194 85 176MB
Portuguese Pages 951 [520] Year 1986
na TP Ô
de são a PAR VI TiIa
O PODER DA MISERICÓRDIA Glauco Carneiro
O Autor
Glauco Carneiro, jornalista e escritor, há vinte anos vem lançando importantes obras
para a historiografia nacional,
entre
as quais,
História
das
Revoluções Brasileiras (1965, 2 vols.), 4 Face Final de Vargas (1966), História dos Transportes no Brasil (1970),
Lusardo,
O Último Caudilho
(1977 e 1978, 2 vols.), Cunha
Bueno: História de um Polfti-
co (1982), além de outro livro
clássico: O Revolucionário Siqueira Campos. O Livro
Abordando a história da Santa Casa de São Paulo, a mais antiga e mais importante instituição assistencial bandeirante, Glauco Carneiro deservolveu em O Poder da Misericórdia um enfoque totalmente novo: a relação da Irmandade com o Poder Político, desde as origens portuguesas até o dia de hoje, analisando inclu-
sive a participação das elites na Irmandade como uma ex-
tensão obrigatória de sua pre-
O PODER DA MISERICÓRDIA
GLAUCO
CARNEIRO
O PODER DA MISERICÓRDIA A
Santa
Casa
na
História
VOLUME
ASCENSÃO
E QUEDA
São
de São
2
DO
Paulo 1986
LIBERALISMO
Paulo
Ao servidor anônimo da Santa Casa — irmão,
médico, religiosa, funcionário — e ao doente que recebe sua assistência, O Autor
Volume
II
Sumário
17. 18. 19. 20. 21.
eree cce roneaao .........c.cccccccccerre
Hospital de Sangue
Escola de Enfermagem ........ccccciciccicscccrerrercers REZA! gos 3 5 ppsreo é sy menores ue 2» mmoromeim o e 1 niignidima É AMADA A Faculdade de Ciências Médicas ..........ccccccccscecec. o... cce.cc O Humanista Mário Altenfelder ................c. LIVRO DA
QUARTO
MISERICÓRDIA
O PODER
22. Santa Casa e Evolução da Medicina ..........cccicterereeroo 23. As Elites na Misericórdia ........ccccccccccccccceserarerto Nota sobre o Autor .......cccccccccccerercerercararereroo Documentário sobre a Irmandade da Misericórdia de São Paulo .
ÍNDICE GERAL
DO
LIVRO
seo cccc icc ...........csis
VOLUME
2
Caderno de Ilustrações Reproduções feitas na Documentação Científica da Santa Casa
ALTINO
ARANTES
Presidente de São Paulo. Irmão da Misericórdia (Quadro de Antonio Rocco).
"ST61 — OpeaJudd essopuod ogyulisea
Pavilhão Conde de Lara (Ambulatórios).
Vista geral do Sanatório Vicentina Aranha.
O Quadrilátero antigo,
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ainda sem o Hospital Santa Isabel.
EO Inauguração do Hospital São Luiz Gon zaga, no dia 3 de julho de 1932.
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Campanha do Ouro para o Bem de São Paulo — 1932.
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Prédio “Ouro para o bem de S. Paulo” Largo da Misericórdia — Capital
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Casa
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Enfermar ia de Mulheres.
Santa Casa antiga: Enfermaria de Homens.
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º É eleito Irmão Provedor o Sr. Carlos Leoncio de Magalhães. Durante todo
494
Glauco Carneiro
ano de 1930 só são admitidos quatro irmãos na Santa Casa: José Vicente de Azevedo, Edgardo de Azevedo Soares e Manoel Victor de Azevedo (Remidos) e Maria Antonieta Cunha Bueno do Amaral (Protetora). Evidentemente que a renúncia de Padua Salles, senador da República
Velha, deve ter sido um ato transitório, para não trazer problemas
à Santa
Casa diante da Revolução de 1930. Tanto isso é verdade que logo nos anos posteriores ele assina os relatórios e preside as sessões da Mesa. Falando do exercício de 1931, ele afirma: -
“Temos o dever de proporcionar aos pobres desta capital todos os recursos medicos e caridosos de que por ventura necessitem; mas, o que não podemos fazer é tornar extensivos esses auxílios a todos os pontos do interior e até mesmo de outros Estados, porquanto, não é só pelo volume do patrimonio de um estabelecimento, que se devem pautar suas despesas, mas, principalmente pela normalidade de suas rendas, afim de poupar aos contribuintes novos sacrifícios... Podemos mesmo affirmar, não obstante, que não houve uma secção ou dependencia da Santa Casa, que não fosse melhorada ou reformada durante o exercicio de 1931, a despeito mesmo das causas que tanto concorreram para a depressão das rendas publicas e particulares. Para isto concorreram o sentimento generoso das classes abastadas, o cuidado com que foram feitos os orçamentos para essas obras e a boa aplicação das esmolas obtidas por ocasião das festas da “Semana da Santa Casa”.** A 22 de novembro
completo
de
1931
Pavilhão de Cirurgia
a Santa
Feminina
Casa
inaugura
o maior e mais
do país, no Hospital
do Arouche.
durante esse ano o Mordomo
que ocupou
A 19 de julho inaugurara também o Pavilhão Fernandinho Simonsen. “destinado á cirurgia infantil, possuindo tambem um bellissimo salão de gymnastica, onde se praticam exercicios apropriados a corrigir anomalias
physicas das crianças”.
Morre
por 34 anos a supervisão do Hospital Central, Comendador Alberto da Silva e Souza, assim como também o Irmão Protetor e Provedor por curto período, Carlos Leoncio de Magalhães. As hermas
existentes no
Hospital
do Arouche
naldo Vieira de Carvalho, João Briccola, Fiel Teixeira de Faria. E há um busto em mármore brando Fernandinho Simonsen.
Na relação dos Irmãos
alfabética, Alberto
Santos
o Pai
da
quatro: Ar-
Jordão da Silva e Diogo e placa de bronze relem-
Protetores figura, em
Dumont,
são agora
terceiro lugar na ordem
Aviação.
À beira do túmulo de Alberto da Silva e Souza, o orador designado
pela Mesa. Plinio Barreto. disse palavras memoráveis que bem podem ser
495
O Poder da Misericórdia
da
estendidas à multidão de homens que tem servido à Irmandade córdia, às vezes anonimamente, durante centenas de anos:
“, , . Mordomo
Miseri-
desse hospital, cuja investidura se lhe tornou
vitalícia pelo voto unanime das Mesas que se sucederam, esse companheiro, que padeceu sempre da mania de ser util, prestou, no cargo, á formosa instituição humanitaria, que honra São Paulo,
serviços
cujo
elogio
está
acima
da
minha
debil
capacidade
de
expressão. Darei apenas uma idéa do que foram, affirmando-vos que consistiram em trinta e tantos annos, contados dia por dia,
de cuidados continuos, de constante dedicação a todos os interesses, a todas as preocupações, a todos os soffrimentos, a todas as necessidades da Santa Casa.
Nunca
vi, nem
soube nunca, de mais
perfeita
identificação
politicos,
movimentos
entre um servidor e o amo a que se escravisou. A vida para esse homem simples e bom resumia-se na Santa Casa. A Santa Casa era para elle o centro do mundo e a razão de ser de todas as coisas. Tudo,
crises economicas,
abalos
revolucionarios, o fluxo e refluxo das marés sociaes, elle o via, e só por ahi o via, atravez da Santa Casa. Tudo isso só lhe despertava a attenção na medida que pudesse influir na existencia da Santa Casa. Acredito que se a metade do mundo viesse abaixo, o velho mordomo do Hospital Central se consolaria depressa, se consolaria logo que percebesse que os serviços da Santa Casa nada soffreriam com a catastrophe...
uma
Não
ha coisa mais
tocante do que
instituição de caridade.
Elle define
esse
amor
a alma
absorvente
que
a
se alojou
nesse corpo e dá a medida dos sentimentos que o acalentaram. Não ha eloquencia que assignale tão bem como esse amor a qualidade da substancia moral que entrou na formação dessa criatura
humana... Confesso que admirava esse homem. A minha admiração eu a reservo de preferencia aos que se pôem ao serviço da humanidade, seja no plano espiritual, seja no plano material. ..”.>* NOTAS !. Glauco Carneiro, de
Janeiro,
pa
mw
de Isidoro,
Edições
pág.
Relatório da Mesa
Idem, pág.
156.
Idem,
195.
pág.
- Idem, pág. 215.
Sa
História das Revoluções
Idem, pág. 238.
O
Cruzeiro,
1965.
Brasileiras (1889-1964),
Volume
1, Capítulo
XIV
263. Administrativa,
2 volumes, —
A
: 1925, relativo a 1924,
pág.
109.
Rio
Revolta
496
Glauco
7.
Idem, pág. 248.
8.
Idem,
9.
Idem, pág. 270.
pág. 256.
10.
Glauco Carneiro, lista, pág. 396.
11.
Sinésio
12.
Idem.
13.
Pedro Ayres Netto, oração em IV Centenário da Instituição.
14.
Relatorio
da
Rangel
1940,
15.
Idem,
16.
Ernesto
op.
cit.,
Pestana,
pág.
da
pág.
Vol.
sessão
das Commissões
Commissão
Paulo,
da
Mesa
Vol.
1.
A
na
Santa
da
Santa
Livro
Casa,
e Executiva
Ouro
Revolução
20/7/1932,
9/12/1984
do
XVII,
de
de Direcção
Campanha
70.
2, Capítulo
Casa
da
Constituciona.
15.
na
comemoração
Campanha
de
do
do
Ouro e
Misericordia
de
São
Paulo”,
in:
87.
de
Souza
Campos,
“Santa
Casa
de
Misericórdia
de
São
Revista do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo, Vol. XLIV São Paulo,
1949, págs.
17.
Relatório
da
18.
Relatório
de
19.
Idem,
20.
Carneiro
pág.
Mesa
48 a 50.
Administrativa
1928.
(2º Parte),
relativo
a
de
1924,
1927,
pág.
relativo
a
1923,
pág. 6:
5.
196.
O Estado de S. Paulo, edição
21.
Idem,
22.
Idem, 24/5/1929.
23.
Em
de 29/1/1929.
12/3/1929.
cumprimento
do
testamento
da Sra.
Benedicta
Alves
de
Mello
Nogueira, a
Irmandade da Santa Casa de São Paulo arrecadou os bens que lhe foram doados
pela mesma senhora e fundou “Asylo de Santo Antonio, para rido testamento. Relatório
25.
Relatório de 1931, pág. 14. Vê-se aqui como a Santa Casa sobrepaira acima dos vendavais da política. Dois de seus membros são designados para o governo provisório de São Paulo, após a Revolução de 1930, e convoca-se Armando de Salles Oliveira para substi-
26.
Mesa
Washington
de
Luiz
1931,
no seu
relativo
Constitucionalista
1930,
pág.
5.
impedimento
(que,
no
Padua
Salles
participaria
depois do 3 de outubro...). Retornando em 1931 à Provedoria, Revolução
a
de Araras, Estado de São Paulo, o de acordo com as cláusulas do refe-
24.
tuir
da
na cidade Orphams”,
e seria exilado
depois
da
caso,
era
derrota.
devido
da
ao
exílio,
articulação da
Integrou
o grupo
ilustre de paulistas embarcado no navio “Pedro I” com destino a Lisboa, mas foi surpreendentemente colocado na prisão, no Recife, à disposição da ditadura. Liberado depois, abandonou de vez a política e dedicou-se mais ainda à Santa Casa. 27.
Relatório
28.
Idem,
pág.
da Mesa 88.
de
1932,
relativo
a
1931,
págs.
5 e 6.
497
O Poder da Misericórdia
ANEXO A NUMISMÁTICA
NA
1
REVOLUÇÃO
PAULISTA
Cesar
DE
1932
Ferrari
Boletim Numismático da S.N.B. Ano XXIV — 1982(77).
Barra de Ouro e de Prata
Campanha do Ouro
“O ouro e a prata das moedas, jóias, alianças e outros objetos doados pelo Povo Paulista na coleta de donativos para a guerra, denominada e oficializada sob o nome de CAMPANHA DO OURO PARA O BEM DE SÃO PAULO ou CAMPANHA DO OURO PARA A VICTORIA, que ren-
deu mais de nove mil contos de réis (velho padrão monetário), foram fun-
didos em barras. O governo revolucionário usou ouro no valor de mais de quatro mil contos e o restante, pouco mais de 282 quilos de ouro e 547 quilos de prata, para não cair nas mãos dos adversários, foi doado à Santa Casa de Misericórdia. Na Biblioteca da SNB consultei o “Relatório das panha do Ouro”, 2 volumes (1940), encontrando no mente explicado, tudo o que foi feito com a sobra da cação dos donativos, fundição do ouro e da prata e estas devidamente numeradas. O
ouro fundido
rendeu
125
lingotes
Comissões da Camprimeiro, minuciosaarrecadação e aplidestino das barras,
com
192
kg
e mais
em
um
quilo cada
16 barras
comemorativas, estas fundidas exclusivamente com o ouro das alianças nupciais em virtude de seu valor sentimental. A prata rendeu 512 lingotes do título 700
milésimos com
o peso
médio
um;
e 22
lingotes de 900 milésimos pesando 22 kg; e mais 104 barras comemorativas pesando em média 100 g cada uma. As barras comemorativas destinavam-se à venda e para lembrança da REV. 32, adquirindo assim caráter numismático.
Com o ouro das alianças doadas pelas mulheres paulistas foram fun-
didas doze (12) barras, numeradas de 1 a 12, assim: 1/12, 2/12, 3/12 etc., que foram acondicionadas em belos estojos juntamente com outras tantas barras de prata de mesmos números e acompanhadas de uma GUIA artisticamente desenhada. O Relatório consigna que 26.283 paulistas sacrificaram para o bem de S. Paulo os símbolos de suas núpcias; quanto aos doadores de toda sorte de bens e valores, inclusive dinheiro, a relação
de seus nomes ocupa as páginas 287 a 827. Grande quantidade de moedas de ouro,
de
prata e de
outros
metais,
nacionais
e estrangeiras,
foi
arre-
cadada em virtude da magnanimidade do Povo. Aos doadores era entregue um certificado de fino lavor desenhado por JWR “OURO PARA O BEM
498
Glauco Carneiro
DE S. PAULO”, colorido, impresso na “S. Paulo Editora Ltda.”. Um carimbo no verso indica ter sido preenchido o certificado com o nome do
doador pelo calígrafo Prof. Di Franco. Guardo o meu 04419. de
que tem o número
Apenas para dar uma idéia do desprendimento e devotamento à causa S. Paulo, menciono o donativo que fez a Família do ilustre cidadão
paulista Conselheiro Antonio Prado, de um Obelisco de ouro (Anexo 56 do Relatório). Não indica o tamanho nem o peso, mas pela fotografia que ocupa a página inteira devia ser de excepcional importância material;
quanto ao seu valor histórico, as inscrições nele gravadas falam bem alto, Fora oferecido ao Conselheiro, por seus amigos, no dia 25 de fevereiro de 1888, data de seu aniversário (1840). Essa e dezenas de inscrições lembravam a data de formatura, bacharel em 1861; primeira eleição provin-
cial, 1865; presidente da Câmara, 1877; primeira eleição geral, 1869 e os cargos e atos de civismo de que o homenageado fora participante. Esse precioso documento histórico, agora seria quase centenário. As barras, tanto as de ouro como as de prata, eram acompanhadas de “GUIA” ou documento que autentica sua procedência e traz a sua descrição, artisticamente elaborada em papel antigo, trabalho do desenhista,
pintor e heraldista,
José Wast
Rodrigues,
autor de notáveis
trabalhos, entre
eles o Brasão do Estado de São Paulo, criado e adotado na REV. 32 e que contém o famoso lema “PRO BRASILIA FIANT EXIMIA”. Ver nosso Boletim Ano XVI — N. 3 — Julho 74 (N. 44) acerca de outras atividades e trabalhos desse exímio artista que também tem seu nome representado em numerosas obras no Museu Paulista. Todas as “Guias” são assinadas por J. M. SAMPAIO VIANA e RAUL PACHECO CHAVES. O primeiro nome é o do cidadão que foi indicado
para presidente da SNB em 1926, no caso narrado no Boletim N. 8, pág. 67. As referidas “Guias” têm o seguinte texto:
SANTA
DEPARTAMENTO DO OURO CASA DE MISERICÓRDIA DE SÃO GUIA N.
PAULO
Certificamos que o Sr. ...... comprou uma barra de ouro das 12 fundidas com alianças doadas à CAMPANHA DO OURO, com as seguintes
características: NAS. esensiitátas
E uma
de prata
características: Nisicagt
das
Titulo:
100 fundidas
ss São Paulo,
su ss é!
com
Peso:
as moedas
Título: .enca.. de Pela Comissão
«quem es:
e com
as seguintes
Peso! usas de 1934
499
|
O Poder da Misericórdia
Nestas “guias” que acompanham os estojos contendo barras de ouro e de prata, está inscrito embaixo, à esquerda, em letras miúdas “Impresso em papel antigo com o sello portuguez de 1797”. Para os estojos contendo as barras de prata a “Guia” tem o seguinte texto:
SANTA
DEPARTAMENTO DO OURO CASA DE MISERICÓRDIA DE SÃO GUIA N.
Certificamos que o Sr.
......
comprou
PAULO
a barra de prata das 100 fun-
didas com a prata de moedas doadas à CAMPANHA DO OURO as seguintes características: PRSÓL usas nes Título: ....... Ne... de 1934 de São Paulo,
com
|
Pela Comissão
Nas barras estão gravados os dizeres: FUNDIDO PELO DEPARTAMENTO DO OURO/SANTA CASA DE MISERICÓRDIA/DE S. PAULO; e de cada lado há um pequeno carimbo quadrado representando a cabeça do Soldado da REV. 32, olhando à sua esquerda e “1932/CO” (Campariha do Ouro). Nas pontas das barras (nos bordos) numa está marcado o número e na outra O peso: 2/12
ou
2/100
e Ok
116,65
OK é a abreviação de zero vírgula (0,K). As barras de prata de números fa 12 (1/100 a 12/100) foram colocadas nos estojos com as de ouro de mesmos números. Quantas barras foram fundidas?
Como ficou dito, com o ouro das alianças nupciais foram fundidas
12
(doze) barras que, arrumadas em belos estojos juntamente com outras tantas barras de prata e respectivas “guias” foram vendidas a 12 pessoas, conforme Anexo 26 do Relatório. No Anexo 33 está a relação das cem (100) barras de prata “comemorativas” para a venda como
recordação, número,
peso e nomes dos adqui-
rentes. A Sociedade Numismática Brasileira figura nessa relação como adqui-
rente (provavelmente para seus sócios) das barras N. 25 a 59, 63, 65, 66,
67, 69 a 77, 80, 82, 83, 85 a 88, isto é, 55 barras. A SNB não possui a
500
Glauco Carneiro
de ouro, mas encontra-se no seu Medalheiro 49/100, peso de OK 101,80.
uma
de
prata
que
tem o N,
Os pesos e números de algumas barras de prata são: 98,10 (57), 98,50 (54) — 98,60 (64) — 99,40 (56) — 99,50 (52) — 99,9 (18). Mencionam-se
as frações de gramas porque marcadas nas barras, auxi-
liando a identificação.
Entre
100g a 105g são 41 as barras;
105,00g a 109,50g são 29 barras;
as que
pesam
mais
são:
de mais de
110,10 (39) —
110,2 (45) — 110,3 (35) — 110,4 (85) — 110,9 (69/82/97) — 111,6 (84) — 111,9 (33) — 112,3 (83) — 113,1 (100) — 115,10 (28) e a mais pesada
118,00
(32).
Barras “Série Especial”
A Comissão
nomeada
pela
Irmandade
da Santa Casa
de Misericórdia
para inventariar e coordenar o aproveitamento do valioso material recebido
do governo revolucionário resolveu, em agradecimento aos esforços e patriotismo à causa constitucionalista dos diretores do Museu Paulista (1/4),
Cúria Metropolitana (2/4), Associação Comercial (3/4) e da própria Santa Casa (4/4), presentear essas entidades com um estojo contendo uma barra de ouro e uma barra de prata especialmente fundidas para esse fim. Numeradas. No Anexo 29 se vê a foto de um desses estojos, oferecido ao Museu do Estado e no Anexo 30 a foto da “guia” ou documento com a descrição
das barras: Barra de Ouro, “Série Especial”, de 4 barras, título 18, peso OK 157,00 e uma de prata “Série Especial”, de 4 barras, título 900, peso
OK
154,2. A data é de 12 de outubro de 1934. O estojo número 2 encontra-se no Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo. Notei que a barra de prata é maior do que as 100 “comemorativas de mesmo metal e que é mais pesada; os carimbos aos lados do nome da ofertante são os que tem a cabeça do Soldado, mas na de ouro está esse mesmo carimbo à esquerda e o do “Capacete 1932 CO” à direita. A barra de prata mede 95 x 27 x êmm e a de ouro 95 x 18 x êmm. Nelas está
gravado, no reverso, —
“Offerecida à Cúria Metropolitana”.
Na mesma vitrina do IHGSP há uma barra de prata rústica sem número (não é comemorativa) com as marcas 108,00 (peso) e 0,900 (Título) nos bordos, das que foram fundidas para facilitar a venda do metal. Também vi ali duas medalhas de bronze com passador e fita, 37mm,
ambas
dedicadas
verso 1932 —
ao GOVERNADOR
PEDRO
DE
TOLEDO
1972. Numa, o retrato do homenageado
(9-3h) e no
a 1/4 à esquerda
e a outra de perfil, à esquerda. Reversos semelhantes mostrando o ObeliscoMausoléo e a já famosa legenda “VIVERAM POUCO PARA MORRER BEM. MORRERAM JOVENS PARA VIVER SEMPRE”.
O Poder da Misericórdia
|
Devo à gentileza do Acadêmico
dente do
Instituto, a permissão
para
501
Dr.
José Pedro
os apontamentos
Leite Cordeiro, acima.
O
Dr.
presiLeite
Cordeiro possui uma barra de prata comemorativa da Campanha do Ouro,
N. 58/100, OK
102,20.
Em resumo, há três tipos de “comemorações” em barras de ouro e de prata: 1) os 12 estojos que contém cada um uma barra de ouro (N. 1/12
a 12/12) com uma uma barra de prata “Especial” contendo especialmente para
de prata (N. 1/100 a 12/100); 2) 88 estojos contendo (N. 13/100 a 100/100); e 3) os quatro estojos “Série cada um uma barra de ouro e uma de prata fundidas serem oferecidas às entidades já mencionadas.”
ANEXO
II
LISTA DE MÉDICOS E ESTUDANTES DA SANTA CASA QUE SERVIRAM NOS DIFERENTES SECTORES DAS FRENTES DE BATALHA CONSTITUCIONALISTA (1932) “Apesar da prohibição de se afastarem do serviço da Santa Casa, em virtude da requisição do Hospital Central pelo Serviço de Saúde da 2.
Região Militar, para installação do Hospital de Sangue, muitos medicos e estudantes, n'um impulso irrefreavel de enthusiasmo pela causa de S. Paulo, seguiram para as linhas de frente de batalha, antes da requisição do Hospital e outros, foram enviados para differentes sectores, por determinação do director clinico da Santa Casa, attendendo ás requisições das autoridades militares ou do Serviço Sanitario do Estado. Esses servidores da Santa Casa são os que constam da lista que se segue, descriminados pelos serviços a que estão ligados e pelos cargos que exercem, começando pelos chefes de Clinica e adjuntos effectivos, seguidos dos adjuntos voluntarios e estudantes com a designação dos postos em que
serviram.
1.º CLINICA
CIRURGICA
Assistentes
Dr. Raphael Dr.
Luiz
Parisi (por poucos dias)
lervolino
—
' Areias
Dr. Eugenio Bocchini —
Itararé
DE
HOMENS
da Faculdade Sector Norte
Sector Sul
502
Glauco
Assistentes
Dr.
Fausto Seabra —
Eleuterio
Dr. José Candido Netto — Dr.
José Lentino — Amaral,
voluntarios
Itapetininga
Combatente —
Cavallaria
da Força
Esquadrão
Publica
Dr. Wladimir Amaral — Combatente — Amaral —
Cavallaria da
Força
Esquadrão
Publica
Sector Sul Estudantes
Claudino Amaral — 14 de Julho Farid Chede —
Combatente
Combatente
—
—
Batalhão
Batalhão
14 de Julho
2º CLINICA
CIRURGICA Adjuntos
Dr. Dr.
Dr.
Cintra
Eduardo
de Medicina
Gordinho —
Sector Norte
Taubaté
Etzel —
Mathias
Octavio
voluntarios
Cruzeiro
Dr. Antonio Campos Moreira Dr.
Sector Norte
1.º Assistente da Faculdade
Adjuntos Dr.
HOMENS
effectivos
Ary Bastos de Siqueira — Cachoeira En à Alipio Corrêa Netto — Cruzeiro
Oscar
DE
Roxo
Corpo de saúde
Nobre
Sector Sul Sector Norte
Estudantes Darcy da Veiga Xavier — Cruzeiro Arnaldo Pedroso Filho — Pindamonhangaba
Antonio de Carvalho Sá —
S. Luiz do Parahytinga
Nairo de França Trench — Guaratinguetá
Corpo de saúde
Sector Norte
€ arneiro
O Poder da Misericórdia
Antonio
—
Cesario
de
503
Lima
Horta
Guaratinguetá
Aloysio Camará da Silveira
Euriclydes de Jesus Zerbini
Corpo de saúde
Sector Sul
Pacheco —
Augusto Motta
Mocóca
Casa Branca
Jorge Zaidan —
1.º CLINICA
MEDICA
DE
HOMENS
Assistente da Faculdade de Medicina
Hospital de Caçapava
Dr. José Affonso de Mesquita Sampaio — (No fim da lucta) Adjuntos
Dr. Oswaldo Lange — Fernão Salles
Medico do Batalhão
Dr. Oscar de Araujo —
14 de Julho
2º
voluntarios
Sector Sul
Soldado do Batalhão
CLINICA
MEDICA
DE
HOMENS
Adjunto voluntario
Dr. José Curado Fleury —
Medico do
Destacamento Cel. Pedro Dias
Sector Sul
Estudantes
João Griecco — Cruzeiro José Ramos
de Oliveira
Nello M. Rangel — Luiz M. Becchelli — João Zocchio — Jairo Dias —
Junior —
Cruzeiro Cruzeiro
Faxina
Guaratinguetá
Octavio Tisi —
Cruzeiro
Itapetininga
Corpo de saúde
—
504
Glauco Carneirg
Paulo Vieira de Carvalho da Silva Gordo —
Batalhão
Francisco
14 de Julho
R. Arantes —
Cassio Portugal Gomes —
Bat.
14 de Julho
Bat. 14 de Julho
Bat. 14 de Julho 14 de Julho
Emilio Zolá Pereira Mendes — Paulo Almeida Toledo — Bat.
Ignacio L. Alves Corrêa — Bat. Raposo Tavares Ulysses Lemos Torres — 3.º Bat. da Reserva do 6º R. I. Ney Penteado de Castro —
do 6.º R. 1. Nelson Barros —
Combatentes
1.º Bat. da Reserva
Batalhão Archidiocesano
3.º CLINICA Assistentes
MEDICA da
DE
Faculdade
de
HOMENS Medicina
Dr. Heitor Pires de Campos — Bury Sector Sul Dr. João Roberto Pires de Campos — Silveiras Sector Norte Estudantes
João Baptista de Oliveira e Costa Junior José de Araujo Silveira Sector Sul Levant Pires Ferraz Haroldo de Araujo Campos Sector Norte 4º CLINICA Dr. Vicente Griecco — Coronel Taborda
MEDICA
DE
Itapetininga-ltararé —
6.º CLINICA
MEDICA
Assistentes da Faculdade
DE
HOMENS Medico do Estado Maior do
HOMENS
de Medicina
Dr. Oscar Monteiro de Barros — Cunha e Quebra Cangalhas Dr. Cicero Borges de Moraes — Tunnel-Pinheiros Dr. Cesario Mathias — Jaguary Adjunto
Dr. Antonio Martiniano de Moura — Cachoeira — Apparecida
effectivo
e Albuquerque
Filho —
Guaratinguetá
505
O Poder da Misericórdia Assistentes extranumerarios da Faculdade
de Medicina
Dr. Celso Figueiredo — Itararé-Faxina e Itapetininga Dr. João Máttar — Sector Sul Adjuntos
voluntarios
Dr. Fortunato Gabriel Giannoni — Cunha, Quebra Cangalhas — Campos Novos de Cunha
Dr. João Junqueira Franco — Sector Sul
Estudantes
Felippe Cabral de Vasconcellos — Tunnel
Brasilio Pereira de Sousa — Campos do Jordão Eulogio Martinez Nelson Macchiaverni — Villa Queimada
Gastão Rosenfeld — Piquete
Horacio Azevedo — Eleuterio 1.º CLINICA
Sector Norte
Sector Sul MEDICA
DE
MULHERES
Adjuntos effectivos
Dr. Aluísio Soares Fagundes — Guaratinguetá
Dr. Fernando de Britto Pereira Filho — Quitaúna Estudante
Batalhão
Pedro Paulo Corrêa —
14 de Julho
MEDICA
2: CLINICA
DE
MULHERES
Adjunto effectivo -—
Dr. Haroldo Azevedo Sodré —
Sector Sul
Adjuntos voluntarios Dr. João Ferreira —
Sector Sul
Dr. Fernando Bastos — Hospital de Sorocaba Dr. Arnaldo Codespoti — Sector Leste — Medico de Batalhão Estudantes
Carlos Macedo Ribeiro — Hospital da Força Publica da Capital
José Moretsohn de Castro — Hospital da Força Publica da Capital
Corpo de saúde
506
Glauco Carneiro
Assistentes
Dr.
da Faculdade
José de Almeida Camargo —
Batalhão
Assistentes extranumerarios
de Medicina
14 de Julho
Combatente
da Fac. de Medicina
Dr. Mario Altenfelder Silva — Batalhão Piratininga Dr. Vasco Ferraz Costa — Batalhão Piratininga Assistente
Dr. João de Camargo Barros —
voluntario
Batalhão Piratininga Combatentes Estudantes
José Altenfelder — Batalhão 14 de Julho Plinio de Mattos Barretto — Batalhão Piratininga Hugo Ribeiro de Almeida — Batalhão Romão Gomes Tito Ribeiro de Almeida — Batalhão Romão Gomes 1.º CLINICA
CIRURGICA
DE
MULHERES
Chefe de Clinica Dr.
José Ayres
Netto —
posto de major
do
Sector
Exercito)
Norte
Adjuntos
Dr. Pedro
Ayres
organisação
Netto —
hospitalar,
(Chefe
da organisação
effectivos
Auxiliar do Chefe
no posto de
da
1.º Te-
nente do Exercito Dr. Moura Azevedo Filho — No Estado Maior do Cel. Euclydes de Figueiredo, no posto de 1.º Tenente do Exercito Dr.
hospitalar, no
Sector Norte
Dr.
José Rodrigues Barbosa — No Estado Maior do Cel. Euclydes de Figueiredo, no posto de 1.º Tenente do Exercito Altino Antunes — Laboratorios do Sector Norte e M. M. D. C. (Capital)
Dr.
João Vieira de Camargo —
eS.sS. A. S. (Capital)
Chefe da organisação hospitalar no Sector
Sul, no posto de major do Exercito Dr. Rodolpho de Freitas — Medico do 1.º B. C. P. nos sectores Norte e de Campinas (Chefe do S. S. do Valle do Parahyba)
Dr. Geraldo Vicente de Azevedo — Cirurgião do hospital de base de Itapetininga, no posto de 1.º Tenente do Exercito
O
Poder
507
Misericórdia
da
Dr. Antonio soldado
de Godoy
Sobrinho —
Em
Pirituba,
Usina da
Light, como
Dr. Gentil Marcondes de Moura — Em Ourinhos, como medico Formação de Prophylaxia de Campanha (Serviço Sanitario)
2º CLINICA
CIRURGICA Adjuntos
Dr. Raul
Whitaker
Dr. E. Costa Manso Dr.
(Major) — —
DE
effectivos
Chefe do serviço cirurgico no Sector Sul
Pirajá —
Batalhão
Adjunto
Dr. Guacy Teixeira —
6.º
MULHERES
Na Cavallaria de Castro —
Eduardo de Oliveira
da
Sector Norte
Fernão Dias Paes Leme
voluntario
Auxiliar do serviço cirurgico do Sector Sul
3.º CLINICA
CIRURGICA
DE
MULHERES
Estudante
Paulo de Campos Toledo
OPHTALMOLOGICA
CLINICA
DE
MULHERES
Adjuntos effectivos e assistentes extranumerarios da Faculdade de Medicina
Dr. Cyro de Barros
Piquete e Lorena
Dr. Manuel
Piquete
Rezende
de Toledo
—
1.º Batalhão de Reserva 1.º Batalhão
—
Passos
Adjunto
Dr. Augusto Sampaio Doria —
de Reserva
do 6.º R. 1. — do 6.º R.
voluntario
Guaratinguetá —
Hospital Militar
Estudante Durval Prado —
Soldado
do Batalhão Piratininga de Caçadores
CLINICA
GINECOLOGICA
Adjunto effectivo e Assistente da Faculdade
Dr. José Bonifacio Medina —
Batalhão
14 de Julho —
Sector Sul
I. —
508
Glauco Carneiro
Assistente Dr.
João Dores —
extranumerario
Guapiara
—
da Faculdade
Sector Sul
Adjuntos
voluntarios
Guapiara
Larocca —
Dr. Domingos
Sector Sul
Itapetininga
Dr. Orlando Nazareth —
de Medicina
Dr. Arthur Wolff Netto — Limeira — '* Batalhão 14 de Julho Dr. René Mendes de Oliveira — Batalhão i4-de
Dr.
húlho
Combatentes
Manuel José de Castro Monteiro de Barros — Batalhão 14 de Julho
Netto
Estudante
Mario Nobrega —
Batalhão Voluntarios de Piratininga SERVIÇO
DE
RADIODIAGNOSTICO
Assistentes
Dr.
Eduardo Cotrim —
Dr. Marcello
Lacerda
Dr. Humberto
Hospital
Cesar —
voluntarios
Militar da Força
Soares —
14 de Julho
Combatente
Combatente
Hospital
—
Publica
Incorporado
ao Batalhão
Militar Divisionario
Estudantes
Raphael de Lima — Batalhão Fernão Salles
— Batalhão 9 de Julho Flavio Bevilacqua PAVILHÃO
FERNANDINHO
Combatentes SIMONSEN
Assistentes da Faculdade de Medicina e adjuntos effectivos da Santa Casa Dr. Antonio
da Força
Eugenio
Longo
Publica —
—
Frente Norte
Dr. Renato da Costa Bonfim — Voluntarios
1.º Tenente
de Piratininga
medico do Serviço de Saúde
Voluntario e Tenente medico do Batalhão
Adjunto
voluntario
Dr. Alvaro Camera — Voluntario medico do Batalhão Major Saldanha — — Sector Cel. Andrade — Frente Norte
509
O Poder da Misericórdia
Hospital S. Luiz Gonzaga —
Jaçanã
Adjuntos effectivos
Dr. Octavio Nebias — Soldado do Batalhão 14 de Julho Dr. José Ignacio Lobo — Soldado do Batalhão 14 de Julho Dr. Jairo Ramos — Capitão Medico do Hosp. de Sangue de Cruzeiro
Dr. Cassio Villaça —
da Frente Norte
Radiologista
Dr. João Montenegro —
Hospital de Guaratinguetá
LABORATORIO
CENTRAL
Estudante
Horacio
Pinto de Azevedo
PAVILHÃO
CONDESSA
Assistente da Faculdade
Dr. Joaquim
Leme
do Norte
Raphael
Fighera —
ASYLO
de Medicina
Batalhão Marcondes Salgado
da Fonseca — Adjunto
Dr. Caetano
PENTEADO
voluntario
Batalhão
Amador
COLONIA
SANTO
Adjuntos
effectivos
Dr. Ruy Tibiriçá —
Cirurgião
Dr. Cassio Rolim —
Tunnel —
dentista — Corpo
Bueno
—
Apparecida
ANGELO
Combatente
de saúde
Sector Norte.”
Fonte: Relatório da Mesa Administrativa da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo referente ao exercício de 1933, São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 1934.
Iô. ESCOLA DE ENFERMAGEM A prisão de Padua Salles — A Escola Paulista de Medicina — A remodelação do bloco central do Arouche — O Dia de Santa Isabel — A Enfermagem — Breve História da Escola de Enfermagem São José — À despedida do Provedor Padua Salles Instituição que paira acima da política e que
a prática da
caridade,
independentemente
de
suas
reúne
os homens
filiações
para
partidárias, a
Irmandade da Misericórdia adota uma fórmula toda sua para ignorar os percalços da vida pública. Assim, quando os Irmãos têm que se afastar da cidade e do país, por razões forçado,
a
Mesa,
sem
várias que
mencionar
as
vão
razões,
do gozo de
convoca
férias ao exílio
substitutos
“para
o
tempo em que durar o impedimento”. E como as atas não registram maiores informações
sobre
esses impedimentos,
o observador
ignorante
de história
pode simplesmente passar por cima desses interregnos de serviço, sem atinar com as causas que levam às vezes a afastamentos tão longos. Washington Luiz e Armando de Salles Oliveira são dois exemplos frisantes desse eufemismo ritual. Ambos, exilados do Brasil por força das revoluções de 1930 e 1932, respectivamente, foram substituídos, durante
seu
impedimento,
por
Irmãos
convocados,
ram seus lugares vários anos depois.
que
prontamente
lhes
devolve-
No entanto, o único caso de Provedor atingido por uma punição política é o do Senador Padua Salles, que foi arrolado pelo governo central
no grupo de ilustres paulistas que foi embarcado no navio “Pedro I” com destino ao exílio em Portugal. Não se sabe por que razões, Padua, logo de-
pois da Revolução Constitucionalista, foi desembarcado. no Recife, para ali
511
O Poder da Misericórdia
cumprir pena de prisão, a exemplo do patriarca gaúcho Borges de Medeiros.
Salles a São Paulo, abandonando
Decorridos alguns meses, voltou Padua
aí de vez a política, para dedicar-se exclusivamente aos negócios particula-
res e às suas responsabilidades na Santa Casa, na qual ficara impedido e substituído pelo Vice-Provedor até que tivesse condições de retornar ao exercício das funções.
Quanto durou o afastamento de Padua Salles da provedoria? Os livros de Termos de Mesa dos anos de 1932 e 1933 fornecem os dados principais,
pelos quais se podem inferir os outros. Na sessão de 5 de outubro de 1932, recém-terminada a Revolução Constitucionalista, ele ainda esteve presente. 24 de outubro,
Logo, porém, na sessão seguinte,
a sessão da Mesa é pre-
sidida por Jayme Loureiro, o primeiro de seus substitutos por três meses (os demais foram Horácio Sabino e Augusto de Meirelles Reis). Nessa
sessão
de
24
de
outubro
de
1932,
uma
indicação
apresentada
à Mesa pelos Drs. Synésio Rangel Pestana, Augusto de Meirelles Reis, Jayme Loureiro, João Maurício de Sampaio Viana, Olympio Portugal e Alberto de Menezes Borba, dá conta de que o Provedor, e mais alguns Irmãos, de ativa militância no Movimento Constitucionalista, “haviam sido chamados ao Rio de Janeiro pelo Governo Provisório”. Para os mesmos se pediu e obteve “um voto de particular sympathia”: São
“A Mesa Administrativa da Santa Casa de Misericórdia de Paulo, reunida pela primeira vez depois da partida para o
Rio de Janeiro, a chamado do Governo Provisório da Republica, dos nossos prezados Irmãos Provedor, Dr. Antonio de Padua Salles, 1.º Procurador,
Antonio,
de
Dr.
Araras,
Plinio Dr.
Barreto
José
Cassio
e Mordomo de
do
Macedo
Asylo
Soares,
Santo
resolve
consignar na acta desta sessão um voto de particular sympathia áquelles prestimosos companheiros, no momento em que soffrem
aspero constrangimento
pela actuação que tiveram em defesa dos
ideaes de São Paulo, em favor da rapida constitucionalização do Brasil e dar
conhecimento
dessa
resolução
ao
nosso
Venerando
Provedor a quem visita desejando o seu proximo restabelecimento e a volta no mais breve praso dos presados companheiros ás suas actividades indicação.)
Num
nesta
Santa
Casa”.
ato de coragem, os Irmãos
(A
Mesa
aprova
reelegeram
Padua
unanimente
Salles para
a
novo
mandato, a 5 de janeiro de 1933, estando ele ausente. E seu retorno efetivo
à liderança da Irmandade só aconteceu a 5 de abril de 1933, embora alguns indícios constantes das atas de 6 de fevereiro e de 7 de março façam
pensar na sua presença às referidas sessões, embora não ainda como Provedor. A sessão de 7 de março, aliás, está emendada na data, e há uma certa incoerência
nos
dados
ali registrados,
como
se houvesse
a intenção
512
Glauco Carneiro
de ocultar de observadores
externos a presença
do provedor efetivo. Hg
dúvidas, também, sobre o tempo exato de prisão de Padua Salles, e do período em que ficou
voluntariamente
em segundo plano em São Paulo,
até o ambiente acalmar. Conhecido, no detalhamento possível, esse episódio
inusitado da vida da Irmandade, é tempo agora de abordarmos outros assuntos importantes dos derradeiros treze anos de Antonio de Padua Salles na
Provedoria.
A Escola Paulista de Medicina
São controversos os informes sobre a participação da Irmandade da Misericórdia na implantação e funcionamento da Escola Paulista de Medicina, a segunda instituição de ensino dessa especialidade fundada na capital paulistana.
Algumas fontes apontam a Santa Casa como responsável, não somente
pela alocação de recursos humanos 'ao professorado da Escola, mas também pela cessão de várias de suas enfermarias para as aulas práticas dos alunos
da Paulista. Confessamos não ter encontrado dados positivos dessa cessão, mas certamente arrolamos vários mestres da Paulista como integrantes do corpo clínico da Misericórdia nos idos de 1933. Como escreve José Castellani, “mal assentada a poeira da luta, em 1933, a mostrar que o ânimo paulista não fôra abatido, um punhado de idealistas fundava uma nova faculdade em São Paulo: a Escola Paulista de Medicina, hoje um orgulho do ensino brasileiro e conceituada como um dos principais centros médicos de toda a América Latina. O fator que impulsionou essa criação foi o número crescente de candidatos ao vestibular da Faculdade de Medicina
superiores às exigidas limitadas a 70.
Em
para
1933,
de São Paulo que, embora
a classificação,
por
exemplo,
136
não
conseguiam
candidatos
obtendo notas
vagas,
obtiveram
estas
média
superior a cinco e não entraram na faculdade. Em 10.º lugar, por exemplo, ficaram empatados quatro alunos com média 7,5, sendo a vaga dada ao mais
velho!”
“A opinião pública e vários médicos chegaram à conclusão de que São Paulo comportaria uma nova escola médica, já que,
todos os anos, cerca de 1.500 jovens saiam do Estado para estudar medicina
em outros centros.
Assim, a 24 de março, no consultório do Dr. Octavio de Carvalho, na Praça Ramos de Azevedo, n.º 16, aconteceu uma reunião
de representativas figuras da classe médica paulista, na qual foi lançada, oficialmente, a idéia da criação de uma nova escola de medicina na capital paulista.
Foi
Antonio
organizada, então,
Bernardes
uma
de Oliveira,
comissão
Antonio
integrada
Carlos
pelos drs.
Pacheco
e Silva,
513
O Poder du Misericórdia
Carlota Pereira de Queiroz, José Ayres Netto, Domingos Deffine,
Jairo Ramos,
Eduardo Vaz, Marcos
Lindemberg, Octavio de Car-
valho, Rodolpho de Freitas ce Pedro de Alcantara, destinada a estu-
dar a viabilidade da idéia.
Participaram
também, os drs. Alipio Corrêa Neto,
dessa
Flaminio
primeira
Fávero,
reunião,
Paulo Man-
gabeira Albernaz, André Dreifus, Otto Bier e Jayme Regalo Pereira.
A par disso, continuavam as reuniões dos estudantes, já agora prestigiadas pela presença de Octavio de Carvalho e do advogado
Lino Moreira, que procuravam convencer os jovens a apoiar a criação da nova escola médica, embora isso implicasse em novo vestibular. Conseguido esse apoio, realizava-se, a 6 de maio, uma segunda reunião no prédio Glória, para desenvolver os trabalhos de organização da nova escola; nesta reunião, compareceram, além
dos médicos citados, mais os drs. Álvaro Guimarães Filho, Nicolau Rosseti,
da
Flavio
Fonseca,
Ignacio
José
Olivério Mário de Oliveira Pinto. Em
nova
assembléia,
a 27
Lobo,
de maio, dessa
Medina
José
vez
no
e
Instituto
Biológico, situado à Rua Marquez de Itu, n.º 71, era escolhido o nome do novo estabelecimento. Entre três nomes propostos (“Faculdade Paulista de Medicina”, “Escola Paulista de Medicina” e
“Escola Médica de São Paulo”) foi aprovado, após debates, o de
ESCOLA PAULISTA DE MEDICINA. Nessa mesma assembléia, era eleito o Conselho Deliberativo da Escola, que acabou sendo composto pelos drs. Afranio do Amaral, Otto Bier, Pacheco e Silva, Marcos Lindemberg, Pedro de Alcantara e João Moreira da Rocha. Este Conselho, a 1.º de Junho de 1933, elegia, por aclamação, o dr. Octavio de Carvalho, diretor da Escola Paulista
de Medicina e, por todos os títulos, seu fundador”.
O prédio da Escola foi instalado à Rua Coronel Oscar
onde, a 27 constituída:
de junho,
foi
escolhida
a sua congregação,
que
Porto, n.º 54, ficou
“Clínica Cirúrgica: prof. Alípio Corrêa. Netto; Clínica Obsté-
trica: prof. Alvaro Guimarães Filho; Higiene: prof. Afrânio do Amaral; Clínica Médica: prof. Alvaro de Lemos Torres; Psiquiatria: prof. Antonio Carlos Pacheco e Silva; Clínica Cirúrgica: prof. Antonio Bernardes de Oliveira; Cirurgia Reparadora: prof. Anto-
nio Prudente de Moraes; Clínica Oftalmológica: prof. Archimede Bussaca; Medicina Legal: prof. Antonio de Almeida Junior; Fisiologia: prof. Cesar Thales Martins; Tisiologia: prof. Décio de Queiroz Teles; Clínica Ortopédica: prof. Domingos Define; Química Fisiológica:
prof.
Dorival
Cardoso;
Clínica
Neurológica:
prof.
Fausto Guemer; Terapêutica: prof. Felício Cintra do Prado; Doenças do Aparelho Digestivo: prof. Felipe Figliolini; Parasitologia:
assim
514
Glauco Carneiro
prof. Flavio da Fonseca;
Rocha
Lima;
Anatomia
Clínica Propedêutica
Patológica: prof. Henrique da
Médica:
prof.
Jairo Ramos;
Clínica Ginecológica: prof. José Medina; Técnica Operatória: prof.
José Maria de Freitas; Anatomia:
prof. João Moreira da Rocha;
Física Biológica: prof. Lauro Cruz; Patologia Geral: prof. Marcos Lindemberg; Histologia e Embriologia: prof. Nelson Gioia Planet; Clínica Dermatológica: prof. Nicolau Rossetti; Microbiologia: prof.
Otto Bier; Clínica Otorrinolaringológica: prof. Paulo Mangabeira Albernaz; Clínica Pediátrica: prof. Pedro de Alcântara; Clínica Urológica: prof. Rodolpho de Freitas. A 1.º de julho, finalmente, era lançado o manifesto público,
comunicando a fundação da Escola Paulista de Medicina, subscrito
por 32 de seus 33 fundadores, já que o dr. Lemos Torres deixou
de assinar, por estar ausente do país. Na mesma época era constituído o Conselho Consultivo da entidade, com finalidades sociais, composto de 15 membros, escolhidos entre pessoas de destaque, estranhas à Escola; desse Conselho, entre outros, faziam parte: Guilherme de Almeida, Afonso D'Escragnolle Taunay, Carlos de
Sousa Nazareth, Francisco Salles Gomes
Junior, Paulo Prado, José
Maria Witacker, Vicente de Almeida Prado, Anhaia Melo, Ministro Costa Manso e Octavio Pupo Nogueira. Em
1936,
a Escola era transferida
para
a rua Botucatu,
na
Vila Clementino, onde se encontra até hoje, ocupando extensa área. Nesse mesmo ano, a 3 de junho, com discurso oficial do
poeta Guilherme de Almeida, era lançada a pedra fundamental do
Hospital São Paulo, que foi o primeiro hospital-escola do Brasil. Em 1956, tendo em vista a importância do estabelecimento e atendendo ao anseio dos professores, o governo da República decidia
federalizar a Escola Paulista de Medicina, para que ela pudesse
prosseguir na realização dos propósitos de seus fundadores;
a 4
de maio de: 1957, era oficializada a federalização, numa cerimônia
cujo orador foi o prof. Pacheco e Silva, o mesmo que havia proferido a aula inaugural da Escola, a 15 de julho de 1933. Nesses 50 anos, por seus portões entraram gerações de jovens
e saíram gerações de médicos, que, hoje, espalhados pelo país, justificam os esforços e a dedicação dos homens que sonharam e
concretizaram
a Escola
Paulista de Medicina”.?
A remodelação do bloco central do Arouche
“Apraz-me tambem dizer-vos que, em atmosfera politica de maior tranquilidade, vamos realizando melhoramentos de grande importancia para os serviços do Hospital Central e dos demais departamentos da Santa Casa,
sob rigorosa economia e sem prejuizo do conforto para os doentes”.
O Poder da Misericórdia
515
Esclarecendo que esperava elevar o rendimento do patrimônio da Irmandade, inclusive construindo edifícios e armazéns, o Provedor Padua Salles dirigia-se à Mesa em 1935, apresentando relatório dos trabalhos desenvol-
vidos no ano anterior. Ele dá conta da conclusão e inauguração do Bloco
Cirúrgico Oscar Pinto de Araujo Cintra, em 24/6/35, “em majestoso edificio conforme o plano de remodelação do Bloco Central approvado pela Mesa Administrativa”. Criou-se também uma mordomia para a Chácara
Jaçanã, entregue ao Irmão Horácio de Mello, “que uma fiscalização mais cuidadosa sobre esse proprio, em verdadeiro celeiro para os hospitaes, extrahindo gumes, as fructas e alimentos para os doentes e todos
não somente exercerá como o transformará de suas terras os leos asylados”. A Mesa
autoriza a construção do ambulatório ao lado do Hospital Central, a am-
pliação do edifício do Externato São José, a construção de uma capela no Sanatório Vicentina Aranha: “O Hospital Central, como o seu nome já o indica, é o depar-
tamento mais importante da Santa Casa pelo seu grande movimento de doentes, com as suas grandes enfermarias, a sua pharmacia, o seu laboratório, os seus gabinetes especialisados, tornouse o centro
necessario
para
coordenação
do serviço
das
outras
Mordomias.
Acha-se a testa do mesmo o dedicado Mordomo
Augusto
Meirelles
de
consagrando ao megmo
Reis
que, com
grande
competencia
Dr.
vem
o melhor de seus esforços, o que muito
tem concorrido para a boa
marcha
da administração.
Continua a exercer o cargo de Director dos Serviços Clínicos
da Irmandade o incansavel Mesario Snr. Dr. Synesio Rangel Pestana cuja dedicação e desvelo por tudo quanto diz respeito á
prosperidade e melhoria dos serviços da Santa Casa, já constitue
um facto por todos reconhecido, porquanto a sua actividade se intensifica cada vez mais, desdobrando-se em contribuições de trabalho que muito tem beneficiado a Irmandade e o prestigio que ella vem gozando no nosso meio social”.
A 5 de janeiro de 1935 a Comissão de Obras da Santa Casa recebe
três novos e ilustres membros:
Roberto Simonsen, Annibal
e João Zeferino Ferreira Velloso.
Paes de Barros
E a 20 de fevereiro o Irmão
Dr. José
Cássio de Macedo Soares, Mordomo interino do Externato São José, é autorizado pela Mesa a promover junto ao Governo Federal a equiparação
daquele estabelecimento aos cursos dos ginásios oficiais. A 5 de setembro são autorizadas as construções do Bloco Masculino de Oftalmologia e da galeria subterrânea ligando o Hospital Central ao Pavilhão Condessa Penteado. A 5 de outubro a Mesa decide pedir auxílio do Governo para aumentar em 200 leitos a capacidade do Hospital São Luiz Gonzaga.
516
Glauco Carneiro
“O Hospital “São Luiz Gonzaga”, situado no Bairro do Jacanã, subdistrito de Tucuruvi, pertencente à Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo, foi inaugurado em 5 de julho
de 1932, quando a 5.º Enfermaria de Medicina do Hospital Central passou aos pavilhões, antes destinados ao Leprosário de Guapira.
Inicialmente, contou com as Enfermarias Santa Inês e São Geraldo, possuindo as duas, 103 leitos. Daí por diante, a história do Hospital tem os seguintes marcos: 1943, inauguração de mais
220 leitos, totalizando 323, com a construção dos Pavilhões “Fernando Costa” e “Armando de Salles Oliveira”; 1948, inauguração a 29 de outubro do Pavilhão Infantil com 100 leitos, concluído e instalado pela Campanha Nacional contra a Tuberculose; 1953, construção de um prédio administrativo; 1962, adaptação de uma parte do rés do chão do Pavilhão “Armando Salles” para nova enfermaria, com mais 45 leitos”.'
Em
1937, 5 de dezembro, inaugurava-se o Bloco Masculino de Oftal-
mologia “Theotonio Rodrigues de Lara Campos”.
contratadas
as obras
do edifício “João
vedo, depois celebrizado pelo locatário,
Briccola”
Mappin.
No mesmo período foram na Praça
Ramos
de Aze-
Nesse exercício, foi iniciada a construção de um novo pavilhão de cem leitos do Sanatório Vicentina Aranha, bem como concluída a galeria subterrânea entre o corpo do Hospital e o ambulatório. Nessa época, o
Externato São José possuía uma Escola de Comércio, anexa. A 5 de junho
de 1937 a Corte de Apelação do Estado “confirma por unanimidade de votos a sentença do juiz de primeira instancia que condemnou Raul Pacheco e Chaves á pena de prisão por se haver apropriado indebitamente de dinheiros pertencentes á Campanha
do Ouro
para o Bem de São Paulo,
e que esse mesmo réo foi condemnado a pagar á Santa Casa a importancia
de que se apropriou. De modo que os processos criminal
e civil, movidos
pela Santa Casa contra Raul Pacheco e Chaves foram julgados a favor da
Irmandade”.* A 30 de julho, a Mesa aceita a proposta dos engenheiros Camargo & Mesquita para a construção do prédio “Ouro para o Bem de S. Paulo”, pela quantia de 3.336:685$000, com os recursos obtidos pelo saldo da Campanha do Ouro, realizada durante a revolução de 1932.
“É approvado o contracto entre a Irmandade e o Governo do Estado para a installação da Clinica Urologica da Faculdade de Medicina, na metade direita do primeiro pavimento do Ambulatorio Conde de Lara. Entre as 11 clausulas sobresaem a segunda que determina que o Governo contribúa com a quantia de 115:000$000
para o acabamento interno d'aquella secção e a 11.º que deter-
mina que as bemfeitorias e apparelhos collocados
pela Faculdade
de Medicina no ambulatorio de Urologia, ficarão pertencendo ao
O Poder da Misericórdia
patrimonio dos mesmo Clinicas ou para outro
517
da Irmandade, não podendo os mesmos serem retirana hypothese da Faculdade installar o seu Hospital de resolver mudar a séde da cadeira de clinica urologica estabelecimento”. a
O Dia de Santa Isabel €*
A imprensa da época reflete o grande prestígio de que continuava a gozar a Santa Casa. Somente para avaliar esse prestígio, basta saber que a comemoração do tradicional Dia de Santa Isabel reuniu as principais autoridades
do Estado,
entre
elas
o então Governador
J. J. Cardozo
de
Mello Netto, o presidente da Corte de Apelação desembargador Achiles de Oliveira Ribeiro, o Bispo de São Paulo D. José Gaspar Affonseca e Silva, além de secretários de Estado etc.: “Senhores. A muitos nesta hora, pode parecer estranho reavivar estes pensamentos antigos daquelles antigos paulistas, fundadores desta Instituição. Mas vale a pena recordál-os para que mais uma vez nos convençamos, de que o orgulho, o fausto, a ostentação, a vaidade passam e nada deixam após de si a não ser ruinas
miserandas: da bondade, do amor, da caridade, restam sempre como flores que não murcham, o bem, a virtude, e este olor delicado das coisas santas de que nos fala um poeta, e que mesmo a seculos de distancia ainda nos impressiona a sensibilidade e com-
move o coração. A Santa Casa das Misericordias de São Paulo é
um patrimonio de nossa fé, do nosso coração, mas ella é tambem herdeira de um outro patrimonio, — o da caridade christan, praticada pelos nossos antepassados. Num seculo que perde assustadoramente a noção do amor desinteressado, defender esta herança é
um dever e uma obrigação. Vós a defendereis praticando a caridade do modo mais perfeito possivel. Notae porém, que fazer a caridade como nol-o ensinou Jesus Christo é amar antes de dar a esmola, e dál-a só pelo amor de Deus. A caridade que se melindra com o silencio do beneficiado, a que tem horror ao anonymato, ou nelle se refugia para depois surgir applaudida, a que se estadea nos jornaes para ser louvada e conhecida, a que só é feita pelo prazer que proporciona, não é caridade, mas sim miseravel
vaidade e egoísmo,
ves-
tidos sacrilegamente com os trajes divinos da beneficencia. A caridade perfeita nos mostra no nosso semelhante uma alma immortal
(*) No
antigas
anexo
pendências
é a homenageada
deste capítulo há históricas
da
informações esclarecedoras
Misericórdia:
na Festa de 2 de Julho.
saber
qual
Santa
sobre
uma
Isabel,
das
das
mais
quatro,
518
Glauco Carneiro
destinada á vida eterna: descobre-nos num corpo doente e dolorido um candidato á resurreição gloriosa no dia do juizo e em
cada irmão aponta-nos um sêr igual a nós, pequenino e soffredor
como nós, sujeito á morte, mas como nós criado á imagem e se melhança de Deus, portador tambem do destino eterno da vida.
Supprimi da caridade esta substáncia religiosa e não mais a tereis em sua belleza e realidade. Os que a deturparam, os que a desnervaram, os que a mutilaram no que ella tem de religioso, viram-se na contingencia de procurar outro nome para expressar o fruto de suas imaginações, indo pedir ao grego a sonoridade impressionante de um vocabulo até hoje vazio de vida. Foi assim
que surgiu á philanthropia.”
Vale a pena destacar esse conceito de Dom José Gaspar: a Santa Casa pratica a caridade, que tem substância religiosa, e não a filantropia, queé um termo vazio de vida e muitas vezes de amor ao próximo. Guardando essa distinção fundamental
na mente, vamos
prosseguir no
estudo da Irmandade, sabendo agora que em 1938 teve início a ampliação do laboratório destinado aos doentes do pênfigo-foliáceo, a cargo do Dr. Adolpho Lindemberg. Também se iniciou a construção do centro cirúrgico da 1.º Clínica de Mulheres, com recursos angariados pelo Irmão Dr. Ayres Netto. Donativo do Comendador Antonio Pereira Ignacio, no valor de 50 contos de réis, possibilita obras de adaptação na 5.º Clínica de Homens. Diz o Mordomo do Hospital Central que “o augmento de enfermos é diario t O espaço de que dispõe o hospital é insufficiente para recebel-os, tendo a frequencia attingido a uma media diaria de 1.434 doentes, quando a capacidade é para apenas 1.100”. Inaugura-se no Ambulatório Conde de Lara a secção de Urologia a cargo do Dr. Luciano Gualberto. Os médicos internos do Hospital Central têm aumentada, por autorização da Mesa concedida a 20 de janeiro de 1938, sua gratificação mensal para 500$000. O capelão da Irmandade, Padre Innocente Radrizzani, tem vencimentos men-
sais de 800$000. A 5 de setembro é concedida à D. Emilia Upton Krischken,
irmã do falecido Protetor Frederico Upton, “o augmento da pensão legada pelo mesmo de 150$000 para 450$000 mensaes, em vista do precario estado de saúde da legataria”. Em 1939 a Santa Casa já despende IAPS a soma de Rs. 62:320$000.
com
o pagamento
de quotas aos
Entre 15 de janeiro e 3 de julho são inauguradas as seções de otorrinolaringologia, neurologia e pediatria do Ambulatório Conde de Lara. A 7 de maio para ali foi transferida a seção de gastroenterologia, que funcionava no prédio do Instituto de Rádio. O quinto pavimento do ambulatório tem suas obras de acabamento financiadas por generoso donativo da Condessa Marina Crespi — 250:000$000, em memória de seu marido, Conde Rodolpho Crespi. A 28 de maio, no Pavilhão Fernandinho Simonsen, inau-
O Poder da Misericórdia
519
gura-se a biblioteca especializada de ortopedia e cirurgia infantil, oferecida
pela viúva do Prof. Rezende Puech, D. Eliza. A 6 de junho, inaugura-se o Centro Cirúrgico da 1.º Clínica Cirúrgica de Mulheres, velho sonho do Prof. José Ayres Netto. No Hospital São Luiz de Gonzaga é implantado o
serviço de depuração biológica do efluente dos esgotos do estabelecimento e do Asilo dos Inválidos, por processo moderníssimo. É a Santa Casa
cuidando pioneiramente da ecologia e do saneamento. A Câmara ração é a primeira do gênero construída no país, sob projeto da de Águas e Esgotos da Capital, por determinação do Governo Afasta-se, em fevereiro de 1938, da clínica do Asilo dos depois de 35 anos de serviço continuado,
o Dr.
Américo
de DepuRepartição do Estado. Inválidos,
Brasiliense.
ele quem vai ocupar, como suplente, “no impedimento do Dr. Armando
Salles Oliveira, mente
vago
na
e enquanto
Mesa
durar
esse
Administrativa”.
impedimento,
Comissão
E é
de
o cargo provisoria-
da Santa
Casa
leva
ao
novo Arcebispo de São Paulo, D. José Gaspar de Affonseca e Silva, as felicitações da Irmandade. Para efeito de antiguidade, é considerado como médico interno do Hospital Central, desde Alípio Corrêa Netto.
Em
18 de dezembro de 1927, o Dr.
1939 a Santa Casa reclama de sua inclusão na classe dos comer-
ciários e dos industriários para efeito de previdência, “com
pagamentos
de
82:504$200 para os primeiros e de rs. 3:157$900 para os segundos, o que nos parece injusto, visto a Santa Casa não dever ser incluida
nessa
cate-
goria como tributaria — ella não faz commercio e nem administra estabelecimentos industriarios”.
de Medicina
Em julho, os alunos da 2.º turma
da Faculdade
e Cirurgia de São Paulo oferecem à Santa Casa “uma
placa
de bronze com a efigie do Prof. Arnaldo Vieira de Carvalho n'uma das faces e na outra a reprodução da fachada da Faculdade de Medicina:
“Assim agiram
por
terem
frequentado
os hospitais da Santa
terem feito os seus estudos clínicos e de pratica”. Em
abril, inaugura-se a 5.º Clínica Cirúrgica de Homens,
Casa
e ali
enfermaria
de traumatologia e ortopedia, a cargo do dedicado médico Dr. José Soares Hungria. Em 1940, a Irmandade agradece de maneira especial o apoio prestado
pelas diretorias das Companhias Docas de Santos, S. Paulo Light & Power, Antarctica Paulista, Tramway da Cantareira e do Banco do Commercio
Industria. É recusado, a 5 de fevereiro, o pedido da Congregação das Irmãs de São José para instalação de um curso de formação de professoras primárias no Externato São José. Estuda-se, na época, ainda a supressão da
entrega de remédios gratuitos no Ambulatório Conde de Lara. A 5 de março,
a Mesa aprova a criação de uma escola secundária preparatória para o curso de enfermagem. A Caixa Econômica Federal de São Paulo propõe empréstimo de 10 mil contos para a Irmandade reconstruir seus prédios velhos no centro de São Paulo. A Santa Casa decide pleitear do Interventor Ademar de Barros
520
Glauco Carneiro
a parte da subvenção por ele retirada. A 20 de novembro de 1940 a Irmandade decide cunhar duas medalhas de ouro em comemoração aos 40 anos de serviço dos Drs. Synesio Rangel Pestana e José Ayres Netto. O Provedor Padua Salles assinala: “Tem-se feito muito esforço para não se limitar o numero dos doentes internados e nem supprimir o fornecimento gratuito de medicamentos, afim de não aggravar os soffrimentos daquelles que já se habituaram a esse tratamento caridoso”. Do interior do Estado vieram
5.860 doentes, dos outros Estados, 382, e da capital, 12.082, somente para
o Hospital Central. O número de consulentes atinge a 147.251. Operações de alta cirurgia, 4.624, e de pequena, 3.517...
O funcionamento permanentemente deficitário atinge um dos resultados
mais negativos em 1943, quando a Santa Casa gastou mais Cr$ 495.967,53 do que sua receita.* Nesse
mesmo
ano,
registra-se o falecimento
dos Drs.
Francisco
Car-
neiro Lyra, Joaquim Ribeiro de Almeida e Antonio do Livramento Barreto.
São eleitos para a administração da Irmandade no exercício de 1944, os seguintes Irmãos: Dr. Antonio de Padua Salles, provedor; Dr. Luiz Pinto Serva, escrivão; Dr. Synesio Rangel Pestana, tesoureiro; Dr. Plínio Barreto
e Anibal
Paes de Barros, procuradores;
Dr.
Augusto
Meirelles
Reis, mor-
domo do Hospital Central; Dr. Cantidio de Moura Campos, Mordomo do Hospital S. Luiz de Gonzaga; José dos Santos Azevedo, mordomo do Asilo
dos Inválidos Dom
Pedro II; Horacio de Mello, mordomo
do Sítio do Ja-
canã; Dr. José Cássio de Macedo Soares, mordomo do Asilo Sampaio Viana; Dr. José Carlos de Macedo Soares, mordomo
dicto Servulo
de
Sant'Anna,
mordomo
Aranha, de São José dos Campos.
do
do Externato São José; Bene-
Hospital
Sanatório
Vicentina
A 5 de Janeiro de 1944, a Mesa recusa proposta da Casa AngloBrasileira Mappin para construir mais um andar no prédio “João Briccola”.
A 20 de janeiro são nomeados para o cargo de “interno estudante effetivo”,
os sextanistas da Faculdade de Medicina de São Paulo, Edgard San Juan,
André Peggion, Emilio Noel Cordeiro, Oscar Yahn, Homero Pinto Vallada, Wilson
de Carvalho
e Romeu
Fadul. A
receita
da Irmandade,
fixada em
Er$ 13.185.300,00 já prevê um déficit inicial de Cr$ 742.100,00. Quando
o Irmão Augusto Meirelles Reis falece, a Mesa resolve prestar as seguintes
homenagens ao morto: colocar uma placa, na bancada da sala de sessões, “em frente à cadeira em que se sentava”; dar o seu nome a uma nova enfermaria ou pavimento do bloco já construido”. A 9 de junho, a Mesa revoga resolução anterior, de 10 de setembro de 1942, “que exige para a alienação de immoveis da Irmandade o pro-
cesso de concurrencia”. A Santa Casa renova por mais
10 anos o contrato
que transfere para a Inspetoria de Profilaxia da Lepra, a administração do Asilo-Colônia de Santo Angelo, de propriedade da Irmandade. A 5 de setembro, a Mesa considera “incompatíveis os cargos do Corpo Clínico da
O Poder
521
da Misericórdia
Irmandade com os de outros hospitaes e convida os medicos da Santa Casa
que estejam nesses casos a optarem por um delles”, Apresenta-se anteprojeto de reforma do Compromisso, elaborado comissão especial, a 24 de outubro de 1944, e a 6 de novembro
a construção de um
novo
homenagem da Irmandade
túmulo
para
por
resolve-se
João Briccola e sua família, “como
ao maior doador”. A 5 de dezembro,
são con-
feridos títulos de “Cirurgião Honorário da Santa Casa” aos ex-membros do Corpo Clínico, Drs. Carlos José Botelho, Manuel Monteiro Vianna,
Antonio Luiz do Rego, Antonio Candido de Camargo, Flávio Magalhães Campos, Francisco de Salles Gomes Junior, Bernardo Itapema Alves, Nicolau de Moraes Barros e Aureliano Carlos da Fonseca; e de médicos honorários, aos drs. Eduardo Rodrigues Alves, Tarcisio Leopoldo e Silva, Ulysses de Freitas Paranhos e Domingos Rubião Alves Meira. O Provedor Padua Salles aborda outros aspectos do problema financeiro da instituição: “Prezados
Irmãos:
Em obediencia ao que dispõe o n.º 10 do art. 49 do nosso
Compromisso, tenho a honra de apresentar à Mesa Conjuncta o relatorio dos factos mais importantes occorridos na administração da Santa Casa de Misericordia de São Paulo durante o anno de 1944. Não fossem as surprêsas provocadas pelas leis trabalhistas, que attingiram todas as classes de empregados funccionarios e quantos desejam por meio de emprego obter padrões de vida mais elevados, nada de novo teria a relatar-vos. No mesmo caso tambem se encontram as utilidades que são imprescindíveis aos nossos serviços para o bom aparelhamento das enfermarias e hygiene adequados ás necessidades dos doentes, atravez de uma bôa rouparia, louças, alimentação, etc. Para fazer face a essas despesas que nos chegam muitas vezes
em fórma de surpresas, já não bastam as rendas ordinarias prove-
nientes de alugueres de predios e de rendimentos de titulos. D'ahi as constantes preocupações da administração em busca de aumen-
tos de verbas, afim de encontrar recursos que possam evitar esses entraves geradores de crises financeiras. Para tanto é preciso recorrer muitas vezes a donativos de particulares, sem todavia deixar
de lado a bôa vontade do Governo, fonte esta que, felizmente,
nunca nos tem faltado, ajudando-nos em caracter extraordinario com recursos que elle proprio julga serem indispensaveis para evitar que medidas odiosas e de caracter excepcional, sejam adoptadas em prejuizo do numero crescente de enfermos que desejam internar-se na Santa Casa. Dahi resulta a necessidade de uma continua resistencia aos gastos exagerados e de uma resistencia tenaz a augmentos de sala-
522
Glauco Carneiro
rios, já considerados sufficientes âquelles que, esquecidos de outros deveres, só visam a sua melhoria e o seu bem estar. Os constantes desequilibrios entre a receita e despesa, geram a desordem e a ruina. É necessaria uma estabilidade para nella ser fixada a despesa. As constantes mutações facilitam o desequilibrio e este abre as portas para a ruina. A atração de braços criada pelas industrias produziu o deserto nas zonas ruraes, fomentou a deslocação do trabalhador para outro campo de ação, mas isto não é enriquecimento nacional, é o enfraquecimento da produção agricola em beneficio
da industria.
Portanto, não abandonemos as boas normas por outras cujos effeitos negativos já estão apparecendo, para só confiarmos nos chamados lucros extraordinarios que não durarão a vida inteira. As inflações se fazem tanto pelo augmento do meio circulante como pela facilidade de credito e criam situações fictícias a começarem pelos artigos de primeira necessidade, que diminuem na quantidade para subirem na valorisação. As casas de caridade não tem nenhuma participação nesses lucros, mas soffrem com o augmento dos preços do que lhe é necessario e pagam o trabalho pelo dobro. Digo isto para provar que as casas de caridade não retiram vantagens destas situações, encerrando sempre os seus exercicios financeiros em situação deficitaria.
Já no actual orçamento da re-
ceita e da despesa fixando-o em Cr$ 13.185.300,00, deficit inicial de Cr$ 732.100,00, que bem confirma bamos de expôr”.*
nota-se um o que aca-
A Enfermagem
das
O
ano
Irmãs
de
1945
foi importante
de São José. A Mesa
decisão de 20 de janeiro, à Madre
pital
Central,
vividos
pelos
a Santa
Administrativa
seus cingiienta
na Santa Casa:
para
Casa
prestou
e a Congregação
homenagem,
por
Maria Eugenia Janin, Superiora do Hos-
anos
de vida religiosa, 40
dos quais
“A sua vida nesta Casa, nos quarenta annos de sua actividade em diversos cargos e nos vinte e dois que vem servindo como Superiora, constitúe uma larga e brilhante folha de assignalados serviços. Intelligente, culta, discreta, leal e modestissima, exerce o seu mandato com firmeza, sem alarde, com energia, sem violencia,
com tacto verdadeiramente diplomatiço.
O
Poder
da
Misericórdia
523
Madre Eugenia parece ter pudor de suas nobres qualidades de caracter, de suas raras virtudes, pois se empenha em occultal-as
aos olhos profanos do mundo.
Sincera na sua piedade, exemplo edificante para suas
sem esforço, naturalmente, é um filhas espirituaes, de renuncia, de
amôr ao proximo, de pratica dos deveres de religiosa, que pauta a sua vida pelas lições do Evangelho, com rigor verdadeiramente
apostolar. 79
Apesar de sua avançada idade, pois completa no anno corrente annos de vida exemplar e utilissima, dirige o Hospital, tudo
vendo, tudo
providenciando,
com
actividade
que serve
de exem-
plo para as religiosas mais moças. Percorre diariamente este vasto hospital, que é quasi uma cidade; é vista em todos os seus sectores e no seu passinho ligeiro e sem ruido, apparece quando menos
se espera, com
surpresa para Os circumstantes.
Madre Eugenia é a bondade personificada, generosa, suave no modo de agir, energica sem altear a sua voz, mesmo para repreender. Para o seu coração feito para perdoar, ninguem é propriamente mau; para todas as faltas alheias encontra sempre uma
attenuante.
Essa feição do todos, sem reservas.
seu
caracter
a faz
respeitada
e amada
por
Os seus serviços á Santa Casa, que é a sua casa, são inestimaveis. Só poderiam ser pagos com a moeda do amor que lhe devotamos, com o respeito que lhe tributamos. Porisso, a Mesa Administrativa da Irmandade votou as homenagens constantes de uma proposta assignada por todos os irmãos presentes á sessão em que foi apresentada, approvando-a independente de parecer de
Commissão
Especial e do interstício regimental. Essas homenagens
são: a concessão
do titulo de
Irmã
Protectora, o mais alto que
o
nosso Compromisso permitte e a collocação do seu retrato, a oleo, na galeria dos protectores da Irmandade”.'* Com
a fundação
da
Escola
de
Enfermagem
ata de 5 de fevereiro de 1945, a Congregação momentos de sua existência de serviço à Santa
São
José,
registrada
assinalou um dos Casa e ao Brasil.
em
grandes
Vimos que o Hospital Central, no início do século, teve sua incipiente Escola de Enfermagem, da qual participaram, inclusive, como alunas das
primeiras turmas, algumas irmãs de São
José. Ao
Dr. Arnaldo
à medida
essa iniciativa não teve continuidade,
Vieira de Carvalho.
talvez
Assim,
pelo
que
parece,
no entanto,
falecimento, em
que
1920, do
as religiosas assu-
miam mais responsabilidades no serviço de diversos hospitais, sanatórios e asilos, a Congregação “constatou ser necessário a formação profissional das
524
Glauco Carneiro
Irmãs e de suas colaboradoras leigas, para o melhor desempenho da função
que vinham exercendo”. BREVE
HISTÓRIA
DA
ESCOLA
SÃO
JOSE
DE
ENFERMAGEM
Irmã Maria Gabriela Nogueira “A Congregação das Irmãs de São José de Chambery, tendo sob sua responsabilidade o Serviço de enfermagem em diversos Hospitais
Gerais,
Sanatórios e Asilos
constatou
ser necessária a
formação profissional das Irmãs e de suas colaboradoras leigas, para o bom desempenho da função que vinham exercendo.
Em 1939 matricularam-se na Escola de Enfermeiras do Hospital São Paulo as 4 primeiras Irmãs de São José, para fazerem o curso de enfermagem. Depois destas várias outras foram matriculadas e fizeram
o curso.
Em 1944, tendo já se diplomado as 3 primeiras Irmãs a Congregação aconselhada pela Revda. Madre Marie Domineuc F. M. M. e Diretora da Escola de Enfermeiras do Hospital São Paulo, estudou a possibilidade de destinar estas Irmãs para o ensino da enfermagem. Foi pensado em
se fundar
uma
Escola
de enfermagem
de
nivel médio, para, em menos tempo, preparar o pessoal, seguindo-
se os moldes da antiga Escola de Enfermagem “Alfredo Pinto”. (Decisão da Congregação registrada em ata de 9.11.1944.) A fundação da Escola é registrada em ata de 5 de fevereiro de 1945. A organização
do curso, que
na época
se denominou
curso
de enfermagem de nível médio, foi feito com a colaboração da Escola de Enfermeiras do Hospital São Paulo e pautado sob os
moldes da mesma e de outras Escolas.
Tendo a Congregação das Irmãs entrado em entendimento com a Administração da Santa Casa para que o estágio das alunas
fosse feito no Hospital Central, foi designada a 2.º Medicina de Mulheres como a primeira enfermaria-escola. A Clínica estava na
ocasião entregue à chefia de Dr. Euvaldo Rebouças de Carvalho.
Tendo sido ultimados os preparativos da organização do curso
quer da parte teórica quer da prática, e feitos os exames de admissão das candidatas interessadas iniciou-se o 1.º curso a 5 de março de
1945. com
19 alunas.
O
Poder
da Misericórdia
Iniciado
525
o curso em
requisitos exigidos
das
caráter
Escolas em
particular,
solicitado do Ministério da Educação
mas com
funcionamento
na
todos
época,
Congregação
das
Irmãs
foi
e Cultura o reconhecimento
do curso. Não havendo, legislação que regulamentasse neste nivel, o reconhecimento não foi concedido. A
os
de São
o ensino
José continuou
dando
o
curso em caráter particular e deu vários passos junto ao Ministério da Educação e Cultura para conseguir a lei que estabelecesse êsse nivel de ensino. ?
A 3 de maio de 1947 foi publicado no Diário do Congresso Nacional o Ante-projeto referente à legislação sobre o ensino da enfermagem no país. É o primeiro passo para aprovação e para O reconhecimento da Escola. Eis o trecho do Parecer da Comissão de Educação, que a isso alude: “A iniciativa do Ministério da Educação e Saude, de legislar sôbre a matéria, foi inspirada num apêlo da Congregação das Irmãs de Hospitais
cujas
São José, que mantem sob a sua guarda mais de 10 na Capital e no interior do Estado de São Paulo, e
dificuldades
e aflições,
pela carência
de
pessoal
compe-
tente, podem ser avaliadas, dizendo-se apenas que atende a 31.500 doentes internados, sem contar portanto, a frequência dos ambulatórios.
A Congregação de São José, com a valiosa experiência adqui-
rida nos 80 anos de atividade hospitalar, e conhecendo,
além do
mais, as peculiaridades do nosso meio sobretudo em relação ao índice cultural, decidiu criar uma escola de auxiliar de enfer-
meira, em São Paulo. E, se não preferiu seguir o padrão alto da Escola Ana Neri, o que seria incontestavelmente o ideal, fê-lo atendendo sobretudo:
a) à necessidade urgente de preparar enfermeiras em quantidade. b) à dificuldade
alto padrão.
de recrutar
elementos
para os
c) à possibilidade de aproveitar elementos
maior
cursos
de
bem orientados
e que, por circunstâncias várias não poderiam atingir ao grau de alto padrão, mas capazes de se transformarem em excelentes enfermeiras
auxiliares,
mediante
instrução adequada.
Ora, aí está por que entendemos ter andado bem avisado o Ministério de Educação e Saude, quando sugere no ante-projeto
a criação de dois cursos, um
meiras auxiliares”.
de alto padrão
e outro
de enfer-
Glauco Carneiro
A evolução do ante-projeto de lei levou ainda mais de 2 anos entre as Casas do Congresso Nacional, mas finalmente a 6 de agosto de 1949 foi aprovada a lei 775, que estabelece 2 niveis de curso: a) Curso de enfermagem com duração de 36 mêses e que exige curso secundário para ingresso. b) Curso de auxiliar de enfermagem, com duração de 18 meses exigindo o curso primário para ingresso. A 14 de novembro de 1949 foi aprovada a regulamentação da lei 775, pelo decreto lei n.º 27.426. A Escola de Enfermagem São José se enquadrou nesta lei e enviou ao Ministério da Educação e Cultura a documentação exigida para o reconhecimento.
O curso de auxiliares de enfermagem
foi reconhecido pelo
decreto n.º 28.819 a 31 de outubro de 1950. (Publicação Diário Oficial da União em 29 de novembro de 1950.)
no
O Regimento Interno da Escola foi aprovado pelo Conselho Nacional de Educação pelo parecer n.º 157/52. A Escola passou
a funcionar então com
tôdas
as exigencias
legais e conseguiu por uma aprovação especial do Ministério, autorização para expedir Certificado de Auxiliar de Enfermagem para todos os alunos que haviam concluido o curso na data da publicação
da
lei depois
de examinados
os
históricos
escolares.
A autorização foi dada pelo Conselho Nacional da Educação pelo parecer n.º 45/52, homologada pelo Exmo. Sr. Ministro da Educação e Cultura. Em
15 anos de funcionamento
a Escola
expediu
445
certi-
ficados de auxiliares de enfermagem enviados ao Ministério da Educação e Cultura para os registros nos órgãos competentes, correndo normalmente estes processos. A ESCOLA
DE
ENFERMAGEM
A Escola de Enfermagem
E A SANTA
CASA
São José nasceu e deu seus primei-
ros passos em meio de grandes dificuldades. A Congregação das Irmãs de São José contou com o apoio das Madres Franciscanas Missionárias
de
Maria,
para
a organização
Didática
e Pedagó-
gica do curso. O campo de prática visado pela Congregação sendo a Santa Casa foi sempre amplo. De 1945 a 1949 a Escola teve um trabalho oculto, de pouco
realce aparentemente,
mas de um
valor profundo
não só para
O
Poder
da Misericórdia
a propria
527
Escola, como
para
de modo geral.
a Santa
Casa
e para
a enfermagem
O ambiente de trabalho das alunas foi nêste periodo em am-
bas
as enfermarias
(2º
MM.
e
3.º
C.M.)
muito
acolhedor.
Os
Senhores Médicos muito ajudaram, cooperando no ensino e apoiando
a
Escola
Dr.
Luiz
em
tôdas
Moura
as
suas
Azevedo,
iniciativas.
colaborou
para visitá-la em 5 de setembro de Aureliano
Leite,
inteiro apoio
que
saiu
bem
com
a Escola
1948 o Deputado
impressionado,
prometendo
seu
a Escola teve incansável Dr.
uma José
à causa da enfermagem.
Junto à Administração da Santa Casa aceitação reservada até encontrar o amigo
trazendo
Federal Dr.
de Alcantara Machado Filho, que em 1948 apareceu em nossa história. Este grande batalhador viu desde o primeiro contacto que teve com a Escola, as vantagens que ela traria para o Hospital
Central.
Por
disposição
da
de ser o representante
Providência
da
Mesa
divina
aceitou
Administrativa
a incumbência
junto
à Escola.
Desde então a Escola passou a receber além do beneficio do campo de estágio franqueado a ajuda de seu interesse esclarecido, entusiasta e realizador. Em 1949 a Escola começou a receber uma ajuda de Cr$ 5.000,00 mensais. Essa contribuição já foi alterada várias vezes sendo atualmente calculada pelo número de alunas que
frequentam
os cursos
regulares.
A grande visão de Dr. Alcantara fazia-o sonhar com um curso de enfermagem mais completo, alem do curso de auxiliares de enfermagem. ao
Conseguiu de nossa Brasil em agosto de
Irmãs
Americanas
dos cursos, cis
reverenda Madre Geral, em sua visita 1949, a promessa de nos enviar duas
enfermeiras
avaliação
para
nos
orientar
do ensino e supervisão
das
As Irmãs de São José: Sister Mary Mechtilde James, em 1951 vieram dos Estados Unidos,
mêses entre nós, observando do curso, etc.
o campo
de
na
organização
alunas.
e Sister Frane passaram 4
estágio, os programas
Ambas tinham grande experiência de ensino. Sister Mary Mechtilde era diretora de uma grande Escola de Enfermagem em
Hartford, e Sister Francis James, sua auxiliar, ocupava a chefia do Serviço de Ambulatório e Serviço Social de St. Francis Hos-
pital em
Hartford.
528
Glauco Carneiro
garam
Da
observação que
fizeram
a várias conclusões,
nossas
Irmãs
que passaram
de trabalho.
Americanas
che-
a ser para nós norma
Entre suas sugestões temos: a) Utilização de.diversos meios b) Organização
do
por ano.
c) Sugestão
para
curso
de recrutamento
rotativo,
recepção
isto é,
duas
de alunas. matriculas
de rapazes.
d) Previsão de funcionamento perior etc.
do curso de enfermagem
A organização do curso rotativo trouxe grandes
su-
vantagens
para o hospital, podendo-se manter em estudo maior numero de alunas e valorizando-se o estágio das mesmas. Melhorando o sistema de recrutamento e seleção, obtivemos também maior eficiência no ensino, o que pudemos constatar pelo menor índice de desistência do curso e de reprovação de alunas.
Tendo constatado que a Escola já havia assegurado sua esta-
bilidade com
relação ao curso de auxiliares
de enfermagem,
Dr.
Alcântara firmou ainda mais sua ideia de fazer funcionar o curso de enfermagem de nivel superior. Dada a sua insistência a Congregação das Irmãs se sentiu animada a tomar as devidas providências. Foi feito ao Ministério da Educação e Cultura o pedido de autorização “para funcionamento do novo curso enviando-se todos os documentos exigidos. (Data início de 1958). Em outubro de 1958 recebemos a inspecção feita por uma enfermeira designada pelo Ministério da Educação e Cultura, D. Maria
Rosa
Souza
Pinheiro.
A 13 de novembro foi enviado ao Ministério da Educação e Cultura o relatório da inspetora, com parecer favoravel à autorização solicitada.
A 5 de janeiro de
Educação
e Cultura
1959
a Portaria
foi assinada n.º
pelo Sr. Ministro da
17, autorizando
mento do curso de enfermagem em nossa Escola. A noticia foi publicada fevereiro de 1959. Com
o funcionamento
no Diário Oficial do
novo
curso
o funciona-
da União a 6 de
foi feito novo
Regi-
mento Interno para a Escola, para regulamentar os dois tipos de cursos regulares. Esse Regimento Interno, que fazia parte do Me-
O Poder da Misericórdia
morial
enviado
529
pela
Sra.
Inspetora
em
novembro
de
1958,
foi
examinado pelo Conselho Nacional de Educação sendo aprovado pelo Parecer n.º 459/59 e homologado cação e Cultura em 28 de dezembro
pelo Sr. Ministro da Edude 1959.
A noticia dêste despacho foi publicada no Diário Oficial da
União a 5 de novembro de 1959"." As
Machado
Irmãs
de São
Filho uma
José
têm
veneração
espírito da própria Congregação.
pela
memória
do
Dr.
José de Alcantara
que atravessa os anos e se incorpora Irmã Gabriela
ao
Nogueira, atual Superiora
da Comunidade de São José no Hospital Central, é uma fonte viva desse reconhecimento: “Afetivamente, emocionalmente, a Escola de Enfermagem São José é parte da Santa Casa. Foi o Dr. José Alcantara Machado
Filho, um dos mesários, que olhou para a Escola e percebeu o valor da mesma, descobriu o benefício que ela representava para a Irmandade. A partir de 1970 foi se modificando a estru-
tura ce em 1982 a instituição se confessou incapaz de continuar a contribuir para a manutenção da Escola... Tivemos então de procurar a Congregação dos Padres Camilianos e sugerimos que assumissem nossa Escola. Agora nós só temos aqui o curso de auxiliares de enfermagem, enquanto o curso de graduação trans-
feriu-se para a sociedade dos camilianos”.'* De
sua
parte,
o Irmão
Dr.
José
Alcantara
Machado
pedir-se dos cargos que exerceu na administração da Santa
serviu durante 49 anos! —,
dação:
“Bem
podeis
dirigiu às Irmãs
aquilatar da emoção
vós, pois nesta casa veneravel
de São
com
José
que me
Filho,
ao
Casa —
a seguinte
despeço
vivi os longos dias de minha
de
vida
profissional. Aqui, desde os 24 annos de idade, servi á caridade,
aperfeiçoando
os
meus
conhecimentos
medicos,
aprendendo
a
amar o meu proximo como a mim mesmo, na lição do Evangelho e muitas vezes mais do que a mim mesmo. Aqui aprimorei os meus sentimentos christãos para tratar dos pobres enfermos com bondade, paciencia e espirito de perdão, procurando na fraqueza de minha humildade, imitar o Divino Mestre. Nessa longa peregrinação, de quasi meio seculo, convivi com as virtuosas irmãs de S. José contando sempre com a sua collaboração efficiente, com a sua irrestricta lealdade, com a sua amizade sincera e carinhosa e por isso pude dar cumprimento exacto aos deveres dos cargos que aqui exerci, amparado e prestigiado pela sua honrosa solidariedade.
des-
onde
sau-
530
Glauco
Carneiro
Das mais antigas companheiras, amigas, dedicadas e carinhosas, creio existirem muito poucas, além da querida Madre Euge-
nia: Irmã Margarida, desde os bons tempos da 1.º enfermaria de Medicina
de
Homens;
Irmã
Vicentina,
caracter
leal e recto, que
nunca me faltou com a sua solidariedade; Irmã Ambrosina, a alma do serviço de Ophtalmologia Feminina, desde os tempos de Pedro Pontual, modesta e humilde, procurando sempre esconder o seu real valor; Irmã Clementina, que desde a installação da Enfermaria de Gynecologia alli dirige superiormente os seus serviços, com energia, exactidão e bondade; e a bôa e dedicada Irmã Christina, que desde 1911 conheci em diversos postos e ha muito tempo, na 1.º Clinica Medica de homens, suportando o pêso de
um
dos serviços mais dificeis do Hospital Central, com pacien-
cia, caridade e abnegação.
Das que o Senhor chamou para a sua eterna gloria, lembro-me com saudade e respeito das Irmãs Ursula, minha companheira dos tempos da velha enfermaria de crianças, antes da
construcção
dos
Pavilhões Condessa
Penteado
e Fernandinho
Si-
monsen, da Irmã Martha Francischinelli do Pavilhão de Pensionistas de Homens, do tempo do meu internato, da Irmã Cesaria,
do
serviço
Cesarina
do
de Laboratorio
Pavilhão
de
Central
e da
Pensionistas
lavanderia;
Mulheres,
Irmã
da Irmã
Maria
Espe-
rança, da 1.º Clinica Cirurgica de Mulheres, da Irmã Antonietta
Bagand, da 2.º Clinica Medica de Homens, do tempo de Arthur
Mendonça.
Sou muito reconhecido às prezadas Irmãs que aqui trabalham e às que já trabalharam nas nossas diversas casas e estão hoje afastadas, servindo a outras instituições, pelas constantes provas de carinhosa amizade, de acatamento à minha autoridade de che-
fe, que foi sempre, exercida, antes como companheiro mais velho
do que rigidamente como chefe”."* A despedida do Provedor Padua Salles
O ano de 1946 foi o derradeiro da administração do Provedor Antonio de Padua Salles, forçado, pela idade, a afastar-se da liderança da Irmandade, após 27 anos de gestão (a segunda mais longa da história da Santa Casa, pois Antonio da Silva Prado, Barão de Iguape, superou-o por um ano, isto é, foi provedor durante 28 exercícios, de 1847 a 1875). O ano da redemocratização brasileira, onde o povo retornara à livre escolha do Presidente da República, após os oito anos de Estado Novo
e ditadura getulista, teve reflexos inéditos na instituição que sempre fez tudo
para
ignorar
a política
nos
assuntos
internos.
A
amargura
que
se
O
Poder
da Misericórdia
depreende
do relato
531
de Padua
Salles,
a respeito
de
uma
movimentação
incomum dos empregados da Santa Casa, por efeito de reivindicação salarial, fruto talvez do ambiente de amplas reivindicações reinante no ano de 1946, certamente terá contribuído para a decisão de ceder lugar a outro irmão
na condução
mais
“A
da
situação
Irmandade:
grave do que
financeira a do
da
anno
Irmandade
se apresentou
anterior, já por si, bem
ainda
precaria.
Os prêços das utilidades indispensaveis á vida da Santa Casa continuaram em ascenção inconcebivel, fóra de qualquer previsão. Com
isso, a situação
dos funccionarios
da
Irmandade
se tornou
não
ser majo-
cada vez mais difficil, collocando-nos num circulo vicioso intransponivel. Os empregados exigem, já com certa impaciência, augmento dos seus salarios, porque as suas despesas crescem diariamente. A renda da Irmandade continúa a ser quasi a mesma, porque
os contractos
de locação
de
immoveis
podem
rados, sinão em pequena proporção e os titulos de renda que possuimos continuam a ter os mesmos juros, praticamente fixos. Nestas
condições,
embora
reconheça
a difficuldade
com
que
lu-
tam os seus empregados'para o seu sustento e o de suas familias, não tem a Irmandade outros recursos para attender ás suas reivindicações.
Sabendo mesmo que nem todos os empregados cuidam dos interesses da Santa Casa como dos seus proprios, mas tendo em consideração o elevado custo de vida, procurou a Irmandade
explicar-lhes as difficuldades do momento immediatamente conseguiu.
como
desejava.
Esperava
para poder attendel-os ser attendida
e
nada
Em 5 de Dezembro a crise se revelou mais violenta, manifestando-se os empregados em um movimento tumultuoso e irreverente, exigindo em altos brados o augmento immediato dos seus salarios; á porta da sala das sessões da Irmandade, quando a Mesa estava reunida em sessão, que foi porisso interrompida, não querendo os reclamantes attender as razões que lhes foram expostas,
queriam
uma
solução
immediata.
Viu-se
então
obrigada a appellar para a intervenção das autoridades
a Mesa
policiaes,
pois não seria licito deliberar sob pressão dos seus subordinados.
Pela primeira vez durante a sua longa existencia se encontrou a administração diante de tão desagradavel conjuntura. Em entendimentos posteriores, com a intervenção do Syndicato dos empregados de hospitaes e casas de saúde e do Sr. Interventor Federal, nosso irmão Mesario, Dr. José Carlos de Macedo Soares, conseguimos acalmar os exaltados reclamantes, chegan-
do-se a um accôrdo para o estudo das condições dos empregados
532
Glauco Carneiro
e da situação financeira da Irmandade, com a promessa de uma
solução equitativa que, só no proximo exercício de 1947, poderá ser
resolvido.
Continuamos a pensar que a Irmandade precisa entrar num regimen severo de compressão de despesas, o que só poderá conseguir com a restricção da assistencia aos necessitados, diminuindo o numero de doentes internados e consequentemente o numero de empregados. Solução dolorosa porque a assistencia hos-
pitalar em S. Paulo está muito aquem
das necessidades de sua
Também
anos de exercício, pediu exo-
população”.!* em
1945, depois de dezenove
neração da direção clínica o Dr. Synésio Rangel Pestana. A 22 de julho,
a Mesa posse
designou
quatro
dias
para substituí-lo o Dr. depois.
Antes
de
sair
José Pereira Gomes, do
cargo,
o
Dr.
que tomou
Synésio
doou
milhares de livros e arrecadou recursos entre seus amigos para instalar uma biblioteca para os médicos do Hospital Central, no último andar do Pavilhão Conde de Lara: “Pretendia o ex-diretor installar na biblioteca a Sociedade dos Médicos da Santa Casa e a respectiva Revista, que desejava criar. A Mesa deu o nome de Dr. Augusto Meirelles Reis à biblioteca, por proposta do Irmão Dr. Synésio Rangel Pestana”.”” A 24 de maio de 1946 foi inaugurado o 5.º andar do Ambulatório Conde de Lara (seções de ginecologia, cirurgia de homens e mulheres), construído e equipado com recursos doados pela Família Crespi, no total de Cr$
450.000,00.
O Relatório de 1946 dá conta de que, a 22 de abril, “foi inaugurado um curso de enfermagem por iniciativa do Capellão da Irmandade Padre Innocente Radrizzani”. No mês de dezembro, a Mesa resolveu distribuir pelos empregados, como abono de Natal, meio mês de vencimentos, “em virtude do accordo entre o Interventor Federal, Dr. José Carlos de Macedo Soares (em nome da Mesa) e o Sindicato dos Enfermeiros”. Na
festa de 2 de julho, o Cônego
José
de
uma oração cuja beleza e valor histórico tornam crição, como anexo deste capítulo.
Castro
Nery
indispensável
pronunciou
sua trans-
Por longos anos, o Irmão Padua Salles, que se afastara da Provedoria
no início do ano de 1947, continuou a frequentar a Santa Casa. Os assuntos da instituição sempre o empolgaram, até falecer em 1957, com noventa e sete anos. A Mesa Administrativa realizou sessão em honra de sua memória, oportunidade em que o então Provedor, Christiano Altenfelder,
lembrou
com
emoção
a
personalidade
e
o
tempo
de
serviço
de
Padua Salles, enquanto Altino Arantes, orador especialmente designado, falou pela Irmandade, enaltecendo a têmpera e a qualidade superior dos
O Poder da Misericórdia
homens
533
representados
por
povo paulista:
aquele
ancião
que
encarnava
as
virtudes
“Eleito mesário em Dezembro de 1914, foi conduzido à Pro-
vedoria em
cargo
data de 21
por motivo
de Março
de avançada
de
1920,
idade
vindo
a renunciar ao
e enfermidade,
a 8 de
Ja-
neiro de 1947, quando lhe foi concedido o título de Provedor Honorário. Mesmo depois de deixar a Provedoria comparecia o dr. Padua Salles às nossas sessões, nonagenário, mas com o espírito brilhante e atento à solução dos nossos problemas, para os quais contribuia com periência.
os conselhos de sua sabedoria e grande ex-
A Mesa Administrativa realizou sessão pública e solene em homenagem ao ilustre extinto, tendo usado da palavra, além do Provedor em exercício o nosso Irmão Protetor Dr. Altino Arantes,
que falou por tôda a Irmandade. Foi o seguinte
o discurso
do
dr. Altino
Arantes:
“Nesta tocante solenidade, que evoca ao nosso coração e à nossa lembrança a figura respeitável e querida do grande brasileiro e ilustre paulista, dr. Antonio de Padua Salles, desvanece-me a convicção de que não será acoimada de impertinente a
palavra singela, mas profundamente sincera de quem, como eu, se logrou da fortuna de, em cerca de meio século, ter sido seu amigo, seu correligionário e seu colega de govêrno.
Represento assim a voz quase evanescente do passado;
passado
distante
que
a nós
ambos
foi comum
e que,
de um
por isso
mesmo, lhe há de conferir a autoridade de um autentico depoimento — objetivo e insuspeito; um desses depoimentos dos quais se poderia repetir, sem pretensão, que pela sua veracidade e pela sua isenção, “se sobrepõem à esfera cambiante das mudanças e se eximem, imunes e imutáveis, às jurisdições caducas do tempo” ”. Fomos ambos, com efeito, soldados fieis e devotados do velho Partido Republicano Paulista, em cujas fileiras êle se alistára desde a sua juventude — obedecendo sem dúvida às sugestões do seu
espírito
liberal,
mas
também,
e,
sobretudo
talvez,
às
suas
preclaras tradições de família, entre as quais avultava pelo brilho
da sua inteligência, pela sedução da sua palavra e pelo vigor inti-
morato
Manuel
de sua
fé republicana,
Ferraz de Campos
Salles.
a figura consular
do
Presidente
Foi nessa escola admirável de honradez, de democracia e de
patriotismo indefesso e operante que Padua Salles iniciou e realizou tôda a sua carreira pública; e esta, longa de quase doze
ste
do
a|
Glauco
534
lustros, decorreu benéfica.
invariávelmente
limpida
e serena,
Carneiro
luminosa
e
É que o bem público, a preocupação do interêsse da comunidade, o bem-estar e o progresso da Pátria foram o norte único, os incoercíveis estimulos das suas múltiplas, incansáveis atividades sociais.
Nos diferentes cargos que exerceu, a sua mente nunca se deixou obumbrar pela ambição. A vaidade nunca lhe desnorteou o espírito. A violencia nunca lhe maculou o caráter. A cobiça jamais lhe manchou os arminhos da probidade ilibada e incorruptivel.
E estas foram as linhas inquebrantaveis, dentro das quais se comportou a sua conduta — como representante do povo de São Paulo na Câmara e no Senado, como Secretário de Estado e como Ministro da República. No govêrno do presidente Albuquerque Lins fui seu colega e companheiro — êle ocupando a Secretaria da Agricultura e cu a do
Interior.
E foi exatamente
nesta
situação
de convivência
e de cooperação administrativa que inúmeros e quase quotidianos ensejos se me depararam
do seu
proceder;
para ver, apreciar e aplaudir a inteireza
a dignidade
elevação dos seus propósitos;
fesa de São Abro
de suas
atitudes;
a nobreza e a
a intransigencia da sua ação na de-
Paulo e do Brasil.
neste
lance
as páginas
do meu
diário
íntimo
precisamente entre as datas de 6 e 7 de dezembro de
contro
as seguintes
referências:
e nelas,
1918, en-
“Desempenhando-me de uma comissão que me confiara o Presidente eleito da República, Conselheiro Rodrigues Alves, em carta
recebida
hoje,
de Guaratinguetá,
por
portador,
estive
em
casa do dr. Padua Salles, a quem consultei, “sem compromisso e como iniciativa exclusivamente minha” (pois rezava assim O meu instrumento de mandato), se, convidado para Ministro da Agricultura, aceitaria esse elevado encargo. ..”. Vinte e quatro horas depois. achando-me eu no Hospital Sta.
Catarina para acompanhar um filho poucas horas antes operado,
ali mesmo fui procurado pelo dr. Padua Salles; o qual “depois de expender sensatas considerações sôbre a importância da pasta "da Agricultura e sôbre a necessidade de ser-lhe dado maior relevo, entregou
ao meu criterio como
Presidente
do Estado, mandatario
dos paulistas e defensor natural das suas aspirações, a resposta à consulta que na vespera eu mesmo lhe fizera. Cortei imediata-
mente
o nó gordio
da questão, dando
uma categorica
resposta
535
O Poder da Misericórdia
afirmativa, à qual trições
quanto
o meu
à data
de
interlocutor
sua
posse
opôs
apenas
e à possível
ligeiras
requisição
resde
alguns funcionários do Estado para seus auxiliares nos primeiros meses da sua gestão”.
Relato assim minuciosamente este episodio, porque êle põe em evidencia — de um lado a integral dedicação do dr. Padua Salles pelos interêsses de São Paulo, a cujo serviço se sacrificava incondicionalmente; e de outro lado o desprendimento, a abnegação com
que, aceitando, naquelas
circunstâncias, a pasta ministe-
rial, nem só renunciava às suas comodidades pessoais e ao meneio dos seus vultosos negocios particulares, como também trocava a tranquilidade e a segurança de um mandato senatorial de nove anos pelos afazeres e pelos riscos de uma função, relevante sem duvida, mas que a saúde, já a esse tempo bastante combalida, do chefe da Nação tornava instavel e aleatoria. Mas
eram
Na
vida
assim,
em
sua grande
maioria,
os homens
cos de outrora; eram assim os brasileiros, os paulistas e da tempera de Padua Salles... cívica
de 1930 abriu uma
do eminente
paulista, a funesta
pausa de dois anos apenas;
públi-
do feitio
Revolução
pois, já em
1932,
ao deflagar o movimento constitucionalista, que operou o magnífico milagre de unificar o povo de São Paulo numa só fé e num só heroismo, estava Padua Salles, desde a primeira hora, na primeira linha dos patriotas que se dispunham a lutar e a morrer
pelo mesmo
ideal de democracia e de liberdade. E por isso que
o nome prestigioso de Padua Salles, representando então os seus correligionários do PRP, subscreve com honra, ao lado dos de Pedro Toledo, Francisco Morato e dos generais Bertoldo Klinger e Isidoro Lopes, os vibrantes telegramas e manifestos que conclamavam as autoridades e os brasileiros, além das fronteiras de Piratininga,
panha
de
para se irmanarem
sua própria
com
libertação.
os paulistas na gloriosa cam-
Mas a Nação não nos quiz ouvir: fomos derrotados. E o decreto de expatriação, que a todos nos puniu, atingiu igualmente a Padua Salles. Ancião de 72 anos vimo-lo, nesses sombrios dias de incerteza e de desconforto, resignado sim, mas sempre altivo e corajoso, partir conosco para o exílio, rumo incerto e desconhecido, a bordo do velho e desarvorado barco “Pedro 1”, cujo casco — esborcinado e semi-apodrecido pela longa estagnação no porto — recebera, adrede e às pressas, precários remendos de
cimento
e
areia...
Ao cabo de sete dias de vagarosa e periclitante navegação, aportamos à cidade de Recife; e ali surpreendeu-nos a todos —
Glauco
Carneiro
e sobretudo ao próprio dr. Padua Salles — a ordem dictatorial que, à sua completa revelia, determinava o seu desembarque na capital
pernambucana,
onde —
ad instar do que
acontecia
com
o venerando dr. Borges Medeiros, ex-presidente do Rio Grande do Sul — deveria continuar prisioneiro à disposição do Govêrno Federal; enquanto que nós outros, transferidos para o vapor “Siqueira Campos”, do Loide Brasileiro, prosseguiamos a nossa rota para
Portugal.
E com este episódio encerra-se a carreira política de Padua Salles. Volta êle agora a dedicar-se mais assiduamente às suas costumeiras atividades particulares — na agricultura, na indústria e na alta finança. É o lavrador, é o banqueiro, é o capitão da indústria que vai reencetar e intensificar o seu labor profissional.
Diretor do Banco Comércio e Indústria de São Paulo e Pre-
sidente da Companhia
Paulista de Estradas de Ferro, Padua Salles
emprestou a essas duas poderosas entidades, que se acreditam entre os mais eficientes e beneméritos fautores do progresso da nossa
terra,
a assistência
diuturna,
a
colaboração
esclarecida
e
proveitosa que, para sempre, lhe hão de inscrever o nome entre os dos mais altos e expressivos expoentes desse indispensável equilíbrio entre a política e a economia, do qual, no conceito de Char-
les Albert, dependem e dependerão sempre a estabilidade, a força
e o desenvolvimento das sociedades humanas... Foi
assim,
neste
imperturbado
ambiente
de
trabalho
e de
cooperação social, que defluiu austera e placida, como austera e placida era a sua própria personalidade, a vida de Padua Salles. Vida que, tendo durado 97 anos, bem se poderia assemelhar ao curso longo, lento e largo de um rio a deslisar, bonançoso e fecundante, por extensas planícies — ora ensombradas de arvores,
ora
esbranquiçadas
de algodoais,
reluzentes no marfolho imensamente
ora
florescentes
de searas
verde dos cafezais.
ou
Mas sôbre essa esplendida trajetória quase secular brilha, sem nuvens que a empanem, sem tempestades que a desviem do seu norte, a suave claridade da mais elevada, da mais preciosa das virtudes evangelicas: a Caridade. A Caridade, que é o próprio fundamento da Religião e que, na lição do Apostolo, vale mais do que a fé que transporta montanhas e comunica o dom da profecia: mais do que a ciência que desvenda os mistérios e senhoreia as forças do universo e sem a qual a própria esmola, atinja ela embora às raias da prodigalidade, não passará de um címbalo vibrando no vacuo ou de um bronze soando no espaço deserto.
O
da
Poder
537
Misericórdia
Porque assim entendia e assim queria praticar, Padua Salles fez desta Santa Casa de Misericórdia, que é o escrinio sagrado da mais alta e mais nobre sentimentalidade dos paulistas, e da
qual
êle foi Provedor
mais
enternecidas
durante
vinte e sete anos consecutivos,
O
habitaculo predileto do seu coração; o estimulo vivificante do seu espírito instintamente cristão; o horizonte iluminado de suas predileções.
Porque aqui, sob êstes tetos sagrados, nestas salas, nestas enfermarias, nestes ambulatórios. incessantemente superlotados, e para onde acorre, em busca de alivio para os seus sofrimentos, a imensa plebe dos enfermos e dos necessitados; aqui, Padua Salles — democrata, patriota e cristão — podia contemplar de perto e socorrer de pronto o número inumerável dos pobres — aos quais Bossuet atribuia aquela eminente dignidade, cujos forais outorgara e autenticara, para todo sempre, o próprio Cristo na sua imorredoura palavra de compaixão e de solidariedade misereor super turbas... Tal é, em rápidos e esfumados traços, a biografia do Homem cuja memória nos congrega e confraterniza nêste recinto; tal a biografia (como a vejo e a sinto e da qual vim dar testemunho) do cidadão e do político que cumpriu integralmente os seus deveres e que exerceu os vários mandatos que lhe foram confiados — sem uma só omissão, sem uma só falha que lhe conspurcasse a luminosa fé de ofício. Finou-se como um Justo, em plena conformidade com o texto sagrado: repleto de dias, em velhice saudavel — plenus diebus. in senectude bona... da
Morreu, mas permanece conosco na ressurreição quotidiana saudade, que é a perene, invisível presença dos ausentes.
Morreu, mas vive e viverá eternamente no nosso pensamento, entre os mortos inesqueciveis, que hão de ser sempre os imortais
exemplos
dos vivos”.1º
NOTAS 1.
José Castellani, “O Cinqiientenário da Escola Paulista de Medicina”, in: Suplemento Cultural n.º 20 da Revista Paulista de Medicina. julho/agosto 1985. pág. XV. 2. Idem, pág. XVI. . Relatório da Mesa Administrativa da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo. editado em 1955, pág. 14. 4. Italo João de Stefano, Hospital São Luiz Gonzaga — Jaçanã, estudo para o mestrado hospitalar, São Paulo, 1968, pág. 1.
Glauco
ano
do
Relatório da Mesa Idem, pág. 32.
1938.
em
1937. editado
de
Carneiro
29.
pág.
O Estado de S. Paulo, "O Dia de Santa Isabel
na Santa
O
nessa altura, o mil-réis.
novo
padrão
monetário,
cruzeiro,
substituíra,
Casa”,
Relatório
da
Mesa
do ano de
1944, editado em
1945, pág.
39.
Relatório
da
Mesa
do
1945,
1946,
41.
. Irmã
Maria
Gabriela
ano
de
Nogueira,
editado
“Breve
em
Histórico
da
José”, original datilografado, entregue ao Autor.
- Idem, . José
Entrevista Alcantara
ao
Autor,
Machado
São
Filho,
Paulo,
- Idem,
da Mesa
de
Escola
de
Enfermagem
São
23/8/1984.
“Discurso
de
Paulo, 28/2/1947, original datilografado.
. Relatório
pág.
3/7/1937,
1946, editado em
1947,
Despedida”. pág.
Santa
Casa
de São
29.
pág. 33.
- Altino Arantes, “Panegírico de Antonio de Padua Salles”. in: Relatório da Mesa Administrativa de 1957. editado em 1958. pág. 21.
ANEXO AS OBRAS
DE
I
MISERICÓRDIA Oração
Castro
do
Cônego
Nery
Dr.
na Festa
de
José de
Santa
Isabel, Santa Casa de São Paulo, 2 de Julho de 1946.
“Nossa Senhora visita Santa Isabel. Com que açodamento, “cum festinatione”! Com que alegria, “exsultavit spiritus meus”! Com que agradecimentos a Deus, “magnificat anima mea Domi-
num”! Com que cativante humildade, “humilitatem ancillae tuae”! Com que perseverança no trabalho, “mansit quasi mansibus tribus”! Com que proveitos espirituais para Isabel e João Batista,
“repleta est Elisabeth Spiritu Sancto”, “exsultavit ejus”. A que vem, pois, a Senhora
de Nazaré?
lhe
fazer a cama,
remédios
durante
Para
ensinar-lhe
Incarnação.
Para
infans in utero
Para dar de comer
à Senhora da montanha. Para lhe dar de beber. Para vestí-la, para para
lhe
dar
gravidez. Para lhe fazer companhia. o
mistério
da
os mêses
da
Para lhe dar bons conselhos. consolá-la
nos
dias de abatimento. Para sofrer com ela as dores da maternidade. Para com ela orar, por vivos e defuntos, nas noites de expectativa, antes que nascesse o precursor de Jesus. Em resumo, para exercer as catorze obras de misericordia.
O Poder da Misericórdia
539
Maria começava assim, ao mesmo tempo que mãe de Jesus, a ser mãe dos desgraçados. Ela tem consciência da sua missão histórica. Duas vezes a palavra misericórdia se encontra no hino que canta em casa de Zacarias. Na primeira vez para louvar as misericórdias de Deus, que passam de geração para geração ao longo da história de Israel: “misericórdia ejus a progenies in progenies”. Na segunda, para dizer que Deus tomou a Israel, como um
pai de misericórdia
toma
nos braços o filhinho, “recordatus
misericordiae suae”. Maria sabe que Deus não se acumplicia com os soberbos do mundo; aliança-se com os pequeninos, “deposuit potentes de sede et exaltavit humiles”. — Maria exalta o Senhor, porque este não é conivente com os opressores do povo, antes mandou seu Filho ao mundo para dar de comer aos que têm fome, “esurientes implevit bonis et divites dimisit inanes”. Eis aqui, no bom sentido que estas palavras possam ter, uma Nossa Senhora comunista. Nossa Senhora do pão. Nossa Senhora
do
vinho.
Nossa
Senhora
dos teares.
Nossa
Senhora
dos
Remé-
dios. Nossa Senhora das Mercês. Nossa Senhora da Bôa Viagem. Nossa Senhora da Bôa Morte. E por que ela é misericorde tambem para com o espírito, Nossa Senhora do Bom Conselho. Nossa
Senhora das Letras, Nossa Senhora da Consolação. Nossa Senhora
da Emenda. Nossa Senhora do Perdão. Nossa Senhora da Condolência. Nossa Senhora da Prece. Numa palavra, Nossa Senhora das Misericórdias. Agora compreendo como as Santas Casas, desde quatro séculos, a escolheram por padroeira. “O Eterno, Imenso e Todo-
Poderoso Senhor Deus (são palavras do Compromisso, em 1516) em estes derradeiros dias inspirou nos corações dalguns bons e fieis cristãos e lhes deu coração, siso, forças e caridade para ordenarem uma
irmandade e confraria sob o titulo, nome e invocação
de Nossa Senhora Madre de Deus, Virgem Maria de Misericórdia”. Já lá se vão quatro séculos. E era sempre a 2 de Julho, dia da Visitação a Santa Isabel, que se elegiam, na sala do capítulo, os “treze homens
bons, virtuosos e de bôa
fama”,
para
regerem os
destinos da Irmandade. A pobre capelinha, nesse dia, tinha “mantas e panos” e ramos verdes, predominando o junco. O claustro adjacente resguardava-se com toldos retirados às velas dos navios surtos no porto, — lembrando quiçá aqueles que “por mares nunca dantes navegados, passaram muito alem da Taprobana”. PRECEITO
DAS
MISERICÓRDIAS
E por que nossos avós, sob o patrocínio da Misericordiosa, instituiram as Santas Casas de Misericórdia? Para obedecerem aos
540
Glauco
Carneiro
reis de Portugal? Estes naquele tempo só pensavam em duas coisas: bater o mouro e abrir caminho para a India. Para obedecer o povo? O povo, politicamente, ainda não existia. Nossos avós não eram analfabetos, liam os Evangelhos. E os liam de tal forma
que Vasco da Gama
pôde dizer aos mouros da África:
Deus-Homem, alto e infinito; —
zia
—
Que
bem
posso
excusar
que na alma andar devia”. não fazem.
Pois eles sabiam
“Dêste
os livros que tu pedes não tra-
Coisa que
trazer escrito
que muitos
Cristo deixara
—
Em
papel, o
doutores nos
de hoje
Evangelhos,
um mandamento acerca das obras de misericórdia. Lá está no texto de S. Mateus, capítulo XXV, desde o versículo 31 até o 46. “Quando
pois vier o Filho do homem
todos os anjos com
majestade;
separará
e serão
ele, então se sentará
todas
as gentes
uns dos outros, como
na sua majestade, e
sobre
congregadas
o pastor
separa
o trono de sua
diante
dele, e
as ovelhas
dos
gabritos. E porá as ovelhas à sua direita, e os cabritos à esquerda. Então o Rei dirá aos que estiverem à sua direita: Vinde, bem-
ditos de meu Pai, possuí o reino que vos está preparado desde o princípio do mundo; porquê tive fome, e destes-me de comer; tive
sêde, e destes-me de beber; éra peregrino, e recolhestes-me; nú, e me vestistes; enfermo, e me visitastes; estava no cárcere, e fostes visitar-me. Então lhes responderão os justos dizendo: Senhor, quando é que nós te vimos faminto, e te demos de comer; sequioso, e te demos de beber? E quando te vimos peregrino, e te
recolhemos; nú, e te vestimos? Ou quando te vimos enfermo, ou no cárcere e fomos visitarte? E, respondendo o Rei, lhes dirá:
Na verdade vos digo que todas as vezes que vós fizestes isto a um destes meus irmãos mais pequeninos, a mim o fizestes. “Então dirá tambem
aos que estiverem à esquerda:
Apartai-
vos de mim, malditos, para o fogo eterno, que foi preparado para
o demônio
e para os seus anjos;
por que
tive fome,
destes de comer; tive sêde, e não me destes de beber;
grino, e não me
recolhestes;
estava
nú, e não me
e não
me
era pere-
vestistes; en-
fermo, e no cárcere, e não me visitastes. Então eles tambem lhe responderão, dizendo: Senhor, quando é que nós te vimos faminto, ou sequioso, ou peregrino, ou nú, ou enfermo, ou .no cárcere,
e não te assistimos? vos digo: Todas as pequeninos, a mim eterno; e os justos
Então vezes o não para a
lhes responderá, dizendo: Na verdade, que o não fizestes a um destes mais fizestes. E, estes irão para o suplício vida eterna”,
Eis o preceito. O mandamento. A lei de Cristo. Imposta por duas formas. Pela forma positiva, como condição dos que entram no Céu. Em forma negativa, como razão pela qual vão para os suplícios eternos. Tudo expresso de maneira empolgante, dramá-
O
Poder
541
da Miscricórdia
tica, com a encenação do juizo final, os anjos a revoarem, os justos
à direita,
os máus
à esquerda,
o
Rei
sentado
no
seu
trono
de
magestade. Aí estão todas as obras de misericórdia: Dar de comer a quem tem fome; dar de beber a quem tem sede; vestir os nús; visitar os enfermos e os encarcerados; dar pousada aos peregri-
nos.
A piedade
cristã
foi apenas
buscar
aos
outros
passos do
letra
o preceito
Evangelho, o com que completar a lista: Remir os cativos, enterrar os mortos, e fazer todas as obras espirituais de misericórdia, isto é, dar bom conselho, ensinar os ignorantes, consolar os tristes, castigar os que erram, perdoar as injúrias, sofrer com paciência as fraquezas do próximo, rogar a Deus pelos vivos e defuntos. MISERICÓRDIAS Nossos de Cristo.
antepassados
CORPORAIS
executaram
ao
pé da
1.º e 2.º Deram de comer aos que tinham fome, deram de beber aos que tinham sêde. Não possuiam, no principio, nada. Viviam ao Deus dará, esmolando pelas ruas, subindo as escadas de El-Rei, batendo a todas as portas, ensurdecedoramente, como manda o Evangelho. Mandavam “pedidores de pão” às freguesias. Destacavam agentes nos centros de produção a fim de obterem o necessário. Punham depois na sacristia uma grande arca para armazenamento dos cereais. Nas épocas de carestia, como a que flagelou Portugal no século XVI, a Irmandade chegou a enviar navios a Viana, a Abufeira no Algarve, e até Málaga e ao porto de Santa Maria, afim de trazer trigo para os pobres. Não se esqueciam da meia libra de carne e da meia canada de vinho. E levavam o primor, num tempo em que só ricos comiam frutas, de dar aos doentes ameixas, figos doudos e uvas passas. 3.º Vestiam os nús. Naquele tempo as roupas eram caras e raras. Leia-se o testamento das rainhas, e ver-se-á que o guardaroupa delas era mal sortido. Da lista de bens deixados pelos bandeirantes — consultem Alcantara Machado — consta a escassês
de vestidos em que laborava gente rica. Pela própria história das
Santas Casas se pode averiguar que os mais abastados pouco
ti-
nham com que se vestir. Imagine-se agora o que não seria com os
pobres. Pois apesar dêsses obstáculos, os Irmãos
da Misericórdia
a pedir
o reino.
acharam meios de vestir os esfarrapados. Enviavam mamposteiros linho,
algodão,
roupas
usadas
por
todo
Nesta
obra se tornaram dignos de admiração muitos alfaiates (xastres, como então se dizia) que, sem remuneração, por amor de Cristo,
se ocuparam
em cortar ou adatar vestes para os humildes. Colo-
Glauco
Carneiro
caram na crasta da velha Sé uma arca para “camisas, saios, pelotes, sainhos”, com que a caridade pública ia ao encontro dos Irmãos
da Misericórdia. Não foram poucos os que se desfizeram dos mantos, como São Martinho, ou se desnudaram pobres, como S. Francisco de Assis.
para vestir os mais
4.º Visitavam enfermos. Visitar é o termo próprio, o do Compromisso. No princípio não tinham hospitais. Viam-se pois os Irmãos na contingência de fazer a visitação a domicílio. Pelo tempo adiante, quando as rendas o permitiram, construiram nosocomios privativos, com os seus cirurgiões, boticários, sangradores e enfermeiros. No tempo da peste do tabardilho, os Irmãos se revezavam ao pé dos doentes. Houve casos edificantes, para mostrar talvez que
os portugueses
não
eram
tão atrazados,
como
certos
políticos modernos os supõem. Outrora havia preconceitos a respeito de certas enfermidades, ditas vergonhosas, como a chamada
de boubas. Nem
os médicos queriam
Santa Casa do Porto, ao fazer o contrato com a qual não cuidaria do peninsulares rejeitaram
com
o qual se deveriam
tratar delas. Na
história da
um cirurgião benemérito, Baltazar Telles, o hospital, colocou uma cláusula, segundo mal de boubas. Pois os nossos atrazados o contrato, e concertaram outro, de acôrdo tratar todas as enfermidades,
indistinta-
mente, vergonhosas ou não. Porquê “a misericórdia de Deus a to dos abrange”.
5.º Remiam cativos e libertavam presos inocentes. Era mesmo uma das finalidades precípuas da Misericórdia, a julgar pelo minucioso das atas. Recordo-vos que os presos de antanho careciam de tudo, pão, água, leite, vestuário e até de instalações sanitárias. Viviam em pocilgas. Se eram pobres, gemiam nas prisões longo tempo. Nós os tivemos aqui, no Rio de Janeiro dos-ViceReis, com bolas de ferro nos pés, para não fugirem. Ninguem cuidava deles. Ninguem? Cuidavam deles os Irmãos da Misericórdia. Levavam-lhes de comer e de beber. E com que se vestirem. Patrocinavam as causas dos encarcerados. Instavam com os Corregedores do Crime e com os Juizes de Fora para que dessem audiências semanais nas prisões. Faziam representações a El-Rei contra os escrivães retardatários ou os almotaceis gananciosos. Pagavam
do bolso da Confraria os traslados dos feitos e as custas do pro-
cesso. Em favor dos justiçados, chegaram a cometer audacias. Na Bahia, conta Afranio Peixoto, em 1716, o carrasco e o condenado cairam da forca, cujo travessão se partira. Tanto bastou para que a Misericórdia cobrisse o réu com a sua bandeira. O meirinho, desatendendo à suplica dos Irmãos, matou o infeliz a estocadas. O Povo, fazendo causa comum com os Irmãos da Misericórdia, quiz fazer justiça ao assassino, no que foi impedido pela escolta.
O
Poder
da
Misericórdia
543
Resultado: o Vice-Rei, Marquez de Anjeja, prendeu a Irmandade, só libertada a rogos do Provedor. Era assim que as Misericórdias se adiantavam aos homens do seu tempo. 6.º
Davam
pousada
aos
peregrinos.
Hoje
o peregrinar
por
terras alheias é fantasia de ociosos e granfinos. Dantes era objeto
da
piedade
cristã,
no cumprimento
de promessas.
Ranchos
pito-
rescos demandavam Santiago de Compostela, Roma e Jerusalem. [am a pé, dormindo nas granjas, ou ao relento, baldos de todo recurso. Mas cantando. Quem deles se encarregava? Os Irmãos da Misericórdia. “Lume, agua, sal, rações de entrada e saída”, tudo lhes davam. Graças à munificência de uma pia dama, Dona Mafalda, construiram hospedaria, onde sempre se encontravam “'camas bôas e limpas”. Pelas folhas de pagamento, se pode verificar que não faziam distinção entre as nacionalidades. Galegos, castelhanos, franceses e outros beneficiavam da generosidade comum.
7.º Enterravam mortos. Os defuntos de antanho! Não havia serviço funerário. Cada qual ia para a cova como podia. Os ricos tinham muito séquito. Os pobres, não raro ficavam insepultos. Leiam-se
as crônicas, e ver-se-á
que
não
exagéro.
Em
época
de
apertos, a municipalidade tinha que forçar os detentos a sepultar os mortos. Sobre todos porém velava a Misericórdia. Mal badalava a sineta, ao comprido das ruas, acudiam os Irmãos, já vestidos nos
seus
balandraus, para
Enterravam
mente
pagar
ajudar
principalmente nada.
E como
o saimento.
os pobres, que
Enterravam
não podiam
esses
atrazados
portugueses
meios
de os enterrar.
os ricos. evidenteestavam
acima dos preconceitos! Enterravam, contra as idéias do tempo, os que não tinham sido ouvidos em confissão, e até os cadáveres que boiavam nos rios. E com que dedicação acompanhavam o enterro dos justiçados! Notai que aqueles que morriam na forca, segundo a lei, deviam permanecer insepultos, por muito tempo. Pois
os
Irmãos
arranjaram
Não
raro,
se-
gundo a bárbara usança, eram os réus esquartejados, isto é, par-
tidos em
quatro pedaços.
Pois os
Irmãos
iam a cada
porta da
cidade, recolher os quartos, postas humanas votadas à execração, e piedosamente as levavam para o cemitério.
Ainda os chamam de atrazados! Na verdade, com a história nas mãos, se pode dizer que eles se avantajaram a franceses, a ingleses, a alemães, a italianos e a russos. Nossos antepassados portugueses, mantiveram, administraram e perpetuaram hospitais,
recolhimentos, asilos, educandários na mais humana
das assistên-
cias. Todas as chagas sociais — a doença, a orfandade, a velhice, a viuvez, a miséria — neles encontraram o bálsamo. Estabeleci-
mentos para clínica geral. Manicômios. Casas de saúde para tuberculosos. Orfanatos. Sanatórios para convalescentes. Educandá-
544
Glauco
Carneiro
rios para surdo-mudos. Escolas para cegos. Asilos para viuvas pobres. Recolhimento para velhos e entrevados. Obras de justiça
social que
os povos
mais
adiantados do mundo
MISERICÓRDIAS Nossos
modernos
antepassados
levavam
invejariam.
ESPIRITUAIS ainda
vantagem
sobre
certos
do ponto de vista filosófico e moral. Não eram mate-
rialistas. Não amputavam no homem a espiritualidade. Presavam acima de tudo as misericórdias espirituais, tão certo é que as almas adoecem tambem dos seus escorbutos, tabardilhos ou boubas. Por isso, davam
bons conselhos
aos doentes,
aos presos, às
viuvas, aos mendigos, às orfans, aos peregrinos e aos moribundos.
Valiam-se de várias ocasiões para levantarem o moral dos sofredores, imitando a Daniel junto a Nabucodonosor e a José junto
do
Faraó.
Ensinavam ignorantes, creando escolas para crianças, para surdo-mudos, para cegos. Tomavam dos engeitados e os punham em casa de senhoras honestas que os pudessem adatar para a vida social. Educavam meninas, de pais extraviados ou falecidos, e as dotavam mais tarde para que casassem decentemente. Recolhiam rapazes vadios e lhes mandavam ensinar ofícios, tudo por conta
da bolsa de Misericórdia.
Por única paga se lembravam
o profeta dissera no Velho Testamento:
“Os que ensinam
brilhar no céu, como estrelas, por toda a eternidade”.
do que
hão de
Consolavam os tristes, os que haviam perdido a fortuna, os que tinham perdido os lares nos incendios, os que haviam perdido
pais, filhos e esposos nessas conquistas da India e do Brasil que despovoavam o reino, fazendo exclamar ao pobre Camões: “Dura inquietação da alma e da vida, — Fonte de desamparos e adultérios, — Sagaz consumidora conhecida, — De fazendas, de reinos e de impérios”. Consolavam, sob o pendão de N. S. da Misericórdia, os sentenciados à morte, rezando com eles, dando-lhes cordiais e conservas, e velando-lhes o rosto, depois da execução capital. Perdoavam injúrias. Os máus tratos, as recusas, as delongas, as incompreensões, as calúnias. Faziam com que os outros perdoassem. Nada mais belo como ver que os Irmãos, na sexta-feira Santa, procuravam os cidadãos que tinham entre si ódios velhos, inimizades ou demandas. Insistiam então que perdoassem. Práticos como eram, assentavam os nomes dos perdoadores, não fosse acontecer, por fragilidade, viessem de novo a inimizar-se.
545
O Poder da Misericórdia
Sofriam com paciência as fraquezas do próximo. As queixas dos doentes, a avareza dos ricos, a antipatia dos proprios Irmãos da Misericórdia. Principalmente, as ingratidões dos beneficiados. A história das Santas Casas está cheia de meninos, órfãos, viuvas, mendigos e protegidos que ao depois se voltaram contra a própria instituição, de que haviam recebido favores. Por única recompensa talvez se recordassem daquela belíssima sentença do Eclesiastes: — “Lança o teu pão sôbre as águas que passam, porquê depois de muito tempo o acharás”. Rogavam a Deus por vivos e defuntos. Instituiram junto das Santas Casas um perfeito serviço de religião. — Missas de convalescentes. Missas de ação de graças. Ofícios pelos mortos. Rezavam em comum
pelos irmãos falecidos. Não deixavam
nem mesmo
os
criminosos mortos no patibulo sem os sufrágios pelo descanso eterno. Para nossos antepassados as práticas dos Macabeus, no que entende com os defuntos, eram sagradas. De bôa mente aceitaram o que Jesus disse a Santa Gertrudes: Nenhuma oração fica sem fruto, bem que este fruto fique desconhecido dos homens.
Todas estas espiritualidades, nossos antepassados as fundamentavam no ideal cristão, no desinteresse, no desapego dos bens terrenos. Sabendo embora fazer bom uso do dinheiro, ou como hoje dizemos, do capital, eles desprezavam o espírito de riqueza,
a cupidez, o espírito capitalista. De bom grado, como o seu grande vate, poderiam exclamar: “Veja agora o juizo curioso, —
Quanto no rico, assim como no pobre, — Pode o vil interesse e sêde imiga — Do dinheiro que a tudo nos obriga, — Este
rende munidas fortalezas; — Faz traidores falsos os amigos; — Este a mais nobres faz fazer vilezas, — E entrega capitães aos inimigos; — Este corrompe virginais purezas, — Sem temer de
honra ou fama alguns perigos — Este deprava às vezes às ciências, — Os juizos cegando e as conciências. — Este interpreta mais que sutilmente — Os textos; este faz e desfaz leis; — Este causa os perjúrios entre a gente. — De mil vezes tiranos torna os Reis: — até os que só a Deus onipotente — Se dedicam, mil vezes ouvireis. — Que corrompe este encantador e ilude. — Mas não sem cor, contudo, de virtude. TRÊS
VULTOS
HISTÓRICOS
Dentre tantos vultos que perpassam na história das Misericórdias — reis, rainhas, prelados, sacerdotes, nobres, caldeireiros, picheleiros, esteireiros, calceteiros, anzoleiros, cabeiros e até pescadores — cumpre salientar um eclesiástico, uma fidalga e um homem do mundo.
546
Glauco Carneiro
O eclesiástico é Frei Miguel de Contreiras, religioso da Congregação da SS. Trindade. Bem sei que algum historiador (Magalhães Bastos), procurou diminuir o trinitário no intuito de exaltar uma rainha. Mas ainda quando diminuto, o papel deste frade não é menos importante. Ele redigiu o primeiro Compromisso, esse compromisso Se não
que
não podemos
foi o instituidor, foi pelo menos
Coroa na obra das misericórdias. lando para os pobres. Visitava os sacramentos da Religião. Mereceu gas da Santa Casa ostentassem a para lhe consagrar a memória. A invoca aurora, sangue,
ler, hoje em
dia, sem
lágrimas.
o maior colaborador da
Ele ia de enfermos. por isso pintura de
porta em porta, esmoConfortava-os com os que as bandeiras antium frade trino. Basta
fidalga é a mulher de El-Rei Dom João II, que Camões “Joanne Segundo e Rei trezeno... que foi buscar da roxa os terminos”. Dona Leonor foi uma grande dama, pelo pela fé e pela vida. Regente de Portugal, instituiu as Mi-
sericórdias de Lisboa, do Porto e de Caldas. Dotou-as. Amparou-as
legalmente. Fez, por intermedio delas, todo o bem possivel para os pobrezinhos de Deus. Ademais deu Ótimos conselhos ao seu real
marido. Ensinou ignorantes, em grau heróico, tomando sob os seus cuidados a educação do bastardo de El-Rei. Perdoou todas as injurias: as do rei, que lhe foi infiel, que lhe matou os amigos, que lhe apunhalou covardemente o irmão, o Duque de Viseu. Perdoou tambem as injúrias do povo que injustamente a acusou de envenenamento. Rainha sofredora, quando deixou a regência, tomou
o hábito das Clarissas, como nona secular, e viveu o resto do tempo, no claustro, entre
a penitência e a oração.
O homem do mundo é Henrique Nunes de Gouveia. Neto de Cornélio d'Utra, o descobridor das ilhas Terceira, Pico e Faial. Exercia encargos de importância. Tinha muito dinheiro. Mas não era bom cristão. Não ouvia missa. Não dava esmolas. Não se ocupava dos doentes necessitados. Um dia, a 8 de maio de 1546, no campo do Olival, junto à ermida de São Miguel-o-Anjo, havendo festa do orago, subiu à tribuna aquele que iria modificar
por completo a vida de Henrique Nunes de Gouveia. O fato me-
rece contado por menor. Quando o pregador subiu ao púlpito, houve desapontamento na assistência. Esperava-se um veterano da palavra e surgia um “mancebo de fraca representação”, ou como então se disse, um “menino”.
Eis, porém, que o jovem começa a falar. Fala de castelhano, sonora e singela. Já a voz lhe cresce no peito. Já a fisionomia se lhe transfigura. lá o patético atinge o auge. Os ouvintes estão suspensos. Escutam-se aqui e acolá os primeiros soluços. Chora o povo. Chora o Cabido. empertigado nas cadeiras de espaldar.
O
Poder
da Misericórdia
Choram os religiosos espalhados no adro. Afinal quem era o pregador? Um jesuita, recem-chegado ao Porto, chamado à pregação na última hora, para substituir um colega que faltara. Chamava-se Francisco de Estrada.
Pregou durante dois mêses, com êxito inex-
cedivel. Muitos se determinaram a viver na pobreza. Outros se fizeram ermitães. Outros ainda restituiram dinheiros indébitos ou fizeram pazes com os inimigos. Henrique Nunes de Gouveia, movido mais de curiosidade que da devoção, foi ouvir também ao jesuitinha. Ouviu-o e voltou cabisbaixo para casa. Meditou algum tempo. Despediu-se depois dos empregos. Começou a fazer obras de caridade. Ingressou na Irmandade de Misericórdia, onde foi, segundo os livros, o mais humilde
dos irmãos.
la aos hospitais,
fazia a cama
dos doentes,
dava-lhes de comer, e desvelava-se por eles. As filhas, entregou-as ao mosteiro das Clarissas. Os filhos fizeram-se jesuitas. Ele mesmo preparava-se para trocar o gibão de rico pela roupeta do religioso, quando veiu a falecer. Já nesse tempo era considerado um
santo homem, “espelho de qualificados procedimentos”. Dez anos após a morte, quando se lhe abriu a sepultura, encontraram-lhe o corpo intacto, lançando
Eis três modelos.
Leonor
Irmãos
Frei Contreiras para os sacerdotes. Dona
para as senhoras.
da Misericórdia.
de si suavíssimo cheiro. Henrique
Todos
Nunes
cumpriram
relativo às obras de misericórdia. Todos
de
Gouveia
para
os
o preceito de Cristo
imitaram
Nossa Senhora
da Visitação. Resta que todos vós, provedores, mesários, capelães
e enfermeiros, clínicos e cirurgiões, os imiteis no decurso de vossos
dias. “Cum festinatione”, com grande diligência. “Exultavit spiritus meus”, com redobrada alegria. “Magnificat anima mea Dominum”, com
agradecimentos
a Deus. “Humilitatem
ancillae”, com
sincera humildade. “Mansit autem Maria”, com perseverança. “Exultavit infans in utero ejus”, com proveito corporal e espiri-
tual para todos os pequeninos.
Amen”.
S4K
Glauco
ANEXO SANTA
ISABEL.
QUAL
Carneiro
II SANTA
ISABEL? Nuto Sant'Anna São Paulo Histórico Volume V
“Foi das mais solenes e importantes, em São Paulo, a festa de Santa Isabel. Mas de que Santa Isabel, se são diversas? E qual delas, também, seria a padroeira da Santa Casa de Misericórdia? Que relação existe entre esta e aquela santa? A primeira instituição de caridade, dêste genero, de que há notícia, é a de Lisboa, fundada em 1498 pelo espanhol frei Miguel Contreras, da Ordem da Santíssima Trindade, rainha d. Leonor, viuva de D. João Il.
tendo-a
patrocinado
a
Em 1500, já no reinado de d. Manuel, Cabral descobria o Brasil. E, 40 anos após, Braz Cubas criava, em Santos, a nossa primeira Misericórdia. Vieram, em seguida, as de Vitória, Olinda, Baia, Rio de Janeiro. Da de São Paulo não se conhece a data do
início. Há referências, em 1603, à igreja da Misericórdia. Teria relação com ela? É provável.
Mas de onde e por que se relaciona a de São Paulo com Santa Isabel? A primeira Santa Isabel foi a mulher de Zacarias, mãe de São João Batista. Conhecem-se ainda Santa Isabel da Hungria, filha de André II, nascida em 1207. Grandemente caridosa. Fundou um hospital para leprosos, dos quais tratava, junto do seu castelo, na Turingia. Vem, depois, Santa Isabel, irmã de São Luiz, nascida em 1224. Instituiu um mosteiro nas proximidades de Paris, devotando-se aos pobres. E houve ainda Santa Isabel, rainha de Portugal, mulher de d. Diniz, filha de d. Pedro III. Nasceu em Saragoça, em 1271. Era, igualmente, muito caridosa. Diz uma lenda piedosa que as rosas, de que se cercava, se transformavam em pães, que ela costumava levar, em seu regaço, para os necessitados.
Em
1612, sen-
do aberto o seu túmulo, acharam-na inteiramente intacta. Criou o Convento de Santa Clara, em que se conservam os seus restos mortais, e as casas de caridade de Coimbra, Santarem e Leiria, além do mosteiro de Cister e vários templos. O corpo desta santa foi depositado em uma urna dc prata, feita por disposição testamenteira de d. Afonso de Castelo Branco, prelado de Coimbra.
O Poder
da Misericórdia
549
Em linhas gerais, tem-se aí uma idéia da vida dessas quatro “Santa Isabel. As três últimas, entregaram-se ao ministério de obras pias, fundando
hospitais, igrejas e mosteiro.
que todas elas poderão ser, evidentemente, Casas. No
entanto, quer-nos parecer
De onde
se conclue
padroeiras de Santas
que se trata de uma
única,
talvez da retro-referida Santa Isabel portuguesa, falecida em 1336, no velho castelo de Estremoz. Mas as festas reais que se realizavam em São Paulo, à Santa Isabel, consagravam-se a essa santa? Parece-nos que não. Para nós tratava-se da Santa Isabel que floresceu nos princípios da nossa era, estando a sua existência milagrosamente ligada à de Cristo. Resume ainda, prestantemente, a Enciclopédia que, segundo o evangelista S. Lucas, um anjo anunciou ao marido de Santa Isabel que, apesar da sua avançada
idade, ela conceberia
um
filho,
destinado por Deus para ser o precursor do Messias. A profecia cumpriu-se fielmente. Visitada, na cidade de Judá onde vivia, por Maria, sua prima, recebeu-a com respeito e proclamou-a a mãe do seu
Senhor.
Uma
antiga tradição do Oriente
acrescenta
que,
depois de ter salvado seu filho João da matança dos recém-nas-
cidos, ordenada por Herodes, Isabel se retirou para o deserto, onde
terminou
a sua vida”.
As festas do Corpo de Deus, de Santa Isabel, do Anjo Custódio e de São Sebastião foram as principais, por muito tempo. E datam desde os primeiros dias de São Paulo. Quanto à ora em discussão, consigna a ata de 16 de julho de 1580 êste histórico: “.. .Joguo na dita camara requereo o perqurador que faltaram na prisiam (ou seja, procissão) de santa sabel a marquos fernandes o velho e marquos fernandes o moso e joam fernandes filho de
joam francisco digo joam ramalho que estes não viherao a prisiam que os condenasem
nas pena que el rei da os quais loguo conde-
narão a cada hú em dozentos res e mandarão pasar mãdado para
serê penhorados”.
Como se vê, frequência obrigatória;
nem se isentavam dela
os próprios maiorais da terra, como o filho de João Ramalho, ou filhos, pois quer-me parecer que Marcos Fernandes, o velho, tam-
bém descendia do célebre capitão mor de Santo André da Borda do Campo.
Essa Santa Isabel era a primeira das citadas, por isso que,
não poucas vezes, se encontram referências claras e positivas “á festividade da Visitação de Nossa Senhora á Santa Isabel”. Como
exemplo, aqui vai esta relação de despesas feitas pelo Senado da Câmara, no ano de 1818.
Glauco
“Por
105
Novembro
do
Libras e 1/4 de Sera lavrada comprada
Carneiro
do Tenente
Joze Antonio de Assumpção, a preço de 740 a Libra, em cujo pezo entra a que Sua Magestade, pela Regia Provizão de 27 de
77$885;
anno
de
1760,
manda
dar
aos
DD.
Miniztroz,
a João Leyte da Silva, de pintar e doirar quatro toxas,
6$400; de condução
dos assentos, moxo, tabuleiro das toxas para
a Mizericórdia. Por que? Era então a Santa Isabel, mãe do Precursor e da Camara Antonio Jozé Oliveira Barbosa”. Como terão notado, a festa se realizava na igreja da Misericordia. Por que? Era então a Santa Isabel, mãe do Precursor e não a Santa Isabel, rainha de Portugal, a sua padroeira, e, consequentemente, tambem da instituição, ou seja, da Santa Casa? O assunto não é da nossa alçada, sendo o problema com certeza de fácil solução para qualquer eclesiástico. No entanto, aí ficam algumas anotações interessantes.
Enfim, desde
as épocas
mais
remotas,
se realizou em São
Paulo a festa de Santa Isabel — festa tão significativa, tão evocativa, que relembra um dos mais tocantes episódios bíblicos: o anjo anunciando a vinda daquele que seria João Batista, o peregrino
que, alimentando-se de mel e gafanhotos, ia, por sua vez, através dos areais escaldantes dos desertos, anunciando a vinda de Jesus Cristo”.
ANEXO A VISITAÇÃO
DE
III
NOSSA
SENHORA
Leitura do Evangelho EVANGELHO “C. Deus operou maravilhas em Maria. O mesmo acontecerá com todo aquele que se abrir sem limites à Palavra de Deus, na fé, caminhando na esperança. Tt
Evangelho
de
Jesus
Cristo
narrado
por
Lucas
(1,39-56).
—
Maria levantou-se e foi às pressas para a região montanhosa, diri-
gindo-se a uma
cidade
de Judá.
Entrou
em
casa de
Zacarias
e
saudou Isabel. Ora, quando Isabel ouviu a saudação de Maria, a criança lhe estremeceu no ventre, e Isabel ficou repleta do Espírito Santo. Com um grande grito, exclamou: “Bendita és tu entre
O
Poder
da Misericórdia
551
as mulheres, e bendito é o fruto do teu ventre! Donde me vem que a mãe do meu Senhor me visite? Pois quando a tua saudação chegou aos meus ouvidos, a criança estremeceu de alegria no meu ventre. Feliz a que acreditou, pois o que lhe foi dito da parte do
Senhor será cumprido!” Maria, então, disse: “A minha alma engrandece o Senhor, e o meu espírito exulta em Deus, meu Salvador, porque olhou para a humilhação de sua serva. Sim! Doravante as gerações todas me chamarão de bem-aventurada, pois O todo-poderoso fez grandes coisas por mim. O seu nome é santo, e sua misericórdia perdura de geração em geração, para aqueles que o temem. Agiu com a força de seu braço, dispersou os homens
de coração
orgulhoso.
Depôs
poderosos
de
seus
tronos,
e
a humildes exaltou. Cumulou de bens a famintos, e despediu ricos de mãos vazias. Socorreu Israel, seu servo, lembrado de sua misericórdia, — conforme prometera a nossos pais — em favor de Abraão e de sua descendência, para sempre!” Maria permaneceu com ela mais ou menos três meses, e voltou para sua casa”.
ANEXO
IV Dr.
Mario
Altenfelder
Provedor
1984-1986
A Irmandade — 1984-1986 — registra o dia 15 de agosto, dia da fundação da Santa Casa, por D. Leonor, em 1498, em Lisboa, como a grande data a ser festejada pela Santa Casa de
São Paulo.
19. A MODERNIZAÇÃO Cássio
A quarta fundação de São Paulo — O Provedor
de Macedo Soares — Os serviços de assistência — O 4º Centenário de São Paulo
“Sob um céu sempre opaco e disputado entre a neblina da
serra e a fumaça das fábricas, a cidade, irregular no traçado, na topografia e nas construções, pouco atraía. Imagine-se cerca de
um milhão de habitantes formigando entre ruas acanhadas, cheias
de fumaça, aos empurrões com operários e imigrantes. De vez em vez, ia-se ter a uma bonita praça donde se viam algumas
esporádicas edificações de vulto. Não se cogitava da urbanização de hoje. Só em alguns bairros residenciais as construções eram regulamentadas. Mas o centro, a parte vital da cidade e por onde se tinha de passar obrigatoriamente quando de um bairro se demandasse outro, era vitimado por um congestionamento perma-
nente de trânsito, onde
atrapalhavam
veículos e pedestres se amontoavam
de uma maneira
incrível, a certas horas do dia”.
Já na década de quarenta, em
pelo incremento dos negócios depois
São Paulo explodia como metrópole.
chegar
ao
milhão
apenas 45 anos!
de
habitantes,
e se
razão do progresso vertiginoso
do término da 2.º Guerra
trazido
Mundial,
Ela que passara quase 400 anos para
acrescentaria
nove
outros
milhões
em
A administração pública procurava aritmeticamente tentar responder à provocação do crescimento geométrico. O prefeito Fabio Prado (19341938)
colocara
São
Paulo
no limiar
das
modernas
normas
urbanísticas,
mas, como frisa Pasquale Petrone*, “foi o prefeito Prestes Maia o verda-
O
Poder
da Misericórdia
553
deiro autor da remodelação da cidade, durante sete anos de dinâmica administração
(1938-1945):
“No desejo de arejar o centro e desafogar o tráfego cada vez mais intenso, abriram-se as avenidas perimetrais de irradiação,
largas de 33 e 45 metros, intercaladas por numerosas praças; iniciou-se a abertura do segundo anel envolvente de avenidas e deu-se um impulso definitivo ao chamado “sistema Y”, com as suas avenidas de fundo vale, facilitando as comunicações entre o Sul e o Norte da metrópole; alargaram-se numerosas ruas e praças, tanto no centro como nos bairros próximos; canalizou-se extenso trecho
do rio Tietê, encurtando de vinte kms seu curso meândrico e propiciando a recuperação de 17 km” de terras varzeanas. Largas e extensas avenidas, diversos viadutos, quarteirões inteiros transformados, arranha-céus substituindo velhos pardieiros mal arejados e inestéticos deram à área central da cidade uma fisionomia inteiramente nova. Não há nenhum exagero em dizer-se que, nesse
período, teve lugar a quarta fundação de São Paulo, uma vez que as transformações foram de maior vulto do que as verificadas nas administrações
de
Antonio
Prado
e João Teodoro”:
São Paulo, há quarenta e cinco anos, já espantava pela enorme extensão, constituindo
prolongavam
um
bloco
compactamente
mais
ou
menos
harmônico
de
por sete ou oito quilômetros.
bairros
que
E apesar
se
das
tentativas de ordenação, o crescimento da cidade foi mais veloz do que as
obras das administrações municipais. Três enormes áreas compunham nesse tempo a grande cidade: 1. O Núcleo-Centro, compacto e enorme, entre os rios Tietê e Pinheiros; 2. A área de além-Tietê; 3. A área de Pinheiros, estendendo-se até Santo Amaro. O segundo quartel do Século XX assistira ao espetacular crescimento populacional: tendo cerca de um milhão de habitantes no final da década de trinta; 1,3 milhão em meados de quarenta; 2.227.512 em 1950, atingiria 3 milhões no ano do seu 4.º Centenário. E em 1985 teria 10 milhões de habitantes. Prestes Maia já assinalara a seu tempo: “Em grandeza e importância é a terceira cidade latina do Mundo, depois de Paris e Buenos Aires e a par do Rio de Janeiro. Na década de 1940-1950, ao passo que o Rio de Janeiro registrou um aumento de 28%, São Paulo cresceu 68%, deixando longe Nova York, Chicago, Buenos Aires ou Madrid nesse particular”.º Tudo cresceu espantosamente entre 1940 e 1950: o número de fábricas e de operários, as casas de comércio, o total
de profissionais, os veículos, os telefones, o movimento de seu aeroporto, o número de ruas, os templos, o abastecimento:
“Nas 20.000 fábricas paulistanas, trabalham 440 mil operários, O que significa haver, em cada grupo de sete habitantes, um operário.
Em
suas 8.000 ruas, existem
36.000 casas de comércio.
354
Glauco
Carneiro
Trafegam pela cidade cerca de 150.000 veículos... Há 140 mil telefones, 12 estações de rádio, 3 de televisão. O aeroporto recebe
por ano 40.000 aviões... testantes, 13 sinagogas...
ginásios, 56 colégios,
Existem 200 templos católicos, 98 pro-
Há 804 estabelecimentos primários, 111
19 escolas
normais, 3 Universidades, 449
tipografias, 106 livrarias, 91 jornais em várias línguas e 45 editoras, 150 cinemas, 8 teatros. A população consome 315 toneladas de carne por dia, 10 milhões de dúzias de ovos, 2.000 toneladas de manteiga, 720 mil sacas de farinha por ano, e 180.000 sacas de arroz e 60 sacas de feijao, cada mês. Isto é São Paulo, no ano
em
que
comemora
o seu quarto
centenário...
Somos
tomados
pela dúvida sobre as vantagens e o sentido dessa monstruosa metrópole que está transformando o Estado de São Paulo em um
corpo que definha
mas que orgulhosamente
ostenta soberba ma-
crocefalia. Torna-se lícito perguntar o que se tornará esta cidade em contínua renovação e desenvolvimento; e se esta espécie de elefantíase é explicável e justificada”.' O absurdo crescimento, a tremenda inchação urbana, o agravamento das condições ambientais, há 40 anos preocupam o povo, as autoridades e os técnicos. A cada ano São Paulo vem crescendo o equivalente a uma cidade de 500 mil habitantes e só nos últimos tempos é que se nota um
ligeiro arrefecimento no afluxo de migrantes para o planalto. O Brasil inteiro
tem
aqui seu eldorado.
E vem conquistá-lo.
Logicamente que decaiu o padrão sanitário e São Paulo chegou a apresentar índices absurdos de mortalidade infantil, desnutrição escolar e raquitismo, deixando longe aquela imagem do povo eugênico que por muito tempo apresentou aos visitantes. Pouco antes da cidade completar seu 4.º centenário, feliz mas cheia de problemas, a Santa Casa, sua mais antiga instituição, integrou-se no tempo histórico ao proceder completa reformulação de suas atividades assistenciais, a fim de poder suportar o lado Biafra da metrópole que ostentava Suíças. A Santa Casa redespertou para o futuro. A administração que realizou esse feito merece ter assinalada sua visão e sua coragem ao enfrentar um desafio de enormes proporções.
O Provedor Cássio de Macedo Soares
Irmão Mesário desde 19 de abril de 1931, 0 Dr. José Cássio de Macedo Soares foi eleito em 1947 para substituir o Ex-Provedor Padua Salles, que se retirou por motivo de idade. Por onze anos faria uma administração que
seu sucessor, Christiano Altenfelder, não vacilou em denominar de “notável”:
O
Poder da
Misericórdia
555
“Foi o Provedor José Cassio pelo espaço de 11 anos o remo-
delador dos serviços da Santa Casa, transformando e modernizan-
do as velhas enfermarias, realizando novas construções, como a cosinha, em vias de conclusão, organizando técnica e científicamente a antiga farmácia, criando modelar laboratório de produção
de medicamentos em grande escala, adquirindo novos aparelhos de Raio X, criando e instalando o Banco de Sangue e grande soma de outros serviços, que são do vosso conhecimento.
Não há Casa da Irmandade em que se não destaquem obras e serviços realizados na administração do Provedor José Cassio. Constitue
sua
administração,
indiscutivelmente,
o
periodo
aureo da modernização dos hospitais e serviços da Santa Casa.
Modesto, sem alardes, executou obra verdadeiramente notável.
Assumindo a Provedoria no início do ano de desde então, essa obra administrativa!
Em
1947, como avultou,
1946 o orçamento total da Santa Casa não chegou a 20
milhões de cruzeiros. Já em 1947 atingia a Cr$ 24.654.000,00 e
ao transmitir a Provedoria, o orçamento para o presente exercício
se eleva a 238 milhões de cruzeiros.
Especial atenção dedicou o Provedor à administração das pro-
priedades imobiliárias, tendo sido efetuadas novas construções e aquisições de predios, que acresceram grandemente o valor do patrimonio da Santa Casa. A renda imobiliária que em
1946 era de Cr$
se eleva a 51 milhões de cruzeiros em
5.836.000,00
1958.
Mas não poderia correr tranquilamente a administração nesse periodo de 11 anos, quando aqui viriam refletir-se os fatos da vida economica que atormentam o país. Preocupado
com construções, reconstruções, criação de novos
serviços, ampliação e melhoria dos existentes, viu-se ainda a braços o Provedor com as dificuldades decorrentes da desvalorização da
moeda e do aumento cada vez mais impressionante do custo de todas as utilidades, principalmente de generos alimentícios, medicamentos € equipamento cirúrgico. E as agruras da administração mais ainda se agravaram com a alta duas vezes estabelecida em 1954 e em 1956, dos salarios mínimos, o que vcio afetar consideravelmente o orçamento da Santa Casa, não só pelo maior salario inicial, como também pelo reajustamento de todos os demais, consequência natural daquele
aumento decretado.
556
Glauco
Carneiro
O aumento, a partir de 1954, só na verba pessoal foi de 15 milhões de cruzeiros, anualmente e a partir de 1956, com a nova
clevação
de salários, passou
mente esse aumento. Teve
ainda a Santa
a ser de Cr$ 36.000.000,00
anual-
Casa de estabelecer a remuneração dos
seus serviços médicos, o que se impunha, não só em razão das condições atuais do exercício da profissão, como ainda em decorrência da legislação do Estado. A lei Alipio Correia Neto subordina o recebimento de auxílios e subvenções por parte das casas de assistência à obrigação de remunerar
médicos em
número em
proporção aos leitos dos hospitais. Tivemos assim de acrescer nos
nossos
orçamentos
em
1956
a verba
de
18.164.000
para remuneração dos médicos, verba que se elevou em 18.708.000 cruzeiros”.
cruzeiros
1957 a
A visão de uma responsabilidade manifesta é patente nos documentos que informam os onze anos do Provedor José Cássio. Assim, ao justificar por que a Mesa Conjunta, logo no início de seu mandato, deliberou criar uma comissão de planejamento e estudo e contratar um dos mais competentes técnicos em organização hospitalar da época, o Provedor assinala com precisão o alcance da providência: “A Santa Casa de Misericórdia
de São
Paulo pela natureza
dos serviços que presta sobretudo aos indigentes, sofredores desta Capital, do interior do Estado e mesmo de outros Estados, sempre
mereceu no conceito público a justa fama de instituição de grande benemerência. Por êsse motivo foram-lhe sempre destinados gran-
des e numerosos donativos, que constituem hoje o seu patrimônio, quase todo (9 décimos) representado em prédios e terrenos situados
na cidade de São Paulo e seus arredores.
Fundada há três séculos e meio, ainda em plena era quinhen-
tista quando
a Vila de Piratininga
contava
pouco
mais
de duas
mil almas, vem desde então socorrendo e assistindo aos doentes, pobres e aos necessitados, para isso crescendo e ampliando-se para acompanhar o desenvolvimento e as necessidades da pequena vila, depois da cidade hoje incontestavelmente a segunda Capital do Brasil.
A Irmandade começou construindo a sua Igreja e depois fundando o Hospital em uma de suas dependências. As suas reuniões sempre se realizaram no Consistório da Igreja da Misericórdia; ali se encontravam mensalmente os Irmãos da Santa Casa para em
seguida sairem distribuindo esmolas, visitando enfermos, loucos e presos, levando-lhes e às suas famílias, a assistência moral e os recursos materiais de que necessitavam, protegendo e amparando
O
Poder
da
Misericórdia
557
os órfãos desvalidos, cumprindo Compromisso da Irmandade.
assim
os preceitos religiosos
do
No começo as esmolas eram poucas e os sofredores e necessitados cram muitos. Cotizavam-se os Irmãos presentes para suprir
as faltas c insuficiências
da caixa
da
Irmandade,
e feita a coleta
destinavam as importâncias aos mais necessitados. A documentação escrita do funcionamento normal da Irmandade da Misericórdia alcança o comêço do século XVIII. Os livros das atas suces-
sivas contam o seu crescente desenvolvimento. Ampliando sempre os seus serviços assistenciais, foi a Irmandade aumentando enormemente
seus compromissos
para a manutenção
de novos
institu-
tos, criados e sempre ampliados para atender ao grande número de sofredores que a êles recorrem. Assim a sua receita quer ordinária, quer extraordinária, foi sempre insuficiente para a manutenção das casas, acumulando grandes deficits que passam de um para outro exercício comprometendo grandemente a execução orçamentária anual. Com
Ortopédico
a criação
e
Fernandinho
manutenção
de
novos
serviços,
Simonsen,
Hospital
São
do Instituto do Câncer
Arnaldo
Vieira
Luiz
Instituto
Gonzaga,
instalação do Berçário e do Lactário para as crianças expostas, O ambulatório Conde de Lara, o Sanatório Vicentina Aranha, a manutenção
de Carvalho,
a assistência aos tuberculosos no Hospital e no Sanatório, a Santa Casa aumentou extraordinariamente os seus compromissos aplicando tôdas as suas rendas, recursos e donativos que recebe para atender aos gastos gerais, tornando impossível a melhoria dos serviços fundamentais do Hospital Central que permaneceram com as mesmas características e alguns ainda com as instalações primitivas, como os serviços da portaria para internação de doentes, do Laboratório Central, o bloco cirúrgico central, a cosinha, com seus serviços anexos, almoxarifado, despensa, refeitórios, copa, instalados em 1884 quando a construção do Hospital foi feita para apenas o total de 300 doentes.
Essa deficiência de instalação compromete seriamente os ser-
viços assistenciais do Hospital, tornando-os morosos, e grandemente dispendiosos.
insuficientes
Com as instalações em 1916 das Clínicas da Faculdade de Medicina, no nosso Hospital Central essas faltas eram atenuadas pelo esfôrço dos responsaveis pelo ensino médico que procuravam por todos os meios supri-las com serviços especiais e de emergência em cada enfermaria, criando assim: laboratórios, Raio X, sala de curativos e operações com o respectivo instrumental e material
cirúrgico, biblioteca especialisada e arquivos; serviços também criados por alguns Chefes de clínica nas suas enfermarias.
558
Glauco
Carneiro
Assim ficou o Hospital Central, em parte, dividido em pe-
quenos hospitais com
serviços próprios, mantidos entretanto pelo
custeio geral; e essa multiplicação de serviços iguais em diferentes setores além dos inconvenientes pela dispersão do trabalho, sobrecarrega enormemente a despesa.
Com a transferência dos serviços da Faculdade de Medicina para o Hospital das Clínicas é que se patenteou a insuficiência do nosso Hospital. Mantivemos o mesmo número de internados, sem
entretanto a cooperação
valiosa dos serviços até então
mantidos
pela Faculdade de Medicina e verificou-se o grave problema
da
permanência muito mais demorada dos doentes nas enfermarias, acarretando todos os inconvenientes dai decorrentes. E” que o serviço de rotina necessário ao estudo dos alunos da Faculdade — análises, exames especializados, observação sistemática, supriam
de certa forma, as deficiências do hospital. COMISSÃO
DE
PLANEJAMENTO
Tomando conhecimento dêsses problemas deliberou a Mesa Conjunta, logo no início de seu mandato, corrigir as falhas apre-
sentadas, procurando organizar um programa para a remodelação
dos serviços médicos e assistenciais do Hospital Central e de tôdas as demais casas da Irmandade. Aprovada em sessão da Mesa Conjunta de 25 de posta da Provedoria para a criação de uma comissão mentos e estudos das reformas referidas e autorizada um dos mais competentes técnicos em construções e
abril a prode planejaa contratar organizações
hospitalares, o Dr. Odair Pedroso para orientar os estudos e planejamentos, foram desde logo iniciados os trabalhos. A Comissão
de Planejamento ficou constituida pelos membros da Comissão de Obras, engenheiro chefe do escritório técnico, os Irmãos Escrivão,
Mordomo do Hospital Central, Tesoureiro, Diretor Clínico e mais
os Irmãos
Mesários
Dr.
Leal da Costa,
Washington
de Oliveira,
Benedito Sant'Ana, José Loureiro Batista, Sampaio Viana e Aldo Azevedo, sob a presidência do Irmão Provedor.
Sua primeira reunião realizou-se a 9 de maio, sendo escolhido para relator o Irmão Membro da Comissão de Obras Dr. Zeferino Veloso. Seguiram-se mais nove reuniões a última em 10 de outubro sendo tôdas as atas aprovadas pela Mesa Administrativa e transcritas no livro competente.
Entre as reformas e instalações consideradas de maior urgência foram destacadas a instalação imediata do Banco de Sangue
O Poder da Misericórdia
559
e a remodelação do Pavilhão Condessa Penteado, o qual dispunha de verba especial, A Comissão de Planejamento estudou também vários projetos para a construção do novo pavilhão hospitalar, construido no sentido vertical com 14 ou 18 andares, onde serão centralizados todos os atuais serviços de cirurgia e novas enfermarias para contribuintes e indigentes. Tendo, entretanto, a Mesa Conjunta reiniciado os trabalhos para a reforma do Compromisso da Irmandade, resolveu o Irmão Provedor suspender as reuniões da Comissão de Planejamentos para que as suas deliberações pudessem ser tomadas de acôrdo com as novas determinações do Compromisso”.º Um dos setores mais necessitados de mudança era o Banco de Sangue,
pois só o Hospital Central contava com 10 núcleos “com notório desperdício de material e matéria prima, pois não fazia a economia de escala”. A idéia de um “Banco de Sangue Central” partiu do médico Vasco Ferraz Costa, que demonstrou
ao mesário Cantídio de Moura
Campos
as vantagens que
adviriam de sua implantação. Dois anos, porém, se passariam antes que, em 1946, fosse apresentado à Mesa o projeto do Banco de Sangue, afinal inaugurado a 30 de outubro de 1947, na gestão do Diretor-Clínico Dr. Pereira Gomes e contando com donativos do Irmão Anésio Augusto do Amaral e do Jockey Club de São Paulo. Dirigido pelo Dr. Vasco Ferraz
da Costa, o Banco de Sangue teve ainda como auxiliares Irmã Maria de São Geraldo,
Drs. Isaias Zatz,
Dante
Langhi,
Antonio
Damasco
e Gecel
Szterling. O déficit verificado no exercício de 1947 só foi parcialmente solucionado pela Irmandade com a colaboração dos Deputados Padre João Batista de Carvalho e Auro Soares de Moura Andrade, que conseguiram retirar emendas restritivas num decreto de subvenção estadual à Santa Casa.
O Poder Público concederia Cr$ 9.690.000,00 de verbas à instituição. Defrontando-se com o agravamento dos problemas financeiros, e não desejando restringir o acesso de doentes aos seus hospitais, a Santa Casa decidiu melhorar a renda de seu patrimônio imobiliário, com a permuta e venda de vários prédios da Irmandade e reconstrução de edifícios velhos, conforme um minucioso plano elaborado pelo Irmão Henrique Armbrust, Outro passo importante desse primeiro ano do Provedor José Cássio
foi a ultimação da reforma do Compromisso, que se vinha arrastando desde 1942. O texto final, de autoria do Irmão Dr. Leal da Costa, foi aprovado na sessão da Mesa Conjunta de 2 de dezembro de 1947.
Os serviços de assistência
Passo a passo com o crescimento de São Paulo, acorre para o. com-
plexo assistencial da Sunta Causa a fração de povo que tem na instituição
560
Glauco
Carneiro
seu derradeiro apoio. A Irmandade em 1948, hospitalizou 10.802 doentes no Hospital Central; 1.230 tuberculosos nos Hospitais São Luiz Gonzaga e Sanatório Vicentina Aranha; 825 inválidos e velhos no asilo do Jaçanã, além de matricular 1.954 alunas no Colégio São José e cuidar de 197 crianças recebidas pela tradicional “Roda” dos expostos e recolhidos ao Lar São José e Asilo Sampaio Viana — num total de 13.027 internações e 1.954 matrículas, sem contar os 55.631 doentes externos, atendidos nos ambulatórios. Os 1.034 leitos do Hospital do Arouche poderiam ter melhor rendimento se a Santa Casa encontrasse condições de remover algumas dificuldades em seus serviços — um dos quais, por exemplo, o tempo de permanência
dos
doentes.
A
Irmandade,
porém,
comove-se
“com
o quadro de
miséria orgânica, de carência de alimentação e estado crônico das enfermidades, obrigando a um estágio muitas vezes longo para recuperação e tratamento preventivo ou pré-operatório, o que em geral não se observa nos demais hospitais, em que os doentes necessitam apenas tratamento para
moléstias agudas”.
Entrou em vigor em
1.º de janeiro de 1948 o novo Compromisso
da
Irmandade, assim como, a 5 de julho, foi aprovado pela Mesa o renovado Regulamento do Corpo Médico. Intensificou-se a reforma do Pavilhão de Pediatria “Condessa Penteado” e a 29 de outubro foi inaugurado no Hospital São Luiz Gonzaga o Pavilhão Infantil “Dr. Synesio Rangel Pesana”, tendo o Serviço Nacional de Tuberculose contribuído com o auxílio
de Cr$ 858.000,00 para conclusão das obras. No mesmo dia foi inaugurado
no Hospital
Central
o Serviço
de Censo Torácico “Dr. Menoti
Sainatti”,
cuja aparelhagem também foi oferecida pelo órgão federal. A Mesa aprova
o loteamento e venda dos terrenos da Irmandade contíguos ao Asilo Sampaio Viana. O Provedor congratulou-se com o Diretor-Clínico, Dr. Ayres Netto, “pela aprovação do Regimento do Corpo Médico que veio possibi-
litar a mais íntima colaboração desses dedicados profissionais com a administração dos hospitais”. Em
1949, a média
diária de atendimentos
da
Santa
Casa
atinge
a
2.029 pessoas entre doentes de moléstias graves, inválidos, tuberculosos e órfãos. A percentagem de curas atinge a 87,60% no Hospital Central; 29,91% no Sanatório Vicentina Aranha e 41,02% no Hospital São Luiz Gonzaga. Foram gastos nesse ano 130.500 quilos de pão e 171 toneladas de carne e 500 quilos de arroz para os internos. A Mesa se esforça para
apresentar resultados de suas duas metas permanentes: Melhorar a assistência aos doentes e aumentar a renda da Irmandade. Instala-se um aparelho de Raios
X na 2.º Enfermaria de Homens,
a 19 de março;
moderniza-se a
sala de operações “Prof. Alves de Lima” no Bloco Cirúrgico Masculino, em 3 de setembro; instala-se o Pavilhão de Tuberculose Infantil “Dr. Menoti Sainati” no Hospital Central, em 20 de outubro. O Provedor Cássio de Macedo Soares assinala grande perda:
O
Poder
da
Misericórdia
“Roberto Simonsen, falecido em 29 de janeiro, pertenceu por mais de vinte anos á Mesa Administrativa e foi o grande colaborador de Rezende Puech e Synesio R. Pestana, na construção e instalação do Pavilhão Fernandinho Simonsen, incontestavelmente o maior e melhor serviço de ortopedia infantil da América do Sul e onde o Prof. Puech conseguiu organizar e dirigir a mais notavel escola de especialistas do nosso meio medico”. Um entre os à Mesa, histórico
quadro completo do programa de reformas encetado na Santa Casa anos de 1947 e 1950 foi exposto pelo Provedor em sua mensagem com data de 5 de maio de 1951. Trata-se de outro documento de interesse para o leitor:
“Desejo assinalar, de comêço, alguns fatos que demonstram o seguimento do programa elaborado pela Mesa Administrativa quando em 1947 nomeou, por proposta do Irmão Provedor, uma comissão para estudar e planejar as reformas substanciais por que deveriam passar todos os serviços de assistência e tratamento aos nossos doentes. A comissão orientada pelo eminente especialista em organiza-
ção hospitalar, Prof. Odair Pedroso, estudou durante vários meses, realizando vinte e três reuniões conjuntas, todo o plano de renovação dos nossos hospitais e ajudado grandemente pela Comissão de Obras presidida pelo notável engenheiro paulista, Dr. Heitor Portugal e pelo chefe do escritório técnico de obras Dr. Olavo Caiuby e seus auxiliares, pôde concretizar vários estudos que no decorrer dos três ultimos anos puderam ser iniciados e vários inteiramente terminados. O quadro a seguir evidenciará os serviços acima
DESPESAS
PATRIMONIAIS REALIZADAS 1947 A 1950
HOSPITAL
NOS
referidos:
ANOS
DE
CENTRAL
Pavilhão Condessa Penteado . Cosinha provisória ......... Farmácia ..........c.....
3.319.608,80 570.943,20 872.787,50
Ampliação Ampliação Adaptação e apar.
Serviço de Esterilização ..... 1.º Med. Mulheres e 6.º Med. Homens .......cccc. Ambulatório Conde Lara .... Enfermaria de Neuro Cirurgia
1.015.336,90
Adaptação e apar.
250.780,70 3.493.261,09 521.860,37
Adap. Enf. L.A.P.I. Construção interna Adaptação e apar.
Serviço de anestesia
........
253.551,10
Aparelhagem
Glauco Carneiro
562
Laboratório
194.721,44
.........
Casa das Máquinas
254.640,64 328.541,10 2.948.112,36
Central
Banco de Sangue
Diversas
enfermarias
Ampliação e apar.
Melh. instal. apar. Adaptação e apar. Mov. utens. e apar.
14.024.145,20 SANATÓRIO
VICENTINA
ARANHA
Reconstrução e instalações .. Utens. e aparelhagem médica .
3.665.741,70 243.855,80 3.909.597,50
EXTERNATO
SÃO
JOSE
Ampliação Moveis
199.827,20 46.450,00
e Utensílios
246.277,20 ASILO
DE
INVÁLIDOS | auto caminhão ........... INSIMIAÇÕES axu sigamasa rica
38.000,00 17.600,00 55.600,00
HOSPITAL
SÃO
LUIZ
GONZAGA
Term. obras
Pav. Tuberc.
Mov. utens. e apar. médicos
Inf.
.
.............,..
ASILO
SAMPAIO
1.131.989,00 281.367,30 1.413.356,30
VIANA Melhoria nas amp. e inst. .... Moveis, utensílios .........“.
332.937,40 156.132,00 489.069,40
CHÁCARA
JAÇANÃ Criação e veículos comprados . TOTAL
GERAL
453.045,00 20.491.650,60
O Poder da Misericórdia
DESPESAS
563
PATRIMONIAIS REALIZADAS 1947 E 1950
PRÉDIOS
PARA
RENDA
EM
NOS ANOS
DE
CONSTRUÇÃO
Reconstrução
prédio
Rua
S. Bento, 360-372
....
Reconstrução
prédio
Rua S. Bento, 500-506
....
6.849.850,45
Reconstrução
prédio
Rua
........
184.224,74
Reconstrução prédio Av. Ipiranga ............. Reconstrução prédio Rua Domingos de Paiva ... Reconstrução prédio Rua Aurora ............. Reconstrução prédio Rua TOTAL
Piratininga
Bento
Freitas
..........
cce
IMÓVEIS
PARA
RENDA
PARA
RENDA
do Estado de São
725 ações
e Ind.
PAUÃO: amasesi DESASTRES 400 apólices Unificadas Tes. Estado de São Paulo [766 1/0) DR
TOTAL TOTAL.
Comércio
17.365.000,00 839.261,40 170.000,00 18.374.261,40
ADQUIRIDOS
280 ações do Banco Comercial
do Banco
2.948.023,73
COMPRADOS
.escccscescsccccrrreresrecces
TÍTULOS
20.178,10 124.668,60 1.114.824,80
[1.250.448,60
Rua 7 de Abril (Edifício Bell) ............... Avenida: Lpiranga. as asssns ss resemaa O Rua Basílio da Cunha ........cccccc TOTAL
8.478,18
São
Paulo
auters ismamee tros A EE GERAL quase ssssmseseni tiros
56.000,00 202.600,00 108.750,00 367.350,00 29.992.060,00
O que facilitou e mesmo possibilitou a execução dêsse audacioso programa de reformas, foi a excelente orientação da Comissão de Contas, constituida pelos dedicados Irmãos Benedicto Sant'Anna, Pedro Pedreschi e Tacito Lara, com a colaboração eficientissima dos Irmãos Henrique Armbrust, José Alcantara Macnado, Candido Junqueira, Mario França Azevedo e José Loureiro Baptista, conseguindo levar avante, com propósito firme, a atualização de parte da renda imobiliária da Santa Casa, num magnífico plano de permuta e reconstrução de velhos prédios, atualização dos contratos
de arrendamento
realizados
há vários
anos,
saneando por essa forma parte do patrimônio que se encontrava congelado e sem renda. Assim foi obtido o numerário suficiente
564
Glauco Carneiro
para as primeiras realizações: a criação do Banco de Sangue, o Serviço de Abreugrafia, reforma e instalação da nova farmácia, a ampliação do Centro de Cirurgia Masculina para onde foram transferidos os serviços de anestesia e esterilização para todo o Hospital e todos os mais serviços mencionados no quadro acima, No setor da economia patrimonial da Irmandade foram feitas
as seguintes operações:
RECEITA PATRIMONIAL IMÓVEIS VENDIDOS Loteamento Pacaembú ....... Faz. Pau d'Alho - lotes vendidos
7.122.086,40 1.010.342,00
Prédio
3.800.000,00
Alameda Alameda
Rua S. Bento, 59-63
Barros, 68 Barros, 82
Rua 7 de Abril, Rua 7 de Abril,
Rua
Sebastião
...
......... .........
170 - permuta 3.876.500,00 - permuta 700.000,00
Pereira
.......
Avenida Ipiranga, 200-208 ....
Rua Alvares Penteado ....... Rua dos Gusmões ..........
Rua 7
Rua
de Abril,
503.280,00
4.112.730,00
4.600.000,00 450.000,00
2 - permuta 4.035.000,00
da Mooca, 2508
Avenida
543.000,00 513.000,00
Celso Garcia
........
.......
500.000,00
400.000,00 37.344.905,40
Menos:
Imóveis vendidos, prestações pagas no exercício de 1946:
Rua Sebastião Pereira ........ 503.280,00 Rua 7 de Abril ............ "700.000,00 inicial Rua Alvares Penteado .. 2.600.000,00
inicial Avenida
Ipiranga
.....
2.112.730,00
5.916.010,00
Cr$ 31.428.895,40 Todo esse programa de melhorias dos departamentos assistenciais que procuramos introduzir nos nossos hospitais tem um único objetivo: elevar o quanto possivel o nivel da assistência dada aos nossos doentes, possibilitando então aos Médicos dos respectivos serviços a pesquisae a investigação científica para isso ainda temos que completar o laboratório central, o Departamento de Radiologia e pôr em funcionamento com a maior urgência o Instituto de Anatomia Patológica, que estão merecen-
do os mais acurados estudos”.*
O Poder da Misericórdia
O
Provedor
administração:
“O
565
Cássio
nunca
programa
deixa
escapar o propósito
traçado
em
básico de sua
1947
continua
a ser executado
no
Hospital
Central,
no sentido de reorganizar, atualizar e desenvolver todos os serviços assistenciais, com o objetivo de melhor atender aos desprotegidos da fortuna, observando o espírito de solidariedade mantida em todos os tempos pelas velhas e sempre prestantes Misericórdias”. No
ano
de
1951
foram
internados,
13.677
doentes, dos quais faleceram 498, o que dá uma percentagem de mortalidade de 3,64%. O hospital manteve, durante o ano, 1.276 leitos gratuitos e 119 pagantes, “no total de 1.395 camas e que produziram 399.134 leitos ocupados durante os 365 dias de 1951”. Nesse ano, o Colégio São José, com 2.107 alunos, “é o maior estabelecimento de ensino do gênero de todo o Brasil”. A assistência às crianças abandonadas e carentes é feita pelo Departamento de Menores da Irmandade, que mantém o Educandário Sampaio Viana, o Lar São José e a Creche, todos sob a orientação de uma só mordomia.
Em
Araras,
mantém
a Santa
Casa o Asilo Santo Antonio,
internato de assistência a meninas pobres. A Mesa faz um registro importante: “Concluimos todas as instalações previstas e mantivemos todos
os serviços, porque
tivemos a promessa
formal do digníssimo Governador
portância necessária para a manutenção
dos serviços até que a Irmandade
do Estado, de que tão logo pudesse, no ano seguinte, enviaria uma mensagem ao Congresso do Estado, solicitando a cobertura do déficit e a imde novo equilibrasse seu orçamento. Nesta data, já o Governador do Estado, Dr. Lucas Nogueira Garcez, havia cumprido integralmente sua promessa”."” O ano de 1952 foi marcado pela instalação no Hospital do Arouche dos novos serviços de anestesia cuperação operatória. Foi também instalado o serviço gica entregue à direção do Prof. Maffei. Os doentes seguintes
faixas etárias:
de
o Serviço
de O a 20
anos,
31%;
As
despesas
de
Centro Cirúrgico do e esterilização e rede anatomia patolóatendidos estão nas 20
a 40 anos,
44%;
de 40 a 60 anos, 20%, e mais de sessenta, 5%. Os brasileiros são 93% do total e os estrangeiros, 7%. Os pacientes provêm da capital (72%), do interior (21%) e de outros Estados (7%). Inaugura-se em dezembro 1952
de Odontologia.
a Cr$ 19.900.000,00, o pessoal custa dica, 11.100.000,00, no ano de 1953.
de alimentação
atingem
36.050.000,00 e a assistência mé-
O 4.º Centenário de São Paulo
Em 1954, ano em que a cidade de São Paulo completou 400 anos de fundação, a Santa Casa registrou 887.473 leitos/dia ocupados. A manutenção e até ampliação dos serviços tornaram-se possíveis mais uma
vez
pelo socorro governamental, que acorreu com 25 milhões de cruzeiros para fazer frente ao crescente déficit da Irmandade, graças à excepcional com-
566
Glauco
Carneiro
preensão de um dos grandes administradores da história estadual, o Prof. Lucas
Nogueira
Garcez.
Já no início do ano, a imprensa paulistana
previa que a Santa Casa
teria um déficit de 27 milhões de cruzeiros, observando, jornalista Jaime Pacini Coeli no Diário de S. Paulo:
a propósito, o
“A Irmandade da Santa Casa de Misericordia de São Paulo, como todas as instituições que se dedicam especialmente à assistencia medico-hospitalar, vive às voltas com crescentes deficits. É que, dia a dia, aumenta o numero de pessoas, sem recursos, que batem às suas portas atrás de tratamento gratuito. Acresce, ainda, que, à medida em que aperfeiçoa os seus serviços — Laboratorios de Analises e de Anatomia Patologica, Raio X, Odontologia, Documentação
Cientifica, Gasoterapia, Centros
Cirurgico e
de Recuperação, Serviço Social Medico etc. — e melhora o seu
padrão assistencial, as despesas para a sua manutenção e atualiza-
ção crescem.
E quanto
mais eleva
o nivel de seus
trabalhos,
re-
cuperando maior numero de vidas, mais aumenta o numero de indigentes que procuram seus hospitais e sanatorios, em busca de cura, porque a boa-fama do tratamento dispensado atrae mais doentes, não só da Capital como do Interior e de outros Estados.
Não é de estranhar, pois, que o deficit da Santa Casa se
eleve de ano para ano. Os dirigentes da vetusta Irmandade procuram, por todos os meios, combater esses deficits. Possuindo
apreciavel integrada que outra sua renda
patrimonio imobiliario, nomeou comissão especializada, por abnegados que prestam graciosamente seu trabalho, coisa não fazem senão procurar elevar, cada vez mais, de alugueis. Assim mesmo, no exercicio de 1953, ela
não ultrapassou de 16 milhões de cruzeiros. Para o corrente ano,
está prevista a sua elevação a mais de 23 milhões. Apesar desse esforço, a despesa sempre é maior do que a receita. No orçamento de 1953, que atingiu a cerca de 75 milhões, o deficit previsto foi de Cr$ 10.770.552,00 e, até o mês de novembro tinha atingido a Cr$
9.873.006,00.
Esse
tasse com aproximadamente
deficit
oficiais e particulares.
AUMENTO Embora
seria
muito
maior,
senão
con-
20 milhões de donativos e auxilios,
DE
DESPESAS
ainda não esteja encerrado o balanço do exercicio
de 1953, a comparação das despesas realizadas, até novembro ultimo, com as previstas para o atual exercicio, demonstram quanto
se têm elevado as despesas domias:
da Santa
Casa, divididas por Mor-
O
Poder da
Misericórdia
567
1953 (Até novemb.)
1954 (Previsão)
.........
42.252.221,10
46.800.000,00
Vic. Aranha ............ Externato ............. o INVaNdOS auxarisasasiias S. Vianna ............. S. L. Gonzaga .......... Chacara ......cccc..
6.682.552,50 2.835.832,20 3.167.708,00 1.825.199,00 11.198.180,50 908.456,90
7.320.000,00 3.240.000,00 3.684.000,00 2.268.000,00 12.000.000,00 1.116.000,00
68.871.151,40
70.428.000,00"!
Mordomias
Hospital
Central
TOTAL
.iccscercios
Nesse tempo, já se tem uma certeza: a Santa Casa depende em 50% das subvenções para sobreviver. Em 1952, por exemplo, recebeu dos poderes públicos 40,38%
de sua despesa, com os donativos atingindo a 10,68%
e os legados e esmolas, 2,04%. O maior problema da Irmandade, porém, é a conservação e melhoria do seu vasto patrimônio: ““Dedicando-se à assistência médico-hospitalar, a Irmandade não pode se limitar, apenas, à conservação dos seus hospitais e sanatórios. Não basta zelar pelos prédios, em que funcionam seus vários departamentos. Tem que acompanhar a evolução da medicina. reaparelhar-se a fim de oferecer os meios mais modernos que aumentam a eficiência de seus médicos e cientistas. Precisa
adquirir
aparelhos,
nistração está
introduzir
consciente
modificações
de que,
essenciais.
se se limitar
apenas
seu atual aparelhamento científico, não oferecerá campo
A
sua alta admi-
à manutenção
do
propício a expe-
riências médico-cirúrgicas e, portanto, não interessará as centenas de facul-
tativos que
lhe prestam benemeritamente
seus serviços profissionais”?
O grande evento do ano de 1954 foi a inauguração da Biblioteca Central “ Augusto Meireles Reis”, cujo acervo foi doado à Santa Casa pelo Dr. Synesio Rangel Pestana que, em agosto daquele ano, já em avançada idade, mandou ler um discurso histórico, em que traçou uma perspectiva da Santa
Casa em várias dezenas de anos, acentuando ao final (a íntegra de seu pronunciamento está transcrita no Anexo deste capítulo): “Aí está montada a Biblioteca que de agora em diante pertence à Santa Casa e dela me despeço saudoso porque foi o instrumento de minha cultura profissional, que me deu a posição conquistada em nossa sociedade à custa de trabalho honesto e perseverante”. Instalada no último andar do Edifício de Ambulatórios “Conde de Lara”, a Biblioteca Central continua a ser um instrumento útil para a formação e informação
de seus milhares de usuários.
Segundo sua diretora Martha D'Amico, “a biblioteca tem sido de grande valia para os médicos, estudantes de medicina e enfermagem, bem como aos funcionários do hospital”. E no mundo da Santa Casa o pessoal da biblioteca registra a aventura humana inigualável de Thomaz Moldero, que
68
Glauco Carneiro
dedicou
grande
parte de sua
vida aos carentes
abandonando emprego, casa e família para junto aos menos favorecidos da sorte”.
assistidos
pela instituição,
morar no Albergue
Noturno,
No ano de 1955 a satisfação dos compromissos da Santa Casa foi mais uma vez facilitada pelo apoio de autoridades governamentais, desta-
cando-se o Secretário da Fazenda,
Carvalho
Pintto, aquele mesmo
doador
que, na década de vinte, repassara à Santa Casa o prêmio que recebera como melhor aluno do Ginásio do Estado."
Já encontramos nesse ano as dependências da Santa Casa com o seguinte atendimento: Hospital Central, 14.717; Hospital São Luiz Gonzaga, 876; Asilo dos Inválidos, 785, e Sanatório Vicentina Aranha, 454, além
de duzentas crianças atendidas nos Educandários Sampaio Viana e D. Bene-
dita Nogueira, este na cidade de Araras. Os consultórios externos minis-
tram 80.000 receitas, com 70% de remédios fornecidos inteiramente em caráter gratuito. O Colégio São José tem aí 1.785 alunas matriculadas em seus cursos, desde o pré-primário até as Escolas Normal e Comercial, com
todas as classes desdobradas.
No último ano da renovadora administração da Mesa presidida pelo Dr. José Cássio de Macedo Soares, é a seguinte a distribuição dos recur-
sos assistenciais
da
Irmandade
da
Misericórdia
de São
Paulo:
“A serviço da nossa população pobre e necessitada mantem a Irmandade os seguintes departamentos de assistência: HOSPITAIS Hospital Central
........ 0.00...
Hospital S. Luiz Gonzaga
Sanatório Vicentina
Aranha
.......
1.483
.....
400
leitos (1.300 gratuitos)
”
(
280
”
(
600
leitos (
310
160
Leprosário Santo Angelo, sob administração do Estado.
"os
"os
ASILOS Asilo de Inválidos D. Pedro
Educandario Sampaio Vianna
II ..
....
150
"”
(
560 gratuitos)
150
"o
COLÉGIOS Colégio São José —
Enfermagem
Lar São José e Escola de Auxiliares de
com mais de 2.200 alunas matriculadas.
As diversas unidades que compõem esses departamentos, atendem as mais variadas classes de necessitados, sendo que os seus serviços se distribuem pela seguinte forma:
O
Poder
da
569
Misericórdia
1.º) consultantes,
2.º) doentes nas do Hospital Central;
no
Pavilhão
Conde
enfermarias
Lara;
clínica
médica
e cirúrgica
3.º) pronto socorro infantil no Pavilhão
Conde
Lara;
4.º) tuberculosos Campos; 5.º) crianças
Educandário
D.
expostas,
Sampaio
6.º) velhos
Inválidos
nos
hospitais
de
Jaçanã
abandonadas
no
Vianna;
desamparados
Pedro
de
de
e inválidos
II;
e São
José
dos
anexo
ao
Departamento
de
Berçário, no
7.º) menores (clínica médica e cirúrgica) nos Pavilhões “Condessa Penteado” e “Fernandinho Simonsen”; 8.º)
cancerosos
com o Hospital
no
Instituto
Arnaldo
de Carvalho
(convênio
Central);
9.º) menores necessitados de internamento e moças
egressas,
no Lar São José; 10.º) gueira;
11.º)
menores
internados
recém-nascidos,
candário Sampaio Vianna;
no
Educandário
assistidos
no
D.
Berçário,
Benedita
anexo
12.º) doentes de mal de Hansen, no Leprosário gelo, de propriedade da Irmandade e administração (convênio); 13.º) instrução e educação légio São José; 14.º) ensino de enfermagem fermagem São José: a) alunas
a cerca de 2.000
ao
No-
Edu-
Santo Ando Estado
alunas
no Co-
na Escola de Auxiliares
de En-
no curso anexo de aux. enfermagem
......
164
b) alunas no curso de extensão de enfermagem
......
17
.................
60
c) alunas no curso de preparação TOTAL. O
xs ssao
Ema ts O EE E
ES
ES CS E 241
vertiginoso crescimento da cidade nos últimos rante os quais dobrou sua população, coincidiu com
anos, duuma fase
de duras dificuldades para a Irmandade. Cresceram os seus serviços nas mesmas proporções das necessidades da população.
570
Glauco Carneiro
O Hospital Central, por exemplo, mentados nas seguintes proporções:
1955
Média
mensal
do
2: semestre
Operações
.....
Doentes intern.
Radiografias
Abreugrafias
Consultas Anestesias
....
..
...
teve os seus serviços au-
Média
mensal
do
2.º semestre
Aumento
687
1.030
49%
781
[.147
46%
1.069
2.650
5.319 420
10.810 701
1.744
..ccs. ......
1956
148%
3.155
80%
100% 67% 1º
A Irmandade de 1956 é uma corporação de 60 mesários, 250 médicos, 107 irmãs de caridade e 1.500 funcionários, que alcançou sucesso
na sua meta de conservar e ampliar seus serviços, modernizando-os de tal forma que muitos deles, nesse ano, podem rivalizar com os melhores do
país. A elevação das rendas próprias, bem como
o incremento da subven-
ção governamental, deram condições para que a Santa Casa continuasse a ser a derradeira e mais querida instituição assistencial da cidade, preser-
vando
suas características
imutáveis:
|. Ser um instrumento serviço comunitário; saúde
2.
de mobilização
das classes
abastadas
para o
Ser um veículo de atualização médica e profissional do pessoal de paulistano;
3. Constituir a última frente de engajamento dos melhores e mais distinguidos valores humanos da terra, no setor da assistência às classes carentes.
NOTAS Paulo
2.
Pasquale
Henrique,
Urbana
Metrópole
Petrone,
de São
“A
e Rincões,
Cidade
Paulo, op. cit.
de
São
pág.
pág.
25,
Paulo
112.
São
no
Paulo,
Século
1944,
XX”,
in:
A
Evolução
- Idem.
4.
Prestes
dt
nal
|.
Christiano
São
Maia, in;
Petrone,
Altenfelder,
Paulo,
Habitat
da
Mesa
in:
Editora,
op.
cit.
Relatório
pág.
117.
da
Mesa
1958, pág.
Administrativa
do
15.
€.
Relatório
Ano
de
7.
Relatório de
1949, editado em
1950, pág.
8.
Relatório de
1950, editado em
1951, pág. 3.
19.
Administrativa
1947,
editadó
do
em
Ano
de
1948,
pág.
1957,
16.
O
Poder da Misericórdia
571
9. Relatório de 1951, editado em 10. Idem, pág.
1952, pág. 9.
12.
11.
Diário de S. Paulo,
12.
Idem,
31/1/1954.
14/1/1954,
13. Martha
D'Amico,
Entrevista
ao
Autor, dezembro
1984.
14.
Mais tarde, como Governador, Carvalho Pinto continuaria a ser um grande amigo da Santa Casa. Hoje é seu Irmão Protetor.
15.
Relatório de 1956,
impresso em
1957, pág. 27.
ANEXO 55 ANOS DE SANTA CASA BIBLIOTECA CENTRAL
E A
Discurso do Dr. Synesio Rangel Pestana, na inauguração da Biblioteca
Augusto
Meireles
Reis,
de São
Paulo
20 de agosto de 1954. “A
inaugura
diretor
Irmandade
hoje sua
clinico.
da Santa
Casa
de Misericordia
Biblioteca Central,
ardente
desejo
do seu ex-
Nomeado diretor clinico dos seus Hospitais em 13 de fevereiro de 1927, foi meu primeiro cuidado visitar os hospitais e asilos da Irmandade para verificar quais as suas necessidades mais urgentes.
O Asilo de Expostos, do qual fui chefe, de clinica durante 19 anos, havia inaugurado em 1931, já na minha administração, sua nova enfermaria, aspiração acalentada desde a minha posse no cargo, porque
os seus asilados
em
numero
superior
a cem,
naquela época eram tratados nos proprios dormitorios, em promiscuidade com crianças sãs. O Asilo de Invalidos não tinha necessidades urgentes. O Leprosario de Guapira, horripilante deposito de leprosos, superlotado, sem condições higienicas, sem o mais elementar conforto, esperava a sua transferencia para o moderno e confortavel Asilo Colonia de Santo Angelo, que a Santa Casa estava construindo com valioso auxilic do governo do saudoso presidente Carlos de Campos e que foi inaugurado em 1928. O Hospital-Sanatorio Vicentina Aranha, de S. José dos Campos, havia iniciado sua obra benemerita em 1924, perfeitamente aparelhado, de acordo com as exigencias científicas do tempo.
572
Glauco
Carneiro
Como se está vendo, a Santa Casa atravessava um período de
renovação em diversos de seus departamentos cujas condições eram precarias no ponto de vista da assistencia hospitalar. As deficiencias maiores se encontravam
no Hospital Central
exigindo urgentes providencias para colocar o maior e mais antigo hospital da cidade e do Estado na altura do seu progresso e no nivel da posição de São Paulo, já nesse tempo, o estado lider
da federação
brasileira.
Encontrei-o quase Carvalho, que foi o seu derno, de cientifico no trando a visão larga de do cientista, um dos seu tempo.
o mesmo hospital de Arnaldo Vieira de remodelador, pois tudo que havia de monosso hospital fora de sua iniciativa, mosadministrador e a cultura vasta e profunda mais completos cirurgiões brasileiros do
De novo, só encontrei o Pavilhão Condessa Penteado para pediatria medica; a enfermaria de ginecologia, construida com o
donativo da saudosa Condessa de Lara, nossa irmã protetora e com o auxilio do governo do Estado, para abrigar a cadeira de clinica ginecologica, conquistada em concurso pelo professor dr. Nicolau de Morais Barros, pois o nosso hospital que, por acordo entre o governo e a Irmandade havia cedido à Faculdade de Medicina de S. Paulo as enfermarias necessarias ao ensino das diver-
sas clinicas do seu curso, não tinha,
na ocasião, enfermaria
vaga
onde se pudesse instalar aquela cadeira; e finalmente, a enfermaria de clínica oftalmologica de mulheres, entregue cadeira da especialidade, inteiramente remodelada, graças à decisão do saudoso ex-diretor da Faculdade, professor dr. Pedro Dias da Silva. Essas novas instalações devemo-las aos esforços e ao prestígio do nosso grande diretor clínico dr. Diogo de Faria, que, infelizmente,
exerceu o cargo somente durante sete anos, tendo tido tempo para atacar novas obras que julgava necessarias. O
nosso hospital, sempre superlotado, precisava de novos leitos para doentes de medicina, de cirurgia e das diversas especialidades, cujas enfermarias abrigavam doentes em numero superior ao dobro dos leitos existentes em colchões estendidos pelo chão entre os leitos e na passagem central das enfermarias. As salas de cirurgia de homens eram duas e as de mulheres tambem somente duas. As clinicas de oftalmologia de homens e de dermato-sifiligrafia estavam instaladas em enfermarias do porão da ala esquerda do hospital, mal iluminadas e como as outras, superlotadas. Os
ambulatorios funcionavam em salas do porão da frente do hos-
pital, acanhadas,
sem
o necessario equipamento,
de modo
que
O
Poder
da Misericórdia
573
os dedicados medicos desses serviços faziam verdadeiros milagres no cumprimento de seus deveres profissionais. As outras secções do hospital, salas de operações, de raio X, gabinetes de massagens e hidroterapia, quartos para pensionistas, etc. todos
em
instalações
deficientes.
Tuberculosos
“O problema que mais chamou minha atenção pela sua gravidade foi o dos tuberculosos dentro do Hospital. Ainda na direção de Arnaldo resolveu-se aproveitar um velho pavilhão de dois andares existente nos fundos do hospital para nele recolher os tuberculosos internados, colocando-se os homens no pavimento terreo, e as mulheres no primeiro andar. Em pouco tempo o velho pavilhão se encheu e apesar disso, as diversas enfermarias do hospital continuaram a abrigar grande numero de tuberculosos em criminosa promiscuidade com doentes de outras molestias. Não havia solução para o caso, porque não existia hospital especializado na cidade e por outro lado, os portadores de molestias do pulmão não podiam ficar abandonados sem
tratamento.
Impressionado com esse quadro negro desafiando a minha argucia e a minha capacidade de direção, resolvi ouvir o escritorio tecnico de obras da Irmandade e o prof. Rezende Puech que era, aquele tempo, a maior autoridade no Brasil em questões de organização e construção hospitalar. Estava aquele ilustre professor em entendimento com o diretor clinico do Hospital, dr. Diogo de Faria e o nosso grande irmão protetor dr. Roberto Simonsen para a construção de um pavilhão para o serviço de cirurgia infantil e ortopedia, para o qual o dr. Simonsen pretendia concorrer com valioso donativo que permitia o início da obra.
Falecido o dr. Diogo de Faria ainda na fase dos estudos para aquela construção, fui ouvido, como seu sucessor. Hospital Central “Lembrei então a conveniencia
de se tratar de remodelação
completa do Hospital Central, modernizando-o de acordo com as novas ideias sobre construção hospitalar ventiladas na America do
Norte
e na
Scandinavia.
574
Glauco Carneiro
Rezende Puech, o engenheiro Arnaldo Villares e mais tarde o
engenheiro Olavo Franco Caiuby, chefe do escritorio de Obras da Irmandade e o novo diretor clinico, depois de demorado estudo das instalações do Hospital Central e das suas necessidades mais urgentes, chegaram à conclusão de que deviamos, aproveitando o casco do antigo hospital de pavilhões separados, transformar suas velhas enfermarias em blocos de 3 a 4 pavimentos, ganhando em altura o espaço necessario para sua ampliação, uma vez que não era aconselhavel a construção de um monobloco, tão de uso modernamente.
Ficou assentado que as mais urgentes necessidades do hospital eram: a) construção do pavilhão de cirurgia infantil e ortopedia com 7 andares, já em estudos
na administração
Diogo de Faria;
b) do bloco cirurgico começando pelo feminino, na ala direita e
seguindo-se-lhe o masculino,
na ala esquerda, ambos
com
quatro
pavimentos, sendo aproveitado no bloco masculino o acidente do
terreno que permitia a construção de um andar, no rez do chão,
destinado ao almoxarifado da Irmandade; de oftalmologia, com
3 pavimentos;
c) do bloco. masculino
d) do pavilhão
para
ambu-
latorio com 8 andares, dos quais o ultimo seria destinado à biblioteca e à sede da sociedade dos medicos da Santa Casa, com a sua revista e que seria ao mesmo tempo salão de conferencias e reuniões do corpo clinico; e) comunicação subterranea ligando as enfermarias do rez do chão ao Pavilhão Condessa Penteado, ao
futuro pavilhão dos ambulatorios e à portaria do Hospital; f) de um hospital para tuberculosos fora do Hospital Central, e a con-
sequente demolição do velho deposito de tuberculosos,à famosa
5.º enfermaria de medicina.
Como obras menos urgentes viriam a seu tempo, a parte central do bloco cirurgico entre as secções masculinas e feminina,
com
5 ou 6 andares,
acima
da nova
enfermaria
de ginecologia
destinada às clinicas de especialidades, ao serviço central de esterilização, arsenal cirurgico e no ultimo pavimento, as salas de cirurgia;
a ampliação e modernização
de hidroterapia, no rez do chão do lhões de pensionistas, da farmacia Medicina de homens e mulheres, da e sifiligrafia, do laboratorio central,
dos serviços
de
raios X
e
bloco; a reforma dos pavicentral das enfermarias de enfermaria de dermatologia pavilhões para moradia de
enfermeiros e empregados de ambos os sexos necroterio e serviço
de escritorio de obras da Irmandade,
Todos esses estudos foram atacados e concluidos, com plantas detalhadas das obras projetadas. A parte tecnica do problema foi completada, restando. a fase mais dificil, a obtenção de recur-
sos financeiros para realização do grande projeto.
|
O
Poder
da Misericórdia
575
Finanças
“A Irmandade vivia, já naquele tempo em regime deficitario,
suas rendas que não bastavam para a despesa ordinaria, não deixavam margem para obras extraordinarias. Lembrei-me, então, de apelar para a generosidade dos paulistanos, que nunca recusaram auxílios à Santa Casa. Em 1929, com autorização da Mesa Administrativa foi organizada uma semana de festas e subscrições publicas, em beneficio da Irmandade e para suas obras urgentes. Com o auxilio de 23 senhoras da nossa alta sociedade, divididas em diversas comissões encarregadas, cada uma, dos diversos setores dos trabalhos projetados, foram realizadas festas brilhantes de dia e de noite, durante a semana: — sessões de cinemas, espetaculos de teatro e de circo de cavalinhos, corridas e matches de foot-ball, terminando as festas com um grande baile. As comissões
cos, as grandes Metropole, com
encarregadas
das subscrições visitaram
os ban-
industrias, o alto comercio e os capitalistas livros destinados à subscrição.
da
O exito foi completo, pois o resultado desse grande movimento de caridade atingiu à cifra de Cr$ 2.800.000,00, quantia elevadissima para a epoca, nas vesperas de uma grande crise do café, com espetacular queda do seu preço. Foi isso em 1929. Com esses recursos e alguns donativos e legados testamentares foram construidos no Hospital Central o Pavilhão Fernandinho Simonsen, iniciado com o donativo do casal Roberto Simonsen; os dois pavilhões de cirurgia, o feminino com 4 pavimentos e o masculino com 5 andares; o pavilhão masculino de oftalmologia; o Pavilhão Conde de Lara, para os ambulatorios; a passagem subterranea ligando o bloco central ao pavilhão Condessa Penteado, ao pavilhão Conde de Lara e à frente do edificio do hospital; o
edificio do escritorio de obras, com garagens no rez do chão e três andares para dormitorio de enfermeiras; dormitorios para empregados e aproveitamento dos altos da lavanderia para residencia de empregadas. Além dessas obras foram melhoradas as anti-
gas enfermarias, a velha o almoxarifado. Fora
do
Hospital
farmacia, os quartos
Central
foi
construida
de pensionistas e a obra
mais
im-
portante de minha diretoria clinica — o Hospital São Luiz Gon-
zaga, para tuberculosos, no bairro do Jaçanã, o primeiro
hospital
geral para tuberculosos indigentes fundado no Estado, construido especialmente para esse fim, com os recursos da Semana da Santa Casa, aproveitando-se a parte nova do velho hospital de lepro-
576
Glauco
Carneiro
sos do Guapira. Esse hospital foi mais tarde ampliado graças à visão administrativa do saudoso Armando Salles, jovem e competente estadista, à generosidade de filantropos paulistanos e da Legião Brasileira de Assistencia, na presidencia da exma. sra. d. Darcy
Vargas.
Não preciso dizer-vos o que é esse notavel
hospital da Santa
Casa, confortavel e moderno abrigo de doentes e famosa escola de tisiologia, de reputação nacional.
Biblioteca
— “Das obras projetadas a mais adiavel era a biblioteca do hospital, apesar de sua necessidade e do seu papel numa boa orga-
nização hospitalar, que não preciso dizer-vos os serviços que ela
presta a medicos e estudantes que a frequentam. Toda gente sabe o que representava a sua falta.
Obrigado a atender às necessidades mais urgentes e sem recursos financeiros da Irmandade para tal empreendimento, resolvi
apelar para meus amigos, que o são também da Santa Casa, pedindo-lhes auxilios para a instalação por mim ardentemente dese-
jada. O apelo teve simpatica repercussão dando-me para inicio das obras de acabamento do oitavo andar do pavilhão Conde de Lara, a quantia de Cr$ 262.000,00.
Estava este pavimento
o teto e as paredes nuas. Foi feito o seu acabamento o seu equipamento com aqueles recursos.
com
o piso,
completo
e
Para nucleo da biblioteca doei minha biblioteca medica, com quase 3 mil volumes de livros e periodicos encadernados. O primeiro subscritor para esta obra merece um destaque especial pela sua espontaneidade e prova de estima que me comoveu profundamente. Foi minha veneranda e saudosa amiga, exma. sra. d. Vitoria Pinto Serva, que já nonagenaria, mas, em plena
lucidez de sua viva inteligencia, quis dar-me essa prova de estima
para mim
muito honrosa.
Os outros doadores, de quantias maiores e menores merecem todos a minha profunda gratidão. Peço licença, entretanto, para
salientar, dentre eles, o meu saudoso amigo Gastão Vidigal que, também espontaneamente veio ao encontro dos meus desejos enviando o vultoso donativo de Cr$ 90.000,00 angariados por ele, da Companhia de Terras Norte do Paraná, do Banco Mercantil de São Paulo e de um anonimo. Por isso pedi à mesa administrativa que desse à sala de lei-
O
Poder
da
Misericórdia
577
tura da Biblioteca o seu ilustre nome, homenagem nimemente votada.
que foi una-
A Biblioteca hoje inaugurada tem o nome de Augusto Meireles Reis em lembrança do grande servidor da Santa Casa, meu
querido e inolvidavel
companheiro durante quase vinte anos, na
administração da Irmandade, em convivio diario todas as manhãs.
Em diversos cargos, definidor, mesario, escrivão e mordomo do Hospital Central, durante 38 anos, com inigualavel dedicação, ser-
viu
a este vetusto
sodalício.
O
retrato a óleo do seu patrono se
ostenta na sala da Biblioteca lembrando aos contemporaneos e aos posteros
e sua
benemerencia.
Aí está montada
a Biblioteca que de agora em diante perten-
ce à Santa Casa e dela me despeço saudoso porque foi o instrumento de minha cultura profissional, que me deu a posição conquistada em nossa sociedade à custa de trabalho honesto e perseverante. Auxiliaram-me, enriquecendo-a com a oferta de seus trabalhos cientificos, diversos colegas, professores e clinicos de S. Paulo, destacando-se o professor emerito da Faculdade de Medicina
da
Universidade
do
Brasil, dr. João Marinho
de Azevedo
que, além de seus numerosos e notaveis trabalhos pessoais ofereceu à Biblioteca o famoso “Tratado de Anatomia do Homem”, de Bourgery et Jacob, em 12 volumes, obra centenaria em perfeito estado de conservação e que além do seu valor cientifico é verdadeira obra de arte, pelas gravuras negras e coloridas do seu atlas anatomico. É livro raro do qual são conhecidos no país, três ou quatro exemplares. A Biblioteca da Santa Casa foi organizada sob minha direção pela provecta bibliotecaria diplomada srta. Abigail de Barros Melo, cuja competencia me foi assegurada pela primeira e ilustre bibliotecaria paulista exma. sra. d. Adelia Rodrigues de Figueiredo, auxiliada pela distinta bibliotecaria, também diplomada, srta. Ivete Rondinelli. A essas inteligentes auxiliares agradeço a dedicação nho com que se devotaram a esse trabalho.
e cari-
Está assim satisfeita minha ardente aspiração. No inverno da
existencia, descendo
já melancolicamente o outro
lado do outeiro
da vida, julgo ser este o ultimo dos pequenos serviços que venho
prestando à Santa Casa em 56 anos de ininterrupto labor. Agradeço cordialmente aos dedicados amigos que me auxiliaram nesta empresa, e à colenda Mesa Administrativa da Irmandade o apoio que sempre emprestou a essa iniciativa, aos colegas que doaram à Biblioteca além de trabalhos de sua lavra, obras nacionais e estrangeiras de valor.
Glauco Carneiro
578
Antes de terminar, quero agradecer a presença das autorida-
des civis, militares e eclesiasticas, das exmas. sras. e srs. que, com
suas
presenças, deram
grande
brilho a esta solenidade.”
1
t ,
Ta
20. A FACULDADE DE CIÊNCIAS MÉDICAS Christiano Altenfelder sucede a José Cássio de Macedo Soares — Uma gestão de mais de 25 anos — À grande divulgação de O Estado de S. Paulo — O plano de Júlio de Mesquita Filho para regionalizar a Santa Casa — A Faculdade da Misericórdia — Os problemas da igualdade — O Hospital Santa Isabel — O Pavilhão da Imagem — A Santa Casa na década de 1980 — Punição a médicos — O Provedor Paulo Meirelles Reis A 20 de dezembro de 1956, a assembléia geral da Santa Casa elegeu para os cargos administrativos da Irmandade, no exercício de 1957, os seguintes Irmãos: José Cássio de Macedo Soares, Provedor (reeleito), Christiano Altenfelder Silva, 1.º Vice-Provedor (reeleito), Paulo de Oliveira
Costa,
Gomes
2.º
de
Gonçalves
Na
Vice-Provedor
(reeleito),
Souza, Tesoureiro;
de
Andrade
Plínio
Machado
(2.º
Luiz
Pinto
Barreto,
Serva,
Escrivão,
1.º Procurador
Amadeu
e Francisco
Procurador).
José Cássio Macedo
verdade, esse último ano da gestão de
Soares
foi praticamente dividido com o 1.º Vice-Provedor, Christiano Altenfelder
Silva,
que
várias
vezes
substituiu
o titular,
no
impedimento
por. motivo
de viagens e de doença. Finalmente, a 20 de janeiro de 1958, foi ele efetivado como Provedor, cargo no qual permaneceria por 25 anos e seis meses, e sobre o qual teria ocasião
de dizer:
“Sempre considerei o cargo de Provedor da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo, o mais alto dos que me cometeram na minha longa vida pública, havendo participado do Governo do
580
Glauco Carneiro
Estado, como Chefe de Polícia e Secretário de Estado. No lativo, como Deputado, fui Vice-Presidente da Assembléia lativa e exerci a Presidência do Conselho Administrativo tado. Nenhum desses cargos sobreleva o de Provedor da
LegisLegisdo EsSanta
Casa”,
Christiano Altenfelder Silva é um exemplo representativo da tese que
sustentamos neste livro. Ele, não só pela riqueza, foi das tempo, participou de todos os do inclusive ajudado a fundar investidura na Irmandade da
culares. E quando chegou
membro da elite construída pelo mérito, e figuras políticas mais importantes do seu acontecimentos magnos de sua geração, tena Universidade de São Paulo, e encarou sua Santa Casa com sentimento e emoção parti-
à Provedoria, disse a seus pares:
“Jamais pode-
ria eu ter aspirado ao alto munus publicum que é o exercício deste cargo”.
Configura-se, assim, que o exercício na Irmandade assume para Christiano Altenfelder, e outras personalidades como ele, o sentido de extensão necessária da vida pública — o derradeiro estágio de serviço à comunidade paulistana. O jornal O Estado de S. Paulo, a que se ligou intensamente, lembrou que Christiano, ainda estudante da Faculdade de Direito de São Paulo — cuja transferência para a administração estadual foi mais tarde conseguida por ele, para integrar a USP —, onde se formou em dezembro de 1920, foi um dos fundadores da Liga Nacionalista, em 1917. Segundo Altenfelder, “a Liga, integrada por alunos das três escolas superiores (Direito, Medicina
e Politécnica),
não era uma
organização
política, mas
reunia elementos ligados à política, especialmente ao Partido Republicano Paulista — a exemplo de Antônio Pereira Lima, Júlio de Mesquita Filho, Joaquim Sampaio Vidal e Waldemar Ferreira.” Essa entidade trabalhou intensamente pelo voto secreto, pelo serviço militar obrigatório e pela difusão do ensino, chegando a manter escolas na capital em que os estudantes atuavam como alfabetizadores. Partiram da Liga os elementos que fundaram o Partido Democrático e, bem mais tarde, a União Democrática Nacional. Promotor público, oficial de gabinete do Secretário do Interior, José Carlos de Macedo Soares, Secretário de Educação e Saúde Pública
no Go-
verno Armando de Sales Oliveira, tendo criado, em 1934, a Universidade de São Paulo, Altenfelder ocupou, depois, a Secretaria de Segurança Pública, em 1935, organizando a Polícia Especial e a Superintendência de Ordem Política e Social, bem como a Seção de Antropologia
Criminal
e Odonto-
propôs
a admissão
logia Legal na polícia de São Paulo. Também em 1935, foi escolhido deputado estadual, como representante classista da lavoura. Dez anos depois foi Secretário de Agricultura no governo de José Carlos de Macedo Soares.” Foi
ainda
José Carlos
de Macedo
Soares
quem
de Christiano Altenfelder como Irmão Remido da Santa Casa, a 5 de janeiro de 1932. A 7 de fevereiro de 1949, tornava-se ele Irmão Protetor,
O
Poder
da
Misericórdia
581
“por contribuição na campanha de donativos de sacas de café à Santa Casa”. Em 22 de janeiro de 1951 era eleito para a Mesa, sendo designado em 1954 para a Comissão de Contas, e em 1955 para Vice-Provedor, chegando ao cargo mais alto em 20 de janeiro de 1958. Seu longo tempo de serviço na Provedoria foi por ele descrito como inspirador de grande satisfação e orgulho, “por haver podido trabalhar pela Santa Casa, participando de grande número de realizações, tanto as materiais, que muito elevaram o valor do patrimônio da Irmandade, assim como a de organização dos serviços, ampliando-os e aprimorando-os, muito contribuindo para a maior e melhor assistência aos necessitados”.* Uma visão panorâmica provedor renunciante: “Fundamos
em
dos quase
19653
Santa Casa, que já diplomou
26
a Faculdade
anos
de gestão
de Ciências
14 turmas, formando
foi
dada
Médicas
da
1.400 médicos,
que demos ao Brasil e ao ensino da medicina, com muitos deles já se destacando como professores de medicina em diversas escolas do
País.
Instituímos nos Hospitais da Santa Casa a remuneração
para
os médicos, que não existia até 1968, quando o meritório trabalho
dos médicos era totalmente gracioso. A sua remuneração e estabelecimento de obrigações de serviços vieram contribuir para elevar o nível dos serviços assistenciais. Iniciamos
com
a remuneração
aos
médicos
limitada
a 200
mil cruzeiros mensais, e hoje a folha de pagamentos aos médicos de todos os hospitais e serviços eleva-se a 97 milhões de cruzeiros, quantia que somou a folha do mês de junho último. Recebem os médicos vencimentos que remuneram atividades docentes e assistenciais, como contribuição da Santa Casa para a Faculdade de Ciências Médicas. A residência médica nos hospitais da Santa Casa foi instituída em 1972, em regime de bolsas de estudo, com a finalidade exclusiva de proporcionar a coordenação do ensino e aperfeiçoa-
mento
dos médicos.
São
150 bolsistas para um
RI e RII, havendo e RIV. A
residência
também, em pequeno número,
vem
sofrendo
mas funciona regularmente Construímos
alterações
é empregada
em
na Santa Casa, em
o Hospital Santa
atendimento de contribuintes,
hospitalar, que
período de dois anos, residentes
Isabel, com
residentes RIII
sua
constituição,
regime de bolsa. 180 leitos, para
trazendo grande aumento
em
favor dos indigentes.
da renda
pelo
582
Glauco
Carneiro
Construímos o novo Centro Cirúrgico, ampliando o antigo e equipando-o modernamente. O
novo
serviço de Radiologia
no
Pavilhão
Nelson
Ottoni
de Rezende é dos mais modernos e aperfeiçoados do Brasil.
Remodelaram-se as instalações das enfermarias, construíramse a modelar cozinha e o prédio do Centro de Reabilitação, e de um modo geral o Hospital Central, que vai completar cem anos em maio de 1984, está em condições de perfeito funcionamento, o velho
hospital
que
constantemente se renova.
Foram feitos os estudos, aqui e no estrangeiro, do Hospital
de Clínicas e das instalações
da Faculdade
de Ciências
Médicas
e Faculdade de Enfermagem. O projeto, do notável arquiteto Fábio Penteado, apresentado à Organização Mundial da Saúde, foi objeto de grandes louvores e admiração. Para a sua construção recebemos doação de grandes áreas de terrenos dos prefeitos Faria Lima e Miguel Colasuonno, no total de 240 mil metros quadrados.
Obtivemos da colaboração do governo federal a doação de 40 milhões de cruzeiros e o empréstimo do Fundo de Desenvolvimento
Social, FAS, no total de 197 milhões de cruzeiros, tendo ainda a Santa Casa
de suas rendas próprias destacado
a contribuição de
91 milhões. Foi totalmente concluída a estrutura de 127 mil me-
tros quadrados de construção. Concluída totalmente a estrutura, iniciou-se o acabamento, já completado o do Pronto Socorro, que aguarda para o seu funcionamento o convênio em estudos com a
Prefeitura da Capital.
a sua
Devemos o plano para este hospital, a obtenção de área para construção
e os primeiros
recursos
para
a construção
ao
inolvidável Irmão Protetor Júlio de Mesquita Filho, grande jornalista, e grande brasileiro, homem de grandeza de coração e de generosidade pessoal, só conhecidas de alguns de seus íntimos. Por ocasião do seu falecimento demos o seu nome ilustre à grandiosa obra de sua iniciativa, que será de imenso valor para a assistência aos necessitados e para o ensino da medicina, no Hospital-Escola “Júlio de Mesquita Filho”. Para concluir o hospital, com a ajuda de Deus, continua a Santa Casa a se empenhar junto aos poderes públicos, para obtenção dos recursos necessários, pois as atividades da Santa Casa, da Faculdade de Ciências Médicas e do seu Hospital-Escola são de: interesse público, sendo ainda a assistência aos necessitados com-
pletada pelo ensino da medicina na Faculdade.
Foi nossa administração sempre atormentada por constantes crises financeiras. Já em 1959 estava ameaçada a Santa Casa, pela
O Poder da Misericórdia
583
maior delas, a reduzir os serviços hospitalares. Não havia como ocorrer às despesas dos hospitais, quando deliberamos realizar uma campanha de fundos. Pela primeira vez dirigimos um grave apelo ao público, pedindo, por misericórdia, a contribuição dos grandes e dos pequenos. Tivemos o apoio irrestrito do grande Jornal O Estado de S. Paulo, que abriu uma lista com o donativo de 300 mil cruzeiros, do próprio jornal, e criou uma coluna com a publicação dia a dia de todos os donativos feitos à Santa Casa. Precisávamos de 80 milhões de cruzeiros e ao término da campanha a coluna do Estado acusava donativos muito acima daquele valor, aproximando-se de 120 milhões. A campanha foi dirigida pessoalmente pela Provedoria, que nenhuma despesa realizou. Grande número de senhoras e jovens da nossa sociedade de tudo se encarregou, trabalhando graciosamente durante todos os dias o dia todo. Auxílio de grande significação recebeu a Santa Casa dos seus dedicados funcionários, que tiveram acréscimo de muitas
horas de trabalho, por eles oferecidos à Santa Casa graciosamente.
Foi um momento de grandeza para a Santa Casa, à qual não faltou o apoio de toda São Paulo. As crises, durante o ocorrer dos anos se agravaram periodica-
mente, e foram sendo vencidas, sem redução de serviços, pelos auxílios extraordinários que iam sendo proporcionados pelo governo do Estado, notadamente nas administrações Carvalho Pinto,
Roberto de Abreu Sodré, Laudo Natel, Paulo Egydio, Paulo Maluf
e José Maria Marin.
Quero
aqui
mais uma vez agradecer-lhes e
aos prefeitos Prestes Maia, Paulo Maluf, Miguel Colasuonno, Salim Curiati e Altino Lima os socorros com que acudiram à Santa Casa nos momentos de grandes dificuldades financeiras.
Estas continuaram, mas a Santa Casa venceu-as sem reduzir
serviços. O que só aconteceu em
1979 quando houve a dispensa
ou redução de horas de trabalho de médicos, enfermeiros e demais
pessoal na crise dos serviços do Inamps.
Grande era o atraso, de muitos meses, de elevadas quantias
nos pagamentos dos serviços prestados pela Santa Casa aos segu-
rados do Inamps. Tendo o provedor declarado que nos eram devidos 84 milhões de cruzeiros, foi contestado pelo ministro da Previdência, que declarou aos jornais ser aquele atraso de pagamento apenas de seis milhões. Afirmei, também publicamente, que o ministro não dizia a verdade e, negando veracidade às palavras do ministro, denunciei o convênio, suspendendo a Santa Casa o atendimento aos serviços que prestava ao Inamps. Só depois de apurado e reconhecido o débito do Inamps à Santa Casa, confirmando o valor de nossas faturas não pagas, de
584
Glauco
Carneiro
mais de 84 milhões e só após seu pagamento, concordou a Santa Casa com o novo convênio. As condições foram modificadas, com melhores tabelas de preços dos serviços e os pagamentos passando a ser efetuados no mês seguinte ao da sua prestação. Estava vencida a luta em que a Santa Casa enfrentou corajosamente o poderoso Inamps, tendo o ministro da Previdência procurado o provedor em sua residência para reconhecer o erro de que afirmara, bascado em informações de seus assessores, que não eram verdadeiras”. As dificuldades permanentes que o Provedor Altenfelder enfrentou na longa gestão foram. ainda, focalizadas por O Estado de S. Paulo, jornal que, aliás, foi o grande sustentáculo de seu período administrativo: OBSTÁCULOS “Em tantos anos de intensa atividade, Altenfelder reconhece que “a maior dificuldade” que enfrentou foi como provedor da Santa Casa, em 1979, quando rompeu o convênio do hospital com
o Inamps. A Previdência devia à instituição cerca de Cr$ 84 milhões em contas hospitalares atrasadas. O ex-ministro Jair Soares declarou que o Inamps devia apenas Cr$ 6 milhões e Altenfelder,
com segurança, disse que “o ministro tinha faltado à verdade”.
Depois, Jair Soares acabou indo à casa do provedor para “pedir desculpas, pois tinha sido mal informado pela assessoria”. Feita a verificação — recordou-se Altenfelder —, foi encontrado um crédito superior aos Cr$ 84 milhões e o ministro mandou pagar.
“Ele foi correto, porque verificou seu erro e cumpriu o que devia”, comentou o ex-provedor. Assim, durante quase um ano, os segurados da Previdência deixaram de ser atendidos na Santa Casa de São Paulo, ocasião em que a instituição teve de reduzir o número de médicos e funcionários.
Só em
1981,
depois
de receber
todos
os
atrasados,
a
Santa Casa fez um novo convênio com o Inamps, “e não atrasaram mais Os pagamentos”. Com essa mesma preocupação, ele fundou, em
1963, a Facul-
dade de Ciências Médicas da Santa Casa, que já formou 1.400 médicos. Em 1972, instituiu a residência médica nos hospitais da
Santa Casa, em
regime de bolsas de estudo.
Em 1968 resolveu estabelecer a remuneração dos médicos, que até então trabalhavam filantropicamente. Com isso, conseguiu
criar obrigações de serviços que contribuíram para elevar o nível
O
Poder
da
Misericórdia
de atendimento
Paulo.
585
nas unidades hospitalares da Santa
Casa
|
de São
Depois de conseguir a doação de terrenos pelos prefeitos Faria Lima ec Miguel Colasuonno, num total de 240 mil metros quadrados, a Santa Casa iniciou a construção do Hospital-Escola Júlio de Mesquita
Filho. As obras
mento e o pronto-socorro convênio em estudo com 5
mento .
hoje estão em
fase
de
acaba-
já está concluído dependendo de um a prefeitura para iniciar o funciona-
5
A grande divulgação de O Estado de S. Paulo Em razão da origem comum, e da amizade pessoal que os unia, Christiano Altenfelder Silva e Júlio de Mesquita Filho quase exerceram, juntos,
a Provedoria
expressão
bem
da
Santa
Casa
de
Misericórdia
pode ganhar foros de verdade
pleta e maciça
divulgação
que os assuntos
da
de
São
quando
Paulo.
A
se consulta
Irmandade
passam
força
de
a com-
a mere-
cer nas colunas de O Estado de S. Paulo, numa intensificação jamais igualada em qualquer outra época — anterior ou posterior. E é bom que tenha sido assim, porque a administração Christiano quebrou o hábito quase secular de apresentar anualmente o relatório de atividades — uma grande fonte para a História. O relatório do ano de 1957, já assinado por Altenfelder, constituiu o primeiro e último de sua gestão, se não levarmos em consideração a prestação de contas que fez ao renunciar ao cargo,
em julho
de
1983.
Nesse relatório do ano de
integrar a Mesa:
1957, ele retoma o tema da satisfação por
“Sempre acompanhei os desenvolvidos pela inteligência mens de São Paulo. Confesso meu pertencer também a esta
meritórios trabalhos que aqui são e pela dedicação dos melhores hoque era um antigo e íntimo desejo Mesa Administrativa.
E quando, há 7 anos recebi a honrosíssima investidura de Mesário, estava satisfeita a minha aspiração máxima e coloqueime com todo o entusiasmo e a dedicação de que era capaz, ao serviço da Santa Casa, procurando corresponder ao gesto gratís-
simo dos que me escolheram.
Seguindo magníficos exemplos que aqui encontrei, procurei ser um modesto mas esforçado auxiliar da direção da Mesa Admi-
nistrativa, no desempenho das comissões que me eram atribuídas. . Nunca porém poderia aspirar ao posto da Provedoria, de coor-
586
Glauco
Carneiro
denador dos trabalhos de tão brilhantes e valorosos componentes da nossa Mesa. Procurei,
assim,
repetidamente excusar-me
de tão altas
res-
ponsabilidades, que roguei insistentemente fossem de mim afastadas. Não atendestes aos meus reiterados apelos. Mas se o cargo
de Provedor não é e nunca foi disputado, não pode o seu exercício ser recusado quando a vontade da ilustre Mesa se manifesta na unanimidade da eleição.
Aqui estou, meus prezados
Irmãos,
com
humildade e com
orgulho, empenhando perante vós todo o poder que possa no desempenho da função altíssima. E para
pronunciadas.
bem
consegui-lo,
animam-me
as palavras
Estarei na Provedoria acompanhando os meus nobres companheiros de administração, |.º e 2.º Procuradorias, nas comissões de contando com os trabalhos de notável Corpo boração das admiráveis Irmãs de São José e
hoje
aqui
valiosos serviços de nas mordomias, na Contas e de Obras, Clínico, com a colaconhecendo a capa-
cidade e eficiência dos funcionários da Casa, entre os mais antigos se destacando Bricola, Barbosa, D. Lourdes, Manoel, João e Anselmo e o extraordinário Tomaz, incansável no meritório auxílio de receber e acompanhar os doentes do interior, obtendo-lhes
os passes de estradas de ferro e encaminhando-os ao hospital, para tratamento, e às estações, no regresso.”* Já nesse documento sobre
de confiança
Casa, onde
1957, o Provedor
na realização do maior
faz inserir uma
ideal do corpo
nasceu a grande Faculdade de Medicina
clínico:
“Na
palavra
Santa
de Arnaldo Vieira de
Carvalho, havemos de constituir o patrimônio indispensável e obter os recursos para o funcionamento da Faculdade de Medicina e de Especializa-
ção da Santa Casa de São Paulo”.
As edições de “O Estado” vão servir novamente para detalhar, aqui e acolá, certos acontecimentos havidos na gestão Christiano Altenfelder Silva.
As palavras que o jornal usa são repletas de carinho e respeito pela grande instituição. Ele proclama, por exemplo, que “a tricentenária Santa Casa vive no coração dos paulistas... Nunca, nas horas mais difíceis da nossa terra, foram trancadas as suas portas aos sofredores... Vivendo do coração do povo, vencendo toda sorte de dificuldades, a Santa Casa transformou-se, desde há muito, no maior e mais belo nosocômico do Brasil”.*
“E
a mais bela
ocasião. “Todos
das
instituições
sociais do
Estado”
—
afirma,
quanto participam da vida de São Paulo
em
outra
precisam com-
preender o papel que ela representa no seio da comunidade
paulista e
O
Poder
da
Misericórdia
587
impedir que, por carência de meios, a secular instituição se veja forçada a diminuir o ritmo de suas atividades”: “No acervo de serviços que a Santa Casa tem prestado ao nosso Estado, a parte cultural não pode realmente ser esquecida. A sua ação é integral, abarca os mais variados campos. Procura minorar a miséria e as dores de quantos lhe batem à porta, mas
não olvida que lhe cabe ainda concorrer decisivamente para o progresso da ciência brasileira. E esse é um dos seus maiores méritos. Não medindo esforços, ela procura cumprir sem desfalecimentos a sua árdua missão e se chegamos a ostentar o desenvol-
vimento
científico de que
tanto nos orgulhamos
devemo-lo em
parte à sábia orientação que sempre presidiu aos seus destinos”.º
A 5 de julho de 1960, o jornal sustenta a tese de que os problemas
da Santa Casa transcendem a iniciativa particular, urgindo que as autoridades adaptem os planos federais, estaduais e municipais à existência viva
e atuante das Misericórdias, “animando-as e ajudando-as na sua belíssima atividade de proteger os pobres
e os doentes, fracos
e desamparados”.*º
A Santa Casa apela e São Paulo corresponde. E retribui aos benfeitores concedendo-lhes títulos de Irmãos: “Penhor e letra irresgataveis da divida de gratidão que con-
vosco ela assumiu, são os titulos de irmãos que ela vos outorgou.
Não
serão eles na sua modestia
[orais de blazonada
nobreza a
se registrarem em vetustas gencalogias. Não vos darão certamente proveitos nem vantagens porque, como ainda há poucos dias, nesta mesma sala, advertiu meu pai e nosso confrade “as honrarias e as dignidades só de raro em raro importam em acrescimos de
prerrogativas e benesses, mas ao revés, significam quase sempre
sobrecarga de funções e de trabalhos, agravação de deveres e de
responsabilidades”.
São, porém, com certeza, a certidão legítima de que sois por ato vosso, do vosso coração, das vossas mãos, epigonos participes e companheiros nas benemerencias e nas glorias das preclaras gerações que por perto de quatro seculos, ao serviço dos pobres nesta Miscricordia, serviram a Deus e serviram a Pátria. Na primitiva semantica da linguagem humana, dizem tendidos, irmão é aquele que protege e irmã é aquela que e como haverá sempre pobres entre nós a procurarem em tidões inumcraveis € recrescentes os nossos ambulatorios e
os enampara multias nos-
sas enfermarias, os nossos asilos e os nossos sanatorios, a Irman-
dade da Santa Casa de Misericordia de São Paulo confia no vosso amparo, Irmãs, espera a Vossa proteção, Irmãos, para atendê-los,
abrigá-los e salvá-los”."
588
Glauco
A 24 de dezembro de
Carneiro
1960, volta o Provedor Christiano a utilizar as
colunas da imprensa para dirigir novo apelo à população, sob o título “Por Misericórdia”, a fim de recolher donativos “para evitar que declinem ou caiam em colapso os seus serviços de permanente e multiforme assistência social”. Conclui: “Não o consentirá por certo a generosidade nunca desmentida dos paulistas —
para os quais, por sentimento e por tradição, a
solidariedade para com os fracos, os pobres e os desamparados é e será sempre o sinal marcante de sua personalidade, a vocação eterna e incan-
sável da sua fé e do seu patriotismo”. Logo vem o eco do “Estadão”: “A
situação do velho e prestativo estabelecimento da Vila Buarque precisa ser resolvida com urgência, porque a pobreza tem exigências que não podem ser relegadas a segundo plano. A miséria tem direitos, diante dos quais a sociedade precisa curvar-se”. São
Apelos são feitos ao Governador do Estado, na época, Carvalho Pinto. 1.873 os funcionários da instituição e seu aumento salarial agrava a
crise permanente. Necessita-se crédito extraordinário. A Mesa confia ao Diretor de O Estado de S. Paulo, Dr. Júlio de Mesquita Filho, a missão de defender o pleito junto ao Governo:
a Santa Casa quer um empréstimo
de 500 milhões de cruzeiros para um grande plano de remodelação que estava sendo esboçado. O Governador Carvalho Pinto promete apoio. O Provedor designa comissão para apresentar os detalhes
da operação
finan-
ceira: Júlio de Mesquita Filho, José Carlos de Macedo Soares, Heitor Portugal, Argemiro Couto de Barros, José de Alcantara Machado e José Ma-
riano de Camargo
Aranha.
O plano de Júlio de Mesquita Filho
Desde agosto de 1960 vinha zado por Júlio de Mesquita Filho, por todas o problema crônico de ricórdia. Em função desse plano
vereador
Januário
Mantelli
Netto,
sendo posto em com o objetivo falta de recursos foi apresentado autorizando
marcha um plano idealide resolver de uma vez da Irmandade da Miseum projeto de lei, do
a Prefeitura
de
São
Paulo
a doar à Santa Casa uma área de 150 mil metros quadrados às margens do rio Tietê e resultante dos aterros feitos com a retificação daquela via fluvial. A notícia de “O Estado”, publicada a 4 de outubro de 1960, é esclarecedora: “Ontem, na Camara Municipal, recebeu novo e valioso apoio
o plano elaborado pelo dr. Julio de Mesquita Filho, diretor desta folha, objetivando solucionar de vez os problemas financeiros da Santa Casa de Misericordia de São Paulo. Ao iniciar-se a sessão ordinaria do Legislativo, o vereador Januario Mantelli Netto encaminhou á Mesa projeto de lei autorizando a Prefeitura a doar á benemerita instituição uma area de 150 mil metros quadrados,
O
Poder
da Misericórdia
589
localizada nos terrenos situados ás margens do rio Tietê e resultantes dos aterros feitos com a retificação do citado rio. Na referida area deverá ser construido o novo hospital da Santa Casa, tendo anexo uma Escola de Altos Estudos de Medicina. Prevê mais o projeto que, em troca da mencionada doação, obrigar-se-á a Santa Casa, mediante convenio, a reservar, durante O
prazo de 20 anos 30 leitos-dia para doentes que lhe forem encaminhados pela Prefeitura Municipal, por intermedio dos seus serviços de assistencia
social.
JUSTIFICATIVAS Justificando da tribuna o seu projeto, assim se expressou 3.º secretario da Edilidade: “Com
Oo
a finalidade de garantir, para o futuro, as rendas ne-
cessarias á sua manutenção, sem ter que recorrer aos poderes publicos ou ás contribuições populares — como aconteceu, recente-
mente, após 4 seculos de existencia — a Santa Casa de Misericordia elaborou um plano de trabalho no qual figura a construção de um novo Hospital, em substituição ao atual, já pequeno, sem duvida. Nesse plano fica estabelecido que no local do velho Hospital será construido um bloco de edificios, com galerias, lojas, apartamentos, escritorios, cinema e teatro, de onde saira uma renda prevista em 140 milhões de cruzeiros anuais destinada as suas despesas. Merece o nosso apoio esse plano. Isto porque, da sua execução, advirão grandes vantagens. No bairro de Santa Cecilia surgirá um magnifico centro comercial e residencial (onde a Prefeitura recolherá impostos que, com o tempo, cobrirão a doação feita, criando, ao mesmo tempo, no local onde surgir a nova Santa Casa um motivo para a expansão da cidade, para a valorização dos proprios terrenos municipais proximos e, também, para o desafogamento desta concentração demografica que tantos problemas tem provocado para o Municipio. Estes, digamos assim, os aspectos materiais. Quanto aos espirituais e humanos, não será preciso que deles nos ocupemos. Ampliando a Santa Casa de Misericordia de São Paulo, estaremos ampliando, “ipso facto”, a capacidade assistencial de uma entidade que tanto tem dignificado a gente
paulistana pela sua ação benefica em prol dos pobres”. “SANTA
CASA:
PADRÃO
DE
GLORIA”
Ao dr. Julio de Mesquita Filho, o autor do projeto endereçou
ontem carta do seguinte teor: “Tão logo tomei conhecimento
do
59
Glauco
Carneiro
seu magnifico plano, que dará á Santa Casa de Misericordia meios para continuar cumprindo a sua missão humanitaria e benemerente, elaborei o projeto de lei que encaminhei, em data de hoje, á consideração do Plenario desta douta Camara Municipal”. “Filo sob o impulso do entusiasmo que o referido plano provocou e inspirado pelo desejo de colaborar para que a Santa Casa, padrão de gloria e motivo de orgulho para os paulistas, possa ter vida propria. Valho-me do ensejo para apresentar-lhe os meus protestos de
respeitosa estima e sincera admiração”.
O plano de Mesquita, porém, não era apoiado por todos os Irmãos e
médicos da entidade. Em novembro de 1961, em nome do Corpo Clínico, o Prof. Sebastião Hermeto Junior, Irmão e Chefe da Clínica Cirúrgica do
Hospital Central, protestava, através da imprensa, e fazia chegar ao Provedor Christiano Altenfelder Silva a seguinte carta: “E' com a maior consideração que tenho a oportunidade de dirigir-me a v. exa., digno provedor da nossa vetusta e tão querida
Irmandade, e zelador sereno dos seus nobres e impereciveis interesses.
“Faço-o na qualidade de irmão e de chefe de serviço deste Hospital Central — que sirvo com entusiasmo há trinta e cinco anos, de maneira continua, sem jamais ter desertado temporariamente
desta
casa.
“Acho que estou no direito de vir a v. exa., como provedor desta casa — externar a nossa opinião, e a de nossos assistentes,
a proposito de projeto de nosso irmão Julio de Mesquita
já apresentado há meses na colenda “Silenciamos
propositadamente
Mesa
durante
Filho,
Administrativa. certo
tempo
—
su-
pondo que a analise objetiva daquele projeto fosse suficiente para
a sua rejeição, posto que tal projeto jamais consulta os interesses reais desta casa — admitindo a sua alienação como ponto basico de sua estrutura.
“A insistencia com que pequeno grupo continua a defender aquela propositura obriga, agora, o Corpo Clinico do Hospital Central a tomar posição decidida em tão importante questão. “Não é demais lembrar a v. exa. que — tratando-se de assunto vital para o Hospital Central — o seu Corpo Clinico, sem
o qual
não existiria
consideração.
aquele,
evidentemente
deverá
ser tido
em
O Poder da Misericórdia
591
“Devo informar a v. exa. que somos frontalmente contrarios ao projeto de nosso ilustre irmão Julio de Mesquita Filho, isto é —
tanto
emprestam
nós
como
nossos
numerosos
e ilustres
seu serviço diario c continuo
assistentes,
à clinica que
que
tenho a
honra de dirigir, e que representa um dos mais velhos e tradicio-
nais serviços de cirurgia
trocinio de Carlos
deste Hospital Central, sob o alto pa-
José de Arruda
Botelho
(1881
a 1916).
“Estou certo de que, levando a v. exa., como zelador fiel da
nossa Irmandade, a opinião do Corpo Clinico de nosso serviço,
e a nossa opinião — presto leal colaboração, que visa tão somente
à defesa incondicional do vetusto Hospital Central da Santa Casa de São Paulo. “Venho, ainda, por dever de lealdade ao ilustre Irmão provedor, entregar-lhe o primeiro artigo que escrevi em defesa do Hospital Central — e inserido na FOLHA 1.º de novembro.
DE S. PAULO
do dia
“Desejo informar a v. exa. que é pensamento da maioria do Corpo Clinico — com raras exceções para confirmar e validar a regra da boa causa que defendemos — não esmorecer até afastar a ameaça
sombria
Casa de São Paulo.
que
paira sobre o Hospital Central
da Santa
“Tenho certeza e fé que v. exa., como provedor da Irmandade, será como os “homens bons” da velha São Paulo, tudo fazendo para que jamais se ameaçe esta Casa, cuja guarda lhe foi confiada pelos irmãos e medicos. “Assim agindo, seremos todos dignos dos nossos antepassados e da terra que nos viu nascer — São Paulo de Piratininga”.nao Apesar dos protestos, a idéia de Mesquita seguiu avante, apoiada pelo
Provedor Christiano. A velocidade, porém, não caracterizou essa marcha. Em 1966, por exemplo, vemos o dirigente da Santa Casa apelando ao Prefeito Faria Lima para que efetive a doação da área no Tietê: “Esse projeto, que permanece válido, embora nestes seis últimos anos as nossas autoridades estaduais e municipais não tenham compreendido o seu alcance filantrópico e o seu significado social, propõe a urbanização da área onde hoje se encontra instalada a Santa Casa, inclusive a construção de grandes
edifícios de apartamentos, o que proporcionaria recursos suficiente para o início das obras da nova Santa Casa”.*º A
13 de abril de
êxito a campanha
1967, noticiava-se que “acabava
de um
de ser coroada de
pugilo de lutadores, liderado pelo Dr. Julio de
Mesquita Filho: o prefeito e os vereadores manifestaram-se de acordo com
Na
592
Glauco
a doação da área”.'! Na mesma blicava o seguinte editorial:
Carneiro
data, o jornal O Estado de S. Paulo pu-
“Este jornal não tem procuração para falar em nome da Santa
Casa de Misericordia.
No maximo,
por força de fatores que são
notorios e publicos, cabe-nos assinalar que os dirigentes da irmandade em cujas mãos
sabido
honrar
se encontram
o mandato
que
os destinos da instituição, têm
receberam
de seus
antecessores.
Com esforço e dedicação vêm logrando atender os desamparados que buscam socorro, apesar da precariedade das instalações, malgrado a exiguidade de espaço nos velhos pavilhões da rua Jaguaribe, e isso graças á excelência do corpo clinico — medicos, cirurgiões, enfermeiros, atendentes e funcionarios em geral. De um certo ponto de vista pode-se dizer que a Santa Casa será talvez a unica entidade que merece o apoio da totalidade dos
paulistas. Mesmo adversarios e inimigos, quando se trata da bene-
merita organização, não hesitam em estabelecer alianças nem recusam a execução de tarefas em conjunto, desde que se com isso a tradicional casa paulistana seja ajudada.
Assim, a reunião de forças politicas, por ocasião da assinatura da mensagem de doação do terreno da Barra Funda, para edificação das duas faculdades e do novo hospital da Santa Casa,
nada mais representa senão a demonstração de que, em um instante como esse, desaparecem divergenciais. Tanto assim que no gabinete do prefeito se encontravam elementos dos mais representati-
vos, inclusive o proprio presidente da Camara Municipal, todos animados pelo desejo de prestigiar a iniciativa e de fazer sentir publicamente que em torno da instituição todos os ajustes são
“3 possiveis”.
15
O terreno inicial doado, de 79.000 metros quadrados,
possibilitaria a
construção do Hospital “Júlio de Mesquita Filho”. E o Provedor Christiano Altenfelder Silva, na solenidade de doação, frisou os laços especiais que uniam os Mesquita à Santa Casa: “Acrescenta o dr. Julio de Mesquita Filho aos inestimáveis serviços que vem prestando à coletividade mais esta ação benfazeja e benemérita, pelo qual vem lutando sem cessar, anos seguidos, com admirável pertinácia e confiança na sua realização. Mantém viva a chama da tradição herdada do grande Julio Mesquita, que no jornal “O Estado de S. Paulo” tinha como seu primeiro dever o apoio. sem limites à Santa Casa, a que serviu ainda, até
a sua morte, como Administrativa.
um
dos mais dedicados membros
da Mesa
593
O Poder da Misericórdia OS
ALICERCES
Esta vocação de servir, com todo o poder que possa, à Santa Casa, foi o dr. Julio de Mesquita Filho buscar ainda no exemplo de seu ilustre avô, Cerqueira Cesar, presidente de São Paulo, que
após deixar o Govêrno do Estado foi provedor da Santa Casa, cargo que considerava, como nós o consideramos, o mais munus publico, a mais alta honraria atribuida ao cidadão.
alto
Vê assim v. exa., sr. prefeito Faria Lima, as origens, os alicerces da grandiosa obra a que vai ligar o seu nome ilustre. Surgida a nobre idéia há anos, não pôde antes a Santa Casa
obter o terreno
necessário
para
as construções, por
motivos
de
ordem legal, que impediam a doação. Tornou-se ela possível pela reforma da legislação, que a permitiu agora, em condições que possibilitam à administração da Santa Casa assumir o encargo de obter os recursos para a construção do hospital, sem equipamento, e manutenção.
Fica São Paulo a dever ao prefeito Faria Lima a realização da obra notável, que se concluirá nos próximos anos, iniciando-se na sua administração na Prefeitura”.!º A 25 de janeiro de 1969 lançava-se a pedra fundamental do HospitalEscola da Santa Casa, “que seria um exemplo para toda América do Sul”, no dizer de Júlio de Mesquita Filho, que pronunciou as seguintes palavras: “Nós jornalistas não estamos acostumados a falar, se não es-
crever. Realmente, há 35 anos, eu diria mais, desde os bancos academicos, há 50 anos, que caminhamos juntos e nunca nos departimos do espírito do civismo que recebemos da Faculdade de Direito de São Paulo. Tanto Cristiano como eu somos da geração que se formou debaixo da influencia de um Ruy Barbosa, de um Olavo Bilac e todas aquelas figuras extraordinarias que lutaram pela Democracia em nossa terra e, só por isso, eu aceito as palavras do Cristiano Altenfelder, na esperança de que o nosso trabalho não cessará ainda, embora já tivessemos credenciais suficientes para recolhermo-nos a uma vida mais tranquila do que aquela que levamos. Temos que lutar e pedir a Deus nos permita assistir a esta obra que se inicia hoje completamente executada.
Nesse dia, teremos a certeza de que o Brasil contará com o mais aperfeiçoado centro de ciencias medicas de toda a America do Sul e igual, se Deus quiser, aos mais altos centros de toda a humanidade. O que já realizamos neste setor de conhecimentos humanos nos dão o direito de acreditar que não estou exagerando,
594
Glauco
não estou
participando
do meu
ufanismo
a dizer que esta
Carneiro
Santa
Casa será um exemplo para toda a America do Sul. Mais uma vez
eu agradeço,
profundamente
comovido
também,
a imensa
tarefa
executada pelo prefeito Faria Lima. Sem ele, não teriamos conse-
guido o início da realização daquele sonho que acalentavamos já há 40 anos atrás. O prefeito Faria Lima marca uma época na
administração publica, não direi As suas realizações aí estão e é personalidade desta ordem. Desde para expor o que eram as nossas
mos
de vê-lo conosco,
só de São Paulo, mas um prazer colaborar o primeiro dia que eu aspirações e o prazer
do Brasil. com uma o procurei que teria-
realizando mais esse serviço ao nosso País,
ele nunca deixou de nos apoiar e, num relance endeu perfeitamente o valor extraordinario da tem colaborado conosco e hoje podemos dizer verá mais esse imenso serviço ao prefeito Faria cidade de ação”. O jornal publicou ainda, na mesma ras do projeto da nova Santa Casa:
edição,
de olhos, compreobra e, desde aí, que São Paulo deLima, à sua capa-
as características
inovado-
“Um ambiente saudável, que poderá se assemelhar até mesmo
a um “shopping center”, será a dominante do nôvo conjunto hospital-escola que a Santa Casa de Misericórdia de São Paulo construirá nesta Capital, nas proximidades das avenidas Pacaembú e Marginal Esquerda. Projeto dos arquitetos Fabio Penteado e Eduardo de Almeida, a obra, que teve sua pedra fundamental lançada ontem pelo prefeito Faria Lima, vai abrir um campo inteiramente novo no genero, em toda a America do Sul. Todo quarto, toda sala e varias areas de circulação darão para jardins internos, sob grandes grelhas que compõem a estrutura de cobertura do edifício. A vegetação alcançará os três pavimentos, a partir do subsolo. Haverá a maior tranquilidade para os
pacientes, não obstante o movimento interno previsto para todo o
conjunto: ambulatorio com capacidade para atender 60 mil pessoas, atividades do corpo medico e de estudantes de medicina, de enfermagem e de cursos de grau medio para formação de tecnicos de
equipamento
hospitalar, além da equipe de funcionarios. INTEGRAÇÃO
Hospital e escola funcionarão devidamente integrados, dentro do conceito proposto pela Santa Casa aos arquitetos, que encon-
O
Poder
da Misericórdia
595
tram uma linguagem arquitetonica capaz carater habitual dos ambientes das casas pode parecer absurda no Brasil — insinua teado — mas se baseia em experiencias principalmente Estados Unidos”.
também de atenuar o de saude. “A proposta o arquiteto Fabio Penatuais de varios paises
Nesse projeto, a equipe contou com a participação dos arquitetos Alfredo Paesani e Teru Tamaki, atuando como consultores estruturais os engenheiros Oswaldo Moura Abreu, Nelson Camargo e Waldemar Tietz.
PLANO
HORIZONTAL
Segundo Fabio Penteado, a solução horizontal para todo o conjunto, que medirá 360 metros de comprimento, não criará problemas de distancia, uma vez que o conjunto do hospital terá vida completamente independente, com serviços acessiveis. Toda a circulação vertical será feita por monta-cargas de baixa velocidade e de custo reduzido. A extensão do bloco é justificada pela integração proposta do hospital com a escola e vice-versa. A solução vertical, no caso — continua o arquiteto — seria de funciona-
mento duvidoso e de alto custo em virtude dos problemas de cir-
culação que dela advém.
CAPACIDADE O novo hospital da Santa Casa, com três pavimentos incluin-
do o subsolo, terá 640 leitos. No andar que poderiamos rar terreo, haverá no centro um grande auditorio, para soas, sobre o qual estarão todos os serviços de cirurgia. do centro cirurgico (pavimento superior) estarão de um laboratorios e de outro as dependencias para pacientes.
conside600 pesNo plano lado os A comu-
nicação nestes setores será feita por faixas centrais, como se fos-
sem ruas internas. Ambos convergem para o centro cirurgico e por duas alas em toda a extensão do bloco para os diversos departamentos existentes ao longo das fachadas principal e posterior. Tais departamentos contarão com uma rede de 8 auditorios com capacidade para 80 a 150 pessoas. ACESSO
FÁCIL
O ambulatorio, que ficará no subsolo, terá uma entrada bem
em frente á futura estação do Metrô, já projetada. Vale salientar
596
Glauco
Carneiro
que o subsolo, apesar de sua denominação, terá iluminação e ventilação naturais. Nele ficarão abrigados todos os serviços do Hospital e da Escola, tendo o Pronto Socorro ligação direta com os Raios X e Cirurgia.
Para facilitar a circulação no predio, um sistema de comunicação visual será introduzido, orientando-se o publico por meio de cartões coloridos que
o levarão
a seu destino,
cores equivalentes
distribuidas quer nas paredes, nos pisos, no teto ou em
pontos
luminosos.
COMPLEMENTO O conjunto hospitalar da Santa Casa prevê ainda a constru-
ção de um centro de pesquisas, em edifício anexo, e de uma capela, ao lado da Marginal, destinada aos fiéis daquela região da cidade. O projeto do templo prevê local para missas campais. A construção de toda a obra poderá ser feita por etapas, não prejudicando a seguinte o funcionamento da anterior.
A clausura para as freiras, residencias de medicos e do pessoal de enfermagem ficarão no plano da cobertura do predio”.'* O “Estado” não ocultou a satisfação. Relembrava sempre o caráter especial do relacionamento do órgão e de seus diretores com a Santa Casa: “Este jornal, tradicionalmente ligado á Santa Casa quer pelo interesse que esta sempre mereceu do seus antigos diretores, como
Julio Mesquita, quer pelo carinho que lhes dispensaram amigos de
todas as epocas, como Arnaldo Vieira de Carvalho, jamais deixou de acompanhar de perto as agruras da benemerita instituição, ofe-
recendo-lhe o seu apoio e a sua solidariedade. E foi meditando sobre o problema tão premente da sua expansão, impossibilitada pela exiguidade
do local em
que,
sob
a supervisão
de Arnaldo
Vieira de Carvalho, se ergueram os principais pavilhões do atual conjunto da Santa Casa, que o diretor desta folha, dr. Julio de Mesquita Filho, enunciou há tempos uma idéia entusiasticamente acolhida pelos dirigentes da entidade como um autentico ovo de Colombo: a construção de um novo conjunto hospital-escola, á altura das atuais necessidades da comunhão paulistana, construção essa custeada em parte pela venda ou melhor utilização do terreno, altamente valorizado, em que ora se localizam as principais instalações da Santa Casa”.!” A 15 de maio, o Prefeito Paulo Maluf que, mais tarde, já no governo
estadual,
serio o único chefe do executivo
paulista a doar,
integralmente,
O
Poder
da Misericórdia
597
para a Santa Casa, seus vencimentos, ofertava dois milhões para início das obras na Barra Funda.”
de cruzeiros
Em 1974 vemos o Prefeito Miguel Colassuono sancionando novo projeto de lei, apresentado pelo executivo e aprovado pela Câmara, autorizando a cessão à Santa Casa de uma área de mais 67.000 m?, “completando, assim, os 240 mil metros quadrados exigidos pelo projeto definitivo da nova instalação central da entidade.”! Nessa época, marca-se para o primeiro
semestre
de
1975
o início das obras
do
Hospital-Escola
Júlio de
Mesquita Filho. Em 10 de outubro de 1975, porém, o “Estado” noticia que o Provedor Christiano solicitaria ao Presidente Ernesto Geisel ajuda financeira federal para a obra, então orçada em 200 milhões de cruzeiros. A 21 de novembro de 1976, divulga-se que a Santa Casa planeja descentralizar a assistência. Trata-se de uma nova filosofia que, se levada adiante,
colocaria
a instituição
num
blica, revivendo o papel dos primeiros
plano
similar
ao
da
assistência
tempos. Tão grande é a importân-
cia desse plano — que afinal não seria realizado — a matéria de O Estado de S. Paulo a respeito:
que vale transcrever
“Para levar a assistência médica a um maior número de pessoas, em seus próprios núcleos habitacionais e, ao mesmo tempo, racionalizar o sistema de serviços de urgência de grandes hospitais
— que cada vez mais recebem pacientes com queixas simples de saúde, provocando atraso no atendimento de pessoas em estado
mais grave — a Santa Casa de Misericórdia de São Paulo está se
preparando para adotar um novo sistema de atendimento médico hospitalar. Com
pú-
a construção de seu novo hospital escola Júlio de Mes-
quita Filho, a entidade pretende garantir maiores recursos humanos e materiais, aos postos de saúde que administra, descentralizando os serviços médicos, fora dos grandes hospitais, e aproveitando esses conjuntos hospitalares em um serviço integrado para atender desde os casos mais simples até os mais graves, de modo mais rápido.
A idéia surgiu de inúmeras pesquisas feitas em São Paulo e em outros Estados, onde ficou comprovado que a maior parte das pessoas que procuram os estabelecimentos médicos está precisando de cuidados simples, que não implicariam o uso de equipamentos sofisticados. Entretanto, embora o Estado tenha mais de cem postos de saúde espalhados pela cidade, grande parte da população prefere ir direto aos centros hospitalares, locomovendo-se das zonas periféricas — apenas para receber o mesmo atendimento que teriam nesses postoS, atualmente sem recursos humanos e materiais para uma assistência efetiva.
598
Glauco
Carneiro
Quando se trata do atendimento médico infantil, o problema torna-se mais grave. Somente no Pronto Socorro da Santa Casa, são atendidas mensalmente cerca de 20 mil casos. Desses, perto de 13 mil são recebidos no Pronto Socorro Infantil e a grande maioria apresenta problemas simples como diarréias, bronquites ou amigdalites. Nos planos de reformulação dos atendimentos médicos, os internos e residentes da Santa Casa terão papel importante: “Os estudantes de medicina estão recebendo um ensino distorcido da realidade brasileira, uma vez que se limitam a praticar em hospitais de ensino, onde assistem casos mais graves e não estão recebendo o treinamento adequado para saber como tratar os pacientes com
patologias mais comuns”,
Os alunos da Santa atendimento médico em e postos de saude, em populacional do centro dizado médico.
diz o professor.
Casa passarão, dentro da nova política de estudo, a prestar serviços em ambulatórios um trabalho comprometido com o núcleo de assistência e também com o seu apren-
Colocar todas as idéias dessas novas políticas de descentrali-
zação e atendimento nas zonas mais carentes — principalmente a Zona Norte e Leste — segundo o professor Guedes não é tão fácil
como em pequenos centros urbanos. No entanto, a equipe pretende utilizar o hospital central da Santa Casa como centro de pós-gra-
duação e de graduação no seu Hospital do Jaçanã, onde há clínica geral, pediátrica e obstétrica, principalmente. Isso sem contar o novo hospital de ensino em construção.
Além disso, a Santa Casa dispõe do Centro de Saúde na
Barra Funda, e outros postos ligados a dois hispitais de Cotia que serão equipados para atendimento direto à população. “Somente
casos mais graves, depois de devidamente examinados — os postos poderão recolher até exames, se necessário — serão encaminhados aos estabelecimentos com equipamentos mais especializados”.
“Pretendemos oferecer outra opção de trabalho aos médicos, que poderão se fixar em um local, sendo melhor remunerados e
ligados aos problemas da determinada região e com de grandes hospitais”, afirma José Guedes. Quanto de verbas para a execução desses planos, o professor Para ele, as verbas não são bem calculadas mas há distribuição de recursos: “vamos tornar mais viável
a retaguarda ao problema é categórico. também má a aplicação
dos recursos do Estado, do Município e do INPS”, diz ele, acre-
ditando que os órgãos públicos também se interessarão na reformulação que seria a primeira tentativa de colocar em prática os
preceitos da própria lei do Sistema Nacional de Saúde, que reco-
O
Poder
da Misericórdia
mendou
599
a descentralização dos serviços médicos, em favor de um
maior número de pessoas”.?*
Em outubro de 1978, a Santa Casa já investira 183 milhões de cruzeiros na construção do seu novo conjunto hospitalar, sendo 40 milhões
doados pelo governo federal e o restante financiado pelo FAS — Fundo de Assistência Social. Socorro, primeira presente: falecera Por falta de mento em
Planejava-se inaugurar em fevereiro de 1979 o Prontofase do conjunto. Júlio de Mesquita Filho não estaria em 1977. recursos, porém, as obras foram paralisadas. Até o mo-
que escrevemos,
julho de
1985,
obra do imenso prédio às margens do Tietê.
não
há notícia do reinício da
A Faculdade da Misericórdia
A Faculdade de Ciências Médicas dos Hospitais da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo, cujos estatutos datam de 1958, aprovados em sessão da Mesa Administrativa no dia 21 de março — na gestão do Provedor
José
Cássio
de
Macedo
Soares
—,
entrou
em
funcionamento
em
1963, como resultado de um sonho há muitos anos acalentado pelo Corpo
Clínico da Misericórdia paulistana —
na verdade
alimentado desde o mo-
mento em que o derradeiro aluno da Faculdade de Arnaldo cruzou pela última vez os portões da Rua Cesário Motta para não mais voltar. mado
A Santa
Casa
ansiava
à sua imagem,
por sua
conhecendo
sua visão própria da medicina.
faculdade —
um
centro
Soares
na
for-
sua filosofia peculiar, seu humanismo,
Na verdade, tudo se acelerou com a posse do médico
Macedo
médico
Provedoria, secundado
por outra
José Cássio de
figura que
se, desta-
do Conselho
Técnico
caria na história da Irmandade — Christiano Altenfelder Silva. Ambos renovaram a instituição e estimularam o Corpo Clínico a formalizar sua maior pretensão. Isso aconteceu na sessão de 20 de abril de 1956, quando o Diretor-Clínico,
Dr. Paulo
de Godoy,
e membros
— Drs. Oscar Monteiro de Barros, Matheus Santamaria, Paulo Almeida Toledo e Pedro Ayres Netto — dirigiram ao Provedor e Mesa Administrativa um ofício em que se lê o seguinte trecho: “A
Diretoria Clínica e o Conselho
Técnico, convencidos
da
urgente necessidade de se instituir o ensino médico nesta Santa Casa, visto que, segundo verificação universal, hospital em que não se pratica ensino se transforma em mero depósito de doentes, de onde é banido o estímulo ao estudo e ao rápido esclarecimento dos casos clínicos, dirigem um veemente apelo a essa Mesa, para que, de acordo com o que lhe faculta o Art. 2.º do Compromisso da Irmandade, estude a possibilidade de se fundar nesse Hospital uma Escola de Especialização Médica e uma Faculdade de Medi-
600
Glauco Carneiro
cina. Serão, para essa finalidade, aproveitados os Serviços e os elementos do Corpo Clínico que estiverem nas necessárias condi- ções e desejam colaborar no empreendimento. Os demais Serviços e elementos do Corpo Clínico continuarão a funcionar como até agora e serão rigorosamente respeitados os direitos dos que nele trabalham...” (Livro de Atas n.º 36, pág. 169). Nomeada pela Mesa uma comissão para estudar o assunto, esta apresentou o resultado de sua análise na sessão de 20 de junho de 1956, resolvendo “aprovar a organização da Faculdade de Medicina e Especialização da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo, ficando entendido que
essa aprovação se dava apenas em
tese e condicionada à efetiva obtenção
de recursos patrimoniais”. Integravam a Comissão de Estudos que viu seu parecer aprovado pela Mesa os Irmãos Christiano Altenfelder Silva, Paulo de Godoy, Heitor Portugal, Oscar Monteiro de Barros, Aldo Mário de
Azevedo,
Mateus
Santamaria,
Sérvulo de Sant'Anna, Pedro Ayres Netto.
Candido
Junqueira,
Paulo
A. Couto de Barros, Cantídio
Toledo,
de Moura
Benedito
Campos
e
A busca de recursos protelou por anos a instalação da faculdade. A
21 de março de
1958, a Mesa
aprovou, no entanto, a redação
final e os
estatutos que criavam a Faculdade da Santa Casa. Em novembro do mesmo
ano veio à baila a possibilidade de permuta dos armazéns de da Santa Casa, à rua Domingos Paiva, 332/342, pelo prédio Vila Nova, da Superintendência dos Serviços do Café, onde lado o Colégio Rio Branco. A aquisição desse prédio visaria
propriedade da Rua Dr. estava instacompletar a
montagem da Faculdade de Medicina, uma vez que as aulas práticas seriam ministradas nos próprios hospitais da Irmandade.
No entanto, somente no início da década de sessenta a idéia vingaria: constituiu-se uma fundação, denominada Arnaldo Vieira de Carvalho, que
se encarregaria de operacionalizar a faculdade, utilizando as instalações da Santa Casa, cedidas especialmente para essa finalidade. Para tanto, ambas
as instituições assinaram, a 22 de outubro de 1962, um convênio
mediante
o qual se deu início oficial ao novo estabelecimento. Assinado, de um lado pelo Provedor Christiano Altenfelder Silva, e de outro pelos Drs. Camillo Ansarah e João Guilherme de Oliveira Costa, presidente e secretário, respectivamente, da Fundação Arnaldo Vieira de Carvalho, o convênio tinha sua Cláusula Primeira redigida da seguinte forma: “Cláusula 1.º — Interessada, de velha data, em agregar aos seus hospitais, a bem do constante aprimoramento dos serviços assistenciais destes, proporcionando aos médicos que neles traba-
lham oportunidades
para o aperfeiçoamento
contínuo
dos seus
conhecimentos a par da evolução científica da medicina moderna, a Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo concede à Fundação Arnaldo Vieira de Carvalho, para efeito de instalação
601
O Poder da Misericórdia
e funcionamento das aulas práticas ou cursos clínicos, da sua Faculdade de Ciências Médicas, e na medida das necessidades dessa instalação e desse funcionamento, o uso das enfermarias
Hospitais”.
dos seus
Os Pioneiros
O sonho
da Santa
ao ideal do Corpo
alguns documentos Médicas.
Casa já datava de muitos
Clínico, como
veremos
anos antes, incorporado
agora, através da transcrição
do maior valor histórico para a Faculdade
de
de Ciências
Inicialmente, vejamos a entrevista concedida pelo Dr. Paulo de Godoy, Diretor-Clínico da Santa Casa, ao jornal Folha da Noite: — “Da necessidade e da oportunidade da criação de mais uma faculdade em nossa terra, aí está a estatistica de 1957, em que só na Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, se inscreveram
mil e tantos candidatos, para apenas oitenta vagas!
Diariamente recebo em minha diretoria-clinica, ma Santa Casa, inumeros rapazes que desejam obter explicações e orientação de como vai funcionar a nova faculdade. E' grande o interesse nos meios
universitarios
para
que
o novo
instituto
funcione
o mais
depressa possivel. São Paulo, com uma população de 3.500.000 habitantes, tem apenas duas faculdades, uma oficial e a outra particular — a Escola Paulista de Medicina. Quer dizer que para 160 vagas, mais de mil alunos entram em disputa dos poucos lugares existentes. Feita a seleção, os que não conseguiram media se voltam para as faculdades de Medicina do interior do Estado.” A SANTA — em São clinicas criação. o ensino Devemos
CASA
JÁ SERVIU
AO
ENSINO
MEDICO
“Aliás, convem lembrar e recordar que o ensino medico Paulo nasceu na Santa Casa, onde se instalaram todas as da Faculdade de Medicina de São Paulo, quando da sua Somente após a fundação do Hospital das Clinicas é que medico se deslocou definitivamente para esse hospital. acentuar que no Hospital Central da Santa Casa estão
em pleno funcionamento os mais variados departamentos — de medicina, cirurgia, pediatria, cirurgia infantil, ortopedia, ginecologia, anatomia-patologica, laboratorio, que faz 500 exames diarios,
radiologia, um dos mais completos do país, cirurgia do torax, urologia, gastroenterologia, alegria, endocrinologia, centro de re-
cuperação,
banco
de sangue,
fisioterapia,
radioterapia,
neuro-ci-
602
Glauco
Curneiro
rurgia etc., todos perfeita e modernamente equipados, orientados
por um
corpo
clinico de alto valor cultural, científico e tecnico.
Daí se conclui que a nova Faculdade de Medicina já encontrará uma situação ampla e magnifica para o ensino. E no seu programa
haverá a cadeira de Psicologia Medica e de Biotipologia, fundamentais para o conhecimento do homem
normal e patologico, de
acordo com a tendencia moderna da medicina
unitaria ou psicos-
somatica.”
LUTA
PARA
A REALIZAÇÃO
DO
IDEAL
Nós conheciamos a luta que havia sido travada para tornar
vencedora a iniciativa, na propria instituição. Desejavamos, porem, que o proprio diretor-clinico da Santa Casa confirmasse o que já sabiamos. Em suma, o esboço de estatutos do novo instituto cien-
tifico
Paulo
foi feito
na
Diretoria-Clinica, sob
de Godói, assessorado
por uma
a supervisão
do
comissão de medicos
prof. con-
ceituados. Em seguida, esse trabalho foi levado ao plenario da assembléia-geral do corpo clinico da instituição. A oposição à idéia,
que antes era mais ou menos velada, corporificou-se. Era uma oposição consciente, espontanea, 'mas eminentemente honesta, como
nos confessa o proprio prof. Paulo de Godói. Alguns facultativos entendiam que não devia ser criada a Faculdade de Medicina na
Santa Casa de Misericordia de São Paulo, mantendo-se a instituição no trabalho de rotina que atualmente desenvolve. Veio então a fase de esclarecimento e a esquematização da idéia, através de
debates nas assembléias. E finalmente, depois de derrotar definitivamente a oposição, o corpo clinico da Santa Casa, reunido em
assembléia-geral, quase por unanimidade,
aprovou
a idéia e pos-
teriormente os estatutos, que foram referendados e sancionados no dia 21 do corrente pela Mesa Administrativa. Dos 200 facultativos
de que se compõe o corpo clinico, apenas 3 ou 4 se manifestaram contrarios, resultado esse que representou uma consagração final. — “Devemos notar — afirmou o prof. Paulo de Godói — que ha dois anos nós, da Diretoria-Clinica, e os meus bravos com-
panheiros do Conselho Tecnico, os drs. Paulo de Almeida Toledo,
Oscar Monteiro de Barros, Mateus Santamaria e Pedro Aires Neto,
tivemos que lutar e vencer obstaculos e oposição para a conquista que hoje é uma grande vitória. O que venceu foi a idéia, idéia-
força e foi principalmente o ideal que nos apaixonava, que nos deu o estimulo para lutar. A Faculdade está criada. A todos nós
que lutamos para a sua criação, não nos caberá servilla com
a nossa
fé, com
o nosso entusiasmo,
mandá-la, mas com
trabalho, com a nossa cultura, com o nosso sacrifício.”
o nosso
O
Poder
da Misericórdia
COMISSÃO
DE
603
FINANÇAS
PARA
ANGARIAR
FUNDOS
A Mesa Administrativa da Santa Casa vai nomear uma comissão de finanças para estudar a maneira de angariar fundos em favor da nova Faculdade de Medicina, que, segundo o prof. Paulo de Godói, poderá funcionar a partir do proximo ano. Transformar-se-á numa fundação, funcionando paralelamente à Santa Casa, ou poderá
também
fazer
parte
integrante
da organização, como
um dos seus departamentos. Essa questão está em estudos. A vitoria do dr. Paulo de Godói e seus colegas foi completa, tanto assim que na ultima eleição para escolha do diretor-clínico
da Santa Casa, realizada em janeiro ultimo, foi ele reeleito para o posto e, como item principal do seu programa, figurava justamente a criação da Faculdade de Medicina, e a sua escolha foi uma demonstração de que o corpo clinico deseja ardentemente o organismo”.
23
O sonho que vinha de antes Já vinha de antes o sonho...
Em
reunião
1950, o Dr. Jairo Ramos observara aos Irmãos:
havida
a 12 de outubro
de
“Se a Santa Casa de São Paulo instituir o regime de internato
médico e estabelecer condições que permitam ao médico fazer “full time” no Hospital e atender, inclusive, em adequadas insta-
lações seus doentes particulares, dentro de um período de vinte a
cinquenta anos a história dirá que foi ela que influiu decisivamente para a modificação e aperfeiçoamento do ensino médico no Brasil”.** —
Ainda em 1950, em artigo escrito para o Boletim da Santa Casa (Vol. | N.º 3), 0 Prof. Oscar Monteiro de Barros assinalou: “A observação dos meios hospitalares da França, Suíssa, Itália, Inglaterra e Estados Unidos que nos tem sido facultada durante a viagem que, há já alguns meses, estamos realizando através dêsses países, nos vem convencendo de que hospital da importância e das responsabilidades da Santa Casa de Misericórdia de S. Paulo, não pode permanecer à margem do ensino e da progressiva elevação do nível científico da profissão médica de S. Paulo e do Brasil. Fundado e mantido pela generosidade do povo paulista, amparado pelo Estado, possuidor de patrimônio de elevadíssimo valor
material e de nobre e fidalga tradição, êsse hospital deve ter como
finalidade:
1.º) —
assistência
ao doente;
604
Glauco Carneiro
2.º) — médico). Esta
participação
participação,
do
ensino
médico
aliás, redundará
em
(ao estudante benefício
e ao
do próprio
doente, cuja assistência continuará a ser sempre a principal finalidade do hospital. De que modo? Simplesmente porque, ao se aparelhar para ministrar “ensino”, êle terá forçosamente que melhorar suas instalações e aperfeiçoar seus processos de diagnóstico e terapêutica, com o que lucrará imediatamente o doente assistido, dest'arte, por serviços da mais elevada eficiência. Quem estude a história da medicina em nossa terra, verificará desde logo o importante papel representado pela Santa Casa na formação da “Escola Médica Paulista”. As primeiras reuniões em que se discutiam e esclareciam casos médico-cirúrgicos em S. Paulo tiveram como núcleo inicial o corpo clínico dêsse hospital. A Policlínica e a Sociedade de Medicina e Cirurgia de S. Paulo nasceram, cresceram e prosperaram graças, em grande parte, à
cooperação dêsse mesmo
Quando de Medicina,
o governo recorreu
corpo clínico.
do Estado resolveu a Arnaldo
Vieira
de
fundar a Faculdade Carvalho,
diretor clí-
nico da Santa Casa, num reconhecimento oficial do valor do Ho-
mem
e do Instituto. Durante o tempo em que o Hospital Central
abrigou as clínicas da Faculdade foi, graças aos doentes nêle inter-
nados e as suas instalações, embora precárias, que se formou a plêiade de professores, docentes e assistentes que hoje abrilhanta o corpo docente da Faculdade e da Escola Paulista de Medicina. Aos hospitais da Santa Casa cabe ineludivelmente, oferecer o precioso acervo de que dispõem em doentes, patrimônio e instalações, em benefício do ensino médico. Assim agindo, não farão êles outra coisa que continuar a prática daquilo que sempre e tradi-
cionalmente fizeram.
Na visita que estamos realizando aos centros hospitalares da
Europa e dos Estados Unidos, temos verificado que hospitais do tipo da Santa Casa (caridade pública e auxílio governamental) jamais se negam a dar essa colaboração. Ao contrário, todos fa-
zem dela uma das suas mais importantes finalidades, seja se trans-
formando em hospitais de ensino própriamente ditos, seja instalando cursos de “post-graduação” ou “internato” para alunos dos últimos anos ou para médicos já “diplomados”, mas não “licen-
ciados” (a “licença” só é concedida, em certos países, após 2 a 3
anos de “internato”, rigorosamente controlado), ou ainda para médicos já “licenciados”, que desejem aperfeiçoar ou especializar seus conhecimentos.
O Poder da Misericórdia
605
Não se cuida presentemente, de transformar a Santa Casa em
hospital própriamente de ensino, pois os dois centros de formação médica existentes em S. Paulo possuem seus hospitais próprios (“das Clínicas” e “São Paulo”), mas de organizar dentro dela cursos de “post-graduação” ou “internatos” para alunos dos últimos anos ou para-médicos. A organização arcáica do nosso ensino
médico (que deveria ser radicalmente modificada como, em geral, todo o ensino brasileiro), não prevê oficialmente a “post-graduação” e não obriga o médico a fazer, após a formatura, o utilíssimo “internato”, de 2 a 3 anos. Todavia a Santa Casa, desde que para tanto esteja habilitada, poderá instituir primorosos cursos de “postgraduação”, e fornecer diplomas aos médicos que, fazendo-os, se transformem em “especialistas”. Outrossim, atestados de “internato” serão de grande valor para os respectivos portadores, seja como prova de preciosos conhecimentos adquiridos, seja como título de grande valor para a carreira no magistério médico ou na função pública, dentro da Medicina. Devemos nos lembrar de que não se “ensina” medicina apenas nos hospitais anexos às escolas oficiais. Ela é ensinada também naqueles em que os chefes de clínica, na sua visita diária, mostram como se faz o diagnóstico e a terapêutica de um dado caso: naqueles em que os casos interessantes são discutidos nas suas nuanças e dificuldades; naqueles em que é feita a experimentação desapaixonada dos mais modernos tratamentos; naqueles em que,
munido
de
arsenal
cirúrgico adequado
e auxiliado
por
serviços
bem aparelhados de anestesia e hemoterapia, o cirurgião pratica, sob as vistas dos estudantes e médicos, ávidos de aprender, os
mais recentes ou arrojados métodos operatórios; finalmente, está ensinando medicina o hospital que abriga médicos ou estudantes dos últimos anos, facultando-lhes contato com os processos de
diagnóstico mais rápidos e seguros e de terapêutica mais modernos e eficazes. Neste sentido a nossa Santa Casa pode, sem a menor dúvida, se transformar rápidamente em “Escola”. A realização em 1963
Vários anos transcorreriam antes que a Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo se tornasse uma realidade. E foi em solenidade realizada a 24 de maio de 1963, no auditório da Academia Paulista de Letras, no Largo do Arouche, que foram instalados os cursos da escola criada pela Fundação Arnaldo Vieira de Carvalho, depois de autorizados por decreto presidencial datado de 15/5/1963. Na ocasião, o acadêmico Pedro Calmon discorreu sobre o tema “As Misgricórdias — Berço do Ensino Médico”.
Glauco
606
Carneiro
Organizada em convênio com a Santa Casa, pela Fundação Arnaldo Vieira de Carvalho, constituída especialmente para esse fim, em vista da
impossibilidade de ser mantida
dade
de Ciências
Médicas,
integralmente pela Misericórdia,
não obstante,
fundamentou-se
a Facul.
inteiramente
na
estrutura da instituição de caridade, utilizando suas instalações para ensino, prática clínica e estágio, além de receber aulas dos médicos do Corpo Clínico. Na edição n.º 1 da revista Ciências
Médicas, de
1964,
reproduzem-se
documentos importantes para a História da Faculdade da Misericórdia.
“Assim, coube à Fundação Arnaldo Vieira de Carvalho a res-
ponsabilidade pela manutenção da Escola de Medicina, que veio concretizar antiga aspiração da administração da Santa Casa e do
seu corpo clínico. Conhecendo êste como é precário o número de médicos no Estado de São Paulo, e mais ainda no Brasil, desejou dar sua colaboração para a solução dessa grave crise.
Consta do relatório apresentado ao Conselho Estadual de Ensino Superior, pelos Profs. Ulhôa Cintra, Jairo Ramos e Walter
Leser, que só o Estado de São Paulo precisará, a partir de 1968, de 700 novos médicos, no mínimo, por ano. E tôdas as Faculdades de Medicina do Estado de São Paulo, incluidas as novas escolas de Botucatu e de Campinas, mas excluindo-se a Faculdade da Santa Casa, poderão formar nesse ano apenas 450 médicos. Para diminuir o “deficit” que se verificará, a Faculdade da Santa Casa contribuirá com a formatura de 130 médicos, em 1968, pois é êsse o número de alunos matriculados no corrente ano, vindo assim dar sua colaboração no sentido de dotar o nosso povo com a assistência médica
que merece.
Em convênio com a Santa Casa, instalou-se a Faculdade no Hospital onde funcionou a Faculdade de Medicina da Universidade, até a construção do Hospital das Clínicas. O mesmo aparelhamento hospitalar tem novamente o ensino da Medicina ao lado da assistência aos doentes desprovidos de recursos, aprimorada pela presença no hospital de professores, assistentes, auxiliares de ensino e acadêmicos, preciosos colaboradores da Santa Casa nos seus serviços.
Coube à Fundação obter autorização do Conselho
Federal de
Educação para o funcionamento da Faculdade, concedida por unanimidade e com apreciações favoráveis, quanto à organização da escola, seu regimento e constituição de seu corpo docente, demonstrados nos trechos abaixo transcritos: Parecer
102/63
“Tendo
optado
pelo sistema
das
disciplinas
agrupadas
em
Departamentos, a novel Faculdade iniciará uma experiência nova
O
Poder
da
607
Misericórdia
de ensino, numa Faculdade que adotou como unidade básica da sua estruturação o Departamento, definindo-o corretamente o Art. 7: “O Departamento
deverá ser entendido como uma
reunião
de disciplinas afins, e formado por uma equipe de docentes integrados
num
plano que apresente
unidade didático-científico-admi-
nistrativa de ação e pensamento” e no seu parágrafo
1.º: “Os do-
centes de cada Departamento dividirão entre si, por deliberação coletiva, as tarefas dos Departamentos”. Não creio que se possa encontrar uma definição mais feliz da essência de um Departa-
mento
de Faculdade
isolada, pressupondo
a necessidade de har-
monia entre os múltiplos professores de disciplinas que devem constituir a unidade dos trabalhos didáticos científicos de um Departamento de ensino superior”. Parecer
73/63
“Dificilmente poder-se-ia argumentar contra a legitimidade do
direito de grupo tão idôneo, como o são os docentes livres, assistentes e demais elementos do corpo clínico da Santa Casa de Mi-
sericórdia
de São
Paulo,
de
poderem
criar
um
centro
de
ensino
e de pesquisas que se beneficiará imediatamente das facilidades clínicas e laboratoriais oferecidas pelos Hospitais da Santa Casa. Durante 25 anos, a Santa Casa de Misericórdia hospedou as clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo e com a instalação do Hospital das Clínicas, as enfermarias e ambulatórios da Santa Casa foram bruscamente alienados do ensino da Medicina. Que é legítimo direito de um hospital bem orientado, desenvolver a sua Escola Médica, mostram-nos as 12 ou 13 Escolas Médicas dos Hospitais de Londres, a “Middlesex Hospital Medical School”, a “Saint Mary's Hospital Medical School”, ou “St. Thomas Hospital Medical School” e muitos outros que tornam Londres talvez o mais poderoso e conceituado centro de ensino da medicina no mundo. O que o projeto atual propõe é criar a Faculdade de Ciências Médicas dos Hospitais da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo, de início dispondo de magníficas instalações para as clínicas e laboratórios que podem, de imediato, ser utilizados para ensino, com abundante material acumulado e espaço suficiente para a instalação de novas laboratórios de ciência básica.
Não
conheço
nenhuma
Faculdade
de Medicina,
no Brasil,
criada por iniciativa particular, que tenha iniciado o seu curso em um ponto tão alto, exigindo apenas pequenas adaptações das suas instalações para se tornar eficiente centro de ensino e pesquisa. Devemos
ainda salientar que a Faculdade de Ciências
Médi-
cas que se projeta, foi estabelecida prevendo-se tempo integral para
608
Glauco
Carneiro
professores c assistentes do ciclo básico, o que é um acontecimento talvez único na criação de Faculdades particulares no Brasil. O corpo de professores, já escolhido, merece tôda a confiança, sendo constituido por homens de alta competência e de renome internacional, a maioria deles”. Está assim em pleno funcionamento, no seu segundo ano de curso, a Faculdade de Ciências Médicas dos Hospitais da Santa Casa
de Misericórdia de São
Paulo.
O que já foi realizado representa notável esfôrço da Funda-
ção e da Administração
da Santa
Casa,
embuidas
do
mais
alto
espírito público. Mas êsses ingentes esforços necessitam no momento, de apoio e colaboração do Govêrno do Estado para que a Faculdade tenha o desenvolvimento necessário na sua organização.
Terá a Fundação
de realizar as construções necessárias à instala-
ção de laboratórios, aquisição do seu equipamento, além das despesas de manutenção do corpo docente. O ALUNO
E O HOSPITAL
A Comissão de Orientação Científica, incumbida do planejamento da Faculdade, recomendou a sua implantação dentro do Hospital, afastando-se, assim, do critério clássico adotado pelas demais Escolas de Medicina, consistente na nítida separação geográfica e pedagógica, entre os ciclos básicos e clínicos. Além de dificultar uma maior integração entre as cadeiras que constituem o ensino médico, impede, aquêle sistema, que os alunos se beneficiem de uma aproximação mais rápida com o ambiente hospitalar. Essa inovação só foi aprovada depois de vencida a opinião de alguns opositores, naturalmente apreensivos com a perturbação que a presença de alunos recém-ginasianos poderia trazer aos serviços do hospital e à tranquilidade de seus doentes. A Mesa Administrativa da Santa Casa, porém, demonstrando
mais uma vez o seu espírito inovador, resolveu franquear os seus hospitais aos estudantes, concedendo-lhes assim um largo crédito de confiança, segura de que, se os alunos optaram por uma profisão que requer uma tão apurada noção de responsabilidade, é porque já a devem possuir em alto grau. Está tranquila, portanto, a Administração e certa de que os próprios alunos saberão refrear e corrigir algum colega que porventura se exceda em manifestações ruídosas que perturbem a tranquilidade dos doentes, ou falte ao respeito que merece o corpo daqueles que, mortos, tanto contribuem para a saúde dos vivos.
O
Poder
da
Misericórdia
A ENTIDADE Na orientação Faculdade
geral que
de Ciências
Médicas
MANTENEDORA norteia as obras da Irmandade, obedeceu
aos mesmos
a
ditâmes.
Para não onerar as responsabilidades que já tem, fê-lo em convênio com a Fundação Arnaldo Vieira de Carvalho, que reuniu outro grupo de homens dos mais destacados e com êles, e de acôrdo com êles, constituiu-se a mantenedora. A Fundação, constituída de homens dos mais capazes, uma Diretoria e um Conselho de 50 membros.
tem
A Diretoria, responsável pela execução das deliberações, tem
a seu cargo a elaboração orçamentária, a providência de recursos e uma série de obrigações que só aceitam os homens dotados de espírito público. O Conselho é heterogêneo, composto de membros natos, entre
os quais estão o Cardeal de São Paulo, o Reitor da Universidade de São Paulo, o Diretor Clínico da Santa Casa, o Diretor da Faculdade de Medicina, a Diretora da Escola de Enfermagem e o Presidente do Jockey Club. Os demais membros do Conselho são representativos da cultura e capacidade empresarial do povo paulista. Este dispositivo assegura a realidade econômico-financeira da
mantenedora que se colocou à altura da importância da obra que
se propôs
executar.
A FACULDADE
— ORIENTAÇÃO
GERAL
A preocupação de natureza pedagógica, indo até às de orien-
tação social e cívica, coloca os alunos desde o 1.º ano do Curso em contacto com as pessoas que procuram o Hospital. Eles tornam-se acompanhantes de enfermos que vêm à consulta, já com intenção de auxiliá-los em todas as tramitações que são obrigados a fazer para ter seu diagnóstico, sua internação, seu tratamento e sua alta, Como observadores, os alunos elaboram seu relatório e discutem o mesmo em seminário com orientação do médico, de psicólogo e de assistente social. Faz parte dêste plano a vivência da clínica familiar em que os discípulos, em contato com famílias, de preferência recémconstituidas, acompanharão a evolução das mesmas e ajudarão nos problemas de medicina sanitária, tais como vacinação, puericul-
eo Cluuco
tura e campanhas
de esclarecimentos, terminando,
se constituirem em médicos e conselheiros rentes de auxílios e informações.
CAPACIDADE
de
Carneiro
ao final, por
agrupamentos
ca-
ECONÔMICA
A Faculdade, muito embora escola particular, fugiria dos preceitos da Irmandade se não abrisse suas portas a alunos de poder
econômico
fraco.
O Serviço Social elaborou um plano, resultado de laboriosos
estudos de cêrca
fica em
grupos
de 700
famílias de universitários, e que
de possibilidades
diferentes.
classi-
Baseia-se esta classificação num confronto entre renda mensal
e despêsa mensal de cada família. Com êstes dados pôde-se perfeitamente calcular que parcela de anuidade família pagar sem maior ônus. Foi então
pletam
é possibilitada a cada
instituído o sistema de bolsas supletivas que com-
a diferença
orçamentária.
Estas
foram
imediatamente
pro-
videnciadas por outra Instituição que vem prestando inestimável ajuda à Irmandade, porque seus dirigentes atingem perfeita compreensão dos fenômenos sociais: o Jockey Clube de São Paulo.
Conseguiu-se então para a Escola um orçamento equilibrado
e suficiente, garantido pela Fundação Arnaldo Vieira de Carvalho entidade mantenedora, em convênio com a Santa Casá.” Vinte anos depois Vinte anos depois, em 1983, recordava-se que a Faculdade de Ciências Médicas já formara 1.500 profissionais desde o ano pioneiro em que os fundadores da escola realizaram, enfim, o sonho acalentado há tantos anos pelo corpo clínico da Misericórdia paulistana. A excelente revista
“Arquivos
Médicos dos
Hospitais da Santa
Casa de São
Paulo”,
em sua
edição de março de 1984, lembrou o que foram esses primeiros vinte anos: “Durante seis anos, isto é, de 1963 a 1969, a Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de S. Paulo proporcionou “en-
sino accessível a todos”, em vez das alternativas de “ensino pago”,
ou “ensino gratuito”. Pesquisadas 700 famílias de universitários paulistas, verificou-se que 30% dos alunos não reclamariam do pagamento das anuidades, pois poderiam pagá-las, enquanto que os restantes 70%, subdivididos em 9 grupos, possuíam limitações, alguns, e necessitariam de auxílio, outros. Doze por cento
611
O Poder da Misericórdia
dos alunos não tinham condições de pagar nada.
A estes, obri-
gou-se um pagamento simbólico de um salário anual, dividido em IO prestações mensais, enquanto que aos outros foram arbitradas anuidades de acordo com sua capacidade financeira, os mais
abonados pagando mais, numa escala decrescente, até a faixa dos [2%
mais
carentes,
pregos de 2 horas
alunos
revelavam
para
por
os
dia,
chapas de
quais
onde,
Raios-X,
a
Faculdade
criou
trabalhavam
na
dentre outras
90
em-
atividades, os secretaria
da Faculdade, datilografavam registros de doentes, e assim por diante. Sempre segundo o esquema “paga mais quem pode mais”, social nos seus propósitos, equânime
no tratamento e prático nos
seus resultados. Pena que teve de ser descontinuado, quando o MEC determinou a anuidade máxima, fixando-lhe um teto abaixo da capacidade dos abonados, e, infelizmente, acima das pos-
sibilidades dos mais carentes.
UMA
ESCOLA
Essa, e outras
MÉDICA
ADIANTE
DO
SEU
inovações,
igualmente
relevantes,
TEMPO foram
lan-
çadas dentro dos muros da Santa Casa de S. Paulo, pela Escola
Médica fundada pelo Corpo Clínico, a qual, no curto espaço de 20 anos, transformou-se, no 'campo da Educação, no Brasil, na
mais bem
sucedida
iniciativa de todos os tempos.
Entretanto, o sucesso da Faculdade não foi produto de mila-
gres ou passes cabalísticos, e sim de uma tradição de muitíssimos anos, que se encontrava enraizada na Santa Casa, desde 1917,
quando seus Hospitais começaram a receber os alunos daquela que depois se transformaria na Faculdade de Medicina da Universidade de S. Paulo, a famosa “fábrica de professores de medicina”. Durante 30 anos, isto é, de 1917 até 1947, a Medicina da USP funcionou na Santa Casa. No decorrer desses três decênios, frequentaram a Santa Casa, seja como professores, seja como alunos, todos aqueles que depois foram construir a grandeza da USP e da Escola Paulista de Medicina. Pode-se dizer que a Santa Casa foi a mãe das grandes escolas médicas de S. Paulo, além de influir decisivamente, através de suas residências, no aprimoramento dos corpos docentes de dezenas de outras faculdades, espalhadas por todo o Brasil. Pela Santa Casa passaram, como facultativos ou chefes figuras tais como Vampré, Celestino Bourroul, Zeferino do Amaral, e, mais tarde, Diogo de Faria, Arnaldo Vieira de Carvalho, Pereira Barreto, Carlos Botelho, Mário Ottoni de Rezende, José Ayres Netto, Henrique Lindenberg e muitos outros.
612
Glauco Carneiro
O
projeto de uma Faculdade na Santa Casa ganhou mais corpo e adeptos com a ida da USP para o Hospital das Clínicas, em 1947. Quando se fundou a Escola Paulista de Medicina, alguns dos seus fundadores cogitaram de levá-la para os próprios da
rua
Cesário
Mota
Jr.
Durante 26 anos, isto é, de 1947 até 1963, a “idéia” de uma Faculdade aprimorou-se, virou projeto e ungiu-se de uma filosofia audaciosa: tinha que ser moderna e inovadora. E quando abriu suas portas, em 1963, antes, portanto, da reforma universitária de 64, não tinha cátedras vitalícias, suas disciplinas afins estavam reunidas em departamentos c seus alunos tinham acesso aos hospitais, isto é. à prática trepidante, desde o primeiro ano. A integração “escola-hospital”, desde o primeiro ano, permite,
segundo o professor Orlando Aidar, atual
Diretor da Faculdade,
“que o aluno aprenda lidando com o doente”, somando seus conhecimentos teóricos à prática hospitalar desde o conhecimento da
sua
carreira.
TRABALHO
possui
Embora
memória
uma
de
E
DEDICAÇÃO
fundação
galeria
recente,
de fundadores
é constantemente
nias comemorativas
homenagens
póstumas
A MAIS
do
cultuada.
Ano
a 31
20 da
DOS a
SEUS
Faculdade
da
e professores Durante
PELOS
Santa
falecidos,
Casa
cuja
as recentes cerimô-
Faculdade,
professores.
DISPUTADA
MESTRES
foram
prestadas
CANDIDATOS
Ano após ano, a Faculdade da Santa Casa tem sido a mais disputada pelos candidatos à carreira médica. Dispondo, em média,
de
apenas
100
vagas/ano,
tem
lares, até 8 mil candidatos. Embora nos últimos anos, segundo tendência
recebido,
nos
seus
vestibu-
a procura tenha diminuído observada em todas as de-
mais instituições de ensino médico, cujas múltiplas razões não nos cabe examinar, mais de 4 mil candidatos bateram às portas da Santa Casa, neste ano. Estatisticamente, essa acirrada disputa pelas vagas na Santa Casa traduz uma verdadeira consagração
popular, considerando-se,
ainda, que
a esmagadora
maioria dos
seus candidatos pertence à classe média, e esta, como se sabe, dita as tendências
no
Brasil.
O
Poder
da
Misericórdia
615
PROFISSIONAIS
QUE
SATISFAZEM
EXPECTATIVAS
O valor da Santa Casa, como centro preparador de profissionais altamente qualificados, manifesta-se também através dos importantes cargos ocupados pelos seus médicos. À proporção que se distancia, no passado, o ano de 1968, em que se formaram os primeiros 119 médicos da Santa Casa, suas turmas amadure-
cem e muitos de seus membros são guindados a altas posições no ensino médico e no serviço público. Inúmeros ex-alunos e exresidentes da Santa Casa ocupam cátedras e altas posições em escolas médicas espalhadas por todo o país, enquanto que outros exercem funções públicas de grande responsabilidade, como, por exemplo, Wilmar Silvino, no INPS, Alexandre Vranjac, na Secretaria
Estadual
da Saúde,
e José
Carlos
Bitencourt,
na Secretaria
Municipal de Higiene e Saúde. São médicos que aliam competência profissional e correção de conduta, segundo os ensinamentos da sua Faculdade.
O conhecido professor Nelson Proença, presidente da Associação Médica Brasileira e Chefe da Clínica Dermatológica da Faculdade da Santa Casa, declarou, em entrevista recente à “Folha de S. Paulo”, que a formação dos médicos da FCMSC não se extingue ao cabo dos 6 anos escolares: “O curso de pós-graduação que oferecemos é feito por cerca de 70% dos alunos da nossa
escola, que
se tornam
excelentes
profissionais.
Mas
o pre-
paro vem desde o início do curso. Um cuidado fundamental que tomamos é o de não permitir a especialização precoce do estudante, optando por uma formação mais abrangente. Disso resulta um profissional muito mais completo, com maiores condições de satisfazer as expectativas da sua futura clientela”. Os problemas da igualdade
Quando a Santa Casa, para sobreviver, vincula-se cada vez mais ao aparato oficial de previdência e assistência social, torna-se alvo das pres-
sões políticas que às vezes acompanham tal esquema, sem falar das dificuldades de caixa a ele inerentes. Além disso, depara-se a instituição, pro-
gressivamente, com
de seus empregados Esse quadro
uma
pauta
e médicos.
mostra-se
mais abrangente
muito
nítido
de reivindicações
no início
da década
salariais
de sessenta
e vai ganhando matizes mais fortes à medida que nos aproximamos da atualidade. O objetivo da caridade, antes englobador de todas as metas de serviço à instituição, e os preceitos clássicos da solidariedade cristã.
614
Glauco
Carneiro
não bastam mais à atividade-meio da Misericórdia, no momento em que uma intensa politização a convence de que a Irmandade é uma empre. gadora como as demais, e pode até ser levada aos tribunais. Em
1963
empregados,
salarial. Em nico
encontramos
dizendo
1964, em
agravou-se
com
a Irmandade
estar cumprindo
todos
explicando os
a situação
acordos
de
de seus
reajustamento
nota oficial, confessa que o regime deficitário crô-
a decisão
trabalhista
de
conceder
aumento
de 90%
aos funcionários, além de mais 30% poucos meses após. Em 1973, seu déficit se agrava e atinge 4 milhões (cruzeiros novos), além de necessitar de mais dois milhões para efetivar o pagamento do 13.º salário aos servi-
dores. Em junho de 1978, um inédito movimento paralisa, pela primeira vez, os residentes, que dão prazo para atendimento de suas revindicações. A Mesa informa que o déficit da instituição já atinge, nesse ano, a quinze
milhões de cruzeiros. Os líderes dos residentes reúnem-se na sede do Dire-
tório Acadêmico da Faculdade de Ciências Médicas e divulgam seus motivos junto aos doentes do hospital, ao mesmo tempo que ameaçam os
profissionais substitutos com a aplicação do Código de Ética Médica, “pois estão lutando apenas pelo salário digno”.?* A Santa Casa responde à greve cessando a residência dos 316 médicos
envolvidos:
“A
demissão
palavras o superintendente
dos
médicos
residentes,
—
num
jogo
de
diz que não se trata disso, mas de desistência
da residência médica por parte dos próprios interessados — segundo eles, constitui um fato grave para a escola e para o hospital. A extinção da residência médica. dizem eles, muda o caráter da Santa Casa, que deixa
de ser um hospital-escola”.>" Vinte e três professores do Departamento de Pediatria encaminham carta, porém, afirmando que a presença dos residentes é indispensável. A 29 de junho, O Estado divulga nota oficial do Provedor Christiano Altenfelder, em que afirma que “a Santa Casa por entender que possui um Corpo Clínico capaz e disposto a participar da formação de residentes, dentro de hospital de alto padrão, jamais visou à mão-de-obra médica de baixo custo, como se vê dos aumentos concedidos, Sendo, como é. uma instituição privada, oferece aos seus residentes os recursos que tem possibilidade de dar... A residência não é um emprego, mas sim um curso de pós-graduação de caráter prático. Portanto, só se inscreve se puder completar o período de treinamento e cumprir as disposições que regulam a Residência... Estagiários da Santa Casa entraram abruptamente em greve, avisando a Administração com apenas cinco (5) minutos de antecedência, abandonando atividades, plantões, ProntoSocorro, ambulatórios, sem a mínima e caritativa atenção para com os doentes que estavam sendo tratados ou examinados sob seus cuidados. Com este fato, infringiram o juramento que prestaram no ato de sua graduação".**
O
Poder da Misericórdia
615
Era um novo tipo de médico o que a Irmandade estava defrontando em 1978. Acostumada com o modelo clássico, ela via com apreensão aquele posicionamento agressivo para o qual não tinha reação preparada. O velho “Estadão” foi em seu socorro: reconhecendo embora a justeza de algumas reivindicações básicas, informava que os bolsistas da Santa Casa haviam recebido, desde o ano anterior, 1977, aumentos que chegavam a 260%: “A Santa Casa não é um hospital estatal, que tem de onde retirar verbas suplementares. Muito menos é um hospital com
finalidades lucrativas que possa, reduzindo suas margens de lucro, atender às reivindicações. Trata-se de uma instituição de
benemerência, que não visa o lucro e que vive basicamente de
convênios e doações, que chegam
a dois terços de sua receita...
Seu déficit não pode ser agravado...
É instituição onde o padrão
de serviços e atendimento não é determinado pela condição econômica e social dos pacientes que a procuram, mas sim por uma elevada consciência humanística... Em seus quase 400 anos de
existência, a Santa Casa tem feito mais do que respeitar o legado
humanitário que recebeu de seus fundadores: no correr destes quatro séculos, enriqueceu a herança, somando à obrigação da caridade o ensino competente e de alto nível que ministra a estu-
dantes das ciências médicas...
É grande
a tradição
da
Santa
Casa, e esta tradição precisa ser conhecida por toda a população, principalmente por aqueles que lá trabalham e que são os responsáveis por sua continuidade e incolumidade... Em nome
de reivindicações, mesmo justas, não podem os residentes da Santa Casa atropelar quatro séculos de tradição e comprometer o importantíssimo trabalho social de gerações”.
Outra crise com o sistema deu-se em agosto de 1979 quando a Misericórdia decidiu não mais aceitar pacientes do INAMPS para implantes ou substituições de válvulas cardíacas e marca-passo. A medida foi tomada em decorrência da falta de pagamento das dívidas do Instituto, num total de 50 milhões. Poucos meses mais tarde, a Provedoria comunicou à Superintendência do INAMPS em São Paulo o rompimento do convênio, mediante o qual 400 leitos da instituição eram postos à disposição dos previdenciários. Na carta, provava-se que os preços pagos pelo leito-dia a cargo do INAMPS eram inferiores aos custos reais. Enquanto estes atingiam, na época, a 1.200 cruzeiros, o Instituto pagava apenas 280 cruzeiros (e o Hospital Central da Santa Casa era considerado “padrão” do atendimento conveniado). Logo os hospitais privados aproveitaram a deixa para levantar de novo a velha bandeira da insuficiência dos valores arbitrados pelo INAMPS.
616
Glauco Carneiro
José Sady Neto, da Associação dos Hospitais de São Paulo, observou: “Um fato marcante no episódio é que as Santas Casas têm uma série de isenções. Elas não pagam parte dos encargos trabalhistas — a que se refere aos empregadores; estão isentas do imposto de renda, do imposto territorial e predial, e do ISS; e ainda recebem subvenções. Têm ainda suplementações vultosas, provenientes do aluguel de seus imóveis. Ora, se um hospital com todas estas facilidades, que contribuem para reduzir seu custo e aumentam a sua receita, não consegue sobreviver, o que diremos dos
hospitais privados que não têm esses benefícios?".2* Na mesma linha, o presidente da Federação Brasileira dos Hospitais, Antonio Angel Del
Arroyo, declarou: “Alguns achavam que nós apenas buscávamos um lucro maior. Mas agora que uma Santa Casa, da importância da de São Paulo,
faz, publicamente,
as mesmas
acusações
contra
a justeza da luta da rede hospitalar privada”.»
o INAMPS,
comprova-se
29
O gesto da Santa Casa teve imediata repercussão .junto ao Governo Federal. O próprio Ministro da Previdência, Jair Soares, deslocou-se até São Paulo, reuniu-se com a Federação das Misericórdias, e ouviu, de viva
voz, do Provedor Altenfelder, um apelo no sentido de um relacionamento
mais equânime do INAMPS com as Misericórdias. Contudo, a Santa Casa
de
São
depois
Paulo
de
[rmandade
só restabeleceu
ter recebido
todos
o convênio
os
com
a Previdência
atrasados,
na
proporção
Poder
mantido
e não de acordo com as contas feitas por Brasília.
Geralmente,
os ocupantes do
têm
com
em
exigida
1981,
pela
a «Santa Casa
um relacionamento amistoso e compreensivo. A maior parte deles adota esse tipo de procedimento
porque realmente está convencida
do valor da insti-
tuição. Uma minoria, deixando isso em segundo plano, compõe-se com as reivindicações da Santa Casa porque verifica que não vale a pena, pessoal é politicamente, obstacular a ação da entidade que reúne há quatro séculos a melhor representação de poder paulistano. São raros os casos de atritos. Um deles surgiu, por exemplo, em junho de 1964, quando o Prefeito
Prestes Maia criticou, publicamente, “o peso dos encargos assumidos pela
Misericórdia com
a criação
de sua
Faculdade
de Ciências
Médicas,
lem-
brando que o Governo do Estado enfrentava dificuldades para manter sua faculdade de medicina”. Imediatamente, o Provedor Christiano dirigiu carta a O Estado de S. Paulo, contestando as afirmações do prefeito, e dizendo haver obrigação legal da Prefeitura repassar dotação com aplicação determinada, em benefício da Santa Casa: “Torna-se inadiavel e exigencia desses recebimentos. Retém indevidamente a Prefeitura algumas centenas de milhões de cru-
zeiros, que pertencem á Santa Casa, que por isso não pode pagar
centenas de milhões de cruzeiros aos seus fornecedores.
Insensi-
O
Poder
da
Misericórdia
617
veis se revelam o prefeito e o secretario das Finanças á dolorosa contingencia funcionarios
da redução de leitos aos necessitados, dispensa de e cessação do serviço de Pronto-Socorro. Só restará
á direção da Santa Casa cobrar pelos meios judiciais o que lhe é devido, embora com as delongas naturais desses processos. É o que deliberou constrangidamente a Mesa Administrativa, na defesa dos direitos e interesses que lhe são confiados e no
beneficio dos desamparados, muitos dos quais já não pode a Santa
Casa
socorrer,
pela
incompreensão,
gados da administração publica.
desvios
e erros
dos
encarre-
Agradece a publicação destes esclarecimentos, para conhecimento do publico o seu velho amigo e admirador, dos maiores, Christiano Altenfelder Silva”.
ESCLARECIMENTOS
DO
SECRETÁRIO
Por sua vez, o secretario das Finanças da Prefeitura, sr. Mon-
teiro de Carvalho, declarou ontem no Ibirapuera:
“Não desejamos e não temos tempo para alimentar polemicas. Mas não podemos deixar de corrigir algumas afirmações inverídicas e apaixonadas. Ao que parece, há a intenção de nos incompatibilizar com a opinião pública, atribuindo-nos atitudes
que não tomamos”* Constitui
rotina
a atribuição
do
título de “Irmão
Protetor”
ao
Go-
vernador de São Paulo. Na república, todos os ocupantes do cargo vieram a recebê-lo. Contudo, um deles, Paulo Maluf, deixou marca junto à instituição porque prometeu doar todos seus vencimentos do cargo à Misericórdia. E cumpriu. Além disso, regularizou o pagamento de todas as subvenções. Ao tomar posse como Irmão Protetor, a 22 de setembro de 1981, se disse “bastante feliz”. E declarou: “A Santa Casa não é somente uma
instituição de misericórdia.
É um símbolo e uma bandeira do homem
de
bem”, lembrando em seguida que a instituição não tem de “pedir nenhum favor ao governo do Estado”, pois deve “exigir”. E completou: “Dou à Santa Casa o direito de exigir em voz alta”.*! Demonstrando igual sensibilidade, o Prefeito Antônio Salim Curiati, médico, que na fase de formação estagiara na Santa Casa, liberou sucessivas verbas para a instituição.
através do Conselho
Municipal de Auxílios e Subvenções, que ele criara
em sua curta gestão de dez meses. Ao receber, a 22 de fevereiro de 19853. o título de Irmão Protetor, Curiati disse “estar retribuindo apenas um pouco do muito que recebeu da Santa Casa:
sis
Glauco
Carneiro
“Ao referir-se ao homenageado, o orador ressaltou que “esse título que agora lhe é conferido, de: Irmão Protetor, a mais alta distinção concedida pela Santa Casa, é um reconhecimento pelos relevantes serviços prestados à instituição, de forma espontânea, depois das eleições e às vésperas de deixar o governo municipal, Foi um auxílio dado no momento certo, demonstrando a sua alta sensibilidade para com os problemas da área social e a vontade de servir à comunidade carente do Estado e do País”. Em seu agradecimento, o prefeito Antônio Salim Curiati recordou sua passagem pela Santa Casa de Misericórdia, onde fez um estágio quando ainda era quartanista da Escola Paulista de Medicina:
“Fui
recebido
com
todo
o carinho
nesta
instituição,
onde adquiri a prática que me permitiu iniciar a carreira de médico no Interior. Também aqui eu aprendi as primeiras lições no campo do atendimento à população carente, atividade que mais tarde viria a desenvolver quando assumi a Secretaria da Promoção Social”. Curiati ressaltou ainda que não estava fazendo favor
algum à Santa Casa em ajudá-la: “Apenas retribuo um pouco do muito que ela me deu. Acho que é uma obrigação do poder público e das pessoas de maiores recursos colaborar com uma ins-
tituição modelo em todo o País. Eu é que agradeço por ter recebido este título, que é o maior e mais importante de toda a minha vida"
O Hospital Santa Isabel Entre as realizações da gestão Christiano Altenfelder destaca-se a inau-
guração, em 12 de maio de 1972, do majestoso Hospital Santa Isabel, instalado num moderno edifício de onze andares, dentro do perímetro tradicional no Arouche. Inaugurado pelo Presidente Emílio Garrastazu Médici, o Hospital Santa Isabel se destina ao atendimento de pensionistas e tem sua renda integralmente revertida para as atividades assistenciais gratuitas prestadas pela Santa Casa. Ao receber Médici, o Provedor Christiano Altenfelder Silva assinalou que, durante a República, era a primeira vez que um Presidente da República ali comparecia. Já no Império, Dom Pedro II sempre incluía a visita à Santa Casa como uma de suas obrigações em São
Paulo.
“Depois de ouvir o discurso do provedor, e de inaugurar O hospital, o presidente Médici visitou algumas de suas dependências. Viu, por exemplo, os modernos aparelhos de cardiologia, um laboratório onde existe até microscópio eletrônico e deixou seu
O
Poder
da
Misericórdia
619
nome no livro de visitas onde está também a assinatura de Dom Pedro IH. Como fez em Paulínia, o presidente não discursou, limitou-se a agradecer, com um aperto de mão, as palavras do provedor. O novo
hospital da Santa
Casa, com
II andares
(último foi
reservado a oito apartamentos, onde se hospedarão médicos de outros países em visita a São Paulo), já reservou um terço de seu espaço ao INPS. Em cada andar há uma copa, refeitório para acompanhantes, posto de atendimento, sala de curativos e exame, sala de espera para visitantes e uma área reservada para material de
limpeza.
O centro cirúrgico fica no quarto andar, com 18 salas para atendimento de todo o hospital, e do lado do centro de esterilização, com moderno equipamento importado (autoclaves, lavadouras esterilizadoras, rápidas, conjunto de lavador de luvas e um aparelho
para
desinfetar
material
cirúrgico).
A Unidade de Terapia Intensiva, com 34 leitos, ocupa todo o terceiro andar, com uma sub-unidade para cardíacos, um moderno sistema de manitoragem, aparelhos respiradores e demais equipamentos importados da Alemanha e dos Estados Unidos. A Unidade tem também uma sala especial, com aparelho de hemodiálise, para atendimento de casos renais graves, e um laboratório equipado com aparelhos de medição e análise dos gases sangúíneos. Os vários laboratórios, do terceiro e quarto andares, podem executar 2.500 exames diários. Todas essas informações, o presidente Médici ouviu do provedor da Santa Casa, enquanto percorria algumas dependências do hospital. A imprensa não pôde acompanhar o presidente durante essa visita, “por motivos de segurança”, mas um funcionário da Agência Nacional informou depois tudo o que ele fez no hospital: além de conhecer parte das instalações, visitou alguns andares, tomou um cafezinho e conversou alguns minutos com o deputado Herbert Levy, o provedor Altenfelder e o governador Laudo Natel. Na visita aos doentes, dirigiu-lhes palavras de conforto: —
Faço
Ou
então:
—
Deus
possível.
votos
que
o senhor
te dê
boa
saúde”.
se
restabeleça
o mais
rápido
620
Glauco Carneiro
Outra nova dependência que marcou essa administração na Santa Casa foi o denominado “Pavilhão da Imagem”, cujo início de funcionamento se
deu em 1978. A Associação dos Médicos da Santa Casa de São Paulo congratulou-se com o acontecimento, “não apenas porque a Misericórdia vai colocar-se ao nível dos mais adiantados centros de radiodiagnose do mundo, propiciando mais avançadas pesquisas médicas, mas porque vai proporcionar aos pacientes um melhor nível de atendimento”.*! E o mé.
dico Marcelo de Almeida Toledo escreveu a respeito o seguinte:
“Vindas do tom, do som ou do computador, a forma gráfica
final é sempre uma imagem.
procura interpretar.
E é essa imagem que o radiologista
Para uma construção na qual são instalados, além dos Raiox-X convencionais, o Ultra-Som e a Tomografia Computadorizada, o nome “Pavilhão da Imagem”, além de correto, possui a beleza e a graça da simplicidade. Que outros o definam de outra maneira.
Para
mim,
como
disse
Euclides
da
Cunha,
alegro-me
haver tentado definir um pavilhão que dignifica “meu minha terra” ** O “Pavilhão da Imagem”
inovou
em
de
tempo e
termos de arquitetura da Santa
Casa, conforme veremos através desta análise:
“A Santa Casa possui certas peculiaridades. Uma delas é usar o nome de “Pavilhão” para edifícios localizados dentro de
sua área física, como Pavilhão Conde de Lara, nandinho Simonsen, Condessa Penteado etc.
o Pavilhão
Fer-
Redondo e pediculado, o novo “Pavilhão da Imagem” encontra-se aderido ao claustro principal como uma jabuticaba ao tronco de sua árvore. Devido à complexidade, seu planejamento físico foi resultado de um trabalho de equipe integrada por consultor hospitalar, arquiteto, radiologista e por um possível fornecedor de equipamentos. A sua forma, para a finalidade a que se propõe, é a nosso ver de extrema eficiência. As críticas que se costumam fazer às construções circulares são geralmente de dois tipos: a primeira refere-se ao crescimento e pode ser rebatida facilmente optando-se pela expansão vertical. A segunda refere-se à iluminação central, o que costuma transformar os edifícios circulares em construções em forma de anéis com um jardim interno ao centro. Em nosso caso, vem coincidir com o objetivo precípuo de escurecimento central, local onde se localizam as câmaras escuras. É um projeto humano e audacioso.
Humano por visar em alto grau a comodidade e o conforto tanto
O
Poder
da
Misericórdia
621
dos pacientes como dos que lá trabalham. Audacioso por ser inovador e corajoso. Com 100 metros de bancos de espera para o público, o perímetro externo acomoda 140 pessoas sentadas. O paciente aguarda o exame em frente à sala de Raios X na qual irá ser examinado. Toda essa imensa sala de espera circular, com área de 200 m”, comunica-se com as salas de exames através dos vestiários. As salas de exame dispôem-se em torno das duas câmaras
escuras
centrais,
de maneira
radial
e equidistante.
Há,
portanto, a separação, essencial e procurada, do fluxo dos que lá trabalham e o dos pacientes. Um corredor externo para pacientes e um interno para médicos e técnicos. O
número
função de duas
de salas de exame
variáveis:
foi calculado, basicamente, em
1) O número de leitos do hospital (aproximadamente
1.000).
2) O número de pacientes atendidos em ambulatórios (aproximadamente 1.000). Como resultado, obtivemos um “ótimo” de dezessete salas. Duas na ortopedia, uma na urologia e quatorze no Rx Central,
sendo
três no 2.º andar e onze no térreo.
Pelas duas processa-
doras Kodak do andar térreo sairão os filmes de onze salas de exames. Nessa pequena câmara clara ficará um médico responsável tanto pela qualidade técnica dos exames como da verificação do cumprimento da finalidade das mesmas. Controlará onze salas” 3º
Posto em funcionamento na primeira semana de julho de 1981, o moderníssimo Tomógrafo Computadorizado da Santa Casa, adquirido por US$ 1.150.000, era na época o mais moderno da América Latina, pertencendo à terceira geração desses aparelhos. Segundo o médico
Wang, plado que a exigem
Chien
Yi
diretor do Departamento de Radiologia, “o exame radiológico acoa um computador permite visualizar muitas estruturas anatômicas radiografia comum não revela. Além disso, substitui exames que intervenção cirúrgica, como é o caso das artereografias cerebrais”.1» 37
A Santa Casa na década de 1980
É conveniente fazer um repasse da estrutura da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo nos primeiros anos da década de oitenta. “Embora a Santa Casa de São Paulo já esteja de há muito relacionada, na imaginação do público, no rol das maiores e
mais
respeitáveis
instituições
brasileiras, vale a pena
recapitular
os serviços que presta a S. Paulo e ao Brasil, além de ser por
622
Glauco Carneiro
muitos considerada “multinacional”, dado o grande número de estrangeiros que tem acolhido, tratado e curado. Só nos seus serviços de emergência (pronto-socorro € outros), atende, diariamente, a mais de 600 pacientes. Nos ambulatórios, entre consultas, retornos e controles, atende a 1.500 casos por dia. Mantém 1.000 pacientes permanentemente internados nos seus
hospitais do centro da cidade. Possue ambulatórios nos seus hos-
pitais do centro da cidade. Possui ambulatórios especializados em clínica médica, cirurgia, dermatologia, otorrino (todas as especialidades), ortopedia, oftalmologia, neurologia, endoscopia, cirurgia vascular, ginecologia, obstetrícia, clínica infantil. Mantém o Pavilhão: da Imagem, onde possui os mais modernos aparelhos de
radiografia e tomografia. Cuida de 800 velhinhos no seu depar-
tamento de geriatria (Hospital do Jaçanã), dos quais mais de metade são indigentes. Mantém o famoso Colégio São José, na rua da Glória, em cujos cursos ginasial e colegial estudaram grandes figuras de S. Paulo. Mantém, ainda, no Jaçanã, o Hospital S. Luiz
Gonzaga, cujos leitos, por falta de recursos, foram reduzidos de
400 para 300. Além disso, em convênio com a Fundação Arnaldo
Vieira de Carvalho, mantém a Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa, condição essa que, embora representando um grande ônus financeiro, permite a atualização das suas técnicas de medicina,
repercutem
Santa
pesquisa
Casa
e desenvolvimento,
na excelência estão
voltados,
dos
seus
também,
cujos
resultados
serviços. Mas para
o futuro:
práticos
os planos da as
crianças
que vão ao “play-center”” costumam olhar, curiosas, uma enorme estrutura de concreto situada atrás daquele parque de diversões.
É o Hospital-Escola Julio de Mesquita, da Santa Casa, cujas obras estão quase paradas. Não se sabe quando ficará pronta, tal a mag-
nitude da obra, mas há uma promessa da Prefeitura de S. Paulo de ativar pelo menos a parte de Pronto-Socorro do Hospital. A
Santa
Casa
espera
que
o seu déficit
seja
coberto
pelos
poderes públicos, já que os serviços que presta são eminentemente
sociais, a toda a coletividade, sem qualquer distinção. Se os pode-
res públicos não acudirem a Santa Casa, esta terá que proceder uma redução drástica dos Seus serviços, diminuindo, inclusive, o
número
dos seus
funcionários,
hoje na casa
dos 3 mil.
Porém, além de pedir ajuda, a Santa Casa está se ajudando a si própria, racionalizando as suas despesas e procurando obter novas fontes de recursos. Acaba de abrir o Hospital Santa Isabel para todos os médicos de S. Paulo que queiram utilizar-se dos
seus
serviços
para
aquele hospital é um
internação
de
pacientes
particulares,
dos mais modernos e bem
Brasil, além de contar com
já que
aparelhados do
todos os serviços auxiliares que lhe
623
O Poder da Misericórdia
proporciona a Santa Casa, como, por exemplo, os serviços radiografia e tomografia, laboratórios, farmácia c outros. Aberto, agora, a todos os médicos que junto à se credenciar, para nele internarem os seus pacientes o Hospital Santa Isabel vinha trabalhando com uma ociosa de 50%. Sua abertura, inédita na vida da representa mais um esforço da atual administração
recursos c fazer frente ao déficit de Cr$
de
ele queiram particulares, capacidade Santa Casa, para captar
1 bilhão em
1982"'3*
Punição a médicos
Acontecimento raro, mas também encontrado na história da Santa Casa, é a punição a médicos que infringiram regulamentos da instituição ou a própria deontologia da profissão. Em 1980, por exemplo, o jornal Folha de S. Paulo, em sua edição de 16 de agosto, dava conta da demissão de médico que utilizara suas funções no Hospital para fazer experiências com remédios não testados: “O chefe da Pediatria da Santa Casa, Jorge Henrique Howard, foi demitido no dia 7 passado, por utilizar crianças e funcionários desse hospital como cobaias para testar um novo antibiótico — Cefax — fabricado pelos Laboratórios Bristol. Howard, de acordo com denúncia feita ontem à imprensa pelo presidente do Sindicato dos Médicos, Agrimeron Cavalcanti, acumulava seu cargo na Santa Casa com o de chefe de pesquisas farmacêuticas dos Laboratórios Bristol. Segundo
Agrimeron,
Howard,
que
é chileno
e foi
contra-
tado pela Santa Casa no final de 1978, infringiu o Decreto
Fe-
deral n.º 20.931, de 11/1/1932, que veda ao médico “fazer parte,
quando exerça a clínica, de empresa que explore a indústria farmacêutica
ou seu comércio”.
Ainda de acordo com o Sindicato dos Médicos, a Santa Casa exonerou também a médica Maria Duarte de Barros, assistente de Howard e coordenadora dos trabalhos sobre otite, meningite e amidalite, áreas nas quais foram feitas as experiências. As pesquisas propostas por Howard, segundo Agrimeron, não foram aprovadas pela Comissão Científica da Santa Casa, mas, assim mesmo, foram feitas e foram denunciadas quando 80% das experiências previstas no programa já haviam sido realizadas”. Havia antecedentes. A 30 de dezembro de 1943, o então Diretor Clínico da Santa Casa, Dr. Synesio Rangel Pestana, distribuiu a seguinte
circular aos médicos dos hospitais da Irmandade:
Glauco Carneiro
“Cumpro
o dever
de communicar-lhe
que a Mesa
Adminis-
trativa da Irmandade, reunida em 20 do corrente, tomou conhecimento do processo de inquerito administrativo aberto para apurar irregularidades atribuidas ao chefe de clinica do Ambulatorio
de
Medicina
de
Homens,
Dr.
Thomaz
Bulgarelli, pela denuncia
levada ao Snr. Presidente da Republica por um consulente d'aquelle
ambulatorio
sidiu
e do
ao inquerito.
relatorio
do advogado
da
Irmandade
que
pre-
As peças do inquerito e o relatorio do advogado convenceram a Mesa Administrativa da culpabilidade do accusado, ficando resolvido. porisso, a demissão do Dr. Thomaz Bulgarelli,
a bem
da ethica
profissional
e do
bom
nome
da
Santa
Casa,
Ficou provado no processo da syndicancia que aquelle chefe de clinica desviava doentes pobres da Santa Casa para o seu consultorio particular, insinuando que alli os examinaria com mais cuidado. cobrando por esse serviço cinco cruzeiros. Como compensação lhes dava cartões da Santa Casa, que elle abusivamente levava para o seu consultorio, para que retirassem gratuitamente da Pharmacia do Hospital Central os medicamentos formulados. Chamo
a sua attenção
para o cuidado
que
deve
haver nas
de doentes
menos es-
relações entre o medico de um hospital de pobres e os consultantes, de modo a evitar qualquer suspeita sobre a honorabili-
dade do medico crupulosos.
O
escudo
respeito
que
e imputações
absoluto
resguarda
profissão.
às
a honra
calunniosas
regras do
da ethica
medico
no
profissional
exercicio
é o
de sua
Certo de que o presado collega não se desviará dos ditames da bôa ethica, confio que não se repetirá no nosso Hospital, facto tão deploravel para a nossa profissão e tão deprimente da boa
reputação
da Santa
Casa”. »
40
O Provedor Paulo Meirelles Reis
Christiano
Altenfelder,
ciou à provedoria
pressionado por
da Santa Casa
problemas
de saúde,
renun-
de São Paulo no dia 20 de julho de
1983, assumindo em seu lugar, para completar o mandato até dezembro desse ano, o engenheiro Paulo Meirelles Reis, Vice-Provedor.
Desde que se aposentara na profissão, em 1969, ele sentiu “uma compulsão íntima” para servir à Santa Casa, a exemplo do que haviam feito seu pai e seu irmão mais velho, Augusto Meirelles Reis. Logo ele ingressou na engenharia da Irmandade e responsabilizou-se por diversas +
625
O Poder da Misericórdia
e importantes obras, tais como o pavilhão de fisioterapia, além de ter supervisionado ec acompanhado a parte arquitetônica do plano idealizado por Júlio de Mesquita Filho para transferir o Hospital Central e regionalizar os serviços da
Misericórdia.
Paulo Meirelles Reis teve uma curta passagem à da Irmandade — de julho a dezembro de 1983. Nesse teriza como de “pesados trabalhos”, ele procurou dar de Christiano Altenfelder, bem como realizou gestões crônico problema de escassez de recursos.
frente dos destinos periodo, que caraccontinuidade à obra para fazer frente ao
Da entrevista que concedeu ao Autor consta o relato de um cepisódio esclarecedor. Sabia-se que o relacionamento Santa Casa/Igreja Católica fora estreito até o tempo do Cardeal Dom Agnelo Rossi, registrando-se, de-
pois, um sensível esfriamento, a partir da posse do atual cardeal,
Evaristo Arns. Vejamos como o casal Paulo Meirelles o tratamento que o cardeal deu aos Irmãos:
Dom
Reis/D. Zilda, narra
“Quando o Cardeal Dom Arns tomou posse na Arquidiocese de São Paulo, a Irmandade da Santa Casa, como o fazia tradicionalmente nessas ocasiões, enviou uma representação para cumprimentá-lo, integrada pelos mesários Dom Ernesto de Paula, Paulo Meirelles Reis e Comendador Pires. Essa comissão foi friamente recebida por Dom Arns, numa prova de como esse chefe da Igreja Católica em São Paulo, na sua linha populista, queria isolar-se inteiramente das elites paulistanas, que sempre foram ligadas à instituição. Ele abriu a porta, não convidou ninguém a entrar, e foi dizendo: — Pois não, o que desejam os senhores? Os representantes da Santa Casa, desconcertados, disseram estar ali para transmitir-lhe congratulações. Imediatamente, o cardeal respondeu: — Muito obrigado, mas agora tenho que me retirar. E disse para Dom Ernesto de Paula: — O senhor fique mais um pouco. Foi dessa
forma
que
a comissão
paulistana foi tratada por Dom
da mais velha
Arns”.
instituição
NOTAS |. Christiano
Altenfelder
Silva,
Discurso
de
Renúncia
à
Provedoria
de Miscricórdia de São Paulo, dia 20/7/1983, publicado Paulo de 28/7/1983. Altenfelder fuleceria em 1985.
em
O
da
Santa
Estado
Casa
de
S.
2. O Estado de S. Paulo, 28/7/1983.
3a 5. Idem. 6. Relatório da Mesa 7. Idem,
pág.
17.
Administrativa
do ano de 1957, publicado em
1958, púg.
14.
626
Glauco
8.
O
Estado
de S. Paulo,
9.
Idem,
26/1/1960,
IO.
Idem,
5/7/1960.
HH.
Discurso
de
Paulo
8/7/1958.
Francisco de Andrade
na Santa Casu a 2/7/1960 9/7/1960.
e publicado
12.
Folha de S. Paulo, 9/11/1961.
13.
Jornal da
14.
Idem,
15.
O Estado
Ie.
Idem,
20/5/1967.
17.
Idem,
26/1/1969.
18.
Idem.
19.
Idem,
28/1/1969.
20
Idem,
15/5/1969.
21.
Idem,
22/12/1974,
22.
Idem,
21/11/1976.
23.
Folha
da
24.
Boletim
25.
Jornal
26.
O Estudo de S. Paulo, 28/6/1978.
27.
Idem,
30/6/1978.
28.
Jornal
da
29.
Idem.
30.
O
31.
Idem,
23/9/1981.
52.
Idem,
23/2/1983.
33.
Jornal da Tarde,
54.
Pavilhão da Imagem/Inauguração, Santa Massao Ohno/Editor. s.d., pág. 5.
35.
Marcelo de Almeida Imagem/Inauguração.
36.
Idem,
37.
O
38.
AMHFCMSCSP
39.
Folha de S. Paulo,
Tarde.
Carneiro
São
Paulo,
Arantes,
em
O
2º Vice-Provedor,
Estado de S. Paulo
pronunciado
(OESP)
em
29/8/1966.
13/4/1967. de S. Paulo,
Noite, da
da
Estado
Estado
São
Santa Tarde,
Tarde,
13/4/1967.
Paulo,
Casa,
24/3/1958.
n.º 3,
1950.
pág.
91.
21/6/1978.
9/1/1980.
de 3. Paulo,
4/6/1964.
13/5/1972.
de S. Paulo,
—
Toledo, “A Imagem: op. cit. pág. 6.
Casa
de
o Tom
Misericórdia e o
Som”,
de in:
São
Paulo,
Pavilhão
da
10/7/1981.
nov. dez.
1981, pág. 6.
16/8/1980.
40. Synesio Rangel Pestana, ofício-circular ao Corpo Clínico da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo, 30/12/1945. 41.
Paulo Meirelles
Reis. Entrevista ao Autor, São
Paulo, 3/10/1984.
O Poder da Misericórdia
627
ANEXO FACULDADE
|
DE CIÊNCIAS
MÉDICAS
Noticiário de Inauguração Pinheiros Terapêutico Maio/Junho 1963/Vol.
“Decorreram
na noite
de 24 e na
manhã
XXII/N.º
de 25 de maio
75.
as cerimô-
nias oficiais da instalação da Faculdade de Ciências Médicas dos Hospitais da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo, criada pela Fundação Armando
Vieira de Carvalho que, como se sabe, tem a seguinte diretoria: presidente: Camillo Ansarah; vice-presidente: Rogério Giorgi; secretários: João Gui-
lherme de Oliveira Costa e Orlando da Costa Meira; tesoureiros:
de
Pádua
Rocha
Diniz
e
Iris Miguel
Rotundo.
Antônio
O ato solene da noite de 24 foi assistido por autoridades do ensino, diretores de Faculdades, professores universitários, alunos, membros do Conselho da Administração e da Mesa de Administração da Santa Casa,
conselheiros inaugural
da
Fundação
proferida
às
e pessoas gradas convidadas.
21
horas
Letras, no Largo do Arouche,
no
auditório
da
Constou
Academia
pelo prof. Pedro Calmon,
da aula
Paulista
de
reitor da Univer-
sidade do Brasil, que discorreu sobre “As Misericórdias — Berço do Ensino Médico”. Com seus dons empolgantes de orador exímio, com sua capa-
cidade didática e com levou
a assistência
pleno conhecimento do assunto, o magnífico reitor
para
o
ano
de
1498
quando
a
rainha
dona
Leonor,
esposa de D. João II, fundou, ajudada por frei Miguel de Contreiras, a primeira Santa Casa de Misericórdia de Portugal em memória de seu filho o príncipe d. Afonso, morto num acidente. Referiu-se ainda ao Hospital de Todos os Santos, criado em Lisboa no ano da descoberta do Brasil. Depois o orador trouxe a audiência para Santos, reconstituindo o ano de 1546 quándo a primeira Santa Casa de Misericórdia do Brasil foi fundada por Braz Cubas. A segunda viria a ser organizada três anos depois em Salvador,
na
Bahia.
Ateve-se
ainda à fundação
da Santa
Casa
de Miseri-
córdia do Rio de Janeiro em 1582. Destacou como, com a vinda da famiília real portuguesa para o Brasil, o ensino médico recebeu importante impulso. De fato o ano de 1813 destaca a fundação do ensino prático da medicina, ao passo que O ano seguinte inaugurou um sistema típico da vida das Santas Casas em Salvador, Rio e São Paulo — ter alunos internos no seu serviço. Tal hábito, que começou com oitenta alunos, depois cem, logo a seguir duzentos, já em 1870 se apresentava como um currículo de seiscentos estudantes trabalhando em ambulatórios e enfermarias. Refe-
628
Glauco Carneiro
re-se ao primeiro hospital instalado científico, e que se deve à atuação
Após
dação
esta aula
Arnaldo
Vieira
reduzido
número
dades
Campinas,
Paulo
(360
de
inaugural,
deveras entre nós de José Clemente
falou
de Carvalho
de
vagas
nas
Camillo
e Botucatu).
Ansarah,
presidente
que expôs o angustiante
Escolas
ainda recentemente
segundo um critério Pereira em 1840,
de
Medicina
Salientou,
também,
e agora 610, após
do
problema do
Estado
a fundação o
da Fun.
de São
das Facul-
importante
papel
Paulo, e por Armando
Salles
desempenhado no setor do ensino médico por Arnaldo Vieira de Carvalho, fundador
da Faculdade
de
Medicina de São
de Oliveira, que incorporou esse instituto à Universidade de São Paulo. Falaram
Santa
Casa
ainda os drs.
de São
José Cabelo de Campos,
Paulo, e Fábio
dicos daquela entidade. Cumpre
agora
lembrarmos
vice-diretor clínico da
Dória, secretário da
algumas
Associação
personalidades
que
dos
Mé-
muito
contri-
Campos,
diretor
buíram para a fundação da nova Faculdade: prof. Zeferino Vaz, secretário
da Saúde;
prof.
Pedro
Calmon;
prof. Cantídio
de Moura
da Faculdade de Medicina de Campinas; prof. Eurico Bastos, diretor da Faculdade de Medicina da USP; prof. Marcos Lindbergh, diretor da Escola Paulista de Medicina; prof. Ariovaldo de Carvalho, secretário de Higiene da Prefeitura; dr. Oscar Monteiro, representante do Conselho Regional de Medicina; irmã Maria Gabriela Nogueira, diretora da Escola de Enferma-
gem São José; dr. Pedro Ayres Netto, decano do corpo clínico da Santa Casa; dr. Júlio de Mesquita Filho, conselheiro da Fundação Arnaldo Vieira
de Carvalho; Fleury.
brada
A
dr. Aureliano
história
da
através de dados
o dr. Christiano
Em
Santa
conversa
Faculdade, informou
plinas
básicas
Casa
muito
Altenfelder
com
Leite, dr. Alcântara
da
de
Misericórdia
interessantes Silva.
os jornalistas, o dr.
Machado
de
pelo seu
Emílio
São
e dr. Benedito
Paulo
respectivo
Athié,
foi
relem-
provedor,
diretor da nova
que no primeiro ano serão ministradas diversas disci-
distribuídas
por
quatro
departamentos:
Morfologia,
tatística, Psicologia e Bioquímica. O período letivo será de
Bioes-
180 dias úteis.
Quanto ao número de vagas, foram elas fixadas em 100 e isso após demorados e cuidadosos estudos. Mas acontece que nos exames vestibulares foram aprovados 132 candidatos; de sorte que há 32 excedentes. Nasce, pois, logo de início um problema. Os candidatos aprovados mas não matriculados dirigiram então uma carta ao presidente da República, declarando que a Faculdade de Ciências Médicas dos Hospitais da Santa Casa de São Paulo, estabelecimento de ensino médico recentemente criado por decreto do dia 15 de maio deste ano, demonstrou pela abertura de cem vagas para o primeiro ano sua disposição de auxiliar as autoridades no grande problema que se constitui na falta de escolas superiores no nosso
629
O Poder da Misericórdia
país; demonstrou mais do que boa vontade, visto ser tradicional, quando
da criação duma Faculdade, se fixar de início apenas 50 vagas para o primeiro ano. Solicitam pois os candidatos prejudicados um auxílio federal de 30 milhões de cruzeiros à Faculdade para as despesas com o material e o pessoal. No dia seguinte, 25 de maio, às 9 horas, houve missa campal celebrada por Sua Eminência o Exmo. Cardeal-Arcebispo de São Paulo Dom Carlos Carmelo de Vasconcelos Mora, no Hospital Central da Santa Casa
de Misericórdia, assistida pela irmandade, pelos membros da diretoria, do
conselho administrativo, da mesa de administração, pelos conselheiros € membros natos da Fundação Arnaldo Vieira de Carvalho, pelos médicos e por grande público. MESA
DIRETORA
DA
ADMINISTRAÇÃO
Christiano Altenfelder Silva — Paulo
Francisco
João Mendes Luís Pinto Carlos
de Andrade
Neto — Serva
Pacheco
—
DA
SANTA
CASA
provedor
Arantes
e
vice-provedores escrivão
Fernandes —
tesoureiro
Luís Nazareno Teixeira de Assunção — procurador CONSELHEIROS DA FUNDAÇÃO ARNALDO VIEIRA DE CARVALHO Membros Natos: Dom Carlos Carmelo
de
Vasconcelos
cardeal arcebispo de São Paulo
Antônio de Barros Ulhôa Cintra reitor da Universidade de São
Paulo de Godoy
Moreira e Costa
diretor clínico dos Hospitais
João Adhemar
de Almeida
Mota
Paulo
da Santa Casa
Prado
presidente do Jockey Club de São Paulo
José Mariano de Camargo
Aranha
representante da Mesa Administrativa da Santa Casa Irmã Maria Gabriela Nogueira diretora da Escola de Enfermagem São José Emílio Athié presidente da Associação dos Médicos da Santa Casa de São Paulo e diretor da Faculdade de Ciências Médicas.
63%
Glauco
FINS
DA
Carneiro
ESCOLA
ARTIGO 1.º — A Faculdade de Ciências Médicas dos Hospitais da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo, é um estabelecimento de ensino
superior que tem as seguintes | —
Ministrar cursos
3 —
normais
de Ciências Médicas.
Os
cursos serão
orientados de modo a formar profissionais capazes de exercer além de suas funções técnicas, também funções de organização
e de
2 —
finalidades:
administração.
Incentivar e realizar pesquisas
que
constitui
objeto
de
seu
nos
ensino.
vários
domínios
da cultura
Promover, através de cursos de especialização, seminários e con-
“ferências, mação
aperfeiçoamento
de
pessoal
de
alto
pós-graduação, nível
possibilitando
universitário.
a for-
ARTIGO 2.º — A propriedade e manutenção da Faculdade de Ciências Médicas dos Hospitais da Santa Casa de Misericórdia de S. Paulo pertencem à Fundação “ARNALDO VIEIRA DE CARVALHO”, a quem cabe anda a administração através de órgãos competentes, fixados neste Re-
gimento.
DISCIPLINAS ARTIGO
ciplinas:
3.º —
A Faculdade
| —
Anatomia
2 3 4 5 6
Neuro-anatomia Anatomia Patológica Anestesiologia Bioquímica e Biofísica Bio-estatística
— — — — —
descritiva e topográfica
7 —
Clínica
8 —
Cardiologia
9 IO [1 |2
— — — —
|5 —
|4 15 16 17
— — — —
ministrará
Médica
Clínica Cirúrgica e Cirurgia Geral Cirurgia Torácica Cirurgia Plástica Deontologia e Cultura Médica Geral Doenças
Infecciosas
Dermatologia Embriologia Endocrinologia Endoscopia Peroral
e Parasitárias
o ensino das seguintes dis-
O Poder da Misericórdia
631
I8 I9 20 21 22 23 24 25 26 27 28 29 50
— — — — — — — — — — — — —
Farmacologia Fisiologia Fisiologia Patológica Fisioterapia e Medicina Nuclear Gastroenterologia Ginecologia Hematologia Higiene e Medicina Preventiva Histologia Imunologia Microbiologia Medicina Legal Medicina do Trabalho
31
-—
—
Neuro-Cirurgia
32
—
Neurologia
33 — o
35 — 36 37 38 39
— — — —
40 —
4 = a qm 44 — 45 — 46 — 47 —
48 —
49 — 50 — 51 —
Nutrição
Obstetrícia Oftalmologia Oto-rino-laringologia Ortopedia e Traumatologia Parasitologia Propedêutica Proctologia Puericultura Pediatria Psicologia Psicanálise e Medicina
Psicossomática
'
Psiquiatria Rádio-Diagnóstico Técnica Cirúrgica e Cirurgia Experimental Terapêutica Experimental Tisiologia Urologia Virulogia
ARTIGO 4.º — À medida das necessidades, poderão ser criadas novas disciplinas em qualquer dos cursos, conforme o exigirem as conveniências por propostas dos Departamentos do Ensino, ouvida a Congregação, o Conselho Departamental e aprovação da Entidade Mantenedora. ARTIGO
5.º —
O
ensino
das
ciências
médicas
será
ministrado
Cursos de Graduação com a duração mínima de 6 (seis) anos.
em
Glauco Carneiro
632
DEPARTAMENTOS
ARTIGO
6.º —
As disciplinas serão grupadas
em
Departamentos.
Departamento de Morfologia: Disciplinas de Anatomia, NeuroAnatomia, Histologia e Embriologia; Departamento de Bioquímica e Biofísica: Disciplinas de Bioquímica e Biofísica; Departamento de Fisiologia: Disciplinas de Fisiologia;
p
“a
Departamento de Farmacologia: Disciplinas de Farmacologia e
IO —
1
—
2 —
EX 14 = 5
—
l6 — 7 — I8 — I9 —
de Terapêutica Experimental; Departamento de Microbiologia: Disciplinas de Microbiologia, Imunologia e Virulogia; Departamento de Parasitologia: Disciplina de Parasitologia; Departamento de Patologia: Disciplinas de Anatomia Patológica e Fisiologia Patológica; Departamento de Higiene e Medicina Preventiva: Disciplinas de Bio-estatística, Medicina Preventiva e Higiene; Departamento de Psicologia Médica e Psiquiátrica: Disciplinas de Psicologia, Psicanálise, Medicina Psicossomática e Psiquiatria; Clínica Médica: Disciplinas de Propedêutica, Clínica Médica, Cardiologia, Gastroenterologia, Medicina do Trabalho, Doenças Infecciosas e Parasitárias, Dermatologia e Tisiologia; Departamento de Cirurgia: Disciplinas de Clínica Cirúrgica e Cirurgia Geral, Cirurgia Torácica, Cirurgia Plástica, Proctologia, Técnica Cirúrgica e Cirurgia Experimental, Urologia; Departamento de Ortopedia: Disciplinas de Ortopedia e Traumatologia; Departamento de Oftalmologia: Disciplinas de Oftalmologia; Departamento de Neurologia: Disciplinas de Neurologia e Neuro-Cirurgia;
Departamento de “Obstetrícia: Disciplinas de Obstetrícia e Gine-
cologia; Departamento de Oto-Rino-Laringologia: Disciplinas de OtoRino-Laringologia e Endoscopia Peroral; Departamento de Medicina Legal: Disciplina de Medicina Legal; Departamento de Cultura Médica Geral e Deontologia: Disci-
plinas de Cultura Médica Geral e Deontologia;
Departamento de Radiologia: Disciplinas de Fisioterapia c Medicina Nuclear.
Radiodiagnóstico,
ARTIGO 7.º — A pesquisa e o ensino na Faculdade de Ciências Médicas terão como unidade o Departamento. O Departamento deverá ser
O
Poder
da
Misericórdia
entendido como
uma
equipe de docentes
633
reunião de disciplinas e afins e formado
integrados
num
por uma
plano que apresente unidade didático-
científico-administrativa de ação e pensamento.
$ 1º — Os Docentes de cada Departamento deliberação coletiva, as tarefas dos Departamentos.
$ 2º — Cada
tamental
designado
Departamento
dividirão entre
será chefiado por um
pela Diretoria da Fundação
si por
Professor depar-
por indicação do Diretor,
ouvida a Congregação e proposta do respectivo departamento, pelo prazo de (três) anos, não podendo
ser reconduzido
para o triênio subsequente.
ARTIGO 8.º — Além dos departamentos do ciclo básico, serão considerados fundamentais os do ciclo de Clínica Médica, Pediatria e Pucricultura, Obstetrícia e Ginecologia, Cirurgia. ARTIGO 9.º — O ensino das disciplinas constantes dos departamentos de: Microbiologia, Parasitologia, Ortopedia e Traumatologia, Oftalmologia, Neurologia, Oto-rino-laringologia, Medicina Legal, Higiene e Me-
dicina
Preventiva,
ARTIGO
séries do Curso
terá a duração
10.º
—
As
de
disciplinas
| (um)
estarão
semestre,
distribuídas
Médico obedecendo à discriminação
—
Anatomia
—
Embriologia Histologia
—
—
— —
(descritiva e topográfica)
Neuro-anatomia
|
“dJoSuisuvty—
1.º ANO
Bioquímica
Bio-estatística Psicologia
e Biofísica
— —
|
O o It) —
2.º ANO
— —
Bioquímica Fisiologia
e Biofísica
Psicologia Medicina Preventiva Bio-estatística
—
3.º ANO
2 — 3 —
Fisiologia Patológica Anatomia Patológica Farmncologia ec Terapêutica
Experimental
que
pelas
6
se segue:
(seis)
Glauco Carneiro
Moléstias Infecciosas e tropicais Microbiologia (semestre)
|
OSS an a
634
Parasitologia
(semestre)
(semestre)
Clínica Médica Psicologia
|
JD
ms
4.º ANO Clínica Médica Neurologia (semestre) Clínica Cirúrgica Medicina Legal (semestre) Patologia Pediatria Psicanálise e Medicina Psicossomática 5.º ANO pum
Clínica Médica Obstetrícia e Ginecologia Clínica
Cirúrgica
DOIDA
|
Oftalmologia
Ortopedia
(semestre)
e Traumatologia
Oto-Rino—Laringologia (semestre) Psiquiatria Dermatologia (semestre) Deontologia e Cultura Médica Geral
O)
—
6.º ANO
ca
(semestre)
Clínica
Médica
Clínica
Pediátrica
(internato)
Clínica Cirúrgica Clínica Obstétrica e Ginecológica
$ UNICO
nas funções
na
—
Cada disciplina ficará a cargo de um
forma
deste
Regimento.
professor investido
ARTIGO 11 — As disciplinas do Departamento de Radiologia serão lecionadas em perfeito entendimento nos Departamentos de Clínica Médica, Clínica Cirúrgica, Ortopedia e Traumatologia e outros, na parte que lhes
competir.
ARTIGO
12 —
A organização interna dos Departamentos será objeto.
de Regulamento aprovado pela Congregação.”
635
O Poder da Miscricórdia
ANEXO DIRETORIAS
DA
II FACULDADE
1963/1985
1963-1970 Emílio
Athie
Diretor
José Soares Hungria
Nestor
de
Oliveira
Filho
Vice-Diretor Diretor
Secretário
1971-1972 Emílio Athie José Soares Hungria Nestor de Oliveira Antonio Gelain
Diretor Vice-Diretor Diretor Secretário
Filho
Diretor
Administrativo
1973-1975 Jacob
Renato
Orlando
Diretor Vice-Diretor Diretor Secretário
Woiski
Jorge Aidar
Nestor de Oliveira Antonio Gelain
Diretor
Administrativo
1976-1981 Adauto José
Barbosa
Donato
Nestor
Antonio
de
de
Diretor Vice-Diretor Diretor Secretário Diretor Administrativo
Lima Próspero
Oliveira
Gelain
1982-1985 Orlando Jorge Aidar
Waldemar de Carvalho Pinto Decio Cassiani Altimari Antonio Gelain
José Adriano
Marrey
Neto
Filho
Diretor Vice-Diretor
Diretor Secretário Diretor Administrativo Assessor
Jurídico
« «Fº “4 ,. e. Wa
Glauco Carneiry
636
ANEXO MÉDICOS
FORMADOS
MÉDICOS
DE
Abraham Hamaoui Alberto Sala Franco
Gesuele
Guilherme
Eduardo Viegas Mariz de Oliveira Elcio Ronaldo Baldacci
Eliana Lobo Signorini Elizabeth Kipman
Eros Teresinha Bergemann Eugenio Carlos Amar Fadlo Fraige Filho
Abdel
Generoso
Francisco
Komatsu
Massih
Masi Neto Roberto Funaro
Kimimaro
Leila Leila
Lagonegro de Souza Maria Alexandrina Marciano
Pinto
Leonardo
Eisel
Ludney
Arita
Diamante
Roberto
Campedelli
de AguiarLuiz Carlos Bentivegna Luiz Cecchino Cesare Luiz Egberto Scavone Ferlante Luiz Gastão Mange Rosenfeld
Fernando Costa Fernando Ferreira da Fonseca Filho Lygia Silveira Flavio
Miklos
Biazzi
Juarez Strachman
Giannini
Gabriella
João Henrique
José José
Serrano
Giovanna
Martinez
João Paulo de Azevedo Silva Sonnewend Jocelino Leme Soares José Abilio Silva José Américo dos Santos José Antonio Giordano Gfrascá José Carlos Schaffer José Luiz de Rezende Araujo
Edgard Silva Lusvarghi
Ernesta
Jairo Lew Jane Martins
João Gilberto
Clovis Carneiro Cerqueira Damaso Encinas David Chvindelman
Edson
Takimoto
Helio Moises Higashi Yoshii Hissachi Tsuji Isac Germano Karniol Ivan de Oliveira Castro
Martins
Ramires
Frizzo
Geraldo Sergio de Mellogranata
Augusto Cesar Silverio Aurelio Antonio Miotto Braz Gilberto Ortelan Carabed Eserian Netto Carlos Roberto Hojaij Cesar Augusto Costa Cesar Emile Baaklini Claudio Boturão Guerra Claudio Fiocchi Cleide Bonfatti
Dirceu
1: TURMA
George
Ariovaldo José Pecora Armando de Capua Junior
Bezerra
1968 —
FACULDADE
George Schulte
Antonio Carlos Fonseca Antonio Carlos Lcrário
Clovis
PELA
Gastão Guilherme
Angelo Luiz Mancini Neto
Arnaldo Napolcone
[II
Manoel
Reinardo
Marcos
Antonio
Schmal Costacurta
O Poder
Maria Nazaré Yosuko Nozaki Mario Capobianco Mario Carlos Costa Sposati Marilda Borelli Machado Mario Santoro Junior Mario Sheitoko Okama
Massato Okamoto Masza Trajber Max Ejzenbaun Midori Funayama Moacir Horario Rosemberg Moacyr
Fucs
Morton Aaron Scheinberg Nadir Linguanotti
Nair Sumie Mori Nelson Ferri
Ney Penteado de Castro Junior Nicola Tommasino Nilo Persio Paro
Olderigo
Osmar Osmar Osmar
Osmar
637
da Misericórdia
Berretta
Avanzi Maredes Marchiotto
Pedro
Netto
Arbis de Camargo
Paulo Abdalla Paulo Decio Lahoz Pedro Fava Junior
Reynaldo Andre Riad Mady
Roberto Lui Roberto Mitiaki
Romeu
Rubens
Alonso
Brandt
Endo
Rodrigues de Souza Franco Brandão
Ruth Midori Yanagi
Samir Rasslan Sandra Maria Cordeiro Satiko Ohara
Seiji Nakakubo
Tadao Mori Thersio Ventura Tivoko Akama Tomie Umeda Victor Strassmann Vidal Stourdze Sbrighi
Wanderley
Tadeu
Sokolowski
Wlademir Pereira Junior Wilmar Roberto Silvino
21. O HUMANISTA MÁRIO ALTENFELDER A Mesa
—
Administrativa
de
1984/1987
Os Irmãos — A visão social — A Santa
sobrevivência —
O novo
Provedor
A dimensão
da
A recuperação
1984 —
em
Casa
—
em marcha — Jorge Barreto Prado — História da Santa Casa — Caiuby e Trench — O 4.º Centenário
da Misericórdia —
e o 1.º Centenário
À presença da tecnologia —
Central —
do Hospital
A Medicina da Santa Casa
O retorno dos valores — Obrigado, Senhor Provedor — A crise do Pronto-Socorro em 1985 — A suspensão
preparada — Carta Aberta ao Povo de São Paulo — O futuro da Santa Casa — O reencontro com o próximo —
Conclusão
A 5 de janeiro de 1984, tomava posse a nova Mesa Administrativa da Santa Casa de São Paulo, eleita na assembléia geral ordinária, realizada
a 20 de dezembro de 1983. O Irmão Provedor Paulo Meirelles Reis convidou seu sucessor a assinar o Termo de Posse e, depois, congratulou-se com
toda
Altenfelder
a Irmandade
Silva.
pela
Saudou-o,
feliz
em
escolha
seguida,
do
nome
de
desejando-lhe
Mário
profícua
tração; em benefício dos legítimos interesses da instituição e benemérita, que passava a presidir.
de Moraes
adminis-
multicentenária
Pediu a palavra o Irmão Escrivão Adriano Marrey, para uma homenagem à nova Mesa Administrativa, observando que “a escolha para o seu
principal
cargo,
e o de maior
responsabilidade,
recaiu
em
personali-
dade já provada na vida pública, como administrador e grande realizador”. Acrescentou que “o Dr. Mário Altenfelder é um desses raros expoentes
639
O Poder da Misericórdia
da humanidade,
orientados
para o seu serviço, a que dedicou toda
a sua
existência, e em que empenhou toda a atividade que pôde desenvolver: “Bem
haja esta
Irmandade de orgulhar-se, pela escolha que
procedeu, para a sucessão de outros dedicados Provedores — o querido Dr. Christiano Altenfelder Silva, nosso Provedor Perpétuo, e o prezado Dr. Paulo Meirelles Reis, que dignamente o substituiu neste ano passado. Seja feliz, Irmão Mário Altenfelder, no exercício do espinhoso encargo que passamos às suas mãos. A Irmandade está solidária consigo, e certa de que será bem sucedido”.
Como é tradição acontecer na Santa Casa, seu novo
ao cargo
depois de ocupar
diversos
pública do Brasil e do Exterior.
tra as emoções externas, embora
Homem
Provedor chegou
e importantíssimos
postos
na
vida
maduro, experiente, vacinado con-
guardando o coração de moço e o ideal
de médico cristão que os embates da vida jamais fizeram esquecer, era de se esperar que, satisfeito embora, Mário Altenfelder considerasse aquela missão apenas como outra da longa série. E para o observador externo, tal expectativa era lógica. Com
efeito, seria a Provedoria
da Misericórdia
paulistana mais importante do que os dez anos em que Mário Altenfelder, cumprindo a promessa solene feita ao Presidente Humberto de Alencar
Castello Branco, implantou a Política Nacional do Bem-Estar do Menor e fez esquecer os horrores anteriores e posteriores cometidos contra a criança marginalizada? Seria a Provedoria equivalente à Vice-Presidência da
Junta Executiva do Fundo das Nações Unidas para a Infância — UNICEF, que ele exerceu no início da década de setenta? Como Delegado do Brasil junto ao Conselho Diretor do Instituto Interamericano da Criança, da Organização dos Estados Americanos, em Washington não teria Mário Altenfelder se defrontado com responsabilidades iguais ou superiores às da Provedoria? E que dizer dos outros encargos assumidos e primorosamente cumpridos ao longo da vida, desde simples funcionário da Secretaria de Segurança Pública; pediatra da Secretaria de Saúde da capital; médico
viço de Centros de Saúde da Capital; dente do Conselho
Inspetor de Higiene
Estadual de Auxílios e Subvenções;
do Ser-
Infantil; presi-
Diretor do Serviço
Social de Menores, no Governo Carvalho Pinto; presidente da Fundação Dona Paulina de Souza Queiroz; da Sociedade Pestalozzi de São Paulo;
vice-presidente da Legião Brasileira de Assistência em São Paulo; Secretário
da Promoção Social do Estado e Secretário de Higiene e Saúde da Prefeitura do Município de São Paulo, entre 1979 e 1982 — o derradeiro posto no Executivo, antes de mergulhar de corpo e alma, como só ele sabe fazer, nos assuntos da Misericórdia?
640
Glauco Carneiro
Ele
era
Irmão
remido
desde
mesário em 20 de dezembro de
7 de dezembro
de
1959
e tornara-se
1977, além de Mordomo do Colégio São
José em 5 de agosto de 1983. Assessor, na Provedoria, de seu primo, que
considera mais “um irmão”, Christiano Altenfelder Silva, Mário Altenfelder
estava destinado, pela lei natural do merecimento, a assumir a liderança
da Irmandade e imprimir-lhe a sua marca de humanidade, de temperança, de maturidade e de decisão, que sempre assinalou sua passagem em todos os cargos, desde que, em 1927, na capital de São Paulo, iniciou a sua trajetória de luz nas instituições que cuidam da pessoa humana. Quem o viu chegar à Provedoria, sabia quem ele era, o que valia, a que se propunha. Quem o conhecia, decorara sua tábua de 12 princípios que ele costuma designar por “Qualidades reconhecidas como indispensáveis para quem exerce cargo de direção”, e que, na verdade, reflete a sua própria noção de praticante dos valores pelos quais a vida deve se reger: Ser capaz de amar o próximo. Viver a vida com realidade. Ela é o que é e não o que gos-
+
taríamos que fosse. Considerar sempre valores de larga Libertar-se de emoções
o
wa
tva
“1.
Saber ceder quando
cessário.
duração.
infantis. Ser adulto,
for possível
Ser moderado e justo em
ter maturidade.
e resistir quando
qualquer situação.
7.
Ter mecanismos de defesa sadios, elevados — razoados ou mesquinhos.
8.
Depender sempre com
mente
for ne-
dignidade —
a interdependência.
jamais desar-
entendendo inteligente-
9. Viver sexualmente adaptado. 10. Adaptar-se ao trabalho e gostar dele. 11. Atualizar-se sem deslumbramento — jamais perder o bom senso. 12.
Recusar corajosamente a liderança da mediocridade”?
Era um homem dessa envergadura que tomava posse na Misericórdia de São Paulo. Dir-se-ia que nenhuma honraria poderia fazê-lo mais emo-
cionar-se, ele que vira e recebera tantas, a começar de criança. Poucos dias
depois riana, ca D. muito
de nascido, um prelado católico, Dom Epaminondas, Bispo de Maescreveu ao desembargador Antônio Hermógenes Altenfelder Silva Maria Beralda, prevendo: “Esse Mário, se não for Papa, será alguém útil à sua Pátria”,
Pois esse homem
tarimbado, experiente,
maduro,
convicto de seu va-
lor, tremeu interiormente quando assumiu a Provedoria da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo. Depois, explicaria ao Autor:
641
O Poder da Misericórdia
“Senti uma
profunda emoção,
talvez a maior de minha
vida,
porque a gente recebia, ali, naquela hora, a responsabilidade de 400 anos de existência. Em todos os outros cargos que exerci, como a FUNABEM, por exemplo, que era quase um ministério, havia, é claro, uma tremenda responsabilidade, mas não tinha atrás
de
mim,
anos
os 400
presidência,
sua
na
de
cobrança,
a
responsabilidade imensamente maior de uma instituição, de um Brasil, que precisam continuar e que não podem enfraquecer nas uma
nossas mãos —
instituição e um
cráticos na expressão da palavra”. Havia
outras
razões
para
» 3
a emoção
país eminentemente
de
Altenfelder:
ele
demo-
retornava
à
Santa Casa onde estudara, aluno da Faculdade de Medicina de São Paulo no final da década de vinte, frequentando primeiramente a 2.º Enfermaria de Mulheres, chefiada pelo Dr. Joaquim Ribeiro de Almeida, a quem considerava seu “mestre em medicina”. Era ainda o segundo Provedor de formação médica na Misericórdia paulistana, embora o primeiro em militância, já que o outro, José Cássio de Macedo Soares. jamais chegara a exercer a profissão. Existiam Como
sempre
motivos,
acontece
esgotava seu brilho na Um simples olhar na 1984/1987, faz emergir que têm feito, ao longo
assim. ma
para
Santa
muita emoção...
Casa,
a
Mesa
Administrativa
não
figura marcante do Provedor Mário Altenfelder. lista dos Irmãos Mesários, eleitos para o triênio muito mais do que a tradição das grandes famílias dos séculos, a glória de São Paulo. Há aqui um
arrolamento do mérito: quem entrou é porque teve alguma coisa de superior a realizar, a demonstrar, nos embates onde a inteligência, a cultura,
o preparo, sempre andam de mãos dadas com o desprendimento, a tenacidade, a coragem — aquele rol de qualidades que Mário Altenfelder desejaria ver nos Irmãos do futuro —
compaixão
Como
“o espírito, o sentimento
e de participação na vida das pessoas
de piedade, 4
marginalizadas”.
este é o último capítulo da história cronológica
da Santa
de
Casa
— já que os dois restantes não têm essa feição —, será conveniente que publigquemos aqui a relação dos Irmãos eleitos para dirigila até 1987: IRMANDADE
DA
COMPOSIÇÃO
DA
SANTA CASA DE MISERICÓRDIA DE SÃO PAULO MESA ADMINISTRATIVA PARA O
TRIÊNIO
DE
1984 a 1987
Provedor — Dr. Mario de Moraes Altenfelder Silva 1.º Vice-Provedor — Dr. Mario da Cunha Rangel 2.º Vice-Provedor — Dr. Pedro Ayres Netto 1.º Escrivão — Des. Dr. Adriano Marrey
Glauco Carneiro
642
2.º Escrivão — 3.º Escrivão — Des. Dr. Francisco Thomaz de Carvalho Filho |.º Tesoureiro — Min. Dr. Victor Amaral Freire
2.º Tesoureiro — 3.º Tesoureiro —
Dr. Agostinho Celso Cilento Giusti Dr. Darcilio de Castro Rangel
1.º Procurador Jurídico —
2.º Procurador Jurídico —
3.º |.º 2.º 3.º
Procurador Procurador Procurador Procurador
Des. Dr. Lauro Malheiros
Dr. Sylvio Luciano de Campos
Jurídico — Des. Raul da Rocha Medeiros Junior Administrativo — Dr. Ernesto de Freitas Neto Administrativo — Des. Dr. Alcides Amaral Salles Administrativo — Dr. Roberto Grassi
Mordomo do Hospital Central —
Dr. Carlos Alberto dos Santos
Dias Aulicino
Vice-Mordomo — Dr. Reynaldo Neves Figueiredo Mordomo Hospital S. Luiz Gonzaga — Dr. Raphael de Paula
Souza Vice-Mordomo — Dr. Waldyr da Silva Prado Mordomo do Dept.º Geriatria D. Pedro II — Dr. Leôncio Cavalheiro Neto Vice-Mordomo — Min. Dr. Luiz Roberto de Rezende Puech Mordomo Sanatório Vicentina Aranha — Dr. Julio Geraldo de Andrade Arantes Vice-Mordomo -—— Dom Ernesto de Paula Mordomo da Farmácia — Dr. Milton Gimenes Vice-Mordomo — Dr. Ubirajara Martins Mordomo de Patrimônio Imobiliário
—
Dr. José Celestino
Bourroul Vice-Mordomo — Dr. Hélio de Caires Mordomo do Colégio São José — Mons. José Conceição Paixão Vice-Mordomo — Mordomo do Museu e da Capela — Dr. Pedro Antonio de Oliveira Ribeiro Neto Vice-Mordomo — Min. Dr. Pedro Rodovalho Marcondes Chaves Comissão de Contas - efetivo — Dr. Francisco de Paula Machado de Campos
Comissão de Contas - efetivo —
Comissão de Contas - efetivo —
Comissão de Contas - suplente — Comissão de Contas - suplente —
Assumpção Comissão de Contas - suplente Comissão de Obras - efetivo —
Comissão de Obras - efetivo —
Dr. José Maria Sampaio Corrêa Dr. Vail Chaves
Dr. Humberto Roncaratti Dr. José Cerquinho de
Dr. Frederico de Souza Queiróz Dr. Paulo Meirelles Reis
Dr. Pedro França Pinto Filho
Comissão de Obras - efetivo -—— Dr. Luiz José de Carvalho e Mello Mattos
O
Poder
da
645
Misericórdia
Comissão de Obras - suplente
—
Dr. João Dias Soares
Comissão de Obras - suplente — da Luz Neto Comissão de Obras - suplente —
Dr. Christiano Carneiro Ribeiro Dr. Decio Germano Pereira
Comissão de Investimentos - efetivo —
Dr. Roberto Machado
Comissão de Investimentos - efetivo —
Dr. Edgard Thomaz de
de Campos
Carvalho Comissão de Investimentos Comissão de Investimentos Comissão de Investimentos Comissão de Investimentos
Pinto Dalia
-
efetivo suplente suplente suplente
—
|
|
— — —
Dr. Sérgio Túbero Sr. Thomaz Gregori Dr. Augusto Oliveira
Comissão Julgamento de Compras - efetivo — Spallini Comissão Julgamento de Compras - efetivo — Cardoso Pinto da Cunha
Comissão Julgamento de Compras - suplente — Ferreira Leite Comissão Julgamento de Compras - suplente —
Vidigal
MESÁRIOS
EFETIVOS
Sr. Agenor de Camargo Filho Dr. Antonio Augusto Monteiro de Barros Dr. José Maria de Freitas
Dr. Dr. Dr. Dr. Dr. Dr. Dr. Dr.
Armando Freire de Mattos Barretto Carlos Alberto de Carvalho Pinto Carlos Coelho de Faria Carlos Pacheco Fernandes Cid Guimarães Christiano Altenfelder Silva Dacio Aguiar de Moraes Junior Dagoberto de Padua Salles
Dr. Decio Ferraz Novaes
Cel. Edoardo de Cerqueira Cesar Des. Fernando Euler Bueno Dr. Firmino Antonio Whitaker Dr. Gastão Eduardo de Bueno Vidigal D. Gilda Altenfelder Silva Dr. Henrique Luiz de Oliveira Dr. Herbert Victor Levy
Dr. Ismael Augusto Machado Brandão
Dr. José Paulo Sr. Armando Dr. Renato Dr. Sylvio Bueno
644
Glauco
Carneiro
Des. João Batista de Arruda Sampaio Dr. João Zeferino Ferreira Velloso Neto
Dr. Jorge Queiroz de Moraes
Dr. José Burlamaqui de Andrade Dr. José Ermirio de Moraes Filho Dr. José Maria Homem de Montes Dr. Julio de Mesquita Neto Dr. Laudo Natel
D. Leopoldina Saraiva Dr. Licinio dos Santos Silva
Dr. Luiz Gongaza Junqueira de Aquino
Dr. Marcelo Portugal Gouvêa Dr. Mario Pimenta Camargo
Dr. Miguel Colassuono
Des. Moacyr Cesar de Almeida Bicudo Dr. Nelson Meirelles Reis Dr. Octavio Mendes Filho
Dr. Octavio Uchôa da Veiga Dr. Olavo Egydio Setubal
Dr. Paulo Egydio Martins
Dr. Dr. Dr. Dr. Dr. Dr.
Paulo Salim Maluf Reynaldo Ramos Saldanha da Gama Roberto Costa de Abreu Sodré Roberto Peixoto Pacheco Fernandes Ruy de Lara Nogueira Severo Fagundes Gomes
A Visão Social
Adriano Marrey, que saudou Mário Altenfelder, pode ter sua vida um pouco mais detalhada para provar-se que ele, representativo do grupo mencionado antes, é um cidadão honorável, antes de ser, ou talvez por isso mesmo. um cidadão prestante, com exercício atual na Misericórdia de São Paulo.
Filho do grande político paulista, Marrey Junior, Adriano notabilizouse, desde jovem estudante, nas pugnas cívicas do Centro Acadêmico XI de Agosto, da Faculdade de Direito de São Paulo, a ele se devendo, inclusive, a definição histórica do Largo de São Francisco como “Território Livre”. Advogado, de 1932 a 1951, foi elevado à magistratura nesse último ano e nela permaneceu por quase trinta anos, de 1951 a 1981. Conselheiro da Ordem dos Advogados do Brasil, professor da PUC/SP, autor de livros e roteiros práticos que figuram na melhor bibliografia do Direito brasileiro, Adriano Marrey atingiu todas as posições possíveis na magistratura e, depois de aposentado, repetindo a saga de muitos, vinculou-se mais estreita-
645
O Poder da Misericórdia
mente à Santa Casa, em 1981, depois de ter sido Irmão Remido desde 1973. Mesário em 21 de julho de 1981, foi eleito 1.º Irmão Escrivão em 23 de março de 1982, onde sua objetividade se faz sentir na condução dos assun-
tos de sua área, sempre enfrentados não só com a competência que fez
escola lá fora, mas também com a nota que figura no item 9 do currículo que preencheu ultimamente na Misericórdia: “Disponibilidade de tempo. Total”. De homens
dessa qualidade
só poderia esperar-se uma definição su-
perior de suas responsabilidades à frente da instituição quadricentenária. E nesse momento eles são bem tratam da profissão original.
maiores do que naqueles outros em
que
Mário Altenfelder, por exemplo, há muito tempo que transcendera a bitola da formação médica. Ele encarou seu novo cargo com visão abrangente, tocando nos problemas da humanidade em geral, nos marginalizados do mundo, e não só nos assuntos específicos da instituição de que passara a cuidar.
De
sua
lapidar oração de
posse, guardamos os seguintes
trechos:
“Todos nós desejamos num esforço desinteressado criar um
mundo
melhor,
um
mundo em
que o sociale o econômico
não
vivam separados, mas unidos, buscando a elevação humana, acreditando na existência real do homem solidário, esquecendo pouco a pouco o homem
solitário.
Para os que já derame estão dando o exemplo de sua doação
de amor à humanidade, para os que querem conscientemente viver
estimulando a ascensão de cada homem, de cada grupo, para chegar a impulsionar toda a sociedade, a tarefa a executar toma O caráter de missão, passa a ser um O homem
imperativo de consciência.
sempre caminha procurando ser mais do que já é.
No entanto é necessário não se perder pelos caminhos que levam apenas ao bem-estar material, pelo grau de instrução, pelo encantamento da técnica e da ciência, pelo conforto excessivo, pelo fascínio do prazer irresponsável, abandonando os valores morais e espirituais, indispensáveis ao justo equilíbrio emocional que
nos dá segurançae o uso da liberdade entendida dentro da interdependência a que somos obrigados a viver. Diariamente falamos de comunismo, de capitalismo, de socia-
lismo e de democracia
mesmo defendendo
para
todos, todos
se dizem
regimes totalitáriosc os demagogos
democratas
se encon-
tram felizes, prontos para dar um salto no escuro, indo cair não se sabe onde. Desde que Georges Balandier em 1956, falou em terceiro mundo, se fala muito em países subdesenvolvidos e os países ricos,
646
Glauco Carneiro
num terço apenas do mundo, são sempre muitos ricos e Os outros dois terços continuam muito pobres. Basta olhar o mapa do mundo
e ler as estatísticas. O que falta é uma dimensão espiritual. Onde ela não existir qualquer nova ordem proposta será mera ilusão, será opressora, caminhará para imperialismos, criando outros grandes conflitos. É preciso não acreditar que apenas o lucro com as mais va-
riadas roupagens seja a maior bem-aventurança. Se o lucro fosse isso, não estaríamos mergulhados em angústias incontroláveis.
Nós vivemos observando a miséria. Não apenas a miséria sinônimo de sordidez, mas a miséria que elimina valores morais e
é capaz de destruir o sentido da fraternidade. É evidente que não nos conformamos pois não somos usufrutuários do sofrimento
É preciso cultivar valores. Aqueles que os reconhecem
que
separam
fazem
as ciências econômicas
com essa humano.
afirmação
desaparecer os artifícios
das sociais e criam o desen-
volvimento político integrado na visão do mundo em transição que
aí está, impaciente
situado
longe
e agressivo, e é esse desenvolvimento
de novidades
mais anárquicos
suspeitas
ou
político,
pretextos participativos
que construtivos, que nos fará viver em real de-
mocracia e não se há de perder tanto tempo discutindo conceitos contraditórios e nem nos perderemos num oceano de referências
eruditas, tornando importantes
as coisas menos
quecidas as mais importantes.
importantes e es-
Agindo assim poderemos identificar fatores positivos e negativos e descobriremos prioridades, decidindo com precisão. zoável
No Brasil apesar de todo o progresso que nos coloca em rasituação na
Economia
Mundial,
sabemos
das dificuldades
existentes e do esforço gigantesco que precisa ser feito para corrigir os descompassos sociais reinantes. Temos ainda 8 milhões de crianças de 7 a 14 anos analfabe-
tas e mais 16 milhões de pessoas, de 15 anos para cima, num total de 24 milhões, analfabetas. 5 milhões de famílias habitam
mal.
60 milhões de habitantes têm água de qualidade suspeita. 6 milhões dos 27 milhões de domicílios não têm instalações sanitárias.
3.200.000 "5 milhões mínimo.
pessoas trabalham e não ganham. de
famílias
têm
renda
mensal
Nosso Ministro da Saúde informa que há:
de
até
1 salário
O
Poder
647
da Misericórdia
6 milhões
de esquistossomóticos;
7 milhões de chagásicos;
| milhão de tuberculosos; 160 mil casos novos de malária;
mais de 50%
da população tem verminose;
Há cerca de 350.000 mortes cada ano — evitáveis; Existe um número muito elevado de doentes mentais;
As doenças cardiovasculares são progressivas; O câncer faz vítimas em
alto número;
Os técnicos ligados aos estudos sobre os excepcionais
que de 8 a Nos
10%
grupos
muns como:
da
população
marginalizados
Situação de extrema
precisam
de cuidados
encontramos
informam
especiais.
características
co-
pobreza;
Quebra de padrões de comportamento; Alto índice de alcoolismo;
Alto índice de criminalidade; Desnutrição;
Promiscuidade
dicância.
habitacional
e individual;
vadiagem
e men-
Nos Estados Unidos o álcool mata mais que todos os criminosos juntos.
Mata mais que a hepatite a vírus, o câncer, a leucemia, ou a tuberculose. Os danos produzidos pelo fumo ou pelo álcool, em dinheiro, são bem maiores que a arrecadação dos impostos sobre a industrialização desses produtos. 80% dos acidentes de tráfego nas festas de fim de ano são causados por pessoas alcoolizadas e habitualmente 54% dos crimes praticados em São Paulo o são por pessoas embriagadas. Quando sabemos que 10% das crianças em idade escolar 1.º
grau —
da
1º à 8.º série, já experimentaram
maconha e 5%
usuários dela, por certo ficamos muito preocupados.
são
As crianças que são levadas aos Estabelecimentos de Internação em 95% dos casos provêm de lares desfeitos. A ilegitimidade conjugal na periferia de São Paulo já atinge 60% dos que vão aos Postos de Saúde. Quero fazer uma observação.
Os que estão interessados em destruir a sociedade para criar um mundo sob regime totalitário jamais falam que esses dados se referem aos 30% da população que estão marginalizados. Jamais
dizem que os outros 70% não estão em situação tão ruim, porque
648
Glauco
Carneiro
não convém aos seus planos. Falam generalizando, o que é decididamente imoral. Precisamos cuidar e logo desses 30%
quase 40 milhões de pessoas. Porém
da população pois são
não se invertam os números,
dizendo que tudo está perdido. Não é verdade. Os mal informados e os de má-fé repetem as informações distorcidas e muita gente vai acreditando nelas e desacreditando em tudo. Há pessoas amargas que contagiam e inoculam o veneno de sua amargura naqueles que delas se aproximam. É preciso identificá-las e procurar modificá-las e quem sabe até conseguir que sua presença se torne agradável criando ao seu redor um ambiente de confiança e de amor ao próximo.
A nossa Santa Casa tradicionalmente está ligada aos problemas
sociais e nestes com maior atenção à assistência médica, cui-
sem
esquecermos
dando também de velhos, inválidos, de ensino no centenário Colégio São José e recentemente na Faculdade de Ciências Médicas,
O
Serviço
admiração.
as
Social
Escolas
é muito
de
Enfermagem,
bom
e o servidores
em
vários graus.
merecem
nossa
É muito possível que em 1584 tenha sido fundada esta Irman-
dade. Vamos
pesquisar a sua origem com
bastante atenção e se
confirmada, estaremos agora vivendo o seu quarto Centenário.
Este prédio foi concluído em 1884, portanto há um século. As Misericórdias foram e ainda são as Escolas práticas de Medicina no Brasil. Em
1808, a 18 de fevereiro —
hia que se instalou
D. João VI fundou a da Ba-
no Hospital Militar e daí, em
para a Santa Casa onde começou
a funcionar.
1815
passou
No mesmo ano D. João VI fundou a do Rio de Janeiro tam-
bém no Hospital Santa Casa. Em Paulo, Em
Militar
e em
1913 aqui se fundou
seguida
a Faculdade
1962 nasceu a nossa Faculdade
ilustre, a se projetar no País e fora dele. Esta Casa é uma
passou
a funcionar
na
de Medicina de São
de Ciências Médicas, tão
Casa Santa.
É com a maior emoção que entramos em seu interior e com
reverência penetramos neste recinto. Meditamos
nos seus quatro
séculos de existência e sentimos a responsabilidade que pesa sobre todos nós.
O Poder da Misericórdia
649
Com o maior respeito nos lembramos dos Provedores e Mesários que há quatrocentos anos vêm cuidando desta Irmandade. Nesta Casa se transmitem valores permanentes, de geração em geração. São eles os que decorrem do fato metafísico que dignifica a pessoa
humana
dela, é Deus. Aqui
os
e a vida.
valores
A
fonte
renováveis,
não é a sociedade, está
os que
nascem
dos
acima
grupos
so-
ciais, dos costumes e dos hábitos e que por isso são acessíveis às
reformas, têm sido considerados com juízo claro, acompanhando as mudanças que a ciência e a técnica impõem, sem perder a
noção dos
valores permanentes.
A tradição é essa. Tem que ser resguardada.
E o será.
Essas razões nos levam a consagrar os nomes dos Drs. Chris-
tiano Altenfelder Silva, Paulo Meirelles Reis, Carlos Pacheco Fernandes, Mario da Cunha Rangel e Pedro Ayres Netto, e a todos os Irmãos que estão dedicando grande parte de suas vidas a esta Irmandade, contribuindo não só para mantê-la como para aperfeiçoar todos os seus segmentos a ponto de torná-la no gênero, a mais importante do Brasil. Não vamos nos despedir deles porque continuarão conosco. Fala-se em nosso País, intensamente, em dificuldades, em mudanças. Qualquer observador inteligente sabe que mudanças e dificuldades sempre existiram e sempre existirão. Sabe também que as grandes Obras e mesmo as grandes Nações não foram feitas sem imensos sacrifícios. A Santa Casa em seus quatro séculos de existência
teve sé-
rias crises, muito sérias, que foram vencidas. Unidos poderemos trabalhosa, apenas isso. Ad
transpor
os
atuais
obstáculos.
É
tarefa
astra per aspera.
Minha esposa que não pode estar presente por motivos imperiosos e que há 50 anos me acompanha e me conforta, aqui se encontra espiritualmente e estará conosco. Nossa Padroeira é a Virgem Maria Santíssima.
Ela nos aben-
çoa. À Ela nos dirigimos recitando este “Ato de Caridade” escrito por Djalma Andrade — Que que Mãe, Que
eu faça ninguém espero eu seja
o bem, e de tal modo o faça saiba o quanto me custou. de ti mais esta graça: bom sem parecer que o sou.
650
Glauco Carneiro
Que o pouco que me dês me satisfaça, E se, do pouco mesmo, algum sobrou, Que eu leve esta migalha onde a desgraça Inesperadamente penetrou. Que Que
a minha mesa, a mais, tenha um talher, será, Minha Mae. Senhora Nossa,
Para o pobre faminto que vier.
Que eu transponha tropeços e embaraços: — Que eu não coma, sozinho o pão que possa ser partido
por mim. em dois pedaços.
Irmãos,
Agradeço a confiança que depositam em mim e em nome de todos que foram eleitos comigo, trago agradecimento cordial. Gloria in Voluntatis.” *
A
Irmandade
excelsis
acolheu
Deo
com
et
in
terra
sobranceria
Pax
aquela
hominibus
bonae
extrapolação:
na ver-
dade, na história da instituição de 400 anos, ninguém focalizara tanto o problema social global dentro da Misericórdia como Mário Altenfelder — nunca os Irmãos haviam experimentado a emoção do transporte de seu problema particular para o drama imensamente maior da humanidade e do país. Jamais alguém exortara tanto a caridade paulistana a sair dos limites de Piratininga para colocar um lenitivo na tragédia mais ampla dos carentes brasileiros
e mundiais.
“Pediu a palavra, em seguida, o Irmão Mesário Deputado Herbert Victor Levy, para congratular-se com os componentes da
Irmandade, pelo pronunciamento do Irmão Provedor, o qual extravazou de nosso meio, para incursionar pelos problemas que afligem o povo brasileiro. Observou haver S. Exa. trazido um testemunho doloroso, sem dúvida, mas, realístico. O que ouvimos relembrou mais uma vez que o sentimento de responsabilidade social, e de solidariedade humana, não se esgotam no âmbito das entidades assistenciais, como a de que participamos. É preciso que nos mobilizemos em favor de nossa terra e de sua gente. Sentimonos afetados pelos escândalos denunciados, e que —
pelo visto —
o tempo se encarregará de sepultar. Não podemos conformar-nos com a política econômica imposta ao país, a qual pretende combater a inflação, com o flagelo da recessão. Ao invés de criar empregos para os jovens que chegam à idade do trabalho, o que temos visto é tal política acarretar milhões de trabalhadores de-
sempregados. Nosso povo tolerante e bondoso, já não admite que
651
O Poder da Misericórdia
seus sentimentos humanísticos se conformem
com
a situação que
se lhe oferece. Devemos mobilizar-nos, num movimento geral, de todo o povo, para evitar os desvios que estão comprometendo o futuro da Nação. Encerrou dizendo desejar que a manifestação do nosso Provedor leve a corrigir as práticas anti-brasileiras, correntes, e possa ajudar a curar os males de que padece o nosso país.
As palavras do orador foram muito aplaudidas”.º
A dimensão da sobrevivência
A equipe que, sob a liderança de Mário Altenfelder, assumiu a dire-
ção da Santa Casa, em
1984, tinha uma característica adicional — o enfo-
que racionalizador. Embora conservando alto o estandarte da caridade, a nova
Mesa
buscou,
desde o início, estudar e melhorar
a atividade-meio,
carente, há muito tempo, de adequação entre os recursos disponíveis e as imensas tarefas a realizar.
Contudo, a dimensão do problema encontrado superou as expectativas mais pessimistas. No correr deste cápítulo, iremos tomar conhecimento de dados que positivam esse estado verdadeiramente amedrontador que a atual administração sentiu na velha Misericórdia, requerendo providências heróicas que ainda estão longe de alcançar seu término. Tendo a assessorá-lo a colaboração segura do Irmão Victor do Amaral
Freire, Ex-Ministro do Tribunal de Contas da União e Ex-Presidente do Conselho Estadual de Auxílios e Subvenções, a Mesa Administrativa liderada por Mário Altenfelder desde logo apressou-se a defender uma nova orientação administrativa no setor econômico-financeiro, afirmando a impe-
riosa necessidade da Santa Casa, sem prejuízo de suas características filan-
trópicas, implantar um gerenciamento empresarial na condução de seus ser-
viços. No tocante à Tesouraria, encontrou-se uma situação institucional de
atraso, com débitos em todas as áreas — salarial, fornecedores, Previdência Social, Receita Federal. A escrituração contábil estava desatualizada, per-
turbando inteiramente a ação administrativa e econômico-financeira. Apesar disso, o rígido controle implantado, ao lado da ordenação realizada, permitiu terminar o ano de 1984 com um déficit de Cr$ 6.253.367.000, contra Cr$ 6.768.743.000 de 1983, apesar de uma inflação recorde registrada de 250%! Em outros termos, se tivesse prosseguido o diapasão anterior, o déficit em 1984 não seria menor do que 20 bilhões de cruzeiros. Ainda assim, em 1984, o prejuízo operacional foi da ordem de noventa milhões de cruzeiros mensais, para o que contribuíram débitos dos anos anteriores decorrentes de recolhimentos não feitos a órgãos federais. Vejamos trecho da exposição a respeito feita pelo Irmão e 1.º Tesoureiro Victor do Amaral Freire, na sessão da Mesa Administrativa realizada a
7 de maio de 1985:
652
Glauco
“Sem
passou
dúvida,
o resultado obtido
a fornecer uma
em
visão alentadora
1984,
acerca
pela
Carneiro
Irmandade,
da regularização
administrativa. Dentro da franqueza habitual, a atual administração destaca os pontos em que se encontrarão sérias dificuldades.
Primeiro, o recente aumento salarial, sobrecarregando terrivelmen-
te a Santa Casa, que é uma entidade exclusiva de serviços, com tarifas de atendimento à saúde impostas pelos órgãos governamen-
tais, entre
os
quais
destaca-se
o
INAMPS,
o
qual,
em
1984,
quando a inflação atingiu a cerca de 250%, concedeu um aumento de apenas
135%
e, ainda assim, calcados sobre preços abaixo
do custo. Com o novo salário decretado, a folha mensal de pagamentos deve sofrer um acréscimo de 2 bilhões e quinhentos milhões de cruzeiros, a recair a partir do início de junho. Além disso, devem ser encontradas soluções para os três débitos referidos, num total de Cr$ 15.000.000.000 e que se elevará à casa dos Cr$ 17.000.000.000 dentro de 30 dias, a Cr$ 19.000.000.000 dentro de 60 dias e que, na forma prevista nos contratos, alcançará em dezembro do corrente ano a 30/35 bilhões de cruzeiros. O que mais preocupa, pelo nível atual, é o da Cia. Philips, com cuja empresa
haverá
amanhã,
dia 08
de maio,
provavelmente,
um di-
fícil entendimento. Deve-se mencionar que toda essa exposição foi relatada perante os membros da Comissão de Contas, em todos os
seus detalhes. E tal situação será exposta às autoridades governamentais, com explícita indicação do nível e volume de atendimento proporcionado pela nossa Santa Casa às populações da Capital e “do Interior do Estado e, mesmo, a brasileiros de outros Estados, numa extensão aproximada daquela dispensada pelo Hospital das Clínicas de São Paulo, o qual tem muito maior número de leitos e se beneficia
de
um
orçamento
não
inferior a 300
bilhões de
cruzeiros. Foi também fornecido à Comissão de Contas um comentário sobre as nossas receitas, assim agrupadas: a) INAMPS e Prefeitura Municipal de São Paulo, que mais oneram que beneficiam, mas que são obrigatórias no sistema previdenciário nacional; b) receita imobiliária, embora superior ao ano de 1983, deverá merecer um estudo aprofundado, para que seja definida uma política patrimonial, de importância transcendental para nossa enti-
dade. Já foi nomeada uma comissão, para apresentar sugestões, quando se deverá analisar a existência, entre outros, de parte do patrimônio sem renda; c) enfocou-se o “superavit” do Colégio
São José (de Cr$ 116.459.000) e do Hospital Santa Izabel (de Cr$ 2.353.640.000) de grande valia; d) as subvenções do Governo
do Estado, com um total de Cr$ 1.800.000.000, mereceram destaque;
e) os donativos
recebidos
de
Irmãos
Mesários e colabora-
dores os mais diversos, com o índice, a ser destacado, de Cr$ 826.154.000; f) e, finalmente, a receita financeira, principalmente
O
Poder
da Misericórdia
653
decorrente de um entendimento com vários Bancos, os quais revelaram um alto espírito de cooperação, proporcionando o recebimento de uma importância no valor de Cr$ 948.640.000. Estes os frutos colhidos pela atual administração da Irmandade, em 1984, propiciado pelo esforço coletivo da Direção Geral e do apoio da Mesa Administrativa. Agora, com uma visão mais completa dos problemas econômicos e financeiros e com alterações profundas procedidas na área administrativa, espera-se sejam removidas as dificuldades já apontadas e as que se terá pela frente, de forma a proporcionar uma posição mais sólida e tranquila no final de 1985. Isso irá depender da situação geral do país, sobretudo no que se refere aos índices inflacionários. Novas rotinas de serviço já estão sendo implantadas e outras terão de ser estabelecidas para moder-
nizar nosso sistema administrativo e aprofundar a montagem de uma organização empresarial, que possa tornar-se modelar para as instituições filantrópicas de nosso país”. A Santa Casa em 1984
Nós que vimos acompanhando a instituição desde os seus primórdios, sabendo das suas dificuldades e aludindo aos seus meios, temos a obrigação de mencionar
alguns dados
sobre o patrimônio da Santa
década em que o Hospital Central completa
100 anos.
Casa
nesta
Através de Relatório da Mordomia do Patrimônio Imobiliário, os Irmãos Edgard Thomaz de Carvalho e Mário da Cunha Rangel nos informam a situação dominial da Misericórdia. Há propriedade plena de 20 edifícios, 21 residências, 6 apartamentos,
14 lojas e escritórios, 120 garagens, 5 hos-
pitais, 13 terrenos e 5 loteamentos, totalizando 204. Para uso próprio, há 3 edifícios, e vinculados, 40. Há 63 imóveis com posse e título em andamento, 8 propriedades parciais, 7 usufrutos, 3 posses sem título e 7 com título em andamento. Assim, o patrimônio da instituição atinge a 335
imóveis.
A renda desses imóveis é que permite à Santa Casa atender perto de um terço de seus assistidos, a título gratuito, constituindo-se na única instituição que-recebe, indistintamente, os necessitados, trata deles, e somente
depois verifica se possuem vinculação previdenciária ou não. Essa prática
de benemerência verdadeira acarreta um pesado ônus financeiro: o déficit está presente na Misericórdia com a mesma freqiiência da caridade. Em fevereiro de
1984, por exemplo, o atendimento
diário de três mil pessoas
acarretava um déficit mensal de dezenas de milhões. O superintendente da
época, Renato Romano, informava ao Jornal do Brasil: “Estamos recorrendo
a empréstimos
bancários, vendendo propriedades, mudando
a sistemática
654
Glauco Carneiro
de trabalho dentro do hospital e tentando recursos junto aos governos mu.
nicipal, estadual e federal"*
Nessa época, nos mil leitos disponíveis, eram acolhidos, de 350 a 450 pobres (indigentes ou não segurados à Previdência), 600 pacientes do
INAMPS e cerca de 130 particulares. A Irmandade acionava ainda os ser-
viços do Departamento
de Geriatria
Dom
Pedro
II, no bairro do Jaçanã,
Colégio São
1.500 alunos. Nessa época, os aluguéis dos imóveis
que atendia a 800 idosos; o Hospital São Luiz Gonzaga (também no Jaçanã), com 300 leitos, mas apenas 100 em uso por ser deficitário desde 1980, mantendo também a Faculdade de Medicina, com 600 alunos, e o José, com
do patrimônio rendiam Cr$ 150 milhões mensais, recebendo a Santa Casa Cr$ 400 milhões/mês do INAMPS, e mais Cr$ 80 milhões de prestação de serviços ao município, além da renda do atendimento aos doentes particulares.
A Faculdade
de Ciências
Médicas, com administração autônoma, mas
usando o prédio do Arouche e tendo como professores os médicos da Santa Casa, onerava mais ainda o problema financeiro, muito embora lhe desse excelente contrapartida na melhoria do nível de assistência, o que lhe valeu,
em
1983, ser classificado junto a outros 16 estabelecimentos nacionais, com
o título de “Hospital de Excelência e Referência”. Em 1984 estavam disponíveis, no terreno de cinquenta mil metros quadrados fronteando a Rua Cesário Motta, nas vizinhanças do Largo do Arouche, 124.000 m* de construção, onde inclusive se realizavam pesquisas importantes, como as do Setor de Esterilidade, do Departamento de Obstetrícia, envolvendo casos de fecundação
in vitro (bebê de proveta).
O belíssimo prédio em estilo gótico inglês continuava, apesar das dificuldades crônicas, a servir a São Paulo. Isso, porém, de nada
lhe valeu para evitar que o patrimônio que lhe
torna possível assistir gratuitamente aos pobres, fosse invadido em fevereiro de 1984. Um suspeito “Movimento para Moradia Filhos da Terra”, cujas reuniões se realizavam no interior de Igreja Católica dita “popular”, invadiu um terreno da Santa Casa na Vila Paulistânia e até constituiu advogado que apresentou, através da imprensa, as condições de uso da propriedade... “Famílias desapropriadas e despejadas ou que não podiam mais pagar aluguel começaram a procurar a equipe que presta assistência jurídica na Associação dos Moradores da Zona Norte, que ocupa uma sala na Igreja Nossa Senhora do Carmo... Lauro Câmara Marcondes, advogado dos invasores, explicou que a orien-
tação deles é dada pelo Centro de Defesa dos Direitos Humanos
da Vila Paulistânia. Os padres Olívio e Raimundo também apóiam
o movimento e até cedem a igreja para reuniões. ..”.”
O
Poder da Misericórdia
655
A Irmandade da Santa Casa viu-se obrigada a tomar as medidas legais e cabíveis para defender seu patrimônio ameaçado, que naquele local compreende cerca de 40 alqueires, onde funcionam os hospitais São Luiz de Gonzaga e D. Pedro II:
“O Mordomo do Patrimônio Imobiliário da entidade, José Celestino Bourroul, visitou a área invadida, onde recolheu alguns panfletos — “verdadeiros brados de guerra” — e considerou a ocupação “absurda e desprovida
de qualquer propósito”.
Como é uma instituição beneficente, para enfrentar suas difi-
culdades econômicas e manter o padrão de atendimento reconhe-
cido pela
população,
a Santa
Casa
vinha
fazendo
estudos
para
vender parte de seu terreno à Fabes. Segundo Bourroul, quando a Fabes demonstrou interesse em adquirir “amigavelmente” parte do terreno, a Santa Casa iniciou a elaboração de um plano que, além da expansão dos dois hospitais e de outros benefícios, definiria a área de venda. “Agora, no entanto, fomos surpreendidos por esta invasão violenta, provocada por espertalhões ou gente interessada em perturbar a ordem pública”. Os maiores prejudicados com a invasão, no entender de José
Bourroul, serão “os coitados que foram iludidos com o golpe da
casa própria, já que quem os está manobrando jamais verá o dinheiro gasto para construção de seus barracos. roul, “a Justiça deverá prevalecer” e a área invadida cupada por meio de mandado judicial, “pois acredito que apreciar a questão deverá determinar a retirada dos
lhes devolPara Bourserá desoque o juiz invasores”.
Quanto aos problemas econômicos enfrentados pela Irmandade da Santa Casa, José Bourroul lembrou que ela é “aflitiva, mas a entidade sempre preferiu agir com discrição nos momentos
difíceis”. Com custo per capita muito alto “para manter um serviço reconhecido como
bem
acima
do padrão
médio”, a institui-
ção vem procurando opções para superar o agravamento de seu déficit. Uma dessas formas é a venda de parte dos terrenos da
entidade”. Logo em
seguida
a essas declarações,
voltava o bem
amparado “Mo-
vimento”, a ameaçar utilizar recursos legais contra a Santa Casa, “além de consolidar sua presença na região ocupada, assumindo rapidamente os 150 mil metros quadrados que pretende
utilizar”. A imprensa igualmente
noti-
ciava: “O padre Raimundo Lipski, pároco da Igreja N. S. do Carmo, onde
foram realizadas as assembléias do movimento, disse que há muita solidariedade entre os participantes, e estão recebendo apoio de outros movi-
mentos para moradia, como os de Vila Remo
e Osasco. Ele admite que
656
Glauco Carneiro
tem dado o seu apoio aos participantes do movimento,
seguindo uma linha
da Igreja que se coloca ao lado do povo sofredor, estabelecida pela CNBB”12 Pressionando o Prefeito Mário Covas,
para comprar as terras invadi-
das, uma comissão dos “Filhos da Terra” reafirmou: “Com o povo ninguém pode”.
Enquanto isso, a Irmandade
fazia divulgar a seguinte e incisiva nota:
“Tornou-se público e notório, pelas informações da imprensa,
o fato da invasão ocorrida em área de terras pertencentes à Irman-
dade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo, no bairro de Jaçanã. Esta, em defesa de legítimos direitos, reagiu pelas vias legais, ajuizando Ação de Reintegração de Posse, ora em anda-
mento.
Sem embargo de sua deliberação de rejeitar quaisquer negociações com os espoliadores de seu patrimônio, deseja a Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo alertar aos atuais invasores,
e a terceiros
que
venham
a eles
se agregar, estarem
sendo vítimas de falsas promessas, fruto de mera demagogia.
Nem de outra forma se qualifica o ato de partilhar, mediante violência, terras de entidades, como a Santa Casa — tanto mais
que na própria organização a que pertencem existem terras dispo-
níveis para distribuição, conservadas, imobiliária. Sua conduta apenas leva com todo o seu aspecto de miséria, solucionar o reconhecidamente grave
entretanto, para especulação à formação de novas favelas, em nada contribuindo para problema habitacional.
Por outro lado relembra a Irmandade que a finalidade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo é a prestação de assistência médica e hospitalar, no exercício de caridade evangélica, às pessoas desprovidas de recursos para tratamento de saúde. Para atender ao alto custo desse serviço público, prestado desinteressa-
damente à coletividade, necessita ela dos seus bens imóveis, cujo
valor concorrerá para a manutenção
da assistência aos enfermos
pobres. Não pode abrir mão do que se destina ao serviço da pró-
pria coletividade. A invasão efetuada atenta contra o interesse, que é o de obter da Santa Casa a assistência médica quando dela se necessite, e na medida em que disponha de recursos para o atendimento
público
mais
desvalido.
Contam-se
por milhares
que ali recebem o tratamento completo, sem nenhuma despesa.
os
Não se justifica nem legal nem moralmente, o procedimento dos invasores, nem, muito menos — sejam eles quem forem — dos que os vêm estimulando à prática de crime de esbulho possessório, previsto no Cód.
belecidos.
Penal e punido
nos termos nele esta-
657
O Poder da Misericórdia
Em suma, a Santa Casa não pode ser despojada do que deve garantir a continuidade de seus serviços de assistência social, dis-
pensada gratuitamente aos que dela se socorrem, particularmente as pessoas humildes, da categoria dos atuais invasores”.!º
Não era esse o maior Mário Altenfelder e a Mesa. extraordinária da irmandade ceiras da instituição. E logo
problema da gama enfrentada pelo Provedor Na mesma ocasião, era convocada uma sessão para debater o quadro de dificuldades finanse divulgou um documento oficial em que se
informou ter a Provedoria se dirigido aos Poderes Públicos do Estado e do
Município, “solicitando auxílios especiais que nunca lhe faltaram em outros
governos, para
tendo ainda
atender
recebido
ao
pagamento
a colaboração
de pessoal
e de
fornecedores,
não
oficial para enfrentar os problemas:
“A Mesa Administrativa concedeu plenos poderes à provedoria para a ação necessária a fim de evitar a desativação de mais de 200 leitos, suspensão de serviços e dispensa de médicos, enfermeiros e funcionários, dolorosa exigência a que será forçada, neste
momento de penúria e de miséria, quando não pode faltar a assistência aos necessitados, nem ser diminuída a que presta a Santa
Casa aos doentes que todos os dias batem às portas de seus hospitais e asilos”!
Em abril a Santa Casa voltava a denunciar à opinião pública a iminência de nova invasão de suas propriedades, através de nota divulgada pelo Provedor Mário Altenfelder: “A Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo,
instituição
filantrópica,
dedicada
a
prestar,
desinteressadamente,
e sem fins lucrativos, assistência médica e hospitalar à população carente de recursos, não somente da Capital, mas também a pacientes de municípios do Interior e de outros Estados, vem a público denunciar que a invasão organizada, que a espoliou de uma área de terras no bairro do Jaçanã, na prática do crime definido no Código Penal, como “esbulho possessório”, vai agora repetirse, nesta Semana Santa, segundo informações chegadas ao seu conhecimento. “As autoridades públicas, estaduais e federais foram, em tempo oportuno, alertadas para o fato, e bem assim o Sr. Cardeal Arcebispo de São Paulo, em vista da notória ingerência de sacerdotes, na estimulação desse procedimento abusivo e ilegal. A Irmandade já obteve mandados judiciais de reintegração de posse, com ordem de requisição de força, para seu cumprimento. Absteve-se, prudentemente, de promover sua imediata execução, para evitar
a eclosão
de previsíveis
conflitos,
com
resultados
indesejados.
658
Glauco Carneiro
Não tem sido compreendida, nem pelos invasores, nem por aqueles que revestidos de representação política, ou das vestes sacerdotais, estimulam atos que se evidenciam em desordem social. A Irmandade da Santa Casa de Misericórdia protesta em público, pelo desrespeito generalizado que a nova invasão representará, sem resguardo sequer dos dias de recolhimento da Semana Santa. E, como não alcança seu objetivo, de resolver pacificamente o agravo que
vem sofrendo em seu patrimônio, providenciará para que as ordens ”» 15 judiciais de despejo sejam cumpridas”.” A recuperação em marcha
Alguns fatos, porém, revelavam que a nova administração, ao mesmo tempo em que enfrentava seus problemas externos, tratava de arrumar a
casa.
tração
Em
por
apenas
três meses
objetivos,
hierarquizadas.
sendo
Dividiram-se
implantara-se,
estabelecidas
na área
financeira,
prioridades,
os trabalhos em
a adminis-
além destas serem
vários estágios:
de gerencia-
mento de dificuldades, sobretudo na área de salários; de regularização do saneamento financeiro e de liquidação dos débitos. Resolvera-se o problema salarial pendente, com o pagamento da folha de pessoal no montante de 950
milhões
de cruzeiros,
estando
os salários em
dia.
Constituiu-se um Fundo de Donativos Especiais, para o qual contribuíram irmãos e autoridades, bem como doadores novos, a exemplo da sra.
Duan Aisheng, esposa do Embaixador da República Popular da China, Sr. Chu Zhongfu, que entregou um cheque de Cr$ 4.125.500, “explicando seu interesse pela instituição, por estarem trabalhando aqui numerosos médicos de ascendência chinesa”.!* Em
sessão
da
Mesa
Administrativa,
de
24
de
abril,
o Prof. Wilson
Luiz Sanvito prestou informações acerca do funcionamento do Departamento de Medicina, um dos quatro em que se dividem os serviços da Santa Casa e da Faculdade de Ciências Médicas: “As metas básicas de um Departamento da natureza daquele que dirige, são de quatro categorias — 1) assistência médica; 2) ensino médico; 3) formação de recursos humanos; 4) produção científica. O Departamento de Medicina — acrescentou o Prof. Sanvito — é o maior de todos, pelo volume de pacientes a que presta assistência. Há um chamado “atendimento de porta”, que é um complexo, desempenhado nos Ambulatórios do Pavilhão Conde de Lara, e no Pronto Socorro Central, destinado ao atendimento dos comparecentes. Os pacientes que pela primeira vez procuram a Instituição recebem atendimento imediato, e são encaminhados
quando necessário, para o Ambulatório apropriado. Cerca de 250
659
O Poder da Misericórdia
novos pacientes diários são recebidos, durante 5 dias de cada se-
mana, num total aproximado de 5.000 pessoas por mês. Trata-se, na maioria, de previdenciários, e seu atendimento
merece
uma
remuneração paga pelo INAMPS, da ordem de Cr$ 4.934,00 para cada consulta. Isto representa um faturamento mensal de cerca
de Cr$ 25 milhões de cruzeiros, de exames de laboratórios e Raios não ocasionam muitas despesas. lado no Pavilhão Conde de Lara,
valor bruto, sem contar o custo X. São pacientes que, em regra, Na parte do Ambulatório instahá um departamento geral, que
se divide em nove especialidades médicas (cardiologia, nefrologia,
reumatologia, endocrinologia, hematologia, gastroenterologia e pneumologia), além dos Ambulatórios de Neurologia e Dermatologia. Existe ainda um serviço prestado extra-muros, no Hospital
Emílio Ribas destinado a portadores de moléstias infecciosas, servindo também para o aprendizado dos alunos da Faculdade de Ciências Médicas. No Pronto Socorro Central, na área de Clínica Médica. há três tipos de pacientes — os não contribuintes, os
enviados pela Prefeitura Municipal, em razão de convênio, com um aumento substancial, graças ao encaminhamento
do telefone
feito através
192; e os doentes assistidos pelo INAMPS.
Em
meros estatísticos, o Departamento de Medicina atendeu em
mais ou menos a 185.000 pacientes,
nú-
1983
110 dos quais nos Ambula-
tórios. Há pacientes internados em três enfermarias, com 99 leitos, dos quais 62 são para previdenciários. Estes, pelo chamado con-
vênio universitário, firmado com o INAMPS, são recebidos com
pagamento prefixado, que representa por assim dizer um “pacote”, na proporção de seu porte. Se a internação perdura por muitos
dias, produz A meta,
um
“déficit”, que a Santa
portanto, é promover
já se havendo alcançado, em
Casa
tem
de suportar.
u'a maior rotatividade dos
leitos,
1984, uma média de ocupação
de
9 dias, enquanto em 19853 era de 20 dias. Os chamados “portes”, ou procedimentos médicos, são de remuneração diversa, mas de
valor prefixado e independente da extensão do tratamento dispen-
sado e do volume de exames complementares. Tem-se buscado reduzir não só a média de permanência, como o número de exames, somente se realizando os indispensáveis.
Observou o Prof. Sanvito que, possuindo a Santa Casa uma escola médica, há a suposição de que todos os pacientes precisam ser exaustivamente examinados pelos alunos. Não é o que sucede na Faculdade de Ciências Médicas, na qual a preocupação é formar médicos dentro da realidade brasileira, com conhecimentos de medicina geral. O médico, especialmente o estagiário, deve dar ênfase ao raciocínio clínico, e não tanto aos exames complementares, voltando-se ao tipo de medicina generalista, muito mais humana.
Glauco Carneiro
660
Prosseguiu o Prof. Sanvito notando que o Departamento de Medicina apresentava um “déficit” de mais de Cr$ 20 milhões, mensalmente. Atualmente, porém, com nova orientação e graças aos esforços da Superintendência, o Departamento está motivado para um esforço comum, com o objetivo de eliminar aquele “déficit”. Em
março de 1984 este foi ainda da ordem de Cr$ 9.518.000,00;
em fevereiro fora de 15 milhões, em em janeiro de Cr$ 17 milhões, com uma queda progressiva no montante do “déficit”. Acredita que com
o serviço de pronto
atendimento,
passaremos
a zerar o
“déficit” do departamento de Medicina, e quiçá, a obter ““superávit”. Além deste objetivo, há outras metas básicas, entre elas, a de imprimir um “status” aos hospitais da Santa Casa, de modo a que mereçam a classificação de “excelência”, já recebida, e que resulta em
constituir-se
o respectivo
serviço
no “prato
de resis-
tência” da Instituição. O INAMPS é realmente a maior fonte de pagamentos. Além desse, há outro aspecto — havendo aqui uma escola de ensino médico, o serviço permite uma permanente reciclagem no corpo clínico, que se atualiza e converte-se em profissionais da mais alta qualidade. Na meta relativa à formação de re-
cursos humanos, temos os médicos residentes, recebendo formação
mação de pós-graduação. Havia sido notada no país, uma sensível decadência do ensino médico, pela proliferação indiscriminada de novas escolas, sem base para a sua finalidade específica. Uma comissão constituída pelo MEC concluiu que mais de 50% de tais escolas não tinham condições de funcionamento. Deu-se-lhes prazo para adaptação, mas ele não foi cumprido. Na Santa Casa, a formação de médico residente é levada muito a sério, para que se tornem profissionais de grande qualidade. Verificou-se que os graduados aqui são de excelente formação. Temos 17 residentes de 1.º ano, mais 12 de 2.º ano, e outros 6 de 3.º ano, num total de 35 residentes, aliás, remunerados pela Santa Casa. No tocante à “produção científica”, tem sido modesta, no Departamento de Medicina, por falta de infra-estrutura, somente possível em instituições que disponham de grandes recursos, como a USP, a UNICAMP, etc. Mas, é fundamental que haja pelo menos um pequeno fluxo de produção científica, como estímulo aos que a ela se dedicam, e como meio de promoção na carreira docente. Enriquece o médico na área em que milita. Nesse aspecto,
as perspectivas são boas, embora
a situação geral seja péssima,
com uma inflação enorme e uma legislação salarial leonina. Dentro dessa parafernália, que é a conjuntura econômica brasileira, temos a esperança de transformar esta nossa Instituição num cen-
tro de cultura e pesquisa médica, de grande prestígio.
661
O Poder da Misericórdia
A exposição do Prof. Wilson Luiz Sanvito foi muito aplaudida, tendo ele ainda respondido a várias indagações feitas por diversos
Irmãos
Mesários,
Francisco Machado
entre eles, os
de Campos.
Irmãos
Mons.
Paixão
€
Pelo Irmão Provedor, ao congratular-se com o expositor, pelo
brilho de suas informações
prestadas à Mesa
Administrativa,
foi
acentuado que a finalidade da escola médica instalada na Santa Casa é formar médicos de cultura geral, exercendo um tipo de medicina mais ligado aos pacientes, ou seja, mais humano. O Dr. Luiz Oriente Diretor Clínico dos hospitais é exemplo típico, da figura humana, do médico não apenas profissional, mas interessado na pessoa do paciente. O contato que ele Irmão Provedor tem mantido com os estudantes revela nestes um senso de responsabilidade, que nutre a esperança de poder-se alcançar um grande progresso nesse aspecto da medicina. O Prof. Sanvito tem revelado preocupar-se não apenas com os resultados de ensino médico, mas, frequentemente convida pessoas capacitadas para discorrer sobre problemas gerais. Ele próprio Provedor falará em breve a respeito do problema dos menores em abandono. Os médicos for-
mados nesse ambiente de estudo, serão outros fatores de melhoria
das condições sociais gerais, de forma tranquila e serena.” Durante
essa sessão
foi
Padre Avelino Bernardo Panni, mos € carentes. Cura de almas do Câncer e então do Hospital dade da Santa Casa foram uma estava ao lado da Misericórdia
recebido
na qualidade
de
Irmão
Remido,
sacerdote dedicado à assistência dos enferem várias paróquias, ex-capelão do Hospital Municipal, as palavras que dirigiu à Irmanprova de que a verdadeira Igreja Católica naquele momento de provação:
“Como é do conhecimento de todos, o sacerdote, em geral, não é portador de muitas posses. Sua vocação é mais doar a si mesmo a exemplo de Cristo, do que dispor de muitos recursos
financeiros. Mas. há muitos modos de servir ao próximo: até dan-
do a vida, se for necessário. Nesta hora crítica em que esta sacrossanta instituição está passando deve servir de estímulo e não de
desânimo para mim Irmão Remido. Esta Santa Casa é a pupila dos olhos de Jesus. Ele não vai permitir que ela sossobre. Neste nobre solo as lágrimas da dor foram enxugadas, a tristeza deu lugar à alegria, a cura enxotou a doença, a vida afugentou a morte.
“Ubi amor. ibi Deus”. Onde há caridade, lá está Deus. Tenho a
certeza plena e segura que milhões de vozes dos assistidos subirão
aos céus intercedendo junto ao trono do Onipotente. “In Domino
confidimos:”
nós
o
confiamos
nele
não
de
braços
cruzados,
decididos para a luta. A esta egrégia Mesa Administrativa,
muito e sincero obrigado”.18
mas
meu
662
Glauco Carneiro
Jorge Barreto Prado
É tarefa praticamente impossível aludir a todos os membros da Santa Casa. Nosso dever é pinçar, aqui e ali, figuras que, sendo focalizadas mais de perto, representem
o corpo da instituição multissecular.
Jorge Barreto Prado, Mordomo do Hospital Central, falecido a 20 de maio de 1984, foi uma dessas personalidades simbólicas do todo. Vejamos o que dele disse o Irmão Adriano Marrey: “Numa
Instituição, como a Irmandade da Santa Casa de Mi-
sericórdia de São Paulo, em que todos convivemos, e nos confraternizamos, ligados, todos nós, como dizia Saint Exupéry, por um fio peculiar, que se situa fora de nós, e mostra que “amar não é olhar um para o outro, mas olhar juntos na mesma dire-
ção”,
trabalhando
todos
pela
realização
dos
ideais cristãos, que
justificam a existência centenária das Misericórdias, — a privação da presença de alguns dos companheiros, já afinados na prática desses ideais, repercute, profunda e comovidamente, em nossos sentimentos. Com a mais constrangida tristeza, hoje nos reunimos em torno da lembrança de um daqueles, que havendo seu ciclo de existência, poderia ter dito, à chegada da noite, estar grato a Deus, por lhe ter sido possível terminar o que tivera permissão para iniciar. A responsabilidade de nossos erros é nossa, mesmo, mas não o crédito, pelas nossas realizações. Este, é a comunidade em que vivemos que nos dá na apreciação final dos atos que teceram
nossa
vida,
pelo que
buscamos
empreender
de útil, por
alguma coisa que semeamos. Dizia um pensador referindo-se ao amigo falecido — “não mais a voz/nem mais o gesto/a luz dos
olhos tão pouco/e o sopro da vida”, revelam sua os frutos ressuscitaram como o grão de trigo/e
presença “mas permaneceram
para sempre”. O nosso Irmão — não apenas da confraria, da comunhão de lutas, do pão partido na mesa dos ideais que nos
congregam,
—
o nosso
Irmão
Jorge
Barreto
Prado,
tão amistoso
e comunicativo, tão prestimoso e pronto a dar de si, é agora, para todos que o conheceram, uma suave lembrança, e um exemplo a exaltar. Ele se distinguiu pela virtude da dedicação às tarefas assumidas, para que fossem cumpridas com exatidão, e o maior prestígio desta nossa Santa Casa de Misericórdia e aos desvalidos da vida — dependente tanto daqueles homens de que ele se constituiu paradigma. Infelizmente, curta foi minha convivência com o pranteado Irmão. Felizes, porém, os que privaram longamente de sua amizade, e das benesses de seu espírito. Gratos lhe serão os discípulos, a que ministrou lições do exercício generoso
da medicina, voltada
para a pobre
humanidade,
sem
disfarces,
663
O Poder da Misericórdia
em sua fraqueza, que aos médicos se apresenta, carente de com-
preensão,
para os seus males, que
muitas
vezes são mais do
espírito que corpóreos, mais agradecidos somos nós seus Irmãos nesta vencrável Irmandade, a que ele serviu com devotamento, e carinho, fazendo com que nos setores a seu cargo houvesse exemplar disciplina, como ordem útil de trabalho, além de gratificante tratamento aos pacientes dos hospitais sob sua direção, ca final, toda a nossa Instituição sentisse que a confiança nele deposta era justificada, por sua orientação lúcida, e capaz”? História da Santa Casa
Estudioso de História, o Provedor Mário Altenfelder assumira como um dos seus compromissos na Santa Casa, promover um trabalho paciente e científico de pesquisa que afinal resultasse numa obra definitiva a respeito da grande instituição, consolidando monografias e livros já existentes e elucidando pontos até então controversos. Para essa missão convocou o jornalista e historiador Glauco Carneiro, autor de numerosos livros de história contemporânea brasileira, confian-
do-lhe a grande obra, de que deu conta a Ata da Sessão da Mesa
nistrativa de 20/7/1984, nos seguintes termos:
Admi-
“O Irmão Provedor informou estar contratando com o historiador Dr. Glauco Carneiro a elaboração de estudos para uma história da Santa Casa. Para se ter uma idéia do vulto do trabalho, foi solicitado para a conclusão deste o prazo de 18 meses. Presente o Dr. Glauco Carneiro, por ele foi dito estar honrado com o encargo assumido, entendendo que a história da Instituição não pode se restringir aos seus aspectos de assistência médica e
de
caráter
filantrópico,
devendo-se
ressaltar
o valor
cívico,
no
verdadeiro sentido de retribuição à comunidade, do que esta a todos proporciona”.?º
Dias depois, a Provedoria remetia a todos os Irmãos, entidades e fontes individuais importantes, um expediente contendo o “Projeto História da Santa Casa”, redigido por Glauco Carneiro e que pode ser lido no Anexo deste Capítulo. Caiuby e Trench
Ainda em julho de
1984, a Santa
Casa
registrava
a perda
dos seus grandes servidores e amigos: Olavo Franco Caiuby
França Trench:
de dois
e Prof. Nairo
604
Glauco
“Para
falar em
nome
da
Irmandade,
fazendo
Carneiro
o necrológico
do Irmão Dr. Olavo Franco Caiuby, deu o Irmão Provedor a palavra ao Irmão Mesário Dr. Mário da Cunha Rangel, 1.º ViceProvedor, o qual proferiu a seguinte oração: — “Após longa e pertinaz enfermidade, faleceu na última quarta-feira um dos mais queridos de nossos companheiros — o Dr. Olavo Franco Caiuby. Durante 54 anos o pranteado Irmão esteve diretamente ligado ao nosso Escritório de Obras, sendo responsável por dezenas de edificações de grande vulto, valendo recordar os pavilhões de homens e mulheres no Hospital São Luiz Gonzaga, o Pavilhão do DOGI, o Pavilhão do Conde Lara, o Conjunto Hospitalar Santa Isabel, o Centro Cirúrgico, com suas 18 salas e anexos.
São Paulo e a Santa Casa foram as empresas onde o saudoso Dr. Olavo plantou árvores de raízes firmes e frondosos ramos. De sua
luta resta-nos agora, a saudade
e o exemplo.
Nossa
vida ter-
rena continua. Ele, porém, descansa em paz. Seja esta paz, a alegria do justo, do honrado e do sempre humilde servidor do Senhor Deus dos misericordiosos. Reverenciemos sua memória. Guardemos de sua lembrança as forças com as quais enfrentaremos as dificuldades de amanhã”. Para reverenciar a memória do Prof. Nairo França Trench, teve a palavra o Irmão Mesário Prof. Waldir da Silva Prado, o
qual disse não pretender formular um necrológico, mas o elogio de uma
grande
vida
inteiramente
dedicada
à Santa
Casa,
nela
obtendo os títulos com que se distinguiu no exercício da medicina. Formado
em
1934,
o futuro
Prof.
Nairo
ingressou
na Primeira
Enfermaria de Cirurgia de Homens, já então ciosa de suas altas tradições, pois, estivera antes a cargo do Prof. Antonio Candido de Camargo, havendo-se tornado o centro formador de uma ilustre estirpe de especialistas, todos de grande renome. O Prof. Nairo França Trench ali instituiu a Cirurgia de Tórax, não apenas aplicada ao tratamento de tuberculose, mas como precursora da cirurgia de coração.
Ao
ser criada
a Faculdade de Ciências Médicas,
de que foi um dos fundadores, ocupou uma das cátedras, continuando, a par da atividade didática, a frequentar o Hospital Central e a produzir trabalhos científicos. Médico exemplar, professor no sentido exato da palavra e, sobretudo, um homem da Santa Casa — que é muito mais que um hospital de ensino — aqui demonstrou como se pode formar, entre todos os seus pro-
fissionais, um
espírito de família,
concorrendo para que todos
produzam, nos respectivos ramos, em busca do maior prestígio da Instituição. Solicitou fosse consignado em Ata um voto de “profundo pesar e de reconhecimento pelo muito que o Prof. Nairo França Trench procurou fazer em benefício da Santa Casa.
665
O Poder da Misericórdia
O Irmão Provedor, assinalando a solidariedade da Mesa Administrativa, propôs que se guardasse, de pé, um minuto de
silêncio, em homenagem à memória dos estimados amigos da Santa Casa, agora falecidos e na Paz de Deus”?! O 4.º Centenário da Instituição
Baseando-se na carta de Anchieta, que afirmou existirem, em
1584,
“Misericórdias em todas as Capitanias”, e ainda no conhecimento mais seguro da data de inauguração do Hospital Central, na área do Arouche,
o Provedor Mário Altenfelder decidiu comemorar, conjuntamente, o quarto centenário da Santa Casa e os 100 anos de seu principal estabelecimento assistencial, no dia 31 de agosto de 1984. Uma
programação
que abrangeu
não somente esse dia, mas envolveu
muitos eventos, inclusive o restabelecimento de muitas tradições da Santa Casa, atualmente em desuso, marcou essa comemoração que mereceu largo destaque nos meios de comunicação. Também o Patrimônio Histórico e
Artístico de São Savelli,
abriu
Paulo, atendendo
processo
de
a requerimento
tombamento
dos
prédios
do
do
Conselheiro Hospital
Mário
Central,
assegurando sua preservação. Os prédios, de forte influência gótica, viram
assim assegurada sua sobrevivência, ao passo que a cidade de São Paulo passou a incluí-los dentre suas riquezas que desafiam o tempo. E era para
assim acontecer porque eles têm alma:
“A Santa Casa ocupa todo um quarteirão do antigo bairro do Arouche, cercado por simples muros de tijolos, dispostos em forma de pavilhões, capelas, corredores, terraços, ogivas e abó-
badas. Segundo o médico radiologista e historiador, Marcelo de
Almeida Toledo, “são tijolos grandes como a alma dos que a criaram; firmes como a convicção dos que a consolidaram. São simples, em sinal de respeito aos que por ali passaram. Cada tijolo
representa
um
corpo
que
ali
tombou,
dores. E por isso, a Santa Casa é sóbria””.?* No discurso rou o seguinte:
de 31/8/1984,
Altenfelder,
em
aliviado
nome
da
em
suas
Mesa,
decla-
“A Santa Casa é uma Instituição de Misericórdia. Sempre foi
e sempre será. É um exemplo vivo de solidariedade. A solidariedade promove a harmonia entre os segmentos da Irmandade, que
são heterogêneos, sem serem gem aptidões diferentes. A a nossa vida funcional em casta, nem partido político, desejar a barbárie que viola
antagônicos. As diversas funções exisolidariedade, consiste em equilibrar benefício da comunidade. Não existe nem grupos, porque se existisse seria os princípios da Justica. A solidarie-
666
Glauco
Carneiro
dade pode erradicar a miséria do mundo e pode eliminar a escuridão da ignorância. A solidariedade elimina ódios e cria o amor ao próximo. A Santa Casa é uma instituição solidária e prosse-
guirá assim, caminho".?? Na
mesma
para
o alto sempre,
linha, o Governador
pouco
Franco
importa a aspereza do
Montoro,
do
Estado de São
Paulo, em sua fala na solenidade, acentuou que “os 400 anos da Santa Casa de Misericórdia reproduzem a história de São Paulo e também o seu presente”. Essa de uma mensagem:
ligação
vai além da cronologia
porque
se faz à base
“Não basta o crescimento material, não basta a produção econômica, não são suficientes os valores materiais, que muitas
vezes prendem, que orientam determinados setores. A grande mensagem é uma mensagem de elevação, é uma mensagem de paz, de solidariedade
no seu sentido mais elevado.
Não
é indiferença,
não é a luta, o ódio, não é a morte. A palavra “misericórdia”, tantas vezes aqui repetida contém na sua própria etimologia a
síntese desta mensagem:
“Misereor” ou miséria e “cordis”. Como
dizia Lebret, misericórdia significa colocar em nosso coração a miséria que está no mundo, sentir a miséria que está no mundo. É a velha, a grande, a insubstituível missão de São Paulo, não
há quem
sofra que eu não sofra também. É o sentido da soli-
dariedade, da fraternidade, e esse sentido tem um fundamento que foi no passado, é no presente e deve ser no futuro a marca e a mensagem do nosso Brasil. Se somos irmãos é porque temos um pai comum, essa é a grande idéia da fraternidade, lição insubstituível, lição hoje mais importante do que nunca. Por isso, como governador de São Paulo venho aqui dizer a todos aqueles que colaboraram no passado, e que mantêm no presente esta mensagem, eu venho dizer que o povo de São Paulo, representado pelo seu governador, vem trazer a palavra de agradecimento, a palavra de reconhecimento deste extraordinário trabalho que significa não apenas um bem das pessoas assistidas por esta instituição, mas acima de tudo a presença desta mensagem. O im-
portante é ter uma mensagem para anunciar ao mundo. Essa é a mensagem da fraternidade. Aos irmãos da SCMSP eu venho
dizer, em nome
do povo de São Paulo, muito obrigado por estes
400 anos de serviços prestados à nossa gente”? Entre
as comemorações
do
4.º
Centenário
da
Misericórdia,
o resta-
belecimento da Procissão de Nossa Senhora foi um dos pontos altos. Há 200 anos que vinha sendo realizada anualmente, sempre a 2 de julho, dia
de Santa Isabel, padroeira das Santas Casas. Até meados do século XIX,
667
O Poder da Misericórdia
a procissão se iniciava na Igreja da Misericórdia e se dirigia ao antigo Hospital da Glória. Na década de quarenta, por razões ignoradas — tal-
vez pressionada
pelo crescimento da cidade —, a Irmandade deixou de
promovê-la. Em 1984, Mário Altenfelder decretou a volta da tradição, com a procissão agora sendo realizada “intra muros”, dentro do quarteirão do Hospital Central. E realmente isso aconteceu, num domingo, 9 de dezem-
bro de 1984 (no futuro, voltará a ser a 2 de julho). Mais de duas mil pessoas — membros da Irmandade, médicos, funcionários, pacientes, contornaram o prédio central do Hospital do Arouche, e assistiram missa na Capela. A imagem da Virgem Maria, de aproximadamente 1,5m de altura,
conduzida nos ombros de fiéis, era seguida pelo coral. Uma cerimônia inicial deu oportunidade a que oradores como os médicos Carlos da Silva Lacaz e Pedro Ayres Netto lembrassem o papel histórico da Santa Casa. Valeria sugerir às autoridades estaduais e municipais a incorporação dessa Procissão de Nossa Senhora ao Calendário de Eventos significativos da
capital paulista.
A presença da tecnologia Paralelamente ao restabelecimento das tradições, e à vigilância na preservação do patrimônio da instituição (pois houve, em outubro de 1984, nova ameaça de invasão nos terrenos do Jaçanã, forçando a Provedoria
a alertar, publicamente, de que usaria a força, se necessário, para repeli-la), a Irmandade dava um tração da Santa Casa: “Convênio
passo muito
assinado
entre
importante
a Irmandade
para atualizar a adminisda Santa
Casa
de
Misericórdia de São Paulo e a Burroughs Eletrônica vai tornar a
Santa Casa o primeiro hospital da América do Sul a implantar um sistema de gerenciamento global, através do HMS (Hospital Management System), um dos mais modernos softwares aplicati-
vos na área médica, desenvolvido pela Burroughs. O sistema será suportado por um computador de grande porte (B6910), com 6,2 MB de memória e 26 terminais, que serão expandidos à medida que novos módulos forem sendo implantados. A Santa Casa
conta mais de mil leitos, abriga uma das mais conhecidas
facul-
dades de medicina do País e comemora este ano seu quarto centenário implantando a tecnologia mais avançada em gerenciamen-
to hospitalar, o que resultará num melhor e mais rápido atendimento ao público, além de trazer a racionalização de suas operações administrativas e financeiras, com a conseguente redução
de custos”?
Durante a cerimônia em que a Diretoria da Empresa Brasileira dos Correios e Telégrafos exibiu o carimbo comemorativo dos centenários da
668
Glauco Carneiro
Irmandade, o Cel. Ney Pires Aguiar, daquela repartição, observou que, “como oficial de Estado-Maior, agora reformado, estudara os elementos
da formação da nacionalidade brasileira, mas agora estava verificando que
o papel desempenhado no período colonial, e até o presente, pelas Santas Casas de Misericórdia, jamais foi devidamente considerado. Entretanto, indagou, o que teria sido dos colonizadores portugueses, se não contassem com o seu apoio humanitário? Lembrou o exemplo da Santa Casa de Catanduva e de seu Provedor Padre Albino, pela grande messe de benefícios prestados à sociedade e à população daquela cidade. Em nome da Empresa dos Correios e Telégrafos, acentuou o desejo de concorrer a fim de que se torne
papel desta O
mais conhecido
Irmandade”.
provedor
»
mandou
26
cunhar
em
todo o território nacional
medalhas
comemorativas
o relevante
dos centenários
e as ofereceu a todos os servidores da instituição, em número, a essa altura de 1984, de 3.300: “Estes já as vêm recebendo, nos respectivos setores, para que se compenetrem da relevância dos serviços prestados e se sintam partícipes do extraordinário trabalho de assistência social aqui desenvol. vido. Pretende-se justamente possam os mesmos criar a “mística” da Santa Casa, sentindo-se verdadeiramente úteis e ligados à nossa instituição”? A Medicina da Santa Casa
Ao paraninfar a 17.º Turma de Formandos da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo, a 21 de dezembro de 1984, o Prof. Dr. Igor Mimica, teve ocasião de formular um interessante paralelo entre a realidade da profissão há vinte anos e a atualidade, para afirmar sua crença de que o verdadeiro aprendizado é o que se inicia depois dos bancos universitários: “Quando me formei, há vinte anos, pensei que tudo o que a medicina precisava (ou grande parte, pelo menos) já estava descoberto. Não demorei muito para perceber que estava errado. Basta mencionar alguns avanços, feitos nestes últimos vinte anos, sem os quais não conceberíamos a medicina de hoje. Métodos diagnósticos, como o cateterismo cardíaco, a tomografia computadorizada, a ecocardiografia, o radioimunoensaio, as técnicas imunoenzimáticas, são hoje de uso diário e corriqueiro. “Estudamos e aprendemos que existem subpopulações de linfócitos responsáveis pelos fenômenos de imunidade e hipersensibilidade e que existem fenômenos humorais e celulares capazes de manter a nossa homeostasia. Aprendemos, nestes vinte anos, a conhecer e diagnosticar novos agentes etiológicos de doenças do ser humano.
O Poder
669
da Misericórdia
Aparecem novos antibacterianos e uma vasta gama de substâncias capazes de tratar com sucesso doenças produzidas por vírus. Estamos aprendendo a conhecer melhor as relações entre os agentes e os tecidos do hospedeiro humano, que explicam o tropismo de alguns deles por determinados tecidos e por determinados indivíduos. O
homem tem aprendido, nestes 20 anos, a manipular o DNA; é capaz de transplantar genes de uma espécie para outra. Por estes mecanismos conseguimos hoje que bactérias de fácil e
grande multiplicação produzam proteínas de difícil e custosa obtenção por outros métodos, como são os hormônios de crescimento, insulina, interferon humanos, etc.
O homem da antiguidade treinou e domesticou o cavalo. O homem das últimas décadas treinou e domesticou a ESCHERICHIA COLI. Outro fato também notável das últimas décadas tem sido a
idealização da produção de anticorpos “in vitro” em culturas de
células híbridas, originais da fusão de duas: uma tumoral, de fácil e rápida reprodução, com outra capaz de produzir anticorpos, mas de reprodução lenta. O resultado é uma célula de rápida reprodução e produtora de grande quantidade de anticorpos puros, os chamados anticorpos monoclonais, cuja utilização em Medicina abre caminhos fantásticos ainda difíceis de imaginar na sua total extensão.” O Dr. Igor Mimica, depois de referir que a Faculdade de Ciências Médicas dera aos formandos os instrumentos para que pudessem continuar seu aprendizado, mencionou “as duas instituições que, funcionando em íntima colaboração, e de forma que pode servir de exemplo a muitas ou-
tras, nacionais e estrangeiras, permitiram o seu estudo, treinamento e educa-
ção médica: a Faculdade de São Paulo”.
e a Irmandade
da Santa Casa
de Misericórdia
“Em relação a nossa Faculdade, que tenho observado pelos
últimos 10 anos, não só como espectador, mas também como ator
dentro dela, lembro que, embora não tenha os recursos econômicos de outras, nem possua altos índices de relação professor-aluno que em algumas outras chega ao exagero de 4 funcionários para cada 3 alunos (quando Faculdades Norte-Americanas e Inglesas orgulham-se quando conseguem o índice de 1 funcionário para 10 alunos), o produto final, que são vocês, os formandos, está perfeitamente preparado para a realidade de saúde que terão, de enfrentar como médicos.
670
Glauco Carneiro Ensino, assistência e ultimamente pesquisa, são três caminhos que a Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de
São
Paulo
melhor
está
qualidade.
trilhando
com
seriedade,
dedicação
e cada
vez
E quando observo este progresso, que tem levado nossa Faculdade a um lugar de destaque entre suas congêneres, não posso deixar de lembrar e de homenagear pessoas, pilares na formação e funcionamento dela. Refiro-me ao seu dedicado primeiro diretor, Professor de Cirurgia e Mestre do Ensino Médico, Dr. Emílio Athié, que com a sua visão, esforço, e tenacidade, conseguiu criar uma nova Instituição de ensino médico e dar os impulsos iniciais para que ela pudesse chegar ao lugar que hoje ocupa. Com
relação à Irmandade
da Santa
Casa de Misericórdia de
São Paulo, que este ano completa seu IV Centenário de instalação, e os seus Hospitais, onde desenvolvemos a maior parte de nossas atividades e cujo Hospital Central este ano completa seu | Centenário, falar de sua importância seria, talvez, dispensável. Mas não me furtarei de relembrar esta importância, mesmo porque são poucas as instituições no mundo que podem celebrar 400
anos e porque
um
povo
é tanto maior
quanto
mais cultiva
sua história. E quanta história existe nestes séculos de atividade... Grande Paulo e do
número de homens Brasil contribuíram
importantes na história de São para escrever suas páginas”**
Constata-se, assim, que professores e alunos da Faculdade de Ciências Médicas estão atentos ao papel da Irmandade da Misericórdia e compreendem a importância de sua contribuição para a comunidade paulistana € para o ensino da profissão. Igualmente conscientizam que, apesar da evolução da Medicina, há ainda milhões de seres humanos desprovidos da mais rudimentar assistência. E, mais que tudo, são os doentes que devem ser lembrados, como o fez o Dr. Luiz Oriente, atual Diretor-Clínico da Santa Casa de São Paulo, ao comentar o “Dia do Médico”: “Neste 18 de outubro, Dia de São Lucas, padroeiro dos médicos..., desejamos transferir todas as homenagens que nós profissionais recebemos, aos doentes, de qualquer categoria social, e
particularmente aos mais humildes, aos assistidos nos HospitaisEscolas ou nos Hospitais de Caridade.
Consagremos
aos doentes
o nosso carinho, a nossa atenção, o nosso desvelo e o nosso amor!
Não permitamos que a desumanização expressa pela falta de sen-
timentos e pela desatenção
médicos!
se
implante
no
coração
de alguns
O Poder da Misericórdia
671
A
nossa profissão, mais do que nos dar sustento material, exige amor, sentimento de humanidade e constante sacrifício. Não permitamos,
muito desenvolvida
pois, que a técnica sofisticada e a ciência
absorvam
nossos humanos
sentimentos!
Cum-
pre-nos sempre, mais do que arte e ciência, dar aos sofredores, nosso amor € nosso afeto! Somente assim, ao cabo de nossa vida profissional, poderemos ver e sentir que não foi em vão a nossa nobre missão! Porque sentiremos, no íntimo, parodiando o grande Rui, escrevendo sobre a lei, que agindo sob princípios humanos, ao longo de nossa vida de médicos, teremos feito tudo com amor, pelo amor e dentro do amor! Porque fora do amor, não restará nada! Deve sempre ser recordado e revivido o sentimento de humanidade! Ele deve ser como uma oração que por ser sempre a mesma,
nem
por isso os fiéis a deixam
de rezar
todos os dias!
Pensemos sempre, nos doentes, sobretudo, nos mais necessitados e que infelizmente são os mais numerosos e os mais so-
fredores!
Nesses
doentes
que
todos
os dias
enfrentam
filas e
quase sempre mendigam uma vaga nos Hospitais! Tratemo-los, nós que convivemos diariamente com eles, com paciência e amor, senão com caridade! Pensemos que estes, carentes e traumatiza-
dos, física e psiquicamente, sejam os mais necessitados!
Se não concordes com o sentimento humano que deve ser o nosso sentimento primeiro, pratiquemos a medicina como ensina a ética. Ela ensina que a primeira e mais importante preocupa-
ção do médico consiste em fazer tudo o que for possível pelo bem estar do doente. Com a ética aprendemos que todo o ser humano tem o direito de receber tratamento adequado, respeitoso e decente! Prof.
E como Carlos
afirma
da Silva
ria que se vende
o grande
mestre
da
Lacaz, a medicina
para se lucrar!
ciência e de
não
ética, o
deve ser mercado-
O melhor e o maior
lucro do
médico deve residir na satisfação de ver o doente
livre dos seus
este a Mercúrio, o padroeiro dos comerciantes...
Ou
sofrimentos!
ma ainda saúde!”2?
Ou
sigam
Lacaz,
na
Apolo, o guardião
medicina
não
cabem
do médico, os
ou
como
mercadores
apele
afir-
da
O retorno dos valores
A gestão de Mário Altenfelder se caracteriza na Santa Casa de São Paulo por um trabalho sistemático de exaltação dos valores permanentes: e
672
da
Glauco Carneiro
nacionalidade,
da
instituição
da
Misericórdia
e da
Medicina.
Não se
limitando à rotina, o provedor e seus companheiros de Mesa desenvolvem um esforço continuado para robustecer o conhecimento sobre grandes heróis brasileiros e datas significativas da comunidade, com o propósito manifesto de despertar no pessoal da instituição um clima de civismo que se reflita no trabalho da Misericórdia e acabe por influenciar seu posicionamento de brasileiros e patriotas.
Prova disso é que o Boletim Interno do Hospital Central, bem como outros instrumentos de divulgação da instituição, sempre trazem crônicas e notas assinadas pelos dirigentes da Mesa instruindo os funcionários sobre o significado das datas cívicas comemoradas nacionalmente. Para citar alguns exemplos, o Provedor Mário Altenfelder assinou crônicas sobre o “Dia das Maes” (Boletim n.º 843), “Ana Neri, heroína nacional” (N.º 896), “Alberto Santos Dumont”
“Sete de Setembro”
(N.º 860).
(N.º 853), “Duque
de Caxias” (N.º 858),
Os funcionários da Santa Casa têm retribuído a esse grau de interesse, vinculando-se cada vez mais à instituição e colaborando com a Irmandade
em
todas as oportunidades.
de
1/11/1984:
Leia-se esta nota
inserida no Boletim N.º 868,
“O Provedor da Irmandade da Santa Casa quando assumiu a Provedoria no início do ano, solicitando doações de qualquer natureza, para doria na difícil missão de administrar a Santa
de Misericórdia, lançou um apelo auxiliar a ProveCasa.
O apelo encontrou grande apoio e teve resultados surpreendentes, principalmente, entre médicos e funcionários da Santa Casa, que contribuíram com generosas quantias, inclusive, com dízimo de seu salário, para colaborar com a Provedoria. Por essa razão, o Provedor quer registrar a sua gratidão, pelo excelente resultado que o fundo criado para esse fim vem apresentando, e espera continuar recebendo ainda os favores solicitados para continuação dessa magnífica obra, que é atender os doentes necessitados.”
Nada refletiu mais essa integração “pessoal/Irmandade” como a distribuição das Medalhas Comemorativas do 4.º Centenário da Santa Casa e 1.º Centenário do Hospital Central. O Provedor fez questão de distribuí-las a todos os funcionários, sem exceção, de humildes empregados da limpeza, a chefes e diretores. Pela primeira vez na vida a maioria deles teve acesso ao imponente
Salão
Nobre
da Misericórdia, à Sala de Sessões,
onde centenas de quadros relembram os paulistas ilustres que têm passado pela Santa Casa. O Dr. Mário Altenfelder sempre precedeu essas cerimônias fazendo um histórico da instituição e dizendo coisas: como estas:
O
Poder
da
673
Misericórdia
“Esta
é a homenagem
da
Irmandade
a vocês, pelo
que
fa-
zem, pelo gesto caridoso, pela paciência infinita. Sabemos que lhes interessa é servir, amar o próximo, cumprir as obrigações da melhor forma possível. Quero juntar-me a vocês na afirmação de que
é o ideal que
nos move.
Não
somos,
nós da Irmandade,
quem fizemos a Santa Casa: nós recebemos a Santa Casa. Damos continuidade a muitos homens e mulheres valorosos e caridosos que trabalharam com amor e nos legaram este dever de prosseguir a grande obra. Acreditem: não estamos soltos no tempo e no espaço. Mudam os homens e as circunstâncias, mas a caridade é a mesma, assim como a obrigação é igual. Só dando novos exem-
plos de piedade, compaixão e amor, é que nos mostraremos dignos da herança que nos cumpre preservar”? Vendo
Altenfelder
sempre
encerrar
com um “Deus os abençoe”, comentou um Santa Casa a sua vocação eclesiástica”.
esses
pronunciamentos
Irmão: “O
Provedor
emotivos
realiza na
E a comunidade da Santa Casa desejou retribuir esse empenho diferenciado, esse esforço em favor da integração, essa exaltação mística entre o passado, o presente e o futuro. E quem o fez, em nome de todos os médicos e funcionários, foi o Diretor-Clínico, Dr. Luiz Oriente, através de um artigo publicado no “Boletim Interno” N.º 878, de 17 de janeiro de 1985: OBRIGADO, “Com
SENHOR
humildade
PROVEDOR e alegria
recebi,
há pouco,
de numerosos
funcionários, a incumbência de agradecer, por este meio, os ensinamentos que ao longo de um mês, dia a dia, o Senhor transmitiu a mais de 3.000 funcionários da Santa Casa, sobre a história e a obra edificante desta Casa Santa de Misericórdia! Eis que este majestoso Hospital acaba de comemorar cem anos de sua instalação efetiva neste Jardim maravilhoso do Arouche! Receba, pois, Sr. Provedor, o agradecimento sincero de todos os
que ignoravam e aprenderam e de todos os que sabiam mas esqueceram suas lutas e suas glórias! Suas descrições diárias, repassadas sempre de muito sentimento e revestidas de muita saudade mostraram inúmeros dos seus heróicos e anônimos lutadores! E, ensinou, o Sr., como administrador e notável historiador de São Paulo, fatos transcendentais que se fixarão para todo o sempre na memória de todos! Elegante na conversação sempre atraente, conhecedor profundo da língua que maneja com facilidade, poucos o superariam no conhecimento profundo da história da Santa Casa, e da his-
674
Glauco
Carneiro
tória de S. Paulo! Histórias que, como bem demonstrou, se superpõem e se confundem! Mostrou a todos, falando sempre com entusiasmo ao coração de cada um, sobre a grandeza da Santa Casa e a grandeza da sua obra imorredoura! Em síntese, Sr. Provedor, por ter ensinado clara e pacientemente, ao longo de 30 ou mais dias a mais de 3.000 funcio-
nários, tudo sobre a vida do nosso amado
Hospital, e ainda pela
sua erudição e pela sua pertinácia, todos o agradecem. E mais, porque o Sr. citou os nomes e as ações de tantos e abnegados homens de ontem e de hoje, muitos dos quais têm seus retratos expostos nas paredes lendárias, do salão nobre da Provedoria, ao lado dos retratos dos Provedores, nós os admiraremos e deles nos recordaremos
que
sempre.
o Sr. pôde
Foi
por
tudo
assistir ao final
merecidos aplausos, cenas inúmeras vezes que vimos
isso,
Dr.
Mário
de cada exposição,
Altenfelder,
depois dos
comovedoras. Como por exemplo, as ao entregar o Sr., as medalhas come-
morativas dos dois centenários festejados, pôde observar que muitos, enquanto
estendiam
a mão
direita
para
recebê-la, com
a es-
querda enxugavam lágrimas que dos seus olhos escorriam pela face. E o Sr. habituado a observar cenas dolorosas ou alegres, viu bem — que aquelas lágrimas traduziam — gratidão! E porque, também, não poucas vezes, àquelas lágrimas se juntavam também
as suas...
Por tudo isso, Sr. Provedor, pelas festividades rios, pela sua bondade, pela sua paciência e pelo dignificante de amor à Santa Casa, receba de todos rios o obrigado que é sincero e imenso! Obrigado vedor!"*!
dos centenáseu exemplo os funcionáSenhor Pro-
A crise do Pronto-Socorro em 1985
cá,
Em
uma
Corpo
todas
tensão
Clínico
as Santas
Casas do Brasil
que
trabalha.
entre
a
nelas
Irmandade
registra-se, de alguns anos para
mantenedora
dessas
instituições e o
As razões são variadas, mas talvez a principal, do lado médico, seja a relutância em aceitar o que denominam “direções leigas” dessas instituições, que sempre denominam de “hospitais”. De outro lado, as Irmandades, mantendo a coerência histórica, argumentam que os hospitais são apenas instrumentos da atividade global das Misericórdias, embora os maiores com que contam, para exercer sua missão precípua de caridade. Os médicos alegam que essa benemerência “não existe mais”, enquanto os Irmãos recusam-se a entrar no que muitos denominam de “mercado da saúde”.
675
O Poder da Misericórdia
A Santa
Casa
de São
Paulo
registra, porém,
uma
posição
mais equi-
librada na matéria. Seus provedores, em regra geral, têm-se adstrito à condução global da Irmandade, supervisionando, é claro, a parte médica,
sem pretender, porém, interferir na área específica dessa profissão. isso, com
ainda
patente discernimento,
na década
de
1890, veio
a criação
Para
do cargo de “Diretor-Clínico”,
representar um
compreensão das atividades “leigas” e “médicas”.
fator de
aproximação
e
Isso não quer dizer que toda a tensão tenha sido evitada, porém que, na maioria dos casos, os dois lados têm sabido defender seus interesses
específicos que acabam se encontrando no interesse maior da Santa Casa.
Vimos o movimento dos residentes, na gestão Christiano Altenfelder Silva, resolvido depois satisfatoriamente para ambas as partes, sem quebra da autoridade da Mesa Administrativa. Um ponto muito interessante, que talvez explique, no caso paulistano, a composição de interesses, é que, na maioria dos casos, os médicos fun-
cionários,
depois
de
aposentados,
tornam-se
membros
da
Mesa
Adminis-
trativa, que representa, assim, a média das opiniões de todas as profissões nelas representadas, inclusive a dos médicos. Não há, portanto, aquele pro-
blema da Mesa Administrativa integrada por advogados, magistrados, engenheiros, economistas, opor uma frente, ao pensamento médico. Este, ao
contrário, ajuda mento
a temperar, com seu conhecimento
leigo do colegiado em
relação à medicina.
técnico, o posiciona-
Na gestão da atual Mesa Administrativa, a composição de interesses atingiu seu ponto mais elevado. É que, pela primeira vez na sua história,
a Santa Casa de São Paulo está sendo dirigida por um provedor de origem médica, de ativa militância pública, privada e liberal na profissão. Sabemos que ele não foi o primeiro médico provedor, porque José Cássio de Macedo Soares, a quem
se deve a idéia da futura
Faculdade
de Ciências
Médicas, implantada em 1963, era formado em medicina. No entanto, ele jamais exerceu a profissão, enquanto Mário Altenfelder foi médico todo o tempo, seja como estagiário, profissional de Centros de Saúde, Inspetor, Secretário
de
Saúde
e Higiene.
O
que
há de
diferente
nesse
Provedor
médico é que ele reúne também experiência na área administrativa global, e mais que tudo, um poder de comunicação que sempre o faz dialogar com
pessoas e coletividades
de todas as faixas etárias e sociais.
Enquanto muitos homens mais idosos relutam em conversar com os moços, temendo diferenças de opinião, Mário Altenfelder as aceita e pro-
cura um ponto de convergência em nome de um ideal comum. Nunca isso ficou tão patente quanto na sua atual passagem pela Santa Casa de São
Paulo: ele se entende com irmãos, médicos e [funcionários de todas as idades, e procura naturalmente a opinião dos jovens, como o vem fazendo com os membros do Diretório da Faculdade de Ciências Médicas, que nele encontram
um
ouvinte
compreensivo e que entende sua linguagem
e
676
Glauco Carneiro
sua necessidade fazem parte.
e dever
de influenciar os
rumos
da
instituição de que
O episódio que levou à paralisação do Pronto-Socorro da Santa Casa,
em março de 1985, revela bem como os objetivos globais da Misericórdia foram defendidos
pela coletividade da instituição quatrocentona.
Uma consulta ao “Boletim Especial” da ADOSC — Associação dos Docentes da Santa Casa de São Paulo — informa-nos que no dia 25 de fevereiro realizou-se uma assembléia geral da entidade “para discutir a situação financeira do hospital”, presentes mestres, médicos, presidentes e chefes de departamentos. O presidente da ADOSC,
Dr. José Júlio Tedesco,
deu início à assembléia e passou a palavra ao Dr. Wilson Sanvito (Departamento de Medicina) que apresentou a minuta de um documento a ser dirigido ao provedor, destacando os problemas gerais do atual contexto nacional da área de saúde, e os específicos da Santa Casa, propondo algumas soluções a serem adotadas de imediato, lembrando o papel da instituição na comunidade. Em seguida, o Dr. Nelson Proença, presidente da Associação Médico Brasileira, e médico da Misericórdia paulistana, apresentou outros dados sobre o déficit do Hospital Central e enfatizou que “a Santa Casa tinha o direito de exigir dos órgãos governamentais, um tratamento específico, individualizando os custos, isto é, para a Santa Casa, para o Município de São Paulo, para o Estado e INAMPS, pela assistên-
cia e ensino que presta”.
Depois
de discutidas
e aprovadas
documento dirigido à Opinião
as
propostas,
Pública, formar
decidiu-se elaborar
comissões
para atuar junto
aos Órgãos governamentais, realizar ato público na entrada do Hospital, divulgando carta aberta à população e paralisar as atividades médico-hospitalares após um prazo razoável para atendimento das medidas propostas. No
dia 28 de fevereiro, foi realizada a 2.º assembléia da ADOSC, sendo apresentada a solicitação do Provedor “para transferência do Ato Público, pois a Mesa Administrativa só poderia reunir-se no dia 5 de março e o Governador Montoro estaria ausente entre | e 6 desse mês”. Vejamos, agora, o teor dos documentos da ADOSC: CARTA
DIRIGIDA São
“Ilmo. Dr.
DD.
AO Paulo,
originários dessas assembléias
PROVEDOR 26
de
fevereiro
de
Sr.
Mário
de
Moraes
Altenfelder
Silva
Provedor da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo.
Senhor
Provedor,
1985
O Poder
da Misericórdia
677
O Corpo Clínico da Santa Casa reunido em assembléia geral extraordinária convocada pela ADOSC, e com a participação de representantes da AMERESC e do CAMA, em face da grave situação que atravessa a nossa Instituição, vem relatar as decisões tomadas por unanimidade:
perante
V. Sa.
(1) —
Divulgação ampla e imediata da nossa situação através da imprensa falada, escrita e televisada, incluindo carta aberta à população (documento anexo).
(2) —
Realização de atos públicos, estando o primeiro marcado para 5 de março (3.º feira) próximo-futuro às 8 horas em frente ao portão principal do hospital, quando será distribuído
à população
Criação
de
da Santa Casa. (3) —
documento
Comissões
esclarecendo
compostas
de
elementos
a situação da Admi-
nistração e do Corpo Clínico, para gestões junto aos órgãos públicos.
(4) —
Aguardar os resultados das gestões junto aos órgãos públicos até 18 de março próximo-futuro e desde que não atendidas as reivindicações da Instituição promover a
paralisação do atendimento médico-hospitalar.
Senhor Provedor, este elenco de reivindicações do Corpo Clínico é legítimo e inadiável e desde que não atendido inviabili-
zará,
dentro
de curto
prazo, a assistência
médica
na instituição.
A nossa intenção, com este documento, é apoiar a Mesa Administrativa nas suas reivindicações básicas junto ao poder público e temos certeza que esta saberá tomar uma atitude firme para manter um alto nível de assistência médica na nossa Santa Casa.” Seguem-se
Fava (DC);
as
assinaturas
Dr. Carlos
Marigo
do Dr.
Sanvito
(Patologia);
(DM);
Dr.
Dr. Sebastião
João
Piato
(DOG]); Dr. Carvalho Pinto (DOT); Dr. Mandia Netto (HSJ]); Dr. Luiz Oriente (Diretoria Clínica) e Dr. José Júlio Tedesco
(ADOSO). CARTA
ABERTA
PARA
CARTA
DIVULGAR
ABERTA
PELA
IMPRENSA:
À POPULAÇÃO
“O Corpo Clínico, Médicos Residentes e Alunos da Faculdade
de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo, em face da
grave situação que a Instituição atravessa, apesar dos reiterados apelos da Alta Administração aos órgãos governamentais, servem-
Glauco
678
se deste instrumento população:
para
prestar os seguintes
Carneiro
esclarecimentos à
(1)
A Santa Casa tem tradição de mais de 1 século de assistência médica de alto nível, sem fins lucrativos.
(2)
Representa a área da salte-se que médicas do
(3)
É um dos poucos e talvez o maior Hospital Universitário do País que não está vinculado a órgãos governamentais, portanto não recebe dotação orçamentária de nenhum deles.
importante centro formador de profissionais para saúde, com utilização de recursos próprios. Resa Santa Casa é berço de três tradicionais escolas País.
Lamentavelmente, o nível de atendimento médico-hospitalar vem sofrendo queda progressiva e inaceitável para Hospital de tão grande tradição e de indiscutível importância assistencial e de ensino. Vários fatos são responsáveis por esta situação: (a)
Cerca de 80% dos doentes são previdenciários atendidos através de convênio com o INAMPS, notoriamente deficitário pelo custo real da elevada assistência médica prestada pela Instituição.
(b)
Parte significativa do contingente atendido é de doentes nãocontribuintes (indigentes), cabendo à Santa Casa o ônus de toda a assistência médico-hospitalar. Deve ser enfatizado que estes doentes não são atendidos nos hospitais próprios do INAMPS e nos hospitais da rede privada conveniada.
(c)
Por se tratar encaminhados de risco, não pios deste e tes envolvem
(d)
Os altos índices de inflação, com a progressiva elevação dos custos de manutenção do leito hospitalar (alimentação, medicamentos, materiais, etc.) tornaram inviável o atendimento da população no nível desejado.
(e)
Aliando-se
(f)
Embora a Irmandade da Misericórdia seja instituição de 4 séculos e patrimonialmente forte, por todos os motivos expostos, sente-se incapacitada de fazer frente aos seus compromissos financeiros.
de Hospital Universitário de alto padrão, são à Santa Casa os doentes mais graves e de gransó deste município, como também de municíde outros Estados. Ressalte-se que estes doenelevado custo no seu atendimento.
a este
nologia médica
fato, os custos
tornam
crescentes
o panorama
Diante dos fatos apontados
ainda
da
mais
e da insensibilidade
moderna
sombrio.
tec-
dos órgãos
públicos aos sucessivos apelos, os médicos, os residentes e os alu-
679
O Poder da Misericórdia
nos unem-se
tituição.
à Administração
na luta
Desde que não atendidas
haverá
alternativa
dico-hospitalar.” Sao
Paulo,
pela
sobrevivência
de
fevereiro
Ins-
do atendimento
mé-
as reivindicações
a não ser a paralisação
25
da
de
básicas, não
1985.
A suspensão programada A 5 de março de
1985
o jornal
O
Estado
de S. Paulo
noticiava
o
fechamento temporário do Pronto-Socorro da Santa Casa de São Paulo “por absoluta falta de condições de atendimento, pois não dispunha de anestésico, material cirúrgico e instrumental”. À tarde, na sede da Secretaria Estadual da Promoção Social, reuniram-se as Comissões Interinstitu-
cionais de Saúde do Estado — analisar a suspensão
região metropolitana de São Paulo —
das atividades
do PS da Santa
para
Casa:
“As deliberações foram comunicadas em nota assinada
pelos
secretários João Yunes, da Saúde; Carlos Alfredo de Souza Queiroz, da
Saúde
dente
Promoção
Social e José da Silva
do município,
regional
do
Guedes,
além de Paulo Gomes
Inamps;
Carlos
Roberto
de Higiene
e
Romeo, superinten-
Nogueira
da
Motta,
delegado federal do Ministério da Saúde, e Dalmo Feitosa, presidente das comissões, e são as seguintes: “Manter na Santa Casa, enquanto não for reaberto o Pronto-
Socorro, ambulâncias do Inamps e Prefeitura de São Paulo para as remoções dos casos de emergência;
orientar os demais serviços
de saúde e a Secretaria de Segurança Pública para evitar encaminhamentos de emergências médicas para o PS da Santa Casa; os casos da área central da cidade deverão ser encaminhados aos prontos-socorros da Barra Funda, Santana, Municipal Vergueiro, Jabaquara e Hospital das Clínicas; constituir um grupo interinstitucional que deverá, no prazo de 24 horas, propor as providências necessárias para a normalização das atividades do pronto-socorro; o mesmo grupo deverá apresentar um estudo sobre as causas da interrupção do atendimento no sentido de subsidiar as autoridades competentes no equacionamento do problema.” O superintendente Renato Romano considerou “proveitosa” essa reunião com os responsáveis pela área de Saúde no Estado
e determinou o levantamento dos medicamentos e material cirúr-
gico necessários. O
Pronto-Socorro
da
Santa
Casa
é o único
da
região de
Santa Cecília, e os pacientes passaram a ser enviados para Barra
680
Glauco
Funda,
Vergueiro e Hospital das Clínicas. Sua
atendimentos
girava
entre 600
e mil
Carneiro
média diária de
pacientes,
dos
quais
apro-
ximadamente 10% de casos graves e de urgência. Entre médicos, funcionários burocráticos e enfermagem, trabalham no PS mais de 200 pessoas, que ontem estavam paradas. Segundo Renato Romano, se não houver uma solução rápida para o problema de recursos, o setor hospitalar caminha para o mesmo fim do prontosocorro. Acha, inclusive, que logo terá de começar a reduzir o número de leitos, para diminuir as despesas e adequá-las à receita. Ontem, o atendimento limitou-se ao ambulatório e as internações
foram
apenas de casos clínicos.
Há
alguns anos a Santa Casa
tem dificuldades com
de recursos, mas elas se acentuaram
a partir de 1985.
a falta
Nesse ano
foram pagas as últimas subvenções do Estado e Prefeitura de Sao Paulo. Na área municipal, a subvenção foi substituída pelo pagamento de serviços prestados, mas através de uma tabela que cobre apenas a metade dos custos, enquanto do Estado nada mais foi pago. Romano
espera
que
os poderes
públicos
se
sensibilizem
e
ajudem, “para a Santa Casa voltar ao que era”. Analisando a possibilidade da entrega da Santa Casa ao Estado, prefeitura ou governo federal, acha inviável, “pois as despesas com certeza vão triplicar”.”» 32 Toda
a mídia
paulista
acompanhou
a crise da Santa Casa, que teve
imediatos reflexos no Rio de Janeiro e Brasília, provocando de autoridades do INAMPS e Ministério da Saúde.
telefonemas
No dia seguinte, 6 de março, a Irmandade, a Faculdade de Ciências Médicas, o Corpo Clínico, a Associação dos Docentes, a Associação dos Médicos Residentes, o Centro Acadêmico e Funcionários da Santa Casa
faziam publicar uma Carta Aberta ao Povo de São Paulo, convocando-o para o ato público de apoio à instituição. Eis o texto dessa convocação histórica:
CARTA UNIÃO
ABERTA E APOIO
AO
POVO
À SANTA
CASA
DE DE
SÃO SÃO
PAULO PAULO
“O Hospital Central da Irmandade da Santa Casa de Misencórdia de São Paulo acaba de completar 100 anos de ininterrupto funcionamento. Durante um século vem oferecendo cuidados médicos em seus ambulatórios e suas enfermarias a todos os que dela necessitam.
O
Poder
681
da Misericórdia
Foi aqui que o povo humilde, desprovido de qualquer bem, esquecido dos muitos governos, deste e de outros Estados, encontrou sempre carinhosa acolhida e alívio para seus sofrimentos. No passado, as generosas contribuições espontaneamente feitas pelo próprio povo sempre garantiram a manutenção da Santa Casa. Mas o hospital cresceu, acompanhando o crescimento de São Paulo e do Brasil. A assistência médica se tornou mais com-
plexa, pelo avanço da cirurgia e das diferentes especialidades. Os equipamentos para realizar exames e tratamentos se tornaram cada vez mais caros.
Com os novos tempos, já não bastaram mais as contribuições generosas, infelizmente cada vez mais raras. Foi preciso que
os poderes
públicos olhassem
o quanto ela é importante Estado, de nosso País.
para a Santa Casa e reconhecessem
na vida
de nossa
Cidade, de nosso
Durante alguns anos, a Santa Casa recebeu esse reconhecimento. A Prefeitura de São Paulo garantiu sua contribuição, o que permitiu atender às legiões de indigentes que povoam a Cidade. O Governo do Estado, sabendo que os pobres de todos
os municípios do interior de São Paulo e de outros Estados acorrem à Santa Casa, também assegurou sua contribuição. A Pre-
vidência Social, reconhecendo que muitos dos atendidos eram pre-
videnciários, estabeleceu
convênio
com a Instituição.
Nos últimos anos, porém, a Santa Casa foi abandonada pelo poder público. Nosso hospital vive hoje dificuldades que não tem como superar, caso continue desamparado. Quais
serão os responsáveis
por essa
situação?
É a Prefeitura da Capital, que diminuiu cada vez mais sua contribuição, destinando anualmente quantias cada vez menores. É o Governo do Estado de São Paulo, cuja contribuição dará para garantir uma semana de funcionamento da Santa Casa. E para o restante do ano, como fazer? É o INAMPS, que neste mês de março está pagando apenas a metade do que pagava há três anos, para que os previdenciários sejam atendidos. Já não nos resta outro caminho: teremos de reduzir progressivamente o atendimento neste hospital, que não é nosso, mas que pertence a toda a comunidade, com imprevisíveis e graves consequências para os interesses da nossa Cidade. Isto só não irá ocorrer se todos unirem
suas vozes às nossas,
em clamor popular, que toque a sensibilidade dos que hoje estão insensíveis.
682
Glauco
Carneiro
Diante dos fatos apontados, os médicos, os residentes e os alunos unem-se à Administração na luta pela sobrevivência da Instituição. Desde que não atendidas as reivindicações básicas, não haverá alternativa a não ser a paralisação do atendimento médico-hospitalar. Sao Irmandade
Corpo
da
Clínico
Paulo, 04 de março
Santa
—
Médicos Residentes Santa Casa.
Casa
—
Associação —
Faculdade
Centro
dos
de
1985.
de Ciências
Docentes
Acadêmico
—
—
Médicas
Associação
Funcionários
—
dos
da
VOCÊ QUE SOFRE E NECESSITA DA SANTA CASA: COMPAREÇA AO ATO PÚBLICO QUE SERÁ REALIZADO AMANHÁ, QUINTA-FEIRA, DIA 07 DE MARÇO, AS 10:30 HORAS, NOS JARDINS DA SANTA CASA DE SÃO PAULO.” A
7 de
março,
estudo
da
Santa
Casa,
publicado
na imprensa, mos-
trava a defasagem do auxílio público à instituição, que recebia mais, dos antigos governos de São Paulo, do que do atual: “Nos
últimos
com
uma
média
ceira
deram
seis
anos,
nos contribuiu com subvenções Egydio
Martins
anual
de
o governo
134.513
instituição,
ção respectivamente de 458.680 constam de estudo realizado pela do os recursos concedidos pelo cipal nos três últimos governos.
foi o que me-
para a Santa Casa de São Paulo,
e Paulo Maluf foram
a esta
Montoro
com
ORTN.
Os
governos
Paulo
os que maior ajuda finan-
médias
anuais
de contribui-
Yunes,
rebateu esses
e 406.875 ORTN. Esses dados própria Santa Casa, relacionanpoder público estadual e muniHoras após a divulgação deste
estudo, o secretário estadual da Saúde,
João
dados, apontando falhas no cálculo dos recursos cedidos pelo Estado. Segundo ele, o governo Montoro, em dois anos de gestão,
já concedeu uma média anual de 164.610 ORTN, enquanto Paulo Maluf, em quatro anos de governo, deu ORTN, a título da subvenção.
uma
média
de 211.250
De acordo com o estudo realizado pela Santa Casa, as verbas concedidas pelo Estado que, no governo Paulo Egydio Mar-
tins foram de 1.307.644 ORTNs, passaram no governo Maluf para 1.119.319 ORTNs, caindo na gestão de Franco Montoro para 156.311 ORTNs. A nível municipal, as subvenções concedidas pelo prefeito Olavo Setúbal, no período de 75 a 78, foram de 527.077 ORTNs, enquanto as fornecidas por Reynaldo de Barros e Salim Curiati caíram para 508.181 ORTNs, chegando a 112.715 ORTNs dadas por Mário Covas.
muito
O
Poder
683
da Misericórdia
Considerando
que a média histórica de subvenções
do Es-
tado seria de 300 mil ORTNs e da prefeitura 125 mil ORTNSs,
tendo em vista as contribuições dadas por governos anteriores, a Santa Casa estima que o governador Franco Montoro e o prefeito Mário Covas deveriam destinar Cr$ 43.855.608.000 a esta instituição este ano, dos quais Cr$ 12.845.333.000 só a título de
reposição referente aos anos 83/84.
O estudo também observa que, no ano passado, a Santa Casa
colocou
à venda um terreno no Jaçanã, no valor de Cr$
1,2 bi-
lhão, que posteriormente foi invadido. A Justiça determinou que
o governo do Estado assegurasse a reintegração de posse. Apesar
desta determinação, o governo destinou a quantia à Santa Casa e a instituição não deu andamento ao processo de reintegração”** No mesmo
ciado desta
“Os
dia 7 de março realizava-se o ato público, que foi noti-
forma
pelo “Estado”:
professores,
alunos e diretores da
ontem uma manifestação
Santa
Casa
fizeram
no pátio interno do hospital defenden-
do soluções definitivas para a crise desta instituição e não apenas
a liberação de verbas que resolvam parcialmente o problema por um curto período. O objetivo da reunião era mostrar a união de
todos os participantes do encontro, mas também foi lembrado que, se não saírem rapidamente as soluções, a alternativa será a
redução progressiva dos atendimentos até a paralisação total, por
absoluta falta de condições. A falta de subvenções estaduais e municipais e a situação criada pelo Sistema Nacional de Saúde foram apontadas como causas da crise. A
manifestação
começou
com
a leitura,
pelo
professor
Sa-
mir Rasslan, de uma carta aberta à população de São Paulo pedindo união e apoio à Santa Casa, assinada pela Irmandade (mantenedora), Faculdade de Ciências Médicas, corpo clínico, Associações dos Docentes e dos Médicos Residentes, Centro Aca-
dêmico e pelos funcionários. O documento lembra que o Hospital Central da Santa Casa completou 100 anos de funcionamento, sempre oferecendo cuidados médicos a todos que dele necessitam, mesmo os de outros Estados e os esquecidos pelos governos. Se no passado as contribuições espontâneas foram suficientes para manter a instituição, isso não ocorre mais.
Os responsáveis pela crise, segundo a carta, são a Prefeitura, por ter diminuído cada vez mais sua contribuição; o governo do Estado,
“cuja
contribuição
dará
para
garantir
uma
semana
de
funcionamento da Santa Casa” e o Inamps, que em março “está
684
Glauco Carneiro
pagando apenas a metade do que pagava os previdenciários sejam atendidos”.
há três anos para que
Oswaldo Gianotti, presidente da Associação Paulista de Medicina, foi dos primeiros a falar durante a manifestação, afirman-
do
que
ela era o resultado
de
uma
crises desse tipo estão acontecendo em
política
de
outros
governo,
locais.
pois
Lembrou
o
Hospital Infantil da Cruz Vermelha, que foi fechado há um ano, e a Santa Casa de Santos com os seus problemas, que não tiveram
soluções
Para
do governo.
Gianotti,
duas
instituições
foram
levadas
a essa
situa-
ção porque os médicos e o restante da equipe são “obrigados a trabalhar com salários insuficientes e falta de equipamento e medicamento”. Acentuou acreditar que as instituições como a Santa Casa devem unir-se e exigir uma política específica e correta para a área. E lembrou os problemas que enfrentam para a formação de alunos, por falta de verbas. José
Júlio Tedesco,
disse que em
cem anos
presidente
nunca
da
houve
Associação
uma
dos
Docentes,
crise assim
e, apesar
das medidas de racionalização adotadas em todos os departamentos, o problema continuou até que foi necessário o fechamento do Pronto Socorro, para que todos soubessem da situação. Sustentou que a simples ajuda agora não é suficiente, sendo necessária uma medida legal que restabeleça a subvenção. Para ele,
é
mento
necessário
do
pacientes”.
Inamps,
também
pois
uma
o atual
mudança
“atenta
no
sistema
contra
de
atendi-
o médico e os
Falando pelos médicos residentes, Nestor de Oliveira Neto comentou que “a situação da Santa Casa é mais uma agressão contra o povo de São Paulo, que há 20 anos sofre todas as maneiras de repressão”. Ele acha que isso é “culpa do sistema nacional de saúde, que delega corrupção aos hospitais lucrativos, enquanto aos hospitais universitários só delega recessão”. Oliveira Neto disse ainda que a paralisação dos médicos residentes é uma crítica a essa situação e uma exigência de que a solução
saia logo.
Pelos estudantes,
falou Paulo
Krtzman,
também
criticando
“a imprevidência do Inamps, que está provocando essa situação, pagando uma miséria pelo atendimento”. Disse que os estudantes
estão paralisados pelos mesmos motivos dos residentes, inclusive porque não há condições para terem aulas.
Como representante da Provedoria, que naquele instante estava em reunião com autoridades estaduais e municipais, falou.
685
O Poder da Misericórdia
Carlos
Alberto
Aulicino.
Ele
recordou
o
nascimento
da
Santa
Casa e o seu estilo de atendimento, nunca perguntando quem é o paciente. Por isso, acha justo que agora seja feito o inverso e a instituição receba
auxílio.
Encerrando o ato, o professor Samir Rasslan declarou ter ficado claro que os participantes não aceitavam “nenhum tampão para a crise”. E que todos desejam uma solução definitiva e que
garanta o futuro da instituição, e não apenas verbas que resolvam parcialmente o problema, adiando a crise. Para ele, os residentes c alunos não estão em greve, mas apenas paralisados por falta de condições de atendimento e ensino. Vendo uma placa que pedia a adesão dos docentes à paralisação, disse que isso vai ocorrer
logo,
se
não
houver
uma
falta de condições de atendimento
solução
rápida,
também
aos pacientes”.**
por
Depois de reunir-se com o provedor da Santa Casa, o governador de São Paulo, Franco Montoro, anunciou a liberação de verbas do Estado e
do Município e a designação de uma comissão para estudar os problemas da instituição “em definitivo”. Vejamos a matéria em que O Estado de S. Paulo noticiou o encaminhamento do problema: “A liberação imediata de verbas do Estado e do Município
para a Santa Casa, no total de Cr$ 5,53 bilhões, e o empréstimo
de medicamentos e materiais médico-hospitalares, no valor de Cr$ 250 milhões, foram anunciados ontem pelo governador Franco Montoro como solução provisória para que seu Pronto-Socorro
volte a funcionar normalmente, a partir das 7 horas de hoje. E
com
o objetivo
de apresentar
soluções
a médio
e longo
prazo
para a crise da Santa Casa, foi constituída uma comissão mista, integrada por representantes dessa instituição, das Secretarias
taduais do Planejamento e da Saúde, e do Inamps.
Saúde,
A comissão
Municipal
tem 60
de
dias para
Higiene
apontar
sugestões. Ficou acertado ainda que a Prefeitura pagará Cr$ milhões pelos serviços prestados pela Santa Casa.
Es-
e
as
120
Durante a reunião com Montoro, Mário Altenfelder entregou um documento propondo a definição de uma política estadual — e até mesmo federal — que garanta recursos, não apenas à Santa Casa de São Paulo, mas a todas as entidades médicas filantrópicas do Estado. Com relação aos recursos, ficou decidido que o governo de São Paulo irá liberar, em caráter de emergência, Cr$ 4,9 bilhões, e a Prefeitura, Cr$ 400 milhões (a verba municipal já estava aprovada anteriormente). Assim que a Santa Casa receber esses recursos, terá de devolver o empréstimo de medicamentos.
686
Glauco Carneiro
Além da verba suplementar de Cr$ 400 milhões que será fornecida a curto prazo, o Conselho de Auxílios e Subvenções, órgão da prefeitura, decidiu fazer um convênio com a Santa Casa no valor de Cr$ 2.719.069.900, recurso que deverá ser liberado
em parcelas ao longo deste ano. Tanto o convênio como a verba suplementar deverão ser objetos de decretos, que ainda serão assi-
nados
pelo prefeito.
Há ainda outros recursos, no total de Cr$ 900 milhões, que
a Secretaria do Bem-Estar Social vai pagar à Santa Casa em pres-
tações —
a primeira delas, de Cr$ 23 milhões, será saldada nos
próximos dias. Esses recursos
drados
de
um
terreno
no
referem-se a 150 mil metros qua-
Jaçanã
que
foram
invadidos
e grilados
no ano passado. A Santa Casa recusou-se a negociar com os invasores, mas atendeu à intermediação da Secretaria, que acabou “adquirindo o terreno e vai pagá-lo em prestações, cobrando dos invasores. Essas medidas
foram divulgadas
depois da reunião de Mon-
toro com o provedor da Santa Casa, Mário Altenfelder, e com representantes de seu corpo clínico e com secretários estaduais
e municipais.
Altenfelder
disse
ontem
no
Ibirapuera,
ao
encon-
trar-se com o prefeito Mário Covas, que só uma quantia global de Cr$ 8,4 bilhões poderá manter o Pronto-Socorro. E depois da reunião no Palácio dos Bandeirantes, Altenfelder afirmou que o atendimento no PS estará garantido nos próximos três meses, graças à liberação dos recursos e ao empréstimo de medicamentos e materiais médico-hospitalares, que começaram a ser entregues ontem às 14 horas, por três grandes caminhões. Sobre a fundação da comissão mista, Altenfelder disse que “ela irá- determinar qual a conduta que deve ser seguida pelos governos. Porque uma verba só de emergência naturalmente resolve e vai permitir a reabertura do Pronto-Socorro. Mas, se isso não continuar, daqui a dois ou três meses vai fechar de novo. Então, essa comissão tem como finalidade principal sugerir uma maneira para que a subvenção continue assegurada”. O provedor acrescentou que caberá à comissão estudar um substitutivo para a lei do ex-governador Carvalho Pinto: “Essa lei, de 1960, garantia uma porcentagem da cobrança da dívida ativa do Estado para as Santas Casas. Mas ela caiu, pois foi julgada inconstitucional, e ainda não foi substituída” "3º
rial,
No dia
a falta
11 de março, o jornal Folha de S. Paulo criticava, em editode
racionalização
administrativa
que,
continuamente,
levava
instituições do tipo da Santa Casa de São Paulo a crises financeiras. Em
687
O Poder da Misericórdia
nome da Irmandade, o Escrivão Adriano Marrey dirigiu e viu publicada por aquele órgão de imprensa a seguinte carta: A CRISE
DAS
SANTAS
CASAS
“O editorial 'A crise das Santas Casas”, de 11 de março, faz crer que as organizações congêneres à Santa Casa de Misericórdia de São Paulo, embora “quase todas elas confiadas a pessoas da maior
respeitabilidade, mas
por vezes
não
dotadas,
devi-
do a circunstâncias várias, da necessária agilidade gerencial”, foram levadas à situação de insolvência por não haverem se dado a “uma
contínua
racionalização
administrativa”.
“Atualmente, na generalidade das Santas Casas, a principal e mais importante receita hospitalar é a gerada pela Previdência Social, em face do modelo por ela estabelecido. Ocorre que as tarifas por ela fixadas, como base para o pagamento dos serviços contratados: “a) são calculados
abaixo
do custo dos mesmos
serviços;
“b) o valor dos reajustes semestrais previstos nos convênios
não se baseia no nível da inflação havida no semestre anterior, nem no aumento dos salários, nem na alta dos preços dos equipa-
mentos e medicamentos. Os reajustes nem sempre são feitos nas datas contratuais, dando causa a atrasos de pagamento nas retroações determinadas, fato que importa em redução do próprio percentual do reajuste. Esse procedimento desorganiza quaisquer programações financeiras de receitas e despesas e agrava os custos
operacionais.
“Tal procedimento foi, todavia, marcante em 1984. Num período em que a inflação oficial foi de 223,8%; em que o aumento dos medicamentos andou em torno de 300%, e o preço
dos
equipamentos
que, quando
de origem
estrangeira,
estiveram
sujeitos a uma variação cambial de cerca de 280%, o Inamps reajustou em apenas 135% sua tarifa contratual com a Santa Casa de Misericórdia de São Paulo! E o reajuste concedido em fins de dezembro (embora com retroação para setembro), ainda se acha, no momento, parcialmente por ser pago. “Agrega-se a tudo isso mais um fator desfavorável, no tocante a auxílios às Santas Casas, pelo Poder Público Estadual. Com a declaração da inconstitucionalidade da Lei 440/74, que autorizava a entrega àquelas entidades de um acréscimo de 2% auferido na cobrança administrativa, ou judicial, da dívida ativa concernente ao ICM, extinguiram-se, a partir de 1984, os recur-
688
Glauco Carneiro
sos que lhes eram repassados pelo Tesouro do Estado, em alto volume financeiro. Nada se previu em sua substituição. “Esse, o tumulto perturbador das finanças das Santas Casas de todo o Estado, e de forma específica, da Santa Casa de São Paulo.
“Para contornar a aflitiva situação financeira criada pelas circunstâncias enumeradas, a administração da Santa Casa vem
tomando, no curso dos últimos meses, constantes providências. O propalado “enorme patrimônio” imobilizado, e não há de ser dilapidado. Mas, quando se torna forçoso. As rendas que produz ficientes para cobrir os déficits mensais.
e racionalizadas que possui está dele se dispõe, são ainda insu-
“Quanto ao bom uso dos recursos advindos de comunidade através de subvenções do Poder Público, sua transparência é afe-
rida mediante as contas prestadas pontualmente aos Tribunais de , Contas do Estado e do Município.” Desembargador Adriano Marrey, Irmão Casa de Misericórdia de São Paulo.**
Escrivão
da Santa
O futuro da Santa Casa
Findo o longo estudo da trajetória cronológica da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo, instituição que, em 1985, completa quatrocentos e vinte e cinco anos de serviços continuados aos bandeirantes de Pirati-
ninga, resta uma pergunta que não pode deixar de ser formulada: — Que
futuro tem mudança?
um
organismo
de
425
anos
neste
mundo
continuamente
em
Em 1960, um lúcido editorialista*? já tentava vislumbrar a solução possível. Dizia ele, em primeiro lugar, que a sociedade não pode permitir a lenta sufocação de instituições como as Santas Casas, que prestaram e prestam tantos serviços ao Brasil. Impõe-se encarar a questão sob um prisma diferente, mais vasto, adaptando os planos federais, estaduais e municipais, à existência e ao símbolo vivo e atuante das Misericórdias, “animando-as e ajudando-as na sua belíssima atividade de proteger os pobres e os doentes, fracos e desamparados”. Um Grupo de Trabalho foi constituído em 1962, pelo Ministro da Saúde, “para estudar e apresentar soluções sobre a situação econômico financeira das Santas Casas, sugerindo processo de amparo efetivo a essas instituições”. Integrado pelos Drs. Virgílio Augusto Bezerra, Jacy Montenegro Magalhães e Luiz de Gonzaga Bevilacqua, o Grupo visitou diversos Estados e dezenas de instituições e concluiu que os fatores mais sérios de desencadeamento de crises, eram os seguintes:
689
O Poder da Misericórdia
“1.
Aumento
2.
do custo das utilidades decorrentes da inflação;
Desatualização das dotações destinadas à assistência hospitalar, no Orçamento
da União;
toa
Desaparecimento da sistemática de legados, donativos e contribuições da iniciativa privada; Ocupação indevida de elevado número de leitos gratuitos por doentes contribuintes dos Institutos de Previdência;
ta
4.
Execuções impiedosas das dívidas por parte dos mesmos Ins-
titutos;
6.
Falta de cooperação
7.
Falta de orientação administrativa e contábil”3º
Para
solucionar
esses
financeira dos Municípios;
problemas
e evitar o
perigo
de colapso
das
Misericórdias, que representavam, na época, 144.385 leitos e berços, ou 56,10% dos disponíveis no país, o Grupo de Trabalho sugeriu as seguintes
providências: “IT —
Expedição
dos seguintes decretos.
a) Autorizando
o Banco do Brasil a financiar o pagamento das dívidas dos hospitais filantrópicos, no to-
tal de Cr$
1,5 bilhão de cruzeiros;
b) Regulamentando a Lei n.º 3.577, de 4/7/1959, que isentou as instituições filantrópicas da contribuição do empregador;
Cc) Regulamentando
concedeu
a Lei n.º 3.933, de 4/8/1961, anistia dos débitos aos Institutos;
que
d) Regulamentando o Artigo 121, do Decreto n.º 48.959A, com a adjudicação dos serviços médico-hospitalares às Santas Casas;
e) Concedendo parcelamento das dívidas das Santas Casas
aos
Institutos
de
Previdência,
tribuições dos empregados.
Ho —
Encaminhamento
referentes
às con-
ao Congresso Nacional do Anteprojeto
de Lei da Assistência Hospitalar. No Capítulo VII, dis-
punha esse anteprojeto que as Santas Casas “gozam de imunidade fiscal, extensiva às atividades comerciais, industriais e agrícolas da instituição, desde que o rendi-
mento seja destinado à assistência filantrópica”. Aos doentes e internados nos hospitais das Misericórdias, sujeitos
à Terapia Ocupacional, “não se aplicarão as Leis Traba-
690
Glauco Carneiro
lhistas”. Nos locais onde a Previdência não possuísse hospitais próprios, o atendimento preferencial dos segurados seria feito pelas Santas Casas. Para fiscalizar a
execução
dessas
medidas, e fixar os preços unitários dos
serviços a serem adjudicados, seria constituída, no Ministério da Saúde, uma Comissão Permanente, composta de um representante do Serviço Nacional de Assistência Hospitalar; um representante do Departamento Nacional da Previdência Social, do Ministério do Trabalho, c um re. presentante
HI
das Santas Casas de Misericórdia;
—
Estudo de providências e legislação específica que definam as responsabilidades financeiras dos municípios no setor de assistência hospitalar;
IV —
Designação de um Grupo de Trabalho, integrado por representante das Santas Casas, para estabelecer os contatos necessários junto à comissão
que organiza os planos
de cooperação da Aliança para o Progresso”?” Outra
manifestação
sobre o papel das Santas Casas no futuro do Sis-
tema Nacional de Saúde foi feita pelo Dr. Antonio Carlos de Azevedo, diretor, em 1982, da Divisão Nacional de Organização de Serviços de Saúde da Secretaria
Nacional de Ações Básicas de Saúde do Ministério da Saúde.
Num enfoque realmente inovador, esse médico escreveu que as Santas Casas poderiam ser o grande instrumento comunitário para controle dos serviços
de saúde:
“O Sistema Nacional de Saúde, no seu aspecto de prestação de serviços a pessoas passa atualmente por grave crise. O componente relativo ao meio ambiente (saneamento do meio, controle de grandes endemias e vigilância sanitária) segue seu curso com problemas sim, mas que nem de longe se comparam com o que ocorre na prestação de serviços a pessoas. | Em nosso País, temos que refletir sobre o sentido de uma instituição de experiência multicentenária — uma das poucas instituições que têm sobrevivido às diversas fases de nossa história social —, as Santas Casas. De fato, com sua atividade iniciada no século XVI (Santa Casa de Santos — Braz Cubas, 1551), durante a maior parte de nossa história esse tipo de estabelecimento ofereceu a única alternativa para a assistência à saúde às pessoas de baixa renda. Com o incremento da tecnologia hospitalar nas primeiras décadas do século (os Raios X são introduzidos nos hospitais nos anos 20), os mecanismos de financiamento meramente
filantrópicos foram, na nossa cultura, se revelando insuficientes e
O Poder da Misericórdia
691
principalmente, com a extensão de cobertura da Previdência Social
observou-se, em muitos casos, o afastamento dos representantes da comunidade
na gestão desse tipo de entidade.
Na grave crise que a assistência a pessoas atravessa em nosso País, as Santas Casas realmente comunitárias e eficazes, das quais parece haver um número de honrosos exemplos, representam uma alternativa para a retomada do controle comunitário sobre o tipo, quantidade e qualidade dos serviços a serem prestados. Além da tradição que este tipo de instituição possui, e que pode vir facilmente ser retomada já que embutida, como dissemos, numa herança cultural multicentenária; não é de somenos lembrar que a retomada do controle comunitário sobre a disponibilidade e a prestação de serviços de saúde pode ser a solução para a adequação desses fatores às reais necessidades da comunidade. Por outro lado, quando se busca mais do que nunca, a nível político, o atingimento de uma sociedade aberta e verdadeiramente
participativa, nada mais natural que a comunidade assumir o con-
trole de um componente significativo dos serviços de saúde de que necessita. Quando as diretrizes vigentes da Organização Mundial da Saúde, ao tratar da assistência primária, ressaltam a indispensabilidade da participação comunitária em todos os momentos do ciclo da prestação de serviços (planejamento, operação, avaliação) o Brasil tem uma
tradição a oferecer.
É lógico que em muitos casos, anos de abandono e os desvir-
tuamentos
dos princípios básicos que
serviço verdadeiramente
comunitário,
regem
levaram
a operação de um a certo
descrédito
por parte da população com relação a muitos estabelecimentos. O momento do Sistema de Saúde, no entanto, é de retomada de uma tradição — de uma adequação dessa tradição a uma realidade de crise nesse sistema. Sem dúvida, é um momento a demandar atitudes e participação da comunidade. O desafio que enfrenta a Federação das Misericórdias do Estado de São Paulo é o de apresentar ao País uma Santa Casa
renovada — apta a, sob o controle da comunidade, oferecer uma
alternativa válida à grave crise na prestação de serviços de saúde
nos anos 80”.*º
A Federação das Misericórdias do Estadô de São Paulo, fundada em
Campinas a 8 de novembro de 1959, desenvolve um trabalho para defender
os interesses das Santas Casas junto ao Poder Público. Seu atual presidente, eng. Arymar Ferreira de Barros, declarou ao Autor: “O processo de assistência social médico-hospitalar no país, só poderá continuar a ser viável
através do fortalecimento das instituições filantrópicas.
Estas que
foram
692
Glauco Carneiro
expressão
legítima
de soluções
de comunidades,
serão novamente a base
da assistência médico-hospitalar, em face da incapacidade do Governo Fe.
deral continuar a suportar os custos de tais serviços. A situação imporá o
retorno de soluções comunitárias". Numa palestra durante o 1.º Congresso Internacional das Misericórdias, em julho de 1982, o presidente da Federação de São Paulo deu informações sobre a importância dessas instituições no panorama hospitalar brasileiro, ressaltando que clas têm um papel insubstituível na comunidade: “A importância das Santas Casas — no conjunto médico-hospitalar. Para que se tenha uma noção do que as Santas Casas representam no atendimento médico-hospitalar — e como estão sendo atingidas pelas medidas tomadas de caráter restritivo, e pelas medidas de caráter corretivo não tomadas, — basta verificar esses números correspondentes aos 540 Municípios do Interior do Estado de São Paulo: a) Somente 289 Municípios do Estado de São Paulo têm hospitais. (53,5%); b) Desses 289 Municípios que têm hospitais possuem apenas um (1) hospital;
197
(isto é, 68%),
c) Desses 197 Municípios com um só hospital 171 (isto é, 86,8%) são Santas Casas e/ou É impossível
que
hospitais
o Governo
filantrópicos.
não veja esses números
e não
atente para O importante e insubstituível papel que as Santas Casas desempenham na execução da própria política governamental na área médico-hospitalar e ambulatorial.
Disso se conclui que a execução do Plano Conasp, ou qual-
quer outro, não pode, — dir das Santas Casas.
se quiser ser bem sucedido, —
e os hospitais governamentais —
são 17 — equivale a 3%. e os hospitais lucrativos são
no
Interior de São
prescin-
Paulo —
182, ou seja, 36%.
* enquanto que as Santas Casas são 313, representando 61%. No
número
hospitais
de
leitos,
e Governamentais e lucrativos e Santas Casas — (sem fins lucrativos)
Os dados, mesmo
também
3,5% 35,5% 61,0%
na sua frieza, são por demais
cloquentes:
693
O Poder da Misericórdia
Cidades
197 48
68% 17%
20
a)
7% 2,5% 1,5% 2,0%
4 6
2
0,5%
2 | | l 289
0,5% 0,3% 0,3% 0,3%
n.º hospitais na cidade
Gov.
1 hospital 2hospitais
5 2
hospitais 4hospitais 5Shospitais Ghospitais
—
3
|
7hospitais
9hospitais 12 hospitais 13hospitais 19hospitais
2 2
— —
1
1
filant.
171 58
lucrat.
Total
%
21 38
I97 98
38,5 19,0
8
14
3,0
27 12 15 12
29 13 7 21
3 z 3 7
14 10 9 12
5
17315 3% 61%
58 27 20 36
182 36%
11,5 5,5 4,0 7,0
18 12 13 19
3,5 2,5 2,3 3,5
512
A mesma proporção aparece quando se classificam esses hos-
pitais pelo número de leitos: n.º leitos 0000 - 0050
0050 0100 0150 0200 0250 0300 0350 0400 0500 0550 0650 1350
-
0100 0150 0200 0250 0300 0350 0400 0450 0550 0600 0700 1400
Gov. 5
6 l | I l 0 0 0 0 I |
-— 17
filant.
lucrat.
Total
%
129
78
212
41,5%
80 38 28 14 1 4 6 0 2 — — l 313
46 26 16 5 7 2 | l — — -— — 182
132 65 45 20 19 6 7 | 2 1 j | 512
26,0% 13,0% 9,0% 4,0% 4,0% 1,0% 1,0%
1,0%
Não se trata de realidade de nosso país, Mesmo nos Estados Unidos — os hospitais filantrópicos — são 56,6% do total. Poderia se confundir a estrutura hospitalar brasileira, bascada
que é nos hospitais filantrópicos, com o estágio do nosso desen-
volvimento econômico e social. Isto, entretanto, é desmentido pelo
Glauco Carneiro
694
fato de nos Estados Unidos pitais serem não lucrativos.
também
praticamente 60%
dos hos-
e Dos 5 987 hospitais (excluidos os de longa permanência) 3391
| 821 718
—
— —
56,6%
—
30,4% 13,0%
são filantrópicos
— —
são são
Governamentais lucrativos
e em número de leitos a diferença é ainda maior leitos /mil 650
211 70
—
— —
69,8%
-—
22,7% 7,5%
são filantrópicos
—— —
são Governamentais são lucrativos
Esses dados, mais detalhadamente
tratados no quadro abaixo,
indicam que a comunidade desempenha papel fundamental na área de saúde, mesmo nos países mais desenvolvidos. A estrutura é diferente, com participação mais acentuada dos hospitais governamentais. Aqui esse papel está reservado aos hospitais filantrópicos, a maioria dos quais Santas Casas de Misericórdia. CLASSIFICAÇÃO
DE
HOSPITAIS
Nºde Hospitais Hospitais não lucrativos Hospitais Estaduais e
MUTICIDAIS.. sa Hospitais Particulares ...
.
Total de Hospitais “comunitários” .. Hospitais do Governo Federal ............. Hospitais Psiquiátricos não Federais ........ Hospitais Tuberculose não Federais ........ Hospitais Gerais de Longa Permanência não Federais Total — Gov. Fed. e Longa Permanên. Total de Hospitais USA. cc...
U.S.A. —
Nºde Leitos (1000)
1975
N.ºde Total do Leitos por Movimento Hospitais ($ Milhões)
3.391
650
192
31.482
1.821 775
211 70
116 90
8.070 2.288
5.987
931
156
41.840
387
136
351
5.528
543
383
701
4.776
46
6
174
166
221
54
244
1.396
1.187
581
486
11.866
7.184
1.512
211
53.706
Fonte: Associação Hospitalar Americana Hospital Statistics, 1975.” **
O Poder da Misericórdia
695
O reencontro com o próximo Acreditamos que o Autor e o Leitor têm condições agora de responder
à questão sobre o futuro da Santa Casa. De nossa parte, pensamos que esse
futuro é certo, se a sociedade brasileira voltar a confiar nas soluções comunitárias — nas instituições próximas do povo, dirigidas pelos seus melhores representantes, e que só pedem ao Estado abertura, delegação e ajuda financeira, para que possam tocar suas próprias responsabilidades. Evidentemente, estatizar as Santas Casas seria terminar com uma obra multissecular e, mais que tudo, eficiente. Seria abrir mão da Iniciativa Privada no que ela tem de melhor. Seria relegar a terceiro plano a obrigação da caridade, ainda hoje uma exigência para o homem ser feliz e cumprir
com dignidade sua missão na Terra.
Quanto à Santa Casa de Misericórdia de São Paulo — instituição tão antiga quanto a cidade e que reflete todos os valores da formação de seu povo —, consentir no seu desaparecimento é concordar com a extinção da-
quilo em que acreditamos. As coordenadas para a sua sobrevivência são agora conhecidas através das hipóteses e soluções aventadas.
Lembremos
nenhuma hipótese:
com
Mário Altenfelder o que
não poderá acontecer
em
“Não faltou e, hoje, não falta quem diga por aí que a Santa
Casa precisa ser dirigida pelo Estado. São os comodistas, os que
não gostam da iniciativa privada, os que se julgam donos das so-
luções dos problemas
sociais e, por inexperiência ou má-fé, que-
rem desrespeitar a tradição, os sentimentos puros dos que acreditam na força do amor cristão, no poder da solidariedade, da participação inteligente, feita com grandeza, isenta do tumulto da anarquia”.*? Quinhentos
anos
depois,
gênio português, a Irmandade
e para
provar
definitivamente
criada por D. João
a força do
II, D. Leonor e Frei Mi-
guel de Contreiras, é ainda a solução assistencial mais inteligente, mais racional e mais democrática, pois realiza um pacto social entre as classes, em
que
o Estado
delega
à
Iniciativa
Privada
a assistência
aos
carentes,
imprimindo inclusive ao setor de saúde uma dimensão maior — a da tríplice competência profissional em termos de atenção humana, eficácia técnica e caridade com o próximo. E para que essa fórmula genial não morra, e se concretize despida das vaidades humanas, é preciso formar um colegiado de pessoas já realizadas na vida, para quem
fiquem,
pedindo-lhes
os interesses e situações conjunturais
um
serviço
relevante
nada mais signi-
à comunidade,
menos
glórias terrenas e muito mais pela eternidade dos preceitos cristãos.
pelas
696
Glauco
A
Irmandade
da
Misericórdia
é tudo isso. Há
permanece ancorada no futuro. Sim, a Misericórdia
500 anos...
Carneiro
Nasceu e
tem futuro.
Mesmo porque, como lembra José Carlos Graça Wagner, citando N. Bukarin, “o amor cristão que se dirige a todos, inclusive aos inimigos, é o pior adversário do materialismo”: “Para o cristão, o motivo radical do amor ao próximo é o amor de Deus (amar o próximo, não somente pelo próximo em
si, mas por amor a Deus, por ser criatura por Ele amada, ainda que seja inimigo). Para o marxismo, o princípio motor da revolução é o ódio: o ódio instrumental;
o ódio como consegiência
necessária da análise da história como registro de lutas de classe...
A filosofia que suporta os sistemas de hoje perdeu a idéia do ser humano como alguém que serve e que recebe serviços e que se une em sociedade para melhor
dades materiais, morais e espirituais”.
satisfazer as suas necessi-
Para esse analista, e para outros homens de bem, o mútuo serviço entre
homens —
a livre troca dos dons de cada um
cuja origem
se enraiza em cada ser humano,
—
é a lei física da convi-
vência social. Isso exige a existência de valores integradores, ou seja, de valores transcendentes ao indivíduo isolado, de alto significado social mas tenha maior ou menor cons-
ciência disso. É o que se chama de moral natural, ou seja, as leis que regem
o comportamento do homem
em face de sua natureza de ser racional, do-
tado de inteligência, liberdade e vontade. Consegiientemente, são leis que regem
o homem
na
sua
atuação
pessoal
e na
sua dimensão
social,
sem
perda de sua liberdade de consciência, que é individual em sua responsabilidade, *mas que é social em sua exterioridade e operacionalidade. B. Mondim diz, em
homem
reforço da tese, que o conteúdo da salvação do
moderno consiste em descobrir a si mesmo
beradamente,
decide a favor de uma
como pessoa que, deli-
relação de interdependência com os
outros. No cristianismo, enfatiza Wagner, essa dimensão social, deliberada-
mente abraçada, advém, não só da um plano de amor — que é servir mente do próprio bem aparente — que dá unidade a todas as coisas e
razão, mas também da Revelação de para o bem do próximo, independentepois é, nessa visão, o Amor de Deus a todas as criaturas vivas:
“O que se propõe ao homem, neste fim de Século XX, após os efeitos máximos gerados pelo pensamento modernista, é a redescoberta do próximo... redescoberta do outro, para que se possa reencontrar o próprio sentido de nossa vida pessoal e contribuir para ordenar a vida social aos valores pelos quais vale a
O
Poder
da
697
Misericórdia
pena viver. Esta é, seguramente, v 45 crise do Século Vinte”.
a alternativa
do
homem
para
a
A Irmandade da Misericórdia há centenas de anos já fez a descoberta do próximo. Vive somente para isso. Para ter futuro, portanto, num mundo que precisa colocar o ser humano redescobrindo o outro, basta ser o que é.
CONCLUSÃO Uma
avaliação
global das
atuais
dificuldades
da
Santa
Casa
de
São
Paulo demonstra a persistência de alguns velhos problemas e a emergência de novos.
A crise financeira está na escala dos primeiros e não há para ela pers-
pectivas otimistas. Não se destinando ao lucro — mas tão somente à co-
bertura de despesas —, não se dispondo a fraudar a Previdência e não querendo elitizar o seu atendimento, a Santa Casa, que sempre registrou falta de recursos à altura da demanda, tenderá a prosseguir nesse diapasão. Não obstante, a situação poderá ser bem melhorada nesse particular com a adoção de medidas administrativas racionalizadoras, dentro da linha já imposta pela atual Mesa Administrativa. Uma derivada desse problema financeiro é a sensível diminuição do poder de influência da Irmandade para obter do Estado e da comunidade contribuições maiores. Aqui se impõe um alargamento da faixa de análise para abranger outras condicionantes que dizem respeito ao atual “poder” da Santa Casa. Em
primeiro
lugar,
os Irmãos
de hoje
serão
que os do passado antigo e recente? Acreditamos
menos
importantes
do
que não: a relação dos
Mesários prova que grandes nomes continuam a ter assento na Santa Casa. E por que, então, esses Irmãos não conseguem obter para a Misericórdia a proteção de antes?
Um observador profissional como o Autor, que acaba de fazer este estudo ao longo de mais de 400 anos de história da instituição, tem relativa autoridade para levantar algumas hipóteses. Não terá a Irmandade de hoje um número bem maior de pessoas que foram “poder”, e não, que continuam “poder”? Parece haver, claramente, uma concentração de aposentados, e para certos pleitos, essa condição traz maiores dificuldades do que aquelas
apresentadas a quem continua no exercício de cargos e funções no Exe-
cutivo,
Legislativo, Judiciário,
Associações
de Classe
etc. Por outro
lado,
talvez pela imposição do Compromisso, geralmente quem é “poder”, conserva-se à distância, como “benfeitor” ou “protetor”, não
tendo
responsa-
H98
Gluuco Carneiro
bilidades diretas na Mesa. Sabe-se que não pode mais voltar o tempo em que governadores e bispos acumulavam o exercício da Provedoria, mas a
Misericórdia
cientemente
necessita estudar
para
uma fórmula
a resolução de seus
que possa trazê-los mais efi-
problemas.
maior e a mais antiga instituição de São Paulo:
merecer
atenção
maior.
Afinal, é claramente a
tem direito adquirido a
Parece claro, também, que o Poder Público, Estadual e Municipal, dis-
tanciou-se da Santa Casa. Questiona-se se isso não possui também uma conotação ideológica. Terão os governantes de hoje, apesar de nominal. mente cristãos, o mesmo entendimento, a mesma compreensão do papel da instituição? Ou a conservam à distância? Recentemente, um dirigente declarou que vira “bem empregadas” as horas que investira em comparecer à Sunta Casa... Será que todos esses investimentos terão sido rentáveis para tal tipo de pensamento? O componente ideológico está claramente presente no distanciamento da Igreja Católica, Já mencionamos cpisódio sobre a recepção fria de um
cardeal a uma comissão da Santa Casa, que fora cumprimentá-lo pela inves-
tidura, e neste momento em que escrevemos, julho de 1985, há claras evidências de incitação religiosa em novo episódio de invasão de terras da
Misericórdia. Sendo assim, como a Santa Casa poderá ter de volta o apoio
da Igreja, enquanto ela própria não resolver seus problemas entre as alas conservadoras e “progressistas” ou “populares”? A instituição, por outro lado, não tem contado com a mínima imparcialidade de análise, quando a crítica é feita pela ala “progressista”, no tocante à assistência social em São Paulo. Outro ponto importante da redução de grau na importância atual da Misericórdia decorre de sua vinculação à Previdência. Muito embora, graças à qualidade de seu corpo médico, tenha alcançado o galardão de “Hospital de Excelência”, não é mais do que um dos estabelecimentos da rede previdenciria, quando, no passado, era a única instituição de São Paulo em termos de assistência pública. E não há perspectivas de melhoria nessa questão, porque, sem a Previdência, a Santa Casa já estaria desaparecida há trinta anos. A fórmula, imaginada por Júlio de Mesquita Filho e Christiano Altenfelder, da regionalização pela megalópole paulistana, tem o in-
conveniente
da
concorrência
Estado e Prefeitura. incorporação a tais fim da Santa Casa, dos padrões e dos
direta
às redes hospitalares
mantidas
pelo
E se tal “regionalização” viesse a ser feita mediante a redes, inclusive na direção, aí é que se apressaria o porque o Poder Público não permitiria a manutenção métodos impostos pelo Compromisso da Irmandade.
As razões pelo enfraquecimento não param
aí: outro componente
im-
portante é a ausência de uma política de comunicação social como houve no passado, verdade que feita empiricamente, mas com êxito inquestionável. Não importa que não se empregassem técnicas de divulgação, relações pú-
699
O Poder da Misericórdia
blicas c propaganda,
conforme
são entendidas hoje, mas
os executores
do
passado cram amadores que ficariam muito bem posicionados como “profissionais” em nosso tempo. A verdade é que, a não ser em ocasiões negativas — como nos episódios de invasões de terras e em eventos raros como
a programação do 4.º Centenário —, a Santa Casa não se comunica. Seus excelentes médicos, suas técnicas diferenciadas, seu atendimento qualificado, não são levados ao conhecimento do grande público. E tudo isso impede que a opinião pública respalde qualquer pretensão sua de retornar a uma parte da antiga influência que exercia em São Paulo. Nesse particular,
é importante mencionar que o grande jornal O Estado de S. Paulo, que há cem anos divulga a Misericórdia, vem reduzindo progressivamente tal noticiário. E isso é fácil de explicar, de um lado, porque se distanciam no tempo as duas primeiras
gerações
da Família Mesquita
que, por causa de
Arnaldo Vieira de Carvalho, foram tão ligadas à Santa Casa. Na gestão
Mário
Altenfelder,
parece
haver uma
reversão
em
outra
causa que muito enfraqueceu a Santa Casa de São Paulo e instituições similares de todo o país. Referimo-nos ao distanciamento “Irmandade/Corpo
Médico”. Enquanto ambos não se apresentarem, perante a opinião pública, como uma só voz, sua influência isolada será bem menor do que a resultante de uma completa integração. Algo terá de ser feito para incluir mais o Corpo Clínico nos assuntos da Mesa e vice-versa. Um papel muito importante estará também reservado aos alunos da Faculdade de Ciências Médicas, até agora vistos e se comportando,
na maioria dos casos, como
meros
usuários da Misericórdia, e não seus beneficiários diretos. Talvez eles pudessem ser o núcleo de onde partiriam mais levas da Nova Medicina — aquela que voltou a considerar o indivíduo, a família, a caridade como razões de ser da profissão, aí se reaproximando notavelmente das origens da Misericórdia. Essas hipóteses de retomada da influência da Santa Casa estão camente condicionadas pela percepção inarredável de que a cidade de Paulo é hoje uma megalópole de 10 milhões de habitantes, bem mais plexa, portanto, do que a vida e a cidade que existiram ao longo de de 425 anos. A fórmula
de sua preservação,
a nosso ver, deve
ser buscada
logiSão commais justa-
mente nessa ancianidade, porque a Santa Casa é um Patrimônio Cultural vivo, atuante, dinâmico, útil. E como hoje a postura moderna exige que os monumentos tenham caráter operativo, repelindo a idéia antiga do acervo morto, bem que São Paulo poderá contar com o privilégio de ter, como complexo hospitalar por excelência, aquele que o serve há mais de quatro séculos. Para isso, no entanto, deverá acionar visão larga. Vislumbrando esse futuro desejável, e para fixar as idéias do Autor sobre a possível recuperação do prestígio da Santa Casa, convém listar alguns esforços suscetíveis de apressar essa meta.
700
Glauco Carneiro
1. Maior integração Corpo Médico/Irmandade; 2. Acionamento efetivo de uma Política de Comunicação para o grande público, reaproximando os grandes órgãos da imprensa, e principalmente o jornal O Estado de S. Paulo; 3. Organização do Museu e do Arquivo Histórico da Santa Casa de São Paulo e inclusão de suas festividades, como o Dia de Santa Isabel, no Calendário de Eventos da Cidade; 4. Inclusão de mais Irmãos na Mesa com grau atualizado de influência nos Três Poderes e nas Classes Produtoras; 5. Alcance de uma
posição diferenciada dentro da rede do INAMPS,
mediante o binômio caridade/ qualidade, tornando os Hospitais da Santa Casa modelos clínicos e de ensino para toda a comunidade municipal, esta-
dual e nacional;
6. Concentração
da Irmandade, recursos;
das atividades
da
abrindo mão de extensões
7. Enfase na atualização
Santa
Casa nas atividades
básicas
improdutivas e devoradoras dos
administrativa
da
instituição
(já em
curso);
8. Restabelecimento dos atos tradicionais da Irmandade, como procissões e missas
9. Maior
públicas, e sua
integração com
outras
festas comunitárias;
participação dos- alunos da Faculdade de Ciências Médicas
nos atos internos e externos da Santa Casa e seu posicionamento como elementos de vanguarda da renovação e revalorização ética da Medicina
Brasileira;
10. Colocar,
finalmente,
a Santa
Casa
de São
Paulo como
líder do
processo atual de reaglutinação das Misericórdias do antigo mundo português, fazendo-a atingir o patamar de interlocutora privilegiada nos contatos mantidos
Com
a nível de governo
a governo
pela
Federação
exceção da Santa Casa de Lisboa, nenhuma
aspirar tanto quanto a paulistana
essa
honrosa
das Misericórdias.
outra Misericórdia pode
posição.
O Verdadeiro Poder
Todas essas medidas, imaginadas como
decorrência
da execução deste
trabalho de reconstituição histórica, não fazem o Autor esquecer que o fundamento da permanência da Santa Casa transcende o plano das coisas materiais. Como foi acentuado há pouco, na festa do 4.º Centenário, a instituição continua “Deus
mais que tudo a confiar
em
Deus:
infinito, teu Santo Espírito/Renova o Mundo
sem ja-
mais cessar./Nossa esperança, nossos projetos/S6 se realizam quando Ele falar/Deus Infinito, Nós te louvamos/E nos subme-
temos
ao Teu
Poder”.**
O Poder da Misericórdia
701
Outra fidelidade se coloca muito clara nessa reivindicação de perenidade para outros quatrocentos anos de vida: a lealdade à causa de São
Paulo e ao reflexo das lutas dos paulistas em todos os campos: “Bem sei que um dia hei de voltar-te ao seio,/Para fundir-me em ti num mesmo anscio,/Meu São Paulo de amor, terra de glória./Nunca mais sentirei tua saudade,/Tu
tória”!
passarás comigo
à eternidade,/Eu
viverei contigo
a tua
His-
Como resultante dessa fidelidade à idéia maior, cristã, e ao ideal da terra bandeirante, ganha foros de permanência a Mensagem das Misericórdias, de que a Santa Casa de São Paulo é parte. Recordemos aqui, pela derradeira vez, Dom João II, Raposa e Leão, Príncipe Perfeito, El Hombre, no dizer de Isabel, a Católica, símbolo humano, em Portugal, da transição da Idade Média
para o Renascimento
e o artífice das mudanças
que
aca-
bariam levando à fundação da Santa Casa de Lisboa, por sua companheira, D. Leonor.
Lembremos,
com
Gustavo
de Dom João II, foi seu legado que Portugal e no mundo que Portugal ricórdia, também fruto “do Pelicano igualmente serviria para exaltar a pela vez derradeira,
Barroso,
que apesar do falecimento
deu energia a D. Leonor para criar em ia criar a mensagem imortal da Misee do mote Pola Ley e Pola Grey”, que atitude cristã da Caridade. Olhemos,
para Frei Miguel
de Contreiras,
o trinitário, a força
na qual D. Leonor se apoiou, para executar o estágio final do plano do marido de unificação e racionalização da ação hospitalar portuguesa. aos
Lancemos, com os olhos da emoção e do respeito, uma visão de adeus “Descobridores, conquistadores e povoadores, que, no meio de suas ambições pessoais, não se olvidaram do serviço de Deus e levaram essa obra piedosa a todas as paragens onde foram ter:
na África, na Ásia e na América. No Brasil, desde Santos, com
Braz Cubas e do Rio de Janeiro, com Anchieta, as Misericórdias se espalharam às centenas pela nação afora. Em todos os pontos
do país sente-se o luminoso reflexo dessa obra gloriosa que do ocaso medieval à âncora renascentista ergueu deste lado do Atlântico a caridade da Rainha D. Leonor. Essa obra mostra exemplarmente como é peculiar ao mundo luso a instituição das Misericórdias. Maravilhoso exemplo do modo pelo qual os homens que alargaram as paisagens dos oceanos e dos continentes se dedicavam ao serviço de Deus. Estupenda lição de nossa história comum,
de Portugal e Brasil. Debruçando-nos, como historiadores, sobre o passado, contemplamos, assim, serenamente, a luz do sol dos mortos, que é a que melhor e constantemente ilumina os cami-
nhos da humanidade”.
Glauco
702
Carneiro
NOTAS Irmão Escrivão Desembargador tiva, sessão de 5/1/1984.
Adriano
Mário
reconhecidas
Altenfelder,
“Qualidades
Marrey,
at
exerce cargo de direção”, texto datilografado, Idem, entrevista 16/11/1984.
4.
Idem.
5.
Idem,
Discurso
- Herbert
Levy,
janciro de Victor
do
de
1984.
Thomaz
do
no
“Projeto
Posse
na
Provedoria, na
de
Carvalho
Imobiliário,
Brasil,
IO. !Ê.
O
2.
Idem,
15/2/1984.
ER
Jornal
da Tarde,
14.
Idem,
29/2/1984.
15.
Idem,
19/4/1984.
I6.
Ata
17.
Idem.
I&.
Idem.
19.
Rio
Estado de S. Paulo
de
Exercício
Janeiro,
(OESP),
São
Reunião
de
22/5/1984.
20.
Ata
da
Reunião
de
20/7/1984.
gt;
Ata da Sessão
22.
OESP, São
Montoro,
Governador
Paulo,
Sessão
Diário do Comércio
26.
Ata
27.
Idem.
28.
Igor Mimica,
da
Reunião
Médicas.
da
Oração
- Luiz Oriente, N.º 866.
to 1
da
da
São Paulo”,
Sessão
Mesa
Rangel,
1985.
da
de
de
5
de
Administrativa.
Mesa
Administrativa.
Relatório
da Mordomia
14/2/1984.
da Mesa
Discurso
de
nal
Ata
7/5/1985,
Cunha
Casa
12/8/1984.
Administrativa
Altenfelder,
Franco
a
Mesa
Especial
24.
not —
Paulo,
1974.
quem
da
Mesa
de
de
Mesa
Idem, 8/53/1985.
São
de
Paulo,
do na
4.º Centenário Sessão
da
da
Santa
de
31/8/1984.
Mesa
Casa
Paulo, 27/11/1984.
22/11/1984.
de Paraninfo
no “Boletim
7/3/1985.
31/8/1984.
e Indústria, São
Luiz Oriente, in: “Boletim” . OESP, 5/3/1985.
- Idem.
24/4/1984.
de 26/7/1984.
na Comemoração
da Turma
Informativo”
Mário Altenfelder, Saudação aos Centenários, São Paulo, 1984.
- Idem,
de
1/9/1984.
. Mário
od 48 ron
Santa
para
25/2/1984.
da
de
da
Paulo,
Ata
ah dem
de
de
Administra.
Idem.
Reunião
4)
da
da
Mesa
indispensáveis
5/1/1984,
sessão
e Mário
da
mol
na
da
Rio de Janeiro,
São
de
Ata
como
História
sessão
Freire, exposição
Patrimônio
Jornal
Autor
manifestação
Amaral
. Edgard
ao
in
No
de
1984
da Faculdade
da Santa Casa, - Ano
Funcionários 878,
de
da
17/1/1985.
Santa
Casa
XVII, por
de Ciências 18/10/1984, Ocasião
dos
703
O Poder da Misericórdia
36. Folha de S. Paulo, 21/3/1985. 37. OESP, 3/7/1960. - Federação
das
Misericórdias
do
Estado
de São
Paulo,
Relatório do
Grupo
Trabalho incumbido de estudar a situação das Santas Casas de Misericórdia sugerir providências de amparo efetivo, São Paulo, 1962, pág. 4.
39.
Idem,
pág.
Arymar
Ferreira
- Idem,
“As
n.º 1, junho
de
Barros,
Irmandades
da
Multicentenárias”, palestra Paulo, julho de 1982. Altenfelder,
de
Carta
1982,
ao
Misericórdia,
no
44,
José Carlos Graça Wagner, "Redescobcrta São Paulo, 17/8/1984, págs. 10 e 11.
45.
Idem.
Te
Sessão da Mesa
Carlos
Graça
Comercial
Deum
rezado
de
São
na
Santa
46. 47.
Oliveira
Ribeiro
Netto,
48.
Gustavo
Barroso,
“A
São Paulo, 26/1/1984. pitas —
Vol. 8 —
“Terra
de
Mensagem
Nº
4 —
de
das
Pág.
São
Federação
Um
e
de
in:
Instituições
20/5/1985. in Diário do Comércio,
humanista,
Paulo,
é
diretor
da
Asso-
a 9/12/1984. Boletim
Misericórdias”,
50, abril
Misericór-
das Misericórdias, São
do Próximo”,
Glória”,
das
Desafio de
Internacional
tributarista
Paulo. Casa
—
Administrativa
Wagner,
da
31/8/1984.
Agora
1.º Convresso
Mário
José
Boletim
Autor,
43.
ciação
e
16.
40. Santas Casas Unidas dias de São Paulo. 41.
de
1960.
in:
da
Santa
Revista
Casa
n.º 828,
Paulista de
Hos-
ANEXO O PROJETO
HISTÓRIA DA SANTA SÃO PAULO
CASA
DE
Texto do material enviado pela
Provedoria da Santa Casa aos Irmãos e Funcionários, através
da
Circular
julho de 1984.
41/84,
de
30
aos
Ir-
PROVEDORIA N.º Circ. 41/84 São Paulo, 30 de julho de 1984. “Esta
Provedoria
teve a oportunidade
de comunicar
mãos Mesários, na sessão de 20 de julho pp., a contratação do jornalista e escritor Glauco Carneiro para pesquisar e redigir a História da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo.
de
704
Glauco
Carneiro
O mencionado escritor, cujo currículo segue em anexo, consolidará os trabalhos até agora realizados, interna e externamente, sobre a trajetória e a importância da Santa Casa dentro da história social, médica e política do Estado de São Paulo. Fará isso em estreita colaboração com o Grupo de Trabalho que a Provedoria designou
desta
quantos
com
esse objetivo, visando
Instituição
trabalham
no grande
projeto
integrar todos os segmentos
intelectual
pela população bandeirante.
que
interessa
a
Sendo assim, torna-se imprescindível a participação dos integrantes da Mesa Administrativa e das chefias administrativas nos
mais diversos escalões, na coleta de dados que irá permitir situar a atividade pioneira da Santa Casa como primeiro núcleo assis-
tencial paulista, fator de evolução do amparo social ao nosso povo e fator decisivo ao desenvolvimento do ensino médico no Brasil e até
no exterior.
Nesse sentido, solicitamos sua especial atenção ao questioná-
rio anexo, elaborado pelo historiador Glauco Carneiro, que dará o devido tratamento aos dados que resultarem de sua resposta,
incluindo-os no livro HISTÓRIA As
respostas
deverão
DA SANTA CASA.
ser dirigidas
menção expressa ao PROJETO
a esta
HISTÓRIA
Provedoria,
DA SANTA
com
CASA,
fazendo-se acompanhar, se possível, de livros, fotos e documentos
julgados de interesse, os quais serão posteriormente devolvidos aos
remetentes. Também o escritor Glauco Carneiro poderá ser contatado diretamente através do telefone de seu escritório: 35-2771. Contando
com
o apoio do companheiro
subscrevemo-nos, desde já gratos e
ao citado
projeto,
Atenciosamente.
Mário Altenfelder Provedor.”
GLAUCO — “1.
INFORMAÇÃO
CARNEIRO
Dados do Currículo — PESSOAL
Cearense, 46 anos, formado em Direito pela Universidade do Brasil (1964) e PUC/RJ (Comunicação Social e Opinião Pública — 1968). Catorze prêmios de jornalismo. Casado, pai de
quatro filhos.
705
O Poder da Misericórdia
2. JORNALISMO Repórter de O GLOBO, Rio de Janeiro, 1959/1961. Repórter de O CRUZEIRO, Rio de Janeiro, 1961/1968 e Repórter Especial e Diretor Assistente de Redação, 1970/
1975. Repórter de O JORNAL, Rio de Janeiro, 1968/1970. Editor Nacional de TENDÊNCIA, revista de economia Bloch Editores, Rio de Janeiro e São Paulo, 1980/1985.
de
2a
Repórter de MANCHETE, Rio de Janeiro e São Paulo, 1979/ 1983. - COMUNICAÇÃO
SOCIAL
Assessor de Imprensa do Ministro da Justiça, Rio, 1965. Assessor Especial do Ministro das Relações Exteriores, Rio, 1966. Assessor-Chefe de Relações Públicas da Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor, Rio de Janeiro, 1965-1975. Assessor de Comunicação Social do Secretário da Promoção Social do Governo do Estado de São Paulo, 1975-1982.
Assessor Especial do Prefeito de São Paulo, SP, 1982/1983.
Editor fundador e Diretor de Redação das Revistas BRASIL JOVEM e PROMOÇÃO SOCIAL, da Funabem (RJ) e SEPS (SP), 1965/1982. Editor fundador e Diretor de Redação do JORNAL BANDEIRANTE, house organ do Sistema Financeiro e Banco Bandeirantes, SP e RJ, 1970/1986.
. HISTORIOGRAFIA
E BIOGRAFIA
Autor de 600 reportagens na imprensa e dos seguintes livros:
HISTÓRIA DAS REVOLUÇÕES BRASILEIRAS (Rio, 1965, 2 vol.), O REVOLUCIONÁRIO SIQUEIRA CAMPOS (Rio, 1966, 2 vol.), A FACE FINAL DE VARGAS (Rio, 1966), HISTÓRIA DOS TRANSPORTES NO BRASIL (Rio, 1970), UM REPÓRTER NO MUNDO PORTUGUÊS (Lisboa, 1972), LUSARDO, O ÚLTIMO CAUDILHO (Rio, 1977/78, 2 vol.), CUNHA BUENO, HISTÓRIA DE UM POLÍTICO (São Paulo, 1982), PERFIL PARLAMENTAR DE LUSARDO (Brasília, 1983) e HISTÓRIA DA NESTLÉ NO BRASIL (São Paulo, 1983, em publicação).”
706
Glauco
PROJETO
“A.
Conceituação Evolução
2.
Santa
HISTÓRIA DA SANTA Linhas de pesquisa
jurídica
da
Santa
Casa.
da assistência social em
Casa
como
elemento
Carneiro
CASA
Razões.
São
Paulo.
aglutinador
da
elite
paulista
marco de status social. Relacionamento com o Poder e para-
doxo
da não-obtenção
de
mais
recursos
desse
Poder.
E
Os cristãos-novos
4.
Santa
5.
Santa Casa e Igreja. Relações com os outros credos e seitas.
6.
Santa
7.
Santa Casa e a “Geração liberal e a Maçonaria.
8.
Santa Casa e evolução da medicina paulista: ensino, técnica, equipamento, administração hospitalar. Grandes nomes.
9.
Santa Casa e a Livre Empresa: o impacto do dinamismo empresarial na captação, gestão, controle e aplicação de recursos.
nos começos
da
Irmandade
paulista.
Casa e os reflexos sociais dos Ciclos Econômicos. Casa e as Religiosas de São da
José.
Histórico.
Independência”.
O pensamento
10.
Santa Casa e o Patrimônio Mobiliário e Imobiliário. e opções de custeio. Doadores eventuais e fixos.
Formas
11.
Santa
tempo.
12. 13. |4.
e
Casa
e Administração:
Estágios no Brasil-Colônia, O futuro.
evolução
ao
longo
do
Brasil-Império e República.
Santa Casa e evolução da arquitetura em São Paulo. Urbanismo. Santa Casa e seus assistidos: tipos e relacionamento. Santa Casa e corpo de funcionários. Espírito, trabalho, remuneração.
15. 16.
Santa Casa e unidades anexas: histórico de cada. Santa Casa e os Irmãos: origem, importância social, econômica e política. Características do relacionamento. Direitos e deveres.
I7.
Santa Casa danças.
18.
Santa Casa como organismo da Previdência Alterações na filosofia e na atuação.
19.
Santa Casa e serviços que presta ao interior paulista, e Exterior. Campos. Reconhecimento.
20.
A Mística da Santa Casa: seu “espírito de corpo”.
e os “Compromissos”
ao longo
do
tempo.
Social
Mu-
estatal. Brasil
Caridade
emocionalizada ou racionalizada? Motivações para o futuro.
707
O Poder da Misericórdia
Questionário IDENTIFICAÇÃO Nome:
DO
SIGNATÁRIO
Local e data: Atribuição na Santa Casa: Histórico de seu relacionamento
com
Cargos ocupados na vida profissional: Cargos ocupados na vida pública: Profissão de origem: Outras instituições de que participa:
a Instituição.
Datas.
. A INSTITUIÇÃO 2.1
—
Em sua opinião, qual o papel desempenhado
2.2
—
De que forma ela tem contribuído para a evolução
2.3
—
Como a Santa Casa tem participado do desenvolvi-
2.3
—
Quais são, na sua opinião, os grandes marcos históricos da trajetória da Santa Casa? E os grandes nomes que nela têm trabalhado ao longo da História?
Santa Casa na História Assistencial de São
pela
Paulo?
do processo de amparo social entre nós? mento do ensino E no exterior?
médico
no
Estado
e
no
Brasil?
Justifique.
2.4
—
Quais os trabalhos inéditos que conhece a respeito da História da Santa Casa? E como podem servir de fonte a este Projeto? Nomes e telefones.
2.5
—
De que forma a colaboração que dá à Santa Casa tem influído para a sua melhoria em termos humanos e sociais?
2.6
—
Qual a sua contribuição pessoal, ao longo do tempo, para que a Santa Casa atinja seus objetivos? Justifique.
2.7
—
Quais são as histórias de pessoas e relatos de situações que mais o impressionam no seu relacionamento com a instituição?
2.8
—
Como situaria as relações da Santa Casa com a História Política de São Paulo, em termos coloniais, imperiais e republicanos?
2.9
—
Governo e Povo têm retribuído à Santa Casa o que dela recebem?
708
Glauco
2.10
—
Como
analisa o presente e o futuro desta
ção, diante da
Medicina
da conjuntura no
País?.”
Carneiro
Institui-
da Assistência Social e
Nota
Este livro, O Poder da Misericórdia, é o resultado do trabalho profissional de pesquisa sistemática das fontes históricas da Santa Casa de São Paulo. O autor aprontou seus originais a 15 de agosto de 1985.
LIVRO QUARTO
DA MISERICÓRDIA O PODER Há também
uma extensão do Poder que, mobilizada
em Irmandade em favor dos humildes, institucionaliza
o que poderia com Caridade .
justiça chamar-se de A Elite da
22. SANTA CASA E EVOLUÇÃO DA MEDICINA A Tríade Pesquisa-Ensino-Assistência — O Carisma da Santa Casa — A Santa Casa e a Poesia — A História de Anna — Médicos Antigos e Modernos —
Medicina e bem da Humanidade — Trabalhos importantes — O Amor que vem de dentro — Os grandes médicos de todos os tempos
Junto à baixada do Arouche, “demarcada por altas e majestosas mu-
radas, em grande
área se ergue
a construção de estilo gótico acaboclado
que neste mês de agosto leva a termo o primeiro centenário de assistência
aos necessitados de saúde vindos de toda parte da cidade e mais além da terra de
Piratininga,
como
do
distante
Mato
Grosso
ou
do
árido
Piauí,
recolhendo sem menos valorizar os provindos de além-Pátria, tais são aqueles de Chile, Peru, Bolívia e outras terras mais” (Carlos Roberto Hojaij).' Desde a primeira vez em que, nos idos de
da Santa Casa recolheu
córdia paulistana ciência médica:
tem
e tratou
sido
“uma
o grande
mulher
berço
1715, o primeiro hospital
de braço
podre”,
de formação
a Miseri-
e evolução
“A Medicina evoluiu e a tecnologia dia-a-dia renovada requer investimentos de grande monta. O “braço podre” exige não apenas caridade. À sua volta se levanta um complexo aparato técnico que tem de estar movido por mentes claras e atualizadas... A grandeza secular da Santa Casa de Misericórdia e a assistência centenária do Hospital Central caracterizando uma Tradi-
da
712
Glauco Carneiro
ção a ser valorizada — talvez um dos poucos veios de cultura histórica deste aculturado país — acreditou no Conhecimento e concedeu a um grupo de médicos o privilégio de se organizar em Faculdade. Neste ponto, a Assistência tem de ser precedida pela Investigação, para que resulte atual e efetiva. A grande rotação tem de continuar a ser feita, à custa de sacrifícios, pretendendo-se
chegar ao termo da tarefa. A tríade Pesquisa-Ensino-Assistência, nesta ordem de desenvolvimento teórico — não o prático, claro —
deve erguer-se além de toda contingência, e muito além da barbá-
rie em que o país, em geral, ainda se encontra metido”?
Este penúltimo Capítulo de O Poder da Misericórdia, despreocupado de cronologias, vai abordar pessoas que realizam a tríade na Santa Casa — gente importante, gente humilde, simplesmente gente que enxerga um sentido de missão no trabalho desenvolvido dentro daquele quarteirão onde pulsa a alma paulistana, com suas dores, seus lenitivos, sua emoção, sua saudade, sua poesia. Comecemos com João Carvalhal Ribas esse desfilar pela Misericórdia. Lembremos,
com ele, que
os moços
geralmente
encetam
o curso
médico
“na ambição de sentir melhor o mistério da vida, de manipular e, se possível, minorar as dores inseparáveis da vida e, se possível, para imprimir mais vida aos personagens dos futuros romances daqueles que têm veia literária”. Mas de repente a sensibilidade fala mais alto e os estudantes do Curso Médico sentem uma revolução. E mudam: “Mas
o curso médico,
fazendo-me
sentir
a impassível
carne
humana morta na Anatomia de Bovero, na Histologia de Carmo Lordy, na Patológica de Cunha Motta, fazendo compadecer-me
da miséria humana ainda viva e sofrida de Celestino Bourroul, de Montenegro, de Vampré, desencadeou dentro de mim uma revolução imprevista e irresistível, total e definitiva. Exclamei, no
entusiasmo da descoberta: “Lidar com gente ao vivo, entre angústias, dores e esperanças, com desenlaces felizes ou fatais, encerra uma tensão superior, inexcedível, inefável... Supera de longe todas as criações literárias e artísticas que então parecem -esvaziadas de vida, de transcendência, de metafísico. .. Chego
a desconfiar de que quem descobriu a aspirina vale mais do que Beethoven com as suas nove sinfonias..."
Trata-se de uma força de expressão: a criação artística ajuda a traduzir a emoção que advém de trabalhar com a saúde dos seres humanos,
dos pobres seres humanos, para quem a Santa Casa é talvez o único porto
de salvação. Raramente é uma emoção de primeira geração. Geralmente é herdada
de um avô, de um pai, e também passa para os descendentes.
Por exem-
O
Poder
da Misericórdia
713
plo, foi preciso que Antonio de Almeida Prado fizesse Clínica Médica na Santa Casa, e depois que seu genro Paulo de Almeida Toledo se formasse
naqueles corredores em
1932, servindo ainda na multissecular instituição,
para que Marcelo de Almeida Toledo, igualmente radiologista, se formasse também na USP e depois viesse para o Arouche, totalizando — até agora — três gerações envolvidas com a mística da Misericórdia.
O carisma da Santa Casa
Ainda menino, Marcelo acompanhava o pai que ia tratar dos doentes na Misericórdia. Ficou assim centrado naquele prédio de tijolos vermelhos
e desconfiou,
no início, que só ele sentia vibração quando
falava da Santa
Casa:
trabalhava
ou
“Eu pensei que fosse uma coisa só minha, mas não era. A Santa Casa tem mesmo um carisma que atinge todos os que tra-
balham
aqui. Não
sei se é pela diferença dos outros hospitais,
bem mais modernos, os corredores daqui, abobadados, as colunas, o verde, o pátio, para onde os doentes saem e vão passear no
jardim e tomar sol, formam consegue desgrudar-se”.! Não só os diferente:
médicos,
mas
os
um
ambiente diferente
doentes
são
sensíveis
“... Em segundo lugar desejo mencionar o giene que a instituição mantém nos quartos, o tribui para a recuperação dum internado. Isto bela vista do jardim da janela, cujo verde acalma
e ninguém
a esse
ambiente
bom asseio e hique deveras consem mencionar a e encoraja...”*
Todos os médicos paulistas acima de setenta anos têm lembrança viva desse ambiente, que impregnou de humanismo suas vidas e suas car-
reiras. Nem sempre esse humanismo está presente completamente nas novas
gerações médicas. E é preciso entender o que vem acontecendo: a proliferação de escolas saturou as cidades e o profissional, para sobreviver, tem quase de agredir o mercado. Mesmo assim, ele se deixa contagiar por fatos. Exemplo: o fato de possuir um patrimônio, dá à Santa Casa opor-
tunidade de exercer uma medicina gratuita para muitos de seus assistidos,
que não precisam ser segurados para receber tratamento. Qual outro hos-
pital que faz issc?
“A Santa Casa proporciona, por livre e espontânea vontade,
uma saúde gratuita, baseada na renda que ela tem dos aluguéis, dos prédios de seu patrimônio. Quer dizer, o sentido cristão da
714
Glauco
Carneiro
Santa Casa existe realmente, embora enfrente crescentes dificuldades para praticar a medicina especializada de hoje. Antigamente, no século passado, a assistência médica era um simples
gesto
de
nem
solidariedade
anestesia
—
humana,
cera só uma
Com o tempo, a medicina
e científica, encarecendo
porque
tentativa
não
de
existia
auxílio
antibiótico,
ao
próximo.
foi se revestindo de capacidade técnica
seu custo e a colocando
quase
inacessí-
vel para o povão, a não ser em forma de seguro... As Santas Casas tendem a desaparecer, porque não podem dar mais serviço gratuito para todo mundo, com o custo da medicina de hoje. Pela legislação atual do país, já não existem
mais indigentes, mas
isso no papel, porque nós atendemos aqui na Santa Casa uma mostra do Brasil inteiro — sujeito de botas e chapéu de couro, gente sem calçado e quase sem roupa, sem documento, sem papel
algum,
e a todos
esses
—
que
oficialmente
não
existem,
—
a
Santa Casa atende com o mesmo amor e carinho — trata de todos igualmente: os que são segurados, têm papel, podem ressarcir o atendimento pelo INAMPS, mas os que nada têm são fi-
nanciados
pela Santa
Casa”.º
Em outros termos, em competição puramente de mercado, capitalista, a Santa Casa não pode enfrentar a concorrência dos demais hospitais baseados nesse esquema. Daí o drama da instituição: quer atender a todos que a procuram e muitas vezes não lhes pode assegurar o atendimento
completo
passível
de ser dado
a uma
fração
dos
pacientes.
alto padrão,
e o
resto,
Mas,
como
estabelecer essa fração, sem fazer discriminações? Marcelo de Almeida Toledo tem a seguinte opinião a respeito: “Então, a essa parcela a gente deve
atender
bem
atendida,
de fora, porque a gente, com
dos
médicos,
dos
com
funcionários,
um
esforço
fazendo
tremendo,
uma
medicina
paciência,
diminuindo mais
ficou
o salário
econômica,
se
objetivar o dobro do atendimento, passando a atender dois mil por dia, ainda sobram dez mil do lado de fora. Então, em vez de mil, vamos atender 500 com alto padrão”: “Esta a saída que eu é função do Estado. O na fonte — a Santa Casa neris”, põe dinheiro seu a beleza de sua existência, ficente”.
vejo para a Santa Casa, porque o resto Estado tem obrigação, porque recolhe não tem. Ela, como hospital “sui gepara atender pacientes e isso constitui pois é o único hospital realmente bene-
Quinhentos e trinta médicos e os alunos da Faculdade de Ciências Mé-
dicas estão envolvidos diariamente com a medicina da Santa Casa. A escola
dá muita vida ao hospital: mantém os profissionais em contato com os alunos e isso espalha um sopro vivificador em todas as especialidades.
O Poder da Misericórdia
715
Os residentes trabalham no atendimento, cada grupo de cinco deles assistido por um médico mais experiente. A experiência pode comportar o lirismo. Por exemplo: como definir o entorno urbanístico em volta da Santa Casa e os fatores lá dentro que
a tornam diferenciada?
Diga-se, de começo, que a cidade de São Paulo soube colocar guardas
vigilantes que denominam
as ruas em torno da instituição. Gente como
Marquês de Itu, D. Veridiana, Cesário Motta, Major Sertório, Rego Freitas, General Jardim, Amaral Gurgel — antigos membros da Irmandade em vida, seus beneméritos durante a existência física, e que agora se posicionam em
vigilância como
memória, lembrando aos transeuntes
que continuam ali,
velando pela Misericórdia. E para que a proteção se tornasse completa, a colaboração de uma santa que tem uma rua logo a partir do portão — lógico que Santa Isabel. O quarteirão da Santa Casa, perto do Largo do Arouche — denominação que a Misericórdia deu ao bairro —, é “singular, rodeado de um muro despido de qualquer ornamentação — tijolos à vista, sem caiação, a cercadura mais simples que existe. Dentro do quadrilátero — formado
pelas
Ruas
Cesário
Motta,
D.
foi erguido este hospital cujo gótico que cativa, mas também
Viridiana,
Jaguaribe
e Marquês
de
Itu —,
prédio central é o mesmo”. Não é só o a harmonia e beleza do layout e a atração
verde do jardim: palmeiras, carvalhos, corticeiras, eucaliptos. O célebre Manequinho Lopes vibrou quando conheceu esse jardim pela primeira vez, admirando o desenho, a qualidade das árvores e folhagens, a simetria. Parte-se de uma imagem de Cristo, posicionada logo atrás do portão, com a inscrição “A Jesus em seus pobres” e se vai subindo em duas rampas suaves até o pátio defronte ao prédio central, onde ficam a Provedoria e a Capela. Nesse jardim e por toda a área do quadrilátero, vemos bustos e placas. com
Uma funcionária da Biblioteca Central, Sheila Ackermann, o Projeto
História
da Santa
Casa
fazendo
um
colaborou
levantamento
dessas
criações artísticas que fixam a memória de grandes amigos e funcionários da instituição. Assim,
a imagem
de
Jesus
Cristo
no
Portão Central
é dedicada
ao
imortalizado
em
Provedor Arcipreste João Jacyntho Gonçalves de Andrade e à Comissão de Obras que erigiram o Hospital Central. Há depois, diante do setor de recursos humanos, um busto em memória de Joaquim Gonçalves Moreira, “Português de nascimento, brasileiro de coração, grande protetor da Santa Casa”. Diante da Psiquiatria, outro, dedicado a Jesuino da Fonseca Leite, benemérito paulista. Do lado direito, diante da Capela, outro busto, desta vez de Diogo de Faria, “Médico notável”. O maior doador de todos os tempos
da
Misericórdia,
João
Briccola,
está
igualmente
concreto, perto da Capela, assim como o grande Diretor Clínico Arnaldo
716
Glauco Carneiro
Vicira de Carvalho,
“Inexcedível
benfeitor desta Casa
de Misericórdia à
qual dedicou a maior e a melhor parte da sua vida”. Outra homenagem
em busto: Fiel João da Silva, que dedicou à Pia Instituição a maior parte de sua fortuna. Há placas relembrando outras notáveis personalidades. A construção do Centro Radiológico foi devida à generosa doação de D. Pola Mlotek de Rezende, viúva do Engenheiro Nelson Ottoni de Rezende. Na Ortopedia há uma homenagem à memória de Fernandinho Simonsen, que denomina o Pavilhão construído com recursos doados por sua família. No subsolo
do
Pavilhão
de
Ambulatórios,
Conde
de
Lara,
na
Odontologia,
uma placa lembra Horace Wells, Cirurgião Dentista Americano (1815-1844), que “descobriu a Anestesia legando à Humanidade o triunfo sobre a dor”. Os graves senhores
tuas e placas, quanto
da Santa Casa, tanto os já imortalizados em está-
os que
dados onde se filtra uma
se deslocam
pelos belos corredores aboba-
luz terna, costumam
olhar os assistidos da Mise-
ricórdia, que se quedam nos bancos do jardim, descansando uns ou muitos momentos, numa harmonia perfeita com o ambiente acolhedor, integrados,
sem o saberem, com a filosofia da instituição multissecular. E muitas vezes
esses assistidos pela Santa Casa (que conforme Fortunato Gianini bem poderia chamar-se Santa Casa do Brasil), aproximam-se daqueles graves senhores, têm um instante de perplexidade com suas roupas formais, mas logo se deixam atrair pela mensagem estampada em suas faces — a mensagem do interesse pelo próximo, a fraternidade que se desprende dos seus olhos e de sua postura. Como diz Marcelo de Almeida Toledo, é gente de todo o Brasil que confia na caridade dos homens de São Paulo. A Santa Casa é para eles a última esperança de bom
atendimento
e gra-
tuito —
o único lugar onde se assistem homens, mulheres e crianças que
não têm
“papel
nenhum”,
“não
têm
Funrural”,
“não
têm
INAMPS”,
“os
que perderam tudo”, “os que nunca me deram”, “os que não sabem mais para onde ir”. Eles chegam à capital paulistana, ficam algum tempo na Promoção Social (antigo Serviço de Emigração) e dali vão ter à Santa Casa. Chegam num ônibus todo torto, caindo aos pedaços, tão precário quanto a pobre e sofrida gente que transporta: “São umas quarenta pessoas piores do que o ônibus — nunca se vê um desfile tão triste, mais comovente: é gente sem perna, sem braço, sem rim, sem olho... Se a gente pudesse pegar todos os órgãos deles e formar pessoas completas, não teríamos material para dez pessoas inteiras — é impressionante. Então, é esse o tipo de atendimento da Santa Casa que não se vê em lugar nenhum. Aqui as patologias são num grau nunca visto. Eu atendo aqui, às vezes, pacientes que ficam quatro meses sem evacuar, e têm
um abdome tão grande que o intestino grosso chega a ter trinta
O
Poder
da
Misericórdia
centímetros de para a Europa na Santa Casa, uma inocência um sujeito que
717
largura. Fiz radiografias de pacientes assim e levei e eles ficaram abismados. É isso o que nos espanta vendo patologias desse tipo e ao mesmo tempo, de comover. Eu próprio tive um caso aqui, de tinha um dedo no dorso do pé, com três falanges
e um dedo ereto, com unha — desafiante, parecia até um chifre
de rinoceronte. E ele nos procurara para tratar do rim doente... É claro que uma anomalia genética desse tipo pode acontecer na Europa e nos Estados Unidos, mas lá, assim que o indivíduo nasce, o pediatra corta e a mãe nem fica sabendo. O que é inusitado e que nos espanta é que o indivíduo tenha permanecido com esse dedo no peito do pé durante vinte anos e ninguém tenha achado anormal. Para ele, estava “tudo bem”. Quer dizer, esse dedo é muito eloqiente, porque nos diz que estamos num país onde o atraso, a pobreza, a falta de cultura predominam. Ele veio para cá para tratar do rim — não tinha qualquer trauma com esse dedo no pé. Não o considerava anormal... Esse pessoal que nos procura, que vem
de bota, que
usa
chapéu, essa gente do
de chapéu
de couro,
interior, é respeitosa,
chega, cumprimenta, dá bom dia, boa tarde, coisas que em outros hospitais você não vê e é por isso que eu falo muito com o meu
pessoal: é preciso respeitar essa gente, porque eles vêm acreditando que a Santa Casa é a última esperança. É preciso que en-
contrem
na gente
uma
coincidência
com a imagem
que
têm
do
médico — não podem chegar aqui e encontrar um médico de jeans, tênis, barbado, cabelo arrepiado — coisa que no interior não existe. ..”.8 Os médicos da Santa Casa, ligados a uma faculdade, emparelham com os melhores do mundo. Viajam ao exterior, frequentam congressos, elaboram trabalhos — muitos abrem mão dos consultórios próprios e fazem preferencialmente pesquisa. E a Misericórdia tem pontos fortes em sua medicina: por exemplo, sua Ortopedia é magistral, e o diretor do Departamento, Dr. Carvalho Pinto, tem fama nas três Américas, sendo constan-
temente
agraciado
por países estrangeiros.
A Anatomia
Patológica é outro
setor de destaque, bastando dizer que especialistas da Santa Casa integraram a junta que redigiu o laudo cadavérico de Tancredo Neves. Se são centenas hoje, somam milhares ao longo dos séculos. Os espiritualistas não acreditam que gente que tanto amou a Santa Casa possa afastar-se daqueles corredores, túneis e enfermarias, pelo simples fato da morte... É por isso que, nas madrugadas escuras e frias, há quem veja homens de capa preta e freirinhas de hábito branco perpassando pelas velhas alas a que deram suas vidas...
718
Glauco Carneiro
A Santa Casa c a Poesia
Prova da peculiaridade da Santa Casa é a sua vocação para abrigar poetas... Oliveira Ribeiro Neto escreveu que ela “há 400 anos junto a Deus, /
a proteger os pobres
deste mundo, / uma
união de pobres e plebeus /
juntou num gesto amplo e profundo, / sob a bandeira de luz e de concórdia, / —
“de
teu coração, São Paulo!
—
Misericórdia:
“Dona
Isabel,
Rainha,
os filhos teus / na Santa Casa
te inspirou
e te ensinou a crer na santidade de quem protege o pobre a quem o pão da santíssima verdade da saúde que nos protege a vida, pois tuas mãos e tua caridade
conduziram
faltou
os passos do teu povo,
das ruas tortuosas da cidade, que surgia teimosa e bem nascida, ao teu coração que é sempre novo a proclamar amor, fraternidade,
e mata a fome
ao pobre, e trata e cura
a chaga mais cruel e persistente baseado na fé que o transfigura,
oh minha
Santa
Casa, nunca
ausente
a proteger a vida do teu povo.” nbava
Por sua vez, Marcelo triste,
com
a
tristeza
de Almeida discreta
Toledo, fala daquele que
dos
fatigados,
numa
noite
“cami-
escura,
coagulada em preto, subindo calado o jardim serpenteado da Santa Casa: “Ninguém o acompanhou com um sorriso. Ninguém para lhe acenar uma despedida. Internou-se no pavilhão especificado, numa tristeza estranha e tão definitiva, sentindo escoar o ímpeto da vida sozinho acordado enquanto, talvez, o próprio Deus dormia. Ao amanhecer sonhou com
um
pássaro amarelo,
descomunal,
numa plumagem rica de libras esterlinas, junto à fachada medieval.
E tudo rebrilhou naquele enfoque óptico,
uma nuvem de ouro sobre um fundo gótico.
719
O Poder da Misericórdia
Então... Ah! então, franzindo a testa, num lento pensar, meditou sobre a vida, a força da vida, na vontade de Deus, toda colorida.
Então entendeu o porquê
que esse velho ipê, já coberto de hera,
antecipa, florindo, a primavera.”
Num Vicente
plantão
que dava
Félix de Queiroz
na
escreveu
Santa
Casa,
há alguns anos,
um
poema
sobre os velhos
o médico
corredores
da instituição a que sempre dedicou sua vida. Enviou-o, então, como
lem-
brança de seus 45 anos de serviços à Misericórdia, ao seu colega e amigo,
o então Diretor Clínico Waldyr da Silva Prado. Eis essa peça comovente, inspirada por foto da luz que se filtra nos corredores da Santa Casa: “Veja, Waldyr, os velhos corredores Que saudade! Saudade
comovedora
que
logo
da nossa
Santa
Casa!
nos invade,
Daqueles nossos pobres sofredores.
Neles passamos como sonhadores, Carregando a esperança e a mocidade.
Eles viram passar toda a bondade Daqueles nossos velhos professores.
Eles sabem também quanto lutamos Para salvar as vidas que salvamos
Com
Sem
todo o coração.
ninguém,
sem
mais
ninguém
Apenas essa luz tão calma e boa
Parece que do céu nos abençoa Pelo bem que fizemos, pelo bem.”
A história de Anna
Alguns pacientes da Santa Casa ficam. Não sabem mais desgrudar-se daquele quadrilátero que salvou suas vidas e sentem uma obrigação para com os que virão depois.
Dizem como Anna Bezerra —
com o pouco do que
Aninha: — Oxalá eu pudesse devolver
faço tanto amor que por aqui
achei!
“Quem quiser descobrir a alma pura, nata da Santa Casa, dê uma volta pelo corpo do Hospital, apalpando suas paredes
de tijolos vermelhos, olhando funcionários,
irá encontrar
fundo
repousando
nos olhos em
de seus
saudades
dos
velhos
velhos
720
Glauco Carneiro
tempos, neste mesmo século, a mesma caridade, o mesmo amor que move cada um, médico, enfermeira, atendente... a dar um pedacinho de si para o bem do doente... Te agradeço Senhor... / Por trazer-me a esta casa... / Por mãos amigas ser recebida, / Onde a dor achou alívio / Recuperando a própria vida! Te agradeço
Senhor...
/ Pela infinita bondade
e calor /
Pelos carinhos, palavras e ensino / Pela brancura de suas vestes /
As
Irmãs de Caridade
/ Anjos
da Irmandade!
Te agradeço Senhor... / Pelas mãos abençoadas / Instrumentos do Senhor / Dos médicos, soldados em luta / Da vida
afastando
a morte
/ Batalhando a própria
sorte!
Te agradeço Senhor... / Por mais um dia de vida... Trazendo novas esperanças / Para todos que à noite sofrem Por toda a dor amparada / E todas as lágrimas choradas!
/ /
Te agradeço Senhor... / Por tantos anos vividos... / Sofrendo e aprendendo / Que a vida só tem valor / Quando morrendo!”.
estamos
Antigos funcionários, como Lúcia Dutra, emocionam-se com os “Senhores” — os membros da Irmandade que se sacrificam e muitas vezes
morrem mente,
no seu esforço anônimo.
mas
que
encara
o dever
Gente
da
que não precisa
Irmandade
com
mais
trabalhar duraforça
do
que
talvez a lida de antes... José Camargo Aranha, Benedito Santana, Vicente de Azevedo — a dedicação total:
“A gente cresceu e acompanhou essas pessoas e sente por elas um respeito maior... São diferentes, emocionam... Alguns são santos. .., pacientes, dóceis e, no entanto, obstinados. .. Gente de um
equilíbrio emocional
Há também
extraordinário...
uma profunda consciência de missão:
dar con-
tinuidade ao que já vem de tanto tempo... As pessoas aqui trabalham pelo próximo, não por sua salvação — elas provam que
a caridade é possível no mundo
de hoje...
Este grande prédio, este jardim, esta beleza de mãe grande na arquitetura — o prédio se abre, aqui não tem frio, só tem
amor...
E o mundo em volta sente o que é a Santa Casa. Há trinta
anos que a floricultura
do
Largo
do
Arouche
nada
para trazer as flores para nossas mesas. Os donos para a Santa Casa: não podemos cobrar.
me
dizem:
cobra
—
É
721
O Poder da Misericórdia
Apesar dos meus 40 anos de serviço, cu não dei nada
a Santa
Casa.
Manoel
Joaquim
gente. ..”.? ingressou
Só
recebi.
Bottari,
Trabalhar
o
mais
aqui
veterano
na instituição a 23 de setembro de
Manutenção:
me
para
melhorou
servidor
da
como
Santa
Casa,
1930 ec hoje é chefe da
“Eu cresci junto com a Santa Casa... Ela tem sido totalmente a minha vida. A um irmão que queria me dar um emprego, onde iria ganhar mais, eu disse: “Vou dizer o que me prende à Santa Casa”. Comecei pela Mesa Administrativa, aqueles homens límpidos, aqueles homens corretos com quem a gente lidava e que mereciam todo o nosso respeito. Depois, passei aos médicos, que nesse tempo eram extraordinários, diferentes — até compravam remédio para a gente, se precisasse... Grandes homens:
Soares
Drs.
Rezende
Hungria,
Puech,
Benedito
Odair
Pedroso,
Montenegro,
Pedro
Adolpho
Ayres
Netto,
Lindemberg...
Todos homens extraordinários, de uma dedicação fantástica. Ficavam aqui de manhã à noite, até aos domingos... Celestino Bour-
roul tirava dinheiro do bolso para dar aos doentes pobres
não podiam comprar remédio... O Dr. José de Alcantara chado, um espírito iluminado e sonhador...
que
Ma-
Havia também a gente humilde que ia entrando e ficando... O Anselmo era um desses: 60 anos de Santa Casa. Entrou aqui mocinho e morreu com quase 90 anos... O maior Provedor que a Santa Casa teve foi Christiano Altenfelder Silva, pela dedicação, pela assiduidade... Eu acho que esses homens da Irmandade vêm para cá por pura caridade. Foi por isso que eu disse a meu
irmão:
“O que me prende
são
aqueles homens, a gente que está lá dentro, homens com quem se tem prazer em lidar, tal sua dedicação, e nisso o meu espírito
se identifica com o deles. As vezes eu falo para meus funcioná-
rios, quando começam a reinar muito. Digo: — Olha, a Santa Casa é isto, isto e isto. Tudo o que vocês fazem é em benefício do doente, dos que sofrem. A Santa Casa não visa lucro, não vai ter rendimento em cima do trabalho de vocês. Quem vai ganhar são os doentes. Amanhã vocês vão ter sua mãe doente, como têm fulano € sicrano, que trouxeram o pai, o filho, e todos
foram atendidos. Vocês trabalham por vocês mesmos. ..”)º
Todos se sentem participantes. Dizem como o Dr. Toshio Mochida: “Aqui trabalho, me aperfeiçõo, e aprendo os novos rumos da medicina. Meu trabalho é técnico. Sou uma peça da engrenagem da Santa Casa”.
722
Glauco
Carneiro
É preciso dizer que para a maioria O ingresso na Santa Casa quer dizer “permanência definitiva”. Conhece-se tijolo por tijolo. Certa vez, para
comprovar a diferença do ambiente, o médico Waldyr da Silva Prado levou
um colega disse: “Eu
inglês para visitar a Misericórdia. Ele olhou a construção e compreendo por que o senhor gosta tanto deste hospital —
basta olhar”. Em outra ocasião, um grupo de médicos
franceses considerou
como ponto alto de sua estada no Brasil uma recepção que lhes foi prestada na Santa Casa. Aquelas abóbadas, aquele gótico, influenciam: “Aquelas arcadas nos abraçaram e não nos largaram mais. A arcada gótica é a representação usada no Cristianismo para figurar a elevação do homem até Deus. A nave gótica é a estilização das mãos postas em prece”.» 12 Na expressão de Prado, “a Santa Casa não é bem um Instituto de Caridade, porque é mais do que isso — é um instituto humano, onde se pode concretizar o homem integral”. Médicos antigos e modernos Neste roteiro sentimental da Santa Casa é preciso aludir a experiências humanas desse templo de humanidade. Falar do perfil do médico que tem servido à instituição, ontem e hoje. Retornemos a Waldyr da Silva Prado e às saborosas histórias de sua passagem pelo Corpo Clínico: “GC: Dr. Waldyr, eu gostaria de retornar a um ponto. Nós traçamos um perfil, que eu achei esplêndido, do irmão típico. Eu gostaria que o Sr. me traçasse um perfil do médico típico da Santa Casa. Os dois modelos: o médico da sua geração, quer dizer que eu acho que representa a geração clássica e o médico de hoje da Santa Casa. WP: O de hoje eu pouco posso dizer. Eu estou numa idade, estou já afastado da atividade médica e acredito que este médico de hoje seja um médico, de tal maneira assoberbado com seus problemas econômicos, porque o médico não passa hoje de um proletário de luxo, tendo que ter vários empregos para se manter. Talvez não possa se desenvolver nestes médicos o mesmo espírito que tinha o médico de 50 anos atrás, que iniciou a sua carreira há 50 anos atrás, como é o meu caso, em que tudo era muito mais fácil e que nós tínhamos um grande prazer em trabalhar de graça e nós disputávamos mesmo era um lugar no escalão hie-
rárquico que ia sendo construído pela nossa carreira. Se o Sr. leu os relatórios da Santa Casa, deve ter verificado que
723
O Poder da Misericórdia
cada enfermaria da Santa Casa só possuía um chefe de clínica, que era chefe da enfermaria e no máximo 4 assistentes efetivos. Os outros todos eram assistentes voluntários da Santa Casa. Eram homens que não ganhavam nada para trabalhar e o assistente efetivo também não ganhava nada. Apenas após a Lei Alípio, obrigando os hospitais que recebiam verbas do Estado, a remunerar o seu Corpo Clínico, Alípio Correia Neto era deputado do partido socialista, se não me falha a memória, fez uma lei, daqui de São Paulo, não era uma
lei federal, que obriga
todas aquelas institui-
ções que recebem dinheiro do governo, a que o corpo clínico seja remunerado, mas não fixava quanto deveria ser essa remuneração. Então a Santa Casa passou
a dar uma quan-
tia simbólica que o chefe da enfermaria distribuía entre os seus membros e era uma quantia simbólica realmente. Mas, evidentemente, isso hoje não pode mais existir, porque dentro das contingências da vida, um médico já começa a trabalhar antes de poder exercer sua função, já especialista e tudo isso. Então tem de haver uma
diferença muito
grande entre o perfil desse médico e o médico do passado. O médico do passado, eu poderia fazer uma comparação talvez um pouco grotesca. Seria a velha guarda napoleônica, sempre resmungando mas sempre em frente, porque o médico da Santa Casa estava sempre brigando, sempre falando contra a Mesa Administrativa, sempre protestando e sempre trabalhando. E eu quero, antes de terminarmos a nossa conversa, lhe mostrar um documento que tenho aqui, que é muito interessante e me foi dado como lembrança por um dos nossos velhos médicos da Santa Casa, que era meio poeta, Vicente Félix de Queiróz.
Já morreu e era mé-
dico da porta. Mostra um aspecto muito interessante. Ele me fez um verso que define muito bem várias das perguntas que foram feitas. O médico da porta é o seguinte: São Paulo não tinha Pronto Socorro (PS). Existia o Hospital das Clínicas. A Santa Casa mantinha um médico 24 horas
por dia, de 12 às 12 horas do dia seguinte. Este médico
tinha um estudante de 6.º ano que o acompanhava neste plantão e ecra um médico fixo que dava esse plantão, cada dia 1.º. Aí esse estudante de 6.º ano se agregava a um outro que aparecia, um ou outro dia, mas eram, oficialmente, duas pessoas. Essas duas pessoas eram responsáveis pelo PS de São Paulo inteira, na década de 30 até 1945. Todo PS de São Paulo era exercido por um médico que ficava 24 horas atendendo todas as emergências. Todas as
ambulâncias de São
Paulo drenavam
para a Santa Casa.
724
Glauco Carneiro
Então
nós
tínhamos,
quarto
do estudante
em
cima,
naquela
parte
da
frente,
naquele sótão existia um quarto de médico,
na porta o
Nós
faziam
tínhamos
uma
interno
refeição
e o quarto do farmacêutico.
especial,
as irmãs
uma
refeição especial para nós. São Paulo era uma cidade ainda calma, então, de noite a gente escutava o barulho da sereia da ambulância, quando ia para o Pátio do Colégio, ali onde era a 1.º Delegacia de Polícia de São Paulo e o 1.º
atendimento,
o único
atendimento
de urgência,
que equi-
valia a um posto de pronto-socorro hoje. Mas nós só tínhamos também um médico e um outro estudante dormindo. A gente escutava de noite aquele barulho da sereia da ambulância, aí ficava de orelha em pé, de repente a gente
escutava o barulho da sereia velho telefonista e acordava estudante e dizia: “olha, taí via e se fosse realmente grave,
vindo. Aí, de repente subia o a gente. Primeiro acordava o um caso grave”. O estudante chamava o médico de plantão
e operava. O telefonista era tão prático que, às vezes, ele subia, naqueles dias frios, com um cobertor na cabeça e
dizia:
“oh, doutor!
Era o
Júlio.
é um
caso de aborto, já mandei
fazer
pituitrina, pôr bolsa de gelo, não precisa descer já, não”. GC:
Pituitrina?
WP:
Isso, é para ajudar a parar a hemorragia. Isso era o PS de São Paulo. E, às vezes, operávamos 24 horas seguidas. Em 1945 cria-se o Hospital das Clínicas e eu fui um dos
primeiros a fazer plantão lá, como assistente do Prof. Montenegro. Nós fomos os primeiros a ocupar o PS. Aí começa
um PS em bases modernas e a Santa Casa fechou o ProntoSocorro dela, mas foi obrigada a reabrir em 1961, tendo em vista a criação da Faculdade, que ela já estava pensando em instalar. Aí foi chamar os velhos médicos, que eu chamei de ferro velho da Santa Casa, o Dr. Oriente, que hoje é Diretor Clínico, eu, o Silva Telles para chefiar-
mos equipes para montarmos esse PS e que hoje é um excelente PS. Mas durante 24 horas São Paulo estava entregue a um médico da porta e um estudante. GC:
Quando o Santa Isabel começou a funcionar, sendo um hos-
pital com destinação própria, o fato de visar o lucro, justa-
mente, para atender parte das despesas da Santa Casa, mudou um pouco o espírito desses médicos?
WP:
Não, muito ao contrário. O negócio é até muito engraçado.
Durante anos a Santa Casa manteve
o Pavilhão
de Pensio-
O
725
Poder da Misericórdia
nistas só, que da mesma maneira que era o velho hospital, era dividido: tinha um lado que era Pensionistas Mulheres; é o lugar onde está hoje instalada a Superintendência. Então
o Sr. chega
lá e encontra
uma
placa,
uma
tabuleta
escrita assim: Chefe de Clínica Dr. Gomes Caldas. Lá era o Pensionistas Mulheres, inclusive, não tinha elevador. Quem estava deitado, a maca era levada a braço. O doente era operado e levado a braço. E do outro lado, onde hoje está instalada a Secretaria da Faculdade era o Pensionistas Ho-
mens e nós brigávamos quando tinha um doente para internar, porque nós queríamos operar dentro da Santa Casa.
Mas
é mas
Então
pelo amor de Deus, eu tenho um não
tem
vaga,
foi uma grande
doente urgente...
tá na lista aqui mas não
reivindicação
tem
vaga.
do Corpo Clínico da
Santa Casa a criação de um Pavilhão de Pensionistas. Só que se deu um fato curioso. Depois que a Santa Casa cons-
truiu esse Pavilhão de Pensionistas, grande número de médicos que trabalhavam na Santa Casa, não internam no Santa Isabel, internam em outro hospital, porque acho que já estavam acostumados com esses outros hospitais. No Santa Isabel é mais pedido internação por esses médicos mais moços, que dão consulta lá. Mas era uma coisa necessária.
GC:
O Sr. lembra de algum episódio da porta...
WP:
Aconteceu
um
era muito
bravo,
fato curioso:
um
dia eu estava
de plantão,
início de plantão, não vou citar o nome do médico, pois ele já faleceu e quando eu assumi o plantão, esse médico
muito
bravo.
coração
Quando
de
ouro,
amicíssimo
cheguei, me apresentei
meu,
mas
ao meio-dia
a ele. Ele disse: “é você que vai entrar?”, eu disse: “sou”. Então nós estamos ruim, porque nós já vamos começar a
trabalhar desde já. E, realmente, tivemos uma série: come-
çamos a operar, tivemos uma obstrução intestinal, tinha um
outro caso que eu consegui resolver sem operação e assim foi passando a noite e aí veio um fato meio jocoso. Quando chegou as 7 horas da noite um dos antigos dos grandes che-
fes de enfermaria da Santa Casa
telefona para ele e diz
que tinha morrido na enfermaria dele um português lá da cidade que ele tinha fazenda, perto de São Paulo e que precisaria mandar o corpo do português e queria que nós em-
balsamássemos. O médico não disse nada, porque havia aquele respeito da hierarquia e a gente respeitava muito os mais velhos. Ele voltou para a mesa, nós estávamos jantando,
e disse:
“você
já
embalsamou
alguém
na
vida?”
“Nunca”, eu disse. “Então nós vamos ter que embalsamar
726
Glauco
um português”. “Não samar”,
tem problema, vamos
Carneiro
tentar embal.
A enfermaria dele preparou um frasco enorme de formol e aí vem um detalhe. Nessa época, na Santa Casa, acho que foi no ano de 1938/39, não existia enfermagem. O indivíduo era admitido, punha um avental branco... Isso já eram mais de 10 horas da noite. Nós saímos e passando pelo corredor vinha vindo um rapaz com avental branco, com cara meio de enfermeiro e ele disse: “você
aí, vem cá”. “Mas, doutor...” “não discuta comigo, só me
acompanhe”. Entramos no necrotério velho, onde hoje é o pátio de estacionamento do Santa Isabel. Chegando lá o rapazinho carregando aquela história daquele frasco de formol já entrou apavorado. Não era um espetáculo muito agradável, 10 horas da noite, entrar num lugar só com aquela mesa de mármore com aqueles corpos ali em cima e ele me pediu a parte técnica para fazer e ele queria que o formol passasse lá no interior do coágulo e ele colocou aquilo dentro de um irrigador e dizia: “levanta mais, levanta mais”. O sujeito levantava e o formol não descia. “Sobe nessa mesa”. Era a mesa onde tinha um cadáver. O sujeito subiu na mesa, empurrou o cadáver um pouquinho com o pé assim, “põe mais alto, põe na cabeça” e o formol não descia. “Vai apertando a borracha” e aquele negócio, estava aquele ruído soturno e de repente a borracha soltouse, caiu aquele formol todo na cabeça do sujeito, o sujeito deu um pega, pulou da mesa, saiu correndo pelo hospital, saiu pelo portão de trás da Santa Casa e nunca mais ninguém viu. No dia seguinte ficamos sabendo. O sujeito tinha entrado naquele dia na Santa Casa para ser empregado de limpeza e nunca mais viram o homem, sumiu. Aí fizemos a embalsamação da maneira que achamos melhor. Daí ele disse o seguinte: “Agora, o Sr. só me chame hoje, se for uma coisa muito urgente. Resolva tudo o que você puder resolver, porque eu não agúento mais”. Isso já eram quase duas horas da manhã. Daí me chamaram para uma apendicite aguda. Pensei, nem vou acordá-lo. Tinha um outro estudante que lá apareceu, eu o chamei e operei. Era um
menino com apendicite supurada. GC:
O Sr. era estudante do 6.º ano?
WP:
É, estudante do 6.º ano, mas eu já tinha operado muitos. Eu operei, o menino
sarou e eu tive o primeiro presente
médico. Naquele tempo, a Antártica tinha uns entregadores, fora os caminhões, umas carrocinhas que levavam cerveja.
O Poder
da Misericórdia
127
No Natal pára na porta da minha casa uma carrocinha levando uma porção de engradados de cerveja. O pai do menino veio me trazer. Realmente tem coisas muito pitorescas. GC:
WP:
Agora
me
faça
um
perfil do doente da Santa Casa, assim
mesmo com essa visão abrangente. Ou então ao longo do tempo os doentes. O atual doente da Santa Casa... Na Santa Casa durante muitos anos, há um tipo de doente,
é claro, que eu não peguei, que é o doente escravo. Este era internado, a gente vê pelos arquivos da Santa Casa,
mas o doente da Santa Casa era em geral, naquela época não existia
Previdência
Social, a não ser os portugueses
e
algumas associações de classe que tinham na Beneficência Portuguesa, associações de algumas classes laboriosas. Na verdade, o operário, este ia direto para a Santa Casa. E muito doente do interior de São Paulo, que vinha se tratar em São Paulo, colonos de fazenda, trabalhadores rurais, o grosso, o Sr. vendo esses anais da Santa Casa, o Sr. vê a procedência. Tinha uma porcentagem muito grande de doentes do interior de São Paulo. De outros estados, também, mas não com a incidência que nós teríamos no dia de hoje. Um paciente humilde, que para ele tudo estava bom, entregava-se nas mãos do médico sem conhecê-lo e eu diria que aí é que está a grande responsabilidade do médico, o indivíduo se entrega, que ele não tem outra opção. Agora
há
um
fato
muito
curioso,
sobretudo
na
década
de 20 eu não estava dentro da Santa Casa, mas na déca-
da de 20 houve o desbravamento do que restava do sertão
de São Paulo a Noroeste, altura da Alta Sorocabana e com isso houve
o aparecimento
de um
surto
de
leishmaniose.
A leishmaniose cutânea é uma doença próvocada por mosquito e que, em geral, atacava quase que
inexoravelmente
o nariz, provocava ulcerações que corroíam e, então, os doentes ficavam mutilados no nariz, sobretudo. Eles iam à Santa Casa, recebiam tratamento e saravam, mas muitos desses doentes ficavam feios, com um aspecto um tanto repulsivo e conseguiam ficar trabalhando na Santa Casa. Grande número de empregados da Santa Casa da década de 30 eram antigos doentes, ou leishmanióticos ou de outras doenças, que achavam, conseguiam, porque pegavam qualquer um, as irmãs de caridade. Só precisava de doente. Então o velho Anselmo, que morreu, o encarregado da Seção de Pessoal também pegava esses doentes para lim-
728
Glauco
Carneiro
par corredor, etc. e desta época existe um personagem curiosíssimo, que aliás foi objeto de reportagem da imprensa. Não
me
recordo
o nome
Nós
começamos
a notar
ções
de
de
dele.
um
indivíduo
que
vestia-se
mal,
bigodes grandes, usava uma sandália tipo franciscana e que todo o dia ia à Santa Casa, porque esses doentes que vinham do interior, depois que tinham alta recebiam um passe, lá na Santa Casa, a Polícia expedia um passe para retorno e este homem juntava todos esses doentes, perguntava para onde iam e levava-os para embarcar nas estaEstrada
Ferro
da
Sorocabana.
E nós
começa-
mos, no início, a ter uma certa desconfiança dessa pessoa, pensando que fosse um explorador. Depois viemos a saber que ele tinha feito voto de pobreza e um voto de caridade e dedicou sua vida a isso, conduzir os doentes da Santa Casa, porque estes, quando chegavam a São Paulo eram vítimas de exploradores, então, ele esperava na estação e se via um
doente,
dizia:
eu
vou
para
a Santa
Casa,
espere
aqui. Levava à Santa Casa e depois levava de volta. Depois até demos um posto a ele, que até a década de 60, ele
trabalhou nesse lugar. Quando eu voltei da Europa em 71,
já
não
GC:
O
nome
WP:
Na
morrido feitor).
o encontrei. e recebeu
dele
Tenho
o título
a
impressão
de irmão
da
que
Santa
ele já
tinha
Casa
(ben-
qual é...?
Santa Casa
vão lhe dar
o nome
dele, parece
que
era
Thomaz, se não me engano. Eu cheguei a conhecer um filho dele que era um industrial muito bem abonado na vida e o pai vivia na miséria total. Isso é uma figura de Santa Casa, que só pode existir num
hospital como a Santa Casa,
porque se sair num outro hospital... Como sucede isso hoje? O homem vai sozinho? Não, hoje tem a figura do A. Social formado, já dentro de uma
tecno-
cracia que o leva, entrega ao Cetren, o Cetren por sua vez
despacha e tudo GC:
WP:
Outra
coisa
isso.
curiosa
que
o senhor
vai
contar,
não
é?
E. Na enfermaria onde eu trabalhava e de passagem via, todo dia, umas placas de gelo colocadas ali e ficavam derretendo o dia inteiro. Um dia resolvi investigar, porque como eu disse, conheço tijolo por tijolo, o que era aquilo e descobri a coisa mais extraordinária do mundo. Na epidemia de gripe de 1918, a Cia. Antártica Paulista resolveu doar para a Santa Casa, diariamente, certa quan-
O Poder
729
da Misericórdia
tidade de gelo para compressas, etc., que o gelo era muito usado na medicina, não sei como mas era. Então, todo dia, não sei quantas barras de gelo eram entregues ali naquele portão da Santa Casa. Não havia geladeira. Depois chegaram as geladeiras elétricas e refrigeração de todo tipo e a Antártica continuou entregando o gelo. Ninguém deu ordem,
a Antártica também não sabia. Inclusive a Santa Casa tinha
naquele tempo um gabinete de fisioterapia e depois desmontaram aquilo para fazer a cozinha e não sei que mais e, então, aproveitaram uma porta grande, alta, de estufa, fizeram uma espécie de armário no muro que dá para a Rua D. Veridiana e, até bem pouco tempo atrás existia essa porta e era uma espécie de estojo para guardar essas pedras de gelo, porque até a década de 60 essas pedras ainda eram entregues. GC:
Entre os médicos e os funcionários há algum folclore sobre o prédio, sobre as figuras...
WP:
Histórias de fantasmas? Ah! tem.
Existe uma história, hoje já está meio
distorcida,
mas
no
tempo das velhas enfermarias era muito conhecida. Dizia que teria existido uma irmã de caridade que era muito má. Era ríspida, maldosa. Morreu, foi enterrada, mas que o espírito dela voltava à noite para a Santa Casa. Fazia O seguinte: entrava na enfermaria e ia em direção ao leito da pessoa que estava passando mal, que ia morrer. Mas o que sucedeu? Num plantão meu, já agora na década de 60, 61 eu acho, era chefe de equipe de Pronto-Socorro e tinha plantão, domingo durante o dia e 2.º feira à noite e naquela época, ainda, existiam as velhas enfermarias, ainda não eram departamentos e eu estava na 3.º Cirurgia de Mulheres. Mandei um dos rapazes lá na enfermaria para ver qualquer coisa. Ele foi, voltou e disse: “eu vi uma irmã lá”. Mas que irmã rapaz, não tem irmã nenhuma. Não, mas
eu vi uma irmã lá na enfermaria. Mas você está vendo visão, rapaz, não tem irmã nenhuma. Às nove horas da noite é só a ronda que passa ec a ronda ainda não passou. Ele começou a ficar apavorado. O sr. tem certeza? Eu tenho certeza, Muito simples, a ronda vai passar agora, nossa irmã não é porque a nossa irmã já foi para a Escola de Enfermagem, onde cla reside. Lá naquele lugar não tem irmã nenhuma. Vamos perguntar para a ronda se tem alguma irmã. Não aqui não tem nenhuma doutor. O rapaz ficou apavorado, disse que de noite não voltava mais na enfermaria. Eu juro p'ro Sr. que eu vi uma irmã”,
730
Glauco Carneiro
Medicina.e bem da Humanidade
E assim prosseguem os relatos que dão ao leitor uma noção precisa da intimidade da Santa Casa. Fortunato Gianoni conta que ingressou na instituição por recomendação de Miguel Couto, de quem fora interno na
Santa
Casa do Rio
de
Janeiro.
O
Dr. José Soares
ao Prof. Celestino Bourroul, da 6.º Enfermaria: “O abrangia tes tinha lado da
Hungria
apresentou-o
sistema de trabalho, que era chefiado pelo Prof. Celestino, toda a enfermaria; sendo que cada um dos 2 assistenresponsabilidade por uma metade dos leitos, um de cada enfermaria; cada assistente, tinha sob seu comando 5
médicos e cada médico
10 leitos, isso normalmente, sendo que o
número de leitos de cada médico era muito elástico, podendo aumentar exageradamente conforme a necessidade de internação dos ambulatórios e dos pedidos dos amigos de cada médico. Além dos doentes internados, a equipe tinha que atender quantas pessoas aparecessem no ambulatório!!! Isso durou mais ou menos uns 5 anos, até que foi estabelecido
um
serviço de triagem e a
clínica médica ficou mais folgada, porém, nunca foi possível marcar consultas, a não ser para depois de 20 a 30 dias, tal o número de pretendentes que vinham de todas as partes do Brasil e que ainda hoje continuam enchendo todos os ambulatórios do Conde de Lara. A Santa Casa de São Paulo deveria chamar-se
Santa Casa do Brasil.
Todos os médicos da Santa Casa, naquele tempo, eram voluntários, nada percebiam pelo seu trabalho, chegando a maioria deles a contribuir muitas vezes com donativos para as festas de
Natal, etc., e até angariando das fábricas donativos de grande
valor, como
tores, etc.
sejam, roupas de cama,
lençóis, travesseiros,
cober-
O espírito médico era essencialmente humanitário, manten-
do o relacionamento entre colegas, todos intencionalmente cados à prestação de serviço gratuito.
Os
doentes em paga,
a essa nossa
dedicação,
dedi-
ainda nos
sobrecarregavam cada vez mais de serviços, tal era a propaganda
otimista que faziam da Santa Casa, levando essa propaganda aos mais remotos rincões do interior do Brasil, de onde jorravam as patologias mais comuns
no meio rural.
Houve uma ocasião, em que o laboratório central não vencia
os pedidos de exames de fezes parasitológicos e hemogramas, tal era o número de verminoses e anemias que tínhamos diariamente
na enfermaria e muito mais nos ambulatórios, razão pela qual foi montado, na própria enfermaria, um laboratório, pelos cole-
gas Felipe Vasconcelos e Gastão Rosenfeld que, mais tarde, inti-
O
Poder
da Misericórdia
731
maram o colega Victorio Maspes e outros a auxiliarem nos serviços desse laboratório, de onde saíram grandes mestres analistas que ainda hoje são luminares não só da Santa Casa, como na clínica particular e em outros centros do ensino médico. Havia um íntimo relacionamento entre todos os médicos da Santa Casa, especialmente entre o pessoal da clínica médica, da cirurgia, da ginecologia, da dermatologia, oftalmologia, radiologia e patologia. As reuniões de clínica médica eram freguentadas não só por clínicos, mas também por cirurgiões, patologistas, dermatologistas, oftalmologistas, radiologistas, etc., dando um brilho todo especial à parte científica por esses colaboradores. Sendo que o diagnóstico definitivo, era sempre dado pelo resultado anátomopatológico, depois de ferrenhas discussões entre os clínicos, cirurgiões e patologistas. Predominava nessas reuniões o verdadeiro espírito científico,
em que as hipóteses diagnósticas eram analisadas sob todos os aspectos interessantes de cada caso; ninguém ficava diminuído em errar. Havia cirurgia do Lindemberg Raul Vieira doso
também reuniões em outras especialidades como na Professor Ayres Netto, na dermatologia do Professor e Prof. Humberto Cerrutti, na 1.º cirurgia do Prof. de Carvalho, onde o principal briguento era o sau-
João de Oliveira
Matos, Nairo
França Trench,
Hermeto
Ju-
nior, João Montenegro, e tantos outros como Mário Degni, etc...
Nas reuniões anátomo-patológicas eu tinha especial predileção em contestar as hipóteses do Maffei, só para que ele ficasse raivoso e com sua conhecida capacidade científica me reduzisse a pó de traque, com grande aproveitamento meu, e de todos os colegas. Lembro seu diagnóstico de epilepsia, através de radiografias do crânio: preparei várias chapas de crânio normais, e uma de cpiléptico no meio delas — ele afirmou imediatamente qual era a do epiléptico e chamou todos os médicos presentes de?...
vocês
sabem...
É o que posso referir do exemplo e do convívio agradável de muitos anos de Santa Casa, onde não só aprendemos medicina
como também
prestamos bem à humanidade”.
Trabalhos importantes Filho do
grande
mestre
José
Ayres
Provedor da Santa Casa, Pedro Ayres
Netto, o médico
Netto, lembra
e atual
que ao tempo
Vice-
da
732
Glauco Carneiro
Faculdade de Arnaldo os estudantes iam correndo às aulas na Rua Briga-
deiro Tobias
e voltavam
para
a Misericórdia
para fazer o acompanha-
mento dos doentes. Mais tarde, já formado, defendeu tese sobre “Protóxido de Azoto”, ganhando prêmio da Sociedade de Medicina e Cirurgia
— talvez o primeiro de anestesia que se concedeu no Brasil. Outro trabalho seu que alcançou repercussão foi o referente à “1.º Clínica Cirúrgica de Mulheres da Santa Casa”: “Nunca me desliguei da Santa Casa. Até pelo contrário, ia para outros serviços e para minha clínica particular e depois retornava obrigatoriamente aqui — sempre tratando da minha especialidade de ginecologia e obstetrícia. A contribuição maior que dei foi sobre a nova anestesia, porque a antiga era dada com clorofórmio... Recordo-me
do
desafiante
ambiente
de trabalho
que era a
Santa Casa dos meus tempos de moço. O Dr. Arnaldo Vieira de Carvalho tinha um temperamento um pouco autoritário e isso impunha respeito. Na enfermaria dele se reuniam todos os médicos da Santa Casa. Foi da “hora do cafezinho” rotineira que se passou à fase das palestras e dali se originou a Sociedade de Medicina e Cirurgia, cuja primeira diretoria era composta por Luiz Pereira Barreto, Carlos Botelho, Sérgio Meira, Matias Valadão e Erasmo do Amaral. Essa sociedade foi o núcleo inicial da Academia Paulista de Medicina. Por aí se vê como a Santa Casa foi o principal núcleo de evolução médica em São Paulo, figurando inclusive como pronto-socorro de todo mundo, principalmente das pessoas carentes. Os outros hospitais da época — Instituto Paulista, Sanatório Santa Catarina, Real Beneficência Portuguesa, Pro-Matre Paulista, Maternidade São Paulo — eram estabelecimentos particulares, enquanto a Santa Casa era hospital público. Essa a razão pela qual a Santa Casa sempre foi muito prestigiada pela sociedade paulista. Os imigrantes, inclusive, quando enriqueciam, deixavam legados à instituição como retribuição à assistência recebida, a exemplo de João Briccola. A Santa Casa servia também de modelo para os demais hospitais: as enfermarias dos Drs. José Ayres Netto e Zeferino do Amaral eram copiadas por muitos; vinha gente do interior e de
outros Estados para ver sua organização. ..”.!
Outro
depoimento
importante é o do
Dr.
Luiz Oriente,
atual Diretor-
Clínico da Santa Casa. Dois terços de sua vida de médico vêm sendo vi-
vidos
na Misericórdia, onde
trabalha
desde
1934.
Quando
se formou,
população de São Paulo não chegava a um milhão de habitantes. Hoje tem 10 milhões. Isso também influenciou a postura do médico:
a
O
733
da Misericórdia
Poder
“Então é a luta pela vida. O médico se forma, tem três ou quatro empregos para acompanhar, comprar livros, alimentar a família. Naquele tempo, com um pequeno ordenado, havia dinheiro para tudo — não tinha inflação. Hoje, com essa correria,
eles não têm condição de manter aquela relação médico—paciente de antes, porque
o problema
coisa que contribui
para
econômico é premente...
isso —
Há uma
o excesso de faculdades colo-
cando demasiados médicos no mercado, em prejuízo de sua forma-
ção profissional. A maioria dessas faculdades não tem hospital e seus alunos jamais penetraram num, ou se o fazem, ficam olhando... No meu tempo, fazíamos o 5.º e o 6.º ano como se fosse uma
residência.
Aqui
na
Faculdade
de
Ciências
Médicas,
graças
a Deus, essa residência é credenciada: os alunos podem fazê-la em dois ou quatro anos e já recebem o diploma oficial de especialista, dado pelo MEC. Pelo menos, temos essa felicidade. Os rapazes estudam o dia inteiro aqui e temos um hospital. Desde o 1.º ano os estudantes vão à enfermaria, tal como acontecia no meu tempo — tornam-se médicos práticos. É disso que o Brasil precisa, de médicos generalistas, que tenham formação e prática em medicina e cirurgia”. 15 O
Dr. Oriente
considera com
geriu e viu introduzido na Santa
satisfação um
Casa pelo
aperfeiçoamento que
su-
Provedor Mário Altenfelder:
a mudança automática da chefia dos departamentos a cada mudança da Mesa Administrativa. Essa medida visa a impedir o que era comum antigamente — a eternização de chefias — e representa um estímulo para os profissionais que desejam fazer carreira na instituição (“É uma forma de democratizar o acesso à chefia”). A atual Mesa, aliás, por influência do próprio Provedor, aproximou muito os Irmãos dos médicos, abrindo um grande
canal de comunicação: GC:
Como
Eles
LO:
é
têm
o
relacionamento
entre
os
irmãos
e
os
médicos?
contato?
Têm. Agora quem criou esse contato muito maior, um grande contato, foi o Dr. Mário, porque o Dr. Christiano,
pre um grande administrador, mas tinha o modo
sem-
dele, atra-
vés do Diretor Clínico, através do Administrador. O Dr. Mário democratizou. Nomeou todos diferentes, como eu
disse, aqueles que estavam pediram demissão e ele pôs todos novos, a maioria meus alunos na cirurgia. GC:
Quer
dizer, foi um
renascimento?
LO:
Um renascimento, mas não chegou a isso. Durante um mês
ou dois ele tinha reuniões todo dia com todos os chefes de
departamento, uns 8 ou 9, com
a presença do Diretor Clí-
734
Glauco Carneiro
nico c o Diretor da Faculdade, Dr. Aidar. Ele então mostrou
o modo como ele ia administrar. Abriu um canal de comunicação tremendo. Hoje falou o Mandia, nosso aluno que
dirige o Hospital
Santa
Isabel;
apresentou
um
relatório de
6 meses com todas as atividades e ele disse que nós temos
que lutar, estamos com um déficit financeiro tremendo, naufragando, e Dr. Mário, bem ativo, tem muita amizade com gente importante, diz que mês de setembro está equilibrada a situação. Não haverá mais um fornecedor a receber coisa alguma. Os médicos estão recebendo em dia, os funcionários em dia. Então até pedi, vamos nos propor, os chefes de departamento, vamos dar um dízimo para auxiliar. Eu encabecei isso e graças a Deus fui acompanhado, se não de todo, pelo menos pela maioria. Cada um dá o que pode, outros não podem e formou-se um fundo para as necessidades mais prementes. Mas ele pediu, a cada mês quando tem reunião, já tivemos acho que umas oito este mês, a próxima seria em 05 de setembro e eu vou encerrar. As pessoas chegam lá, abrem a porta, ele atende esteja com quem estiver. Democratizou a comunicação. E todos o adoram, os médicos, funcionários, gosta dos estudantes, gosta dos residentes, eu nunca vi esse homem nervoso, tem controle emocional muito
grande e transmite essa confiança que ele tem. Qualquer outro que assumisse a Provedoria ficaria de cabelos brancos, se já não tivesse. Ele inspira confiança e transmite confiança e o exemplo que ele dá é extraordinário. Eu tenho impressão que ao terminar o tempo dele em 86, a Santa Casa vai readquirir seu tempo de apogeu. Assim eu gostaria que fosse o Brasil, tivesse um governo assim, todos colaborando, porque nosso país é riquíssimo, o povo bom, era para
ser um dos primeiros países do mundo”.*º O amor que vem de dentro
O número de funcionários da Santa Casa ascende hoje a mais de três mil. Como toda coletividade, tem pontos fortes e pontos fracos, embora os primeiros figurem com muito mais força. Uma característica comum a todos é o grau de preparo. Vejamos o que nos diz a esse respeito um antigo superintendente que os conheceu ao longo de muitos anos:
“E um grupo muito heterogêneo, incluindo desde serviçais da
limpeza até professores universitários. Está preparado para o que
faz e inteiramente integrado dentro da Santa Casa. Conhece a Mesa Administrativa, respeita seus integrantes, sabe seu papel, e
O
Poder
da Misericórdia
735
situa perfeitamente a responsabilidade própria dentro do contexto
geral de atribuições. Têm um extremo grau de dedicação c sua rotatividade é mínima. Dão valor ao assistido e tudo fazem para
lhe proporcionar o melhor atendimento”."
Madre Caetana bem merece ser citada dentre esses servidores. Desde 1924 está na Santa Casa: testemunha ocular da história dos últimos sessenta anos, conserva a dedicação dos primeiros tempos, embora a saúde lhe vá fugindo... Suas recordações são múltiplas, abrangem desde a alegria
que sentiu com a descoberta da sulfa, possibilitando salvar tantas vidas,
até o drama da Revolução de 1924, “quando o mordomo saía com a bandeira paulista, no caminhão da Cruz Vermelha, para distribuir alimentos e também recolhê-los, porque senão a gente morria de fome aqui”. São sessenta anos em que Irmã Caetana lembra as figuras inesquecíveis de suas colegas de São José: “Irmã Margarida, da Pediatria; Irmã Cesária, chefe do laboratório; Irmã Gabrielle, Irmã Agostinha, Irmã Antonieta,
Irmã Floren-
tina, Irmã Lúcia” — que passou 40 anos trabalhando na cozinha, doze dos quais consigo ao lado: “A Santa Casa é a minha terceira família. Dei minha vida a essas três famílias: meus pais e irmãos, minha Congregação e a Santa Casa... Ainda agora, em 1984, se tem um pobre para atender, eu vou para a chacrinha de Caieiras e cuido dele. Há tempos, a Santa Casa me emprestou uma terra no Jaçanã e passei 14 anos lá, cuidando de mais de 30 doentes. Hoje são só cinco ou seis. Há 35 anos que faço essa caridade. Os pobres são bem-aventurados. Se você despreza um pobre, despreza a mim. Pego mais para cuidar de pobres homens do que de mulheres — estas são cheias de tolices, enquanto os homens são pau-pau, pedra-pedra. Quando estão recuperados, arrumo um emprego para eles. Lembro-me de muitas crises aqui, no governo do Ademar de Barros, que trabalhava aqui e saiu, e não ajudou depois a Santa Casa em nada. Estávamos meio abandonados, não tínhamos crédito, íamos comprar arroz no Largo do Arouche. A Irmã Superiora juntava uma turma de doentes e a cada quinze minutos rezávamos O terço, para que a Santa Casa pudesse endireitar. Dr. Sinésio sugeriu à superiora mandar os doentes que estivessem melhores para casa, pois era preferível a fechar a Santa Casa. Naquela noite, morreu um português que deixou 17 milhões para a Santa Casa e nos salvou. Hoje, eu confesso que estou com fogo no pé: não vejo ninguém se mexendo, não diminuem os empregados, estragam comida na cozinha, estão todos dormindo... Eu tenho 80 anos e continuo acordada... Eu nunca fico quieta, sempre faço tudo que posso, e as pessoas me ajudam também... So-
bre a Irmandade? Olha, foi assim: a Rainha de Portugal falou
736
Glauco Carneiro
para o Rei: — Eu tenho tanta tristeza de ver esses pobrezinhos morrerem na rua, deixa eu fazer um hospital. O rei deixou e ela reuniu
72 membros, cada um tem uma função, todos são unidos.
São gente boa, católicos ricos, aposentados, de quem a Santa Casa cuidará deles, se precisarem... Sim, a caridade ainda é possível no mundo
de hoje...”
Que depoimento transparente, não, leitor? E a transparência vai adian-
te: alcança os milhares de brasileiros que, diariamente, procuram e acham
na Santa Casa assistência, amor € orientação. Alguns, como Alice Francisca
da Silva Reis, enviam cidade:
agradecimentos comoventes
pela ternura e simpli-
“Santa Casa. Você está bem guardada no meu coração. Bendita hora em que fui acolhida por você! Como teus braços são longos, como é aconchegante o teu seio! Quero-te bem hoje, amanhã e sempre. Estou aqui sob o teu teto, feliz como uma avezinha implume, debaixo da asa de sua mãe. Era preciso adoecer, para poder conhecer-te. Bendigo a Deus por me haver concedido esta oportunidade. Como gostaria de poder abraçar e agradecer a cada um de teus componentes, desde o
mais importante ao mais humilde. Todos, todos, igualmente, são dotados da mesma dedicação, carinho e competência, de acordo
com a sua respectiva função.
Amo os médicos. Sinto-me emocionada em vê-los examinando os doentes. É que eles têm uma linguagem toda especial para cada um. Admiro e amo as enfermeiras, sempre tão solícitas, tão suaves, como devem ser os Anjos do Céu.
Encanto-me com as serventes, cuja dedicação é fora de série, atendendo a tudo e a todos com a maior presteza e alegria. Agra-
deço à Diretoria desta maravilhosa “Santa Casa”, a todas as freiras,
ao padre capelão. Deus abençoe e recompense esta Santa Casa”)?
Cecília Agostinho de Oliveira, “uma viúva acobertada pelo peso dos anos”, agradeceu “a todos os senhores médicos, enfermeiros, auxiliares e atendentes que durante muito tempo tiveram a abnegação e dedicação para com seu filho Josafá Agostinho de Oliveira”: “Não tenho dinheiro para pagar a cada um, mas não deixarei de pedir em minhas orações para cada um dos que ajudaram meu filho até seus últimos momentos. Que as bençãos de Deus caiam sobre todos vocês, principalmente sobre aqueles que demonstraram seu afeto de humanidade para com o seu semelhante”.?º E Valéria Aparecida
Corrêa,
em
tom
juvenil,
escreveu:
“Gostei
muito
de
vocês, viu? Vocês parece que nem nasceram, parece que já caíram do céu
diretamente...
Quando estiverem doentes, Deus vai curar vocês, porque
O
Poder
da Misericórdia
737
estão curando todos nós que tanto precisamos de vocês”.?! Raimunda Kalil Goulart acentuou: “Levo da Santa Casa a melhor lembrança. Os funcioná-
rios que
aqui trabalham, gostam
de sua
profissão.
Deixei
minhas
médico
e
filhas
no Rio, mas fui cercada de tanto amor e carinho, que fiz desses 25 dias a maior terapia. Que o amor seja sempre o lema desse hospital”.2?
Os grandes médicos Será
coincidência
tenha escolhido
que
Carlos
propositadamente
da
Silva
Lacaz,
nomes de colegas da Santa Casa
Paulo para figurarem em seu livro “Vultos da Medicina Certamente
que
paulistana quando
não:
escreve
historiador,
o historiador
não pode
sobre a Medicina
do
de São
Brasileira”?
ignorar
a Misericórdia
Brasil. Acontece que os
historiadores se deixam comover pelas instituições que são “um hino votivo ao espírito, à inteligência e ao coração dos homens: “Esta é a magnífica obra de caridade da generosa gente de São Paulo. Em sua radiografia aparecem paredes, corredores, enfermarias, capelas, freiras, camas, lágrimas e gemidos, rostos em agonia, dores, alegrias, veias rotas, velhice desamparada, infância dolorida, abnegação médica, horas de vigília, corpos no concreto, macas, O nascer e o morrer, faces sofridas, a verdadeira caridade deslizando suavemente em grandes corredores, tudo isto formando grande cruz que uma humanidade desvalida carrega. Aqui sempre foi acolhido o fraco, o pobre, o ignorante de todas as cores e todos os credos, reacendendo naqueles que sofrem a flama interior da
esperança
e o lenho ardente da vontade
de viver. A eterna men-
sagem de Cristo que falou de amor e de caridade é o lema desta Casa e isto é o que está realmente no fundo da moral da nossa
profissão e lhe confere valor eterno”. »
Na
raiz de cada
instituição
23
há sempre
um
passado
que
nada
tem a
ver com saudosismo. O mesmo Lacaz lembra Chesterton que afirmou, com propriedade, que “tradição não significa vivermos entre os mortos, mas que
os mortos vivem em nós, no divino milagre da ressurreição: elos efêmeros
de uma corrente
infinita, tudo o que somos
dades e das tradições
dos
nossos
na miragem das coisas mortas,
ancestrais”.
vem
do passado, das quali-
Volvendo
o olhar
para
“Visualizo o alto cipreste, falando-nos de todos os que nos precederam, na coroa de suas virtudes, na majestade de seu saber, perdendo-se no infinito de Deus até lá onde vai também o infinito do nosso amor”,
trás,
738
Glauco Carneiro
A recordação dos grandes médicos povoa cada recanto da Santa Casa. Seus exemplos de dedicação e competência estão incrustados no ambiente e se refletem sobre os que os sucederam, numa desafiante cobrança e estímulo.
Façamos,
bascado em
Vultos da Medicina
Brasileira?* e em outras
fontes, um rápido lembrete de alguns deles que construíram a Santa Casa de São Paulo.
LUIZ PEREIRA BARRETO — 1840/1923. Clínico, higienista, filósofo, sociólogo, biologista e homem público, possuía, segundo Pacheco e Silva, as qualidades essenciais aos sábios, apontadas por Carlos Richet: “Ter idéias que outros homens não tiveram; imaginar relações imprevistas; instituir experiências novas, retomar as velhas e descobrir verdades ignoradas”. CARLOS JOSÉ BOTELHO — 1855/1947. Cirurgião de classe, possuía valiosos recursos técnicos, ao lado de grande audácia profissional que logo o colocaram em primeiro plano como médico e operador, na genérica designação do tempo. Primeiro Diretor-Clínico da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo. EMÍLIO
RIBAS —
Brasil, combateu
endemias
peste bubônica e a varíola.
1862/1925. e fez escola
Pioneiro na
luta
da renovação contra
a febre
sanitária do amarela,
a
VITAL BRAZIL — 1865/1950. Um dos grandes beneméritos da humanidade, pioneiro da luta contra o ofidismo, trabalhou igualmente na Santa Casa no período de Arnaldo Vieira de Carvalho como Diretor-Clínico. ARNALDO VIEIRA DE CARVALHO — 1867/1920. Pioneiro do ensino médico em São Paulo, grande cirurgião, homem culto, foi o segundo Diretor-Clínico da Misericórdia paulistana e o maior deles. DIOGO TEIXEIRA DE FARIA — nicos da cidade de São Paulo, iniciou sua dico da Santa Casa, de que foi o terceiro por ter remodelado serviços e imprimido mais científica.
JOÃO ALVES DE LIMA —
rurgiões que o Brasil cava com precisão e vida profissional na anos exerceu o cargo
ADOLPHO
1867/1927. Um dos grandes clíatividade profissional como méDiretor-Clínico, deixando nome ao velho hospital feição nova e
1872/1934. Um dos mais completos ci-
já possuiu, operava com rapidez e acerto, diagnostitinha encantos que seduziam a clientela. Iniciou sua Santa Casa, depois de formado em Paris, e por 36 de chefe da 2.º Clínica Cirúrgica.
CARLOS
LINDEMBERG
—
1872/1944.
Pioneiro
da
dermatologia brasileira, criou na Santa Casa de São Paulo o primeiro serviço da especialidade, na qualidade de chefe de consulta de moléstias da pele.
739
O Poder da Misericórdia
SYNÉSIO
mestres
RANGEL PESTANA
na Santa Casa
—
Luiz
—
1874/1962. Aluno de três grandes
de Paula
Monteiro
Viana,
Vital
Brazil
e
Arnaldo Vieira de Carvalho —, tornou-se médico interno desde 1900 e foi o quarto Diretor-Clínico da Misericórdia. Espírito progressista e empreendedor, deu início a uma vasta obra de ampliação dos serviços, para isso sabendo mobilizar toda a sociedade paulista com o objetivo de financiar esse desenvolvimento. NICOLAU
DE MORAES
BARROS
—
1876/1959. Professor de Clí-
nica Ginecológica, mestre incomparável, adepto da Escola Alemã anti-mutiladora, instalou, na sua lendária Clínica da Santa Casa de Misericórdia de
São Paulo, o primeiro aparelho de radioterapia do Brasil.
JOSE AYRES NETTO — 1878/1969. Médico ilustre, assistente de Arnaldo Vieira de Carvalho e seu sucessor na direção da 1.º Clínica Ci-
rúrgica de Mulheres da Santa Casa, onde permaneceu 44 anos, foi ainda Diretor Clínico da Misericórdia, instituição que sempre o considerou cirurgião emérito, dedicado servidor, grande amigo e profissional devotado.
JOÃO PAULO DA CRUZ BRITTO — 1880/1947. Desde 1913 começou a trabalhar na clínica de oftalmologia da Santa Casa, mais tarde exercendo a cadeira na Faculdade Chefe de Clínica da Misericórdia.
CELESTINO
BOURROUL
—
de
Medicina.
1880/1958.
Em
Grande
1933
era
nomeado
médico, especiali-
zado em parasitologia, foi chefe da 6.º Medicina de Homens da Santa Casa
de São Paulo durante toda sua vida clínica, onde formou escola de respeito à dignidade humana. LUCIANO
GUALBERTO
—
1883/1959.
Assistente de
Alfonso
Bo-
vero, criador da escola anatômica em São Paulo, ingressou na Santa Casa
como aluno de Arnaldo Vieira de Carvalho e Alves de Lima. Foi catedrático de Urologia na Faculdade de Medicina de São Paulo.
LEMOS TORRES — 1884/1942. Primeiro clínico a especializar-se em Cardiologia, foi clínico do Hospital São Luiz Gonzaga, da Santa Casa. OVÍDIO PIRES DE CAMPOS. Grande profissional de Fisiologia, fez escola na Santa Casa de São Paulo, formando discípulos como Ernesto de Souza Campos, José Toledo Mello, Flamínio Favero, Menotti Sainatti. Na 3.º Enfermaria de Homens da Misericórdia, prestou assinalados serviços. ZEPHIRINO DO AMARAL — 1886/1962. Renomado cirurgião paulista, trabalhou desde 1913 na Santa Casa de Misericórdia. Era detentor de uma técnica perfeita, sempre adaptada às necessidades do doente e não o contrário. Jamais colocava em risco a vida do paciente pelo excessivo arrojo cirúrgico. No entanto, foi o primeiro a realizar na Santa Casa a pielografia de enchimento, bem como as suprarrenalectomias. EDUARDO MONTEIRO — 1889/1945. Clínico de enorme clientela,
moral ilibada e cultivada inteligência, publicou várias obras famosas, entre
740
Glauco Carneiro
as quais “Introdução à Patologia Renal”. Discípulo de Almeida Prado, foi um dos grandes médicos da Santa Casa de São Paulo. NICOLAU MARIA ROSSETTI — 1894/1956. Um dos mais destacados dermatologistas patrícios, trabalhou na clínica de sua especialidade na Santa Casa. Fundador da Escola Paulista de Medicina. MENOTTI SAINATTI — 1896/1947. Grande e humanitário clínico paulista, atendia indiferentemente a pobres e ricos, “levando a todos o conforto da palavra amiga, a segurança do diagnóstico, a eficiência de sua terapêutica c o consolo de sua dedicação incansável”. Médico da Santa Casa de São Paulo, serviu a essa instituição durante toda sua vida. Até os últimos momentos foi um sacerdote da medicina, sacrificando sua própria saúde. Há um prêmio com seu nome dedicado anualmente ao melhor aluno de clínica médica da Faculdade de Arnaldo. Sainatti compreendeu como ninguém a função sublime da profissão, simbolizando o espírito do médico da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo. JOÃO DE AGUIAR
PUPO —
1883/1980. Ultimo a falecer dos pro-
fessores da Faculdade de Arnaldo, escolhidos pelo fundador, Pupo, grande
médico e administrador, integrou durante trinta anos o Corpo Clínico da Santa Casa de São Paulo,
MÁRIO OTTONI DE REZENDE — 1883/1969. Um dos pioneiros da otorrinolaringologia em São Paulo, lecionava para médicos de todo o Brasil, diretamente de sua clínica na Santa Casa, onde serviu durante 40 anos. Foi ainda quem criou o primeiro centro de difusão de cirurgia plástica no Brasil, junto à sua clínica. Na sua vida os verbos predominantes foram “fazer”, ,»,
MANOEL
1
“criar”, “fundar”, »
TABACOW
da Cirurgia de Homens
cs
“implantar”,
HIDAL —
da Santa
,»
.
“construir”.
1918/1979. Urologista, foi interno
Casa de Misericórdia
de São
Paulo, no
Corpo de Cirurgia Geral, tendo lecionado vários cursos de venereologia em extensão universitária do Centro Acadêmico Pereira Barreto. Ocupou desde 1969 a função de Professor Associado da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo. Correto no trato com os colegas, não lhes perdoava as falhas ou a cobiça. Na Santa Casa, incentivava os jovens com o seu exemplo profissional. Fundador do Hospital Albert Einstein.
NAIRO FRANÇA —
1909/1984. Um dos pioneiros da cirurgia torá-
cica em São Paulo, trabalhou na Santa Casa desde estudante e por 50 anos.
Não poupando sacrifícios e esforços, realizou na Santa Casa as primeiras grandes intervenções intratorácicas. Foi jubilado como médico da Miseri-
córdia em julho de 1979. No entanto, continuou como voluntário tanto na
área assistencial como na de ensino.
São esses apenas alguns nomes dentre os milhares que fizeram da Santa Casa de São Paulo o seu centro de esforços em favor da saúde do semelhante. Não devemos, como lembra Aloysio de Castro, considerar inúteis
741
O Poder da Misericórdia
as palavras que lhes dedicamos, simplesmente porque estão mortos: “Deles, da sua lembrança, da sua lição e do seu exemplo, nos vem o melhor da vida: a ausência também pode ser presença”. Constituem uma voz permanente lembrando ao presente e ao futuro um tipo de Medicina que não pode morrer — a baseada no reconhecimento da dignidade essencial do ser humano. NOTAS . Carlos
Roberto
Hojaij,
BOL
CEPP
VOL
II(2)
3-4.
nas
. Idem.
João
Ribas, Revista
VIII.
de Medicina
Toledo, Depoimento
Christine
Carta à Santa
O
Valentino,
Toledo, dep. citado. Idem.
o
Paulista
Marcelo de Almeida
a
oa
+
pág.
Carvalhal
ao Autor,
n.º 99, maio/junho São Paulo,
Dutra,
Secretária
10. Manoel
Joaquim
1). Toshio
Mochida,
da
Bottari,
em
Provedoria,
Depoimento
Depoimento
colaboração
1/8/84.
Casa, Santos, 4/9/75.
Anna Bezerra, telefonista da Santa Casa, em colaboração Exposição do IV Centenário da Instituição, agosto 1984. Lúcia
1982,
ao
Autor,
ao
preparada
Autor,
para
23/8/84.
30/8/1984.
ao Projeto História
da Santa
Casa,
3/9/84.
12. Waldyr da Silva Prado, Depoimento ao Autor, São Paulo, 3/10/84. 13.
Fortunato Gianoni, em
14.
Pedro
Ayres
Netto,
15. Luiz Oriente,
colaboração ao Projeto
Depoimento
Depoimento
ao
ao Autor,
Autor,
História da Santa Casa,
1984.
24/7/1984.
21/8/1984.
16. Idem. 17. Renato 18.
Irmã
19. Alice
Romano, Caetana,
Depoimento
Depoimento
Francisca
da
ao Autor,
Silva
14/8/1984.
12/9/1984.
Reis,
Carta
à Santa
Casa,
São
Oliveira,
Carta
à
Casa,
São
20. Cecília
Agostinha
de
2)
Valéria
Aparecida
Corrêa,
ae
Raimunda
Kalil
ao Autor,
Goulart,
Carta Carta
Santa
à Santa à Santa
Casa, Casa,
Paulo,
26/11/1976.
Paulo,
4/10/1977.
11/12/1982. Rio
de
Janeiro,
11/7/83.
FAR Carlos da Silva Lacaz, Discurso do 1.º Centenário do Hospital Central São Paulo, 9/12/1984.
24. Idem, Vultos Pfizer, 1963.
da
Medicina
Brasileira,
São
Paulo,
Editora
Helicon/Laboratório
a
742
Glauco
Carneiro
ANEXOS HISTÓRIA DE DEPARTAMENTOS MISERICÓRDIA DA CIDADE
DA SANTA CASA DE SÃO PAULO
DE
Colaborações enviadas à Coordenação
do Projeto História da Santa Casa ou
pesquisadas pelo Autor deste Livro.
Nota: as questões respondidas a seguir por médicos da Santa Casa estão transcritas na página 703, Anexo do Capítulo XXI. Aqui só publicamos as respostas dos profissionais que desejaram colaborar com o Projeto de que resultou O Poder da Misericórdia.
INÍCIO
DO
SERVIÇO DE PEDIATRIA DE SÃO PAULO Prof.
DA Dra.
SANTA
CASA
Veronica
Coates
Diretora do Departamento de Pediatria e Puericultura
“O Serviço de Pediatria da Santa Casa de São Paulo foi iniciado com o Dr. Euzebio de Queiroz Mattoso. Era localizado no Prédio Central. O início do ensino foi com o Professor Delfin Ulhoa de Pinheiro Cintra; era nessa ocasião a Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
Aquela Universidade foi fundada por volta de 1912, iniciando na Santa Casa, no Pavilhão Condessa de Lara.
Quando o Professor Delfin Ulhoa de Pinheiro Cintra se apo-
sentou, foi substituído pelo Professor Jayme Rosenburg, Livre Docente de Pediatria e Puericultura, que ocupou o cargo até haver concurso para preenchimento de Cátedra, a qual foi conquistada pelo Professor Pedro de Alcântara Machado.
Eram assistentes da cadeira de Pediatria da U.S.P. na Santa Casa, no início, o Professor Jayme Rosenburg, Joaquim Leme da Fonseca, Silvio Ribeiro de Souza, Wohney Ribeiro e 2 extranu-
merários, então jovens médicos, Dr. Paulo de Barros França e Dr.
7143
O Poder da Misericórdia
Luiz Augusto M. de Toledo. Foi elemento valioso pelos seus conhecimentos e dedicação o Dr. “Barretinho”, precocemente falecido. Quando o Professor Pedro de Alcântara Machado assumiu a
Cátedra, o Serviço de Pediatria foi transferido para o Hospital
das Clínicas e continuou como Chefe de Pediatria da Santa Casa o Dr. Jayme Rosenburg até 1969, quando o Professor Paulo de
Barros França assumiu a chefia do Serviço de Pediatria.
O Professor Paulo de Barros França era médico Pediatra da Santa Casa desde 1940. Em 1946, recém-chegado da América do
Norte, onde foi Residente de Pediatria, introduziu modernos mé-
todos de tratamento que resultaram na diminuição da mortalidade infantil. Foi ele quem introduziu em nosso pais o método de hidratação endovenosa. Até essa época usava-se apenas hidratação subcutânea. Graças
a um
donativo
por ele conseguido da Legião Brasi-
leira de Assistência, foram adquiridas as primeiras Tendas de Oxigênio e Incubadoras para a Pediatria da Santa Casa. Também montou o Gabinete Dentário na Pediatria. Com a fundação da Faculdade de Ciências Médicas da Santa
Casa em
1963, a cadeira do Departamento de Pediatria da Facul-
dade começou
a funcionar no serviço de Pediatria da Santa Casa
regida pelo Professor Leme da Fonseca que se dedicou ao ensino
com grande entusiasmo e eficiência. Foi depois substituído pelo Professor Paulo de Barros
França que lá permaneceu até 1970.
Foi o Dr. França quem deu estrutura de Faculdade, assistên-
cia, ensino e pesquisa à Pediatria da Santa Casa.
Quando o Dr. França pediu demissão, foi nomeada a Doutora Maria Vitória Martin, que permaneceu por curto tempo. Em
1971 foi nomeado o Professor Jacob Renato Woiski, que
ocupou o cargo até a ocasião de sua aposentadoria em
1978. Foi
então nomeado o Professor Jorge Howard, depois substituído, em
1980, pelo Professor Fabio Doria do Amaral, que permaneceu na chefia até janeiro de 1984, quando fui nomeada Diretora do Departamento pelo Dr. Mario Altenfelder Silva. Além da parte médica a enfermagem teve importante no desenvolvimento do Departamento de Pediatria.
papel
Entre elas a venerável Irmã Margarida, de nacionalidade suíça, que deixou ainda mocinha seu belo país para trabalhar na Santa Casa onde trabalhou com grande dedicação e carinho desde 1925.
Foi substituída pela Irmã Ursulina em 1950, que trabalha com
amor, abnegação incansável no Departamento, até hoje.
Glauco Carneiro
QUESTIONÁRIO | —
Identificação
Nome:
Professora Drº VERÔNICA
Local
e Data:
COATES
SANTA CASA DE MISERICÓRDIA DE SÃO PAULO — DEPARTAMENTO DE PEDIATRIA E PUERICULTURA — 05.09.1984.
Histórico: Entrei como Voluntária no Departamento de Pediatria da Santa Casa em 1965. Fui contratada em 1967 para assistência e coordenação da primeira turma de internos da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa, trabalhei
na Santa Casa em
tempo
Fui Preceptora dos residentes, chefe tentes, chefe do serviço de Pediatria Luiz Gonzaga durante 4 anos até o De 1980 a 1984, fui chefe do Pronto e Ambulatório de Pediatria.
integral até 1983.
do setor de lacdo Hospital São seu fechamento. Socorro Infantil
Iniciei o serviço de Adolescentes no Pavilhão Conde de
Lara em 1976, tendo continuado este Ambulatório no Hospital São Luiz Gonzaga até 1980. Em 1981, este
serviço foi reiniciado
no Ambulatório
da Santa
Casa,
funcionando com equipe multidisciplinar. Em janeiro de 1984, fui nomeada Diretora do Departamento de Pediatria e Puericultura, 2 —
A Instituição:
2.1
—
Sem dúvida alguma, foi a assistência prestada aos carentes e indigentes de São Paulo, desde o início de seu funcionamento até hoje, apesar da conjuntura econômica difícil.
2.2
—
A Santa Casa de Misericórdia Central e os outros Hospitais das Santas Casas, Hospital São Luiz Gonzaga, D. Pedro II, Colégio São José, Escola de Enfermagem, Edu-
candário Sampaio Viana que atualmente é da F.E.B.EM,,
Leprosário, Sanatório Vicentina Aranha em São José dos
Campos, Creche na Pediatria, são todas obras sociais de alta importância. (veja história da Roda) 2.3
—
Vide
histórico da
Pediatria.
2.4
—
Na gripe de 1918 a Santa Casa prestou grandes serviços e na Revolução de 1932 foi Hospital de Guerra.
Professor Alipio de Correia Neto
Professor Paulo de Barros França
Dr. Wohney Ribeiro
O
Poder
2.5
da Misericórdia
745
ce 2.6 — Humanização dos médicos para dar melhor assistência aos doentes. Educação dos mesmos para um melhor relacionamento entre médico—paciente; reuniões conjuntas entre médi-
cos, assistentes
sociais
escutando, educando. 2.7
— —
—
2.9
—
2.10 —
e mães
em
grupo,
dialogando,
Vide histórico da Pediatria. Professor Emílio Athié que remou contra a corrente e conseguiu junto aos órgãos oficiais a criação da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa e elevou o nome da mesma. O Dr. Mario Altenfelder Silva, que é grande batalhador pela melhora social da infância e da adolescência, que representam mais da metade da população brasileira. O Governo
deixa muito a desejar. O “povo”, com
ções pessoais, Santa Casa.
tem
contribuido
para
o patrimônio
doa-
da
Com boa direção, entusiasmo, dedicação, + INAMPS + patrimônio, a Santa Casa continuará a ter sua grande importância na Assistência Médico-social.”
EVOLUÇÃO DO SERVIÇO DE EMERGÊNCIA DO HOSPITAL CENTRAL DA SANTA CASA DE MISERICÓRDIA DE SÃO PAULO SUA
IMPORTÂNCIA
PARA
SÃO
PAULO
(Conferência pronunciada no dia 30 de agosto de 1984, no Hospital Central da Santa Casa de São Paulo, data do 1.º Cente-
nário da sua instalação
neste local.)
LUIZ “Comemora
nesta data, o nosso velho, querido
Hospital Central da Santa Casa de S. Paulo, um
tência útil e profícua à população de S. Paulo!
ORIENTE e majestoso
século de exis-
É por essa razão,
sem dúvida, uma data marcante para nossa capital, por isso que
sua história esteve nesses cem anos, intimamente ligada à cidade,
prestando assistência médica a todos e, sobretudo, aos desprovidos de quaisquer recursos! E mais. Este tão amado Hospital, na beleza de sua arquitetura, em estilo gótico, apenas completava 27 anos de existência e já abrigava em suas dependências a Faculdade de Medicina e Cirurgia de S. Paulo que se fundava por obra e luta
746
Glauco Carneiro
do incansável e genial mestre 1913!
Arnaldo Vieira de Carvalho, em
Se recordar é viver, recordemos, então, em largos traços os
primórdios da gloriosa Faculdade de Medicina de S. Paulo, cujo ensino cra realizado junto aos leitos dos doentes que, por sua vez, se bencficiavam da presença de tantos e ilustres luminares da ciência médica. Aqui muito valeram, sem dúvida, a atividade e o gênio do fundador e primeiro Diretor da Faculdade, Usando sempre de inigualável discernimento, soube ele escolher e indicar os grandes mestres que despontavam no País! Ou convidava grandes professores estrangeiros. Sua obstinação, além disso, era sempre convidar grandes médicos brasileiros que haviam estudado ou se especializado nas escolas médicas da Europa! Auxiliado desde o início por Ovidio Pires de Campos, outro dinâmico professor, surgiram
logo os primeiros mestres da nossa maior es-
cola médica! Citando-os apenas, destacaremos Eduardo Xavier que proferiu a aula inaugural em 1913, Celestino Bourroul, homem de tão grandes virtudes, Sergio Meira, Ernesto de Souza Campos, que projetaria mais tarde, com Moura Campos, o monumental prédio da Faculdade de Medicina no Araçá, e inaugurado em 1931. Vieram outros como
Ascendino
Reis, Raul Briquet, Alfonso
Bovero, grande anatomista de Turin e que formou em São Paulo
uma das maiores escolas de anatomia do mundo! Também Brumpt,
Rubião Meira, Almeida Prado, Álvaro Lemos Torres, Benedito Montenegro, Antonio Cândido de Camargo, João Alves Lima, o Cirurgião elegante e grande mestre! Impossível, nesta palestra, mista de recordações e de emoções, nomeá-los todos, tão numerosos e grandes foram! A escola que formaram, em todas as disciplinas, se enriqueceria logo de tantos e brilhantes discípulos que
elevariam nossa Faculdade
de Medicina à categoria das dez me-
lhores do mundo! Incorporada à Universidade de São Paulo, em 1934, era a maior e mais bem aparelhada de suas componentes. *
x
*
Pode-se hoje afirmar que, seguramente, o esteio físico de tão gloriosa vida de nossa Faculdade foi o grande Hospital Central
da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo...
E mantido até
hoje, e por vezes, com grandes sacrifícios, pela nobre Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo que neste ano com-
pleta, também, quatro séculos de encantadora existência!
O novo Hospital da Santa Casa que seria construído na chá-
cara do Arouche, onde agora completa um
século de existência,
se eleva e paira como dos mais belos e humanos Hospitais do País!
747
O Poder da Misericórdia
Ele foi o berço de duas grandes escolas médicas de São Paulo —
a Faculdade de Medicina da U.S.P. em 1913 e a Faculdade Ciências Médicas da Santa Casa de S. Paulo, em 1963.
de
Este destino da Santa Casa de S. Paulo provou, na verdade,
que toda escola médica, para ser grande, deve funcionar no interior ou junto a um grande Hospital! E a recíproca — Hospital sem ensino nunca será um grande Hospital — também é verdadeira! *
x
Com o crescimento da população de S. Paulo, e não havendo até o ano de 1820, grandes Hospitais na capital, a não ser pequenas Unidades Hospitalares Militares ou algumas casas alugadas, na Rua Direita, e que prestavam assistência através da Misericórdia de S. Paulo, não havia Postos de Pronto-Socorros. Por volta de 1890 funcionava na cidade, no local hoje denominado Pátio do Colégio (e onde Anchieta fundou a primeira escola), um Centro de atendimento a doentes que apresentassem afecções de urgência ou vítimas de traumatismos e de agressões. Era a Assistência Pública funcionando junto ao Instituto Médico-Legal e a uma Cadeia Pública... Os casos graves eram enviados ao Hospital da Santa Casa, então funcionando na Rua da Glória esquina com a Rua dos Estudantes. Essa esquina era famosa, por que havia ali uma
pensão habitada por estudantes. Entre eles, o mais ilustre seria o inesquecível Álvares de Azevedo, o romântico Poeta da “Lira dos Vinte Anos” e que o glorificaria depois como um dos maiores vates brasileiros! *
*
x
O Serviço de Pronto Socorro começou na realidade a funcionar no Hospital da Santa Casa de Misericórdia de S. Paulo, a partir de 1900. Os primeiros Chefes de plantão, segundo o regis-
tro, foram os doutores Silvio de Oliveira Maia e José Ayres Neto.
A partir de 1915, os professores de cirurgia e de clínica médica ou seus assistentes tratavam os casos graves nas enfermarias do Hospital, após o atendimento e registro na Porta.
Com a formatura dos primeiros médicos, muitos dos quais seriam, pouco tempo depois, notáveis professores, também foram médicos plantonistas do Pronto Socorro. Entre eles citamos Alípio Correa
Neto,
Otávio
de Toledo,
reira Barreto, Paulo de Godoy,
Joaquim
Vieira
Filho,
Luiz
Pe-
Pedro Ayres Neto, Jorge Caldeira,
Adolpho Correa Dias, Silas Mattos, João de Oliveira Mattos. Com
vários
deles
iniciamos
nossa
atividade,
quando
estu-
dante, sempre sob a chefia de Raul Vieira de Carvalho, notável
748
Glauco Carneiro
cirurgião e filho do mestre Arnaldo Vieira de Carvalho!
Por volta
de 1938 e 1939, quando éramos 5.º e 6.º anista de medicina, fomos nomeados Interno-Plantonista fazendo plantões de 24 horas semanais, das 12 às 12 horas, sendo digníssimo Provedor da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo, o Senador Pádua Salles. Devemos assinalar que se encontram nos registros
do Pronto-Socorro Central (P.S.C.) fatos curiosos. Entre eles o do
atendimento em 1923, pelo notável mestre de cirurgia, João Alves de Lima, de grave caso de ferimento cardíaco! Praticou ele no Brasil, nessa ocasião, a primeira toracotomia e sutura de ferimento
cardíaco. Dele foi discípulo muito estimado o extraordinário mestre, Alípio Corrêa Netto. Esse mestre foi tudo na sua longa carreira de catedrático! Foi cientista, cirurgião completo, Reitor da U.S.P., Deputado, fundador da A.M.B.! Foi também Chefe de plantão do P.S.C. de 1923 a 1927. Foi tudo Alípio Corrêa Netto, menos colecionador de moedas! Nunca se preocupou em ganhar dinheiro e até hoje, com 86 anos de idade, frequenta diariamente
este Hospital que tanto dignificou e dignifica ainda! Praza aos céus que viva muito ainda, para ensinar mais ainda os jovens que atentos, o ouvem com orgulho! *
*
*
Em 1947 ao se transferirem as Cadeiras de Clínica para o grande Hospital das Clínicas, recém-inaugurado, cessou suas atividades o P.S.C. da Santa Casa! Fora tão grandioso quanto útil para São Paulo, por dezenas de anos! Para o P.S. do Hospital das Clínicas foram, então, como primeiros plantonistas, os que deixavam a Santa Casa, honrando e dignificando uma escola e um Hospital para abrilhantar outro que se iniciava no H.C€. Em
1962, por iniciativa do grande Provedor da Santa Casa
de Misericórdia de
São
Paulo,
Dr. Christiano
Altenfelder
Silva,
foi criado novo e mais completo Pronto Socorro Central, funcionando com sete equipes e contando cada uma com vários cirur-
giões, chefiados por Docentes (entre os quais, Álvaro Dino de Almeida, Waldyr da Silva Prado e nós). Havia em cada equipe clínicos, ortopedistas e pediatras, além de cirurgiões. Em 1968 passou a atuar nas atuais dependências e já atendendo de quatro a cinco mil pacientes por ano! Nesse ano deixamos a chefia do P.S.C., para que sob a direção de assistentes do Depto. de Cirurgia, instruindo os médicos recém-formados, pudessem eles atuar como primeiros plantonistas residentes. Em 1975, convidado, de novo, pelo Dr. Christiano Altenfelder Silva, hoje Provedor-Perpétuo, assumimos outra vez a Chefia do
O
749
Poder da Misericórdia
P.S.C. Foi, deste modo, o Serviço de Urgência do Hospital, uma
constante em nossa vida de quase 50 anos de atividade na Santa Casa!
Em
poucos anos com equipes de médicos assistentes e resi-
dentes (clínicos, cirurgiões, ortopedistas) e com o apoio dos clíni-
cos especializados pudemos criar um grande Serviço de Emergên-
cia na Santa Casa. Hoje esse Serviço unificando os Postos de Atendimento de Porta de sete Unidades e tendo como Núcleo Central o Pronto Socorro Central, cumpre com eficiência suas nobres e
complexas funções. Possui a Unidade, 36 leitos, pequena UTI (com
04 leitos), sala para atendimento a politraumatizados, e grandes ambulatórios, sendo atendidos em média cerca de 800 doentes a cada dia, internados 100 doentes por mês e realizadas entre 80 a 100 operações de emergência a cada mês! Com orgulho podemos afirmar que o Serviço de Emergência da Santa Casa de São Paulo é dos maiores e melhores, no gênero, do nosso Estado. Atende a doentes graves e traumatizados, oriundos do INAMPS, da Prefeitura de S. Paulo e entre eles, muitos indigentes. Concluímos assim, como
mostramos, em
rápida revoada, que
o P.S.C. do Hospital Central da Santa Casa de São Paulo, ainda hoje sob nossa direção, foi sempre o criador de grande número
de especialistas em medicina
e cirurgia de urgência.
Constitui,
com efeito, o Pronto Socorro, a melhor escola de ensino prático de medicina. Dele saem os grandes médicos generalistas!
E a Santa Casa de São Paulo, com seu bem estruturado Serviço de Emergência, com professores, assistentes e residentes sempre presentes e atuantes, e com seus 200 leitos destinados aos
casos urgentes esteve sempre na vanguarda no tocante à prestação
desse tipo imprescindível de assistência médica! Assim foi por ocasião da Revolução de 1924, na capital de São Paulo, na Revolução Constitucionalista de 1932, nas grandes tragédias ocorridas na cidade, como também na prestação de assistência total as vítimas das grandes epidemias como a de 1918 por ocasião da Gripe Espanhola ou em 1957, com a terrível epidemia da Gripe Asiática. *
*
*
Vamos terminar, depois de passar assim, em rápida recordação, alguns episódios históricos do nosso glorioso quanto amado
Hospital da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo e sobretudo do seu importante Serviço de Emergência que afinal não deixa de ser uma escola de ciência e de assistência. Berço de duas grandes escolas médicas é a Santa Casa de São Paulo, o Hospital bem amado e acolhedor dos Paulistas e de tantos brasileiros de outros Estados! A sua história e sua glória se entrelaçam, na verdade,
Glauco
750
Carneiro
com as das escolas de medicina que criou e não podem ser entoadas isoladamente! É por essa razão que os senhores todos, mestres e assistentes, médicos residentes e acadêmicos de medicina, devem conhecer e reconhecer os sacrifícios dos nossos antepassados! Foram todos grandes e geniais mestres que desde Arnaldo Vieira
de Carvalho, ao lado dos grandes Provedores do passado e do pre-
sente, como
este incansável, digno colega, e atual
Provedor,
Dr.
Mário Altenfelder Silva, deverão ser para todo o sempre lembrados e estimados! Eles constituíram a grandeza deste Hospital e das suas escolas médicas! Cultivemos assim, agora e sempre, seus exemplos e exaltemos seus trabalhos! Eles continuam a iluminar nossos caminhos, guiando-nos com sua experiência e seu labor!
Que
exemplos!
as gerações
atuais e futuras
de médicos
sigam
seus
Lembremo-nos sempre desses heróis da Medicina de S. Paulo!
E, reverentes, curvemo-nos
aos seus postulados!
Honremos sempre nossa gloriosa Santa Casa no vulto dos seus fundadores e de seus mestres.”
de
São
Paulo
Pinto
de
Souza
DEPARTAMENTO DE ORTOPEDIA E TRAUMATOLOGIA DA FACULDADE DE CIÊNCIAS MÉDICAS DA SANTA CASA
DE
S. PAULO
Orlando
“As atividades ortopédicas foram iniciadas na Santa Casa de S. Paulo pelo doutor Delphino Pinheiro de Ulhoa Cintra, no final do século passado, em 1899. Esse Ulhoa Cintra era primo de seu “xará” Prof. Delphino Pinheiro de Ulhoa Cintra que foi diretor do Pavilhão Condessa Penteado e homem de grande saber. Com a morte prematura de Ulhoa Cintra em 1911 assumiu a chefia o seu jovem assistente Luiz de Rezende Puech. A esse tempo dominava na medicina brasileira a influência das escolas francesas. Boa parte de nossos médicos era formada na França ou lá buscava aperfeiçoamento. Assim, seguindo a orientação gaulesa, a ortopedia se encontrava associada à cirurgia in-
fantil. O título era o de Clínica Cirúrgica Infantil e Ortopédica.
O
Poder da
Misericórdia
751
Rezende Puech deu impulso à prática da ortopedia e cirurgia infantil entre nós. Esse progresso foi acelerado e aprimorado com a entrada em cena de Domingos Define.
Esse vulto ímpar da ortopedia nacional vinha de longo estágio em clínicas italianas e alemãs e trouxe novas idéias e técnicas.
Rezende Puech por sua vez foi comissionado pela Faculdade de Medicina de São Paulo para estudar a organização das escolas médicas e respectivos hospitais na América do Norte. A Rezende Puech devemos os planos e a supervisão do edifício onde hoje funcionam as cadeiras básicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Como muitas vezes acontece, de um mal surgiu um grande benefício para a ortopedia nacional. O casal Roberto e Rachel Simonsen, tendo perdido um filho de afecção cirúrgica, decidiu fazer grande donativo para a Santa Casa a fim de ser construído um pavilhão para melhorar as instalações da Clínica Cirúrgica Infantil e Ortopédica. Roberto
Simonsen
era
homem
de grande
cultura
humanís-
tica. sendo engenheiro, industrial, político e economista. A ele devemos entrê outras obras a organização do Serviço Social da Indústria e a fundação da primeira Escola de Estudos Econômicos entre nós. De sua associação com
Rezende
Puech
surgiram
os planos
para a construção do Pavilhão “Fernandinho Simonsen”, nome do menino morto.
Tendo começado a funcionar em fins de 1929, e oficialmente
inaugurado em 1931, marcou época e passou a ser padrão de hospital em toda a nação. Tanto isso era verdade que até hoje o Fernandinho é considerado por todos os que o visitam como
bom, apesar de não ter sofrido reformas estruturais.
muito
Por ocasião de sua inauguração o seu corpo clínico era for-
mado por Rezende Puech — chefe de clínica, Domingos Define —
primeiro assistente, Itapema
Alves —
segundo assistente,
Godoy
Moreira — terceiro assistente e mais os adjuntos de clínica Alvaro Camara, Ulysses Barbuda, Renato Bonfim, Antonio Caio do Amaral, Orlando Pinto de Souza, Antonio Eugenio Longo e Anísio Figueiredo. O trabalho aí desenvolvido chamou a atenção e o Fernandinho passou a ser o centro onde vinham fazer estágio especialistas de todo o território nacional. Entre seus fregiúentadores assíduos se encontravam os professores Achylles de Araujo, do Rio de Janeiro e Barros Lima, de Recife.
752
Glauco Carneiro
Do estreitamento cultural entre Rezende Puech, Achylles da Araujo, Barros Lima e Domingos Define surgiu a fundação da
Sociedade
Brasileira de Ortopedia
ec Traumatologia, cujo Con-
gresso inaugural se deu em S. Paulo em 1936 com Rezende 'Puech na presidência. O Pavilhão
Fernandinho
foi assim berço da SBOT,
máximo do progresso ortopédico entre nós.
artífice
Com a prematura morte de Rezende Puech em janeiro de 1939, Domingos Define foi naturalmente seu sucessor. Dizer sobre a figura de Domingos Define e de sua influência sobre a ortopedia nacional é dizer tudo sobre o desenvolvimento da mesma, tamanha
foi sua atuação como diretor do Pav.
Fernandinho, professor da Escola Paulista de Medicina, duas vezes presidente da SBOT, tendo estado presente em todos os congressos ou certames ortopédicos em todo o país e em muitos no
estrangeiro.
Durante
sua gestão operaram-se
duas grandes evoluções no
conceito de nossa especialidade. Primeiramente foi ela separada da cirurgia infantil. Continuou no entanto o Fernandinho a receber
e a tratar ortopedicamente apenas a crianças. Só mais tarde, em
1956, é que se conseguiu
com a fusão da enfermaria
unificar a ortopedia como de adultos, dirigida
Hungria e o Pav. Fernandinho.
por
disciplina,
José Soares
Domingos Define dirigiu o Fernandinho durante vinte e sete anos com dedicação e competência, cercado pela amizade e respeito de todos os colaboradores. A ele sucedeu Orlando Pinto de Souza. Foi essa uma direção
de curto e agitado período, marcado pelas reivindicações do corpo clínico da Santa Casa que até então não recebia honorários por seu trabalho e que terminou com a reestruturação de todo o sistema, e a entrega dos serviços médicos à Faculdade de Ciências Médicas e adoção do tempo integral obrigatório para todos os diretores de departamentos e a maior parte do corpo clínico. A direção coube então a José Soares Hungria Filho que, com grande, dedicado, enérgico e competente labor, vem dirigindo e elevando grandemente o Fernandinho. Na sua estrutura atual, o Pav. Fernandinho tem 215 leitos de traumatologia e ortopedia de adultos e crianças, distribuídos em 5 grupos gerais e 5 especialidades — cirurgia de mão, coluna vertebral, cirurgia do pé, cirurgia crânio-facial e reabilitação. Seu corpo clínico é composto de 6 professores
em
tempo
O
Poder
da
753
Misericórdia
integral, 4 em tempo parcial, | consultor, 15 residentes de 1.º ano, 15 de 2.º ano e 2 de 3.º ano. Além
disso o serviço
recebe estagiários
para
seus
diversos
grupos, que no ano de 1973 foram 18, sendo 12 de países da América Latina c 6 de outros estados do Brasil.
Hoje, decorridos
quarenta e quatro anos do início de suas
atividades, o Departamento de Ortopedia e Traumatologia da Santa Casa de S. Paulo rivaliza com qualquer congênere no mundo.”
SERVIÇO
DE
ANESTESIA — ORGANIZAÇÃO E FUNCIONAMENTO DR. ALVARO SAVIANO Chefe do Serviço de Anestesia da Santa Casa de São Paulo.
| — “Foi em
HISTÓRICO
DA
SANTA
CASA
15 de agosto de 1498, que a rainha dona Leonor de
Lencastre, irmã de “Dom Manuel de Misericórdia de Lisboa”.
o Venturoso”,
criou
a “Casa
Rezavam seus compromissos, receber doentes pobres, dar abrigo e educação aos órfãos, esmola aos necessitados, amparo aos condenados. Em
1543
foi fundada
na capitania de Santos a 1.º “Miseri-
córdia do Brasil”. Não se sabe a data exata em que foi fundada a
“Casa de Misericórdia de São Paulo”, provam que foi anterior a 1600.
mas os documentos
com-
Em 1715 foi fundado o 1.º Hospital da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo na provedoria de Isidro Tinoco de Sá, no Largo da Misericórdia. Em 1881 (março) foi lançada a pedra fundamental do novo Hospital da Santa Casa de São Paulo, no Bairro do Arouche em
| terreno doado por Rego Freitas e Paes de Barros, que foi inau-
gurado em 1884 com capacidade para 200 leitos e, é neste local que até hoje funciona, agora com seus 1.000 leitos. Em
1916 fundou-se em São Paulo a 1.º Escola de Medicina
(Faculdade de Medicina Pinheiros da U.S.P.), que usou o Hospital
da Santa Casa para ensino de seus alunos até 1948, quando trans-
feriu seu campo de atividades para o Hospital de Clínicas.
154
Glauco Carneiro
A Santa Casa fundou e mantém “Asilo Pedro II” para pacientes geriátricos, Hospital São Luiz Gonzaga e Sanatório Vicentina Aranha.
No ano de 1962, um grupo de professores idealistas integrado pelo prof. Dr. Emílio Athié, fundou a Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo com 100 vagas, tendo já formado 12 turmas. A Santa Casa de São Paulo recebe verbas do Governo do Estado e do Município e por serviços prestados ao I.N.A.M.P.S. É a Irmandade
da Santa Casa de São
Paulo que arca com
despesas de honorários dos professores das Cadeiras Clínicas da Faculdade e que mantém funções didáticas e assistenciais neste local.
SERVIÇO
DE
ANESTESIA DA SANTA DE SÃO PAULO
| —
Histórico
2 —
Organização
3 —
Ensino
4 —
Aspecto econômico
CASA
e Funcionamento
| —
HISTÓRICO
Antes de 1948, não existia um serviço de Anestesia em nosso
Hospital e foi ainda na década de 1930 (1936) que o Dr. Pedro Ayres Neto trouxe para a Santa Casa de São Paulo o 1.º aparelho de anestesia que propiciou a administração da mistura de
oxigênio /óxido nitroso.
No ano de 1948 criou-se o Serviço de Anestesia do nosso Hospital, chefiado por Dr. Roberto Araujo, que exerceu estas funções na Santa Casa até
1955, tendo, de 1955
a 1966, ficado
à testa deste serviço, Dr. Osvaldo P. Mariano e de 1966 a 1973
foi seguido por Dr. Renato R. Del Nero, sendo que desta data até o presente estou chefiando o referido Serviço. Atualmente o Serviço conta com 30 anestesistas e 8 Ri.
O Poder da Misericórdia
Temos parcial: Tempo
755
18 anestesistas em
tempo integral e 12 em
tempo
Integral
2 professores plenos | professor associado 2 professores assistentes 13 instrutores de ensino Tempo Parcial 12 instrutores
2 — O
FUNCIONAMENTO
de ensino
E ORGANIZAÇÃO
serviço de Anestesia está subordinado
à Provedoria
e à
Superintendência no setor Administrativo a quem deve obediên-
cia no que tange a contratações de pessoal e aquisição de material. No setor médico propriamente dito estamos subordinados à Diretoria Clínica. Junto à Faculdade
estamos
subordinados
ao Diretor
da
Fa-
culdade e ao Departamento de Cirurgia (Disciplina de Anestesia).
O Serviço tem atividades no campo assistencial e do ensino. O
Serviço
de
Anestesia
dá
atendimento
a
18
salas no Centro
Cirúrgico, sendo 6 delas destinadas a Cirurgias Ortopédicas e
as outras 12 às Cirurgias Ginecológica, Geral, Toracopulmonar, Neuro, Cardíaca, Pediátrica, etc. Atendemos ainda fora do Centro Cirúrgico, 4 salas no Otorrino, 3 salas na Oftalmologia, 2 salas na Urologia, 1 sala na Odontologia, 3 salas na Endoscopia peroral, realizando microcirurgias e exames em endoscopia peroral. Exames sob anestesia no Raio X Obstetrícia (urgência). Damos cobertura por 24 h ao Pronto Socorro de Cirurgia Geral, obst., C. Inf., Oftalmologia. Contamos com 3 anestesistas titulares e 2 R,. Atendemos à Recuperação pós-anestésica com 12 leitos e além disto o Serviço de Anestesia toma parte ativa na U.T.I.
Em 1977 (de | de janeiro a 31 de dezembro) foram efetuadas 8.801 cirurgias com o concurso da anestesia (7.632 eletivas e 1.169 de urgência). A média de permanência de internação de doentes no Hospital foi de 13 dias. Em relação a técnicas de anestesia temos aproximadamente 40% de bloqueios e 60% de gerais.
Glauco Carneiro
756
Das
Anestesias
Gerais
—
Enfluorane
—
30%
—
N.L.A.
—
30%
—
Halotane
—
35%
—
Metoxifluorane
—
5%
EQUIPAMENTO
Não temos tido dificuldade maior com material de anestesia. Estamos bem equipados com aparelhos de anestesias e respiradores, 1 para cada sala, dois cardioscópios para o C. Cir. Contamos com Central de O: — N>0 — Aspiração. O hospital arca com do material.
as despesas de compra
e manutenção
Temos notado grande aumento no custo do material e equipamento importado, devido o aumento do dólar e taxas alfande-
gárias.
Sou
de
opinião
que
devemos
sempre
que
possível
pres-
tigiar e apoiar a indústria nacional de aparelhos e material para anestesia. ENSINO
O Serviço de Anestesia toma parte ativa no ensino de gra-
duação
e pós-graduação.
No ensino
de graduação,
representando
a Disciplina de Anestesia (do Departamento de Cirurgia) pela sou responsável, ministramos aulas aos alunos de 5.º e 6.º (Ensino teórico e teórico-prático) — Noções básicas sobre anestésico, anestesia geral, bloqueios, ventilação e assistência tilatória. No ensino sia através do torado. Através vem formando
do Brasil.
de pós-graduação, mantemos residência de C.E.T. da S.B.A. Não mantemos mestrado deste C.E.T. nosso Hospital há mais de especialistas que se fixaram em diferentes ASPECTO
Sem dúvida alguma, a o anestesista não é exceção, pois os reajustes salariais e vação do custo de vida. A guiu-se e, por outro lado,
qual ano préven-
anestee dou12 anos pontos
ECONÔMICO
classe médica de um modo geral, e está passando por momentos difíceis, de U.S. não têm acompanhado a eleclínica particular praticamente extinaumentou assustadoramente o n.º de
pacientes dito “INAMPS pagando a diferença.”
O Poder da Misericórdia
157
Este paciente é internado em acomodações particulares, pa-
gando ao Hospital a diferença de diárias e a diferença ao cirurgião. O anestesista por força de uma portaria apenas
referente à U.S.
recebe o
Fizemos uma estatística de 1.º de janeiro a 31 de outubro de 1978 de doentes internados no Pavilhão Santa Isabel e obtivemos os seguintes dados: a) I.N.P.S. diferença —
59,5%
b) Outros
—
12,5%
—
28%
c)
convênios
Particulares
Outra grande dificuldade que atravessamos foi após a implantação do novo sistema de revisão de contas nosocomiais do
INPS.
Através de gabarito a grande porcentagem de glosas pelo computador. Tivemos época que 80% destas contas eram glosadas, pelo não-enquadramento. Tivemos contas com grande atra-
so, trazendo diminuição substancial na renda dos anestesistas. Houve atrasos de quase 1 (um) ano. Fazendo um inquérito em diversos Hospitais tivemos oportunidade de saber que atualmente observam-se atrasos médios de 5 a 6 (seis) meses entre o serviço
prestado e recebimento das contas. OUTRAS
SANTAS
CASAS
Ao nos propormos fazer um estudo de Santas Casas (reg. sudeste), já esperamos enfrentar grandes dificuldades. O grande problema foi inicialmente conseguir endereços das mesmas no que fomos auxiliados pela SAESP e Federação de Misericórdias do Estado de São Paulo. Feito isto, e cito como uma triste realidade, endereçamos 50 cartas para Santas Casas e tivemos 13 respostas (um percentual de 26%). Justifico esta pequena percentagem de respostas com alguns itens: 1) dificuldade de tempo e
falta de condições para levantar os dados; 2) Receio de informar
a sua realidade.
Quanto ao n.º de leitos os Hospitais consultados tinham menos
de 50 "v 5024 100 "1012200 " 3012400
leitos ” ”" ”
— 1 — 4 —3 —3
Menos
a 700
—
de 601
1000 —
1
1
758
Glauco Carneiro
Quanto ao n.º de Salas Cirúrgicas: | sala —
1 hospital
AR 3 do gs O O * =8," apo?
A grande maioria destes serviços estão subordinados à Provedoria e Diretoria clínica. Estes Hospitais não possuem óxido nitroso (23%) e 1 deles não possui anestesista, realizando apenas cirurgia sob bloqueios e anestesia local executados pelo próprio cirurgião (Realizou 239
cir. em
1977).
A quase-totalidade de S.A. consultados sobrevive de renda advinda de convênios e porcentagem cada vez menor de doentes particulares e parece que uma constante é a aflitiva situação econômica dos grupos lutando com a queda de clínica particular e retardo de recebimentos de proventos advindos de convênios. PROJETO
HISTÓRIA
DA SANTA
CASA
QUESTIONÁRIO | —
Identificação
NOME:
ÁLVARO
do Signatário
SAVIANO
Atribuição na Santa
Casa: Chefe
do Serviço de Anestesia.
Histórico e Cargos ocupados na Instituição: Médico estagiário do Serviço de Anestesia no período de fevereiro a agosto de 1955; Médico anestesista do Hospital Central da Santa Casa de setembro de 1955 a 30.03.1969.
A partir de 1.º de abril de 1969 foi contratado pelo Hospital na qualidade de professor assistente. —
Em 1971 foi promovido a professor associado. Recebeu o título de Assistente Adjunto do Serviço de
Anestesia.
— Chefe interino do Serviço de Anestesia de agosto a outubro de 1966.
deste Hospital
O
Poder
759
da Misericórdia
—
Vice-Chefe do Serviço de Anestesia de janeiro de 1967 a junho de 1973.
—
Chefe do Serviço de Anestesia da Santa Casa de junho de 1973 até a presente data.
—
Chefe do Serviço de Recuperação pós-anestésica de junho de 1973 até a presente data.
—
Membro da Comissão Organizadora e Coordenadora a Unidade de Tratamento Intensivo deste Hospital de julho de 1972 a setembro de 1973.
—
Membro da Comissão Coordenadora do Centro Cirúrgico da Santa Casa de São Paulo de agosto de 1971 até a presente data. Cargos ocupados na vida profissional fora da instituição: a) Como estudante:
—
Monitor da cadeira de Química Fisiológica da Escola Paulista de Medicina — ano de 1950.
—
Acadêmico
interno da 2.º Clínica
—
1952.
—
Médica
da Escola Pau-
lista de Medicina “Serviço do Prof. Otávio de Carvalho” ano
de
Acadêmico
Interno do Hospital Sanatório Mandaqui
Divisão de Tuberculose da Secretaria de Saúde
da
(14.08.52
a 31.12.53).
—
Doutorando 31.12.53.
interno
do mesmo
Hospital de 01.01.53
—
Acadêmico estagiário do Ambulatório
a
de Clínica Médica
da Escola Paulista de Medicina a Serviço do Prof. Jairo Ramos de junho a setembro de 1951.
—
Estagiário Voluntário do Ambulatório de Gastroenterologia da Escola Paulista de Medicina — ano de 1951.
—
Acadêmico interno da Cadeira de Fisiologia da Escola Paulista de Medicina — ano de 1953. Médico plantonista do Hospital Sanatório Mandaqui durante o ano de 1954.
— —
Médico anestesista do Hospital do Servidor Público Municipal de junho de 1955 a março de 1983, quando fomos
aposentado.
—
Substituiu por várias vezes a chefia do Serviço de Anes-
tesia do Hospital do Servidor Público Municipal.
A profissão de origem e à qual nos dedicamos até hoje é a Medicina e dentro dela a Anestesiologia. Atualmente a nossa ati-
vidade toda é dedicada à Santa Casa de São Paulo.
Glauco Carneiro
760
2 —
A Instituição
2.1 — A Santa Casa de São Paulo tem a sua história ligada
ao Brasil colonial. Foi em 1715 que apareceu o primeiro Hospital da Santa Casa de São Paulo na provedoria de Isidro Tinoco de Sá. Sem dúvida alguma desde esta época até os nossos dias o
papel desta instituição na História Assistencial de São Paulo é de grande valia nunca se limitando a atender os carentes e desamparados mesmo durante as crises econômicas graves por que tem passado principalmente nos últimos anos em que a inflação impiedosa solapa e corrói os recursos de instituições como a nossa. 2.2 — A Santa Casa de São Paulo tem colaborado para a evolução de amparo social entre nós colocando todos os recursos que tem, como assistentes sociais, serviço médico hospitalar e ambulatorial, serviço odontológico à disposição da população de São Paulo que é atendida quer como indigente como previdenciário, conveniado ou na categoria de paciente particular. 2.3 — A Santa Casa de São Paulo sempre teve papel decisivo para o desenvolvimento do ensino médico do Estado e do Brasil, pois mesmo antes de ter a sua Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo, primou por acolher estudantes de medicina e médicos recém-formados que receberam dos colegas mais antigos orientação e ensino nas diversas especialidades médicas sem nenhum interesse financeiro, somente pelo prazer em introduzir os mais jovens na “arte de curar”. Com o correr do tempo na década de 1960 foi fundada a Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa e o ensino tomou maior impulso e atualmente médicos de todo o Brasil e do exterior (Bolívia, Venezuela, Equador, Colômbia, etc.) vêm buscar neste Hospital novos conhecimentos e especialização. No momento, temos no Serviço de Anestesia, o qual tenho a honra de dirigir, estagiários da Bolívia, Colômbia e Venezuela. A Santa Casa
de São
mes eméritos que muito dores leigos como
pessoal burocrático, obra.
Paulo
fizeram
teve desde
a sua fundação
por ela. Tanto
no-
os administra-
médicos, dentistas, farmacêuticos, enfermeiros,
deram
muito
de si para a evolução desta
Gostaríamos de lembrar os nomes de Antonio Pinto do Rego
Freitas e Rafael Tobias de Aguiar Paes de Barros que em março
de 1881 doaram o terreno no Bairro do Arouche onde seria construído um Hospital de 200 leitos que foi inaugurado em 1886.
Neste
Hospital
multipavilhonar
havia
na época
pavilhões
O
Poder
761
da Misericórdia
para tuberculosos, próprios.
leprosos, mais tarde
removidos
para
hospitais
No ano de 1886 surge no Arouche o grande e moderno Hospital construído pelo arquiteto Pucci e nesta obra foi apoiado pelo arcipreste Dr. João Jacyntho G. de Andrade. Em 1944 inaugurava-se em São Paulo o Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da U.S.P. Por 3 décadas foi o Hospital da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo o seu procurador constituindo o centro médico da nossa metrópole, nele se adestrando todos os catedráticos, docentes c alunos da Faculdade de Medicina. Vinte e nove turmas de médicos passaram pelas enfermarias do tradicional nosocômio do Arouche.
Quero deixar lembrado alguns dos nomes de colegas contemporâneos que muito deram de si para a evolução desta ins-
tituição,
Dino
tais como
de Almeida,
os
Profs.
Emílio
Dr.
Athié,
Nairo
Fábio
França
Trench,
Dória do Amaral,
Alvaro
Jorge
Barreto Prado, João Fava, Luiz Oriente, Oscar Monteiro de Barros.
O Serviço de Anestesia teve como seu primeiro chefe Dr. Roberto Araujo (1948), que foi seguido pelos Drs. Oswaldo Pinto Mariano e Renato Riciardi Del Nero. Na parte administrativa tiveram grande evidência as figuras como a do Exmo. Sr. Dr. Christiano Altenfelder, provedor por longo tempo desta instituição, os superintendentes Dra. Lourdes Freitas, Mario de Almeida Pernambuco Filho e Renato Vicente Romano. Foram todas pessoas que se colocaram ao lado da Santa Casa e que sempre procuraram dar o melhor de si para a evolução e o aprimoramento do atendimento deste Hospital. 2.4 — Uma obra da qual tenho conhecimento a respeito da História da Santa Casa é o livro “A Santa Casa de Misericórdia de São Paulo”, do médico Dr. Marcelo de Almeida Toledo, que foi médico chefe do Serviço de Radiologia da Santa Casa. 2.5 — A nossa modesta colaboração tem sido dada ao nosso
Hospital no sentido de melhorarmos sempre o atendimento técnico e humano aos pacientes atendidos pelo nosso serviço. Procuramos sempre o aprimoramento profissional e científico de nossos colegas, bem que seu relacionamento médico-paciente seja mais carinhoso e humano. 2.6 — Procuramos dar ao Hospital o melhor de nós mesmos, no setor técnico e humano, querendo nestes 29 anos de
762
Glauco
dedicação
recebemos
à instituição
e trabalhamos
retribuir para
um
pouco
o nosso
do muito
Hospital
que
atingir
Carneiro
dela
os seus
mais nobres objetivos que são, sem dúvida alguma, os do atendimento do enfermo, sobretudo do carente. 2.7 —
2.8 —
A Santa Casa sempre esteve ligada à História
Polí-
tica de São Paulo nas suas diferentes etapas pois os Irmãos sempre figuraram com destaque na vida política, social e científica do país.
2.9 — O Hospital da Santa Casa de São Paulo é uma instituição que como todas muitas outras sente atualmente o peso
do fantasma
da inflação.
O povo de São Paulo tem pelo nosso Hospital um carinho todo especial porém, no meu entender, como está cada vez mais carente e empobrecido financeiramente, não tem condições de poder contribuir com uma receita razoável a seu favor. Quanto de maneira uma análise médico que
à área governamental, tem retribuído financeiramente muito ineficiente e precária, sobretudo se fizermos do custo operacional cada vez maior do atendimento hoje exige sofisticação crescente.
2.10 — No presente ção como em todo o País, e todos os setores, porém médico-social do Hospital
momento vivemos, não momentos difíceis para no que tange à atuação tem sido desempenhada
só na instituitodas as áreas da assistência a contento.
Quanto à assistência médico-social no país achamo-la
precária têm que dimento, liares de
muito
observando que pacientes de outras cidades e estados se deslocar de distâncias fabulosas para aqui buscar ateno que gera sem dúvida alguns distúrbios sociais e famigrande monta.
Quanto ao futuro da assistência médico-social deverá ser cuidadosamente estudada e equacionada pelas autoridades competentes, pelos profissionais da saúde e da administração e por representantes de várias entidades de classe escolhidas dentre a po-
pulação.
Estudos deverão ser feitos a fim de obter captação de recursos financeiros e humanos. Planejamentos para equipar ambulatórios, pequenos hospitais periféricos e rurais para atender os casos mais simples. Somente
casos mais graves
o que talvez
deveriam
ser encaminhados
viesse a diminuir
tornos familiares e sociais.”
custos
a centros
e ocasionar
maiores,
menos
trans-
O Poder
da Misericórdia
763
HISTÓRIA ALGUNS
ASPECTOS DA HISTÓRIA NA SANTA CASA DE SÃO
DA ANESTESIA PAULO Dr. Pedro Ayres
Netto
Revista Brasileira de Anestesiologia “São
narrados os primórdios da anestesia na Santa Casa de
São Paulo, impulsionada que foi por figuras marcantes da ciruro
.
.
gia, no fim do século
,*
.
.
passado e no início deste.
O autor, que colaborou com diversos trabalhos para a afirmação da Anestesiologia moderna em nosso meio, relembra as décadas de 30 e 40, quando na Santa Casa foram realizados vários estudos visando a melhoria das técnicas e dos métodos de anestesia, destacando vários nomes da medicina paulista. Com uma visão panorâmica, que se estende até a formação dos primeiros anestesistas de São Paulo, fica situada toda uma época da história da anestesia no Brasil. Para falar sobre este assunto, é mister retornar, num rápido esforço, ao desenvolvimento da ciência médica neste Hospital, em fins do século passado, nas grandiosas e refulgentes figuras de Pereira Barreto, Carlos Botelho e Nicolau Vergueiro, no campo da cirurgia. “Barreto, o sábio filósofo para quem a biologia não tinha segredos; Botelho, o cirurgião completo, espontâneo e elegante;
Vergueiro, genuíno representante do gênio cirúrgico alemão, aus-
tero, cauteloso e ilustrado”, no dizer de Arnaldo Vieira de Carvalho que acrescenta: “O primeiro iniciara a catequese anti-séptica em 1878, e, em Jacareí, a Meca da Medicina Paulista, sob o “spray” listeriano, empreendia ousadas e felizes intervenções. Só algum tempo depois, em São Paulo, Botelho e Vergueiro, bem que muito mais novos, transformavam a arte de Ambroise Paré”. Assim se iniciara a bela cirurgia hoje florescente em nosso Estado, sempre no dizer daquele que se tornaria o príncipe da Cirurgia Paulista, que acompanhara os fatos e transformações: “Foram esses os propagadores da cirurgia moderna nesse Estado e foram os nossos mestres”. Do filósofo, sociólogo, médico e cirurgião que fora Luís Pereira Barreto, dizia Arnaldo num estudo sobre sua personalidade: “Um outro característico do cirurgião paulista foi, sempre, sua aversão pelo clorofórmio. Reconhecia-lhe os méritos. Usava-o, porém, em falta de melhor. Sempre o considerou um percalço da
arte operatória. A ação tóxica desse anestésico o impressionava
Glauco Carneiro
764
desagradavelmente. Ele se arreccava mais dos perigos corridos por seus doentes sob a máscara inaladora que dos provenientes das mais arriscadas intervenções. A anestesia local, a cocaína € seus derivados foram para Barreto uma redenção — livraram-no das mais cruéis ansiedades de que é passível um cirurgião cons-
ciencioso.
Por
este
motivo
adotou
o nosso
patrício a anestesia
regional, pouco a pouco, até excluir completamente da sua prática o clorofórmio e propôs que, com o seu jubileu, se festejasse também o enterro dessa droga”.
Arnaldo, o fundador da Faculdade de Medicina de São Paulo, retornara a esta Capital depois de formado em 1.º de janeiro de 1890, apresentando-se na Santa Casa a Carlos Botelho — “o cirurgião ousado, fogoso, hábil e destro, apaixonado pela profissão”, quase afirmando que, “sem truncar a verdade, presenciara a aurora da cirurgia moderna em São Paulo e a formação da consciência anti-séptica de nossos cirurgiões”. Era esse o ambiente, na Santa Casa, àquela época de grandes transformações e de novos rumos na cirurgia mundial, gra-
ças aos estudos de Lister e Pasteur. No dizer de Moraes Barros, em 1921, “Vieira de Carvalho, como cirurgião, realizou este mila-
gre — fato inédito na história da cirurgia nacional — fez-se à custa própria, dentro dos acanhados recursos de seu meio, sem arredar pé de seu país”; considerou-o mesmo “o criador da gine-
cologia operatória entre nós e é incontestável que ele foi aqui o vulgarizador das grandes intervenções ginecológicas”. Continuando, relata: “As suas demonstrações práticas, feitas todos os dias e durante anos nas salas de cirurgia da Santa Casa, constituíram um verdadeiro curso da especialidade, precursor do que ele mais tarde, com tanta proficiência, iniciava como catedrático da Facul-
dade”.
—
Para ressaltar a excelência de cirurgião a quem me refiro o primeiro chefe da “Primeira Enfermaria de Cirurgia-Mu-
lheres” da Santa Casa — basta dizer que, em
1900, praticou a
4. gastrectomia total, mundial, com sucesso, esclarecendo em sua observação publicada que “a doente foi habilmente cloroformizada pelo distinto colega Dr. Mattoso” e que “a operação durou uma hora e vinte minutos e, ao terminá-la, a paciente estava em
deplorável estado. ..”:; “no oitavo dia tudo ia bem, havendo a
sua recuperação”. Foram seus auxiliares Alves Lima e Delphino Cintra, tendo assistido à intervenção
meada na época.
os médicos
de
maior
no-
A um cirurgião de tal envergadura não poderia passar despercebida a deficiência das anestesias naquele tempo. Assim, em
O
Poder
da Misericórdia
1902,
ao
765
transmitir
a presidência
da
Sociedade
de Medicina
e
Cirurgia de São Paulo, disse: — “o Dr. Oliveira Fausto fez belas comunicações sobre a raquicocainização e foi tudo o que fizemos
sobre a anestesia”. Acrescentou, no entanto: “Não nos ocupamos do clorofórmio e do éter. Foi, entretanto, esse ano exatamente aquele em que mais se avantajaram nossos conhecimentos sobre a fisiologia e patologia da anestesia geral. Frequentemente temos acidentes de cloroformização e calamos, com medo da crítica sempre malévola dos nossos conterrâneos. Esse silêncio nos
arreda sempre
da discussão de fatos que só podem
criticar os
que ignoram o que são as reações bioquímicas determinadas pelo clorofórmio e pelo éter no protoplasma celular dos mais nobres tecidos da economia animal. Como consequência, temos o abandono dos meios garantidores dos bons prognósticos na anestesia geral, tais como exames de sangue dos nossos operados”. Sempre
preocupado
com
o problema da anestesia, em
1907,
em memória apresentada ao 6.º Congresso Brasileiro de Medicina e Cirurgia, reunido em São Paulo — “Laparotomia em São
Paulo, 1600 casos, com 6 1/2 de mortalidade” — dedicou um capítulo à Anestesia, ensinando como preparar o doente, as cau-
telas necessárias, como iniciar a anestesia, dizendo: “confiar sempre a cloroformização a colegas competentes nessa especialidade e nunca a pessoas cujos conhecimentos e responsabilidades no assunto sejam deficientes. Ficamos assim mais tranqúilos durante a operação, sabendo que um profissional responsável zela pela vida do nosso operando, e exigimos sempre que ele esteja abundantemente aparelhado para socorrer o enfermo em qualquer emer-
gência”. Preconiza o exame pré-operatório minucioso, cuidados ao início, durante e após a anestesia, chamando
o cloroformizador
observe
cuidadosamente
a atenção para que
o pulso, a respiração,
as pupilas do paciente, e conferindo, ao mesmo tempo, a ele, “autoridade absoluta para, ao menor alarma, ordenar a suspensão do ato cirúrgico...”
São conceitos emitidos há mais de meio
patrício, cuja personalidade
se impunha
em
século
por aquele
todos os meios
cul-
turais e sociais de então, e que seria o fundador, orientador e entusiasta de nossa Faculdade. De fato, escreveu meu pai, em
1954, ao estudar a personalidade
de seu
antigo
mestre
e muito
saudoso amigo: “Uma das maiores glórias lhe coube com a organização da Faculdade de Medicina, velho e acalentado sonho da gente paulista e, em tais princípios e bases moldou o estabelecimento, que este constitui, no presente, uma das reputadas casas de ensino médico do mundo”.
766
Glauco Carneiro
E a Santa Casa, “o berço da cirurgia paulista”, abrigou as clínicas da Faculdade durante 32 anos (1916-1948), e o bronze no átrio de seu salão nobre consigna “Aere Perennius” o reconhecimento de sua Congregação. E as coisas continuaram assim: clorofórmio ou éter usados
em máscaras abertas, com
parca oxigenação, administrados por
bisonhos, com acidentes frequentes, tanto aqui como na Europa.
J. L. Faure, o grande cirurgião e ginecologista francês, aman-
te das boas
letras, escreveu
ent
1921:
“A cirurgia atual não se
acompanha dos horrores dos quadros doutros
tempos. A aneste-
sia, suprimindo a dor, a consciência e o medo, despiu o ato ope-
ratório de tudo aquilo que aos nossos pais dava um aspecto de horror e de pavor. O espetáculo da dor, os gritos do doente, relutando
sob a faca
e sob
o serrote,
não
os
conhecemos
já, e
nunca mesmo, em casos melindrosos, consentimos em dispensar o auxílio soberano e abençoado do clorofórmio, todo poderoso”.
O mundo passara por uma grande tragédia: A Primeira Guerra Mundial. Em contato com os médicos norte-americanos, novos conhecimentos sobre a anestesia eram difundidos. Na Europa já se falava, então, no Protóxido de Azoto (Desmarest, Dumont, Presse Medicale, 1923). As misturas anestésicas começavam a ser usadas, ao lado do clorofórmio, do éter, do cloretila, como “Schleich”, “Balsoforme”, administradas em aparelhos especiais no sentido de tornar a narcose mais segura e sob perfeita condução pelo anestesista. Faure, só muito mais tarde, em 1936, viria dizer que a anestesia era aplicada de maneira perfeita, graças à especialização — então mais generalizada — citando como exemplo os Estados Unidos, que tiveram a glória de descobrir a anestesia, dizendo ser possível aos laboratórios de química e de fisiologia experimentais revelarem todos os segredos, dando-nos, cedo ou tarde, uma substância maravilhosa que, bastando injetar algumas gotas sob a pele — como se faz com a morfina — provoca um
sono perfeito,
grande intervenção. Na
América
inofensivo e de duração
suficiente
do Norte, o desenvolvimento
para
uma
da anestesia
mo-
derna se fazia notável. O primeiro congresso da especialidade se reunia em outubro de
1922, em
Ohio, e o boletim da “National
Anesthesia Research” publicava, em agosto de 1922, o primeiro número da famosa revista “Current Researches in Anesthesia and
Analgesia”.
Em 1920, após a morte de Arnaldo Vieira de Carvalho, assumiu a chefia da “Primeira Clínica Cirúrgica de Mulheres”, da Santa Casa, que já abrigara a primeira fase da Clínica Gineco-
O
Poder
da Misericórdia
lógica da Faculdade,
767
o seu
atual
detentor
Dr.
José
Ayres
Netto.
Publicou recentemente uma revista paulista (1962): “Os cirurgiões paulistas e brasileiros sabem como se argamassou em amizade e colaboração essa união providencial para a história da cirurgia paulista e para a cultura da classe. Registra bem esta hipóstase o painel de azulejo colocado há anos à entrada do Serviço “Ayres Netto”, na Santa Casa e que representa uma operação de rim, em
1920. Vêem-se o Dr. Arnaldo Vieira de Carvalho, o Dr. Ayres
Netto, o então acadêmico Arnaldo de Campos, o Dr. Raul Vieira de Carvalho e o Dr. Luiz Moura Azevedo”. Como Arnaldo, procura a Santa Casa em 5 de janeiro de 1902, logo após a sua formatura na Faculdade do Rio de Janeiro, e ali faz toda a carreira cirúrgica e ginecológica. Como seu Mestre, jamais procurou outros serviços para aperfeiçoamento na arte
cirúrgica. Com Arnaldo, segue como assistente da clínica hospitalar e privada, na Clínica Ginecológica da Faculdade, regendo interinamente a cátedra. Assumindo a chefia da Primeira Clínica, fez daquele serviço um modelo de renome nacional e internacional, como cita Oscar Ivanissevich em 1941: “No hospital da Santa Casa, nosso velho amigo, o Dr. José Ayres Netto, nos mos-
trou o Serviço de Ginecologia, Cirurgia Abdominal e Traumatologia que ele dirige. A perfeição do detalhe foi levada ali aos limites extremos, e a hospitalização se faz em locais pequenos, em grupos de três ou quatro doentes. Só há uma sala geral, também pequena. A tendência é separar cada doente para chegar à assistência individual em peças isoladas. Para o pós-operatório imediato há uma sala de seis camas, anexa ao departamento de operações. Uma instalação completa de Raios X, um laboratório e uma biblioteca completam o Serviço do Dr. Ayres Netto. Para promover o adiantamento técnico e científico, o Dr. Ayres Netto reúne todos os cirurgiões e pessoal técnico todas as semanas. Ali se discutem os casos complexos e se propõem os tratamentos médicos e cirúrgicos”. Foi nesse Serviço, de tradição das mais honrosas, que fui admitido como acadêmico em 1927, estagiando no laboratório e na enfermaria, e, em seguida, fazendo o primeiro aprendizado como anestesista. Em carta recente, respondendo a inquérito de nosso distinto colega anestesiologista Dr. Deyler Goulart Meira, do Rio de Janeiro, fiz rápido depoimento a respeito do que se passou em São Paulo ao iniciar-se a anestesia moderna. Escrevi, acrescentando agora alguns outros pormenores, que “a chamada
cloroformização dos pacientes, até
1926, era feita por médicos
com pouca experiência, sem conhecimentos especializados, e, na sua falta, na maioria das vezes, por acadêmicos de medicina,
768
Glauco Carneiro
Irmãs
de Caridade
ou,
mesmo,
enfermeiros
e parteiras.
Como
evolução, passou-se, mais ou menos naquela época, da máscara simples de clorofórmio para o aparelho de Ombrêdanne, usando-se éter ou misturas, como o “balsoforme”. O protóxido de azoto fora introduzido
Rio
de
Janeiro, em
e superando trações.
grandes
1927, por Leonídio
dificuldades.
Fez
na cirurgia geral, no
Ribeiro,
aqui
após muita
diversas
luta
demons-
Na Santa Casa, o único Serviço que então se animou a empregar o gás anestésico foi a Primeira Clínica-Cirúrgica de Mulheres, sob a chefia de meu pai. Foi encomendado na França, por intermédio de seu assistente então em Paris, Dr. Moura Aze-
vedo, o aparelho de Desmarest, igual ao utilizado por Leonídio Ribeiro.
Em comunicação que fiz à Sociedade de Medicina e Cirurgia de São Paulo, em 15 de fevereiro de 1929, dizia: “Em janeiro
de 1928 obtivemos o ambicionado aparelho de Desmarest e sentimos, no início, todas as dificuldades possíveis e imagináveis”.
Senti
desde
logo ser
impossível
usar
tão simples
aparelho
sem
as modificações exigidas. Foi, em seguida, adquirido o aparelho “S.S. White”, mais perfeito e controlável, sendo dada a primeira anestesia geral, com ele, no dia 7 de julho de 1928. Em carta prefácio a minha tese inaugural sobre o assunto, dizia o insigne cirurgião patrício Prof. Brandão Filho: “Foi nessa ocasião que assisti, pela primeira vez, anestesia com o aparelho da “S.S. White Dental”, sob a competente direção do então doutorando Pedro Ayres Netto. A excelência das anestesias e o fácil manejo do aparelho seduziram-me de tal modo que decidi reencetar o emprego do protóxido em minha Clínica, logo que chegasse ao Rio... Digo reencetar, porque já havia abandonado, de há muito, em vista dos resultados incertos e dispendiosos alcançados com aparelhos menos perfeitos e de outra proveniência”. A seu convite,
em maio de
1929, no Rio de Janeiro, fiz duas anestesias com
o
protóxido de azoto para intervenções praticadas pelo sempre lembrado cirurgião brasileiro, Prof. Brandão Filho. Usei o aparelho “S.S. White”, recentemente importado para o seu Serviço. Tive a satisfação de ter como companheiro de assistência e como primeiro aluno o meu querido amigo Mário de Almeida. Era a Santa Casa de São Paulo levando à do Rio de Janeiro
as possibilidades deste grande progresso na anestesiologia. Mário de Almeida, desde aí, cultivou com carinho a “Especialização em anestesia”, fundando sua afamada escola: o Serviço Médico de Anestesia. E escreve Goulart Meira repetindo as palavras de Má-
769
O Poder da Misericórdia
rio de Almeida:
—
“Data de então o início de um intercâmbio
entre nós dois (Mário c Ayres Netto), com a visita do Pedro ao
Rio e as minhas
a São Paulo. Creio que
foi essa a primeira
“Sociedade de Anestesia” do país, composta de dois únicos membros, baseada exclusivamente em nossa camaradagem e curiosidade pelo assunto”. Mário
de
Almeida
faz escola
no Rio
de
Janeiro, enquanto
que a experiência obtida na Primeira Clínica de Mulheres, da Santa Casa, estimulava outros colegas a praticarem a anestesia
pelos gases, tais os bons resultados obtidos. Tive oportunidade de
demonstrar a anestesia pelo protóxido de azoto nos diversos serviços cirúrgicos, ministrando anestesia enquanto operavam os mais renomados cirurgiões de São Paulo. Em 1929/1930 iniciavam a anestesia pelos gases, no Sanatório Santa Catarina, José Martins Costa, Reynaldo de Figueiredo e outros, empregando o etileno e, posteriormente, o ciclopropano. Neste momento não faço dissertação; apenas presto um depoimento sincero e despretensioso, procurando não enfadar os
colegas presentes. É que o assunto é para mim muito caro e as vitórias, obtidas à custa de esforço, estudo e trabalho, trouxe-
ram-me, na verdade,
muitas
alegrias.
“Em 1930, perante a Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, defendi a tese inaugural “Anestesia Geral pelo Protóxido de Azoto”. Para sua feitura foram gastos dois anos de árduos trabalhos e estudos, bisonho que era no assunto e sem orientador especializado na questão, cujos problemas eram abordados pela primeira vez entre nós. Fui aprovado com Grande Dis-
tinção e a tese foi laureada pela Sociedade de Medicina e Cirurgia de São Paulo, Prêmio de Cirurgia “Carlos Botelho”, de 1930, Medalha de Ouro, após disputa com outras também de clínica cirúrgica e aprovadas
pela mesma
Faculdade.
Foi este, talvez, o primeiro prêmio, em trabalho anestesia, galardoado por Sociedade Médica brasileira. teve repercussão nacional e em outros países. Dizia então Alípio Correia Neto ao fazer apreciação sobre a mesma:
sobre a A tese o Prof. “É uma
valiosa contribuição a salutar tendência ultimamente desenvolvida
nos meios médicos paulistas em prol do problema da anestesia. Aqueles que se dedicam à cirurgia vêem com real satisfação avolumada esta corrente porque, até poucos anos, era a anestesia cirúrgica muitíssimo descuidada atendendo-se à aplicação do éter, clorofórmio e cloretila... A anestesia é tão complexa, exige tal soma de conhecimentos, tal noção de responsabilidade, que só
770
Glauco
Carneiro
está bem nas mãos dos facultativos nela especializados”. Prosseguindo, completa: “Além desse valor incomparável do trabalho do jovem cirurgião, qual da sua projeção no meio médico, cons-
tituindo grande
progresso
no êxito das
intervenções cirúrgicas,
traz ainda qualidade intrínsecas que o recomendariam à leitura atenta e proveitosa. Com a tese de Martins Costa, os estudos de Ary Siqueira e Arouche de Toledo, para citar apenas os esforços da Faculdade de São Paulo nestes dois últimos anos, este trabalho põe em foco métodos mais agudos da anestesia geral em nosso meio” (junho de 1951). Por três anos consecutivos fui convidado para apresentar este assunto nos Congressos Americanos de Anestesia (1931, 1952 e 19533), convites esses feitos à Faculdade de Medicina de São Paulo, ao Governo Federal, por intermédio da Embaixada Brasi-
leira nos Estados Unidos;
tudo seria facilitado. Infelizmente, por
motivos óbvios, tais convites não puderam
apenas
a honraria
e as belas
cartas
ser efetivados, ficando
recebidas.
Como veremos, na Santa Casa a atividade era lisonjeira para
a prática da anestesia.
Na
Clínica Ginecológica,
Ofélia Fonseca
disserta sobre a anestesia pela Avertina. Na Primeira Clínica Cirúrgica de Mulheres, são feitas pesquisas clínicas e laboratoriais mais intensas. São da época os trabalhos “Influência dos anesté-
sicos sobre
a reserva
alcalina”
(Altino
Antunes
e Antônio
de
Godoy); “Anestesia geral pela Avertina” (Geraldo Vicente de Azevedo e Pedro Ayres Netto); “A Percaína em anestesias cirúrgicas” (Luiz Moura Azevedo); “Prova funcional do fígado pelo rosabengala” (A. Ayrosa Galvão); “Anestesia endovenosa pelo Eunarcon” (J. Luiz Mazza e O. Unti); “Contribuição tudo da Reserva Alcalina na anestesia pela Avertina”
“Revivescência do coração men
Escobar Pires);
barbitúricos”
pelas
“Reserva
(Ovídio
injeções
alcalina em
para o es(O. Unti);
de Adrenalina”
(Car-
anestesias por alguns
Unti e Laerte de Moraes).
Saem,
ainda,
do
Serviço do Dr. Ayres Netto as teses de Ovídio Uunti, “Anestesia
de base pela Dialimalonuréia”, aprovada com distinção na Facul-
dade
de
Medicina
da
Universidade
do
Paraná
(19536),
e a de
Laerte de Moraes, “Variações da Reserva Alcalina em vários tipos
de anestesia”, aprovada com grande distinção e prêmio medalha
de ouro Em
no mesmo
ano e na
mesma
Faculdade.
1936, com o estudo “Novas aplicações em cirurgia com
a Dialimalonuréia”,
em
colaboração
com
Ovídio
Uunti,
fomos
laureados com o Prêmio Antônio Cândido Camargo, da Associa-
ção Paulista de Medicina.
O Poder da Misericórdia
771
Na introdução do referido trabalho acentuávamos: “A
abo-
lição de todas as causas de “shock”, o trauma psíquico, a intoxicação anestésica e uma boa e segura anestesia, eis o que sempre
foi procurado em cirurgia. Data destes últimos anos, acompanhan-
do o progresso humano, o aparecimento de uma série de novas substâncias anestésicas, novos gases são experimentados e usados à larga em todos os centros médicos mundiais, devido à incessante procura por parte dos cirurgiões. Se ainda não foi atingido o ideal almejado, temos hoje em mãos toda uma gama de substâncias ou gases anestesiantes, perfeitamente estudados, e que, observadas as indicações e contra-indicações, se adaptam aos mais variados casos clínicos. Daí, também, o aparecimento de uma nova especialização: a sub-classe dos cirurgiões, os anestesistas”.
Ainda em 1936 relatava, no 2.º Congresso Interno da A.P.M,, o tema oficial “Anestesia por inalação” somente publicado em 1942 no Livro do Jubileu Profissional
do Dr.
José Ayres
Netto
(1901-1941), no capítulo da Anestesiologia. Aí é também inserido o artigo “Anestesia pelo Evipan sódico”, de Moura Azevedo e Luiz Mazza.
E. de Jesus Zerbini, em
cátedra
Geral —
do
Prof.
Alípio
Mecanismo
anestesia geral”.
1939, publica
Correia
a aula
ministrada
Netto, sob o tema
na
“Anestesia
de ação dos anestésicos gerais. Sinais da
Ainda na Santa Casa, por solicitação de outros serviços, anestesiava OS primeiros casos de cirurgia torácica, incipiente naquela
época. Nas primeiras vezes, usei um velho aparelho de hiperpressão importado por Arnaldo Vieira de Carvalho, que permitia a distensão pulmonar com ar. Em 1935, em paciente que anestesieci com Avertina, controlando a distensão pulmonar com o referido aparelho, Soares Hungria abria o tórax e podia ressecar volumoso neuroma pleural, que comprimia o ápice pulmonar, com pleno êxito e recuperação do paciente. Até o início da Grande Guerra poucos foram os médicos brasileiros que fizeram cursos de anestesiologia em outros países. A grande maioria era, na realidade, autodidata. Os aparelhos mais modernos, novos gases, novas técnicas, foram surgindo e se formavam pequenos grupos entusiastas da anestesiologia nas principais cidades brasileiras. A contribuição da Santa Casa continuava. Chegou a vez da anestesia peridural, com os trabalhos de Mondadori (4.º C.H.), “Anestesia Peridural” (1938), de Zerbini (1.º C.H.), “Anestesia Peridural” (1938), e o nosso, em 1940, em colaboração com Nicolau Mancini e publicado na “Revista Argen-
772
Glauco
tina de Anestesia y Analgesia”: anestesia peridural”.
“Contribución
al estudio
Carneiro
de la
Aqui em São Paulo, em 1941, Mário Ramos Nóbrega fundava o Serviço Médico de Anestesia, nos moldes do Serviço Mé-
dico de Anestesia
do Rio de Janeiro, organizado,
como
já disse,
por Mário de Almeida, Oscar Ribeiro e Ivo de São Thiago, a primeira verdadeira escola brasileira da especialidade. Mc
Chegava
Kesson,
no Serviço
para cinco
do
gases,
Dr.
Ayres
Netto
e o estojo
de
um
aparelho
intubação
de
endotra-
queal de Foregger; as primeiras intubações foram feitas por Plínio de Mattos Barreto. Em 1943, Eduardo Etzel divulgou um belo estudo sobre a anestesia endotraqueal que, posteriormente, seria de rotina.
Com a guerra, de 1.º de setembro de 1939 a 7 de maio de 1945, houve realmente maiores contatos dos cirurgiões brasileiros
com
nosso
os
americanos.
meio.
Apesar
Grande
proveito
das dificuldades
teve
para
a
anestesiologia
importação
de
em
gases,
acessórios e aparelhos mais modernos, os trabalhos de divulgação
e experiência iam sendo publicados, como o de Mário de Almeida, “Considerações gerais sobre a anestesia por gases” (agosto de 1940), e “Anestesia gasosa em ginecologia e obstetrícia”, por
Álvaro de Aquino
Salles
(novembro
de
1940).
Como contribuição do Brasil à Segunda Guerra Mundial no terreno da medicina, sob os auspícios da 2.º Região Militar e da Reitoria da Universidade de São Paulo, o saudoso Prof. Raul Briquet organizou, em 1943, um curso de Anestesiologia, no qual se inscreveram 236 candidatos entre médicos e acadêmicos. As aulas e conferências aí proferidas estão arquivadas no primeiro tratado brasileiro de anestesia, sob o título “Lições de Anestesiologia”, publicado em 1944 e por todos conhecido.
Aproveitei o material de minhas aulas para a feitura de dois trabalhos. Um, publicado em Seara Médica, “Anestesia em
cirurgia de guerra”
(1943), e outro, que
do livro antes referido.
constitui o Capítulo VI
O primeiro trabalho foi espontânea e integralmente traduzido para o inglês e publicado na notável revista da especialidade “Current Researches in Anesthesia and Analgesia”, vol. 23, n.º 2, 1944, e concluído no n.º 3 do mesmo volume e ano. Foi uma
grande deferência editor da revista, cação do referido de satisfação por cina brasileira e
prestada à anestesiologia brasileira. A carta do solicitando autorização para tradução e publiartigo de Seara Médica, proporcionou-me gransentir ter feito algo para o bom nome da medisua receptividade e repercussão no estrangeiro.
O Poder da Misericórdia
773
Como já disse, houve entre nós, com a guerra, grandes dificuldades para abastecimento de gases, aparelhos e acessórios para anestesia, obrigando-me a deixar a especialidade. Acompanhava, então, mais de perto a cirurgia como
primeiro assistente nas clí-
nicas privada e hospitalar de meu pai e querido mestre, deixando, aos poucos, de atuar efetivamente na anestesiologia, especialidade que até hoje vejo com muito carinho, tais as grandes ale-
grias
que
me
proporcionou,
e de
que
senti a radical
transfor-
mação em nosso meio, com parcela mínima de minha contribuição.
A anestesiologia brasileira é uma especialidade médica pujante e plenamente vitoriosa, tais os vultos brasileiros que a ela se dedicaram. No Hospital das Clínicas de São Paulo é organizado um serviço oficial de Anestesia, obrigando ao aprendizado e estágio, sob a competente direção de Reynaldo Figueiredo. Nas demais faculdades de Medicina do Brasil torna-se obrigatória a frequência a cursos de anestesiologia. Na Santa Casa de São Paulo, Hospital Central, é instalado em 1949 o Serviço'de Anestesia sob a direção de Roberto Ayres
de Araujo, que já esporadicamente era requisitado para anestesiar casos difíceis, nas diversas clínicas. É aí instalado, também, o
1.º Centro de Recuperação, em São Paulo, perfeitamente apare-
lhado para o atendimento pós-operatório
Toda
esta história é interessante
época de transição —
imediato.
para
quem
viveu
da cloroformização ou eterização —
aquela com
todos os perigos e insegurança, até à época atual, da anestesia perfeita, quase atóxica, completa. Não quero me alongar neste
depoimento dos primeiros
tempos de anestesia em
nossa vetusta
e admirada Santa Casa. Agradeço a honra de falar entre anestesistas dos mais preclaros em nosso meio, pedindo escusas por tão pequena contribuição para a nobre e soberba arte de suprimir o sofrimento, a dor, e permitir uma cirurgia perfeita, integral. SUMMARY HISTORICAL ASPECTS OF ANESTHESIA IN THE HOSPITAL “SANTA CASA DE SÃO PAULO” Great surgeos of the turn of this century influenced the devellopment of anesthesia at the Santa Casa of São Paulo. The author, who collaborated in many articles in this devellopment, rememorates the decadas of the 30's and 40's, when
774
Glauco
many
studies of methods
done,
by
the
best men
and
techniques
in São
Paulo.
of
anesthesia
Carneiro
where
A panoramic vision which extends from the formation of the first specialists in S. Paulo until now, represents a period in
the history of anesthesia
in Brazil.”
A RADIOLOGIA
RENOVADA
Dr. Toshio Mochida Diretor do Depto. de Radiologia “Em fins de 1980, o “período de silêncio” durou pouco, na
transição da implantação da nova administração, sob a direção do Dr. Chien Y. Wang (05.11.80 a 17.03.83), para atender aos apelos da Alta Administração para reestruturar e expandir o De-
partamento, tanto sob o ponto de vista técnico, redução de custos
operacionais e melhorar a entrada de “numerários”. Na época anterior apesar da fartura de recursos os exames particulares apre-
sentavam apenas 1% do movimento bruto e praticamente não se realizavam exames de Ultra-som. A partir do início da década o Departamento foi equipado modernamente em condições de igual-
dade com
As
os outros
grandes centros de diagnóstico.
atividades acadêmicas
colaboração
inclusive
às
e científicas prosseguiram
Disciplinas
de
Pós-Graduação
na
dando
área
do Aparelho Digestivo. Dentro do período eletivo, grupos de alunos do 6.º ano da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo, fizeram estágio regulamentar no serviço de Radiologia. Foram padronizados incidências radiográficas e medicamentos radiológicos contrastados. Os exames auxiliares de Ultra-som, além de baixo custo operacional foram de grande valia para Medicina Interna, para pa-
cientes de alto risco enviado pelo Pronto Socorro, e principal-
mente para as gestantes e doentes com afecções ginecológicas. Atualmente realizamos uma média mínima de 1000 exames por
mês com apenas um aparelho.
Em junho de 81 terminou a montagem do sistema de Tomoscan-300 de corpo inteiro e o Dr. Chien era o único profissional do Departamento com os conhecimentos e experiência an-
terior no exterior (Universidade de Tennessee) para dar início a uma nova “Era” em exames auxiliares de diagnóstico. Apesar da crise econômica, o aparelho foi instalado a título de demonstra-
ção no período de 2 anos.
O
Poder
da
Misericórdia
775
As atividades de residência médica continuaram. Com bom treinamento e relacionamento conseguimos integralizar três ex-re-
sidentes na equipe médica, c hoje são profissionais abnegados e muito dedicados à Santa Casa.
Em 82, o setor de Ultra-som na Santa Casa já era conhecido e nele oferecia-se treinamento para médico voluntário. Continuaram as atividades de estágio dos alunos e aulas para o Curso de Pós-Graduação em afecções cirúrgicas. mento
O
Dr.
Chien
até o dia
Y. Wang
continuou
17 de março de
na Direção
1983.
do
Departa-
No dia 20 de março de 1983, até a presente data assumi o cargo de Diretor dada a assimilação de novos conhecimentos necessários para dar continuidade aos objetivos primordiais da administração
Em
anterior.
vista da crise que a Santa Casa atravessa, foi imprescin-
dível a implantação de 70 mm havendo uma redução drástica efetiva de custo que variava de 1/4 a 1/17, dependendo da economia do tamanho do filme que seria utilizado. Foram tomadas várias medidas de redução de gastos, inclusive nos setores de U.S. e C.T. (constatado no resumo da Ata de
Sessão ordinária
de 20 de junho
de
1984)
(fl. 06
a 07).
O Departamento de Raios X possui duas fontes de despesas,
uma de origem interna e depende exclusivamente da administração (sob controle), e a outra, externa, de difícil controle, pois
solicitação de exames
depende
de outros
Departamentos.
Atualmente atendemos um volume muito grande de pacientes previdenciários, conveniados, particulares e não contribuintes (indigentes). Os médicos atuais da Radiologia contratados pela Santa Casa trabalham regularmente o número de horas combinado e com fregiência o ultrapassam, quando o serviço exige. Foi implantado o sistema de BIP gências (pacientes particulares), períodos sem onerar a folha de pagamento. Este todas as atividades do Raios X em apoio
para atendimento de urde fins de semana, isto sistema dá assistência a ao Hospital Santa Isabel.
Em outubro de 1984, o serviço de Tomografia Computadori-
zada realizou número recorde de exames (726), o nistração anterior era trabalho equivalente de resultado conseguido não é obra do acaso, mas dedicação, devoção, agilização e desprendimento da
cipalmente, Dra. Susy
muita
vontade
Muszkat.
de
trabalhar
da minha
que na admi3 meses. Este sim de muita maioria e prin-
colaboradora
776
Glauco Carneiro
O Departamento de Radiologia no mês de outubro-84, realizou um faturamento recorde de 136 milhões, afora o atendi-
mento de pacientes não pagantes de grande alcance social (aproximadamente
9,500).
A atual administração penha-se diariamente para para podermos continuar a fermos, que é a razão da missão social da Irmandade
do Departamento de Radiologia emenfrentar a crise econômica perene, prestar assistência condigna aos enexistência quatrocentenária da nobre da Santa Casa de São Paulo.”
PROJETO
SANTA
HISTÓRIA
“Tendo
sido
DA
honrada
com
CASA
o recebimento
passo a respondê-lo dentro das minhas |.
DE SÃO do
limitações.
PAULO questionário,
Identificação do signatário
—
Nome:
—
Atribuição na Santa Casa: médica anátomo-patologista do
Departamento
Helena Muller, nascida em São Paulo, Capital. Anatomia
Patológica.
— Histórico do relacionamento com a Instituição: ainda estudante de Medicina na Faculdade de Medicina de Sorocaba da P.U.C. de São Paulo, procurei a Santa Casa para efetuar estágios
de aperfeiçoamento. Estagiei durante as férias do curso letivo no
Serviço de Anatomia Patológica, desde 1957 e também na 1.º Medicina de Homens, do Saudoso Prof. Oscar Monteiro de Barros,
em janeiro e fevereiro de 1958.
Ao término do curso médico em dezembro de 1960, candidatei-me ao cargo de bolsista-externa do Serviço de Anatomia
Patológica da Santa Casa de São Paulo. A Instituição concedeu-me o título de Assistente-Efetivo em maio de 1964.
Com o início da Faculdade de Ciências médicas da Santa Casa de São Paulo, em 1963, passei a exercer também atividade didática, inicialmente no Departamento de Ciências Morfológicas. — Cargos ocupados na vida profissional: minha vida profissional se desenvolveu na Santa Casa de São Paulo. Desde janeiro de 1961 até a presente data, sou anátomo-patologista do Departamento de Anatomia Patológica do Hospital Central, tendo exercido também atividade igual no Hospital São Luiz Gonzaga, do Jaçanã. A partir de maio de 1963 tornei-me professor na Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo, inicial-
O
Poder
da
777
Misericórdia
mente instrutor, depois assistente e atualmente professor-associado
no Departamento de Anatomia Patológica onde respondo setores de dermato-histologia e de patologia placentária. —
Cargos ocupados
na vida pública:
mas diretorias do Departamento de Anatomia
tomei
pelos
parte em
algu-
Patológica da Asso-
ciação Paulista de Medicina e pertenci à diretoria do Sindicato dos
Médicos Sou
de São
membro
Paulo,
de
no período de
várias
Sociedades
1975-1977.
Científicas,
nacionais
€
internacionais.
—
Profissão
—
Outras instituições de que participa:
nenhuma 2.
A
outra
de origem: instituição
sempre exerci
a profissão
médica.
não faço parte de
hospitalar.
Instituição
2.1
—
O
papel
todas as entidades
hospitalares.
A assistência
prestada
nos
da Santa
Casa é o mais relevante dentre
médica, aliada à social e religiosa, sempre
moldes
ímpares
preconizados
por
sua Santa
foi
fun-
dadora.
2.2 —
Com
desamparados,
o exemplo
dado
órfãos e enjeitados,
pelo atendimento as Misericórdias
aos pobres,
moldaram
estrutura da assistência social. Haja vista o trabalho nhado pelas religiosas da Ordem de São José.
a
desempe-
2.3 — Pelo fato de ser sido o berço e o Hospital-Escola da Faculdade de Medicina de São Paulo e abrigando hoje a sua Faculdade de Ciências Médicas. Também por proporcionar residên-
cia e estágios
a médicos
de
todo o país
e também
do exterior.
Com o retorno desses colegas aos seus pontos de origem, a Santa Casa
se projeta
no
cenário
do ensino
médico.
2.4 — Apesar do longo período de trabalho neste hospital realmente não saberia mencionar marcos históricos, a não ser a criação da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo. Quanto aos grandes nomes que nela têm trabalhado são numerosos e é difícil não cometer injustiças se quisermos fazer uma listagem. Seria inconveniente esquecer nomes do serviço médico, administrativo e demais setores auxiliares. Aliás, muitos deram sua existência à Instituição e, por serem humildes servidores, foram rapidamente esquecidos ou jamais recordados.
778
Glauco Carneiro
tiano
Um nome, para mim, é altamente importante: Altenfelder
é conhecida
Silva. Sua
atividade
em
favor
Doutor Cris-
da Santa
Casa
e reconhecida.
2.5 — Não conheço trabalhos inéditos. Considero muito importante o livro do Doutor Marcelo de Almeida Toledo: “A Santa Casa de Misericórdia de São Paulo”. 26 — O quesito pode ser interpretado de duas maneiras: a minha melhoria ce a melhoria da Instituição. É claro que trabalhar aqui exige generosidade e dedicação que a cada dia devem aumentar, em face às dificuldades e aborrecimentos com que nos deparamos. Vencer os obstáculos, honestamente, nos aprimora e
a nossa luta reverte em
benefício para a Santa Casa.
2.7 — Um trabalho honesto, eficiente e exercido com dedicação e tenacidade, sempre regido pelos preceitos éticos vigentes. Tendo um certo destaque profissional como especialista em dermato-histopatologia, tenho levado o nome da Instituição a todo o Brasil e já também ao Exterior, em Jornadas e Congressos. 2.10 — O povo sempre procurou retribuir os benefícios que recebe da Instituição. O mesmo não se pode dizer do governo, em geral omisso quanto ao cumprimento de seus compromissos. No Brasil, educação e saúde estão em planos inferiores nos interesses administrativos. 2.11
—
Este item somente poderá ser convenientemente
en-
focado após a eleição do próximo Presidente da República que, esperamos, seja aquele dos anseios gerais. Se conseguir reequilibrar as finanças do País e sanar as mazelas da Assistência Social,
bem como reorganizar o nosso ensino médico, creio que não teremos problemas de monta para nossa amada Instituição. Caso contrário, as perspectivas são as mais sombrias para toda rede hospitalar do Brasil. Que Santa Isabel nos guie, proteja e guarde.” A OTORRINOLARINGOLOGIA
EM
SÃO
PAULO
Prof. Otacilio Lopes “A ORL de S. Paulo praticamente nasceu na Santa Casa de Misericórdia de S. Paulo. Esta cedeu suas instalações, por volta de 1914, para serem utilizadas pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, recentemente fundada por Arnaldo Vieira
de Carvalho.
779
O Poder da Misericórdia
Seu primeiro professor foi DR. HENRIQUE LINDEMBERG,
formado
na Escola Vienense.
Eram
RIO OTONI DE REZENDE, CISCO HARTUNG.
seus Assistentes os Drs. MA-
SCHMIDT
SARMENTO
e FRAN-
Neste período o Serviço funcionava em precárias condições, em instalações cedidas pela Santa Casa, localizada no prédio do Hospital Central. Recinto acanhado mas nem por isto deixou de
ser um local de intenso e produtivo trabalho tendo ali sido elaborados um sem-número de trabalhos científicos que lhe garantiram um lugar pioneiro na ORL Brasileira. Com o desaparecimento precoce de HENRIQUE LINDEMBERG, preparavam-se para o Concurso, os seus assistentes SARMENTO, MARIO OTTONI e HARTUNG. Todavia o regulamento da Faculdade de Medicina da U.S.P. em um de seus artigos previa a possibilidade de transferência entre as chamadas Cátedras afins. Nesta situação encontrava-se o titular da Cátedra de PATOLOGIA GERAL, que praticava a Otorrinolaringologia em sua Clínica privada. Utilizando-se deste expediente, foi empossado na Cátedra de Otorrinolaringologia. Assim,
aparentemente,
frustrar-se-ia
Serviço de Otorrinolaringologia
a atividade
docente
da Santa Casa de Misericórdia
do
de
S. Paulo. A Direção da Santa Casa manteve o mesmo grupo de Assistentes, agora sob o comando de SCHMIDT SARMENTO cedendo outro espaço no INSTITUTO DO RADIUM para a Faculdade de Medicina da U.S.P. Este grupo não deixou cair a tocha do ideal avançado
no seu intenso
trabalho e atividades de
pesquisa e docência. SCHMIDT SARMENTO pouco tempo exerceu o seu cargo de chefia. Com problemas de saúde, licenciou-se atribuindo a chefia a MARIO OTTONI DE REZENDE que por longos anos a exerceu em carácter interino até a morte de SAR-
MENTO,
quando
foi confirmado no cargo.
O Serviço de Otorrinolaringologia da Santa Casa de S. Paulo foi uma das mais profícuas escolas de formação de novos especialistas — sempre procurado por inúmeros colegas e estagiários
e de todo o Brasil. Com
a mudança da Clínica de ORL
para o
2.º andar do Edifício de Ambulatórios Conde de Lara, este Serviço modernizou-se e passou a colaborar intensamente com as Cátedras afins da Faculdade de Medicina da U.S.P., principalmente Neurologia, Neuro-cirurgia, Oftalmologia e Clínica Médica. No início da década de 30 foi fundada a Revista de Otorrinolaringologia de São Paulo e que posteriormente por iniciativa de MARIO OTTONI DE REZENDE tornou-se Revista Brasileira de
780
Glauco
Otorrinolaringologia. Nesta rio Otoni, seu concunhado
Revista colaborava na época com HOMERO CORDEIRO.
Carneiro
Má-
Esta dupla manteve a Revista por longos anos, muitas vezes prejuízo financeiro, até que foi transferida para a responsa-
com
bilidade da FEDERAÇÃO
BRASILEIRA
DAS SOCIEDADES
DE
OTORRINOLARINGOLOGIA. Esta publicação bimensal serviria de fonte de informação sobre o desenvolvimento científico do
Serviço de Otorrinolaringologia da Santa Casa de S. Paulo. Ali foram publicados numerosos trabalhos daquela Clínica sendo que
alguns
ÇÃO
deles
premiados
PAULISTA
DE
com
láureas
instituídas
MEDICINA.
Em 1943, alguns Otorrinos que faziam Otorrinolaringologia do Hospital Matarazzo,
pela
ASSOCIA-
parte da Clínica de naquela oportunida-
de chefiado pelo Dr. HOMERO CORDEIRO, passaram a participar da Clínica de ORL da Santa Casa de S. Paulo e entre eles destacava-se MAURO CANDIDO DE SOUZA DIAS. Naquela
oportunidade
a Clínica
de
Otorrino
da Santa
Casa,
localizava-se no segundo andar do Pavilhão Conde de Lara, ocupando dois terços de um pavimento sendo o outro terço ocupa-
do pela Clínica de NEUROLOGIA da Fac. de Medicina da USP. No período em que estas duas Clínicas — NEUROLOGIA e OTORRINOLARINGOLOGIA — funcionaram juntas, foi de uma grande colaboração mútua, que resultou numa grande expansão das duas disciplinas, com a publicação de inúmeros trabalhos. Nesta oportunidade a união das duas especialidades era tal que MARIO OTTONI as denominava de “irmãs germanas”. A Otoneurologia
Naquela
brasileira
oportunidade
começava
já chefiava
ali a engatinhar.
o Serviço
de ORL
da
Santa Casa, o Dr. MARIO OTTONI DE REZENDE. Tinha como Assistentes os Drs. ROBERTO OLIVA, com a posição de sub-
chefe. O Dr. Oliva vinha de uma formação de Escola AUSTRIACA com os Profs. NEUMANN e ALEXANDER. O Dr. OLIVA
era um médico dotado de enorme cultura e de educação finíssima.
Pessoa extremamente modesta, era desprendido de desejos de posições. Sua modéstia era exemplar e sua bondade sem limites. Outro Assistente era o Dr. ERNESTO MOREIRA, um autêntico “pé de boi”. Tinha um gênio um tanto ríspido e fechado. Isto no fundo era um manto com o qual procurava cobrir um temperamento modesto e até mesmo tímido. O seu assunto de maior
interesse era a OZENA (rinite atrófica fétida). Estudou-a em seus vários aspectos, clínicos terapêutico, etiológico e cirúrgico. O Dr. MOREIRA desenvolveu a técnica cirúrgica para o tratamento
781
O Poder da Misericórdia
da OZENA, CHLAGER,
denominada
de técnica de MOREIRA/LAUTENS
Outro Assistente foi o Dr. FRANCISCO HARTUNG, também de formação vienense; era homem de sólida cultura geral, artística e filosófica. Todavia por força de sua enorme clínica privada, frequentava de modo esporádico sendo no entanto muito assíduo às reuniões clínicas, onde obteve enorme material para a publicação de seus vários trabalhos científicos. Outra figura ímpar na especialidade e que também era Assistente da Clínica de ORL da Sta. Casa, foi o Dr. SILVESTRE PASSY. Era homem de grande honestidade pessoal e dotado de alto padrão ético e profissional, que a Otorrinolaringologia chegou a conhecer. Foi condecorado pelo GOVERNO DO ESTADO DE
S. PAULO, gestão CARVALHO
PINTO, como Servidor Emérito,
por 50 anos de serviços prestados ao Estado. Ainda,
entre
nós, o Dr.
SILVIO
ONIGBENE,
homem
de
sólida formação técnica científica, caráter sem jaça, modesto até
as raias da humildade.
Trabalhador incansável, até que foi absor-
vido pelo serviço público e pela sua enorme
desenvolvida
clínica particular
no bairro do Brás, onde foi absoluto.
O Dr. ANGELO MAZZA, que quase todos os contemporâneos tiveram a felicidade de conhecer, recebeu sua formação bá-
sica
[e isso ele sempre
orgulhosamente
proclamou
aos quatro
ventos] no Serviço de Otorrinolaringologia da Santa Casa de S. Paulo, até ser convidado a ser Assistente da Cátedra de OTOR-
RINOLARINGOLOGIA
DA
ESCOLA
PAULISTA
DE
MEDI-
CINA, onde realizou enorme, árdua e profícua função docente até a sua morte.
Entre os então chamados da JOVEM alinhar os seguintes:
GUARDA,
poderíamos
JOSÉ EUGÊNIO DE REZENDE BARBOZA, começou sua caminhada brilhante em 1935 quando graduou-se pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Irriquieta criatura, espicaçado por um entusiasmo contagiante, formado no caldeirão borbulhante da U.S.P. então instalada pelo gênio brilhante de ARMANDO DE SALLES OLIVEIRA, iniciou a tarefa hercúlea de modernizar o Serviço de Otorrinolaringologia da Sta, Casa de São Paulo
notadamente
na área
de OTOLOGIA
e sua relações
com a Neurologia. Contava com a vizinhança da Clínica de Neurologia da Fac. Medicina da U.S.P,, onde pontificavam Neurologistas como ADERBAL TOLOSA, OSWALDO LANGE, FREITAS
JULIÃO
e VIRGILIO
SAVOY,
OTORRINO/NEUROLOGIA.
de onde sairia o consórcio
782
Glauco Carneiro
De outra parte incentivou e introduziu técnicas as mais apu-
radas na Cirurgia Otológica, como a FENESTRAÇÃO
do canal
lateral na recuperação de perdas auditivas determinadas pela otos-
clerose. Por esta época, não se contava com os eficientes Microscópios cirúrgicos modernos, porém muitas cirurgias, que por vezes duravam
até seis exaustivas
horas,
foram
coroadas
de pleno
êxito ec sucesso. Foi o iniciador das técnicas audiométricas em nosso país. Introduziu os novos audiômetros que vieram a permitir a determinação da acuidade auditiva com certa acurácia. Nesta época fez construir um túnel de cerca de 10 metros de comprimento onde cada metro era marcado em ambas as paredes laterais para
que se realizasse a audiometria vocal, iniciando-se entre nós os testes de discriminação auditiva. Na década de 40 o Dr. REZENDE
BARBOZA elaborou um trabalho sobre AUDIOMETRIA, laureado pela ASSOCIAÇÃO PAULISTA DE MEDICINA. Neste trabalho, fez um levantamento completo dos princípios fundamen-
tais e das técnicas audiométricas. Ali apresentava seus primeiros resultados nesta nova técnica semiológica e que viria a ser de fundamental importância no diagnóstico otológico. Entre
os vários
Assistentes
de S. Paulo ainda podemos
SILVA
BASTOS,
PAULISTA
graduado
DE MEDICINA.
da “Ala
Jovem”,
destacar MANOEL
pela
primeira
da Santa
Casa
HAROLDO
DA
turma
da
ESCOLA
Criatura de caráter e ética rigorosas,
extremamente dedicado aos pacientes, ainda está entre nós, embora afastado da especialidade. Quem o conheceu na época sabe o quanto HAROLDO DA SILVA BASTOS participava com alma e coração do sofrimento dos seus pacientes e sua família. Traçou
sua carreira retilínea nunca capitulando face a seus próprios prin-
cípios. EDUARDO
FARIA
COTRIM
antes de tudo colega leal e
amigo. Hábil cirurgião de faringe e um grande trabalhador. MORACY LOBO, colega despachado, e boêmio, esmerava-se com a
sua simpatia
no
trato carinhoso
aos
indigentes.
JORGE
FAIR-
BANKS BARBOSA sem dúvida, um dos mais brilhantes colaboradores do Serviço. Excelente estrutura profissional caldeada em seu brilhante curso na Faculdade de Medicina da U.S.P. Iniciouse no Serviço na década de 40 ao qual imprimiu
um
ritmo galo-
pante marcando a sua presença. Permaneceu por aproximadamente cinco anos, quando, vencendo brilhante concurso, foi nomeado Otorrinolaringologista
do antigo I.A.P.C.
e dali passou
ao Insti-
tuto do Câncer a chamado de Antonio Prudente onde explodiu atingindo culminâncias internacionais na difícil especialidade da Cancerologia de Cabeça e Pescoço. Elaborou um alentado volume escrito em Inglês e que foi acolhido com entusiasmo pelo meio
Glauco Carneiro
784
Em
1969 o Prof. ). E. de Rezende Barboza teve de ausentar-
se da chefia do Serviço e da Cadeira de ORL da Faculdade de Ciências Médicas, em virtude de seus inúmeros afazeres particulares. Foi um dos primeiros criadores da raça de cavalos “Quarter Horse”, importados do Texas. Aqui, além de cavalos puro-sangue inglês, o Dr. Rezende Barboza desenvolveu esta raça hoje da maior importância na nossa equinocultura. Tendo ingressado no Serviço de ORL da Santa Casa em 1943 e vindo do Serviço de ORL do Hospital Matarazzo (formou-se em 1937)
o Dr.
Mauro
Candido
de Souza
Dias
foi
indicado
para
substituir o Dr. Rezende Barboza, quer na Chefia da Clínica de Otorrino, quer como Titular da Disciplina de ORL da Faculdade de Ciências Médicas. Mauro Candido sempre foi muito dedicado aos estudos. Era um trabalhador por natureza. Quando estudante ainda em 1935, foi interno da 1.º clínica cirúrgica, chefiada pelo Prof. Alípio Correa Neto, onde iniciou-se nos segredos da técnica cirúrgica e que certamente lhe foi de grande valia, pois revelou-se com o tempo um grande cirurgião. Terminando seu curso médico em 1937, passou a freúentar, como Assistente Efetivo, a Clínica de Otorrinolaringologia do Hospital Umberto I (posteriormente Hosp. Matarazzo) naquela época chefiada pelo brilhante Homero Cordeiro. Em 1939, interessado que estava nos problemas da Tuberculose em Otorrino, passou a trabalhar no Hosp. São Luiz Gon-
zaga, que se dedicava ao atendimento dos tuberculosos. Lá desenvolveu brilhante trabalho, publicado na Revista de Otorrinolaringologia. Convidado por Mario Ottoni, em 1943 passou a integrar a equipe de ORL da Sta. Casa de S. Paulo, onde permaneceu até 1975. Mauro Cândido, sempre apegado ao ensino e pesquisa, teve inúmeras publicações na área da Otorrino, e dois de seu trabalhos viriam a receber o prêmio
máximo
da Otorrinolaringologia
Pau-
lista, em 1952 e em 1954. Por coincidência este prêmio levava o
nome
de seu antigo mestre
“MARIO
OTONI
DE
REZENDE”.
Embora hábil cirurgião, sempre gostou da Audiologia. Tinha na Audiologia seus estudos prediletos. Veio a fundar os cursos de Fonoaudiologia da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, onde lecionou por muitos anos. Sempre foi um homem dedicado à Medicina, embora exercesse atividades agropecuárias. Nunca esqueceu os colegas c manteve efervescente atividade política na área médica, Foi Presidente do departamento de ORL da Assoc. Paulista de Med. Presidiu a Comissão eleitoral desta mesma Socicdade. Durante muitos unos Presidiu sua Comissão Científica. Foi vice-presidente da Assoc. dos Médicos da Sta. Casa de S. Paulo e Fellow do American College of Surgeons. Em 1981 pelas
O
Poder
da Misericórdia
785
suas atividades junto à Disciplina de ORL da Fac. Ciências Mé-
dicas da Sta. Casa, que chefiava, recebeu o Título de Emérito da Associação dos Docentes da Sta. Casa; no mesmo ano, recebia tam-
bém do Colégio Brasileiro de Cirurgiões o título de Emérito. Foi tesoureiro
da
Associação
Paulista
de Medicina
e da
Associação
Médica Brasileira, e também tesoureiro do Conselho Regional de Medicina do Estado de S. Paulo. Pouco antes de abandonar a
chefia da Clínica de ORL
da Santa Casa de S. Paulo, recebeu em
1983 o título de Professor Emérito da Faculdade de Ciências Mé-
dicas da Santa Casa de São Paulo. Seus inúmeros trabalhos cien-
tíficos estão publicados na Revista Brasileira de Otorrinolaringologia, Órgão que sempre prestigiou, desde a fundação.
Em 1975, decidiu renunciar à chefia da Clínica de Otorrinolaringologia da Sta. Casa e à Cadeira de ORL da Faculdade. Seus inúmeros afazeres na área da agricultura impunham este sacrifício.
Nesta época, após Concurso de títulos, foi indicado para a chefia da Clínica de Otorrinolaringologia o Dr. Otacilio Lopes Filho. Posteriormente após aprovação de seu curriculum pelo Conselho
Federal de Educação, passou a Professor Titular da Disciplina de
Otorrinolaringologia
da
Faculdade
de Ciências
Médicas
da
Sta.
Casa de S. Paulo. Ao assumir a Chefia deste glorioso Serviço de Otorrinolaringologia, o novo Titular já havia sido aprovado em outros concursos, como de Doutor em Medicina, tendo defendido sua Tese, “Estudo clínico da Impedância
Acústica”, em
1972 na
Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo e em 1974
havia obtido o título de Docente Livre em Otorrinolaringologia após Concurso na Escola Paulista de Medicina.
Fazem parte da equipe atual: Drs. Lídio Granato e Ney Pen-
teado de Castro Jr., Chefes da Clínica Adjuntos;
Drs. Carlos Al-
berto H. de Campos, Dra. Marina Stella Figueiredo e Fernando de A. Quintanilha Ribeiro, Primeiros-Assistentes e Drs. Ivo Bussoloti F.º, Dra. Estelita Betti e Dr. Edson Taciro, Segundos-Assistentes.”
DEPARTAMENTO
DE CIRURGIA Dr. João Fava
Chefe do Depto. de Cirurgia “O Departamento de Cirurgia do Hospital Central da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo constituiu-se, de início, da 2.º e 3.º enfermarias de Clínica Cirúrgica de Homens. Posteriormente absorveu
786
Glauco Carneiro
o serviço de Gastroenterologia localizado no Pavilhão Conde de Lara, a enfermaria de Cirurgia de Tórax, a 2.º e 3.º enfermarias de Clínica Cirúrgica de Mulheres e por fim a 1.º enfermaria de Clínica Cirúrgica de Homens. Atualmente o Departamento de Cirurgia compõe-se das antigas 1.º, 2º e 3.º enfermarias de Clínica Cirúrgica de Homens, denominadas respectivamente DC-1, DC-2 e DC-3. O DC-1 abriga leitos de retaguarda de prontosocorro e é uma enfermaria mista (homens e mulheres). O DC-2 destina-se
a homens
e o DC-3
a mulheres.
Antecedentes
Na década de 20 o Hospital Central possuía duas enfermarias de Clínica Cirúrgica de Homens. A primeira chefiada pelo Prof. Dr. Antonio Candido Camargo e a segunda enfermaria sob a chefia (desde 1898) do Prof. Dr. João Alves de Lima.
Em 1934 o Prof. Camargo aposentou-se e o Prof. Dr. Benedito Montenegro passou a dirigir a 1.º enfermaria. Com a morte do Prof. Alves de Lima o Prof. Montenegro transferiu-se para a 2.º enfermaria. Em junho de 1934 inaugurou-se o Pavilhão Oscar Cintra Gordinho
com
04 enfermarias
de Clínica Cirúrgica de Homens. Concursado na Faculdade de Medicina o Prof. Dr. Alípio Corrêa Netto as 04 enfermarias passaram a ser chefiadas: a 1.º pelo Dr. Oscar Cintra Gordinho (sucessivamente Drs. Raul Vieira de Carvalho e Sebastião Hermeto
Jr.); a 2.º pelo Dr. Zeferino do Amaral;
a
3.º pelo Prof. Dr. Corrêa Neto (depois Dr. José Hungria e Dr. Alvaro Dino
de Almeida) e a 4.º pelo Prof. Dr. Montenegro e sucessivamente pelo seu irmão Dr. João Montenegro e Dr. Mario Degni até o seu fechamento”.
REMINISCÊNCIAS
DA SANTA
CASA
Geraldo
“Comecei
Vicente de Azevedo
a frequentar a Santa Casa no princípio de agosto de 1924,
logo após terminada a revolução que agitou a cidade de S. Paulo desde o dia 5 de julho. A Santa Casa estava transformada em hospital de sangue — todas as enfermarias só abrigavam feridos. Os pacientes internados haviam sido removidos para o edifício contíguo à igreja do S. Coração de Maria, à rua Jaguaribe. Tive então o primeiro contacto com a cirurgia, na 2.º enfermaria de medicina de homens, transformada em cirúrgica sob a chefia do Prof. Afonso Régulo de Oliveira Fausto. Posteriormente, trabalhando no laboratório da 1.º Medicina de Homens (do Dr. Diogo de Faria),
O Poder da Misericórdia
787
mantive algum contacto com as 2 enfermarias de cirurgia de homens. Nelas funcionavam as 2 cátedras de cirurgia, regidas pelos Professores Antonio Candido de Camargo e João Alves de Lima. As enfermarias eram
pobremente instaladas e o ensino de cirurgia era
bastante precário. Exemplo de uma aula de propedêutica cirúrgica, que competia à 1.º Cadeira, pelo Prof. Camargo: é apresentado um paciente com sintomatologia sugestiva de calculose vesical (a Urologia estava incluída na Clínica Cirúrgica), o professor recorre a uma sonda metálica dotada, no respectivo cabo, de um cilindro destinado a ampliar o som resultante do atrito com o cálculo. Sendo o resultado positivo, é indicada a talha hipogástrica. Não foram sugeridas nem a radiografia mem a cistoscopia. que já eram praticadas em outros serviços da Santa Casa. Outra
aula: um paciente se queixa de dor do lado direito do abdômen;
o Prof.
Camargo o examina e nada conclui sobre a origem da dor; opina que pode tratar-se de apendicite ou colecistite e que, visto como em ambos os casos
o tratamento é cirúrgico, a melhor solução é operar e assim determinar o diagnóstico correto. Então já se fazia na Santa Casa a colecistografia, que foi assunto
se passou em
da
tese de doutoramento
do
Dr.
)J. M.
1927, no 4.º ano do curso médico.
Cabello
Campos.
Isso
As aulas do Prof. Alves de Lima constavam, quase sempre, de demonstração cirúrgica (as mais das vezes hérnia ou hidrocele) em uma vasta
sala dotada de uma
galeria circular na parte superior, onde
ficavam
os
estudantes. Daí mal se podia ver, à distância, o campo operatório. Ao golpe de bisturi no saco da hidrocele, seguia-se um jato líquido certeiro que o enfermeiro habilmente recebia em uma cuba. Todas
as cátedras de clínica da Faculdade
de Medicina de S. Paulo
funcionavam nas enfermarias e ambulatórios emprestados pela Santa Casa. O professor catedrático era o chefe e tinha 3 assistentes nomeados pela
Faculdade, havendo outros médicos sem título. Nas enfermarias e ambulatórios que não pertenciam à Faculdade, o chefe de clínica recebia 50 milréis por mês; os demais médicos trabalhavam gratuitamente. A Santa Casa
era o único hospital de pronto-socorro em S. Paulo e para ela eram levados todos os casos de urgência. Havia sempre um médico interno de plantão. Este era de 24 interno ganhava
horas, começando e terminando 100 mil-réis por plantão. Eram
ao meio-dia. O médico 7 médicos internos, um
para cada dia da semana, e havia 7 médicos substitutos. Como houvesse frequente dificuldade para o médico interno arranjar auxiliar para as operações, no início de 1928 o Diretor Clínico, Dr. Synesio Rangel Pestana, resolveu nomear 7 acadêmicos, um por dia da semana, para auxiliar o médico interno, sem qualquer remuneração. Fui acadêmico interno durante 2 anos, 1928 e 1929, correspondentes ao 5.º e ao 6.º ano do curso médico. Verificando a deficiência das enfermarias de cirurgia de homens, que
eram ambas da
Faculdade.
fui trabalhar
no Serviço do
Dr.
Ayres
Netto,
788
Glauco Carneiro
|.º Clínica Cirúrgica de Mulheres, que acabava de ser inteiramente refor-
mada
e modernizada
(às custas do seu chefe), destacando-se
muito das
demais enfermarias da Santa Casa. Aí fiz a minha aprendizagem em ci-
rurgia, ginecologia e urologia; aí fiz 2 teses, de doutoramento e de docência livre, além de numerosos trabalhos publicados em revistas médicas”.
25. AS ELITES NA MISERICÓRDIA O que são Elites e como atuam — As três elites —
Papel das elites na Misericórdia — Presença das Elites na Santa Casa — A Santa Casa e a elite cafeicultora — A elite política (1889-1937) — A múltipla participação — A Irmandade e os empresários — A elite da caridade — Os Irmãos de hoje — Um padrão da elite — A influência da Maçonaria (Bucha) — Irmãos, Companheiros e Mestres — À história da Maçonaria — Período operativo — A importância no Brasil — A Maçonaria em São Paulo — O enfraquecimento Maçônico — A Bucha, a Maçonaria e o espírito liberal — As Arcadas: o Poder Secreto
dos Liberais
Neste Capítulo final cstudaremos a inter-relação Santa Casa/Elites Pau-
listanas, o significado social e político da participação na
extensão
do
Poder
nela
exercido, as sensíveis
aproximações
Irmandade, em
algumas
épocas com a' Maçonaria, e as razões que levam ao atual enfraquecimento
da instituição como órgão reivindicante no contexto das forças comunitárias.
+
ca to—
Para abranger todos esses enfoques, dividiremos nossa quatro partes principais, comportando alguns subtemas:
. O que são Elites e como atuam;
Presença das Elites na Santa Casa; A Influência da Maçonaria (Bucha); . Situação Atual e Perspectivas.
exposição em
a
Glauco Carneiro
790
O que são Elites c como atuam
Em seu livro clássico A Elite do Poder, referindo-se à sociedade ame.
ricana, mas, de certa mancira
traduzindo a situação comum
aos povos da
comunidade ocidental, C. Wright Mills! tenta definir o que chama de “altas
rodas” a partir de sua diferenciação com os homens comuns. O poder des-
tes, em
termos de influência, é circunscrito pelo mundo
rotinizado em
que vivem, “e mesmo nesses círculos de emprego, família e vizinhança frequentemente parecem impelidos por força que não podem compreender nem governar”. As “grandes mudanças” estão além de seu controle, mas nem por isso lhes afetam menos a conduta e as perspectivas. À estrutura mesma da sociedade moderna limita-os a projetos que não são seus, e de todos os lados aquelas mudanças pressionam de tal modo os homens e mulheres da sociedade de massa que estes se sentem sem objetivo numa
época em que estão sem poder:
“Mas nem todos os homens são comuns, nesse sentido. Sendo os meios de informação e de poder centralizados, alguns deles chegam a ocupar posições das quais podem olhar, por assim dizer, para baixo, para o mundo do dia-a-dia dos homens e mulheres comuns, suscetível de ser profundamente atingido pelas decisões
que tomam... Não precisam apenas “atender às exigências da hora e do momento”, pois em parte criam essas exigências, e
levam outros a atendê-las. Quer exerçam ou não seu poder, a expe-
riência técnica e política que deles transcendem, supera, em muito,
a da massa da população...
Bem que se poderia aplicar à elite
o que Jacob Burckhardt disse dos “grandes
o que nós não somos”?
homens”:
—
São tudo
A elite do poder ocupa, assim, uma posição que lhe permite transcender o ambiente comum dos homens comuns, e tomar decisões de grande consequência... Comanda as principais hierarquias e organizações da sociedade moderna — as grandes companhias, a máquina do Estado e suas prerrogativas, a organização militar, os postos de comando estratégico da estrutura social, “no qual se centralizam atualmente os meios efetivos do poder e a riqueza e celebridade que usufruem”. Mills adverte para não se cair no erro de considerar como elite apenas os que detêm a riqueza material, mas aqueles que têm uma parte maior na fruição de coisas e experiências altamente valorizadas: “Desse ponto de vista, a elite é simplesmente o grupo que tem o máximo que se pode ter, inclusive, de modo geral, dinheiro, poder e prestígio — bem como todos os modos de vida a que estes levam. Mas a elite não é simplesmente constituída dos que
O
Poder
du
Misericórdia
791
têm o máximo, pois não o poderiam ter se não fosse pela sua po-
sição nus grandes instituições, que são as bases necessárias do poder, da riqueza e do prestígio, e ao mesmo tempo constituem
os meios principais do exercício do poder, de adquirir e conservar riqueza e de desfrutar das principais vantagens do prestígio...
Entendemos como poderosos naturalmente os que podem realizar sua vontade, mesmo com a resistência de outros. Ninguém
será, portanto, realmente poderoso, a menos
que tenha acesso ao
comando das principais instituições, pois é sobre esses meios de poder institucionais que os realmente poderosos são, em primeiro
lugar, poderosos. Os altos políticos e autoridades-chaves do governo controlam esse poder institucional, o mesmo ocorrendo com almirantes e generais, e os principais donos e executivos das grandes empresas. Nem todo o poder, é certo, está ligado e é exercido por meio dessas instituições, mas somente dentro delas e através delas o poder será mais ou menos contínuo e importante...
O poder não pertence a um homem. A riqueza não se centraliza na pessoa do rico. A celebridade não é incrente a qualquer
personalidade. Ser célebre, ser rico, ter poder, exige o acesso às principais instituições, pois as posições institucionais determinam em grande parte as oportunidades de ter e conservar essas expe-
riências a que se atribui tanto valor”
Enfatiza C. Wright Mills que as pessoas das altas rodas
dem ser consideradas como membros
também
po-
de um estrato social elevado, como
um conjunto de grupos cujos integrantes se conhecem, se vêem socialmente e nos negócios, e por isso, ao tomarem decisões, levam-se mutuamente em
consideração: “A elite, segundo esse conceito, se considera, e é considerada pelos outros, como o círculo íntimo das classes sociais superiores”: “Forma
uma
entidade
social e psicológica
mais
ou
menos
compacta; seus componentes tornaram-se membros conscientes de uma classe social. As pessoas são ou não são aceitas nessa classe,
havendo uma divisão qualitativa, e não simplesmente uma escala numérica, separando os que são a elite dos que não são. Têm certa consciência de si como uma classe social e se comportam, uns para com os outros, de modo diverso daquele que adotam para com os membros das outras classes. Aceitam-se, compreen-
dem-se, casam
entre
si, c procuram
trabalhar
juntos, pelo menos de forma semelhante...
e pensar,
se não
Devemos anotar algo de todas as biografias e memórias dos
ricos, poderosos e eminentes:
não importa
o que mais
sejam,
as
pessoas dessas altas rodas estão envolvidas num conjunto de “grupos” que se tocam e de “igrejinhas” intrinsecamente ligadas.
*, PL ed
792
Glauco
Carneiro
Há uma espécie de atração mútua entre os que “se sentam no mesmo terraço”... A noção desse estrato dominante implica assim que a maioria de seus membros tem origens sociais semelhantes, que durante toda a sua vida mantêm uma rede de liga-
ções informais, e que há um certo grau de possibilidade de intercâmbio de posição entre as várias hierarquias de dinheiro, poder
e celebridade”!
Definida, portanto, a elite como os ocupantes dos postos de comando, possuidores do poder, da riqueza e da celebridade, logicamente se infere
que
são. “elementos
selecionados —
pessoas de caráter e energia
res”, na definição deles próprios:
superio-
“As pessoas com vantagens relutam em se considerarem apenas como pessoas com vantagens. Chegam a definir-se prontamente como intrinsecamente dignas daquilo que possuem; chegam a acreditar-se como constituindo “naturalmente” uma elite; e na
verdade consideram
seus bens e seus privilégios como extensões
naturais de seu ser de elite. Nesse sentido, a idéia da elite como
integrada por homens e mulheres com um caráter moral mais apurado é uma ideologia da elite em sua condição de camada
dominante
privilegiada,
e isso é válido
tanto
quanto
a ideologia
é feita pela própria elite ou quando outros a fazem por ela...
O conceito moral da elite, porém, nem sempre é apenas uma ideologia dos superprivilegiados, nem a contra-ideologia dos subprivilegiados. É frequentemente, um fato: tendo experiências controladas e privilégios selecionados, muitas pessoas da camada superior aproximam-se, com o tempo, do tipo de caráter que preten-
dem
—
personificar.
a idéia de que
Mesmo
abandonando
o homem
ou
—
a mulher
como
é nosso
dever
da elite nasce com
um caráter de elite, não precisamos afastar a idéia de que suas
experiências e preparo desenvolvem
“caráter”é
neles um
tipo específico de
É isso que Mills quer comunicar: o gênero de seres morais e psicológicos em que os homens se transformam é em grande parte determinado
pelos valores que aceitam e pelos papéis institucionais a eles atribuídos e
deles esperados. Assim, do ponto de vista do biógrafo, “um homem das classes superiores é formado por suas relações com outros homens a ele
semelhantes,
numa
série de pequenos
grupos
íntimos
através dos
quais
passa e aos quais, durante sua vida, pode voltar. Assim concebida, a elite é um conjunto de altas rodas cujos membros são selecionados, preparados e comprovados, e aos quais se permite acesso íntimo aos que comandam
as hierarquias institucionais impessoais da sociedade: “Se houver uma chave
O
Poder
da Misericórdia
793
para a idéia psicológica da elite, é a de que combina, nas pessoas que a constituem, a consciência da impessoalidade das decisões com sensibilidades íntimas partilhadas entre si"*
As três Elites
Esclarece
Raymundo
Moniz
de Aragão, em
seu livro O
Terceiro De-
grau,* que os estudiosos das elites dividem-se em duas correntes: “A que considera a existência das elites como consequência natural e inelutável de certos atributos humanos e as tem por tão antigas como a própria História; e a que a situa como decorrência do processo social, fazendo-as coincidir com
a industrialização”.
Moniz de Aragão filia-se à primeira corrente. Diz que o homem é gregário, tende à associação, e que difere dos outros homens como decorrência indeclinável da diferença dos seus patrimônios genéricos e das experiências vividas por cada um:
“Desta forma, dentro de qualquer grupo humano, diferentes entre si e seus componentes, haverá sempre um subgrupo formado pelos melhor aparelhados para a consecução dos propósitos ou
objetivos comuns, que constituirá a sua elite”.*
Saint-Simon, empregando a classificação de Bichat, dividiu a sociedade
em três classes, mutuamente excludentes, as quais realizariam funções sociais peculiares. São funções básicas que exigem pessoal especializado: a planificação da ação social — função da inteligência;a realização do trabalho industrial indispensável — função motora: a satisfação das necessi-
dades espirituais dos indivíduos — função sensorial. Dentro de cada uma dessas classes, indivíduos naturalmente superiores aos demais formariam uma das três elites de Saint-Simon: — a dos cientistas, a dos economistas e a dos dirigentes culturais-religiosos. De sua parte, Oliveira Viana conceitua dos diversos grupos, classes ou categorias”. dirigentes representam, realmente, um fato quer comunidade humana (e até mesmo em
uma
nação,
uma
província, um
município,
elite como “quadros dirigentes E sustenta: — Esses quadros natural, assinalável em qual certas comunidades animais): uma
comuna, ou numa
classe
social, numa categoria profissional, numa assembléia legislativa, numa corporação cultural, mesmo numa república de estudantes, ou numa multidão em marcha. Onde quer que se constitua uma sociedade humana, grande ou pequena, principal ou secundária, nacional ou local, deparamos sempre este fato constante que é a existência de um número, ou melhor, de um núcleo de indivíduos marcantes, um quadro de “personalidades dirigentes”,
194
Glauco Carneiro
que toma a direção da comunidade,
ou de modo
direto, como governantes
dela, ou indiretamente, pela ascendência moral ou intelectual que exercem sobre os demais elementos do grupo”
Já o conceito marxista diferencia a elite — composta de indivíduos de qualificação especial — da massa ou totalidade de indivíduos não-qualificados. O Manifesto Comunista de 1840 considerou, assim, toda a história humana
como
a história da
rebatida, no Brasil, por “a compreensão seletiva melhor, de mais perfeito discriminações arbitrárias
luta
de
classes,
Prado Kelly, quando (como induz a raiz em cada espécie de em função de classes,
conceituação
magistralmente
disse ser missão das elites do vocábulo) do que há de indivíduos e portanto sem categorias ou estamentos”.!º
Moniz de Aragão considera necessário admitir a pluralidade das elites, cujas ações devem conciliar-se na subordinação bem comum:
aos interesses supremos
do
“Grupam-se as elites, de uma maneira simplificada, em duas
categorias: —
As dirigentes, destinadas a formar, exprimir e exe-
cutar a vontade estatal; — as estratégicas, especializadas no sentido da realização das diversas funções sociais. Em conformidade
com as finalidades destas, Talcott Parsons grupa-as em quatro tipos: — As de “consecução de objetivos gerais”; — As “adap-
tativas”, que desenvolvem meios de realizar aqueles objetivos; — As “integrativas”, que articulam padrões e crenças morais co-
muns; — As de “conservação de normas”, que refletem o estado de espírito da sociedade”.” Suzanne fornecidas
Keller
toca
noutro
por diversos estratos
ponto sociais,
importante: tendo em
criminar sexo, raça, classe, religião ou idade:
as elites
têm
vista o mérito,
de
ser
sem
dis-
“Perdeu-se a concepção aristocrática. As elites estratégicas são especialistas em certo conhecimento. A seleção à base da competência individual traz implícita a demissão por incompetência,
e este princípio vincula as elites modernas à primitiva instituição de chefia, em que o chefe, quer fosse sacerdote, rei ou guerreiro,
podia ser sacrificado se fracassava em alcançar o fim desejado. . .”.!* Vejamos como Moniz de Aragão processos de participação das elites:
situa as responsabilidades
sociais e
“As elites têm funções sociais específicas a exercer. Já disso
tratamos quando
exemplificamos
a forma
pela qual podem
elas
O
Poder
da Misericórdia
195
ser grupadas e nos detivemos na apreciação das características das elites estratégicas. Julgamos, neste passo, indispensável enfatizar que, paralelamente a tais funções, têm todas, inclusive e principalmente por dever de status, responsabilidades morais indeclináveis, para com a comunidade. Sem dúvida, a primeira e a maior dessas responsabilidades é a de contribuir para a felicidade geral, subordinando todas as suas ações ao interesse maior do bem comum.
Em qualquer situação e à margem de quaisquer considerações especiosas, cabe-lhes propugnar o respeito integral aos direitos humanos. Contrapondo-se a desigualdade e discriminações de qualquer
ordem, impõe-se que se empenhem tiça social.
a fundo na promoção
da jus-
Na convicção da superioridade da forma de governo expressa na democracia representativa, com base no sufrágio universal, toca-lhes esposar a luta em prol da extensão e elevação de nível
da educação do povo, como instrumento essencial ao voto certo. Em caráter supletivo, incumbe-lhes esclarecer e orientar os concidadãos quanto aos seus legítimos interesses e a forma de conciliá-
los com o bem comum.
Esta é uma enumeração meramente exemplificante, e não nos abalançaríamos a procurar fazê-la exaustiva. Para não sermos omisso ou obscuro, explicitemos que as res-
ponsabilidades morais das elites são — e só o podiam ser — o somatório das implicâncias de consciência dos indivíduos que as
integram, tanto mais responsáveis saber, poder, honrarias.
quanto
mais
têm
a recebem:
As elites dirigentes, legítimas delegadas das aspirações popu-
lares, como
se pressupõe
sejam
na democracia,
formulam
e ex-
pressam a vontade estatal. As elites estratégicas agem diretamente realizando a sua função social, e indiretamente — pelo prestígio que lhes dá a competência ou o ascendente moral de seus membros — influenciando o Governo”.
Papel das elites na Misericórdia
Na parte inicial deste livro vimos que a criação da Irmandade da Misericórdia visou objetivos políticos, religiosos e filantrópicos, para não falar no econômico.
796
Glauco Carneiro
O Rei de Portugal, valendo-se da intensa religiosidade da época, e premido pela necessidade de fazer assistência social numa época em que
os recursos, escassos, eram
destinados às Descobertas, engendrou
um
meio
genial de manter ocupada a burguesia, atendendo, simultaneamente, aos objetivos táticos e estratégicos da Nação lusitana. Em nome do Estado, os fidalgos e burgueses ricos, assim como os oficiais mecânicos e membros das corporações, eram exortados a constituírem uma Irmandade da Misericórdia, a qual liderariam, financiariam, trabalhariam,
servindo
ao mesmo
tempo a Deus e ao Rei. E para que o entusiasmo florescesse, concedeu-lhes uma série de privilégios, que afinal acabaram por tornar interessante o
ingresso cristã.
na
Misericórdia
mesmo
para
os que
não
tinham
motivação
tão
Acontece que se registrou na Misericórdia uma transformação de fundo e de forma. Por trezentos e tantos anos, alguns dos privilégios iniciais se mantiveram, mas observou-se, paralelamente, que os ônus foram sobrepujando em larga escala os benefícios advindos da participação. No entanto, a tradição já se impusera e se incorporara ao modo de ser das elites. Mills tem razão quando, querendo falar da sociedade de hoje, toca num aspecto fundamental de todas as épocas: as “altas rodas” querem manter o mundo
girando em gonzos já conhecidos, muito embora elas tenham cada vez mais de se rezar bitos tirem
esforçar para manter o movimento. Trabalhar junto, negociar junto, junto, estar junto tratando de caridade na Misericórdia — eram háe rotinas indelegáveis se seus integrantes queriam ser tidos e se senligados ao esquema de poder.
Por outro lado, houve um grau de inteligência quase inédito na forma
de recrutamento, engajamento e manutenção dos Irmãos dentro da confraria: um sistema de poder e de controle,
talvez não exercido em
nenhuma
outra área de participação das elites na sociedade, torna os membros orgãnica e socialmente o ambiente
são rotina
foram
refreados
interno
nas suas
exercendo
sua
da
em
quaisquer
Irmandade
vidas externas.
ação,
certos
Com
melhorando
tentativas de métodos
o tempo,
e
transporem
para
influenciações,
que
outras
qualitativamente
transcendências
a postura
dos
membros da Irmandade. De tanto verem tratados problemas da gente comum, dos miseráveis, dos carenciados entregues à sua misericórdia, foi se
cristalizando
na
maioria
uma
religioso, mais ético do que
consciência
filantrópico,
de
dever, mais
que sublimou
cívico do que
as motivações
pri-
meiras, que bem podem ter sido a busca de status (alcance ou manutenção);
a expiação de pecados cometidos; a esperança de retribuição material antes
da divina; a pressão das elites; o otium cum dignitatem; a necessidade de sair de casa depois da aposentadoria; o desejo de alguma continuidade da anterior projeção social, sem falar das razões religiosas — a piedade autêntica e o medo
do inferno.
O
Poder
da Misericórdia
797
Essa generalização obviamente não descarta exemplos negativos inclu-
sive tratados neste livro. O importante, porém, é que, em todo o mundo português,
e especificamente
na
Misericórdia
paulistana,
que
é o
nosso
ponto focal de interesse, o objetivo-fim tornou muito melhor a grande maioria dos instrumentos humanos da atividade-meio. Em outros termos, as elites da Misericórdia se tornaram muito mais humanas e muito mais dignas de respeito pela dimensão que, independentemente de suas origens e motivações,
Somente
souberam
assumir como
Irmãos
da
Santa
Casa.
para colocar essas elites engajadas na Misericórdia,
das categorias expressas
pelos autores citados, podemos
dentro
dizer:
|. A Irmandade da Misericórdia é uma instituição que enseja posições aos que, de acordo com o pensamento da elite, procuram acessar
oportunidades de ter e conservar experiências de valor;
2. A maioria dos membros da Irmandade têm origens sociais semelhantes e mantêm entre si intercâmbios de amizade e sentimentos de apreço aos mesmos valores que comandam soais da sociedade; 3.
A
Irmandade
reúne claramente
três classes da elite que
na
as hierarquias institucionais impes-
Misericórdia
membros,
à base
não. se excluem:
do mérito,
os
das
planifica-
dores sociais, os trabalhadores industriais e os dirigentes culturais-religiosos; 4.
A elite da Misericórdia é claramente de destinação estratégica, do
tipo 4, de “conservação de normas”, que reflete o estado de espírito da
sociedade
interessada
em
melhorar o bem-estar das camadas
carentes.
Presença das Elites na Santa Casa Os privilégios concedidos pela Coroa à Irmandade da Misericórdia atraíram desde O início a pequena elite de povoadores, bandeirantes, sacer-
dotes da Vila de São Paulo. Laima Mesgravis assinala que havia um “cunho nobilitante” no pertencer à confraria, principalmente na categoria que poderia aspirar a presença
na Mesa.
Contudo, essa autora, sustentando posição que também
é a nossa, re-
jeita a tese de que a Misericórdia tenha sido uma espécie de “clube recreativo fechado”, do tipo contemporâneo. Pelo contrário, seu objetivo assistencial superou amplamente todas as exigências para a incorporação de Irmãos, mesmo na fase em que as discriminações e preconceitos herdados do espírito medieval ditaram alguns termos do Primeiro Compromisso. Vemos, assim, no Século
XVII,
Irmãos como
Domingos
Luís, o Car-
voeiro, procurador da Câmara em 1575, cavaleiro professo da Ordem de Cristo, tesoureiro da Misericórdia em 1609; Jussepe de Camargo, juiz de
798
Glauco
órfãos;
Pe. João Pimentel,
vigário da Vila de
1608 a 1628,
Carneiro
Provedor da
Irmandade; Pe. João Álvares, preador de índios, Provedor em 1630 e 1631;
Aleixo Jorge, “pessoa abonada e de confraria”, tesoureiro de 1631 a 1639; Pedro Gonçalves Varejão, tesoureiro da Bula da Cruzada, Provedor em 1633;
Sebastião
Fernandes
Preto, sertanista e vereador,
Provedor em
1633;
Maurício de Castilho, bandeirante, Provedor em
1635;
Jacques
Felix, Capi-
tão-mor
1636;
Amador
Bueno,
pitão-mor
de
São
Paulo,
e Ouvidor
vereador,
Provedor
da Capitania
de
São
em
Vicente,
Provedor
em
Ca-
1636;
Manoel Álvares de Souza, vereador, contratador do subsídio dos vinhos e azeites, Tesoureiro em 1640; Antonio Madureira Moraes, Juiz de órfãos, Tesoureiro em 1644; Geraldo da Silva, Escrivão das Varas, procurador do Conselho, Tesoureiro e Procurador em 1648; Estêvão Fernandes Pinho, Vereador, capitão dos forasteiros, tesoureiro da Casa da Moeda de São Paulo, rico capitalista, Tesoureiro de 1655 a 1680; José Ortiz de Camargo,
bandeirante
com
Raposo Tavares,
líder das
lutas entre
Pires e Camargo,
Ouvidor Geral da Capitania de São Vicente, Provedor em 1651; Antonio Godoi Moreira, juiz ordinário, Provedor em 1702/1705; Tomás da Costa Barbosa, Tenente-General de Auxiliares e Ordenanças, Capitão-mor da Ca-
pitania de São Vicente e São Paulo, Provedor em
1696 e 1697.'*
O espírito da Misericórdia vem sendo sustentado ao longo do tempo pelos vultos mais representativos da sociedade paulistana desde seus pri-
mórdios — na maioria, homens que sempre deram de si, sem visar “status” e sem preocupação de se projetarem. Passado o arroubo inicial do ingresso, esses Irmãos alinham-se numa sobriedade de comportamento que tende ao coletivismo e raramente admite o individualismo, numa introjeção assu-
mida
do caráter especial
da obra
que
foram
Elizabeth Darwiche Rabello !* enfatiza que embora pobre, nem por isso deixava de ter sua ela figurava na Misericórdia — instituição que blica sem ônus para o Erário. E como eram
chamados
a preservar.
“a Capitania de São Paulo, elite. E praticamente toda fazia assistência social púreduzidos em número, os
integrantes da elite paulistana ocupavam, ao mesmo tempo, cargos, e exerciam funções políticas, econômicas e religiosas. Os estratos dessa elite eram
de dois graus: médio — criadores, donos de tropas, negociantes, profissionais liberais, militares, funcionários e clérigos; superior — senhores de engenho e altos dignatários eclesiásticos. A autora lembra Max Weber que valoriza também os fatores não econômicos, ao contrário de Marx, sobretudo os de honra social e status. E define estratos, como os citados, como “grupos de pessoas que gozam de lugares assinalados numa escala de valorização social, e que se ligam entre si como iguais”. Já naquela época, na sociedade paulista de então, as pessoas colocadas em condições valorizadas pela sociedade — daí derivando o privilégio e a preferência, - eram chamadas de elites. E alguns membros usavam todas as suas prerrogativas e reclamavam
seus
direitos.
José
de
Toledo
Piza, de Taubaté,
re-
O
Poder
da
Misericórdia
clamava em
1767
799
por não ter sido escolhido juiz de medições de terras,
“uma vez que não só é limpo de sangue, mas também maons, e nunca exercitou offícios mecanicos”.'*
Vejamos, agora, uma
o é e sempre
de
relação sumária de membros da elite paulistana
no Século XVIII, pertencentes à Irmandade da Miscricórdia, cujos nomes foram
extraídos
do livro de
Elizabeth
Rabello
pelo Autor:
Século XVIII Nome
Atividade
Antonio de Freitas Alferes
Câmara
de
Vercador
Misericórdia 1769
Provedor
1769
Procurador do
Provedor
1788
Provedor
1774
Branco
Ordenanças,
João da Costa
Tabelião, Tenente de
Intantaria
Conselho
Manoel Gomes
Militar
Vereador
Almoxarife da Fazenda Real
e Silva
José
D. Frei Antonio
1773
2.º Bispo
de São
Provedor
1754
D. Frei Manuel da 3.º Bispo
de São
Provedor
1776
Provedor
1752
Provedor
1803
de Madre de Deus Galvão
Paulo
Ressurreição
Paulo
Francisco Sales
Militar e negociante
Ribeiro
Procurador da Câmara
D. Mateus de
4.º Bispo
Abreu
Paulo
Pereira
de São
Em 1814 a Câmara escolhia as posições importantes da Procissão de Corpus Christi entre os “republicanos” que fossem portadores do hábito da Ordem de Cristo. Essa vinculação ecra quase automática, nos integrantes da Irmandade da Misericórdia, e esse ponto não deve ser esquecido pelo leitor, diante do que vai ser informado no segmento seguinte deste Capítulo, que trata das aproximações
e a Misericórdia.
entre muitos
membros
da Maçonaria
800
Glauco Carneiro
A Santa Casa € a elite cafeicultora
Laima Mesgravis, autora da obra mais conhecida sobre a Misericórdia paulistana, também é uma pesquisadora interessada na elite local. E para estudá-la
no
Século
XIX,
situando
a elite
cafeicultora
na
estrutura
social paulista, a autora foi buscar nomes de dirigentes da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo, “que, pesquisa anterior já comprovara ser uma organização filantrópico-religiosa mantida pelos elementos mais ricos e inc. 16 fluentes da província”. justificando seu trabalho, Mesgravis “as formas de associação e as instituições cultora no pequeno grupo de decisão que ções sofridas pela sociedade paulista nos sado”. “A
Santa Casa
era uma
disse ter procurado identificar que congregavam a elite cafeiditou os rumos das transformaúltimos decênios do século pas-
instituição
que
propiciava
assistên-
cia a doentes pobres, lázaros, órfãos, prisioneiros e escravos, exercendo importante função de controle sobre possíveis focos de tensões sociais ocasionados por situações de crise na vida dos marginalizados de todo tipo.” A referida lista contém os nomes dos “Irmãos de Mesa” dos anos de 1873, 1878, 1883 e 1884, período por nós escolhido porque correspondeu à fase em que a Misericórdia empreendeu uma série de reformas que visaram colocá-la em condições de atender aos problemas assistenciais ocasionados pelas transformações estruturais da economia e sociedade paulistas”.»»
1a
O caráter dinâmico da lavoura cafeeira, segundo Mesgravis, “estimulou o espírito empresarial na Província que se aplicou sobretudo na solução dos magnos problemas da época: a mão-de-obra e o transporte... Surgiram as ferrovias: Paulista em 1868, Ituana em 1870, Sorocabana em 1871 e Mogiana em 1873... Em 1871 foi autorizada pelo governo provincial
a criação
da
Associação
Auxiliadora
da
Colonização
e
Imigração
com capital de 150 contos para promover a introdução de imigrantes. A primeira diretoria estava formada por elementos os mais prestigiosos da Província tais como o Barão de Souza Queiroz de Barros. Conforme lembra um autor, “a lavoura do café foi a grande incentivadora da expansão urbana, no Brasil, na centúria de Oitocentos”, e com ela de novas ativi-
dades de caráter citadino"!
Nessa época a sociedade paulista reunia-se na Sociedade Concórdia Familiar, no Cassino Paulistano, na Sociedade Euterpe Comercial e no Clube Democrático Comercial, que reuniam respectivamente a elite paulistana e os comerciantes da capital: “As atividades filantrópicas estavam centralizadas na Irmandade da Santa Casa de Misericórdia liderada pela elite pau-
O
801
da Misericórdia
Poder
lista e na Sociedade Artística Beneficente, dos setores médios”.
Essa mesma
elite foi responsável, em 1876, pela organização da Associação Auxiliadora do Progresso da Província, com o fim de “progresso material e moral de São Paulo”. Integravam a direção as seguintes pessoas (várias figurantes
da
Misericórdia):
Com.
Antonio
Aguiar
de
Barros
(Conde
de
Itu),
Dr. Antonio Carlos Ribeiro de Andrade Machado e Silva (lente da Facul-
dade de Direito), Dr. Antônio da Silva Prado, Joaquim
Egídio de Souza
Aranha (Barão de Três Rios), Dr. Elias Antônio Pacheco Chaves, Dr. Francisco Antonio Dutra Rodrigues (lente da Faculdade) e Dr. Joaquim José Vieira de Carvalho (lente da Faculdade). Esse
espírito associativo,
denotador
de novas
formas
de consciência
das necessidades da sociedade paulista como um todo, “mas especificamente nos seus setores mais privilegiados pela fortuna e pela educação”,?º
ganhou
incremento
na década
seguinte
pelo
aparecimento
de
instituições
de caráter filantrópico-educacional que proporcionavam uma formação profissionalizante com vistas à criação de mão-de-obra mais qualificada — Instituto de Educandos Artífices, Instituto D. Ana
e Ofícios:
Rosa e o Liceu de Artes
“O Liceu de Artes e Ofícios, instituído em
1882 pela Asso-
ciação Propagadora da Instrução Popular veio substituir a escola noturna mantida por esta, desde 1874, e se propunha a preparar
os meninos para o exercício de artes, ofícios e trabalhos agrícolas. A referida associação, criada em 1874, era dirigida por elementos
da elite
paulista
como
Queiroz, Desembargador
o
Senador
Francisco
Antônio
de Souza
Bernardo Avelino Gavião Peixoto e di-
versos profissionais liberais sob a presidência do Conselheiro Leôncio de Carvalho. Muitos desses dirigentes ligados às profissões liberais lecionavam na escola noturna e depois no Liceu. Assim em 1883 o corpo dirigente e docente era formado pelos seguintes nomes: Presidente-Conselheiro — Leôncio de Carvalho (prof. de elementos de Direito Constitucional). Vice-Presidente — nomia industrial).
Dr. F. Rangel
Pestana (prof. Noções
de eco-
Secretário —
Dr. Paulo Bourroul (prof. de Noções de Química).
Tesoureiro —
Dr. Antônio Cândido Rodrigues (prof. de Geome-
tria e Álgebra). Bibliotecário — Diretores
—
Dr. Americo de Campos
Conselheiro
Martim
(prof. de Cosmografia).
Francisco.
Dr. Antônio C. R. de Andrada (prof. de Noções de Comércio e Dir. Comercial).
802
Glauco
Dr. Vieira de Carvalho
(prof.
Economia
Carneiro
Política).
Visconde de Itu. Dr. Vicente Mamede de Freitas (prof. de Português). Dr. Antônio Francisco de Aguiar e Costa. Dr. Paulo de Souza Queiroz. José Duarte Rodrigues. Dr.
Lobo
Pessanha
(prof. de
Botânica
e Stereoto-
mia).
Dr. Antônio Caetano
gia)”.*!
de Campos
(prof. de Zoolo-
São Paulo, enriquecida pelo ouro negro, despia sua fisionomia colonial e patriarcal e assumia ares de cidade moderna. Sua elite se compunha de capitalistas, proprietários, fazendeiros, comerciantes, advogados, profes-
sores universitários, funcionários públicos e privados, médicos e engenheiros:
“Sua influência e poder sobre a sociedade manifestava-se pela posse dos meios de produção, das atividades financeiras, do exercício dos privilégios políticos, de cargos administrativos, da direção de associações de toda espécie, além
suas profissões.
Não
dos poderes
há evidências de mobilidade
inerentes às
social apreciá-
vel a não ser no caso de comerciantes que enriquecendo ascendiam à condição superior de capitalistas e proprietários. Outra forma de ascensão social... é a que se fazia por meio de casa-
mento
em
família rica e tradicional.
uniam grande
uma oligarquia aspirações...
parte dos elementos cerrada
Laços
políticos e familiares
estudados de modo
e intimamente
solidária
nos
a formar
interesses e
Pelo levantamento dos 153 nomes de dirigentes da Santa Casa de Misericórdia que a nosso ver representam realmente uma atmostra válida do grupo dominante de São Paulo, verificamos que, apesar
do crescimento
numérico
e da diversificação
dos
setores
médios e inferiores das camadas urbanas, houve pouca ou nenhuma mobilidade ascensional na sociedade paulista em direção às posições mais altas. A primeira observação que podemos fazer sobre a estrutura social paulista, tal como se delineia na classificação dos almanaques, é que nos encontramos diante de uma sociedade de classes determinada pela posse dos meios de produção o que foi percebido mesmo pelos contemporâneos. Isto porque na classificação por atividades econômicas dos almanaques encontramos em primeiro lugar os capitalistas
(formado
pelos empresários
e pelos
que
vi-
O Poder da Misericórdia
803
viam da renda de empréstimos a juro) c os proprietários (de imó-
veis urbanos categorias.
de
Seguem-se
aluguel)
em
sendo
ordem
que
muitos
descendente
os
pertenciam
às duas
profissionais
liberais
como advogados, professores universitários, engenheiros cos, Os comerciantes e os artesãos.
e médi-
Embora não classificados em categoria especial nos almanaques, é possível deduzir pelas posições ocupadas na Guarda Nacional, nas confrarias e associações, assim como pelos privilégios políticos do voto e da eleição para diversos postos, que os ocupantes de certos cargos burocráticos importantes tinham status privilegiado próximo dos capitalistas e proprietários. É provável que essa posição se explique pelas boas relações familiares e políticas dos mesmos. A explicação é de que as propriedades
dos cafeicultores da
capital não estavam localizadas no município, zona notoriamente
inadequada para a agricultura comercial extensiva. No entanto encontramos muitas provas de que a origem da maioria das for-
tunas paulistas dos capitalistas e proprietários ainda era baseada em atividades agrícolas exercidas em outros municípios como Itu, Campinas, Rio Claro, Piracicaba, etc. Tal é o caso de capitalistas como Silva
Antônio
Prado
Aguiar
de
(avô e neto),
de Itapetininga),
Antônio
Barros
Joaquim
(marquês
José dos
Paes de Barros
de Itu), Antônio Santos
Silva
da
(barão
(1.º barão de Piracica-
ba), Coronel Rafael Tobias de Aguiar (2.º barão de Piracicaba), Joaquim Egídio de Souza Aranha (conde de Três Rios), Desem-
bargador
Bernardo
Avelino
Gavião
Peixoto,
Antônio de Souza Queiroz e muitos outros.
Senador
Francisco
O fazendeiro exercendo ativamente funções econômicas urba-
nas revelava um caráter novo e sui-generis como original de evolução da sociedade paulista. Em vez de formar uma classe de proprietários rurais em decadência, assumia funções urbanas inerentes à burguesia desdobrando assim suas formas de criação de riquezas e apropriação de lucros. Poucos são os casos como os do Coronel Antônio Proost Rodovalho, Bento José Alves Pereira, Major Domingos Sertório, Joaquim Lopes Lebre (Visconde de São Joaquim) cujas fortunas tinham origem claramente mercantil iniciada com casas comerciais evoluindo depois para casas comissárias e atividades industriais. Embora socialmente colocados em nível ligeiramente inferior aos fazendeiros e bacharéis, economicamente sua importância crescia à medida que se faziam necessárias maiores concentrações de capital.
Glauco Carneiro
O prestígio do
bacharel
aliado à preocupação
das
famílias
Jazendeiras em educarem seus filhos explica o grande número dos mesmos em nossa lista atingindo a 57. Desses, apenas 4 viviam tão-somente do exercício da profissão, acumulando os restantes as funções de magistrados professores, jornalistas, padres, capitalistas c empresários, o que vem confirmar opiniões como a de Koseritz sobre que “o diploma de bacharel em Direito é hoja chave para todas as posições da vida pública e o único que serve completamente para a carreira política”. A partir de 1876 surgiu um novo grupo, ainda que pequeno, de magistrados
de alto nível, os desembargadores
do Tribunal
da
Relação de São Paulo, que assumiram seu lugar entre a elite paulistana ao serem aceitos como irmãos da Misericórdia.
Típico, embora represente caso extremo de concentração de funções e atividades diretivas, é o de Clemente Falcão de Souza Filho, Francisco Antônio Dutra
de
Araujo
Abranches,
Inácio de Ramalho,
Rodrigues, Frederico
Joaquim
Joaquim
Augusto
de
José Cardoso
Camargo,
Joaquim
José Vieira de Carvalho e José Maria
Correa de Sá e Benevides que eram ao mesmo tempo advogados, professores da Faculdade de Direito, capitalistas, proprietários, empresários,
dirigentes
de
confrarias,
associações
diversas,
elei-
tores e ocupantes de cargos administrativos e políticos (quadro II).
Clemente Falcão de Souza Filho, por exemplo, era advogado, lente de Direito Civil da Faculdade, capitalista, proprietário, presidente das Companhias Paulista, de Águas e Esgotos, da Estrada de Ferro
de São
Paulo ao Rio de
Janeiro, de
Gás
e Óleos mine-
rais de Taubaté. Embora eleitor pela paróquia da Sé, suplente de delegado de polícia e juiz de paz, jamais filiou-se a qualquer organização partidária, embora insistentemente convidado pelos conservadores. Era ainda protetor da Irmandade de São Benedito, provedor da Irmandade de Nossa Senhora da Glória, Conselheiro da Confraria de Nossa Senhora dos Remédios, Irmão da Misericórdia e presidente do Clube Haydin. Embora em escala menor grande parte dos membros da nossa
lista exerciam
funções das mais variadas
dentro
das
instituições
mencionadas.
Na Irmandade da Santa Casa da Misericórdia, que como já afirmamos congregava a elite dirigente de São Paulo, participavam em 1873, 11 dos 25 capitalistas arrolados no respectivo almanaque, além de 10 dos 19 capitalistas-proprietários e 6 dos 38 proprietários. Para 1883 encontramos 8 dos 14 capitalistas e 43 dos 247 capitalistas-proprietários.
O
Poder
da
ROS
Misericórdia
Essas cifras justificam, a nosso ver, a escolha da Misericórdia como ponto de partida para a identificação da elite dominante
da sociedade
paulista na década
estudada.
Outro aspecto a ser considerado é o fato de que 94 dos 153 personagens arrolados eram eleitores, o que, diante do sistema eleitoral do Império, representava privilégio considerável. Ainda em posição privilegiada estavam os que acumulavam cargos admi-
nistrativos de conotações políticas como os de juiz de paz e de
sub-delegado
só indivíduo.
e seus suplentes,
Os postos de comando
muitas
vezes
da Guarda
integrados
Nacional
por um
tão procurados
nas cidades e vilas do interior parecem ter sido menos cobiçados
em São Paulo, onde sua importância como
instituição “consagra-
dora da autoridade política da classe proprietária”, no dizer de Pedro Calmon, já evidencia seu declínio refletindo a perda de seu conteúdo territorial e político e as transformações econômicosociais que atingiam em primeiro lugar a capital da província.
Essa elite dominante profundamente integrada nas atividades agrárias da lavoura cafeeira, no entanto, liderou a criação de empresas de estrada de ferro, de melhoramentos urbanos e as pri-
meiras indústrias de São Paulo conforme
se pode verificar pelo
elenco das a presente
atividades exercidas pelos elementos escolhidos para pesquisa. Ficam assim confirmadas, pelo menos em
o
de
parte, as conclusões do historiador norte-americano Warren Dean sobre a especificidade da elite cafeicultora paulista que liderou processo
dinamização
com isso perder seu poder”. Vejamos o resumo
e modernização
desse excelente
da
levantamento
riadora Laima Mesgravis, nos quadros | e II.
economia
realizado
sem
pela
histo-
A Elite Política (1889-1937)
Em 1913, ao anunciar o início da construção da Catedral, o Bispo D. Duarte declarou: “Por uma lei histórica e fatal, São Paulo há sempre de marchar na vanguarda, tem de cumprir uma grande missão política e social; e sua hegemonia, civil e religiosa, já não pode ser contestada”. Joseph Love, numa obra em que estudou a civilização bandeirante, citou o fato como indicativo de um estado de espírito peculiar — o sentimento de orgulho dos paulistas devido às suas realizações e potencialidades: “O que é que não pode parar e onde sempre cabe mais um? Os
brasileiros sabem que a resposta é São Paulo, quer se refira ao estado ou
Quadro exemplificativo da elite dominante em São Paulo de 1873 a 1883 (resumo)
—
Nome
Americo de
1
Profissão
Campos
Brazílio
advogado lista
Antonio Aguiar de Barros (conde de Itu)
bacharel
Antonio Carlos Ríbeiro de Andrada Machado e Silva
advogado Faculdade reito
Antonio Proost Rodovalho
Atividade
e jorna.
Empresarial
———
o—
E.F.S.P. neiro
Francisco
de
Souza
Francisco Martins de Almeida
Águas
a
Dir.
contador do FTesouro aposentado; secretário da Cla. Paulista
Política
eleitor; sidente
5.º vice-pre. da
eleitor candidato liberal à Assembléia Provincial
R.
de
€
Cia.
Ja-
eleitor
capit. e proprietário; fazendeiro em 8 muCia. dir. nicípios; Paulista
Queiroz
———
— ——
Cônego da Catedral; lente Direito Canônico do Seminário Episcopal
Antonio
Atividade
comerciante; capitalis- coronel coman- eleitor ta e proprietário; dir. dante superior da presidente da Cã Cia. de Seguros; ge- Guarda Nacional mara Municípal rente Cx. filial Banco do Brasil; Dir. Cia. Esgotos;
Ezequias da Fon-
Guarda
eleitor
Cantareira
Cônego Galvão toura
da
Naclonal
——
capitalista proprietá. rio; fazendeiro na V. Constituição; diretor Cia. Ituana
lente de Di-
Posto
tenente-goronel e eleitor; 4.º vice-prechefe de legião sidénte da província; senador liberal desde 1848 major ajudante de vereador ordens do Coman- eleitor do Superior
suplente
Atividade Administrativa
Associação
Religiosa
1.º vigário ec orador Loja América
síndico do to da Luz
Associação
da
——
Recolhimen-:
res.
Recreativa
Associação Cívica ou Filantrópica
irmão da Misericórdia; Dir. Biblíoteca Popular; Cons. Museu Provincial Clube
Paulistano
irmão da Misericórdia; Dir. Assoc. Auxiliadora da Colonização e Imigração; Cons. Liceu Artes e Ofícios; Dir. Assoc. Aux, Progresso
——
vice-pres.
Clube
prior
São
Ordem
Província
Haydin definidor da Misericórdia, Dir. Assoc. Aux. Prog. Prov.; Cons. Liceu
de
da
de
Artes
Terceira Cons. Clube Paulista de tesoureiro
Francisco
Engenharia
e
da
Indústria
e
Ofícios
Misericórdia
definidor da Misericórdia; dor do Orfanato da Luz
capelão do Recolhimento de Sta. Tereza
funda-
irmão da Misericórdia; Pres. Assoc. Aux. Col. e Imig.; Dir. Soc. Propagadora da Instrução Popular;
dos S.BJ. Irm. da tes. Freguesia da Sé Passos; subprior Ordem 3.º do Carmo, grande |. vig. Loja Amizade;
subdelegado
sec.
L.
Piratininga
1.º secretário Soc. córdia Familiar
Con:
escrivão
Pres.
da
Inst.
Ana
Misericórdia
Rosa
Quadro exemplificativo de concentração de funções — II Nome
Atividade
Profissão
Clemente Falcão Souza Filho
de
advogado Lente Fac.
de
Direito
Empresarial
capitalista pres. Cia. Cia.
e proprietário; Paulista; Pres.
Cantareira
oc
Atividade
Política
eleitor
Esgotos;
da E.F.SP. a R. de J.; da Cia. de Gás e Óleos Mi. nerais
Francisco Antonio Dutra Rodrigues
advogado; órfãos e soureiro
de Frederico José Cardoso de Araujo Abranches
lente
da
Faculdade de Direito; suplente de Juiz de órfãos
advogado; Faculdade
ausentes; tedo juizado
lente da de Direito
capitalista e pres. Banco
proprietário; do Crédito
Real
capitalista e proprietário pres. Cla. E.F.S.P. a R. de Janeiro
eleitor; candidato
conserva.
eleitor;
vereador;
deputado
sídente Paraná
das províncias de e Maranhão (con.
dor cial
à
Assembléia
servador
no)
Joaquim
Augusto de
advogado; Paculdade
lente da de Direito
capitalista
e
proprietário
Inacio
Ra-
advogado; Faculdade
lente da de Direito
capitalista
e
proprietário
Joaquim José Vieira
advogado; Faculdade
lente da de Direito
Dir.
advogado; Faculdade
lente da de Direito
pres. Cia. Carris de Ferro de Sto. Amaro; co-proprietário do Jornal “22 de
Camargo
Joaquim malho
de
(Barão
do)
Carvalho
José Maria Correa de Sá e Benevides
Cx.
Econômica
te do Socorro; da
Cla.
Maio”
Cons.
Paulista
e Mon-
Fiscal
Assembléia
Provin.
Provincial;
depois
pre-
republica.
eleitor; vereador; deputado provincial e geral; presi. dente da província de Goiás
eleitor,
candidato
eleitor;
deputado
dor
à Assemb.
sembléia
conserva.
Prov,
Provincial
da
As
Atividade
Associação
Administrativa
Religiosa.
Associação
Associação Cívica Filantrópica
pres. Clube Haydin
irmão da Misericórdia
Recreativa
suplente de juiz de Paz de delegado de polícia
e
protetor da Irm. S. Benedito; provedor Im. N. S. da Glória; Conselheiro Confraria N. S. dos Remédios
cons. Irm. S. B. Passos; tes. Irm. Boa Morte
delegado de Guaratinguetá; Juiz
de
Paz
polícia suplente
de de
2.º suplente de delegado de polícia; suplente de juiz de Paz Juíz de
Prov.
Irm.
José
grão
mestre
Sta.
Cecília
adjunto
Amizade
Loja
Ven. loja Piratininga; grão mestre 1. Amizade; prior Ordem 3.º do Carmo Cons.
Paz
Irm.
Prov. Prov.
S.
Inspetor Distrital da Instrução Pública da Consolação
suplente de Juíz de
da
e S.
Jesus dos N. S. da
Paz
S.
J.
dos
Passos
da
Misericórdia;
Dir.
Assoc. Aux. Progresso vincial; Sec. da Com. Mon. do Ipiranga
escrivão e sericórdia
irmão
da
Pres.
Com.
irmão
da
provedor
prodo
da
Mi-
Misericórdia
Oficial
ria do Ipiranga; Misericórdia
da
irmão
Lote-
da
Irm. S. Sacramento I. N. S, Consolação e
João
orador
B.
irmão
e
Batista
Loja
dependência
Maçônica
de
In-
Campinas
vice-ministro Ordem 3.º São Francisco
Misericórdia;
Dir.
Assoc. Aux. Prog. da Pro: víncia; Cons. e prof. Liceu de Artes e Ofícios definidor
da
Misericórdia
810
Glauco
Carneiro
à sua capital. A frequência com que se repetem as frases “São Paulo não pode parar” e “São Paulo: sempre cabe mais um” mostra claramente que
os
paulistas
estão acostumados
a reconhecer
o traço
mais
importante da
história de seu Estado. A ênfase se justifica porque esta é, antes de tudo, a história de um continuado processo de crescimento”?! Já na
década
de
1880
a economia
paulista
era
a mais dinâmica
de
todo o Brasil e, desde então, não perdeu essa liderança. O café garantiu a São Paulo essa posição de preeminência — a industrialização contribuiu para preservá-la: “Apesar das grandes mudanças que ocorreram na economia e na composição populacional de São Paulo durante o primeiro meio século de regime republicano, a elite política do Estado permaneceu extremamente homogênea. Seus líderes..., provinham geralmente de um círculo limitado de famílias estreitamente
ligadas por laços consangiiíneos ou de casamento.
Frequentando
os mesmos colégios e faculdades, mostravam grande propensão a adotar valores culturais europeus. A elite brasileira era, em geral, recrutada dentro das mesmas camadas sociais, cuja identi-
dade era dada por experiências e valores partilhados em comum e por padrões de carreira muito semelhantes. Tais mecanismos constituíam legados do período imperial. Nos três Estados citados, o advento da República significou a transformação progressiva das elites agrárias tradicionais, que aos poucos se tornaram mais urbanas e mais dirigidas por considerações de ordem econômica, sem no entanto perderem sua base rural. O mesmo tipo de mudança afetou a elite propriamente política. Esta é definida como integrada pelos ocupantes dos cargos mais importantes no governo e nos partidos dominantes, tanto a nível estadual como federal, entre 1889 e 1937. Segundo esse critério, a elite paulista incluiu um total de 263 pessoas... As seguintes características são consideradas: participação nos eventos políticos, funções de liderança fora da atividade política; conexões de família, fora do Estado e no estrangeiro; nível de educação, ocupação. A composição etária e geográfica da elite também são estudadas... Nenhum líder operário penetrou nesse grupo e somente um dos membros da elite política era imigrante e apenas 5% podem ser identificados como filhos de imigrantes... Somente 22 pessoas tinham sobrenomes não portugueses (9% dos membros). Somente
quatro dos políticos tinham sobrenomes italianos...
Outro indi-
cador da homogeneidade do grupo é dado pela extensão e tipo de educação. Menos de 8% não tinham um diploma universitá-
rio...
Mais de 3/4 do grupo eram
bacharéis
formados em Di-
O
Poder
da Misericórdia
811
reito ou Medicina; 63% receberam o diploma na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco (no total, 70% eram advoga-
dos). É difícil minimizar
a importância da Faculdade
de Direito
de São Paulo como núcleo de formação de líderes políticos. Além de seu papel dentro do Estado, dali saiu um impressionante número de ocupantes dos mais altos cargos nacionais tanto durante o império como na Primeira República. Mais da metade dos ministros imperiais entre 1871 e 1889 foram ali educados. Sete dos I2 Presidentes da República, de 1889 a 1930, receberam seu diploma na Escola de Direito de São Paulo... Quarenta e três por cento do grupo tinham pelo menos um outro membro da família ali representado. Além do mais, 20% eram membros ou aparentados com a elite imperial... A maior incidência cumulativa dos três tipos de conexões familiares (77%)
ocorre na zona central (região de Campinas)... Mais de 1/3 de toda a elite representava uma complexa rede de interligação econômica e de parentesco... O grupo era quase totalmente mas-
culino... A maior parte da elite era composta de católicos secularizados... O exame das bases políticas revela elevado grau de concentração. Pelo menos 67% daqueles cujas bases políticas puderam ser identificadas, tinham-nas na capital... Muitos mem-
bros da elite política possuíam fazendas no interior e casas na capital... Surpreendentemente, 51% dos fazendeiros tinham sua
base política na capital... Os membros
da elite costumavam
ocupações, além da de “homem definição.
Em
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as ocupações
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jornalismo (27%) e ensino (21%). A elite paulista contava com 28%
de industriais,
18%
de banqueiros e 17%
de comerciantes
— 41% eram empresários... As relações da maioria deles eram formadas nas atividades profissionais partilhadas desde os bancos escolares. O acesso à elite paulista tornava-se mais fácil em épocas de crise ou de
renovação.
Entre
1889
e
1937,
1934
(21) e 1932
a média
absorção foi de 5,4 pessoas, sendo que os recordes belecidos em
1891
(23,
(20)...
anual
foram
A média
de
estade
idade com que os paulistas eram incorporados à elite foi de 45 »
anos .
25
Vejamos o diagrama ?* montado por Love, revelando que 97 membros da elite estavam mutuamente ligados ou por laços de parentesco ou por ligações econômicas:
812
Glauco
Carneiro
AS CONEXÕES DA ELITE PAULISTA (Diagrama referente à note 10
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O Poder da Misericórdia
813
A múltipla participação
A partir de uma
idéia do Autor, e permanente supervisão, as biblio-
tecárias Sonia Regina Fernandes Arevalo e Maria Martha Gandara D'Amico, da Santa Casa de São Paulo, contando com a colaboração da estu-
dante Daniela de Alcantara Carneiro, operacionalizaram mais alto interesse.
uma
pesquisa do
Cruzando informações fornecidas nas obras de Joseph Love e Brasil Bandecchi **, com a listagem de Vereadores da Câmara Municipal de São
Paulo, obteve-se uma interessante relação de membros da Elite Paulista que mantinham — grande parte deles — vinculação com os Poderes Executivo e Legislativo, Santa Casa de Misericórdia de São Paulo e com a Maçonaria.
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