O Problema do Populismo: Teoria, Política e Mobilização 9788546215751

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O Problema do Populismo: Teoria, Política e Mobilização
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Capítulo 4 Capítulo 5 Capítulo 6 Referências Página final Prefácio Nos últimos três anos, passei muitas horas estudando o controverso tema do populismo em minha tese de doutorado na Universidade Aristóteles de Tessalônica (Grécia). A ascensão do populismo de esquerda ao poder na Grécia foi minha oportunidade para comparar o discurso do Syriza com a experiência populista de governo do kirchnerismo na Argentina. Então, quando Jeremiah Morelock e Felipe Ziotti Narita me convidaram para escrever o prefácio para este pequeno livro sobre o problema do populismo , fiquei honrado e agradecido por ter a oportunidade de apresentar algumas das minhas ideias e debatê-las a partir da abordagem deles. Uma das principais razões por trás da minha decisão final de aceitar o convite consiste no fato de este pequeno livro revelar as características principais e a natureza do populismo autoritário , que é, sobretudo, expressa por meio do discurso de partidos radicais de direita e de líderes pelo mundo. Além disso, é notável que os autores mantenham uma perspectiva distanciada para a análise do fenômeno populista, deixando espaço para o desenvolvimento de uma mobilização populista progressista. É fato conhecido que vivemos em uma época de crises em diversos níveis, contando com uma variedade de populismos. A erupção da crise econômica, a falta de confiança nas instituições liberais e na tecnocracia, o fracasso do projeto neoliberal e o crescimento das migrações e das ondas de refugiados deram voz para que partidos anti-establishment emergissem, de maneira dinâmica, por meio de fortes discursos populistas. A crise promoveu e disseminou correntes populistas e anti-establishment , transformando-se na cena principal da performance populista. ¹ Como argumenta Laclau, “a emergência do populismo é historicamente ligada a uma crise do discurso ideológico dominante que, por sua vez, é parte de uma crise social mais geral”. ² Por um lado, assistimos à ascensão do populismo de esquerda. Na Grécia, o Syriza conseguiu chegar ao poder, criando um governo populista estável com o partido radical ANEL. Na Espanha, o Podemos emergiu como um dos protagonistas da cena política em pouco tempo, enquanto Jean-Luc Mélenchon, na França, ficou na terceira posição nas últimas eleições presidenciais; no Reino Unido, o líder do Partido Trabalhista é o populista Jeremy Corbyn; nos Estados Unidos, Bernie Sanders ganhou enorme apoio popular nas eleições para indicação do Partido Democrata (2016) com uma plataforma populista progressista; no México, Andrés Manuel López Obrador, um populista de esquerda, ganhou as eleições de 2018. Sem dúvida, devo destacar os líderes de esquerda na América Latina que chegaram ao poder no começo dos anos 2000 (especialmente em função do

fracasso das políticas neoliberais dos anos 1990) e formaram uma significativa hegemonia populista inclusionária, como Hugo Chávez, Evo Morales e os Kirchner. Por outro lado, há partidos radicais e de extremadireita que expressam discursos xenófobos, nacionalistas e populistas, concentrando boa parte da classe popular a seu lado. Na França, Marine Le Pen chegou na segunda posição nas eleições presidenciais de 2017; na Itália, a direita populista tornou-se um dos campos políticos mais importantes; na Hungria, Viktor Orbán construiu uma hegemonia populista autoritária; no Reino Unido, a plataforma nacionalista do Brexit venceu um referendo crucial. Não devo me esquecer de mencionar que o povo nos Estados Unidos e no Brasil elegeu, respectivamente, Trump e Bolsonaro como presidentes. Morelock e Narita conseguem explicar o que é o populismo por meio de perspectivas teóricas de pesquisadores muito conhecidos. Na minha opinião, a teoria de Ernesto Laclau sobre o populismo parece muito útil para examinar esse importante fenômeno, já que oferece sofisticação teórica sem sucumbir ao idealismo, podendo ser aplicada em muitos casos diferentes. ³ Laclau afirma que “o populismo começa no momento em que elementos populares e democráticos são apresentados como opções antagônicas contra a ideologia do bloco dominante”. ⁴ Na mesma lógica, o centro de pesquisa grego Populismus estabelece dois critérios mínimos para um discurso populista: ( 1 ) referências realçadas a ‘o povo’ (ou significantes equivalentes, como ‘os desfavorecidos’) e a ‘vontade popular’ e a necessidade de sua representação verdadeira, ( 2 ) uma percepção antagônica do terreno sócio-político como uma esfera dividida entre ‘o povo’/os desfavorecidos e ‘as elites’/o establishment . ⁵ Teorias que utilizam adjetivos em sua etimologia, tais como puro e corrupto , não podem ser aplicadas no exame de todas as articulações populistas. Como destaca Ostiguy, a noção de pureza pode funcionar bem nos populismos europeus, mas não consegue ser mobilizada adequadamente para outras regiões. Nos países latino-americanos, o povo não é considerado puro (venezuelanos são zambos, mulatos, mestiços, etc.), ao passo que a plebe consiste em ladrões mesquinhos. Além disso, o caráter corrupto das elites nem sempre é um problema, contanto que o presidente faça o que deve ser feito . ⁶ Os autores corretamente definem populismo autoritário como os espaços onde populismo e autoritarismo se encontram. Como resultado, o populismo não é sempre autoritário e não é tomado por uma natureza interna não democrática. Autoritarismo e populismo podem coexistir em numerosos casos, mas esses termos não caminham necessariamente pari passu . Com mais frequência, líderes de esquerda respeitam procedimentos democráticos e a vontade popular, buscando a democratização dos sistemas políticos pósdemocráticos. Além disso, a orientação democrática de muitos populismos de esquerda pode também ser vista por meio de diferentes articulações do povo. Especificamente, o povo para a esquerda não é considerado como homogêneo, tampouco unificado, mas como uma força heterogênea que articula diferentes demandas sociopolíticas sob as bandeiras de um

movimento, apresentando um caráter inclusivo (por populismo inclusionário e exclusionário, indico o trabalho de Mudde e Kaltwasser). ⁷ A rejeição da homogeneização do povo evidencia que o populismo de esquerda não coaduna (sempre) com caminhos autoritários. No entanto, a questão da homogeneização pode ser diferente na retórica xenófoba de partidos nos quais o povo tem formas concretas com características étnico-raciais. ⁸ Então, o populismo de esquerda contemporâneo não necessariamente encarna princípios antidemocráticos ou nacionalistas, mas constitui uma reação popular e igualitarista contra o establishment corrupto e a ascensão do nacionalismo xenófobo. Creio que o populismo autoritário discutido neste livro não faz referência às manifestações populistas de esquerda, mas aos populismos da direita nacionalista e xenófoba. É verdade que a escalada dos líderes e dos partidos da direita radical e da extrema-direita lembra a ascensão do fascismo na Europa de meados do século XX. Não é ilógica a conexão entre fascismo e populismo . Segundo Laclau, o fascismo [...] foi [...] uma das maneiras possíveis de articulação das interpelações democráticas populares em discursos políticos [...] Então, vemos por que é possível chamar Hitler, Mao e Peron simultaneamente de populistas. ⁹ Hoje, o populismo autoritário diz respeito, sobretudo, aos partidos da direita radical , que partilham características autoritárias, nacionalistas e populistas. Contudo, há alguns partidos da extrema -direita (por exemplo, o grego Aurora Dourada) que utilizam um discurso étnico-nacionalista com marcas populistas. Como resultado, as fronteiras entre os partidos da direita radical e da extrema-direita têm se tornado cada vez mais esfumaçadas ao longo dos anos. Não há uma grande distância entre o discurso nacionalistaxenófobo e uma razão étnico-racista, especialmente quando ambos promovem soluções extremas e violentas e discutem independência nacional e soberania popular. Além disso, todos os casos acima baseiam seus discursos, sobretudo, no nacionalismo xenófobo. E se redefiníssemos o conceito de partidos populistas radicais ? E se categorizássemos aqueles partidos primeiramente como nacionalistas e, depois, como populistas? ¹⁰ Precisamos pensar nessas questões. Se olharmos para o espaço político de direita na Grécia, não conseguimos traçar diferenças significativas entre os partidos de extrema-direita e a direita radical. Esses partidos pretendem implementar soluções nacionalistas extremas e tentam criar dicotomias na sociedade entre o povo (como uma nação ) e as elites/o establishment . O nacionalismo tóxico que emana disso (por exemplo, do Concentração Popular Ortodoxa, da Nova Direita, do Solução Grega, da Aurora Dourada, etc.) se desdobra em um etnocentrismo particular, rebaixando culturas e ideias do “outro” e atacando ( 1 ) minorias (refugiados, imigrantes e LGBTQ) e ( 2 ) esquerdistas que “traem” o país (por exemplo, no caso “macedônio”). Eles se apresentam como a resistência autêntica contra a “invasão ilegal” de culturas externas em uma época de propostas nacionalistas extremamente violentas. Isso pode ser perigoso não apenas para a democracia liberal, mas para o desenvolvimento de qualquer orientação democrática alternativa. O único

partido que mantém distância dessa retórica extrema é o ANEL, em função da participação no governo do Syriza. Então a mídia mainstream , oponente ferrenha do governo do Syriza, desempenha um papel central ao incitar o “pânico nacionalista” e o ódio junto ao povo grego, facilitando a expansão desse tipo de propaganda. O mesmo ocorre nas mídias sociais e com as fake news . Como Morelock e Narita sublinham no livro, “os meios de comunicação de massa facilitam a onipresença das mensagens de propaganda. [...] As estruturas de rede desempenham um papel central nesses cenários”. É importante ressaltar também que o populismo autoritário não é o único problema da sociedade e da política contemporâneas. Não devemos subestimar, por exemplo, o discurso antipopulista . A estigmatização de o povo por antipopulistas degrada a soberania popular, ao passo que a ascensão da tecnocracia, como uma resposta às decisões “deseducadas” e “imaturas” das massas, destrói qualquer direção democrática que a política possa vir a assumir. E se esse tipo de antipopulismo ameaçar a democracia da mesma maneira que o populismo autoritário? ¹¹ Para concluir, gostaria de ressaltar que Morelock e Narita conseguem com sucesso destacar a natureza interna do populismo autoritário por meio da utilização de nomes importantes da teoria crítica (Habermas, Adorno, Horkheimer, etc.). Minha contribuição, aqui, consistiu em manifestar a importância da análise do discurso para o exame do populismo, além da diferença essencial entre os populismos de esquerda e direita – bem como as ameaças representadas pelo último. Creio que a combinação da teoria crítica com a análise do discurso pode ser útil para o entendimento da natureza dos populismos que emergem pelo mundo, bem como para oferecer soluções para uma sociedade melhor e mais democrática. Grigoris Markou Doutorando na Universidade Aristóteles de Tessalônica (Grécia) Bolsista do Secretariado Geral de Pesquisa e Tecnologia e da Fundação Helênica de Pesquisa e Inovação (Código 391) Organizador do Círculo de Estudos sobre Populismo Pesquisador associado do Observatório Populismus A maior parte do presente livro foi escrita entre março e novembro de 2018, transitando entre Brasil, Estados Unidos, Portugal e Suíça. Uma versão inicial serviu como base para nossa conferência inaugural, realizada em novembro de 2018, no III Seminário Internacional de Pesquisa em Políticas Públicas e Desenvolvimento Social da Faculdade de Ciências Humanas e Sociais da Unesp, campus de Franca/SP. Pelo convite, pelas observações e pelo suporte para sua publicação em um pequeno livro, agradecemos a Alexandre Marques Mendes, Vânia Martino, Genaro Fonseca, Hélio Alexandre Silva, Erick Vivan e Agnaldo Barbosa, além do apoio fundamental dos pesquisadores do Programa de Pós-Graduação em Planejamento e Análise de Políticas Públicas da Unesp. Naturalmente, os únicos responsáveis pelas análises expressas são seus dois autores.

Notas 1 . Moffitt, Benjamin. The global rise of populism : performance, political style, and representation. Stanford: Stanford University Press, 2016. 2 . Laclau, Ernesto. Politics and ideology in Marxist theory . Londres: NBL, 1977, p. 175. 3 . Stavrakakis, Yannis. Antinomies of formalism: Laclau’s theory of populism and the lessons from religious populism in Greece. Journal of Political Ideologies , v. 9, n. 3, p. 253-267, 2004. 4 . Laclau, op. cit., p. 173. 5 . Conferência Internacional Populismus : Populist Discourse and Democracy/Background Paper, Universidade Aristóteles de Tessalonica, Grécia, 26-28 jun. 2015. Disponível em: < http://bit.ly/2CXMXZz >. Acesso em: 31 jan. 2019. 6 . Ostiguy, Pierre. Populism: a socio-cultural approach. In: Kaltwasser, Cristobal Rovira; Taggart, Paul; Espejo, Paulina Ochoa; Ostiguy, Pierre (eds.). The Oxford handbook of populism . Oxford: Oxford University Press, 2017, p. 91. 7 . Mudde, Cas; Kaltwasser, Cristobal Rovira. Exclusionary vs. inclusionary populism: comparing contemporary Europe and Latin America. Government and Opposition , v. 48, n. 2, p. 147-174, 2013. 8 . Katsambekis, Giorgos. The place of the people in post-democracy: researching antipopulism and post-democracy in crisis-ridden Greece. Postdata , v. 19, n. 2, p. 555-582, 2014. 9 . Laclau, op. cit., p. 111 e 174. 10 . Stavrakakis, Yannis et al. Extreme right-wing populism in Europe: revisiting a reified association. Critical Discourse Studies , v. 14, n. 4, p. 420-439, 2017. 11 . Markou, Grigoris. Populism and anti-populism in the semi-periphery: lessons from Greece and Argentina, Draft Paper, PSA. In: ANNUAL INTERNATIONAL CONFERENCE, 68, 2018, Cardiff. Annals. Cardiff, 26-28 mar., 2018. 1. Em uma série de artigos publicados em 2017, Nancy Fraser (2017) afirmou que o presente momento político, especialmente com a ascensão transnacional da extrema-direita, indica o fim do neoliberalismo progressista. Durante as últimas duas décadas, a expansão das estruturas de mercado e a financeirização estiveram integradas a um forte substrato cultural relacionado ao que poderíamos chamar de “agenda progressista” baseada no pluralismo institucional, multiculturalismo, direitos de minorias, etc. Essa consideração, sem dúvida, deve ser tomada com muita cautela, já que a exclusão social, as formas de violência física e simbólica, a

precarização estrutural do trabalho e as diversas expressões de discriminação não foram abruptamente varridas do ambiente construído pelas democracias liberais – as pesquisas desenvolvidas em diversos países por Loïc Wacquant, Pierre Bourdieu, Michael Burawoy, Jessé Souza, Ruy Braga, Chris Tilly, Enzo Mingione e diversos outros nomes demonstram exatamente isso. Contudo, nosso argumento é que, subjacente às visões triunfalistas das democracias liberais e às realizações da jouissance individual e dos direitos sociais, havia um consenso hegemônico referente a movimentos progressistas no sentido do reconhecimento da necessidade de políticas sociais de inclusão junto ao cosmopolitismo liberal e seu horizonte globalista. Essa atmosfera vem desaparecendo com a emergência de um insólito momento político identificado como a ascensão de movimentos de extrema-direita e do populismo de direita. Muitas pessoas ainda argumentam que populismo é um termo que carece de uma definição clara ou que se trata de um vocábulo utilizado contra todos aqueles dos quais discordamos ou não gostamos – ou seja, como se o populismo operasse como uma espécie de retórica política e fosse reduzido a um artefato para acusar e culpar um oponente político de ser mentiroso ou apresentar soluções falsas e rasteiras apenas para satisfação das massas. O populismo, nesse sentido, seria mais um rótulo do que um conceito, em função da falta de um quadro analítico mais rigoroso (Fassin, 2017). Conforme esse uso cotidiano do termo (cuja pervasividade é notável no jargão jornalístico e nas discussões mais prosaicas do dia a dia), o populismo figura sempre como uma forma de manipulação ou promessa de realidades inconsistentes, variando conforme esquemas retóricos. Sem dúvida, mesmo esse uso retórico tem sua validade na pesquisa social na medida em que a política é também o campo do conflito e, como os teóricos da Escola de Cambridge demonstraram (sobretudo na esteira dos trabalhos de John Pocock), a linguagem política e seus usos são saturados com uma pluralidade de práticas sociais que transformam sublinguagens políticas (ou seja, a diversidade de maneiras de fala e artefatos retóricos) em jogos de linguagem e funcionam como um importante elemento no entendimento da historicidade das disputas sociais. No entanto, devemos esclarecer desde o início deste ensaio que o que chamamos de populismo nada tem a ver com esse nível mais retórico de caracterização.

Às vezes, o termo é utilizado para grupos de direita e às vezes para grupos de esquerda. Às vezes, sugere um tipo de insulto, significando alguma forma de reação, e em algumas ocasiões é utilizado em registro positivo, caracterizando movimentos sociais com potencial de democratização. O populismo, em um nível mais retórico, certamente é utilizado de todas essas maneiras – assim como outros conceitos do campo político. A instabilidade do significado do termo não é tão diferente, então, da própria instabilidade de significado de toda forma de linguagem, tal como alguns teóricos pósestruturalistas, como Jacques Derrida (1978; 1982), já apontaram há algumas décadas. Assim, o uso do termo na retórica ideológica é um problema da falta de integridade conceitual decorrente das disputas que saturam seu uso, não propriamente uma deficiência analítica a priori do próprio termo. A despeito da variedade de usos, populismo é um conceito muito importante (quiçá indispensável), pois indica tendências que têm chacoalhado e transformado muitas partes do mundo no presente momento histórico. Nos últimos anos, a bibliografia acadêmica sobre populismo cresceu consideravelmente. Movimentos populistas parecem surgir em todos os lugares. Benjamin Moffitt (2016) fala de uma “ascensão global do populismo” e, sob o rótulo de um “momento populista”, de uma “insurgência populista global” e da “ascensão do populismo global” (há algumas semanas, quando conversávamos com jornalistas espanhóis, eles falaram de um “populismo internacional”), muitos pesquisadores e analistas políticos estão tentando capturar diferentes fenômenos políticos sob o mesmo guardachuva. Para que não corramos o risco de falar de coisas diferentes utilizando a mesma palavra, convém esclarecer o que estamos identificando como populismo e suas características principais. Portanto, a fim de destacar os contornos analíticos do conceito, o debate amplo com a teoria social é fundamental para que tentemos captar e conectar pontos vinculados aos variados – e díspares – movimentos analisados no mundo contemporâneo. Pretendemos, então, ensaiar uma exposição do problema do populismo entrecortado por diversas dimensões, situando nossas perspectivas em relação a ideias e a um conjunto de teóricos – muitos vinculados a uma teoria crítica da sociedade – que podem oferecer temas descritivos pertinentes para a discussão. Os recentes fenômenos eleitorais pelo planeta são mais do que preferências abstratas (Foa; Mounk, 2018) e não estão confinados a desvios pontuais de uma suposta destinação democrática da história universal. O populismo e as ameaças às democracias liberais vêm emergindo dos escombros de uma ampla crise de confiança nas democracias contemporâneas, em um processo catalisado pelos profundos abalos socioeconômicos pelo globo desde 2008. A democracia não é a única peça no tabuleiro – e o aviso de incêndio já começou a soar mesmo entre aqueles que um dia acreditaram na estabilidade a longo prazo do credo democrático e neoliberal, como Francis Fukuyama (2018), ou entre aqueles que ainda tentam juntar os cacos de uma agenda reformista para as democracias liberais clamando por “reparos urgentes”, como Robert Muggah e Taylor Owen (2018). Com o Brexit, Trump, a crise democrática na América Latina (tanto com os impasses do governo de esquerda da Venezuela quanto com a força eleitoral da extremadireita no Brasil), os recentes eventos nas Filipinas, as cercas do Fidesz na

Hungria, a política de imigração de Matteo Salvini na Itália e os sucessivos problemas no sonho de integração da União Europeia, um novo cenário está se materializando diante de nossos olhos. Da erosão da representação política à ascensão de novas formas de imaginação política ancoradas na produção de “um povo” (e, a partir disso, a reificação da sociedade em componentes antitéticos), há uma densa dinâmica social subjacente. Não estamos lidando apenas com mudanças políticas, mas com amplas transformações sociais. Esse é o argumento central de nossa perspectiva. Esse tópico é crucial para que possamos começar a avançar pela discussão do populismo: nós o entendemos não apenas como fenômenos do sistema político, mas como processos socioculturais mais amplos e profundos. Jürgen Habermas (1987) questiona o gap existente nas sociedades modernas entre o “mundo da vida” (uma rede de experiências pessoais e elementos comuns da cultura, constituindo significados, identidades, operações interpretativas da interação social, valores intersubjetivos, etc.) e o “sistema” (um conjunto de imperativos mais abstratos de mercado, da política institucional e dos procedimentos formais da democracia liberal). Em sua teoria, o gap ganha força à medida que a modernização capitalista é aprofundada, propiciando inclusive uma tomada (ou “colonização”) das experiências mais pessoais e orgânicas da cultura do mundo da vida pela racionalidade impessoal e calculista dos imperativos do sistema. As resistências a essa colonização do mundo da vida podem ser incorporadas em diferentes formas de antagonismo social, algumas das quais reacionárias e mesmo regressivas. Craig Calhoun (1988), quando explicitamente aplica a teoria habermasiana ao problema político do populismo e tenta traduzir a teoria da colonização do mundo da vida, afirma que as pessoas comuns experimentam uma forma de alienação em relação ao governo, entendendo as elites políticas como instâncias de legislação orientadas por uma lógica deslocada do mundo da vida. Alienação, aqui, significa a crescente experiência de separação entre as instituições objetivas de controle e governo da população e as estruturas mais orgânicas de socialização. O que mais nos interessa é que movimentos populistas podem produzir narrativas de resistência , de modo que “o povo” ostensivamente defende o mundo da vida habermasiano contra as intrusões da “elite”. Essas narrativas, então, funcionam como uma ideologia capaz de promover diversos níveis de tomada de poder, com esforços imaginários de ocupação da política institucional a fim de forçá-la a uma relação menos mediada (e supostamente mais autêntica), capaz de conectar o aparato do Estado à pureza da vontade do povo. Ao passo que Habermas (1975; 1987) entende o capitalismo tardio como um momento de vulnerabilidade em relação a crises de legitimação, Francisco Panizza (2005) afirma que o populismo emerge das próprias crises de representação. Amplas crises institucionais caminham pari passu a diversos efeitos sociais. Com relação às instituições liberais do establishment , Roberto Foa e Yascha Mounk (2017) identificam um efeito de “desconsolidação democrática”, ou seja, uma perda de aderência das instituições democráticas e da própria legitimidade dos imaginários de participação, alimentados pelo sistema produzido pelo establishment político. Nós enfatizamos que esse tipo de movimento descrito por Foa e Mounk é ilustrativo – e talvez derivado – de uma ambivalência situada no

coração das promessas liberais de inclusão e das tendências pluralistas das sociedades modernas. Assim, Margaret Canovan (1999) indica que o populismo emerge do movimento pendular das sociedades democráticas, oscilando entre as estruturas pragmáticas e os horizontes de redenção popular propiciados pela participação política. Se o sistema tende a limitar a participação plebeia com restrições burocráticas e uma infinidade de normas procedimentais, o imaginário de participação do povo incorpora as tendências de redenção da pura vontade popular contra a dominação pragmática já estabelecida no sistema. O populismo, por isso, também estrutura um espaço político fundamentado em novas formas de representação, dando voz aos excluídos e produzindo novas narrativas e identidades de “o povo”. Em um artigo publicado em julho de 2018 no Jornal da USP , nós chamamos isso de a “dialética do populismo” (Morelock; Narita, 2018a), ou seja, movimentos populistas ilustram reações contra o establishment sociopolítico, mas esse motto da tendência anti-establishment também produz novos mecanismos de engajamento público e político. Cas Mudde e Cristóbal Kaltwasser (2012), pesquisadores de destaque do tema, afirmam que o populismo produz uma moralidade particular que joga “o povo” contra “a elite”, opondo dois conteúdos essencialmente antagônicos: a pureza de uma vontade coletiva contra a forma corrupta da política encampada pela “elite”. Essa disjunção cultural certamente está inscrita na desconfiança decorrente da crescente separação entre “o povo” e os procedimentos mais presos à lógica do sistema, mas é igualmente importante destacar as formas que emergem desse terreno fraturado. Nesse sentido, o que Mudde e Kaltwasser chamam de moralidade, nós tendemos a ver como um processo mais profundo que chega a produzir sujeitos (no sentido do último Foucault).

A construção de “o povo”, sua unidade imaginada e seus antagonismos, então, é também a elaboração de formas de ação coletiva que, tomando os termos emprestados de Habermas, tentam conectar as demandas do mundo da vida aos canais e pressupostos normativos do sistema. Jan-Werner Müller (2016) argumenta que o populismo não é apenas uma questão de implosão da democracia representativa, mas uma prática política que se diferencia e desafia os entendimentos liberal-democráticos de representação e mesmo os mecanismos de accountability do sistema político. Concordando com essa visão, enfatizamos que os desafios são especialmente visíveis nas variações autoritárias do populismo. Então, uma “imaginação moral da política” (Müller, 2016) contribui para opor “o povo” contra suas diferenças internas. Produzindo subjetividade, o populismo é um processo liminar na formação de valores enraizados em identidades coletivas que dissolvem os imperativos abstratos da cidadania liberal em conceitos binários referentes às modalidades de participação na vida política. Basicamente, as fronteiras que demarcam a política institucional inicialmente tendem à desintegração, ou ao menos ficam esfumaçadas, na medida em que os momentos subjetivos de participação no político abrem frestas por fora dos canais institucionais. No alto, os procedimentos de checagem e as normas referentes a limitações do poder, e mesmo de civilidade, podem dar lugar a um tipo de decisionismo encampado sob a bandeira de uma relação mais autêntica entre o líder e “o povo”. Na base, a vida cotidiana é permeada pelas divisões sociais e suas ramificações políticas. Este é o novo normal: o protesto político vira modo de vida e o modo de vida é um protesto político. 2. O problema teórico do populismo e do autoritarismo é um tópico sempre questionado, de modo que muitas questões podem ser colocadas diante de nosso argumento multidirecional. Um elemento importante em nosso esquema é que não estamos propondo uma teoria determinista do populismo. Muitas pesquisas inter-regionais, por exemplo, têm indicado a diversidade de contextos – e, sem dúvida, não podemos ignorar a variedade de significados do populismo conforme suas manifestações empíricas. Se nos anos 1990 e no começo dos anos 2000, na Europa, o populismo era um conceito utilizado sobretudo como referência a movimentos xenófobos de extrema-direita, na América Latina o conceito abarcou um conjunto muito mais amplo de fenômenos políticos desde os anos 1940 e 1950 – populismo, então, era o termo empregado para categorizar a emergência de líderes desenvolvimentistas carismáticos, com realçado cariz nacionalista, que contavam com apoio construído em forte base popular contra as oligarquias estabelecidas (Gonzales, 2007). Ainda na América Latina, nos anos 1990, o conceito fundamentou análises do momento tecnocrático no continente, com os governos de Fujimori (Peru), Menem (Argentina), Collor (Brasil) e Bucaram (Equador) – à luz do debate neopopulista na região –, então entendidos como um fenômeno político associado à construção da hegemonia neoliberal e à mobilização de “o povo” contra o sistema de partidos estabelecidos e a corrupção (Roberts, 2006) em uma cruzada ideológica conduzida pelos brados da modernização. Basicamente, nossa abordagem do problema consiste em uma espécie de constelação próxima ao entendimento de Adorno (2003, p. 165-166), que

propôs uma metáfora muito lúcida para explicar essa questão metodológica. É como se o pensamento teórico circulasse um objeto a fim de abri-lo ( öffnen ) conceitualmente e aí apreendê-lo. E, como um cofre, o objeto não pode ser aberto apenas por um único vetor teórico ou uma chave singular ( Einzelschlüssel ) – em vez disso, o objeto requer uma “combinação de números” ou uma coleção de insights teóricos que, diferentemente da filosofia da ilustração ou de uma análise científica mais dura, podem soar como pequenas dissonâncias uns em relação aos outros. A metodologia de Adorno era inseparável de seu método da dialética negativa e, por isso, o uso do pensamento teórico como um meta-nível da “constelação” de fato envolvia uma espécie de circularidade dialética perpétua (ou talvez uma espiral, já que o movimento nunca retornava ao ponto de partida). Contudo, nossa abordagem não é tão comprometida com alternâncias dialéticas nesse meta-nível, ainda que certamente façamos uso do campo dialético em alguns momentos. Na presente intervenção, diferentes posições teóricas são analisadas a fim de lançar luz sobre diferentes regiões e conexões em uma junção multidimensional de padrões dinâmicos. Por meio da exploração dessas posições, ganhamos na tentativa de mapeamento de uma ampla superfície que constitui nosso “objeto”. Dito isso, essa metodologia deixa algumas dessas posições teóricas desconectadas em relação a suas fundações ontológicas e epistemológicas. O caminho é perfeitamente concebível à luz das constelações adornianas, ainda que nós não abracemos qualquer tipo de antifundacionalismo ou “multifundacionalismo”. Pretendemos destrinchar essas questões epistemológicas com mais detalhes em textos futuros. Aqui, deixamos esse núcleo filosófico (ou, se preferirem, essas fundações) em suspensão – como o gato de Schrödinger – e empregamos a metodologia da constelação tendo em vista seus ganhos na ampliação de perspectivas. Então, de modo geral, as teorias empregadas desempenham uma função mais descritiva do que propriamente denotativa. Por meio dessa exploração, poderemos delinear uma coleção de dez “eixos” teóricos para a construção de uma teoria sobre o populismo. Uma metodologia baseada nessa constelação é especialmente útil no tratamento de tópicos complexos, quer dizer, tópicos intuitivamente pertinentes, mas de difícil delimitação. No caso, o populismo é notório nos dois aspectos. A fim de uma compreensão do fenômeno ou de uma aproximação do problema como um conceito singular, sua ambivalência – tanto como um esquema conceitual quanto sua relação com as democracias liberais (Kaltwasser, 2012) – precisa ser compreendida. Dois universos confluem na constituição de nosso “objeto” em diferentes níveis de análise, ainda que mutuamente constitutivas como focos de análise (tanto em relação ao conteúdo quanto à forma): manifestações empíricas do populismo e suas interpretações teóricas. Quanto ao nível empírico, o populismo aparece em uma variedade de expressões e não é, a priori , autoritário. A integração simbólica de “o povo” e o imaginário de participação política podem dar voz a populações subalternas – essa característica é notável nos populismos de esquerda. Ainda assim, todavia, há o perigo de deslizes autoritários. O neotribalismo, a polarização social e as concepções reificadas de “nós, o povo”, que implicitamente alimentam formas autocráticas de dominação, são potenciais formas de qualquer tipo de movimento populista,

mas tendem a aparecer em articulação mais direta com suas variações de extrema-direita. Esse dilema social, aliás, está no centro das reflexões sobre as democracias contemporâneas e nossa imaginação política fraturada. Stuart Hall (2013 [1978]) cunhou a expressão “populismo autoritário” como um termo específico em suas obras do final dos anos 1970 e início dos anos 1980. A noção de Hall estava certamente situada em um espaço e em um tempo, expressando o diagnóstico de um Reino Unido que caminhava rumo ao thatcherismo. Ele caracterizou esse tipo de movimento como uma combinação entre uma retórica nacionalista fervilhante e a política neoliberal. Ele também notava a vulnerabilidade das democracias ocidentais a esses movimentos que chegavam ao poder por mecanismos eleitorais, tendo em vista a precariedade da própria democracia liberal. O conceito de Hall, em si, é raramente invocado em função de questões envolvendo sua clareza analítica para compreender aspectos mais específicos. No entanto, o termo “populismo autoritário” e a estrutura básica do conceito resistem até o momento atual, quando ainda mantêm sua presença nas análises mais recentes do Brexit, do trumpismo e de fenômenos de extrema-direita nos Estados Unidos e na Europa Ocidental (Agozino, 2016; Kellner, 2016; Chacko, 2017; Surin, 2017; Morelock, 2018c; Norris, Inglehart, 2018). A definição que usamos de “populismo autoritário” é mais ampla do que o uso original do termo com Hall, ainda que sua visão esteja em consonância com nossa abordagem. Quando falamos de populismo autoritário, queremos enfatizar o problema em um sentido mais intuitivo, talvez mais próximo do entendimento que uma pessoa não familiarizada com a obra de Hall tenderia a interpretar o termo. Simplesmente, queremos caracterizar movimentos que são, a um só tempo, autoritários e populistas. Alguém poderia imaginar um diagrama de Venn apresentando o autoritarismo, o populismo e sua intersecção. Essa imagem é muito crua e o problema central, ligado à definição e à caracterização dessas esferas (populismo autoritário), ainda fica no ar. Uma maior elaboração, então, é exigida. Há, no entanto, uma complicação adicional: autoritarismo e populismo não são elementos totalmente desconectados que podem vir a coexistir em um mesmo movimento apenas incidentalmente. Esses termos são dinamicamente relacionados em situações empíricas. Contextos sociais e materiais que produzem um também são suscetíveis a produzir o outro. E mesmo movimentos populistas que não são explicitamente autoritários estão intrinsecamente suscetíveis a deslizes autoritários . Esse termo expressa a tentativa populista de tensionamento dos mecanismos de freios e contrapesos e/ou da ideologia pluralista da democracia liberal e de uma sociedade multicultural (considerando que esta última característica se encaixa melhor nos populismos de direita). Em que pesem as diferenças estruturais desses deslizes com as formas mais puras da dominação autoritária, utilizando essa noção de deslizes autoritários tentamos abarcar mecanismos difusos de coerção (violência física e simbólica) que funcionam como imperativos políticos e culturais direcionados contra a crescente diferenciação e heterogeneidade da esfera pública democrática e, especificamente nos casos do populismo de extremadireita, contra o juste milieu das estruturas progressistas do mundo da vida neoliberal. Pierre Rosanvallon (2018) afirma que líderes e movimentos

populistas tendem a simplificar procedimentos formais das democracias liberais a fim de substituí-los por uma busca ideológica pela unanimidade de um pouvoir majoritaire – e aqui, sob o respaldo e as pressões de um majoritarianismo emanado das urnas, reside o problema para qualquer sistema democrático cujos mecanismos de freios e contrapesos estejam enfraquecidos (seja em função de uma crise de legitimação, seja por fraturas persistentes nos mecanismos de representação política, etc.). Maiorias reais ou imaginárias podem funcionar como um tipo de reforço a práticas de autoridade que atropelam a ordem institucional e o pluralismo do mundo da vida sob a suposta autenticidade de um povo real personificado pela eleição do líder . Nesse sentido, a construção de “o povo” emana de uma relação social imediata entre duas partes e pode sobrepujar mediações institucionais. Mas não devemos superestimar a figura do líder populista, tampouco a personalização da política: se o poder delegativo (em contraste com os procedimentos democráticos de freios e contrapesos e accountability ) e o ímpeto narcisista do líder (Finchelstein, 2017) tendem a posicionar uma figura individual no centro do problema, o líder é apenas um momento que emerge da dialética entre novas formas de representação e engajamento público. Em outras palavras, a dimensão mais importante subjacente aos deslizes autoritários é baseada na produção de conteúdos específicos de “o povo”, alimentando uma gramática de conflito no terreno social e reforçando a miragem de empoderamento de um sujeito coletivo. Esse esforço, por exemplo, pode estigmatizar como maquinações burocráticas a disposição das instituições estabelecidas, jogando-as contra narrativas de vigilância sobre “emergências humanitárias” e contra a defesa pastoral de “o povo”. Precisamente nesse cenário, aliás, populismo e deslizes autoritários tendem a distender os procedimentos institucionais da democracia. Após uma ameaça inicial e um shutdown parcial, Donald Trump enfim decretou “emergência nacional” com o objetivo de redirecionar dinheiro para a construção de um muro na fronteira mexicana sem a autorização do congresso. A bem da verdade, o National Emergencies Act de 1976, uma legislação federal que organiza o dispositivo de estado de emergência, não oferece um conteúdo claro para a noção de “emergência” e foi invocado quase 60 vezes desde sua publicação (31 decretos ainda estão ativos, conforme um relatório do Brennan Center for Justice da Universidade de Nova York). Por isso, a batalha jurídica em torno do coup de force governamental será um capítulo à parte, envolvendo a capacidade política da oposição para oferecer respostas ao impulso discricionário do Executivo e talvez até a Suprema Corte (como ocorreu, com outras ordens executivas e em outras situações, com Harry Truman em 1952 e Bill Clinton nos anos 1990). De todo modo, sob a “política de tolerância zero”, a ideologia da segurança nacional e a retórica do crime e caos, há uma espécie de política de hegemonia sobre a população e o território em nome de “o povo” e da proteção da nação (não à toa, tratando o interesse nacional como uma casa; então, como também vemos nos discursos da extrema-direita na França e no Brasil, “não é qualquer um que entra em nossa casa”). A justificativa política para a defesa de “o povo”, então, oferece a possibilidade de atropelar o congresso e punir uma fração do Estado que constitucionalmente exerce seu poder contra o ímpeto individual. O antagonismo torna-se ainda mais saliente na medida em que ganha forma uma disfuncionalidade institucional no governo, na esteira de um congresso dividido após as midterms de 2018,

com o domínio democrata na Câmara e as divergências no próprio Partido Republicano em relação à figura de Trump (onde ele está longe de ser unanimidade). Esse problema ilustra não apenas como práticas de autoridade podem se tornar deslizes autoritários, mas igualmente como a construção de “o povo” e sua defesa moral contra os “invasores” justificam a simplificação de procedimentos formais de maneira arbitrária. As razões pelas quais os deslizes autoritários são uma ameaça possuem um duplo aspecto, relacionando-se com o fato de que “o povo” deve usar a força (seja ela física, legal, discursiva, etc.) a fim de garantir poder ou empoderamento. Em primeiro lugar, movimentos sociais podem ativar e provocar reações contrárias de outros movimentos. Então, seja permanecendo em um meta-nível ou alimentando outras formas de polarização subjacentes a insurgências populistas, há aqui o tema da polarização. Em segundo lugar, o poder tende a funcionar como uma força de emancipação somente até ser organizado. Enquanto focalizadas na destituição de um status quo , as narrativas de “resistência” funcionam, tal como na construção da oposição em relação à “elite”, mas uma vez que “o povo” acredita ter chegado às raias do poder, a oposição fica destituída. Aqui, qualquer força construída para a dominação sob o antigo sistema estabelecido pode desaparecer ou mudar para formas de resistência reativas, ao passo que qualquer força empregada como resistência sob o sistema do antigo establishment destituído tende a desaparecer ou tornar-se um tipo de dominação. Vale, então, reiterar o nível mais amplo da definição, vinculando populismo a uma oposição de um grupo identificado como “o povo” contra um grupo identificado como “a elite”. A definição de autoritário, como uma descrição da estrutura de regimes políticos, tem sido discutida exaustivamente por cientistas políticos e, por isso, mencionamos as pesquisas de Juan Linz (2000). Assim, ainda que o trabalho sobre a definição de regimes políticos seja muito importante, esse não é exatamente nosso ponto. O tipo de autoritarismo que nos interessa é mais um processo, não necessariamente um objeto instituído, tratando-se antes de uma qualidade ou de um conjunto de características de um movimento. Em síntese, trata-se de uma espécie de direcionamento em que o uso da coerção (legal, física, psicológica, etc.) desempenha papel central na eliminação ou na exclusão da diferença. Em outras palavras, ser autoritário significa buscar a homogeneização pela força (Morelock; Narita, 2018b). 3. Em um ensaio recente (Morelock; Narita, 2018b), articulamos as ideias de Jürgen Habermas e Immanuel Wallerstein, tentando aplicá-las ao entendimento do populismo fora dos centros do capitalismo global. Nosso argumento é que algumas questões presentes em Habermas, a partir de Mudança Estrutural da Esfera Pública (1991 [1962]), Crise de Legitimação (1975) e Teoria da Ação Comunicativa (1984; 1987), podem ser aplicadas para a compreensão do populismo, beneficiando-se quando colocadas ao lado da análise do sistema-mundo de Wallerstein. Juntos, os dois esquemas teóricos podem oferecer uma boa perspectiva sobre como movimentos populistas tomam forma em nações em modernização, de modo que são

enraizados no mundo da vida e desenvolvidos junto às transformações na divisão global do trabalho, do desenvolvimento econômico e da urbanização. Esse quadro é especialmente útil para o entendimento da ascensão do populismo em regiões semiperiféricas, tais como a América Latina, e por isso aplicamos Habermas e Wallerstein a alguns processos da história recente latino-americana. Em termos habermasianos, argumentamos que dois movimentos estão vinculados à constituição do populismo: a já discutida alienação da relação sistema e mundo da vida e o problema da representação de subgrupos na esfera pública. “O povo”, imagem sempre manifesta nas narrativas populistas, deve ser defendido de antagonismos advindos de uma ou de outra direção (quando não de ambas): ou seja, deve ser defendido contra a colonização do mundo da vida pela racionalidade do sistema e defendido contra a intrusão dos que estão de fora dessa categoria. “O povo” é jogado contra “a elite” e sua ordem político-econômica ou até mesmo contra a alteridade étnica. E devemos mencionar que ambas as direções podem e comumente estão fundidas na mesma narrativa, tal como na ideia de que as degradações promovidas pela racionalidade do sistema decorrem ou são feitas em nome de uma subpopulação ou em benefício de uma alteridade étnica. Dessa forma, um grupo étnico pode ser culpabilizado como causa da racionalização da sociedade. Essa dimensão foi discutida, por exemplo, por Max Horkheimer e Theodor Adorno (2002 [1947]), tendo como referência o antissemitismo nazista. Habermas identifica a esfera pública como uma força democratizante da sociedade moderna. Para ele, a estrutura dialógica das mídias e dos espaços públicos implica um pressuposto normativo referente à democracia e à estabilidade social: um debate racional entre cidadãos. Em diálogo com esse quadro, nós enfatizamos que os deslizes autoritários e as formas de coerção funcionam como pressões culturais contra o pluralismo da esfera pública. Muitos aspectos podem ser mencionados, servindo como problemas complementares a essas pressões (gênero, assimetrias de classe, problemas étnicos, etc.) e há um longo debate sobre o assunto (por exemplo, podemos lembrar aqui o trabalho de Carole Pateman (1988)). Com relação ao foco sobre o problema do populismo e do autoritarismo, gostaríamos agora de destacar uma dinâmica histórica que percorre a materialidade da esfera pública de Habermas.

A urbanização, por isso, desempenha um papel importante em nossa discussão a partir da teoria habermasiana. A vida urbana favorece o crescimento e a expansão dos públicos, bem como a emergência de novas tecnologias de poder e de comunicação. A formação da esfera pública, então, torna a sociedade mais suscetível às mobilizações de massa em casos em que sentimentos de “exclusão geral” adquirem concretude – por exemplo, à luz da crise de representação política para os que reivindicam voz na esfera pública (Morelock; Narita, 2018b). Rápidos giros modernizadores (Domingues, 2009) implicam novas formas de integração social e de exclusão com a difusão de imaginários e narrativas sobre “o povo”. Em outras palavras, estamos dizendo que pressões culturais na esfera pública podem lançar as estruturas comunicativas do mundo da vida em uma espécie de ação autoritária comprometida com formas de coerção contra a diferença. Esses processos de difusão da esfera pública pressupõem transformações sociais mais amplas e podem ser analisados nos quadros do capitalismo global. Nesse sentido, a teoria do sistema-mundo de Immanuel Wallerstein (1993; 2000; 2004) é particularmente útil para nosso propósito. Para Wallerstein, a estruturação do moderno sistema-mundo ocorre sobre um conjunto de mudanças responsáveis pela produção de novas pressões socioculturais à luz das condições de integração social impactadas pelos rearranjos socioeconômicos. A abordagem sociológica de Wallerstein é baseada em duas camadas interdependentes que conectam ( 1 ) a posição estrutural dos elementos (nações, regiões, etc.) de um sistema-mundo integrado pela infraestrutura capitalista e pelo valor a ( 2 ) uma dinâmica histórica de formação desse sistema vis-à-vis o perpetuum mobile da autoexpansão e da aceleração das transformações nos últimos 150 anos. Juntas, essas duas dimensões constituem um dinamismo estrutural do sistema-mundo (Morelock; Narita, 2018b). Por essa razão, o sistema-mundo moderno é identificado como sistema-mundo capitalista na medida em que a circulação do capital e a produção do valor são momentos-chave para as transformações e giros modernizadores nas sociedades contemporâneas. Uma vez que os mercados não são fechados sobre cada Estado nacional, mas comportam-se como um mercado integrado mundialmente, a integração socioeconômica das regiões é baseada em três eixos centrais (divisão do trabalho, lucro e troca de mercadorias), implicando um arranjo dinâmico dos Estados nacionais conforme sua posição estrutural no sistema-mundo movido pela acumulação ilimitada do capital. Nesse sentido, países e regiões são hierarquicamente e funcionalmente divididos em “centros”, “semiperiferias” e “periferias”. A dinâmica material, então, produz transformações históricas, provocando a alteração daqueles três eixos centrais e implicando a reorientação da posição de cada país junto ao sistema. Nosso argumento é que, à luz desse dinamismo estrutural, movimentos populistas ganham corpo. Os movimentos populistas na América Latina dos anos 1940 e 1950, por exemplo, estão situados exatamente nessa disjunção produzida pelos giros modernizadores que propiciaram a integração semiperiférica de alguns países da região (Argentina, Brasil, Colômbia e México são os casos mais lembrados) no sistema-mundo moderno (Morelock; Narita, 2018b).

Convém frisar que não confinamos o populismo a um fenômeno limitado a um horizonte histórico específico, como se fosse um conceito marcado pelo arranque urbano-industrial dos anos 1940 e 1950. Em outras palavras, para nós, populismo não é uma etapa histórica no desenvolvimento do capitalismo em uma região (semi) periférica. Houve um rico debate na teoria social latino-americana nos anos 1960 e 1970 que tentou explicar, especialmente (mas não exclusivamente) a partir das teorias da modernização e da dependência, como o populismo emergia de um horizonte histórico delimitado por rearranjos estruturais daquelas categorias macrossociológicas (divisão do trabalho, relação centro/periferia, etc.), tendo em vista o pano de fundo de uma mudança de sociedades rurais (geralmente apresentadas sob uma tipologia de “sociedades tradicionais”) para os contextos de formação da política de massas do novo mundo urbano. Assim, os imperativos de integração de “o povo” sob novas estruturas de representação política, a forte presença de lideranças carismáticas e, sobretudo, a constituição de novas classes à luz da díade capital/trabalho eram variáveis que permitiam captar o populismo como marca de uma trajetória histórica específica. Autores de duas teorias clássicas dos populismos latino-americanos e das forças históricas que os condicionavam no processo de modernização social, Gino Germani (1971) falava das condições estruturais de uma “classe popular massificada” e Octavio Ianni (1973, p. 85) analisava a urbanização como uma “dissociação dos trabalhadores em relação aos meios de produção”, marcando uma “etapa determinada” das contradições entre sociedade nacional, capitalismo dependente e a nova realidade das massas assalariadas na dinâmica da representação política. A forte marca histórica da emergência dos populismos latino-americanos, contudo, não pode obliterar a tentativa de definições multidirecionais de elementos que se estendem para muito além de uma conjuntura ou de um esquema pautado na delimitação de “etapas” históricas. Se estamos propondo uma agenda teórica para a análise do populismo, não podemos ficar limitados à redução genética do fenômeno como um conceito preso a um momento histórico delimitado. A América Latina contemporânea sem dúvida está muito longe da imagem mencionada acima, pois não estamos mais tratando de transformações em sociedades agrárias. Na esteira da reestruturação capitalista dos anos 1980 e 1990, a região mergulhou nas redes do capital global, consolidou uma vida urbana dinâmica e amplificou canais para que “o povo” pudesse reivindicar participação. As mobilizações populistas na região, então, estão vinculadas a outros processos históricos e sociológicos, desta vez decorrentes das contradições da agenda neoliberal e das promessas de participação democrática. Os giros modernizadores, com a expansão da esfera pública, e os índices crônicos de desigualdade socioeconômica (que tendem a precarizar a confiança institucional, além de, no limite, desestabilizar as formas de coesão social) amplificam e difundem formas de descontentamento e apelos coletivos a “o povo” e seus contextos de exclusão no mundo da vida. Em um cenário mais amplo, a crise de representação nos sistemas democráticos adiciona problemas institucionais à mobilização contra a “elite corrupta” e o mainstream privilegiado, escancarando o fosso entre o sistema e as carências do mundo da vida. Nesse sentido, a mobilização populista caminha de mãos dadas com um repertório

antissistema bastante difuso que, inclusive, tem aparecido aqui e ali no mundo da vida das democracias liberais contemporâneas. Mas, obviamente, essas transformações de amplo alcance, por si, não explicam a dinâmica dos movimentos populistas. José Alvarez Junco (1994) considera que, como uma prática política direcionada à mobilização de afecções coletivas e do imaginário público, o populismo emerge não apenas da modernização daquelas estruturas, mas também da forte presença pública de símbolos e formas de apelo coletivo. Enfatizamos que, na medida em que esses apelos são bem articulados e conferem urdidura para as mobilizações, eles incorporam reivindicações difusas do mundo da vida. Se algumas modalidades de reivindicações podem ser advindas da já discutida tese de Calhoun sobre a alienação das pessoas comuns em relação à política institucional e da ideia habermasiana da crescente racionalização social e diferenciação de esferas institucionais decorrentes dos giros modernizadores, também vale retomar que esse processo é inseparável das transformações macrossociológicas de integração das regiões no sistema-mundo moderno de Wallerstein. O significante político “o povo” é disseminado pela sociedade e se torna um eixo simbólico de integração social ao lado de outros significantes homólogos para relações simbólicas inter e extragrupais. Essa demarcação entre os que são considerados insiders é inseparável da articulação em relação aos desqualificados e desmoralizados, que são marcados como outsiders . Então, movimentos populistas e as formas de polarização a eles associadas são também momentos para a produção de identidades e narrativas coletivas. A nação, a etnia e diversas dicotomias sociais (elite/ povo, insiders / outsiders , etc.) formam referências antropológicas reificadas e desempenham um papel central em cenários populistas à luz dos esforços de invenção do “povo comum”. Essas não são apenas expressões superficiais; antes, estamos diante de tentativas políticas de denúncia da disfuncionalidade das instituições de representação ou da própria exposição da dialética entre as aspirações de “o povo” e as do establishment político. Hoje, muitas sociedades e sistemas políticos estão mergulhados em uma atmosfera de constante mobilização de “o povo” a partir da politização populista do mundo da vida, em um processo dependente do engajamento prático e da construção de sujeitos sociais. Se os movimentos populistas variam conforme a capacidade de mobilização de massa, essa mobilização opera como uma dinâmica de contrapeso em relação à “a elite” ou ao establishment (Roberts, 2006) na medida em que o repertório de dicotomias sociais reforça clivagens e desigualdades relativas à estagnação das condições de inclusão política nos sistemas liberais e democráticos. Giorgos Katsambekis (2016) argumenta que, como um sujeito coletivo interpelado nesse processo, “o povo” carrega significados diversos dependendo dos contextos de construção dos sujeitos junto à produção da prática política. A incorporação de “o povo” à política, então, depende de estruturas verticais e horizontais de poder, ou seja, de dispositivos hierárquicos estritos (expressões comuns nos movimentos populistas de direita, como o Front National na França, o Partido da Liberdade na Holanda, Jörg Haider na Áustria nos anos 2000, etc.) ou de dinâmicas mais horizontalizadas

construídas na mobilização de movimentos sociais de base (como o “primeiro” Syriza, o Occupy, a formação do Podemos espanhol, etc.). E aqui chegamos a uma ambivalência do populismo em contextos democráticos. Movimentos populistas buscam legitimação por meio da hegemonia ideológica e, para tanto, elaboram a bandeira de “o povo” a fim de integrar as formas de descontentamento em uma mesma narrativa coletiva. Considerando que esses movimentos tendem a emergir em contextos de fragilização e desconfiança em relação aos sistemas representativos (Sorj; Martucelli, 2008), o populismo é entendido como a emergência da representação política que pode distender os procedimentos institucionais e toda sua ritualística nas democracias representativas. Desse modo, uma lógica política do antagonismo tende a conformar a psique a um conjunto de experiências saturadas pela polarização, com reverberações implícitas de reação e resistência. 4. De maneira geral, movimentos populistas são, ao menos em parte, uma resposta aos impactos anômicos das rápidas mudanças sociais decorrentes dos giros modernizadores. O clássico livro de Erich Fromm, Escape from Freedom , discute esse problema a partir de um ângulo psicanalítico. Fromm identifica o “caráter social” como uma conexão entre as dimensões material e ideológica da sociedade. Em termos marxistas, estamos diante das relações entre base econômica e superestrutura ideológica. Trata-se de um conjunto de traços de caráter comuns a um meio social e moldados por suas condições de vida objetivas. O caráter social estabiliza a estrutura social e uma situação de instabilidade surge quando rápidas mudanças econômicas seguem acompanhadas de um deslocamento social, forçando um desalinhamento do caráter social em relação à estrutura social (Fromm, 1962 [1941]). Fromm explica que, do nascimento, chegamos à independência da idade adulta saindo dos vínculos humanos primários. Esse processo é libertador, mas aterrorizante. A segurança é deixada para trás e nós encaramos a responsabilidade pelas próprias escolhas, além da experiência da própria alienação. A emergência do capitalismo a partir da dissolução das sociedades tradicionais implica um desenho bastante similar ao processo de individualização descrito acima. Ao passo que em sociedades tradicionais os indivíduos adultos estão ainda imersos em uma comunidade, sob o capitalismo moderno os indivíduos estão mais entregues a si mesmos e alienados em uma cultura da competição. Fromm argumenta que o capitalismo moderno engendra alienação de muitas formas: em relação a outras pessoas, em relação à natureza e em relação a nós mesmos. O capitalismo faz com que fiquemos desconectados e autointeressados por meio de orientações destinadas à propaganda, à exploração e à venda de nossos “pacotes de personalidade”. Essas orientações são insuficientes, pois temos “necessidades existenciais” básicas em relação às quais a empatia é mais importante do que a alienação. Mas a autoalienação nos previne de realmente entendermos e confrontarmos isso. Nossas necessidades existenciais suprimidas pressionam por realização e

têm muita tendência a encontrar meios não saudáveis de realização, tal como comportamentos neuróticos ou sadomasoquistas. Sentimos essas torções em nossa natureza mais fundamental, quer estejamos conscientes disso ou não. Explorar os outros ou fazer a promoção de nossas próprias personalidades não resolve o abismo da alienação que persiste em nos incomodar. Durante períodos de crise social (ainda que sejam também momentos de crise econômica ou institucional) métodos de pseudossatisfação de nossas necessidades existenciais são desestabilizados. As pessoas ficam frustradas, confusas e desesperadas, buscando saciação em substitutos secundários para os vínculos primários – vínculos que, então, passam a ser construídos de maneira intragrupal, contando com forte identidade interna e propósitos mais explícitos. Movimentos sociais alicerçados nessas identificações intragrupais, direcionados contra formas extragrupais, ganham tração psicológica a partir dessas situações. Daí a tentação no alinhamento a alguns indivíduos e a decorrente marginalização ou culpabilização de outros. Para Fromm, era particularmente interessante a tendência de pessoas alienadas a buscar o que ele chamava de simbiose, implicando uma conexão, a partir da experiência de perda de si mesmo, junto a outra pessoa ou coletivo por meio da dominação sádica ou da submissão masoquista. Posicionando as tendências sádicas e masoquistas a partir da mesma dinâmica da simbiose, Fromm entende aquelas tendências como pertencentes a um tipo de caráter geral por ele indicado, de maneira intercambiável, como caráter sadomasoquista e caráter autoritário. Em linhas semelhantes, Adorno e outros pesquisadores publicaram suas próprias análises nos estudos intitulados A Personalidade Autoritária , apoiado sobre um extenso conjunto de dados empíricos nos Estados Unidos, de modo que eles inventaram a “escala F”, ou seja, uma ferramenta de apoio para mensurar os traços da personalidade fascista (Adorno, 1950). Ainda que esteja sujeita a muitas críticas (Christie; Jahoda, 1954), a abordagem desenvolvida por Adorno e pelos demais pesquisadores envolvidos no projeto tem resistido ao tempo e influenciado várias pesquisas mais recentes (Altemeyer, 1981; Jost, 2003; Duckitt, Sibley, 2009; Bronner, 2018). Samir Gandesha (2017; 2018), aliás, recentemente articulou junto a teoria da “personalidade neoliberal”, revendo a abordagem adorniana à luz do contexto contemporâneo. Craig Calhoun (2010) descreve os movimentos populistas como fenômenos defensivos interpretados a partir de uma reação advinda dos descontentes e de uma percepção da despossessão. Como algo defensivo ou reativo, movimentos populistas podem ser vulneráveis à falta de metas muito claras e a estratégias para alcançá-las. Conforme teóricos da Escola de Frankfurt como Theodor Adorno, Leo Löwenthal e Norbert Guterman, a falta de metas muito claras é típica da propaganda fascista. Isso ocorre porque esses movimentos não apelam para argumentos racionais, mas a um fervor reacionário. Então, a propaganda fascista é dirigida à “matriz emocional” de que fala Fromm. Os oradores fascistas mais eficazes fazem surgir os ressentimentos, agrupando-os. A simplicidade e a repetição são os elementos principais que servem a esse propósito (Rensmann, 2018).

Os meios de comunicação de massa facilitam a onipresença das mensagens de propaganda. Na política do século XX, propaganda e comunicação de massa eram fundamentais para a politização da cultura pública, colocando nossa era diante do terrível espetáculo das massas. Como Max Horkheimer e Theodor Adorno afirmam, com o fascismo, o rádio tornou-se a boca universal do Führer ; nos altofalantes das ruas sua voz surgia com o uivo das sirenes proclamando pânico, estrutura da qual é difícil distinguir a propaganda moderna. (Horkheimer; Adorno, 2002 [1947], p. 129) Hoje as mídias sociais tornam esses cenários ainda mais pervasivos, tanto no sentido da ubiquidade no cotidiano quanto na difusão do pânico e do ressentimento por meio do fluxo de fake news e conflitos discursivos. Desdobraremos a questão das mídias sociais e suas formas de mobilização e engajamento alguns parágrafos adiante, de modo que, por ora, gostaríamos de ressaltar o papel da performance do líder na produção de públicos e da própria polarização. Benjamin Arditi (2007, p. 69) argumenta que o populismo é um produto ideológico indissociável da política contemporânea ancorada nas mídias. Para ele, se os líderes populistas aparecem como “um cruzamento entre uma ação feita em nome dos outros, uma forma de autorização e um forte papel de identificações imaginárias e simbolismos”, a comunicação política afeta diretamente os imaginários de representação enraizados na evocação de “o povo”. Nesse sentido, as mídias e sua pervasividade nas sociedades contemporâneas produzem um tipo de relação social muito particular entre a liderança e seus públicos: a “imediaticidade virtual” opera como uma espécie de sublimação ideológica, carregando as mais salientes promessas populistas, ou seja, promovendo a necessidade de suprimir o gap entre as estruturas institucionais de tomada de decisão e “o povo”. Produzindo novos públicos, a representação populista é também a nomeação de atores coletivos (Laclau, 2005) e uma exibição com algo de performativo. Se os líderes clamam por falar em nome de “o povo” e usam linguagem comum, uma dimensão dramatúrgica da política subjaz a esse processo de nomeação de “o povo” como ator coletivo. O populismo, então, implica uma referência performativa a “o povo”. Aqui reside o próprio conteúdo político dessa espécie de estética populista: quando Benjamin Moffitt e Simon Tormey (2014) discutem o populismo como um “estilo político”, eles corretamente indicam que a teatralidade da política populista não é apenas um apêndice ou um conjunto excêntrico de gestos em meio à neutralidade tecnocrática dos governos e instituições do establishment . Esse tipo de estética disruptiva da performance populista alimenta as dicotomias sociais com um apelo para a mobilização e a polarização da esfera pública. Não estamos dizendo, bem entendido, que o populismo é um fenômeno simplesmente redutível à polarização. Polarização é um traço muito comum no mundo da vida em qualquer sistema democrático. Para exemplificar isso, podemos pensar em temas políticos muito recentes que implicaram grandes conflitos ideológicos em meio a disputas altamente polarizadas. Os recentes debates e ciclos de protestos nas ruas argentinas em relação ao aborto e os

crescentes problemas da grande coalização de conservadores e socialdemocratas liderada por Angela Merkel à luz da crise europeia dos imigrantes e dos protestos em massa nas ruas de Berlim (com cartazes dizendo “#Build Bridges Not Walls”) ajudam a ilustrar essa presença quase constante da polarização nos sistemas políticos. O populismo envolve uma espécie muito particular de polarização discursiva. Com movimentos populistas, então, a questão não é a polarização em si, mas a natureza do processo. Como Janus, esse fenômeno tem duas faces. Por um lado, “o povo” e o líder tentam atacar a “elite”, e essa reificação do antagonismo social em duas categorias homogêneas está na base da ideologia anti-establishment – mesmo quando a liderança populista é parte do establishment , ainda que uma figura de menor monta, como no caso da ascensão da extrema-direita nas recentes eleições brasileiras, ou mesmo quando esses líderes fazem parte da elite financeira, como no caso de Donald Trump nos Estados Unidos (e é justamente por isso que se trata de uma ideologia ). Por outro lado, a redução das multiplicidades demográficas e culturais a dois polos (nós/eles) envolve uma narrativa identitária baseada na homogeneidade (em alguns casos, com forte conteúdo étnico) de “o povo” contra os outros ou mesmo o estrangeiro (e aqui os textos de Attila Antal (2018) e Piotr Sztompka (2016) são particularmente relevantes para a discussão do problema à luz dos populismos de direita na Hungria e na Polônia). Essa divisão tende a ser seguida por um ataque moral contra ideais políticos e práticas culturais (Greene, 2014; Morelock, 2018b). Se o “nós” está inscrito sob a bandeira do cosmopolitismo, a rejeição moral opera no campo de valores políticos e, no caso, o “eles” consiste na elite e seus apoiadores, muito antes de fazer referência a qualquer subpopulação. Ao contrário, se o “nós” está inscrito sob formas de etnocentrismo ou nacionalismo de conotação racial, o “eles” permanece preso a uma agenda nativista que pode se manifestar na xenofobia – situação particularmente visível em contextos de forte pressão sociocultural em que a crise de imigração é também um problema de crise identitária para “o povo” e seus conteúdos, como no caso das tensões imigratórias escancaradas no espaço europeu há pelos menos quatro anos. Constituindo subjetividades, as estruturas emocionais e cognitivas operam como forças de mobilização. Como uma identidade narrativa, o populismo produz um imaginário de participação que, a partir de um efeito discursivo, nomeia atores coletivos. O que significa essa nomeação de atores coletivos? Primeiramente, nomear atores não é apenas uma questão retórica – esse processo mobiliza sujeitos por meio da politização e da evocação de formas de participação. A dinâmica também lida com os conteúdos mais salientes dos antagonismos entre nós/eles e entre “o povo” e a elite corrupta ou o establishment : por isso, o populismo reforça um apelo para a unidade social construída por meio da homogeneização. Essa pode ser também uma tentativa de simplificar e erradicar a diferença por meio de mecanismos de poder e formas de governo da população. Aqui, nós enfatizamos que a mobilização de afetos é politizada na medida em que o populismo penetra e radicaliza os meandros do mundo da vida. Longe de estar confinado ao campo institucional ou à superfície da realidade social, o populismo tende a se estender para as partes mais elementares da socialização, de modo que esse processo pode ser mais bem capturado pelo que Gilles Deleuze e Félix

Guattari (1980) chamaram de “micropolítica”. Justamente por isso começamos este ensaio rejeitando qualquer entendimento do populismo como uma manipulação rasteira (e essa maneira de analisar, que foi comum nas ciências sociais latino-americanas nos anos 1960, ainda aparece aqui e ali em algumas polêmicas sobre o tema), como se o populismo dependesse unicamente da onipresença do líder sobre um povo amorfo. O populismo produz apelo coletivo para além dos canais tradicionais da política institucional. Nesse sentido, o político deve ser concebido de forma mais ampla, ou seja, não apenas como a esfera mais formal do sistema, mas como um conjunto de práticas difusas e discursos que fermentam polarização sob, sobre, junto e para além do sistema. No século XXI, as mídias sociais têm sido um poderoso meio de disseminação e amplificação dessas relações. A infraestrutura de aplicativos e redes sociais (como o Twitter, o WhatsApp e o Facebook) multiplica as ramificações de mobilização e forma um item político seminal na esfera pública contemporânea como espaços onde parcela significativa da vida social passa a ocorrer. Mesmo para além de cenários propriamente populistas, por exemplo, dois protestos de massa recentes (marcados pela ausência de lideranças muito claras) ilustraram a capilaridade das mídias sociais em 2018: a greve dos caminhoneiros no Brasil e os gilets jaunes na França, ambos inicialmente disparados por críticas aos preços de combustíveis fósseis, expuseram a precarização da vida (trabalho, queda no padrão de vida, sistema partidário, representação política, etc.) e disseminaram discursos anti-establishment , violência e profunda desconfiança no sistema diante das medidas de austeridade no Brasil e das reformas econômicas de Emmanuel Macron. Especialmente diante da atual ascensão dos populismos de extrema-direita na Europa e nas Américas, essas mídias se tornaram arenas de engajamento em que os antagonismos e os apelos de homogeneização forçada são reforçados e difundidos. As estruturas de rede, em função disso, desempenham papel central nesses cenários, tornando ainda mais performático o ritual coletivo da política populista – e não apenas porque facilitam a circulação acelerada de informação na esfera pública. Em outras palavras, as mídias sociais e o digital não são apenas meios: antes, com a mediação digital do espetáculo (Kellner, 2015; Fuchs, 2018a; Fuchs, 2018b), essas mídias incorporam relações sociais específicas e produzem novas formas de constrangimento público: ( 1 ) introduzindo uma pseudoesfera pública mediada digitalmente, com efeitos de uma “câmara de eco” ideológica marcada por comunicações feitas com frases de efeito (tweets, atualizações de status, comentários, curtidas, avatares, GIFs, etc.) e poucos controles sociais informais em relação a discursos agressivos e depreciativos; ( 2 ) as novas mídias geram o que nós podemos chamar de uma sociedade da selfie , ou seja, um domínio digital onipresente de autorrepresentação (o perfil público, por exemplo) construído ao lado da proliferação de comunicações estilizadas para apresentação imediata de si a uma espécie de “outro generalizado” (Mead, 1934) composto por “amigos” e “seguidores” agrupados como espectadores invisíveis, em vez de expostos à mediação de relações sociais particulares. Esse processo não apenas confere nova

abrangência à “cultura do narcisismo” de Christopher Lasch (1979) e à “sociedade do espetáculo” de Guy Debord (2012), mas condiz com o modus operandi de autofixação e de maximização do capital humano individual (Foucault, 2008; Dardot; Laval, 2014). Wendy Brown (2015) argumentou que a ascensão da racionalidade neoliberal do homo oeconomicus emergiu de um conflito contra a antiga racionalidade do homo politicus , de modo que o último diz respeito aos ideais de vida cívica e de participação. A suplantação do ideal cívico pela racionalidade neoliberal esvazia a sociedade do substrato sociocultural requerido por qualquer tentativa de estabilidade na democracia. Em termos habermasianos, quando a orientação dos cidadãos fica refém da lógica competitiva e empresarial (corporativa), é enganoso imaginar uma esfera pública que sirva apenas como um fórum para deliberação engajada e sem distorções. A discussão de Brown em relação a esse tema condiz com a análise de Fromm (2012 [1955]), em seus primeiros ensaios, sobre a “orientação para o marketing” por meio da qual as pessoas se engajam de maneira performática – senão instrumental –, a fim de vender seus “pacotes de personalidade” a outras. Fromm, no entanto, associa a proliferação desse caráter perverso a outro risco para a democracia: o fato de que esses pacotes não podem satisfazer verdadeiramente nossas profundas “necessidades existenciais” por uma segurança e por uma pertença mais enraizadas. Permanecendo alienados e inseguros à luz dessa experiência da perda e buscando em apelos conservadores fundamentações mais sólidas (valores, moralidade, etc.) para a cultura em meio à volatilização dos vínculos sociais, somos vulneráveis à sedução de adesão à massa sob um líder carismático (Fromm, 1994 [1941]). Discutindo a sociedade da selfie , estamos destacando o fato de que, na época das mídias sociais, a economização neoliberal da vida social e política é difundida – e talvez seja até acelerada – por meio da popularidade on-line de rankings que medem seguidores, curtidas, visualizações, etc. Em vez de medidas qualitativas sobre a consistência do debate público, a sociedade da selfie é baseada nas métricas direcionadas ao “empreendimento de si”, à autopromoção e à competitividade; ( 3 ) as mídias propiciam a difusão e acentuam as divisões com fake news ; ( 4 ) a dinâmica de informações expõe a “elite corrupta” e o establishment da política tradicional contra a pura vontade de “o povo” e suas sanções por meio da interação com o digital; ( 5 ) a exibição nas novas mídias promove o carisma e a imagem ordinária do líder ancorada em uma devoção quase irracional e nas promessas de que apenas a unidade pode costurar os antagonismos sociais e tornar a nação “grande novamente”. A representação do líder é um elemento-chave para a propaganda e para a exibição. Löwenthal, Guterman e Adorno descrevem o tema do líder fascista carismático como o “pequeno grande homem”, simultaneamente em referência à onipresença e à imagem comum do líder como um membro qualquer de “o povo”. Isso facilita projeções complexas envolvendo a proteção sob o líder venerado e a identificação com sua pessoa. A identificação e a personalização ajudam a solidificar a devoção da massa de seguidores e funcionam como paliativos contra a alienação e a ansiedade da

vida moderna. Essa psicodinâmica pode ser capitalizada pela ideologia da unidade e da autenticidade, em oposição à impessoalidade e às maquinações burocráticas engendradas pela modernização. A ideia do líder como uma unidade autêntica pode ser usada para justificar o desmantelamento dos procedimentos democráticos de freios e contrapesos, já que esses processos podem ser demorados e, no caso de sociedade muito divididas, ineficientes na produção de rápidas mudanças. Então, se o líder populista chega ao poder, o próprio decisionismo (ou seja, o poder emanando de sua própria vontade sem necessariamente qualquer explicação ou justificação racional para convencimento) pode ganhar terreno e influência. Essa dinâmica decisionista, aliás, foi muito discutida pelos teóricos das primeiras gerações da Escola de Frankfurt, como Herbert Marcuse (1968 [1934]), Otto Kirchheimer (1939; 1941; 1942) e Franz Neumann (1937; 1944). 5. Um elemento adicional que devemos inserir nessa discussão toda é a revolta contra a racionalidade (Morelock, 2018a). Nomes da teoria crítica como Walter Benjamin (1979 [1930]; 2008) e Marcuse (1968 [1934]) enfatizaram o vitalismo antirracionalista da ideologia nazista e sua estética, contando com uma visão romântica subjacente a todo esse movimento. Tal como o “pequeno grande homem” pode apelar para a “matriz emocional” de uma população alienada e sadomasoquista, uma ideologia contra a moderna racionalidade pode encorajar uma forma de existencialismo político em que o argumento racional é obliterado em função de suas qualidades inautênticas. E esse existencialismo político tende a reforçar o decisionismo do líder carismático.

A teoria de Julia Kristeva sobre a abjeção inclui uma análise do antirracionalismo fascista que pode ajudar a entender a fala grosseira de muitos populistas autoritários contemporâneos (não se trata apenas de um vocabulário do cotidiano, mas de algo transgressor e até vulgar). Kristeva utiliza os textos do escritor francês Louis-Ferdinand Céline, do começo do século XX, um agente antissemita e apoiador de Hitler, para ilustrar a abjeção. Fazendo isso, ela explicitamente indica conexões entre o estilo de escrita de Céline, a abjeção, o fascismo e o antissemitismo. Kristeva acredita que os escritos de Céline ilustram a abjeção porque seu estilo confronta o leitor em um nível gutural, com pensamentos e imagens que são geralmente desconfortáveis, tais como descrições detalhistas e longas sobre o vômito. Kristeva afirma que Céline bombardeia o leitor com a abjeção, especialmente forçando seus leitores a sair da zona de conforto e levando-os a meditar sobre coisas que eles tentam evitar, realçando que a realidade narrada é a bestialidade e o sofrimento no coração da realidade humana, ou seja, lembrando-os de que não estamos tão acima do grotesco e da animalidade. O encontro com a abjeção forçado por Céline é algo profano e Kristeva situa esse encontro com o profano como uma “revolta contra o simbólico”, ou seja, uma espécie de experiência transgressora de libertação a partir do nivelamento da vida moderna. Paralelamente a esse niilismo, há “uma tentativa de substituir a frustrante e restritiva lei do simbólico por outra lei, a lei que seria absoluta, plena e confortável” (Kristeva, 1980, p. 178). Como um efeito antropológico, os repertórios grosseiros mobilizados pelo populismo autoritário reiteram a transgressão do simbólico e reforçam um estigma social indissociável da reificação populista, que projeta “o povo” contra a alteridade. Isso cria uma espécie de política da abjeção (Bataille, 1999 [1934]; Tyler, 2013). Quando o líder populista e a micropolítica da polarização populista desenham a alteridade como o grotesco, o bárbaro ou o primitivo (sempre com conotações guturais), a exacerbação desses traços estéticos de desgosto ocupa um lugar importante na teatralidade da performance da política de massas. Mas é importante enfatizar que se trata, sobretudo, de um ato de força que desenha os contornos de uma comunidade pura em oposição ao imaginário de estranheza e às ameaças que pairam sobre a identidade e tentam perturbar sua ordem. Essa reação, como Kristeva argumenta, não separa ( détacher ) abruptamente o sujeito daquilo que o ameaça, mas torna a abjeção algo que circula o sujeito, colocando-o em perpétuo perigo, ou seja, um processo cuja pervasividade ronda o mundo da vida como uma estratégia política e um ritual coletivo de exclusão. Essa estrutura de governo não é apenas dirigida para a política de fronteiras externas e a intrusão da diferença (imigrantes, refugiados, caravanas, barcos precários, etc.). Como um dispositivo de gestão da população, o processo lida diretamente com as fronteiras internas de “o povo”. A produção do estigma e as políticas da abjeção caminham de mãos dadas com o caráter autoritário assertivo que condena a debilidade do establishment e da elite cultural. A ideologia da autenticidade, advinda da exposição crua do líder na esfera pública e suas assertivas ao mesmo tempo rasteiras e peremptórias, tende a alimentar toda forma de hostilidade contra o comedimento racional e a observância intelectualista.

Nesse sentido, a revolta antirracionalista e as expressões rasteiras dos oradores populistas, reivindicando resistência contra o politicamente correto, nos conduz a outra dimensão importante do conflito social contemporâneo em contextos populistas: a ascensão do anti-intelectualismo. A crise de representação não é apenas uma crise do sistema político, mas uma crise de confiança nas instituições que incorporam o establishment (universidades, intelectuais, partidos políticos, mídia mainstream , etc.). Aqui, diante da terrível disseminação de fake news e alternative facts (lembrando a famosa declaração de uma das conselheiras de Trump, Kellyanne Conway, em uma entrevista de 2017), as portas para todo tipo de revisionismo estão abertas à luz da desconfiança institucional. A atmosfera anti-intelectualista tem raízes profundas na produção do sujeito neoliberal e no processo de mercantilização da cultura (Dardot; Laval, 2014; Morelock, 2017), já que a fixação na capacidade de maximizar o potencial de mercado do “capital humano” é oposta à apreciação do conhecimento acadêmico por si ou por sua função no engajamento democrático de uma população (Foucault, 2008; Brown, 2015), assim como a lógica da racionalidade formal e do valor de troca tendem a se harmonizar com o capitalismo moderno em oposição à lógica da racionalidade substantiva e do valor de uso que permeiam a busca pelo conhecimento intelectual para o enriquecimento da vida acima de qualquer propósito puramente prático (Weber, 1978; Lukács, 1972; Adorno, 1993). Mas o anti-intelectualismo é também uma expressão das tendências autoritárias na medida em que o ataque contra as elites culturais “oligárquicas”, “feudais” e “corporativistas” pode produzir um efeito difuso de censura, que então emerge dos novos discursos de legitimação baseados no verdadeiro povo e em suas verdades impostas contra o mainstream privilegiado e o politicamente correto. Na esteira desse conflito cultural, o passado histórico é especialmente vulnerável à construção de imaginários mitologizados de ordem e moralidade e a agenda progressista de direitos sociais passa a caminhar sempre em um limite tenso. Na Dialética do Esclarecimento , Horkheimer e Adorno (2002 [1947]) também discutem como o desejo de superar a alienação e a ansiedade da vida moderna podem conduzir a direções autoritárias. Na descrição apresentada por eles, as mitologias fascistas espreitam os desmoralizados e os suscetíveis, oferecendo paliativos cognitivos de diversas formas. Os exemplos, nesse sentido, são a lealdade fervorosa a líderes carismáticos, a presença de narrativas reivindicando uma idade de ouro perdida, a ênfase sobre um suposto direito de dominação local ou de expansão global do poder e a unificação de uma comunidade étnica superior. Stephen Bronner (2014; 2018) identifica a modernidade e o capitalismo como cenários de onde emerge “o intolerante”. Ele explica que, no passado, os direitos das mulheres e a tolerância à diversidade eram mínimos, de modo que muito preconceito e muita desigualdade eram tão comuns e normalizados que ficavam invisíveis ou ao menos não eram pensados como questões problemáticas. A modernidade destrói essa confortável ignorância, de modo que benefícios advindos da hierarquia são retirados dos privilegiados, que consequentemente passam a não ser tão privilegiados quanto gostariam de ser. A modernidade também erode a família, as pequenas comunidades e a tradição. “O intolerante” de Bronner (nosso “autoritário”) quer interromper essa dissolução e retornar a antigos modos que parecem mais sólidos. Esse

desejo pelo passado anda ao lado da intolerância em relação a outros modos de vida e a mudanças culturais que caminham em direções contrárias às convicções da história reverenciada pelo intolerante. Zygmunt Bauman (2017) também discute esse lugar-comum nostálgico do populismo e sua busca por um passado melhor. Ele situa esse lugar-comum no centro do neotribalismo, de modo que as visões de “retrotopia” presentes pelo planeta ecoam reações contra a precariedade e a incerteza da vida contemporânea, em uma época intitulada por ele de “modernidade líquida” (Bauman, 2000). Nem todos os populismos, contudo, têm essa orientação passadista; tampouco podem ser obliterados como inerentemente autoritários ou fascistas. Em alguns casos, os ideais que animam o fervor populista são igualitários ou libertadores. Em outros casos, são terrivelmente etnocêntricos. O guarda-chuva do populismo não determina a destinação de um movimento social/político. Contudo, enfatizamos que mesmo movimentos populistas dirigidos a causas humanistas partilham um perigoso potencial de deslize para caminhos autoritários. 6. O antagonismo populista não é necessariamente redutível a uma ditadura, tampouco a qualquer forma de regime de lei e ordem. Em vez disso, por razões diversas, esse antagonismo pode ser parte da própria natureza da política democrática, tal como muitos teóricos políticos argumentam, na esteira de Torbjörn Tännsjö (1992), Ernesto Laclau (2005) e Chantal Mouffe (2005) – ainda que o primeiro autor esteja muito mais preocupado com um projeto comunalista, baseado em estruturas de decisão com maior potencial participativo e comprometidas com princípios majoritários identificados como a vontade do povo, do que com uma divisão entre “o povo” e “a elite” corrupta (que marca a démarche do nosso esquema teórico). De todo modo, chegamos a um ponto importante da política populista: o problema dos populismos de esquerda e de direita. Até aqui, delineamos uma constelação teórica a fim de discutir algumas tendências estruturais da construção de “o povo” e sua mobilização (por meio do antagonismo contra “a elite”) na política contemporânea. No entanto, não podemos cair em um esquema indiferenciado que coloca sob o mesmo teto fenômenos de direita e de esquerda. O sociólogo Christophe Ventura (2015) tem razão quando indica que, a priori , o populismo não é um componente de esquerda nem de direita; antes, o conteúdo da política populista depende das clivagens políticas que produzem identidades coletivas de “o povo” e administram os dispositivos de poder. Em um primeiro nível, podemos dizer que nomear atores coletivos enfatizando “o povo” como um significante democrático, em vez da pureza de uma comunidade nacional ou de uma agenda nativista ou xenófoba, é uma tarefa importante da política populista de esquerda. E por significante democrático, a partir das propostas de Ventura, entendemos o imaginário de participação baseado em um contexto pluralista comprometido com a defesa da diversidade social e a crítica dos critérios de exclusão social de classe. Nesse sentido, a lógica exclusionária fica dirigida às corporações do grande capital ou ao chamado “1%”. Por outro lado, à luz dessa correlação material entre classes, os populismos de direita tendem a reforçar a resistência de

classes ocupantes de posições de relativo privilégio na sociedade (Morelock; Narita, 2018). Dois exemplos políticos ilustram essa ideia à esquerda. À luz da expansão de partidos e de movimentos de extrema-direita no mundo (podemos lembrar aqui as eleições parlamentares de 2017 e 2018 na Alemanha e na Suécia, o Front National francês, os eventos em Charlottesville, o Partido Aurora Dourada na Grécia, etc.), Bernie Sanders (2017) apela para um movimento progressista internacional como resposta à “ascensão do novo eixo autoritário”. Sanders está correto na medida em que identifica a extremadireita como uma ameaça às aspirações democráticas a partir de ataques contra a liberdade de imprensa, da intolerância política e étnica contra minorias e dos compromissos com as oligarquias e oligopólios financeiros. Para ele, a resposta política a esse cenário deve ser produzida junto a um antagonismo entre “o povo” e “a elite” (entendida como encastelada nas classes privilegiadas da sociedade). Em um argumento muito similar, Yanis Varoufakis (2017) afirma que, a fim de construir um contraponto ao poder da extrema-direita, a esquerda progressista deve mobilizar “o povo” (especialmente o precariado e os cidadãos mais vulneráveis do capitalismo global) em um levante contra “as causas e a natureza do descontentamento e da infelicidade do povo”, ou seja, um ator coletivo (popular) contra “a intensa guerra de classes da oligarquia global”. Em ambos os casos, estamos muito próximos de um populismo de esquerda que dialoga com estruturas inclusionárias e movimentos sociais de base, em um quadro bastante marcante também pelas promessas mais democratizantes do Syriza de janeiro de 2015 (Markou, 2017). Justamente por isso, a construção de “o povo” é um momento fundamental para a diferenciação das mobilizações populistas à esquerda e à direita. Na política de esquerda contemporânea, o próprio conteúdo de “o povo” tende a ser articulado a partir de uma constante crítica referente às possibilidades de inclusão política da diferença. Se a democracia é a proliferação de heterogeneidades (Rodríguez, 2013), o princípio inclusionário constitui a conexão entre a política deliberativa e o conteúdo do novo demos . Alguns traços dessa mobilização de demandas inclusionárias ficaram visíveis em diversos momentos do ciclo de protestos urbanos entre 2011 e 2013. Esses traços marcam a dimensão progressista da política feita em movimentos sociais de base, mas igualmente indicam as disputas em relação à construção de “o povo”. Em um artigo de 2016, publicado logo após a eleição de Trump, Pablo Iglesias (2016) afirmou que o populismo lida com a construção do político por meio da interpelação de “o povo” ( la gente ) contra los poderosos e, sobretudo, por meio da construção do popular. Nesse sentido, as estratégias de esquerda não são equiparadas ao campo da direita como se fossem extremos equivalentes (e essa retórica produzida pelo juste milieu neoliberal é muito presente em diversos sistemas políticos e processos eleitorais). O próprio conteúdo na construção de “o povo” e do político desempenha um papel decisivo nessa diferenciação, já que os movimentos de esquerda tendem a um compromisso de inclusão de los de afuera em uma política de antagonismo que desvela os conflitos de classe entre os excluídos e o sistema.

Mouffe (2018) argumenta que o populismo de esquerda é uma “concepção democrática radical de cidadania” e deve ser articulado a uma vontade coletiva sem negar a pluralidade dos movimentos sociais progressistas. Para ela, essa espécie de projeto multitudinal é baseado em uma cadeia de equivalência por meio da qual a imagem política de “o povo” é construída para além de critérios mais estreitos de classe. Segundo Mouffe, as conexões práticas entre as mobilizações sociais de base e sua presença institucional derivam das agendas dos movimentos de rua dos anos 2010, contando com forte presença do aparato das redes sociais: nesse sentido, o espanhol Podemos (ao menos nos seus primeiros momentos) e o francês La France Insoumise servem como duas referências importantes para a teórica belga, que expressa o conteúdo do populismo de esquerda em termos de uma luta agonística entre “o povo” e “a oligarquia”. Em termos similares, Jorge Lago (Colomé; Llaneras 2016), sociólogo da Fundación de Podemos Instituto 25M, indica que os movimentos sociais alavancados pelos protestos de rua, como o Podemos, buscam a criação de “uma nova identidade política” baseada no antagonismo pueblo - oligarquía como uma resposta política contra a austeridade e o problema da representação política (“ tenemos un voto, pero no tenemos voz ”). Em consonância com nossa abordagem baseada na emergência do populismo a partir de transformações estruturais no mundo da vida por meio de giros modernizadores e pressões culturais, uma questão importante é a consideração da agenda progressista (questões de gênero, direitos LGBTQ+, lutas feministas, minorias, etc.). Para a equivalência política e a identidade de “o povo” na política de esquerda, no sentido de Mouffe (2018) e Ventura (2015), a multiplicidade das demandas sociais de reconhecimento da diferença é central na democratização das formas de vida contemporâneas. Como afirma Dennis Altman (2017), a identidade da política de esquerda torna-se relevante na medida em que a asserção da diferença e de identidades específicas de etnia e gênero procuram expandir os limites da cidadania no sentido da dimensão pluralista e desterritorializada da sociedade contemporânea. Em outras palavras, mais do que a vitimização, o problema é o empoderamento – e isso é exatamente um problema na medida em que não se trata de algo simples, tampouco de um processo que possa ser apreendido de maneira muito direta. Primeiramente, tentaremos esclarecer em que consiste o “empoderamento” no contexto de uma teoria dialética do poder. Em um nível muito básico e até tautológico, empoderamento significa obter poder. Mas em que consiste o poder? Poder implica muitas coisas, mas, no contexto desta discussão do empoderamento, uma distinção é necessária: estamos entendo o poder em um sentido próximo ao de Max Weber (1978), ou seja, ficamos distantes dos usos do conceito por teóricos como Foucault (1978). Em outras palavras, nesse momento de nossa constelação, enfatizamos a noção de poder no sentido de que um indivíduo ou um grupo possui oportunidades de expressar um tipo de ação, construída conforme sua vontade, a despeito de conflitos potenciais ou já existentes na relação com outros indivíduos ou grupos. Com isso, devemos distinguir o poder para vis-à-vis o poder sobre . Este diz respeito a uma relação assimétrica entre pessoas e grupos por meio da qual um restringe a capacidade de ação do outro ao mesmo tempo em que fortifica seu campo de ação; aquele (o poder para ) significa a capacidade de

ação de uma pessoa ou de um grupo. Ainda que sejam momentos separados, não são princípios inteiramente opostos. Para que uma população experimente o poder para , deve haver pouca margem para um poder sobre em relação a subpopulações. Entretanto, para que uma subpopulação tenha poder sobre , fundamental é a expansão da capacidade do poder para . O “empoderamento”, por si, é a possibilidade de ganhar poder para , tendo em vista a interrupção ou a amenização do poder sobre exercido por grupos dominantes. Essa dinâmica pode envolver a dissolução do poder sobre junto a uma população ou pode envolver a transferência do poder sobre dos grupos dominantes do passado para os novos sujeitos empoderados. A construção do empoderamento é muito complexa, de modo que o desempoderamento, tal como o populismo, tende a se estender para além dos canais da política institucional, percorrendo as fibras do sistema ao mundo da vida. Em todo caso, o empoderamento de um grupo historicamente marginalizado ocorre a despeito do status quo , que tende a se entrincheirar para garantir sua perpetuação. Por isso, o empoderamento implica um tipo de exercício da força ou do poder (significando aqui o poderem-ação), ainda que apenas no sentido de expansão e disseminação de sensibilidades democráticas ou cosmopolitas. Esse é o dilema dialético que Marcuse enfrenta no ensaio Tolerância Repressiva (Wolff; Moore Jr.; Marcuse, 1965). Para Marcuse, a única resposta palatável a esse problema é que aqueles que buscam tolerância devem exercitar intolerância contra as vozes intolerantes. Em termos dialéticos, a tolerância não deve simplesmente se tornar uma espécie de intolerância a fim de combater a intolerância, mas conferir definição e vida para sua própria negação na medida em que, assim, a tolerância afirma sua própria potência. Vale ressaltar que o impulso pelo empoderamento encontra e provoca, no mínimo, resistência por parte dos poderosos. Além disso, resistência e dominação envolvem o uso da força para moldar o mundo social conforme os valores de seu detentor. Qualificar a força exercida por “o povo” como “resistência” (o poder para ) ou “dominação” (o poder sobre ) é uma questão relativa à envergadura do poder dos partidos de oposição ou do bloco de poder, seja a “elite” ou outra denominação. Então, na medida em que a força tem sucesso na tomada do poder, a envergadura dessa força fica dirigida para a preservação do poder obtido. Aqui, a resistência (uma “revolução vinda de baixo” motivada pelo poder para ) torna-se dominação (uma “revolução vinda de cima” motivada pelo poder sobre ), a menos que os remanescentes da oposição reacionária sejam convertidos ou vencidos a ponto de não representarem uma ameaça real. A força exercida pelos poderosos (independentemente de o poder ser historicamente enraizado ou ter sido estabelecido recentemente) pode ser experimentada e narrada pelos mesmos poderosos como resistência, contrariando o que aqueles que buscam empoderamento tendem a vê-la (como dominação). Por exemplo, medidas tomadas por grupos de direita como resistências às opressões do politicamente correto não serão forças libertadoras para os grupos historicamente marginalizados, buscando empoderamento; mas, pelo contrário, elas serão vistas como exemplos de exercício do poder pelos poderosos para a manutenção da dominação. De forma geral, a noção de um grupo como lugar de resistência contra a opressão pode se espalhar por meio das clivagens sociais e políticas, de

modo que movimentos de esquerda e direita podem se alimentar mutuamente. Essa é uma infeliz dialética, mas algo importante de ser reconhecido, desde que os objetivos políticos não se percam nesse continuum que vai da autossabotagem (suicídio) até uma guerra total (genocídio). Como notou Bronner (2018), o foco no dilema das identidades distintivas dos grupos pode produzir efeitos contraditórios. Por um lado, isso encoraja uma consciência mais ampla das desigualdades sociais e das distintas posições sociais – um pré-requisito para mudanças culturais e políticas que devem conferir importante reconhecimento para minorias ou grupos subalternos. Por outro lado, essa dinâmica deposita toda atenção sobre os antagonismos de grupo e as diferenças sociais, podendo, assim, inflamar preconceitos e ressentimentos. Esse cenário pode se tornar uma espécie de círculo que se realimenta, e nos Estados Unidos esse tipo de difusão de discurso de resistência no cenário político tem sido comum na era Trump, quando homens brancos são descritos tanto como opressores quanto oprimidos, dependendo do lado da política neotribal em que o indivíduo se encontra. A política identitária se refere, sobretudo, a uma política de identidade social, podendo se desdobrar para incluir orientações políticas que circundam esse campo identitário, tornando-se uma força ainda mais densa a partir dessa presença contraditória. Por isso, a identidade política de grupo, seja pela participação formal em um partido ou pela adoção informal de bandeiras relacionadas a quaisquer questões políticas ou posições mais ou menos estereotipadas, torna-se variável no jogo volátil de polarizações. Amy Chua (2018) chama isso popularmente de “tribos políticas”. Aqui, no entanto, reside o ponto mais sensível do populismo de direita. Por um lado, a unidade de “o povo” pode mobilizar tanto a etnia quanto os valores tradicionais de uma sociedade nacional ameaçada pela invasão da alteridade. A construção política da abjeção, então, não é um projeto centrado no Estado – em vez disso, ela politiza e satura o meio social com a disseminação do ímpeto autoritário dirigido contra as pressões culturais pluralistas. Esse cenário é particularmente relevante para o entendimento do radicalismo na extrema-direita (questão da imigração, bombas por correspondência e tiros em uma sinagoga) visto durante as midterm elections nos Estados Unidos. Se a polarização política e a micropolítica populista difundem o ódio e a homogeneização forçada, a figura do líder puxa o gatilho de diversos movimentos moleculares pela sociedade em defesa de “o povo”. Nesse momento, a mobilização populista adquire pleno significado: ela não é alimentada pela propaganda institucional (proveniente de um partido, de um puro ato de vontade do líder ou da dominação totalitária pela burocracia, no sentido em que Hannah Arendt (1958) entende o termo totalitarismo), mas por uma nova estrutura de legitimação alicerçada em “o povo” contra o establishment corrupto, a elite, o estrangeiro ou, sintetizando, a diferença . Esse momento subjetivo deixa qualquer agenda progressista em uma situação política de suspensão por meio da produção de “formas repressivas de comunitarismo” (Fraser, 2000) – e as recentes medidas do governo da Hungria em relação à perseguição universitária e ao banimento dos estudos de gênero de programas acadêmicos (Armstrong, 2018), bem como a campanha da extrema-direita

brasileira contra a “ideologia de gênero”, são sintomas dessa posição conservadora decorrente das mobilizações populistas de direita. Inicialmente, definimos o populismo como a ascensão de um grupo autodenominado “o povo” contra um inimigo nomeado “a elite”. Também definimos o autoritarismo como a tentativa de homogeneização forçada, de modo que o populismo autoritário é o lugar político onde populismo e autoritarismo se encontram. A discussão, então, atravessou teorias sobre o populismo e o autoritarismo a fim de agrupar elementos de uma constelação que compreendesse os conceitos em questão. A partir desse quadro e dessa constelação básica, extraímos dez eixos principais: ( 1 ) o crescente gap entre o sistema e o mundo da vida no contexto do sistema-mundo capitalista; ( 2 ) o antagonismo social de dois atores articulados pela crise de representação (o povo e a elite corrupta); ( 3 ) a ideologia anti-establishment que tende a conduzir o cenário à aceitação de um decisionismo operante à revelia de procedimentos democráticos; ( 4 ) a rejeição da racionalidade e do intelectualismo em prol de um “senso comum” mais autêntico das “pessoas comuns”; ( 5 ) a questão discursiva na nomeação de atores coletivos; ( 6 ) a subjetivação decorrente da reificação de oposições (nós/eles, insiders / outsiders , etc.); ( 7 ) o papel desempenhado pelas mídias digitais; ( 8 ) a natureza da polarização da política populista; ( 9 ) a dialética do poder; ( 10 ) os deslizes autoritários. Se os componentes estruturais do nosso esquema conceitual sobre o populismo fazem sentido, há um dilema histórico que ficou intocado: como esse novo cenário político e social emerge? Não há resposta simples para a questão e precisaríamos de mais do que algumas páginas para discutir detidamente o problema. Se podemos arriscar algo, gostaríamos de sugerir uma potencial direção futura: não estamos apenas diante de uma transformação na conjuntura política em sentido mais estrito. Há uma nova racionalidade social emergindo e torcendo a globalização neoliberal a seu limite. REFERÊNCIAS ADORNO, Theodor. et al. The authoritarian personality . Nova York: Harper, 1950. __. Negative Dialektik . Frankfurt am Main: Suhrkamp, 2003. __. The culture industry: selected essays on mass culture. Nova York: Routledge, 1991. __. The stars down to earth, and other essays on the irrational in culture . Nova York: Routledge, 1994. __. Theory of pseudo-culture. Telos , v. 95, p. 15-38, 1993 [1959]. AGOZINO, Biko. Trumpism and authoritarian populism. Ctheory , 2016. ALTMAN, Dennis. Discontents: identity, politics, institutions, Griffith Review , v. 57, n. especial – “Perils of populism”, 2017.

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