 9. Abbott, I, p. 140 e seguintes. 10. Abbott, I, p. 133.

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12. 13. 14. 15.

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17. D'Ewes, editado por Coates, p. 121; Cartório de Registro s Públicos, Q/SR. T. 1642, fólio 61, e Q/SO. F, p. 132. 18. Abbott, II, p. 107. 19. Parlt. Hist., X, pp. 60-88. 20. Clarendon, I, p. 420.

21. Pearl, p. 3 e seguintes.

22. Abbott, I, p. 147. 23. D. N. B.; Clarendon, I, p. 400; Gardiner, England, X, p. 140.

24. Irevor-Roper, Religion, p. 294 e seguintes.

25. Ver Hale, Incitement; Chandos, Pp. 369; Clarendon, II, p. 321. 26. MacCormack, pp. 30-31.

27. MacCormack, Apêndice, p. 47. 28. Verney, I, p. 252.

29. Warwick, p. 177. 30. Davies, Early Stuarts, p. 126; Clarendon, II, p. 171; Bowle, p. 321 e n.

31. 32. 33. 34. 35. 36.

Abbott, I, p. 180 e seguintes. Portland, I, p. 44. Zagorin, Court, p. 329. Clarendon, II, p. 291. Firth, Cromwell's Army, p. 230; Wedgwood, King's War, p. 53. Zagorin, Court, p. 341; Milton, Second Defence.

5 NOBRE E ENÉRGICO CORONEL CROMWELL

O O ta pe tod O pa

« Clarendon, IV, p. 305; Theauro John, 1652,

- Firth, Oliver, p. 29; Abbott, I, p. 35. Robert, Military Revolution. Firth, Cromuwell's Army, Cap. I; Baldock, pp. 23-35. Chevinix Trench, pp. 135-148; Cruso, P. 34 e seguintes.

Abbott, I, p. 262. Abbott, I, p. 299.

+ Dore, p. 23,

9. Carte, 1, p. 10.

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CROMWELL

685

13. Abbott, 1, P. 204. . 14. Royal Martyr Annual, 1970 es

R Venetian,

16. Abbott, I, p: 210.

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17. Vicars, God, p. 273.

, 1, p. 98. 18. Whitelocke, 1, p- 193; Bruce, Quarrel, p. 72; Reliquiae

19. Stearns, p. 249; Hutchinson, p. 184; Reliquiae, 1, p. 57. 20. Paul, p. 67; Nuttall, Lord Protector, p. 253; Firth e Davies, II, p. 35.

21. Cromuwelliana, p. 5.

22. Abbott, 1, p. 230. 23. Smith, Image, p. 27. tes; Waylen, in , gu gh se e 2 ou p. or rb , te on Pe nt ; Gu 43 16 de il abr de s, 28 cu s li iu Au ur rc Me 24. p. 8; Mercurius Rusticus ou Barbarous outrages, p. 25. 25. Mercurius Aulicus, 7 de maio de 1643. 26. Abbott, I, p. 270; Walker, Sufferings, II, p. 23. 386; y p. S, ur MS sb li Sa , 2; nt 37 me p. te ci , In le Ha , ; 71 ck p. co ll Wi 7; 17 y, p. le an 27. St Evelyn, 1, p. 43. 28. Nuttall, Iconoclast?, pp. 51-66. 29. Scholes, p. 234. 30. Abbott, I, p. 236. 31. Hill, God's Englishman, p. 66. 32. Abbott, I, p. 240. 33. Beckwith, p. 13. 34. Abbott, I, pp. 240 e 244; Baldock, p. 105. 35. Museu Cromwell MSS.

36. Abbott, I, pp. 247 e 253.

37. 38. 39. 40. 41. 42. 43.

Abbott, I, p. 256. Carlyle, I, p. 128 (palavras omitidas em Abbott, 1, p. 248). Sprigge, p. 48; Masson, IV, p. 601. Scholes, p. 272. Man in the Moon, 1º de agosto de 1649. Yule, p. 43; Clarendon, III, p. 34. Abbott, I, p. 272.

44. Abbott, I, p. 256; pp. 264 e 262.

45. Ver Brown, Baptists; Baillie, II, p- 170. 46. Abbott, 1, p. 276. 47. Abbott, 1, p. 277.

48.

Gardiner, Civil War, 1, p- 314; Waylen, p. 9.

49. Whitelocke, 1, p. 275. . 50. Young, Marston Moor, pp» 86-8 51. Sprigge, p. 12; Wedgwood,

King's War, p. 335.

6 FLANCO DE FERRO

1. N. , 67 p. s, le tt Ba , h c y 1. Woolr

s s a e n t s H / ; h c y r l o o W 9; 22 e 6/ 10 . pp , r o o M s o v r e M g n u o Y 24 11 s. te py in b a gu g se n 2,3. YoSluni g, Marston Moor, p. 32 e

ANTONIA

FRASER

- Newcastle, pp. 75-81; Woolrych, Battles, p. 71; Baillie, I, p. 213. Ashe, Continuation, p. 5; Young, Marston Moor, p. 230. Young, Marston Moor, pp. 123 e 230.

Clarendon, III, p. 375; Whitelocke, I, p. 277; Woolrych, Battles, p. 73, n 1.

Slingsby, p. 113; Young, Marston Moor, p. 130. Carte, I, p. $8. Toung, Marston Moor, p. 231. Young, Marston Moor, p. 262. Hargrove, p. 351; Abbott, II, p. 287. Ludlow, 1, p. 100; Woolrych, Battles, p. 78.

-

- Rosebery, p. 19. « Abbott, I, p. 287.

- Firth, Marston Moor, pp. 49 e n; Thomas, Berkenhead, p. 70.

» Carte, 1, p. 58, €C. S. P Venetian,

« + « -

1643-47, p. 117.

Ludlow, I, p. 199; Whitelocke, I, p. 277; Young, Marston Moor, p. 232. Young, Marstor Moor, p. 214. Woolrych, Battles, p. 81. Baillie, II, p. 208; Young, Marston Moor, p. 234. Baillie, II, p. 229; Reliquiae, 1, p. 278; Warwick, p. 246. Abbott, I, pp. 291-92. Bruce, Quarrel, p. 72. Ver Kaplan, Plot. Abbott, I, p. 294. Bruce, Quarrel, p. LXII. Bruce, Quarrel, p. S2; Luke Letter-Books, p. 79. Bruce, Quarrel, p. 93. Abbott, I, p. 300. Clarendon, III, p. 451; Luke Letter-Books, p. 89.

- Bruce, Quarrel, p. 78 e seguintes.

- Bruce, Quarrel, p. 59 e seguintes. «- Whitelocke, I, p. 346.

- Abbott, I, p. 314: Clarendon, III, p. 453.

- Baillie, II, p. 247; Wedgwood, King's War, P. 390 e nota da página 666.

- Clarendon, III, p. 460; Whitelocke, I, p. 353. « Firth e Davies, 1, pp. XVII -XVIII; Vicars, Burning Bush, p. 133; D. N. B. - Whit I, p. 389. elocke, - Firth e Davies, I, pp. 57-8.

- Perfect Passages, 7 de maio de 1645. . Chandos, p. 429.

. Waller, Recollections, p. 124. Abbott, 1, pp. 339 e 348. - Holles, p. 35; eg. Hill, God's Englishman, p. 74.

. Sprigge, p. 12.

7 VITÓRIA FELIZ l. Abbott, I, p. 350. 2. Dore, p. 28; Abbott, I, p. 348.

CROMWELL

AU

EU

Sprigge, p. 27; Abbott, I, p. 352. Cromwelliana, p. 18.

DO 10. 11. 12. 13. 14. 15.

Firth, Cromwell's Army, pp. 63-6. Whitelocke, 1, p. 415. Woolrych, Battles, p. 122. Sprigge, p. 34.

Sprigge, p. 34; Woolrych, Battles, p. 124.

Sprigge, p. 43; Abbott, 1, p. 365. Tibbutt, 0%y, pp. 10-11. Slingsby, p. 165. Wedgwood, King's War, p. 455. Abbott, I, p. 360. C. S. P Venetian, 1643-47, pp. 195 e XIX; Whitelocke, I, p. 450; Sprigge, p. 45; Thomas, Berkenhead, p. 243.

16. 17. 18. 19. 20. 21. Zé 23. 24. ES. 26. 27. 28. 29, 30. SL, 32. 33. 34. 35. 36. 57. 38. 39,

Treen, Rugby, 1, p. 51. Clarendon, IV, p. 46. Abbott, 1, p. 365; Slingsby, p. 93. Luke Letter-Books, p. 578.

41. 42. 43.

Whitelocke, II, p. 540.

Abbott, I, p. 360.

Religuiae, I, p. 50.

Abbott, I, pp. 382 e 363. Abbott, I, p. 364. Whitelocke, I, p. 482; Abbott, 1, p. 369. Sprigge, p. 112; Abbott, I, p. 371. Sprigge, p. 111; Abbott, 1, p. 377.

Abbott, 1, p. 377. Sprigge, p. 130.

Ver K. J. Lindley, Catholics in the Civil War.

Sprigge, p. 139 e seguintes. Firth, Cromwell's Army, App. H., p. 395; Sprigge, p. 141. Holles, p. 17; Abbott, I, p. 386. Abbott, I, p. 392.

Abbott, I, pp. 68, 69, 395, 398 e 426n. p. 32. Gouge, Domesticall Duties, 198; Hutchinson, p. 339; Ramsey, Studies,

Abbott, 1, p. 416; Margoliouth, I, p. 130. Abbott, I, p. 395. Clarendon,

IV, p. 191; Abbott, 1, pp. 401-2.

Owen, Correspondence, p- 23p. 146. s, le ho Sc 19; p. , ck to ns Wi 9; 40, Hodgson, p. 12

, P- 344. Baxter, p. 57; Carrington IV,

p. 192.

- Hutc 45.

Ad

Abbott, 1, p. 416.

ss

688

ANTONIA

FRASER

8 BRIGANDO ENTRE SI

Al

-

Brett-James, p. 447. - Cromwell House.

Tonnies, Behemoth, p. 104; Brett-James, p. 277.

Rushworth, VI, p. 140; Abbott, I, p. 408.

DOJAU

« Abbott, I, p. 410. - Burghclere, I, p. 82.

Ver Rinuccini, Embassy, p. 241 e seguintes. Stanley, p. 206; Whitelocke, II, p. 88. Abbott, I, p. 241. 10. Abbott, I, pp. 426 e 428. 11. Abbott, I, p. 429.

12. Ludlow, I, p. 144; Gardiner, Civil War, II, p. 221, n. 6.

13. Whitelocke, II, p. 85; Davies, Early Stuarts, p. 145. 14. Walker, Independency, p. 31; Lilburne, Jonah's Cry. 15. Clarendon, IV, p. 223.

16. Whitelocke, II, p. 133; Gardiner, Civil War, III, p.222 en.

17. Abbott, I, pp. 445 e 449, 18. Fairfax, Memorials, p. 118. 19. Dyve, p. 57.

1.

20. Court && Kitchen, p. 6. 21. Fairfax, Memorials, p. 112: Abbott, I, p. 453.

22.

Maseres, p. 398 e seguintes; Clarendon,

25. 26. 27. 28.

Abbott, I, p. 459; Whitelocke, II, p. 158; Holles, p. 107. Holles, p. 114. Dyve, p. 59. Ludlow, I, p. 155; Berkeley, pp. 6-10.

23. Clarendon, IV, p. 231. 24. Whitelocke, II, p. 155.

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29. Gardiner, Civil War, III, Pp. 317, n. 1; Lindley, Catholics in the Civil War. 30. Ver Edwards, More. 31. Farm St MSS, fólios 119-120v.

32. Berkeley, p. 16. 33. Ludlow, I, p. 156; Berkeley, p. 27.

34.

35. 36. 37. 38.

Clarke, I, p. 176 e seguintes.

Clarke, I, p. 214. Berkeley, p. 30. Berkeley, pp. 32-4; Ludlow, I, p. 159. Clarendon, IV, p. 260.

39. Gardiner, Civil War, III, p. 316, n. 3.

40. Abbott, I, p. 481.

9 O JOGO DE CARTAS 1. Tonnies, Behemoth, p. 135.

2. Underdown, Pride's Purge, p. 85; Ludlow, I, p. 248: ver Abbott Holles, p. 175.

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PP.

p. 27

275 e 496n

689

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CROMWELL

Clarendon State Papers, II, Apêndice, p. AL; Mercurius Pragmaticus, 5 de outubro de 1647. Dyve, p. 85 € seguintes.

Abbott, 1, p. 506.

5. Cartório de Registros Públicos, 24/D 868/ Abbott, 1, p. $12.

Lilly, Merlini Anglici; Clarke, 1, p. VII e seguintes.

O

Margoliouth, 1, p. 135; Burnet, I, p. 85; Carrington, 1657-59, p. 41. Fletcher, p. 270; Walker, Independency, 11, p. 153. tes. Il. Zagorin, Political Thought, p. 11 e seguin

12. 13. 14. 15. 16. bits 18. 19. 20. 2l; 22. 23. 24. ES: 26. 27. 28. 29. 30.

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Venetian,

Clarke, I, pp. 227 e 236-8.

Clarke, 1, pp. 233, 241, 249-50. Clarke, 1, pp. 279 e 297.

Clarke, 1, pp. 299, 3Ul-.. Clarke, 1, pp. 303-5. Clarke, I, pp. 331, 323, 328, 353 e seguintes. Clarke, I, pp. 369. Capp, p. 251; Clarke, 1, p. 417. Clarke, I, p. 418. Abbott, I, p. 551; Berkeley, p. 54. Abbott, I, p. 553; Ludlow, I, p. 169. Clarendon, IV, p. 274; Mercurius Melancholicus, 4 de setembro de 1647. Boys, p. 151. Berkeley, p. 76. Orrery, pp. 219-28. Dugdale, p. 278. Abbott, I, pp. 450-52 e 5561; Spence, Anecdotes, p. 298; Wagstaffe, p. 13. Ludlow, I, p. 179.

Clarke, II, p. LVII, Clarendon State Papers, 11, Apêndice, p. XLIV; Clarendon, IV, p.

283; Abbott, 1, p. 574. 31. Clarendon, IV, p. 281; Boys, p. 155; Abbott, I, p. 576. o 32. Abbott, 1, p. 577. 33 34. Sos 36. 37. 38.

p. 344;

Abbott, I, p. 582; Mercurius Pragmaticus, 4 de janeiro de 1648; Nevo, p. 55. Ludlow, I, p. 183 e seguintes; Abbott, , p. 584.

Underdown, Príde's Purge, p- 90 e seguintes. Hotson, p. 23.

Abbott, I, pp. 585-92.

599. Clarke, II, p. 2; Abbott, I, p.

ANAL

10 A GUERRA

PERNICIOSA

Abbott, I, p. 606. , VI, p. 500. Abbott, , p. 606; Somers Tracts

I, p. 398. Whitelocke, IL, p. 287; Phillips, Wales, lins.

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Wales, 1, p: 334

bbutt, K 613; Pembroke Castle; Ti

p- 621. 1, , t t o b b A ; 20 pFletcher,

Okey, p. 30.

690

ANTONIA

FRASER

- Abbott, I, p. 692. - Donaldson, Scotland, p. 338. Baile, III, p. 40. 10. Abbott, 1, p. 625; Abbott, I, p. 628. 11. Whitelocke, II, p. 163; Abbott, I, p. 626, 12. Woolrych, Battles, p. 165. 13; Woolrych, Battles, p. 165 en n. 1; Turnet, p. 62; Burnet, Hamilton, p. 453.

14. 15. 16. 17. 18. 19. 20. 21. 22. 23. 24. 25. 26. 27. 28. 29. 30. 31. 32. 33. 34.

Rogers, Battles, p. 280.

Woodrych, Battles, p. 168; Abbott, I, p. 634; Rogers, Battles, p. 280.

Abbott, I, Hodgson, Abbott, I, Turner, p. Hodgson,

p. 634. p. 116. p. 635; Hodgson, p. 119; Slingsby, p. 336. 64. p. 120.

Woolrych, Battles, p. 175; Hutchinson, p. 139.

Abbott, I, p. 639. Cromwelliana, p. 45. Guthry, Memoirs, p. 168.

Abbott,

I, pp. 99x e 644.

Abbott, I, p. 636. Abbott, I, p. 646. Abbott, I, p. 651. Willcock, pp. 7 e 63; Clarendon, Life, 1, p. 431. Cromwellian Union, p. 5; Willcock, p. 63. Abbott, I, pp. 653 e 659. Abbott, I, p. 661; ver Burrell, Covenanters. Clarendon, IV, p. 382; Perfect Diurnall, 16 de outubro de 1648; Burnet, Histor y, 1, p. 43. Row, Blair, p. 210; Clarendon, IV, p. 10; Guthry, Memoirs, p. 177; Wishart, p. 223.

L1 PROVIDÊNCIA

E NECESSIDADE

- Whitelocke, II, p. 432; Abbott, I, p. 682; ver de Beer, Recent Works.

e

Abbott, 1, p. 707.

« Clarke, II, p. 170. » Ludlow, I, p. 211. « Chandos, p. 443.

- Burnet, Hamilton, p. 483; Newbatile, II, p. 75.

« Clarke, II, pp. 132 e 142,

» Clarke, II, p. 144; Gardiner, Civil War, IV, p. 282.

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- Burnet, History, 1, p. 79; Carte, Life, V, p. 24; Gardiner, IV, p. 327. Underdown, Pride's Purge, p. 119. Gibb, Lilburne, p. 232; Underdown, Pride's Purge, p. 123. Abbott, I, p. 676. Abbott, I, p. 691. Abbott, I, p. 696. Underdown, Pride's Purge, p. 124.

Underdown, Pride's Purge, p. 167 e seguintes.

691

CROMWELL

17. 1B. 19. 20. 21. 22. 23. 24. 25. 26. 27. 28. 29. 30. 31. 32. 33. 34. 35 36. 37. 38.

Stearns,

PP.

330-31;

State Trials, V, p.

1129;

Wedgwood,

Trial, p.

42.

Gardiner, Civil War, p. 2861 1; Underdown, Pride's Purge, p. 170. Cromuwelliana, p. 50. Abbott, 1, p. 719. Mercurius Pragmaticus, 26 de dezembro de 1648. Commons Journals, VI, p. 110.

Firth e Rait, 1, p. 253.

Clarke, II, pp.

150, 163 e seguintes.

Mercurius Pragmaticus, Clarke, II, p. 170. State Trials, V, p. 1124; Clarendon State Papers, Masson, IV, p. 600. Noble, I, p. 119. Ver State Trials, IV, pp. Blencowe, p. 237. Rowe, Vane, p. 158. Abbott, I, p. 712. Burnet, History, 1, pp.

Abbott, II, p. 189.

26 de dezembro de 1648.

Abbott, 1, p. 731. II, Apêndice, p. 50; Firth, House of Lords, p. 210.

990-1154.

71 e 78.

Abbott, I, p. 742: Thoms, Death Warrant. Abbott, I, p. 743; Heath, Flagellum, p. 89; Clarendon, VI, p. 222; State Trials, V, pp. 1215-16.

Hutchinson, p. 305. 40. Clarendon, VI, p. 222. 41. State Trials, V, pp. 1212-16. 42. Wedgwood, Trial, p. 171; Fairfax, Memorials, p. 121. 39.

43.

Heath, Flagellum, p. 67; Abbott, I, p. 595.

. Advocates MSS, 19 de janeiro de 1928. 45. Muddiman, Trial, pp. 260-64; Whitelocke, II, p. $12; C. S. ER Venetian, 1647-52, p. 137. 46. Jusserand, XXIV, p. 70; Henry, p. 12. 1, p. 118. 47. Heath, Flagellum, p. 70; State Trials, V, pp. 1180 e 1125; Noble, 48.

Reliquiae, I, p. 63; Herbert, Memoirs, p. 194.

118. 49, Spence, Anecdotes, Pp. 286; Heath, Flagellum, p. 70; Noble, I, p. | 50. Abbott, II, pp. 36 e 189.

305. State Trials, V, p. 1265; Hutchinson, p. er, $2. State Trials, V, p. 1190; Stearns, p. 334; Owen, Correspondence, p. 27; Irevor-Rop Religion, p. 337. 51.

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12 TUDO

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9. 164 de ho jun de 12 us, tic gma Pra ius cur Mer ; 135 p: IL, Whitelocke, p. XIV; € S. P Domestic, 1649-50, p. 468. Wihitelocke, III, p: 42; Inventories, es, p. XIV. entori nd, XXIV, p. 83; Inv de Oxford, II. Diciotonário de Inglês «

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ANTONIA

692

7. Ludlow,

8. 9. 10. 11. 12. 13. 14. 15. 16. 17. 18. 19. 20. 21. 22. 23. 24. 25. 26. 27. 28. 29. 30.

FRASER

1, p. 220.

€. S. P Domestic, 1549-50, p. XIV. Gibb, Lilbure, p. 292. Zagorin, Political Thought, p. 79; Masson, IV, p. 64. Halkett, p. 26; Underdown, Conspiracy, p. 13; Josselin, p. 63; Gibb, Lilbume, p. 233. Cromwelliana, p. 53; Whitelocke, III, p. $3; Mercurius Pragmaticus, 12 de junho de 1649. Whitelocke, III, p. 540; Abbott, II, p. 8. Abbott, II, p. 95. Hutchinson, p. 339; Abbott, II, p. 236; Lefranc, Ralegh, p. 326. Abbott, II, p. 237. Mercurius Pragmaticus, 27 de fevereiro de 1649. Abbott, II, p. 36. Gibb, Lilbume, p. 259. Walker, Independency, II, p. 153. Mercurius Militaris, 22 de abril de 1649. Capp, pp. 52-5. Whitelocke, III, p. 17; Letter to Lord Fairfax. Whitelocke, III, p. 24; Gardiner, Commonwealth, I, p. 248. Hill, God's Englishman, p. 112. Owen, Correspondence, p. 32. Owen, Correspondence, pp. 23 e 40. Abbott, II, p. 67; Perfect Diurnall, 14 de maio de 1649, Abbott, II, p. 68. Gretton, p. 251.

31. White, Trxe Relation.

32. Tonnies, Behemoth, p. 162.

33. Wood, II, p. 620. 34. Abbott, II, p. 74.

35. Abbott, II, pp. 74-5.

36. Perfect Diurnall, 7 de junho de 1649: Whitelocke, III, p. 46. 37. Gardiner, Commonwealth, I, p. 176; Clarendon, V, p. 62. 38. €. 5. P Domestic, 1649-50, p. XLV.

39. Man in the Moon, 4 de julho de 1649.

40. 41. 42. 43. 44.

Moderate Inteltigencer, 5 de julho de 1649. Mercurius Pragmaticus, 31 de julho de 1649. Abbott, II, pp. 100-1. Abbott, II, pp. 102-3. Chandos, p. 460.

13 IRLANDA: O DERRAMAMENTO

DE SANGUE

1. Stearns, p. 353.

2. Whitelocke, III, p. 92; Abbott, II, p. 107.

3. Murphy, pp. 34 e 77. 4. Murphy, p. 72; History of the War of Ireland; Bohn, II, p. 180. 5. Spenser, View, p. 151; Josselin, p. 67; Mercwrius Elencticus, 25 de junho de 1649: Moderate Intelligencer, 31 de agosto de 1649. ,

A

Abbott, II, p. 110.

9

CROMWELL

MacLysaght, p. 186.

692

Burghclere, 1, Pp» 368; Ludlow, 1, p. 231.

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. Owen, Correspondence, p. 35 trations, p. 349. us Hl y; or st Hi n, io mp Ca 10.

MacLysaght, p. 137 e seguintes.

Westmeath, p. 105. rs, Pie ; 370 p. , ons ati str Hlu 12. a, p. 64. an li el uw om Cr 80; p. , hy rp Mu . 3 1 rghclere, 1, p. 372. Bu 93; p. , hy rp Mu ; 118 p. II, , tt bo Ab 14. p. 118n 2. 1, , th al we on mm Co , er in rd Ga . 5 1 16. Abbott, II, p. 125. II, p. 112. , ke oc el it Wh ; 233 p. I, , ow dl Lu . 7 18. Abbott, II, pp. 621 e 128. 19. Verney, II, p. 344. 64. 20. Abbott, II, p. 127; Cromuwelliana, p. ; Fletcher, p. 34; 374 p. I, , re le hc rg Bu ; 234 p. 1, , ow dl Lu ; 21. Abbott, II, p. 122 22. &s 24. Is 26. Zito 28. 29. 30. 31; 32. 33. 34. S5s 36. 37. 38. 39, 40. 41. 42. 43.

Whitelocke, III, p. 78. Burghclere, 1, p. 373. Murphy, p. 116. p. 142. , hy rp Mu ; 116 p. 2, -5 47 16 an, eti Ven P S C. scrito 9696. nu ma a, and Irl L. N. on, ati rel r ula tic par d an Very full Abbott, II, p. 135. Abbott, II, p. 142. Abbott, II, p. 139.

Abbott, II, p. 140. Dr French, N. L. Irlanda, manuscrito 9696. Heath, Flagellum, p. 83. . CS P Irish Series, 1660-1662, p. 336 9696. to ri sc nu ma a, nd la Ir L. N. d; or xf We Taking of o de 1649. br tu ou de 22 , 96 96 to ri sc nu ma a, N. L. Irland

to 9696. ri sc nu ma a, nd la Ir L. N. , on ti la re ar ul Very full and partic Abbott, II, p. 145. Abbott, II, p. 160. P- 164. IL , tt bo Ab 53; p. , we ha Fans Abbott, II, p. 176. Murphy, p. 245. . Abbott, II, pp. 173 e 186

Abbott, II, p. 196. Prendergast, p. XXVI. p. 261. , y h p r u M ; 08 74 D N. L. Irlanda, I, 1, P. p. 5380. , re le hc rg Bu 45. Abbott, IL, p. 229; 100. p. , ve Dy t, ut bb Ti 2; II, p: 25 , tt bo Ab 5; 33 p: hy rp 46. Mu

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48. Murphy, P+ Vde 1650. o nh ju de 3 s, cu ti li Po s iu ur Merc 49. Whitelocke, II, P- 198;

694

ANTONIA

FRASER

14 ESCÓCIA: A DECISÃO DA CAUSA

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- Whitelocke, III, p. 117; Underdown, Conspiracy, p. 30. « Jaffray, p. 55; Nicoll, Diary, p. 16; C S. P Domestic, 1649-50, p. 266. Hillier, Titus, Apêndice, pp. 329-33; Willcock, p. 369. Hutchinson, p. 315: Whitelocke, III, p. 207.

Mercurius Politicus, 6 de junho de 1649: Nouvelles Ordinaires, nº 1. Bastide, p. 158, n. 1.

1

- Jusserand, XXIV, p. 85; Nickolls, Letters, p. 11.

o

-€C S. P Domestic, 1649-50, pp. 248 e 262; Nickolls, Letters, p. 11; Owen Correspondence, p. 37. - Josten, II, pp. 533 e 583; Gibb, Lilburne, p. 297. 10. Abbott, II, p. 281; Burnet, History, I, p. 154. 11. Bright Papers, Introdução. 12. Abbott, II, p. 325. IS, Abbott, II, p. 283. 14. Abbott, II, p. 289. IS. Nicoll, Diary, p. 21; Douglas, Scorch Cam paigns, P. 33; Abbott, II, p. 290; Trevelyan MSS (Longwitton). L6. Douglas, Scotch Campaigns, p. 92. 17. Abbott, II, p. 302. 18. Douglas, Scotch Campaigns, p. 67n e P. 70; Nickolls, Letters, p. 17. 19. Ashley, Generals, p. 35; Abbott, II, P. 314; Douglas, Scotch Campaigns, p. 96. 20. Burnet, History, I, p. 56. e Carte, I, p. 380. 22. Fletcher, p. 101. 23, Barnes, Memoirs, 1, p. 111; Tibbutt, Oke y, p. 39; Abbott, II, D. 52. 24. Hodgson, p. 147; Abbott, LV, p. 278; Whitelocke, III, p. 239.

doa Nickolls, Letters, p. 23; Abbott, II, Pp. 326-330; Burnet, History, I, p. 56; Dougla s, Scotch Cam

paigns, p. 100 e x 2. 26. Henfrey, p. 2; Whitelocke, III, Pp. 236; Abb ott, II, p. 391.

21. Departamento de Registro Público, 31 de março de 1990; Nowvelles Ordinaires, nº 10; Nickolls, Letters, p. 25.

28. 29. 30. 31. 32. 33. 34. 35. 36. 37. 38. 39. 40. 41.

Baillie, III, p. 105; Arquivo da Escócia, 31/ 19; Nicol Fletcher, p. 121; Abbott, II, p. 337.

, Diary,

p. 32.

Baillie, I, p. LXII; Abbott, II, p. 346.

Roundhead Oficers, p. 19. Wihitelocke, III, p. 255; Abbott, II, p. 482 ; Cromwelliana, p. 92. Nicoll, Diary, p. 34; Heath, Flagellum, p. 102 .

Abbott, II, p. 385.

Abbott, II, p. 395; Perfect Passages, 7 de março de 1651: Abbott, , II, p. 397; ) Newbattle, , IL, , G D40/V/10; Carte I 3 1

Abbott, II, p. 412.

P.

4 66;

P- 488; Josselin, p. 81,

Noble, I, p. 135; Abbott, II, p. 425. Abbott, II, p. 421; Several Proceedings, 29 de mai Abbott, II, p. 421; Perfect Diurnall, 26 de maio deo de1651.1651; Whi hitelocke, HI, p. 306. Douglas, Scotch Campaigns, p. 258; Roundhead Officers , PP. x 18, » 21 -2 e 31

)

CROMWELL

695

Fletcher, p. 137. 33; p. rs, ice Off d ea dh un Ro 42. Carte,

I, P. 427.

Abbott, II, p. 444.

Mercurius Politicus, 7 de agosto e 21 de agosto de 1651.

Underdown, Conspiracy, p. 51. Abbott, II, pp. 451-52. Abbott, II, p. 453. Abbott, Abbott, Abbott, True and

II, pp. 179 e 467n. II, p. 455. II, p. 461. Faithful Narrative.

Perfect Diurnall, 1º de setembro de 1651; Mercurius Politicus, 4 de setembro de 1651. Hodgson, p. 155.

. Abbott, II, pp. 461 e 463; Reliquiae, I, p. 69; E. 5. P Venetian, 1647-52, p. 502 Mercurixs Gardiner, Commonwealth, II, p. 46; C. S. E Domestic, 1649-50, p. 409; Politicus, 4 de setembro de 1651.

A ORGANIZAÇÃO DA NAÇÃO

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43. 44. 45. 46. 47. 48. 49. 50. 51. 52. 53. 54. 55. 56

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. Abbott, II, p. 503. Cromwelliana, p. 116; Ludlow, I, p. 344; €. 5. P Venetian, 1647-52, p. 268. - Abbott, II, pp. 473 e 482. C. 8. PR Domestic, 1651, p. 498. Clarendon, IV, p. 274. . Josten, II, p. 591; Hill, God's Englishman, p. 134. Whitelocke, III, p. 372. Ludlow, 1, p. 244.

Labouring Saints. Owen, 258; p. I, n, Evely 207; p. y, Stanle 508; p. II, Abbott,

N=o

- Hutchinson, p. 330. . Hardacre, p. 94; James, Social Problems, p- 130.

13. 14. 15. 16. E 18. 19. 20. 21.

low, 1, p. Lud 455; p. II, , Rait e h Firt 300; p, gion Reli , mas Tho Lilly, Merlini Anglici;

244.

Owen, Correspondence, p- 46.

Ver James, Tithes.

p. 92. Abbott, II, p. 520; Masson, IV, Abbott, II, p. 537.

D. N. B. Abbott, III, p. 586.

7, p. 229; Abbott, I, p. 416. -5 56 16 , tc st me Do P C S | 6. 14 P, er iv Firth, Ol

Hobman,

tian, 1647ne Ve P S. €. 4; 2, 33 p. -5 , 51 ic 16 st me Do P S. C. ; e, 20 plo wr Th

52, p. 220.

23.

tes. in gu se e 9 14 7, 10 : pp , IV XX , nd J ussera , II, p. 568. tt bo Ab 2; 18 , p. er ch et Fl 2; 13 n, p. ma sh li

25. 26.

GE SP ntes. i u g e s e 7 4 1 Rowe, Vane, P-

22. 24,

s niEnsrgs, P- 133; € S. P Venetian, 1657-52, p. 202. d'ta Gori Hiltill,l Pu 1647-52, | p. 202. Venetian,

696

ANTONIA

FRASER

Abbott, II, p. 526. 28. Whitelocke, II, p. 446. Als

Whitelocke, III, p. 468 e seguintes. 30. Mercurius Politicus, 18 e 25 de setembro de 1651; 22 de abril de 1652. Sia Zagorin, Political Thought, p. 64 e seguintes; ver Wallace, Desti ny. 29,

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2.

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p. 114. , s m e l b o r P al ci So , s e Jam p. 80. , g n i n i a r D , y b r a D 8; 12 , p. CS P Domestic, 1653-54 p. 145. , ms le ob Pr al ci So s, me Ja ry, p- 218;

Nef, Coal Indust

rts. Newton, Three Repo P' 339. , ry st du In al Co f, Ne 316. Agnew, I, p. ke,

e

II, P- KV.

stodis

PP- 26-7;

Scott, I,

p. 201.

Social Problems,

p. 318;

704

ANTONIA

FRASER

Nicoll, Diary, p. 200; Roundhead Officers, p. 91. 24. Clarke, II, p. 242; Brief Lives, II, p. 72; Osborne, p. 138; Clarendon, VI, p. 154; Scotland and Commonwealth, p. 323. 25. Ver Roundhead Officers; Fraser Wardlaw MSS. 26. Burnet, History, I, p. 104. Ed

21. 28. 29. 30. Sli. 32. 33. 34. So 36. Sil 38. 39. 40. 41. 42. 43. 44. 45. 46. 47. 48.

Nef, Coal Industry, p. 218. Scott Thomson, p. 139; Guizot, II, p. 576. Gower Letters, D/868/8, nº 11 e 12.

Documento autêntico D/868/5; Hardacre, p. 120; Schol es, p. 144; Clarke, III, p. 142, Noble, I, p. 146. Margoliouth, I, pp. 125 e 331.

Ashley, Charles II, p. 148; Bate, II, p. 191.

Fletcher, p. 214; Ludlow, II, p. 32; Scholes, p. 145. Whitelocke, IV, p. 289. C. $. P Domestic, 1657-58, p. 232: Firth, House of Lords, pp. 248-54. C. 8. P. Domestic, 1657-59, p. 232; Abbott, IV, p. 705.

Firth, House of Lords, p. 253.

Northcote, p. XXXV.

Abbott, IV, p. Burghclere, I, Abbott, IV, p. Thurloe, VII, Abbott, IV, p. Abbott, IV, p.

712. p. 488; Underdown, Conspiracy, p. 217. 727. p. 811. 728. 735.

C. 3. P Venetian, 1657-59, P. 167; Guizot, II, p. 499.

bo o is

pt

« Thurloe, VII, p. 217. .€ S BP Venetian, 1657 -59,p. 44; €. S. P Venetian, 1657-58, p. 306; Th urloe, VII, p. 72.

O 1 Ot

«

12. IS. 14. 15.

Scotland and Protectorate, p. 367; Cromwellian Union, p. LXVI .

O GRANDE CAPITÃO

23

11.

Excheguer Register E8/10/5.

CS. P Venetian, 1657-59; Docume nto autêntico D/868/5/49. C. S. P Domestic, 1657-58, pp. XXXII e 51.

Baschet, 31/3/102, 3 de junho Guizot, II, p. 378. Baschet, 31/3/102, 6 de junho Gower Letters, D/868/8 fólio 8. Thurloe, VII, p. 198; Abbott, Thurloe, VII, p. 249; Stearns, Slingsby, p. 218 e seguintes. Baschet, 31/3/102, 13 e 14 de

Vaughan,

II, P. 468; Clarke,

de 1658; €. S. P Domestic,

1657-58, p. 202.

de 1658, IV, p. 278.

p. 405.

junho de 1658,

III,

P.

153;

Abbott, IV, p. 858; Thurloe, VII, p. 194,

Evelyn,

I, p.

345.

E

Ca

.

SENÃO, [2 10:

Bate, II, p. 233; Heath, Flagellum, Pp. 194; Clarendon, VI, p. 90; Lansdowne MSS 821, fólio 103; Thurloe, VII, p. 171.

705

CROMWELL

16. Heath, Flagellum, p. 194.

17. Margoliouth, I, p. 130; Carrington, p. 264; Ramsey, Studies, p. 5.

18. Thurloe, VII, p. 298. 19. Ramsey, Studies, pp. 16 e 24; Carrington, p. 219. 20. Mercurius Politicus, 5 de agosto de 1658; Stanley, p. 209.

21. Lansdowne MSS 823, fólio 89; Carrington, p. 219.

22. Account of Last Flours, p. 11. 23. Abbott, IV, pp. 859 e 225n; Fox, Journal, I, p. 327. 24. Clarke, III, p. 150; Baschet, 31/3/102, 12 de agosto de 1658. 25. Thurloe, VII, p. 269. 26. Thurloe, VII, pp. 309 e 320.

27. 28. 29. 30. 31.

Thurloe, VII, p. 363. Heath, Flagellum, p. 195. Thurloe, VII, pp. 340 e 354. E S. BP Venetian, 1657-59, pp. 237 e 239; Cartwright, p. 143. Whitelocke, IV, p. 335.

32. Thurloe, VII, pp. 362-63 e 365. 33. Thurloe, VII, pp. 366-67.

34. Masson, V, p. 358; Ludlow, II, p. 43. 35. Ver Account of Last Hours. 36. Thurloe, VII, p. 375; Ludlow, II, p. 43; Burnet, History, I, p. 89; Bate, II, p. 236.

37. Bate, II, p. 234.

38. Mercurius Politicus, 2 de setembro de 1658; Thurloe, VII, p. 373; Whitelocke, IV, p. 335; Owen, Labouring Saints.

24 AS CINZAS DE CROMWELL

ga pd

Mercurius Politicus, 2 de setembro de 1658; Downing, p. 6; Thurloe, VII, p. 374.

Thurloe, VII, pp. 373 e 374; Chandos, p. 516. Thurloe, VII, pp. 375 e 437. Clarke, III, p. 161; Mercurius Politicas, 2 de setembro de 1658; True and Faithful Narrative.

Thomas, Religion, p. 298. pe

. Thurloe, VII, p. 395; Hutchinson, p. 345

8.

, Latter End, Noble, 1, p. 289; Mercurius Politicus, 16 de setembro de 1658; Varley . 24.

ei

II, p. 236; Heath,

p. 199;

€C. S. P

Venetian,

1657-59,

p. 344; Clarke, III, p. 167; Pearson e Morant, p. 34. 9. Ludlow, II, p. 4?; Nickolls, Progresses, IV, p. 1036 e seguintes.

p. 268;

Carrington,

10. Mercurius Politicus, 14 de outubro de 1658. 10. 11. Brief Lives, II, Pp. E II, p. 341; Milnes-Coates MSS 12

13. Firth, Cromwell's Army, p. 233; Mercurius Politicas, 18 de novembro de 1658; Evelyn,

I, p- 364.

14. CS. P Venctian, 1657-59, p. 268; Ashley, Financial, p. 105; Hill, God's Englishman, 60n 7. 1 p. , y e l n a t s ; p. 192 ckmorton, p. 53.

o 15. Barnard, Thr

ANTONIA

706

16. 17. 18. 19. 20. 21. 22. 23. 24. 23. 26. Elo 28. 29. 30. 31. São 33. 34. 35. 36. 37. 38. 39. 40. 41. 42. 43 « 44.

FRASER

Slingsby, p. 356; Heath, Chronicle, p. 744.

D. N. B.

Ramsey, Richard, p. 163; Noble, 1, p. 176.

CS. P Venetian, 1657-59, p. 285; Cromwelliana, p. 185; Waylen, p. 20. Noble, I, p. 147; Ramsey, Studies, p. 59.

Noble, 1, p. 233.

Harrison, Cromwell, p. 35.

Roosevelt, Cromwell, p. 240. Waylen, p. 42. Waylen, p. 257. Piper, p. 37. Margoliouth, II, p. 7. Mercurius Politicus, 31 de janeiro de 1661; Evelyn, I, p. 364. Varley, Latter End, p. 50; Pearson e Morant, p. 46 e seguintes. Account of Last Hours, p. 12. Banks, Cromwell, p. 212. Stanley, p. 206; Banks, Cromwell, p. 212. Pepys, Diary, 13 de outubro de 1664. Varley, Latter End, p. 55; Pearson e Morant, p. 45. The Times, Londres, julho de 1969.

Ver Pearson e Morant, p. 59 e seguintes.

Dickson Wright, Cromuwell's Head, p. 13.

Reliquiae, 1, p. 98; de Beer, Recent Works.

Rosebery, p. 4. Account of Last Hours, p. 3. Masson, IV, p. 591.

Account of Last Hours, p. 5. Reliquiae, 1, p. 90; Bate, II, p. 240; Whitelocke, I, p. 346. Firth, Oliver, p. 362.

45. Reresby, p. 22.

n rd

sem

Indice

C = Cromwell n = nota de pé de página A View of the State of Ireland (Spenser), 331 Abbott, W. C., 1717, 363n, 486n, 5437, 647n; citado em 34n, 41n, 1704, 277n Aberdeen, 617; Universidade de, 620 Abnegação, Decreto de, 163, 165, 166; 169, 183; anteprojeto, 160-161; discussão com a Câmara dos Lordes sobre, 161, 162, 164; C acusado de manipulação, 166-167 Agathocles (sátira), 5532 Alabaster, dr. William, 52 Alexis, czar da Rússia, 535, 536 Alnwick, 266 Alured, coronel, 472, 506 Ancram, Robert Kerr, conde de, 578

| Andover, 165 Animadversions of War [Crítica da Guerra] (Ward), 111 Applebone, Haraldus, 401 Apsley, sir Allen, 215 E Ardglass, condes de, 24 nde e co 8º , ll be mp Ca d al ib ch Argyll, Ar caráter 1; 54 5; 25 , 90 , de s 1º marquê gociações ne 7; 26 626 a, ci ên e apar para C,

2 67-268;

suposto pact, o

com a monarquiã, 270; união | 8 5 3 , II Carlos land, ase r I in y t r a P t n a t s e t A for the Pro 0), : 353 65 (1 k ic rr Ca “nado em , 469

estruir dRe

Arts of

ae

(manual) and complimentins

Arundel, Thomas Howard, 14º conde de, 96 Ashburnham, John, 224, 234, 242; e a fuga de Carlos I, 236, 237, 238 Ashe, rev. Simon, 143, 145 Ashley, Maurice, citado em 368n, 609, 610, 611

Ashmole, Elias, 360, 391, 414, 415 Ashton, coronel Edward, 261 Aske, John, 289 Assheton, Ralph, 102 Associação do Oeste, 357, 384 Associação do leste, 117, 134, 151, 163, 170, 509, exército da, em Marston Moor, 137, 142, 143, 146, 150; primeira defesa de Naseby, 172; exército de Naseby, 179

Astley, sir Jacob (último barão Astley), 114; em Naseby, 176; prevendo os riscos do exército com o rompimento da paz, 199,

220-221

Aston, sir Arthur, 343; sitiado e morto em Drogheda, 3385-339

Astrée (romance francês), 469 Athias, Moses, 549

Aubrey, John, Monk,

378,

19, 461; sobre o general

618,619; citado em

463,

484,

Aubrey, Mary, 465

618,

59, 377-

661-662

Axtell, coronel Daniel, 289

A Word for the Army and Roo Wards far the

Kingdom (Peter), 548

Aylmer, professor G. E., 198% Ayr, fortaleza de, 618

Ayscough, sir George, 337, 518

ANTONIA

708 Baillie, Robert, Renúncia,

371;

133; sobre o Decreto de

160; na derrota de Dunbar,

citado

em

373

142-143,

151,

256,

Baillie, William, 258; em Preston, 261-263 Balmerino, John Elphinstone, 2º barão de, 75

Bampfylde, coronel John, 510 Banbury, 170; rebelião militar (1649), 318 Banks, John, 671, 672

Barbados, 515, $16, 517, 518-519

Barebones, Praisegod, 426 e »

Barkstead, coronel John, 4124, 671 Barnard, castelo de, 256, 257 Barrington, John (pajem), 649

Barrington, lady Joan (tia de C), 42, 43n Barrington, sir Thomas, 66, 133

Basilike Eikon, 300, 308

Basing House, 187-190

156, 157; cerco de (1645),

Basingstoke, 156 Bass, barão de, e a conspiração contra C, 489-490

Bastwicke, dr. John, 80; julgamento de, 73 Bate, dr. George, 378, 513, 643, 677; na autópsia, 660; sobre o cálculo da vesícula de €, 563; sobre a corte e os pares de C, 625, 627; sobre os massacres de irlandeses, 93, 340; na última doença de C, 651, 654, 655

Baxter, Richard, 39, 80, 152, 244, 297, 384, 389; conversão de, 56; sobre os métodos de recrutamento de C, 118-

119; convidado a tornar-se pastor dos oficiais de C, 118-119; horror à frouxa religiosidade do exército,

184; sobre o

entusiasmo de €, 195; sobre os esportes, 467-468; sobre a reputação de C,

675; sobre a suposta hipocrisia de C, 677-678

Bayly, Thomas, 484 Baynes, Joseph, citado em 374 Baynes, Robert, 617 Beard, dr. Thomas, 47, 52, 55; recomenda C para o Parlamento, 57; como conferencista de Huntingdon, 64; influência sobre C, 33-34, 35, 36, 51, 311 Bedell, dr. William, 63

FRASER Bedford, Jasper Tudor, duque de, 25

Bedford, William Russell, 1º duque e 5º conde de, 90, 471; em Edgehill,

Behemoth (Hobbes), 223 Beke, Richard, 454

114

Belasyse, John, barão, 487, 491, 585

Belfast, 343 Belton, 120 Belvoir, castelo de, 152, Berkeley, sir John, 233, dor entre Carlos Ie 217, 219, 220, 225, Carlos

173 241, 242; mediao Parlamento, 215, 239; e a fuga de

1, 236, 237, 238

Berkeley, sir Rowland, 380 Bernard, dr. (candidato a pastor da comunidade Shropshire), 486

Barnard, Robert, 58, 85, 118 Berry, James, 119, 127, 163; general-de-

divisão no comando das tropas em Hereford e Wales, 544 Berwick, 248, 266; homens de, para o regimento de Monk, 361 Berwik, Tratado de (1639), 75 Bethel, major, 186 Bethel, Slingsby, 447; sobre a política externa de C, 541 Bethnal Green, 470 Biddis, Michael D., 650n Biddle, John, 557

Bije, Nicholas de, 535

Birley, Robert, 298n

Blacklyn, Anne, 558 Blaeu, John, 173 Blagrave, Daniel, 391-392 Blagrave, Joseph, 392 Blair, Robert, 621; citado em 269, 431 Blake, almirante Robert, 405, 410, 429,

212; “mostra a bandeira” (patrulha) o

Mediterrâneo, 5927-528, 530, 534-5 35;

dividindo o almirantado com Deane e Monk, 429; vitória em Sa nta Cruz, 534-535

Bletchingdon House, 165, 167

Blondeau, Pierre, 576, 877

Bolingbroke, Henry St John , visconde de, 240n

Bonde, conde Christer, 449, 500, 534-535, 537

CROMWELL

Booker, Thomas, 19 Boone (cirurgião), 636 Bordeaux, Antoine de (embaixador de Fran-

ca), 323, 421, 449, 450, 485, 489,

557,

588-589,

584,

627,

637,

641-

642; batalha de protocolos com Baas,

489; nas negociações que antecederam à aliança anglo-francesa, 490; pressiona em favor da maior tolerância com os católicos, 611; sobre a política externa de C, 541; sobre a questão da realeza 581,

582,

583,

592,

393,

647;

reco-

mendado por C para a presidência do

Parlement de Paris, 638 Bourchier, Elizabeth — ver

Elizabeth (esposa)

Cromwell,

Bourchier, /ady Frances, 42 Bourchier, sir James (sogro de C), 42, 77 Bourchier, Thomas, sobre sua própria conversão, 56

Bovey, Tracey, 193 Boyd, Zachary, 373 Boyle, coronel, 340 Boyle, Robert, 461, 463 Boynton, sir Mathew, 67 Boys, John, 238 e nota, 242 Brackley, 171 Bradford, capitão William, incita C contra a realeza, 589, 598

Bradshaw, John, 41, 170, 308, 316-317, 379, 503; presidente da comissão encarregada do julgamento de Carlos I, 286; presidente do julgamento, 288, 289290, 292, 293; presidente interino do novo Conselho de Estado, 306; na dissolução do Rump, 41 5-416; oposição a €, 506; exumado e enforcado em Tyburn,

670, 672-673

Bradshaw, Richard, 612

Bramham Moor, 76

6 Brandon, Richard, 29 ta), 243 is al re a ir át (s O, Brave Oliver 3, 151-152, 11 2, 10 m, ia ll Wi s” Brereton, capturar ra pa o er íf ut fr in 286; plano , 173; 1 7 1 0 7 1 r, te es Ch Carlos [ em , 343 , 5 3 3 , 4 3 3 , a na Irland

709

Bridgewater, John Egerton, 2º conde de, 464; incidente na comunidade de Shropshire em torno de benefícios eclesiásticos, 485-487

Bridgwater, 185 Bright, coronel John, 261-262, 361, 488 Bristol, 164, 324, 330, 577; cerco de (1645), 187

Bristol, John Digby, 1º conde de, 96 Britannia (Camden), 69

British and Outlandish Prophecies (Pugh), 600 Broghill, lady, 33 Broghill, Roger Bovle, barão, 240, 348, 497, 532, 574, 626, 630; aceita o comando na Irlanda, 323-324; e guerra sem quartel, 355; apóia o Protetorado e a monarquia hereditária, 574, 583, 591-592; sugere a restauração de Carlos II, 586, 588; preside o Conselho de Estado da Escócia, 617, 620; na Casa dos Lordes, sob €, 627 Brome, Alexander, citado em 462 Broxmouth House, 366, 367-368

Brudenell, lord, 216 Buchanan, George, 290, 291 Buckingham, George Villiers, 1º duque de, 47

Buckingham, George Villiers, 2º duque de, 424; casamento com a irmã de Fairfax, 622,

652

Bulstrode, sir Richard, 82 Bunyan, John, citado em 45

Burford, 169; motim igualitarista levellers) em (1649), 318-320

(dos

Burghley House, cerco de (1643), 126 Burnell, Edmund Dunch, barão, 627 Burnet, bispo, 514, 539; sobre a família Cromwell, 423; sobre Marvell, 425; sobre o relutante Protetorado de C, 442-

443; sobre a retribuição de C à vaidade inglesa, 540; sobre o comando de Monk na Escócia, 619; citado em 34, 56, 57,

228-229,

268,

272,

288,

369-370, 474, 554, 588

Burroughes, Jeremiah, 90

290,

291,

Burton, rev. Henry, 80; julgamento de, 73

710

ANTONIA

Burton, Thomas, citado em 554, 619

Buslr, Cromwell (família), 668

Butler, Gregory, 517, 518, 522

Butler, Butler, Butler, Butler, Byron,

John, 550 /ord Richard, 498 Samuel, 80; citado em 77, 652 sir Walter, 352-353 John, 1º barão, 258; em Marston

Moor,

141, 143

Cabeças-redondas, origem do termo, 105 Caceres, Simon de, 555

Cahir, rendição de (1650), 352 caixão para o rei Carlos |, Um (panfleto), 326 Calamy, Edmund, 411 Callander, James Livingstone, 1º conde de, 2355-256, 258, 261, 262, 264

Calvino, João, 56, 662 Cambridge, 117, 172; C como membro do Parlamento por, 76, 79; adestramento militar dos moradores de, 103; C acusado de iconoclasta em, 122 Cambridge, Universidade de, 361; C na,

35-36; baixela do colégio reclamada por Carlos I, 103

Camden, William, citado em 69 Campbell, lady Anne, 358 Campion, Edmund, na Irlanda, 333 Capel, Arthur, 1º barão, 279, 307 Capperquin, 349 Cardell, John, 300 Carisbroocke, castelo de, Carlos I sob custódia em, 237 Carlingford, 343 Carlisle, 248, 256, 265, 379 Carlos I: mitos primitivos associando C a, 22, 31; ascensão ao trono, 46; questões financeiras e política externa, 47, 49, 73-74; e prerrogativas reais, 48-49, 50, 70,

100-101,

105; aceita a Petição

de Direitos, 50-51; política religiosa,

$1-52, 62, 74-75, 82, 87; dissolve o Parlamento, (1629), 52; discorda dos escoceses, 74-76, 78-79, 90; intima o

Parlamento Curto (1640), 76; intima o

Parlamento Longo (1640), 76; visita a Escócia, 89; natureza desonesta, 89, 95,

FRASER 162, 182; a Grande Reprimenda,

96;

disputa com o Parlamento pelo apoio popular, 96-97; tentativa de prisão dos Cinco Membros, 97; retira-se da Cã-

mara dos Comuns e de Londres, 97; recusa submeter-se ao controle da milfcia, 98; negociações abortadas com o

Parlamento, 98-101; resiste às Dezenove Proposições, 101; ergue estandarte

em Nottingham (1642), 104, 109; recua para Oxford, depois de Edgehill, 114; e fantasmas de Edgehill, 116; carta secreta propondo a liberdade de consciência, 131-132; suposta conspiração de Vane para depô-lo, 154; em Newbury e Donnington, 155-156; estada de inverno em Oxford, 156; procura ajuda da França, 156; recebido em meio a desordens pelo Parlamento 157; defesa de táticas de guerra baseadas em fortalezas, 157, 185; negociações frustradas

de

Uxbridge,

161;

plano

para juntar-se a Rupert contra os esco-

ceses, 165; preparativos para abandonar Oxford, 165-166; retirada, 169170; quebra-cabeça de suas intenções, 169-170; fracasso da armadilha para capturá-lo na marcha para Chester, 170-171; captura Leicester,

172; plano

para avançar até Newark, 173; forçado a lutar em Naseby, 173-174; derrota, 179-183; sua última chance de vitória, 181; revelada sua promessa aos irlan-

deses, 182-183; negociações com os ir-

landeses e escoceses, 190, 195; aquar-

telado em Oxford, 193; rendição aos escoceses (1646), 195, 199; Proposi-

ções de Newcastle,

199-200, 209, 217,

225; levado para Holdenby Hall, 201; aspecto central da controvérsia entre O exército e o Parlamento, 208-210, 212-

213; removido de Holdenby, 211-212;

em Childerley, 211, 212; outros movi-

mentos, 211-212, 214; encontro com

Fairfax, 211-212, 214; esforços do exército para chegar a um acordo com, 215,

217; intenção de restaurá-lo, 215, 217;

CROMWELL

réplica do exército, 219-220;

conse-

quências sobre suas relações com C,

219-220, 227; em Hampton Court, 223; aberturas de C para, 224-225, 229-230, 235, 239; acordo em torno de reivindicações pessoais, 225, 235, 5, 241-242; debates sobre, 231, 233-23 241-244; ataque de Harrison contra O «homem de sangue”, 235; escapa para À ilha de Wight, 236-237; sob custódia em Carisbrooke, 236-237; transações secretas com os escoceses, 254, 256; reafirmações de C 239-241, 242-243, 281-282; Four Bills, 241; Parlamento negociar mais com, 242,

239-241, acerca de, rejeita os decide não 245, 247,

278-279; demonstrações em favor de, 246, 247; o «este homem negociações mento, 269, externo, 269, realeza, 272;

exército decide chamar de sangue” às falas, 249; de Newport com O Parla272; esperanças de apoio 272; imutável conceito de o exército acelera seu jul2718-280;

273, 275-277,

gamento,

au-

0menta à hostilidade contra, 279, 28 gras 281; trazido a Windsor, 279-280; re

do Conselho de Oficiais sobre o com-

0; fraportamento a ser adotado com, 28 2; discasso da missão Denbigh, 281, 28

282; 128 , do an it je re C de l ia uc cr o curs

alação da st in 2; 28 l, rea r de po do o reduçã

de, to en am lg ju do a ad eg rr ca corte en e juízes, te en id es pr 6; 28 528 282-284, ter, 286ns mi st We ra pa o id az tr 285-286; ades id al eg il 3; 29 828 , to en am 287; julg

sentenciado, 1; 29 928 , al un ib tr do de St pa no as di s mo ti úl 291-293; de outros pa93-295; esforços

a preservar sua vida, 293-295;

execução, 295-296;

enterro; 291c298s

para O ão uç ol ev 9; 29 829 €, de atitude

rpo de co o e qu de a nd le 0; 30 , martírio

ig

onverte no de,

95 695

príncipe de Gales), como a ind

Ce

des

265,

424,

485,

584-585,

ucad e a e br so s ia nc dâ 654, 691; di scor i em Nottingham pa o m ção de, 895 €9 ,

ds

711

(1642), 104; navega para as ilhas Scilly, 193, 195; contrário à idéia da regên-

cia, 244; na Holanda, 254-255; em missão para salvar a vida de Carlos 1, 294; proclamado rei na Escócia, 311312; aceita, embora relutante, a Convenção, 358; chega à Escócia, 358; propostas de casamento, 358; no “triste episódio” de Dunbar, 371; coroado em Scone, 375; proclamado em Carlisle, 379; frustrante apoio de tropas, 380; revés em Worcester, 381-384; fuga para Paris, 385; apóia a revolta de Penruddock, 509; volta à Espanha depois de perder o apoio da França, 531, 571; e o fantasma da grandeza de € no exterior, 540; e o reassentamento

dos judeus, 555-556; possibilidade de

restauração por C, 586-588; libertinagem, 5871; restauração, 664; tolerância para com lady C, 665 Carlos X da Suécia, 534; busca aliança com a Inglaterra, 537-539 Carlyle, Thomas, 668, 679; citado em 68, 368n

Carrick, 353 Carrington, Samuel, 81, 585; sobre o uso do latim por €, 34; sobre a oratória de C, 228-229; sobre a intercessão de € em favor de Bettie, 644; sobre sua doença e morte, 646, 647; citado em 35,

40, 60, 195

Carta da Sela, incidente da (1647), 239-

241, 282

Cartwright, dr. Frederick F., 650n Carvajal, don Antonio Fernandez de, 549, 550-551,

554,

555

Carvajal, Maria Fernandes de, 555 Casaubon, Isaac, citado em 69 Case is Altered or Dreadful Nevos in Hell, The (sátira), 666

Castle, coronel James, 338 Castlehaven, James Touchet, 3º conde de, 344

Castleknock, 333

Castleton (Irlanda), 337

ANTONIA

712

Castro, Fidel, 678n Catterick, 380 Cavalheiros, origem do termo, 105

“Clark, John” (nome adotado por Richard

C), 664, 665

Cavendish, coronel sir Charles, 122, 623

Caversham, 214

Cecil, John, conspirações contra C, 570, 580-581

Cerco de Rodes, O (ópera), 460 Cervejeiro protegido, O, 30n Chancery Court (Tribunal Superior, presidido por um chanceler ou guarda dos selos reais), 481 Channell, Luke, 459 Chargrove Field, escaramuça de (1643), 127 Charles Louis, Eleitor Palatino, 206-207 Chepstow, castelo de, cerco do (1648), 251 Cheshunt, Richard, quando C se retira do serviço ativo, 665, 671 Chester, 152, 165, 171 Chevalier, Pierre, 535 Chichely, sir Thomas, 100 Chiswick, Frances e Mary C enterradas em, 667, 672-673

Chmielnicki, Bogdan, 536 Cholmney, sir Hugh, 145

Cirencester, queimada pelo príncipe Rupert, 123

Clacmanoise, Convenção de (1649), 350, 353 Clancy, padre Thomas H., 217% Clarendon, Edward Hyde, 1º conde de, 66,

520; sobre a

arrecadação de fundos em apoio à Irlanda pelo partido do Parlamento, 99, 100;

como conselheiro de Carlos I, 101; sobre a causa da rebelião, 105; sobre

Vane, o jovem, 131; sobre os discursos de €, 159; sobre C em Naseby, 182; em Argyll, 266; sobre os problemas políticos de C depois de Worcester, 391; na dissolução do Rump, 419; en-

viando

missão secreta à Roma,

484-

485, sobre a grandeza de C no exterior, 542; sobre Monk, 618; citado em 21,

84-85, 97, 98, 99, 109, 144, 157, 193-194,

195,

205-206,

Clarke, William, 618, 620; exército em Putney, 227

debates

do

Classes, Lei das (1649), 358 Claypole, Cromwell (neto), 643 Claypole, Henry (neto), 643 Claypole, John (genro), 192, 225,

600, 645, 665; ataca os generais, 579; na Casa dos Lordes, sob C, 626

Claypole, Martha (neta), 643

Claypole, Oliver (neto), 642, 643 Claypole, sra. John. Ver Cromwell, Elizabeth

(filha) Cléopatre (romance francês), 469

Cleveland, John, 462; citado em 199, 244, 462

Clonmel, cerco de (1650), 354 Clotworthy, sir John, 279 Clubmen,

186

Cockayne, George, 279 Cohen, Benjamin, 675 Colchester, cerco de (1648), 254

Comenius, Jan Amos, 548, 551, 604

Churchill, sir Winston, 527n

88, 92-93, 96, 242-243,

FRASER

212,

219-

220, 236-237, 241-242, 270, 272, 322-323, 427, 512, 641-642, 643

Comércio, Comissão do, 387, 524, 613 Comércio, Conselho do (1650), 613

Comissão Derby House, 243 Complaint (Powte), 71 Compromisso do povo (1648), 279-280, 284 Compromisso do Povo (Proposta dos levellers

em 1647), 230, 238, 269, 273-274;

debates sobre, 230-235 Compromisso, acordo de Carlos I com os escoceses (1647), 241, 255, 256

Compton, sir William, 474; e Sealed Knot, 487 em

Comus (Milton), 457, 464 Condé, príncipe de, 402-403, 490, 639

404, 439,

Condições de um Tratado (formuladas pelos escoceses), 86 Conti, príncipe de, 404 Convenção Nacional (1638), 75 Convenção, Liga Sagrada e, 131, 132

Cony, George, 547 Cook, John,

379;

conduz

a acusação

de

Carlos I, 289; sua determin ação, 29829 9, 308

CROMWELL

Cooper, coronel Thomas, 590 Cooper, Joseph, 469

Cromwell, Catherine (depois Whetstone e,

Cooper, Samuel: retrato da sra. C, 42; retrato de C, 81, 466

Cooper, sir Anthony Ashley, 479

Coote, sit Charles (morto em 1642), 92

Coote, sir Charles (morto em 1661), 201,

posteriormente, Jones; irmã), 20, 454

Cromwell, Cromwell, Cromwell, século Cromwell,

Cork, 349; rendição de (1649), 348; Lei de Indenização de, 491 Corkbush Field, 238 Coroação de Oliver Cromwell, A (caricatura alemã), 326 Cotton, John, 389 Court and Kitchen of Mrs Elizabeth Cromwell Commonty called Joan, 471 Courteen, William, 486 Covent Garden, 471, 473 Coventry, 171 Cowley, Abraham, 461; no funeral de C, 663 Cox, James, 673

Crabtree, Roger, 512n Cranborne Manor House, vandalismo em, 123-124 Crawford, general-de-divisão Laurence, 136, 158; rixa com C, 134, 153; em Marston Moor, 143, 144 Crediton, 193

Crequi, duque de, 638, 642 Cripplegate, casamento de C na Igreja de St. Giles, 42 Cristina, rainha da Suécia, 401, 438, 457,

537; considerada pela sra. C como uma possível segunda esposa para C,

43-44, 423, 537

Cromwell, Associação,

150n,

182, 385n,

Cromwell, Bettie (filha). Ver Cromwell, Elizabeth pois Cromwell, Bridget (sra. H. Ireton, de

Fleetwood; filha), 130-131, 191, 192,

225, 311, 401; nascimento, 44-45; es-

a

arência

com

religiosos, casamento, e

caráter,

192-193, 195-196,

195-196;

Fleetwood, 394; morte, 666;

cendentes, 667

641-642; nascimento, 46; devoção de

C, 46, 192, 643-646; casamento, 192: doença grave, 562, 642-646; caráter, 644; morte e funeral, 646, 658

Cromwell, Elizabeth (depois Hampden; prima), 28 Cromwell, Elizabeth (esposa), 220-221, 225, 376,

377, 423,

601,

637;

casamento,

42, 60; ancestrais, 42; aparência, 4243; rude zombaria de, 43, 472; caráter, 42-45; devoção de C, 44; nascimento dos filhos, 45, 78; pagamento semanal de, 135-136, 158; acusada de torpeza e de aceitar subornos, 210, 472, 665; em Dublin, 343; em Whitehall, 450, 455;

costume de aumentar os preços, 533z;

doença, 562; e morte de C, 658; últimos anos, 665

Cromwell, Elizabeth (irmã), 20, 455

Cromwell, Elizabeth (mãe), 19, 40, 68, 127-128, 669n; longevidade, 20, 21; filhos de, 20; ancestrais e primeiro ca-

samento, 20-21; apoio de C a, 36-37,

77; morte, 305

Cromwell, Elizabeth (neta), 362 Cromwell, Elizabeth Oliveria (tetraneta), 668

669n

crúpulos 4376-377;

coronel Henry, 579-580 coronel John, 294 Eliza e Letitia (descendentes, no XVIII), 26% Elizabeth (Bettie, /ady Claypole;

filha), 43, 77, 377, 576-577, 601, 623,

343

Cromwell, Anna (irmã), 20

713

196, 198;

casa

des-

Cromwell, Frances (depois Whalley; prima), 28

Cromwell, Frances (lady Rich, depois Zady

Russell; filha), 376, 423, 425, 665; nascimento, 77; Hampton Court, quarto de dormir em, 453; problemas afetivos, 585, 586, 597; casamento com Rich, 623, 626; viuvez, 623, 658; segundo casamento e últimos anos, 667; descendentes, 667; enterro, 667, 672-673 Cromwell, Henry (filho), 225, 260, 377,

394, 463, 480, 488, 499, 523, 6325,

636; nascimento, 44-45; corteja Dorothy

714

ANTONIA

FRASER

Osborne, 424; casa com Elizabeth Rus-

tões domésticas, 36-37; alegada liberti-

427;

la de Direito, 40-41; casamento,

sell, 424; no Parlamento de Barebones, na Irlanda,

493,

558,

564-567;

problemas com os batistas, 558, 566;

aparência e caráter, 565-566; conselho de C a, 566-567; e questão da realeza,

585, 591, 593, 596; correspondência com Thurloe, 585, 591, 593, 653, 648649, 650, 652, 657; e sobre a depen-

dência do Protetorado face a C, 635; e sobre a questão da sucessão, 648-649, 652, 654; depois da morte de C, 666;

descendentes, 666, 668 Cromwell, Henry (irmão), 20 Cromwell, Henry (primo), 103, 294 Cromwell, Jane (depois Desborough; irmã), 20, 43n, 77, 455, 669

Cromwell, Cromwell, Cromwell, Cromwell, 28 Cromwell,

John (avô de Thomas), 23 John (irmão), 20 Katherine (depois Williams), 24 lady Anne (esposa de sir Oliver), lady. Ver Cromwell, Elizabeth

(esposa) Cromwell, Margaret (depois Walton; irmã), 20, 36

Cromwell, Mary, lady Fauconberg (filha),

376, 597, 601, 641-642, 646; nascimento, 77; aparência e caráter, 423-424; expectativas de casamento, 424, 585,

586, 622-623; casamento, 623-624, 640-641; tristeza na morte de C, 658:

sucessos posteriores, 666; enterro, 667; suposto resgate do cadáver de C, 673

Cromwell, Oliver (filho): nascimento, 4445; em Edgehill, 114; no primeiro regimento de C, 119-120; morte, 135136,

147

Cromwell, Oliver (neto), 566 Cromwell, Oliver (primo), 349 Cromwell, Oliver (trineto), 668

Cromwell, Oliver: nascimento, 19; tradições, 19-20; ancestrais e antecedentes

familiares, 20-31; reputado descendente dos Stuart, 22, 601; sangue nor-

mando, 26; supostas atividades de cer-

vejeiro, 30; meninice, 31-35; educação,

32-38, 40-41; como cabeça das ques-

nagem juvenil, 39-40, 44-45; na Esco41-42,

60-61; vida de casado, 44-45: em Hun-

tingdon, 44-45; nascimento dos filhos, 45-46, 76-77; membro da comunidade

de Huntingdon, 47; protesta contra a tolerância do papismo, 51-52; primeira

visão da violência por uma causa justa, 52-53; consulta o médico,

53-54: an-

gústia mental e conversão, 54-57, 6061; na política local, 57-60, 61; como

gentil-homem do interior, 60; como fa-

zendeiro arrendatário em St Ives, 61;

progressos intelectuais, 62, 64-65; considera a possibilidade de emigrar para a América do Norte, 65-67, 191; mudança para Ely, 68; apóia o protesto da comunidade contra a drenagem dos pântanos, 72, 84-85; intitulado “Lorde dos Fens” pelos inimigos, 72; “discursa” sobre a Primeira Guerra Escocesa, 76; representante de Cambridge no Parlamento Curto, 76; morte do filho primogênito, 78; no Parlamento Longo, 79-80; defende Lilburne, 80, 82; trabalho nas comissões, 83-91, 98, 101-102, 131; e Protesto, 87-88; opõe-se à visita de Carlos I à Escócia, 89; e a Grande Reprimenda, 95-96; insiste para que o comitê proclame a nação em estado de defesa, 97-98; risco financeiro na colonização da Irlanda, 99, 102; evita que a baixela de Cambridge caia em poder de Carlos I, 103-104.

Concentração de tropas de cavalaria no início da guerra, 109; como líder da cavalaria,

111-113;

última

carga

em

Edgehill, 114-115; na criação das Associações Oriental e nas Midlands, 117118; como coronel, forma um regimen-

to, 118; recrutamento de “homens pios

é preciosos”, 119-121, 133; reputação

de

iconoclasta,

120-123;

campanha

oriental bem-sucedida, 126-128; governador de Ely e um dos quatro coronéis

em Manchester, 127-128, 152-1 53; pedidos de ajuda financeira para “sua

715

CROMWELL

adorável companhia”,

127-130; primei-

nege 0; 13 912 x, fa ir Fa m co ro nt co en ro ia, € ral-de-brigada de cavalaria e infantar segundo em comando,

132; discussão

com Crawford sobre tolerância religiosa, ant ju 5; 13 , er iv Ol ho fil do e rt mo 4; 13

se aos escoceses em York, 136; contraste lacom Rupert, 137-138; carga de cava ria vitoriosa em Marston Moor, 143,

144-146; acusado de menosprezar O

papel dos escoceses, 149; discordância

com Manchester, 152-160; como líder dos independentes, 154, 200; e Decreto de Renúncia, 160-161, 164, 166167, 169, 183-184; campanha no oeste e nas Midlands, 164-167; acredita que Deus quer a continuação da luta, 167; fortalece a Associação Oriental, 172; junta-se a Fairfax com o exército principal, 172-173; vitória em Naseby, 176-183; reputação incrementada e aumento da comissão 183, 194-195; e liberdade de consciência no exército,

184, 212-213; cercos bem-sucedidos, 187-190; planeja retirada para a Irlan-

da, 190-191; recompensas pecuniárias, 191,

197; campanha

ocidental,

193;

como líder, 194-195; muda-se para Londres, 197-198; dispersão oficial, , 198; depressão devido às dissensões ave, 200, 203-204, 206-207; doença gr no 202-203; problemas com agitadores novas idéiexército, 204-208, 226-235; conspiração as de emigração, 206-207; 2; deixa para sequestrar Carlos I, 210-21

los pe ão is pr da r pa ca es ra pa s Londre criaa õe op pr 2; 21 121 , os an presbiteri , 212to ci ér Ex do ho el ns Co um de ção

1, 213, os rl Ca m co s õe aç ci go ne 213;

o si an 1; 24 923 7, 22 422 214, 215-218, al, 218; mais modera-

oso por aco rdo leg 220; entrada do em relação à Carlos 1, discur1; 22 s, re nd Lo do exército em

nos 7; 22 a, ui rq na mo sa em favor da 228, ey tn Pu em to ci ér ex debates do a fuga m co ia nc vê ni co a ad eg al 235; contra de ci de 7; 23 623 1; de Carlos

Carlos I, depois da Carta da Sela, 239-

243; sátiras realistas sobre, 243; e a proposta de regência, 244-245, 247, 264-265: vence insurreição de Gales, 249-255; ausência do Norte nas discussões cruciais sobre Carlos 1, 255-275; derrota dos escoceses em Preston, 260265; negocia com líderes escoceses,

266-270; acusado de compactuar para destruir a monarquia, 270; “atitude de espera”, 276-278; interesse em salvar a

vida de Carlos 1, 278-279, 280-281; discurso crucial contra Carlos 1, 281282; leva o rei a julgamento, 282, 286287, 288-293; apóia a Casa dos Lordes, 285, 306; assina a sentença de morte de Carlos I, 292; rezando, durante a execução, 296-297; alegada visita ao caixão de Carlos I, 298; sobre “Necessidade Cruel”, 298, 298-299; atitude com relação a Carlos 1, 297-300. Funcionando como presidente do Conselho de Estado, 306; espírito jubiloso, 309-310; questões de família e preocupação com o filho Richard, 310-

312, 348, 376; e levellers, 316-321,

506-508,

$16;

novo

312-314, coman-

dante-em-chefe da expedição à Irlanda, 313-315; considera a expedição como cruzada, 317-318, 325, 327, 330; suprime revolta militar no sudoeste, 318321; recebe o título de doutor em Oxford, 320-321; preparativos da expedição,

321, 322-325;

lorde comissionado

na

Irlanda, 322-323; sobre o “perdão extraordinário” de Rathmines, 326; esca-

lada de críticas e sátiras contra, 326327; campanha irlandesa, 329-356;

reputação maculada por conta de atro-

cidades, 339-342, 345-347, 3553-56, 355-57; doença, 348; aceita comando escocês, 359; campanha escocesa, 360386; suas Proclamações aos Escoceses, 362, 363; doença em Edimburgo, 375

377, 378; “perdão da coroa” de Wor-

cester, 384; como chefe militar, 387-388; retorna à atividade civil, 379; e os funda-

ANTONIA

716

mentos da nação, 389; divergências e frustrações com o Parlamento, 390-393; e

possível restauração da monarquia, 392393, 406-409, 441-442; insiste no perdão da Lei do Esquecimento, 395; e o sistema de dízimos, 399-400, 405, 434-

435; e a guerra anglo-holandesa, 403,

429-431; diálogo com Whitelocke sobre

a realeza, 406-408; defende a dissolução

do Rump, 410-413; dissolve o Rump, 414-418, 419, 448; “remova essas buginganga”, 415; postura quase-monárquica,

421-423;

prestígio no exterior,

421, $34-535, 538-542; atenções pater-

nais, 424-425; forma o Parlamento de Barebones, 425-429; otimismo inicial, 427, 434, 440; propõe aliança anglo-holandesa, 430, 436-437; desapontamento e depressão, 435-436; missão sueca, 438; divisões na política eclesiástica, 439-440; dissolve o Parlamento, 441-442; possibilidade de reinado, 442; proclamado Lorde Protetor, 443-444, 447. Investido com pompa real, 448451; modo de falar, 448; estabelecimento da Corte, 449-459, 472; mudase para Whitehall, 450-451: uso de propriedades reais, 453; medidas de segurança pessoal, 454-455; supostas amantes, 474-476; como uma grande força histórica, 477-478, 576-577; pro-

grama de reformas, 480-510; governa

por decreto, 480; desejo de conciliar, 482-487;

tramas contra, 487-489, 508-

510, 543; abertura do Parlamento, 499502; autoridade questionada, 503-504,

506-507;,

acidente

de trânsito,

504;

morte da mãe, 505; seu Projeto Ocidental, 512-526; constrói a Armada, 527-528; conclui tratado anglo-francês, 531, 637; cria os postos de general-dedivisão, 544-547, 568-569; saúde em declínio, 562-564, 603; questões famili-

ares, 530-534, 564-568, 585-587, 596-

597; segundo Protetorado, 568-571; e

perspectiva de reinado, 571, 575-577, 581-582,

584-585,

588-596,

600-601;

FRASER

insiste em misericórdia e ortodoxia, 574;

proposta de Protetorado hereditário, 575, 581; problemas com os generais-de-di-

visão, $78-579, 589; mais tramas e ten-

tativas de assassinato, 580-581, 641; restaura a Câmara Baixa, 583-585, 626-630; e perspectiva de restauração de Carlos

II, 586-588:

convidado

a

aceitar título e cargo de rei, 590-592; sua indecisão, 592-594; decide aceitar, 586-595; declina, após enfrentar oposição do exército, 5958-596; aceita uma

nova Petição dos Humildes, 596; instala-se como Lorde Protetor, 596, 598600; poder para nomear sucessor, 596, 647; mitos genealógicos, 600-601; experiências sociais e administrativas, 603634; relutância ao novo Parlamento,

628-631; dissolve o Parlamento, 631633; seu último verão, 642-655; perdas, 642; doença e morte de Bettie, 642646; crise de luto, 642-646; dúvidas sobre as instituições monárquicas, 648; nomeação do sucessor, 647-650, 652; última doença, 650-655; fé na Convenção, 653-655; nomeia Richard seu sucessor, 654, 657; morte, 655; reações à, 657-659; velório e enterro, em Westminster, 659-663; máscara mortuária e

efígie, 661-663; situação da família,

663-667; descendentes, 667-669; após a Restauração, 669-674; seu corpo ex-

posto e novamente enterrado, em Tyburn, 669-671; lendas sobre seu último repouso, 671-673; destino da cabeça, 673-674; reputação controversa, 674-

680; estátua colocada do lado de fora

dos Comuns, 675-676.

Aparência: 80-82, 243-244, 327,

+66; nariz, 81, 243-244; verrugas, 81, 466.

Caráter: 676-680; amigas, 473-

477, 676-677; amor à música, 456457, 458, 626; amor

aos

falcões,

59-

60, 467; autoridade familiar, 36-37,

e

,

ra Providência, 33,

-167, 266, 278, 282,

CROMWELL

284-285, 291, 294, 300, 345, 377-

378, $11; esportes e entretenimento, atitude com relação aos, 59-60, 456457, 461, 467, 676-677; humanidade, 185, 194-195; humor turbulento e ex-

plosivo, 625-626; identificação e simpatia com os soldados, 194-195, 677;

impulsividade, 221, 417; “inflexibili-

dade de temperamento”, 34; melanco-

lia, 53-54; natureza passional, 36-37, 38, 194-195, 586; oratória, 228; raivas incontroláveis, 339-342, 414-415, 416, 417-418, 677; religião, 33-34,

51, 54-57, 62, 64-65, 400-401, 647-

648, 653-655; retratos de, 81, 466; tendências místicas, 400. Gênio militar: 110, 111-112,

126,

171,

175-176, 179, 368-370, 383-386, 676;

cargas de cavalaria, 112, 126-127, 143, 144-146, 150, 386; guerra de cercos, 185, 187-190. Política externa: 402-405, 511-542, 637-641; continente, idéia de uma “cabeça-de-ponte” no, 405, 637-641; Espanha, 514-515, 526-527, 532; Europa

protestante, ambição pela, 404, 436-437,

539; França, 404-405, 439, 489-491,

530-532, 610-611, 637-641; Holanda, 403, 429-430, 436-437; Polônia, 536; Portugal, 528; Projeto Ocidental, $12526; Suécia, 438, 536-539.

Política interna: católicos, 483-486,

610-611; comércio e indústria, 611616, 621; dízimos, 399-400, 405, 434435, 440-441; educação, 605-608, 620;

Escócia, 361-386, 430-432, 617-622; finanças,

608-616;

Irlanda,

329-356,

547491-499; judeus, reassentamento,

557; minorias religiosas, 556-562; reforma legal e judiciária, 434, 481, 616, l.

a

declínio,

562-564,

645;

desequilíbrio nervoso; 53-54; doença em Edimburgo, 375-377, 378; em ma1647, 202-203; última, 650-651;

gota, lária na Irlanda, 348; 650-651; 562, 651-652; pedra, 563, 651-652; sua, 636; a d o t i e p s e r à rumores

717

Cromwell, Richard (avô), 668

Cromwell,

Richard

(filho), 40,

135, 555,

581, 584-586, 589, 599, 603; nasci-

mento, 44-45; batismo, 45-46; acertos matrimoniais, 246-247, 310-311, 348,

362, 376-377; caráter fraco, 310-311, 348, 567; aparência, 311; dívidas, 377, 566-567,

664; apartamentos

em

Whitehall, 451-452; possível homossexualidade, 567-568; no Comitê de Comércio e Navegação, 567-568; como sucessor de C, 582, 597, 649, 654; Reitor da Universidade de Oxford, 596, 649; membro do Conselho Privado, 623; acidente com, 641-642; e a morte de Bettie, sua irmã, 646; indicado por € como sucessor, 654, 657; sucede a C, 657; breve reinado, 664;

partilha a sorte dos líderes do exército, 664; retira-se para o Continente,

664;

últimos anos na Inglaterra, 664-665 Cromwell, Richard (primo), 668 Cromwell, Robert (filho): nascimento, 44-

45; morte, 78, 135, 147-148, 646

Cromwell, Robert (irmão), 20

Cromwell, Robert (pai), 19, 22, 33; ancestrais, 23-29; vida simples, 30, 31; morte, 36; seu testamento, 37

Cromwell, Robina (depois French, depois Wilkins; irmã), 20, 77, 455, 646 Cromwell, sir Henry, “o Cavaleiro de Ouro” (avô), 28, 31, 37, 41

Cromwell, sir Oliver (tio), 28-29, 30, 33, 47, 294; avô para C, 31

Cromwell, sir Philip (tio), 28 Cromwell, sir Richard (bisavô), 24, 27-28 Cromwell, sra. Henry (Elizabeth Russell),

424, 566

Cromwell, sra. Richard (Dorothy Mayor),

246-247, 310-311, 348-349, 362, 377,

476; depois do exílio do marido, 567568, 664 Cromwell, Thomas, conde de Essex, 23-24,

25, 26, 27, 121-122, 225

Cromwell, Walter (pai de Thomas), 23 Cromwell, William (avô), 668

ANTONIA

718

Cropredy Bridge, batalha de (1644), 152 Croydon, 220 Croyland, cerco de (1643), 119-120

Cruelty of the Spaniards in Peru, The (ópera), 460

Cruso, John, 112

D'Ewes, sir Simonds, 52n, 93; citado em 97 D'Orley, coronel Edward, 523 Dalbier, coronel John, 189

Dalnaspidal, 433 Daubeny, Henry, 40 Davenant, sir William, 460, 461 Daventry, 171 Davidson, dr. Chalmers, 651n De Croullé, sr. (enviado francês), 360, 402

Deane, coronel Richard, 315; assina a sen-

tença de morte de Carlos I, 291-292: em Dunbar, 276, 368; dividindo o almirantado com Blake e Monk, 429;

pacifica as Highlands, 430, 431 Decenvirato, estabelecimento do (1653), 420 Declaration to these Nations, A (Wither), 462 Defoe, Daniel, 619 Dell, William, 604

Denbigh, Basil Feilding, 2º conde de, 136,

285; tentativa de mediação de, 281, 282

Derby House, comitê, 256, 257; restaurado

a partir do antigo Comitê de SeguranStanley, 7º conde

de: em

Worcester, 381, 384; executado, 389

Dering, sir Edward, 88 Desborough, John (cunhado),

77,

120,

381, 516, 622, 631; como quarteleiro-

mor de €, 109; sob o regime Fairfax, 163; em

Langport,

186; membro

do

Decenvirato, 420; no Conselho de Esta-

do, 479; e levante de Penruddock, 509;

governador arbitrário nas terras ocidentais, 544, 546, 569-570; opõe-se ao Protetorado e à realeza hereditários, 575,

581,

582,

588-589,

do, 623, 643 Dez por um (Oughtred), 607 Dezenove Proposições (1642), 101, 102

Diamond (fragata), 404 Digby, lord, 82, 174 Digby, sir Kenelm, 483 Diggers (cavadores), 316

Dissolução, Lei de (1653), 413-414, 415, 416-417

Dois Reinos,

De jure paces et belli (Grócio), 338

Derby, James

Devizes, cerco de (1645), 188 Devonshire, Christiana Cavendish, condessa

Dízimo, 544, 546, 579, 580, 581, 616

de Cultivo, Lei (1653), 491

ça, 243

extinção do posto de general-de-divisão, $78; reconquista apoio de C após rejeitar sua realeza, 597 Desborough, sra. John. Ver Jane Cromwell (irmã de C) Despaigne, Jean, 614

Cuney, capitão Walter, 252

370,

FRASER

594-596;

e a

Comitê

dos (161,

169, 307;

constituição do, 131, 133; e a querela entre C e Manchester, 153, 156-157;

relatos de batalhas ao, feitos por C,

166; obstrui trama de Brereton para prender Carlos I, 170, 171, 172; desperta tardiamente para os riscos das Midlands, 172; revive como

Doncaster, 257, 271

Donnington, castelo de, cerco do (1644), 15$4-158

Dorchester (Oxon), 169

Dore, R. N., 170n, 171n

Dorislaus, dr., 289; assassinato de, 321 Dormido, Manuel Martinez, 551, 554, 555 Dover, castelo de, 545 Dowcra, capitão James, 103

Dowhall, Henry, 46, 62 Dowland, John, 29

Downes, John, 293 Downing, sir George, 657

Draxe, sir James, 524

Drogheda, 321, 332; cerco de (1649), 335-342;

357

massacre de, 339-342, 356,

Drury, Edmund, 612

Dryden, John, 425, 46 1, 641

Du Moulin, Louis, 47 8

CROMWELL

lorde deputado, 565-566 Dugdale, sir William, 520, 622, 623; sobre C em Edgehill, 115; citado em 71-72, 240-245

Dumbarton, 430 Dunas, batalha das (1658), 639 Dunbar, 194, 364; batalha de (1650), 361, 3465-371, 383; assalto fatal dos escoceses, 367-368; cavalaria de C através do flanco direito, 368; reações à batalha, 369-371; morte de C no aniversário de, 655, 658 Dunch, Edmund, 627

Dundalk, 321, 335; rendição de (1649),

341, 342

Dundas, sir Walter, 372, 374-376 Dundee, 338, 430 Dungarvan, 349 Dunkirk, 404-405, 532; aquisição de, 540,

541, 637, 638, 639-640

Dunnottar,

Patrick Plunkett, 9º barão de,

492

Duppa, Brian, bispo, 487 Duret, Jean (pajem de C), 376

Durham, 136, 265-266, 270, 361; colégio do norte e eventual universidade de,

376, 606-608

Dury, John, 305, 462, 548; idéias sobre educação, 604, 605, 608 Dutton, John, 585 Dutton, William, 425, 585 Dysart, Elizabeth Murray condessa de, suposta amante de C, 473-476 Dyve, sir Lewis, 209, 214, 226

Earle, John, 468

Ebury, Dorcas, 577

113-116, , 42) (16 de a alh bat Edgehill, 141, 143, 181; útima carga de €, em,

114-115

sua priem C 5; 36 4; 36 , 22 , o Edimburg C ocupa 0; 27 826 , 8) 64 (1 ra meira ho (1650), 3472-373, 374; rendição do 3715-378,

C doente

672; C proclamado

Protetor em, 617

Eikonoclastes (Milton), 308, 664 lot, sir John, 55

izabeth da Boêmia, 401 izabeth 1, 28 izabeth, princesa, 234, 293 309, 407 y 130; C se desloca para, 67; estada em, 67-68; residência em, 68-69, 77; alegado vandalismo de C contra a catedral de, 120-121, 122-123; lar da família em, 135; C muda-se de, para Londres, 197 Ely, ilha de, 67, 68; comunidade da, 8485; C como governador da, 158

127-128,

England's New Chains Discovered (panfleto leveller), 312, 314

England's Sofety (Robinson), 615 English-American, The (Gage), 514

English Dancing Master, The, O, 458

Enniscorthy, castelo de, 343 Escócia, Comissão para, 387 Escócia, Conselho de Estado da, 617, 620

Esquecimento,

Lei de (1652), 395, 396,

544

Dunsany, lady, 492

stelo de, 2474-375;

Egerton, lady Alice, 464

doam

Dublin, 91-95, 99, 332; C em (1649), 4329-330, 342-343; Henry C em, como

719

em,

Lorde

Essex, Robert Devereux, 3º conde de, 110, 116, 142-143, 154, 190; em Edgehill, 113, 114; em Lostwithiel, 153; animosidade por C, 158; morte, 201 Estado, Conselho de, 390, 397, 451, 454, 455,

S11;

novo

(1649),

306-307;

se-

cretariado do, 308; problemas financeiros, 313-314; levellers levados diante do, 313-314; C eleito cabeça de chapa,

387, 391, 405; dissolvido, 426; novo (1653), 443-444,

448; membros,

479-

480; e o Projeto Ocidental de C, 512, $16, 518, 542; e os judeus, 552, 553554, 556; e a escolha de membros no Segundo Parlamento, 570; novo juramento de lealdade requerido, 596, 597

Evans, Arise, 556

Evelyn, John, Longo, 79; por €, 451; no inverno do Tâmisa,

576; sobre o Parlamento na ocupação de Whitehall no início de Naseby, 527; de 1657-8; sobre a baleia 642; no funeral de C, 662-

663; na exumação dos regicidas, 670;

citado em

123-124, 394, 468-469

720

ANTONIA

Everard, William, 316 Evesham, 381

Escócia, 359;

209,

custódia de Carlos I, 276; assina a senna Irlanda, 314-315, 338 196

193

Eythin, James King, barão, 142, 151 Fairfax, Ferdinando, 2º barão de, 190

Fairfax, lady,

135, 145,

129, 220-221, 284-285;

no

Julgamento de Carlos I, 288, 289 Fairfax, Mary, duquesa de Buckingham, 622, 651

Fairfax,

sir Thomas,

166,

169,

170,

41,

110,

171,

151-152,

186,

189-191,

193-194, 549; primeiro encontro com

C,

129-130;

York,

em

Winceby,

130;

135; comandante-em-chefe

em

do

e desagradável

211

Falkland, Lucius Cary, 2º visconde de, 95;

tença de morte de Carlos 1, 291-292:

Exeter, 509, 577; rendição de (1646),

última

entrevista com €C, 651-652; citado em

Ewer, coronel Isaac, 251; responsável pela

151,

FRASER

)

aparte de C a, sobre emigração, 66, 96 Fanshawe, lady Anne, 348 Faringdon, escaramuça de (1645), 167 Father's Legacy, A (Slingsby), 641 Fauconberg, lady. Ver Cromwell, Mary Fauconberg, Thomas Belasyse, visconde (genro de C), 567, 607, 642, 646, 658;

acertos matrimoniais com Mary C, 586,

622; casamento,

623-624,

640-641;

na

Casa dos Lordes sob C, 626, 627; mis. são na França, 638-639; e a controvérsia sobre a sucessão, 652, 654; últimos anos, 666

Feake, Christopher, 448

Fell, Margaret, 560 Felsted, 77

Fethard, rendição de (1650), 352

Exército de Novo Tipo, 162-163; nomeia C general-de-brigada, 172; incita C a juntar-se ao exército principal nas Midlands, 172, 173; em Naseby, 174, 176, 178, 180, 182; captura Bistol, 187; cerca Oxford, 186; autoriza paga-

Fiennes, coronel John, 165, 181 Fiennes, Nathaniel: em Edgehill, 114; na Casa dos Lordes sob C, 629 Finch, sir John, 52, 76 First Anniversary of the Government under O.

o

First Day's Entertaimment at Rutland Flouse,

ta, 206; insatisfeito com o segiiestro de

First Defence of the People of England (Mil.

mentos

a €,

198;

tenta

apaziguar

exército com relação à redução propos-

Carlos 1, 212; no Conselho de Exército, 213; entrevista com Carlos I, 213, 214; esforça-se para chegar a um compromisso com ele, 215, 224; recebe a

Verdadeira Posição do Exército, 227; sobre a Magna Carta, 229; acusado de “vestir as cores do rei”, 235; e dispersão do exército, 247-248; toma Colchester, 265; preocupado em manter o Governo, 273; um dos juízes de Carlos I, 285; desempenha um pequeno papel no julgamento, 288-289, 290; insiste no perdão, 294; nas preces, durante a execução, 297; e a rebelião militar no sudoeste, 318-319; recebe o grau de doutor em Legislação Civil, por Oxford, 320, 321; não querendo invadir a

C. (Marvel), 478, 571

The, 460

ton), 408

First Defence of the State of England (Milto n), 93

Firth, sir Charles, 28, 401n, 460n, 679-68 0

Fisher, Payne, 390; citado em 330 Fitzjames, coronel (emissário para Dunkirk), 405

Flecknoe, Robert: sobre C, como um “gen, til-homem nato”, 22, 23; sobre a aparência de C, 81; no affair Hispaniola ,

522; citado em 478, 654 Fleetwood, Anne, 666, 66 9

Fleetwood, Charles, 380, 389, 392, 424 , 435, 495

, 563, 632, 645; e à discus são do exército com o Parlamento, 207, 208; sobre as dificuldades da ca mpanha da Esc

ócia, 364; em Worcester, 381, 382,

CROMWELL

383, 384, 385; casa-se com Bridget Ireton, 394; comandante-em-chefe na Irlanda, 394-395, 493; general-de-di-

visão no comando das tropas na região

leste da Inglaterra, 544; lorde-deputado na Irlanda, 565, 566; opõe-se à realeza, 582, 590, 5953-596; reconquista apoio de C, após rejeitar sua realeza,

597; na Casa dos Lordes, sob C, 626; sucessor presuntivo de €, 649; e a últi-

ma doença de C, 650, 652; por ocasião da morte de C, 657; últimos anos, 667 Fleetwood, sra. Charles. Ver Cromwell, Bridget Fleming, sir Oliver, 402, 420, 454, 599 Fletcher, Henry, 40; citado em 39, 228-

229, 253, 341, 403, 447, 456, 625,

677

Fortescue, Richard, 521-522 Foster, Nicholas, $18 Fox, George, 400, 558-561, 577; interessado em ciência, 604; comentário sarcásti-

co sobre Durham College, 608; visita Bettie C, 645; sobre a aparência de € “-omo um homem morto”, 647

Foxe, John, Livro dos Mártires, 341 Frankland, sir Thomas, 667 Fraser, coronel Hugh, 140, 143 Fraser, rev. James, 618 French, dr. Nicholas, 346

French, dr. Peter (cunhado), 77, 455

French, sra. Peter (Robina Cromwell; irmã),

20, 77, 455

French, Freud, Freud, Fuller,

Thomas, 77 Oliver, 555% Sigmund, 555% Thomas, 461; citado, 35, 36

€, de l ta en id Oc o et oj Pr O € , as Gage, Thom 128, 132 612 , 3) 64 (1 S XI , h g Gainsborou 125 m e do ta ci 7; 66 n, Gardiner, S. R., 45 de, 614 s u l i h p o e h T Garenciêres; igne, Sir Bernard, 265 land), 199 e v e l C ( e h T pi li sera] Ec para o ã ç a r i p s n o c à e John, Gerard, coronel 489 matar €, 487, 488,

721

Gerard, John, 197 Gerbier, sir Balthazar, 459 Gernon, Luke, 333

Giavarina, Francisco (embaixador de Veneza), S45

Gibbons, Christopher, 459

Gibraltar, 528

Gillespie, George, 74 Gillespie, Patrick, 621 Gilpin, John, e seu panfleto intitulado Quakers Shoken, 558

Gisbrun Park, 259

Glasgow, capturada por Montrose, 186; € em, 373, 377-378;

Universidade de,

620

Glencairn, William Cunningham, 9º conde de, 431 Gloucester, 249; levantamento do cerco de

(1643), 129

Gloucester, Henry, duque de (filho de Carlos

II), 30, 293; possível regência, 244, 247-248, 309, 392, 393; abandona o Continente, 407

Glyn, Lorde Juiz Supremo, 636 Goddard, Jonathan, 605

Goffe, William, 232, 368; general-de-divi-

são no comando das tropas nos conda-

dos do sul, 544

Goggar, 365

Goodman, Godfrey, bispo, 435 Goodwin, dr. Thomas, 654; sobre sua conversão, 56

Gookin, Daniel, 525 Gookin, Vincent, 565-566; seu famoso panfleto intitulado The Great Case of Transplamtation, 594-595; em “A honestidade de Harry” ataca os generais, 579 Goring, George, barão, 136, 164, 169, 182; em Marston Moor, 130, 144, 146; em Faringdon, 167; comportamento intratável, 173, 175; derrota em Langport, 186 Goring, George, conde de Norwich, 278280, 307 Gosteld, Walter, 556 Gower, sir Thomas, 470 Grande Nível (distrito dos pântanos), 70, 72

Grande Reprimenda (1641), 66, 95-96, 100

722

ANTONIA

Grande Selo, projetos para o, 303-304 Granger, Ann e Rob, 452

Grant, sir Guyon le, 26

Grant, sir Gwrgenau le, 26 Grantham, escaramuça nos arredores

(1643), 120, 125, 126

de

Gregory, lady, citada em 355n Gretton, R. H., 319%

barão,

120, 128,

218, 381; assina a sentença de morte de Carlos I, 291-292; opõe-se a C, 506 Grey de Wark, William, 1º barão de, 118 Grócio, 338 Guilsborough, 173 Guise (alfaiate de Worcester), 382 Guizot, François, citado em 597 Gumble, Thomas, citado em 411 Gunston, rev. Simon, citado em 122 Gurney, sir Richard, 102 Gustavus, Adolphus, 48, 110, 112, 364, 423

Guthry, Henry, citado em 264, 270 Hacker, coronel Francis, 361; supervisiona

a execução de Carlos I, 295, 297

Haddington, 363, 365

Hale, sir Matthew, 397

Halkett, Anne, lady, 309, 358, 470

Hambledon Hill, 186 Hamilton, James, 1º duque de: lidera o escocês na Inglaterra, 256, 258, 259260; escolhe o caminho do Lancashire,

258; derrota em Preston, 261-265, 266; rendição, 266; nega ter sido chamado à

Inglaterra, 279

Hamilton, William. Ver Lanark

Hammond,

Grande Reprimenda, 96; aprisionamento de Carlos dica o direito de recrutar espírito”, 116, 119; morte,

tentativa de I, 97; reivin“homens de 128

Hampton Court, 123; Carlos I em (1647), 223-224, 225, 234; sua fuga para,

236; C usa, 388, 452-453, 534: C

Gravelines, 531 Graves, coronel, 211, 212

Grey de Geoby, Thomas,

FRASER

coronel Robert, 236, 237, 276,

381; responsável pela custódia de Carlos I em Carisbrooke, 236, 241-242,

243, 246, 247, 274; carta de autoques-

tionamento de C para, 270, 273-275 Hampden, John, 49, 80; presumível vontade de emigração, 66; resiste ao mandado de segurança referente ao “dinheiro de navio”, 73; profecia sobre C, 82; e

convalesce em, 603, 642-643; casamento de Mary C em, 624; doença e morte de Bettie C em, 643-646; doen-

ça de C em, 650

Hane, Joachim, 372; missão secreta na França, 439 Harborough, Mercado de, 173 Harrington, James, 461; seu Oceana, 577 Harrison, Frederick, 668 Harrison, major Thomas, 151, 380; insiste na acusação contra Carlos I, 235, 236; e Grande Reprimenda, 274; escolta Carlos I de Hurst para Londres, 279-280; assina a sentença de morte de Carlos I, 292, 299-300; assume o comando-em-chefe na Inglaterra, durante a ausência de C, 360; xis da campanha escocesa, 360361; na dissolução do Rump, 4148, 415; membro do Decenvirato, 420; e os pentamonarquistas, 420, 427, 433, 440; rivaliza com Lambert, 439-440 Hartlib, Samuel, 197, 462, 463, 548, 551$52; idéias sobre educação, 604, 605, 607, 608; e agricultura, 611 Harvey, William, 114 Haselrig, sir Arthur, 66, 88, 157, 201, 220, 366, 370, 416, 434; tentativa de aprisionamento de Carlos I, 97, no Comissão dos Dois Reinos, 132; e o nariz de C,

244; opõe-se a C, 502, 506, 629; não reconhece legitimidade à Casa dos Lordes sob C, 629, 630-631

Hatsell, capitão, sobre Blake, 532 Hause, conde Malcolm, 649 Heath, Constantine, 385 Heath, James, 67; sobre a Juventude de diss i-

Pações de C, 40, 41; sobre a mesquinharia da sra. C, 42-43; sobre C como “um professor”, 64; no saque de Wexford,

346; sobre a amizade de C por Frances

CROMWELL

Lambert, 475, 476; sobre os generais, 546; sobre a Corte “alegre e divertida” de C, 625; na doença de Bettie C, 643

Henderson, Alexander, 75 Henderson, sir John, 130

Henfrey, H. W., citado em 576n Maria,

Henrietta,

rainha, 43, 47, 63, 84,

215, 358, 402; catolicismo de, 62, 4087; tentativa de obter apoio para Carlos 1, 99, 181; insiste para que ele concorde com as exigências do exército, 217 Henrique VII, 25, 104, 252

Henrique VIII, 27

Henry Frederick, príncipe de Gales (filho de James 1), 47

Herbert, siy Thomas, 295, 297 Hereford, 165; catedral usada como arsenal

dos realistas, 123-124; cerco de (1645), 186-187

Hertford, William Seymour, marquês de, 587

Hewett, dr. John, 623; decapitado por cons-

pirar contra o governo, 641, 642-643 Hewson, John, 315; na crise da realeza, 593; na Casa dos Lordes, sob C, 627 Heywood, Thomas, citado em 41 High Commission, 89 Highgate, casa dos Cromwell em, 198 Hill, Christopher, citado em 1257 Hillesden House,

134

Hinchingbrooke, sede da família Cromwell,

27-31, 47

Hingston, John, 457, 662 Hinton Waldrist, 170

Hispaniola, fracasso do assalto contra (1655), 520, 522

History of Independency, (Walker), 314

Ireland History of the Horrid Rebellion in | (Temple), 92

1, $13 31 , ) h g i e l a R ( e, Th d, rl Wo of History , 73 ) e n n y r P ( x i t s a m o i r t s i H :

“sr,

(de Ely),

123

Londres, 198; no m ( e se: rev : Elite, s a m o h T , bbles sa do poe f e d ; 3 2 2 , o g n o L o t E Parlamen ado em 320, t i c ; 4 9 5 , 9 0 4 ; o t c a f e der d

582, 594

259 , e d e t n o p , Hodder

723

Hodgson, capitão John, 260-262, 384 Hodgson, sir John, 369 Holborn: casa de C em Drury Lane, 197, 210; Pousada do Leão Vermelho, 197 Holdenby Hall: Carlos I em custódia em, 201, 210; alferes Joyce, tira-o de, 210-212

Holland House, Kesington, 458

Holland, Henry Rich, 1º conde de, 65, 307

Hollar, Wenceslaus, 188 Holles, Denzil, 41, 52, 85, 160, 190, 201,

213, 214; tentativa de aprisionamento de Carlos I, 97; e preparativos para a

guerra,

99; acusações

contra

C,

115,

144, 166-167, 189-190; paz dos advo-

gados, 116; resolução que declara os protestantes inimigos do Estado, 198,

212; e o Tratado de Langport, 269 Holme, pântano de, 21 Holton, 195 Hope, Mary, $16 Hopton, sir Ralph, 116, 134, 192, 193 Horham, sir John, 120, 125, 132 Horny, castelo de, 258

Horsham, quacres de, 560

Horton, coronel Thomas, 251, 349 Howard, Charles, 454, 589, 627 Howlet, Richard, tutor de C em bridge, 36 Fludibras (Butler), 77

Cam-

Humilde Admoestação (1647), 214 Humildes, Petição e Parecer dos (1657), reivindicando o retorno da monarquia e dos lordes, 583, 589, 590, 596-597, 610-611, 629; comentários de C sobre, 607; seu formal consentimento para a

versão revisada, 599 Huncks, coronel, 297 Huntingdon, 109, 153, 172; nascimento de C, 19, 31; infância e educação em, 32,

34; juventude em, 36-38, 39-40; vida matrimonial em, 45-46; C eleito membro do burgo de, 47; “conversão” em, 57; protesto em virtude da nova carta paten-

te, 57-58, 61, 72-73; C abandona, 61;

palestras polêmicas, 64; concentração de tropas de cavalaria em, 109; desertores açoitados na praça do mercado, 120

724

ANTONIA

FRASER

Huntington, major, 206, 212, 215

exército

Hurst, castelo de, Carlos I sob custódia em, 276,

coronel John,

123,

e a execução de Carlos I, 299

Hutchinson,

124, 359;

240-242;

boça acusações contra Carlos I, 286;

generais, 545; sobre Richard C, 567:

em 49, 192, 196, 478

assina a sentença de morte de Carlos I, 291; excluído do novo Conselho de Estado, 306; seu regimento na Irlanda, 314-315, 318-319; objeta contra o sufrágio universal, 315-316; general-dedivisão do exército irlandês, 322, 329, 355; morte, 393-394; exumado e enforcado em Thyburn, 669-670 Ireton, Jane, 667

citada

Huyghens, Christian, 669 Hyde Park, 470, 471; acidente de C em, 504; plano para matar C em, 580 Hyde, Edward. Ver Clarendon

levan, William (um dos primeiros defensores da grande reforma), 25, 26

Ikerrin, lord, 496-497 Inchiquin, Murrough

O'Brien,

de, 321, 325, 336, 348, 353

Ireton, John, 426

Ireton, sra. Henry. Ver Cromwell, Bridge t Irlanda, Comissão para, 387 Irlanda, povoamento da, segundo Cromwell,

1º conde

“Incidente” (conspiração de 1641), 90 Ingoldsby, coronel Richard, 361, 413, 416, 589; assina a sentença de morte de

491-499

Islip, 165

Carlos I, 292

Jaffray, Alexander, 373, 440, 621; no Parlamento de Barebones, 433 Jamaica, conquista da (1655), 520-522, 541; colonização da, 522-526 James I, 46, 47; em Hinchingbrooke, 29, 31; na Irlanda, 317-318; seu funeral como modelo para C, 661-663

Inns of Gray, 40n Inns of Court, 41 Instrumentos Governamentais (1653), 441-

443, 502-504, 507, 547, 557, 568569, 570, 584

Inverkeithing, batalha de (1651), 379 Inverlochy, 618, 619 Inverness, 430, 617; fortaleza de 618

James II, duque de York, 392, 408n, 666 ;

idéia de regência para, 244, 275; esc apa para o Continente, 247; na força espanhola em Dunkirk, 639 Jephson, William, 596; propõe que C se

Ireton, Elizabeth, 667 Ireton, Henry, 173, 192, 205, 212, 213, 240,

2354-255,

governador

caráter,

272,

284,

interino de Ely,

130-131;

em

310,

369;

130-131;

Naseby,

torne rei, 575

João Casimiro da Polônia, 422423, 535-536

176,

177, 178, 179; casa com Bridget C, 195-196; na comissão de pacificação

John, Theauro,

nerais, 212; e declaração do exército (1647), 213; tentativa de acordo ene Carlos

1, 215,

219,

220, 224, 225, 230-23 25, 31 239, :e

as Propostas dos Líderes do Exército,

218, 220, 231, 233; e os debates no

110, 505

Johnston de Warriston,

do exército, 207; no Conselho de Ge-

tre O exército

e Admoestação do exército,

to, 276, 304; e expurgo de Pride, Si, 278; e o Compromisso do Povo, 284; es-

mento de Carlos I, 292-293; sobre os também

e o

272; propõe a dissolução do Parlamen-

sacres de irlandeses, 92-93; no julgade C, 659:

233, 235;

muda de atitude em relação a Carlos I,

Lucy, 44, 105, 394; nos mas-

na morte

231,

incidente da Carta da Sela, 240, 241;

279-280

Hutchinson,

(1647),

268,

377

Archibald, Jord, 75,

Jones, coronel John, 45 4

Jones, coronel Michael (governador de Dublin

.

), 226, 321, 323; xis as tropas de Ormonde, 325, 326, 327, 332; mort e, 349

Jones, coronel Philip, 454

CROMWELL Jones, Dean Henry, 92 Inigo,

Jones,

188,

189, 660

Jones, Oliver, 454 Jones, sra. (Catherine Cromwell,

C), 20, 454

| irmã de

Jonson, Ben, citado em 49 Josselin, Ralph, 309, 331, 376, 575; no reassentamento dos judeus, 550; sobre os quacres, 559

Joyce, George, alferes, depois coronel, 278; conduz Carlos I de Holdenby a Newmarket (1647), 211-212 Júlio César, 110% Justiça, Alta Corte de: enquanto nova instituição (1658), 636; julgamentos dos conspiradores, 641 Juxon, bispo, 295, 296, 297

Keeble, Kelsey, Kemoys, Kendal,

sargento Richard, 303 Thomas, 544-545 sir Nicholas, 251 258

Kenilworth, 171 Kent, Katharine, Sua Alteza Real, duquesa de, 667 Kentford Heath, 212

Kerr, lady Elizabeth, 578

Kilcolman, 496

Kilkenny: juramento de (1642), 99; Tratado de Ormonde com os católicos é concluído

em (1649),

de (1650), 352-353

312; rendição

Killigrew, sir William, 612 Kiling no Murder (Sexby), 581 Kineton, 113, 114, 115 King's Bench, Corte de, transfere-se para Upper Bench, 307 Kingdom's Weekly Intelligencen The, 181 Kinnersley, Clement, 451 Kinsale, 321

Kirkby Thorne, 256

259 Kirkby, Lonsdale, 258,

Kislingbury, 173

7, 259 14 6, 13 h, ug ro bo es Knar ç Ç Knightsbridge, 24 276-277 1, 27 3; 26 , y e l g n i t t Kno 535 Krovonos, Maxim,

125

LEstrange, sir Roger, 601; sobre o estilo ambíguo de C, 228-229; “o Violino de Cromwell”, 436

Lambe,

S., propostas para a criação de

bancos, 615 Lambert, coronel John, 41, 207, 218, 322, 327, 374, 375, 434, 499; em Miarston Moor, 140; engajado contra os realistas escoceses,

247-248,

254-255,

257,

263, 268, 269; alista-se no exército de C, 257; seu regimento na Irlanda, 315; discurso profético de C, 360-361; comando do regimento na Escócia, 361: e Dunbar, 366, 367-368, 370; paladar refinado, 378; em Inverkeithing, 379; em Worcester, 380, 384-385; confusão a respeito de sua nomeação para a Irlanda, 394-395, 405; insiste na dissolução do Parlamento, 405; primeiro

presidente do Decenvirato, 420; rivaliza com Harrison, 439-440; golpe pela

dissolução do Parlamento de Barebones, 440-441; e Instrumentos Governamentais, 441, 442; no Conselho de Estado, 479; opõe-se ao Projeto Ocidental de C, 513; general-de-divisão no comando das tropas na região norte, 544, 546; desacordo crescente, 568-569, 582; opõe-se à idéia da realeza para C, 582, 589, 594, $95-596; retira-se do serviço

ativo, 597-598; visita o Durham

ge, 607; 668-669

feito prisioneiro

Colle-

perpétuo,

Lambert, John, Júnior, 598 Lambert, sra. John (Frances), 378, 394, 668; “terna paixão” de C por, 475-476 Lanark, 617 Lanark, William Hamilton, conde de (2º e último duque de Hamilton), 256, 384 Langdale, sir Marmaduke, 256, 258, 272; em Naseby, 176, 179, 180, 182; derrota em Preston,

260,

261,

263,

264

Langley, John, citado em 419, 427, 428 Langley, William, 226 Langport, batalha de (1645), 186, 260

Las Casas, Bartolomé de, 460 Lathom House, 136

26

ANTONIA

Laud, arcebispo, 51, 64, 79; indicado para o arcehispado, 62; choque com os puritanos, 62-63, 75; execução,

161

Lauderdale, John Maitland, 2º conde e 1º duque de, 218, 219-220, 227, 384,

389, 464, 474, 475

Laugharne, coronel Roeland, 251-254 Launceston,

560, 577

Lawes, Henry, 456, 463-464, 465

Lawless Tithe Robbers discovered (panfleto), 435 Lawrence, coronel Richard, 493 Lawrence, George, 658

Layard, G., 466n Lechmere, Nicholas, 543 Lecky, W. E. H., citado em 356 Legacy of Husbandry (Hartlib), 612 Legge William, 236, 242 Leicester, 172, 257; tomada de, pelos realistas (1645), 172, 173, 180 Leith, 364, 379, 617; fortaleza de, 618 Lely, sir Peter, 466, 473, 475 Lenin, V. I., 678n Lenthall, William (presidente da Assem-

bléia), 97, 219-220, 280, 320, 392;

discurso sobre o desempenho de C na Irlanda, 356; suposto peculato, 419

Leslie, David, barão de Newark,

136-137,

255, 379; em Marston Moor,

141, 143,

144, 150-151; comanda as tropas que apóiam Carlos II na Irlanda, 363-364, 365-367; derrota em Dunbar, 365-367,

371; derrota de Worcester, 383 Leslie, Ludowick, 266

Leven, Alexander Leslie, 1º conde de, 135,

136-137, 151-152, 186, 187, 255; em

Marston Moor,

140, 142-143,

Leverett, John, capitão, 525

145, 146

Leviatã (Hobbes), 409, 594 Lewis, John, 669 Liyfr Baglan, 26 Lichfield, catedral de, como arsenal realista, 123

Lilburne, Henry, 236 Lilburne, John, 23,

151-152,

205, 214,

218, 238, 244, 285, 506; apelo de C

por justiça para (1640), 80, 82, 85; apoio adicional de C para, 185; critica

FRASER

os líderes

do exército,

225-226;

na

Torre, 226; agitação em favor da ampliação das liberdades, 230; sobre “suposta exaltação” de C, 272-273; antes

do Conselho de Estado, 314; crescente

animosidade de C contra, 314, 320;

ataca C, 327; reconciliação temporária, 361; julgamento em grau de recurso de, 434; citado em 307, 309 Lilburne, Robert, $9, 205, 238, 606; nas campanhas escocesas, 431-432 Lilly, William, 228, 397

Limerick, 495; rendição de (1651),

Lincoln, 123, 132, 136, 152 Lindsay, coronel, 383 Linlithgow, 372 Lisle, John, 599; encarregado do Grande Selo, 303 Lisle, Robert Sidney, 2º visconde, 627

Lister, Thomas, 598 Livingston, John, 621

Livro dos Mártires (Foxe), 342 Locke, John, 461

Locke, Matthew, 460 Lockhart, Cromwell, 531 Lockhart, Jules ou Julius, 531 Lockhart, /ady (Robina Sewster, sobrinha de

C), 431 Lockhart, sir William, 586, 652; embaixador na França, $31, 639-641; membro do Parlamento por Lanark, 617; reorganiza Dunkirk após a derrota, 639-641

Lockier, Robert, 295, 317, 318 Lombart, Peter, 466

Londres: ameaça dos realistas contra, 152; transferência de C para, 197; fortificações, 198; situação confusa de, 198-

199, 212-213; violência em

(1647),

219, 220-221; exército marcha sobre, 221; comemorações pelo fim dos dis-

túrbios levellers, 137; expansão de, 471 Long Marston, 136, 139

Long Sutton, 186

Longhborough, Henry Hastings, de, 487-488

1º barão

Lordes, Câmara dos: ab olida (1649), 306; Petição pelo restabelecimen to da (1657),

727

CROMWELL

583-584; reabertura, S84-585; seleção dos membros, 626-627; ausências da,

627-628: discussão sobre O status e O nome,

629,

631

Lorraine, Charles IV, duque de, 312 Lostwithiel, batalha de (1644), 152 Loudoun, John Campbell, 1º conde de, 75; chanceler da Escócia, 267; negocia com Cromwell, 267, 269 Love, Nicholas, 416

Love, Walter D., 92n Lowry John, 79, 88 Lubenham, 173 Lucas, sir Charles, 148-149, 254 Ludlow, Edmund, 149, 203, 221, 393,

397; sobre as Dezenove Proposições, 101; em Edgehill, 114; e expurgo de Pride, 278; lidera o comitê responsável pelos preparativos do julgamento

de Carlos I, 286; na dissolução do Rump, 414, 415; sobre a influência de Gage, 514; critica a aliança com a

França, 541; discute com C sobre assuntos pessoais, 569; e a última doença de C, 653, 654; citado em 53, 92-93,

148-149, 151, 219-220, 240, 244, 245, 306, 332, 339, 341, 388, 414, 441-442, 483, 575, 594, 626, 627, 660-661

Ludlow, Gabriel, 148 Ludlow, sir Henry, 203 Luís XIV, de França, 402, 448, 531, 532; | apela por Carlos 1, 293 Luke, sir Samuel, 134, 156, 164, 171; citado em, 157

l | 21 , ine har Kat Lynne, da mãe Lynne, William (primeiro marido de C), 21

04 Macaria (Hartlib), 6 469 s, so ur de s ta lu e br so , rd Macaulay, lo seu ; 1 3 6 , C) de m e (paj Maidston, John 0 epitáfio sobre C, 68 Mallow, 349

578 , 7 8 4 , m a i l l i W Malyn, onde c º 2 , u g a t n o , Edward M

Manchester onde de de (antes conhecido como visc

Mandeville),

113,

190-191,

219-220,

645; e a disputa em torno dos pântanos, 84-85; sobre a escolha dos oficiais de C, 118-119; comandante nos condados do leste, 127-129, 132; em Winceby, 130;

origem da querela com C, 133-134; no

cerco de York, 136; em Marston Moor,

140, 145, 146; pouco interessado na vi-

tória, 151-152, 153; diverge de C sobre a condução da guerra, 153, 155-160;

retarda a repressão aos realistas, 154156, 163; suposta negligência em New-

bury, 155-156; discurso de C contra, na Câmara dos Comuns, 157-158, 159, 161; demitido do comando, 163

Mancini, M. (sobrinho de Mazarino), 639, 642

Mandeville, visconde de. Ver Manchester,

Edward Montagu, conde de Manwaring, Roger, $2

Mardyck, 531; anexação de, 540, 637-638 Mariana, Juan de, 290, 291 Marlborough, queimada pelo príncipe Rupert,

123

Marshall, rev. W., 671 Marshall, Stephen, 90, 285, 300, 439; conclama à guerra, 98, 100 Marston Moor, 509 Marston Moor, batalha de (1644), 139151, 154-155, 175; disposição das tropas, 139-142; primeira carga, 142; contribuição dos escoceses, 144-145, 149, 150; cavalaria de C assalta flanco esquerdo,

144-146,

150-152; casuali-

dades, 146-149; fracasso da consolidação da vitória, 151, 181 Marston Tressell, 180 Marten, Henry, 216, 226, 237, 244, 278, 286, 390, 393, 417; no julgamento de Carlos I, 285, 287; assina a sentença

de morte de Carlos I, 292-293; diverge de C, 313; e a dissolução do Rump, 414-415

Marvell, Andrew, 60, 356; sobre a oratória de €, 228-229; na execução de Carlos I, 296; a serviço de C, 425; seu The First Anniversary of the Government under

ANTONIA

728

O. € (1654), 478, 571; pastorais do casamento de Mary C, 624-625; sobre a devoção

fraternal de C por Bettie,

643,

646;

645,

na doença

Mercurius Melancholicus, 281

Mercurius Politicus, 356, 364, 378, 489, 517,

520-521, 535-536, 547, 655, 669; ren-

de tributo a C como Novus Princeps, 359; propaganda antiescocesa, 380; sobre Worcester, 384, 385; sobre a expedição à Jamaica, $21-522; sobre as perseguições aos valdenses, 529; sobre o prestígio de C no exterior, 540; sobre sua nomeação como Lorde Protetor, 599; sobre sua morte, 658, 660

de Bettie,

645; na morte de C, 659; na exumação

dos regicidas, 669; citado em 192-193,

626, 644

237,

438,

479,

47, 81,

505,

540,

Massachusetts, Companhia da Baía de, 66 Massey, sir Edward, 206 Mather, Cotton, citado em 66

Matrimoniall Honour (Rogers), 44 Matthews, coronel Humphrey, 254 Maurice, príncipe, 151; em Newbury, em Naseby, 178 Mayerne,

sir Theodore,

Mercurius Pragmaticus, 225, 279, 304, 310,

312, 324; sobre a diminuição do status real de Carlos I, 282

155;

Mercurius Rusticus,

C, 53, 54

Maynard, lord, 474

o sul, 258, 260; em Preston, 260-261,

Mayor, Dorothy. Ver Cromwell, sra. Richard

Mayor, Richard, 246, 310-311, 370; cartas de C para, 326, 330, 362, 377, 505; no Parlamento de Barebones, 427 Mazarino, cardeal, 305, 360, 402, 421, 489, 531, 557, 611, 640; comenta o desejo de

C de ser tratado como “irmão”, 448, 388; e o processo dos valdenses, 530; simpatia em relação à Holanda, 538; e a possível realeza de C, 583; missão de

Fauconberg junto a, 638-639 Meautys, Thomas, 76, 79

(Nobel), 26x Menasseh ben Israel: e o reassentamento extremas

Inglaterra,

dificuldades

morte, 555

550-554;

financeiras

e

112

Millington, sir Thomas, 476 Milton, John, 42, 51, 305, 425, 456, 462,

irlandeses (1641), 93; sobre o “autogoverno” de C, 106; sobre Fairfax, 129130; sobre Bradshaw, 286; como propagandista da Comunidade Britânica,

308, 408, 461, 477, 509-510; na Irlanda, 330; seu soneto dedicado a C

como secretário do Conselho de Estado,

Mercadores Aventureiros, 612-613

Mercurius AÁulicus, 724,

121,

149-150

181; sobre

279, 304,

480-481, $34-535; na perseguição dos valdenses, 529: citado em 262, 308, 509-$10,

Mercurius Britannicus, 257 Mercurius Democritus, 550

Mercurius Elenticus,

Midmay, sir Henry, 287 Mile End, cemitério judeu em, 555 Milford Haven, 324, 325 Militarie Instruction for the Cavallrie (Cruso),

387; sua crença nos heróis, 423, 601;

Menzies, John, 621

Marston Moor,

117

lectual de C, 32; sobre os massacres

Memoirs of the protectoral-House of Cromwell

na

262-263; derrotado por Monk na Escócia, 432 Midlands, Associação dos Condados das,

674, 677; sobre a inata vastidão inte-

136

Mell, David, 457, 662

dos judeus

121

Meroz Cursed (Marshall), 99 Mettam, William, 484 Middleton, John, último conde de, 371, 382, 431; na marcha de Hamilton para

562; C consulta,

53, 57, 203; sobre a “melancolia” de

Meldrun, sir John,

FRASER

309,

313,

331; sobre o “ sangrento cervejeiro”, 30

539,

601,

670

Moderate Intelligencer, 324, 331 Modyford, Thomas, 515 Moleyns, James, 562 Molineux, lord, 464

CROMWELL

Monk,

George,

110, 338, 399, 411, 430-

431; na Irlanda, 321, 325; na Escócia, 461, 3657-368, 369; forma novo regimento (Coldstrems), 361; dividindo o almirantado com Blake e Deane, 429-430; pacífica Lowlands, 432; no Conselho de Estado, 479; derrota a conspiração leveller, 506; restaura Carlos II, 663-664; estabelece a lei e a ordem na Escócia,

618-622; caráter, 618

258,

Monro, sir George, 262, 265, 269

259-260,

261-

Montagu, Edward, último conde de Sandwich, 616; almirante-de-esquadra,

480, 528, 531-532

Montagu, James, 47

Montagu, sir Samuel, 675

Montgomery, Robert, 384

Montgomery, campo,

visconde e marechal-de-

385

Montrose, James Graham, marquês de, 123, 164, 172, 186, 312; acusa C e Argyll de compactuar para destruir a monarquia, 270; e o massacre de Philiphaugh, 338; derrota e execução, 357-358

Morant, dr., inspeção do crânio de C por, 674

Mordaunt, John, 640-641, 642 Mordaunt, sra. John, 473 More, Henry, 216 More, John, 481

Morison, Friar, 498 Morison, Fynes, 333 Morland, Samuel, $29; sobre a questão da realeza, 581, 589-590, 592, 593

Morley, Thomas, 42

Morrice, Thomas, 239 Moscovita, Companhia, 612

Moseley, Humphrey, 458 Moyer, Samuel, 433, 441 Munro, Robert, 201

| nvolvimento se De O ra pa tê mi Co , ca si Mú da, 457 Musselburgh, 364, 365

570 Mydhope, coronel,

Naseby (navio), 181; Charles,

664

rebatizado como Royal

729

Naseby, 173, 179; lenda de que o corpo de C foi enterrado em, 671-672

Naseby, batalha de (1645), 171; decisão de lutar em, 173-175; disposição das forças, 175-178; Sulby Hedges,

176, 177;

ala esquerda do Exército de Novo Tipo é completamente derrotada por Rupert,

178; ataque furioso de esquerdo dos realistas, 179-183; saque, 180; 180; sorte da Primeira cidida por, 181-182;

C contra o flanco 179; sua vitória, Pudding Poke, Guerra Civil demonumentos a,

181-182

Navegação, Lei de (1651), 403, 550 Naylor, James, julgado por blasfêmia, 578, 584

Nedham, Marchamont, 359, 408

Nethaway, sra. Mary, 453 Netherville, padre Nicholas, 330n

Netherwitton, 363 Nevis (ilhas Leeward), 525-526

News from Ipswich (panfleto), 73 New Providence, Companhia, 66

New Ross, cerco de (1649), 347 Newark, 120, 124-125, 151-152; vitória de Rupert em (1644), 136, 137; movimentos de Carlos I próximo a (1645), 173; rendição de (1646), 193; Carlos I escapa dos escoceses em, 195 Newburgh, convento de, 666; lenda do enterro de C em, 673 Newbury, 190; batalhas de (1643), 129-

130, (1644), 154-156, 355

Newcastle (Irlanda), rendição de (1650), 360

Newcastle, Margaret, duquesa de, 464 Newcastle, Proposições de (1646), 199-200, 209, 217 Newcastle, William Cavendish, conde e último duque de, 112, 116, 127, 128, 455; cercado em York, 136, 150-151; em Marston Moor, 141, 142, 143, 145, 146, 150-1$1; vai para o estrangeiro, 150-151 Newcastle-on-Iyne, 151-152; Carlos I é aprisionado pelos escoceses em, 199, 201-

202; homens de, para o regimento de Monk, 362

ANTONIA

730 Newdigate, John, 59 Newmarket, 209, 211, 213

Newport Pagnell, 134, 135, 155

Newport, Mountjoy Blount, conde de, 623

Newport, atas

Tratado de (1648), 269, 272,

ato

Newry, 343

News from Ipswich (panfleto), 73

Newton, sir Isaac, 652 Nicoll, John, 362, 363, 365; em Dunbar, 371; em Worcester, 371

Nieupoort

(enviado holandês), 533-534,

645

Noble, rev. Mark: na casa protetoral de C, 667; citado em 26, 298, 476 en

Noell, Martin, 609, 610, 621-622; e Índias

Ocidentais, 522, 524; membro do Par-

lamento por Sttaford, 569 Noell, Thomas, 524 Northampton, 361 Northborough Manor, 192, 665 Northcote, sir John, 629 Northumberland, sir Algernon Percy, 10º conde de, opõe-se ao julgamento de Carlos I, 282-283, 284-285 Norton, coronel, 246, 247 Nottingham: Carlos I levanta seu estandarte em (1642), 98, 102, 109; demolição do castelo, 123

Nourse, G. B., 397 Nouvelles Ordinaires, 359, 371, 443, 495, 559

Nuttall, G. E, 121n, 401% O'Neill, Hugh, 354-355 O'Neill, Owen Roe, 201, 321, 325, 348 Oatlands, 224 Oceana (Harrington), 577 Oficiais, Conselho dos, 425, 428, 432, 549 Okey, coronel John, 205; 207; em Naseby, 178,

179

Orgyla or the Fatal Error (peça), 459 Ormonde, James Butler, 12º conde de, 92,

332, 336, 337, 344, 351, 354, 364,

498; negocia a paz com os rebeldes irlandeses, 200-201, 272; pede ajuda ao Parlamento, 201; abandona o plano de paz, 202; conclui a paz com os rebeldes, 311-312; vitórias militares na Irlanda, 320-321; derrotas, 325, 335, 344; sobre as consegiiências do massacre de Drogheda, 341, 342; como espião realista na Inglaterra, 630, 635, 636

Ormonde, lady, 353, 473; cortesia e cle-

mência de C para, 497-498 Osborne, Dorothy: na dissolução do Rump, 417; cortejada por Henry C, 424; sobre a mulher

em

469-470,

de Monk,

473

618; citada

Ossory, Thomas Butler, conde de, 498 Otley, 257 Oughtred, William, 607 Overton, Richard, 230, 314, 605 Overton, Robert, 368, 391, 556; conspiração contra Monk, 506, 570 Owen, Anne, 465

Owen, John, 439, 561, 570; na Irlanda, como capelão de C, 317-318, 332; mútua influência, 317-318; na Escócia, 361, 373; sermão no funeral de Ireton,

394; presidente do comitê de reorganização da Igreja, 398; no Conselho de Estado, 479; opõe-se à realeza de C, 595; citado em 63, 194, 299-300, 317-

318, 361, 655

O'Connell, Owen, 96

177,

FRASER

180; assina a sentença

de morte de Carlos I, 291-292; em Dunbar, 368-369; insiste na dissolução

do Parlamento, 405; e a oposição dos

levellers a C, 506 Oldenbourg, conde de, 504, 533-534

Orange, William de, 388

Owen, sir John, 307 Oxembridge, John, 425 Oxford, 134, 211; quartel-general de Carlos

I em, 156, 165, 187-188, 193-194,

320; Carlos I deixa-a para marchar em

direção ao norte, 169; C em, 171, 320-

321; cerco de (1646),

de, 196

195; rendição

Oxford, Universidade de: confere do utoradoa Ce Fairfax, 320-321; C co mo reitor de, 376, 447, 605, 614; Richard C como reitor de, 596, 649 ; C esboça plano para um novo colé gio em,

605-606

CROMWELL

Packe, sir Christopher, 607; propõe que €

aceite a realeza, 583, 589, 590, 59596; membro dos Mercadores Aventu-

reiros, 613 Packer, capitão William,

Paget, Reginald, 672

134, 163

Pakenham, capitão Henry, 494n

Palavicini, sir Horatio, 29 Palgrave, sir John, 125 Pântanos, 68-73; drenagem dos, 69-71, 84, 611-612; petições comunitárias, 84-85

Paradise Regained (Milton), 601 Partridge, John, 19 Paulet, sir John, 357 Pearson, Anthony, 560

Pearson, Karl, inspeção do crânio de C, 674 Pell, John, 510, 529, 559, 662-663; cartas de

Morland para, 581, 589-590, $92-593 Pembroke, castelo de, cerco do (1648), :

251-253

Penn, almirante William, expedição às Indias Ocidentais Espanholas, 516-520, 522 Penruddock, Edward, 509

Penruddock, John, abortada a insurreição

, 588 5430, de, 508-51

Pentamonarquistas, 420,

447,

502,

316, 397, 398, 417,

510,

$19-520,

558;

no Parlamento de Barebones, 427, 433, 439-440; profecias, 433, 481482, 548, 589-590; seus membros são aprisionados por traição, 548; opõemse à realeza de €, 589-590 Pepys, Samuel, 32x, 586, 670, 672; citado

em 480, 576-577, 669

Perfect Diurnall, 318, 322, 356 Perfect Politician, The (Fletcher), 39, 677

e é Persehouse, np , 379; fortaleza de,

ne Hugh, 119, 210, 212, 252, 272273, 285, 297, 391; inflamadíssimo

sersermão contra Carlos I, 280-281; I, mão na vigília mortuária de Carlos vi299-300; na Irlanda, 329, 347; na

confiança tória de Worcester, 384-385;

no protestantismo europeu,

403-404;

548; insiste na tolerância aos judeus,

visita inoportuna à Dunkirk, 640; cita-

do em 164, 187-190, 561-562

731

Peterborough, 153; vandalismo na catedral de, 121; defesa de, 124-125 Petição de Direitos (1628), 50, 230

Petty, sir William, 604, 607; sobre a expansão de Londres, 470-471 Philips, Khaterine, 465 Phillips, Edward, 469

Phillips, William, 525

Pickering, sir Gilbert, 213, 454, 578; no Conselho de Estado, 457 Pierce, Edward, 66ln

Pierrepont, William, 626 Piers, sir Henry, na Irlanda, 334 Pigott, Edward, 560-561 Piper, David, 466r; sobre a máscara mor-

tuária de C, 661n Plunkett, lorde, 342 Pontefract, 150, 165; cerco de (1648), 255,

257, 270, 271

Poole, Elizabeth, visões de, 283 Pope, Alexander, 240n, 298

Porta Pietas (Heywood), 41 Porter, sr. (candidato a pastor residente em Shropshire), 486 Pousada de Lincoln, supostamente frequen-

tada por €, 40-41 Povey, Thomas, 625; e Índias Ocidentais, 523,

524

Powell, coronel, 251, 254 Powell, Vavasour, 448 Powys, princesa de, € descende da, 27 Poyer, coronel John, 250, 252, 253-254 Poyntz, general-de-divisão Sydenham, 204, 218

Praeludia (romance), 469 President (navio), 304, 355 Preston, John, citado em, 56

Prestwich, Menna, citado em 539 Pride, coronel Thomas, 205, 295, 360-361, 468-469, 669; seu “expurgo”, 277278; assina a sentença de morte de Carlos I, 286, 291-292; opõe-se à realeza de C, 595-596; na Câmara dos Lordes sob C, 627 Proposta dos líderes do exército (1647), 218

220, 231, 232, 233, 269

Protesto (1641), 87

ANTONIA

732 Prynne, William, 74, 80,

105, 484; julga-

mento de (1637), 73; e o expurgo de

Pride, 278; anti-semitismo,

552-553,

554

Redrift, Thomas, 451

184

228-235, 238, 272-273

Pye, sir Robert, 179 Pym, John, 66, 77, 79, 80, 85, 129-130,

417, e a Petição de Direitos, 50; requer a reavaliação dos direitos do Parlamento, 78; opõe-se à visita de Carlos I à Escócia, 89; e Grande Reprimenda, 95, 96; submissão da City a, 96; tentativa de aprisionamento de Carlos I I, 97; e preparativos para a guerra, 98-99; atitude pragmática com relação à monarquia, 100; líder do bloco belicista, 116-117; e Liga Sagrada e Convenção, 131; morte, 131; sugere impostos, 609 558-561;

de Guerra (1647), 218-219, 221 679

Putney, 23, 30, 224-225; debates do exército na Igreja de Santa Maria (1647),

Quacres,

Ray, John, 618 Reading, 155, 157, 214; Conselho Geral Recresby, sir John, $40, 564; tributo a C,

Publick Intelligences The, 547 Pugh, Thomas, 600

Purefoy, William,

FRASER

oposição ao Durham

College, 607-608 Quakers Shoken: or a fire-brand snach'd out of the fire (Gilpin), 558 Quatro Leis (1647), 241, 242 Queen or the Excellency of her Sex, The (Roockwood), 459

Relação (Amboyna), 341

Religião, Comitê da Câmara dos Comuns

sobre (1629), 51 Reno, Liga do (1658), 538 Representação do Exército (1647), 214 Reprimenda do Exército (1648), 272-274, 2/5-277, 278; rejeitada pelos Comuns,

276

Residência, Lei de (1652), 492 Retractive from the Romish religion, A (Beard), 33

Retz, cardeal de, 221, 404 Reynolds, sir John, 318, 637, 643 Ribble, Bridge, Preston, 262

Ribbleton Moor, 261

Rich, coronel Nathaniel, 284

Rich, /ady. Ver Cromwell, Frances Rich, Robert (genro de C), 585, 597; casamento e morte, 623

Rich, sir Nathaniel, 66

Ramsey, 28, 29 Ranelagh, Catherine Boyle, viscondessa,

Richard (navio), 642 Richman, Frances, 560 Right of the Common Wealth stated, The (Nedham), 409 Rinuccini, cardeal, 201 Rivett, Mary, 667 Robbins, John (o Ranter), 548 Roberts, Michael, 511% Robinson, Henry, propostas para a criação de bancos, 615 Robles, don Antônio, 554 Roche, Michael, visconde de Fermoy, 492 Rochester, Henry Wilmot, 1º conde de, 508 Rochford, Hugh, 344 Rogers, coronel H. C. B., 175n Rogers, Daniel, 44

C, 659 Rathmines,

Rolle, Juiz Supremo, 283, 547 Rookwood, Edmund, 458

Quin, James, 457

Radway

113

Raglan, castelo de, 185, 188, 200 Rainsborough, coronel Thomas, 217, 225, 226, 237, 391: nos debates do exército

(1647), 231, 233, 238; nomeado vice-

almirante, 241-242; assassinado, 271-

272

Raleigh, sir Walter, 349; sua History of the World, 311, 813 462-463,

325-326,

551-$52, 607: na morte de

derrota 332

realista em

(1649),

Rogers, John, 64; C argumenta com, 482

Roosevelt, Theodore, 66 8, 676

CROMWELL Rosebery, lord, 675

Roskilde, Paz de (1658), 539, 637

Rosslare, 344 Rothes, John Leslie, 6º conde de, 75 Rothschild, Nathan, 1º barão, 675

Rous, Francis, 408; como

presidente do

Parlamento, 433, 440, 441 Rowe, William, 360, 365

Rowley, Alexander, $11 Royston, 213, 214

Ruby (fragata), 404 Rufford, abadia de, 381

Rupert, príncipe, 104, 112, 156-157, 171, 206; em Edgehill, 113-114,

iconoclastia de, 123-124; 127; e libertação de York, traste e rivalidade com C, rota em Marston Moor, 149-151; no controle de

165, 115;

em Chalgrove, 136-137; con137, 182; der141, 143-146, Chester, 151,

733

Sancroft, arcebispo, 308 Sanderson, George, 612 Sandys, sir Miles, 72 Sankey, Jerome, 320, 321 Sansão Agonístico (Milton), 670

Santa cruz, vitória de Blake em (1657), 532 Saunders, Mary, 560-561 Saye & Sele, William Fiennes, 1º visconde, 65, 90, 627, 628; na batalha de Marston, 145, 149-150

Scarborough, castelo de, 257 Scilly, ilhas; príncipe de Gales navega para, 193; esquadrão de Rupert baseado em, 312

152; em Naseby, 173, 175, 176, 177178, 179-180, 182; rendição em Bristol, 187; cercado em Oxford, 193; comanda a frota realista, 312, 321 Rushworth, John, 228, 607

Scobell, Henry, 415 Scone, Charles II coroado em (1651), 375 Scot, Thomas, 412, 415, 502, 629 Scrope, coronel Adrian, 315, 319 Scut, Richard, 451 Sealed Knot, sociedade: e conspirações contra o governo, 489-491, 509; discórdia, 630, 631; agente duplo na, 630-631; prisões, 635 Searle, Daniel, 518, 519

Russell, Charles (filho de Frances C), 667

Second Defense (Milton), 477, 510

Russell, 5º conde de, 622-623

Russell, coronel John, 487 Russell, Samuel, 673 Russell, sir Francis, 424, 463, 593, 598, 600

Russell, ss” John (segundo marido de Frances C), 667

Russsell, Elizabeth (sra. Henry Cromwell), 424

Rutland House, Londres, 459 551Sadler, John, 350, 548, 549, 550, 552, 555 mento do exérSaffron, Walden, descontenta 7cito em (1647), 202, 204, 206, 20 208, 317

or de Veneza), d a x i a b m i e n ( n a v o , i o G d e r g a S

564, 569, 575

527 Sailmaker, Isaac; “nntthhiill,

En 318

: 6773 Samuel, 672--6

»

, 155, 509; rebelião militar (1649)

Seaton, 268, 269

Sedgewich, William,

Sedley, Anthony, 319

119

Seekers, seita dos, 401

Segurança, Comitê de, 243, 307 Selby, 135 Sem Teto, voto dos, 242, 245, 247, 269: restabelecidos, 278-279 Sewers, Court of, 70 Sewster, Robina (lady Lackhart, sobrinha de

C), 531

Sexby, Edward, 405; nos debates do exérci-

to (1647), 230, 233; e conspirações para matar C, 479, 480, 580-581 Seymour, lady Frances, 464 Sheldon, Gilbert, 320

Sherborne, cerco de (1645), 189, 209 Shirley, James, 460 Shrewsbury, 113 Sidney Sussex College, Cambridge: C em, 35-36; sua cabeça enterrada em, 673675

ANTONIA

734

Sidney, Algernon, 288; e a dissolução do 414, 415

Rump,

Sidney, lady Frances, condessa de Sussex, 35

Simcott, dr., sobre a agonia mental e as pústulas de €, 54 Simon, Thomas: grava os Grandes Selos, 303,

304,

448;

grava

a medalha

de

Dunbar, 370; grava as novas moedas protetorais, 575-576; esculpe a esfinge

funeral de C, 660-66] Simpson, Sadrach, 369 Sindercombe, Miles, tentativa de assassinato contra C, 570-571, 580-581 Sinnott, coronel David, 344, 345-346, 347

Sitsyllt (Cecil), família, 24 Skinner, Cyriac, 462

Skinner, Quentin, citado em 409%

Skippon, Mary, 490 Skippon, Philip, 191, 465, 508-509; em Lostwithiel, 153; em Newbury, 155; general-de-divisão do Exército de Novo Tipo,

162; em Naseby,

176,

178; ma-

rechal-de-campo do exército na Irlan-

da, 206; e o descontentamento dos oficiais, 207

Skipton, 258, 259

Slaughter Hill, Naseby, 180 Sleaford, 120

Sligo, 495 Slingsby, Barbara, 664 Slingsby, sir Henry, 141, 261; na primeira guerra escocesa, 75; em Naseby, 178, 183; decapitado por conspirar contra o governo, 641

Smith, Adam, 121n Socinus, Laelius, 398 Somers, Ann, 551

Somerset House, câmara ardente de C em, 660-662

Sophia, Eleitora de Hanover, 537 South Molton, 510 Southcote, sir John, 623-624, 644 Southhampton, Thomas Wriothesley, conde de, 298

Southworth, padre John, 484

Spavin, Robert, 273, 327 Special Passages, 119 Speen, 155

Spence's Anecdotes, 298n Spenser, Edmund, 331

Spenser, sir Edward, 549-$50 Spenser, William, 496

Spes Israeli (Menasseh ben Israel), 549 Spinney, abadia de, Henry C retira-se para, 666

Sprigge, Josiah: em Naseby, 176, 177; citado em

187

129-130,

137,

167,

172,

186-

St Albans, 214, 218 St Fagans, derrota realista em (1648), 251

St Ives (região de caça): movimento de C em direção a, 57, 61-62; estátua de C em,

62n

St James, palácio de, 305, 665; últimos dias de Carlos I em, 293, 295, 297; sermão de Hugh Peter em, 299 St James's Park, 578, 595 St John, Oliver (primo de C), 49, 66, 74,

80, 154, 205, 215, 225, 265, 392,

412, 465; apelo de C a, por dinheiro, 129; na Comissão dos Dois Reinos, 132; Juiz Supremo, 283; na vitória de Dunbar, 370; missão na Alemanha,

402-403, 454, 480, 549-550

Stafford, 113

Stafford, capitão, atrai o castelo de Wexford para €, 345

Stamford, 120; queda de (1643), 125

Stanley, Dean, 669n; citado em

124

Stapleton, sir Philip, 201, 202 Stapylton, sir Robert, 438; citado em 384 Star Chamber, 88, 89, 97, 185 Starkey, Philip, 452 Starling, sir Robert, 348 Stayner, capitão Richard, 532, 568, 576 Steele, William, 289, 566

Sterry, Peter, 400, 439 4º

Southwark, convida o exército a retornar (1647), 220

FRASER

Steward (Styward), família, 21-22

Steward, Elizabeth. Ver Cromwell, Elizabeth (mãe)

Steward, sir Thomas, (tio de C), 21, 53, 71-72; € seu principal herdeiro testamentário, 66, 67

CROMWELL

Stewart, sir Walter e lady, 22 Stirling, 371, 372, 379 Stockdale, Thomas, 151 Stokes, Luke, 525-526 Stonnier, Alice e Thomas, 93

Stonyhurst Hall, 260 Stouppe, Jean Baptiste, 439, 539, 583 Strachan, major Archibald, 268, 371 Strafford, Thomas Wentworth, 1º conde de,

76, 87, 88, 130

Strickland, Walter, 454, 607

Strode, William, tentativa de aprisionamento de Carlos 1, 97

Stuart, Casa de, descendência putativa de

C, 21-22, 601

coronel, 349

Styward (Steward), família, 21-22

Swedish Intelligencer, The, 110 Swedish Soldier, The, 110 Swift, Deão, 666; citado em 266n

Swynfen, John, 238

Sydenham, coronel William, 577

Taaffe, sir Lucas, 347 Tadcaster, 137, 151 Tany, Thomas, 548

Tate, Zouch, 160 Taunton, 164, 185, 509 Tavistock, 193 Taylor, capitão John, 637 Taylor, Jeremy, 461 Tecroghan, 336

Temple, sir John, 92 Temple, William, 414

Tenby, cerco de (1648), 238, 251 Tenure of Kings and Magistrates, The (Milton), 308

Theather of God's Judgements,

33, 105

The (Beard),

The Hunting of the Foxes (...), A (panfleto leveller), 312 319 Thompson, alferes, 318, 319 m, ia ll Wi o tã pi ca , n Thompso

viúva” e st ri “t 3; 26 l, ne ro co , h g u Thornha de, 265

Thornton, /ady Anne, 363 Threnodia Hiberno-Catholica (Morison), Thriplow Heath, Exército em (1647), Throckmorton, sir Francis, 470, 664 Thurles, lady, 497 Thurloe, John, 20, 423, 455, 504, 540, 622, 626; como secretário do selho de Estado, 480, 488, 508,

498 213 505, Con509-

510, 529, 571, 581, 583, 610, 631-

632; e a insurreição de Penruddock,

510; sobre o plano de enviar irlandeses

Strangeways, sir John, 85 Stratford-on-Avon 381

Stubbes

735

à Jamaica, 523; sobre a perseguição aos valdenses, 529; e a questão judaica, 550, 553; questiona o restabelecimento da Casa dos Lordes, 584; e os riscos de

Lambert, 589: no debate sobre a realeza, 591-592, 8593-595, 648; seus agentes, 509-S10, 529, 571, 610, 616, 630-631; reitor da Universidade de

Glasgow, 620-621; doença, 642, 661662; e o tema da sucessão, 648-649, 652, 655; por ocasião da morte de C, 657 Thynne, lady Isabella, 498 Tickhill, castelo de, 152 Times, The: correspondência sobre o túmulo

de C, 673; noticiário sobre as festas em memória de C, 676 Titchfield, 237 Titus, capitão, 669 Tockwith, 139, 141, 144 Toland, John, citado em 644 Tollemache, sir Lionel, 473 Tollemache, Thomas, 474 Tomlins, capitão Edward, 335 Tomlinson, coronel, 295

Topcliffe, Henry, 122 Tothill, Christopher, 343 Totnes, 193

Towneley, coronel Charles e lady, 149 Traição, Ato de (1649), 320

Trapnel, Anna, 481, 590 Trevor, Arthur, 150 Trevor, coronel Marcus, 144 Trevor, sir John, 579 Trevor-Roper, H. R., 619n

Trienal, Ato (1641), 89

ANTONIA

736

Trim, 321; rendição de (1649), 341, 342

Tromp, Maarten, 405, 410, 425, 429-430 Trotski, Leon, 678% Tucker, Thomas, 621

Turenne, Marshal, 638, 639 Turham Green, 228; batalha de (1642), 117 Turner, sir James, 258, 261, 262

Tivo Great Mysteries of the Christian Religion, The (Goodman), 435

Tyburn, cadáver de C exposto e enterrado em, 670,

673

Verney, sir Edmund,

Verney, Vertue, Vicars, Villiers,

340

sir Ralph, 100 George, 466 John, 118 coronel Edward, 487

Vindiciae Judeorum (Menasseh ben Israel), 554

Violet, Thomas, 613, 614 Vyner, sir Thomas, 451, 610

Wagstafte, sir Joseph, 509, 510 Waite, Thomas, 293; assina a sentença de

morte de Carlos I, 292 Walker, Clement, citado em 205, 315 Walker, Robert, 466; retrato de C por, 81,

125-126, 466

Uttoxeter, 263

Uxbridge, 209, 218; Tratado de (1645), 161

Wall, coronel, 339 Waller, Edmund, 461; na vitória de Santa

Cruz, $32-533; indiretamente, sugere

Valdenses, 528-530

Valentine, Benjamin, 52 Vane, sir Henry, o jovem, 88, 98, 157, 201, 205, 225, 247, 269; negocia com os escoceses, 131; líder virtual dos Comuns, 131; intrigas, 153-154, 413; e o Decre-

to de Renúncia, 160; carta de C para, depois de Preston, 264-265; e o expurgo de Pride, 278, 288; não toma parte no julgamento de Carlos I, 288, 289; começa a se distanciar de C, 391, 413; aproxima-se dos habitantes de Flandres, 404-405; preside o Comitê do Almirantado, 405, 410; tenta prolongar o Rump,

413; na dissolução, 415-416, 4211; so-

bre a realeza para C, 592

Vane, sir Henry, o velho, 131-132

Varley, E J., 103n, 672 Vasson, Peter, 614

Vaux, Geoffrey, 451 Venables, coronel Robert, 342, 343; expedição contra as Índias Ocidentais Espanho5$19-520

Vermuyden, sir Cornelius, 436

Waddow, 260

Udney, 123 Underdown, David, 238n, 277n União, Lei de (1654), 617 Unguart, sir Thomas, 431 Upton-on-Severn, 381 Ussher, arcebispo, 486, 562

las, 515-522;

FRASER

derrota

em

Hispaniola,

Venables, sra., citada em 515-516 Verdadeira posição do exército, A (1647, manifesto), 227, 229

a realeza para C, 5875-577, 583; citado em 653 Waller, sir Hardress, 191-192, 217, 248;

assina a sentença de morte de Carlos I, 291-292

Waller, sr William, 106, 152-153, 157, 678; em Naseby, 155; envia reforços a Taunton, 164-165; renuncia ao comando,

165; acusados de convidar os escoceses a invadir a Inglaterra, 278-279 Wallop, Robert, em Wexford, 343, 347 Walton Hall, próximo de Preston, 261- 263 Walton, Isaak, 461 Walton, sra. Valentine (Margareth Cromwell, irmã de C), 20, 36 Walton, Valentine (cunhado de C), 36, 103, 152-153; carta de C para, depois de Marston,

78, 147-150

Walton, Valentine (sobrinho de C), 120; morte em Marston Moor,

Ward, dr. Samuel, 36 Wardminster,

147, 149

desordens causadas

pela es-

cassez de gêneros alimentícios em, 245 Warnick, Robert Rich, 2º conde de, 65, 67, 190, 622, 623; preside o Comitê Agráno, 130-131; na Comissão dos Dois

CROMWELL

Reinos, 132; recusa cargo na Casa dos Lordes sob C, 627; morte, 642

Warnick, sir Philip, 53, 81, 85, 100, 456; citado em 39, 79-80, 82, 1351-152, 564

Warwick, 170, 381 Waterford 349, 355

Watson, general escoteiro Leonard, 241242; em Marston Moor, 143, 144, 146,

149-150

Waylen, James, 668 Webster, Charles, 6057 Wedgwood, €C. V., 287% Welingborough, 53 Wellington, 1º duque de, 110n, 337, Welston Court, próximo de Pembroke, 252 Wemyss, David, 2º conde de, 621

Wemyss, sir Patrick, citado em 90

Wentworth, sir Peter, 414 Wentworth, Thomas, conde de Strafford, 75-76, 87, 88, 130

Westfália, Tratado de (1648), 269

Westmeath,

Richard Nugent, 2º conde de,

496

Westminster Hall: julgamento de Carlos I em, 287-293; instalações de C como Lorde Protetor em, 598-600; sua cabeça enfiada numa lança em, 670, 673 Westminster, abadia de, 123, 147, 500, 570;

Ireton

enterrado

em,

393-394;

mãe de C enterrada em, 505; Bettie € enterrada em, 645; C enterrado em,

659, 663; corpos dos regicidas exuma-

dos de, 669 Westminster, Tratado de (1654), 490, 538 Westminster: casa de C na King Street, 198, 244; Carlos I alojado na Cotton House, 286 Wexford, cerco de (1649), 343-348; massacre de 345-347,

355, 356, 337

Whaley, Edward (primo de C), 120,

184,

207, 212-213, 214, 225, 315, 392,

609, 632; em Naseby, 179; custódia de Carlos I, 234, 236, 237; assina a sen-

tença de morte de Carlos I, 291-292; em Dunbar, 367; insiste na dissolução do Parlamento, 405; general-de-divisão na região das Midlands, 544, 546, 569

737

Wharton, Philip, 4º barão, 265, 291, 369-370, 381; recusa o pariato de €, 6217, 628

Whether Richard Cromwell be the son of Oliver Protector or no (panfleto), 567 Whetstone, sra. (Catherine Cromwell, irmã

de C), 20, 454 Whichcote, coronel, 279 Whiggamores, 267 Whistler, Henry, 518, 521 White, dr. Jeremiah, 624, 671-672 White, major Francis, 226 White, tenente-coronel, 637 Whitehall, 280, 286; execução de Carlos 1

em frente da Casa dos Banquetes, 295-

296; seu caixão em, 297, 298; corte de C Lorde Protetor, em, 450-451, 456, 472; fracassada tentativa de incendiar,

580-581; banquete de casamento de

Frances C em, 623, 626; últimos dias de C em, 650, 651-655 Whitelocke, Bulstrode, 52, 285, 305, 369-

370, 387, 405, 411, 513, 599, 651,

655; na Primeira Guerra dos Bispos, 75; na rebelião irlandesa, 92-93; em Marston Moor,

144,

146, 149-150; e o

Decreto de Renúncia, 161; tentativa de mediação entre o exército e Carlos I, 280; como responsável pelo Grande Selo, 303; sobre os diggers, 316; em Dunbar, 368-369; e “os Fundamentos da Nação”, 392; conversa de €C com, sobre a possibilidade de assumir a coroa, 406-07, 409, 442, 588; na dissolução do Rump, 414, 415n; embaixador na Suécia, 438, 457; negocia tratado, $38; na perseguição dos valdenses, 529;

sobre as leituras preferidas de C, 626;

recusa o título de visconde, 627; citado

em,

116,

136,

158,

186,

212-213,

250, 257, 310, 329, 339, 355-356, 357, 374, 392,

544,

Whitelocke, James, 329

594

Widdrington, sir Thomas, 280, 392, 607, 627

Wigan, 381

Wilde, John, barão, 283

ANTONIA

738

Wildman, John: e Compromisso do Povo, 230, 231, 232, 233; e a conspiração (feveller, 506,

509

Wilkins, John (cunhado de C), 455 Wilkins, sra. John (Robina Cromwell, irmã

de C), 20, 77, 455, 646

Wilkinson, Canon, 673

Wilkinson, Margaret, 560

William de Orange, 388 Williams, família, 24-27

Williams, John, bispo de Lincoln, 64 Williams, Morgan (ancestral de C), 24, 26, 27 Williams, Roger, 548

Williams, sra. Morgan (Katherine), 24 Willoughby de Parham, Francis Williams, 5º barão, 120, 518; em Gainsborough, 126, 132; discurso de C contra, 132

Willys, sir Richard, 487, 491; como agente

duplo, 571, 630-631 Wilmot, lady, 337 Winceby, batalha de (1643), 129-130 Winchester, 246; cerco de (1645), 187-189 Winchester, John Paulet, 5º marquês de, 187,

189,

191

Windsor, castelo de, 165, 305; Conselho do Exército reúne-se em (1647), 241-242, 247; Carlos I em, 279-281; Carlos 1 enterrado em, 288-289; C garante o uso de, 453 Winslow, Edward, 517-519, 520-521

Winstanley, Gerard, 316, 396, 604

Winthrop, John, 56, 66

Winthrop, John, o jovem, 67

Wither, George, 462, 467-468 Wolseley, sir Charles, 440, 626; no Conselho de Estado, 479

FRASER

Wolverhampton, 468; iconoclastia em, 124125

Wood, Anthony, 320, 399 Wood, Robert, 607 Woolrych, professor Austin, 426n; citado em 175n

Worcester,

165,

166

Worcester, batalha de (1651), 371, 380385; morte de C no aniversário da,

655, 658

Worcester,

Edward

de, 186, 191 Worden, Blair, 412n

Somerset, 2º marquês

Work af the Beast, The (Lilburne), 80

World's Mistake in Oliver Cromwell,

The

(Bethel), 541 Worsley, Benjamin, 607 Worsley, família, 667 Worsley, general-de-divisão Charles, 405, 487; dissolve o Rump, 414-415; general-de-divisão no comando das tropas em Derby, Chester e Worcester, 544, 546

Wright, dr. Laurence, 378

Wright, Thomas Le, citado em, 41, 44 Wroth, Thomas, 242, 244

Wyhowski, Danilo, 536

Wyndham, coronel Francis, 357, 384

York, 101, 103, 144, 146; cerco de (1644), 136, 150-151; motim de (1646), 204 York, James, duque de. Ver James II Youghal, 348, 349, 355

Young, brigadeiro Peter, 139x; citado em l41n

Zagorin, Perez, citado em 104n

Idade. Lembrado pelos judeus como o homem que lhes abriu as portas depots de quatro séculos de exclusão. nunca [oi AT

TTOR

porém,

por cristãos como

os

anabatistas e quakers. Com o mérito de ler unido a Grã-Bretanha. também é responsável pela deflagração da questão irlandesa. Tendo combatido o autoritário poder real e extinguido a Câmara dos Lordes,

deixou

0 país

ci

suspenso

enquanto refletia sobre a oferta « ' assumir a coroa, feita pela Câmara dos Comuns em 1657. e que afinal recusou. Cromwell. de Antonia Fraser. combina um grande volume de pesquisa acadêmica com uma narrativa excitante. O resultado é uma biografia na melhor tradição. que [az uma análise das

diversas facetas de um homem RAR UL DI NO OTA CO DITOS

complexo

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ss Antonia Fraser é uma das mais importantes historiadoras da Inglaterra. É autora de As seis mulheres de Henrique VHL A conspiração da polvora. Mary Oneen of Scots e The Weaker

Vessel:

Women's

Seventeenth-Century recebeu

o

CNAE?

Prêmio

Lol in

England. qUe

WolFson

de

EENITONR

“Melhor do que qualquer um de nós. /ady Antonia percebe as complexidades do caráter de Cromwell e seus variados desfenios.. Sunday Telegraph “Os leitores de Cromwell serão recompensados com um livro claro, erudito e justo (...) capaz de destruir qualquer visão estereotipada

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remanescente sobre o Lorde Protetor, tido por alguns como um vilão perjuro e dissimulado, frio, ardiloso e ond ooora Times Educational NI iaMrat