O poder da misericórdia: a Santa Casa na história de São Paulo [2: ascenção e queda do liberalismo, 1 ed.]

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Portuguese Pages 951 [520] Year 1986

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O poder da misericórdia: a Santa Casa na história de São Paulo [2: ascenção e queda do liberalismo, 1 ed.]

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O PODER DA MISERICÓRDIA Glauco Carneiro

O Autor

Glauco Carneiro, jornalista e escritor, há vinte anos vem lançando importantes obras

para a historiografia nacional,

entre

as quais,

História

das

Revoluções Brasileiras (1965, 2 vols.), 4 Face Final de Vargas (1966), História dos Transportes no Brasil (1970),

Lusardo,

O Último Caudilho

(1977 e 1978, 2 vols.), Cunha

Bueno: História de um Polfti-

co (1982), além de outro livro

clássico: O Revolucionário Siqueira Campos. O Livro

Abordando a história da Santa Casa de São Paulo, a mais antiga e mais importante instituição assistencial bandeirante, Glauco Carneiro deservolveu em O Poder da Misericórdia um enfoque totalmente novo: a relação da Irmandade com o Poder Político, desde as origens portuguesas até o dia de hoje, analisando inclu-

sive a participação das elites na Irmandade como uma ex-

tensão obrigatória de sua pre-

O PODER DA MISERICÓRDIA

GLAUCO

CARNEIRO

O PODER DA MISERICÓRDIA A

Santa

Casa

na

História

VOLUME

ASCENSÃO

E QUEDA

São

de São

2

DO

Paulo 1986

LIBERALISMO

Paulo

Ao servidor anônimo da Santa Casa — irmão,

médico, religiosa, funcionário — e ao doente que recebe sua assistência, O Autor

Volume

II

Sumário

17. 18. 19. 20. 21.

eree cce roneaao .........c.cccccccccerre

Hospital de Sangue

Escola de Enfermagem ........ccccciciccicscccrerrercers REZA! gos 3 5 ppsreo é sy menores ue 2» mmoromeim o e 1 niignidima É AMADA A Faculdade de Ciências Médicas ..........ccccccccscecec. o... cce.cc O Humanista Mário Altenfelder ................c. LIVRO DA

QUARTO

MISERICÓRDIA

O PODER

22. Santa Casa e Evolução da Medicina ..........cccicterereeroo 23. As Elites na Misericórdia ........ccccccccccccccceserarerto Nota sobre o Autor .......cccccccccccerercerercararereroo Documentário sobre a Irmandade da Misericórdia de São Paulo .

ÍNDICE GERAL

DO

LIVRO

seo cccc icc ...........csis

VOLUME

2

Caderno de Ilustrações Reproduções feitas na Documentação Científica da Santa Casa

ALTINO

ARANTES

Presidente de São Paulo. Irmão da Misericórdia (Quadro de Antonio Rocco).

"ST61 — OpeaJudd essopuod ogyulisea

Pavilhão Conde de Lara (Ambulatórios).

Vista geral do Sanatório Vicentina Aranha.

O Quadrilátero antigo,

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ainda sem o Hospital Santa Isabel.

EO Inauguração do Hospital São Luiz Gon zaga, no dia 3 de julho de 1932.

SÃO PAULO DEop OURO ENAPARASEO BEM “CAMPAPORNHASÃO DOPAULO 4 f

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“pedaços de ouro

eso commissão de direcção da Campanha do Ouro, 6 nomeada “pela Associação Commercial de São Paulo, - É ZA

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Campanha do Ouro para o Bem de São Paulo — 1932.

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Prédio “Ouro para o bem de S. Paulo” Largo da Misericórdia — Capital

Santa

Casa

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Enfermar ia de Mulheres.

Santa Casa antiga: Enfermaria de Homens.

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º É eleito Irmão Provedor o Sr. Carlos Leoncio de Magalhães. Durante todo

494

Glauco Carneiro

ano de 1930 só são admitidos quatro irmãos na Santa Casa: José Vicente de Azevedo, Edgardo de Azevedo Soares e Manoel Victor de Azevedo (Remidos) e Maria Antonieta Cunha Bueno do Amaral (Protetora). Evidentemente que a renúncia de Padua Salles, senador da República

Velha, deve ter sido um ato transitório, para não trazer problemas

à Santa

Casa diante da Revolução de 1930. Tanto isso é verdade que logo nos anos posteriores ele assina os relatórios e preside as sessões da Mesa. Falando do exercício de 1931, ele afirma: -

“Temos o dever de proporcionar aos pobres desta capital todos os recursos medicos e caridosos de que por ventura necessitem; mas, o que não podemos fazer é tornar extensivos esses auxílios a todos os pontos do interior e até mesmo de outros Estados, porquanto, não é só pelo volume do patrimonio de um estabelecimento, que se devem pautar suas despesas, mas, principalmente pela normalidade de suas rendas, afim de poupar aos contribuintes novos sacrifícios... Podemos mesmo affirmar, não obstante, que não houve uma secção ou dependencia da Santa Casa, que não fosse melhorada ou reformada durante o exercicio de 1931, a despeito mesmo das causas que tanto concorreram para a depressão das rendas publicas e particulares. Para isto concorreram o sentimento generoso das classes abastadas, o cuidado com que foram feitos os orçamentos para essas obras e a boa aplicação das esmolas obtidas por ocasião das festas da “Semana da Santa Casa”.** A 22 de novembro

completo

de

1931

Pavilhão de Cirurgia

a Santa

Feminina

Casa

inaugura

o maior e mais

do país, no Hospital

do Arouche.

durante esse ano o Mordomo

que ocupou

A 19 de julho inaugurara também o Pavilhão Fernandinho Simonsen. “destinado á cirurgia infantil, possuindo tambem um bellissimo salão de gymnastica, onde se praticam exercicios apropriados a corrigir anomalias

physicas das crianças”.

Morre

por 34 anos a supervisão do Hospital Central, Comendador Alberto da Silva e Souza, assim como também o Irmão Protetor e Provedor por curto período, Carlos Leoncio de Magalhães. As hermas

existentes no

Hospital

do Arouche

naldo Vieira de Carvalho, João Briccola, Fiel Teixeira de Faria. E há um busto em mármore brando Fernandinho Simonsen.

Na relação dos Irmãos

alfabética, Alberto

Santos

o Pai

da

quatro: Ar-

Jordão da Silva e Diogo e placa de bronze relem-

Protetores figura, em

Dumont,

são agora

terceiro lugar na ordem

Aviação.

À beira do túmulo de Alberto da Silva e Souza, o orador designado

pela Mesa. Plinio Barreto. disse palavras memoráveis que bem podem ser

495

O Poder da Misericórdia

da

estendidas à multidão de homens que tem servido à Irmandade córdia, às vezes anonimamente, durante centenas de anos:

“, , . Mordomo

Miseri-

desse hospital, cuja investidura se lhe tornou

vitalícia pelo voto unanime das Mesas que se sucederam, esse companheiro, que padeceu sempre da mania de ser util, prestou, no cargo, á formosa instituição humanitaria, que honra São Paulo,

serviços

cujo

elogio

está

acima

da

minha

debil

capacidade

de

expressão. Darei apenas uma idéa do que foram, affirmando-vos que consistiram em trinta e tantos annos, contados dia por dia,

de cuidados continuos, de constante dedicação a todos os interesses, a todas as preocupações, a todos os soffrimentos, a todas as necessidades da Santa Casa.

Nunca

vi, nem

soube nunca, de mais

perfeita

identificação

politicos,

movimentos

entre um servidor e o amo a que se escravisou. A vida para esse homem simples e bom resumia-se na Santa Casa. A Santa Casa era para elle o centro do mundo e a razão de ser de todas as coisas. Tudo,

crises economicas,

abalos

revolucionarios, o fluxo e refluxo das marés sociaes, elle o via, e só por ahi o via, atravez da Santa Casa. Tudo isso só lhe despertava a attenção na medida que pudesse influir na existencia da Santa Casa. Acredito que se a metade do mundo viesse abaixo, o velho mordomo do Hospital Central se consolaria depressa, se consolaria logo que percebesse que os serviços da Santa Casa nada soffreriam com a catastrophe...

uma

Não

ha coisa mais

tocante do que

instituição de caridade.

Elle define

esse

amor

a alma

absorvente

que

a

se alojou

nesse corpo e dá a medida dos sentimentos que o acalentaram. Não ha eloquencia que assignale tão bem como esse amor a qualidade da substancia moral que entrou na formação dessa criatura

humana... Confesso que admirava esse homem. A minha admiração eu a reservo de preferencia aos que se pôem ao serviço da humanidade, seja no plano espiritual, seja no plano material. ..”.>* NOTAS !. Glauco Carneiro, de

Janeiro,

pa

mw

de Isidoro,

Edições

pág.

Relatório da Mesa

Idem, pág.

156.

Idem,

195.

pág.

- Idem, pág. 215.

Sa

História das Revoluções

Idem, pág. 238.

O

Cruzeiro,

1965.

Brasileiras (1889-1964),

Volume

1, Capítulo

XIV

263. Administrativa,

2 volumes, —

A

: 1925, relativo a 1924,

pág.

109.

Rio

Revolta

496

Glauco

7.

Idem, pág. 248.

8.

Idem,

9.

Idem, pág. 270.

pág. 256.

10.

Glauco Carneiro, lista, pág. 396.

11.

Sinésio

12.

Idem.

13.

Pedro Ayres Netto, oração em IV Centenário da Instituição.

14.

Relatorio

da

Rangel

1940,

15.

Idem,

16.

Ernesto

op.

cit.,

Pestana,

pág.

da

pág.

Vol.

sessão

das Commissões

Commissão

Paulo,

da

Mesa

Vol.

1.

A

na

Santa

da

Santa

Livro

Casa,

e Executiva

Ouro

Revolução

20/7/1932,

9/12/1984

do

XVII,

de

de Direcção

Campanha

70.

2, Capítulo

Casa

da

Constituciona.

15.

na

comemoração

Campanha

de

do

do

Ouro e

Misericordia

de

São

Paulo”,

in:

87.

de

Souza

Campos,

“Santa

Casa

de

Misericórdia

de

São

Revista do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo, Vol. XLIV São Paulo,

1949, págs.

17.

Relatório

da

18.

Relatório

de

19.

Idem,

20.

Carneiro

pág.

Mesa

48 a 50.

Administrativa

1928.

(2º Parte),

relativo

a

de

1924,

1927,

pág.

relativo

a

1923,

pág. 6:

5.

196.

O Estado de S. Paulo, edição

21.

Idem,

22.

Idem, 24/5/1929.

23.

Em

de 29/1/1929.

12/3/1929.

cumprimento

do

testamento

da Sra.

Benedicta

Alves

de

Mello

Nogueira, a

Irmandade da Santa Casa de São Paulo arrecadou os bens que lhe foram doados

pela mesma senhora e fundou “Asylo de Santo Antonio, para rido testamento. Relatório

25.

Relatório de 1931, pág. 14. Vê-se aqui como a Santa Casa sobrepaira acima dos vendavais da política. Dois de seus membros são designados para o governo provisório de São Paulo, após a Revolução de 1930, e convoca-se Armando de Salles Oliveira para substi-

26.

Mesa

Washington

de

Luiz

1931,

no seu

relativo

Constitucionalista

1930,

pág.

5.

impedimento

(que,

no

Padua

Salles

participaria

depois do 3 de outubro...). Retornando em 1931 à Provedoria, Revolução

a

de Araras, Estado de São Paulo, o de acordo com as cláusulas do refe-

24.

tuir

da

na cidade Orphams”,

e seria exilado

depois

da

caso,

era

derrota.

devido

da

ao

exílio,

articulação da

Integrou

o grupo

ilustre de paulistas embarcado no navio “Pedro I” com destino a Lisboa, mas foi surpreendentemente colocado na prisão, no Recife, à disposição da ditadura. Liberado depois, abandonou de vez a política e dedicou-se mais ainda à Santa Casa. 27.

Relatório

28.

Idem,

pág.

da Mesa 88.

de

1932,

relativo

a

1931,

págs.

5 e 6.

497

O Poder da Misericórdia

ANEXO A NUMISMÁTICA

NA

1

REVOLUÇÃO

PAULISTA

Cesar

DE

1932

Ferrari

Boletim Numismático da S.N.B. Ano XXIV — 1982(77).

Barra de Ouro e de Prata

Campanha do Ouro

“O ouro e a prata das moedas, jóias, alianças e outros objetos doados pelo Povo Paulista na coleta de donativos para a guerra, denominada e oficializada sob o nome de CAMPANHA DO OURO PARA O BEM DE SÃO PAULO ou CAMPANHA DO OURO PARA A VICTORIA, que ren-

deu mais de nove mil contos de réis (velho padrão monetário), foram fun-

didos em barras. O governo revolucionário usou ouro no valor de mais de quatro mil contos e o restante, pouco mais de 282 quilos de ouro e 547 quilos de prata, para não cair nas mãos dos adversários, foi doado à Santa Casa de Misericórdia. Na Biblioteca da SNB consultei o “Relatório das panha do Ouro”, 2 volumes (1940), encontrando no mente explicado, tudo o que foi feito com a sobra da cação dos donativos, fundição do ouro e da prata e estas devidamente numeradas. O

ouro fundido

rendeu

125

lingotes

Comissões da Camprimeiro, minuciosaarrecadação e aplidestino das barras,

com

192

kg

e mais

em

um

quilo cada

16 barras

comemorativas, estas fundidas exclusivamente com o ouro das alianças nupciais em virtude de seu valor sentimental. A prata rendeu 512 lingotes do título 700

milésimos com

o peso

médio

um;

e 22

lingotes de 900 milésimos pesando 22 kg; e mais 104 barras comemorativas pesando em média 100 g cada uma. As barras comemorativas destinavam-se à venda e para lembrança da REV. 32, adquirindo assim caráter numismático.

Com o ouro das alianças doadas pelas mulheres paulistas foram fun-

didas doze (12) barras, numeradas de 1 a 12, assim: 1/12, 2/12, 3/12 etc., que foram acondicionadas em belos estojos juntamente com outras tantas barras de prata de mesmos números e acompanhadas de uma GUIA artisticamente desenhada. O Relatório consigna que 26.283 paulistas sacrificaram para o bem de S. Paulo os símbolos de suas núpcias; quanto aos doadores de toda sorte de bens e valores, inclusive dinheiro, a relação

de seus nomes ocupa as páginas 287 a 827. Grande quantidade de moedas de ouro,

de

prata e de

outros

metais,

nacionais

e estrangeiras,

foi

arre-

cadada em virtude da magnanimidade do Povo. Aos doadores era entregue um certificado de fino lavor desenhado por JWR “OURO PARA O BEM

498

Glauco Carneiro

DE S. PAULO”, colorido, impresso na “S. Paulo Editora Ltda.”. Um carimbo no verso indica ter sido preenchido o certificado com o nome do

doador pelo calígrafo Prof. Di Franco. Guardo o meu 04419. de

que tem o número

Apenas para dar uma idéia do desprendimento e devotamento à causa S. Paulo, menciono o donativo que fez a Família do ilustre cidadão

paulista Conselheiro Antonio Prado, de um Obelisco de ouro (Anexo 56 do Relatório). Não indica o tamanho nem o peso, mas pela fotografia que ocupa a página inteira devia ser de excepcional importância material;

quanto ao seu valor histórico, as inscrições nele gravadas falam bem alto, Fora oferecido ao Conselheiro, por seus amigos, no dia 25 de fevereiro de 1888, data de seu aniversário (1840). Essa e dezenas de inscrições lembravam a data de formatura, bacharel em 1861; primeira eleição provin-

cial, 1865; presidente da Câmara, 1877; primeira eleição geral, 1869 e os cargos e atos de civismo de que o homenageado fora participante. Esse precioso documento histórico, agora seria quase centenário. As barras, tanto as de ouro como as de prata, eram acompanhadas de “GUIA” ou documento que autentica sua procedência e traz a sua descrição, artisticamente elaborada em papel antigo, trabalho do desenhista,

pintor e heraldista,

José Wast

Rodrigues,

autor de notáveis

trabalhos, entre

eles o Brasão do Estado de São Paulo, criado e adotado na REV. 32 e que contém o famoso lema “PRO BRASILIA FIANT EXIMIA”. Ver nosso Boletim Ano XVI — N. 3 — Julho 74 (N. 44) acerca de outras atividades e trabalhos desse exímio artista que também tem seu nome representado em numerosas obras no Museu Paulista. Todas as “Guias” são assinadas por J. M. SAMPAIO VIANA e RAUL PACHECO CHAVES. O primeiro nome é o do cidadão que foi indicado

para presidente da SNB em 1926, no caso narrado no Boletim N. 8, pág. 67. As referidas “Guias” têm o seguinte texto:

SANTA

DEPARTAMENTO DO OURO CASA DE MISERICÓRDIA DE SÃO GUIA N.

PAULO

Certificamos que o Sr. ...... comprou uma barra de ouro das 12 fundidas com alianças doadas à CAMPANHA DO OURO, com as seguintes

características: NAS. esensiitátas

E uma

de prata

características: Nisicagt

das

Titulo:

100 fundidas

ss São Paulo,

su ss é!

com

Peso:

as moedas

Título: .enca.. de Pela Comissão

«quem es:

e com

as seguintes

Peso! usas de 1934

499

|

O Poder da Misericórdia

Nestas “guias” que acompanham os estojos contendo barras de ouro e de prata, está inscrito embaixo, à esquerda, em letras miúdas “Impresso em papel antigo com o sello portuguez de 1797”. Para os estojos contendo as barras de prata a “Guia” tem o seguinte texto:

SANTA

DEPARTAMENTO DO OURO CASA DE MISERICÓRDIA DE SÃO GUIA N.

Certificamos que o Sr.

......

comprou

PAULO

a barra de prata das 100 fun-

didas com a prata de moedas doadas à CAMPANHA DO OURO as seguintes características: PRSÓL usas nes Título: ....... Ne... de 1934 de São Paulo,

com

|

Pela Comissão

Nas barras estão gravados os dizeres: FUNDIDO PELO DEPARTAMENTO DO OURO/SANTA CASA DE MISERICÓRDIA/DE S. PAULO; e de cada lado há um pequeno carimbo quadrado representando a cabeça do Soldado da REV. 32, olhando à sua esquerda e “1932/CO” (Campariha do Ouro). Nas pontas das barras (nos bordos) numa está marcado o número e na outra O peso: 2/12

ou

2/100

e Ok

116,65

OK é a abreviação de zero vírgula (0,K). As barras de prata de números fa 12 (1/100 a 12/100) foram colocadas nos estojos com as de ouro de mesmos números. Quantas barras foram fundidas?

Como ficou dito, com o ouro das alianças nupciais foram fundidas

12

(doze) barras que, arrumadas em belos estojos juntamente com outras tantas barras de prata e respectivas “guias” foram vendidas a 12 pessoas, conforme Anexo 26 do Relatório. No Anexo 33 está a relação das cem (100) barras de prata “comemorativas” para a venda como

recordação, número,

peso e nomes dos adqui-

rentes. A Sociedade Numismática Brasileira figura nessa relação como adqui-

rente (provavelmente para seus sócios) das barras N. 25 a 59, 63, 65, 66,

67, 69 a 77, 80, 82, 83, 85 a 88, isto é, 55 barras. A SNB não possui a

500

Glauco Carneiro

de ouro, mas encontra-se no seu Medalheiro 49/100, peso de OK 101,80.

uma

de

prata

que

tem o N,

Os pesos e números de algumas barras de prata são: 98,10 (57), 98,50 (54) — 98,60 (64) — 99,40 (56) — 99,50 (52) — 99,9 (18). Mencionam-se

as frações de gramas porque marcadas nas barras, auxi-

liando a identificação.

Entre

100g a 105g são 41 as barras;

105,00g a 109,50g são 29 barras;

as que

pesam

mais

são:

de mais de

110,10 (39) —

110,2 (45) — 110,3 (35) — 110,4 (85) — 110,9 (69/82/97) — 111,6 (84) — 111,9 (33) — 112,3 (83) — 113,1 (100) — 115,10 (28) e a mais pesada

118,00

(32).

Barras “Série Especial”

A Comissão

nomeada

pela

Irmandade

da Santa Casa

de Misericórdia

para inventariar e coordenar o aproveitamento do valioso material recebido

do governo revolucionário resolveu, em agradecimento aos esforços e patriotismo à causa constitucionalista dos diretores do Museu Paulista (1/4),

Cúria Metropolitana (2/4), Associação Comercial (3/4) e da própria Santa Casa (4/4), presentear essas entidades com um estojo contendo uma barra de ouro e uma barra de prata especialmente fundidas para esse fim. Numeradas. No Anexo 29 se vê a foto de um desses estojos, oferecido ao Museu do Estado e no Anexo 30 a foto da “guia” ou documento com a descrição

das barras: Barra de Ouro, “Série Especial”, de 4 barras, título 18, peso OK 157,00 e uma de prata “Série Especial”, de 4 barras, título 900, peso

OK

154,2. A data é de 12 de outubro de 1934. O estojo número 2 encontra-se no Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo. Notei que a barra de prata é maior do que as 100 “comemorativas de mesmo metal e que é mais pesada; os carimbos aos lados do nome da ofertante são os que tem a cabeça do Soldado, mas na de ouro está esse mesmo carimbo à esquerda e o do “Capacete 1932 CO” à direita. A barra de prata mede 95 x 27 x êmm e a de ouro 95 x 18 x êmm. Nelas está

gravado, no reverso, —

“Offerecida à Cúria Metropolitana”.

Na mesma vitrina do IHGSP há uma barra de prata rústica sem número (não é comemorativa) com as marcas 108,00 (peso) e 0,900 (Título) nos bordos, das que foram fundidas para facilitar a venda do metal. Também vi ali duas medalhas de bronze com passador e fita, 37mm,

ambas

dedicadas

verso 1932 —

ao GOVERNADOR

PEDRO

DE

TOLEDO

1972. Numa, o retrato do homenageado

(9-3h) e no

a 1/4 à esquerda

e a outra de perfil, à esquerda. Reversos semelhantes mostrando o ObeliscoMausoléo e a já famosa legenda “VIVERAM POUCO PARA MORRER BEM. MORRERAM JOVENS PARA VIVER SEMPRE”.

O Poder da Misericórdia

|

Devo à gentileza do Acadêmico

dente do

Instituto, a permissão

para

501

Dr.

José Pedro

os apontamentos

Leite Cordeiro, acima.

O

Dr.

presiLeite

Cordeiro possui uma barra de prata comemorativa da Campanha do Ouro,

N. 58/100, OK

102,20.

Em resumo, há três tipos de “comemorações” em barras de ouro e de prata: 1) os 12 estojos que contém cada um uma barra de ouro (N. 1/12

a 12/12) com uma uma barra de prata “Especial” contendo especialmente para

de prata (N. 1/100 a 12/100); 2) 88 estojos contendo (N. 13/100 a 100/100); e 3) os quatro estojos “Série cada um uma barra de ouro e uma de prata fundidas serem oferecidas às entidades já mencionadas.”

ANEXO

II

LISTA DE MÉDICOS E ESTUDANTES DA SANTA CASA QUE SERVIRAM NOS DIFERENTES SECTORES DAS FRENTES DE BATALHA CONSTITUCIONALISTA (1932) “Apesar da prohibição de se afastarem do serviço da Santa Casa, em virtude da requisição do Hospital Central pelo Serviço de Saúde da 2.

Região Militar, para installação do Hospital de Sangue, muitos medicos e estudantes, n'um impulso irrefreavel de enthusiasmo pela causa de S. Paulo, seguiram para as linhas de frente de batalha, antes da requisição do Hospital e outros, foram enviados para differentes sectores, por determinação do director clinico da Santa Casa, attendendo ás requisições das autoridades militares ou do Serviço Sanitario do Estado. Esses servidores da Santa Casa são os que constam da lista que se segue, descriminados pelos serviços a que estão ligados e pelos cargos que exercem, começando pelos chefes de Clinica e adjuntos effectivos, seguidos dos adjuntos voluntarios e estudantes com a designação dos postos em que

serviram.

1.º CLINICA

CIRURGICA

Assistentes

Dr. Raphael Dr.

Luiz

Parisi (por poucos dias)

lervolino



' Areias

Dr. Eugenio Bocchini —

Itararé

DE

HOMENS

da Faculdade Sector Norte

Sector Sul

502

Glauco

Assistentes

Dr.

Fausto Seabra —

Eleuterio

Dr. José Candido Netto — Dr.

José Lentino — Amaral,

voluntarios

Itapetininga

Combatente —

Cavallaria

da Força

Esquadrão

Publica

Dr. Wladimir Amaral — Combatente — Amaral —

Cavallaria da

Força

Esquadrão

Publica

Sector Sul Estudantes

Claudino Amaral — 14 de Julho Farid Chede —

Combatente

Combatente





Batalhão

Batalhão

14 de Julho

2º CLINICA

CIRURGICA Adjuntos

Dr. Dr.

Dr.

Cintra

Eduardo

de Medicina

Gordinho —

Sector Norte

Taubaté

Etzel —

Mathias

Octavio

voluntarios

Cruzeiro

Dr. Antonio Campos Moreira Dr.

Sector Norte

1.º Assistente da Faculdade

Adjuntos Dr.

HOMENS

effectivos

Ary Bastos de Siqueira — Cachoeira En à Alipio Corrêa Netto — Cruzeiro

Oscar

DE

Roxo

Corpo de saúde

Nobre

Sector Sul Sector Norte

Estudantes Darcy da Veiga Xavier — Cruzeiro Arnaldo Pedroso Filho — Pindamonhangaba

Antonio de Carvalho Sá —

S. Luiz do Parahytinga

Nairo de França Trench — Guaratinguetá

Corpo de saúde

Sector Norte

€ arneiro

O Poder da Misericórdia

Antonio



Cesario

de

503

Lima

Horta

Guaratinguetá

Aloysio Camará da Silveira

Euriclydes de Jesus Zerbini

Corpo de saúde

Sector Sul

Pacheco —

Augusto Motta

Mocóca

Casa Branca

Jorge Zaidan —

1.º CLINICA

MEDICA

DE

HOMENS

Assistente da Faculdade de Medicina

Hospital de Caçapava

Dr. José Affonso de Mesquita Sampaio — (No fim da lucta) Adjuntos

Dr. Oswaldo Lange — Fernão Salles

Medico do Batalhão

Dr. Oscar de Araujo —

14 de Julho



voluntarios

Sector Sul

Soldado do Batalhão

CLINICA

MEDICA

DE

HOMENS

Adjunto voluntario

Dr. José Curado Fleury —

Medico do

Destacamento Cel. Pedro Dias

Sector Sul

Estudantes

João Griecco — Cruzeiro José Ramos

de Oliveira

Nello M. Rangel — Luiz M. Becchelli — João Zocchio — Jairo Dias —

Junior —

Cruzeiro Cruzeiro

Faxina

Guaratinguetá

Octavio Tisi —

Cruzeiro

Itapetininga

Corpo de saúde



504

Glauco Carneirg

Paulo Vieira de Carvalho da Silva Gordo —

Batalhão

Francisco

14 de Julho

R. Arantes —

Cassio Portugal Gomes —

Bat.

14 de Julho

Bat. 14 de Julho

Bat. 14 de Julho 14 de Julho

Emilio Zolá Pereira Mendes — Paulo Almeida Toledo — Bat.

Ignacio L. Alves Corrêa — Bat. Raposo Tavares Ulysses Lemos Torres — 3.º Bat. da Reserva do 6º R. I. Ney Penteado de Castro —

do 6.º R. 1. Nelson Barros —

Combatentes

1.º Bat. da Reserva

Batalhão Archidiocesano

3.º CLINICA Assistentes

MEDICA da

DE

Faculdade

de

HOMENS Medicina

Dr. Heitor Pires de Campos — Bury Sector Sul Dr. João Roberto Pires de Campos — Silveiras Sector Norte Estudantes

João Baptista de Oliveira e Costa Junior José de Araujo Silveira Sector Sul Levant Pires Ferraz Haroldo de Araujo Campos Sector Norte 4º CLINICA Dr. Vicente Griecco — Coronel Taborda

MEDICA

DE

Itapetininga-ltararé —

6.º CLINICA

MEDICA

Assistentes da Faculdade

DE

HOMENS Medico do Estado Maior do

HOMENS

de Medicina

Dr. Oscar Monteiro de Barros — Cunha e Quebra Cangalhas Dr. Cicero Borges de Moraes — Tunnel-Pinheiros Dr. Cesario Mathias — Jaguary Adjunto

Dr. Antonio Martiniano de Moura — Cachoeira — Apparecida

effectivo

e Albuquerque

Filho —

Guaratinguetá

505

O Poder da Misericórdia Assistentes extranumerarios da Faculdade

de Medicina

Dr. Celso Figueiredo — Itararé-Faxina e Itapetininga Dr. João Máttar — Sector Sul Adjuntos

voluntarios

Dr. Fortunato Gabriel Giannoni — Cunha, Quebra Cangalhas — Campos Novos de Cunha

Dr. João Junqueira Franco — Sector Sul

Estudantes

Felippe Cabral de Vasconcellos — Tunnel

Brasilio Pereira de Sousa — Campos do Jordão Eulogio Martinez Nelson Macchiaverni — Villa Queimada

Gastão Rosenfeld — Piquete

Horacio Azevedo — Eleuterio 1.º CLINICA

Sector Norte

Sector Sul MEDICA

DE

MULHERES

Adjuntos effectivos

Dr. Aluísio Soares Fagundes — Guaratinguetá

Dr. Fernando de Britto Pereira Filho — Quitaúna Estudante

Batalhão

Pedro Paulo Corrêa —

14 de Julho

MEDICA

2: CLINICA

DE

MULHERES

Adjunto effectivo -—

Dr. Haroldo Azevedo Sodré —

Sector Sul

Adjuntos voluntarios Dr. João Ferreira —

Sector Sul

Dr. Fernando Bastos — Hospital de Sorocaba Dr. Arnaldo Codespoti — Sector Leste — Medico de Batalhão Estudantes

Carlos Macedo Ribeiro — Hospital da Força Publica da Capital

José Moretsohn de Castro — Hospital da Força Publica da Capital

Corpo de saúde

506

Glauco Carneiro

Assistentes

Dr.

da Faculdade

José de Almeida Camargo —

Batalhão

Assistentes extranumerarios

de Medicina

14 de Julho

Combatente

da Fac. de Medicina

Dr. Mario Altenfelder Silva — Batalhão Piratininga Dr. Vasco Ferraz Costa — Batalhão Piratininga Assistente

Dr. João de Camargo Barros —

voluntario

Batalhão Piratininga Combatentes Estudantes

José Altenfelder — Batalhão 14 de Julho Plinio de Mattos Barretto — Batalhão Piratininga Hugo Ribeiro de Almeida — Batalhão Romão Gomes Tito Ribeiro de Almeida — Batalhão Romão Gomes 1.º CLINICA

CIRURGICA

DE

MULHERES

Chefe de Clinica Dr.

José Ayres

Netto —

posto de major

do

Sector

Exercito)

Norte

Adjuntos

Dr. Pedro

Ayres

organisação

Netto —

hospitalar,

(Chefe

da organisação

effectivos

Auxiliar do Chefe

no posto de

da

1.º Te-

nente do Exercito Dr. Moura Azevedo Filho — No Estado Maior do Cel. Euclydes de Figueiredo, no posto de 1.º Tenente do Exercito Dr.

hospitalar, no

Sector Norte

Dr.

José Rodrigues Barbosa — No Estado Maior do Cel. Euclydes de Figueiredo, no posto de 1.º Tenente do Exercito Altino Antunes — Laboratorios do Sector Norte e M. M. D. C. (Capital)

Dr.

João Vieira de Camargo —

eS.sS. A. S. (Capital)

Chefe da organisação hospitalar no Sector

Sul, no posto de major do Exercito Dr. Rodolpho de Freitas — Medico do 1.º B. C. P. nos sectores Norte e de Campinas (Chefe do S. S. do Valle do Parahyba)

Dr. Geraldo Vicente de Azevedo — Cirurgião do hospital de base de Itapetininga, no posto de 1.º Tenente do Exercito

O

Poder

507

Misericórdia

da

Dr. Antonio soldado

de Godoy

Sobrinho —

Em

Pirituba,

Usina da

Light, como

Dr. Gentil Marcondes de Moura — Em Ourinhos, como medico Formação de Prophylaxia de Campanha (Serviço Sanitario)

2º CLINICA

CIRURGICA Adjuntos

Dr. Raul

Whitaker

Dr. E. Costa Manso Dr.

(Major) — —

DE

effectivos

Chefe do serviço cirurgico no Sector Sul

Pirajá —

Batalhão

Adjunto

Dr. Guacy Teixeira —

6.º

MULHERES

Na Cavallaria de Castro —

Eduardo de Oliveira

da

Sector Norte

Fernão Dias Paes Leme

voluntario

Auxiliar do serviço cirurgico do Sector Sul

3.º CLINICA

CIRURGICA

DE

MULHERES

Estudante

Paulo de Campos Toledo

OPHTALMOLOGICA

CLINICA

DE

MULHERES

Adjuntos effectivos e assistentes extranumerarios da Faculdade de Medicina

Dr. Cyro de Barros

Piquete e Lorena

Dr. Manuel

Piquete

Rezende

de Toledo



1.º Batalhão de Reserva 1.º Batalhão



Passos

Adjunto

Dr. Augusto Sampaio Doria —

de Reserva

do 6.º R. 1. — do 6.º R.

voluntario

Guaratinguetá —

Hospital Militar

Estudante Durval Prado —

Soldado

do Batalhão Piratininga de Caçadores

CLINICA

GINECOLOGICA

Adjunto effectivo e Assistente da Faculdade

Dr. José Bonifacio Medina —

Batalhão

14 de Julho —

Sector Sul

I. —

508

Glauco Carneiro

Assistente Dr.

João Dores —

extranumerario

Guapiara



da Faculdade

Sector Sul

Adjuntos

voluntarios

Guapiara

Larocca —

Dr. Domingos

Sector Sul

Itapetininga

Dr. Orlando Nazareth —

de Medicina

Dr. Arthur Wolff Netto — Limeira — '* Batalhão 14 de Julho Dr. René Mendes de Oliveira — Batalhão i4-de

Dr.

húlho

Combatentes

Manuel José de Castro Monteiro de Barros — Batalhão 14 de Julho

Netto

Estudante

Mario Nobrega —

Batalhão Voluntarios de Piratininga SERVIÇO

DE

RADIODIAGNOSTICO

Assistentes

Dr.

Eduardo Cotrim —

Dr. Marcello

Lacerda

Dr. Humberto

Hospital

Cesar —

voluntarios

Militar da Força

Soares —

14 de Julho

Combatente

Combatente

Hospital



Publica

Incorporado

ao Batalhão

Militar Divisionario

Estudantes

Raphael de Lima — Batalhão Fernão Salles

— Batalhão 9 de Julho Flavio Bevilacqua PAVILHÃO

FERNANDINHO

Combatentes SIMONSEN

Assistentes da Faculdade de Medicina e adjuntos effectivos da Santa Casa Dr. Antonio

da Força

Eugenio

Longo

Publica —



Frente Norte

Dr. Renato da Costa Bonfim — Voluntarios

1.º Tenente

de Piratininga

medico do Serviço de Saúde

Voluntario e Tenente medico do Batalhão

Adjunto

voluntario

Dr. Alvaro Camera — Voluntario medico do Batalhão Major Saldanha — — Sector Cel. Andrade — Frente Norte

509

O Poder da Misericórdia

Hospital S. Luiz Gonzaga —

Jaçanã

Adjuntos effectivos

Dr. Octavio Nebias — Soldado do Batalhão 14 de Julho Dr. José Ignacio Lobo — Soldado do Batalhão 14 de Julho Dr. Jairo Ramos — Capitão Medico do Hosp. de Sangue de Cruzeiro

Dr. Cassio Villaça —

da Frente Norte

Radiologista

Dr. João Montenegro —

Hospital de Guaratinguetá

LABORATORIO

CENTRAL

Estudante

Horacio

Pinto de Azevedo

PAVILHÃO

CONDESSA

Assistente da Faculdade

Dr. Joaquim

Leme

do Norte

Raphael

Fighera —

ASYLO

de Medicina

Batalhão Marcondes Salgado

da Fonseca — Adjunto

Dr. Caetano

PENTEADO

voluntario

Batalhão

Amador

COLONIA

SANTO

Adjuntos

effectivos

Dr. Ruy Tibiriçá —

Cirurgião

Dr. Cassio Rolim —

Tunnel —

dentista — Corpo

Bueno



Apparecida

ANGELO

Combatente

de saúde

Sector Norte.”

Fonte: Relatório da Mesa Administrativa da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo referente ao exercício de 1933, São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 1934.

Iô. ESCOLA DE ENFERMAGEM A prisão de Padua Salles — A Escola Paulista de Medicina — A remodelação do bloco central do Arouche — O Dia de Santa Isabel — A Enfermagem — Breve História da Escola de Enfermagem São José — À despedida do Provedor Padua Salles Instituição que paira acima da política e que

a prática da

caridade,

independentemente

de

suas

reúne

os homens

filiações

para

partidárias, a

Irmandade da Misericórdia adota uma fórmula toda sua para ignorar os percalços da vida pública. Assim, quando os Irmãos têm que se afastar da cidade e do país, por razões forçado,

a

Mesa,

sem

várias que

mencionar

as

vão

razões,

do gozo de

convoca

férias ao exílio

substitutos

“para

o

tempo em que durar o impedimento”. E como as atas não registram maiores informações

sobre

esses impedimentos,

o observador

ignorante

de história

pode simplesmente passar por cima desses interregnos de serviço, sem atinar com as causas que levam às vezes a afastamentos tão longos. Washington Luiz e Armando de Salles Oliveira são dois exemplos frisantes desse eufemismo ritual. Ambos, exilados do Brasil por força das revoluções de 1930 e 1932, respectivamente, foram substituídos, durante

seu

impedimento,

por

Irmãos

convocados,

ram seus lugares vários anos depois.

que

prontamente

lhes

devolve-

No entanto, o único caso de Provedor atingido por uma punição política é o do Senador Padua Salles, que foi arrolado pelo governo central

no grupo de ilustres paulistas que foi embarcado no navio “Pedro I” com destino ao exílio em Portugal. Não se sabe por que razões, Padua, logo de-

pois da Revolução Constitucionalista, foi desembarcado. no Recife, para ali

511

O Poder da Misericórdia

cumprir pena de prisão, a exemplo do patriarca gaúcho Borges de Medeiros.

Salles a São Paulo, abandonando

Decorridos alguns meses, voltou Padua

aí de vez a política, para dedicar-se exclusivamente aos negócios particula-

res e às suas responsabilidades na Santa Casa, na qual ficara impedido e substituído pelo Vice-Provedor até que tivesse condições de retornar ao exercício das funções.

Quanto durou o afastamento de Padua Salles da provedoria? Os livros de Termos de Mesa dos anos de 1932 e 1933 fornecem os dados principais,

pelos quais se podem inferir os outros. Na sessão de 5 de outubro de 1932, recém-terminada a Revolução Constitucionalista, ele ainda esteve presente. 24 de outubro,

Logo, porém, na sessão seguinte,

a sessão da Mesa é pre-

sidida por Jayme Loureiro, o primeiro de seus substitutos por três meses (os demais foram Horácio Sabino e Augusto de Meirelles Reis). Nessa

sessão

de

24

de

outubro

de

1932,

uma

indicação

apresentada

à Mesa pelos Drs. Synésio Rangel Pestana, Augusto de Meirelles Reis, Jayme Loureiro, João Maurício de Sampaio Viana, Olympio Portugal e Alberto de Menezes Borba, dá conta de que o Provedor, e mais alguns Irmãos, de ativa militância no Movimento Constitucionalista, “haviam sido chamados ao Rio de Janeiro pelo Governo Provisório”. Para os mesmos se pediu e obteve “um voto de particular sympathia”: São

“A Mesa Administrativa da Santa Casa de Misericórdia de Paulo, reunida pela primeira vez depois da partida para o

Rio de Janeiro, a chamado do Governo Provisório da Republica, dos nossos prezados Irmãos Provedor, Dr. Antonio de Padua Salles, 1.º Procurador,

Antonio,

de

Dr.

Araras,

Plinio Dr.

Barreto

José

Cassio

e Mordomo de

do

Macedo

Asylo

Soares,

Santo

resolve

consignar na acta desta sessão um voto de particular sympathia áquelles prestimosos companheiros, no momento em que soffrem

aspero constrangimento

pela actuação que tiveram em defesa dos

ideaes de São Paulo, em favor da rapida constitucionalização do Brasil e dar

conhecimento

dessa

resolução

ao

nosso

Venerando

Provedor a quem visita desejando o seu proximo restabelecimento e a volta no mais breve praso dos presados companheiros ás suas actividades indicação.)

Num

nesta

Santa

Casa”.

ato de coragem, os Irmãos

(A

Mesa

aprova

reelegeram

Padua

unanimente

Salles para

a

novo

mandato, a 5 de janeiro de 1933, estando ele ausente. E seu retorno efetivo

à liderança da Irmandade só aconteceu a 5 de abril de 1933, embora alguns indícios constantes das atas de 6 de fevereiro e de 7 de março façam

pensar na sua presença às referidas sessões, embora não ainda como Provedor. A sessão de 7 de março, aliás, está emendada na data, e há uma certa incoerência

nos

dados

ali registrados,

como

se houvesse

a intenção

512

Glauco Carneiro

de ocultar de observadores

externos a presença

do provedor efetivo. Hg

dúvidas, também, sobre o tempo exato de prisão de Padua Salles, e do período em que ficou

voluntariamente

em segundo plano em São Paulo,

até o ambiente acalmar. Conhecido, no detalhamento possível, esse episódio

inusitado da vida da Irmandade, é tempo agora de abordarmos outros assuntos importantes dos derradeiros treze anos de Antonio de Padua Salles na

Provedoria.

A Escola Paulista de Medicina

São controversos os informes sobre a participação da Irmandade da Misericórdia na implantação e funcionamento da Escola Paulista de Medicina, a segunda instituição de ensino dessa especialidade fundada na capital paulistana.

Algumas fontes apontam a Santa Casa como responsável, não somente

pela alocação de recursos humanos 'ao professorado da Escola, mas também pela cessão de várias de suas enfermarias para as aulas práticas dos alunos

da Paulista. Confessamos não ter encontrado dados positivos dessa cessão, mas certamente arrolamos vários mestres da Paulista como integrantes do corpo clínico da Misericórdia nos idos de 1933. Como escreve José Castellani, “mal assentada a poeira da luta, em 1933, a mostrar que o ânimo paulista não fôra abatido, um punhado de idealistas fundava uma nova faculdade em São Paulo: a Escola Paulista de Medicina, hoje um orgulho do ensino brasileiro e conceituada como um dos principais centros médicos de toda a América Latina. O fator que impulsionou essa criação foi o número crescente de candidatos ao vestibular da Faculdade de Medicina

superiores às exigidas limitadas a 70.

Em

para

1933,

de São Paulo que, embora

a classificação,

por

exemplo,

136

não

conseguiam

candidatos

obtendo notas

vagas,

obtiveram

estas

média

superior a cinco e não entraram na faculdade. Em 10.º lugar, por exemplo, ficaram empatados quatro alunos com média 7,5, sendo a vaga dada ao mais

velho!”

“A opinião pública e vários médicos chegaram à conclusão de que São Paulo comportaria uma nova escola médica, já que,

todos os anos, cerca de 1.500 jovens saiam do Estado para estudar medicina

em outros centros.

Assim, a 24 de março, no consultório do Dr. Octavio de Carvalho, na Praça Ramos de Azevedo, n.º 16, aconteceu uma reunião

de representativas figuras da classe médica paulista, na qual foi lançada, oficialmente, a idéia da criação de uma nova escola de medicina na capital paulista.

Foi

Antonio

organizada, então,

Bernardes

uma

de Oliveira,

comissão

Antonio

integrada

Carlos

pelos drs.

Pacheco

e Silva,

513

O Poder du Misericórdia

Carlota Pereira de Queiroz, José Ayres Netto, Domingos Deffine,

Jairo Ramos,

Eduardo Vaz, Marcos

Lindemberg, Octavio de Car-

valho, Rodolpho de Freitas ce Pedro de Alcantara, destinada a estu-

dar a viabilidade da idéia.

Participaram

também, os drs. Alipio Corrêa Neto,

dessa

Flaminio

primeira

Fávero,

reunião,

Paulo Man-

gabeira Albernaz, André Dreifus, Otto Bier e Jayme Regalo Pereira.

A par disso, continuavam as reuniões dos estudantes, já agora prestigiadas pela presença de Octavio de Carvalho e do advogado

Lino Moreira, que procuravam convencer os jovens a apoiar a criação da nova escola médica, embora isso implicasse em novo vestibular. Conseguido esse apoio, realizava-se, a 6 de maio, uma segunda reunião no prédio Glória, para desenvolver os trabalhos de organização da nova escola; nesta reunião, compareceram, além

dos médicos citados, mais os drs. Álvaro Guimarães Filho, Nicolau Rosseti,

da

Flavio

Fonseca,

Ignacio

José

Olivério Mário de Oliveira Pinto. Em

nova

assembléia,

a 27

Lobo,

de maio, dessa

Medina

José

vez

no

e

Instituto

Biológico, situado à Rua Marquez de Itu, n.º 71, era escolhido o nome do novo estabelecimento. Entre três nomes propostos (“Faculdade Paulista de Medicina”, “Escola Paulista de Medicina” e

“Escola Médica de São Paulo”) foi aprovado, após debates, o de

ESCOLA PAULISTA DE MEDICINA. Nessa mesma assembléia, era eleito o Conselho Deliberativo da Escola, que acabou sendo composto pelos drs. Afranio do Amaral, Otto Bier, Pacheco e Silva, Marcos Lindemberg, Pedro de Alcantara e João Moreira da Rocha. Este Conselho, a 1.º de Junho de 1933, elegia, por aclamação, o dr. Octavio de Carvalho, diretor da Escola Paulista

de Medicina e, por todos os títulos, seu fundador”.

O prédio da Escola foi instalado à Rua Coronel Oscar

onde, a 27 constituída:

de junho,

foi

escolhida

a sua congregação,

que

Porto, n.º 54, ficou

“Clínica Cirúrgica: prof. Alípio Corrêa. Netto; Clínica Obsté-

trica: prof. Alvaro Guimarães Filho; Higiene: prof. Afrânio do Amaral; Clínica Médica: prof. Alvaro de Lemos Torres; Psiquiatria: prof. Antonio Carlos Pacheco e Silva; Clínica Cirúrgica: prof. Antonio Bernardes de Oliveira; Cirurgia Reparadora: prof. Anto-

nio Prudente de Moraes; Clínica Oftalmológica: prof. Archimede Bussaca; Medicina Legal: prof. Antonio de Almeida Junior; Fisiologia: prof. Cesar Thales Martins; Tisiologia: prof. Décio de Queiroz Teles; Clínica Ortopédica: prof. Domingos Define; Química Fisiológica:

prof.

Dorival

Cardoso;

Clínica

Neurológica:

prof.

Fausto Guemer; Terapêutica: prof. Felício Cintra do Prado; Doenças do Aparelho Digestivo: prof. Felipe Figliolini; Parasitologia:

assim

514

Glauco Carneiro

prof. Flavio da Fonseca;

Rocha

Lima;

Anatomia

Clínica Propedêutica

Patológica: prof. Henrique da

Médica:

prof.

Jairo Ramos;

Clínica Ginecológica: prof. José Medina; Técnica Operatória: prof.

José Maria de Freitas; Anatomia:

prof. João Moreira da Rocha;

Física Biológica: prof. Lauro Cruz; Patologia Geral: prof. Marcos Lindemberg; Histologia e Embriologia: prof. Nelson Gioia Planet; Clínica Dermatológica: prof. Nicolau Rossetti; Microbiologia: prof.

Otto Bier; Clínica Otorrinolaringológica: prof. Paulo Mangabeira Albernaz; Clínica Pediátrica: prof. Pedro de Alcântara; Clínica Urológica: prof. Rodolpho de Freitas. A 1.º de julho, finalmente, era lançado o manifesto público,

comunicando a fundação da Escola Paulista de Medicina, subscrito

por 32 de seus 33 fundadores, já que o dr. Lemos Torres deixou

de assinar, por estar ausente do país. Na mesma época era constituído o Conselho Consultivo da entidade, com finalidades sociais, composto de 15 membros, escolhidos entre pessoas de destaque, estranhas à Escola; desse Conselho, entre outros, faziam parte: Guilherme de Almeida, Afonso D'Escragnolle Taunay, Carlos de

Sousa Nazareth, Francisco Salles Gomes

Junior, Paulo Prado, José

Maria Witacker, Vicente de Almeida Prado, Anhaia Melo, Ministro Costa Manso e Octavio Pupo Nogueira. Em

1936,

a Escola era transferida

para

a rua Botucatu,

na

Vila Clementino, onde se encontra até hoje, ocupando extensa área. Nesse mesmo ano, a 3 de junho, com discurso oficial do

poeta Guilherme de Almeida, era lançada a pedra fundamental do

Hospital São Paulo, que foi o primeiro hospital-escola do Brasil. Em 1956, tendo em vista a importância do estabelecimento e atendendo ao anseio dos professores, o governo da República decidia

federalizar a Escola Paulista de Medicina, para que ela pudesse

prosseguir na realização dos propósitos de seus fundadores;

a 4

de maio de: 1957, era oficializada a federalização, numa cerimônia

cujo orador foi o prof. Pacheco e Silva, o mesmo que havia proferido a aula inaugural da Escola, a 15 de julho de 1933. Nesses 50 anos, por seus portões entraram gerações de jovens

e saíram gerações de médicos, que, hoje, espalhados pelo país, justificam os esforços e a dedicação dos homens que sonharam e

concretizaram

a Escola

Paulista de Medicina”.?

A remodelação do bloco central do Arouche

“Apraz-me tambem dizer-vos que, em atmosfera politica de maior tranquilidade, vamos realizando melhoramentos de grande importancia para os serviços do Hospital Central e dos demais departamentos da Santa Casa,

sob rigorosa economia e sem prejuizo do conforto para os doentes”.

O Poder da Misericórdia

515

Esclarecendo que esperava elevar o rendimento do patrimônio da Irmandade, inclusive construindo edifícios e armazéns, o Provedor Padua Salles dirigia-se à Mesa em 1935, apresentando relatório dos trabalhos desenvol-

vidos no ano anterior. Ele dá conta da conclusão e inauguração do Bloco

Cirúrgico Oscar Pinto de Araujo Cintra, em 24/6/35, “em majestoso edificio conforme o plano de remodelação do Bloco Central approvado pela Mesa Administrativa”. Criou-se também uma mordomia para a Chácara

Jaçanã, entregue ao Irmão Horácio de Mello, “que uma fiscalização mais cuidadosa sobre esse proprio, em verdadeiro celeiro para os hospitaes, extrahindo gumes, as fructas e alimentos para os doentes e todos

não somente exercerá como o transformará de suas terras os leos asylados”. A Mesa

autoriza a construção do ambulatório ao lado do Hospital Central, a am-

pliação do edifício do Externato São José, a construção de uma capela no Sanatório Vicentina Aranha: “O Hospital Central, como o seu nome já o indica, é o depar-

tamento mais importante da Santa Casa pelo seu grande movimento de doentes, com as suas grandes enfermarias, a sua pharmacia, o seu laboratório, os seus gabinetes especialisados, tornouse o centro

necessario

para

coordenação

do serviço

das

outras

Mordomias.

Acha-se a testa do mesmo o dedicado Mordomo

Augusto

Meirelles

de

consagrando ao megmo

Reis

que, com

grande

competencia

Dr.

vem

o melhor de seus esforços, o que muito

tem concorrido para a boa

marcha

da administração.

Continua a exercer o cargo de Director dos Serviços Clínicos

da Irmandade o incansavel Mesario Snr. Dr. Synesio Rangel Pestana cuja dedicação e desvelo por tudo quanto diz respeito á

prosperidade e melhoria dos serviços da Santa Casa, já constitue

um facto por todos reconhecido, porquanto a sua actividade se intensifica cada vez mais, desdobrando-se em contribuições de trabalho que muito tem beneficiado a Irmandade e o prestigio que ella vem gozando no nosso meio social”.

A 5 de janeiro de 1935 a Comissão de Obras da Santa Casa recebe

três novos e ilustres membros:

Roberto Simonsen, Annibal

e João Zeferino Ferreira Velloso.

Paes de Barros

E a 20 de fevereiro o Irmão

Dr. José

Cássio de Macedo Soares, Mordomo interino do Externato São José, é autorizado pela Mesa a promover junto ao Governo Federal a equiparação

daquele estabelecimento aos cursos dos ginásios oficiais. A 5 de setembro são autorizadas as construções do Bloco Masculino de Oftalmologia e da galeria subterrânea ligando o Hospital Central ao Pavilhão Condessa Penteado. A 5 de outubro a Mesa decide pedir auxílio do Governo para aumentar em 200 leitos a capacidade do Hospital São Luiz Gonzaga.

516

Glauco Carneiro

“O Hospital “São Luiz Gonzaga”, situado no Bairro do Jacanã, subdistrito de Tucuruvi, pertencente à Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo, foi inaugurado em 5 de julho

de 1932, quando a 5.º Enfermaria de Medicina do Hospital Central passou aos pavilhões, antes destinados ao Leprosário de Guapira.

Inicialmente, contou com as Enfermarias Santa Inês e São Geraldo, possuindo as duas, 103 leitos. Daí por diante, a história do Hospital tem os seguintes marcos: 1943, inauguração de mais

220 leitos, totalizando 323, com a construção dos Pavilhões “Fernando Costa” e “Armando de Salles Oliveira”; 1948, inauguração a 29 de outubro do Pavilhão Infantil com 100 leitos, concluído e instalado pela Campanha Nacional contra a Tuberculose; 1953, construção de um prédio administrativo; 1962, adaptação de uma parte do rés do chão do Pavilhão “Armando Salles” para nova enfermaria, com mais 45 leitos”.'

Em

1937, 5 de dezembro, inaugurava-se o Bloco Masculino de Oftal-

mologia “Theotonio Rodrigues de Lara Campos”.

contratadas

as obras

do edifício “João

vedo, depois celebrizado pelo locatário,

Briccola”

Mappin.

No mesmo período foram na Praça

Ramos

de Aze-

Nesse exercício, foi iniciada a construção de um novo pavilhão de cem leitos do Sanatório Vicentina Aranha, bem como concluída a galeria subterrânea entre o corpo do Hospital e o ambulatório. Nessa época, o

Externato São José possuía uma Escola de Comércio, anexa. A 5 de junho

de 1937 a Corte de Apelação do Estado “confirma por unanimidade de votos a sentença do juiz de primeira instancia que condemnou Raul Pacheco e Chaves á pena de prisão por se haver apropriado indebitamente de dinheiros pertencentes á Campanha

do Ouro

para o Bem de São Paulo,

e que esse mesmo réo foi condemnado a pagar á Santa Casa a importancia

de que se apropriou. De modo que os processos criminal

e civil, movidos

pela Santa Casa contra Raul Pacheco e Chaves foram julgados a favor da

Irmandade”.* A 30 de julho, a Mesa aceita a proposta dos engenheiros Camargo & Mesquita para a construção do prédio “Ouro para o Bem de S. Paulo”, pela quantia de 3.336:685$000, com os recursos obtidos pelo saldo da Campanha do Ouro, realizada durante a revolução de 1932.

“É approvado o contracto entre a Irmandade e o Governo do Estado para a installação da Clinica Urologica da Faculdade de Medicina, na metade direita do primeiro pavimento do Ambulatorio Conde de Lara. Entre as 11 clausulas sobresaem a segunda que determina que o Governo contribúa com a quantia de 115:000$000

para o acabamento interno d'aquella secção e a 11.º que deter-

mina que as bemfeitorias e apparelhos collocados

pela Faculdade

de Medicina no ambulatorio de Urologia, ficarão pertencendo ao

O Poder da Misericórdia

patrimonio dos mesmo Clinicas ou para outro

517

da Irmandade, não podendo os mesmos serem retirana hypothese da Faculdade installar o seu Hospital de resolver mudar a séde da cadeira de clinica urologica estabelecimento”. a

O Dia de Santa Isabel €*

A imprensa da época reflete o grande prestígio de que continuava a gozar a Santa Casa. Somente para avaliar esse prestígio, basta saber que a comemoração do tradicional Dia de Santa Isabel reuniu as principais autoridades

do Estado,

entre

elas

o então Governador

J. J. Cardozo

de

Mello Netto, o presidente da Corte de Apelação desembargador Achiles de Oliveira Ribeiro, o Bispo de São Paulo D. José Gaspar Affonseca e Silva, além de secretários de Estado etc.: “Senhores. A muitos nesta hora, pode parecer estranho reavivar estes pensamentos antigos daquelles antigos paulistas, fundadores desta Instituição. Mas vale a pena recordál-os para que mais uma vez nos convençamos, de que o orgulho, o fausto, a ostentação, a vaidade passam e nada deixam após de si a não ser ruinas

miserandas: da bondade, do amor, da caridade, restam sempre como flores que não murcham, o bem, a virtude, e este olor delicado das coisas santas de que nos fala um poeta, e que mesmo a seculos de distancia ainda nos impressiona a sensibilidade e com-

move o coração. A Santa Casa das Misericordias de São Paulo é

um patrimonio de nossa fé, do nosso coração, mas ella é tambem herdeira de um outro patrimonio, — o da caridade christan, praticada pelos nossos antepassados. Num seculo que perde assustadoramente a noção do amor desinteressado, defender esta herança é

um dever e uma obrigação. Vós a defendereis praticando a caridade do modo mais perfeito possivel. Notae porém, que fazer a caridade como nol-o ensinou Jesus Christo é amar antes de dar a esmola, e dál-a só pelo amor de Deus. A caridade que se melindra com o silencio do beneficiado, a que tem horror ao anonymato, ou nelle se refugia para depois surgir applaudida, a que se estadea nos jornaes para ser louvada e conhecida, a que só é feita pelo prazer que proporciona, não é caridade, mas sim miseravel

vaidade e egoísmo,

ves-

tidos sacrilegamente com os trajes divinos da beneficencia. A caridade perfeita nos mostra no nosso semelhante uma alma immortal

(*) No

antigas

anexo

pendências

é a homenageada

deste capítulo há históricas

da

informações esclarecedoras

Misericórdia:

na Festa de 2 de Julho.

saber

qual

Santa

sobre

uma

Isabel,

das

das

mais

quatro,

518

Glauco Carneiro

destinada á vida eterna: descobre-nos num corpo doente e dolorido um candidato á resurreição gloriosa no dia do juizo e em

cada irmão aponta-nos um sêr igual a nós, pequenino e soffredor

como nós, sujeito á morte, mas como nós criado á imagem e se melhança de Deus, portador tambem do destino eterno da vida.

Supprimi da caridade esta substáncia religiosa e não mais a tereis em sua belleza e realidade. Os que a deturparam, os que a desnervaram, os que a mutilaram no que ella tem de religioso, viram-se na contingencia de procurar outro nome para expressar o fruto de suas imaginações, indo pedir ao grego a sonoridade impressionante de um vocabulo até hoje vazio de vida. Foi assim

que surgiu á philanthropia.”

Vale a pena destacar esse conceito de Dom José Gaspar: a Santa Casa pratica a caridade, que tem substância religiosa, e não a filantropia, queé um termo vazio de vida e muitas vezes de amor ao próximo. Guardando essa distinção fundamental

na mente, vamos

prosseguir no

estudo da Irmandade, sabendo agora que em 1938 teve início a ampliação do laboratório destinado aos doentes do pênfigo-foliáceo, a cargo do Dr. Adolpho Lindemberg. Também se iniciou a construção do centro cirúrgico da 1.º Clínica de Mulheres, com recursos angariados pelo Irmão Dr. Ayres Netto. Donativo do Comendador Antonio Pereira Ignacio, no valor de 50 contos de réis, possibilita obras de adaptação na 5.º Clínica de Homens. Diz o Mordomo do Hospital Central que “o augmento de enfermos é diario t O espaço de que dispõe o hospital é insufficiente para recebel-os, tendo a frequencia attingido a uma media diaria de 1.434 doentes, quando a capacidade é para apenas 1.100”. Inaugura-se no Ambulatório Conde de Lara a secção de Urologia a cargo do Dr. Luciano Gualberto. Os médicos internos do Hospital Central têm aumentada, por autorização da Mesa concedida a 20 de janeiro de 1938, sua gratificação mensal para 500$000. O capelão da Irmandade, Padre Innocente Radrizzani, tem vencimentos men-

sais de 800$000. A 5 de setembro é concedida à D. Emilia Upton Krischken,

irmã do falecido Protetor Frederico Upton, “o augmento da pensão legada pelo mesmo de 150$000 para 450$000 mensaes, em vista do precario estado de saúde da legataria”. Em 1939 a Santa Casa já despende IAPS a soma de Rs. 62:320$000.

com

o pagamento

de quotas aos

Entre 15 de janeiro e 3 de julho são inauguradas as seções de otorrinolaringologia, neurologia e pediatria do Ambulatório Conde de Lara. A 7 de maio para ali foi transferida a seção de gastroenterologia, que funcionava no prédio do Instituto de Rádio. O quinto pavimento do ambulatório tem suas obras de acabamento financiadas por generoso donativo da Condessa Marina Crespi — 250:000$000, em memória de seu marido, Conde Rodolpho Crespi. A 28 de maio, no Pavilhão Fernandinho Simonsen, inau-

O Poder da Misericórdia

519

gura-se a biblioteca especializada de ortopedia e cirurgia infantil, oferecida

pela viúva do Prof. Rezende Puech, D. Eliza. A 6 de junho, inaugura-se o Centro Cirúrgico da 1.º Clínica Cirúrgica de Mulheres, velho sonho do Prof. José Ayres Netto. No Hospital São Luiz de Gonzaga é implantado o

serviço de depuração biológica do efluente dos esgotos do estabelecimento e do Asilo dos Inválidos, por processo moderníssimo. É a Santa Casa

cuidando pioneiramente da ecologia e do saneamento. A Câmara ração é a primeira do gênero construída no país, sob projeto da de Águas e Esgotos da Capital, por determinação do Governo Afasta-se, em fevereiro de 1938, da clínica do Asilo dos depois de 35 anos de serviço continuado,

o Dr.

Américo

de DepuRepartição do Estado. Inválidos,

Brasiliense.

ele quem vai ocupar, como suplente, “no impedimento do Dr. Armando

Salles Oliveira, mente

vago

na

e enquanto

Mesa

durar

esse

Administrativa”.

impedimento,

Comissão

E é

de

o cargo provisoria-

da Santa

Casa

leva

ao

novo Arcebispo de São Paulo, D. José Gaspar de Affonseca e Silva, as felicitações da Irmandade. Para efeito de antiguidade, é considerado como médico interno do Hospital Central, desde Alípio Corrêa Netto.

Em

18 de dezembro de 1927, o Dr.

1939 a Santa Casa reclama de sua inclusão na classe dos comer-

ciários e dos industriários para efeito de previdência, “com

pagamentos

de

82:504$200 para os primeiros e de rs. 3:157$900 para os segundos, o que nos parece injusto, visto a Santa Casa não dever ser incluida

nessa

cate-

goria como tributaria — ella não faz commercio e nem administra estabelecimentos industriarios”.

de Medicina

Em julho, os alunos da 2.º turma

da Faculdade

e Cirurgia de São Paulo oferecem à Santa Casa “uma

placa

de bronze com a efigie do Prof. Arnaldo Vieira de Carvalho n'uma das faces e na outra a reprodução da fachada da Faculdade de Medicina:

“Assim agiram

por

terem

frequentado

os hospitais da Santa

terem feito os seus estudos clínicos e de pratica”. Em

abril, inaugura-se a 5.º Clínica Cirúrgica de Homens,

Casa

e ali

enfermaria

de traumatologia e ortopedia, a cargo do dedicado médico Dr. José Soares Hungria. Em 1940, a Irmandade agradece de maneira especial o apoio prestado

pelas diretorias das Companhias Docas de Santos, S. Paulo Light & Power, Antarctica Paulista, Tramway da Cantareira e do Banco do Commercio

Industria. É recusado, a 5 de fevereiro, o pedido da Congregação das Irmãs de São José para instalação de um curso de formação de professoras primárias no Externato São José. Estuda-se, na época, ainda a supressão da

entrega de remédios gratuitos no Ambulatório Conde de Lara. A 5 de março,

a Mesa aprova a criação de uma escola secundária preparatória para o curso de enfermagem. A Caixa Econômica Federal de São Paulo propõe empréstimo de 10 mil contos para a Irmandade reconstruir seus prédios velhos no centro de São Paulo. A Santa Casa decide pleitear do Interventor Ademar de Barros

520

Glauco Carneiro

a parte da subvenção por ele retirada. A 20 de novembro de 1940 a Irmandade decide cunhar duas medalhas de ouro em comemoração aos 40 anos de serviço dos Drs. Synesio Rangel Pestana e José Ayres Netto. O Provedor Padua Salles assinala: “Tem-se feito muito esforço para não se limitar o numero dos doentes internados e nem supprimir o fornecimento gratuito de medicamentos, afim de não aggravar os soffrimentos daquelles que já se habituaram a esse tratamento caridoso”. Do interior do Estado vieram

5.860 doentes, dos outros Estados, 382, e da capital, 12.082, somente para

o Hospital Central. O número de consulentes atinge a 147.251. Operações de alta cirurgia, 4.624, e de pequena, 3.517...

O funcionamento permanentemente deficitário atinge um dos resultados

mais negativos em 1943, quando a Santa Casa gastou mais Cr$ 495.967,53 do que sua receita.* Nesse

mesmo

ano,

registra-se o falecimento

dos Drs.

Francisco

Car-

neiro Lyra, Joaquim Ribeiro de Almeida e Antonio do Livramento Barreto.

São eleitos para a administração da Irmandade no exercício de 1944, os seguintes Irmãos: Dr. Antonio de Padua Salles, provedor; Dr. Luiz Pinto Serva, escrivão; Dr. Synesio Rangel Pestana, tesoureiro; Dr. Plínio Barreto

e Anibal

Paes de Barros, procuradores;

Dr.

Augusto

Meirelles

Reis, mor-

domo do Hospital Central; Dr. Cantidio de Moura Campos, Mordomo do Hospital S. Luiz de Gonzaga; José dos Santos Azevedo, mordomo do Asilo

dos Inválidos Dom

Pedro II; Horacio de Mello, mordomo

do Sítio do Ja-

canã; Dr. José Cássio de Macedo Soares, mordomo do Asilo Sampaio Viana; Dr. José Carlos de Macedo Soares, mordomo

dicto Servulo

de

Sant'Anna,

mordomo

Aranha, de São José dos Campos.

do

do Externato São José; Bene-

Hospital

Sanatório

Vicentina

A 5 de Janeiro de 1944, a Mesa recusa proposta da Casa AngloBrasileira Mappin para construir mais um andar no prédio “João Briccola”.

A 20 de janeiro são nomeados para o cargo de “interno estudante effetivo”,

os sextanistas da Faculdade de Medicina de São Paulo, Edgard San Juan,

André Peggion, Emilio Noel Cordeiro, Oscar Yahn, Homero Pinto Vallada, Wilson

de Carvalho

e Romeu

Fadul. A

receita

da Irmandade,

fixada em

Er$ 13.185.300,00 já prevê um déficit inicial de Cr$ 742.100,00. Quando

o Irmão Augusto Meirelles Reis falece, a Mesa resolve prestar as seguintes

homenagens ao morto: colocar uma placa, na bancada da sala de sessões, “em frente à cadeira em que se sentava”; dar o seu nome a uma nova enfermaria ou pavimento do bloco já construido”. A 9 de junho, a Mesa revoga resolução anterior, de 10 de setembro de 1942, “que exige para a alienação de immoveis da Irmandade o pro-

cesso de concurrencia”. A Santa Casa renova por mais

10 anos o contrato

que transfere para a Inspetoria de Profilaxia da Lepra, a administração do Asilo-Colônia de Santo Angelo, de propriedade da Irmandade. A 5 de setembro, a Mesa considera “incompatíveis os cargos do Corpo Clínico da

O Poder

521

da Misericórdia

Irmandade com os de outros hospitaes e convida os medicos da Santa Casa

que estejam nesses casos a optarem por um delles”, Apresenta-se anteprojeto de reforma do Compromisso, elaborado comissão especial, a 24 de outubro de 1944, e a 6 de novembro

a construção de um

novo

homenagem da Irmandade

túmulo

para

por

resolve-se

João Briccola e sua família, “como

ao maior doador”. A 5 de dezembro,

são con-

feridos títulos de “Cirurgião Honorário da Santa Casa” aos ex-membros do Corpo Clínico, Drs. Carlos José Botelho, Manuel Monteiro Vianna,

Antonio Luiz do Rego, Antonio Candido de Camargo, Flávio Magalhães Campos, Francisco de Salles Gomes Junior, Bernardo Itapema Alves, Nicolau de Moraes Barros e Aureliano Carlos da Fonseca; e de médicos honorários, aos drs. Eduardo Rodrigues Alves, Tarcisio Leopoldo e Silva, Ulysses de Freitas Paranhos e Domingos Rubião Alves Meira. O Provedor Padua Salles aborda outros aspectos do problema financeiro da instituição: “Prezados

Irmãos:

Em obediencia ao que dispõe o n.º 10 do art. 49 do nosso

Compromisso, tenho a honra de apresentar à Mesa Conjuncta o relatorio dos factos mais importantes occorridos na administração da Santa Casa de Misericordia de São Paulo durante o anno de 1944. Não fossem as surprêsas provocadas pelas leis trabalhistas, que attingiram todas as classes de empregados funccionarios e quantos desejam por meio de emprego obter padrões de vida mais elevados, nada de novo teria a relatar-vos. No mesmo caso tambem se encontram as utilidades que são imprescindíveis aos nossos serviços para o bom aparelhamento das enfermarias e hygiene adequados ás necessidades dos doentes, atravez de uma bôa rouparia, louças, alimentação, etc. Para fazer face a essas despesas que nos chegam muitas vezes

em fórma de surpresas, já não bastam as rendas ordinarias prove-

nientes de alugueres de predios e de rendimentos de titulos. D'ahi as constantes preocupações da administração em busca de aumen-

tos de verbas, afim de encontrar recursos que possam evitar esses entraves geradores de crises financeiras. Para tanto é preciso recorrer muitas vezes a donativos de particulares, sem todavia deixar

de lado a bôa vontade do Governo, fonte esta que, felizmente,

nunca nos tem faltado, ajudando-nos em caracter extraordinario com recursos que elle proprio julga serem indispensaveis para evitar que medidas odiosas e de caracter excepcional, sejam adoptadas em prejuizo do numero crescente de enfermos que desejam internar-se na Santa Casa. Dahi resulta a necessidade de uma continua resistencia aos gastos exagerados e de uma resistencia tenaz a augmentos de sala-

522

Glauco Carneiro

rios, já considerados sufficientes âquelles que, esquecidos de outros deveres, só visam a sua melhoria e o seu bem estar. Os constantes desequilibrios entre a receita e despesa, geram a desordem e a ruina. É necessaria uma estabilidade para nella ser fixada a despesa. As constantes mutações facilitam o desequilibrio e este abre as portas para a ruina. A atração de braços criada pelas industrias produziu o deserto nas zonas ruraes, fomentou a deslocação do trabalhador para outro campo de ação, mas isto não é enriquecimento nacional, é o enfraquecimento da produção agricola em beneficio

da industria.

Portanto, não abandonemos as boas normas por outras cujos effeitos negativos já estão apparecendo, para só confiarmos nos chamados lucros extraordinarios que não durarão a vida inteira. As inflações se fazem tanto pelo augmento do meio circulante como pela facilidade de credito e criam situações fictícias a começarem pelos artigos de primeira necessidade, que diminuem na quantidade para subirem na valorisação. As casas de caridade não tem nenhuma participação nesses lucros, mas soffrem com o augmento dos preços do que lhe é necessario e pagam o trabalho pelo dobro. Digo isto para provar que as casas de caridade não retiram vantagens destas situações, encerrando sempre os seus exercicios financeiros em situação deficitaria.

Já no actual orçamento da re-

ceita e da despesa fixando-o em Cr$ 13.185.300,00, deficit inicial de Cr$ 732.100,00, que bem confirma bamos de expôr”.*

nota-se um o que aca-

A Enfermagem

das

O

ano

Irmãs

de

1945

foi importante

de São José. A Mesa

decisão de 20 de janeiro, à Madre

pital

Central,

vividos

pelos

a Santa

Administrativa

seus cingiienta

na Santa Casa:

para

Casa

prestou

e a Congregação

homenagem,

por

Maria Eugenia Janin, Superiora do Hos-

anos

de vida religiosa, 40

dos quais

“A sua vida nesta Casa, nos quarenta annos de sua actividade em diversos cargos e nos vinte e dois que vem servindo como Superiora, constitúe uma larga e brilhante folha de assignalados serviços. Intelligente, culta, discreta, leal e modestissima, exerce o seu mandato com firmeza, sem alarde, com energia, sem violencia,

com tacto verdadeiramente diplomatiço.

O

Poder

da

Misericórdia

523

Madre Eugenia parece ter pudor de suas nobres qualidades de caracter, de suas raras virtudes, pois se empenha em occultal-as

aos olhos profanos do mundo.

Sincera na sua piedade, exemplo edificante para suas

sem esforço, naturalmente, é um filhas espirituaes, de renuncia, de

amôr ao proximo, de pratica dos deveres de religiosa, que pauta a sua vida pelas lições do Evangelho, com rigor verdadeiramente

apostolar. 79

Apesar de sua avançada idade, pois completa no anno corrente annos de vida exemplar e utilissima, dirige o Hospital, tudo

vendo, tudo

providenciando,

com

actividade

que serve

de exem-

plo para as religiosas mais moças. Percorre diariamente este vasto hospital, que é quasi uma cidade; é vista em todos os seus sectores e no seu passinho ligeiro e sem ruido, apparece quando menos

se espera, com

surpresa para Os circumstantes.

Madre Eugenia é a bondade personificada, generosa, suave no modo de agir, energica sem altear a sua voz, mesmo para repreender. Para o seu coração feito para perdoar, ninguem é propriamente mau; para todas as faltas alheias encontra sempre uma

attenuante.

Essa feição do todos, sem reservas.

seu

caracter

a faz

respeitada

e amada

por

Os seus serviços á Santa Casa, que é a sua casa, são inestimaveis. Só poderiam ser pagos com a moeda do amor que lhe devotamos, com o respeito que lhe tributamos. Porisso, a Mesa Administrativa da Irmandade votou as homenagens constantes de uma proposta assignada por todos os irmãos presentes á sessão em que foi apresentada, approvando-a independente de parecer de

Commissão

Especial e do interstício regimental. Essas homenagens

são: a concessão

do titulo de

Irmã

Protectora, o mais alto que

o

nosso Compromisso permitte e a collocação do seu retrato, a oleo, na galeria dos protectores da Irmandade”.'* Com

a fundação

da

Escola

de

Enfermagem

ata de 5 de fevereiro de 1945, a Congregação momentos de sua existência de serviço à Santa

São

José,

registrada

assinalou um dos Casa e ao Brasil.

em

grandes

Vimos que o Hospital Central, no início do século, teve sua incipiente Escola de Enfermagem, da qual participaram, inclusive, como alunas das

primeiras turmas, algumas irmãs de São

José. Ao

Dr. Arnaldo

à medida

essa iniciativa não teve continuidade,

Vieira de Carvalho.

talvez

Assim,

pelo

que

parece,

no entanto,

falecimento, em

que

1920, do

as religiosas assu-

miam mais responsabilidades no serviço de diversos hospitais, sanatórios e asilos, a Congregação “constatou ser necessário a formação profissional das

524

Glauco Carneiro

Irmãs e de suas colaboradoras leigas, para o melhor desempenho da função

que vinham exercendo”. BREVE

HISTÓRIA

DA

ESCOLA

SÃO

JOSE

DE

ENFERMAGEM

Irmã Maria Gabriela Nogueira “A Congregação das Irmãs de São José de Chambery, tendo sob sua responsabilidade o Serviço de enfermagem em diversos Hospitais

Gerais,

Sanatórios e Asilos

constatou

ser necessária a

formação profissional das Irmãs e de suas colaboradoras leigas, para o bom desempenho da função que vinham exercendo.

Em 1939 matricularam-se na Escola de Enfermeiras do Hospital São Paulo as 4 primeiras Irmãs de São José, para fazerem o curso de enfermagem. Depois destas várias outras foram matriculadas e fizeram

o curso.

Em 1944, tendo já se diplomado as 3 primeiras Irmãs a Congregação aconselhada pela Revda. Madre Marie Domineuc F. M. M. e Diretora da Escola de Enfermeiras do Hospital São Paulo, estudou a possibilidade de destinar estas Irmãs para o ensino da enfermagem. Foi pensado em

se fundar

uma

Escola

de enfermagem

de

nivel médio, para, em menos tempo, preparar o pessoal, seguindo-

se os moldes da antiga Escola de Enfermagem “Alfredo Pinto”. (Decisão da Congregação registrada em ata de 9.11.1944.) A fundação da Escola é registrada em ata de 5 de fevereiro de 1945. A organização

do curso, que

na época

se denominou

curso

de enfermagem de nível médio, foi feito com a colaboração da Escola de Enfermeiras do Hospital São Paulo e pautado sob os

moldes da mesma e de outras Escolas.

Tendo a Congregação das Irmãs entrado em entendimento com a Administração da Santa Casa para que o estágio das alunas

fosse feito no Hospital Central, foi designada a 2.º Medicina de Mulheres como a primeira enfermaria-escola. A Clínica estava na

ocasião entregue à chefia de Dr. Euvaldo Rebouças de Carvalho.

Tendo sido ultimados os preparativos da organização do curso

quer da parte teórica quer da prática, e feitos os exames de admissão das candidatas interessadas iniciou-se o 1.º curso a 5 de março de

1945. com

19 alunas.

O

Poder

da Misericórdia

Iniciado

525

o curso em

requisitos exigidos

das

caráter

Escolas em

particular,

solicitado do Ministério da Educação

mas com

funcionamento

na

todos

época,

Congregação

das

Irmãs

foi

e Cultura o reconhecimento

do curso. Não havendo, legislação que regulamentasse neste nivel, o reconhecimento não foi concedido. A

os

de São

o ensino

José continuou

dando

o

curso em caráter particular e deu vários passos junto ao Ministério da Educação e Cultura para conseguir a lei que estabelecesse êsse nivel de ensino. ?

A 3 de maio de 1947 foi publicado no Diário do Congresso Nacional o Ante-projeto referente à legislação sobre o ensino da enfermagem no país. É o primeiro passo para aprovação e para O reconhecimento da Escola. Eis o trecho do Parecer da Comissão de Educação, que a isso alude: “A iniciativa do Ministério da Educação e Saude, de legislar sôbre a matéria, foi inspirada num apêlo da Congregação das Irmãs de Hospitais

cujas

São José, que mantem sob a sua guarda mais de 10 na Capital e no interior do Estado de São Paulo, e

dificuldades

e aflições,

pela carência

de

pessoal

compe-

tente, podem ser avaliadas, dizendo-se apenas que atende a 31.500 doentes internados, sem contar portanto, a frequência dos ambulatórios.

A Congregação de São José, com a valiosa experiência adqui-

rida nos 80 anos de atividade hospitalar, e conhecendo,

além do

mais, as peculiaridades do nosso meio sobretudo em relação ao índice cultural, decidiu criar uma escola de auxiliar de enfer-

meira, em São Paulo. E, se não preferiu seguir o padrão alto da Escola Ana Neri, o que seria incontestavelmente o ideal, fê-lo atendendo sobretudo:

a) à necessidade urgente de preparar enfermeiras em quantidade. b) à dificuldade

alto padrão.

de recrutar

elementos

para os

c) à possibilidade de aproveitar elementos

maior

cursos

de

bem orientados

e que, por circunstâncias várias não poderiam atingir ao grau de alto padrão, mas capazes de se transformarem em excelentes enfermeiras

auxiliares,

mediante

instrução adequada.

Ora, aí está por que entendemos ter andado bem avisado o Ministério de Educação e Saude, quando sugere no ante-projeto

a criação de dois cursos, um

meiras auxiliares”.

de alto padrão

e outro

de enfer-

Glauco Carneiro

A evolução do ante-projeto de lei levou ainda mais de 2 anos entre as Casas do Congresso Nacional, mas finalmente a 6 de agosto de 1949 foi aprovada a lei 775, que estabelece 2 niveis de curso: a) Curso de enfermagem com duração de 36 mêses e que exige curso secundário para ingresso. b) Curso de auxiliar de enfermagem, com duração de 18 meses exigindo o curso primário para ingresso. A 14 de novembro de 1949 foi aprovada a regulamentação da lei 775, pelo decreto lei n.º 27.426. A Escola de Enfermagem São José se enquadrou nesta lei e enviou ao Ministério da Educação e Cultura a documentação exigida para o reconhecimento.

O curso de auxiliares de enfermagem

foi reconhecido pelo

decreto n.º 28.819 a 31 de outubro de 1950. (Publicação Diário Oficial da União em 29 de novembro de 1950.)

no

O Regimento Interno da Escola foi aprovado pelo Conselho Nacional de Educação pelo parecer n.º 157/52. A Escola passou

a funcionar então com

tôdas

as exigencias

legais e conseguiu por uma aprovação especial do Ministério, autorização para expedir Certificado de Auxiliar de Enfermagem para todos os alunos que haviam concluido o curso na data da publicação

da

lei depois

de examinados

os

históricos

escolares.

A autorização foi dada pelo Conselho Nacional da Educação pelo parecer n.º 45/52, homologada pelo Exmo. Sr. Ministro da Educação e Cultura. Em

15 anos de funcionamento

a Escola

expediu

445

certi-

ficados de auxiliares de enfermagem enviados ao Ministério da Educação e Cultura para os registros nos órgãos competentes, correndo normalmente estes processos. A ESCOLA

DE

ENFERMAGEM

A Escola de Enfermagem

E A SANTA

CASA

São José nasceu e deu seus primei-

ros passos em meio de grandes dificuldades. A Congregação das Irmãs de São José contou com o apoio das Madres Franciscanas Missionárias

de

Maria,

para

a organização

Didática

e Pedagó-

gica do curso. O campo de prática visado pela Congregação sendo a Santa Casa foi sempre amplo. De 1945 a 1949 a Escola teve um trabalho oculto, de pouco

realce aparentemente,

mas de um

valor profundo

não só para

O

Poder

da Misericórdia

a propria

527

Escola, como

para

de modo geral.

a Santa

Casa

e para

a enfermagem

O ambiente de trabalho das alunas foi nêste periodo em am-

bas

as enfermarias

(2º

MM.

e

3.º

C.M.)

muito

acolhedor.

Os

Senhores Médicos muito ajudaram, cooperando no ensino e apoiando

a

Escola

Dr.

Luiz

em

tôdas

Moura

as

suas

Azevedo,

iniciativas.

colaborou

para visitá-la em 5 de setembro de Aureliano

Leite,

inteiro apoio

que

saiu

bem

com

a Escola

1948 o Deputado

impressionado,

prometendo

seu

a Escola teve incansável Dr.

uma José

à causa da enfermagem.

Junto à Administração da Santa Casa aceitação reservada até encontrar o amigo

trazendo

Federal Dr.

de Alcantara Machado Filho, que em 1948 apareceu em nossa história. Este grande batalhador viu desde o primeiro contacto que teve com a Escola, as vantagens que ela traria para o Hospital

Central.

Por

disposição

da

de ser o representante

Providência

da

Mesa

divina

aceitou

Administrativa

a incumbência

junto

à Escola.

Desde então a Escola passou a receber além do beneficio do campo de estágio franqueado a ajuda de seu interesse esclarecido, entusiasta e realizador. Em 1949 a Escola começou a receber uma ajuda de Cr$ 5.000,00 mensais. Essa contribuição já foi alterada várias vezes sendo atualmente calculada pelo número de alunas que

frequentam

os cursos

regulares.

A grande visão de Dr. Alcantara fazia-o sonhar com um curso de enfermagem mais completo, alem do curso de auxiliares de enfermagem. ao

Conseguiu de nossa Brasil em agosto de

Irmãs

Americanas

dos cursos, cis

reverenda Madre Geral, em sua visita 1949, a promessa de nos enviar duas

enfermeiras

avaliação

para

nos

orientar

do ensino e supervisão

das

As Irmãs de São José: Sister Mary Mechtilde James, em 1951 vieram dos Estados Unidos,

mêses entre nós, observando do curso, etc.

o campo

de

na

organização

alunas.

e Sister Frane passaram 4

estágio, os programas

Ambas tinham grande experiência de ensino. Sister Mary Mechtilde era diretora de uma grande Escola de Enfermagem em

Hartford, e Sister Francis James, sua auxiliar, ocupava a chefia do Serviço de Ambulatório e Serviço Social de St. Francis Hos-

pital em

Hartford.

528

Glauco Carneiro

garam

Da

observação que

fizeram

a várias conclusões,

nossas

Irmãs

que passaram

de trabalho.

Americanas

che-

a ser para nós norma

Entre suas sugestões temos: a) Utilização de.diversos meios b) Organização

do

por ano.

c) Sugestão

para

curso

de recrutamento

rotativo,

recepção

isto é,

duas

de alunas. matriculas

de rapazes.

d) Previsão de funcionamento perior etc.

do curso de enfermagem

A organização do curso rotativo trouxe grandes

su-

vantagens

para o hospital, podendo-se manter em estudo maior numero de alunas e valorizando-se o estágio das mesmas. Melhorando o sistema de recrutamento e seleção, obtivemos também maior eficiência no ensino, o que pudemos constatar pelo menor índice de desistência do curso e de reprovação de alunas.

Tendo constatado que a Escola já havia assegurado sua esta-

bilidade com

relação ao curso de auxiliares

de enfermagem,

Dr.

Alcântara firmou ainda mais sua ideia de fazer funcionar o curso de enfermagem de nivel superior. Dada a sua insistência a Congregação das Irmãs se sentiu animada a tomar as devidas providências. Foi feito ao Ministério da Educação e Cultura o pedido de autorização “para funcionamento do novo curso enviando-se todos os documentos exigidos. (Data início de 1958). Em outubro de 1958 recebemos a inspecção feita por uma enfermeira designada pelo Ministério da Educação e Cultura, D. Maria

Rosa

Souza

Pinheiro.

A 13 de novembro foi enviado ao Ministério da Educação e Cultura o relatório da inspetora, com parecer favoravel à autorização solicitada.

A 5 de janeiro de

Educação

e Cultura

1959

a Portaria

foi assinada n.º

pelo Sr. Ministro da

17, autorizando

mento do curso de enfermagem em nossa Escola. A noticia foi publicada fevereiro de 1959. Com

o funcionamento

no Diário Oficial do

novo

curso

o funciona-

da União a 6 de

foi feito novo

Regi-

mento Interno para a Escola, para regulamentar os dois tipos de cursos regulares. Esse Regimento Interno, que fazia parte do Me-

O Poder da Misericórdia

morial

enviado

529

pela

Sra.

Inspetora

em

novembro

de

1958,

foi

examinado pelo Conselho Nacional de Educação sendo aprovado pelo Parecer n.º 459/59 e homologado cação e Cultura em 28 de dezembro

pelo Sr. Ministro da Edude 1959.

A noticia dêste despacho foi publicada no Diário Oficial da

União a 5 de novembro de 1959"." As

Machado

Irmãs

de São

Filho uma

José

têm

veneração

espírito da própria Congregação.

pela

memória

do

Dr.

José de Alcantara

que atravessa os anos e se incorpora Irmã Gabriela

ao

Nogueira, atual Superiora

da Comunidade de São José no Hospital Central, é uma fonte viva desse reconhecimento: “Afetivamente, emocionalmente, a Escola de Enfermagem São José é parte da Santa Casa. Foi o Dr. José Alcantara Machado

Filho, um dos mesários, que olhou para a Escola e percebeu o valor da mesma, descobriu o benefício que ela representava para a Irmandade. A partir de 1970 foi se modificando a estru-

tura ce em 1982 a instituição se confessou incapaz de continuar a contribuir para a manutenção da Escola... Tivemos então de procurar a Congregação dos Padres Camilianos e sugerimos que assumissem nossa Escola. Agora nós só temos aqui o curso de auxiliares de enfermagem, enquanto o curso de graduação trans-

feriu-se para a sociedade dos camilianos”.'* De

sua

parte,

o Irmão

Dr.

José

Alcantara

Machado

pedir-se dos cargos que exerceu na administração da Santa

serviu durante 49 anos! —,

dação:

“Bem

podeis

dirigiu às Irmãs

aquilatar da emoção

vós, pois nesta casa veneravel

de São

com

José

que me

Filho,

ao

Casa —

a seguinte

despeço

vivi os longos dias de minha

de

vida

profissional. Aqui, desde os 24 annos de idade, servi á caridade,

aperfeiçoando

os

meus

conhecimentos

medicos,

aprendendo

a

amar o meu proximo como a mim mesmo, na lição do Evangelho e muitas vezes mais do que a mim mesmo. Aqui aprimorei os meus sentimentos christãos para tratar dos pobres enfermos com bondade, paciencia e espirito de perdão, procurando na fraqueza de minha humildade, imitar o Divino Mestre. Nessa longa peregrinação, de quasi meio seculo, convivi com as virtuosas irmãs de S. José contando sempre com a sua collaboração efficiente, com a sua irrestricta lealdade, com a sua amizade sincera e carinhosa e por isso pude dar cumprimento exacto aos deveres dos cargos que aqui exerci, amparado e prestigiado pela sua honrosa solidariedade.

des-

onde

sau-

530

Glauco

Carneiro

Das mais antigas companheiras, amigas, dedicadas e carinhosas, creio existirem muito poucas, além da querida Madre Euge-

nia: Irmã Margarida, desde os bons tempos da 1.º enfermaria de Medicina

de

Homens;

Irmã

Vicentina,

caracter

leal e recto, que

nunca me faltou com a sua solidariedade; Irmã Ambrosina, a alma do serviço de Ophtalmologia Feminina, desde os tempos de Pedro Pontual, modesta e humilde, procurando sempre esconder o seu real valor; Irmã Clementina, que desde a installação da Enfermaria de Gynecologia alli dirige superiormente os seus serviços, com energia, exactidão e bondade; e a bôa e dedicada Irmã Christina, que desde 1911 conheci em diversos postos e ha muito tempo, na 1.º Clinica Medica de homens, suportando o pêso de

um

dos serviços mais dificeis do Hospital Central, com pacien-

cia, caridade e abnegação.

Das que o Senhor chamou para a sua eterna gloria, lembro-me com saudade e respeito das Irmãs Ursula, minha companheira dos tempos da velha enfermaria de crianças, antes da

construcção

dos

Pavilhões Condessa

Penteado

e Fernandinho

Si-

monsen, da Irmã Martha Francischinelli do Pavilhão de Pensionistas de Homens, do tempo do meu internato, da Irmã Cesaria,

do

serviço

Cesarina

do

de Laboratorio

Pavilhão

de

Central

e da

Pensionistas

lavanderia;

Mulheres,

Irmã

da Irmã

Maria

Espe-

rança, da 1.º Clinica Cirurgica de Mulheres, da Irmã Antonietta

Bagand, da 2.º Clinica Medica de Homens, do tempo de Arthur

Mendonça.

Sou muito reconhecido às prezadas Irmãs que aqui trabalham e às que já trabalharam nas nossas diversas casas e estão hoje afastadas, servindo a outras instituições, pelas constantes provas de carinhosa amizade, de acatamento à minha autoridade de che-

fe, que foi sempre, exercida, antes como companheiro mais velho

do que rigidamente como chefe”."* A despedida do Provedor Padua Salles

O ano de 1946 foi o derradeiro da administração do Provedor Antonio de Padua Salles, forçado, pela idade, a afastar-se da liderança da Irmandade, após 27 anos de gestão (a segunda mais longa da história da Santa Casa, pois Antonio da Silva Prado, Barão de Iguape, superou-o por um ano, isto é, foi provedor durante 28 exercícios, de 1847 a 1875). O ano da redemocratização brasileira, onde o povo retornara à livre escolha do Presidente da República, após os oito anos de Estado Novo

e ditadura getulista, teve reflexos inéditos na instituição que sempre fez tudo

para

ignorar

a política

nos

assuntos

internos.

A

amargura

que

se

O

Poder

da Misericórdia

depreende

do relato

531

de Padua

Salles,

a respeito

de

uma

movimentação

incomum dos empregados da Santa Casa, por efeito de reivindicação salarial, fruto talvez do ambiente de amplas reivindicações reinante no ano de 1946, certamente terá contribuído para a decisão de ceder lugar a outro irmão

na condução

mais

“A

da

situação

Irmandade:

grave do que

financeira a do

da

anno

Irmandade

se apresentou

anterior, já por si, bem

ainda

precaria.

Os prêços das utilidades indispensaveis á vida da Santa Casa continuaram em ascenção inconcebivel, fóra de qualquer previsão. Com

isso, a situação

dos funccionarios

da

Irmandade

se tornou

não

ser majo-

cada vez mais difficil, collocando-nos num circulo vicioso intransponivel. Os empregados exigem, já com certa impaciência, augmento dos seus salarios, porque as suas despesas crescem diariamente. A renda da Irmandade continúa a ser quasi a mesma, porque

os contractos

de locação

de

immoveis

podem

rados, sinão em pequena proporção e os titulos de renda que possuimos continuam a ter os mesmos juros, praticamente fixos. Nestas

condições,

embora

reconheça

a difficuldade

com

que

lu-

tam os seus empregados'para o seu sustento e o de suas familias, não tem a Irmandade outros recursos para attender ás suas reivindicações.

Sabendo mesmo que nem todos os empregados cuidam dos interesses da Santa Casa como dos seus proprios, mas tendo em consideração o elevado custo de vida, procurou a Irmandade

explicar-lhes as difficuldades do momento immediatamente conseguiu.

como

desejava.

Esperava

para poder attendel-os ser attendida

e

nada

Em 5 de Dezembro a crise se revelou mais violenta, manifestando-se os empregados em um movimento tumultuoso e irreverente, exigindo em altos brados o augmento immediato dos seus salarios; á porta da sala das sessões da Irmandade, quando a Mesa estava reunida em sessão, que foi porisso interrompida, não querendo os reclamantes attender as razões que lhes foram expostas,

queriam

uma

solução

immediata.

Viu-se

então

obrigada a appellar para a intervenção das autoridades

a Mesa

policiaes,

pois não seria licito deliberar sob pressão dos seus subordinados.

Pela primeira vez durante a sua longa existencia se encontrou a administração diante de tão desagradavel conjuntura. Em entendimentos posteriores, com a intervenção do Syndicato dos empregados de hospitaes e casas de saúde e do Sr. Interventor Federal, nosso irmão Mesario, Dr. José Carlos de Macedo Soares, conseguimos acalmar os exaltados reclamantes, chegan-

do-se a um accôrdo para o estudo das condições dos empregados

532

Glauco Carneiro

e da situação financeira da Irmandade, com a promessa de uma

solução equitativa que, só no proximo exercício de 1947, poderá ser

resolvido.

Continuamos a pensar que a Irmandade precisa entrar num regimen severo de compressão de despesas, o que só poderá conseguir com a restricção da assistencia aos necessitados, diminuindo o numero de doentes internados e consequentemente o numero de empregados. Solução dolorosa porque a assistencia hos-

pitalar em S. Paulo está muito aquem

das necessidades de sua

Também

anos de exercício, pediu exo-

população”.!* em

1945, depois de dezenove

neração da direção clínica o Dr. Synésio Rangel Pestana. A 22 de julho,

a Mesa posse

designou

quatro

dias

para substituí-lo o Dr. depois.

Antes

de

sair

José Pereira Gomes, do

cargo,

o

Dr.

que tomou

Synésio

doou

milhares de livros e arrecadou recursos entre seus amigos para instalar uma biblioteca para os médicos do Hospital Central, no último andar do Pavilhão Conde de Lara: “Pretendia o ex-diretor installar na biblioteca a Sociedade dos Médicos da Santa Casa e a respectiva Revista, que desejava criar. A Mesa deu o nome de Dr. Augusto Meirelles Reis à biblioteca, por proposta do Irmão Dr. Synésio Rangel Pestana”.”” A 24 de maio de 1946 foi inaugurado o 5.º andar do Ambulatório Conde de Lara (seções de ginecologia, cirurgia de homens e mulheres), construído e equipado com recursos doados pela Família Crespi, no total de Cr$

450.000,00.

O Relatório de 1946 dá conta de que, a 22 de abril, “foi inaugurado um curso de enfermagem por iniciativa do Capellão da Irmandade Padre Innocente Radrizzani”. No mês de dezembro, a Mesa resolveu distribuir pelos empregados, como abono de Natal, meio mês de vencimentos, “em virtude do accordo entre o Interventor Federal, Dr. José Carlos de Macedo Soares (em nome da Mesa) e o Sindicato dos Enfermeiros”. Na

festa de 2 de julho, o Cônego

José

de

uma oração cuja beleza e valor histórico tornam crição, como anexo deste capítulo.

Castro

Nery

indispensável

pronunciou

sua trans-

Por longos anos, o Irmão Padua Salles, que se afastara da Provedoria

no início do ano de 1947, continuou a frequentar a Santa Casa. Os assuntos da instituição sempre o empolgaram, até falecer em 1957, com noventa e sete anos. A Mesa Administrativa realizou sessão em honra de sua memória, oportunidade em que o então Provedor, Christiano Altenfelder,

lembrou

com

emoção

a

personalidade

e

o

tempo

de

serviço

de

Padua Salles, enquanto Altino Arantes, orador especialmente designado, falou pela Irmandade, enaltecendo a têmpera e a qualidade superior dos

O Poder da Misericórdia

homens

533

representados

por

povo paulista:

aquele

ancião

que

encarnava

as

virtudes

“Eleito mesário em Dezembro de 1914, foi conduzido à Pro-

vedoria em

cargo

data de 21

por motivo

de Março

de avançada

de

1920,

idade

vindo

a renunciar ao

e enfermidade,

a 8 de

Ja-

neiro de 1947, quando lhe foi concedido o título de Provedor Honorário. Mesmo depois de deixar a Provedoria comparecia o dr. Padua Salles às nossas sessões, nonagenário, mas com o espírito brilhante e atento à solução dos nossos problemas, para os quais contribuia com periência.

os conselhos de sua sabedoria e grande ex-

A Mesa Administrativa realizou sessão pública e solene em homenagem ao ilustre extinto, tendo usado da palavra, além do Provedor em exercício o nosso Irmão Protetor Dr. Altino Arantes,

que falou por tôda a Irmandade. Foi o seguinte

o discurso

do

dr. Altino

Arantes:

“Nesta tocante solenidade, que evoca ao nosso coração e à nossa lembrança a figura respeitável e querida do grande brasileiro e ilustre paulista, dr. Antonio de Padua Salles, desvanece-me a convicção de que não será acoimada de impertinente a

palavra singela, mas profundamente sincera de quem, como eu, se logrou da fortuna de, em cerca de meio século, ter sido seu amigo, seu correligionário e seu colega de govêrno.

Represento assim a voz quase evanescente do passado;

passado

distante

que

a nós

ambos

foi comum

e que,

de um

por isso

mesmo, lhe há de conferir a autoridade de um autentico depoimento — objetivo e insuspeito; um desses depoimentos dos quais se poderia repetir, sem pretensão, que pela sua veracidade e pela sua isenção, “se sobrepõem à esfera cambiante das mudanças e se eximem, imunes e imutáveis, às jurisdições caducas do tempo” ”. Fomos ambos, com efeito, soldados fieis e devotados do velho Partido Republicano Paulista, em cujas fileiras êle se alistára desde a sua juventude — obedecendo sem dúvida às sugestões do seu

espírito

liberal,

mas

também,

e,

sobretudo

talvez,

às

suas

preclaras tradições de família, entre as quais avultava pelo brilho

da sua inteligência, pela sedução da sua palavra e pelo vigor inti-

morato

Manuel

de sua

fé republicana,

Ferraz de Campos

Salles.

a figura consular

do

Presidente

Foi nessa escola admirável de honradez, de democracia e de

patriotismo indefesso e operante que Padua Salles iniciou e realizou tôda a sua carreira pública; e esta, longa de quase doze

ste

do

a|

Glauco

534

lustros, decorreu benéfica.

invariávelmente

limpida

e serena,

Carneiro

luminosa

e

É que o bem público, a preocupação do interêsse da comunidade, o bem-estar e o progresso da Pátria foram o norte único, os incoercíveis estimulos das suas múltiplas, incansáveis atividades sociais.

Nos diferentes cargos que exerceu, a sua mente nunca se deixou obumbrar pela ambição. A vaidade nunca lhe desnorteou o espírito. A violencia nunca lhe maculou o caráter. A cobiça jamais lhe manchou os arminhos da probidade ilibada e incorruptivel.

E estas foram as linhas inquebrantaveis, dentro das quais se comportou a sua conduta — como representante do povo de São Paulo na Câmara e no Senado, como Secretário de Estado e como Ministro da República. No govêrno do presidente Albuquerque Lins fui seu colega e companheiro — êle ocupando a Secretaria da Agricultura e cu a do

Interior.

E foi exatamente

nesta

situação

de convivência

e de cooperação administrativa que inúmeros e quase quotidianos ensejos se me depararam

do seu

proceder;

para ver, apreciar e aplaudir a inteireza

a dignidade

elevação dos seus propósitos;

fesa de São Abro

de suas

atitudes;

a nobreza e a

a intransigencia da sua ação na de-

Paulo e do Brasil.

neste

lance

as páginas

do meu

diário

íntimo

precisamente entre as datas de 6 e 7 de dezembro de

contro

as seguintes

referências:

e nelas,

1918, en-

“Desempenhando-me de uma comissão que me confiara o Presidente eleito da República, Conselheiro Rodrigues Alves, em carta

recebida

hoje,

de Guaratinguetá,

por

portador,

estive

em

casa do dr. Padua Salles, a quem consultei, “sem compromisso e como iniciativa exclusivamente minha” (pois rezava assim O meu instrumento de mandato), se, convidado para Ministro da Agricultura, aceitaria esse elevado encargo. ..”. Vinte e quatro horas depois. achando-me eu no Hospital Sta.

Catarina para acompanhar um filho poucas horas antes operado,

ali mesmo fui procurado pelo dr. Padua Salles; o qual “depois de expender sensatas considerações sôbre a importância da pasta "da Agricultura e sôbre a necessidade de ser-lhe dado maior relevo, entregou

ao meu criterio como

Presidente

do Estado, mandatario

dos paulistas e defensor natural das suas aspirações, a resposta à consulta que na vespera eu mesmo lhe fizera. Cortei imediata-

mente

o nó gordio

da questão, dando

uma categorica

resposta

535

O Poder da Misericórdia

afirmativa, à qual trições

quanto

o meu

à data

de

interlocutor

sua

posse

opôs

apenas

e à possível

ligeiras

requisição

resde

alguns funcionários do Estado para seus auxiliares nos primeiros meses da sua gestão”.

Relato assim minuciosamente este episodio, porque êle põe em evidencia — de um lado a integral dedicação do dr. Padua Salles pelos interêsses de São Paulo, a cujo serviço se sacrificava incondicionalmente; e de outro lado o desprendimento, a abnegação com

que, aceitando, naquelas

circunstâncias, a pasta ministe-

rial, nem só renunciava às suas comodidades pessoais e ao meneio dos seus vultosos negocios particulares, como também trocava a tranquilidade e a segurança de um mandato senatorial de nove anos pelos afazeres e pelos riscos de uma função, relevante sem duvida, mas que a saúde, já a esse tempo bastante combalida, do chefe da Nação tornava instavel e aleatoria. Mas

eram

Na

vida

assim,

em

sua grande

maioria,

os homens

cos de outrora; eram assim os brasileiros, os paulistas e da tempera de Padua Salles... cívica

de 1930 abriu uma

do eminente

paulista, a funesta

pausa de dois anos apenas;

públi-

do feitio

Revolução

pois, já em

1932,

ao deflagar o movimento constitucionalista, que operou o magnífico milagre de unificar o povo de São Paulo numa só fé e num só heroismo, estava Padua Salles, desde a primeira hora, na primeira linha dos patriotas que se dispunham a lutar e a morrer

pelo mesmo

ideal de democracia e de liberdade. E por isso que

o nome prestigioso de Padua Salles, representando então os seus correligionários do PRP, subscreve com honra, ao lado dos de Pedro Toledo, Francisco Morato e dos generais Bertoldo Klinger e Isidoro Lopes, os vibrantes telegramas e manifestos que conclamavam as autoridades e os brasileiros, além das fronteiras de Piratininga,

panha

de

para se irmanarem

sua própria

com

libertação.

os paulistas na gloriosa cam-

Mas a Nação não nos quiz ouvir: fomos derrotados. E o decreto de expatriação, que a todos nos puniu, atingiu igualmente a Padua Salles. Ancião de 72 anos vimo-lo, nesses sombrios dias de incerteza e de desconforto, resignado sim, mas sempre altivo e corajoso, partir conosco para o exílio, rumo incerto e desconhecido, a bordo do velho e desarvorado barco “Pedro 1”, cujo casco — esborcinado e semi-apodrecido pela longa estagnação no porto — recebera, adrede e às pressas, precários remendos de

cimento

e

areia...

Ao cabo de sete dias de vagarosa e periclitante navegação, aportamos à cidade de Recife; e ali surpreendeu-nos a todos —

Glauco

Carneiro

e sobretudo ao próprio dr. Padua Salles — a ordem dictatorial que, à sua completa revelia, determinava o seu desembarque na capital

pernambucana,

onde —

ad instar do que

acontecia

com

o venerando dr. Borges Medeiros, ex-presidente do Rio Grande do Sul — deveria continuar prisioneiro à disposição do Govêrno Federal; enquanto que nós outros, transferidos para o vapor “Siqueira Campos”, do Loide Brasileiro, prosseguiamos a nossa rota para

Portugal.

E com este episódio encerra-se a carreira política de Padua Salles. Volta êle agora a dedicar-se mais assiduamente às suas costumeiras atividades particulares — na agricultura, na indústria e na alta finança. É o lavrador, é o banqueiro, é o capitão da indústria que vai reencetar e intensificar o seu labor profissional.

Diretor do Banco Comércio e Indústria de São Paulo e Pre-

sidente da Companhia

Paulista de Estradas de Ferro, Padua Salles

emprestou a essas duas poderosas entidades, que se acreditam entre os mais eficientes e beneméritos fautores do progresso da nossa

terra,

a assistência

diuturna,

a

colaboração

esclarecida

e

proveitosa que, para sempre, lhe hão de inscrever o nome entre os dos mais altos e expressivos expoentes desse indispensável equilíbrio entre a política e a economia, do qual, no conceito de Char-

les Albert, dependem e dependerão sempre a estabilidade, a força

e o desenvolvimento das sociedades humanas... Foi

assim,

neste

imperturbado

ambiente

de

trabalho

e de

cooperação social, que defluiu austera e placida, como austera e placida era a sua própria personalidade, a vida de Padua Salles. Vida que, tendo durado 97 anos, bem se poderia assemelhar ao curso longo, lento e largo de um rio a deslisar, bonançoso e fecundante, por extensas planícies — ora ensombradas de arvores,

ora

esbranquiçadas

de algodoais,

reluzentes no marfolho imensamente

ora

florescentes

de searas

verde dos cafezais.

ou

Mas sôbre essa esplendida trajetória quase secular brilha, sem nuvens que a empanem, sem tempestades que a desviem do seu norte, a suave claridade da mais elevada, da mais preciosa das virtudes evangelicas: a Caridade. A Caridade, que é o próprio fundamento da Religião e que, na lição do Apostolo, vale mais do que a fé que transporta montanhas e comunica o dom da profecia: mais do que a ciência que desvenda os mistérios e senhoreia as forças do universo e sem a qual a própria esmola, atinja ela embora às raias da prodigalidade, não passará de um címbalo vibrando no vacuo ou de um bronze soando no espaço deserto.

O

da

Poder

537

Misericórdia

Porque assim entendia e assim queria praticar, Padua Salles fez desta Santa Casa de Misericórdia, que é o escrinio sagrado da mais alta e mais nobre sentimentalidade dos paulistas, e da

qual

êle foi Provedor

mais

enternecidas

durante

vinte e sete anos consecutivos,

O

habitaculo predileto do seu coração; o estimulo vivificante do seu espírito instintamente cristão; o horizonte iluminado de suas predileções.

Porque aqui, sob êstes tetos sagrados, nestas salas, nestas enfermarias, nestes ambulatórios. incessantemente superlotados, e para onde acorre, em busca de alivio para os seus sofrimentos, a imensa plebe dos enfermos e dos necessitados; aqui, Padua Salles — democrata, patriota e cristão — podia contemplar de perto e socorrer de pronto o número inumerável dos pobres — aos quais Bossuet atribuia aquela eminente dignidade, cujos forais outorgara e autenticara, para todo sempre, o próprio Cristo na sua imorredoura palavra de compaixão e de solidariedade misereor super turbas... Tal é, em rápidos e esfumados traços, a biografia do Homem cuja memória nos congrega e confraterniza nêste recinto; tal a biografia (como a vejo e a sinto e da qual vim dar testemunho) do cidadão e do político que cumpriu integralmente os seus deveres e que exerceu os vários mandatos que lhe foram confiados — sem uma só omissão, sem uma só falha que lhe conspurcasse a luminosa fé de ofício. Finou-se como um Justo, em plena conformidade com o texto sagrado: repleto de dias, em velhice saudavel — plenus diebus. in senectude bona... da

Morreu, mas permanece conosco na ressurreição quotidiana saudade, que é a perene, invisível presença dos ausentes.

Morreu, mas vive e viverá eternamente no nosso pensamento, entre os mortos inesqueciveis, que hão de ser sempre os imortais

exemplos

dos vivos”.1º

NOTAS 1.

José Castellani, “O Cinqiientenário da Escola Paulista de Medicina”, in: Suplemento Cultural n.º 20 da Revista Paulista de Medicina. julho/agosto 1985. pág. XV. 2. Idem, pág. XVI. . Relatório da Mesa Administrativa da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo. editado em 1955, pág. 14. 4. Italo João de Stefano, Hospital São Luiz Gonzaga — Jaçanã, estudo para o mestrado hospitalar, São Paulo, 1968, pág. 1.

Glauco

ano

do

Relatório da Mesa Idem, pág. 32.

1938.

em

1937. editado

de

Carneiro

29.

pág.

O Estado de S. Paulo, "O Dia de Santa Isabel

na Santa

O

nessa altura, o mil-réis.

novo

padrão

monetário,

cruzeiro,

substituíra,

Casa”,

Relatório

da

Mesa

do ano de

1944, editado em

1945, pág.

39.

Relatório

da

Mesa

do

1945,

1946,

41.

. Irmã

Maria

Gabriela

ano

de

Nogueira,

editado

“Breve

em

Histórico

da

José”, original datilografado, entregue ao Autor.

- Idem, . José

Entrevista Alcantara

ao

Autor,

Machado

São

Filho,

Paulo,

- Idem,

da Mesa

de

Escola

de

Enfermagem

São

23/8/1984.

“Discurso

de

Paulo, 28/2/1947, original datilografado.

. Relatório

pág.

3/7/1937,

1946, editado em

1947,

Despedida”. pág.

Santa

Casa

de São

29.

pág. 33.

- Altino Arantes, “Panegírico de Antonio de Padua Salles”. in: Relatório da Mesa Administrativa de 1957. editado em 1958. pág. 21.

ANEXO AS OBRAS

DE

I

MISERICÓRDIA Oração

Castro

do

Cônego

Nery

Dr.

na Festa

de

José de

Santa

Isabel, Santa Casa de São Paulo, 2 de Julho de 1946.

“Nossa Senhora visita Santa Isabel. Com que açodamento, “cum festinatione”! Com que alegria, “exsultavit spiritus meus”! Com que agradecimentos a Deus, “magnificat anima mea Domi-

num”! Com que cativante humildade, “humilitatem ancillae tuae”! Com que perseverança no trabalho, “mansit quasi mansibus tribus”! Com que proveitos espirituais para Isabel e João Batista,

“repleta est Elisabeth Spiritu Sancto”, “exsultavit ejus”. A que vem, pois, a Senhora

de Nazaré?

lhe

fazer a cama,

remédios

durante

Para

ensinar-lhe

Incarnação.

Para

infans in utero

Para dar de comer

à Senhora da montanha. Para lhe dar de beber. Para vestí-la, para para

lhe

dar

gravidez. Para lhe fazer companhia. o

mistério

da

os mêses

da

Para lhe dar bons conselhos. consolá-la

nos

dias de abatimento. Para sofrer com ela as dores da maternidade. Para com ela orar, por vivos e defuntos, nas noites de expectativa, antes que nascesse o precursor de Jesus. Em resumo, para exercer as catorze obras de misericordia.

O Poder da Misericórdia

539

Maria começava assim, ao mesmo tempo que mãe de Jesus, a ser mãe dos desgraçados. Ela tem consciência da sua missão histórica. Duas vezes a palavra misericórdia se encontra no hino que canta em casa de Zacarias. Na primeira vez para louvar as misericórdias de Deus, que passam de geração para geração ao longo da história de Israel: “misericórdia ejus a progenies in progenies”. Na segunda, para dizer que Deus tomou a Israel, como um

pai de misericórdia

toma

nos braços o filhinho, “recordatus

misericordiae suae”. Maria sabe que Deus não se acumplicia com os soberbos do mundo; aliança-se com os pequeninos, “deposuit potentes de sede et exaltavit humiles”. — Maria exalta o Senhor, porque este não é conivente com os opressores do povo, antes mandou seu Filho ao mundo para dar de comer aos que têm fome, “esurientes implevit bonis et divites dimisit inanes”. Eis aqui, no bom sentido que estas palavras possam ter, uma Nossa Senhora comunista. Nossa Senhora do pão. Nossa Senhora

do

vinho.

Nossa

Senhora

dos teares.

Nossa

Senhora

dos

Remé-

dios. Nossa Senhora das Mercês. Nossa Senhora da Bôa Viagem. Nossa Senhora da Bôa Morte. E por que ela é misericorde tambem para com o espírito, Nossa Senhora do Bom Conselho. Nossa

Senhora das Letras, Nossa Senhora da Consolação. Nossa Senhora

da Emenda. Nossa Senhora do Perdão. Nossa Senhora da Condolência. Nossa Senhora da Prece. Numa palavra, Nossa Senhora das Misericórdias. Agora compreendo como as Santas Casas, desde quatro séculos, a escolheram por padroeira. “O Eterno, Imenso e Todo-

Poderoso Senhor Deus (são palavras do Compromisso, em 1516) em estes derradeiros dias inspirou nos corações dalguns bons e fieis cristãos e lhes deu coração, siso, forças e caridade para ordenarem uma

irmandade e confraria sob o titulo, nome e invocação

de Nossa Senhora Madre de Deus, Virgem Maria de Misericórdia”. Já lá se vão quatro séculos. E era sempre a 2 de Julho, dia da Visitação a Santa Isabel, que se elegiam, na sala do capítulo, os “treze homens

bons, virtuosos e de bôa

fama”,

para

regerem os

destinos da Irmandade. A pobre capelinha, nesse dia, tinha “mantas e panos” e ramos verdes, predominando o junco. O claustro adjacente resguardava-se com toldos retirados às velas dos navios surtos no porto, — lembrando quiçá aqueles que “por mares nunca dantes navegados, passaram muito alem da Taprobana”. PRECEITO

DAS

MISERICÓRDIAS

E por que nossos avós, sob o patrocínio da Misericordiosa, instituiram as Santas Casas de Misericórdia? Para obedecerem aos

540

Glauco

Carneiro

reis de Portugal? Estes naquele tempo só pensavam em duas coisas: bater o mouro e abrir caminho para a India. Para obedecer o povo? O povo, politicamente, ainda não existia. Nossos avós não eram analfabetos, liam os Evangelhos. E os liam de tal forma

que Vasco da Gama

pôde dizer aos mouros da África:

Deus-Homem, alto e infinito; —

zia



Que

bem

posso

excusar

que na alma andar devia”. não fazem.

Pois eles sabiam

“Dêste

os livros que tu pedes não tra-

Coisa que

trazer escrito

que muitos

Cristo deixara



Em

papel, o

doutores nos

de hoje

Evangelhos,

um mandamento acerca das obras de misericórdia. Lá está no texto de S. Mateus, capítulo XXV, desde o versículo 31 até o 46. “Quando

pois vier o Filho do homem

todos os anjos com

majestade;

separará

e serão

ele, então se sentará

todas

as gentes

uns dos outros, como

na sua majestade, e

sobre

congregadas

o pastor

separa

o trono de sua

diante

dele, e

as ovelhas

dos

gabritos. E porá as ovelhas à sua direita, e os cabritos à esquerda. Então o Rei dirá aos que estiverem à sua direita: Vinde, bem-

ditos de meu Pai, possuí o reino que vos está preparado desde o princípio do mundo; porquê tive fome, e destes-me de comer; tive

sêde, e destes-me de beber; éra peregrino, e recolhestes-me; nú, e me vestistes; enfermo, e me visitastes; estava no cárcere, e fostes visitar-me. Então lhes responderão os justos dizendo: Senhor, quando é que nós te vimos faminto, e te demos de comer; sequioso, e te demos de beber? E quando te vimos peregrino, e te

recolhemos; nú, e te vestimos? Ou quando te vimos enfermo, ou no cárcere e fomos visitarte? E, respondendo o Rei, lhes dirá:

Na verdade vos digo que todas as vezes que vós fizestes isto a um destes meus irmãos mais pequeninos, a mim o fizestes. “Então dirá tambem

aos que estiverem à esquerda:

Apartai-

vos de mim, malditos, para o fogo eterno, que foi preparado para

o demônio

e para os seus anjos;

por que

tive fome,

destes de comer; tive sêde, e não me destes de beber;

grino, e não me

recolhestes;

estava

nú, e não me

e não

me

era pere-

vestistes; en-

fermo, e no cárcere, e não me visitastes. Então eles tambem lhe responderão, dizendo: Senhor, quando é que nós te vimos faminto, ou sequioso, ou peregrino, ou nú, ou enfermo, ou .no cárcere,

e não te assistimos? vos digo: Todas as pequeninos, a mim eterno; e os justos

Então vezes o não para a

lhes responderá, dizendo: Na verdade, que o não fizestes a um destes mais fizestes. E, estes irão para o suplício vida eterna”,

Eis o preceito. O mandamento. A lei de Cristo. Imposta por duas formas. Pela forma positiva, como condição dos que entram no Céu. Em forma negativa, como razão pela qual vão para os suplícios eternos. Tudo expresso de maneira empolgante, dramá-

O

Poder

541

da Miscricórdia

tica, com a encenação do juizo final, os anjos a revoarem, os justos

à direita,

os máus

à esquerda,

o

Rei

sentado

no

seu

trono

de

magestade. Aí estão todas as obras de misericórdia: Dar de comer a quem tem fome; dar de beber a quem tem sede; vestir os nús; visitar os enfermos e os encarcerados; dar pousada aos peregri-

nos.

A piedade

cristã

foi apenas

buscar

aos

outros

passos do

letra

o preceito

Evangelho, o com que completar a lista: Remir os cativos, enterrar os mortos, e fazer todas as obras espirituais de misericórdia, isto é, dar bom conselho, ensinar os ignorantes, consolar os tristes, castigar os que erram, perdoar as injúrias, sofrer com paciência as fraquezas do próximo, rogar a Deus pelos vivos e defuntos. MISERICÓRDIAS Nossos de Cristo.

antepassados

CORPORAIS

executaram

ao

pé da

1.º e 2.º Deram de comer aos que tinham fome, deram de beber aos que tinham sêde. Não possuiam, no principio, nada. Viviam ao Deus dará, esmolando pelas ruas, subindo as escadas de El-Rei, batendo a todas as portas, ensurdecedoramente, como manda o Evangelho. Mandavam “pedidores de pão” às freguesias. Destacavam agentes nos centros de produção a fim de obterem o necessário. Punham depois na sacristia uma grande arca para armazenamento dos cereais. Nas épocas de carestia, como a que flagelou Portugal no século XVI, a Irmandade chegou a enviar navios a Viana, a Abufeira no Algarve, e até Málaga e ao porto de Santa Maria, afim de trazer trigo para os pobres. Não se esqueciam da meia libra de carne e da meia canada de vinho. E levavam o primor, num tempo em que só ricos comiam frutas, de dar aos doentes ameixas, figos doudos e uvas passas. 3.º Vestiam os nús. Naquele tempo as roupas eram caras e raras. Leia-se o testamento das rainhas, e ver-se-á que o guardaroupa delas era mal sortido. Da lista de bens deixados pelos bandeirantes — consultem Alcantara Machado — consta a escassês

de vestidos em que laborava gente rica. Pela própria história das

Santas Casas se pode averiguar que os mais abastados pouco

ti-

nham com que se vestir. Imagine-se agora o que não seria com os

pobres. Pois apesar dêsses obstáculos, os Irmãos

da Misericórdia

a pedir

o reino.

acharam meios de vestir os esfarrapados. Enviavam mamposteiros linho,

algodão,

roupas

usadas

por

todo

Nesta

obra se tornaram dignos de admiração muitos alfaiates (xastres, como então se dizia) que, sem remuneração, por amor de Cristo,

se ocuparam

em cortar ou adatar vestes para os humildes. Colo-

Glauco

Carneiro

caram na crasta da velha Sé uma arca para “camisas, saios, pelotes, sainhos”, com que a caridade pública ia ao encontro dos Irmãos

da Misericórdia. Não foram poucos os que se desfizeram dos mantos, como São Martinho, ou se desnudaram pobres, como S. Francisco de Assis.

para vestir os mais

4.º Visitavam enfermos. Visitar é o termo próprio, o do Compromisso. No princípio não tinham hospitais. Viam-se pois os Irmãos na contingência de fazer a visitação a domicílio. Pelo tempo adiante, quando as rendas o permitiram, construiram nosocomios privativos, com os seus cirurgiões, boticários, sangradores e enfermeiros. No tempo da peste do tabardilho, os Irmãos se revezavam ao pé dos doentes. Houve casos edificantes, para mostrar talvez que

os portugueses

não

eram

tão atrazados,

como

certos

políticos modernos os supõem. Outrora havia preconceitos a respeito de certas enfermidades, ditas vergonhosas, como a chamada

de boubas. Nem

os médicos queriam

Santa Casa do Porto, ao fazer o contrato com a qual não cuidaria do peninsulares rejeitaram

com

o qual se deveriam

tratar delas. Na

história da

um cirurgião benemérito, Baltazar Telles, o hospital, colocou uma cláusula, segundo mal de boubas. Pois os nossos atrazados o contrato, e concertaram outro, de acôrdo tratar todas as enfermidades,

indistinta-

mente, vergonhosas ou não. Porquê “a misericórdia de Deus a to dos abrange”.

5.º Remiam cativos e libertavam presos inocentes. Era mesmo uma das finalidades precípuas da Misericórdia, a julgar pelo minucioso das atas. Recordo-vos que os presos de antanho careciam de tudo, pão, água, leite, vestuário e até de instalações sanitárias. Viviam em pocilgas. Se eram pobres, gemiam nas prisões longo tempo. Nós os tivemos aqui, no Rio de Janeiro dos-ViceReis, com bolas de ferro nos pés, para não fugirem. Ninguem cuidava deles. Ninguem? Cuidavam deles os Irmãos da Misericórdia. Levavam-lhes de comer e de beber. E com que se vestirem. Patrocinavam as causas dos encarcerados. Instavam com os Corregedores do Crime e com os Juizes de Fora para que dessem audiências semanais nas prisões. Faziam representações a El-Rei contra os escrivães retardatários ou os almotaceis gananciosos. Pagavam

do bolso da Confraria os traslados dos feitos e as custas do pro-

cesso. Em favor dos justiçados, chegaram a cometer audacias. Na Bahia, conta Afranio Peixoto, em 1716, o carrasco e o condenado cairam da forca, cujo travessão se partira. Tanto bastou para que a Misericórdia cobrisse o réu com a sua bandeira. O meirinho, desatendendo à suplica dos Irmãos, matou o infeliz a estocadas. O Povo, fazendo causa comum com os Irmãos da Misericórdia, quiz fazer justiça ao assassino, no que foi impedido pela escolta.

O

Poder

da

Misericórdia

543

Resultado: o Vice-Rei, Marquez de Anjeja, prendeu a Irmandade, só libertada a rogos do Provedor. Era assim que as Misericórdias se adiantavam aos homens do seu tempo. 6.º

Davam

pousada

aos

peregrinos.

Hoje

o peregrinar

por

terras alheias é fantasia de ociosos e granfinos. Dantes era objeto

da

piedade

cristã,

no cumprimento

de promessas.

Ranchos

pito-

rescos demandavam Santiago de Compostela, Roma e Jerusalem. [am a pé, dormindo nas granjas, ou ao relento, baldos de todo recurso. Mas cantando. Quem deles se encarregava? Os Irmãos da Misericórdia. “Lume, agua, sal, rações de entrada e saída”, tudo lhes davam. Graças à munificência de uma pia dama, Dona Mafalda, construiram hospedaria, onde sempre se encontravam “'camas bôas e limpas”. Pelas folhas de pagamento, se pode verificar que não faziam distinção entre as nacionalidades. Galegos, castelhanos, franceses e outros beneficiavam da generosidade comum.

7.º Enterravam mortos. Os defuntos de antanho! Não havia serviço funerário. Cada qual ia para a cova como podia. Os ricos tinham muito séquito. Os pobres, não raro ficavam insepultos. Leiam-se

as crônicas, e ver-se-á

que

não

exagéro.

Em

época

de

apertos, a municipalidade tinha que forçar os detentos a sepultar os mortos. Sobre todos porém velava a Misericórdia. Mal badalava a sineta, ao comprido das ruas, acudiam os Irmãos, já vestidos nos

seus

balandraus, para

Enterravam

mente

pagar

ajudar

principalmente nada.

E como

o saimento.

os pobres, que

Enterravam

não podiam

esses

atrazados

portugueses

meios

de os enterrar.

os ricos. evidenteestavam

acima dos preconceitos! Enterravam, contra as idéias do tempo, os que não tinham sido ouvidos em confissão, e até os cadáveres que boiavam nos rios. E com que dedicação acompanhavam o enterro dos justiçados! Notai que aqueles que morriam na forca, segundo a lei, deviam permanecer insepultos, por muito tempo. Pois

os

Irmãos

arranjaram

Não

raro,

se-

gundo a bárbara usança, eram os réus esquartejados, isto é, par-

tidos em

quatro pedaços.

Pois os

Irmãos

iam a cada

porta da

cidade, recolher os quartos, postas humanas votadas à execração, e piedosamente as levavam para o cemitério.

Ainda os chamam de atrazados! Na verdade, com a história nas mãos, se pode dizer que eles se avantajaram a franceses, a ingleses, a alemães, a italianos e a russos. Nossos antepassados portugueses, mantiveram, administraram e perpetuaram hospitais,

recolhimentos, asilos, educandários na mais humana

das assistên-

cias. Todas as chagas sociais — a doença, a orfandade, a velhice, a viuvez, a miséria — neles encontraram o bálsamo. Estabeleci-

mentos para clínica geral. Manicômios. Casas de saúde para tuberculosos. Orfanatos. Sanatórios para convalescentes. Educandá-

544

Glauco

Carneiro

rios para surdo-mudos. Escolas para cegos. Asilos para viuvas pobres. Recolhimento para velhos e entrevados. Obras de justiça

social que

os povos

mais

adiantados do mundo

MISERICÓRDIAS Nossos

modernos

antepassados

levavam

invejariam.

ESPIRITUAIS ainda

vantagem

sobre

certos

do ponto de vista filosófico e moral. Não eram mate-

rialistas. Não amputavam no homem a espiritualidade. Presavam acima de tudo as misericórdias espirituais, tão certo é que as almas adoecem tambem dos seus escorbutos, tabardilhos ou boubas. Por isso, davam

bons conselhos

aos doentes,

aos presos, às

viuvas, aos mendigos, às orfans, aos peregrinos e aos moribundos.

Valiam-se de várias ocasiões para levantarem o moral dos sofredores, imitando a Daniel junto a Nabucodonosor e a José junto

do

Faraó.

Ensinavam ignorantes, creando escolas para crianças, para surdo-mudos, para cegos. Tomavam dos engeitados e os punham em casa de senhoras honestas que os pudessem adatar para a vida social. Educavam meninas, de pais extraviados ou falecidos, e as dotavam mais tarde para que casassem decentemente. Recolhiam rapazes vadios e lhes mandavam ensinar ofícios, tudo por conta

da bolsa de Misericórdia.

Por única paga se lembravam

o profeta dissera no Velho Testamento:

“Os que ensinam

brilhar no céu, como estrelas, por toda a eternidade”.

do que

hão de

Consolavam os tristes, os que haviam perdido a fortuna, os que tinham perdido os lares nos incendios, os que haviam perdido

pais, filhos e esposos nessas conquistas da India e do Brasil que despovoavam o reino, fazendo exclamar ao pobre Camões: “Dura inquietação da alma e da vida, — Fonte de desamparos e adultérios, — Sagaz consumidora conhecida, — De fazendas, de reinos e de impérios”. Consolavam, sob o pendão de N. S. da Misericórdia, os sentenciados à morte, rezando com eles, dando-lhes cordiais e conservas, e velando-lhes o rosto, depois da execução capital. Perdoavam injúrias. Os máus tratos, as recusas, as delongas, as incompreensões, as calúnias. Faziam com que os outros perdoassem. Nada mais belo como ver que os Irmãos, na sexta-feira Santa, procuravam os cidadãos que tinham entre si ódios velhos, inimizades ou demandas. Insistiam então que perdoassem. Práticos como eram, assentavam os nomes dos perdoadores, não fosse acontecer, por fragilidade, viessem de novo a inimizar-se.

545

O Poder da Misericórdia

Sofriam com paciência as fraquezas do próximo. As queixas dos doentes, a avareza dos ricos, a antipatia dos proprios Irmãos da Misericórdia. Principalmente, as ingratidões dos beneficiados. A história das Santas Casas está cheia de meninos, órfãos, viuvas, mendigos e protegidos que ao depois se voltaram contra a própria instituição, de que haviam recebido favores. Por única recompensa talvez se recordassem daquela belíssima sentença do Eclesiastes: — “Lança o teu pão sôbre as águas que passam, porquê depois de muito tempo o acharás”. Rogavam a Deus por vivos e defuntos. Instituiram junto das Santas Casas um perfeito serviço de religião. — Missas de convalescentes. Missas de ação de graças. Ofícios pelos mortos. Rezavam em comum

pelos irmãos falecidos. Não deixavam

nem mesmo

os

criminosos mortos no patibulo sem os sufrágios pelo descanso eterno. Para nossos antepassados as práticas dos Macabeus, no que entende com os defuntos, eram sagradas. De bôa mente aceitaram o que Jesus disse a Santa Gertrudes: Nenhuma oração fica sem fruto, bem que este fruto fique desconhecido dos homens.

Todas estas espiritualidades, nossos antepassados as fundamentavam no ideal cristão, no desinteresse, no desapego dos bens terrenos. Sabendo embora fazer bom uso do dinheiro, ou como hoje dizemos, do capital, eles desprezavam o espírito de riqueza,

a cupidez, o espírito capitalista. De bom grado, como o seu grande vate, poderiam exclamar: “Veja agora o juizo curioso, —

Quanto no rico, assim como no pobre, — Pode o vil interesse e sêde imiga — Do dinheiro que a tudo nos obriga, — Este

rende munidas fortalezas; — Faz traidores falsos os amigos; — Este a mais nobres faz fazer vilezas, — E entrega capitães aos inimigos; — Este corrompe virginais purezas, — Sem temer de

honra ou fama alguns perigos — Este deprava às vezes às ciências, — Os juizos cegando e as conciências. — Este interpreta mais que sutilmente — Os textos; este faz e desfaz leis; — Este causa os perjúrios entre a gente. — De mil vezes tiranos torna os Reis: — até os que só a Deus onipotente — Se dedicam, mil vezes ouvireis. — Que corrompe este encantador e ilude. — Mas não sem cor, contudo, de virtude. TRÊS

VULTOS

HISTÓRICOS

Dentre tantos vultos que perpassam na história das Misericórdias — reis, rainhas, prelados, sacerdotes, nobres, caldeireiros, picheleiros, esteireiros, calceteiros, anzoleiros, cabeiros e até pescadores — cumpre salientar um eclesiástico, uma fidalga e um homem do mundo.

546

Glauco Carneiro

O eclesiástico é Frei Miguel de Contreiras, religioso da Congregação da SS. Trindade. Bem sei que algum historiador (Magalhães Bastos), procurou diminuir o trinitário no intuito de exaltar uma rainha. Mas ainda quando diminuto, o papel deste frade não é menos importante. Ele redigiu o primeiro Compromisso, esse compromisso Se não

que

não podemos

foi o instituidor, foi pelo menos

Coroa na obra das misericórdias. lando para os pobres. Visitava os sacramentos da Religião. Mereceu gas da Santa Casa ostentassem a para lhe consagrar a memória. A invoca aurora, sangue,

ler, hoje em

dia, sem

lágrimas.

o maior colaborador da

Ele ia de enfermos. por isso pintura de

porta em porta, esmoConfortava-os com os que as bandeiras antium frade trino. Basta

fidalga é a mulher de El-Rei Dom João II, que Camões “Joanne Segundo e Rei trezeno... que foi buscar da roxa os terminos”. Dona Leonor foi uma grande dama, pelo pela fé e pela vida. Regente de Portugal, instituiu as Mi-

sericórdias de Lisboa, do Porto e de Caldas. Dotou-as. Amparou-as

legalmente. Fez, por intermedio delas, todo o bem possivel para os pobrezinhos de Deus. Ademais deu Ótimos conselhos ao seu real

marido. Ensinou ignorantes, em grau heróico, tomando sob os seus cuidados a educação do bastardo de El-Rei. Perdoou todas as injurias: as do rei, que lhe foi infiel, que lhe matou os amigos, que lhe apunhalou covardemente o irmão, o Duque de Viseu. Perdoou tambem as injúrias do povo que injustamente a acusou de envenenamento. Rainha sofredora, quando deixou a regência, tomou

o hábito das Clarissas, como nona secular, e viveu o resto do tempo, no claustro, entre

a penitência e a oração.

O homem do mundo é Henrique Nunes de Gouveia. Neto de Cornélio d'Utra, o descobridor das ilhas Terceira, Pico e Faial. Exercia encargos de importância. Tinha muito dinheiro. Mas não era bom cristão. Não ouvia missa. Não dava esmolas. Não se ocupava dos doentes necessitados. Um dia, a 8 de maio de 1546, no campo do Olival, junto à ermida de São Miguel-o-Anjo, havendo festa do orago, subiu à tribuna aquele que iria modificar

por completo a vida de Henrique Nunes de Gouveia. O fato me-

rece contado por menor. Quando o pregador subiu ao púlpito, houve desapontamento na assistência. Esperava-se um veterano da palavra e surgia um “mancebo de fraca representação”, ou como então se disse, um “menino”.

Eis, porém, que o jovem começa a falar. Fala de castelhano, sonora e singela. Já a voz lhe cresce no peito. Já a fisionomia se lhe transfigura. lá o patético atinge o auge. Os ouvintes estão suspensos. Escutam-se aqui e acolá os primeiros soluços. Chora o povo. Chora o Cabido. empertigado nas cadeiras de espaldar.

O

Poder

da Misericórdia

Choram os religiosos espalhados no adro. Afinal quem era o pregador? Um jesuita, recem-chegado ao Porto, chamado à pregação na última hora, para substituir um colega que faltara. Chamava-se Francisco de Estrada.

Pregou durante dois mêses, com êxito inex-

cedivel. Muitos se determinaram a viver na pobreza. Outros se fizeram ermitães. Outros ainda restituiram dinheiros indébitos ou fizeram pazes com os inimigos. Henrique Nunes de Gouveia, movido mais de curiosidade que da devoção, foi ouvir também ao jesuitinha. Ouviu-o e voltou cabisbaixo para casa. Meditou algum tempo. Despediu-se depois dos empregos. Começou a fazer obras de caridade. Ingressou na Irmandade de Misericórdia, onde foi, segundo os livros, o mais humilde

dos irmãos.

la aos hospitais,

fazia a cama

dos doentes,

dava-lhes de comer, e desvelava-se por eles. As filhas, entregou-as ao mosteiro das Clarissas. Os filhos fizeram-se jesuitas. Ele mesmo preparava-se para trocar o gibão de rico pela roupeta do religioso, quando veiu a falecer. Já nesse tempo era considerado um

santo homem, “espelho de qualificados procedimentos”. Dez anos após a morte, quando se lhe abriu a sepultura, encontraram-lhe o corpo intacto, lançando

Eis três modelos.

Leonor

Irmãos

Frei Contreiras para os sacerdotes. Dona

para as senhoras.

da Misericórdia.

de si suavíssimo cheiro. Henrique

Todos

Nunes

cumpriram

relativo às obras de misericórdia. Todos

de

Gouveia

para

os

o preceito de Cristo

imitaram

Nossa Senhora

da Visitação. Resta que todos vós, provedores, mesários, capelães

e enfermeiros, clínicos e cirurgiões, os imiteis no decurso de vossos

dias. “Cum festinatione”, com grande diligência. “Exultavit spiritus meus”, com redobrada alegria. “Magnificat anima mea Dominum”, com

agradecimentos

a Deus. “Humilitatem

ancillae”, com

sincera humildade. “Mansit autem Maria”, com perseverança. “Exultavit infans in utero ejus”, com proveito corporal e espiri-

tual para todos os pequeninos.

Amen”.

S4K

Glauco

ANEXO SANTA

ISABEL.

QUAL

Carneiro

II SANTA

ISABEL? Nuto Sant'Anna São Paulo Histórico Volume V

“Foi das mais solenes e importantes, em São Paulo, a festa de Santa Isabel. Mas de que Santa Isabel, se são diversas? E qual delas, também, seria a padroeira da Santa Casa de Misericórdia? Que relação existe entre esta e aquela santa? A primeira instituição de caridade, dêste genero, de que há notícia, é a de Lisboa, fundada em 1498 pelo espanhol frei Miguel Contreras, da Ordem da Santíssima Trindade, rainha d. Leonor, viuva de D. João Il.

tendo-a

patrocinado

a

Em 1500, já no reinado de d. Manuel, Cabral descobria o Brasil. E, 40 anos após, Braz Cubas criava, em Santos, a nossa primeira Misericórdia. Vieram, em seguida, as de Vitória, Olinda, Baia, Rio de Janeiro. Da de São Paulo não se conhece a data do

início. Há referências, em 1603, à igreja da Misericórdia. Teria relação com ela? É provável.

Mas de onde e por que se relaciona a de São Paulo com Santa Isabel? A primeira Santa Isabel foi a mulher de Zacarias, mãe de São João Batista. Conhecem-se ainda Santa Isabel da Hungria, filha de André II, nascida em 1207. Grandemente caridosa. Fundou um hospital para leprosos, dos quais tratava, junto do seu castelo, na Turingia. Vem, depois, Santa Isabel, irmã de São Luiz, nascida em 1224. Instituiu um mosteiro nas proximidades de Paris, devotando-se aos pobres. E houve ainda Santa Isabel, rainha de Portugal, mulher de d. Diniz, filha de d. Pedro III. Nasceu em Saragoça, em 1271. Era, igualmente, muito caridosa. Diz uma lenda piedosa que as rosas, de que se cercava, se transformavam em pães, que ela costumava levar, em seu regaço, para os necessitados.

Em

1612, sen-

do aberto o seu túmulo, acharam-na inteiramente intacta. Criou o Convento de Santa Clara, em que se conservam os seus restos mortais, e as casas de caridade de Coimbra, Santarem e Leiria, além do mosteiro de Cister e vários templos. O corpo desta santa foi depositado em uma urna dc prata, feita por disposição testamenteira de d. Afonso de Castelo Branco, prelado de Coimbra.

O Poder

da Misericórdia

549

Em linhas gerais, tem-se aí uma idéia da vida dessas quatro “Santa Isabel. As três últimas, entregaram-se ao ministério de obras pias, fundando

hospitais, igrejas e mosteiro.

que todas elas poderão ser, evidentemente, Casas. No

entanto, quer-nos parecer

De onde

se conclue

padroeiras de Santas

que se trata de uma

única,

talvez da retro-referida Santa Isabel portuguesa, falecida em 1336, no velho castelo de Estremoz. Mas as festas reais que se realizavam em São Paulo, à Santa Isabel, consagravam-se a essa santa? Parece-nos que não. Para nós tratava-se da Santa Isabel que floresceu nos princípios da nossa era, estando a sua existência milagrosamente ligada à de Cristo. Resume ainda, prestantemente, a Enciclopédia que, segundo o evangelista S. Lucas, um anjo anunciou ao marido de Santa Isabel que, apesar da sua avançada

idade, ela conceberia

um

filho,

destinado por Deus para ser o precursor do Messias. A profecia cumpriu-se fielmente. Visitada, na cidade de Judá onde vivia, por Maria, sua prima, recebeu-a com respeito e proclamou-a a mãe do seu

Senhor.

Uma

antiga tradição do Oriente

acrescenta

que,

depois de ter salvado seu filho João da matança dos recém-nas-

cidos, ordenada por Herodes, Isabel se retirou para o deserto, onde

terminou

a sua vida”.

As festas do Corpo de Deus, de Santa Isabel, do Anjo Custódio e de São Sebastião foram as principais, por muito tempo. E datam desde os primeiros dias de São Paulo. Quanto à ora em discussão, consigna a ata de 16 de julho de 1580 êste histórico: “.. .Joguo na dita camara requereo o perqurador que faltaram na prisiam (ou seja, procissão) de santa sabel a marquos fernandes o velho e marquos fernandes o moso e joam fernandes filho de

joam francisco digo joam ramalho que estes não viherao a prisiam que os condenasem

nas pena que el rei da os quais loguo conde-

narão a cada hú em dozentos res e mandarão pasar mãdado para

serê penhorados”.

Como se vê, frequência obrigatória;

nem se isentavam dela

os próprios maiorais da terra, como o filho de João Ramalho, ou filhos, pois quer-me parecer que Marcos Fernandes, o velho, tam-

bém descendia do célebre capitão mor de Santo André da Borda do Campo.

Essa Santa Isabel era a primeira das citadas, por isso que,

não poucas vezes, se encontram referências claras e positivas “á festividade da Visitação de Nossa Senhora á Santa Isabel”. Como

exemplo, aqui vai esta relação de despesas feitas pelo Senado da Câmara, no ano de 1818.

Glauco

“Por

105

Novembro

do

Libras e 1/4 de Sera lavrada comprada

Carneiro

do Tenente

Joze Antonio de Assumpção, a preço de 740 a Libra, em cujo pezo entra a que Sua Magestade, pela Regia Provizão de 27 de

77$885;

anno

de

1760,

manda

dar

aos

DD.

Miniztroz,

a João Leyte da Silva, de pintar e doirar quatro toxas,

6$400; de condução

dos assentos, moxo, tabuleiro das toxas para

a Mizericórdia. Por que? Era então a Santa Isabel, mãe do Precursor e da Camara Antonio Jozé Oliveira Barbosa”. Como terão notado, a festa se realizava na igreja da Misericordia. Por que? Era então a Santa Isabel, mãe do Precursor e não a Santa Isabel, rainha de Portugal, a sua padroeira, e, consequentemente, tambem da instituição, ou seja, da Santa Casa? O assunto não é da nossa alçada, sendo o problema com certeza de fácil solução para qualquer eclesiástico. No entanto, aí ficam algumas anotações interessantes.

Enfim, desde

as épocas

mais

remotas,

se realizou em São

Paulo a festa de Santa Isabel — festa tão significativa, tão evocativa, que relembra um dos mais tocantes episódios bíblicos: o anjo anunciando a vinda daquele que seria João Batista, o peregrino

que, alimentando-se de mel e gafanhotos, ia, por sua vez, através dos areais escaldantes dos desertos, anunciando a vinda de Jesus Cristo”.

ANEXO A VISITAÇÃO

DE

III

NOSSA

SENHORA

Leitura do Evangelho EVANGELHO “C. Deus operou maravilhas em Maria. O mesmo acontecerá com todo aquele que se abrir sem limites à Palavra de Deus, na fé, caminhando na esperança. Tt

Evangelho

de

Jesus

Cristo

narrado

por

Lucas

(1,39-56).



Maria levantou-se e foi às pressas para a região montanhosa, diri-

gindo-se a uma

cidade

de Judá.

Entrou

em

casa de

Zacarias

e

saudou Isabel. Ora, quando Isabel ouviu a saudação de Maria, a criança lhe estremeceu no ventre, e Isabel ficou repleta do Espírito Santo. Com um grande grito, exclamou: “Bendita és tu entre

O

Poder

da Misericórdia

551

as mulheres, e bendito é o fruto do teu ventre! Donde me vem que a mãe do meu Senhor me visite? Pois quando a tua saudação chegou aos meus ouvidos, a criança estremeceu de alegria no meu ventre. Feliz a que acreditou, pois o que lhe foi dito da parte do

Senhor será cumprido!” Maria, então, disse: “A minha alma engrandece o Senhor, e o meu espírito exulta em Deus, meu Salvador, porque olhou para a humilhação de sua serva. Sim! Doravante as gerações todas me chamarão de bem-aventurada, pois O todo-poderoso fez grandes coisas por mim. O seu nome é santo, e sua misericórdia perdura de geração em geração, para aqueles que o temem. Agiu com a força de seu braço, dispersou os homens

de coração

orgulhoso.

Depôs

poderosos

de

seus

tronos,

e

a humildes exaltou. Cumulou de bens a famintos, e despediu ricos de mãos vazias. Socorreu Israel, seu servo, lembrado de sua misericórdia, — conforme prometera a nossos pais — em favor de Abraão e de sua descendência, para sempre!” Maria permaneceu com ela mais ou menos três meses, e voltou para sua casa”.

ANEXO

IV Dr.

Mario

Altenfelder

Provedor

1984-1986

A Irmandade — 1984-1986 — registra o dia 15 de agosto, dia da fundação da Santa Casa, por D. Leonor, em 1498, em Lisboa, como a grande data a ser festejada pela Santa Casa de

São Paulo.

19. A MODERNIZAÇÃO Cássio

A quarta fundação de São Paulo — O Provedor

de Macedo Soares — Os serviços de assistência — O 4º Centenário de São Paulo

“Sob um céu sempre opaco e disputado entre a neblina da

serra e a fumaça das fábricas, a cidade, irregular no traçado, na topografia e nas construções, pouco atraía. Imagine-se cerca de

um milhão de habitantes formigando entre ruas acanhadas, cheias

de fumaça, aos empurrões com operários e imigrantes. De vez em vez, ia-se ter a uma bonita praça donde se viam algumas

esporádicas edificações de vulto. Não se cogitava da urbanização de hoje. Só em alguns bairros residenciais as construções eram regulamentadas. Mas o centro, a parte vital da cidade e por onde se tinha de passar obrigatoriamente quando de um bairro se demandasse outro, era vitimado por um congestionamento perma-

nente de trânsito, onde

atrapalhavam

veículos e pedestres se amontoavam

de uma maneira

incrível, a certas horas do dia”.

Já na década de quarenta, em

pelo incremento dos negócios depois

São Paulo explodia como metrópole.

chegar

ao

milhão

apenas 45 anos!

de

habitantes,

e se

razão do progresso vertiginoso

do término da 2.º Guerra

trazido

Mundial,

Ela que passara quase 400 anos para

acrescentaria

nove

outros

milhões

em

A administração pública procurava aritmeticamente tentar responder à provocação do crescimento geométrico. O prefeito Fabio Prado (19341938)

colocara

São

Paulo

no limiar

das

modernas

normas

urbanísticas,

mas, como frisa Pasquale Petrone*, “foi o prefeito Prestes Maia o verda-

O

Poder

da Misericórdia

553

deiro autor da remodelação da cidade, durante sete anos de dinâmica administração

(1938-1945):

“No desejo de arejar o centro e desafogar o tráfego cada vez mais intenso, abriram-se as avenidas perimetrais de irradiação,

largas de 33 e 45 metros, intercaladas por numerosas praças; iniciou-se a abertura do segundo anel envolvente de avenidas e deu-se um impulso definitivo ao chamado “sistema Y”, com as suas avenidas de fundo vale, facilitando as comunicações entre o Sul e o Norte da metrópole; alargaram-se numerosas ruas e praças, tanto no centro como nos bairros próximos; canalizou-se extenso trecho

do rio Tietê, encurtando de vinte kms seu curso meândrico e propiciando a recuperação de 17 km” de terras varzeanas. Largas e extensas avenidas, diversos viadutos, quarteirões inteiros transformados, arranha-céus substituindo velhos pardieiros mal arejados e inestéticos deram à área central da cidade uma fisionomia inteiramente nova. Não há nenhum exagero em dizer-se que, nesse

período, teve lugar a quarta fundação de São Paulo, uma vez que as transformações foram de maior vulto do que as verificadas nas administrações

de

Antonio

Prado

e João Teodoro”:

São Paulo, há quarenta e cinco anos, já espantava pela enorme extensão, constituindo

prolongavam

um

bloco

compactamente

mais

ou

menos

harmônico

de

por sete ou oito quilômetros.

bairros

que

E apesar

se

das

tentativas de ordenação, o crescimento da cidade foi mais veloz do que as

obras das administrações municipais. Três enormes áreas compunham nesse tempo a grande cidade: 1. O Núcleo-Centro, compacto e enorme, entre os rios Tietê e Pinheiros; 2. A área de além-Tietê; 3. A área de Pinheiros, estendendo-se até Santo Amaro. O segundo quartel do Século XX assistira ao espetacular crescimento populacional: tendo cerca de um milhão de habitantes no final da década de trinta; 1,3 milhão em meados de quarenta; 2.227.512 em 1950, atingiria 3 milhões no ano do seu 4.º Centenário. E em 1985 teria 10 milhões de habitantes. Prestes Maia já assinalara a seu tempo: “Em grandeza e importância é a terceira cidade latina do Mundo, depois de Paris e Buenos Aires e a par do Rio de Janeiro. Na década de 1940-1950, ao passo que o Rio de Janeiro registrou um aumento de 28%, São Paulo cresceu 68%, deixando longe Nova York, Chicago, Buenos Aires ou Madrid nesse particular”.º Tudo cresceu espantosamente entre 1940 e 1950: o número de fábricas e de operários, as casas de comércio, o total

de profissionais, os veículos, os telefones, o movimento de seu aeroporto, o número de ruas, os templos, o abastecimento:

“Nas 20.000 fábricas paulistanas, trabalham 440 mil operários, O que significa haver, em cada grupo de sete habitantes, um operário.

Em

suas 8.000 ruas, existem

36.000 casas de comércio.

354

Glauco

Carneiro

Trafegam pela cidade cerca de 150.000 veículos... Há 140 mil telefones, 12 estações de rádio, 3 de televisão. O aeroporto recebe

por ano 40.000 aviões... testantes, 13 sinagogas...

ginásios, 56 colégios,

Existem 200 templos católicos, 98 pro-

Há 804 estabelecimentos primários, 111

19 escolas

normais, 3 Universidades, 449

tipografias, 106 livrarias, 91 jornais em várias línguas e 45 editoras, 150 cinemas, 8 teatros. A população consome 315 toneladas de carne por dia, 10 milhões de dúzias de ovos, 2.000 toneladas de manteiga, 720 mil sacas de farinha por ano, e 180.000 sacas de arroz e 60 sacas de feijao, cada mês. Isto é São Paulo, no ano

em

que

comemora

o seu quarto

centenário...

Somos

tomados

pela dúvida sobre as vantagens e o sentido dessa monstruosa metrópole que está transformando o Estado de São Paulo em um

corpo que definha

mas que orgulhosamente

ostenta soberba ma-

crocefalia. Torna-se lícito perguntar o que se tornará esta cidade em contínua renovação e desenvolvimento; e se esta espécie de elefantíase é explicável e justificada”.' O absurdo crescimento, a tremenda inchação urbana, o agravamento das condições ambientais, há 40 anos preocupam o povo, as autoridades e os técnicos. A cada ano São Paulo vem crescendo o equivalente a uma cidade de 500 mil habitantes e só nos últimos tempos é que se nota um

ligeiro arrefecimento no afluxo de migrantes para o planalto. O Brasil inteiro

tem

aqui seu eldorado.

E vem conquistá-lo.

Logicamente que decaiu o padrão sanitário e São Paulo chegou a apresentar índices absurdos de mortalidade infantil, desnutrição escolar e raquitismo, deixando longe aquela imagem do povo eugênico que por muito tempo apresentou aos visitantes. Pouco antes da cidade completar seu 4.º centenário, feliz mas cheia de problemas, a Santa Casa, sua mais antiga instituição, integrou-se no tempo histórico ao proceder completa reformulação de suas atividades assistenciais, a fim de poder suportar o lado Biafra da metrópole que ostentava Suíças. A Santa Casa redespertou para o futuro. A administração que realizou esse feito merece ter assinalada sua visão e sua coragem ao enfrentar um desafio de enormes proporções.

O Provedor Cássio de Macedo Soares

Irmão Mesário desde 19 de abril de 1931, 0 Dr. José Cássio de Macedo Soares foi eleito em 1947 para substituir o Ex-Provedor Padua Salles, que se retirou por motivo de idade. Por onze anos faria uma administração que

seu sucessor, Christiano Altenfelder, não vacilou em denominar de “notável”:

O

Poder da

Misericórdia

555

“Foi o Provedor José Cassio pelo espaço de 11 anos o remo-

delador dos serviços da Santa Casa, transformando e modernizan-

do as velhas enfermarias, realizando novas construções, como a cosinha, em vias de conclusão, organizando técnica e científicamente a antiga farmácia, criando modelar laboratório de produção

de medicamentos em grande escala, adquirindo novos aparelhos de Raio X, criando e instalando o Banco de Sangue e grande soma de outros serviços, que são do vosso conhecimento.

Não há Casa da Irmandade em que se não destaquem obras e serviços realizados na administração do Provedor José Cassio. Constitue

sua

administração,

indiscutivelmente,

o

periodo

aureo da modernização dos hospitais e serviços da Santa Casa.

Modesto, sem alardes, executou obra verdadeiramente notável.

Assumindo a Provedoria no início do ano de desde então, essa obra administrativa!

Em

1947, como avultou,

1946 o orçamento total da Santa Casa não chegou a 20

milhões de cruzeiros. Já em 1947 atingia a Cr$ 24.654.000,00 e

ao transmitir a Provedoria, o orçamento para o presente exercício

se eleva a 238 milhões de cruzeiros.

Especial atenção dedicou o Provedor à administração das pro-

priedades imobiliárias, tendo sido efetuadas novas construções e aquisições de predios, que acresceram grandemente o valor do patrimonio da Santa Casa. A renda imobiliária que em

1946 era de Cr$

se eleva a 51 milhões de cruzeiros em

5.836.000,00

1958.

Mas não poderia correr tranquilamente a administração nesse periodo de 11 anos, quando aqui viriam refletir-se os fatos da vida economica que atormentam o país. Preocupado

com construções, reconstruções, criação de novos

serviços, ampliação e melhoria dos existentes, viu-se ainda a braços o Provedor com as dificuldades decorrentes da desvalorização da

moeda e do aumento cada vez mais impressionante do custo de todas as utilidades, principalmente de generos alimentícios, medicamentos € equipamento cirúrgico. E as agruras da administração mais ainda se agravaram com a alta duas vezes estabelecida em 1954 e em 1956, dos salarios mínimos, o que vcio afetar consideravelmente o orçamento da Santa Casa, não só pelo maior salario inicial, como também pelo reajustamento de todos os demais, consequência natural daquele

aumento decretado.

556

Glauco

Carneiro

O aumento, a partir de 1954, só na verba pessoal foi de 15 milhões de cruzeiros, anualmente e a partir de 1956, com a nova

clevação

de salários, passou

mente esse aumento. Teve

ainda a Santa

a ser de Cr$ 36.000.000,00

anual-

Casa de estabelecer a remuneração dos

seus serviços médicos, o que se impunha, não só em razão das condições atuais do exercício da profissão, como ainda em decorrência da legislação do Estado. A lei Alipio Correia Neto subordina o recebimento de auxílios e subvenções por parte das casas de assistência à obrigação de remunerar

médicos em

número em

proporção aos leitos dos hospitais. Tivemos assim de acrescer nos

nossos

orçamentos

em

1956

a verba

de

18.164.000

para remuneração dos médicos, verba que se elevou em 18.708.000 cruzeiros”.

cruzeiros

1957 a

A visão de uma responsabilidade manifesta é patente nos documentos que informam os onze anos do Provedor José Cássio. Assim, ao justificar por que a Mesa Conjunta, logo no início de seu mandato, deliberou criar uma comissão de planejamento e estudo e contratar um dos mais competentes técnicos em organização hospitalar da época, o Provedor assinala com precisão o alcance da providência: “A Santa Casa de Misericórdia

de São

Paulo pela natureza

dos serviços que presta sobretudo aos indigentes, sofredores desta Capital, do interior do Estado e mesmo de outros Estados, sempre

mereceu no conceito público a justa fama de instituição de grande benemerência. Por êsse motivo foram-lhe sempre destinados gran-

des e numerosos donativos, que constituem hoje o seu patrimônio, quase todo (9 décimos) representado em prédios e terrenos situados

na cidade de São Paulo e seus arredores.

Fundada há três séculos e meio, ainda em plena era quinhen-

tista quando

a Vila de Piratininga

contava

pouco

mais

de duas

mil almas, vem desde então socorrendo e assistindo aos doentes, pobres e aos necessitados, para isso crescendo e ampliando-se para acompanhar o desenvolvimento e as necessidades da pequena vila, depois da cidade hoje incontestavelmente a segunda Capital do Brasil.

A Irmandade começou construindo a sua Igreja e depois fundando o Hospital em uma de suas dependências. As suas reuniões sempre se realizaram no Consistório da Igreja da Misericórdia; ali se encontravam mensalmente os Irmãos da Santa Casa para em

seguida sairem distribuindo esmolas, visitando enfermos, loucos e presos, levando-lhes e às suas famílias, a assistência moral e os recursos materiais de que necessitavam, protegendo e amparando

O

Poder

da

Misericórdia

557

os órfãos desvalidos, cumprindo Compromisso da Irmandade.

assim

os preceitos religiosos

do

No começo as esmolas eram poucas e os sofredores e necessitados cram muitos. Cotizavam-se os Irmãos presentes para suprir

as faltas c insuficiências

da caixa

da

Irmandade,

e feita a coleta

destinavam as importâncias aos mais necessitados. A documentação escrita do funcionamento normal da Irmandade da Misericórdia alcança o comêço do século XVIII. Os livros das atas suces-

sivas contam o seu crescente desenvolvimento. Ampliando sempre os seus serviços assistenciais, foi a Irmandade aumentando enormemente

seus compromissos

para a manutenção

de novos

institu-

tos, criados e sempre ampliados para atender ao grande número de sofredores que a êles recorrem. Assim a sua receita quer ordinária, quer extraordinária, foi sempre insuficiente para a manutenção das casas, acumulando grandes deficits que passam de um para outro exercício comprometendo grandemente a execução orçamentária anual. Com

Ortopédico

a criação

e

Fernandinho

manutenção

de

novos

serviços,

Simonsen,

Hospital

São

do Instituto do Câncer

Arnaldo

Vieira

Luiz

Instituto

Gonzaga,

instalação do Berçário e do Lactário para as crianças expostas, O ambulatório Conde de Lara, o Sanatório Vicentina Aranha, a manutenção

de Carvalho,

a assistência aos tuberculosos no Hospital e no Sanatório, a Santa Casa aumentou extraordinariamente os seus compromissos aplicando tôdas as suas rendas, recursos e donativos que recebe para atender aos gastos gerais, tornando impossível a melhoria dos serviços fundamentais do Hospital Central que permaneceram com as mesmas características e alguns ainda com as instalações primitivas, como os serviços da portaria para internação de doentes, do Laboratório Central, o bloco cirúrgico central, a cosinha, com seus serviços anexos, almoxarifado, despensa, refeitórios, copa, instalados em 1884 quando a construção do Hospital foi feita para apenas o total de 300 doentes.

Essa deficiência de instalação compromete seriamente os ser-

viços assistenciais do Hospital, tornando-os morosos, e grandemente dispendiosos.

insuficientes

Com as instalações em 1916 das Clínicas da Faculdade de Medicina, no nosso Hospital Central essas faltas eram atenuadas pelo esfôrço dos responsaveis pelo ensino médico que procuravam por todos os meios supri-las com serviços especiais e de emergência em cada enfermaria, criando assim: laboratórios, Raio X, sala de curativos e operações com o respectivo instrumental e material

cirúrgico, biblioteca especialisada e arquivos; serviços também criados por alguns Chefes de clínica nas suas enfermarias.

558

Glauco

Carneiro

Assim ficou o Hospital Central, em parte, dividido em pe-

quenos hospitais com

serviços próprios, mantidos entretanto pelo

custeio geral; e essa multiplicação de serviços iguais em diferentes setores além dos inconvenientes pela dispersão do trabalho, sobrecarrega enormemente a despesa.

Com a transferência dos serviços da Faculdade de Medicina para o Hospital das Clínicas é que se patenteou a insuficiência do nosso Hospital. Mantivemos o mesmo número de internados, sem

entretanto a cooperação

valiosa dos serviços até então

mantidos

pela Faculdade de Medicina e verificou-se o grave problema

da

permanência muito mais demorada dos doentes nas enfermarias, acarretando todos os inconvenientes dai decorrentes. E” que o serviço de rotina necessário ao estudo dos alunos da Faculdade — análises, exames especializados, observação sistemática, supriam

de certa forma, as deficiências do hospital. COMISSÃO

DE

PLANEJAMENTO

Tomando conhecimento dêsses problemas deliberou a Mesa Conjunta, logo no início de seu mandato, corrigir as falhas apre-

sentadas, procurando organizar um programa para a remodelação

dos serviços médicos e assistenciais do Hospital Central e de tôdas as demais casas da Irmandade. Aprovada em sessão da Mesa Conjunta de 25 de posta da Provedoria para a criação de uma comissão mentos e estudos das reformas referidas e autorizada um dos mais competentes técnicos em construções e

abril a prode planejaa contratar organizações

hospitalares, o Dr. Odair Pedroso para orientar os estudos e planejamentos, foram desde logo iniciados os trabalhos. A Comissão

de Planejamento ficou constituida pelos membros da Comissão de Obras, engenheiro chefe do escritório técnico, os Irmãos Escrivão,

Mordomo do Hospital Central, Tesoureiro, Diretor Clínico e mais

os Irmãos

Mesários

Dr.

Leal da Costa,

Washington

de Oliveira,

Benedito Sant'Ana, José Loureiro Batista, Sampaio Viana e Aldo Azevedo, sob a presidência do Irmão Provedor.

Sua primeira reunião realizou-se a 9 de maio, sendo escolhido para relator o Irmão Membro da Comissão de Obras Dr. Zeferino Veloso. Seguiram-se mais nove reuniões a última em 10 de outubro sendo tôdas as atas aprovadas pela Mesa Administrativa e transcritas no livro competente.

Entre as reformas e instalações consideradas de maior urgência foram destacadas a instalação imediata do Banco de Sangue

O Poder da Misericórdia

559

e a remodelação do Pavilhão Condessa Penteado, o qual dispunha de verba especial, A Comissão de Planejamento estudou também vários projetos para a construção do novo pavilhão hospitalar, construido no sentido vertical com 14 ou 18 andares, onde serão centralizados todos os atuais serviços de cirurgia e novas enfermarias para contribuintes e indigentes. Tendo, entretanto, a Mesa Conjunta reiniciado os trabalhos para a reforma do Compromisso da Irmandade, resolveu o Irmão Provedor suspender as reuniões da Comissão de Planejamentos para que as suas deliberações pudessem ser tomadas de acôrdo com as novas determinações do Compromisso”.º Um dos setores mais necessitados de mudança era o Banco de Sangue,

pois só o Hospital Central contava com 10 núcleos “com notório desperdício de material e matéria prima, pois não fazia a economia de escala”. A idéia de um “Banco de Sangue Central” partiu do médico Vasco Ferraz Costa, que demonstrou

ao mesário Cantídio de Moura

Campos

as vantagens que

adviriam de sua implantação. Dois anos, porém, se passariam antes que, em 1946, fosse apresentado à Mesa o projeto do Banco de Sangue, afinal inaugurado a 30 de outubro de 1947, na gestão do Diretor-Clínico Dr. Pereira Gomes e contando com donativos do Irmão Anésio Augusto do Amaral e do Jockey Club de São Paulo. Dirigido pelo Dr. Vasco Ferraz

da Costa, o Banco de Sangue teve ainda como auxiliares Irmã Maria de São Geraldo,

Drs. Isaias Zatz,

Dante

Langhi,

Antonio

Damasco

e Gecel

Szterling. O déficit verificado no exercício de 1947 só foi parcialmente solucionado pela Irmandade com a colaboração dos Deputados Padre João Batista de Carvalho e Auro Soares de Moura Andrade, que conseguiram retirar emendas restritivas num decreto de subvenção estadual à Santa Casa.

O Poder Público concederia Cr$ 9.690.000,00 de verbas à instituição. Defrontando-se com o agravamento dos problemas financeiros, e não desejando restringir o acesso de doentes aos seus hospitais, a Santa Casa decidiu melhorar a renda de seu patrimônio imobiliário, com a permuta e venda de vários prédios da Irmandade e reconstrução de edifícios velhos, conforme um minucioso plano elaborado pelo Irmão Henrique Armbrust, Outro passo importante desse primeiro ano do Provedor José Cássio

foi a ultimação da reforma do Compromisso, que se vinha arrastando desde 1942. O texto final, de autoria do Irmão Dr. Leal da Costa, foi aprovado na sessão da Mesa Conjunta de 2 de dezembro de 1947.

Os serviços de assistência

Passo a passo com o crescimento de São Paulo, acorre para o. com-

plexo assistencial da Sunta Causa a fração de povo que tem na instituição

560

Glauco

Carneiro

seu derradeiro apoio. A Irmandade em 1948, hospitalizou 10.802 doentes no Hospital Central; 1.230 tuberculosos nos Hospitais São Luiz Gonzaga e Sanatório Vicentina Aranha; 825 inválidos e velhos no asilo do Jaçanã, além de matricular 1.954 alunas no Colégio São José e cuidar de 197 crianças recebidas pela tradicional “Roda” dos expostos e recolhidos ao Lar São José e Asilo Sampaio Viana — num total de 13.027 internações e 1.954 matrículas, sem contar os 55.631 doentes externos, atendidos nos ambulatórios. Os 1.034 leitos do Hospital do Arouche poderiam ter melhor rendimento se a Santa Casa encontrasse condições de remover algumas dificuldades em seus serviços — um dos quais, por exemplo, o tempo de permanência

dos

doentes.

A

Irmandade,

porém,

comove-se

“com

o quadro de

miséria orgânica, de carência de alimentação e estado crônico das enfermidades, obrigando a um estágio muitas vezes longo para recuperação e tratamento preventivo ou pré-operatório, o que em geral não se observa nos demais hospitais, em que os doentes necessitam apenas tratamento para

moléstias agudas”.

Entrou em vigor em

1.º de janeiro de 1948 o novo Compromisso

da

Irmandade, assim como, a 5 de julho, foi aprovado pela Mesa o renovado Regulamento do Corpo Médico. Intensificou-se a reforma do Pavilhão de Pediatria “Condessa Penteado” e a 29 de outubro foi inaugurado no Hospital São Luiz Gonzaga o Pavilhão Infantil “Dr. Synesio Rangel Pesana”, tendo o Serviço Nacional de Tuberculose contribuído com o auxílio

de Cr$ 858.000,00 para conclusão das obras. No mesmo dia foi inaugurado

no Hospital

Central

o Serviço

de Censo Torácico “Dr. Menoti

Sainatti”,

cuja aparelhagem também foi oferecida pelo órgão federal. A Mesa aprova

o loteamento e venda dos terrenos da Irmandade contíguos ao Asilo Sampaio Viana. O Provedor congratulou-se com o Diretor-Clínico, Dr. Ayres Netto, “pela aprovação do Regimento do Corpo Médico que veio possibi-

litar a mais íntima colaboração desses dedicados profissionais com a administração dos hospitais”. Em

1949, a média

diária de atendimentos

da

Santa

Casa

atinge

a

2.029 pessoas entre doentes de moléstias graves, inválidos, tuberculosos e órfãos. A percentagem de curas atinge a 87,60% no Hospital Central; 29,91% no Sanatório Vicentina Aranha e 41,02% no Hospital São Luiz Gonzaga. Foram gastos nesse ano 130.500 quilos de pão e 171 toneladas de carne e 500 quilos de arroz para os internos. A Mesa se esforça para

apresentar resultados de suas duas metas permanentes: Melhorar a assistência aos doentes e aumentar a renda da Irmandade. Instala-se um aparelho de Raios

X na 2.º Enfermaria de Homens,

a 19 de março;

moderniza-se a

sala de operações “Prof. Alves de Lima” no Bloco Cirúrgico Masculino, em 3 de setembro; instala-se o Pavilhão de Tuberculose Infantil “Dr. Menoti Sainati” no Hospital Central, em 20 de outubro. O Provedor Cássio de Macedo Soares assinala grande perda:

O

Poder

da

Misericórdia

“Roberto Simonsen, falecido em 29 de janeiro, pertenceu por mais de vinte anos á Mesa Administrativa e foi o grande colaborador de Rezende Puech e Synesio R. Pestana, na construção e instalação do Pavilhão Fernandinho Simonsen, incontestavelmente o maior e melhor serviço de ortopedia infantil da América do Sul e onde o Prof. Puech conseguiu organizar e dirigir a mais notavel escola de especialistas do nosso meio medico”. Um entre os à Mesa, histórico

quadro completo do programa de reformas encetado na Santa Casa anos de 1947 e 1950 foi exposto pelo Provedor em sua mensagem com data de 5 de maio de 1951. Trata-se de outro documento de interesse para o leitor:

“Desejo assinalar, de comêço, alguns fatos que demonstram o seguimento do programa elaborado pela Mesa Administrativa quando em 1947 nomeou, por proposta do Irmão Provedor, uma comissão para estudar e planejar as reformas substanciais por que deveriam passar todos os serviços de assistência e tratamento aos nossos doentes. A comissão orientada pelo eminente especialista em organiza-

ção hospitalar, Prof. Odair Pedroso, estudou durante vários meses, realizando vinte e três reuniões conjuntas, todo o plano de renovação dos nossos hospitais e ajudado grandemente pela Comissão de Obras presidida pelo notável engenheiro paulista, Dr. Heitor Portugal e pelo chefe do escritório técnico de obras Dr. Olavo Caiuby e seus auxiliares, pôde concretizar vários estudos que no decorrer dos três ultimos anos puderam ser iniciados e vários inteiramente terminados. O quadro a seguir evidenciará os serviços acima

DESPESAS

PATRIMONIAIS REALIZADAS 1947 A 1950

HOSPITAL

NOS

referidos:

ANOS

DE

CENTRAL

Pavilhão Condessa Penteado . Cosinha provisória ......... Farmácia ..........c.....

3.319.608,80 570.943,20 872.787,50

Ampliação Ampliação Adaptação e apar.

Serviço de Esterilização ..... 1.º Med. Mulheres e 6.º Med. Homens .......cccc. Ambulatório Conde Lara .... Enfermaria de Neuro Cirurgia

1.015.336,90

Adaptação e apar.

250.780,70 3.493.261,09 521.860,37

Adap. Enf. L.A.P.I. Construção interna Adaptação e apar.

Serviço de anestesia

........

253.551,10

Aparelhagem

Glauco Carneiro

562

Laboratório

194.721,44

.........

Casa das Máquinas

254.640,64 328.541,10 2.948.112,36

Central

Banco de Sangue

Diversas

enfermarias

Ampliação e apar.

Melh. instal. apar. Adaptação e apar. Mov. utens. e apar.

14.024.145,20 SANATÓRIO

VICENTINA

ARANHA

Reconstrução e instalações .. Utens. e aparelhagem médica .

3.665.741,70 243.855,80 3.909.597,50

EXTERNATO

SÃO

JOSE

Ampliação Moveis

199.827,20 46.450,00

e Utensílios

246.277,20 ASILO

DE

INVÁLIDOS | auto caminhão ........... INSIMIAÇÕES axu sigamasa rica

38.000,00 17.600,00 55.600,00

HOSPITAL

SÃO

LUIZ

GONZAGA

Term. obras

Pav. Tuberc.

Mov. utens. e apar. médicos

Inf.

.

.............,..

ASILO

SAMPAIO

1.131.989,00 281.367,30 1.413.356,30

VIANA Melhoria nas amp. e inst. .... Moveis, utensílios .........“.

332.937,40 156.132,00 489.069,40

CHÁCARA

JAÇANÃ Criação e veículos comprados . TOTAL

GERAL

453.045,00 20.491.650,60

O Poder da Misericórdia

DESPESAS

563

PATRIMONIAIS REALIZADAS 1947 E 1950

PRÉDIOS

PARA

RENDA

EM

NOS ANOS

DE

CONSTRUÇÃO

Reconstrução

prédio

Rua

S. Bento, 360-372

....

Reconstrução

prédio

Rua S. Bento, 500-506

....

6.849.850,45

Reconstrução

prédio

Rua

........

184.224,74

Reconstrução prédio Av. Ipiranga ............. Reconstrução prédio Rua Domingos de Paiva ... Reconstrução prédio Rua Aurora ............. Reconstrução prédio Rua TOTAL

Piratininga

Bento

Freitas

..........

cce

IMÓVEIS

PARA

RENDA

PARA

RENDA

do Estado de São

725 ações

e Ind.

PAUÃO: amasesi DESASTRES 400 apólices Unificadas Tes. Estado de São Paulo [766 1/0) DR

TOTAL TOTAL.

Comércio

17.365.000,00 839.261,40 170.000,00 18.374.261,40

ADQUIRIDOS

280 ações do Banco Comercial

do Banco

2.948.023,73

COMPRADOS

.escccscescsccccrrreresrecces

TÍTULOS

20.178,10 124.668,60 1.114.824,80

[1.250.448,60

Rua 7 de Abril (Edifício Bell) ............... Avenida: Lpiranga. as asssns ss resemaa O Rua Basílio da Cunha ........cccccc TOTAL

8.478,18

São

Paulo

auters ismamee tros A EE GERAL quase ssssmseseni tiros

56.000,00 202.600,00 108.750,00 367.350,00 29.992.060,00

O que facilitou e mesmo possibilitou a execução dêsse audacioso programa de reformas, foi a excelente orientação da Comissão de Contas, constituida pelos dedicados Irmãos Benedicto Sant'Anna, Pedro Pedreschi e Tacito Lara, com a colaboração eficientissima dos Irmãos Henrique Armbrust, José Alcantara Macnado, Candido Junqueira, Mario França Azevedo e José Loureiro Baptista, conseguindo levar avante, com propósito firme, a atualização de parte da renda imobiliária da Santa Casa, num magnífico plano de permuta e reconstrução de velhos prédios, atualização dos contratos

de arrendamento

realizados

há vários

anos,

saneando por essa forma parte do patrimônio que se encontrava congelado e sem renda. Assim foi obtido o numerário suficiente

564

Glauco Carneiro

para as primeiras realizações: a criação do Banco de Sangue, o Serviço de Abreugrafia, reforma e instalação da nova farmácia, a ampliação do Centro de Cirurgia Masculina para onde foram transferidos os serviços de anestesia e esterilização para todo o Hospital e todos os mais serviços mencionados no quadro acima, No setor da economia patrimonial da Irmandade foram feitas

as seguintes operações:

RECEITA PATRIMONIAL IMÓVEIS VENDIDOS Loteamento Pacaembú ....... Faz. Pau d'Alho - lotes vendidos

7.122.086,40 1.010.342,00

Prédio

3.800.000,00

Alameda Alameda

Rua S. Bento, 59-63

Barros, 68 Barros, 82

Rua 7 de Abril, Rua 7 de Abril,

Rua

Sebastião

...

......... .........

170 - permuta 3.876.500,00 - permuta 700.000,00

Pereira

.......

Avenida Ipiranga, 200-208 ....

Rua Alvares Penteado ....... Rua dos Gusmões ..........

Rua 7

Rua

de Abril,

503.280,00

4.112.730,00

4.600.000,00 450.000,00

2 - permuta 4.035.000,00

da Mooca, 2508

Avenida

543.000,00 513.000,00

Celso Garcia

........

.......

500.000,00

400.000,00 37.344.905,40

Menos:

Imóveis vendidos, prestações pagas no exercício de 1946:

Rua Sebastião Pereira ........ 503.280,00 Rua 7 de Abril ............ "700.000,00 inicial Rua Alvares Penteado .. 2.600.000,00

inicial Avenida

Ipiranga

.....

2.112.730,00

5.916.010,00

Cr$ 31.428.895,40 Todo esse programa de melhorias dos departamentos assistenciais que procuramos introduzir nos nossos hospitais tem um único objetivo: elevar o quanto possivel o nivel da assistência dada aos nossos doentes, possibilitando então aos Médicos dos respectivos serviços a pesquisae a investigação científica para isso ainda temos que completar o laboratório central, o Departamento de Radiologia e pôr em funcionamento com a maior urgência o Instituto de Anatomia Patológica, que estão merecen-

do os mais acurados estudos”.*

O Poder da Misericórdia

O

Provedor

administração:

“O

565

Cássio

nunca

programa

deixa

escapar o propósito

traçado

em

básico de sua

1947

continua

a ser executado

no

Hospital

Central,

no sentido de reorganizar, atualizar e desenvolver todos os serviços assistenciais, com o objetivo de melhor atender aos desprotegidos da fortuna, observando o espírito de solidariedade mantida em todos os tempos pelas velhas e sempre prestantes Misericórdias”. No

ano

de

1951

foram

internados,

13.677

doentes, dos quais faleceram 498, o que dá uma percentagem de mortalidade de 3,64%. O hospital manteve, durante o ano, 1.276 leitos gratuitos e 119 pagantes, “no total de 1.395 camas e que produziram 399.134 leitos ocupados durante os 365 dias de 1951”. Nesse ano, o Colégio São José, com 2.107 alunos, “é o maior estabelecimento de ensino do gênero de todo o Brasil”. A assistência às crianças abandonadas e carentes é feita pelo Departamento de Menores da Irmandade, que mantém o Educandário Sampaio Viana, o Lar São José e a Creche, todos sob a orientação de uma só mordomia.

Em

Araras,

mantém

a Santa

Casa o Asilo Santo Antonio,

internato de assistência a meninas pobres. A Mesa faz um registro importante: “Concluimos todas as instalações previstas e mantivemos todos

os serviços, porque

tivemos a promessa

formal do digníssimo Governador

portância necessária para a manutenção

dos serviços até que a Irmandade

do Estado, de que tão logo pudesse, no ano seguinte, enviaria uma mensagem ao Congresso do Estado, solicitando a cobertura do déficit e a imde novo equilibrasse seu orçamento. Nesta data, já o Governador do Estado, Dr. Lucas Nogueira Garcez, havia cumprido integralmente sua promessa”."” O ano de 1952 foi marcado pela instalação no Hospital do Arouche dos novos serviços de anestesia cuperação operatória. Foi também instalado o serviço gica entregue à direção do Prof. Maffei. Os doentes seguintes

faixas etárias:

de

o Serviço

de O a 20

anos,

31%;

As

despesas

de

Centro Cirúrgico do e esterilização e rede anatomia patolóatendidos estão nas 20

a 40 anos,

44%;

de 40 a 60 anos, 20%, e mais de sessenta, 5%. Os brasileiros são 93% do total e os estrangeiros, 7%. Os pacientes provêm da capital (72%), do interior (21%) e de outros Estados (7%). Inaugura-se em dezembro 1952

de Odontologia.

a Cr$ 19.900.000,00, o pessoal custa dica, 11.100.000,00, no ano de 1953.

de alimentação

atingem

36.050.000,00 e a assistência mé-

O 4.º Centenário de São Paulo

Em 1954, ano em que a cidade de São Paulo completou 400 anos de fundação, a Santa Casa registrou 887.473 leitos/dia ocupados. A manutenção e até ampliação dos serviços tornaram-se possíveis mais uma

vez

pelo socorro governamental, que acorreu com 25 milhões de cruzeiros para fazer frente ao crescente déficit da Irmandade, graças à excepcional com-

566

Glauco

Carneiro

preensão de um dos grandes administradores da história estadual, o Prof. Lucas

Nogueira

Garcez.

Já no início do ano, a imprensa paulistana

previa que a Santa Casa

teria um déficit de 27 milhões de cruzeiros, observando, jornalista Jaime Pacini Coeli no Diário de S. Paulo:

a propósito, o

“A Irmandade da Santa Casa de Misericordia de São Paulo, como todas as instituições que se dedicam especialmente à assistencia medico-hospitalar, vive às voltas com crescentes deficits. É que, dia a dia, aumenta o numero de pessoas, sem recursos, que batem às suas portas atrás de tratamento gratuito. Acresce, ainda, que, à medida em que aperfeiçoa os seus serviços — Laboratorios de Analises e de Anatomia Patologica, Raio X, Odontologia, Documentação

Cientifica, Gasoterapia, Centros

Cirurgico e

de Recuperação, Serviço Social Medico etc. — e melhora o seu

padrão assistencial, as despesas para a sua manutenção e atualiza-

ção crescem.

E quanto

mais eleva

o nivel de seus

trabalhos,

re-

cuperando maior numero de vidas, mais aumenta o numero de indigentes que procuram seus hospitais e sanatorios, em busca de cura, porque a boa-fama do tratamento dispensado atrae mais doentes, não só da Capital como do Interior e de outros Estados.

Não é de estranhar, pois, que o deficit da Santa Casa se

eleve de ano para ano. Os dirigentes da vetusta Irmandade procuram, por todos os meios, combater esses deficits. Possuindo

apreciavel integrada que outra sua renda

patrimonio imobiliario, nomeou comissão especializada, por abnegados que prestam graciosamente seu trabalho, coisa não fazem senão procurar elevar, cada vez mais, de alugueis. Assim mesmo, no exercicio de 1953, ela

não ultrapassou de 16 milhões de cruzeiros. Para o corrente ano,

está prevista a sua elevação a mais de 23 milhões. Apesar desse esforço, a despesa sempre é maior do que a receita. No orçamento de 1953, que atingiu a cerca de 75 milhões, o deficit previsto foi de Cr$ 10.770.552,00 e, até o mês de novembro tinha atingido a Cr$

9.873.006,00.

Esse

tasse com aproximadamente

deficit

oficiais e particulares.

AUMENTO Embora

seria

muito

maior,

senão

con-

20 milhões de donativos e auxilios,

DE

DESPESAS

ainda não esteja encerrado o balanço do exercicio

de 1953, a comparação das despesas realizadas, até novembro ultimo, com as previstas para o atual exercicio, demonstram quanto

se têm elevado as despesas domias:

da Santa

Casa, divididas por Mor-

O

Poder da

Misericórdia

567

1953 (Até novemb.)

1954 (Previsão)

.........

42.252.221,10

46.800.000,00

Vic. Aranha ............ Externato ............. o INVaNdOS auxarisasasiias S. Vianna ............. S. L. Gonzaga .......... Chacara ......cccc..

6.682.552,50 2.835.832,20 3.167.708,00 1.825.199,00 11.198.180,50 908.456,90

7.320.000,00 3.240.000,00 3.684.000,00 2.268.000,00 12.000.000,00 1.116.000,00

68.871.151,40

70.428.000,00"!

Mordomias

Hospital

Central

TOTAL

.iccscercios

Nesse tempo, já se tem uma certeza: a Santa Casa depende em 50% das subvenções para sobreviver. Em 1952, por exemplo, recebeu dos poderes públicos 40,38%

de sua despesa, com os donativos atingindo a 10,68%

e os legados e esmolas, 2,04%. O maior problema da Irmandade, porém, é a conservação e melhoria do seu vasto patrimônio: ““Dedicando-se à assistência médico-hospitalar, a Irmandade não pode se limitar, apenas, à conservação dos seus hospitais e sanatórios. Não basta zelar pelos prédios, em que funcionam seus vários departamentos. Tem que acompanhar a evolução da medicina. reaparelhar-se a fim de oferecer os meios mais modernos que aumentam a eficiência de seus médicos e cientistas. Precisa

adquirir

aparelhos,

nistração está

introduzir

consciente

modificações

de que,

essenciais.

se se limitar

apenas

seu atual aparelhamento científico, não oferecerá campo

A

sua alta admi-

à manutenção

do

propício a expe-

riências médico-cirúrgicas e, portanto, não interessará as centenas de facul-

tativos que

lhe prestam benemeritamente

seus serviços profissionais”?

O grande evento do ano de 1954 foi a inauguração da Biblioteca Central “ Augusto Meireles Reis”, cujo acervo foi doado à Santa Casa pelo Dr. Synesio Rangel Pestana que, em agosto daquele ano, já em avançada idade, mandou ler um discurso histórico, em que traçou uma perspectiva da Santa

Casa em várias dezenas de anos, acentuando ao final (a íntegra de seu pronunciamento está transcrita no Anexo deste capítulo): “Aí está montada a Biblioteca que de agora em diante pertence à Santa Casa e dela me despeço saudoso porque foi o instrumento de minha cultura profissional, que me deu a posição conquistada em nossa sociedade à custa de trabalho honesto e perseverante”. Instalada no último andar do Edifício de Ambulatórios “Conde de Lara”, a Biblioteca Central continua a ser um instrumento útil para a formação e informação

de seus milhares de usuários.

Segundo sua diretora Martha D'Amico, “a biblioteca tem sido de grande valia para os médicos, estudantes de medicina e enfermagem, bem como aos funcionários do hospital”. E no mundo da Santa Casa o pessoal da biblioteca registra a aventura humana inigualável de Thomaz Moldero, que

68

Glauco Carneiro

dedicou

grande

parte de sua

vida aos carentes

abandonando emprego, casa e família para junto aos menos favorecidos da sorte”.

assistidos

pela instituição,

morar no Albergue

Noturno,

No ano de 1955 a satisfação dos compromissos da Santa Casa foi mais uma vez facilitada pelo apoio de autoridades governamentais, desta-

cando-se o Secretário da Fazenda,

Carvalho

Pintto, aquele mesmo

doador

que, na década de vinte, repassara à Santa Casa o prêmio que recebera como melhor aluno do Ginásio do Estado."

Já encontramos nesse ano as dependências da Santa Casa com o seguinte atendimento: Hospital Central, 14.717; Hospital São Luiz Gonzaga, 876; Asilo dos Inválidos, 785, e Sanatório Vicentina Aranha, 454, além

de duzentas crianças atendidas nos Educandários Sampaio Viana e D. Bene-

dita Nogueira, este na cidade de Araras. Os consultórios externos minis-

tram 80.000 receitas, com 70% de remédios fornecidos inteiramente em caráter gratuito. O Colégio São José tem aí 1.785 alunas matriculadas em seus cursos, desde o pré-primário até as Escolas Normal e Comercial, com

todas as classes desdobradas.

No último ano da renovadora administração da Mesa presidida pelo Dr. José Cássio de Macedo Soares, é a seguinte a distribuição dos recur-

sos assistenciais

da

Irmandade

da

Misericórdia

de São

Paulo:

“A serviço da nossa população pobre e necessitada mantem a Irmandade os seguintes departamentos de assistência: HOSPITAIS Hospital Central

........ 0.00...

Hospital S. Luiz Gonzaga

Sanatório Vicentina

Aranha

.......

1.483

.....

400

leitos (1.300 gratuitos)



(

280



(

600

leitos (

310

160

Leprosário Santo Angelo, sob administração do Estado.

"os

"os

ASILOS Asilo de Inválidos D. Pedro

Educandario Sampaio Vianna

II ..

....

150

"”

(

560 gratuitos)

150

"o

COLÉGIOS Colégio São José —

Enfermagem

Lar São José e Escola de Auxiliares de

com mais de 2.200 alunas matriculadas.

As diversas unidades que compõem esses departamentos, atendem as mais variadas classes de necessitados, sendo que os seus serviços se distribuem pela seguinte forma:

O

Poder

da

569

Misericórdia

1.º) consultantes,

2.º) doentes nas do Hospital Central;

no

Pavilhão

Conde

enfermarias

Lara;

clínica

médica

e cirúrgica

3.º) pronto socorro infantil no Pavilhão

Conde

Lara;

4.º) tuberculosos Campos; 5.º) crianças

Educandário

D.

expostas,

Sampaio

6.º) velhos

Inválidos

nos

hospitais

de

Jaçanã

abandonadas

no

Vianna;

desamparados

Pedro

de

de

e inválidos

II;

e São

José

dos

anexo

ao

Departamento

de

Berçário, no

7.º) menores (clínica médica e cirúrgica) nos Pavilhões “Condessa Penteado” e “Fernandinho Simonsen”; 8.º)

cancerosos

com o Hospital

no

Instituto

Arnaldo

de Carvalho

(convênio

Central);

9.º) menores necessitados de internamento e moças

egressas,

no Lar São José; 10.º) gueira;

11.º)

menores

internados

recém-nascidos,

candário Sampaio Vianna;

no

Educandário

assistidos

no

D.

Berçário,

Benedita

anexo

12.º) doentes de mal de Hansen, no Leprosário gelo, de propriedade da Irmandade e administração (convênio); 13.º) instrução e educação légio São José; 14.º) ensino de enfermagem fermagem São José: a) alunas

a cerca de 2.000

ao

No-

Edu-

Santo Ando Estado

alunas

no Co-

na Escola de Auxiliares

de En-

no curso anexo de aux. enfermagem

......

164

b) alunas no curso de extensão de enfermagem

......

17

.................

60

c) alunas no curso de preparação TOTAL. O

xs ssao

Ema ts O EE E

ES

ES CS E 241

vertiginoso crescimento da cidade nos últimos rante os quais dobrou sua população, coincidiu com

anos, duuma fase

de duras dificuldades para a Irmandade. Cresceram os seus serviços nas mesmas proporções das necessidades da população.

570

Glauco Carneiro

O Hospital Central, por exemplo, mentados nas seguintes proporções:

1955

Média

mensal

do

2: semestre

Operações

.....

Doentes intern.

Radiografias

Abreugrafias

Consultas Anestesias

....

..

...

teve os seus serviços au-

Média

mensal

do

2.º semestre

Aumento

687

1.030

49%

781

[.147

46%

1.069

2.650

5.319 420

10.810 701

1.744

..ccs. ......

1956

148%

3.155

80%

100% 67% 1º

A Irmandade de 1956 é uma corporação de 60 mesários, 250 médicos, 107 irmãs de caridade e 1.500 funcionários, que alcançou sucesso

na sua meta de conservar e ampliar seus serviços, modernizando-os de tal forma que muitos deles, nesse ano, podem rivalizar com os melhores do

país. A elevação das rendas próprias, bem como

o incremento da subven-

ção governamental, deram condições para que a Santa Casa continuasse a ser a derradeira e mais querida instituição assistencial da cidade, preser-

vando

suas características

imutáveis:

|. Ser um instrumento serviço comunitário; saúde

2.

de mobilização

das classes

abastadas

para o

Ser um veículo de atualização médica e profissional do pessoal de paulistano;

3. Constituir a última frente de engajamento dos melhores e mais distinguidos valores humanos da terra, no setor da assistência às classes carentes.

NOTAS Paulo

2.

Pasquale

Henrique,

Urbana

Metrópole

Petrone,

de São

“A

e Rincões,

Cidade

Paulo, op. cit.

de

São

pág.

pág.

25,

Paulo

112.

São

no

Paulo,

Século

1944,

XX”,

in:

A

Evolução

- Idem.

4.

Prestes

dt

nal

|.

Christiano

São

Maia, in;

Petrone,

Altenfelder,

Paulo,

Habitat

da

Mesa

in:

Editora,

op.

cit.

Relatório

pág.

117.

da

Mesa

1958, pág.

Administrativa

do

15.

€.

Relatório

Ano

de

7.

Relatório de

1949, editado em

1950, pág.

8.

Relatório de

1950, editado em

1951, pág. 3.

19.

Administrativa

1947,

editadó

do

em

Ano

de

1948,

pág.

1957,

16.

O

Poder da Misericórdia

571

9. Relatório de 1951, editado em 10. Idem, pág.

1952, pág. 9.

12.

11.

Diário de S. Paulo,

12.

Idem,

31/1/1954.

14/1/1954,

13. Martha

D'Amico,

Entrevista

ao

Autor, dezembro

1984.

14.

Mais tarde, como Governador, Carvalho Pinto continuaria a ser um grande amigo da Santa Casa. Hoje é seu Irmão Protetor.

15.

Relatório de 1956,

impresso em

1957, pág. 27.

ANEXO 55 ANOS DE SANTA CASA BIBLIOTECA CENTRAL

E A

Discurso do Dr. Synesio Rangel Pestana, na inauguração da Biblioteca

Augusto

Meireles

Reis,

de São

Paulo

20 de agosto de 1954. “A

inaugura

diretor

Irmandade

hoje sua

clinico.

da Santa

Casa

de Misericordia

Biblioteca Central,

ardente

desejo

do seu ex-

Nomeado diretor clinico dos seus Hospitais em 13 de fevereiro de 1927, foi meu primeiro cuidado visitar os hospitais e asilos da Irmandade para verificar quais as suas necessidades mais urgentes.

O Asilo de Expostos, do qual fui chefe, de clinica durante 19 anos, havia inaugurado em 1931, já na minha administração, sua nova enfermaria, aspiração acalentada desde a minha posse no cargo, porque

os seus asilados

em

numero

superior

a cem,

naquela época eram tratados nos proprios dormitorios, em promiscuidade com crianças sãs. O Asilo de Invalidos não tinha necessidades urgentes. O Leprosario de Guapira, horripilante deposito de leprosos, superlotado, sem condições higienicas, sem o mais elementar conforto, esperava a sua transferencia para o moderno e confortavel Asilo Colonia de Santo Angelo, que a Santa Casa estava construindo com valioso auxilic do governo do saudoso presidente Carlos de Campos e que foi inaugurado em 1928. O Hospital-Sanatorio Vicentina Aranha, de S. José dos Campos, havia iniciado sua obra benemerita em 1924, perfeitamente aparelhado, de acordo com as exigencias científicas do tempo.

572

Glauco

Carneiro

Como se está vendo, a Santa Casa atravessava um período de

renovação em diversos de seus departamentos cujas condições eram precarias no ponto de vista da assistencia hospitalar. As deficiencias maiores se encontravam

no Hospital Central

exigindo urgentes providencias para colocar o maior e mais antigo hospital da cidade e do Estado na altura do seu progresso e no nivel da posição de São Paulo, já nesse tempo, o estado lider

da federação

brasileira.

Encontrei-o quase Carvalho, que foi o seu derno, de cientifico no trando a visão larga de do cientista, um dos seu tempo.

o mesmo hospital de Arnaldo Vieira de remodelador, pois tudo que havia de monosso hospital fora de sua iniciativa, mosadministrador e a cultura vasta e profunda mais completos cirurgiões brasileiros do

De novo, só encontrei o Pavilhão Condessa Penteado para pediatria medica; a enfermaria de ginecologia, construida com o

donativo da saudosa Condessa de Lara, nossa irmã protetora e com o auxilio do governo do Estado, para abrigar a cadeira de clinica ginecologica, conquistada em concurso pelo professor dr. Nicolau de Morais Barros, pois o nosso hospital que, por acordo entre o governo e a Irmandade havia cedido à Faculdade de Medicina de S. Paulo as enfermarias necessarias ao ensino das diver-

sas clinicas do seu curso, não tinha,

na ocasião, enfermaria

vaga

onde se pudesse instalar aquela cadeira; e finalmente, a enfermaria de clínica oftalmologica de mulheres, entregue cadeira da especialidade, inteiramente remodelada, graças à decisão do saudoso ex-diretor da Faculdade, professor dr. Pedro Dias da Silva. Essas novas instalações devemo-las aos esforços e ao prestígio do nosso grande diretor clínico dr. Diogo de Faria, que, infelizmente,

exerceu o cargo somente durante sete anos, tendo tido tempo para atacar novas obras que julgava necessarias. O

nosso hospital, sempre superlotado, precisava de novos leitos para doentes de medicina, de cirurgia e das diversas especialidades, cujas enfermarias abrigavam doentes em numero superior ao dobro dos leitos existentes em colchões estendidos pelo chão entre os leitos e na passagem central das enfermarias. As salas de cirurgia de homens eram duas e as de mulheres tambem somente duas. As clinicas de oftalmologia de homens e de dermato-sifiligrafia estavam instaladas em enfermarias do porão da ala esquerda do hospital, mal iluminadas e como as outras, superlotadas. Os

ambulatorios funcionavam em salas do porão da frente do hos-

pital, acanhadas,

sem

o necessario equipamento,

de modo

que

O

Poder

da Misericórdia

573

os dedicados medicos desses serviços faziam verdadeiros milagres no cumprimento de seus deveres profissionais. As outras secções do hospital, salas de operações, de raio X, gabinetes de massagens e hidroterapia, quartos para pensionistas, etc. todos

em

instalações

deficientes.

Tuberculosos

“O problema que mais chamou minha atenção pela sua gravidade foi o dos tuberculosos dentro do Hospital. Ainda na direção de Arnaldo resolveu-se aproveitar um velho pavilhão de dois andares existente nos fundos do hospital para nele recolher os tuberculosos internados, colocando-se os homens no pavimento terreo, e as mulheres no primeiro andar. Em pouco tempo o velho pavilhão se encheu e apesar disso, as diversas enfermarias do hospital continuaram a abrigar grande numero de tuberculosos em criminosa promiscuidade com doentes de outras molestias. Não havia solução para o caso, porque não existia hospital especializado na cidade e por outro lado, os portadores de molestias do pulmão não podiam ficar abandonados sem

tratamento.

Impressionado com esse quadro negro desafiando a minha argucia e a minha capacidade de direção, resolvi ouvir o escritorio tecnico de obras da Irmandade e o prof. Rezende Puech que era, aquele tempo, a maior autoridade no Brasil em questões de organização e construção hospitalar. Estava aquele ilustre professor em entendimento com o diretor clinico do Hospital, dr. Diogo de Faria e o nosso grande irmão protetor dr. Roberto Simonsen para a construção de um pavilhão para o serviço de cirurgia infantil e ortopedia, para o qual o dr. Simonsen pretendia concorrer com valioso donativo que permitia o início da obra.

Falecido o dr. Diogo de Faria ainda na fase dos estudos para aquela construção, fui ouvido, como seu sucessor. Hospital Central “Lembrei então a conveniencia

de se tratar de remodelação

completa do Hospital Central, modernizando-o de acordo com as novas ideias sobre construção hospitalar ventiladas na America do

Norte

e na

Scandinavia.

574

Glauco Carneiro

Rezende Puech, o engenheiro Arnaldo Villares e mais tarde o

engenheiro Olavo Franco Caiuby, chefe do escritorio de Obras da Irmandade e o novo diretor clinico, depois de demorado estudo das instalações do Hospital Central e das suas necessidades mais urgentes, chegaram à conclusão de que deviamos, aproveitando o casco do antigo hospital de pavilhões separados, transformar suas velhas enfermarias em blocos de 3 a 4 pavimentos, ganhando em altura o espaço necessario para sua ampliação, uma vez que não era aconselhavel a construção de um monobloco, tão de uso modernamente.

Ficou assentado que as mais urgentes necessidades do hospital eram: a) construção do pavilhão de cirurgia infantil e ortopedia com 7 andares, já em estudos

na administração

Diogo de Faria;

b) do bloco cirurgico começando pelo feminino, na ala direita e

seguindo-se-lhe o masculino,

na ala esquerda, ambos

com

quatro

pavimentos, sendo aproveitado no bloco masculino o acidente do

terreno que permitia a construção de um andar, no rez do chão,

destinado ao almoxarifado da Irmandade; de oftalmologia, com

3 pavimentos;

c) do bloco. masculino

d) do pavilhão

para

ambu-

latorio com 8 andares, dos quais o ultimo seria destinado à biblioteca e à sede da sociedade dos medicos da Santa Casa, com a sua revista e que seria ao mesmo tempo salão de conferencias e reuniões do corpo clinico; e) comunicação subterranea ligando as enfermarias do rez do chão ao Pavilhão Condessa Penteado, ao

futuro pavilhão dos ambulatorios e à portaria do Hospital; f) de um hospital para tuberculosos fora do Hospital Central, e a con-

sequente demolição do velho deposito de tuberculosos,à famosa

5.º enfermaria de medicina.

Como obras menos urgentes viriam a seu tempo, a parte central do bloco cirurgico entre as secções masculinas e feminina,

com

5 ou 6 andares,

acima

da nova

enfermaria

de ginecologia

destinada às clinicas de especialidades, ao serviço central de esterilização, arsenal cirurgico e no ultimo pavimento, as salas de cirurgia;

a ampliação e modernização

de hidroterapia, no rez do chão do lhões de pensionistas, da farmacia Medicina de homens e mulheres, da e sifiligrafia, do laboratorio central,

dos serviços

de

raios X

e

bloco; a reforma dos pavicentral das enfermarias de enfermaria de dermatologia pavilhões para moradia de

enfermeiros e empregados de ambos os sexos necroterio e serviço

de escritorio de obras da Irmandade,

Todos esses estudos foram atacados e concluidos, com plantas detalhadas das obras projetadas. A parte tecnica do problema foi completada, restando. a fase mais dificil, a obtenção de recur-

sos financeiros para realização do grande projeto.

|

O

Poder

da Misericórdia

575

Finanças

“A Irmandade vivia, já naquele tempo em regime deficitario,

suas rendas que não bastavam para a despesa ordinaria, não deixavam margem para obras extraordinarias. Lembrei-me, então, de apelar para a generosidade dos paulistanos, que nunca recusaram auxílios à Santa Casa. Em 1929, com autorização da Mesa Administrativa foi organizada uma semana de festas e subscrições publicas, em beneficio da Irmandade e para suas obras urgentes. Com o auxilio de 23 senhoras da nossa alta sociedade, divididas em diversas comissões encarregadas, cada uma, dos diversos setores dos trabalhos projetados, foram realizadas festas brilhantes de dia e de noite, durante a semana: — sessões de cinemas, espetaculos de teatro e de circo de cavalinhos, corridas e matches de foot-ball, terminando as festas com um grande baile. As comissões

cos, as grandes Metropole, com

encarregadas

das subscrições visitaram

os ban-

industrias, o alto comercio e os capitalistas livros destinados à subscrição.

da

O exito foi completo, pois o resultado desse grande movimento de caridade atingiu à cifra de Cr$ 2.800.000,00, quantia elevadissima para a epoca, nas vesperas de uma grande crise do café, com espetacular queda do seu preço. Foi isso em 1929. Com esses recursos e alguns donativos e legados testamentares foram construidos no Hospital Central o Pavilhão Fernandinho Simonsen, iniciado com o donativo do casal Roberto Simonsen; os dois pavilhões de cirurgia, o feminino com 4 pavimentos e o masculino com 5 andares; o pavilhão masculino de oftalmologia; o Pavilhão Conde de Lara, para os ambulatorios; a passagem subterranea ligando o bloco central ao pavilhão Condessa Penteado, ao pavilhão Conde de Lara e à frente do edificio do hospital; o

edificio do escritorio de obras, com garagens no rez do chão e três andares para dormitorio de enfermeiras; dormitorios para empregados e aproveitamento dos altos da lavanderia para residencia de empregadas. Além dessas obras foram melhoradas as anti-

gas enfermarias, a velha o almoxarifado. Fora

do

Hospital

farmacia, os quartos

Central

foi

construida

de pensionistas e a obra

mais

im-

portante de minha diretoria clinica — o Hospital São Luiz Gon-

zaga, para tuberculosos, no bairro do Jaçanã, o primeiro

hospital

geral para tuberculosos indigentes fundado no Estado, construido especialmente para esse fim, com os recursos da Semana da Santa Casa, aproveitando-se a parte nova do velho hospital de lepro-

576

Glauco

Carneiro

sos do Guapira. Esse hospital foi mais tarde ampliado graças à visão administrativa do saudoso Armando Salles, jovem e competente estadista, à generosidade de filantropos paulistanos e da Legião Brasileira de Assistencia, na presidencia da exma. sra. d. Darcy

Vargas.

Não preciso dizer-vos o que é esse notavel

hospital da Santa

Casa, confortavel e moderno abrigo de doentes e famosa escola de tisiologia, de reputação nacional.

Biblioteca

— “Das obras projetadas a mais adiavel era a biblioteca do hospital, apesar de sua necessidade e do seu papel numa boa orga-

nização hospitalar, que não preciso dizer-vos os serviços que ela

presta a medicos e estudantes que a frequentam. Toda gente sabe o que representava a sua falta.

Obrigado a atender às necessidades mais urgentes e sem recursos financeiros da Irmandade para tal empreendimento, resolvi

apelar para meus amigos, que o são também da Santa Casa, pedindo-lhes auxilios para a instalação por mim ardentemente dese-

jada. O apelo teve simpatica repercussão dando-me para inicio das obras de acabamento do oitavo andar do pavilhão Conde de Lara, a quantia de Cr$ 262.000,00.

Estava este pavimento

o teto e as paredes nuas. Foi feito o seu acabamento o seu equipamento com aqueles recursos.

com

o piso,

completo

e

Para nucleo da biblioteca doei minha biblioteca medica, com quase 3 mil volumes de livros e periodicos encadernados. O primeiro subscritor para esta obra merece um destaque especial pela sua espontaneidade e prova de estima que me comoveu profundamente. Foi minha veneranda e saudosa amiga, exma. sra. d. Vitoria Pinto Serva, que já nonagenaria, mas, em plena

lucidez de sua viva inteligencia, quis dar-me essa prova de estima

para mim

muito honrosa.

Os outros doadores, de quantias maiores e menores merecem todos a minha profunda gratidão. Peço licença, entretanto, para

salientar, dentre eles, o meu saudoso amigo Gastão Vidigal que, também espontaneamente veio ao encontro dos meus desejos enviando o vultoso donativo de Cr$ 90.000,00 angariados por ele, da Companhia de Terras Norte do Paraná, do Banco Mercantil de São Paulo e de um anonimo. Por isso pedi à mesa administrativa que desse à sala de lei-

O

Poder

da

Misericórdia

577

tura da Biblioteca o seu ilustre nome, homenagem nimemente votada.

que foi una-

A Biblioteca hoje inaugurada tem o nome de Augusto Meireles Reis em lembrança do grande servidor da Santa Casa, meu

querido e inolvidavel

companheiro durante quase vinte anos, na

administração da Irmandade, em convivio diario todas as manhãs.

Em diversos cargos, definidor, mesario, escrivão e mordomo do Hospital Central, durante 38 anos, com inigualavel dedicação, ser-

viu

a este vetusto

sodalício.

O

retrato a óleo do seu patrono se

ostenta na sala da Biblioteca lembrando aos contemporaneos e aos posteros

e sua

benemerencia.

Aí está montada

a Biblioteca que de agora em diante perten-

ce à Santa Casa e dela me despeço saudoso porque foi o instrumento de minha cultura profissional, que me deu a posição conquistada em nossa sociedade à custa de trabalho honesto e perseverante. Auxiliaram-me, enriquecendo-a com a oferta de seus trabalhos cientificos, diversos colegas, professores e clinicos de S. Paulo, destacando-se o professor emerito da Faculdade de Medicina

da

Universidade

do

Brasil, dr. João Marinho

de Azevedo

que, além de seus numerosos e notaveis trabalhos pessoais ofereceu à Biblioteca o famoso “Tratado de Anatomia do Homem”, de Bourgery et Jacob, em 12 volumes, obra centenaria em perfeito estado de conservação e que além do seu valor cientifico é verdadeira obra de arte, pelas gravuras negras e coloridas do seu atlas anatomico. É livro raro do qual são conhecidos no país, três ou quatro exemplares. A Biblioteca da Santa Casa foi organizada sob minha direção pela provecta bibliotecaria diplomada srta. Abigail de Barros Melo, cuja competencia me foi assegurada pela primeira e ilustre bibliotecaria paulista exma. sra. d. Adelia Rodrigues de Figueiredo, auxiliada pela distinta bibliotecaria, também diplomada, srta. Ivete Rondinelli. A essas inteligentes auxiliares agradeço a dedicação nho com que se devotaram a esse trabalho.

e cari-

Está assim satisfeita minha ardente aspiração. No inverno da

existencia, descendo

já melancolicamente o outro

lado do outeiro

da vida, julgo ser este o ultimo dos pequenos serviços que venho

prestando à Santa Casa em 56 anos de ininterrupto labor. Agradeço cordialmente aos dedicados amigos que me auxiliaram nesta empresa, e à colenda Mesa Administrativa da Irmandade o apoio que sempre emprestou a essa iniciativa, aos colegas que doaram à Biblioteca além de trabalhos de sua lavra, obras nacionais e estrangeiras de valor.

Glauco Carneiro

578

Antes de terminar, quero agradecer a presença das autorida-

des civis, militares e eclesiasticas, das exmas. sras. e srs. que, com

suas

presenças, deram

grande

brilho a esta solenidade.”

1

t ,

Ta

20. A FACULDADE DE CIÊNCIAS MÉDICAS Christiano Altenfelder sucede a José Cássio de Macedo Soares — Uma gestão de mais de 25 anos — À grande divulgação de O Estado de S. Paulo — O plano de Júlio de Mesquita Filho para regionalizar a Santa Casa — A Faculdade da Misericórdia — Os problemas da igualdade — O Hospital Santa Isabel — O Pavilhão da Imagem — A Santa Casa na década de 1980 — Punição a médicos — O Provedor Paulo Meirelles Reis A 20 de dezembro de 1956, a assembléia geral da Santa Casa elegeu para os cargos administrativos da Irmandade, no exercício de 1957, os seguintes Irmãos: José Cássio de Macedo Soares, Provedor (reeleito), Christiano Altenfelder Silva, 1.º Vice-Provedor (reeleito), Paulo de Oliveira

Costa,

Gomes

2.º

de

Gonçalves

Na

Vice-Provedor

(reeleito),

Souza, Tesoureiro;

de

Andrade

Plínio

Machado

(2.º

Luiz

Pinto

Barreto,

Serva,

Escrivão,

1.º Procurador

Amadeu

e Francisco

Procurador).

José Cássio Macedo

verdade, esse último ano da gestão de

Soares

foi praticamente dividido com o 1.º Vice-Provedor, Christiano Altenfelder

Silva,

que

várias

vezes

substituiu

o titular,

no

impedimento

por. motivo

de viagens e de doença. Finalmente, a 20 de janeiro de 1958, foi ele efetivado como Provedor, cargo no qual permaneceria por 25 anos e seis meses, e sobre o qual teria ocasião

de dizer:

“Sempre considerei o cargo de Provedor da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo, o mais alto dos que me cometeram na minha longa vida pública, havendo participado do Governo do

580

Glauco Carneiro

Estado, como Chefe de Polícia e Secretário de Estado. No lativo, como Deputado, fui Vice-Presidente da Assembléia lativa e exerci a Presidência do Conselho Administrativo tado. Nenhum desses cargos sobreleva o de Provedor da

LegisLegisdo EsSanta

Casa”,

Christiano Altenfelder Silva é um exemplo representativo da tese que

sustentamos neste livro. Ele, não só pela riqueza, foi das tempo, participou de todos os do inclusive ajudado a fundar investidura na Irmandade da

culares. E quando chegou

membro da elite construída pelo mérito, e figuras políticas mais importantes do seu acontecimentos magnos de sua geração, tena Universidade de São Paulo, e encarou sua Santa Casa com sentimento e emoção parti-

à Provedoria, disse a seus pares:

“Jamais pode-

ria eu ter aspirado ao alto munus publicum que é o exercício deste cargo”.

Configura-se, assim, que o exercício na Irmandade assume para Christiano Altenfelder, e outras personalidades como ele, o sentido de extensão necessária da vida pública — o derradeiro estágio de serviço à comunidade paulistana. O jornal O Estado de S. Paulo, a que se ligou intensamente, lembrou que Christiano, ainda estudante da Faculdade de Direito de São Paulo — cuja transferência para a administração estadual foi mais tarde conseguida por ele, para integrar a USP —, onde se formou em dezembro de 1920, foi um dos fundadores da Liga Nacionalista, em 1917. Segundo Altenfelder, “a Liga, integrada por alunos das três escolas superiores (Direito, Medicina

e Politécnica),

não era uma

organização

política, mas

reunia elementos ligados à política, especialmente ao Partido Republicano Paulista — a exemplo de Antônio Pereira Lima, Júlio de Mesquita Filho, Joaquim Sampaio Vidal e Waldemar Ferreira.” Essa entidade trabalhou intensamente pelo voto secreto, pelo serviço militar obrigatório e pela difusão do ensino, chegando a manter escolas na capital em que os estudantes atuavam como alfabetizadores. Partiram da Liga os elementos que fundaram o Partido Democrático e, bem mais tarde, a União Democrática Nacional. Promotor público, oficial de gabinete do Secretário do Interior, José Carlos de Macedo Soares, Secretário de Educação e Saúde Pública

no Go-

verno Armando de Sales Oliveira, tendo criado, em 1934, a Universidade de São Paulo, Altenfelder ocupou, depois, a Secretaria de Segurança Pública, em 1935, organizando a Polícia Especial e a Superintendência de Ordem Política e Social, bem como a Seção de Antropologia

Criminal

e Odonto-

propôs

a admissão

logia Legal na polícia de São Paulo. Também em 1935, foi escolhido deputado estadual, como representante classista da lavoura. Dez anos depois foi Secretário de Agricultura no governo de José Carlos de Macedo Soares.” Foi

ainda

José Carlos

de Macedo

Soares

quem

de Christiano Altenfelder como Irmão Remido da Santa Casa, a 5 de janeiro de 1932. A 7 de fevereiro de 1949, tornava-se ele Irmão Protetor,

O

Poder

da

Misericórdia

581

“por contribuição na campanha de donativos de sacas de café à Santa Casa”. Em 22 de janeiro de 1951 era eleito para a Mesa, sendo designado em 1954 para a Comissão de Contas, e em 1955 para Vice-Provedor, chegando ao cargo mais alto em 20 de janeiro de 1958. Seu longo tempo de serviço na Provedoria foi por ele descrito como inspirador de grande satisfação e orgulho, “por haver podido trabalhar pela Santa Casa, participando de grande número de realizações, tanto as materiais, que muito elevaram o valor do patrimônio da Irmandade, assim como a de organização dos serviços, ampliando-os e aprimorando-os, muito contribuindo para a maior e melhor assistência aos necessitados”.* Uma visão panorâmica provedor renunciante: “Fundamos

em

dos quase

19653

Santa Casa, que já diplomou

26

a Faculdade

anos

de gestão

de Ciências

14 turmas, formando

foi

dada

Médicas

da

1.400 médicos,

que demos ao Brasil e ao ensino da medicina, com muitos deles já se destacando como professores de medicina em diversas escolas do

País.

Instituímos nos Hospitais da Santa Casa a remuneração

para

os médicos, que não existia até 1968, quando o meritório trabalho

dos médicos era totalmente gracioso. A sua remuneração e estabelecimento de obrigações de serviços vieram contribuir para elevar o nível dos serviços assistenciais. Iniciamos

com

a remuneração

aos

médicos

limitada

a 200

mil cruzeiros mensais, e hoje a folha de pagamentos aos médicos de todos os hospitais e serviços eleva-se a 97 milhões de cruzeiros, quantia que somou a folha do mês de junho último. Recebem os médicos vencimentos que remuneram atividades docentes e assistenciais, como contribuição da Santa Casa para a Faculdade de Ciências Médicas. A residência médica nos hospitais da Santa Casa foi instituída em 1972, em regime de bolsas de estudo, com a finalidade exclusiva de proporcionar a coordenação do ensino e aperfeiçoa-

mento

dos médicos.

São

150 bolsistas para um

RI e RII, havendo e RIV. A

residência

também, em pequeno número,

vem

sofrendo

mas funciona regularmente Construímos

alterações

é empregada

em

na Santa Casa, em

o Hospital Santa

atendimento de contribuintes,

hospitalar, que

período de dois anos, residentes

Isabel, com

residentes RIII

sua

constituição,

regime de bolsa. 180 leitos, para

trazendo grande aumento

em

favor dos indigentes.

da renda

pelo

582

Glauco

Carneiro

Construímos o novo Centro Cirúrgico, ampliando o antigo e equipando-o modernamente. O

novo

serviço de Radiologia

no

Pavilhão

Nelson

Ottoni

de Rezende é dos mais modernos e aperfeiçoados do Brasil.

Remodelaram-se as instalações das enfermarias, construíramse a modelar cozinha e o prédio do Centro de Reabilitação, e de um modo geral o Hospital Central, que vai completar cem anos em maio de 1984, está em condições de perfeito funcionamento, o velho

hospital

que

constantemente se renova.

Foram feitos os estudos, aqui e no estrangeiro, do Hospital

de Clínicas e das instalações

da Faculdade

de Ciências

Médicas

e Faculdade de Enfermagem. O projeto, do notável arquiteto Fábio Penteado, apresentado à Organização Mundial da Saúde, foi objeto de grandes louvores e admiração. Para a sua construção recebemos doação de grandes áreas de terrenos dos prefeitos Faria Lima e Miguel Colasuonno, no total de 240 mil metros quadrados.

Obtivemos da colaboração do governo federal a doação de 40 milhões de cruzeiros e o empréstimo do Fundo de Desenvolvimento

Social, FAS, no total de 197 milhões de cruzeiros, tendo ainda a Santa Casa

de suas rendas próprias destacado

a contribuição de

91 milhões. Foi totalmente concluída a estrutura de 127 mil me-

tros quadrados de construção. Concluída totalmente a estrutura, iniciou-se o acabamento, já completado o do Pronto Socorro, que aguarda para o seu funcionamento o convênio em estudos com a

Prefeitura da Capital.

a sua

Devemos o plano para este hospital, a obtenção de área para construção

e os primeiros

recursos

para

a construção

ao

inolvidável Irmão Protetor Júlio de Mesquita Filho, grande jornalista, e grande brasileiro, homem de grandeza de coração e de generosidade pessoal, só conhecidas de alguns de seus íntimos. Por ocasião do seu falecimento demos o seu nome ilustre à grandiosa obra de sua iniciativa, que será de imenso valor para a assistência aos necessitados e para o ensino da medicina, no Hospital-Escola “Júlio de Mesquita Filho”. Para concluir o hospital, com a ajuda de Deus, continua a Santa Casa a se empenhar junto aos poderes públicos, para obtenção dos recursos necessários, pois as atividades da Santa Casa, da Faculdade de Ciências Médicas e do seu Hospital-Escola são de: interesse público, sendo ainda a assistência aos necessitados com-

pletada pelo ensino da medicina na Faculdade.

Foi nossa administração sempre atormentada por constantes crises financeiras. Já em 1959 estava ameaçada a Santa Casa, pela

O Poder da Misericórdia

583

maior delas, a reduzir os serviços hospitalares. Não havia como ocorrer às despesas dos hospitais, quando deliberamos realizar uma campanha de fundos. Pela primeira vez dirigimos um grave apelo ao público, pedindo, por misericórdia, a contribuição dos grandes e dos pequenos. Tivemos o apoio irrestrito do grande Jornal O Estado de S. Paulo, que abriu uma lista com o donativo de 300 mil cruzeiros, do próprio jornal, e criou uma coluna com a publicação dia a dia de todos os donativos feitos à Santa Casa. Precisávamos de 80 milhões de cruzeiros e ao término da campanha a coluna do Estado acusava donativos muito acima daquele valor, aproximando-se de 120 milhões. A campanha foi dirigida pessoalmente pela Provedoria, que nenhuma despesa realizou. Grande número de senhoras e jovens da nossa sociedade de tudo se encarregou, trabalhando graciosamente durante todos os dias o dia todo. Auxílio de grande significação recebeu a Santa Casa dos seus dedicados funcionários, que tiveram acréscimo de muitas

horas de trabalho, por eles oferecidos à Santa Casa graciosamente.

Foi um momento de grandeza para a Santa Casa, à qual não faltou o apoio de toda São Paulo. As crises, durante o ocorrer dos anos se agravaram periodica-

mente, e foram sendo vencidas, sem redução de serviços, pelos auxílios extraordinários que iam sendo proporcionados pelo governo do Estado, notadamente nas administrações Carvalho Pinto,

Roberto de Abreu Sodré, Laudo Natel, Paulo Egydio, Paulo Maluf

e José Maria Marin.

Quero

aqui

mais uma vez agradecer-lhes e

aos prefeitos Prestes Maia, Paulo Maluf, Miguel Colasuonno, Salim Curiati e Altino Lima os socorros com que acudiram à Santa Casa nos momentos de grandes dificuldades financeiras.

Estas continuaram, mas a Santa Casa venceu-as sem reduzir

serviços. O que só aconteceu em

1979 quando houve a dispensa

ou redução de horas de trabalho de médicos, enfermeiros e demais

pessoal na crise dos serviços do Inamps.

Grande era o atraso, de muitos meses, de elevadas quantias

nos pagamentos dos serviços prestados pela Santa Casa aos segu-

rados do Inamps. Tendo o provedor declarado que nos eram devidos 84 milhões de cruzeiros, foi contestado pelo ministro da Previdência, que declarou aos jornais ser aquele atraso de pagamento apenas de seis milhões. Afirmei, também publicamente, que o ministro não dizia a verdade e, negando veracidade às palavras do ministro, denunciei o convênio, suspendendo a Santa Casa o atendimento aos serviços que prestava ao Inamps. Só depois de apurado e reconhecido o débito do Inamps à Santa Casa, confirmando o valor de nossas faturas não pagas, de

584

Glauco

Carneiro

mais de 84 milhões e só após seu pagamento, concordou a Santa Casa com o novo convênio. As condições foram modificadas, com melhores tabelas de preços dos serviços e os pagamentos passando a ser efetuados no mês seguinte ao da sua prestação. Estava vencida a luta em que a Santa Casa enfrentou corajosamente o poderoso Inamps, tendo o ministro da Previdência procurado o provedor em sua residência para reconhecer o erro de que afirmara, bascado em informações de seus assessores, que não eram verdadeiras”. As dificuldades permanentes que o Provedor Altenfelder enfrentou na longa gestão foram. ainda, focalizadas por O Estado de S. Paulo, jornal que, aliás, foi o grande sustentáculo de seu período administrativo: OBSTÁCULOS “Em tantos anos de intensa atividade, Altenfelder reconhece que “a maior dificuldade” que enfrentou foi como provedor da Santa Casa, em 1979, quando rompeu o convênio do hospital com

o Inamps. A Previdência devia à instituição cerca de Cr$ 84 milhões em contas hospitalares atrasadas. O ex-ministro Jair Soares declarou que o Inamps devia apenas Cr$ 6 milhões e Altenfelder,

com segurança, disse que “o ministro tinha faltado à verdade”.

Depois, Jair Soares acabou indo à casa do provedor para “pedir desculpas, pois tinha sido mal informado pela assessoria”. Feita a verificação — recordou-se Altenfelder —, foi encontrado um crédito superior aos Cr$ 84 milhões e o ministro mandou pagar.

“Ele foi correto, porque verificou seu erro e cumpriu o que devia”, comentou o ex-provedor. Assim, durante quase um ano, os segurados da Previdência deixaram de ser atendidos na Santa Casa de São Paulo, ocasião em que a instituição teve de reduzir o número de médicos e funcionários.

Só em

1981,

depois

de receber

todos

os

atrasados,

a

Santa Casa fez um novo convênio com o Inamps, “e não atrasaram mais Os pagamentos”. Com essa mesma preocupação, ele fundou, em

1963, a Facul-

dade de Ciências Médicas da Santa Casa, que já formou 1.400 médicos. Em 1972, instituiu a residência médica nos hospitais da

Santa Casa, em

regime de bolsas de estudo.

Em 1968 resolveu estabelecer a remuneração dos médicos, que até então trabalhavam filantropicamente. Com isso, conseguiu

criar obrigações de serviços que contribuíram para elevar o nível

O

Poder

da

Misericórdia

de atendimento

Paulo.

585

nas unidades hospitalares da Santa

Casa

|

de São

Depois de conseguir a doação de terrenos pelos prefeitos Faria Lima ec Miguel Colasuonno, num total de 240 mil metros quadrados, a Santa Casa iniciou a construção do Hospital-Escola Júlio de Mesquita

Filho. As obras

mento e o pronto-socorro convênio em estudo com 5

mento .

hoje estão em

fase

de

acaba-

já está concluído dependendo de um a prefeitura para iniciar o funciona-

5

A grande divulgação de O Estado de S. Paulo Em razão da origem comum, e da amizade pessoal que os unia, Christiano Altenfelder Silva e Júlio de Mesquita Filho quase exerceram, juntos,

a Provedoria

expressão

bem

da

Santa

Casa

de

Misericórdia

pode ganhar foros de verdade

pleta e maciça

divulgação

que os assuntos

da

de

São

quando

Paulo.

A

se consulta

Irmandade

passam

força

de

a com-

a mere-

cer nas colunas de O Estado de S. Paulo, numa intensificação jamais igualada em qualquer outra época — anterior ou posterior. E é bom que tenha sido assim, porque a administração Christiano quebrou o hábito quase secular de apresentar anualmente o relatório de atividades — uma grande fonte para a História. O relatório do ano de 1957, já assinado por Altenfelder, constituiu o primeiro e último de sua gestão, se não levarmos em consideração a prestação de contas que fez ao renunciar ao cargo,

em julho

de

1983.

Nesse relatório do ano de

integrar a Mesa:

1957, ele retoma o tema da satisfação por

“Sempre acompanhei os desenvolvidos pela inteligência mens de São Paulo. Confesso meu pertencer também a esta

meritórios trabalhos que aqui são e pela dedicação dos melhores hoque era um antigo e íntimo desejo Mesa Administrativa.

E quando, há 7 anos recebi a honrosíssima investidura de Mesário, estava satisfeita a minha aspiração máxima e coloqueime com todo o entusiasmo e a dedicação de que era capaz, ao serviço da Santa Casa, procurando corresponder ao gesto gratís-

simo dos que me escolheram.

Seguindo magníficos exemplos que aqui encontrei, procurei ser um modesto mas esforçado auxiliar da direção da Mesa Admi-

nistrativa, no desempenho das comissões que me eram atribuídas. . Nunca porém poderia aspirar ao posto da Provedoria, de coor-

586

Glauco

Carneiro

denador dos trabalhos de tão brilhantes e valorosos componentes da nossa Mesa. Procurei,

assim,

repetidamente excusar-me

de tão altas

res-

ponsabilidades, que roguei insistentemente fossem de mim afastadas. Não atendestes aos meus reiterados apelos. Mas se o cargo

de Provedor não é e nunca foi disputado, não pode o seu exercício ser recusado quando a vontade da ilustre Mesa se manifesta na unanimidade da eleição.

Aqui estou, meus prezados

Irmãos,

com

humildade e com

orgulho, empenhando perante vós todo o poder que possa no desempenho da função altíssima. E para

pronunciadas.

bem

consegui-lo,

animam-me

as palavras

Estarei na Provedoria acompanhando os meus nobres companheiros de administração, |.º e 2.º Procuradorias, nas comissões de contando com os trabalhos de notável Corpo boração das admiráveis Irmãs de São José e

hoje

aqui

valiosos serviços de nas mordomias, na Contas e de Obras, Clínico, com a colaconhecendo a capa-

cidade e eficiência dos funcionários da Casa, entre os mais antigos se destacando Bricola, Barbosa, D. Lourdes, Manoel, João e Anselmo e o extraordinário Tomaz, incansável no meritório auxílio de receber e acompanhar os doentes do interior, obtendo-lhes

os passes de estradas de ferro e encaminhando-os ao hospital, para tratamento, e às estações, no regresso.”* Já nesse documento sobre

de confiança

Casa, onde

1957, o Provedor

na realização do maior

faz inserir uma

ideal do corpo

nasceu a grande Faculdade de Medicina

clínico:

“Na

palavra

Santa

de Arnaldo Vieira de

Carvalho, havemos de constituir o patrimônio indispensável e obter os recursos para o funcionamento da Faculdade de Medicina e de Especializa-

ção da Santa Casa de São Paulo”.

As edições de “O Estado” vão servir novamente para detalhar, aqui e acolá, certos acontecimentos havidos na gestão Christiano Altenfelder Silva.

As palavras que o jornal usa são repletas de carinho e respeito pela grande instituição. Ele proclama, por exemplo, que “a tricentenária Santa Casa vive no coração dos paulistas... Nunca, nas horas mais difíceis da nossa terra, foram trancadas as suas portas aos sofredores... Vivendo do coração do povo, vencendo toda sorte de dificuldades, a Santa Casa transformou-se, desde há muito, no maior e mais belo nosocômico do Brasil”.*

“E

a mais bela

ocasião. “Todos

das

instituições

sociais do

Estado”



afirma,

quanto participam da vida de São Paulo

em

outra

precisam com-

preender o papel que ela representa no seio da comunidade

paulista e

O

Poder

da

Misericórdia

587

impedir que, por carência de meios, a secular instituição se veja forçada a diminuir o ritmo de suas atividades”: “No acervo de serviços que a Santa Casa tem prestado ao nosso Estado, a parte cultural não pode realmente ser esquecida. A sua ação é integral, abarca os mais variados campos. Procura minorar a miséria e as dores de quantos lhe batem à porta, mas

não olvida que lhe cabe ainda concorrer decisivamente para o progresso da ciência brasileira. E esse é um dos seus maiores méritos. Não medindo esforços, ela procura cumprir sem desfalecimentos a sua árdua missão e se chegamos a ostentar o desenvol-

vimento

científico de que

tanto nos orgulhamos

devemo-lo em

parte à sábia orientação que sempre presidiu aos seus destinos”.º

A 5 de julho de 1960, o jornal sustenta a tese de que os problemas

da Santa Casa transcendem a iniciativa particular, urgindo que as autoridades adaptem os planos federais, estaduais e municipais à existência viva

e atuante das Misericórdias, “animando-as e ajudando-as na sua belíssima atividade de proteger os pobres

e os doentes, fracos

e desamparados”.*º

A Santa Casa apela e São Paulo corresponde. E retribui aos benfeitores concedendo-lhes títulos de Irmãos: “Penhor e letra irresgataveis da divida de gratidão que con-

vosco ela assumiu, são os titulos de irmãos que ela vos outorgou.

Não

serão eles na sua modestia

[orais de blazonada

nobreza a

se registrarem em vetustas gencalogias. Não vos darão certamente proveitos nem vantagens porque, como ainda há poucos dias, nesta mesma sala, advertiu meu pai e nosso confrade “as honrarias e as dignidades só de raro em raro importam em acrescimos de

prerrogativas e benesses, mas ao revés, significam quase sempre

sobrecarga de funções e de trabalhos, agravação de deveres e de

responsabilidades”.

São, porém, com certeza, a certidão legítima de que sois por ato vosso, do vosso coração, das vossas mãos, epigonos participes e companheiros nas benemerencias e nas glorias das preclaras gerações que por perto de quatro seculos, ao serviço dos pobres nesta Miscricordia, serviram a Deus e serviram a Pátria. Na primitiva semantica da linguagem humana, dizem tendidos, irmão é aquele que protege e irmã é aquela que e como haverá sempre pobres entre nós a procurarem em tidões inumcraveis € recrescentes os nossos ambulatorios e

os enampara multias nos-

sas enfermarias, os nossos asilos e os nossos sanatorios, a Irman-

dade da Santa Casa de Misericordia de São Paulo confia no vosso amparo, Irmãs, espera a Vossa proteção, Irmãos, para atendê-los,

abrigá-los e salvá-los”."

588

Glauco

A 24 de dezembro de

Carneiro

1960, volta o Provedor Christiano a utilizar as

colunas da imprensa para dirigir novo apelo à população, sob o título “Por Misericórdia”, a fim de recolher donativos “para evitar que declinem ou caiam em colapso os seus serviços de permanente e multiforme assistência social”. Conclui: “Não o consentirá por certo a generosidade nunca desmentida dos paulistas —

para os quais, por sentimento e por tradição, a

solidariedade para com os fracos, os pobres e os desamparados é e será sempre o sinal marcante de sua personalidade, a vocação eterna e incan-

sável da sua fé e do seu patriotismo”. Logo vem o eco do “Estadão”: “A

situação do velho e prestativo estabelecimento da Vila Buarque precisa ser resolvida com urgência, porque a pobreza tem exigências que não podem ser relegadas a segundo plano. A miséria tem direitos, diante dos quais a sociedade precisa curvar-se”. São

Apelos são feitos ao Governador do Estado, na época, Carvalho Pinto. 1.873 os funcionários da instituição e seu aumento salarial agrava a

crise permanente. Necessita-se crédito extraordinário. A Mesa confia ao Diretor de O Estado de S. Paulo, Dr. Júlio de Mesquita Filho, a missão de defender o pleito junto ao Governo:

a Santa Casa quer um empréstimo

de 500 milhões de cruzeiros para um grande plano de remodelação que estava sendo esboçado. O Governador Carvalho Pinto promete apoio. O Provedor designa comissão para apresentar os detalhes

da operação

finan-

ceira: Júlio de Mesquita Filho, José Carlos de Macedo Soares, Heitor Portugal, Argemiro Couto de Barros, José de Alcantara Machado e José Ma-

riano de Camargo

Aranha.

O plano de Júlio de Mesquita Filho

Desde agosto de 1960 vinha zado por Júlio de Mesquita Filho, por todas o problema crônico de ricórdia. Em função desse plano

vereador

Januário

Mantelli

Netto,

sendo posto em com o objetivo falta de recursos foi apresentado autorizando

marcha um plano idealide resolver de uma vez da Irmandade da Miseum projeto de lei, do

a Prefeitura

de

São

Paulo

a doar à Santa Casa uma área de 150 mil metros quadrados às margens do rio Tietê e resultante dos aterros feitos com a retificação daquela via fluvial. A notícia de “O Estado”, publicada a 4 de outubro de 1960, é esclarecedora: “Ontem, na Camara Municipal, recebeu novo e valioso apoio

o plano elaborado pelo dr. Julio de Mesquita Filho, diretor desta folha, objetivando solucionar de vez os problemas financeiros da Santa Casa de Misericordia de São Paulo. Ao iniciar-se a sessão ordinaria do Legislativo, o vereador Januario Mantelli Netto encaminhou á Mesa projeto de lei autorizando a Prefeitura a doar á benemerita instituição uma area de 150 mil metros quadrados,

O

Poder

da Misericórdia

589

localizada nos terrenos situados ás margens do rio Tietê e resultantes dos aterros feitos com a retificação do citado rio. Na referida area deverá ser construido o novo hospital da Santa Casa, tendo anexo uma Escola de Altos Estudos de Medicina. Prevê mais o projeto que, em troca da mencionada doação, obrigar-se-á a Santa Casa, mediante convenio, a reservar, durante O

prazo de 20 anos 30 leitos-dia para doentes que lhe forem encaminhados pela Prefeitura Municipal, por intermedio dos seus serviços de assistencia

social.

JUSTIFICATIVAS Justificando da tribuna o seu projeto, assim se expressou 3.º secretario da Edilidade: “Com

Oo

a finalidade de garantir, para o futuro, as rendas ne-

cessarias á sua manutenção, sem ter que recorrer aos poderes publicos ou ás contribuições populares — como aconteceu, recente-

mente, após 4 seculos de existencia — a Santa Casa de Misericordia elaborou um plano de trabalho no qual figura a construção de um novo Hospital, em substituição ao atual, já pequeno, sem duvida. Nesse plano fica estabelecido que no local do velho Hospital será construido um bloco de edificios, com galerias, lojas, apartamentos, escritorios, cinema e teatro, de onde saira uma renda prevista em 140 milhões de cruzeiros anuais destinada as suas despesas. Merece o nosso apoio esse plano. Isto porque, da sua execução, advirão grandes vantagens. No bairro de Santa Cecilia surgirá um magnifico centro comercial e residencial (onde a Prefeitura recolherá impostos que, com o tempo, cobrirão a doação feita, criando, ao mesmo tempo, no local onde surgir a nova Santa Casa um motivo para a expansão da cidade, para a valorização dos proprios terrenos municipais proximos e, também, para o desafogamento desta concentração demografica que tantos problemas tem provocado para o Municipio. Estes, digamos assim, os aspectos materiais. Quanto aos espirituais e humanos, não será preciso que deles nos ocupemos. Ampliando a Santa Casa de Misericordia de São Paulo, estaremos ampliando, “ipso facto”, a capacidade assistencial de uma entidade que tanto tem dignificado a gente

paulistana pela sua ação benefica em prol dos pobres”. “SANTA

CASA:

PADRÃO

DE

GLORIA”

Ao dr. Julio de Mesquita Filho, o autor do projeto endereçou

ontem carta do seguinte teor: “Tão logo tomei conhecimento

do

59

Glauco

Carneiro

seu magnifico plano, que dará á Santa Casa de Misericordia meios para continuar cumprindo a sua missão humanitaria e benemerente, elaborei o projeto de lei que encaminhei, em data de hoje, á consideração do Plenario desta douta Camara Municipal”. “Filo sob o impulso do entusiasmo que o referido plano provocou e inspirado pelo desejo de colaborar para que a Santa Casa, padrão de gloria e motivo de orgulho para os paulistas, possa ter vida propria. Valho-me do ensejo para apresentar-lhe os meus protestos de

respeitosa estima e sincera admiração”.

O plano de Mesquita, porém, não era apoiado por todos os Irmãos e

médicos da entidade. Em novembro de 1961, em nome do Corpo Clínico, o Prof. Sebastião Hermeto Junior, Irmão e Chefe da Clínica Cirúrgica do

Hospital Central, protestava, através da imprensa, e fazia chegar ao Provedor Christiano Altenfelder Silva a seguinte carta: “E' com a maior consideração que tenho a oportunidade de dirigir-me a v. exa., digno provedor da nossa vetusta e tão querida

Irmandade, e zelador sereno dos seus nobres e impereciveis interesses.

“Faço-o na qualidade de irmão e de chefe de serviço deste Hospital Central — que sirvo com entusiasmo há trinta e cinco anos, de maneira continua, sem jamais ter desertado temporariamente

desta

casa.

“Acho que estou no direito de vir a v. exa., como provedor desta casa — externar a nossa opinião, e a de nossos assistentes,

a proposito de projeto de nosso irmão Julio de Mesquita

já apresentado há meses na colenda “Silenciamos

propositadamente

Mesa

durante

Filho,

Administrativa. certo

tempo



su-

pondo que a analise objetiva daquele projeto fosse suficiente para

a sua rejeição, posto que tal projeto jamais consulta os interesses reais desta casa — admitindo a sua alienação como ponto basico de sua estrutura.

“A insistencia com que pequeno grupo continua a defender aquela propositura obriga, agora, o Corpo Clinico do Hospital Central a tomar posição decidida em tão importante questão. “Não é demais lembrar a v. exa. que — tratando-se de assunto vital para o Hospital Central — o seu Corpo Clinico, sem

o qual

não existiria

consideração.

aquele,

evidentemente

deverá

ser tido

em

O Poder da Misericórdia

591

“Devo informar a v. exa. que somos frontalmente contrarios ao projeto de nosso ilustre irmão Julio de Mesquita Filho, isto é —

tanto

emprestam

nós

como

nossos

numerosos

e ilustres

seu serviço diario c continuo

assistentes,

à clinica que

que

tenho a

honra de dirigir, e que representa um dos mais velhos e tradicio-

nais serviços de cirurgia

trocinio de Carlos

deste Hospital Central, sob o alto pa-

José de Arruda

Botelho

(1881

a 1916).

“Estou certo de que, levando a v. exa., como zelador fiel da

nossa Irmandade, a opinião do Corpo Clinico de nosso serviço,

e a nossa opinião — presto leal colaboração, que visa tão somente

à defesa incondicional do vetusto Hospital Central da Santa Casa de São Paulo. “Venho, ainda, por dever de lealdade ao ilustre Irmão provedor, entregar-lhe o primeiro artigo que escrevi em defesa do Hospital Central — e inserido na FOLHA 1.º de novembro.

DE S. PAULO

do dia

“Desejo informar a v. exa. que é pensamento da maioria do Corpo Clinico — com raras exceções para confirmar e validar a regra da boa causa que defendemos — não esmorecer até afastar a ameaça

sombria

Casa de São Paulo.

que

paira sobre o Hospital Central

da Santa

“Tenho certeza e fé que v. exa., como provedor da Irmandade, será como os “homens bons” da velha São Paulo, tudo fazendo para que jamais se ameaçe esta Casa, cuja guarda lhe foi confiada pelos irmãos e medicos. “Assim agindo, seremos todos dignos dos nossos antepassados e da terra que nos viu nascer — São Paulo de Piratininga”.nao Apesar dos protestos, a idéia de Mesquita seguiu avante, apoiada pelo

Provedor Christiano. A velocidade, porém, não caracterizou essa marcha. Em 1966, por exemplo, vemos o dirigente da Santa Casa apelando ao Prefeito Faria Lima para que efetive a doação da área no Tietê: “Esse projeto, que permanece válido, embora nestes seis últimos anos as nossas autoridades estaduais e municipais não tenham compreendido o seu alcance filantrópico e o seu significado social, propõe a urbanização da área onde hoje se encontra instalada a Santa Casa, inclusive a construção de grandes

edifícios de apartamentos, o que proporcionaria recursos suficiente para o início das obras da nova Santa Casa”.*º A

13 de abril de

êxito a campanha

1967, noticiava-se que “acabava

de um

de ser coroada de

pugilo de lutadores, liderado pelo Dr. Julio de

Mesquita Filho: o prefeito e os vereadores manifestaram-se de acordo com

Na

592

Glauco

a doação da área”.'! Na mesma blicava o seguinte editorial:

Carneiro

data, o jornal O Estado de S. Paulo pu-

“Este jornal não tem procuração para falar em nome da Santa

Casa de Misericordia.

No maximo,

por força de fatores que são

notorios e publicos, cabe-nos assinalar que os dirigentes da irmandade em cujas mãos

sabido

honrar

se encontram

o mandato

que

os destinos da instituição, têm

receberam

de seus

antecessores.

Com esforço e dedicação vêm logrando atender os desamparados que buscam socorro, apesar da precariedade das instalações, malgrado a exiguidade de espaço nos velhos pavilhões da rua Jaguaribe, e isso graças á excelência do corpo clinico — medicos, cirurgiões, enfermeiros, atendentes e funcionarios em geral. De um certo ponto de vista pode-se dizer que a Santa Casa será talvez a unica entidade que merece o apoio da totalidade dos

paulistas. Mesmo adversarios e inimigos, quando se trata da bene-

merita organização, não hesitam em estabelecer alianças nem recusam a execução de tarefas em conjunto, desde que se com isso a tradicional casa paulistana seja ajudada.

Assim, a reunião de forças politicas, por ocasião da assinatura da mensagem de doação do terreno da Barra Funda, para edificação das duas faculdades e do novo hospital da Santa Casa,

nada mais representa senão a demonstração de que, em um instante como esse, desaparecem divergenciais. Tanto assim que no gabinete do prefeito se encontravam elementos dos mais representati-

vos, inclusive o proprio presidente da Camara Municipal, todos animados pelo desejo de prestigiar a iniciativa e de fazer sentir publicamente que em torno da instituição todos os ajustes são

“3 possiveis”.

15

O terreno inicial doado, de 79.000 metros quadrados,

possibilitaria a

construção do Hospital “Júlio de Mesquita Filho”. E o Provedor Christiano Altenfelder Silva, na solenidade de doação, frisou os laços especiais que uniam os Mesquita à Santa Casa: “Acrescenta o dr. Julio de Mesquita Filho aos inestimáveis serviços que vem prestando à coletividade mais esta ação benfazeja e benemérita, pelo qual vem lutando sem cessar, anos seguidos, com admirável pertinácia e confiança na sua realização. Mantém viva a chama da tradição herdada do grande Julio Mesquita, que no jornal “O Estado de S. Paulo” tinha como seu primeiro dever o apoio. sem limites à Santa Casa, a que serviu ainda, até

a sua morte, como Administrativa.

um

dos mais dedicados membros

da Mesa

593

O Poder da Misericórdia OS

ALICERCES

Esta vocação de servir, com todo o poder que possa, à Santa Casa, foi o dr. Julio de Mesquita Filho buscar ainda no exemplo de seu ilustre avô, Cerqueira Cesar, presidente de São Paulo, que

após deixar o Govêrno do Estado foi provedor da Santa Casa, cargo que considerava, como nós o consideramos, o mais munus publico, a mais alta honraria atribuida ao cidadão.

alto

Vê assim v. exa., sr. prefeito Faria Lima, as origens, os alicerces da grandiosa obra a que vai ligar o seu nome ilustre. Surgida a nobre idéia há anos, não pôde antes a Santa Casa

obter o terreno

necessário

para

as construções, por

motivos

de

ordem legal, que impediam a doação. Tornou-se ela possível pela reforma da legislação, que a permitiu agora, em condições que possibilitam à administração da Santa Casa assumir o encargo de obter os recursos para a construção do hospital, sem equipamento, e manutenção.

Fica São Paulo a dever ao prefeito Faria Lima a realização da obra notável, que se concluirá nos próximos anos, iniciando-se na sua administração na Prefeitura”.!º A 25 de janeiro de 1969 lançava-se a pedra fundamental do HospitalEscola da Santa Casa, “que seria um exemplo para toda América do Sul”, no dizer de Júlio de Mesquita Filho, que pronunciou as seguintes palavras: “Nós jornalistas não estamos acostumados a falar, se não es-

crever. Realmente, há 35 anos, eu diria mais, desde os bancos academicos, há 50 anos, que caminhamos juntos e nunca nos departimos do espírito do civismo que recebemos da Faculdade de Direito de São Paulo. Tanto Cristiano como eu somos da geração que se formou debaixo da influencia de um Ruy Barbosa, de um Olavo Bilac e todas aquelas figuras extraordinarias que lutaram pela Democracia em nossa terra e, só por isso, eu aceito as palavras do Cristiano Altenfelder, na esperança de que o nosso trabalho não cessará ainda, embora já tivessemos credenciais suficientes para recolhermo-nos a uma vida mais tranquila do que aquela que levamos. Temos que lutar e pedir a Deus nos permita assistir a esta obra que se inicia hoje completamente executada.

Nesse dia, teremos a certeza de que o Brasil contará com o mais aperfeiçoado centro de ciencias medicas de toda a America do Sul e igual, se Deus quiser, aos mais altos centros de toda a humanidade. O que já realizamos neste setor de conhecimentos humanos nos dão o direito de acreditar que não estou exagerando,

594

Glauco

não estou

participando

do meu

ufanismo

a dizer que esta

Carneiro

Santa

Casa será um exemplo para toda a America do Sul. Mais uma vez

eu agradeço,

profundamente

comovido

também,

a imensa

tarefa

executada pelo prefeito Faria Lima. Sem ele, não teriamos conse-

guido o início da realização daquele sonho que acalentavamos já há 40 anos atrás. O prefeito Faria Lima marca uma época na

administração publica, não direi As suas realizações aí estão e é personalidade desta ordem. Desde para expor o que eram as nossas

mos

de vê-lo conosco,

só de São Paulo, mas um prazer colaborar o primeiro dia que eu aspirações e o prazer

do Brasil. com uma o procurei que teria-

realizando mais esse serviço ao nosso País,

ele nunca deixou de nos apoiar e, num relance endeu perfeitamente o valor extraordinario da tem colaborado conosco e hoje podemos dizer verá mais esse imenso serviço ao prefeito Faria cidade de ação”. O jornal publicou ainda, na mesma ras do projeto da nova Santa Casa:

edição,

de olhos, compreobra e, desde aí, que São Paulo deLima, à sua capa-

as características

inovado-

“Um ambiente saudável, que poderá se assemelhar até mesmo

a um “shopping center”, será a dominante do nôvo conjunto hospital-escola que a Santa Casa de Misericórdia de São Paulo construirá nesta Capital, nas proximidades das avenidas Pacaembú e Marginal Esquerda. Projeto dos arquitetos Fabio Penteado e Eduardo de Almeida, a obra, que teve sua pedra fundamental lançada ontem pelo prefeito Faria Lima, vai abrir um campo inteiramente novo no genero, em toda a America do Sul. Todo quarto, toda sala e varias areas de circulação darão para jardins internos, sob grandes grelhas que compõem a estrutura de cobertura do edifício. A vegetação alcançará os três pavimentos, a partir do subsolo. Haverá a maior tranquilidade para os

pacientes, não obstante o movimento interno previsto para todo o

conjunto: ambulatorio com capacidade para atender 60 mil pessoas, atividades do corpo medico e de estudantes de medicina, de enfermagem e de cursos de grau medio para formação de tecnicos de

equipamento

hospitalar, além da equipe de funcionarios. INTEGRAÇÃO

Hospital e escola funcionarão devidamente integrados, dentro do conceito proposto pela Santa Casa aos arquitetos, que encon-

O

Poder

da Misericórdia

595

tram uma linguagem arquitetonica capaz carater habitual dos ambientes das casas pode parecer absurda no Brasil — insinua teado — mas se baseia em experiencias principalmente Estados Unidos”.

também de atenuar o de saude. “A proposta o arquiteto Fabio Penatuais de varios paises

Nesse projeto, a equipe contou com a participação dos arquitetos Alfredo Paesani e Teru Tamaki, atuando como consultores estruturais os engenheiros Oswaldo Moura Abreu, Nelson Camargo e Waldemar Tietz.

PLANO

HORIZONTAL

Segundo Fabio Penteado, a solução horizontal para todo o conjunto, que medirá 360 metros de comprimento, não criará problemas de distancia, uma vez que o conjunto do hospital terá vida completamente independente, com serviços acessiveis. Toda a circulação vertical será feita por monta-cargas de baixa velocidade e de custo reduzido. A extensão do bloco é justificada pela integração proposta do hospital com a escola e vice-versa. A solução vertical, no caso — continua o arquiteto — seria de funciona-

mento duvidoso e de alto custo em virtude dos problemas de cir-

culação que dela advém.

CAPACIDADE O novo hospital da Santa Casa, com três pavimentos incluin-

do o subsolo, terá 640 leitos. No andar que poderiamos rar terreo, haverá no centro um grande auditorio, para soas, sobre o qual estarão todos os serviços de cirurgia. do centro cirurgico (pavimento superior) estarão de um laboratorios e de outro as dependencias para pacientes.

conside600 pesNo plano lado os A comu-

nicação nestes setores será feita por faixas centrais, como se fos-

sem ruas internas. Ambos convergem para o centro cirurgico e por duas alas em toda a extensão do bloco para os diversos departamentos existentes ao longo das fachadas principal e posterior. Tais departamentos contarão com uma rede de 8 auditorios com capacidade para 80 a 150 pessoas. ACESSO

FÁCIL

O ambulatorio, que ficará no subsolo, terá uma entrada bem

em frente á futura estação do Metrô, já projetada. Vale salientar

596

Glauco

Carneiro

que o subsolo, apesar de sua denominação, terá iluminação e ventilação naturais. Nele ficarão abrigados todos os serviços do Hospital e da Escola, tendo o Pronto Socorro ligação direta com os Raios X e Cirurgia.

Para facilitar a circulação no predio, um sistema de comunicação visual será introduzido, orientando-se o publico por meio de cartões coloridos que

o levarão

a seu destino,

cores equivalentes

distribuidas quer nas paredes, nos pisos, no teto ou em

pontos

luminosos.

COMPLEMENTO O conjunto hospitalar da Santa Casa prevê ainda a constru-

ção de um centro de pesquisas, em edifício anexo, e de uma capela, ao lado da Marginal, destinada aos fiéis daquela região da cidade. O projeto do templo prevê local para missas campais. A construção de toda a obra poderá ser feita por etapas, não prejudicando a seguinte o funcionamento da anterior.

A clausura para as freiras, residencias de medicos e do pessoal de enfermagem ficarão no plano da cobertura do predio”.'* O “Estado” não ocultou a satisfação. Relembrava sempre o caráter especial do relacionamento do órgão e de seus diretores com a Santa Casa: “Este jornal, tradicionalmente ligado á Santa Casa quer pelo interesse que esta sempre mereceu do seus antigos diretores, como

Julio Mesquita, quer pelo carinho que lhes dispensaram amigos de

todas as epocas, como Arnaldo Vieira de Carvalho, jamais deixou de acompanhar de perto as agruras da benemerita instituição, ofe-

recendo-lhe o seu apoio e a sua solidariedade. E foi meditando sobre o problema tão premente da sua expansão, impossibilitada pela exiguidade

do local em

que,

sob

a supervisão

de Arnaldo

Vieira de Carvalho, se ergueram os principais pavilhões do atual conjunto da Santa Casa, que o diretor desta folha, dr. Julio de Mesquita Filho, enunciou há tempos uma idéia entusiasticamente acolhida pelos dirigentes da entidade como um autentico ovo de Colombo: a construção de um novo conjunto hospital-escola, á altura das atuais necessidades da comunhão paulistana, construção essa custeada em parte pela venda ou melhor utilização do terreno, altamente valorizado, em que ora se localizam as principais instalações da Santa Casa”.!” A 15 de maio, o Prefeito Paulo Maluf que, mais tarde, já no governo

estadual,

serio o único chefe do executivo

paulista a doar,

integralmente,

O

Poder

da Misericórdia

597

para a Santa Casa, seus vencimentos, ofertava dois milhões para início das obras na Barra Funda.”

de cruzeiros

Em 1974 vemos o Prefeito Miguel Colassuono sancionando novo projeto de lei, apresentado pelo executivo e aprovado pela Câmara, autorizando a cessão à Santa Casa de uma área de mais 67.000 m?, “completando, assim, os 240 mil metros quadrados exigidos pelo projeto definitivo da nova instalação central da entidade.”! Nessa época, marca-se para o primeiro

semestre

de

1975

o início das obras

do

Hospital-Escola

Júlio de

Mesquita Filho. Em 10 de outubro de 1975, porém, o “Estado” noticia que o Provedor Christiano solicitaria ao Presidente Ernesto Geisel ajuda financeira federal para a obra, então orçada em 200 milhões de cruzeiros. A 21 de novembro de 1976, divulga-se que a Santa Casa planeja descentralizar a assistência. Trata-se de uma nova filosofia que, se levada adiante,

colocaria

a instituição

num

blica, revivendo o papel dos primeiros

plano

similar

ao

da

assistência

tempos. Tão grande é a importân-

cia desse plano — que afinal não seria realizado — a matéria de O Estado de S. Paulo a respeito:

que vale transcrever

“Para levar a assistência médica a um maior número de pessoas, em seus próprios núcleos habitacionais e, ao mesmo tempo, racionalizar o sistema de serviços de urgência de grandes hospitais

— que cada vez mais recebem pacientes com queixas simples de saúde, provocando atraso no atendimento de pessoas em estado

mais grave — a Santa Casa de Misericórdia de São Paulo está se

preparando para adotar um novo sistema de atendimento médico hospitalar. Com

pú-

a construção de seu novo hospital escola Júlio de Mes-

quita Filho, a entidade pretende garantir maiores recursos humanos e materiais, aos postos de saúde que administra, descentralizando os serviços médicos, fora dos grandes hospitais, e aproveitando esses conjuntos hospitalares em um serviço integrado para atender desde os casos mais simples até os mais graves, de modo mais rápido.

A idéia surgiu de inúmeras pesquisas feitas em São Paulo e em outros Estados, onde ficou comprovado que a maior parte das pessoas que procuram os estabelecimentos médicos está precisando de cuidados simples, que não implicariam o uso de equipamentos sofisticados. Entretanto, embora o Estado tenha mais de cem postos de saúde espalhados pela cidade, grande parte da população prefere ir direto aos centros hospitalares, locomovendo-se das zonas periféricas — apenas para receber o mesmo atendimento que teriam nesses postoS, atualmente sem recursos humanos e materiais para uma assistência efetiva.

598

Glauco

Carneiro

Quando se trata do atendimento médico infantil, o problema torna-se mais grave. Somente no Pronto Socorro da Santa Casa, são atendidas mensalmente cerca de 20 mil casos. Desses, perto de 13 mil são recebidos no Pronto Socorro Infantil e a grande maioria apresenta problemas simples como diarréias, bronquites ou amigdalites. Nos planos de reformulação dos atendimentos médicos, os internos e residentes da Santa Casa terão papel importante: “Os estudantes de medicina estão recebendo um ensino distorcido da realidade brasileira, uma vez que se limitam a praticar em hospitais de ensino, onde assistem casos mais graves e não estão recebendo o treinamento adequado para saber como tratar os pacientes com

patologias mais comuns”,

Os alunos da Santa atendimento médico em e postos de saude, em populacional do centro dizado médico.

diz o professor.

Casa passarão, dentro da nova política de estudo, a prestar serviços em ambulatórios um trabalho comprometido com o núcleo de assistência e também com o seu apren-

Colocar todas as idéias dessas novas políticas de descentrali-

zação e atendimento nas zonas mais carentes — principalmente a Zona Norte e Leste — segundo o professor Guedes não é tão fácil

como em pequenos centros urbanos. No entanto, a equipe pretende utilizar o hospital central da Santa Casa como centro de pós-gra-

duação e de graduação no seu Hospital do Jaçanã, onde há clínica geral, pediátrica e obstétrica, principalmente. Isso sem contar o novo hospital de ensino em construção.

Além disso, a Santa Casa dispõe do Centro de Saúde na

Barra Funda, e outros postos ligados a dois hispitais de Cotia que serão equipados para atendimento direto à população. “Somente

casos mais graves, depois de devidamente examinados — os postos poderão recolher até exames, se necessário — serão encaminhados aos estabelecimentos com equipamentos mais especializados”.

“Pretendemos oferecer outra opção de trabalho aos médicos, que poderão se fixar em um local, sendo melhor remunerados e

ligados aos problemas da determinada região e com de grandes hospitais”, afirma José Guedes. Quanto de verbas para a execução desses planos, o professor Para ele, as verbas não são bem calculadas mas há distribuição de recursos: “vamos tornar mais viável

a retaguarda ao problema é categórico. também má a aplicação

dos recursos do Estado, do Município e do INPS”, diz ele, acre-

ditando que os órgãos públicos também se interessarão na reformulação que seria a primeira tentativa de colocar em prática os

preceitos da própria lei do Sistema Nacional de Saúde, que reco-

O

Poder

da Misericórdia

mendou

599

a descentralização dos serviços médicos, em favor de um

maior número de pessoas”.?*

Em outubro de 1978, a Santa Casa já investira 183 milhões de cruzeiros na construção do seu novo conjunto hospitalar, sendo 40 milhões

doados pelo governo federal e o restante financiado pelo FAS — Fundo de Assistência Social. Socorro, primeira presente: falecera Por falta de mento em

Planejava-se inaugurar em fevereiro de 1979 o Prontofase do conjunto. Júlio de Mesquita Filho não estaria em 1977. recursos, porém, as obras foram paralisadas. Até o mo-

que escrevemos,

julho de

1985,

obra do imenso prédio às margens do Tietê.

não

há notícia do reinício da

A Faculdade da Misericórdia

A Faculdade de Ciências Médicas dos Hospitais da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo, cujos estatutos datam de 1958, aprovados em sessão da Mesa Administrativa no dia 21 de março — na gestão do Provedor

José

Cássio

de

Macedo

Soares

—,

entrou

em

funcionamento

em

1963, como resultado de um sonho há muitos anos acalentado pelo Corpo

Clínico da Misericórdia paulistana —

na verdade

alimentado desde o mo-

mento em que o derradeiro aluno da Faculdade de Arnaldo cruzou pela última vez os portões da Rua Cesário Motta para não mais voltar. mado

A Santa

Casa

ansiava

à sua imagem,

por sua

conhecendo

sua visão própria da medicina.

faculdade —

um

centro

Soares

na

for-

sua filosofia peculiar, seu humanismo,

Na verdade, tudo se acelerou com a posse do médico

Macedo

médico

Provedoria, secundado

por outra

José Cássio de

figura que

se, desta-

do Conselho

Técnico

caria na história da Irmandade — Christiano Altenfelder Silva. Ambos renovaram a instituição e estimularam o Corpo Clínico a formalizar sua maior pretensão. Isso aconteceu na sessão de 20 de abril de 1956, quando o Diretor-Clínico,

Dr. Paulo

de Godoy,

e membros

— Drs. Oscar Monteiro de Barros, Matheus Santamaria, Paulo Almeida Toledo e Pedro Ayres Netto — dirigiram ao Provedor e Mesa Administrativa um ofício em que se lê o seguinte trecho: “A

Diretoria Clínica e o Conselho

Técnico, convencidos

da

urgente necessidade de se instituir o ensino médico nesta Santa Casa, visto que, segundo verificação universal, hospital em que não se pratica ensino se transforma em mero depósito de doentes, de onde é banido o estímulo ao estudo e ao rápido esclarecimento dos casos clínicos, dirigem um veemente apelo a essa Mesa, para que, de acordo com o que lhe faculta o Art. 2.º do Compromisso da Irmandade, estude a possibilidade de se fundar nesse Hospital uma Escola de Especialização Médica e uma Faculdade de Medi-

600

Glauco Carneiro

cina. Serão, para essa finalidade, aproveitados os Serviços e os elementos do Corpo Clínico que estiverem nas necessárias condi- ções e desejam colaborar no empreendimento. Os demais Serviços e elementos do Corpo Clínico continuarão a funcionar como até agora e serão rigorosamente respeitados os direitos dos que nele trabalham...” (Livro de Atas n.º 36, pág. 169). Nomeada pela Mesa uma comissão para estudar o assunto, esta apresentou o resultado de sua análise na sessão de 20 de junho de 1956, resolvendo “aprovar a organização da Faculdade de Medicina e Especialização da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo, ficando entendido que

essa aprovação se dava apenas em

tese e condicionada à efetiva obtenção

de recursos patrimoniais”. Integravam a Comissão de Estudos que viu seu parecer aprovado pela Mesa os Irmãos Christiano Altenfelder Silva, Paulo de Godoy, Heitor Portugal, Oscar Monteiro de Barros, Aldo Mário de

Azevedo,

Mateus

Santamaria,

Sérvulo de Sant'Anna, Pedro Ayres Netto.

Candido

Junqueira,

Paulo

A. Couto de Barros, Cantídio

Toledo,

de Moura

Benedito

Campos

e

A busca de recursos protelou por anos a instalação da faculdade. A

21 de março de

1958, a Mesa

aprovou, no entanto, a redação

final e os

estatutos que criavam a Faculdade da Santa Casa. Em novembro do mesmo

ano veio à baila a possibilidade de permuta dos armazéns de da Santa Casa, à rua Domingos Paiva, 332/342, pelo prédio Vila Nova, da Superintendência dos Serviços do Café, onde lado o Colégio Rio Branco. A aquisição desse prédio visaria

propriedade da Rua Dr. estava instacompletar a

montagem da Faculdade de Medicina, uma vez que as aulas práticas seriam ministradas nos próprios hospitais da Irmandade.

No entanto, somente no início da década de sessenta a idéia vingaria: constituiu-se uma fundação, denominada Arnaldo Vieira de Carvalho, que

se encarregaria de operacionalizar a faculdade, utilizando as instalações da Santa Casa, cedidas especialmente para essa finalidade. Para tanto, ambas

as instituições assinaram, a 22 de outubro de 1962, um convênio

mediante

o qual se deu início oficial ao novo estabelecimento. Assinado, de um lado pelo Provedor Christiano Altenfelder Silva, e de outro pelos Drs. Camillo Ansarah e João Guilherme de Oliveira Costa, presidente e secretário, respectivamente, da Fundação Arnaldo Vieira de Carvalho, o convênio tinha sua Cláusula Primeira redigida da seguinte forma: “Cláusula 1.º — Interessada, de velha data, em agregar aos seus hospitais, a bem do constante aprimoramento dos serviços assistenciais destes, proporcionando aos médicos que neles traba-

lham oportunidades

para o aperfeiçoamento

contínuo

dos seus

conhecimentos a par da evolução científica da medicina moderna, a Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo concede à Fundação Arnaldo Vieira de Carvalho, para efeito de instalação

601

O Poder da Misericórdia

e funcionamento das aulas práticas ou cursos clínicos, da sua Faculdade de Ciências Médicas, e na medida das necessidades dessa instalação e desse funcionamento, o uso das enfermarias

Hospitais”.

dos seus

Os Pioneiros

O sonho

da Santa

ao ideal do Corpo

alguns documentos Médicas.

Casa já datava de muitos

Clínico, como

veremos

anos antes, incorporado

agora, através da transcrição

do maior valor histórico para a Faculdade

de

de Ciências

Inicialmente, vejamos a entrevista concedida pelo Dr. Paulo de Godoy, Diretor-Clínico da Santa Casa, ao jornal Folha da Noite: — “Da necessidade e da oportunidade da criação de mais uma faculdade em nossa terra, aí está a estatistica de 1957, em que só na Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, se inscreveram

mil e tantos candidatos, para apenas oitenta vagas!

Diariamente recebo em minha diretoria-clinica, ma Santa Casa, inumeros rapazes que desejam obter explicações e orientação de como vai funcionar a nova faculdade. E' grande o interesse nos meios

universitarios

para

que

o novo

instituto

funcione

o mais

depressa possivel. São Paulo, com uma população de 3.500.000 habitantes, tem apenas duas faculdades, uma oficial e a outra particular — a Escola Paulista de Medicina. Quer dizer que para 160 vagas, mais de mil alunos entram em disputa dos poucos lugares existentes. Feita a seleção, os que não conseguiram media se voltam para as faculdades de Medicina do interior do Estado.” A SANTA — em São clinicas criação. o ensino Devemos

CASA

JÁ SERVIU

AO

ENSINO

MEDICO

“Aliás, convem lembrar e recordar que o ensino medico Paulo nasceu na Santa Casa, onde se instalaram todas as da Faculdade de Medicina de São Paulo, quando da sua Somente após a fundação do Hospital das Clinicas é que medico se deslocou definitivamente para esse hospital. acentuar que no Hospital Central da Santa Casa estão

em pleno funcionamento os mais variados departamentos — de medicina, cirurgia, pediatria, cirurgia infantil, ortopedia, ginecologia, anatomia-patologica, laboratorio, que faz 500 exames diarios,

radiologia, um dos mais completos do país, cirurgia do torax, urologia, gastroenterologia, alegria, endocrinologia, centro de re-

cuperação,

banco

de sangue,

fisioterapia,

radioterapia,

neuro-ci-

602

Glauco

Curneiro

rurgia etc., todos perfeita e modernamente equipados, orientados

por um

corpo

clinico de alto valor cultural, científico e tecnico.

Daí se conclui que a nova Faculdade de Medicina já encontrará uma situação ampla e magnifica para o ensino. E no seu programa

haverá a cadeira de Psicologia Medica e de Biotipologia, fundamentais para o conhecimento do homem

normal e patologico, de

acordo com a tendencia moderna da medicina

unitaria ou psicos-

somatica.”

LUTA

PARA

A REALIZAÇÃO

DO

IDEAL

Nós conheciamos a luta que havia sido travada para tornar

vencedora a iniciativa, na propria instituição. Desejavamos, porem, que o proprio diretor-clinico da Santa Casa confirmasse o que já sabiamos. Em suma, o esboço de estatutos do novo instituto cien-

tifico

Paulo

foi feito

na

Diretoria-Clinica, sob

de Godói, assessorado

por uma

a supervisão

do

comissão de medicos

prof. con-

ceituados. Em seguida, esse trabalho foi levado ao plenario da assembléia-geral do corpo clinico da instituição. A oposição à idéia,

que antes era mais ou menos velada, corporificou-se. Era uma oposição consciente, espontanea, 'mas eminentemente honesta, como

nos confessa o proprio prof. Paulo de Godói. Alguns facultativos entendiam que não devia ser criada a Faculdade de Medicina na

Santa Casa de Misericordia de São Paulo, mantendo-se a instituição no trabalho de rotina que atualmente desenvolve. Veio então a fase de esclarecimento e a esquematização da idéia, através de

debates nas assembléias. E finalmente, depois de derrotar definitivamente a oposição, o corpo clinico da Santa Casa, reunido em

assembléia-geral, quase por unanimidade,

aprovou

a idéia e pos-

teriormente os estatutos, que foram referendados e sancionados no dia 21 do corrente pela Mesa Administrativa. Dos 200 facultativos

de que se compõe o corpo clinico, apenas 3 ou 4 se manifestaram contrarios, resultado esse que representou uma consagração final. — “Devemos notar — afirmou o prof. Paulo de Godói — que ha dois anos nós, da Diretoria-Clinica, e os meus bravos com-

panheiros do Conselho Tecnico, os drs. Paulo de Almeida Toledo,

Oscar Monteiro de Barros, Mateus Santamaria e Pedro Aires Neto,

tivemos que lutar e vencer obstaculos e oposição para a conquista que hoje é uma grande vitória. O que venceu foi a idéia, idéia-

força e foi principalmente o ideal que nos apaixonava, que nos deu o estimulo para lutar. A Faculdade está criada. A todos nós

que lutamos para a sua criação, não nos caberá servilla com

a nossa

fé, com

o nosso entusiasmo,

mandá-la, mas com

trabalho, com a nossa cultura, com o nosso sacrifício.”

o nosso

O

Poder

da Misericórdia

COMISSÃO

DE

603

FINANÇAS

PARA

ANGARIAR

FUNDOS

A Mesa Administrativa da Santa Casa vai nomear uma comissão de finanças para estudar a maneira de angariar fundos em favor da nova Faculdade de Medicina, que, segundo o prof. Paulo de Godói, poderá funcionar a partir do proximo ano. Transformar-se-á numa fundação, funcionando paralelamente à Santa Casa, ou poderá

também

fazer

parte

integrante

da organização, como

um dos seus departamentos. Essa questão está em estudos. A vitoria do dr. Paulo de Godói e seus colegas foi completa, tanto assim que na ultima eleição para escolha do diretor-clínico

da Santa Casa, realizada em janeiro ultimo, foi ele reeleito para o posto e, como item principal do seu programa, figurava justamente a criação da Faculdade de Medicina, e a sua escolha foi uma demonstração de que o corpo clinico deseja ardentemente o organismo”.

23

O sonho que vinha de antes Já vinha de antes o sonho...

Em

reunião

1950, o Dr. Jairo Ramos observara aos Irmãos:

havida

a 12 de outubro

de

“Se a Santa Casa de São Paulo instituir o regime de internato

médico e estabelecer condições que permitam ao médico fazer “full time” no Hospital e atender, inclusive, em adequadas insta-

lações seus doentes particulares, dentro de um período de vinte a

cinquenta anos a história dirá que foi ela que influiu decisivamente para a modificação e aperfeiçoamento do ensino médico no Brasil”.** —

Ainda em 1950, em artigo escrito para o Boletim da Santa Casa (Vol. | N.º 3), 0 Prof. Oscar Monteiro de Barros assinalou: “A observação dos meios hospitalares da França, Suíssa, Itália, Inglaterra e Estados Unidos que nos tem sido facultada durante a viagem que, há já alguns meses, estamos realizando através dêsses países, nos vem convencendo de que hospital da importância e das responsabilidades da Santa Casa de Misericórdia de S. Paulo, não pode permanecer à margem do ensino e da progressiva elevação do nível científico da profissão médica de S. Paulo e do Brasil. Fundado e mantido pela generosidade do povo paulista, amparado pelo Estado, possuidor de patrimônio de elevadíssimo valor

material e de nobre e fidalga tradição, êsse hospital deve ter como

finalidade:

1.º) —

assistência

ao doente;

604

Glauco Carneiro

2.º) — médico). Esta

participação

participação,

do

ensino

médico

aliás, redundará

em

(ao estudante benefício

e ao

do próprio

doente, cuja assistência continuará a ser sempre a principal finalidade do hospital. De que modo? Simplesmente porque, ao se aparelhar para ministrar “ensino”, êle terá forçosamente que melhorar suas instalações e aperfeiçoar seus processos de diagnóstico e terapêutica, com o que lucrará imediatamente o doente assistido, dest'arte, por serviços da mais elevada eficiência. Quem estude a história da medicina em nossa terra, verificará desde logo o importante papel representado pela Santa Casa na formação da “Escola Médica Paulista”. As primeiras reuniões em que se discutiam e esclareciam casos médico-cirúrgicos em S. Paulo tiveram como núcleo inicial o corpo clínico dêsse hospital. A Policlínica e a Sociedade de Medicina e Cirurgia de S. Paulo nasceram, cresceram e prosperaram graças, em grande parte, à

cooperação dêsse mesmo

Quando de Medicina,

o governo recorreu

corpo clínico.

do Estado resolveu a Arnaldo

Vieira

de

fundar a Faculdade Carvalho,

diretor clí-

nico da Santa Casa, num reconhecimento oficial do valor do Ho-

mem

e do Instituto. Durante o tempo em que o Hospital Central

abrigou as clínicas da Faculdade foi, graças aos doentes nêle inter-

nados e as suas instalações, embora precárias, que se formou a plêiade de professores, docentes e assistentes que hoje abrilhanta o corpo docente da Faculdade e da Escola Paulista de Medicina. Aos hospitais da Santa Casa cabe ineludivelmente, oferecer o precioso acervo de que dispõem em doentes, patrimônio e instalações, em benefício do ensino médico. Assim agindo, não farão êles outra coisa que continuar a prática daquilo que sempre e tradi-

cionalmente fizeram.

Na visita que estamos realizando aos centros hospitalares da

Europa e dos Estados Unidos, temos verificado que hospitais do tipo da Santa Casa (caridade pública e auxílio governamental) jamais se negam a dar essa colaboração. Ao contrário, todos fa-

zem dela uma das suas mais importantes finalidades, seja se trans-

formando em hospitais de ensino própriamente ditos, seja instalando cursos de “post-graduação” ou “internato” para alunos dos últimos anos ou para médicos já “diplomados”, mas não “licen-

ciados” (a “licença” só é concedida, em certos países, após 2 a 3

anos de “internato”, rigorosamente controlado), ou ainda para médicos já “licenciados”, que desejem aperfeiçoar ou especializar seus conhecimentos.

O Poder da Misericórdia

605

Não se cuida presentemente, de transformar a Santa Casa em

hospital própriamente de ensino, pois os dois centros de formação médica existentes em S. Paulo possuem seus hospitais próprios (“das Clínicas” e “São Paulo”), mas de organizar dentro dela cursos de “post-graduação” ou “internatos” para alunos dos últimos anos ou para-médicos. A organização arcáica do nosso ensino

médico (que deveria ser radicalmente modificada como, em geral, todo o ensino brasileiro), não prevê oficialmente a “post-graduação” e não obriga o médico a fazer, após a formatura, o utilíssimo “internato”, de 2 a 3 anos. Todavia a Santa Casa, desde que para tanto esteja habilitada, poderá instituir primorosos cursos de “postgraduação”, e fornecer diplomas aos médicos que, fazendo-os, se transformem em “especialistas”. Outrossim, atestados de “internato” serão de grande valor para os respectivos portadores, seja como prova de preciosos conhecimentos adquiridos, seja como título de grande valor para a carreira no magistério médico ou na função pública, dentro da Medicina. Devemos nos lembrar de que não se “ensina” medicina apenas nos hospitais anexos às escolas oficiais. Ela é ensinada também naqueles em que os chefes de clínica, na sua visita diária, mostram como se faz o diagnóstico e a terapêutica de um dado caso: naqueles em que os casos interessantes são discutidos nas suas nuanças e dificuldades; naqueles em que é feita a experimentação desapaixonada dos mais modernos tratamentos; naqueles em que,

munido

de

arsenal

cirúrgico adequado

e auxiliado

por

serviços

bem aparelhados de anestesia e hemoterapia, o cirurgião pratica, sob as vistas dos estudantes e médicos, ávidos de aprender, os

mais recentes ou arrojados métodos operatórios; finalmente, está ensinando medicina o hospital que abriga médicos ou estudantes dos últimos anos, facultando-lhes contato com os processos de

diagnóstico mais rápidos e seguros e de terapêutica mais modernos e eficazes. Neste sentido a nossa Santa Casa pode, sem a menor dúvida, se transformar rápidamente em “Escola”. A realização em 1963

Vários anos transcorreriam antes que a Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo se tornasse uma realidade. E foi em solenidade realizada a 24 de maio de 1963, no auditório da Academia Paulista de Letras, no Largo do Arouche, que foram instalados os cursos da escola criada pela Fundação Arnaldo Vieira de Carvalho, depois de autorizados por decreto presidencial datado de 15/5/1963. Na ocasião, o acadêmico Pedro Calmon discorreu sobre o tema “As Misgricórdias — Berço do Ensino Médico”.

Glauco

606

Carneiro

Organizada em convênio com a Santa Casa, pela Fundação Arnaldo Vieira de Carvalho, constituída especialmente para esse fim, em vista da

impossibilidade de ser mantida

dade

de Ciências

Médicas,

integralmente pela Misericórdia,

não obstante,

fundamentou-se

a Facul.

inteiramente

na

estrutura da instituição de caridade, utilizando suas instalações para ensino, prática clínica e estágio, além de receber aulas dos médicos do Corpo Clínico. Na edição n.º 1 da revista Ciências

Médicas, de

1964,

reproduzem-se

documentos importantes para a História da Faculdade da Misericórdia.

“Assim, coube à Fundação Arnaldo Vieira de Carvalho a res-

ponsabilidade pela manutenção da Escola de Medicina, que veio concretizar antiga aspiração da administração da Santa Casa e do

seu corpo clínico. Conhecendo êste como é precário o número de médicos no Estado de São Paulo, e mais ainda no Brasil, desejou dar sua colaboração para a solução dessa grave crise.

Consta do relatório apresentado ao Conselho Estadual de Ensino Superior, pelos Profs. Ulhôa Cintra, Jairo Ramos e Walter

Leser, que só o Estado de São Paulo precisará, a partir de 1968, de 700 novos médicos, no mínimo, por ano. E tôdas as Faculdades de Medicina do Estado de São Paulo, incluidas as novas escolas de Botucatu e de Campinas, mas excluindo-se a Faculdade da Santa Casa, poderão formar nesse ano apenas 450 médicos. Para diminuir o “deficit” que se verificará, a Faculdade da Santa Casa contribuirá com a formatura de 130 médicos, em 1968, pois é êsse o número de alunos matriculados no corrente ano, vindo assim dar sua colaboração no sentido de dotar o nosso povo com a assistência médica

que merece.

Em convênio com a Santa Casa, instalou-se a Faculdade no Hospital onde funcionou a Faculdade de Medicina da Universidade, até a construção do Hospital das Clínicas. O mesmo aparelhamento hospitalar tem novamente o ensino da Medicina ao lado da assistência aos doentes desprovidos de recursos, aprimorada pela presença no hospital de professores, assistentes, auxiliares de ensino e acadêmicos, preciosos colaboradores da Santa Casa nos seus serviços.

Coube à Fundação obter autorização do Conselho

Federal de

Educação para o funcionamento da Faculdade, concedida por unanimidade e com apreciações favoráveis, quanto à organização da escola, seu regimento e constituição de seu corpo docente, demonstrados nos trechos abaixo transcritos: Parecer

102/63

“Tendo

optado

pelo sistema

das

disciplinas

agrupadas

em

Departamentos, a novel Faculdade iniciará uma experiência nova

O

Poder

da

607

Misericórdia

de ensino, numa Faculdade que adotou como unidade básica da sua estruturação o Departamento, definindo-o corretamente o Art. 7: “O Departamento

deverá ser entendido como uma

reunião

de disciplinas afins, e formado por uma equipe de docentes integrados

num

plano que apresente

unidade didático-científico-admi-

nistrativa de ação e pensamento” e no seu parágrafo

1.º: “Os do-

centes de cada Departamento dividirão entre si, por deliberação coletiva, as tarefas dos Departamentos”. Não creio que se possa encontrar uma definição mais feliz da essência de um Departa-

mento

de Faculdade

isolada, pressupondo

a necessidade de har-

monia entre os múltiplos professores de disciplinas que devem constituir a unidade dos trabalhos didáticos científicos de um Departamento de ensino superior”. Parecer

73/63

“Dificilmente poder-se-ia argumentar contra a legitimidade do

direito de grupo tão idôneo, como o são os docentes livres, assistentes e demais elementos do corpo clínico da Santa Casa de Mi-

sericórdia

de São

Paulo,

de

poderem

criar

um

centro

de

ensino

e de pesquisas que se beneficiará imediatamente das facilidades clínicas e laboratoriais oferecidas pelos Hospitais da Santa Casa. Durante 25 anos, a Santa Casa de Misericórdia hospedou as clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo e com a instalação do Hospital das Clínicas, as enfermarias e ambulatórios da Santa Casa foram bruscamente alienados do ensino da Medicina. Que é legítimo direito de um hospital bem orientado, desenvolver a sua Escola Médica, mostram-nos as 12 ou 13 Escolas Médicas dos Hospitais de Londres, a “Middlesex Hospital Medical School”, a “Saint Mary's Hospital Medical School”, ou “St. Thomas Hospital Medical School” e muitos outros que tornam Londres talvez o mais poderoso e conceituado centro de ensino da medicina no mundo. O que o projeto atual propõe é criar a Faculdade de Ciências Médicas dos Hospitais da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo, de início dispondo de magníficas instalações para as clínicas e laboratórios que podem, de imediato, ser utilizados para ensino, com abundante material acumulado e espaço suficiente para a instalação de novas laboratórios de ciência básica.

Não

conheço

nenhuma

Faculdade

de Medicina,

no Brasil,

criada por iniciativa particular, que tenha iniciado o seu curso em um ponto tão alto, exigindo apenas pequenas adaptações das suas instalações para se tornar eficiente centro de ensino e pesquisa. Devemos

ainda salientar que a Faculdade de Ciências

Médi-

cas que se projeta, foi estabelecida prevendo-se tempo integral para

608

Glauco

Carneiro

professores c assistentes do ciclo básico, o que é um acontecimento talvez único na criação de Faculdades particulares no Brasil. O corpo de professores, já escolhido, merece tôda a confiança, sendo constituido por homens de alta competência e de renome internacional, a maioria deles”. Está assim em pleno funcionamento, no seu segundo ano de curso, a Faculdade de Ciências Médicas dos Hospitais da Santa Casa

de Misericórdia de São

Paulo.

O que já foi realizado representa notável esfôrço da Funda-

ção e da Administração

da Santa

Casa,

embuidas

do

mais

alto

espírito público. Mas êsses ingentes esforços necessitam no momento, de apoio e colaboração do Govêrno do Estado para que a Faculdade tenha o desenvolvimento necessário na sua organização.

Terá a Fundação

de realizar as construções necessárias à instala-

ção de laboratórios, aquisição do seu equipamento, além das despesas de manutenção do corpo docente. O ALUNO

E O HOSPITAL

A Comissão de Orientação Científica, incumbida do planejamento da Faculdade, recomendou a sua implantação dentro do Hospital, afastando-se, assim, do critério clássico adotado pelas demais Escolas de Medicina, consistente na nítida separação geográfica e pedagógica, entre os ciclos básicos e clínicos. Além de dificultar uma maior integração entre as cadeiras que constituem o ensino médico, impede, aquêle sistema, que os alunos se beneficiem de uma aproximação mais rápida com o ambiente hospitalar. Essa inovação só foi aprovada depois de vencida a opinião de alguns opositores, naturalmente apreensivos com a perturbação que a presença de alunos recém-ginasianos poderia trazer aos serviços do hospital e à tranquilidade de seus doentes. A Mesa Administrativa da Santa Casa, porém, demonstrando

mais uma vez o seu espírito inovador, resolveu franquear os seus hospitais aos estudantes, concedendo-lhes assim um largo crédito de confiança, segura de que, se os alunos optaram por uma profisão que requer uma tão apurada noção de responsabilidade, é porque já a devem possuir em alto grau. Está tranquila, portanto, a Administração e certa de que os próprios alunos saberão refrear e corrigir algum colega que porventura se exceda em manifestações ruídosas que perturbem a tranquilidade dos doentes, ou falte ao respeito que merece o corpo daqueles que, mortos, tanto contribuem para a saúde dos vivos.

O

Poder

da

Misericórdia

A ENTIDADE Na orientação Faculdade

geral que

de Ciências

Médicas

MANTENEDORA norteia as obras da Irmandade, obedeceu

aos mesmos

a

ditâmes.

Para não onerar as responsabilidades que já tem, fê-lo em convênio com a Fundação Arnaldo Vieira de Carvalho, que reuniu outro grupo de homens dos mais destacados e com êles, e de acôrdo com êles, constituiu-se a mantenedora. A Fundação, constituída de homens dos mais capazes, uma Diretoria e um Conselho de 50 membros.

tem

A Diretoria, responsável pela execução das deliberações, tem

a seu cargo a elaboração orçamentária, a providência de recursos e uma série de obrigações que só aceitam os homens dotados de espírito público. O Conselho é heterogêneo, composto de membros natos, entre

os quais estão o Cardeal de São Paulo, o Reitor da Universidade de São Paulo, o Diretor Clínico da Santa Casa, o Diretor da Faculdade de Medicina, a Diretora da Escola de Enfermagem e o Presidente do Jockey Club. Os demais membros do Conselho são representativos da cultura e capacidade empresarial do povo paulista. Este dispositivo assegura a realidade econômico-financeira da

mantenedora que se colocou à altura da importância da obra que

se propôs

executar.

A FACULDADE

— ORIENTAÇÃO

GERAL

A preocupação de natureza pedagógica, indo até às de orien-

tação social e cívica, coloca os alunos desde o 1.º ano do Curso em contacto com as pessoas que procuram o Hospital. Eles tornam-se acompanhantes de enfermos que vêm à consulta, já com intenção de auxiliá-los em todas as tramitações que são obrigados a fazer para ter seu diagnóstico, sua internação, seu tratamento e sua alta, Como observadores, os alunos elaboram seu relatório e discutem o mesmo em seminário com orientação do médico, de psicólogo e de assistente social. Faz parte dêste plano a vivência da clínica familiar em que os discípulos, em contato com famílias, de preferência recémconstituidas, acompanharão a evolução das mesmas e ajudarão nos problemas de medicina sanitária, tais como vacinação, puericul-

eo Cluuco

tura e campanhas

de esclarecimentos, terminando,

se constituirem em médicos e conselheiros rentes de auxílios e informações.

CAPACIDADE

de

Carneiro

ao final, por

agrupamentos

ca-

ECONÔMICA

A Faculdade, muito embora escola particular, fugiria dos preceitos da Irmandade se não abrisse suas portas a alunos de poder

econômico

fraco.

O Serviço Social elaborou um plano, resultado de laboriosos

estudos de cêrca

fica em

grupos

de 700

famílias de universitários, e que

de possibilidades

diferentes.

classi-

Baseia-se esta classificação num confronto entre renda mensal

e despêsa mensal de cada família. Com êstes dados pôde-se perfeitamente calcular que parcela de anuidade família pagar sem maior ônus. Foi então

pletam

é possibilitada a cada

instituído o sistema de bolsas supletivas que com-

a diferença

orçamentária.

Estas

foram

imediatamente

pro-

videnciadas por outra Instituição que vem prestando inestimável ajuda à Irmandade, porque seus dirigentes atingem perfeita compreensão dos fenômenos sociais: o Jockey Clube de São Paulo.

Conseguiu-se então para a Escola um orçamento equilibrado

e suficiente, garantido pela Fundação Arnaldo Vieira de Carvalho entidade mantenedora, em convênio com a Santa Casá.” Vinte anos depois Vinte anos depois, em 1983, recordava-se que a Faculdade de Ciências Médicas já formara 1.500 profissionais desde o ano pioneiro em que os fundadores da escola realizaram, enfim, o sonho acalentado há tantos anos pelo corpo clínico da Misericórdia paulistana. A excelente revista

“Arquivos

Médicos dos

Hospitais da Santa

Casa de São

Paulo”,

em sua

edição de março de 1984, lembrou o que foram esses primeiros vinte anos: “Durante seis anos, isto é, de 1963 a 1969, a Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de S. Paulo proporcionou “en-

sino accessível a todos”, em vez das alternativas de “ensino pago”,

ou “ensino gratuito”. Pesquisadas 700 famílias de universitários paulistas, verificou-se que 30% dos alunos não reclamariam do pagamento das anuidades, pois poderiam pagá-las, enquanto que os restantes 70%, subdivididos em 9 grupos, possuíam limitações, alguns, e necessitariam de auxílio, outros. Doze por cento

611

O Poder da Misericórdia

dos alunos não tinham condições de pagar nada.

A estes, obri-

gou-se um pagamento simbólico de um salário anual, dividido em IO prestações mensais, enquanto que aos outros foram arbitradas anuidades de acordo com sua capacidade financeira, os mais

abonados pagando mais, numa escala decrescente, até a faixa dos [2%

mais

carentes,

pregos de 2 horas

alunos

revelavam

para

por

os

dia,

chapas de

quais

onde,

Raios-X,

a

Faculdade

criou

trabalhavam

na

dentre outras

90

em-

atividades, os secretaria

da Faculdade, datilografavam registros de doentes, e assim por diante. Sempre segundo o esquema “paga mais quem pode mais”, social nos seus propósitos, equânime

no tratamento e prático nos

seus resultados. Pena que teve de ser descontinuado, quando o MEC determinou a anuidade máxima, fixando-lhe um teto abaixo da capacidade dos abonados, e, infelizmente, acima das pos-

sibilidades dos mais carentes.

UMA

ESCOLA

Essa, e outras

MÉDICA

ADIANTE

DO

SEU

inovações,

igualmente

relevantes,

TEMPO foram

lan-

çadas dentro dos muros da Santa Casa de S. Paulo, pela Escola

Médica fundada pelo Corpo Clínico, a qual, no curto espaço de 20 anos, transformou-se, no 'campo da Educação, no Brasil, na

mais bem

sucedida

iniciativa de todos os tempos.

Entretanto, o sucesso da Faculdade não foi produto de mila-

gres ou passes cabalísticos, e sim de uma tradição de muitíssimos anos, que se encontrava enraizada na Santa Casa, desde 1917,

quando seus Hospitais começaram a receber os alunos daquela que depois se transformaria na Faculdade de Medicina da Universidade de S. Paulo, a famosa “fábrica de professores de medicina”. Durante 30 anos, isto é, de 1917 até 1947, a Medicina da USP funcionou na Santa Casa. No decorrer desses três decênios, frequentaram a Santa Casa, seja como professores, seja como alunos, todos aqueles que depois foram construir a grandeza da USP e da Escola Paulista de Medicina. Pode-se dizer que a Santa Casa foi a mãe das grandes escolas médicas de S. Paulo, além de influir decisivamente, através de suas residências, no aprimoramento dos corpos docentes de dezenas de outras faculdades, espalhadas por todo o Brasil. Pela Santa Casa passaram, como facultativos ou chefes figuras tais como Vampré, Celestino Bourroul, Zeferino do Amaral, e, mais tarde, Diogo de Faria, Arnaldo Vieira de Carvalho, Pereira Barreto, Carlos Botelho, Mário Ottoni de Rezende, José Ayres Netto, Henrique Lindenberg e muitos outros.

612

Glauco Carneiro

O

projeto de uma Faculdade na Santa Casa ganhou mais corpo e adeptos com a ida da USP para o Hospital das Clínicas, em 1947. Quando se fundou a Escola Paulista de Medicina, alguns dos seus fundadores cogitaram de levá-la para os próprios da

rua

Cesário

Mota

Jr.

Durante 26 anos, isto é, de 1947 até 1963, a “idéia” de uma Faculdade aprimorou-se, virou projeto e ungiu-se de uma filosofia audaciosa: tinha que ser moderna e inovadora. E quando abriu suas portas, em 1963, antes, portanto, da reforma universitária de 64, não tinha cátedras vitalícias, suas disciplinas afins estavam reunidas em departamentos c seus alunos tinham acesso aos hospitais, isto é. à prática trepidante, desde o primeiro ano. A integração “escola-hospital”, desde o primeiro ano, permite,

segundo o professor Orlando Aidar, atual

Diretor da Faculdade,

“que o aluno aprenda lidando com o doente”, somando seus conhecimentos teóricos à prática hospitalar desde o conhecimento da

sua

carreira.

TRABALHO

possui

Embora

memória

uma

de

E

DEDICAÇÃO

fundação

galeria

recente,

de fundadores

é constantemente

nias comemorativas

homenagens

póstumas

A MAIS

do

cultuada.

Ano

a 31

20 da

DOS a

SEUS

Faculdade

da

e professores Durante

PELOS

Santa

falecidos,

Casa

cuja

as recentes cerimô-

Faculdade,

professores.

DISPUTADA

MESTRES

foram

prestadas

CANDIDATOS

Ano após ano, a Faculdade da Santa Casa tem sido a mais disputada pelos candidatos à carreira médica. Dispondo, em média,

de

apenas

100

vagas/ano,

tem

lares, até 8 mil candidatos. Embora nos últimos anos, segundo tendência

recebido,

nos

seus

vestibu-

a procura tenha diminuído observada em todas as de-

mais instituições de ensino médico, cujas múltiplas razões não nos cabe examinar, mais de 4 mil candidatos bateram às portas da Santa Casa, neste ano. Estatisticamente, essa acirrada disputa pelas vagas na Santa Casa traduz uma verdadeira consagração

popular, considerando-se,

ainda, que

a esmagadora

maioria dos

seus candidatos pertence à classe média, e esta, como se sabe, dita as tendências

no

Brasil.

O

Poder

da

Misericórdia

615

PROFISSIONAIS

QUE

SATISFAZEM

EXPECTATIVAS

O valor da Santa Casa, como centro preparador de profissionais altamente qualificados, manifesta-se também através dos importantes cargos ocupados pelos seus médicos. À proporção que se distancia, no passado, o ano de 1968, em que se formaram os primeiros 119 médicos da Santa Casa, suas turmas amadure-

cem e muitos de seus membros são guindados a altas posições no ensino médico e no serviço público. Inúmeros ex-alunos e exresidentes da Santa Casa ocupam cátedras e altas posições em escolas médicas espalhadas por todo o país, enquanto que outros exercem funções públicas de grande responsabilidade, como, por exemplo, Wilmar Silvino, no INPS, Alexandre Vranjac, na Secretaria

Estadual

da Saúde,

e José

Carlos

Bitencourt,

na Secretaria

Municipal de Higiene e Saúde. São médicos que aliam competência profissional e correção de conduta, segundo os ensinamentos da sua Faculdade.

O conhecido professor Nelson Proença, presidente da Associação Médica Brasileira e Chefe da Clínica Dermatológica da Faculdade da Santa Casa, declarou, em entrevista recente à “Folha de S. Paulo”, que a formação dos médicos da FCMSC não se extingue ao cabo dos 6 anos escolares: “O curso de pós-graduação que oferecemos é feito por cerca de 70% dos alunos da nossa

escola, que

se tornam

excelentes

profissionais.

Mas

o pre-

paro vem desde o início do curso. Um cuidado fundamental que tomamos é o de não permitir a especialização precoce do estudante, optando por uma formação mais abrangente. Disso resulta um profissional muito mais completo, com maiores condições de satisfazer as expectativas da sua futura clientela”. Os problemas da igualdade

Quando a Santa Casa, para sobreviver, vincula-se cada vez mais ao aparato oficial de previdência e assistência social, torna-se alvo das pres-

sões políticas que às vezes acompanham tal esquema, sem falar das dificuldades de caixa a ele inerentes. Além disso, depara-se a instituição, pro-

gressivamente, com

de seus empregados Esse quadro

uma

pauta

e médicos.

mostra-se

mais abrangente

muito

nítido

de reivindicações

no início

da década

salariais

de sessenta

e vai ganhando matizes mais fortes à medida que nos aproximamos da atualidade. O objetivo da caridade, antes englobador de todas as metas de serviço à instituição, e os preceitos clássicos da solidariedade cristã.

614

Glauco

Carneiro

não bastam mais à atividade-meio da Misericórdia, no momento em que uma intensa politização a convence de que a Irmandade é uma empre. gadora como as demais, e pode até ser levada aos tribunais. Em

1963

empregados,

salarial. Em nico

encontramos

dizendo

1964, em

agravou-se

com

a Irmandade

estar cumprindo

todos

explicando os

a situação

acordos

de

de seus

reajustamento

nota oficial, confessa que o regime deficitário crô-

a decisão

trabalhista

de

conceder

aumento

de 90%

aos funcionários, além de mais 30% poucos meses após. Em 1973, seu déficit se agrava e atinge 4 milhões (cruzeiros novos), além de necessitar de mais dois milhões para efetivar o pagamento do 13.º salário aos servi-

dores. Em junho de 1978, um inédito movimento paralisa, pela primeira vez, os residentes, que dão prazo para atendimento de suas revindicações. A Mesa informa que o déficit da instituição já atinge, nesse ano, a quinze

milhões de cruzeiros. Os líderes dos residentes reúnem-se na sede do Dire-

tório Acadêmico da Faculdade de Ciências Médicas e divulgam seus motivos junto aos doentes do hospital, ao mesmo tempo que ameaçam os

profissionais substitutos com a aplicação do Código de Ética Médica, “pois estão lutando apenas pelo salário digno”.?* A Santa Casa responde à greve cessando a residência dos 316 médicos

envolvidos:

“A

demissão

palavras o superintendente

dos

médicos

residentes,



num

jogo

de

diz que não se trata disso, mas de desistência

da residência médica por parte dos próprios interessados — segundo eles, constitui um fato grave para a escola e para o hospital. A extinção da residência médica. dizem eles, muda o caráter da Santa Casa, que deixa

de ser um hospital-escola”.>" Vinte e três professores do Departamento de Pediatria encaminham carta, porém, afirmando que a presença dos residentes é indispensável. A 29 de junho, O Estado divulga nota oficial do Provedor Christiano Altenfelder, em que afirma que “a Santa Casa por entender que possui um Corpo Clínico capaz e disposto a participar da formação de residentes, dentro de hospital de alto padrão, jamais visou à mão-de-obra médica de baixo custo, como se vê dos aumentos concedidos, Sendo, como é. uma instituição privada, oferece aos seus residentes os recursos que tem possibilidade de dar... A residência não é um emprego, mas sim um curso de pós-graduação de caráter prático. Portanto, só se inscreve se puder completar o período de treinamento e cumprir as disposições que regulam a Residência... Estagiários da Santa Casa entraram abruptamente em greve, avisando a Administração com apenas cinco (5) minutos de antecedência, abandonando atividades, plantões, ProntoSocorro, ambulatórios, sem a mínima e caritativa atenção para com os doentes que estavam sendo tratados ou examinados sob seus cuidados. Com este fato, infringiram o juramento que prestaram no ato de sua graduação".**

O

Poder da Misericórdia

615

Era um novo tipo de médico o que a Irmandade estava defrontando em 1978. Acostumada com o modelo clássico, ela via com apreensão aquele posicionamento agressivo para o qual não tinha reação preparada. O velho “Estadão” foi em seu socorro: reconhecendo embora a justeza de algumas reivindicações básicas, informava que os bolsistas da Santa Casa haviam recebido, desde o ano anterior, 1977, aumentos que chegavam a 260%: “A Santa Casa não é um hospital estatal, que tem de onde retirar verbas suplementares. Muito menos é um hospital com

finalidades lucrativas que possa, reduzindo suas margens de lucro, atender às reivindicações. Trata-se de uma instituição de

benemerência, que não visa o lucro e que vive basicamente de

convênios e doações, que chegam

a dois terços de sua receita...

Seu déficit não pode ser agravado...

É instituição onde o padrão

de serviços e atendimento não é determinado pela condição econômica e social dos pacientes que a procuram, mas sim por uma elevada consciência humanística... Em seus quase 400 anos de

existência, a Santa Casa tem feito mais do que respeitar o legado

humanitário que recebeu de seus fundadores: no correr destes quatro séculos, enriqueceu a herança, somando à obrigação da caridade o ensino competente e de alto nível que ministra a estu-

dantes das ciências médicas...

É grande

a tradição

da

Santa

Casa, e esta tradição precisa ser conhecida por toda a população, principalmente por aqueles que lá trabalham e que são os responsáveis por sua continuidade e incolumidade... Em nome

de reivindicações, mesmo justas, não podem os residentes da Santa Casa atropelar quatro séculos de tradição e comprometer o importantíssimo trabalho social de gerações”.

Outra crise com o sistema deu-se em agosto de 1979 quando a Misericórdia decidiu não mais aceitar pacientes do INAMPS para implantes ou substituições de válvulas cardíacas e marca-passo. A medida foi tomada em decorrência da falta de pagamento das dívidas do Instituto, num total de 50 milhões. Poucos meses mais tarde, a Provedoria comunicou à Superintendência do INAMPS em São Paulo o rompimento do convênio, mediante o qual 400 leitos da instituição eram postos à disposição dos previdenciários. Na carta, provava-se que os preços pagos pelo leito-dia a cargo do INAMPS eram inferiores aos custos reais. Enquanto estes atingiam, na época, a 1.200 cruzeiros, o Instituto pagava apenas 280 cruzeiros (e o Hospital Central da Santa Casa era considerado “padrão” do atendimento conveniado). Logo os hospitais privados aproveitaram a deixa para levantar de novo a velha bandeira da insuficiência dos valores arbitrados pelo INAMPS.

616

Glauco Carneiro

José Sady Neto, da Associação dos Hospitais de São Paulo, observou: “Um fato marcante no episódio é que as Santas Casas têm uma série de isenções. Elas não pagam parte dos encargos trabalhistas — a que se refere aos empregadores; estão isentas do imposto de renda, do imposto territorial e predial, e do ISS; e ainda recebem subvenções. Têm ainda suplementações vultosas, provenientes do aluguel de seus imóveis. Ora, se um hospital com todas estas facilidades, que contribuem para reduzir seu custo e aumentam a sua receita, não consegue sobreviver, o que diremos dos

hospitais privados que não têm esses benefícios?".2* Na mesma linha, o presidente da Federação Brasileira dos Hospitais, Antonio Angel Del

Arroyo, declarou: “Alguns achavam que nós apenas buscávamos um lucro maior. Mas agora que uma Santa Casa, da importância da de São Paulo,

faz, publicamente,

as mesmas

acusações

contra

a justeza da luta da rede hospitalar privada”.»

o INAMPS,

comprova-se

29

O gesto da Santa Casa teve imediata repercussão .junto ao Governo Federal. O próprio Ministro da Previdência, Jair Soares, deslocou-se até São Paulo, reuniu-se com a Federação das Misericórdias, e ouviu, de viva

voz, do Provedor Altenfelder, um apelo no sentido de um relacionamento

mais equânime do INAMPS com as Misericórdias. Contudo, a Santa Casa

de

São

depois

Paulo

de

[rmandade

só restabeleceu

ter recebido

todos

o convênio

os

com

a Previdência

atrasados,

na

proporção

Poder

mantido

e não de acordo com as contas feitas por Brasília.

Geralmente,

os ocupantes do

têm

com

em

exigida

1981,

pela

a «Santa Casa

um relacionamento amistoso e compreensivo. A maior parte deles adota esse tipo de procedimento

porque realmente está convencida

do valor da insti-

tuição. Uma minoria, deixando isso em segundo plano, compõe-se com as reivindicações da Santa Casa porque verifica que não vale a pena, pessoal é politicamente, obstacular a ação da entidade que reúne há quatro séculos a melhor representação de poder paulistano. São raros os casos de atritos. Um deles surgiu, por exemplo, em junho de 1964, quando o Prefeito

Prestes Maia criticou, publicamente, “o peso dos encargos assumidos pela

Misericórdia com

a criação

de sua

Faculdade

de Ciências

Médicas,

lem-

brando que o Governo do Estado enfrentava dificuldades para manter sua faculdade de medicina”. Imediatamente, o Provedor Christiano dirigiu carta a O Estado de S. Paulo, contestando as afirmações do prefeito, e dizendo haver obrigação legal da Prefeitura repassar dotação com aplicação determinada, em benefício da Santa Casa: “Torna-se inadiavel e exigencia desses recebimentos. Retém indevidamente a Prefeitura algumas centenas de milhões de cru-

zeiros, que pertencem á Santa Casa, que por isso não pode pagar

centenas de milhões de cruzeiros aos seus fornecedores.

Insensi-

O

Poder

da

Misericórdia

617

veis se revelam o prefeito e o secretario das Finanças á dolorosa contingencia funcionarios

da redução de leitos aos necessitados, dispensa de e cessação do serviço de Pronto-Socorro. Só restará

á direção da Santa Casa cobrar pelos meios judiciais o que lhe é devido, embora com as delongas naturais desses processos. É o que deliberou constrangidamente a Mesa Administrativa, na defesa dos direitos e interesses que lhe são confiados e no

beneficio dos desamparados, muitos dos quais já não pode a Santa

Casa

socorrer,

pela

incompreensão,

gados da administração publica.

desvios

e erros

dos

encarre-

Agradece a publicação destes esclarecimentos, para conhecimento do publico o seu velho amigo e admirador, dos maiores, Christiano Altenfelder Silva”.

ESCLARECIMENTOS

DO

SECRETÁRIO

Por sua vez, o secretario das Finanças da Prefeitura, sr. Mon-

teiro de Carvalho, declarou ontem no Ibirapuera:

“Não desejamos e não temos tempo para alimentar polemicas. Mas não podemos deixar de corrigir algumas afirmações inverídicas e apaixonadas. Ao que parece, há a intenção de nos incompatibilizar com a opinião pública, atribuindo-nos atitudes

que não tomamos”* Constitui

rotina

a atribuição

do

título de “Irmão

Protetor”

ao

Go-

vernador de São Paulo. Na república, todos os ocupantes do cargo vieram a recebê-lo. Contudo, um deles, Paulo Maluf, deixou marca junto à instituição porque prometeu doar todos seus vencimentos do cargo à Misericórdia. E cumpriu. Além disso, regularizou o pagamento de todas as subvenções. Ao tomar posse como Irmão Protetor, a 22 de setembro de 1981, se disse “bastante feliz”. E declarou: “A Santa Casa não é somente uma

instituição de misericórdia.

É um símbolo e uma bandeira do homem

de

bem”, lembrando em seguida que a instituição não tem de “pedir nenhum favor ao governo do Estado”, pois deve “exigir”. E completou: “Dou à Santa Casa o direito de exigir em voz alta”.*! Demonstrando igual sensibilidade, o Prefeito Antônio Salim Curiati, médico, que na fase de formação estagiara na Santa Casa, liberou sucessivas verbas para a instituição.

através do Conselho

Municipal de Auxílios e Subvenções, que ele criara

em sua curta gestão de dez meses. Ao receber, a 22 de fevereiro de 19853. o título de Irmão Protetor, Curiati disse “estar retribuindo apenas um pouco do muito que recebeu da Santa Casa:

sis

Glauco

Carneiro

“Ao referir-se ao homenageado, o orador ressaltou que “esse título que agora lhe é conferido, de: Irmão Protetor, a mais alta distinção concedida pela Santa Casa, é um reconhecimento pelos relevantes serviços prestados à instituição, de forma espontânea, depois das eleições e às vésperas de deixar o governo municipal, Foi um auxílio dado no momento certo, demonstrando a sua alta sensibilidade para com os problemas da área social e a vontade de servir à comunidade carente do Estado e do País”. Em seu agradecimento, o prefeito Antônio Salim Curiati recordou sua passagem pela Santa Casa de Misericórdia, onde fez um estágio quando ainda era quartanista da Escola Paulista de Medicina:

“Fui

recebido

com

todo

o carinho

nesta

instituição,

onde adquiri a prática que me permitiu iniciar a carreira de médico no Interior. Também aqui eu aprendi as primeiras lições no campo do atendimento à população carente, atividade que mais tarde viria a desenvolver quando assumi a Secretaria da Promoção Social”. Curiati ressaltou ainda que não estava fazendo favor

algum à Santa Casa em ajudá-la: “Apenas retribuo um pouco do muito que ela me deu. Acho que é uma obrigação do poder público e das pessoas de maiores recursos colaborar com uma ins-

tituição modelo em todo o País. Eu é que agradeço por ter recebido este título, que é o maior e mais importante de toda a minha vida"

O Hospital Santa Isabel Entre as realizações da gestão Christiano Altenfelder destaca-se a inau-

guração, em 12 de maio de 1972, do majestoso Hospital Santa Isabel, instalado num moderno edifício de onze andares, dentro do perímetro tradicional no Arouche. Inaugurado pelo Presidente Emílio Garrastazu Médici, o Hospital Santa Isabel se destina ao atendimento de pensionistas e tem sua renda integralmente revertida para as atividades assistenciais gratuitas prestadas pela Santa Casa. Ao receber Médici, o Provedor Christiano Altenfelder Silva assinalou que, durante a República, era a primeira vez que um Presidente da República ali comparecia. Já no Império, Dom Pedro II sempre incluía a visita à Santa Casa como uma de suas obrigações em São

Paulo.

“Depois de ouvir o discurso do provedor, e de inaugurar O hospital, o presidente Médici visitou algumas de suas dependências. Viu, por exemplo, os modernos aparelhos de cardiologia, um laboratório onde existe até microscópio eletrônico e deixou seu

O

Poder

da

Misericórdia

619

nome no livro de visitas onde está também a assinatura de Dom Pedro IH. Como fez em Paulínia, o presidente não discursou, limitou-se a agradecer, com um aperto de mão, as palavras do provedor. O novo

hospital da Santa

Casa, com

II andares

(último foi

reservado a oito apartamentos, onde se hospedarão médicos de outros países em visita a São Paulo), já reservou um terço de seu espaço ao INPS. Em cada andar há uma copa, refeitório para acompanhantes, posto de atendimento, sala de curativos e exame, sala de espera para visitantes e uma área reservada para material de

limpeza.

O centro cirúrgico fica no quarto andar, com 18 salas para atendimento de todo o hospital, e do lado do centro de esterilização, com moderno equipamento importado (autoclaves, lavadouras esterilizadoras, rápidas, conjunto de lavador de luvas e um aparelho

para

desinfetar

material

cirúrgico).

A Unidade de Terapia Intensiva, com 34 leitos, ocupa todo o terceiro andar, com uma sub-unidade para cardíacos, um moderno sistema de manitoragem, aparelhos respiradores e demais equipamentos importados da Alemanha e dos Estados Unidos. A Unidade tem também uma sala especial, com aparelho de hemodiálise, para atendimento de casos renais graves, e um laboratório equipado com aparelhos de medição e análise dos gases sangúíneos. Os vários laboratórios, do terceiro e quarto andares, podem executar 2.500 exames diários. Todas essas informações, o presidente Médici ouviu do provedor da Santa Casa, enquanto percorria algumas dependências do hospital. A imprensa não pôde acompanhar o presidente durante essa visita, “por motivos de segurança”, mas um funcionário da Agência Nacional informou depois tudo o que ele fez no hospital: além de conhecer parte das instalações, visitou alguns andares, tomou um cafezinho e conversou alguns minutos com o deputado Herbert Levy, o provedor Altenfelder e o governador Laudo Natel. Na visita aos doentes, dirigiu-lhes palavras de conforto: —

Faço

Ou

então:



Deus

possível.

votos

que

o senhor

te dê

boa

saúde”.

se

restabeleça

o mais

rápido

620

Glauco Carneiro

Outra nova dependência que marcou essa administração na Santa Casa foi o denominado “Pavilhão da Imagem”, cujo início de funcionamento se

deu em 1978. A Associação dos Médicos da Santa Casa de São Paulo congratulou-se com o acontecimento, “não apenas porque a Misericórdia vai colocar-se ao nível dos mais adiantados centros de radiodiagnose do mundo, propiciando mais avançadas pesquisas médicas, mas porque vai proporcionar aos pacientes um melhor nível de atendimento”.*! E o mé.

dico Marcelo de Almeida Toledo escreveu a respeito o seguinte:

“Vindas do tom, do som ou do computador, a forma gráfica

final é sempre uma imagem.

procura interpretar.

E é essa imagem que o radiologista

Para uma construção na qual são instalados, além dos Raiox-X convencionais, o Ultra-Som e a Tomografia Computadorizada, o nome “Pavilhão da Imagem”, além de correto, possui a beleza e a graça da simplicidade. Que outros o definam de outra maneira.

Para

mim,

como

disse

Euclides

da

Cunha,

alegro-me

haver tentado definir um pavilhão que dignifica “meu minha terra” ** O “Pavilhão da Imagem”

inovou

em

de

tempo e

termos de arquitetura da Santa

Casa, conforme veremos através desta análise:

“A Santa Casa possui certas peculiaridades. Uma delas é usar o nome de “Pavilhão” para edifícios localizados dentro de

sua área física, como Pavilhão Conde de Lara, nandinho Simonsen, Condessa Penteado etc.

o Pavilhão

Fer-

Redondo e pediculado, o novo “Pavilhão da Imagem” encontra-se aderido ao claustro principal como uma jabuticaba ao tronco de sua árvore. Devido à complexidade, seu planejamento físico foi resultado de um trabalho de equipe integrada por consultor hospitalar, arquiteto, radiologista e por um possível fornecedor de equipamentos. A sua forma, para a finalidade a que se propõe, é a nosso ver de extrema eficiência. As críticas que se costumam fazer às construções circulares são geralmente de dois tipos: a primeira refere-se ao crescimento e pode ser rebatida facilmente optando-se pela expansão vertical. A segunda refere-se à iluminação central, o que costuma transformar os edifícios circulares em construções em forma de anéis com um jardim interno ao centro. Em nosso caso, vem coincidir com o objetivo precípuo de escurecimento central, local onde se localizam as câmaras escuras. É um projeto humano e audacioso.

Humano por visar em alto grau a comodidade e o conforto tanto

O

Poder

da

Misericórdia

621

dos pacientes como dos que lá trabalham. Audacioso por ser inovador e corajoso. Com 100 metros de bancos de espera para o público, o perímetro externo acomoda 140 pessoas sentadas. O paciente aguarda o exame em frente à sala de Raios X na qual irá ser examinado. Toda essa imensa sala de espera circular, com área de 200 m”, comunica-se com as salas de exames através dos vestiários. As salas de exame dispôem-se em torno das duas câmaras

escuras

centrais,

de maneira

radial

e equidistante.

Há,

portanto, a separação, essencial e procurada, do fluxo dos que lá trabalham e o dos pacientes. Um corredor externo para pacientes e um interno para médicos e técnicos. O

número

função de duas

de salas de exame

variáveis:

foi calculado, basicamente, em

1) O número de leitos do hospital (aproximadamente

1.000).

2) O número de pacientes atendidos em ambulatórios (aproximadamente 1.000). Como resultado, obtivemos um “ótimo” de dezessete salas. Duas na ortopedia, uma na urologia e quatorze no Rx Central,

sendo

três no 2.º andar e onze no térreo.

Pelas duas processa-

doras Kodak do andar térreo sairão os filmes de onze salas de exames. Nessa pequena câmara clara ficará um médico responsável tanto pela qualidade técnica dos exames como da verificação do cumprimento da finalidade das mesmas. Controlará onze salas” 3º

Posto em funcionamento na primeira semana de julho de 1981, o moderníssimo Tomógrafo Computadorizado da Santa Casa, adquirido por US$ 1.150.000, era na época o mais moderno da América Latina, pertencendo à terceira geração desses aparelhos. Segundo o médico

Wang, plado que a exigem

Chien

Yi

diretor do Departamento de Radiologia, “o exame radiológico acoa um computador permite visualizar muitas estruturas anatômicas radiografia comum não revela. Além disso, substitui exames que intervenção cirúrgica, como é o caso das artereografias cerebrais”.1» 37

A Santa Casa na década de 1980

É conveniente fazer um repasse da estrutura da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo nos primeiros anos da década de oitenta. “Embora a Santa Casa de São Paulo já esteja de há muito relacionada, na imaginação do público, no rol das maiores e

mais

respeitáveis

instituições

brasileiras, vale a pena

recapitular

os serviços que presta a S. Paulo e ao Brasil, além de ser por

622

Glauco Carneiro

muitos considerada “multinacional”, dado o grande número de estrangeiros que tem acolhido, tratado e curado. Só nos seus serviços de emergência (pronto-socorro € outros), atende, diariamente, a mais de 600 pacientes. Nos ambulatórios, entre consultas, retornos e controles, atende a 1.500 casos por dia. Mantém 1.000 pacientes permanentemente internados nos seus

hospitais do centro da cidade. Possue ambulatórios nos seus hos-

pitais do centro da cidade. Possui ambulatórios especializados em clínica médica, cirurgia, dermatologia, otorrino (todas as especialidades), ortopedia, oftalmologia, neurologia, endoscopia, cirurgia vascular, ginecologia, obstetrícia, clínica infantil. Mantém o Pavilhão: da Imagem, onde possui os mais modernos aparelhos de

radiografia e tomografia. Cuida de 800 velhinhos no seu depar-

tamento de geriatria (Hospital do Jaçanã), dos quais mais de metade são indigentes. Mantém o famoso Colégio São José, na rua da Glória, em cujos cursos ginasial e colegial estudaram grandes figuras de S. Paulo. Mantém, ainda, no Jaçanã, o Hospital S. Luiz

Gonzaga, cujos leitos, por falta de recursos, foram reduzidos de

400 para 300. Além disso, em convênio com a Fundação Arnaldo

Vieira de Carvalho, mantém a Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa, condição essa que, embora representando um grande ônus financeiro, permite a atualização das suas técnicas de medicina,

repercutem

Santa

pesquisa

Casa

e desenvolvimento,

na excelência estão

voltados,

dos

seus

também,

cujos

resultados

serviços. Mas para

o futuro:

práticos

os planos da as

crianças

que vão ao “play-center”” costumam olhar, curiosas, uma enorme estrutura de concreto situada atrás daquele parque de diversões.

É o Hospital-Escola Julio de Mesquita, da Santa Casa, cujas obras estão quase paradas. Não se sabe quando ficará pronta, tal a mag-

nitude da obra, mas há uma promessa da Prefeitura de S. Paulo de ativar pelo menos a parte de Pronto-Socorro do Hospital. A

Santa

Casa

espera

que

o seu déficit

seja

coberto

pelos

poderes públicos, já que os serviços que presta são eminentemente

sociais, a toda a coletividade, sem qualquer distinção. Se os pode-

res públicos não acudirem a Santa Casa, esta terá que proceder uma redução drástica dos Seus serviços, diminuindo, inclusive, o

número

dos seus

funcionários,

hoje na casa

dos 3 mil.

Porém, além de pedir ajuda, a Santa Casa está se ajudando a si própria, racionalizando as suas despesas e procurando obter novas fontes de recursos. Acaba de abrir o Hospital Santa Isabel para todos os médicos de S. Paulo que queiram utilizar-se dos

seus

serviços

para

aquele hospital é um

internação

de

pacientes

particulares,

dos mais modernos e bem

Brasil, além de contar com

já que

aparelhados do

todos os serviços auxiliares que lhe

623

O Poder da Misericórdia

proporciona a Santa Casa, como, por exemplo, os serviços radiografia e tomografia, laboratórios, farmácia c outros. Aberto, agora, a todos os médicos que junto à se credenciar, para nele internarem os seus pacientes o Hospital Santa Isabel vinha trabalhando com uma ociosa de 50%. Sua abertura, inédita na vida da representa mais um esforço da atual administração

recursos c fazer frente ao déficit de Cr$

de

ele queiram particulares, capacidade Santa Casa, para captar

1 bilhão em

1982"'3*

Punição a médicos

Acontecimento raro, mas também encontrado na história da Santa Casa, é a punição a médicos que infringiram regulamentos da instituição ou a própria deontologia da profissão. Em 1980, por exemplo, o jornal Folha de S. Paulo, em sua edição de 16 de agosto, dava conta da demissão de médico que utilizara suas funções no Hospital para fazer experiências com remédios não testados: “O chefe da Pediatria da Santa Casa, Jorge Henrique Howard, foi demitido no dia 7 passado, por utilizar crianças e funcionários desse hospital como cobaias para testar um novo antibiótico — Cefax — fabricado pelos Laboratórios Bristol. Howard, de acordo com denúncia feita ontem à imprensa pelo presidente do Sindicato dos Médicos, Agrimeron Cavalcanti, acumulava seu cargo na Santa Casa com o de chefe de pesquisas farmacêuticas dos Laboratórios Bristol. Segundo

Agrimeron,

Howard,

que

é chileno

e foi

contra-

tado pela Santa Casa no final de 1978, infringiu o Decreto

Fe-

deral n.º 20.931, de 11/1/1932, que veda ao médico “fazer parte,

quando exerça a clínica, de empresa que explore a indústria farmacêutica

ou seu comércio”.

Ainda de acordo com o Sindicato dos Médicos, a Santa Casa exonerou também a médica Maria Duarte de Barros, assistente de Howard e coordenadora dos trabalhos sobre otite, meningite e amidalite, áreas nas quais foram feitas as experiências. As pesquisas propostas por Howard, segundo Agrimeron, não foram aprovadas pela Comissão Científica da Santa Casa, mas, assim mesmo, foram feitas e foram denunciadas quando 80% das experiências previstas no programa já haviam sido realizadas”. Havia antecedentes. A 30 de dezembro de 1943, o então Diretor Clínico da Santa Casa, Dr. Synesio Rangel Pestana, distribuiu a seguinte

circular aos médicos dos hospitais da Irmandade:

Glauco Carneiro

“Cumpro

o dever

de communicar-lhe

que a Mesa

Adminis-

trativa da Irmandade, reunida em 20 do corrente, tomou conhecimento do processo de inquerito administrativo aberto para apurar irregularidades atribuidas ao chefe de clinica do Ambulatorio

de

Medicina

de

Homens,

Dr.

Thomaz

Bulgarelli, pela denuncia

levada ao Snr. Presidente da Republica por um consulente d'aquelle

ambulatorio

sidiu

e do

ao inquerito.

relatorio

do advogado

da

Irmandade

que

pre-

As peças do inquerito e o relatorio do advogado convenceram a Mesa Administrativa da culpabilidade do accusado, ficando resolvido. porisso, a demissão do Dr. Thomaz Bulgarelli,

a bem

da ethica

profissional

e do

bom

nome

da

Santa

Casa,

Ficou provado no processo da syndicancia que aquelle chefe de clinica desviava doentes pobres da Santa Casa para o seu consultorio particular, insinuando que alli os examinaria com mais cuidado. cobrando por esse serviço cinco cruzeiros. Como compensação lhes dava cartões da Santa Casa, que elle abusivamente levava para o seu consultorio, para que retirassem gratuitamente da Pharmacia do Hospital Central os medicamentos formulados. Chamo

a sua attenção

para o cuidado

que

deve

haver nas

de doentes

menos es-

relações entre o medico de um hospital de pobres e os consultantes, de modo a evitar qualquer suspeita sobre a honorabili-

dade do medico crupulosos.

O

escudo

respeito

que

e imputações

absoluto

resguarda

profissão.

às

a honra

calunniosas

regras do

da ethica

medico

no

profissional

exercicio

é o

de sua

Certo de que o presado collega não se desviará dos ditames da bôa ethica, confio que não se repetirá no nosso Hospital, facto tão deploravel para a nossa profissão e tão deprimente da boa

reputação

da Santa

Casa”. »

40

O Provedor Paulo Meirelles Reis

Christiano

Altenfelder,

ciou à provedoria

pressionado por

da Santa Casa

problemas

de saúde,

renun-

de São Paulo no dia 20 de julho de

1983, assumindo em seu lugar, para completar o mandato até dezembro desse ano, o engenheiro Paulo Meirelles Reis, Vice-Provedor.

Desde que se aposentara na profissão, em 1969, ele sentiu “uma compulsão íntima” para servir à Santa Casa, a exemplo do que haviam feito seu pai e seu irmão mais velho, Augusto Meirelles Reis. Logo ele ingressou na engenharia da Irmandade e responsabilizou-se por diversas +

625

O Poder da Misericórdia

e importantes obras, tais como o pavilhão de fisioterapia, além de ter supervisionado ec acompanhado a parte arquitetônica do plano idealizado por Júlio de Mesquita Filho para transferir o Hospital Central e regionalizar os serviços da

Misericórdia.

Paulo Meirelles Reis teve uma curta passagem à da Irmandade — de julho a dezembro de 1983. Nesse teriza como de “pesados trabalhos”, ele procurou dar de Christiano Altenfelder, bem como realizou gestões crônico problema de escassez de recursos.

frente dos destinos periodo, que caraccontinuidade à obra para fazer frente ao

Da entrevista que concedeu ao Autor consta o relato de um cepisódio esclarecedor. Sabia-se que o relacionamento Santa Casa/Igreja Católica fora estreito até o tempo do Cardeal Dom Agnelo Rossi, registrando-se, de-

pois, um sensível esfriamento, a partir da posse do atual cardeal,

Evaristo Arns. Vejamos como o casal Paulo Meirelles o tratamento que o cardeal deu aos Irmãos:

Dom

Reis/D. Zilda, narra

“Quando o Cardeal Dom Arns tomou posse na Arquidiocese de São Paulo, a Irmandade da Santa Casa, como o fazia tradicionalmente nessas ocasiões, enviou uma representação para cumprimentá-lo, integrada pelos mesários Dom Ernesto de Paula, Paulo Meirelles Reis e Comendador Pires. Essa comissão foi friamente recebida por Dom Arns, numa prova de como esse chefe da Igreja Católica em São Paulo, na sua linha populista, queria isolar-se inteiramente das elites paulistanas, que sempre foram ligadas à instituição. Ele abriu a porta, não convidou ninguém a entrar, e foi dizendo: — Pois não, o que desejam os senhores? Os representantes da Santa Casa, desconcertados, disseram estar ali para transmitir-lhe congratulações. Imediatamente, o cardeal respondeu: — Muito obrigado, mas agora tenho que me retirar. E disse para Dom Ernesto de Paula: — O senhor fique mais um pouco. Foi dessa

forma

que

a comissão

paulistana foi tratada por Dom

da mais velha

Arns”.

instituição

NOTAS |. Christiano

Altenfelder

Silva,

Discurso

de

Renúncia

à

Provedoria

de Miscricórdia de São Paulo, dia 20/7/1983, publicado Paulo de 28/7/1983. Altenfelder fuleceria em 1985.

em

O

da

Santa

Estado

Casa

de

S.

2. O Estado de S. Paulo, 28/7/1983.

3a 5. Idem. 6. Relatório da Mesa 7. Idem,

pág.

17.

Administrativa

do ano de 1957, publicado em

1958, púg.

14.

626

Glauco

8.

O

Estado

de S. Paulo,

9.

Idem,

26/1/1960,

IO.

Idem,

5/7/1960.

HH.

Discurso

de

Paulo

8/7/1958.

Francisco de Andrade

na Santa Casu a 2/7/1960 9/7/1960.

e publicado

12.

Folha de S. Paulo, 9/11/1961.

13.

Jornal da

14.

Idem,

15.

O Estado

Ie.

Idem,

20/5/1967.

17.

Idem,

26/1/1969.

18.

Idem.

19.

Idem,

28/1/1969.

20

Idem,

15/5/1969.

21.

Idem,

22/12/1974,

22.

Idem,

21/11/1976.

23.

Folha

da

24.

Boletim

25.

Jornal

26.

O Estudo de S. Paulo, 28/6/1978.

27.

Idem,

30/6/1978.

28.

Jornal

da

29.

Idem.

30.

O

31.

Idem,

23/9/1981.

52.

Idem,

23/2/1983.

33.

Jornal da Tarde,

54.

Pavilhão da Imagem/Inauguração, Santa Massao Ohno/Editor. s.d., pág. 5.

35.

Marcelo de Almeida Imagem/Inauguração.

36.

Idem,

37.

O

38.

AMHFCMSCSP

39.

Folha de S. Paulo,

Tarde.

Carneiro

São

Paulo,

Arantes,

em

O

2º Vice-Provedor,

Estado de S. Paulo

pronunciado

(OESP)

em

29/8/1966.

13/4/1967. de S. Paulo,

Noite, da

da

Estado

Estado

São

Santa Tarde,

Tarde,

13/4/1967.

Paulo,

Casa,

24/3/1958.

n.º 3,

1950.

pág.

91.

21/6/1978.

9/1/1980.

de 3. Paulo,

4/6/1964.

13/5/1972.

de S. Paulo,



Toledo, “A Imagem: op. cit. pág. 6.

Casa

de

o Tom

Misericórdia e o

Som”,

de in:

São

Paulo,

Pavilhão

da

10/7/1981.

nov. dez.

1981, pág. 6.

16/8/1980.

40. Synesio Rangel Pestana, ofício-circular ao Corpo Clínico da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo, 30/12/1945. 41.

Paulo Meirelles

Reis. Entrevista ao Autor, São

Paulo, 3/10/1984.

O Poder da Misericórdia

627

ANEXO FACULDADE

|

DE CIÊNCIAS

MÉDICAS

Noticiário de Inauguração Pinheiros Terapêutico Maio/Junho 1963/Vol.

“Decorreram

na noite

de 24 e na

manhã

XXII/N.º

de 25 de maio

75.

as cerimô-

nias oficiais da instalação da Faculdade de Ciências Médicas dos Hospitais da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo, criada pela Fundação Armando

Vieira de Carvalho que, como se sabe, tem a seguinte diretoria: presidente: Camillo Ansarah; vice-presidente: Rogério Giorgi; secretários: João Gui-

lherme de Oliveira Costa e Orlando da Costa Meira; tesoureiros:

de

Pádua

Rocha

Diniz

e

Iris Miguel

Rotundo.

Antônio

O ato solene da noite de 24 foi assistido por autoridades do ensino, diretores de Faculdades, professores universitários, alunos, membros do Conselho da Administração e da Mesa de Administração da Santa Casa,

conselheiros inaugural

da

Fundação

proferida

às

e pessoas gradas convidadas.

21

horas

Letras, no Largo do Arouche,

no

auditório

da

Constou

Academia

pelo prof. Pedro Calmon,

da aula

Paulista

de

reitor da Univer-

sidade do Brasil, que discorreu sobre “As Misericórdias — Berço do Ensino Médico”. Com seus dons empolgantes de orador exímio, com sua capa-

cidade didática e com levou

a assistência

pleno conhecimento do assunto, o magnífico reitor

para

o

ano

de

1498

quando

a

rainha

dona

Leonor,

esposa de D. João II, fundou, ajudada por frei Miguel de Contreiras, a primeira Santa Casa de Misericórdia de Portugal em memória de seu filho o príncipe d. Afonso, morto num acidente. Referiu-se ainda ao Hospital de Todos os Santos, criado em Lisboa no ano da descoberta do Brasil. Depois o orador trouxe a audiência para Santos, reconstituindo o ano de 1546 quándo a primeira Santa Casa de Misericórdia do Brasil foi fundada por Braz Cubas. A segunda viria a ser organizada três anos depois em Salvador,

na

Bahia.

Ateve-se

ainda à fundação

da Santa

Casa

de Miseri-

córdia do Rio de Janeiro em 1582. Destacou como, com a vinda da famiília real portuguesa para o Brasil, o ensino médico recebeu importante impulso. De fato o ano de 1813 destaca a fundação do ensino prático da medicina, ao passo que O ano seguinte inaugurou um sistema típico da vida das Santas Casas em Salvador, Rio e São Paulo — ter alunos internos no seu serviço. Tal hábito, que começou com oitenta alunos, depois cem, logo a seguir duzentos, já em 1870 se apresentava como um currículo de seiscentos estudantes trabalhando em ambulatórios e enfermarias. Refe-

628

Glauco Carneiro

re-se ao primeiro hospital instalado científico, e que se deve à atuação

Após

dação

esta aula

Arnaldo

Vieira

reduzido

número

dades

Campinas,

Paulo

(360

de

inaugural,

deveras entre nós de José Clemente

falou

de Carvalho

de

vagas

nas

Camillo

e Botucatu).

Ansarah,

presidente

que expôs o angustiante

Escolas

ainda recentemente

segundo um critério Pereira em 1840,

de

Medicina

Salientou,

também,

e agora 610, após

do

problema do

Estado

a fundação o

da Fun.

de São

das Facul-

importante

papel

Paulo, e por Armando

Salles

desempenhado no setor do ensino médico por Arnaldo Vieira de Carvalho, fundador

da Faculdade

de

Medicina de São

de Oliveira, que incorporou esse instituto à Universidade de São Paulo. Falaram

Santa

Casa

ainda os drs.

de São

José Cabelo de Campos,

Paulo, e Fábio

dicos daquela entidade. Cumpre

agora

lembrarmos

vice-diretor clínico da

Dória, secretário da

algumas

Associação

personalidades

que

dos

Mé-

muito

contri-

Campos,

diretor

buíram para a fundação da nova Faculdade: prof. Zeferino Vaz, secretário

da Saúde;

prof.

Pedro

Calmon;

prof. Cantídio

de Moura

da Faculdade de Medicina de Campinas; prof. Eurico Bastos, diretor da Faculdade de Medicina da USP; prof. Marcos Lindbergh, diretor da Escola Paulista de Medicina; prof. Ariovaldo de Carvalho, secretário de Higiene da Prefeitura; dr. Oscar Monteiro, representante do Conselho Regional de Medicina; irmã Maria Gabriela Nogueira, diretora da Escola de Enferma-

gem São José; dr. Pedro Ayres Netto, decano do corpo clínico da Santa Casa; dr. Júlio de Mesquita Filho, conselheiro da Fundação Arnaldo Vieira

de Carvalho; Fleury.

brada

A

dr. Aureliano

história

da

através de dados

o dr. Christiano

Em

Santa

conversa

Faculdade, informou

plinas

básicas

Casa

muito

Altenfelder

com

Leite, dr. Alcântara

da

de

Misericórdia

interessantes Silva.

os jornalistas, o dr.

Machado

de

pelo seu

Emílio

São

e dr. Benedito

Paulo

respectivo

Athié,

foi

relem-

provedor,

diretor da nova

que no primeiro ano serão ministradas diversas disci-

distribuídas

por

quatro

departamentos:

Morfologia,

tatística, Psicologia e Bioquímica. O período letivo será de

Bioes-

180 dias úteis.

Quanto ao número de vagas, foram elas fixadas em 100 e isso após demorados e cuidadosos estudos. Mas acontece que nos exames vestibulares foram aprovados 132 candidatos; de sorte que há 32 excedentes. Nasce, pois, logo de início um problema. Os candidatos aprovados mas não matriculados dirigiram então uma carta ao presidente da República, declarando que a Faculdade de Ciências Médicas dos Hospitais da Santa Casa de São Paulo, estabelecimento de ensino médico recentemente criado por decreto do dia 15 de maio deste ano, demonstrou pela abertura de cem vagas para o primeiro ano sua disposição de auxiliar as autoridades no grande problema que se constitui na falta de escolas superiores no nosso

629

O Poder da Misericórdia

país; demonstrou mais do que boa vontade, visto ser tradicional, quando

da criação duma Faculdade, se fixar de início apenas 50 vagas para o primeiro ano. Solicitam pois os candidatos prejudicados um auxílio federal de 30 milhões de cruzeiros à Faculdade para as despesas com o material e o pessoal. No dia seguinte, 25 de maio, às 9 horas, houve missa campal celebrada por Sua Eminência o Exmo. Cardeal-Arcebispo de São Paulo Dom Carlos Carmelo de Vasconcelos Mora, no Hospital Central da Santa Casa

de Misericórdia, assistida pela irmandade, pelos membros da diretoria, do

conselho administrativo, da mesa de administração, pelos conselheiros € membros natos da Fundação Arnaldo Vieira de Carvalho, pelos médicos e por grande público. MESA

DIRETORA

DA

ADMINISTRAÇÃO

Christiano Altenfelder Silva — Paulo

Francisco

João Mendes Luís Pinto Carlos

de Andrade

Neto — Serva

Pacheco



DA

SANTA

CASA

provedor

Arantes

e

vice-provedores escrivão

Fernandes —

tesoureiro

Luís Nazareno Teixeira de Assunção — procurador CONSELHEIROS DA FUNDAÇÃO ARNALDO VIEIRA DE CARVALHO Membros Natos: Dom Carlos Carmelo

de

Vasconcelos

cardeal arcebispo de São Paulo

Antônio de Barros Ulhôa Cintra reitor da Universidade de São

Paulo de Godoy

Moreira e Costa

diretor clínico dos Hospitais

João Adhemar

de Almeida

Mota

Paulo

da Santa Casa

Prado

presidente do Jockey Club de São Paulo

José Mariano de Camargo

Aranha

representante da Mesa Administrativa da Santa Casa Irmã Maria Gabriela Nogueira diretora da Escola de Enfermagem São José Emílio Athié presidente da Associação dos Médicos da Santa Casa de São Paulo e diretor da Faculdade de Ciências Médicas.

63%

Glauco

FINS

DA

Carneiro

ESCOLA

ARTIGO 1.º — A Faculdade de Ciências Médicas dos Hospitais da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo, é um estabelecimento de ensino

superior que tem as seguintes | —

Ministrar cursos

3 —

normais

de Ciências Médicas.

Os

cursos serão

orientados de modo a formar profissionais capazes de exercer além de suas funções técnicas, também funções de organização

e de

2 —

finalidades:

administração.

Incentivar e realizar pesquisas

que

constitui

objeto

de

seu

nos

ensino.

vários

domínios

da cultura

Promover, através de cursos de especialização, seminários e con-

“ferências, mação

aperfeiçoamento

de

pessoal

de

alto

pós-graduação, nível

possibilitando

universitário.

a for-

ARTIGO 2.º — A propriedade e manutenção da Faculdade de Ciências Médicas dos Hospitais da Santa Casa de Misericórdia de S. Paulo pertencem à Fundação “ARNALDO VIEIRA DE CARVALHO”, a quem cabe anda a administração através de órgãos competentes, fixados neste Re-

gimento.

DISCIPLINAS ARTIGO

ciplinas:

3.º —

A Faculdade

| —

Anatomia

2 3 4 5 6

Neuro-anatomia Anatomia Patológica Anestesiologia Bioquímica e Biofísica Bio-estatística

— — — — —

descritiva e topográfica

7 —

Clínica

8 —

Cardiologia

9 IO [1 |2

— — — —

|5 —

|4 15 16 17

— — — —

ministrará

Médica

Clínica Cirúrgica e Cirurgia Geral Cirurgia Torácica Cirurgia Plástica Deontologia e Cultura Médica Geral Doenças

Infecciosas

Dermatologia Embriologia Endocrinologia Endoscopia Peroral

e Parasitárias

o ensino das seguintes dis-

O Poder da Misericórdia

631

I8 I9 20 21 22 23 24 25 26 27 28 29 50

— — — — — — — — — — — — —

Farmacologia Fisiologia Fisiologia Patológica Fisioterapia e Medicina Nuclear Gastroenterologia Ginecologia Hematologia Higiene e Medicina Preventiva Histologia Imunologia Microbiologia Medicina Legal Medicina do Trabalho

31

-—



Neuro-Cirurgia

32



Neurologia

33 — o

35 — 36 37 38 39

— — — —

40 —

4 = a qm 44 — 45 — 46 — 47 —

48 —

49 — 50 — 51 —

Nutrição

Obstetrícia Oftalmologia Oto-rino-laringologia Ortopedia e Traumatologia Parasitologia Propedêutica Proctologia Puericultura Pediatria Psicologia Psicanálise e Medicina

Psicossomática

'

Psiquiatria Rádio-Diagnóstico Técnica Cirúrgica e Cirurgia Experimental Terapêutica Experimental Tisiologia Urologia Virulogia

ARTIGO 4.º — À medida das necessidades, poderão ser criadas novas disciplinas em qualquer dos cursos, conforme o exigirem as conveniências por propostas dos Departamentos do Ensino, ouvida a Congregação, o Conselho Departamental e aprovação da Entidade Mantenedora. ARTIGO

5.º —

O

ensino

das

ciências

médicas

será

ministrado

Cursos de Graduação com a duração mínima de 6 (seis) anos.

em

Glauco Carneiro

632

DEPARTAMENTOS

ARTIGO

6.º —

As disciplinas serão grupadas

em

Departamentos.

Departamento de Morfologia: Disciplinas de Anatomia, NeuroAnatomia, Histologia e Embriologia; Departamento de Bioquímica e Biofísica: Disciplinas de Bioquímica e Biofísica; Departamento de Fisiologia: Disciplinas de Fisiologia;

p

“a

Departamento de Farmacologia: Disciplinas de Farmacologia e

IO —

1



2 —

EX 14 = 5



l6 — 7 — I8 — I9 —

de Terapêutica Experimental; Departamento de Microbiologia: Disciplinas de Microbiologia, Imunologia e Virulogia; Departamento de Parasitologia: Disciplina de Parasitologia; Departamento de Patologia: Disciplinas de Anatomia Patológica e Fisiologia Patológica; Departamento de Higiene e Medicina Preventiva: Disciplinas de Bio-estatística, Medicina Preventiva e Higiene; Departamento de Psicologia Médica e Psiquiátrica: Disciplinas de Psicologia, Psicanálise, Medicina Psicossomática e Psiquiatria; Clínica Médica: Disciplinas de Propedêutica, Clínica Médica, Cardiologia, Gastroenterologia, Medicina do Trabalho, Doenças Infecciosas e Parasitárias, Dermatologia e Tisiologia; Departamento de Cirurgia: Disciplinas de Clínica Cirúrgica e Cirurgia Geral, Cirurgia Torácica, Cirurgia Plástica, Proctologia, Técnica Cirúrgica e Cirurgia Experimental, Urologia; Departamento de Ortopedia: Disciplinas de Ortopedia e Traumatologia; Departamento de Oftalmologia: Disciplinas de Oftalmologia; Departamento de Neurologia: Disciplinas de Neurologia e Neuro-Cirurgia;

Departamento de “Obstetrícia: Disciplinas de Obstetrícia e Gine-

cologia; Departamento de Oto-Rino-Laringologia: Disciplinas de OtoRino-Laringologia e Endoscopia Peroral; Departamento de Medicina Legal: Disciplina de Medicina Legal; Departamento de Cultura Médica Geral e Deontologia: Disci-

plinas de Cultura Médica Geral e Deontologia;

Departamento de Radiologia: Disciplinas de Fisioterapia c Medicina Nuclear.

Radiodiagnóstico,

ARTIGO 7.º — A pesquisa e o ensino na Faculdade de Ciências Médicas terão como unidade o Departamento. O Departamento deverá ser

O

Poder

da

Misericórdia

entendido como

uma

equipe de docentes

633

reunião de disciplinas e afins e formado

integrados

num

por uma

plano que apresente unidade didático-

científico-administrativa de ação e pensamento.

$ 1º — Os Docentes de cada Departamento deliberação coletiva, as tarefas dos Departamentos.

$ 2º — Cada

tamental

designado

Departamento

dividirão entre

será chefiado por um

pela Diretoria da Fundação

si por

Professor depar-

por indicação do Diretor,

ouvida a Congregação e proposta do respectivo departamento, pelo prazo de (três) anos, não podendo

ser reconduzido

para o triênio subsequente.

ARTIGO 8.º — Além dos departamentos do ciclo básico, serão considerados fundamentais os do ciclo de Clínica Médica, Pediatria e Pucricultura, Obstetrícia e Ginecologia, Cirurgia. ARTIGO 9.º — O ensino das disciplinas constantes dos departamentos de: Microbiologia, Parasitologia, Ortopedia e Traumatologia, Oftalmologia, Neurologia, Oto-rino-laringologia, Medicina Legal, Higiene e Me-

dicina

Preventiva,

ARTIGO

séries do Curso

terá a duração

10.º



As

de

disciplinas

| (um)

estarão

semestre,

distribuídas

Médico obedecendo à discriminação



Anatomia



Embriologia Histologia





— —

(descritiva e topográfica)

Neuro-anatomia

|

“dJoSuisuvty—

1.º ANO

Bioquímica

Bio-estatística Psicologia

e Biofísica

— —

|

O o It) —

2.º ANO

— —

Bioquímica Fisiologia

e Biofísica

Psicologia Medicina Preventiva Bio-estatística



3.º ANO

2 — 3 —

Fisiologia Patológica Anatomia Patológica Farmncologia ec Terapêutica

Experimental

que

pelas

6

se segue:

(seis)

Glauco Carneiro

Moléstias Infecciosas e tropicais Microbiologia (semestre)

|

OSS an a

634

Parasitologia

(semestre)

(semestre)

Clínica Médica Psicologia

|

JD

ms

4.º ANO Clínica Médica Neurologia (semestre) Clínica Cirúrgica Medicina Legal (semestre) Patologia Pediatria Psicanálise e Medicina Psicossomática 5.º ANO pum

Clínica Médica Obstetrícia e Ginecologia Clínica

Cirúrgica

DOIDA

|

Oftalmologia

Ortopedia

(semestre)

e Traumatologia

Oto-Rino—Laringologia (semestre) Psiquiatria Dermatologia (semestre) Deontologia e Cultura Médica Geral

O)



6.º ANO

ca

(semestre)

Clínica

Médica

Clínica

Pediátrica

(internato)

Clínica Cirúrgica Clínica Obstétrica e Ginecológica

$ UNICO

nas funções

na



Cada disciplina ficará a cargo de um

forma

deste

Regimento.

professor investido

ARTIGO 11 — As disciplinas do Departamento de Radiologia serão lecionadas em perfeito entendimento nos Departamentos de Clínica Médica, Clínica Cirúrgica, Ortopedia e Traumatologia e outros, na parte que lhes

competir.

ARTIGO

12 —

A organização interna dos Departamentos será objeto.

de Regulamento aprovado pela Congregação.”

635

O Poder da Miscricórdia

ANEXO DIRETORIAS

DA

II FACULDADE

1963/1985

1963-1970 Emílio

Athie

Diretor

José Soares Hungria

Nestor

de

Oliveira

Filho

Vice-Diretor Diretor

Secretário

1971-1972 Emílio Athie José Soares Hungria Nestor de Oliveira Antonio Gelain

Diretor Vice-Diretor Diretor Secretário

Filho

Diretor

Administrativo

1973-1975 Jacob

Renato

Orlando

Diretor Vice-Diretor Diretor Secretário

Woiski

Jorge Aidar

Nestor de Oliveira Antonio Gelain

Diretor

Administrativo

1976-1981 Adauto José

Barbosa

Donato

Nestor

Antonio

de

de

Diretor Vice-Diretor Diretor Secretário Diretor Administrativo

Lima Próspero

Oliveira

Gelain

1982-1985 Orlando Jorge Aidar

Waldemar de Carvalho Pinto Decio Cassiani Altimari Antonio Gelain

José Adriano

Marrey

Neto

Filho

Diretor Vice-Diretor

Diretor Secretário Diretor Administrativo Assessor

Jurídico

« «Fº “4 ,. e. Wa

Glauco Carneiry

636

ANEXO MÉDICOS

FORMADOS

MÉDICOS

DE

Abraham Hamaoui Alberto Sala Franco

Gesuele

Guilherme

Eduardo Viegas Mariz de Oliveira Elcio Ronaldo Baldacci

Eliana Lobo Signorini Elizabeth Kipman

Eros Teresinha Bergemann Eugenio Carlos Amar Fadlo Fraige Filho

Abdel

Generoso

Francisco

Komatsu

Massih

Masi Neto Roberto Funaro

Kimimaro

Leila Leila

Lagonegro de Souza Maria Alexandrina Marciano

Pinto

Leonardo

Eisel

Ludney

Arita

Diamante

Roberto

Campedelli

de AguiarLuiz Carlos Bentivegna Luiz Cecchino Cesare Luiz Egberto Scavone Ferlante Luiz Gastão Mange Rosenfeld

Fernando Costa Fernando Ferreira da Fonseca Filho Lygia Silveira Flavio

Miklos

Biazzi

Juarez Strachman

Giannini

Gabriella

João Henrique

José José

Serrano

Giovanna

Martinez

João Paulo de Azevedo Silva Sonnewend Jocelino Leme Soares José Abilio Silva José Américo dos Santos José Antonio Giordano Gfrascá José Carlos Schaffer José Luiz de Rezende Araujo

Edgard Silva Lusvarghi

Ernesta

Jairo Lew Jane Martins

João Gilberto

Clovis Carneiro Cerqueira Damaso Encinas David Chvindelman

Edson

Takimoto

Helio Moises Higashi Yoshii Hissachi Tsuji Isac Germano Karniol Ivan de Oliveira Castro

Martins

Ramires

Frizzo

Geraldo Sergio de Mellogranata

Augusto Cesar Silverio Aurelio Antonio Miotto Braz Gilberto Ortelan Carabed Eserian Netto Carlos Roberto Hojaij Cesar Augusto Costa Cesar Emile Baaklini Claudio Boturão Guerra Claudio Fiocchi Cleide Bonfatti

Dirceu

1: TURMA

George

Ariovaldo José Pecora Armando de Capua Junior

Bezerra

1968 —

FACULDADE

George Schulte

Antonio Carlos Fonseca Antonio Carlos Lcrário

Clovis

PELA

Gastão Guilherme

Angelo Luiz Mancini Neto

Arnaldo Napolcone

[II

Manoel

Reinardo

Marcos

Antonio

Schmal Costacurta

O Poder

Maria Nazaré Yosuko Nozaki Mario Capobianco Mario Carlos Costa Sposati Marilda Borelli Machado Mario Santoro Junior Mario Sheitoko Okama

Massato Okamoto Masza Trajber Max Ejzenbaun Midori Funayama Moacir Horario Rosemberg Moacyr

Fucs

Morton Aaron Scheinberg Nadir Linguanotti

Nair Sumie Mori Nelson Ferri

Ney Penteado de Castro Junior Nicola Tommasino Nilo Persio Paro

Olderigo

Osmar Osmar Osmar

Osmar

637

da Misericórdia

Berretta

Avanzi Maredes Marchiotto

Pedro

Netto

Arbis de Camargo

Paulo Abdalla Paulo Decio Lahoz Pedro Fava Junior

Reynaldo Andre Riad Mady

Roberto Lui Roberto Mitiaki

Romeu

Rubens

Alonso

Brandt

Endo

Rodrigues de Souza Franco Brandão

Ruth Midori Yanagi

Samir Rasslan Sandra Maria Cordeiro Satiko Ohara

Seiji Nakakubo

Tadao Mori Thersio Ventura Tivoko Akama Tomie Umeda Victor Strassmann Vidal Stourdze Sbrighi

Wanderley

Tadeu

Sokolowski

Wlademir Pereira Junior Wilmar Roberto Silvino

21. O HUMANISTA MÁRIO ALTENFELDER A Mesa



Administrativa

de

1984/1987

Os Irmãos — A visão social — A Santa

sobrevivência —

O novo

Provedor

A dimensão

da

A recuperação

1984 —

em

Casa



em marcha — Jorge Barreto Prado — História da Santa Casa — Caiuby e Trench — O 4.º Centenário

da Misericórdia —

e o 1.º Centenário

À presença da tecnologia —

Central —

do Hospital

A Medicina da Santa Casa

O retorno dos valores — Obrigado, Senhor Provedor — A crise do Pronto-Socorro em 1985 — A suspensão

preparada — Carta Aberta ao Povo de São Paulo — O futuro da Santa Casa — O reencontro com o próximo —

Conclusão

A 5 de janeiro de 1984, tomava posse a nova Mesa Administrativa da Santa Casa de São Paulo, eleita na assembléia geral ordinária, realizada

a 20 de dezembro de 1983. O Irmão Provedor Paulo Meirelles Reis convidou seu sucessor a assinar o Termo de Posse e, depois, congratulou-se com

toda

Altenfelder

a Irmandade

Silva.

pela

Saudou-o,

feliz

em

escolha

seguida,

do

nome

de

desejando-lhe

Mário

profícua

tração; em benefício dos legítimos interesses da instituição e benemérita, que passava a presidir.

de Moraes

adminis-

multicentenária

Pediu a palavra o Irmão Escrivão Adriano Marrey, para uma homenagem à nova Mesa Administrativa, observando que “a escolha para o seu

principal

cargo,

e o de maior

responsabilidade,

recaiu

em

personali-

dade já provada na vida pública, como administrador e grande realizador”. Acrescentou que “o Dr. Mário Altenfelder é um desses raros expoentes

639

O Poder da Misericórdia

da humanidade,

orientados

para o seu serviço, a que dedicou toda

a sua

existência, e em que empenhou toda a atividade que pôde desenvolver: “Bem

haja esta

Irmandade de orgulhar-se, pela escolha que

procedeu, para a sucessão de outros dedicados Provedores — o querido Dr. Christiano Altenfelder Silva, nosso Provedor Perpétuo, e o prezado Dr. Paulo Meirelles Reis, que dignamente o substituiu neste ano passado. Seja feliz, Irmão Mário Altenfelder, no exercício do espinhoso encargo que passamos às suas mãos. A Irmandade está solidária consigo, e certa de que será bem sucedido”.

Como é tradição acontecer na Santa Casa, seu novo

ao cargo

depois de ocupar

diversos

pública do Brasil e do Exterior.

tra as emoções externas, embora

Homem

Provedor chegou

e importantíssimos

postos

na

vida

maduro, experiente, vacinado con-

guardando o coração de moço e o ideal

de médico cristão que os embates da vida jamais fizeram esquecer, era de se esperar que, satisfeito embora, Mário Altenfelder considerasse aquela missão apenas como outra da longa série. E para o observador externo, tal expectativa era lógica. Com

efeito, seria a Provedoria

da Misericórdia

paulistana mais importante do que os dez anos em que Mário Altenfelder, cumprindo a promessa solene feita ao Presidente Humberto de Alencar

Castello Branco, implantou a Política Nacional do Bem-Estar do Menor e fez esquecer os horrores anteriores e posteriores cometidos contra a criança marginalizada? Seria a Provedoria equivalente à Vice-Presidência da

Junta Executiva do Fundo das Nações Unidas para a Infância — UNICEF, que ele exerceu no início da década de setenta? Como Delegado do Brasil junto ao Conselho Diretor do Instituto Interamericano da Criança, da Organização dos Estados Americanos, em Washington não teria Mário Altenfelder se defrontado com responsabilidades iguais ou superiores às da Provedoria? E que dizer dos outros encargos assumidos e primorosamente cumpridos ao longo da vida, desde simples funcionário da Secretaria de Segurança Pública; pediatra da Secretaria de Saúde da capital; médico

viço de Centros de Saúde da Capital; dente do Conselho

Inspetor de Higiene

Estadual de Auxílios e Subvenções;

do Ser-

Infantil; presi-

Diretor do Serviço

Social de Menores, no Governo Carvalho Pinto; presidente da Fundação Dona Paulina de Souza Queiroz; da Sociedade Pestalozzi de São Paulo;

vice-presidente da Legião Brasileira de Assistência em São Paulo; Secretário

da Promoção Social do Estado e Secretário de Higiene e Saúde da Prefeitura do Município de São Paulo, entre 1979 e 1982 — o derradeiro posto no Executivo, antes de mergulhar de corpo e alma, como só ele sabe fazer, nos assuntos da Misericórdia?

640

Glauco Carneiro

Ele

era

Irmão

remido

desde

mesário em 20 de dezembro de

7 de dezembro

de

1959

e tornara-se

1977, além de Mordomo do Colégio São

José em 5 de agosto de 1983. Assessor, na Provedoria, de seu primo, que

considera mais “um irmão”, Christiano Altenfelder Silva, Mário Altenfelder

estava destinado, pela lei natural do merecimento, a assumir a liderança

da Irmandade e imprimir-lhe a sua marca de humanidade, de temperança, de maturidade e de decisão, que sempre assinalou sua passagem em todos os cargos, desde que, em 1927, na capital de São Paulo, iniciou a sua trajetória de luz nas instituições que cuidam da pessoa humana. Quem o viu chegar à Provedoria, sabia quem ele era, o que valia, a que se propunha. Quem o conhecia, decorara sua tábua de 12 princípios que ele costuma designar por “Qualidades reconhecidas como indispensáveis para quem exerce cargo de direção”, e que, na verdade, reflete a sua própria noção de praticante dos valores pelos quais a vida deve se reger: Ser capaz de amar o próximo. Viver a vida com realidade. Ela é o que é e não o que gos-

+

taríamos que fosse. Considerar sempre valores de larga Libertar-se de emoções

o

wa

tva

“1.

Saber ceder quando

cessário.

duração.

infantis. Ser adulto,

for possível

Ser moderado e justo em

ter maturidade.

e resistir quando

qualquer situação.

7.

Ter mecanismos de defesa sadios, elevados — razoados ou mesquinhos.

8.

Depender sempre com

mente

for ne-

dignidade —

a interdependência.

jamais desar-

entendendo inteligente-

9. Viver sexualmente adaptado. 10. Adaptar-se ao trabalho e gostar dele. 11. Atualizar-se sem deslumbramento — jamais perder o bom senso. 12.

Recusar corajosamente a liderança da mediocridade”?

Era um homem dessa envergadura que tomava posse na Misericórdia de São Paulo. Dir-se-ia que nenhuma honraria poderia fazê-lo mais emo-

cionar-se, ele que vira e recebera tantas, a começar de criança. Poucos dias

depois riana, ca D. muito

de nascido, um prelado católico, Dom Epaminondas, Bispo de Maescreveu ao desembargador Antônio Hermógenes Altenfelder Silva Maria Beralda, prevendo: “Esse Mário, se não for Papa, será alguém útil à sua Pátria”,

Pois esse homem

tarimbado, experiente,

maduro,

convicto de seu va-

lor, tremeu interiormente quando assumiu a Provedoria da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo. Depois, explicaria ao Autor:

641

O Poder da Misericórdia

“Senti uma

profunda emoção,

talvez a maior de minha

vida,

porque a gente recebia, ali, naquela hora, a responsabilidade de 400 anos de existência. Em todos os outros cargos que exerci, como a FUNABEM, por exemplo, que era quase um ministério, havia, é claro, uma tremenda responsabilidade, mas não tinha atrás

de

mim,

anos

os 400

presidência,

sua

na

de

cobrança,

a

responsabilidade imensamente maior de uma instituição, de um Brasil, que precisam continuar e que não podem enfraquecer nas uma

nossas mãos —

instituição e um

cráticos na expressão da palavra”. Havia

outras

razões

para

» 3

a emoção

país eminentemente

de

Altenfelder:

ele

demo-

retornava

à

Santa Casa onde estudara, aluno da Faculdade de Medicina de São Paulo no final da década de vinte, frequentando primeiramente a 2.º Enfermaria de Mulheres, chefiada pelo Dr. Joaquim Ribeiro de Almeida, a quem considerava seu “mestre em medicina”. Era ainda o segundo Provedor de formação médica na Misericórdia paulistana, embora o primeiro em militância, já que o outro, José Cássio de Macedo Soares. jamais chegara a exercer a profissão. Existiam Como

sempre

motivos,

acontece

esgotava seu brilho na Um simples olhar na 1984/1987, faz emergir que têm feito, ao longo

assim. ma

para

Santa

muita emoção...

Casa,

a

Mesa

Administrativa

não

figura marcante do Provedor Mário Altenfelder. lista dos Irmãos Mesários, eleitos para o triênio muito mais do que a tradição das grandes famílias dos séculos, a glória de São Paulo. Há aqui um

arrolamento do mérito: quem entrou é porque teve alguma coisa de superior a realizar, a demonstrar, nos embates onde a inteligência, a cultura,

o preparo, sempre andam de mãos dadas com o desprendimento, a tenacidade, a coragem — aquele rol de qualidades que Mário Altenfelder desejaria ver nos Irmãos do futuro —

compaixão

Como

“o espírito, o sentimento

e de participação na vida das pessoas

de piedade, 4

marginalizadas”.

este é o último capítulo da história cronológica

da Santa

de

Casa

— já que os dois restantes não têm essa feição —, será conveniente que publigquemos aqui a relação dos Irmãos eleitos para dirigila até 1987: IRMANDADE

DA

COMPOSIÇÃO

DA

SANTA CASA DE MISERICÓRDIA DE SÃO PAULO MESA ADMINISTRATIVA PARA O

TRIÊNIO

DE

1984 a 1987

Provedor — Dr. Mario de Moraes Altenfelder Silva 1.º Vice-Provedor — Dr. Mario da Cunha Rangel 2.º Vice-Provedor — Dr. Pedro Ayres Netto 1.º Escrivão — Des. Dr. Adriano Marrey

Glauco Carneiro

642

2.º Escrivão — 3.º Escrivão — Des. Dr. Francisco Thomaz de Carvalho Filho |.º Tesoureiro — Min. Dr. Victor Amaral Freire

2.º Tesoureiro — 3.º Tesoureiro —

Dr. Agostinho Celso Cilento Giusti Dr. Darcilio de Castro Rangel

1.º Procurador Jurídico —

2.º Procurador Jurídico —

3.º |.º 2.º 3.º

Procurador Procurador Procurador Procurador

Des. Dr. Lauro Malheiros

Dr. Sylvio Luciano de Campos

Jurídico — Des. Raul da Rocha Medeiros Junior Administrativo — Dr. Ernesto de Freitas Neto Administrativo — Des. Dr. Alcides Amaral Salles Administrativo — Dr. Roberto Grassi

Mordomo do Hospital Central —

Dr. Carlos Alberto dos Santos

Dias Aulicino

Vice-Mordomo — Dr. Reynaldo Neves Figueiredo Mordomo Hospital S. Luiz Gonzaga — Dr. Raphael de Paula

Souza Vice-Mordomo — Dr. Waldyr da Silva Prado Mordomo do Dept.º Geriatria D. Pedro II — Dr. Leôncio Cavalheiro Neto Vice-Mordomo — Min. Dr. Luiz Roberto de Rezende Puech Mordomo Sanatório Vicentina Aranha — Dr. Julio Geraldo de Andrade Arantes Vice-Mordomo -—— Dom Ernesto de Paula Mordomo da Farmácia — Dr. Milton Gimenes Vice-Mordomo — Dr. Ubirajara Martins Mordomo de Patrimônio Imobiliário



Dr. José Celestino

Bourroul Vice-Mordomo — Dr. Hélio de Caires Mordomo do Colégio São José — Mons. José Conceição Paixão Vice-Mordomo — Mordomo do Museu e da Capela — Dr. Pedro Antonio de Oliveira Ribeiro Neto Vice-Mordomo — Min. Dr. Pedro Rodovalho Marcondes Chaves Comissão de Contas - efetivo — Dr. Francisco de Paula Machado de Campos

Comissão de Contas - efetivo —

Comissão de Contas - efetivo —

Comissão de Contas - suplente — Comissão de Contas - suplente —

Assumpção Comissão de Contas - suplente Comissão de Obras - efetivo —

Comissão de Obras - efetivo —

Dr. José Maria Sampaio Corrêa Dr. Vail Chaves

Dr. Humberto Roncaratti Dr. José Cerquinho de

Dr. Frederico de Souza Queiróz Dr. Paulo Meirelles Reis

Dr. Pedro França Pinto Filho

Comissão de Obras - efetivo -—— Dr. Luiz José de Carvalho e Mello Mattos

O

Poder

da

645

Misericórdia

Comissão de Obras - suplente



Dr. João Dias Soares

Comissão de Obras - suplente — da Luz Neto Comissão de Obras - suplente —

Dr. Christiano Carneiro Ribeiro Dr. Decio Germano Pereira

Comissão de Investimentos - efetivo —

Dr. Roberto Machado

Comissão de Investimentos - efetivo —

Dr. Edgard Thomaz de

de Campos

Carvalho Comissão de Investimentos Comissão de Investimentos Comissão de Investimentos Comissão de Investimentos

Pinto Dalia

-

efetivo suplente suplente suplente



|

|

— — —

Dr. Sérgio Túbero Sr. Thomaz Gregori Dr. Augusto Oliveira

Comissão Julgamento de Compras - efetivo — Spallini Comissão Julgamento de Compras - efetivo — Cardoso Pinto da Cunha

Comissão Julgamento de Compras - suplente — Ferreira Leite Comissão Julgamento de Compras - suplente —

Vidigal

MESÁRIOS

EFETIVOS

Sr. Agenor de Camargo Filho Dr. Antonio Augusto Monteiro de Barros Dr. José Maria de Freitas

Dr. Dr. Dr. Dr. Dr. Dr. Dr. Dr.

Armando Freire de Mattos Barretto Carlos Alberto de Carvalho Pinto Carlos Coelho de Faria Carlos Pacheco Fernandes Cid Guimarães Christiano Altenfelder Silva Dacio Aguiar de Moraes Junior Dagoberto de Padua Salles

Dr. Decio Ferraz Novaes

Cel. Edoardo de Cerqueira Cesar Des. Fernando Euler Bueno Dr. Firmino Antonio Whitaker Dr. Gastão Eduardo de Bueno Vidigal D. Gilda Altenfelder Silva Dr. Henrique Luiz de Oliveira Dr. Herbert Victor Levy

Dr. Ismael Augusto Machado Brandão

Dr. José Paulo Sr. Armando Dr. Renato Dr. Sylvio Bueno

644

Glauco

Carneiro

Des. João Batista de Arruda Sampaio Dr. João Zeferino Ferreira Velloso Neto

Dr. Jorge Queiroz de Moraes

Dr. José Burlamaqui de Andrade Dr. José Ermirio de Moraes Filho Dr. José Maria Homem de Montes Dr. Julio de Mesquita Neto Dr. Laudo Natel

D. Leopoldina Saraiva Dr. Licinio dos Santos Silva

Dr. Luiz Gongaza Junqueira de Aquino

Dr. Marcelo Portugal Gouvêa Dr. Mario Pimenta Camargo

Dr. Miguel Colassuono

Des. Moacyr Cesar de Almeida Bicudo Dr. Nelson Meirelles Reis Dr. Octavio Mendes Filho

Dr. Octavio Uchôa da Veiga Dr. Olavo Egydio Setubal

Dr. Paulo Egydio Martins

Dr. Dr. Dr. Dr. Dr. Dr.

Paulo Salim Maluf Reynaldo Ramos Saldanha da Gama Roberto Costa de Abreu Sodré Roberto Peixoto Pacheco Fernandes Ruy de Lara Nogueira Severo Fagundes Gomes

A Visão Social

Adriano Marrey, que saudou Mário Altenfelder, pode ter sua vida um pouco mais detalhada para provar-se que ele, representativo do grupo mencionado antes, é um cidadão honorável, antes de ser, ou talvez por isso mesmo. um cidadão prestante, com exercício atual na Misericórdia de São Paulo.

Filho do grande político paulista, Marrey Junior, Adriano notabilizouse, desde jovem estudante, nas pugnas cívicas do Centro Acadêmico XI de Agosto, da Faculdade de Direito de São Paulo, a ele se devendo, inclusive, a definição histórica do Largo de São Francisco como “Território Livre”. Advogado, de 1932 a 1951, foi elevado à magistratura nesse último ano e nela permaneceu por quase trinta anos, de 1951 a 1981. Conselheiro da Ordem dos Advogados do Brasil, professor da PUC/SP, autor de livros e roteiros práticos que figuram na melhor bibliografia do Direito brasileiro, Adriano Marrey atingiu todas as posições possíveis na magistratura e, depois de aposentado, repetindo a saga de muitos, vinculou-se mais estreita-

645

O Poder da Misericórdia

mente à Santa Casa, em 1981, depois de ter sido Irmão Remido desde 1973. Mesário em 21 de julho de 1981, foi eleito 1.º Irmão Escrivão em 23 de março de 1982, onde sua objetividade se faz sentir na condução dos assun-

tos de sua área, sempre enfrentados não só com a competência que fez

escola lá fora, mas também com a nota que figura no item 9 do currículo que preencheu ultimamente na Misericórdia: “Disponibilidade de tempo. Total”. De homens

dessa qualidade

só poderia esperar-se uma definição su-

perior de suas responsabilidades à frente da instituição quadricentenária. E nesse momento eles são bem tratam da profissão original.

maiores do que naqueles outros em

que

Mário Altenfelder, por exemplo, há muito tempo que transcendera a bitola da formação médica. Ele encarou seu novo cargo com visão abrangente, tocando nos problemas da humanidade em geral, nos marginalizados do mundo, e não só nos assuntos específicos da instituição de que passara a cuidar.

De

sua

lapidar oração de

posse, guardamos os seguintes

trechos:

“Todos nós desejamos num esforço desinteressado criar um

mundo

melhor,

um

mundo em

que o sociale o econômico

não

vivam separados, mas unidos, buscando a elevação humana, acreditando na existência real do homem solidário, esquecendo pouco a pouco o homem

solitário.

Para os que já derame estão dando o exemplo de sua doação

de amor à humanidade, para os que querem conscientemente viver

estimulando a ascensão de cada homem, de cada grupo, para chegar a impulsionar toda a sociedade, a tarefa a executar toma O caráter de missão, passa a ser um O homem

imperativo de consciência.

sempre caminha procurando ser mais do que já é.

No entanto é necessário não se perder pelos caminhos que levam apenas ao bem-estar material, pelo grau de instrução, pelo encantamento da técnica e da ciência, pelo conforto excessivo, pelo fascínio do prazer irresponsável, abandonando os valores morais e espirituais, indispensáveis ao justo equilíbrio emocional que

nos dá segurançae o uso da liberdade entendida dentro da interdependência a que somos obrigados a viver. Diariamente falamos de comunismo, de capitalismo, de socia-

lismo e de democracia

mesmo defendendo

para

todos, todos

se dizem

regimes totalitáriosc os demagogos

democratas

se encon-

tram felizes, prontos para dar um salto no escuro, indo cair não se sabe onde. Desde que Georges Balandier em 1956, falou em terceiro mundo, se fala muito em países subdesenvolvidos e os países ricos,

646

Glauco Carneiro

num terço apenas do mundo, são sempre muitos ricos e Os outros dois terços continuam muito pobres. Basta olhar o mapa do mundo

e ler as estatísticas. O que falta é uma dimensão espiritual. Onde ela não existir qualquer nova ordem proposta será mera ilusão, será opressora, caminhará para imperialismos, criando outros grandes conflitos. É preciso não acreditar que apenas o lucro com as mais va-

riadas roupagens seja a maior bem-aventurança. Se o lucro fosse isso, não estaríamos mergulhados em angústias incontroláveis.

Nós vivemos observando a miséria. Não apenas a miséria sinônimo de sordidez, mas a miséria que elimina valores morais e

é capaz de destruir o sentido da fraternidade. É evidente que não nos conformamos pois não somos usufrutuários do sofrimento

É preciso cultivar valores. Aqueles que os reconhecem

que

separam

fazem

as ciências econômicas

com essa humano.

afirmação

desaparecer os artifícios

das sociais e criam o desen-

volvimento político integrado na visão do mundo em transição que

aí está, impaciente

situado

longe

e agressivo, e é esse desenvolvimento

de novidades

mais anárquicos

suspeitas

ou

político,

pretextos participativos

que construtivos, que nos fará viver em real de-

mocracia e não se há de perder tanto tempo discutindo conceitos contraditórios e nem nos perderemos num oceano de referências

eruditas, tornando importantes

as coisas menos

quecidas as mais importantes.

importantes e es-

Agindo assim poderemos identificar fatores positivos e negativos e descobriremos prioridades, decidindo com precisão. zoável

No Brasil apesar de todo o progresso que nos coloca em rasituação na

Economia

Mundial,

sabemos

das dificuldades

existentes e do esforço gigantesco que precisa ser feito para corrigir os descompassos sociais reinantes. Temos ainda 8 milhões de crianças de 7 a 14 anos analfabe-

tas e mais 16 milhões de pessoas, de 15 anos para cima, num total de 24 milhões, analfabetas. 5 milhões de famílias habitam

mal.

60 milhões de habitantes têm água de qualidade suspeita. 6 milhões dos 27 milhões de domicílios não têm instalações sanitárias.

3.200.000 "5 milhões mínimo.

pessoas trabalham e não ganham. de

famílias

têm

renda

mensal

Nosso Ministro da Saúde informa que há:

de

até

1 salário

O

Poder

647

da Misericórdia

6 milhões

de esquistossomóticos;

7 milhões de chagásicos;

| milhão de tuberculosos; 160 mil casos novos de malária;

mais de 50%

da população tem verminose;

Há cerca de 350.000 mortes cada ano — evitáveis; Existe um número muito elevado de doentes mentais;

As doenças cardiovasculares são progressivas; O câncer faz vítimas em

alto número;

Os técnicos ligados aos estudos sobre os excepcionais

que de 8 a Nos

10%

grupos

muns como:

da

população

marginalizados

Situação de extrema

precisam

de cuidados

encontramos

informam

especiais.

características

co-

pobreza;

Quebra de padrões de comportamento; Alto índice de alcoolismo;

Alto índice de criminalidade; Desnutrição;

Promiscuidade

dicância.

habitacional

e individual;

vadiagem

e men-

Nos Estados Unidos o álcool mata mais que todos os criminosos juntos.

Mata mais que a hepatite a vírus, o câncer, a leucemia, ou a tuberculose. Os danos produzidos pelo fumo ou pelo álcool, em dinheiro, são bem maiores que a arrecadação dos impostos sobre a industrialização desses produtos. 80% dos acidentes de tráfego nas festas de fim de ano são causados por pessoas alcoolizadas e habitualmente 54% dos crimes praticados em São Paulo o são por pessoas embriagadas. Quando sabemos que 10% das crianças em idade escolar 1.º

grau —

da

1º à 8.º série, já experimentaram

maconha e 5%

usuários dela, por certo ficamos muito preocupados.

são

As crianças que são levadas aos Estabelecimentos de Internação em 95% dos casos provêm de lares desfeitos. A ilegitimidade conjugal na periferia de São Paulo já atinge 60% dos que vão aos Postos de Saúde. Quero fazer uma observação.

Os que estão interessados em destruir a sociedade para criar um mundo sob regime totalitário jamais falam que esses dados se referem aos 30% da população que estão marginalizados. Jamais

dizem que os outros 70% não estão em situação tão ruim, porque

648

Glauco

Carneiro

não convém aos seus planos. Falam generalizando, o que é decididamente imoral. Precisamos cuidar e logo desses 30%

quase 40 milhões de pessoas. Porém

da população pois são

não se invertam os números,

dizendo que tudo está perdido. Não é verdade. Os mal informados e os de má-fé repetem as informações distorcidas e muita gente vai acreditando nelas e desacreditando em tudo. Há pessoas amargas que contagiam e inoculam o veneno de sua amargura naqueles que delas se aproximam. É preciso identificá-las e procurar modificá-las e quem sabe até conseguir que sua presença se torne agradável criando ao seu redor um ambiente de confiança e de amor ao próximo.

A nossa Santa Casa tradicionalmente está ligada aos problemas

sociais e nestes com maior atenção à assistência médica, cui-

sem

esquecermos

dando também de velhos, inválidos, de ensino no centenário Colégio São José e recentemente na Faculdade de Ciências Médicas,

O

Serviço

admiração.

as

Social

Escolas

é muito

de

Enfermagem,

bom

e o servidores

em

vários graus.

merecem

nossa

É muito possível que em 1584 tenha sido fundada esta Irman-

dade. Vamos

pesquisar a sua origem com

bastante atenção e se

confirmada, estaremos agora vivendo o seu quarto Centenário.

Este prédio foi concluído em 1884, portanto há um século. As Misericórdias foram e ainda são as Escolas práticas de Medicina no Brasil. Em

1808, a 18 de fevereiro —

hia que se instalou

D. João VI fundou a da Ba-

no Hospital Militar e daí, em

para a Santa Casa onde começou

a funcionar.

1815

passou

No mesmo ano D. João VI fundou a do Rio de Janeiro tam-

bém no Hospital Santa Casa. Em Paulo, Em

Militar

e em

1913 aqui se fundou

seguida

a Faculdade

1962 nasceu a nossa Faculdade

ilustre, a se projetar no País e fora dele. Esta Casa é uma

passou

a funcionar

na

de Medicina de São

de Ciências Médicas, tão

Casa Santa.

É com a maior emoção que entramos em seu interior e com

reverência penetramos neste recinto. Meditamos

nos seus quatro

séculos de existência e sentimos a responsabilidade que pesa sobre todos nós.

O Poder da Misericórdia

649

Com o maior respeito nos lembramos dos Provedores e Mesários que há quatrocentos anos vêm cuidando desta Irmandade. Nesta Casa se transmitem valores permanentes, de geração em geração. São eles os que decorrem do fato metafísico que dignifica a pessoa

humana

dela, é Deus. Aqui

os

e a vida.

valores

A

fonte

renováveis,

não é a sociedade, está

os que

nascem

dos

acima

grupos

so-

ciais, dos costumes e dos hábitos e que por isso são acessíveis às

reformas, têm sido considerados com juízo claro, acompanhando as mudanças que a ciência e a técnica impõem, sem perder a

noção dos

valores permanentes.

A tradição é essa. Tem que ser resguardada.

E o será.

Essas razões nos levam a consagrar os nomes dos Drs. Chris-

tiano Altenfelder Silva, Paulo Meirelles Reis, Carlos Pacheco Fernandes, Mario da Cunha Rangel e Pedro Ayres Netto, e a todos os Irmãos que estão dedicando grande parte de suas vidas a esta Irmandade, contribuindo não só para mantê-la como para aperfeiçoar todos os seus segmentos a ponto de torná-la no gênero, a mais importante do Brasil. Não vamos nos despedir deles porque continuarão conosco. Fala-se em nosso País, intensamente, em dificuldades, em mudanças. Qualquer observador inteligente sabe que mudanças e dificuldades sempre existiram e sempre existirão. Sabe também que as grandes Obras e mesmo as grandes Nações não foram feitas sem imensos sacrifícios. A Santa Casa em seus quatro séculos de existência

teve sé-

rias crises, muito sérias, que foram vencidas. Unidos poderemos trabalhosa, apenas isso. Ad

transpor

os

atuais

obstáculos.

É

tarefa

astra per aspera.

Minha esposa que não pode estar presente por motivos imperiosos e que há 50 anos me acompanha e me conforta, aqui se encontra espiritualmente e estará conosco. Nossa Padroeira é a Virgem Maria Santíssima.

Ela nos aben-

çoa. À Ela nos dirigimos recitando este “Ato de Caridade” escrito por Djalma Andrade — Que que Mãe, Que

eu faça ninguém espero eu seja

o bem, e de tal modo o faça saiba o quanto me custou. de ti mais esta graça: bom sem parecer que o sou.

650

Glauco Carneiro

Que o pouco que me dês me satisfaça, E se, do pouco mesmo, algum sobrou, Que eu leve esta migalha onde a desgraça Inesperadamente penetrou. Que Que

a minha mesa, a mais, tenha um talher, será, Minha Mae. Senhora Nossa,

Para o pobre faminto que vier.

Que eu transponha tropeços e embaraços: — Que eu não coma, sozinho o pão que possa ser partido

por mim. em dois pedaços.

Irmãos,

Agradeço a confiança que depositam em mim e em nome de todos que foram eleitos comigo, trago agradecimento cordial. Gloria in Voluntatis.” *

A

Irmandade

excelsis

acolheu

Deo

com

et

in

terra

sobranceria

Pax

aquela

hominibus

bonae

extrapolação:

na ver-

dade, na história da instituição de 400 anos, ninguém focalizara tanto o problema social global dentro da Misericórdia como Mário Altenfelder — nunca os Irmãos haviam experimentado a emoção do transporte de seu problema particular para o drama imensamente maior da humanidade e do país. Jamais alguém exortara tanto a caridade paulistana a sair dos limites de Piratininga para colocar um lenitivo na tragédia mais ampla dos carentes brasileiros

e mundiais.

“Pediu a palavra, em seguida, o Irmão Mesário Deputado Herbert Victor Levy, para congratular-se com os componentes da

Irmandade, pelo pronunciamento do Irmão Provedor, o qual extravazou de nosso meio, para incursionar pelos problemas que afligem o povo brasileiro. Observou haver S. Exa. trazido um testemunho doloroso, sem dúvida, mas, realístico. O que ouvimos relembrou mais uma vez que o sentimento de responsabilidade social, e de solidariedade humana, não se esgotam no âmbito das entidades assistenciais, como a de que participamos. É preciso que nos mobilizemos em favor de nossa terra e de sua gente. Sentimonos afetados pelos escândalos denunciados, e que —

pelo visto —

o tempo se encarregará de sepultar. Não podemos conformar-nos com a política econômica imposta ao país, a qual pretende combater a inflação, com o flagelo da recessão. Ao invés de criar empregos para os jovens que chegam à idade do trabalho, o que temos visto é tal política acarretar milhões de trabalhadores de-

sempregados. Nosso povo tolerante e bondoso, já não admite que

651

O Poder da Misericórdia

seus sentimentos humanísticos se conformem

com

a situação que

se lhe oferece. Devemos mobilizar-nos, num movimento geral, de todo o povo, para evitar os desvios que estão comprometendo o futuro da Nação. Encerrou dizendo desejar que a manifestação do nosso Provedor leve a corrigir as práticas anti-brasileiras, correntes, e possa ajudar a curar os males de que padece o nosso país.

As palavras do orador foram muito aplaudidas”.º

A dimensão da sobrevivência

A equipe que, sob a liderança de Mário Altenfelder, assumiu a dire-

ção da Santa Casa, em

1984, tinha uma característica adicional — o enfo-

que racionalizador. Embora conservando alto o estandarte da caridade, a nova

Mesa

buscou,

desde o início, estudar e melhorar

a atividade-meio,

carente, há muito tempo, de adequação entre os recursos disponíveis e as imensas tarefas a realizar.

Contudo, a dimensão do problema encontrado superou as expectativas mais pessimistas. No correr deste cápítulo, iremos tomar conhecimento de dados que positivam esse estado verdadeiramente amedrontador que a atual administração sentiu na velha Misericórdia, requerendo providências heróicas que ainda estão longe de alcançar seu término. Tendo a assessorá-lo a colaboração segura do Irmão Victor do Amaral

Freire, Ex-Ministro do Tribunal de Contas da União e Ex-Presidente do Conselho Estadual de Auxílios e Subvenções, a Mesa Administrativa liderada por Mário Altenfelder desde logo apressou-se a defender uma nova orientação administrativa no setor econômico-financeiro, afirmando a impe-

riosa necessidade da Santa Casa, sem prejuízo de suas características filan-

trópicas, implantar um gerenciamento empresarial na condução de seus ser-

viços. No tocante à Tesouraria, encontrou-se uma situação institucional de

atraso, com débitos em todas as áreas — salarial, fornecedores, Previdência Social, Receita Federal. A escrituração contábil estava desatualizada, per-

turbando inteiramente a ação administrativa e econômico-financeira. Apesar disso, o rígido controle implantado, ao lado da ordenação realizada, permitiu terminar o ano de 1984 com um déficit de Cr$ 6.253.367.000, contra Cr$ 6.768.743.000 de 1983, apesar de uma inflação recorde registrada de 250%! Em outros termos, se tivesse prosseguido o diapasão anterior, o déficit em 1984 não seria menor do que 20 bilhões de cruzeiros. Ainda assim, em 1984, o prejuízo operacional foi da ordem de noventa milhões de cruzeiros mensais, para o que contribuíram débitos dos anos anteriores decorrentes de recolhimentos não feitos a órgãos federais. Vejamos trecho da exposição a respeito feita pelo Irmão e 1.º Tesoureiro Victor do Amaral Freire, na sessão da Mesa Administrativa realizada a

7 de maio de 1985:

652

Glauco

“Sem

passou

dúvida,

o resultado obtido

a fornecer uma

em

visão alentadora

1984,

acerca

pela

Carneiro

Irmandade,

da regularização

administrativa. Dentro da franqueza habitual, a atual administração destaca os pontos em que se encontrarão sérias dificuldades.

Primeiro, o recente aumento salarial, sobrecarregando terrivelmen-

te a Santa Casa, que é uma entidade exclusiva de serviços, com tarifas de atendimento à saúde impostas pelos órgãos governamen-

tais, entre

os

quais

destaca-se

o

INAMPS,

o

qual,

em

1984,

quando a inflação atingiu a cerca de 250%, concedeu um aumento de apenas

135%

e, ainda assim, calcados sobre preços abaixo

do custo. Com o novo salário decretado, a folha mensal de pagamentos deve sofrer um acréscimo de 2 bilhões e quinhentos milhões de cruzeiros, a recair a partir do início de junho. Além disso, devem ser encontradas soluções para os três débitos referidos, num total de Cr$ 15.000.000.000 e que se elevará à casa dos Cr$ 17.000.000.000 dentro de 30 dias, a Cr$ 19.000.000.000 dentro de 60 dias e que, na forma prevista nos contratos, alcançará em dezembro do corrente ano a 30/35 bilhões de cruzeiros. O que mais preocupa, pelo nível atual, é o da Cia. Philips, com cuja empresa

haverá

amanhã,

dia 08

de maio,

provavelmente,

um di-

fícil entendimento. Deve-se mencionar que toda essa exposição foi relatada perante os membros da Comissão de Contas, em todos os

seus detalhes. E tal situação será exposta às autoridades governamentais, com explícita indicação do nível e volume de atendimento proporcionado pela nossa Santa Casa às populações da Capital e “do Interior do Estado e, mesmo, a brasileiros de outros Estados, numa extensão aproximada daquela dispensada pelo Hospital das Clínicas de São Paulo, o qual tem muito maior número de leitos e se beneficia

de

um

orçamento

não

inferior a 300

bilhões de

cruzeiros. Foi também fornecido à Comissão de Contas um comentário sobre as nossas receitas, assim agrupadas: a) INAMPS e Prefeitura Municipal de São Paulo, que mais oneram que beneficiam, mas que são obrigatórias no sistema previdenciário nacional; b) receita imobiliária, embora superior ao ano de 1983, deverá merecer um estudo aprofundado, para que seja definida uma política patrimonial, de importância transcendental para nossa enti-

dade. Já foi nomeada uma comissão, para apresentar sugestões, quando se deverá analisar a existência, entre outros, de parte do patrimônio sem renda; c) enfocou-se o “superavit” do Colégio

São José (de Cr$ 116.459.000) e do Hospital Santa Izabel (de Cr$ 2.353.640.000) de grande valia; d) as subvenções do Governo

do Estado, com um total de Cr$ 1.800.000.000, mereceram destaque;

e) os donativos

recebidos

de

Irmãos

Mesários e colabora-

dores os mais diversos, com o índice, a ser destacado, de Cr$ 826.154.000; f) e, finalmente, a receita financeira, principalmente

O

Poder

da Misericórdia

653

decorrente de um entendimento com vários Bancos, os quais revelaram um alto espírito de cooperação, proporcionando o recebimento de uma importância no valor de Cr$ 948.640.000. Estes os frutos colhidos pela atual administração da Irmandade, em 1984, propiciado pelo esforço coletivo da Direção Geral e do apoio da Mesa Administrativa. Agora, com uma visão mais completa dos problemas econômicos e financeiros e com alterações profundas procedidas na área administrativa, espera-se sejam removidas as dificuldades já apontadas e as que se terá pela frente, de forma a proporcionar uma posição mais sólida e tranquila no final de 1985. Isso irá depender da situação geral do país, sobretudo no que se refere aos índices inflacionários. Novas rotinas de serviço já estão sendo implantadas e outras terão de ser estabelecidas para moder-

nizar nosso sistema administrativo e aprofundar a montagem de uma organização empresarial, que possa tornar-se modelar para as instituições filantrópicas de nosso país”. A Santa Casa em 1984

Nós que vimos acompanhando a instituição desde os seus primórdios, sabendo das suas dificuldades e aludindo aos seus meios, temos a obrigação de mencionar

alguns dados

sobre o patrimônio da Santa

década em que o Hospital Central completa

100 anos.

Casa

nesta

Através de Relatório da Mordomia do Patrimônio Imobiliário, os Irmãos Edgard Thomaz de Carvalho e Mário da Cunha Rangel nos informam a situação dominial da Misericórdia. Há propriedade plena de 20 edifícios, 21 residências, 6 apartamentos,

14 lojas e escritórios, 120 garagens, 5 hos-

pitais, 13 terrenos e 5 loteamentos, totalizando 204. Para uso próprio, há 3 edifícios, e vinculados, 40. Há 63 imóveis com posse e título em andamento, 8 propriedades parciais, 7 usufrutos, 3 posses sem título e 7 com título em andamento. Assim, o patrimônio da instituição atinge a 335

imóveis.

A renda desses imóveis é que permite à Santa Casa atender perto de um terço de seus assistidos, a título gratuito, constituindo-se na única instituição que-recebe, indistintamente, os necessitados, trata deles, e somente

depois verifica se possuem vinculação previdenciária ou não. Essa prática

de benemerência verdadeira acarreta um pesado ônus financeiro: o déficit está presente na Misericórdia com a mesma freqiiência da caridade. Em fevereiro de

1984, por exemplo, o atendimento

diário de três mil pessoas

acarretava um déficit mensal de dezenas de milhões. O superintendente da

época, Renato Romano, informava ao Jornal do Brasil: “Estamos recorrendo

a empréstimos

bancários, vendendo propriedades, mudando

a sistemática

654

Glauco Carneiro

de trabalho dentro do hospital e tentando recursos junto aos governos mu.

nicipal, estadual e federal"*

Nessa época, nos mil leitos disponíveis, eram acolhidos, de 350 a 450 pobres (indigentes ou não segurados à Previdência), 600 pacientes do

INAMPS e cerca de 130 particulares. A Irmandade acionava ainda os ser-

viços do Departamento

de Geriatria

Dom

Pedro

II, no bairro do Jaçanã,

Colégio São

1.500 alunos. Nessa época, os aluguéis dos imóveis

que atendia a 800 idosos; o Hospital São Luiz Gonzaga (também no Jaçanã), com 300 leitos, mas apenas 100 em uso por ser deficitário desde 1980, mantendo também a Faculdade de Medicina, com 600 alunos, e o José, com

do patrimônio rendiam Cr$ 150 milhões mensais, recebendo a Santa Casa Cr$ 400 milhões/mês do INAMPS, e mais Cr$ 80 milhões de prestação de serviços ao município, além da renda do atendimento aos doentes particulares.

A Faculdade

de Ciências

Médicas, com administração autônoma, mas

usando o prédio do Arouche e tendo como professores os médicos da Santa Casa, onerava mais ainda o problema financeiro, muito embora lhe desse excelente contrapartida na melhoria do nível de assistência, o que lhe valeu,

em

1983, ser classificado junto a outros 16 estabelecimentos nacionais, com

o título de “Hospital de Excelência e Referência”. Em 1984 estavam disponíveis, no terreno de cinquenta mil metros quadrados fronteando a Rua Cesário Motta, nas vizinhanças do Largo do Arouche, 124.000 m* de construção, onde inclusive se realizavam pesquisas importantes, como as do Setor de Esterilidade, do Departamento de Obstetrícia, envolvendo casos de fecundação

in vitro (bebê de proveta).

O belíssimo prédio em estilo gótico inglês continuava, apesar das dificuldades crônicas, a servir a São Paulo. Isso, porém, de nada

lhe valeu para evitar que o patrimônio que lhe

torna possível assistir gratuitamente aos pobres, fosse invadido em fevereiro de 1984. Um suspeito “Movimento para Moradia Filhos da Terra”, cujas reuniões se realizavam no interior de Igreja Católica dita “popular”, invadiu um terreno da Santa Casa na Vila Paulistânia e até constituiu advogado que apresentou, através da imprensa, as condições de uso da propriedade... “Famílias desapropriadas e despejadas ou que não podiam mais pagar aluguel começaram a procurar a equipe que presta assistência jurídica na Associação dos Moradores da Zona Norte, que ocupa uma sala na Igreja Nossa Senhora do Carmo... Lauro Câmara Marcondes, advogado dos invasores, explicou que a orien-

tação deles é dada pelo Centro de Defesa dos Direitos Humanos

da Vila Paulistânia. Os padres Olívio e Raimundo também apóiam

o movimento e até cedem a igreja para reuniões. ..”.”

O

Poder da Misericórdia

655

A Irmandade da Santa Casa viu-se obrigada a tomar as medidas legais e cabíveis para defender seu patrimônio ameaçado, que naquele local compreende cerca de 40 alqueires, onde funcionam os hospitais São Luiz de Gonzaga e D. Pedro II:

“O Mordomo do Patrimônio Imobiliário da entidade, José Celestino Bourroul, visitou a área invadida, onde recolheu alguns panfletos — “verdadeiros brados de guerra” — e considerou a ocupação “absurda e desprovida

de qualquer propósito”.

Como é uma instituição beneficente, para enfrentar suas difi-

culdades econômicas e manter o padrão de atendimento reconhe-

cido pela

população,

a Santa

Casa

vinha

fazendo

estudos

para

vender parte de seu terreno à Fabes. Segundo Bourroul, quando a Fabes demonstrou interesse em adquirir “amigavelmente” parte do terreno, a Santa Casa iniciou a elaboração de um plano que, além da expansão dos dois hospitais e de outros benefícios, definiria a área de venda. “Agora, no entanto, fomos surpreendidos por esta invasão violenta, provocada por espertalhões ou gente interessada em perturbar a ordem pública”. Os maiores prejudicados com a invasão, no entender de José

Bourroul, serão “os coitados que foram iludidos com o golpe da

casa própria, já que quem os está manobrando jamais verá o dinheiro gasto para construção de seus barracos. roul, “a Justiça deverá prevalecer” e a área invadida cupada por meio de mandado judicial, “pois acredito que apreciar a questão deverá determinar a retirada dos

lhes devolPara Bourserá desoque o juiz invasores”.

Quanto aos problemas econômicos enfrentados pela Irmandade da Santa Casa, José Bourroul lembrou que ela é “aflitiva, mas a entidade sempre preferiu agir com discrição nos momentos

difíceis”. Com custo per capita muito alto “para manter um serviço reconhecido como

bem

acima

do padrão

médio”, a institui-

ção vem procurando opções para superar o agravamento de seu déficit. Uma dessas formas é a venda de parte dos terrenos da

entidade”. Logo em

seguida

a essas declarações,

voltava o bem

amparado “Mo-

vimento”, a ameaçar utilizar recursos legais contra a Santa Casa, “além de consolidar sua presença na região ocupada, assumindo rapidamente os 150 mil metros quadrados que pretende

utilizar”. A imprensa igualmente

noti-

ciava: “O padre Raimundo Lipski, pároco da Igreja N. S. do Carmo, onde

foram realizadas as assembléias do movimento, disse que há muita solidariedade entre os participantes, e estão recebendo apoio de outros movi-

mentos para moradia, como os de Vila Remo

e Osasco. Ele admite que

656

Glauco Carneiro

tem dado o seu apoio aos participantes do movimento,

seguindo uma linha

da Igreja que se coloca ao lado do povo sofredor, estabelecida pela CNBB”12 Pressionando o Prefeito Mário Covas,

para comprar as terras invadi-

das, uma comissão dos “Filhos da Terra” reafirmou: “Com o povo ninguém pode”.

Enquanto isso, a Irmandade

fazia divulgar a seguinte e incisiva nota:

“Tornou-se público e notório, pelas informações da imprensa,

o fato da invasão ocorrida em área de terras pertencentes à Irman-

dade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo, no bairro de Jaçanã. Esta, em defesa de legítimos direitos, reagiu pelas vias legais, ajuizando Ação de Reintegração de Posse, ora em anda-

mento.

Sem embargo de sua deliberação de rejeitar quaisquer negociações com os espoliadores de seu patrimônio, deseja a Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo alertar aos atuais invasores,

e a terceiros

que

venham

a eles

se agregar, estarem

sendo vítimas de falsas promessas, fruto de mera demagogia.

Nem de outra forma se qualifica o ato de partilhar, mediante violência, terras de entidades, como a Santa Casa — tanto mais

que na própria organização a que pertencem existem terras dispo-

níveis para distribuição, conservadas, imobiliária. Sua conduta apenas leva com todo o seu aspecto de miséria, solucionar o reconhecidamente grave

entretanto, para especulação à formação de novas favelas, em nada contribuindo para problema habitacional.

Por outro lado relembra a Irmandade que a finalidade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo é a prestação de assistência médica e hospitalar, no exercício de caridade evangélica, às pessoas desprovidas de recursos para tratamento de saúde. Para atender ao alto custo desse serviço público, prestado desinteressa-

damente à coletividade, necessita ela dos seus bens imóveis, cujo

valor concorrerá para a manutenção

da assistência aos enfermos

pobres. Não pode abrir mão do que se destina ao serviço da pró-

pria coletividade. A invasão efetuada atenta contra o interesse, que é o de obter da Santa Casa a assistência médica quando dela se necessite, e na medida em que disponha de recursos para o atendimento

público

mais

desvalido.

Contam-se

por milhares

que ali recebem o tratamento completo, sem nenhuma despesa.

os

Não se justifica nem legal nem moralmente, o procedimento dos invasores, nem, muito menos — sejam eles quem forem — dos que os vêm estimulando à prática de crime de esbulho possessório, previsto no Cód.

belecidos.

Penal e punido

nos termos nele esta-

657

O Poder da Misericórdia

Em suma, a Santa Casa não pode ser despojada do que deve garantir a continuidade de seus serviços de assistência social, dis-

pensada gratuitamente aos que dela se socorrem, particularmente as pessoas humildes, da categoria dos atuais invasores”.!º

Não era esse o maior Mário Altenfelder e a Mesa. extraordinária da irmandade ceiras da instituição. E logo

problema da gama enfrentada pelo Provedor Na mesma ocasião, era convocada uma sessão para debater o quadro de dificuldades finanse divulgou um documento oficial em que se

informou ter a Provedoria se dirigido aos Poderes Públicos do Estado e do

Município, “solicitando auxílios especiais que nunca lhe faltaram em outros

governos, para

tendo ainda

atender

recebido

ao

pagamento

a colaboração

de pessoal

e de

fornecedores,

não

oficial para enfrentar os problemas:

“A Mesa Administrativa concedeu plenos poderes à provedoria para a ação necessária a fim de evitar a desativação de mais de 200 leitos, suspensão de serviços e dispensa de médicos, enfermeiros e funcionários, dolorosa exigência a que será forçada, neste

momento de penúria e de miséria, quando não pode faltar a assistência aos necessitados, nem ser diminuída a que presta a Santa

Casa aos doentes que todos os dias batem às portas de seus hospitais e asilos”!

Em abril a Santa Casa voltava a denunciar à opinião pública a iminência de nova invasão de suas propriedades, através de nota divulgada pelo Provedor Mário Altenfelder: “A Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo,

instituição

filantrópica,

dedicada

a

prestar,

desinteressadamente,

e sem fins lucrativos, assistência médica e hospitalar à população carente de recursos, não somente da Capital, mas também a pacientes de municípios do Interior e de outros Estados, vem a público denunciar que a invasão organizada, que a espoliou de uma área de terras no bairro do Jaçanã, na prática do crime definido no Código Penal, como “esbulho possessório”, vai agora repetirse, nesta Semana Santa, segundo informações chegadas ao seu conhecimento. “As autoridades públicas, estaduais e federais foram, em tempo oportuno, alertadas para o fato, e bem assim o Sr. Cardeal Arcebispo de São Paulo, em vista da notória ingerência de sacerdotes, na estimulação desse procedimento abusivo e ilegal. A Irmandade já obteve mandados judiciais de reintegração de posse, com ordem de requisição de força, para seu cumprimento. Absteve-se, prudentemente, de promover sua imediata execução, para evitar

a eclosão

de previsíveis

conflitos,

com

resultados

indesejados.

658

Glauco Carneiro

Não tem sido compreendida, nem pelos invasores, nem por aqueles que revestidos de representação política, ou das vestes sacerdotais, estimulam atos que se evidenciam em desordem social. A Irmandade da Santa Casa de Misericórdia protesta em público, pelo desrespeito generalizado que a nova invasão representará, sem resguardo sequer dos dias de recolhimento da Semana Santa. E, como não alcança seu objetivo, de resolver pacificamente o agravo que

vem sofrendo em seu patrimônio, providenciará para que as ordens ”» 15 judiciais de despejo sejam cumpridas”.” A recuperação em marcha

Alguns fatos, porém, revelavam que a nova administração, ao mesmo tempo em que enfrentava seus problemas externos, tratava de arrumar a

casa.

tração

Em

por

apenas

três meses

objetivos,

hierarquizadas.

sendo

Dividiram-se

implantara-se,

estabelecidas

na área

financeira,

prioridades,

os trabalhos em

a adminis-

além destas serem

vários estágios:

de gerencia-

mento de dificuldades, sobretudo na área de salários; de regularização do saneamento financeiro e de liquidação dos débitos. Resolvera-se o problema salarial pendente, com o pagamento da folha de pessoal no montante de 950

milhões

de cruzeiros,

estando

os salários em

dia.

Constituiu-se um Fundo de Donativos Especiais, para o qual contribuíram irmãos e autoridades, bem como doadores novos, a exemplo da sra.

Duan Aisheng, esposa do Embaixador da República Popular da China, Sr. Chu Zhongfu, que entregou um cheque de Cr$ 4.125.500, “explicando seu interesse pela instituição, por estarem trabalhando aqui numerosos médicos de ascendência chinesa”.!* Em

sessão

da

Mesa

Administrativa,

de

24

de

abril,

o Prof. Wilson

Luiz Sanvito prestou informações acerca do funcionamento do Departamento de Medicina, um dos quatro em que se dividem os serviços da Santa Casa e da Faculdade de Ciências Médicas: “As metas básicas de um Departamento da natureza daquele que dirige, são de quatro categorias — 1) assistência médica; 2) ensino médico; 3) formação de recursos humanos; 4) produção científica. O Departamento de Medicina — acrescentou o Prof. Sanvito — é o maior de todos, pelo volume de pacientes a que presta assistência. Há um chamado “atendimento de porta”, que é um complexo, desempenhado nos Ambulatórios do Pavilhão Conde de Lara, e no Pronto Socorro Central, destinado ao atendimento dos comparecentes. Os pacientes que pela primeira vez procuram a Instituição recebem atendimento imediato, e são encaminhados

quando necessário, para o Ambulatório apropriado. Cerca de 250

659

O Poder da Misericórdia

novos pacientes diários são recebidos, durante 5 dias de cada se-

mana, num total aproximado de 5.000 pessoas por mês. Trata-se, na maioria, de previdenciários, e seu atendimento

merece

uma

remuneração paga pelo INAMPS, da ordem de Cr$ 4.934,00 para cada consulta. Isto representa um faturamento mensal de cerca

de Cr$ 25 milhões de cruzeiros, de exames de laboratórios e Raios não ocasionam muitas despesas. lado no Pavilhão Conde de Lara,

valor bruto, sem contar o custo X. São pacientes que, em regra, Na parte do Ambulatório instahá um departamento geral, que

se divide em nove especialidades médicas (cardiologia, nefrologia,

reumatologia, endocrinologia, hematologia, gastroenterologia e pneumologia), além dos Ambulatórios de Neurologia e Dermatologia. Existe ainda um serviço prestado extra-muros, no Hospital

Emílio Ribas destinado a portadores de moléstias infecciosas, servindo também para o aprendizado dos alunos da Faculdade de Ciências Médicas. No Pronto Socorro Central, na área de Clínica Médica. há três tipos de pacientes — os não contribuintes, os

enviados pela Prefeitura Municipal, em razão de convênio, com um aumento substancial, graças ao encaminhamento

do telefone

feito através

192; e os doentes assistidos pelo INAMPS.

Em

meros estatísticos, o Departamento de Medicina atendeu em

mais ou menos a 185.000 pacientes,

nú-

1983

110 dos quais nos Ambula-

tórios. Há pacientes internados em três enfermarias, com 99 leitos, dos quais 62 são para previdenciários. Estes, pelo chamado con-

vênio universitário, firmado com o INAMPS, são recebidos com

pagamento prefixado, que representa por assim dizer um “pacote”, na proporção de seu porte. Se a internação perdura por muitos

dias, produz A meta,

um

“déficit”, que a Santa

portanto, é promover

já se havendo alcançado, em

Casa

tem

de suportar.

u'a maior rotatividade dos

leitos,

1984, uma média de ocupação

de

9 dias, enquanto em 19853 era de 20 dias. Os chamados “portes”, ou procedimentos médicos, são de remuneração diversa, mas de

valor prefixado e independente da extensão do tratamento dispen-

sado e do volume de exames complementares. Tem-se buscado reduzir não só a média de permanência, como o número de exames, somente se realizando os indispensáveis.

Observou o Prof. Sanvito que, possuindo a Santa Casa uma escola médica, há a suposição de que todos os pacientes precisam ser exaustivamente examinados pelos alunos. Não é o que sucede na Faculdade de Ciências Médicas, na qual a preocupação é formar médicos dentro da realidade brasileira, com conhecimentos de medicina geral. O médico, especialmente o estagiário, deve dar ênfase ao raciocínio clínico, e não tanto aos exames complementares, voltando-se ao tipo de medicina generalista, muito mais humana.

Glauco Carneiro

660

Prosseguiu o Prof. Sanvito notando que o Departamento de Medicina apresentava um “déficit” de mais de Cr$ 20 milhões, mensalmente. Atualmente, porém, com nova orientação e graças aos esforços da Superintendência, o Departamento está motivado para um esforço comum, com o objetivo de eliminar aquele “déficit”. Em

março de 1984 este foi ainda da ordem de Cr$ 9.518.000,00;

em fevereiro fora de 15 milhões, em em janeiro de Cr$ 17 milhões, com uma queda progressiva no montante do “déficit”. Acredita que com

o serviço de pronto

atendimento,

passaremos

a zerar o

“déficit” do departamento de Medicina, e quiçá, a obter ““superávit”. Além deste objetivo, há outras metas básicas, entre elas, a de imprimir um “status” aos hospitais da Santa Casa, de modo a que mereçam a classificação de “excelência”, já recebida, e que resulta em

constituir-se

o respectivo

serviço

no “prato

de resis-

tência” da Instituição. O INAMPS é realmente a maior fonte de pagamentos. Além desse, há outro aspecto — havendo aqui uma escola de ensino médico, o serviço permite uma permanente reciclagem no corpo clínico, que se atualiza e converte-se em profissionais da mais alta qualidade. Na meta relativa à formação de re-

cursos humanos, temos os médicos residentes, recebendo formação

mação de pós-graduação. Havia sido notada no país, uma sensível decadência do ensino médico, pela proliferação indiscriminada de novas escolas, sem base para a sua finalidade específica. Uma comissão constituída pelo MEC concluiu que mais de 50% de tais escolas não tinham condições de funcionamento. Deu-se-lhes prazo para adaptação, mas ele não foi cumprido. Na Santa Casa, a formação de médico residente é levada muito a sério, para que se tornem profissionais de grande qualidade. Verificou-se que os graduados aqui são de excelente formação. Temos 17 residentes de 1.º ano, mais 12 de 2.º ano, e outros 6 de 3.º ano, num total de 35 residentes, aliás, remunerados pela Santa Casa. No tocante à “produção científica”, tem sido modesta, no Departamento de Medicina, por falta de infra-estrutura, somente possível em instituições que disponham de grandes recursos, como a USP, a UNICAMP, etc. Mas, é fundamental que haja pelo menos um pequeno fluxo de produção científica, como estímulo aos que a ela se dedicam, e como meio de promoção na carreira docente. Enriquece o médico na área em que milita. Nesse aspecto,

as perspectivas são boas, embora

a situação geral seja péssima,

com uma inflação enorme e uma legislação salarial leonina. Dentro dessa parafernália, que é a conjuntura econômica brasileira, temos a esperança de transformar esta nossa Instituição num cen-

tro de cultura e pesquisa médica, de grande prestígio.

661

O Poder da Misericórdia

A exposição do Prof. Wilson Luiz Sanvito foi muito aplaudida, tendo ele ainda respondido a várias indagações feitas por diversos

Irmãos

Mesários,

Francisco Machado

entre eles, os

de Campos.

Irmãos

Mons.

Paixão



Pelo Irmão Provedor, ao congratular-se com o expositor, pelo

brilho de suas informações

prestadas à Mesa

Administrativa,

foi

acentuado que a finalidade da escola médica instalada na Santa Casa é formar médicos de cultura geral, exercendo um tipo de medicina mais ligado aos pacientes, ou seja, mais humano. O Dr. Luiz Oriente Diretor Clínico dos hospitais é exemplo típico, da figura humana, do médico não apenas profissional, mas interessado na pessoa do paciente. O contato que ele Irmão Provedor tem mantido com os estudantes revela nestes um senso de responsabilidade, que nutre a esperança de poder-se alcançar um grande progresso nesse aspecto da medicina. O Prof. Sanvito tem revelado preocupar-se não apenas com os resultados de ensino médico, mas, frequentemente convida pessoas capacitadas para discorrer sobre problemas gerais. Ele próprio Provedor falará em breve a respeito do problema dos menores em abandono. Os médicos for-

mados nesse ambiente de estudo, serão outros fatores de melhoria

das condições sociais gerais, de forma tranquila e serena.” Durante

essa sessão

foi

Padre Avelino Bernardo Panni, mos € carentes. Cura de almas do Câncer e então do Hospital dade da Santa Casa foram uma estava ao lado da Misericórdia

recebido

na qualidade

de

Irmão

Remido,

sacerdote dedicado à assistência dos enferem várias paróquias, ex-capelão do Hospital Municipal, as palavras que dirigiu à Irmanprova de que a verdadeira Igreja Católica naquele momento de provação:

“Como é do conhecimento de todos, o sacerdote, em geral, não é portador de muitas posses. Sua vocação é mais doar a si mesmo a exemplo de Cristo, do que dispor de muitos recursos

financeiros. Mas. há muitos modos de servir ao próximo: até dan-

do a vida, se for necessário. Nesta hora crítica em que esta sacrossanta instituição está passando deve servir de estímulo e não de

desânimo para mim Irmão Remido. Esta Santa Casa é a pupila dos olhos de Jesus. Ele não vai permitir que ela sossobre. Neste nobre solo as lágrimas da dor foram enxugadas, a tristeza deu lugar à alegria, a cura enxotou a doença, a vida afugentou a morte.

“Ubi amor. ibi Deus”. Onde há caridade, lá está Deus. Tenho a

certeza plena e segura que milhões de vozes dos assistidos subirão

aos céus intercedendo junto ao trono do Onipotente. “In Domino

confidimos:”

nós

o

confiamos

nele

não

de

braços

cruzados,

decididos para a luta. A esta egrégia Mesa Administrativa,

muito e sincero obrigado”.18

mas

meu

662

Glauco Carneiro

Jorge Barreto Prado

É tarefa praticamente impossível aludir a todos os membros da Santa Casa. Nosso dever é pinçar, aqui e ali, figuras que, sendo focalizadas mais de perto, representem

o corpo da instituição multissecular.

Jorge Barreto Prado, Mordomo do Hospital Central, falecido a 20 de maio de 1984, foi uma dessas personalidades simbólicas do todo. Vejamos o que dele disse o Irmão Adriano Marrey: “Numa

Instituição, como a Irmandade da Santa Casa de Mi-

sericórdia de São Paulo, em que todos convivemos, e nos confraternizamos, ligados, todos nós, como dizia Saint Exupéry, por um fio peculiar, que se situa fora de nós, e mostra que “amar não é olhar um para o outro, mas olhar juntos na mesma dire-

ção”,

trabalhando

todos

pela

realização

dos

ideais cristãos, que

justificam a existência centenária das Misericórdias, — a privação da presença de alguns dos companheiros, já afinados na prática desses ideais, repercute, profunda e comovidamente, em nossos sentimentos. Com a mais constrangida tristeza, hoje nos reunimos em torno da lembrança de um daqueles, que havendo seu ciclo de existência, poderia ter dito, à chegada da noite, estar grato a Deus, por lhe ter sido possível terminar o que tivera permissão para iniciar. A responsabilidade de nossos erros é nossa, mesmo, mas não o crédito, pelas nossas realizações. Este, é a comunidade em que vivemos que nos dá na apreciação final dos atos que teceram

nossa

vida,

pelo que

buscamos

empreender

de útil, por

alguma coisa que semeamos. Dizia um pensador referindo-se ao amigo falecido — “não mais a voz/nem mais o gesto/a luz dos

olhos tão pouco/e o sopro da vida”, revelam sua os frutos ressuscitaram como o grão de trigo/e

presença “mas permaneceram

para sempre”. O nosso Irmão — não apenas da confraria, da comunhão de lutas, do pão partido na mesa dos ideais que nos

congregam,



o nosso

Irmão

Jorge

Barreto

Prado,

tão amistoso

e comunicativo, tão prestimoso e pronto a dar de si, é agora, para todos que o conheceram, uma suave lembrança, e um exemplo a exaltar. Ele se distinguiu pela virtude da dedicação às tarefas assumidas, para que fossem cumpridas com exatidão, e o maior prestígio desta nossa Santa Casa de Misericórdia e aos desvalidos da vida — dependente tanto daqueles homens de que ele se constituiu paradigma. Infelizmente, curta foi minha convivência com o pranteado Irmão. Felizes, porém, os que privaram longamente de sua amizade, e das benesses de seu espírito. Gratos lhe serão os discípulos, a que ministrou lições do exercício generoso

da medicina, voltada

para a pobre

humanidade,

sem

disfarces,

663

O Poder da Misericórdia

em sua fraqueza, que aos médicos se apresenta, carente de com-

preensão,

para os seus males, que

muitas

vezes são mais do

espírito que corpóreos, mais agradecidos somos nós seus Irmãos nesta vencrável Irmandade, a que ele serviu com devotamento, e carinho, fazendo com que nos setores a seu cargo houvesse exemplar disciplina, como ordem útil de trabalho, além de gratificante tratamento aos pacientes dos hospitais sob sua direção, ca final, toda a nossa Instituição sentisse que a confiança nele deposta era justificada, por sua orientação lúcida, e capaz”? História da Santa Casa

Estudioso de História, o Provedor Mário Altenfelder assumira como um dos seus compromissos na Santa Casa, promover um trabalho paciente e científico de pesquisa que afinal resultasse numa obra definitiva a respeito da grande instituição, consolidando monografias e livros já existentes e elucidando pontos até então controversos. Para essa missão convocou o jornalista e historiador Glauco Carneiro, autor de numerosos livros de história contemporânea brasileira, confian-

do-lhe a grande obra, de que deu conta a Ata da Sessão da Mesa

nistrativa de 20/7/1984, nos seguintes termos:

Admi-

“O Irmão Provedor informou estar contratando com o historiador Dr. Glauco Carneiro a elaboração de estudos para uma história da Santa Casa. Para se ter uma idéia do vulto do trabalho, foi solicitado para a conclusão deste o prazo de 18 meses. Presente o Dr. Glauco Carneiro, por ele foi dito estar honrado com o encargo assumido, entendendo que a história da Instituição não pode se restringir aos seus aspectos de assistência médica e

de

caráter

filantrópico,

devendo-se

ressaltar

o valor

cívico,

no

verdadeiro sentido de retribuição à comunidade, do que esta a todos proporciona”.?º

Dias depois, a Provedoria remetia a todos os Irmãos, entidades e fontes individuais importantes, um expediente contendo o “Projeto História da Santa Casa”, redigido por Glauco Carneiro e que pode ser lido no Anexo deste Capítulo. Caiuby e Trench

Ainda em julho de

1984, a Santa

Casa

registrava

a perda

dos seus grandes servidores e amigos: Olavo Franco Caiuby

França Trench:

de dois

e Prof. Nairo

604

Glauco

“Para

falar em

nome

da

Irmandade,

fazendo

Carneiro

o necrológico

do Irmão Dr. Olavo Franco Caiuby, deu o Irmão Provedor a palavra ao Irmão Mesário Dr. Mário da Cunha Rangel, 1.º ViceProvedor, o qual proferiu a seguinte oração: — “Após longa e pertinaz enfermidade, faleceu na última quarta-feira um dos mais queridos de nossos companheiros — o Dr. Olavo Franco Caiuby. Durante 54 anos o pranteado Irmão esteve diretamente ligado ao nosso Escritório de Obras, sendo responsável por dezenas de edificações de grande vulto, valendo recordar os pavilhões de homens e mulheres no Hospital São Luiz Gonzaga, o Pavilhão do DOGI, o Pavilhão do Conde Lara, o Conjunto Hospitalar Santa Isabel, o Centro Cirúrgico, com suas 18 salas e anexos.

São Paulo e a Santa Casa foram as empresas onde o saudoso Dr. Olavo plantou árvores de raízes firmes e frondosos ramos. De sua

luta resta-nos agora, a saudade

e o exemplo.

Nossa

vida ter-

rena continua. Ele, porém, descansa em paz. Seja esta paz, a alegria do justo, do honrado e do sempre humilde servidor do Senhor Deus dos misericordiosos. Reverenciemos sua memória. Guardemos de sua lembrança as forças com as quais enfrentaremos as dificuldades de amanhã”. Para reverenciar a memória do Prof. Nairo França Trench, teve a palavra o Irmão Mesário Prof. Waldir da Silva Prado, o

qual disse não pretender formular um necrológico, mas o elogio de uma

grande

vida

inteiramente

dedicada

à Santa

Casa,

nela

obtendo os títulos com que se distinguiu no exercício da medicina. Formado

em

1934,

o futuro

Prof.

Nairo

ingressou

na Primeira

Enfermaria de Cirurgia de Homens, já então ciosa de suas altas tradições, pois, estivera antes a cargo do Prof. Antonio Candido de Camargo, havendo-se tornado o centro formador de uma ilustre estirpe de especialistas, todos de grande renome. O Prof. Nairo França Trench ali instituiu a Cirurgia de Tórax, não apenas aplicada ao tratamento de tuberculose, mas como precursora da cirurgia de coração.

Ao

ser criada

a Faculdade de Ciências Médicas,

de que foi um dos fundadores, ocupou uma das cátedras, continuando, a par da atividade didática, a frequentar o Hospital Central e a produzir trabalhos científicos. Médico exemplar, professor no sentido exato da palavra e, sobretudo, um homem da Santa Casa — que é muito mais que um hospital de ensino — aqui demonstrou como se pode formar, entre todos os seus pro-

fissionais, um

espírito de família,

concorrendo para que todos

produzam, nos respectivos ramos, em busca do maior prestígio da Instituição. Solicitou fosse consignado em Ata um voto de “profundo pesar e de reconhecimento pelo muito que o Prof. Nairo França Trench procurou fazer em benefício da Santa Casa.

665

O Poder da Misericórdia

O Irmão Provedor, assinalando a solidariedade da Mesa Administrativa, propôs que se guardasse, de pé, um minuto de

silêncio, em homenagem à memória dos estimados amigos da Santa Casa, agora falecidos e na Paz de Deus”?! O 4.º Centenário da Instituição

Baseando-se na carta de Anchieta, que afirmou existirem, em

1584,

“Misericórdias em todas as Capitanias”, e ainda no conhecimento mais seguro da data de inauguração do Hospital Central, na área do Arouche,

o Provedor Mário Altenfelder decidiu comemorar, conjuntamente, o quarto centenário da Santa Casa e os 100 anos de seu principal estabelecimento assistencial, no dia 31 de agosto de 1984. Uma

programação

que abrangeu

não somente esse dia, mas envolveu

muitos eventos, inclusive o restabelecimento de muitas tradições da Santa Casa, atualmente em desuso, marcou essa comemoração que mereceu largo destaque nos meios de comunicação. Também o Patrimônio Histórico e

Artístico de São Savelli,

abriu

Paulo, atendendo

processo

de

a requerimento

tombamento

dos

prédios

do

do

Conselheiro Hospital

Mário

Central,

assegurando sua preservação. Os prédios, de forte influência gótica, viram

assim assegurada sua sobrevivência, ao passo que a cidade de São Paulo passou a incluí-los dentre suas riquezas que desafiam o tempo. E era para

assim acontecer porque eles têm alma:

“A Santa Casa ocupa todo um quarteirão do antigo bairro do Arouche, cercado por simples muros de tijolos, dispostos em forma de pavilhões, capelas, corredores, terraços, ogivas e abó-

badas. Segundo o médico radiologista e historiador, Marcelo de

Almeida Toledo, “são tijolos grandes como a alma dos que a criaram; firmes como a convicção dos que a consolidaram. São simples, em sinal de respeito aos que por ali passaram. Cada tijolo

representa

um

corpo

que

ali

tombou,

dores. E por isso, a Santa Casa é sóbria””.?* No discurso rou o seguinte:

de 31/8/1984,

Altenfelder,

em

aliviado

nome

da

em

suas

Mesa,

decla-

“A Santa Casa é uma Instituição de Misericórdia. Sempre foi

e sempre será. É um exemplo vivo de solidariedade. A solidariedade promove a harmonia entre os segmentos da Irmandade, que

são heterogêneos, sem serem gem aptidões diferentes. A a nossa vida funcional em casta, nem partido político, desejar a barbárie que viola

antagônicos. As diversas funções exisolidariedade, consiste em equilibrar benefício da comunidade. Não existe nem grupos, porque se existisse seria os princípios da Justica. A solidarie-

666

Glauco

Carneiro

dade pode erradicar a miséria do mundo e pode eliminar a escuridão da ignorância. A solidariedade elimina ódios e cria o amor ao próximo. A Santa Casa é uma instituição solidária e prosse-

guirá assim, caminho".?? Na

mesma

para

o alto sempre,

linha, o Governador

pouco

Franco

importa a aspereza do

Montoro,

do

Estado de São

Paulo, em sua fala na solenidade, acentuou que “os 400 anos da Santa Casa de Misericórdia reproduzem a história de São Paulo e também o seu presente”. Essa de uma mensagem:

ligação

vai além da cronologia

porque

se faz à base

“Não basta o crescimento material, não basta a produção econômica, não são suficientes os valores materiais, que muitas

vezes prendem, que orientam determinados setores. A grande mensagem é uma mensagem de elevação, é uma mensagem de paz, de solidariedade

no seu sentido mais elevado.

Não

é indiferença,

não é a luta, o ódio, não é a morte. A palavra “misericórdia”, tantas vezes aqui repetida contém na sua própria etimologia a

síntese desta mensagem:

“Misereor” ou miséria e “cordis”. Como

dizia Lebret, misericórdia significa colocar em nosso coração a miséria que está no mundo, sentir a miséria que está no mundo. É a velha, a grande, a insubstituível missão de São Paulo, não

há quem

sofra que eu não sofra também. É o sentido da soli-

dariedade, da fraternidade, e esse sentido tem um fundamento que foi no passado, é no presente e deve ser no futuro a marca e a mensagem do nosso Brasil. Se somos irmãos é porque temos um pai comum, essa é a grande idéia da fraternidade, lição insubstituível, lição hoje mais importante do que nunca. Por isso, como governador de São Paulo venho aqui dizer a todos aqueles que colaboraram no passado, e que mantêm no presente esta mensagem, eu venho dizer que o povo de São Paulo, representado pelo seu governador, vem trazer a palavra de agradecimento, a palavra de reconhecimento deste extraordinário trabalho que significa não apenas um bem das pessoas assistidas por esta instituição, mas acima de tudo a presença desta mensagem. O im-

portante é ter uma mensagem para anunciar ao mundo. Essa é a mensagem da fraternidade. Aos irmãos da SCMSP eu venho

dizer, em nome

do povo de São Paulo, muito obrigado por estes

400 anos de serviços prestados à nossa gente”? Entre

as comemorações

do

4.º

Centenário

da

Misericórdia,

o resta-

belecimento da Procissão de Nossa Senhora foi um dos pontos altos. Há 200 anos que vinha sendo realizada anualmente, sempre a 2 de julho, dia

de Santa Isabel, padroeira das Santas Casas. Até meados do século XIX,

667

O Poder da Misericórdia

a procissão se iniciava na Igreja da Misericórdia e se dirigia ao antigo Hospital da Glória. Na década de quarenta, por razões ignoradas — tal-

vez pressionada

pelo crescimento da cidade —, a Irmandade deixou de

promovê-la. Em 1984, Mário Altenfelder decretou a volta da tradição, com a procissão agora sendo realizada “intra muros”, dentro do quarteirão do Hospital Central. E realmente isso aconteceu, num domingo, 9 de dezem-

bro de 1984 (no futuro, voltará a ser a 2 de julho). Mais de duas mil pessoas — membros da Irmandade, médicos, funcionários, pacientes, contornaram o prédio central do Hospital do Arouche, e assistiram missa na Capela. A imagem da Virgem Maria, de aproximadamente 1,5m de altura,

conduzida nos ombros de fiéis, era seguida pelo coral. Uma cerimônia inicial deu oportunidade a que oradores como os médicos Carlos da Silva Lacaz e Pedro Ayres Netto lembrassem o papel histórico da Santa Casa. Valeria sugerir às autoridades estaduais e municipais a incorporação dessa Procissão de Nossa Senhora ao Calendário de Eventos significativos da

capital paulista.

A presença da tecnologia Paralelamente ao restabelecimento das tradições, e à vigilância na preservação do patrimônio da instituição (pois houve, em outubro de 1984, nova ameaça de invasão nos terrenos do Jaçanã, forçando a Provedoria

a alertar, publicamente, de que usaria a força, se necessário, para repeli-la), a Irmandade dava um tração da Santa Casa: “Convênio

passo muito

assinado

entre

importante

a Irmandade

para atualizar a adminisda Santa

Casa

de

Misericórdia de São Paulo e a Burroughs Eletrônica vai tornar a

Santa Casa o primeiro hospital da América do Sul a implantar um sistema de gerenciamento global, através do HMS (Hospital Management System), um dos mais modernos softwares aplicati-

vos na área médica, desenvolvido pela Burroughs. O sistema será suportado por um computador de grande porte (B6910), com 6,2 MB de memória e 26 terminais, que serão expandidos à medida que novos módulos forem sendo implantados. A Santa Casa

conta mais de mil leitos, abriga uma das mais conhecidas

facul-

dades de medicina do País e comemora este ano seu quarto centenário implantando a tecnologia mais avançada em gerenciamen-

to hospitalar, o que resultará num melhor e mais rápido atendimento ao público, além de trazer a racionalização de suas operações administrativas e financeiras, com a conseguente redução

de custos”?

Durante a cerimônia em que a Diretoria da Empresa Brasileira dos Correios e Telégrafos exibiu o carimbo comemorativo dos centenários da

668

Glauco Carneiro

Irmandade, o Cel. Ney Pires Aguiar, daquela repartição, observou que, “como oficial de Estado-Maior, agora reformado, estudara os elementos

da formação da nacionalidade brasileira, mas agora estava verificando que

o papel desempenhado no período colonial, e até o presente, pelas Santas Casas de Misericórdia, jamais foi devidamente considerado. Entretanto, indagou, o que teria sido dos colonizadores portugueses, se não contassem com o seu apoio humanitário? Lembrou o exemplo da Santa Casa de Catanduva e de seu Provedor Padre Albino, pela grande messe de benefícios prestados à sociedade e à população daquela cidade. Em nome da Empresa dos Correios e Telégrafos, acentuou o desejo de concorrer a fim de que se torne

papel desta O

mais conhecido

Irmandade”.

provedor

»

mandou

26

cunhar

em

todo o território nacional

medalhas

comemorativas

o relevante

dos centenários

e as ofereceu a todos os servidores da instituição, em número, a essa altura de 1984, de 3.300: “Estes já as vêm recebendo, nos respectivos setores, para que se compenetrem da relevância dos serviços prestados e se sintam partícipes do extraordinário trabalho de assistência social aqui desenvol. vido. Pretende-se justamente possam os mesmos criar a “mística” da Santa Casa, sentindo-se verdadeiramente úteis e ligados à nossa instituição”? A Medicina da Santa Casa

Ao paraninfar a 17.º Turma de Formandos da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo, a 21 de dezembro de 1984, o Prof. Dr. Igor Mimica, teve ocasião de formular um interessante paralelo entre a realidade da profissão há vinte anos e a atualidade, para afirmar sua crença de que o verdadeiro aprendizado é o que se inicia depois dos bancos universitários: “Quando me formei, há vinte anos, pensei que tudo o que a medicina precisava (ou grande parte, pelo menos) já estava descoberto. Não demorei muito para perceber que estava errado. Basta mencionar alguns avanços, feitos nestes últimos vinte anos, sem os quais não conceberíamos a medicina de hoje. Métodos diagnósticos, como o cateterismo cardíaco, a tomografia computadorizada, a ecocardiografia, o radioimunoensaio, as técnicas imunoenzimáticas, são hoje de uso diário e corriqueiro. “Estudamos e aprendemos que existem subpopulações de linfócitos responsáveis pelos fenômenos de imunidade e hipersensibilidade e que existem fenômenos humorais e celulares capazes de manter a nossa homeostasia. Aprendemos, nestes vinte anos, a conhecer e diagnosticar novos agentes etiológicos de doenças do ser humano.

O Poder

669

da Misericórdia

Aparecem novos antibacterianos e uma vasta gama de substâncias capazes de tratar com sucesso doenças produzidas por vírus. Estamos aprendendo a conhecer melhor as relações entre os agentes e os tecidos do hospedeiro humano, que explicam o tropismo de alguns deles por determinados tecidos e por determinados indivíduos. O

homem tem aprendido, nestes 20 anos, a manipular o DNA; é capaz de transplantar genes de uma espécie para outra. Por estes mecanismos conseguimos hoje que bactérias de fácil e

grande multiplicação produzam proteínas de difícil e custosa obtenção por outros métodos, como são os hormônios de crescimento, insulina, interferon humanos, etc.

O homem da antiguidade treinou e domesticou o cavalo. O homem das últimas décadas treinou e domesticou a ESCHERICHIA COLI. Outro fato também notável das últimas décadas tem sido a

idealização da produção de anticorpos “in vitro” em culturas de

células híbridas, originais da fusão de duas: uma tumoral, de fácil e rápida reprodução, com outra capaz de produzir anticorpos, mas de reprodução lenta. O resultado é uma célula de rápida reprodução e produtora de grande quantidade de anticorpos puros, os chamados anticorpos monoclonais, cuja utilização em Medicina abre caminhos fantásticos ainda difíceis de imaginar na sua total extensão.” O Dr. Igor Mimica, depois de referir que a Faculdade de Ciências Médicas dera aos formandos os instrumentos para que pudessem continuar seu aprendizado, mencionou “as duas instituições que, funcionando em íntima colaboração, e de forma que pode servir de exemplo a muitas ou-

tras, nacionais e estrangeiras, permitiram o seu estudo, treinamento e educa-

ção médica: a Faculdade de São Paulo”.

e a Irmandade

da Santa Casa

de Misericórdia

“Em relação a nossa Faculdade, que tenho observado pelos

últimos 10 anos, não só como espectador, mas também como ator

dentro dela, lembro que, embora não tenha os recursos econômicos de outras, nem possua altos índices de relação professor-aluno que em algumas outras chega ao exagero de 4 funcionários para cada 3 alunos (quando Faculdades Norte-Americanas e Inglesas orgulham-se quando conseguem o índice de 1 funcionário para 10 alunos), o produto final, que são vocês, os formandos, está perfeitamente preparado para a realidade de saúde que terão, de enfrentar como médicos.

670

Glauco Carneiro Ensino, assistência e ultimamente pesquisa, são três caminhos que a Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de

São

Paulo

melhor

está

qualidade.

trilhando

com

seriedade,

dedicação

e cada

vez

E quando observo este progresso, que tem levado nossa Faculdade a um lugar de destaque entre suas congêneres, não posso deixar de lembrar e de homenagear pessoas, pilares na formação e funcionamento dela. Refiro-me ao seu dedicado primeiro diretor, Professor de Cirurgia e Mestre do Ensino Médico, Dr. Emílio Athié, que com a sua visão, esforço, e tenacidade, conseguiu criar uma nova Instituição de ensino médico e dar os impulsos iniciais para que ela pudesse chegar ao lugar que hoje ocupa. Com

relação à Irmandade

da Santa

Casa de Misericórdia de

São Paulo, que este ano completa seu IV Centenário de instalação, e os seus Hospitais, onde desenvolvemos a maior parte de nossas atividades e cujo Hospital Central este ano completa seu | Centenário, falar de sua importância seria, talvez, dispensável. Mas não me furtarei de relembrar esta importância, mesmo porque são poucas as instituições no mundo que podem celebrar 400

anos e porque

um

povo

é tanto maior

quanto

mais cultiva

sua história. E quanta história existe nestes séculos de atividade... Grande Paulo e do

número de homens Brasil contribuíram

importantes na história de São para escrever suas páginas”**

Constata-se, assim, que professores e alunos da Faculdade de Ciências Médicas estão atentos ao papel da Irmandade da Misericórdia e compreendem a importância de sua contribuição para a comunidade paulistana € para o ensino da profissão. Igualmente conscientizam que, apesar da evolução da Medicina, há ainda milhões de seres humanos desprovidos da mais rudimentar assistência. E, mais que tudo, são os doentes que devem ser lembrados, como o fez o Dr. Luiz Oriente, atual Diretor-Clínico da Santa Casa de São Paulo, ao comentar o “Dia do Médico”: “Neste 18 de outubro, Dia de São Lucas, padroeiro dos médicos..., desejamos transferir todas as homenagens que nós profissionais recebemos, aos doentes, de qualquer categoria social, e

particularmente aos mais humildes, aos assistidos nos HospitaisEscolas ou nos Hospitais de Caridade.

Consagremos

aos doentes

o nosso carinho, a nossa atenção, o nosso desvelo e o nosso amor!

Não permitamos que a desumanização expressa pela falta de sen-

timentos e pela desatenção

médicos!

se

implante

no

coração

de alguns

O Poder da Misericórdia

671

A

nossa profissão, mais do que nos dar sustento material, exige amor, sentimento de humanidade e constante sacrifício. Não permitamos,

muito desenvolvida

pois, que a técnica sofisticada e a ciência

absorvam

nossos humanos

sentimentos!

Cum-

pre-nos sempre, mais do que arte e ciência, dar aos sofredores, nosso amor € nosso afeto! Somente assim, ao cabo de nossa vida profissional, poderemos ver e sentir que não foi em vão a nossa nobre missão! Porque sentiremos, no íntimo, parodiando o grande Rui, escrevendo sobre a lei, que agindo sob princípios humanos, ao longo de nossa vida de médicos, teremos feito tudo com amor, pelo amor e dentro do amor! Porque fora do amor, não restará nada! Deve sempre ser recordado e revivido o sentimento de humanidade! Ele deve ser como uma oração que por ser sempre a mesma,

nem

por isso os fiéis a deixam

de rezar

todos os dias!

Pensemos sempre, nos doentes, sobretudo, nos mais necessitados e que infelizmente são os mais numerosos e os mais so-

fredores!

Nesses

doentes

que

todos

os dias

enfrentam

filas e

quase sempre mendigam uma vaga nos Hospitais! Tratemo-los, nós que convivemos diariamente com eles, com paciência e amor, senão com caridade! Pensemos que estes, carentes e traumatiza-

dos, física e psiquicamente, sejam os mais necessitados!

Se não concordes com o sentimento humano que deve ser o nosso sentimento primeiro, pratiquemos a medicina como ensina a ética. Ela ensina que a primeira e mais importante preocupa-

ção do médico consiste em fazer tudo o que for possível pelo bem estar do doente. Com a ética aprendemos que todo o ser humano tem o direito de receber tratamento adequado, respeitoso e decente! Prof.

E como Carlos

afirma

da Silva

ria que se vende

o grande

mestre

da

Lacaz, a medicina

para se lucrar!

ciência e de

não

ética, o

deve ser mercado-

O melhor e o maior

lucro do

médico deve residir na satisfação de ver o doente

livre dos seus

este a Mercúrio, o padroeiro dos comerciantes...

Ou

sofrimentos!

ma ainda saúde!”2?

Ou

sigam

Lacaz,

na

Apolo, o guardião

medicina

não

cabem

do médico, os

ou

como

mercadores

apele

afir-

da

O retorno dos valores

A gestão de Mário Altenfelder se caracteriza na Santa Casa de São Paulo por um trabalho sistemático de exaltação dos valores permanentes: e

672

da

Glauco Carneiro

nacionalidade,

da

instituição

da

Misericórdia

e da

Medicina.

Não se

limitando à rotina, o provedor e seus companheiros de Mesa desenvolvem um esforço continuado para robustecer o conhecimento sobre grandes heróis brasileiros e datas significativas da comunidade, com o propósito manifesto de despertar no pessoal da instituição um clima de civismo que se reflita no trabalho da Misericórdia e acabe por influenciar seu posicionamento de brasileiros e patriotas.

Prova disso é que o Boletim Interno do Hospital Central, bem como outros instrumentos de divulgação da instituição, sempre trazem crônicas e notas assinadas pelos dirigentes da Mesa instruindo os funcionários sobre o significado das datas cívicas comemoradas nacionalmente. Para citar alguns exemplos, o Provedor Mário Altenfelder assinou crônicas sobre o “Dia das Maes” (Boletim n.º 843), “Ana Neri, heroína nacional” (N.º 896), “Alberto Santos Dumont”

“Sete de Setembro”

(N.º 860).

(N.º 853), “Duque

de Caxias” (N.º 858),

Os funcionários da Santa Casa têm retribuído a esse grau de interesse, vinculando-se cada vez mais à instituição e colaborando com a Irmandade

em

todas as oportunidades.

de

1/11/1984:

Leia-se esta nota

inserida no Boletim N.º 868,

“O Provedor da Irmandade da Santa Casa quando assumiu a Provedoria no início do ano, solicitando doações de qualquer natureza, para doria na difícil missão de administrar a Santa

de Misericórdia, lançou um apelo auxiliar a ProveCasa.

O apelo encontrou grande apoio e teve resultados surpreendentes, principalmente, entre médicos e funcionários da Santa Casa, que contribuíram com generosas quantias, inclusive, com dízimo de seu salário, para colaborar com a Provedoria. Por essa razão, o Provedor quer registrar a sua gratidão, pelo excelente resultado que o fundo criado para esse fim vem apresentando, e espera continuar recebendo ainda os favores solicitados para continuação dessa magnífica obra, que é atender os doentes necessitados.”

Nada refletiu mais essa integração “pessoal/Irmandade” como a distribuição das Medalhas Comemorativas do 4.º Centenário da Santa Casa e 1.º Centenário do Hospital Central. O Provedor fez questão de distribuí-las a todos os funcionários, sem exceção, de humildes empregados da limpeza, a chefes e diretores. Pela primeira vez na vida a maioria deles teve acesso ao imponente

Salão

Nobre

da Misericórdia, à Sala de Sessões,

onde centenas de quadros relembram os paulistas ilustres que têm passado pela Santa Casa. O Dr. Mário Altenfelder sempre precedeu essas cerimônias fazendo um histórico da instituição e dizendo coisas: como estas:

O

Poder

da

673

Misericórdia

“Esta

é a homenagem

da

Irmandade

a vocês, pelo

que

fa-

zem, pelo gesto caridoso, pela paciência infinita. Sabemos que lhes interessa é servir, amar o próximo, cumprir as obrigações da melhor forma possível. Quero juntar-me a vocês na afirmação de que

é o ideal que

nos move.

Não

somos,

nós da Irmandade,

quem fizemos a Santa Casa: nós recebemos a Santa Casa. Damos continuidade a muitos homens e mulheres valorosos e caridosos que trabalharam com amor e nos legaram este dever de prosseguir a grande obra. Acreditem: não estamos soltos no tempo e no espaço. Mudam os homens e as circunstâncias, mas a caridade é a mesma, assim como a obrigação é igual. Só dando novos exem-

plos de piedade, compaixão e amor, é que nos mostraremos dignos da herança que nos cumpre preservar”? Vendo

Altenfelder

sempre

encerrar

com um “Deus os abençoe”, comentou um Santa Casa a sua vocação eclesiástica”.

esses

pronunciamentos

Irmão: “O

Provedor

emotivos

realiza na

E a comunidade da Santa Casa desejou retribuir esse empenho diferenciado, esse esforço em favor da integração, essa exaltação mística entre o passado, o presente e o futuro. E quem o fez, em nome de todos os médicos e funcionários, foi o Diretor-Clínico, Dr. Luiz Oriente, através de um artigo publicado no “Boletim Interno” N.º 878, de 17 de janeiro de 1985: OBRIGADO, “Com

SENHOR

humildade

PROVEDOR e alegria

recebi,

há pouco,

de numerosos

funcionários, a incumbência de agradecer, por este meio, os ensinamentos que ao longo de um mês, dia a dia, o Senhor transmitiu a mais de 3.000 funcionários da Santa Casa, sobre a história e a obra edificante desta Casa Santa de Misericórdia! Eis que este majestoso Hospital acaba de comemorar cem anos de sua instalação efetiva neste Jardim maravilhoso do Arouche! Receba, pois, Sr. Provedor, o agradecimento sincero de todos os

que ignoravam e aprenderam e de todos os que sabiam mas esqueceram suas lutas e suas glórias! Suas descrições diárias, repassadas sempre de muito sentimento e revestidas de muita saudade mostraram inúmeros dos seus heróicos e anônimos lutadores! E, ensinou, o Sr., como administrador e notável historiador de São Paulo, fatos transcendentais que se fixarão para todo o sempre na memória de todos! Elegante na conversação sempre atraente, conhecedor profundo da língua que maneja com facilidade, poucos o superariam no conhecimento profundo da história da Santa Casa, e da his-

674

Glauco

Carneiro

tória de S. Paulo! Histórias que, como bem demonstrou, se superpõem e se confundem! Mostrou a todos, falando sempre com entusiasmo ao coração de cada um, sobre a grandeza da Santa Casa e a grandeza da sua obra imorredoura! Em síntese, Sr. Provedor, por ter ensinado clara e pacientemente, ao longo de 30 ou mais dias a mais de 3.000 funcio-

nários, tudo sobre a vida do nosso amado

Hospital, e ainda pela

sua erudição e pela sua pertinácia, todos o agradecem. E mais, porque o Sr. citou os nomes e as ações de tantos e abnegados homens de ontem e de hoje, muitos dos quais têm seus retratos expostos nas paredes lendárias, do salão nobre da Provedoria, ao lado dos retratos dos Provedores, nós os admiraremos e deles nos recordaremos

que

sempre.

o Sr. pôde

Foi

por

tudo

assistir ao final

merecidos aplausos, cenas inúmeras vezes que vimos

isso,

Dr.

Mário

de cada exposição,

Altenfelder,

depois dos

comovedoras. Como por exemplo, as ao entregar o Sr., as medalhas come-

morativas dos dois centenários festejados, pôde observar que muitos, enquanto

estendiam

a mão

direita

para

recebê-la, com

a es-

querda enxugavam lágrimas que dos seus olhos escorriam pela face. E o Sr. habituado a observar cenas dolorosas ou alegres, viu bem — que aquelas lágrimas traduziam — gratidão! E porque, também, não poucas vezes, àquelas lágrimas se juntavam também

as suas...

Por tudo isso, Sr. Provedor, pelas festividades rios, pela sua bondade, pela sua paciência e pelo dignificante de amor à Santa Casa, receba de todos rios o obrigado que é sincero e imenso! Obrigado vedor!"*!

dos centenáseu exemplo os funcionáSenhor Pro-

A crise do Pronto-Socorro em 1985

cá,

Em

uma

Corpo

todas

tensão

Clínico

as Santas

Casas do Brasil

que

trabalha.

entre

a

nelas

Irmandade

registra-se, de alguns anos para

mantenedora

dessas

instituições e o

As razões são variadas, mas talvez a principal, do lado médico, seja a relutância em aceitar o que denominam “direções leigas” dessas instituições, que sempre denominam de “hospitais”. De outro lado, as Irmandades, mantendo a coerência histórica, argumentam que os hospitais são apenas instrumentos da atividade global das Misericórdias, embora os maiores com que contam, para exercer sua missão precípua de caridade. Os médicos alegam que essa benemerência “não existe mais”, enquanto os Irmãos recusam-se a entrar no que muitos denominam de “mercado da saúde”.

675

O Poder da Misericórdia

A Santa

Casa

de São

Paulo

registra, porém,

uma

posição

mais equi-

librada na matéria. Seus provedores, em regra geral, têm-se adstrito à condução global da Irmandade, supervisionando, é claro, a parte médica,

sem pretender, porém, interferir na área específica dessa profissão. isso, com

ainda

patente discernimento,

na década

de

1890, veio

a criação

Para

do cargo de “Diretor-Clínico”,

representar um

compreensão das atividades “leigas” e “médicas”.

fator de

aproximação

e

Isso não quer dizer que toda a tensão tenha sido evitada, porém que, na maioria dos casos, os dois lados têm sabido defender seus interesses

específicos que acabam se encontrando no interesse maior da Santa Casa.

Vimos o movimento dos residentes, na gestão Christiano Altenfelder Silva, resolvido depois satisfatoriamente para ambas as partes, sem quebra da autoridade da Mesa Administrativa. Um ponto muito interessante, que talvez explique, no caso paulistano, a composição de interesses, é que, na maioria dos casos, os médicos fun-

cionários,

depois

de

aposentados,

tornam-se

membros

da

Mesa

Adminis-

trativa, que representa, assim, a média das opiniões de todas as profissões nelas representadas, inclusive a dos médicos. Não há, portanto, aquele pro-

blema da Mesa Administrativa integrada por advogados, magistrados, engenheiros, economistas, opor uma frente, ao pensamento médico. Este, ao

contrário, ajuda mento

a temperar, com seu conhecimento

leigo do colegiado em

relação à medicina.

técnico, o posiciona-

Na gestão da atual Mesa Administrativa, a composição de interesses atingiu seu ponto mais elevado. É que, pela primeira vez na sua história,

a Santa Casa de São Paulo está sendo dirigida por um provedor de origem médica, de ativa militância pública, privada e liberal na profissão. Sabemos que ele não foi o primeiro médico provedor, porque José Cássio de Macedo Soares, a quem

se deve a idéia da futura

Faculdade

de Ciências

Médicas, implantada em 1963, era formado em medicina. No entanto, ele jamais exerceu a profissão, enquanto Mário Altenfelder foi médico todo o tempo, seja como estagiário, profissional de Centros de Saúde, Inspetor, Secretário

de

Saúde

e Higiene.

O

que

há de

diferente

nesse

Provedor

médico é que ele reúne também experiência na área administrativa global, e mais que tudo, um poder de comunicação que sempre o faz dialogar com

pessoas e coletividades

de todas as faixas etárias e sociais.

Enquanto muitos homens mais idosos relutam em conversar com os moços, temendo diferenças de opinião, Mário Altenfelder as aceita e pro-

cura um ponto de convergência em nome de um ideal comum. Nunca isso ficou tão patente quanto na sua atual passagem pela Santa Casa de São

Paulo: ele se entende com irmãos, médicos e [funcionários de todas as idades, e procura naturalmente a opinião dos jovens, como o vem fazendo com os membros do Diretório da Faculdade de Ciências Médicas, que nele encontram

um

ouvinte

compreensivo e que entende sua linguagem

e

676

Glauco Carneiro

sua necessidade fazem parte.

e dever

de influenciar os

rumos

da

instituição de que

O episódio que levou à paralisação do Pronto-Socorro da Santa Casa,

em março de 1985, revela bem como os objetivos globais da Misericórdia foram defendidos

pela coletividade da instituição quatrocentona.

Uma consulta ao “Boletim Especial” da ADOSC — Associação dos Docentes da Santa Casa de São Paulo — informa-nos que no dia 25 de fevereiro realizou-se uma assembléia geral da entidade “para discutir a situação financeira do hospital”, presentes mestres, médicos, presidentes e chefes de departamentos. O presidente da ADOSC,

Dr. José Júlio Tedesco,

deu início à assembléia e passou a palavra ao Dr. Wilson Sanvito (Departamento de Medicina) que apresentou a minuta de um documento a ser dirigido ao provedor, destacando os problemas gerais do atual contexto nacional da área de saúde, e os específicos da Santa Casa, propondo algumas soluções a serem adotadas de imediato, lembrando o papel da instituição na comunidade. Em seguida, o Dr. Nelson Proença, presidente da Associação Médico Brasileira, e médico da Misericórdia paulistana, apresentou outros dados sobre o déficit do Hospital Central e enfatizou que “a Santa Casa tinha o direito de exigir dos órgãos governamentais, um tratamento específico, individualizando os custos, isto é, para a Santa Casa, para o Município de São Paulo, para o Estado e INAMPS, pela assistên-

cia e ensino que presta”.

Depois

de discutidas

e aprovadas

documento dirigido à Opinião

as

propostas,

Pública, formar

decidiu-se elaborar

comissões

para atuar junto

aos Órgãos governamentais, realizar ato público na entrada do Hospital, divulgando carta aberta à população e paralisar as atividades médico-hospitalares após um prazo razoável para atendimento das medidas propostas. No

dia 28 de fevereiro, foi realizada a 2.º assembléia da ADOSC, sendo apresentada a solicitação do Provedor “para transferência do Ato Público, pois a Mesa Administrativa só poderia reunir-se no dia 5 de março e o Governador Montoro estaria ausente entre | e 6 desse mês”. Vejamos, agora, o teor dos documentos da ADOSC: CARTA

DIRIGIDA São

“Ilmo. Dr.

DD.

AO Paulo,

originários dessas assembléias

PROVEDOR 26

de

fevereiro

de

Sr.

Mário

de

Moraes

Altenfelder

Silva

Provedor da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo.

Senhor

Provedor,

1985

O Poder

da Misericórdia

677

O Corpo Clínico da Santa Casa reunido em assembléia geral extraordinária convocada pela ADOSC, e com a participação de representantes da AMERESC e do CAMA, em face da grave situação que atravessa a nossa Instituição, vem relatar as decisões tomadas por unanimidade:

perante

V. Sa.

(1) —

Divulgação ampla e imediata da nossa situação através da imprensa falada, escrita e televisada, incluindo carta aberta à população (documento anexo).

(2) —

Realização de atos públicos, estando o primeiro marcado para 5 de março (3.º feira) próximo-futuro às 8 horas em frente ao portão principal do hospital, quando será distribuído

à população

Criação

de

da Santa Casa. (3) —

documento

Comissões

esclarecendo

compostas

de

elementos

a situação da Admi-

nistração e do Corpo Clínico, para gestões junto aos órgãos públicos.

(4) —

Aguardar os resultados das gestões junto aos órgãos públicos até 18 de março próximo-futuro e desde que não atendidas as reivindicações da Instituição promover a

paralisação do atendimento médico-hospitalar.

Senhor Provedor, este elenco de reivindicações do Corpo Clínico é legítimo e inadiável e desde que não atendido inviabili-

zará,

dentro

de curto

prazo, a assistência

médica

na instituição.

A nossa intenção, com este documento, é apoiar a Mesa Administrativa nas suas reivindicações básicas junto ao poder público e temos certeza que esta saberá tomar uma atitude firme para manter um alto nível de assistência médica na nossa Santa Casa.” Seguem-se

Fava (DC);

as

assinaturas

Dr. Carlos

Marigo

do Dr.

Sanvito

(Patologia);

(DM);

Dr.

Dr. Sebastião

João

Piato

(DOG]); Dr. Carvalho Pinto (DOT); Dr. Mandia Netto (HSJ]); Dr. Luiz Oriente (Diretoria Clínica) e Dr. José Júlio Tedesco

(ADOSO). CARTA

ABERTA

PARA

CARTA

DIVULGAR

ABERTA

PELA

IMPRENSA:

À POPULAÇÃO

“O Corpo Clínico, Médicos Residentes e Alunos da Faculdade

de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo, em face da

grave situação que a Instituição atravessa, apesar dos reiterados apelos da Alta Administração aos órgãos governamentais, servem-

Glauco

678

se deste instrumento população:

para

prestar os seguintes

Carneiro

esclarecimentos à

(1)

A Santa Casa tem tradição de mais de 1 século de assistência médica de alto nível, sem fins lucrativos.

(2)

Representa a área da salte-se que médicas do

(3)

É um dos poucos e talvez o maior Hospital Universitário do País que não está vinculado a órgãos governamentais, portanto não recebe dotação orçamentária de nenhum deles.

importante centro formador de profissionais para saúde, com utilização de recursos próprios. Resa Santa Casa é berço de três tradicionais escolas País.

Lamentavelmente, o nível de atendimento médico-hospitalar vem sofrendo queda progressiva e inaceitável para Hospital de tão grande tradição e de indiscutível importância assistencial e de ensino. Vários fatos são responsáveis por esta situação: (a)

Cerca de 80% dos doentes são previdenciários atendidos através de convênio com o INAMPS, notoriamente deficitário pelo custo real da elevada assistência médica prestada pela Instituição.

(b)

Parte significativa do contingente atendido é de doentes nãocontribuintes (indigentes), cabendo à Santa Casa o ônus de toda a assistência médico-hospitalar. Deve ser enfatizado que estes doentes não são atendidos nos hospitais próprios do INAMPS e nos hospitais da rede privada conveniada.

(c)

Por se tratar encaminhados de risco, não pios deste e tes envolvem

(d)

Os altos índices de inflação, com a progressiva elevação dos custos de manutenção do leito hospitalar (alimentação, medicamentos, materiais, etc.) tornaram inviável o atendimento da população no nível desejado.

(e)

Aliando-se

(f)

Embora a Irmandade da Misericórdia seja instituição de 4 séculos e patrimonialmente forte, por todos os motivos expostos, sente-se incapacitada de fazer frente aos seus compromissos financeiros.

de Hospital Universitário de alto padrão, são à Santa Casa os doentes mais graves e de gransó deste município, como também de municíde outros Estados. Ressalte-se que estes doenelevado custo no seu atendimento.

a este

nologia médica

fato, os custos

tornam

crescentes

o panorama

Diante dos fatos apontados

ainda

da

mais

e da insensibilidade

moderna

sombrio.

tec-

dos órgãos

públicos aos sucessivos apelos, os médicos, os residentes e os alu-

679

O Poder da Misericórdia

nos unem-se

tituição.

à Administração

na luta

Desde que não atendidas

haverá

alternativa

dico-hospitalar.” Sao

Paulo,

pela

sobrevivência

de

fevereiro

Ins-

do atendimento

mé-

as reivindicações

a não ser a paralisação

25

da

de

básicas, não

1985.

A suspensão programada A 5 de março de

1985

o jornal

O

Estado

de S. Paulo

noticiava

o

fechamento temporário do Pronto-Socorro da Santa Casa de São Paulo “por absoluta falta de condições de atendimento, pois não dispunha de anestésico, material cirúrgico e instrumental”. À tarde, na sede da Secretaria Estadual da Promoção Social, reuniram-se as Comissões Interinstitu-

cionais de Saúde do Estado — analisar a suspensão

região metropolitana de São Paulo —

das atividades

do PS da Santa

para

Casa:

“As deliberações foram comunicadas em nota assinada

pelos

secretários João Yunes, da Saúde; Carlos Alfredo de Souza Queiroz, da

Saúde

dente

Promoção

Social e José da Silva

do município,

regional

do

Guedes,

além de Paulo Gomes

Inamps;

Carlos

Roberto

de Higiene

e

Romeo, superinten-

Nogueira

da

Motta,

delegado federal do Ministério da Saúde, e Dalmo Feitosa, presidente das comissões, e são as seguintes: “Manter na Santa Casa, enquanto não for reaberto o Pronto-

Socorro, ambulâncias do Inamps e Prefeitura de São Paulo para as remoções dos casos de emergência;

orientar os demais serviços

de saúde e a Secretaria de Segurança Pública para evitar encaminhamentos de emergências médicas para o PS da Santa Casa; os casos da área central da cidade deverão ser encaminhados aos prontos-socorros da Barra Funda, Santana, Municipal Vergueiro, Jabaquara e Hospital das Clínicas; constituir um grupo interinstitucional que deverá, no prazo de 24 horas, propor as providências necessárias para a normalização das atividades do pronto-socorro; o mesmo grupo deverá apresentar um estudo sobre as causas da interrupção do atendimento no sentido de subsidiar as autoridades competentes no equacionamento do problema.” O superintendente Renato Romano considerou “proveitosa” essa reunião com os responsáveis pela área de Saúde no Estado

e determinou o levantamento dos medicamentos e material cirúr-

gico necessários. O

Pronto-Socorro

da

Santa

Casa

é o único

da

região de

Santa Cecília, e os pacientes passaram a ser enviados para Barra

680

Glauco

Funda,

Vergueiro e Hospital das Clínicas. Sua

atendimentos

girava

entre 600

e mil

Carneiro

média diária de

pacientes,

dos

quais

apro-

ximadamente 10% de casos graves e de urgência. Entre médicos, funcionários burocráticos e enfermagem, trabalham no PS mais de 200 pessoas, que ontem estavam paradas. Segundo Renato Romano, se não houver uma solução rápida para o problema de recursos, o setor hospitalar caminha para o mesmo fim do prontosocorro. Acha, inclusive, que logo terá de começar a reduzir o número de leitos, para diminuir as despesas e adequá-las à receita. Ontem, o atendimento limitou-se ao ambulatório e as internações

foram

apenas de casos clínicos.



alguns anos a Santa Casa

tem dificuldades com

de recursos, mas elas se acentuaram

a partir de 1985.

a falta

Nesse ano

foram pagas as últimas subvenções do Estado e Prefeitura de Sao Paulo. Na área municipal, a subvenção foi substituída pelo pagamento de serviços prestados, mas através de uma tabela que cobre apenas a metade dos custos, enquanto do Estado nada mais foi pago. Romano

espera

que

os poderes

públicos

se

sensibilizem

e

ajudem, “para a Santa Casa voltar ao que era”. Analisando a possibilidade da entrega da Santa Casa ao Estado, prefeitura ou governo federal, acha inviável, “pois as despesas com certeza vão triplicar”.”» 32 Toda

a mídia

paulista

acompanhou

a crise da Santa Casa, que teve

imediatos reflexos no Rio de Janeiro e Brasília, provocando de autoridades do INAMPS e Ministério da Saúde.

telefonemas

No dia seguinte, 6 de março, a Irmandade, a Faculdade de Ciências Médicas, o Corpo Clínico, a Associação dos Docentes, a Associação dos Médicos Residentes, o Centro Acadêmico e Funcionários da Santa Casa

faziam publicar uma Carta Aberta ao Povo de São Paulo, convocando-o para o ato público de apoio à instituição. Eis o texto dessa convocação histórica:

CARTA UNIÃO

ABERTA E APOIO

AO

POVO

À SANTA

CASA

DE DE

SÃO SÃO

PAULO PAULO

“O Hospital Central da Irmandade da Santa Casa de Misencórdia de São Paulo acaba de completar 100 anos de ininterrupto funcionamento. Durante um século vem oferecendo cuidados médicos em seus ambulatórios e suas enfermarias a todos os que dela necessitam.

O

Poder

681

da Misericórdia

Foi aqui que o povo humilde, desprovido de qualquer bem, esquecido dos muitos governos, deste e de outros Estados, encontrou sempre carinhosa acolhida e alívio para seus sofrimentos. No passado, as generosas contribuições espontaneamente feitas pelo próprio povo sempre garantiram a manutenção da Santa Casa. Mas o hospital cresceu, acompanhando o crescimento de São Paulo e do Brasil. A assistência médica se tornou mais com-

plexa, pelo avanço da cirurgia e das diferentes especialidades. Os equipamentos para realizar exames e tratamentos se tornaram cada vez mais caros.

Com os novos tempos, já não bastaram mais as contribuições generosas, infelizmente cada vez mais raras. Foi preciso que

os poderes

públicos olhassem

o quanto ela é importante Estado, de nosso País.

para a Santa Casa e reconhecessem

na vida

de nossa

Cidade, de nosso

Durante alguns anos, a Santa Casa recebeu esse reconhecimento. A Prefeitura de São Paulo garantiu sua contribuição, o que permitiu atender às legiões de indigentes que povoam a Cidade. O Governo do Estado, sabendo que os pobres de todos

os municípios do interior de São Paulo e de outros Estados acorrem à Santa Casa, também assegurou sua contribuição. A Pre-

vidência Social, reconhecendo que muitos dos atendidos eram pre-

videnciários, estabeleceu

convênio

com a Instituição.

Nos últimos anos, porém, a Santa Casa foi abandonada pelo poder público. Nosso hospital vive hoje dificuldades que não tem como superar, caso continue desamparado. Quais

serão os responsáveis

por essa

situação?

É a Prefeitura da Capital, que diminuiu cada vez mais sua contribuição, destinando anualmente quantias cada vez menores. É o Governo do Estado de São Paulo, cuja contribuição dará para garantir uma semana de funcionamento da Santa Casa. E para o restante do ano, como fazer? É o INAMPS, que neste mês de março está pagando apenas a metade do que pagava há três anos, para que os previdenciários sejam atendidos. Já não nos resta outro caminho: teremos de reduzir progressivamente o atendimento neste hospital, que não é nosso, mas que pertence a toda a comunidade, com imprevisíveis e graves consequências para os interesses da nossa Cidade. Isto só não irá ocorrer se todos unirem

suas vozes às nossas,

em clamor popular, que toque a sensibilidade dos que hoje estão insensíveis.

682

Glauco

Carneiro

Diante dos fatos apontados, os médicos, os residentes e os alunos unem-se à Administração na luta pela sobrevivência da Instituição. Desde que não atendidas as reivindicações básicas, não haverá alternativa a não ser a paralisação do atendimento médico-hospitalar. Sao Irmandade

Corpo

da

Clínico

Paulo, 04 de março

Santa



Médicos Residentes Santa Casa.

Casa



Associação —

Faculdade

Centro

dos

de

1985.

de Ciências

Docentes

Acadêmico





Médicas

Associação

Funcionários



dos

da

VOCÊ QUE SOFRE E NECESSITA DA SANTA CASA: COMPAREÇA AO ATO PÚBLICO QUE SERÁ REALIZADO AMANHÁ, QUINTA-FEIRA, DIA 07 DE MARÇO, AS 10:30 HORAS, NOS JARDINS DA SANTA CASA DE SÃO PAULO.” A

7 de

março,

estudo

da

Santa

Casa,

publicado

na imprensa, mos-

trava a defasagem do auxílio público à instituição, que recebia mais, dos antigos governos de São Paulo, do que do atual: “Nos

últimos

com

uma

média

ceira

deram

seis

anos,

nos contribuiu com subvenções Egydio

Martins

anual

de

o governo

134.513

instituição,

ção respectivamente de 458.680 constam de estudo realizado pela do os recursos concedidos pelo cipal nos três últimos governos.

foi o que me-

para a Santa Casa de São Paulo,

e Paulo Maluf foram

a esta

Montoro

com

ORTN.

Os

governos

Paulo

os que maior ajuda finan-

médias

anuais

de contribui-

Yunes,

rebateu esses

e 406.875 ORTN. Esses dados própria Santa Casa, relacionanpoder público estadual e muniHoras após a divulgação deste

estudo, o secretário estadual da Saúde,

João

dados, apontando falhas no cálculo dos recursos cedidos pelo Estado. Segundo ele, o governo Montoro, em dois anos de gestão,

já concedeu uma média anual de 164.610 ORTN, enquanto Paulo Maluf, em quatro anos de governo, deu ORTN, a título da subvenção.

uma

média

de 211.250

De acordo com o estudo realizado pela Santa Casa, as verbas concedidas pelo Estado que, no governo Paulo Egydio Mar-

tins foram de 1.307.644 ORTNs, passaram no governo Maluf para 1.119.319 ORTNs, caindo na gestão de Franco Montoro para 156.311 ORTNs. A nível municipal, as subvenções concedidas pelo prefeito Olavo Setúbal, no período de 75 a 78, foram de 527.077 ORTNs, enquanto as fornecidas por Reynaldo de Barros e Salim Curiati caíram para 508.181 ORTNs, chegando a 112.715 ORTNs dadas por Mário Covas.

muito

O

Poder

683

da Misericórdia

Considerando

que a média histórica de subvenções

do Es-

tado seria de 300 mil ORTNs e da prefeitura 125 mil ORTNSs,

tendo em vista as contribuições dadas por governos anteriores, a Santa Casa estima que o governador Franco Montoro e o prefeito Mário Covas deveriam destinar Cr$ 43.855.608.000 a esta instituição este ano, dos quais Cr$ 12.845.333.000 só a título de

reposição referente aos anos 83/84.

O estudo também observa que, no ano passado, a Santa Casa

colocou

à venda um terreno no Jaçanã, no valor de Cr$

1,2 bi-

lhão, que posteriormente foi invadido. A Justiça determinou que

o governo do Estado assegurasse a reintegração de posse. Apesar

desta determinação, o governo destinou a quantia à Santa Casa e a instituição não deu andamento ao processo de reintegração”** No mesmo

ciado desta

“Os

dia 7 de março realizava-se o ato público, que foi noti-

forma

pelo “Estado”:

professores,

alunos e diretores da

ontem uma manifestação

Santa

Casa

fizeram

no pátio interno do hospital defenden-

do soluções definitivas para a crise desta instituição e não apenas

a liberação de verbas que resolvam parcialmente o problema por um curto período. O objetivo da reunião era mostrar a união de

todos os participantes do encontro, mas também foi lembrado que, se não saírem rapidamente as soluções, a alternativa será a

redução progressiva dos atendimentos até a paralisação total, por

absoluta falta de condições. A falta de subvenções estaduais e municipais e a situação criada pelo Sistema Nacional de Saúde foram apontadas como causas da crise. A

manifestação

começou

com

a leitura,

pelo

professor

Sa-

mir Rasslan, de uma carta aberta à população de São Paulo pedindo união e apoio à Santa Casa, assinada pela Irmandade (mantenedora), Faculdade de Ciências Médicas, corpo clínico, Associações dos Docentes e dos Médicos Residentes, Centro Aca-

dêmico e pelos funcionários. O documento lembra que o Hospital Central da Santa Casa completou 100 anos de funcionamento, sempre oferecendo cuidados médicos a todos que dele necessitam, mesmo os de outros Estados e os esquecidos pelos governos. Se no passado as contribuições espontâneas foram suficientes para manter a instituição, isso não ocorre mais.

Os responsáveis pela crise, segundo a carta, são a Prefeitura, por ter diminuído cada vez mais sua contribuição; o governo do Estado,

“cuja

contribuição

dará

para

garantir

uma

semana

de

funcionamento da Santa Casa” e o Inamps, que em março “está

684

Glauco Carneiro

pagando apenas a metade do que pagava os previdenciários sejam atendidos”.

há três anos para que

Oswaldo Gianotti, presidente da Associação Paulista de Medicina, foi dos primeiros a falar durante a manifestação, afirman-

do

que

ela era o resultado

de

uma

crises desse tipo estão acontecendo em

política

de

outros

governo,

locais.

pois

Lembrou

o

Hospital Infantil da Cruz Vermelha, que foi fechado há um ano, e a Santa Casa de Santos com os seus problemas, que não tiveram

soluções

Para

do governo.

Gianotti,

duas

instituições

foram

levadas

a essa

situa-

ção porque os médicos e o restante da equipe são “obrigados a trabalhar com salários insuficientes e falta de equipamento e medicamento”. Acentuou acreditar que as instituições como a Santa Casa devem unir-se e exigir uma política específica e correta para a área. E lembrou os problemas que enfrentam para a formação de alunos, por falta de verbas. José

Júlio Tedesco,

disse que em

cem anos

presidente

nunca

da

houve

Associação

uma

dos

Docentes,

crise assim

e, apesar

das medidas de racionalização adotadas em todos os departamentos, o problema continuou até que foi necessário o fechamento do Pronto Socorro, para que todos soubessem da situação. Sustentou que a simples ajuda agora não é suficiente, sendo necessária uma medida legal que restabeleça a subvenção. Para ele,

é

mento

necessário

do

pacientes”.

Inamps,

também

pois

uma

o atual

mudança

“atenta

no

sistema

contra

de

atendi-

o médico e os

Falando pelos médicos residentes, Nestor de Oliveira Neto comentou que “a situação da Santa Casa é mais uma agressão contra o povo de São Paulo, que há 20 anos sofre todas as maneiras de repressão”. Ele acha que isso é “culpa do sistema nacional de saúde, que delega corrupção aos hospitais lucrativos, enquanto aos hospitais universitários só delega recessão”. Oliveira Neto disse ainda que a paralisação dos médicos residentes é uma crítica a essa situação e uma exigência de que a solução

saia logo.

Pelos estudantes,

falou Paulo

Krtzman,

também

criticando

“a imprevidência do Inamps, que está provocando essa situação, pagando uma miséria pelo atendimento”. Disse que os estudantes

estão paralisados pelos mesmos motivos dos residentes, inclusive porque não há condições para terem aulas.

Como representante da Provedoria, que naquele instante estava em reunião com autoridades estaduais e municipais, falou.

685

O Poder da Misericórdia

Carlos

Alberto

Aulicino.

Ele

recordou

o

nascimento

da

Santa

Casa e o seu estilo de atendimento, nunca perguntando quem é o paciente. Por isso, acha justo que agora seja feito o inverso e a instituição receba

auxílio.

Encerrando o ato, o professor Samir Rasslan declarou ter ficado claro que os participantes não aceitavam “nenhum tampão para a crise”. E que todos desejam uma solução definitiva e que

garanta o futuro da instituição, e não apenas verbas que resolvam parcialmente o problema, adiando a crise. Para ele, os residentes c alunos não estão em greve, mas apenas paralisados por falta de condições de atendimento e ensino. Vendo uma placa que pedia a adesão dos docentes à paralisação, disse que isso vai ocorrer

logo,

se

não

houver

uma

falta de condições de atendimento

solução

rápida,

também

aos pacientes”.**

por

Depois de reunir-se com o provedor da Santa Casa, o governador de São Paulo, Franco Montoro, anunciou a liberação de verbas do Estado e

do Município e a designação de uma comissão para estudar os problemas da instituição “em definitivo”. Vejamos a matéria em que O Estado de S. Paulo noticiou o encaminhamento do problema: “A liberação imediata de verbas do Estado e do Município

para a Santa Casa, no total de Cr$ 5,53 bilhões, e o empréstimo

de medicamentos e materiais médico-hospitalares, no valor de Cr$ 250 milhões, foram anunciados ontem pelo governador Franco Montoro como solução provisória para que seu Pronto-Socorro

volte a funcionar normalmente, a partir das 7 horas de hoje. E

com

o objetivo

de apresentar

soluções

a médio

e longo

prazo

para a crise da Santa Casa, foi constituída uma comissão mista, integrada por representantes dessa instituição, das Secretarias

taduais do Planejamento e da Saúde, e do Inamps.

Saúde,

A comissão

Municipal

tem 60

de

dias para

Higiene

apontar

sugestões. Ficou acertado ainda que a Prefeitura pagará Cr$ milhões pelos serviços prestados pela Santa Casa.

Es-

e

as

120

Durante a reunião com Montoro, Mário Altenfelder entregou um documento propondo a definição de uma política estadual — e até mesmo federal — que garanta recursos, não apenas à Santa Casa de São Paulo, mas a todas as entidades médicas filantrópicas do Estado. Com relação aos recursos, ficou decidido que o governo de São Paulo irá liberar, em caráter de emergência, Cr$ 4,9 bilhões, e a Prefeitura, Cr$ 400 milhões (a verba municipal já estava aprovada anteriormente). Assim que a Santa Casa receber esses recursos, terá de devolver o empréstimo de medicamentos.

686

Glauco Carneiro

Além da verba suplementar de Cr$ 400 milhões que será fornecida a curto prazo, o Conselho de Auxílios e Subvenções, órgão da prefeitura, decidiu fazer um convênio com a Santa Casa no valor de Cr$ 2.719.069.900, recurso que deverá ser liberado

em parcelas ao longo deste ano. Tanto o convênio como a verba suplementar deverão ser objetos de decretos, que ainda serão assi-

nados

pelo prefeito.

Há ainda outros recursos, no total de Cr$ 900 milhões, que

a Secretaria do Bem-Estar Social vai pagar à Santa Casa em pres-

tações —

a primeira delas, de Cr$ 23 milhões, será saldada nos

próximos dias. Esses recursos

drados

de

um

terreno

no

referem-se a 150 mil metros qua-

Jaçanã

que

foram

invadidos

e grilados

no ano passado. A Santa Casa recusou-se a negociar com os invasores, mas atendeu à intermediação da Secretaria, que acabou “adquirindo o terreno e vai pagá-lo em prestações, cobrando dos invasores. Essas medidas

foram divulgadas

depois da reunião de Mon-

toro com o provedor da Santa Casa, Mário Altenfelder, e com representantes de seu corpo clínico e com secretários estaduais

e municipais.

Altenfelder

disse

ontem

no

Ibirapuera,

ao

encon-

trar-se com o prefeito Mário Covas, que só uma quantia global de Cr$ 8,4 bilhões poderá manter o Pronto-Socorro. E depois da reunião no Palácio dos Bandeirantes, Altenfelder afirmou que o atendimento no PS estará garantido nos próximos três meses, graças à liberação dos recursos e ao empréstimo de medicamentos e materiais médico-hospitalares, que começaram a ser entregues ontem às 14 horas, por três grandes caminhões. Sobre a fundação da comissão mista, Altenfelder disse que “ela irá- determinar qual a conduta que deve ser seguida pelos governos. Porque uma verba só de emergência naturalmente resolve e vai permitir a reabertura do Pronto-Socorro. Mas, se isso não continuar, daqui a dois ou três meses vai fechar de novo. Então, essa comissão tem como finalidade principal sugerir uma maneira para que a subvenção continue assegurada”. O provedor acrescentou que caberá à comissão estudar um substitutivo para a lei do ex-governador Carvalho Pinto: “Essa lei, de 1960, garantia uma porcentagem da cobrança da dívida ativa do Estado para as Santas Casas. Mas ela caiu, pois foi julgada inconstitucional, e ainda não foi substituída” "3º

rial,

No dia

a falta

11 de março, o jornal Folha de S. Paulo criticava, em editode

racionalização

administrativa

que,

continuamente,

levava

instituições do tipo da Santa Casa de São Paulo a crises financeiras. Em

687

O Poder da Misericórdia

nome da Irmandade, o Escrivão Adriano Marrey dirigiu e viu publicada por aquele órgão de imprensa a seguinte carta: A CRISE

DAS

SANTAS

CASAS

“O editorial 'A crise das Santas Casas”, de 11 de março, faz crer que as organizações congêneres à Santa Casa de Misericórdia de São Paulo, embora “quase todas elas confiadas a pessoas da maior

respeitabilidade, mas

por vezes

não

dotadas,

devi-

do a circunstâncias várias, da necessária agilidade gerencial”, foram levadas à situação de insolvência por não haverem se dado a “uma

contínua

racionalização

administrativa”.

“Atualmente, na generalidade das Santas Casas, a principal e mais importante receita hospitalar é a gerada pela Previdência Social, em face do modelo por ela estabelecido. Ocorre que as tarifas por ela fixadas, como base para o pagamento dos serviços contratados: “a) são calculados

abaixo

do custo dos mesmos

serviços;

“b) o valor dos reajustes semestrais previstos nos convênios

não se baseia no nível da inflação havida no semestre anterior, nem no aumento dos salários, nem na alta dos preços dos equipa-

mentos e medicamentos. Os reajustes nem sempre são feitos nas datas contratuais, dando causa a atrasos de pagamento nas retroações determinadas, fato que importa em redução do próprio percentual do reajuste. Esse procedimento desorganiza quaisquer programações financeiras de receitas e despesas e agrava os custos

operacionais.

“Tal procedimento foi, todavia, marcante em 1984. Num período em que a inflação oficial foi de 223,8%; em que o aumento dos medicamentos andou em torno de 300%, e o preço

dos

equipamentos

que, quando

de origem

estrangeira,

estiveram

sujeitos a uma variação cambial de cerca de 280%, o Inamps reajustou em apenas 135% sua tarifa contratual com a Santa Casa de Misericórdia de São Paulo! E o reajuste concedido em fins de dezembro (embora com retroação para setembro), ainda se acha, no momento, parcialmente por ser pago. “Agrega-se a tudo isso mais um fator desfavorável, no tocante a auxílios às Santas Casas, pelo Poder Público Estadual. Com a declaração da inconstitucionalidade da Lei 440/74, que autorizava a entrega àquelas entidades de um acréscimo de 2% auferido na cobrança administrativa, ou judicial, da dívida ativa concernente ao ICM, extinguiram-se, a partir de 1984, os recur-

688

Glauco Carneiro

sos que lhes eram repassados pelo Tesouro do Estado, em alto volume financeiro. Nada se previu em sua substituição. “Esse, o tumulto perturbador das finanças das Santas Casas de todo o Estado, e de forma específica, da Santa Casa de São Paulo.

“Para contornar a aflitiva situação financeira criada pelas circunstâncias enumeradas, a administração da Santa Casa vem

tomando, no curso dos últimos meses, constantes providências. O propalado “enorme patrimônio” imobilizado, e não há de ser dilapidado. Mas, quando se torna forçoso. As rendas que produz ficientes para cobrir os déficits mensais.

e racionalizadas que possui está dele se dispõe, são ainda insu-

“Quanto ao bom uso dos recursos advindos de comunidade através de subvenções do Poder Público, sua transparência é afe-

rida mediante as contas prestadas pontualmente aos Tribunais de , Contas do Estado e do Município.” Desembargador Adriano Marrey, Irmão Casa de Misericórdia de São Paulo.**

Escrivão

da Santa

O futuro da Santa Casa

Findo o longo estudo da trajetória cronológica da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo, instituição que, em 1985, completa quatrocentos e vinte e cinco anos de serviços continuados aos bandeirantes de Pirati-

ninga, resta uma pergunta que não pode deixar de ser formulada: — Que

futuro tem mudança?

um

organismo

de

425

anos

neste

mundo

continuamente

em

Em 1960, um lúcido editorialista*? já tentava vislumbrar a solução possível. Dizia ele, em primeiro lugar, que a sociedade não pode permitir a lenta sufocação de instituições como as Santas Casas, que prestaram e prestam tantos serviços ao Brasil. Impõe-se encarar a questão sob um prisma diferente, mais vasto, adaptando os planos federais, estaduais e municipais, à existência e ao símbolo vivo e atuante das Misericórdias, “animando-as e ajudando-as na sua belíssima atividade de proteger os pobres e os doentes, fracos e desamparados”. Um Grupo de Trabalho foi constituído em 1962, pelo Ministro da Saúde, “para estudar e apresentar soluções sobre a situação econômico financeira das Santas Casas, sugerindo processo de amparo efetivo a essas instituições”. Integrado pelos Drs. Virgílio Augusto Bezerra, Jacy Montenegro Magalhães e Luiz de Gonzaga Bevilacqua, o Grupo visitou diversos Estados e dezenas de instituições e concluiu que os fatores mais sérios de desencadeamento de crises, eram os seguintes:

689

O Poder da Misericórdia

“1.

Aumento

2.

do custo das utilidades decorrentes da inflação;

Desatualização das dotações destinadas à assistência hospitalar, no Orçamento

da União;

toa

Desaparecimento da sistemática de legados, donativos e contribuições da iniciativa privada; Ocupação indevida de elevado número de leitos gratuitos por doentes contribuintes dos Institutos de Previdência;

ta

4.

Execuções impiedosas das dívidas por parte dos mesmos Ins-

titutos;

6.

Falta de cooperação

7.

Falta de orientação administrativa e contábil”3º

Para

solucionar

esses

financeira dos Municípios;

problemas

e evitar o

perigo

de colapso

das

Misericórdias, que representavam, na época, 144.385 leitos e berços, ou 56,10% dos disponíveis no país, o Grupo de Trabalho sugeriu as seguintes

providências: “IT —

Expedição

dos seguintes decretos.

a) Autorizando

o Banco do Brasil a financiar o pagamento das dívidas dos hospitais filantrópicos, no to-

tal de Cr$

1,5 bilhão de cruzeiros;

b) Regulamentando a Lei n.º 3.577, de 4/7/1959, que isentou as instituições filantrópicas da contribuição do empregador;

Cc) Regulamentando

concedeu

a Lei n.º 3.933, de 4/8/1961, anistia dos débitos aos Institutos;

que

d) Regulamentando o Artigo 121, do Decreto n.º 48.959A, com a adjudicação dos serviços médico-hospitalares às Santas Casas;

e) Concedendo parcelamento das dívidas das Santas Casas

aos

Institutos

de

Previdência,

tribuições dos empregados.

Ho —

Encaminhamento

referentes

às con-

ao Congresso Nacional do Anteprojeto

de Lei da Assistência Hospitalar. No Capítulo VII, dis-

punha esse anteprojeto que as Santas Casas “gozam de imunidade fiscal, extensiva às atividades comerciais, industriais e agrícolas da instituição, desde que o rendi-

mento seja destinado à assistência filantrópica”. Aos doentes e internados nos hospitais das Misericórdias, sujeitos

à Terapia Ocupacional, “não se aplicarão as Leis Traba-

690

Glauco Carneiro

lhistas”. Nos locais onde a Previdência não possuísse hospitais próprios, o atendimento preferencial dos segurados seria feito pelas Santas Casas. Para fiscalizar a

execução

dessas

medidas, e fixar os preços unitários dos

serviços a serem adjudicados, seria constituída, no Ministério da Saúde, uma Comissão Permanente, composta de um representante do Serviço Nacional de Assistência Hospitalar; um representante do Departamento Nacional da Previdência Social, do Ministério do Trabalho, c um re. presentante

HI

das Santas Casas de Misericórdia;



Estudo de providências e legislação específica que definam as responsabilidades financeiras dos municípios no setor de assistência hospitalar;

IV —

Designação de um Grupo de Trabalho, integrado por representante das Santas Casas, para estabelecer os contatos necessários junto à comissão

que organiza os planos

de cooperação da Aliança para o Progresso”?” Outra

manifestação

sobre o papel das Santas Casas no futuro do Sis-

tema Nacional de Saúde foi feita pelo Dr. Antonio Carlos de Azevedo, diretor, em 1982, da Divisão Nacional de Organização de Serviços de Saúde da Secretaria

Nacional de Ações Básicas de Saúde do Ministério da Saúde.

Num enfoque realmente inovador, esse médico escreveu que as Santas Casas poderiam ser o grande instrumento comunitário para controle dos serviços

de saúde:

“O Sistema Nacional de Saúde, no seu aspecto de prestação de serviços a pessoas passa atualmente por grave crise. O componente relativo ao meio ambiente (saneamento do meio, controle de grandes endemias e vigilância sanitária) segue seu curso com problemas sim, mas que nem de longe se comparam com o que ocorre na prestação de serviços a pessoas. | Em nosso País, temos que refletir sobre o sentido de uma instituição de experiência multicentenária — uma das poucas instituições que têm sobrevivido às diversas fases de nossa história social —, as Santas Casas. De fato, com sua atividade iniciada no século XVI (Santa Casa de Santos — Braz Cubas, 1551), durante a maior parte de nossa história esse tipo de estabelecimento ofereceu a única alternativa para a assistência à saúde às pessoas de baixa renda. Com o incremento da tecnologia hospitalar nas primeiras décadas do século (os Raios X são introduzidos nos hospitais nos anos 20), os mecanismos de financiamento meramente

filantrópicos foram, na nossa cultura, se revelando insuficientes e

O Poder da Misericórdia

691

principalmente, com a extensão de cobertura da Previdência Social

observou-se, em muitos casos, o afastamento dos representantes da comunidade

na gestão desse tipo de entidade.

Na grave crise que a assistência a pessoas atravessa em nosso País, as Santas Casas realmente comunitárias e eficazes, das quais parece haver um número de honrosos exemplos, representam uma alternativa para a retomada do controle comunitário sobre o tipo, quantidade e qualidade dos serviços a serem prestados. Além da tradição que este tipo de instituição possui, e que pode vir facilmente ser retomada já que embutida, como dissemos, numa herança cultural multicentenária; não é de somenos lembrar que a retomada do controle comunitário sobre a disponibilidade e a prestação de serviços de saúde pode ser a solução para a adequação desses fatores às reais necessidades da comunidade. Por outro lado, quando se busca mais do que nunca, a nível político, o atingimento de uma sociedade aberta e verdadeiramente

participativa, nada mais natural que a comunidade assumir o con-

trole de um componente significativo dos serviços de saúde de que necessita. Quando as diretrizes vigentes da Organização Mundial da Saúde, ao tratar da assistência primária, ressaltam a indispensabilidade da participação comunitária em todos os momentos do ciclo da prestação de serviços (planejamento, operação, avaliação) o Brasil tem uma

tradição a oferecer.

É lógico que em muitos casos, anos de abandono e os desvir-

tuamentos

dos princípios básicos que

serviço verdadeiramente

comunitário,

regem

levaram

a operação de um a certo

descrédito

por parte da população com relação a muitos estabelecimentos. O momento do Sistema de Saúde, no entanto, é de retomada de uma tradição — de uma adequação dessa tradição a uma realidade de crise nesse sistema. Sem dúvida, é um momento a demandar atitudes e participação da comunidade. O desafio que enfrenta a Federação das Misericórdias do Estado de São Paulo é o de apresentar ao País uma Santa Casa

renovada — apta a, sob o controle da comunidade, oferecer uma

alternativa válida à grave crise na prestação de serviços de saúde

nos anos 80”.*º

A Federação das Misericórdias do Estadô de São Paulo, fundada em

Campinas a 8 de novembro de 1959, desenvolve um trabalho para defender

os interesses das Santas Casas junto ao Poder Público. Seu atual presidente, eng. Arymar Ferreira de Barros, declarou ao Autor: “O processo de assistência social médico-hospitalar no país, só poderá continuar a ser viável

através do fortalecimento das instituições filantrópicas.

Estas que

foram

692

Glauco Carneiro

expressão

legítima

de soluções

de comunidades,

serão novamente a base

da assistência médico-hospitalar, em face da incapacidade do Governo Fe.

deral continuar a suportar os custos de tais serviços. A situação imporá o

retorno de soluções comunitárias". Numa palestra durante o 1.º Congresso Internacional das Misericórdias, em julho de 1982, o presidente da Federação de São Paulo deu informações sobre a importância dessas instituições no panorama hospitalar brasileiro, ressaltando que clas têm um papel insubstituível na comunidade: “A importância das Santas Casas — no conjunto médico-hospitalar. Para que se tenha uma noção do que as Santas Casas representam no atendimento médico-hospitalar — e como estão sendo atingidas pelas medidas tomadas de caráter restritivo, e pelas medidas de caráter corretivo não tomadas, — basta verificar esses números correspondentes aos 540 Municípios do Interior do Estado de São Paulo: a) Somente 289 Municípios do Estado de São Paulo têm hospitais. (53,5%); b) Desses 289 Municípios que têm hospitais possuem apenas um (1) hospital;

197

(isto é, 68%),

c) Desses 197 Municípios com um só hospital 171 (isto é, 86,8%) são Santas Casas e/ou É impossível

que

hospitais

o Governo

filantrópicos.

não veja esses números

e não

atente para O importante e insubstituível papel que as Santas Casas desempenham na execução da própria política governamental na área médico-hospitalar e ambulatorial.

Disso se conclui que a execução do Plano Conasp, ou qual-

quer outro, não pode, — dir das Santas Casas.

se quiser ser bem sucedido, —

e os hospitais governamentais —

são 17 — equivale a 3%. e os hospitais lucrativos são

no

Interior de São

prescin-

Paulo —

182, ou seja, 36%.

* enquanto que as Santas Casas são 313, representando 61%. No

número

hospitais

de

leitos,

e Governamentais e lucrativos e Santas Casas — (sem fins lucrativos)

Os dados, mesmo

também

3,5% 35,5% 61,0%

na sua frieza, são por demais

cloquentes:

693

O Poder da Misericórdia

Cidades

197 48

68% 17%

20

a)

7% 2,5% 1,5% 2,0%

4 6

2

0,5%

2 | | l 289

0,5% 0,3% 0,3% 0,3%

n.º hospitais na cidade

Gov.

1 hospital 2hospitais

5 2

hospitais 4hospitais 5Shospitais Ghospitais



3

|

7hospitais

9hospitais 12 hospitais 13hospitais 19hospitais

2 2

— —

1

1

filant.

171 58

lucrat.

Total

%

21 38

I97 98

38,5 19,0

8

14

3,0

27 12 15 12

29 13 7 21

3 z 3 7

14 10 9 12

5

17315 3% 61%

58 27 20 36

182 36%

11,5 5,5 4,0 7,0

18 12 13 19

3,5 2,5 2,3 3,5

512

A mesma proporção aparece quando se classificam esses hos-

pitais pelo número de leitos: n.º leitos 0000 - 0050

0050 0100 0150 0200 0250 0300 0350 0400 0500 0550 0650 1350

-

0100 0150 0200 0250 0300 0350 0400 0450 0550 0600 0700 1400

Gov. 5

6 l | I l 0 0 0 0 I |

-— 17

filant.

lucrat.

Total

%

129

78

212

41,5%

80 38 28 14 1 4 6 0 2 — — l 313

46 26 16 5 7 2 | l — — -— — 182

132 65 45 20 19 6 7 | 2 1 j | 512

26,0% 13,0% 9,0% 4,0% 4,0% 1,0% 1,0%

1,0%

Não se trata de realidade de nosso país, Mesmo nos Estados Unidos — os hospitais filantrópicos — são 56,6% do total. Poderia se confundir a estrutura hospitalar brasileira, bascada

que é nos hospitais filantrópicos, com o estágio do nosso desen-

volvimento econômico e social. Isto, entretanto, é desmentido pelo

Glauco Carneiro

694

fato de nos Estados Unidos pitais serem não lucrativos.

também

praticamente 60%

dos hos-

e Dos 5 987 hospitais (excluidos os de longa permanência) 3391

| 821 718



— —

56,6%



30,4% 13,0%

são filantrópicos

— —

são são

Governamentais lucrativos

e em número de leitos a diferença é ainda maior leitos /mil 650

211 70



— —

69,8%

-—

22,7% 7,5%

são filantrópicos

—— —

são Governamentais são lucrativos

Esses dados, mais detalhadamente

tratados no quadro abaixo,

indicam que a comunidade desempenha papel fundamental na área de saúde, mesmo nos países mais desenvolvidos. A estrutura é diferente, com participação mais acentuada dos hospitais governamentais. Aqui esse papel está reservado aos hospitais filantrópicos, a maioria dos quais Santas Casas de Misericórdia. CLASSIFICAÇÃO

DE

HOSPITAIS

Nºde Hospitais Hospitais não lucrativos Hospitais Estaduais e

MUTICIDAIS.. sa Hospitais Particulares ...

.

Total de Hospitais “comunitários” .. Hospitais do Governo Federal ............. Hospitais Psiquiátricos não Federais ........ Hospitais Tuberculose não Federais ........ Hospitais Gerais de Longa Permanência não Federais Total — Gov. Fed. e Longa Permanên. Total de Hospitais USA. cc...

U.S.A. —

Nºde Leitos (1000)

1975

N.ºde Total do Leitos por Movimento Hospitais ($ Milhões)

3.391

650

192

31.482

1.821 775

211 70

116 90

8.070 2.288

5.987

931

156

41.840

387

136

351

5.528

543

383

701

4.776

46

6

174

166

221

54

244

1.396

1.187

581

486

11.866

7.184

1.512

211

53.706

Fonte: Associação Hospitalar Americana Hospital Statistics, 1975.” **

O Poder da Misericórdia

695

O reencontro com o próximo Acreditamos que o Autor e o Leitor têm condições agora de responder

à questão sobre o futuro da Santa Casa. De nossa parte, pensamos que esse

futuro é certo, se a sociedade brasileira voltar a confiar nas soluções comunitárias — nas instituições próximas do povo, dirigidas pelos seus melhores representantes, e que só pedem ao Estado abertura, delegação e ajuda financeira, para que possam tocar suas próprias responsabilidades. Evidentemente, estatizar as Santas Casas seria terminar com uma obra multissecular e, mais que tudo, eficiente. Seria abrir mão da Iniciativa Privada no que ela tem de melhor. Seria relegar a terceiro plano a obrigação da caridade, ainda hoje uma exigência para o homem ser feliz e cumprir

com dignidade sua missão na Terra.

Quanto à Santa Casa de Misericórdia de São Paulo — instituição tão antiga quanto a cidade e que reflete todos os valores da formação de seu povo —, consentir no seu desaparecimento é concordar com a extinção da-

quilo em que acreditamos. As coordenadas para a sua sobrevivência são agora conhecidas através das hipóteses e soluções aventadas.

Lembremos

nenhuma hipótese:

com

Mário Altenfelder o que

não poderá acontecer

em

“Não faltou e, hoje, não falta quem diga por aí que a Santa

Casa precisa ser dirigida pelo Estado. São os comodistas, os que

não gostam da iniciativa privada, os que se julgam donos das so-

luções dos problemas

sociais e, por inexperiência ou má-fé, que-

rem desrespeitar a tradição, os sentimentos puros dos que acreditam na força do amor cristão, no poder da solidariedade, da participação inteligente, feita com grandeza, isenta do tumulto da anarquia”.*? Quinhentos

anos

depois,

gênio português, a Irmandade

e para

provar

definitivamente

criada por D. João

a força do

II, D. Leonor e Frei Mi-

guel de Contreiras, é ainda a solução assistencial mais inteligente, mais racional e mais democrática, pois realiza um pacto social entre as classes, em

que

o Estado

delega

à

Iniciativa

Privada

a assistência

aos

carentes,

imprimindo inclusive ao setor de saúde uma dimensão maior — a da tríplice competência profissional em termos de atenção humana, eficácia técnica e caridade com o próximo. E para que essa fórmula genial não morra, e se concretize despida das vaidades humanas, é preciso formar um colegiado de pessoas já realizadas na vida, para quem

fiquem,

pedindo-lhes

os interesses e situações conjunturais

um

serviço

relevante

nada mais signi-

à comunidade,

menos

glórias terrenas e muito mais pela eternidade dos preceitos cristãos.

pelas

696

Glauco

A

Irmandade

da

Misericórdia

é tudo isso. Há

permanece ancorada no futuro. Sim, a Misericórdia

500 anos...

Carneiro

Nasceu e

tem futuro.

Mesmo porque, como lembra José Carlos Graça Wagner, citando N. Bukarin, “o amor cristão que se dirige a todos, inclusive aos inimigos, é o pior adversário do materialismo”: “Para o cristão, o motivo radical do amor ao próximo é o amor de Deus (amar o próximo, não somente pelo próximo em

si, mas por amor a Deus, por ser criatura por Ele amada, ainda que seja inimigo). Para o marxismo, o princípio motor da revolução é o ódio: o ódio instrumental;

o ódio como consegiência

necessária da análise da história como registro de lutas de classe...

A filosofia que suporta os sistemas de hoje perdeu a idéia do ser humano como alguém que serve e que recebe serviços e que se une em sociedade para melhor

dades materiais, morais e espirituais”.

satisfazer as suas necessi-

Para esse analista, e para outros homens de bem, o mútuo serviço entre

homens —

a livre troca dos dons de cada um

cuja origem

se enraiza em cada ser humano,



é a lei física da convi-

vência social. Isso exige a existência de valores integradores, ou seja, de valores transcendentes ao indivíduo isolado, de alto significado social mas tenha maior ou menor cons-

ciência disso. É o que se chama de moral natural, ou seja, as leis que regem

o comportamento do homem

em face de sua natureza de ser racional, do-

tado de inteligência, liberdade e vontade. Consegiientemente, são leis que regem

o homem

na

sua

atuação

pessoal

e na

sua dimensão

social,

sem

perda de sua liberdade de consciência, que é individual em sua responsabilidade, *mas que é social em sua exterioridade e operacionalidade. B. Mondim diz, em

homem

reforço da tese, que o conteúdo da salvação do

moderno consiste em descobrir a si mesmo

beradamente,

decide a favor de uma

como pessoa que, deli-

relação de interdependência com os

outros. No cristianismo, enfatiza Wagner, essa dimensão social, deliberada-

mente abraçada, advém, não só da um plano de amor — que é servir mente do próprio bem aparente — que dá unidade a todas as coisas e

razão, mas também da Revelação de para o bem do próximo, independentepois é, nessa visão, o Amor de Deus a todas as criaturas vivas:

“O que se propõe ao homem, neste fim de Século XX, após os efeitos máximos gerados pelo pensamento modernista, é a redescoberta do próximo... redescoberta do outro, para que se possa reencontrar o próprio sentido de nossa vida pessoal e contribuir para ordenar a vida social aos valores pelos quais vale a

O

Poder

da

697

Misericórdia

pena viver. Esta é, seguramente, v 45 crise do Século Vinte”.

a alternativa

do

homem

para

a

A Irmandade da Misericórdia há centenas de anos já fez a descoberta do próximo. Vive somente para isso. Para ter futuro, portanto, num mundo que precisa colocar o ser humano redescobrindo o outro, basta ser o que é.

CONCLUSÃO Uma

avaliação

global das

atuais

dificuldades

da

Santa

Casa

de

São

Paulo demonstra a persistência de alguns velhos problemas e a emergência de novos.

A crise financeira está na escala dos primeiros e não há para ela pers-

pectivas otimistas. Não se destinando ao lucro — mas tão somente à co-

bertura de despesas —, não se dispondo a fraudar a Previdência e não querendo elitizar o seu atendimento, a Santa Casa, que sempre registrou falta de recursos à altura da demanda, tenderá a prosseguir nesse diapasão. Não obstante, a situação poderá ser bem melhorada nesse particular com a adoção de medidas administrativas racionalizadoras, dentro da linha já imposta pela atual Mesa Administrativa. Uma derivada desse problema financeiro é a sensível diminuição do poder de influência da Irmandade para obter do Estado e da comunidade contribuições maiores. Aqui se impõe um alargamento da faixa de análise para abranger outras condicionantes que dizem respeito ao atual “poder” da Santa Casa. Em

primeiro

lugar,

os Irmãos

de hoje

serão

que os do passado antigo e recente? Acreditamos

menos

importantes

do

que não: a relação dos

Mesários prova que grandes nomes continuam a ter assento na Santa Casa. E por que, então, esses Irmãos não conseguem obter para a Misericórdia a proteção de antes?

Um observador profissional como o Autor, que acaba de fazer este estudo ao longo de mais de 400 anos de história da instituição, tem relativa autoridade para levantar algumas hipóteses. Não terá a Irmandade de hoje um número bem maior de pessoas que foram “poder”, e não, que continuam “poder”? Parece haver, claramente, uma concentração de aposentados, e para certos pleitos, essa condição traz maiores dificuldades do que aquelas

apresentadas a quem continua no exercício de cargos e funções no Exe-

cutivo,

Legislativo, Judiciário,

Associações

de Classe

etc. Por outro

lado,

talvez pela imposição do Compromisso, geralmente quem é “poder”, conserva-se à distância, como “benfeitor” ou “protetor”, não

tendo

responsa-

H98

Gluuco Carneiro

bilidades diretas na Mesa. Sabe-se que não pode mais voltar o tempo em que governadores e bispos acumulavam o exercício da Provedoria, mas a

Misericórdia

cientemente

necessita estudar

para

uma fórmula

a resolução de seus

que possa trazê-los mais efi-

problemas.

maior e a mais antiga instituição de São Paulo:

merecer

atenção

maior.

Afinal, é claramente a

tem direito adquirido a

Parece claro, também, que o Poder Público, Estadual e Municipal, dis-

tanciou-se da Santa Casa. Questiona-se se isso não possui também uma conotação ideológica. Terão os governantes de hoje, apesar de nominal. mente cristãos, o mesmo entendimento, a mesma compreensão do papel da instituição? Ou a conservam à distância? Recentemente, um dirigente declarou que vira “bem empregadas” as horas que investira em comparecer à Sunta Casa... Será que todos esses investimentos terão sido rentáveis para tal tipo de pensamento? O componente ideológico está claramente presente no distanciamento da Igreja Católica, Já mencionamos cpisódio sobre a recepção fria de um

cardeal a uma comissão da Santa Casa, que fora cumprimentá-lo pela inves-

tidura, e neste momento em que escrevemos, julho de 1985, há claras evidências de incitação religiosa em novo episódio de invasão de terras da

Misericórdia. Sendo assim, como a Santa Casa poderá ter de volta o apoio

da Igreja, enquanto ela própria não resolver seus problemas entre as alas conservadoras e “progressistas” ou “populares”? A instituição, por outro lado, não tem contado com a mínima imparcialidade de análise, quando a crítica é feita pela ala “progressista”, no tocante à assistência social em São Paulo. Outro ponto importante da redução de grau na importância atual da Misericórdia decorre de sua vinculação à Previdência. Muito embora, graças à qualidade de seu corpo médico, tenha alcançado o galardão de “Hospital de Excelência”, não é mais do que um dos estabelecimentos da rede previdenciria, quando, no passado, era a única instituição de São Paulo em termos de assistência pública. E não há perspectivas de melhoria nessa questão, porque, sem a Previdência, a Santa Casa já estaria desaparecida há trinta anos. A fórmula, imaginada por Júlio de Mesquita Filho e Christiano Altenfelder, da regionalização pela megalópole paulistana, tem o in-

conveniente

da

concorrência

Estado e Prefeitura. incorporação a tais fim da Santa Casa, dos padrões e dos

direta

às redes hospitalares

mantidas

pelo

E se tal “regionalização” viesse a ser feita mediante a redes, inclusive na direção, aí é que se apressaria o porque o Poder Público não permitiria a manutenção métodos impostos pelo Compromisso da Irmandade.

As razões pelo enfraquecimento não param

aí: outro componente

im-

portante é a ausência de uma política de comunicação social como houve no passado, verdade que feita empiricamente, mas com êxito inquestionável. Não importa que não se empregassem técnicas de divulgação, relações pú-

699

O Poder da Misericórdia

blicas c propaganda,

conforme

são entendidas hoje, mas

os executores

do

passado cram amadores que ficariam muito bem posicionados como “profissionais” em nosso tempo. A verdade é que, a não ser em ocasiões negativas — como nos episódios de invasões de terras e em eventos raros como

a programação do 4.º Centenário —, a Santa Casa não se comunica. Seus excelentes médicos, suas técnicas diferenciadas, seu atendimento qualificado, não são levados ao conhecimento do grande público. E tudo isso impede que a opinião pública respalde qualquer pretensão sua de retornar a uma parte da antiga influência que exercia em São Paulo. Nesse particular,

é importante mencionar que o grande jornal O Estado de S. Paulo, que há cem anos divulga a Misericórdia, vem reduzindo progressivamente tal noticiário. E isso é fácil de explicar, de um lado, porque se distanciam no tempo as duas primeiras

gerações

da Família Mesquita

que, por causa de

Arnaldo Vieira de Carvalho, foram tão ligadas à Santa Casa. Na gestão

Mário

Altenfelder,

parece

haver uma

reversão

em

outra

causa que muito enfraqueceu a Santa Casa de São Paulo e instituições similares de todo o país. Referimo-nos ao distanciamento “Irmandade/Corpo

Médico”. Enquanto ambos não se apresentarem, perante a opinião pública, como uma só voz, sua influência isolada será bem menor do que a resultante de uma completa integração. Algo terá de ser feito para incluir mais o Corpo Clínico nos assuntos da Mesa e vice-versa. Um papel muito importante estará também reservado aos alunos da Faculdade de Ciências Médicas, até agora vistos e se comportando,

na maioria dos casos, como

meros

usuários da Misericórdia, e não seus beneficiários diretos. Talvez eles pudessem ser o núcleo de onde partiriam mais levas da Nova Medicina — aquela que voltou a considerar o indivíduo, a família, a caridade como razões de ser da profissão, aí se reaproximando notavelmente das origens da Misericórdia. Essas hipóteses de retomada da influência da Santa Casa estão camente condicionadas pela percepção inarredável de que a cidade de Paulo é hoje uma megalópole de 10 milhões de habitantes, bem mais plexa, portanto, do que a vida e a cidade que existiram ao longo de de 425 anos. A fórmula

de sua preservação,

a nosso ver, deve

ser buscada

logiSão commais justa-

mente nessa ancianidade, porque a Santa Casa é um Patrimônio Cultural vivo, atuante, dinâmico, útil. E como hoje a postura moderna exige que os monumentos tenham caráter operativo, repelindo a idéia antiga do acervo morto, bem que São Paulo poderá contar com o privilégio de ter, como complexo hospitalar por excelência, aquele que o serve há mais de quatro séculos. Para isso, no entanto, deverá acionar visão larga. Vislumbrando esse futuro desejável, e para fixar as idéias do Autor sobre a possível recuperação do prestígio da Santa Casa, convém listar alguns esforços suscetíveis de apressar essa meta.

700

Glauco Carneiro

1. Maior integração Corpo Médico/Irmandade; 2. Acionamento efetivo de uma Política de Comunicação para o grande público, reaproximando os grandes órgãos da imprensa, e principalmente o jornal O Estado de S. Paulo; 3. Organização do Museu e do Arquivo Histórico da Santa Casa de São Paulo e inclusão de suas festividades, como o Dia de Santa Isabel, no Calendário de Eventos da Cidade; 4. Inclusão de mais Irmãos na Mesa com grau atualizado de influência nos Três Poderes e nas Classes Produtoras; 5. Alcance de uma

posição diferenciada dentro da rede do INAMPS,

mediante o binômio caridade/ qualidade, tornando os Hospitais da Santa Casa modelos clínicos e de ensino para toda a comunidade municipal, esta-

dual e nacional;

6. Concentração

da Irmandade, recursos;

das atividades

da

abrindo mão de extensões

7. Enfase na atualização

Santa

Casa nas atividades

básicas

improdutivas e devoradoras dos

administrativa

da

instituição

(já em

curso);

8. Restabelecimento dos atos tradicionais da Irmandade, como procissões e missas

9. Maior

públicas, e sua

integração com

outras

festas comunitárias;

participação dos- alunos da Faculdade de Ciências Médicas

nos atos internos e externos da Santa Casa e seu posicionamento como elementos de vanguarda da renovação e revalorização ética da Medicina

Brasileira;

10. Colocar,

finalmente,

a Santa

Casa

de São

Paulo como

líder do

processo atual de reaglutinação das Misericórdias do antigo mundo português, fazendo-a atingir o patamar de interlocutora privilegiada nos contatos mantidos

Com

a nível de governo

a governo

pela

Federação

exceção da Santa Casa de Lisboa, nenhuma

aspirar tanto quanto a paulistana

essa

honrosa

das Misericórdias.

outra Misericórdia pode

posição.

O Verdadeiro Poder

Todas essas medidas, imaginadas como

decorrência

da execução deste

trabalho de reconstituição histórica, não fazem o Autor esquecer que o fundamento da permanência da Santa Casa transcende o plano das coisas materiais. Como foi acentuado há pouco, na festa do 4.º Centenário, a instituição continua “Deus

mais que tudo a confiar

em

Deus:

infinito, teu Santo Espírito/Renova o Mundo

sem ja-

mais cessar./Nossa esperança, nossos projetos/S6 se realizam quando Ele falar/Deus Infinito, Nós te louvamos/E nos subme-

temos

ao Teu

Poder”.**

O Poder da Misericórdia

701

Outra fidelidade se coloca muito clara nessa reivindicação de perenidade para outros quatrocentos anos de vida: a lealdade à causa de São

Paulo e ao reflexo das lutas dos paulistas em todos os campos: “Bem sei que um dia hei de voltar-te ao seio,/Para fundir-me em ti num mesmo anscio,/Meu São Paulo de amor, terra de glória./Nunca mais sentirei tua saudade,/Tu

tória”!

passarás comigo

à eternidade,/Eu

viverei contigo

a tua

His-

Como resultante dessa fidelidade à idéia maior, cristã, e ao ideal da terra bandeirante, ganha foros de permanência a Mensagem das Misericórdias, de que a Santa Casa de São Paulo é parte. Recordemos aqui, pela derradeira vez, Dom João II, Raposa e Leão, Príncipe Perfeito, El Hombre, no dizer de Isabel, a Católica, símbolo humano, em Portugal, da transição da Idade Média

para o Renascimento

e o artífice das mudanças

que

aca-

bariam levando à fundação da Santa Casa de Lisboa, por sua companheira, D. Leonor.

Lembremos,

com

Gustavo

de Dom João II, foi seu legado que Portugal e no mundo que Portugal ricórdia, também fruto “do Pelicano igualmente serviria para exaltar a pela vez derradeira,

Barroso,

que apesar do falecimento

deu energia a D. Leonor para criar em ia criar a mensagem imortal da Misee do mote Pola Ley e Pola Grey”, que atitude cristã da Caridade. Olhemos,

para Frei Miguel

de Contreiras,

o trinitário, a força

na qual D. Leonor se apoiou, para executar o estágio final do plano do marido de unificação e racionalização da ação hospitalar portuguesa. aos

Lancemos, com os olhos da emoção e do respeito, uma visão de adeus “Descobridores, conquistadores e povoadores, que, no meio de suas ambições pessoais, não se olvidaram do serviço de Deus e levaram essa obra piedosa a todas as paragens onde foram ter:

na África, na Ásia e na América. No Brasil, desde Santos, com

Braz Cubas e do Rio de Janeiro, com Anchieta, as Misericórdias se espalharam às centenas pela nação afora. Em todos os pontos

do país sente-se o luminoso reflexo dessa obra gloriosa que do ocaso medieval à âncora renascentista ergueu deste lado do Atlântico a caridade da Rainha D. Leonor. Essa obra mostra exemplarmente como é peculiar ao mundo luso a instituição das Misericórdias. Maravilhoso exemplo do modo pelo qual os homens que alargaram as paisagens dos oceanos e dos continentes se dedicavam ao serviço de Deus. Estupenda lição de nossa história comum,

de Portugal e Brasil. Debruçando-nos, como historiadores, sobre o passado, contemplamos, assim, serenamente, a luz do sol dos mortos, que é a que melhor e constantemente ilumina os cami-

nhos da humanidade”.

Glauco

702

Carneiro

NOTAS Irmão Escrivão Desembargador tiva, sessão de 5/1/1984.

Adriano

Mário

reconhecidas

Altenfelder,

“Qualidades

Marrey,

at

exerce cargo de direção”, texto datilografado, Idem, entrevista 16/11/1984.

4.

Idem.

5.

Idem,

Discurso

- Herbert

Levy,

janciro de Victor

do

de

1984.

Thomaz

do

no

“Projeto

Posse

na

Provedoria, na

de

Carvalho

Imobiliário,

Brasil,

IO. !Ê.

O

2.

Idem,

15/2/1984.

ER

Jornal

da Tarde,

14.

Idem,

29/2/1984.

15.

Idem,

19/4/1984.

I6.

Ata

17.

Idem.

I&.

Idem.

19.

Rio

Estado de S. Paulo

de

Exercício

Janeiro,

(OESP),

São

Reunião

de

22/5/1984.

20.

Ata

da

Reunião

de

20/7/1984.

gt;

Ata da Sessão

22.

OESP, São

Montoro,

Governador

Paulo,

Sessão

Diário do Comércio

26.

Ata

27.

Idem.

28.

Igor Mimica,

da

Reunião

Médicas.

da

Oração

- Luiz Oriente, N.º 866.

to 1

da

da

São Paulo”,

Sessão

Mesa

Rangel,

1985.

da

de

de

5

de

Administrativa.

Mesa

Administrativa.

Relatório

da Mordomia

14/2/1984.

da Mesa

Discurso

de

nal

Ata

7/5/1985,

Cunha

Casa

12/8/1984.

Administrativa

Altenfelder,

Franco

a

Mesa

Especial

24.

not —

Paulo,

1974.

quem

da

Mesa

de

de

Mesa

Idem, 8/53/1985.

São

de

Paulo,

do na

4.º Centenário Sessão

da

da

Santa

de

31/8/1984.

Mesa

Casa

Paulo, 27/11/1984.

22/11/1984.

de Paraninfo

no “Boletim

7/3/1985.

31/8/1984.

e Indústria, São

Luiz Oriente, in: “Boletim” . OESP, 5/3/1985.

- Idem.

24/4/1984.

de 26/7/1984.

na Comemoração

da Turma

Informativo”

Mário Altenfelder, Saudação aos Centenários, São Paulo, 1984.

- Idem,

de

1/9/1984.

. Mário

od 48 ron

Santa

para

25/2/1984.

da

de

da

Paulo,

Ata

ah dem

de

de

Administra.

Idem.

Reunião

4)

da

da

Mesa

indispensáveis

5/1/1984,

sessão

e Mário

da

mol

na

da

Rio de Janeiro,

São

de

Ata

como

História

sessão

Freire, exposição

Patrimônio

Jornal

Autor

manifestação

Amaral

. Edgard

ao

in

No

de

1984

da Faculdade

da Santa Casa, - Ano

Funcionários 878,

de

da

17/1/1985.

Santa

Casa

XVII, por

de Ciências 18/10/1984, Ocasião

dos

703

O Poder da Misericórdia

36. Folha de S. Paulo, 21/3/1985. 37. OESP, 3/7/1960. - Federação

das

Misericórdias

do

Estado

de São

Paulo,

Relatório do

Grupo

Trabalho incumbido de estudar a situação das Santas Casas de Misericórdia sugerir providências de amparo efetivo, São Paulo, 1962, pág. 4.

39.

Idem,

pág.

Arymar

Ferreira

- Idem,

“As

n.º 1, junho

de

Barros,

Irmandades

da

Multicentenárias”, palestra Paulo, julho de 1982. Altenfelder,

de

Carta

1982,

ao

Misericórdia,

no

44,

José Carlos Graça Wagner, "Redescobcrta São Paulo, 17/8/1984, págs. 10 e 11.

45.

Idem.

Te

Sessão da Mesa

Carlos

Graça

Comercial

Deum

rezado

de

São

na

Santa

46. 47.

Oliveira

Ribeiro

Netto,

48.

Gustavo

Barroso,

“A

São Paulo, 26/1/1984. pitas —

Vol. 8 —

“Terra

de

Mensagem



4 —

de

das

Pág.

São

Federação

Um

e

de

in:

Instituições

20/5/1985. in Diário do Comércio,

humanista,

Paulo,

é

diretor

da

Asso-

a 9/12/1984. Boletim

Misericórdias”,

50, abril

Misericór-

das Misericórdias, São

do Próximo”,

Glória”,

das

Desafio de

Internacional

tributarista

Paulo. Casa



Administrativa

Wagner,

da

31/8/1984.

Agora

1.º Convresso

Mário

José

Boletim

Autor,

43.

ciação

e

16.

40. Santas Casas Unidas dias de São Paulo. 41.

de

1960.

in:

da

Santa

Revista

Casa

n.º 828,

Paulista de

Hos-

ANEXO O PROJETO

HISTÓRIA DA SANTA SÃO PAULO

CASA

DE

Texto do material enviado pela

Provedoria da Santa Casa aos Irmãos e Funcionários, através

da

Circular

julho de 1984.

41/84,

de

30

aos

Ir-

PROVEDORIA N.º Circ. 41/84 São Paulo, 30 de julho de 1984. “Esta

Provedoria

teve a oportunidade

de comunicar

mãos Mesários, na sessão de 20 de julho pp., a contratação do jornalista e escritor Glauco Carneiro para pesquisar e redigir a História da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo.

de

704

Glauco

Carneiro

O mencionado escritor, cujo currículo segue em anexo, consolidará os trabalhos até agora realizados, interna e externamente, sobre a trajetória e a importância da Santa Casa dentro da história social, médica e política do Estado de São Paulo. Fará isso em estreita colaboração com o Grupo de Trabalho que a Provedoria designou

desta

quantos

com

esse objetivo, visando

Instituição

trabalham

no grande

projeto

integrar todos os segmentos

intelectual

pela população bandeirante.

que

interessa

a

Sendo assim, torna-se imprescindível a participação dos integrantes da Mesa Administrativa e das chefias administrativas nos

mais diversos escalões, na coleta de dados que irá permitir situar a atividade pioneira da Santa Casa como primeiro núcleo assis-

tencial paulista, fator de evolução do amparo social ao nosso povo e fator decisivo ao desenvolvimento do ensino médico no Brasil e até

no exterior.

Nesse sentido, solicitamos sua especial atenção ao questioná-

rio anexo, elaborado pelo historiador Glauco Carneiro, que dará o devido tratamento aos dados que resultarem de sua resposta,

incluindo-os no livro HISTÓRIA As

respostas

deverão

DA SANTA CASA.

ser dirigidas

menção expressa ao PROJETO

a esta

HISTÓRIA

Provedoria,

DA SANTA

com

CASA,

fazendo-se acompanhar, se possível, de livros, fotos e documentos

julgados de interesse, os quais serão posteriormente devolvidos aos

remetentes. Também o escritor Glauco Carneiro poderá ser contatado diretamente através do telefone de seu escritório: 35-2771. Contando

com

o apoio do companheiro

subscrevemo-nos, desde já gratos e

ao citado

projeto,

Atenciosamente.

Mário Altenfelder Provedor.”

GLAUCO — “1.

INFORMAÇÃO

CARNEIRO

Dados do Currículo — PESSOAL

Cearense, 46 anos, formado em Direito pela Universidade do Brasil (1964) e PUC/RJ (Comunicação Social e Opinião Pública — 1968). Catorze prêmios de jornalismo. Casado, pai de

quatro filhos.

705

O Poder da Misericórdia

2. JORNALISMO Repórter de O GLOBO, Rio de Janeiro, 1959/1961. Repórter de O CRUZEIRO, Rio de Janeiro, 1961/1968 e Repórter Especial e Diretor Assistente de Redação, 1970/

1975. Repórter de O JORNAL, Rio de Janeiro, 1968/1970. Editor Nacional de TENDÊNCIA, revista de economia Bloch Editores, Rio de Janeiro e São Paulo, 1980/1985.

de

2a

Repórter de MANCHETE, Rio de Janeiro e São Paulo, 1979/ 1983. - COMUNICAÇÃO

SOCIAL

Assessor de Imprensa do Ministro da Justiça, Rio, 1965. Assessor Especial do Ministro das Relações Exteriores, Rio, 1966. Assessor-Chefe de Relações Públicas da Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor, Rio de Janeiro, 1965-1975. Assessor de Comunicação Social do Secretário da Promoção Social do Governo do Estado de São Paulo, 1975-1982.

Assessor Especial do Prefeito de São Paulo, SP, 1982/1983.

Editor fundador e Diretor de Redação das Revistas BRASIL JOVEM e PROMOÇÃO SOCIAL, da Funabem (RJ) e SEPS (SP), 1965/1982. Editor fundador e Diretor de Redação do JORNAL BANDEIRANTE, house organ do Sistema Financeiro e Banco Bandeirantes, SP e RJ, 1970/1986.

. HISTORIOGRAFIA

E BIOGRAFIA

Autor de 600 reportagens na imprensa e dos seguintes livros:

HISTÓRIA DAS REVOLUÇÕES BRASILEIRAS (Rio, 1965, 2 vol.), O REVOLUCIONÁRIO SIQUEIRA CAMPOS (Rio, 1966, 2 vol.), A FACE FINAL DE VARGAS (Rio, 1966), HISTÓRIA DOS TRANSPORTES NO BRASIL (Rio, 1970), UM REPÓRTER NO MUNDO PORTUGUÊS (Lisboa, 1972), LUSARDO, O ÚLTIMO CAUDILHO (Rio, 1977/78, 2 vol.), CUNHA BUENO, HISTÓRIA DE UM POLÍTICO (São Paulo, 1982), PERFIL PARLAMENTAR DE LUSARDO (Brasília, 1983) e HISTÓRIA DA NESTLÉ NO BRASIL (São Paulo, 1983, em publicação).”

706

Glauco

PROJETO

“A.

Conceituação Evolução

2.

Santa

HISTÓRIA DA SANTA Linhas de pesquisa

jurídica

da

Santa

Casa.

da assistência social em

Casa

como

elemento

Carneiro

CASA

Razões.

São

Paulo.

aglutinador

da

elite

paulista

marco de status social. Relacionamento com o Poder e para-

doxo

da não-obtenção

de

mais

recursos

desse

Poder.

E

Os cristãos-novos

4.

Santa

5.

Santa Casa e Igreja. Relações com os outros credos e seitas.

6.

Santa

7.

Santa Casa e a “Geração liberal e a Maçonaria.

8.

Santa Casa e evolução da medicina paulista: ensino, técnica, equipamento, administração hospitalar. Grandes nomes.

9.

Santa Casa e a Livre Empresa: o impacto do dinamismo empresarial na captação, gestão, controle e aplicação de recursos.

nos começos

da

Irmandade

paulista.

Casa e os reflexos sociais dos Ciclos Econômicos. Casa e as Religiosas de São da

José.

Histórico.

Independência”.

O pensamento

10.

Santa Casa e o Patrimônio Mobiliário e Imobiliário. e opções de custeio. Doadores eventuais e fixos.

Formas

11.

Santa

tempo.

12. 13. |4.

e

Casa

e Administração:

Estágios no Brasil-Colônia, O futuro.

evolução

ao

longo

do

Brasil-Império e República.

Santa Casa e evolução da arquitetura em São Paulo. Urbanismo. Santa Casa e seus assistidos: tipos e relacionamento. Santa Casa e corpo de funcionários. Espírito, trabalho, remuneração.

15. 16.

Santa Casa e unidades anexas: histórico de cada. Santa Casa e os Irmãos: origem, importância social, econômica e política. Características do relacionamento. Direitos e deveres.

I7.

Santa Casa danças.

18.

Santa Casa como organismo da Previdência Alterações na filosofia e na atuação.

19.

Santa Casa e serviços que presta ao interior paulista, e Exterior. Campos. Reconhecimento.

20.

A Mística da Santa Casa: seu “espírito de corpo”.

e os “Compromissos”

ao longo

do

tempo.

Social

Mu-

estatal. Brasil

Caridade

emocionalizada ou racionalizada? Motivações para o futuro.

707

O Poder da Misericórdia

Questionário IDENTIFICAÇÃO Nome:

DO

SIGNATÁRIO

Local e data: Atribuição na Santa Casa: Histórico de seu relacionamento

com

Cargos ocupados na vida profissional: Cargos ocupados na vida pública: Profissão de origem: Outras instituições de que participa:

a Instituição.

Datas.

. A INSTITUIÇÃO 2.1



Em sua opinião, qual o papel desempenhado

2.2



De que forma ela tem contribuído para a evolução

2.3



Como a Santa Casa tem participado do desenvolvi-

2.3



Quais são, na sua opinião, os grandes marcos históricos da trajetória da Santa Casa? E os grandes nomes que nela têm trabalhado ao longo da História?

Santa Casa na História Assistencial de São

pela

Paulo?

do processo de amparo social entre nós? mento do ensino E no exterior?

médico

no

Estado

e

no

Brasil?

Justifique.

2.4



Quais os trabalhos inéditos que conhece a respeito da História da Santa Casa? E como podem servir de fonte a este Projeto? Nomes e telefones.

2.5



De que forma a colaboração que dá à Santa Casa tem influído para a sua melhoria em termos humanos e sociais?

2.6



Qual a sua contribuição pessoal, ao longo do tempo, para que a Santa Casa atinja seus objetivos? Justifique.

2.7



Quais são as histórias de pessoas e relatos de situações que mais o impressionam no seu relacionamento com a instituição?

2.8



Como situaria as relações da Santa Casa com a História Política de São Paulo, em termos coloniais, imperiais e republicanos?

2.9



Governo e Povo têm retribuído à Santa Casa o que dela recebem?

708

Glauco

2.10



Como

analisa o presente e o futuro desta

ção, diante da

Medicina

da conjuntura no

País?.”

Carneiro

Institui-

da Assistência Social e

Nota

Este livro, O Poder da Misericórdia, é o resultado do trabalho profissional de pesquisa sistemática das fontes históricas da Santa Casa de São Paulo. O autor aprontou seus originais a 15 de agosto de 1985.

LIVRO QUARTO

DA MISERICÓRDIA O PODER Há também

uma extensão do Poder que, mobilizada

em Irmandade em favor dos humildes, institucionaliza

o que poderia com Caridade .

justiça chamar-se de A Elite da

22. SANTA CASA E EVOLUÇÃO DA MEDICINA A Tríade Pesquisa-Ensino-Assistência — O Carisma da Santa Casa — A Santa Casa e a Poesia — A História de Anna — Médicos Antigos e Modernos —

Medicina e bem da Humanidade — Trabalhos importantes — O Amor que vem de dentro — Os grandes médicos de todos os tempos

Junto à baixada do Arouche, “demarcada por altas e majestosas mu-

radas, em grande

área se ergue

a construção de estilo gótico acaboclado

que neste mês de agosto leva a termo o primeiro centenário de assistência

aos necessitados de saúde vindos de toda parte da cidade e mais além da terra de

Piratininga,

como

do

distante

Mato

Grosso

ou

do

árido

Piauí,

recolhendo sem menos valorizar os provindos de além-Pátria, tais são aqueles de Chile, Peru, Bolívia e outras terras mais” (Carlos Roberto Hojaij).' Desde a primeira vez em que, nos idos de

da Santa Casa recolheu

córdia paulistana ciência médica:

tem

e tratou

sido

“uma

o grande

mulher

berço

1715, o primeiro hospital

de braço

podre”,

de formação

a Miseri-

e evolução

“A Medicina evoluiu e a tecnologia dia-a-dia renovada requer investimentos de grande monta. O “braço podre” exige não apenas caridade. À sua volta se levanta um complexo aparato técnico que tem de estar movido por mentes claras e atualizadas... A grandeza secular da Santa Casa de Misericórdia e a assistência centenária do Hospital Central caracterizando uma Tradi-

da

712

Glauco Carneiro

ção a ser valorizada — talvez um dos poucos veios de cultura histórica deste aculturado país — acreditou no Conhecimento e concedeu a um grupo de médicos o privilégio de se organizar em Faculdade. Neste ponto, a Assistência tem de ser precedida pela Investigação, para que resulte atual e efetiva. A grande rotação tem de continuar a ser feita, à custa de sacrifícios, pretendendo-se

chegar ao termo da tarefa. A tríade Pesquisa-Ensino-Assistência, nesta ordem de desenvolvimento teórico — não o prático, claro —

deve erguer-se além de toda contingência, e muito além da barbá-

rie em que o país, em geral, ainda se encontra metido”?

Este penúltimo Capítulo de O Poder da Misericórdia, despreocupado de cronologias, vai abordar pessoas que realizam a tríade na Santa Casa — gente importante, gente humilde, simplesmente gente que enxerga um sentido de missão no trabalho desenvolvido dentro daquele quarteirão onde pulsa a alma paulistana, com suas dores, seus lenitivos, sua emoção, sua saudade, sua poesia. Comecemos com João Carvalhal Ribas esse desfilar pela Misericórdia. Lembremos,

com ele, que

os moços

geralmente

encetam

o curso

médico

“na ambição de sentir melhor o mistério da vida, de manipular e, se possível, minorar as dores inseparáveis da vida e, se possível, para imprimir mais vida aos personagens dos futuros romances daqueles que têm veia literária”. Mas de repente a sensibilidade fala mais alto e os estudantes do Curso Médico sentem uma revolução. E mudam: “Mas

o curso médico,

fazendo-me

sentir

a impassível

carne

humana morta na Anatomia de Bovero, na Histologia de Carmo Lordy, na Patológica de Cunha Motta, fazendo compadecer-me

da miséria humana ainda viva e sofrida de Celestino Bourroul, de Montenegro, de Vampré, desencadeou dentro de mim uma revolução imprevista e irresistível, total e definitiva. Exclamei, no

entusiasmo da descoberta: “Lidar com gente ao vivo, entre angústias, dores e esperanças, com desenlaces felizes ou fatais, encerra uma tensão superior, inexcedível, inefável... Supera de longe todas as criações literárias e artísticas que então parecem -esvaziadas de vida, de transcendência, de metafísico. .. Chego

a desconfiar de que quem descobriu a aspirina vale mais do que Beethoven com as suas nove sinfonias..."

Trata-se de uma força de expressão: a criação artística ajuda a traduzir a emoção que advém de trabalhar com a saúde dos seres humanos,

dos pobres seres humanos, para quem a Santa Casa é talvez o único porto

de salvação. Raramente é uma emoção de primeira geração. Geralmente é herdada

de um avô, de um pai, e também passa para os descendentes.

Por exem-

O

Poder

da Misericórdia

713

plo, foi preciso que Antonio de Almeida Prado fizesse Clínica Médica na Santa Casa, e depois que seu genro Paulo de Almeida Toledo se formasse

naqueles corredores em

1932, servindo ainda na multissecular instituição,

para que Marcelo de Almeida Toledo, igualmente radiologista, se formasse também na USP e depois viesse para o Arouche, totalizando — até agora — três gerações envolvidas com a mística da Misericórdia.

O carisma da Santa Casa

Ainda menino, Marcelo acompanhava o pai que ia tratar dos doentes na Misericórdia. Ficou assim centrado naquele prédio de tijolos vermelhos

e desconfiou,

no início, que só ele sentia vibração quando

falava da Santa

Casa:

trabalhava

ou

“Eu pensei que fosse uma coisa só minha, mas não era. A Santa Casa tem mesmo um carisma que atinge todos os que tra-

balham

aqui. Não

sei se é pela diferença dos outros hospitais,

bem mais modernos, os corredores daqui, abobadados, as colunas, o verde, o pátio, para onde os doentes saem e vão passear no

jardim e tomar sol, formam consegue desgrudar-se”.! Não só os diferente:

médicos,

mas

os

um

ambiente diferente

doentes

são

sensíveis

“... Em segundo lugar desejo mencionar o giene que a instituição mantém nos quartos, o tribui para a recuperação dum internado. Isto bela vista do jardim da janela, cujo verde acalma

e ninguém

a esse

ambiente

bom asseio e hique deveras consem mencionar a e encoraja...”*

Todos os médicos paulistas acima de setenta anos têm lembrança viva desse ambiente, que impregnou de humanismo suas vidas e suas car-

reiras. Nem sempre esse humanismo está presente completamente nas novas

gerações médicas. E é preciso entender o que vem acontecendo: a proliferação de escolas saturou as cidades e o profissional, para sobreviver, tem quase de agredir o mercado. Mesmo assim, ele se deixa contagiar por fatos. Exemplo: o fato de possuir um patrimônio, dá à Santa Casa opor-

tunidade de exercer uma medicina gratuita para muitos de seus assistidos,

que não precisam ser segurados para receber tratamento. Qual outro hos-

pital que faz issc?

“A Santa Casa proporciona, por livre e espontânea vontade,

uma saúde gratuita, baseada na renda que ela tem dos aluguéis, dos prédios de seu patrimônio. Quer dizer, o sentido cristão da

714

Glauco

Carneiro

Santa Casa existe realmente, embora enfrente crescentes dificuldades para praticar a medicina especializada de hoje. Antigamente, no século passado, a assistência médica era um simples

gesto

de

nem

solidariedade

anestesia



humana,

cera só uma

Com o tempo, a medicina

e científica, encarecendo

porque

tentativa

não

de

existia

auxílio

antibiótico,

ao

próximo.

foi se revestindo de capacidade técnica

seu custo e a colocando

quase

inacessí-

vel para o povão, a não ser em forma de seguro... As Santas Casas tendem a desaparecer, porque não podem dar mais serviço gratuito para todo mundo, com o custo da medicina de hoje. Pela legislação atual do país, já não existem

mais indigentes, mas

isso no papel, porque nós atendemos aqui na Santa Casa uma mostra do Brasil inteiro — sujeito de botas e chapéu de couro, gente sem calçado e quase sem roupa, sem documento, sem papel

algum,

e a todos

esses



que

oficialmente

não

existem,



a

Santa Casa atende com o mesmo amor e carinho — trata de todos igualmente: os que são segurados, têm papel, podem ressarcir o atendimento pelo INAMPS, mas os que nada têm são fi-

nanciados

pela Santa

Casa”.º

Em outros termos, em competição puramente de mercado, capitalista, a Santa Casa não pode enfrentar a concorrência dos demais hospitais baseados nesse esquema. Daí o drama da instituição: quer atender a todos que a procuram e muitas vezes não lhes pode assegurar o atendimento

completo

passível

de ser dado

a uma

fração

dos

pacientes.

alto padrão,

e o

resto,

Mas,

como

estabelecer essa fração, sem fazer discriminações? Marcelo de Almeida Toledo tem a seguinte opinião a respeito: “Então, a essa parcela a gente deve

atender

bem

atendida,

de fora, porque a gente, com

dos

médicos,

dos

com

funcionários,

um

esforço

fazendo

tremendo,

uma

medicina

paciência,

diminuindo mais

ficou

o salário

econômica,

se

objetivar o dobro do atendimento, passando a atender dois mil por dia, ainda sobram dez mil do lado de fora. Então, em vez de mil, vamos atender 500 com alto padrão”: “Esta a saída que eu é função do Estado. O na fonte — a Santa Casa neris”, põe dinheiro seu a beleza de sua existência, ficente”.

vejo para a Santa Casa, porque o resto Estado tem obrigação, porque recolhe não tem. Ela, como hospital “sui gepara atender pacientes e isso constitui pois é o único hospital realmente bene-

Quinhentos e trinta médicos e os alunos da Faculdade de Ciências Mé-

dicas estão envolvidos diariamente com a medicina da Santa Casa. A escola

dá muita vida ao hospital: mantém os profissionais em contato com os alunos e isso espalha um sopro vivificador em todas as especialidades.

O Poder da Misericórdia

715

Os residentes trabalham no atendimento, cada grupo de cinco deles assistido por um médico mais experiente. A experiência pode comportar o lirismo. Por exemplo: como definir o entorno urbanístico em volta da Santa Casa e os fatores lá dentro que

a tornam diferenciada?

Diga-se, de começo, que a cidade de São Paulo soube colocar guardas

vigilantes que denominam

as ruas em torno da instituição. Gente como

Marquês de Itu, D. Veridiana, Cesário Motta, Major Sertório, Rego Freitas, General Jardim, Amaral Gurgel — antigos membros da Irmandade em vida, seus beneméritos durante a existência física, e que agora se posicionam em

vigilância como

memória, lembrando aos transeuntes

que continuam ali,

velando pela Misericórdia. E para que a proteção se tornasse completa, a colaboração de uma santa que tem uma rua logo a partir do portão — lógico que Santa Isabel. O quarteirão da Santa Casa, perto do Largo do Arouche — denominação que a Misericórdia deu ao bairro —, é “singular, rodeado de um muro despido de qualquer ornamentação — tijolos à vista, sem caiação, a cercadura mais simples que existe. Dentro do quadrilátero — formado

pelas

Ruas

Cesário

Motta,

D.

foi erguido este hospital cujo gótico que cativa, mas também

Viridiana,

Jaguaribe

e Marquês

de

Itu —,

prédio central é o mesmo”. Não é só o a harmonia e beleza do layout e a atração

verde do jardim: palmeiras, carvalhos, corticeiras, eucaliptos. O célebre Manequinho Lopes vibrou quando conheceu esse jardim pela primeira vez, admirando o desenho, a qualidade das árvores e folhagens, a simetria. Parte-se de uma imagem de Cristo, posicionada logo atrás do portão, com a inscrição “A Jesus em seus pobres” e se vai subindo em duas rampas suaves até o pátio defronte ao prédio central, onde ficam a Provedoria e a Capela. Nesse jardim e por toda a área do quadrilátero, vemos bustos e placas. com

Uma funcionária da Biblioteca Central, Sheila Ackermann, o Projeto

História

da Santa

Casa

fazendo

um

colaborou

levantamento

dessas

criações artísticas que fixam a memória de grandes amigos e funcionários da instituição. Assim,

a imagem

de

Jesus

Cristo

no

Portão Central

é dedicada

ao

imortalizado

em

Provedor Arcipreste João Jacyntho Gonçalves de Andrade e à Comissão de Obras que erigiram o Hospital Central. Há depois, diante do setor de recursos humanos, um busto em memória de Joaquim Gonçalves Moreira, “Português de nascimento, brasileiro de coração, grande protetor da Santa Casa”. Diante da Psiquiatria, outro, dedicado a Jesuino da Fonseca Leite, benemérito paulista. Do lado direito, diante da Capela, outro busto, desta vez de Diogo de Faria, “Médico notável”. O maior doador de todos os tempos

da

Misericórdia,

João

Briccola,

está

igualmente

concreto, perto da Capela, assim como o grande Diretor Clínico Arnaldo

716

Glauco Carneiro

Vicira de Carvalho,

“Inexcedível

benfeitor desta Casa

de Misericórdia à

qual dedicou a maior e a melhor parte da sua vida”. Outra homenagem

em busto: Fiel João da Silva, que dedicou à Pia Instituição a maior parte de sua fortuna. Há placas relembrando outras notáveis personalidades. A construção do Centro Radiológico foi devida à generosa doação de D. Pola Mlotek de Rezende, viúva do Engenheiro Nelson Ottoni de Rezende. Na Ortopedia há uma homenagem à memória de Fernandinho Simonsen, que denomina o Pavilhão construído com recursos doados por sua família. No subsolo

do

Pavilhão

de

Ambulatórios,

Conde

de

Lara,

na

Odontologia,

uma placa lembra Horace Wells, Cirurgião Dentista Americano (1815-1844), que “descobriu a Anestesia legando à Humanidade o triunfo sobre a dor”. Os graves senhores

tuas e placas, quanto

da Santa Casa, tanto os já imortalizados em está-

os que

dados onde se filtra uma

se deslocam

pelos belos corredores aboba-

luz terna, costumam

olhar os assistidos da Mise-

ricórdia, que se quedam nos bancos do jardim, descansando uns ou muitos momentos, numa harmonia perfeita com o ambiente acolhedor, integrados,

sem o saberem, com a filosofia da instituição multissecular. E muitas vezes

esses assistidos pela Santa Casa (que conforme Fortunato Gianini bem poderia chamar-se Santa Casa do Brasil), aproximam-se daqueles graves senhores, têm um instante de perplexidade com suas roupas formais, mas logo se deixam atrair pela mensagem estampada em suas faces — a mensagem do interesse pelo próximo, a fraternidade que se desprende dos seus olhos e de sua postura. Como diz Marcelo de Almeida Toledo, é gente de todo o Brasil que confia na caridade dos homens de São Paulo. A Santa Casa é para eles a última esperança de bom

atendimento

e gra-

tuito —

o único lugar onde se assistem homens, mulheres e crianças que

não têm

“papel

nenhum”,

“não

têm

Funrural”,

“não

têm

INAMPS”,

“os

que perderam tudo”, “os que nunca me deram”, “os que não sabem mais para onde ir”. Eles chegam à capital paulistana, ficam algum tempo na Promoção Social (antigo Serviço de Emigração) e dali vão ter à Santa Casa. Chegam num ônibus todo torto, caindo aos pedaços, tão precário quanto a pobre e sofrida gente que transporta: “São umas quarenta pessoas piores do que o ônibus — nunca se vê um desfile tão triste, mais comovente: é gente sem perna, sem braço, sem rim, sem olho... Se a gente pudesse pegar todos os órgãos deles e formar pessoas completas, não teríamos material para dez pessoas inteiras — é impressionante. Então, é esse o tipo de atendimento da Santa Casa que não se vê em lugar nenhum. Aqui as patologias são num grau nunca visto. Eu atendo aqui, às vezes, pacientes que ficam quatro meses sem evacuar, e têm

um abdome tão grande que o intestino grosso chega a ter trinta

O

Poder

da

Misericórdia

centímetros de para a Europa na Santa Casa, uma inocência um sujeito que

717

largura. Fiz radiografias de pacientes assim e levei e eles ficaram abismados. É isso o que nos espanta vendo patologias desse tipo e ao mesmo tempo, de comover. Eu próprio tive um caso aqui, de tinha um dedo no dorso do pé, com três falanges

e um dedo ereto, com unha — desafiante, parecia até um chifre

de rinoceronte. E ele nos procurara para tratar do rim doente... É claro que uma anomalia genética desse tipo pode acontecer na Europa e nos Estados Unidos, mas lá, assim que o indivíduo nasce, o pediatra corta e a mãe nem fica sabendo. O que é inusitado e que nos espanta é que o indivíduo tenha permanecido com esse dedo no peito do pé durante vinte anos e ninguém tenha achado anormal. Para ele, estava “tudo bem”. Quer dizer, esse dedo é muito eloqiente, porque nos diz que estamos num país onde o atraso, a pobreza, a falta de cultura predominam. Ele veio para cá para tratar do rim — não tinha qualquer trauma com esse dedo no pé. Não o considerava anormal... Esse pessoal que nos procura, que vem

de bota, que

usa

chapéu, essa gente do

de chapéu

de couro,

interior, é respeitosa,

chega, cumprimenta, dá bom dia, boa tarde, coisas que em outros hospitais você não vê e é por isso que eu falo muito com o meu

pessoal: é preciso respeitar essa gente, porque eles vêm acreditando que a Santa Casa é a última esperança. É preciso que en-

contrem

na gente

uma

coincidência

com a imagem

que

têm

do

médico — não podem chegar aqui e encontrar um médico de jeans, tênis, barbado, cabelo arrepiado — coisa que no interior não existe. ..”.8 Os médicos da Santa Casa, ligados a uma faculdade, emparelham com os melhores do mundo. Viajam ao exterior, frequentam congressos, elaboram trabalhos — muitos abrem mão dos consultórios próprios e fazem preferencialmente pesquisa. E a Misericórdia tem pontos fortes em sua medicina: por exemplo, sua Ortopedia é magistral, e o diretor do Departamento, Dr. Carvalho Pinto, tem fama nas três Américas, sendo constan-

temente

agraciado

por países estrangeiros.

A Anatomia

Patológica é outro

setor de destaque, bastando dizer que especialistas da Santa Casa integraram a junta que redigiu o laudo cadavérico de Tancredo Neves. Se são centenas hoje, somam milhares ao longo dos séculos. Os espiritualistas não acreditam que gente que tanto amou a Santa Casa possa afastar-se daqueles corredores, túneis e enfermarias, pelo simples fato da morte... É por isso que, nas madrugadas escuras e frias, há quem veja homens de capa preta e freirinhas de hábito branco perpassando pelas velhas alas a que deram suas vidas...

718

Glauco Carneiro

A Santa Casa c a Poesia

Prova da peculiaridade da Santa Casa é a sua vocação para abrigar poetas... Oliveira Ribeiro Neto escreveu que ela “há 400 anos junto a Deus, /

a proteger os pobres

deste mundo, / uma

união de pobres e plebeus /

juntou num gesto amplo e profundo, / sob a bandeira de luz e de concórdia, / —

“de

teu coração, São Paulo!



Misericórdia:

“Dona

Isabel,

Rainha,

os filhos teus / na Santa Casa

te inspirou

e te ensinou a crer na santidade de quem protege o pobre a quem o pão da santíssima verdade da saúde que nos protege a vida, pois tuas mãos e tua caridade

conduziram

faltou

os passos do teu povo,

das ruas tortuosas da cidade, que surgia teimosa e bem nascida, ao teu coração que é sempre novo a proclamar amor, fraternidade,

e mata a fome

ao pobre, e trata e cura

a chaga mais cruel e persistente baseado na fé que o transfigura,

oh minha

Santa

Casa, nunca

ausente

a proteger a vida do teu povo.” nbava

Por sua vez, Marcelo triste,

com

a

tristeza

de Almeida discreta

Toledo, fala daquele que

dos

fatigados,

numa

noite

“cami-

escura,

coagulada em preto, subindo calado o jardim serpenteado da Santa Casa: “Ninguém o acompanhou com um sorriso. Ninguém para lhe acenar uma despedida. Internou-se no pavilhão especificado, numa tristeza estranha e tão definitiva, sentindo escoar o ímpeto da vida sozinho acordado enquanto, talvez, o próprio Deus dormia. Ao amanhecer sonhou com

um

pássaro amarelo,

descomunal,

numa plumagem rica de libras esterlinas, junto à fachada medieval.

E tudo rebrilhou naquele enfoque óptico,

uma nuvem de ouro sobre um fundo gótico.

719

O Poder da Misericórdia

Então... Ah! então, franzindo a testa, num lento pensar, meditou sobre a vida, a força da vida, na vontade de Deus, toda colorida.

Então entendeu o porquê

que esse velho ipê, já coberto de hera,

antecipa, florindo, a primavera.”

Num Vicente

plantão

que dava

Félix de Queiroz

na

escreveu

Santa

Casa,

há alguns anos,

um

poema

sobre os velhos

o médico

corredores

da instituição a que sempre dedicou sua vida. Enviou-o, então, como

lem-

brança de seus 45 anos de serviços à Misericórdia, ao seu colega e amigo,

o então Diretor Clínico Waldyr da Silva Prado. Eis essa peça comovente, inspirada por foto da luz que se filtra nos corredores da Santa Casa: “Veja, Waldyr, os velhos corredores Que saudade! Saudade

comovedora

que

logo

da nossa

Santa

Casa!

nos invade,

Daqueles nossos pobres sofredores.

Neles passamos como sonhadores, Carregando a esperança e a mocidade.

Eles viram passar toda a bondade Daqueles nossos velhos professores.

Eles sabem também quanto lutamos Para salvar as vidas que salvamos

Com

Sem

todo o coração.

ninguém,

sem

mais

ninguém

Apenas essa luz tão calma e boa

Parece que do céu nos abençoa Pelo bem que fizemos, pelo bem.”

A história de Anna

Alguns pacientes da Santa Casa ficam. Não sabem mais desgrudar-se daquele quadrilátero que salvou suas vidas e sentem uma obrigação para com os que virão depois.

Dizem como Anna Bezerra —

com o pouco do que

Aninha: — Oxalá eu pudesse devolver

faço tanto amor que por aqui

achei!

“Quem quiser descobrir a alma pura, nata da Santa Casa, dê uma volta pelo corpo do Hospital, apalpando suas paredes

de tijolos vermelhos, olhando funcionários,

irá encontrar

fundo

repousando

nos olhos em

de seus

saudades

dos

velhos

velhos

720

Glauco Carneiro

tempos, neste mesmo século, a mesma caridade, o mesmo amor que move cada um, médico, enfermeira, atendente... a dar um pedacinho de si para o bem do doente... Te agradeço Senhor... / Por trazer-me a esta casa... / Por mãos amigas ser recebida, / Onde a dor achou alívio / Recuperando a própria vida! Te agradeço

Senhor...

/ Pela infinita bondade

e calor /

Pelos carinhos, palavras e ensino / Pela brancura de suas vestes /

As

Irmãs de Caridade

/ Anjos

da Irmandade!

Te agradeço Senhor... / Pelas mãos abençoadas / Instrumentos do Senhor / Dos médicos, soldados em luta / Da vida

afastando

a morte

/ Batalhando a própria

sorte!

Te agradeço Senhor... / Por mais um dia de vida... Trazendo novas esperanças / Para todos que à noite sofrem Por toda a dor amparada / E todas as lágrimas choradas!

/ /

Te agradeço Senhor... / Por tantos anos vividos... / Sofrendo e aprendendo / Que a vida só tem valor / Quando morrendo!”.

estamos

Antigos funcionários, como Lúcia Dutra, emocionam-se com os “Senhores” — os membros da Irmandade que se sacrificam e muitas vezes

morrem mente,

no seu esforço anônimo.

mas

que

encara

o dever

Gente

da

que não precisa

Irmandade

com

mais

trabalhar duraforça

do

que

talvez a lida de antes... José Camargo Aranha, Benedito Santana, Vicente de Azevedo — a dedicação total:

“A gente cresceu e acompanhou essas pessoas e sente por elas um respeito maior... São diferentes, emocionam... Alguns são santos. .., pacientes, dóceis e, no entanto, obstinados. .. Gente de um

equilíbrio emocional

Há também

extraordinário...

uma profunda consciência de missão:

dar con-

tinuidade ao que já vem de tanto tempo... As pessoas aqui trabalham pelo próximo, não por sua salvação — elas provam que

a caridade é possível no mundo

de hoje...

Este grande prédio, este jardim, esta beleza de mãe grande na arquitetura — o prédio se abre, aqui não tem frio, só tem

amor...

E o mundo em volta sente o que é a Santa Casa. Há trinta

anos que a floricultura

do

Largo

do

Arouche

nada

para trazer as flores para nossas mesas. Os donos para a Santa Casa: não podemos cobrar.

me

dizem:

cobra



É

721

O Poder da Misericórdia

Apesar dos meus 40 anos de serviço, cu não dei nada

a Santa

Casa.

Manoel

Joaquim

gente. ..”.? ingressou



recebi.

Bottari,

Trabalhar

o

mais

aqui

veterano

na instituição a 23 de setembro de

Manutenção:

me

para

melhorou

servidor

da

como

Santa

Casa,

1930 ec hoje é chefe da

“Eu cresci junto com a Santa Casa... Ela tem sido totalmente a minha vida. A um irmão que queria me dar um emprego, onde iria ganhar mais, eu disse: “Vou dizer o que me prende à Santa Casa”. Comecei pela Mesa Administrativa, aqueles homens límpidos, aqueles homens corretos com quem a gente lidava e que mereciam todo o nosso respeito. Depois, passei aos médicos, que nesse tempo eram extraordinários, diferentes — até compravam remédio para a gente, se precisasse... Grandes homens:

Soares

Drs.

Rezende

Hungria,

Puech,

Benedito

Odair

Pedroso,

Montenegro,

Pedro

Adolpho

Ayres

Netto,

Lindemberg...

Todos homens extraordinários, de uma dedicação fantástica. Ficavam aqui de manhã à noite, até aos domingos... Celestino Bour-

roul tirava dinheiro do bolso para dar aos doentes pobres

não podiam comprar remédio... O Dr. José de Alcantara chado, um espírito iluminado e sonhador...

que

Ma-

Havia também a gente humilde que ia entrando e ficando... O Anselmo era um desses: 60 anos de Santa Casa. Entrou aqui mocinho e morreu com quase 90 anos... O maior Provedor que a Santa Casa teve foi Christiano Altenfelder Silva, pela dedicação, pela assiduidade... Eu acho que esses homens da Irmandade vêm para cá por pura caridade. Foi por isso que eu disse a meu

irmão:

“O que me prende

são

aqueles homens, a gente que está lá dentro, homens com quem se tem prazer em lidar, tal sua dedicação, e nisso o meu espírito

se identifica com o deles. As vezes eu falo para meus funcioná-

rios, quando começam a reinar muito. Digo: — Olha, a Santa Casa é isto, isto e isto. Tudo o que vocês fazem é em benefício do doente, dos que sofrem. A Santa Casa não visa lucro, não vai ter rendimento em cima do trabalho de vocês. Quem vai ganhar são os doentes. Amanhã vocês vão ter sua mãe doente, como têm fulano € sicrano, que trouxeram o pai, o filho, e todos

foram atendidos. Vocês trabalham por vocês mesmos. ..”)º

Todos se sentem participantes. Dizem como o Dr. Toshio Mochida: “Aqui trabalho, me aperfeiçõo, e aprendo os novos rumos da medicina. Meu trabalho é técnico. Sou uma peça da engrenagem da Santa Casa”.

722

Glauco

Carneiro

É preciso dizer que para a maioria O ingresso na Santa Casa quer dizer “permanência definitiva”. Conhece-se tijolo por tijolo. Certa vez, para

comprovar a diferença do ambiente, o médico Waldyr da Silva Prado levou

um colega disse: “Eu

inglês para visitar a Misericórdia. Ele olhou a construção e compreendo por que o senhor gosta tanto deste hospital —

basta olhar”. Em outra ocasião, um grupo de médicos

franceses considerou

como ponto alto de sua estada no Brasil uma recepção que lhes foi prestada na Santa Casa. Aquelas abóbadas, aquele gótico, influenciam: “Aquelas arcadas nos abraçaram e não nos largaram mais. A arcada gótica é a representação usada no Cristianismo para figurar a elevação do homem até Deus. A nave gótica é a estilização das mãos postas em prece”.» 12 Na expressão de Prado, “a Santa Casa não é bem um Instituto de Caridade, porque é mais do que isso — é um instituto humano, onde se pode concretizar o homem integral”. Médicos antigos e modernos Neste roteiro sentimental da Santa Casa é preciso aludir a experiências humanas desse templo de humanidade. Falar do perfil do médico que tem servido à instituição, ontem e hoje. Retornemos a Waldyr da Silva Prado e às saborosas histórias de sua passagem pelo Corpo Clínico: “GC: Dr. Waldyr, eu gostaria de retornar a um ponto. Nós traçamos um perfil, que eu achei esplêndido, do irmão típico. Eu gostaria que o Sr. me traçasse um perfil do médico típico da Santa Casa. Os dois modelos: o médico da sua geração, quer dizer que eu acho que representa a geração clássica e o médico de hoje da Santa Casa. WP: O de hoje eu pouco posso dizer. Eu estou numa idade, estou já afastado da atividade médica e acredito que este médico de hoje seja um médico, de tal maneira assoberbado com seus problemas econômicos, porque o médico não passa hoje de um proletário de luxo, tendo que ter vários empregos para se manter. Talvez não possa se desenvolver nestes médicos o mesmo espírito que tinha o médico de 50 anos atrás, que iniciou a sua carreira há 50 anos atrás, como é o meu caso, em que tudo era muito mais fácil e que nós tínhamos um grande prazer em trabalhar de graça e nós disputávamos mesmo era um lugar no escalão hie-

rárquico que ia sendo construído pela nossa carreira. Se o Sr. leu os relatórios da Santa Casa, deve ter verificado que

723

O Poder da Misericórdia

cada enfermaria da Santa Casa só possuía um chefe de clínica, que era chefe da enfermaria e no máximo 4 assistentes efetivos. Os outros todos eram assistentes voluntários da Santa Casa. Eram homens que não ganhavam nada para trabalhar e o assistente efetivo também não ganhava nada. Apenas após a Lei Alípio, obrigando os hospitais que recebiam verbas do Estado, a remunerar o seu Corpo Clínico, Alípio Correia Neto era deputado do partido socialista, se não me falha a memória, fez uma lei, daqui de São Paulo, não era uma

lei federal, que obriga

todas aquelas institui-

ções que recebem dinheiro do governo, a que o corpo clínico seja remunerado, mas não fixava quanto deveria ser essa remuneração. Então a Santa Casa passou

a dar uma quan-

tia simbólica que o chefe da enfermaria distribuía entre os seus membros e era uma quantia simbólica realmente. Mas, evidentemente, isso hoje não pode mais existir, porque dentro das contingências da vida, um médico já começa a trabalhar antes de poder exercer sua função, já especialista e tudo isso. Então tem de haver uma

diferença muito

grande entre o perfil desse médico e o médico do passado. O médico do passado, eu poderia fazer uma comparação talvez um pouco grotesca. Seria a velha guarda napoleônica, sempre resmungando mas sempre em frente, porque o médico da Santa Casa estava sempre brigando, sempre falando contra a Mesa Administrativa, sempre protestando e sempre trabalhando. E eu quero, antes de terminarmos a nossa conversa, lhe mostrar um documento que tenho aqui, que é muito interessante e me foi dado como lembrança por um dos nossos velhos médicos da Santa Casa, que era meio poeta, Vicente Félix de Queiróz.

Já morreu e era mé-

dico da porta. Mostra um aspecto muito interessante. Ele me fez um verso que define muito bem várias das perguntas que foram feitas. O médico da porta é o seguinte: São Paulo não tinha Pronto Socorro (PS). Existia o Hospital das Clínicas. A Santa Casa mantinha um médico 24 horas

por dia, de 12 às 12 horas do dia seguinte. Este médico

tinha um estudante de 6.º ano que o acompanhava neste plantão e ecra um médico fixo que dava esse plantão, cada dia 1.º. Aí esse estudante de 6.º ano se agregava a um outro que aparecia, um ou outro dia, mas eram, oficialmente, duas pessoas. Essas duas pessoas eram responsáveis pelo PS de São Paulo inteira, na década de 30 até 1945. Todo PS de São Paulo era exercido por um médico que ficava 24 horas atendendo todas as emergências. Todas as

ambulâncias de São

Paulo drenavam

para a Santa Casa.

724

Glauco Carneiro

Então

nós

tínhamos,

quarto

do estudante

em

cima,

naquela

parte

da

frente,

naquele sótão existia um quarto de médico,

na porta o

Nós

faziam

tínhamos

uma

interno

refeição

e o quarto do farmacêutico.

especial,

as irmãs

uma

refeição especial para nós. São Paulo era uma cidade ainda calma, então, de noite a gente escutava o barulho da sereia da ambulância, quando ia para o Pátio do Colégio, ali onde era a 1.º Delegacia de Polícia de São Paulo e o 1.º

atendimento,

o único

atendimento

de urgência,

que equi-

valia a um posto de pronto-socorro hoje. Mas nós só tínhamos também um médico e um outro estudante dormindo. A gente escutava de noite aquele barulho da sereia da ambulância, aí ficava de orelha em pé, de repente a gente

escutava o barulho da sereia velho telefonista e acordava estudante e dizia: “olha, taí via e se fosse realmente grave,

vindo. Aí, de repente subia o a gente. Primeiro acordava o um caso grave”. O estudante chamava o médico de plantão

e operava. O telefonista era tão prático que, às vezes, ele subia, naqueles dias frios, com um cobertor na cabeça e

dizia:

“oh, doutor!

Era o

Júlio.

é um

caso de aborto, já mandei

fazer

pituitrina, pôr bolsa de gelo, não precisa descer já, não”. GC:

Pituitrina?

WP:

Isso, é para ajudar a parar a hemorragia. Isso era o PS de São Paulo. E, às vezes, operávamos 24 horas seguidas. Em 1945 cria-se o Hospital das Clínicas e eu fui um dos

primeiros a fazer plantão lá, como assistente do Prof. Montenegro. Nós fomos os primeiros a ocupar o PS. Aí começa

um PS em bases modernas e a Santa Casa fechou o ProntoSocorro dela, mas foi obrigada a reabrir em 1961, tendo em vista a criação da Faculdade, que ela já estava pensando em instalar. Aí foi chamar os velhos médicos, que eu chamei de ferro velho da Santa Casa, o Dr. Oriente, que hoje é Diretor Clínico, eu, o Silva Telles para chefiar-

mos equipes para montarmos esse PS e que hoje é um excelente PS. Mas durante 24 horas São Paulo estava entregue a um médico da porta e um estudante. GC:

Quando o Santa Isabel começou a funcionar, sendo um hos-

pital com destinação própria, o fato de visar o lucro, justa-

mente, para atender parte das despesas da Santa Casa, mudou um pouco o espírito desses médicos?

WP:

Não, muito ao contrário. O negócio é até muito engraçado.

Durante anos a Santa Casa manteve

o Pavilhão

de Pensio-

O

725

Poder da Misericórdia

nistas só, que da mesma maneira que era o velho hospital, era dividido: tinha um lado que era Pensionistas Mulheres; é o lugar onde está hoje instalada a Superintendência. Então

o Sr. chega

lá e encontra

uma

placa,

uma

tabuleta

escrita assim: Chefe de Clínica Dr. Gomes Caldas. Lá era o Pensionistas Mulheres, inclusive, não tinha elevador. Quem estava deitado, a maca era levada a braço. O doente era operado e levado a braço. E do outro lado, onde hoje está instalada a Secretaria da Faculdade era o Pensionistas Ho-

mens e nós brigávamos quando tinha um doente para internar, porque nós queríamos operar dentro da Santa Casa.

Mas

é mas

Então

pelo amor de Deus, eu tenho um não

tem

vaga,

foi uma grande

doente urgente...

tá na lista aqui mas não

reivindicação

tem

vaga.

do Corpo Clínico da

Santa Casa a criação de um Pavilhão de Pensionistas. Só que se deu um fato curioso. Depois que a Santa Casa cons-

truiu esse Pavilhão de Pensionistas, grande número de médicos que trabalhavam na Santa Casa, não internam no Santa Isabel, internam em outro hospital, porque acho que já estavam acostumados com esses outros hospitais. No Santa Isabel é mais pedido internação por esses médicos mais moços, que dão consulta lá. Mas era uma coisa necessária.

GC:

O Sr. lembra de algum episódio da porta...

WP:

Aconteceu

um

era muito

bravo,

fato curioso:

um

dia eu estava

de plantão,

início de plantão, não vou citar o nome do médico, pois ele já faleceu e quando eu assumi o plantão, esse médico

muito

bravo.

coração

Quando

de

ouro,

amicíssimo

cheguei, me apresentei

meu,

mas

ao meio-dia

a ele. Ele disse: “é você que vai entrar?”, eu disse: “sou”. Então nós estamos ruim, porque nós já vamos começar a

trabalhar desde já. E, realmente, tivemos uma série: come-

çamos a operar, tivemos uma obstrução intestinal, tinha um

outro caso que eu consegui resolver sem operação e assim foi passando a noite e aí veio um fato meio jocoso. Quando chegou as 7 horas da noite um dos antigos dos grandes che-

fes de enfermaria da Santa Casa

telefona para ele e diz

que tinha morrido na enfermaria dele um português lá da cidade que ele tinha fazenda, perto de São Paulo e que precisaria mandar o corpo do português e queria que nós em-

balsamássemos. O médico não disse nada, porque havia aquele respeito da hierarquia e a gente respeitava muito os mais velhos. Ele voltou para a mesa, nós estávamos jantando,

e disse:

“você



embalsamou

alguém

na

vida?”

“Nunca”, eu disse. “Então nós vamos ter que embalsamar

726

Glauco

um português”. “Não samar”,

tem problema, vamos

Carneiro

tentar embal.

A enfermaria dele preparou um frasco enorme de formol e aí vem um detalhe. Nessa época, na Santa Casa, acho que foi no ano de 1938/39, não existia enfermagem. O indivíduo era admitido, punha um avental branco... Isso já eram mais de 10 horas da noite. Nós saímos e passando pelo corredor vinha vindo um rapaz com avental branco, com cara meio de enfermeiro e ele disse: “você

aí, vem cá”. “Mas, doutor...” “não discuta comigo, só me

acompanhe”. Entramos no necrotério velho, onde hoje é o pátio de estacionamento do Santa Isabel. Chegando lá o rapazinho carregando aquela história daquele frasco de formol já entrou apavorado. Não era um espetáculo muito agradável, 10 horas da noite, entrar num lugar só com aquela mesa de mármore com aqueles corpos ali em cima e ele me pediu a parte técnica para fazer e ele queria que o formol passasse lá no interior do coágulo e ele colocou aquilo dentro de um irrigador e dizia: “levanta mais, levanta mais”. O sujeito levantava e o formol não descia. “Sobe nessa mesa”. Era a mesa onde tinha um cadáver. O sujeito subiu na mesa, empurrou o cadáver um pouquinho com o pé assim, “põe mais alto, põe na cabeça” e o formol não descia. “Vai apertando a borracha” e aquele negócio, estava aquele ruído soturno e de repente a borracha soltouse, caiu aquele formol todo na cabeça do sujeito, o sujeito deu um pega, pulou da mesa, saiu correndo pelo hospital, saiu pelo portão de trás da Santa Casa e nunca mais ninguém viu. No dia seguinte ficamos sabendo. O sujeito tinha entrado naquele dia na Santa Casa para ser empregado de limpeza e nunca mais viram o homem, sumiu. Aí fizemos a embalsamação da maneira que achamos melhor. Daí ele disse o seguinte: “Agora, o Sr. só me chame hoje, se for uma coisa muito urgente. Resolva tudo o que você puder resolver, porque eu não agúento mais”. Isso já eram quase duas horas da manhã. Daí me chamaram para uma apendicite aguda. Pensei, nem vou acordá-lo. Tinha um outro estudante que lá apareceu, eu o chamei e operei. Era um

menino com apendicite supurada. GC:

O Sr. era estudante do 6.º ano?

WP:

É, estudante do 6.º ano, mas eu já tinha operado muitos. Eu operei, o menino

sarou e eu tive o primeiro presente

médico. Naquele tempo, a Antártica tinha uns entregadores, fora os caminhões, umas carrocinhas que levavam cerveja.

O Poder

da Misericórdia

127

No Natal pára na porta da minha casa uma carrocinha levando uma porção de engradados de cerveja. O pai do menino veio me trazer. Realmente tem coisas muito pitorescas. GC:

WP:

Agora

me

faça

um

perfil do doente da Santa Casa, assim

mesmo com essa visão abrangente. Ou então ao longo do tempo os doentes. O atual doente da Santa Casa... Na Santa Casa durante muitos anos, há um tipo de doente,

é claro, que eu não peguei, que é o doente escravo. Este era internado, a gente vê pelos arquivos da Santa Casa,

mas o doente da Santa Casa era em geral, naquela época não existia

Previdência

Social, a não ser os portugueses

e

algumas associações de classe que tinham na Beneficência Portuguesa, associações de algumas classes laboriosas. Na verdade, o operário, este ia direto para a Santa Casa. E muito doente do interior de São Paulo, que vinha se tratar em São Paulo, colonos de fazenda, trabalhadores rurais, o grosso, o Sr. vendo esses anais da Santa Casa, o Sr. vê a procedência. Tinha uma porcentagem muito grande de doentes do interior de São Paulo. De outros estados, também, mas não com a incidência que nós teríamos no dia de hoje. Um paciente humilde, que para ele tudo estava bom, entregava-se nas mãos do médico sem conhecê-lo e eu diria que aí é que está a grande responsabilidade do médico, o indivíduo se entrega, que ele não tem outra opção. Agora



um

fato

muito

curioso,

sobretudo

na

década

de 20 eu não estava dentro da Santa Casa, mas na déca-

da de 20 houve o desbravamento do que restava do sertão

de São Paulo a Noroeste, altura da Alta Sorocabana e com isso houve

o aparecimento

de um

surto

de

leishmaniose.

A leishmaniose cutânea é uma doença próvocada por mosquito e que, em geral, atacava quase que

inexoravelmente

o nariz, provocava ulcerações que corroíam e, então, os doentes ficavam mutilados no nariz, sobretudo. Eles iam à Santa Casa, recebiam tratamento e saravam, mas muitos desses doentes ficavam feios, com um aspecto um tanto repulsivo e conseguiam ficar trabalhando na Santa Casa. Grande número de empregados da Santa Casa da década de 30 eram antigos doentes, ou leishmanióticos ou de outras doenças, que achavam, conseguiam, porque pegavam qualquer um, as irmãs de caridade. Só precisava de doente. Então o velho Anselmo, que morreu, o encarregado da Seção de Pessoal também pegava esses doentes para lim-

728

Glauco

Carneiro

par corredor, etc. e desta época existe um personagem curiosíssimo, que aliás foi objeto de reportagem da imprensa. Não

me

recordo

o nome

Nós

começamos

a notar

ções

de

de

dele.

um

indivíduo

que

vestia-se

mal,

bigodes grandes, usava uma sandália tipo franciscana e que todo o dia ia à Santa Casa, porque esses doentes que vinham do interior, depois que tinham alta recebiam um passe, lá na Santa Casa, a Polícia expedia um passe para retorno e este homem juntava todos esses doentes, perguntava para onde iam e levava-os para embarcar nas estaEstrada

Ferro

da

Sorocabana.

E nós

começa-

mos, no início, a ter uma certa desconfiança dessa pessoa, pensando que fosse um explorador. Depois viemos a saber que ele tinha feito voto de pobreza e um voto de caridade e dedicou sua vida a isso, conduzir os doentes da Santa Casa, porque estes, quando chegavam a São Paulo eram vítimas de exploradores, então, ele esperava na estação e se via um

doente,

dizia:

eu

vou

para

a Santa

Casa,

espere

aqui. Levava à Santa Casa e depois levava de volta. Depois até demos um posto a ele, que até a década de 60, ele

trabalhou nesse lugar. Quando eu voltei da Europa em 71,



não

GC:

O

nome

WP:

Na

morrido feitor).

o encontrei. e recebeu

dele

Tenho

o título

a

impressão

de irmão

da

que

Santa

ele já

tinha

Casa

(ben-

qual é...?

Santa Casa

vão lhe dar

o nome

dele, parece

que

era

Thomaz, se não me engano. Eu cheguei a conhecer um filho dele que era um industrial muito bem abonado na vida e o pai vivia na miséria total. Isso é uma figura de Santa Casa, que só pode existir num

hospital como a Santa Casa,

porque se sair num outro hospital... Como sucede isso hoje? O homem vai sozinho? Não, hoje tem a figura do A. Social formado, já dentro de uma

tecno-

cracia que o leva, entrega ao Cetren, o Cetren por sua vez

despacha e tudo GC:

WP:

Outra

coisa

isso.

curiosa

que

o senhor

vai

contar,

não

é?

E. Na enfermaria onde eu trabalhava e de passagem via, todo dia, umas placas de gelo colocadas ali e ficavam derretendo o dia inteiro. Um dia resolvi investigar, porque como eu disse, conheço tijolo por tijolo, o que era aquilo e descobri a coisa mais extraordinária do mundo. Na epidemia de gripe de 1918, a Cia. Antártica Paulista resolveu doar para a Santa Casa, diariamente, certa quan-

O Poder

729

da Misericórdia

tidade de gelo para compressas, etc., que o gelo era muito usado na medicina, não sei como mas era. Então, todo dia, não sei quantas barras de gelo eram entregues ali naquele portão da Santa Casa. Não havia geladeira. Depois chegaram as geladeiras elétricas e refrigeração de todo tipo e a Antártica continuou entregando o gelo. Ninguém deu ordem,

a Antártica também não sabia. Inclusive a Santa Casa tinha

naquele tempo um gabinete de fisioterapia e depois desmontaram aquilo para fazer a cozinha e não sei que mais e, então, aproveitaram uma porta grande, alta, de estufa, fizeram uma espécie de armário no muro que dá para a Rua D. Veridiana e, até bem pouco tempo atrás existia essa porta e era uma espécie de estojo para guardar essas pedras de gelo, porque até a década de 60 essas pedras ainda eram entregues. GC:

Entre os médicos e os funcionários há algum folclore sobre o prédio, sobre as figuras...

WP:

Histórias de fantasmas? Ah! tem.

Existe uma história, hoje já está meio

distorcida,

mas

no

tempo das velhas enfermarias era muito conhecida. Dizia que teria existido uma irmã de caridade que era muito má. Era ríspida, maldosa. Morreu, foi enterrada, mas que o espírito dela voltava à noite para a Santa Casa. Fazia O seguinte: entrava na enfermaria e ia em direção ao leito da pessoa que estava passando mal, que ia morrer. Mas o que sucedeu? Num plantão meu, já agora na década de 60, 61 eu acho, era chefe de equipe de Pronto-Socorro e tinha plantão, domingo durante o dia e 2.º feira à noite e naquela época, ainda, existiam as velhas enfermarias, ainda não eram departamentos e eu estava na 3.º Cirurgia de Mulheres. Mandei um dos rapazes lá na enfermaria para ver qualquer coisa. Ele foi, voltou e disse: “eu vi uma irmã lá”. Mas que irmã rapaz, não tem irmã nenhuma. Não, mas

eu vi uma irmã lá na enfermaria. Mas você está vendo visão, rapaz, não tem irmã nenhuma. Às nove horas da noite é só a ronda que passa ec a ronda ainda não passou. Ele começou a ficar apavorado. O sr. tem certeza? Eu tenho certeza, Muito simples, a ronda vai passar agora, nossa irmã não é porque a nossa irmã já foi para a Escola de Enfermagem, onde cla reside. Lá naquele lugar não tem irmã nenhuma. Vamos perguntar para a ronda se tem alguma irmã. Não aqui não tem nenhuma doutor. O rapaz ficou apavorado, disse que de noite não voltava mais na enfermaria. Eu juro p'ro Sr. que eu vi uma irmã”,

730

Glauco Carneiro

Medicina.e bem da Humanidade

E assim prosseguem os relatos que dão ao leitor uma noção precisa da intimidade da Santa Casa. Fortunato Gianoni conta que ingressou na instituição por recomendação de Miguel Couto, de quem fora interno na

Santa

Casa do Rio

de

Janeiro.

O

Dr. José Soares

ao Prof. Celestino Bourroul, da 6.º Enfermaria: “O abrangia tes tinha lado da

Hungria

apresentou-o

sistema de trabalho, que era chefiado pelo Prof. Celestino, toda a enfermaria; sendo que cada um dos 2 assistenresponsabilidade por uma metade dos leitos, um de cada enfermaria; cada assistente, tinha sob seu comando 5

médicos e cada médico

10 leitos, isso normalmente, sendo que o

número de leitos de cada médico era muito elástico, podendo aumentar exageradamente conforme a necessidade de internação dos ambulatórios e dos pedidos dos amigos de cada médico. Além dos doentes internados, a equipe tinha que atender quantas pessoas aparecessem no ambulatório!!! Isso durou mais ou menos uns 5 anos, até que foi estabelecido

um

serviço de triagem e a

clínica médica ficou mais folgada, porém, nunca foi possível marcar consultas, a não ser para depois de 20 a 30 dias, tal o número de pretendentes que vinham de todas as partes do Brasil e que ainda hoje continuam enchendo todos os ambulatórios do Conde de Lara. A Santa Casa de São Paulo deveria chamar-se

Santa Casa do Brasil.

Todos os médicos da Santa Casa, naquele tempo, eram voluntários, nada percebiam pelo seu trabalho, chegando a maioria deles a contribuir muitas vezes com donativos para as festas de

Natal, etc., e até angariando das fábricas donativos de grande

valor, como

tores, etc.

sejam, roupas de cama,

lençóis, travesseiros,

cober-

O espírito médico era essencialmente humanitário, manten-

do o relacionamento entre colegas, todos intencionalmente cados à prestação de serviço gratuito.

Os

doentes em paga,

a essa nossa

dedicação,

dedi-

ainda nos

sobrecarregavam cada vez mais de serviços, tal era a propaganda

otimista que faziam da Santa Casa, levando essa propaganda aos mais remotos rincões do interior do Brasil, de onde jorravam as patologias mais comuns

no meio rural.

Houve uma ocasião, em que o laboratório central não vencia

os pedidos de exames de fezes parasitológicos e hemogramas, tal era o número de verminoses e anemias que tínhamos diariamente

na enfermaria e muito mais nos ambulatórios, razão pela qual foi montado, na própria enfermaria, um laboratório, pelos cole-

gas Felipe Vasconcelos e Gastão Rosenfeld que, mais tarde, inti-

O

Poder

da Misericórdia

731

maram o colega Victorio Maspes e outros a auxiliarem nos serviços desse laboratório, de onde saíram grandes mestres analistas que ainda hoje são luminares não só da Santa Casa, como na clínica particular e em outros centros do ensino médico. Havia um íntimo relacionamento entre todos os médicos da Santa Casa, especialmente entre o pessoal da clínica médica, da cirurgia, da ginecologia, da dermatologia, oftalmologia, radiologia e patologia. As reuniões de clínica médica eram freguentadas não só por clínicos, mas também por cirurgiões, patologistas, dermatologistas, oftalmologistas, radiologistas, etc., dando um brilho todo especial à parte científica por esses colaboradores. Sendo que o diagnóstico definitivo, era sempre dado pelo resultado anátomopatológico, depois de ferrenhas discussões entre os clínicos, cirurgiões e patologistas. Predominava nessas reuniões o verdadeiro espírito científico,

em que as hipóteses diagnósticas eram analisadas sob todos os aspectos interessantes de cada caso; ninguém ficava diminuído em errar. Havia cirurgia do Lindemberg Raul Vieira doso

também reuniões em outras especialidades como na Professor Ayres Netto, na dermatologia do Professor e Prof. Humberto Cerrutti, na 1.º cirurgia do Prof. de Carvalho, onde o principal briguento era o sau-

João de Oliveira

Matos, Nairo

França Trench,

Hermeto

Ju-

nior, João Montenegro, e tantos outros como Mário Degni, etc...

Nas reuniões anátomo-patológicas eu tinha especial predileção em contestar as hipóteses do Maffei, só para que ele ficasse raivoso e com sua conhecida capacidade científica me reduzisse a pó de traque, com grande aproveitamento meu, e de todos os colegas. Lembro seu diagnóstico de epilepsia, através de radiografias do crânio: preparei várias chapas de crânio normais, e uma de cpiléptico no meio delas — ele afirmou imediatamente qual era a do epiléptico e chamou todos os médicos presentes de?...

vocês

sabem...

É o que posso referir do exemplo e do convívio agradável de muitos anos de Santa Casa, onde não só aprendemos medicina

como também

prestamos bem à humanidade”.

Trabalhos importantes Filho do

grande

mestre

José

Ayres

Provedor da Santa Casa, Pedro Ayres

Netto, o médico

Netto, lembra

e atual

que ao tempo

Vice-

da

732

Glauco Carneiro

Faculdade de Arnaldo os estudantes iam correndo às aulas na Rua Briga-

deiro Tobias

e voltavam

para

a Misericórdia

para fazer o acompanha-

mento dos doentes. Mais tarde, já formado, defendeu tese sobre “Protóxido de Azoto”, ganhando prêmio da Sociedade de Medicina e Cirurgia

— talvez o primeiro de anestesia que se concedeu no Brasil. Outro trabalho seu que alcançou repercussão foi o referente à “1.º Clínica Cirúrgica de Mulheres da Santa Casa”: “Nunca me desliguei da Santa Casa. Até pelo contrário, ia para outros serviços e para minha clínica particular e depois retornava obrigatoriamente aqui — sempre tratando da minha especialidade de ginecologia e obstetrícia. A contribuição maior que dei foi sobre a nova anestesia, porque a antiga era dada com clorofórmio... Recordo-me

do

desafiante

ambiente

de trabalho

que era a

Santa Casa dos meus tempos de moço. O Dr. Arnaldo Vieira de Carvalho tinha um temperamento um pouco autoritário e isso impunha respeito. Na enfermaria dele se reuniam todos os médicos da Santa Casa. Foi da “hora do cafezinho” rotineira que se passou à fase das palestras e dali se originou a Sociedade de Medicina e Cirurgia, cuja primeira diretoria era composta por Luiz Pereira Barreto, Carlos Botelho, Sérgio Meira, Matias Valadão e Erasmo do Amaral. Essa sociedade foi o núcleo inicial da Academia Paulista de Medicina. Por aí se vê como a Santa Casa foi o principal núcleo de evolução médica em São Paulo, figurando inclusive como pronto-socorro de todo mundo, principalmente das pessoas carentes. Os outros hospitais da época — Instituto Paulista, Sanatório Santa Catarina, Real Beneficência Portuguesa, Pro-Matre Paulista, Maternidade São Paulo — eram estabelecimentos particulares, enquanto a Santa Casa era hospital público. Essa a razão pela qual a Santa Casa sempre foi muito prestigiada pela sociedade paulista. Os imigrantes, inclusive, quando enriqueciam, deixavam legados à instituição como retribuição à assistência recebida, a exemplo de João Briccola. A Santa Casa servia também de modelo para os demais hospitais: as enfermarias dos Drs. José Ayres Netto e Zeferino do Amaral eram copiadas por muitos; vinha gente do interior e de

outros Estados para ver sua organização. ..”.!

Outro

depoimento

importante é o do

Dr.

Luiz Oriente,

atual Diretor-

Clínico da Santa Casa. Dois terços de sua vida de médico vêm sendo vi-

vidos

na Misericórdia, onde

trabalha

desde

1934.

Quando

se formou,

população de São Paulo não chegava a um milhão de habitantes. Hoje tem 10 milhões. Isso também influenciou a postura do médico:

a

O

733

da Misericórdia

Poder

“Então é a luta pela vida. O médico se forma, tem três ou quatro empregos para acompanhar, comprar livros, alimentar a família. Naquele tempo, com um pequeno ordenado, havia dinheiro para tudo — não tinha inflação. Hoje, com essa correria,

eles não têm condição de manter aquela relação médico—paciente de antes, porque

o problema

coisa que contribui

para

econômico é premente...

isso —

Há uma

o excesso de faculdades colo-

cando demasiados médicos no mercado, em prejuízo de sua forma-

ção profissional. A maioria dessas faculdades não tem hospital e seus alunos jamais penetraram num, ou se o fazem, ficam olhando... No meu tempo, fazíamos o 5.º e o 6.º ano como se fosse uma

residência.

Aqui

na

Faculdade

de

Ciências

Médicas,

graças

a Deus, essa residência é credenciada: os alunos podem fazê-la em dois ou quatro anos e já recebem o diploma oficial de especialista, dado pelo MEC. Pelo menos, temos essa felicidade. Os rapazes estudam o dia inteiro aqui e temos um hospital. Desde o 1.º ano os estudantes vão à enfermaria, tal como acontecia no meu tempo — tornam-se médicos práticos. É disso que o Brasil precisa, de médicos generalistas, que tenham formação e prática em medicina e cirurgia”. 15 O

Dr. Oriente

considera com

geriu e viu introduzido na Santa

satisfação um

Casa pelo

aperfeiçoamento que

su-

Provedor Mário Altenfelder:

a mudança automática da chefia dos departamentos a cada mudança da Mesa Administrativa. Essa medida visa a impedir o que era comum antigamente — a eternização de chefias — e representa um estímulo para os profissionais que desejam fazer carreira na instituição (“É uma forma de democratizar o acesso à chefia”). A atual Mesa, aliás, por influência do próprio Provedor, aproximou muito os Irmãos dos médicos, abrindo um grande

canal de comunicação: GC:

Como

Eles

LO:

é

têm

o

relacionamento

entre

os

irmãos

e

os

médicos?

contato?

Têm. Agora quem criou esse contato muito maior, um grande contato, foi o Dr. Mário, porque o Dr. Christiano,

pre um grande administrador, mas tinha o modo

sem-

dele, atra-

vés do Diretor Clínico, através do Administrador. O Dr. Mário democratizou. Nomeou todos diferentes, como eu

disse, aqueles que estavam pediram demissão e ele pôs todos novos, a maioria meus alunos na cirurgia. GC:

Quer

dizer, foi um

renascimento?

LO:

Um renascimento, mas não chegou a isso. Durante um mês

ou dois ele tinha reuniões todo dia com todos os chefes de

departamento, uns 8 ou 9, com

a presença do Diretor Clí-

734

Glauco Carneiro

nico c o Diretor da Faculdade, Dr. Aidar. Ele então mostrou

o modo como ele ia administrar. Abriu um canal de comunicação tremendo. Hoje falou o Mandia, nosso aluno que

dirige o Hospital

Santa

Isabel;

apresentou

um

relatório de

6 meses com todas as atividades e ele disse que nós temos

que lutar, estamos com um déficit financeiro tremendo, naufragando, e Dr. Mário, bem ativo, tem muita amizade com gente importante, diz que mês de setembro está equilibrada a situação. Não haverá mais um fornecedor a receber coisa alguma. Os médicos estão recebendo em dia, os funcionários em dia. Então até pedi, vamos nos propor, os chefes de departamento, vamos dar um dízimo para auxiliar. Eu encabecei isso e graças a Deus fui acompanhado, se não de todo, pelo menos pela maioria. Cada um dá o que pode, outros não podem e formou-se um fundo para as necessidades mais prementes. Mas ele pediu, a cada mês quando tem reunião, já tivemos acho que umas oito este mês, a próxima seria em 05 de setembro e eu vou encerrar. As pessoas chegam lá, abrem a porta, ele atende esteja com quem estiver. Democratizou a comunicação. E todos o adoram, os médicos, funcionários, gosta dos estudantes, gosta dos residentes, eu nunca vi esse homem nervoso, tem controle emocional muito

grande e transmite essa confiança que ele tem. Qualquer outro que assumisse a Provedoria ficaria de cabelos brancos, se já não tivesse. Ele inspira confiança e transmite confiança e o exemplo que ele dá é extraordinário. Eu tenho impressão que ao terminar o tempo dele em 86, a Santa Casa vai readquirir seu tempo de apogeu. Assim eu gostaria que fosse o Brasil, tivesse um governo assim, todos colaborando, porque nosso país é riquíssimo, o povo bom, era para

ser um dos primeiros países do mundo”.*º O amor que vem de dentro

O número de funcionários da Santa Casa ascende hoje a mais de três mil. Como toda coletividade, tem pontos fortes e pontos fracos, embora os primeiros figurem com muito mais força. Uma característica comum a todos é o grau de preparo. Vejamos o que nos diz a esse respeito um antigo superintendente que os conheceu ao longo de muitos anos:

“E um grupo muito heterogêneo, incluindo desde serviçais da

limpeza até professores universitários. Está preparado para o que

faz e inteiramente integrado dentro da Santa Casa. Conhece a Mesa Administrativa, respeita seus integrantes, sabe seu papel, e

O

Poder

da Misericórdia

735

situa perfeitamente a responsabilidade própria dentro do contexto

geral de atribuições. Têm um extremo grau de dedicação c sua rotatividade é mínima. Dão valor ao assistido e tudo fazem para

lhe proporcionar o melhor atendimento”."

Madre Caetana bem merece ser citada dentre esses servidores. Desde 1924 está na Santa Casa: testemunha ocular da história dos últimos sessenta anos, conserva a dedicação dos primeiros tempos, embora a saúde lhe vá fugindo... Suas recordações são múltiplas, abrangem desde a alegria

que sentiu com a descoberta da sulfa, possibilitando salvar tantas vidas,

até o drama da Revolução de 1924, “quando o mordomo saía com a bandeira paulista, no caminhão da Cruz Vermelha, para distribuir alimentos e também recolhê-los, porque senão a gente morria de fome aqui”. São sessenta anos em que Irmã Caetana lembra as figuras inesquecíveis de suas colegas de São José: “Irmã Margarida, da Pediatria; Irmã Cesária, chefe do laboratório; Irmã Gabrielle, Irmã Agostinha, Irmã Antonieta,

Irmã Floren-

tina, Irmã Lúcia” — que passou 40 anos trabalhando na cozinha, doze dos quais consigo ao lado: “A Santa Casa é a minha terceira família. Dei minha vida a essas três famílias: meus pais e irmãos, minha Congregação e a Santa Casa... Ainda agora, em 1984, se tem um pobre para atender, eu vou para a chacrinha de Caieiras e cuido dele. Há tempos, a Santa Casa me emprestou uma terra no Jaçanã e passei 14 anos lá, cuidando de mais de 30 doentes. Hoje são só cinco ou seis. Há 35 anos que faço essa caridade. Os pobres são bem-aventurados. Se você despreza um pobre, despreza a mim. Pego mais para cuidar de pobres homens do que de mulheres — estas são cheias de tolices, enquanto os homens são pau-pau, pedra-pedra. Quando estão recuperados, arrumo um emprego para eles. Lembro-me de muitas crises aqui, no governo do Ademar de Barros, que trabalhava aqui e saiu, e não ajudou depois a Santa Casa em nada. Estávamos meio abandonados, não tínhamos crédito, íamos comprar arroz no Largo do Arouche. A Irmã Superiora juntava uma turma de doentes e a cada quinze minutos rezávamos O terço, para que a Santa Casa pudesse endireitar. Dr. Sinésio sugeriu à superiora mandar os doentes que estivessem melhores para casa, pois era preferível a fechar a Santa Casa. Naquela noite, morreu um português que deixou 17 milhões para a Santa Casa e nos salvou. Hoje, eu confesso que estou com fogo no pé: não vejo ninguém se mexendo, não diminuem os empregados, estragam comida na cozinha, estão todos dormindo... Eu tenho 80 anos e continuo acordada... Eu nunca fico quieta, sempre faço tudo que posso, e as pessoas me ajudam também... So-

bre a Irmandade? Olha, foi assim: a Rainha de Portugal falou

736

Glauco Carneiro

para o Rei: — Eu tenho tanta tristeza de ver esses pobrezinhos morrerem na rua, deixa eu fazer um hospital. O rei deixou e ela reuniu

72 membros, cada um tem uma função, todos são unidos.

São gente boa, católicos ricos, aposentados, de quem a Santa Casa cuidará deles, se precisarem... Sim, a caridade ainda é possível no mundo

de hoje...”

Que depoimento transparente, não, leitor? E a transparência vai adian-

te: alcança os milhares de brasileiros que, diariamente, procuram e acham

na Santa Casa assistência, amor € orientação. Alguns, como Alice Francisca

da Silva Reis, enviam cidade:

agradecimentos comoventes

pela ternura e simpli-

“Santa Casa. Você está bem guardada no meu coração. Bendita hora em que fui acolhida por você! Como teus braços são longos, como é aconchegante o teu seio! Quero-te bem hoje, amanhã e sempre. Estou aqui sob o teu teto, feliz como uma avezinha implume, debaixo da asa de sua mãe. Era preciso adoecer, para poder conhecer-te. Bendigo a Deus por me haver concedido esta oportunidade. Como gostaria de poder abraçar e agradecer a cada um de teus componentes, desde o

mais importante ao mais humilde. Todos, todos, igualmente, são dotados da mesma dedicação, carinho e competência, de acordo

com a sua respectiva função.

Amo os médicos. Sinto-me emocionada em vê-los examinando os doentes. É que eles têm uma linguagem toda especial para cada um. Admiro e amo as enfermeiras, sempre tão solícitas, tão suaves, como devem ser os Anjos do Céu.

Encanto-me com as serventes, cuja dedicação é fora de série, atendendo a tudo e a todos com a maior presteza e alegria. Agra-

deço à Diretoria desta maravilhosa “Santa Casa”, a todas as freiras,

ao padre capelão. Deus abençoe e recompense esta Santa Casa”)?

Cecília Agostinho de Oliveira, “uma viúva acobertada pelo peso dos anos”, agradeceu “a todos os senhores médicos, enfermeiros, auxiliares e atendentes que durante muito tempo tiveram a abnegação e dedicação para com seu filho Josafá Agostinho de Oliveira”: “Não tenho dinheiro para pagar a cada um, mas não deixarei de pedir em minhas orações para cada um dos que ajudaram meu filho até seus últimos momentos. Que as bençãos de Deus caiam sobre todos vocês, principalmente sobre aqueles que demonstraram seu afeto de humanidade para com o seu semelhante”.?º E Valéria Aparecida

Corrêa,

em

tom

juvenil,

escreveu:

“Gostei

muito

de

vocês, viu? Vocês parece que nem nasceram, parece que já caíram do céu

diretamente...

Quando estiverem doentes, Deus vai curar vocês, porque

O

Poder

da Misericórdia

737

estão curando todos nós que tanto precisamos de vocês”.?! Raimunda Kalil Goulart acentuou: “Levo da Santa Casa a melhor lembrança. Os funcioná-

rios que

aqui trabalham, gostam

de sua

profissão.

Deixei

minhas

médico

e

filhas

no Rio, mas fui cercada de tanto amor e carinho, que fiz desses 25 dias a maior terapia. Que o amor seja sempre o lema desse hospital”.2?

Os grandes médicos Será

coincidência

tenha escolhido

que

Carlos

propositadamente

da

Silva

Lacaz,

nomes de colegas da Santa Casa

Paulo para figurarem em seu livro “Vultos da Medicina Certamente

que

paulistana quando

não:

escreve

historiador,

o historiador

não pode

sobre a Medicina

do

de São

Brasileira”?

ignorar

a Misericórdia

Brasil. Acontece que os

historiadores se deixam comover pelas instituições que são “um hino votivo ao espírito, à inteligência e ao coração dos homens: “Esta é a magnífica obra de caridade da generosa gente de São Paulo. Em sua radiografia aparecem paredes, corredores, enfermarias, capelas, freiras, camas, lágrimas e gemidos, rostos em agonia, dores, alegrias, veias rotas, velhice desamparada, infância dolorida, abnegação médica, horas de vigília, corpos no concreto, macas, O nascer e o morrer, faces sofridas, a verdadeira caridade deslizando suavemente em grandes corredores, tudo isto formando grande cruz que uma humanidade desvalida carrega. Aqui sempre foi acolhido o fraco, o pobre, o ignorante de todas as cores e todos os credos, reacendendo naqueles que sofrem a flama interior da

esperança

e o lenho ardente da vontade

de viver. A eterna men-

sagem de Cristo que falou de amor e de caridade é o lema desta Casa e isto é o que está realmente no fundo da moral da nossa

profissão e lhe confere valor eterno”. »

Na

raiz de cada

instituição

23

há sempre

um

passado

que

nada

tem a

ver com saudosismo. O mesmo Lacaz lembra Chesterton que afirmou, com propriedade, que “tradição não significa vivermos entre os mortos, mas que

os mortos vivem em nós, no divino milagre da ressurreição: elos efêmeros

de uma corrente

infinita, tudo o que somos

dades e das tradições

dos

nossos

na miragem das coisas mortas,

ancestrais”.

vem

do passado, das quali-

Volvendo

o olhar

para

“Visualizo o alto cipreste, falando-nos de todos os que nos precederam, na coroa de suas virtudes, na majestade de seu saber, perdendo-se no infinito de Deus até lá onde vai também o infinito do nosso amor”,

trás,

738

Glauco Carneiro

A recordação dos grandes médicos povoa cada recanto da Santa Casa. Seus exemplos de dedicação e competência estão incrustados no ambiente e se refletem sobre os que os sucederam, numa desafiante cobrança e estímulo.

Façamos,

bascado em

Vultos da Medicina

Brasileira?* e em outras

fontes, um rápido lembrete de alguns deles que construíram a Santa Casa de São Paulo.

LUIZ PEREIRA BARRETO — 1840/1923. Clínico, higienista, filósofo, sociólogo, biologista e homem público, possuía, segundo Pacheco e Silva, as qualidades essenciais aos sábios, apontadas por Carlos Richet: “Ter idéias que outros homens não tiveram; imaginar relações imprevistas; instituir experiências novas, retomar as velhas e descobrir verdades ignoradas”. CARLOS JOSÉ BOTELHO — 1855/1947. Cirurgião de classe, possuía valiosos recursos técnicos, ao lado de grande audácia profissional que logo o colocaram em primeiro plano como médico e operador, na genérica designação do tempo. Primeiro Diretor-Clínico da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo. EMÍLIO

RIBAS —

Brasil, combateu

endemias

peste bubônica e a varíola.

1862/1925. e fez escola

Pioneiro na

luta

da renovação contra

a febre

sanitária do amarela,

a

VITAL BRAZIL — 1865/1950. Um dos grandes beneméritos da humanidade, pioneiro da luta contra o ofidismo, trabalhou igualmente na Santa Casa no período de Arnaldo Vieira de Carvalho como Diretor-Clínico. ARNALDO VIEIRA DE CARVALHO — 1867/1920. Pioneiro do ensino médico em São Paulo, grande cirurgião, homem culto, foi o segundo Diretor-Clínico da Misericórdia paulistana e o maior deles. DIOGO TEIXEIRA DE FARIA — nicos da cidade de São Paulo, iniciou sua dico da Santa Casa, de que foi o terceiro por ter remodelado serviços e imprimido mais científica.

JOÃO ALVES DE LIMA —

rurgiões que o Brasil cava com precisão e vida profissional na anos exerceu o cargo

ADOLPHO

1867/1927. Um dos grandes clíatividade profissional como méDiretor-Clínico, deixando nome ao velho hospital feição nova e

1872/1934. Um dos mais completos ci-

já possuiu, operava com rapidez e acerto, diagnostitinha encantos que seduziam a clientela. Iniciou sua Santa Casa, depois de formado em Paris, e por 36 de chefe da 2.º Clínica Cirúrgica.

CARLOS

LINDEMBERG



1872/1944.

Pioneiro

da

dermatologia brasileira, criou na Santa Casa de São Paulo o primeiro serviço da especialidade, na qualidade de chefe de consulta de moléstias da pele.

739

O Poder da Misericórdia

SYNÉSIO

mestres

RANGEL PESTANA

na Santa Casa



Luiz



1874/1962. Aluno de três grandes

de Paula

Monteiro

Viana,

Vital

Brazil

e

Arnaldo Vieira de Carvalho —, tornou-se médico interno desde 1900 e foi o quarto Diretor-Clínico da Misericórdia. Espírito progressista e empreendedor, deu início a uma vasta obra de ampliação dos serviços, para isso sabendo mobilizar toda a sociedade paulista com o objetivo de financiar esse desenvolvimento. NICOLAU

DE MORAES

BARROS



1876/1959. Professor de Clí-

nica Ginecológica, mestre incomparável, adepto da Escola Alemã anti-mutiladora, instalou, na sua lendária Clínica da Santa Casa de Misericórdia de

São Paulo, o primeiro aparelho de radioterapia do Brasil.

JOSE AYRES NETTO — 1878/1969. Médico ilustre, assistente de Arnaldo Vieira de Carvalho e seu sucessor na direção da 1.º Clínica Ci-

rúrgica de Mulheres da Santa Casa, onde permaneceu 44 anos, foi ainda Diretor Clínico da Misericórdia, instituição que sempre o considerou cirurgião emérito, dedicado servidor, grande amigo e profissional devotado.

JOÃO PAULO DA CRUZ BRITTO — 1880/1947. Desde 1913 começou a trabalhar na clínica de oftalmologia da Santa Casa, mais tarde exercendo a cadeira na Faculdade Chefe de Clínica da Misericórdia.

CELESTINO

BOURROUL



de

Medicina.

1880/1958.

Em

Grande

1933

era

nomeado

médico, especiali-

zado em parasitologia, foi chefe da 6.º Medicina de Homens da Santa Casa

de São Paulo durante toda sua vida clínica, onde formou escola de respeito à dignidade humana. LUCIANO

GUALBERTO



1883/1959.

Assistente de

Alfonso

Bo-

vero, criador da escola anatômica em São Paulo, ingressou na Santa Casa

como aluno de Arnaldo Vieira de Carvalho e Alves de Lima. Foi catedrático de Urologia na Faculdade de Medicina de São Paulo.

LEMOS TORRES — 1884/1942. Primeiro clínico a especializar-se em Cardiologia, foi clínico do Hospital São Luiz Gonzaga, da Santa Casa. OVÍDIO PIRES DE CAMPOS. Grande profissional de Fisiologia, fez escola na Santa Casa de São Paulo, formando discípulos como Ernesto de Souza Campos, José Toledo Mello, Flamínio Favero, Menotti Sainatti. Na 3.º Enfermaria de Homens da Misericórdia, prestou assinalados serviços. ZEPHIRINO DO AMARAL — 1886/1962. Renomado cirurgião paulista, trabalhou desde 1913 na Santa Casa de Misericórdia. Era detentor de uma técnica perfeita, sempre adaptada às necessidades do doente e não o contrário. Jamais colocava em risco a vida do paciente pelo excessivo arrojo cirúrgico. No entanto, foi o primeiro a realizar na Santa Casa a pielografia de enchimento, bem como as suprarrenalectomias. EDUARDO MONTEIRO — 1889/1945. Clínico de enorme clientela,

moral ilibada e cultivada inteligência, publicou várias obras famosas, entre

740

Glauco Carneiro

as quais “Introdução à Patologia Renal”. Discípulo de Almeida Prado, foi um dos grandes médicos da Santa Casa de São Paulo. NICOLAU MARIA ROSSETTI — 1894/1956. Um dos mais destacados dermatologistas patrícios, trabalhou na clínica de sua especialidade na Santa Casa. Fundador da Escola Paulista de Medicina. MENOTTI SAINATTI — 1896/1947. Grande e humanitário clínico paulista, atendia indiferentemente a pobres e ricos, “levando a todos o conforto da palavra amiga, a segurança do diagnóstico, a eficiência de sua terapêutica c o consolo de sua dedicação incansável”. Médico da Santa Casa de São Paulo, serviu a essa instituição durante toda sua vida. Até os últimos momentos foi um sacerdote da medicina, sacrificando sua própria saúde. Há um prêmio com seu nome dedicado anualmente ao melhor aluno de clínica médica da Faculdade de Arnaldo. Sainatti compreendeu como ninguém a função sublime da profissão, simbolizando o espírito do médico da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo. JOÃO DE AGUIAR

PUPO —

1883/1980. Ultimo a falecer dos pro-

fessores da Faculdade de Arnaldo, escolhidos pelo fundador, Pupo, grande

médico e administrador, integrou durante trinta anos o Corpo Clínico da Santa Casa de São Paulo,

MÁRIO OTTONI DE REZENDE — 1883/1969. Um dos pioneiros da otorrinolaringologia em São Paulo, lecionava para médicos de todo o Brasil, diretamente de sua clínica na Santa Casa, onde serviu durante 40 anos. Foi ainda quem criou o primeiro centro de difusão de cirurgia plástica no Brasil, junto à sua clínica. Na sua vida os verbos predominantes foram “fazer”, ,»,

MANOEL

1

“criar”, “fundar”, »

TABACOW

da Cirurgia de Homens

cs

“implantar”,

HIDAL —

da Santa



.

“construir”.

1918/1979. Urologista, foi interno

Casa de Misericórdia

de São

Paulo, no

Corpo de Cirurgia Geral, tendo lecionado vários cursos de venereologia em extensão universitária do Centro Acadêmico Pereira Barreto. Ocupou desde 1969 a função de Professor Associado da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo. Correto no trato com os colegas, não lhes perdoava as falhas ou a cobiça. Na Santa Casa, incentivava os jovens com o seu exemplo profissional. Fundador do Hospital Albert Einstein.

NAIRO FRANÇA —

1909/1984. Um dos pioneiros da cirurgia torá-

cica em São Paulo, trabalhou na Santa Casa desde estudante e por 50 anos.

Não poupando sacrifícios e esforços, realizou na Santa Casa as primeiras grandes intervenções intratorácicas. Foi jubilado como médico da Miseri-

córdia em julho de 1979. No entanto, continuou como voluntário tanto na

área assistencial como na de ensino.

São esses apenas alguns nomes dentre os milhares que fizeram da Santa Casa de São Paulo o seu centro de esforços em favor da saúde do semelhante. Não devemos, como lembra Aloysio de Castro, considerar inúteis

741

O Poder da Misericórdia

as palavras que lhes dedicamos, simplesmente porque estão mortos: “Deles, da sua lembrança, da sua lição e do seu exemplo, nos vem o melhor da vida: a ausência também pode ser presença”. Constituem uma voz permanente lembrando ao presente e ao futuro um tipo de Medicina que não pode morrer — a baseada no reconhecimento da dignidade essencial do ser humano. NOTAS . Carlos

Roberto

Hojaij,

BOL

CEPP

VOL

II(2)

3-4.

nas

. Idem.

João

Ribas, Revista

VIII.

de Medicina

Toledo, Depoimento

Christine

Carta à Santa

O

Valentino,

Toledo, dep. citado. Idem.

o

Paulista

Marcelo de Almeida

a

oa

+

pág.

Carvalhal

ao Autor,

n.º 99, maio/junho São Paulo,

Dutra,

Secretária

10. Manoel

Joaquim

1). Toshio

Mochida,

da

Bottari,

em

Provedoria,

Depoimento

Depoimento

colaboração

1/8/84.

Casa, Santos, 4/9/75.

Anna Bezerra, telefonista da Santa Casa, em colaboração Exposição do IV Centenário da Instituição, agosto 1984. Lúcia

1982,

ao

Autor,

ao

preparada

Autor,

para

23/8/84.

30/8/1984.

ao Projeto História

da Santa

Casa,

3/9/84.

12. Waldyr da Silva Prado, Depoimento ao Autor, São Paulo, 3/10/84. 13.

Fortunato Gianoni, em

14.

Pedro

Ayres

Netto,

15. Luiz Oriente,

colaboração ao Projeto

Depoimento

Depoimento

ao

ao Autor,

Autor,

História da Santa Casa,

1984.

24/7/1984.

21/8/1984.

16. Idem. 17. Renato 18.

Irmã

19. Alice

Romano, Caetana,

Depoimento

Depoimento

Francisca

da

ao Autor,

Silva

14/8/1984.

12/9/1984.

Reis,

Carta

à Santa

Casa,

São

Oliveira,

Carta

à

Casa,

São

20. Cecília

Agostinha

de

2)

Valéria

Aparecida

Corrêa,

ae

Raimunda

Kalil

ao Autor,

Goulart,

Carta Carta

Santa

à Santa à Santa

Casa, Casa,

Paulo,

26/11/1976.

Paulo,

4/10/1977.

11/12/1982. Rio

de

Janeiro,

11/7/83.

FAR Carlos da Silva Lacaz, Discurso do 1.º Centenário do Hospital Central São Paulo, 9/12/1984.

24. Idem, Vultos Pfizer, 1963.

da

Medicina

Brasileira,

São

Paulo,

Editora

Helicon/Laboratório

a

742

Glauco

Carneiro

ANEXOS HISTÓRIA DE DEPARTAMENTOS MISERICÓRDIA DA CIDADE

DA SANTA CASA DE SÃO PAULO

DE

Colaborações enviadas à Coordenação

do Projeto História da Santa Casa ou

pesquisadas pelo Autor deste Livro.

Nota: as questões respondidas a seguir por médicos da Santa Casa estão transcritas na página 703, Anexo do Capítulo XXI. Aqui só publicamos as respostas dos profissionais que desejaram colaborar com o Projeto de que resultou O Poder da Misericórdia.

INÍCIO

DO

SERVIÇO DE PEDIATRIA DE SÃO PAULO Prof.

DA Dra.

SANTA

CASA

Veronica

Coates

Diretora do Departamento de Pediatria e Puericultura

“O Serviço de Pediatria da Santa Casa de São Paulo foi iniciado com o Dr. Euzebio de Queiroz Mattoso. Era localizado no Prédio Central. O início do ensino foi com o Professor Delfin Ulhoa de Pinheiro Cintra; era nessa ocasião a Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.

Aquela Universidade foi fundada por volta de 1912, iniciando na Santa Casa, no Pavilhão Condessa de Lara.

Quando o Professor Delfin Ulhoa de Pinheiro Cintra se apo-

sentou, foi substituído pelo Professor Jayme Rosenburg, Livre Docente de Pediatria e Puericultura, que ocupou o cargo até haver concurso para preenchimento de Cátedra, a qual foi conquistada pelo Professor Pedro de Alcântara Machado.

Eram assistentes da cadeira de Pediatria da U.S.P. na Santa Casa, no início, o Professor Jayme Rosenburg, Joaquim Leme da Fonseca, Silvio Ribeiro de Souza, Wohney Ribeiro e 2 extranu-

merários, então jovens médicos, Dr. Paulo de Barros França e Dr.

7143

O Poder da Misericórdia

Luiz Augusto M. de Toledo. Foi elemento valioso pelos seus conhecimentos e dedicação o Dr. “Barretinho”, precocemente falecido. Quando o Professor Pedro de Alcântara Machado assumiu a

Cátedra, o Serviço de Pediatria foi transferido para o Hospital

das Clínicas e continuou como Chefe de Pediatria da Santa Casa o Dr. Jayme Rosenburg até 1969, quando o Professor Paulo de

Barros França assumiu a chefia do Serviço de Pediatria.

O Professor Paulo de Barros França era médico Pediatra da Santa Casa desde 1940. Em 1946, recém-chegado da América do

Norte, onde foi Residente de Pediatria, introduziu modernos mé-

todos de tratamento que resultaram na diminuição da mortalidade infantil. Foi ele quem introduziu em nosso pais o método de hidratação endovenosa. Até essa época usava-se apenas hidratação subcutânea. Graças

a um

donativo

por ele conseguido da Legião Brasi-

leira de Assistência, foram adquiridas as primeiras Tendas de Oxigênio e Incubadoras para a Pediatria da Santa Casa. Também montou o Gabinete Dentário na Pediatria. Com a fundação da Faculdade de Ciências Médicas da Santa

Casa em

1963, a cadeira do Departamento de Pediatria da Facul-

dade começou

a funcionar no serviço de Pediatria da Santa Casa

regida pelo Professor Leme da Fonseca que se dedicou ao ensino

com grande entusiasmo e eficiência. Foi depois substituído pelo Professor Paulo de Barros

França que lá permaneceu até 1970.

Foi o Dr. França quem deu estrutura de Faculdade, assistên-

cia, ensino e pesquisa à Pediatria da Santa Casa.

Quando o Dr. França pediu demissão, foi nomeada a Doutora Maria Vitória Martin, que permaneceu por curto tempo. Em

1971 foi nomeado o Professor Jacob Renato Woiski, que

ocupou o cargo até a ocasião de sua aposentadoria em

1978. Foi

então nomeado o Professor Jorge Howard, depois substituído, em

1980, pelo Professor Fabio Doria do Amaral, que permaneceu na chefia até janeiro de 1984, quando fui nomeada Diretora do Departamento pelo Dr. Mario Altenfelder Silva. Além da parte médica a enfermagem teve importante no desenvolvimento do Departamento de Pediatria.

papel

Entre elas a venerável Irmã Margarida, de nacionalidade suíça, que deixou ainda mocinha seu belo país para trabalhar na Santa Casa onde trabalhou com grande dedicação e carinho desde 1925.

Foi substituída pela Irmã Ursulina em 1950, que trabalha com

amor, abnegação incansável no Departamento, até hoje.

Glauco Carneiro

QUESTIONÁRIO | —

Identificação

Nome:

Professora Drº VERÔNICA

Local

e Data:

COATES

SANTA CASA DE MISERICÓRDIA DE SÃO PAULO — DEPARTAMENTO DE PEDIATRIA E PUERICULTURA — 05.09.1984.

Histórico: Entrei como Voluntária no Departamento de Pediatria da Santa Casa em 1965. Fui contratada em 1967 para assistência e coordenação da primeira turma de internos da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa, trabalhei

na Santa Casa em

tempo

Fui Preceptora dos residentes, chefe tentes, chefe do serviço de Pediatria Luiz Gonzaga durante 4 anos até o De 1980 a 1984, fui chefe do Pronto e Ambulatório de Pediatria.

integral até 1983.

do setor de lacdo Hospital São seu fechamento. Socorro Infantil

Iniciei o serviço de Adolescentes no Pavilhão Conde de

Lara em 1976, tendo continuado este Ambulatório no Hospital São Luiz Gonzaga até 1980. Em 1981, este

serviço foi reiniciado

no Ambulatório

da Santa

Casa,

funcionando com equipe multidisciplinar. Em janeiro de 1984, fui nomeada Diretora do Departamento de Pediatria e Puericultura, 2 —

A Instituição:

2.1



Sem dúvida alguma, foi a assistência prestada aos carentes e indigentes de São Paulo, desde o início de seu funcionamento até hoje, apesar da conjuntura econômica difícil.

2.2



A Santa Casa de Misericórdia Central e os outros Hospitais das Santas Casas, Hospital São Luiz Gonzaga, D. Pedro II, Colégio São José, Escola de Enfermagem, Edu-

candário Sampaio Viana que atualmente é da F.E.B.EM,,

Leprosário, Sanatório Vicentina Aranha em São José dos

Campos, Creche na Pediatria, são todas obras sociais de alta importância. (veja história da Roda) 2.3



Vide

histórico da

Pediatria.

2.4



Na gripe de 1918 a Santa Casa prestou grandes serviços e na Revolução de 1932 foi Hospital de Guerra.

Professor Alipio de Correia Neto

Professor Paulo de Barros França

Dr. Wohney Ribeiro

O

Poder

2.5

da Misericórdia

745

ce 2.6 — Humanização dos médicos para dar melhor assistência aos doentes. Educação dos mesmos para um melhor relacionamento entre médico—paciente; reuniões conjuntas entre médi-

cos, assistentes

sociais

escutando, educando. 2.7

— —



2.9



2.10 —

e mães

em

grupo,

dialogando,

Vide histórico da Pediatria. Professor Emílio Athié que remou contra a corrente e conseguiu junto aos órgãos oficiais a criação da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa e elevou o nome da mesma. O Dr. Mario Altenfelder Silva, que é grande batalhador pela melhora social da infância e da adolescência, que representam mais da metade da população brasileira. O Governo

deixa muito a desejar. O “povo”, com

ções pessoais, Santa Casa.

tem

contribuido

para

o patrimônio

doa-

da

Com boa direção, entusiasmo, dedicação, + INAMPS + patrimônio, a Santa Casa continuará a ter sua grande importância na Assistência Médico-social.”

EVOLUÇÃO DO SERVIÇO DE EMERGÊNCIA DO HOSPITAL CENTRAL DA SANTA CASA DE MISERICÓRDIA DE SÃO PAULO SUA

IMPORTÂNCIA

PARA

SÃO

PAULO

(Conferência pronunciada no dia 30 de agosto de 1984, no Hospital Central da Santa Casa de São Paulo, data do 1.º Cente-

nário da sua instalação

neste local.)

LUIZ “Comemora

nesta data, o nosso velho, querido

Hospital Central da Santa Casa de S. Paulo, um

tência útil e profícua à população de S. Paulo!

ORIENTE e majestoso

século de exis-

É por essa razão,

sem dúvida, uma data marcante para nossa capital, por isso que

sua história esteve nesses cem anos, intimamente ligada à cidade,

prestando assistência médica a todos e, sobretudo, aos desprovidos de quaisquer recursos! E mais. Este tão amado Hospital, na beleza de sua arquitetura, em estilo gótico, apenas completava 27 anos de existência e já abrigava em suas dependências a Faculdade de Medicina e Cirurgia de S. Paulo que se fundava por obra e luta

746

Glauco Carneiro

do incansável e genial mestre 1913!

Arnaldo Vieira de Carvalho, em

Se recordar é viver, recordemos, então, em largos traços os

primórdios da gloriosa Faculdade de Medicina de S. Paulo, cujo ensino cra realizado junto aos leitos dos doentes que, por sua vez, se bencficiavam da presença de tantos e ilustres luminares da ciência médica. Aqui muito valeram, sem dúvida, a atividade e o gênio do fundador e primeiro Diretor da Faculdade, Usando sempre de inigualável discernimento, soube ele escolher e indicar os grandes mestres que despontavam no País! Ou convidava grandes professores estrangeiros. Sua obstinação, além disso, era sempre convidar grandes médicos brasileiros que haviam estudado ou se especializado nas escolas médicas da Europa! Auxiliado desde o início por Ovidio Pires de Campos, outro dinâmico professor, surgiram

logo os primeiros mestres da nossa maior es-

cola médica! Citando-os apenas, destacaremos Eduardo Xavier que proferiu a aula inaugural em 1913, Celestino Bourroul, homem de tão grandes virtudes, Sergio Meira, Ernesto de Souza Campos, que projetaria mais tarde, com Moura Campos, o monumental prédio da Faculdade de Medicina no Araçá, e inaugurado em 1931. Vieram outros como

Ascendino

Reis, Raul Briquet, Alfonso

Bovero, grande anatomista de Turin e que formou em São Paulo

uma das maiores escolas de anatomia do mundo! Também Brumpt,

Rubião Meira, Almeida Prado, Álvaro Lemos Torres, Benedito Montenegro, Antonio Cândido de Camargo, João Alves Lima, o Cirurgião elegante e grande mestre! Impossível, nesta palestra, mista de recordações e de emoções, nomeá-los todos, tão numerosos e grandes foram! A escola que formaram, em todas as disciplinas, se enriqueceria logo de tantos e brilhantes discípulos que

elevariam nossa Faculdade

de Medicina à categoria das dez me-

lhores do mundo! Incorporada à Universidade de São Paulo, em 1934, era a maior e mais bem aparelhada de suas componentes. *

x

*

Pode-se hoje afirmar que, seguramente, o esteio físico de tão gloriosa vida de nossa Faculdade foi o grande Hospital Central

da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo...

E mantido até

hoje, e por vezes, com grandes sacrifícios, pela nobre Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo que neste ano com-

pleta, também, quatro séculos de encantadora existência!

O novo Hospital da Santa Casa que seria construído na chá-

cara do Arouche, onde agora completa um

século de existência,

se eleva e paira como dos mais belos e humanos Hospitais do País!

747

O Poder da Misericórdia

Ele foi o berço de duas grandes escolas médicas de São Paulo —

a Faculdade de Medicina da U.S.P. em 1913 e a Faculdade Ciências Médicas da Santa Casa de S. Paulo, em 1963.

de

Este destino da Santa Casa de S. Paulo provou, na verdade,

que toda escola médica, para ser grande, deve funcionar no interior ou junto a um grande Hospital! E a recíproca — Hospital sem ensino nunca será um grande Hospital — também é verdadeira! *

x

Com o crescimento da população de S. Paulo, e não havendo até o ano de 1820, grandes Hospitais na capital, a não ser pequenas Unidades Hospitalares Militares ou algumas casas alugadas, na Rua Direita, e que prestavam assistência através da Misericórdia de S. Paulo, não havia Postos de Pronto-Socorros. Por volta de 1890 funcionava na cidade, no local hoje denominado Pátio do Colégio (e onde Anchieta fundou a primeira escola), um Centro de atendimento a doentes que apresentassem afecções de urgência ou vítimas de traumatismos e de agressões. Era a Assistência Pública funcionando junto ao Instituto Médico-Legal e a uma Cadeia Pública... Os casos graves eram enviados ao Hospital da Santa Casa, então funcionando na Rua da Glória esquina com a Rua dos Estudantes. Essa esquina era famosa, por que havia ali uma

pensão habitada por estudantes. Entre eles, o mais ilustre seria o inesquecível Álvares de Azevedo, o romântico Poeta da “Lira dos Vinte Anos” e que o glorificaria depois como um dos maiores vates brasileiros! *

*

x

O Serviço de Pronto Socorro começou na realidade a funcionar no Hospital da Santa Casa de Misericórdia de S. Paulo, a partir de 1900. Os primeiros Chefes de plantão, segundo o regis-

tro, foram os doutores Silvio de Oliveira Maia e José Ayres Neto.

A partir de 1915, os professores de cirurgia e de clínica médica ou seus assistentes tratavam os casos graves nas enfermarias do Hospital, após o atendimento e registro na Porta.

Com a formatura dos primeiros médicos, muitos dos quais seriam, pouco tempo depois, notáveis professores, também foram médicos plantonistas do Pronto Socorro. Entre eles citamos Alípio Correa

Neto,

Otávio

de Toledo,

reira Barreto, Paulo de Godoy,

Joaquim

Vieira

Filho,

Luiz

Pe-

Pedro Ayres Neto, Jorge Caldeira,

Adolpho Correa Dias, Silas Mattos, João de Oliveira Mattos. Com

vários

deles

iniciamos

nossa

atividade,

quando

estu-

dante, sempre sob a chefia de Raul Vieira de Carvalho, notável

748

Glauco Carneiro

cirurgião e filho do mestre Arnaldo Vieira de Carvalho!

Por volta

de 1938 e 1939, quando éramos 5.º e 6.º anista de medicina, fomos nomeados Interno-Plantonista fazendo plantões de 24 horas semanais, das 12 às 12 horas, sendo digníssimo Provedor da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo, o Senador Pádua Salles. Devemos assinalar que se encontram nos registros

do Pronto-Socorro Central (P.S.C.) fatos curiosos. Entre eles o do

atendimento em 1923, pelo notável mestre de cirurgia, João Alves de Lima, de grave caso de ferimento cardíaco! Praticou ele no Brasil, nessa ocasião, a primeira toracotomia e sutura de ferimento

cardíaco. Dele foi discípulo muito estimado o extraordinário mestre, Alípio Corrêa Netto. Esse mestre foi tudo na sua longa carreira de catedrático! Foi cientista, cirurgião completo, Reitor da U.S.P., Deputado, fundador da A.M.B.! Foi também Chefe de plantão do P.S.C. de 1923 a 1927. Foi tudo Alípio Corrêa Netto, menos colecionador de moedas! Nunca se preocupou em ganhar dinheiro e até hoje, com 86 anos de idade, frequenta diariamente

este Hospital que tanto dignificou e dignifica ainda! Praza aos céus que viva muito ainda, para ensinar mais ainda os jovens que atentos, o ouvem com orgulho! *

*

*

Em 1947 ao se transferirem as Cadeiras de Clínica para o grande Hospital das Clínicas, recém-inaugurado, cessou suas atividades o P.S.C. da Santa Casa! Fora tão grandioso quanto útil para São Paulo, por dezenas de anos! Para o P.S. do Hospital das Clínicas foram, então, como primeiros plantonistas, os que deixavam a Santa Casa, honrando e dignificando uma escola e um Hospital para abrilhantar outro que se iniciava no H.C€. Em

1962, por iniciativa do grande Provedor da Santa Casa

de Misericórdia de

São

Paulo,

Dr. Christiano

Altenfelder

Silva,

foi criado novo e mais completo Pronto Socorro Central, funcionando com sete equipes e contando cada uma com vários cirur-

giões, chefiados por Docentes (entre os quais, Álvaro Dino de Almeida, Waldyr da Silva Prado e nós). Havia em cada equipe clínicos, ortopedistas e pediatras, além de cirurgiões. Em 1968 passou a atuar nas atuais dependências e já atendendo de quatro a cinco mil pacientes por ano! Nesse ano deixamos a chefia do P.S.C., para que sob a direção de assistentes do Depto. de Cirurgia, instruindo os médicos recém-formados, pudessem eles atuar como primeiros plantonistas residentes. Em 1975, convidado, de novo, pelo Dr. Christiano Altenfelder Silva, hoje Provedor-Perpétuo, assumimos outra vez a Chefia do

O

749

Poder da Misericórdia

P.S.C. Foi, deste modo, o Serviço de Urgência do Hospital, uma

constante em nossa vida de quase 50 anos de atividade na Santa Casa!

Em

poucos anos com equipes de médicos assistentes e resi-

dentes (clínicos, cirurgiões, ortopedistas) e com o apoio dos clíni-

cos especializados pudemos criar um grande Serviço de Emergên-

cia na Santa Casa. Hoje esse Serviço unificando os Postos de Atendimento de Porta de sete Unidades e tendo como Núcleo Central o Pronto Socorro Central, cumpre com eficiência suas nobres e

complexas funções. Possui a Unidade, 36 leitos, pequena UTI (com

04 leitos), sala para atendimento a politraumatizados, e grandes ambulatórios, sendo atendidos em média cerca de 800 doentes a cada dia, internados 100 doentes por mês e realizadas entre 80 a 100 operações de emergência a cada mês! Com orgulho podemos afirmar que o Serviço de Emergência da Santa Casa de São Paulo é dos maiores e melhores, no gênero, do nosso Estado. Atende a doentes graves e traumatizados, oriundos do INAMPS, da Prefeitura de S. Paulo e entre eles, muitos indigentes. Concluímos assim, como

mostramos, em

rápida revoada, que

o P.S.C. do Hospital Central da Santa Casa de São Paulo, ainda hoje sob nossa direção, foi sempre o criador de grande número

de especialistas em medicina

e cirurgia de urgência.

Constitui,

com efeito, o Pronto Socorro, a melhor escola de ensino prático de medicina. Dele saem os grandes médicos generalistas!

E a Santa Casa de São Paulo, com seu bem estruturado Serviço de Emergência, com professores, assistentes e residentes sempre presentes e atuantes, e com seus 200 leitos destinados aos

casos urgentes esteve sempre na vanguarda no tocante à prestação

desse tipo imprescindível de assistência médica! Assim foi por ocasião da Revolução de 1924, na capital de São Paulo, na Revolução Constitucionalista de 1932, nas grandes tragédias ocorridas na cidade, como também na prestação de assistência total as vítimas das grandes epidemias como a de 1918 por ocasião da Gripe Espanhola ou em 1957, com a terrível epidemia da Gripe Asiática. *

*

*

Vamos terminar, depois de passar assim, em rápida recordação, alguns episódios históricos do nosso glorioso quanto amado

Hospital da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo e sobretudo do seu importante Serviço de Emergência que afinal não deixa de ser uma escola de ciência e de assistência. Berço de duas grandes escolas médicas é a Santa Casa de São Paulo, o Hospital bem amado e acolhedor dos Paulistas e de tantos brasileiros de outros Estados! A sua história e sua glória se entrelaçam, na verdade,

Glauco

750

Carneiro

com as das escolas de medicina que criou e não podem ser entoadas isoladamente! É por essa razão que os senhores todos, mestres e assistentes, médicos residentes e acadêmicos de medicina, devem conhecer e reconhecer os sacrifícios dos nossos antepassados! Foram todos grandes e geniais mestres que desde Arnaldo Vieira

de Carvalho, ao lado dos grandes Provedores do passado e do pre-

sente, como

este incansável, digno colega, e atual

Provedor,

Dr.

Mário Altenfelder Silva, deverão ser para todo o sempre lembrados e estimados! Eles constituíram a grandeza deste Hospital e das suas escolas médicas! Cultivemos assim, agora e sempre, seus exemplos e exaltemos seus trabalhos! Eles continuam a iluminar nossos caminhos, guiando-nos com sua experiência e seu labor!

Que

exemplos!

as gerações

atuais e futuras

de médicos

sigam

seus

Lembremo-nos sempre desses heróis da Medicina de S. Paulo!

E, reverentes, curvemo-nos

aos seus postulados!

Honremos sempre nossa gloriosa Santa Casa no vulto dos seus fundadores e de seus mestres.”

de

São

Paulo

Pinto

de

Souza

DEPARTAMENTO DE ORTOPEDIA E TRAUMATOLOGIA DA FACULDADE DE CIÊNCIAS MÉDICAS DA SANTA CASA

DE

S. PAULO

Orlando

“As atividades ortopédicas foram iniciadas na Santa Casa de S. Paulo pelo doutor Delphino Pinheiro de Ulhoa Cintra, no final do século passado, em 1899. Esse Ulhoa Cintra era primo de seu “xará” Prof. Delphino Pinheiro de Ulhoa Cintra que foi diretor do Pavilhão Condessa Penteado e homem de grande saber. Com a morte prematura de Ulhoa Cintra em 1911 assumiu a chefia o seu jovem assistente Luiz de Rezende Puech. A esse tempo dominava na medicina brasileira a influência das escolas francesas. Boa parte de nossos médicos era formada na França ou lá buscava aperfeiçoamento. Assim, seguindo a orientação gaulesa, a ortopedia se encontrava associada à cirurgia in-

fantil. O título era o de Clínica Cirúrgica Infantil e Ortopédica.

O

Poder da

Misericórdia

751

Rezende Puech deu impulso à prática da ortopedia e cirurgia infantil entre nós. Esse progresso foi acelerado e aprimorado com a entrada em cena de Domingos Define.

Esse vulto ímpar da ortopedia nacional vinha de longo estágio em clínicas italianas e alemãs e trouxe novas idéias e técnicas.

Rezende Puech por sua vez foi comissionado pela Faculdade de Medicina de São Paulo para estudar a organização das escolas médicas e respectivos hospitais na América do Norte. A Rezende Puech devemos os planos e a supervisão do edifício onde hoje funcionam as cadeiras básicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Como muitas vezes acontece, de um mal surgiu um grande benefício para a ortopedia nacional. O casal Roberto e Rachel Simonsen, tendo perdido um filho de afecção cirúrgica, decidiu fazer grande donativo para a Santa Casa a fim de ser construído um pavilhão para melhorar as instalações da Clínica Cirúrgica Infantil e Ortopédica. Roberto

Simonsen

era

homem

de grande

cultura

humanís-

tica. sendo engenheiro, industrial, político e economista. A ele devemos entrê outras obras a organização do Serviço Social da Indústria e a fundação da primeira Escola de Estudos Econômicos entre nós. De sua associação com

Rezende

Puech

surgiram

os planos

para a construção do Pavilhão “Fernandinho Simonsen”, nome do menino morto.

Tendo começado a funcionar em fins de 1929, e oficialmente

inaugurado em 1931, marcou época e passou a ser padrão de hospital em toda a nação. Tanto isso era verdade que até hoje o Fernandinho é considerado por todos os que o visitam como

bom, apesar de não ter sofrido reformas estruturais.

muito

Por ocasião de sua inauguração o seu corpo clínico era for-

mado por Rezende Puech — chefe de clínica, Domingos Define —

primeiro assistente, Itapema

Alves —

segundo assistente,

Godoy

Moreira — terceiro assistente e mais os adjuntos de clínica Alvaro Camara, Ulysses Barbuda, Renato Bonfim, Antonio Caio do Amaral, Orlando Pinto de Souza, Antonio Eugenio Longo e Anísio Figueiredo. O trabalho aí desenvolvido chamou a atenção e o Fernandinho passou a ser o centro onde vinham fazer estágio especialistas de todo o território nacional. Entre seus fregiúentadores assíduos se encontravam os professores Achylles de Araujo, do Rio de Janeiro e Barros Lima, de Recife.

752

Glauco Carneiro

Do estreitamento cultural entre Rezende Puech, Achylles da Araujo, Barros Lima e Domingos Define surgiu a fundação da

Sociedade

Brasileira de Ortopedia

ec Traumatologia, cujo Con-

gresso inaugural se deu em S. Paulo em 1936 com Rezende 'Puech na presidência. O Pavilhão

Fernandinho

foi assim berço da SBOT,

máximo do progresso ortopédico entre nós.

artífice

Com a prematura morte de Rezende Puech em janeiro de 1939, Domingos Define foi naturalmente seu sucessor. Dizer sobre a figura de Domingos Define e de sua influência sobre a ortopedia nacional é dizer tudo sobre o desenvolvimento da mesma, tamanha

foi sua atuação como diretor do Pav.

Fernandinho, professor da Escola Paulista de Medicina, duas vezes presidente da SBOT, tendo estado presente em todos os congressos ou certames ortopédicos em todo o país e em muitos no

estrangeiro.

Durante

sua gestão operaram-se

duas grandes evoluções no

conceito de nossa especialidade. Primeiramente foi ela separada da cirurgia infantil. Continuou no entanto o Fernandinho a receber

e a tratar ortopedicamente apenas a crianças. Só mais tarde, em

1956, é que se conseguiu

com a fusão da enfermaria

unificar a ortopedia como de adultos, dirigida

Hungria e o Pav. Fernandinho.

por

disciplina,

José Soares

Domingos Define dirigiu o Fernandinho durante vinte e sete anos com dedicação e competência, cercado pela amizade e respeito de todos os colaboradores. A ele sucedeu Orlando Pinto de Souza. Foi essa uma direção

de curto e agitado período, marcado pelas reivindicações do corpo clínico da Santa Casa que até então não recebia honorários por seu trabalho e que terminou com a reestruturação de todo o sistema, e a entrega dos serviços médicos à Faculdade de Ciências Médicas e adoção do tempo integral obrigatório para todos os diretores de departamentos e a maior parte do corpo clínico. A direção coube então a José Soares Hungria Filho que, com grande, dedicado, enérgico e competente labor, vem dirigindo e elevando grandemente o Fernandinho. Na sua estrutura atual, o Pav. Fernandinho tem 215 leitos de traumatologia e ortopedia de adultos e crianças, distribuídos em 5 grupos gerais e 5 especialidades — cirurgia de mão, coluna vertebral, cirurgia do pé, cirurgia crânio-facial e reabilitação. Seu corpo clínico é composto de 6 professores

em

tempo

O

Poder

da

753

Misericórdia

integral, 4 em tempo parcial, | consultor, 15 residentes de 1.º ano, 15 de 2.º ano e 2 de 3.º ano. Além

disso o serviço

recebe estagiários

para

seus

diversos

grupos, que no ano de 1973 foram 18, sendo 12 de países da América Latina c 6 de outros estados do Brasil.

Hoje, decorridos

quarenta e quatro anos do início de suas

atividades, o Departamento de Ortopedia e Traumatologia da Santa Casa de S. Paulo rivaliza com qualquer congênere no mundo.”

SERVIÇO

DE

ANESTESIA — ORGANIZAÇÃO E FUNCIONAMENTO DR. ALVARO SAVIANO Chefe do Serviço de Anestesia da Santa Casa de São Paulo.

| — “Foi em

HISTÓRICO

DA

SANTA

CASA

15 de agosto de 1498, que a rainha dona Leonor de

Lencastre, irmã de “Dom Manuel de Misericórdia de Lisboa”.

o Venturoso”,

criou

a “Casa

Rezavam seus compromissos, receber doentes pobres, dar abrigo e educação aos órfãos, esmola aos necessitados, amparo aos condenados. Em

1543

foi fundada

na capitania de Santos a 1.º “Miseri-

córdia do Brasil”. Não se sabe a data exata em que foi fundada a

“Casa de Misericórdia de São Paulo”, provam que foi anterior a 1600.

mas os documentos

com-

Em 1715 foi fundado o 1.º Hospital da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo na provedoria de Isidro Tinoco de Sá, no Largo da Misericórdia. Em 1881 (março) foi lançada a pedra fundamental do novo Hospital da Santa Casa de São Paulo, no Bairro do Arouche em

| terreno doado por Rego Freitas e Paes de Barros, que foi inau-

gurado em 1884 com capacidade para 200 leitos e, é neste local que até hoje funciona, agora com seus 1.000 leitos. Em

1916 fundou-se em São Paulo a 1.º Escola de Medicina

(Faculdade de Medicina Pinheiros da U.S.P.), que usou o Hospital

da Santa Casa para ensino de seus alunos até 1948, quando trans-

feriu seu campo de atividades para o Hospital de Clínicas.

154

Glauco Carneiro

A Santa Casa fundou e mantém “Asilo Pedro II” para pacientes geriátricos, Hospital São Luiz Gonzaga e Sanatório Vicentina Aranha.

No ano de 1962, um grupo de professores idealistas integrado pelo prof. Dr. Emílio Athié, fundou a Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo com 100 vagas, tendo já formado 12 turmas. A Santa Casa de São Paulo recebe verbas do Governo do Estado e do Município e por serviços prestados ao I.N.A.M.P.S. É a Irmandade

da Santa Casa de São

Paulo que arca com

despesas de honorários dos professores das Cadeiras Clínicas da Faculdade e que mantém funções didáticas e assistenciais neste local.

SERVIÇO

DE

ANESTESIA DA SANTA DE SÃO PAULO

| —

Histórico

2 —

Organização

3 —

Ensino

4 —

Aspecto econômico

CASA

e Funcionamento

| —

HISTÓRICO

Antes de 1948, não existia um serviço de Anestesia em nosso

Hospital e foi ainda na década de 1930 (1936) que o Dr. Pedro Ayres Neto trouxe para a Santa Casa de São Paulo o 1.º aparelho de anestesia que propiciou a administração da mistura de

oxigênio /óxido nitroso.

No ano de 1948 criou-se o Serviço de Anestesia do nosso Hospital, chefiado por Dr. Roberto Araujo, que exerceu estas funções na Santa Casa até

1955, tendo, de 1955

a 1966, ficado

à testa deste serviço, Dr. Osvaldo P. Mariano e de 1966 a 1973

foi seguido por Dr. Renato R. Del Nero, sendo que desta data até o presente estou chefiando o referido Serviço. Atualmente o Serviço conta com 30 anestesistas e 8 Ri.

O Poder da Misericórdia

Temos parcial: Tempo

755

18 anestesistas em

tempo integral e 12 em

tempo

Integral

2 professores plenos | professor associado 2 professores assistentes 13 instrutores de ensino Tempo Parcial 12 instrutores

2 — O

FUNCIONAMENTO

de ensino

E ORGANIZAÇÃO

serviço de Anestesia está subordinado

à Provedoria

e à

Superintendência no setor Administrativo a quem deve obediên-

cia no que tange a contratações de pessoal e aquisição de material. No setor médico propriamente dito estamos subordinados à Diretoria Clínica. Junto à Faculdade

estamos

subordinados

ao Diretor

da

Fa-

culdade e ao Departamento de Cirurgia (Disciplina de Anestesia).

O Serviço tem atividades no campo assistencial e do ensino. O

Serviço

de

Anestesia



atendimento

a

18

salas no Centro

Cirúrgico, sendo 6 delas destinadas a Cirurgias Ortopédicas e

as outras 12 às Cirurgias Ginecológica, Geral, Toracopulmonar, Neuro, Cardíaca, Pediátrica, etc. Atendemos ainda fora do Centro Cirúrgico, 4 salas no Otorrino, 3 salas na Oftalmologia, 2 salas na Urologia, 1 sala na Odontologia, 3 salas na Endoscopia peroral, realizando microcirurgias e exames em endoscopia peroral. Exames sob anestesia no Raio X Obstetrícia (urgência). Damos cobertura por 24 h ao Pronto Socorro de Cirurgia Geral, obst., C. Inf., Oftalmologia. Contamos com 3 anestesistas titulares e 2 R,. Atendemos à Recuperação pós-anestésica com 12 leitos e além disto o Serviço de Anestesia toma parte ativa na U.T.I.

Em 1977 (de | de janeiro a 31 de dezembro) foram efetuadas 8.801 cirurgias com o concurso da anestesia (7.632 eletivas e 1.169 de urgência). A média de permanência de internação de doentes no Hospital foi de 13 dias. Em relação a técnicas de anestesia temos aproximadamente 40% de bloqueios e 60% de gerais.

Glauco Carneiro

756

Das

Anestesias

Gerais



Enfluorane



30%



N.L.A.



30%



Halotane



35%



Metoxifluorane



5%

EQUIPAMENTO

Não temos tido dificuldade maior com material de anestesia. Estamos bem equipados com aparelhos de anestesias e respiradores, 1 para cada sala, dois cardioscópios para o C. Cir. Contamos com Central de O: — N>0 — Aspiração. O hospital arca com do material.

as despesas de compra

e manutenção

Temos notado grande aumento no custo do material e equipamento importado, devido o aumento do dólar e taxas alfande-

gárias.

Sou

de

opinião

que

devemos

sempre

que

possível

pres-

tigiar e apoiar a indústria nacional de aparelhos e material para anestesia. ENSINO

O Serviço de Anestesia toma parte ativa no ensino de gra-

duação

e pós-graduação.

No ensino

de graduação,

representando

a Disciplina de Anestesia (do Departamento de Cirurgia) pela sou responsável, ministramos aulas aos alunos de 5.º e 6.º (Ensino teórico e teórico-prático) — Noções básicas sobre anestésico, anestesia geral, bloqueios, ventilação e assistência tilatória. No ensino sia através do torado. Através vem formando

do Brasil.

de pós-graduação, mantemos residência de C.E.T. da S.B.A. Não mantemos mestrado deste C.E.T. nosso Hospital há mais de especialistas que se fixaram em diferentes ASPECTO

Sem dúvida alguma, a o anestesista não é exceção, pois os reajustes salariais e vação do custo de vida. A guiu-se e, por outro lado,

qual ano préven-

anestee dou12 anos pontos

ECONÔMICO

classe médica de um modo geral, e está passando por momentos difíceis, de U.S. não têm acompanhado a eleclínica particular praticamente extinaumentou assustadoramente o n.º de

pacientes dito “INAMPS pagando a diferença.”

O Poder da Misericórdia

157

Este paciente é internado em acomodações particulares, pa-

gando ao Hospital a diferença de diárias e a diferença ao cirurgião. O anestesista por força de uma portaria apenas

referente à U.S.

recebe o

Fizemos uma estatística de 1.º de janeiro a 31 de outubro de 1978 de doentes internados no Pavilhão Santa Isabel e obtivemos os seguintes dados: a) I.N.P.S. diferença —

59,5%

b) Outros



12,5%



28%

c)

convênios

Particulares

Outra grande dificuldade que atravessamos foi após a implantação do novo sistema de revisão de contas nosocomiais do

INPS.

Através de gabarito a grande porcentagem de glosas pelo computador. Tivemos época que 80% destas contas eram glosadas, pelo não-enquadramento. Tivemos contas com grande atra-

so, trazendo diminuição substancial na renda dos anestesistas. Houve atrasos de quase 1 (um) ano. Fazendo um inquérito em diversos Hospitais tivemos oportunidade de saber que atualmente observam-se atrasos médios de 5 a 6 (seis) meses entre o serviço

prestado e recebimento das contas. OUTRAS

SANTAS

CASAS

Ao nos propormos fazer um estudo de Santas Casas (reg. sudeste), já esperamos enfrentar grandes dificuldades. O grande problema foi inicialmente conseguir endereços das mesmas no que fomos auxiliados pela SAESP e Federação de Misericórdias do Estado de São Paulo. Feito isto, e cito como uma triste realidade, endereçamos 50 cartas para Santas Casas e tivemos 13 respostas (um percentual de 26%). Justifico esta pequena percentagem de respostas com alguns itens: 1) dificuldade de tempo e

falta de condições para levantar os dados; 2) Receio de informar

a sua realidade.

Quanto ao n.º de leitos os Hospitais consultados tinham menos

de 50 "v 5024 100 "1012200 " 3012400

leitos ” ”" ”

— 1 — 4 —3 —3

Menos

a 700



de 601

1000 —

1

1

758

Glauco Carneiro

Quanto ao n.º de Salas Cirúrgicas: | sala —

1 hospital

AR 3 do gs O O * =8," apo?

A grande maioria destes serviços estão subordinados à Provedoria e Diretoria clínica. Estes Hospitais não possuem óxido nitroso (23%) e 1 deles não possui anestesista, realizando apenas cirurgia sob bloqueios e anestesia local executados pelo próprio cirurgião (Realizou 239

cir. em

1977).

A quase-totalidade de S.A. consultados sobrevive de renda advinda de convênios e porcentagem cada vez menor de doentes particulares e parece que uma constante é a aflitiva situação econômica dos grupos lutando com a queda de clínica particular e retardo de recebimentos de proventos advindos de convênios. PROJETO

HISTÓRIA

DA SANTA

CASA

QUESTIONÁRIO | —

Identificação

NOME:

ÁLVARO

do Signatário

SAVIANO

Atribuição na Santa

Casa: Chefe

do Serviço de Anestesia.

Histórico e Cargos ocupados na Instituição: Médico estagiário do Serviço de Anestesia no período de fevereiro a agosto de 1955; Médico anestesista do Hospital Central da Santa Casa de setembro de 1955 a 30.03.1969.

A partir de 1.º de abril de 1969 foi contratado pelo Hospital na qualidade de professor assistente. —

Em 1971 foi promovido a professor associado. Recebeu o título de Assistente Adjunto do Serviço de

Anestesia.

— Chefe interino do Serviço de Anestesia de agosto a outubro de 1966.

deste Hospital

O

Poder

759

da Misericórdia



Vice-Chefe do Serviço de Anestesia de janeiro de 1967 a junho de 1973.



Chefe do Serviço de Anestesia da Santa Casa de junho de 1973 até a presente data.



Chefe do Serviço de Recuperação pós-anestésica de junho de 1973 até a presente data.



Membro da Comissão Organizadora e Coordenadora a Unidade de Tratamento Intensivo deste Hospital de julho de 1972 a setembro de 1973.



Membro da Comissão Coordenadora do Centro Cirúrgico da Santa Casa de São Paulo de agosto de 1971 até a presente data. Cargos ocupados na vida profissional fora da instituição: a) Como estudante:



Monitor da cadeira de Química Fisiológica da Escola Paulista de Medicina — ano de 1950.



Acadêmico

interno da 2.º Clínica



1952.



Médica

da Escola Pau-

lista de Medicina “Serviço do Prof. Otávio de Carvalho” ano

de

Acadêmico

Interno do Hospital Sanatório Mandaqui

Divisão de Tuberculose da Secretaria de Saúde

da

(14.08.52

a 31.12.53).



Doutorando 31.12.53.

interno

do mesmo

Hospital de 01.01.53



Acadêmico estagiário do Ambulatório

a

de Clínica Médica

da Escola Paulista de Medicina a Serviço do Prof. Jairo Ramos de junho a setembro de 1951.



Estagiário Voluntário do Ambulatório de Gastroenterologia da Escola Paulista de Medicina — ano de 1951.



Acadêmico interno da Cadeira de Fisiologia da Escola Paulista de Medicina — ano de 1953. Médico plantonista do Hospital Sanatório Mandaqui durante o ano de 1954.

— —

Médico anestesista do Hospital do Servidor Público Municipal de junho de 1955 a março de 1983, quando fomos

aposentado.



Substituiu por várias vezes a chefia do Serviço de Anes-

tesia do Hospital do Servidor Público Municipal.

A profissão de origem e à qual nos dedicamos até hoje é a Medicina e dentro dela a Anestesiologia. Atualmente a nossa ati-

vidade toda é dedicada à Santa Casa de São Paulo.

Glauco Carneiro

760

2 —

A Instituição

2.1 — A Santa Casa de São Paulo tem a sua história ligada

ao Brasil colonial. Foi em 1715 que apareceu o primeiro Hospital da Santa Casa de São Paulo na provedoria de Isidro Tinoco de Sá. Sem dúvida alguma desde esta época até os nossos dias o

papel desta instituição na História Assistencial de São Paulo é de grande valia nunca se limitando a atender os carentes e desamparados mesmo durante as crises econômicas graves por que tem passado principalmente nos últimos anos em que a inflação impiedosa solapa e corrói os recursos de instituições como a nossa. 2.2 — A Santa Casa de São Paulo tem colaborado para a evolução de amparo social entre nós colocando todos os recursos que tem, como assistentes sociais, serviço médico hospitalar e ambulatorial, serviço odontológico à disposição da população de São Paulo que é atendida quer como indigente como previdenciário, conveniado ou na categoria de paciente particular. 2.3 — A Santa Casa de São Paulo sempre teve papel decisivo para o desenvolvimento do ensino médico do Estado e do Brasil, pois mesmo antes de ter a sua Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo, primou por acolher estudantes de medicina e médicos recém-formados que receberam dos colegas mais antigos orientação e ensino nas diversas especialidades médicas sem nenhum interesse financeiro, somente pelo prazer em introduzir os mais jovens na “arte de curar”. Com o correr do tempo na década de 1960 foi fundada a Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa e o ensino tomou maior impulso e atualmente médicos de todo o Brasil e do exterior (Bolívia, Venezuela, Equador, Colômbia, etc.) vêm buscar neste Hospital novos conhecimentos e especialização. No momento, temos no Serviço de Anestesia, o qual tenho a honra de dirigir, estagiários da Bolívia, Colômbia e Venezuela. A Santa Casa

de São

mes eméritos que muito dores leigos como

pessoal burocrático, obra.

Paulo

fizeram

teve desde

a sua fundação

por ela. Tanto

no-

os administra-

médicos, dentistas, farmacêuticos, enfermeiros,

deram

muito

de si para a evolução desta

Gostaríamos de lembrar os nomes de Antonio Pinto do Rego

Freitas e Rafael Tobias de Aguiar Paes de Barros que em março

de 1881 doaram o terreno no Bairro do Arouche onde seria construído um Hospital de 200 leitos que foi inaugurado em 1886.

Neste

Hospital

multipavilhonar

havia

na época

pavilhões

O

Poder

761

da Misericórdia

para tuberculosos, próprios.

leprosos, mais tarde

removidos

para

hospitais

No ano de 1886 surge no Arouche o grande e moderno Hospital construído pelo arquiteto Pucci e nesta obra foi apoiado pelo arcipreste Dr. João Jacyntho G. de Andrade. Em 1944 inaugurava-se em São Paulo o Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da U.S.P. Por 3 décadas foi o Hospital da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo o seu procurador constituindo o centro médico da nossa metrópole, nele se adestrando todos os catedráticos, docentes c alunos da Faculdade de Medicina. Vinte e nove turmas de médicos passaram pelas enfermarias do tradicional nosocômio do Arouche.

Quero deixar lembrado alguns dos nomes de colegas contemporâneos que muito deram de si para a evolução desta ins-

tituição,

Dino

tais como

de Almeida,

os

Profs.

Emílio

Dr.

Athié,

Nairo

Fábio

França

Trench,

Dória do Amaral,

Alvaro

Jorge

Barreto Prado, João Fava, Luiz Oriente, Oscar Monteiro de Barros.

O Serviço de Anestesia teve como seu primeiro chefe Dr. Roberto Araujo (1948), que foi seguido pelos Drs. Oswaldo Pinto Mariano e Renato Riciardi Del Nero. Na parte administrativa tiveram grande evidência as figuras como a do Exmo. Sr. Dr. Christiano Altenfelder, provedor por longo tempo desta instituição, os superintendentes Dra. Lourdes Freitas, Mario de Almeida Pernambuco Filho e Renato Vicente Romano. Foram todas pessoas que se colocaram ao lado da Santa Casa e que sempre procuraram dar o melhor de si para a evolução e o aprimoramento do atendimento deste Hospital. 2.4 — Uma obra da qual tenho conhecimento a respeito da História da Santa Casa é o livro “A Santa Casa de Misericórdia de São Paulo”, do médico Dr. Marcelo de Almeida Toledo, que foi médico chefe do Serviço de Radiologia da Santa Casa. 2.5 — A nossa modesta colaboração tem sido dada ao nosso

Hospital no sentido de melhorarmos sempre o atendimento técnico e humano aos pacientes atendidos pelo nosso serviço. Procuramos sempre o aprimoramento profissional e científico de nossos colegas, bem que seu relacionamento médico-paciente seja mais carinhoso e humano. 2.6 — Procuramos dar ao Hospital o melhor de nós mesmos, no setor técnico e humano, querendo nestes 29 anos de

762

Glauco

dedicação

recebemos

à instituição

e trabalhamos

retribuir para

um

pouco

o nosso

do muito

Hospital

que

atingir

Carneiro

dela

os seus

mais nobres objetivos que são, sem dúvida alguma, os do atendimento do enfermo, sobretudo do carente. 2.7 —

2.8 —

A Santa Casa sempre esteve ligada à História

Polí-

tica de São Paulo nas suas diferentes etapas pois os Irmãos sempre figuraram com destaque na vida política, social e científica do país.

2.9 — O Hospital da Santa Casa de São Paulo é uma instituição que como todas muitas outras sente atualmente o peso

do fantasma

da inflação.

O povo de São Paulo tem pelo nosso Hospital um carinho todo especial porém, no meu entender, como está cada vez mais carente e empobrecido financeiramente, não tem condições de poder contribuir com uma receita razoável a seu favor. Quanto de maneira uma análise médico que

à área governamental, tem retribuído financeiramente muito ineficiente e precária, sobretudo se fizermos do custo operacional cada vez maior do atendimento hoje exige sofisticação crescente.

2.10 — No presente ção como em todo o País, e todos os setores, porém médico-social do Hospital

momento vivemos, não momentos difíceis para no que tange à atuação tem sido desempenhada

só na instituitodas as áreas da assistência a contento.

Quanto à assistência médico-social no país achamo-la

precária têm que dimento, liares de

muito

observando que pacientes de outras cidades e estados se deslocar de distâncias fabulosas para aqui buscar ateno que gera sem dúvida alguns distúrbios sociais e famigrande monta.

Quanto ao futuro da assistência médico-social deverá ser cuidadosamente estudada e equacionada pelas autoridades competentes, pelos profissionais da saúde e da administração e por representantes de várias entidades de classe escolhidas dentre a po-

pulação.

Estudos deverão ser feitos a fim de obter captação de recursos financeiros e humanos. Planejamentos para equipar ambulatórios, pequenos hospitais periféricos e rurais para atender os casos mais simples. Somente

casos mais graves

o que talvez

deveriam

ser encaminhados

viesse a diminuir

tornos familiares e sociais.”

custos

a centros

e ocasionar

maiores,

menos

trans-

O Poder

da Misericórdia

763

HISTÓRIA ALGUNS

ASPECTOS DA HISTÓRIA NA SANTA CASA DE SÃO

DA ANESTESIA PAULO Dr. Pedro Ayres

Netto

Revista Brasileira de Anestesiologia “São

narrados os primórdios da anestesia na Santa Casa de

São Paulo, impulsionada que foi por figuras marcantes da ciruro

.

.

gia, no fim do século

,*

.

.

passado e no início deste.

O autor, que colaborou com diversos trabalhos para a afirmação da Anestesiologia moderna em nosso meio, relembra as décadas de 30 e 40, quando na Santa Casa foram realizados vários estudos visando a melhoria das técnicas e dos métodos de anestesia, destacando vários nomes da medicina paulista. Com uma visão panorâmica, que se estende até a formação dos primeiros anestesistas de São Paulo, fica situada toda uma época da história da anestesia no Brasil. Para falar sobre este assunto, é mister retornar, num rápido esforço, ao desenvolvimento da ciência médica neste Hospital, em fins do século passado, nas grandiosas e refulgentes figuras de Pereira Barreto, Carlos Botelho e Nicolau Vergueiro, no campo da cirurgia. “Barreto, o sábio filósofo para quem a biologia não tinha segredos; Botelho, o cirurgião completo, espontâneo e elegante;

Vergueiro, genuíno representante do gênio cirúrgico alemão, aus-

tero, cauteloso e ilustrado”, no dizer de Arnaldo Vieira de Carvalho que acrescenta: “O primeiro iniciara a catequese anti-séptica em 1878, e, em Jacareí, a Meca da Medicina Paulista, sob o “spray” listeriano, empreendia ousadas e felizes intervenções. Só algum tempo depois, em São Paulo, Botelho e Vergueiro, bem que muito mais novos, transformavam a arte de Ambroise Paré”. Assim se iniciara a bela cirurgia hoje florescente em nosso Estado, sempre no dizer daquele que se tornaria o príncipe da Cirurgia Paulista, que acompanhara os fatos e transformações: “Foram esses os propagadores da cirurgia moderna nesse Estado e foram os nossos mestres”. Do filósofo, sociólogo, médico e cirurgião que fora Luís Pereira Barreto, dizia Arnaldo num estudo sobre sua personalidade: “Um outro característico do cirurgião paulista foi, sempre, sua aversão pelo clorofórmio. Reconhecia-lhe os méritos. Usava-o, porém, em falta de melhor. Sempre o considerou um percalço da

arte operatória. A ação tóxica desse anestésico o impressionava

Glauco Carneiro

764

desagradavelmente. Ele se arreccava mais dos perigos corridos por seus doentes sob a máscara inaladora que dos provenientes das mais arriscadas intervenções. A anestesia local, a cocaína € seus derivados foram para Barreto uma redenção — livraram-no das mais cruéis ansiedades de que é passível um cirurgião cons-

ciencioso.

Por

este

motivo

adotou

o nosso

patrício a anestesia

regional, pouco a pouco, até excluir completamente da sua prática o clorofórmio e propôs que, com o seu jubileu, se festejasse também o enterro dessa droga”.

Arnaldo, o fundador da Faculdade de Medicina de São Paulo, retornara a esta Capital depois de formado em 1.º de janeiro de 1890, apresentando-se na Santa Casa a Carlos Botelho — “o cirurgião ousado, fogoso, hábil e destro, apaixonado pela profissão”, quase afirmando que, “sem truncar a verdade, presenciara a aurora da cirurgia moderna em São Paulo e a formação da consciência anti-séptica de nossos cirurgiões”. Era esse o ambiente, na Santa Casa, àquela época de grandes transformações e de novos rumos na cirurgia mundial, gra-

ças aos estudos de Lister e Pasteur. No dizer de Moraes Barros, em 1921, “Vieira de Carvalho, como cirurgião, realizou este mila-

gre — fato inédito na história da cirurgia nacional — fez-se à custa própria, dentro dos acanhados recursos de seu meio, sem arredar pé de seu país”; considerou-o mesmo “o criador da gine-

cologia operatória entre nós e é incontestável que ele foi aqui o vulgarizador das grandes intervenções ginecológicas”. Continuando, relata: “As suas demonstrações práticas, feitas todos os dias e durante anos nas salas de cirurgia da Santa Casa, constituíram um verdadeiro curso da especialidade, precursor do que ele mais tarde, com tanta proficiência, iniciava como catedrático da Facul-

dade”.



Para ressaltar a excelência de cirurgião a quem me refiro o primeiro chefe da “Primeira Enfermaria de Cirurgia-Mu-

lheres” da Santa Casa — basta dizer que, em

1900, praticou a

4. gastrectomia total, mundial, com sucesso, esclarecendo em sua observação publicada que “a doente foi habilmente cloroformizada pelo distinto colega Dr. Mattoso” e que “a operação durou uma hora e vinte minutos e, ao terminá-la, a paciente estava em

deplorável estado. ..”:; “no oitavo dia tudo ia bem, havendo a

sua recuperação”. Foram seus auxiliares Alves Lima e Delphino Cintra, tendo assistido à intervenção

meada na época.

os médicos

de

maior

no-

A um cirurgião de tal envergadura não poderia passar despercebida a deficiência das anestesias naquele tempo. Assim, em

O

Poder

da Misericórdia

1902,

ao

765

transmitir

a presidência

da

Sociedade

de Medicina

e

Cirurgia de São Paulo, disse: — “o Dr. Oliveira Fausto fez belas comunicações sobre a raquicocainização e foi tudo o que fizemos

sobre a anestesia”. Acrescentou, no entanto: “Não nos ocupamos do clorofórmio e do éter. Foi, entretanto, esse ano exatamente aquele em que mais se avantajaram nossos conhecimentos sobre a fisiologia e patologia da anestesia geral. Frequentemente temos acidentes de cloroformização e calamos, com medo da crítica sempre malévola dos nossos conterrâneos. Esse silêncio nos

arreda sempre

da discussão de fatos que só podem

criticar os

que ignoram o que são as reações bioquímicas determinadas pelo clorofórmio e pelo éter no protoplasma celular dos mais nobres tecidos da economia animal. Como consequência, temos o abandono dos meios garantidores dos bons prognósticos na anestesia geral, tais como exames de sangue dos nossos operados”. Sempre

preocupado

com

o problema da anestesia, em

1907,

em memória apresentada ao 6.º Congresso Brasileiro de Medicina e Cirurgia, reunido em São Paulo — “Laparotomia em São

Paulo, 1600 casos, com 6 1/2 de mortalidade” — dedicou um capítulo à Anestesia, ensinando como preparar o doente, as cau-

telas necessárias, como iniciar a anestesia, dizendo: “confiar sempre a cloroformização a colegas competentes nessa especialidade e nunca a pessoas cujos conhecimentos e responsabilidades no assunto sejam deficientes. Ficamos assim mais tranqúilos durante a operação, sabendo que um profissional responsável zela pela vida do nosso operando, e exigimos sempre que ele esteja abundantemente aparelhado para socorrer o enfermo em qualquer emer-

gência”. Preconiza o exame pré-operatório minucioso, cuidados ao início, durante e após a anestesia, chamando

o cloroformizador

observe

cuidadosamente

a atenção para que

o pulso, a respiração,

as pupilas do paciente, e conferindo, ao mesmo tempo, a ele, “autoridade absoluta para, ao menor alarma, ordenar a suspensão do ato cirúrgico...”

São conceitos emitidos há mais de meio

patrício, cuja personalidade

se impunha

em

século

por aquele

todos os meios

cul-

turais e sociais de então, e que seria o fundador, orientador e entusiasta de nossa Faculdade. De fato, escreveu meu pai, em

1954, ao estudar a personalidade

de seu

antigo

mestre

e muito

saudoso amigo: “Uma das maiores glórias lhe coube com a organização da Faculdade de Medicina, velho e acalentado sonho da gente paulista e, em tais princípios e bases moldou o estabelecimento, que este constitui, no presente, uma das reputadas casas de ensino médico do mundo”.

766

Glauco Carneiro

E a Santa Casa, “o berço da cirurgia paulista”, abrigou as clínicas da Faculdade durante 32 anos (1916-1948), e o bronze no átrio de seu salão nobre consigna “Aere Perennius” o reconhecimento de sua Congregação. E as coisas continuaram assim: clorofórmio ou éter usados

em máscaras abertas, com

parca oxigenação, administrados por

bisonhos, com acidentes frequentes, tanto aqui como na Europa.

J. L. Faure, o grande cirurgião e ginecologista francês, aman-

te das boas

letras, escreveu

ent

1921:

“A cirurgia atual não se

acompanha dos horrores dos quadros doutros

tempos. A aneste-

sia, suprimindo a dor, a consciência e o medo, despiu o ato ope-

ratório de tudo aquilo que aos nossos pais dava um aspecto de horror e de pavor. O espetáculo da dor, os gritos do doente, relutando

sob a faca

e sob

o serrote,

não

os

conhecemos

já, e

nunca mesmo, em casos melindrosos, consentimos em dispensar o auxílio soberano e abençoado do clorofórmio, todo poderoso”.

O mundo passara por uma grande tragédia: A Primeira Guerra Mundial. Em contato com os médicos norte-americanos, novos conhecimentos sobre a anestesia eram difundidos. Na Europa já se falava, então, no Protóxido de Azoto (Desmarest, Dumont, Presse Medicale, 1923). As misturas anestésicas começavam a ser usadas, ao lado do clorofórmio, do éter, do cloretila, como “Schleich”, “Balsoforme”, administradas em aparelhos especiais no sentido de tornar a narcose mais segura e sob perfeita condução pelo anestesista. Faure, só muito mais tarde, em 1936, viria dizer que a anestesia era aplicada de maneira perfeita, graças à especialização — então mais generalizada — citando como exemplo os Estados Unidos, que tiveram a glória de descobrir a anestesia, dizendo ser possível aos laboratórios de química e de fisiologia experimentais revelarem todos os segredos, dando-nos, cedo ou tarde, uma substância maravilhosa que, bastando injetar algumas gotas sob a pele — como se faz com a morfina — provoca um

sono perfeito,

grande intervenção. Na

América

inofensivo e de duração

suficiente

do Norte, o desenvolvimento

para

uma

da anestesia

mo-

derna se fazia notável. O primeiro congresso da especialidade se reunia em outubro de

1922, em

Ohio, e o boletim da “National

Anesthesia Research” publicava, em agosto de 1922, o primeiro número da famosa revista “Current Researches in Anesthesia and

Analgesia”.

Em 1920, após a morte de Arnaldo Vieira de Carvalho, assumiu a chefia da “Primeira Clínica Cirúrgica de Mulheres”, da Santa Casa, que já abrigara a primeira fase da Clínica Gineco-

O

Poder

da Misericórdia

lógica da Faculdade,

767

o seu

atual

detentor

Dr.

José

Ayres

Netto.

Publicou recentemente uma revista paulista (1962): “Os cirurgiões paulistas e brasileiros sabem como se argamassou em amizade e colaboração essa união providencial para a história da cirurgia paulista e para a cultura da classe. Registra bem esta hipóstase o painel de azulejo colocado há anos à entrada do Serviço “Ayres Netto”, na Santa Casa e que representa uma operação de rim, em

1920. Vêem-se o Dr. Arnaldo Vieira de Carvalho, o Dr. Ayres

Netto, o então acadêmico Arnaldo de Campos, o Dr. Raul Vieira de Carvalho e o Dr. Luiz Moura Azevedo”. Como Arnaldo, procura a Santa Casa em 5 de janeiro de 1902, logo após a sua formatura na Faculdade do Rio de Janeiro, e ali faz toda a carreira cirúrgica e ginecológica. Como seu Mestre, jamais procurou outros serviços para aperfeiçoamento na arte

cirúrgica. Com Arnaldo, segue como assistente da clínica hospitalar e privada, na Clínica Ginecológica da Faculdade, regendo interinamente a cátedra. Assumindo a chefia da Primeira Clínica, fez daquele serviço um modelo de renome nacional e internacional, como cita Oscar Ivanissevich em 1941: “No hospital da Santa Casa, nosso velho amigo, o Dr. José Ayres Netto, nos mos-

trou o Serviço de Ginecologia, Cirurgia Abdominal e Traumatologia que ele dirige. A perfeição do detalhe foi levada ali aos limites extremos, e a hospitalização se faz em locais pequenos, em grupos de três ou quatro doentes. Só há uma sala geral, também pequena. A tendência é separar cada doente para chegar à assistência individual em peças isoladas. Para o pós-operatório imediato há uma sala de seis camas, anexa ao departamento de operações. Uma instalação completa de Raios X, um laboratório e uma biblioteca completam o Serviço do Dr. Ayres Netto. Para promover o adiantamento técnico e científico, o Dr. Ayres Netto reúne todos os cirurgiões e pessoal técnico todas as semanas. Ali se discutem os casos complexos e se propõem os tratamentos médicos e cirúrgicos”. Foi nesse Serviço, de tradição das mais honrosas, que fui admitido como acadêmico em 1927, estagiando no laboratório e na enfermaria, e, em seguida, fazendo o primeiro aprendizado como anestesista. Em carta recente, respondendo a inquérito de nosso distinto colega anestesiologista Dr. Deyler Goulart Meira, do Rio de Janeiro, fiz rápido depoimento a respeito do que se passou em São Paulo ao iniciar-se a anestesia moderna. Escrevi, acrescentando agora alguns outros pormenores, que “a chamada

cloroformização dos pacientes, até

1926, era feita por médicos

com pouca experiência, sem conhecimentos especializados, e, na sua falta, na maioria das vezes, por acadêmicos de medicina,

768

Glauco Carneiro

Irmãs

de Caridade

ou,

mesmo,

enfermeiros

e parteiras.

Como

evolução, passou-se, mais ou menos naquela época, da máscara simples de clorofórmio para o aparelho de Ombrêdanne, usando-se éter ou misturas, como o “balsoforme”. O protóxido de azoto fora introduzido

Rio

de

Janeiro, em

e superando trações.

grandes

1927, por Leonídio

dificuldades.

Fez

na cirurgia geral, no

Ribeiro,

aqui

após muita

diversas

luta

demons-

Na Santa Casa, o único Serviço que então se animou a empregar o gás anestésico foi a Primeira Clínica-Cirúrgica de Mulheres, sob a chefia de meu pai. Foi encomendado na França, por intermédio de seu assistente então em Paris, Dr. Moura Aze-

vedo, o aparelho de Desmarest, igual ao utilizado por Leonídio Ribeiro.

Em comunicação que fiz à Sociedade de Medicina e Cirurgia de São Paulo, em 15 de fevereiro de 1929, dizia: “Em janeiro

de 1928 obtivemos o ambicionado aparelho de Desmarest e sentimos, no início, todas as dificuldades possíveis e imagináveis”.

Senti

desde

logo ser

impossível

usar

tão simples

aparelho

sem

as modificações exigidas. Foi, em seguida, adquirido o aparelho “S.S. White”, mais perfeito e controlável, sendo dada a primeira anestesia geral, com ele, no dia 7 de julho de 1928. Em carta prefácio a minha tese inaugural sobre o assunto, dizia o insigne cirurgião patrício Prof. Brandão Filho: “Foi nessa ocasião que assisti, pela primeira vez, anestesia com o aparelho da “S.S. White Dental”, sob a competente direção do então doutorando Pedro Ayres Netto. A excelência das anestesias e o fácil manejo do aparelho seduziram-me de tal modo que decidi reencetar o emprego do protóxido em minha Clínica, logo que chegasse ao Rio... Digo reencetar, porque já havia abandonado, de há muito, em vista dos resultados incertos e dispendiosos alcançados com aparelhos menos perfeitos e de outra proveniência”. A seu convite,

em maio de

1929, no Rio de Janeiro, fiz duas anestesias com

o

protóxido de azoto para intervenções praticadas pelo sempre lembrado cirurgião brasileiro, Prof. Brandão Filho. Usei o aparelho “S.S. White”, recentemente importado para o seu Serviço. Tive a satisfação de ter como companheiro de assistência e como primeiro aluno o meu querido amigo Mário de Almeida. Era a Santa Casa de São Paulo levando à do Rio de Janeiro

as possibilidades deste grande progresso na anestesiologia. Mário de Almeida, desde aí, cultivou com carinho a “Especialização em anestesia”, fundando sua afamada escola: o Serviço Médico de Anestesia. E escreve Goulart Meira repetindo as palavras de Má-

769

O Poder da Misericórdia

rio de Almeida:



“Data de então o início de um intercâmbio

entre nós dois (Mário c Ayres Netto), com a visita do Pedro ao

Rio e as minhas

a São Paulo. Creio que

foi essa a primeira

“Sociedade de Anestesia” do país, composta de dois únicos membros, baseada exclusivamente em nossa camaradagem e curiosidade pelo assunto”. Mário

de

Almeida

faz escola

no Rio

de

Janeiro, enquanto

que a experiência obtida na Primeira Clínica de Mulheres, da Santa Casa, estimulava outros colegas a praticarem a anestesia

pelos gases, tais os bons resultados obtidos. Tive oportunidade de

demonstrar a anestesia pelo protóxido de azoto nos diversos serviços cirúrgicos, ministrando anestesia enquanto operavam os mais renomados cirurgiões de São Paulo. Em 1929/1930 iniciavam a anestesia pelos gases, no Sanatório Santa Catarina, José Martins Costa, Reynaldo de Figueiredo e outros, empregando o etileno e, posteriormente, o ciclopropano. Neste momento não faço dissertação; apenas presto um depoimento sincero e despretensioso, procurando não enfadar os

colegas presentes. É que o assunto é para mim muito caro e as vitórias, obtidas à custa de esforço, estudo e trabalho, trouxe-

ram-me, na verdade,

muitas

alegrias.

“Em 1930, perante a Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, defendi a tese inaugural “Anestesia Geral pelo Protóxido de Azoto”. Para sua feitura foram gastos dois anos de árduos trabalhos e estudos, bisonho que era no assunto e sem orientador especializado na questão, cujos problemas eram abordados pela primeira vez entre nós. Fui aprovado com Grande Dis-

tinção e a tese foi laureada pela Sociedade de Medicina e Cirurgia de São Paulo, Prêmio de Cirurgia “Carlos Botelho”, de 1930, Medalha de Ouro, após disputa com outras também de clínica cirúrgica e aprovadas

pela mesma

Faculdade.

Foi este, talvez, o primeiro prêmio, em trabalho anestesia, galardoado por Sociedade Médica brasileira. teve repercussão nacional e em outros países. Dizia então Alípio Correia Neto ao fazer apreciação sobre a mesma:

sobre a A tese o Prof. “É uma

valiosa contribuição a salutar tendência ultimamente desenvolvida

nos meios médicos paulistas em prol do problema da anestesia. Aqueles que se dedicam à cirurgia vêem com real satisfação avolumada esta corrente porque, até poucos anos, era a anestesia cirúrgica muitíssimo descuidada atendendo-se à aplicação do éter, clorofórmio e cloretila... A anestesia é tão complexa, exige tal soma de conhecimentos, tal noção de responsabilidade, que só

770

Glauco

Carneiro

está bem nas mãos dos facultativos nela especializados”. Prosseguindo, completa: “Além desse valor incomparável do trabalho do jovem cirurgião, qual da sua projeção no meio médico, cons-

tituindo grande

progresso

no êxito das

intervenções cirúrgicas,

traz ainda qualidade intrínsecas que o recomendariam à leitura atenta e proveitosa. Com a tese de Martins Costa, os estudos de Ary Siqueira e Arouche de Toledo, para citar apenas os esforços da Faculdade de São Paulo nestes dois últimos anos, este trabalho põe em foco métodos mais agudos da anestesia geral em nosso meio” (junho de 1951). Por três anos consecutivos fui convidado para apresentar este assunto nos Congressos Americanos de Anestesia (1931, 1952 e 19533), convites esses feitos à Faculdade de Medicina de São Paulo, ao Governo Federal, por intermédio da Embaixada Brasi-

leira nos Estados Unidos;

tudo seria facilitado. Infelizmente, por

motivos óbvios, tais convites não puderam

apenas

a honraria

e as belas

cartas

ser efetivados, ficando

recebidas.

Como veremos, na Santa Casa a atividade era lisonjeira para

a prática da anestesia.

Na

Clínica Ginecológica,

Ofélia Fonseca

disserta sobre a anestesia pela Avertina. Na Primeira Clínica Cirúrgica de Mulheres, são feitas pesquisas clínicas e laboratoriais mais intensas. São da época os trabalhos “Influência dos anesté-

sicos sobre

a reserva

alcalina”

(Altino

Antunes

e Antônio

de

Godoy); “Anestesia geral pela Avertina” (Geraldo Vicente de Azevedo e Pedro Ayres Netto); “A Percaína em anestesias cirúrgicas” (Luiz Moura Azevedo); “Prova funcional do fígado pelo rosabengala” (A. Ayrosa Galvão); “Anestesia endovenosa pelo Eunarcon” (J. Luiz Mazza e O. Unti); “Contribuição tudo da Reserva Alcalina na anestesia pela Avertina”

“Revivescência do coração men

Escobar Pires);

barbitúricos”

pelas

“Reserva

(Ovídio

injeções

alcalina em

para o es(O. Unti);

de Adrenalina”

(Car-

anestesias por alguns

Unti e Laerte de Moraes).

Saem,

ainda,

do

Serviço do Dr. Ayres Netto as teses de Ovídio Uunti, “Anestesia

de base pela Dialimalonuréia”, aprovada com distinção na Facul-

dade

de

Medicina

da

Universidade

do

Paraná

(19536),

e a de

Laerte de Moraes, “Variações da Reserva Alcalina em vários tipos

de anestesia”, aprovada com grande distinção e prêmio medalha

de ouro Em

no mesmo

ano e na

mesma

Faculdade.

1936, com o estudo “Novas aplicações em cirurgia com

a Dialimalonuréia”,

em

colaboração

com

Ovídio

Uunti,

fomos

laureados com o Prêmio Antônio Cândido Camargo, da Associa-

ção Paulista de Medicina.

O Poder da Misericórdia

771

Na introdução do referido trabalho acentuávamos: “A

abo-

lição de todas as causas de “shock”, o trauma psíquico, a intoxicação anestésica e uma boa e segura anestesia, eis o que sempre

foi procurado em cirurgia. Data destes últimos anos, acompanhan-

do o progresso humano, o aparecimento de uma série de novas substâncias anestésicas, novos gases são experimentados e usados à larga em todos os centros médicos mundiais, devido à incessante procura por parte dos cirurgiões. Se ainda não foi atingido o ideal almejado, temos hoje em mãos toda uma gama de substâncias ou gases anestesiantes, perfeitamente estudados, e que, observadas as indicações e contra-indicações, se adaptam aos mais variados casos clínicos. Daí, também, o aparecimento de uma nova especialização: a sub-classe dos cirurgiões, os anestesistas”.

Ainda em 1936 relatava, no 2.º Congresso Interno da A.P.M,, o tema oficial “Anestesia por inalação” somente publicado em 1942 no Livro do Jubileu Profissional

do Dr.

José Ayres

Netto

(1901-1941), no capítulo da Anestesiologia. Aí é também inserido o artigo “Anestesia pelo Evipan sódico”, de Moura Azevedo e Luiz Mazza.

E. de Jesus Zerbini, em

cátedra

Geral —

do

Prof.

Alípio

Mecanismo

anestesia geral”.

1939, publica

Correia

a aula

ministrada

Netto, sob o tema

na

“Anestesia

de ação dos anestésicos gerais. Sinais da

Ainda na Santa Casa, por solicitação de outros serviços, anestesiava OS primeiros casos de cirurgia torácica, incipiente naquela

época. Nas primeiras vezes, usei um velho aparelho de hiperpressão importado por Arnaldo Vieira de Carvalho, que permitia a distensão pulmonar com ar. Em 1935, em paciente que anestesieci com Avertina, controlando a distensão pulmonar com o referido aparelho, Soares Hungria abria o tórax e podia ressecar volumoso neuroma pleural, que comprimia o ápice pulmonar, com pleno êxito e recuperação do paciente. Até o início da Grande Guerra poucos foram os médicos brasileiros que fizeram cursos de anestesiologia em outros países. A grande maioria era, na realidade, autodidata. Os aparelhos mais modernos, novos gases, novas técnicas, foram surgindo e se formavam pequenos grupos entusiastas da anestesiologia nas principais cidades brasileiras. A contribuição da Santa Casa continuava. Chegou a vez da anestesia peridural, com os trabalhos de Mondadori (4.º C.H.), “Anestesia Peridural” (1938), de Zerbini (1.º C.H.), “Anestesia Peridural” (1938), e o nosso, em 1940, em colaboração com Nicolau Mancini e publicado na “Revista Argen-

772

Glauco

tina de Anestesia y Analgesia”: anestesia peridural”.

“Contribución

al estudio

Carneiro

de la

Aqui em São Paulo, em 1941, Mário Ramos Nóbrega fundava o Serviço Médico de Anestesia, nos moldes do Serviço Mé-

dico de Anestesia

do Rio de Janeiro, organizado,

como

já disse,

por Mário de Almeida, Oscar Ribeiro e Ivo de São Thiago, a primeira verdadeira escola brasileira da especialidade. Mc

Chegava

Kesson,

no Serviço

para cinco

do

gases,

Dr.

Ayres

Netto

e o estojo

de

um

aparelho

intubação

de

endotra-

queal de Foregger; as primeiras intubações foram feitas por Plínio de Mattos Barreto. Em 1943, Eduardo Etzel divulgou um belo estudo sobre a anestesia endotraqueal que, posteriormente, seria de rotina.

Com a guerra, de 1.º de setembro de 1939 a 7 de maio de 1945, houve realmente maiores contatos dos cirurgiões brasileiros

com

nosso

os

americanos.

meio.

Apesar

Grande

proveito

das dificuldades

teve

para

a

anestesiologia

importação

de

em

gases,

acessórios e aparelhos mais modernos, os trabalhos de divulgação

e experiência iam sendo publicados, como o de Mário de Almeida, “Considerações gerais sobre a anestesia por gases” (agosto de 1940), e “Anestesia gasosa em ginecologia e obstetrícia”, por

Álvaro de Aquino

Salles

(novembro

de

1940).

Como contribuição do Brasil à Segunda Guerra Mundial no terreno da medicina, sob os auspícios da 2.º Região Militar e da Reitoria da Universidade de São Paulo, o saudoso Prof. Raul Briquet organizou, em 1943, um curso de Anestesiologia, no qual se inscreveram 236 candidatos entre médicos e acadêmicos. As aulas e conferências aí proferidas estão arquivadas no primeiro tratado brasileiro de anestesia, sob o título “Lições de Anestesiologia”, publicado em 1944 e por todos conhecido.

Aproveitei o material de minhas aulas para a feitura de dois trabalhos. Um, publicado em Seara Médica, “Anestesia em

cirurgia de guerra”

(1943), e outro, que

do livro antes referido.

constitui o Capítulo VI

O primeiro trabalho foi espontânea e integralmente traduzido para o inglês e publicado na notável revista da especialidade “Current Researches in Anesthesia and Analgesia”, vol. 23, n.º 2, 1944, e concluído no n.º 3 do mesmo volume e ano. Foi uma

grande deferência editor da revista, cação do referido de satisfação por cina brasileira e

prestada à anestesiologia brasileira. A carta do solicitando autorização para tradução e publiartigo de Seara Médica, proporcionou-me gransentir ter feito algo para o bom nome da medisua receptividade e repercussão no estrangeiro.

O Poder da Misericórdia

773

Como já disse, houve entre nós, com a guerra, grandes dificuldades para abastecimento de gases, aparelhos e acessórios para anestesia, obrigando-me a deixar a especialidade. Acompanhava, então, mais de perto a cirurgia como

primeiro assistente nas clí-

nicas privada e hospitalar de meu pai e querido mestre, deixando, aos poucos, de atuar efetivamente na anestesiologia, especialidade que até hoje vejo com muito carinho, tais as grandes ale-

grias

que

me

proporcionou,

e de

que

senti a radical

transfor-

mação em nosso meio, com parcela mínima de minha contribuição.

A anestesiologia brasileira é uma especialidade médica pujante e plenamente vitoriosa, tais os vultos brasileiros que a ela se dedicaram. No Hospital das Clínicas de São Paulo é organizado um serviço oficial de Anestesia, obrigando ao aprendizado e estágio, sob a competente direção de Reynaldo Figueiredo. Nas demais faculdades de Medicina do Brasil torna-se obrigatória a frequência a cursos de anestesiologia. Na Santa Casa de São Paulo, Hospital Central, é instalado em 1949 o Serviço'de Anestesia sob a direção de Roberto Ayres

de Araujo, que já esporadicamente era requisitado para anestesiar casos difíceis, nas diversas clínicas. É aí instalado, também, o

1.º Centro de Recuperação, em São Paulo, perfeitamente apare-

lhado para o atendimento pós-operatório

Toda

esta história é interessante

época de transição —

imediato.

para

quem

viveu

da cloroformização ou eterização —

aquela com

todos os perigos e insegurança, até à época atual, da anestesia perfeita, quase atóxica, completa. Não quero me alongar neste

depoimento dos primeiros

tempos de anestesia em

nossa vetusta

e admirada Santa Casa. Agradeço a honra de falar entre anestesistas dos mais preclaros em nosso meio, pedindo escusas por tão pequena contribuição para a nobre e soberba arte de suprimir o sofrimento, a dor, e permitir uma cirurgia perfeita, integral. SUMMARY HISTORICAL ASPECTS OF ANESTHESIA IN THE HOSPITAL “SANTA CASA DE SÃO PAULO” Great surgeos of the turn of this century influenced the devellopment of anesthesia at the Santa Casa of São Paulo. The author, who collaborated in many articles in this devellopment, rememorates the decadas of the 30's and 40's, when

774

Glauco

many

studies of methods

done,

by

the

best men

and

techniques

in São

Paulo.

of

anesthesia

Carneiro

where

A panoramic vision which extends from the formation of the first specialists in S. Paulo until now, represents a period in

the history of anesthesia

in Brazil.”

A RADIOLOGIA

RENOVADA

Dr. Toshio Mochida Diretor do Depto. de Radiologia “Em fins de 1980, o “período de silêncio” durou pouco, na

transição da implantação da nova administração, sob a direção do Dr. Chien Y. Wang (05.11.80 a 17.03.83), para atender aos apelos da Alta Administração para reestruturar e expandir o De-

partamento, tanto sob o ponto de vista técnico, redução de custos

operacionais e melhorar a entrada de “numerários”. Na época anterior apesar da fartura de recursos os exames particulares apre-

sentavam apenas 1% do movimento bruto e praticamente não se realizavam exames de Ultra-som. A partir do início da década o Departamento foi equipado modernamente em condições de igual-

dade com

As

os outros

grandes centros de diagnóstico.

atividades acadêmicas

colaboração

inclusive

às

e científicas prosseguiram

Disciplinas

de

Pós-Graduação

na

dando

área

do Aparelho Digestivo. Dentro do período eletivo, grupos de alunos do 6.º ano da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo, fizeram estágio regulamentar no serviço de Radiologia. Foram padronizados incidências radiográficas e medicamentos radiológicos contrastados. Os exames auxiliares de Ultra-som, além de baixo custo operacional foram de grande valia para Medicina Interna, para pa-

cientes de alto risco enviado pelo Pronto Socorro, e principal-

mente para as gestantes e doentes com afecções ginecológicas. Atualmente realizamos uma média mínima de 1000 exames por

mês com apenas um aparelho.

Em junho de 81 terminou a montagem do sistema de Tomoscan-300 de corpo inteiro e o Dr. Chien era o único profissional do Departamento com os conhecimentos e experiência an-

terior no exterior (Universidade de Tennessee) para dar início a uma nova “Era” em exames auxiliares de diagnóstico. Apesar da crise econômica, o aparelho foi instalado a título de demonstra-

ção no período de 2 anos.

O

Poder

da

Misericórdia

775

As atividades de residência médica continuaram. Com bom treinamento e relacionamento conseguimos integralizar três ex-re-

sidentes na equipe médica, c hoje são profissionais abnegados e muito dedicados à Santa Casa.

Em 82, o setor de Ultra-som na Santa Casa já era conhecido e nele oferecia-se treinamento para médico voluntário. Continuaram as atividades de estágio dos alunos e aulas para o Curso de Pós-Graduação em afecções cirúrgicas. mento

O

Dr.

Chien

até o dia

Y. Wang

continuou

17 de março de

na Direção

1983.

do

Departa-

No dia 20 de março de 1983, até a presente data assumi o cargo de Diretor dada a assimilação de novos conhecimentos necessários para dar continuidade aos objetivos primordiais da administração

Em

anterior.

vista da crise que a Santa Casa atravessa, foi imprescin-

dível a implantação de 70 mm havendo uma redução drástica efetiva de custo que variava de 1/4 a 1/17, dependendo da economia do tamanho do filme que seria utilizado. Foram tomadas várias medidas de redução de gastos, inclusive nos setores de U.S. e C.T. (constatado no resumo da Ata de

Sessão ordinária

de 20 de junho

de

1984)

(fl. 06

a 07).

O Departamento de Raios X possui duas fontes de despesas,

uma de origem interna e depende exclusivamente da administração (sob controle), e a outra, externa, de difícil controle, pois

solicitação de exames

depende

de outros

Departamentos.

Atualmente atendemos um volume muito grande de pacientes previdenciários, conveniados, particulares e não contribuintes (indigentes). Os médicos atuais da Radiologia contratados pela Santa Casa trabalham regularmente o número de horas combinado e com fregiência o ultrapassam, quando o serviço exige. Foi implantado o sistema de BIP gências (pacientes particulares), períodos sem onerar a folha de pagamento. Este todas as atividades do Raios X em apoio

para atendimento de urde fins de semana, isto sistema dá assistência a ao Hospital Santa Isabel.

Em outubro de 1984, o serviço de Tomografia Computadori-

zada realizou número recorde de exames (726), o nistração anterior era trabalho equivalente de resultado conseguido não é obra do acaso, mas dedicação, devoção, agilização e desprendimento da

cipalmente, Dra. Susy

muita

vontade

Muszkat.

de

trabalhar

da minha

que na admi3 meses. Este sim de muita maioria e prin-

colaboradora

776

Glauco Carneiro

O Departamento de Radiologia no mês de outubro-84, realizou um faturamento recorde de 136 milhões, afora o atendi-

mento de pacientes não pagantes de grande alcance social (aproximadamente

9,500).

A atual administração penha-se diariamente para para podermos continuar a fermos, que é a razão da missão social da Irmandade

do Departamento de Radiologia emenfrentar a crise econômica perene, prestar assistência condigna aos enexistência quatrocentenária da nobre da Santa Casa de São Paulo.”

PROJETO

SANTA

HISTÓRIA

“Tendo

sido

DA

honrada

com

CASA

o recebimento

passo a respondê-lo dentro das minhas |.

DE SÃO do

limitações.

PAULO questionário,

Identificação do signatário



Nome:



Atribuição na Santa Casa: médica anátomo-patologista do

Departamento

Helena Muller, nascida em São Paulo, Capital. Anatomia

Patológica.

— Histórico do relacionamento com a Instituição: ainda estudante de Medicina na Faculdade de Medicina de Sorocaba da P.U.C. de São Paulo, procurei a Santa Casa para efetuar estágios

de aperfeiçoamento. Estagiei durante as férias do curso letivo no

Serviço de Anatomia Patológica, desde 1957 e também na 1.º Medicina de Homens, do Saudoso Prof. Oscar Monteiro de Barros,

em janeiro e fevereiro de 1958.

Ao término do curso médico em dezembro de 1960, candidatei-me ao cargo de bolsista-externa do Serviço de Anatomia

Patológica da Santa Casa de São Paulo. A Instituição concedeu-me o título de Assistente-Efetivo em maio de 1964.

Com o início da Faculdade de Ciências médicas da Santa Casa de São Paulo, em 1963, passei a exercer também atividade didática, inicialmente no Departamento de Ciências Morfológicas. — Cargos ocupados na vida profissional: minha vida profissional se desenvolveu na Santa Casa de São Paulo. Desde janeiro de 1961 até a presente data, sou anátomo-patologista do Departamento de Anatomia Patológica do Hospital Central, tendo exercido também atividade igual no Hospital São Luiz Gonzaga, do Jaçanã. A partir de maio de 1963 tornei-me professor na Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo, inicial-

O

Poder

da

777

Misericórdia

mente instrutor, depois assistente e atualmente professor-associado

no Departamento de Anatomia Patológica onde respondo setores de dermato-histologia e de patologia placentária. —

Cargos ocupados

na vida pública:

mas diretorias do Departamento de Anatomia

tomei

pelos

parte em

algu-

Patológica da Asso-

ciação Paulista de Medicina e pertenci à diretoria do Sindicato dos

Médicos Sou

de São

membro

Paulo,

de

no período de

várias

Sociedades

1975-1977.

Científicas,

nacionais



internacionais.



Profissão



Outras instituições de que participa:

nenhuma 2.

A

outra

de origem: instituição

sempre exerci

a profissão

médica.

não faço parte de

hospitalar.

Instituição

2.1



O

papel

todas as entidades

hospitalares.

A assistência

prestada

nos

da Santa

Casa é o mais relevante dentre

médica, aliada à social e religiosa, sempre

moldes

ímpares

preconizados

por

sua Santa

foi

fun-

dadora.

2.2 —

Com

desamparados,

o exemplo

dado

órfãos e enjeitados,

pelo atendimento as Misericórdias

aos pobres,

moldaram

estrutura da assistência social. Haja vista o trabalho nhado pelas religiosas da Ordem de São José.

a

desempe-

2.3 — Pelo fato de ser sido o berço e o Hospital-Escola da Faculdade de Medicina de São Paulo e abrigando hoje a sua Faculdade de Ciências Médicas. Também por proporcionar residên-

cia e estágios

a médicos

de

todo o país

e também

do exterior.

Com o retorno desses colegas aos seus pontos de origem, a Santa Casa

se projeta

no

cenário

do ensino

médico.

2.4 — Apesar do longo período de trabalho neste hospital realmente não saberia mencionar marcos históricos, a não ser a criação da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo. Quanto aos grandes nomes que nela têm trabalhado são numerosos e é difícil não cometer injustiças se quisermos fazer uma listagem. Seria inconveniente esquecer nomes do serviço médico, administrativo e demais setores auxiliares. Aliás, muitos deram sua existência à Instituição e, por serem humildes servidores, foram rapidamente esquecidos ou jamais recordados.

778

Glauco Carneiro

tiano

Um nome, para mim, é altamente importante: Altenfelder

é conhecida

Silva. Sua

atividade

em

favor

Doutor Cris-

da Santa

Casa

e reconhecida.

2.5 — Não conheço trabalhos inéditos. Considero muito importante o livro do Doutor Marcelo de Almeida Toledo: “A Santa Casa de Misericórdia de São Paulo”. 26 — O quesito pode ser interpretado de duas maneiras: a minha melhoria ce a melhoria da Instituição. É claro que trabalhar aqui exige generosidade e dedicação que a cada dia devem aumentar, em face às dificuldades e aborrecimentos com que nos deparamos. Vencer os obstáculos, honestamente, nos aprimora e

a nossa luta reverte em

benefício para a Santa Casa.

2.7 — Um trabalho honesto, eficiente e exercido com dedicação e tenacidade, sempre regido pelos preceitos éticos vigentes. Tendo um certo destaque profissional como especialista em dermato-histopatologia, tenho levado o nome da Instituição a todo o Brasil e já também ao Exterior, em Jornadas e Congressos. 2.10 — O povo sempre procurou retribuir os benefícios que recebe da Instituição. O mesmo não se pode dizer do governo, em geral omisso quanto ao cumprimento de seus compromissos. No Brasil, educação e saúde estão em planos inferiores nos interesses administrativos. 2.11



Este item somente poderá ser convenientemente

en-

focado após a eleição do próximo Presidente da República que, esperamos, seja aquele dos anseios gerais. Se conseguir reequilibrar as finanças do País e sanar as mazelas da Assistência Social,

bem como reorganizar o nosso ensino médico, creio que não teremos problemas de monta para nossa amada Instituição. Caso contrário, as perspectivas são as mais sombrias para toda rede hospitalar do Brasil. Que Santa Isabel nos guie, proteja e guarde.” A OTORRINOLARINGOLOGIA

EM

SÃO

PAULO

Prof. Otacilio Lopes “A ORL de S. Paulo praticamente nasceu na Santa Casa de Misericórdia de S. Paulo. Esta cedeu suas instalações, por volta de 1914, para serem utilizadas pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, recentemente fundada por Arnaldo Vieira

de Carvalho.

779

O Poder da Misericórdia

Seu primeiro professor foi DR. HENRIQUE LINDEMBERG,

formado

na Escola Vienense.

Eram

RIO OTONI DE REZENDE, CISCO HARTUNG.

seus Assistentes os Drs. MA-

SCHMIDT

SARMENTO

e FRAN-

Neste período o Serviço funcionava em precárias condições, em instalações cedidas pela Santa Casa, localizada no prédio do Hospital Central. Recinto acanhado mas nem por isto deixou de

ser um local de intenso e produtivo trabalho tendo ali sido elaborados um sem-número de trabalhos científicos que lhe garantiram um lugar pioneiro na ORL Brasileira. Com o desaparecimento precoce de HENRIQUE LINDEMBERG, preparavam-se para o Concurso, os seus assistentes SARMENTO, MARIO OTTONI e HARTUNG. Todavia o regulamento da Faculdade de Medicina da U.S.P. em um de seus artigos previa a possibilidade de transferência entre as chamadas Cátedras afins. Nesta situação encontrava-se o titular da Cátedra de PATOLOGIA GERAL, que praticava a Otorrinolaringologia em sua Clínica privada. Utilizando-se deste expediente, foi empossado na Cátedra de Otorrinolaringologia. Assim,

aparentemente,

frustrar-se-ia

Serviço de Otorrinolaringologia

a atividade

docente

da Santa Casa de Misericórdia

do

de

S. Paulo. A Direção da Santa Casa manteve o mesmo grupo de Assistentes, agora sob o comando de SCHMIDT SARMENTO cedendo outro espaço no INSTITUTO DO RADIUM para a Faculdade de Medicina da U.S.P. Este grupo não deixou cair a tocha do ideal avançado

no seu intenso

trabalho e atividades de

pesquisa e docência. SCHMIDT SARMENTO pouco tempo exerceu o seu cargo de chefia. Com problemas de saúde, licenciou-se atribuindo a chefia a MARIO OTTONI DE REZENDE que por longos anos a exerceu em carácter interino até a morte de SAR-

MENTO,

quando

foi confirmado no cargo.

O Serviço de Otorrinolaringologia da Santa Casa de S. Paulo foi uma das mais profícuas escolas de formação de novos especialistas — sempre procurado por inúmeros colegas e estagiários

e de todo o Brasil. Com

a mudança da Clínica de ORL

para o

2.º andar do Edifício de Ambulatórios Conde de Lara, este Serviço modernizou-se e passou a colaborar intensamente com as Cátedras afins da Faculdade de Medicina da U.S.P., principalmente Neurologia, Neuro-cirurgia, Oftalmologia e Clínica Médica. No início da década de 30 foi fundada a Revista de Otorrinolaringologia de São Paulo e que posteriormente por iniciativa de MARIO OTTONI DE REZENDE tornou-se Revista Brasileira de

780

Glauco

Otorrinolaringologia. Nesta rio Otoni, seu concunhado

Revista colaborava na época com HOMERO CORDEIRO.

Carneiro

Má-

Esta dupla manteve a Revista por longos anos, muitas vezes prejuízo financeiro, até que foi transferida para a responsa-

com

bilidade da FEDERAÇÃO

BRASILEIRA

DAS SOCIEDADES

DE

OTORRINOLARINGOLOGIA. Esta publicação bimensal serviria de fonte de informação sobre o desenvolvimento científico do

Serviço de Otorrinolaringologia da Santa Casa de S. Paulo. Ali foram publicados numerosos trabalhos daquela Clínica sendo que

alguns

ÇÃO

deles

premiados

PAULISTA

DE

com

láureas

instituídas

MEDICINA.

Em 1943, alguns Otorrinos que faziam Otorrinolaringologia do Hospital Matarazzo,

pela

ASSOCIA-

parte da Clínica de naquela oportunida-

de chefiado pelo Dr. HOMERO CORDEIRO, passaram a participar da Clínica de ORL da Santa Casa de S. Paulo e entre eles destacava-se MAURO CANDIDO DE SOUZA DIAS. Naquela

oportunidade

a Clínica

de

Otorrino

da Santa

Casa,

localizava-se no segundo andar do Pavilhão Conde de Lara, ocupando dois terços de um pavimento sendo o outro terço ocupa-

do pela Clínica de NEUROLOGIA da Fac. de Medicina da USP. No período em que estas duas Clínicas — NEUROLOGIA e OTORRINOLARINGOLOGIA — funcionaram juntas, foi de uma grande colaboração mútua, que resultou numa grande expansão das duas disciplinas, com a publicação de inúmeros trabalhos. Nesta oportunidade a união das duas especialidades era tal que MARIO OTTONI as denominava de “irmãs germanas”. A Otoneurologia

Naquela

brasileira

oportunidade

começava

já chefiava

ali a engatinhar.

o Serviço

de ORL

da

Santa Casa, o Dr. MARIO OTTONI DE REZENDE. Tinha como Assistentes os Drs. ROBERTO OLIVA, com a posição de sub-

chefe. O Dr. Oliva vinha de uma formação de Escola AUSTRIACA com os Profs. NEUMANN e ALEXANDER. O Dr. OLIVA

era um médico dotado de enorme cultura e de educação finíssima.

Pessoa extremamente modesta, era desprendido de desejos de posições. Sua modéstia era exemplar e sua bondade sem limites. Outro Assistente era o Dr. ERNESTO MOREIRA, um autêntico “pé de boi”. Tinha um gênio um tanto ríspido e fechado. Isto no fundo era um manto com o qual procurava cobrir um temperamento modesto e até mesmo tímido. O seu assunto de maior

interesse era a OZENA (rinite atrófica fétida). Estudou-a em seus vários aspectos, clínicos terapêutico, etiológico e cirúrgico. O Dr. MOREIRA desenvolveu a técnica cirúrgica para o tratamento

781

O Poder da Misericórdia

da OZENA, CHLAGER,

denominada

de técnica de MOREIRA/LAUTENS

Outro Assistente foi o Dr. FRANCISCO HARTUNG, também de formação vienense; era homem de sólida cultura geral, artística e filosófica. Todavia por força de sua enorme clínica privada, frequentava de modo esporádico sendo no entanto muito assíduo às reuniões clínicas, onde obteve enorme material para a publicação de seus vários trabalhos científicos. Outra figura ímpar na especialidade e que também era Assistente da Clínica de ORL da Sta. Casa, foi o Dr. SILVESTRE PASSY. Era homem de grande honestidade pessoal e dotado de alto padrão ético e profissional, que a Otorrinolaringologia chegou a conhecer. Foi condecorado pelo GOVERNO DO ESTADO DE

S. PAULO, gestão CARVALHO

PINTO, como Servidor Emérito,

por 50 anos de serviços prestados ao Estado. Ainda,

entre

nós, o Dr.

SILVIO

ONIGBENE,

homem

de

sólida formação técnica científica, caráter sem jaça, modesto até

as raias da humildade.

Trabalhador incansável, até que foi absor-

vido pelo serviço público e pela sua enorme

desenvolvida

clínica particular

no bairro do Brás, onde foi absoluto.

O Dr. ANGELO MAZZA, que quase todos os contemporâneos tiveram a felicidade de conhecer, recebeu sua formação bá-

sica

[e isso ele sempre

orgulhosamente

proclamou

aos quatro

ventos] no Serviço de Otorrinolaringologia da Santa Casa de S. Paulo, até ser convidado a ser Assistente da Cátedra de OTOR-

RINOLARINGOLOGIA

DA

ESCOLA

PAULISTA

DE

MEDI-

CINA, onde realizou enorme, árdua e profícua função docente até a sua morte.

Entre os então chamados da JOVEM alinhar os seguintes:

GUARDA,

poderíamos

JOSÉ EUGÊNIO DE REZENDE BARBOZA, começou sua caminhada brilhante em 1935 quando graduou-se pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Irriquieta criatura, espicaçado por um entusiasmo contagiante, formado no caldeirão borbulhante da U.S.P. então instalada pelo gênio brilhante de ARMANDO DE SALLES OLIVEIRA, iniciou a tarefa hercúlea de modernizar o Serviço de Otorrinolaringologia da Sta, Casa de São Paulo

notadamente

na área

de OTOLOGIA

e sua relações

com a Neurologia. Contava com a vizinhança da Clínica de Neurologia da Fac. Medicina da U.S.P,, onde pontificavam Neurologistas como ADERBAL TOLOSA, OSWALDO LANGE, FREITAS

JULIÃO

e VIRGILIO

SAVOY,

OTORRINO/NEUROLOGIA.

de onde sairia o consórcio

782

Glauco Carneiro

De outra parte incentivou e introduziu técnicas as mais apu-

radas na Cirurgia Otológica, como a FENESTRAÇÃO

do canal

lateral na recuperação de perdas auditivas determinadas pela otos-

clerose. Por esta época, não se contava com os eficientes Microscópios cirúrgicos modernos, porém muitas cirurgias, que por vezes duravam

até seis exaustivas

horas,

foram

coroadas

de pleno

êxito ec sucesso. Foi o iniciador das técnicas audiométricas em nosso país. Introduziu os novos audiômetros que vieram a permitir a determinação da acuidade auditiva com certa acurácia. Nesta época fez construir um túnel de cerca de 10 metros de comprimento onde cada metro era marcado em ambas as paredes laterais para

que se realizasse a audiometria vocal, iniciando-se entre nós os testes de discriminação auditiva. Na década de 40 o Dr. REZENDE

BARBOZA elaborou um trabalho sobre AUDIOMETRIA, laureado pela ASSOCIAÇÃO PAULISTA DE MEDICINA. Neste trabalho, fez um levantamento completo dos princípios fundamen-

tais e das técnicas audiométricas. Ali apresentava seus primeiros resultados nesta nova técnica semiológica e que viria a ser de fundamental importância no diagnóstico otológico. Entre

os vários

Assistentes

de S. Paulo ainda podemos

SILVA

BASTOS,

PAULISTA

graduado

DE MEDICINA.

da “Ala

Jovem”,

destacar MANOEL

pela

primeira

da Santa

Casa

HAROLDO

DA

turma

da

ESCOLA

Criatura de caráter e ética rigorosas,

extremamente dedicado aos pacientes, ainda está entre nós, embora afastado da especialidade. Quem o conheceu na época sabe o quanto HAROLDO DA SILVA BASTOS participava com alma e coração do sofrimento dos seus pacientes e sua família. Traçou

sua carreira retilínea nunca capitulando face a seus próprios prin-

cípios. EDUARDO

FARIA

COTRIM

antes de tudo colega leal e

amigo. Hábil cirurgião de faringe e um grande trabalhador. MORACY LOBO, colega despachado, e boêmio, esmerava-se com a

sua simpatia

no

trato carinhoso

aos

indigentes.

JORGE

FAIR-

BANKS BARBOSA sem dúvida, um dos mais brilhantes colaboradores do Serviço. Excelente estrutura profissional caldeada em seu brilhante curso na Faculdade de Medicina da U.S.P. Iniciouse no Serviço na década de 40 ao qual imprimiu

um

ritmo galo-

pante marcando a sua presença. Permaneceu por aproximadamente cinco anos, quando, vencendo brilhante concurso, foi nomeado Otorrinolaringologista

do antigo I.A.P.C.

e dali passou

ao Insti-

tuto do Câncer a chamado de Antonio Prudente onde explodiu atingindo culminâncias internacionais na difícil especialidade da Cancerologia de Cabeça e Pescoço. Elaborou um alentado volume escrito em Inglês e que foi acolhido com entusiasmo pelo meio

Glauco Carneiro

784

Em

1969 o Prof. ). E. de Rezende Barboza teve de ausentar-

se da chefia do Serviço e da Cadeira de ORL da Faculdade de Ciências Médicas, em virtude de seus inúmeros afazeres particulares. Foi um dos primeiros criadores da raça de cavalos “Quarter Horse”, importados do Texas. Aqui, além de cavalos puro-sangue inglês, o Dr. Rezende Barboza desenvolveu esta raça hoje da maior importância na nossa equinocultura. Tendo ingressado no Serviço de ORL da Santa Casa em 1943 e vindo do Serviço de ORL do Hospital Matarazzo (formou-se em 1937)

o Dr.

Mauro

Candido

de Souza

Dias

foi

indicado

para

substituir o Dr. Rezende Barboza, quer na Chefia da Clínica de Otorrino, quer como Titular da Disciplina de ORL da Faculdade de Ciências Médicas. Mauro Candido sempre foi muito dedicado aos estudos. Era um trabalhador por natureza. Quando estudante ainda em 1935, foi interno da 1.º clínica cirúrgica, chefiada pelo Prof. Alípio Correa Neto, onde iniciou-se nos segredos da técnica cirúrgica e que certamente lhe foi de grande valia, pois revelou-se com o tempo um grande cirurgião. Terminando seu curso médico em 1937, passou a freúentar, como Assistente Efetivo, a Clínica de Otorrinolaringologia do Hospital Umberto I (posteriormente Hosp. Matarazzo) naquela época chefiada pelo brilhante Homero Cordeiro. Em 1939, interessado que estava nos problemas da Tuberculose em Otorrino, passou a trabalhar no Hosp. São Luiz Gon-

zaga, que se dedicava ao atendimento dos tuberculosos. Lá desenvolveu brilhante trabalho, publicado na Revista de Otorrinolaringologia. Convidado por Mario Ottoni, em 1943 passou a integrar a equipe de ORL da Sta. Casa de S. Paulo, onde permaneceu até 1975. Mauro Cândido, sempre apegado ao ensino e pesquisa, teve inúmeras publicações na área da Otorrino, e dois de seu trabalhos viriam a receber o prêmio

máximo

da Otorrinolaringologia

Pau-

lista, em 1952 e em 1954. Por coincidência este prêmio levava o

nome

de seu antigo mestre

“MARIO

OTONI

DE

REZENDE”.

Embora hábil cirurgião, sempre gostou da Audiologia. Tinha na Audiologia seus estudos prediletos. Veio a fundar os cursos de Fonoaudiologia da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, onde lecionou por muitos anos. Sempre foi um homem dedicado à Medicina, embora exercesse atividades agropecuárias. Nunca esqueceu os colegas c manteve efervescente atividade política na área médica, Foi Presidente do departamento de ORL da Assoc. Paulista de Med. Presidiu a Comissão eleitoral desta mesma Socicdade. Durante muitos unos Presidiu sua Comissão Científica. Foi vice-presidente da Assoc. dos Médicos da Sta. Casa de S. Paulo e Fellow do American College of Surgeons. Em 1981 pelas

O

Poder

da Misericórdia

785

suas atividades junto à Disciplina de ORL da Fac. Ciências Mé-

dicas da Sta. Casa, que chefiava, recebeu o Título de Emérito da Associação dos Docentes da Sta. Casa; no mesmo ano, recebia tam-

bém do Colégio Brasileiro de Cirurgiões o título de Emérito. Foi tesoureiro

da

Associação

Paulista

de Medicina

e da

Associação

Médica Brasileira, e também tesoureiro do Conselho Regional de Medicina do Estado de S. Paulo. Pouco antes de abandonar a

chefia da Clínica de ORL

da Santa Casa de S. Paulo, recebeu em

1983 o título de Professor Emérito da Faculdade de Ciências Mé-

dicas da Santa Casa de São Paulo. Seus inúmeros trabalhos cien-

tíficos estão publicados na Revista Brasileira de Otorrinolaringologia, Órgão que sempre prestigiou, desde a fundação.

Em 1975, decidiu renunciar à chefia da Clínica de Otorrinolaringologia da Sta. Casa e à Cadeira de ORL da Faculdade. Seus inúmeros afazeres na área da agricultura impunham este sacrifício.

Nesta época, após Concurso de títulos, foi indicado para a chefia da Clínica de Otorrinolaringologia o Dr. Otacilio Lopes Filho. Posteriormente após aprovação de seu curriculum pelo Conselho

Federal de Educação, passou a Professor Titular da Disciplina de

Otorrinolaringologia

da

Faculdade

de Ciências

Médicas

da

Sta.

Casa de S. Paulo. Ao assumir a Chefia deste glorioso Serviço de Otorrinolaringologia, o novo Titular já havia sido aprovado em outros concursos, como de Doutor em Medicina, tendo defendido sua Tese, “Estudo clínico da Impedância

Acústica”, em

1972 na

Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo e em 1974

havia obtido o título de Docente Livre em Otorrinolaringologia após Concurso na Escola Paulista de Medicina.

Fazem parte da equipe atual: Drs. Lídio Granato e Ney Pen-

teado de Castro Jr., Chefes da Clínica Adjuntos;

Drs. Carlos Al-

berto H. de Campos, Dra. Marina Stella Figueiredo e Fernando de A. Quintanilha Ribeiro, Primeiros-Assistentes e Drs. Ivo Bussoloti F.º, Dra. Estelita Betti e Dr. Edson Taciro, Segundos-Assistentes.”

DEPARTAMENTO

DE CIRURGIA Dr. João Fava

Chefe do Depto. de Cirurgia “O Departamento de Cirurgia do Hospital Central da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo constituiu-se, de início, da 2.º e 3.º enfermarias de Clínica Cirúrgica de Homens. Posteriormente absorveu

786

Glauco Carneiro

o serviço de Gastroenterologia localizado no Pavilhão Conde de Lara, a enfermaria de Cirurgia de Tórax, a 2.º e 3.º enfermarias de Clínica Cirúrgica de Mulheres e por fim a 1.º enfermaria de Clínica Cirúrgica de Homens. Atualmente o Departamento de Cirurgia compõe-se das antigas 1.º, 2º e 3.º enfermarias de Clínica Cirúrgica de Homens, denominadas respectivamente DC-1, DC-2 e DC-3. O DC-1 abriga leitos de retaguarda de prontosocorro e é uma enfermaria mista (homens e mulheres). O DC-2 destina-se

a homens

e o DC-3

a mulheres.

Antecedentes

Na década de 20 o Hospital Central possuía duas enfermarias de Clínica Cirúrgica de Homens. A primeira chefiada pelo Prof. Dr. Antonio Candido Camargo e a segunda enfermaria sob a chefia (desde 1898) do Prof. Dr. João Alves de Lima.

Em 1934 o Prof. Camargo aposentou-se e o Prof. Dr. Benedito Montenegro passou a dirigir a 1.º enfermaria. Com a morte do Prof. Alves de Lima o Prof. Montenegro transferiu-se para a 2.º enfermaria. Em junho de 1934 inaugurou-se o Pavilhão Oscar Cintra Gordinho

com

04 enfermarias

de Clínica Cirúrgica de Homens. Concursado na Faculdade de Medicina o Prof. Dr. Alípio Corrêa Netto as 04 enfermarias passaram a ser chefiadas: a 1.º pelo Dr. Oscar Cintra Gordinho (sucessivamente Drs. Raul Vieira de Carvalho e Sebastião Hermeto

Jr.); a 2.º pelo Dr. Zeferino do Amaral;

a

3.º pelo Prof. Dr. Corrêa Neto (depois Dr. José Hungria e Dr. Alvaro Dino

de Almeida) e a 4.º pelo Prof. Dr. Montenegro e sucessivamente pelo seu irmão Dr. João Montenegro e Dr. Mario Degni até o seu fechamento”.

REMINISCÊNCIAS

DA SANTA

CASA

Geraldo

“Comecei

Vicente de Azevedo

a frequentar a Santa Casa no princípio de agosto de 1924,

logo após terminada a revolução que agitou a cidade de S. Paulo desde o dia 5 de julho. A Santa Casa estava transformada em hospital de sangue — todas as enfermarias só abrigavam feridos. Os pacientes internados haviam sido removidos para o edifício contíguo à igreja do S. Coração de Maria, à rua Jaguaribe. Tive então o primeiro contacto com a cirurgia, na 2.º enfermaria de medicina de homens, transformada em cirúrgica sob a chefia do Prof. Afonso Régulo de Oliveira Fausto. Posteriormente, trabalhando no laboratório da 1.º Medicina de Homens (do Dr. Diogo de Faria),

O Poder da Misericórdia

787

mantive algum contacto com as 2 enfermarias de cirurgia de homens. Nelas funcionavam as 2 cátedras de cirurgia, regidas pelos Professores Antonio Candido de Camargo e João Alves de Lima. As enfermarias eram

pobremente instaladas e o ensino de cirurgia era

bastante precário. Exemplo de uma aula de propedêutica cirúrgica, que competia à 1.º Cadeira, pelo Prof. Camargo: é apresentado um paciente com sintomatologia sugestiva de calculose vesical (a Urologia estava incluída na Clínica Cirúrgica), o professor recorre a uma sonda metálica dotada, no respectivo cabo, de um cilindro destinado a ampliar o som resultante do atrito com o cálculo. Sendo o resultado positivo, é indicada a talha hipogástrica. Não foram sugeridas nem a radiografia mem a cistoscopia. que já eram praticadas em outros serviços da Santa Casa. Outra

aula: um paciente se queixa de dor do lado direito do abdômen;

o Prof.

Camargo o examina e nada conclui sobre a origem da dor; opina que pode tratar-se de apendicite ou colecistite e que, visto como em ambos os casos

o tratamento é cirúrgico, a melhor solução é operar e assim determinar o diagnóstico correto. Então já se fazia na Santa Casa a colecistografia, que foi assunto

se passou em

da

tese de doutoramento

do

Dr.

)J. M.

1927, no 4.º ano do curso médico.

Cabello

Campos.

Isso

As aulas do Prof. Alves de Lima constavam, quase sempre, de demonstração cirúrgica (as mais das vezes hérnia ou hidrocele) em uma vasta

sala dotada de uma

galeria circular na parte superior, onde

ficavam

os

estudantes. Daí mal se podia ver, à distância, o campo operatório. Ao golpe de bisturi no saco da hidrocele, seguia-se um jato líquido certeiro que o enfermeiro habilmente recebia em uma cuba. Todas

as cátedras de clínica da Faculdade

de Medicina de S. Paulo

funcionavam nas enfermarias e ambulatórios emprestados pela Santa Casa. O professor catedrático era o chefe e tinha 3 assistentes nomeados pela

Faculdade, havendo outros médicos sem título. Nas enfermarias e ambulatórios que não pertenciam à Faculdade, o chefe de clínica recebia 50 milréis por mês; os demais médicos trabalhavam gratuitamente. A Santa Casa

era o único hospital de pronto-socorro em S. Paulo e para ela eram levados todos os casos de urgência. Havia sempre um médico interno de plantão. Este era de 24 interno ganhava

horas, começando e terminando 100 mil-réis por plantão. Eram

ao meio-dia. O médico 7 médicos internos, um

para cada dia da semana, e havia 7 médicos substitutos. Como houvesse frequente dificuldade para o médico interno arranjar auxiliar para as operações, no início de 1928 o Diretor Clínico, Dr. Synesio Rangel Pestana, resolveu nomear 7 acadêmicos, um por dia da semana, para auxiliar o médico interno, sem qualquer remuneração. Fui acadêmico interno durante 2 anos, 1928 e 1929, correspondentes ao 5.º e ao 6.º ano do curso médico. Verificando a deficiência das enfermarias de cirurgia de homens, que

eram ambas da

Faculdade.

fui trabalhar

no Serviço do

Dr.

Ayres

Netto,

788

Glauco Carneiro

|.º Clínica Cirúrgica de Mulheres, que acabava de ser inteiramente refor-

mada

e modernizada

(às custas do seu chefe), destacando-se

muito das

demais enfermarias da Santa Casa. Aí fiz a minha aprendizagem em ci-

rurgia, ginecologia e urologia; aí fiz 2 teses, de doutoramento e de docência livre, além de numerosos trabalhos publicados em revistas médicas”.

25. AS ELITES NA MISERICÓRDIA O que são Elites e como atuam — As três elites —

Papel das elites na Misericórdia — Presença das Elites na Santa Casa — A Santa Casa e a elite cafeicultora — A elite política (1889-1937) — A múltipla participação — A Irmandade e os empresários — A elite da caridade — Os Irmãos de hoje — Um padrão da elite — A influência da Maçonaria (Bucha) — Irmãos, Companheiros e Mestres — À história da Maçonaria — Período operativo — A importância no Brasil — A Maçonaria em São Paulo — O enfraquecimento Maçônico — A Bucha, a Maçonaria e o espírito liberal — As Arcadas: o Poder Secreto

dos Liberais

Neste Capítulo final cstudaremos a inter-relação Santa Casa/Elites Pau-

listanas, o significado social e político da participação na

extensão

do

Poder

nela

exercido, as sensíveis

aproximações

Irmandade, em

algumas

épocas com a' Maçonaria, e as razões que levam ao atual enfraquecimento

da instituição como órgão reivindicante no contexto das forças comunitárias.

+

ca to—

Para abranger todos esses enfoques, dividiremos nossa quatro partes principais, comportando alguns subtemas:

. O que são Elites e como atuam;

Presença das Elites na Santa Casa; A Influência da Maçonaria (Bucha); . Situação Atual e Perspectivas.

exposição em

a

Glauco Carneiro

790

O que são Elites c como atuam

Em seu livro clássico A Elite do Poder, referindo-se à sociedade ame.

ricana, mas, de certa mancira

traduzindo a situação comum

aos povos da

comunidade ocidental, C. Wright Mills! tenta definir o que chama de “altas

rodas” a partir de sua diferenciação com os homens comuns. O poder des-

tes, em

termos de influência, é circunscrito pelo mundo

rotinizado em

que vivem, “e mesmo nesses círculos de emprego, família e vizinhança frequentemente parecem impelidos por força que não podem compreender nem governar”. As “grandes mudanças” estão além de seu controle, mas nem por isso lhes afetam menos a conduta e as perspectivas. À estrutura mesma da sociedade moderna limita-os a projetos que não são seus, e de todos os lados aquelas mudanças pressionam de tal modo os homens e mulheres da sociedade de massa que estes se sentem sem objetivo numa

época em que estão sem poder:

“Mas nem todos os homens são comuns, nesse sentido. Sendo os meios de informação e de poder centralizados, alguns deles chegam a ocupar posições das quais podem olhar, por assim dizer, para baixo, para o mundo do dia-a-dia dos homens e mulheres comuns, suscetível de ser profundamente atingido pelas decisões

que tomam... Não precisam apenas “atender às exigências da hora e do momento”, pois em parte criam essas exigências, e

levam outros a atendê-las. Quer exerçam ou não seu poder, a expe-

riência técnica e política que deles transcendem, supera, em muito,

a da massa da população...

Bem que se poderia aplicar à elite

o que Jacob Burckhardt disse dos “grandes

o que nós não somos”?

homens”:



São tudo

A elite do poder ocupa, assim, uma posição que lhe permite transcender o ambiente comum dos homens comuns, e tomar decisões de grande consequência... Comanda as principais hierarquias e organizações da sociedade moderna — as grandes companhias, a máquina do Estado e suas prerrogativas, a organização militar, os postos de comando estratégico da estrutura social, “no qual se centralizam atualmente os meios efetivos do poder e a riqueza e celebridade que usufruem”. Mills adverte para não se cair no erro de considerar como elite apenas os que detêm a riqueza material, mas aqueles que têm uma parte maior na fruição de coisas e experiências altamente valorizadas: “Desse ponto de vista, a elite é simplesmente o grupo que tem o máximo que se pode ter, inclusive, de modo geral, dinheiro, poder e prestígio — bem como todos os modos de vida a que estes levam. Mas a elite não é simplesmente constituída dos que

O

Poder

du

Misericórdia

791

têm o máximo, pois não o poderiam ter se não fosse pela sua po-

sição nus grandes instituições, que são as bases necessárias do poder, da riqueza e do prestígio, e ao mesmo tempo constituem

os meios principais do exercício do poder, de adquirir e conservar riqueza e de desfrutar das principais vantagens do prestígio...

Entendemos como poderosos naturalmente os que podem realizar sua vontade, mesmo com a resistência de outros. Ninguém

será, portanto, realmente poderoso, a menos

que tenha acesso ao

comando das principais instituições, pois é sobre esses meios de poder institucionais que os realmente poderosos são, em primeiro

lugar, poderosos. Os altos políticos e autoridades-chaves do governo controlam esse poder institucional, o mesmo ocorrendo com almirantes e generais, e os principais donos e executivos das grandes empresas. Nem todo o poder, é certo, está ligado e é exercido por meio dessas instituições, mas somente dentro delas e através delas o poder será mais ou menos contínuo e importante...

O poder não pertence a um homem. A riqueza não se centraliza na pessoa do rico. A celebridade não é incrente a qualquer

personalidade. Ser célebre, ser rico, ter poder, exige o acesso às principais instituições, pois as posições institucionais determinam em grande parte as oportunidades de ter e conservar essas expe-

riências a que se atribui tanto valor”

Enfatiza C. Wright Mills que as pessoas das altas rodas

dem ser consideradas como membros

também

po-

de um estrato social elevado, como

um conjunto de grupos cujos integrantes se conhecem, se vêem socialmente e nos negócios, e por isso, ao tomarem decisões, levam-se mutuamente em

consideração: “A elite, segundo esse conceito, se considera, e é considerada pelos outros, como o círculo íntimo das classes sociais superiores”: “Forma

uma

entidade

social e psicológica

mais

ou

menos

compacta; seus componentes tornaram-se membros conscientes de uma classe social. As pessoas são ou não são aceitas nessa classe,

havendo uma divisão qualitativa, e não simplesmente uma escala numérica, separando os que são a elite dos que não são. Têm certa consciência de si como uma classe social e se comportam, uns para com os outros, de modo diverso daquele que adotam para com os membros das outras classes. Aceitam-se, compreen-

dem-se, casam

entre

si, c procuram

trabalhar

juntos, pelo menos de forma semelhante...

e pensar,

se não

Devemos anotar algo de todas as biografias e memórias dos

ricos, poderosos e eminentes:

não importa

o que mais

sejam,

as

pessoas dessas altas rodas estão envolvidas num conjunto de “grupos” que se tocam e de “igrejinhas” intrinsecamente ligadas.

*, PL ed

792

Glauco

Carneiro

Há uma espécie de atração mútua entre os que “se sentam no mesmo terraço”... A noção desse estrato dominante implica assim que a maioria de seus membros tem origens sociais semelhantes, que durante toda a sua vida mantêm uma rede de liga-

ções informais, e que há um certo grau de possibilidade de intercâmbio de posição entre as várias hierarquias de dinheiro, poder

e celebridade”!

Definida, portanto, a elite como os ocupantes dos postos de comando, possuidores do poder, da riqueza e da celebridade, logicamente se infere

que

são. “elementos

selecionados —

pessoas de caráter e energia

res”, na definição deles próprios:

superio-

“As pessoas com vantagens relutam em se considerarem apenas como pessoas com vantagens. Chegam a definir-se prontamente como intrinsecamente dignas daquilo que possuem; chegam a acreditar-se como constituindo “naturalmente” uma elite; e na

verdade consideram

seus bens e seus privilégios como extensões

naturais de seu ser de elite. Nesse sentido, a idéia da elite como

integrada por homens e mulheres com um caráter moral mais apurado é uma ideologia da elite em sua condição de camada

dominante

privilegiada,

e isso é válido

tanto

quanto

a ideologia

é feita pela própria elite ou quando outros a fazem por ela...

O conceito moral da elite, porém, nem sempre é apenas uma ideologia dos superprivilegiados, nem a contra-ideologia dos subprivilegiados. É frequentemente, um fato: tendo experiências controladas e privilégios selecionados, muitas pessoas da camada superior aproximam-se, com o tempo, do tipo de caráter que preten-

dem



personificar.

a idéia de que

Mesmo

abandonando

o homem

ou



a mulher

como

é nosso

dever

da elite nasce com

um caráter de elite, não precisamos afastar a idéia de que suas

experiências e preparo desenvolvem

“caráter”é

neles um

tipo específico de

É isso que Mills quer comunicar: o gênero de seres morais e psicológicos em que os homens se transformam é em grande parte determinado

pelos valores que aceitam e pelos papéis institucionais a eles atribuídos e

deles esperados. Assim, do ponto de vista do biógrafo, “um homem das classes superiores é formado por suas relações com outros homens a ele

semelhantes,

numa

série de pequenos

grupos

íntimos

através dos

quais

passa e aos quais, durante sua vida, pode voltar. Assim concebida, a elite é um conjunto de altas rodas cujos membros são selecionados, preparados e comprovados, e aos quais se permite acesso íntimo aos que comandam

as hierarquias institucionais impessoais da sociedade: “Se houver uma chave

O

Poder

da Misericórdia

793

para a idéia psicológica da elite, é a de que combina, nas pessoas que a constituem, a consciência da impessoalidade das decisões com sensibilidades íntimas partilhadas entre si"*

As três Elites

Esclarece

Raymundo

Moniz

de Aragão, em

seu livro O

Terceiro De-

grau,* que os estudiosos das elites dividem-se em duas correntes: “A que considera a existência das elites como consequência natural e inelutável de certos atributos humanos e as tem por tão antigas como a própria História; e a que a situa como decorrência do processo social, fazendo-as coincidir com

a industrialização”.

Moniz de Aragão filia-se à primeira corrente. Diz que o homem é gregário, tende à associação, e que difere dos outros homens como decorrência indeclinável da diferença dos seus patrimônios genéricos e das experiências vividas por cada um:

“Desta forma, dentro de qualquer grupo humano, diferentes entre si e seus componentes, haverá sempre um subgrupo formado pelos melhor aparelhados para a consecução dos propósitos ou

objetivos comuns, que constituirá a sua elite”.*

Saint-Simon, empregando a classificação de Bichat, dividiu a sociedade

em três classes, mutuamente excludentes, as quais realizariam funções sociais peculiares. São funções básicas que exigem pessoal especializado: a planificação da ação social — função da inteligência;a realização do trabalho industrial indispensável — função motora: a satisfação das necessi-

dades espirituais dos indivíduos — função sensorial. Dentro de cada uma dessas classes, indivíduos naturalmente superiores aos demais formariam uma das três elites de Saint-Simon: — a dos cientistas, a dos economistas e a dos dirigentes culturais-religiosos. De sua parte, Oliveira Viana conceitua dos diversos grupos, classes ou categorias”. dirigentes representam, realmente, um fato quer comunidade humana (e até mesmo em

uma

nação,

uma

província, um

município,

elite como “quadros dirigentes E sustenta: — Esses quadros natural, assinalável em qual certas comunidades animais): uma

comuna, ou numa

classe

social, numa categoria profissional, numa assembléia legislativa, numa corporação cultural, mesmo numa república de estudantes, ou numa multidão em marcha. Onde quer que se constitua uma sociedade humana, grande ou pequena, principal ou secundária, nacional ou local, deparamos sempre este fato constante que é a existência de um número, ou melhor, de um núcleo de indivíduos marcantes, um quadro de “personalidades dirigentes”,

194

Glauco Carneiro

que toma a direção da comunidade,

ou de modo

direto, como governantes

dela, ou indiretamente, pela ascendência moral ou intelectual que exercem sobre os demais elementos do grupo”

Já o conceito marxista diferencia a elite — composta de indivíduos de qualificação especial — da massa ou totalidade de indivíduos não-qualificados. O Manifesto Comunista de 1840 considerou, assim, toda a história humana

como

a história da

rebatida, no Brasil, por “a compreensão seletiva melhor, de mais perfeito discriminações arbitrárias

luta

de

classes,

Prado Kelly, quando (como induz a raiz em cada espécie de em função de classes,

conceituação

magistralmente

disse ser missão das elites do vocábulo) do que há de indivíduos e portanto sem categorias ou estamentos”.!º

Moniz de Aragão considera necessário admitir a pluralidade das elites, cujas ações devem conciliar-se na subordinação bem comum:

aos interesses supremos

do

“Grupam-se as elites, de uma maneira simplificada, em duas

categorias: —

As dirigentes, destinadas a formar, exprimir e exe-

cutar a vontade estatal; — as estratégicas, especializadas no sentido da realização das diversas funções sociais. Em conformidade

com as finalidades destas, Talcott Parsons grupa-as em quatro tipos: — As de “consecução de objetivos gerais”; — As “adap-

tativas”, que desenvolvem meios de realizar aqueles objetivos; — As “integrativas”, que articulam padrões e crenças morais co-

muns; — As de “conservação de normas”, que refletem o estado de espírito da sociedade”.” Suzanne fornecidas

Keller

toca

noutro

por diversos estratos

ponto sociais,

importante: tendo em

criminar sexo, raça, classe, religião ou idade:

as elites

têm

vista o mérito,

de

ser

sem

dis-

“Perdeu-se a concepção aristocrática. As elites estratégicas são especialistas em certo conhecimento. A seleção à base da competência individual traz implícita a demissão por incompetência,

e este princípio vincula as elites modernas à primitiva instituição de chefia, em que o chefe, quer fosse sacerdote, rei ou guerreiro,

podia ser sacrificado se fracassava em alcançar o fim desejado. . .”.!* Vejamos como Moniz de Aragão processos de participação das elites:

situa as responsabilidades

sociais e

“As elites têm funções sociais específicas a exercer. Já disso

tratamos quando

exemplificamos

a forma

pela qual podem

elas

O

Poder

da Misericórdia

195

ser grupadas e nos detivemos na apreciação das características das elites estratégicas. Julgamos, neste passo, indispensável enfatizar que, paralelamente a tais funções, têm todas, inclusive e principalmente por dever de status, responsabilidades morais indeclináveis, para com a comunidade. Sem dúvida, a primeira e a maior dessas responsabilidades é a de contribuir para a felicidade geral, subordinando todas as suas ações ao interesse maior do bem comum.

Em qualquer situação e à margem de quaisquer considerações especiosas, cabe-lhes propugnar o respeito integral aos direitos humanos. Contrapondo-se a desigualdade e discriminações de qualquer

ordem, impõe-se que se empenhem tiça social.

a fundo na promoção

da jus-

Na convicção da superioridade da forma de governo expressa na democracia representativa, com base no sufrágio universal, toca-lhes esposar a luta em prol da extensão e elevação de nível

da educação do povo, como instrumento essencial ao voto certo. Em caráter supletivo, incumbe-lhes esclarecer e orientar os concidadãos quanto aos seus legítimos interesses e a forma de conciliá-

los com o bem comum.

Esta é uma enumeração meramente exemplificante, e não nos abalançaríamos a procurar fazê-la exaustiva. Para não sermos omisso ou obscuro, explicitemos que as res-

ponsabilidades morais das elites são — e só o podiam ser — o somatório das implicâncias de consciência dos indivíduos que as

integram, tanto mais responsáveis saber, poder, honrarias.

quanto

mais

têm

a recebem:

As elites dirigentes, legítimas delegadas das aspirações popu-

lares, como

se pressupõe

sejam

na democracia,

formulam

e ex-

pressam a vontade estatal. As elites estratégicas agem diretamente realizando a sua função social, e indiretamente — pelo prestígio que lhes dá a competência ou o ascendente moral de seus membros — influenciando o Governo”.

Papel das elites na Misericórdia

Na parte inicial deste livro vimos que a criação da Irmandade da Misericórdia visou objetivos políticos, religiosos e filantrópicos, para não falar no econômico.

796

Glauco Carneiro

O Rei de Portugal, valendo-se da intensa religiosidade da época, e premido pela necessidade de fazer assistência social numa época em que

os recursos, escassos, eram

destinados às Descobertas, engendrou

um

meio

genial de manter ocupada a burguesia, atendendo, simultaneamente, aos objetivos táticos e estratégicos da Nação lusitana. Em nome do Estado, os fidalgos e burgueses ricos, assim como os oficiais mecânicos e membros das corporações, eram exortados a constituírem uma Irmandade da Misericórdia, a qual liderariam, financiariam, trabalhariam,

servindo

ao mesmo

tempo a Deus e ao Rei. E para que o entusiasmo florescesse, concedeu-lhes uma série de privilégios, que afinal acabaram por tornar interessante o

ingresso cristã.

na

Misericórdia

mesmo

para

os que

não

tinham

motivação

tão

Acontece que se registrou na Misericórdia uma transformação de fundo e de forma. Por trezentos e tantos anos, alguns dos privilégios iniciais se mantiveram, mas observou-se, paralelamente, que os ônus foram sobrepujando em larga escala os benefícios advindos da participação. No entanto, a tradição já se impusera e se incorporara ao modo de ser das elites. Mills tem razão quando, querendo falar da sociedade de hoje, toca num aspecto fundamental de todas as épocas: as “altas rodas” querem manter o mundo

girando em gonzos já conhecidos, muito embora elas tenham cada vez mais de se rezar bitos tirem

esforçar para manter o movimento. Trabalhar junto, negociar junto, junto, estar junto tratando de caridade na Misericórdia — eram háe rotinas indelegáveis se seus integrantes queriam ser tidos e se senligados ao esquema de poder.

Por outro lado, houve um grau de inteligência quase inédito na forma

de recrutamento, engajamento e manutenção dos Irmãos dentro da confraria: um sistema de poder e de controle,

talvez não exercido em

nenhuma

outra área de participação das elites na sociedade, torna os membros orgãnica e socialmente o ambiente

são rotina

foram

refreados

interno

nas suas

exercendo

sua

da

em

quaisquer

Irmandade

vidas externas.

ação,

certos

Com

melhorando

tentativas de métodos

o tempo,

e

transporem

para

influenciações,

que

outras

qualitativamente

transcendências

a postura

dos

membros da Irmandade. De tanto verem tratados problemas da gente comum, dos miseráveis, dos carenciados entregues à sua misericórdia, foi se

cristalizando

na

maioria

uma

religioso, mais ético do que

consciência

filantrópico,

de

dever, mais

que sublimou

cívico do que

as motivações

pri-

meiras, que bem podem ter sido a busca de status (alcance ou manutenção);

a expiação de pecados cometidos; a esperança de retribuição material antes

da divina; a pressão das elites; o otium cum dignitatem; a necessidade de sair de casa depois da aposentadoria; o desejo de alguma continuidade da anterior projeção social, sem falar das razões religiosas — a piedade autêntica e o medo

do inferno.

O

Poder

da Misericórdia

797

Essa generalização obviamente não descarta exemplos negativos inclu-

sive tratados neste livro. O importante, porém, é que, em todo o mundo português,

e especificamente

na

Misericórdia

paulistana,

que

é o

nosso

ponto focal de interesse, o objetivo-fim tornou muito melhor a grande maioria dos instrumentos humanos da atividade-meio. Em outros termos, as elites da Misericórdia se tornaram muito mais humanas e muito mais dignas de respeito pela dimensão que, independentemente de suas origens e motivações,

Somente

souberam

assumir como

Irmãos

da

Santa

Casa.

para colocar essas elites engajadas na Misericórdia,

das categorias expressas

pelos autores citados, podemos

dentro

dizer:

|. A Irmandade da Misericórdia é uma instituição que enseja posições aos que, de acordo com o pensamento da elite, procuram acessar

oportunidades de ter e conservar experiências de valor;

2. A maioria dos membros da Irmandade têm origens sociais semelhantes e mantêm entre si intercâmbios de amizade e sentimentos de apreço aos mesmos valores que comandam soais da sociedade; 3.

A

Irmandade

reúne claramente

três classes da elite que

na

as hierarquias institucionais impes-

Misericórdia

membros,

à base

não. se excluem:

do mérito,

os

das

planifica-

dores sociais, os trabalhadores industriais e os dirigentes culturais-religiosos; 4.

A elite da Misericórdia é claramente de destinação estratégica, do

tipo 4, de “conservação de normas”, que reflete o estado de espírito da

sociedade

interessada

em

melhorar o bem-estar das camadas

carentes.

Presença das Elites na Santa Casa Os privilégios concedidos pela Coroa à Irmandade da Misericórdia atraíram desde O início a pequena elite de povoadores, bandeirantes, sacer-

dotes da Vila de São Paulo. Laima Mesgravis assinala que havia um “cunho nobilitante” no pertencer à confraria, principalmente na categoria que poderia aspirar a presença

na Mesa.

Contudo, essa autora, sustentando posição que também

é a nossa, re-

jeita a tese de que a Misericórdia tenha sido uma espécie de “clube recreativo fechado”, do tipo contemporâneo. Pelo contrário, seu objetivo assistencial superou amplamente todas as exigências para a incorporação de Irmãos, mesmo na fase em que as discriminações e preconceitos herdados do espírito medieval ditaram alguns termos do Primeiro Compromisso. Vemos, assim, no Século

XVII,

Irmãos como

Domingos

Luís, o Car-

voeiro, procurador da Câmara em 1575, cavaleiro professo da Ordem de Cristo, tesoureiro da Misericórdia em 1609; Jussepe de Camargo, juiz de

798

Glauco

órfãos;

Pe. João Pimentel,

vigário da Vila de

1608 a 1628,

Carneiro

Provedor da

Irmandade; Pe. João Álvares, preador de índios, Provedor em 1630 e 1631;

Aleixo Jorge, “pessoa abonada e de confraria”, tesoureiro de 1631 a 1639; Pedro Gonçalves Varejão, tesoureiro da Bula da Cruzada, Provedor em 1633;

Sebastião

Fernandes

Preto, sertanista e vereador,

Provedor em

1633;

Maurício de Castilho, bandeirante, Provedor em

1635;

Jacques

Felix, Capi-

tão-mor

1636;

Amador

Bueno,

pitão-mor

de

São

Paulo,

e Ouvidor

vereador,

Provedor

da Capitania

de

São

em

Vicente,

Provedor

em

Ca-

1636;

Manoel Álvares de Souza, vereador, contratador do subsídio dos vinhos e azeites, Tesoureiro em 1640; Antonio Madureira Moraes, Juiz de órfãos, Tesoureiro em 1644; Geraldo da Silva, Escrivão das Varas, procurador do Conselho, Tesoureiro e Procurador em 1648; Estêvão Fernandes Pinho, Vereador, capitão dos forasteiros, tesoureiro da Casa da Moeda de São Paulo, rico capitalista, Tesoureiro de 1655 a 1680; José Ortiz de Camargo,

bandeirante

com

Raposo Tavares,

líder das

lutas entre

Pires e Camargo,

Ouvidor Geral da Capitania de São Vicente, Provedor em 1651; Antonio Godoi Moreira, juiz ordinário, Provedor em 1702/1705; Tomás da Costa Barbosa, Tenente-General de Auxiliares e Ordenanças, Capitão-mor da Ca-

pitania de São Vicente e São Paulo, Provedor em

1696 e 1697.'*

O espírito da Misericórdia vem sendo sustentado ao longo do tempo pelos vultos mais representativos da sociedade paulistana desde seus pri-

mórdios — na maioria, homens que sempre deram de si, sem visar “status” e sem preocupação de se projetarem. Passado o arroubo inicial do ingresso, esses Irmãos alinham-se numa sobriedade de comportamento que tende ao coletivismo e raramente admite o individualismo, numa introjeção assu-

mida

do caráter especial

da obra

que

foram

Elizabeth Darwiche Rabello !* enfatiza que embora pobre, nem por isso deixava de ter sua ela figurava na Misericórdia — instituição que blica sem ônus para o Erário. E como eram

chamados

a preservar.

“a Capitania de São Paulo, elite. E praticamente toda fazia assistência social púreduzidos em número, os

integrantes da elite paulistana ocupavam, ao mesmo tempo, cargos, e exerciam funções políticas, econômicas e religiosas. Os estratos dessa elite eram

de dois graus: médio — criadores, donos de tropas, negociantes, profissionais liberais, militares, funcionários e clérigos; superior — senhores de engenho e altos dignatários eclesiásticos. A autora lembra Max Weber que valoriza também os fatores não econômicos, ao contrário de Marx, sobretudo os de honra social e status. E define estratos, como os citados, como “grupos de pessoas que gozam de lugares assinalados numa escala de valorização social, e que se ligam entre si como iguais”. Já naquela época, na sociedade paulista de então, as pessoas colocadas em condições valorizadas pela sociedade — daí derivando o privilégio e a preferência, - eram chamadas de elites. E alguns membros usavam todas as suas prerrogativas e reclamavam

seus

direitos.

José

de

Toledo

Piza, de Taubaté,

re-

O

Poder

da

Misericórdia

clamava em

1767

799

por não ter sido escolhido juiz de medições de terras,

“uma vez que não só é limpo de sangue, mas também maons, e nunca exercitou offícios mecanicos”.'*

Vejamos, agora, uma

o é e sempre

de

relação sumária de membros da elite paulistana

no Século XVIII, pertencentes à Irmandade da Miscricórdia, cujos nomes foram

extraídos

do livro de

Elizabeth

Rabello

pelo Autor:

Século XVIII Nome

Atividade

Antonio de Freitas Alferes

Câmara

de

Vercador

Misericórdia 1769

Provedor

1769

Procurador do

Provedor

1788

Provedor

1774

Branco

Ordenanças,

João da Costa

Tabelião, Tenente de

Intantaria

Conselho

Manoel Gomes

Militar

Vereador

Almoxarife da Fazenda Real

e Silva

José

D. Frei Antonio

1773

2.º Bispo

de São

Provedor

1754

D. Frei Manuel da 3.º Bispo

de São

Provedor

1776

Provedor

1752

Provedor

1803

de Madre de Deus Galvão

Paulo

Ressurreição

Paulo

Francisco Sales

Militar e negociante

Ribeiro

Procurador da Câmara

D. Mateus de

4.º Bispo

Abreu

Paulo

Pereira

de São

Em 1814 a Câmara escolhia as posições importantes da Procissão de Corpus Christi entre os “republicanos” que fossem portadores do hábito da Ordem de Cristo. Essa vinculação ecra quase automática, nos integrantes da Irmandade da Misericórdia, e esse ponto não deve ser esquecido pelo leitor, diante do que vai ser informado no segmento seguinte deste Capítulo, que trata das aproximações

e a Misericórdia.

entre muitos

membros

da Maçonaria

800

Glauco Carneiro

A Santa Casa € a elite cafeicultora

Laima Mesgravis, autora da obra mais conhecida sobre a Misericórdia paulistana, também é uma pesquisadora interessada na elite local. E para estudá-la

no

Século

XIX,

situando

a elite

cafeicultora

na

estrutura

social paulista, a autora foi buscar nomes de dirigentes da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo, “que, pesquisa anterior já comprovara ser uma organização filantrópico-religiosa mantida pelos elementos mais ricos e inc. 16 fluentes da província”. justificando seu trabalho, Mesgravis “as formas de associação e as instituições cultora no pequeno grupo de decisão que ções sofridas pela sociedade paulista nos sado”. “A

Santa Casa

era uma

disse ter procurado identificar que congregavam a elite cafeiditou os rumos das transformaúltimos decênios do século pas-

instituição

que

propiciava

assistên-

cia a doentes pobres, lázaros, órfãos, prisioneiros e escravos, exercendo importante função de controle sobre possíveis focos de tensões sociais ocasionados por situações de crise na vida dos marginalizados de todo tipo.” A referida lista contém os nomes dos “Irmãos de Mesa” dos anos de 1873, 1878, 1883 e 1884, período por nós escolhido porque correspondeu à fase em que a Misericórdia empreendeu uma série de reformas que visaram colocá-la em condições de atender aos problemas assistenciais ocasionados pelas transformações estruturais da economia e sociedade paulistas”.»»

1a

O caráter dinâmico da lavoura cafeeira, segundo Mesgravis, “estimulou o espírito empresarial na Província que se aplicou sobretudo na solução dos magnos problemas da época: a mão-de-obra e o transporte... Surgiram as ferrovias: Paulista em 1868, Ituana em 1870, Sorocabana em 1871 e Mogiana em 1873... Em 1871 foi autorizada pelo governo provincial

a criação

da

Associação

Auxiliadora

da

Colonização

e

Imigração

com capital de 150 contos para promover a introdução de imigrantes. A primeira diretoria estava formada por elementos os mais prestigiosos da Província tais como o Barão de Souza Queiroz de Barros. Conforme lembra um autor, “a lavoura do café foi a grande incentivadora da expansão urbana, no Brasil, na centúria de Oitocentos”, e com ela de novas ativi-

dades de caráter citadino"!

Nessa época a sociedade paulista reunia-se na Sociedade Concórdia Familiar, no Cassino Paulistano, na Sociedade Euterpe Comercial e no Clube Democrático Comercial, que reuniam respectivamente a elite paulistana e os comerciantes da capital: “As atividades filantrópicas estavam centralizadas na Irmandade da Santa Casa de Misericórdia liderada pela elite pau-

O

801

da Misericórdia

Poder

lista e na Sociedade Artística Beneficente, dos setores médios”.

Essa mesma

elite foi responsável, em 1876, pela organização da Associação Auxiliadora do Progresso da Província, com o fim de “progresso material e moral de São Paulo”. Integravam a direção as seguintes pessoas (várias figurantes

da

Misericórdia):

Com.

Antonio

Aguiar

de

Barros

(Conde

de

Itu),

Dr. Antonio Carlos Ribeiro de Andrade Machado e Silva (lente da Facul-

dade de Direito), Dr. Antônio da Silva Prado, Joaquim

Egídio de Souza

Aranha (Barão de Três Rios), Dr. Elias Antônio Pacheco Chaves, Dr. Francisco Antonio Dutra Rodrigues (lente da Faculdade) e Dr. Joaquim José Vieira de Carvalho (lente da Faculdade). Esse

espírito associativo,

denotador

de novas

formas

de consciência

das necessidades da sociedade paulista como um todo, “mas especificamente nos seus setores mais privilegiados pela fortuna e pela educação”,?º

ganhou

incremento

na década

seguinte

pelo

aparecimento

de

instituições

de caráter filantrópico-educacional que proporcionavam uma formação profissionalizante com vistas à criação de mão-de-obra mais qualificada — Instituto de Educandos Artífices, Instituto D. Ana

e Ofícios:

Rosa e o Liceu de Artes

“O Liceu de Artes e Ofícios, instituído em

1882 pela Asso-

ciação Propagadora da Instrução Popular veio substituir a escola noturna mantida por esta, desde 1874, e se propunha a preparar

os meninos para o exercício de artes, ofícios e trabalhos agrícolas. A referida associação, criada em 1874, era dirigida por elementos

da elite

paulista

como

Queiroz, Desembargador

o

Senador

Francisco

Antônio

de Souza

Bernardo Avelino Gavião Peixoto e di-

versos profissionais liberais sob a presidência do Conselheiro Leôncio de Carvalho. Muitos desses dirigentes ligados às profissões liberais lecionavam na escola noturna e depois no Liceu. Assim em 1883 o corpo dirigente e docente era formado pelos seguintes nomes: Presidente-Conselheiro — Leôncio de Carvalho (prof. de elementos de Direito Constitucional). Vice-Presidente — nomia industrial).

Dr. F. Rangel

Pestana (prof. Noções

de eco-

Secretário —

Dr. Paulo Bourroul (prof. de Noções de Química).

Tesoureiro —

Dr. Antônio Cândido Rodrigues (prof. de Geome-

tria e Álgebra). Bibliotecário — Diretores



Dr. Americo de Campos

Conselheiro

Martim

(prof. de Cosmografia).

Francisco.

Dr. Antônio C. R. de Andrada (prof. de Noções de Comércio e Dir. Comercial).

802

Glauco

Dr. Vieira de Carvalho

(prof.

Economia

Carneiro

Política).

Visconde de Itu. Dr. Vicente Mamede de Freitas (prof. de Português). Dr. Antônio Francisco de Aguiar e Costa. Dr. Paulo de Souza Queiroz. José Duarte Rodrigues. Dr.

Lobo

Pessanha

(prof. de

Botânica

e Stereoto-

mia).

Dr. Antônio Caetano

gia)”.*!

de Campos

(prof. de Zoolo-

São Paulo, enriquecida pelo ouro negro, despia sua fisionomia colonial e patriarcal e assumia ares de cidade moderna. Sua elite se compunha de capitalistas, proprietários, fazendeiros, comerciantes, advogados, profes-

sores universitários, funcionários públicos e privados, médicos e engenheiros:

“Sua influência e poder sobre a sociedade manifestava-se pela posse dos meios de produção, das atividades financeiras, do exercício dos privilégios políticos, de cargos administrativos, da direção de associações de toda espécie, além

suas profissões.

Não

dos poderes

há evidências de mobilidade

inerentes às

social apreciá-

vel a não ser no caso de comerciantes que enriquecendo ascendiam à condição superior de capitalistas e proprietários. Outra forma de ascensão social... é a que se fazia por meio de casa-

mento

em

família rica e tradicional.

uniam grande

uma oligarquia aspirações...

parte dos elementos cerrada

Laços

políticos e familiares

estudados de modo

e intimamente

solidária

nos

a formar

interesses e

Pelo levantamento dos 153 nomes de dirigentes da Santa Casa de Misericórdia que a nosso ver representam realmente uma atmostra válida do grupo dominante de São Paulo, verificamos que, apesar

do crescimento

numérico

e da diversificação

dos

setores

médios e inferiores das camadas urbanas, houve pouca ou nenhuma mobilidade ascensional na sociedade paulista em direção às posições mais altas. A primeira observação que podemos fazer sobre a estrutura social paulista, tal como se delineia na classificação dos almanaques, é que nos encontramos diante de uma sociedade de classes determinada pela posse dos meios de produção o que foi percebido mesmo pelos contemporâneos. Isto porque na classificação por atividades econômicas dos almanaques encontramos em primeiro lugar os capitalistas

(formado

pelos empresários

e pelos

que

vi-

O Poder da Misericórdia

803

viam da renda de empréstimos a juro) c os proprietários (de imó-

veis urbanos categorias.

de

Seguem-se

aluguel)

em

sendo

ordem

que

muitos

descendente

os

pertenciam

às duas

profissionais

liberais

como advogados, professores universitários, engenheiros cos, Os comerciantes e os artesãos.

e médi-

Embora não classificados em categoria especial nos almanaques, é possível deduzir pelas posições ocupadas na Guarda Nacional, nas confrarias e associações, assim como pelos privilégios políticos do voto e da eleição para diversos postos, que os ocupantes de certos cargos burocráticos importantes tinham status privilegiado próximo dos capitalistas e proprietários. É provável que essa posição se explique pelas boas relações familiares e políticas dos mesmos. A explicação é de que as propriedades

dos cafeicultores da

capital não estavam localizadas no município, zona notoriamente

inadequada para a agricultura comercial extensiva. No entanto encontramos muitas provas de que a origem da maioria das for-

tunas paulistas dos capitalistas e proprietários ainda era baseada em atividades agrícolas exercidas em outros municípios como Itu, Campinas, Rio Claro, Piracicaba, etc. Tal é o caso de capitalistas como Silva

Antônio

Prado

Aguiar

de

(avô e neto),

de Itapetininga),

Antônio

Barros

Joaquim

(marquês

José dos

Paes de Barros

de Itu), Antônio Santos

Silva

da

(barão

(1.º barão de Piracica-

ba), Coronel Rafael Tobias de Aguiar (2.º barão de Piracicaba), Joaquim Egídio de Souza Aranha (conde de Três Rios), Desem-

bargador

Bernardo

Avelino

Gavião

Peixoto,

Antônio de Souza Queiroz e muitos outros.

Senador

Francisco

O fazendeiro exercendo ativamente funções econômicas urba-

nas revelava um caráter novo e sui-generis como original de evolução da sociedade paulista. Em vez de formar uma classe de proprietários rurais em decadência, assumia funções urbanas inerentes à burguesia desdobrando assim suas formas de criação de riquezas e apropriação de lucros. Poucos são os casos como os do Coronel Antônio Proost Rodovalho, Bento José Alves Pereira, Major Domingos Sertório, Joaquim Lopes Lebre (Visconde de São Joaquim) cujas fortunas tinham origem claramente mercantil iniciada com casas comerciais evoluindo depois para casas comissárias e atividades industriais. Embora socialmente colocados em nível ligeiramente inferior aos fazendeiros e bacharéis, economicamente sua importância crescia à medida que se faziam necessárias maiores concentrações de capital.

Glauco Carneiro

O prestígio do

bacharel

aliado à preocupação

das

famílias

Jazendeiras em educarem seus filhos explica o grande número dos mesmos em nossa lista atingindo a 57. Desses, apenas 4 viviam tão-somente do exercício da profissão, acumulando os restantes as funções de magistrados professores, jornalistas, padres, capitalistas c empresários, o que vem confirmar opiniões como a de Koseritz sobre que “o diploma de bacharel em Direito é hoja chave para todas as posições da vida pública e o único que serve completamente para a carreira política”. A partir de 1876 surgiu um novo grupo, ainda que pequeno, de magistrados

de alto nível, os desembargadores

do Tribunal

da

Relação de São Paulo, que assumiram seu lugar entre a elite paulistana ao serem aceitos como irmãos da Misericórdia.

Típico, embora represente caso extremo de concentração de funções e atividades diretivas, é o de Clemente Falcão de Souza Filho, Francisco Antônio Dutra

de

Araujo

Abranches,

Inácio de Ramalho,

Rodrigues, Frederico

Joaquim

Joaquim

Augusto

de

José Cardoso

Camargo,

Joaquim

José Vieira de Carvalho e José Maria

Correa de Sá e Benevides que eram ao mesmo tempo advogados, professores da Faculdade de Direito, capitalistas, proprietários, empresários,

dirigentes

de

confrarias,

associações

diversas,

elei-

tores e ocupantes de cargos administrativos e políticos (quadro II).

Clemente Falcão de Souza Filho, por exemplo, era advogado, lente de Direito Civil da Faculdade, capitalista, proprietário, presidente das Companhias Paulista, de Águas e Esgotos, da Estrada de Ferro

de São

Paulo ao Rio de

Janeiro, de

Gás

e Óleos mine-

rais de Taubaté. Embora eleitor pela paróquia da Sé, suplente de delegado de polícia e juiz de paz, jamais filiou-se a qualquer organização partidária, embora insistentemente convidado pelos conservadores. Era ainda protetor da Irmandade de São Benedito, provedor da Irmandade de Nossa Senhora da Glória, Conselheiro da Confraria de Nossa Senhora dos Remédios, Irmão da Misericórdia e presidente do Clube Haydin. Embora em escala menor grande parte dos membros da nossa

lista exerciam

funções das mais variadas

dentro

das

instituições

mencionadas.

Na Irmandade da Santa Casa da Misericórdia, que como já afirmamos congregava a elite dirigente de São Paulo, participavam em 1873, 11 dos 25 capitalistas arrolados no respectivo almanaque, além de 10 dos 19 capitalistas-proprietários e 6 dos 38 proprietários. Para 1883 encontramos 8 dos 14 capitalistas e 43 dos 247 capitalistas-proprietários.

O

Poder

da

ROS

Misericórdia

Essas cifras justificam, a nosso ver, a escolha da Misericórdia como ponto de partida para a identificação da elite dominante

da sociedade

paulista na década

estudada.

Outro aspecto a ser considerado é o fato de que 94 dos 153 personagens arrolados eram eleitores, o que, diante do sistema eleitoral do Império, representava privilégio considerável. Ainda em posição privilegiada estavam os que acumulavam cargos admi-

nistrativos de conotações políticas como os de juiz de paz e de

sub-delegado

só indivíduo.

e seus suplentes,

Os postos de comando

muitas

vezes

da Guarda

integrados

Nacional

por um

tão procurados

nas cidades e vilas do interior parecem ter sido menos cobiçados

em São Paulo, onde sua importância como

instituição “consagra-

dora da autoridade política da classe proprietária”, no dizer de Pedro Calmon, já evidencia seu declínio refletindo a perda de seu conteúdo territorial e político e as transformações econômicosociais que atingiam em primeiro lugar a capital da província.

Essa elite dominante profundamente integrada nas atividades agrárias da lavoura cafeeira, no entanto, liderou a criação de empresas de estrada de ferro, de melhoramentos urbanos e as pri-

meiras indústrias de São Paulo conforme

se pode verificar pelo

elenco das a presente

atividades exercidas pelos elementos escolhidos para pesquisa. Ficam assim confirmadas, pelo menos em

o

de

parte, as conclusões do historiador norte-americano Warren Dean sobre a especificidade da elite cafeicultora paulista que liderou processo

dinamização

com isso perder seu poder”. Vejamos o resumo

e modernização

desse excelente

da

levantamento

riadora Laima Mesgravis, nos quadros | e II.

economia

realizado

sem

pela

histo-

A Elite Política (1889-1937)

Em 1913, ao anunciar o início da construção da Catedral, o Bispo D. Duarte declarou: “Por uma lei histórica e fatal, São Paulo há sempre de marchar na vanguarda, tem de cumprir uma grande missão política e social; e sua hegemonia, civil e religiosa, já não pode ser contestada”. Joseph Love, numa obra em que estudou a civilização bandeirante, citou o fato como indicativo de um estado de espírito peculiar — o sentimento de orgulho dos paulistas devido às suas realizações e potencialidades: “O que é que não pode parar e onde sempre cabe mais um? Os

brasileiros sabem que a resposta é São Paulo, quer se refira ao estado ou

Quadro exemplificativo da elite dominante em São Paulo de 1873 a 1883 (resumo)



Nome

Americo de

1

Profissão

Campos

Brazílio

advogado lista

Antonio Aguiar de Barros (conde de Itu)

bacharel

Antonio Carlos Ríbeiro de Andrada Machado e Silva

advogado Faculdade reito

Antonio Proost Rodovalho

Atividade

e jorna.

Empresarial

———

o—

E.F.S.P. neiro

Francisco

de

Souza

Francisco Martins de Almeida

Águas

a

Dir.

contador do FTesouro aposentado; secretário da Cla. Paulista

Política

eleitor; sidente

5.º vice-pre. da

eleitor candidato liberal à Assembléia Provincial

R.

de



Cia.

Ja-

eleitor

capit. e proprietário; fazendeiro em 8 muCia. dir. nicípios; Paulista

Queiroz

———

— ——

Cônego da Catedral; lente Direito Canônico do Seminário Episcopal

Antonio

Atividade

comerciante; capitalis- coronel coman- eleitor ta e proprietário; dir. dante superior da presidente da Cã Cia. de Seguros; ge- Guarda Nacional mara Municípal rente Cx. filial Banco do Brasil; Dir. Cia. Esgotos;

Ezequias da Fon-

Guarda

eleitor

Cantareira

Cônego Galvão toura

da

Naclonal

——

capitalista proprietá. rio; fazendeiro na V. Constituição; diretor Cia. Ituana

lente de Di-

Posto

tenente-goronel e eleitor; 4.º vice-prechefe de legião sidénte da província; senador liberal desde 1848 major ajudante de vereador ordens do Coman- eleitor do Superior

suplente

Atividade Administrativa

Associação

Religiosa

1.º vigário ec orador Loja América

síndico do to da Luz

Associação

da

——

Recolhimen-:

res.

Recreativa

Associação Cívica ou Filantrópica

irmão da Misericórdia; Dir. Biblíoteca Popular; Cons. Museu Provincial Clube

Paulistano

irmão da Misericórdia; Dir. Assoc. Auxiliadora da Colonização e Imigração; Cons. Liceu Artes e Ofícios; Dir. Assoc. Aux, Progresso

——

vice-pres.

Clube

prior

São

Ordem

Província

Haydin definidor da Misericórdia, Dir. Assoc. Aux. Prog. Prov.; Cons. Liceu

de

da

de

Artes

Terceira Cons. Clube Paulista de tesoureiro

Francisco

Engenharia

e

da

Indústria

e

Ofícios

Misericórdia

definidor da Misericórdia; dor do Orfanato da Luz

capelão do Recolhimento de Sta. Tereza

funda-

irmão da Misericórdia; Pres. Assoc. Aux. Col. e Imig.; Dir. Soc. Propagadora da Instrução Popular;

dos S.BJ. Irm. da tes. Freguesia da Sé Passos; subprior Ordem 3.º do Carmo, grande |. vig. Loja Amizade;

subdelegado

sec.

L.

Piratininga

1.º secretário Soc. córdia Familiar

Con:

escrivão

Pres.

da

Inst.

Ana

Misericórdia

Rosa

Quadro exemplificativo de concentração de funções — II Nome

Atividade

Profissão

Clemente Falcão Souza Filho

de

advogado Lente Fac.

de

Direito

Empresarial

capitalista pres. Cia. Cia.

e proprietário; Paulista; Pres.

Cantareira

oc

Atividade

Política

eleitor

Esgotos;

da E.F.SP. a R. de J.; da Cia. de Gás e Óleos Mi. nerais

Francisco Antonio Dutra Rodrigues

advogado; órfãos e soureiro

de Frederico José Cardoso de Araujo Abranches

lente

da

Faculdade de Direito; suplente de Juiz de órfãos

advogado; Faculdade

ausentes; tedo juizado

lente da de Direito

capitalista e pres. Banco

proprietário; do Crédito

Real

capitalista e proprietário pres. Cla. E.F.S.P. a R. de Janeiro

eleitor; candidato

conserva.

eleitor;

vereador;

deputado

sídente Paraná

das províncias de e Maranhão (con.

dor cial

à

Assembléia

servador

no)

Joaquim

Augusto de

advogado; Paculdade

lente da de Direito

capitalista

e

proprietário

Inacio

Ra-

advogado; Faculdade

lente da de Direito

capitalista

e

proprietário

Joaquim José Vieira

advogado; Faculdade

lente da de Direito

Dir.

advogado; Faculdade

lente da de Direito

pres. Cia. Carris de Ferro de Sto. Amaro; co-proprietário do Jornal “22 de

Camargo

Joaquim malho

de

(Barão

do)

Carvalho

José Maria Correa de Sá e Benevides

Cx.

Econômica

te do Socorro; da

Cla.

Maio”

Cons.

Paulista

e Mon-

Fiscal

Assembléia

Provin.

Provincial;

depois

pre-

republica.

eleitor; vereador; deputado provincial e geral; presi. dente da província de Goiás

eleitor,

candidato

eleitor;

deputado

dor

à Assemb.

sembléia

conserva.

Prov,

Provincial

da

As

Atividade

Associação

Administrativa

Religiosa.

Associação

Associação Cívica Filantrópica

pres. Clube Haydin

irmão da Misericórdia

Recreativa

suplente de juiz de Paz de delegado de polícia

e

protetor da Irm. S. Benedito; provedor Im. N. S. da Glória; Conselheiro Confraria N. S. dos Remédios

cons. Irm. S. B. Passos; tes. Irm. Boa Morte

delegado de Guaratinguetá; Juiz

de

Paz

polícia suplente

de de

2.º suplente de delegado de polícia; suplente de juiz de Paz Juíz de

Prov.

Irm.

José

grão

mestre

Sta.

Cecília

adjunto

Amizade

Loja

Ven. loja Piratininga; grão mestre 1. Amizade; prior Ordem 3.º do Carmo Cons.

Paz

Irm.

Prov. Prov.

S.

Inspetor Distrital da Instrução Pública da Consolação

suplente de Juíz de

da

e S.

Jesus dos N. S. da

Paz

S.

J.

dos

Passos

da

Misericórdia;

Dir.

Assoc. Aux. Progresso vincial; Sec. da Com. Mon. do Ipiranga

escrivão e sericórdia

irmão

da

Pres.

Com.

irmão

da

provedor

prodo

da

Mi-

Misericórdia

Oficial

ria do Ipiranga; Misericórdia

da

irmão

Lote-

da

Irm. S. Sacramento I. N. S, Consolação e

João

orador

B.

irmão

e

Batista

Loja

dependência

Maçônica

de

In-

Campinas

vice-ministro Ordem 3.º São Francisco

Misericórdia;

Dir.

Assoc. Aux. Prog. da Pro: víncia; Cons. e prof. Liceu de Artes e Ofícios definidor

da

Misericórdia

810

Glauco

Carneiro

à sua capital. A frequência com que se repetem as frases “São Paulo não pode parar” e “São Paulo: sempre cabe mais um” mostra claramente que

os

paulistas

estão acostumados

a reconhecer

o traço

mais

importante da

história de seu Estado. A ênfase se justifica porque esta é, antes de tudo, a história de um continuado processo de crescimento”?! Já na

década

de

1880

a economia

paulista

era

a mais dinâmica

de

todo o Brasil e, desde então, não perdeu essa liderança. O café garantiu a São Paulo essa posição de preeminência — a industrialização contribuiu para preservá-la: “Apesar das grandes mudanças que ocorreram na economia e na composição populacional de São Paulo durante o primeiro meio século de regime republicano, a elite política do Estado permaneceu extremamente homogênea. Seus líderes..., provinham geralmente de um círculo limitado de famílias estreitamente

ligadas por laços consangiiíneos ou de casamento.

Frequentando

os mesmos colégios e faculdades, mostravam grande propensão a adotar valores culturais europeus. A elite brasileira era, em geral, recrutada dentro das mesmas camadas sociais, cuja identi-

dade era dada por experiências e valores partilhados em comum e por padrões de carreira muito semelhantes. Tais mecanismos constituíam legados do período imperial. Nos três Estados citados, o advento da República significou a transformação progressiva das elites agrárias tradicionais, que aos poucos se tornaram mais urbanas e mais dirigidas por considerações de ordem econômica, sem no entanto perderem sua base rural. O mesmo tipo de mudança afetou a elite propriamente política. Esta é definida como integrada pelos ocupantes dos cargos mais importantes no governo e nos partidos dominantes, tanto a nível estadual como federal, entre 1889 e 1937. Segundo esse critério, a elite paulista incluiu um total de 263 pessoas... As seguintes características são consideradas: participação nos eventos políticos, funções de liderança fora da atividade política; conexões de família, fora do Estado e no estrangeiro; nível de educação, ocupação. A composição etária e geográfica da elite também são estudadas... Nenhum líder operário penetrou nesse grupo e somente um dos membros da elite política era imigrante e apenas 5% podem ser identificados como filhos de imigrantes... Somente 22 pessoas tinham sobrenomes não portugueses (9% dos membros). Somente

quatro dos políticos tinham sobrenomes italianos...

Outro indi-

cador da homogeneidade do grupo é dado pela extensão e tipo de educação. Menos de 8% não tinham um diploma universitá-

rio...

Mais de 3/4 do grupo eram

bacharéis

formados em Di-

O

Poder

da Misericórdia

811

reito ou Medicina; 63% receberam o diploma na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco (no total, 70% eram advoga-

dos). É difícil minimizar

a importância da Faculdade

de Direito

de São Paulo como núcleo de formação de líderes políticos. Além de seu papel dentro do Estado, dali saiu um impressionante número de ocupantes dos mais altos cargos nacionais tanto durante o império como na Primeira República. Mais da metade dos ministros imperiais entre 1871 e 1889 foram ali educados. Sete dos I2 Presidentes da República, de 1889 a 1930, receberam seu diploma na Escola de Direito de São Paulo... Quarenta e três por cento do grupo tinham pelo menos um outro membro da família ali representado. Além do mais, 20% eram membros ou aparentados com a elite imperial... A maior incidência cumulativa dos três tipos de conexões familiares (77%)

ocorre na zona central (região de Campinas)... Mais de 1/3 de toda a elite representava uma complexa rede de interligação econômica e de parentesco... O grupo era quase totalmente mas-

culino... A maior parte da elite era composta de católicos secularizados... O exame das bases políticas revela elevado grau de concentração. Pelo menos 67% daqueles cujas bases políticas puderam ser identificadas, tinham-nas na capital... Muitos mem-

bros da elite política possuíam fazendas no interior e casas na capital... Surpreendentemente, 51% dos fazendeiros tinham sua

base política na capital... Os membros

da elite costumavam

ocupações, além da de “homem definição.

Em

São

Paulo,

ter, em média,

público”, comum

as ocupações

mais

três outras

a todos, por

frequentes

eram,

pela ordem, advocacia (69%), agricultura (38%), indústria (28%),

jornalismo (27%) e ensino (21%). A elite paulista contava com 28%

de industriais,

18%

de banqueiros e 17%

de comerciantes

— 41% eram empresários... As relações da maioria deles eram formadas nas atividades profissionais partilhadas desde os bancos escolares. O acesso à elite paulista tornava-se mais fácil em épocas de crise ou de

renovação.

Entre

1889

e

1937,

1934

(21) e 1932

a média

absorção foi de 5,4 pessoas, sendo que os recordes belecidos em

1891

(23,

(20)...

anual

foram

A média

de

estade

idade com que os paulistas eram incorporados à elite foi de 45 »

anos .

25

Vejamos o diagrama ?* montado por Love, revelando que 97 membros da elite estavam mutuamente ligados ou por laços de parentesco ou por ligações econômicas:

812

Glauco

Carneiro

AS CONEXÕES DA ELITE PAULISTA (Diagrama referente à note 10

[Estas

ns

Eae) Gi

lost = Corão

Prudenca Moram Barros | a nã!

[n. Mas tus Barros |

1

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Fome: Joseph Love, São Paulo na Federação Brasileira, p. p., 24$

O Poder da Misericórdia

813

A múltipla participação

A partir de uma

idéia do Autor, e permanente supervisão, as biblio-

tecárias Sonia Regina Fernandes Arevalo e Maria Martha Gandara D'Amico, da Santa Casa de São Paulo, contando com a colaboração da estu-

dante Daniela de Alcantara Carneiro, operacionalizaram mais alto interesse.

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pesquisa do

Cruzando informações fornecidas nas obras de Joseph Love e Brasil Bandecchi **, com a listagem de Vereadores da Câmara Municipal de São

Paulo, obteve-se uma interessante relação de membros da Elite Paulista que mantinham — grande parte deles — vinculação com os Poderes Executivo e Legislativo, Santa Casa de Misericórdia de São Paulo e com a Maçonaria.

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