O PCB Cai no Samba: os comunistas e a cultura popular (1945-1950)

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1 O PCB CAI NO SAMBA: os comunistas e a cultura popular (1945-1950) Valéria Lima Guimarães Dissertação de Mestrado em História Social apresentada à Coordenação do Curso de Pós-Graduação em História Social do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Orientador: Marcos Luiz Bretas Professor Doutor Rio de Janeiro 2001

Às velhas e novas guardas do samba. Aos companheiros do Centro Comunitário de Capacitação Profissional Paulo da Portela. A Marcelo Duarte de Almeida e Elba Lima Guimarães, pela razão mais sublime. AGRADECIMENTOS São muitos os que participaram direta ou indiretamente da preparação desta dissertação de mestrado. Sob pena de estar esquecendo alguém, assumo o risco de mencionar todos os que contribuíram com esta pesquisa, a quem ofereço os meus sinceros agradecimentos. Ao CNPQ pelo fomento da pesquisa, tão necessário a todos os que fazem da ciência o seu ofício. Um agradecimento especial ao professor Marcos Luiz Bretas, orientador e grande incentivador desta dissertação, responsável por indicações e críticas certeiras, a quem recorri em momentos de angústia e ansiedade e esteve sempre pronto para uma palavra amena. Aos professores doutores Maria Paula Araújo e Valter Duarte, que gentilmente aceitaram ler e discutir este trabalho, desde o momento da qualificação até a defesa. Aos professores do Programa de Pós-Graduação em História Social, especialmente aos profs. Drs. Anita Leocádia Prestes, Lincoln de Abreu Penna, Flávio Gomes, Jaqueline Hermann e Andréa Daher, que através de seus cursos, contribuíram para o amadurecimento de minha pesquisa, além de acompanharem o desenrolar deste trabalho mesmo após o encerramento de seus cursos, fornecendo preciosas pistas e me incentivando enormemente. A Marcelo Duarte de Almeida. As palavras não são suficientes para expressarem a minha profunda gratidão. À Mônica de Araújo, carinhosamente chamada de Moniquinha, minha grande interlocutora, companheira de viagens e arquivos. Aos funcionários do Arquivo Graciliano Ramos, do Instituto de Estudos Brasileiros, da USP e do Centro de Documentação e Memória da UNESP, cuja competência e prontidão muito impressionaram. Aos profissionais da Biblioteca do IFCS, especialmente a Fernando, Heloísa e Virgínia, sempre muito solícitos e a quem tenho grande carinho.

2 Ao PC do B, na pessoa de Edvan Bonotto pelas precisas indicações. A Apolinário Rabelo, assessor de gabinete da deputada Jandira Feghali, meu braço direito nas andanças pelo Congresso e grande colaborador. Aos profissionais da Biblioteca e do Centro de Documentação e Informação da Câmara dos Deputados. A Luiz Carlos Magalhães e Oliveira, da Pedro Lessa, garimpeiros da música popular brasileira, sempre muito empenhados em contatar pessoas interessantes para esta pesquisa. A Paulo Motta Lima, conselheiro da ABI, ex-jornalista da Tribuna Popular, que com sua fantástica memória ajudou a compreender melhor os mecanismos de funcionamento da imprensa comunista e a sua relação com o mundo do samba. A Sérgio Braga, o autor de Quem é Quem na Constituinte de 46, que gentilmente acompanhou este trabalho e disponibilizou um material muito valioso. A Ernesto Nascimento, carnavalesco, Cosme e Nilton Fernandes, do Grêmio Recreativo Escola de Samba Império Serrano, que com muita simpatia e entusiasmo me receberam e prontamente me dedicaram um espaço de seu precioso tempo, bastante corrido, em função da preparação do enredo O Rio Corre pro Mar, tema que se confundia com a própria história do Império, extremamente importante nesta pesquisa. Aproveito também para agradecer aos portuários imperianos (de cada dez famílias ligadas à escola, nove concentram a sua atividade profissional no porto), estivadores e arrumadores, do presente e do passado pelas entrevistas e indicações. Às velhas guardas da Portela e do Império Serrano. A Manoel Dionísio, artista de primeira grandeza do mundo do samba, que leva às crianças carentes a arte e a magia da dança do mestre-sala e da porta-bandeira. Agradeço carinhosamente o grande apoio. A Rachel Valença e João Ximenes Braga, que possibilitaram que este trabalho ultrapassasse os muros da academia e chegasse ao conhecimento da sociedade, cumprindo o papel social da universidade, no qual realmente acredito. A José Carlos Rego, Hiran Araújo, Beatriz Ryff, Raquel Pomar, Virgínia Fontes, Marília Barboza, Arthur Oliveira Filho, Marcos Napolitano e Ana Paula Palamartchuk e Luiza Armelau, pela ajuda e incentivo. A Marcello O’Reilly pelo empréstimo de seus livros raríssimos sobre carnaval, fonte de grande ciúme de qualquer colecionador e amante dessa magnífica festa popular brasileira. A todos das rodinhas de samba virtuais: Academia do Samba e Babilônia Estudantil, que colaboraram com este trabalho. At last but not least, agradeço aos amigos de toda hora, Valéria Fernandes da Silva, Marcelo Pereira Lima, Vanderlei Vazelesk Ribeiro, Raquel Paz e Julio Maia, que conviveram com o meu... digamos... azedume, e me deram força nos momentos mais críticos. “Nenhum cérebro deverá ser mais complexo, enciclopédico, que o do comunista”. (Para ser comunista, O País, 20.12.1923) “O samba vai vencer Quando o povo perceber Que é o dono da jogada”. (Caetano Veloso) “O que você acredita que é um artista? Um imbecil que só tem olhos se for pintor, ouvidos se for músico, ou uma lira em todos os andares do coração se for poeta, ou mesmo, se for boxeador, apenas músculos? Muito pelo contrário, ele é ao mesmo tempo um ser político,

3 constantemente em alerta diante dos dilacerantes, ardentes ou doces acontecimentos do mundo, refletindo-os na forma como realiza as suas obras. Como seria possível desinteressar-se dos outros homens? Graças a qual indolência dissociar-se de uma vida que eles lhe trazem de modo tão abundante? Não, a pintura não é feita para decorar os apartamentos. É um instrumento de guerra ofensivo e defensivo contra o inimigo”. (Pablo Picasso)

RESUMO GUIMARÃES, Valéria Lima. O PCB cai no Samba: os comunistas e a cultura popular – 1945-1950. Rio de Janeiro: UFRJ, Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, 2001. 276 fl. Mimeo. Dissertação de Mestrado em História Social.

O propósito deste estudo é discutir as relações entre o Partido Comunista do Brasil e a cultura popular, na segunda metade dos anos 1940, com destaque para o mundo do samba. Considerado um dos elementos que melhor representa a cultura brasileira e, em última instância o que é ser brasileiro, uma discussão bastante intensa desde os tempos do Estado Novo, o carnaval torna-se uma referência para todas as manifestações e veículos culturais: música, artes plásticas, cinema, teatro, rádio e imprensa. Também os partidos políticos manifestarão grande entusiasmo em relação ao mundo do samba e ao carnaval. O PCB destaca-se, nesse particular, por identificar naqueles que freqüentam as escolas de samba o proletariado, que, uma vez ciente de seu papel no processo histórico (através da devida orientação transmitida pelo próprio Partido), irá se empenhar na transformação da sociedade.

ÍNDICE ABRE-ALAS ......................................... 13 INTRODUÇÃO .............................16 1 - REFLEXÕES EM TORNO DA CULTURA POPULAR: O MUNDO DO SAMBA COMO OBJETO DE ANÁLISE ACADÊMICA 41 1.1 – A procura das “raízes do samba” ............................................................44 1.2 – O embate ideológico: cultura erudita x cultura popular ...................53 1.3 – Cultura popular, culturas populares............................................59 1.4 – A ascensão do samba como expressão maior da cultura popular ...62 2 - DO SAMBA MARGINAL AO SAMBA NACIONAL ......................72 2.1 – Um estado novo para o samba ...........................................................72 2.2 – Villa-Lobos, o maestro das escolas de samba ..............................86 2.3 – Do malandro ao operário ........95 3 – O PARTIDO COMUNISTA À PROCURA DAS CAMADAS POPULARES...................................113 3.1 – Intelectuais e artistas a serviço da educação política do povo .....113 3.2 – A bancada comunista e a defesa da cultura na Constituinte de 1946 .128 3.3 – A imprensa comunista e o encontro do Partido com as massas .140

4 4 – SAMBA, O ÓPIO DO POVO?............................................ 153 4.1 – Uma Tribuna Popular ....157 4.2 – O samba sobe a Tribuna .........163 4.3 – Um carnaval para Prestes.......180 4.4 – A Tribuna sobe o morro .......190 5 – A QUARTA-FEIRA DE CINZAS ........................................................ 222 5.1 – Uma democracia relativa ......222 5.2 – As polícias políticas e o controle da ordem política e social ..............229 5.3 – As polícias políticas no mundo do samba .............................................234 5.4 – A difícil negociação .............247 5.5 – Outros carnavais ....................251 6 – CONCLUSÃO .........................258 7 – BIBLIOGRAFIA ......................264

ABRE-ALAS Como em todos os anos durante o carnaval, os componentes das escolas de samba desfilam na avenida cantando os sambas enredos escolhidos em suas quadras durante o ano anterior. Cantar o samba-enredo de sua escola de coração é uma rotina saborosa para todo folião nos dias de carnaval. Na década de 1980, os versos dos sambas-enredo, especialmente os da Beija-Flor de Nilópolis, escola que muito cedo aprendi a gostar por identidade local, faziam-me descobrir que havia uma relação mágica entre o samba e a história do Brasil ensinada no meu curso primário, condensada sob a forma de Estudos Sociais, respaldando as letras dos sambas que exaltavam o valor da “civilização”, dos “heróis”, “mitos”, “lendas” e “tradições”. Os sambas e as aulas desafiavam a minha imaginação, dando asas a aventuras, como a de “brincar de bandeirantes”. Pelos terrenos baldios e quintais de nossas casas, de “arma” em punho, seguíamos eu e outros amigos de infância, todos da mesma classe, pela “mata” na deliciosa “aventura” de “caçar índios” e “salvar o Brasil”. Sempre havia discórdia: todos queriam ser Fernão Dias e Domingos Jorge Velho, mas ninguém queria ser a “caça”. A despeito das letras de samba que também enfocavam os indígenas (sob a ótica dos bons selvagens), o apelo dos bandeirantes, representados nos livros escolares como belos, de feições amistosas, grande bravura e um bom caráter, era mais forte do que a representação do indígena, com expressões hostis... todos éramos, então, bandeirantes, à procura de um inimigo imaginário, já que ninguém se candidatava ao posto... Anos mais tarde, as comemorações do centenário da abolição da escravatura, levadas para a avenida pelas escolas de samba, apontavam mais claramente para as relações entre samba e História. Então no final do antigo primeiro grau, cada vez mais fazia sentido e era bem mais agradável conhecer a História do Brasil através do carnaval. Assim como assistir a um filme que abordasse temática histórica significava apreender a história tal qual ocorreu, um samba-enredo de abordagem histórica era um

5 veículo de informação equivalente aos manuais escolares. O discurso de ambos era muito semelhante, a ideologia também, embora ainda não pudesse percebê-la. O amadurecimento intelectual não provocou uma ruptura com a antiga crença no valor da relação samba-história: ao contrário, revelou novas possibilidades de ver o tema, e tornou-a mais complexa, deixando de ser percebida como um mero apêndice dos livros didáticos, acrescido de uma poética peculiar. Cada vez mais convencida de que a relação samba e História é bastante fértil, desenvolvi a monografia O Carnaval da Vitória e Outros Carnavais: relações entre política e samba – 1945-1950, trabalho que trouxe à tona uma série de questões que precisavam ser investigadas e discutidas mais detalhadamente num segundo momento. A comunicação O Carnaval dos 500 anos e o ofício do historiador, apresentada na ANPUH-RJ, foi uma outra experiência bastante interessante, que reforçou ainda mais o meu prazer em participar e estudar elementos pertinentes ao carnaval, nesse caso o samba, articulado a um outro grande prazer do qual fiz o meu ofício: a História. O resultado desse prazer e de acreditar na viabilidade acadêmica do estudo do mundo do samba, para usar o jargão corrente entre os sambistas e os não-sambistas, é a materialização desta dissertação de mestrado, que atualiza algumas questões estudadas na monografia de encerramento do curso de graduação e as amplia, trazendo novas discussões e um novo enfoque, que agora é apresentada ao leitor sob o título de O PCB cai no samba: relações entre política e cultura: 1945-1950.

6 INTRODUÇÃO Muito se tem escrito a respeito do Partido Comunista Brasileiro, especialmente após o fim da ditadura militar e da censura, um de seus principais braços, que, imbuída daquilo que Maria Tucci Carneiro chamou de lógica da suspeição1, dificultava o desenvolvimento de pesquisas que elegessem o Partido Comunista como foco de suas preocupações. Desde então, trabalhos científicos, ensaios e livros de memórias têm sido produzidos com muita freqüência, desnudando a complexa história do mais antigo partido político em atividade no Brasil, uma história marcada pela violência, repressão e, sobretudo, pela resistência, responsável por manter a atuação do partido nos longos momentos em que fora posto na clandestinidade. Um dos mais frutíferos debates entre historiadores e filósofos neste final de século referese à necessidade premente de se fazer uma revisão crítica de temas e autores já bastante investigados, considerando que por mais que se tenha discorrido a respeito de um assunto, ele não se esgota por si mesmo. A cada retorno ao tema, uma nova possibilidade, a cada nova prova, um novo fato pode ser valorizado que, ao lado de novas possibilidades de abordagens e métodos, podem acrescentar muito mais sobre o mesmo, que, por sua vez, passa a se constituir no novo. “(...) é necessário examinar de novo. E os historiadores que pensam que não vale a pena retomar este ou aquele problema tradicional justamente porque já foi discutido, adotam implicitamente, ou a idéia de que esse problema já recebeu uma solução satisfatória, em certo autor, ou então a idéia de que essas questões não tem solução”. 2 É retomando um objeto considerado bastante enfocado pela academia, que propomos uma nova abordagem, procurando menos acompanhar a trajetória política do Partido Comunista ao longo de suas décadas de existência do que analisar uma questão bastante cara ao Partido, alvo de acalorados debates entre os seus membros, e que não tem recebido a adequada atenção dos pesquisadores: a estratégia política do PCB de relacionamento com as massas, especificamente num momento de intensa atividade do Partido: os anos 1945-19483. Procurando examinar mais de perto essa questão, um ponto se sobrepõe aos demais: o interesse cada vez maior dos comunistas num atributo das massas capaz de lhes proporcionar o tão pretendido diálogo com a classe operária: a cultura popular. Na avaliação do Partido, quanto mais próximo o seu contato com a cultura popular, valorizando-a e estimulando-a, maior o poder de penetração do PCB na classe operária, o que, a médio prazo, proporcionaria a concretização do ideal comunista de fazer a revolução do proletariado, conquistando o poder político e instaurando o comunismo no Brasil. Valendo-se de uma relativa abertura política, proporcionada pelo fim do Estado Novo e ascensão do que se convencionou chamar de período da democratização, que se estendeu de 1945 a 1964, caracterizado como um interregno entre a ditadura estadonovista e o golpe militar, o PCB procura maximizar a sua participação dentro da legalidade, ampliando o seu poder e prestígio políticos, conquistando um crescente sucesso eleitoral e procurando alcançar uma estrutura logística adequada a um grande partido em funcionamento. A imprensa comunista é um dos mais consideráveis reflexos dessa solidificação do Partido na democratização. Os periódicos A Voz Operária e 1

CARNEIRO, Maria Luiza Tucci. Livros Proibidos, Ideias Malditas - o Deops e as minorias silenciadas. São Paulo: Estação Liberdade: 1997. 2 ENGEL, Pascal. Pode a Filosofia escapar da História? In: Passados Recompostos – campos e canteiros da História. Rio de Janeiro: UFRJ: Fundação Getúlio Vargas, 1998, p.112. 3 O registro PCB é cassado em maio de 1947, entretanto, o mandato de seus parlamentares é mantido até o ano seguinte, permitindo ainda que de maneira restrita, a atuação legal dos deputados e senador comunistas.

7 Tribuna Popular, ambos do Rio de Janeiro, lançados em 1945, com uma tiragem bastante significativa, são bons parâmetros para se entender o aquecimento das atividades do Partido Comunista naquele momento. “(...) O auge desta imprensa de partidos, especialmente do PCB, acontece nos pós-1945, com a redemocratização do país. Neste momento, o PCB possui nove jornais diários, nas principais cidades brasileiras, inúmeros semanários, diversas revistas, duas editoras. (...) Pela primeira vez em sua história, [o PCB] torna-se partido de massa: o número de aderentes e de simpatizantes aumenta de maneira extraordinária. É vasta a quantidade de jornais e revistas sob a sua chancela, publicados em todos os Estados e Distrito Federal; são inúmeras as editoras e há toda uma orientação, não só na publicação de material do próprio partido, como nas edições de romances e clássicos do marxismo”. 4 Embora a categoria período de democratização seja amplamente aceita e utilizada pela historiografia para se referir ao período que se estende de 1945 a 1964, nunca é demais ressaltar o caráter limitado dessa tão festejada democratização, conhecida também como redemocratização de 1945, categoria adotada pelo próprio Carone, ou ainda intervalo populista, entre outras denominações. Essa experiência “democrática” revela um profundo conservadorismo, pois esse momento é marcado pela manutenção de instituições características do autoritarismo de Vargas, como a atuação das polícias políticas, incluindo a polícia especial, encarregada de dissolver – a bala – comícios comunistas; a violenta repressão aos movimentos populares; a permanência da censura à imprensa comunista e a elaboração e concretização de um projeto que condenava novamente o PCB à clandestinidade. A própria Constituinte democrática, que contou com a participação e algum entusiasmo da bancada comunista, iria gerar as bases – previstas na futura Constituição – para a cassação do PCB. Os trabalhos da Assembléia Nacional Constituinte são iniciados em fevereiro de 1946. Em março, já surgem denúncias quanto à utilização ilegal de dois estatutos por parte do PCB e da manutenção de práticas antidemocráticas no Partido. A aprovação, à revelia da bancada comunista, de um artigo proibindo as atividades de partidos antidemocráticos, tinha um objetivo muito bem delineado. Um artigo do estatuto do PCB, que proibia o relacionamento dos militantes comunistas com elementos fascistas e trotskistas, a manipulação de declarações de Prestes sobre de que lado estaria se houvesse uma guerra entre Brasil e União Soviética, além das denúncias de que o PCB estaria atuando com um estatuto clandestino, foram os argumentos utilizados para o processo que concluiu que o Partido era extremista e inconstitucional. Em maio de 1947, concretizava-se o processo de cassação do Partido, e finalmente em janeiro de 1948, é a vez dos parlamentares comunistas serem expurgados da cena política e amargarem o ostracismo. Tudo isso com base e em nome dos princípios democráticos evocados pela Constituição. Ainda que se reconheça essa limitação da liberdade de ação política, é preciso não perder de vista o fato de que este foi um dos períodos de mais intensa atuação do PC no Brasil, seja durante os primeiros anos (1945-1947), quando lhe foi concedida uma efêmera legalidade, seja atuando clandestinamente, amparando o movimento sindical, o movimento estudantil, procurando negociar com Juscelino Kubistschek a volta do partido à legalidade, e procurando manter ainda a sua imprensa em atividade, editando periódicos de considerável alcance, como Ação Direta (RJ, 1955), Novos Rumos (RJ, 1956), Estudos Sociais e Problemas (RJ, 1960), entre outros. Centrando o foco de nossas observações nos cinco primeiros anos da democratização, elegeremos o já citado periódico Tribuna Popular como meio privilegiado de informações acerca da nossa temática: as relações entre o PCB e a cultura popular. 4

CARONE, Edgar. O PCB – 1943-1964. São Paulo: DIFEL, 1992, pp. 3 e 5.

8 A Tribuna Popular destacou-se por seu importante esforço em se aproximar das escolas de samba, por intermédio de sua entidade representativa, a União Geral das Escolas de Samba. As relações pareciam bastante sólidas (não fosse a forte repressão que o Partido sofreria nos anos seguintes), chegando a Tribuna Popular a se intitular o veículo oficial das escolas de samba e tomando a frente da organização dos desfiles em parceria com a UGES, como o célebre desfile de novembro de 1946, em homenagem ao Cavaleiro da Esperança. Estimulado com o sucesso do desfile, o jornal passa a se dedicar mais intensamente à cobertura dos preparativos para o desfile de 1947, denominado Carnaval da Vitória, acompanhando a movimentação das escolas de samba e seus barracões, os ensaios e festas, ressaltando o quanto inventivas e talentosas eram aquelas pessoas do morro, mas sobretudo trazendo às suas páginas principais as mazelas sociais que acometiam as camadas mais carentes da população. Intervir naquele cenário, através de uma estratégia de condução dos sambistas – vislumbrados pelo Partido como “as massas”, desorganizadas, mas com um estupendo potencial revolucionário – ao comunismo, mais precisamente ao PCB, e eleger os seus candidatos para todas as esferas políticas, passou a ser uma das preocupações centrais do Partido em relação ao mundo do samba. No exame das fontes, perceberemos também uma outra expectativa em relação ao mundo do samba: a de que seja tirada daí a orientação cultural dos comícios do PCB. A cada festa eleitoral, era norma do próprio Partido chamar a indispensável presença das escolas de samba que, com seu ritmo e com seus componentes de maior expressividade entre determinada comunidade, atraíam as massas para ouvirem a mensagens da inteligentsia do Partido, geralmente representada por João Amazonas, Jorge Amado e Luiz Carlos Prestes. As marchinhas e sambas com letras políticas eram os ritmos preferidos para as festas eleitorais do Partido, que acreditava assim estar se comunicando melhor com as massas e ao mesmo tempo prestando-lhes o serviço de levar-lhes cultura e educação, tarefas que considerava serem da alçada do Estado, mas que há muito este estaria se eximindo. As visitas à redação do Jornal Tribuna Popular pelos sambistas e as homenagens constantes das diretorias das escolas de samba aos dirigentes do PCB e ao jornal, nos revelam que as relações entre ambos não se davam de forma unilateral. Era patente a reciprocidade do mundo do samba, que abria as suas portas para receber os membros do Partido e sentia-se prestigiado pelas constantes incursões dos candidatos e dos repórteres comunistas em suas sedes. Contudo, ainda que o relacionamento entre o PCB e o mundo do samba parecesse frutífero, havia um elemento que buscava a desarticulação dessa aliança. O recrudescimento das atividades repressivas ao comunismo internacional ganhava espaço naqueles anos iniciais da Guerra Fria, aumentando a atuação das polícias políticas. No Rio de Janeiro, a DPS – Divisão de Ordem Política e Social, empenhava-se no combate e prevenção ao comunismo em plena redemocratização. A organização, em 1947, de uma segunda (e pretendia-se oficial) entidade representativa dos interesses dos sambistas, a Federação Brasileira das Escolas de Samba, com o incentivo inclusive, do chefe da DPS, Cecil Borer, reduziu dramaticamente os recursos da UGES para a execução do carnaval, acusada de envolvimento com atividades subversivas. Somente as escolas de samba filiadas à Federação receberiam a subvenção da Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro. Começaria aí o início da derrocada da UGES, assim como estava em pleno curso o processo de desarticulação do PCB. *** Examinando a historiografia a respeito do Partido Comunista Brasileiro, é difícil percebermos um recorte que privilegie essa temática. Ainda hoje, são referências sobre o

9 PCB os trabalhos desenvolvidos no início dos anos 80 por Leôncio Martins Rodrigues, Edgar Carone5, Ronald Chilcote6 e Moisés Vinhas7 contribuições inegavelmente importantes, que suscitam vários debates em torno das questões por eles enfocadas. A preocupação maior desses autores está em escrever uma história institucional do Partido Comunista, enfocando a sua organização e composição, o debate teórico em torno da questão do comunismo, as relações do PCB com a Internacional Comunista, as constantes clivagens dentro do Partido e a atuação política do PCB nas diferentes conjunturas nacionais. Leôncio Rodrigues em seu trabalho O PCB: Os dirigentes e a organização 8, por exemplo, faz um detalhado painel da composição e organização do PCB, enfocando desde os seus primeiros anos, onde analisa a juventude e rotatividade dos seus componentes, passando pelo apoio comunista à ANL, até o alvorecer do golpe militar. Rodrigues procura destacar na trajetória do partido as diferentes orientações seguidas pelos comunistas em torno da composição de seus quadros. A permanência ou não de intelectuais no PCB; o declínio da participação do operariado, motivado pelas mudanças de tática e de orientação ideológica em benefício de elementos de camadas mais abastadas, nos idos dos anos 30; o problema da adesão ao partido; o distanciamento em relação às massas e a política de atração do proletariado para o seu meio são pontos de reflexão do autor. A clássica questão partido de massas versus partido de quadros se coloca com maestria, tornando o diálogo com este autor fundamental para a nossa pesquisa. Os trabalhos mais recentes em torno do PCB, apoiados em novas perspectivas teóricas, têm lançado um novo olhar sobre o Partido Comunista, ora percorrendo o caminho aberto pelos autores acima referidos, debruçando-se sobre a trajetória do partido e examinandoa atentamente, ressaltando as suas estratégias e contradições internas, como as obras de Dulce Pandolfi9, Antônio Carlos Mazzeo10 e Gildo Brandão11; ora estabelecendo recortes em torno de problemas mais pontuais, como a obra de Bethânia Mariani 12, que inova por sua abordagem, utilizando os recursos da lingüística e da semiótica para compreender a análise do discurso da imprensa a respeito do PCB e do comunismo, contribuindo para um debate interdisciplinar. A maioria dos trabalhos conhecidos a respeito do PCB, portanto, prima por uma análise diacrônica, percorrendo o fenômeno PCB de 1922 até os anos 1960, 1970 ou 1980, dependendo da opção do autor, ou, mais recentemente, elegendo recortes que, também privilegiando a diacronia, se debruçam mais detidamente sobre um determinado problema levantado pelo autor, como na obra de Mariani. Sem nos esquecermos da perspectiva diacrônica, que nos auxiliará na percepção dos desdobramentos da relação PCB-cultura popular (como nos bem sucedidos contatos firmados nos anos 1960, por exemplo13, procuraremos enfatizar uma análise sincrônica, buscando conhecer as perspectivas das camadas populares, em especial daquelas 5

CARONE, Edgar. O PCB. São Paulo: DIFEL, 1982. A obra de Carone além de tecer uma competente análise da conjuntura na qual o PCB se inscreve, contribui na viabilização de importantes fontes produzidas pelo Partido, o que será de grande valia para o nosso trabalho. 6 CHILCOTE, Ronald H. O Partido Comunista Brasileiro: conflito e integração. Rio de Janeiro: Graal , 1982. 7 VINHAS, Moisés. O Partidão – A Luta por um Partido de Massas (1922-1974). São Paulo: Hucitec, 1982. 8 In: História Geral da Civilização Brasileira. São Paulo: DIFEL, 1981. Tomo III, vol.3, pp. 364-451. 9 PANDOLFI, Dulce. Camaradas e Companheiros: História e memória do PCB. Rio de Janeiro, Relume Dumará: Fundação Roberto Marinho, 1995. 10 MAZZEO, Antônio Carlos. Sinfonia Inacabada: A política dos comunistas no Brasil. São Paulo: Boitempo, 1999. 11 BRANDÃO, Gildo Marçal. A Esquerda Positiva: As duas almas do Partido Comunista. São Paulo: Hucitec, 1997. 12 MARIANI, Bethânia, O PCB e a Imprensa: os comunistas no imaginário dos jornais - 1922-1989. Rio de Janeiro: Editora Revan: UNICAMP, 1998. 13 Ainda que nossa delimitação temporal se restrinja à segunda metade dos anos 1940, isso não nos impede de termos em conta fenômenos que excedem a temporalidade demarcada.

10 vinculadas ao que chamaremos de mundo do samba14 em relação às demandas do Partido para esse grupo social; e os usos que o mundo do samba faz dessa expectativa gerada pelo PCB, que propõe a valorização e adesão em massa desse grupo ao Partido, com vistas à revolução democrático-burguesa, num primeiro estágio rumo ao socialismo. Evidentemente ao cruzarmos o fenômeno PCB com o fenômeno cultura popular, mais especificamente, com o mundo do samba – até então inexplorado pela literatura a respeito do PCB e pouquíssimo enfocado pela literatura referente ao samba – teremos necessariamente de recorrer ao exame de uma bibliografia especializada nesses dois últimos agentes, valorizando uma perspectiva transdisciplinar de trabalho. Das obras acima referidas, destacamos a contribuição de Hermano Vianna como imprescindível para a nossa pesquisa. Privilegiando o problema da consideração do samba como um fenômeno característico da cultura nacional, o que lhe dá o status de símbolo daquilo que se conheceu entre os anos 20 e 30 como brasilidade, e analisando todo o debate intelectual que se instala em torno da questão, Vianna vai desvelando o mistério no qual num curto espaço de tempo promoveu o samba da condição de um ritmo musical, resultante da balbúrdia e barbárie das classes baixas, da escória social, ao patamar de manifestação cultural genuinamente brasileira, rica por sua complexidade de sons, pela sua dança e pela riqueza na composição étnica dos que dele se ocupam, num elogio aberto à mestiçagem. Vianna vai nos mostrando como o discurso intelectual dos anos 20 e 30, especialmente os escritos de Mário de Andrade, Gilberto Freyre e Sérgio Buarque são importantes na formação de um elogio à mestiçagem e da valorização do samba como cultura brasileira. Isso nos interessará bastante de perto se considerarmos que o discurso do PCB em favor da cultura popular e as suas investidas ao mundo do samba se justificam, em parte, por essa valorização da cultura popular, talhada a partir da Semana de Arte Moderna (não por acaso no mesmo momento em que surge o Partido) e revigorada durante o Estado Novo, com o grande incentivo de Vargas às escolas de samba. Também não é um acaso o fato de ser na era Vargas instituído oficialmente o desfile das escolas de samba e a quase unânime adoção de temas nacionais como enredos das escolas de samba.15 É interessante percebermos também a participação do próprio sambista como um agente construtor ou mesmo um crítico dessa sua nova imagem, positivada, que em muitas vezes lhe é conveniente, o que nos faz crer que a ação do mundo do samba em relação à sua própria cultura não é menos política do que a do PCB. Essas ponderações são imprescindíveis para que evitemos uma análise que peque pela sua unilateralidade, podendo cair num reducionismo tão prejudicial a qualquer investigação científica. Reconhecendo o mundo do samba como um baluarte da cultura nacional, o Partido Comunista busca traçar uma estratégia de valorização das camadas populares, procurando resgatar o seu lugar de bastiões da arte brasileira, produzindo um discurso que enfatiza a dignidade daqueles que contribuem para o engrandecimento do País através de sua arte, mas que ainda não receberam o devido reconhecimento do poder público. 14

Adotamos a expressão popular mundo do samba como uma categoria que, no nosso entendimento, poderá dar conta da multiplicidade dos elementos por ela representados, como rodas de samba, carnaval, escolas de samba, sambistas, entre outros. Recorreremos, entretanto, sempre que necessário ao uso dessas expressões isoladamente. É preciso salientar que reconhecemos que o mundo do samba é híbrido, como esclareceremos melhor mais adiante. Essa será uma das questões centrais de nosso trabalho. 15 Uma das raras exceções conhecidas foi o enredo Branca de Neve e os Sete Anões, da Vizinha Faladeira, em 1939. A escola fora desclassificada naquele ano por descumprimento ao regulamento. Vários pesquisadores , entre eles Sérgio Cabral e Rachel Soihet, afirmam que tal penalidade foi decorrente da proibição por parte do Estado Novo, de as escolas de samba desenvolverem enredos com temáticas estrangeiras. Monique Augras discorda deste ponto de vista e afirma que a obrigatoriedade de temas nacionais data de 1945, durante o Governo “democrático” de Dutra. Abordaremos melhor essa discussão no capítulo 2.

11 Não se pode deixar de considerar também as orientações da III Internacional Comunista, que prioriza a autodeterminação dos povos através da criação de uma Frente Nacional Democrática e Popular, responsável por libertar os povos das heranças do imperialismo. Na avaliação da IC, o imperialismo teria abafado as raízes nacionais dos povos colonizados. Era preciso, então, fazer emergir as identidades locais, resgatar os particularismos e valorizar a cultura nacional. Inegavelmente é também nessa fonte que o PCB irá beber, caracterizando um intercâmbio de discursos produzidos por uma intelectualidade de esquerda e pelo pensamento político da direita, como abordaremos no segundo capítulo desta dissertação. Só muito recentemente a historiografia interessou-se em pesquisar temas referentes ao mundo do samba. Uma das abordagens mais comuns é a análise da letra de sambas que façam referências a temas históricos, procurando compreender de que forma a cultura popular concebe a história, mais precisamente, a história enquanto um saber escolar. Podemos citar os trabalhos de Monique Augras16 como os mais expressivos nesse campo. Também podem ser encontradas análises que, a partir das letras dos sambas, procuram privilegiar uma determinada temática e por meio dela tentar desenhar o contexto político e o universo cultural em que o compositor estivera inscrito, como no trabalho Lupicínio Rodrigues – o feminino, o masculino e suas relações17. Entretanto, na nossa avaliação, a proposta do trabalho não se verifica ao longo do texto, já que não nos foi possível identificar a articulação do texto com o contexto. A análise das canções de Lupicínio foram tomadas como um corpus explicativo do comportamento do compositor, projetado como sendo o comportamento social tipicamente masculino entre os anos 1930-1970, o que na nossa avaliação é um ponto bastante questionável. Ao classificar o samba em diferentes categorias, fracionando-o em samba apologéticonacionalista, samba da malandragem e samba canção, os autores filiam a produção musical de Lupicínio a esse último estilo. Tal classificação é original da obra de Cláudia Matos18, e esse procedimento tornou-se bastante comum entre os pesquisadores que se interessam pelo estudo do mundo do samba, numa tentativa de se reconhecer as nuances e negar o caráter homogêneo do samba. No entanto, é preciso levar em conta que um mesmo sambista necessariamente não se restringe a um ou outro estilo. Sua produção não está condicionada a um modelo único. Examinando a obra de Wilson Batista, por exemplo, é possível percebê-lo fazendo um elogio aberto à malandragem, como no samba Lenço no Pescoço (1933), mas também ouve-se um samba de tipo ufanista de sua autoria, Quero um Samba (1939): Não danço tango nem swing e nem rumba gosto do choro do batuque e da macumba sou brasileira tenho a pele cor de sapoti gosto do samba porque faz meu corpo sacudir. Essa tipologia estabelecida por Cláudia Matos e amplamente utilizada pelos estudiosos, se compreendida de forma a considerar ou isto ou aquilo, se for aplicada de maneira excludente, antes de auxiliar o pesquisador, termina por distorcer a interpretação. 16

AUGRAS, Monique. Medalhas e Brasões: a história do Brasil no samba. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1992; O Brasil do Samba-enredo. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1998. 17 FARIA, Fernando A. e Matos, Maria Izilda S. de. Lupicínio Rodrigues – o feminino, o masculino e suas relações. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1996. 18 Matos, Cláudia. Acertei no Milhar – samba e malandragem no tempo de Getúlio. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1982.

12 Os autores do estudo sobre Lupicínio ainda que ressaltem o seu ecletismo musical, reproduzindo a fala do artista que abaixo citamos, mantém a tipologia proposta pela autora de Acertei no Milhar, o que altera substancialmente o resultado de suas pesquisas. É o próprio Lupicínio quem se encarrega de romper com classificações reducionistas, chamando-nos a atenção para não incorrermos no erro de pensar que o mundo do samba não é um bloco homogêneo e portanto estabelecermos tipos – diferentes e nãorelacionáveis – que justifiquem essa diferenciação interna. Antes disso, o mundo do samba é híbrido, formado por sujeitos bastante diferentes, com uma produção musical e um comportamento político e social variados, mas que não se excluem. Existe um intercâmbio permanente nesse meio social que permite que um mesmo agente adote, em momentos diferentes, comportamentos diametralmente opostos. “Todo mundo pensa que sempre fui unicamente este romântico. Na verdade, cada fase da vida tem seu ritmo musical. A infância tem um, a adolescência outro. Quanto mais a gente vai amadurecendo, coisas mais vividas, músicas de mais sentimentos. Na velhice, a gente modera os passos e vai na valsa. Termina na valsa. Quando eu comecei a fazer música, que o Ciro gravava, eram todas músicas alegres, eu era um sambista mesmo... isso antes da dor-de-cotovelo aparecer... é que eu fui o criador da dor-de-cotovelo”.19 Essa variação de comportamento e da produção musical dentro do mundo do samba será uma das nossas maiores preocupações neste trabalho, procurando relacioná-la à iniciativa comunista de penetração nesse híbrido mundo do samba. Ainda com referência à produção a respeito do universo do samba, cabe-nos destacar também a biografia de Mário Lago, uma figura central no nosso trabalho, por ter sido simultaneamente sambista e comunista e pela sua participação direta no relacionamento PCB-mundo do samba na periodização por nós escolhida. Produzida pela historiadora Mônica Velloso, Mário Lago: Boêmia e Política20 é mais uma obra de fôlego que vem contribuir imensamente nos ainda tímidos estudos historiográficos sobre o mundo do samba e abre uma perspectiva de trabalho a partir do renovado gênero biográfico, que voltou a ganhar força a partir de meados dos anos 90. Ficam patentes as lacunas apresentadas pela historiografia acerca dos estudos referentes à política cultural do Partido Comunista Brasileiro21 bem como aos trabalhos referentes à história do samba. Recorrendo ao debate transdisciplinar, percebemos também ser ainda muito tímida nas demais ciências afins a produção em torno dos dois elementos por nós enunciados, abrindo um amplo leque de possibilidades a serem trabalhadas. Fazer o cruzamento da literatura a respeito do Partido Comunista com a literatura sobre o mundo do samba, amparadas em depoimentos por nós coletados, investigando as suas redes de interlocução social. Eis a nossa tarefa principal, recorrendo ao suporte da História Social como uma linha de pesquisa que, ao nosso ver, dá conta das demandas aqui colocadas. A História Social por um longo tempo esteve associada à macroanálise, apoiada no estruturalismo, recebendo um pesado estigma de ser uma linha de investigação que, por almejar encampar a totalidade (afinal qual história não é social?, provoca Hebe de Castro22), uma vez que tudo poderia ser considerado social, terminava por cair num vazio teórico e se tornara alvo de pesadas críticas em função de sua superficialidade e generalidade. Com o avanço da discussão crítica acerca dos limites teóricos e metodológicos da história social, vai amadurecendo, entre os anos 70 e 80, o 19

Apud. FARIA, Fernando e MATOS, Maria Izilda, op. cit. 52. VELLOSO, Mônica. Mário Lago: Boêmia e Política. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1997. 21 Não se pode, porém, deixar de reconhecer as contribuições de Antônio Albino Canelas Rubim ao debate em torno da política cultural do PCB. Dialogaremos intensamente com o autor, especialmente no capítulo 3. RUBIM, Antônio Albino Canelas. . 22 CASTRO, Hebe. História Social. In: CARDOSO, Ciro e VAINFAS, Ronaldo (orgs.) Domínios da História. Ensaios de Teoria e Metodologia. Rio de Janeiro: Editora Campus, 1997, p. 45-59. 20

13 reconhecimento de um sentido específico da história social enquanto abordagem histórica, amplamente debatido e aceito no atual estágio dos debates historiográficos nacionais e internacionais, o que vem promovendo um resgate da história social e consolidando-a como um eficiente recurso analítico do comportamento e relações dos diversos grupos sociais. Nesse sentido, buscamos aplicar à investigação histórica de viés social um método condizente com a especificidade de seu alcance, evitando reproduzir as macroanálises, que, ainda que tenham contribuído grandemente para a historiografia, não favorecem a percepção mais atenta de detalhes relevantes para a compreensão do todo social. Referimo-nos, portanto, ao recurso da redução da escala na análise de nosso objeto, considerando tal procedimento compatível com a nova história social, aberta ao diálogo com a também revigorada história política e com a história cultural. A micro-análise, para além da sua importância metodológica, da qual trataremos mais adiante, ocupa também um importante espaço nesta discussão teórica. Com uma preocupação cada vez maior no peso da narrativa sobre o resultado do trabalho historiográfico – um dos debates mais intensos nos anos 1990 – a micro-história, através de Carlo Ginzburg, nos chama a atenção para o perigo de se supervalorizar a retórica argumentativa em prejuízo do social, o que identificaria a pesquisa histórica com um puro e simples documento ideológico, uma atividade puramente retórica e estética, desgarrada da sua pretensão de verdade. As muitas verdades que o discurso narrativo admite compromete a verossimilhança das provas e do trabalho do historiador. Nesse sentido, ao estabelecer a crítica não ao recurso da narrativa, tão valioso para o próprio Ginzburg, mas a determinados usos que se faz dela na historiografia, que a aproxima à ficção, a microanálise, na perspectiva de Ginzburg, procura encontrar na constituição das provas, um caminho para se chegar à verdade, comprometida com uma ética que está relacionada àquilo que Michel de Certeau chama de lugar social do historiador23. Para a nossa investigação, elegemos como fontes os jornais Tribuna Popular no período de sua circulação – 1945-1947, O Globo, Jornal do Brasil, A Manhã e Voz Operária; os prontuários e dossiês contidos nos arquivos das polícias políticas, em especial da DPS – Divisão de Polícia Política e Social, durante o período 1945-1950; depoimentos de artistas populares, colhidos pelo Museu da Imagem e do Som, além daqueles a nós concedidos no decorrer de nossa pesquisa; discursos dos constituintes comunistas proferidos em 1946 e publicados no Diário da Assembléia; textos teóricos de autores comunistas, como Levemos às massas a nossa linha política, escrito pelo deputado comunista Maurício Grabois, em 1945 e correspondências do escritor Graciliano Ramos. Também se constituem em fontes as entrevistas concedidas por deputados comunistas que participaram da Assembléia Constituinte de 1946 à Revista de Sociologia e Política24, a saber: Jorge Amado, João Amazonas, Joaquim Batista Neto e Goffredo da Silva Telles Jr. No tocante à localização das fontes, temos que o vespertino Tribuna Popular – um veículo de propriedade do PCB com tiragem diária, exceto às segundas-feiras, que circulou entre os anos 1945/1947 – encontra-se microfilmado na Biblioteca Nacional. A sua aquisição deu-se através de doação de colecionador, apresentando ausência de alguns exemplares tanto pela sua não incorporação à coleção como pela censura política sofrida em outras edições. Pretendemos percorrer toda a periodicidade do jornal, considerando ser este um instrumento fundamental para a nossa análise, destacando especial atenção a duas colunas, criadas especificamente para o mundo do samba: O Samba na Cidade e O Povo se Diverte, assinadas sob os pseudônimos Satanáz e Grisú.

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Segundo Certeau, a prática do historiador está relacionada com o lugar social que ocupa, a disciplina metodológica e uma escrita. Ver CERTEAU, Michel. A Escrita da História. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1982. 24 REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA. Dossiê Constituinte de 1946. Curitiba: UFPR, 1996, n. 6 e 7.

14 A Tribuna Popular será utilizada em nossa pesquisa como um dos canais de comunicação do Partido Comunista, sem que, no entanto, seja tratado como um representante da totalidade, como a voz da esquerda comunista de sua época, uma vez que entre o Partido e a sua imprensa existem várias nuances a serem consideradas. Buscaremos, através do interrogatório sistemático da fonte Tribuna Popular, recorrendo às contribuições da história cultural25, identificar as particularidades de um jornal políticopartidário, que procura sustentar o formato de um vespertino comum, trazendo inclusive, páginas dedicadas aos esportes, em especial ao futebol e suplementos infantis aos domingos; observar a lógica social do texto, procurando identificar que tipo de inserção o jornal tem no contexto histórico; qual a percepção que o jornal faz do outro, que imagem se faz do leitor e como está prevista a recepção; qual a disposição das colunas referentes ao samba em relação às demais seções do vespertino; quais os topoi retóricos da cultura política aplicados com freqüência às matérias e seções destinadas à cultura popular; qual a recepção ou quais os usos que o mundo do samba faz do jornal; e qual a relação implícita entre o jornal e o seu leitor, considerando haver graus diferentes de leitores e de expectativas em relação ao que se lê26. Sempre que necessário, em momentos de polêmicas travadas acerca de algum acontecimento abordado pela Tribuna, recorreremos a outros diários, como os citados acima, a fim de perceber qual o posicionamento do jornal comunista em relação aos demais jornais. Também é nossa intenção comparar o enfoque dado por outros jornais que se encarregaram de promover o carnaval e o desfile das escolas de samba, entre os anos 1930 e 1940, como o Mundo Sportivo, O Globo e A Noite, para compreendermos quais as especificidades da cobertura e promoção do evento, quando realizadas pelo PCB. O Jornal Voz Operária, também de propriedade do PCB, destinado a um público ligado ao movimento sindical e que coexistiu com a Tribuna Popular, também será um importante parâmetro para se conhecer as diferenças de enfoque, concepção e expectativas do Partido Comunista em relação às massas, expressas em seus dois veículos de comunicação e propaganda. Os arquivos da DPS encontram-se no Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro, e conservam a sua própria lógica interna, estando divididos em setores – por iniciativa dos agentes policiais que o organizaram – que englobam desde assuntos considerados de caráter geral ou administrativo até os mais específicos, como setor japonês, setor austríaco ou setor comunismo, onde se encontram documentos produzidos a partir do relacionamento (ou do suposto relacionamento) do PCB com associações desportivas e grêmios recreativos, incluindo-se as escolas de samba. Roger Chartier, no seu texto Leitura e leitores “populares” da Renascença ao Período Clássico27, nos fornece uma importante contribuição metodológica ao considerar que a partir dos arquivos da repressão, pode ser possível reconstituir as maneiras de ler do 25

Cf. CHARTIER, Roger. A História Cultural – entre práticas e representações. Lisboa: Difel, 1990. Podemos citar grupos de leitores que lêem por divertimento, leitores ocasionais e leitores profissionais, enfim, uma gama de interesses diversos do que fora originalmente previsto pelos autores do texto. Nesse aspecto, a contribuição de Martin Lyons nos é muito valiosa, ao se debruçar sobre os leitores operários no oitocentos: “Os social-democratas alemães, na virada do século, promoviam a educação da classe operária por meio de bibliotecas voltadas para as ciências sociais. Os leitores poderiam, de início, utilizar a biblioteca para obter literatura de entretenimento, mas esperava-se que viessem a ‘progredir’ passando para os textos clássicos do socialismo, para Kautsky e, eventualmente, para Das Kapital. O bibliotecário Griesbach, de Dresden, declarou que a principal função dos bibliotecários entre os operários era ‘fazer com que os usuários passassem da literatura de diversão para a leitura dos textos de não-ficção. (...) Esse otimismo educacional, contudo, estava destinado a fracassar, na medida em que leitores das classes operárias, em sua grande maioria, escolhiam a literatura de entretenimento oferecida pelas bibliotecas circulantes, fossem elas patrocinadas por empregadores ou por sindicatos”. Lyons, Martin. Os novos leitores do século XIX: mulheres, crianças, operários. In: CAVALLO, Gugluielmo e CHARTIER, Roger (orgs.) História da Leitura no Mundo Ocidental 2. São Paulo: Editora Ática, 1999, pp.166-202. 27 Idem, idem, pp. 117-134. 26

15 povo, referindo-se em particular ao trabalho de Ginzburg em O Queijo e os Vermes. Dessa forma, os dossiês e prontuários referentes às escolas de samba serão percebidos aqui como um importante canal de expressão não só das forças de repressão em relação ao evento, como também dos indiciados, retratados no documento senão como colaboradores do comunismo infiltrados em escolas de samba, (quando o rastreamento das polícias políticas acusava a presença de elementos “subversivos”), como colaboradores da polícia e cumpridores do dever de informar nome e documentação dos principais elementos envolvidos nos G.R.E.S.28 Os discursos dos parlamentares constituintes comunistas de 1946, publicados no Diário da Assembléia, foram obtidos no Centro de Documentação e Informação, Seção de Documentação Parlamentar da Câmara dos Deputados, em Brasília-DF. Nos interessarão mais especificamente os acirrados debates relativos à cultura, questão bastante cara aos deputados comunistas. Os textos teóricos escritos pelos comunistas na década de 1940, selecionados para este trabalho, encontram-se no Arquivo Asmob, sob a guarda da Universidade Estadual Paulista e as correspondências ativas e passivas de Graciliano Ramos localizam-se no Instituto de Estudos Brasileiros – IEB – da Universidade de São Paulo. As entrevistas com os constituintes comunistas de 1946 foram colhidas especialmente para a edição da Revista de Sociologia e Política, número especial pelos 50 anos da Constituição de 194629 e serão consideradas aqui, assim como os depoimentos gravados pelo Museu da Imagem do Som e aqueles por nós coletados, com o adequado tratamento sugerido pela história oral, um método que chama atenção para as filtragens que a informação do depoente ou entrevistado vai sofrendo e da importante interferência da memória, seletiva e retrospectiva. A partir da leitura crítica das fontes, organizadas num corpus documental bastante significativo, procuramos dar-lhe o tratamento proposto pela micro-história, em especial pelo método indiciário, enunciado por Carlo Ginzburg com base nas contribuições oriundas da antropologia, da medicina e da prática policial. Buscando encontrar os indícios que nos ajudem a constituir as provas suficientes para a construção de uma argumentação coerente com o fato ali reconstituído, consideraremos pertinente reduzir a escala de nossa observação com vistas a, através da observação minuciosa do detalhe, do particular, ir além de uma constatação que as fontes possam explicitar, como a tentativa de aproximação do PCB ao mundo do samba naqueles anos 1945-1950. Esse projeto tornar-se-á mais evidente com as contribuições trazidas pelo interrogatório minucioso das fontes, em busca de novas pistas que possam descortinar aquilo que está oculto. Com o propósito de alcançarmos esse estágio que atinge o objeto em seus mínimos detalhes, optamos por aliar aos recursos fornecidos pela micro-história, as contribuições da antropologia interpretativa, de Clifford Geertz, com sua descrição densa, isto é, procurar a produção do sentido a partir de considerações que valorizam não só o sentido interno do documento como também buscar o seu sentido externo em relação ao público, na tentativa de dar conta dos mais diferentes tipos de conhecimento suscitados pelo exame de nossas fontes, relacionando-os ao seu contexto histórico. Nas palavras de Giovanni Levi: “Em vez de iniciar com uma série de observações e tentativas para impor sobre elas uma teoria de tipo legal, esta perspectiva [a descrição densa] parte de um conjunto de sinais significativos e tenta ajustá-los em uma estrutura inteligível. A descrição densa serve portanto para registrar uma série de acontecimentos ou fatos significativos que de outra forma seriam imperceptíveis, mas que podem ser interpretados por sua inserção no contexto, ou seja, no discurso social. Essa abordagem é bem sucedida na utilização da 28

Grêmio Recreativo Escola de Samba, uma denominação obrigatória, a partir de 1939, para todas as escolas de samba. 29 Supra citado.

16 análise microscópica dos acontecimentos mais insignificantes, como um meio de se chegar a conclusões de mais amplo alcance”.30 Assim, com o método indiciário, auxiliado por uma descrição densa, poderemos perceber, para além das intenções do Partido em relação à cultura popular manifestas no discurso do jornal, na sua forma, na sua linguagem, nas características e posicionamento da fotografia de um sambista publicada no jornal, por exemplo, novas provas e possibilidades de reconstrução e interpretação do mesmo fato, reveladas por detalhes que encerram códigos que o texto escrito não pode revelar. Nesse sentido, também esses aspectos constituir-se-ão em textos e a preocupação em se fazer uma análise com lupa de fatos circunscritos, como enfatiza Ginzburg, será uma importante aliada na nossa perspectiva de trabalho. Percorrendo ainda o detalhe, a singularidade do evento, poder-se-á chegar a um sistema de valores e representações que extrapolam o ambiente do partido político e a sua interação com o mundo do samba, revelando aspectos importantes que marcam o período por nós delimitado e que por vezes contribuem para esclarecer o contexto da época. A vinculação de um acontecimento histórico singular a sistemas mais abrangentes de códigos e significações, isto é, relacionar o micro com o macro, o seu contexto, entendido aqui como uma estrutura dinâmica que dialoga com as práticas individuais, e não uma coleção de microfenômenos, é uma das maiores contribuições que a microanálise, via método indiciário, pode fornecer à historiografia. A observação do detalhe, nesta pesquisa, nos ajuda a perceber, por exemplo, sistemas de valores que não se circunscrevem somente em torno das perspectivas do PCB enquanto um agente estritamente realizador das orientações de Moscou, colocando por terra algumas teses de que o PCB não teria autonomia e seria apenas uma extensão dos interesses socialistas internacionais. Nesse aspecto, deve ser considerada uma série de valores externos ao movimento comunista internacional, proveniente de uma determinada cultura política brasileira capaz de influenciar fortemente o partido e que se mescla nessa relação, com a influência do modernismo e do amparo estadonovista à cultura nacional. Esta dissertação é composta de cinco capítulos. O primeiro, intitulado Reflexões em torno da cultura popular: o caso do samba, discute a dificuldade científica em lidar com o samba como objeto de análise. Em muitos casos, os estudos – científicos ou não – carregam um juízo de valor que tende a superestimar ou, dependendo da perspectiva do pesquisador, desvalorizar a importância do samba como um fenômeno político e cultural. Esse parece ser o caso de muitos trabalhos que enfocam o samba pós-ditadura militar, em particular o samba dos anos 1990, e que vêem nas transformações sofridas pelo ritmo uma descaracterização completa de sua “natureza”, deixando transparecer um conservadorismo que concebe o samba da atualidade como o suspiro derradeiro desse gênero musical. A discussão cultura popular versus cultura erudita recebe nesse capítulo um papel de destaque. No segundo capítulo, discutiremos o processo de ascensão cultural do samba, uma manifestação musical marginalizada, que é alçada à categoria de a música brasileira dentro do projeto cultural do Estado Novo. É nesse momento que o Partido Comunista do Brasil, interessado em atrair as massas para as suas fileiras, começa a perceber a importância política do mundo do samba. O capítulo três aborda o projeto comunista para as camadas populares, destacando o papel da imprensa do Partido e a importância dos intelectuais como organizadores da cultura. Também trataremos da participação dos constituintes comunistas na Assembléia de 1946 e o seu esforço na defesa da cultura naquele fórum. Informada pela estética do realismo socialista, a cultura política comunista apresentará 30

LEVI, Giovanni. Sobre a Micro-história. In: BURKE, Peter. A Escrita da História – novas perspectivas. São Paulo: UNESP, 1992, pp. 141-142.

17 traços marcantes do modelo cultural soviético, expressando também variantes significativas, encontráveis, por exemplo, no comportamento de Graciliano Ramos. No quarto capítulo, será discutida a relação entre o Partido Comunista e o mundo do samba, destacando a especificidade do projeto comunista para aquele segmento da cultura popular, bem como a resposta das camadas populares às iniciativas comunistas. E por fim, no capítulo final, trataremos dos desdobramentos políticos da relação PC-mundo do samba, analisando a atuação das polícias políticas, que interferia ostensivamente nessa relação, e apontando para a continuidade da parceria do Partido com o mundo do samba. CAPÍTULO 1 REFLEXÕES EM TORNO DA CULTURA POPULAR: O MUNDO DO SAMBA COMO OBJETO DE ANÁLISE ACADÊMICA Embora os estudos sobre a cultura popular tenham atraído uma considerável parcela de historiadores nas últimas décadas, ainda é muito escassa a produção historiográfica de trabalhos relacionados ao mundo do samba, reconhecidamente um dos maiores núcleos representativos da cultura popular brasileira. No plano acadêmico, o tema irá ganhar maior ressonância no campo da Antropologia e da Sociologia, produzindo relevantes obras que vão desde o já clássico trabalho de Roberto da Matta, Carnavais, Malandros e Heróis – para uma sociologia do dilema brasileiro , até os mais recentes, como o de Hermano Vianna, O Mistério do Samba, com o qual muito iremos dialogar. É fora do ambiente acadêmico que se concentra a maior parte das obras referentes ao mundo do samba. São memórias, depoimentos, coletâneas de sambas, fotos e desfiles carnavalescos, casos e histórias pitorescas, compêndios sobre a história do samba, como por exemplo, a conhecida obra As Escolas de Samba em Desfile: Vida, Paixão e Sorte , escrita por dois importantes dirigentes de escolas de samba e promotores do carnaval carioca. A Fundação Nacional de Arte – FUNARTE – ocupa um papel de destaque na produção de trabalhos ligados ao samba, oportunizando os artistas populares e aqueles que têm alguma inserção no mundo do samba, de imortalizarem a sua história e preservarem a sua cultura nos livros editados por essa instituição governamental. Citamos aqui, a título de exemplificação, as obras de Vagalume e de Lúcio Rangel . Também são conhecidas as edições bilíngües, que procuram contar em linhas gerais fatos interessantes do carnaval carioca e apresentar em fotos de dimensões consideráveis a cultura popular e o Rio de Janeiro, considerado a capital do samba, na perspectiva de divulgar a cultura e a Cidade no exterior e atrair um crescente número de turistas, tendo em vista a imagem consolidada dentro e fora do Brasil como o país do samba, da praia, da cachaça e do futebol. Os trabalhos do jornalista Sérgio Cabral, bom entendedor de samba e antigo militante do PCB, são considerados as maiores referências sobre o mundo do samba. É antiga a incursão do jornalista na literatura a esse respeito. Responsável pela coleta de importantes depoimentos de renomados sambistas para o Museu da Imagem e do Som, como Cartola, Carlos Cachaça e Ismael Silva, Cabral é o autor da obra bilíngüe As Escolas de Samba – o quê, quem, como, quando e por quê, editada em 1974, e de uma nova versão, de 1996, atualizada e ampliada, que recebeu o título de As Escolas de Samba do Rio de Janeiro. A obra, de grande fôlego, valoriza menos o formato turístico, descartando o texto em inglês e o volume excessivo de fotografias de passistas em evolução e prioriza o texto, enriquecido com a utilização de diversas fontes, ainda que a sua sistematização não tenha sido adequada. Maria Laura V. de Castro Cavalcanti alerta para uma tendência conservadora que vem tomando lugar nos trabalhos relacionados ao mundo do samba, na qual o jornalista Sérgio Cabral está incluído ao deixar clara a sua simpatia para com sambistas e escolas de

18 samba de reconhecida tradição e ao mesmo tempo manifestar a sua aversão às mudanças percebidas no samba. Em novembro de 1999, Cabral lamentava-se no seminário Deixa de ser rei só na folia: samba, cultura e memória que não freqüentava mais a escola de samba Portela porque esta já não era mais a mesma dos anos 70, onde a comunidade participava e não se tocava o tão criticado samba da moda. O referido seminário, promovido pelos centros acadêmicos de História da UFRJ e da UERJ procurava de alguma forma trazer contribuições a uma recente demanda por estudos que privilegiam a relação música e História, mais particularmente, samba e História, que vem sendo percebida nas universidades. A extensão universitária, trazendo para a academia diversos sambistas e admiradores de samba, o diálogo com o senso comum e o interesse provocado no público acadêmico, foram aspectos de grande importância que fizeram do seminário uma experiência muito bem sucedida. Contudo, o que nos chamou a atenção foi exatamente o tom conservador das discussões, conforme apontava Cavalcanti. A tônica das discussões em torno do lugar social do samba e do seu papel na cultura, eram as modificações pelas quais o mundo do samba atravessara, provocando a sua descaracterização e a perda das suas raízes, uma questão bastante polêmica e recorrente nos meios de comunicação, acentuada no período de carnaval. Esse saudosismo que lamenta a perda de suposta essência, especialmente quando se fala em samba, vem informando uma série de trabalhos dentro e fora da universidade, que assumem o papel de perpetuadores dessas práticas “em vias de se perderem”. O discurso das “raízes”, a partir das quais o samba se erigiria, é uma componente ideológica do processo de construção da identidade da nação, que encontra eco tanto no senso comum quanto nos trabalhos científicos e chega ao século XXI mais contundentes do que nunca, face às incertezas típicas da virada do milênio e ao mal-estar surgido com a pósmodernidade . O objetivo deste capítulo é refletir sobre o significado e os usos do termo cultura popular em relação ao mundo do samba, percebendo como o discurso em defesa das chamadas “raízes do samba” se constrói a partir de uma determinada concepção acerca da cultura popular. 1.1 A procura das “raízes do samba” Começaremos por discutir um emblemático documento eletrônico que nos fornece inúmeras possibilidades de análise e nos remete para o centro da polêmica em torno de uma concepção de cultura popular e da essência do mundo do samba: “Alguns fatos marcaram minha sexta-feira, e me levaram à reflexão: Espero que ela também seja útil a vocês..... ...o paraíso...ele existe e fica na Mauá! Tivemos a idéia de nos encontrarmos com alguns amigos na Lapa, que supostamente estavam numa roda de samba... Aí começa a reflexão.... Samba, na Lapa, o que você espera??? Sambistas tradicionais, o pessoal nascido e criado nas escolas de samba, o talento nato.... Mas é isso que temos??? Não!!!!! Quando se chega à Lapa encontramos uma legião de pessoas que entendem de verdade de samba tanto quanto o Hans Donner - ele ao menos é casado com uma mulata!!! Um bando de bicho grilo - na definição do grande [...]: "Mamãe eu queria ser hippie, mas cheguei umas décadas atrasado", que decorou todas as letras de sambistas tradicionais nos últimos meses, defende verdadeiras teorias sobre cada um deles - "ah, o português correto e simples de cartola", "ah, as metáforas de Nelson Cavaquinho". Uma galera que acha que o máximo em matéria de subúrbio é Santa Teresa, que, como o grande representante dessa geração [...] não sabe cantar um samba inteiro, nunca foi à feira de Caxias, e se acha o bambambam.....Lamentável! O grande problema é que esses sambistas de academia acham que entendem de fato de samba, querem tocar inclusive!!!! Porra, no bar tinha um maldito pandeiro - ou pandeirola,

19 [...] sendo insistentemente maltratado por alguém.... Cheguei sob reclamações de que um vizinho do apartamento de cima atirou água no grupo.....Sorte deles, se fosse um sambista de verdade teria era dado umas porradas!!!! Agora o conselho...Se você gosta de samba, mas é um sem talento como eu - com minha pinta de galego, não dá! - NÃO SE META A TOCAR, A FAZER PARTE DO SAMBA!!!! Vocês tão tomando o lugar de quem sabe.....E pagando mico como daquele rapaz, morador de Santa Tereza - Bairrozinho complicado! - que se auto-proclama a "nova geração do samba" e sai na primeira página do globo com trajes típicos de um sambista: short sandpiper, camiseta, tenis nike e, casaco????? - fundador de um bloco que promete: "- Vamos parar Santa Teresa!" Tarefa difícil a dele!!! Tô até pensando em fundar um bloco com uma missão dessas..Vai se chamar Apóstolos do São João Batista, sairá no cemitério, e minha promessa será: " - Ninguém vai ficar de pé!!!" Xinguem, respondam, me defenestrem, mas emitam uma opinião.... Do revoltado [...]” Dificilmente os debates em torno do mundo do samba não resultam em apaixonadas discussões onde se manifestam pontos de vista bastante ortodoxos. Sensibilidades afloram e idiossincrasias são percebidas através de falas que procuram resguardar o delimitado território do samba. Qualquer elemento estranho a esse universo, é desqualificado e desautorizado de participação, a não ser na condição de espectador que reverencia o outro e o legitima enquanto integrante de um grupo diferente. As ácidas críticas feitas pelo autor do e-mail acima enunciado, àquela altura um acadêmico de História que se intitulava revoltado com as “invasões” que o mundo do samba vem sofrendo, são representativas de uma grande corrente de opinião que abrange tanto elementos do mundo do samba quanto os que dele não participam. Começaremos pelo desapontamento do autor diante do que viu na Lapa, fazendo-o perder a viagem, como diria Chico Buarque, já que “a tal malandragem não existe mais”. Qual malandragem? Aquela imortalizada nos romances urbanos cariocas, contada e cantada através de personagens que se tornaram lendários, como Madame Satã e Moreira da Silva e presente nas memórias de boêmios como Mário Lago, por exemplo. Em vez do “talento nato” dos sambistas populares, o autor se depara com “bichos grilos” fora de contexto, metidos a entenderem de uma coisa que não é de sua alçada, ‘artistas’ de uma “suposta” roda de samba. As habilidades do sambista para o autor são inatas. Para ele, não se aprende samba na escola nem nas rodas: já se nasce sabendo. Os “bichos grilos”, artificialmente preparados para a ocasião, decorando letras para mostrarem e tentarem se passar por sambistas, são estudantes universitários (muitas vezes provenientes das camadas populares, mas aqui rotulados pela sua inserção acadêmica ), que buscariam aceitação no grupo e demonstração de conhecimento utilizando jargões da academia. A esses não-personagens do mundo do samba o autor, que aí se identifica, aconselha ficar de fora, limitando-se a observar a performance do outro. A expressão “sambistas de academia” nos parece bastante interessante, pois ela nos remete tanto aos intelectuais, conforme o sentido adquirido no texto, quanto aos “marombeiros”, freqüentadores de academias de ginástica que dentro da perspectiva do autor também seriam excluídos da categoria “sambistas”, dado o seu perfil “mauricinho”, definido pelo uso das criticadas roupas esportivas e por um comportamento bastante diferente da malandragem atribuída ao sambista. Interessante observar que o rechaçado intelectual bem como os adeptos à prática esportiva já de longa data são personagens presentes na história do samba. Hermano Vianna nos fala das relações entre Pixinguinha e Gilberto Freyre, nos anos 1920; André Gardel analisa o encontro entre Manuel Bandeira e Sinhô, também no início do século passado; Noel Rosa, reverenciado como um dos

20 maiores sambistas de todos os tempos, estudou Medicina; o CPC da UNE, na década de 1960, uniu a voz do morro à voz da Zona Sul; Martinho da Vila fez várias incursões na literatura e não foi rejeitado por isso. Estas são rápidas referências à inserção de personagens intelectualizados no mundo do samba, e vice-versa, que não lhes custaram o repúdio dos sambistas, ao contrário, foram experiências bem recebidas pelas camadas populares. Se a premissa de que o samba para se conservar enquanto tal deve dispensar elementos que lhe são estranhos for verdadeira, então, nosso trabalho, cujo objeto são as relações entre um partido político que valoriza o papel do intelectual como agente conscientizador das massas e o mundo do samba, durante a década de 1940, seria uma ficção. O discurso da negação resguarda o lugar do “legítimo” sambista, identificado como o indivíduo oriundo das camadas populares e que participa de determinados códigos característicos do grupo, como, por exemplo, conhecer a feira de Duque de Caxias, conforme apontado no texto. A crítica aos trajes dos “neo-hippies”, e aos jovens que vão ao samba com roupas de conhecidas grifes deixa patente a concepção de que sambistas são personagens típicos que se vestem com roupas típicas. Visão ideológica , incorporada pelo autor e repetida acriticamente, construída nos anos 30 e imortalizada nas películas estreladas por Carmem Miranda que ganharam o mundo. O sambista de hoje ainda é o personagem malandro, de camisa listrada à Assis Valente, chapéu Panamá de lado, tamanco arrastão, navalha no bolso, lenço no pescoço e andar gingado que provocavam desafio e faziam Wilson Batista orgulhar-se de ser tão vadio. Tendo em vista a “descaracterização” do samba na Lapa, o revoltado autor do email percebe a Praça Mauá como o novo paraíso do samba, com toda a conotação fantasiosa que a palavra sugere. A região portuária é eleita o novo reduto do “autêntico samba”. Mesmo sem mencioná-lo, o termo “reduto” expressa muito bem o pensamento do autor, que pode ser melhor compreendido se levarmos em conta as diversas definições propostas pelo Dicionário Aurélio: “1. Recinto construído no interior de fortaleza para aumentar a resistência desta. 2. Lugar fechado que serve de abrigo; refúgio; recinto. 3. Lugar onde se reúne um grupo que tem uma determinada tendência ou linha de atuação. 4. Ponto onde se concentram os fatores mais importantes de alguma coisa. (...)” . O espaço do samba é, nesta perspectiva, um território de resistência. Resistência a outros tipos de “samba”, desqualificados por não corresponderem a determinadas expectativas construídas com base num passado idealizado. Nessa medida, o desfile das escolas de samba, na Marquês de Sapucaí, coração da Praça XI, tradicional ponto de referência do samba carioca, é visto com reprovação por muitos sambistas e não sambistas, que vêem o desfile das escolas de samba reduzido a um lucrativo negócio, onde o luxo e a utilização de sofisticados recursos tecnológicos minimizam a importância da popular. A crescente participação de artistas e modelos que não raro fazem da avenida um trampolim para a fama, as alas de turistas, combinadas entre escolas e agências de viagem, e o grande número de profissionais especializados em lidar com tecnologia de ponta, constituem, aos olhos de muitos, um corpo estranho ao carnaval. Afastar-se desse metier e buscar espaços alternativos seriam formas de preservação do que é entendido como o samba em seu estado mais puro . Santa Teresa, “bairro complicado” pela concentração de camadas médias (o autor não leva em consideração a presença das camadas populares nas favelas formadas na região), produziria um tipo de samba não reconhecido. A geografia do samba privilegiaria, então, o lado predominantemente pobre da cidade partida, para utilizar a terminologia de Zuenir Ventura. A Praça Mauá no texto funciona como contraponto de Santa Teresa. Outros preferem o elogio ao subúrbio nessa fuga rumo a um porto seguro do samba. Diversos sambistas identificados com o samba “de raiz” costumam fazer exaltações aos bairros do subúrbio em suas canções. Interjeições do tipo “Alô Serrinha!”; “Alô Cacique de

21 Ramos!”; “Alô rapaziada de Marechal!”, “Alô Baixada!” são signos da legitimação de territórios onde resistiriam as tradições do samba. Ao lado da exaltação do subúrbio, é redescoberta uma antiga personagem, estrela dos carnavais de outros tempos: a velha guarda. Cientes da perda do lugar social da velha guarda nas escolas de samba e no momento do desfile, em favorecimento à superexposição de corpos bem torneados responsáveis por um melhor resultado visual do desfile e por atração de grande publicidade, muitos sambistas costumam render homenagens às velhas guardas, considerando haver um débito do mundo do samba para com elas. Assim, reverenciam os personagens mais antigos das escolas como reconhecimento de sua importância no passado e no presente para as suas agremiações e como uma forma de revalorização de um grupo nem sempre muito prestigiado pelos dirigentes das escolas de samba. Em torno das velhas guardas é criada uma mística que as faz respeitadas por consideráveis parcelas do mundo do samba como guardiãs de antigas tradições que aproximam presente e passado e conservam características originais de um tempo em que as escolas de samba teriam valorizado o sambista popular. Nesse sentido, a velha guarda de uma escola de samba hoje é encarada como um símbolo de resistência numa arena onde estariam em conflito o samba tradicional e o samba moderno, que recebe toda a influência de recursos tecnológicos, além de um sofisticado aparato de marketing e mídia . A maior parte das músicas cantadas pelas velhas guardas versa sobre a saudade de tempos que não voltam mais. Tempos dos mestres que lhes ensinaram a arte do samba, de Ismael Silva a Paulo da Portela, passando-lhes os segredos de uma tradição da qual eles são herdeiros e novos “professores”, ainda que não nutram tanto entusiasmo com relação às novas gerações, acostumadas às mudanças sofridas pelo samba. Dentro do grupo das velhas guardas são reverenciadas especialmente as “tias”, a quem os sambistas identificados com a linha mais tradicional do samba costumam pedir a bênção em suas canções. As “tias”, também conhecidas como pastoras, além de terem feito por muito tempo parte do coro que acompanhava a execução dos sambas-enredo e dos sambas de quadra, que eram cantados fora do período do carnaval, também tinham – e até hoje têm – um importante papel: são elas as responsáveis pelas famosas festas onde são servidas as suas especialidades: angu à baiana, feijoada, moqueca, regadas a muita cerveja e samba. As “tias” são vistas, em última instância, como a representação das tias baianas que tomaram conta do pedaço, conforme a historiadora Mônica Veloso, e que fizeram da região da Saúde, Gamboa, Santo Cristo e arredores, no início do século, um espaço famoso pela forte presença da cultura africana, pelas festas por elas promovidas que contribuíram para o surgimento do samba. Os quitutes das tias, das quais a Tia Ciata é a mais famosa e cultuada, eram apreciados até por aqueles que ali estavam para impedir a proliferação da “desordem”. Em síntese, as “tias” de hoje são reconhecidas como as continuadoras de uma tradição iniciada há um século pelas “tias baianas” e ambas são percebidas como agentes da resistência no mundo do samba: as pioneiras às proibições policiais e as contemporâneas resistem dando continuidade ao trabalho das antigas tias e lutando para evitar que essa tradição se extinga tão logo. Tanto o elogio ao subúrbio quanto a exaltação à velha guarda podem ser encarados como escolhas que qualificam o samba e o distinguem de outros tipos de música. Ambas as escolhas fazem parte de um projeto de cultura popular específico que pretende ser vitorioso na luta por representação no interior da própria cultura popular. Assim, faz sentido admitirmos a existência de culturas populares que se comunicam entre si, mas que também estão disputando hegemonia dentro do grupo. 1.2 – O embate ideológico: cultura erudita x cultura popular

22 A discussão em torno do conceito de cultura popular está na ordem do dia. Muito se tem refletido a respeito do que é o popular, que tipo de cultura lhe é peculiar e que tratamento lhe deve ser destinado. No Brasil, cultura popular e folclore por muito tempo estiveram identificados, sendo compreendidos como sinônimos de reminiscências, resquícios de hábitos populares que estão em vias de se perderem. Essas foram as interpretações de importantes folcloristas, como Sílvio Romero e Câmara Cascudo, preocupados em registrar tais resquícios antes que estes desaparecessem por completo. O folclore então, e em última instância a cultura popular, era encarados como coleções de “fósseis” que ajudariam a encontrar as origens da cultura popular, o que lhe havia de mais autêntico e puro, e se possível, tentar conservá-las. A tradição era um princípio necessário à identificação do que poderia ser considerado folclórico ou não. “A literatura ambulante e de cordel no Brasil é a mesma de Portugal (...). Nas cidades principais do império ainda vêem-se nas portas de alguns teatros, nas estações das estradas de ferro e noutros pontos, as livrarias de cordel.O povo do interior ainda lê muito as obras de que falamos; mas a decadência por este lado é patente: os livros de cordel vão tendo menos extração depois da grande inundação dos jornais” . A catalogação das manifestações populares, pensadas como perecíveis ao tempo, foi dando espaço a um outro olhar, trazido pelas contribuições de Roger Bastide e Mário de Andrade, por exemplo, que consideravam ser a cultura popular um fenômeno móvel, que interagia com o tempo e se transformava, não mais um processo de desenraizamento e progressiva extinção, mas um conjunto de fenômenos em constante mudança. Nessa perspectiva, o “critério” tradição deixou de ser válido para a observação do que poderia ser compreendido como folclore e a observação das manifestações urbanas também passou a ser considerada, superando o mito do campo como sendo o guardião da essência da cultura popular, que remontaria a uma era pré-industrial. As análises em torno da cultura popular e o próprio imaginário popular em relação ao tema concebem-no numa relação de antagonismo com algo que lhe parece ser exterior. Seja através dos folcloristas tradicionais, que opunham campo e cidade, antigo e novo, seja nos debates mais recentes, temperados com uma retórica advinda de um marxismo vulgar (popular x burguês), seja através de uma longa tradição que coloca em lados opostos iletrado x letrado, o fato é que a definição do que é cultura popular é influenciada por uma tentativa de proteção em relação a algo que lhe é estranho, caracterizando muitas vezes uma postura bastante conservadora, no sentido semelhante às preocupações dos folcloristas a que nos referíamos: preserve, antes que se acabe, antes que se misture com elementos estranhos e se descaracterize. Esse, conforme apontávamos anteriormente, parece ser o ponto de vista de diversas análises relacionadas ao samba. Nessa relação de oposição, percebemos no trabalho de Cláudia Matos, Acertei no Milhar – samba e malandragem no tempo de Getúlio, alguns comentários críticos a respeito do sufocamento do que há de mais misterioso e fascinante na produção popular (...), em nome da adequação aos moldes conceituais de que dispõem os meios acadêmicos. A autora critica também as análises crítico-literárias, produzidas quase em sua totalidade por uma elite acadêmica, pertencente a uma classe social dominante, que não dariam conta da dimensão do que seja popular. Boa parte dos trabalhos, acadêmicos ou não, que envolvam cultura popular, usualmente critica os procedimentos acadêmicos para lidar com esse objeto, considerando-os falhos ou elitizados. Ainda que seja salutar a crítica aos métodos utilizados, pode-se identificar nesse discurso a idéia de que a academia está desautorizada a abordar determinados temas, ligados ao popular, pelo próprio status da universidade e pela origem social de seus membros, que não compreenderiam o que há de “misterioso e fascinante” (em última instância, de original) nesse universo.

23 Polemizando um pouco essas afirmações de Mattos, podemos acrescentar que a própria composição social de quem está na academia hoje já está diversificada; os cursos relacionados às humanidades já possuem um respeitável número de estudantes advindos das camadas populares. Nesse sentido, ao alcançarem a universidade, essas pessoas passam a fazer parte de uma elite, deixando de serem populares? Os estudos referentes à cultura popular por elas desenvolvidos nesse ambiente acadêmico passam a estar contaminados por uma elitização incapaz de compreender o cerne da cultura popular? Essa essência popular, misteriosa e fascinante, como afirmara a autora nos idos dos anos 80, é encontrável? Ela existe? A cultura popular é apresentada, especialmente quando relacionada ao mundo do samba, como adversária de uma cultura erudita, elitizada e, portanto, inimiga dos interesses e manifestações populares. Uma cultura por vezes vitimada pelas constantes inserções da cultura erudita, numa relação de dominação, onde as trocas culturais não são valorizadas, mas sim, encaradas como fruto de um perigoso processo de descaracterização da cultura popular. É o que ocorre com a abordagem feita pelas pesquisadoras de samba Marília Barbosa e Lygia Santos . Sua obra, que elege a trajetória de Paulo da Portela, renomado sambista carioca, contém alguns aspectos bastante discutíveis. A concepção de cultura popular explicitada no texto e posteriormente aplicada à explicação do comportamento dos sambistas diante de determinadas situações requer uma avaliação crítica, uma vez que, recorrendo a Carlos Guilherme Motta, as autoras consideram que: “O mito da marginalidade impede que as classes aceitem os componentes das massas como seres iguais. Vai-se formando uma ideologia cultural onde, de um lado, o código dominante é a cultura letrada portuguesa; do outro, a subcultura do índio, do ex-escravo, do sertanejo, do proletário de vida rústica, artesanal, marginal. Esta permanece até hoje abaixo do limiar da escrita e assim se anulam quaisquer relações entre os códigos ‘altos’ e a vida e a mente do povo. No nosso país, a poucos anos do século XXI, ‘cultura popular e código culto, escrito, são conjuntos altamente diferenciados, cuja área de interseção é reduzida’... ou nula”. Partindo dessa premissa, as autoras consideram cultura erudita ou cultura das classes mais abastadas e cultura popular como universos diametralmente opostos e um palco de luta de classes, onde por sua posição social e econômica favorável, as classes mais favorecidas tenderiam a comprimir os grupos sociais populares, impondo-lhe a sua cultura. A cultura popular, nesse ponto de vista, seria a resultante de um projeto imposto pelas classes superiores, as quais seriam completamente ignorantes a respeito da cultura do povo – o que manifestaria uma distorção na essência do que é genuinamente popular. “No Rio de Janeiro há mais de trezentas favelas, onde vivem mais de um milhão de cariocas. Como o interesse das classes pelos favelados limita-se às relações de trabalho ou servilismo, aquelas desconhecem, ou melhor, acintosamente ignoram os fenômenos culturais ou modus vivendi de seus componentes”. [grifo nosso] E citam Malinovski, em seu trabalho sobre as ilhas Trobiano, afirmando ser a situação das camadas populares do Rio de Janeiro exatamente igual ao que o antropólogo observou no contato com os nativos daquela cultura: “Os brancos, não obstante o seu contato com os nativos, e apesar da excelente oportunidade de observá-los e comunicar-se com eles, quase nada sabiam sobre eles”. A cultura popular seria, então um “subproduto gerado com mau gosto pelos técnicos das ‘classes’”, sufocando através dos métodos de comunicação a história, a personalidade e os meios de expressão da cultura popular. As massas, na ótica das autoras, vitimadas pela voracidade da cultura de elite, “vão pouco a pouco se transformando em cópias grotescas e pobres do comportamento das classes” , perdendo uma pseudo-pureza

24 original. A mitificação da cultura popular ocupa aqui um lugar bastante representativo, condicionando toda a interpretação das autoras, como na passagem: “Caetano [um dos fundadores do G. R. E. S. Portela ao lado de Paulo da Portela] só exige justiça para o fato de ter ele pensado, primeiro, em organizar o seu grupo, colocar no papel, o preto no branco, fato este que só evidencia a sua assimilação dos hábitos cultos da classe média, onde o primeiro passo que se dá diante de um novo produto é registrarlhe a patente”. Considerar o registro de uma entidade uma reprodução de um, na expressão das autoras, modus vivendi estranho ao meio popular, e que isto seria um procedimento que levaria à descaracterização da sua própria cultura, significa incorrer numa análise não só reducionista como também de um profundo maniqueísmo, eliminando uma série de elementos que devem ser considerados a partir do fato da legalização daquela escola de samba e que são imprescindíveis para o entendimento de como tal comportamento se relaciona com o contexto da época. Consultando a documentação das polícias políticas e recorrendo à história do carnaval do Rio de Janeiro, por exemplo, observa-se que qualquer entidade recreativa que pretendesse entrar em funcionamento a partir dos anos 30, deveria providenciar o seu alvará, que seria concedido após verificação das condições do local e averiguação da ficha policial de todos os elementos da sua diretoria, com a preocupação ainda de se evitar a infiltração de elementos considerados subversivos em tais espaços. Ainda que mais recentemente o debate conceitual em torno da cultura popular tenha chamado a atenção no sentido de evitar as considerações que fazem da cultura popular uma reprodução grosseira da cultura erudita, responsável por impor-lhe os seus valores, dominando-lhe e reduzindo-lhe a um apanágio dos interesses de uma cultura hierarquicamente superior, os discursos em torno da questão continuam reproduzindo essa lógica, como pudemos observar na obra referente a Paulo da Portela, nos escritos e depoimentos de Sérgio Cabral, e entre a nova geração, que não se intimida diante das críticas e mantém o seu ponto de vista, inclusive nos trabalhos acadêmicos. 1.3 – Cultura popular, culturas populares Longe de pretendermos encontrar um porto seguro para a polêmica em torno da cultura popular, interessa-nos trazer à discussão alguns autores que se debruçaram sobre o tema, em diferentes perspectivas e interpretar o fenômeno samba à luz dessas contribuições. Dentre os autores que buscaram analisar ou mesmo cunhar uma definição para o termo cultura popular, selecionamos para este trabalho Mikhail Baktin, Carlo Ginzburg e Roger Chartier, procurando conhecer as semelhanças e nuances entre as suas perspectivas. Em Bakthin, por exemplo, observa-se a consideração de dois blocos culturais distintos, organizados segundo a noção de classe, que promovem trocas incessantes, através de um processo de circularidade. Assim, a cultura popular é pensada em oposição a uma cultura erudita, sendo constantes, contudo, as interações entre ambas. Carlo Ginzburg faz de Baktin o seu principal interlocutor, adotando as suas categorias de análise e ampliando-as. De acordo com o autor de O Queijo e os Vermes e de História Noturna, entre outras obras, as trocas culturais entre os níveis sociais distintos são bastante complexas, devendo haver a necessidade de relativização do significado dos termos popular e erudito. Esta relação não cabe num modelo simplista, que polariza essas duas noções e dificulta a compreensão do que o autor chamou de circularidade cultural. Dessa forma, a noção de cultura popular em Ginzburg, fortemente influenciada pela antropologia cultural, é entendida como o “conjunto de atitudes, crenças, códigos de comportamento próprios das classes subalternas num certo período histórico” , uma

25 cultura subalterna, mas que não é imposta pela cultura erudita (dominante), nem tampouco se apresenta como uma cultura pura, original das classes populares em resistência às incursões da cultura dominante. As trocas culturais entre esses diferentes extratos sociais são bastante intensas, resultando numa dialética que faz desse relacionamento entre cultura popular e cultura de elite um movimento constante e uma experiência bastante frutífera para ambos os lados. O conceito de cultura popular é utilizado por E. P. Thompson de forma diversa da compreensão de Ginzburg. Thompson admite as trocas culturais entre o dominante e o subordinado, o escrito e o oral, mas critica duramente a definição proveniente da antropologia, via Geertz, que estaria sugerindo um consenso a partir da idéia de conjunto (“conjunto de idéias, crenças ...”), o que poderia conduzir a uma generalização prejudicial ao entendimento da cultura popular em questão . Para ele, este é um terreno de elementos conflitantes, repleto de fraturas, e, estariam formando um sistema ou o conjunto do qual se referem os estudos antropológicos, somente a partir de uma pressão imperativa, como o nacionalismo, a consciência de classe ou a ortodoxia religiosa predominante. Assim, Thompson, um historiador de formação marxista, tendo inclusive participado de militância partidária, busca tornar o conceito mais “concreto e utilizável, não mais situado no ambiente dos ‘significados, atitudes, valores’, mas localizado dentro de um equilíbrio particular de relações sociais”. A cultura popular, então, é situada “no lugar material que lhe corresponde” . Isto nos interessará de perto, pois consideramos haver no interior do mundo do samba, por exemplo, manifestações diferenciadas da cultura popular, o que caracteriza o seu hibridismo. Não sendo possível entendê-la de maneira homogênea. Isto nos interessará de perto, pois consideramos haver no mundo do samba, por exemplo, manifestações diferenciadas da cultura popular, captadas pelo Partido Comunista a partir de um mesmo prisma, identificado como a produção cultural de uma classe: o proletariado. Ao analisar a cultura popular para a compreensão da identidade das classes subalternas na Inglaterra do século XVIII (“é difícil não ver essa divisão [popular/erudito] em termos de classe” , Thompson fornece uma importante diretriz para o nosso trabalho. As escolas de samba, um dos lugares de maior concentração popular no período, eram vistas pelo Partido como entidades capazes de arregimentar uma classe, o operariado, ainda pouco consciente de sua identidade - de classe - e de seu papel político. Nesse sentido, a cultura popular é percebida como uma expressão de classe, e, aproximar-se das escolas de samba seria uma forma de estreitar o diálogo com as massas. Considerando o lugar material a que lhe corresponde, como ressalva Thompson e percebendo as demais compreensões dos autores acima referidos sobre a cultura popular, temos um instrumental razoável para analisarmos criticamente essa unicidade com que a categoria cultura popular foi apreendida por alguns estudiosos ns primeira metade do século XX e ao mesmo tempo posicioná-la no debate intelectual do período, marcado por intensas discussões em torno da nacionalidade, da cultura brasileira, da cultura popular, do folclore e onde muito se preocupou em conhecer o que é o nacional. 1.4 – A ascensão do samba como expressão maior da cultura popular O samba no início do século, identificado como produto das influências trazidas da África e malvistas pela sociedade brasileira, fora espaço de perseguição policial e preconceito de uma elite profundamente interessada em reproduzir certos aspectos da cultura européia, em especial francesa, naquele começo de século, apelidado de Belle Epóque. O batuque dos negros, as rodas de samba, as festas do candomblé, a boêmia, os teatros de revista, enfim, as manifestações festivas de apelo popular, eram rotuladas por essa

26 elite como algo inferior, vulgar, onde se promovia freqüentes desordens, necessitando assim da constante interferência policial. O carnaval das máscaras, ao estilo veneziano, a música clássica, os saraus em sofisticados salões da cidade, é que gozavam de prestígio pelas pessoas de ‘bon ton’. No entanto, não é de nosso interesse absolutizar essa relação. Não se pode manter essa discussão de forma polarizada, opondo cultura da elite à cultura do povo. É preciso examinar os seus cruzamentos, as suas interpenetrações e os conflitos que advêm dessa relação, como fizeram Carlo Ginzburg, Thompson e Roger Chartier, por exemplo. Ainda que não perceba o conflito entre cultura popular e cultura de elite, que resultará num palco de lutas e trocas culturais, este último considera fundamental a mediação entre o erudito e o popular, o que nos exige uma análise mais criteriosa em relação ao estudo da cultura. Seria absolutamente nociva, segundo Chartier, a sobreposição de valores do conjunto letrado ao popular, numa relação de exterioridade. Mais que isso, é preciso fazer tais cruzamentos de forma a entendê-los como “produtores de ‘ligas’ culturais ou intelectuais cujos elementos se encontram tão solidamente incorporados uns nos outros, como ligas metálicas”. Essa interpretação parece ter encontrado paralelo nas análises de Sérgio Cabral e Hermano Vianna : o primeiro considera, especialmente em relação à origem do samba, que não há um endereço certo, não há uma referência exclusiva, como os morros do centro do Rio de Janeiro, os bairros populares, ou os terreiros de candomblé da Bahia. Tampouco seja produto de uma única classe social, ressaltando a sua complexidade. O samba é um fenômeno híbrido, reunindo elementos de diversas camadas sociais e diversos credos, incluindo-se judeus e ciganos, por exemplo. De acordo com Hermano Vianna, recorrendo a Michel Vovelle, a possibilidade de associação entre o erudito e o popular se dá por intermédio de “indivíduos mediadores”. Vovelle entende como mediador cultural aquele que está: “situado entre o universo dos dominantes e dominados, adquirindo uma posição excepcional e privilegiada: ambígua também, na medida em que pode ser visto tanto no papel de cão de guarda das ideologias dominantes, como porta-voz das revoltas populares. [...] por outro lado, também pode ser o reflexo passivo de áreas de influência que convergem para sua pessoa, apto a criar um idioma para si mesmo, expressando uma visão de mundo bem particular”. A música em geral, enquanto uma prática dos grupos sociais, pode ser compreendida pelo que José Miguel Wisnik chamou de “terra-de-ninguém ideológica” , estando sempre comprometida politicamente, e se tornando por isso, sempre foco de suspeita. O samba é um lugar de produção e incorporação de valores, hábitos e comportamentos da sociedade. É espaço também de política. Não é portanto, portador de uma estranha inocência a qual tem-se procurado e buscado identificar como “raízes” da cultura popular. Em nome do samba promove-se reuniões, festeja-se, discute-se, briga-se, mantém-se laços de identidade e de atrito, apóia-se este ou aquele candidato, alia-se a este ou aquele partido, enfim, o samba torna-se um meio de comunicação, de disputa política e de sociabilidade. É também espaço favorável às questões sentimentais, geralmente traduzidas sob a forma de lamento pelo amor perdido. Nos últimos setenta anos, por exemplo, registra-se uma multiplicidade de tendências políticas embutidas na voz do samba. Como parte integrante de uma cultura política de determinada época, manifestou-se de forma apologética, valorizando o personalismo de líderes políticos; ufanou-se de certas formas de governo ou do País; teceu críticas às condições político-econômicas e a regimes políticos; manteve-se “indiferente” ao cenário político, abordando temas pretensamente “neutros”. Essas tendências da cultura política também interagem na organização do samba enquanto corporação (as escolas de samba) e nos seus órgãos representativos: associações, uniões, ligas, federações, seja influindo no regulamento dos desfiles das escolas de samba e do carnaval, um dos

27 espaços onde o samba se manifesta com grande intensidade, seja fornecendo subsídios para a sua administração e sua própria organização. Analisaremos mais detidamente nesta dissertação as “perigosas” relações do Partido Comunista com o mundo do samba. Os comunistas utilizam como estratégia a valorização do sambista como um elemento de resistência à falta de políticas públicas comprometidas com aquela camada social. Nesse sentido, a imprensa comunista voltada para esse eleitor popular – A Tribuna Popular – em seu período de circulação (1945-1947) investe consideravelmente em matérias que procuram denunciar a carestia e as péssimas condições de vida dos moradores daquelas favelas e bairros do subúrbio, onde não por coincidência estão instaladas as escolas de samba. Examinando a documentação formada pelo conjunto de reportagens e artigos da Tribuna Popular, fica bastante claro o apelo do referido veículo à conscientização daquelas massas de que elas têm uma importância fundamental na cultura (através de seu samba) e principalmente na economia e na política do País, e que não podem se conformar com a sua progressiva marginalização política e social. As camadas populares são, para o PCB, agentes em potencial de resistência ao poder político e condutoras de uma guinada política favorável ao proletariado. Ao levarem a sua arte para o asfalto e dali para o resto do mundo, na ótica do partido, estão resistindo a um esforço programado de redução de sua potencialidade, pois se devidamente conscientes – e isso ficaria a cargo do PCB – mudariam radicalmente os rumos do País. Essa consideração do partido de que as comunidades que fazem o samba são um dos principais agentes de resistência, conforme exalta o PCB, produz no mundo do samba uma grande excitação, pois lhe dá acesso às páginas principais de seu jornal, abrindo uma série de canais diferentes de participação e culminando na criação de uma parceria que lhe garante progressiva participação no jornal, bem como uma considerável inserção do partido nos assuntos relacionados ao mundo do samba. A mesma premissa de que o mundo do samba é por excelência um espaço de resistência e que vem informando diversos trabalhos científicos, conforme discutimos no início deste capítulo, chega à obra de Rachel de Soihet. A tônica do capítulo 5 de A Subversão pelo Riso , intitulado Escolas de samba no carnaval carioca: origens e ascensão (1930-1945), é a consideração de que o mundo do samba exerce um papel de resistência popular fundamental ao marcar a sua presença num espaço permitido de atuação popular, que é o carnaval, “o que garante a vez e a presença dessa população no espaço público. Nesse sentido [o que não distancia essa linha de raciocínio do entendimento que o PCB tinha nos anos 40 a respeito da resistência popular], embora de forma sub-reptícia, lançando mão da carnavalização e não das maneiras postuladas pelos teóricos da revolução, os populares demonstraram sua resistência às forças que os oprimiam, chegando a obter conquistas consideráveis e relativizando a visão tradicional acerca de sua dominação e manipulação”. Numa tentativa de superar algumas teses que encaram as camadas populares como vítimas da dominação e manipulação, Soihet de certa forma repete a mesma fórmula, só que desta vez superestimando o papel dos sambistas, como os responsáveis por resistirem à sua maneira, e dentro dos espaços permitidos, às tentativas de enquadrá-los dentro de uma lógica estranha ao mundo do samba e de sua submissão total ao controle institucional. O próprio fenômeno da transformação do samba em símbolo da cultura nacional é encarado como um reflexo da persistência do samba, “tão perseguido é estigmatizado pela autoridade”, entre os populares. E a sua “presença na cultura dos mais diversos segmentos sociais” também é apontada como um resultado desse esforço de resistência do mundo do samba.

28 O que a autora admite em rápidas passagens do capítulo mas não desenvolve num sentido de relativizar esse papel do mundo do samba como agente de resistência às iniciativas governamentais, são as relações estabelecidas entre os sambistas e o poder público. Muitas vezes, a questão não é da ordem da resistência ou incorporação pura e simples de diretrizes vindas “de cima”. É preciso levar em consideração que a relação entre o mundo do samba e o poder institucional é uma relação de negociação, numa arena onde estão postos diversos interesses que não se resumem a um jogo dominação x resistência. Nem sequer se pode considerar, como se tem visto na maioria dos trabalhos, o mundo do samba como um todo homogêneo. Essas considerações ajudam a construir uma visão saudosista contemporânea de um mundo do samba isento de interferências estranhas a ele e a identificação de vários sambistas da atualidade como elementos de resistência a essas tentativas de invasão “de fora”. Maria Laura V. de Castro lembra a própria luta por hegemonia dentro do espaço das escolas de samba; as negociações das escolas com o poder paralelo da contravenção, cedendo em alguns aspectos e beneficiando-se em outros; e também as várias negociações com o poder público, onde as relações de afetividade e cordialidade não são deixadas de lado. A história de Paulo da Portela é um dos mais expressivos modelos para essa análise. Paulo Benjamin de Oliveira vem ocupando as páginas de vários livros de samba não só por ser um dos fundadores da Portela, como pela respeitabilidade que conquistou em sua época devido a sua postura contrária aos códigos comportamentais vigentes no mundo do samba. Para ele, era inadmissível um sambista desfilar na Portela, nos arredores da Praça XI, sem que estivesse trajado à altura de um sambista da sua escola. Ou seja, era proibido estar trajando tamancos de madeira e vestimenta desleixada. Um sambista da Portela deveria estar com “pés e pescoço ocupados”, como dizia. Era necessário usar terno alinhado, gravata e sapato muito bem engraxado, para fazer bonito no centro da cidade. Paulo da Portela assim como Heitor dos Prazeres, nos anos 30 e 40, empenhou-se em conquistar espaços de atuação para a escola do subúrbio e o reconhecimento na cidade. Por isso, considerava uma apresentação impecável fundamental para a boa receptividade das camadas médias da cidade, uma vez que estava interessado em adquirir subsídios e reconhecimento social para a sua escola, embora essa idéia não fosse do agrado dos outros sócios fundadores, o que acabou provocando a saída de Paulo da Portela da escola. Nesse ponto é interessante retomar a discussão em torno da figura do malandro e fazer um paralelo com a história de Paulo da Portela. Segundo Cláudia Matos (Acertei no milhar – samba e malandragem no tempo de Getúlio. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1982), o malandro é um ser que se situa na fronteira entre o popular e a elite, carnavalizando a estética burguesa do paletó e gravata e reinventando códigos burgueses a partir de seus valores populares. Nesse sentido, o malandro subverte a ordem e é encarado então, como um ser que resiste a essa mesma ordem instituída. Tanto em Paulo da Portela quanto no caso do malandro, se percebe menos duas propostas diferentes de resistência que querem garantir o seu espaço às custas da rejeição de certos valores que lhes seriam – ou não impostos – e mais uma tentativa de aproximação e negociação para que pudessem se inserir nessa ordem seletiva e excludente, onde as oportunidades de participação e acesso da cultura popular não são tão fáceis. Assim, é preciso adentrar nesse tranqüilo consenso de que a cultura popular é por excelência um espaço de resistências diversas e considerarmos que o mundo do samba não se manteve numa posição oposta ao poder público em toda a sua existência, resistindo com bravura a toda e qualquer forma de dominação externa. Ao contrário, o

29 mundo do samba, como dissemos, é híbrido, cheio de clivagens, onde fazem parte figuras que transitam num e noutro lado e que procuram estabelecer relações entre os mais diversos canais de atuação na sociedade. A relação que se estabelece é de luta de interesses, sim, mas uma luta que não pode ser posta em termos de dominação e resistência, o que seria demasiado simplista, e que não se resume apenas a uma disputa por participação. Ela é muito mais complexa. Ter em conta esse aspecto gelatinoso da cultura popular, para utilizar a terminologia gramsciana no que se refere às massas, é essencial para não reproduzirmos uma visão idealizada, purista, acerca da cultura popular e do mundo do samba, que certamente nos impediriam de ver a complexidade das relações que envolvem o mundo do samba com o Partido Comunista. CAPÍTULO 4 SAMBA, O ÓPIO DO POVO? “O Secretario Geral do Partido Comunista do Brasil falou da urgente necessidade da organização do povo, sindicatos, comitês democráticos, clubes esportivos e associações recreativas. Quanto a estas últimas, especialmente no que se referia às Escolas de Samba, tornava-se indispensável uma proteção maior, por parte do governo. O samba, frisou Prestes, é musica e arte do povo, merecendo todo o estímulo e apoio dos poderes públicos.” (Tribuna Popular) “Quanto mais candidatos da Chapa Popular eleitos, tanto melhor para aquelas Escolas [de samba] e [grandes] sociedades.” (discurso de Vespasiano Lyrio da Luz, candidato a vereador pelo Partido Comunista) Se em 1936 o Governo brasileiro se utilizava das escolas de samba, em particular a Mangueira, como instrumento de divulgação dos seus interesses junto aos nazistas, cuja fórmula viria a se repetir em diferentes contextos, a esquerda também não deixaria de recorrer a esse expediente, reconhecendo a expressividade e notoriedade que as escolas de samba vinham adquirindo. Um dos exemplos mais significativos é o artigo de 1936, do jovem Carlos Lacerda, à época um fervoroso militante comunista, para o jornal Diário Carioca: “O samba nasce do povo e deve ficar com ele. O samba elegante das festanças oficiais é deformado: sofre as deformações na passagem de música dos pobres para divertimento dos ricos. O samba tem de ser admirado onde ele nasce, e não depois de roubado aos seus criadores e transformado em salada musical para dar lucro aos industriais da música popular. O samba é música de classe. O lirismo da raça negra vive nele. Uma estupenda poesia surge dele. A força criadora da classe que vai transformar o mundo brota nele aos borbotões na improvisação, na cadência, no ritmo. É’ preciso defender o samba contra as concepções de seus deformadores, que preferem mostrá-lo como curiosidade exótica. O samba não é exótico. É humano. É uma expressão de arte viva. Defenda-se o samba. Defenda-se o sambista. Quando os oprimidos vencerem os opressores, o samba terá o lugar que merece”31. Essa apropriação do que chamamos de mundo do samba pelas elites políticas, tanto de direita quanto de esquerda, se sustenta num mesmo fundamento construído entre os anos 20 e 30, ao qual nos referíamos anteriormente. Ambas as tendências concebem o samba e o carnaval como símbolos da brasilidade, sínteses das coisas nacionais. A apresentação do que havia de autenticamente brasileiro, “coisa nossa”, aos alemães, como fizera Vargas em 36, seria equivalente, a rigor, à idéia de que o samba é música de classe e de que traz em si o lirismo de uma raça oprimida, como preconizava Lacerda.

31

Apud Cabral, Sérgio, op. cit., p. 109.

30 Em ambos os discursos, prevalece a valorização do popular como elemento de inventividade, dignidade e beleza e de retrato genuíno do País. Essa tradição até hoje valorizada, foi perfeitamente incorporada pela esquerda, em especial pelo Partido Comunista, objeto de nossas preocupações nesta dissertação, influenciando diretamente as suas atitudes e diretrizes políticas em relação às massas, mesmo em períodos distantes do carnaval. Aqui o sambista passa a ser identificado como retrato de um povo sofrido, porém feliz, criativo e talentoso, mas sobretudo, mais uma vez recorrendo ao discurso de Lacerda, como componente de uma classe, portadora de um enorme potencial revolucionário por ela desconhecido, o que muito interessará ao Partido. Era, pois, chegada a vez do samba entre os camaradas. 4.1 – Uma tribuna popular Com o crescimento vertiginoso da imprensa comunista – “dentro da legalidade”, como enfatizava Maurício Grabois – surge, a partir de 1945, a Tribuna Popular, periódico que rapidamente alcançou grande importância na estratégia de divulgação e de aproximação do PCB com as massas. Ao lado do órgão central do partido, A Classe Operária, depois chamado de Voz Operária, a Tribuna Popular, mais tarde Imprensa Popular, funcionava como o porta-voz do PCB junto ao operariado e ao homem do campo. Para os segmentos intelectualizados da sociedade, publicações como a revista Literatura cumpriam o papel de divulgação das idéias do Partido. “TRIBUNA POPULAR – Jornal de massas – A grande arma de nossa divulgação é, sem dúvida, um diário de massas. Ele é o veículo número um de nossa linha política no meio do povo. É tão vital para o Partido como para nós o ar que respiramos. A sua falta nos ocasionou no passado sérias dificuldades e facilitou o envenenamento de parte da opinião pública pela imprensa, a serviço dos reacionários nacionais e do isolacionismo norte-americano, que tenta confundir as massas e lança o germe do golpe e da desunião entre o povo, principalmente entre a classe média. Um grande jornal de massas é um fator decisivo para a marcha do Brasil no sentido da democratização. A nossa conhecida e querida ‘Tribuna Popular’ está cumprindo, apesar de suas naturais debilidades, a sua tarefa de organizar, educar e estimular o proletariado e o povo na luta pela unidade, pela democracia e pelo desenvolvimento pacífico em nossa terra. Em suas colunas, os trabalhadores, os homens do povo e a classe média encontram um defensor dos seus legítimos direitos. Nas páginas da ‘Tribuna Popular’ o povo aprende a se organizar e lutar dentro da orientação política do Partido. No entanto, nosso jornal de massas tem ainda que se desenvolver bastante para satisfazer as necessidades do Partido, do proletariado e do povo. Precisa ocupar um lugar fundamental na luta pela realização de nossas tarefas e pela formação de um grande e poderoso Partido, profundamente ligado às massas. Necessita ser o maior auxiliar dos organismos partidários nas suas tarefas de mobilização da classe operária e das mais amplas camadas populares. Para isso, é indispensável que se desenvolva cada vez mais, superando as suas dificuldades, até chegar a ser, no mais curto prazo, o mais completo porta-voz do povo”. 32 Fundada em 22.05.1945, a Tribuna Popular circulava diariamente, exceto às segundasfeiras, como todos os matutinos da época, devido ao fechamento das gráficas aos domingos, ou quando era impedido de circular por decisão da censura, como durante toda a segunda quinzena de agosto de 1946, período em que a Tribuna fazia críticas contundentes à polícia política e ao governo Dutra. 32

GRABOIS, Maurício. Levemos às Massas nossa Linha Política. Op. cit. pp. 14-15.

31 O jornal, de oito páginas, com uma tiragem que chegou a alcançar 50 mil exemplares 33, combinava notícias advindas das agências comunistas internacionais, especialmente da imprensa russa, com matérias locais, privilegiando o movimento operário, mas também reservando espaço para as lutas camponesas, duas questões centrais para os comunistas. Ao lado de matérias a respeito de greves de operários, de alertas à população contra os perigos do retorno do nazi-fascismo ou de notícias de lugares tão distantes quanto variados, como a do aumento do custo de vida na Grécia, o espaço do entretenimento era substancial, assumindo também a sua função política, em conformidade com as determinações do Partido de construir uma política cultural para a sociedade. O cinema e o teatro tinham um espaço fixo no jornal. A programação dos cines e casas de espetáculo da cidade do Rio de Janeiro era divulgada diariamente acrescida de comentários críticos a respeito do conteúdo dos filmes. A crítica pautava-se na ideologia político-partidária, atendendo aos preceitos do realismo socialista: “E sob o céu da China: O filme, ao invés de mostrar a resistência do povo e do exército vermelho chinês, se resume à história de um simples triângulo amoroso durante a guerra. Esse filme, contando não seja muito bom no gênero, poderá agradar” 34. A preocupação dos comunistas em relação ao cinema e ao teatro não se restringia à crítica de filmes. Em pleno auge do funcionamento da vasta teia de comunicações montada pelo PCB, ainda que de forma limitada, os comunistas também se lançaram na produção, distribuição e exibição de filmes. Nos primeiros anos de redemocratização, diversos curta-metragens foram produzidos, desempenhando o papel de cinejornal, extensão da Tribuna Popular nas telas. Também surgia nesse contexto a produtora Liberdade Filmes, criada por Oscar Niemayer e Rui Santos, responsável pelo documentário O comício de Prestes do Pacaembu, de 1946, pelo longa-metragem 24 anos de luta, com depoimentos de Astrojildo Pereira, Prestes, Jorge Amado, entre outros comunistas35 e pelo registro em película de um desfile das escolas de samba, organizado pelo Partido, em 15 de novembro de 1946, do qual trataremos mais tarde. Se a boêmia não era bem vista pelos comunistas, como atesta Mário Lago36, o teatro de revista, que ainda gozava de grande popularidade, embora já tivesse conhecido tempos melhores, ao contrário, não era um empecilho para o Partido. A própria Tribuna Popular publicava anúncios de revistas musicais, como Eu Quero é Rosetar, o maior desfile político carnavalesco na mais carnavalesca das revistas, abordando temas ligados ao clima político do momento37, e Eu Quero é Confusão, que prometia um espetáculo de críticas políticas. Em ambos os anúncios, lia-se a referência “revista política”, um recurso que compatibilizava as revistas musicais – com as características do jornal e do Partido. Compatibilidade maior entre a linha política do partido e bens de consumo não poderia haver, como é o caso do Sabão Russo, contra erupções, espinhas e panos, ou dos perfumes Cavaleiro da Esperança, “a marca dos mais finos perfumes”. Ao comprar por atacado produtos da marca Cavaleiro da Esperança, na Perfumaria Meu Sonho, o consumidor era contemplado com folhinhas com retrato de toda bancada comunista. Se em 1942 o jornal O Globo publicava anúncio de fantasias da casa A Exposição sugerindo os modelos de marinheira e fuzileiro estilizado, a Tribuna Popular, por seu turno, veicula anúncio da loja Inovação: “Freqüente os grandes bailes de carnaval com a fantasia Marmiteiro. A fantasia oficial do carnaval de 1946! Para brincar à vontade... com elegância e comodidade!... Em brim refrigerado PICOLET a fantasia MARMITEIRO é confeccionada em todas as cores. Para 33

RUBIM, Antonio A. Canellas. Op. cit., p. 317. Tribuna Popular, 30.08.1945, p.4. 35 RUBIM, Antonio A. C. Op. cit., p. 339. 36 Cf. VELOSO, Mônica. Mario Lago – Boêmia e Política. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1997. 37 Tribuna Popular, 15.01.1947, p. 4. 34

32 senhoras em modelo short ou slack e que depois do carnaval é uma elegante roupa esportiva.” Mas nem sempre os anúncios eram “engajados”, isto é, havia publicidade alheia a qualquer tipo de vinculação entre a ideologia do jornal (e do Partido) e o produto em questão: anunciava-se na Tribuna também – e principalmente – pelo fato dela ser Popular. Dentaduras, gravatas, vestidos de noivas a preços baixos, elixires contra calvície, paletós sob medida, terrenos, colégios, “gotas da juventude” e até revistas musicais, com fotografias de vedetes em sua característica performance levantando as saias, sem qualquer referência a críticas políticas. Um dos elementos de grande identificação da Tribuna com o popular era o espaço reservado ao futebol, àquela altura já o esporte da preferência nacional, sendo-lhe dedicada diariamente quase uma página inteira. Famosos jogadores de futebol gozavam de grande prestígio na Tribuna, que também trazia, em menor proporção, informações sobre voleibol, tênis, natação e turfe. As notas sociais – casamentos, aniversários, batizados – também tinham o seu espaço garantido no periódico comunista, assim como a coluna ...e a caravana passa..., especializada em piadas e mexericos sobre políticos e personalidades em evidência. Tudo isso diferenciava consideravelmente a Tribuna dos demais veículos de divulgação do Partido Comunista, como estratégia para atingir (e)leitores, que não exercem, recorrendo à categoria de Gramsci, a função de intelectuais na sociedade. Os produtos culturais eram assuntos recorrentes nas páginas da Tribuna Popular, que reafirmava com freqüência a importância dos bens culturais como instrumentos de divulgação e educação política do povo, consolidando o projeto político-cultural do PCB. A seção A literatura e a vida, escrita por intelectuais, que nos anos de circulação da Tribuna Popular estavam em massa no Partido Comunista, trazia crônicas de Pablo Neruda, Graciliano Ramos e outros intelectuais comunistas. Para as crianças, o jornal preparava um suplemento especial, que circulava aos domingos, com jogos e sabatinas, procurando inserir os pequenos, de forma lúdica, na filosofia comunista. O PCB, principalmente por meio de sua imprensa, mas não somente através dela, procura abarcar uma variedade de campos artísticos e culturais, consolidando o seu projeto de intervenção político-cultural. A Tribuna Popular era um lugar fundamental na viabilização desse projeto, pois destinava-se a uma camada social que, no entender dos comunistas, desconhecia o seu papel transformador no processo histórico, carecendo de ações educativas e conscientizadoras. A arte e a cultura, nesse sentido, desempenhariam uma função primordial. 4.2 – O samba sobe a Tribuna O samba, a esta altura reconhecido pelos comunistas como uma das maiores formas de expressão artística popular, conforme analisado nos capítulos anteriores, também estava representado nas páginas da Tribuna, através das colunas O povo se diverte e O samba na cidade, que, mesmo distante do período do carnaval não deixavam de ser publicadas, ainda que surgissem esporadicamente, tornando-se diárias entre os meses de dezembro e março. Sob os auspícios dos cronistas Satanaz, Grisu e Calunga38, a coluna O povo se diverte funcionava como um espaço de divulgação de assuntos ligados aos interesses de clubes, escolas de sambas e outras entidades recreativas. Notas sobre a agenda e os preparativos dos bailes carnavalescos nos clubes, convocações para as tradicionais batalhas de confete, cartas de leitores relacionadas a assuntos pertinentes ao carnaval, 38

O jornalista Paulo Motta Lima, que atuou na Tribuna Popular durante os três anos de sua circulação, em entrevista à autora, em 08.06.2000, informou desconhecer os responsáveis pela coluna, enfatizando que nem todos os jornalistas que trabalhavam na Tribuna eram comunistas.

33 homenagens recebidas pela Tribuna Popular por parte das agremiações, enfim a cultura popular, em especial o mundo do samba, encontrava na coluna O povo se diverte um espaço de participação e representação. “Para que paguem as passagens do bonde nos dias de folia Condutor Roberto Davi pede publicação nesta coluna para que não deixem de pagar as passagens. Diz o seguinte: “Aproximam-se os 3 dias de Carnaval, e sendo este o da ‘Vitória’, terá maior animação que nos outros anos. Para nós, entretanto, será um verdadeiro suplício, porque os foliões, na sua quase totalidade jovens folgazões, não nos pagam as passagens.”39 A carta do angustiado condutor de bonde é um indício da forte expectativa criada em torno do carnaval de 1946, que deveria ser um período de grande catarse social, por se tratar do primeiro carnaval do pós-guerra e da volta (?) da democracia no Brasil, tendo sido batizado de Carnaval da Vitória, em alusão à cultura política do momento. O clima de euforia construído pelos promotores da festa com a ajuda dos veículos de comunicação também é veiculado pela Tribuna Popular, aparentemente contrastando com manchetes que aterrorizavam os comunistas. Um dos assuntos mais recorrentes e importantes para a Tribuna Popular no período 1945-46 era a necessidade de se banir o que os comunistas chamavam de resíduos do nazi-fascismo no Brasil e prevenir-se contra a volta do autoritarismo, lançando-se numa maciça campanha pela revogação da Carta Constitucional de 1937, apelidada de o Monstrengo Fascista, conforme abordamos no capítulo 3. Ainda que estivessem apreensivos quanto à possibilidade de retorno do autoritarismo, criando forte tensão entre os comunistas, estes, com a proximidade do carnaval, procuravam voltar as suas atenções também para a organização e promoção dos festejos momescos, que no ano de 1946 ficaram conhecidos como Carnaval da Vitória, em alusão à cultura política do momento. Os carnavais da década de 40 foram marcados pelo tenso clima político provocado pela Guerra e pela euforia de seu término. O carnaval de 1943, com a declaração de guerra do Brasil à Alemanha, seria cancelado. A Prefeitura do Distrito Federal, que subvencionaria a festa, desistiu de seus planos. Também foi cancelada a apresentação das grandes sociedades, dos ranchos e dos blocos. Já as escolas de samba, aderiram à iniciativa conjunta da Liga de Defesa Nacional e da União Nacional dos Estudantes, que organizaram o desfile no estádio de São Januário, em benefício da cantina do soldado combatente, a pedido de Darci Vargas, primeira-dama do país.40 No ano seguinte, o carnaval foi festejado sob uma atmosfera de incerteza e apatia geral. A União Geral das Escolas de Samba deixou a cargo de cada agremiação decidir pela participação ou não do desfile. Os jornais, que costumavam realizar uma ampla cobertura dos desfiles, não enviaram repórteres para o local da apresentação. O vespertino O Jornal assim descreveu o clima reinante: “O carnaval deste ano será mais triste. Estamos em guerra, atingidos pela crise mundial, e aquela alegria contagiante do carioca desapareceu, surgindo uma nítida compreensão do momento que atravessa a humanidade”.41 Em fevereiro de 1945, a Guerra dava sinais de que caminhava para o seu término. Os foliões iam para as ruas e salões brincar o carnaval que marcaria o fim do período dos “Carnavais de Guerra”, caracterizados por enredos patrióticos, que estavam diretamente ligados à propaganda e às campanhas nacionalistas do período. O espaço dedicado pela Tribuna Popular ao Carnaval da Vitória era bastante considerável. Diariamente, no período de dezembro a fevereiro, o jornal publicava matérias referentes à festa. 39

Tribuna Popular, O povo se diverte, 02.03.1946, p.5. Cabral, Sérgio. Op. cit., p. 137. 41 Apud Cabral, Sérgio, idem, p. 139. 40

34 Na Coluna O povo se diverte, de 10.02.46, a Tribuna posicionava-se em defesa da participação das crianças nos festejos carnavalescos, uma proibição feita através de portaria baixada pelo Juiz de Menores. Os argumentos utilizados reforçam a grande expectativa em relação àquele carnaval, que teria o valor simbólico de restabelecer a alegria e encerrar um período de profunda tristeza, marcado pela guerra. O texto faz referência também à alegria “típica” do carioca, traduzida na expressão espírito folgazão do carioca e às “legítimas vibrações” do povo, que no texto representam a dimensão do povo brasileiro, projetando a cultura carioca como a cultura nacional. Embora extenso, consideramos interessante reproduzir o artigo: “Durante a guerra. A popular instituição dos cariocas, o Carnaval, desceu a um nível de entusiasmo jamais observado entre nós. Era natural no momento em que milhares de pessoas se sacrificavam nos campos de batalha para extirpar da face da terra a bestafera fascista, que nosso povo não sentisse qualquer estímulo para se divertir à vontade”. Cessada porém, a guerra, o espírito folgazão do carioca voltou a reanimar-se criando-se grande expectativa em torno do próximo Carnaval, batizado unanimemente o Carnaval da Vitória. Dispondo sobre a participação dos menores nos próximos festejos carnavalescos, o Juiz de Menores do Distrito Federal vem de baixar uma portaria em que se acham contidas várias restrições a respeito. Algumas dessas medidas são até certo ponto justas, como, por exemplo a que visa limitar o horário dos chamados bailes infantis. Outras, porém, são inteiramente injustificadas, como a que se refere à proibição de menores de 14 anos tomarem parte em cordões ou préstitos carnavalescos, mesmo de dia. O nosso povo já se habituou ao espetáculo das festividades religiosas, com a participação pública de crianças de tenra idade. Nas festas cívicas ou mesmo nas homenagens de que de vez em quando são objeto alguns figurões políticos, é comum notar-se a presença de milhares de crianças, expostas aos rigores do causticante sol, sem que o digníssimo Juiz de Menores se lembre de tomar qualquer providência. De modo geral, a portaria constitui uma tentativa de cercear as legítimas vibrações de nosso povo, neste ‘Carnaval da Vitória’ e urge escoimá-la de seus senões”. Outras formas de articulação do posicionamento político do Partido na conjuntura do pósguerra, via Tribuna Popular, com o carnaval eram as homenagens aos pracinhas da FEB, a publicação de letras de sambas relacionados à participação do Brasil na Guerra, as visitas dos comunistas às escolas de samba, onde proferiam discursos contrários ao nazifascismo e divulgavam a linha política do Partido, e a promoção de eventos culturais e esportivos, combinando torneios de futebol com exibições de escolas de samba. Tudo isso contribuía para reforçar o clima de ansiedade e expectativa para aquele que prometia ser um carnaval que inauguraria novos tempos, tempos de paz, no plano internacional, e de democracia interna, às expensas das ameaças dos resquícios fascistas, como pensavam os comunistas, além de coroar de êxito o trabalho de popularização do PCB. “BATALHA DA VITÓRIA. Será realizada, no próximo Sábado, dia 23, na rua Sampaio Ferraz, uma monumental batalha de ‘confetti’, em homenagem à gloriosa F.E.B. A batalha será abrilhantada pela presença de várias escolas de samba, representações de frevo, entre estes os ‘Pás Douradas’. Comparecerão, ainda, os foliões da ‘Embaixada do Sossego’, ‘Tenentes do Diabo’, etc. Duas bandas de música, além de vários conjuntos regionais darão uma nota alegre à festa. Serão distribuídos vários prêmios ás escolas de samba, às representações de frevo, á fantasia mais original, ao melhor estandarte e ao melhor conjunto. A Batalha da Vitória está sendo organizada por uma comissão de moradores do bairro, em colaboração com a União de Moradores do Estácio.” 42 “FESTA POPULAR NO LARGO DO ASSUNÇÃO 42

Coluna O povo se Diverte, 22.02.46, p. 5.

35 Por iniciativa da Célula Herculano, realizou-se ontem, no Largo da Assunção uma festa popular para homenagear o Assunção Futebol Clube, Campeão de Futebol de 45 da Liga de Amadores Sul Esportiva. Fez a entrega à taça oferecida pelo Comitê Popular local ao club vencedor o Secretário Político da Célula Sr. Braulino Ferreira, que exaltou o feito e fez um apelo aos espectadores, no sentido de darem o seu apoio á Autonomia do Distrito Federal, e á revogação da carta para-fascista de 37. Num palanque ornamentado foram montados vários números do próximo carnaval comparecendo ao local a Escola de Samba Vermelho e Branco e o Conjunto Regional Lourival Pereira. Compareceu o deputado Batista Neto, que fez um discurso, concitando o povo a lutar pela Autonomia do Distrito Federal” 43 Os sambas-enredo para o Carnaval da Vitória e as marchas carnavalescas receberam na Tribuna Popular, no período que antecedia o carnaval, um espaço exclusivo para a sua divulgação. A seção Músicas de Carnaval publicava regularmente as letras das músicas que seriam cantadas durante os festejos momescos. Os temas das marchas e sambas publicados eram, invariavelmente, a vitória das forças democráticas contra os nazistas e a participação dos brasileiros na guerra, como neste samba, de Onésimo Gomes, Edgar Nunes, Horácio Rosário e J. Pereira, publicado na edição de 22.02.1946: “BRAVOS DO MONTE CASTELO Salve os heróis que lutaram Pela democracia e liberdade O nome do seu pavilhão honraram Fazendo a tranqüilidade Em nossos lares voltar Mais uma Página de Glória Para exaltar A nossa história Confirmaram a tradição Da saudosa geração De Caxias a Barroso Nomes de um passado tão belo Com orgulho nesta homenagem revelo Mais um feito glorioso Salve os bravos de Monte Castelo” Por deliberação do órgão representativo das escolas de samba, a União Geral das Escolas de Samba, UGES, no Carnaval da Vitória, todas as escolas deveriam desenvolver enredos relativos à vitória dos Aliados sobre as forças do Eixo, destacando a participação do Brasil na guerra. Assim, as agremiações que desfilaram na Avenida Presidente Vargas, então palco central do desfile das escolas de samba, desenvolveram os seguintes enredos: Quadro 2 Escola de samba

43

Tribuna Popular, 17.02.46, p. 2.

Título do enredo

36 Azul e Branco Estação Primeira Prazer da Serrinha Não É o Que Dizem Império da Tijuca Unidos da Tijuca Vai se Quiser Fiquei Firme Mocidade Louca de São Cristóvão Paz e Amor Depois Eu Digo Corações Unidos Unidos do Salgueiro

Cruzada da Vitória A Nossa História Conferência de São Francisco Chegada dos Heróis Brasileiros Aos Heróis do Monte Castelo Anjos da Paz Pela Vitória das Armas do Brasil Somos da Vitória Alvorada de Paz Mensageiros do Samba na Assembléia das Reparações Tomada de Monte Castelo As Armas da Vitória Recordando a História

A Portela, escola de samba mais premiada na década de 1940, ganhando os carnavais de 1941 a 1947, foi a campeã do carnaval de 1946 com o enredo Alvorada do Novo Mundo, desenvolvido com alegorias batizadas de A volta das Forças Armadas, os Acordos Ministeriais, as Nações Unidas vitoriosas, “Hitler esmagado e Mussolini enforcado e por fim uma alegoria mostrando ‘Tio Sam’ em pé com Hitler ajoelhado”44. O regulamento do desfile de 1946 proibia o improviso na segunda parte do samba, rompendo com uma prática tradicional dos sambistas. Assim, a Portela levou para a avenida o samba previamente elaborado, Carnaval da Vitória, de autoria de Boaventura dos Santos. A letra do samba representa bem o característico estilo dos sambas-enredo, formado por um fraseado rebuscado que buscava enobrecer tanto o próprio samba, que ainda era alvo de preconceito,45 quanto conferir grande magnitude aos temas relacionados ao patriotismo. O samba-enredo O Carnaval da Vitória já continha um jargão largamente utilizado pelos compositores, a expressão encantos mil, como recurso para rimar com Brasil46: “O Carnaval da Vitória É o que a Portela revela Liberdade, progresso, justiça Que realiza o valor de um povo herói Jamais poderia esquecer Essa data sagrada Que o mundo inteiro sempre lembrará Esse carnaval cheio de encantos mil Lá lá lá lá lá lá lá lá Canta, canta o meu Brasil” Os comunistas cada vez mais se convenciam da importância do mundo do samba para os seus projetos. O espaço do samba na Tribuna Popular era proporcional ao seu papel, enquanto proletariado, no processo histórico. Na mesma página onde era publicada a coluna O Povo se Diverte, a Tribuna garantia um lugar de maior destaque para mais uma coluna dedicada ao samba: O samba na cidade. Para além da divulgação de festas carnavalescas, a nova coluna desempenhava um papel de maior importância, 44

CANDEIA. Escolas de Samba: a árvore que esqueceu a raiz. Rio de Janeiro: Lidador/SEEC, 1978, p. 19. Sobre a permanência do preconceito ao samba, ver TUPY, Dulce. Carnavais de Guerra – o nacionalismo no samba. Rio de Janeiro: ASB, 1985. 46 Idem, idem, p. 107. 45

37 funcionando como um espaço de representação institucional dos sambistas. Os assuntos do interesse da União Geral das Escolas de Samba, que teve, guardadas as devidas proporções, o mesmo papel que desempenha hoje a Liga Independente das Escolas de Samba – Liesa, monopolizavam o espaço do Samba na Cidade, convocando dirigentes de escolas de samba para reuniões, publicando portarias da Delegacia de Costumes e Diversões acerca das medidas policiais em relação aos preparativos dos desfiles, e, sobretudo, estabelecendo o vínculo ideológico entre as escolas de samba e o Partido Comunista. A UGES tornou-se uma espécie de organismo classista vinculado ao partido. A participação da UGES no jornal comunista, representava, através da coluna O samba na Cidade, um instrumento de articulação dos interesses comunistas com as escolas de samba.

38 O PCB, tendo cada vez mais consolidado o seu comprometimento com a utilização dos ritmos e festas populares como estratégia de comunicação com as massas, também abre espaço, na Tribuna Popular, para que as entidades tidas como representativas desse popular – as escolas de samba – estabeleçam contatos entre si, de acordo com os seus interesses (divulgar reuniões das diretorias das escolas de samba, convocar os sambistas para ensaios e comemorações, tornar públicos os enredos das escolas para o carnaval, entre outros) e principalmente, mantenham contatos com os próprios jornalistas e com o Partido, executando o papel de um importante agente da práxis política comunista. Convém ressaltar que o contato dos comunistas com os sambistas não era uma novidade inaugurada pelo vespertino Tribuna Popular. Em 1935, um grupo de jornalistas ligados ao Partido Comunista, tendo à frente Pedro Mota Lima, levou o professor da Sorbonne, Henri Wallon, em visita ao Brasil, à sede da Portela, com recepção de Paulo da Portela, onde a comitiva conheceu o samba que seria cantado no carnaval, intitulado, não por coincidência, “O Samba Conquistando o Mundo”, com o qual a escola, que ainda se chamava Vai como Pode, sairia campeã naquele ano. Em 1946, no auge da aproximação do PCB com as escolas de samba, Pedro Motta Lima, então diretor da Tribuna Popular, rememorava os acontecimentos de 1935 nas páginas do jornal comunista: “A Portela engalanou-se. Cobriu-se de bandeirinhas o seu terreiro. Os ases do samba, vindos de outras escolas, iam reunir-se naquele instituto da gente do morro. As mais lindas pastoras, as vozes escolhidas, os músicos de fama, compositores e solistas estavam convocados para a homenagem ao representante da velha sabedoria da França. (...) Como a ciência ainda não encontrou a procurada maneira de defender as escolas de samba em tais situações, um aguaceiro de trovoada carioca ameaçou não só o brilho, mas a própria realização da festa franco-brasileira. Passamos as correntes nos pneus dos nossos carros. Rumamos sem vacilação para o subúrbio. (...) O professor Wallon, sua senhora, artistas e intelectuais brasileiros ali estavam sendo recebidos pelos filhos de nosso povo com um calor de sinceridade ainda não conhecida nos círculos oficiais. O mestre da Sorbonne foi saudado em francês por um dos diretores da escola: ‘Professor Wallon, permita-me que vos saúde no belo idioma de Racine’. Em meio à festa, já no salão onde cantavam e dançavam lindas pastoras, alguém pediu um improviso a Paulo da Portela. (...) Paulo inspirou-se um momento, sua fonte larga banhava-se de luz, seus olhos exprimiam por antecipação a música e a letra prometidas: ‘Como é linda a Guanabara, jóia rara de beleza.’”47 A abertura desse espaço parece ter conquistado a credibilidade do jornal junto ao mundo do samba. Constantemente eram publicadas cartas de escolas de samba simpáticas à Tribuna Popular e, não raro, convidavam os jornalistas para participar de homenagens feitas a esse folhetim. As “visitas de cordialidade” de dirigentes de escolas e sambistas à redação tornaram-se cada vez mais freqüentes. O próprio jornal, através do seu concurso “Embaixador e Embaixatriz do Samba”, abria as suas portas para que os candidatos e torcedores presenciassem as apurações parciais e o resultado final do concurso. “AOS PRESIDENTES DAS ESCOLAS DE SAMBA Para tratar de assunto urgente, a direção da Tribuna Popular, órgão oficial das escolas de samba, convoca para uma reunião hoje, ás 20 horas, na redação deste matutino, todos os presidentes das escolas de samba” 48 “TRIBUNA POPULAR, ÓRGÃO OFICIAL DA ESCOLA DE SAMBA UNIÃO DOS INDUSTRIÁRIOS DO REALENGO 47

Apud CABRAL, Sérgio. Op. cit., pp. 103-104. A data da publicação na Tribuna Popular não foi corretamente indicada pelo jornalista Sérgio Cabral. Um dos pontos críticos da sua obra, que se tornou uma referência para os estudiosos do mundo do samba, é exatamente a sistematização inadequada das fontes. Ainda assim, tal fato não invalida a utilização do documento, considerando a dificuldade de localiza-lo em nossa pesquisa na Tribuna Popular. 48 Tribuna Popular, 11.01.1947, p.5.

39 Recebemos assinada pelo sr. Durval Medeiros, secretário da ‘Escola de Samba União dos Industriários do Realengo’, uma carta na qual o mesmo nos comunica que, de acordo com a resolução da junta governativa da Escola, nosso jornal passa a ser o órgão oficial para todas as publicações de seus festejos carnavalescos.” 49 “A ESCOLA DE SAMBA UNIDOS DA TIJUCA HOMENAGEIA A ‘TRIBUNA POPULAR’ A escola de samba ‘UT’, sábado último, fez uma brilhante homenagem ao nosso jornal. Um dos componentes da escola falou em nome de seus companheiros saudando a Tribuna Popular.” 50 Os colunistas da seção O Povo se Diverte, assinada com os codinomes Satanaz e Grisú , publicam cartas recebidas pelo jornal e dão informes que revelam relativo êxito do Partido em seu objetivo de arregimentar as escolas de samba como atores do processo de divulgação do Partido e de condução das massas ao comunismo : “ No flagrante acima vemos a Escola de Samba ‘Malha quem Pode’ que esteve em nossa redação em visita de cordialidade. A referida escola pertence ao sub-comitê do Morro da Liberdade, filiado ao Comitê Democrático da Tijuca. No próximo Domingo dia 17 do corrente, às 13 horas, vai oferecer aos seus associados uma peixada em sua sede à rua Barão de Itapagipe, 557.” 51 “ESCOLA DE SAMBA ‘AZUL E BRANCO’ Está em franca atividade essa escola (...) preparando-se para o desfile do próximo Domingo, à rua Indiana, em homenagem ao Comitê Democrático Cosme VelhoLaranjeiras. Os diretores de harmonia são Waldemiro, o popular Dorcelino (‘Doce’) e o conhecido pracinha Nicanor do Nascimento. Será porta-bandeira a senhorita Maria Sampaio. As cores da ‘Azul e Branco serão defendidas para a disputa das Taças ‘Autonomia para o Distrito Federal’ e ‘ Pedro Ernesto’, instituídas pelo Comitê do Bairro.”52 O que deveria ser um carnaval inesquecível, inaugurando novos tempos, foi, para Sérgio Cabral, um fracasso. A decoração da cidade e o desfile dos ranchos – que ainda gozavam de grande prestígio – ficaram aquém das expectativas. A falta de verba teria sido pretexto para justificar a simplória decoração das ruas e a decepcionante apresentação dos ranchos, marcada tradicionalmente pelo luxo e suntuosidade53. O Diário Trabalhista, de 07 de março de 1946, na página 7, noticiava: “O desfile das Escolas de Samba constituiu uma das notas de maior destaque do chamado “Carnaval da Vitória”, que, afinal, não alcançou o esplendor esperado. Jamais, por melhor boa vontade que tivéssemos, poderíamos comparar as festas consagradas ao Rei Momo I e Único, ontem terminadas, com as de 1927, 28, 29 e até mesmo a de 1935. O tríduo carnavalesco poderia ter sido bem melhor se não fora a ganância dos muitos exploradores do povo, certas medidas tomadas pela polícia e a chuva que, principalmente na terça-feira, empanou completamente os festejos de rua. (...)”54 Se o Carnaval da Vitória frustrou as expectativas de muitos quanto à decoração da cidade e à falta de investimentos nos desfiles, para os comunistas foi um carnaval bastante promissor. Enquanto outros vespertinos divulgavam o fracasso da festa, as páginas da Tribuna Popular alardeavam o retumbante sucesso do carnaval. As manchetes que davam conta do êxito dos festejos não eram meros artifícios para fazer jus à pesada publicidade que a Tribuna fizera antes da festa. Ao contrário, o saldo para os 49

Idem, 17.02.1948, Coluna “O povo se diverte”, p 6. Idem, idem, 22.02.1945, p. 5. 51 Tribuna Popular, 17.02.46, pág.6. 52 Idem, 17.02.46, p.6. 53 Cabral, Sérgio. As Escolas de Samba: o quê, quem, como, quando e por quê. Rio de Janeiro: Fontana: 1974, p. 119. 54 Apud VALENÇA, Raquel e VALENÇA, Suetônio. Serra, Serrinha, Serrano. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio, 1981, p. 25. 50

40 comunistas foi muito positivo: a ampla cobertura feita antes e durante o carnaval, especialmente aos bailes carnavalescos e desfiles das escolas de samba, bem como a promoção das próprias festas do Partido, ratificaram a importância do mundo do samba para os comunistas, como forma de estreitamento dos laços entre o Partido e as camadas populares, e estimularam os camaradas a se lançarem mais diretamente na organização e publicidade dos desfiles das escolas de samba, uma prática muito comum entre os jornais da época, a que a Tribuna Popular era a mais nova candidata. 4.3 – Um carnaval para Prestes As colunas O povo se Diverte, O samba na cidade e Músicas de carnaval, além das matérias de divulgação das festas organizadas pelos comitês e células do Partido, onde a presença das escolas de samba era uma das atrações, ou das visitas dos comunistas às escolas de samba, não representavam a totalidade das ações dos comunistas e da Tribuna Popular em relação ao mundo do samba. Meses depois do sucesso alcançado pelos comunistas na divulgação do Carnaval da Vitória e na promoção de diversos bailes político-carnavalescos, o mundo do samba volta a ser assunto nas páginas da Tribuna. Desta vez, as escolas de samba são coadjuvantes de uma grandiosa festa, onde estaria presente, como convidado de honra, Luiz Carlos Prestes, o líder maior do Partido, acompanhado pelo ministro Wrzosech, da Polônia. A 15 de novembro de 1946, no Campo de São Cristóvão, tinha lugar um dos maiores acontecimentos político-culturais organizados pelo Partido Comunista em toda a sua história: um concurso de escolas de samba em homenagem ao Cavaleiro da Esperança e à Proclamação da República. Para tão célebre ocasião, foram formadas duas comissões, compostas por artistas, intelectuais de prestígio e personalidades do mundo do samba, além dos próprios dirigentes comunistas. As personalidades selecionadas para as comissões, salvo raras exceções, eram filiadas ao Partido Comunista. Faziam parte da comissão julgadora: o folclorista Édson Carneiro, Francisco Mignone, compositor erudito, o jornalista e então diretor da Tribuna Popular Pedro Motta Lima, Mário Lago, compositor popular, autor teatral, radialista e membro do PCB e Paulo Werneck, pintor. A comissão de honra, por sua vez, era formada por elementos não menos ilustres: Russildo Magalhães, presidente da Comissão Metropolitana Pró-Imprensa Popular, Leme Júnior, da Comissão Nacional Pró-Imprensa Popular, Vespasiano Lyrio da Luz, jornalista da Tribuna Popular e grande articulador da parceria com a UGES, Arthur Ramos, antropólogo, Aníbal Machado, escritor, Eurico de Oliveira, diretor do Diário Trabalhista, Aidano do Couto Ferraz, redator-chefe da Tribuna Popular, Alcides da Rocha Miranda, pintor e arquiteto, Quirino Campofiorito, pintor, Dorival Caymmi, cantor e compositor, Paulo da Portela, compositor e cantor popular, presidente da Escola de Samba Lira do Amor, João Calazans, o Jararaca, cantor e compositor popular, capitão Agildo Barata, histórico militante do PCB, Oscar Niemeyer, arquiteto, Aparício Torelli, o “Barão de Itararé”, jornalista, Arnaldo Estrela, pianista, Ataulfo Alves, compositor e cantor, parceiro de Mário Lago em várias músicas, Álvaro Moreira, escritor, Jorge Amado, escritor e Deputado Federal pelo PCB e Dr. Odilon Batista55. Numa das poucas referências encontradas na literatura a respeito do desfile organizado pelos comunistas, Marília T. Barboza da Silva e Arthur de Oliveira Filho, autores de várias biografias de personalidades do mundo do samba, teceram o seguinte comentário: “Jamais um concurso anterior convocou um grupo como esse, onde todos os membros eram expoentes máximos dos setores culturais a que pertenciam. Perguntamos, será que as classificações anteriores teriam sido justas, ou os julgadores, não tão profundamente 55

SILVA, Marília T. Barboza e OLIVEIRA FILHO, Arthur L. de. Silas de Oliveira – do jongo ao sambaenredo. Rio de Janeiro: FUNARTE, 1981, p. 69.

41 conhecedores da arte negra como Edison Carneiro, Arthur Ramos, Jorge Amado e outros, teriam falhado? É difícil responder. Os democratas verdadeiramente sinceros devem receber com humildade a lição de sabedoria política do PCB e passar a organizar comissões julgadoras dos concursos de escolas de samba de gabarito tão alto quanto a do desfile de 15 de novembro de 1946. E note-se que as cinco grandes escolas da época estavam ausentes: Portela, Mangueira, Depois eu Digo, Azul e Branco, Unidos da Tijuca. Em compensação, deu-se oportunidade a muitas escolas pequenas e desconhecidas. Em matéria de política, no caso, a estratégia do PCB era corretíssima. E quem a combateu democraticamente com a estratégia adequada foi Paulo da Portela, sabido demais para embarcar numa canoa vermelha”56. Para além do juízo de valor, importa-nos discutir que a escolha de membros, nas palavras dos autores, superqualificados, os quais, inclusive, “instituíram” o “quesito” mestre-sala e porta-bandeira, atribuindo pela primeira vez nota à evolução do casal de dançarinos, está relacionada à importância do papel do intelectual e do artista na construção da cultura. Participaram do desfile do Campo de São Cristóvão 22 escolas de samba, atestando o sucesso da iniciativa dos comunistas junto às agremiações e às suas comunidades de origem. Quadro 3 Escolas de samba participantes do desfile de 15 de novembro

Comunidade de origem

Fiquei Firme Lira do Amor Paz e Amor Cada Ano Sai Melhor Paraíso das Morenas Corações Unidos Vai se Quiser Irmãos Unidos Últimos a Chegar Unidos de Cabuçu Flor do Lins Filhos do Deserto Unidos do Morro Azul Prazer da Serrinha Unidos de Vila Rica Unidos de Santo Antônio Irmãos Unidos Império da Mocidade Unidos da Capela Unidos do Castelo Império da Tijuca

Morro da Favela Bento Ribeiro Bento Ribeiro Morro de São Carlos Morro de São Carlos Jacarepaguá Jacarepaguá Irajá Duque de Caxias Cabuçu Lins de Vasconcelos Lins de Vasconcelos Maria da Graça Vaz Lobo Copacabana Catete Catete Colégio Parada de Lucas Esplanada Salgueiro

O samba da Lira do Amor, Cavaleiro da Esperança, que, de acordo com a Tribuna Popular, era de autoria de Lourival Ramos e Orlando Gagliastro, foi o que mais atraiu a 56

Idem, idem, p. 70. A “estratégia democrática” de Paulo da Portela, a que os autores se referem, foi o ingresso do sambista no Partido Trabalhista Nacional, legenda pela qual pretendia eleger-se vereador.

42 atenção do matutino comunista, o que rendeu aos sambistas de Bento Ribeiro um prêmio especial, não previsto nos preparativos do desfile. “Prestes! O Cavaleiro da Esperança, Um homem que pelo pequeno relutou, Seu nome foi bem disputado dentro das urnas Oh! Carlos Prestes Foi bem merecida a cadeira de Senador Passou dez anos encarcerado Comeu o pão que o diabo amassou (Oh! Prestes)” 57 Edem Silva, o Caxiné, vencedor do concurso Cidadão-Samba de 1946, prestou a sua homenagem a Prestes com o samba: “Para nós, Prestes é Imortal Um Hino de glória Cantaremos em louvor a Prestes Numa Poesia sem igual Exaltaremos a vitória Deste grande imortal Prestes, pela heroicidade Alcançou a imortalidade Salve Cavaleiro da Esperança Orgulho dos homens do Brasil Na luta pela liberdade Marchamos ao seu lado Com todo calor varonil” Mano Décio da Viola, famoso pelo lirismo de seus sambas, preparou para a festa o samba-enredo Pelo Bem da Humanidade: “Sempre lutando Pela nossa liberdade Sofreste Ó grande nome Cavaleiro da Esperança Ficarás para sempre Na nossa lembrança” Os sambas-enredo que homenageiam Prestes, a rigor, obedecem à mesma estrutura dos sambas-enredo que elegem personagens consagrados pela História oficial, fortemente marcada pelo positivismo, sendo peculiares às letras dos sambas palavras do tipo heróis, evocação, homenagem, exaltação, tributo, louvor, orgulho, viva, salve, glória e efemérides, combinadas a palavras do tipo liberdade, progresso, nação, humanidade, memória, lembrança, esperança. O discurso do samba-enredo constrói uma imagem do 57

Os autores de Silas de Oliveira - do jongo ao samba-enredo apresentam outra versão para o samba de Lourival Ramos e Orlando Gagliastro, afirmando, inclusive que o autor do samba teria sido Paulo da Portela, membro da comissão de honra do desfile, que procurou omitir a sua autoria. O samba-enredo teria a seguinte letra: Prestes, Cavaleiro da Esperança/ Foi o homem que pelo povo sempre relutante/ Teu nome foi disputado nas urnas/ Ó Carlos Prestes/ Foi bem merecida a cadeira de Senador/ És o Cavaleiro que sonhamos/ De ti tudo esperamos/ Com todo amor febril/ Para amenizar nossas dores/ E levar bem alto as cores da bandeira do Brasil.

43 Brasil pautada no discurso historiográfico do século XIX, que perdurou até pelo menos metade do século XX.58 Ao adotarem a mesma estrutura tradicionalmente ufanista, os sambas-enredos em homenagem a Prestes produzem uma peculiar aproximação do discurso historiográfico oficial com um personagem não muito simpático à historiografia de cores positivistas e mitificado por alguns setores da cultura popular, que o insere, à sua maneira, na história dos grandes homens que orgulharam a nação, lutando pela liberdade e pelo progresso. A escola de samba vencedora do desfile do Campo de São Cristóvão foi a Prazer da Serrinha, com um samba que, curiosamente, não fazia referência ao grande homenageado. Ao contrário, optou por cantar a sua própria história, através do samba de Hélio dos Santos e Rubens da Silva: “O PRAZER DA SERRINHA Qualquer criança bate um pandeiro Bate um pandeiro e toca cavaquinho Acompanha o canto de um passarinho Sem errar o compasso Quem não acredita Poderemos provar, podes crer Nós não somos de enganar (BIS) Melodia mora lá No Prazer da Serrinha Nós vivemos alegres a cantar A nossa Escola, nos dá emoção (BIS) Porque ninguém jamais Poderá desmoronar a nossa união” O desfile de novembro de 1946 foi memorável para a comunidade de Vaz Lobo, que até então em seu currículo carnavalesco tinha como melhor resultado um 3º lugar em 1935 e, nos anos 1940, sua melhor posição foi o 11º lugar no Carnaval da Vitória. Seria o seu primeiro e último grande resultado. Insatisfeitos com o autoritarismo e intransigência da direção da Prazer da Serrinha, um grupo de sambistas dissidentes decidiu-se pela fundação de outra escola de samba, a Império Serrano, resultado da fusão da Prazer da Serrinha com a Deixa Malhar, da Tijuca, que fora extinta. A nova agremiação recebeu a adesão de elementos descontentes com a Portela, o que fortaleceu ainda mais a nova escola. Um dos responsáveis pela fusão foi Elói Antero Dias, o Mano Elói, personagem de grande prestígio no mundo do samba. Mano Elói foi o primeiro cidadão samba do Rio de Janeiro, eleito em 1936, numa promoção da União Geral das Escolas de Samba em parceria com o jornal A Rua. Famoso jongueiro, respeitado Ogan, dono de centros de macumba, colaborador na fundação de várias escolas de samba, o prestígio de Mano Elói valeu-lhe a entrada no restrito círculo das gravadoras, onde gravou, em 1930, dois discos, um de pontos de macumba e o outro de jongo, uma conquista bastante significativa, tendo em vista a resistência social ainda reinante em relação à cultura africana. Os discos renderam ao Ogan um convite de Chico Alves, o Rei da Voz, conhecido pelas “parcerias” nas composições dos sambistas e pela compra de sambas, a gravarem juntos um novo disco de macumbas, o que foi recusado por Elói59.

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Essa tendência fixou raízes profundas no mundo do samba. No artigo O Carnaval dos 500 Anos e o ofício do historiador, apresentado na ANPUH-2000, discutimos que obras clássicas da historiografia tradicional, como História do Brasil, de Rocha Pombo, continuam norteando os trabalhos de carnavalescos e compositores na confecção de enredos e sambas-enredo. 59 Cf. VALENÇA, Raquel Teixeira e VALENÇA, Suetônio. Op. cit.

44 Mano Elói, que fizera parte do corpo de jurados no Carnaval da Vitória, também era conhecido por duas outras funções ligadas à atividade portuária, um dos setores de maior incidência do Partido Comunista: era presidente do Sindicato da Resistência do Cais do Porto e trabalhava como “fiscal de plataforma”. Elói levou para o porto muitos rapazes da Serrinha: “Em 1947 - conta Irênio Delgado [portuário e jornalista, ligado também às escolas de samba] – o Elói era um dos presidentes do Sindicato da Resistência. Naquela época existia uma função na fachada do cais, junto aos armazéns de descarga de navios. Era o fiscal de plataforma. Ganhava não por uma pessoa, mas o total equivalente a tantos ‘ternos’ fiscalizasse. Ternos eram os grupos de homens. Se trabalhasse com cinco ternos, ganhava por cinco homens. Esse cargo era disputadíssimo dentro da Resistência. O Elói resolveu só dar tal função a quem morasse em Vaz Lobo e fosse participante do Império Serrano. O escolhido era obrigado a doar o equivalente a um terno para a escola de samba. Aí começou a entrar dinheiro e o Império pôde seguir com aquela força toda”. 60 A entrega da taça conquistada no desfile de 15 de novembro foi feita em 7 de dezembro, na sede da Prazer da Serrinha.61 . Uma comitiva formada por Heitor Servan de Carvalho e José Calazans, presidente e vice-presidente da UGES, Vespasiano Lyrio da Luz, Pedro Motta Lima, Neves Manta, Edison Carneiro e a equipe de reportagem da Tribuna Popular, foi recepcionada com um banquete, tradição entre as escolas de samba. 4.4 –A Tribuna sobe o morro A relação entre o PCB e as escolas de samba, cada vez mais considerada pelo Partido uma estratégia de penetração dos ideais comunistas entre as camadas populares, estreitava-se no mesmo ritmo em que as escolas de samba iam se consolidando e sendo reconhecidas, inclusive internacionalmente. Uma das atitudes do PCB que lhe garantiram maior penetração entre os sambistas foi a sua interferência na organização do desfile das escolas de samba no carnaval de 1947, batizado de Carnaval da Paz, novamente em alusão ao fim da Segunda Guerra e à vitória dos Aliados. Como de praxe, cabia a um jornal estar à frente dos preparativos, influindo na criação do regulamento e promovendo um concurso de grande sucesso, para a eleição do Cidadão Samba e da Embaixatriz do Samba daquele ano. A Tribuna Popular, contando com o respaldo da UGES, que fazia do matutino comunista o seu veículo oficial, pela primeira – e única – vez conquistou o cobiçado posto de promotora de uma das maiores festas populares do Rio de Janeiro, já com grande projeção mundial. Através do preenchimento e envio à redação da Tribuna de um cupom publicado pelo jornal, o leitor participava da escolha do Cidadão Samba e da Embaixatriz do Samba do Carnaval da Paz. Venceriam aqueles que obtivessem o maior número de cupons a seu favor. A partir de 1º de janeiro de 1947, a Tribuna divulgava semanalmente os resultados parciais da apuração, o que rendia novas matérias sobre os sambistas no jornal, inclusive com fotos dos líderes do concurso e assegurava a popularidade do evento. Os preparativos para o Carnaval da Paz, que exigiam uma participação direta da Tribuna Popular, eram concomitantes aos preparativos do PCB para as eleições municipais e para o Senado, a serem realizadas em 19 de janeiro. A Tribuna estabelecia um estreito vínculo entre a campanha eleitoral do Partido e a campanha de divulgação e promoção dos 60

NASCIMENTO, Ernesto. Na rota do Prazer da Serrinha, o Império Serrano é um porto seguro para o mundo atracar no Brasil. Rio de Janeiro: 2000 (mimeo). O referido autor é o atual carnavalesco da escola de samba Império Serrano e o texto citado trata-se da sinopse do enredo apresentado no carnaval de 2001, O Rio corre pro Mar, onde é feita referência à relação do Império Serrano com a estiva. 61 A edição de 15 de janeiro de 1947 noticiava que todas as escolas que desfilaram no Campo de São Cristóvão receberiam, como prêmio de participação, assinatura anual da Tribuna Popular, o jornal do povo, devendo informar à UGES o endereço de correspondência para receberem o matutino.

45 festejos de 1947. A presença e os discursos dos candidatos comunistas nas festividades envolvendo o mundo do samba eram tão freqüentes quanto necessárias face ao comprometimento político dos dirigentes da UGES com o Partido Comunista. O aniversário de Prestes, data histórica para o Partido, fora entusiasticamente celebrado, mobilizando uma extraordinária estrutura que contou com a assessoria de uma Comissão de Festejos Comemorativos do Aniversário de Luiz Carlos Prestes, composta por Mário Lago, presidente da Comissão, Vespasiano Lyrio da Luz, Pedro Motta Lima, Eugênia Álvaro Moreira e Ariosto Assis. Foram várias as comemorações pela passagem do aniversário de Prestes. Em todo o Brasil os comunistas organizaram festas. Passado um mês de seu aniversário, Prestes ainda recebia homenagens das células do Partido em outros estados e a Tribuna não parava de publicar telegramas de felicitações de leitores de todo o país. As comemorações foram batizadas pela Comissão de Festejos de festas populares em homenagem a Prestes. As festas populares, promovidas pelos Comitês Distritais do PCB no Rio de Janeiro, contavam com um grande número de atrações musicais, inclusive, com a presença de cantores do rádio, de reconhecido sucesso do grande público. As escolas de samba, mais uma vez, eram convidadas imprescindíveis: “Entre as inúmeras festas com que o povo carioca comemorará o aniversário de Prestes, destacam-se, sobretudo as seguintes: Praça Saens Pena, na Tijuca, com desfile das Escolas de Samba – promotores: CD [Comitê Distrital] Tijuca, Norte e Estácio. Praça Irajá, com desfiles das Escolas de Samba. Promotores – CD Madureira, Rocha Miranda e Irajá. Praça do Norte em Engenho de Dentro, com desfile das Escolas de Samba. Parque da Avenida Passos: festa para os filhos dos eleitores do Partido Comunista, da Chapa Popular. Promotores: CD Esplanada, Santos Dumont e República. Grande Festa do Campo de São Cristóvão – esta festa constará do seguinte programa, planificado pelo CD de São Cristóvão: A partir das 17 horas, irradiação de músicas populares; Às 18:30h, os batutas da “Cidade Maravilhosa” (frevo); Grande “show” pela cooperativa dos artistas. Foram convidados especialmente vários artistas, como Jorge Veiga, Aracy de Almeida. Haverá fogos de artifício, batalha de confete. Às 17:30h partirá a passeata da sede do C. [Comitê] Distrital de São Cristóvão, havendo para isso transporte à disposição do público”.62 O itinerário e o horário em que o senador do povo estaria em cada uma das festas populares foi divulgado previamente pela Tribuna Popular para que todos pudessem render a sua homenagem a Prestes. Em 1º de janeiro de 1947, à página 6, lia-se: “Horário de passagem de Prestes pelas Festas Populares: 18:30h – Serzedelo Correa, em Copacabana 19:10h – Largo do Machado 19:30h – Parque da Avenida Passos 19:50h – Rio Comprido 20:10h – Praça Saens Pena 20:40h – Praça Rio Grande do Norte, em Engenho de Dentro 20:50h – sede da Célula Falcão Paim, a fim de cortar o bolo que lhe será oferecido. 21:30h – Praça do Irajá 22:15h – Praça das Nações, em Bonsucesso 23:00h – Campo de São Cristóvão”

62

Tribuna Popular, 01.01.1947, p.4.

46 As comemorações pelo aniversário de Prestes não se restringiam às festas programadas pelo Partido com esse propósito. A pretexto da apresentação dos candidatos a Cidadão Samba e Embaixatriz do Samba do Carnaval da Paz, a Tribuna Popular organizou junto com a União Geral das Escolas de Samba um festival com a presença de várias agremiações, filiadas e não filiadas à UGES. Luiz Carlos Prestes estivera presente ao festival, ocorrido em 02.01, véspera do seu aniversário, ao lado do deputado federal João Amazonas. O samba-enredo vencedor do desfile de 15 de novembro foi novamente entoado, seguido de uma segunda parte, criada para a ocasião. O novo samba, de Lourival Ramos e Orlando Gagliastro, ou de Paulo da Portela, conforme aponta Sérgio Cabral63, ganhou os seguintes versos: “Vivia constrangido e humilhado Oh, Carlos Prestes Mas nunca na sua vitória desacreditou” Segundo a Tribuna Popular, na madrugada do dia 03.01, João Calazans, vice-presidente da UGES anunciou que “o Senador Luiz Carlos Prestes completava mais um aniversário natalício. Todos os presentes com a mais viva alegria cantaram então a tradicional canção Parabéns pra você” 64, seguida dos cumprimentos de todos os candidatos ao Carnaval da Paz. O episódio foi transformado numa matéria da Tribuna Popular, cuja manchete relacionava o festival dos sambistas às festas que realizar-se-iam pelo aniversário de Prestes, estabelecendo uma fusão entre as duas festividades e entre os interesses das duas entidades envolvidas: o Partido Comunista e a União Geral das Escolas de Samba.

63 64

CABRAL, Sérgio. Op. cit., p. 126. Tribuna Popular 04.01.1947 – p.8.

47 A matéria de 8.01.47 não deixa qualquer dúvida que a parceria Partido Comunista-União Geral das Escolas de Samba atingia o seu auge: “Confiam os vereadores do povo para o êxito do próximo carnaval – as escolas de samba esperam que os futuros membros do Conselho Municipal tudo façam para que a festa máxima do povo honre as tradições carnavalescas do Rio. Falam à nossa reportagem o sr. Antonio dos Santos e a srta. Doraci de Assis, candidatos a Cidadão e Embaixatriz do Samba do Carnaval da Paz (...)”. A proximidade das eleições fazia com que os comícios, que por orientação dos dirigentes do Partido, deveriam se chamar festas eleitorais, se tornassem cada mais freqüentes, recebendo ampla cobertura na Tribuna. As festas mobilizavam grande número de militantes que se ocupavam das suas tarefas específicas, que iam desde a preparação de material de divulgação e infra-estrutura do local da festa até tarefas a serem executadas durante os eventos, como arrecadar fundos para a Chapa Popular e aumentar o número de militantes para o PCB, que em 1947 chegaria ao significativo número de 200 mil inscritos, contingente nunca antes conseguido pelo Partido.65 A presença de dirigentes do PCB e de candidatos da Chapa Popular ao pleito do dia 19 nas festas eleitorais era constante. As atrações também. Ao lado de cantores e artistas populares, como enfatizava o Partido e das escolas de samba, Luiz Carlos Prestes, João Amazonas, que concorria a uma vaga no Senado, Pedro Motta Lima, Vespasiano Lyrio da Luz e Aparício Torelli, que pleiteavam uma vaga na Câmara Municipal – , eram presenças garantidas, discursando para o público e apresentando a sua plataforma política. Vespasiano Lyrio da Luz era dos candidatos do Partido Comunista, o que mais popularidade mantinha entre os sambistas. Como jornalista da Tribuna Popular e candidato, estivera por diversas vezes nas sedes das escolas de samba, onde proferia discursos, recebia homenagens e apresentava o seu programa de governo que incluía a criação de quadras para as escolas de samba, cursos profissionalizantes e de alfabetização, serviços básicos – água, luz, saneamento e melhorias diversas para aquelas comunidades carentes de políticas públicas e conhecidas como produtoras de uma das maiores referências culturais do País. “(...) Como verdadeiros organismos de massa, as escolas de samba, por exemplo, terão oportunidade de lutar ao lado do povo pelas reivindicações do povo. Nos morros, favelas, nos bairros, há falta d’água, de escolas, de ruas acessíveis, transitáveis facilmente. As escolas de samba, estamos certos, têm o direito e desejam lutar para a solução urgente desses angustiantes problemas. (...)” 66 As escolas de samba constituir-se-iam num espaço privilegiado de disputas políticas. Buscar conquistar eleitores no mundo do samba não era uma idéia original do PCB: na campanha eleitoral para a Câmara dos Deputados de 1938, projeto abortado com o golpe de Vargas, o vereador Frederico Trota, que lutara pela conquista da subvenção das escolas de samba no carnaval de 1935, fez do mundo do samba um grande reduto eleitoral: “A diretoria da Escola de Samba União Barão da Gamboa chegou a lançar um manifesto, ‘aos morros e ao povo das escolas de samba’, lembrando os serviços prestados por ele e pela União das escolas de samba, entidade que o político ajudou a criar. ‘Infelizmente’, dizia o manifesto, ‘essa situação não continuou porque indivíduos ambiciosos se intrometeram, desvirtuando a diretriz inteligente e criteriosa dos seus prestigiosos fundadores.’ Os sambistas da Gamboa destacaram também que a primeira diretora da UES criou o Troféu Frederico Trota, destinado à melhor escola de samba de cada desfile, exatamente para homenagear o político que tanto colaborou com o samba carioca. Finalizava o manifesto: ‘O povo das escolas de samba vem mostrar que já pode eleger alguém para seu representante no parlamento. Às urnas, pois, em 1938, com o nome de 65 66

Cf. VINHAS, Moisés. O Partidão. São Paulo: HUCITEC, 1982, pp. 129-130. Discurso do candidato Vespasiano Lyrio da Luz. TP, 12.01.47, p.2.

48 Frederico Trota!’ A Estação Primeira de Mangueira também era considerada um reduto eleitoral do político, tanto que promoveu um comício na Mangueira, com a presença do seu candidato a presidente da República, José Américo de Almeida, além de políticos importantes como João Neves da Fontoura, Batista Luzardo e o conde Pereira Carneiro”. 67

Coube à UGES estreitar a parceria entre o mundo do samba e o Partido comunista, funcionando como um organismo classista dentro do PCB. O relacionamento entre o Partido e as escolas de samba dava sinais de longevidade. Constatada a importância das festas e ‘shows’ durante os comícios, essa passa a ser uma preocupação primordial das células e Comitês Democráticos, recebendo grande destaque na pauta das reuniões de organização dos comícios. Cria-se, para um melhor aproveitamento dessa fórmula, os comandos de ‘shows’, compostos por vários militantes, entre eles, Jararaca (da caipira dupla Jararaca e Ratinho) e Mário Lago. A normatização das festividades eleitorais, que procurava regular desde a distribuição de panfletos e aspectos técnicos, como a checagem de microfones para os oradores, até quais características os membros da comunidade convidados a subir ao palanque deveriam ter, reservava para as escolas de samba e seus representantes um papel fundamental, como se pode observar no artigo publicado em 08.01.1947: “INSTRUÇÕES DO COMITÊ METROPOLITANO PARA AS FESTAS ELEITORAIS Todos os comícios do Partido passam a se denominar ‘Festas Eleitorais’ (...) 9. Anunciar as festas eleitorais nos alto-falantes que devem percorrer o distrito, visitando, sobretudo, os locais de concentração: pontos de bonde, filas, cinemas, restaurantes, etc. Convidar pessoalmente, ou por carta, certas personalidades e certas categorias da população. (...) 13. Antes do início da festa devem ser tocadas músicas populares, principalmente marchas e sambas de propaganda eleitoral do Partido. (...) 17. Convidar publicamente para ficar ao lado dos candidatos, nos locais das festas eleitorais, os moradores mais conceituados do bairro que estiverem presentes ( presidentes de clubes esportivos, escolas de samba, colégios, etc.). O ‘Speaker’: deve anunciar a chegada desses elementos declarando a sua qualidade de dirigentes de organizações populares, etc. Também incluir mulheres de famílias numerosas, viúvas ou mães de combatentes caídos na luta, combatentes da FEB, etc. . 68 Cada vez mais freqüentes, as festas eleitorais se realizavam em diversas regiões do Estado do Rio de Janeiro (inclusive na área rural, em chácaras, com a presença de muitos lavradores), ocupando várias páginas de destaque na Tribuna Popular. Tal método aprimorava-se à medida que as festas eram realizadas e a fórmula aprovada pelos membros do Partido. Em Levemos às Massas nossa Linha Política, Maurício Grabois enfatizava a necessidade da utilização de métodos de propaganda cuja eficácia residiria na linguagem e apelo popular: “Na luta eleitoral devemos ter a maior audácia possível, utilizando todos os meios práticos de propaganda, usados na publicidade em geral. O rádio, o teatro, o cinema, os cartazes, os comícios, os letreiros luminosos, as faixas, os volantes, os jornais e todos os meios de

67 68

CABRAL, Sérgio. As Escolas de Samba do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Lumiar, 1996, p. 115. Tribuna Popular, 08.01.1947, p. 3. [grifos nossos]

49 difusão devem ser mobilizados. Claro está que isso exige ampla movimentação de finanças, que deve ser objeto de uma campanha especial”. 69 A manchete da edição de 9.01.47, pág. 8, atesta a percepção do Partido em falar a linguagem das massas, incluindo, novamente, o mundo do samba : “Novos métodos de propaganda eleitoral desenvolvidos pelo Partido Comunista – Programas de calouros, blocos carnavalescos, programas de esquina, as iniciativas tomadas – Circular do Comitê Metropolitano”. Na referida reportagem, é apontada a eficiência de blocos carnavalescos, aproveitando-se a proximidade do carnaval, para a concentração das massas, que servirão para compor passeatas pelos bairros, entoando as músicas do Partido. Aqui a condução dos blocos não está, necessariamente, a cargo de membros das entidades ligadas ao mundo do samba, mas sim dos próprios membros do Partido. “É claro que os camaradas não vão esperar que a massa se junte desde logo ao bloco para então começar a passeata. É preciso a máxima iniciativa por parte dos camaradas. Façam a concentração com os nossos elementos, comecem a cantar, iniciem a passeata. E, principalmente não caiam na defensiva, alegando que não sabem cantar, que não têm jeito para isso. É importante que os camaradas compreendam que isso é fundamental para a propaganda de massas do Partido. Esse trabalho poderá ser feito sempre se estiverem em locais onde haja aglomeração, em bondes, cafés, filas, no intervalo para o almoço nos locais de trabalho, etc”.70 Nesta matéria ainda, é apresentada como “eficiente” uma nova modalidade de entretenimento político e adesão das massas, que conta com a participação de palhaços, de grande simbologia no imaginário infantil, e de filhos da militância do Partido. “IV PALHAÇOS Pela sensação que um palhaço desperta sempre, êsse [sic] é um dos meios mais eficientes de levarmos para a rua a nossa campanha. Um camarada que tenha veia cômica, vestido de palhaço, percorre as ruas da cidade, fazendo palhaçadas, dando cambalhotas, mexendo com os conhecidos (de preferência fazendo alusões às dificuldades por que eles passam e às dificuldades gerais). Para chamar mais atenção ao trabalho do palhaço, pode-se [convidar] os filhos dos camaradas e fazer uma adaptação do conhecido ‘Hoje tem Marmelada?’. Damos aqui um exemplo dessas adaptações: Palhaço: - No açougue tem carne? Crianças: - Não tem, não senhor. Palhaço: - Na leiteria tem leite? Crianças: - Não tem, não senhor. Palhaço: - O pobre tem escola? Crianças: - Não tem, não senhor. Palhaço: - E tem hospitais? Crianças: - Não tem, não senhor. Palhaço: - Que fazer para endireitar? Crianças: - Votar na Chapa Popular”. A presença das escolas de samba nos comícios e festejos do PCB tinha para o jornal, e em última instância para o Partido, um triplo significado: além de atrair as massas para o 69

GRABOIS, Maurício, op. cit., p. 23. A Tribuna Popular organizava diversas ações entre amigos para arrecadar fundos para a publicação do jornal bem como para a propaganda eleitoral do Partido. 70 Beatriz Ryff, famosa militante comunista que participou do levante de 1935 e esteve presa na Sala 4, a primeira prisão política feminina, recorda-se de ter desfilado no bloco carnavalesco Filhos do Povo, ao lado de Carlos Marighela, em 1947, o que confirma a importância do samba para o Partido Comunista. Cf. DUARTE, Leneide. A Sobrevivente da Sala 4. Jornal do Brasil. Domingo, pp. 12-14.

50 comício e dar-lhes diversão, um direito do qual a carestia não lhes permitiria usufruir, representava também a abertura de um espaço para que os artistas populares se manifestassem, para que o povo sofrido e criativo das escolas de samba tivesse vez e voz. “Está bem claro, vez mais, que os ‘shows’ são um poderoso instrumento de ligação com as massas”. 71 Uma outra atribuição dos shows, para o Partido, era o seu caráter educativo, prestando o serviço à sociedade de instrução política das massas desinformadas: “O caráter festivo impresso ultimamente às nossas festas eleitorais tem dado maior brilho às mesmas, tornando possível a realização de bons comícios em locais onde a massa não está suficientemente esclarecida e onde é preciso levar a nossa palavra”. 72 “As músicas populares da campanha eleitoral podem e querem ser cantadas pela massa. Para isso basta que os promotores da festa ao povo, profusamente, [distribuam?] volantes com as letras das músicas. Esta é também, uma forma de educação política do povo”.73 Uma dessas músicas populares da campanha eleitoral, era a marcha Eu quero é votar, paródia da música que dá título à comédia teatral carnavalesca, de grande sucesso, Eu quero é rosetar. A autoria da letra da marcha carnavalesca, a ser cantada no comício histórico de 16.01, encerrando a campanha eleitoral, foi atribuída ao povo. O povo compôs a letra que se segue, para ser cantada com a música de “Eu quero é rosetar”: “Por um comício teu, querido Prestes Eu vou até o Irajá (bis) Que importa que a intriga aumente Eu quero é te escutar (bis) Enfrentou qualquer perigo Mas eu quero é te escutar Seja na Praia do Russel ou em Jacarepaguá Podem os reacionários Querer nos atrapalhar A vitória é de Prestes e da Chapa Popular Que importa que a intriga aumente O que eu quero é votar (bis)” Eu quero é votar, na sua função de promover a educação política do povo, conforme enunciava a Tribuna Popular, procurava consolidar o imaginário em torno de Prestes como alguém cuja trajetória fora marcada pela luta em favor dos ideais democráticos, o que lhe custou perseguições, injustiças e intrigas. E, que, a essas vicissitudes, reagia com bravura, transformando-se num símbolo de resistência em prol dos interesses do povo e sendo por ele reverenciado. Afinal, o que valeria o sacrifício de ir até o Irajá, para escutar o querido Prestes, que muitos ensinamentos teria a passar para o público74, diante de sacrifício maior feito para o povo, como passar dez anos encarcerado e comer o pão que o diabo amassou? A edição de 16.01 da Tribuna Popular fazia a chamada, em letras garrafais, para a Grande Festa Eleitoral de encerramento da campanha da Chapa Popular, o comício histórico, batizado de O Primeiro Lugar para o Partido de Prestes. O texto apontava o comício como um espetáculo inédito em nossa vida política, uma alta demonstração de amor patriótico e consciência cívica. O comício ao mesmo tempo, cumpria uma outra 71

Tribuna Popular, 09.01.1947, p. 8. Idem, 09.01.1947, p.8. 73 .Ibdem, 05.01.47, p. 2. 74 Em Levemos às Massas nossa Linha Política, Maurício Grabois destaca como um dos mais importantes instrumentos de aprendizagem política ouvir os discursos de Prestes. 72

51 função, a de festa da alegria do povo triunfante sobre os seus inimigos que tudo fizeram para impedir a realização da campanha eleitoral e das eleições. A festa do povo era também uma festa da cidade, da querida cidade de heróicas tradições democráticas. O comício era anunciado como a maior manifestação de massas, jamais vista na capital da República. Em se tratando de manifestação política “de massas”, organizada pelo Partido Comunista na conjuntura do pós-guerra e que admitisse o clima de festa, como os comícios/festas eleitorais, era obrigatória a presença de escolas de samba: “Centenas de cantores populares mobilizados pelo partido do povo, bandas de música, ‘shows’ de todas as organizações do Partido Comunista, carros alegóricos, painéis, os artistas das Escolas de Samba que falam a linguagem dos morros esperançosos de dias melhores, estandartes, fogos de artifício – eis o que a grande massa verá no comício de meio milhão, hoje, a partir das 4 horas da tarde, no Campo de São Cristóvão. Maior que todas as grandes festas esportivas, maior que os desfiles das Escolas de Samba, que fazem descer do morro os trabalhadores anônimos, que os ‘trabalhistas’ de Getúlio e os udenistas de Hamilton Nogueira ainda ontem insultavam em seus jornais, maior que todos os comícios das grandes jornadas anteriores, o comício ‘O 1º LUGAR PARA O PARTIDO DE PRESTES’ deve ser igual à recepção da gloriosa FEB em que o povo se irmanou nas ruas num grande dia da nacionalidade”.75 Falar a linguagem do morros esperançosos de dias melhores, além de transformar as escolas de samba em porta-vozes das demandas sociais e políticas de suas comunidades, como sugere o texto, significava também traduzir através da música, da dança do samba e das alegorias alusivas ao enredo dos comunistas, a mensagem do partido para as comunidades menos esclarecidas, de onde seriam provenientes as escolas de samba, o que nos remete ao “drama” vivido por Graciliano Ramos ao ter que discursar para os sambistas presentes à Praça Saens Pena. As imagens que acompanham a publicidade do comício histórico são bastante contrastantes e carregadas de simbologia. A matéria, de página inteira, é emoldurada pela imagem, de um lado, de Prestes e de outro, de João Amazonas, feitas por desenhista do jornal, dialogando com a frase Prestes e Amazonas falarão ao povo, a qual introduz uma longa manchete, que inclui as escolas de samba. Prestes e Amazonas, separados pelo longo texto sobre o comício, são representados sorrindo, em posição movimento, sugerindo que estivessem caminhando. O olhar, fixo no horizonte, parecia sinalizar confiança no futuro, o que é reforçado pelo gesto das mãos dos dois dirigentes do partido: Prestes, com o braço direito elevado e punho cerrado, e o outro braço em posição de movimento, como se tomasse impulso para caminhar, e Amazonas, com o braço esquerdo alinhado ao corpo, e o outro erguido, acenando confiante. Contrastando com as imagens dos dois oradores do comício histórico, ao final da página, entre uma nota referente à participação do Exército na garantia da ordem durante as eleições, e a marcha Eu quero é rosetar, uma charge, retratando Getúlio Vargas e suas alianças políticas. A charge, formada por duas cenas, servia como ilustração do trecho da matéria quando se refere aos trabalhistas, entre aspas, que costumavam insultar em sua imprensa os trabalhadores anônimos do morro. Intituladas Ele disse... “trabalhador, o PTB é o teu partido” , discurso de Vargas para as massas, afastadas e de costas, como se estivesse indo embora, e Ele fez... “Mas estes são os donos do PTB”, fazendo referência à burguesia industrial, representada por personagens em posições aristocráticas, vestidos de fraque e cartola, que tinha o símbolo do cifrão desenhado. Um dos personagens carregava sob o braço um trem, com um ponto de interrogação, sugerindo um questionamento crítico sobre a que seria destinado aquele meio de transporte.

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Tribuna Popular, 16.01.47, p.8.

52 Prestes e João Amazonas, ao contrário, trajavam paletós amarrotados, o que lhes dava ares de simplicidade, buscando estabelecer uma identificação com as camadas populares. A participação das escolas de samba nos eventos promovidos pelo Partido Comunista, bem como a inserção dos comunistas no mundo do samba, especialmente através das visitas às escolas de samba e comparecimento às festividades promovidas por aquelas agremiações, fazem parte de uma complexa teia de relações estabelecidas pelo Partido durante a sua legalidade. Buscando atuar dentro dos padrões legais, o Partido procura lançar mão dos mais diversos recursos possíveis para conquistar a credibilidade das massas e atraí-las para os seus quadros. Durante as eleições de janeiro de 1947, as discussões acerca dos métodos para eleger os candidatos da Chapa Popular se intensificaram, sendo destinada à cultura e à arte grande atenção. A arte e a cultura, especialmente se voltadas para as camadas populares, eram apontadas como um dos principais instrumentos de mobilização, educação política e propaganda. Ao lado dos torneios de futebol, das apresentações de cantores da era de ouro do rádio, dos concursos e gincanas promovidos pelos militantes, as escolas de samba desempenhavam um papel importante, funcionando como o principal elo de ligação do Partido com as comunidades dos morros do centro da cidade e de muitos bairros do subúrbio carioca, onde o samba era um elemento gerador de identidade local, como acontece ainda hoje nos bairros de Oswaldo Cruz, Madureira, Bento Ribeiro e Vaz Lobo. Para os comunistas, faltava ainda consolidar, nessas comunidades, uma identidade política, em nome da qual o Partido Comunista acessaria recursos materiais e humanos. CAPÍTULO 5 A QUARTA-FEIRA DE CINZAS “Tinha censura, mas o pessoal já sabia e ninguém fazia nada de político. Realmente o samba ia para a censura, mas os nossos sempre passavam porque os nossos compositores não tinham maldade política (...) o povo veio a se ligar em política de uns tempos pra cá, antes ninguém sabia quem era quem, não sabia e nem queria saber”. (D. Neuma da Mangueira) 5.1 – Uma democracia relativa O período compreendido entre 1945 e 1964 tem recebido dos estudiosos diversas denominações, dentre as mais utilizadas, podemos citar: “período de democratização”; “período de redemocratização”; “República Populista”; “Intervalo Democrático” ou ainda “A Era dos Partidos”, expressões alusivas a um período caracterizado pela promulgação de uma nova Constituição, em substituição ao que a Tribuna Popular chamou de “Carta Fascista de 37” e de “O Monstrengo Caduco de 1937”e pela volta do pluripartidarismo, sobretudo. Cabe aqui salientarmos que, apesar de uma nova Constituição, que garantia conquistas importantes para os brasileiros, como o fim do voto classista, à moda do nazi-fascismo e a instituição do voto feminino obrigatório, e apesar do retorno à legalidade dos partidos políticos, fatores que contribuem para a caracterização do período como democrático, há de se argumentar que a nova Constituição conserva alguns traços marcantes do período de autoritarismo, como a manutenção da CLT e o forte controle sindical, dando seqüência à subordinação dos sindicatos ao Estado, como fizera Vargas. E o retorno ao sistema partidário, “a despeito do seu caráter pluralista, confrontou-se em condições altamente desfavoráveis, no terreno do processo decisório estatal, com a burocracia de Estado, então organizada como força política autônoma.”

53 A própria Constituinte de 1946 já se revelaria ultraconservadora em sua base, objetivando a manutenção de um Congresso forte a fim de se contrapor ao quadro anterior, onde o Executivo predominava. A emenda n.º 3.159, proposta por constituintes do PSD sentenciava: “É vedada a organização , bem como o registro ou funcionamento de qualquer partido ou associação cujo programa ou ação, ostensiva ou dissimuladamente vise a modificar o regime político e a ordem econômica e social estabelecidos nesta Constituição” O governo Dutra, marcadamente conservador, contribuiu para a instabilidade da democracia de diversas maneiras. O alinhamento total, na política externa, aos Estados Unidos e a diluição das reservas obtidas na II Guerra através da aquisição de produtos absolutamente irrelevantes para o desenvolvimento interno, como ioiôs, além da resistência à promoção do desenvolvimento industrial brasileiro, não só custaram-lhe o apelido de “presidente ioiô”, como traduziram a subserviência do Brasil aos interesses monopolistas do capital estrangeiro, contribuindo para a deflagração de uma onda de protestos e insatisfação dos trabalhadores, seguidas de forte repressão policial através da chamada “polícia especial”, a polícia especializada em desarticular violentamente comícios e manifestações dos trabalhadores. Também é durante o governo Dutra que os comunistas eleitos para a Constituinte de 46 terão seus mandatos cassados e o Partido, que vinha ganhando expressividade, encabeçando a lista dos mais votados no Rio de Janeiro, por exemplo, será posto na clandestinidade. A imprensa comunista também será reprimida, provocando uma circulação irregular, o empastelamento da redação e o fechamento definitivo dos seus jornais. Os comícios comunistas interrompidos a bala deixou um saldo de vários militantes mortos e apontavam mais uma vez para o descompasso entre a garantia constitucional de direitos democráticos e a práxis política. Em linhas gerais, os acontecimentos do período que se seguiu a 1946, ao contrário do que se costuma argumentar mesmo com ressalvas, não são o prenúncio de tempos democráticos que serão interrompidos com o golpe de 1964, mas antes, a manutenção de instituições conservadoras que se apresentam sob uma nova roupagem, procurando desvencilhar-se do autoritarismo com que estiveram comprometidas na 1ª era Vargas e garantindo a permanência dos interesses oligárquicos e do capital estrangeiro. A democracia, abalada pelas fortes repressões aos trabalhadores e pela cassação primeiro dos parlamentares, “inconvenientes ao processo constituinte” e depois do Partido Comunista, revelava-se tão frágil, a ponto de, após os conturbados fatos de agosto de 1954, um grupo de juristas promover a I Reunião Nacional de Juristas pela Defesa das Liberdades Democráticas, exigindo em sua resolução geral, o cumprimento “intransigente” dos direitos democráticos assegurados pela Constituição de 1946 e repudiando “os diversos projetos de lei e normas violadoras desses direitos e liberdades”. O legado do Estado Novo se transfere para o “período de redemocratização”, por exemplo, no acentuado controle das polícias políticas sobre qualquer tipo de manifestação, com base no apriorismo de que espaços de agremiação popular, como movimentos sindicais, greves, passeatas, movimento estudantil, grupos militares de baixa patente e também diversões públicas, incluindo-se aí as escolas de samba, eram considerados propensos a atos subversivos, devendo ser investigados e submetidos à censura ostensivamente. A revista Lei e Polícia, intitulando-se um órgão técnico de repressão à delinqüência e combate ao comunismo, de junho de 1948, publica no artigo A censura Prévia nas Diversões Públicas, telegrama do então representante da Ação Católica Brasileira, partidária da famosa Concordata de Mussolini com a Igreja Católica, Mons. Hélder Câmara, ao Ministro da Justiça, Adroaldo Mesquita da Costa: “A Ação Católica Brasileira felicita Vossa Excelência pela publicação do decreto permitindo às entidades especializadas, de fins morais e educativos, a assistência aos

54 trabalhos de censura prévia das diversões públicas. A iniciativa de V. Ex. credencia seu nome à gratidão de quantos anseiam dar às diversões sua verdadeira finalidade educativa, neutralizando o poderoso fator dissolvente das tradições de honestidade da família brasileira”. Em relação ao carnaval, a maior diversão pública do Brasil, ao contrário do que se costuma afirmar, a censura não é uma invenção do DIP. O nacionalismo expresso nos enredos das escolas de samba durante o Estado Novo, segundo Augras, é resultado da propaganda ideológica do regime, à qual as agremiações, correspondem com enredos nacionais, buscando o seu reconhecimento e consolidação num cenário marcado pelo autoritarismo. Para a autora, a censura aos enredos surge com o relacionamento das escolas de samba, via UGES, com o Partido Comunista. Não por acaso, em janeiro de 1947, a menos de um mês do Carnaval da Paz, tão entusiasticamente alardeado na Tribuna Popular, era divulgado o regulamento do desfile para aquele ano, contendo medidas que visavam a conter a euforia comunista junto às escolas de samba: “Art. 1º O desfile obedecerá exclusivamente à orientação da Prefeitura do Distrito Federal, representada pela comissão de festejos designada pelo sr. Prefeito do Distrito Federal, de acordo com a Portaria nº 20, de 17 de janeiro do corrente ano. Para o julgamento da presente competição, a comissão de festejos designará a comissão de julgamento. [era costume entre o jornal organizador do concurso, elaborar o regulamento e destacar a comissão julgadora. Em 1947, porém, a prefeitura antecipou-se, assumindo para si esta responsabilidade]. (...) Art. 6º Há inteira conveniência na divulgação dos enredos, ficando os concorrentes com inteira liberdade de distribuição aos jornais desta Capital. É obrigatório nos enredos o motivo nacional”. O regulamento também falava na necessidade de “elevar o nível moral das escolas de samba”, exigindo das agremiações a aceitação incondicional do “veredictum” [sic] pronunciado pela Prefeitura do Distrito Federal. A Guerra Fria e o colaboracionismo dos governos brasileiros com as potências capitalistas, criaram no País uma atmosfera de horror ao comunismo, mesmo que não se tivesse muita clareza sobre o que propriamente poderia ser considerado “comunista”, o que provocou uma busca verdadeiramente obsessiva ao combate do comunismo no Brasil e resultou em graves distorções – que até hoje povoam a memória de muitos brasileiros. 5.2 – As polícias políticas e o controle da ordem política e social As polícias políticas, que atuaram no Brasil no período de 1933 a 1983, receberam diversas denominações e atribuições, passando de uma Delegacia vinculada à Polícia Civil do antigo Distrito Federal à posição de Departamento Geral, possuidor de inúmeras divisões, seções e serviços e recebendo maior autonomia. Os arquivos produzidos pelas polícias políticas encontram-se acondicionados no Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro , preservando-se as suas organizações originais e a sua lógica interna. Uma das características mais importantes dos arquivos é a de que não foram produzidos para serem acessados por pessoas estranhas à polícia, o que pode explicar a dificuldade de localização de documentos inerentes à nossa pesquisa e a incompreensão de como tais documentos foram interpretados para estarem arquivados nesta ou naquela seção. Examinando a literatura a respeito das polícias políticas bem como alguns dossiês e prontuários integrantes dos arquivos, observamos determinadas características que acompanham os trabalhos de investigação dos agentes e que se reproduzem nos relatórios por eles produzidos. A lógica da suspeição , privilegiada desde a República Velha, orienta verticalmente as diretrizes de trabalho dos investigadores, estabelecendo

55 uma tipologia capaz de classificar a priori pessoas ou grupos de serem ou não “subversivos”. Através desse diagnóstico fazia-se a censura preventiva, objetivando manter a purificação da sociedade ou promover a profilaxia social, como os relatórios sugerem, afastando os perigos da subversão. A subversão é distinguida do crime comum e sobre ela recaem as maiores atenções sob o temor de se implantar no Brasil o comunismo internacional. É considerado “subversivo” aquele cuja ação pretende implantar uma “nova ordem política” ou poderá acarretar a desestabilização do regime vigente. A ordem política, por sua vez, é entendida como resultado da independência, soberania e integridade territorial da União bem como da organização e atividade dos poderes políticos. Justaposta ou confundida com a ordem política está a “ordem social”, que se relaciona aos direitos e garantias individuais, ao regime jurídico de propriedade, da família e do trabalho, à organização dos serviços públicos e de utilidade geral e as relações de direito e deveres que mantêm com os indivíduos. “O conceito de ‘propaganda subversiva’ é apresentado invariavelmente com significação ampla, genérica, como se fosse a afirmação de alguma coisa a respeito da qual todas as pessoas tivessem exatamente a mesma compreensão. Afirma-se que tal procedimento é ‘subversivo’, e já está demonstrado o crime. Esse conceito genérico algumas vezes aparece concretizado, quando necessário enquadramento legal, sob a designação de ‘doutrinação comunista’, outras vezes como ‘incitação à luta de classes’ ou se em ‘atos de guerra psicológica adversa”. E quase sempre os autos acusatórios fazem alusão à instigação da ‘animosidade contra as Forças Armadas e as autoridades constituídas’ ”. Com a prática da lógica da suspeição, eram criados estereótipos acerca do suspeito, o “subversivo”, resultando em textos aberrantes, onde as características físicas de determinados sujeitos eram por si só “subversivas” e revelavam mais do que propriamente as suas atitudes, deixando transparecer quem eram e o que certamente iriam fazer. Na documentação produzida no final dos anos 60, por exemplo, no auge dos protestos internacionais, do movimento estudantil, da liberação sexual e do feminismo, eram considerados os maiores suspeitos, os grupos de jovens que estivessem num automóvel modelo Fusca, cujo interior “provavelmente” estaria repleto de panfletos subversivos, e “provavelmente” teria a verdadeira placa do veículo escondida, ou ainda, o automóvel “provavelmente” fora roubado para que os jovens façam assaltos a bancos e o produto do assalto possa servir para o custeio da propaganda das idéias comunistas. Nessa lógica, as conjeturas adquiriam o poder simbólico de que nos fala Bordieu, passando a prevalecerem como um fato concreto, inadvertidamente reconhecido e incorporado, e irrefutável pelos grupos sobre os quais esse poder é exercido. Assim como jovens em Fuscas “certamente” estiveram envolvidos em atividades subversivas, escritores, jornalistas, professores, proprietários de livrarias, estrangeiros, em especial europeus e nipônicos, e até mulheres louras, que serviam para parar os motoristas fingindo ter problemas no seu automóvel, para que os comparsas escondidos atacassem o veículo, “sem fazer mal ao dono”, pois os seus interesses eram outros, estavam inseridos nos tipos suspeitos sobre os quais as polícias políticas ocupavam o seu tempo investigando: “A prática empregada foi a habitual: o casal de tipo japonês ficou do lado de fora, em função de cobertura, e os demais entraram no estabelecimento, dominaram os empregados e se apoderaram do dinheiro existente no cofre e nas caixas registradoras, mantendo tudo numa fronha e esta num saco de papel de firma.” O que a princípio seria concebido como roubo, crime comum, passou a ser interpretado como ação com propósitos terroristas, decorrente da presença do “casal de tipo japonês”, uma suspeição previamente consolidada não só pelo seu tipo étnico, como por agir, de acordo com o relato policial, habitualmente da mesma forma, ficando de prontidão do lado de fora.

56 Alexandre Wainstein, proprietário da Editorial Pax, entre os anos 1930 e 1940, por várias vezes teve seus livros apreendidos e queimados pelo DEOPS de São Paulo, por se tratar de um suspeito em potencial: “primeiro por ser de origem russa e judeu, identidade esta que lhe conferia qualidades de ‘sujeito esperto, inteligente e de muita cultura’; segundo por estar ligado ao Partido Comunista; e terceiro por comercializar obras traduzidas do russo” . Ao lado das ações pautadas na caracterização prévia dos suspeitos, tem lugar uma outra característica do trabalho dos agentes das polícias políticas: a necessidade de referendar o seu trabalho, anexando livros, panfletos, flâmulas, fotografias e outros materiais aos relatórios produzidos. Entretanto, tanto o recurso às idéias previamente concebidas quanto a apreensão deste material, as “provas concretas”, a necessidade de se relatar minúcias, sublinhar e destacar nomes, e carimbar os documentos, classificando-os como “Confidencial” e “Ultraconfidencial”, favorecem uma construção de fatos inexistentes, mas que pretendem ser verdadeiros, e contribuem para uma interpretação precipitada e distorcida dos acontecimentos. A persistência dos agentes em anexar aos relatórios, por exemplo, livros apreendidos em outros idiomas, sem preocuparem-se em traduzi-los, ou seja, sem se certificarem do conteúdo daquele material que viria a servir de prova contra alguém, mas que mesmo assim seria suficiente para incriminá-lo, revela a fragilidade dos esquemas de investigação, colaborando para a criação de discrepâncias cada vez maiores. A intolerância em relação às diferenças étnicas e culturais, o “abuso de poder e a ignorância tornaram-se marcas registradas dos ‘fiscais de idéias’ ”. “ ... o mesmo figura como tendo recebido, em 1964, a revista ‘SUYTURYS’, juntamente com correspondência suspeita. No entanto, em sindicância realizada pela Divisão de Operações deste DOPS, ficou apurado que o aludido cidadão possui um irmão, residente na Lituânia, que lhe escreve e envia revistas publicadas.” Desde a Revolução de 1930 a censura postal era aplicada, preocupando-se a partir de 1942 com as correspondências provenientes dos países do Eixo. “Para o censor postal, o estrangeiro suspeito tinha sempre um perfil e uma direção definida: se comunista, correspondia-se com algum ‘camarada’ da União Soviética, Lituânia ou Espanha; se anarquista, mantinha contatos com a esquerda espanhola; se nazista recebia correspondência da Alemanha, e, se fascista, trocava cartas com correligionários italianos.” Além da suspeição, aplicava-se também o que Marilena Chauí chamou de ‘sistema’ de inversões político-ideológicas : os valores considerados retos privilegiavam um conservadorismo extremado, dando a qualquer manifestação avessa a ordem estabelecida uma nomenclatura que imputava-lhe rótulos absolutamente pouco condizentes com os propósitos dos seus agentes políticos. A atividade comunista, declarada ou rotulada pelos seus opositores como tal, recebia um espectro bastante variado, mas que indicava em linhas gerais reacionarismo e retrocesso, destruição e caos. Já a política de extrema direita adotada no período varguista, por exemplo, era anunciada como moderna. 5.3 – As polícias políticas no mundo do samba A DPS, Divisão de Polícia Política e Social, criada em março de 1944, recebeu as competências da antiga Delegacia Especial de Segurança Política e Social, possuindo, no ano de 1946 a seguinte organização: Delegacia de Segurança Social, Delegacia de Segurança Política, Serviço de Investigações, Serviços de Informações e Cartório. Em seus arquivos encontram-se documentos produzidos e apreendidos, catalogados sob a forma de dossiês, prontuários individuais, relatórios, livros de presos, entre outros, organizados de acordo com os seguintes descritores: Segunda Guerra Mundial, Espionagem, Estrangeiros, Armamento, Sindicatos, Associações Beneficentes,

57 Instituições Religiosas, Sociedades Esportivas, Presos Políticos, História Contemporânea do Brasil, Polícias Políticas, República Nova, Sociedades Recreativas, Ordem Pública, Ordem Social. Classificados no descritor Sociedades Recreativas, encontramos alguns documentos a respeito das escolas de samba, produzidos pelas polícias políticas durante o “período da redemocratização”. Apesar do pequeno volume de material a respeito dessas agremiações, consideramos o corpus significativo para a nossa proposição, ou seja, analisar a forma com que os atores políticos consideram o mundo do samba, aqui traduzido por escolas de samba, vistas sob a ótica de “sociedades recreativas”, cuja concentração de pessoas – de acordo com a lógica da suspeição - tornaria o ambiente favorável à circulação das idéias tidas como perniciosas. Desta feita, uma das pré-condições para uma sociedade recreativa ter o seu alvará de funcionamento liberado, era a apresentação do mapa da diretoria, com envio anexo de ficha pessoal de cada componente, incluindo-se documentação, estado civil, profissão e endereço comercial, a fim de que pudessem ser feitos a devida conferência da documentação e o cruzamento dos dados com os arquivos de outros setores, como o trabalhista, por exemplo, para que fosse expedido o “nada consta” e a agremiação pudesse desenvolver normalmente as suas atividades. “Em 7/12/1950 Do Delegado de Costumes e Diversões Ao Diretor da Divisão de Polícia Política e Social Assunto – informação - solicita Sr. Diretor: A fim de instruir processo de licenciamento do Grêmio Recreativo Escola de Samba Portela, com sede administrativa na Estrada do Portela n.º 446, remeto a V. S. o mapa da diretoria respectiva e peço que essa Divisão informe sobre os antecedentes políticos dos seus componentes”. Após a checagem dos dados, uma intimidação, datada de 19/12/1950, do chefe do Setor Trabalhista: “(...) Torna-se necessário o comparecimento a este Setor dos senhores Armando Passos, João Ferreira Barbosa e João Mendonça do ‘Grêmio Recreativo Escola de Samba Portela’ a fim de esclarecimentos.” Dando seqüência às investigações, no mês seguinte, a 04/01/1951, seria divulgado o resultado final para efeito da posse da nova diretoria daquela escola de samba, inocentando dois dos envolvidos, mas acusando Armando Passos, secretário do G.R.E.S Portela, de possuir “antecedentes políticos (comunistas) neste Setor”. Isto pressupunha o afastamento do cidadão envolvido da direção da escola e a continuidade das investigações em torno da sua pessoa. Algumas circunstâncias embaraçosas, protagonizadas pelos próprios agentes das polícias políticas, são verificadas ao longo das diligências, especialmente quanto a pessoas homônimas: “Do Delegado de Costumes e Diversões Ao Diretor da Divisão de Polícia Política e Social Assunto: informações – solicita Senhor Diretor: A fim de instruir processo de licenciamento do Grêmio Recreativo Sodade do Cordão, com sede administrativa na Rua Tacaratú, n.º 35, remeto incluso a V. S. o mapa da diretoria respectiva e peço que essa Divisão informe, com a possível urgência sobre os antecedentes políticos dos seus componentes. Atenciosas saudações, Eduardo P. da Costa

58 Delegado Em 1.º de dezembro de 1950”. A solicitação do delegado é prontamente atendida: “DPS Serviço de Informações Setor Arquivo Nº 47915 Ref. Prot. 22962/50 1.º) Com nome idêntico, aqui figura registado [sic]: JOÃO MESSIAS DOS SANTOS, empregado da Cia telefônica Brasileira e residente na Rua Nabuco de Freitas, 203, em 1945, figura entre os elementos recrutados para o extinto PCB, naquele ano. 2.º) Quanto aos demais nomes que compõem o quadro de diretores do ‘Grupo Carnavalesco Sodade do Cordão’, nada consta neste Setor” [ Setor Arquivo do Serviço de Investigações]. Em 02.12.1950 Chefe do Setor” No canto inferior do documento, encontra-se um carimbo com a seguinte inscrição: “Fichado no S.Iv. (ST1) [Serviço de Investigações]. Elemento de nome idêntico. 08229 Num terceiro ofício, de 29.12.1950, os policiais percebem através de sindicâncias, cujos procedimentos não são explícitos nos documentos, que se referiam a outra pessoa: “(...) 1. JOSÉ SOARES DE OLIVEIRA, o atual 2º Procurador do “GCS do C” [Grêmio Carnavalesco Sodade do Cordão], registra antecedentes políticos (comunistas). 2. Procedeu-se a sindicância, apurando-se que JOÃO MESSIAS DOS SANTOS, atual 2.º Tezoureiro [sic] da supracitada sociedade, não é a mesma pessoa cujos antecedentes estão informados pelo Setor Arquivo do S.I. . Os demais membros dirigentes da sociedade em aprêço, não registam antecedentes nêste Setor. [sic] Cecil Borer Chefe do Setor Trabalhista” Os ofícios e requerimentos pertinentes à União Familiar Estrelas de Rocha Miranda, cadastrados no dossiê n.º 6, e do Grêmio Recreativo e Desportivo Primeiro de Março, dossiê n.º 5, datados dos anos 1948 e 1949, são bastante incisivos e apresentam um inflamado discurso acerca do perigo comunista, uma demonização característica dos anos iniciais da Guerra Fria, que vai adquirindo proporções cada vez maiores, orientando as investigações dos agentes para esse fim e interpretando de maneira oblíqua os propósitos das sociedades e agremiações submetidas à apreciação dos censores: “Departamento Federal de Segurança Pública Divisão de Polícia Política e Social Serviço de Informações Em face dos antecedentes políticos (comunistas) que aqui registam Kleber Inácio da Silva e José da Conceição, componentes da diretoria da ‘União Familiar Estrelas de Rocha

59 Miranda’, e tendo em vista que é princípio do extinto Partido Comunista do Brasil infiltrar seus agentes em todas [sic] as entidades de caráter profissional, recreativo, cultural, esportivo, etc., esta Divisão opina contrariamente à concessão de licença ora pleiteada, a menos que os mesmos sejam substituídos. De ordem, devolva-se à Delegacia de Costumes e Diversões. Em 9-11-1948 Renato Lahmeyer Chefe do Serviço de Informações” O discurso do Serviço de Informações referenda o mecanismo da suspeição, provocando uma adequação das ‘ocorrências’ a esse instrumento. Ao concluírem que dois dos membros da associação de Rocha Miranda possuem antecedentes políticos logo (des)qualificados de “(comunistas)”, apressam-se também em justificar que tal atitude decorre ou dá margem a um “princípio” do “extinto” – e aí está implícita a consciência e valorização da atuação do Partido na clandestinidade – Partido Comunista, que era infiltrar seus agentes “em todas as entidades de caráter profissional, recreativo, cultural, esportivo, etc.” (grifos nossos). A sentença anterior pretende absolutizar e maximizar a presença de agentes comunistas nas entidades desportivas e profissionais e em quaisquer outras, em última instância, em toda parte, traduzidas e não especificadas pela expressão “etc.”. Estabelecer a substituição dos dois membros apontados como comunistas, como condição para licenciar a entidade em questão, representaria resguardá-la das práticas usuais do PCB de infiltrar agentes nas associações, mesmo que não tivesse sido especificado o grau de envolvimento dos diretores da entidade com o Partido, sugerido apenas pela genérica expressão “antecedentes políticos (comunistas)”.

Apesar de extensos, consideramos importante transcrever dois dos documentos componentes do dossiê número 5, do Grêmio Recreativo e Desportivo 1º de Março: “DPS Referente Prot. nº 17.819/48 Dos sócios fundadores do Grêmio Recreativo e Desportivo 1º de Março, figuram registados nesta Divisão, como célebres agitadores comunistas (...) Assim, esta Divisão, considerando que a referida entidade foge às finalidades que realmente deveria ter, não só opina pela não concessão da licença ora pleiteada, como pela cassação do seu registo. De ordem, devolva-se à Delegacia de Costumes e Diversões. Em 5/11/1948. Renato Lahmeyer Chefe do Serviço de Informações” “DPS Informação n.º (...) Relativamente ao pedido de licença do “GRÊMIO RECREATIVO E DESPORTIVO PRIMEIRO DE MARÇO” e, considerando: a) que não padece qualquer dúvida sobre a existência e a nocividade de elementos comunistas que integram sua diretoria, sem excluir seu procurador e representante legal – Dr. Heitor Rocha Faria - que não faz segredo de suas convicções moscovitas;

60 b) que é um verdadeiro paradoxo a alusão que faz no item 3º do seu recurso, dizendo que costumazes agitadores fichados de longa data nesta DPS e com um vasto cartel de atividades comunistas são apenas “inofensivos rapazes”. c) que apesar de fazer a declaração leviana de que o “GRDPM não duvida nem cogita de saber se entre seus fundadores e diretores há alguém que pertencesse ao extinto Partido Comunista”, a verdade meridiana e inconteste é a de que jamais agitadores comunistas se congregaram ou se congregam em torno de qualquer entidade apenas para se conduzir em coerência com seus Estatutos mas, sim, e tão somente, para dar asa aos seus pendores de agitadores; esta Divisão, tendo em vista a impossibilidade material de afastá-los da direção da entidade em causa, pois são eles a sua razão de ser e a ela se acham intimamente identificados, não vê outra alternativa senão aquela de solicitar ao Excelentíssimo Sr. General Chefe de Polícia seja providenciado o competente despacho ao representante do Ministério Público, pleiteando a dissolução do “Grêmio Recreativo e Desportivo Primeiro de Março”, à semelhança do que já se verificou com várias outras entidades congêneres, por se tratar de medida de verdadeira profilaxia social. Devolva-se ao Gabinete de S. Excia. Em 21/09/1949.” Diretor da Divisão” Nos documentos transcritos, permanece a imprecisão a respeito das atividades consideradas comunistas nas quais tenham sido envolvidos os membros da entidade que pleiteia o seu registro. No primeiro documento, a expressão “célebres agitadores comunistas” é utilizada em função da extensa relação de nomes relacionados à associação que encontram-se fichados nos arquivos comunistas apreendidos ou nas próprias delegacias políticas, de acordo com as diligências do Serviço de Informações. A expressão dimensiona a atividade comunista no seio da nova agremiação que pretende se constituir e sugere, em combinação com a sentença “foge às finalidades que realmente deveria ter” a criação de um cartel comunista, um aparelho – na linguagem dos anos 1960-1970 – dissimulado na forma de associação recreativa. Tamanha constatação tornava, aos olhos dos censores, imprescindível a rejeição da licença de funcionamento da entidade. No segundo documento, em particular no item c, são encontrados enunciados que atestam a suspeição, transformada em verdade incontestável, como textualmente se observa, e que permitem por si só o repúdio à diretoria do GRDPM: “... a verdade meridiana e inconteste é a de que jamais agitadores comunistas se congregaram ou se congregam em torno de qualquer entidade apenas para se conduzir em coerência com seus estatutos, mas sim, e tão somente, para dar asa aos seus pendores de agitadores.” A condição de substituição de alguns membros da diretoria, desta vez não é imposta como único caminho de licenciá-la, em função da constatação de que todos estariam comprometidos com atividades comunistas. A negativa da licença a esta e outras entidades é justificada como uma medida de profilaxia social, buscando-se através da prevenção, frustrar possíveis acontecimentos que poriam em xeque a manutenção da ordem. A determinante do que seria propriamente o potencial foco de desordem, o que seria a atuação preventiva e a que circunstâncias adotá-la é exatamente a lógica da suspeição. Comparecer às delegacias policiais para prestar esclarecimentos acerca de sua conduta, submeter os seus enredos e sambas à censura e enviar mapas com dados pessoais dos componentes da diretoria da escola de samba ou de qualquer entidade desportiva que pleiteasse o “nada consta” da DPS para o seu funcionamento, passou a ser uma constante na vida de sambistas, compositores, artistas em geral e administradores dessas entidades, incluindo-se clubes de futebol, também considerados um lugar por excelência de subversão. Esta prática, motivada pelo horror internacional ao

61 comunismo, foi adotada desde o Estado Novo, atravessou intacta o “período de redemocratização”, cassando registros de funcionamento, direitos dos cidadãos e monitorando e censurando suas atividades. O mundo do samba, que sempre esteve às voltas com a polícia, desde os tempos do entrudo, passa a se relacionar também, a partir dos anos 30, e em especial durante a “redemocratização”, com as polícias políticas, sob a suspeita de manter em seus quadros elementos comunistas infiltrados, permanecendo, ainda que num outro contexto, onde se inscrevem todas as manifestações populares, a sua caracterização secular de signo da desarticulação da ordem e promoção da barbárie, mesmo após ter sido promovido à condição de símbolo da brasilidade. 5.4 – A difícil negociação A relação entre a União Geral das Escolas de Samba e a polícia oscilava entre momentos de crise e de cordialidade. Buscando transitar num terreno movediço, mantido sob constante vigilância, a UGES, em sua seção na Tribuna Popular, fazia referências amistosas à polícia e até envia-lhe mensagens de felicitações. Na coluna O samba na Cidade, da edição de 19.01.1947, publica um telegrama enviado pelo chefe de polícia, o General Lima Camara, retribuindo os votos de feliz Ano Novo. No mesmo dia da publicação do telegrama do chefe de polícia, a coluna O Samba na Cidade repudia a ação da “famigerada” Delegacia de Ordem Política e Social, que enviou à sede da UGES, no dia 16.01, data do desfile em homenagem a Prestes, “(...) um “beleguim”(...), interessado em saber quais as escolas de samba que desfilariam à tarde em homenagem ao senador Prestes. [o agente do Dops] Ameaçou adiante que as escolas participantes deste desfile teriam a sua licença cassada. (...) Inteirando-se do fato, o sr. José Calazans [vice-presidente da UGES] constatou momentos mais tarde, não passar o sr. Nestor Fernandes da Rocha de um ‘tira’ da famigerada delegacia de Ordem Política e Social. Foi assim, mais uma vez, repelida outra provocação dos caixeiros do sr. Imbassaí. Os tempos são outros e a turma do samba não se deixa arrastar facilmente para as provocações policiais. Os sambistas sabem também da existência de uma Constituição que lhes assegura as liberdades fundamentais”. O texto acima revela que a UGES não ocupava na Tribuna Popular um simples espaço de divulgação de seus interesses. Percebe-se uma simbiose entre o seu discurso e o discurso do jornal comunista, que repudiava com freqüência as atividades dos “beleguins” da “famigerada” DOPS. A Tribuna não só era o “órgão oficial da União Geral das Escolas de Samba” como também o seu porta-voz. Indignado com a proibição do carnaval de 1947, feita pelo chefe de polícia, o Carnaval da Paz, para o qual a Tribuna Popular vinha se preparando ansiosamente, o jornal passa a tecer ácidas críticas à medida e ao chefe de polícia. Com a revogação da portaria, o jornal comemora, em 10.01.1947, o feito e atribui a si a responsabilidade da conquista. “Revogada a portaria contra o Carnaval Os vespertinos de ontem anunciaram que a portaria anti-carnavalesca do Chefe de Polícia havia sido revogada. Este auspicioso fato, que era aguardado com ansiedade por todo o povo carioca, constituiu mais uma vitória da imprensa popular e democrática no Rio de Janeiro. A vitória, no entanto, cabe mais particularmente à TRIBUNA POPULAR, que é órgão oficial da UGES e foi o primeiro a protestar contra a portaria anticarnavalesca do Chefe de Polícia”.

62 A cada vez mais destacada atuação da Tribuna Popular na promoção de eventos que ligavam o Partido às camadas populares, estando, por exemplo, na linha de frente dos preparativos para o carnaval de 1947 ao lado da UGES, chamou a atenção das autoridades policiais. Como resposta à parceria PC-UGES, foi criada uma nova entidade representativa das escolas de samba, a Federação Brasileira das Escolas de Samba. A iniciativa, tomada pelo prefeito Hildebrando Gois em parceria com o delegado Cecil Borer, da DPS (o mesmo que negara a participação de Armando Passos na direção da Portela, entre outras medidas relacionadas aos sambistas), representava uma clara resposta da direita ao relacionamento entre a UGES e o Partido Comunista. Visando ao esvaziamento da UGES e à diminuição do alcance da Tribuna Popular, a nova Federação passa a contar com a completa cobertura do jornal A Manhã, de propriedade do governo federal, que se põe a abordar diariamente em suas páginas assuntos relacionados ao carnaval. A Prefeitura do Distrito Federal, que mantinha estreitas relações com a nova entidade, decreta que ficará somente a cargo da própria prefeitura estabelecer o regulamento e conduzir o desfile, afastando a Tribuna Popular da organização dos festejos e criando espaço para um intenso duelo entre os jornais Tribuna Popular e A Manhã. Cada entidade, amparada pelo respectivo jornal, zelava para manter em seus quadros as escolas de samba que estavam a ela filiadas e faziam ataques mútuos, caracterizando o que Sérgio Cabral, com muita propriedade, denominou Guerra Fria no Samba. “Em nossas fileiras não admitimos cores políticas, especialmente aquelas que venham de encontro aos sacros desígnios da nossa Constituição. O que acontece – e isso fazemos questão de levar ao conhecimento do governador da cidade – é que na União Geral das Escolas de Samba atualmente, prevalece tudo, menos o samba. Os seus atuais diretores, em vez de deixarem a política fora da entidade, preferiram transformá-la numa célula mater do Partido Comunista, motivo pelo qual as escolas de samba verdadeiramente brasileiras resolveram fundar uma nova entidade, livre do câncer dos extremismos e das cores políticas. Queremos alertar o ilustre prefeito, que se tem revelado um animador e protetor do verdadeiro samba, que, ao receber o auxílio da prefeitura, a UGES tira uma percentagem para os seus cofres.” “O samba, essa melodia colorida, tão brasileira, tão nossa, não poderá jamais ser deturpado por elementos perniciosos completamente alheios ao próprio samba.” O esvaziamento da UGES tornara-se progressivo. O repasse de subvenção somente às escolas de samba ligadas à Federação e o fechamento da UGES por policiais – ainda que a entidade tenha recorrido e conquistado o seu direito ao funcionamento – representavam a decadência de uma entidade de grande expressividade na década de 1940, tendo sofrido as mesmas sanções que o PCB naquele período de redemocratização. Mesmo recebendo a adesão, em 1949, da Portela e da Estação Primeira, dissidentes do grupo da Federação, o carnaval da UGES tinha o estigma de extra-oficial e a falta de recursos prejudicava o brilho da festa. Sendo posto na ilegalidade em 1948 e tendo todos os seus parlamentares sofrido a cassação dos seus mandatos, o fechamento da Tribuna Popular não tardou, encerrando um parêntese da história do Partido nos breves anos considerados democráticos e de abertura política. Em plena redemocratização lá estavam o PCB, a Tribuna Popular e a União Geral das Escolas de Samba (que não escondia a sua admiração pelo Partido) banidos da legalidade. O PCB, ainda que com dificuldades, passou a atuar clandestinamente. A Tribuna Popular teve as suas atividades definitivamente encerradas e a UGES entrava numa crise irreversível. Cada vez mais a estratégia de aproximação com as camadas populares, através das escolas de samba – “verdadeiros organismos de massa”, nas palavras de Vespasiano Lyrio da Luz, o homem de ligação do Partido com as escolas de samba –, ou através de qualquer canal de alcance das massas, se tornava restrita. A suspeição da DPS provocava um cerceamento relativo das atividades do

63 Partido e intimidava as associações desportivas e grêmios recreativos, forçando-os a encontrar possíveis brechas para a atuação na clandestinidade. 5.5 – Outros carnavais Os anos 1960 foram marcantes na história das escolas de samba pela forte aproximação das agremiações com as camadas médias. O CPC da UNE foi um dos grandes canais de divulgação dos sambistas e de consolidação de uma cultura de valorização do artista popular junto à classe média carioca.. Cada vez mais os sambistas, antes desvalorizados em função de seu modesto nível de escolaridade e de sua condição social, conquistavam respeitabilidade entre os jovens da Zona Sul da Cidade. A visita aos terreiros e a subida dos morros do subúrbio à procura do encontro com a cultura popular, tornava-se uma prática cada vez mais comum entre estudantes secundaristas e principalmente entre os universitários, convencidos de seu papel na inclusão social das massas. Zé Kéti, Cartola, Nelson Cavaquinho eram alguns dos artistas do mundo do samba que mais diretamente atuaram nos projetos do CPC, participando de seminários nas universidades, cantando para um público jovem que começava a descobrir a voz do morro. O Partido Comunista, via movimento estudantil, participava diretamente desse movimento, que tinha como instrumento pedagógico das camadas populares a arte popular revolucionária. Nesse período, o interesse da censura pelas escolas de samba continuava acentuado. O enredo do Salgueiro, História da Liberdade no Brasil, não agradou à censura, que numa atitude de represália à ousada iniciativa, obrigou a escola a conviver com a falta de luz na quadra, cortada pelas autoridades policiais. Durante os anos 70, imbuídos de uma cultura política que repudiava o movimento estudantil e todas as manifestações de liberação e democratização feitas pela juventude, os agentes do DOPS instauraram investigação a respeito de várias iniciativas em torno da criação da Ala dos Estudantes, na Portela. Considerando ser o pretexto para a penetração ou infiltração (termos largamente utilizados que, segundo Bethania Mariani sugeriam a idéia de invasão de um espaço não permitido ) dos interesses comunistas, após uma série de protocolos e pareceres, ficou decidida a proibição da ala de desfilar no carnaval, sob a pena de a escola ser punida pela sua conivência. Ou a agremiação bania de vez os estudantes, que por natureza, seguindo a lógica que atravessou toda a existência das polícias políticas no Brasil, mantinham um elo com a subversão e não se inseriram na escola de samba com propósitos comuns aos foliões, ou seria indiciada por compactuar com a prática subversiva. Os extremos permaneciam. O meio termo, a relativização, para quem elege grupos privilegiados de subversão, não constam em seu vocabulário nem muito menos orientam a suas ações. As escolas de samba, apontadas como um dos alvos preferenciais dos “elementos comunistas”, recebem atenção dos censores até a extinção do órgão, em meados dos anos 1980. José de Oliveira, ressalta duas tendências da cultura política manifestas nos enredos apresentados pelas escolas de samba durante o regime militar: o “Carnaval Compromisso” – representado em larga escala pela Beija-Flor – com seus temas ufanistas, que ressaltavam as realizações da ditadura militar (MOBRAL, Brasil 2000 ) – e o repúdio a esse comportamento, através de enredos críticos, como os da Caprichosos de Pilares e Império Serrano. Não encontramos, porém, nos arquivos das polícias políticas, referências a essas escolas, embora sejam de domínio público os contratempos enfrentados, por exemplo, pelo G.R.E.S. Caprichosos de Pilares por conta de seus enredos críticos.

64 No entanto, o DOPS produziu diversos documentos a respeito da G.R.E.S. Unidos de Vila Isabel, por ocasião de uma homenagem – como nos tempos da “redemocratização” – das escolas de samba ao Cavaleiro da Esperança, na passagem de seu aniversário. “(...) Este DEPARTAMENTO GERAL, em atenção ao solicitado, informa que a festa em homenagem aos 85 anos de Prestes, contou com a presença de cerca de mil e quinhentas pessoas, que, com a chegada do homenageado, cantavam o ‘slogan’: ‘de norte a sul, de leste a oeste, o povo todo grita LUIZ CARLOS PRESTES.’ (...) No final da solenidade, PRESTES foi presenteado com um auto Chevrolet Opala, placa RJ/OU-2785 sedan, prata azulado e metálico”. A Unidos de Vila Isabel, ainda na década de 1980, teve como presidente Russa, que elegeu-se vereadora pelo Partido Comunista. As relações entre os comunistas (distribuídos entre o PCB, PC do B e mesmo o PPS) e o mundo do samba, guardadas as devidas proporções, mantêm-se até hoje. Em 2000, durante a campanha eleitoral para a Câmara Municipal, circulou pela Cidade um panfleto de campanha do candidato a vereador pelo PC do B, Beto Salgueiro, marítimo e integrante do mundo do samba, que trazia como plataforma: “(...) 2- Mundo do Samba e suas comunidades Defender a doação, pela Prefeitura, de terrenos em locais adequados para barracão das escolas de samba; Lutar pela posse definitiva de terrenos da Prefeitura do Rio de Janeiro, onde já estão localizadas as Escolas de Samba; Implantação de programas de Qualificação Profissional, especializados com recursos municipais, para pessoal ligado às atividades de barracão de escolas de samba; Criação e implementação de vilas olímpicas e creches nas comunidades ligadas ao mundo do samba; Projetos da comunidade salgueirense.(...)” Em 1999, Luiz Carlos Prestes foi cantado na avenida, num curioso samba da Acadêmicos do Grande Rio. Dessa vez, não num desfile promovido pelo Partido, mas, com todo o aparato que cerca o carnaval carioca da atualidade, no desfile oficial. Sinal dos tempos. “ACADÊMICOS DO GRANDE RIO PRESTES, O CAVALEIRO DA ESPERANÇA (João Carlos – Carlinhos Fiscal – Quaresma) Desperta, nasceu Cem anos nos pampas, que herança! Coração Vermelho a palpitar Cavaleiro da Esperança Luiz do proletário carleando a Nação Enfrentou adversários Fez do Verbo o seu canhão Sonhos de P de coragem Cheio de C de paixão Pelas trilhas destas terras, destas terras Explosão de arte e guerra, não se encerra Igualdade em seu pensar Bolívia, Rússia, China um exílio que ensina Proporciona um novo lar Fruto de sua batalha Fez-se a tropicália

65 E no Senado ascender E a Coluna vai embora Prestes soube e fez a hora Esperar é perceber... Hoje de cara pintada Grande Rio irmanada, com imenso prazer Tocantis se manifesta, a hora é essa Prestes a acontecer Ah! eu tô maluco, amor Ah! quero reformas já Ah! quero paz e amar Sou Caxias, vou marchar” CONCLUSÃO Procuramos neste trabalho contribuir para o debate em torno das relações do Partido Comunista do Brasil com a cultura popular, escolhendo como estudo de caso o samba. Recorrendo aos teóricos que se ocuparam do conceito de cultura popular, optamos por considerá-la não como um palco de luta, um duelo com uma cultura de elite, onde sairiam, necessariamente, vencedores e perdedores, estes fadados a perderem a sua essência, como vimos em alguns trabalhos analisados durante nosso estudo, mas cultura popular como um espaço que se relaciona dialeticamente com a cultura de elite, num constante processo de definição e redefinição de ambas as partes. O samba, considerado um fenômeno eminentemente popular, torna-se nessa discussão um elemento fundamental, pois é um espaço de apaixonadas discussões preocupadas em conservar as suas “raízes”, que seriam guardiãs de uma cultura popular em seu estado puro, sem interferências da mídia, investimentos empresariais ou penetração de elementos estranhos a ele (pessoas não oriundas dos subúrbios e favelas cariocas ou pertencentes a uma elite intelectual), responsáveis por lhe causar deformações e afastarse das suas raízes. Nessa medida, a cultura popular de nossos dias já não seria mais autêntica, seria um produto da voraz indústria cultural, salvo alguns resquícios que devem ser preservados. Esse discurso, que ganha alguns novos contornos com o passar do tempo, como a questão pagode carioca (“verdadeiro”) versus pagode paulista (“falso”), remonta, como procuramos analisar, às primeiras décadas do século, quando o samba, da condição de maldito pelas elites, fruto das manifestações de uma camada social marginalizada, ascende como símbolo da cultura nacional, raiz da cultura popular, sendo cantado e exaltado por ilustres músicos, intelectuais e pelas elites políticas nos anos pós-1922. Observando o mundo do samba a partir do seu relacionamento com o Estado, especialmente na sua atribuição de portador do monopólio da violência, percebemos que a relação entre ambos sempre fora conflituosa, marcada pelo ofuscante predomínio de uma cultura política pouco afeita a uma série de comportamentos e hábitos sociais de uma classe cujo status beirava a condição de marginalidade. Ao buscar a normatização do carnaval, por exemplo, o poder público não só ansiava incluir nos seus parâmetros uma manifestação popular que reconhecidamente transitava entre os pomposos salões da elite carioca, através dos compositores de samba, que funcionavam como uma espécie de mediadores culturais, como também decretava a extinção de lendários personagens populares, como o zé pereira e o malandro, que procuravam sobreviver dentro dos espaços limitados de atuação. O ultranacionalismo, que imprimiu à Era Vargas o seu caráter conservador, promoveu uma obsessiva busca da essência do ser brasileiro, uma autenticidade mitificada que elegeu a mestiçagem como signo da cultura brasileira e nomeou o samba o seu ritmo

66 genuíno, e, dentro dessa perspectiva, oficial. Coube ao Departamento de Imprensa e Propaganda a divulgação desta nova maravilha pelos arredores do Brasil e do mundo e a promoção de uma nova imagem do sambista: a de trabalhador regenerado, refeito do vício da boêmia e das agruras da malandragem. O carnaval a partir de então ganhara subvenção do Estado, transformara-se num espetáculo internacional, tipo exportação, e tornara-se competitivo. Os sambas e enredos obedeciam a um tom apologético, de exaltação, ganhando arranjos marciais. A partir do governo Dutra, precisando obedecer a um rígido regulamento, que previa a inclusão das escolas de samba na categoria “grêmio recreativo”, os sambistas passaram a ter o seu comportamento regrado pela Delegacia de Costumes e Diversões, que mantinha estreito relacionamento com a DPS, a polícia política herdeira das atribuições da polícia de Vargas. Nos arquivos da DPS, encontram-se à disposição dos pesquisadores prontuários e dossiês relativos a pessoas e entidades ligadas ao mundo do samba, com destaque para os documentos produzidos durante o chamado período de redemocratização. No período em foco, ressaltamos a importância dos registros produzidos pela DPS referentes às diligências feitas junto aos grêmios recreativos e associações desportivas que pleiteavam o seu alvará de funcionamento. Só mediante o “nada consta” da Divisão de Polícia Política e Social é que seria permitida a manutenção de componentes da diretoria na escola de samba, ou em outra entidade em questão, ou mesmo seria concedida a licença para essas agremiações desenvolverem as suas atividades. Na nossa amostragem, foram analisados alguns documentos indicativos do temor das autoridades policiais em relação à atuação de elementos envolvidos com atividades comunistas nestes locais de aglomeração das camadas populares, considerando, através do mecanismo da suspeição, ser uma estratégia há muito conhecida a penetração de interesses “subversivos” nesses espaços. Numa medida textualmente denominada de “profilaxia social”, os agentes secretos inspecionavam e buscavam censurar as atividades das agremiações, resguardando a sociedade dos perigos que o comunismo internacional provocaria no país, sem no entanto, buscarem elucidar o significado do termo “comunismo” e seus derivados, além das expressões vinculadas ou mesmo substitutas daquele termo, como por exemplo o adjetivo “subversivo”, ao qual tanto repudiavam. Ao longo dos anos 1946-1964, considerados de distensão política, o que é bastante discutível, o trabalho das polícias políticas com seus censores desenvolvia-se em larga escala. Músicos, poetas, compositores, enfim toda a classe artística, bem como todas as organizações populares não foram poupadas da suspeição de que ali poderia haver um anti-nacionalista em potencial. Mesmo sob a vigilância das polícias políticas foi possível ao PCB, via Tribuna Popular, durante um espaço de tempo tão breve quanto a própria existência do vespertino, uma sólida aproximação com as escolas de samba, “verdadeiros organismos de massa”, buscando construir a imagem do jornal como o veículo oficial de divulgação dos interesses das escolas de samba, e o Partido como o legítimo defensor daquela gente talentosa e sofrida dos morros cariocas. As campanhas do Partido, sempre voltadas para as massas, conforme os ideais comunistas, traziam como estratégia a realização de vários shows populares, visando a conquista das camadas menos favorecidas por meio daquilo que tanto prezavam: a sua cultura. A necessidade constante de ter entre suas atrações durante os comícios, que não por acaso passam a ser chamados de festas eleitorais, a exibição das escolas de samba, e a criação de uma série de marchinhas carnavalescas que exaltavam as qualidades do Partido e de seus candidatos, entre outras diretrizes políticas devidamente estabelecidas pelas células e Comitês Democráticos, representavam para a inteligentsia do PCB mecanismos de educação política das massas e de aproximação do Partido com a base, formada pelo operariado que, segundo o leninismo, teria papel primordial na tomada do

67 poder e na transformação da sociedade rumo ao comunismo. Cabia aos intelectuais do PCB a função de organizar as camadas populares, preparando-as para a sua participação decisiva no processo histórico, sob o comando do Partido. As relações entre o PCB e o mundo do samba pareciam perenes. A UGES, entidade representativa das escolas de samba, mostrava-se cada vez mais entusiasmada com o interesse que despertava junto ao jornal e ao Partido, declarando o seu apoio aos candidatos da Chapa Popular, para as eleições de 1947, e ostentando a idéia – pela qual pagaria um alto preço – de que a Tribuna passara a ser o seu canal oficial de comunicação. A relação de parceria indicaria bons frutos para o carnaval daquele ano, onde a Tribuna não só faria ampla cobertura como também participaria da organização dos festejos e inclusive da elaboração do regulamento, como fizera no desfile em homenagem a Prestes no ano anterior. Entretanto, a UGES que agregou em torno de si um expressivo número de escolas de samba e respondia até então pelos interesses dessas entidades, passando a receber destaque nas páginas da Tribuna Popular, começaria a amargar os dissabores do ostracismo, provocado pela criação de uma nova corporação, a Federação Brasileira das Escolas de Samba, uma iniciativa de setores comprometidos com a direita brasileira, ligados inclusive à DPS, cujo intuito explícito era “libertar” o samba dos “elementos perniciosos” que dele estariam se apoderando, devolvendo-o à condição de música nacional, isenta das abordagens subversivas. A Manhã, um matutino de conhecido posicionamento conservador, estava para a Federação assim como a Tribuna Popular esteve para a UGES, num duelo desigual que colaborou para o fim daquela que parecia uma sólida aliança entre as massas advindas do mundo do samba e o Partido. A nova regulamentação baixada pela prefeitura, que assumia o controle do carnaval, previa o corte de subvenções às escolas não alinhadas à Federação. Essa medida provocou um considerável enfraquecimento da UGES, que sucumbiu ao lado da Tribuna Popular e do PCB, posto na ilegalidade. A era da democratização finalmente expunha de fato o seu rosto. O mundo do samba, como já de costume, estivera mais uma vez diante da força instituída pelo poder estatal. O estreitamento dos laços entre o Partido e as escolas de samba, na segunda metade dos anos 1940, consolidou uma parceria bastante sólida, que, mesmo durante a ilegalidade não se dissolveu. Durante a ditadura militar, a relação Partido Comunistamundo do samba ganhava um novo fôlego, motivada pelo interesse de alguns setores da classe média, especialmente entre os estudantes universitários e a classe artística, em abrir caminho para a participação das camadas populares no processo social. A relação do PC com o mundo do samba, entretanto, não pode ser vista como uma apropriação total do outro. Havia uma aproximação mútua, caracterizada pela reciprocidade do mundo do samba, que via no espaço aberto pelo Partido uma oportunidade de garantir os seus próprios interesses. BIBLIOGRAFIA 1. Obras teóricas: AYALA, Marcos et al. Cultura Popular no Brasil. São Paulo: Ática, 1995. BORGES, Vavy Pacheco. História e Política: laços permanentes. In: Revista Brasileira de História. São Paulo, v.12, n.º 23/24, set. 1991/ago, 1992. BORDIEU, Pierre. O Poder Simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1997. BOSI, Alfredo (org.). Cultura Brasileira – Temas e situações. São Paulo: Ática, 1987. BOUTIER, Jean e JULIA, Dominique (orgs.) Passados Recompostos – Cantos e canteiros da História. Rio de Janeiro: Editora UFRJ: Fundação Getúlio Vargas, 1998. BRESCIANI, Maria Stella, LEWKOVICZ, Ida e SAMARA, Eni de M. (orgs.) Jogos da Política: Imagens, representações e práticas. São Paulo: ANPUH: Marco Zero, 1992.

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