O Sujeito Oculto do Crime? 9788583990345

A obra faz uma abordagem clara sobre a polêmica Teoria do Domínio do Fato. Defende a existência deste instituto legal no

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O Sujeito Oculto do Crime?
 9788583990345

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O SUJEITO OCULTO DO CRIME?
O AUTOR
APRESENTAÇÃO
PREÂMBULO
O DIREITO POSITIVO E A TEORIA DO DOMÍNIO DO FATO
TEORIA DO DOMÍNIO DO FATO: ORIGEM E INSERÇÃO NA ORDEM JURÍDICA PÁTRIA
DA TEORIA À PRÁTICA: SOBRE A APLICABILIDADE DESSE INSTITUTO
OS PRINCÍPIOS BASILARES PARA IMPEDIR PRÁTICAS AUTORITÁRIAS
NOTAS

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JOÃO ANTONIO

DA

SILVA FILHO

O SUJEITO OCULTO DO CRIME? Considerações sobre a Teoria do Domínio do Fato

ISBN: 978-85-8399-034-5 Ilustração de capa: Altemar Domingos Revisão: Djair Galvão Diagramação: Manuel Rebelato Miramontes

“NADA

DEVE PARECER NATURAL.

NADA

DEVE PARECER

IMPOSSÍVEL DE MUDAR”.

Bertolt Brecht

O AUTOR

João Antonio da Silva Filho é Mestre em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica (PUC-SP) e Conselheiro do Tribunal de Contas do Município de São Paulo, autor dos livros “A Era do Direito Positivo ” e “A Democracia e a Democracia em Norberto Bobbio ”, ambos publicados pela Editora Verbatim.

APRESENTAÇÃO João Antonio é um jurista de história peculiar. Foi e é rotina em nossa história, juristas que resolvem se dedicar à vida política. João Antonio fez o caminho inverso, veio da vida política para a academia jurídica. Como essa e suas demais obras demonstram, ganhou o Direito. Neste opúsculo, João Antonio trata de tema relevante no âmbito do Direito Penal e Processual Penal, mas com repercussões inegáveis na Teoria Geral do Direito, em especial no chamado direito sancionatório A obra de João Antonio tem o mérito de dar um “freio de arrumação” no debate nacional da Teoria do Domínio do Fato. Lembra que o artigo 29 de nosso Código Penal já inclui a participação de quem tem o poder de interromper a conduta criminosa e, ciente dos fatos, não o faz, no universo da coautoria ou participação no delito e também, o mais relevante, que a Teoria não se presta a substituir por ilações a necessária prova da participação do agente. É uma teoria do concurso de agentes, portanto, não da constituição da prova. João Antonio com essa obra demonstra sua singular versatilidade intelectual no campo do direito, saindo da Teoria e Filosofia do Direito, seu território acadêmico de formação, onde obteve meritória titulação de mestre, para tecer lições de pena de conhecedor em outras paragens jurídicas.

Uma deferência imensa e imerecida ter a oportunidade de escrever essas linhas sobre sua obra tão relevante. O proveito maior será do leitor e da comunidade jurídica, que aprenderão com as lições de João o caminho seguro para a aplicação da Teoria do Domínio do Fato em nosso país, à luz das características peculiares de nosso direito positivo.

Pedro Estevam Alves Pinto Serrano. É Pós-Doutor pela Faculdade de Direito da Faculdade de Lisboa e Doutor e Mestre em Direito do Estado pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. É professor de Direito Constitucional na mesma instituição.

PREÂMBULO Nesta pequena obra faço uma abordagem clara e sem rodeios da polêmica Teoria do Domínio do Fato. Defendo sua existência no ordenamento jurídico pátrio, considerando-a, portanto, passível de aplicabilidade. No entanto, procuro classificá-la não como uma panaceia, mas como um instrumento que, como qualquer outro posto no mundo do Direito, deve obedecer à lógica do Estado Democrático de Direito, ou seja, em nome da segurança jurídica, deve obedecer a todas as garantias coletivas e individuais postas na Carta Política da Nação (Constituição). Para melhor compreensão dos leitores e leitoras, julguei necessário fazer uma abordagem, ainda que concisa, do conceito de Direito Positivo, sob pena de nos descolarmos do sistema jurídico pátrio e enveredarmos por debates axiológicos subjetivos e nos perdermos em vagos embates ideológicos. Na conclusão, procuro condicionar sua aplicabilidade às necessárias provas materiais, elementos que fundamentam as sentenças condenatórias dos nossos magistrados.

Boa leitura!

O DIREITO POSITIVO E A TEORIA DO DOMÍNIO DO FATO O Brasil optou por um sistema hierarquizado de normas jurídicas: uma Constituição rígida, com um rigoroso controle de constitucionalidade e absoluta submissão das normas infraconstitucionais, formal e materialmente, à Constituição Federal. Nosso sistema jurídico aproximou-se do modelo proposto por Hans Kelsen, que defende um sistema de normas interdependentes e hierarquizado, assim descrito em sua obra “Teoria Pura do Direito”: “Não é um sistema de normas jurídicas ordenadas no mesmo plano, situadas umas ao lado das outras, mas é uma construção escalonada de diferentes camadas ou níveis de outras normas jurídicas. A sua unidade é produto da conexão de dependência que resulta do fato de a validade de uma norma, que produzida de acordo com outra norma, se apoiar sobre esta outra norma, cuja produção, por sua vez, é determinada por outra; e assim por diante...”

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Todo este sistema integrado de normas só se concretiza quando expedida por órgãos competentes formalmente preestabelecidos sob a batuta de autoridades constituídas para comandarem o Estado em toda a sua dimensão. O modo kelseniano de pensar o Direito procura dar às normas jurídicas um caráter objetivo, ou seja, seu

reconhecimento como uma ciência que, como qualquer outra, procura se viabilizar por sua condição resolutiva das desavenças sociais como meio de servir à harmonia necessária. Aliás, como afirma o jurista italiano Norberto Bobbio em sua obra “O Positivismo Jurídico”: “O Direito escrito, positivo, portanto, nasce da necessidade evolutiva do direito de se transformar em uma ciência como qualquer outra. Aqui, faz-se necessário reconhecer a ‘avaloratividade’ de uma ciência, na distinção entre juízos de fato e juízos de valor e quando se fala de ciência se fala de sua objetividade, excluindo do seu campo qualquer tentativa valorativa subjetiva. (...) “A ciência consiste apenas no juízo de fato. O motivo dessa distinção e dessa exclusão reside na natureza diversa desses dois tipos de juízo: o juízo de fato representa uma tomada de conhecimento da realidade, visto que a formulação de tal juízo tem apenas a finalidade de informar, de comunicar a um outro minha constatação; o juízo de valor representa, ao contrário, uma tomada de posição frente a realidade, visto que sua formulação possui a finalidade não de informar, mas de influir sobre o outro, isto é, de fazer com que o outro realize uma escolha igual à minha e, eventualmente, siga certas prescrições minhas”.

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Superar o campo da subjetividade é parte de um esforço evolutivo constante da ciência jurídica. Não poderia ser diferente, pois se trata de uma ciência que, além de organizar a convivência em sociedade e definir parâmetros de relacionamento entre os indivíduos, pune com limitações de liberdade ou priva do acesso a bens aqueles que desafiam as normas pactuadas e efetivas de direitos e deveres que vão além das vontades individuais. Dar ao Direito uma dimensão de ciência no conceito anteriormente descrito por Norberto Bobbio foi a forma encontrada para, de modo uniforme, generalista, levando

em consideração todas as complexidades dos estados contemporâneos, fazer do princípio da segurança jurídica uma estabilidade padronizada e previsível. A dimensão científica dada à norma jurídica, para além de uma constatação realística, otimiza o princípio da isonomia em uma perspectiva uniforme de aplicação das normas do Direito para cada situação fática. É a ciência vista como juízo de fato, onde as conexões valorativas não se sobrepõem aos limites - entendidas aqui como expressão de regras pactuadas em sintonia com os desejos majoritários de uma sociedade - onde nelas já estão embutidos valores culturais históricos, éticos e morais. Esta é a expressão do Direito Positivo moderno. Qualquer outro entendimento fica por conta da subjetividade valorativa de cada indivíduo. Neste caso, em se tratando de cidadão comum, aspectos axiológicos acarretam pouca consequência, mas quando se trata de um juiz legitimamente credenciado pelo Estado para condenar ou absolver, as consequências, a depender do feito, poderão ser irreparáveis. Qualquer teoria, inclusive a Teoria do Domínio do Fato, segue os mesmos preceitos conceituais da ciência jurídica. A evolução da ciência se expressa no direito escrito estatal e é fundamental para limitar a vocação generalista da Teoria do Domínio do Fato, pois na sua aplicabilidade essa teoria carrega em si um alto grau de subjetividade. Vamos a ela.

TEORIA DO DOMÍNIO DO FATO: ORIGEM E INSERÇÃO NA ORDEM JURÍDICA PÁTRIA A Teoria do Domínio do Fato teve sua origem na Alemanha a partir dos estudos do filósofo Hans Welzel que, em 1939 3 , ao criar o Finalismo, introduziu a ideia da teoria em estudo no concurso de pessoas, adotando a tese de que a autoria de crime poderá ser atribuída àquele que tem o controle final do fato. Mesmo reconhecendo que a autoria de um crime resulta de uma decisão volitiva (determinado pela vontade do autor), o conhecimento e a capacidade de influência de sujeito intelectual poderá transformá-lo em senhor do fato. Esta teoria foi posteriormente aprofundada por Claus Roxin, com uma publicação alemã em 1963 e, posteriormente, na Espanha com o título - “Autoría y Dominio del Hecho en Derecho Penal” (ainda sem tradução no Brasil). Roxin segue no mesmo diapasão de Welzel e sustenta em sua teoria finalística, ou Teoria do Domínio do Fato, que na prática de um crime pode existir um autor mediato agindo de forma oculta por detrás do sujeito responsável principal. Quer dizer: em um crime há sempre a possibilidade de agente intelectual de uma ação criminosa interferir de forma decisiva na concretização do delito. Neste caso, a condição de domínio da situação daquele que

está por trás do executor funde-se e confunde-se com a vontade do próprio autor do fato delituoso. No Brasil, esta teoria está disciplinada em nosso ordenamento jurídico no Código Penal, artigos 29 a 31 e 62. O Artigo 29 reza: “Quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade”. Damásio de Jesus 4 , analisando os crimes praticados em concurso de pessoas, afirma: “O Código Penal adotou a teoria restritiva, já que os artigos 29 e 62 fazem distinção entre autor e partícipe”. Assim, o artigo 62, lV, agrava a pena em relação ao agente que “executa o crime, ou nele participa, mediante paga ou promessa de recompensa. Quem executa o crime é autor; quem induz, instiga ou auxilia considera-se partícipe. Isso, entretanto, não resolve certos problemas, como o da autoria mediata, em que o sujeito se vale de outrem para cometer o delito”.

É aí que se coloca a necessidade da Teoria do Domínio do Fato, que complementa a Teoria Restritiva na busca de solução adequada para os casos concretos. Assim, a Teoria do Domínio do Fato emprega o critério objetivo-subjetivo, amplia o conceito de autoria e define que autor é quem detém o controle final do fato criminoso, o domínio finalístico do decurso do crime, bem como o poder de decidir sobre sua prática, sua interrupção e circunstância (tempo, local, forma etc). Para melhor atender ao jus puniendi (direito de punir) do Estado, a Teoria do Domínio do Fato passa a aferir a conduta do indivíduo não apenas sob o aspecto objetivo, mas dando valor à sua contribuição subjetiva para a ofensa ao bem. Esta teoria relaciona toda e qualquer conduta que contribui

para o resultado e visa punir aquele que está “por trás”, ou seja, o autor intelectual do crime. O Brasil, sabiamente, para enfrentar o sujeito intelectual de um crime, a exemplo de outros Estados, também ampliou o seu conceito de autoria ao positivar a teoria objetiva-subjetiva no artigo 62, l, do Código Penal, que reza: - “A pena será ainda agravada em relação ao agente que: I - Promove, ou organiza a cooperação no crime ou dirige a atividade dos demais agentes; (Redação dada pela Lei nº 7.209 , de 11.7.1984)”. Como se vê, desde 1984 o nosso Código Penal adotou o conceito alemão expresso na Teoria do Domínio do Fato e positivado no citado artigo. Portanto, não há que se falar em invencionismo dos ministros do STF ou de qualquer juiz ao recorrer a esta teoria em seus julgados, muito menos criticá-los pelo fato de buscarem fundamentação jurídica para, com base em conceito amplificado de autoria, punir aqueles que, mesmo não sendo os executores do crime autores imediatos -, “agindo por trás”, foram fundamentais para a concretização de um determinado fato criminoso. É o próprio ordenamento jurídico pátrio que confere legitimidade a todos os que desejam fundamentar suas opiniões e, no caso dos juízes, suas sentenças, utilizando-se da Teoria do Domínio do Fato. O que se conclui é que esta teoria, também chamada de objetiva-subjetiva, integra o sistema normativo pátrio. Não há o que questionar!

DA TEORIA À PRÁTICA: SOBRE A APLICABILIDADE DESSE INSTITUTO Ocorre que por mais que o Direito Positivo imponha ao ato de julgar uma combinação do domínio da técnica jurídica com a objetividade do Direito posto, como meio de limitar a discricionariedade do magistrado e tornar o ato de julgar mais isento possível, na prática, os juízes não se limitam a uma pretensa objetividade científica. Como qualquer outro membro da comunidade jurídica, os magistrados atuam com suas vontades, valores morais, preconceitos, medos, vaidades, ideologias, enfim, por mais que se esforcem não conseguem se livrar, por completo, das questões valorativas inerentes a qualquer indivíduo e a qualquer fato. Outra questão que merece destaque ao analisarmos a subjetividade na teoria citada é a constatação de que uma lei, após sua inserção no ordenamento jurídico, se distancia da vontade do legislador. A partir do momento em que adentra o ordenamento jurídico, o que conta, no momento de sua aplicabilidade, é a sua interpretação - e quem aplica a norma ao caso concreto é o juiz. No momento de julgar, o magistrado se depara com uma regra, um fato objetivo e fatores diversos que influenciam cada circunstância fática. Diante das circunstâncias, apresenta-se a seguinte questão: é possível eliminar conexões valorativas subjetivas entre o fato e o preceito legal? É aí que as provas ganham relevância.

Portanto, o que se questiona na aplicabilidade desta teoria é a enorme margem de subjetividade, e porque não dizer, da margem incomensurável de discricionariedade do magistrado na hora de analisar as provas que formarão a sua convicção diante de um fato concreto. Tomemos como exemplo um caso hipotético: um agente público, responsável por uma autarquia de saúde vinculada à secretaria de saúde de uma determina cidade, pede propina para uma empresa contratada e condiciona a manutenção do contrato ao pagamento do ilícito. O responsável pela empresa, preocupado em não perder o contrato aceita a condição imposta. Passado um tempo, o ilícito é descoberto, descobre-se também que o ato de corrupção é parte de um esquema organizado com a participação de vários agentes públicos. Um deles opta pela Delação Premiada e além de entregar o esquema e todos os envolvidos, afirma em inquérito que o secretário de saúde tinha conhecimento do fato delituoso. É possível concluir, com base na Teoria do Domínio do Fato, que o secretário, pelo fato de ter a obrigação e a responsabilidade objetiva pela gestão da secretaria, também deva ser responsabilizado pela conduta delitiva? Sabidamente provas testemunhais são consideradas pelo Direito Processual brasileiro como provas subjetivas, portanto, carentes de comprovação material. Na hipótese aqui relatada, em caso de condenação do secretário tendo como elemento probatório apenas o depoimento do delator, poderia se cometer uma irreparável injustiça. O que se considera para imputar uma conduta criminosa a um agente é a intenção, a finalidade perseguida pelo autor -

já incluindo aqui o conceito ampliado de autoria com base na teoria objetiva-subjetiva. Assim, o que deve ficar claro é que a decisão de aplicar a Teoria do Domínio do Fato não diminui em nada a relatividade das provas testemunhais, como sempre foi no processo penal brasileiro. Para que não se cometam injustiças, em qualquer julgado que envolve reputação e a liberdade de outrem, ao expedir uma sentença o juiz não pode se utilizar apenas de provas subjetivas para formar sua convicção. É por isso que, mesmo em se tratando de imputação criminosa a um réu pela sua participação intelectual sujeito que está “por trás” de um delito - são necessárias provas objetivas, materiais. Sem elas, qualquer julgado ficará à mercê de opiniões valorativas por convicções ideológicas, pressões, medos e convicções morais - ferindo de morte os princípios da presunção da inocência e da segurança jurídica. (in dubio pro reo ) Em se tratando de imputação de conduta criminosa a agentes políticos, o zelo terá que ser ainda maior. Sabidamente, a política é um instrumento de disputa de poder, onde os limites da ação de cada um dos agentes envolvidos varia a depender da sua índole. Em regra, o que impera na política é o “vale-tudo”, a tática do aniquilamento do adversário para se alcançar o poder. Estes desafios tem-se tornado mais complexos e dificultosos com a notória sofisticação do crime organizado no Brasil. As organizações criminosas fazem da divisão de tarefas dos seus agentes a essência da sua estratégia para, com sucesso, alcançar seus intentos delitivos. É fato que para os agentes de investigação legalmente credenciados pelo Estado chegarem ao sujeito oculto - agente intelectual

de um crime - não é tarefa fácil. É sempre uma tarefa árdua e dificultosa, porém, necessária. Mas tal necessidade não justifica o “vale-tudo” daqueles que recebem a outorga do Estado para se utilizarem da força no combate ao crime. A Teoria do Domínio do Fato não pode ser a negação da presunção de inocência. Ilações, convicções e suposições não podem concorrer com as normas positivadas na Constituição e com o Código de Processo Penal. Em meados de 2016, agentes com outorga do Estado para investigar afirmaram em uma importante decisão: “Provas são pedaços da realidade que geram convicção sobre um quadro.”. Não! As provas não são pedaços da realidade; provas devem ser a comprovação da realidade dos fatos. Ilações estão no campo da subjetividade. Quando agentes do Estado abandonam as normas positivas para fundamentar suas ações nas convicções pessoais, abre-se a possibilidade de o Direito servir a conveniências conjunturais ou a opções políticas momentâneas. A História registra que nos períodos de crise política aumenta o risco da interpretação do Direito em favor de soluções simplificadas ou simplórias, onde, no afã de atender a opinião pública, por vezes, indivíduos são escolhidos como símbolos de complexas engenharias criminosas. Ao contrário, em momentos de crise o Direito deve servir como instrumento de ponderação e, principalmente, de garantia dos direitos individuais e coletivos - evitando a simplificação de realidades complexas e buscando fundamentar suas decisões para evitar julgamentos de exceção.

OS PRINCÍPIOS BASILARES PARA IMPEDIR PRÁTICAS AUTORITÁRIAS Os constituintes que aprovaram a Constituição de 1988, a proclamada constituição cidadã, explicitaram no pacto formulado em torno da Carta Política, princípios que, para além de um claro rompimento com os tempos de ditadura, visavam consolidar um modelo de Estado centrado no desenvolvimento do ser humano em toda a sua dimensão. O respeito às diferenças, ao contraditório, bem como a busca da paz e da harmonia social ficaram associados à capacidade do Estado, respeitando a subjetividade dos indivíduos, compor os interesses coletivos de modo a propiciar um viver melhor para todos. Todavia, para sufocar a tendência autoritária do Estado e proteger os indivíduos membros, os constituintes positivaram princípios que impedem agentes do Estado de agir a partir de seus valores subjetivos. As garantias individuais são conquistas irreversíveis que a democracia propiciou à sociedade brasileira por ocasião da constitucionalização de direitos fundamentais na Constituição de 1988, entre eles, os Princípios do Devido Processo Legal, do Contraditório e da Presunção da Inocência que constam expressamente na Constituição cidadã brasileira. Eles estão assim dispostos no Artigo 5º da nossa Carta Magna:

“Art.5º “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: LIV - Ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal. LV - Aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes; (...) (Princípio do Contraditório). LVII- Ninguém será culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória” (Princípio da Presunção da Inocência). O artigo acima e seus respectivos incisos falam por si, e por isso são autoaplicáveis. São pilares de sustentação do Estado Democrático de Direito brasileiro. Eles foram positivados para contraditar com a natural tendência autoritária do Estado. É fato que o artigo 62,l, ao afirmar que quem promove, ou organiza a cooperação no crime, ou dirige a atividade dos demais agentes terá sua pena agravada, e este dispositivo legal autoriza a hermenêutica a adotar a Teoria do Domínio do Fato no sistema jurídico brasileiro, mas sempre atentos às provas materiais. Socorro-me dos argumentos que trouxe no início deste texto e, como eu disse antes, o Brasil adotou o sistema de normas escritas - Direito Positivo - com hierarquia das normas jurídicas, cuja Constituição é a expressão maior deste sistema. Portanto, há de se concluir que aplicação da referida teoria não significa, em absoluto, uma espécie de “autorização” para o magistrado atribuir ao fato o seu valor.

Além do mais, em qualquer circunstância, sugere-se uma interpretação sistemática de todos os preceitos normativos aqui expostos. Esta necessária integração das normas para buscar, com justiça, uma solução para a lide em questão sempre vai variar a depender da situação fática. O fato é que “ninguém será privado de sua liberdade sem o devido processo legal, nem ser considerado culpado sem o contraditório e sem o trânsito em julgado de sua sentença penal condenatória, tampouco condenado com base em provas subjetivas”. In dubio pro reo ”, essa é uma máxima do Estado democrático de direito que ninguém está autorizado a desrespeitar. No Estado Democrático de Direito a regra é “investigar, julgar e, em caso de condenação, a depender da gravidade do ato delituoso, privar o sujeito do crime de sua liberdade”. Prendê-lo, mas nunca o inverso: prendê-lo para depois investigar.

NOTAS 1

Hans Kelsen escreve tais considerações na obra - Teoria Pura do Direito . Martins Fontes, São Paulo, 2000, p. 247 - para justificar sua tese de que o direito é um sistema fechado de normas hierarquizadas - norma fundamental hipotética, constituição e sistema normativo infraconstitucional - que na sua interdependência fundamenta sua validade.

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Norberto Bobbio discute a evolução da ciência do direito em sua obra - O Positivismo Jurídico. A citação acima foi retirada da p. 135 da referida obra, editada pela Ícone - São Paulo, 1999.

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Referência: livro de Damásio E. De Jesus - Teoria do Domínio do Fato no Concurso de Pessoas, Editora Saraiva pg. 17 - São Paulo; 2009

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Do livro Teoria do Domínio do fato no Concurso de Pessoas, Damásio de Jesus, Saraiva - 2009 p. 17 e seguintes.